Prólogo
2 de julho de 2003, 14:35 - Winchester, IL - A famigerada bronca
null rolou os olhos mais uma vez e ganhou um tapa na cabeça.
— Não revire os olhos, moleque! Eu te criei melhor que isso — sua mãe, Linda, reclamou.
Ele fez uma careta, irritado.
— Você também me disse que devo aceitar um não quando receber um. Então por que aquela garota não pode fazer o mesmo?
— Ela gosta de você. Não esqueça o que eu sempre te disse, null. Seja gentil e respeitoso com as mulheres e não as magoe propositalmente.
— Mas não foi de propósito, mãe! — ele retrucou, indignado com a bronca. — Eu só disse que não tenho interesse e ela começou a chorar.
Linda estreitou os olhos, desconfiada.
— Tem certeza?
— Absoluta — garantiu ele, sem nem hesitar, olhando no fundo de seus olhos, azuis estupidamente claros e frios como os que ele havia herdado dela.
Sua mãe respirou fundo e pareceu se acalmar um pouco.
— Só tome cuidado, filho. Tem homens por aí que são insensíveis e cruéis com as palavras. Só não quero que você seja um deles — ela justificou, olhando pela janela que dava uma visão da casa vizinha.
Era ali que sua melhor amiga morava com o marido e o filho caçula. O mais velho, null, era o melhor amigo de null e os dois basicamente conviviam juntos desde que ainda usavam fraldas. Tinham só três meses de diferença um do outro. No entanto, à medida que foi crescendo, null e o pai pararam de se dar bem e fazia cerca de três anos que ele havia ido morar na casa do avô, que ficava a dois quarteirões dali.
Winchester era uma cidade minúscula onde todos se conheciam e meio que não era segredo de ninguém como o pai de null tratava mal a esposa. Era um homem completamente imprevisível e até alguns anos antes ele tentava disfarçar quando alguém ouvia, mas até isso parecia ter sido deixado de lado, especialmente quando o filho saiu de casa.
null suspirou e assentiu para a mãe, que veio até ele e o envolveu em um abraço carinhoso.
— Não vou me tornar um escroto que nem aquele cara, mãe. Além disso, tenho o papai como exemplo. Nunca vi ele te tratar mal.
— Até porque se ele fizesse isso eu o expulsava de casa — ela resmungou, fazendo-o rir.
No entanto, ambos sabiam que aquela brincadeira tinha um fundo de verdade. Diferente da casa vizinha, na deles era sua mãe quem mandava. Linda null não deixava ninguém pisar nela, mas também era um poço de gentileza.
null tinha certeza de que seu pai estava mais do que satisfeito em deixar que ela mandasse nele. Tinham casado cedo, logo após se formarem na escola, e dois anos depois, ele nasceu. Eram só os três ali e embora já tivessem perto de completar vinte anos juntos, null nunca tinha conhecido nenhum casal tão apaixonado quanto seus pais.
Eles tinham o tipo de amor, amizade e companheirismo que ele almejava ter um dia, em um futuro distante provavelmente. Tinha só dezesseis anos e havia muito que ele queria fazer na vida antes de querer casar com alguém.
A primeira delas era sair daquela cidadezinha.
27 de janeiro de 2005, 17:36 - Winchester, IL - Uma semana antes do baile de formatura
— Não acredito que você fez isso, null! Você é um idiota escroto! — Ela o empurrou com força, fazendo-o dar um passo para trás.
Estavam no gramado da escola e era fim de tarde, com poucas pessoas ali, mas que estavam bem curiosas pela súbita discussão.
— É só um baile idiota, Stacy — ele falou com calma.
— Não é um baile idiota. É a nossa formatura! Achei que íamos juntos. Estávamos indo bem e... Podíamos concorrer ao rei e à rainha do baile.
null respirou fundo e lutou para não revirar os olhos.
— Eu nunca disse que iria ao baile. Sinto muito se te passei essa impressão. Mas eu não vou nem estar aqui.
— E o que tem de tão importante que não pode ir?
— Eu vou embora em uma semana, Stacy. Bem, null e eu vamos.
— Embora? — Ela arregalou seus grandes olhos castanhos em surpresa. — Pra onde?
— null e eu conseguimos um emprego em Chicago. Além disso, queremos formar uma banda e não vamos conseguir nada ficando presos nessa cidade minúscula.
Ela abriu a boca em choque.
— E você não pensou em me contar? — A voz dela falhou e imediatamente um par de lágrimas escorreu. — Nós estávamos juntos!
— Estávamos? Olha... Sinto muito, Stacy. Mas eu nunca te pedi pra ser minha namorada nem nada.
— Como assim? A gente até transou.
— É. Três vezes. Sendo que a última vez foi em setembro — ele lembrou. — A gente nem ficou mais depois. Não sei de onde você tirou isso.
— Mas... A gente sempre andou junto e... Eu achei que era porque você não gostava de ter muito toque físico.
— E eu achei que éramos só amigos. Ficar algumas vezes não quer dizer namorar e você sabe disso.
Ele não entendia que tipo de lógica era aquela. Tinha certeza de que não havia demonstrado nenhum interesse em ter um relacionamento desde o período em que se envolveram, em julho do ano anterior.
Foi com Stacy que null perdeu a virgindade, aos dezessete anos. Não estava bem nos planos acontecer durante aquele encontro que alguns caras da escola sugeriram que acontecesse, mas ele tinha bebido um pouco, o que o deixou bem mais relaxado que o normal, embora não estivesse bêbado.
Uma coisa levou a outra e sua primeira vez aconteceu no banco de trás do carro de Stacy. Foi desajeitado, rápido e... honestamente, ele não tinha gostado muito. No entanto, null, que tinha um pouco mais de experiência que ele, garantiu que era normal na primeira vez.
Stacy era um ano mais velha e mais experiente também, mas tinha reprovado um ano e os dois acabaram na mesma turma da escola. Foi ela quem o conduziu da primeira e da segunda vez, quando null quis dar mais uma chance ao sexo. Ela o ensinou como agradar uma garota e foi até divertido arrancar suspiros e gemidos baixos de seus lábios antes de se fundirem mais uma vez. Foi melhor, durou mais e os dois chegaram lá juntos, o que animou null a querer um pouco mais.
No entanto, quando acabou, ele se sentiu vazio. Era um alívio momentâneo e embora tivesse sido bom, ele colocou na cabeça que era porque não estava acostumado ou, talvez, porque era apenas um lance físico.
Ele mudou de ideia duas semanas depois, quando ele e Stacy transaram pela terceira e última vez. Como na segunda, foi bom e deixou os dois satisfeitos, mas aquela coisa física não era bem algo que ele queria a longo prazo, a não ser que gostasse da pessoa.
O problema era que ele não sentia absolutamente nada por Stacy.
Fazia quatro meses desde então e os dois andavam na mesma rodinha de colegas na escola e se davam bem como amigos. Não tinham conversado mais a respeito nem tomado iniciativa de fazer aquilo de novo, mas Stacy era uma presença constante ao lado dele, ainda que não fossem tão próximos.
— Todo mundo meio que achava que a gente namorava. Achei que tivesse implícito. Você nunca foi de demonstrar sentimentos, mas achei que tivesse só sendo tímido…
— Hm... Eu não sou tímido, Stacy. Você sabe que eu falo o que penso. O que tivemos foi legal, mas... Foi só isso. Não tenho sentimentos por você.
Ele falou isso com uma voz suave, tentando se manter o mais gentil possível, mas mesmo assim…
Pá! Um tapa forte estalou em seu rosto, um instante depois.
null a encarou meio atordoado e franziu o cenho.
— Que porra você acha que tá fazendo? — ele rosnou, irritado.
Seus olhos de repente eram como um par de blocos de gelo enquanto a encarava. Ele podia sentir toda a gentileza se esvaindo de seu corpo ao mesmo tempo em que o sangue fervia de indignação.
Ninguém havia batido nele antes, nem mesmo seus pais. E os petelecos que ganhava de sua mãe não contavam.
Quem aquela garota pensava que era para se achar no direito de bater nele?
— Você mereceu — foi o que ela respondeu, em seguida, se achando a dona da razão.
— Por que eu disse que não tenho interesse em você? Isso é justificativa pra me bater? Eu não te tratei mal, Stacy. Não sou um daqueles idiotas que você namorou, mas acho que pra você não faz diferença.
O olhar dela vacilou por um instante e ele viu seu lábio inferior tremer.
— null, eu…
— Vê se me esquece — ele a interrompeu, dando um passo para frente até ficar bem próximo dela. — E aprende a receber um não, porra.
null não se importou em ser gentil daquela vez, mesmo que ganhasse uma bronca da sua mãe uma vez que ele contasse sobre aquilo.
Tinha aprendido bem cedo que era melhor contar tudo antes que ela ficasse sabendo por outras pessoas e era algo que funcionava bem entre ele e os pais. Mas sua gentileza também tinha limites e ele não ia deixar aquela garota tratá-lo como quisesse só por causa de um ego ferido.
Enquanto caminhava para longe dos olhares curiosos, com a bochecha esquerda ainda ardendo, null agradeceu aos céus por aquela ser sua última semana em Winchester.
Sabia que o futuro era incerto e que ele e null teriam muito trabalho pela frente morando longe de casa, mas estavam preparados.
Em uma semana, estariam livres daquele buraco e se tudo desse certo, não precisariam mais voltar a não ser para fazer visitas.
null rolou os olhos mais uma vez e ganhou um tapa na cabeça.
— Não revire os olhos, moleque! Eu te criei melhor que isso — sua mãe, Linda, reclamou.
Ele fez uma careta, irritado.
— Você também me disse que devo aceitar um não quando receber um. Então por que aquela garota não pode fazer o mesmo?
— Ela gosta de você. Não esqueça o que eu sempre te disse, null. Seja gentil e respeitoso com as mulheres e não as magoe propositalmente.
— Mas não foi de propósito, mãe! — ele retrucou, indignado com a bronca. — Eu só disse que não tenho interesse e ela começou a chorar.
Linda estreitou os olhos, desconfiada.
— Tem certeza?
— Absoluta — garantiu ele, sem nem hesitar, olhando no fundo de seus olhos, azuis estupidamente claros e frios como os que ele havia herdado dela.
Sua mãe respirou fundo e pareceu se acalmar um pouco.
— Só tome cuidado, filho. Tem homens por aí que são insensíveis e cruéis com as palavras. Só não quero que você seja um deles — ela justificou, olhando pela janela que dava uma visão da casa vizinha.
Era ali que sua melhor amiga morava com o marido e o filho caçula. O mais velho, null, era o melhor amigo de null e os dois basicamente conviviam juntos desde que ainda usavam fraldas. Tinham só três meses de diferença um do outro. No entanto, à medida que foi crescendo, null e o pai pararam de se dar bem e fazia cerca de três anos que ele havia ido morar na casa do avô, que ficava a dois quarteirões dali.
Winchester era uma cidade minúscula onde todos se conheciam e meio que não era segredo de ninguém como o pai de null tratava mal a esposa. Era um homem completamente imprevisível e até alguns anos antes ele tentava disfarçar quando alguém ouvia, mas até isso parecia ter sido deixado de lado, especialmente quando o filho saiu de casa.
null suspirou e assentiu para a mãe, que veio até ele e o envolveu em um abraço carinhoso.
— Não vou me tornar um escroto que nem aquele cara, mãe. Além disso, tenho o papai como exemplo. Nunca vi ele te tratar mal.
— Até porque se ele fizesse isso eu o expulsava de casa — ela resmungou, fazendo-o rir.
No entanto, ambos sabiam que aquela brincadeira tinha um fundo de verdade. Diferente da casa vizinha, na deles era sua mãe quem mandava. Linda null não deixava ninguém pisar nela, mas também era um poço de gentileza.
null tinha certeza de que seu pai estava mais do que satisfeito em deixar que ela mandasse nele. Tinham casado cedo, logo após se formarem na escola, e dois anos depois, ele nasceu. Eram só os três ali e embora já tivessem perto de completar vinte anos juntos, null nunca tinha conhecido nenhum casal tão apaixonado quanto seus pais.
Eles tinham o tipo de amor, amizade e companheirismo que ele almejava ter um dia, em um futuro distante provavelmente. Tinha só dezesseis anos e havia muito que ele queria fazer na vida antes de querer casar com alguém.
A primeira delas era sair daquela cidadezinha.
27 de janeiro de 2005, 17:36 - Winchester, IL - Uma semana antes do baile de formatura
— Não acredito que você fez isso, null! Você é um idiota escroto! — Ela o empurrou com força, fazendo-o dar um passo para trás.
Estavam no gramado da escola e era fim de tarde, com poucas pessoas ali, mas que estavam bem curiosas pela súbita discussão.
— É só um baile idiota, Stacy — ele falou com calma.
— Não é um baile idiota. É a nossa formatura! Achei que íamos juntos. Estávamos indo bem e... Podíamos concorrer ao rei e à rainha do baile.
null respirou fundo e lutou para não revirar os olhos.
— Eu nunca disse que iria ao baile. Sinto muito se te passei essa impressão. Mas eu não vou nem estar aqui.
— E o que tem de tão importante que não pode ir?
— Eu vou embora em uma semana, Stacy. Bem, null e eu vamos.
— Embora? — Ela arregalou seus grandes olhos castanhos em surpresa. — Pra onde?
— null e eu conseguimos um emprego em Chicago. Além disso, queremos formar uma banda e não vamos conseguir nada ficando presos nessa cidade minúscula.
Ela abriu a boca em choque.
— E você não pensou em me contar? — A voz dela falhou e imediatamente um par de lágrimas escorreu. — Nós estávamos juntos!
— Estávamos? Olha... Sinto muito, Stacy. Mas eu nunca te pedi pra ser minha namorada nem nada.
— Como assim? A gente até transou.
— É. Três vezes. Sendo que a última vez foi em setembro — ele lembrou. — A gente nem ficou mais depois. Não sei de onde você tirou isso.
— Mas... A gente sempre andou junto e... Eu achei que era porque você não gostava de ter muito toque físico.
— E eu achei que éramos só amigos. Ficar algumas vezes não quer dizer namorar e você sabe disso.
Ele não entendia que tipo de lógica era aquela. Tinha certeza de que não havia demonstrado nenhum interesse em ter um relacionamento desde o período em que se envolveram, em julho do ano anterior.
Foi com Stacy que null perdeu a virgindade, aos dezessete anos. Não estava bem nos planos acontecer durante aquele encontro que alguns caras da escola sugeriram que acontecesse, mas ele tinha bebido um pouco, o que o deixou bem mais relaxado que o normal, embora não estivesse bêbado.
Uma coisa levou a outra e sua primeira vez aconteceu no banco de trás do carro de Stacy. Foi desajeitado, rápido e... honestamente, ele não tinha gostado muito. No entanto, null, que tinha um pouco mais de experiência que ele, garantiu que era normal na primeira vez.
Stacy era um ano mais velha e mais experiente também, mas tinha reprovado um ano e os dois acabaram na mesma turma da escola. Foi ela quem o conduziu da primeira e da segunda vez, quando null quis dar mais uma chance ao sexo. Ela o ensinou como agradar uma garota e foi até divertido arrancar suspiros e gemidos baixos de seus lábios antes de se fundirem mais uma vez. Foi melhor, durou mais e os dois chegaram lá juntos, o que animou null a querer um pouco mais.
No entanto, quando acabou, ele se sentiu vazio. Era um alívio momentâneo e embora tivesse sido bom, ele colocou na cabeça que era porque não estava acostumado ou, talvez, porque era apenas um lance físico.
Ele mudou de ideia duas semanas depois, quando ele e Stacy transaram pela terceira e última vez. Como na segunda, foi bom e deixou os dois satisfeitos, mas aquela coisa física não era bem algo que ele queria a longo prazo, a não ser que gostasse da pessoa.
O problema era que ele não sentia absolutamente nada por Stacy.
Fazia quatro meses desde então e os dois andavam na mesma rodinha de colegas na escola e se davam bem como amigos. Não tinham conversado mais a respeito nem tomado iniciativa de fazer aquilo de novo, mas Stacy era uma presença constante ao lado dele, ainda que não fossem tão próximos.
— Todo mundo meio que achava que a gente namorava. Achei que tivesse implícito. Você nunca foi de demonstrar sentimentos, mas achei que tivesse só sendo tímido…
— Hm... Eu não sou tímido, Stacy. Você sabe que eu falo o que penso. O que tivemos foi legal, mas... Foi só isso. Não tenho sentimentos por você.
Ele falou isso com uma voz suave, tentando se manter o mais gentil possível, mas mesmo assim…
Pá! Um tapa forte estalou em seu rosto, um instante depois.
null a encarou meio atordoado e franziu o cenho.
— Que porra você acha que tá fazendo? — ele rosnou, irritado.
Seus olhos de repente eram como um par de blocos de gelo enquanto a encarava. Ele podia sentir toda a gentileza se esvaindo de seu corpo ao mesmo tempo em que o sangue fervia de indignação.
Ninguém havia batido nele antes, nem mesmo seus pais. E os petelecos que ganhava de sua mãe não contavam.
Quem aquela garota pensava que era para se achar no direito de bater nele?
— Você mereceu — foi o que ela respondeu, em seguida, se achando a dona da razão.
— Por que eu disse que não tenho interesse em você? Isso é justificativa pra me bater? Eu não te tratei mal, Stacy. Não sou um daqueles idiotas que você namorou, mas acho que pra você não faz diferença.
O olhar dela vacilou por um instante e ele viu seu lábio inferior tremer.
— null, eu…
— Vê se me esquece — ele a interrompeu, dando um passo para frente até ficar bem próximo dela. — E aprende a receber um não, porra.
null não se importou em ser gentil daquela vez, mesmo que ganhasse uma bronca da sua mãe uma vez que ele contasse sobre aquilo.
Tinha aprendido bem cedo que era melhor contar tudo antes que ela ficasse sabendo por outras pessoas e era algo que funcionava bem entre ele e os pais. Mas sua gentileza também tinha limites e ele não ia deixar aquela garota tratá-lo como quisesse só por causa de um ego ferido.
Enquanto caminhava para longe dos olhares curiosos, com a bochecha esquerda ainda ardendo, null agradeceu aos céus por aquela ser sua última semana em Winchester.
Sabia que o futuro era incerto e que ele e null teriam muito trabalho pela frente morando longe de casa, mas estavam preparados.
Em uma semana, estariam livres daquele buraco e se tudo desse certo, não precisariam mais voltar a não ser para fazer visitas.
Capítulo 1
14 de agosto de 2017, 16:32 - Apartamento de Hero, Nova York, NY
— Que vaca! — null xingou assim que terminou de ler o artigo que null tinha acabado de mostrar. — null vai ficar puto quando chegar e souber disso. Não acredito que ela fez isso.
— Pois é...
Nem ele, com certeza.
null definitivamente não tinha sorte com mulheres que não fossem parentes ou amigas. A prova disso era que Hannah Smith, a sua até então ficante e com quem ele tinha terminado há cerca de um mês, havia tido a brilhante ideia de vender uma notícia sobre eles para um tabloide duvidoso em troca de algum dinheiro.
A questão era que a notícia era completamente mentirosa. A manchete grande ainda brilhava na tela de seu celular:
"Ex de null null afirma que ele teria provocado um aborto após rejeitar gravidez"
Logo abaixo, havia um texto enorme contando como null havia terminado o relacionamento após Hannah contar sobre a gravidez, deixando claro que não queria mais nem ela, nem a criança e, por conta do choque, ela acabou tendo um aborto espontâneo uma semana depois. A pilantra tinha até mesmo conseguido um maldito teste de gravidez positivo para colocar na notícia.
— Você tem que processar ela — null comentou, batucando um dedo no balcão da cozinha. — Isso é mentira, né? Esse lance da gravidez? Porque te conhecendo, você já teria contado pra mim ou null. Você conta tudo pra gente.
Quase tudo, ele pensou. Mas aquele tipo de coisa? Com certeza.
— Óbvio que é. Ela nunca disse que tava grávida e eu sempre usei proteção nas vezes em que estivemos juntos. Até onde sei, o período dela foi umas duas semanas antes de eu terminar nosso caso, mas essa doida tá por aí agindo como se fosse minha namorada em primeiro lugar.
— Eu bem que falei pra você que eu não ia com a cara dela.
null a encarou, inexpressivo.
— Sem ofensas, null, mas você não vai com a cara de um monte de gente e mal faz amigos.
— Ei, eu fiz uma amiga nova. A Lexi, lembra?
— A Lexi é sua agente, ela praticamente nem conta.
— E a irmã dela, a Cami? — Ela estreitou os olhos. — A gente até saiu umas vezes, nós três.
— null.
— Tá bom, eu admito. — Ela suspirou. — Não sou muito aberta a novas amizades, mas eu não ter ido com a cara da Hannah não tem nada a ver com isso. Mas só pra você saber, eu tirei a prova de que ela era maldosa há uns dois meses.
Aquilo era novidade.
— Quando? — Ele quis saber.
— Sabe aquela vez que vim deixar ratatouille pra você? Você tava no banho e eu esbarrei nela. A desgraçada me acusou de querer você e null ao mesmo tempo.
— Como é?! — null arregalou os olhos, chocado.
— Eu tive essa mesma reação. Quase voei em cima dela, mas pensei que se causasse uma cena ia fazer parecer que ela tinha razão. — Ela deu de ombros. — Então eu só sorri e falei que inveja causava rugas, depois fui embora.
— E por que você não disse isso antes?
— Sei lá, você parecia feliz com ela, e eu não queria atrapalhar isso. Mal te vi saindo com alguém em anos e você nunca assumiu um relacionamento público. Se é que já assumiu algum.
null respirou fundo e esfregou o queixo, sentindo a barba por fazer.
— Eu não gostava dela assim. A Hannah era divertida e o sexo era bom, mas... Eu nunca consegui ficar com ninguém a longo prazo porque não consigo desenvolver sentimentos românticos.
— Como assim, não consegue? — null riu, incrédula. — Você é uma das pessoas mais carinhosas que eu conheço, null.
— Não na minha vida amorosa, aparentemente. Hannah começou a dar sinais de que queria levar o relacionamento adiante, ser mais do que só uma ficante. Mas foi ela quem sugeriu uma amizade com benefícios desde o início, com um papo de que não queria se prender a ninguém.
— E se foi um plano? Você disse que a viu em eventos algumas vezes, né?
— Sim, até que ela veio até mim, a gente flertou e... Bem, o resto você sabe. Mas durou só dois meses. Bem mais do que eu esperava, se quer saber.
— Vou começar a fazer uma triagem de pretendentes — A amiga disse, determinada. — Elas vão ter que passar por mim antes se quiserem se envolver com você.
null riu pelo nariz e passou um braço pelo pescoço dela, a puxando para perto. Em seguida, depositou um beijo em sua têmpora.
— Sim, senhora. Acho bom mesmo, porque pelo visto parece que meu senso de julgamento é falho quando se trata da minha vida amorosa. Além de eu ter um talento nato em ferir o ego das mulheres com quem me envolvo, mesmo sem ter a intenção.
— Tipo a Stacy? — null perguntou com um sorriso e null revirou os olhos, se afastando dela.
— A Stacy não era de guardar rancor por muito tempo. Ela era mais do tipo falar e não fazer. A Hannah ficou quieta antes de soltar a bomba. Mas... — Ele franziu o cenho. — Porra, null? Um aborto? Isso é sério. Ela tinha que ser tão baixa?
Pela primeira vez naquela manhã, a ficha finalmente começou a cair, assim como a máscara de tranquilidade de null. Será que ela não tinha noção de como uma mentira daquelas poderia impactar na imagem e na carreira dele? Seu telefone não tinha parado de vibrar desde a publicação daquele artigo e uma rápida olhada nas notificações foi o suficiente para ele saber que centenas de pessoas estavam enchendo suas redes sociais de xingamentos.
Henry já tinha ligado uma vez, informando que já estava tomando providências e tudo até então tinha passado como se fosse um sonho ruim. null passou bons minutos esperando acordar a qualquer momento daquele absurdo, porque era isso o que aquilo era.
Ele rejeitar um filho? Provocar um aborto? Ele não tinha nem sido rude com Hannah quando terminou com ela. Até trocaram um abraço amigável no fim da conversa, mas lá estava ela, o esfaqueando pelas costas com uma mentira daquelas apenas para ganhar dinheiro.
null suspirou e foi até ele, passando os braços ao redor de sua cintura, o envolvendo em um abraço.
— Eu sinto muito, null. Essa acusação é grave demais e ainda acho que você tem que processar ela por isso. É o seu nome que tá em jogo, então me promete que não vai deixar essa idiota sair ilesa.
— Prometo sim. Mas antes quero conversar com ela na presença do meu advogado. Eu também tenho uma carta na manga que talvez faça ela desistir.
***
15 de agosto de 2017, 04:53 - Mansão null, Nova York, NY
Ela estava cansada.
Terrivelmente cansada.
Não havia um músculo em seu corpo que não estivesse doendo e tinha certeza de que ensaiar toda a rotina de dança de uma vez só no dia anterior tinha contribuído para isso.
null null respirou fundo, sentindo um peso no peito enquanto puxava o ar. Em seguida, pegou um dos frascos de medicamentos, tirou uma cápsula e a colocou na boca, engolindo no seco. Sacudiu o frasco de um lado para o outro e conseguiu contar mais onze cápsulas restantes. Não ia dar nem para passar o resto daquele mês, pelo visto.
Uma grande merda, como sempre.
Fechou os olhos e soltou o ar devagar, tentando não chorar.
Não havia tempo para chorar, de todo modo. Era quase cinco da manhã e ela tinha que se aprontar para mais um dia de trabalho, embora mal tivesse dormido quatro horas durante a noite passada.
Além disso, seu medicamento não iria se comprar sozinho.
E custava malditos seiscentos dólares que ela tinha que ganhar nos próximos dez dias. Porque de jeito nenhum ela ia mexer em suas suadas economias e atrasar ainda mais o tempo de estadia naquele lugar.
Então, em um último momento de autopiedade, null encarou o teto do quarto que era apenas grande o suficiente para caber uma cama e uma arara de roupas que ela podia apenas esticar o braço e alcançar. O cubículo era um pouco maior que o armário embaixo da escada onde Harry Potter tinha dormido e umas quatro vezes menor do que o quarto que ela costumava ocupar antes, naquela mesma casa.
Até os funcionários que viviam lá tinham cômodos maiores, com condições melhores, mas tudo o que deram a null foi um antigo armário de vassouras. Um quartinho da bagunça que havia sido esvaziado assim que seu pai faleceu, um ano antes.
Havia sido um mal súbito. Uma parada cardíaca repentina, decorrente do mesmo problema de saúde que ela tinha herdado dele.
Em um momento, null tinha um teto, plano de saúde e tempo suficiente para ensaiar e estudar dança enquanto trabalhava como garçonete em um emprego de meio período; então no próximo, menos de uma semana depois do funeral de Peter null, ela descobriu que teria que pagar aluguel no lugar que tinha sido seu lar nos últimos anos.
Porque seu pai não havia nem mesmo colocado seu nome no testamento. Ele tinha uma mansão, dezenas de funcionários e uma empresa de sucesso no ramo de construção, mas não havia deixado nem uma mísera moeda para ela, como se null não fosse nada, como se ela nem mesmo tivesse morado com ele por três anos antes de sua morte.
E eles nem mesmo tinham um relacionamento ruim. Não chegava a ser perfeito também, mas havia carinho entre eles e null nunca tinha se sentido rejeitada até então. Foi para os Estados Unidos para fazer faculdade e tentar formar uma carreira ali no ramo da dança, e seu pai a tinha apoiado desde o início, garantindo que pagaria sua faculdade. E por mais que null não precisasse trabalhar enquanto estava debaixo de sua asa, ela resolveu fazer mesmo assim.
Ai dela se não tivesse feito isso. Provavelmente estaria na rua àquela altura. Depois da leitura do testamento, sua madrasta, Sandra, exigiu pagamento pela sua hospedagem na mansão como se ela fosse uma estranha. Como se precisasse daquele dinheiro, quando ela e seus dois filhos — que nem mesmo tinham parentesco de sangue com seu pai — tinham herdado tudo.
null havia se transformado em uma pária da noite para o dia e perdido quase todas as suas economias quando, de repente, foi excluída do plano de saúde familiar e teve que arcar com os custos exorbitantes de seus medicamentos.
Além disso, ainda havia a faculdade. Faltava dois anos para terminar o curso, mas tinha trancado porque seria impossível lidar com os custos sozinha. Ao menos não quando ela tinha uma irmã mais nova no Brasil, a quem tinha prometido ajudar a pagar a faculdade, e não fazia ideia de que aquela era sua nova realidade.
Ninguém da sua família, aliás.
Maia havia ficado bastante irritada quando null anunciou que iria morar com o pai, em busca de seus sonhos. Acusou a irmã mais velha — meia-irmã, como ela sempre gostava de enfatizar — de abandoná-la com a avó materna das duas, para ir morar com o pai rico.
Mas aquele tipo de comportamento mesquinho e invejoso não era nenhuma novidade para null. Maia nunca conheceu o pai, que abandonou a mãe delas quando ela ainda era um bebê, e saber que null tinha uma boa relação com o dela só tornava tudo pior.
As duas mal se falaram nos últimos quatro anos. Suas conversas eram sempre resumidas a diálogos de menos de dez minutos, uma vez a cada quinze dias ou às vezes nem isso. Maia sequer agradeceu, nem mesmo uma vez, pelo dinheiro que null mandava todo mês. Ambas sabiam que ela não tinha nenhuma obrigação legal de fazer isso, mas Maia agia como se null lhe devesse algo, por ter ido embora sem ela. Por tê-la abandonado, assim como o pai e a mãe, que havia falecido alguns anos antes.
null tinha que respirar fundo toda vez que ia falar com ela. Haviam discutido algumas vezes nos últimos anos, mas no último, depois da morte de Peter e de ter que colocar seus sonhos em segundo, terceiro plano para trabalhar dia e noite e arcar com os custos de seus medicamentos, null mal teve energia para aquilo. Qualquer reclamação de Maia entrava por um ouvido e saía pelo outro, por mais que às vezes ela tivesse que se segurar para não falar algo ruim movida pela frustração causada pelas suas péssimas condições financeiras e situação de saúde precária.
null vivia com um medo constante de passar mal e morrer, assim como tinha acontecido com o pai. Mas além disso, ainda havia o medo de passar mal e ter que arcar com custos hospitalares altíssimos que ela sabia que não teria como pagar.
O governo provavelmente deportaria alguém nessa situação, mas ela tinha cidadania americana desde que nasceu e, para todos os efeitos, era como qualquer um deles, mesmo tendo passado a maior parte da vida no Brasil, após o divórcio dos pais.
Suspirando mais uma vez, ela se arrastou pela cama, tentando ignorar cada músculo dolorido e pegou algumas peças de roupa, antes de sair do quarto até um dos banheiros dos funcionários que tinha certeza de que estava vazio àquela hora, considerando que todos se levantavam perto das seis horas, quando ela já estava de saída.
Meia hora mais tarde, null passou na cozinha e roubou uma banana e um pacote de biscoitos do armário para comer no caminho até o trabalho.
Sandra era arrogante e idiota demais para se dar conta de qualquer comida faltando, assim como Charlie e Claire Taylor, seus dois filhos igualmente idiotas.
Às vezes, null só queria cair na cama à noite um pouco mais cedo, mas passava mais tempo na rua só para evitar esbarrar com qualquer um dos três.
Funcionava, na maioria das vezes. Especialmente quando ela usava apenas os percursos de entrada e saída dos funcionários, com exceção do jardim. Às vezes, ela esbarrava em Charlie e seu carro caríssimo de última geração quando voltava para casa, enquanto ele saía para alguma festa, mas noventa por cento das vezes, ele a ignorava.
De todo modo, qualquer falta de interação com aquela família não fazia diferença para null. Nunca haviam sido próximos e assim que seu pai faleceu, ela se deu conta de que todos os sorrisos e gentilezas eram pura falsidade para agradar Peter.
Mal via a hora de sair dali e ter seu próprio cantinho. Mas manter sua saúde em ordem e ainda bancar Maia era meio caro e não a permitia juntar dinheiro quanto seria possível se tudo o que ganhasse fosse direcionado com ela mesma. Isso sem contar com as moradias extremamente caras de Nova York.
Então ela tinha que aguentar mais um pouco. Talvez só mais uns seis meses até encontrar um lugar razoável e coragem para sair dali também. Querendo ou não, aquela casa era tudo o que conhecia e não tinha nenhum amigo ou amiga próxima que pudesse lhe dar apoio moral para enfrentar o mundo.
Era null por ela mesma.
E um novo dia estava apenas começando.
— Que vaca! — null xingou assim que terminou de ler o artigo que null tinha acabado de mostrar. — null vai ficar puto quando chegar e souber disso. Não acredito que ela fez isso.
— Pois é...
Nem ele, com certeza.
null definitivamente não tinha sorte com mulheres que não fossem parentes ou amigas. A prova disso era que Hannah Smith, a sua até então ficante e com quem ele tinha terminado há cerca de um mês, havia tido a brilhante ideia de vender uma notícia sobre eles para um tabloide duvidoso em troca de algum dinheiro.
A questão era que a notícia era completamente mentirosa. A manchete grande ainda brilhava na tela de seu celular:
"Ex de null null afirma que ele teria provocado um aborto após rejeitar gravidez"
Logo abaixo, havia um texto enorme contando como null havia terminado o relacionamento após Hannah contar sobre a gravidez, deixando claro que não queria mais nem ela, nem a criança e, por conta do choque, ela acabou tendo um aborto espontâneo uma semana depois. A pilantra tinha até mesmo conseguido um maldito teste de gravidez positivo para colocar na notícia.
— Você tem que processar ela — null comentou, batucando um dedo no balcão da cozinha. — Isso é mentira, né? Esse lance da gravidez? Porque te conhecendo, você já teria contado pra mim ou null. Você conta tudo pra gente.
Quase tudo, ele pensou. Mas aquele tipo de coisa? Com certeza.
— Óbvio que é. Ela nunca disse que tava grávida e eu sempre usei proteção nas vezes em que estivemos juntos. Até onde sei, o período dela foi umas duas semanas antes de eu terminar nosso caso, mas essa doida tá por aí agindo como se fosse minha namorada em primeiro lugar.
— Eu bem que falei pra você que eu não ia com a cara dela.
null a encarou, inexpressivo.
— Sem ofensas, null, mas você não vai com a cara de um monte de gente e mal faz amigos.
— Ei, eu fiz uma amiga nova. A Lexi, lembra?
— A Lexi é sua agente, ela praticamente nem conta.
— E a irmã dela, a Cami? — Ela estreitou os olhos. — A gente até saiu umas vezes, nós três.
— null.
— Tá bom, eu admito. — Ela suspirou. — Não sou muito aberta a novas amizades, mas eu não ter ido com a cara da Hannah não tem nada a ver com isso. Mas só pra você saber, eu tirei a prova de que ela era maldosa há uns dois meses.
Aquilo era novidade.
— Quando? — Ele quis saber.
— Sabe aquela vez que vim deixar ratatouille pra você? Você tava no banho e eu esbarrei nela. A desgraçada me acusou de querer você e null ao mesmo tempo.
— Como é?! — null arregalou os olhos, chocado.
— Eu tive essa mesma reação. Quase voei em cima dela, mas pensei que se causasse uma cena ia fazer parecer que ela tinha razão. — Ela deu de ombros. — Então eu só sorri e falei que inveja causava rugas, depois fui embora.
— E por que você não disse isso antes?
— Sei lá, você parecia feliz com ela, e eu não queria atrapalhar isso. Mal te vi saindo com alguém em anos e você nunca assumiu um relacionamento público. Se é que já assumiu algum.
null respirou fundo e esfregou o queixo, sentindo a barba por fazer.
— Eu não gostava dela assim. A Hannah era divertida e o sexo era bom, mas... Eu nunca consegui ficar com ninguém a longo prazo porque não consigo desenvolver sentimentos românticos.
— Como assim, não consegue? — null riu, incrédula. — Você é uma das pessoas mais carinhosas que eu conheço, null.
— Não na minha vida amorosa, aparentemente. Hannah começou a dar sinais de que queria levar o relacionamento adiante, ser mais do que só uma ficante. Mas foi ela quem sugeriu uma amizade com benefícios desde o início, com um papo de que não queria se prender a ninguém.
— E se foi um plano? Você disse que a viu em eventos algumas vezes, né?
— Sim, até que ela veio até mim, a gente flertou e... Bem, o resto você sabe. Mas durou só dois meses. Bem mais do que eu esperava, se quer saber.
— Vou começar a fazer uma triagem de pretendentes — A amiga disse, determinada. — Elas vão ter que passar por mim antes se quiserem se envolver com você.
null riu pelo nariz e passou um braço pelo pescoço dela, a puxando para perto. Em seguida, depositou um beijo em sua têmpora.
— Sim, senhora. Acho bom mesmo, porque pelo visto parece que meu senso de julgamento é falho quando se trata da minha vida amorosa. Além de eu ter um talento nato em ferir o ego das mulheres com quem me envolvo, mesmo sem ter a intenção.
— Tipo a Stacy? — null perguntou com um sorriso e null revirou os olhos, se afastando dela.
— A Stacy não era de guardar rancor por muito tempo. Ela era mais do tipo falar e não fazer. A Hannah ficou quieta antes de soltar a bomba. Mas... — Ele franziu o cenho. — Porra, null? Um aborto? Isso é sério. Ela tinha que ser tão baixa?
Pela primeira vez naquela manhã, a ficha finalmente começou a cair, assim como a máscara de tranquilidade de null. Será que ela não tinha noção de como uma mentira daquelas poderia impactar na imagem e na carreira dele? Seu telefone não tinha parado de vibrar desde a publicação daquele artigo e uma rápida olhada nas notificações foi o suficiente para ele saber que centenas de pessoas estavam enchendo suas redes sociais de xingamentos.
Henry já tinha ligado uma vez, informando que já estava tomando providências e tudo até então tinha passado como se fosse um sonho ruim. null passou bons minutos esperando acordar a qualquer momento daquele absurdo, porque era isso o que aquilo era.
Ele rejeitar um filho? Provocar um aborto? Ele não tinha nem sido rude com Hannah quando terminou com ela. Até trocaram um abraço amigável no fim da conversa, mas lá estava ela, o esfaqueando pelas costas com uma mentira daquelas apenas para ganhar dinheiro.
null suspirou e foi até ele, passando os braços ao redor de sua cintura, o envolvendo em um abraço.
— Eu sinto muito, null. Essa acusação é grave demais e ainda acho que você tem que processar ela por isso. É o seu nome que tá em jogo, então me promete que não vai deixar essa idiota sair ilesa.
— Prometo sim. Mas antes quero conversar com ela na presença do meu advogado. Eu também tenho uma carta na manga que talvez faça ela desistir.
15 de agosto de 2017, 04:53 - Mansão null, Nova York, NY
Ela estava cansada.
Terrivelmente cansada.
Não havia um músculo em seu corpo que não estivesse doendo e tinha certeza de que ensaiar toda a rotina de dança de uma vez só no dia anterior tinha contribuído para isso.
null null respirou fundo, sentindo um peso no peito enquanto puxava o ar. Em seguida, pegou um dos frascos de medicamentos, tirou uma cápsula e a colocou na boca, engolindo no seco. Sacudiu o frasco de um lado para o outro e conseguiu contar mais onze cápsulas restantes. Não ia dar nem para passar o resto daquele mês, pelo visto.
Uma grande merda, como sempre.
Fechou os olhos e soltou o ar devagar, tentando não chorar.
Não havia tempo para chorar, de todo modo. Era quase cinco da manhã e ela tinha que se aprontar para mais um dia de trabalho, embora mal tivesse dormido quatro horas durante a noite passada.
Além disso, seu medicamento não iria se comprar sozinho.
E custava malditos seiscentos dólares que ela tinha que ganhar nos próximos dez dias. Porque de jeito nenhum ela ia mexer em suas suadas economias e atrasar ainda mais o tempo de estadia naquele lugar.
Então, em um último momento de autopiedade, null encarou o teto do quarto que era apenas grande o suficiente para caber uma cama e uma arara de roupas que ela podia apenas esticar o braço e alcançar. O cubículo era um pouco maior que o armário embaixo da escada onde Harry Potter tinha dormido e umas quatro vezes menor do que o quarto que ela costumava ocupar antes, naquela mesma casa.
Até os funcionários que viviam lá tinham cômodos maiores, com condições melhores, mas tudo o que deram a null foi um antigo armário de vassouras. Um quartinho da bagunça que havia sido esvaziado assim que seu pai faleceu, um ano antes.
Havia sido um mal súbito. Uma parada cardíaca repentina, decorrente do mesmo problema de saúde que ela tinha herdado dele.
Em um momento, null tinha um teto, plano de saúde e tempo suficiente para ensaiar e estudar dança enquanto trabalhava como garçonete em um emprego de meio período; então no próximo, menos de uma semana depois do funeral de Peter null, ela descobriu que teria que pagar aluguel no lugar que tinha sido seu lar nos últimos anos.
Porque seu pai não havia nem mesmo colocado seu nome no testamento. Ele tinha uma mansão, dezenas de funcionários e uma empresa de sucesso no ramo de construção, mas não havia deixado nem uma mísera moeda para ela, como se null não fosse nada, como se ela nem mesmo tivesse morado com ele por três anos antes de sua morte.
E eles nem mesmo tinham um relacionamento ruim. Não chegava a ser perfeito também, mas havia carinho entre eles e null nunca tinha se sentido rejeitada até então. Foi para os Estados Unidos para fazer faculdade e tentar formar uma carreira ali no ramo da dança, e seu pai a tinha apoiado desde o início, garantindo que pagaria sua faculdade. E por mais que null não precisasse trabalhar enquanto estava debaixo de sua asa, ela resolveu fazer mesmo assim.
Ai dela se não tivesse feito isso. Provavelmente estaria na rua àquela altura. Depois da leitura do testamento, sua madrasta, Sandra, exigiu pagamento pela sua hospedagem na mansão como se ela fosse uma estranha. Como se precisasse daquele dinheiro, quando ela e seus dois filhos — que nem mesmo tinham parentesco de sangue com seu pai — tinham herdado tudo.
null havia se transformado em uma pária da noite para o dia e perdido quase todas as suas economias quando, de repente, foi excluída do plano de saúde familiar e teve que arcar com os custos exorbitantes de seus medicamentos.
Além disso, ainda havia a faculdade. Faltava dois anos para terminar o curso, mas tinha trancado porque seria impossível lidar com os custos sozinha. Ao menos não quando ela tinha uma irmã mais nova no Brasil, a quem tinha prometido ajudar a pagar a faculdade, e não fazia ideia de que aquela era sua nova realidade.
Ninguém da sua família, aliás.
Maia havia ficado bastante irritada quando null anunciou que iria morar com o pai, em busca de seus sonhos. Acusou a irmã mais velha — meia-irmã, como ela sempre gostava de enfatizar — de abandoná-la com a avó materna das duas, para ir morar com o pai rico.
Mas aquele tipo de comportamento mesquinho e invejoso não era nenhuma novidade para null. Maia nunca conheceu o pai, que abandonou a mãe delas quando ela ainda era um bebê, e saber que null tinha uma boa relação com o dela só tornava tudo pior.
As duas mal se falaram nos últimos quatro anos. Suas conversas eram sempre resumidas a diálogos de menos de dez minutos, uma vez a cada quinze dias ou às vezes nem isso. Maia sequer agradeceu, nem mesmo uma vez, pelo dinheiro que null mandava todo mês. Ambas sabiam que ela não tinha nenhuma obrigação legal de fazer isso, mas Maia agia como se null lhe devesse algo, por ter ido embora sem ela. Por tê-la abandonado, assim como o pai e a mãe, que havia falecido alguns anos antes.
null tinha que respirar fundo toda vez que ia falar com ela. Haviam discutido algumas vezes nos últimos anos, mas no último, depois da morte de Peter e de ter que colocar seus sonhos em segundo, terceiro plano para trabalhar dia e noite e arcar com os custos de seus medicamentos, null mal teve energia para aquilo. Qualquer reclamação de Maia entrava por um ouvido e saía pelo outro, por mais que às vezes ela tivesse que se segurar para não falar algo ruim movida pela frustração causada pelas suas péssimas condições financeiras e situação de saúde precária.
null vivia com um medo constante de passar mal e morrer, assim como tinha acontecido com o pai. Mas além disso, ainda havia o medo de passar mal e ter que arcar com custos hospitalares altíssimos que ela sabia que não teria como pagar.
O governo provavelmente deportaria alguém nessa situação, mas ela tinha cidadania americana desde que nasceu e, para todos os efeitos, era como qualquer um deles, mesmo tendo passado a maior parte da vida no Brasil, após o divórcio dos pais.
Suspirando mais uma vez, ela se arrastou pela cama, tentando ignorar cada músculo dolorido e pegou algumas peças de roupa, antes de sair do quarto até um dos banheiros dos funcionários que tinha certeza de que estava vazio àquela hora, considerando que todos se levantavam perto das seis horas, quando ela já estava de saída.
Meia hora mais tarde, null passou na cozinha e roubou uma banana e um pacote de biscoitos do armário para comer no caminho até o trabalho.
Sandra era arrogante e idiota demais para se dar conta de qualquer comida faltando, assim como Charlie e Claire Taylor, seus dois filhos igualmente idiotas.
Às vezes, null só queria cair na cama à noite um pouco mais cedo, mas passava mais tempo na rua só para evitar esbarrar com qualquer um dos três.
Funcionava, na maioria das vezes. Especialmente quando ela usava apenas os percursos de entrada e saída dos funcionários, com exceção do jardim. Às vezes, ela esbarrava em Charlie e seu carro caríssimo de última geração quando voltava para casa, enquanto ele saía para alguma festa, mas noventa por cento das vezes, ele a ignorava.
De todo modo, qualquer falta de interação com aquela família não fazia diferença para null. Nunca haviam sido próximos e assim que seu pai faleceu, ela se deu conta de que todos os sorrisos e gentilezas eram pura falsidade para agradar Peter.
Mal via a hora de sair dali e ter seu próprio cantinho. Mas manter sua saúde em ordem e ainda bancar Maia era meio caro e não a permitia juntar dinheiro quanto seria possível se tudo o que ganhasse fosse direcionado com ela mesma. Isso sem contar com as moradias extremamente caras de Nova York.
Então ela tinha que aguentar mais um pouco. Talvez só mais uns seis meses até encontrar um lugar razoável e coragem para sair dali também. Querendo ou não, aquela casa era tudo o que conhecia e não tinha nenhum amigo ou amiga próxima que pudesse lhe dar apoio moral para enfrentar o mundo.
Era null por ela mesma.
E um novo dia estava apenas começando.
Capítulo 2
19 de agosto de 2017 - Escritório de Advocacia Greenville, Nova York, NY
"No último domingo foi relatado pela Srta. Hannah Smith que o Sr. null null, meu cliente, teria a rejeitado após a mesma contar sobre uma suposta gravidez que teve um triste fim após o término do relacionamento dos dois.
O Sr. null e a Srta. Smith terminaram seu relacionamento — cujo não havia qualquer tipo de compromisso — há pouco mais de um mês, em bons termos e com um sorriso no rosto.
O que ela relata sobre ter sido maltratada e rejeitada são argumentos irreais e não havia qualquer possibilidade de uma gravidez em que meu cliente seria o pai.
Infelizmente, a Srta. Smith resolveu expressar seu descontentamento com o fim do relacionamento um mês mais tarde, através de uma mentira mesquinha, cabulosa e completamente irresponsável, acusando meu cliente de ser culpado por algo que nunca aconteceu. O Sr. null em nenhum momento expressou ser o tipo de pessoa que ela relata, e nunca esteve envolvido em escândalos pessoais em mais de uma década de carreira.
Temos provas concretas que podem facilmente refutar tais argumentos irreais, mas para preservar a privacidade das duas partes, isso será tratado em particular.
Nota por Derick Greenville, advogado representante de null null."
null encarou Hannah de braços cruzados por um instante, em silêncio. Derick, seu advogado, estava ao seu lado, ambos sentados no sofá de seu escritório, com Hannah em frente a eles.
— Você só pode ser muito sem noção pra me acusar de uma coisa dessas. — Era a primeira vez que ele falava com ela desde o término. A primeira vez que a via também.
Algumas horas depois que soube do artigo mentiroso que tinha sido publicado, null entrou em contato com Derick, que sugeriu que ele não tentasse entrar em contato com ela sozinho. Durante a semana inteira ele evitou sair de casa e até mesmo entrar nas redes sociais, cheias de pessoas o bombardeando com xingamentos, o acusando de ser misógino e irresponsável, além de outras coisas, como se ele não fosse uma figura pública há mais de dez anos, conhecido por ser exatamente o contrário do tipo de pessoa que Hannah o tinha acusado de ser.
Era inacreditável.
— Eu estava com raiva. — Ela deu de ombros. — Além disso, você não pode provar que era mentira.
— Não posso? — null arqueou uma sobrancelha. — Pelo visto, você não me conhece direito, Hannah. Posso fazer muita coisa por você, assim como você fez comigo.
Ela riu, irônica, não parecendo nem um pouco preocupada.
— Tipo o quê? A gente mal saía em público. Até onde sei, você podia mesmo ser um manipulador idiota.
— Pelo menos eu não te mantive em banho maria enquanto saía com outra pessoa. — Ele sorriu, vendo a expressão dela vacilar.
— Como assim? — Hannah quis saber.
null então encarou Derick e ele empurrou uma pasta de arquivos que estava em cima da mesa de centro até ela.
Hannah abriu e arregalou os olhos.
Ele sabia exatamente o que ela estava vendo. Bem ali, na primeira página, havia uma sequência de fotos datadas de duas semanas antes do término. Nelas, Hannah estava abraçada e aos beijos com outro homem em um passeio no Central Park.
— Eu não terminei com você sem motivo, sabe. Você era divertida, Hannah.
— Nós não tínhamos compromisso. Não pode me culpar por-
— Mas tínhamos um acordo de sermos exclusivos pelo tempo que durasse. Não menti quando disse que não tinha sentimentos por você. Não fiquei com o ego ferido nem magoado por descobrir que você tava saindo com outro cara enquanto tava comigo. Se você quis sair com ele, foi porque nosso acordo não tava mais te deixando feliz. Não posso te culpar por isso. Mas posso te culpar por não me dizer e ficar com nós dois, como se nada tivesse acontecendo.
— Quando você descobriu? — ela perguntou e ele a viu engolir em seco.
— Umas duas semanas antes de terminar com você. Eu tava esperando pra ver se você ia me contar, mas como não aconteceu, resolvi tomar a iniciativa — ele contou. — Mas preferi fingir não saber pra evitar uma discussão. Foi um término amigável, e eu supus que você tivesse ficado aliviada.
— Você não me queria como sua namorada. Arranjei alguém que quis, mas...
— Mas você preferiu me trair a ser honesta. E ainda falar um monte de merda sem se importar com como isso ia me afetar. — Ele concluiu. — Eu fui muito paciente, Hannah. Mas não aceito esse tipo de coisa de jeito nenhum, então porque você não termina de ver os arquivos?
Hannah apertou os lábios em uma linha fina e passou as próximas páginas, seu olhar paralisando quando leu as palavras que estavam ali.
— O que é isso?
— A prova que você disse que eu não conseguiria. Não subestime minha inteligência, por favor. Não sou só um rostinho bonito com quem você transava às vezes.
Derick pigarreou ao seu lado.
— Como você pode ver, srta. Smith, temos provas contra suas mentiras. No entanto, para evitar levar isso para a corte, o Sr. null prefere fazer um acordo.
— Que tipo de acordo? — Hannah perguntou, encarando null, mas ele permaneceu em silêncio, a encarando com seus olhos azuis frios e quase transparentes.
— Você deve se retratar publicamente, assumindo que o que relatou no artigo é mentira, e assinar um acordo de confidencialidade sobre o que acabou de ver — Derick explicou. — Em troca, meu cliente vai deixar esse assunto de lado e não te processar. Desde já adianto que caso aceite o acordo e o quebre depois, darei início a um processo imediatamente.
Hannah franziu o cenho, mas por fim assentiu.
— Tudo bem, onde eu tenho que assinar?
null conteve um sorriso de escárnio assim que ouviu.
— Eu devia ter ouvido a null quando ela disse que não gostava de você. E você ainda a acusou de ter um caso comigo enquanto namora meu melhor amigo. — Ele riu, sem humor.
Hannah terminou de assinar e empurrou o documento de volta para Derick.
— Você passou mais tempo com ela do que comigo. Você até saía com ela.
— Ela é minha melhor amiga. Não há quaisquer sentimentos românticos entre nós, assim como não havia entre a gente, Hannah. Além disso, eu nunca trairia o cara que cresceu comigo como se fosse meu irmão.
— Eu gostava de você, null. Fiquei com ciúmes.
— Devia gostar mesmo, já que sempre te tratei bem e nada como o que você disse no artigo — ele comentou, se inclinando para assinar os documentos também. — Espero que isso sirva de lição pra você refletir e parar de ser mesquinha por causa da porra de um ego ferido. Você não tava apaixonada por mim, Hannah. E a partir de agora, somos desconhecidos. Não quero ver ou ouvir nada de você falando de mim depois da sua retratação.
Hannah suspirou, soltando o ar de uma vez.
— null, eu... Sinto muito.
— Você tem quarenta e oito horas pra consertar a merda que fez — ele disse, a encarando uma última vez, antes de se levantar e deixar a sala sem olhar para trás.
***
19 de agosto de 2017, mesmo dia, algumas horas mais tarde - Apartamento de null, Nova York, NY
null encarou a tela do celular por um instante e respirou fundo, antes de retornar a ligação perdida, já se preparando para levar uma bronca. Vinha evitando a mãe há dias e ela já estava ameaçando caçá-lo se ele não respondesse nas próximas vinte e quatro horas.
Linda null continuava a mesma de sempre e provavelmente era a única mulher que o assustava. Então sabendo que postergar aquela conversa só pioraria as coisas, ele decidiu fazer a ligação de uma vez.
Dois toques depois, ouviu a tão familiar voz.
— null null! Eu já estava prestes a arrombar o seu apartamento! Quem mandou você evitar as minhas ligações? E que história é essa na internet? Quem é aquela tal de Hannah Smith?!
— Mãe, aquele artigo não tem nenhuma verdade. Eu mandei mensagem te dizendo, não atendi antes porque eu queria resolver logo isso antes da gente conversar — ele começou. — A Hannah era uma ficante. A gente saiu por uns três meses até eu descobrir que ela tava vendo outro cara.
— Ela te traiu?! Ah, meu amor, sinto muito — ela murmurou do outro lado, o tom de voz um pouco mais suave.
— Não sinta. Eu não tinha sentimentos por ela, era só... Bem, você sabe. Ela demonstrou interesse em algo mais, só que nunca dei bola — ele explicou. — Pensei que ela tava infeliz com nossa... Amizade. Até esperei ela me contar sobre o outro cara, só que isso não aconteceu. Eu nem disse pra ela que eu sabia quando a gente terminou e-
A campainha tocou, o interrompendo no meio da frase.
— Só um instante, mãe. É a campainha. — Ele rapidamente se dirigiu até a porta e quando a abriu, encontrou uma garota de cabelo escuro que o encarou como se estivesse vendo um fantasma. Os olhos dele rapidamente pousaram no crachá ao redor do pescoço dela. — Oi, pode entrar. — Ele abriu espaço para ela e fez sinal para que esperasse um minuto.
— Então, mãe. Ela tava de boa quando a gente terminou, a gente até se abraçou depois. Daí agora ela me vem com essa mentira sem noção um mês depois. — Ele se afastou por um momento, para terminar a conversa.
Ainda parada à porta, a garota checou a hora no celular e olhou ao redor do apartamento grande e chique que aquele cara tinha.
Aquele era o terceiro lar que null visitava naquele dia. Não parecia muito sujo, mas sabia por experiência própria que não devia se animar até ver a cozinha. Geralmente era a pior parte de se limpar e a mais negligenciada, chegando a ser um certo choque cultural para ela que cresceu acostumada a viver em um lugar limpo, especialmente a cozinha.
Sua avó brasileira nunca deixava sujeira acumular no fogão, que dirá do forno, como era costume de muitos cidadãos daquele país. Ela perdeu a conta de quantas vezes teve que raspar crostas grossas de sujeira preta e restos de comida que não fazia ideia nem de quando estava ali.
Da primeira vez, quase vomitou de nojo. Passou a usar máscaras desde então, além das luvas grossas de borracha que já eram habituais para manipular os produtos fortes de limpeza que a ajudavam.
Felizmente, nem todas as casas eram assim. Algumas davam menos trabalho e ela não precisava ficar por quase uma hora presa na frente de um fogão sujo, só que a maioria das pessoas que contratavam aquele tipo de serviço não fazia isso com tanta frequência. null nunca esteve na mesma residência por mais de duas vezes, mas a agência também a mandava para locais aleatórios na maioria delas.
Não foi diferente daquela vez, mas ela estava habituada a visitar lares de famílias bem tradicionais, não apartamentos chiques.
Quando desceu do ônibus e chegou ao endereço indicado, teve que ligar para sua chefe, Rose, para confirmar se não havia algum engano.
— O lugar é esse mesmo — ela confirmou. — O cliente pediu sigilo, inclusive. Esqueci de avisar. Também solicitou limpeza duas vezes por semana.
— Duas vezes por semana? — null perguntou, surpresa.
— Resolvi mandar você porque ele foi bem específico sobre isso e como queria alguém que trabalhasse bem. Você é uma das nossas melhores garotas, null. Vou te manter nessa casa se o cliente gostar do seu trabalho. Ele disse que pagaria a mais pela exclusividade, e sei que você precisa do dinheiro. É uma ótima oportunidade.
null sentiu os olhos arderem quando ouviu. Depois da família e dos funcionários de seu pai, havia poucas pessoas que sabiam de sua dificuldade em conseguir pagar os medicamentos cardíacos. Uma delas era Rose. As outras, suas chefes da cafeteria que ainda trabalhava alguns dias por semana, e do clube onde dançava, fora algumas outras colegas dançarinas.
Querendo ou não, null precisava avisar nos trabalhos sobre sua condição de saúde, apenas para o caso de acontecer alguma coisa. Não tinha nenhum contato de emergência depois que o pai se foi e a dança, além dos trabalhos físicos, às vezes exigiam um pouco mais de energia dela do que costumava ser com outras pessoas.
O certo era moderar tudo, mas mesmo assim, ela ainda trabalhava de domingo a domingo, com raras exceções que faltava quando não estava se sentindo bem.
— Muito obrigada, Rose. Vou garantir que ele goste.
— Ótimo, menina. Boa sorte.
A questão era que ninguém tinha contado a null que o dono daquele apartamento era null null, a celebridade. Ela não o conhecia até alguns dias atrás, no domingo, quando ouviu as meninas no clube comentando sobre um tal escândalo que estava envolvido.
Uma ex o acusou de abandoná-la grávida e que o choque da rejeição dela e da criança teria ocasionado um aborto espontâneo pouco depois. Isso além do relato de como ele a tinha tratado mal e coisas do tipo. null se compadeceu por ela e odiou o cara no mesmo instante.
Era um pouco sensível com isso, porque o pai de Maia abandonou sua mãe e a filha ainda bebê, e isso resultou numa jovem traumatizada pelo abandono. Ao menos naquela situação não teria nenhuma criança inocente sofrendo por consequência da babaquice do pai que se recusava a assumir sua responsabilidade.
Quando null abriu a porta, ela piscou, surpresa. Por uma parte, porque era ele; e outra, porque ele era ainda mais bonito pessoalmente.
De um jeito quase inacreditável.
Tipo o homem mais lindo do mundo e ela nem estava sendo irônica. null nem sabia que pessoas bonitas assim existiam mesmo. A foto que ela viu não fazia justiça a ele nem mesmo um pouquinho, porque pessoalmente era ainda melhor.
O cara a chamou para entrar e então null teve que se policiar para lembrar que aquele homem lindo era um babaca.
Só que um babaca que poderia render dinheiro extra a ela, então isso não era da sua conta. Àquela altura, null poderia limpar a casa do diabo e do papa ao mesmo tempo, se aquilo pudesse garantir que ela tivesse dinheiro suficiente para ela se manter saudável e um pouquinho menos cansada.
Depois de uma olhada rápida no apartamento, observou null andar de um lado para o outro ainda falando ao telefone, como se ela nem estivesse ali.
— Não tem possibilidade nenhuma daquela gravidez ter existido e ela ainda jogou na minha cara que eu não podia provar que ela tava mentindo.
Eita, ele tava fofocando com a mãe sobre o escândalo. E era mentira mesmo? Talvez ele só estivesse tentando enganar a própria mãe para ficar do lado dele. Tinha visto Charlie fazer isso com Sandra diversas vezes.
null pressionou os lábios, fingindo não ouvir a conversa, mas era praticamente impossível não prestar atenção.
— Sim, mãe. Já resolvi isso, não vou processar ela e nós fizemos um acordo pra ela assumir o erro. Ela tem quarenta e oito horas ou vamos nos ver no tribunal. Ela aceitou porque viu as provas... É, eu sei. Vou usar a null agora como filtro. — Ele riu, de repente. — Eu tenho que ir agora. Tudo bem. Também te amo.
E então ele finalmente desligou.
null checou a hora no celular outra vez e notou que cinco minutos tinham se passado.
null veio até ela um momento depois.
— Olá, boa tarde. Você deve ser a moça da limpeza. Desculpa por te fazer esperar — ele disse gentilmente, estendendo uma mão para ela. — Eu sou null, seja bem-vinda.
Bem-vinda? Aquilo era novo. A maioria das casas que null tinha frequentado estavam vazias ou com donos prestes a sair que mal olhavam na cara dela enquanto cuspiam ordens. Parte daquilo era provavelmente por sua descendência latina, ela tinha certeza. Por mais que tivesse pele clara igualzinha a deles, bastava um olhar para seu corpo um pouquinho mais curvilíneo e ouvir seu sotaque que a encaravam de cima a baixo como se fosse uma anomalia.
Xenofóbicos filhos da puta.
Felizmente, null passou apenas uma vez pela casa da maioria deles.
Só que ninguém, absolutamente ninguém, tinha se dado ao trabalho de cumprimentá-la com educação antes. Mas aquele cara sim.
null encarou a mão estendida dele por um segundo antes de apertá-la e ver a própria desaparecer sob a dele. null sorriu, tranquilo, e por um momento ela se perdeu no céu que eram seus olhos azuis.
— null — ela se apresentou. — Boa tarde, Sr. null. E obrigada.
— Apenas null, por favor. Vamos, vou te mostrar minha casa.
— Sim, claro.
Ela o acompanhou de cômodo a cômodo, franzindo o cenho um pouco mais a cada minuto que passava. O apartamento era enorme, mas... Não estava sujo. Ao menos não o sujo que ela estava acostumada e que fazia pessoas contratarem serviços de limpeza.
Quando chegaram à cozinha, ele abriu o forno e...
— Tá um pouco sujo porque eu andei fazendo biscoitos e deixei cair um pouco de massa, mas...
null se abaixou ao lado dele para ver e sorriu amarelo.
— Claro.
Só tinha um tiquinho de sujeira. Aquilo era uma pegadinha, por acaso?
— Vou te mostrar agora a despensa onde fica os produtos de limpeza.
Em seguida, a levou para uma portinha escondida ao lado da geladeira. Quando a abriu, null quase arregalou os olhos e, naquele momento, finalmente entendeu.
Bem ali, de forma super organizada, continha uma série de produtos de limpeza para basicamente todos os tipos de coisas, além de esfregões, panos de chão, luvas, máscaras e um aspirador de pó portátil.
Era o paraíso das funcionárias de limpeza e só podia significar uma coisa:
null null era um maníaco por limpeza.
— Acho que aqui deve ter tudo o que eu preciso. Obrigada.
— Eu gosto de ter a casa sempre limpa, mas não ando com muito tempo pra fazer isso e tenho que trabalhar. Eu sei que parece muita coisa, mas... — Ele encolheu os ombros, de repente parecendo meio sem jeito. — Eu juro que não sou um maníaco por limpeza. Só gosto de arrumação.
Ah, não, claro que não é, querido. De jeito nenhum.
— Claro. — null sorriu, simpática. — Você prefere que eu comece pela cozinha?
— Sim, sim. Pode ser. Eu vou ficar no quarto enquanto isso, mas... se você preferir ficar sozinha, posso ir pro apartamento do meu amigo e ficar lá até você terminar.
— Ah, não, não precisa. — null sacudiu as mãos, negando. — A casa é sua, então por mim, tudo bem.
— Tem certeza? Não quero atrapalhar nem nada.
— Não vai, eu prometo. — Ela sorriu, achando fofa aquela preocupação.
— Certo, então eu vou ficar no quarto e saio depois, quando você for limpar lá. Qualquer coisa, é só chamar.
— Tudo bem. Vou começar agora — ela avisou, enquanto ele se afastava e se virou para a despensa, finalmente respirando aliviada.
O que tinha sido aquilo?
"No último domingo foi relatado pela Srta. Hannah Smith que o Sr. null null, meu cliente, teria a rejeitado após a mesma contar sobre uma suposta gravidez que teve um triste fim após o término do relacionamento dos dois.
O Sr. null e a Srta. Smith terminaram seu relacionamento — cujo não havia qualquer tipo de compromisso — há pouco mais de um mês, em bons termos e com um sorriso no rosto.
O que ela relata sobre ter sido maltratada e rejeitada são argumentos irreais e não havia qualquer possibilidade de uma gravidez em que meu cliente seria o pai.
Infelizmente, a Srta. Smith resolveu expressar seu descontentamento com o fim do relacionamento um mês mais tarde, através de uma mentira mesquinha, cabulosa e completamente irresponsável, acusando meu cliente de ser culpado por algo que nunca aconteceu. O Sr. null em nenhum momento expressou ser o tipo de pessoa que ela relata, e nunca esteve envolvido em escândalos pessoais em mais de uma década de carreira.
Temos provas concretas que podem facilmente refutar tais argumentos irreais, mas para preservar a privacidade das duas partes, isso será tratado em particular.
Nota por Derick Greenville, advogado representante de null null."
null encarou Hannah de braços cruzados por um instante, em silêncio. Derick, seu advogado, estava ao seu lado, ambos sentados no sofá de seu escritório, com Hannah em frente a eles.
— Você só pode ser muito sem noção pra me acusar de uma coisa dessas. — Era a primeira vez que ele falava com ela desde o término. A primeira vez que a via também.
Algumas horas depois que soube do artigo mentiroso que tinha sido publicado, null entrou em contato com Derick, que sugeriu que ele não tentasse entrar em contato com ela sozinho. Durante a semana inteira ele evitou sair de casa e até mesmo entrar nas redes sociais, cheias de pessoas o bombardeando com xingamentos, o acusando de ser misógino e irresponsável, além de outras coisas, como se ele não fosse uma figura pública há mais de dez anos, conhecido por ser exatamente o contrário do tipo de pessoa que Hannah o tinha acusado de ser.
Era inacreditável.
— Eu estava com raiva. — Ela deu de ombros. — Além disso, você não pode provar que era mentira.
— Não posso? — null arqueou uma sobrancelha. — Pelo visto, você não me conhece direito, Hannah. Posso fazer muita coisa por você, assim como você fez comigo.
Ela riu, irônica, não parecendo nem um pouco preocupada.
— Tipo o quê? A gente mal saía em público. Até onde sei, você podia mesmo ser um manipulador idiota.
— Pelo menos eu não te mantive em banho maria enquanto saía com outra pessoa. — Ele sorriu, vendo a expressão dela vacilar.
— Como assim? — Hannah quis saber.
null então encarou Derick e ele empurrou uma pasta de arquivos que estava em cima da mesa de centro até ela.
Hannah abriu e arregalou os olhos.
Ele sabia exatamente o que ela estava vendo. Bem ali, na primeira página, havia uma sequência de fotos datadas de duas semanas antes do término. Nelas, Hannah estava abraçada e aos beijos com outro homem em um passeio no Central Park.
— Eu não terminei com você sem motivo, sabe. Você era divertida, Hannah.
— Nós não tínhamos compromisso. Não pode me culpar por-
— Mas tínhamos um acordo de sermos exclusivos pelo tempo que durasse. Não menti quando disse que não tinha sentimentos por você. Não fiquei com o ego ferido nem magoado por descobrir que você tava saindo com outro cara enquanto tava comigo. Se você quis sair com ele, foi porque nosso acordo não tava mais te deixando feliz. Não posso te culpar por isso. Mas posso te culpar por não me dizer e ficar com nós dois, como se nada tivesse acontecendo.
— Quando você descobriu? — ela perguntou e ele a viu engolir em seco.
— Umas duas semanas antes de terminar com você. Eu tava esperando pra ver se você ia me contar, mas como não aconteceu, resolvi tomar a iniciativa — ele contou. — Mas preferi fingir não saber pra evitar uma discussão. Foi um término amigável, e eu supus que você tivesse ficado aliviada.
— Você não me queria como sua namorada. Arranjei alguém que quis, mas...
— Mas você preferiu me trair a ser honesta. E ainda falar um monte de merda sem se importar com como isso ia me afetar. — Ele concluiu. — Eu fui muito paciente, Hannah. Mas não aceito esse tipo de coisa de jeito nenhum, então porque você não termina de ver os arquivos?
Hannah apertou os lábios em uma linha fina e passou as próximas páginas, seu olhar paralisando quando leu as palavras que estavam ali.
— O que é isso?
— A prova que você disse que eu não conseguiria. Não subestime minha inteligência, por favor. Não sou só um rostinho bonito com quem você transava às vezes.
Derick pigarreou ao seu lado.
— Como você pode ver, srta. Smith, temos provas contra suas mentiras. No entanto, para evitar levar isso para a corte, o Sr. null prefere fazer um acordo.
— Que tipo de acordo? — Hannah perguntou, encarando null, mas ele permaneceu em silêncio, a encarando com seus olhos azuis frios e quase transparentes.
— Você deve se retratar publicamente, assumindo que o que relatou no artigo é mentira, e assinar um acordo de confidencialidade sobre o que acabou de ver — Derick explicou. — Em troca, meu cliente vai deixar esse assunto de lado e não te processar. Desde já adianto que caso aceite o acordo e o quebre depois, darei início a um processo imediatamente.
Hannah franziu o cenho, mas por fim assentiu.
— Tudo bem, onde eu tenho que assinar?
null conteve um sorriso de escárnio assim que ouviu.
— Eu devia ter ouvido a null quando ela disse que não gostava de você. E você ainda a acusou de ter um caso comigo enquanto namora meu melhor amigo. — Ele riu, sem humor.
Hannah terminou de assinar e empurrou o documento de volta para Derick.
— Você passou mais tempo com ela do que comigo. Você até saía com ela.
— Ela é minha melhor amiga. Não há quaisquer sentimentos românticos entre nós, assim como não havia entre a gente, Hannah. Além disso, eu nunca trairia o cara que cresceu comigo como se fosse meu irmão.
— Eu gostava de você, null. Fiquei com ciúmes.
— Devia gostar mesmo, já que sempre te tratei bem e nada como o que você disse no artigo — ele comentou, se inclinando para assinar os documentos também. — Espero que isso sirva de lição pra você refletir e parar de ser mesquinha por causa da porra de um ego ferido. Você não tava apaixonada por mim, Hannah. E a partir de agora, somos desconhecidos. Não quero ver ou ouvir nada de você falando de mim depois da sua retratação.
Hannah suspirou, soltando o ar de uma vez.
— null, eu... Sinto muito.
— Você tem quarenta e oito horas pra consertar a merda que fez — ele disse, a encarando uma última vez, antes de se levantar e deixar a sala sem olhar para trás.
19 de agosto de 2017, mesmo dia, algumas horas mais tarde - Apartamento de null, Nova York, NY
null encarou a tela do celular por um instante e respirou fundo, antes de retornar a ligação perdida, já se preparando para levar uma bronca. Vinha evitando a mãe há dias e ela já estava ameaçando caçá-lo se ele não respondesse nas próximas vinte e quatro horas.
Linda null continuava a mesma de sempre e provavelmente era a única mulher que o assustava. Então sabendo que postergar aquela conversa só pioraria as coisas, ele decidiu fazer a ligação de uma vez.
Dois toques depois, ouviu a tão familiar voz.
— null null! Eu já estava prestes a arrombar o seu apartamento! Quem mandou você evitar as minhas ligações? E que história é essa na internet? Quem é aquela tal de Hannah Smith?!
— Mãe, aquele artigo não tem nenhuma verdade. Eu mandei mensagem te dizendo, não atendi antes porque eu queria resolver logo isso antes da gente conversar — ele começou. — A Hannah era uma ficante. A gente saiu por uns três meses até eu descobrir que ela tava vendo outro cara.
— Ela te traiu?! Ah, meu amor, sinto muito — ela murmurou do outro lado, o tom de voz um pouco mais suave.
— Não sinta. Eu não tinha sentimentos por ela, era só... Bem, você sabe. Ela demonstrou interesse em algo mais, só que nunca dei bola — ele explicou. — Pensei que ela tava infeliz com nossa... Amizade. Até esperei ela me contar sobre o outro cara, só que isso não aconteceu. Eu nem disse pra ela que eu sabia quando a gente terminou e-
A campainha tocou, o interrompendo no meio da frase.
— Só um instante, mãe. É a campainha. — Ele rapidamente se dirigiu até a porta e quando a abriu, encontrou uma garota de cabelo escuro que o encarou como se estivesse vendo um fantasma. Os olhos dele rapidamente pousaram no crachá ao redor do pescoço dela. — Oi, pode entrar. — Ele abriu espaço para ela e fez sinal para que esperasse um minuto.
— Então, mãe. Ela tava de boa quando a gente terminou, a gente até se abraçou depois. Daí agora ela me vem com essa mentira sem noção um mês depois. — Ele se afastou por um momento, para terminar a conversa.
Ainda parada à porta, a garota checou a hora no celular e olhou ao redor do apartamento grande e chique que aquele cara tinha.
Aquele era o terceiro lar que null visitava naquele dia. Não parecia muito sujo, mas sabia por experiência própria que não devia se animar até ver a cozinha. Geralmente era a pior parte de se limpar e a mais negligenciada, chegando a ser um certo choque cultural para ela que cresceu acostumada a viver em um lugar limpo, especialmente a cozinha.
Sua avó brasileira nunca deixava sujeira acumular no fogão, que dirá do forno, como era costume de muitos cidadãos daquele país. Ela perdeu a conta de quantas vezes teve que raspar crostas grossas de sujeira preta e restos de comida que não fazia ideia nem de quando estava ali.
Da primeira vez, quase vomitou de nojo. Passou a usar máscaras desde então, além das luvas grossas de borracha que já eram habituais para manipular os produtos fortes de limpeza que a ajudavam.
Felizmente, nem todas as casas eram assim. Algumas davam menos trabalho e ela não precisava ficar por quase uma hora presa na frente de um fogão sujo, só que a maioria das pessoas que contratavam aquele tipo de serviço não fazia isso com tanta frequência. null nunca esteve na mesma residência por mais de duas vezes, mas a agência também a mandava para locais aleatórios na maioria delas.
Não foi diferente daquela vez, mas ela estava habituada a visitar lares de famílias bem tradicionais, não apartamentos chiques.
Quando desceu do ônibus e chegou ao endereço indicado, teve que ligar para sua chefe, Rose, para confirmar se não havia algum engano.
— O lugar é esse mesmo — ela confirmou. — O cliente pediu sigilo, inclusive. Esqueci de avisar. Também solicitou limpeza duas vezes por semana.
— Duas vezes por semana? — null perguntou, surpresa.
— Resolvi mandar você porque ele foi bem específico sobre isso e como queria alguém que trabalhasse bem. Você é uma das nossas melhores garotas, null. Vou te manter nessa casa se o cliente gostar do seu trabalho. Ele disse que pagaria a mais pela exclusividade, e sei que você precisa do dinheiro. É uma ótima oportunidade.
null sentiu os olhos arderem quando ouviu. Depois da família e dos funcionários de seu pai, havia poucas pessoas que sabiam de sua dificuldade em conseguir pagar os medicamentos cardíacos. Uma delas era Rose. As outras, suas chefes da cafeteria que ainda trabalhava alguns dias por semana, e do clube onde dançava, fora algumas outras colegas dançarinas.
Querendo ou não, null precisava avisar nos trabalhos sobre sua condição de saúde, apenas para o caso de acontecer alguma coisa. Não tinha nenhum contato de emergência depois que o pai se foi e a dança, além dos trabalhos físicos, às vezes exigiam um pouco mais de energia dela do que costumava ser com outras pessoas.
O certo era moderar tudo, mas mesmo assim, ela ainda trabalhava de domingo a domingo, com raras exceções que faltava quando não estava se sentindo bem.
— Muito obrigada, Rose. Vou garantir que ele goste.
— Ótimo, menina. Boa sorte.
A questão era que ninguém tinha contado a null que o dono daquele apartamento era null null, a celebridade. Ela não o conhecia até alguns dias atrás, no domingo, quando ouviu as meninas no clube comentando sobre um tal escândalo que estava envolvido.
Uma ex o acusou de abandoná-la grávida e que o choque da rejeição dela e da criança teria ocasionado um aborto espontâneo pouco depois. Isso além do relato de como ele a tinha tratado mal e coisas do tipo. null se compadeceu por ela e odiou o cara no mesmo instante.
Era um pouco sensível com isso, porque o pai de Maia abandonou sua mãe e a filha ainda bebê, e isso resultou numa jovem traumatizada pelo abandono. Ao menos naquela situação não teria nenhuma criança inocente sofrendo por consequência da babaquice do pai que se recusava a assumir sua responsabilidade.
Quando null abriu a porta, ela piscou, surpresa. Por uma parte, porque era ele; e outra, porque ele era ainda mais bonito pessoalmente.
De um jeito quase inacreditável.
Tipo o homem mais lindo do mundo e ela nem estava sendo irônica. null nem sabia que pessoas bonitas assim existiam mesmo. A foto que ela viu não fazia justiça a ele nem mesmo um pouquinho, porque pessoalmente era ainda melhor.
O cara a chamou para entrar e então null teve que se policiar para lembrar que aquele homem lindo era um babaca.
Só que um babaca que poderia render dinheiro extra a ela, então isso não era da sua conta. Àquela altura, null poderia limpar a casa do diabo e do papa ao mesmo tempo, se aquilo pudesse garantir que ela tivesse dinheiro suficiente para ela se manter saudável e um pouquinho menos cansada.
Depois de uma olhada rápida no apartamento, observou null andar de um lado para o outro ainda falando ao telefone, como se ela nem estivesse ali.
— Não tem possibilidade nenhuma daquela gravidez ter existido e ela ainda jogou na minha cara que eu não podia provar que ela tava mentindo.
Eita, ele tava fofocando com a mãe sobre o escândalo. E era mentira mesmo? Talvez ele só estivesse tentando enganar a própria mãe para ficar do lado dele. Tinha visto Charlie fazer isso com Sandra diversas vezes.
null pressionou os lábios, fingindo não ouvir a conversa, mas era praticamente impossível não prestar atenção.
— Sim, mãe. Já resolvi isso, não vou processar ela e nós fizemos um acordo pra ela assumir o erro. Ela tem quarenta e oito horas ou vamos nos ver no tribunal. Ela aceitou porque viu as provas... É, eu sei. Vou usar a null agora como filtro. — Ele riu, de repente. — Eu tenho que ir agora. Tudo bem. Também te amo.
E então ele finalmente desligou.
null checou a hora no celular outra vez e notou que cinco minutos tinham se passado.
null veio até ela um momento depois.
— Olá, boa tarde. Você deve ser a moça da limpeza. Desculpa por te fazer esperar — ele disse gentilmente, estendendo uma mão para ela. — Eu sou null, seja bem-vinda.
Bem-vinda? Aquilo era novo. A maioria das casas que null tinha frequentado estavam vazias ou com donos prestes a sair que mal olhavam na cara dela enquanto cuspiam ordens. Parte daquilo era provavelmente por sua descendência latina, ela tinha certeza. Por mais que tivesse pele clara igualzinha a deles, bastava um olhar para seu corpo um pouquinho mais curvilíneo e ouvir seu sotaque que a encaravam de cima a baixo como se fosse uma anomalia.
Xenofóbicos filhos da puta.
Felizmente, null passou apenas uma vez pela casa da maioria deles.
Só que ninguém, absolutamente ninguém, tinha se dado ao trabalho de cumprimentá-la com educação antes. Mas aquele cara sim.
null encarou a mão estendida dele por um segundo antes de apertá-la e ver a própria desaparecer sob a dele. null sorriu, tranquilo, e por um momento ela se perdeu no céu que eram seus olhos azuis.
— null — ela se apresentou. — Boa tarde, Sr. null. E obrigada.
— Apenas null, por favor. Vamos, vou te mostrar minha casa.
— Sim, claro.
Ela o acompanhou de cômodo a cômodo, franzindo o cenho um pouco mais a cada minuto que passava. O apartamento era enorme, mas... Não estava sujo. Ao menos não o sujo que ela estava acostumada e que fazia pessoas contratarem serviços de limpeza.
Quando chegaram à cozinha, ele abriu o forno e...
— Tá um pouco sujo porque eu andei fazendo biscoitos e deixei cair um pouco de massa, mas...
null se abaixou ao lado dele para ver e sorriu amarelo.
— Claro.
Só tinha um tiquinho de sujeira. Aquilo era uma pegadinha, por acaso?
— Vou te mostrar agora a despensa onde fica os produtos de limpeza.
Em seguida, a levou para uma portinha escondida ao lado da geladeira. Quando a abriu, null quase arregalou os olhos e, naquele momento, finalmente entendeu.
Bem ali, de forma super organizada, continha uma série de produtos de limpeza para basicamente todos os tipos de coisas, além de esfregões, panos de chão, luvas, máscaras e um aspirador de pó portátil.
Era o paraíso das funcionárias de limpeza e só podia significar uma coisa:
null null era um maníaco por limpeza.
— Acho que aqui deve ter tudo o que eu preciso. Obrigada.
— Eu gosto de ter a casa sempre limpa, mas não ando com muito tempo pra fazer isso e tenho que trabalhar. Eu sei que parece muita coisa, mas... — Ele encolheu os ombros, de repente parecendo meio sem jeito. — Eu juro que não sou um maníaco por limpeza. Só gosto de arrumação.
Ah, não, claro que não é, querido. De jeito nenhum.
— Claro. — null sorriu, simpática. — Você prefere que eu comece pela cozinha?
— Sim, sim. Pode ser. Eu vou ficar no quarto enquanto isso, mas... se você preferir ficar sozinha, posso ir pro apartamento do meu amigo e ficar lá até você terminar.
— Ah, não, não precisa. — null sacudiu as mãos, negando. — A casa é sua, então por mim, tudo bem.
— Tem certeza? Não quero atrapalhar nem nada.
— Não vai, eu prometo. — Ela sorriu, achando fofa aquela preocupação.
— Certo, então eu vou ficar no quarto e saio depois, quando você for limpar lá. Qualquer coisa, é só chamar.
— Tudo bem. Vou começar agora — ela avisou, enquanto ele se afastava e se virou para a despensa, finalmente respirando aliviada.
O que tinha sido aquilo?
Capítulo 3
Pela primeira vez naquela semana, mesmo no meio de um trabalho cansativo, null se sentiu feliz.
E então com medo, pensando que era bom demais para ser verdade, mas disse a si mesma para evitar pensamentos negativos.
Talvez o universo finalmente estivesse lhe dando uma chance de respirar um pouco, porque a casa de null null era apenas o melhor lugar que ela já tinha trabalhado. Mesmo sendo enorme, a pouca sujeira que tinha para limpar não dava muito trabalho. Até mesmo o fogão e o forno sujo tinham levado apenas dez minutos para limpar.
Em certo momento, sua mente voou enquanto cantarolava baixinho a melodia de uma música e ela fantasiou como seria continuar trabalhando ali; ou se todas as casas que frequentasse tivessem donos com o mesmo cuidado e zelo que null tinha com a dele.
null não estava ficando nem mesmo ofegante, o que era um alívio para seu coração doente. Trabalhar de domingo a domingo em três empregos diferentes e levar a rotina cansativa que ela tinha, sem um descanso adequado, era inevitavelmente contraindicado para pessoas portadoras de Cardiomiopatia Hipertrófica, ou simplesmente HCM, como ela preferia chamar.
Ao menos naquele dia não precisaria tomar uma dose a mais de remédio para lidar com sintomas decorrentes do cansaço e estresse do trabalho, como tinha feito na noite anterior.
Isso também era contraindicado, é claro. Pacientes não deveriam ajustar doses por conta própria, mas ela tinha visto o Dr. Diego Martinez fazer isso um punhado de vezes nos três anos em que foi acompanhada por ele.
Inclusive, ele foi o responsável pela disopiramida em seu tratamento. No Brasil, null levava uma vida mais tranquila e pacata. Mas ao chegar nos Estados Unidos e iniciar a faculdade de dança, seu ritmo aumentou consideravelmente e ela deixou de responder ao tratamento com medicamentos mais comuns. Agora, usava uma associação de disopiramida e propranolol para evitar o descontrole de seus sintomas. O propranolol era barato, ainda que algumas vezes mais caro do que o que ela comprava no Brasil, mas a disopiramida era o problema.
null tentou usar uma versão genérica, bem mais barata que a versão de marca recomendada pelo Dr. Martinez, mas alguma coisa deu errado, não funcionava como deveria e ela sentia alguns sintomas estranhos.
No início, achou que pudesse ser questão de adaptação, mesmo sendo o mesmo medicamento, mas quando isso claramente não aconteceu, em uma pesquisa rápida na internet, ela descobriu que poderia ter alguma intolerância aos excipientes ou outro componente presente naquela versão.
Então, com tristeza pelo rombo financeiro, voltou a tomar a versão de marca, que também tinha efeitos colaterais que a atingiam vez ou outra, mas nada muito preocupante.
Pessoas como ela deveriam ter acompanhamento médico regular, mas já tinham se passado sete meses desde a última vez que vira o Dr. Martinez. Em uma cidade cara como Nova York, não ter plano de saúde era completamente desmotivador.
No Brasil, pelo menos poderia ter consultas gratuitas, graças ao sistema de saúde do país. Mas embora sentisse falta desse tipo de acessibilidade, voltar a morar em uma cidadezinha pacata do interior do nordeste não era uma opção.
Antes de sair do país, null trabalhava como recepcionista em um laboratório de exames e ganhava muito pouco.
Mesmo agora, tendo que trabalhar horrores, ela conseguia dar um jeito de se manter e ainda enviar dinheiro para a avó e a irmã. Ainda que pudesse parecer pouco para alguém que ganhava em dólar, para quem morava no Brasil o dólar valia o triplo ou mais, dependendo da cotação do dia.
Querendo ou não, ela tinha que seguir firme. E sua primeira meta seria sair do armário de vassouras em que vivia na casa do pai. Mesmo que fosse morar em uma quitinete minúscula, ainda seria melhor do que aguentar piadinhas de sua madrasta e filhos riquinhos e mimados.
null estava juntando dinheiro para comprar paz; depois lidaria com sua saúde. Infelizmente, ainda havia um longo caminho pela frente.
Assim que terminou de limpar a cozinha e a sala de estar, null seguiu para os banheiros e então para os quartos, resolvendo deixar a suíte de null por último. Passou por um escritório que não parecia ser muito frequentado, dois quartos de hóspedes e um outro menor e vazio, com uma janela grande que fornecia uma boa iluminação e uma vista para a rua e os diversos prédios de Nova York. O sol já estava se pondo e ela se distraiu um pouquinho observando o céu alaranjado antes de voltar a limpar.
Aquele quarto tinha um tamanho ótimo para dançar. Ela até conseguia imaginar uma das paredes repleta de espelhos enquanto a luz natural entrava pelo janelão. Talvez um dia pudesse sonhar com um quarto extra daqueles. Por ora, ainda podia usar a sala de ensaios do clube no fim do expediente ou entre um emprego e outro.
Naquela noite, ela teria um expediente na cafeteria das sete às dez e então seguiria para o clube burlesco que a tinha aceitado dois meses depois da morte de seu pai. Uma antiga colega da faculdade trabalhava lá e foi por ela que null ficou sabendo de uma vaga disponível.
Por mais que nunca tivesse pensado naquele tipo de emprego antes, null não tinha problema nenhum em interpretar uma dançarina sexy no palco. Especialmente quando todas usavam máscaras — uma medida de cautela de sua chefe, depois de uma das garotas terem sido assediadas por um cliente.
No fim, era apenas dança, mas ela estava feliz por não ser obrigada a tirar a roupa se não quisesse, provavelmente uma das vantagens de se ter uma mulher no comando. Também era ali que null conseguia dinheiro de forma mais rápida. Gastava o que ganhava ali com sua saúde e quando sobrava, depositava em sua pequena poupança.
Quando terminou de aspirar o quarto, null usou um pano úmido no chão e um produto de limpeza super cheiroso que tinha encontrado na despensa. Tinha usado ele na casa toda. Era um produto um pouco mais caro e concentrado, que as pessoas costumavam usar com cautela, mas para null não devia passar de uns trocadinhos. Só que visto a variedade de produtos estocados que ele tinha, meio que ficava na cara que ele gostava de um ambiente cheiroso.
Na sala, havia um difusor de ambiente seco, que ela trocou por um novo que encontrou em estoque.
Era quase como se estivesse brincando de casinha.
A parte boa era que não precisaria ter tanta pressa de chegar na cafeteria e provavelmente daria tempo de comer algo com calma no caminho. Nem ficava muito longe dali, de qualquer forma. Talvez uns cinco minutos de caminhada, segundo o GPS.
Quando finalizou tudo, null se dirigiu ao quarto de null e deu umas batidinhas na porta. Ele apareceu um momento depois, com o cabelo úmido indicando um banho recém-tomado, mas completamente vestido. O cheiro de sabonete e perfume invadiu suas narinas de uma vez só e, por um momento, ela percebeu que tinha se esquecido como ele era grande e bonito. E babaca, até onde ela sabia, embora aquela conversa acidentalmente ouvida mais cedo a tivesse deixado um pouquinho em dúvida.
null nunca foi do tipo de pessoa que julgava alguém com base em fofocas. E tecnicamente, não deveria fazer isso com ele também, certo? Ainda mais se ele quisesse contratá-la para ficar indo limpar a casa toda semana. Não é como se ela o conhecesse, de qualquer forma.
A vida pessoal dele não era de sua conta, mas ganhar dinheiro sim.
Não podia se dar ao luxo de rejeitar um trabalho só porque o cliente rejeitou uma namorada que aparentemente nem estava grávida, segundo o que ele contou para a mãe.
Desde que a tratasse com respeito ou apenas nem falasse com ela, como a maioria dos clientes fazia, null podia ser Lúcifer na terra que ela não estava nem aí.
— Oi, eu terminei de limpar a casa, só falta a suíte.
— Claro. Pode ficar à vontade — ele disse. — Eu abri as cortinas pra entrar um pouco de luz também. Ah, e não precisa limpar o banheiro, eu fiz isso enquanto tomava banho.
— Ah, certo...
— Vou estar na cozinha, se precisar de algo é só chamar. — Ele sorriu com educação e null assentiu.
— Obrigada.
null desapareceu um segundo depois e quinze minutos foi tudo o que ela precisou para finalizar o quarto. A cama já estava arrumada e não havia roupas, sapatos nem nada do tipo espalhados. Ele tinha um closet grande e bem organizado e com uma espiadinha no banheiro, ela viu um cesto de roupa suja.
E uma banheira de hidromassagem.
Caramba, bem que ela queria experimentar uma daquelas um dia. Talvez fizesse milagres em seus músculos tensos e cansados.
Esticou os braços para cima e ficou na ponta dos pés, sentindo o corpo todo dar uma leve alongada. Então bocejou, sentindo o cansaço do dia começar a bater, e juntou as coisas que tinha usado, antes de seguir para a cozinha.
Era sexta-feira e ela não estaria em casa até pelo menos duas da manhã. Felizmente, só voltaria a trabalhar na cafeteria durante a tarde do sábado antes de voltar para o clube, então tentaria dormir mais um pouco. E de preferência, fingir que nem estava em casa, apenas para o caso de alguém resolver incomodá-la.
null estava em frente à bancada, preparando sanduíches e havia uma jarra de suco de laranja perto dele.
— Terminei — ela anunciou, chamando a atenção dele.
— Ótimo, você tá com um tempinho? Senta um pouco. — Ele apontou para o banquinho em frente a ele.
null franziu o cenho, mas se sentou mesmo assim. No instante seguinte, null empurrou um dos sanduíches para ela.
— Ah, eu... Não precisava fazer isso pra mim, Sr. null — ela comentou, meio sem jeito.
— null — ele corrigiu.
— Isso. null. Não precisava fazer isso — ela repetiu.
— Eu sei, desculpe. É uma mania — ele contou, enquanto enchia um copo de suco para ela. — Sempre cozinhei pros meus amigos e gosto de alimentar as pessoas ao meu redor. Não é nada pessoal, mas você parecia cansada e achei que um lanche talvez pudesse ajudar a recuperar as energias. Por favor, coma. Acredito que não tenha nada que possa dar alergia, é só um sanduíche de frango desfiado com salada. Você não é vegetariana, né? Eu devia ter perguntado.
— Não, não sou. — null riu baixinho, e então deu uma mordida no sanduíche, engoliu e tomou um gole de suco. — Parece ótimo, obrigada.
— Que bom que gostou. — Ele sorriu e se sentou, se servindo com um copo de suco.
Os dois comeram em silêncio durante cerca de dez minutos, trocando sorrisos educados vez ou outra. Quando acabaram, null pegou sua bolsa e null a acompanhou até a porta.
— Eu gostei muito do seu trabalho, null — ele disse, antes dela sair. — Solicitei os serviços duas vezes por semana, espero que possa vir mais vezes. Não tenho muito costume de receber funcionários diferentes a cada vez, mas a pessoa que vinha antes se aposentou.
— Minha chefe disse que se tudo estivesse bem pra você, então ela continuaria me mandando — ela respondeu no automático, ainda processando as palavras dele.
Como null não falou nada sobre a limpeza enquanto comiam, ela achou que fosse ficar por isso mesmo, mas... Era isso mesmo, produção?
Ela seria contratada? Ter duas limpezas fixas por semana, na mesma casa?
— Tem outra coisa — ele acrescentou, interrompendo seus pensamentos. — Meu amigo mora no apartamento de cima e disse que gostaria de contratar alguém também. Ele odeia ter gente estranha entrando no apartamento dele, mas disse que eu podia escolher alguém pra limpar nossas casas.
— No andar... De cima? Quantas vezes por semana?
— Duas também. Você pode vir no mesmo dia. Acho que uma tarde deve ser suficiente pra você conseguir trabalhar nos dois apartamentos. Se você topar, eu posso falar com sua chefe hoje mesmo quando for enviar o feedback.
Duas casas! Caramba, quanto tempo dela aquilo pouparia? Quatro limpezas por semana no mesmo endereço. E eles pagavam melhor. Talvez null pudesse fazer menos limpezas, talvez duas por dia ao invés de três, e ainda sobraria um pouquinho de tempo que ela poderia usar para ensaiar as rotinas de dança do clube.
— Por mim, tudo bem. Muito obrigada, senh-digo, null. — Ela sorriu, radiante.
null devolveu o sorriso.
— Obrigado você também. Minha casa tá muito limpa e cheirosa. Até semana que vem, null.
— Até! — Ela acenou para ele antes de dar as costas. Quando ouviu a porta se fechar, fez uma dancinha da vitória extremamente dramática e caiu de joelhos no chão com as duas mãos entrelaçadas, agradecendo baixinho ao universo por aquele pequeno alívio.
Então se levantou e entrou no elevador, sentindo os olhos arderem de emoção. Um par de lágrimas escapou deles, mas o sorriso de null não se desfez.
Seu coração estava cheio de felicidade e gratidão com a expectativa de ter um pouquinho mais de descanso.
Mal podia esperar pelas próximas vezes.
Ela seria a Rainha da Limpeza!
Conquistaria null e o amigo dele pelas narinas, deixando suas casas super cheirosas e limpinhas!
Se aquele cara era o mal encarnado como a ex dele fez parecer na matéria, então null com certeza tinha uma coisa com pessoas com desvio de caráter — e não somente personagens fictícios.
Enquanto o elevador descia, ela agradeceu baixinho mais uma vez e orou para que aquela oportunidade pudesse durar por um bom tempo.
E então com medo, pensando que era bom demais para ser verdade, mas disse a si mesma para evitar pensamentos negativos.
Talvez o universo finalmente estivesse lhe dando uma chance de respirar um pouco, porque a casa de null null era apenas o melhor lugar que ela já tinha trabalhado. Mesmo sendo enorme, a pouca sujeira que tinha para limpar não dava muito trabalho. Até mesmo o fogão e o forno sujo tinham levado apenas dez minutos para limpar.
Em certo momento, sua mente voou enquanto cantarolava baixinho a melodia de uma música e ela fantasiou como seria continuar trabalhando ali; ou se todas as casas que frequentasse tivessem donos com o mesmo cuidado e zelo que null tinha com a dele.
null não estava ficando nem mesmo ofegante, o que era um alívio para seu coração doente. Trabalhar de domingo a domingo em três empregos diferentes e levar a rotina cansativa que ela tinha, sem um descanso adequado, era inevitavelmente contraindicado para pessoas portadoras de Cardiomiopatia Hipertrófica, ou simplesmente HCM, como ela preferia chamar.
Ao menos naquele dia não precisaria tomar uma dose a mais de remédio para lidar com sintomas decorrentes do cansaço e estresse do trabalho, como tinha feito na noite anterior.
Isso também era contraindicado, é claro. Pacientes não deveriam ajustar doses por conta própria, mas ela tinha visto o Dr. Diego Martinez fazer isso um punhado de vezes nos três anos em que foi acompanhada por ele.
Inclusive, ele foi o responsável pela disopiramida em seu tratamento. No Brasil, null levava uma vida mais tranquila e pacata. Mas ao chegar nos Estados Unidos e iniciar a faculdade de dança, seu ritmo aumentou consideravelmente e ela deixou de responder ao tratamento com medicamentos mais comuns. Agora, usava uma associação de disopiramida e propranolol para evitar o descontrole de seus sintomas. O propranolol era barato, ainda que algumas vezes mais caro do que o que ela comprava no Brasil, mas a disopiramida era o problema.
null tentou usar uma versão genérica, bem mais barata que a versão de marca recomendada pelo Dr. Martinez, mas alguma coisa deu errado, não funcionava como deveria e ela sentia alguns sintomas estranhos.
No início, achou que pudesse ser questão de adaptação, mesmo sendo o mesmo medicamento, mas quando isso claramente não aconteceu, em uma pesquisa rápida na internet, ela descobriu que poderia ter alguma intolerância aos excipientes ou outro componente presente naquela versão.
Então, com tristeza pelo rombo financeiro, voltou a tomar a versão de marca, que também tinha efeitos colaterais que a atingiam vez ou outra, mas nada muito preocupante.
Pessoas como ela deveriam ter acompanhamento médico regular, mas já tinham se passado sete meses desde a última vez que vira o Dr. Martinez. Em uma cidade cara como Nova York, não ter plano de saúde era completamente desmotivador.
No Brasil, pelo menos poderia ter consultas gratuitas, graças ao sistema de saúde do país. Mas embora sentisse falta desse tipo de acessibilidade, voltar a morar em uma cidadezinha pacata do interior do nordeste não era uma opção.
Antes de sair do país, null trabalhava como recepcionista em um laboratório de exames e ganhava muito pouco.
Mesmo agora, tendo que trabalhar horrores, ela conseguia dar um jeito de se manter e ainda enviar dinheiro para a avó e a irmã. Ainda que pudesse parecer pouco para alguém que ganhava em dólar, para quem morava no Brasil o dólar valia o triplo ou mais, dependendo da cotação do dia.
Querendo ou não, ela tinha que seguir firme. E sua primeira meta seria sair do armário de vassouras em que vivia na casa do pai. Mesmo que fosse morar em uma quitinete minúscula, ainda seria melhor do que aguentar piadinhas de sua madrasta e filhos riquinhos e mimados.
null estava juntando dinheiro para comprar paz; depois lidaria com sua saúde. Infelizmente, ainda havia um longo caminho pela frente.
Assim que terminou de limpar a cozinha e a sala de estar, null seguiu para os banheiros e então para os quartos, resolvendo deixar a suíte de null por último. Passou por um escritório que não parecia ser muito frequentado, dois quartos de hóspedes e um outro menor e vazio, com uma janela grande que fornecia uma boa iluminação e uma vista para a rua e os diversos prédios de Nova York. O sol já estava se pondo e ela se distraiu um pouquinho observando o céu alaranjado antes de voltar a limpar.
Aquele quarto tinha um tamanho ótimo para dançar. Ela até conseguia imaginar uma das paredes repleta de espelhos enquanto a luz natural entrava pelo janelão. Talvez um dia pudesse sonhar com um quarto extra daqueles. Por ora, ainda podia usar a sala de ensaios do clube no fim do expediente ou entre um emprego e outro.
Naquela noite, ela teria um expediente na cafeteria das sete às dez e então seguiria para o clube burlesco que a tinha aceitado dois meses depois da morte de seu pai. Uma antiga colega da faculdade trabalhava lá e foi por ela que null ficou sabendo de uma vaga disponível.
Por mais que nunca tivesse pensado naquele tipo de emprego antes, null não tinha problema nenhum em interpretar uma dançarina sexy no palco. Especialmente quando todas usavam máscaras — uma medida de cautela de sua chefe, depois de uma das garotas terem sido assediadas por um cliente.
No fim, era apenas dança, mas ela estava feliz por não ser obrigada a tirar a roupa se não quisesse, provavelmente uma das vantagens de se ter uma mulher no comando. Também era ali que null conseguia dinheiro de forma mais rápida. Gastava o que ganhava ali com sua saúde e quando sobrava, depositava em sua pequena poupança.
Quando terminou de aspirar o quarto, null usou um pano úmido no chão e um produto de limpeza super cheiroso que tinha encontrado na despensa. Tinha usado ele na casa toda. Era um produto um pouco mais caro e concentrado, que as pessoas costumavam usar com cautela, mas para null não devia passar de uns trocadinhos. Só que visto a variedade de produtos estocados que ele tinha, meio que ficava na cara que ele gostava de um ambiente cheiroso.
Na sala, havia um difusor de ambiente seco, que ela trocou por um novo que encontrou em estoque.
Era quase como se estivesse brincando de casinha.
A parte boa era que não precisaria ter tanta pressa de chegar na cafeteria e provavelmente daria tempo de comer algo com calma no caminho. Nem ficava muito longe dali, de qualquer forma. Talvez uns cinco minutos de caminhada, segundo o GPS.
Quando finalizou tudo, null se dirigiu ao quarto de null e deu umas batidinhas na porta. Ele apareceu um momento depois, com o cabelo úmido indicando um banho recém-tomado, mas completamente vestido. O cheiro de sabonete e perfume invadiu suas narinas de uma vez só e, por um momento, ela percebeu que tinha se esquecido como ele era grande e bonito. E babaca, até onde ela sabia, embora aquela conversa acidentalmente ouvida mais cedo a tivesse deixado um pouquinho em dúvida.
null nunca foi do tipo de pessoa que julgava alguém com base em fofocas. E tecnicamente, não deveria fazer isso com ele também, certo? Ainda mais se ele quisesse contratá-la para ficar indo limpar a casa toda semana. Não é como se ela o conhecesse, de qualquer forma.
A vida pessoal dele não era de sua conta, mas ganhar dinheiro sim.
Não podia se dar ao luxo de rejeitar um trabalho só porque o cliente rejeitou uma namorada que aparentemente nem estava grávida, segundo o que ele contou para a mãe.
Desde que a tratasse com respeito ou apenas nem falasse com ela, como a maioria dos clientes fazia, null podia ser Lúcifer na terra que ela não estava nem aí.
— Oi, eu terminei de limpar a casa, só falta a suíte.
— Claro. Pode ficar à vontade — ele disse. — Eu abri as cortinas pra entrar um pouco de luz também. Ah, e não precisa limpar o banheiro, eu fiz isso enquanto tomava banho.
— Ah, certo...
— Vou estar na cozinha, se precisar de algo é só chamar. — Ele sorriu com educação e null assentiu.
— Obrigada.
null desapareceu um segundo depois e quinze minutos foi tudo o que ela precisou para finalizar o quarto. A cama já estava arrumada e não havia roupas, sapatos nem nada do tipo espalhados. Ele tinha um closet grande e bem organizado e com uma espiadinha no banheiro, ela viu um cesto de roupa suja.
E uma banheira de hidromassagem.
Caramba, bem que ela queria experimentar uma daquelas um dia. Talvez fizesse milagres em seus músculos tensos e cansados.
Esticou os braços para cima e ficou na ponta dos pés, sentindo o corpo todo dar uma leve alongada. Então bocejou, sentindo o cansaço do dia começar a bater, e juntou as coisas que tinha usado, antes de seguir para a cozinha.
Era sexta-feira e ela não estaria em casa até pelo menos duas da manhã. Felizmente, só voltaria a trabalhar na cafeteria durante a tarde do sábado antes de voltar para o clube, então tentaria dormir mais um pouco. E de preferência, fingir que nem estava em casa, apenas para o caso de alguém resolver incomodá-la.
null estava em frente à bancada, preparando sanduíches e havia uma jarra de suco de laranja perto dele.
— Terminei — ela anunciou, chamando a atenção dele.
— Ótimo, você tá com um tempinho? Senta um pouco. — Ele apontou para o banquinho em frente a ele.
null franziu o cenho, mas se sentou mesmo assim. No instante seguinte, null empurrou um dos sanduíches para ela.
— Ah, eu... Não precisava fazer isso pra mim, Sr. null — ela comentou, meio sem jeito.
— null — ele corrigiu.
— Isso. null. Não precisava fazer isso — ela repetiu.
— Eu sei, desculpe. É uma mania — ele contou, enquanto enchia um copo de suco para ela. — Sempre cozinhei pros meus amigos e gosto de alimentar as pessoas ao meu redor. Não é nada pessoal, mas você parecia cansada e achei que um lanche talvez pudesse ajudar a recuperar as energias. Por favor, coma. Acredito que não tenha nada que possa dar alergia, é só um sanduíche de frango desfiado com salada. Você não é vegetariana, né? Eu devia ter perguntado.
— Não, não sou. — null riu baixinho, e então deu uma mordida no sanduíche, engoliu e tomou um gole de suco. — Parece ótimo, obrigada.
— Que bom que gostou. — Ele sorriu e se sentou, se servindo com um copo de suco.
Os dois comeram em silêncio durante cerca de dez minutos, trocando sorrisos educados vez ou outra. Quando acabaram, null pegou sua bolsa e null a acompanhou até a porta.
— Eu gostei muito do seu trabalho, null — ele disse, antes dela sair. — Solicitei os serviços duas vezes por semana, espero que possa vir mais vezes. Não tenho muito costume de receber funcionários diferentes a cada vez, mas a pessoa que vinha antes se aposentou.
— Minha chefe disse que se tudo estivesse bem pra você, então ela continuaria me mandando — ela respondeu no automático, ainda processando as palavras dele.
Como null não falou nada sobre a limpeza enquanto comiam, ela achou que fosse ficar por isso mesmo, mas... Era isso mesmo, produção?
Ela seria contratada? Ter duas limpezas fixas por semana, na mesma casa?
— Tem outra coisa — ele acrescentou, interrompendo seus pensamentos. — Meu amigo mora no apartamento de cima e disse que gostaria de contratar alguém também. Ele odeia ter gente estranha entrando no apartamento dele, mas disse que eu podia escolher alguém pra limpar nossas casas.
— No andar... De cima? Quantas vezes por semana?
— Duas também. Você pode vir no mesmo dia. Acho que uma tarde deve ser suficiente pra você conseguir trabalhar nos dois apartamentos. Se você topar, eu posso falar com sua chefe hoje mesmo quando for enviar o feedback.
Duas casas! Caramba, quanto tempo dela aquilo pouparia? Quatro limpezas por semana no mesmo endereço. E eles pagavam melhor. Talvez null pudesse fazer menos limpezas, talvez duas por dia ao invés de três, e ainda sobraria um pouquinho de tempo que ela poderia usar para ensaiar as rotinas de dança do clube.
— Por mim, tudo bem. Muito obrigada, senh-digo, null. — Ela sorriu, radiante.
null devolveu o sorriso.
— Obrigado você também. Minha casa tá muito limpa e cheirosa. Até semana que vem, null.
— Até! — Ela acenou para ele antes de dar as costas. Quando ouviu a porta se fechar, fez uma dancinha da vitória extremamente dramática e caiu de joelhos no chão com as duas mãos entrelaçadas, agradecendo baixinho ao universo por aquele pequeno alívio.
Então se levantou e entrou no elevador, sentindo os olhos arderem de emoção. Um par de lágrimas escapou deles, mas o sorriso de null não se desfez.
Seu coração estava cheio de felicidade e gratidão com a expectativa de ter um pouquinho mais de descanso.
Mal podia esperar pelas próximas vezes.
Ela seria a Rainha da Limpeza!
Conquistaria null e o amigo dele pelas narinas, deixando suas casas super cheirosas e limpinhas!
Se aquele cara era o mal encarnado como a ex dele fez parecer na matéria, então null com certeza tinha uma coisa com pessoas com desvio de caráter — e não somente personagens fictícios.
Enquanto o elevador descia, ela agradeceu baixinho mais uma vez e orou para que aquela oportunidade pudesse durar por um bom tempo.
Capítulo 4
— Oi, idiota arrogante, insensível e destruidor de corações de mulheres inocentes — null cumprimentou null com um sorriso no rosto, assim que o viu.
— Cara, é sério que você tá brincando com isso? — Mason perguntou, dando-lhe um tapa no ombro. — Repetindo o que aquela vaca disse?
— Você tá chamando uma mulher de vaca? Na frente da null?! — null apontou para a mulher sentada no sofá, entre as pernas de Hero. Tinham se reunido no apartamento dele para uma noite de jogos. — Não era você que falava que ela era até legal?
— Sim, até eu descobrir que ela andava traindo ele. E a Kate deu permissão pra gente chamar a Hannah assim em particular.
— É verdade — Kate confirmou. — Aquela nojentinha insinuou que eu estava com null e null ao mesmo tempo.
— Quê? — null a encarou em choque. — Quando?
— Faz um tempo. — Ela deu de ombros.
— Você sabia? — Ele se dirigiu ao amigo, sentado atrás dela.
— Sim, mas decidimos não contar pra null porque... Enfim.
— Podiam ter contado, sabe... — null falou pela primeira vez desde que os amigos chegaram. Estava de braços cruzados, encostado em uma mesa. — Todo mundo sabia que a gente não namorava.
— Mas vocês eram fixos. Isso é quase um namoro — null rebateu.
— Não se não tiver sentimentos envolvidos. Não é como se eu fosse chorar pelos cantos porque aquela pilantra me traiu.
— Nem deveria mesmo — Mason concordou, se jogando em uma das poltronas.
null fez o mesmo no espaço vazio ao lado de Kate e Adrian.
— Mas afinal, como você conseguiu reverter a situação? Mostrou a ela que sabia e ameaçou divulgar?
— Algo assim.
Hannah havia confessado a mentira naquela manhã de domingo, ao revelar que nunca esteve grávida e que só disse aquilo por ter ficado chateada com o fim do relacionamento, mesmo terminando em bons termos, retirando também tudo o que disse sobre null tê-la tratado mal.
— As pessoas estão começando a gostar de você outra vez — Adrian comentou, enquanto olhava para a tela no celular.
— Mas algumas ainda acham que eu tô manipulando ela pra sair por cima.
— Que hilário. — null deu uma risadinha. — Logo você, que nunca nem se envolveu em escândalos. Você e null são os queridinhos dos fãs por isso.
— Pois é, só que as pessoas estão começando a tomar o lado da mulher nesses tipos de relatos, já que noventa por cento das vezes elas estão certas e são subjugadas por todo mundo, mesmo sendo vítimas.
— E essa mentira só serve pra reforçar a desconfiança do público — Adrian acrescentou. — Enquanto isso, tem um monte de mulher sofrendo com relacionamentos abusivos de verdade.
— Hannah foi uma sem noção — Mason disse. — Tipo, essa história toda nem faz sentido. Por que null rejeitaria uma criança quando ele foi o único de nós que sempre disse que queria ter uma família um dia?
— Porque ofereceram cem mil dólares pra ela fazer isso — null respondeu. — Eu nem tava esperando uma merda dessas depois de como a gente terminou.
— É bom que toda mulher que for entrar na vida do null agora vai ter que passar por mim, que fui a única que desconfiou que ela não prestava — Kate disse.
— Se quiser, eu ajudo. — null se ofereceu. — Eu leio muitas fanfics, você sabe.
— Você nem percebeu nada na Hannah, idiota — Mason lembrou. — Como pretende ajudar nisso?
— Com nossa rainha Kate, é óbvio. Ela é mulher, escritora e tem um ótimo senso crítico. Não tem ninguém melhor pra me treinar.
— Nossa, seu puxa-saco. — Adrian riu, divertido. — Aproveita e beija os pés dela também...
— Para com isso! — Kate beliscou a coxa dele. — Você tá só com ciúmes porque alguém aprecia o meu bom senso. Aqui, null, pode beijar a minha mão. — E a estendeu para ele.
Mason e null riram alto quando o mais novo se inclinou para beijá-la.
— Puxa-saco idiota, filhinho da mamãe... — Hero resmungou. A suposta mãe, no caso, era Kate, que basicamente mandava em todo mundo.
A diferença era que null era o único que aceitava sem questionar.
— Por falar em senso crítico, eu consegui uma moça nova pra limpar nossos apartamentos — null anunciou. — O nome dela é null. Eu pedi pra ela vir duas vezes por semana, como a Sra. Thompson fazia.
— Se você pediu é porque aprovou o trabalho dela — Hero deduziu.
— Ela trabalha muito bem. É jovem, deve estar na casa dos vinte ainda. E acho que ela é estrangeira, pelo sotaque.
— Jovem, é? — Kate arqueou uma sobrancelha. — Qual foi a reação dela quando te conheceu?
— Normal, eu acho. — Ele deu de ombros. — Ela não parecia saber quem eu sou.
— Interessante... Vou puxar papo com ela na semana que vem, então.
— Tá, só tenta não assustar a garota, ela me pareceu meio tímida.
— É claro que sim, olha só pra você. Não a culpo por isso.
— O que tem eu?
— Sério? — Todos perguntaram ao mesmo tempo.
— Você parece que saiu direto de um anime, cara! — null disse.
— Não seja sonso, null — Mason debochou. — Você sabe que é o mais bonito de nós, e o mais alto também.
— Não é todo mundo que tem quase um e noventa de altura e é cheio de músculos — Kate acrescentou.
null revirou os olhos, mas não discutiu mais. Ele sabia que sua aparência afetava as pessoas, especialmente os fãs, mas... Ele era bem mais que um rostinho bonito e achava que era isso que os conquistava.
Ao menos, ele preferia pensar que sim.
— Então, a gente vai começar ou não? — perguntou Hero.
No mesmo instante, a campainha tocou.
— Deve ser a pizza — Kate disse, já se levantando para atender.
Pelo visto, os jogos teriam que esperar mais um pouco.
***
22 de agosto de 2017, 05:13 - Mansão null - Nova York, NY
O telefone tocou com mais um dos vários alarmes que null tinha programado para as segundas-feiras e ela suspirou, enquanto forçava o próprio corpo a se sentar na cama.
Seus olhos ainda estavam pesados de sono, mas não havia mais tempo para dormir.
Ela odiava as segundas-feiras.
E o motivo era porque nunca conseguia dormir direito no domingo e acordar descansada na manhã seguinte.
Bem, teoricamente já não era mais domingo quando null finalmente voltava do clube e finalmente dormia. Nunca chegava antes da meia-noite. Na melhor das hipóteses, podia chegar antes das duas da manhã, caso o movimento no clube estivesse baixo.
Não tinha sido o caso daquela vez, no entanto. Então, exatamente três horas depois que tinha ido dormir, null teve que levantar para mais um dia.
Sentiu a cabeça pesar e os olhos doerem enquanto tentava abri-los, e não hesitou em tomar um analgésico antes de ir tomar banho.
Meia hora mais tarde, já um pouco mais alerta, null passou um batom rosado para tentar disfarçar o cansaço, juntou suas coisas, e foi em direção à cozinha em busca de qualquer coisa para comer.
Infelizmente, para seu azar, não estava sozinha. Charlie estava tomando um copo grande de água e a notou de imediato. Usava um terno sem gravata e a camisa social branca estava amassada e com alguns botões abertos. Provavelmente tinha acabado de voltar de uma festa e ainda estava meio bêbado.
null deu meia volta para ir embora, mas mal deu três passos quando sentiu uma mão envolver seu pulso.
— Por que a pressa, null? Não vai nem me cumprimentar? — Ele deu uma risadinha. — Moramos na mesma casa e eu nunca te vejo.
null puxou o braço, se soltando dele.
— Não enche — ela disse e tentou passar por ele, mas então Charlie colocou as mãos em seus ombros e a segurou contra a parede.
— Você tá trabalhando demais, null. Isso não é bom pro seu coração — ele murmurou com diversão, como se aquilo fosse algo engraçado. — Mas eu posso te ajudar se quiser. Você só precisa fazer algo em troca. — Ele segurou sua mão direita, a levando até o seu cinto.
null não pensou duas vezes antes de empurrá-lo. No próximo instante, Charlie riu, encostado na parede oposta enquanto ela o encarava, ofegante.
— O que foi? Eu fiz seu coração acelerar? — ele debochou. — Tomara que você esteja tomando os remédios direitinho então.
— Isso não tem graça, Charlie. — Ela o encarou, irritada. — Fique longe de mim.
— Beleza. — Ele levantou as mãos em rendição. — Continue tentando se matar então. Vamos ver até quando esse seu coração defeituoso aguenta. Mas caso mude de ideia, sabe onde me encontrar. — E piscou para ela, finalmente se afastando.
Não era a primeira vez que dava em cima dela nos últimos quatro anos, mas desde que seu pai havia morrido, as investidas de Charlie alcançaram novo nível que fazia null revirar os olhos e tentar evitá-lo ao mesmo tempo.
Havia dado certo nos últimos dois dias, mas ela não esperava encontrá-lo na cozinha, já que sempre saía antes ou depois que ele já havia chegado.
Tinha dado azar naquele dia. E esperava que aquele pequeno encontro não contaminasse o resto dele.
Respirando fundo, ela desistiu de comer e se dirigiu até a saída, incapaz de ficar mais um minuto que fosse ali.
***
Às nove da manhã, null chegou à segunda e última casa que ela limparia naquele dia.
Era de um cara alto chamado John e ela já tinha estado ali outras duas vezes, o que era ok. Mas considerando a quantidade de funcionários da agência, voltar uma terceira vez no mesmo endereço era certamente uma rara coincidência.
Ela apertou a campainha e esperou, até que uma garota loira mais ou menos da idade dela apareceu.
— Quem é você? — Ela franziu o cenho, assim que viu null e a encarou com desconfiança.
— Oi, eu sou do serviço de limpeza. — Ela levantou o crachá para mostrar a identificação. — O John está?
— Estou sim! — ele gritou de dentro, aparecendo um segundo depois e sorriu para ela. — Oi, null, entra.
— Com licença. — Ela passou pela garota, que ainda a media de cima a baixo.
— Você ainda lembra onde fica tudo, né? Hoje só precisa arrumar aqui embaixo. Eu fiz uma comemoração ontem com uns amigos e tá meio bagunçado ainda, embora eu tenha juntado o lixo.
— Tudo bem, eu te aviso quando terminar.
— Qualquer coisa é só dar um grito. A gente vai ficar lá em cima — ele avisou, puxando a garota desconfiada pela mão.
Ela conhecia aquele olhar. Uma namorada ciumenta que não suportava ver o namorado falando com outra, mesmo que fosse só uma funcionária.
null assentiu, tentando se manter o mais impassível possível e se virou para a cozinha, assim que John e a garota saíram de vista.
Ele era ex-vizinho de sua chefe e trabalhou na agência durante a faculdade, tendo saído pouco depois de null começar. Eles mal tinham se falado na agência e null o viu apenas algumas vezes, mas aparentemente ainda lembrava seu nome quando a contratou pela primeira vez, três meses antes.
Fazia cerca de um mês desde a última vez que esteve ali. John era um cara legal, mas aquela era a primeira vez que o encontrava em casa. E diante do cumprimento mais cedo, Rose provavelmente havia comentado que era ela quem iria naquele dia.
Felizmente, a casa era pequena. Porém, assim que encarou a louça suja, o balcão e o fogão, null quis choramingar baixinho e respirou fundo antes de colocar as luvas de borracha e meter as mãos na obra.
Ia levar o resto da manhã inteira, e só metade do tempo seria ali.
Quase três horas depois, ela estava sentada, respirando com dificuldade e terminando de guardar as coisas quando John apareceu.
— Caramba, ficou ótimo. — Ele sorriu. — A Rose sempre fala bem de você.
— Que bom que gostou. — Ela forçou um sorriso de volta, colocou a bolsa no ombro e se levantou de uma vez.
O mundo girou e null sentiu seu equilíbrio falhar e a cabeça doer.
— Eita, você tá bem? — John colocou uma mão em seu ombro.
null piscou algumas vezes, sentindo as mãos suarem frio. Ela estava gelada, com o coração acelerado e a visão embaçada.
— Sim, foi só uma tontura. Acho que levantei rápido demais. — Ela se endireitou, ainda sem enxergar direito e tentou dar um passo para sair dali.
Então, de repente, bateu o nariz em algo e no próximo instante, John a sacudiu pelos ombros.
— null, tá tudo bem? Você acabou de desmaiar em cima de mim.
— Eu... Sinto muito. — O olhar dela caiu para uma mancha de batom rosa na gola da camisa dele. — Sujei sua camisa, desculpa.
John puxou o tecido branco para ver melhor e balançou a cabeça.
— Não foi nada. Não se preocupe com isso.
— Eu já vou, então. Desculpe mais uma vez.
— Tem certeza que não-
— O que tá acontecendo aqui? — A garota loira reapareceu e estreitou os olhos diante da proximidade deles.
null deu um passo para trás, subitamente desconfortável.
— Nada, a null tava-
— De saída — null o interrompeu e se apressou em sair dali.
— Espera aí. Isso é batom na sua camisa, John? — A garota perguntou, os olhos desviando para null. — Você tava dando em cima dele?
— Não, eu... — null tentou explicar, mas o golpe veio antes que ela pudesse prever.
O lado esquerdo de seu rosto ardeu e o mundo girou outra vez. Ela cambaleou um passo para trás com a mão no rosto e sentiu o estômago revirar de náusea. Quando tinha sido a última vez que ela havia comido mesmo?
Ah, é. Foi antes de ir para o clube. Fazia umas doze horas.
Seu ouvido zumbiu e sua visão piscou com estrelas enquanto ela ouvia vozes falando ao fundo.
Não, não falando. Gritando.
Um instante depois, ela conseguiu enxergar melhor e foi como se o volume de um fone de ouvido tivesse sido aumentado após ser subitamente abaixado.
John estava furioso.
— Que porra, Hannah?! Para de ser maluca! A menina tava passando mal antes de você chegar, e você vai e bate nela sem saber de nada!
— Vai se foder, John! Eu não admito que você me traia, ainda mais com uma estrangeira que nem fala direito.
— Não fale assim dela, porra! null, eu sinto muito. — John se aproximou. — Me deixa te levar embora.
— Ah, mas nem pensar! — A garota, Hannah, protestou.
— Não enche, porra! Não tá vendo que ela não tá bem?
— Não precisa. Eu posso ir sozinha — null se apressou em dizer. — Acho que minha pressão caiu por um momento, mas já tá tudo bem.
— Tem certeza? — Ele a encarou, preocupado.
— Sim, sim. — Ela só precisava sair dali, droga. Queria comer em algum lugar, tomar seus remédios e se sentar um pouco, antes de ir para a cafeteria.
— Tudo bem. Me desculpa por isso, null. Eu sinto muito mesmo.
null assentiu, sentindo os olhos arderem e a garganta fechar, mas não disse mais nada. Antes de ir, encarou a tal Hannah nos olhos e passou direto para a saída.
A vontade que tinha era de puxar aquela porra de cabelo falso e devolver o tapa duas vezes no rostinho daquela mocreia. De que buraco John havia tirado aquela garota? O que dava direto pro inferno?
Que merda de dia.
Quando atravessou a porta, as lágrimas rolaram pelo seu rosto e null desejou que ele arrumasse alguém melhor, só para que aquela maluca o perdesse. E que os pneus do carro dela furassem, um por um, no meio de uma estrada deserta. E que logo depois ela sentisse dor de barriga e não tivesse nenhum banheiro por perto.
Ela continuou a montar cenários assim na cabeça até chegar a um café a duas quadras da casa de John. Pegou na maçaneta para abrir a porta no mesmo instante em que alguém a puxou de uma vez, e ela tropeçou, esbarrando na pessoa.
Olhou rápido para o tecido de uma camiseta preta, já pensando em outra possível mancha de batom, mas felizmente não havia nenhuma.
Foi apenas um segundo desde essa percepção até o momento em que ela levantou a cabeça, já se desculpando, e então arregalou os olhos ao ver em quem havia esbarrado. Aquela manhã estava para lá de movimentada porque, puta merda, agora era seu novo cliente que estava bem ali.
null não queria nem imaginar como seria o resto do dia. Por ela, podia acabar ali mesmo.
— Cara, é sério que você tá brincando com isso? — Mason perguntou, dando-lhe um tapa no ombro. — Repetindo o que aquela vaca disse?
— Você tá chamando uma mulher de vaca? Na frente da null?! — null apontou para a mulher sentada no sofá, entre as pernas de Hero. Tinham se reunido no apartamento dele para uma noite de jogos. — Não era você que falava que ela era até legal?
— Sim, até eu descobrir que ela andava traindo ele. E a Kate deu permissão pra gente chamar a Hannah assim em particular.
— É verdade — Kate confirmou. — Aquela nojentinha insinuou que eu estava com null e null ao mesmo tempo.
— Quê? — null a encarou em choque. — Quando?
— Faz um tempo. — Ela deu de ombros.
— Você sabia? — Ele se dirigiu ao amigo, sentado atrás dela.
— Sim, mas decidimos não contar pra null porque... Enfim.
— Podiam ter contado, sabe... — null falou pela primeira vez desde que os amigos chegaram. Estava de braços cruzados, encostado em uma mesa. — Todo mundo sabia que a gente não namorava.
— Mas vocês eram fixos. Isso é quase um namoro — null rebateu.
— Não se não tiver sentimentos envolvidos. Não é como se eu fosse chorar pelos cantos porque aquela pilantra me traiu.
— Nem deveria mesmo — Mason concordou, se jogando em uma das poltronas.
null fez o mesmo no espaço vazio ao lado de Kate e Adrian.
— Mas afinal, como você conseguiu reverter a situação? Mostrou a ela que sabia e ameaçou divulgar?
— Algo assim.
Hannah havia confessado a mentira naquela manhã de domingo, ao revelar que nunca esteve grávida e que só disse aquilo por ter ficado chateada com o fim do relacionamento, mesmo terminando em bons termos, retirando também tudo o que disse sobre null tê-la tratado mal.
— As pessoas estão começando a gostar de você outra vez — Adrian comentou, enquanto olhava para a tela no celular.
— Mas algumas ainda acham que eu tô manipulando ela pra sair por cima.
— Que hilário. — null deu uma risadinha. — Logo você, que nunca nem se envolveu em escândalos. Você e null são os queridinhos dos fãs por isso.
— Pois é, só que as pessoas estão começando a tomar o lado da mulher nesses tipos de relatos, já que noventa por cento das vezes elas estão certas e são subjugadas por todo mundo, mesmo sendo vítimas.
— E essa mentira só serve pra reforçar a desconfiança do público — Adrian acrescentou. — Enquanto isso, tem um monte de mulher sofrendo com relacionamentos abusivos de verdade.
— Hannah foi uma sem noção — Mason disse. — Tipo, essa história toda nem faz sentido. Por que null rejeitaria uma criança quando ele foi o único de nós que sempre disse que queria ter uma família um dia?
— Porque ofereceram cem mil dólares pra ela fazer isso — null respondeu. — Eu nem tava esperando uma merda dessas depois de como a gente terminou.
— É bom que toda mulher que for entrar na vida do null agora vai ter que passar por mim, que fui a única que desconfiou que ela não prestava — Kate disse.
— Se quiser, eu ajudo. — null se ofereceu. — Eu leio muitas fanfics, você sabe.
— Você nem percebeu nada na Hannah, idiota — Mason lembrou. — Como pretende ajudar nisso?
— Com nossa rainha Kate, é óbvio. Ela é mulher, escritora e tem um ótimo senso crítico. Não tem ninguém melhor pra me treinar.
— Nossa, seu puxa-saco. — Adrian riu, divertido. — Aproveita e beija os pés dela também...
— Para com isso! — Kate beliscou a coxa dele. — Você tá só com ciúmes porque alguém aprecia o meu bom senso. Aqui, null, pode beijar a minha mão. — E a estendeu para ele.
Mason e null riram alto quando o mais novo se inclinou para beijá-la.
— Puxa-saco idiota, filhinho da mamãe... — Hero resmungou. A suposta mãe, no caso, era Kate, que basicamente mandava em todo mundo.
A diferença era que null era o único que aceitava sem questionar.
— Por falar em senso crítico, eu consegui uma moça nova pra limpar nossos apartamentos — null anunciou. — O nome dela é null. Eu pedi pra ela vir duas vezes por semana, como a Sra. Thompson fazia.
— Se você pediu é porque aprovou o trabalho dela — Hero deduziu.
— Ela trabalha muito bem. É jovem, deve estar na casa dos vinte ainda. E acho que ela é estrangeira, pelo sotaque.
— Jovem, é? — Kate arqueou uma sobrancelha. — Qual foi a reação dela quando te conheceu?
— Normal, eu acho. — Ele deu de ombros. — Ela não parecia saber quem eu sou.
— Interessante... Vou puxar papo com ela na semana que vem, então.
— Tá, só tenta não assustar a garota, ela me pareceu meio tímida.
— É claro que sim, olha só pra você. Não a culpo por isso.
— O que tem eu?
— Sério? — Todos perguntaram ao mesmo tempo.
— Você parece que saiu direto de um anime, cara! — null disse.
— Não seja sonso, null — Mason debochou. — Você sabe que é o mais bonito de nós, e o mais alto também.
— Não é todo mundo que tem quase um e noventa de altura e é cheio de músculos — Kate acrescentou.
null revirou os olhos, mas não discutiu mais. Ele sabia que sua aparência afetava as pessoas, especialmente os fãs, mas... Ele era bem mais que um rostinho bonito e achava que era isso que os conquistava.
Ao menos, ele preferia pensar que sim.
— Então, a gente vai começar ou não? — perguntou Hero.
No mesmo instante, a campainha tocou.
— Deve ser a pizza — Kate disse, já se levantando para atender.
Pelo visto, os jogos teriam que esperar mais um pouco.
22 de agosto de 2017, 05:13 - Mansão null - Nova York, NY
O telefone tocou com mais um dos vários alarmes que null tinha programado para as segundas-feiras e ela suspirou, enquanto forçava o próprio corpo a se sentar na cama.
Seus olhos ainda estavam pesados de sono, mas não havia mais tempo para dormir.
Ela odiava as segundas-feiras.
E o motivo era porque nunca conseguia dormir direito no domingo e acordar descansada na manhã seguinte.
Bem, teoricamente já não era mais domingo quando null finalmente voltava do clube e finalmente dormia. Nunca chegava antes da meia-noite. Na melhor das hipóteses, podia chegar antes das duas da manhã, caso o movimento no clube estivesse baixo.
Não tinha sido o caso daquela vez, no entanto. Então, exatamente três horas depois que tinha ido dormir, null teve que levantar para mais um dia.
Sentiu a cabeça pesar e os olhos doerem enquanto tentava abri-los, e não hesitou em tomar um analgésico antes de ir tomar banho.
Meia hora mais tarde, já um pouco mais alerta, null passou um batom rosado para tentar disfarçar o cansaço, juntou suas coisas, e foi em direção à cozinha em busca de qualquer coisa para comer.
Infelizmente, para seu azar, não estava sozinha. Charlie estava tomando um copo grande de água e a notou de imediato. Usava um terno sem gravata e a camisa social branca estava amassada e com alguns botões abertos. Provavelmente tinha acabado de voltar de uma festa e ainda estava meio bêbado.
null deu meia volta para ir embora, mas mal deu três passos quando sentiu uma mão envolver seu pulso.
— Por que a pressa, null? Não vai nem me cumprimentar? — Ele deu uma risadinha. — Moramos na mesma casa e eu nunca te vejo.
null puxou o braço, se soltando dele.
— Não enche — ela disse e tentou passar por ele, mas então Charlie colocou as mãos em seus ombros e a segurou contra a parede.
— Você tá trabalhando demais, null. Isso não é bom pro seu coração — ele murmurou com diversão, como se aquilo fosse algo engraçado. — Mas eu posso te ajudar se quiser. Você só precisa fazer algo em troca. — Ele segurou sua mão direita, a levando até o seu cinto.
null não pensou duas vezes antes de empurrá-lo. No próximo instante, Charlie riu, encostado na parede oposta enquanto ela o encarava, ofegante.
— O que foi? Eu fiz seu coração acelerar? — ele debochou. — Tomara que você esteja tomando os remédios direitinho então.
— Isso não tem graça, Charlie. — Ela o encarou, irritada. — Fique longe de mim.
— Beleza. — Ele levantou as mãos em rendição. — Continue tentando se matar então. Vamos ver até quando esse seu coração defeituoso aguenta. Mas caso mude de ideia, sabe onde me encontrar. — E piscou para ela, finalmente se afastando.
Não era a primeira vez que dava em cima dela nos últimos quatro anos, mas desde que seu pai havia morrido, as investidas de Charlie alcançaram novo nível que fazia null revirar os olhos e tentar evitá-lo ao mesmo tempo.
Havia dado certo nos últimos dois dias, mas ela não esperava encontrá-lo na cozinha, já que sempre saía antes ou depois que ele já havia chegado.
Tinha dado azar naquele dia. E esperava que aquele pequeno encontro não contaminasse o resto dele.
Respirando fundo, ela desistiu de comer e se dirigiu até a saída, incapaz de ficar mais um minuto que fosse ali.
Às nove da manhã, null chegou à segunda e última casa que ela limparia naquele dia.
Era de um cara alto chamado John e ela já tinha estado ali outras duas vezes, o que era ok. Mas considerando a quantidade de funcionários da agência, voltar uma terceira vez no mesmo endereço era certamente uma rara coincidência.
Ela apertou a campainha e esperou, até que uma garota loira mais ou menos da idade dela apareceu.
— Quem é você? — Ela franziu o cenho, assim que viu null e a encarou com desconfiança.
— Oi, eu sou do serviço de limpeza. — Ela levantou o crachá para mostrar a identificação. — O John está?
— Estou sim! — ele gritou de dentro, aparecendo um segundo depois e sorriu para ela. — Oi, null, entra.
— Com licença. — Ela passou pela garota, que ainda a media de cima a baixo.
— Você ainda lembra onde fica tudo, né? Hoje só precisa arrumar aqui embaixo. Eu fiz uma comemoração ontem com uns amigos e tá meio bagunçado ainda, embora eu tenha juntado o lixo.
— Tudo bem, eu te aviso quando terminar.
— Qualquer coisa é só dar um grito. A gente vai ficar lá em cima — ele avisou, puxando a garota desconfiada pela mão.
Ela conhecia aquele olhar. Uma namorada ciumenta que não suportava ver o namorado falando com outra, mesmo que fosse só uma funcionária.
null assentiu, tentando se manter o mais impassível possível e se virou para a cozinha, assim que John e a garota saíram de vista.
Ele era ex-vizinho de sua chefe e trabalhou na agência durante a faculdade, tendo saído pouco depois de null começar. Eles mal tinham se falado na agência e null o viu apenas algumas vezes, mas aparentemente ainda lembrava seu nome quando a contratou pela primeira vez, três meses antes.
Fazia cerca de um mês desde a última vez que esteve ali. John era um cara legal, mas aquela era a primeira vez que o encontrava em casa. E diante do cumprimento mais cedo, Rose provavelmente havia comentado que era ela quem iria naquele dia.
Felizmente, a casa era pequena. Porém, assim que encarou a louça suja, o balcão e o fogão, null quis choramingar baixinho e respirou fundo antes de colocar as luvas de borracha e meter as mãos na obra.
Ia levar o resto da manhã inteira, e só metade do tempo seria ali.
Quase três horas depois, ela estava sentada, respirando com dificuldade e terminando de guardar as coisas quando John apareceu.
— Caramba, ficou ótimo. — Ele sorriu. — A Rose sempre fala bem de você.
— Que bom que gostou. — Ela forçou um sorriso de volta, colocou a bolsa no ombro e se levantou de uma vez.
O mundo girou e null sentiu seu equilíbrio falhar e a cabeça doer.
— Eita, você tá bem? — John colocou uma mão em seu ombro.
null piscou algumas vezes, sentindo as mãos suarem frio. Ela estava gelada, com o coração acelerado e a visão embaçada.
— Sim, foi só uma tontura. Acho que levantei rápido demais. — Ela se endireitou, ainda sem enxergar direito e tentou dar um passo para sair dali.
Então, de repente, bateu o nariz em algo e no próximo instante, John a sacudiu pelos ombros.
— null, tá tudo bem? Você acabou de desmaiar em cima de mim.
— Eu... Sinto muito. — O olhar dela caiu para uma mancha de batom rosa na gola da camisa dele. — Sujei sua camisa, desculpa.
John puxou o tecido branco para ver melhor e balançou a cabeça.
— Não foi nada. Não se preocupe com isso.
— Eu já vou, então. Desculpe mais uma vez.
— Tem certeza que não-
— O que tá acontecendo aqui? — A garota loira reapareceu e estreitou os olhos diante da proximidade deles.
null deu um passo para trás, subitamente desconfortável.
— Nada, a null tava-
— De saída — null o interrompeu e se apressou em sair dali.
— Espera aí. Isso é batom na sua camisa, John? — A garota perguntou, os olhos desviando para null. — Você tava dando em cima dele?
— Não, eu... — null tentou explicar, mas o golpe veio antes que ela pudesse prever.
O lado esquerdo de seu rosto ardeu e o mundo girou outra vez. Ela cambaleou um passo para trás com a mão no rosto e sentiu o estômago revirar de náusea. Quando tinha sido a última vez que ela havia comido mesmo?
Ah, é. Foi antes de ir para o clube. Fazia umas doze horas.
Seu ouvido zumbiu e sua visão piscou com estrelas enquanto ela ouvia vozes falando ao fundo.
Não, não falando. Gritando.
Um instante depois, ela conseguiu enxergar melhor e foi como se o volume de um fone de ouvido tivesse sido aumentado após ser subitamente abaixado.
John estava furioso.
— Que porra, Hannah?! Para de ser maluca! A menina tava passando mal antes de você chegar, e você vai e bate nela sem saber de nada!
— Vai se foder, John! Eu não admito que você me traia, ainda mais com uma estrangeira que nem fala direito.
— Não fale assim dela, porra! null, eu sinto muito. — John se aproximou. — Me deixa te levar embora.
— Ah, mas nem pensar! — A garota, Hannah, protestou.
— Não enche, porra! Não tá vendo que ela não tá bem?
— Não precisa. Eu posso ir sozinha — null se apressou em dizer. — Acho que minha pressão caiu por um momento, mas já tá tudo bem.
— Tem certeza? — Ele a encarou, preocupado.
— Sim, sim. — Ela só precisava sair dali, droga. Queria comer em algum lugar, tomar seus remédios e se sentar um pouco, antes de ir para a cafeteria.
— Tudo bem. Me desculpa por isso, null. Eu sinto muito mesmo.
null assentiu, sentindo os olhos arderem e a garganta fechar, mas não disse mais nada. Antes de ir, encarou a tal Hannah nos olhos e passou direto para a saída.
A vontade que tinha era de puxar aquela porra de cabelo falso e devolver o tapa duas vezes no rostinho daquela mocreia. De que buraco John havia tirado aquela garota? O que dava direto pro inferno?
Que merda de dia.
Quando atravessou a porta, as lágrimas rolaram pelo seu rosto e null desejou que ele arrumasse alguém melhor, só para que aquela maluca o perdesse. E que os pneus do carro dela furassem, um por um, no meio de uma estrada deserta. E que logo depois ela sentisse dor de barriga e não tivesse nenhum banheiro por perto.
Ela continuou a montar cenários assim na cabeça até chegar a um café a duas quadras da casa de John. Pegou na maçaneta para abrir a porta no mesmo instante em que alguém a puxou de uma vez, e ela tropeçou, esbarrando na pessoa.
Olhou rápido para o tecido de uma camiseta preta, já pensando em outra possível mancha de batom, mas felizmente não havia nenhuma.
Foi apenas um segundo desde essa percepção até o momento em que ela levantou a cabeça, já se desculpando, e então arregalou os olhos ao ver em quem havia esbarrado. Aquela manhã estava para lá de movimentada porque, puta merda, agora era seu novo cliente que estava bem ali.
null não queria nem imaginar como seria o resto do dia. Por ela, podia acabar ali mesmo.
Capítulo 5
— null! — null a cumprimentou com um sorriso que se desfez um segundo depois, quando ele franziu o cenho. — O que é isso no seu rosto?
A voz dele era baixa e intimidante.
— Nada… Foi bom ver você, mas eu tenho que-
— Você tá pálida. Tá sentindo alguma coisa?
— Sim, fome. Eu acho que é hipoglicemia. Com licença... — Ela se afastou dele, com pressa, indo direto ao balcão. Uma olhada rápida e escolheu um pedaço de torta de chocolate e um sanduíche natural de frango.
Uma refeição completa seria melhor, mas ela não tinha tempo de esperar. Não queria desmaiar de novo e... Ah, os remédios!
— Coloca uma água com gás também, por favor — null acrescentou ao pedido.
Quando retirou o cartão da carteira para pagar, uma mão com um cartão black passou na sua frente e fez isso por ela.
— Deixa comigo. — null sorriu.
— Ei, eu ia pagar! Você ainda tá aqui?
— Eu sei que sim, mas deixa comigo. E sim, eu tô. Você não parece muito bem.
O que aquele cara estava fazendo?
null franziu o cenho, um pouco incomodada, mas estava sem energia para discutir. null a ajudou a pegar o pedido e os dois se sentaram em uma mesa afastada.
Não havia muita gente ali e a cafeteria era bem pequena, mas null sempre procurava se distanciar das pessoas quando ia comer. Estava sempre sozinha e, às vezes, tinha a impressão de que alguém a estava observando.
Sem dizer nada, ela mordeu o sanduíche e mastigou o mais rápido que pôde. Deu mais duas mordidas rápidas e mal sentiu o gosto antes de engolir.
Pegou a garrafa de água e fez força para abrir, em vão. Pensou em usar um guardanapo para ajudar, mas antes que tentasse, null a tomou de sua mão e abriu em um segundo.
Até então ele apenas a tinha observado em silêncio o tempo todo.
— Obrigada. — Ela sorriu de lábios fechados por um segundo, antes de se virar para a bolsa e procurar os medicamentos.
Seu coração ainda estava acelerado e ela teria que esperar ao menos uns vinte minutos até começar a fazer efeito. Seria o tempo que levaria para terminar de comer, mas ainda tinha cerca de uma hora e meia até o início de seu turno na cafeteria.
— Você é hipertensa? — Ele apontou para o frasco de propranolol. — Meu pai toma esse.
— Não, eu... Sou cardiopata. — Ela sentiu o rosto esquentar ao dizer. Não que fosse um segredo, já que null teria que saber de toda forma, considerando que passaria a frequentar sua casa semanalmente.
— Ah, e é sério? — indagou ele, curioso.
— Sim e não. Muita gente faz tratamento com medicamentos mais comuns e baratos, mas algumas podem parar de responder e ter que usar algo mais forte. — Ela apontou para o frasco de disopiramida.
— E desde quando você tem esse problema? Desculpa perguntar.
— Tudo bem, você ia ter que saber de todo jeito já que é basicamente meu novo chefe. — Ela deu de ombros. — É uma doença genética, meu pai também tinha.
— Sinto muito. Foi por causa disso que você tava passando mal?
— Eu tive um imprevisto hoje de manhã e não tive tempo de comer, também atrasei o horário da medicação, então... Acho que foi uma junção.
null assentiu, sério, como se estivesse realmente interessado na informação.
— Você parece cansada — ele comentou, vendo ela abocanhar mais o sanduíche. — A manhã foi cheia?
— Mais ou menos. Não dormi direito — null respondeu, após engolir, encolhendo os ombros. Pelo visto, o batom não estava ajudando muito a esconder seu cansaço naquele dia.
— Eu falei com meu amigo e tá tudo certo. Ele também tem que saber da sua doença, né?
— Infelizmente. — Ela sorriu, sem humor.
null fez uma careta.
— Desculpa se tô parecendo insensível ou se te ofendi com as perguntas, não foi minha intenção.
— Ah, não. De forma alguma. Você quer um pouco de torta? — Ela ofereceu.
— Não, obrigado. Eu acabei de comer.
— Entendi. Enfim, vocês saberem da minha condição é só uma medida de precaução para... Caso algo aconteça. Eu não costumo passar mal desde que eu me cuide e tome os medicamentos na hora certa.
— Qual o nome da sua condição? A namorada do null, seu outro chefe, é enfermeira. Com certeza, ela vai perguntar e reclamar caso eu não saiba responder.
null deu uma risadinha.
— Cardiomiopatia Hipertrófica. Mas você vai lembrar desse nome até ver ela?
— Ah, mas é pra isso que serve o bloco de notas. — Ele levantou o celular e digitou rapidamente. — Mas você ainda não falou o que houve com seu rosto.
O sorriso dela se desfez.
— Olha, tá vermelho bem aqui — Ele esticou o braço e tocou sua bochecha esquerda. null se encolheu quando sentiu o toque arder e ele se afastou imediatamente. — Caramba, eu te machuquei?
— Não, é que ficou ardendo. Tá tudo bem.
null se recostou na cadeira e franziu o cenho outra vez.
— Quem fez isso com você, null? — ele perguntou baixinho, com a voz rouca e grave, ao mesmo tempo gentil, mas ainda assim intimidante.
— Foi um mal-entendido. A namorada do meu último cliente achou que eu estivesse dando em cima dele porque viu uma mancha do meu batom na gola da camisa dele. — Ela contou. null piscou duas vezes. — Eu sei, parece suspeito. Mas eu... Fiquei tonta e desmaiei nele por um instante, daí a mancha.
— E ela nem perguntou nada?
— Ela me bateu antes que eu pudesse explicar.
— Que doida.
— Pois é... Acho que desmaiei porque minha pressão caiu. — E ela ainda desejava que uma dor de barriga atingisse a mocreia.
— Você tem que se alimentar direitinho.
Contra outra, Sherlock, ela pensou sem humor, mas sorriu simpática. null não tinha culpa do dia de merda que ela estava tendo. Na verdade, parecia ter melhorado um pouquinho mais nos últimos minutos, depois que o encontrou.
— Eu pensei em ir na terça e na sexta arrumar sua casa e a do seu amigo. Você acha que funciona?
— Sim, a gente mal sai de casa. A null não mora com null, mas passa muito tempo lá, só que ele também passa muito tempo na casa dela, então provavelmente vai ter dias que você não vai ver os dois. Ou talvez só um deles, não dá muito pra prever.
— Ah, sim... Vocês têm uma banda, né?
— Sim, Cave Panthers. Faz um tempinho.
— Ah, eu não conhecia, desculpa. Eu ouço muito R&B e pop, às vezes hip hop.
— Tudo bem. — Ele sorriu, uma covinha aparecendo. Estava ali antes? Como ela não tinha notado? — Hero vai gostar de saber disso.
— Hero?
— É o nome de palco do null. Nós somos os vocalistas. E tem mais dois integrantes, null e null.
— Ah, sim. — null assentiu, continuando a comer. Depois do sanduíche e algumas garfadas da torta, já se sentia bem melhor.
null continuou a descrever cada um dos membros por mais alguns minutos e ela apenas ouviu em silêncio, grata por ele estar conduzindo a conversa... Ou monólogo.
Seus olhos brilharam de diversão quando ele parou de falar de repente.
— Eu tô te entediando, né? Desculpa, falei sem parar.
— Na verdade, obrigada. Fez parecer como se eu tivesse ouvindo um podcast.
— Ah... — null riu, meio sem graça, passando a mão pelo pescoço.
— Então, o que alguém como você tá fazendo num café minúsculo desses?
— Eu tava resolvendo uns assuntos aqui perto e fiquei com fome. Não tenho exigência com lugares. null e eu temos o costume de sair pra conhecer novos. E ela é escritora, então acaba tirando algo disso também.
— A mesma null que namora null?
— Sim, ela é minha melhor amiga. E null é como meu irmão, então ela é praticamente minha cunhada.
— Que legal.
null não se lembrava de ter conhecido cunhados que saíam sozinhos no Brasil. Na verdade, isso era um motivo de desconfiança. Ela mesma não sabia como reagiria se um namorado resolvesse sair com sua irmã, supondo que ela também fosse melhor amiga dele.
Se Maia fosse amiga de qualquer cara com quem null estivesse saindo, então simplesmente desistiria do cara. Não porque era uma pessoa ciumenta, mas se fosse bem honesta... Não conseguia confiar na irmã.
Não depois dos últimos quatro anos em que Maia se transformou em alguém que ela mal conhecia. Do jeito como agia, null não duvidava que ela tentasse seduzir o cara só para ter algo dela. Por mais triste que isso fosse. Ela não devia pensar esse tipo de coisa da irmã mais nova, mas não conseguia evitar.
De todo modo, não era como se tivesse namorado. Pouco tempo antes de trancar a faculdade, saiu com um cara chamado Josh, um veterano. Ele era gentil, cavalheiro e tinha um sorriso adorável. Também era filho de pais divorciados e morava com a mãe. Sua família era coreana, mas ele havia nascido em Los Angeles e se mudado para Nova York com a mãe quando era adolescente.
Não chegaram a embarcar num relacionamento, mas null perdeu a virgindade com ele. Josh a fez se sentir segura assim.
No entanto, depois de sair da faculdade, eles perderam contato. null trocou de número devido a um problema e a única pessoa com quem ainda tinha contato era Lua, a colega que falou sobre o clube. Não eram tão próximas assim, mas vez ou outra dividiam a sala de ensaio depois do expediente.
— Você quer carona pra casa ou, sei lá, pra onde tiver indo? — null ofereceu, assim que ela terminou de comer.
— Não precisa fazer isso. Você já pagou pela minha comida, que também não precisava — ela enfatizou.
— Desculpa. Você ficou muito incomodada?
null o encarou nos olhos e respirou fundo.
— Não é isso, só... não é algo com que eu esteja acostumada. E a gente nem se conhece direito. Você não tem por que fazer isso.
— Você é minha funcionária agora. Vamos nos ver com frequência. Finja que eu tô só sendo um bom chefe.
— É que é estranho.
— Por quê? Você não costuma conversar com seus clientes?
— Na verdade, não — ela admitiu. — Normalmente, as casas ficam vazias, mas quando os encontro, a maioria nem olha duas vezes pra mim. Acho que me julgam pela minha descendência.
— E de onde você é?
— Tecnicamente daqui. Mas passei a maior parte da vida no Brasil antes de vir pra cá. Eu morava com meu pai, mas ele faleceu há um ano.
— Sinto muito por isso. E por você sofrer preconceito dessa gente tosca. Mas fica tranquila com relação a gente. E com meus amigos também. Ninguém tem preconceito com nacionalidade nem nada. Na verdade, o null é japonês. Tecnicamente. Ele nasceu em Chicago, mas os pais não.
— Ah... Ele deve saber como é, então. — Ela sorriu sem graça.
— Mas e aí? Vai mesmo recusar a carona? Eu tô com o resto do dia livre e sem nada pra fazer, então não me importo.
Será que ela deveria aceitar? Que mal faria, afinal? Ele só estava sendo simpático. E gentil, o que a fazia lembrar um pouco de Josh. Só que null era bem mais alto e mais bonito, o que a intimidava um pouco.
Mas uma carona não era nada demais. Ela devia só aceitar pequenas gentilezas, em vez de sair questionando tudo.
— Tudo bem. Você pode me levar pro meu outro trabalho? É uma cafeteria a algumas quadras de onde você mora.
— Claro, vamos lá. — Ele sorriu, e mais uma vez a covinha apareceu.
Em seguida, se levantou e null o acompanhou, sorrindo também.
Sim, aquele dia realmente tinha melhorado um pouco depois dele.
A voz dele era baixa e intimidante.
— Nada… Foi bom ver você, mas eu tenho que-
— Você tá pálida. Tá sentindo alguma coisa?
— Sim, fome. Eu acho que é hipoglicemia. Com licença... — Ela se afastou dele, com pressa, indo direto ao balcão. Uma olhada rápida e escolheu um pedaço de torta de chocolate e um sanduíche natural de frango.
Uma refeição completa seria melhor, mas ela não tinha tempo de esperar. Não queria desmaiar de novo e... Ah, os remédios!
— Coloca uma água com gás também, por favor — null acrescentou ao pedido.
Quando retirou o cartão da carteira para pagar, uma mão com um cartão black passou na sua frente e fez isso por ela.
— Deixa comigo. — null sorriu.
— Ei, eu ia pagar! Você ainda tá aqui?
— Eu sei que sim, mas deixa comigo. E sim, eu tô. Você não parece muito bem.
O que aquele cara estava fazendo?
null franziu o cenho, um pouco incomodada, mas estava sem energia para discutir. null a ajudou a pegar o pedido e os dois se sentaram em uma mesa afastada.
Não havia muita gente ali e a cafeteria era bem pequena, mas null sempre procurava se distanciar das pessoas quando ia comer. Estava sempre sozinha e, às vezes, tinha a impressão de que alguém a estava observando.
Sem dizer nada, ela mordeu o sanduíche e mastigou o mais rápido que pôde. Deu mais duas mordidas rápidas e mal sentiu o gosto antes de engolir.
Pegou a garrafa de água e fez força para abrir, em vão. Pensou em usar um guardanapo para ajudar, mas antes que tentasse, null a tomou de sua mão e abriu em um segundo.
Até então ele apenas a tinha observado em silêncio o tempo todo.
— Obrigada. — Ela sorriu de lábios fechados por um segundo, antes de se virar para a bolsa e procurar os medicamentos.
Seu coração ainda estava acelerado e ela teria que esperar ao menos uns vinte minutos até começar a fazer efeito. Seria o tempo que levaria para terminar de comer, mas ainda tinha cerca de uma hora e meia até o início de seu turno na cafeteria.
— Você é hipertensa? — Ele apontou para o frasco de propranolol. — Meu pai toma esse.
— Não, eu... Sou cardiopata. — Ela sentiu o rosto esquentar ao dizer. Não que fosse um segredo, já que null teria que saber de toda forma, considerando que passaria a frequentar sua casa semanalmente.
— Ah, e é sério? — indagou ele, curioso.
— Sim e não. Muita gente faz tratamento com medicamentos mais comuns e baratos, mas algumas podem parar de responder e ter que usar algo mais forte. — Ela apontou para o frasco de disopiramida.
— E desde quando você tem esse problema? Desculpa perguntar.
— Tudo bem, você ia ter que saber de todo jeito já que é basicamente meu novo chefe. — Ela deu de ombros. — É uma doença genética, meu pai também tinha.
— Sinto muito. Foi por causa disso que você tava passando mal?
— Eu tive um imprevisto hoje de manhã e não tive tempo de comer, também atrasei o horário da medicação, então... Acho que foi uma junção.
null assentiu, sério, como se estivesse realmente interessado na informação.
— Você parece cansada — ele comentou, vendo ela abocanhar mais o sanduíche. — A manhã foi cheia?
— Mais ou menos. Não dormi direito — null respondeu, após engolir, encolhendo os ombros. Pelo visto, o batom não estava ajudando muito a esconder seu cansaço naquele dia.
— Eu falei com meu amigo e tá tudo certo. Ele também tem que saber da sua doença, né?
— Infelizmente. — Ela sorriu, sem humor.
null fez uma careta.
— Desculpa se tô parecendo insensível ou se te ofendi com as perguntas, não foi minha intenção.
— Ah, não. De forma alguma. Você quer um pouco de torta? — Ela ofereceu.
— Não, obrigado. Eu acabei de comer.
— Entendi. Enfim, vocês saberem da minha condição é só uma medida de precaução para... Caso algo aconteça. Eu não costumo passar mal desde que eu me cuide e tome os medicamentos na hora certa.
— Qual o nome da sua condição? A namorada do null, seu outro chefe, é enfermeira. Com certeza, ela vai perguntar e reclamar caso eu não saiba responder.
null deu uma risadinha.
— Cardiomiopatia Hipertrófica. Mas você vai lembrar desse nome até ver ela?
— Ah, mas é pra isso que serve o bloco de notas. — Ele levantou o celular e digitou rapidamente. — Mas você ainda não falou o que houve com seu rosto.
O sorriso dela se desfez.
— Olha, tá vermelho bem aqui — Ele esticou o braço e tocou sua bochecha esquerda. null se encolheu quando sentiu o toque arder e ele se afastou imediatamente. — Caramba, eu te machuquei?
— Não, é que ficou ardendo. Tá tudo bem.
null se recostou na cadeira e franziu o cenho outra vez.
— Quem fez isso com você, null? — ele perguntou baixinho, com a voz rouca e grave, ao mesmo tempo gentil, mas ainda assim intimidante.
— Foi um mal-entendido. A namorada do meu último cliente achou que eu estivesse dando em cima dele porque viu uma mancha do meu batom na gola da camisa dele. — Ela contou. null piscou duas vezes. — Eu sei, parece suspeito. Mas eu... Fiquei tonta e desmaiei nele por um instante, daí a mancha.
— E ela nem perguntou nada?
— Ela me bateu antes que eu pudesse explicar.
— Que doida.
— Pois é... Acho que desmaiei porque minha pressão caiu. — E ela ainda desejava que uma dor de barriga atingisse a mocreia.
— Você tem que se alimentar direitinho.
Contra outra, Sherlock, ela pensou sem humor, mas sorriu simpática. null não tinha culpa do dia de merda que ela estava tendo. Na verdade, parecia ter melhorado um pouquinho mais nos últimos minutos, depois que o encontrou.
— Eu pensei em ir na terça e na sexta arrumar sua casa e a do seu amigo. Você acha que funciona?
— Sim, a gente mal sai de casa. A null não mora com null, mas passa muito tempo lá, só que ele também passa muito tempo na casa dela, então provavelmente vai ter dias que você não vai ver os dois. Ou talvez só um deles, não dá muito pra prever.
— Ah, sim... Vocês têm uma banda, né?
— Sim, Cave Panthers. Faz um tempinho.
— Ah, eu não conhecia, desculpa. Eu ouço muito R&B e pop, às vezes hip hop.
— Tudo bem. — Ele sorriu, uma covinha aparecendo. Estava ali antes? Como ela não tinha notado? — Hero vai gostar de saber disso.
— Hero?
— É o nome de palco do null. Nós somos os vocalistas. E tem mais dois integrantes, null e null.
— Ah, sim. — null assentiu, continuando a comer. Depois do sanduíche e algumas garfadas da torta, já se sentia bem melhor.
null continuou a descrever cada um dos membros por mais alguns minutos e ela apenas ouviu em silêncio, grata por ele estar conduzindo a conversa... Ou monólogo.
Seus olhos brilharam de diversão quando ele parou de falar de repente.
— Eu tô te entediando, né? Desculpa, falei sem parar.
— Na verdade, obrigada. Fez parecer como se eu tivesse ouvindo um podcast.
— Ah... — null riu, meio sem graça, passando a mão pelo pescoço.
— Então, o que alguém como você tá fazendo num café minúsculo desses?
— Eu tava resolvendo uns assuntos aqui perto e fiquei com fome. Não tenho exigência com lugares. null e eu temos o costume de sair pra conhecer novos. E ela é escritora, então acaba tirando algo disso também.
— A mesma null que namora null?
— Sim, ela é minha melhor amiga. E null é como meu irmão, então ela é praticamente minha cunhada.
— Que legal.
null não se lembrava de ter conhecido cunhados que saíam sozinhos no Brasil. Na verdade, isso era um motivo de desconfiança. Ela mesma não sabia como reagiria se um namorado resolvesse sair com sua irmã, supondo que ela também fosse melhor amiga dele.
Se Maia fosse amiga de qualquer cara com quem null estivesse saindo, então simplesmente desistiria do cara. Não porque era uma pessoa ciumenta, mas se fosse bem honesta... Não conseguia confiar na irmã.
Não depois dos últimos quatro anos em que Maia se transformou em alguém que ela mal conhecia. Do jeito como agia, null não duvidava que ela tentasse seduzir o cara só para ter algo dela. Por mais triste que isso fosse. Ela não devia pensar esse tipo de coisa da irmã mais nova, mas não conseguia evitar.
De todo modo, não era como se tivesse namorado. Pouco tempo antes de trancar a faculdade, saiu com um cara chamado Josh, um veterano. Ele era gentil, cavalheiro e tinha um sorriso adorável. Também era filho de pais divorciados e morava com a mãe. Sua família era coreana, mas ele havia nascido em Los Angeles e se mudado para Nova York com a mãe quando era adolescente.
Não chegaram a embarcar num relacionamento, mas null perdeu a virgindade com ele. Josh a fez se sentir segura assim.
No entanto, depois de sair da faculdade, eles perderam contato. null trocou de número devido a um problema e a única pessoa com quem ainda tinha contato era Lua, a colega que falou sobre o clube. Não eram tão próximas assim, mas vez ou outra dividiam a sala de ensaio depois do expediente.
— Você quer carona pra casa ou, sei lá, pra onde tiver indo? — null ofereceu, assim que ela terminou de comer.
— Não precisa fazer isso. Você já pagou pela minha comida, que também não precisava — ela enfatizou.
— Desculpa. Você ficou muito incomodada?
null o encarou nos olhos e respirou fundo.
— Não é isso, só... não é algo com que eu esteja acostumada. E a gente nem se conhece direito. Você não tem por que fazer isso.
— Você é minha funcionária agora. Vamos nos ver com frequência. Finja que eu tô só sendo um bom chefe.
— É que é estranho.
— Por quê? Você não costuma conversar com seus clientes?
— Na verdade, não — ela admitiu. — Normalmente, as casas ficam vazias, mas quando os encontro, a maioria nem olha duas vezes pra mim. Acho que me julgam pela minha descendência.
— E de onde você é?
— Tecnicamente daqui. Mas passei a maior parte da vida no Brasil antes de vir pra cá. Eu morava com meu pai, mas ele faleceu há um ano.
— Sinto muito por isso. E por você sofrer preconceito dessa gente tosca. Mas fica tranquila com relação a gente. E com meus amigos também. Ninguém tem preconceito com nacionalidade nem nada. Na verdade, o null é japonês. Tecnicamente. Ele nasceu em Chicago, mas os pais não.
— Ah... Ele deve saber como é, então. — Ela sorriu sem graça.
— Mas e aí? Vai mesmo recusar a carona? Eu tô com o resto do dia livre e sem nada pra fazer, então não me importo.
Será que ela deveria aceitar? Que mal faria, afinal? Ele só estava sendo simpático. E gentil, o que a fazia lembrar um pouco de Josh. Só que null era bem mais alto e mais bonito, o que a intimidava um pouco.
Mas uma carona não era nada demais. Ela devia só aceitar pequenas gentilezas, em vez de sair questionando tudo.
— Tudo bem. Você pode me levar pro meu outro trabalho? É uma cafeteria a algumas quadras de onde você mora.
— Claro, vamos lá. — Ele sorriu, e mais uma vez a covinha apareceu.
Em seguida, se levantou e null o acompanhou, sorrindo também.
Sim, aquele dia realmente tinha melhorado um pouco depois dele.
Capítulo 6
23 de agosto de 2017, 13:27 - Apartamento de Hero null - Nova York, NY
null tocou a campainha e ajustou a bolsa no ombro enquanto esperava. Um minuto depois, a porta foi aberta e um homem alto, sem camisa, apareceu.
A primeira coisa que null notou foram os braços cobertos de tatuagens florais, entre outras. Havia algumas pegando parte de seu torso também, além de pequenas cicatrizes.
— Oi, você deve ser null. — Ele sorriu para ela e uma sombra de uma covinha apareceu. Era um pouco mais baixo que null e ao invés de olhos azuis e cabelo preto, Hero null tinha o cabelo marrom em um tom de chocolate e olhos verdes profundos.
— Isso mesmo. — Ela sorriu de volta.
— Entra. — Ele abriu espaço para ela passar e null não pode ignorar seu torso definido. Caramba, aquele cara era lindo demais. Parecia que tinha saído da capa de uma revista.
Será que todos os amigos de null eram assim?
Sua mandíbula era marcada e seu nariz reto, sem contar o sorriso adorável.
Assim que entrou, null se deparou com um apartamento praticamente igual ao de null: bem amplo e aberto, com cômodos nos mesmos lugares. Na cozinha, uma mulher de cabelo castanho com mechas rosa-claro fazia algo e levantou a cabeça assim que null a encarou.
— Oi! null, né? null falou sobre você. — Ela sorriu, simpática. — Bem-vinda. Eu sou null.
Bem-vinda. Era a segunda vez que alguém falava aquilo para ela. null sentiu seu coração se aquecer um pouquinho. Também achou null familiar, mas então se lembrou do que null disse assim que deixou ela na cafeteria, na tarde anterior. null era cliente ali. Então era possível que as duas tivessem se esbarrado alguma vez, embora null não tivesse o costume de prestar atenção em muitos rostos, ainda mais quando o local estava sempre lotado.
— Boa tarde. Também ouvi falar sobre você.
— E eu sou null. Ou Hero, como preferir chamar. — O homem estendeu uma mão para ela apertar. — Mas nada de me chamar de senhor. Eu só tenho trinta anos.
null sorriu, achando graça.
— Tudo bem. null, então. É um prazer conhecer vocês. Por onde posso começar a trabalhar?
— Eu vou te mostrar o apartamento. — null disse, se aproximando, e a guiou através dos cômodos em pouco tempo. Era como o apartamento de null, mas o quarto que no dele estava vazio, ali tinha sido transformado em um pequeno estúdio de música. — Hero vai ficar no estúdio trabalhando, então não precisa limpar lá. E eu vou ficar no escritório.
— Entendi. — null disse, e um instante depois, Hero passou por elas, entrando no cômodo para trabalhar.
Voltaram para a cozinha um momento depois.
— Os produtos de limpeza ficam ali. — Ela apontou para uma portinha idêntica à de null.
— Igual ao apartamento de null.
— Pois é. null é bem organizado, e os dois moraram juntos por muito tempo. Foi ele quem arrumou as coisas aqui também. null sofreu um acidente no ano passado e ele ficou por conta dos mantimentos — ela explicou. — Acho que tem produtos de limpeza até o final do ano. Ele é meio maníaco por limpeza, mas não admite.
null deu uma risadinha.
— Ah, ele me disse que só gosta de arrumação.
— Que nada. Aposto que ele tem TOC. E ele limpa a casa por hobby, ou quando precisa pensar sobre algo. Mas quem limpa a casa pra pensar? Eu comprei um robô pra fazer isso por mim. Limpar, sabe. O troço limpa minha casa melhor do que eu.
— Deve ser bem prático.
— Sim. Mas os homens daqui não curtem muita tecnologia. Levei meses pra convencer null a instalar uma assistente virtual em casa — ela contou. — Mas é bom, né? Mais trabalho pra você. — Ela sorriu.
— Sim. Deixa comigo. Posso ser o robozinho de limpeza de vocês.
null riu, divertida.
— Isso aí. Me chama se precisar de qualquer coisa. Ah, os copos ficam ali e tem água na geladeira se você quiser. — Ela apontou para a bancada. — null me contou da sua condição, então acho bom você se manter hidratada.
— Obrigada.
— Vou voltar pro trabalho agora. Até depois.
Assim como o apartamento de null, não havia tanto o que fazer. Tinha um pouco mais de pó nos móveis, mas o chão estava ok. Mesmo assim, ela saiu aspirando tudo para ter certeza de que não deixaria nada passar batido.
Em seguida, usou um pano úmido no chão de porcelanato e terminou tudo cerca de duas horas depois.
— Ficou ótimo. Que cheiro bom — null comentou, olhando ao redor. — null tava certo sobre você.
— É verdade — null concordou com um sorriso.
— Obrigada. — null sorriu de volta, orgulhosa de si mesma.
Era bom ter alguém elogiando seu trabalho, mesmo que fosse algo bem simples.
— Você volta na sexta, né? null e eu vamos viajar com a mãe dele, mas null vai estar em casa e tem a senha da porta, então você pode pedir pra ele abrir pra você.
— Entendi. — Ela assentiu. — Vou descer agora pra limpar o apartamento dele.
— Beleza, até semana que vem, null — null se despediu e null a acompanhou até a porta.
Ela pegou o elevador e, um instante depois, tocou na campainha de null.
Ele estava usando uma camisa regata soltinha e short preto naquele dia. Assim como Hero, seus braços eram cobertos de tatuagens e ambos eram uma montanha de músculos.
— Oi, null — ele a cumprimentou com um sorriso. — Entra.
— Boa tarde.
— Deu tudo certo lá em cima com null e null?
— Sim, seus amigos são bem gentis.
— Que ótimo. Vou ficar no quarto enquanto você trabalha, tá? Você já sabe onde fica tudo, então qualquer coisa é só chamar. Fica à vontade. — E então, ele se virou e desapareceu pelo corredor.
Daquele jeito, ele a fazia se sentir como uma visita e não uma funcionária que estava ali para limpar sua casa.
null riu e balançou a cabeça antes de ir até a despensa de produtos e enfim começar a trabalhar. A casa de null estava menos suja que da última vez, mas isso era meio óbvio já que não fazia nem uma semana que estivera ali. No entanto, maníaco por limpeza ou não, null parecia ser bem tranquilo.
Diferente do apartamento de Hero, repleto de tons escuros e sofisticados, o de null seguia tons de areia e marrom que faziam o lugar parecer mais caseiro e aconchegante. Talvez tivesse sido decorado por uma mulher.
Assim como da última vez, ela arrumou todos os cômodos da casa e deixou a suíte dele por último. Daquela vez, ela também limpou o banheiro, que levou apenas alguns minutos, e admirou a banheira de hidromassagem mais uma vez, rindo de si mesma por isso.
Não conseguia nem imaginar quanto custava uma daquelas. Devia ser bom ter dinheiro.
Quando o pai era vivo, null vivia em um quarto legal e se alimentava melhor, mas nunca foi o tipo de pessoa que gastava dinheiro. Havia ganhado um cartão de crédito que gastava apenas com transporte, comida e coisas básicas, nada diferente do que fazia com o dinheiro que ele sempre havia enviado quando estava no Brasil.
Por mais que tivessem passado mais de uma década sem se verem pessoalmente, mantiveram contato constante, ao menos uma vez por semana.
Peter era um cara legal. Era um pai legal. E presente, da forma como conseguia ser. A perda dele foi um choque para null. Mesmo longe da irmã e da avó, ela estava feliz morando ali e por ter uma relação próxima com o pai.
Até não ter mais.
Foi como se o chão tivesse escapado de seus pés e ela estivesse em queda livre. A única preocupação que tinha antes era estudar e trabalhar na cafeteria para ganhar dinheiro e enviar para a irmã e avó. Além disso, tinha consultas rotineiras com o Dr. Martinez e sua saúde ia muito bem. Até que, de repente, tudo isso desapareceu.
null ainda não entendia por que não estava entre os herdeiros do pai, não quando ela era sua única filha biológica. Mas foi isso que descobriu quando o advogado leu o testamento.
Agora vivia na casa que costumava ser dele há um ano, pagando um pequeno aluguel. Se bem que viver era uma palavra equivocada, já que basicamente só usava o lugar para dormir e tomar banho.
Todo dia, null rezava por uma mudança que a permitisse sair de lá. E se tudo desse certo, deixaria aquele lugar para trás também, junto com as três pessoas odiosas que moravam lá.
***
Eram quase cinco e meia da tarde quando null terminou tudo. Quando chegou à sala, notou um cheiro delicioso se misturando aos de produtos de limpeza e viu o exato momento em que null se abaixou para pegar algo no forno.
— Oi, eu terminei tudo — ela avisou, se aproximando da bancada.
— Ótimo, chegou na hora certa. — Ele sorriu e indicou a forma repleta de biscoitos de chocolate. — Ainda tão quentes, mas eu fiz pra gente comer.
— Você fez enquanto eu limpava seu quarto?
— Na verdade, assei. Eu tinha massa congelada. Costumo fazer porções maiores e guardar pra não ter que fazer tudo do zero sempre. Senta aí. — Ele indicou o banco.
— Vou descansar só um pouquinho — ela disse, meio sem graça.
— Você ainda trabalha hoje? — Ele perguntou, de costas, enquanto abria a geladeira.
— Sim, na cafeteria. Mas meu turno só começa às sete.
— Ah, tem tempo então. O que vai fazer até lá? — Ele colocou uma caixa de leite em cima da bancada. — Leite? Eu tenho suco também, se você quiser.
— Você não precisa fazer isso.
— Achei que a gente já tinha concordado que é uma mania minha. Não é nada pessoal, null. — Ele a encarou e então inclinou a cabeça para o lado. — Posso te chamar assim?
Claro que pode. E se você usar esse tom de voz e expressão pra me pedir pra rolar e dar a pata tal qual um cachorro, eu faço sem problemas.
Ela só podia estar maluca.
Mas não era cega.
— Pode sim. — Ela sorriu de lábios fechados, enquanto ele enchia dois copos de leite.
De repente, null lembrou da tal notícia da ex-namorada. Pelo visto, ela tinha admitido ter mentido, mas algumas pessoas ainda estavam duvidando de null. Será que ainda duvidariam se o vissem agindo daquela forma? null certamente já tinha deixado a possibilidade dele ser um monstro de lado.
A menos que ele estivesse tentando alimentar ela para que engordasse e ele pudesse atirá-la em um caldeirão depois. Mas obviamente a ideia era bem bizarra e ela não estava presa no conto de João e Maria.
— Você não respondeu minha pergunta — ele comentou, pegando um biscoito com um lenço e entregando a ela.
— O quê? — null franziu o cenho, sem se lembrar.
— O que vai fazer antes de ir pro café?
— Ah, eu... Acho que vou só procurar um lugar pra jantar e fazer hora. — Ela deu de ombros, dando uma mordida no biscoito.
null imaginou que null devia morar longe de casa.
— E aí, gostou do biscoito?
— Tá uma delícia, parece o do Subway.
— Pois é, eu tentei reproduzir a receita deles. Que bom que gostou. — Ele sorriu e começou a comer também. — Sabe, quando null e eu trabalhávamos como garçons em Chicago, nosso apartamento ficava bem pertinho. A gente sempre podia descansar em casa e voltar.
— Devia ser legal. Eu bem que queria, mas só volto pra casa no fim do dia.
— Você trabalha sempre na cafeteria?
— Normalmente à noite, de terça a sexta. Na segunda eu tenho um turno durante a tarde e no sábado também. Os funcionários normalmente fazem rodízio no domingo, mas ninguém nunca quer trabalhar nesse dia, então todo mundo me pergunta se eu aceito o turno e... Bem, eu aceito.
— Parece cansativo.
— Pois é, mas eu já tô acostumada. — Ela deu de ombros e pegou o copo de leite para dar um gole.
— Fica aqui então — null ofereceu, de repente. null engasgou e tossiu. — Eita, tá tudo bem? — Ele pegou um lenço e entregou a ela.
— O que foi que você disse? — Ela o encarou.
— Você pode ficar aqui se quiser. Pra passar o tempo. Pode até tirar uma soneca no sofá ou sei lá, tomar banho. Eu não me importo.
— Não posso ficar aqui — ela falou rapidamente.
— Por que não?
— Porque... Eu sou uma estranha. Você não devia me oferecer isso.
— A minha antiga funcionária ficava aqui o tempo todo, quando precisava esperar o filho vir buscar ela. Confie em mim, eu não me importo.
— Mas... É a sua casa. Sua privacidade. Como assim não se importa de ter uma estranha aqui?
— Mas você não é estranha. Sua chefe me falou bem de você quando fui dar o feedback da última vez. Depois a gente se encontrou ontem e... Não sei. Se quiser posso te deixar sozinha e ficar no quarto também.
— Minha nossa... Eu... Você é sempre tão relaxado assim?
— Isso é um insulto? — Ele riu, quando ela arregalou os olhos. — Relaxa, null. Você pode não me conhecer, mas meu corpo tá estampado em todo canto. Especialmente nas últimas semanas — acrescentou, sem graça. — Você tá segura aqui.
— Segura?
— É. Não tenho nenhuma namorada maluca que vai aparecer do nada e bater em você. E sendo sincero, depois do que você me contou ontem acho que fico mais tranquilo com você aqui, pro caso de você passar mal na rua sozinha.
— Não é sua responsabilidade. — Ela engoliu em seco. Por que ele estava fazendo aquilo?
— Pois é, mas que tal você fingir que minha casa ainda tá suja? — ele sugeriu. — Faz de conta que ainda tá arrumando ela, se isso te deixar melhor.
— Eu... — Não sei o que dizer.
E não sabia mesmo. No fim, não disse nada. A única pessoa que tinha demonstrado preocupação com ela no último ano foram suas chefes. E não daquela forma.
— Seu rosto tá melhor? Não tá mais vermelho.
— Ah... Sim.
— Você tomou sua medicação? Comeu direitinho? Não teve nenhum episódio de hipoglicemia ou desmaio hoje, né? Porque você não pode se negligenciar assim... Tá descansando direito? Dormindo bem?
Ele a bombardeou com perguntas, falando tão rápido que por um instante null teve que pensar nas palavras para entender. Não adiantava nem um pouco ser fluente em inglês quando o cara à sua frente estava falando tão rápido quanto um rapper.
— Mais devagar, por favor.
— Ah, desculpa. Até que parte você entendeu?
— Tudo. Mas não vou lembrar de responder nada se você continuar nesse ritmo.
null riu, divertido.
— Entendi. Mas tá tudo bem?
— Sim. Ontem tive a noite livre, então voltei pra casa depois do jantar e pude dormir mais cedo. Tá tudo bem agora.
— Ótimo. E você vai ficar?
— Eu...
— Pode usar o banheiro de hóspedes se quiser tomar banho. O sofá também é bem grande e confortável como você já viu, e perfeito pra deitar um pouco.
— null... Tem certeza? Isso não te incomoda mesmo? — ela perguntou baixinho, tentada a aceitar.
— Claro que não, null. Relaxa. — O olhar dele suavizou, assim como a voz. — Por mim, tudo bem se pra você estiver também. Então... O que me diz?
Seria possível dizer não olhando naquele par de olhos azuis?
— Eu... Aceito, então — ela respondeu, tímida. — Obrigada.
— Ótimo! Sabe, eu precisava mesmo de alguém aqui — ele disse e se levantou, colocando a louça suja na pia. Então continuou a falar bem rápido. — Pensei em pedir comida coreana hoje, mas as porções deles são enormes e eu tô de dieta. Que bom que tenho alguém pra me acompanhar agora. Vou ficar no quarto e esperar o delivery. Você sabe onde fica o banheiro e... Bem, o resto das coisas. Até já.
E desapareceu, antes que ela pudesse protestar.
null piscou algumas vezes, tentando assimilar as palavras e... Espera, ele ia comprar o jantar?
null tocou a campainha e ajustou a bolsa no ombro enquanto esperava. Um minuto depois, a porta foi aberta e um homem alto, sem camisa, apareceu.
A primeira coisa que null notou foram os braços cobertos de tatuagens florais, entre outras. Havia algumas pegando parte de seu torso também, além de pequenas cicatrizes.
— Oi, você deve ser null. — Ele sorriu para ela e uma sombra de uma covinha apareceu. Era um pouco mais baixo que null e ao invés de olhos azuis e cabelo preto, Hero null tinha o cabelo marrom em um tom de chocolate e olhos verdes profundos.
— Isso mesmo. — Ela sorriu de volta.
— Entra. — Ele abriu espaço para ela passar e null não pode ignorar seu torso definido. Caramba, aquele cara era lindo demais. Parecia que tinha saído da capa de uma revista.
Será que todos os amigos de null eram assim?
Sua mandíbula era marcada e seu nariz reto, sem contar o sorriso adorável.
Assim que entrou, null se deparou com um apartamento praticamente igual ao de null: bem amplo e aberto, com cômodos nos mesmos lugares. Na cozinha, uma mulher de cabelo castanho com mechas rosa-claro fazia algo e levantou a cabeça assim que null a encarou.
— Oi! null, né? null falou sobre você. — Ela sorriu, simpática. — Bem-vinda. Eu sou null.
Bem-vinda. Era a segunda vez que alguém falava aquilo para ela. null sentiu seu coração se aquecer um pouquinho. Também achou null familiar, mas então se lembrou do que null disse assim que deixou ela na cafeteria, na tarde anterior. null era cliente ali. Então era possível que as duas tivessem se esbarrado alguma vez, embora null não tivesse o costume de prestar atenção em muitos rostos, ainda mais quando o local estava sempre lotado.
— Boa tarde. Também ouvi falar sobre você.
— E eu sou null. Ou Hero, como preferir chamar. — O homem estendeu uma mão para ela apertar. — Mas nada de me chamar de senhor. Eu só tenho trinta anos.
null sorriu, achando graça.
— Tudo bem. null, então. É um prazer conhecer vocês. Por onde posso começar a trabalhar?
— Eu vou te mostrar o apartamento. — null disse, se aproximando, e a guiou através dos cômodos em pouco tempo. Era como o apartamento de null, mas o quarto que no dele estava vazio, ali tinha sido transformado em um pequeno estúdio de música. — Hero vai ficar no estúdio trabalhando, então não precisa limpar lá. E eu vou ficar no escritório.
— Entendi. — null disse, e um instante depois, Hero passou por elas, entrando no cômodo para trabalhar.
Voltaram para a cozinha um momento depois.
— Os produtos de limpeza ficam ali. — Ela apontou para uma portinha idêntica à de null.
— Igual ao apartamento de null.
— Pois é. null é bem organizado, e os dois moraram juntos por muito tempo. Foi ele quem arrumou as coisas aqui também. null sofreu um acidente no ano passado e ele ficou por conta dos mantimentos — ela explicou. — Acho que tem produtos de limpeza até o final do ano. Ele é meio maníaco por limpeza, mas não admite.
null deu uma risadinha.
— Ah, ele me disse que só gosta de arrumação.
— Que nada. Aposto que ele tem TOC. E ele limpa a casa por hobby, ou quando precisa pensar sobre algo. Mas quem limpa a casa pra pensar? Eu comprei um robô pra fazer isso por mim. Limpar, sabe. O troço limpa minha casa melhor do que eu.
— Deve ser bem prático.
— Sim. Mas os homens daqui não curtem muita tecnologia. Levei meses pra convencer null a instalar uma assistente virtual em casa — ela contou. — Mas é bom, né? Mais trabalho pra você. — Ela sorriu.
— Sim. Deixa comigo. Posso ser o robozinho de limpeza de vocês.
null riu, divertida.
— Isso aí. Me chama se precisar de qualquer coisa. Ah, os copos ficam ali e tem água na geladeira se você quiser. — Ela apontou para a bancada. — null me contou da sua condição, então acho bom você se manter hidratada.
— Obrigada.
— Vou voltar pro trabalho agora. Até depois.
Assim como o apartamento de null, não havia tanto o que fazer. Tinha um pouco mais de pó nos móveis, mas o chão estava ok. Mesmo assim, ela saiu aspirando tudo para ter certeza de que não deixaria nada passar batido.
Em seguida, usou um pano úmido no chão de porcelanato e terminou tudo cerca de duas horas depois.
— Ficou ótimo. Que cheiro bom — null comentou, olhando ao redor. — null tava certo sobre você.
— É verdade — null concordou com um sorriso.
— Obrigada. — null sorriu de volta, orgulhosa de si mesma.
Era bom ter alguém elogiando seu trabalho, mesmo que fosse algo bem simples.
— Você volta na sexta, né? null e eu vamos viajar com a mãe dele, mas null vai estar em casa e tem a senha da porta, então você pode pedir pra ele abrir pra você.
— Entendi. — Ela assentiu. — Vou descer agora pra limpar o apartamento dele.
— Beleza, até semana que vem, null — null se despediu e null a acompanhou até a porta.
Ela pegou o elevador e, um instante depois, tocou na campainha de null.
Ele estava usando uma camisa regata soltinha e short preto naquele dia. Assim como Hero, seus braços eram cobertos de tatuagens e ambos eram uma montanha de músculos.
— Oi, null — ele a cumprimentou com um sorriso. — Entra.
— Boa tarde.
— Deu tudo certo lá em cima com null e null?
— Sim, seus amigos são bem gentis.
— Que ótimo. Vou ficar no quarto enquanto você trabalha, tá? Você já sabe onde fica tudo, então qualquer coisa é só chamar. Fica à vontade. — E então, ele se virou e desapareceu pelo corredor.
Daquele jeito, ele a fazia se sentir como uma visita e não uma funcionária que estava ali para limpar sua casa.
null riu e balançou a cabeça antes de ir até a despensa de produtos e enfim começar a trabalhar. A casa de null estava menos suja que da última vez, mas isso era meio óbvio já que não fazia nem uma semana que estivera ali. No entanto, maníaco por limpeza ou não, null parecia ser bem tranquilo.
Diferente do apartamento de Hero, repleto de tons escuros e sofisticados, o de null seguia tons de areia e marrom que faziam o lugar parecer mais caseiro e aconchegante. Talvez tivesse sido decorado por uma mulher.
Assim como da última vez, ela arrumou todos os cômodos da casa e deixou a suíte dele por último. Daquela vez, ela também limpou o banheiro, que levou apenas alguns minutos, e admirou a banheira de hidromassagem mais uma vez, rindo de si mesma por isso.
Não conseguia nem imaginar quanto custava uma daquelas. Devia ser bom ter dinheiro.
Quando o pai era vivo, null vivia em um quarto legal e se alimentava melhor, mas nunca foi o tipo de pessoa que gastava dinheiro. Havia ganhado um cartão de crédito que gastava apenas com transporte, comida e coisas básicas, nada diferente do que fazia com o dinheiro que ele sempre havia enviado quando estava no Brasil.
Por mais que tivessem passado mais de uma década sem se verem pessoalmente, mantiveram contato constante, ao menos uma vez por semana.
Peter era um cara legal. Era um pai legal. E presente, da forma como conseguia ser. A perda dele foi um choque para null. Mesmo longe da irmã e da avó, ela estava feliz morando ali e por ter uma relação próxima com o pai.
Até não ter mais.
Foi como se o chão tivesse escapado de seus pés e ela estivesse em queda livre. A única preocupação que tinha antes era estudar e trabalhar na cafeteria para ganhar dinheiro e enviar para a irmã e avó. Além disso, tinha consultas rotineiras com o Dr. Martinez e sua saúde ia muito bem. Até que, de repente, tudo isso desapareceu.
null ainda não entendia por que não estava entre os herdeiros do pai, não quando ela era sua única filha biológica. Mas foi isso que descobriu quando o advogado leu o testamento.
Agora vivia na casa que costumava ser dele há um ano, pagando um pequeno aluguel. Se bem que viver era uma palavra equivocada, já que basicamente só usava o lugar para dormir e tomar banho.
Todo dia, null rezava por uma mudança que a permitisse sair de lá. E se tudo desse certo, deixaria aquele lugar para trás também, junto com as três pessoas odiosas que moravam lá.
Eram quase cinco e meia da tarde quando null terminou tudo. Quando chegou à sala, notou um cheiro delicioso se misturando aos de produtos de limpeza e viu o exato momento em que null se abaixou para pegar algo no forno.
— Oi, eu terminei tudo — ela avisou, se aproximando da bancada.
— Ótimo, chegou na hora certa. — Ele sorriu e indicou a forma repleta de biscoitos de chocolate. — Ainda tão quentes, mas eu fiz pra gente comer.
— Você fez enquanto eu limpava seu quarto?
— Na verdade, assei. Eu tinha massa congelada. Costumo fazer porções maiores e guardar pra não ter que fazer tudo do zero sempre. Senta aí. — Ele indicou o banco.
— Vou descansar só um pouquinho — ela disse, meio sem graça.
— Você ainda trabalha hoje? — Ele perguntou, de costas, enquanto abria a geladeira.
— Sim, na cafeteria. Mas meu turno só começa às sete.
— Ah, tem tempo então. O que vai fazer até lá? — Ele colocou uma caixa de leite em cima da bancada. — Leite? Eu tenho suco também, se você quiser.
— Você não precisa fazer isso.
— Achei que a gente já tinha concordado que é uma mania minha. Não é nada pessoal, null. — Ele a encarou e então inclinou a cabeça para o lado. — Posso te chamar assim?
Claro que pode. E se você usar esse tom de voz e expressão pra me pedir pra rolar e dar a pata tal qual um cachorro, eu faço sem problemas.
Ela só podia estar maluca.
Mas não era cega.
— Pode sim. — Ela sorriu de lábios fechados, enquanto ele enchia dois copos de leite.
De repente, null lembrou da tal notícia da ex-namorada. Pelo visto, ela tinha admitido ter mentido, mas algumas pessoas ainda estavam duvidando de null. Será que ainda duvidariam se o vissem agindo daquela forma? null certamente já tinha deixado a possibilidade dele ser um monstro de lado.
A menos que ele estivesse tentando alimentar ela para que engordasse e ele pudesse atirá-la em um caldeirão depois. Mas obviamente a ideia era bem bizarra e ela não estava presa no conto de João e Maria.
— Você não respondeu minha pergunta — ele comentou, pegando um biscoito com um lenço e entregando a ela.
— O quê? — null franziu o cenho, sem se lembrar.
— O que vai fazer antes de ir pro café?
— Ah, eu... Acho que vou só procurar um lugar pra jantar e fazer hora. — Ela deu de ombros, dando uma mordida no biscoito.
null imaginou que null devia morar longe de casa.
— E aí, gostou do biscoito?
— Tá uma delícia, parece o do Subway.
— Pois é, eu tentei reproduzir a receita deles. Que bom que gostou. — Ele sorriu e começou a comer também. — Sabe, quando null e eu trabalhávamos como garçons em Chicago, nosso apartamento ficava bem pertinho. A gente sempre podia descansar em casa e voltar.
— Devia ser legal. Eu bem que queria, mas só volto pra casa no fim do dia.
— Você trabalha sempre na cafeteria?
— Normalmente à noite, de terça a sexta. Na segunda eu tenho um turno durante a tarde e no sábado também. Os funcionários normalmente fazem rodízio no domingo, mas ninguém nunca quer trabalhar nesse dia, então todo mundo me pergunta se eu aceito o turno e... Bem, eu aceito.
— Parece cansativo.
— Pois é, mas eu já tô acostumada. — Ela deu de ombros e pegou o copo de leite para dar um gole.
— Fica aqui então — null ofereceu, de repente. null engasgou e tossiu. — Eita, tá tudo bem? — Ele pegou um lenço e entregou a ela.
— O que foi que você disse? — Ela o encarou.
— Você pode ficar aqui se quiser. Pra passar o tempo. Pode até tirar uma soneca no sofá ou sei lá, tomar banho. Eu não me importo.
— Não posso ficar aqui — ela falou rapidamente.
— Por que não?
— Porque... Eu sou uma estranha. Você não devia me oferecer isso.
— A minha antiga funcionária ficava aqui o tempo todo, quando precisava esperar o filho vir buscar ela. Confie em mim, eu não me importo.
— Mas... É a sua casa. Sua privacidade. Como assim não se importa de ter uma estranha aqui?
— Mas você não é estranha. Sua chefe me falou bem de você quando fui dar o feedback da última vez. Depois a gente se encontrou ontem e... Não sei. Se quiser posso te deixar sozinha e ficar no quarto também.
— Minha nossa... Eu... Você é sempre tão relaxado assim?
— Isso é um insulto? — Ele riu, quando ela arregalou os olhos. — Relaxa, null. Você pode não me conhecer, mas meu corpo tá estampado em todo canto. Especialmente nas últimas semanas — acrescentou, sem graça. — Você tá segura aqui.
— Segura?
— É. Não tenho nenhuma namorada maluca que vai aparecer do nada e bater em você. E sendo sincero, depois do que você me contou ontem acho que fico mais tranquilo com você aqui, pro caso de você passar mal na rua sozinha.
— Não é sua responsabilidade. — Ela engoliu em seco. Por que ele estava fazendo aquilo?
— Pois é, mas que tal você fingir que minha casa ainda tá suja? — ele sugeriu. — Faz de conta que ainda tá arrumando ela, se isso te deixar melhor.
— Eu... — Não sei o que dizer.
E não sabia mesmo. No fim, não disse nada. A única pessoa que tinha demonstrado preocupação com ela no último ano foram suas chefes. E não daquela forma.
— Seu rosto tá melhor? Não tá mais vermelho.
— Ah... Sim.
— Você tomou sua medicação? Comeu direitinho? Não teve nenhum episódio de hipoglicemia ou desmaio hoje, né? Porque você não pode se negligenciar assim... Tá descansando direito? Dormindo bem?
Ele a bombardeou com perguntas, falando tão rápido que por um instante null teve que pensar nas palavras para entender. Não adiantava nem um pouco ser fluente em inglês quando o cara à sua frente estava falando tão rápido quanto um rapper.
— Mais devagar, por favor.
— Ah, desculpa. Até que parte você entendeu?
— Tudo. Mas não vou lembrar de responder nada se você continuar nesse ritmo.
null riu, divertido.
— Entendi. Mas tá tudo bem?
— Sim. Ontem tive a noite livre, então voltei pra casa depois do jantar e pude dormir mais cedo. Tá tudo bem agora.
— Ótimo. E você vai ficar?
— Eu...
— Pode usar o banheiro de hóspedes se quiser tomar banho. O sofá também é bem grande e confortável como você já viu, e perfeito pra deitar um pouco.
— null... Tem certeza? Isso não te incomoda mesmo? — ela perguntou baixinho, tentada a aceitar.
— Claro que não, null. Relaxa. — O olhar dele suavizou, assim como a voz. — Por mim, tudo bem se pra você estiver também. Então... O que me diz?
Seria possível dizer não olhando naquele par de olhos azuis?
— Eu... Aceito, então — ela respondeu, tímida. — Obrigada.
— Ótimo! Sabe, eu precisava mesmo de alguém aqui — ele disse e se levantou, colocando a louça suja na pia. Então continuou a falar bem rápido. — Pensei em pedir comida coreana hoje, mas as porções deles são enormes e eu tô de dieta. Que bom que tenho alguém pra me acompanhar agora. Vou ficar no quarto e esperar o delivery. Você sabe onde fica o banheiro e... Bem, o resto das coisas. Até já.
E desapareceu, antes que ela pudesse protestar.
null piscou algumas vezes, tentando assimilar as palavras e... Espera, ele ia comprar o jantar?
Capítulo 7
Como prometido, River sumiu.
Mas ainda levou cerca de dois minutos para null criar coragem e ir até o banheiro.
— Seja grata, null. Você tá louca por um banho. Tem mais é que aproveitar a oportunidade mesmo — ela murmurou consigo mesma, em português.
Só precisava de dez minutos.
E de qualquer forma, por precaução, sempre andava com uma muda de roupas e produtos de higiene íntima na bolsa, após um perrengue alguns meses antes. Uma torneira com defeito que espirrou água para todos os lados ao ser aberta, inclusive nela.
No inverno.
Por mais que estivesse com um casaco pesado naquele dia, não ajudou muito com as roupas molhadas. null passou o resto do dia batendo o queixo de frio e ainda pegou um resfriado horrível. Então de jeito nenhum deixaria algo assim se repetir, não se pudesse evitar.
Quando terminou o banho, null voltou para a sala. A porta do quarto de River ainda estava fechada e o apartamento estava em silêncio.
Ainda meio acanhada, mas aliviada por ele tê-la deixado sozinha, null foi até o sofá e se sentou no estofado macio e aconchegante. Era tão confortável que ela sentiu como se estivesse sendo abraçada. Sua boca se abriu em um bocejo; estava bem menos cansada do que no dia anterior, mas ainda assim sentiu os olhos inchados de sono.
E o pior: não podia nem tomar um energético sem sentir que seu coração ia pular para fora a qualquer momento.
Assim, ela aproveitou a deixa e deitou a cabeça no encosto, fechando os olhos por um momento. A cafeteria ficava a cinco minutos de caminhada da casa de River, então ainda tinha tempo de sobra.
Ia ficar paradinha ali só um pouquinho, uns cinco minutos.
Só para descansar os olhos.
Quase meia hora depois, null acordou sobressaltada, percebendo que estava toda encolhida no sofá, com um cobertor em cima dela.
Quando aquilo tinha ido parar ali? Ela não se lembrava de ter nenhuma manta no sofá. E por que estava sem sapatos?
— Você acordou. — Ela ouviu a voz de River e virou a cabeça, o encontrando na cozinha. Ele tinha a sombra de um sorriso no rosto, mas seu olhar estava concentrado em outra coisa. Foi então que ela notou um cheiro estupidamente bom vindo dali, fazendo sua boca salivar.
— Eu não tinha intenção de dormir, desculpa — alegou, envergonhada, como se tivesse sido pega fazendo algo errado.
— Relaxa, eu disse que você podia tirar uma soneca. — River sorriu, continuando a organizar a bancada com a comida.
Uns dez minutos depois que ouviu null passando pelo corredor pela segunda vez, ele abriu a porta do quarto devagar e saiu para espiar. Por um instante, não a viu em lugar nenhum e achou que talvez tivesse ido embora, mas então se deparou com sua figura toda encolhida no sofá.
O móvel era grande e largo, tão confortável quanto uma cama. null estava deitada de lado, em posição fetal, com as costas viradas para o encosto. Havia olheiras escuras abaixo de seus olhos e ela tinha prendido o cabelo em um rabo de cavalo alto que deixava todo o seu rosto à mostra. Os fios eram longos e escuros, um tom de marrom um pouco mais profundo que os de null, contrastando com sua pele clara, levemente bronzeada.
null parecia pequena naquele sofá grande demais e era meio fofo, ele pensou, com um sorriso. Ela e null deviam ter por volta da mesma altura; não eram baixinhas, mas também não chegavam a ser altas.
De repente, ela se mexeu durante o sono e River foi tirado de seus pensamentos, dando-se conta de que estava parado ali há alguns instantes, apenas a observando.
Se ela acordasse e te visse assim, ia sair correndo, seu esquisitão.
null se mexeu outra vez e se encolheu mais, então, sem pensar muito, ele buscou uma manta e a cobriu com cuidado. Em seguida, removeu o par de tênis que ela usava para acomodá-la melhor. A comida tinha acabado de chegar quando ela acordou.
— Mesmo assim, sinto muito. Você é meu chefe — null se desculpou mais uma vez.
Por que ela estava tão preocupada com aquilo quando ele a tinha convidado?
— Agora você é minha convidada, que vai me ajudar a acabar com essa comida que acabou de chegar. — Ele gesticulou para os recipientes descartáveis.
null enfiou os pés rapidamente nos tênis e caminhou até ele, abrindo a boca de surpresa quando viu a quantidade de comida.
— Por que você pediu isso tudo?
— Aí que tá. Eu não pedi. Essas são as menores porções do restaurante — ele explicou. E era verdade, sempre sobrava comida quando ele comia sozinho. — Não sei se você gosta de comida apimentada, então pedi o molho separado só por precaução.
— Ah, sim... Entendi.
River não tinha certeza se ela havia acreditado ou não, mas deixou para lá.
Os dois se sentaram e então começaram a comer em um silêncio confortável.
— Você se sente melhor? — ele perguntou, após uns cinco minutos. — Depois de tirar um cochilo — ele acrescentou, quando a viu franzir o cenho, confusa.
— Ah, sim. — null desviou o olhar, sentindo o rosto esquentar. — Meus olhos agradecem.
— Deve ser difícil trabalhar em dois empregos.
— Três — ela corrigiu, com uma risadinha. — Mas o último é legal.
— Três? Você tem três empregos? — Ele a encarou, incrédulo. — Por que tudo isso?
— Eu preciso me manter. — Ela deu de ombros. — Também pago a faculdade da minha irmã, no Brasil. E a minha doença...
— O que tem ela?
— Eu não tenho plano de saúde, então preciso economizar por precaução. Por conta das medicações e pro caso de... — A voz dela morreu.
— De acontecer alguma coisa, como você disse antes?
— Sim. Mas se quer saber, nunca houve nada sério até agora, então tá tudo bem. — Ela sorriu de lábios fechados. — Além disso, também tô juntando dinheiro pra alugar um apartamento e sair da casa do meu pai. Ou melhor, da minha madrasta. Mas o terceiro emprego é legal. E é só nos fins de semana.
— Ah... E o que você faz?
— Eu danço.
— O quê? — River a encarou, imóvel. — Você... Dança?
— Não me olhe assim. — null riu, divertida. — Eu não sou uma stripper.
— Ah... Certo. E onde você dança, exatamente? — ele perguntou, curioso, enquanto enfiava uma colher de arroz na boca.
— Num clube burlesco.
River engasgou com arroz e tossiu, sentindo os olhos arderem.
null estendeu um lenço para ele.
— Um clube burlesco? E como isso é diferente?
— É diferente porque eu não preciso necessariamente tirar a roupa — ela explicou. — E nós fazemos cabelo e maquiagem. Todo mundo fica num estilo vintage, é muito legal. Eu fazia faculdade de dança antes, mas tive que trancar depois que meu pai morreu, pra poder trabalhar.
— Entendi. — Ele assentiu. — Você faz muitas coisas. Não é cansativo? Tipo, você pode fazer isso?
— Não deveria. Mas não tenho escolha. — Ela deu de ombros.
— Sinto muito.
— Não sinta. Tá tudo bem. Se não fosse minha doença... — Ela respirou fundo e sorriu sem graça.
River resolveu mudar de assunto.
— E sua irmã? Ela não veio com você pros Estados Unidos?
— Não, ela é minha meia-irmã, na verdade. Nós não nos damos muito bem. Ela se ressente de mim por ter vindo morar com meu pai, então a gente mal se fala.
— E você envia dinheiro pra ela mesmo assim? — ele perguntou. null deu de ombros, como se não se importasse. — Quantos anos ela tem?
— Vinte e dois.
— E você é a única trabalhando?
— Ela precisa estudar. E eu prometi que ia pagar a faculdade dela.
— Tá, e a família do seu pai? Por que você quer sair de lá?
— Porque... — Sou tratada como uma intrusa. Assediada e maltratada. Obrigada a pagar pra dormir num armário de vassouras e ainda ter que agradecer, como se fosse um maldito favor. — Quero ter meu próprio cantinho.
E foi tudo o que ela disse.
Voltaram a comer em silêncio e quando terminaram, ainda havia comida sobrando. null tinha dez minutos e se despediu de River, que a acompanhou até a porta.
— Até sexta, null. Bom trabalho e boa noite. Descanse.
null sorriu de lábios fechados e assentiu, antes de se virar até o elevador. Viu River fechar a porta e desviou o olhar para a tela do elevador. Alguém estava subindo até aquele andar.
Ela ajustou a bolsa no ombro e, quase no mesmo instante, as portas do elevador abriram, revelando um cara asiático alto, de cabelo preto e piercings nas orelhas, que por pouco não esbarrou nela.
— Opa! Desculpa, eu não te vi. — Ele sorriu, sem graça.
— Sem problema. — Ela sorriu de volta. — Boa noite. — E entrou no cubículo.
— Boa noite... — Ele respondeu, observando as portas fecharem.
Um minuto depois, digitou a senha da porta de River e entrou.
— Caaara! Acabei de ver uma gata no elevador!
River encarou null, confuso, mas nem um pouco surpreso pela aparição repentina do amigo. Ele tinha dessas.
— Quem? E o que você tá fazendo aqui?
— Isso é comida coreana? Eu nem jantei ainda. — Ele apontou para os recipientes que River estava se preparando para guardar e desistiu.
— É sim, as porções são enormes e acabou sobrando. Fica à vontade.
null foi até a bancada e não perdeu tempo em pegar um par de hashis e começar a comer.
— Então, uma garota de rabo de cavalo, pele clara. Acho que é estrangeira.
— Ah, deve ser a null então — River deduziu.
— null? Quem é null? Você conhece aquela gata?
— null, eu contratei ela pra limpar minha casa. Nós jantamos juntos e ela acabou de sair.
— Quê?! Você tava num encontro então?
River revirou os olhos.
— Não foi um encontro, idiota. Ela tinha tempo livre antes de ir pro outro trabalho e eu a convenci a ficar um pouco e descansar. A null tem uma doença cardíaca e... Por que eu tô falando disso com você? — ele perguntou quando notou que null tinha parado de comer e agora o encarava com o queixo apoiado nas duas mãos, completamente atento.
— Parece o plot de uma boa fanfic. Mas e aí? Ela também não tem família e tentou recusar a proposta?
— Sim, mas como você- Ah, null! Para de fanficar, porra!
— Ei, eu não tenho culpa de ter um hobby que estimula a minha imaginação! Da última vez que eu soube, sua faxineira era uma senhora idosa e não uma gata daquelas.
— Para de chamar ela de gata, idiota. O nome dela é null.
— Ui, alguém tá com ciuminho? — null provocou, voltando a comer, e River teve que respirar fundo para não dar um soco nele.
— O que você veio fazer aqui, afinal? Além de me perturbar, é claro.
Ainda mastigando, null pegou o celular e procurou por algo antes de entregar a River, que arregalou os olhos assim que viu a manchete com seu nome.
"River null tem problemas de apego? Ex-affair afirma que o vocalista da Cave Panthers nunca demonstrou interesse em ter um relacionamento sério"
— Aquela maluca deu outra entrevista. Ela admitiu a mentira, mas em compensação falou isso aí, que você nunca quis ter um relacionamento sério. Também disse que seguiu em frente com um cara chamado John. Enfim, uma bela bosta, mas agora as pessoas não tiram seu nome da boca.
— Que inferno... — River resmungou, enquanto rolava a página do artigo. — Isso saiu hoje à tarde?
— Sim, eu te mandei mensagem, mas você nem leu.
— Deixei o celular carregando no quarto — River respondeu em meio a uma careta.
E então respirou fundo, tentando manter a paciência. Porque a maluca com quem tinha se envolvido tinha acabado de lhe dar uma nova dor de cabeça quando ele achava que estava tudo resolvido.
E o pior: nada do que ela disse era mentira.
***
26 de agosto de 2017, 00:58 - Veil of Secrets - Nova York, NY
As luzes coloridas do clube piscaram enquanto a música tocava alto, preenchendo o ambiente enquanto as dançarinas distraíam os clientes majoritariamente do sexo masculino.
No Veil of Secrets, clube burlesco em que null trabalhava, ela era Cindy Lee. Todas as dançarinas eram incentivadas a criarem um alter ego para ajudá-las a se soltarem na dança e manter a verdadeira identidade em segredo.
Cindy Lee era loira, de cabelo curto em um tom platinado. null tinha escolhido aquele corte inspirado na personagem de Christina Aguilera em Burlesque. E o nome... Era uma piada de humor negro que fizera consigo mesma após ficar órfã, ainda morando com uma madrasta que finalmente havia mostrado as garras e seus dois filhos cruéis.
Tommy, o responsável pelo figurino, gostou tanto da ideia que a maioria das roupas que dava para null vestir eram em tons de azul.
Naquela noite, ela usava um espartilho de cetim azul-celeste com luvas, minissaia rendada e meias brancas. Os sapatos eram de um estilo boneca, ótimos para dançar, no mesmo tom de azul do espartilho.
null se sentia uma boneca sexy e achava que aquela era a melhor parte em trabalhar ali. Podia simplesmente fingir que era outra pessoa enquanto dançava e provocava os clientes que lhe davam gorjetas que eram presas em partes dos figurinos, assim como todas as dançarinas faziam.
Ninguém tinha permissão de tocá-las, no entanto. E os seguranças de Suzy, sua chefe, garantiam que qualquer tentativa de assédio fosse interrompida antes mesmo de se concretizar.
Como ex-dançarina com anos de carreira, Suzy era extremamente exigente não só com a dança, mas com os clientes. Certos limites não podiam ser ultrapassados, portanto, regras haviam sido estabelecidas.
null sabia pouca coisa sobre a dança burlesca antes de chegar ali, mas havia aprendido muito no último ano não só com a chefe, mas também com as colegas de trabalho.
O Veil of Secrets tinha dançarinas incríveis, algumas que até mesmo costumavam ser líderes de torcida na escola, com várias habilidades de ginástica. null não tinha nenhuma especialidade, mas era boa em aprender rápido, improvisar e interpretar músicas.
Naquele momento, "Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)" de ABBA tocava alto enquanto dançarinas no palco interpretavam a música de forma sexy, alegre e exagerada. Normalmente, elas eram divididas entre dois ou três grupos para revezar o palco, ao mesmo tempo em que as que não estavam lá dançavam entre as mesas do público presente.
Era o que null estava fazendo naquele momento, sacudindo sensualmente um leque rendado enquanto se movia fazendo a coreografia, uma das muitas que tinha aprendido antes ou depois do expediente devido à falta de tempo para ensaiar. Todas eram sempre decididas com antecedência e Suzy sempre enviava vídeos dos ensaios para que as garotas pudessem treinar sozinhas depois.
null passava a semana assistindo esses vídeos nos intervalos de um trabalho e outro, geralmente quando estava em um ônibus ou no metrô.
Felizmente, de algum jeito funcionava.
Entre as mesas, no entanto, as dançarinas tinham maior liberdade para improvisar. O espaço era pequeno e a coreografia mais elaborada era reservada para o palco.
null dançou entre as mesas, sorrindo por trás da máscara prateada que cobria metade de seu rosto. Seus olhos estavam esfumados com sombra azul e marrom, realçando o castanho deles. Além disso, um delineado gatinho e um par cílios postiços no canto externo lhe davam um olhar cheio de charme.
Ali ela não era null, e sim Cindy Lee enquanto dançava.
E assim como as outras meninas, Cindy dublava as músicas enquanto sorria e se movimentava ao ritmo dela.
Chegou à mesa de um homem charmoso que devia ter idade para ser seu pai e ele sorriu, balançando uma nota de cem dólares para ela. Ele lembrava um pouco o ator que havia feito Sportacus em LazyTown e tinha um charme magnético. Cindy sorriu e balançou o leque, mexendo os quadris de um lado para o outro, antes de colocar o pé em cima da coxa dele.
O homem deu uma risadinha e enfiou a nota na meia dela, antes de segurar sua mão e depositar um beijo no dorso. Sem ultrapassar limites.
Ele devia ser bem rico para dar uma gorjeta daquelas. Ou inconsequente.
Mas a julgar pelas roupas caras, devia ser a primeira opção. Cindy sorriu e dançou mais um pouco até passar para outras mesas. Estava tudo bem, até uma mão boba ir parar na bunda dela.
Sempre tinha um engraçadinho que gostava de ir contra as regras, mas ela não se abalou. Afastou a mão dele com um sorriso enquanto lançava um olhar para Jesse, um dos seguranças. Cada um deles era responsável por ficar de olho em pelo menos três meninas, só para o caso de algum cliente resolver passar do limite.
E as outras duas estavam no palco.
Jesse arqueou uma sobrancelha para ela, lançando um olhar de águia para o homem que a tinha tocado e estava a meio caminho de tentar de novo. Cindy bateu levemente com o leque em sua mão e ele riu, levantando as mãos em rendição antes de mostrar uma nota de vinte dólares. Ela sorriu e abriu o leque, estendendo-o como uma bandeja para que ele colocasse o dinheiro ali.
A próxima mesa a que chegou, no entanto, a fez vacilar por um instante ao ver um rosto conhecido. Charlie estava sentado ali, a observando com interesse. null manteve distância, dançando de costas para ele na maior parte do tempo, antes de se virar com o leque cobrindo parte do rosto. Em seguida, o removeu e começou a se abanar, enquanto dublava:
"Is there a man out there, someone to hear my prayer?"
Era o último refrão e Charlie estava sacudindo uma nota de cinquenta dólares. null se aproximou com o leque estendido, mas ele ignorou e enfiou a nota no decote do espartilho. Ela segurou um sorriso no rosto e deu as costas novamente, se afastando enquanto a música se encerrava.
As luzes começaram a piscar dramaticamente, um novo som ecoando das caixas de som.
Ela e mais cinco dançarinas correram para o palco ao som dos primeiros toques de "Voulez-Vous" e quando a primeira linha foi cantada, as seis já estavam a postos, cada uma em uma posição que era trocada dramaticamente no ritmo da música.
Elas pareciam um arco-íris em tons pasteis, cada uma com uma cor diferente, além de cabelo e maquiagem.
Quando o instrumental da música continuou sem as vozes, elas andaram pelo palco com movimentos exagerados, cheios de humor e sensualidade. null sorriu atrás de sua skin de Cindy Lee, sentindo o corpo inteiro arrepiar enquanto se deixava levar pela dança.
Izzy, a dançarina vestida de rosa, ocupava o centro do palco e da coreografia naquele número. Era uma veterana de trinta e cinco anos, especialista em dança burlesca e acrobacias, extremamente competente e encantadora, além de ser a coreógrafa principal junto com Suzy. null também havia aprendido muito com ela e a tinha como uma inspiração. Era uma honra dançar no mesmo palco daquela mulher.
Quando a música acabou, tudo ficou escuro e as dançarinas saíram do palco, com exceção de Izzy.
Era a hora do seu solo de dança.
As músicas de ABBA haviam sido escolhidas para as apresentações do mês de agosto e aquele era o último final de semana. Em breve, estariam em setembro com números cover do filme Burlesque, que null mal podia esperar.
Suzy era uma amante de musicais e, no último ano, null e as outras dançarinas já tinham interpretado músicas de vários, mas em meio a isso, também havia alguns números com músicas pop atuais.
As luzes começaram a piscar e null correu para um cantinho afastado dos clientes, ansiosa para ver o solo de Izzy.
"Does Your Mother Know?" começou a tocar e as luzes pararam de piscar, um único holofote a acompanhando para lá e para cá no palco. Izzy dançou com plumas e aos poucos foi removendo peças de roupas de forma ousada e brincalhona, mas sem realmente ficar nua. Ela jogou um sutiã para uma mulher de uma das mesas da frente, que o agarrou e o girou em meio a uma gargalhada.
O público riu e null se divertiu com a energia daquele lugar.
Pelo canto do olho, notou Jesse se aproximando.
— Ela é incrível, não é? — ele comentou, com admiração.
— Muito. — null sorriu, ainda encarando o palco.
— Você já tá livre ou vai ensaiar depois do expediente?
— Nah, vou pra casa mais cedo. Amanhã é sábado, então vou chegar cedo pra ensaiar as novas coreografias. Tô só esperando o solo acabar pra ir me trocar.
E tão logo ela falou, a música se encerrou. Izzy estava com o corpo coberto de plumas e se virou de costas, remexendo os quadris uma última vez, antes das luzes se apagarem. null e Jesse riram juntos e ela se despediu dele antes de voltar para o camarim. Um último grupo apresentaria mais algumas músicas, mas ela estava livre.
No camarim, juntou as gorjetas que havia ganhado e enfiado no espartilho antes de subir ao palco. Em seguida, tomou um banho rápido e se livrou da maquiagem.
Então, se despediu de Tommy e de algumas meninas, e enfim foi embora.
***
Do outro lado da cidade, um corpo grande e musculoso rolava pela cama.
River encarou o teto, sem sono nenhum, e suspirou, desistindo de dormir.
Normalmente, quando estava assim e nada parecia ajudá-lo a dormir, procurava algo para fazer, tipo limpar alguma coisa. Mas null já tinha feito aquilo mais cedo, ele lembrou com tristeza.
Ela parecia um pouco menos cansada naquele dia, ele notou. Limpou o apartamento de Hero antes de ir para o dele e, assim como na terça, tinha acabado bem antes do expediente na cafeteria começar. River a convenceu mais uma vez a descansar ali mesmo, mas por pouco.
Naquele dia tiveram que negociar. null queria comprar o jantar, mas não funcionou. De jeito nenhum ele a deixaria pagar por algo. Não porque ela não pudesse nem nada, mas... Se ele podia fazer isso por ela, então por que não?
Não era como se River tivesse com o que gastar, de qualquer forma. Depois de onze anos de carreira, ele tinha chegado a um ponto que poderia se aposentar a qualquer momento e viver confortavelmente pelo resto da vida.
Não tinha irmãos e seus parentes mais próximos eram seus pais. River os sustentava há muito tempo e já tinha anos que os dois viviam em um apartamento no Queens. Além dele e dos pais, parte de seu dinheiro era destinado a doações mensais a instituições de caridade.
E mesmo assim, ele ainda tinha mais dinheiro do que conseguia gastar.
null trabalhava duro de domingo a domingo e era uma boa garota. Um pouco tímida, mas divertida, uma vez que conseguia se soltar um pouquinho.
Ele não queria que ela desperdiçasse um dinheiro suado com ele. E à medida que conversavam, River sentia um estranho impulso de querer cuidar dela aumentar cada vez mais.
Nem fazia muito sentido, já que mal a conhecia. Mas a última vez que sentiu algo do tipo foi com null, que era sua melhor amiga. E além dela, sua mãe. River adorava mimar sua mãe e enviava um buquê de flores com um bilhete de admirador secreto toda semana. Tanto ela quanto seu pai sabiam que vinha dele, mas já fazia anos que a brincadeira continuava.
De todo modo, entendia as reservas de null, afinal, mal o conhecia. No entanto, depois de uma pequena discussão sobre quem pagaria o jantar, River resolveu tentar uma nova abordagem: cozinhar.
Então os dois acabaram na cozinha fazendo macarrão juntos. null sugeriu adicionar frango e fez um molho rosé delicioso. Ficou tão bom, que River ignorou a dieta e repetiu duas vezes, o que arrancou algumas risadas dela.
Ele perguntou um pouco mais sobre o clube em que ela dançava e viu seu rosto se iluminar com um sorriso ao contar os detalhes das apresentações. Era notável a paixão que ela tinha pela dança, e ele havia ficado um pouquinho curioso em ver aquele lado dela.
Suspirando mais uma vez, ainda encarando o teto, ele pegou o celular debaixo de um travesseiro e olhou a hora.
Duas da manhã. Será que ela já chegou em casa?
Sem pensar muito, ele acessou o aplicativo de mensagens e procurou o contato dela. Não faria mal enviar uma mensagem, né?
Só para garantir que estava tudo bem. Afinal, era tarde. E tinham trocado números de contato mais cedo, de qualquer forma. Uma mensagem não faria mal a ninguém, certo?
Pensando nisso, ele começou a digitar.
Mas ainda levou cerca de dois minutos para null criar coragem e ir até o banheiro.
— Seja grata, null. Você tá louca por um banho. Tem mais é que aproveitar a oportunidade mesmo — ela murmurou consigo mesma, em português.
Só precisava de dez minutos.
E de qualquer forma, por precaução, sempre andava com uma muda de roupas e produtos de higiene íntima na bolsa, após um perrengue alguns meses antes. Uma torneira com defeito que espirrou água para todos os lados ao ser aberta, inclusive nela.
No inverno.
Por mais que estivesse com um casaco pesado naquele dia, não ajudou muito com as roupas molhadas. null passou o resto do dia batendo o queixo de frio e ainda pegou um resfriado horrível. Então de jeito nenhum deixaria algo assim se repetir, não se pudesse evitar.
Quando terminou o banho, null voltou para a sala. A porta do quarto de River ainda estava fechada e o apartamento estava em silêncio.
Ainda meio acanhada, mas aliviada por ele tê-la deixado sozinha, null foi até o sofá e se sentou no estofado macio e aconchegante. Era tão confortável que ela sentiu como se estivesse sendo abraçada. Sua boca se abriu em um bocejo; estava bem menos cansada do que no dia anterior, mas ainda assim sentiu os olhos inchados de sono.
E o pior: não podia nem tomar um energético sem sentir que seu coração ia pular para fora a qualquer momento.
Assim, ela aproveitou a deixa e deitou a cabeça no encosto, fechando os olhos por um momento. A cafeteria ficava a cinco minutos de caminhada da casa de River, então ainda tinha tempo de sobra.
Ia ficar paradinha ali só um pouquinho, uns cinco minutos.
Só para descansar os olhos.
Quase meia hora depois, null acordou sobressaltada, percebendo que estava toda encolhida no sofá, com um cobertor em cima dela.
Quando aquilo tinha ido parar ali? Ela não se lembrava de ter nenhuma manta no sofá. E por que estava sem sapatos?
— Você acordou. — Ela ouviu a voz de River e virou a cabeça, o encontrando na cozinha. Ele tinha a sombra de um sorriso no rosto, mas seu olhar estava concentrado em outra coisa. Foi então que ela notou um cheiro estupidamente bom vindo dali, fazendo sua boca salivar.
— Eu não tinha intenção de dormir, desculpa — alegou, envergonhada, como se tivesse sido pega fazendo algo errado.
— Relaxa, eu disse que você podia tirar uma soneca. — River sorriu, continuando a organizar a bancada com a comida.
Uns dez minutos depois que ouviu null passando pelo corredor pela segunda vez, ele abriu a porta do quarto devagar e saiu para espiar. Por um instante, não a viu em lugar nenhum e achou que talvez tivesse ido embora, mas então se deparou com sua figura toda encolhida no sofá.
O móvel era grande e largo, tão confortável quanto uma cama. null estava deitada de lado, em posição fetal, com as costas viradas para o encosto. Havia olheiras escuras abaixo de seus olhos e ela tinha prendido o cabelo em um rabo de cavalo alto que deixava todo o seu rosto à mostra. Os fios eram longos e escuros, um tom de marrom um pouco mais profundo que os de null, contrastando com sua pele clara, levemente bronzeada.
null parecia pequena naquele sofá grande demais e era meio fofo, ele pensou, com um sorriso. Ela e null deviam ter por volta da mesma altura; não eram baixinhas, mas também não chegavam a ser altas.
De repente, ela se mexeu durante o sono e River foi tirado de seus pensamentos, dando-se conta de que estava parado ali há alguns instantes, apenas a observando.
Se ela acordasse e te visse assim, ia sair correndo, seu esquisitão.
null se mexeu outra vez e se encolheu mais, então, sem pensar muito, ele buscou uma manta e a cobriu com cuidado. Em seguida, removeu o par de tênis que ela usava para acomodá-la melhor. A comida tinha acabado de chegar quando ela acordou.
— Mesmo assim, sinto muito. Você é meu chefe — null se desculpou mais uma vez.
Por que ela estava tão preocupada com aquilo quando ele a tinha convidado?
— Agora você é minha convidada, que vai me ajudar a acabar com essa comida que acabou de chegar. — Ele gesticulou para os recipientes descartáveis.
null enfiou os pés rapidamente nos tênis e caminhou até ele, abrindo a boca de surpresa quando viu a quantidade de comida.
— Por que você pediu isso tudo?
— Aí que tá. Eu não pedi. Essas são as menores porções do restaurante — ele explicou. E era verdade, sempre sobrava comida quando ele comia sozinho. — Não sei se você gosta de comida apimentada, então pedi o molho separado só por precaução.
— Ah, sim... Entendi.
River não tinha certeza se ela havia acreditado ou não, mas deixou para lá.
Os dois se sentaram e então começaram a comer em um silêncio confortável.
— Você se sente melhor? — ele perguntou, após uns cinco minutos. — Depois de tirar um cochilo — ele acrescentou, quando a viu franzir o cenho, confusa.
— Ah, sim. — null desviou o olhar, sentindo o rosto esquentar. — Meus olhos agradecem.
— Deve ser difícil trabalhar em dois empregos.
— Três — ela corrigiu, com uma risadinha. — Mas o último é legal.
— Três? Você tem três empregos? — Ele a encarou, incrédulo. — Por que tudo isso?
— Eu preciso me manter. — Ela deu de ombros. — Também pago a faculdade da minha irmã, no Brasil. E a minha doença...
— O que tem ela?
— Eu não tenho plano de saúde, então preciso economizar por precaução. Por conta das medicações e pro caso de... — A voz dela morreu.
— De acontecer alguma coisa, como você disse antes?
— Sim. Mas se quer saber, nunca houve nada sério até agora, então tá tudo bem. — Ela sorriu de lábios fechados. — Além disso, também tô juntando dinheiro pra alugar um apartamento e sair da casa do meu pai. Ou melhor, da minha madrasta. Mas o terceiro emprego é legal. E é só nos fins de semana.
— Ah... E o que você faz?
— Eu danço.
— O quê? — River a encarou, imóvel. — Você... Dança?
— Não me olhe assim. — null riu, divertida. — Eu não sou uma stripper.
— Ah... Certo. E onde você dança, exatamente? — ele perguntou, curioso, enquanto enfiava uma colher de arroz na boca.
— Num clube burlesco.
River engasgou com arroz e tossiu, sentindo os olhos arderem.
null estendeu um lenço para ele.
— Um clube burlesco? E como isso é diferente?
— É diferente porque eu não preciso necessariamente tirar a roupa — ela explicou. — E nós fazemos cabelo e maquiagem. Todo mundo fica num estilo vintage, é muito legal. Eu fazia faculdade de dança antes, mas tive que trancar depois que meu pai morreu, pra poder trabalhar.
— Entendi. — Ele assentiu. — Você faz muitas coisas. Não é cansativo? Tipo, você pode fazer isso?
— Não deveria. Mas não tenho escolha. — Ela deu de ombros.
— Sinto muito.
— Não sinta. Tá tudo bem. Se não fosse minha doença... — Ela respirou fundo e sorriu sem graça.
River resolveu mudar de assunto.
— E sua irmã? Ela não veio com você pros Estados Unidos?
— Não, ela é minha meia-irmã, na verdade. Nós não nos damos muito bem. Ela se ressente de mim por ter vindo morar com meu pai, então a gente mal se fala.
— E você envia dinheiro pra ela mesmo assim? — ele perguntou. null deu de ombros, como se não se importasse. — Quantos anos ela tem?
— Vinte e dois.
— E você é a única trabalhando?
— Ela precisa estudar. E eu prometi que ia pagar a faculdade dela.
— Tá, e a família do seu pai? Por que você quer sair de lá?
— Porque... — Sou tratada como uma intrusa. Assediada e maltratada. Obrigada a pagar pra dormir num armário de vassouras e ainda ter que agradecer, como se fosse um maldito favor. — Quero ter meu próprio cantinho.
E foi tudo o que ela disse.
Voltaram a comer em silêncio e quando terminaram, ainda havia comida sobrando. null tinha dez minutos e se despediu de River, que a acompanhou até a porta.
— Até sexta, null. Bom trabalho e boa noite. Descanse.
null sorriu de lábios fechados e assentiu, antes de se virar até o elevador. Viu River fechar a porta e desviou o olhar para a tela do elevador. Alguém estava subindo até aquele andar.
Ela ajustou a bolsa no ombro e, quase no mesmo instante, as portas do elevador abriram, revelando um cara asiático alto, de cabelo preto e piercings nas orelhas, que por pouco não esbarrou nela.
— Opa! Desculpa, eu não te vi. — Ele sorriu, sem graça.
— Sem problema. — Ela sorriu de volta. — Boa noite. — E entrou no cubículo.
— Boa noite... — Ele respondeu, observando as portas fecharem.
Um minuto depois, digitou a senha da porta de River e entrou.
— Caaara! Acabei de ver uma gata no elevador!
River encarou null, confuso, mas nem um pouco surpreso pela aparição repentina do amigo. Ele tinha dessas.
— Quem? E o que você tá fazendo aqui?
— Isso é comida coreana? Eu nem jantei ainda. — Ele apontou para os recipientes que River estava se preparando para guardar e desistiu.
— É sim, as porções são enormes e acabou sobrando. Fica à vontade.
null foi até a bancada e não perdeu tempo em pegar um par de hashis e começar a comer.
— Então, uma garota de rabo de cavalo, pele clara. Acho que é estrangeira.
— Ah, deve ser a null então — River deduziu.
— null? Quem é null? Você conhece aquela gata?
— null, eu contratei ela pra limpar minha casa. Nós jantamos juntos e ela acabou de sair.
— Quê?! Você tava num encontro então?
River revirou os olhos.
— Não foi um encontro, idiota. Ela tinha tempo livre antes de ir pro outro trabalho e eu a convenci a ficar um pouco e descansar. A null tem uma doença cardíaca e... Por que eu tô falando disso com você? — ele perguntou quando notou que null tinha parado de comer e agora o encarava com o queixo apoiado nas duas mãos, completamente atento.
— Parece o plot de uma boa fanfic. Mas e aí? Ela também não tem família e tentou recusar a proposta?
— Sim, mas como você- Ah, null! Para de fanficar, porra!
— Ei, eu não tenho culpa de ter um hobby que estimula a minha imaginação! Da última vez que eu soube, sua faxineira era uma senhora idosa e não uma gata daquelas.
— Para de chamar ela de gata, idiota. O nome dela é null.
— Ui, alguém tá com ciuminho? — null provocou, voltando a comer, e River teve que respirar fundo para não dar um soco nele.
— O que você veio fazer aqui, afinal? Além de me perturbar, é claro.
Ainda mastigando, null pegou o celular e procurou por algo antes de entregar a River, que arregalou os olhos assim que viu a manchete com seu nome.
"River null tem problemas de apego? Ex-affair afirma que o vocalista da Cave Panthers nunca demonstrou interesse em ter um relacionamento sério"
— Aquela maluca deu outra entrevista. Ela admitiu a mentira, mas em compensação falou isso aí, que você nunca quis ter um relacionamento sério. Também disse que seguiu em frente com um cara chamado John. Enfim, uma bela bosta, mas agora as pessoas não tiram seu nome da boca.
— Que inferno... — River resmungou, enquanto rolava a página do artigo. — Isso saiu hoje à tarde?
— Sim, eu te mandei mensagem, mas você nem leu.
— Deixei o celular carregando no quarto — River respondeu em meio a uma careta.
E então respirou fundo, tentando manter a paciência. Porque a maluca com quem tinha se envolvido tinha acabado de lhe dar uma nova dor de cabeça quando ele achava que estava tudo resolvido.
E o pior: nada do que ela disse era mentira.
26 de agosto de 2017, 00:58 - Veil of Secrets - Nova York, NY
As luzes coloridas do clube piscaram enquanto a música tocava alto, preenchendo o ambiente enquanto as dançarinas distraíam os clientes majoritariamente do sexo masculino.
No Veil of Secrets, clube burlesco em que null trabalhava, ela era Cindy Lee. Todas as dançarinas eram incentivadas a criarem um alter ego para ajudá-las a se soltarem na dança e manter a verdadeira identidade em segredo.
Cindy Lee era loira, de cabelo curto em um tom platinado. null tinha escolhido aquele corte inspirado na personagem de Christina Aguilera em Burlesque. E o nome... Era uma piada de humor negro que fizera consigo mesma após ficar órfã, ainda morando com uma madrasta que finalmente havia mostrado as garras e seus dois filhos cruéis.
Tommy, o responsável pelo figurino, gostou tanto da ideia que a maioria das roupas que dava para null vestir eram em tons de azul.
Naquela noite, ela usava um espartilho de cetim azul-celeste com luvas, minissaia rendada e meias brancas. Os sapatos eram de um estilo boneca, ótimos para dançar, no mesmo tom de azul do espartilho.
null se sentia uma boneca sexy e achava que aquela era a melhor parte em trabalhar ali. Podia simplesmente fingir que era outra pessoa enquanto dançava e provocava os clientes que lhe davam gorjetas que eram presas em partes dos figurinos, assim como todas as dançarinas faziam.
Ninguém tinha permissão de tocá-las, no entanto. E os seguranças de Suzy, sua chefe, garantiam que qualquer tentativa de assédio fosse interrompida antes mesmo de se concretizar.
Como ex-dançarina com anos de carreira, Suzy era extremamente exigente não só com a dança, mas com os clientes. Certos limites não podiam ser ultrapassados, portanto, regras haviam sido estabelecidas.
null sabia pouca coisa sobre a dança burlesca antes de chegar ali, mas havia aprendido muito no último ano não só com a chefe, mas também com as colegas de trabalho.
O Veil of Secrets tinha dançarinas incríveis, algumas que até mesmo costumavam ser líderes de torcida na escola, com várias habilidades de ginástica. null não tinha nenhuma especialidade, mas era boa em aprender rápido, improvisar e interpretar músicas.
Naquele momento, "Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)" de ABBA tocava alto enquanto dançarinas no palco interpretavam a música de forma sexy, alegre e exagerada. Normalmente, elas eram divididas entre dois ou três grupos para revezar o palco, ao mesmo tempo em que as que não estavam lá dançavam entre as mesas do público presente.
Era o que null estava fazendo naquele momento, sacudindo sensualmente um leque rendado enquanto se movia fazendo a coreografia, uma das muitas que tinha aprendido antes ou depois do expediente devido à falta de tempo para ensaiar. Todas eram sempre decididas com antecedência e Suzy sempre enviava vídeos dos ensaios para que as garotas pudessem treinar sozinhas depois.
null passava a semana assistindo esses vídeos nos intervalos de um trabalho e outro, geralmente quando estava em um ônibus ou no metrô.
Felizmente, de algum jeito funcionava.
Entre as mesas, no entanto, as dançarinas tinham maior liberdade para improvisar. O espaço era pequeno e a coreografia mais elaborada era reservada para o palco.
null dançou entre as mesas, sorrindo por trás da máscara prateada que cobria metade de seu rosto. Seus olhos estavam esfumados com sombra azul e marrom, realçando o castanho deles. Além disso, um delineado gatinho e um par cílios postiços no canto externo lhe davam um olhar cheio de charme.
Ali ela não era null, e sim Cindy Lee enquanto dançava.
E assim como as outras meninas, Cindy dublava as músicas enquanto sorria e se movimentava ao ritmo dela.
Chegou à mesa de um homem charmoso que devia ter idade para ser seu pai e ele sorriu, balançando uma nota de cem dólares para ela. Ele lembrava um pouco o ator que havia feito Sportacus em LazyTown e tinha um charme magnético. Cindy sorriu e balançou o leque, mexendo os quadris de um lado para o outro, antes de colocar o pé em cima da coxa dele.
O homem deu uma risadinha e enfiou a nota na meia dela, antes de segurar sua mão e depositar um beijo no dorso. Sem ultrapassar limites.
Ele devia ser bem rico para dar uma gorjeta daquelas. Ou inconsequente.
Mas a julgar pelas roupas caras, devia ser a primeira opção. Cindy sorriu e dançou mais um pouco até passar para outras mesas. Estava tudo bem, até uma mão boba ir parar na bunda dela.
Sempre tinha um engraçadinho que gostava de ir contra as regras, mas ela não se abalou. Afastou a mão dele com um sorriso enquanto lançava um olhar para Jesse, um dos seguranças. Cada um deles era responsável por ficar de olho em pelo menos três meninas, só para o caso de algum cliente resolver passar do limite.
E as outras duas estavam no palco.
Jesse arqueou uma sobrancelha para ela, lançando um olhar de águia para o homem que a tinha tocado e estava a meio caminho de tentar de novo. Cindy bateu levemente com o leque em sua mão e ele riu, levantando as mãos em rendição antes de mostrar uma nota de vinte dólares. Ela sorriu e abriu o leque, estendendo-o como uma bandeja para que ele colocasse o dinheiro ali.
A próxima mesa a que chegou, no entanto, a fez vacilar por um instante ao ver um rosto conhecido. Charlie estava sentado ali, a observando com interesse. null manteve distância, dançando de costas para ele na maior parte do tempo, antes de se virar com o leque cobrindo parte do rosto. Em seguida, o removeu e começou a se abanar, enquanto dublava:
"Is there a man out there, someone to hear my prayer?"
Era o último refrão e Charlie estava sacudindo uma nota de cinquenta dólares. null se aproximou com o leque estendido, mas ele ignorou e enfiou a nota no decote do espartilho. Ela segurou um sorriso no rosto e deu as costas novamente, se afastando enquanto a música se encerrava.
As luzes começaram a piscar dramaticamente, um novo som ecoando das caixas de som.
Ela e mais cinco dançarinas correram para o palco ao som dos primeiros toques de "Voulez-Vous" e quando a primeira linha foi cantada, as seis já estavam a postos, cada uma em uma posição que era trocada dramaticamente no ritmo da música.
Elas pareciam um arco-íris em tons pasteis, cada uma com uma cor diferente, além de cabelo e maquiagem.
Quando o instrumental da música continuou sem as vozes, elas andaram pelo palco com movimentos exagerados, cheios de humor e sensualidade. null sorriu atrás de sua skin de Cindy Lee, sentindo o corpo inteiro arrepiar enquanto se deixava levar pela dança.
Izzy, a dançarina vestida de rosa, ocupava o centro do palco e da coreografia naquele número. Era uma veterana de trinta e cinco anos, especialista em dança burlesca e acrobacias, extremamente competente e encantadora, além de ser a coreógrafa principal junto com Suzy. null também havia aprendido muito com ela e a tinha como uma inspiração. Era uma honra dançar no mesmo palco daquela mulher.
Quando a música acabou, tudo ficou escuro e as dançarinas saíram do palco, com exceção de Izzy.
Era a hora do seu solo de dança.
As músicas de ABBA haviam sido escolhidas para as apresentações do mês de agosto e aquele era o último final de semana. Em breve, estariam em setembro com números cover do filme Burlesque, que null mal podia esperar.
Suzy era uma amante de musicais e, no último ano, null e as outras dançarinas já tinham interpretado músicas de vários, mas em meio a isso, também havia alguns números com músicas pop atuais.
As luzes começaram a piscar e null correu para um cantinho afastado dos clientes, ansiosa para ver o solo de Izzy.
"Does Your Mother Know?" começou a tocar e as luzes pararam de piscar, um único holofote a acompanhando para lá e para cá no palco. Izzy dançou com plumas e aos poucos foi removendo peças de roupas de forma ousada e brincalhona, mas sem realmente ficar nua. Ela jogou um sutiã para uma mulher de uma das mesas da frente, que o agarrou e o girou em meio a uma gargalhada.
O público riu e null se divertiu com a energia daquele lugar.
Pelo canto do olho, notou Jesse se aproximando.
— Ela é incrível, não é? — ele comentou, com admiração.
— Muito. — null sorriu, ainda encarando o palco.
— Você já tá livre ou vai ensaiar depois do expediente?
— Nah, vou pra casa mais cedo. Amanhã é sábado, então vou chegar cedo pra ensaiar as novas coreografias. Tô só esperando o solo acabar pra ir me trocar.
E tão logo ela falou, a música se encerrou. Izzy estava com o corpo coberto de plumas e se virou de costas, remexendo os quadris uma última vez, antes das luzes se apagarem. null e Jesse riram juntos e ela se despediu dele antes de voltar para o camarim. Um último grupo apresentaria mais algumas músicas, mas ela estava livre.
No camarim, juntou as gorjetas que havia ganhado e enfiado no espartilho antes de subir ao palco. Em seguida, tomou um banho rápido e se livrou da maquiagem.
Então, se despediu de Tommy e de algumas meninas, e enfim foi embora.
Do outro lado da cidade, um corpo grande e musculoso rolava pela cama.
River encarou o teto, sem sono nenhum, e suspirou, desistindo de dormir.
Normalmente, quando estava assim e nada parecia ajudá-lo a dormir, procurava algo para fazer, tipo limpar alguma coisa. Mas null já tinha feito aquilo mais cedo, ele lembrou com tristeza.
Ela parecia um pouco menos cansada naquele dia, ele notou. Limpou o apartamento de Hero antes de ir para o dele e, assim como na terça, tinha acabado bem antes do expediente na cafeteria começar. River a convenceu mais uma vez a descansar ali mesmo, mas por pouco.
Naquele dia tiveram que negociar. null queria comprar o jantar, mas não funcionou. De jeito nenhum ele a deixaria pagar por algo. Não porque ela não pudesse nem nada, mas... Se ele podia fazer isso por ela, então por que não?
Não era como se River tivesse com o que gastar, de qualquer forma. Depois de onze anos de carreira, ele tinha chegado a um ponto que poderia se aposentar a qualquer momento e viver confortavelmente pelo resto da vida.
Não tinha irmãos e seus parentes mais próximos eram seus pais. River os sustentava há muito tempo e já tinha anos que os dois viviam em um apartamento no Queens. Além dele e dos pais, parte de seu dinheiro era destinado a doações mensais a instituições de caridade.
E mesmo assim, ele ainda tinha mais dinheiro do que conseguia gastar.
null trabalhava duro de domingo a domingo e era uma boa garota. Um pouco tímida, mas divertida, uma vez que conseguia se soltar um pouquinho.
Ele não queria que ela desperdiçasse um dinheiro suado com ele. E à medida que conversavam, River sentia um estranho impulso de querer cuidar dela aumentar cada vez mais.
Nem fazia muito sentido, já que mal a conhecia. Mas a última vez que sentiu algo do tipo foi com null, que era sua melhor amiga. E além dela, sua mãe. River adorava mimar sua mãe e enviava um buquê de flores com um bilhete de admirador secreto toda semana. Tanto ela quanto seu pai sabiam que vinha dele, mas já fazia anos que a brincadeira continuava.
De todo modo, entendia as reservas de null, afinal, mal o conhecia. No entanto, depois de uma pequena discussão sobre quem pagaria o jantar, River resolveu tentar uma nova abordagem: cozinhar.
Então os dois acabaram na cozinha fazendo macarrão juntos. null sugeriu adicionar frango e fez um molho rosé delicioso. Ficou tão bom, que River ignorou a dieta e repetiu duas vezes, o que arrancou algumas risadas dela.
Ele perguntou um pouco mais sobre o clube em que ela dançava e viu seu rosto se iluminar com um sorriso ao contar os detalhes das apresentações. Era notável a paixão que ela tinha pela dança, e ele havia ficado um pouquinho curioso em ver aquele lado dela.
Suspirando mais uma vez, ainda encarando o teto, ele pegou o celular debaixo de um travesseiro e olhou a hora.
Duas da manhã. Será que ela já chegou em casa?
Sem pensar muito, ele acessou o aplicativo de mensagens e procurou o contato dela. Não faria mal enviar uma mensagem, né?
Só para garantir que estava tudo bem. Afinal, era tarde. E tinham trocado números de contato mais cedo, de qualquer forma. Uma mensagem não faria mal a ninguém, certo?
Pensando nisso, ele começou a digitar.
Capítulo 8
River: Oi... Você já chegou em casa?
null encarou a tela do celular por alguns segundos, um pouco surpresa, antes de responder.
null: Quase lá. Por que você ainda tá acordado?
O táxi virou a esquina do quarteirão no momento em que ela enviou. A mansão null estava a cerca de cem metros e null enfiou a mão na bolsa para pegar o dinheiro e pagar a corrida. Tinha acabado de passar pelos portões quando o celular vibrou novamente.
River: Tô com insônia. E aí olhei a hora e quis mandar mensagem pra saber se tava tudo bem porque é tarde pra você voltar sozinha.
Ela parou de andar e digitou uma resposta.
null: Tá tudo bem. Na verdade, hoje foi incrível. Acabei de entrar em casa.
Ele começou a digitar novamente, mas null tirou os olhos da tela quando viu um carro se aproximando. Os portões abriram novamente e o primeiro instinto dela foi se esconder na escuridão do jardim enquanto observava o carro de Charlie entrar. Era sexta-feira à noite, por que ele estava em casa tão cedo?
E ele voltou dirigindo? null tinha quase certeza de que havia visto um copo de uísque pela metade na mesa em que ele estava no clube. Ela ainda estava tentando processar o fato de tê-lo visto lá.
Justo lá, de todos os lugares.
Assim que o carro entrou na garagem, null correu sem pensar duas vezes, se esgueirando no escuro até chegar à entrada que os funcionários costumavam usar. Passou pela cozinha um momento depois e percorreu o corredor que dava até o pequeno armário de vassouras onde costumava dormir. Tentou ao máximo não fazer barulho e quando alcançou a porta, a destrancou rapidamente, no mesmo instante em que ouviu passos à distância. Entrou e se trancou, caindo sentada na cama.
Seu coração estava acelerado depois da pequena corrida e o nervosismo que ela nem sabia porque estava lá, e ela respirou fundo algumas vezes. Os passos ecoaram pelo corredor e foram se aproximando mais. null inconscientemente prendeu a respiração e comemorou silenciosamente por não ter acendido a luz.
Ela notou uma luz fraca pela brecha da porta no chão, que ficou ali por segundos que pareceram minutos, até que enfim se afastou. Passos ecoaram novamente, dessa vez se distanciando.
null soltou a respiração lentamente e, quando pegou o celular, suas mãos tremiam. Por que Charlie estava parado em frente a sua porta? Ele tinha feito aquilo mais vezes? Que tipo de comportamento bizarro era aquele?
Ela não fazia ideia do porque tinha se escondido e corrido no escuro para não chamar atenção, mas naquele instante percebeu que havia sido instinto.
Precisava sair daquele lugar o quanto antes, ela constatou, enquanto abria o aplicativo de mensagens mais uma vez.
River: Vou te deixar dormir então. Você deve estar cansada.
Cansada? Com certeza. Com sono? De jeito nenhum. Não depois da corrida e do comportamento duvidoso de Charlie. Ainda bem que ela ao menos tinha tomado banho antes de voltar para casa. O plano era cair na cama assim que chegasse, mas agora null estava completamente alerta.
null: Tô cansada, mas sem sono. Acho que foi a apresentação de hoje. Minha colega deu um show que me deixou eufórica.
Não era totalmente mentira.
River: Posso te fazer companhia se você quiser. Até o sono chegar. Não tenho nada pra fazer mesmo...
null sorriu para a tela. Sempre que sugeria fazer algo por ela, River dava uma desculpa para justificar. Depois das primeiras vezes que ela o questionou, ele passou a se adiantar, como se já esperasse pela relutância dela.
No entanto, naquela noite null não estava nem um pouco inclinada a negar. Na verdade, se sentia grata por ele ter oferecido aquilo naquele momento. Era bom ter alguém com quem falar. Especialmente depois de um susto. null estava se sentindo insegura naquela casa, mesmo sabendo que a porta ao seu lado estava trancada.
Não ouviu mais nenhum som nem notou nenhuma luz depois que Charlie foi embora, mas mesmo assim ficou com receio de acender a luz.
null: Por mim, tudo bem.
Ela digitou a mensagem rapidamente e enviou. Enquanto esperava uma resposta, trocou de roupa no escuro, usando apenas a luz da tela do celular para enxergar. Em seguida, caiu na cama e se aconchegou sob os lençóis.
Uma nova notificação chegou.
River: Que tal um jogo? Cada um faz uma pergunta e os dois respondem.
null: Tá bom. Qual a sua cor favorita? A minha é azul-celeste.
Coincidentemente, da cor dos olhos dele.
River: Azul e preto. O azul não importa muito. Qual a sua comida favorita? A minha é panqueca de carne moída.
null: Panqueca também, mas de frango com molho rosé. Qual a sua música favorita?
River: Não tenho nenhuma e você?
null: Difícil escolher, mas tenho um carinho especial por "Half Moon" de Aidan Callahan.
River: A agente da null é mega fã desse cara. Pessoalmente, também gosto muito da discografia dele, mas nunca o conheci. Você tem algum hobby?
null: A dança conta como um?
River: Nem pensar, faz parte da sua profissão.
null: Nesse caso... Não. Mas eu costumava ver doramas coreanos quando tinha tempo e uma TV.
Tão logo enviou a mensagem, uma resposta chegou e null se arrependeu de ter comentado aquilo.
River: Sua família não tem TV em casa?
null: Tem, mas é complicado...
River: O que é complicado?
Merda, o que ela devia responder? Quase podia ver ele franzindo o cenho ao fazer aquela pergunta.
null: Eu passo o dia fora, não tenho tempo. Então é como se não tivesse TV...
River: Você tá tentando dar uma desculpa?
Sim, estou. Você pode fingir cair nela? Ela pensou e digitou rapidamente, já no intuito de apagar, mas quando foi fazer isso, tocou no botão de enviar sem querer.
— Merda! Não acredito nisso! — ela xingou baixinho, os olhos arregalados para a tela do celular.
Tentou apagar a mensagem, mas River já tinha lido.
River: Tá acontecendo alguma coisa?
null: Nada. Eu só não sou muito próxima da esposa do meu pai, nem dos filhos dela. Mas tá tudo bem.
River: É por isso que você quer sair de casa?
Não havia sentido em negar, então null apenas admitiu.
null: É... Em breve farei isso. Talvez no próximo mês ou em outubro. Preciso encontrar um lugar.
River: Quer ajuda? Posso dar uma pesquisada pra você.
null: Não precisa, tá tudo bem. Acho que vou tentar dormir agora.
River: Tá bem. Boa noite, null. Descanse bem e tenha bons sonhos.
null: Você também, River. Obrigada por me fazer companhia.
River: Disponha.
null bloqueou o celular e o colocou embaixo do travesseiro, antes de se virar em uma posição confortável e fechar os olhos.
Ainda não estava com sono, mas sim, tentaria dormir. Alguns minutos depois, sentiu o corpo relaxar e a consciência se esvair aos poucos.
Naquela noite ela sonhou com macarrão, biscoitos, uma risada com covinhas e um par de olhos azuis a encarando enquanto dançava para ele.
***
Tem alguma coisa errada, River pensou assim que largou o celular.
E continuou olhando para o teto enquanto repassava a conversa com null na cabeça. Ela tinha acabado de ser evasiva sobre a família e River passou anos testemunhando problemas familiares de seus amigos para conhecer alguns sinais.
Não sabia em que tipo de casa null morava, nem quem era o pai dela, mas... Se ele tinha dinheiro suficiente para pagar a faculdade dela, então devia ter um trabalho bom, talvez um negócio promissor.
As faculdades não eram nem um pouco baratas e pelo que null contou, suas mensalidades não vinham de uma poupança. E mesmo que tivesse que se manter e enviar dinheiro para a irmã... Ela tinha mesmo que fazer aquilo de domingo a domingo, sem folgas?
E o problema de coração que ela tinha?
Como era mesmo o nome? Cardio... Alguma coisa.
River pegou o celular novamente e se virou de barriga para baixo. Procurou a anotação que tinha feito alguns dias antes, e então copiou e colou no navegador.
Cardiomiopatia Hipertrófica.
Era esse o nome.
River mergulhou em sites médicos e antes que pudesse se dar conta, uma hora já havia passado.
Quanto mais ele lia, mais aflito ficava.
Como null tinha dito, os casos variavam de pessoa para pessoa e nem todas respondiam aos mesmos tratamentos. Mas uma das recomendações que ele mais viu era a respeito de descanso e sono de qualidade, o que significava que a rotina pesada que ela tinha era altamente contraindicada, pois poderia ocasionar em aumento de sintomas e, consequentemente, aumento de medicações ou, pior, complicações como síncopes, angina, AVC... Mau súbito.
null sabia de tudo aquilo e mesmo assim forçava a si mesma a trabalhar tanto? Ela estava arriscando a própria vida, e o que ganhava em troca?
Uma irmã que mal falava com ela?
Cansaço o tempo todo? Poucas horas de sono?
Por que ela era tão relapsa com a própria saúde?
River respirou fundo, incomodado. Odiava injustiças. E não era nada justo que null se esforçasse tanto por pessoas que nem sequer demonstravam gratidão.
O irmão de null, Colin, também era assim e todo mundo sabia a opinião de River quando o amigo decidiu pagar a faculdade dele, disfarçando o feito através de uma gorda mesada para a mãe. Mas ninguém deu bola. Não quando ele era o único da banda que não tinha irmãos. O único cujos pais o apoiaram totalmente em perseguir uma carreira na música.
Contudo, com apoio emocional ou não, os quatro tiveram que ralar para conseguir o que agora tinham. Mesmo depois da fama, o trabalho não se tornava mais fácil. O retorno financeiro era absurdamente bom, é claro, disso eles não podiam reclamar. Mas viagens constantes, centenas de apresentações, reuniões, entrevistas, campanhas publicitárias... Tudo isso levava tempo e energia.
Eles apenas tinham sorte de que a rotina puxada não precisava ser constante. E, mesmo assim, em diversas ocasiões houve um ou dois deles que precisaram repor nutrientes através de soros devido ao estresse do trabalho constante. Felizmente, tinham um ao outro, além de diversas pessoas na equipe para ajudar e providenciar o que fosse necessário.
Mas quem null tinha?
River não conseguia imaginar o que era estar sozinho em um país diferente, com uma doença cardíaca que podia fazer seu coração pifar a qualquer momento, sem nenhum parente por perto para ajudar. E ele tinha quase certeza de que a madrasta e os filhos não eram uma opção.
Com a mente ainda um pouco agitada e cheia de informações e sentindo os olhos arderem devido a tela do celular, River o colocou de lado mais uma vez e se virou para tentar dormir.
Felizmente, seu corpo foi vencido pelo cansaço e, alguns minutos depois, o sono finalmente chegou, e ele se deixou levar pela escuridão.
null encarou a tela do celular por alguns segundos, um pouco surpresa, antes de responder.
null: Quase lá. Por que você ainda tá acordado?
O táxi virou a esquina do quarteirão no momento em que ela enviou. A mansão null estava a cerca de cem metros e null enfiou a mão na bolsa para pegar o dinheiro e pagar a corrida. Tinha acabado de passar pelos portões quando o celular vibrou novamente.
River: Tô com insônia. E aí olhei a hora e quis mandar mensagem pra saber se tava tudo bem porque é tarde pra você voltar sozinha.
Ela parou de andar e digitou uma resposta.
null: Tá tudo bem. Na verdade, hoje foi incrível. Acabei de entrar em casa.
Ele começou a digitar novamente, mas null tirou os olhos da tela quando viu um carro se aproximando. Os portões abriram novamente e o primeiro instinto dela foi se esconder na escuridão do jardim enquanto observava o carro de Charlie entrar. Era sexta-feira à noite, por que ele estava em casa tão cedo?
E ele voltou dirigindo? null tinha quase certeza de que havia visto um copo de uísque pela metade na mesa em que ele estava no clube. Ela ainda estava tentando processar o fato de tê-lo visto lá.
Justo lá, de todos os lugares.
Assim que o carro entrou na garagem, null correu sem pensar duas vezes, se esgueirando no escuro até chegar à entrada que os funcionários costumavam usar. Passou pela cozinha um momento depois e percorreu o corredor que dava até o pequeno armário de vassouras onde costumava dormir. Tentou ao máximo não fazer barulho e quando alcançou a porta, a destrancou rapidamente, no mesmo instante em que ouviu passos à distância. Entrou e se trancou, caindo sentada na cama.
Seu coração estava acelerado depois da pequena corrida e o nervosismo que ela nem sabia porque estava lá, e ela respirou fundo algumas vezes. Os passos ecoaram pelo corredor e foram se aproximando mais. null inconscientemente prendeu a respiração e comemorou silenciosamente por não ter acendido a luz.
Ela notou uma luz fraca pela brecha da porta no chão, que ficou ali por segundos que pareceram minutos, até que enfim se afastou. Passos ecoaram novamente, dessa vez se distanciando.
null soltou a respiração lentamente e, quando pegou o celular, suas mãos tremiam. Por que Charlie estava parado em frente a sua porta? Ele tinha feito aquilo mais vezes? Que tipo de comportamento bizarro era aquele?
Ela não fazia ideia do porque tinha se escondido e corrido no escuro para não chamar atenção, mas naquele instante percebeu que havia sido instinto.
Precisava sair daquele lugar o quanto antes, ela constatou, enquanto abria o aplicativo de mensagens mais uma vez.
River: Vou te deixar dormir então. Você deve estar cansada.
Cansada? Com certeza. Com sono? De jeito nenhum. Não depois da corrida e do comportamento duvidoso de Charlie. Ainda bem que ela ao menos tinha tomado banho antes de voltar para casa. O plano era cair na cama assim que chegasse, mas agora null estava completamente alerta.
null: Tô cansada, mas sem sono. Acho que foi a apresentação de hoje. Minha colega deu um show que me deixou eufórica.
Não era totalmente mentira.
River: Posso te fazer companhia se você quiser. Até o sono chegar. Não tenho nada pra fazer mesmo...
null sorriu para a tela. Sempre que sugeria fazer algo por ela, River dava uma desculpa para justificar. Depois das primeiras vezes que ela o questionou, ele passou a se adiantar, como se já esperasse pela relutância dela.
No entanto, naquela noite null não estava nem um pouco inclinada a negar. Na verdade, se sentia grata por ele ter oferecido aquilo naquele momento. Era bom ter alguém com quem falar. Especialmente depois de um susto. null estava se sentindo insegura naquela casa, mesmo sabendo que a porta ao seu lado estava trancada.
Não ouviu mais nenhum som nem notou nenhuma luz depois que Charlie foi embora, mas mesmo assim ficou com receio de acender a luz.
null: Por mim, tudo bem.
Ela digitou a mensagem rapidamente e enviou. Enquanto esperava uma resposta, trocou de roupa no escuro, usando apenas a luz da tela do celular para enxergar. Em seguida, caiu na cama e se aconchegou sob os lençóis.
Uma nova notificação chegou.
River: Que tal um jogo? Cada um faz uma pergunta e os dois respondem.
null: Tá bom. Qual a sua cor favorita? A minha é azul-celeste.
Coincidentemente, da cor dos olhos dele.
River: Azul e preto. O azul não importa muito. Qual a sua comida favorita? A minha é panqueca de carne moída.
null: Panqueca também, mas de frango com molho rosé. Qual a sua música favorita?
River: Não tenho nenhuma e você?
null: Difícil escolher, mas tenho um carinho especial por "Half Moon" de Aidan Callahan.
River: A agente da null é mega fã desse cara. Pessoalmente, também gosto muito da discografia dele, mas nunca o conheci. Você tem algum hobby?
null: A dança conta como um?
River: Nem pensar, faz parte da sua profissão.
null: Nesse caso... Não. Mas eu costumava ver doramas coreanos quando tinha tempo e uma TV.
Tão logo enviou a mensagem, uma resposta chegou e null se arrependeu de ter comentado aquilo.
River: Sua família não tem TV em casa?
null: Tem, mas é complicado...
River: O que é complicado?
Merda, o que ela devia responder? Quase podia ver ele franzindo o cenho ao fazer aquela pergunta.
null: Eu passo o dia fora, não tenho tempo. Então é como se não tivesse TV...
River: Você tá tentando dar uma desculpa?
Sim, estou. Você pode fingir cair nela? Ela pensou e digitou rapidamente, já no intuito de apagar, mas quando foi fazer isso, tocou no botão de enviar sem querer.
— Merda! Não acredito nisso! — ela xingou baixinho, os olhos arregalados para a tela do celular.
Tentou apagar a mensagem, mas River já tinha lido.
River: Tá acontecendo alguma coisa?
null: Nada. Eu só não sou muito próxima da esposa do meu pai, nem dos filhos dela. Mas tá tudo bem.
River: É por isso que você quer sair de casa?
Não havia sentido em negar, então null apenas admitiu.
null: É... Em breve farei isso. Talvez no próximo mês ou em outubro. Preciso encontrar um lugar.
River: Quer ajuda? Posso dar uma pesquisada pra você.
null: Não precisa, tá tudo bem. Acho que vou tentar dormir agora.
River: Tá bem. Boa noite, null. Descanse bem e tenha bons sonhos.
null: Você também, River. Obrigada por me fazer companhia.
River: Disponha.
null bloqueou o celular e o colocou embaixo do travesseiro, antes de se virar em uma posição confortável e fechar os olhos.
Ainda não estava com sono, mas sim, tentaria dormir. Alguns minutos depois, sentiu o corpo relaxar e a consciência se esvair aos poucos.
Naquela noite ela sonhou com macarrão, biscoitos, uma risada com covinhas e um par de olhos azuis a encarando enquanto dançava para ele.
Tem alguma coisa errada, River pensou assim que largou o celular.
E continuou olhando para o teto enquanto repassava a conversa com null na cabeça. Ela tinha acabado de ser evasiva sobre a família e River passou anos testemunhando problemas familiares de seus amigos para conhecer alguns sinais.
Não sabia em que tipo de casa null morava, nem quem era o pai dela, mas... Se ele tinha dinheiro suficiente para pagar a faculdade dela, então devia ter um trabalho bom, talvez um negócio promissor.
As faculdades não eram nem um pouco baratas e pelo que null contou, suas mensalidades não vinham de uma poupança. E mesmo que tivesse que se manter e enviar dinheiro para a irmã... Ela tinha mesmo que fazer aquilo de domingo a domingo, sem folgas?
E o problema de coração que ela tinha?
Como era mesmo o nome? Cardio... Alguma coisa.
River pegou o celular novamente e se virou de barriga para baixo. Procurou a anotação que tinha feito alguns dias antes, e então copiou e colou no navegador.
Cardiomiopatia Hipertrófica.
Era esse o nome.
River mergulhou em sites médicos e antes que pudesse se dar conta, uma hora já havia passado.
Quanto mais ele lia, mais aflito ficava.
Como null tinha dito, os casos variavam de pessoa para pessoa e nem todas respondiam aos mesmos tratamentos. Mas uma das recomendações que ele mais viu era a respeito de descanso e sono de qualidade, o que significava que a rotina pesada que ela tinha era altamente contraindicada, pois poderia ocasionar em aumento de sintomas e, consequentemente, aumento de medicações ou, pior, complicações como síncopes, angina, AVC... Mau súbito.
null sabia de tudo aquilo e mesmo assim forçava a si mesma a trabalhar tanto? Ela estava arriscando a própria vida, e o que ganhava em troca?
Uma irmã que mal falava com ela?
Cansaço o tempo todo? Poucas horas de sono?
Por que ela era tão relapsa com a própria saúde?
River respirou fundo, incomodado. Odiava injustiças. E não era nada justo que null se esforçasse tanto por pessoas que nem sequer demonstravam gratidão.
O irmão de null, Colin, também era assim e todo mundo sabia a opinião de River quando o amigo decidiu pagar a faculdade dele, disfarçando o feito através de uma gorda mesada para a mãe. Mas ninguém deu bola. Não quando ele era o único da banda que não tinha irmãos. O único cujos pais o apoiaram totalmente em perseguir uma carreira na música.
Contudo, com apoio emocional ou não, os quatro tiveram que ralar para conseguir o que agora tinham. Mesmo depois da fama, o trabalho não se tornava mais fácil. O retorno financeiro era absurdamente bom, é claro, disso eles não podiam reclamar. Mas viagens constantes, centenas de apresentações, reuniões, entrevistas, campanhas publicitárias... Tudo isso levava tempo e energia.
Eles apenas tinham sorte de que a rotina puxada não precisava ser constante. E, mesmo assim, em diversas ocasiões houve um ou dois deles que precisaram repor nutrientes através de soros devido ao estresse do trabalho constante. Felizmente, tinham um ao outro, além de diversas pessoas na equipe para ajudar e providenciar o que fosse necessário.
Mas quem null tinha?
River não conseguia imaginar o que era estar sozinho em um país diferente, com uma doença cardíaca que podia fazer seu coração pifar a qualquer momento, sem nenhum parente por perto para ajudar. E ele tinha quase certeza de que a madrasta e os filhos não eram uma opção.
Com a mente ainda um pouco agitada e cheia de informações e sentindo os olhos arderem devido a tela do celular, River o colocou de lado mais uma vez e se virou para tentar dormir.
Felizmente, seu corpo foi vencido pelo cansaço e, alguns minutos depois, o sono finalmente chegou, e ele se deixou levar pela escuridão.
Capítulo 9
12 de setembro de 2017 - Apartamento de Hero, Nova York, NY
— Você viu? — Hero perguntou, balançando o celular para null, assim que ele entrou no estúdio. — Saiu outro artigo especulando sobre sua verdadeira personalidade.
null revirou os olhos.
— Quanto tempo essa merda vai durar? Já faz o quê? Duas, três semanas? Não entendo esses jornalistas intrometidos. Eles não têm mais nada pra falar?
— Talvez tenham. Mas dificilmente é mais interessante do que um bonitão do rock, solteiro e conhecido por sua personalidade brilhante sendo supostamente uma farsa. — null riu.
null se jogou na cadeira ao lado dele e pegou o violão, começando a dedilhar uma melodia aleatoriamente.
— Eu gostava mais quando você era o bad boy da banda. Isso aí não combina comigo.
— Eu parei de ser o bad boy depois que assumi meu relacionamento com a null.
— Com a Garota K, você quer dizer — null corrigiu. — No fundo, todo mundo meio que esperava que ela fosse real e que vocês tivessem um final feliz.
— Pois é, e as pessoas nem falam mais de mim.
— Errado. Ainda falam, você só deu outro assunto pra elas.
— Você devia fazer isso também, sabe? — Hero sugeriu. — Dar outro assunto.
— Ah, é? Quer que arrume uma namorada também? — null o encarou com ironia por um instante, ainda concentrado no violão.
— Não seria má ideia. — O amigo deu de ombros e os dedos de null congelaram, a melodia sendo subitamente silenciada.
— Tá falando sério?
— É claro. Imagina só, você foi o único de nós que nunca assumiu nenhum relacionamento sério com ninguém. Isso ia ser uma coisona, sabe? "null null finalmente apaixonado?" — Hero afastou as mãos, como se estivesse visualizando uma manchete.
— Não tô saindo com ninguém, cara. Faz dois meses desde a Hannah, e não sinto vontade de conhecer ninguém.
— Que mentira, você sente sim — O amigo acusou, e então se inclinou para a frente, como se estivesse prestes a contar um segredo. — Você não parou de falar da null desde que conheceu ela, seu idiota.
null arregalou os olhos por milésimo de segundo diante da menção da garota que naquele momento estava em algum lugar do lado de fora daquele estúdio, arrumando o apartamento de null.
— E daí? — Ele voltou a dedilhar o violão, fazendo pouco caso. — Eu só converso com ela, a gente não tá flertando nem nada. É algo totalmente inocente. E ela é legal.
— Ela atraiu sua atenção.
— Mas não desse jeito que você tá pensando. Não tenho interesse romântico ou sexual por ela.
— Tem certeza? — null arqueou uma sobrancelha, um sorrisinho despontando no canto dos lábios.
— O que porra você quer dizer com isso? É claro que tenho!
— Quer dizer que você vê ela que nem a null?
— null é minha melhor amiga.
— E a null? Você vê ela como uma amiga também?
— Talvez, não sei. A null é só... Trabalhadora, gentil e... Alguém sozinha, eu acho. Me faz ter vontade de cuidar dela, ou pelo menos de fazer companhia. Nem que seja por mensagem. Mas isso eu faria pela null também.
— Exatamente. Não faz nem um mês que você conheceu essa garota, null. Isso não é normal pra você e todo mundo já notou.
— Quer dizer que não posso mais fazer amizade com uma mulher? — Ele perguntou, irônico.
— Quer dizer que você não sai fazendo amizade por aí com qualquer pessoa — Hero explicou. — Você não se abre fácil nem mantém troca de mensagens com funcionários. Dividir uma refeição? Normal, você adora empurrar comida nos outros. Mas esse instinto de cuidado, que vai além disso? Amigo, sinto te informar, mas todo mundo acha que você tá atraído por aquela garota.
null suspirou, levemente frustrado.
— Mesmo que eu tivesse, e não tô, não significa nada. A null nem tem tempo pra se envolver com ninguém, porque ela vive...
— Trabalhando de domingo a domingo. Sim, sim... — null completou, meio entediado. — Você já repetiu isso algumas vezes, sabe? Mas já que a null atrai ao menos seu interesse como amigo, por que não tenta fazer um acordo com ela?
— Que tipo de acordo? — null o encarou com desconfiança.
— Pede pra ela te ajudar e, em troca, dê algo que ela queira. Você pode contratar ela ou algo assim.
— Tá sugerindo que ela seja minha namorada falsa? Acha mesmo que ela ia concordar com isso?
— Depende do que você tiver oferecendo. — null deu de ombros. — Mas se eu fosse você, começaria com o principal. Tipo uma coisa essencial que você sabe que ela dificilmente rejeitaria, e nem tô falando de dinheiro.
null encarou o amigo por alguns segundos em silêncio, enquanto três palavrinhas piscavam em sua mente.
— Plano de saúde?
Hero sorriu, como se ele tivesse acabado de acertar uma charada.
— Um plano de saúde com tudo incluso. Com valor suficiente pra uns dez anos. Em troca, ela fingiria ser sua namorada por um ano.
— Por que um ano?
— Porque você nunca passou mais de três meses com alguém, então um ano seria inédito. Tempo suficiente pras pessoas concluírem que você não é um idiota sem coração. Melhor algo a longo prazo, já que as pessoas provavelmente não vão acreditar que vai durar. Vão achar que a null é só mais uma.
null respirou fundo, ponderando a sugestão por alguns instantes.
— Acho que... Você tem razão — ele admitiu, fazendo o amigo sorrir novamente. — Talvez ela trabalhe menos assim.
— Pois é. E você tem dinheiro de sobra. Pode aplacar esse instinto de herói que você tem ao mesmo tempo que limpa sua imagem. O que mais você acha que poderia oferecer?
— Hm… Tem uma coisa. Lembra que eu disse que ela fazia faculdade? Acho que ela ia querer terminar.
— Você pode incluir o valor da faculdade no que for pagar a ela, então. E um salário mensal que cubra o que ela já ganha. Acho que isso é bom o suficiente.
null se recostou na cadeira, pensativo.
— Ela poderia morar no meu quarto de hóspedes também.
Hero riu, divertido.
— Tá vendo? Daqui a pouco você vai estar planejando um casamento — ele brincou, desviando rapidamente de um chute de null. — Ei, eu tô brincando. Mas de verdade, acho mesmo que pode dar certo. E a null é bonita, vocês ficariam bem juntos.
— Tá, tá. Vamos terminar essa música então. A gente tá aqui há horas e ainda não saiu quase nada.
— Ei, saiu sim — Hero retrucou. — Duas músicas da minha parte, então fale por você. Tá achando pouco? Arrume uma namorada que te inspire também.
Em um ato infantil, null fez uma careta e chutou a cadeira do amigo com o pé, fazendo ele deslizar pela sala até chegar à parede.
Hero riu alto, completamente divertido com a situação.
— Mal posso esperar pra ver você apaixonadinho.
null rolou os olhos.
Como se isso fosse mesmo acontecer.
***
12 de setembro de 2017 - Apartamento de null, Nova York, NY
Quatro horas depois, null se sentou em frente a null para jantar com ela. Mais uma vez, os dois cozinharam juntos, e o cardápio da noite era carne com molho de batata e queijo.
Tinham adquirido o hábito de dividir refeições toda terça e sexta, quando null aparecia para limpar a casa.
Ela também tinha parado de tentar recusar banho e um pouquinho de descanso antes de ir para a cafeteria nesses dias, o que o tranquilizava um pouco.
Não tinham mais tocado no assunto família desde a conversa de madrugada que tiveram, mas conversavam por mensagens todos os dias. null havia ficado um pouquinho mais aberta e menos tímida após os primeiros dias, então a conversa andava fluindo bem.
Ele gostava de jogar papo fora com ela e geralmente faziam aquilo quando ela estava se locomovendo de um lugar para outro, ou durante as refeições.
Àquela altura, ele já sabia praticamente sobre todos os turnos de trabalho dela, assim como o motivo, naquela tarde de terça-feira, dela aparentar estar tão cansada.
Na segunda-feira, null trabalhava o dia todo e ele sabia por experiência própria que nem sempre era possível descansar o suficiente em apenas um dia. Quando estavam em turnês, null sempre tinha energéticos por perto, mas não era uma opção para null. Energéticos, excesso de cafeína... Essas coisas podiam causar arritmias no coração dela e exigir um esforço maior de seu corpo.
Ele havia pesquisado mais um pouco sobre a doença dela, e null o ajudou a entender algumas coisas, além de confirmar o que ele já tinha notado: a rotina que ela levava era péssima e resultava em uma má qualidade de vida.
Também havia passado as últimas horas pensando no que Hero havia dito, sobre o tal acordo para que ela o ajudasse a limpar sua imagem.
Sendo honesto, null achava um saco ter sua índole em dúvida na visão do público, mas lá no fundo não se importava tanto assim. Ele se conhecia e sabia muito bem que tipo de pessoa era. Sua consciência estava tranquila.
E daí se as pessoas pensassem que ele fugia de relacionamentos?
A verdade era que null não fugia. Só não tinha encontrado a pessoa certa ainda, alguém que despertasse o seu lado mais estúpido e bobão, assim como era com seus pais até hoje.
Alguém que enchesse seu coração de paz e harmonia, mas que ao mesmo tempo o deixasse ansioso às vezes e soubesse exatamente como mexer com seus nervos também. Os pais dele tinham um relacionamento bonito, tranquilo e despreocupado.
Até mesmo os pais de null eram assim, mesmo que estivessem juntos há apenas um ano. Darcy e Richard haviam tido um caso que resultou em gravidez, mas ela acabou se casando com outro homem. Foi um casamento infeliz, que se estendeu por mais tempo do que deveria. Trinta anos depois, ela reencontrou o verdadeiro pai de seu filho e... pelo visto, ainda havia muita química entre os dois. Agora, Hero tinha um relacionamento saudável com o pai biológico e era feliz.
null conseguiu encontrar Richard Keller em um momento crucial.
Era um alívio que os dois se dessem bem, considerando o passado de seu amigo com o pai adotivo, que o havia rejeitado quando ainda era menino.
Seu sobrenome, no entanto, continuava o mesmo — afinal, era o mesmo de seu avô, que o havia criado após a rejeição, sem se importar que null não tivesse qualquer parentesco de sangue com ele.
null não podia ficar mais feliz pelo melhor amigo. Agora, ele tinha os pais por perto e null de volta.
E null e null eram completamente insuportáveis.
As duas faces de uma mesma moeda.
Farinha do mesmo saco.
E trabalhavam incrivelmente bem juntos, considerando que as histórias dela haviam rendido boas músicas compostas por ele, o que deixou os fãs de ambos bastante felizes.
null queria algo assim também. Ser insuportável com alguém. Ser tão doce a ponto de provocar náuseas em seus amigos.
Mas às vezes ele achava que devia ser arromântico ou algo assim. Por mais que algumas mulheres chamassem sua atenção, fossem divertidas e bonitas... Nunca passou de algo físico. Muito menos uma necessidade.
Sexo era bom, mas não era uma prioridade para ele. Ao menos, não quando não estava emocionalmente envolvido. Por mais que ele sempre tentasse deixar de lado, a sensação de vazio que sentia quando tudo acabava continuava lá, e não tinha certeza se isso mudaria algum dia.
— Essa comida tá uma delícia — null elogiou, antes de tomar um gole de suco.
null sorriu e se inclinou um pouquinho para frente.
— Como se diz “delícia” em português?
null deu uma risadinha e falou para ele, que tentou repetir algumas vezes até a pronúncia ficar clara.
De vez em quando, ele perguntava algo para ela, que se divertia ensinando. Ele tinha aprendido algumas coisas em português quando a Cave Panthers visitou o Brasil alguns anos antes, mas, sem prática, acabou esquecendo tudo.
— As pessoas acham que espanhol e português são parecidos, mas não tem nada a ver — ela comentou. — Eu, por exemplo, nunca aprendi nada de espanhol.
— Vocês não tinham nas escolas do Brasil?
— Só inglês, e era bem básico. Apenas uma minoria fala. Minha irmã, por exemplo, nunca aprendeu.
— E você? Seu pai te ensinou?
Ela assentiu com um sorriso.
— Ele ia me visitar duas vezes por ano, mas a gente se falava por telefone. Quando inventaram ligação por vídeo, passamos a fazer também.
— Ele parece ter sido um cara legal.
— Ele tentou ser presente dentro do possível. — Ela deu de ombros.
— O que ele fazia? — ele perguntou, enquanto terminava de comer.
— Ele tinha uma empresa no ramo de construção. Agora, o filho da minha madrasta toma de conta, algo assim. Acho que é um dos diretores.
— Uma empresa? Qual o nome?
— Contruções null. Bem óbvio. — Ela abriu um sorriso, mas ele não chegou aos olhos, ambos enfeitados por um par de olheiras de cansaço.
— Entendi. — Ele assentiu, bebendo o resto de suco do copo enquanto a observava silenciosamente. — null... Eu queria te perguntar uma coisa.
— O quê? — Ela o encarou, com um toque de curiosidade nos olhos castanhos. null abriu a boca para falar, mas nada saiu. — null? O que você quer perguntar?
— Ah, eu... — Ele piscou duas vezes e então desistiu. Talvez fosse cedo demais para propor um acordo. — Qual é mesmo o nome do clube burlesco onde você trabalha? Tô pensando em visitar qualquer dia desses. Sabe... Pra procurar inspiração em coisas novas, já que null e eu estamos compondo.
— Ah, sim. O nome é Veil of Secrets. Este mês a gente tá apresentando covers pop e alguns do filme Burlesque. Acho que você vai gostar.
— Vou levar umas gorjetas pra você e as outras dançarinas.
— Que generoso. Mas será que você vai me reconhecer? — ela brincou. — Eu uso peruca e máscara.
— Vamos testar. Você disse que é loira e usa roupas azuis.
— Pois é, mas não sou a única...
— Isso é mais que suficiente.
— Você vai me avisar quando for?
— De jeito nenhum — garantiu ele. — Quero pegar você de surpresa.
null deu uma risadinha e ele sorriu de lábios fechados, satisfeito por fazê-la rir.
Não que isso significasse algo.
De jeito nenhum.
— Você viu? — Hero perguntou, balançando o celular para null, assim que ele entrou no estúdio. — Saiu outro artigo especulando sobre sua verdadeira personalidade.
null revirou os olhos.
— Quanto tempo essa merda vai durar? Já faz o quê? Duas, três semanas? Não entendo esses jornalistas intrometidos. Eles não têm mais nada pra falar?
— Talvez tenham. Mas dificilmente é mais interessante do que um bonitão do rock, solteiro e conhecido por sua personalidade brilhante sendo supostamente uma farsa. — null riu.
null se jogou na cadeira ao lado dele e pegou o violão, começando a dedilhar uma melodia aleatoriamente.
— Eu gostava mais quando você era o bad boy da banda. Isso aí não combina comigo.
— Eu parei de ser o bad boy depois que assumi meu relacionamento com a null.
— Com a Garota K, você quer dizer — null corrigiu. — No fundo, todo mundo meio que esperava que ela fosse real e que vocês tivessem um final feliz.
— Pois é, e as pessoas nem falam mais de mim.
— Errado. Ainda falam, você só deu outro assunto pra elas.
— Você devia fazer isso também, sabe? — Hero sugeriu. — Dar outro assunto.
— Ah, é? Quer que arrume uma namorada também? — null o encarou com ironia por um instante, ainda concentrado no violão.
— Não seria má ideia. — O amigo deu de ombros e os dedos de null congelaram, a melodia sendo subitamente silenciada.
— Tá falando sério?
— É claro. Imagina só, você foi o único de nós que nunca assumiu nenhum relacionamento sério com ninguém. Isso ia ser uma coisona, sabe? "null null finalmente apaixonado?" — Hero afastou as mãos, como se estivesse visualizando uma manchete.
— Não tô saindo com ninguém, cara. Faz dois meses desde a Hannah, e não sinto vontade de conhecer ninguém.
— Que mentira, você sente sim — O amigo acusou, e então se inclinou para a frente, como se estivesse prestes a contar um segredo. — Você não parou de falar da null desde que conheceu ela, seu idiota.
null arregalou os olhos por milésimo de segundo diante da menção da garota que naquele momento estava em algum lugar do lado de fora daquele estúdio, arrumando o apartamento de null.
— E daí? — Ele voltou a dedilhar o violão, fazendo pouco caso. — Eu só converso com ela, a gente não tá flertando nem nada. É algo totalmente inocente. E ela é legal.
— Ela atraiu sua atenção.
— Mas não desse jeito que você tá pensando. Não tenho interesse romântico ou sexual por ela.
— Tem certeza? — null arqueou uma sobrancelha, um sorrisinho despontando no canto dos lábios.
— O que porra você quer dizer com isso? É claro que tenho!
— Quer dizer que você vê ela que nem a null?
— null é minha melhor amiga.
— E a null? Você vê ela como uma amiga também?
— Talvez, não sei. A null é só... Trabalhadora, gentil e... Alguém sozinha, eu acho. Me faz ter vontade de cuidar dela, ou pelo menos de fazer companhia. Nem que seja por mensagem. Mas isso eu faria pela null também.
— Exatamente. Não faz nem um mês que você conheceu essa garota, null. Isso não é normal pra você e todo mundo já notou.
— Quer dizer que não posso mais fazer amizade com uma mulher? — Ele perguntou, irônico.
— Quer dizer que você não sai fazendo amizade por aí com qualquer pessoa — Hero explicou. — Você não se abre fácil nem mantém troca de mensagens com funcionários. Dividir uma refeição? Normal, você adora empurrar comida nos outros. Mas esse instinto de cuidado, que vai além disso? Amigo, sinto te informar, mas todo mundo acha que você tá atraído por aquela garota.
null suspirou, levemente frustrado.
— Mesmo que eu tivesse, e não tô, não significa nada. A null nem tem tempo pra se envolver com ninguém, porque ela vive...
— Trabalhando de domingo a domingo. Sim, sim... — null completou, meio entediado. — Você já repetiu isso algumas vezes, sabe? Mas já que a null atrai ao menos seu interesse como amigo, por que não tenta fazer um acordo com ela?
— Que tipo de acordo? — null o encarou com desconfiança.
— Pede pra ela te ajudar e, em troca, dê algo que ela queira. Você pode contratar ela ou algo assim.
— Tá sugerindo que ela seja minha namorada falsa? Acha mesmo que ela ia concordar com isso?
— Depende do que você tiver oferecendo. — null deu de ombros. — Mas se eu fosse você, começaria com o principal. Tipo uma coisa essencial que você sabe que ela dificilmente rejeitaria, e nem tô falando de dinheiro.
null encarou o amigo por alguns segundos em silêncio, enquanto três palavrinhas piscavam em sua mente.
— Plano de saúde?
Hero sorriu, como se ele tivesse acabado de acertar uma charada.
— Um plano de saúde com tudo incluso. Com valor suficiente pra uns dez anos. Em troca, ela fingiria ser sua namorada por um ano.
— Por que um ano?
— Porque você nunca passou mais de três meses com alguém, então um ano seria inédito. Tempo suficiente pras pessoas concluírem que você não é um idiota sem coração. Melhor algo a longo prazo, já que as pessoas provavelmente não vão acreditar que vai durar. Vão achar que a null é só mais uma.
null respirou fundo, ponderando a sugestão por alguns instantes.
— Acho que... Você tem razão — ele admitiu, fazendo o amigo sorrir novamente. — Talvez ela trabalhe menos assim.
— Pois é. E você tem dinheiro de sobra. Pode aplacar esse instinto de herói que você tem ao mesmo tempo que limpa sua imagem. O que mais você acha que poderia oferecer?
— Hm… Tem uma coisa. Lembra que eu disse que ela fazia faculdade? Acho que ela ia querer terminar.
— Você pode incluir o valor da faculdade no que for pagar a ela, então. E um salário mensal que cubra o que ela já ganha. Acho que isso é bom o suficiente.
null se recostou na cadeira, pensativo.
— Ela poderia morar no meu quarto de hóspedes também.
Hero riu, divertido.
— Tá vendo? Daqui a pouco você vai estar planejando um casamento — ele brincou, desviando rapidamente de um chute de null. — Ei, eu tô brincando. Mas de verdade, acho mesmo que pode dar certo. E a null é bonita, vocês ficariam bem juntos.
— Tá, tá. Vamos terminar essa música então. A gente tá aqui há horas e ainda não saiu quase nada.
— Ei, saiu sim — Hero retrucou. — Duas músicas da minha parte, então fale por você. Tá achando pouco? Arrume uma namorada que te inspire também.
Em um ato infantil, null fez uma careta e chutou a cadeira do amigo com o pé, fazendo ele deslizar pela sala até chegar à parede.
Hero riu alto, completamente divertido com a situação.
— Mal posso esperar pra ver você apaixonadinho.
null rolou os olhos.
Como se isso fosse mesmo acontecer.
12 de setembro de 2017 - Apartamento de null, Nova York, NY
Quatro horas depois, null se sentou em frente a null para jantar com ela. Mais uma vez, os dois cozinharam juntos, e o cardápio da noite era carne com molho de batata e queijo.
Tinham adquirido o hábito de dividir refeições toda terça e sexta, quando null aparecia para limpar a casa.
Ela também tinha parado de tentar recusar banho e um pouquinho de descanso antes de ir para a cafeteria nesses dias, o que o tranquilizava um pouco.
Não tinham mais tocado no assunto família desde a conversa de madrugada que tiveram, mas conversavam por mensagens todos os dias. null havia ficado um pouquinho mais aberta e menos tímida após os primeiros dias, então a conversa andava fluindo bem.
Ele gostava de jogar papo fora com ela e geralmente faziam aquilo quando ela estava se locomovendo de um lugar para outro, ou durante as refeições.
Àquela altura, ele já sabia praticamente sobre todos os turnos de trabalho dela, assim como o motivo, naquela tarde de terça-feira, dela aparentar estar tão cansada.
Na segunda-feira, null trabalhava o dia todo e ele sabia por experiência própria que nem sempre era possível descansar o suficiente em apenas um dia. Quando estavam em turnês, null sempre tinha energéticos por perto, mas não era uma opção para null. Energéticos, excesso de cafeína... Essas coisas podiam causar arritmias no coração dela e exigir um esforço maior de seu corpo.
Ele havia pesquisado mais um pouco sobre a doença dela, e null o ajudou a entender algumas coisas, além de confirmar o que ele já tinha notado: a rotina que ela levava era péssima e resultava em uma má qualidade de vida.
Também havia passado as últimas horas pensando no que Hero havia dito, sobre o tal acordo para que ela o ajudasse a limpar sua imagem.
Sendo honesto, null achava um saco ter sua índole em dúvida na visão do público, mas lá no fundo não se importava tanto assim. Ele se conhecia e sabia muito bem que tipo de pessoa era. Sua consciência estava tranquila.
E daí se as pessoas pensassem que ele fugia de relacionamentos?
A verdade era que null não fugia. Só não tinha encontrado a pessoa certa ainda, alguém que despertasse o seu lado mais estúpido e bobão, assim como era com seus pais até hoje.
Alguém que enchesse seu coração de paz e harmonia, mas que ao mesmo tempo o deixasse ansioso às vezes e soubesse exatamente como mexer com seus nervos também. Os pais dele tinham um relacionamento bonito, tranquilo e despreocupado.
Até mesmo os pais de null eram assim, mesmo que estivessem juntos há apenas um ano. Darcy e Richard haviam tido um caso que resultou em gravidez, mas ela acabou se casando com outro homem. Foi um casamento infeliz, que se estendeu por mais tempo do que deveria. Trinta anos depois, ela reencontrou o verdadeiro pai de seu filho e... pelo visto, ainda havia muita química entre os dois. Agora, Hero tinha um relacionamento saudável com o pai biológico e era feliz.
null conseguiu encontrar Richard Keller em um momento crucial.
Era um alívio que os dois se dessem bem, considerando o passado de seu amigo com o pai adotivo, que o havia rejeitado quando ainda era menino.
Seu sobrenome, no entanto, continuava o mesmo — afinal, era o mesmo de seu avô, que o havia criado após a rejeição, sem se importar que null não tivesse qualquer parentesco de sangue com ele.
null não podia ficar mais feliz pelo melhor amigo. Agora, ele tinha os pais por perto e null de volta.
E null e null eram completamente insuportáveis.
As duas faces de uma mesma moeda.
Farinha do mesmo saco.
E trabalhavam incrivelmente bem juntos, considerando que as histórias dela haviam rendido boas músicas compostas por ele, o que deixou os fãs de ambos bastante felizes.
null queria algo assim também. Ser insuportável com alguém. Ser tão doce a ponto de provocar náuseas em seus amigos.
Mas às vezes ele achava que devia ser arromântico ou algo assim. Por mais que algumas mulheres chamassem sua atenção, fossem divertidas e bonitas... Nunca passou de algo físico. Muito menos uma necessidade.
Sexo era bom, mas não era uma prioridade para ele. Ao menos, não quando não estava emocionalmente envolvido. Por mais que ele sempre tentasse deixar de lado, a sensação de vazio que sentia quando tudo acabava continuava lá, e não tinha certeza se isso mudaria algum dia.
— Essa comida tá uma delícia — null elogiou, antes de tomar um gole de suco.
null sorriu e se inclinou um pouquinho para frente.
— Como se diz “delícia” em português?
null deu uma risadinha e falou para ele, que tentou repetir algumas vezes até a pronúncia ficar clara.
De vez em quando, ele perguntava algo para ela, que se divertia ensinando. Ele tinha aprendido algumas coisas em português quando a Cave Panthers visitou o Brasil alguns anos antes, mas, sem prática, acabou esquecendo tudo.
— As pessoas acham que espanhol e português são parecidos, mas não tem nada a ver — ela comentou. — Eu, por exemplo, nunca aprendi nada de espanhol.
— Vocês não tinham nas escolas do Brasil?
— Só inglês, e era bem básico. Apenas uma minoria fala. Minha irmã, por exemplo, nunca aprendeu.
— E você? Seu pai te ensinou?
Ela assentiu com um sorriso.
— Ele ia me visitar duas vezes por ano, mas a gente se falava por telefone. Quando inventaram ligação por vídeo, passamos a fazer também.
— Ele parece ter sido um cara legal.
— Ele tentou ser presente dentro do possível. — Ela deu de ombros.
— O que ele fazia? — ele perguntou, enquanto terminava de comer.
— Ele tinha uma empresa no ramo de construção. Agora, o filho da minha madrasta toma de conta, algo assim. Acho que é um dos diretores.
— Uma empresa? Qual o nome?
— Contruções null. Bem óbvio. — Ela abriu um sorriso, mas ele não chegou aos olhos, ambos enfeitados por um par de olheiras de cansaço.
— Entendi. — Ele assentiu, bebendo o resto de suco do copo enquanto a observava silenciosamente. — null... Eu queria te perguntar uma coisa.
— O quê? — Ela o encarou, com um toque de curiosidade nos olhos castanhos. null abriu a boca para falar, mas nada saiu. — null? O que você quer perguntar?
— Ah, eu... — Ele piscou duas vezes e então desistiu. Talvez fosse cedo demais para propor um acordo. — Qual é mesmo o nome do clube burlesco onde você trabalha? Tô pensando em visitar qualquer dia desses. Sabe... Pra procurar inspiração em coisas novas, já que null e eu estamos compondo.
— Ah, sim. O nome é Veil of Secrets. Este mês a gente tá apresentando covers pop e alguns do filme Burlesque. Acho que você vai gostar.
— Vou levar umas gorjetas pra você e as outras dançarinas.
— Que generoso. Mas será que você vai me reconhecer? — ela brincou. — Eu uso peruca e máscara.
— Vamos testar. Você disse que é loira e usa roupas azuis.
— Pois é, mas não sou a única...
— Isso é mais que suficiente.
— Você vai me avisar quando for?
— De jeito nenhum — garantiu ele. — Quero pegar você de surpresa.
null deu uma risadinha e ele sorriu de lábios fechados, satisfeito por fazê-la rir.
Não que isso significasse algo.
De jeito nenhum.
Capítulo 10
22 de setembro de 2017 - Apartamento de null, Nova York, NY
null mexeu na comida, olhando de soslaio enquanto null digitava algo no celular.
Teve que se controlar para não perguntar se ele ainda pretendia visitar o clube ou não. Mas também não sabia porque queria que ele fosse, já que não era nada de mais.
Nada de mais, uma ova, uma vozinha falou em sua mente.
Ela continuou a comer em silêncio e, quando terminou, colocou a louça suja na máquina, se preparando para se despedir dele. Em seguida, se virou e encarou as costas largas de null por dois segundos, antes dele se levantar com o resto da louça.
null sempre tinha que olhar para cima para falar com ele, não porque fosse baixa, mas porque ele era alto demais.
Àquela altura, já tinha revirado a internet à procura de informações sobre null e gostou muito do que viu, com exceção dos artigos maliciosos que ainda saíam sobre ele desde que havia terminado o que quer que tivesse com aquela tal de Hannah. null nem sabia quem ela era, mas só o nome já lhe dava vontade de vomitar. A primeira e última Hannah que havia conhecido era a namorada psicótica de John.
E agora, depois de um mês convivendo com null duas vezes por semana, mesmo que por um tempo curto, null não conseguia imaginar ele como um babaca que odiava compromisso, como a ex dele tinha dado a entender.
Isso sem contar as mensagens de texto.
Ela não tinha ideia do porquê, mas null passava o dia enviando mensagens para ela, sempre se certificando de que ela tinha se alimentado e de como estava indo o trabalho. Ao mesmo tempo, ele contava coisas aleatórias de seu dia, a maior parte envolvendo algum integrante da banda ou null.
Ela tinha visto a namorada de null apenas duas ou três vezes, quando foi limpar o apartamento dele, já que ela não morava lá e tinha bastante trabalho fora de casa, como uma autora renomada. null era bem o tipo de mulher a quem null esperava que null desse atenção, mesmo que fosse apenas amizade: bonita, bem-sucedida e com um bom senso de humor. Nada como ela, uma simples faxineira.
null não queria menosprezar a si mesma, mas não via nenhum futuro melhor desde que descobriu ter sido deserdada pelo pai — isso, se é que algum dia havia estado no testamento de Peter null. De todo modo, tudo o que fazia era trabalhar. Não se lembrava nem da última vez que tinha saído para se divertir. Seu corpo fraco, frequentemente marcado por dores musculares causadas pelo trabalho ou pela dança, a deixava desmotivada até para as coisas mais simples. Felizmente, havia pequenos momentos no clube, quando se deixava levar por Cindy Lee, em que se sentia livre e feliz, como se fosse outra pessoa.
E havia sentido um pouquinho desses sentimentos também nos pequenos momentos compartilhados com aquele homem gigante, de quase dois metros de altura.
— Você já vai? — ele perguntou, enquanto se inclinava para abrir a lava-louças.
— Sim... Pro café e então pro clube — null respondeu, como se ele já não soubesse.
null assentiu e, cinco minutos depois, ela estava dentro do elevador, sozinha, a caminho do próximo turno de trabalho.
Naquela noite, ele também não apareceu.
null sentiu uma pontinha de decepção, mas repreendeu a si mesma silenciosamente por se sentir assim. Talvez ele tivesse dito aquilo da boca para fora, só isso, como quando dois amigos falam um para o outro sobre marcar um encontro e ninguém nunca marca. De todo modo, uma parte meio boba dela queria que ele conhecesse aquele lado dela também, como dançarina, a profissão que havia escolhido seguir por pura paixão.
Quando chegou no Veil of Secrets, null imaginava que seria um trabalho temporário, mas agora, depois de um ano ali, já não sabia mais se queria abrir mão daquilo um dia. Era o único momento da semana em que ela podia fingir ser alguém divertida, despreocupada com a vida. Isso sem contar nas boas gorjetas.
Mas então, a partir do momento em que retirava a peruca, voltava a ser a mesma mulher pobre, sozinha e doente de sempre. Pelo menos não tivera nenhuma intercorrência naquele lugar. Até mesmo Charlie não havia voltado mais ali, o que era um alívio. Ela não tinha certeza de que ele continuaria não a reconhecendo se a visse mais vezes.
Então que frequentasse outros lugares, de preferência algum bem longe dali.
***
O dia seguinte passou tão rápido que quando null percebeu, seu turno na cafeteria já tinha acabado. A tarde foi cheia, como era normal nos finais de semana, mas havia mais gente dessa vez, então ela se manteve em pé o tempo todo enquanto atendia os clientes nas mesas.
Quando chegou no clube para ensaiar para aquela noite, teve que ficar dez minutos sentada no chão, fazendo exercícios de alongamento nas pernas e respirando fundo várias vezes. No caminho até lá, comprou um sanduíche do Subway e o comeu em dez minutos, feliz por finalmente colocar algo no estômago, já que durante a tarde não teve tempo nem de beber água.
Tirou até uma foto bonita do sanduíche ao lado de um copo de Sprite e enviou para null. A primeira vez que ele perguntou se ela já estava comendo, null mentiu e, como se tivesse detectado a inverdade nas palavras dela, ele pediu uma foto. Vergonhosamente, ela teve que admitir que não tivera tempo de comer e ganhou uma bela bronca.
Ele pareceu tão incomodado em saber que ela havia pulado uma refeição que, meia hora mais tarde, enquanto ela estava na cafeteria, um delivery de comida chegou, com mimos suficientes para toda a equipe. Seu rosto queimou de vergonha quando explicou que um amigo havia mandado sem falar para ela, e seus colegas se divertiram falando sobre ele talvez querer ser mais que um amigo. Obviamente, null não deu bola para essa parte. Mas em compensação, nunca mais mentiu para null e passou a sempre enviar provas de suas refeições.
Devidamente alimentada e tendo certeza de que não teria uma hipoglicemia, null se alongou por mais alguns minutos, até Izzy e as outras dançarinas se organizarem na sala de ensaio. Duas horas mais tarde, todas partiram para o banho, mas Izzy pediu para falar com null a sós.
Curiosa, null assentiu, ainda secando o suor do corpo com uma toalhinha, e esperou até ela falar.
— Quero que você assuma o terceiro número no meu lugar hoje — a mais velha anunciou, fazendo a boca dela cair em choque.
— O quê? — Ela piscou, surpresa. — Você quer que eu seja o centro?
— Isso aí.
— Por quê?
— Torci meu tornozelo ontem e essa coreografia tá me machucando. Vou fazer só o solo hoje, que não exige muito. A Lia vai me substituir no próximo número já que você vai estar nas mesas.
— Mas... Por que eu?
— Porque você é boa, é óbvio. E acho que a Cindy Lee vai combinar com a música. — Ela sorriu. — Mas não fique surpresa, null. Você devia dar um pouco mais de crédito em si mesma. Não é fácil ter a rotina que você tem e ainda dar cento e dez por cento na dança.
null sentiu os olhos arderem por um momento.
— Eu... Obrigada pela oportunidade, Izzy. Não vou decepcionar.
— Eu sei que não. Agora vamos, a gente tem que se arrumar.
***
null retocou o batom vermelho e encarou seu reflexo como Cindy Lee uma última vez, antes de colocar máscara prateada que cobria metade de seu rosto.
Diferente dos vários tons de azuis habituais que estava acostumada a vestir, aquela roupa tinha um tom mais escuro, como um azul-petróleo com efeito metálico, misturado a dezenas de pérolas brancas e renda preta, as meias e os sapatos da mesma cor. Nunca tinha usado aquele modelo antes, mas Tommy ficou mais do que feliz em oferecer ele quando soube que Cindy Lee ocuparia o centro do palco naquela noite.
— Vamos lá, meninas! Tá na hora. — Suzy apareceu na porta do camarim.
Um minuto depois, null e mais outras quatro dançarinas se esconderam atrás da cortina do palco, cada uma com uma cadeira, esperando o momento em que as luzes apagariam para se posicionarem para a coreografia. Quando isso aconteceu e as luzes começaram a piscar na transição da música, elas já estavam prontas.
Cindy Lee estava sentada de costas para o público e, quando o som de "Express" começou, ela e as garotas passaram uma perna por cima da cadeira e começaram a estalar os dedos, seguindo a batida da música. Uma luz ofuscante foi jogada em seu rosto e, por um momento, ela não conseguiu enxergar o público.
Então, a voz de Christina Aguilera soou, e a coreografia seguiu enquanto Cindy dublava a música que já sabia de cor.
“E-X-P-R-E-S-S… love, sex, ladies no regrets…”
Ela apoiou uma perna na cadeira e levantou a cabeça para encarar o público e interpretar a música. Tinham mantido a coreografia original do filme e mesclado com alguns elementos originais.
"Been holding back for quite some time, and finally the moment's right..."
null se deixou levar como Cindy enquanto executava os movimentos cuidadosamente ensaiados.
"I love to make the people stare..."
Naquele momento, a luz estava mais fraca e ela já conseguia ver os rostos das pessoas. E levou apenas um segundo para ver Charlie na plateia, em uma mesa da frente.
"They know I got that certain savoir-faire..."
null sentiu seu coração errar uma batida, mas não se deixou abalar. Ali ela era Cindy, e tinha uma apresentação para concluir. Ela se abaixou, apoiando as mãos na cadeira, e sacudiu os quadris, enquanto encarava a plateia.
"Fasten up, can you imagine what would happen if I let you close enough to touch?"
Seu olhar percorreu o público mais um pouco e, por um instante, null se esqueceu da presença de Charlie. Isso porque Cindy Lee tinha acabado de avistar null null ao lado de uma mesa perto do bar: em pé, de braços cruzados e um sorrisinho no rosto.
"Step into the fantasy, you'll never leave, baby, that's guaranteed..."
null fez uma breve continência com dois dedos, cumprimentando-a de longe, e um sorriso cruzou os lábios de null. Ele finalmente havia ido visitá-la e, pelo visto, já a reconhecera.
null subiu na cadeira para terminar o refrão da música. Um momento depois, desceu e caminhou de um lado para o outro, enquanto as meninas se livravam das cadeiras, deixando o palco livre. Em seguida, todas se juntaram ao redor dela, permanecendo ali até o fim da música.
"Can you feel me, can you feel it? It's burlesque..."
As cinco formaram uma linha, uma ao lado da outra e null sorriu, encontrando o olhar de null na plateia. Uma salva de palmas soou e ela o viu assobiar, o que a fez rir.
As luzes se apagaram, e todas saíram do palco, comemorando com null o fim de mais um número bem-sucedido e, pela primeira vez, com ela no centro. Não havia muito tempo para ficar ali, no entanto, então, um minuto depois, todas já estavam a postos, prontas para se mover entre as mesas.
null fez uma nota mental de se manter longe de Charlie.
Ironicamente, a próxima música era "null" de Bishop Briggs. Diferente de seu habitual leque de renda do mês anterior, dessa vez ela tinha um chicote rígido nas mãos. A maioria das mesas ao redor estava composta por mulheres, e null sorriu, confortável em dançar para elas, enquanto brincava com o chicote. As mulheres riram e a incentivaram, depositando algumas gorjetas em seu decote. null agradeceu com um sorriso e uma pequena reverência e, um momento depois, começou a se aproximar da mesa de null.
Ele estava sentado, a encarando com atenção, e seus olhos estavam escuros naquela iluminação. null sorriu e se posicionou para dançar em frente a ele.
"Don't you say, don't you say... Don't say, don't you say..."
Ela levantou o chicote e percorreu o próprio corpo com ele, começando pelo pescoço, passando pelo decote do espartilho até chegar à cintura. Em seguida, deu dois passos à frente e apontou o chicote para null, que sorriu, levemente surpreso enquanto ela dublava a música, como se quisesse cantar para ele.
"One breath, it'll just break it... So shut your mouth and run me like a river..."
null o encarou por trás de seu alter ego sem nenhuma vergonha. Normalmente, via pessoas desconhecidas todos os finais de semana, mas lá estava ela, agindo como uma devassa em frente ao seu chefe.
E pior, quando ele sabia que era ela.
Mas não se importou, porque ali podia deixar a música consumi-la.
E aquela, especificamente, gritava o nome dele.
null passou o chicote pelo ombro de null e desceu para o peito, apenas um segundo antes do refrão começar a tocar.
"Shut your mouth, baby, stand and deliver..."
Ela apoiou uma perna na coxa dele e praticamente fez uma dança individual. Não era contra às regras, e geralmente ela mantinha distância.
Mas com ele era diferente.
"Holy hands, will them make me a sinner? Like a river, like a river..."
null se sentia diferente. Talvez fosse o olhar quente que a percorreu de cima a baixo antes de se fixar em seu rosto.
"Shut your mouth and run me like a river..."
null mordeu o lábio inferior, tentando em vão conter um sorriso e, no momento seguinte, enganchou uma nota enrolada de cem dólares na meia dela.
Cindy Lee se afastou e soprou um beijo para ele, que riu, antes de vê-la se mover para a próxima mesa. Uma hora mais tarde, null descobriu que a nota de cem dólares não era apenas uma, mas três.
Que tipo de pessoa dava uma gorjeta de trezentos dólares? Aquilo era metade do valor de seu medicamento, não que ele soubesse disso.
null riu, incrédula, e guardou o dinheiro.
Tinha acabado de tomar um banho e estava pronta para ir embora, quando seu celular vibrou com uma mensagem.
null: Tô te esperando do lado de fora, vou levar você pra casa, Cindy Lee.
Outro sorriso apareceu nos lábios dela.
null: Chego em um minuto.
Em seguida, pegou a bolsa e se despediu rapidamente dos colegas enquanto seguia em direção à porta dos fundos.
Mal saiu quando sentiu alguém puxar seu braço.
A primeira coisa que notou foi o cheiro forte de uísque. A segunda, um sorriso maldoso que ela conhecia muito bem.
— Então era você mesmo. A dançarina de azul — ele afirmou, puxando-a para mais perto, e null sentiu o sangue se esvair de seu rosto.
— Charlie... Me solta — ela pediu, tentando manter a calma, mas ele a ignorou.
— Se eu te der uma gorjeta gorda, você dança daquele jeito só pra mim, null?
— Me larga, seu idiota! — Ela tentou se soltar, em vão.
— Quem era aquele cara pra quem você dançou feito uma vagabunda? — Ele quis saber. — Tá se vendendo pra ele? Eu bem que fiquei imaginando quanto tempo levaria até você começar a se prostituir...
null puxou o braço com força, mas o aperto dele continuou firme. Seu coração disparou de nervosismo, ciente de que não havia ninguém por perto. A porta dos fundos ficava distante da entrada. Ela podia tentar gritar, mas sua garganta estava entalada de medo.
Seus olhos arderam e sua respiração falhou.
— Por favor, alguém...
Charlie riu, parecendo se divertir.
— Quem você acha que vai ouvir você uma hora dessas? Melhor parar de se fazer de difícil e vir comigo.
— Não, sai de perto de mim! Me solta ou eu-
Charlie a puxou para um beijo forçado e null se desesperou, lutando para se livrar dele. Chutou e bateu o quanto pôde, até que então... Ele não estava mais lá.
— Eu acho que ela disse não pra você, seu imbecil — null rosnou, parado em frente a ela, de forma protetora.
— Quem é você? Nós estamos tendo uma conversa, não se mete! — Charlie tentou passar por ele, mas null o impediu com um empurrão.
— Fique longe. Segurança! — gritou, em seguida.
— null... — null o chamou, sentindo o lábio tremer.
Ele se virou no instante em que as primeiras lágrimas caíram de seus olhos. Um segundo depois, estava com os braços ao redor dela.
— Shh... Vai ficar tudo bem, null. Eu prometo.
Mas será que ia mesmo? null agarrou a camisa dele com força.
Então, sem conseguir se conter, ela soluçou contra seu peito e caiu em prantos.
null mexeu na comida, olhando de soslaio enquanto null digitava algo no celular.
Teve que se controlar para não perguntar se ele ainda pretendia visitar o clube ou não. Mas também não sabia porque queria que ele fosse, já que não era nada de mais.
Nada de mais, uma ova, uma vozinha falou em sua mente.
Ela continuou a comer em silêncio e, quando terminou, colocou a louça suja na máquina, se preparando para se despedir dele. Em seguida, se virou e encarou as costas largas de null por dois segundos, antes dele se levantar com o resto da louça.
null sempre tinha que olhar para cima para falar com ele, não porque fosse baixa, mas porque ele era alto demais.
Àquela altura, já tinha revirado a internet à procura de informações sobre null e gostou muito do que viu, com exceção dos artigos maliciosos que ainda saíam sobre ele desde que havia terminado o que quer que tivesse com aquela tal de Hannah. null nem sabia quem ela era, mas só o nome já lhe dava vontade de vomitar. A primeira e última Hannah que havia conhecido era a namorada psicótica de John.
E agora, depois de um mês convivendo com null duas vezes por semana, mesmo que por um tempo curto, null não conseguia imaginar ele como um babaca que odiava compromisso, como a ex dele tinha dado a entender.
Isso sem contar as mensagens de texto.
Ela não tinha ideia do porquê, mas null passava o dia enviando mensagens para ela, sempre se certificando de que ela tinha se alimentado e de como estava indo o trabalho. Ao mesmo tempo, ele contava coisas aleatórias de seu dia, a maior parte envolvendo algum integrante da banda ou null.
Ela tinha visto a namorada de null apenas duas ou três vezes, quando foi limpar o apartamento dele, já que ela não morava lá e tinha bastante trabalho fora de casa, como uma autora renomada. null era bem o tipo de mulher a quem null esperava que null desse atenção, mesmo que fosse apenas amizade: bonita, bem-sucedida e com um bom senso de humor. Nada como ela, uma simples faxineira.
null não queria menosprezar a si mesma, mas não via nenhum futuro melhor desde que descobriu ter sido deserdada pelo pai — isso, se é que algum dia havia estado no testamento de Peter null. De todo modo, tudo o que fazia era trabalhar. Não se lembrava nem da última vez que tinha saído para se divertir. Seu corpo fraco, frequentemente marcado por dores musculares causadas pelo trabalho ou pela dança, a deixava desmotivada até para as coisas mais simples. Felizmente, havia pequenos momentos no clube, quando se deixava levar por Cindy Lee, em que se sentia livre e feliz, como se fosse outra pessoa.
E havia sentido um pouquinho desses sentimentos também nos pequenos momentos compartilhados com aquele homem gigante, de quase dois metros de altura.
— Você já vai? — ele perguntou, enquanto se inclinava para abrir a lava-louças.
— Sim... Pro café e então pro clube — null respondeu, como se ele já não soubesse.
null assentiu e, cinco minutos depois, ela estava dentro do elevador, sozinha, a caminho do próximo turno de trabalho.
Naquela noite, ele também não apareceu.
null sentiu uma pontinha de decepção, mas repreendeu a si mesma silenciosamente por se sentir assim. Talvez ele tivesse dito aquilo da boca para fora, só isso, como quando dois amigos falam um para o outro sobre marcar um encontro e ninguém nunca marca. De todo modo, uma parte meio boba dela queria que ele conhecesse aquele lado dela também, como dançarina, a profissão que havia escolhido seguir por pura paixão.
Quando chegou no Veil of Secrets, null imaginava que seria um trabalho temporário, mas agora, depois de um ano ali, já não sabia mais se queria abrir mão daquilo um dia. Era o único momento da semana em que ela podia fingir ser alguém divertida, despreocupada com a vida. Isso sem contar nas boas gorjetas.
Mas então, a partir do momento em que retirava a peruca, voltava a ser a mesma mulher pobre, sozinha e doente de sempre. Pelo menos não tivera nenhuma intercorrência naquele lugar. Até mesmo Charlie não havia voltado mais ali, o que era um alívio. Ela não tinha certeza de que ele continuaria não a reconhecendo se a visse mais vezes.
Então que frequentasse outros lugares, de preferência algum bem longe dali.
O dia seguinte passou tão rápido que quando null percebeu, seu turno na cafeteria já tinha acabado. A tarde foi cheia, como era normal nos finais de semana, mas havia mais gente dessa vez, então ela se manteve em pé o tempo todo enquanto atendia os clientes nas mesas.
Quando chegou no clube para ensaiar para aquela noite, teve que ficar dez minutos sentada no chão, fazendo exercícios de alongamento nas pernas e respirando fundo várias vezes. No caminho até lá, comprou um sanduíche do Subway e o comeu em dez minutos, feliz por finalmente colocar algo no estômago, já que durante a tarde não teve tempo nem de beber água.
Tirou até uma foto bonita do sanduíche ao lado de um copo de Sprite e enviou para null. A primeira vez que ele perguntou se ela já estava comendo, null mentiu e, como se tivesse detectado a inverdade nas palavras dela, ele pediu uma foto. Vergonhosamente, ela teve que admitir que não tivera tempo de comer e ganhou uma bela bronca.
Ele pareceu tão incomodado em saber que ela havia pulado uma refeição que, meia hora mais tarde, enquanto ela estava na cafeteria, um delivery de comida chegou, com mimos suficientes para toda a equipe. Seu rosto queimou de vergonha quando explicou que um amigo havia mandado sem falar para ela, e seus colegas se divertiram falando sobre ele talvez querer ser mais que um amigo. Obviamente, null não deu bola para essa parte. Mas em compensação, nunca mais mentiu para null e passou a sempre enviar provas de suas refeições.
Devidamente alimentada e tendo certeza de que não teria uma hipoglicemia, null se alongou por mais alguns minutos, até Izzy e as outras dançarinas se organizarem na sala de ensaio. Duas horas mais tarde, todas partiram para o banho, mas Izzy pediu para falar com null a sós.
Curiosa, null assentiu, ainda secando o suor do corpo com uma toalhinha, e esperou até ela falar.
— Quero que você assuma o terceiro número no meu lugar hoje — a mais velha anunciou, fazendo a boca dela cair em choque.
— O quê? — Ela piscou, surpresa. — Você quer que eu seja o centro?
— Isso aí.
— Por quê?
— Torci meu tornozelo ontem e essa coreografia tá me machucando. Vou fazer só o solo hoje, que não exige muito. A Lia vai me substituir no próximo número já que você vai estar nas mesas.
— Mas... Por que eu?
— Porque você é boa, é óbvio. E acho que a Cindy Lee vai combinar com a música. — Ela sorriu. — Mas não fique surpresa, null. Você devia dar um pouco mais de crédito em si mesma. Não é fácil ter a rotina que você tem e ainda dar cento e dez por cento na dança.
null sentiu os olhos arderem por um momento.
— Eu... Obrigada pela oportunidade, Izzy. Não vou decepcionar.
— Eu sei que não. Agora vamos, a gente tem que se arrumar.
null retocou o batom vermelho e encarou seu reflexo como Cindy Lee uma última vez, antes de colocar máscara prateada que cobria metade de seu rosto.
Diferente dos vários tons de azuis habituais que estava acostumada a vestir, aquela roupa tinha um tom mais escuro, como um azul-petróleo com efeito metálico, misturado a dezenas de pérolas brancas e renda preta, as meias e os sapatos da mesma cor. Nunca tinha usado aquele modelo antes, mas Tommy ficou mais do que feliz em oferecer ele quando soube que Cindy Lee ocuparia o centro do palco naquela noite.
— Vamos lá, meninas! Tá na hora. — Suzy apareceu na porta do camarim.
Um minuto depois, null e mais outras quatro dançarinas se esconderam atrás da cortina do palco, cada uma com uma cadeira, esperando o momento em que as luzes apagariam para se posicionarem para a coreografia. Quando isso aconteceu e as luzes começaram a piscar na transição da música, elas já estavam prontas.
Cindy Lee estava sentada de costas para o público e, quando o som de "Express" começou, ela e as garotas passaram uma perna por cima da cadeira e começaram a estalar os dedos, seguindo a batida da música. Uma luz ofuscante foi jogada em seu rosto e, por um momento, ela não conseguiu enxergar o público.
Então, a voz de Christina Aguilera soou, e a coreografia seguiu enquanto Cindy dublava a música que já sabia de cor.
“E-X-P-R-E-S-S… love, sex, ladies no regrets…”
Ela apoiou uma perna na cadeira e levantou a cabeça para encarar o público e interpretar a música. Tinham mantido a coreografia original do filme e mesclado com alguns elementos originais.
"Been holding back for quite some time, and finally the moment's right..."
null se deixou levar como Cindy enquanto executava os movimentos cuidadosamente ensaiados.
"I love to make the people stare..."
Naquele momento, a luz estava mais fraca e ela já conseguia ver os rostos das pessoas. E levou apenas um segundo para ver Charlie na plateia, em uma mesa da frente.
"They know I got that certain savoir-faire..."
null sentiu seu coração errar uma batida, mas não se deixou abalar. Ali ela era Cindy, e tinha uma apresentação para concluir. Ela se abaixou, apoiando as mãos na cadeira, e sacudiu os quadris, enquanto encarava a plateia.
"Fasten up, can you imagine what would happen if I let you close enough to touch?"
Seu olhar percorreu o público mais um pouco e, por um instante, null se esqueceu da presença de Charlie. Isso porque Cindy Lee tinha acabado de avistar null null ao lado de uma mesa perto do bar: em pé, de braços cruzados e um sorrisinho no rosto.
"Step into the fantasy, you'll never leave, baby, that's guaranteed..."
null fez uma breve continência com dois dedos, cumprimentando-a de longe, e um sorriso cruzou os lábios de null. Ele finalmente havia ido visitá-la e, pelo visto, já a reconhecera.
null subiu na cadeira para terminar o refrão da música. Um momento depois, desceu e caminhou de um lado para o outro, enquanto as meninas se livravam das cadeiras, deixando o palco livre. Em seguida, todas se juntaram ao redor dela, permanecendo ali até o fim da música.
"Can you feel me, can you feel it? It's burlesque..."
As cinco formaram uma linha, uma ao lado da outra e null sorriu, encontrando o olhar de null na plateia. Uma salva de palmas soou e ela o viu assobiar, o que a fez rir.
As luzes se apagaram, e todas saíram do palco, comemorando com null o fim de mais um número bem-sucedido e, pela primeira vez, com ela no centro. Não havia muito tempo para ficar ali, no entanto, então, um minuto depois, todas já estavam a postos, prontas para se mover entre as mesas.
null fez uma nota mental de se manter longe de Charlie.
Ironicamente, a próxima música era "null" de Bishop Briggs. Diferente de seu habitual leque de renda do mês anterior, dessa vez ela tinha um chicote rígido nas mãos. A maioria das mesas ao redor estava composta por mulheres, e null sorriu, confortável em dançar para elas, enquanto brincava com o chicote. As mulheres riram e a incentivaram, depositando algumas gorjetas em seu decote. null agradeceu com um sorriso e uma pequena reverência e, um momento depois, começou a se aproximar da mesa de null.
Ele estava sentado, a encarando com atenção, e seus olhos estavam escuros naquela iluminação. null sorriu e se posicionou para dançar em frente a ele.
"Don't you say, don't you say... Don't say, don't you say..."
Ela levantou o chicote e percorreu o próprio corpo com ele, começando pelo pescoço, passando pelo decote do espartilho até chegar à cintura. Em seguida, deu dois passos à frente e apontou o chicote para null, que sorriu, levemente surpreso enquanto ela dublava a música, como se quisesse cantar para ele.
"One breath, it'll just break it... So shut your mouth and run me like a river..."
null o encarou por trás de seu alter ego sem nenhuma vergonha. Normalmente, via pessoas desconhecidas todos os finais de semana, mas lá estava ela, agindo como uma devassa em frente ao seu chefe.
E pior, quando ele sabia que era ela.
Mas não se importou, porque ali podia deixar a música consumi-la.
E aquela, especificamente, gritava o nome dele.
null passou o chicote pelo ombro de null e desceu para o peito, apenas um segundo antes do refrão começar a tocar.
"Shut your mouth, baby, stand and deliver..."
Ela apoiou uma perna na coxa dele e praticamente fez uma dança individual. Não era contra às regras, e geralmente ela mantinha distância.
Mas com ele era diferente.
"Holy hands, will them make me a sinner? Like a river, like a river..."
null se sentia diferente. Talvez fosse o olhar quente que a percorreu de cima a baixo antes de se fixar em seu rosto.
"Shut your mouth and run me like a river..."
null mordeu o lábio inferior, tentando em vão conter um sorriso e, no momento seguinte, enganchou uma nota enrolada de cem dólares na meia dela.
Cindy Lee se afastou e soprou um beijo para ele, que riu, antes de vê-la se mover para a próxima mesa. Uma hora mais tarde, null descobriu que a nota de cem dólares não era apenas uma, mas três.
Que tipo de pessoa dava uma gorjeta de trezentos dólares? Aquilo era metade do valor de seu medicamento, não que ele soubesse disso.
null riu, incrédula, e guardou o dinheiro.
Tinha acabado de tomar um banho e estava pronta para ir embora, quando seu celular vibrou com uma mensagem.
null: Tô te esperando do lado de fora, vou levar você pra casa, Cindy Lee.
Outro sorriso apareceu nos lábios dela.
null: Chego em um minuto.
Em seguida, pegou a bolsa e se despediu rapidamente dos colegas enquanto seguia em direção à porta dos fundos.
Mal saiu quando sentiu alguém puxar seu braço.
A primeira coisa que notou foi o cheiro forte de uísque. A segunda, um sorriso maldoso que ela conhecia muito bem.
— Então era você mesmo. A dançarina de azul — ele afirmou, puxando-a para mais perto, e null sentiu o sangue se esvair de seu rosto.
— Charlie... Me solta — ela pediu, tentando manter a calma, mas ele a ignorou.
— Se eu te der uma gorjeta gorda, você dança daquele jeito só pra mim, null?
— Me larga, seu idiota! — Ela tentou se soltar, em vão.
— Quem era aquele cara pra quem você dançou feito uma vagabunda? — Ele quis saber. — Tá se vendendo pra ele? Eu bem que fiquei imaginando quanto tempo levaria até você começar a se prostituir...
null puxou o braço com força, mas o aperto dele continuou firme. Seu coração disparou de nervosismo, ciente de que não havia ninguém por perto. A porta dos fundos ficava distante da entrada. Ela podia tentar gritar, mas sua garganta estava entalada de medo.
Seus olhos arderam e sua respiração falhou.
— Por favor, alguém...
Charlie riu, parecendo se divertir.
— Quem você acha que vai ouvir você uma hora dessas? Melhor parar de se fazer de difícil e vir comigo.
— Não, sai de perto de mim! Me solta ou eu-
Charlie a puxou para um beijo forçado e null se desesperou, lutando para se livrar dele. Chutou e bateu o quanto pôde, até que então... Ele não estava mais lá.
— Eu acho que ela disse não pra você, seu imbecil — null rosnou, parado em frente a ela, de forma protetora.
— Quem é você? Nós estamos tendo uma conversa, não se mete! — Charlie tentou passar por ele, mas null o impediu com um empurrão.
— Fique longe. Segurança! — gritou, em seguida.
— null... — null o chamou, sentindo o lábio tremer.
Ele se virou no instante em que as primeiras lágrimas caíram de seus olhos. Um segundo depois, estava com os braços ao redor dela.
— Shh... Vai ficar tudo bem, null. Eu prometo.
Mas será que ia mesmo? null agarrou a camisa dele com força.
Então, sem conseguir se conter, ela soluçou contra seu peito e caiu em prantos.
Capítulo 11
null parou o carro no sinal vermelho e olhou de soslaio para null, que até então estava com os braços ao redor de si mesma, quietinha no banco de carona, enquanto lágrimas silenciosas ainda corriam em seu rosto.
Um minuto depois que ele gritou por um segurança, dois funcionários do clube apareceram e ele explicou rapidamente o que tinha acontecido, enquanto arrastava null até o carro.
Aquele era o primeiro sinal de trânsito em que paravam.
— Vou te levar pra minha casa, null — ele anunciou. — Tudo bem?
Ela assentiu sem olhar para ele, passando a mão no rosto para secar as lágrimas.
null cerrou a mandíbula e apertou as duas mãos no volante até os nós de seus dedos ficarem brancos. Teve que se controlar para não pular no idiota que a assediou e enchê-lo de porrada. Como ele se atrevia a dizer aquelas coisas sobre ela e ainda beijá-la à força?
Com certeza, não devia ter o mínimo de noção sobre o quanto aquela mulher trabalhava, e ainda menosprezar a profissão dela daquele jeito...
null estava tão incrível dançando que null ficou sem fôlego algumas vezes enquanto a assistia. Seu peito se encheu de orgulho ao ver a felicidade que a dominava ao fazer as coreografias. E quando dançou em frente a ele, para ele... null desejou que ela nunca parasse de fazer aquilo.
Não enquanto fosse algo que ela genuinamente amasse.
Como ele, com a música.
Dançando, null parecia outra pessoa; confiante, sensual e nada tímida. E ele tinha certeza de que ela nunca teria dançado daquele jeito para ele sem se esconder atrás de Cindy Lee. Ele a reconheceu assim que ela colocou os pés no palco. Mesmo de máscara, o sorriso dela, os olhos... Talvez ele tenha notado esses pequenos detalhes após as últimas semanas de convivência.
Caso contrário, null provavelmente não teria olhado duas vezes para nenhuma daquelas dançarinas. Todas pareciam lindas no palco, com o figurino impecável, assim como cabelo e maquiagem. null podia sentir a arte e paixão emanando delas através do profissionalismo e trabalho em equipe.
Ele propositalmente evitou ir ao clube algumas vezes e não falou mais sobre aquilo com null. Queria mesmo pegá-la de surpresa e dar-lhe uma gorjeta generosa por seu trabalho duro.
E porque ela merecia.
Era uma pena que a noite tivesse terminado mal para ela, por culpa daquele traste que a incomodou.
O sinal abriu e ele voltou a dirigir em silêncio até chegar ao estacionamento de seu prédio. Então conduziu null até o elevador e, dois minutos depois, estavam em sua sala de estar.
— Vou pegar uma roupa confortável pra você dormir — ele declarou, antes de desaparecer pelo corredor, voltando um momento depois, com uma camiseta branca, um short e um moletom preto. — Vai ficar grande, mas acho que deve servir.
— Obrigada... — Ela pegou as roupas e as depositou no sofá, antes de se virar novamente para ele, parecendo envergonhada. — Eu sinto muito.
— Pelo que você tá se desculpando?
— Eu te incomodei com isso, qualquer pessoa teria recusado sua proposta, mas eu... — O lábio inferior dela tremeu.
Instintivamente, null a abraçou mais uma vez.
— De jeito nenhum, null. Por favor, não pense que você me incomoda. Não sei quem é aquele cara, mas... Fiquei com medo dele te seguir ou algo assim, então eu quis te trazer pra cá.
null respirou fundo uma vez.
— Era o Charlie, o enteado do meu pai — ela revelou baixinho, se afastando dele.
— Como é?! — ele se irritou de repente, a pegando de surpresa. Então abaixou o tom de voz. — Tá me dizendo que você mora debaixo do mesmo teto que aquele imbecil asqueroso?
— Essa é uma ótima forma de descrever ele e, sim, eu moro. Infelizmente.
— Então que bom que eu te trouxe pra cá. Não acredito que ele falou aquelas merdas sobre você.
— Você... Ouviu? — Ela levantou os olhos inchados para encará-lo.
O glamour de Cindy Lee havia ido embora e agora só restava a imagem de uma garota cansada e envergonhada. null era bonita mesmo sem maquiagem, mas seu semblante tristonho e, na maioria das vezes sem energia, fazia o coração dele se apertar.
— Ouvi. E mesmo que você tivesse se prostituindo, isso não era da conta dele. O idiota te tratou como se você não tivesse poder de escolha. Isso sem contar que ele menosprezou seu trabalho. Aposto que ele não tem ideia sobre o quão difícil é trabalhar no meio artístico.
— Não tem mesmo. Ele nunca nem precisou batalhar por um emprego. — Ela suspirou. — Mesmo assim, sinto muito por você ter que presenciar aquilo. Mas obrigada por me ajudar. Tentei gritar, mas...
— Tudo bem, null. Fico feliz por ter sido útil. Mas... Aquele cara fez isso outras vezes?
null fez uma careta com a pergunta, mas resolveu responder mesmo assim. Não fazia sentido esconder.
— Ele me encurralou uma vez e insinuou que me pagaria pra fazer... Coisas pra ele. — Ela encolheu os ombros. null semicerrou os olhos. — Eu dei um fora nele e depois disso ele me deixou em paz. Eu tava acostumada a ouvir piadinhas maldosas, mas aquela foi a primeira vez que ele me abordou assim. E teve uma vez... Na noite em que você me mandou mensagem pela primeira vez, ele...
— Ele te encurralou de novo?
— Não. — Ela balançou a cabeça. — Mas naquela noite, ele foi até o meu quarto e ficou um tempo parado em frente à porta. Eu cheguei um pouco antes dele e a luz tava apagada, acho que ele achou que eu tava dormindo ou sei lá. Achei bizarro, mas...
— Você devia ter me contado.
— Eu nem te conhecia direito. Por que eu ia contar esse tipo de coisa? Te encher com meus problemas?
— Porque eu... Me importo com você. — null fechou as mãos em punho, de repente, se sentindo nervoso.
null o encarou com cinismo.
— Você mal me conhece, null.
— E daí? Quando null conheceu null, eles só passaram cinco dias juntos. E mesmo assim, a gente ainda procurou por ela, mesmo meio que sabendo que ela não queria ser encontrada.
— Ah, a Garota null, que deixou vocês famosos? O que isso tem a ver?
— Não demorou muito pra gente começar a se importar com ela naquela época, mesmo antes da fama. E você tá aqui na minha casa toda semana.
— Isso não quer dizer nada — null tentou desconversar. — A null foi uma exceção. Ela e null... Se envolveram romanticamente. Era outro cenário, outra época. Eu pesquisei sobre vocês.
— Por que você acha tão difícil alguém se importar com você, null?
— Porque... — Ela desviou o olhar, sentiu os olhos arderem novamente. Sua visão embaçou. — Não tô acostumada. Isso que você faz... De me deixar ficar aqui nos dias que venho só pra eu poder descansar um pouco... Levei um tempo pra me habituar e aceitar. Você sempre foi tão legal e eu não fiz nada pra merecer isso... — Ela soluçou e cobriu o rosto, secando as lágrimas com as duas mãos.
— Olha... Honestamente, eu não tenho pena de você. Eu te admiro e acho você muito forte só em conseguir se levantar todo dia pra trabalhar — null disse, se segurando para não abraçá-la outra vez. — Mas dói em mim, por algum motivo, saber que você não tem escolha e... Eu quero te dar uma escolha, null.
— Como assim?
— Você tem que sair de casa o quanto antes. Não dá pra ficar mais lá com aquele cara te importunando.
— Eu não posso, não tenho um lugar ainda. Pesquisei umas quitinetes online, mas não tive tempo de visitar. Preciso aguentar mais um pouco.
— Não precisa não — ele retrucou. — Tem uma coisa que venho querendo conversar com você desde a semana passada, mas... Não tive coragem ainda.
— Que… tipo de coisa?
null balançou a cabeça, como se quisesse afastar os pensamentos.
— Agora não, tá tarde. Você tá de cabeça cheia e precisa descansar. Amanhã a gente conversa.
— Tá… — null respondeu, mesmo curiosa, sabendo que ele tinha razão.
— Você tá com fome? Quer comer ou beber alguma coisa?
— Não, obrigada. Acho que vou só dormir mesmo. — Ela pegou as roupas no sofá.
— Toma pelo menos um pouco de água. Eu vou pro meu quarto, fica à vontade. Você já sabe onde tem tudo e o quarto de hóspedes é todo seu.
— Obrigada.
— Disponha. Boa noite, null.
— Boa noite, null.
E então, ele a deixou sozinha.
null respirou fundo, bebeu um copo de água e então foi até o quarto.
Se despiu rapidamente, substituindo as próprias roupas pelas dele e se deitou bem no meio da cama enorme, orando para que o dia seguinte fosse melhor.
***
Na manhã seguinte à madrugada que terminou em um péssimo desfecho, null planejou acordar mais cedo para fazer café da manhã como forma de agradecimento a null, mas assim que colocou os pés no corredor, sentiu cheiro de café fresco no ar e descobriu que ele tivera a mesma ideia.
Era apenas oito da manhã e eles tinham se recolhido há cerca de cinco horas.
— Bom dia — null o cumprimentou timidamente.
null, que estava de costas, se virou com uma frigideira nas mãos e sorriu, mostrando uma covinha, quando notou que ela ainda usava suas roupas. Era fofo e engraçado ao mesmo tempo como as peças pareciam grandes nela.
— Bom dia. Conseguiu dormir? — ele perguntou, depositando uma pequena pilha de ovos mexidos em um prato.
— Sim, e você? — O olhar dela recaiu para uma sacola de pães e sua boca salivou.
— Eu também. Senta, vamos comer. — Ele apontou para o banquinho que ela sempre usava e null imediatamente obedeceu. — Comprei pão. Lembrei que você disse outro dia que costumava comer no café da manhã.
Fazia um bom tempo que null não comia pão no café da manhã, muito menos uma refeição reforçada naquele horário. Normalmente acordava tão cedo que não tinha estômago para comer, mas se forçava a enfiar alguma fruta goela abaixo para não ter hipoglicemia enquanto trabalhava.
— Sim... — Ela pegou um pão ainda morno, o abriu com uma faca e recheou com ovos mexidos.
null fez sua própria versão, adicionando bacon também e serviu os dois com uma caneca de café com leite.
null quase gemeu quando deu a primeira mordida. Pão com ovo, quem diria. Tão simples, mas tão bom. Instantaneamente lembrou de sua avó que sempre fazia uma vitamina de banana para acompanhar quando ela ainda morava no Brasil.
Eles comeram em um silêncio confortável e ainda tinham a caneca de café com leite pela metade quando null resolveu falar.
— Sobre o que eu disse que queria falar com você... Eu tenho uma proposta de emprego pra te fazer.
— Emprego? — Ela o encarou com interesse.
— É, desses com vários benefícios. E você não vai precisar se matar de trabalhar.
Vários benefícios em um emprego nos Estados Unidos? Sem trabalhar muito?
null o encarou, cética.
— Sério? Aqui, nesse país?
— Ei, não me olha assim. E é óbvio que é sério, afinal, eu seria o contratante.
Ela piscou, confusa.
— E você quer me contratar pra quê?
— Pra... Me fazer companhia? — ele disse, meio sem jeito.
— Companhia?
— null sugeriu uma coisa e você é a única pessoa que conseguimos pensar que pudesse ajudar. Como você deve saber, minha imagem não anda lá essas coisas e toda semana sai um artigo com rumores idiotas sobre minha personalidade e vida pessoal. Então, ele... Sugeriu rebater isso.
— E onde eu me encaixo nisso? — ela quis saber, genuinamente curiosa.
— Então… Se tornando minha namorada de mentira.
— Como é?! — null quase gritou. — Que ideia maluca é essa?
— As pessoas acham que eu não consigo ter relacionamentos, então você me ajudaria nisso. É de mentira, null. Prometo não te tocar a menos que a gente esteja em público. Só quero tapear esses idiotas que insistem em falar de mim e... Dar algo diferente pra eles falarem e ver se as pessoas me esquecem.
— Te esquecer? Acha mesmo possível alguém conseguir fazer isso? — ela perguntou sem pensar, e então sentiu o rosto esquentar quando percebeu como aquela frase tinha soado. — Quer dizer, você é uma celebridade...
— Sim, mas acho que ajudaria a rebater essas fofocas. Não tenho problema em manter relacionamentos, null. Não fujo deles. Eu só... Não consigo manter interesse. Meus pais tem uma relação incrível até hoje e cresci querendo algo assim também, mas... — Ele desviou o olhar dela, envergonhado e passou a mão no pescoço. — Nunca me apaixonei por ninguém.
— Cara, você literalmente escreve músicas sobre amor.
— Eu sei. Mas é como se o null músico fosse tipo a Cindy Lee dançarina — ele tentou explicar. — A gente só precisa expressar os sentimentos que queremos passar, mas não necessariamente sentir eles.
— Tá dizendo que você atua no palco? Nos holofotes?
— Não, só na hora de escrever. No palco, eu sou eu mesmo. — Ele deixou escapar uma risadinha. — Inclusive, sinto falta. Faz anos que não fazemos turnê. Temos planos pra fazer uma depois do álbum novo, mas não tem nada certo ainda...
— E você quer que eu te ajude a tapear esse povo? Incluindo seus fãs?
— É uma mentira com intuito de trazer benefícios pra nós dois. Um monte de gente faz isso — ele disse, mesmo sem ter um pingo de certeza.
— E o que eu ganharia com isso?
— Bem... Além de não trabalhar muito, é claro, eu te daria um plano de saúde por dez anos, além de uma mesada e um valor extra específico suficiente pra você conseguir terminar a faculdade. Quanto a moradia... O quarto de hóspedes seria todo seu.
O coração de null errou uma batida.
— Por quanto tempo seria?
— Um ano — respondeu ele. — Faríamos um contrato e além de nós, só meus amigos próximos e meu advogado saberiam. Podemos negociar os benefícios, caso você queira algo mais.
— Mais? — null praticamente sussurrou, em choque. Então se recuperou e surtou. — Você enlouqueceu?! Que tipo de proposta idiota é essa? E mais? Tá doido? Eu não sonharia nem com metade disso, mas você tá falando de jogar dinheiro fora como se fosse só uns trocados.
null pressionou os lábios para não rir.
— Não tô jogando dinheiro fora, tô investindo. Em você.
— Eu... Por quê?! — Ela apoiou as duas mãos na bancada, o encarando incrédula.
— Porque eu gosto de você. E me importo com você. Gosto da sua amizade também e meu coração se aperta por você ter que batalhar tanto. E eu queria poder ajudar, mas sei que você nunca aceitaria isso sem poder me oferecer algo em troca, então... Seja minha namorada, null.
Ela o encarou, atônita, sentindo o coração disparar no peito. Será que aquele idiota sabia como aquele pedindo estava soando? Era um relacionamento de mentira, mas seus ouvidos ouviram aquilo e seu cérebro interpretou de forma errada. Como quando ela lia um livro de romance.
Mas deveria recusar? O que era uma mentirinha perto de todos aqueles benefícios que ele estava oferecendo? Seria burra se recusasse. Era como se o universo tivesse colocado aquele homem em sua vida para dar a oportunidade para ela colocar a própria vida de volta aos eixos.
Não trabalhar de domingo a domingo. Parar de fazer faxinas... Não, ela teria que fazer ao menos ali, e na casa de null também, já que ele deu aquela ideia maluca. Se sentiria melhor assim.
Além disso, permaneceria na cafeteria, como sempre, e no clube, simplesmente porque gostava.
E então... Terminaria a faculdade.
Mas a cereja do bolo era: plano de saúde. Por uma década inteirinha.
Ela não podia competir com aquilo. Não quando já tinha negligenciado a própria saúde por quase um ano, mesmo sabendo que precisava de acompanhamento constante para seu coração.
Seu coração... Que parecia prestes a sair pela boca naquele momento.
— Eu... — null ofegou, com uma leve falta de ar, e então viu null arregalar os olhos. Sua visão ficou um pouco turva e a boca secou.
— Meu Deus, você tá passando mal? — Ele se colocou ao lado dela um segundo depois. — Você precisa de um remédio? Me fala o que posso fazer.
Remédio. Sim.
Agora tudo fazia sentido. Ela não tinha tomado nenhum dos dois porque planejava fazer aquilo após o café da manhã.
— Na minha mochila... — null conseguiu dizer e no mesmo instante ele desapareceu. Levou apenas alguns segundos para voltar com os dois potes de medicamentos e ofereceu um comprimido de cada para ela, que tomou com a ajuda do café.
— Me fala se precisar de mais alguma coisa — ele exigiu, meio afobado, enquanto esfregava as costas dela como forma de apoio. null sentiu os olhos se encherem d'água com a pequena gentileza, lembrando que era algo que sua mãe costumava fazer quando era criança.
Ela o encarou e se virou no banquinho, passando os braços ao redor da cintura dele.
— Eu aceito. Mesmo achando que você tá oferecendo bem mais do que mereço. Obrigada, null.
null a apertou com força em seus braços, devolvendo o abraço.
— Ah, null... Você merece mais.
***
— Você tá me dizendo... Que quer continuar limpando nossa casa mesmo ganhando isso? — null a encarou, incrédulo.
— Isso aí. — null cruzou os braços, se recostando no estofado do sofá em que os dois estavam sentados.
Alguns minutos depois do café da manhã, quando null se recuperou do pequeno pane em seu coração, ela demandou que os dois negociassem tudo de uma vez, garantindo que tinha algumas condições.
— E você quer continuar trabalhando fora?
— Sim.
— Por quê? Você vai ter dinheiro e tempo suficiente pra não precisar disso.
— Eu posso pegar menos turnos por semana no café e gosto do clube. Mas dispenso todas as possibilidades de sofrer xenofobia de algum cidadão preconceituoso. Ou de apanhar de uma namorada psicótica porque desmaiei no homem dela — ela explicou. — Além disso, me sinto mais confortável limpando a casa de vocês e não exige muito esforço que nem as outras. Se eu parasse, vocês teriam que contratar outra pessoa e não tem necessidade disso. Faz parte do mínimo que posso fazer.
— Você já vai ser exposta pro mundo todo, null. Não precisa disso.
— Mas eu quero — ela insistiu e juntou as mãos. — Por favor, null. Prometo ser a melhor única namorada de mentirinha que você já teve.
null piscou, encarando aqueles grandes olhos castanhos por alguns segundos. Ela parecia o gato do Shrek.
— Tá. — A palavra escapou de sua boca, como se seus lábios tivessem vida própria.
null abriu um sorriso de orelha a orelha e bateu uma palma da mão contra a outra uma única vez.
— Ótimo, estamos resolvidos então. Vou te acompanhar onde você quiser ir.
— Espera, tem uma coisa — ele lembrou.
— O quê?
— Você vai me colocar como contato de emergência. E eu vou te acompanhar nas consultas médicas.
— Por quê? — Ela franziu o cenho. — Eu sempre fui sozinha.
— Porque eu quero saber de tudo.
— Mas...
— Shh! — Ele cobriu a boca dela com a mão. — Você é meu investimento, lembra?
null estreitou os olhos, desconfiada, e afastou a mão dele.
— Você vai usar essa desculpa agora?
— Sempre que eu puder. — Ele sorriu.
— Tá, eu vou deixar você me acompanhar nas consultas.
— E ser seu contato de emergência — ele acrescentou.
— Isso também.
— Ótimo. Agora a gente precisa ir na sua casa pra pegar suas coisas.
— Mas já? — Ela o encarou, surpresa. — A gente nem assinou um contrato ainda.
— Isso vem depois. Você é minha amiga e não quero que fique nem mais um dia naquela casa, seja onde for. Posso contratar um serviço de mudança se for necessário e...
— Não precisa, eu não tenho muita coisa. Acho que cabe tudo em uma mala.
— Ótimo. Então vamos. Você só tem tempo agora de manhã.
— Tá...
***
null olhou ao redor do grande jardim, surpreso.
— Ei, null. Por acaso, esqueceu de falar que seu pai era rico? — brincou ele, observando a grande mansão.
Tinham acabado de entrar e null a acompanhava até uma entrada nos fundos da casa. Ele imaginou que talvez fosse para não chamar atenção de nenhum parente problemático.
— Ele era, não eu.
Um minuto depois, os dois se depararam com uma cozinha grande e chique e null cumprimentou uma mulher baixinha, que devia ter seus cinquenta e poucos anos, vestida com um uniforme de empregada.
— null, querida. Senti sua falta, bati na sua porta mas ninguém respondeu.
— Eu... Fiquei na casa de um amigo — ela respondeu baixinho e apontou para null.
A mulher o encarou de baixo para cima, levantando a cabeça completamente até chegar ao rosto dele.
— Amigo, é? — Ela sorriu. — Que amigão você tem. Olá, eu sou Lucy. — Ela estendeu uma mão para ela.
— null, prazer em conhecê-la.
— Eu vim pegar minhas coisas, Lucy. Vou sair daqui.
O sorriso da mulher se desfez, mas então ela assentiu, parecendo compreender.
— Finalmente?
— Pois é. — null encolheu os ombros.
— A Sra. Sandra e a Srta. Claire estão na piscina. Só elas estão em casa hoje — ela avisou. — Você precisa de ajuda?
— Não, não se preocupe. Vou pegar tudo rapidinho e vou embora.
— Tudo bem.
Em seguida, null levou null até um corredor no térreo da mansão. Parecia uma área completamente separada das outras.
— Seu quarto fica no térreo? — ele perguntou enquanto caminhavam até pararem em uma porta no meio do corredor.
null enfiou a chave nela e a destrancou, mas não a abriu de imediato.
— Então... Sobre isso. Aqui é a área dos funcionários. Meu antigo quarto, que meu pai me deu, fica lá em cima.
Ele a encarou com desconfiança.
— E por que você não vive lá, null?
— Porque aconteceu assim desde que meu pai morreu. Não herdei nada, acho que já falei sobre isso pra você. E a esposa dele exigiu que eu pagasse aluguel pra continuar aqui e me ofereceu esse... Quarto.
Ela colocou a mão na maçaneta e segurou.
— Por que você tá hesitando? — Ele franziu o cenho e colocou a mão em cima da dela.
— Porque eu, hm...
— Para de enrolar e abre logo isso, null. Não me importo se tiver bagunçado, se for por isso.
null sorriu amarelo e quase riu na hora. Como se eu tivesse espaço pra fazer bagunça...
Sem olhar para null, ela empurrou a porta e começou a contar silenciosamente: um, dois...
— Que porra é essa, null?!
Um minuto depois que ele gritou por um segurança, dois funcionários do clube apareceram e ele explicou rapidamente o que tinha acontecido, enquanto arrastava null até o carro.
Aquele era o primeiro sinal de trânsito em que paravam.
— Vou te levar pra minha casa, null — ele anunciou. — Tudo bem?
Ela assentiu sem olhar para ele, passando a mão no rosto para secar as lágrimas.
null cerrou a mandíbula e apertou as duas mãos no volante até os nós de seus dedos ficarem brancos. Teve que se controlar para não pular no idiota que a assediou e enchê-lo de porrada. Como ele se atrevia a dizer aquelas coisas sobre ela e ainda beijá-la à força?
Com certeza, não devia ter o mínimo de noção sobre o quanto aquela mulher trabalhava, e ainda menosprezar a profissão dela daquele jeito...
null estava tão incrível dançando que null ficou sem fôlego algumas vezes enquanto a assistia. Seu peito se encheu de orgulho ao ver a felicidade que a dominava ao fazer as coreografias. E quando dançou em frente a ele, para ele... null desejou que ela nunca parasse de fazer aquilo.
Não enquanto fosse algo que ela genuinamente amasse.
Como ele, com a música.
Dançando, null parecia outra pessoa; confiante, sensual e nada tímida. E ele tinha certeza de que ela nunca teria dançado daquele jeito para ele sem se esconder atrás de Cindy Lee. Ele a reconheceu assim que ela colocou os pés no palco. Mesmo de máscara, o sorriso dela, os olhos... Talvez ele tenha notado esses pequenos detalhes após as últimas semanas de convivência.
Caso contrário, null provavelmente não teria olhado duas vezes para nenhuma daquelas dançarinas. Todas pareciam lindas no palco, com o figurino impecável, assim como cabelo e maquiagem. null podia sentir a arte e paixão emanando delas através do profissionalismo e trabalho em equipe.
Ele propositalmente evitou ir ao clube algumas vezes e não falou mais sobre aquilo com null. Queria mesmo pegá-la de surpresa e dar-lhe uma gorjeta generosa por seu trabalho duro.
E porque ela merecia.
Era uma pena que a noite tivesse terminado mal para ela, por culpa daquele traste que a incomodou.
O sinal abriu e ele voltou a dirigir em silêncio até chegar ao estacionamento de seu prédio. Então conduziu null até o elevador e, dois minutos depois, estavam em sua sala de estar.
— Vou pegar uma roupa confortável pra você dormir — ele declarou, antes de desaparecer pelo corredor, voltando um momento depois, com uma camiseta branca, um short e um moletom preto. — Vai ficar grande, mas acho que deve servir.
— Obrigada... — Ela pegou as roupas e as depositou no sofá, antes de se virar novamente para ele, parecendo envergonhada. — Eu sinto muito.
— Pelo que você tá se desculpando?
— Eu te incomodei com isso, qualquer pessoa teria recusado sua proposta, mas eu... — O lábio inferior dela tremeu.
Instintivamente, null a abraçou mais uma vez.
— De jeito nenhum, null. Por favor, não pense que você me incomoda. Não sei quem é aquele cara, mas... Fiquei com medo dele te seguir ou algo assim, então eu quis te trazer pra cá.
null respirou fundo uma vez.
— Era o Charlie, o enteado do meu pai — ela revelou baixinho, se afastando dele.
— Como é?! — ele se irritou de repente, a pegando de surpresa. Então abaixou o tom de voz. — Tá me dizendo que você mora debaixo do mesmo teto que aquele imbecil asqueroso?
— Essa é uma ótima forma de descrever ele e, sim, eu moro. Infelizmente.
— Então que bom que eu te trouxe pra cá. Não acredito que ele falou aquelas merdas sobre você.
— Você... Ouviu? — Ela levantou os olhos inchados para encará-lo.
O glamour de Cindy Lee havia ido embora e agora só restava a imagem de uma garota cansada e envergonhada. null era bonita mesmo sem maquiagem, mas seu semblante tristonho e, na maioria das vezes sem energia, fazia o coração dele se apertar.
— Ouvi. E mesmo que você tivesse se prostituindo, isso não era da conta dele. O idiota te tratou como se você não tivesse poder de escolha. Isso sem contar que ele menosprezou seu trabalho. Aposto que ele não tem ideia sobre o quão difícil é trabalhar no meio artístico.
— Não tem mesmo. Ele nunca nem precisou batalhar por um emprego. — Ela suspirou. — Mesmo assim, sinto muito por você ter que presenciar aquilo. Mas obrigada por me ajudar. Tentei gritar, mas...
— Tudo bem, null. Fico feliz por ter sido útil. Mas... Aquele cara fez isso outras vezes?
null fez uma careta com a pergunta, mas resolveu responder mesmo assim. Não fazia sentido esconder.
— Ele me encurralou uma vez e insinuou que me pagaria pra fazer... Coisas pra ele. — Ela encolheu os ombros. null semicerrou os olhos. — Eu dei um fora nele e depois disso ele me deixou em paz. Eu tava acostumada a ouvir piadinhas maldosas, mas aquela foi a primeira vez que ele me abordou assim. E teve uma vez... Na noite em que você me mandou mensagem pela primeira vez, ele...
— Ele te encurralou de novo?
— Não. — Ela balançou a cabeça. — Mas naquela noite, ele foi até o meu quarto e ficou um tempo parado em frente à porta. Eu cheguei um pouco antes dele e a luz tava apagada, acho que ele achou que eu tava dormindo ou sei lá. Achei bizarro, mas...
— Você devia ter me contado.
— Eu nem te conhecia direito. Por que eu ia contar esse tipo de coisa? Te encher com meus problemas?
— Porque eu... Me importo com você. — null fechou as mãos em punho, de repente, se sentindo nervoso.
null o encarou com cinismo.
— Você mal me conhece, null.
— E daí? Quando null conheceu null, eles só passaram cinco dias juntos. E mesmo assim, a gente ainda procurou por ela, mesmo meio que sabendo que ela não queria ser encontrada.
— Ah, a Garota null, que deixou vocês famosos? O que isso tem a ver?
— Não demorou muito pra gente começar a se importar com ela naquela época, mesmo antes da fama. E você tá aqui na minha casa toda semana.
— Isso não quer dizer nada — null tentou desconversar. — A null foi uma exceção. Ela e null... Se envolveram romanticamente. Era outro cenário, outra época. Eu pesquisei sobre vocês.
— Por que você acha tão difícil alguém se importar com você, null?
— Porque... — Ela desviou o olhar, sentiu os olhos arderem novamente. Sua visão embaçou. — Não tô acostumada. Isso que você faz... De me deixar ficar aqui nos dias que venho só pra eu poder descansar um pouco... Levei um tempo pra me habituar e aceitar. Você sempre foi tão legal e eu não fiz nada pra merecer isso... — Ela soluçou e cobriu o rosto, secando as lágrimas com as duas mãos.
— Olha... Honestamente, eu não tenho pena de você. Eu te admiro e acho você muito forte só em conseguir se levantar todo dia pra trabalhar — null disse, se segurando para não abraçá-la outra vez. — Mas dói em mim, por algum motivo, saber que você não tem escolha e... Eu quero te dar uma escolha, null.
— Como assim?
— Você tem que sair de casa o quanto antes. Não dá pra ficar mais lá com aquele cara te importunando.
— Eu não posso, não tenho um lugar ainda. Pesquisei umas quitinetes online, mas não tive tempo de visitar. Preciso aguentar mais um pouco.
— Não precisa não — ele retrucou. — Tem uma coisa que venho querendo conversar com você desde a semana passada, mas... Não tive coragem ainda.
— Que… tipo de coisa?
null balançou a cabeça, como se quisesse afastar os pensamentos.
— Agora não, tá tarde. Você tá de cabeça cheia e precisa descansar. Amanhã a gente conversa.
— Tá… — null respondeu, mesmo curiosa, sabendo que ele tinha razão.
— Você tá com fome? Quer comer ou beber alguma coisa?
— Não, obrigada. Acho que vou só dormir mesmo. — Ela pegou as roupas no sofá.
— Toma pelo menos um pouco de água. Eu vou pro meu quarto, fica à vontade. Você já sabe onde tem tudo e o quarto de hóspedes é todo seu.
— Obrigada.
— Disponha. Boa noite, null.
— Boa noite, null.
E então, ele a deixou sozinha.
null respirou fundo, bebeu um copo de água e então foi até o quarto.
Se despiu rapidamente, substituindo as próprias roupas pelas dele e se deitou bem no meio da cama enorme, orando para que o dia seguinte fosse melhor.
Na manhã seguinte à madrugada que terminou em um péssimo desfecho, null planejou acordar mais cedo para fazer café da manhã como forma de agradecimento a null, mas assim que colocou os pés no corredor, sentiu cheiro de café fresco no ar e descobriu que ele tivera a mesma ideia.
Era apenas oito da manhã e eles tinham se recolhido há cerca de cinco horas.
— Bom dia — null o cumprimentou timidamente.
null, que estava de costas, se virou com uma frigideira nas mãos e sorriu, mostrando uma covinha, quando notou que ela ainda usava suas roupas. Era fofo e engraçado ao mesmo tempo como as peças pareciam grandes nela.
— Bom dia. Conseguiu dormir? — ele perguntou, depositando uma pequena pilha de ovos mexidos em um prato.
— Sim, e você? — O olhar dela recaiu para uma sacola de pães e sua boca salivou.
— Eu também. Senta, vamos comer. — Ele apontou para o banquinho que ela sempre usava e null imediatamente obedeceu. — Comprei pão. Lembrei que você disse outro dia que costumava comer no café da manhã.
Fazia um bom tempo que null não comia pão no café da manhã, muito menos uma refeição reforçada naquele horário. Normalmente acordava tão cedo que não tinha estômago para comer, mas se forçava a enfiar alguma fruta goela abaixo para não ter hipoglicemia enquanto trabalhava.
— Sim... — Ela pegou um pão ainda morno, o abriu com uma faca e recheou com ovos mexidos.
null fez sua própria versão, adicionando bacon também e serviu os dois com uma caneca de café com leite.
null quase gemeu quando deu a primeira mordida. Pão com ovo, quem diria. Tão simples, mas tão bom. Instantaneamente lembrou de sua avó que sempre fazia uma vitamina de banana para acompanhar quando ela ainda morava no Brasil.
Eles comeram em um silêncio confortável e ainda tinham a caneca de café com leite pela metade quando null resolveu falar.
— Sobre o que eu disse que queria falar com você... Eu tenho uma proposta de emprego pra te fazer.
— Emprego? — Ela o encarou com interesse.
— É, desses com vários benefícios. E você não vai precisar se matar de trabalhar.
Vários benefícios em um emprego nos Estados Unidos? Sem trabalhar muito?
null o encarou, cética.
— Sério? Aqui, nesse país?
— Ei, não me olha assim. E é óbvio que é sério, afinal, eu seria o contratante.
Ela piscou, confusa.
— E você quer me contratar pra quê?
— Pra... Me fazer companhia? — ele disse, meio sem jeito.
— Companhia?
— null sugeriu uma coisa e você é a única pessoa que conseguimos pensar que pudesse ajudar. Como você deve saber, minha imagem não anda lá essas coisas e toda semana sai um artigo com rumores idiotas sobre minha personalidade e vida pessoal. Então, ele... Sugeriu rebater isso.
— E onde eu me encaixo nisso? — ela quis saber, genuinamente curiosa.
— Então… Se tornando minha namorada de mentira.
— Como é?! — null quase gritou. — Que ideia maluca é essa?
— As pessoas acham que eu não consigo ter relacionamentos, então você me ajudaria nisso. É de mentira, null. Prometo não te tocar a menos que a gente esteja em público. Só quero tapear esses idiotas que insistem em falar de mim e... Dar algo diferente pra eles falarem e ver se as pessoas me esquecem.
— Te esquecer? Acha mesmo possível alguém conseguir fazer isso? — ela perguntou sem pensar, e então sentiu o rosto esquentar quando percebeu como aquela frase tinha soado. — Quer dizer, você é uma celebridade...
— Sim, mas acho que ajudaria a rebater essas fofocas. Não tenho problema em manter relacionamentos, null. Não fujo deles. Eu só... Não consigo manter interesse. Meus pais tem uma relação incrível até hoje e cresci querendo algo assim também, mas... — Ele desviou o olhar dela, envergonhado e passou a mão no pescoço. — Nunca me apaixonei por ninguém.
— Cara, você literalmente escreve músicas sobre amor.
— Eu sei. Mas é como se o null músico fosse tipo a Cindy Lee dançarina — ele tentou explicar. — A gente só precisa expressar os sentimentos que queremos passar, mas não necessariamente sentir eles.
— Tá dizendo que você atua no palco? Nos holofotes?
— Não, só na hora de escrever. No palco, eu sou eu mesmo. — Ele deixou escapar uma risadinha. — Inclusive, sinto falta. Faz anos que não fazemos turnê. Temos planos pra fazer uma depois do álbum novo, mas não tem nada certo ainda...
— E você quer que eu te ajude a tapear esse povo? Incluindo seus fãs?
— É uma mentira com intuito de trazer benefícios pra nós dois. Um monte de gente faz isso — ele disse, mesmo sem ter um pingo de certeza.
— E o que eu ganharia com isso?
— Bem... Além de não trabalhar muito, é claro, eu te daria um plano de saúde por dez anos, além de uma mesada e um valor extra específico suficiente pra você conseguir terminar a faculdade. Quanto a moradia... O quarto de hóspedes seria todo seu.
O coração de null errou uma batida.
— Por quanto tempo seria?
— Um ano — respondeu ele. — Faríamos um contrato e além de nós, só meus amigos próximos e meu advogado saberiam. Podemos negociar os benefícios, caso você queira algo mais.
— Mais? — null praticamente sussurrou, em choque. Então se recuperou e surtou. — Você enlouqueceu?! Que tipo de proposta idiota é essa? E mais? Tá doido? Eu não sonharia nem com metade disso, mas você tá falando de jogar dinheiro fora como se fosse só uns trocados.
null pressionou os lábios para não rir.
— Não tô jogando dinheiro fora, tô investindo. Em você.
— Eu... Por quê?! — Ela apoiou as duas mãos na bancada, o encarando incrédula.
— Porque eu gosto de você. E me importo com você. Gosto da sua amizade também e meu coração se aperta por você ter que batalhar tanto. E eu queria poder ajudar, mas sei que você nunca aceitaria isso sem poder me oferecer algo em troca, então... Seja minha namorada, null.
Ela o encarou, atônita, sentindo o coração disparar no peito. Será que aquele idiota sabia como aquele pedindo estava soando? Era um relacionamento de mentira, mas seus ouvidos ouviram aquilo e seu cérebro interpretou de forma errada. Como quando ela lia um livro de romance.
Mas deveria recusar? O que era uma mentirinha perto de todos aqueles benefícios que ele estava oferecendo? Seria burra se recusasse. Era como se o universo tivesse colocado aquele homem em sua vida para dar a oportunidade para ela colocar a própria vida de volta aos eixos.
Não trabalhar de domingo a domingo. Parar de fazer faxinas... Não, ela teria que fazer ao menos ali, e na casa de null também, já que ele deu aquela ideia maluca. Se sentiria melhor assim.
Além disso, permaneceria na cafeteria, como sempre, e no clube, simplesmente porque gostava.
E então... Terminaria a faculdade.
Mas a cereja do bolo era: plano de saúde. Por uma década inteirinha.
Ela não podia competir com aquilo. Não quando já tinha negligenciado a própria saúde por quase um ano, mesmo sabendo que precisava de acompanhamento constante para seu coração.
Seu coração... Que parecia prestes a sair pela boca naquele momento.
— Eu... — null ofegou, com uma leve falta de ar, e então viu null arregalar os olhos. Sua visão ficou um pouco turva e a boca secou.
— Meu Deus, você tá passando mal? — Ele se colocou ao lado dela um segundo depois. — Você precisa de um remédio? Me fala o que posso fazer.
Remédio. Sim.
Agora tudo fazia sentido. Ela não tinha tomado nenhum dos dois porque planejava fazer aquilo após o café da manhã.
— Na minha mochila... — null conseguiu dizer e no mesmo instante ele desapareceu. Levou apenas alguns segundos para voltar com os dois potes de medicamentos e ofereceu um comprimido de cada para ela, que tomou com a ajuda do café.
— Me fala se precisar de mais alguma coisa — ele exigiu, meio afobado, enquanto esfregava as costas dela como forma de apoio. null sentiu os olhos se encherem d'água com a pequena gentileza, lembrando que era algo que sua mãe costumava fazer quando era criança.
Ela o encarou e se virou no banquinho, passando os braços ao redor da cintura dele.
— Eu aceito. Mesmo achando que você tá oferecendo bem mais do que mereço. Obrigada, null.
null a apertou com força em seus braços, devolvendo o abraço.
— Ah, null... Você merece mais.
— Você tá me dizendo... Que quer continuar limpando nossa casa mesmo ganhando isso? — null a encarou, incrédulo.
— Isso aí. — null cruzou os braços, se recostando no estofado do sofá em que os dois estavam sentados.
Alguns minutos depois do café da manhã, quando null se recuperou do pequeno pane em seu coração, ela demandou que os dois negociassem tudo de uma vez, garantindo que tinha algumas condições.
— E você quer continuar trabalhando fora?
— Sim.
— Por quê? Você vai ter dinheiro e tempo suficiente pra não precisar disso.
— Eu posso pegar menos turnos por semana no café e gosto do clube. Mas dispenso todas as possibilidades de sofrer xenofobia de algum cidadão preconceituoso. Ou de apanhar de uma namorada psicótica porque desmaiei no homem dela — ela explicou. — Além disso, me sinto mais confortável limpando a casa de vocês e não exige muito esforço que nem as outras. Se eu parasse, vocês teriam que contratar outra pessoa e não tem necessidade disso. Faz parte do mínimo que posso fazer.
— Você já vai ser exposta pro mundo todo, null. Não precisa disso.
— Mas eu quero — ela insistiu e juntou as mãos. — Por favor, null. Prometo ser a melhor única namorada de mentirinha que você já teve.
null piscou, encarando aqueles grandes olhos castanhos por alguns segundos. Ela parecia o gato do Shrek.
— Tá. — A palavra escapou de sua boca, como se seus lábios tivessem vida própria.
null abriu um sorriso de orelha a orelha e bateu uma palma da mão contra a outra uma única vez.
— Ótimo, estamos resolvidos então. Vou te acompanhar onde você quiser ir.
— Espera, tem uma coisa — ele lembrou.
— O quê?
— Você vai me colocar como contato de emergência. E eu vou te acompanhar nas consultas médicas.
— Por quê? — Ela franziu o cenho. — Eu sempre fui sozinha.
— Porque eu quero saber de tudo.
— Mas...
— Shh! — Ele cobriu a boca dela com a mão. — Você é meu investimento, lembra?
null estreitou os olhos, desconfiada, e afastou a mão dele.
— Você vai usar essa desculpa agora?
— Sempre que eu puder. — Ele sorriu.
— Tá, eu vou deixar você me acompanhar nas consultas.
— E ser seu contato de emergência — ele acrescentou.
— Isso também.
— Ótimo. Agora a gente precisa ir na sua casa pra pegar suas coisas.
— Mas já? — Ela o encarou, surpresa. — A gente nem assinou um contrato ainda.
— Isso vem depois. Você é minha amiga e não quero que fique nem mais um dia naquela casa, seja onde for. Posso contratar um serviço de mudança se for necessário e...
— Não precisa, eu não tenho muita coisa. Acho que cabe tudo em uma mala.
— Ótimo. Então vamos. Você só tem tempo agora de manhã.
— Tá...
null olhou ao redor do grande jardim, surpreso.
— Ei, null. Por acaso, esqueceu de falar que seu pai era rico? — brincou ele, observando a grande mansão.
Tinham acabado de entrar e null a acompanhava até uma entrada nos fundos da casa. Ele imaginou que talvez fosse para não chamar atenção de nenhum parente problemático.
— Ele era, não eu.
Um minuto depois, os dois se depararam com uma cozinha grande e chique e null cumprimentou uma mulher baixinha, que devia ter seus cinquenta e poucos anos, vestida com um uniforme de empregada.
— null, querida. Senti sua falta, bati na sua porta mas ninguém respondeu.
— Eu... Fiquei na casa de um amigo — ela respondeu baixinho e apontou para null.
A mulher o encarou de baixo para cima, levantando a cabeça completamente até chegar ao rosto dele.
— Amigo, é? — Ela sorriu. — Que amigão você tem. Olá, eu sou Lucy. — Ela estendeu uma mão para ela.
— null, prazer em conhecê-la.
— Eu vim pegar minhas coisas, Lucy. Vou sair daqui.
O sorriso da mulher se desfez, mas então ela assentiu, parecendo compreender.
— Finalmente?
— Pois é. — null encolheu os ombros.
— A Sra. Sandra e a Srta. Claire estão na piscina. Só elas estão em casa hoje — ela avisou. — Você precisa de ajuda?
— Não, não se preocupe. Vou pegar tudo rapidinho e vou embora.
— Tudo bem.
Em seguida, null levou null até um corredor no térreo da mansão. Parecia uma área completamente separada das outras.
— Seu quarto fica no térreo? — ele perguntou enquanto caminhavam até pararem em uma porta no meio do corredor.
null enfiou a chave nela e a destrancou, mas não a abriu de imediato.
— Então... Sobre isso. Aqui é a área dos funcionários. Meu antigo quarto, que meu pai me deu, fica lá em cima.
Ele a encarou com desconfiança.
— E por que você não vive lá, null?
— Porque aconteceu assim desde que meu pai morreu. Não herdei nada, acho que já falei sobre isso pra você. E a esposa dele exigiu que eu pagasse aluguel pra continuar aqui e me ofereceu esse... Quarto.
Ela colocou a mão na maçaneta e segurou.
— Por que você tá hesitando? — Ele franziu o cenho e colocou a mão em cima da dela.
— Porque eu, hm...
— Para de enrolar e abre logo isso, null. Não me importo se tiver bagunçado, se for por isso.
null sorriu amarelo e quase riu na hora. Como se eu tivesse espaço pra fazer bagunça...
Sem olhar para null, ela empurrou a porta e começou a contar silenciosamente: um, dois...
— Que porra é essa, null?!
Capítulo 12
null encarou o pequeno cubículo em choque. Como ela era filha do dono daquela casa e morava naquele espacinho de nada?
— Então... Esse é o meu quarto — null respondeu, sem graça.
— Você mora na porra de uma caixa de fósforos? E ainda paga aluguel por isso? Esse povo só pode estar de brincadeira...
— Olha pelo lado bom, agora não vou mais precisar morar aqui. — Ela deu um soquinho no braço dele, abrindo um sorrisinho. — Além disso, eu só usava esse quartinho pra dormir mesmo, já que passava o dia fora...
Mas null estava irritado demais para ter qualquer reação que não incluísse ficar de cara fechada.
— Essa merda não tem graça, null. Eu não sei nem se cabe eu e você aqui dentro.
— Claro que cabe, entra e senta na cama. — Ela o empurrou para dentro, o fazendo cair sentado no colchão. — Agora encolhe os pés.
null riu sem humor, mas obedeceu. null entrou no quarto e fechou a porta atrás de si, mas ele não deixou de notar que, aberta, ela só não esbarrava na cama por uma questão de uns dez centímetros.
Era inacreditável.
— Eu acho que consigo tocar as duas paredes se eu abrir os braços — ele comentou, irônico. — Mas olha só, agora eu sei que você não tem claustrofobia.
— Só aconteceu assim, tá? — ela falou baixinho, parecendo envergonhada. — Eu te contei. Não tenho mais parentes aqui ou a quem recorrer. Achei melhor ficar onde morei por anos do que me aventurar sozinha em um lugar que não conheço.
null suspirou e segurou uma de suas mãos.
— Não te culpo por isso, null. Mas a família do seu pai claramente tava tornando sua vida pior.
— Que bom que te conheci, então. Você e sua proposta irrecusável — ela brincou.
— Que bom mesmo. — Ele ainda estava sério. — Agora não vou precisar me preocupar com isso.
null sentiu o rosto esquentar e soltou a mão dele, dando as costas no momento seguinte.
null a observou se abaixar e puxar uma mala grande debaixo da cama. Ao lado dela, havia uma arara com vários cabides e uma pequena cômoda estreita. Atrás da porta, uma mini sapateira com dois pares de tênis, um chinelo e uma bota de inverno.
null colocou a mala em cima da cama e a abriu.
— Vou começar a organizar, rapidinho eu termino.
— Isso é tudo que você tem?
— Atualmente, sim. Eu vendi livros e alguns sapatos e roupas que eu não usava muito — ela explicou, enquanto enfiava uma sacola de roupas íntimas no cantinho da mala. — Fiquei só com o essencial do dia a dia, porque eu não tinha onde colocar o resto. Além disso, foi um dinheiro bem-vindo na época. Usei pra pagar uma consulta depois que meu plano de saúde foi cancelado.
null assentiu em compreensão.
— Você tem uma sacola que eu possa usar pra colocar os sapatos?
— Tenho sim, um instante. — Ela se abaixou e abriu uma gaveta da cômoda, tirando algumas sacolas plásticas de dentro. — Aqui.
— Obrigado. — Ele se inclinou para pegar par por par e os enfiou nas sacolas, colocando em um cantinho da mala.
null não tinha muitas roupas, então havia espaço suficiente. Em cerca de quinze minutos, ela dobrou tudo e as organizou na mala. Por último, tirou o que parecia ser uma garrafa do final da primeira gaveta da cômoda e a colocou em um local protegido entre as roupas. null se inclinou para ver o que era e notou que havia uma espécie de boneco dentro.
— O que é isso? — Ele apontou para a garrafa, curioso.
— Esse é o Benny. — Ela pegou a garrafa e mostrou para ele. — Eu ganhei da Suzy há um tempinho.
— Isso é um duende? — Ele bateu no vidro com o dedo.
null deu um tapa em sua mão.
— Não bata na garrafa. Ele não gosta.
— Não gosta? — null sorriu, confuso.
— Ele é um duende na garrafa, e acho que ainda não quis sair dela. Mas eu também não ia querer se fosse pra viver nesse quartinho...
— null... Do que você tá falando? O que esse troço significa?
— Ele é um guardião — foi tudo o que ela respondeu, antes de começar a falar com o boneco. — Benny, esse é o null. Nós vamos morar na casa dele agora. Quando chegar lá, eu te apresento. É bem grande, então acho que você vai gostar.
— null, você tá bem? — null a encarou como se de repente ela estivesse com alguns parafusos a menos. — Por que tá falando com um boneco?
— Não é um simples boneco — ela retrucou. — Mas não dá pra explicar agora. Temos que ir embora. — Ela colocou a garrafa de volta na mala e a fechou, levantando-a com dificuldade.
— Deixa que eu pego, sua maluca. Você não pode se esforçar — ele a repreendeu com um olhar severo.
null abriu a porta e saiu primeiro, seguida de null. Então trancou o quartinho e tirou algo do bolso para entregar a ele.
Era uma máscara preta.
— Coloca isso. Não quero que alguém te reconheça.
— Por quê? Tá com vergonha? — Ele brincou, um sorriso levantando seus lábios.
— Você chama atenção demais, mesmo pra quem não te conhece. Os seguranças ficaram olhando o tempo todo.
— Vai ver eles me acharam bonito. — Ele piscou, colocando a máscara rapidamente, e então pegou a mala. — Pronta?
null assentiu e os dois foram até a cozinha, onde ela entregou a chave para Lucy.
— Já vai, menina?
— Sim, tô com um pouquinho de pressa. Diga aos outros que sinto muito por não me despedir antes.
— Boa sorte. E trate de se manter saudável. — A mulher a abraçou carinhosamente.
— Vou sim. — null sorriu. — Obrigada por tudo, Lucy.
— Por nada, menina. Tente não se matar de trabalhar.
— Ah, pode deixar que eu vou garantir que isso não aconteça — null se intrometeu, fazendo Lucy rir.
— Acho bom mesmo.
null rolou os olhos e o cutucou nas costelas, o fazendo rir.
— Vamos logo. — Ela o empurrou para que se movesse.
Então ouviu uma voz bastante conhecida atrás de si:
— Vamos pra onde? — Claire quis saber, entrando na cozinha.
null se virou para encarar sua figura feminina com seu corpo perfeito em um biquíni cor de rosa. A pele, no entanto, laranja feito ferrugem.
Ela nunca iria entender aquela moda estadunidense.
Como ela não respondeu, Claire se aproximou e perguntou mais uma vez.
— Você tá finalmente indo embora? — Ela sorriu, encarando a mala grande que null segurava, não dando muita atenção a ele.
Instantaneamente, null sentiu alívio por tê-lo feito colocar a máscara antes de deixarem o quarto. Claire provavelmente achava que ele era só um cara comum que a estava ajudando com a mudança.
Embora não houvesse nada além daquela mala, todos naquela casa eram cientes das limitações de null.
— Sim, finalmente. — null sorriu, com falsa simpatia. — Se me der licença…
Ela tentou dar as costas, mas Claire a segurou pelo pulso.
— Espera aí, não vai nem se despedir da gente, né? — perguntou, com um sorriso maldoso. — Mãe!
Um momento depois, Sandra apareceu na cozinha vestida em um robe por cima de um biquíni preto. Estava falando ao telefone, mas desligou quando notou a agitação.
— O que está acontecendo? — Sua voz era firme e fria.
Que merda é essa? null semicerrou os olhos. Vão fazer um interrogatório agora?
— Estou me mudando pra outro lugar — null disse de uma vez.
— Desde quando? — Sandra quis saber.
— Ouvi dizer que ela tá trabalhando em um... Bar ou algo assim — Claire afirmou. — Qual era a palavra mesmo? Ah, é. Um cabaré. Deve pagar bem, pelo visto.
null respirou fundo, tentando manter a paciência.
— Pois é. Obrigada por tudo. Agora se me dão licença...
— E esse homem, quem é? — Sandra cravou o olhar em null, que a encarou de volta com seus olhos glaciais.
— Ele é-
— Namorado da null. — Ele tomou sua frente e estendeu uma mão, a cumprimentando rapidamente. — Agora se nos dão licença... Não temos tempo pra jogar conversa fora. Vamos, null. — E a puxou pela mão, mas antes de atravessarem a porta, ele encarou as duas mulheres mais uma vez. — Aproveitem bem a lata de sardinha que vocês ofereceram a ela como quarto. Dá um ótimo armário de vassouras.
E então eles foram embora.
Dez minutos mais tarde, no carro, null reclamou:
— Não precisava ter falado assim com elas. Vão pensar que fui ingrata.
null bufou uma risada sem humor.
— Você não tem é porque ser grata. Aquela bruxa da sua meia-irmã tentou te humilhar usando seu emprego. Que palhaça!
— Ela não sabe de nada. Provavelmente caiu em alguma conversa de Charlie.
— Pois é, dois ignorantes! Três, provavelmente — ele comentou, irritado. — Nunca deixe ninguém tentar passar por cima de você assim, null. Elas não são melhores que você só porque são ricas.
— Eu sei, mas eu te falei... Antes eu não tinha escolha.
— Então que bom que agora você tem. E fale com sua chefe no clube pra colocar aquele pervertido nojento na lista negra. Não, melhor... Eu vou te buscar pra te levar pra casa.
— null... Não precisa. Eu posso ir sozinha. E por que você tá tão irritado? — Ela colocou a mão por cima da dele, que agarrava o freio de mão com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos.
No entanto, o aperto relaxou assim que ele sentiu o toque suave. Em seguida, ele diminuiu a velocidade e parou o carro em um sinal vermelho.
null a encarou com tanta intensidade que null se sentiu exposta. E estava, de certa forma. Eles mal se conheciam e ela já tinha revelado algumas das partes mais escuras de sua vida, coisas que nem mesmo sua avó e irmã sabiam. E ele estava ali, disposto a defendê-la com unhas e dentes.
null soltou o freio e agarrou a mão dela, entrelaçando os dedos.
— Já te falei que odeio injustiças e gente descarada? — perguntou. — De agora em diante, vou te ajudar a reconstruir sua vida, null. Vamos mostrar pra aquela gente nojenta que você merece muito mais do que ser tratada como uma párea dentro da própria casa, que deveria ser sua, por acaso.
null respirou fundo, sentindo o coração errar uma batida, e apertou a mão dele em gratidão enquanto assentia com a cabeça, os olhos se enchendo novamente.
Uma lágrima escapou e ele se inclinou para secar com a mão livre.
— Agora somos nós dois contra o mundo — ele murmurou, olhando-a nos olhos. Seus olhos caíram até os lábios dela, o inferior tremendo e, sem pensar, ele pressionou o polegar por um segundo. Apenas... Pra fazê-lo parar.
— null... — null murmurou, o coração martelando no peito. O que estava acontecendo? Aquilo tinha que parar antes que ela começasse a passar mal. Tinha que...
Bip! Bip!
Seus pensamentos foram interrompidos pelos sons de buzinas dos carros atrás deles. null se afastou de uma vez, como se tivesse sido flagrado fazendo o que não devia e, um segundo depois, eles estavam na estrada novamente.
O resto do caminho seguiu em silêncio, cada um perdido em pensamentos sobre o que tinha acabado de acontecer.
— Então... Esse é o meu quarto — null respondeu, sem graça.
— Você mora na porra de uma caixa de fósforos? E ainda paga aluguel por isso? Esse povo só pode estar de brincadeira...
— Olha pelo lado bom, agora não vou mais precisar morar aqui. — Ela deu um soquinho no braço dele, abrindo um sorrisinho. — Além disso, eu só usava esse quartinho pra dormir mesmo, já que passava o dia fora...
Mas null estava irritado demais para ter qualquer reação que não incluísse ficar de cara fechada.
— Essa merda não tem graça, null. Eu não sei nem se cabe eu e você aqui dentro.
— Claro que cabe, entra e senta na cama. — Ela o empurrou para dentro, o fazendo cair sentado no colchão. — Agora encolhe os pés.
null riu sem humor, mas obedeceu. null entrou no quarto e fechou a porta atrás de si, mas ele não deixou de notar que, aberta, ela só não esbarrava na cama por uma questão de uns dez centímetros.
Era inacreditável.
— Eu acho que consigo tocar as duas paredes se eu abrir os braços — ele comentou, irônico. — Mas olha só, agora eu sei que você não tem claustrofobia.
— Só aconteceu assim, tá? — ela falou baixinho, parecendo envergonhada. — Eu te contei. Não tenho mais parentes aqui ou a quem recorrer. Achei melhor ficar onde morei por anos do que me aventurar sozinha em um lugar que não conheço.
null suspirou e segurou uma de suas mãos.
— Não te culpo por isso, null. Mas a família do seu pai claramente tava tornando sua vida pior.
— Que bom que te conheci, então. Você e sua proposta irrecusável — ela brincou.
— Que bom mesmo. — Ele ainda estava sério. — Agora não vou precisar me preocupar com isso.
null sentiu o rosto esquentar e soltou a mão dele, dando as costas no momento seguinte.
null a observou se abaixar e puxar uma mala grande debaixo da cama. Ao lado dela, havia uma arara com vários cabides e uma pequena cômoda estreita. Atrás da porta, uma mini sapateira com dois pares de tênis, um chinelo e uma bota de inverno.
null colocou a mala em cima da cama e a abriu.
— Vou começar a organizar, rapidinho eu termino.
— Isso é tudo que você tem?
— Atualmente, sim. Eu vendi livros e alguns sapatos e roupas que eu não usava muito — ela explicou, enquanto enfiava uma sacola de roupas íntimas no cantinho da mala. — Fiquei só com o essencial do dia a dia, porque eu não tinha onde colocar o resto. Além disso, foi um dinheiro bem-vindo na época. Usei pra pagar uma consulta depois que meu plano de saúde foi cancelado.
null assentiu em compreensão.
— Você tem uma sacola que eu possa usar pra colocar os sapatos?
— Tenho sim, um instante. — Ela se abaixou e abriu uma gaveta da cômoda, tirando algumas sacolas plásticas de dentro. — Aqui.
— Obrigado. — Ele se inclinou para pegar par por par e os enfiou nas sacolas, colocando em um cantinho da mala.
null não tinha muitas roupas, então havia espaço suficiente. Em cerca de quinze minutos, ela dobrou tudo e as organizou na mala. Por último, tirou o que parecia ser uma garrafa do final da primeira gaveta da cômoda e a colocou em um local protegido entre as roupas. null se inclinou para ver o que era e notou que havia uma espécie de boneco dentro.
— O que é isso? — Ele apontou para a garrafa, curioso.
— Esse é o Benny. — Ela pegou a garrafa e mostrou para ele. — Eu ganhei da Suzy há um tempinho.
— Isso é um duende? — Ele bateu no vidro com o dedo.
null deu um tapa em sua mão.
— Não bata na garrafa. Ele não gosta.
— Não gosta? — null sorriu, confuso.
— Ele é um duende na garrafa, e acho que ainda não quis sair dela. Mas eu também não ia querer se fosse pra viver nesse quartinho...
— null... Do que você tá falando? O que esse troço significa?
— Ele é um guardião — foi tudo o que ela respondeu, antes de começar a falar com o boneco. — Benny, esse é o null. Nós vamos morar na casa dele agora. Quando chegar lá, eu te apresento. É bem grande, então acho que você vai gostar.
— null, você tá bem? — null a encarou como se de repente ela estivesse com alguns parafusos a menos. — Por que tá falando com um boneco?
— Não é um simples boneco — ela retrucou. — Mas não dá pra explicar agora. Temos que ir embora. — Ela colocou a garrafa de volta na mala e a fechou, levantando-a com dificuldade.
— Deixa que eu pego, sua maluca. Você não pode se esforçar — ele a repreendeu com um olhar severo.
null abriu a porta e saiu primeiro, seguida de null. Então trancou o quartinho e tirou algo do bolso para entregar a ele.
Era uma máscara preta.
— Coloca isso. Não quero que alguém te reconheça.
— Por quê? Tá com vergonha? — Ele brincou, um sorriso levantando seus lábios.
— Você chama atenção demais, mesmo pra quem não te conhece. Os seguranças ficaram olhando o tempo todo.
— Vai ver eles me acharam bonito. — Ele piscou, colocando a máscara rapidamente, e então pegou a mala. — Pronta?
null assentiu e os dois foram até a cozinha, onde ela entregou a chave para Lucy.
— Já vai, menina?
— Sim, tô com um pouquinho de pressa. Diga aos outros que sinto muito por não me despedir antes.
— Boa sorte. E trate de se manter saudável. — A mulher a abraçou carinhosamente.
— Vou sim. — null sorriu. — Obrigada por tudo, Lucy.
— Por nada, menina. Tente não se matar de trabalhar.
— Ah, pode deixar que eu vou garantir que isso não aconteça — null se intrometeu, fazendo Lucy rir.
— Acho bom mesmo.
null rolou os olhos e o cutucou nas costelas, o fazendo rir.
— Vamos logo. — Ela o empurrou para que se movesse.
Então ouviu uma voz bastante conhecida atrás de si:
— Vamos pra onde? — Claire quis saber, entrando na cozinha.
null se virou para encarar sua figura feminina com seu corpo perfeito em um biquíni cor de rosa. A pele, no entanto, laranja feito ferrugem.
Ela nunca iria entender aquela moda estadunidense.
Como ela não respondeu, Claire se aproximou e perguntou mais uma vez.
— Você tá finalmente indo embora? — Ela sorriu, encarando a mala grande que null segurava, não dando muita atenção a ele.
Instantaneamente, null sentiu alívio por tê-lo feito colocar a máscara antes de deixarem o quarto. Claire provavelmente achava que ele era só um cara comum que a estava ajudando com a mudança.
Embora não houvesse nada além daquela mala, todos naquela casa eram cientes das limitações de null.
— Sim, finalmente. — null sorriu, com falsa simpatia. — Se me der licença…
Ela tentou dar as costas, mas Claire a segurou pelo pulso.
— Espera aí, não vai nem se despedir da gente, né? — perguntou, com um sorriso maldoso. — Mãe!
Um momento depois, Sandra apareceu na cozinha vestida em um robe por cima de um biquíni preto. Estava falando ao telefone, mas desligou quando notou a agitação.
— O que está acontecendo? — Sua voz era firme e fria.
Que merda é essa? null semicerrou os olhos. Vão fazer um interrogatório agora?
— Estou me mudando pra outro lugar — null disse de uma vez.
— Desde quando? — Sandra quis saber.
— Ouvi dizer que ela tá trabalhando em um... Bar ou algo assim — Claire afirmou. — Qual era a palavra mesmo? Ah, é. Um cabaré. Deve pagar bem, pelo visto.
null respirou fundo, tentando manter a paciência.
— Pois é. Obrigada por tudo. Agora se me dão licença...
— E esse homem, quem é? — Sandra cravou o olhar em null, que a encarou de volta com seus olhos glaciais.
— Ele é-
— Namorado da null. — Ele tomou sua frente e estendeu uma mão, a cumprimentando rapidamente. — Agora se nos dão licença... Não temos tempo pra jogar conversa fora. Vamos, null. — E a puxou pela mão, mas antes de atravessarem a porta, ele encarou as duas mulheres mais uma vez. — Aproveitem bem a lata de sardinha que vocês ofereceram a ela como quarto. Dá um ótimo armário de vassouras.
E então eles foram embora.
Dez minutos mais tarde, no carro, null reclamou:
— Não precisava ter falado assim com elas. Vão pensar que fui ingrata.
null bufou uma risada sem humor.
— Você não tem é porque ser grata. Aquela bruxa da sua meia-irmã tentou te humilhar usando seu emprego. Que palhaça!
— Ela não sabe de nada. Provavelmente caiu em alguma conversa de Charlie.
— Pois é, dois ignorantes! Três, provavelmente — ele comentou, irritado. — Nunca deixe ninguém tentar passar por cima de você assim, null. Elas não são melhores que você só porque são ricas.
— Eu sei, mas eu te falei... Antes eu não tinha escolha.
— Então que bom que agora você tem. E fale com sua chefe no clube pra colocar aquele pervertido nojento na lista negra. Não, melhor... Eu vou te buscar pra te levar pra casa.
— null... Não precisa. Eu posso ir sozinha. E por que você tá tão irritado? — Ela colocou a mão por cima da dele, que agarrava o freio de mão com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos.
No entanto, o aperto relaxou assim que ele sentiu o toque suave. Em seguida, ele diminuiu a velocidade e parou o carro em um sinal vermelho.
null a encarou com tanta intensidade que null se sentiu exposta. E estava, de certa forma. Eles mal se conheciam e ela já tinha revelado algumas das partes mais escuras de sua vida, coisas que nem mesmo sua avó e irmã sabiam. E ele estava ali, disposto a defendê-la com unhas e dentes.
null soltou o freio e agarrou a mão dela, entrelaçando os dedos.
— Já te falei que odeio injustiças e gente descarada? — perguntou. — De agora em diante, vou te ajudar a reconstruir sua vida, null. Vamos mostrar pra aquela gente nojenta que você merece muito mais do que ser tratada como uma párea dentro da própria casa, que deveria ser sua, por acaso.
null respirou fundo, sentindo o coração errar uma batida, e apertou a mão dele em gratidão enquanto assentia com a cabeça, os olhos se enchendo novamente.
Uma lágrima escapou e ele se inclinou para secar com a mão livre.
— Agora somos nós dois contra o mundo — ele murmurou, olhando-a nos olhos. Seus olhos caíram até os lábios dela, o inferior tremendo e, sem pensar, ele pressionou o polegar por um segundo. Apenas... Pra fazê-lo parar.
— null... — null murmurou, o coração martelando no peito. O que estava acontecendo? Aquilo tinha que parar antes que ela começasse a passar mal. Tinha que...
Bip! Bip!
Seus pensamentos foram interrompidos pelos sons de buzinas dos carros atrás deles. null se afastou de uma vez, como se tivesse sido flagrado fazendo o que não devia e, um segundo depois, eles estavam na estrada novamente.
O resto do caminho seguiu em silêncio, cada um perdido em pensamentos sobre o que tinha acabado de acontecer.
Capítulo 13
De volta ao apartamento onde seria seu novo lar pelo próximo ano, null seguiu atrás de null até o quarto de hóspedes que ocuparia dali em diante.
Ele colocou a mala em cima da cama e declarou que iria preparar algo para ambos almoçarem antes dela sair para trabalhar. null passaria o turno da tarde na cafeteria e, para a alegria dela, teria algum tempo para voltar em casa antes de ir para o clube.
Assim que ficou sozinha, abriu a mala e a primeira coisa que tirou foi seu garraduende.
Suzy era uma entusiasta de acessórios místicos, algo que null sempre teve interesse, e ficou mais do que feliz em presenteá-la com Benny. Ela tinha ouvido dizer que o nome de um duende aparecia em sonhos ou em lugares aleatórios, mas no caso dela, foi o primeiro que lhe veio à mente assim que o viu.
Colocou Benny em cima da mesinha de cabeceira ao lado da cama e fez uma nota mental de colocar um copo de água para ele. Depois conseguiria um pouco de terra, pedrinhas, uma vela e alguns cristais. Talvez ali, naquela casa nova, ele se sentisse à vontade para sair da garrafa, já que seu antigo quarto de caixa de fósforos, como null tinha chamado, não tinha muita diferença de sua atual morada.
— Mais tarde, eu vou apresentar o apartamento pra você, Benny. Agora, preciso arrumar minhas coisas.
Então ela se afastou do duende e foi até o guarda-roupa que havia ali, abrindo-o para analisar onde colocaria cada coisa. Em seguida, foi organizando as peças de roupa nas gavetas, uma por uma, seguido pelos casacos pesados de inverno e sapatos. Usou um pequeno espacinho para guardar maquiagens, e terminou em menos de vinte minutos.
null colocou as duas mãos na cintura, analisando o guarda-roupa aberto e fez uma careta. Não era um móvel gigante, mas ainda assim o espaço restante deixava claro o pouco que ela tinha.
Mas isso mudaria em breve.
Assim que possível, compraria mais algumas peças de roupas, incluindo roupas íntimas, e sapatos. Além do uso diário, precisaria de um par novo de tênis e um salto para eventuais apresentações práticas na faculdade.
A faculdade... Seu olhar se perdeu em um ponto aleatório enquanto lembrava. Teria que entrar em contato em breve para reativar sua matrícula.
Mas antes, o principal: realizar uma consulta no cardiologista.
null tinha quase certeza de que ele a colocaria para refazer uma bateria de exames e provavelmente ajustaria a dose de suas medicações. Isso sem contar a bronca que levaria por ficar tanto tempo sem acompanhamento.
Um olhar rápido na tela do celular mostrou que faltavam vinte minutos para meio-dia. Como tinha que estar na cafeteria à uma da tarde, resolveu tomar um banho rápido e já ficar pronta para o trabalho.
Cerca de quinze minutos depois, ela voltou para a cozinha, atraída por um cheiro delicioso de alho e cebola refogados que a deixou com água na boca. Então viu null depositar em uma travessa uma pilha de macarrão com carne em tirinhas que encheu seus olhos.
— Que delícia! — ela elogiou, antes mesmo de comer. — Como você pode cozinhar tão bem?
— Bem, isso é mérito da minha mãe. — Ele abriu um sorriso com covinhas. — Eu sou filho único e ela se recusou a criar um garoto sem saber fazer nada.
— Que esperta. Eu sempre tive que brigar com a minha irmã pra ela fazer algo. Minha mãe a mimou muito quando ela era criança.
— Irmãos caçulas… — Ele revirou os olhos. — null tem um também. E null tem uma irmã.
— E null? — ela perguntou, curiosa ao vê-lo mencionar os outros integrantes da banda.
— null é o caçula da família dele. Por isso que ele é insuportável. Vou apresentar você pra ele e o null em breve — prometeu. — Agora vamos comer.
Meia hora mais tarde, null colocou a mão sobre o estômago, sentindo que estava prestes a explodir. Ela não era ninguém. Sua energia havia sido drenada. Seus olhos estavam pesados de sono e ela teria que beber bastante água naquela tarde para se manter alerta, já que café não era uma opção.
Ao menos não sem uma liberação explícita do médico.
E se ela não tivesse que ir trabalhar, voltaria para o quarto e dormiria a tarde toda. Tinha comido demais e a culpa era toda de null, por ter mãos de fada. Alguém que cozinhava daquele jeito só podia ter um coração gigante.
Minutos mais tarde, ela terminou de preparar e saiu de casa. A pequena caminhada até a cafeteria foi bem-vinda. Quando chegou, nullaproveitou enquanto não havia muitos clientes e puxou sua chefe em um cantinho para informar que pegaria menos turnos de trabalho dali em diante.
— Assim, de repente? O que houve? — Kelly perguntou, curiosa.
— Vou voltar pra faculdade — null explicou. — Posso pegar um turno da tarde no final de semana, sábado ou domingo, e continuar umas três vezes na semana. Segunda, quarta e quinta à noite, se tiver tudo bem pra você.
— Claro, preciso só organizar as escalas. Mas que bom que você vai dar uma desacelerada na rotina. Boa sorte.
— Sim, obrigada. — null sorriu, feliz.
E riscou um dos afazeres em suas notas mentais. Depois que assinasse o contrato com null, entraria em contato com a agência de limpeza para diminuir a carga daquele trabalho também, então seria a vez de lidar com as consultas médicas e a burocracia da universidade.
Se bem que àquela altura, no meio de setembro, ela achava difícil conseguir voltar a estudar. Tinha ficado tão esperançosa com a perspectiva que esqueceu que os estudantes já deviam estar próximos do meio do semestre.
De todo modo, se não fosse possível, usaria o tempo livre — uma dádiva que ela não lembrava a última vez que tivera — para ensaiar novas coreografias.
***
A tarde passou voando e quando null se deu conta já estava caminhando de volta para o apartamento de null, enquanto marcava um pequeno encontro com Suzy antes do expediente no clube.
Quando saiu do elevador, alguns minutos depois, se deu conta de que ainda não sabia a senha da porta. Tocou a campainha duas vezes e ouviu null gritar um "já vai" abafado, alguns segundos antes de abrir a porta.
— null, você só pode tá de brincade-
A voz dele morreu assim que se deparou com null, cujos olhos tinham se arregalado brevemente em surpresa.
null estava sem camisa.
Mais especificamente, com apenas uma toalha branca enrolada na cintura. Seu corpo ainda estava molhado e gotas de água escorriam por alguns músculos e se acumulavam em outros. Seu torso era coberto de pintinhas, mas havia apenas uma tatuagem nele, na lateral direita; um dragão preto que ia desde as costelas até o início do osso do quadril, o resto do desenho se perdendo sob a toalha.
— Ah, null, é você. — Ele fez uma careta, e bateu a mão na testa, parecendo lembrar de algo. Ou foi o que ela imaginou. Era meio difícil se concentrar quando aquela montanha de músculos se contraria a cada movimento dele. — Desculpa, esqueci de te passar a senha da porta. Achei que fosse null, ele disse que ia passar aqui hoje.
null piscou, assentindo com a cabeça, meio travada.
— Sem problema. Vou só tomar um banho antes de ir pro trabalho — ela conseguiu dizer, passando por ele. Evitando encará-lo dessa vez, null continuou a falar. — Eu vou encontrar com minha chefe antes e vamos comer juntas, então vou sair mais cedo.
— A sua chefe do clube? — ele perguntou, passando a mão no cabelo molhado involuntariamente. O movimento atraiu o olhar de null mais uma vez e ela segurou a respiração por alguns segundos.
Será que ele tinha noção da... Presença que tinha? Ele era o tipo de pessoa que enchia um cômodo só de apenas estar ali. Daquele que atrai o olhar das pessoas naturalmente e não apenas por causa da beleza.
Claro que isso era um bônus.
null parecia uma daquelas estátuas gregas esculpidas em mármore. Se ele não fosse quem fosse, null até poderia fantasiar em passar a língua por cada gota d'água que escorria em teu torso estupidamente musculoso. Seus membros eram largos e longos, mas ainda assim havia uma certa elegância em sua beleza, em seus movimentos. Ele não era extremamente forte e grande como fisiculturistas, mas seu físico era como o de um modelo masculino padrão.
E ela tinha que sair dali o mais rápido possível, antes que sua boca virasse o deserto do Saara.
— Ela quer saber os detalhes do que aconteceu pro Charlie estar na lista negra.
— Por quê? Ela acha que você tá inventando?
— Ah, não. Suzy não é assim. Raramente nós pedimos que ela insira alguém na lista negra, então quando acontece, ela sabe que é porque tem um motivo. Só que ela coloca antes e pergunta depois — null explicou. — Não vai ser nada de mais.
— Entendi. Eu posso te visitar hoje? Meus amigos já tão sabendo do nosso acordo e querem te conhecer, mas ficaram curiosos quando eu disse que você era dançarina.
— Quem?
— null e null. null também disse que quer ir, mas tem uma reunião importante amanhã. E null não vai sem ela. Mas se você não quiser, tudo bem.
— Não tenho nenhum problema, mas... Você ir sozinho é uma coisa. Levar null e null... — Ela inclinou a cabeça, ponderando. — Bem, pode chamar muita atenção. Algumas dançarinas conhecem a Cave Panthers.
— Imaginei que diria isso. — Ele sorriu e andou alguns passos até ela.
Espera... O quê?
Pare aí agora mesmo, null.
null deu um passo para trás e esbarrou na parede do corredor.
— Ah, é? Então você tem... tem alguma ideia? — ela perguntou, tentando não parecer alguém desajeitada que tinha acabado de bater em uma parede.
null parou a um metro de distância.
Só que um metro não era nada.
Parecia vinte centímetros.
— Claro, vamos usar máscaras. E cobrir as tatuagens. — Ele a encarou com diversão. — Vou terminar meu banho agora.
— Ah, sim... Certo. Vejo vocês mais tarde — ela falou rapidamente.
E sem mais nem menos, praticamente correu até o quarto.
Ele colocou a mala em cima da cama e declarou que iria preparar algo para ambos almoçarem antes dela sair para trabalhar. null passaria o turno da tarde na cafeteria e, para a alegria dela, teria algum tempo para voltar em casa antes de ir para o clube.
Assim que ficou sozinha, abriu a mala e a primeira coisa que tirou foi seu garraduende.
Suzy era uma entusiasta de acessórios místicos, algo que null sempre teve interesse, e ficou mais do que feliz em presenteá-la com Benny. Ela tinha ouvido dizer que o nome de um duende aparecia em sonhos ou em lugares aleatórios, mas no caso dela, foi o primeiro que lhe veio à mente assim que o viu.
Colocou Benny em cima da mesinha de cabeceira ao lado da cama e fez uma nota mental de colocar um copo de água para ele. Depois conseguiria um pouco de terra, pedrinhas, uma vela e alguns cristais. Talvez ali, naquela casa nova, ele se sentisse à vontade para sair da garrafa, já que seu antigo quarto de caixa de fósforos, como null tinha chamado, não tinha muita diferença de sua atual morada.
— Mais tarde, eu vou apresentar o apartamento pra você, Benny. Agora, preciso arrumar minhas coisas.
Então ela se afastou do duende e foi até o guarda-roupa que havia ali, abrindo-o para analisar onde colocaria cada coisa. Em seguida, foi organizando as peças de roupa nas gavetas, uma por uma, seguido pelos casacos pesados de inverno e sapatos. Usou um pequeno espacinho para guardar maquiagens, e terminou em menos de vinte minutos.
null colocou as duas mãos na cintura, analisando o guarda-roupa aberto e fez uma careta. Não era um móvel gigante, mas ainda assim o espaço restante deixava claro o pouco que ela tinha.
Mas isso mudaria em breve.
Assim que possível, compraria mais algumas peças de roupas, incluindo roupas íntimas, e sapatos. Além do uso diário, precisaria de um par novo de tênis e um salto para eventuais apresentações práticas na faculdade.
A faculdade... Seu olhar se perdeu em um ponto aleatório enquanto lembrava. Teria que entrar em contato em breve para reativar sua matrícula.
Mas antes, o principal: realizar uma consulta no cardiologista.
null tinha quase certeza de que ele a colocaria para refazer uma bateria de exames e provavelmente ajustaria a dose de suas medicações. Isso sem contar a bronca que levaria por ficar tanto tempo sem acompanhamento.
Um olhar rápido na tela do celular mostrou que faltavam vinte minutos para meio-dia. Como tinha que estar na cafeteria à uma da tarde, resolveu tomar um banho rápido e já ficar pronta para o trabalho.
Cerca de quinze minutos depois, ela voltou para a cozinha, atraída por um cheiro delicioso de alho e cebola refogados que a deixou com água na boca. Então viu null depositar em uma travessa uma pilha de macarrão com carne em tirinhas que encheu seus olhos.
— Que delícia! — ela elogiou, antes mesmo de comer. — Como você pode cozinhar tão bem?
— Bem, isso é mérito da minha mãe. — Ele abriu um sorriso com covinhas. — Eu sou filho único e ela se recusou a criar um garoto sem saber fazer nada.
— Que esperta. Eu sempre tive que brigar com a minha irmã pra ela fazer algo. Minha mãe a mimou muito quando ela era criança.
— Irmãos caçulas… — Ele revirou os olhos. — null tem um também. E null tem uma irmã.
— E null? — ela perguntou, curiosa ao vê-lo mencionar os outros integrantes da banda.
— null é o caçula da família dele. Por isso que ele é insuportável. Vou apresentar você pra ele e o null em breve — prometeu. — Agora vamos comer.
Meia hora mais tarde, null colocou a mão sobre o estômago, sentindo que estava prestes a explodir. Ela não era ninguém. Sua energia havia sido drenada. Seus olhos estavam pesados de sono e ela teria que beber bastante água naquela tarde para se manter alerta, já que café não era uma opção.
Ao menos não sem uma liberação explícita do médico.
E se ela não tivesse que ir trabalhar, voltaria para o quarto e dormiria a tarde toda. Tinha comido demais e a culpa era toda de null, por ter mãos de fada. Alguém que cozinhava daquele jeito só podia ter um coração gigante.
Minutos mais tarde, ela terminou de preparar e saiu de casa. A pequena caminhada até a cafeteria foi bem-vinda. Quando chegou, nullaproveitou enquanto não havia muitos clientes e puxou sua chefe em um cantinho para informar que pegaria menos turnos de trabalho dali em diante.
— Assim, de repente? O que houve? — Kelly perguntou, curiosa.
— Vou voltar pra faculdade — null explicou. — Posso pegar um turno da tarde no final de semana, sábado ou domingo, e continuar umas três vezes na semana. Segunda, quarta e quinta à noite, se tiver tudo bem pra você.
— Claro, preciso só organizar as escalas. Mas que bom que você vai dar uma desacelerada na rotina. Boa sorte.
— Sim, obrigada. — null sorriu, feliz.
E riscou um dos afazeres em suas notas mentais. Depois que assinasse o contrato com null, entraria em contato com a agência de limpeza para diminuir a carga daquele trabalho também, então seria a vez de lidar com as consultas médicas e a burocracia da universidade.
Se bem que àquela altura, no meio de setembro, ela achava difícil conseguir voltar a estudar. Tinha ficado tão esperançosa com a perspectiva que esqueceu que os estudantes já deviam estar próximos do meio do semestre.
De todo modo, se não fosse possível, usaria o tempo livre — uma dádiva que ela não lembrava a última vez que tivera — para ensaiar novas coreografias.
A tarde passou voando e quando null se deu conta já estava caminhando de volta para o apartamento de null, enquanto marcava um pequeno encontro com Suzy antes do expediente no clube.
Quando saiu do elevador, alguns minutos depois, se deu conta de que ainda não sabia a senha da porta. Tocou a campainha duas vezes e ouviu null gritar um "já vai" abafado, alguns segundos antes de abrir a porta.
— null, você só pode tá de brincade-
A voz dele morreu assim que se deparou com null, cujos olhos tinham se arregalado brevemente em surpresa.
null estava sem camisa.
Mais especificamente, com apenas uma toalha branca enrolada na cintura. Seu corpo ainda estava molhado e gotas de água escorriam por alguns músculos e se acumulavam em outros. Seu torso era coberto de pintinhas, mas havia apenas uma tatuagem nele, na lateral direita; um dragão preto que ia desde as costelas até o início do osso do quadril, o resto do desenho se perdendo sob a toalha.
— Ah, null, é você. — Ele fez uma careta, e bateu a mão na testa, parecendo lembrar de algo. Ou foi o que ela imaginou. Era meio difícil se concentrar quando aquela montanha de músculos se contraria a cada movimento dele. — Desculpa, esqueci de te passar a senha da porta. Achei que fosse null, ele disse que ia passar aqui hoje.
null piscou, assentindo com a cabeça, meio travada.
— Sem problema. Vou só tomar um banho antes de ir pro trabalho — ela conseguiu dizer, passando por ele. Evitando encará-lo dessa vez, null continuou a falar. — Eu vou encontrar com minha chefe antes e vamos comer juntas, então vou sair mais cedo.
— A sua chefe do clube? — ele perguntou, passando a mão no cabelo molhado involuntariamente. O movimento atraiu o olhar de null mais uma vez e ela segurou a respiração por alguns segundos.
Será que ele tinha noção da... Presença que tinha? Ele era o tipo de pessoa que enchia um cômodo só de apenas estar ali. Daquele que atrai o olhar das pessoas naturalmente e não apenas por causa da beleza.
Claro que isso era um bônus.
null parecia uma daquelas estátuas gregas esculpidas em mármore. Se ele não fosse quem fosse, null até poderia fantasiar em passar a língua por cada gota d'água que escorria em teu torso estupidamente musculoso. Seus membros eram largos e longos, mas ainda assim havia uma certa elegância em sua beleza, em seus movimentos. Ele não era extremamente forte e grande como fisiculturistas, mas seu físico era como o de um modelo masculino padrão.
E ela tinha que sair dali o mais rápido possível, antes que sua boca virasse o deserto do Saara.
— Ela quer saber os detalhes do que aconteceu pro Charlie estar na lista negra.
— Por quê? Ela acha que você tá inventando?
— Ah, não. Suzy não é assim. Raramente nós pedimos que ela insira alguém na lista negra, então quando acontece, ela sabe que é porque tem um motivo. Só que ela coloca antes e pergunta depois — null explicou. — Não vai ser nada de mais.
— Entendi. Eu posso te visitar hoje? Meus amigos já tão sabendo do nosso acordo e querem te conhecer, mas ficaram curiosos quando eu disse que você era dançarina.
— Quem?
— null e null. null também disse que quer ir, mas tem uma reunião importante amanhã. E null não vai sem ela. Mas se você não quiser, tudo bem.
— Não tenho nenhum problema, mas... Você ir sozinho é uma coisa. Levar null e null... — Ela inclinou a cabeça, ponderando. — Bem, pode chamar muita atenção. Algumas dançarinas conhecem a Cave Panthers.
— Imaginei que diria isso. — Ele sorriu e andou alguns passos até ela.
Espera... O quê?
Pare aí agora mesmo, null.
null deu um passo para trás e esbarrou na parede do corredor.
— Ah, é? Então você tem... tem alguma ideia? — ela perguntou, tentando não parecer alguém desajeitada que tinha acabado de bater em uma parede.
null parou a um metro de distância.
Só que um metro não era nada.
Parecia vinte centímetros.
— Claro, vamos usar máscaras. E cobrir as tatuagens. — Ele a encarou com diversão. — Vou terminar meu banho agora.
— Ah, sim... Certo. Vejo vocês mais tarde — ela falou rapidamente.
E sem mais nem menos, praticamente correu até o quarto.
Capítulo 14
A música ecoou de todas as direções enquanto null dançava em um dos vários mini palcos espalhados entre as mesas, especialmente para aquela apresentação.
"Don't need a sugar daddy, she'll be working just fine, up to the table, she'll be dancing all night... heey-eey!"
Havia um holofote em cada uma das dançarinas, Izzy estava no centro do palco dando o seu show e null já tinha realizado o número de "Express" novamente, coreografia que exigia bem mais de sua veterana ainda machucada, embora estivesse bem o suficiente para apresentar "Show Me How You Burlesque", o que era ótimo.
Diferente da noite anterior, naquele último número todas usavam um mini vestido branco e dourado repleto de pérolas brancas. null balançou o corpo ao ritmo da batida e desceu de seu pequeno palco para ir para o principal na metade da música, quando as dançarinas se juntaram ao redor de Izzy.
Foi nesse momento que ela avistou três figuras vestidas de preto, com máscaras da mesma cor, ocultando a parte inferior de seus rostos. Estavam em um dos bares, observando atentamente o palco e um deles era um tanto mais alto que os outros. null sorriu para eles atrás de sua máscara de Cindy Lee, seu corpo se movimentando como se estivesse no automático.
Do outro lado do clube, os três homens conversavam.
— Você disse que a null usava azul — null lembrou, encarando null por um instante. — Eu não reconheci ela ainda, quem é?
— A loira de cabelo curto e máscara prateada que acabou de sorrir pra gente — ele respondeu, sem tirar os olhos do palco.
— Ela parece ser bem talentosa — elogiou null. — Mas será que isso não força muito a condição cardíaca dela?
— Acho que agora vai forçar bem menos, considerando a antiga rotina dela.
— Parece que ela tá flutuando no palco. Todas elas — null comentou. — Será que elas pisam em mim se eu me deitar na frente delas e pedir?
null bufou uma risada ao lado dele.
— E depois, o quê? Você vai começar a praticar BDSM e pedir pra uma delas te colocar na coleira?
— Olha... Até que não seria má ideia, não é, null? Você também não ia adorar que a null te colocasse na coleira? — null perguntou ao amigo, visivelmente concentrado na apresentação.
— Ia sim... — null respondeu, distraído. — Espera aí, você falou coleira? — Ele desviou o olhar para encarar o mais novo.
Os amigos riram juntos, visivelmente divertidos com sua falta de atenção.
— Tô te dizendo, ele tá caidinho por ela. Hero tinha razão — null disse a null, como se null não estivesse lá também.
— Ei, não é nada disso. Parem de encher o saco...
Quase no mesmo instante, a música se encerrou e null notou que já se passava de uma da manhã. A dançarina que estava no centro do palco voltou um minuto depois, segurando um par de leques de plumas gigantes.
null não estava em nenhum lugar à vista, e null ainda a procurava na multidão quando sentiu alguém lhe cutucar no braço. Quando se virou, lá estava ela, ainda vestida com o figurino da noite.
— Caramba, você veio se esgueirando? Eu não te vi chegando. — Ele sorriu e se inclinou para envolvê-la em um abraço amigável. — Você foi ótima.
Em seguida, alguém pigarreou atrás dele.
— São seus amigos? — null perguntou baixinho, levemente nervosa. Até então só havia conhecido Hero e null, com quem havia conversado poucas vezes.
— Sim. null, estes são null e null. — null apontou para cada um deles.
null tinha olhos azuis um pouco mais escuros que os de null e seu cabelo loiro, levemente longo. O de null, no entanto, tinha um corte parecido com o de null, sendo também da mesma cor. Seus olhos escuros tinham um brilho de diversão e null teve a impressão de que eles sorriam para ela.
— Oi, null! Você tava fantástica! Nós vimos sua outra apresentação também e foi incrível. Prazer em conhecer você. — Ele a abraçou rapidamente. — Acho que já posso te chamar de cunhadinha, né?
— O quê? — null riu, nervosa.
null enfiou a mão na cara de null, o empurrando para o lado.
— Não ligue pra ele — disse, a cumprimentando rapidamente também. — null adora ser engraçadinho. Mas bem-vinda ao grupo. Você vai ver muito a gente pelo próximo ano.
— Vou lembrar de mudar a senha de casa — comentou null. — Agora eu não moro mais sozinho, então nada de aparecer sem avisar.
null fez um barulho de indignação.
— Como assim? E eu vou assaltar a geladeira de quem agora?
— Que tal a sua própria geladeira? — null sugeriu.
— Mas é você quem sempre tem comida fresca. E que vive testando receitinhas.
null tocou o braço de null para chamar sua atenção.
— Se for por minha causa, eu não me importo do null te visitar quando quiser. O apartamento é seu.
— Tá vendo? Ela nem se importa! null, vamos ser melhores amigos!
— Cala a boca, null! — null deu um tapa na parte de trás da cabeça dele.
Bem ao lado, null encarava null, ignorando os dois amigos.
— Nem pensar. O apartamento também vai ser seu pelo tempo que você morar comigo, null — ele falou, com convicção. — E isso não tá em discussão — acrescentou, assim que a viu abrir a boca para retrucar.
null fez uma careta, mas não tentou discutir mais.
— Tá, eu já tô livre. Preciso só trocar de roupa e me livrar da peruca.
— Ótimo, vou te esperar na saída dos fundos.
Alguns minutos mais tarde, null encontrou null, null e null parecendo três guarda-costas. Por um momento, ela estancou no lugar, subitamente os admirando.
— Vocês tão parecendo uns guarda-costas — brincou, falando exatamente o que tinha pensado.
— Pra garantir sua segurança, meu bem — null piscou, galante, fazendo-a cair na risada.
— Que honra. — null fez uma reverência, segurando uma saia imaginária.
null deu uma risadinha e null rolou os olhos.
— Vamos? — ele perguntou.
null assentiu e eles andaram até onde os carros haviam sido estacionados. Em seguida, se despediram de null e null, e foram embora.
— Eu falei com meu advogado e ele disse que vai preparar o contrato até terça — null comentou, alguns instantes depois.
— Sério? Que bom.
— Preciso só dos seus documentos pra ele inserir também.
null assentiu em compreensão.
— Eu falei com minha chefe hoje, no café. Antes de sair do clube, vi uma mensagem que ela enviou falando sobre meus novos turnos.
— E aí?
— Vou ficar com a segunda, quarta e sexta à noite. No fim de semana, vai ser ou sábado ou domingo à tarde.
— Ótimo. Temos que marcar uma consulta no seu médico depois. Vamos ver se a gente consegue essa semana.
— Vou tentar. Mas você não tem nenhum compromisso?
— Tenho. Uma sessão de fotos para a marca que null tem com Karol, a melhor amiga dela, e uma entrevista rápida com uma jornalista de Londres, mas vai ser no mesmo horário que você trabalha.
— Ah, sim. Entendi. — Ela assentiu. — Obrigada por visitar o clube hoje.
— Os caras queriam conhecer, como eu disse. Todo mundo tava curioso em te ver dançando, só agarraram a primeira oportunidade. — Ele sorriu. — De todo modo, eu ainda viria te buscar, mesmo sem eles.
— Mas não precisa. Eu posso pegar um táxi. Além disso, já são duas da manhã.
null deu de ombros.
— Me deixa mais tranquilo assim. Eu não ia dormir até você chegar.
— Por que não?
— Pra garantir que você tava segura. — Ele desviou o olhar da estrada por um instante, para encará-la. O carro estava escuro, exceto pelas luzes do painel. — Eu sei que temos um acordo, mas quero cuidar de você. Sem segundas intenções. Eu gosto de você, null. E já disse o que penso sobre tudo hoje de manhã.
— Parece que faz uma semana — ela comentou, dando uma risadinha. — Mas não faz nem vinte e quatro horas. Você tem mesmo certeza de que quer isso?
— Absoluta — ele respondeu, sem hesitar.
— Bem, que sorte a minha então. Você é como um anjo que caiu do céu — ela brincou.
— Vai ver o universo me mandou pra evitar que você se matasse de trabalhar.
null riu, divertida com seu humor ácido.
— Vai ver foi isso mesmo.
Eles caíram em silêncio novamente e ela respirou fundo, encostando a cabeça na janela, pensativa. Em menos de vinte e quatro horas, sua vida tinha virado de cabeça para baixo, no bom sentido. E tudo graças àquele homem forte e gentil que resolveu acolhê-la em troca de algo que parecia muito simples, pagando-a bem mais que o necessário, especialmente quando poderia simplesmente contratar uma atriz que provavelmente representaria o papel de namorada melhor que ela.
Tinham colocado todas as cartas na mesa naquela manhã. Condições. Limites. Até mesmo alguns acordos de convivência, embora bem poucos. Por parte dele, é claro. null insistiu nisso para garantir que suas rotinas poderiam funcionar juntas e, se não funcionassem, ele daria um jeito disso acontecer. Era quase engraçado o tanto que ele estava empenhado e decidido.
Contudo, null seria hipócrita se dissesse que não estava nervosa com a futura exposição. Em breve, todos a associariam como a namorada de null null. Só de pensar nisso, já sentia um frio na barriga. Mesmo sendo de mentirinha. Mas ansiosa ou não aquele era um acordo que ela iria honrar.
Era como se pela primeira vez desde que seu pai havia partido, ela estivesse ganhando uma chance de dar a volta por cima. Não pensou muito antes de aceitar, pois já sabia que negar seria idiotice.
Seu corpo estava exausto, maltratado pelo trabalho constante e as poucas horas de descanso. Toda noite ela manifestava dias melhores ao universo e, se eles finalmente haviam chegado, null iria aproveitar cada momento e agradecer tanto quanto pudesse.
E ali, no silêncio do carro, ela manifestou um pequeno mantra novamente: eu não procuro, eu atraio. Tudo aquilo que me pertence vai me encontrar.
"Don't need a sugar daddy, she'll be working just fine, up to the table, she'll be dancing all night... heey-eey!"
Havia um holofote em cada uma das dançarinas, Izzy estava no centro do palco dando o seu show e null já tinha realizado o número de "Express" novamente, coreografia que exigia bem mais de sua veterana ainda machucada, embora estivesse bem o suficiente para apresentar "Show Me How You Burlesque", o que era ótimo.
Diferente da noite anterior, naquele último número todas usavam um mini vestido branco e dourado repleto de pérolas brancas. null balançou o corpo ao ritmo da batida e desceu de seu pequeno palco para ir para o principal na metade da música, quando as dançarinas se juntaram ao redor de Izzy.
Foi nesse momento que ela avistou três figuras vestidas de preto, com máscaras da mesma cor, ocultando a parte inferior de seus rostos. Estavam em um dos bares, observando atentamente o palco e um deles era um tanto mais alto que os outros. null sorriu para eles atrás de sua máscara de Cindy Lee, seu corpo se movimentando como se estivesse no automático.
Do outro lado do clube, os três homens conversavam.
— Você disse que a null usava azul — null lembrou, encarando null por um instante. — Eu não reconheci ela ainda, quem é?
— A loira de cabelo curto e máscara prateada que acabou de sorrir pra gente — ele respondeu, sem tirar os olhos do palco.
— Ela parece ser bem talentosa — elogiou null. — Mas será que isso não força muito a condição cardíaca dela?
— Acho que agora vai forçar bem menos, considerando a antiga rotina dela.
— Parece que ela tá flutuando no palco. Todas elas — null comentou. — Será que elas pisam em mim se eu me deitar na frente delas e pedir?
null bufou uma risada ao lado dele.
— E depois, o quê? Você vai começar a praticar BDSM e pedir pra uma delas te colocar na coleira?
— Olha... Até que não seria má ideia, não é, null? Você também não ia adorar que a null te colocasse na coleira? — null perguntou ao amigo, visivelmente concentrado na apresentação.
— Ia sim... — null respondeu, distraído. — Espera aí, você falou coleira? — Ele desviou o olhar para encarar o mais novo.
Os amigos riram juntos, visivelmente divertidos com sua falta de atenção.
— Tô te dizendo, ele tá caidinho por ela. Hero tinha razão — null disse a null, como se null não estivesse lá também.
— Ei, não é nada disso. Parem de encher o saco...
Quase no mesmo instante, a música se encerrou e null notou que já se passava de uma da manhã. A dançarina que estava no centro do palco voltou um minuto depois, segurando um par de leques de plumas gigantes.
null não estava em nenhum lugar à vista, e null ainda a procurava na multidão quando sentiu alguém lhe cutucar no braço. Quando se virou, lá estava ela, ainda vestida com o figurino da noite.
— Caramba, você veio se esgueirando? Eu não te vi chegando. — Ele sorriu e se inclinou para envolvê-la em um abraço amigável. — Você foi ótima.
Em seguida, alguém pigarreou atrás dele.
— São seus amigos? — null perguntou baixinho, levemente nervosa. Até então só havia conhecido Hero e null, com quem havia conversado poucas vezes.
— Sim. null, estes são null e null. — null apontou para cada um deles.
null tinha olhos azuis um pouco mais escuros que os de null e seu cabelo loiro, levemente longo. O de null, no entanto, tinha um corte parecido com o de null, sendo também da mesma cor. Seus olhos escuros tinham um brilho de diversão e null teve a impressão de que eles sorriam para ela.
— Oi, null! Você tava fantástica! Nós vimos sua outra apresentação também e foi incrível. Prazer em conhecer você. — Ele a abraçou rapidamente. — Acho que já posso te chamar de cunhadinha, né?
— O quê? — null riu, nervosa.
null enfiou a mão na cara de null, o empurrando para o lado.
— Não ligue pra ele — disse, a cumprimentando rapidamente também. — null adora ser engraçadinho. Mas bem-vinda ao grupo. Você vai ver muito a gente pelo próximo ano.
— Vou lembrar de mudar a senha de casa — comentou null. — Agora eu não moro mais sozinho, então nada de aparecer sem avisar.
null fez um barulho de indignação.
— Como assim? E eu vou assaltar a geladeira de quem agora?
— Que tal a sua própria geladeira? — null sugeriu.
— Mas é você quem sempre tem comida fresca. E que vive testando receitinhas.
null tocou o braço de null para chamar sua atenção.
— Se for por minha causa, eu não me importo do null te visitar quando quiser. O apartamento é seu.
— Tá vendo? Ela nem se importa! null, vamos ser melhores amigos!
— Cala a boca, null! — null deu um tapa na parte de trás da cabeça dele.
Bem ao lado, null encarava null, ignorando os dois amigos.
— Nem pensar. O apartamento também vai ser seu pelo tempo que você morar comigo, null — ele falou, com convicção. — E isso não tá em discussão — acrescentou, assim que a viu abrir a boca para retrucar.
null fez uma careta, mas não tentou discutir mais.
— Tá, eu já tô livre. Preciso só trocar de roupa e me livrar da peruca.
— Ótimo, vou te esperar na saída dos fundos.
Alguns minutos mais tarde, null encontrou null, null e null parecendo três guarda-costas. Por um momento, ela estancou no lugar, subitamente os admirando.
— Vocês tão parecendo uns guarda-costas — brincou, falando exatamente o que tinha pensado.
— Pra garantir sua segurança, meu bem — null piscou, galante, fazendo-a cair na risada.
— Que honra. — null fez uma reverência, segurando uma saia imaginária.
null deu uma risadinha e null rolou os olhos.
— Vamos? — ele perguntou.
null assentiu e eles andaram até onde os carros haviam sido estacionados. Em seguida, se despediram de null e null, e foram embora.
— Eu falei com meu advogado e ele disse que vai preparar o contrato até terça — null comentou, alguns instantes depois.
— Sério? Que bom.
— Preciso só dos seus documentos pra ele inserir também.
null assentiu em compreensão.
— Eu falei com minha chefe hoje, no café. Antes de sair do clube, vi uma mensagem que ela enviou falando sobre meus novos turnos.
— E aí?
— Vou ficar com a segunda, quarta e sexta à noite. No fim de semana, vai ser ou sábado ou domingo à tarde.
— Ótimo. Temos que marcar uma consulta no seu médico depois. Vamos ver se a gente consegue essa semana.
— Vou tentar. Mas você não tem nenhum compromisso?
— Tenho. Uma sessão de fotos para a marca que null tem com Karol, a melhor amiga dela, e uma entrevista rápida com uma jornalista de Londres, mas vai ser no mesmo horário que você trabalha.
— Ah, sim. Entendi. — Ela assentiu. — Obrigada por visitar o clube hoje.
— Os caras queriam conhecer, como eu disse. Todo mundo tava curioso em te ver dançando, só agarraram a primeira oportunidade. — Ele sorriu. — De todo modo, eu ainda viria te buscar, mesmo sem eles.
— Mas não precisa. Eu posso pegar um táxi. Além disso, já são duas da manhã.
null deu de ombros.
— Me deixa mais tranquilo assim. Eu não ia dormir até você chegar.
— Por que não?
— Pra garantir que você tava segura. — Ele desviou o olhar da estrada por um instante, para encará-la. O carro estava escuro, exceto pelas luzes do painel. — Eu sei que temos um acordo, mas quero cuidar de você. Sem segundas intenções. Eu gosto de você, null. E já disse o que penso sobre tudo hoje de manhã.
— Parece que faz uma semana — ela comentou, dando uma risadinha. — Mas não faz nem vinte e quatro horas. Você tem mesmo certeza de que quer isso?
— Absoluta — ele respondeu, sem hesitar.
— Bem, que sorte a minha então. Você é como um anjo que caiu do céu — ela brincou.
— Vai ver o universo me mandou pra evitar que você se matasse de trabalhar.
null riu, divertida com seu humor ácido.
— Vai ver foi isso mesmo.
Eles caíram em silêncio novamente e ela respirou fundo, encostando a cabeça na janela, pensativa. Em menos de vinte e quatro horas, sua vida tinha virado de cabeça para baixo, no bom sentido. E tudo graças àquele homem forte e gentil que resolveu acolhê-la em troca de algo que parecia muito simples, pagando-a bem mais que o necessário, especialmente quando poderia simplesmente contratar uma atriz que provavelmente representaria o papel de namorada melhor que ela.
Tinham colocado todas as cartas na mesa naquela manhã. Condições. Limites. Até mesmo alguns acordos de convivência, embora bem poucos. Por parte dele, é claro. null insistiu nisso para garantir que suas rotinas poderiam funcionar juntas e, se não funcionassem, ele daria um jeito disso acontecer. Era quase engraçado o tanto que ele estava empenhado e decidido.
Contudo, null seria hipócrita se dissesse que não estava nervosa com a futura exposição. Em breve, todos a associariam como a namorada de null null. Só de pensar nisso, já sentia um frio na barriga. Mesmo sendo de mentirinha. Mas ansiosa ou não aquele era um acordo que ela iria honrar.
Era como se pela primeira vez desde que seu pai havia partido, ela estivesse ganhando uma chance de dar a volta por cima. Não pensou muito antes de aceitar, pois já sabia que negar seria idiotice.
Seu corpo estava exausto, maltratado pelo trabalho constante e as poucas horas de descanso. Toda noite ela manifestava dias melhores ao universo e, se eles finalmente haviam chegado, null iria aproveitar cada momento e agradecer tanto quanto pudesse.
E ali, no silêncio do carro, ela manifestou um pequeno mantra novamente: eu não procuro, eu atraio. Tudo aquilo que me pertence vai me encontrar.
Capítulo 15
25 de setembro de 2017, 10:32 - Apartamento de null, Nova York, NY
— Agora que eu já te mostrei os quartos, Benny, vamos pra sala e a cozinha — null falou, encarando o duende na garrafa.
Benny tinha grandes bochechas, olhos brilhantes e escuros, usava uma roupinha azul, com touca da mesma cor, e suas mãos tocavam o vidro da garrafa em sua frente, fazendo parecer que ele estava sempre curioso.
null o achava super fofo.
Levou ele até o amplo ambiente aberto que continha sala e cozinha, e mostrou cada cantinho.
— Ali fica a TV e o sofá, que é bem macio e grande, como você pode ver. — Ela apontou para uma coisa e outra, em seguida, se virou para o balcão na cozinha. — Essa é a cozinha, não é enorme, mas tem um tamanho legal.
A porta de entrada se abriu, indicando que null tinha voltado da academia, mas null continuou concentrada na tour que estava dando ao amigo duende. Se aproximou da despensa onde null guardava os produtos de limpeza e abriu a porta.
— Aqui é onde o null guarda o arsenal de produtos de limpeza dele — murmurou baixinho. — null disse que ele é obcecado por limpeza, e eu também acho isso, mas ele não admite.
null entrou na cozinha e abriu a geladeira para pegar água.
— O que você tá fazendo? — perguntou, curioso, e então viu que ela estava com a garrafa na mão. — Ah, o boneco.
— Duende — corrigiu ela. — Eu tava apresentando a casa pro Benny. Pra ele se ambientar.
— Se ambientar? — null arqueou uma sobrancelha, um sorriso de canto puxando seus lábios.
— Sim, eu quero que ele se sinta seguro pra sair da garrafa.
— E como você vai saber que ele quer sair? — Ele perguntou, entrando na onda do duende.
— Ele vai me dar sinais. Algumas pessoas relatam que eles respiram na garrafa. Sabe quando a gente solta o ar na frente de um vidro e fica a mancha? Tipo isso.
— Sério? — null piscou, genuinamente intrigado. — E o que acontece quando ele sai da garrafa?
— As pessoas dizem que eles perambulam pela casa. E podem pregar peças se estiverem descontentes com algo.
— Tipo o quê?
— Tipo quando alguém esquece de dar bom dia a eles. Eles podem esconder suas coisas, por exemplo. No todo, eles são guardiões e podem conceder desejos também.
— Contanto que você agrade eles?
— Duendes gostam de atenção e objetos elementais. Vou comprar alguns cristais pra ele depois, pegar um pouco de terra, água e uma vela, pra ele ter o elemento fogo também.
— Certo... — null levantou o copo para beber água, achando tudo aquilo uma maluquice.
Será que seria bom levar null a um psiquiatra também? Talvez o último ano com toda aquela rotina maluca que ela havia enfrentado tivesse mexido com sua cabeça. Talvez o duende fosse uma válvula de escape?
— Você acha maluquice, né? — Ela perguntou, de repente.
null engasgou com a água.
— O quê? De jeito nenhum — ele mentiu.
— Mentira! Acha sim — null insistiu. — Não sou maluca. Um monte de gente tem duendes em casa.
— Se isso te faz feliz, não vou me intrometer. — Ele garantiu. — Isso faz parte de uma religião ou algo assim?
— Não, acho que é mais uma crença popular mesmo. Mas enfim... — Ela deu de ombros. — Vamos, Benny, vou te levar pro quarto e colocar um pouco de água pra você.
null sumiu por alguns instantes e quando voltou, null tinha sumido.
Ela então decidiu entrar em contato com a faculdade para pedir informações sobre a reativação de matrícula. Se jogou no sofá e enviou um e-mail para a coordenação do departamento de dança. Para sua surpresa, a resposta veio poucos minutos depois.
"A reativação de matrícula só é possível no início de cada semestre. No seu caso, Srta. null, poderá retornar às atividades no campus a partir de janeiro."
Curta e simples. Não foi nenhuma surpresa, mas mesmo assim null ficou um pouco chateada. Suspirou e olhou para o teto, dizendo a si mesma que talvez fosse um sinal. Para cuidar de sua saúde, treinar dança sozinha e descansar mais. E claro, ainda havia seu relacionamento de mentirinha com null. Talvez fosse melhor assim mesmo. Ao menos, ela se acostumaria com a exposição até retornar para a faculdade.
E pensar nisso, a fazia lembrar de...
Um movimento captou o olhar dela e null encarou null, que tinha acabado de voltar à cozinha.
— Você pensou no que vamos falar pras pessoas? Sobre como a gente se conheceu?
— Isso é mesmo importante? — ele perguntou, enquanto tirava ingredientes da geladeira.
null bufou e revirou os olhos.
— É claro que é. — Ela se levantou e foi até ele. — As pessoas vão ficar curiosas.
— Elas nunca ficaram antes.
— Porque você namorava modelos. Acho que talvez tenham suposto que você as conheceu em algum evento publicitário.
— Eu não namorei elas — ele corrigiu. — A gente só ficava.
— Tá, como você preferir. Mas eu vou ser sua namorada. E sou uma ninguém. As pessoas vão ficar curiosas.
— Você não é uma ninguém — ele retrucou, dando as costas para preparar alguns sanduíches.
— Sou sim — null insistiu. — Ninguém me conhece, null. E não sou como as modelos bonitonas com quem você costumava sair.
Aquela fala o irritou profundamente. null largou o que estava fazendo e se virou para ela, completamente sério.
— Você não devia pensar tão pouco de si mesma, null.
De repente, null riu, surpresa com aquela reação.
— Mas é verdade. Tô enxergando de uma forma objetiva.
— Não. Você tá se diminuindo à toa — ele rebateu. — Você é bonita. Muito bonita, na verdade. E o fato de não ser conhecida não te torna melhor ou pior do que ninguém. Achei que isso fosse óbvio.
null sentiu o rosto esquentar sob o olhar intenso dele. Seu coração errou uma batida. Sua respiração falhou.
— Não me olha assim — ela pediu, desviando o olhar dele.
null então levou a mão ao rosto dela e a fez encará-lo novamente.
— Por quê? Eu te deixo nervosa?
Ela prendeu a respiração, se perdendo do céu de seus olhos.
— Eu...
— Você tem que se acostumar a receber elogios, null. Você é bonita, talentosa, gentil e merece cada um deles.
null exalou o ar devagar, sentindo frio na barriga. Será que ele não percebia que estava, tipo, muito perto? Será que não percebia que a aparência dele era desconcertante? Que ela estava tentando agir de forma objetiva, para evitar que quaisquer tipos de sentimentos se enfiassem no meio deles dois?
Eles tinham um acordo. Assinariam um contrato em breve. Mas lá estava ela, nervosa, com o corpo tremendo por causa de uma proximidade e algumas palavras bonitas. Só que algo nela sabia que não era apenas isso. Não. Era o cuidado, a gentileza, a bondade dele, acima de tudo.
Tentando não deixar óbvio o impacto que ele causava, ela colocou a mão sobre a dele e hesitou por um instante, antes de se afastar suavemente, finalmente exalando ar que segurava.
Será que ele tinha ideia de como sua boca era bonita? Depois dos olhos, aquela era sua parte favorita nele, mas... O que você tá pensando, null?
Ela então se recompôs e explicou:
— As pessoas vão querer saber o que você viu em mim a ponto de te fazer querer entrar em um relacionamento. Vão querer saber como te conquistei e... O motivo de ser diferente dessa vez. Caso contrário, não acho que vão acreditar.
null suspirou e voltou a cozinhar.
— Que tal se dissermos que foi uma amiga em comum? A null.
— Mas não somos amigas. E falar que você se apaixonou pela faxineira soa...
— Soa como? O que tem de mais? — ele a desafiou a dizer.
— Tá de brincadeira? — Ela riu. — Primeiro, por que você abaixaria seus padrões? Segundo, me chamariam de interesseira.
— Na verdade, meu padrões se elevaram um pouco mais. Coincidentemente, você parece atender eles.
null engoliu em seco.
— Mesmo assim. As pessoas vão pensar pouco de mim. Que não sou boa o suficiente.
— Então que bom que minha melhor amiga é escritora. Podemos só falar que vocês se conheceram há alguns anos, a null também não expõe muito a vida particular. Você tem redes sociais?
— Não. Nenhuma.
— Melhor ainda. O máximo que podem descobrir é sobre sua faculdade. Imagino que a agência de limpeza mantenha confidencialidade. E se alguns clientes te reconhecerem, não tem nada de mais. Vamos lidar com isso. Não há vergonha alguma no fato de você ter trabalhado com isso.
— Tem certeza?
— Bem, eu não posso falar que fui seduzido pela dançarina sexy de um clube burlesco, né? Porque lá você é Cindy Lee. Por mais que eu ache que seria até mais convincente.
— null! — Ela deu um tapa no braço dele por impulso, fazendo-o rir.
— O quê? Vai dizer que tá com vergonha agora? Você praticamente dançou no meu colo, null.
Ela sentiu o rosto esquentar mais uma vez.
— Dá pra você parar de falar disso?
— Por quê? Você tava só trabalhando. E foi incrível. Funcionou, sabe?
— O quê? — Ela o encarou e null se aproximou para sussurrar no ouvido dela, sem conseguir se conter.
— Você conseguiu me seduzir, Cindy Lee.
— Porra, null! — Ela o empurrou de uma vez. — Para com isso!
null riu alto, totalmente divertido. Deixar null com vergonha agora seria seu novo hobby. Seu rosto ficava corado e lindo, e ela mal sabia o que dizer.
— Só tô dizendo que-
— Lá lá lá! — ela o interrompeu, colocando as duas mãos no ouvido e fechando os olhos. — Eu não consigo ouvir nada.
Ele riu novamente, incapaz de se segurar e agarrou as mãos dela.
— Muito maduro da sua parte, null!
null gritou, tentando se soltar dele e riu alto quando tentou fugir e null a agarrou pela cintura, a girando no ar.
— null, para... — ela pediu, ainda rindo. Mas estava... — Eu tô ficando sem fôlego, é sério. Eu tô... — null a colocou no chão e null riu um pouco mais, sem conseguir se conter, só que então parou quando a falta de ar se fez presente.
Por um instante, teve que se apoiar na bancada e respirar fundo.
— Você tá bem? — ele perguntou, meio divertido, meio preocupado.
— Sim, eu não controlei a respiração e acabei sem ar. — Ela colocou a mão sobre o peito, sentindo o coração bater acelerado. — Acho que me deu taquicardia, mas daqui a pouco passa.
— Caramba, null. Me desculpa. Senta aqui. — Ele puxou um banquinho para ela e a ajudou a subir nele. — Você precisa de alguma coisa?
— Só um pouco de água.
Rapidamente, ele encheu um copo para ela.
— Aqui. Acho que você precisa mesmo fazer uma consulta o quanto antes. Já entrou em contato com a clínica?
— Ainda não, eu ia fazer isso hoje.
— Ótimo. Eu falei com Derick, meu advogado, e ele disse que a partir de amanhã, seu plano de saúde já estará vigente — null informou. — Ele também disse que vai trazer o contrato amanhã de manhã pra gente assinar.
— Tá bem — ela disse, já um pouco melhor. — Vou ver se consigo um horário pela manhã na clínica. Você tem algum compromisso?
— Nada pela manhã. Na quinta e na sexta, eu tô o dia todo em casa.
Ela assentiu, fazendo uma nota mental para tentar um daqueles dias.
Algumas horas depois, entrou em contato com a clínica e conseguiu um horário na sexta, às oito da manhã. E na manhã de terça, Derick veio e eles assinaram o contrato, finalmente oficializando o acordo.
O próximo passo era planejar o primeiro encontro. Ou melhor, a primeira aparição pública deles como um casal.
— Agora que eu já te mostrei os quartos, Benny, vamos pra sala e a cozinha — null falou, encarando o duende na garrafa.
Benny tinha grandes bochechas, olhos brilhantes e escuros, usava uma roupinha azul, com touca da mesma cor, e suas mãos tocavam o vidro da garrafa em sua frente, fazendo parecer que ele estava sempre curioso.
null o achava super fofo.
Levou ele até o amplo ambiente aberto que continha sala e cozinha, e mostrou cada cantinho.
— Ali fica a TV e o sofá, que é bem macio e grande, como você pode ver. — Ela apontou para uma coisa e outra, em seguida, se virou para o balcão na cozinha. — Essa é a cozinha, não é enorme, mas tem um tamanho legal.
A porta de entrada se abriu, indicando que null tinha voltado da academia, mas null continuou concentrada na tour que estava dando ao amigo duende. Se aproximou da despensa onde null guardava os produtos de limpeza e abriu a porta.
— Aqui é onde o null guarda o arsenal de produtos de limpeza dele — murmurou baixinho. — null disse que ele é obcecado por limpeza, e eu também acho isso, mas ele não admite.
null entrou na cozinha e abriu a geladeira para pegar água.
— O que você tá fazendo? — perguntou, curioso, e então viu que ela estava com a garrafa na mão. — Ah, o boneco.
— Duende — corrigiu ela. — Eu tava apresentando a casa pro Benny. Pra ele se ambientar.
— Se ambientar? — null arqueou uma sobrancelha, um sorriso de canto puxando seus lábios.
— Sim, eu quero que ele se sinta seguro pra sair da garrafa.
— E como você vai saber que ele quer sair? — Ele perguntou, entrando na onda do duende.
— Ele vai me dar sinais. Algumas pessoas relatam que eles respiram na garrafa. Sabe quando a gente solta o ar na frente de um vidro e fica a mancha? Tipo isso.
— Sério? — null piscou, genuinamente intrigado. — E o que acontece quando ele sai da garrafa?
— As pessoas dizem que eles perambulam pela casa. E podem pregar peças se estiverem descontentes com algo.
— Tipo o quê?
— Tipo quando alguém esquece de dar bom dia a eles. Eles podem esconder suas coisas, por exemplo. No todo, eles são guardiões e podem conceder desejos também.
— Contanto que você agrade eles?
— Duendes gostam de atenção e objetos elementais. Vou comprar alguns cristais pra ele depois, pegar um pouco de terra, água e uma vela, pra ele ter o elemento fogo também.
— Certo... — null levantou o copo para beber água, achando tudo aquilo uma maluquice.
Será que seria bom levar null a um psiquiatra também? Talvez o último ano com toda aquela rotina maluca que ela havia enfrentado tivesse mexido com sua cabeça. Talvez o duende fosse uma válvula de escape?
— Você acha maluquice, né? — Ela perguntou, de repente.
null engasgou com a água.
— O quê? De jeito nenhum — ele mentiu.
— Mentira! Acha sim — null insistiu. — Não sou maluca. Um monte de gente tem duendes em casa.
— Se isso te faz feliz, não vou me intrometer. — Ele garantiu. — Isso faz parte de uma religião ou algo assim?
— Não, acho que é mais uma crença popular mesmo. Mas enfim... — Ela deu de ombros. — Vamos, Benny, vou te levar pro quarto e colocar um pouco de água pra você.
null sumiu por alguns instantes e quando voltou, null tinha sumido.
Ela então decidiu entrar em contato com a faculdade para pedir informações sobre a reativação de matrícula. Se jogou no sofá e enviou um e-mail para a coordenação do departamento de dança. Para sua surpresa, a resposta veio poucos minutos depois.
"A reativação de matrícula só é possível no início de cada semestre. No seu caso, Srta. null, poderá retornar às atividades no campus a partir de janeiro."
Curta e simples. Não foi nenhuma surpresa, mas mesmo assim null ficou um pouco chateada. Suspirou e olhou para o teto, dizendo a si mesma que talvez fosse um sinal. Para cuidar de sua saúde, treinar dança sozinha e descansar mais. E claro, ainda havia seu relacionamento de mentirinha com null. Talvez fosse melhor assim mesmo. Ao menos, ela se acostumaria com a exposição até retornar para a faculdade.
E pensar nisso, a fazia lembrar de...
Um movimento captou o olhar dela e null encarou null, que tinha acabado de voltar à cozinha.
— Você pensou no que vamos falar pras pessoas? Sobre como a gente se conheceu?
— Isso é mesmo importante? — ele perguntou, enquanto tirava ingredientes da geladeira.
null bufou e revirou os olhos.
— É claro que é. — Ela se levantou e foi até ele. — As pessoas vão ficar curiosas.
— Elas nunca ficaram antes.
— Porque você namorava modelos. Acho que talvez tenham suposto que você as conheceu em algum evento publicitário.
— Eu não namorei elas — ele corrigiu. — A gente só ficava.
— Tá, como você preferir. Mas eu vou ser sua namorada. E sou uma ninguém. As pessoas vão ficar curiosas.
— Você não é uma ninguém — ele retrucou, dando as costas para preparar alguns sanduíches.
— Sou sim — null insistiu. — Ninguém me conhece, null. E não sou como as modelos bonitonas com quem você costumava sair.
Aquela fala o irritou profundamente. null largou o que estava fazendo e se virou para ela, completamente sério.
— Você não devia pensar tão pouco de si mesma, null.
De repente, null riu, surpresa com aquela reação.
— Mas é verdade. Tô enxergando de uma forma objetiva.
— Não. Você tá se diminuindo à toa — ele rebateu. — Você é bonita. Muito bonita, na verdade. E o fato de não ser conhecida não te torna melhor ou pior do que ninguém. Achei que isso fosse óbvio.
null sentiu o rosto esquentar sob o olhar intenso dele. Seu coração errou uma batida. Sua respiração falhou.
— Não me olha assim — ela pediu, desviando o olhar dele.
null então levou a mão ao rosto dela e a fez encará-lo novamente.
— Por quê? Eu te deixo nervosa?
Ela prendeu a respiração, se perdendo do céu de seus olhos.
— Eu...
— Você tem que se acostumar a receber elogios, null. Você é bonita, talentosa, gentil e merece cada um deles.
null exalou o ar devagar, sentindo frio na barriga. Será que ele não percebia que estava, tipo, muito perto? Será que não percebia que a aparência dele era desconcertante? Que ela estava tentando agir de forma objetiva, para evitar que quaisquer tipos de sentimentos se enfiassem no meio deles dois?
Eles tinham um acordo. Assinariam um contrato em breve. Mas lá estava ela, nervosa, com o corpo tremendo por causa de uma proximidade e algumas palavras bonitas. Só que algo nela sabia que não era apenas isso. Não. Era o cuidado, a gentileza, a bondade dele, acima de tudo.
Tentando não deixar óbvio o impacto que ele causava, ela colocou a mão sobre a dele e hesitou por um instante, antes de se afastar suavemente, finalmente exalando ar que segurava.
Será que ele tinha ideia de como sua boca era bonita? Depois dos olhos, aquela era sua parte favorita nele, mas... O que você tá pensando, null?
Ela então se recompôs e explicou:
— As pessoas vão querer saber o que você viu em mim a ponto de te fazer querer entrar em um relacionamento. Vão querer saber como te conquistei e... O motivo de ser diferente dessa vez. Caso contrário, não acho que vão acreditar.
null suspirou e voltou a cozinhar.
— Que tal se dissermos que foi uma amiga em comum? A null.
— Mas não somos amigas. E falar que você se apaixonou pela faxineira soa...
— Soa como? O que tem de mais? — ele a desafiou a dizer.
— Tá de brincadeira? — Ela riu. — Primeiro, por que você abaixaria seus padrões? Segundo, me chamariam de interesseira.
— Na verdade, meu padrões se elevaram um pouco mais. Coincidentemente, você parece atender eles.
null engoliu em seco.
— Mesmo assim. As pessoas vão pensar pouco de mim. Que não sou boa o suficiente.
— Então que bom que minha melhor amiga é escritora. Podemos só falar que vocês se conheceram há alguns anos, a null também não expõe muito a vida particular. Você tem redes sociais?
— Não. Nenhuma.
— Melhor ainda. O máximo que podem descobrir é sobre sua faculdade. Imagino que a agência de limpeza mantenha confidencialidade. E se alguns clientes te reconhecerem, não tem nada de mais. Vamos lidar com isso. Não há vergonha alguma no fato de você ter trabalhado com isso.
— Tem certeza?
— Bem, eu não posso falar que fui seduzido pela dançarina sexy de um clube burlesco, né? Porque lá você é Cindy Lee. Por mais que eu ache que seria até mais convincente.
— null! — Ela deu um tapa no braço dele por impulso, fazendo-o rir.
— O quê? Vai dizer que tá com vergonha agora? Você praticamente dançou no meu colo, null.
Ela sentiu o rosto esquentar mais uma vez.
— Dá pra você parar de falar disso?
— Por quê? Você tava só trabalhando. E foi incrível. Funcionou, sabe?
— O quê? — Ela o encarou e null se aproximou para sussurrar no ouvido dela, sem conseguir se conter.
— Você conseguiu me seduzir, Cindy Lee.
— Porra, null! — Ela o empurrou de uma vez. — Para com isso!
null riu alto, totalmente divertido. Deixar null com vergonha agora seria seu novo hobby. Seu rosto ficava corado e lindo, e ela mal sabia o que dizer.
— Só tô dizendo que-
— Lá lá lá! — ela o interrompeu, colocando as duas mãos no ouvido e fechando os olhos. — Eu não consigo ouvir nada.
Ele riu novamente, incapaz de se segurar e agarrou as mãos dela.
— Muito maduro da sua parte, null!
null gritou, tentando se soltar dele e riu alto quando tentou fugir e null a agarrou pela cintura, a girando no ar.
— null, para... — ela pediu, ainda rindo. Mas estava... — Eu tô ficando sem fôlego, é sério. Eu tô... — null a colocou no chão e null riu um pouco mais, sem conseguir se conter, só que então parou quando a falta de ar se fez presente.
Por um instante, teve que se apoiar na bancada e respirar fundo.
— Você tá bem? — ele perguntou, meio divertido, meio preocupado.
— Sim, eu não controlei a respiração e acabei sem ar. — Ela colocou a mão sobre o peito, sentindo o coração bater acelerado. — Acho que me deu taquicardia, mas daqui a pouco passa.
— Caramba, null. Me desculpa. Senta aqui. — Ele puxou um banquinho para ela e a ajudou a subir nele. — Você precisa de alguma coisa?
— Só um pouco de água.
Rapidamente, ele encheu um copo para ela.
— Aqui. Acho que você precisa mesmo fazer uma consulta o quanto antes. Já entrou em contato com a clínica?
— Ainda não, eu ia fazer isso hoje.
— Ótimo. Eu falei com Derick, meu advogado, e ele disse que a partir de amanhã, seu plano de saúde já estará vigente — null informou. — Ele também disse que vai trazer o contrato amanhã de manhã pra gente assinar.
— Tá bem — ela disse, já um pouco melhor. — Vou ver se consigo um horário pela manhã na clínica. Você tem algum compromisso?
— Nada pela manhã. Na quinta e na sexta, eu tô o dia todo em casa.
Ela assentiu, fazendo uma nota mental para tentar um daqueles dias.
Algumas horas depois, entrou em contato com a clínica e conseguiu um horário na sexta, às oito da manhã. E na manhã de terça, Derick veio e eles assinaram o contrato, finalmente oficializando o acordo.
O próximo passo era planejar o primeiro encontro. Ou melhor, a primeira aparição pública deles como um casal.
Capítulo 16
29 de setembro de 2017, 07:52 - Clínica HeartWell, Nova York, NY
null parou na entrada da clínica e respirou fundo antes de, enfim, seguir até a recepção. Fazia quase nove meses desde sua última consulta com o Dr. Martinez.
Estava se preparando mentalmente para uma bronca e uma bateria de exames. Assim que conseguiu marcar a consulta, null foi avisada que precisaria fazer jejum de doze horas para os exames de sangue do check-up. Isso sem contar os outros, que ela já tinha ideia que o médico pediria.
— Bom dia, meu nome é null null. Eu tenho uma consulta agendada para às oito com o Dr. Martinez.
A recepcionista, que não era a mesma que null se lembrava, a encarou com um sorriso cordial.
— Bom dia, Srta. null. Por favor, aguarde um pouco na sala de espera enquanto eu aviso o Dr. Martinez de sua chegada.
null assentiu e olhou para null por um instante, antes de levá-lo à sala de espera que conhecia muito bem.
— Tá nervosa? — ele perguntou, assim que se sentaram.
— Só um pouquinho — ela admitiu. — Tô com fome.
— Podemos comer algo depois que a gente sair.
null balançou a cabeça.
— Não sei, se for como eu tô pensando, acho que vai demorar. Se isso acontecer, você pode ir e eu volto sozinha depois.
— Nem pensar. Vou te acompanhar até o final.
Ela assentiu, sem retrucar. Na verdade, estava grata por ter alguém a acompanhando, pois a fazia se sentir um pouquinho mais segura. Cinco minutos depois, a recepcionista os chamou e eles entraram no consultório.
— null null. Faz tempo que não te vejo — Dr. Martinez a cumprimentou com um sorriso grande e simpático. Ele era filho de imigrantes colombianos e devia ter no máximo trinta e cinco anos.
— Hola, Dr. Martinez. Desculpe a demora. — Ela encolheu os ombros e então apontou para null. — Esse é meu-
— Oi, null null, namorado da null. — null se adiantou, estendendo uma mão para cumprimentá-lo.
— Prazer em conhecê-lo. Por favor, sentem-se — o médico pediu e voltou a falar logo em seguida. — Bem, null, você solicitou um check-up, certo? Quero saber o que andou fazendo nos últimos meses em que ficou sumida. Preciso reavaliar seu caso.
— Certo. Bem, até semana passada eu estava naquela rotina que informei na última consulta...
— De domingo a domingo, em três empregos diferentes? — ele perguntou, enquanto checava o histórico dela no computador. — Você não teve nenhum problema durante esse tempo? É muito pesado, especialmente a longo prazo...
— Tive alguns... — ela admitiu. — Várias arritmias nos últimos meses, principalmente quando me cansava muito, além de alguns episódios de tontura, hipotensão, fadiga e falta de ar.
— Você ainda está fazendo o uso das medicações que passei?
— Sim, mas houve vezes em que aumentei a dose de disopiramida por conta própria. Quando os sintomas se tornaram mais frequentes. Sei que não é certo, mas...
— Entendo — Dr. Martinez comentou, enquanto digitava no computador. — Você está de jejum, certo? Preciso que faça coleta de sangue para alguns exames e depois você volta pra fazer os outros testes comigo.
— Quais testes?
— Vamos precisar da medida de sua pressão arterial e também vamos realizar um eletrocardiograma, ecocardiograma e teste de esforço. O holter 24h você vai levar pra casa e voltar amanhã com o aparelho — ele explicou rapidamente. — Vou precisar que você tire uma folga hoje como dançarina.
— Certo... — null assentiu.
— Como você está de jejum, pode tirar um tempo depois da coleta para comer e talvez voltar em… meia hora, talvez? Há locais aqui perto onde você pode se alimentar.
— Tudo bem, obrigada. — Ela sorriu.
— Nos vemos em breve então. Vou avisar à enfermeira sobre a coleta.
Pouco depois que saiu da sala, uma enfermeira apareceu e conduziu null até a sala de coleta de exames. Ela respirou fundo e virou a cabeça para o lado antes de ser picada. Tentou pensar em coisas boas para distrair a mente enquanto a mulher enchia um tubo atrás do outro com seu sangue. Ao todo, foram três e por um momento, null sentiu a boca salivar excessivamente enquanto uma onda de náusea a atingia, fazendo sua visão escurecer por alguns segundos.
— Está tudo bem? — a enfermeira perguntou. — Você está pálida.
— Sim, acho que foi uma queda de pressão. Posso tomar água?
— Claro, só um momento.
null já estava enxergando outra vez quando a enfermeira colocou um copo de água em suas mãos, que ela tomou devagar, enquanto sentia o enjôo passar aos poucos. Cinco minutos depois, ela deixou a sala e encontrou null de braços cruzados na sala de espera.
— Caramba, usaram um vampiro pra sugar seu sangue? Você tá muito pálida.
null deu uma risadinha diante da piada, mas se sentia um pouco sonolenta.
— Acho que sim. Pelo menos agora eu posso comer e me recuperar antes dos outros exames.
— Certo, vamos. — Ele a conduziu pelos ombros, com medo de que pudesse cair a qualquer momento. Por mais que tivesse brincado, era inevitável não sentir uma pontinha de preocupação.
Seguiram até uma cafeteria que ficava em frente à clínica e se sentaram em uma mesa aos fundos. Um croissant, meia fatia de torta de limão e um copo de suco de laranja depois, null parecia nova em folha.
Quando voltaram para a clínica, a mesma enfermeira de antes os conduziu até outra sala de exames, onde o Dr. Martinez já os aguardava. null ficou sentado em um canto enquanto null era examinada outra vez. Sua pressão arterial foi aferida e, um momento depois, ele a viu tirar a blusa e ficar vestida com apenas um top preto de alças finas, antes da enfermeira começar a colar adesivos de eletrodos em seu torso.
null já tinha feito aquilo antes e ficou feliz por não ser um homem fazendo aquilo nela. Ele observou o Dr. Martinez, que parecia um tanto alheio enquanto se concentrava em ajustar alguns aparelhos, e suspirou.
Minutos mais tarde, chegou a hora de null fazer o último teste.
— Muito bem, null. Agora vamos ao teste de esforço — o médico falou. — Suba na esteira.
null obedeceu e então começou a caminhar em um ritmo moderado por alguns minutos. Dr. Martinez aumentou um pouco a velocidade e null seguiu em um ritmo mais intenso, mas se cansou cerca de um minuto depois. O aparelho a que estava conectada começou a apitar rapidamente e null ficou de pé, em alerta. null estava pálida, sem fôlego e Dr. Martinez desligou a esteira, a segurando a tempo de evitar que ela caísse.
— Ei, garota, tá tudo bem. Respira — O médico murmurou baixinho e ela assentiu, enquanto ele a ajudava a sentar em uma cadeira.
null assistiu com aflição pelo que pareceu longos minutos enquanto null recuperava o fôlego.
— Eu tô bem. Tô bem — ela garantiu, ainda um pouco ofegante.
O médico franziu o cenho e então lançou um olhar sério para null, sem falar nada. Obviamente, aquilo só o preocupou ainda mais, mas ele resolveu não se intrometer na consulta. Antes de saírem da sala de exames, Dr. Martinez conectou um pequeno aparelho portátil nela, que null nunca tinha visto.
— Esse é o holter 24h. Ele registra a atividade elétrica cardíaca de forma contínua, no intuito de detectar possíveis arritmias que não apareceram no ECG em repouso — ele explicou. — Amanhã você vai trazer esse aparelho de volta e vamos providenciar os resultados de todos os exames para chegar a uma conclusão. A consulta não deve demorar muito.
— Tudo bem — null e null falaram ao mesmo tempo.
— Mas desde já adianto que achei sua resistência física péssima, null — Dr. Martinez acrescentou, sem rodeios. — Você vai precisar trabalhar nisso depois se quiser continuar dançando.
null respirou fundo e assentiu, um pouco desanimada, mas não surpresa.
null segurou sua mão em apoio e ela a apertou de volta, agradecendo silenciosamente. Deixaram a clínica alguns minutos depois e quando entraram no carro, null suspirou.
— É, nada de dança hoje pra mim. Vou avisar Suzy. — E pegou o celular, enviando uma mensagem para a chefe rapidamente, enquanto null dava a partida no carro.
— Bem, depois daquele fiasco de teste de esforço, eu até consideraria trancar você em casa por uma semana, mesmo se não tivesse esse tal de holter pra você fazer.
— Uma semana? — null riu. — Que exagero.
— Eu pensei que você fosse desmaiar em cima do médico, null.
— Bem, não seria a primeira vez. — Ela deu de ombros, como se não fosse nada de mais. — Vai ficar tudo bem, null.
— Eu acho que você devia abrir mão dos turnos da cafeteria. Pelo menos um ou dois, já que insiste em limpar minha casa e a de Adrian.
— Não precisa. A cafeteria não exige muito de mim.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Então você promete que se algo der errado, vai diminuir a rotina e ligar pra mim imediatamente se sentir alguma coisa?
— Prometo. Contanto que você não esteja em um evento ou trabalho muito importante.
— null... — Ele murmurou, em tom de aviso.
— O quê? Não quero te atrapalhar.
— Você não vai me atrapalhar, então deixe de ser teimosa.
— Tá... — Ela murmurou, meio ranzinza, olhando pela janela.
— Vamos passar em algum lugar pra almoçar? Pode ser nossa primeira aparição pública.
— O quê? Assim? — Ela apontou para si mesma.
— Qual o problema?
— Eu não tô arrumada. Nem tô maquiada.
— Você tá usando batom, é suficiente. E seu cabelo tá lindo. Suas roupas são casuais, como as minhas. Não vamos a um lugar chique que exija código de vestimenta.
— Eu... Tem certeza? Parece repentino.
— Mas seria espontâneo. A gente almoça e dá uma volta pelo Central Park por uns cinco minutos e então vamos embora.
— Eu, hm... Tudo bem, eu acho — ela disse e null sorriu, satisfeito.
— Ótimo. Agora me diz, você gosta de sushi?
null parou na entrada da clínica e respirou fundo antes de, enfim, seguir até a recepção. Fazia quase nove meses desde sua última consulta com o Dr. Martinez.
Estava se preparando mentalmente para uma bronca e uma bateria de exames. Assim que conseguiu marcar a consulta, null foi avisada que precisaria fazer jejum de doze horas para os exames de sangue do check-up. Isso sem contar os outros, que ela já tinha ideia que o médico pediria.
— Bom dia, meu nome é null null. Eu tenho uma consulta agendada para às oito com o Dr. Martinez.
A recepcionista, que não era a mesma que null se lembrava, a encarou com um sorriso cordial.
— Bom dia, Srta. null. Por favor, aguarde um pouco na sala de espera enquanto eu aviso o Dr. Martinez de sua chegada.
null assentiu e olhou para null por um instante, antes de levá-lo à sala de espera que conhecia muito bem.
— Tá nervosa? — ele perguntou, assim que se sentaram.
— Só um pouquinho — ela admitiu. — Tô com fome.
— Podemos comer algo depois que a gente sair.
null balançou a cabeça.
— Não sei, se for como eu tô pensando, acho que vai demorar. Se isso acontecer, você pode ir e eu volto sozinha depois.
— Nem pensar. Vou te acompanhar até o final.
Ela assentiu, sem retrucar. Na verdade, estava grata por ter alguém a acompanhando, pois a fazia se sentir um pouquinho mais segura. Cinco minutos depois, a recepcionista os chamou e eles entraram no consultório.
— null null. Faz tempo que não te vejo — Dr. Martinez a cumprimentou com um sorriso grande e simpático. Ele era filho de imigrantes colombianos e devia ter no máximo trinta e cinco anos.
— Hola, Dr. Martinez. Desculpe a demora. — Ela encolheu os ombros e então apontou para null. — Esse é meu-
— Oi, null null, namorado da null. — null se adiantou, estendendo uma mão para cumprimentá-lo.
— Prazer em conhecê-lo. Por favor, sentem-se — o médico pediu e voltou a falar logo em seguida. — Bem, null, você solicitou um check-up, certo? Quero saber o que andou fazendo nos últimos meses em que ficou sumida. Preciso reavaliar seu caso.
— Certo. Bem, até semana passada eu estava naquela rotina que informei na última consulta...
— De domingo a domingo, em três empregos diferentes? — ele perguntou, enquanto checava o histórico dela no computador. — Você não teve nenhum problema durante esse tempo? É muito pesado, especialmente a longo prazo...
— Tive alguns... — ela admitiu. — Várias arritmias nos últimos meses, principalmente quando me cansava muito, além de alguns episódios de tontura, hipotensão, fadiga e falta de ar.
— Você ainda está fazendo o uso das medicações que passei?
— Sim, mas houve vezes em que aumentei a dose de disopiramida por conta própria. Quando os sintomas se tornaram mais frequentes. Sei que não é certo, mas...
— Entendo — Dr. Martinez comentou, enquanto digitava no computador. — Você está de jejum, certo? Preciso que faça coleta de sangue para alguns exames e depois você volta pra fazer os outros testes comigo.
— Quais testes?
— Vamos precisar da medida de sua pressão arterial e também vamos realizar um eletrocardiograma, ecocardiograma e teste de esforço. O holter 24h você vai levar pra casa e voltar amanhã com o aparelho — ele explicou rapidamente. — Vou precisar que você tire uma folga hoje como dançarina.
— Certo... — null assentiu.
— Como você está de jejum, pode tirar um tempo depois da coleta para comer e talvez voltar em… meia hora, talvez? Há locais aqui perto onde você pode se alimentar.
— Tudo bem, obrigada. — Ela sorriu.
— Nos vemos em breve então. Vou avisar à enfermeira sobre a coleta.
Pouco depois que saiu da sala, uma enfermeira apareceu e conduziu null até a sala de coleta de exames. Ela respirou fundo e virou a cabeça para o lado antes de ser picada. Tentou pensar em coisas boas para distrair a mente enquanto a mulher enchia um tubo atrás do outro com seu sangue. Ao todo, foram três e por um momento, null sentiu a boca salivar excessivamente enquanto uma onda de náusea a atingia, fazendo sua visão escurecer por alguns segundos.
— Está tudo bem? — a enfermeira perguntou. — Você está pálida.
— Sim, acho que foi uma queda de pressão. Posso tomar água?
— Claro, só um momento.
null já estava enxergando outra vez quando a enfermeira colocou um copo de água em suas mãos, que ela tomou devagar, enquanto sentia o enjôo passar aos poucos. Cinco minutos depois, ela deixou a sala e encontrou null de braços cruzados na sala de espera.
— Caramba, usaram um vampiro pra sugar seu sangue? Você tá muito pálida.
null deu uma risadinha diante da piada, mas se sentia um pouco sonolenta.
— Acho que sim. Pelo menos agora eu posso comer e me recuperar antes dos outros exames.
— Certo, vamos. — Ele a conduziu pelos ombros, com medo de que pudesse cair a qualquer momento. Por mais que tivesse brincado, era inevitável não sentir uma pontinha de preocupação.
Seguiram até uma cafeteria que ficava em frente à clínica e se sentaram em uma mesa aos fundos. Um croissant, meia fatia de torta de limão e um copo de suco de laranja depois, null parecia nova em folha.
Quando voltaram para a clínica, a mesma enfermeira de antes os conduziu até outra sala de exames, onde o Dr. Martinez já os aguardava. null ficou sentado em um canto enquanto null era examinada outra vez. Sua pressão arterial foi aferida e, um momento depois, ele a viu tirar a blusa e ficar vestida com apenas um top preto de alças finas, antes da enfermeira começar a colar adesivos de eletrodos em seu torso.
null já tinha feito aquilo antes e ficou feliz por não ser um homem fazendo aquilo nela. Ele observou o Dr. Martinez, que parecia um tanto alheio enquanto se concentrava em ajustar alguns aparelhos, e suspirou.
Minutos mais tarde, chegou a hora de null fazer o último teste.
— Muito bem, null. Agora vamos ao teste de esforço — o médico falou. — Suba na esteira.
null obedeceu e então começou a caminhar em um ritmo moderado por alguns minutos. Dr. Martinez aumentou um pouco a velocidade e null seguiu em um ritmo mais intenso, mas se cansou cerca de um minuto depois. O aparelho a que estava conectada começou a apitar rapidamente e null ficou de pé, em alerta. null estava pálida, sem fôlego e Dr. Martinez desligou a esteira, a segurando a tempo de evitar que ela caísse.
— Ei, garota, tá tudo bem. Respira — O médico murmurou baixinho e ela assentiu, enquanto ele a ajudava a sentar em uma cadeira.
null assistiu com aflição pelo que pareceu longos minutos enquanto null recuperava o fôlego.
— Eu tô bem. Tô bem — ela garantiu, ainda um pouco ofegante.
O médico franziu o cenho e então lançou um olhar sério para null, sem falar nada. Obviamente, aquilo só o preocupou ainda mais, mas ele resolveu não se intrometer na consulta. Antes de saírem da sala de exames, Dr. Martinez conectou um pequeno aparelho portátil nela, que null nunca tinha visto.
— Esse é o holter 24h. Ele registra a atividade elétrica cardíaca de forma contínua, no intuito de detectar possíveis arritmias que não apareceram no ECG em repouso — ele explicou. — Amanhã você vai trazer esse aparelho de volta e vamos providenciar os resultados de todos os exames para chegar a uma conclusão. A consulta não deve demorar muito.
— Tudo bem — null e null falaram ao mesmo tempo.
— Mas desde já adianto que achei sua resistência física péssima, null — Dr. Martinez acrescentou, sem rodeios. — Você vai precisar trabalhar nisso depois se quiser continuar dançando.
null respirou fundo e assentiu, um pouco desanimada, mas não surpresa.
null segurou sua mão em apoio e ela a apertou de volta, agradecendo silenciosamente. Deixaram a clínica alguns minutos depois e quando entraram no carro, null suspirou.
— É, nada de dança hoje pra mim. Vou avisar Suzy. — E pegou o celular, enviando uma mensagem para a chefe rapidamente, enquanto null dava a partida no carro.
— Bem, depois daquele fiasco de teste de esforço, eu até consideraria trancar você em casa por uma semana, mesmo se não tivesse esse tal de holter pra você fazer.
— Uma semana? — null riu. — Que exagero.
— Eu pensei que você fosse desmaiar em cima do médico, null.
— Bem, não seria a primeira vez. — Ela deu de ombros, como se não fosse nada de mais. — Vai ficar tudo bem, null.
— Eu acho que você devia abrir mão dos turnos da cafeteria. Pelo menos um ou dois, já que insiste em limpar minha casa e a de Adrian.
— Não precisa. A cafeteria não exige muito de mim.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Então você promete que se algo der errado, vai diminuir a rotina e ligar pra mim imediatamente se sentir alguma coisa?
— Prometo. Contanto que você não esteja em um evento ou trabalho muito importante.
— null... — Ele murmurou, em tom de aviso.
— O quê? Não quero te atrapalhar.
— Você não vai me atrapalhar, então deixe de ser teimosa.
— Tá... — Ela murmurou, meio ranzinza, olhando pela janela.
— Vamos passar em algum lugar pra almoçar? Pode ser nossa primeira aparição pública.
— O quê? Assim? — Ela apontou para si mesma.
— Qual o problema?
— Eu não tô arrumada. Nem tô maquiada.
— Você tá usando batom, é suficiente. E seu cabelo tá lindo. Suas roupas são casuais, como as minhas. Não vamos a um lugar chique que exija código de vestimenta.
— Eu... Tem certeza? Parece repentino.
— Mas seria espontâneo. A gente almoça e dá uma volta pelo Central Park por uns cinco minutos e então vamos embora.
— Eu, hm... Tudo bem, eu acho — ela disse e null sorriu, satisfeito.
— Ótimo. Agora me diz, você gosta de sushi?
Capítulo 17
— Tem um paparazzi atrás de você — null murmurou com um sorriso, como se contasse um segredo.
— Tem? — O primeiro instinto de null foi virar o rosto para ver, mas null a impediu, colocando a mão nele.
— Não vira. — Ele riu, divertido. — Vai ficar na cara se você virar.
— Tem razão, desculpa. — Ela riu também.
— Relaxa. — null colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha, antes de se afastar e pegar o cardápio para escolher as bebidas. — Você prefere suco ou refrigerante?
— Quero só água com gás e limão mesmo.
— Tem certeza? — Ela assentiu. — Beleza. Eu posso escolher a sobremesa?
null arqueou a sobrancelha, desconfiada.
— Depende. Contanto que não tenha amendoim, damasco ou pistache, eu tô bem com tudo.
— Por quê? Você não gosta?
— De amendoim, só em barra de chocolate; dos outros tipos, não gosto. O motivo foi uma intoxicação alimentar há uns cinco anos.
— Certo. — Ele encarou novamente o cardápio, sem mudar de ideia.
Quando o garçom chegou, null pediu as bebidas e apenas apontou para a imagem no cardápio das sobremesas. Cada um já tinha um prato de sushi em sua frente e comeram durante uma conversa agradável.
— Então... Eu vou ser mesmo a amiga de null que você acabou conhecendo? — null perguntou, em tom de diversão.
— Talvez. Vamos dizer que vocês se conheceram em uma livraria e discutiram sobre um livro aleatório e ela te convidou pra ir na casa dela. Todo mundo sabe da nossa amizade, então não acho que vão estranhar.
— Se perguntarem sobre nosso primeiro encontro...
— Vamos dizer que foi no mês passado e que desde então ficamos amigos, e virou algo mais — ele continuou. — Mas só se alguém perguntar.
— Acho que vão fazer suposições primeiro. A ex-que-não-é-ex inventou uma fofoca maluca sobre você. Não acha que vão pensar que você traiu ela comigo?
— Não, ela já revelou a verdade. E tá sobre um acordo de que não pode mais falar nenhuma mentira sobre mim. Se isso acontecer, eu processo ela.
— Caramba. — Ela riu novamente. — Tomara que dê tudo certo então.
— Vai sim. — Ele sorriu, brincando com os hashis. — A gente vai arrasar.
null sorriu de volta, sentindo a pequena cumplicidade que se desenvolvia entre os dois. Então pegou um bolinho de salmão do próprio prato, molhou no shoyu e ofereceu a ele, que aceitou instantaneamente.
— Eu amo esses bolinhos. O que você acha?
— Acho que consigo fazer eles em casa — ele brincou. — Mas que esperta, me dando comida na boca...
— Vou ser a melhor namorada de mentirinha que você já teve.
— E única. — null deu uma risadinha no mesmo instante em que as bebidas e a sobremesa chegaram. — Obrigado — disse ao garçom.
— Caramba, que coisa linda. — null encarou a fatia gigante de torta de chocolate lindamente decorada.
— São três chocolates. Meio amargo, ao leite e branco.
— Dá até pena de comer, mas quem sou eu pra fazer essa desfeita? — Ela mordeu outra peça de sushi e em menos de cinco minutos, os dois estavam com garfos na mão, dividindo a sobremesa.
Por um instante, até esqueceram da presença do paparazzi no restaurante. null jogou a cabeça para trás na primeira mordida, gemendo baixinho enquanto se deliciava com a torta e null sorriu, satisfeito em ver que ela tinha gostado.
— Eu tava pensando... O que acha da gente ir pro cinema mais tarde?
— Cinema? Nem lembro a última vez que fui em um. Mas eu topo. Que filme você quer ver?
— Sei lá. A gente pode escolher um quando chegar lá e pegar sala VIP.
— Okay. — Ela deu de ombros e pegou o celular para olhar a hora. Quase uma da tarde. Então lembrou de seu turno no trabalho. — Ah, o café... Eu trabalho à noite.
null fez uma careta.
— O médico disse pra você não trabalhar.
— Como dançarina — ela lembrou. — Esqueci do meu turno das sete às dez.
— Você não pode faltar? — Ele pediu e levantou um dedo. — Só um dia, null. O dinheiro nem vai te fazer falta, você sabe disso.
null encarou aquele par de olhos azuis pidões e suspirou, sentindo-se completamente rendida.
— Eu... Hm, acho que posso faltar hoje.
— Na verdade... Acho que você devia tirar folga do café na sexta — ele sugeriu. — A gente pode usar esse tempo pra sair, que nem hoje. Vou te levar pra conhecer uns lugares legais que null e eu achamos.
null ponderou por um instante.
— Vou falar com minha chefe enquanto tá cedo — ela decidiu. — Vou trocar o turno com alguém e ir trabalhar amanhã de manhã e à tarde, e então vou conversar com ela sobre a folga da sexta.
— Isso aí, garota! — Ele se inclinou, apertando de brincadeira uma bochecha dela.
Menos de dez minutos depois, eles deixaram o restaurante e a próxima parada foi uma pequena caminhada no Central Park, como combinado. null ouviu um clique atrás deles e ignorou o paparazzi que tentou se esconder atrás de uma árvore, como se ele fosse mesmo estúpido a ponto de não perceber sua presença.
— Será que ele sabe que dá pra ver ele daqui? — null perguntou, olhando de soslaio para o homem escondido.
Quando o viu segurar a câmera novamente, por instinto, se aproximou de null, apoiando as duas mãos na cintura dele, enquanto seu corpo grande a escondia das câmeras. O pequeno feito não passou despercebido.
— Ainda tá tímida? — Ele colocou as mãos em cima das dela. — Aposto que o cara nem vai conseguir pegar seu rosto direito, relaxa.
— É esquisito. Saber que tem alguém me seguindo. Como você se acostumou com isso?
— Sei lá. No início era estranho. A banda ficou famosa com um vídeo que a null postou anonimamente. A gente se apresentou num festival em Chicago e ganhamos o segundo lugar, só que conquistamos o público — ele contou. — Quando descemos do palco, uma maluca agarrou o e beijou ele. A null viu. Ele tavam ficando, na época.
— Sério?
null assentiu.
— Ela sumiu e no dia seguinte veio pra cá, já que morava aqui e ia começar a faculdade. Ia vir de um jeito ou de outro, mas escolheu dar um bolo nele. O vídeo foi a única coisa que sobrou. Mas aí viralizou e conseguimos um contrato com uma gravadora.
— Que chato. Não isso, mas ela ter visto a menina beijar ele — null comentou. — Como eles se encontraram de novo?
— Eu encontrei a null num hospital cinco anos depois. Acabei cortando a mão e ela trabalhava lá, foi pura coincidência. Ficamos amigos, mas ela me fez prometer não contar nada pra ninguém. Os caras sabiam que eu tinha essa amiga e passaram anos falando que eu tinha uma namorada secreta.
— E você não ficou com ninguém durante esse tempo?
— Fiquei. Mas eu nunca fui de comentar muito sobre. Na verdade... Nunca achei uma necessidade, sabe? Ficar com pessoas. E nunca entendi quem não consegue ficar sem se envolver com ninguém.
— Nem eu. Fui solteira a minha vida toda. Acho que nem sei como agiria se eu tivesse em um relacionamento.
— Ah, mas você tá em um agora. — Ele se inclinou, aproximando o rosto dela. Então perguntou, de repente. — Posso te beijar, null?
— O quê? — Ela piscou, surpresa.
— Vamos dar material pra ele. — Ele olhou para o lado, indicando o paparazzi.
— Hm... Tudo bem, eu acho.
O coração dela acelerou e bateu forte, fazendo-a ficar ofegante por um momento. null se aproximou mais, roçando o nariz no dela, e levou uma mão ao seu rosto.
O frio na barriga se instalou, mas null tentou se manter calma.
— Relaxa — ele sussurrou contra seus lábios e então a beijou suavemente.
A ideia era apenas selar seus lábios por alguns segundos, mas então null sentiu null deslizar as mãos por seu pescoço e a puxou mais para perto, por instinto. Se separou dela por um instante, a encarando nos olhos, e então selou seus lábios mais uma vez, aprofundando o beijo.
Era como se o mundo ao redor deles tivesse ficado em silêncio, como se estivessem em uma bolha só deles, onde nada nem ninguém os incomodaria. null provou os lábios macios de null e, de repente, ele não queria mais parar, mesmo sabendo que tinha que fazer isso.
Era errado. Era de mentira. Ele tinha a contratado para fingir e um beijo daqueles não estava nos planos. Era para ser só um selinho e nada mais. Só para eles parecerem um casal fofo.
Ele tentou lembrar isso a si mesmo durante todo o tempo em que a envolveu nos braços, durante todo o tempo em que seus lábios tocaram os dela. Mesmo assim, não conseguiu parar. Ao menos não até que o ar se fez ausente.
E se ele estava sem ar, null parecia muito pior, com a respiração rápida e ofegante, o encarando nos olhos por um instante antes de apoiar a testa no peito dele, o corpo relaxando em seus braços. Por instinto, null a abraçou e null retribuiu o gesto. Ficaram naquela posição por longos minutos, até que enfim decidiram ir embora.
O caminho para casa seguiu em silêncio e nenhum dos dois tocou naquele assunto.
***
null não sabia o que havia dado nela. O silêncio no carro agora estava instalado e ela não se atrevia a nem mesmo olhar de soslaio para null, que também não parecia inclinado a conversar.
Não devia ter beijado ele daquela forma. Ele era seu chefe. Ela estava sobre contrato. E claro, era sua namorada falsa e tinha concordado em demonstrar afeição em público. Abraços, andar de mãos dadas. Até mesmo beijos, mas não aquele tipo de beijo, que parecia que iria consumir eles dois.
Era para ser algo simples, algo fofo. Não uma coisa para fazer seu coração acelerar e seu corpo esquentar. Ela ainda conseguia sentir o gosto de chocolate daquele beijo. A pressão dos lábios dele contra os dela.
Disse a si mesma que era tudo fingimento. Que tinha acontecido porque... Porque sim. Tentou convencer a si mesma de que não era nada de mais, mas mal podia esperar para chegar em casa e se trancar no quarto, apenas porque queria se enfiar em algum lugar longe dos olhos dele, para poder pensar com calma e se recuperar do nervosismo, do frio na barriga, da sensação dos braços fortes dele a segurando firme contra si.
O coração dela acelerou outra vez só de lembrar e null se sentiu patética. Não tinha sido assim com Josh, que foi basicamente o único cara que havia conseguido chegar até ela. As circunstâncias com null eram diferentes e ela sabia que era tudo uma encenação, mas seu corpo parecia discordar.
Talvez fosse a gentileza dele, sua personalidade carismática e o cuidado que insistia em ter com ela, mesmo não sendo sua obrigação. null estava acostumada a viver sozinha, a ser ignorada onde quer que fosse, e aquele tipo de atenção estava confundindo seu cérebro idiota quando não deveria. Ou talvez fosse seu coração idiota e defeituoso.
E o fato de null ter a aparência de um deus grego não ajudava em absolutamente nada. Ele era como os personagens fictícios de livros de romance. Agora que o conhecia, não se surpreendia ao saber que as pessoas costumavam se apaixonar por sua personalidade doce, gentil e cuidadosa. O surpreendente mesmo era que elas duvidassem de quem ele era. Ninguém conseguia segurar uma máscara por uma década. É claro que null tinha duvidado de seu caráter no início, pois não o conhecia. Tampouco imaginava que a suposta ex dele fosse capaz de inventar aquelas coisas horríveis, descredibilizando tantas lutas femininas reais que havia por aí.
Por culpa dela, ele tinha embarcado em um relacionamento falso. Mas por culpa dela também, agora null tinha um plano de saúde garantido pela próxima década.
Havia alguns males que vinham para o bem, de fato.
Mesmo que o bem em questão beneficiasse apenas ela. null tinha feito uma proposta irrecusável, mas null provavelmente teria aceitado se ele oferecesse apenas o plano de saúde, só porque estava cansada de andar por aí como uma bomba-relógio, cansada de ter medo de algo acontecer e estar sozinha. Mas lá estava ele, querendo consertar a vida dela inteirinha.
Gratidão era uma palavra muito simples para demonstrar o que null sentia, mas era a única que poderia usar.
Quando chegaram ao estacionamento do condomínio onde ele morava, null respirou fundo, dizendo a si mesma que encararia aquela situação no Central Park com naturalidade. Era só um beijo, não precisava ficar nervosa por conta de uma besteira dessas. Provavelmente nem tinha significado nada para ele. null só a tinha beijado daquela forma porque... Porque ela se derreteu nos braços dele. Talvez ele tivesse aproveitado a chance para deixar o paparazzi livre de quaisquer dúvidas.
Sim, ela tinha que enxergar assim, de uma forma fria e objetiva. Afinal, não havia outro motivo.
Encare com naturalidade, null. Não foi nada de mais.
Mesmo assim, quando entraram no apartamento, ela deu uma desculpa de que iria tomar banho e não perdeu nem um minuto antes de se trancar no quarto. Estar perto dele não a deixava pensar direito, ainda mais com aquele clima estranho pairando entre os dois, como um claro incômodo. Como uma farpa enfiada na pele; uma farpa que eventualmente eles teriam que tirar.
Mas por ora, fingir que nada havia acontecido era a opção mais tranquila.
— Tem? — O primeiro instinto de null foi virar o rosto para ver, mas null a impediu, colocando a mão nele.
— Não vira. — Ele riu, divertido. — Vai ficar na cara se você virar.
— Tem razão, desculpa. — Ela riu também.
— Relaxa. — null colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha, antes de se afastar e pegar o cardápio para escolher as bebidas. — Você prefere suco ou refrigerante?
— Quero só água com gás e limão mesmo.
— Tem certeza? — Ela assentiu. — Beleza. Eu posso escolher a sobremesa?
null arqueou a sobrancelha, desconfiada.
— Depende. Contanto que não tenha amendoim, damasco ou pistache, eu tô bem com tudo.
— Por quê? Você não gosta?
— De amendoim, só em barra de chocolate; dos outros tipos, não gosto. O motivo foi uma intoxicação alimentar há uns cinco anos.
— Certo. — Ele encarou novamente o cardápio, sem mudar de ideia.
Quando o garçom chegou, null pediu as bebidas e apenas apontou para a imagem no cardápio das sobremesas. Cada um já tinha um prato de sushi em sua frente e comeram durante uma conversa agradável.
— Então... Eu vou ser mesmo a amiga de null que você acabou conhecendo? — null perguntou, em tom de diversão.
— Talvez. Vamos dizer que vocês se conheceram em uma livraria e discutiram sobre um livro aleatório e ela te convidou pra ir na casa dela. Todo mundo sabe da nossa amizade, então não acho que vão estranhar.
— Se perguntarem sobre nosso primeiro encontro...
— Vamos dizer que foi no mês passado e que desde então ficamos amigos, e virou algo mais — ele continuou. — Mas só se alguém perguntar.
— Acho que vão fazer suposições primeiro. A ex-que-não-é-ex inventou uma fofoca maluca sobre você. Não acha que vão pensar que você traiu ela comigo?
— Não, ela já revelou a verdade. E tá sobre um acordo de que não pode mais falar nenhuma mentira sobre mim. Se isso acontecer, eu processo ela.
— Caramba. — Ela riu novamente. — Tomara que dê tudo certo então.
— Vai sim. — Ele sorriu, brincando com os hashis. — A gente vai arrasar.
null sorriu de volta, sentindo a pequena cumplicidade que se desenvolvia entre os dois. Então pegou um bolinho de salmão do próprio prato, molhou no shoyu e ofereceu a ele, que aceitou instantaneamente.
— Eu amo esses bolinhos. O que você acha?
— Acho que consigo fazer eles em casa — ele brincou. — Mas que esperta, me dando comida na boca...
— Vou ser a melhor namorada de mentirinha que você já teve.
— E única. — null deu uma risadinha no mesmo instante em que as bebidas e a sobremesa chegaram. — Obrigado — disse ao garçom.
— Caramba, que coisa linda. — null encarou a fatia gigante de torta de chocolate lindamente decorada.
— São três chocolates. Meio amargo, ao leite e branco.
— Dá até pena de comer, mas quem sou eu pra fazer essa desfeita? — Ela mordeu outra peça de sushi e em menos de cinco minutos, os dois estavam com garfos na mão, dividindo a sobremesa.
Por um instante, até esqueceram da presença do paparazzi no restaurante. null jogou a cabeça para trás na primeira mordida, gemendo baixinho enquanto se deliciava com a torta e null sorriu, satisfeito em ver que ela tinha gostado.
— Eu tava pensando... O que acha da gente ir pro cinema mais tarde?
— Cinema? Nem lembro a última vez que fui em um. Mas eu topo. Que filme você quer ver?
— Sei lá. A gente pode escolher um quando chegar lá e pegar sala VIP.
— Okay. — Ela deu de ombros e pegou o celular para olhar a hora. Quase uma da tarde. Então lembrou de seu turno no trabalho. — Ah, o café... Eu trabalho à noite.
null fez uma careta.
— O médico disse pra você não trabalhar.
— Como dançarina — ela lembrou. — Esqueci do meu turno das sete às dez.
— Você não pode faltar? — Ele pediu e levantou um dedo. — Só um dia, null. O dinheiro nem vai te fazer falta, você sabe disso.
null encarou aquele par de olhos azuis pidões e suspirou, sentindo-se completamente rendida.
— Eu... Hm, acho que posso faltar hoje.
— Na verdade... Acho que você devia tirar folga do café na sexta — ele sugeriu. — A gente pode usar esse tempo pra sair, que nem hoje. Vou te levar pra conhecer uns lugares legais que null e eu achamos.
null ponderou por um instante.
— Vou falar com minha chefe enquanto tá cedo — ela decidiu. — Vou trocar o turno com alguém e ir trabalhar amanhã de manhã e à tarde, e então vou conversar com ela sobre a folga da sexta.
— Isso aí, garota! — Ele se inclinou, apertando de brincadeira uma bochecha dela.
Menos de dez minutos depois, eles deixaram o restaurante e a próxima parada foi uma pequena caminhada no Central Park, como combinado. null ouviu um clique atrás deles e ignorou o paparazzi que tentou se esconder atrás de uma árvore, como se ele fosse mesmo estúpido a ponto de não perceber sua presença.
— Será que ele sabe que dá pra ver ele daqui? — null perguntou, olhando de soslaio para o homem escondido.
Quando o viu segurar a câmera novamente, por instinto, se aproximou de null, apoiando as duas mãos na cintura dele, enquanto seu corpo grande a escondia das câmeras. O pequeno feito não passou despercebido.
— Ainda tá tímida? — Ele colocou as mãos em cima das dela. — Aposto que o cara nem vai conseguir pegar seu rosto direito, relaxa.
— É esquisito. Saber que tem alguém me seguindo. Como você se acostumou com isso?
— Sei lá. No início era estranho. A banda ficou famosa com um vídeo que a null postou anonimamente. A gente se apresentou num festival em Chicago e ganhamos o segundo lugar, só que conquistamos o público — ele contou. — Quando descemos do palco, uma maluca agarrou o e beijou ele. A null viu. Ele tavam ficando, na época.
— Sério?
null assentiu.
— Ela sumiu e no dia seguinte veio pra cá, já que morava aqui e ia começar a faculdade. Ia vir de um jeito ou de outro, mas escolheu dar um bolo nele. O vídeo foi a única coisa que sobrou. Mas aí viralizou e conseguimos um contrato com uma gravadora.
— Que chato. Não isso, mas ela ter visto a menina beijar ele — null comentou. — Como eles se encontraram de novo?
— Eu encontrei a null num hospital cinco anos depois. Acabei cortando a mão e ela trabalhava lá, foi pura coincidência. Ficamos amigos, mas ela me fez prometer não contar nada pra ninguém. Os caras sabiam que eu tinha essa amiga e passaram anos falando que eu tinha uma namorada secreta.
— E você não ficou com ninguém durante esse tempo?
— Fiquei. Mas eu nunca fui de comentar muito sobre. Na verdade... Nunca achei uma necessidade, sabe? Ficar com pessoas. E nunca entendi quem não consegue ficar sem se envolver com ninguém.
— Nem eu. Fui solteira a minha vida toda. Acho que nem sei como agiria se eu tivesse em um relacionamento.
— Ah, mas você tá em um agora. — Ele se inclinou, aproximando o rosto dela. Então perguntou, de repente. — Posso te beijar, null?
— O quê? — Ela piscou, surpresa.
— Vamos dar material pra ele. — Ele olhou para o lado, indicando o paparazzi.
— Hm... Tudo bem, eu acho.
O coração dela acelerou e bateu forte, fazendo-a ficar ofegante por um momento. null se aproximou mais, roçando o nariz no dela, e levou uma mão ao seu rosto.
O frio na barriga se instalou, mas null tentou se manter calma.
— Relaxa — ele sussurrou contra seus lábios e então a beijou suavemente.
A ideia era apenas selar seus lábios por alguns segundos, mas então null sentiu null deslizar as mãos por seu pescoço e a puxou mais para perto, por instinto. Se separou dela por um instante, a encarando nos olhos, e então selou seus lábios mais uma vez, aprofundando o beijo.
Era como se o mundo ao redor deles tivesse ficado em silêncio, como se estivessem em uma bolha só deles, onde nada nem ninguém os incomodaria. null provou os lábios macios de null e, de repente, ele não queria mais parar, mesmo sabendo que tinha que fazer isso.
Era errado. Era de mentira. Ele tinha a contratado para fingir e um beijo daqueles não estava nos planos. Era para ser só um selinho e nada mais. Só para eles parecerem um casal fofo.
Ele tentou lembrar isso a si mesmo durante todo o tempo em que a envolveu nos braços, durante todo o tempo em que seus lábios tocaram os dela. Mesmo assim, não conseguiu parar. Ao menos não até que o ar se fez ausente.
E se ele estava sem ar, null parecia muito pior, com a respiração rápida e ofegante, o encarando nos olhos por um instante antes de apoiar a testa no peito dele, o corpo relaxando em seus braços. Por instinto, null a abraçou e null retribuiu o gesto. Ficaram naquela posição por longos minutos, até que enfim decidiram ir embora.
O caminho para casa seguiu em silêncio e nenhum dos dois tocou naquele assunto.
null não sabia o que havia dado nela. O silêncio no carro agora estava instalado e ela não se atrevia a nem mesmo olhar de soslaio para null, que também não parecia inclinado a conversar.
Não devia ter beijado ele daquela forma. Ele era seu chefe. Ela estava sobre contrato. E claro, era sua namorada falsa e tinha concordado em demonstrar afeição em público. Abraços, andar de mãos dadas. Até mesmo beijos, mas não aquele tipo de beijo, que parecia que iria consumir eles dois.
Era para ser algo simples, algo fofo. Não uma coisa para fazer seu coração acelerar e seu corpo esquentar. Ela ainda conseguia sentir o gosto de chocolate daquele beijo. A pressão dos lábios dele contra os dela.
Disse a si mesma que era tudo fingimento. Que tinha acontecido porque... Porque sim. Tentou convencer a si mesma de que não era nada de mais, mas mal podia esperar para chegar em casa e se trancar no quarto, apenas porque queria se enfiar em algum lugar longe dos olhos dele, para poder pensar com calma e se recuperar do nervosismo, do frio na barriga, da sensação dos braços fortes dele a segurando firme contra si.
O coração dela acelerou outra vez só de lembrar e null se sentiu patética. Não tinha sido assim com Josh, que foi basicamente o único cara que havia conseguido chegar até ela. As circunstâncias com null eram diferentes e ela sabia que era tudo uma encenação, mas seu corpo parecia discordar.
Talvez fosse a gentileza dele, sua personalidade carismática e o cuidado que insistia em ter com ela, mesmo não sendo sua obrigação. null estava acostumada a viver sozinha, a ser ignorada onde quer que fosse, e aquele tipo de atenção estava confundindo seu cérebro idiota quando não deveria. Ou talvez fosse seu coração idiota e defeituoso.
E o fato de null ter a aparência de um deus grego não ajudava em absolutamente nada. Ele era como os personagens fictícios de livros de romance. Agora que o conhecia, não se surpreendia ao saber que as pessoas costumavam se apaixonar por sua personalidade doce, gentil e cuidadosa. O surpreendente mesmo era que elas duvidassem de quem ele era. Ninguém conseguia segurar uma máscara por uma década. É claro que null tinha duvidado de seu caráter no início, pois não o conhecia. Tampouco imaginava que a suposta ex dele fosse capaz de inventar aquelas coisas horríveis, descredibilizando tantas lutas femininas reais que havia por aí.
Por culpa dela, ele tinha embarcado em um relacionamento falso. Mas por culpa dela também, agora null tinha um plano de saúde garantido pela próxima década.
Havia alguns males que vinham para o bem, de fato.
Mesmo que o bem em questão beneficiasse apenas ela. null tinha feito uma proposta irrecusável, mas null provavelmente teria aceitado se ele oferecesse apenas o plano de saúde, só porque estava cansada de andar por aí como uma bomba-relógio, cansada de ter medo de algo acontecer e estar sozinha. Mas lá estava ele, querendo consertar a vida dela inteirinha.
Gratidão era uma palavra muito simples para demonstrar o que null sentia, mas era a única que poderia usar.
Quando chegaram ao estacionamento do condomínio onde ele morava, null respirou fundo, dizendo a si mesma que encararia aquela situação no Central Park com naturalidade. Era só um beijo, não precisava ficar nervosa por conta de uma besteira dessas. Provavelmente nem tinha significado nada para ele. null só a tinha beijado daquela forma porque... Porque ela se derreteu nos braços dele. Talvez ele tivesse aproveitado a chance para deixar o paparazzi livre de quaisquer dúvidas.
Sim, ela tinha que enxergar assim, de uma forma fria e objetiva. Afinal, não havia outro motivo.
Encare com naturalidade, null. Não foi nada de mais.
Mesmo assim, quando entraram no apartamento, ela deu uma desculpa de que iria tomar banho e não perdeu nem um minuto antes de se trancar no quarto. Estar perto dele não a deixava pensar direito, ainda mais com aquele clima estranho pairando entre os dois, como um claro incômodo. Como uma farpa enfiada na pele; uma farpa que eventualmente eles teriam que tirar.
Mas por ora, fingir que nada havia acontecido era a opção mais tranquila.
Capítulo 18
Só quando chegou no banheiro e tirou a blusa, null se lembrou de que não podia tomar banho até o dia seguinte.
Não de corpo inteiro, pelo menos.
Seu torso estava coberto de eletrodos que não podiam ser molhados, então a ela só restava um lavar superficialmente as partes do corpo na parte superior do corpo com uso de uma esponja.
E assim o fez.
Com cuidado, usou uma esponja úmida para se limpar, evitando os locais dos eletrodos e quando se sentiu satisfeita, livre de qualquer resquício de suor, usou uma ducha para se lavar da cintura para baixo. O aparelho de holter 24h era do tamanho de um celular e cabia no bolso da calça jeans, tão discreto e silencioso que ela mesma havia esquecido que ele estava ali.
Sem nada para fazer durante o resto da tarde, null vestiu um pijama, pegou um cinto de velcro com bolso que a enfermeira havia lhe entregado para colocar o holter, caso quisesse, e resolveu se deitar um pouco. Passou alguns minutos com todos os seus membros esparramados na cama apenas olhando para o teto.
Não ter nada para fazer durante o dia era novidade. Podia ficar ali, simplesmente existindo.
A lembrança do beijo com null ainda estava espreitando em sua mente, mas null se recusou a pensar nisso outra vez. Tinha dito a si mesma que deixaria aquele assunto de lado assim que entrou no quarto, e o plano era sair dali apenas quando fossem para o cinema.
null precisava se recompor depois do que havia acontecido no parque. Assim, enviou uma mensagem de texto para null.
null: Oi, vou tentar dormir um pouco. Que horas vamos sair?
null: Que tal às sete?
null: Okay!
E fim. Ela bloqueou o celular e o deixou de lado, antes de virar para o outro lado e abraçar as cobertas, apoiando a cabeça em uma delas.
Não sabia porque, exatamente, mas passar a manhã inteira em um vai e vem entre um exame e outro a tinha deixado consideravelmente enfadada. Seu corpo estava pesado e cansado, então talvez fosse mesmo uma boa ideia não trabalhar naquele dia. Assim, null aproveitou o clima fresco, bem como a temperatura de seus lençóis, e fechou os olhos para descansar um pouco.
Acordou exatamente duas horas depois, por volta das cinco e meia da tarde e, ainda meio sonolenta, esfregou os olhos e se levantou para procurar uma roupa para sair.
Optou por uma saia floral preta e um cropped de alças finas da mesma cor, umas das poucas peças que não tinha tido coragem de se desfazer quando precisou vender a maior parte de suas roupas. Junto a eles, escolheu um tênis preto casual para completar o look. Não tinha nenhum salto para usar, mas mesmo que tivesse, provavelmente não usaria um, já que era apenas uma ida ao cinema.
Contudo, por mais que null a tivesse convencido de que estava bem pela manhã, mas agora era diferente. Antes a desculpa poderia ser um flagra casual, pessoas almoçando juntas despretensiosamente. Só que naquela noite, seria como o primeiro encontro oficial deles.
Assim, null se esforçou um pouquinho para fazer uma maquiagem agradável, ainda que básica. null era atraente naturalmente, mas ela era completamente mediana quando não usava nada na cara. Era apenas quando se produzia que null se sentia realmente bonita.
— Desse jeito, até parece que você tem potencial, null. Olha esse delineado, que lindo — ela elogiou a si mesma no espelho, enquanto terminava de dar os últimos retoques na maquiagem.
Em seguida, prendeu uma bolsa tiracolo de couro que havia encontrado numa lojinha há algumas semanas e a usou para esconder o aparelho de monitoramento cardíaco.
Olhando para seu reflexo no espelho, parecia apenas um look preto normal e, felizmente, praticamente nenhum fio do aparelho estava perceptível.
Sem mais delongas, borrifou um pouco de perfume no corpo e checou a hora no celular, constatando que se passava das seis e meia.
null então saiu do quarto e ao chegar na sala, encontrou null já pronto, assistindo TV. Ele se levantou assim que notou sua presença e desligou o aparelho antes de se virar para ela.
Vestia um jeans cáqui, camiseta e jaqueta, ambas na cor preta. Seu cabelo estava penteado para o lado, mas ainda assim com um aspecto meio bagunçado, e ele estava absolutamente de tirar o fôlego.
— Oi — null o cumprimentou, meio tímida, e ofereceu um sorriso fechado.
— Oi... Você tá linda.
— Obrigada. Você também tá ótimo. — Ela apontou para ele casualmente, por pouco não deixando escapar um "como sempre".
— Eu queria conversar um pouquinho com você antes da gente ir, pode ser? — null perguntou, sem rodeios.
— Claro... — null respondeu, meio incerta.
— Hm, então... Eu queria te pedir desculpas por hoje.
— Desculpas? — Ela franziu o cenho, confusa.
— Sim, pelo... Pelo beijo. Não era pra ser daquele jeito, então se eu te deixei desconfortável com aquilo, então... Desculpa. Não sei o que deu em mim, mas quero que você saiba que eu não tinha intenção de te pressionar de forma alguma.
null prendeu a respiração por um momento, involuntariamente. Seu coração martelou no peito, mas ela se manteve calma, quando disse:
— Nesse caso, acho que eu também tenho que me desculpar. Acho que fiquei um pouco nervosa e... Não sei. Aquilo acabou acontecendo. — Ela deu de ombros. — Não me senti pressionada, null. Também não me senti confortável, se quer saber. Mas não como você pensa. Meu desconforto tem mais a ver comigo do que com você.
— Tem certeza?
— Sim. Sabe... Questões internas e essas coisas — ela tentou explicar.
null assentiu, sabendo exatamente como era aquilo.
— Entendi. Então vamos só...
— Ignorar. Acho que é a melhor opção. — ela concluiu. — Eu nunca tive um namorado de mentira e vice-versa, então acho que podemos ter um desconto pelo papel amador — ela brincou.
Um sorriso levantou um dos cantos dos lábios dele e uma covinha apareceu, tendo um impacto direto no coração defeituoso dela, que resolveu errar uma batida naquele instante.
Dr. Martinez com certeza teria que ajustar a dose das medicações.
— Vamos, então? — Ele estendeu uma mão para ela. — Passei o dia me segurando pra não espiar quais são os filmes que tão em cartaz.
null deu uma risadinha e segurou na mão dele.
— A surpresa continua de pé, então.
***
Só levou dois minutos para null e null escolherem assistir Homem-aranha: de volta ao lar. A sessão era às oito e eles tinham jantado há cerca de vinte minutos, mas estavam numa fila para comprar pipoca. De repente, uma garota ruiva de vinte e poucos anos os abordou.
— null? Desculpa atrapalhar. Você pode me dar um autógrafo? — ela perguntou, meio sem jeito, mas claramente incapaz de deixar aquela oportunidade passar.
— Oi, claro. Qual o seu nome?
— Charlotte — ela disse, entregando uma caneta e um bloquinho de papel para ele. — Não acredito que te encontrei aqui. Mal posso esperar pra Cave Panthers lançar um novo álbum.
— Pois é, eu também. — null riu, enquanto terminava o autógrafo.
Um instante depois, outras duas meninas se aproximaram e null apenas observou enquanto null as atendia. Continuou na fila e só havia uma pessoa na frente deles, já sendo atendida, quando ele terminou de tirar fotos com as duas meninas e se afastou delicadamente, falando que estava em um compromisso.
Um segundo depois, estava ao lado de null novamente e ela não deixou de notar os olhares curiosos das três garotas que o tinham reconhecido. Sentiu as bochechas esquentarem e fingiu procurar o celular na bolsa, só para não encará-lo.
Ele se inclinou para murmurar no ouvido dela.
— Desculpa por isso — disse, enquanto olhava a vitrine de lanches. — Quer alguma coisa doce também?
— Quero um biscoito daquele. — Ela apontou para a vitrine, onde havia uma prateleira de biscoitos red velvet com gotas de chocolate branco, e null pediu dois ao atendente.
Cinco minutos depois, os dois estavam na sala VIP, em poltronas enormes e mais confortáveis que a última cama de null na mansão Clarke. Por mais que morasse em Nova York há quatro anos e seu pai costumasse ser rico, nunca passou por sua cabeça escolher uma sala VIP no cinema.
Sempre disse a si mesma que era desperdício de dinheiro, mas talvez apenas fosse amarrada demais. Com uma síndrome de vira-lata que a impedia de ter experiências legais por medo de desperdiçar dinheiro.
Agora estava aos vinte e oito anos, vivendo coisas novas por influência de outra pessoa e se perguntando por que nunca se permitiu fazer aquele tipo de coisa antes. Era tão simples, mas legal ao mesmo tempo.
Não havia muitas pessoas, provavelmente porque o filme já estava nas suas últimas semanas em cartaz, e definitivamente ninguém os interrompeu durante todo o período em que ficaram ali. null supôs que ninguém tinha reconhecido null ou, se fizeram, ninguém demonstrou. E pelas próximas duas horas e meia, eles se riram, comeram e se divertiram juntos.
Quando o filme acabou, null segurou na mão de null enquanto os dois andavam juntos de volta ao estacionamento, mas no caminho, pararam para comprar picolé.
— Que sabor você quer? — ele perguntou, e null se sentiu como uma criança sendo mimada por um adulto.
Ela abriu um dos freezers e pegou um picolé de morango com casquinha de chocolate.
— Esse aqui. É meu favorito.
— Então vou querer dele também.
— Sério?
— Sim, quero saber porque você gosta dele.
— E o biscoito que você pediu igual? Você também queria saber?
Ele abriu um sorriso, orgulhoso.
— Não... Porque aquele era o meu favorito.
— Ah... Você já tentou reproduzir em casa? — ela perguntou, lembrando que ele gostava de testar receitas.
null pagou a compra e os dois continuar a andar.
— Já, mas nunca acertei, então parei de tentar. — Ele deu de ombros. — Posso viver só com os outros mesmo.
null riu, divertida.
— Eu gosto de brownie, mas nunca consegui acertar em uma receita, então sei como é.
— Nossa, que sorte a sua... Porque eu faço brownies incríveis — ele se gabou. — Vou fazer amanhã pra você.
— Sério? Por quê?
— Porque como diz null, eu não posso perder uma oportunidade de conquistar alguém pelo estômago — brincou, fazendo ela rir outra vez.
Chegaram no carro, mas preferiram terminar os picolés antes de entrar, então a conversa continuou por mais alguns instantes.
— Nesse caso, vou ter que reproduzir receitinhas brasileiras pra você também. Pra retribuir.
— Oba, vou adorar ver isso. — Ele sorriu.
Os dois voltaram para casa pouco depois e, mais uma vez, null tomou um banho de gato, ansiosa para se livrar do holter que a monitorava.
Surpreendentemente, conseguiu dormir cedo naquela noite e na manhã seguinte, ela e null voltaram à clínica.
— Como imaginei, seu condicionamento físico é horrível, null — Dr. Martinez disse. — A leitura do holter mostra que você teve algumas arritmias frequentes, em especial por volta de uma da tarde e sete da noite. Aconteceu alguma coisa que te deixou nervosa? Você sentiu alguma sintoma?
Automaticamente, ela se lembrou do beijo. E da conversa que ela e null tiveram sobre ele. Óbvio que ambos a tinham deixado nervosa, mas de jeito nenhum admitiria.
— Não, a gente saiu pra almoçar e caminhamos um pouco no Central Park. Depois voltamos pra casa e de noite fomos ao cinema — ela respondeu e sentiu o peso do olhar de null sobre si, mas o ignorou.
— Hm... Certo. Bem, me surpreende que você consiga dançar sem passar mal, sabe?
— A maioria das rotinas são leves e eu consigo controlar minha respiração, também bebo muita água durante o dia — ela explicou. — Mas e os exames de sangue?
— Felizmente, eles estão na faixa de normalidade, mas vou ter que ajustar as doses dos medicamentos e quero que você faça exercícios para trabalhar seu condicionamento físico.
— Que tipo de exercícios?
— Cardio. Algo leve, por enquanto, quinze minutos por dia. Depois você pode ir aumentando a frequência e quero que preste atenção em como seu corpo reage — o médico recomendou. — Acho que seria bom incluir um pouco de musculação também.
null fez uma careta, incapaz de esconder a insatisfação.
— Não pode ser só o cardio?
— Não.
— Por quê?
— Porque quinze minutos de exercício por dia é muito pouco a menos que você faça algo com alta intensidade, coisa que você não pode — Dr. Martinez alegou, irredutível. — Uma hora por dia, null. Quinze minutos de cardio na esteira, bicicleta ou elíptica, você escolhe. E quarenta e cinco de musculação.
— Tá. E por quanto tempo eu preciso fazer isso? — ela quis saber.
Dr. Martinez riu pelo nariz e lançou um olhar para null que tinha acabado de pressionar os lábios em uma linha fina, segurando um sorriso.
— Bem... Honestamente, eu diria que pro resto da vida.
— Quê? Não pode ser só até eu ficar de boa, tipo, menos cansada?
— null, você é cardiopata — o médico falou suavemente, seu sorriso desaparecendo. — Seria irresponsabilidade minha não te recomendar isso. Seu coração precisa que você faça isso por ele.
— Ele tá certo, null — null acrescentou, segurando na mão dela. — Mas eu posso te fazer companhia quando tiver em casa, assim é menos chato.
null suspirou, sentindo uma súbita vontade de chorar, e ao mesmo tempo se sentindo idiota. Dançar era o único exercício que fazia sem reclamar, mas como o resultado do monitoramento havia sido ruim, não dava para escapar da recomendação médica.
Mesmo assim, tentou enxergar as coisas sob uma nova perspectiva. Podia estar ruim quanto àquilo, mas ao menos os exames de sangue estavam normais. Poderia ser pior, considerando o quão inconsequente havia sido no último ano.
E ela tinha que ser grata por isso. Por ser algo tecnicamente simples de resolver.
— Tudo bem. Eu prometo me exercitar.
— E eu prometo garantir que ela se exercite — null declarou, determinado, e um sorriso apareceu no canto dos lábios de null.
— Muito bem, comecem o quanto antes, então. — Dr. Martinez abriu um sorriso satisfeito. — Vejo vocês mês que vem e se estiver tudo em ordem, null, então vamos estender a próxima consulta para três meses.
null assentiu e os dois deixaram à clínica. Mais tarde, quando chegaram em casa, null quis decidir o que iriam almoçar, mas null o dispensou com uma mão.
— Agora não, null. Eu tô desde ontem tomando banho de gato. Preciso de um de verdade agora — ela disse, passando direto para o corredor e ele riu.
— Posso te surpreender então?
— Fique à vontade — foi a resposta dela.
Então null se trancou no quarto mais uma vez.
Não de corpo inteiro, pelo menos.
Seu torso estava coberto de eletrodos que não podiam ser molhados, então a ela só restava um lavar superficialmente as partes do corpo na parte superior do corpo com uso de uma esponja.
E assim o fez.
Com cuidado, usou uma esponja úmida para se limpar, evitando os locais dos eletrodos e quando se sentiu satisfeita, livre de qualquer resquício de suor, usou uma ducha para se lavar da cintura para baixo. O aparelho de holter 24h era do tamanho de um celular e cabia no bolso da calça jeans, tão discreto e silencioso que ela mesma havia esquecido que ele estava ali.
Sem nada para fazer durante o resto da tarde, null vestiu um pijama, pegou um cinto de velcro com bolso que a enfermeira havia lhe entregado para colocar o holter, caso quisesse, e resolveu se deitar um pouco. Passou alguns minutos com todos os seus membros esparramados na cama apenas olhando para o teto.
Não ter nada para fazer durante o dia era novidade. Podia ficar ali, simplesmente existindo.
A lembrança do beijo com null ainda estava espreitando em sua mente, mas null se recusou a pensar nisso outra vez. Tinha dito a si mesma que deixaria aquele assunto de lado assim que entrou no quarto, e o plano era sair dali apenas quando fossem para o cinema.
null precisava se recompor depois do que havia acontecido no parque. Assim, enviou uma mensagem de texto para null.
null: Oi, vou tentar dormir um pouco. Que horas vamos sair?
null: Que tal às sete?
null: Okay!
E fim. Ela bloqueou o celular e o deixou de lado, antes de virar para o outro lado e abraçar as cobertas, apoiando a cabeça em uma delas.
Não sabia porque, exatamente, mas passar a manhã inteira em um vai e vem entre um exame e outro a tinha deixado consideravelmente enfadada. Seu corpo estava pesado e cansado, então talvez fosse mesmo uma boa ideia não trabalhar naquele dia. Assim, null aproveitou o clima fresco, bem como a temperatura de seus lençóis, e fechou os olhos para descansar um pouco.
Acordou exatamente duas horas depois, por volta das cinco e meia da tarde e, ainda meio sonolenta, esfregou os olhos e se levantou para procurar uma roupa para sair.
Optou por uma saia floral preta e um cropped de alças finas da mesma cor, umas das poucas peças que não tinha tido coragem de se desfazer quando precisou vender a maior parte de suas roupas. Junto a eles, escolheu um tênis preto casual para completar o look. Não tinha nenhum salto para usar, mas mesmo que tivesse, provavelmente não usaria um, já que era apenas uma ida ao cinema.
Contudo, por mais que null a tivesse convencido de que estava bem pela manhã, mas agora era diferente. Antes a desculpa poderia ser um flagra casual, pessoas almoçando juntas despretensiosamente. Só que naquela noite, seria como o primeiro encontro oficial deles.
Assim, null se esforçou um pouquinho para fazer uma maquiagem agradável, ainda que básica. null era atraente naturalmente, mas ela era completamente mediana quando não usava nada na cara. Era apenas quando se produzia que null se sentia realmente bonita.
— Desse jeito, até parece que você tem potencial, null. Olha esse delineado, que lindo — ela elogiou a si mesma no espelho, enquanto terminava de dar os últimos retoques na maquiagem.
Em seguida, prendeu uma bolsa tiracolo de couro que havia encontrado numa lojinha há algumas semanas e a usou para esconder o aparelho de monitoramento cardíaco.
Olhando para seu reflexo no espelho, parecia apenas um look preto normal e, felizmente, praticamente nenhum fio do aparelho estava perceptível.
Sem mais delongas, borrifou um pouco de perfume no corpo e checou a hora no celular, constatando que se passava das seis e meia.
null então saiu do quarto e ao chegar na sala, encontrou null já pronto, assistindo TV. Ele se levantou assim que notou sua presença e desligou o aparelho antes de se virar para ela.
Vestia um jeans cáqui, camiseta e jaqueta, ambas na cor preta. Seu cabelo estava penteado para o lado, mas ainda assim com um aspecto meio bagunçado, e ele estava absolutamente de tirar o fôlego.
— Oi — null o cumprimentou, meio tímida, e ofereceu um sorriso fechado.
— Oi... Você tá linda.
— Obrigada. Você também tá ótimo. — Ela apontou para ele casualmente, por pouco não deixando escapar um "como sempre".
— Eu queria conversar um pouquinho com você antes da gente ir, pode ser? — null perguntou, sem rodeios.
— Claro... — null respondeu, meio incerta.
— Hm, então... Eu queria te pedir desculpas por hoje.
— Desculpas? — Ela franziu o cenho, confusa.
— Sim, pelo... Pelo beijo. Não era pra ser daquele jeito, então se eu te deixei desconfortável com aquilo, então... Desculpa. Não sei o que deu em mim, mas quero que você saiba que eu não tinha intenção de te pressionar de forma alguma.
null prendeu a respiração por um momento, involuntariamente. Seu coração martelou no peito, mas ela se manteve calma, quando disse:
— Nesse caso, acho que eu também tenho que me desculpar. Acho que fiquei um pouco nervosa e... Não sei. Aquilo acabou acontecendo. — Ela deu de ombros. — Não me senti pressionada, null. Também não me senti confortável, se quer saber. Mas não como você pensa. Meu desconforto tem mais a ver comigo do que com você.
— Tem certeza?
— Sim. Sabe... Questões internas e essas coisas — ela tentou explicar.
null assentiu, sabendo exatamente como era aquilo.
— Entendi. Então vamos só...
— Ignorar. Acho que é a melhor opção. — ela concluiu. — Eu nunca tive um namorado de mentira e vice-versa, então acho que podemos ter um desconto pelo papel amador — ela brincou.
Um sorriso levantou um dos cantos dos lábios dele e uma covinha apareceu, tendo um impacto direto no coração defeituoso dela, que resolveu errar uma batida naquele instante.
Dr. Martinez com certeza teria que ajustar a dose das medicações.
— Vamos, então? — Ele estendeu uma mão para ela. — Passei o dia me segurando pra não espiar quais são os filmes que tão em cartaz.
null deu uma risadinha e segurou na mão dele.
— A surpresa continua de pé, então.
Só levou dois minutos para null e null escolherem assistir Homem-aranha: de volta ao lar. A sessão era às oito e eles tinham jantado há cerca de vinte minutos, mas estavam numa fila para comprar pipoca. De repente, uma garota ruiva de vinte e poucos anos os abordou.
— null? Desculpa atrapalhar. Você pode me dar um autógrafo? — ela perguntou, meio sem jeito, mas claramente incapaz de deixar aquela oportunidade passar.
— Oi, claro. Qual o seu nome?
— Charlotte — ela disse, entregando uma caneta e um bloquinho de papel para ele. — Não acredito que te encontrei aqui. Mal posso esperar pra Cave Panthers lançar um novo álbum.
— Pois é, eu também. — null riu, enquanto terminava o autógrafo.
Um instante depois, outras duas meninas se aproximaram e null apenas observou enquanto null as atendia. Continuou na fila e só havia uma pessoa na frente deles, já sendo atendida, quando ele terminou de tirar fotos com as duas meninas e se afastou delicadamente, falando que estava em um compromisso.
Um segundo depois, estava ao lado de null novamente e ela não deixou de notar os olhares curiosos das três garotas que o tinham reconhecido. Sentiu as bochechas esquentarem e fingiu procurar o celular na bolsa, só para não encará-lo.
Ele se inclinou para murmurar no ouvido dela.
— Desculpa por isso — disse, enquanto olhava a vitrine de lanches. — Quer alguma coisa doce também?
— Quero um biscoito daquele. — Ela apontou para a vitrine, onde havia uma prateleira de biscoitos red velvet com gotas de chocolate branco, e null pediu dois ao atendente.
Cinco minutos depois, os dois estavam na sala VIP, em poltronas enormes e mais confortáveis que a última cama de null na mansão Clarke. Por mais que morasse em Nova York há quatro anos e seu pai costumasse ser rico, nunca passou por sua cabeça escolher uma sala VIP no cinema.
Sempre disse a si mesma que era desperdício de dinheiro, mas talvez apenas fosse amarrada demais. Com uma síndrome de vira-lata que a impedia de ter experiências legais por medo de desperdiçar dinheiro.
Agora estava aos vinte e oito anos, vivendo coisas novas por influência de outra pessoa e se perguntando por que nunca se permitiu fazer aquele tipo de coisa antes. Era tão simples, mas legal ao mesmo tempo.
Não havia muitas pessoas, provavelmente porque o filme já estava nas suas últimas semanas em cartaz, e definitivamente ninguém os interrompeu durante todo o período em que ficaram ali. null supôs que ninguém tinha reconhecido null ou, se fizeram, ninguém demonstrou. E pelas próximas duas horas e meia, eles se riram, comeram e se divertiram juntos.
Quando o filme acabou, null segurou na mão de null enquanto os dois andavam juntos de volta ao estacionamento, mas no caminho, pararam para comprar picolé.
— Que sabor você quer? — ele perguntou, e null se sentiu como uma criança sendo mimada por um adulto.
Ela abriu um dos freezers e pegou um picolé de morango com casquinha de chocolate.
— Esse aqui. É meu favorito.
— Então vou querer dele também.
— Sério?
— Sim, quero saber porque você gosta dele.
— E o biscoito que você pediu igual? Você também queria saber?
Ele abriu um sorriso, orgulhoso.
— Não... Porque aquele era o meu favorito.
— Ah... Você já tentou reproduzir em casa? — ela perguntou, lembrando que ele gostava de testar receitas.
null pagou a compra e os dois continuar a andar.
— Já, mas nunca acertei, então parei de tentar. — Ele deu de ombros. — Posso viver só com os outros mesmo.
null riu, divertida.
— Eu gosto de brownie, mas nunca consegui acertar em uma receita, então sei como é.
— Nossa, que sorte a sua... Porque eu faço brownies incríveis — ele se gabou. — Vou fazer amanhã pra você.
— Sério? Por quê?
— Porque como diz null, eu não posso perder uma oportunidade de conquistar alguém pelo estômago — brincou, fazendo ela rir outra vez.
Chegaram no carro, mas preferiram terminar os picolés antes de entrar, então a conversa continuou por mais alguns instantes.
— Nesse caso, vou ter que reproduzir receitinhas brasileiras pra você também. Pra retribuir.
— Oba, vou adorar ver isso. — Ele sorriu.
Os dois voltaram para casa pouco depois e, mais uma vez, null tomou um banho de gato, ansiosa para se livrar do holter que a monitorava.
Surpreendentemente, conseguiu dormir cedo naquela noite e na manhã seguinte, ela e null voltaram à clínica.
— Como imaginei, seu condicionamento físico é horrível, null — Dr. Martinez disse. — A leitura do holter mostra que você teve algumas arritmias frequentes, em especial por volta de uma da tarde e sete da noite. Aconteceu alguma coisa que te deixou nervosa? Você sentiu alguma sintoma?
Automaticamente, ela se lembrou do beijo. E da conversa que ela e null tiveram sobre ele. Óbvio que ambos a tinham deixado nervosa, mas de jeito nenhum admitiria.
— Não, a gente saiu pra almoçar e caminhamos um pouco no Central Park. Depois voltamos pra casa e de noite fomos ao cinema — ela respondeu e sentiu o peso do olhar de null sobre si, mas o ignorou.
— Hm... Certo. Bem, me surpreende que você consiga dançar sem passar mal, sabe?
— A maioria das rotinas são leves e eu consigo controlar minha respiração, também bebo muita água durante o dia — ela explicou. — Mas e os exames de sangue?
— Felizmente, eles estão na faixa de normalidade, mas vou ter que ajustar as doses dos medicamentos e quero que você faça exercícios para trabalhar seu condicionamento físico.
— Que tipo de exercícios?
— Cardio. Algo leve, por enquanto, quinze minutos por dia. Depois você pode ir aumentando a frequência e quero que preste atenção em como seu corpo reage — o médico recomendou. — Acho que seria bom incluir um pouco de musculação também.
null fez uma careta, incapaz de esconder a insatisfação.
— Não pode ser só o cardio?
— Não.
— Por quê?
— Porque quinze minutos de exercício por dia é muito pouco a menos que você faça algo com alta intensidade, coisa que você não pode — Dr. Martinez alegou, irredutível. — Uma hora por dia, null. Quinze minutos de cardio na esteira, bicicleta ou elíptica, você escolhe. E quarenta e cinco de musculação.
— Tá. E por quanto tempo eu preciso fazer isso? — ela quis saber.
Dr. Martinez riu pelo nariz e lançou um olhar para null que tinha acabado de pressionar os lábios em uma linha fina, segurando um sorriso.
— Bem... Honestamente, eu diria que pro resto da vida.
— Quê? Não pode ser só até eu ficar de boa, tipo, menos cansada?
— null, você é cardiopata — o médico falou suavemente, seu sorriso desaparecendo. — Seria irresponsabilidade minha não te recomendar isso. Seu coração precisa que você faça isso por ele.
— Ele tá certo, null — null acrescentou, segurando na mão dela. — Mas eu posso te fazer companhia quando tiver em casa, assim é menos chato.
null suspirou, sentindo uma súbita vontade de chorar, e ao mesmo tempo se sentindo idiota. Dançar era o único exercício que fazia sem reclamar, mas como o resultado do monitoramento havia sido ruim, não dava para escapar da recomendação médica.
Mesmo assim, tentou enxergar as coisas sob uma nova perspectiva. Podia estar ruim quanto àquilo, mas ao menos os exames de sangue estavam normais. Poderia ser pior, considerando o quão inconsequente havia sido no último ano.
E ela tinha que ser grata por isso. Por ser algo tecnicamente simples de resolver.
— Tudo bem. Eu prometo me exercitar.
— E eu prometo garantir que ela se exercite — null declarou, determinado, e um sorriso apareceu no canto dos lábios de null.
— Muito bem, comecem o quanto antes, então. — Dr. Martinez abriu um sorriso satisfeito. — Vejo vocês mês que vem e se estiver tudo em ordem, null, então vamos estender a próxima consulta para três meses.
null assentiu e os dois deixaram à clínica. Mais tarde, quando chegaram em casa, null quis decidir o que iriam almoçar, mas null o dispensou com uma mão.
— Agora não, null. Eu tô desde ontem tomando banho de gato. Preciso de um de verdade agora — ela disse, passando direto para o corredor e ele riu.
— Posso te surpreender então?
— Fique à vontade — foi a resposta dela.
Então null se trancou no quarto mais uma vez.
Capítulo 19
30 de setembro de 2017, 16:32 - Apartamento de Hero, Nova York, NY
null soltou uma risadinha assim que leu a manchete na tela no celular, jogado no sofá do estúdio de Hero, enquanto esperava ele terminar de editar uma linha na produção de uma música. Estava trabalhando com ele e null naquela tarde, e os três tinham gravado algumas demos.
— O que foi essa risada aí? — Hero perguntou, de costas, ainda concentrado no computador.
null então começou a ler em voz alta.
— "null null é visto com mulher misteriosa em passeio no Central Park após onda de escândalo".
— Quê? — null riu. — Já saiu matéria? Que rápidos.
— Quem é rápido? — null perguntou, entrando no estúdio com alguns sanduíches que tinha ido fazer enquanto null editava.
— Tem um artigo sobre você e a null, null. Acabou de sair — null informou.
— Ah, é? E o que ele diz? — ele perguntou, despreocupado, enquanto entregava um sanduíche a cada.
null leu a manchete mais uma vez, antes de chegar no texto.
— "Na tarde de ontem, null null, vocalista e guitarrista da Cave Panthers foi visto na companhia de mulher misteriosa, dois meses e meio após término conturbado com affair anterior. O casal foi visto almoçando em um restaurante e depois caminhando no Central Park, onde trocaram sorrisos, risadas e beijos." Você não disse que beijou ela! — null o encarou de forma acusatória.
— Sim! Não disse! — Hero concordou, falando de boca cheia. Em seguida, se voltou para null. — Tem foto disso?
— Ah, tem sim. — null virou o celular para ele, mostrando uma imagem digna de beijo de cinema. — Ele só faltou engolir a garota.
null engasgou com a comida e null gargalhou.
— Ah, mas é tudo fingimento, né, Riv? — Ele desviou os olhos verdes para os azuis do amigo, que estavam levemente assustados depois de ver a foto.
— Sim, é fingimento — null concordou, mas parecia que estava tentando convencer a si mesmo.
Os amigos riram com deboche e null continuou a ler.
— "Para quem não sabe, recentemente, o queridinho da CP foi vítima de acusações graves da ex que mais tarde foram desmentidas por ela mesma, sob justificativa de que havia ficado com o orgulho ferido. No entanto, mesmo após o esclarecimento, muitas pessoas ainda assim se voltaram contra null após nova declaração da ex sobre sua indisponibilidade emocional, e ainda estão em dúvida sobre sua verdadeira personalidade, sugerindo que ele venha segurando uma máscara há mais de uma década."
— Que palhaçada. Isso que dá você ser bonzinho — null comentou. — Agora o quê? Tão com raiva porque descobriram que você é humano e tem sentimentos?
— Ou a falta deles. — null riu. — Mas é bom que ele e null sejam os mocinhos, assim a gente mantém o equilíbrio na banda.
— Esse povo não tem é o que fazer — null resmungou. — Mas a intenção era a gente ser visto mesmo. Eu vi o paparazzi, o cara não sabia nem disfarçar direito.
— "Ao que parece, null não se deixou abalar pelos comentários ruins e já seguiu em frente. Infelizmente, não sabemos a identidade de seu novo interesse amoroso, mas é nítida a química entre os dois. Alguns fãs relataram ter visto null com a mulher em questão durante a noite também, em um encontro no cinema." Caramba, eles não deixam escapar nada...
— Acho que é meio impossível quando tá todo mundo de olho nele desde o escândalo — null comentou.
null rolou os olhos e null continuou a ler.
— "Não temos fotos da ocasião, mas null tirou alguns instantes para atender alguns fãs com fotos e autógrafos antes de retornar para o lado da tal mulher misteriosa, descrita como 'muito bonita' por aqueles que a viram. Mas a dúvida que não quer calar é: seria esse apenas mais um affair ou teria null null finalmente aberto o coração para um relacionamento?" E fim — ele concluiu. — Pelo visto, seu plano tá dando certo. Mas é um milagre não ter foto do rosto da null ainda. Nas do parque, você praticamente formou um muro na frente dela, e no restaurante ela ficou de costas pro paparazzi.
— Não tô com pressa pra que descubram. — null deu de ombros, enquanto o amigo finalmente começava a comer o sanduíche. — Não faz nem uma semana que a gente fez o acordo e não quero que ela se sinta desconfortável. Quero ir com calma.
— Com calma, é? — Hero sorriu, malicioso.
— Não me olha assim — null reclamou. — Por que você insiste em achar que tem algo a mais?
— Porque obviamente tem — foi null quem respondeu.
— Sério? Vocês tão parecendo o null com as fanfics dele!
— Por que você tá nervosinho, cara? — null provocou, com um sorrisinho no rosto. — A gente só fez um comentário…
— Pois é, qual o problema? — Hero acrescentou. — Ninguém vai te julgar se você finalmente tiver se apaixonado por alguém.
— E a null é gente boa. E linda. — null estreitou os olhos para o amigo diante do último elogio. null riu. — Não precisa ficar com ciúmes, não tô interessado na sua garota, relaxa. Tô só constatando um fato.
— Ela não é minha garota.
— Tecnicamente é, sim — null retrucou. — E você parece a sombra dela, até acompanhando no médico.
— Porque ela é uma amiga. Nós meio que ficamos amigos antes do acordo e você sabe.
— Sim, sim. Por falar nisso, ela tá bem?
— No geral, sim. Mas o médico disse que ela precisa se exercitar mais porque o condicionamento físico dela aparentemente é péssimo. Achei que ela fosse desmaiar no teste.
— Caramba... — null fez uma careta. — É tão ruim assim? E quanto à dança?
— Ele disse que nem sabe como ela tava conseguindo trabalhar, mas null disse que as coreografias não exigem muito esforço. De todo jeito, o médico quer que ela faça cardio e musculação. Ela odiou a notícia, mas prometi fazer companhia.
— É claro que prometeu. — null deu uma risadinha. — Você não cansa de ser tão perfeitinho, seu idiota?
— Vai se ferrar, null. Você sabe muito bem que a null tá praticamente sozinha aqui.
— E o tal meio-irmão? — Hero perguntou. — Não apareceu mais?
— Até agora não, e espero que nem apareça. Mas... Tem uma coisa nessa família que é muito estranha.
— O quê? A história de Cinderela dela é real? — null brincou.
— Talvez. — null assentiu, distraidamente. — Eu dei uma pesquisada sobre o pai dela. O cara tinha dinheiro, mas não deixou nada pra única filha biológica. Não é estranho?
— E ela ainda teve que pagar aluguel dentro da própria casa — Hero lembrou. — Aquela gente deve ser muito sem noção.
— A "irmã" dela praticamente chamou ela de prostituta, que nem o idiota do irmão. Aquela gente é podre.
— Olha, se eu fosse você... Já que você tá envolvido mesmo, eu procuraria saber dessa história da herança direito. A null pode estar sendo tapeada.
— Concordo. Não faz nenhum sentido, tipo, até excluir ela do plano de saúde familiar? Se o pai resolveu pagar por isso, pela faculdade dela também, por que ele não colocaria nada no testamento? — null perguntou. — Você disse pra gente que ela morou por três anos com ele, né? Então ele teve tempo suficiente pra incluir a única filha legítima na bosta do documento.
— Eu ainda tenho o contato do detetive particular que encontrou o meu pai e posso te mandar, se você quiser — null sugeriu.
null ponderou em silêncio por alguns segundos, mas o amigo tinha razão. Se já estava envolvido, então por que não?
Ele era o namorado de null. Sendo de mentirinha ou não, iria protegê-la.
E se tinha uma coisa que null odiava com todas as forças era injustiça.
— Me manda — ele decidiu. — Quero mesmo tirar essa história a limpo. Mas não contem nada pra null.
Os amigos assentiram em concordância e um instante depois, o celular dele vibrou. null havia acabado de enviar o contato do detetive.
***
null encarou a tela do celular, em choque. Não deveria, no entanto, já que a intenção era realmente aquela, mas a foto do beijo agora lhe assombraria durante algum tempo.
Parecia a cena de um filme romântico. null tinha uma mão em seu rosto, ocultando sua identidade, enquanto a outra a puxava para perto, pela cintura.
null estava na ponta dos pés, com uma mão apoiada no peito dele e a outra, embora não desse para ver na foto, agarrando um dos lados de sua camisa. Era um beijo quente e cheio de química. Mas o único problema era que ela não estava atuando, apenas tinha se deixado levar.
— Quem será essa? — perguntou Thaty, uma de suas colegas do café.
— Sei lá, mas é uma vadia sortuda. Esse homem é lindíssimo — comentou Anni, outra colega. — O que você acha, null?
— O quê? — null levantou o olhar, meio culpada.
O movimento no café estava anormalmente calmo naquele sábado, com poucos clientes ocupando o recinto, então dava tempo de sobra para as meninas começarem a fofocar.
— A garota nova que tá pegando o null, da Cave Panthers. Quem você acha que é?
— Sei lá, vai ver é outra modelo aleatória. — Ela desviou o olhar, fingindo arrumar uma fileira de sachês de açúcar. — Eu não conheço bem essa banda.
— Nossa, em que mundo você vive? Acho que você é a primeira pessoa que conheço que não sabe nada sobre a CP.
— Eu conheci a banda há pouco tempo, e vejo as pessoas falando, mas nunca ouvi nada deles.
E aquela frase inteira era verdade, incluindo a parte de não ter ouvido nada. Por algum motivo, null não chegou a clicar em nenhum vídeo da banda se apresentando. Devido à dança, costumava ouvir mais R&B, hip hop e pop. Rock não era bem algo que ela achava fácil de coreografar; logo, ouvia muito pouco. Algumas músicas de bandas dos anos 80 e 90, algumas do Mcfly aqui e ali...
— Você precisa ouvir eles. A voz do Hero e do null são simplesmente perfeitas — Thaty disse. — Acho que vou até mudar a música ambiente só por você.
Em seguida, ela foi até o computador do caixa e um instante depois, os acordes de um violão ecoaram nas caixas de som.
— Ah, "Girl of Midnight" — Anni comemorou. — Eu amo essa!
Em seguida, todas ficaram em silêncio, absorvendo a música. Quando as vozes começaram a soar, null se arrepiou instantaneamente e Thaty sussurrou quem era quem enquanto null e Hero cantavam juntos.
Ambos tinham uma voz rouca, mas havia algo doce na voz de null que contrastava com o timbre meio rústico de null. A música era um acústico tranquilo e despreocupado sobre uma paixão à primeira vista.
null não tinha ideia de quem era a tal garota da música, mas com certeza era uma sortuda se eles estavam cantando sobre ela com tanto carinho na voz.
Começou a sentir um pouquinho de ciúmes, mas logo se lembrou que null disse que nunca tinha se apaixonado, então provavelmente a história era de null, o que fazia bem mais sentido.
E como as vozes dos dois eram incríveis juntas. null tinha uma voz grave, mas cantando parecia uma carícia, um toque gentil. Ele provavelmente estava no apartamento de Hero naquele momento, cantando daquele jeito enquanto trabalhava com ele e null.
null suspirou, sentindo um sorriso aparecer em seu rosto. A voz de null era tão tranquila naquela música... O tipo exato que ela certamente conseguiria ouvir por horas a fio. Mas ao vivo, com certeza, devia ser bem melhor.
De repente, null se pegou desejando ouvi-lo cantar pessoalmente. E queria muito ter aquela experiência.
A Cave Panthers provavelmente havia acabado de ganhar uma nova fã.
null soltou uma risadinha assim que leu a manchete na tela no celular, jogado no sofá do estúdio de Hero, enquanto esperava ele terminar de editar uma linha na produção de uma música. Estava trabalhando com ele e null naquela tarde, e os três tinham gravado algumas demos.
— O que foi essa risada aí? — Hero perguntou, de costas, ainda concentrado no computador.
null então começou a ler em voz alta.
— "null null é visto com mulher misteriosa em passeio no Central Park após onda de escândalo".
— Quê? — null riu. — Já saiu matéria? Que rápidos.
— Quem é rápido? — null perguntou, entrando no estúdio com alguns sanduíches que tinha ido fazer enquanto null editava.
— Tem um artigo sobre você e a null, null. Acabou de sair — null informou.
— Ah, é? E o que ele diz? — ele perguntou, despreocupado, enquanto entregava um sanduíche a cada.
null leu a manchete mais uma vez, antes de chegar no texto.
— "Na tarde de ontem, null null, vocalista e guitarrista da Cave Panthers foi visto na companhia de mulher misteriosa, dois meses e meio após término conturbado com affair anterior. O casal foi visto almoçando em um restaurante e depois caminhando no Central Park, onde trocaram sorrisos, risadas e beijos." Você não disse que beijou ela! — null o encarou de forma acusatória.
— Sim! Não disse! — Hero concordou, falando de boca cheia. Em seguida, se voltou para null. — Tem foto disso?
— Ah, tem sim. — null virou o celular para ele, mostrando uma imagem digna de beijo de cinema. — Ele só faltou engolir a garota.
null engasgou com a comida e null gargalhou.
— Ah, mas é tudo fingimento, né, Riv? — Ele desviou os olhos verdes para os azuis do amigo, que estavam levemente assustados depois de ver a foto.
— Sim, é fingimento — null concordou, mas parecia que estava tentando convencer a si mesmo.
Os amigos riram com deboche e null continuou a ler.
— "Para quem não sabe, recentemente, o queridinho da CP foi vítima de acusações graves da ex que mais tarde foram desmentidas por ela mesma, sob justificativa de que havia ficado com o orgulho ferido. No entanto, mesmo após o esclarecimento, muitas pessoas ainda assim se voltaram contra null após nova declaração da ex sobre sua indisponibilidade emocional, e ainda estão em dúvida sobre sua verdadeira personalidade, sugerindo que ele venha segurando uma máscara há mais de uma década."
— Que palhaçada. Isso que dá você ser bonzinho — null comentou. — Agora o quê? Tão com raiva porque descobriram que você é humano e tem sentimentos?
— Ou a falta deles. — null riu. — Mas é bom que ele e null sejam os mocinhos, assim a gente mantém o equilíbrio na banda.
— Esse povo não tem é o que fazer — null resmungou. — Mas a intenção era a gente ser visto mesmo. Eu vi o paparazzi, o cara não sabia nem disfarçar direito.
— "Ao que parece, null não se deixou abalar pelos comentários ruins e já seguiu em frente. Infelizmente, não sabemos a identidade de seu novo interesse amoroso, mas é nítida a química entre os dois. Alguns fãs relataram ter visto null com a mulher em questão durante a noite também, em um encontro no cinema." Caramba, eles não deixam escapar nada...
— Acho que é meio impossível quando tá todo mundo de olho nele desde o escândalo — null comentou.
null rolou os olhos e null continuou a ler.
— "Não temos fotos da ocasião, mas null tirou alguns instantes para atender alguns fãs com fotos e autógrafos antes de retornar para o lado da tal mulher misteriosa, descrita como 'muito bonita' por aqueles que a viram. Mas a dúvida que não quer calar é: seria esse apenas mais um affair ou teria null null finalmente aberto o coração para um relacionamento?" E fim — ele concluiu. — Pelo visto, seu plano tá dando certo. Mas é um milagre não ter foto do rosto da null ainda. Nas do parque, você praticamente formou um muro na frente dela, e no restaurante ela ficou de costas pro paparazzi.
— Não tô com pressa pra que descubram. — null deu de ombros, enquanto o amigo finalmente começava a comer o sanduíche. — Não faz nem uma semana que a gente fez o acordo e não quero que ela se sinta desconfortável. Quero ir com calma.
— Com calma, é? — Hero sorriu, malicioso.
— Não me olha assim — null reclamou. — Por que você insiste em achar que tem algo a mais?
— Porque obviamente tem — foi null quem respondeu.
— Sério? Vocês tão parecendo o null com as fanfics dele!
— Por que você tá nervosinho, cara? — null provocou, com um sorrisinho no rosto. — A gente só fez um comentário…
— Pois é, qual o problema? — Hero acrescentou. — Ninguém vai te julgar se você finalmente tiver se apaixonado por alguém.
— E a null é gente boa. E linda. — null estreitou os olhos para o amigo diante do último elogio. null riu. — Não precisa ficar com ciúmes, não tô interessado na sua garota, relaxa. Tô só constatando um fato.
— Ela não é minha garota.
— Tecnicamente é, sim — null retrucou. — E você parece a sombra dela, até acompanhando no médico.
— Porque ela é uma amiga. Nós meio que ficamos amigos antes do acordo e você sabe.
— Sim, sim. Por falar nisso, ela tá bem?
— No geral, sim. Mas o médico disse que ela precisa se exercitar mais porque o condicionamento físico dela aparentemente é péssimo. Achei que ela fosse desmaiar no teste.
— Caramba... — null fez uma careta. — É tão ruim assim? E quanto à dança?
— Ele disse que nem sabe como ela tava conseguindo trabalhar, mas null disse que as coreografias não exigem muito esforço. De todo jeito, o médico quer que ela faça cardio e musculação. Ela odiou a notícia, mas prometi fazer companhia.
— É claro que prometeu. — null deu uma risadinha. — Você não cansa de ser tão perfeitinho, seu idiota?
— Vai se ferrar, null. Você sabe muito bem que a null tá praticamente sozinha aqui.
— E o tal meio-irmão? — Hero perguntou. — Não apareceu mais?
— Até agora não, e espero que nem apareça. Mas... Tem uma coisa nessa família que é muito estranha.
— O quê? A história de Cinderela dela é real? — null brincou.
— Talvez. — null assentiu, distraidamente. — Eu dei uma pesquisada sobre o pai dela. O cara tinha dinheiro, mas não deixou nada pra única filha biológica. Não é estranho?
— E ela ainda teve que pagar aluguel dentro da própria casa — Hero lembrou. — Aquela gente deve ser muito sem noção.
— A "irmã" dela praticamente chamou ela de prostituta, que nem o idiota do irmão. Aquela gente é podre.
— Olha, se eu fosse você... Já que você tá envolvido mesmo, eu procuraria saber dessa história da herança direito. A null pode estar sendo tapeada.
— Concordo. Não faz nenhum sentido, tipo, até excluir ela do plano de saúde familiar? Se o pai resolveu pagar por isso, pela faculdade dela também, por que ele não colocaria nada no testamento? — null perguntou. — Você disse pra gente que ela morou por três anos com ele, né? Então ele teve tempo suficiente pra incluir a única filha legítima na bosta do documento.
— Eu ainda tenho o contato do detetive particular que encontrou o meu pai e posso te mandar, se você quiser — null sugeriu.
null ponderou em silêncio por alguns segundos, mas o amigo tinha razão. Se já estava envolvido, então por que não?
Ele era o namorado de null. Sendo de mentirinha ou não, iria protegê-la.
E se tinha uma coisa que null odiava com todas as forças era injustiça.
— Me manda — ele decidiu. — Quero mesmo tirar essa história a limpo. Mas não contem nada pra null.
Os amigos assentiram em concordância e um instante depois, o celular dele vibrou. null havia acabado de enviar o contato do detetive.
null encarou a tela do celular, em choque. Não deveria, no entanto, já que a intenção era realmente aquela, mas a foto do beijo agora lhe assombraria durante algum tempo.
Parecia a cena de um filme romântico. null tinha uma mão em seu rosto, ocultando sua identidade, enquanto a outra a puxava para perto, pela cintura.
null estava na ponta dos pés, com uma mão apoiada no peito dele e a outra, embora não desse para ver na foto, agarrando um dos lados de sua camisa. Era um beijo quente e cheio de química. Mas o único problema era que ela não estava atuando, apenas tinha se deixado levar.
— Quem será essa? — perguntou Thaty, uma de suas colegas do café.
— Sei lá, mas é uma vadia sortuda. Esse homem é lindíssimo — comentou Anni, outra colega. — O que você acha, null?
— O quê? — null levantou o olhar, meio culpada.
O movimento no café estava anormalmente calmo naquele sábado, com poucos clientes ocupando o recinto, então dava tempo de sobra para as meninas começarem a fofocar.
— A garota nova que tá pegando o null, da Cave Panthers. Quem você acha que é?
— Sei lá, vai ver é outra modelo aleatória. — Ela desviou o olhar, fingindo arrumar uma fileira de sachês de açúcar. — Eu não conheço bem essa banda.
— Nossa, em que mundo você vive? Acho que você é a primeira pessoa que conheço que não sabe nada sobre a CP.
— Eu conheci a banda há pouco tempo, e vejo as pessoas falando, mas nunca ouvi nada deles.
E aquela frase inteira era verdade, incluindo a parte de não ter ouvido nada. Por algum motivo, null não chegou a clicar em nenhum vídeo da banda se apresentando. Devido à dança, costumava ouvir mais R&B, hip hop e pop. Rock não era bem algo que ela achava fácil de coreografar; logo, ouvia muito pouco. Algumas músicas de bandas dos anos 80 e 90, algumas do Mcfly aqui e ali...
— Você precisa ouvir eles. A voz do Hero e do null são simplesmente perfeitas — Thaty disse. — Acho que vou até mudar a música ambiente só por você.
Em seguida, ela foi até o computador do caixa e um instante depois, os acordes de um violão ecoaram nas caixas de som.
— Ah, "Girl of Midnight" — Anni comemorou. — Eu amo essa!
Em seguida, todas ficaram em silêncio, absorvendo a música. Quando as vozes começaram a soar, null se arrepiou instantaneamente e Thaty sussurrou quem era quem enquanto null e Hero cantavam juntos.
Ambos tinham uma voz rouca, mas havia algo doce na voz de null que contrastava com o timbre meio rústico de null. A música era um acústico tranquilo e despreocupado sobre uma paixão à primeira vista.
null não tinha ideia de quem era a tal garota da música, mas com certeza era uma sortuda se eles estavam cantando sobre ela com tanto carinho na voz.
Começou a sentir um pouquinho de ciúmes, mas logo se lembrou que null disse que nunca tinha se apaixonado, então provavelmente a história era de null, o que fazia bem mais sentido.
E como as vozes dos dois eram incríveis juntas. null tinha uma voz grave, mas cantando parecia uma carícia, um toque gentil. Ele provavelmente estava no apartamento de Hero naquele momento, cantando daquele jeito enquanto trabalhava com ele e null.
null suspirou, sentindo um sorriso aparecer em seu rosto. A voz de null era tão tranquila naquela música... O tipo exato que ela certamente conseguiria ouvir por horas a fio. Mas ao vivo, com certeza, devia ser bem melhor.
De repente, null se pegou desejando ouvi-lo cantar pessoalmente. E queria muito ter aquela experiência.
A Cave Panthers provavelmente havia acabado de ganhar uma nova fã.
Capítulo 20
12 de outubro de 2017, 15:42 - Apartamento de null, Nova York, NY
null cantarolou sozinha a música que tocava nos fones de ouvido, fazendo dancinhas para lá e para cá enquanto esfregava o chão da sala com um pano úmido em um rodo.
A playlist escolhida era a mesma há duas semanas: uma seleção de músicas da Cave Panthers, que ela vinha escutando sem dizer a absolutamente ninguém.
Depois do dia em que Anni e Thaty a apresentaram às vozes de Hero e null, null falou que amou e depois ficou levemente obcecada. Em poucos dias, já tinha ouvido a discografia inteira da banda e agora tinha uma playlist com as suas favoritas. E por mais que o desejo de vê-los cantando ao vivo tenha ficado um pouquinho mais forte, ela se segurou para não pedir.
Em sua cabeça, null cantaria em casa por conta própria se quisesse. E ela não havia visto Hero fazer isso em nenhum momento nas vezes em que esteve em seu apartamento. Quando ele estava em casa, null o via durante poucos minutos quando trocavam algumas palavras rápidas.
null era gentil e simpático, e tinha sempre um sorriso no rosto quando a cumprimentava.
Não tinha visto os outros rapazes, no entanto, não nos últimos dias. Sabia que eles se juntavam algumas vezes por semana no estúdio de Hero para trabalharem juntos, e foi mais uma curiosidade que havia sido despertada nela.
Como será o processo criativo deles?
— O que você acha, Benny? — ela perguntou ao duende apoiado no sofá, em português. — Será que null só não canta mesmo quando não tem necessidade ou ele só faz isso quando não tô em casa?
null encarou o duende com as duas mãozinhas apoiadas em sua garrafa, e seus olhos brilhantes a encararam de volta sem expressar qualquer reação.
O que era meio óbvio, considerando que aparentemente eles só faziam algo às escondidas.
— Vou acender uma vela aromática de lavanda pra você hoje, mas vai ser só por alguns minutos porque tenho medo de me distrair e esquecer. Dê um sinal se você quiser sair da garrafa. Achei que você ia querer antes, mas faz três semanas que chegamos e nada.
null continuou seu monólogo em português enquanto terminava de limpar a casa e, quando acabou, saiu borrifando uma misturinha de água e desinfetante pela casa.
Cerca de uma hora mais tarde, tinha acabado de sair do banho quando ouviu barulhos na cozinha.
— Oi. Foi tudo bem? — null perguntou a null, que tinha acabado de encher um copo de água para beber.
Ele tinha passado a tarde inteira fora para fazer uma sessão fotográfica e dar uma entrevista para uma revista.
— Sim, me perguntaram sobre você — ele declarou. — E mencionaram nosso encontro, por causa daquele artigo.
— E o que você disse?
— Eu disse que estamos juntos há algumas semanas. Depois de tudo, eles quiseram saber o que exatamente isso significa e eu disse que você é minha namorada — ele contou. — Então contei que nos conhecemos através da null. Também perguntaram seu nome, mas eu disse que preferia manter você só pra mim por enquanto.
null sorriu, divertida.
Aquele havia sido o único encontro dos dois, mas vinha surtindo curiosidade nas pessoas por mais tempo do que ela esperava. De todo modo, cabia a null decidir quando sairiam novamente e quando sua identidade seria revelada — afinal, mais cedo ou mais tarde, as pessoas descobririam. Felizmente, os dois haviam caído em uma pequena rotina confortável nos últimos dias, deixando para trás o pequeno momento de constrangimento após aquele passeio no parque.
Até mesmo ir à academia com ele estava sendo uma experiência mais divertida do que ela havia imaginado. Claro que se exercitar era chato, mas na hora do cardio, null sempre a acompanhava em seus quinze minutos diários na bicicleta.
E por mais que odiasse admitir, se exercitar estava fazendo com que ela dormisse melhor e tivesse um pouco mais de disposição diária, ainda que fizesse apenas duas semanas desde que havia começado.
— Por quanto tempo pretende manter minha identidade em segredo? — null perguntou, curiosa.
— Hm... Não sei. Acho que vou esperar até eles descobrirem por si só. Não conseguiram pegar seu rosto da última vez, mas tenho certeza que agora que sabem que estamos juntos, vão ficar mais atentos.
— Tá, me avisa quando quiser sair de novo.
— Que tal hoje? null tava querendo sair, a gente pode arrastar o null junto.
— Por mim, tudo bem. Já sabem pra onde?
— Que tal a cafeteria que você trabalha? — ele perguntou, com um sorrisinho.
— Hã? Tá falando sério?
— Seríssimo. null disse que conhece o lugar e quer levar null lá também, mas se você preferir ir pra outro...
— Não, não é isso — ela negou rapidamente. — É que... Hm... Ninguém lá sabe sobre a gente. Não contei pra nenhum dos meus colegas. E tem duas garotas que são fãs da banda.
— Hm, legal. Fala pra elas que a gente pode tirar uma foto com elas e dar um autógrafo, então — ele brincou, mas ela continuou em silêncio. — Você não quer que elas saibam?
null o encarou, meio indecisa.
— Não é que eu não queira. Eu só... Hm, é sua privacidade também e eu não queria sair contando assim, nós nem somos exatamente próximas. — Ela deu de ombros.
— Bem, por mim tudo bem. Não estamos em segredo, null. Se alguém tem que saber sobre você, então podemos começar com as pessoas com quem você convive, ou elas podem entender errado.
— Tem razão...
— Que tal você deixar comigo? — ele sugeriu. — Posso falar pra elas que fui eu que pedi pra não falar nada por enquanto ou alguma coisa do tipo.
— Obrigada. — null sorriu, meio tímida. — Posso fazer um sanduíche pra você lanchar? — ela ofereceu.
— Eu adoraria. — null sorriu de volta. — Vou tomar um banho rápido enquanto você faz e já volto.
E então se afastou, deixando-a sozinha por alguns minutos.
null sorriu consigo mesma e começou a procurar os ingredientes.
***
Algumas horas depois, ela encarou o próprio reflexo no espelho, dando uma última ajeitada no cabelo.
Na semana anterior, havia tirado um dia para fazer algumas compras e metade delas havia sido online. Agora, seu guarda-roupa estava cheio de opções de roupas e calçados, e até mesmo pijamas novos.
Escolheu um vestido midi rosa-choque sem alças, com fendas nas duas pernas, e um par de All Star branco. Era uma roupa casual, com exatamente nada de especial, mas, considerando como o clima já estava esfriando, pegou um casaco por precaução.
Encontrou null na sala, digitando algo no celular, e quando ele levantou a cabeça, ela teve uma sensação de déjà vu. Era como se tivesse voltado àquela primeira e única noite em que saíram como um casal.
Riv estava lindo como sempre, como em absolutamente qualquer momento do dia e, mesmo assim, ela ainda não havia se acostumado direito. Sempre que o via, a primeira coisa que sentia era o resquício de um frio na barriga, que se apaziguava depois de alguns minutos. Então null pegava todos os seus sentimentos e mentalmente os colocava em uma caixa escondida no fundo do armário de sua mente, dizendo a si mesma: não, isso é errado e você sabe. Ele é seu chefe e ainda é emocionalmente indisponível.
Com isso, ela tentava ficar o mais focada possível enquanto fingia que ele era uma parede interativa. Uma parede grande e de quase dois metros de altura que ela não podia ficar olhando por muito tempo, especialmente nos olhos.
Felizmente, de alguma forma, aquilo parecia estar funcionando, já que até mesmo os sintomas cardíacos dela estavam mais estáveis. Ou talvez fosse graças ao novo tratamento com o médico. Talvez o problema estivesse ali desde o início. Afinal, nunca havia sentido sintomas por causa de alguém de forma tão fácil. Nem mesmo Charlie havia provocado aquilo a ponto de tirar seu fôlego, ainda que a tivesse assustado algumas vezes.
E que bom que não tinha mais visto o infeliz por aí.
— Peguei um casaco por precaução — null comentou, antes de mais nada.
— Você tá linda — null disse, mal piscando enquanto analisava sua roupa.
— Gostou? O vestido é novo. — Ela deu uma voltinha de brincadeira, para disfarçar o próprio nervosismo. — No café tem aquecedor, então vai ser confortável lá. Hoje temos croissants especiais no cardápio. A null gosta, né?
null assentiu e o celular dele vibrou, chamando sua atenção.
— Eles tão lá fora. Vamos?
Um instante depois, null foi surpreendida pela voz de null.
— Tá vendo? A null escolheu usar vestido também — ela disse a Hero, como se tivesse razão em algo.
— O vestido dela é mais longo que o seu e ela tá levando um casaco — o namorado retrucou.
— E daí? Se eu sentir frio, você me dá o seu — ela disse, como se fosse óbvio, e null revirou os olhos.
null segurou um sorriso.
— null disse que tem aquecedor no café, então tá tudo bem — null comentou, em defesa da amiga.
— Ainda vendem aqueles croissants, null? Eu costumava pedir delivery, mas já faz um tempo desde a última vez.
— Hoje é o dia especial deles. Tem mais de dez opções no cardápio doce e salgado.
— Que ótimo, porque tô morrendo de fome. Acho que consigo comer por dois — ela brincou, quando entraram no elevador.
Na mesma hora, Hero se virou para ela.
— Que história é essa de comer por dois? Você não tá grávida não, né?
— Quê?! Tá doido? — ela praticamente gritou, dando um tapa no ombro dele, como se a ideia fosse absurda. — Eu tô só com fome porque não comi nada hoje à tarde. Não me assusta assim, cara.
Ao seu lado, null riu enquanto eles continuavam a discutir. Então se inclinou em direção a null e cochichou:
— Nenhum deles pretende ter filhos.
— Ah... — null assentiu e sorriu para os dois.
Aquilo era novo. Nunca havia conhecido ninguém que não quisesse ter pelo menos um filho no futuro, mas entendia null. A ideia de engravidar um dia também a apavorava. Ter uma pessoa para cuidar, alimentar, fazer ela sobreviver etc, etc.
Não, obrigada.
Ela não conseguia cuidar direito nem de si mesma. Ainda queria ser bem sucedida na vida e viajar por aí, sair para conhecer restaurantes sem se preocupar com o preço e coisas assim. Conhecer gente nova, fazer amigos.
Filhos eram o tipo de responsabilidade que ela nunca pensou em ter, especialmente se tivesse escolha. Não queria abrir mão de um futuro que ela ainda nem tinha conseguido viver, por mais egoísta que parecesse. Mas para ela, era mais egoísta ainda colocar alguém no mundo por mera vontade de ser mãe, como se filhos fossem algum tipo de pet.
As portas do elevador abriram e os quatro caminharam pelo estacionamento.
De repente, null se perguntou em qual tipo de lado em relação a filhos null estaria. Será que ele queria? Talvez um dia, quando se apaixonasse e quisesse estabelecer uma família com alguém?
E então involuntariamente imaginou que tipo de mulher conseguiria conquistá-lo de verdade. Em suas pesquisas sobre seus "relacionamentos" passados, null chegou à conclusão de que ele não parecia ter um tipo específico, em termos de aparência. Eram sempre mulheres bonitas — ao menos, as que tinha visto em fotos públicas, que ela sabia que muito provavelmente não eram todas. A tal ex do escândalo, por exemplo, null não fazia ideia de como era. Talvez tivesse fotos suas por aí, mas ela não se deu ao trabalho de pesquisar.
Devia ser bonita também, como as outras. Mas diante das diferenças entre as que vira, concluiu que talvez null fosse uma daquelas pessoas que precisavam se conectar mental ou emocionalmente com uma pessoa.
E null sabia o quão difícil era ter aquilo acontecendo, por experiência própria.
Josh havia sido o único cara que conseguiu chegar nela e arrancar algumas risadas suas, que não muito tempo depois foram substituídas por peças de roupa jogadas ao chão.
null não fazia ideia do que ele andava fazendo atualmente, mas lembrava dele com carinho. Tinha sido o primeiro cara a fazê-la sentir algo a mais, e ela desconfiava que talvez fosse mais por conta de sua gentileza, seu cavalheirismo.
Talvez ela tivesse um tipo específico.
Bonito, alto e gentil.
E null preenchia cada característica com louvor. Ele superava qualquer expectativa de um futuro par que ela já tinha fantasiado ter um dia, o que era péssimo, já que era provavelmente o único homem por quem ela não deveria desenvolver sentimentos.
null observou ele parar ao lado do carro e abrir a porta para ela com um sorriso no rosto. Seu coração deu um pulo, e mais uma vez ela enfiou qualquer sentimento na caixa imaginária, enquanto sorria de volta para ele.
Se controla, null.
Infelizmente, seus pensamentos pareciam ter seguido um rumo inesperado e seu coração não parecia nem um pouco inclinado a obedecer.
null cantarolou sozinha a música que tocava nos fones de ouvido, fazendo dancinhas para lá e para cá enquanto esfregava o chão da sala com um pano úmido em um rodo.
A playlist escolhida era a mesma há duas semanas: uma seleção de músicas da Cave Panthers, que ela vinha escutando sem dizer a absolutamente ninguém.
Depois do dia em que Anni e Thaty a apresentaram às vozes de Hero e null, null falou que amou e depois ficou levemente obcecada. Em poucos dias, já tinha ouvido a discografia inteira da banda e agora tinha uma playlist com as suas favoritas. E por mais que o desejo de vê-los cantando ao vivo tenha ficado um pouquinho mais forte, ela se segurou para não pedir.
Em sua cabeça, null cantaria em casa por conta própria se quisesse. E ela não havia visto Hero fazer isso em nenhum momento nas vezes em que esteve em seu apartamento. Quando ele estava em casa, null o via durante poucos minutos quando trocavam algumas palavras rápidas.
null era gentil e simpático, e tinha sempre um sorriso no rosto quando a cumprimentava.
Não tinha visto os outros rapazes, no entanto, não nos últimos dias. Sabia que eles se juntavam algumas vezes por semana no estúdio de Hero para trabalharem juntos, e foi mais uma curiosidade que havia sido despertada nela.
Como será o processo criativo deles?
— O que você acha, Benny? — ela perguntou ao duende apoiado no sofá, em português. — Será que null só não canta mesmo quando não tem necessidade ou ele só faz isso quando não tô em casa?
null encarou o duende com as duas mãozinhas apoiadas em sua garrafa, e seus olhos brilhantes a encararam de volta sem expressar qualquer reação.
O que era meio óbvio, considerando que aparentemente eles só faziam algo às escondidas.
— Vou acender uma vela aromática de lavanda pra você hoje, mas vai ser só por alguns minutos porque tenho medo de me distrair e esquecer. Dê um sinal se você quiser sair da garrafa. Achei que você ia querer antes, mas faz três semanas que chegamos e nada.
null continuou seu monólogo em português enquanto terminava de limpar a casa e, quando acabou, saiu borrifando uma misturinha de água e desinfetante pela casa.
Cerca de uma hora mais tarde, tinha acabado de sair do banho quando ouviu barulhos na cozinha.
— Oi. Foi tudo bem? — null perguntou a null, que tinha acabado de encher um copo de água para beber.
Ele tinha passado a tarde inteira fora para fazer uma sessão fotográfica e dar uma entrevista para uma revista.
— Sim, me perguntaram sobre você — ele declarou. — E mencionaram nosso encontro, por causa daquele artigo.
— E o que você disse?
— Eu disse que estamos juntos há algumas semanas. Depois de tudo, eles quiseram saber o que exatamente isso significa e eu disse que você é minha namorada — ele contou. — Então contei que nos conhecemos através da null. Também perguntaram seu nome, mas eu disse que preferia manter você só pra mim por enquanto.
null sorriu, divertida.
Aquele havia sido o único encontro dos dois, mas vinha surtindo curiosidade nas pessoas por mais tempo do que ela esperava. De todo modo, cabia a null decidir quando sairiam novamente e quando sua identidade seria revelada — afinal, mais cedo ou mais tarde, as pessoas descobririam. Felizmente, os dois haviam caído em uma pequena rotina confortável nos últimos dias, deixando para trás o pequeno momento de constrangimento após aquele passeio no parque.
Até mesmo ir à academia com ele estava sendo uma experiência mais divertida do que ela havia imaginado. Claro que se exercitar era chato, mas na hora do cardio, null sempre a acompanhava em seus quinze minutos diários na bicicleta.
E por mais que odiasse admitir, se exercitar estava fazendo com que ela dormisse melhor e tivesse um pouco mais de disposição diária, ainda que fizesse apenas duas semanas desde que havia começado.
— Por quanto tempo pretende manter minha identidade em segredo? — null perguntou, curiosa.
— Hm... Não sei. Acho que vou esperar até eles descobrirem por si só. Não conseguiram pegar seu rosto da última vez, mas tenho certeza que agora que sabem que estamos juntos, vão ficar mais atentos.
— Tá, me avisa quando quiser sair de novo.
— Que tal hoje? null tava querendo sair, a gente pode arrastar o null junto.
— Por mim, tudo bem. Já sabem pra onde?
— Que tal a cafeteria que você trabalha? — ele perguntou, com um sorrisinho.
— Hã? Tá falando sério?
— Seríssimo. null disse que conhece o lugar e quer levar null lá também, mas se você preferir ir pra outro...
— Não, não é isso — ela negou rapidamente. — É que... Hm... Ninguém lá sabe sobre a gente. Não contei pra nenhum dos meus colegas. E tem duas garotas que são fãs da banda.
— Hm, legal. Fala pra elas que a gente pode tirar uma foto com elas e dar um autógrafo, então — ele brincou, mas ela continuou em silêncio. — Você não quer que elas saibam?
null o encarou, meio indecisa.
— Não é que eu não queira. Eu só... Hm, é sua privacidade também e eu não queria sair contando assim, nós nem somos exatamente próximas. — Ela deu de ombros.
— Bem, por mim tudo bem. Não estamos em segredo, null. Se alguém tem que saber sobre você, então podemos começar com as pessoas com quem você convive, ou elas podem entender errado.
— Tem razão...
— Que tal você deixar comigo? — ele sugeriu. — Posso falar pra elas que fui eu que pedi pra não falar nada por enquanto ou alguma coisa do tipo.
— Obrigada. — null sorriu, meio tímida. — Posso fazer um sanduíche pra você lanchar? — ela ofereceu.
— Eu adoraria. — null sorriu de volta. — Vou tomar um banho rápido enquanto você faz e já volto.
E então se afastou, deixando-a sozinha por alguns minutos.
null sorriu consigo mesma e começou a procurar os ingredientes.
Algumas horas depois, ela encarou o próprio reflexo no espelho, dando uma última ajeitada no cabelo.
Na semana anterior, havia tirado um dia para fazer algumas compras e metade delas havia sido online. Agora, seu guarda-roupa estava cheio de opções de roupas e calçados, e até mesmo pijamas novos.
Escolheu um vestido midi rosa-choque sem alças, com fendas nas duas pernas, e um par de All Star branco. Era uma roupa casual, com exatamente nada de especial, mas, considerando como o clima já estava esfriando, pegou um casaco por precaução.
Encontrou null na sala, digitando algo no celular, e quando ele levantou a cabeça, ela teve uma sensação de déjà vu. Era como se tivesse voltado àquela primeira e única noite em que saíram como um casal.
Riv estava lindo como sempre, como em absolutamente qualquer momento do dia e, mesmo assim, ela ainda não havia se acostumado direito. Sempre que o via, a primeira coisa que sentia era o resquício de um frio na barriga, que se apaziguava depois de alguns minutos. Então null pegava todos os seus sentimentos e mentalmente os colocava em uma caixa escondida no fundo do armário de sua mente, dizendo a si mesma: não, isso é errado e você sabe. Ele é seu chefe e ainda é emocionalmente indisponível.
Com isso, ela tentava ficar o mais focada possível enquanto fingia que ele era uma parede interativa. Uma parede grande e de quase dois metros de altura que ela não podia ficar olhando por muito tempo, especialmente nos olhos.
Felizmente, de alguma forma, aquilo parecia estar funcionando, já que até mesmo os sintomas cardíacos dela estavam mais estáveis. Ou talvez fosse graças ao novo tratamento com o médico. Talvez o problema estivesse ali desde o início. Afinal, nunca havia sentido sintomas por causa de alguém de forma tão fácil. Nem mesmo Charlie havia provocado aquilo a ponto de tirar seu fôlego, ainda que a tivesse assustado algumas vezes.
E que bom que não tinha mais visto o infeliz por aí.
— Peguei um casaco por precaução — null comentou, antes de mais nada.
— Você tá linda — null disse, mal piscando enquanto analisava sua roupa.
— Gostou? O vestido é novo. — Ela deu uma voltinha de brincadeira, para disfarçar o próprio nervosismo. — No café tem aquecedor, então vai ser confortável lá. Hoje temos croissants especiais no cardápio. A null gosta, né?
null assentiu e o celular dele vibrou, chamando sua atenção.
— Eles tão lá fora. Vamos?
Um instante depois, null foi surpreendida pela voz de null.
— Tá vendo? A null escolheu usar vestido também — ela disse a Hero, como se tivesse razão em algo.
— O vestido dela é mais longo que o seu e ela tá levando um casaco — o namorado retrucou.
— E daí? Se eu sentir frio, você me dá o seu — ela disse, como se fosse óbvio, e null revirou os olhos.
null segurou um sorriso.
— null disse que tem aquecedor no café, então tá tudo bem — null comentou, em defesa da amiga.
— Ainda vendem aqueles croissants, null? Eu costumava pedir delivery, mas já faz um tempo desde a última vez.
— Hoje é o dia especial deles. Tem mais de dez opções no cardápio doce e salgado.
— Que ótimo, porque tô morrendo de fome. Acho que consigo comer por dois — ela brincou, quando entraram no elevador.
Na mesma hora, Hero se virou para ela.
— Que história é essa de comer por dois? Você não tá grávida não, né?
— Quê?! Tá doido? — ela praticamente gritou, dando um tapa no ombro dele, como se a ideia fosse absurda. — Eu tô só com fome porque não comi nada hoje à tarde. Não me assusta assim, cara.
Ao seu lado, null riu enquanto eles continuavam a discutir. Então se inclinou em direção a null e cochichou:
— Nenhum deles pretende ter filhos.
— Ah... — null assentiu e sorriu para os dois.
Aquilo era novo. Nunca havia conhecido ninguém que não quisesse ter pelo menos um filho no futuro, mas entendia null. A ideia de engravidar um dia também a apavorava. Ter uma pessoa para cuidar, alimentar, fazer ela sobreviver etc, etc.
Não, obrigada.
Ela não conseguia cuidar direito nem de si mesma. Ainda queria ser bem sucedida na vida e viajar por aí, sair para conhecer restaurantes sem se preocupar com o preço e coisas assim. Conhecer gente nova, fazer amigos.
Filhos eram o tipo de responsabilidade que ela nunca pensou em ter, especialmente se tivesse escolha. Não queria abrir mão de um futuro que ela ainda nem tinha conseguido viver, por mais egoísta que parecesse. Mas para ela, era mais egoísta ainda colocar alguém no mundo por mera vontade de ser mãe, como se filhos fossem algum tipo de pet.
As portas do elevador abriram e os quatro caminharam pelo estacionamento.
De repente, null se perguntou em qual tipo de lado em relação a filhos null estaria. Será que ele queria? Talvez um dia, quando se apaixonasse e quisesse estabelecer uma família com alguém?
E então involuntariamente imaginou que tipo de mulher conseguiria conquistá-lo de verdade. Em suas pesquisas sobre seus "relacionamentos" passados, null chegou à conclusão de que ele não parecia ter um tipo específico, em termos de aparência. Eram sempre mulheres bonitas — ao menos, as que tinha visto em fotos públicas, que ela sabia que muito provavelmente não eram todas. A tal ex do escândalo, por exemplo, null não fazia ideia de como era. Talvez tivesse fotos suas por aí, mas ela não se deu ao trabalho de pesquisar.
Devia ser bonita também, como as outras. Mas diante das diferenças entre as que vira, concluiu que talvez null fosse uma daquelas pessoas que precisavam se conectar mental ou emocionalmente com uma pessoa.
E null sabia o quão difícil era ter aquilo acontecendo, por experiência própria.
Josh havia sido o único cara que conseguiu chegar nela e arrancar algumas risadas suas, que não muito tempo depois foram substituídas por peças de roupa jogadas ao chão.
null não fazia ideia do que ele andava fazendo atualmente, mas lembrava dele com carinho. Tinha sido o primeiro cara a fazê-la sentir algo a mais, e ela desconfiava que talvez fosse mais por conta de sua gentileza, seu cavalheirismo.
Talvez ela tivesse um tipo específico.
Bonito, alto e gentil.
E null preenchia cada característica com louvor. Ele superava qualquer expectativa de um futuro par que ela já tinha fantasiado ter um dia, o que era péssimo, já que era provavelmente o único homem por quem ela não deveria desenvolver sentimentos.
null observou ele parar ao lado do carro e abrir a porta para ela com um sorriso no rosto. Seu coração deu um pulo, e mais uma vez ela enfiou qualquer sentimento na caixa imaginária, enquanto sorria de volta para ele.
Se controla, null.
Infelizmente, seus pensamentos pareciam ter seguido um rumo inesperado e seu coração não parecia nem um pouco inclinado a obedecer.
Capítulo 21
A primeira coisa que null percebeu quando entrou na cafeteria foi que Anni e Thaty não estavam trabalhando naquela noite. Ela soltou o ar, aliviada, só então percebendo que o prendia. No entanto, um olhar curioso de Tom, Harry e Joe, os funcionários daquela noite, foi o suficiente para dar início a uma nova onda de nervosismo.
null não os conhecia bem, já que na maioria das vezes pegava turnos com as garotas, mas era óbvio o interesse deles quando a viram ali como cliente, e ainda por cima acompanhada. Tudo aconteceu rápido, mas null não deixou de notar o olhar de Tom descendo até sua mão direita, entrelaçada a de null.
null levantou a mão livre e acenou para eles com um sorrisinho, assim que se aproximaram do balcão.
— Oi, Tom, Harry, Joe. Tudo bem? — ela tentou socializar. — Nós temos uma reserva.
— E aí, null. — Tom sorriu de lábios fechados, parado ao lado do caixa. — Tá em qual nome?
— No meu — null respondeu. — null Reed. Solicitei a mesa dos fundos.
— null Reed, sim. Para quatro pessoas, certo? — ele perguntou e null confirmou com a cabeça. — Harry, você pode acompanhar eles?
— Tudo bem, deixa que eu mostro — null se ofereceu. — Posso pegar logo os cardápios?
— Claro, fica à vontade — Harry disse, apontando com a mão para a pilha ao lado dela e sorriu. — Me chamem quando decidirem os pedidos.
— Obrigada. — null sorriu de volta e então levou os três amigos até a mesa reservada.
null havia sido esperta. Normalmente, ninguém queria aquela mesa porque era meio que um ponto cego, mais longe do balcão e dos banheiros, que ficavam do outro lado do recinto.
A cafeteria tinha uma parede inteira de vidro, mas ninguém que passava em frente conseguia ver aquela mesa. Eles haviam chegado cedo, então só havia outras duas mesas ocupadas, uma com uma família de pai, mãe e um menino de uns cinco anos, e outra com um casal mais velho.
null se perguntou se null havia planejado tudo aquilo. Um minuto depois, descobriu que sim.
— Tomara que vocês não chamem atenção. Peguei essa mesa justo pra prevenir — ela comentou, enquanto abria o cardápio.
Hero riu ao lado dela.
Alguns instantes depois, Harry apareceu para pegar os pedidos.
— O lugar é legal. Você gosta de trabalhar aqui, null? — Hero perguntou, depois que o rapaz se retirou. Estava sentando em frente a ela, ambos do lado da parede. Ao seu lado, null era como uma parede humana que praticamente a escondia.
— Sim, foi o primeiro emprego que consegui quando vim morar aqui.
— E você se dá bem com os colegas? — foi a vez de null, acenando com a cabeça na direção em que Harry tinha desaparecido.
— Nunca peguei muitos turnos com eles, mas sim. Tem outras duas meninas com quem normalmente trabalho, Anni e Thaty. Elas são muito fãs da Cave Panthers.
— Ah, é… As meninas que você falou — null comentou. — Mas por que você nunca me disse?
— Não faz muito tempo que descobri. — Ela encolheu os ombros.
— Que tal a gente deixar um presentinho pra elas, então? — Hero sugeriu, encarando o amigo com um sorriso.
null sorriu de volta e pegou um guardanapo, antes de se voltar para null com uma mão estendida. A mulher rolou os olhos e enfiou a mão na bolsa, colocando uma caneta na mão dele um instante depois.
— Sorte de vocês que sempre ando prevenida.
— A null sempre tem uma caneta na bolsa, porque vez ou outra, leitores a reconhecem na rua — null explicou para null.
— Deve ser legal. E estranho — ela comentou com null, enquanto os dois autografaram os guardanapos.
— Siiim! Eu passei um tempão atrás de um pseudônimo, mas decidi revelar minha identidade há alguns meses. Minha editora adorou, porque agora eles podem me enfiar em vários eventos. É estranho, mas no fim é gratificante também, sabe? Ter uma interação pessoalmente com os leitores.
— Deve ser legal mesmo. — null sorriu. — Quando eu tava na faculdade, pensei em criar um canal no YouTube pra fazer covers de dança e algumas coreografias originais, mas acabei não tendo tempo, então a ideia ficou de lado.
— Sério? Você devia fazer agora, então. Agora você tem tempo e pode ser divertido. Eu ainda tô doida pra te ver dançar no clube — null disse. — Riv contou que vocês apresentaram músicas do filme Burlesque no mês passado. Eu amo esse musical, mas infelizmente não deu pra ir.
— Tudo bem. No mês de outubro a gente escolheu Chicago, caso você se interesse.
— Meu Deus, siiim! Mas Chicago não tem dançarinos homens também, em algumas coreografias? Como vocês fazem?
— Izzy, nossa dançarina principal, deu a ideia de arrastar alguns dos seguranças. Uns seis, pelo menos. Ela passou a semana treinando eles.
— E eles concordaram de boa? — Hero perguntou.
— Vão ganhar extra por isso. Inicialmente, a gente tinha pensado em algumas de nós nos fantasiar de homens, mas Izzy achou que ia ficar muito cômico. Ela e Suzy, nossa chefe, querem algo mais sensual.
— Isso quer dizer que você também vai dançar com eles? — null quis saber.
— Sim, tem um número meu com um deles. A Izzy me mandou a coreografia e vou treinar no sábado.
— E dá tempo? — null perguntou. — Não fica muito em cima da hora?
— Normalmente, dá certo. O Jesse já sabe a coreografia. E é um ato curto, só precisamos nos ajustar. A Izzy e outras quatro garotas também fazem parte dessa. Cada uma de nós tem um par.
Jesse. null estreitou os olhos, gravando o nome. Sentiu um incômodo repentino com a notícia, mas não sabia dizer porquê.
— Qual é o número?
— Hm, sabe aquele que as mulheres contam sobre os assassinatos?
— Ah, sei! Você vai interpretar uma delas?
null riu baixinho, levemente constrangida.
— Pois é, eu vou ser a segunda da música. A do arsênio.
null gargalhou e null fez uma careta, antes de encarar null, que parecia completamente alheio.
— Por que o riso? — ele perguntou à amiga.
— Você não lembra, né? A coreografia é beeem interessante. — null sorriu, maliciosa.
null sentiu o rosto corar.
null a encarou e franziu o cenho. Não fazia ideia do que estavam falando. Há muito tempo, null o tinha feito ver aquele filme com ela, mas ele não lembrava nem das músicas.
— Cara... — null começou a dizer, mas balançou a cabeça, desistindo.
— O quê? Me fala o nome da música, eu vou pesquisar — ele disse, já pegando o celular.
— Ah, não. — null abaixou o braço dele, o impedindo. — É melhor você ver ao vivo e se surpreender. A coreografia é incrível, amigo. Vamos ver a null no sábado, pra gente não perder esse número. Tomara que o Jesse faça um ótimo trabalho, adoro aquela parte do tango também.
Tango? null se virou para encarar null.
— Você dança tango também?
— Tem vários elementos nessa coreografia. A Izzy adaptou com alguns elementos a mais também.
— Hm, sei. Vamos no sábado, então. — Ele deu de ombros.
O que teria de mais, de qualquer forma? Já tinha visto null dançar outras duas vezes. Não devia ser muito diferente com tango, embora sua noção de dança era do mesmo tamanho que sua noção de português, a língua nativa dela.
O que daria cerca de cinco por cento de conhecimento, por aí.
Frequentemente, ouvia null conversando sozinha em português. Às vezes, pegava uma palavra aqui e ali que lembravam algumas em espanhol que ele havia aprendido na escola, mas nada bom o suficiente para entender algum contexto. Até que começou a perguntar.
Vez ou outra, null enviava mensagens de áudio para sua avó no Brasil e null não tinha resistido à curiosidade, então ela o havia ensinado algumas palavras aqui e ali.
— Se quiserem, posso pedir pra reservarem uma mesa pra vocês — ela disse, meio acanhada.
— Claro. Acho que vamos juntos. null pode dirigir, assim a gente fica livre pra beber — null brincou, piscando para o amigo, que revirou os olhos.
— Sua oportunista — ele resmungou, fazendo-a rir.
Um instante depois, Harry apareceu com os pedidos e o assunto foi deixado de lado quando eles começaram a comer.
***
Algumas horas depois, quando estavam indo embora, null se despediu dos colegas com um aceno, cansada de tanto comer. Então se deu conta dos olhares e cochichos ao redor, agora que tinham saído do ponto cego.
Hero e null acenaram e sorriram para as pessoas que os tinham reconhecido e ela abaixou a cabeça, meio tímida e hiper consciente do aperto firme em sua mão. Sentindo sua tensão, null a encarou por um instante e sorriu, torcendo para que ela entendesse a mensagem de que estava tudo bem.
Quando chegaram no carro, null relaxou um pouco.
— Tá tudo bem?
— Sim, só fiquei um pouquinho nervosa — ela comentou, esfregando uma unha no tecido do vestido, ao lado de uma das fendas que deixavam as laterais de suas pernas expostas. O mesmo vestido que se ajustava perfeitamente a cada uma de suas curvas.
— Relaxa, você tá linda. — Ele pegou a mão inquieta dela e deu um beijo.
Não havia ninguém por perto para ver, mas quis fazer mesmo assim. Não pelo ato, e sim por pura vontade.
Já tinha visto null com menos peças de roupas outras duas vezes, no clube, mas assim que ela apareceu naquele vestido cor de rosa, o primeiro pensamento que null teve foi de querer tirá-lo. Pressioná-la contra a parede e levantá-lo até a cintura, abrindo caminho entre as pernas dela.
Um pensamento intrusivo, é claro, mas que o tinha perturbado por alguns minutos até chegarem à cafeteria e então mais uma vez, naquele momento.
null assentiu e ele se inclinou para ajudá-la a colocar o cinto, só para ter uma desculpa para se aproximar. Muito mesquinho da parte dele, especialmente para alguém que não era extremamente adepto a toques, mas sentia uma vontade absurda de abraçar null. Uma vontade que parecia estar se tornando mais frequente a cada dia que passava.
Enquanto prendia o cinto dela, null encontrou os olhos azuis dele e engoliu em seco, desviando o olhar para os lábios dele, tão bonitos e perturbadores. null levantou uma mão para afastar uma mecha de cabelo dela e então se inclinou para a frente.
null fechou os olhos e um instante depois, sentiu os lábios dele sobre sua têmpora, em um beijo casto.
Sem dizer mais nada, ele se afastou e deu a partida no carro.
Ficaram em silêncio durante o curto trajeto até em casa e permaneceram assim até entrarem no apartamento.
— Hoje foi divertido — null comentou. — A gente podia sair mais vezes depois.
— Concordo. — null sorriu e levantou um braço, apontando com o polegar para o banheiro. — Vou tomar banho e me deitar. Boa noite, null.
— Eu também. Boa noite, null — ele se despediu, com um sorriso fechado.
No entanto, minutos mais tarde, tinha acabado de sair do banheiro, ainda com uma toalha enrolada na cintura, quando ouviu batidas frenéticas na porta.
— null, null, você precisa ver isso! null!
Franzindo o cenho, ele correu para atender e mal tinha aberto a porta quando null o puxou pelo pulso, o levando até seu quarto, sem sequer olhar para ele. Estava saltitante e animada, o deixando ainda mais confuso. Mas só quando entrou no quarto dela, foi que percebeu do que se tratava.
Pararam em frente à mesinha de cabeceira onde ela deixava seu duende, então null apontou com o dedo para a garrafa e declarou:
— O Benny respirou na garrafa, olha! — Ela continuou a pular, alegre.
null a encarou, sem entender aquela fala, e então prestou atenção na garrafa. Um segundo depois, arregalou os olhos.
Bem na frente do rosto do duende, havia uma mancha úmida na garrafa, como quando alguém respirava em uma janela. Ele deu um passo para trás, sentindo o corpo inteiro arrepiar e antes que pudesse impedir, as palavras já tinham escapado de sua boca:
— Que porra é essa, null?!
null não os conhecia bem, já que na maioria das vezes pegava turnos com as garotas, mas era óbvio o interesse deles quando a viram ali como cliente, e ainda por cima acompanhada. Tudo aconteceu rápido, mas null não deixou de notar o olhar de Tom descendo até sua mão direita, entrelaçada a de null.
null levantou a mão livre e acenou para eles com um sorrisinho, assim que se aproximaram do balcão.
— Oi, Tom, Harry, Joe. Tudo bem? — ela tentou socializar. — Nós temos uma reserva.
— E aí, null. — Tom sorriu de lábios fechados, parado ao lado do caixa. — Tá em qual nome?
— No meu — null respondeu. — null Reed. Solicitei a mesa dos fundos.
— null Reed, sim. Para quatro pessoas, certo? — ele perguntou e null confirmou com a cabeça. — Harry, você pode acompanhar eles?
— Tudo bem, deixa que eu mostro — null se ofereceu. — Posso pegar logo os cardápios?
— Claro, fica à vontade — Harry disse, apontando com a mão para a pilha ao lado dela e sorriu. — Me chamem quando decidirem os pedidos.
— Obrigada. — null sorriu de volta e então levou os três amigos até a mesa reservada.
null havia sido esperta. Normalmente, ninguém queria aquela mesa porque era meio que um ponto cego, mais longe do balcão e dos banheiros, que ficavam do outro lado do recinto.
A cafeteria tinha uma parede inteira de vidro, mas ninguém que passava em frente conseguia ver aquela mesa. Eles haviam chegado cedo, então só havia outras duas mesas ocupadas, uma com uma família de pai, mãe e um menino de uns cinco anos, e outra com um casal mais velho.
null se perguntou se null havia planejado tudo aquilo. Um minuto depois, descobriu que sim.
— Tomara que vocês não chamem atenção. Peguei essa mesa justo pra prevenir — ela comentou, enquanto abria o cardápio.
Hero riu ao lado dela.
Alguns instantes depois, Harry apareceu para pegar os pedidos.
— O lugar é legal. Você gosta de trabalhar aqui, null? — Hero perguntou, depois que o rapaz se retirou. Estava sentando em frente a ela, ambos do lado da parede. Ao seu lado, null era como uma parede humana que praticamente a escondia.
— Sim, foi o primeiro emprego que consegui quando vim morar aqui.
— E você se dá bem com os colegas? — foi a vez de null, acenando com a cabeça na direção em que Harry tinha desaparecido.
— Nunca peguei muitos turnos com eles, mas sim. Tem outras duas meninas com quem normalmente trabalho, Anni e Thaty. Elas são muito fãs da Cave Panthers.
— Ah, é… As meninas que você falou — null comentou. — Mas por que você nunca me disse?
— Não faz muito tempo que descobri. — Ela encolheu os ombros.
— Que tal a gente deixar um presentinho pra elas, então? — Hero sugeriu, encarando o amigo com um sorriso.
null sorriu de volta e pegou um guardanapo, antes de se voltar para null com uma mão estendida. A mulher rolou os olhos e enfiou a mão na bolsa, colocando uma caneta na mão dele um instante depois.
— Sorte de vocês que sempre ando prevenida.
— A null sempre tem uma caneta na bolsa, porque vez ou outra, leitores a reconhecem na rua — null explicou para null.
— Deve ser legal. E estranho — ela comentou com null, enquanto os dois autografaram os guardanapos.
— Siiim! Eu passei um tempão atrás de um pseudônimo, mas decidi revelar minha identidade há alguns meses. Minha editora adorou, porque agora eles podem me enfiar em vários eventos. É estranho, mas no fim é gratificante também, sabe? Ter uma interação pessoalmente com os leitores.
— Deve ser legal mesmo. — null sorriu. — Quando eu tava na faculdade, pensei em criar um canal no YouTube pra fazer covers de dança e algumas coreografias originais, mas acabei não tendo tempo, então a ideia ficou de lado.
— Sério? Você devia fazer agora, então. Agora você tem tempo e pode ser divertido. Eu ainda tô doida pra te ver dançar no clube — null disse. — Riv contou que vocês apresentaram músicas do filme Burlesque no mês passado. Eu amo esse musical, mas infelizmente não deu pra ir.
— Tudo bem. No mês de outubro a gente escolheu Chicago, caso você se interesse.
— Meu Deus, siiim! Mas Chicago não tem dançarinos homens também, em algumas coreografias? Como vocês fazem?
— Izzy, nossa dançarina principal, deu a ideia de arrastar alguns dos seguranças. Uns seis, pelo menos. Ela passou a semana treinando eles.
— E eles concordaram de boa? — Hero perguntou.
— Vão ganhar extra por isso. Inicialmente, a gente tinha pensado em algumas de nós nos fantasiar de homens, mas Izzy achou que ia ficar muito cômico. Ela e Suzy, nossa chefe, querem algo mais sensual.
— Isso quer dizer que você também vai dançar com eles? — null quis saber.
— Sim, tem um número meu com um deles. A Izzy me mandou a coreografia e vou treinar no sábado.
— E dá tempo? — null perguntou. — Não fica muito em cima da hora?
— Normalmente, dá certo. O Jesse já sabe a coreografia. E é um ato curto, só precisamos nos ajustar. A Izzy e outras quatro garotas também fazem parte dessa. Cada uma de nós tem um par.
Jesse. null estreitou os olhos, gravando o nome. Sentiu um incômodo repentino com a notícia, mas não sabia dizer porquê.
— Qual é o número?
— Hm, sabe aquele que as mulheres contam sobre os assassinatos?
— Ah, sei! Você vai interpretar uma delas?
null riu baixinho, levemente constrangida.
— Pois é, eu vou ser a segunda da música. A do arsênio.
null gargalhou e null fez uma careta, antes de encarar null, que parecia completamente alheio.
— Por que o riso? — ele perguntou à amiga.
— Você não lembra, né? A coreografia é beeem interessante. — null sorriu, maliciosa.
null sentiu o rosto corar.
null a encarou e franziu o cenho. Não fazia ideia do que estavam falando. Há muito tempo, null o tinha feito ver aquele filme com ela, mas ele não lembrava nem das músicas.
— Cara... — null começou a dizer, mas balançou a cabeça, desistindo.
— O quê? Me fala o nome da música, eu vou pesquisar — ele disse, já pegando o celular.
— Ah, não. — null abaixou o braço dele, o impedindo. — É melhor você ver ao vivo e se surpreender. A coreografia é incrível, amigo. Vamos ver a null no sábado, pra gente não perder esse número. Tomara que o Jesse faça um ótimo trabalho, adoro aquela parte do tango também.
Tango? null se virou para encarar null.
— Você dança tango também?
— Tem vários elementos nessa coreografia. A Izzy adaptou com alguns elementos a mais também.
— Hm, sei. Vamos no sábado, então. — Ele deu de ombros.
O que teria de mais, de qualquer forma? Já tinha visto null dançar outras duas vezes. Não devia ser muito diferente com tango, embora sua noção de dança era do mesmo tamanho que sua noção de português, a língua nativa dela.
O que daria cerca de cinco por cento de conhecimento, por aí.
Frequentemente, ouvia null conversando sozinha em português. Às vezes, pegava uma palavra aqui e ali que lembravam algumas em espanhol que ele havia aprendido na escola, mas nada bom o suficiente para entender algum contexto. Até que começou a perguntar.
Vez ou outra, null enviava mensagens de áudio para sua avó no Brasil e null não tinha resistido à curiosidade, então ela o havia ensinado algumas palavras aqui e ali.
— Se quiserem, posso pedir pra reservarem uma mesa pra vocês — ela disse, meio acanhada.
— Claro. Acho que vamos juntos. null pode dirigir, assim a gente fica livre pra beber — null brincou, piscando para o amigo, que revirou os olhos.
— Sua oportunista — ele resmungou, fazendo-a rir.
Um instante depois, Harry apareceu com os pedidos e o assunto foi deixado de lado quando eles começaram a comer.
Algumas horas depois, quando estavam indo embora, null se despediu dos colegas com um aceno, cansada de tanto comer. Então se deu conta dos olhares e cochichos ao redor, agora que tinham saído do ponto cego.
Hero e null acenaram e sorriram para as pessoas que os tinham reconhecido e ela abaixou a cabeça, meio tímida e hiper consciente do aperto firme em sua mão. Sentindo sua tensão, null a encarou por um instante e sorriu, torcendo para que ela entendesse a mensagem de que estava tudo bem.
Quando chegaram no carro, null relaxou um pouco.
— Tá tudo bem?
— Sim, só fiquei um pouquinho nervosa — ela comentou, esfregando uma unha no tecido do vestido, ao lado de uma das fendas que deixavam as laterais de suas pernas expostas. O mesmo vestido que se ajustava perfeitamente a cada uma de suas curvas.
— Relaxa, você tá linda. — Ele pegou a mão inquieta dela e deu um beijo.
Não havia ninguém por perto para ver, mas quis fazer mesmo assim. Não pelo ato, e sim por pura vontade.
Já tinha visto null com menos peças de roupas outras duas vezes, no clube, mas assim que ela apareceu naquele vestido cor de rosa, o primeiro pensamento que null teve foi de querer tirá-lo. Pressioná-la contra a parede e levantá-lo até a cintura, abrindo caminho entre as pernas dela.
Um pensamento intrusivo, é claro, mas que o tinha perturbado por alguns minutos até chegarem à cafeteria e então mais uma vez, naquele momento.
null assentiu e ele se inclinou para ajudá-la a colocar o cinto, só para ter uma desculpa para se aproximar. Muito mesquinho da parte dele, especialmente para alguém que não era extremamente adepto a toques, mas sentia uma vontade absurda de abraçar null. Uma vontade que parecia estar se tornando mais frequente a cada dia que passava.
Enquanto prendia o cinto dela, null encontrou os olhos azuis dele e engoliu em seco, desviando o olhar para os lábios dele, tão bonitos e perturbadores. null levantou uma mão para afastar uma mecha de cabelo dela e então se inclinou para a frente.
null fechou os olhos e um instante depois, sentiu os lábios dele sobre sua têmpora, em um beijo casto.
Sem dizer mais nada, ele se afastou e deu a partida no carro.
Ficaram em silêncio durante o curto trajeto até em casa e permaneceram assim até entrarem no apartamento.
— Hoje foi divertido — null comentou. — A gente podia sair mais vezes depois.
— Concordo. — null sorriu e levantou um braço, apontando com o polegar para o banheiro. — Vou tomar banho e me deitar. Boa noite, null.
— Eu também. Boa noite, null — ele se despediu, com um sorriso fechado.
No entanto, minutos mais tarde, tinha acabado de sair do banheiro, ainda com uma toalha enrolada na cintura, quando ouviu batidas frenéticas na porta.
— null, null, você precisa ver isso! null!
Franzindo o cenho, ele correu para atender e mal tinha aberto a porta quando null o puxou pelo pulso, o levando até seu quarto, sem sequer olhar para ele. Estava saltitante e animada, o deixando ainda mais confuso. Mas só quando entrou no quarto dela, foi que percebeu do que se tratava.
Pararam em frente à mesinha de cabeceira onde ela deixava seu duende, então null apontou com o dedo para a garrafa e declarou:
— O Benny respirou na garrafa, olha! — Ela continuou a pular, alegre.
null a encarou, sem entender aquela fala, e então prestou atenção na garrafa. Um segundo depois, arregalou os olhos.
Bem na frente do rosto do duende, havia uma mancha úmida na garrafa, como quando alguém respirava em uma janela. Ele deu um passo para trás, sentindo o corpo inteiro arrepiar e antes que pudesse impedir, as palavras já tinham escapado de sua boca:
— Que porra é essa, null?!
Capítulo 22
null parou de pular no mesmo instante e o encarou.
— Por que você tá assim? — ela perguntou, como se não fosse nada de mais.
— Eu?! Você me mostra que esse projeto de Anabelle respirou na porra da garrafa e quer quer eu fique de boa?
— É só um duende, null. Ele é um protetor.
null respirou fundo, tentando manter a calma.
— null... Isso não é feitiçaria ou sei lá? Tem certeza de que sabe com o que tá mexendo?
— Tenho. — Ela cruzou os braços em desafio. — Mas se você tiver com medo...
— Não tô com medo! — Ele se apressou em negar o óbvio. null quase rolou os olhos. — Só tô dizendo que... Que você devia arranjar um hobby menos... Bizarro.
— O Benny não vai fazer nada com você. É só cumprimentar ele, null. E se for pedir algo a ele e prometer algo em troca, você tem que cumprir. Eu entendo que você tenha ficado assustado...
— Eu não tô assustado.
Dessa vez, null não conteve a expressão debochada.
— Ah, não? E por que você surtou do nada? Meu duende não é um projeto de Anabelle! Ele é um ser elemental do bem! Benny é inofensivo.
— Inofensivo, minha bunda! — ele retrucou, super maduro. — E se você tirar essa coisa da garrafa e ela matar a gente durante o sono?!
— O quê? — null perguntou, sem acreditar.
E então caiu no riso, sem conseguir se conter. Gargalhou alto, caindo sentada na cama.
— Do que você tá rindo? Eu tô falando sério!
— É que é engraçado, sabe? Você tem quase dois metros de altura, null. Meu duende tem dez centímetros.
— E daí? Você nunca assistiu Supernatural? Coisas inexplicáveis acontecem. Brinquedos amaldiçoados existem — ele tentou explicar, mas ela apenas o encarou como se quisesse rir outra vez. — Eu tô falando sério, null. Para com isso.
Um sorriso se abriu no rosto dela e sem pensar, null se levantou e passou as mãos pela cintura dele. Só então reparou na toalha que null usava e se arrependeu por um instante, mas ainda assim disse o que queria dizer.
— Deixa que eu te protejo então, grandalhão.
null ficou parado por um instante, imóvel. Primeiro, porque null o tinha abraçado de repente; segundo, porque ele estava pelado por baixo daquela toalha e seu corpo pareceu reagir ao toque dela como se um mero abraço fosse algum tipo de interruptor.
O coração dele acelerou e ele contraiu o abdômen quando sentiu um frio na barriga. O que era aquilo? Por que estava nervoso? Era só um abraço.
Um abraço bom e quentinho e... No instante seguinte, quando percebeu, seu corpo reagiu praticamente por conta própria e null passou os braços pelos ombros de null, a puxando para mais perto, se é que era possível, já que não havia mais nenhum espaço entre os dois.
Ele esqueceu até o motivo da discussão. Um boneco maligno? Foda-se. Eu deixo Benny ficar se puder ganhar um abraço desse todos os dias.
— Sério? — null levantou a cabeça para encará-lo. — É só isso que preciso fazer? — Ela sorriu e null percebeu que tinha pensado em voz alta.
— Eu... — Ele se afastou, sentindo o rosto esquentar. — Eu só acho que...
— Ei... Tá tudo bem, eu prometo. Eu vou cuidar do Benny direitinho, tudo o que você precisa fazer é cumprimentar ele.
null fez uma careta de desgosto e encarou o duende com desconfiança.
— Boa noite, Benny. Nem pense em aprontar na minha casa — ele resmungou.
— Vou tirar ele da garrafa só amanhã e mantê-lo no quarto quando você tiver em casa — null decidiu.
— Tá... — null disse, ainda meio desconfiado. — Boa noite, null.
— Boa noite, null. Amanhã te dou outro abraço.
null sorriu sem graça, de lábios fechados, e se virou para sair do quarto.
Ao se deitar, no entanto, demorou o que parecia ser um longo tempo enquanto tentava pegar no sono, frequentemente encarando a porta do próprio quarto, que havia trancado só por precaução.
Mas seria só no sábado que ele descobriria que Benny seria o menor dos incômodos.
***
14 de outubro de 2017, 00:34 - Veil of Secrets, Nova York, NY
Já tinha cerca de quarenta minutos que eles haviam chegado. null estava sentada entre null e null, atenta a cada uma das apresentações. Mas até o momento, null ainda não havia apresentado nada no palco e, para o desgosto dele, quando andou em torno das mesas, mal se aproximou deles, apenas acenando brevemente enquanto balançava seu leque.
Naquela noite, ela não usava azul, mas um vestido champanhe cheio de franjas. O cabelo de sua peruca também estava diferente, levemente ondulado, semelhante ao das outras dançarinas; sua maquiagem era forte nos olhos, contudo, usava a mesma máscara prateada de sempre.
Quando a música acabou, null achou que ela iria para o palco, mas então duas dançarinas apareceram, apresentando um dueto de dança.
Era legal, mas honestamente... Ele não deu a mínima.
— Cara, você não sabe nem disfarçar — null brincou e null sorriu, concordando.
— Do que você tá falando? — Ele deu um gole no copo de refrigerante.
— Parece que você tá entediado, mas aí a null aparece e seu humor até muda — null explicou.
— Não é como se eu fosse um frequentador assíduo de lugares assim. É legal, mas não ligo muito.
— É, só quando a null aparece — null provocou.
null estava prestes a negar quando a música acabou e o salão ficou escuro. Instantes depois, a silhueta de seis dançarinas apareceu. As luzes se acenderam mais uma vez e então ele a viu.
Vestida com um vestido preto cheio de franjas, assim como as outras, null estava do lado esquerdo de Izzy, que interpretava Velma, a protagonista que cantava aquela música.
(n/a: aqui você pode colocar “All That Jazz” pra escutar um pouquinho)
null se lembrava vagamente da cena de "All That Jazz" do filme, mas a música parecia familiar. null parecia estar se divertindo ao lado das colegas e ele sorriu orgulhoso, não tirando os olhos dela nem por um segundo até a apresentação acabar.
Quando isso aconteceu, null gritou ao seu lado, batendo palmas e null assobiou alto. null aplaudiu também e null sorriu quando seu olhar os encontrou na plateia. As luzes se apagaram e ele acompanhou com o olhar enquanto a silhueta dela se movia no palco até parar atrás das cortinas fechadas. Quando foram abertas outra vez, todas estavam paradas atrás de uma estrutura imitando grades de celas.
(n/a: Coloca Cell Block Tango pra tocar!)
O público ao redor assobiou e, por um instante, pareceu que ele era o único que não lembrava de nada daquele filme.
— É agora, é agora! — null agarrou o braço dele, o sacudindo de leve. — Cell Block Tango!
null riu baixinho, sentado de braços cruzados, mas não se abalou. Voltou o olhar para o palco e as luzes começaram a piscar ao ritmo da música, alternando o foco em cada uma das mulheres.
"Pop! Six! Squish! Uh-uh! Cicero! Lipschitz!"
— Aaaaah! — null deu um gritinho, sacudindo null dessa vez. — Eu amo essa música!
Levou um segundo para ele localizar null de novo e a primeira coisa que ele notou foi que o vestido havia sumido. Um olhar rápido para as outras dançarinas foi o suficiente para ver que todas estavam iguais, cada uma usando apenas uma lingerie de renda preta e meia-calça arrastão da mesma cor. Algumas trocaram os sapatos de salto por botas ou tinham adereços de couro pelo corpo, mas null não. Não havia sequer um espartilho daquela vez, ela simplesmente estava seminua. null franziu o cenho e se ajeitou na cadeira, meio inquieto. Aquela era a tal coreografia com os rapazes, segundo null.
"He had it coming, he had it coming... He only had himself to blame... If you'd have been there, if you'd had seen it..."
— "I betcha you would have done the same!" — A amiga acompanhou, empolgada, imitando a dançarina.
Diferente da música anterior, cada uma das seis dançarinas dublavam uma parte da música.
A primeira delas veio para o centro do palco e logo um dos homens apareceu ao seu lado, a apoiando aqui e ali em passos de tango, enquanto ela contava como tinha assassinado o marido que adorava estourar bolas de chiclete.
— "E então eu disse a ele: se você estourar uma bola mais uma vez... E ele estourou..." — A dançarina dublou. — “Então peguei a arma da parede e dei dois tiros de aviso. Na. Cabeça. Dele..."
O refrão do início da música voltou e a dançarina continuou com a encenação na coreografia, enquanto o homem fingia fugir dela.
null riu pelo nariz, achando divertido.
Eles dançaram um pouco mais de tango e então outra pessoa se aproximou do centro do palco. O estômago dele se retorceu de ansiedade e ele até se inclinou para a frente, sem querer perder nada na vez dela.
Enquanto andava pelo palco, null começou a dublar sobre um cara chamado Ezekiel, que disse ser solteiro. Parou ao lado de um homem de costas, com o braço apoiado no ombro dele e imediatamente null se deu conta de que aquele devia ser o tal de Jesse.
A mulher que ela interpretava havia ido morar com o tal de Ezekiel e levavam uma vida normal.
— "Eu preparava um drink pra ele e a gente jantava..." — null continuou. — "Então eu descobri. Solteiro, ele disse? Solteiro, minha bunda!"
E então ela empurrou o tal de Jesse ao chão, sentando em cima dele com as pernas abertas. null ficou tenso na cadeira e null continuou a dublar a história sobre o tal Ezekiel ter seis esposas, mas ele mal prestou atenção. Lentamente, ela se inclinou para cima do cara, dando uma visão privilegiada de seus seios na lingerie apertada.
— "Então naquela noite, quando ele voltou do trabalho... Eu preparei a bebida dele, como de costume..."
E então ela aproximou o rosto do dele e null cerrou os punhos, sem acreditar. Ela ia beijar o cara bem ali?
Ele sequer piscou enquanto a boca dela se aproximava cada vez mais, até que... null se afastou e, com ela, havia um pedaço de tecido vermelho que ela puxava entre os dentes.
— "Sabe, alguns caras apenas não conseguem aguentar arsênio..."
O refrão voltou e com ele, o primeiro casal, que se juntou a null e Jesse, os quatro fazendo vários passos de tango em sincronia.
Era incrível. Mas null odiou.
Ainda assim era incrível; a coreografia, a interpretação, o figurino...
Mas ele odiou.
Mesmo assim, prestou atenção nas outras histórias, ouvindo uma coisa aqui e ali. Sua atenção ainda estava completamente voltada para null e quando a música finalmente acabou, seus amigos aplaudiram animados, mas null sequer se moveu. Seu olhar encontrou o de null mais uma vez, mas permaneceu imóvel. Ela sorriu e ele não retribuiu.
null franziu o cenho por um segundo, parecendo confusa, mas logo sorriu outra vez, enquanto se despedia do palco. Minutos mais tarde, ela enviou uma mensagem dizendo que estaria livre em dez minutos.
null o cutucou com o cotovelo.
— O quê? — null a encarou.
— Você tá chato hoje. Desmancha essa cara feia.
— Eu tô normal. Você que já perdeu a conta dos drinks e tá toda felizinha — ele resmungou e ouviu a risada de null, logo em seguida. — Do que você tá rindo, idiota?
— De você, seu mané. Morrendo de ciúmes. Aposto que tá até vermelhinho — o amigo provocou, de bom humor.
null semicerrou os olhos, sentindo o sangue ferver.
— Cala a boca, null. Não é nada disso.
— Aham...
— Ei, não provoca ele — null o repreendeu. — Se fosse eu naquele palco em cima de outro homem, você ia surtar também.
— Ainda bem que só preciso me preocupar com personagens fictícios que não envolvem nenhuma interpretação do tipo — ele retrucou.
null rolou os olhos, deixando escapar uma risadinha.
null continuou quieto.
Algum tempo depois, null pediu para que eles a encontrassem do lado de fora.
E para o desgosto dele, o tal de Jesse estava com ela, todo sorridente.
— Esse é o Jesse. — ela o apresentou. — Jesse, esses são meus amigos...
— E namorado. — null estendeu a mão para ele. — Oi, eu sou o null.
— Jesse. — Ele o cumprimentou, o sorriso sumindo do rosto. — null nunca mencionou um namorado.
— Ah, pois é, você deve saber como ela é reservada. E olha que a gente tá até morando junto. — null forçou uma risada amigável, enquanto soltava a mão dele.
Percebendo a súbita tensão no ar, foi null quem mudou de assunto.
— Você foi incrível, Jesse! null disse que você teve pouco tempo de ensaio, mas nem parece. Eu amei!
— Pois é, foi muito legal — null acrescentou.
null se segurou para não revirar os olhos.
— Você tá pronta pra ir? — ele perguntou a null. — Esses dois já tão felizinhos, perdi a conta dos drinks.
— Claro. — Ela assentiu e se virou para dar um abraço em Jesse. — Até amanhã. Boa noite.
No caminho até em casa, null engatou em uma conversa animada com null e null enquanto ele dirigia em silêncio.
Quando entraram no apartamento, null se livrou dos sapatos e foi até a cozinha em busca de um copo de água.
— Tá tudo bem? — Ouviu null perguntar atrás dele.
— Claro, por que não estaria? — ele respondeu, sem olhar para ela.
— Hm, o que você achou da apresentação de hoje?
— Foi ok. — Ele deu de ombros.
null franziu o cenho, enquanto o observava esvaziar o copo de água.
— Ok? Normalmente é o que as pessoas dizem quando não querem falar que não gostaram — ela comentou, tentando manter um tom de voz normal, mas não podia evitar o incômodo.
— Acho que minha opinião não importa, null. No geral, você sabe que foi bem.
— Mesmo assim, eu quero saber o que você achou.
— Por quê? — Ele a encarou, com indiferença. — Se eu disser que não gostei, você vai parar de dançar?
— Não.
— Pois é — ele concordou, deixando transparecer a irritação na voz.
— Mas é importante pra mim saber a sua opinião.
— Por quê?
— Porque... Você é meu amigo. — Amigo? null pensou, rindo sem humor. — null... Aconteceu alguma coisa? Você ficou calado o tempo todo enquanto a gente voltava e... Parece chateado.
Ele semicerrou os olhos, a encarando com irritação.
— Não aconteceu nada, null.
— Então por que você tá irritado?
Meu Deus, será que ela não vai parar de perguntar?
— Não é nada com que você precise se preocupar.
— Se tem a ver comigo, então eu quero saber — ela insistiu, firme.
— Eu gostei mais da primeira apresentação — ele finalmente admitiu. — Mas a segunda...
— Você não gostou da segunda? Por quê? É nela que eu tenho destaque.
Exatamente, ele pensou. Mas o que saiu de sua boca foi:
— Infelizmente.
— Como é? — null riu, sem humor. — Você gostou da outra vez que eu tive destaque. Por que dessa vez é diferente?
— Bem, da outra vez você não tava seminua em cima de um cara — ele comentou a contragosto.
— É esse o problema? Porque dancei com o Jesse? Ele se saiu muito bem.
— Claro, metade do tempo ele teve que ficar parado enquanto você se esfregava nele...
null deu um passo para trás, incomodada com o comentário.
— Faz parte da coreografia.
— É? Aposto que o Jesse adorou.
— Isso é um problema? — Ela cruzou os braços, o encarando em desafio.
null teve vontade de sacudi-la pelos ombros e então trancá-la no quarto pelo resto do mês, só para garantir que ela não fosse dançar com o tal de Jesse.
— Eu não gostei, tá bom? Você é ótima dançando, a coreografia tava impecável, como sempre, mas eu não gostei — ele confessou, irritado. — Na verdade, odiei cada segundo depois que você dançou.
— Se foi tão boa assim, por que você tá irritado?
— Porque eu fiquei com ciúmes! — ele aumentou o tom de voz e null deu um passo para trás, não assustada, mas surpresa pela revelação.
— Você... — A boca dela se abriu, sem saber o que falar e null grunhiu quando percebeu o que havia acabado de dizer.
— Merda... Esquece o que eu falei.
Para o desgosto dele, a resposta dela foi:
— Não. Agora você vai falar tudo.
null respirou fundo e colocou as duas mãos no rosto, tentando se controlar.
— Por favor, null.
— Eu disse não. A gente prometeu falar pro outro se algo nos incomodasse. O que te incomoda, null? Por que você ficou com ciúmes? Não é como se eu fosse quebrar o contrato, foi só uma dança.
— O que me incomoda é o fato de você ter dançado daquele jeito tão íntimo com ele — ele colocou para fora, de uma vez só. — Eu odiei, null. Odiei aquela merda, porque eu queria que fosse eu naquele palco com você. Queria que fosse eu te tocando, não ele. Então sinto muito se não consigo gostar de te ver com outro cara.
O coração de null estava prestes a sair pela boca. Ela piscou algumas vezes, em choque após ouvir aquela pequena revelação.
— O que isso significa? — ela conseguiu perguntar.
— Significa que eu tenho... Vontade de te tocar o tempo inteiro, null. — Ele deu dois passos a frente, fechando a distância entre eles. — Te abraçar, te beijar e descobrir como seria te dar prazer a ponto de você virar gelatina nos meus braços. E não consigo parar de pensar nisso desde aquele maldito beijo.
— null, isso não devia...
— Não devia acontecer, eu sei. Temos um acordo. Mas você queria a verdade, não é? Então tô te dando ela.
— Eu... — O que ela deveria dizer? O que conseguiria dizer quando ele estava parado em sua frente, perto o suficiente para que sentisse o calor de seu corpo?
null queria enterrar o rosto no peito dele e deixar que ele a abraçasse, deixar que fizesse o que quisesse com ela, enquanto ela se perdia em seus braços. Sentia o próprio corpo tremer de necessidade.
— Não tô dizendo isso pra te influenciar a fazer algo, null. Só tô sendo honesto, como você pediu — null esclareceu. — Eu também não esperava me sentir assim, mas... Se, por acaso, você sentir algo minimamente parecido, então...
null cerrou os punhos, tentando se agarrar ao seu fio imaginário de autocontrole, que estava quase se partindo diante do peso daquela declaração.
Ela fechou os olhos por um instante e respirou fundo. Foi então que sentiu o toque suave da mão dele envolvendo seu rosto, forçando-a a encará-lo.
— Olha pra mim, null. É sua vez de ser honesta agora.
null encarou aquele par de olhos azuis como o céu. null era como um dia fresco e ensolarado após uma tempestade. Do tipo que você espera ansiosamente. E não ironicamente, era isso que ele representava em sua vida.
null era grata, sim, mas aquela gratidão parecia estar se transformando em outra coisa, talvez antes mesmo dele sugerir aquela ideia maluca de relacionamento por contrato. Por semanas, ela vinha tentando evitar quaisquer sentimentos que pudessem deixar os dois desconfortáveis, quaisquer pensamentos intrusivos que não ajudariam em nada.
Mas agora... Negar parecia tão bobo. Tão desnecessário.
Enquanto o encarava nos olhos, null sentiu o fio de autocontrole escorregando pelas suas mãos.
Ele queria honestidade também? Então era isso que lhe daria.
No instante seguinte, null soltou o fio e o trocou por null.
Em um ato que ela não sabia dizer se era impulsivo ou corajoso, colocou as duas mãos no rosto dele e o puxou para um beijo, finalmente se deixando perder em seus braços.
— Por que você tá assim? — ela perguntou, como se não fosse nada de mais.
— Eu?! Você me mostra que esse projeto de Anabelle respirou na porra da garrafa e quer quer eu fique de boa?
— É só um duende, null. Ele é um protetor.
null respirou fundo, tentando manter a calma.
— null... Isso não é feitiçaria ou sei lá? Tem certeza de que sabe com o que tá mexendo?
— Tenho. — Ela cruzou os braços em desafio. — Mas se você tiver com medo...
— Não tô com medo! — Ele se apressou em negar o óbvio. null quase rolou os olhos. — Só tô dizendo que... Que você devia arranjar um hobby menos... Bizarro.
— O Benny não vai fazer nada com você. É só cumprimentar ele, null. E se for pedir algo a ele e prometer algo em troca, você tem que cumprir. Eu entendo que você tenha ficado assustado...
— Eu não tô assustado.
Dessa vez, null não conteve a expressão debochada.
— Ah, não? E por que você surtou do nada? Meu duende não é um projeto de Anabelle! Ele é um ser elemental do bem! Benny é inofensivo.
— Inofensivo, minha bunda! — ele retrucou, super maduro. — E se você tirar essa coisa da garrafa e ela matar a gente durante o sono?!
— O quê? — null perguntou, sem acreditar.
E então caiu no riso, sem conseguir se conter. Gargalhou alto, caindo sentada na cama.
— Do que você tá rindo? Eu tô falando sério!
— É que é engraçado, sabe? Você tem quase dois metros de altura, null. Meu duende tem dez centímetros.
— E daí? Você nunca assistiu Supernatural? Coisas inexplicáveis acontecem. Brinquedos amaldiçoados existem — ele tentou explicar, mas ela apenas o encarou como se quisesse rir outra vez. — Eu tô falando sério, null. Para com isso.
Um sorriso se abriu no rosto dela e sem pensar, null se levantou e passou as mãos pela cintura dele. Só então reparou na toalha que null usava e se arrependeu por um instante, mas ainda assim disse o que queria dizer.
— Deixa que eu te protejo então, grandalhão.
null ficou parado por um instante, imóvel. Primeiro, porque null o tinha abraçado de repente; segundo, porque ele estava pelado por baixo daquela toalha e seu corpo pareceu reagir ao toque dela como se um mero abraço fosse algum tipo de interruptor.
O coração dele acelerou e ele contraiu o abdômen quando sentiu um frio na barriga. O que era aquilo? Por que estava nervoso? Era só um abraço.
Um abraço bom e quentinho e... No instante seguinte, quando percebeu, seu corpo reagiu praticamente por conta própria e null passou os braços pelos ombros de null, a puxando para mais perto, se é que era possível, já que não havia mais nenhum espaço entre os dois.
Ele esqueceu até o motivo da discussão. Um boneco maligno? Foda-se. Eu deixo Benny ficar se puder ganhar um abraço desse todos os dias.
— Sério? — null levantou a cabeça para encará-lo. — É só isso que preciso fazer? — Ela sorriu e null percebeu que tinha pensado em voz alta.
— Eu... — Ele se afastou, sentindo o rosto esquentar. — Eu só acho que...
— Ei... Tá tudo bem, eu prometo. Eu vou cuidar do Benny direitinho, tudo o que você precisa fazer é cumprimentar ele.
null fez uma careta de desgosto e encarou o duende com desconfiança.
— Boa noite, Benny. Nem pense em aprontar na minha casa — ele resmungou.
— Vou tirar ele da garrafa só amanhã e mantê-lo no quarto quando você tiver em casa — null decidiu.
— Tá... — null disse, ainda meio desconfiado. — Boa noite, null.
— Boa noite, null. Amanhã te dou outro abraço.
null sorriu sem graça, de lábios fechados, e se virou para sair do quarto.
Ao se deitar, no entanto, demorou o que parecia ser um longo tempo enquanto tentava pegar no sono, frequentemente encarando a porta do próprio quarto, que havia trancado só por precaução.
Mas seria só no sábado que ele descobriria que Benny seria o menor dos incômodos.
14 de outubro de 2017, 00:34 - Veil of Secrets, Nova York, NY
Já tinha cerca de quarenta minutos que eles haviam chegado. null estava sentada entre null e null, atenta a cada uma das apresentações. Mas até o momento, null ainda não havia apresentado nada no palco e, para o desgosto dele, quando andou em torno das mesas, mal se aproximou deles, apenas acenando brevemente enquanto balançava seu leque.
Naquela noite, ela não usava azul, mas um vestido champanhe cheio de franjas. O cabelo de sua peruca também estava diferente, levemente ondulado, semelhante ao das outras dançarinas; sua maquiagem era forte nos olhos, contudo, usava a mesma máscara prateada de sempre.
Quando a música acabou, null achou que ela iria para o palco, mas então duas dançarinas apareceram, apresentando um dueto de dança.
Era legal, mas honestamente... Ele não deu a mínima.
— Cara, você não sabe nem disfarçar — null brincou e null sorriu, concordando.
— Do que você tá falando? — Ele deu um gole no copo de refrigerante.
— Parece que você tá entediado, mas aí a null aparece e seu humor até muda — null explicou.
— Não é como se eu fosse um frequentador assíduo de lugares assim. É legal, mas não ligo muito.
— É, só quando a null aparece — null provocou.
null estava prestes a negar quando a música acabou e o salão ficou escuro. Instantes depois, a silhueta de seis dançarinas apareceu. As luzes se acenderam mais uma vez e então ele a viu.
Vestida com um vestido preto cheio de franjas, assim como as outras, null estava do lado esquerdo de Izzy, que interpretava Velma, a protagonista que cantava aquela música.
(n/a: aqui você pode colocar “All That Jazz” pra escutar um pouquinho)
null se lembrava vagamente da cena de "All That Jazz" do filme, mas a música parecia familiar. null parecia estar se divertindo ao lado das colegas e ele sorriu orgulhoso, não tirando os olhos dela nem por um segundo até a apresentação acabar.
Quando isso aconteceu, null gritou ao seu lado, batendo palmas e null assobiou alto. null aplaudiu também e null sorriu quando seu olhar os encontrou na plateia. As luzes se apagaram e ele acompanhou com o olhar enquanto a silhueta dela se movia no palco até parar atrás das cortinas fechadas. Quando foram abertas outra vez, todas estavam paradas atrás de uma estrutura imitando grades de celas.
(n/a: Coloca Cell Block Tango pra tocar!)
O público ao redor assobiou e, por um instante, pareceu que ele era o único que não lembrava de nada daquele filme.
— É agora, é agora! — null agarrou o braço dele, o sacudindo de leve. — Cell Block Tango!
null riu baixinho, sentado de braços cruzados, mas não se abalou. Voltou o olhar para o palco e as luzes começaram a piscar ao ritmo da música, alternando o foco em cada uma das mulheres.
"Pop! Six! Squish! Uh-uh! Cicero! Lipschitz!"
— Aaaaah! — null deu um gritinho, sacudindo null dessa vez. — Eu amo essa música!
Levou um segundo para ele localizar null de novo e a primeira coisa que ele notou foi que o vestido havia sumido. Um olhar rápido para as outras dançarinas foi o suficiente para ver que todas estavam iguais, cada uma usando apenas uma lingerie de renda preta e meia-calça arrastão da mesma cor. Algumas trocaram os sapatos de salto por botas ou tinham adereços de couro pelo corpo, mas null não. Não havia sequer um espartilho daquela vez, ela simplesmente estava seminua. null franziu o cenho e se ajeitou na cadeira, meio inquieto. Aquela era a tal coreografia com os rapazes, segundo null.
"He had it coming, he had it coming... He only had himself to blame... If you'd have been there, if you'd had seen it..."
— "I betcha you would have done the same!" — A amiga acompanhou, empolgada, imitando a dançarina.
Diferente da música anterior, cada uma das seis dançarinas dublavam uma parte da música.
A primeira delas veio para o centro do palco e logo um dos homens apareceu ao seu lado, a apoiando aqui e ali em passos de tango, enquanto ela contava como tinha assassinado o marido que adorava estourar bolas de chiclete.
— "E então eu disse a ele: se você estourar uma bola mais uma vez... E ele estourou..." — A dançarina dublou. — “Então peguei a arma da parede e dei dois tiros de aviso. Na. Cabeça. Dele..."
O refrão do início da música voltou e a dançarina continuou com a encenação na coreografia, enquanto o homem fingia fugir dela.
null riu pelo nariz, achando divertido.
Eles dançaram um pouco mais de tango e então outra pessoa se aproximou do centro do palco. O estômago dele se retorceu de ansiedade e ele até se inclinou para a frente, sem querer perder nada na vez dela.
Enquanto andava pelo palco, null começou a dublar sobre um cara chamado Ezekiel, que disse ser solteiro. Parou ao lado de um homem de costas, com o braço apoiado no ombro dele e imediatamente null se deu conta de que aquele devia ser o tal de Jesse.
A mulher que ela interpretava havia ido morar com o tal de Ezekiel e levavam uma vida normal.
— "Eu preparava um drink pra ele e a gente jantava..." — null continuou. — "Então eu descobri. Solteiro, ele disse? Solteiro, minha bunda!"
E então ela empurrou o tal de Jesse ao chão, sentando em cima dele com as pernas abertas. null ficou tenso na cadeira e null continuou a dublar a história sobre o tal Ezekiel ter seis esposas, mas ele mal prestou atenção. Lentamente, ela se inclinou para cima do cara, dando uma visão privilegiada de seus seios na lingerie apertada.
— "Então naquela noite, quando ele voltou do trabalho... Eu preparei a bebida dele, como de costume..."
E então ela aproximou o rosto do dele e null cerrou os punhos, sem acreditar. Ela ia beijar o cara bem ali?
Ele sequer piscou enquanto a boca dela se aproximava cada vez mais, até que... null se afastou e, com ela, havia um pedaço de tecido vermelho que ela puxava entre os dentes.
— "Sabe, alguns caras apenas não conseguem aguentar arsênio..."
O refrão voltou e com ele, o primeiro casal, que se juntou a null e Jesse, os quatro fazendo vários passos de tango em sincronia.
Era incrível. Mas null odiou.
Ainda assim era incrível; a coreografia, a interpretação, o figurino...
Mas ele odiou.
Mesmo assim, prestou atenção nas outras histórias, ouvindo uma coisa aqui e ali. Sua atenção ainda estava completamente voltada para null e quando a música finalmente acabou, seus amigos aplaudiram animados, mas null sequer se moveu. Seu olhar encontrou o de null mais uma vez, mas permaneceu imóvel. Ela sorriu e ele não retribuiu.
null franziu o cenho por um segundo, parecendo confusa, mas logo sorriu outra vez, enquanto se despedia do palco. Minutos mais tarde, ela enviou uma mensagem dizendo que estaria livre em dez minutos.
null o cutucou com o cotovelo.
— O quê? — null a encarou.
— Você tá chato hoje. Desmancha essa cara feia.
— Eu tô normal. Você que já perdeu a conta dos drinks e tá toda felizinha — ele resmungou e ouviu a risada de null, logo em seguida. — Do que você tá rindo, idiota?
— De você, seu mané. Morrendo de ciúmes. Aposto que tá até vermelhinho — o amigo provocou, de bom humor.
null semicerrou os olhos, sentindo o sangue ferver.
— Cala a boca, null. Não é nada disso.
— Aham...
— Ei, não provoca ele — null o repreendeu. — Se fosse eu naquele palco em cima de outro homem, você ia surtar também.
— Ainda bem que só preciso me preocupar com personagens fictícios que não envolvem nenhuma interpretação do tipo — ele retrucou.
null rolou os olhos, deixando escapar uma risadinha.
null continuou quieto.
Algum tempo depois, null pediu para que eles a encontrassem do lado de fora.
E para o desgosto dele, o tal de Jesse estava com ela, todo sorridente.
— Esse é o Jesse. — ela o apresentou. — Jesse, esses são meus amigos...
— E namorado. — null estendeu a mão para ele. — Oi, eu sou o null.
— Jesse. — Ele o cumprimentou, o sorriso sumindo do rosto. — null nunca mencionou um namorado.
— Ah, pois é, você deve saber como ela é reservada. E olha que a gente tá até morando junto. — null forçou uma risada amigável, enquanto soltava a mão dele.
Percebendo a súbita tensão no ar, foi null quem mudou de assunto.
— Você foi incrível, Jesse! null disse que você teve pouco tempo de ensaio, mas nem parece. Eu amei!
— Pois é, foi muito legal — null acrescentou.
null se segurou para não revirar os olhos.
— Você tá pronta pra ir? — ele perguntou a null. — Esses dois já tão felizinhos, perdi a conta dos drinks.
— Claro. — Ela assentiu e se virou para dar um abraço em Jesse. — Até amanhã. Boa noite.
No caminho até em casa, null engatou em uma conversa animada com null e null enquanto ele dirigia em silêncio.
Quando entraram no apartamento, null se livrou dos sapatos e foi até a cozinha em busca de um copo de água.
— Tá tudo bem? — Ouviu null perguntar atrás dele.
— Claro, por que não estaria? — ele respondeu, sem olhar para ela.
— Hm, o que você achou da apresentação de hoje?
— Foi ok. — Ele deu de ombros.
null franziu o cenho, enquanto o observava esvaziar o copo de água.
— Ok? Normalmente é o que as pessoas dizem quando não querem falar que não gostaram — ela comentou, tentando manter um tom de voz normal, mas não podia evitar o incômodo.
— Acho que minha opinião não importa, null. No geral, você sabe que foi bem.
— Mesmo assim, eu quero saber o que você achou.
— Por quê? — Ele a encarou, com indiferença. — Se eu disser que não gostei, você vai parar de dançar?
— Não.
— Pois é — ele concordou, deixando transparecer a irritação na voz.
— Mas é importante pra mim saber a sua opinião.
— Por quê?
— Porque... Você é meu amigo. — Amigo? null pensou, rindo sem humor. — null... Aconteceu alguma coisa? Você ficou calado o tempo todo enquanto a gente voltava e... Parece chateado.
Ele semicerrou os olhos, a encarando com irritação.
— Não aconteceu nada, null.
— Então por que você tá irritado?
Meu Deus, será que ela não vai parar de perguntar?
— Não é nada com que você precise se preocupar.
— Se tem a ver comigo, então eu quero saber — ela insistiu, firme.
— Eu gostei mais da primeira apresentação — ele finalmente admitiu. — Mas a segunda...
— Você não gostou da segunda? Por quê? É nela que eu tenho destaque.
Exatamente, ele pensou. Mas o que saiu de sua boca foi:
— Infelizmente.
— Como é? — null riu, sem humor. — Você gostou da outra vez que eu tive destaque. Por que dessa vez é diferente?
— Bem, da outra vez você não tava seminua em cima de um cara — ele comentou a contragosto.
— É esse o problema? Porque dancei com o Jesse? Ele se saiu muito bem.
— Claro, metade do tempo ele teve que ficar parado enquanto você se esfregava nele...
null deu um passo para trás, incomodada com o comentário.
— Faz parte da coreografia.
— É? Aposto que o Jesse adorou.
— Isso é um problema? — Ela cruzou os braços, o encarando em desafio.
null teve vontade de sacudi-la pelos ombros e então trancá-la no quarto pelo resto do mês, só para garantir que ela não fosse dançar com o tal de Jesse.
— Eu não gostei, tá bom? Você é ótima dançando, a coreografia tava impecável, como sempre, mas eu não gostei — ele confessou, irritado. — Na verdade, odiei cada segundo depois que você dançou.
— Se foi tão boa assim, por que você tá irritado?
— Porque eu fiquei com ciúmes! — ele aumentou o tom de voz e null deu um passo para trás, não assustada, mas surpresa pela revelação.
— Você... — A boca dela se abriu, sem saber o que falar e null grunhiu quando percebeu o que havia acabado de dizer.
— Merda... Esquece o que eu falei.
Para o desgosto dele, a resposta dela foi:
— Não. Agora você vai falar tudo.
null respirou fundo e colocou as duas mãos no rosto, tentando se controlar.
— Por favor, null.
— Eu disse não. A gente prometeu falar pro outro se algo nos incomodasse. O que te incomoda, null? Por que você ficou com ciúmes? Não é como se eu fosse quebrar o contrato, foi só uma dança.
— O que me incomoda é o fato de você ter dançado daquele jeito tão íntimo com ele — ele colocou para fora, de uma vez só. — Eu odiei, null. Odiei aquela merda, porque eu queria que fosse eu naquele palco com você. Queria que fosse eu te tocando, não ele. Então sinto muito se não consigo gostar de te ver com outro cara.
O coração de null estava prestes a sair pela boca. Ela piscou algumas vezes, em choque após ouvir aquela pequena revelação.
— O que isso significa? — ela conseguiu perguntar.
— Significa que eu tenho... Vontade de te tocar o tempo inteiro, null. — Ele deu dois passos a frente, fechando a distância entre eles. — Te abraçar, te beijar e descobrir como seria te dar prazer a ponto de você virar gelatina nos meus braços. E não consigo parar de pensar nisso desde aquele maldito beijo.
— null, isso não devia...
— Não devia acontecer, eu sei. Temos um acordo. Mas você queria a verdade, não é? Então tô te dando ela.
— Eu... — O que ela deveria dizer? O que conseguiria dizer quando ele estava parado em sua frente, perto o suficiente para que sentisse o calor de seu corpo?
null queria enterrar o rosto no peito dele e deixar que ele a abraçasse, deixar que fizesse o que quisesse com ela, enquanto ela se perdia em seus braços. Sentia o próprio corpo tremer de necessidade.
— Não tô dizendo isso pra te influenciar a fazer algo, null. Só tô sendo honesto, como você pediu — null esclareceu. — Eu também não esperava me sentir assim, mas... Se, por acaso, você sentir algo minimamente parecido, então...
null cerrou os punhos, tentando se agarrar ao seu fio imaginário de autocontrole, que estava quase se partindo diante do peso daquela declaração.
Ela fechou os olhos por um instante e respirou fundo. Foi então que sentiu o toque suave da mão dele envolvendo seu rosto, forçando-a a encará-lo.
— Olha pra mim, null. É sua vez de ser honesta agora.
null encarou aquele par de olhos azuis como o céu. null era como um dia fresco e ensolarado após uma tempestade. Do tipo que você espera ansiosamente. E não ironicamente, era isso que ele representava em sua vida.
null era grata, sim, mas aquela gratidão parecia estar se transformando em outra coisa, talvez antes mesmo dele sugerir aquela ideia maluca de relacionamento por contrato. Por semanas, ela vinha tentando evitar quaisquer sentimentos que pudessem deixar os dois desconfortáveis, quaisquer pensamentos intrusivos que não ajudariam em nada.
Mas agora... Negar parecia tão bobo. Tão desnecessário.
Enquanto o encarava nos olhos, null sentiu o fio de autocontrole escorregando pelas suas mãos.
Ele queria honestidade também? Então era isso que lhe daria.
No instante seguinte, null soltou o fio e o trocou por null.
Em um ato que ela não sabia dizer se era impulsivo ou corajoso, colocou as duas mãos no rosto dele e o puxou para um beijo, finalmente se deixando perder em seus braços.
Capítulo 23
null imaginou que se fosse em qualquer outra situação, ele teria paralisado no lugar se null o tivesse puxado para um beijo tão repentino.
Mas até algumas horas atrás, ele sequer pensaria que teriam aquele tipo de conversa.
Ciúmes? Quantos anos ele tinha?
Nunca havia sentido ciúmes de ninguém. O sentimento era novo para ele, mas aparentemente óbvio o suficiente para que null e null percebessem. Talvez até null tivesse percebido desde o início, mas queria que ele admitisse.
null não estava nem um pouquinho orgulhoso da reação mesquinha e sem noção, muito menos das palavras que disse sobre a apresentação dela. Sua mãe provavelmente o repreenderia por agir assim. Mas estava tão frustrado que não mediu as palavras. Tentou ao máximo evitar que elas saíssem, mas uma vez que perdeu a paciência diante da exigência de null para que fosse honesto, as palavras jorraram de sua boca de uma vez só, sem qualquer filtro que o impedisse de revelar seus pensamentos.
Agora era tarde demais para voltar atrás.
Ele não sabia bem o que aquilo significava, mas não estava com pressa para descobrir. Não quando tinha os lábios dela sob os seus, não quando seus braços envolviam o corpo dela contra o seu.
No momento em que null o puxou para um beijo, null não fez nada além de relaxar contra ela. Retribuiu instantaneamente. No segundo em que seus lábios se tocaram, ele passou um braço pela sua cintura e a trouxe para perto. Entrelaçou os dedos no cabelo dela e aprofundou o beijo. E quando null interrompeu o contato de seus lábios por falta de ar, ele moveu a boca para seu pescoço, como um homem faminto.
De fato, estava faminto. Por ela.
— null... — ela murmurou baixinho, ofegante.
— Se quiser parar agora, me diga, null — ele se forçou a falar, em um súbito lapso de autocontrole.
Depositou mais um beijo entre o ombro e o pescoço dela, e então se afastou para encará-la.
null estava ofegante e sentia a visão levemente turva de desejo. Seu corpo estava quente e doendo por ele. Querendo mais e mais, o tanto quanto pudesse ter.
— Não quero parar — ela respondeu de olhos fechados, e então tomou coragem para os abrir e encarar os dele. — Quero mais, null.
Já tinham ido até ali, então que diferença fazia agora? Se fosse para as coisas ficarem estranhas depois, então que ao menos valesse a pena. Parar só os deixaria sexualmente frustrados, talvez fosse até pior. Pelo sorriso que ergueu um dos cantos dos lábios de null, null soube que ele provavelmente pensava o mesmo. Então ele selou seus lábios mais uma vez em um beijo rápido e firme, e a levantou, fazendo-a envolver as pernas em sua cintura.
O caminho até o quarto dele foi rápido, e mais rápido ainda foi a velocidade com que se livraram das peças de roupa.
null a tinha visto seminua em um palco, diante de dezenas de pessoas, mas ali parecia diferente. Não era uma performance ensaiada; era íntimo e deixava os dois vulneráveis. Exigia confiança e respeito mútuo.
Pela primeira vez na vida, ele sentiu o coração acelerar antes mesmo de fundir o corpo ao de alguém. Só a mera imagem de null, deitada na cama a sua mercê, o deixava nervoso e ansioso ao mesmo tempo.
Queria se enterrar nela, mas não queria pressa. Se já estavam ali, ele garantiria que fosse bom para os dois.
— Você é tão linda. — Ele se inclinou, beijando os lábios dela mais uma vez, antes de se dirigir ao pescoço. — Nem acredito que isso tá mesmo acontecendo, null. Parece um sonho.
null sentiu o corpo inteiro arrepiar quando sentiu a respiração dele bater em seu pescoço.
— null... — Vai logo, por favor. Não quero esperar, ela pensou, mas não disse nada.
Não queria que acabasse logo, pois uma vez que isso acontecesse, sabia que os dois voltariam para a realidade, fora da bolha que parecia estar ao redor deles.
Antes de chegar em casa, null estava se sentindo cansada, com sono. Tinha tomado um banho rápido no clube para se livrar do suor e da maquiagem, e mal podia esperar para estar em sua cama.
Mas então estava ali, na cama dele.
O sono havia ido embora no momento em que sentiu null percorrer as mãos em seu corpo, quando o beijou. De repente, tudo o que conseguia pensar se resumia a ele. E quando o viu tirar as roupas e pairar em cima dela, achou que talvez estivesse sonhando. Porque, de fato, parecia um sonho, exatamente como ele falou.
Mas também parecia melhor do que qualquer um que ela pudesse ter.
Tinha visto null sem camisa antes, mas a visão dele seminu era algo mais. Suas coxas eram fortes e torneadas, firmes contra as pernas dela.
null ofegou quando o sentiu pressionar o quadril no dela, as mãos dele se movendo agilmente até o fecho de seu sutiã, a mesma lingerie que havia usado mais cedo no palco.
Uma vez que ele o desabotoou, null viu a peça voar para longe um segundo depois. Teria rido, se não estivesse tão estupidamente excitada.
Ao invés disso, seus olhos encontraram os dele e só conseguiu ver um resquício do azul, como um anel fino ao redor de suas pupilas dilatadas. A porta estava aberta e a luz que entrava pelo corredor era o suficiente para enxergarem um ao outro, mas null se sentia mais confiante assim.
Dançar no palco sob holofotes era diferente daquilo. Bem diferente. Não havia peruca ou máscara escondendo sua identidade, reforçando sua confiança. Ali, null estava completamente exposta como ela mesma. Por um segundo, passou pela sua cabeça como se sentiria naquela situação, se haveria algum tipo de insegurança. Mas bastou um olhar de null para ela descartar aquela possibilidade.
Diante do olhar dele, ela se sentiu linda, desejada, querida. E null parecia fazer questão de reforçar cada um desses sentimentos, mesmo sem saber.
Quando ele moveu a boca para seus seios, null arqueou as costas involuntariamente e o abraçou, enrolando os dedos no cabelo dele.
Sua pele estava sensível e, honestamente, tudo o que ela queria era alívio. Então ficou grata quando, depois de um momento, a boca dele viajou pelo seu corpo, até parar em frente ao ventre dela.
null levantou o olhar, encontrando o dela e depositou um beijinho ali, que pareceria quase casto se não fosse pelo local e o que ele fez depois.
Sem mais delongas, prendeu os dedos de cada lado de sua calcinha e um segundo depois, ela se juntou ao seu sutiã, no chão do quarto.
Ele a tocou por um instante, sentindo sua umidade, e deixou dois dedos escorregarem para dentro dela. Em seguida, usou a boca como mais um estímulo, sem conseguir se conter.
null estava tão pronta que ele teria que se agarrar ao seu autocontrole para não fundir seus corpos de uma vez.
Estava tão deliciosamente molhada e relaxada que não havia qualquer resistência a ele. Era como se tivesse sido feita para ele.
null a estimulou com entusiasmo, ciente de sua sensibilidade. null se contorceu contra sua boca com urgência; e quando ele sentiu seus músculos internos se apertando ao redor de seus dedos, indicando que ela estava perto, um pensamento meio perverso passou por sua mente.
De repente, ele se afastou.
null o encarou com o cenho franzido em confusão, mas null apenas sorriu.
— Agora não — ele disse. — Quero que você venha junto comigo.
Então se inclinou sobre ela e esticou o braço para abrir a gaveta da mesinha de cabeceira, em busca de um preservativo. Em seguida, o levou aos lábios para rasgar a embalagem colorida com os dentes e null sentiu o rosto corar quando notou seus lábios ainda brilhantes por conta da excitação dela.
null se levantou por um momento para se livrar da cueca e ficou de costas enquanto se preparava. Uma vez que se virou, null o encarou em toda a sua glória apenas um segundo antes dele voltar para a cama.
Ele se inclinou para depositar um beijo em seu pescoço e então murmurou no ouvido dela:
— Pronta?
— Sim, mas... Vai devagar, tá? — ela pediu, levemente envergonhada. — Faz um tempo pra mim.
— Pode deixar, querida. Eu vou cuidar muito bem de você.
null estava tão sensível e necessitada que a mera voz dele em seu ouvido era um estímulo. Quando null se posicionou, ela o envolveu pela cintura com as pernas, facilitando o acesso. Seu corpo doía e latejava por ele, mas quando ele finalmente a adentrou, null sentiu parte da dor começar a ser apaziguada à medida que ele a preenchia.
null se moveu devagar, como ela havia pedido, e null sentiu os músculos internos esticarem e se moldarem ao redor dele, o acomodando perfeitamente, como se eles tivessem sido feitos um para o outro.
Uma vez que ele parou de se mover, ela suspirou, apreciando a sensação.
— Tá tudo bem? — ele quis saber.
null assentiu algumas vezes e o puxou para um beijo, enquanto pressionava o quadril para cima, em um pedido silencioso para que ele continuasse.
null o atendeu no mesmo instante e, aos poucos, foi ditando um ritmo entre os dois. null gemeu baixinho e cravou as unhas em seus ombros, as arrastando contra a pele dele, sem dó. null sentiu a ardência na pele no mesmo instante e encarou aquilo como um incentivo a mais.
Não tinham nem terminado ainda, mas imediatamente soube que provavelmente nenhum dos dois dormiria até o sol raiar.
Não se dependesse dele.
Sentiu a pele arrepiar quando se viu próximo do ápice e levou a boca até o pescoço de null, enquanto usava uma mão para envolver um de seus seios com firmeza. Ela ofegou e gemeu seu nome, seus músculos internos se apertando ao redor dele. Ao senti-la começar a estremecer em seus braços, null travou a mandíbula e aumentou o ritmo entre os dois; após alguns segundos, a acompanhou, grunhindo contra seu pescoço, deixando o próprio peso cair sobre ela por um momento.
null o abraçou e os dois respiraram ofegantes, ela um pouco mais do que ele. Em um súbito lapso de consciência, null saiu de cima dela e a encarou, preocupado.
— Você tá bem? Tá sentindo alguma coisa?
null negou com a cabeça, ainda sentando recuperar o fôlego, e então riu baixinho.
— Não, só tô cansada. Como se tivesse corrido de repente.
Diversão brilhou no olhar dele e null se inclinou para beijar seus lábios, um pouco mais tranquilo.
— Ótimo. Vou te deixar descansar um pouquinho então. Mas nem pense que acabou.
— Não?
— Não mesmo.
— E quando vamos dormir?
null riu baixinho, esfregando o nariz no pescoço dela, e ela se arrepiou.
— Que tal quando o sol raiar?
null riu, divertida.
— O que você é, uma máquina?
— Talvez. O que acha de descobrir? — Ele sorriu, esfregando o nariz no dela carinhosamente.
O sorriso de null se alargou e, no instante seguinte, ela selou seus lábios nos dele mais uma vez.
***
Uma máquina, definitivamente, ela pensou enquanto caminhava até a cafeteria, sentindo o corpo inteiro dolorido. Nem os primeiros dias na academia a tinham deixado assim.
Mas cada dor era um lembrete da noite anterior. Ou melhor, madrugada.
null teve que usar uma quantidade a mais de corretivo para mascarar as olheiras de cansaço que null tinha proporcionado a ela.
Acordou tarde, após as dez, mas mesmo assim ainda queria ficar na cama.
Com ele.
null ainda dormia feito uma pedra quando saiu de casa.
Depois de acordar, null tomou um banho quente e preparou um café da manhã rápido. Cortou duas bananas, salpicou leite em pó por cima e complementou com um copo de suco de laranja. Não era exatamente uma boa combinação, mas ela não estava com disposição para fazer algo mais elaborado.
Assim que terminou de comer, lavou a louça suja e voltou para o quarto para pegar a bolsa e o celular. Cumprimentou Benny em seu cantinho, já fora da garrafa, e fez uma nota mental para colocar uma maçã para ele quando chegasse em casa.
Já no corredor, ela seguiu para o quarto adiante, dando uma última espiada em null. Ele estava deitado de bruços, coberto até cintura, completamente adormecido. Sem resistir, ela se aproximou e depositou um beijinho em seu rosto, deixando a marca do batom vermelho que usava e então se afastou com um sorriso no rosto.
null ainda tinha esse sorriso quando chegou à cafeteria, mas ele se apagou assim que se deparou com Anni e Thaty, que a encaravam com os braços cruzados e um olhar desconfiado no rosto.
Aquilo só podia significar uma coisa.
Elas finalmente haviam descoberto quem era a tal vadia sortuda que estava com null.
Mas até algumas horas atrás, ele sequer pensaria que teriam aquele tipo de conversa.
Ciúmes? Quantos anos ele tinha?
Nunca havia sentido ciúmes de ninguém. O sentimento era novo para ele, mas aparentemente óbvio o suficiente para que null e null percebessem. Talvez até null tivesse percebido desde o início, mas queria que ele admitisse.
null não estava nem um pouquinho orgulhoso da reação mesquinha e sem noção, muito menos das palavras que disse sobre a apresentação dela. Sua mãe provavelmente o repreenderia por agir assim. Mas estava tão frustrado que não mediu as palavras. Tentou ao máximo evitar que elas saíssem, mas uma vez que perdeu a paciência diante da exigência de null para que fosse honesto, as palavras jorraram de sua boca de uma vez só, sem qualquer filtro que o impedisse de revelar seus pensamentos.
Agora era tarde demais para voltar atrás.
Ele não sabia bem o que aquilo significava, mas não estava com pressa para descobrir. Não quando tinha os lábios dela sob os seus, não quando seus braços envolviam o corpo dela contra o seu.
No momento em que null o puxou para um beijo, null não fez nada além de relaxar contra ela. Retribuiu instantaneamente. No segundo em que seus lábios se tocaram, ele passou um braço pela sua cintura e a trouxe para perto. Entrelaçou os dedos no cabelo dela e aprofundou o beijo. E quando null interrompeu o contato de seus lábios por falta de ar, ele moveu a boca para seu pescoço, como um homem faminto.
De fato, estava faminto. Por ela.
— null... — ela murmurou baixinho, ofegante.
— Se quiser parar agora, me diga, null — ele se forçou a falar, em um súbito lapso de autocontrole.
Depositou mais um beijo entre o ombro e o pescoço dela, e então se afastou para encará-la.
null estava ofegante e sentia a visão levemente turva de desejo. Seu corpo estava quente e doendo por ele. Querendo mais e mais, o tanto quanto pudesse ter.
— Não quero parar — ela respondeu de olhos fechados, e então tomou coragem para os abrir e encarar os dele. — Quero mais, null.
Já tinham ido até ali, então que diferença fazia agora? Se fosse para as coisas ficarem estranhas depois, então que ao menos valesse a pena. Parar só os deixaria sexualmente frustrados, talvez fosse até pior. Pelo sorriso que ergueu um dos cantos dos lábios de null, null soube que ele provavelmente pensava o mesmo. Então ele selou seus lábios mais uma vez em um beijo rápido e firme, e a levantou, fazendo-a envolver as pernas em sua cintura.
O caminho até o quarto dele foi rápido, e mais rápido ainda foi a velocidade com que se livraram das peças de roupa.
null a tinha visto seminua em um palco, diante de dezenas de pessoas, mas ali parecia diferente. Não era uma performance ensaiada; era íntimo e deixava os dois vulneráveis. Exigia confiança e respeito mútuo.
Pela primeira vez na vida, ele sentiu o coração acelerar antes mesmo de fundir o corpo ao de alguém. Só a mera imagem de null, deitada na cama a sua mercê, o deixava nervoso e ansioso ao mesmo tempo.
Queria se enterrar nela, mas não queria pressa. Se já estavam ali, ele garantiria que fosse bom para os dois.
— Você é tão linda. — Ele se inclinou, beijando os lábios dela mais uma vez, antes de se dirigir ao pescoço. — Nem acredito que isso tá mesmo acontecendo, null. Parece um sonho.
null sentiu o corpo inteiro arrepiar quando sentiu a respiração dele bater em seu pescoço.
— null... — Vai logo, por favor. Não quero esperar, ela pensou, mas não disse nada.
Não queria que acabasse logo, pois uma vez que isso acontecesse, sabia que os dois voltariam para a realidade, fora da bolha que parecia estar ao redor deles.
Antes de chegar em casa, null estava se sentindo cansada, com sono. Tinha tomado um banho rápido no clube para se livrar do suor e da maquiagem, e mal podia esperar para estar em sua cama.
Mas então estava ali, na cama dele.
O sono havia ido embora no momento em que sentiu null percorrer as mãos em seu corpo, quando o beijou. De repente, tudo o que conseguia pensar se resumia a ele. E quando o viu tirar as roupas e pairar em cima dela, achou que talvez estivesse sonhando. Porque, de fato, parecia um sonho, exatamente como ele falou.
Mas também parecia melhor do que qualquer um que ela pudesse ter.
Tinha visto null sem camisa antes, mas a visão dele seminu era algo mais. Suas coxas eram fortes e torneadas, firmes contra as pernas dela.
null ofegou quando o sentiu pressionar o quadril no dela, as mãos dele se movendo agilmente até o fecho de seu sutiã, a mesma lingerie que havia usado mais cedo no palco.
Uma vez que ele o desabotoou, null viu a peça voar para longe um segundo depois. Teria rido, se não estivesse tão estupidamente excitada.
Ao invés disso, seus olhos encontraram os dele e só conseguiu ver um resquício do azul, como um anel fino ao redor de suas pupilas dilatadas. A porta estava aberta e a luz que entrava pelo corredor era o suficiente para enxergarem um ao outro, mas null se sentia mais confiante assim.
Dançar no palco sob holofotes era diferente daquilo. Bem diferente. Não havia peruca ou máscara escondendo sua identidade, reforçando sua confiança. Ali, null estava completamente exposta como ela mesma. Por um segundo, passou pela sua cabeça como se sentiria naquela situação, se haveria algum tipo de insegurança. Mas bastou um olhar de null para ela descartar aquela possibilidade.
Diante do olhar dele, ela se sentiu linda, desejada, querida. E null parecia fazer questão de reforçar cada um desses sentimentos, mesmo sem saber.
Quando ele moveu a boca para seus seios, null arqueou as costas involuntariamente e o abraçou, enrolando os dedos no cabelo dele.
Sua pele estava sensível e, honestamente, tudo o que ela queria era alívio. Então ficou grata quando, depois de um momento, a boca dele viajou pelo seu corpo, até parar em frente ao ventre dela.
null levantou o olhar, encontrando o dela e depositou um beijinho ali, que pareceria quase casto se não fosse pelo local e o que ele fez depois.
Sem mais delongas, prendeu os dedos de cada lado de sua calcinha e um segundo depois, ela se juntou ao seu sutiã, no chão do quarto.
Ele a tocou por um instante, sentindo sua umidade, e deixou dois dedos escorregarem para dentro dela. Em seguida, usou a boca como mais um estímulo, sem conseguir se conter.
null estava tão pronta que ele teria que se agarrar ao seu autocontrole para não fundir seus corpos de uma vez.
Estava tão deliciosamente molhada e relaxada que não havia qualquer resistência a ele. Era como se tivesse sido feita para ele.
null a estimulou com entusiasmo, ciente de sua sensibilidade. null se contorceu contra sua boca com urgência; e quando ele sentiu seus músculos internos se apertando ao redor de seus dedos, indicando que ela estava perto, um pensamento meio perverso passou por sua mente.
De repente, ele se afastou.
null o encarou com o cenho franzido em confusão, mas null apenas sorriu.
— Agora não — ele disse. — Quero que você venha junto comigo.
Então se inclinou sobre ela e esticou o braço para abrir a gaveta da mesinha de cabeceira, em busca de um preservativo. Em seguida, o levou aos lábios para rasgar a embalagem colorida com os dentes e null sentiu o rosto corar quando notou seus lábios ainda brilhantes por conta da excitação dela.
null se levantou por um momento para se livrar da cueca e ficou de costas enquanto se preparava. Uma vez que se virou, null o encarou em toda a sua glória apenas um segundo antes dele voltar para a cama.
Ele se inclinou para depositar um beijo em seu pescoço e então murmurou no ouvido dela:
— Pronta?
— Sim, mas... Vai devagar, tá? — ela pediu, levemente envergonhada. — Faz um tempo pra mim.
— Pode deixar, querida. Eu vou cuidar muito bem de você.
null estava tão sensível e necessitada que a mera voz dele em seu ouvido era um estímulo. Quando null se posicionou, ela o envolveu pela cintura com as pernas, facilitando o acesso. Seu corpo doía e latejava por ele, mas quando ele finalmente a adentrou, null sentiu parte da dor começar a ser apaziguada à medida que ele a preenchia.
null se moveu devagar, como ela havia pedido, e null sentiu os músculos internos esticarem e se moldarem ao redor dele, o acomodando perfeitamente, como se eles tivessem sido feitos um para o outro.
Uma vez que ele parou de se mover, ela suspirou, apreciando a sensação.
— Tá tudo bem? — ele quis saber.
null assentiu algumas vezes e o puxou para um beijo, enquanto pressionava o quadril para cima, em um pedido silencioso para que ele continuasse.
null o atendeu no mesmo instante e, aos poucos, foi ditando um ritmo entre os dois. null gemeu baixinho e cravou as unhas em seus ombros, as arrastando contra a pele dele, sem dó. null sentiu a ardência na pele no mesmo instante e encarou aquilo como um incentivo a mais.
Não tinham nem terminado ainda, mas imediatamente soube que provavelmente nenhum dos dois dormiria até o sol raiar.
Não se dependesse dele.
Sentiu a pele arrepiar quando se viu próximo do ápice e levou a boca até o pescoço de null, enquanto usava uma mão para envolver um de seus seios com firmeza. Ela ofegou e gemeu seu nome, seus músculos internos se apertando ao redor dele. Ao senti-la começar a estremecer em seus braços, null travou a mandíbula e aumentou o ritmo entre os dois; após alguns segundos, a acompanhou, grunhindo contra seu pescoço, deixando o próprio peso cair sobre ela por um momento.
null o abraçou e os dois respiraram ofegantes, ela um pouco mais do que ele. Em um súbito lapso de consciência, null saiu de cima dela e a encarou, preocupado.
— Você tá bem? Tá sentindo alguma coisa?
null negou com a cabeça, ainda sentando recuperar o fôlego, e então riu baixinho.
— Não, só tô cansada. Como se tivesse corrido de repente.
Diversão brilhou no olhar dele e null se inclinou para beijar seus lábios, um pouco mais tranquilo.
— Ótimo. Vou te deixar descansar um pouquinho então. Mas nem pense que acabou.
— Não?
— Não mesmo.
— E quando vamos dormir?
null riu baixinho, esfregando o nariz no pescoço dela, e ela se arrepiou.
— Que tal quando o sol raiar?
null riu, divertida.
— O que você é, uma máquina?
— Talvez. O que acha de descobrir? — Ele sorriu, esfregando o nariz no dela carinhosamente.
O sorriso de null se alargou e, no instante seguinte, ela selou seus lábios nos dele mais uma vez.
Uma máquina, definitivamente, ela pensou enquanto caminhava até a cafeteria, sentindo o corpo inteiro dolorido. Nem os primeiros dias na academia a tinham deixado assim.
Mas cada dor era um lembrete da noite anterior. Ou melhor, madrugada.
null teve que usar uma quantidade a mais de corretivo para mascarar as olheiras de cansaço que null tinha proporcionado a ela.
Acordou tarde, após as dez, mas mesmo assim ainda queria ficar na cama.
Com ele.
null ainda dormia feito uma pedra quando saiu de casa.
Depois de acordar, null tomou um banho quente e preparou um café da manhã rápido. Cortou duas bananas, salpicou leite em pó por cima e complementou com um copo de suco de laranja. Não era exatamente uma boa combinação, mas ela não estava com disposição para fazer algo mais elaborado.
Assim que terminou de comer, lavou a louça suja e voltou para o quarto para pegar a bolsa e o celular. Cumprimentou Benny em seu cantinho, já fora da garrafa, e fez uma nota mental para colocar uma maçã para ele quando chegasse em casa.
Já no corredor, ela seguiu para o quarto adiante, dando uma última espiada em null. Ele estava deitado de bruços, coberto até cintura, completamente adormecido. Sem resistir, ela se aproximou e depositou um beijinho em seu rosto, deixando a marca do batom vermelho que usava e então se afastou com um sorriso no rosto.
null ainda tinha esse sorriso quando chegou à cafeteria, mas ele se apagou assim que se deparou com Anni e Thaty, que a encaravam com os braços cruzados e um olhar desconfiado no rosto.
Aquilo só podia significar uma coisa.
Elas finalmente haviam descoberto quem era a tal vadia sortuda que estava com null.
Capítulo 24
Dez minutos.
Esse foi o tempo que null teve antes do interrogatório começar, cinco para trocar de roupa pelo uniforme e mais cinco enrolando enquanto pensava no que dizer.
Antes de sair do vestiário, no entanto, pegou os guardanapos autografados e os enfiou no bolso quando foi encontrar as meninas.
— Não acredito que você fingiu que não conhecia a Cave Panthers na nossa cara! — Anni disse, antes que ela pudesse falar algo.
— Eu não disse que não conhecia, mas que tinha ouvido falar deles há pouco tempo. Não foi mentira — null retrucou. — Conheci null em agosto.
— E não ligou em contar pra gente? — Thaty perguntou. — Você ouviu a gente te chamar de vadia sortuda e nem falou nada.
null encolheu os ombros, sentindo o rosto corar. Depois da madrugada daquele dia, ela certamente era uma vadia sortuda.
— Desculpa. A gente queria manter o relacionamento em privado por um tempinho...
— E você ainda trouxe ele aqui! Se eu soubesse, não teria trocado de turno com o Harry. Aff! — Anni choramingou, batendo o pé no chão.
null teve vontade de rir, mas se segurou.
— Sobre isso... Foi meio de última hora. Mas falei de vocês duas pro null e pro null, e eles quiseram deixar uma lembrancinha...
Então ela puxou os guardanapos do bolso. E entregou dois a cada uma.
A boca de Anni se abriu em um 'O' e Thaty arregalou os olhos por um instante, antes de sorrir de orelha a orelha.
— Não acredito! Meu Deus, vou ter que plastificar um guardanapo!
— Mas vamos plastificar felizes! Olha só! — Anni apontou para a escrita de null. — "Para Anni, obrigado por ser nossa fã".
Os autógrafos diziam basicamente a mesma coisa, bem genéricos, mas elas não estavam lá para dizer o que queriam no papel. Mesmo assim, os rapazes não falharam em deixar as duas felizes.
— Eu já até esqueci por que a gente tava com raiva — Thaty disse e então se virou para null. — null, sua vadia sortuda! Posso trazer meus álbuns pra você levar e pedir pra eles autografarem?
— Sim, eu também! Se não for pedir muito, é claro — Anni acrescentou.
— Claro, posso entregar a Riv e pedir pra ele falar com os meninos.
Thaty a encarou com interesse.
— Você conheceu null e null também?
— Sim, mas não cheguei a conversar muito com eles. Vejo mais Hero, além de null.
— Hero? Por quê?
— Hm, ele é meio que nosso vizinho, então...
Anni arregalou os olhos.
— O quêêêê? Quer dizer que você e null tão morando juntos?
— Então... — null sorriu sem graça.
— A gente pode ir te visitar qualquer dia desses? — Thaty brincou. — Eu sei que o prédio deles fica pertinho daqui.
Anni riu ao lado dela.
— E eu vim trabalhar aqui na esperança de ver alguém, vai que eles tavam a fim de um café e tal.
null riu, divertida, sabendo que era mentira. Anni tinha pegado aquele emprego há poucos meses porque queria juntar dinheiro para viajar. Todo mundo sabia disso.
— Vou ter que falar com o dono da casa antes — null brincou. — Tragam os álbuns depois e vou ver se consigo os autógrafos. Pelo menos os de null e Hero são garantidos.
As meninas deram pulinhos de comemoração, mas foram interrompidas pelo sino da porta informando a chegada dos primeiros clientes da tarde.
Rapidamente, Anni se dirigiu ao caixa, enquanto Thaty e null se prontificaram para o atendimento.
Hora de voltar ao trabalho.
***
Ele encarou o próprio reflexo no espelho, sorrindo como um idiota.
Quando acordou, estava sozinho na cama e uma caminhada rápida pela casa mostrou que null já tinha saído para o trabalho. Bem, pelo horário, não fazia tanto tempo, então era uma pena ele não ter se despedido dela por estar completamente nocauteado, e por culpa dele mesmo.
null tinha falado sério sobre dormir ao raiar do sol. A madrugada com null havia sido agitada e ele fez questão de torná-la boa para os dois. Explorou o corpo dela inteiro com as mãos e a boca e deixou que ela fizesse o mesmo com ele. Se fechasse os olhos, ainda podia sentir os lábios dela percorrendo seus pescoço, peito e descendo mais para baixo até alcançar o seu...
Ele olhou para baixo, interrompendo os pensamentos, e fez uma careta. O plano era tomar um banho quente para relaxar os músculos, mas ele certamente teria que tomar um frio se quisesse tirar aquela mulher da cabeça.
Quando terminaram e se recolheram para dormir, com seus corpos emaranhados um no outro sob os lençóis, null encarou o teto escuro durante alguns minutos, esperando o vazio rotineiro que se seguia após ele fazer sexo com alguém, mas para sua surpresa, ele não veio.
Sua mente e corpo estavam preenchidos com tranquilidade e a sensação de ter null em seus braços. Era diferente. Como se, de repente, aquela fosse a coisa certa a se fazer. Talvez fosse porque eram amigos? Ou porque confiaram plenamente um no outro, talvez?
Ele certamente tinha feito isso, e null não era esse tipo de pessoa.
Na maioria das vezes, havia momentos em que ele não gostava de pessoas o tocando. Por alguma razão, se sentia desconfortável, o que o levava a terminar o sexo o mais rápido que podia, só para acabar com aquilo. Às vezes, satisfazendo só a outra mulher que estivesse com ele e ignorando as próprias necessidades.
Havia sido assim com Hannah e várias outras. A maioria não ligava, mas Hannah tinha um ego frágil e odiava ser rejeitada. Por mais que se dessem bem, ou ele achava que sim, ela se sentia com o orgulho ferido quando null não a deixava tocar nele, quando ele simplesmente desistia do sexo depois de satisfazê-la.
Às vezes, o vazio o encontrava antes mesmo disso acontecer, mas ele fazia questão de ser generoso porque era o mínimo.
Nem se lembrava da última vez que havia passado uma noite inteira realmente se divertindo com uma mulher enquanto fazia sexo com ela. Ao menos, não alguma que não tivesse bebidas alcoólicas envolvidas. Normalmente, elas tornavam tudo mais fácil e leve para ele, mas não precisava de nada daquilo com null.
null não fazia ideia do porquê, mas tudo era mais fácil com ela.
Quando decidiu que a queria daquela forma, ele esperava que fosse apenas uma atração passageira. Mas bastou tê-la uma vez para saber que a queria mais.
Ele provavelmente deveria se sentir culpado por fazê-la passar a noite inteira acordada, mas tudo o que sentia era uma satisfação masculina idiota. Era como se tivessem sido moldados para acomodar o outro.
Ele tinha acabado de acordar e só conseguia pensar nela e em como tudo tinha sido bom e leve e... Certo.
Agora encarava o próprio reflexo, sorrindo para a marca do beijo que ela havia deixado em sua bochecha antes de sair. Não queria removê-la no banho, então tomou cuidado enquanto lavava o rosto.
Quando acabou, não ligou de vestir uma camisa e seguiu em direção à cozinha em busca de algo para comer. Tinha acabado de separar alguns ingredientes para fazer um sanduíche quando ouviu a campainha tocar.
Um minuto depois, se deparou com null segurando uma caixa de papelão.
— O que é isso no seu rosto? — Ela abriu um sorriso malicioso.
— Não é nada — ele respondeu, dando as costas para voltar para a cozinha. — O que você quer?
Silêncio. null se virou e encontrou null andando até ele com a boca aberta em um sorriso que era a cara de quem acabou de saber de uma fofoca.
— Não. Acredito. — Ela colocou a caixa em cima do balcão e se colocou ao lado dele. — Vocês dormiram juntos!
null arregalou os olhos levemente, mas rapidamente disfarçou, enquanto continuava a separar os ingredientes.
— Do que você tá falando? Deduziu isso com base na marca da minha bochecha? — ele perguntou, em tom de deboche.
No mesmo instante, um tapa alto estalou em seu ombro e ele sentiu a pele arder.
— Tá me zoando? Quem você pensa que sou, seu idiota? Não ache que pode me enganar.
— Porra, null!
— Porra digo eu! E essas marcas aí nas suas costas?
— Que marcas? — Ele não tinha visto marca alguma, mas com certeza sua pele estava ardendo pra cacete depois daquele tapa.
— Bem aqui. — null tocou a parte superior de suas costas, abaixo dos ombros. — Tem marcas de unhas, null. O que você fez com a null, hein? A garota com certeza perdeu o controle aqui.
Ele fechou os olhos e respirou fundo.
Claro, tudo o que ele precisava era da melhor amiga descobrindo sua última transa sem ele nem ao menos falar uma palavra sobre isso.
Infelizmente, não adiantava negar. Seria um insulto à inteligência de null.
— Só... Aconteceu.
— Ah, é? Como? Você admitiu que tava se roendo de ciúmes vendo ela no palco com outro cara? — Ela perguntou com um sorriso que se alargou ainda mais diante do silêncio dele. — Foi isso, não foi? Você é tão previsível.
— Como você faz isso? Eu nem te falei nada e você já sabe de tudo.
— Sei lá, deve ser porque sou sua melhor amiga? Dã! E também sou autora de romances — ela explicou, como se fosse óbvio. — Tem ideia do tanto de mocinhos cadelinhas que já escrevi?
— E o que seus personagens têm a ver?
— Você é o mais cadelinha de todos. Cara de bad boy, personalidade de golden retriever. Meu tipo favorito. — null sorriu. — Mas e aí? Agora vocês tão juntos de verdade?
— Hm.
— Hm, o quê? O que diabos isso significa?
— Não sei. A gente não conversou. Eu nem vi ela hoje.
— Bem, então trate de oficializar. Porque tá óbvio pra todo mundo que você gosta daquela mulher, null.
Ele franziu o cenho.
— Sério? — Ele a encarou. Estava tão óbvio assim?
— Sim, sério. Além disso, a null tem o selo de aprovação null null — ela brincou. — Então se você se sente realmente confortável em ter alguém por perto dessa vez e a ideia de relacionamento de repente não parece absurda... Acho que você devia dar uma chance.
null suspirou, incerto.
— E se não der certo?
null riu pelo nariz.
— É bom dar certo, porque você estão presos um ao outro pelo próximo ano, lembra? E nada de fingir que não aconteceu. Isso provavelmente seria pior e magoaria a null.
— Não quero magoar ela — ele respondeu rápido. — Aliás, não vou. Mas... Mesmo que eu goste dela, não sei se ela sente o mesmo ou se é só atração física pra ela.
— Por que não pergunta? — A amiga sugeriu.
null suspirou.
— Não quero que ela se sinta pressionada, null. Ela assinou um contrato pra ser minha namorada de mentira. E se ela ficou comigo porque... Sei lá, achou que pudesse dar algo errado? Ou só pra se divertir também? Juntar o útil ao agradável.
— A null não é como aquelas idiotas com quem você se envolveu, null. Não esquece que foi você que correu atrás dela, não o contrário.
— É, mas se ela achar que tem que me retribuir assim?
— O que importa é vocês saberem em que pé estão. Não acho que a null faria isso por gratidão. Ela deve ganhar umas boas gorjetas naquele clube e nem por isso sai dormindo com ricaços por aí. Então para de ser idiota, porque insegurança não combina com você.
null riu baixinho.
— E insegurança tem que combinar com alguém? — Ele a encarou, sem graça.
— Não sei. Mas se tiver, com certeza não combina com um gostoso que nem você.
— Ah, mas no ano passado, quando era você negando os sentimentos pelo null, tava tudo bem, né?
— Ei, era diferente e você sabe. Você e a null não têm um passado. — Ela deu de ombros. — Mas os dois tão tendo a chance de ter recomeços em algumas áreas da vida. Você, ao limpar seu nome e provar que não é um idiota que foge de compromissos. Ela... Basicamente todo o resto.
null ficou em silêncio, refletindo por um minuto. Então sentiu os braços da amiga envolvendo sua cintura por trás, em um abraço carinhoso.
— Vai ficar tudo bem. Acho que você tem que ser sincero e agir naturalmente — ela comentou. — Acho que se não importasse pra null ou se ela tivesse se sentindo arrependida, não teria deixado isso daqui em você. — Ela pressionou o dedo indicador na bochecha dele.
null riu baixinho e se virou para dar uma abraço apertado nela, a tirando do chão.
— Obrigado. Me sinto um pouco melhor.
— Relaxa, quem que resiste a esse rostinho lindo com covinhas e essa personalidade de cachorrinho? — Ela sorriu, apertando a bochecha dele.
null afastou sua mão, fazendo-a rir.
— Tá, agora você tá só sendo irritante — ele resmungou, e então voltou o olhar para a caixa misteriosa. — O que tem aí?
— Sei lá. Fui pegar umas coisas na portaria e tinha essa encomenda pra null, então eu trouxe — ela comentou, roubando uma fatia de queijo que ele tinha acabado de partir. — Aparentemente, veio de uma loja que vende produtos brasileiros. Acho que a null sente falta da comida.
null encarou a caixa com interesse.
— Não é pra menos. Comida brasileira é muito boa. null comia churrasco todo dia quando a gente foi pro Brasil.
— Bem, se vocês forem testar receitinhas, não esqueçam de me chamar. Tenho que ir agora, Seojun e Nina me esperam — ela se despediu, pronta para encontrar seus novos personagens.
***
null sentiu o estômago roncar de fome antes mesmo do turno encerrar. Poderia ter comido algo na cafeteria, mas depois que os primeiros clientes chegaram, dezenas começaram a ir e vir enquanto ela, Thaty e Anni se desdobravam para atender todo mundo.
Não era bem usual aquela quantidade de gente, mas se continuasse assim, em breve precisariam de mais gente trabalhando no atendimento.
Quando chegou em casa, tirou os sapatos e, a princípio, achou que não tivesse ninguém em casa, mas então null apareceu no corredor, sem camisa, com um sorriso no rosto e a marca de batom que ela havia deixado.
null conteve um sorriso e fingiu não perceber enquanto ele vinha até ela. Por mais que tivessem tido uma noite incrível juntos, uma parte dela não sabia como agir agora ao redor dele, então decidiu fazer como sempre.
— Oi, como foi o trabalho? — Ele envolveu o rosto dela com as duas mãos, em um repentino gesto carinhoso que a pegou de surpresa.
— Cansativo, mas foi tudo bem. O que isso tá fazendo aqui? — Ela tocou a marca de batom na bochecha dele.
— Não sei. Acordei e tava assim. Acho que recebi uma visita da fada beijoqueira enquanto dormia. Resolvi deixar como estava, pra demonstrar que gostei e que ela pode repetir quando quiser, sabe?
— Hmm, desse jeito aposto que fica difícil dela negar.
null riu e se inclinou, depositando um beijo na testa dela. A vontade era de selar seus lábios, mas não queria parecer muito atrevido quando ainda nem tinha conversado com ela.
— Chegou uma encomenda pra você. — Ele se afastou, apontando para a caixa em cima do balcão. — null viu na portaria e trouxe mais cedo.
No mesmo instante, null correu animada. Rapidamente encontrou uma faca e abriu o lacre.
— Não acredito! Eu já tinha esquecido. Nem vi se atualizou o rastreio da entrega.
— O que é?
— Comida, ingredientes brasileiros, bebidas... — ela comentou, tirando produto por produto.
— O que é isso? Parece pasta de amendoim.
— Eca! — Ela fez uma careta e ele riu. — Não tem nada a ver com aquela gosma gordurenta que vocês comem. Isso daí é doce de leite. Comprei dois potes, só pra garantir. Achei uma loja que vende os produtos e encomendei pela internet. Foi um pouquinho caro, mas vale a pena.
— E o que tem mais aí? — ele perguntou, curioso, e pegou um pacote com o que parecia ser flocos de milho. — Cuscuz?
— Sim, também tem tapioca, mas eu prefiro hidratar a farinha antes de usar. — Ela apontou para o pacote. — Também comprei alguns salgadinhos que vendem onde eu morava e dois refrigerantes. — Ela colocou duas garrafas de dois litros em cima da bancada.
— Guaraná? Esse eu conheço. Mas esse São Geraldo? — Ele tentou pronunciar e null riu, antes de corrigir.
— É um refrigerante de caju. Não sei como essa fruta é chamada em inglês. De onde venho, a gente costuma chamar essa bebida de cajuína.
— Sei, e isso daqui, o que é? — Ele saiu apontando com o dedo.
— Leite em pó, creme de leite e leite condensado. Não é a mesma coisa dos que vendem aqui e faz tempo que eu queria comer brigadeiro. E farofa de cuscuz. Acho que você vai gostar. É bem simples, mas muito bom.
— null disse que se a gente fosse testar receitas era pra chamar ela pra comer.
Ela riu mais uma vez, divertida.
— Vou chamar quando eu tiver mais tempo pra cozinhar, assim faço várias coisinhas. Por agora, acho que vou fazer farofa. Você quer?
— Claro, me diga o que fazer.
null então tirou mais um item especial da caixa.
— Primeiro, vamos precisar dessa panela aqui. O cuscuz é feito no vapor e ela facilita o processo.
null encarou a panela com curiosidade, que mais parecia uma cafeteira italiana.
— A gente coloca água aqui e o cuscuz em cima? — ele deduziu.
— Sim, bem intuitivo, né? Eu vou hidratar e salgar ele antes. Você pode cortar uma cebola e umas duas ou três salsichas? Queijo também! E pega uns três ovos.
— Beleza.
E assim ele o fez, seguindo cada instrução dada. Quando terminou, null pediu para que fizesse uma vitamina de banana.
Cerca de quinze minutos depois, ela transferiu o cuscuz para outra panela, já com a cebola refogada na manteiga, o queijo, a salsicha e o ovo mexido. Misturou tudo e ao final, null a viu acrescentar uma colher de maionese e raminhos de coentro.
Não podia negar que o cheiro estava bom.
— Eu tô morrendo de fome. Faz tanto tempo que não como isso... — Ela despejou uma porção em uma pequena tigela e, em seguida, encheu um copo de vitamina.
Na primeira colherada, null achou que já tivesse comido aquilo em algum lugar, mas então percebeu que não. O sabor do cuscuz não lhe era totalmente estranho, mas feito daquela forma, parecia bem melhor. Até a vitamina combinava bastante com a comida, tanto que ele repetiu duas vezes.
Ao final, estava satisfeito e com um sorriso no rosto.
— Eu sabia que você ia gostar. — null sorriu, orgulhosa. — Mas sabe a melhor parte? O cuscuz é menos calórico que o arroz, por exemplo.
— Ah, é? Vou pensar em inserir na minha dieta então. Se eu puder comer bem assim, vou adorar.
— Você quer uma sobremesa? — null empurrou um pacote cheio de docinhos em sua direção.
— O que é isso?
— Doce de goiaba em tabletes. Mas também tem de banana e caju. — Ela empurrou mais dois pacotes.
null sorriu, interessado e abriu os três, tirando um de cada. O de caju tinha um pouco de açúcar cristal em volta.
— É bom. Mas acho que gostei mais do de caju e goiaba — ele comentou, enquanto provava o último. — Qual você mais gosta?
— Acho que o de goiaba. Porque gosto de comer com queijo também. Mas também dá pra comer com creme de leite e doce de leite. Com doce de leite é um clássico, uma delícia! — ela contou, empolgada. — Depois vou derreter um desses e misturar pra você experimentar.
— Quando foi a última vez que você comeu essas coisas? Foi quando ainda morava no Brasil?
— Algumas sim. Outras, meu pai encomendava pra mim. Tipo esses docinhos. — Ela sorriu, nostálgica. — Mas agora vou fazer questão de comer várias vezes. Não sou fã da maioria das comidas enlatadas que tem aqui.
Então ela se levantou e recolheu os pratos, pronta para colocar na lava-louças.
— Deixa que eu faço isso, você já cozinhou.
— Nós cozinhamos — ela corrigiu. — Você fez metade do trabalho.
— Então nós vamos cuidar da louça. — Ele se adiantou, lavando algumas panelas enquanto ela colocava o resto na máquina.
Uma vez que acabaram, null o encarou e abriu um sorriso ao ver a marca de batom ainda na bochecha dele. Sem dizer nada, ela se aproximou e começou a esfregar a pele com o polegar para remover a mancha.
— Ei, o que você tá fazendo? — null agarrou sua mão, a impedindo de continuar.
— Você passou o dia com isso na cara.
— E daí?
— E daí que já tá na hora de tirar. — Ela riu e tentou esfregar novamente com a mão livre, mas ele rapidamente a imobilizou, agarrando os dois pulsos contra o peito.
— Não quero.
— Muito maduro da sua parte, fazer questão por causa de uma besteira dessas — ela brincou, mas a verdade era que estava intrigada por ele ainda não ter removido.
— Não é besteira, porque foi você que fez. E se quiser espalhar pelo resto do meu corpo, eu não vou me importar nadinha.
null sentiu o rosto esquentar.
— Por que você é assim, hein? Falando essas coisas de repente... — Ela riu, sem graça, e tentou se soltar, mas ele não deixou.
Quando o fez, null soltou as mãos dela apenas para envolver seu rosto mais uma vez.
— Pois é, é novidade pra mim também, mas... — Ele engoliu em seco, de repente se sentindo nervoso. — Eu quero te fazer uma nova proposta que não tem nada a ver com o nosso contrato.
— O quê? — null quis saber, o coração subitamente acelerando.
null se inclinou para a frente e roçou o nariz no dela, então pressionou os lábios nos dela por um instante, antes de se afastar para encará-la.
— null, você quer ser... A minha namorada de verdade?
— Hã? — Ela franziu o cenho. Tinha ouvido certo mesmo?
— Você quer ser minha namorada? Minha namorada de verdade? — ele repetiu.
E caramba, ela tinha ouvido certo.
— De repente? Foi por causa de ontem? — ela quis saber. — Você nem namora.
— Sim e não. É uma longa história, mas resumindo... Eu me sinto diferente quando tô com você. Não quero te pressionar a nada, mas... Quando acordei hoje e vi a marca de batom que você deixou, só consegui sorrir que nem um idiota e pensar em como você me faz sentir bem — ele confessou. — Eu... Gosto de você. Gosto muito. Mas não quero que ache que tem que aceitar por gratidão ou algo assim. Não quero você só pra sexo. Quero você porque é você. Porque gosto de quando a gente faz coisas juntos e gosto como me sinto confortável com você.
— null, eu... Não sei nem o que dizer. Você tem certeza disso?
— Tenho. E quero tentar seguir em frente com você. De verdade, dessa vez. Nosso contrato vai continuar intacto, mas... null, eu nem lembro quando foi a última vez que deixei uma mulher me tocar do jeito que você fez ontem — ele admitiu, baixinho.
— Como assim? Do que você tá falando?
— Hm, o que quero dizer é que... — null sentiu o rosto esquentar, levemente embaraçado. — Na maioria das vezes, eu... Satisfazia elas e depois desistia no meio da coisa. Não gostava do toque porque eu não sentia nada. Me sentia vazio na maior parte do tempo e, depois que tudo acabava, eu sempre me perguntava se valia mesmo a pena continuar com aquilo por causa de algo físico. Era meio estúpido, sabe? Então decidi que não queria mais. Hannah foi a última. Terminei com ela, mas então... Você sabe o resto.
null encarou null, surpresa. De jeito nenhum esperava uma confissão daquelas.
— Quem sabe disso?
— Ninguém. Eu deixo todo mundo achar que sou só um idiota que enjoa rápido das ficantes. — Ele fez uma careta. — Mas acho que null desconfia, embora nunca tenha tocado no assunto. Não consigo esconder muita coisa dela.
— Ela sabe sobre ontem?
— Sim, mas descobriu sozinha. Ela viu isso aqui. — Então se virou, mostrando a ela as marcas de arranhões.
null arregalou os olhos e corou de vergonha.
— Meu Deus, me desculpa. Eu não devia...
— Relaxa. — Ele riu baixinho. — Eu só me dei conta quando ela me mostrou. Não tinha exatamente como esconder depois disso. Que desculpa eu ia dar?
null riu, sem graça, e cobriu o rosto com as duas mãos.
— Mesmo assim, não acredito que fiz isso. Nunca fiz isso com ninguém, null. Só fiquei com um cara antes de você.
— Ah, é? E o que você acha da minha nova proposta?
— Eu... Acho que seria idiota se perdesse a oportunidade de recusar o melhor homem que já conheci na vida. — Ela o encarou, séria. — E não, eu não dormi com você por gratidão nem nada do tipo, caso tenha pensado isso.
— Ah, é? — Ele tentou conter um sorriso, em vão.
— Pois é. Por acaso, você me deixa maluquinha das ideias e meu autocontrole sempre fica por um fio. Você não ajudou em nada quando falou aquelas coisas pra mim, nem tá ajudando agora.
— Você não precisa se agarrar a ele. — null levou uma mão ao rosto dela e se aproximou. — É só falar que sim e a gente continua no quarto — murmurou contra seus lábios.
— Sim — null sussurrou, arrancando um sorriso dele. — Sim, sim, sim, sim.
null a puxou para um beijo rápido e então se afastou. Em um segundo, levantou null e a colocou sobre os ombros, fazendo-a gritar de surpresa.
— Eu já te deixei avisada — ele lembrou. — Agora vamos pro-
Um toque alto de telefone o fez parar de falar. No mesmo instante, null se sacudiu em seus braços.
— Espera, minha avó tá ligando.
null a colocou no chão e ela atendeu o telefone, falando em português.
— Oi, vó. Tá tudo bem? — ela perguntou com um sorriso que se desfez um instante depois. — O quê? — null lançou um olhar rápido para null e então tapou o telefone. — Eu tenho que resolver isso, desculpa.
E sem qualquer outra explicação, ela voltou a falar com a avó e correu para o quarto.
Esse foi o tempo que null teve antes do interrogatório começar, cinco para trocar de roupa pelo uniforme e mais cinco enrolando enquanto pensava no que dizer.
Antes de sair do vestiário, no entanto, pegou os guardanapos autografados e os enfiou no bolso quando foi encontrar as meninas.
— Não acredito que você fingiu que não conhecia a Cave Panthers na nossa cara! — Anni disse, antes que ela pudesse falar algo.
— Eu não disse que não conhecia, mas que tinha ouvido falar deles há pouco tempo. Não foi mentira — null retrucou. — Conheci null em agosto.
— E não ligou em contar pra gente? — Thaty perguntou. — Você ouviu a gente te chamar de vadia sortuda e nem falou nada.
null encolheu os ombros, sentindo o rosto corar. Depois da madrugada daquele dia, ela certamente era uma vadia sortuda.
— Desculpa. A gente queria manter o relacionamento em privado por um tempinho...
— E você ainda trouxe ele aqui! Se eu soubesse, não teria trocado de turno com o Harry. Aff! — Anni choramingou, batendo o pé no chão.
null teve vontade de rir, mas se segurou.
— Sobre isso... Foi meio de última hora. Mas falei de vocês duas pro null e pro null, e eles quiseram deixar uma lembrancinha...
Então ela puxou os guardanapos do bolso. E entregou dois a cada uma.
A boca de Anni se abriu em um 'O' e Thaty arregalou os olhos por um instante, antes de sorrir de orelha a orelha.
— Não acredito! Meu Deus, vou ter que plastificar um guardanapo!
— Mas vamos plastificar felizes! Olha só! — Anni apontou para a escrita de null. — "Para Anni, obrigado por ser nossa fã".
Os autógrafos diziam basicamente a mesma coisa, bem genéricos, mas elas não estavam lá para dizer o que queriam no papel. Mesmo assim, os rapazes não falharam em deixar as duas felizes.
— Eu já até esqueci por que a gente tava com raiva — Thaty disse e então se virou para null. — null, sua vadia sortuda! Posso trazer meus álbuns pra você levar e pedir pra eles autografarem?
— Sim, eu também! Se não for pedir muito, é claro — Anni acrescentou.
— Claro, posso entregar a Riv e pedir pra ele falar com os meninos.
Thaty a encarou com interesse.
— Você conheceu null e null também?
— Sim, mas não cheguei a conversar muito com eles. Vejo mais Hero, além de null.
— Hero? Por quê?
— Hm, ele é meio que nosso vizinho, então...
Anni arregalou os olhos.
— O quêêêê? Quer dizer que você e null tão morando juntos?
— Então... — null sorriu sem graça.
— A gente pode ir te visitar qualquer dia desses? — Thaty brincou. — Eu sei que o prédio deles fica pertinho daqui.
Anni riu ao lado dela.
— E eu vim trabalhar aqui na esperança de ver alguém, vai que eles tavam a fim de um café e tal.
null riu, divertida, sabendo que era mentira. Anni tinha pegado aquele emprego há poucos meses porque queria juntar dinheiro para viajar. Todo mundo sabia disso.
— Vou ter que falar com o dono da casa antes — null brincou. — Tragam os álbuns depois e vou ver se consigo os autógrafos. Pelo menos os de null e Hero são garantidos.
As meninas deram pulinhos de comemoração, mas foram interrompidas pelo sino da porta informando a chegada dos primeiros clientes da tarde.
Rapidamente, Anni se dirigiu ao caixa, enquanto Thaty e null se prontificaram para o atendimento.
Hora de voltar ao trabalho.
Ele encarou o próprio reflexo no espelho, sorrindo como um idiota.
Quando acordou, estava sozinho na cama e uma caminhada rápida pela casa mostrou que null já tinha saído para o trabalho. Bem, pelo horário, não fazia tanto tempo, então era uma pena ele não ter se despedido dela por estar completamente nocauteado, e por culpa dele mesmo.
null tinha falado sério sobre dormir ao raiar do sol. A madrugada com null havia sido agitada e ele fez questão de torná-la boa para os dois. Explorou o corpo dela inteiro com as mãos e a boca e deixou que ela fizesse o mesmo com ele. Se fechasse os olhos, ainda podia sentir os lábios dela percorrendo seus pescoço, peito e descendo mais para baixo até alcançar o seu...
Ele olhou para baixo, interrompendo os pensamentos, e fez uma careta. O plano era tomar um banho quente para relaxar os músculos, mas ele certamente teria que tomar um frio se quisesse tirar aquela mulher da cabeça.
Quando terminaram e se recolheram para dormir, com seus corpos emaranhados um no outro sob os lençóis, null encarou o teto escuro durante alguns minutos, esperando o vazio rotineiro que se seguia após ele fazer sexo com alguém, mas para sua surpresa, ele não veio.
Sua mente e corpo estavam preenchidos com tranquilidade e a sensação de ter null em seus braços. Era diferente. Como se, de repente, aquela fosse a coisa certa a se fazer. Talvez fosse porque eram amigos? Ou porque confiaram plenamente um no outro, talvez?
Ele certamente tinha feito isso, e null não era esse tipo de pessoa.
Na maioria das vezes, havia momentos em que ele não gostava de pessoas o tocando. Por alguma razão, se sentia desconfortável, o que o levava a terminar o sexo o mais rápido que podia, só para acabar com aquilo. Às vezes, satisfazendo só a outra mulher que estivesse com ele e ignorando as próprias necessidades.
Havia sido assim com Hannah e várias outras. A maioria não ligava, mas Hannah tinha um ego frágil e odiava ser rejeitada. Por mais que se dessem bem, ou ele achava que sim, ela se sentia com o orgulho ferido quando null não a deixava tocar nele, quando ele simplesmente desistia do sexo depois de satisfazê-la.
Às vezes, o vazio o encontrava antes mesmo disso acontecer, mas ele fazia questão de ser generoso porque era o mínimo.
Nem se lembrava da última vez que havia passado uma noite inteira realmente se divertindo com uma mulher enquanto fazia sexo com ela. Ao menos, não alguma que não tivesse bebidas alcoólicas envolvidas. Normalmente, elas tornavam tudo mais fácil e leve para ele, mas não precisava de nada daquilo com null.
null não fazia ideia do porquê, mas tudo era mais fácil com ela.
Quando decidiu que a queria daquela forma, ele esperava que fosse apenas uma atração passageira. Mas bastou tê-la uma vez para saber que a queria mais.
Ele provavelmente deveria se sentir culpado por fazê-la passar a noite inteira acordada, mas tudo o que sentia era uma satisfação masculina idiota. Era como se tivessem sido moldados para acomodar o outro.
Ele tinha acabado de acordar e só conseguia pensar nela e em como tudo tinha sido bom e leve e... Certo.
Agora encarava o próprio reflexo, sorrindo para a marca do beijo que ela havia deixado em sua bochecha antes de sair. Não queria removê-la no banho, então tomou cuidado enquanto lavava o rosto.
Quando acabou, não ligou de vestir uma camisa e seguiu em direção à cozinha em busca de algo para comer. Tinha acabado de separar alguns ingredientes para fazer um sanduíche quando ouviu a campainha tocar.
Um minuto depois, se deparou com null segurando uma caixa de papelão.
— O que é isso no seu rosto? — Ela abriu um sorriso malicioso.
— Não é nada — ele respondeu, dando as costas para voltar para a cozinha. — O que você quer?
Silêncio. null se virou e encontrou null andando até ele com a boca aberta em um sorriso que era a cara de quem acabou de saber de uma fofoca.
— Não. Acredito. — Ela colocou a caixa em cima do balcão e se colocou ao lado dele. — Vocês dormiram juntos!
null arregalou os olhos levemente, mas rapidamente disfarçou, enquanto continuava a separar os ingredientes.
— Do que você tá falando? Deduziu isso com base na marca da minha bochecha? — ele perguntou, em tom de deboche.
No mesmo instante, um tapa alto estalou em seu ombro e ele sentiu a pele arder.
— Tá me zoando? Quem você pensa que sou, seu idiota? Não ache que pode me enganar.
— Porra, null!
— Porra digo eu! E essas marcas aí nas suas costas?
— Que marcas? — Ele não tinha visto marca alguma, mas com certeza sua pele estava ardendo pra cacete depois daquele tapa.
— Bem aqui. — null tocou a parte superior de suas costas, abaixo dos ombros. — Tem marcas de unhas, null. O que você fez com a null, hein? A garota com certeza perdeu o controle aqui.
Ele fechou os olhos e respirou fundo.
Claro, tudo o que ele precisava era da melhor amiga descobrindo sua última transa sem ele nem ao menos falar uma palavra sobre isso.
Infelizmente, não adiantava negar. Seria um insulto à inteligência de null.
— Só... Aconteceu.
— Ah, é? Como? Você admitiu que tava se roendo de ciúmes vendo ela no palco com outro cara? — Ela perguntou com um sorriso que se alargou ainda mais diante do silêncio dele. — Foi isso, não foi? Você é tão previsível.
— Como você faz isso? Eu nem te falei nada e você já sabe de tudo.
— Sei lá, deve ser porque sou sua melhor amiga? Dã! E também sou autora de romances — ela explicou, como se fosse óbvio. — Tem ideia do tanto de mocinhos cadelinhas que já escrevi?
— E o que seus personagens têm a ver?
— Você é o mais cadelinha de todos. Cara de bad boy, personalidade de golden retriever. Meu tipo favorito. — null sorriu. — Mas e aí? Agora vocês tão juntos de verdade?
— Hm.
— Hm, o quê? O que diabos isso significa?
— Não sei. A gente não conversou. Eu nem vi ela hoje.
— Bem, então trate de oficializar. Porque tá óbvio pra todo mundo que você gosta daquela mulher, null.
Ele franziu o cenho.
— Sério? — Ele a encarou. Estava tão óbvio assim?
— Sim, sério. Além disso, a null tem o selo de aprovação null null — ela brincou. — Então se você se sente realmente confortável em ter alguém por perto dessa vez e a ideia de relacionamento de repente não parece absurda... Acho que você devia dar uma chance.
null suspirou, incerto.
— E se não der certo?
null riu pelo nariz.
— É bom dar certo, porque você estão presos um ao outro pelo próximo ano, lembra? E nada de fingir que não aconteceu. Isso provavelmente seria pior e magoaria a null.
— Não quero magoar ela — ele respondeu rápido. — Aliás, não vou. Mas... Mesmo que eu goste dela, não sei se ela sente o mesmo ou se é só atração física pra ela.
— Por que não pergunta? — A amiga sugeriu.
null suspirou.
— Não quero que ela se sinta pressionada, null. Ela assinou um contrato pra ser minha namorada de mentira. E se ela ficou comigo porque... Sei lá, achou que pudesse dar algo errado? Ou só pra se divertir também? Juntar o útil ao agradável.
— A null não é como aquelas idiotas com quem você se envolveu, null. Não esquece que foi você que correu atrás dela, não o contrário.
— É, mas se ela achar que tem que me retribuir assim?
— O que importa é vocês saberem em que pé estão. Não acho que a null faria isso por gratidão. Ela deve ganhar umas boas gorjetas naquele clube e nem por isso sai dormindo com ricaços por aí. Então para de ser idiota, porque insegurança não combina com você.
null riu baixinho.
— E insegurança tem que combinar com alguém? — Ele a encarou, sem graça.
— Não sei. Mas se tiver, com certeza não combina com um gostoso que nem você.
— Ah, mas no ano passado, quando era você negando os sentimentos pelo null, tava tudo bem, né?
— Ei, era diferente e você sabe. Você e a null não têm um passado. — Ela deu de ombros. — Mas os dois tão tendo a chance de ter recomeços em algumas áreas da vida. Você, ao limpar seu nome e provar que não é um idiota que foge de compromissos. Ela... Basicamente todo o resto.
null ficou em silêncio, refletindo por um minuto. Então sentiu os braços da amiga envolvendo sua cintura por trás, em um abraço carinhoso.
— Vai ficar tudo bem. Acho que você tem que ser sincero e agir naturalmente — ela comentou. — Acho que se não importasse pra null ou se ela tivesse se sentindo arrependida, não teria deixado isso daqui em você. — Ela pressionou o dedo indicador na bochecha dele.
null riu baixinho e se virou para dar uma abraço apertado nela, a tirando do chão.
— Obrigado. Me sinto um pouco melhor.
— Relaxa, quem que resiste a esse rostinho lindo com covinhas e essa personalidade de cachorrinho? — Ela sorriu, apertando a bochecha dele.
null afastou sua mão, fazendo-a rir.
— Tá, agora você tá só sendo irritante — ele resmungou, e então voltou o olhar para a caixa misteriosa. — O que tem aí?
— Sei lá. Fui pegar umas coisas na portaria e tinha essa encomenda pra null, então eu trouxe — ela comentou, roubando uma fatia de queijo que ele tinha acabado de partir. — Aparentemente, veio de uma loja que vende produtos brasileiros. Acho que a null sente falta da comida.
null encarou a caixa com interesse.
— Não é pra menos. Comida brasileira é muito boa. null comia churrasco todo dia quando a gente foi pro Brasil.
— Bem, se vocês forem testar receitinhas, não esqueçam de me chamar. Tenho que ir agora, Seojun e Nina me esperam — ela se despediu, pronta para encontrar seus novos personagens.
null sentiu o estômago roncar de fome antes mesmo do turno encerrar. Poderia ter comido algo na cafeteria, mas depois que os primeiros clientes chegaram, dezenas começaram a ir e vir enquanto ela, Thaty e Anni se desdobravam para atender todo mundo.
Não era bem usual aquela quantidade de gente, mas se continuasse assim, em breve precisariam de mais gente trabalhando no atendimento.
Quando chegou em casa, tirou os sapatos e, a princípio, achou que não tivesse ninguém em casa, mas então null apareceu no corredor, sem camisa, com um sorriso no rosto e a marca de batom que ela havia deixado.
null conteve um sorriso e fingiu não perceber enquanto ele vinha até ela. Por mais que tivessem tido uma noite incrível juntos, uma parte dela não sabia como agir agora ao redor dele, então decidiu fazer como sempre.
— Oi, como foi o trabalho? — Ele envolveu o rosto dela com as duas mãos, em um repentino gesto carinhoso que a pegou de surpresa.
— Cansativo, mas foi tudo bem. O que isso tá fazendo aqui? — Ela tocou a marca de batom na bochecha dele.
— Não sei. Acordei e tava assim. Acho que recebi uma visita da fada beijoqueira enquanto dormia. Resolvi deixar como estava, pra demonstrar que gostei e que ela pode repetir quando quiser, sabe?
— Hmm, desse jeito aposto que fica difícil dela negar.
null riu e se inclinou, depositando um beijo na testa dela. A vontade era de selar seus lábios, mas não queria parecer muito atrevido quando ainda nem tinha conversado com ela.
— Chegou uma encomenda pra você. — Ele se afastou, apontando para a caixa em cima do balcão. — null viu na portaria e trouxe mais cedo.
No mesmo instante, null correu animada. Rapidamente encontrou uma faca e abriu o lacre.
— Não acredito! Eu já tinha esquecido. Nem vi se atualizou o rastreio da entrega.
— O que é?
— Comida, ingredientes brasileiros, bebidas... — ela comentou, tirando produto por produto.
— O que é isso? Parece pasta de amendoim.
— Eca! — Ela fez uma careta e ele riu. — Não tem nada a ver com aquela gosma gordurenta que vocês comem. Isso daí é doce de leite. Comprei dois potes, só pra garantir. Achei uma loja que vende os produtos e encomendei pela internet. Foi um pouquinho caro, mas vale a pena.
— E o que tem mais aí? — ele perguntou, curioso, e pegou um pacote com o que parecia ser flocos de milho. — Cuscuz?
— Sim, também tem tapioca, mas eu prefiro hidratar a farinha antes de usar. — Ela apontou para o pacote. — Também comprei alguns salgadinhos que vendem onde eu morava e dois refrigerantes. — Ela colocou duas garrafas de dois litros em cima da bancada.
— Guaraná? Esse eu conheço. Mas esse São Geraldo? — Ele tentou pronunciar e null riu, antes de corrigir.
— É um refrigerante de caju. Não sei como essa fruta é chamada em inglês. De onde venho, a gente costuma chamar essa bebida de cajuína.
— Sei, e isso daqui, o que é? — Ele saiu apontando com o dedo.
— Leite em pó, creme de leite e leite condensado. Não é a mesma coisa dos que vendem aqui e faz tempo que eu queria comer brigadeiro. E farofa de cuscuz. Acho que você vai gostar. É bem simples, mas muito bom.
— null disse que se a gente fosse testar receitas era pra chamar ela pra comer.
Ela riu mais uma vez, divertida.
— Vou chamar quando eu tiver mais tempo pra cozinhar, assim faço várias coisinhas. Por agora, acho que vou fazer farofa. Você quer?
— Claro, me diga o que fazer.
null então tirou mais um item especial da caixa.
— Primeiro, vamos precisar dessa panela aqui. O cuscuz é feito no vapor e ela facilita o processo.
null encarou a panela com curiosidade, que mais parecia uma cafeteira italiana.
— A gente coloca água aqui e o cuscuz em cima? — ele deduziu.
— Sim, bem intuitivo, né? Eu vou hidratar e salgar ele antes. Você pode cortar uma cebola e umas duas ou três salsichas? Queijo também! E pega uns três ovos.
— Beleza.
E assim ele o fez, seguindo cada instrução dada. Quando terminou, null pediu para que fizesse uma vitamina de banana.
Cerca de quinze minutos depois, ela transferiu o cuscuz para outra panela, já com a cebola refogada na manteiga, o queijo, a salsicha e o ovo mexido. Misturou tudo e ao final, null a viu acrescentar uma colher de maionese e raminhos de coentro.
Não podia negar que o cheiro estava bom.
— Eu tô morrendo de fome. Faz tanto tempo que não como isso... — Ela despejou uma porção em uma pequena tigela e, em seguida, encheu um copo de vitamina.
Na primeira colherada, null achou que já tivesse comido aquilo em algum lugar, mas então percebeu que não. O sabor do cuscuz não lhe era totalmente estranho, mas feito daquela forma, parecia bem melhor. Até a vitamina combinava bastante com a comida, tanto que ele repetiu duas vezes.
Ao final, estava satisfeito e com um sorriso no rosto.
— Eu sabia que você ia gostar. — null sorriu, orgulhosa. — Mas sabe a melhor parte? O cuscuz é menos calórico que o arroz, por exemplo.
— Ah, é? Vou pensar em inserir na minha dieta então. Se eu puder comer bem assim, vou adorar.
— Você quer uma sobremesa? — null empurrou um pacote cheio de docinhos em sua direção.
— O que é isso?
— Doce de goiaba em tabletes. Mas também tem de banana e caju. — Ela empurrou mais dois pacotes.
null sorriu, interessado e abriu os três, tirando um de cada. O de caju tinha um pouco de açúcar cristal em volta.
— É bom. Mas acho que gostei mais do de caju e goiaba — ele comentou, enquanto provava o último. — Qual você mais gosta?
— Acho que o de goiaba. Porque gosto de comer com queijo também. Mas também dá pra comer com creme de leite e doce de leite. Com doce de leite é um clássico, uma delícia! — ela contou, empolgada. — Depois vou derreter um desses e misturar pra você experimentar.
— Quando foi a última vez que você comeu essas coisas? Foi quando ainda morava no Brasil?
— Algumas sim. Outras, meu pai encomendava pra mim. Tipo esses docinhos. — Ela sorriu, nostálgica. — Mas agora vou fazer questão de comer várias vezes. Não sou fã da maioria das comidas enlatadas que tem aqui.
Então ela se levantou e recolheu os pratos, pronta para colocar na lava-louças.
— Deixa que eu faço isso, você já cozinhou.
— Nós cozinhamos — ela corrigiu. — Você fez metade do trabalho.
— Então nós vamos cuidar da louça. — Ele se adiantou, lavando algumas panelas enquanto ela colocava o resto na máquina.
Uma vez que acabaram, null o encarou e abriu um sorriso ao ver a marca de batom ainda na bochecha dele. Sem dizer nada, ela se aproximou e começou a esfregar a pele com o polegar para remover a mancha.
— Ei, o que você tá fazendo? — null agarrou sua mão, a impedindo de continuar.
— Você passou o dia com isso na cara.
— E daí?
— E daí que já tá na hora de tirar. — Ela riu e tentou esfregar novamente com a mão livre, mas ele rapidamente a imobilizou, agarrando os dois pulsos contra o peito.
— Não quero.
— Muito maduro da sua parte, fazer questão por causa de uma besteira dessas — ela brincou, mas a verdade era que estava intrigada por ele ainda não ter removido.
— Não é besteira, porque foi você que fez. E se quiser espalhar pelo resto do meu corpo, eu não vou me importar nadinha.
null sentiu o rosto esquentar.
— Por que você é assim, hein? Falando essas coisas de repente... — Ela riu, sem graça, e tentou se soltar, mas ele não deixou.
Quando o fez, null soltou as mãos dela apenas para envolver seu rosto mais uma vez.
— Pois é, é novidade pra mim também, mas... — Ele engoliu em seco, de repente se sentindo nervoso. — Eu quero te fazer uma nova proposta que não tem nada a ver com o nosso contrato.
— O quê? — null quis saber, o coração subitamente acelerando.
null se inclinou para a frente e roçou o nariz no dela, então pressionou os lábios nos dela por um instante, antes de se afastar para encará-la.
— null, você quer ser... A minha namorada de verdade?
— Hã? — Ela franziu o cenho. Tinha ouvido certo mesmo?
— Você quer ser minha namorada? Minha namorada de verdade? — ele repetiu.
E caramba, ela tinha ouvido certo.
— De repente? Foi por causa de ontem? — ela quis saber. — Você nem namora.
— Sim e não. É uma longa história, mas resumindo... Eu me sinto diferente quando tô com você. Não quero te pressionar a nada, mas... Quando acordei hoje e vi a marca de batom que você deixou, só consegui sorrir que nem um idiota e pensar em como você me faz sentir bem — ele confessou. — Eu... Gosto de você. Gosto muito. Mas não quero que ache que tem que aceitar por gratidão ou algo assim. Não quero você só pra sexo. Quero você porque é você. Porque gosto de quando a gente faz coisas juntos e gosto como me sinto confortável com você.
— null, eu... Não sei nem o que dizer. Você tem certeza disso?
— Tenho. E quero tentar seguir em frente com você. De verdade, dessa vez. Nosso contrato vai continuar intacto, mas... null, eu nem lembro quando foi a última vez que deixei uma mulher me tocar do jeito que você fez ontem — ele admitiu, baixinho.
— Como assim? Do que você tá falando?
— Hm, o que quero dizer é que... — null sentiu o rosto esquentar, levemente embaraçado. — Na maioria das vezes, eu... Satisfazia elas e depois desistia no meio da coisa. Não gostava do toque porque eu não sentia nada. Me sentia vazio na maior parte do tempo e, depois que tudo acabava, eu sempre me perguntava se valia mesmo a pena continuar com aquilo por causa de algo físico. Era meio estúpido, sabe? Então decidi que não queria mais. Hannah foi a última. Terminei com ela, mas então... Você sabe o resto.
null encarou null, surpresa. De jeito nenhum esperava uma confissão daquelas.
— Quem sabe disso?
— Ninguém. Eu deixo todo mundo achar que sou só um idiota que enjoa rápido das ficantes. — Ele fez uma careta. — Mas acho que null desconfia, embora nunca tenha tocado no assunto. Não consigo esconder muita coisa dela.
— Ela sabe sobre ontem?
— Sim, mas descobriu sozinha. Ela viu isso aqui. — Então se virou, mostrando a ela as marcas de arranhões.
null arregalou os olhos e corou de vergonha.
— Meu Deus, me desculpa. Eu não devia...
— Relaxa. — Ele riu baixinho. — Eu só me dei conta quando ela me mostrou. Não tinha exatamente como esconder depois disso. Que desculpa eu ia dar?
null riu, sem graça, e cobriu o rosto com as duas mãos.
— Mesmo assim, não acredito que fiz isso. Nunca fiz isso com ninguém, null. Só fiquei com um cara antes de você.
— Ah, é? E o que você acha da minha nova proposta?
— Eu... Acho que seria idiota se perdesse a oportunidade de recusar o melhor homem que já conheci na vida. — Ela o encarou, séria. — E não, eu não dormi com você por gratidão nem nada do tipo, caso tenha pensado isso.
— Ah, é? — Ele tentou conter um sorriso, em vão.
— Pois é. Por acaso, você me deixa maluquinha das ideias e meu autocontrole sempre fica por um fio. Você não ajudou em nada quando falou aquelas coisas pra mim, nem tá ajudando agora.
— Você não precisa se agarrar a ele. — null levou uma mão ao rosto dela e se aproximou. — É só falar que sim e a gente continua no quarto — murmurou contra seus lábios.
— Sim — null sussurrou, arrancando um sorriso dele. — Sim, sim, sim, sim.
null a puxou para um beijo rápido e então se afastou. Em um segundo, levantou null e a colocou sobre os ombros, fazendo-a gritar de surpresa.
— Eu já te deixei avisada — ele lembrou. — Agora vamos pro-
Um toque alto de telefone o fez parar de falar. No mesmo instante, null se sacudiu em seus braços.
— Espera, minha avó tá ligando.
null a colocou no chão e ela atendeu o telefone, falando em português.
— Oi, vó. Tá tudo bem? — ela perguntou com um sorriso que se desfez um instante depois. — O quê? — null lançou um olhar rápido para null e então tapou o telefone. — Eu tenho que resolver isso, desculpa.
E sem qualquer outra explicação, ela voltou a falar com a avó e correu para o quarto.
Capítulo 25
— Oi, null. Desculpa ligar sem avisar, é que sua tia quer falar com você sobre a Maia... Vou passar o celular pra ela — A avó informou.
null franziu o cenho, confusa.
Sobre Maia? Será que tinha acontecido alguma coisa?
No mesmo instante, se dirigiu para o quarto, enquanto ouvia o barulho de passos da avó caminhando dentro de casa.
— Ela tá na linha — avisou.
— null? É Clarissa. Preciso falar com você sobre a Maia porque acho que ela não te atualizou de umas coisinhas.
— Oi, tia. Pode falar — null murmurou, levemente apreensiva.
— Então... Eu fiquei sabendo de uma história e pedi pro Roberto se informar pra mim já que ele trabalha na faculdade que ela estuda.
— Tem algum problema com a faculdade, tia? A Maia tá tirando nota baixa?
— Antes fosse, meu bem. Ela nem frequentando tava. Simplesmente parou de ir, trancou a faculdade e não contou pra sua avó.
— o Quê? Como assim? — Ela perguntou, alarmada. — Quando foi isso, tia?
— Pelo que Roberto disse, ela trancou o curso em fevereiro. E vive viajando pra capital quase todo fim de semana pra casa de uma amiga que só Deus sabe quem é. Como você não tem rede social e ela mal fala com você, imaginei que não tava sabendo ainda. Ela tá só torrando o dinheiro que você manda. A gente descobriu essa semana.
null absorveu cada palavra sentindo um nó se formando no peito. Quer dizer que todo o dinheiro que ela enviava para a irmã estava sendo gasto à toa? Todo o dinheiro que ela tinha ralado para conseguir? Oito meses de esforço sendo jogado fora para ajudar a irmã a realizar o suposto sonho de ser psicóloga quando ela havia deixado de lado a própria faculdade para fazer isso?
A tia continuou a dar detalhes no telefone e null respirou fundo enquanto sentia os olhos arderem e o sangue ferver de raiva.
Ela ouviu tudo em silêncio, fazendo poucas perguntas e quando tudo acabou, tudo o que quis saber foi:
— A Maia tá aí, tia?
— Ah, tá sim. — Clarissa riu, sem humor. — Bem aqui, de cara feia na minha frente, enquanto escuta eu falar tudo.
— Ótimo. Passa o telefone pra ela, por favor.
Um segundo depois, null ouviu a voz mal-humorada da irmã.
— Oi.
— Oi? É só isso que você tem pra me dizer?
— Você já sabe de tudo, o que quer que eu diga? — ela respondeu, de má vontade.
null respirou fundo, irritada.
— Ah, então quer dizer que você admite a merda que fez? Gastou todo o dinheiro que eu ralei pra poder ganhar e enviar pra você?!
— Como se você tivesse feito muita coisa. Herdeira de um ricaço que toda vida te mimou.
— Quem me dera, Maia! Bem que eu queria ter todo esse privilégio que você acha que eu tenho — null disse, aumentando o tom de voz inconscientemente. — Mas sabe o que aconteceu depois que meu pai morreu e eu não contei pra ninguém? Fui expulsa do meu próprio quarto e forçada a pagar aluguel pra viver na merda de uma despensa que só cabia a minha cama! Perdi meu plano de saúde e arranjei mais dois empregos pra conseguir me manter e enviar dinheiro pra você poder ficar sossegada pra só estudar! — Ela despejou de uma vez, mal parando para respirar. — Trabalhei de domingo a domingo, negligenciando minha saúde e economizando horrores pra ter o mínimo de segurança porque eu tive medo do meu coração falhar que nem aconteceu com meu pai! Então não venha me falar de porra de privilégio nenhum, porque mesmo se eu tivesse, isso ainda não te dava direito pra gastar o meu dinheiro à toa que nem a porra de uma vagabunda!
— null, calma... — Maia murmurou, nervosa, provavelmente surpresa por sua súbita explosão.
null era sempre a irmã gentil, calma, compreensiva; mas tudo tinha limite. E ela estava farta de toda aquela ingratidão e descaso com todo o esforço que fazia.
Àquela altura, as lágrimas já corriam livremente por seu rosto e sua respiração estava pesada enquanto ela as enxugava, tentando se recompor. Dinheiro sempre foi um assunto delicado para ela e saber que sua irmã só estava desperdiçando partia seu coração.
— Eu não vou mais mandar dinheiro pra você, Maia — ela anunciou calmamente. — Se quiser dinheiro pra gastar, trabalhe por isso.
— Não, null... Por favor, você não pode fazer isso. Eu prometo que vou voltar pra faculdade e melhorar.
— Não só posso, como vou — null retrucou, firme. — Você tem um teto pra morar, comida e roupas. E vou proibir vovó de dar qualquer coisa a você.
— null, não... — ela choramingou. — Você não pode me abandonar...
— Você é maior de idade, Maia. Eu não tô te abandonando, só não tenho obrigação nenhuma de te sustentar. Então trabalhe e ganhe seu próprio dinheiro. Talvez assim você aprenda a dar valor ao esforço dos outros.
— null!
— Passa o telefone pra tia Clarissa — null demandou, ignorando qualquer outra reclamação. Um instante depois, a tia atendeu. — Oi, tia, você ouviu a conversa?
— Não, ela tava sozinha no quarto. Tá tudo bem, null?
— Sim... — Ela suspirou, se sentindo subitamente cansada. — É o seguinte, tia...
Rapidamente, null contou sobre a conversa e deixou claro que enviaria uma quantia para a conta da avó, sabendo que Clarissa era quem cuidava de seu dinheiro. Não seria nada como o que mandava para Maia, mas um valor suficiente para a avó não ter que se preocupar com as contas de casa, nem comida. E queria garantir que a irmã não tocasse nesse dinheiro.
— Pode deixar, meu bem. Eu mesma garanto que vou com sua avó fazer as compras — ela garantiu. — Sinto muito pelo que aconteceu, null. Tem certeza que tá tudo bem agora?
— Obrigada, tia. E sim, não se preocupe. Vou desligar agora, tenho que ir trabalhar. Qualquer coisa, manda mensagem.
Um momento depois, null largou o celular e esfregou o rosto com as duas mãos. Respirou fundo algumas vezes e então se levantou e se dirigiu ao banheiro para tomar banho e se preparar para o trabalho.
***
null estava prestes a entrar no próprio quarto quando ouviu os gritos.
Não entendeu nada do que null disse, mas era mais do que óbvio que estava com raiva. Levou apenas alguns segundos para perceber que ela também chorava enquanto despejava palavras em quem quer que estivesse do outro lado da linha.
Seu coração se apertou e ele cerrou os punhos, se controlando para não entrar lá e descobrir quem era o responsável por aborrecer sua namorada.
Namorada.
null estava tão feliz até alguns minutos atrás, mas seu bom humor murchou quando ouviu null discutindo no telefone.
Alguns minutos depois, seu tom de voz diminuiu e ele não conseguiu ouvir mais nada. Entrou no quarto e deixou a porta aberta, atento a qualquer movimento, mas não houve nenhum até null sair, pronta para o trabalho.
Quando isso aconteceu, ele estava na sala e já tinha vestido uma camiseta e calçado sapatos, pronto para levá-la para o clube.
— Pronta pra ir? — ele perguntou, assim que a viu aparecer na sala.
— Uhum. Deixa só eu pegar uns docinhos pra levar pras meninas experimentarem — ela disse, indo rapidamente na cozinha. — Ainda bem que eu achei aquela loja, nem acredito.
null estava sorrindo e agindo normalmente, mas era visível a tristeza no olhar dela. Ainda assim, null não fez perguntas. Apenas sorriu de volta e seguiu seu ritmo. Talvez pudessem conversar depois que ela saísse do trabalho. Talvez a dança pudesse fazê-la esquecer um pouquinho o que quer que tivesse acontecido. Ou talvez null devesse dar espaço suficiente para ela tomar iniciativa, caso quisesse contar a ele.
Por mais que isso o deixasse ansioso, ele sabia que era a coisa certa a fazer.
Quando chegaram ao clube, null se virou para ele, se despedindo.
— Quando sair do palco, manda mensagem que eu venho te buscar — null pediu.
— Não precisa... — E então suspirou quando viu o olhar dele. — Eu disse que posso voltar de táxi. Você já fez isso outras vezes, não precisa dormir tarde por minha causa.
— E eu disse que não me importo. Vou continuar dormindo tarde mesmo que não venha, porque não vou conseguir pregar o olho enquanto você não chegar em casa.
— Você é muito teimoso — ela resmungou.
null se inclinou em sua direção, aproximando seus rostos.
— E agora tenho outro motivo pra ser ainda mais teimoso, namorada. — E então roubou um selinho dela, se afastando rapidamente.
null riu e pela primeira vez desde que saiu do quarto, null encontrou um sorriso sincero em seu rosto. Imediatamente fez uma nota mental para fazê-la rir mais.
Cerca de seis horas depois, ele a reencontrou no mesmo local, já a sua espera. A primeira coisa que sentiu quando ela entrou no carro foi o cheiro de sabonete e do perfume dela, indicando que tinha tomado banho antes dele chegar.
— Você terminou cedo hoje — ele comentou. — Foi tudo bem?
— Sim, mas acabei pisando em falso uma hora quando desci do palco e virei o pé — ela contou. — Na hora não doeu muito, mas Suzy me dispensou e eu já tinha feito os números importantes, então... — Ela deu de ombros.
null a encarou, incrédulo.
— E você me diz isso agora?
— Foi há uns trinta minutos. Porque eu ia falar por mensagem se já ia te encontrar?
Ela tinha razão. Mesmo assim, ele retrucou:
— Sei lá, eu podia ter passado numa farmácia pra comprar algum remédio.
— A gente passa agora então. Não acho que seja sério.
— Você tem que prestar mais atenção, null, podia ter acontecido coisa pior — ele resmungou. null riu, divertida, e ele olhou feio para ela. — Do que você tá rindo agora?
— De você, tentando arrumar briga.
— Não tô tentando arrumar briga!
— Até porque se tivesse, não ia conseguir. — Ela riu novamente. — Eu já esgotei minhas energias hoje.
null respirou fundo.
— Aconteceu alguma coisa? — Foi tudo o que ele perguntou.
null ficou em silêncio e poucos segundos depois, ele estacionou o carro em frente a uma farmácia e se virou para ela. Estava de cabeça baixa, encarando as próprias mãos. null soltou o cinto, respirou fundo algumas vezes e quando finalmente o encarou, seus olhos estavam quase transbordando de lágrimas.
No mesmo instante, ele se inclinou para envolvê-la em um abraço e foi quando ela começou a soluçar. Ele não fez perguntas nem lhe encheu de palavras suaves, pois pareceriam vazias quando ele nem sabia do que se tratava o problema. Então apenas a segurou em silêncio e a deixou chorar até se acalmar.
Cerca de dez minutos depois, null se afastou e secou o rosto. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, e ela ainda soluçava um pouco.
— Vou comprar os remédios e já volto, tá bom? — ele anunciou, querendo dar uma oportunidade para ela ficar sozinha.
Alguns minutos depois, voltou com uma sacola de analgésicos, anti-inflamatórios e um pote de sorvete de morango e creme que sabia que ela gostava.
— Por que você comprou isso? — Ela encarou o pote sorvete.
— Sei lá, pareceu um bom momento. A null sempre come besteira quando tá chateada com alguma coisa, então achei que pudesse ajudar. É aquele que você gosta.
null assentiu e os dois seguiram para casa. No estacionamento, ele deu a volta no carro para ajudá-la a descer, caso precisasse, e que bom que o fez, porque null mal conseguia dar um passo direito.
— Tem certeza de que não é nada sério?
— Eu torci o pé, só isso. Mas ia caindo quando aconteceu. Só não dei de cara no chão porque o Jesse me segurou.
null pressionou os lábios em uma linha fina quando ouviu o nome. Não queria sentir ciúmes, mas não conseguia evitar. Então apenas ignorou seu comentário e sem avisar, a ergueu nos braços.
— Vamos fazer assim pra facilitar o processo. Quando a gente chegar em casa, vamos ver esse pé.
null assentiu e se segurou firmemente nele, grata pela ajuda. A verdade era que seu pé direito estava latejando e ela mal conseguia colocá-lo no chão, mas aguentar algumas coisas calada era algo que sabia fazer muito bem.
No entanto, quando null a colocou na cama, alguns minutos depois, e tentou tirar o tênis de seu pé, null não conseguiu conter um gemido de dor.
— Ai, espera. Deixa eu tentar empurrar com o outro pé — ela pediu e então usou o pé esquerdo para fixar o tênis no chão e lentamente puxou o que estava machucado. Soltou um suspiro de alívio, mas quando null tirou a meia dele, ela levou um susto.
— Não acredito, null! Olha só esse pé! Você tá brincando comigo? Fingindo que não tá doendo?
null encarou o próprio pé, que àquela altura já tinha duplicado de tamanho, e estremeceu diante da massa roxa e pesada que ele havia se tornado.
Tudo porque estava com a cabeça nas nuvens e não viu o último degrau do palco.
— Eu juro que foi só um entorse. Eu consigo mexer, então não deve ter quebrado.
null suspirou, claramente incomodado.
— Vou buscar água pra você tomar o remédio e uma bolsa de gelo, e então a gente vai pro meu quarto.
— Pro seu quarto? Por quê?
— Quero ficar de olho em você. Mas aqui não rola. Não com esse projeto de Anabelle encarando a gente. — Ele apontou para Benny, que permanecia imóvel com sua expressão simpática e sorridente.
null sentia vontade de sorrir sempre que olhava para ele, pois o achava fofo. Infelizmente, null não compartilhava do mesmo sentimento.
— Desculpa, Benny. Prometo que venho dormir com você amanhã — null disse ao duende, assim que o namorado saiu. — Acho que null já vai ter parado de surtar até lá.
Um momento depois, null voltou e a levou para o próprio quarto depois de ajudá-la a vestir um pijama. Fez uma compressa gelada durante alguns minutos e então colocou um pouco de spray analgésico no pé inchado e arroxeado.
— Como você não viu aquele degrau, hein? Tava muito escuro?
— Não, acho que só não prestei atenção mesmo — ela respondeu e ele assentiu em silêncio. — Você não vai perguntar por quê?
null se arrastou na cama até ficar sentado ao lado dela e a encarou.
— Não. Vou deixar que você me diga quando achar melhor.
— Você ouviu alguma coisa?
— Eu te ouvi gritando no telefone, mas não faço ideia do que você falou — ele disse. — Não é da minha conta, então não precisa me contar se não quiser.
null fechou os olhos e suspirou por um momento.
— Mas eu quero. — Ela os abriu, encontrando os azuis dele. — Eu tava falando com a Maia quando gritei...
E então ela contou.
null franziu o cenho, confusa.
Sobre Maia? Será que tinha acontecido alguma coisa?
No mesmo instante, se dirigiu para o quarto, enquanto ouvia o barulho de passos da avó caminhando dentro de casa.
— Ela tá na linha — avisou.
— null? É Clarissa. Preciso falar com você sobre a Maia porque acho que ela não te atualizou de umas coisinhas.
— Oi, tia. Pode falar — null murmurou, levemente apreensiva.
— Então... Eu fiquei sabendo de uma história e pedi pro Roberto se informar pra mim já que ele trabalha na faculdade que ela estuda.
— Tem algum problema com a faculdade, tia? A Maia tá tirando nota baixa?
— Antes fosse, meu bem. Ela nem frequentando tava. Simplesmente parou de ir, trancou a faculdade e não contou pra sua avó.
— o Quê? Como assim? — Ela perguntou, alarmada. — Quando foi isso, tia?
— Pelo que Roberto disse, ela trancou o curso em fevereiro. E vive viajando pra capital quase todo fim de semana pra casa de uma amiga que só Deus sabe quem é. Como você não tem rede social e ela mal fala com você, imaginei que não tava sabendo ainda. Ela tá só torrando o dinheiro que você manda. A gente descobriu essa semana.
null absorveu cada palavra sentindo um nó se formando no peito. Quer dizer que todo o dinheiro que ela enviava para a irmã estava sendo gasto à toa? Todo o dinheiro que ela tinha ralado para conseguir? Oito meses de esforço sendo jogado fora para ajudar a irmã a realizar o suposto sonho de ser psicóloga quando ela havia deixado de lado a própria faculdade para fazer isso?
A tia continuou a dar detalhes no telefone e null respirou fundo enquanto sentia os olhos arderem e o sangue ferver de raiva.
Ela ouviu tudo em silêncio, fazendo poucas perguntas e quando tudo acabou, tudo o que quis saber foi:
— A Maia tá aí, tia?
— Ah, tá sim. — Clarissa riu, sem humor. — Bem aqui, de cara feia na minha frente, enquanto escuta eu falar tudo.
— Ótimo. Passa o telefone pra ela, por favor.
Um segundo depois, null ouviu a voz mal-humorada da irmã.
— Oi.
— Oi? É só isso que você tem pra me dizer?
— Você já sabe de tudo, o que quer que eu diga? — ela respondeu, de má vontade.
null respirou fundo, irritada.
— Ah, então quer dizer que você admite a merda que fez? Gastou todo o dinheiro que eu ralei pra poder ganhar e enviar pra você?!
— Como se você tivesse feito muita coisa. Herdeira de um ricaço que toda vida te mimou.
— Quem me dera, Maia! Bem que eu queria ter todo esse privilégio que você acha que eu tenho — null disse, aumentando o tom de voz inconscientemente. — Mas sabe o que aconteceu depois que meu pai morreu e eu não contei pra ninguém? Fui expulsa do meu próprio quarto e forçada a pagar aluguel pra viver na merda de uma despensa que só cabia a minha cama! Perdi meu plano de saúde e arranjei mais dois empregos pra conseguir me manter e enviar dinheiro pra você poder ficar sossegada pra só estudar! — Ela despejou de uma vez, mal parando para respirar. — Trabalhei de domingo a domingo, negligenciando minha saúde e economizando horrores pra ter o mínimo de segurança porque eu tive medo do meu coração falhar que nem aconteceu com meu pai! Então não venha me falar de porra de privilégio nenhum, porque mesmo se eu tivesse, isso ainda não te dava direito pra gastar o meu dinheiro à toa que nem a porra de uma vagabunda!
— null, calma... — Maia murmurou, nervosa, provavelmente surpresa por sua súbita explosão.
null era sempre a irmã gentil, calma, compreensiva; mas tudo tinha limite. E ela estava farta de toda aquela ingratidão e descaso com todo o esforço que fazia.
Àquela altura, as lágrimas já corriam livremente por seu rosto e sua respiração estava pesada enquanto ela as enxugava, tentando se recompor. Dinheiro sempre foi um assunto delicado para ela e saber que sua irmã só estava desperdiçando partia seu coração.
— Eu não vou mais mandar dinheiro pra você, Maia — ela anunciou calmamente. — Se quiser dinheiro pra gastar, trabalhe por isso.
— Não, null... Por favor, você não pode fazer isso. Eu prometo que vou voltar pra faculdade e melhorar.
— Não só posso, como vou — null retrucou, firme. — Você tem um teto pra morar, comida e roupas. E vou proibir vovó de dar qualquer coisa a você.
— null, não... — ela choramingou. — Você não pode me abandonar...
— Você é maior de idade, Maia. Eu não tô te abandonando, só não tenho obrigação nenhuma de te sustentar. Então trabalhe e ganhe seu próprio dinheiro. Talvez assim você aprenda a dar valor ao esforço dos outros.
— null!
— Passa o telefone pra tia Clarissa — null demandou, ignorando qualquer outra reclamação. Um instante depois, a tia atendeu. — Oi, tia, você ouviu a conversa?
— Não, ela tava sozinha no quarto. Tá tudo bem, null?
— Sim... — Ela suspirou, se sentindo subitamente cansada. — É o seguinte, tia...
Rapidamente, null contou sobre a conversa e deixou claro que enviaria uma quantia para a conta da avó, sabendo que Clarissa era quem cuidava de seu dinheiro. Não seria nada como o que mandava para Maia, mas um valor suficiente para a avó não ter que se preocupar com as contas de casa, nem comida. E queria garantir que a irmã não tocasse nesse dinheiro.
— Pode deixar, meu bem. Eu mesma garanto que vou com sua avó fazer as compras — ela garantiu. — Sinto muito pelo que aconteceu, null. Tem certeza que tá tudo bem agora?
— Obrigada, tia. E sim, não se preocupe. Vou desligar agora, tenho que ir trabalhar. Qualquer coisa, manda mensagem.
Um momento depois, null largou o celular e esfregou o rosto com as duas mãos. Respirou fundo algumas vezes e então se levantou e se dirigiu ao banheiro para tomar banho e se preparar para o trabalho.
null estava prestes a entrar no próprio quarto quando ouviu os gritos.
Não entendeu nada do que null disse, mas era mais do que óbvio que estava com raiva. Levou apenas alguns segundos para perceber que ela também chorava enquanto despejava palavras em quem quer que estivesse do outro lado da linha.
Seu coração se apertou e ele cerrou os punhos, se controlando para não entrar lá e descobrir quem era o responsável por aborrecer sua namorada.
Namorada.
null estava tão feliz até alguns minutos atrás, mas seu bom humor murchou quando ouviu null discutindo no telefone.
Alguns minutos depois, seu tom de voz diminuiu e ele não conseguiu ouvir mais nada. Entrou no quarto e deixou a porta aberta, atento a qualquer movimento, mas não houve nenhum até null sair, pronta para o trabalho.
Quando isso aconteceu, ele estava na sala e já tinha vestido uma camiseta e calçado sapatos, pronto para levá-la para o clube.
— Pronta pra ir? — ele perguntou, assim que a viu aparecer na sala.
— Uhum. Deixa só eu pegar uns docinhos pra levar pras meninas experimentarem — ela disse, indo rapidamente na cozinha. — Ainda bem que eu achei aquela loja, nem acredito.
null estava sorrindo e agindo normalmente, mas era visível a tristeza no olhar dela. Ainda assim, null não fez perguntas. Apenas sorriu de volta e seguiu seu ritmo. Talvez pudessem conversar depois que ela saísse do trabalho. Talvez a dança pudesse fazê-la esquecer um pouquinho o que quer que tivesse acontecido. Ou talvez null devesse dar espaço suficiente para ela tomar iniciativa, caso quisesse contar a ele.
Por mais que isso o deixasse ansioso, ele sabia que era a coisa certa a fazer.
Quando chegaram ao clube, null se virou para ele, se despedindo.
— Quando sair do palco, manda mensagem que eu venho te buscar — null pediu.
— Não precisa... — E então suspirou quando viu o olhar dele. — Eu disse que posso voltar de táxi. Você já fez isso outras vezes, não precisa dormir tarde por minha causa.
— E eu disse que não me importo. Vou continuar dormindo tarde mesmo que não venha, porque não vou conseguir pregar o olho enquanto você não chegar em casa.
— Você é muito teimoso — ela resmungou.
null se inclinou em sua direção, aproximando seus rostos.
— E agora tenho outro motivo pra ser ainda mais teimoso, namorada. — E então roubou um selinho dela, se afastando rapidamente.
null riu e pela primeira vez desde que saiu do quarto, null encontrou um sorriso sincero em seu rosto. Imediatamente fez uma nota mental para fazê-la rir mais.
Cerca de seis horas depois, ele a reencontrou no mesmo local, já a sua espera. A primeira coisa que sentiu quando ela entrou no carro foi o cheiro de sabonete e do perfume dela, indicando que tinha tomado banho antes dele chegar.
— Você terminou cedo hoje — ele comentou. — Foi tudo bem?
— Sim, mas acabei pisando em falso uma hora quando desci do palco e virei o pé — ela contou. — Na hora não doeu muito, mas Suzy me dispensou e eu já tinha feito os números importantes, então... — Ela deu de ombros.
null a encarou, incrédulo.
— E você me diz isso agora?
— Foi há uns trinta minutos. Porque eu ia falar por mensagem se já ia te encontrar?
Ela tinha razão. Mesmo assim, ele retrucou:
— Sei lá, eu podia ter passado numa farmácia pra comprar algum remédio.
— A gente passa agora então. Não acho que seja sério.
— Você tem que prestar mais atenção, null, podia ter acontecido coisa pior — ele resmungou. null riu, divertida, e ele olhou feio para ela. — Do que você tá rindo agora?
— De você, tentando arrumar briga.
— Não tô tentando arrumar briga!
— Até porque se tivesse, não ia conseguir. — Ela riu novamente. — Eu já esgotei minhas energias hoje.
null respirou fundo.
— Aconteceu alguma coisa? — Foi tudo o que ele perguntou.
null ficou em silêncio e poucos segundos depois, ele estacionou o carro em frente a uma farmácia e se virou para ela. Estava de cabeça baixa, encarando as próprias mãos. null soltou o cinto, respirou fundo algumas vezes e quando finalmente o encarou, seus olhos estavam quase transbordando de lágrimas.
No mesmo instante, ele se inclinou para envolvê-la em um abraço e foi quando ela começou a soluçar. Ele não fez perguntas nem lhe encheu de palavras suaves, pois pareceriam vazias quando ele nem sabia do que se tratava o problema. Então apenas a segurou em silêncio e a deixou chorar até se acalmar.
Cerca de dez minutos depois, null se afastou e secou o rosto. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, e ela ainda soluçava um pouco.
— Vou comprar os remédios e já volto, tá bom? — ele anunciou, querendo dar uma oportunidade para ela ficar sozinha.
Alguns minutos depois, voltou com uma sacola de analgésicos, anti-inflamatórios e um pote de sorvete de morango e creme que sabia que ela gostava.
— Por que você comprou isso? — Ela encarou o pote sorvete.
— Sei lá, pareceu um bom momento. A null sempre come besteira quando tá chateada com alguma coisa, então achei que pudesse ajudar. É aquele que você gosta.
null assentiu e os dois seguiram para casa. No estacionamento, ele deu a volta no carro para ajudá-la a descer, caso precisasse, e que bom que o fez, porque null mal conseguia dar um passo direito.
— Tem certeza de que não é nada sério?
— Eu torci o pé, só isso. Mas ia caindo quando aconteceu. Só não dei de cara no chão porque o Jesse me segurou.
null pressionou os lábios em uma linha fina quando ouviu o nome. Não queria sentir ciúmes, mas não conseguia evitar. Então apenas ignorou seu comentário e sem avisar, a ergueu nos braços.
— Vamos fazer assim pra facilitar o processo. Quando a gente chegar em casa, vamos ver esse pé.
null assentiu e se segurou firmemente nele, grata pela ajuda. A verdade era que seu pé direito estava latejando e ela mal conseguia colocá-lo no chão, mas aguentar algumas coisas calada era algo que sabia fazer muito bem.
No entanto, quando null a colocou na cama, alguns minutos depois, e tentou tirar o tênis de seu pé, null não conseguiu conter um gemido de dor.
— Ai, espera. Deixa eu tentar empurrar com o outro pé — ela pediu e então usou o pé esquerdo para fixar o tênis no chão e lentamente puxou o que estava machucado. Soltou um suspiro de alívio, mas quando null tirou a meia dele, ela levou um susto.
— Não acredito, null! Olha só esse pé! Você tá brincando comigo? Fingindo que não tá doendo?
null encarou o próprio pé, que àquela altura já tinha duplicado de tamanho, e estremeceu diante da massa roxa e pesada que ele havia se tornado.
Tudo porque estava com a cabeça nas nuvens e não viu o último degrau do palco.
— Eu juro que foi só um entorse. Eu consigo mexer, então não deve ter quebrado.
null suspirou, claramente incomodado.
— Vou buscar água pra você tomar o remédio e uma bolsa de gelo, e então a gente vai pro meu quarto.
— Pro seu quarto? Por quê?
— Quero ficar de olho em você. Mas aqui não rola. Não com esse projeto de Anabelle encarando a gente. — Ele apontou para Benny, que permanecia imóvel com sua expressão simpática e sorridente.
null sentia vontade de sorrir sempre que olhava para ele, pois o achava fofo. Infelizmente, null não compartilhava do mesmo sentimento.
— Desculpa, Benny. Prometo que venho dormir com você amanhã — null disse ao duende, assim que o namorado saiu. — Acho que null já vai ter parado de surtar até lá.
Um momento depois, null voltou e a levou para o próprio quarto depois de ajudá-la a vestir um pijama. Fez uma compressa gelada durante alguns minutos e então colocou um pouco de spray analgésico no pé inchado e arroxeado.
— Como você não viu aquele degrau, hein? Tava muito escuro?
— Não, acho que só não prestei atenção mesmo — ela respondeu e ele assentiu em silêncio. — Você não vai perguntar por quê?
null se arrastou na cama até ficar sentado ao lado dela e a encarou.
— Não. Vou deixar que você me diga quando achar melhor.
— Você ouviu alguma coisa?
— Eu te ouvi gritando no telefone, mas não faço ideia do que você falou — ele disse. — Não é da minha conta, então não precisa me contar se não quiser.
null fechou os olhos e suspirou por um momento.
— Mas eu quero. — Ela os abriu, encontrando os azuis dele. — Eu tava falando com a Maia quando gritei...
E então ela contou.
Capítulo 26
null acordou no meio da noite e descobriu que tinha cochilado por apenas meia hora. Por mais que seu corpo estivesse cansado, sua mente ainda estava cheia de pensamentos que ele não queria.
Virando para o lado, ele apoiou uma mão embaixo do rosto e encarou a mulher adormecida ao seu lado. Ela tinha caído no sono bem antes dele, mas seu rosto ainda estava inchado devido ao choro que não conseguiu segurar quando contou o que tinha acontecido.
null havia trabalhado em três empregos, negligenciado a própria saúde, além de abrir mão da própria faculdade para pagar a da irmã que há meses não a frequentava; Maia estava apenas gastando o dinheiro que recebia.
Honestamente, null a achava uma folgada. Ele nem a conhecia, mas o pouco que sabia não deixava dúvidas quanto a sua opinião de que ela era como um parasita se aproveitando da boa vontade da irmã.
null mencionou que sua família nem mesmo sabia das dificuldades que ela vinha enfrentando no último ano, mas mesmo assim, nada justificava as ações da irmã mimada que adorava se fazer de vítima. A cada palavra que ela contava e a cada lágrima que derramava, ele sentia mais vontade de poder dizer poucas e boas para aquela garota mesquinha.
Se havia algo que ele prezava muito era o trabalho duro. O esforço para conseguir o que queria. Ele e seus amigos fizeram isso por anos até se estabelecerem na indústria musical e era algo que null tinha passado a vida ouvindo dos pais.
"Se quiser conquistar suas coisas, sejam bens materiais ou não, vai ter que se esforçar pra isso."
Obviamente, algumas pessoas se esforçavam mais que outras porque a vida era assim. Algumas tinham a oportunidade de seguir por um caminho mais fácil e ter o que queriam e tudo bem. Mas aquelas que não moviam um dedo para fazer isso acontecer e só se apoiavam em outra pessoa... Ah, essas realmente o irritavam.
E quando null ouviu null falar que não enviaria mais nenhum dinheiro para a irmã e a mandou trabalhar, não sentiu nada além de orgulho e uma satisfação cruel.
Por ele, Maia podia se explodir.
Depois de tudo, qualquer sentimento de empatia que tivesse para com a garota seria pura falsidade, e ele não era do tipo que fingia simpatia pelas pessoas que desprezava, embora não houvesse muitas.
Na verdade, a lista era bem pequena e nela estavam: Jonathan null, pai de criação de null, que o havia rejeitado ainda criança e provocado traumas em seu melhor amigo; Peter, o ex-namorado nojento de null, que havia roubado um livro que ela escreveu e ainda ameaçou revelar sua identidade caso ela não abrisse mão do conteúdo; Hannah Smith, sua ex-ficante, por motivos óbvios; A família postiça de null, também por motivos óbvios, e agora Maia.
null se considerava um cara bem paciente. Ele sabia que era gentil e que a maioria das pessoas o considerava até bonzinho por causa disso. Ele raramente se incomodava por causa de alguém e frequentemente era indiferente, então as pessoas precisavam ser realmente escrotas a ponto de entrar naquela lista.
Saber que null tinha tomado coragem para impor um limite na irmã o fazia admirá-la ainda mais.
Bem feito pra você, Maia.
Em nenhum momento enquanto ela contava, null tentou amenizar a situação, falar que as coisas iriam se resolver. Ele já tinha testemunhado brigas familiares e sabia que não era bem assim que funcionava. Às vezes, a distância tornava certos tipos de relacionamentos mais saudáveis e era isso que ele esperava que acontecesse com null e a irmã.
Todo o consolo que ele ofereceu foi apenas direcionado a ela.
— Você tem razão e fez a coisa certa — havia dito mais cedo. — Não vou dizer que simpatizo com a sua irmã, null, porque, sendo honesto, eu tenho uma opinião bem ruim sobre ela e acho que não deve ser surpresa pra você. Pra mim, a Maia tá na mesma laia que a sua família postiça idiota e não merece o mínimo de afeto nem ajuda vinda de você.
— Eu sei. — null assentiu. — Me senti culpada por ter deixado o país e queria ajudar ela, mas... Ela sempre me ignorou e sempre que falava comigo era como se estivesse sendo obrigada a fazer uma tarefa que não queria.
— Sua irmã é adulta. E como você mesma disse, não é sua obrigação sustentar ela. Você tem que focar mais em si mesma, porque aparentemente ninguém mais tá fazendo isso por você.
— Só você — ela respondeu baixinho. — Você foi com uma luz brilhando de repente no meio de um corredor escuro. Um que eu achava que nunca teria fim. Todos os dias eu levantava da cama rezando pra conseguir trabalhar direito e não sentir nada grave. Era tão cansativo que eu não sabia até quando ia aguentar, e quando parei de trabalhar tanto, eu nem sabia o que fazer do meu tempo.
null a aconchegou em um abraço.
— Agora você tem tempo pra se cuidar, pra ter lazer e descansar quando precisa — ele murmurou, a apertando contra si. — Saber que pude ajudar com algo é reconfortante. Mesmo que a gente não tivesse esse contrato e mesmo que você não fosse minha namorada de verdade agora, eu ainda daria um jeito de fazer isso, nem que falasse com sua chefe da agência pra te reivindicar como governanta ou algo assim, e ir no clube só pra te dar umas gorjetas bem gordas quando você dançasse pra mim.
null riu baixinho, um par de lágrimas caindo de seus olhos.
— Parece interessante, mas que bom que seguimos por outro caminho, porque ia ser muito difícil não gostar de você.
— Você quer dizer se apaixonar por mim? — ele brincou. — Eu sei que sou mesmo irresistível.
— Justo. Deve ser muito difícil ser tão bonito, né? — null perguntou, irônica.
— É sim. Mas que culpa eu tenho se meus pais me fizeram assim? Tsc, tsc. Mas, dessa vez, pelo menos parece que acertei na escolha de me envolver com você, considerando meu péssimo histórico. Eu não esperava me sentir como me sinto com você.
— É? E o que te fez mudar de ideia?
— Hm, acho que foi o selo de aprovação null null. — Ele a encarou, os olhos brilhando de diversão. — Se null aprova, então eu confio na intuição dela. E foi ela que me deu o empurrão hoje pra te pedir em namoro. Se não fosse isso, eu nem sabia o que teria feito.
— Por quê?
— Por causa daquelas coisas que te disse. Fiquei com medo de você ter se entregado por gratidão, por achar que teria que fazer isso comigo ou, na pior das hipóteses, porque você queria me usar pra juntar o útil ao agradável. Não seria a primeira vez, sabe? Só que das outras vezes, eu não tinha sentimentos pelas outras mulheres, nem uma atração incontrolável.
— Você ficou magoado? Quando descobriu que era pra isso que te queriam?
— Acho que eu meio que já sabia, então não. — Ele deu de ombros. — Mas se você fizesse isso, partiria meu coração. Porque eu realmente, realmente gosto de você, null. — Ele a tocou no rosto com uma mão. — E acho que vinha negando isso pra mim mesmo porque pensei que você não sentia o mesmo.
null colocou uma mão sobre a dele e sorriu.
— Que bom que você admitiu então. Porque na minha cabeça, você nunca se envolveria com alguém como eu.
— Alguém linda, talentosa, gentil e que me deixa maluquinho? — Ele apertou mais o abraço, fazendo gemer baixinho. — O que é isso? Eu podia jurar que você sabia que eu tava de quatro por você.
Em resposta, ela riu e, alguns minutos depois, os dois se deitaram e ficaram em silêncio até adormecer. Ainda assim, por mais que o clima tivesse melhorado um pouco e aliviado a tensão dela, null havia acordado com a cabeça cheia, sozinho com os próprios pensamentos.
Talvez porque sabia que não podia fazer nada além de dar apoio emocional a ela. Ser o pilar de segurança que sabia que null precisava, para que tivesse confiança nas próprias decisões.
null sempre teve os pais e os amigos ao seu redor e não fazia ideia de como devia ser difícil ter apenas a si mesmo para se apoiar. Ele nem conseguia imaginar como teria sido se fosse ele sozinho para Chicago, sem conhecer ninguém, sem ter tempo para nada.
Sempre havia sido ele e null contra o mundo, e depois null e null haviam se juntado aos dois. Tudo parecia mais leve quando se tinha alguém com quem dividir preocupações, inseguranças e até mesmo bons momentos.
E ele queria ser essa pessoa para null. Queria que ela fizesse mais amigos, que saísse para se divertir e conquistasse tudo aquilo que queria porque sabia como era gratificante no fim.
Com esse pensamento em mente, null fechou os olhos e se permitiu relaxar mais uma vez até ser tomado pela inconsciência.
***
Assim que null acordou, perto das dez da manhã, as primeiras palavras que ouviu de null foram:
— Bom dia, vou te levar pro hospital.
Ele já tinha levantado, se vestido e feito café da manhã. null encontrou iogurte grego com frutas e castanhas, suco e duas torradas amanteigadas com ovos mexidos esperando por ela.
Ela nem teve como discutir com null sobre o pé e nem achava que adiantaria. Depois de tudo, ele ainda estava inchado e dolorido, e ela mal conseguia tirá-lo do chão quando andava.
Pouco mais de uma hora e meia depois, null ouviu um médico lhe dar uma notícia boa e outra ruim. A boa era que não havia quebrado nenhum osso; a ruim, é que ela havia machucado músculos e tendões e a dor permaneceria por alguns dias, talvez semanas.
E para ajudar com isso, ele recomendou analgésicos, uso de uma bota ortopédica e pelo menos duas semanas de repouso de movimentos bruscos.
— Não acredito que não vou poder dançar — null comentou baixinho, realmente chateada, assim que saíram do consultório.
— São só duas semanas. Logo você vai melhorar.
— E os exercícios que eu tenho que fazer? Vai atrapalhar o tratamento e tudo isso porque fui idiota e me distraí...
— Você tava de cabeça cheia. Podia acontecer com qualquer um. Você pode aproveitar esses dias pra relaxar e fingir que tá de férias, que tal?
— Não pense que vou deixar a faxina de lado — ela disse, de repente. — Ele disse sem movimentos bruscos.
null respirou fundo.
— null...
— Você só me chama assim quando tá bravo ou muito sério — ela comentou, levemente divertida. — Não vou ceder dessa vez, null, lide com isso — acrescentou, fazendo-o revirar os olhos de frustração.
— Por que você tem que ser tão teimosa? — ele reclamou baixinho. Querendo ou não, havia pessoas ao redor.
— Não tô sendo teimosa, você que quer me tratar como se eu fosse uma boneca de porcelana.
— E você pode me culpar? O que posso fazer se gosto de mimar você?
— Você... Aff! — Ela desviou o olhar, sem conseguir discutir.
null abriu um sorriso e se inclinou para beijá-la no rosto.
— Você adora, né? Pode admitir.
Felizmente, null foi poupada disso quando uma enfermeira a levou até uma salinha para imobilizar o tornozelo. A bota utilizada era curta e ia até o meio da perna. Felizmente, não era necessário nada além dela, mas enquanto a enfermeira ensinava como utilizá-la, também reforçou as recomendações do médico quanto ao uso dos medicamentos para dor.
Além disso, null ganhou um par de muletas, apenas para o caso de precisar. Quando saíram do hospital, null a levou a um restaurante onde eles almoçaram juntos e depois voltaram para casa. Àquela altura, ela já havia avisado às chefes que não poderia trabalhar nas próximas duas semanas, além de se desculpar com as duas pela falta repentina.
No quarto e sem nada para fazer, null se virou na cama e encarou Benny em seu cantinho rodeado de cristais, que agora tinha uma maçã e um copo de água em sua frente.
— Tá vendo, Benny? Isso que dá deixar problemas pessoais te afetarem no trabalho. Fiz a apresentação toda e quando fui sair, minha cabeça já tava focada na briga de novo. Me sinto idiota porque agora todo mundo vai ter que se reorganizar por minha causa. Tanto no clube quanto no café. — Ela suspirou. — Espero que meu pé fique bom logo.
O olhar de null percorreu o quarto aleatoriamente, até que ela se virou, decidindo dormir um pouco. null havia saído de novo há alguns minutos, após receber uma ligação importante, então null decidiu que dormir seria a melhor opção para passar o tempo. Felizmente, depois de uma noite inteira acordada, levou apenas alguns minutos até ela adormecer profundamente.
Um andar acima, no apartamento de Hero, null se reuniu com o amigo e Logan, o detetive que tinha contratado para investigar sobre a família do pai de null. Depois de algumas semanas, ele tinha algumas novidades. E uma delas confirmava exatamente uma de suas suspeitas.
— Ao que tudo indica, o testamento do pai dela foi substituído por um falso — Logan declarou. — Conversei com Anthony Sharpe, o CEO da empresa do Sr. null, e falei que sou primo de null e que ela me pediu para falar com ele.
— E o que ele disse? — null perguntou.
— Ele disse que viu o testamento e que tem uma cópia autenticada no cofre. A família não sabe disso. Mas como tudo parecia normal até então, ele supôs que null estava bem — ele contou. — Quando falei sobre o que ela vinha passando, ele ficou surpreso e disse que não havia nenhuma possibilidade de Peter não incluir a única filha biológica no testamento. Ele mesmo sugeriu denunciar para a polícia e se ofereceu para testemunhar e revelar a cópia que tem guardada.
— Mas só dá pra denunciar se a null quiser, já que ela é a vítima — Hero deduziu. Logan assentiu, confirmando e ele se virou para null. — Você tem que contar pra ela logo. Ela precisa fazer essa denúncia.
— Pelo que Tony disse, null é a herdeira principal, embora os outros integrantes da família e alguns funcionários mais antigos também estivessem presentes no testamento. Ele achava que a herança havia sido dividida conforme deveria.
— Se null, sendo filha, não viu um centavo dessa herança, duvido muito que esses funcionários tenham recebido algo — null comentou.
Logan concordou com a cabeça e então continuou a contar sobre o que mais havia descoberto. null não ficou exatamente surpreso quando descobriu que era pior do que ele pensava, mas envolvia mais pessoas do que tinha imaginado. Tinha que dar um jeito de contar tudo a ela o quanto antes. De preferência, ainda naquela semana.
Só esperava que null não ficasse brava por ter agido por conta própria sem falar nada para ela.
Com sorte, ela entenderia. E então iria atrás daquilo que era seu por direito.
Virando para o lado, ele apoiou uma mão embaixo do rosto e encarou a mulher adormecida ao seu lado. Ela tinha caído no sono bem antes dele, mas seu rosto ainda estava inchado devido ao choro que não conseguiu segurar quando contou o que tinha acontecido.
null havia trabalhado em três empregos, negligenciado a própria saúde, além de abrir mão da própria faculdade para pagar a da irmã que há meses não a frequentava; Maia estava apenas gastando o dinheiro que recebia.
Honestamente, null a achava uma folgada. Ele nem a conhecia, mas o pouco que sabia não deixava dúvidas quanto a sua opinião de que ela era como um parasita se aproveitando da boa vontade da irmã.
null mencionou que sua família nem mesmo sabia das dificuldades que ela vinha enfrentando no último ano, mas mesmo assim, nada justificava as ações da irmã mimada que adorava se fazer de vítima. A cada palavra que ela contava e a cada lágrima que derramava, ele sentia mais vontade de poder dizer poucas e boas para aquela garota mesquinha.
Se havia algo que ele prezava muito era o trabalho duro. O esforço para conseguir o que queria. Ele e seus amigos fizeram isso por anos até se estabelecerem na indústria musical e era algo que null tinha passado a vida ouvindo dos pais.
"Se quiser conquistar suas coisas, sejam bens materiais ou não, vai ter que se esforçar pra isso."
Obviamente, algumas pessoas se esforçavam mais que outras porque a vida era assim. Algumas tinham a oportunidade de seguir por um caminho mais fácil e ter o que queriam e tudo bem. Mas aquelas que não moviam um dedo para fazer isso acontecer e só se apoiavam em outra pessoa... Ah, essas realmente o irritavam.
E quando null ouviu null falar que não enviaria mais nenhum dinheiro para a irmã e a mandou trabalhar, não sentiu nada além de orgulho e uma satisfação cruel.
Por ele, Maia podia se explodir.
Depois de tudo, qualquer sentimento de empatia que tivesse para com a garota seria pura falsidade, e ele não era do tipo que fingia simpatia pelas pessoas que desprezava, embora não houvesse muitas.
Na verdade, a lista era bem pequena e nela estavam: Jonathan null, pai de criação de null, que o havia rejeitado ainda criança e provocado traumas em seu melhor amigo; Peter, o ex-namorado nojento de null, que havia roubado um livro que ela escreveu e ainda ameaçou revelar sua identidade caso ela não abrisse mão do conteúdo; Hannah Smith, sua ex-ficante, por motivos óbvios; A família postiça de null, também por motivos óbvios, e agora Maia.
null se considerava um cara bem paciente. Ele sabia que era gentil e que a maioria das pessoas o considerava até bonzinho por causa disso. Ele raramente se incomodava por causa de alguém e frequentemente era indiferente, então as pessoas precisavam ser realmente escrotas a ponto de entrar naquela lista.
Saber que null tinha tomado coragem para impor um limite na irmã o fazia admirá-la ainda mais.
Bem feito pra você, Maia.
Em nenhum momento enquanto ela contava, null tentou amenizar a situação, falar que as coisas iriam se resolver. Ele já tinha testemunhado brigas familiares e sabia que não era bem assim que funcionava. Às vezes, a distância tornava certos tipos de relacionamentos mais saudáveis e era isso que ele esperava que acontecesse com null e a irmã.
Todo o consolo que ele ofereceu foi apenas direcionado a ela.
— Você tem razão e fez a coisa certa — havia dito mais cedo. — Não vou dizer que simpatizo com a sua irmã, null, porque, sendo honesto, eu tenho uma opinião bem ruim sobre ela e acho que não deve ser surpresa pra você. Pra mim, a Maia tá na mesma laia que a sua família postiça idiota e não merece o mínimo de afeto nem ajuda vinda de você.
— Eu sei. — null assentiu. — Me senti culpada por ter deixado o país e queria ajudar ela, mas... Ela sempre me ignorou e sempre que falava comigo era como se estivesse sendo obrigada a fazer uma tarefa que não queria.
— Sua irmã é adulta. E como você mesma disse, não é sua obrigação sustentar ela. Você tem que focar mais em si mesma, porque aparentemente ninguém mais tá fazendo isso por você.
— Só você — ela respondeu baixinho. — Você foi com uma luz brilhando de repente no meio de um corredor escuro. Um que eu achava que nunca teria fim. Todos os dias eu levantava da cama rezando pra conseguir trabalhar direito e não sentir nada grave. Era tão cansativo que eu não sabia até quando ia aguentar, e quando parei de trabalhar tanto, eu nem sabia o que fazer do meu tempo.
null a aconchegou em um abraço.
— Agora você tem tempo pra se cuidar, pra ter lazer e descansar quando precisa — ele murmurou, a apertando contra si. — Saber que pude ajudar com algo é reconfortante. Mesmo que a gente não tivesse esse contrato e mesmo que você não fosse minha namorada de verdade agora, eu ainda daria um jeito de fazer isso, nem que falasse com sua chefe da agência pra te reivindicar como governanta ou algo assim, e ir no clube só pra te dar umas gorjetas bem gordas quando você dançasse pra mim.
null riu baixinho, um par de lágrimas caindo de seus olhos.
— Parece interessante, mas que bom que seguimos por outro caminho, porque ia ser muito difícil não gostar de você.
— Você quer dizer se apaixonar por mim? — ele brincou. — Eu sei que sou mesmo irresistível.
— Justo. Deve ser muito difícil ser tão bonito, né? — null perguntou, irônica.
— É sim. Mas que culpa eu tenho se meus pais me fizeram assim? Tsc, tsc. Mas, dessa vez, pelo menos parece que acertei na escolha de me envolver com você, considerando meu péssimo histórico. Eu não esperava me sentir como me sinto com você.
— É? E o que te fez mudar de ideia?
— Hm, acho que foi o selo de aprovação null null. — Ele a encarou, os olhos brilhando de diversão. — Se null aprova, então eu confio na intuição dela. E foi ela que me deu o empurrão hoje pra te pedir em namoro. Se não fosse isso, eu nem sabia o que teria feito.
— Por quê?
— Por causa daquelas coisas que te disse. Fiquei com medo de você ter se entregado por gratidão, por achar que teria que fazer isso comigo ou, na pior das hipóteses, porque você queria me usar pra juntar o útil ao agradável. Não seria a primeira vez, sabe? Só que das outras vezes, eu não tinha sentimentos pelas outras mulheres, nem uma atração incontrolável.
— Você ficou magoado? Quando descobriu que era pra isso que te queriam?
— Acho que eu meio que já sabia, então não. — Ele deu de ombros. — Mas se você fizesse isso, partiria meu coração. Porque eu realmente, realmente gosto de você, null. — Ele a tocou no rosto com uma mão. — E acho que vinha negando isso pra mim mesmo porque pensei que você não sentia o mesmo.
null colocou uma mão sobre a dele e sorriu.
— Que bom que você admitiu então. Porque na minha cabeça, você nunca se envolveria com alguém como eu.
— Alguém linda, talentosa, gentil e que me deixa maluquinho? — Ele apertou mais o abraço, fazendo gemer baixinho. — O que é isso? Eu podia jurar que você sabia que eu tava de quatro por você.
Em resposta, ela riu e, alguns minutos depois, os dois se deitaram e ficaram em silêncio até adormecer. Ainda assim, por mais que o clima tivesse melhorado um pouco e aliviado a tensão dela, null havia acordado com a cabeça cheia, sozinho com os próprios pensamentos.
Talvez porque sabia que não podia fazer nada além de dar apoio emocional a ela. Ser o pilar de segurança que sabia que null precisava, para que tivesse confiança nas próprias decisões.
null sempre teve os pais e os amigos ao seu redor e não fazia ideia de como devia ser difícil ter apenas a si mesmo para se apoiar. Ele nem conseguia imaginar como teria sido se fosse ele sozinho para Chicago, sem conhecer ninguém, sem ter tempo para nada.
Sempre havia sido ele e null contra o mundo, e depois null e null haviam se juntado aos dois. Tudo parecia mais leve quando se tinha alguém com quem dividir preocupações, inseguranças e até mesmo bons momentos.
E ele queria ser essa pessoa para null. Queria que ela fizesse mais amigos, que saísse para se divertir e conquistasse tudo aquilo que queria porque sabia como era gratificante no fim.
Com esse pensamento em mente, null fechou os olhos e se permitiu relaxar mais uma vez até ser tomado pela inconsciência.
Assim que null acordou, perto das dez da manhã, as primeiras palavras que ouviu de null foram:
— Bom dia, vou te levar pro hospital.
Ele já tinha levantado, se vestido e feito café da manhã. null encontrou iogurte grego com frutas e castanhas, suco e duas torradas amanteigadas com ovos mexidos esperando por ela.
Ela nem teve como discutir com null sobre o pé e nem achava que adiantaria. Depois de tudo, ele ainda estava inchado e dolorido, e ela mal conseguia tirá-lo do chão quando andava.
Pouco mais de uma hora e meia depois, null ouviu um médico lhe dar uma notícia boa e outra ruim. A boa era que não havia quebrado nenhum osso; a ruim, é que ela havia machucado músculos e tendões e a dor permaneceria por alguns dias, talvez semanas.
E para ajudar com isso, ele recomendou analgésicos, uso de uma bota ortopédica e pelo menos duas semanas de repouso de movimentos bruscos.
— Não acredito que não vou poder dançar — null comentou baixinho, realmente chateada, assim que saíram do consultório.
— São só duas semanas. Logo você vai melhorar.
— E os exercícios que eu tenho que fazer? Vai atrapalhar o tratamento e tudo isso porque fui idiota e me distraí...
— Você tava de cabeça cheia. Podia acontecer com qualquer um. Você pode aproveitar esses dias pra relaxar e fingir que tá de férias, que tal?
— Não pense que vou deixar a faxina de lado — ela disse, de repente. — Ele disse sem movimentos bruscos.
null respirou fundo.
— null...
— Você só me chama assim quando tá bravo ou muito sério — ela comentou, levemente divertida. — Não vou ceder dessa vez, null, lide com isso — acrescentou, fazendo-o revirar os olhos de frustração.
— Por que você tem que ser tão teimosa? — ele reclamou baixinho. Querendo ou não, havia pessoas ao redor.
— Não tô sendo teimosa, você que quer me tratar como se eu fosse uma boneca de porcelana.
— E você pode me culpar? O que posso fazer se gosto de mimar você?
— Você... Aff! — Ela desviou o olhar, sem conseguir discutir.
null abriu um sorriso e se inclinou para beijá-la no rosto.
— Você adora, né? Pode admitir.
Felizmente, null foi poupada disso quando uma enfermeira a levou até uma salinha para imobilizar o tornozelo. A bota utilizada era curta e ia até o meio da perna. Felizmente, não era necessário nada além dela, mas enquanto a enfermeira ensinava como utilizá-la, também reforçou as recomendações do médico quanto ao uso dos medicamentos para dor.
Além disso, null ganhou um par de muletas, apenas para o caso de precisar. Quando saíram do hospital, null a levou a um restaurante onde eles almoçaram juntos e depois voltaram para casa. Àquela altura, ela já havia avisado às chefes que não poderia trabalhar nas próximas duas semanas, além de se desculpar com as duas pela falta repentina.
No quarto e sem nada para fazer, null se virou na cama e encarou Benny em seu cantinho rodeado de cristais, que agora tinha uma maçã e um copo de água em sua frente.
— Tá vendo, Benny? Isso que dá deixar problemas pessoais te afetarem no trabalho. Fiz a apresentação toda e quando fui sair, minha cabeça já tava focada na briga de novo. Me sinto idiota porque agora todo mundo vai ter que se reorganizar por minha causa. Tanto no clube quanto no café. — Ela suspirou. — Espero que meu pé fique bom logo.
O olhar de null percorreu o quarto aleatoriamente, até que ela se virou, decidindo dormir um pouco. null havia saído de novo há alguns minutos, após receber uma ligação importante, então null decidiu que dormir seria a melhor opção para passar o tempo. Felizmente, depois de uma noite inteira acordada, levou apenas alguns minutos até ela adormecer profundamente.
Um andar acima, no apartamento de Hero, null se reuniu com o amigo e Logan, o detetive que tinha contratado para investigar sobre a família do pai de null. Depois de algumas semanas, ele tinha algumas novidades. E uma delas confirmava exatamente uma de suas suspeitas.
— Ao que tudo indica, o testamento do pai dela foi substituído por um falso — Logan declarou. — Conversei com Anthony Sharpe, o CEO da empresa do Sr. null, e falei que sou primo de null e que ela me pediu para falar com ele.
— E o que ele disse? — null perguntou.
— Ele disse que viu o testamento e que tem uma cópia autenticada no cofre. A família não sabe disso. Mas como tudo parecia normal até então, ele supôs que null estava bem — ele contou. — Quando falei sobre o que ela vinha passando, ele ficou surpreso e disse que não havia nenhuma possibilidade de Peter não incluir a única filha biológica no testamento. Ele mesmo sugeriu denunciar para a polícia e se ofereceu para testemunhar e revelar a cópia que tem guardada.
— Mas só dá pra denunciar se a null quiser, já que ela é a vítima — Hero deduziu. Logan assentiu, confirmando e ele se virou para null. — Você tem que contar pra ela logo. Ela precisa fazer essa denúncia.
— Pelo que Tony disse, null é a herdeira principal, embora os outros integrantes da família e alguns funcionários mais antigos também estivessem presentes no testamento. Ele achava que a herança havia sido dividida conforme deveria.
— Se null, sendo filha, não viu um centavo dessa herança, duvido muito que esses funcionários tenham recebido algo — null comentou.
Logan concordou com a cabeça e então continuou a contar sobre o que mais havia descoberto. null não ficou exatamente surpreso quando descobriu que era pior do que ele pensava, mas envolvia mais pessoas do que tinha imaginado. Tinha que dar um jeito de contar tudo a ela o quanto antes. De preferência, ainda naquela semana.
Só esperava que null não ficasse brava por ter agido por conta própria sem falar nada para ela.
Com sorte, ela entenderia. E então iria atrás daquilo que era seu por direito.
Capítulo 27
17 de outubro de 2017, 10:35 - Apartamento de null, Nova York, NY
null estava confiante.
Na cabeça dele, contaria a null o que havia descoberto sobre sua família sanguessuga e golpista, e o próximo passo seria contatar Derick para ajudá-la a abrir um processo contra eles e garantir o que era seu por direito.
No entanto, a realidade se mostrou bem diferente. No dia seguinte à sua descoberta, ao invés de lágrimas de alegria e um abraço apertado, null se deparou com um franzir de cenho e zero sorrisos assim que contou a ela.
— O que disse? — Ela o encarou, sentindo o sangue gelar. Estavam sentados no sofá há menos de dez minutos e ele simplesmente tinha soltado aquela bomba como se não fosse nada. — Você contratou um detetive pelas minhas costas, pra investigar a família do meu pai, e nem pensou que seria bom me perguntar se eu queria?
Foi a vez dele franzir o cenho, confuso.
— null... Você tá brava? Eu não contei antes porque nem sabia se ia encontrar algo.
— Ah, sim. Porque você tem tanto dinheiro que não tinha com o que gastar e resolveu fazer mais uma coisa por mim — ela comentou, cada palavra repleta de ironia.
— Achei que ficaria feliz. Aquelas pessoas te exploraram e te trataram mal. Eu achei estranho você ser a única filha biológica do seu pai e ele te excluir do testamento. Aposto que você achou estranho também.
— Sim, mas você podia ter me dito antes, quando resolveu contratar o detetive, perguntado se eu queria. Eu poderia pagar por isso, sabe? Com o dinheiro que você me paga.
null a encarou, confuso.
— Você tá chateada por isso? Por que queria pagar?
— Não, null. Eu tô chateada porque você tomou a causa pra você, como se eu não pudesse tomar minhas próprias decisões. Eu sou grata a tudo o que você fez por mim, mas isso... Você podia ter me contado. Não é uma coisinha de nada que você pudesse esconder.
— Eu não contei porque não sabia se minha intuição tava certa ou não. E se seu pai tivesse mesmo te excluído? Você ia passar a vida achando que ele tinha te abandonado depois de sempre cuidar de você?
Ela deu de ombros, levando as duas mãos ao rosto para afastar duas lágrimas que ameaçavam cair.
— Eu não quero que você haja assim, como se fosse um cavalheiro numa armadura branca. Você já fez muito. Fez bem mais do que eu podia imaginar, mas isso cruza um limite, null.
— Por quê? Que diferença faz?
Ele realmente não entendia. Por que ela estava brava com aquilo?
— Eu não quero depender de você. Estamos sob contrato e você ainda é meu chefe. Eu aceitei isso em troca de um ano da minha vida sendo sua namorada de mentirinha. Ainda é um trabalho, certo? Por mais que não seja convencional. Mas isso aí não tem nada a ver.
— Você é minha namorada, null. É errado querer seu bem?
— Eu não era sua namorada quando você decidiu isso.
— Mas eu quero cuidar de você. — Ele se aproximou, envolvendo o rosto dela entre as mãos. — Não suporto te ver machucada e vulnerável. null afastou as mãos dele suavemente.
— Não sou um projeto de caridade, null. E odeio ficar no escuro, odeio não saber das coisas — ela rebateu, com mais lágrimas, que ela não ligou em secar, escapando dos olhos. — Não quero ficar dependendo de você pra resolver meus problemas. Você toma a frente de tudo e aposto que nem só comigo, mas o que é que você tá fazendo por si mesmo?
— Eu...
Ele não sabia a resposta daquela pergunta. O que estava fazendo por si mesmo? Bem, talvez não tivesse o que fazer. Nada que estivesse sob o controle dele, pelo menos. null só tinha métodos paliativos. E tinha chegado ao ponto de aprender a conviver com seus problemas sem fazer uma tempestade em um copo d'água. Problemas esses que nem sua família nem seus amigos mais próximos sabiam. Mas as coisas eram do jeito que eram e ele simplesmente as aceitava e tentava lidar com aquilo.
— Eu queria ter essa despreocupação que você tem consigo mesmo, sabe? Eu te invejo por isso. Ser saudável, bem-sucedido e de bem com a vida. Ter uma família que te ama e poder fazer o que quiser, comer e beber o que quiser, e ter energia pra sempre estar com um sorriso no rosto.
Bem, mal sabia ela que aquela energia nem sempre estava lá. Que a maior parte do tempo ele só fingia para não fazer as outras pessoas se preocuparem. Porque seria mais difícil tentar explicar o que estava acontecendo, o que tinha descoberto; e as coisas que nunca conseguiria mudar.
null estava em uma zona cinza antes de conhecer null. Seu eu exterior e o interior eram quase opostos. Mas mal sabia ela que seu mundo tinha ganhado um pouquinho de cor depois de conhecê-la.
— null... — Ele segurou as mãos dela entre as suas, mas ela não o encarou. — Não tive intenção de te magoar nem fazer você se sentir dependente de mim. Pelo contrário, tem uma coisa gigante rolando com a família do seu pai e eu quero que você tenha justiça. Que vá atrás do que é seu, que faça aqueles idiotas pagarem por te passarem a perna e te maltratarem como se você fosse a sujeira embaixo do sapato deles.
null respirou fundo.
— null...
— Vamos fazer assim... Eu deixo você pagar pelos serviços do detetive e prometo não interferir em mais nada referente a você sem o seu consentimento — ele sugeriu. null levantou a cabeça para encará-lo. — Eu quero que você fique forte, saudável e tão despreocupada quanto eu. Quero que você seja bem-sucedida a ponto de fazer o que quiser também. E quero estar ao seu lado pra ver isso acontecer, null.
— Me sinto idiota por ver você fazendo tanto a troco de praticamente nada.
— Nem pensar. Eu tenho você. E não porque agora você é minha namorada de verdade, mas porque... — Ele engoliu em seco de repente. — Antes de você aparecer, eu... Não tava vendo muito propósito em nada. Eu tava cumprindo compromissos, tendo uma rotina saudável e tudo isso, mas... Parecia que não importava o quanto eu tentasse, tudo na minha vida continuava cinza. E nem sempre foi assim, sabe? Eu passei tanto tempo ocupado com o trabalho que quando as coisas se acalmaram um pouco e pude olhar pra mim mesmo, me senti um idiota.
— Por quê? — null o encarou, confusa. — Você é perfeito.
null sorriu, sem humor.
— Pois é, né? Nem eu esperava por isso. — Ele tentou fazer graça, mas então suspirou, de repente parecendo desconfortável. — Mas tem uma coisa que surgiu do nada e ninguém sabe. Nem mesmo null ou minha mãe. Parecia egoísta contar, sabe? Seria como admitir que algo deu errado.
null continuou sem entender.
— O que você quer dizer com isso?
— Não importa. — null balançou a cabeça, com um sorriso triste. — Só quero deixar claro pra você que sinto muito. E quero que saiba que ter você aqui perto de mim torna tudo mais colorido. Você se acha defeituosa por causa das suas limitações, null, mas pra mim você é tão resiliente e cheia de vida que me faz querer buscar o meu melhor só pra ser digno de ficar ao seu lado.
— Do que você tá falando? — ela murmurou, com a voz embargada e deu um soquinho no peito dele. — Você já é perfeito, seu idiota. Não vem com essa pra cima de mim. Não vou mais cair nas suas palavras bonitas.
null riu baixinho e mordeu o lábio inferior, tentando, em vão, conter um sorriso.
— Não sou, mas você não tá preparada pra essa conversa ainda — ele brincou.
null ficou em silêncio por alguns segundos, encarando aquele par de olhos azuis, tão lindos a ponto de irritar, e respirou fundo uma vez.
— Eu vou pagar qualquer mínimo serviço que aquele detetive tenha feito — ela disse, por fim. — Quero cem por cento de transparência, null, e não tô brincando. Se você agir pelas minhas costas como um idiota protetor mais uma vez, eu passo um mês sem falar com você.
null então sorriu abertamente, exibindo as covinhas.
— Quer dizer que estamos bem agora? Você não tá mais brava?
— Errado. Ainda tô brava com você — null respondeu, sem hesitar. — Eu devia fazer você dormir com Benny por uma semana inteirinha por isso.
null fez uma careta.
— Não quero dormir com o boneco satânico, quero dormir com você — ele retrucou, infantil.
— null! Benny não é satânico. O que você pensa que eu sou?
— Uma gostosa inteligente que curte umas coisas esquisitas.
— O quê? — null riu, sem conseguir se conter. — Não vem com essa. Eu já disse que não vou mais cair no seu papinho.
Ele bufou, com falsa irritação.
— Não acredito que faz dois dias que a gente tá namorando e já estamos em crise! Você era bem mais fácil de lidar quando era minha namorada de mentira.
— Bem, antes eu era só sua funcionária. Agora lide com as consequências de me ter de verdade. É pegar ou largar.
— Pegar. — Ele se inclinou para mais perto dela. — Sempre vou escolher pegar.
null o encarou com interesse, um sorriso brincando nos lábios. Mas quando null se aproximou mais para beijá-la, ela colocou a mão na boca dele, ganhando um olhar confuso que a fez rir.
— Como não vou fazer você dormir com Benny, tenho que te dar outro castigo — ela explicou.
— Quê? E o castigo é não tocar em você?
— Exatamente.
— Até quando?
— Até quando eu resolver que você pode.
— Não, cancela. Eu durmo com o projeto de Anabelle e você dorme com a gente, e aí vou poder de tocar.
— Nem pensar, você já ofendeu o Benny. Eu vou dormir com ele e você vai dormir sozinho.
— Nãooo! — null se jogou no encosto do sofá dramaticamente. — Isso tudo porque eu quis cuidar de você?
— Não, isso porque você não me disse nada — ela corrigiu. — Não vou deixar você passar impune só porque foi só uma vez.
— Não posso nem te abraçar? Nadinha?
— Nadinha.
— Isso não é justo, null. — Ele cruzou os braços, em uma expressão emburrada que o fazia parecer uma criança irritada.
Era fofo e null se divertiu ao ver, mas não falou nada a respeito.
— Sou eu quem decido se é justo ou não.
— Não acredito que tomei coragem pra me declarar pra você só pra ser ignorado dois dias depois. Rá! — Ele riu alto, sem humor. — Que piada!
— Lide com isso. — Ela sorriu, sem um pingo de arrependimento.
Então se levantou e usou uma muleta como apoio para sair em direção à cozinha.
— O que você vai fazer?
— O almoço — ela respondeu, de costas para ele. — Eu tenho que fazer limpeza hoje, esqueceu?
— Só você pra querer trabalhar com o pé todo fodido — ele resmungou. — A casa não vai virar uma zona se você passar uma semana sem limpar, null.
— Falou o cara que é obcecado por limpeza...
null se levantou, indo até ela.
— Deixa eu limpar no seu lugar, então. Não vai nem dar trabalho. Eu até gosto de fazer isso porque me relaxa.
— Não.
— Por que não?
— Porque não — ela retrucou. — Não quero. É o meu trabalho.
null colocou as mãos na cintura e suspirou, frustrado.
— Você é muito teimosa, null. Às vezes, acho que você faz de propósito.
— Sim. É bonitinho.
— Ser teimosa?
— Não, te ver irritado. Você é todo grande e musculoso, mas fica parecendo um menininho mimado quando algo não sai como você quer.
Ele bufou, a encarando de cima a baixo.
— E você é tão baixinha que tem que sair subindo em banquinhos pra pegar as coisas no armário.
— Só isso? — null riu. — Não sou tão baixinha assim, sua casa foi feita pra gente alta. E você não sabe nem discutir.
— Ei! Eu sei sim — ele retrucou, mas null ignorou, enquanto colocava alguns ingredientes em cima da bancada.
— Vamos, vou te mostrar como faz arroz de leite com carne seca. E depois você vai se trancar com Hero naquele estúdio pra fazer a magia musical de vocês, e eu vou limpar os apartamentos.
null revirou os olhos, sem fazer questão de esconder a irritação, mas não discutiu mais. Era óbvio que não venceria aquela cabeça dura nem se ele se esforçasse.
Então apenas obedeceu e começou a seguir as instruções à medida que ela foi ditando.
null estava confiante.
Na cabeça dele, contaria a null o que havia descoberto sobre sua família sanguessuga e golpista, e o próximo passo seria contatar Derick para ajudá-la a abrir um processo contra eles e garantir o que era seu por direito.
No entanto, a realidade se mostrou bem diferente. No dia seguinte à sua descoberta, ao invés de lágrimas de alegria e um abraço apertado, null se deparou com um franzir de cenho e zero sorrisos assim que contou a ela.
— O que disse? — Ela o encarou, sentindo o sangue gelar. Estavam sentados no sofá há menos de dez minutos e ele simplesmente tinha soltado aquela bomba como se não fosse nada. — Você contratou um detetive pelas minhas costas, pra investigar a família do meu pai, e nem pensou que seria bom me perguntar se eu queria?
Foi a vez dele franzir o cenho, confuso.
— null... Você tá brava? Eu não contei antes porque nem sabia se ia encontrar algo.
— Ah, sim. Porque você tem tanto dinheiro que não tinha com o que gastar e resolveu fazer mais uma coisa por mim — ela comentou, cada palavra repleta de ironia.
— Achei que ficaria feliz. Aquelas pessoas te exploraram e te trataram mal. Eu achei estranho você ser a única filha biológica do seu pai e ele te excluir do testamento. Aposto que você achou estranho também.
— Sim, mas você podia ter me dito antes, quando resolveu contratar o detetive, perguntado se eu queria. Eu poderia pagar por isso, sabe? Com o dinheiro que você me paga.
null a encarou, confuso.
— Você tá chateada por isso? Por que queria pagar?
— Não, null. Eu tô chateada porque você tomou a causa pra você, como se eu não pudesse tomar minhas próprias decisões. Eu sou grata a tudo o que você fez por mim, mas isso... Você podia ter me contado. Não é uma coisinha de nada que você pudesse esconder.
— Eu não contei porque não sabia se minha intuição tava certa ou não. E se seu pai tivesse mesmo te excluído? Você ia passar a vida achando que ele tinha te abandonado depois de sempre cuidar de você?
Ela deu de ombros, levando as duas mãos ao rosto para afastar duas lágrimas que ameaçavam cair.
— Eu não quero que você haja assim, como se fosse um cavalheiro numa armadura branca. Você já fez muito. Fez bem mais do que eu podia imaginar, mas isso cruza um limite, null.
— Por quê? Que diferença faz?
Ele realmente não entendia. Por que ela estava brava com aquilo?
— Eu não quero depender de você. Estamos sob contrato e você ainda é meu chefe. Eu aceitei isso em troca de um ano da minha vida sendo sua namorada de mentirinha. Ainda é um trabalho, certo? Por mais que não seja convencional. Mas isso aí não tem nada a ver.
— Você é minha namorada, null. É errado querer seu bem?
— Eu não era sua namorada quando você decidiu isso.
— Mas eu quero cuidar de você. — Ele se aproximou, envolvendo o rosto dela entre as mãos. — Não suporto te ver machucada e vulnerável. null afastou as mãos dele suavemente.
— Não sou um projeto de caridade, null. E odeio ficar no escuro, odeio não saber das coisas — ela rebateu, com mais lágrimas, que ela não ligou em secar, escapando dos olhos. — Não quero ficar dependendo de você pra resolver meus problemas. Você toma a frente de tudo e aposto que nem só comigo, mas o que é que você tá fazendo por si mesmo?
— Eu...
Ele não sabia a resposta daquela pergunta. O que estava fazendo por si mesmo? Bem, talvez não tivesse o que fazer. Nada que estivesse sob o controle dele, pelo menos. null só tinha métodos paliativos. E tinha chegado ao ponto de aprender a conviver com seus problemas sem fazer uma tempestade em um copo d'água. Problemas esses que nem sua família nem seus amigos mais próximos sabiam. Mas as coisas eram do jeito que eram e ele simplesmente as aceitava e tentava lidar com aquilo.
— Eu queria ter essa despreocupação que você tem consigo mesmo, sabe? Eu te invejo por isso. Ser saudável, bem-sucedido e de bem com a vida. Ter uma família que te ama e poder fazer o que quiser, comer e beber o que quiser, e ter energia pra sempre estar com um sorriso no rosto.
Bem, mal sabia ela que aquela energia nem sempre estava lá. Que a maior parte do tempo ele só fingia para não fazer as outras pessoas se preocuparem. Porque seria mais difícil tentar explicar o que estava acontecendo, o que tinha descoberto; e as coisas que nunca conseguiria mudar.
null estava em uma zona cinza antes de conhecer null. Seu eu exterior e o interior eram quase opostos. Mas mal sabia ela que seu mundo tinha ganhado um pouquinho de cor depois de conhecê-la.
— null... — Ele segurou as mãos dela entre as suas, mas ela não o encarou. — Não tive intenção de te magoar nem fazer você se sentir dependente de mim. Pelo contrário, tem uma coisa gigante rolando com a família do seu pai e eu quero que você tenha justiça. Que vá atrás do que é seu, que faça aqueles idiotas pagarem por te passarem a perna e te maltratarem como se você fosse a sujeira embaixo do sapato deles.
null respirou fundo.
— null...
— Vamos fazer assim... Eu deixo você pagar pelos serviços do detetive e prometo não interferir em mais nada referente a você sem o seu consentimento — ele sugeriu. null levantou a cabeça para encará-lo. — Eu quero que você fique forte, saudável e tão despreocupada quanto eu. Quero que você seja bem-sucedida a ponto de fazer o que quiser também. E quero estar ao seu lado pra ver isso acontecer, null.
— Me sinto idiota por ver você fazendo tanto a troco de praticamente nada.
— Nem pensar. Eu tenho você. E não porque agora você é minha namorada de verdade, mas porque... — Ele engoliu em seco de repente. — Antes de você aparecer, eu... Não tava vendo muito propósito em nada. Eu tava cumprindo compromissos, tendo uma rotina saudável e tudo isso, mas... Parecia que não importava o quanto eu tentasse, tudo na minha vida continuava cinza. E nem sempre foi assim, sabe? Eu passei tanto tempo ocupado com o trabalho que quando as coisas se acalmaram um pouco e pude olhar pra mim mesmo, me senti um idiota.
— Por quê? — null o encarou, confusa. — Você é perfeito.
null sorriu, sem humor.
— Pois é, né? Nem eu esperava por isso. — Ele tentou fazer graça, mas então suspirou, de repente parecendo desconfortável. — Mas tem uma coisa que surgiu do nada e ninguém sabe. Nem mesmo null ou minha mãe. Parecia egoísta contar, sabe? Seria como admitir que algo deu errado.
null continuou sem entender.
— O que você quer dizer com isso?
— Não importa. — null balançou a cabeça, com um sorriso triste. — Só quero deixar claro pra você que sinto muito. E quero que saiba que ter você aqui perto de mim torna tudo mais colorido. Você se acha defeituosa por causa das suas limitações, null, mas pra mim você é tão resiliente e cheia de vida que me faz querer buscar o meu melhor só pra ser digno de ficar ao seu lado.
— Do que você tá falando? — ela murmurou, com a voz embargada e deu um soquinho no peito dele. — Você já é perfeito, seu idiota. Não vem com essa pra cima de mim. Não vou mais cair nas suas palavras bonitas.
null riu baixinho e mordeu o lábio inferior, tentando, em vão, conter um sorriso.
— Não sou, mas você não tá preparada pra essa conversa ainda — ele brincou.
null ficou em silêncio por alguns segundos, encarando aquele par de olhos azuis, tão lindos a ponto de irritar, e respirou fundo uma vez.
— Eu vou pagar qualquer mínimo serviço que aquele detetive tenha feito — ela disse, por fim. — Quero cem por cento de transparência, null, e não tô brincando. Se você agir pelas minhas costas como um idiota protetor mais uma vez, eu passo um mês sem falar com você.
null então sorriu abertamente, exibindo as covinhas.
— Quer dizer que estamos bem agora? Você não tá mais brava?
— Errado. Ainda tô brava com você — null respondeu, sem hesitar. — Eu devia fazer você dormir com Benny por uma semana inteirinha por isso.
null fez uma careta.
— Não quero dormir com o boneco satânico, quero dormir com você — ele retrucou, infantil.
— null! Benny não é satânico. O que você pensa que eu sou?
— Uma gostosa inteligente que curte umas coisas esquisitas.
— O quê? — null riu, sem conseguir se conter. — Não vem com essa. Eu já disse que não vou mais cair no seu papinho.
Ele bufou, com falsa irritação.
— Não acredito que faz dois dias que a gente tá namorando e já estamos em crise! Você era bem mais fácil de lidar quando era minha namorada de mentira.
— Bem, antes eu era só sua funcionária. Agora lide com as consequências de me ter de verdade. É pegar ou largar.
— Pegar. — Ele se inclinou para mais perto dela. — Sempre vou escolher pegar.
null o encarou com interesse, um sorriso brincando nos lábios. Mas quando null se aproximou mais para beijá-la, ela colocou a mão na boca dele, ganhando um olhar confuso que a fez rir.
— Como não vou fazer você dormir com Benny, tenho que te dar outro castigo — ela explicou.
— Quê? E o castigo é não tocar em você?
— Exatamente.
— Até quando?
— Até quando eu resolver que você pode.
— Não, cancela. Eu durmo com o projeto de Anabelle e você dorme com a gente, e aí vou poder de tocar.
— Nem pensar, você já ofendeu o Benny. Eu vou dormir com ele e você vai dormir sozinho.
— Nãooo! — null se jogou no encosto do sofá dramaticamente. — Isso tudo porque eu quis cuidar de você?
— Não, isso porque você não me disse nada — ela corrigiu. — Não vou deixar você passar impune só porque foi só uma vez.
— Não posso nem te abraçar? Nadinha?
— Nadinha.
— Isso não é justo, null. — Ele cruzou os braços, em uma expressão emburrada que o fazia parecer uma criança irritada.
Era fofo e null se divertiu ao ver, mas não falou nada a respeito.
— Sou eu quem decido se é justo ou não.
— Não acredito que tomei coragem pra me declarar pra você só pra ser ignorado dois dias depois. Rá! — Ele riu alto, sem humor. — Que piada!
— Lide com isso. — Ela sorriu, sem um pingo de arrependimento.
Então se levantou e usou uma muleta como apoio para sair em direção à cozinha.
— O que você vai fazer?
— O almoço — ela respondeu, de costas para ele. — Eu tenho que fazer limpeza hoje, esqueceu?
— Só você pra querer trabalhar com o pé todo fodido — ele resmungou. — A casa não vai virar uma zona se você passar uma semana sem limpar, null.
— Falou o cara que é obcecado por limpeza...
null se levantou, indo até ela.
— Deixa eu limpar no seu lugar, então. Não vai nem dar trabalho. Eu até gosto de fazer isso porque me relaxa.
— Não.
— Por que não?
— Porque não — ela retrucou. — Não quero. É o meu trabalho.
null colocou as mãos na cintura e suspirou, frustrado.
— Você é muito teimosa, null. Às vezes, acho que você faz de propósito.
— Sim. É bonitinho.
— Ser teimosa?
— Não, te ver irritado. Você é todo grande e musculoso, mas fica parecendo um menininho mimado quando algo não sai como você quer.
Ele bufou, a encarando de cima a baixo.
— E você é tão baixinha que tem que sair subindo em banquinhos pra pegar as coisas no armário.
— Só isso? — null riu. — Não sou tão baixinha assim, sua casa foi feita pra gente alta. E você não sabe nem discutir.
— Ei! Eu sei sim — ele retrucou, mas null ignorou, enquanto colocava alguns ingredientes em cima da bancada.
— Vamos, vou te mostrar como faz arroz de leite com carne seca. E depois você vai se trancar com Hero naquele estúdio pra fazer a magia musical de vocês, e eu vou limpar os apartamentos.
null revirou os olhos, sem fazer questão de esconder a irritação, mas não discutiu mais. Era óbvio que não venceria aquela cabeça dura nem se ele se esforçasse.
Então apenas obedeceu e começou a seguir as instruções à medida que ela foi ditando.
Capítulo 28
17 de outubro de 2017, 16:52 - Apartamento de Hero, Nova York, NY - Algumas horas depois
null estava terminando de limpar a última parte da sala de Hero, quando null apareceu ao seu lado com uma tigela de iogurte com castanhas e frutas vermelhas.
— Que tal uma pausa de dez minutos pra comer comigo?
— Só falta essa parte, termino em menos de cinco — null respondeu com um sorriso.
— Tá bem, vou esperar. — E então voltou para a cozinha.
Já fazia mais de uma hora que null estava ali, mas null havia chegado há pouco tempo. null estava com Hero, null e null no estúdio do final do corredor há cerca de três horas, supostamente trabalhando no álbum novo da banda.
null estava louca para perguntar o que viria por aí, mas então se lembrou que nenhum deles sabia de seu novo status de pantera.
Assim que finalizou a limpeza, ela pegou os produtos que tinha usado e foi mancando até a cozinha.
— Deixa que eu guardo isso pra você — null se ofereceu, já tirando os produtos das mãos dela. — Precisa de ajuda pra subir no banquinho?
— Não, tudo bem. Não tô sentindo mais tanta dor agora, com a bota e os medicamentos.
— Imaginei — ela disse, tirando as duas tigelas de iogurte da geladeira para comerem. — Encontrei com Riv antes de sair e ele reclamou que você insistia em fazer a limpeza mesmo machucada.
— Não é como se fosse muito esforço, você viu. Eu passo a maior parte do tempo parada, movimentando o tronco. Depois mudo de lugar.
— Pois é. — null riu. — Acho que desde que você não faça esforço no pé, tudo bem. Mas null é super protetor.
null rolou os olhos.
— Ele é um chato, isso sim.
— Ele me contou que vocês tão juntos agora. E que você colocou ele de castigo por causa do lance do detetive.
— Você sabia? — null a encarou, surpresa.
— Sim. — null encolheu os ombros. — Mas só porque foi o mesmo detetive que null contratou pra encontrar o pai biológico dele. Todos os rapazes sabem, na verdade. E todos eles ficaram indignados com sua história, null.
— Não gostei que ele fez isso sem me falar. Eu admiro a empatia dele e sou grata por tudo o que fez por mim, mas eu também tinha direito de opinar e ele tirou essa escolha de mim.
— É, ele é meio assim mesmo, tomando as dores de todo mundo. Ele até ameaçou contar a null quem eu era só pra me fazer cuidar dele depois do acidente, acredita nisso? null é bem determinado. Me colocou contra a parede, mas se não fosse por isso, talvez eu não estivesse com null hoje.
— Que bom que vocês tiveram um final feliz.
— Aposto que você também vai ter. — null sorriu. — Só tenha um pouco de paciência com null, você é a primeira namorada dele.
null riu pelo nariz.
— É, ele também é o meu primeiro. Mas ele tem que entender que não pode tomar a frente de tudo. Não quero ficar dependente dele ou que, sei lá, chegue um dia que ele ache que tem obrigação de fazer tudo.
— Concordo. Mas... Não sei, null. Acho divertido você fazer ele sofrer um pouquinho com esse castigo, mas ao mesmo tempo... Acho que é um alívio, né? Ter com quem contar.
null sorriu de lábios fechados, os olhos subitamente ardendo.
— Sim. Ele foi a primeira pessoa que estendeu uma mão pra me ajudar a sair daquela rotina maluca.
— E a sua antiga casa? Por que você continuou morando lá, mesmo com aquelas pessoas te tratando mal?
— Sei lá, era a única coisa que eu conhecia. Não me senti segura pra sair até Riv aparecer. Passei a maior parte da vida no Brasil e aqui sempre tive meu pai até... Não ter mais.
— Deve ter sido assustador. — null sorriu com tristeza. — Mas olha... Em nome do null e do resto da Cave Panthers, te digo que agora você tá num lugar seguro, e com pessoas dispostas a te protegerem daqueles pilantras que seu pai chamava de família.
— Isso é alguma regalia de namorar um integrante da banda?
— Talvez seja também. Mas não se aplica a qualquer um e você ganhou o selo de aprovação Katherine null. null tinha muito dedo podre pra ficantes, nossa. Eu não suportava nenhuma.
— Elas tinham ciúmes de você?
— Muito. Era uma palhaçada. Mas, de todo modo, acho que todo mundo gostou de você.
— Sério? — null perguntou, curiosa, enquanto terminava de comer.
— Sim. O null até ficou caidinho depois que te viu dançar no clube. Acho que ele investiria se Riv não tivesse chegado primeiro — null contou como se fosse um segredo, e as duas riram.
***
— Inacreditável. — null encarou null, com um olhar de reprovação. — Dois dias de namoro e seu relacionamento já tá em crise? Sinceramente, null, eu esperava algo assim vindo de Hero ou null, mas você é o príncipe da banda.
— Ei! — Os dois amigos reclamaram.
— Cala a boca, null — null disse, ao mesmo tempo. — Não sou um príncipe perfeito, seu idiota. E eu achei que ela ia ficar feliz.
— Isso que dá eu não estar por perto na hora das tomadas de decisões importantes... — null continuou. — Você praticamente transformou a null na Cinderela, mas olha só, isso não é um conto de fadas, null. E a null nem disse nada?
— Ela quis — null respondeu. — Mas pedi pra não se meter. Achei que ia ficar tudo bem, a null nunca reclamou de nada que Riv fez. — Ele encolheu os ombros.
null revirou os olhos, dramaticamente.
— Olha, bem feito ela ter te colocado de castigo.
null riu, incrédulo.
— De que lado você tá?
— Do lado da null, é claro — ele respondeu, sem nem hesitar.
null e null riram de repente, e null encarou os dois, irritado.
Tinham terminado o trabalho do dia e então ele resolveu atualizar os amigos de sua vida amorosa, apenas para levar outra bronca.
— Bem, pelo menos você admitiu o que sente — null acrescentou, um momento depois. — Diferente de certas pessoas... — concluiu, dando uma cotovelada em null.
— Cara, não vem. Acho que você leu tanta fanfic que o seu cérebro fritou — null resmungou.
— Ei, vamos trocar insultos agora? Ótimo. Por que eu te acho burro demais em continuar evitando aquela garota. Um tapado. Idiota. Ela não é qualquer uma.
— Exatamente. Ela é a melhor amiga de infância da minha irmã mais nova. E eu não vou ser babá dela só porque minha irmã quer.
— Seu apartamento é grande o suficiente e a Lily precisa de um lugar temporário, seu mané. Além disso, ela só vem ano que vem. Aposto que se fosse qualquer outra pessoa, você nem ia se importar — null retrucou. — Isso tudo porque não admite que tá atraído por ela.
null grunhiu, irritado e null sorriu, grato por não ser mais o alvo de null.
— Eu não...! Não tô atraído por ela. Para com isso.
— Isso aí, pessoal. Vamos continuar fingindo que ele não escreveu duas músicas sobre ela.
— Vocês não sabem de nada. Não tem nada rolando. Isso foi há muito tempo e nunca aconteceu nada.
null riu pelo nariz.
— Cara... Você acredita mesmo nisso? — null perguntou a null. — Eu sei que a história é velha, mas... Se a Lily gostava de você, por que você não deu uma chance? Deixou ela se declarar duas vezes e só contou pra gente anos depois! E você nunca nem apresentou ela pra gente, mesmo em Chicago. Que tipo de amigo você é? A gente sempre conta tudo um pro outro!
Nem tudo, null pensou, com desgosto, ciente de que estava ocultando duas partes de si mesmo para as pessoas mais importantes da sua vida. E não tinha plano nenhum de dizer a ninguém sobre a merda que tinha sido os últimos meses.
— Será que dá pra gente parar de falar da Lily? — null perguntou, desviando da pergunta.
Um barulho alto de notificação foi ouvido e null tirou o celular do bolso, enquanto falava:
— Olha, null, sinceramente... Eu acho que-eita! — Ele arregalou os olhos levemente para a tela do celular. — Na verdade, acho que dá sim. Olhem isso. — E virou o aparelho para que vissem a notícia que tinha acabado de sair no Twitter.
— Descobriram a identidade da null? — null franziu o cenho. — O que tem de mais?
— Nada, eu espero — o amigo respondeu, e então encarou null. — Não é? Ia acontecer uma hora ou outra.
— Lê pra gente — null pediu.
— "null null de volta com mulher misteriosa, saiba quem é a sortuda!" — null começou. — "Na manhã de segunda-feira, o queridinho da Cave Panthers foi flagrado na companhia de sua nova namorada, dias depois de confirmar o relacionamento em uma entrevista. Infelizmente, não foi uma situação lá muito agradável. Aparentemente, a mulher, chamada null null, estava com o pé machucado, andando com ajuda de muletas após sair de um hospital. Nas fotos, é possível ver null ajudando a amada, demostrando ter muito cuidado com ela."
— Dã, o que eles esperavam? Que ele fosse deixar ela andar sozinha? — null comentou, rolando os olhos.
— Continua, Dyl — null pediu.
— "Segundo algumas fontes, a srta. null não sofreu nenhuma lesão grave, no entanto, quem sofre é a gente. E sabem por quê? Porque a mulher é uma incógnita! Zero redes sociais e até o momento não encontramos nenhuma informação sobre ela. Tudo o que sabemos é que foi null Reed quem a apresentou para o melhor amigo, e que esse é o primeiro relacionamento que null null assume publicamente, dois meses após o escândalo envolvendo seu nome. Mas nos aguardem! Em breve, voltaremos com atualizações sobre a mulher misteriosa!"
— Eita, quanto tempo você acha que vai levar até descobrirem informações? — null perguntou a null.
— Não faço ideia. Mas já devem estar trabalhando nisso — ele deduziu.
— Será que vão conectar ela ao pai? — null perguntou. — E tem a faculdade também. Ou talvez... o trabalho na cafeteria?
— Ou na agência de limpeza — null acrescentou. — Será que alguém que conheceu a null vai abrir a boca?
— Eu não duvido — null comentou. — Riv é o assunto do momento, não vão parar até encontrar alguma coisa.
null suspirou, pensativo.
— Bem, vamos aguardar pra ver o que vem por aí, então.
Uma semana depois, eles descobriram.
null estava terminando de limpar a última parte da sala de Hero, quando null apareceu ao seu lado com uma tigela de iogurte com castanhas e frutas vermelhas.
— Que tal uma pausa de dez minutos pra comer comigo?
— Só falta essa parte, termino em menos de cinco — null respondeu com um sorriso.
— Tá bem, vou esperar. — E então voltou para a cozinha.
Já fazia mais de uma hora que null estava ali, mas null havia chegado há pouco tempo. null estava com Hero, null e null no estúdio do final do corredor há cerca de três horas, supostamente trabalhando no álbum novo da banda.
null estava louca para perguntar o que viria por aí, mas então se lembrou que nenhum deles sabia de seu novo status de pantera.
Assim que finalizou a limpeza, ela pegou os produtos que tinha usado e foi mancando até a cozinha.
— Deixa que eu guardo isso pra você — null se ofereceu, já tirando os produtos das mãos dela. — Precisa de ajuda pra subir no banquinho?
— Não, tudo bem. Não tô sentindo mais tanta dor agora, com a bota e os medicamentos.
— Imaginei — ela disse, tirando as duas tigelas de iogurte da geladeira para comerem. — Encontrei com Riv antes de sair e ele reclamou que você insistia em fazer a limpeza mesmo machucada.
— Não é como se fosse muito esforço, você viu. Eu passo a maior parte do tempo parada, movimentando o tronco. Depois mudo de lugar.
— Pois é. — null riu. — Acho que desde que você não faça esforço no pé, tudo bem. Mas null é super protetor.
null rolou os olhos.
— Ele é um chato, isso sim.
— Ele me contou que vocês tão juntos agora. E que você colocou ele de castigo por causa do lance do detetive.
— Você sabia? — null a encarou, surpresa.
— Sim. — null encolheu os ombros. — Mas só porque foi o mesmo detetive que null contratou pra encontrar o pai biológico dele. Todos os rapazes sabem, na verdade. E todos eles ficaram indignados com sua história, null.
— Não gostei que ele fez isso sem me falar. Eu admiro a empatia dele e sou grata por tudo o que fez por mim, mas eu também tinha direito de opinar e ele tirou essa escolha de mim.
— É, ele é meio assim mesmo, tomando as dores de todo mundo. Ele até ameaçou contar a null quem eu era só pra me fazer cuidar dele depois do acidente, acredita nisso? null é bem determinado. Me colocou contra a parede, mas se não fosse por isso, talvez eu não estivesse com null hoje.
— Que bom que vocês tiveram um final feliz.
— Aposto que você também vai ter. — null sorriu. — Só tenha um pouco de paciência com null, você é a primeira namorada dele.
null riu pelo nariz.
— É, ele também é o meu primeiro. Mas ele tem que entender que não pode tomar a frente de tudo. Não quero ficar dependente dele ou que, sei lá, chegue um dia que ele ache que tem obrigação de fazer tudo.
— Concordo. Mas... Não sei, null. Acho divertido você fazer ele sofrer um pouquinho com esse castigo, mas ao mesmo tempo... Acho que é um alívio, né? Ter com quem contar.
null sorriu de lábios fechados, os olhos subitamente ardendo.
— Sim. Ele foi a primeira pessoa que estendeu uma mão pra me ajudar a sair daquela rotina maluca.
— E a sua antiga casa? Por que você continuou morando lá, mesmo com aquelas pessoas te tratando mal?
— Sei lá, era a única coisa que eu conhecia. Não me senti segura pra sair até Riv aparecer. Passei a maior parte da vida no Brasil e aqui sempre tive meu pai até... Não ter mais.
— Deve ter sido assustador. — null sorriu com tristeza. — Mas olha... Em nome do null e do resto da Cave Panthers, te digo que agora você tá num lugar seguro, e com pessoas dispostas a te protegerem daqueles pilantras que seu pai chamava de família.
— Isso é alguma regalia de namorar um integrante da banda?
— Talvez seja também. Mas não se aplica a qualquer um e você ganhou o selo de aprovação Katherine null. null tinha muito dedo podre pra ficantes, nossa. Eu não suportava nenhuma.
— Elas tinham ciúmes de você?
— Muito. Era uma palhaçada. Mas, de todo modo, acho que todo mundo gostou de você.
— Sério? — null perguntou, curiosa, enquanto terminava de comer.
— Sim. O null até ficou caidinho depois que te viu dançar no clube. Acho que ele investiria se Riv não tivesse chegado primeiro — null contou como se fosse um segredo, e as duas riram.
— Inacreditável. — null encarou null, com um olhar de reprovação. — Dois dias de namoro e seu relacionamento já tá em crise? Sinceramente, null, eu esperava algo assim vindo de Hero ou null, mas você é o príncipe da banda.
— Ei! — Os dois amigos reclamaram.
— Cala a boca, null — null disse, ao mesmo tempo. — Não sou um príncipe perfeito, seu idiota. E eu achei que ela ia ficar feliz.
— Isso que dá eu não estar por perto na hora das tomadas de decisões importantes... — null continuou. — Você praticamente transformou a null na Cinderela, mas olha só, isso não é um conto de fadas, null. E a null nem disse nada?
— Ela quis — null respondeu. — Mas pedi pra não se meter. Achei que ia ficar tudo bem, a null nunca reclamou de nada que Riv fez. — Ele encolheu os ombros.
null revirou os olhos, dramaticamente.
— Olha, bem feito ela ter te colocado de castigo.
null riu, incrédulo.
— De que lado você tá?
— Do lado da null, é claro — ele respondeu, sem nem hesitar.
null e null riram de repente, e null encarou os dois, irritado.
Tinham terminado o trabalho do dia e então ele resolveu atualizar os amigos de sua vida amorosa, apenas para levar outra bronca.
— Bem, pelo menos você admitiu o que sente — null acrescentou, um momento depois. — Diferente de certas pessoas... — concluiu, dando uma cotovelada em null.
— Cara, não vem. Acho que você leu tanta fanfic que o seu cérebro fritou — null resmungou.
— Ei, vamos trocar insultos agora? Ótimo. Por que eu te acho burro demais em continuar evitando aquela garota. Um tapado. Idiota. Ela não é qualquer uma.
— Exatamente. Ela é a melhor amiga de infância da minha irmã mais nova. E eu não vou ser babá dela só porque minha irmã quer.
— Seu apartamento é grande o suficiente e a Lily precisa de um lugar temporário, seu mané. Além disso, ela só vem ano que vem. Aposto que se fosse qualquer outra pessoa, você nem ia se importar — null retrucou. — Isso tudo porque não admite que tá atraído por ela.
null grunhiu, irritado e null sorriu, grato por não ser mais o alvo de null.
— Eu não...! Não tô atraído por ela. Para com isso.
— Isso aí, pessoal. Vamos continuar fingindo que ele não escreveu duas músicas sobre ela.
— Vocês não sabem de nada. Não tem nada rolando. Isso foi há muito tempo e nunca aconteceu nada.
null riu pelo nariz.
— Cara... Você acredita mesmo nisso? — null perguntou a null. — Eu sei que a história é velha, mas... Se a Lily gostava de você, por que você não deu uma chance? Deixou ela se declarar duas vezes e só contou pra gente anos depois! E você nunca nem apresentou ela pra gente, mesmo em Chicago. Que tipo de amigo você é? A gente sempre conta tudo um pro outro!
Nem tudo, null pensou, com desgosto, ciente de que estava ocultando duas partes de si mesmo para as pessoas mais importantes da sua vida. E não tinha plano nenhum de dizer a ninguém sobre a merda que tinha sido os últimos meses.
— Será que dá pra gente parar de falar da Lily? — null perguntou, desviando da pergunta.
Um barulho alto de notificação foi ouvido e null tirou o celular do bolso, enquanto falava:
— Olha, null, sinceramente... Eu acho que-eita! — Ele arregalou os olhos levemente para a tela do celular. — Na verdade, acho que dá sim. Olhem isso. — E virou o aparelho para que vissem a notícia que tinha acabado de sair no Twitter.
— Descobriram a identidade da null? — null franziu o cenho. — O que tem de mais?
— Nada, eu espero — o amigo respondeu, e então encarou null. — Não é? Ia acontecer uma hora ou outra.
— Lê pra gente — null pediu.
— "null null de volta com mulher misteriosa, saiba quem é a sortuda!" — null começou. — "Na manhã de segunda-feira, o queridinho da Cave Panthers foi flagrado na companhia de sua nova namorada, dias depois de confirmar o relacionamento em uma entrevista. Infelizmente, não foi uma situação lá muito agradável. Aparentemente, a mulher, chamada null null, estava com o pé machucado, andando com ajuda de muletas após sair de um hospital. Nas fotos, é possível ver null ajudando a amada, demostrando ter muito cuidado com ela."
— Dã, o que eles esperavam? Que ele fosse deixar ela andar sozinha? — null comentou, rolando os olhos.
— Continua, Dyl — null pediu.
— "Segundo algumas fontes, a srta. null não sofreu nenhuma lesão grave, no entanto, quem sofre é a gente. E sabem por quê? Porque a mulher é uma incógnita! Zero redes sociais e até o momento não encontramos nenhuma informação sobre ela. Tudo o que sabemos é que foi null Reed quem a apresentou para o melhor amigo, e que esse é o primeiro relacionamento que null null assume publicamente, dois meses após o escândalo envolvendo seu nome. Mas nos aguardem! Em breve, voltaremos com atualizações sobre a mulher misteriosa!"
— Eita, quanto tempo você acha que vai levar até descobrirem informações? — null perguntou a null.
— Não faço ideia. Mas já devem estar trabalhando nisso — ele deduziu.
— Será que vão conectar ela ao pai? — null perguntou. — E tem a faculdade também. Ou talvez... o trabalho na cafeteria?
— Ou na agência de limpeza — null acrescentou. — Será que alguém que conheceu a null vai abrir a boca?
— Eu não duvido — null comentou. — Riv é o assunto do momento, não vão parar até encontrar alguma coisa.
null suspirou, pensativo.
— Bem, vamos aguardar pra ver o que vem por aí, então.
Uma semana depois, eles descobriram.
Capítulo 29
25 de outubro de 2017, 02:48 - Apartamento de null, Nova York, NY - Algumas horas antes da descoberta
null se virou para um lado e outro na cama, sem conseguir dormir.
Respirou fundo, impaciente, olhando para o teto. Então virou a cabeça em direção à mesinha da cabeceira a sua direita e, sem pensar muito, abriu a segunda gaveta e tirou dois frascos de remédio. Em seguida, tomou uma pílula de cada com o auxílio do copo de água que havia deixado sobre a mesinha mais cedo, um hábito adquirido há anos, depois de várias noites acordando com a garganta seca.
Afinal, tinha uma voz para cuidar e se deixar desidratar por preguiça não era uma opção, mesmo quando a preguiça se transformava em falta de vontade, como em muitas noites nos últimos meses, quando não conseguia dormir e queria ficar só olhando para o teto até sua mente cansar e ele ser tomado pela inconsciência.
null passou muito tempo se forçando a fazer algo mesmo quando não queria. Pelo próprio bem, ele lutava contra si mesmo, longe dos olhos de todo mundo. Fazia meses desde que sua mente havia seguido em direção de um lugar desagradável.
Seis, para ser exato.
No mês de abril, não conseguiu nem ficar feliz pelo aniversário de onze anos da banda, mas colocou um sorriso no rosto mesmo assim.
Tinha acabado de fazer seu último check-up de saúde e terminado um tratamento de uma infecção urinária bastante incômoda, que o levou a fazer vários outros exames. Era apenas por precaução, segundo o médico. Mas então... Veio a notícia. Algo que ele nunca pensou que lhe aconteceria. Algo que levaria para toda a vida e que poderia influenciar em seu futuro.
E para completar, veio a outra coisa, de uma forma tão repentina que o assustou.
Na época, null tinha pulado alguns dias na academia para ficar na cama. Acordava de ressaca depois de noites mal dormidas. Indisposto. Sua alimentação, que era repleta de uma gama de alimentos diversos que ele gostava, havia se resumido a sanduíches simples, que ele comia em menos de cinco minutos.
E para completar, havia Hannah, aparecendo vez ou outra para lhe encher o saco e transar com ele.
null chegou a questionar a própria sexualidade algumas vezes, mas logo chegou à conclusão de que apenas não queria fazer sexo com ela.
E quando achava que queria, na maioria das vezes não conseguia terminar.
Pensando bem, talvez tivesse sido bem babaca com ela na época, sem deixar que o tocasse, mas null não sentia nenhum remorso. Só uma apatia estranha, que não costumava ser comum a ele. E quando se deu conta disso, ficou assustado, ansioso e confuso em relação ao porquê de estar se sentindo assim. Não levou nem duas semanas até ele procurar ajuda.
De início, achou que fosse só indisposição pela insônia, mas quando não estava trabalhando ou interagindo com alguém, sua mente tomava o rumo dos pensamentos ridículos que ele não queria ter. Era uma parte irracional dele, pensando em coisas que normalmente não pensava.
Felizmente, sua parte racional se sobressaiu e quando isso aconteceu, ele decidiu fazer terapia.
Não era legal, no entanto. Por mais que a médica fosse uma boa pessoa e profissional, null se sentia exposto de uma forma como nunca esteve. E então ela o forçava a enfrentar a si mesmo, descascando camada por camada, como se ele fosse uma maldita cebola. Era irritante, mas de alguma forma, ele havia se acostumado às sessões. Ou talvez os medicamentos estivessem ajudando também.
null não fazia ideia de quando iria se livrar deles, mas não queria que demorasse muito. Já tinha levado tempo suficiente. Ele estava se esforçando há seis meses. Se alimentando bem, se exercitando durante cinco dias na semana e, nos últimos dois meses, havia recuperado sua motivação, de certa forma.
Depois que conheceu null, ele se viu lembrando de como era ser ele mesmo. E quando soube da história dela, de como era resiliente e batalhadora, null quis se esforçar um pouco mais. E quis usar alguns de seus privilégios para tornar as coisas um pouco mais fáceis para ela. null tinha uma doença séria e lidava com ela com naturalidade, com uma tranquilidade que por vezes null achou excessiva e o fez surtar um pouquinho de preocupação. Quando ela contou do próprio pai e como ele havia falecido de repente, ele sentiu um novo tipo de medo.
Talvez os sinais estivessem lá desde o início e ele apenas não viu. Mas diante dos dois últimos diagnósticos que havia recebido, null não achava que seria possível se apaixonar. Na verdade, aquela era a primeira vez que acontecia, entretanto, por alguma razão, pensou que sua condição atual tornaria ainda mais difícil.
Mas então ele se viu cheio de preocupação com uma mulher que mal conhecia, indignado com o que ela tinha que enfrentar diariamente, ansioso para ajudar de alguma forma. null não havia ficado tão irritado nem quando Hannah teve a coragem de falar coisas absurdas sobre ele. Mas com null era diferente.
E quando Hero sugeriu a ideia maluca de assumir um relacionamento falso, null não tinha ideia do que aquilo ocasionaria. Não tinha ideia dos sentimentos bons que cresceriam dia após dia nele, nem que ter a mente repleta de null Clarke o levaria a sorrir mais, sem esforço.
A querer ser melhor para ela e para si mesmo.
null mal sabia o quanto ele era grato por apenas ter a companhia dela. Mal sabia o quanto havia contribuído para seu tratamento, apenas por ser ela mesma. Mal sabia que tinha aparecido em sua vida em um momento que ele estava enfrentando uma onda de impaciência, estresse e problemas em aceitar a própria doença.
E quando percebeu e aceitou a atração que sentia por ela, encarou a novidade com alegria, por mais que achasse que ela não sentia o mesmo. Era como se ele estivesse voltando a funcionar direito aos poucos, só que como uma versão melhorada de si mesmo. E se sentiu nas alturas quando null aceitou ser sua namorada de verdade.
null já devia estar completamente bem àquela altura e não estar ainda o irritava. Ainda ia a consultas a cada quinze dias e deixava a terapeuta descascar camadas e mais camadas dele, mas, na última semana, uma nova emoção tomou conta de si.
Frustração.
Ainda que não fosse lá muito sério — ou ao menos ele achava que não —, null se viu tomado por esse sentimento à medida que os dias passavam.
Fazia uma semana que ele não tocava em null.
Nada de beijos, abraços ou sequer segurar a mão dela. Até quando ele se oferecia para ajudá-la a se locomover, ela recusava suavemente, por vezes o fazendo agir de forma infantil e reclamar que aquilo estava durando tempo demais, ao que null respondia apenas com uma risada ou um dar de ombros.
Ela não parecia nem um pouco inclinada a dar um fim naquele castigo, e o lado irracional da mente dele o havia levado a se perguntar se aquilo era apenas uma desculpa.
Talvez ela não quisesse ser namorada dele, afinal. Talvez tivesse mesmo se sentido pressionada a dormir com ele e a aceitar seu pedido de namoro. Ou talvez tivesse sido melhor ele esperar mais tempo para fazer o pedido e ter certeza dos sentimentos dela. Pensar nisso o deixava terrivelmente inseguro. E se ela estivesse apenas enrolando até criar coragem para terminar com ele?
null suspirou, franzindo o cenho para o teto.
Teriam que conversar logo, ele decidiu.
Mas antes disso, ele faria um teste primeiro. Só para ter certeza.
***
— Você acha que dá certo? — null perguntou a null, depois de ler uma mensagem de Anni perguntando se ela e Thaty poderiam visitá-la.
— É claro que dá. Você mora aqui também, null. Suas amigas podem te visitar — null respondeu. — Aproveita e manda elas trazerem os álbuns que eu vou autografar e conseguir autógrafos dos caras também.
— Desse jeito, até eu ia querer autógrafos também. — Ela riu. — Mas não tenho nenhum álbum.
— E você conhece a banda? Tipo, não a gente, a nossa discografia.
— Hm, conheci sim. Ouvi tudo há algumas semanas — ela contou.
— Sério? E você não disse nada? O que achou?
— Eu amei.
— Quais músicas? — ele quis saber, já imaginando uma lista das mais famosas.
Mas a resposta de null o surpreendeu.
— Tudo.
— Tudo? Como assim?
— Como assim, o quê? Eu disse que gostei de tudo. Vocês são muito talentosos.
— Ah, é? — null abriu um sorriso de lado. — E baseado nisso, quem é seu membro favorito?
— Isso é importante?
— Óbvio que é. Todo mundo tem um favorito.
— Hm, não sei, não pensei nisso. — Ela deu de ombros. — As meninas vêm durante a tarde.
— O que é isso, null? Tá tentando mudar de assunto? — Ele cruzou os braços.
Automaticamente, o olhar dela foi em direção aos bíceps enormes dele. As tatuagens nos dois braços tornavam tudo melhor ainda, com seus desenhos florais delicados. Um clássico. null teve que se esforçar para desviar o olhar para o rosto dele.
— Tô só continuando o assunto que a gente já tava falando.
— Aham, tá bom. Vou deixar passar dessa vez, mas não pense que vai fugir pra sempre.
null assentiu, sem levar a sério, e prosseguiu:
— Tudo bem o horário pra você?
— Claro, eu tenho um compromisso hoje à tarde, mas acho que dá certo, sim. A gente podia fazer aquela sobremesa que você fez outro dia.
— Mousse?
— Sim, fácil e rápido.
— Tá, vou fazer então. — Ela se dirigiu até a cozinha, não precisando mais de muletas. — Você vai trabalhar hoje também?
— Não, só tenho esse compromisso e tô livre.
— Tá, vou trazer o Benny pra ficar na sala um pouquinho, então, quando você sair.
— Lá vem o boneco demoníaco de novo — ele resmungou, só pra provocar e null lhe deu um tapa no braço, o fazendo rir.
— Ei, pare de implicar com o Benny. Quando ele começar a pregar peças em você, não venha reclamar depois.
— Pelo menos assim você toca em mim — ele brincou. — Já que ainda não me deixa tocar em você.
null revirou os olhos, fingindo esnobá-lo. A verdade era que manter distância de null era uma tarefa árdua. Ele era um homem estupidamente atraente e se null fosse dar atenção a cada pensamento intrusivo que tinha quando o via, eles ficariam trancados em um quarto por horas. Talvez até o amarrasse à cama.
E como se não bastasse, vez ou outra null invadia seu espaço pessoal, esbarrando nela "por acidente" aqui e ali, aparecendo sem camisa com a desculpa "você já viu tudo mesmo", ou a encarando por longos segundos em silêncio, quando faziam uma refeição.
— Eu disse que vou decidir quando o castigo acaba...
— Aff, sério? — O sorriso dele desapareceu. — null... Você se arrepende?
— De quê?
— De ter dormido comigo e aceitado ser minha namorada.
— O quê? Não! — Ela franziu o cenho, surpresa com a pergunta.
— Tem certeza? Porque se você se sentiu pressionada a aceitar por causa de tudo, então... É só me dizer. Não quero que você se sinta compelida a ter um relacionamento comigo se não for o quer.
— null... Que papo é esse? De onde você tirou isso?
— Você não parece se importar em manter distância de mim. Na verdade, acho que até prefere, então achei-
— Ai, pelo amor de Deus! — ela o interrompeu, impaciente. — Por que eu faria isso, Riv? Eu te disse que nunca diria sim por pressão. Se eu dormi com você e depois disse sim, foi porque eu quis! Sério, achei que fosse óbvio.
— Como assim, óbvio? Faz uma semana que você não me deixa nem segurar sua mão! E ainda prefere dormir com aquele duende idiota do que comigo!
— O quê? Você tá com ciúmes do Benny agora? — null perguntou, divertida.
— Esse não é o ponto, null — ele disse, entredentes.
null riu pelo nariz.
— null, parece até uma piada.
— Não é piada pra mim — ele retrucou, meio ansioso. — Eu só quero tirar isso a limpo. Quero ter certeza. Não é legal ser rejeitado toda hora por causa dos toques mais bestas.
null franziu o cenho novamente, o encarando com cautela. Ficou em silêncio por um momento e então deu um passo na direção dele, invadindo seu espaço pessoal.
— null, você é o cara mais bonito, gentil e carinhoso que eu já conheci. Acha mesmo mais provável eu aceitar ser sua namorada por pressão ou... Você entende que é muito fácil se apaixonar por você? Porque foi assim pra mim.
— null... — null piscou, atônito, sentindo a mente girar.
— Acho que eu gostei de você primeiro, e me apaixonei antes de você perceber que também tinha sentimentos por mim. Passei semanas falando pra mim mesma que era errado, que você era meu chefe e não tinha interesse em nada além da nossa relação profissional. No máximo, ser meu amigo. Então, quando você disse o que sentia... Não precisei pensar muito. Se você tinha certeza, então eu tinha também.
— Eu... Você... — Ele piscou, sem saber o que dizer.
— Eu te amo, null — ela disse, de repente. — Por tudo que você é, porque eu amo sua personalidade acima de tudo, mesmo você sendo um idiota controlador às vezes, e mesmo você xingando meu duende. Eu quis te deixar de castigo pra ver até onde você aguentava, e você respeitou todas as vezes que neguei seu toque, quando era difícil até pra mim mesma ficar longe de você. Você pode me tocar agora, seu bobo.
E então ela sorriu. O coração de null estava disparado no peito e ele não pensou duas vezes antes de segurar o rosto dela entre as mãos e beijá-la. Foi um toque rápido, urgente, porque null também precisava falar. Precisava libertar as palavras que estavam entaladas em sua garganta.
— Eu te amo — ele murmurou contra os lábios dela, e então a encarou nos olhos. — Eu te amo de verdade, null. E sou grato a você por simplesmente existir. Mesmo você tendo aquele duende bizarro.
null riu por um instante e ele a acompanhou. Então a beijou novamente. Dessa vez, um pouco mais calmo, segurando o anseio quase desesperado que sentia.
null a abraçou contra si, não deixando sobrar nenhum espaço entre seus corpos, e a ouviu gemer entre o beijo. null partiu o contato de seus lábios e o encarou por um instante.
Um simples olhar entre os dois foi suficiente para saber qual era o próximo passo. Em seguida, compartilharam um sorriso cúmplice e null a levantou nos braços, um segundo antes de seguir em direção ao quarto.
Pelo visto, a sobremesa teria que esperar.
null se virou para um lado e outro na cama, sem conseguir dormir.
Respirou fundo, impaciente, olhando para o teto. Então virou a cabeça em direção à mesinha da cabeceira a sua direita e, sem pensar muito, abriu a segunda gaveta e tirou dois frascos de remédio. Em seguida, tomou uma pílula de cada com o auxílio do copo de água que havia deixado sobre a mesinha mais cedo, um hábito adquirido há anos, depois de várias noites acordando com a garganta seca.
Afinal, tinha uma voz para cuidar e se deixar desidratar por preguiça não era uma opção, mesmo quando a preguiça se transformava em falta de vontade, como em muitas noites nos últimos meses, quando não conseguia dormir e queria ficar só olhando para o teto até sua mente cansar e ele ser tomado pela inconsciência.
null passou muito tempo se forçando a fazer algo mesmo quando não queria. Pelo próprio bem, ele lutava contra si mesmo, longe dos olhos de todo mundo. Fazia meses desde que sua mente havia seguido em direção de um lugar desagradável.
Seis, para ser exato.
No mês de abril, não conseguiu nem ficar feliz pelo aniversário de onze anos da banda, mas colocou um sorriso no rosto mesmo assim.
Tinha acabado de fazer seu último check-up de saúde e terminado um tratamento de uma infecção urinária bastante incômoda, que o levou a fazer vários outros exames. Era apenas por precaução, segundo o médico. Mas então... Veio a notícia. Algo que ele nunca pensou que lhe aconteceria. Algo que levaria para toda a vida e que poderia influenciar em seu futuro.
E para completar, veio a outra coisa, de uma forma tão repentina que o assustou.
Na época, null tinha pulado alguns dias na academia para ficar na cama. Acordava de ressaca depois de noites mal dormidas. Indisposto. Sua alimentação, que era repleta de uma gama de alimentos diversos que ele gostava, havia se resumido a sanduíches simples, que ele comia em menos de cinco minutos.
E para completar, havia Hannah, aparecendo vez ou outra para lhe encher o saco e transar com ele.
null chegou a questionar a própria sexualidade algumas vezes, mas logo chegou à conclusão de que apenas não queria fazer sexo com ela.
E quando achava que queria, na maioria das vezes não conseguia terminar.
Pensando bem, talvez tivesse sido bem babaca com ela na época, sem deixar que o tocasse, mas null não sentia nenhum remorso. Só uma apatia estranha, que não costumava ser comum a ele. E quando se deu conta disso, ficou assustado, ansioso e confuso em relação ao porquê de estar se sentindo assim. Não levou nem duas semanas até ele procurar ajuda.
De início, achou que fosse só indisposição pela insônia, mas quando não estava trabalhando ou interagindo com alguém, sua mente tomava o rumo dos pensamentos ridículos que ele não queria ter. Era uma parte irracional dele, pensando em coisas que normalmente não pensava.
Felizmente, sua parte racional se sobressaiu e quando isso aconteceu, ele decidiu fazer terapia.
Não era legal, no entanto. Por mais que a médica fosse uma boa pessoa e profissional, null se sentia exposto de uma forma como nunca esteve. E então ela o forçava a enfrentar a si mesmo, descascando camada por camada, como se ele fosse uma maldita cebola. Era irritante, mas de alguma forma, ele havia se acostumado às sessões. Ou talvez os medicamentos estivessem ajudando também.
null não fazia ideia de quando iria se livrar deles, mas não queria que demorasse muito. Já tinha levado tempo suficiente. Ele estava se esforçando há seis meses. Se alimentando bem, se exercitando durante cinco dias na semana e, nos últimos dois meses, havia recuperado sua motivação, de certa forma.
Depois que conheceu null, ele se viu lembrando de como era ser ele mesmo. E quando soube da história dela, de como era resiliente e batalhadora, null quis se esforçar um pouco mais. E quis usar alguns de seus privilégios para tornar as coisas um pouco mais fáceis para ela. null tinha uma doença séria e lidava com ela com naturalidade, com uma tranquilidade que por vezes null achou excessiva e o fez surtar um pouquinho de preocupação. Quando ela contou do próprio pai e como ele havia falecido de repente, ele sentiu um novo tipo de medo.
Talvez os sinais estivessem lá desde o início e ele apenas não viu. Mas diante dos dois últimos diagnósticos que havia recebido, null não achava que seria possível se apaixonar. Na verdade, aquela era a primeira vez que acontecia, entretanto, por alguma razão, pensou que sua condição atual tornaria ainda mais difícil.
Mas então ele se viu cheio de preocupação com uma mulher que mal conhecia, indignado com o que ela tinha que enfrentar diariamente, ansioso para ajudar de alguma forma. null não havia ficado tão irritado nem quando Hannah teve a coragem de falar coisas absurdas sobre ele. Mas com null era diferente.
E quando Hero sugeriu a ideia maluca de assumir um relacionamento falso, null não tinha ideia do que aquilo ocasionaria. Não tinha ideia dos sentimentos bons que cresceriam dia após dia nele, nem que ter a mente repleta de null Clarke o levaria a sorrir mais, sem esforço.
A querer ser melhor para ela e para si mesmo.
null mal sabia o quanto ele era grato por apenas ter a companhia dela. Mal sabia o quanto havia contribuído para seu tratamento, apenas por ser ela mesma. Mal sabia que tinha aparecido em sua vida em um momento que ele estava enfrentando uma onda de impaciência, estresse e problemas em aceitar a própria doença.
E quando percebeu e aceitou a atração que sentia por ela, encarou a novidade com alegria, por mais que achasse que ela não sentia o mesmo. Era como se ele estivesse voltando a funcionar direito aos poucos, só que como uma versão melhorada de si mesmo. E se sentiu nas alturas quando null aceitou ser sua namorada de verdade.
null já devia estar completamente bem àquela altura e não estar ainda o irritava. Ainda ia a consultas a cada quinze dias e deixava a terapeuta descascar camadas e mais camadas dele, mas, na última semana, uma nova emoção tomou conta de si.
Frustração.
Ainda que não fosse lá muito sério — ou ao menos ele achava que não —, null se viu tomado por esse sentimento à medida que os dias passavam.
Fazia uma semana que ele não tocava em null.
Nada de beijos, abraços ou sequer segurar a mão dela. Até quando ele se oferecia para ajudá-la a se locomover, ela recusava suavemente, por vezes o fazendo agir de forma infantil e reclamar que aquilo estava durando tempo demais, ao que null respondia apenas com uma risada ou um dar de ombros.
Ela não parecia nem um pouco inclinada a dar um fim naquele castigo, e o lado irracional da mente dele o havia levado a se perguntar se aquilo era apenas uma desculpa.
Talvez ela não quisesse ser namorada dele, afinal. Talvez tivesse mesmo se sentido pressionada a dormir com ele e a aceitar seu pedido de namoro. Ou talvez tivesse sido melhor ele esperar mais tempo para fazer o pedido e ter certeza dos sentimentos dela. Pensar nisso o deixava terrivelmente inseguro. E se ela estivesse apenas enrolando até criar coragem para terminar com ele?
null suspirou, franzindo o cenho para o teto.
Teriam que conversar logo, ele decidiu.
Mas antes disso, ele faria um teste primeiro. Só para ter certeza.
— Você acha que dá certo? — null perguntou a null, depois de ler uma mensagem de Anni perguntando se ela e Thaty poderiam visitá-la.
— É claro que dá. Você mora aqui também, null. Suas amigas podem te visitar — null respondeu. — Aproveita e manda elas trazerem os álbuns que eu vou autografar e conseguir autógrafos dos caras também.
— Desse jeito, até eu ia querer autógrafos também. — Ela riu. — Mas não tenho nenhum álbum.
— E você conhece a banda? Tipo, não a gente, a nossa discografia.
— Hm, conheci sim. Ouvi tudo há algumas semanas — ela contou.
— Sério? E você não disse nada? O que achou?
— Eu amei.
— Quais músicas? — ele quis saber, já imaginando uma lista das mais famosas.
Mas a resposta de null o surpreendeu.
— Tudo.
— Tudo? Como assim?
— Como assim, o quê? Eu disse que gostei de tudo. Vocês são muito talentosos.
— Ah, é? — null abriu um sorriso de lado. — E baseado nisso, quem é seu membro favorito?
— Isso é importante?
— Óbvio que é. Todo mundo tem um favorito.
— Hm, não sei, não pensei nisso. — Ela deu de ombros. — As meninas vêm durante a tarde.
— O que é isso, null? Tá tentando mudar de assunto? — Ele cruzou os braços.
Automaticamente, o olhar dela foi em direção aos bíceps enormes dele. As tatuagens nos dois braços tornavam tudo melhor ainda, com seus desenhos florais delicados. Um clássico. null teve que se esforçar para desviar o olhar para o rosto dele.
— Tô só continuando o assunto que a gente já tava falando.
— Aham, tá bom. Vou deixar passar dessa vez, mas não pense que vai fugir pra sempre.
null assentiu, sem levar a sério, e prosseguiu:
— Tudo bem o horário pra você?
— Claro, eu tenho um compromisso hoje à tarde, mas acho que dá certo, sim. A gente podia fazer aquela sobremesa que você fez outro dia.
— Mousse?
— Sim, fácil e rápido.
— Tá, vou fazer então. — Ela se dirigiu até a cozinha, não precisando mais de muletas. — Você vai trabalhar hoje também?
— Não, só tenho esse compromisso e tô livre.
— Tá, vou trazer o Benny pra ficar na sala um pouquinho, então, quando você sair.
— Lá vem o boneco demoníaco de novo — ele resmungou, só pra provocar e null lhe deu um tapa no braço, o fazendo rir.
— Ei, pare de implicar com o Benny. Quando ele começar a pregar peças em você, não venha reclamar depois.
— Pelo menos assim você toca em mim — ele brincou. — Já que ainda não me deixa tocar em você.
null revirou os olhos, fingindo esnobá-lo. A verdade era que manter distância de null era uma tarefa árdua. Ele era um homem estupidamente atraente e se null fosse dar atenção a cada pensamento intrusivo que tinha quando o via, eles ficariam trancados em um quarto por horas. Talvez até o amarrasse à cama.
E como se não bastasse, vez ou outra null invadia seu espaço pessoal, esbarrando nela "por acidente" aqui e ali, aparecendo sem camisa com a desculpa "você já viu tudo mesmo", ou a encarando por longos segundos em silêncio, quando faziam uma refeição.
— Eu disse que vou decidir quando o castigo acaba...
— Aff, sério? — O sorriso dele desapareceu. — null... Você se arrepende?
— De quê?
— De ter dormido comigo e aceitado ser minha namorada.
— O quê? Não! — Ela franziu o cenho, surpresa com a pergunta.
— Tem certeza? Porque se você se sentiu pressionada a aceitar por causa de tudo, então... É só me dizer. Não quero que você se sinta compelida a ter um relacionamento comigo se não for o quer.
— null... Que papo é esse? De onde você tirou isso?
— Você não parece se importar em manter distância de mim. Na verdade, acho que até prefere, então achei-
— Ai, pelo amor de Deus! — ela o interrompeu, impaciente. — Por que eu faria isso, Riv? Eu te disse que nunca diria sim por pressão. Se eu dormi com você e depois disse sim, foi porque eu quis! Sério, achei que fosse óbvio.
— Como assim, óbvio? Faz uma semana que você não me deixa nem segurar sua mão! E ainda prefere dormir com aquele duende idiota do que comigo!
— O quê? Você tá com ciúmes do Benny agora? — null perguntou, divertida.
— Esse não é o ponto, null — ele disse, entredentes.
null riu pelo nariz.
— null, parece até uma piada.
— Não é piada pra mim — ele retrucou, meio ansioso. — Eu só quero tirar isso a limpo. Quero ter certeza. Não é legal ser rejeitado toda hora por causa dos toques mais bestas.
null franziu o cenho novamente, o encarando com cautela. Ficou em silêncio por um momento e então deu um passo na direção dele, invadindo seu espaço pessoal.
— null, você é o cara mais bonito, gentil e carinhoso que eu já conheci. Acha mesmo mais provável eu aceitar ser sua namorada por pressão ou... Você entende que é muito fácil se apaixonar por você? Porque foi assim pra mim.
— null... — null piscou, atônito, sentindo a mente girar.
— Acho que eu gostei de você primeiro, e me apaixonei antes de você perceber que também tinha sentimentos por mim. Passei semanas falando pra mim mesma que era errado, que você era meu chefe e não tinha interesse em nada além da nossa relação profissional. No máximo, ser meu amigo. Então, quando você disse o que sentia... Não precisei pensar muito. Se você tinha certeza, então eu tinha também.
— Eu... Você... — Ele piscou, sem saber o que dizer.
— Eu te amo, null — ela disse, de repente. — Por tudo que você é, porque eu amo sua personalidade acima de tudo, mesmo você sendo um idiota controlador às vezes, e mesmo você xingando meu duende. Eu quis te deixar de castigo pra ver até onde você aguentava, e você respeitou todas as vezes que neguei seu toque, quando era difícil até pra mim mesma ficar longe de você. Você pode me tocar agora, seu bobo.
E então ela sorriu. O coração de null estava disparado no peito e ele não pensou duas vezes antes de segurar o rosto dela entre as mãos e beijá-la. Foi um toque rápido, urgente, porque null também precisava falar. Precisava libertar as palavras que estavam entaladas em sua garganta.
— Eu te amo — ele murmurou contra os lábios dela, e então a encarou nos olhos. — Eu te amo de verdade, null. E sou grato a você por simplesmente existir. Mesmo você tendo aquele duende bizarro.
null riu por um instante e ele a acompanhou. Então a beijou novamente. Dessa vez, um pouco mais calmo, segurando o anseio quase desesperado que sentia.
null a abraçou contra si, não deixando sobrar nenhum espaço entre seus corpos, e a ouviu gemer entre o beijo. null partiu o contato de seus lábios e o encarou por um instante.
Um simples olhar entre os dois foi suficiente para saber qual era o próximo passo. Em seguida, compartilharam um sorriso cúmplice e null a levantou nos braços, um segundo antes de seguir em direção ao quarto.
Pelo visto, a sobremesa teria que esperar.
Capítulo 30
null ofegou quando sentiu a boca de null em seu pescoço.
Urgente, firme e exigente, enquanto suas mãos apertavam seus seios por cima do sutiã sem alças que ele levou apenas um segundo para desabotoar, já se livrando da peça.
Quando seus lábios encontraram a pele sensível de seu busto, ela arqueou as costas involuntariamente, enfiando uma mão no cabelo dele; e quando sentiu ele pressionar o quadril no dela, null gemeu baixinho com o atrito.
Sem cerimônias, null se livrou de sua calcinha e se inclinou para pegar um preservativo em uma gaveta da mesinha ao lado da cama. null aproveitou esse momento de distração para se afastar. Em seguida, estendeu a mão para ele.
— Me dá, eu coloco em você — ela pediu. null entregou o pacotinho colorido e esperou. null se afastou mais e ficou de pé, em frente à cama. — Agora tira a roupa e deita na cama.
— Que mandona. — Ele sorriu, antes de se livrar da cueca boxer e se deitar no meio da cama.
null sorriu de volta, satisfeita com a visão. Era como se uma escultura grega tivesse ganhado vida. Mesmo deitado, se colocando a sua mercê, null parecia imponente com seu corpo grande, forte e todas as tatuagens que null tinha vontade de lamber. Mas antes disso, uma ideia se acendeu em sua mente.
— Agora eu quero que você se toque e me mostre o quanto me quer.
Uma leve confusão brilhou no olhar dele.
— Que tal você vir aqui e eu te mostrar?
— Não. Quero que faça isso sem tocar em mim, Riv — ela explicou.
null a encarou em silêncio por alguns segundos e então, sem desviar o olhar, deixou a mão ir de encontro ao próprio membro ereto e o bombeou algumas vezes. Aquilo era uma péssima ideia, ele pensou. Provavelmente não iria durar muito. Especialmente quando null começou a correr as mãos pelo próprio corpo, semelhante a como tinha feito com o leque, na primeira e única vez em que dançou para ele no clube.
— null... — null ofegou, parando de movimentar a mão. — Não vou aguentar por muito tempo se continuar.
Nem eu, ela quase disse. Sentia o próprio corpo inteiro sensível só com a visão erótica dele se tocando. null nunca se atreveu a tomar iniciativa e controle, mas com null, era como se ela fosse capaz de fazer tudo. De realizar cada fantasia oculta que tinha com ele, incluído aquela. Não precisava nem se tocar para saber que estava encharcada e pronta para ele. Seus músculos internos doíam de excitação.
null subiu na cama e levou o preservativo até a boca, abrindo a embalagem com cuidado.
null a assistiu com expectativa e contraiu o abdômen quando ela o tocou, o bombeando mais algumas vezes antes de colocar o preservativo.
— Pronto? — perguntou, com o olhar brilhando com malícia.
— Mais que pronto — ele respondeu, sem hesitar. — E você?
null apenas sorriu e subiu no seu colo, guiando seu membro até sua entrada escorregadia. Em seguida, começou a tomá-lo vagarosamente, parando por um momento para que seu corpo se acostumasse e relaxasse um pouco mais ao redor dele.
— Porra, null... — null jogou a cabeça para trás no travesseiro, fechando os olhos com força.
Por que com ela era tudo tão bom?
Ao invés de querer parar, ele só conseguia pensar em como seria tê-la na próxima vez. Sua mente era invadida com fantasias eróticas em todos os lugares daquela casa e tudo o que queria fazer com ela.
null pressionou os dedos em seu quadril e gemeu quando ela o levantou e o abaixou de uma vez, firmemente, enquanto contraía os músculos internos ao redor dele, estreitando ainda mais o contato dos dois.
Levemente ofegante, ele a encarou, sentindo a visão turva, então a estimulou a se movimentar novamente. Juntos, chegaram a um ritmo constante e, em determinado momento, null se sentou também, só para poder beijá-la e alcançar todas as partes que queria.
Enfiou uma mão entre seus corpos, para tocar seu clitóris, e null perdeu o controle, sensível demais para continuar. Riv não parou e a observou até sentir que ela estava prestes a gozar. Quando seu corpo começou a estremecer, ele bombeou os quadris sem parar, até fazê-la gritar seu nome. Os dois explodiram juntos e se agarraram um ao outro enquanto esperavam os tremores cessarem, uma fina camada de suor em seus corpos.
Ainda dentro dela, sentindo o centro dos dois pulsar, null se jogou para trás, a abraçando com força, ao ponto de sentir a frequência cardíaca dela acelerada contra seu peito.
— Tá tudo bem? — ele quis saber, preocupado com a possibilidade dela sentir falta de ar.
No entanto, null apenas sorriu e assentiu, apoiando as duas mãos no peito dele. Então o beijou suavemente e se afastou, se levantando da cama.
— Pra onde você vai?
— Tomar banho. E vou usar aquela sua banheira chique dessa vez, eu babo nela desde a primeira vez que a vi.
null sorriu de lado e se apoiou nos cotovelos.
— Era só ter dito. Esse banheiro é seu tanto quanto meu.
— Ah, é? Desde quando? — Ela arqueou uma sobrancelha.
— Desde quando você disse sim.
— Você falhou em entregar esse comunicado — ela brincou.
— Achei que fosse óbvio. Se você já tinha acesso ao meu corpo, o que seria tomar banho no meu banheiro?
— Interessante. Mas você vai ficar aí só olhando ou vem comigo?
No mesmo instante, null se colocou de pé e a seguiu.
Ela não precisava falar duas vezes.
***
— Caramba, que apartamento enorme! — Anni comentou, boquiaberta, enquanto observava a ampla sala de estar.
— Ele é null null, o que você esperava? Uma quitinete? — Thaty perguntou, rindo, e se virou para null. — Ele tá aqui?
— Não, faz um tempo que ele saiu pra um compromisso, mas disse que chegaria logo em casa pra conhecer vocês. Vocês trouxeram os álbuns?
— Sim, aqui. — Anne entregou duas sacolas de papel a ela. — Nós temos todos. Nem acreditei quando você disse que ele tinha pedido.
— Pois é, foi ele que se ofereceu — null disse. — Quando tiver tudo pronto, eu levo pro trabalho.
— E o seu pé, como tá?
— Melhor. — null encarou a botinha. — Não foi nada sério, mas o médico me proibiu de fazer movimentos que pudessem forçar o tornozelo. Tive que interromper os exercícios também.
— Exercícios? Você malha? — Thaty perguntou e null assentiu.
— Com null. Não faz muito tempo. Mas resumindo, meu cardiologista exigiu e null se dispôs a ser meu carcereiro.
— Carcereiro? — A amiga riu. — Você odeia tanto assim?
— Odeio. Mas não é tão ruim com ele, tirando as vezes que minha frequência cardíaca sobe demais e ele surta. — null rolou os olhos. — Agora venham, eu fiz sobremesa pra vocês. Algo que eu costumava comer no Brasil, mas não tenho certeza se já vi por aqui.
***
null encarou o próprio reflexo no espelho enquanto o elevador subia e sorriu, sem realmente se esforçar. Estava genuinamente feliz naquele dia e sua ansiedade anterior havia ido embora graças a null.
Ela disse que o amava. Não somente gostava dele, mas o amava. Estava apaixonada. E se apaixonou primeiro.
Só de lembrar, um sorriso idiota surgia em seu rosto e seu coração se regozijava de alegria. Então era assim que era amar alguém, null pensou. Se alegrar com a mera companhia da pessoa, querer o bem dela a todo custo, desejá-la como nunca tinha acontecido com ninguém. Sexo nem era prioridade na vida dele, mas depois de null, tudo parecia diferente.
Ele estava mais confortável, e não se importava que ela o tocasse como bem entendesse. Na verdade, queria isso. Gostava de como se sentia ao seu redor e se null se sentia assim também, então ele queria que aquele relacionamento durasse para sempre.
Talvez ela fosse a pessoa dele, afinal. Assim como sua mãe era a de seu pai e vice-versa.
Talvez tivesse chegado a vez dele de viver um amor como o dos pais. Talvez o destino tivesse feito seus caminhos se cruzarem para isso, por mais que envolvesse um tanto de sofrimento dos dois; talvez porque, juntos, eles entrariam em um processo de cura.
Sua terapeuta havia notado uma diferença nele. Na última sessão, null estava indiferente, quando o relacionamento dele e null ainda era falso. Ela tinha feito poucas perguntas, ao que null respondeu com poucas palavras, mas quando o viu entrar no consultório com um sorriso no rosto naquele dia, resolveu perguntar o motivo e descobriu que tinha nome e sobrenome.
Ela tinha um palpite que ele se relacionar com null tinha o ajudado a se tornar mais saudável, mas agora tinha certeza disso.
E de que faziam bem um para o outro.
Pela primeira vez, null saiu do consultório com o mesmo sorriso com que entrou. Não se sentiu pressionado a falar daquela vez, ou desconfortável, o que era uma surpresa, já que sempre ficava desgastado ao falar dos próprios sentimentos.
Quando saiu do elevador, no entanto, seu humor vacilou quando o celular vibrou e ele viu o link de um artigo que null tinha acabado de enviar no grupo da banda. Clicou no link e esperou até a página abrir. Um sorriso de escárnio surgiu em seu rosto assim que leu o título.
"Ex de null null diz ter conhecido a nova namorada dele e afirma: 'uma faxineira metida que deu em cima do meu namorado atual'"
O artigo em si era curto e basicamente continha algumas informações sobre a empresa de limpeza que null trabalhava. Era óbvio que Hannah estava tentando humilhar null de alguma forma, mas agora ele tinha descoberto que ela foi a infeliz que se atreveu a bater nela por desmaiar no namorado. Obviamente, ela não havia contado essa parte na entrevista. Tampouco mencionou diretamente o nome de null, para evitar processos. No entanto, estava redondamente enganada se achava que ele não ia fazer nada a respeito.
— Que piada. — null riu pelo nariz, parado na entrada da casa, já encaminhando o link para Derick lidar com aquilo. Hannah certamente não o conhecia se achava que ele ia deixar aquilo passar. Não somente estava fazendo parecer que null era uma interesseira, como também ridicularizando a profissão dela, como se a tornasse inferior.
Uma piada, realmente. Mas ele não ia se abalar com aquilo. Aquela era a menor das suas preocupações.
Então guardou o celular no bolso e digitou a senha na porta.
Estava na hora de conhecer algumas fãs.
Urgente, firme e exigente, enquanto suas mãos apertavam seus seios por cima do sutiã sem alças que ele levou apenas um segundo para desabotoar, já se livrando da peça.
Quando seus lábios encontraram a pele sensível de seu busto, ela arqueou as costas involuntariamente, enfiando uma mão no cabelo dele; e quando sentiu ele pressionar o quadril no dela, null gemeu baixinho com o atrito.
Sem cerimônias, null se livrou de sua calcinha e se inclinou para pegar um preservativo em uma gaveta da mesinha ao lado da cama. null aproveitou esse momento de distração para se afastar. Em seguida, estendeu a mão para ele.
— Me dá, eu coloco em você — ela pediu. null entregou o pacotinho colorido e esperou. null se afastou mais e ficou de pé, em frente à cama. — Agora tira a roupa e deita na cama.
— Que mandona. — Ele sorriu, antes de se livrar da cueca boxer e se deitar no meio da cama.
null sorriu de volta, satisfeita com a visão. Era como se uma escultura grega tivesse ganhado vida. Mesmo deitado, se colocando a sua mercê, null parecia imponente com seu corpo grande, forte e todas as tatuagens que null tinha vontade de lamber. Mas antes disso, uma ideia se acendeu em sua mente.
— Agora eu quero que você se toque e me mostre o quanto me quer.
Uma leve confusão brilhou no olhar dele.
— Que tal você vir aqui e eu te mostrar?
— Não. Quero que faça isso sem tocar em mim, Riv — ela explicou.
null a encarou em silêncio por alguns segundos e então, sem desviar o olhar, deixou a mão ir de encontro ao próprio membro ereto e o bombeou algumas vezes. Aquilo era uma péssima ideia, ele pensou. Provavelmente não iria durar muito. Especialmente quando null começou a correr as mãos pelo próprio corpo, semelhante a como tinha feito com o leque, na primeira e única vez em que dançou para ele no clube.
— null... — null ofegou, parando de movimentar a mão. — Não vou aguentar por muito tempo se continuar.
Nem eu, ela quase disse. Sentia o próprio corpo inteiro sensível só com a visão erótica dele se tocando. null nunca se atreveu a tomar iniciativa e controle, mas com null, era como se ela fosse capaz de fazer tudo. De realizar cada fantasia oculta que tinha com ele, incluído aquela. Não precisava nem se tocar para saber que estava encharcada e pronta para ele. Seus músculos internos doíam de excitação.
null subiu na cama e levou o preservativo até a boca, abrindo a embalagem com cuidado.
null a assistiu com expectativa e contraiu o abdômen quando ela o tocou, o bombeando mais algumas vezes antes de colocar o preservativo.
— Pronto? — perguntou, com o olhar brilhando com malícia.
— Mais que pronto — ele respondeu, sem hesitar. — E você?
null apenas sorriu e subiu no seu colo, guiando seu membro até sua entrada escorregadia. Em seguida, começou a tomá-lo vagarosamente, parando por um momento para que seu corpo se acostumasse e relaxasse um pouco mais ao redor dele.
— Porra, null... — null jogou a cabeça para trás no travesseiro, fechando os olhos com força.
Por que com ela era tudo tão bom?
Ao invés de querer parar, ele só conseguia pensar em como seria tê-la na próxima vez. Sua mente era invadida com fantasias eróticas em todos os lugares daquela casa e tudo o que queria fazer com ela.
null pressionou os dedos em seu quadril e gemeu quando ela o levantou e o abaixou de uma vez, firmemente, enquanto contraía os músculos internos ao redor dele, estreitando ainda mais o contato dos dois.
Levemente ofegante, ele a encarou, sentindo a visão turva, então a estimulou a se movimentar novamente. Juntos, chegaram a um ritmo constante e, em determinado momento, null se sentou também, só para poder beijá-la e alcançar todas as partes que queria.
Enfiou uma mão entre seus corpos, para tocar seu clitóris, e null perdeu o controle, sensível demais para continuar. Riv não parou e a observou até sentir que ela estava prestes a gozar. Quando seu corpo começou a estremecer, ele bombeou os quadris sem parar, até fazê-la gritar seu nome. Os dois explodiram juntos e se agarraram um ao outro enquanto esperavam os tremores cessarem, uma fina camada de suor em seus corpos.
Ainda dentro dela, sentindo o centro dos dois pulsar, null se jogou para trás, a abraçando com força, ao ponto de sentir a frequência cardíaca dela acelerada contra seu peito.
— Tá tudo bem? — ele quis saber, preocupado com a possibilidade dela sentir falta de ar.
No entanto, null apenas sorriu e assentiu, apoiando as duas mãos no peito dele. Então o beijou suavemente e se afastou, se levantando da cama.
— Pra onde você vai?
— Tomar banho. E vou usar aquela sua banheira chique dessa vez, eu babo nela desde a primeira vez que a vi.
null sorriu de lado e se apoiou nos cotovelos.
— Era só ter dito. Esse banheiro é seu tanto quanto meu.
— Ah, é? Desde quando? — Ela arqueou uma sobrancelha.
— Desde quando você disse sim.
— Você falhou em entregar esse comunicado — ela brincou.
— Achei que fosse óbvio. Se você já tinha acesso ao meu corpo, o que seria tomar banho no meu banheiro?
— Interessante. Mas você vai ficar aí só olhando ou vem comigo?
No mesmo instante, null se colocou de pé e a seguiu.
Ela não precisava falar duas vezes.
— Caramba, que apartamento enorme! — Anni comentou, boquiaberta, enquanto observava a ampla sala de estar.
— Ele é null null, o que você esperava? Uma quitinete? — Thaty perguntou, rindo, e se virou para null. — Ele tá aqui?
— Não, faz um tempo que ele saiu pra um compromisso, mas disse que chegaria logo em casa pra conhecer vocês. Vocês trouxeram os álbuns?
— Sim, aqui. — Anne entregou duas sacolas de papel a ela. — Nós temos todos. Nem acreditei quando você disse que ele tinha pedido.
— Pois é, foi ele que se ofereceu — null disse. — Quando tiver tudo pronto, eu levo pro trabalho.
— E o seu pé, como tá?
— Melhor. — null encarou a botinha. — Não foi nada sério, mas o médico me proibiu de fazer movimentos que pudessem forçar o tornozelo. Tive que interromper os exercícios também.
— Exercícios? Você malha? — Thaty perguntou e null assentiu.
— Com null. Não faz muito tempo. Mas resumindo, meu cardiologista exigiu e null se dispôs a ser meu carcereiro.
— Carcereiro? — A amiga riu. — Você odeia tanto assim?
— Odeio. Mas não é tão ruim com ele, tirando as vezes que minha frequência cardíaca sobe demais e ele surta. — null rolou os olhos. — Agora venham, eu fiz sobremesa pra vocês. Algo que eu costumava comer no Brasil, mas não tenho certeza se já vi por aqui.
null encarou o próprio reflexo no espelho enquanto o elevador subia e sorriu, sem realmente se esforçar. Estava genuinamente feliz naquele dia e sua ansiedade anterior havia ido embora graças a null.
Ela disse que o amava. Não somente gostava dele, mas o amava. Estava apaixonada. E se apaixonou primeiro.
Só de lembrar, um sorriso idiota surgia em seu rosto e seu coração se regozijava de alegria. Então era assim que era amar alguém, null pensou. Se alegrar com a mera companhia da pessoa, querer o bem dela a todo custo, desejá-la como nunca tinha acontecido com ninguém. Sexo nem era prioridade na vida dele, mas depois de null, tudo parecia diferente.
Ele estava mais confortável, e não se importava que ela o tocasse como bem entendesse. Na verdade, queria isso. Gostava de como se sentia ao seu redor e se null se sentia assim também, então ele queria que aquele relacionamento durasse para sempre.
Talvez ela fosse a pessoa dele, afinal. Assim como sua mãe era a de seu pai e vice-versa.
Talvez tivesse chegado a vez dele de viver um amor como o dos pais. Talvez o destino tivesse feito seus caminhos se cruzarem para isso, por mais que envolvesse um tanto de sofrimento dos dois; talvez porque, juntos, eles entrariam em um processo de cura.
Sua terapeuta havia notado uma diferença nele. Na última sessão, null estava indiferente, quando o relacionamento dele e null ainda era falso. Ela tinha feito poucas perguntas, ao que null respondeu com poucas palavras, mas quando o viu entrar no consultório com um sorriso no rosto naquele dia, resolveu perguntar o motivo e descobriu que tinha nome e sobrenome.
Ela tinha um palpite que ele se relacionar com null tinha o ajudado a se tornar mais saudável, mas agora tinha certeza disso.
E de que faziam bem um para o outro.
Pela primeira vez, null saiu do consultório com o mesmo sorriso com que entrou. Não se sentiu pressionado a falar daquela vez, ou desconfortável, o que era uma surpresa, já que sempre ficava desgastado ao falar dos próprios sentimentos.
Quando saiu do elevador, no entanto, seu humor vacilou quando o celular vibrou e ele viu o link de um artigo que null tinha acabado de enviar no grupo da banda. Clicou no link e esperou até a página abrir. Um sorriso de escárnio surgiu em seu rosto assim que leu o título.
"Ex de null null diz ter conhecido a nova namorada dele e afirma: 'uma faxineira metida que deu em cima do meu namorado atual'"
O artigo em si era curto e basicamente continha algumas informações sobre a empresa de limpeza que null trabalhava. Era óbvio que Hannah estava tentando humilhar null de alguma forma, mas agora ele tinha descoberto que ela foi a infeliz que se atreveu a bater nela por desmaiar no namorado. Obviamente, ela não havia contado essa parte na entrevista. Tampouco mencionou diretamente o nome de null, para evitar processos. No entanto, estava redondamente enganada se achava que ele não ia fazer nada a respeito.
— Que piada. — null riu pelo nariz, parado na entrada da casa, já encaminhando o link para Derick lidar com aquilo. Hannah certamente não o conhecia se achava que ele ia deixar aquilo passar. Não somente estava fazendo parecer que null era uma interesseira, como também ridicularizando a profissão dela, como se a tornasse inferior.
Uma piada, realmente. Mas ele não ia se abalar com aquilo. Aquela era a menor das suas preocupações.
Então guardou o celular no bolso e digitou a senha na porta.
Estava na hora de conhecer algumas fãs.
Capítulo 31
— Oi, é bom finalmente conhecer vocês — null disse com um sorriso, cumprimentando Anni e Thaty com um abraço amigável.
As duas mulheres, que o encararam imóveis e levemente em choque, precisaram de alguns segundos para se recompor.
— Isso é real mesmo? — Anni perguntou, encarando null como se ele fosse um fantasma.
— É real sim — Thaty disse, o encarando também, e desviou o olhar para null. — Amiga, saber que você namora null null é bem diferente de testemunhar isso.
null riu, divertido.
— Desculpe ter aparecido sem avisar, meninas.
— Quê? Não, não — Anni disse, abanando as mãos.
— Você mora aqui — Thaty acrescentou. — Não se preocupe. Só fomos pegas de surpresa, mas null disse que você viria.
— Tudo bem, então. Vocês gostaram da sobremesa?
— Adoramos — elas responderam ao mesmo tempo.
— Eu tava indo buscar mais, você quer um pouco? — null ofereceu, pegando a bandeja de recipientes vazios.
— Quero sim. Vamos, deixa isso comigo. — Ele pegou a bandeja para que ela pudesse andar mais rápido.
Na cozinha, eles encheram os recipientes com mais mousse de maracujá, limão e ganache de chocolate.
— Foi tudo bem no seu compromisso? — null perguntou casualmente. null normalmente dizia para onde ia, mas de vez em quando aparecia um apenas "compromisso" que ele não falava sobre. Uma parte dela estava curiosa, mas não queria perguntar. Talvez fosse apenas algo aleatório, tipo uma reunião ou coisa assim.
— Uhum, tudo certo. Faz tempo que as meninas chegaram?
— Tá com uma meia hora, eu acho.
De volta à sala, alguns instantes depois, Anni e Thaty já estavam bem o suficiente para fazer perguntas.
— Então... Quer dizer que foi a null que apresentou vocês? — Thaty indagou com um sorriso.
— Sim, eu acabei trabalhando na casa dela pela agência de limpeza e null tava procurando alguém pra trabalhar aqui também — null disse.
Era parcialmente mentira, mas quem se importava?
Ao seu lado, null assentiu enquanto comia.
— Eu tive que correr atrás dela, sabe? null é bem durona. Até mandei uns mimos pro café uma vez, pra equipe toda, só porque ela não queria que eu a visitasse no trabalho.
— Sério? Quer dizer que foi você que enviou?
— Sim. — Ele sorriu e null rolou os olhos, tentando não fazer o mesmo.
— E faz tempo que vocês tão morando juntos? — Anni quis saber.
— Hm, algumas semanas, né? — Ele encarou null, incerto, e em seguida voltou a atenção para as meninas. — null tava procurando um lugar pra morar e depois de muita insistência, consegui convencer ela a vir pra cá.
— Nossa, que decisão difícil, hein, null? — Thaty sorriu, irônica.
null encolheu os ombros e sorriu, tímida.
— Eu tava sendo cuidadosa... Mas null é cuidadoso por nós dois juntos. — Ela o cutucou com o cotovelo.
— Ah, deve ser porque você é uma bomba-relógio ambulante, né? — Ela a encarou de olhos cerrados. — null passou mal uma vez na minha frente porque não tava se alimentando direito e eu surtei. Mas ela trata o coração dela como se não fosse grande coisa.
— Que bom que agora ele é seu — Anni brincou, com uma risadinha. — Agora você pode cuidar.
— Exatamente. — null sorriu de volta.
Conversaram por mais alguns minutos, até Thaty dizer que estava na hora de ir embora. As duas se levantaram, mas Anni paralisou no lugar quando viu algo no celular.
— Eita... Saiu um artigo sobre você, null. Você viu?
— Não... — null franziu o cenho. — Sobre o que é?
Meio hesitante, Anni mostrou a tela do celular para ela. null correu os olhos rapidamente pelo texto e enrijeceu no lugar.
null se inclinou atrás dela, a abraçando por trás e apoiando o queixo em seu ombro enquanto fingia ler.
— Hm, ela não mencionou a parte que null desmaiou em cima do cara — ele comentou, levantando o olhar para as meninas. — Foi nesse dia que ela passou mal e eu surtei. Acontece que ela já vinha mal desde cedo e desmaiou.
— Sério? — Thaty perguntou. — null, você tem que ter mais cuidado!
— Tá tudo bem agora, mas... Eu não dei em cima dele. Eu conheço esse namorado dela porque ele trabalhou na agência por um tempo. Desmaiei e meu batom manchou a camisa dele, ela entendeu tudo errado e...
— E bateu na null sem nem esperar ela falar — null concluiu, sério. — Esse artigo é malicioso, infantil e mentiroso. Eu vou cuidar disso.
— Como assim? — null se virou para ele.
— Eu já enviei pro meu advogado. A Hannah só pode ser muito ingênua se acha que pode mexer com você. Ela tá tentando te usar pra me atingir, null.
— Olha... Eu concordo. Nunca gostei daquela mulher — Thaty comentou. — E um monte de gente fala que ela é uma alpinista social.
— E tá claramente fazendo pouco caso do seu trabalho, null — Anni acrescentou. — O quê? Quer dizer que limpar casas te faz inferior? Que palhaça!
— Concordo, Anni — null disse. — Até porque se eu conquistei a null pelo estômago, acho que ela me conquistou deixando minha casa impecável de limpa — ele brincou, fazendo as meninas rirem, inclusive null.
— null diz isso pra disfarçar a mania de limpeza dele — ela comentou.
— Eu não tenho mania de limpeza!
— Tem sim! — As três afirmaram.
— Tá vendo? Todo mundo sabe disso, menos você.
— Bem, se é verdade, pelo menos me levou a conhecer você. — Ele se inclinou, dando um beijo na bochecha dela.
— Vocês são tão fofos — Anni disse.
— Verdade — Thaty concordou. — A gente já vai, null. Vê se ignora esses artigos idiotas. Essa doida tá com dor de cotovelo porque levou um fora do null.
— Concordo. — null sorriu outra vez. — Foi um prazer conhecer vocês, meninas. Apareçam mais vezes.
— Obrigada, você é muito gentil — Anni disse.
Eles se despediram rapidamente com um abraço e, no instante seguinte, null se viu sozinha com null.
— Antes de mais nada... Eu já tinha visto o artigo. E quis dizer tudo o que disse — ele deixou claro. — A Hannah não pode me atingir diretamente e tá te usando pra me irritar.
— Por quê? Achei que as coisas entre vocês já estavam resolvidas.
— E estão. Ela tá proibida de falar sobre mim na mídia. Mas acho que não aceita perder. Ela tá com o ego ferido porque eu mostrei que tenho provas das mentiras dela. Hannah começou a sair com o tal de John antes que eu terminasse com ela, null.
— Que idiota. Foi assim que vocês entraram num acordo, então?
— Sim, eu disse que não tocaria nesse assunto se ela admitisse as mentiras. Mas não tenho problema nenhum em enviar anonimamente pra um repórter, se ela continuar assim. Mas primeiro, vou fazer Derick entrar em contato com ela. Ela não tem nada a ver com você. E nem tem como provar que o que tá dizendo é verdade.
null respirou fundo, meio incomodada com aquele assunto — e com a exposição — e assentiu.
— Tá, me deixa saber de tudo, ok?
— Claro que sim, agora vem cá. — null abriu os braços. — Tô doido pra te dar um abraço desde a hora que cheguei, mas não quis arriscar te deixar sem jeito na frente das suas amigas.
null deu uma risadinha e, sem hesitar, deu um passo à frente e se perdeu nos braços dele mais uma vez.
***
26 de outubro de 2017, 16:47 - Apartamento de null, Nova York, NY
null tinha acabado de voltar para casa após fazer a limpeza no apartamento de null, quando se deparou com null perambulando pelo apartamento, tentando achar alguma coisa.
— O que você tá procurando? — ela perguntou, indo até a cozinha.
— Você viu a chave do meu carro? Não consigo achar.
— Antes de sair, eu vi ela no balcão. Você sempre deixa aqui. — Ela observou em volta, constatando que não estava.
— Pois é! Eu também vi, achei que tinha sido impressão minha. Eu tinha pensado em ir ao mercado e não consigo achar.
— Que estranho. Já olhou no sofá? Entre as almofadas?
— Já. Olhei até na geladeira.
— Hm... E você viu o Benny?
— Como assim, "vi o Benny"? Você fala como se aquele duende fosse se mover de... Não. — null cerrou os olhos. — Você acha que aquele projeto de demônio fez alguma coisa?
null suspirou, ignorando o xingamento.
— Ontem à noite, quando a gente foi no meu quarto, você xingou ele de novo. E você nunca dá oi pra ele. Talvez ele esteja chateado.
— Sério? Você acha mesmo que aquele troço escondeu a chave?
null deu de ombros.
— Sei lá. Você pode se desculpar com ele e ver. Diz que vai deixar uma maçã pra ele. Ou um docinho.
— null, não é hora de brincar. — null a encarou, sério. — Eu sei que você adora aquele boneco esquisito e tudo bem, ninguém é perfeito, mas... Você quer mesmo que eu acredite nisso?
— Não tô brincando. Se não foi o Benny e se você nunca perdeu essa chave nem mudou o canto onde guarda, então quem foi? Porque eu nem tava em casa. Além disso, você viu quando o Benny respirou na garrafa.
null a encarou com espanto. Ela tinha razão. Ele teria ouvido a porta abrir se null tivesse voltado. Mas só o pensamento daquele troço criando vida em sua casa já lhe causava arrepios.
— O que eu preciso fazer? — ele perguntou em meio a um suspiro, decidindo ceder.
— Eu vou buscar ele e vocês podem conversar.
Um minuto depois, null encarou com desconfiança o duende sorridente no sofá. Ao lado dele, null segurava um pacote de caramelos que tinha comprado outro dia.
Sem pensar muito, ele enfiou a mão para tirar alguns e, meio hesitante, colocou em frente ao duende.
— Isso daqui é uma oferta de paz, tá bom? — falou, meio arisco. — Se foi você que escondeu minha chave, é melhor devolver logo.
— Assim não, seu idiota! — null deu um tapa no braço dele. — Isso tá parecendo uma ameaça, não uma oferta de paz. Você tem que pedir desculpas.
— Certo. — null respirou fundo. — Desculpe por te xingar, Benny. Foi idiota e ignorante da minha parte porque eu me assustei quando você respirou na garrafa. Não tô tentando arranjar problemas com você, por mais que eu odeie ter que dividir a null... Enfim. Ela disse que você gosta de doces, então tô oferecendo isso pra me redimir. Agora, devolva minha chave!
null o cutucou com o cotovelo e sorriu para Benny.
— O que null quer dizer é que ele promete não te xingar mais se você cooperar, Benny. Então se foi você, por favor, devolva a chave. A gente precisa comprar mantimentos pra casa. Você não quer ficar sem frutas, né?
— E agora? O que a gente faz?
— Agora a gente espera, eu acho. — Ela deu de ombros. — Vou levar ele pro quarto e já volto.
Assim que null levantou, a campainha tocou.
— Você tá esperando alguém? — ela perguntou.
— Eu não. Será que é a null? Você não esqueceu nada lá em cima?
— Acho que não. — Ela franziu o cenho, tentando se lembrar.
— Vou ver, então. — Ele levantou, indo até a porta.
No entanto, assim que abriu, null arregalou os olhos. Um segundo depois, uma voz feminina melodiosa e nada feliz exclamou:
— null null, seu pequeno fujão!
As duas mulheres, que o encararam imóveis e levemente em choque, precisaram de alguns segundos para se recompor.
— Isso é real mesmo? — Anni perguntou, encarando null como se ele fosse um fantasma.
— É real sim — Thaty disse, o encarando também, e desviou o olhar para null. — Amiga, saber que você namora null null é bem diferente de testemunhar isso.
null riu, divertido.
— Desculpe ter aparecido sem avisar, meninas.
— Quê? Não, não — Anni disse, abanando as mãos.
— Você mora aqui — Thaty acrescentou. — Não se preocupe. Só fomos pegas de surpresa, mas null disse que você viria.
— Tudo bem, então. Vocês gostaram da sobremesa?
— Adoramos — elas responderam ao mesmo tempo.
— Eu tava indo buscar mais, você quer um pouco? — null ofereceu, pegando a bandeja de recipientes vazios.
— Quero sim. Vamos, deixa isso comigo. — Ele pegou a bandeja para que ela pudesse andar mais rápido.
Na cozinha, eles encheram os recipientes com mais mousse de maracujá, limão e ganache de chocolate.
— Foi tudo bem no seu compromisso? — null perguntou casualmente. null normalmente dizia para onde ia, mas de vez em quando aparecia um apenas "compromisso" que ele não falava sobre. Uma parte dela estava curiosa, mas não queria perguntar. Talvez fosse apenas algo aleatório, tipo uma reunião ou coisa assim.
— Uhum, tudo certo. Faz tempo que as meninas chegaram?
— Tá com uma meia hora, eu acho.
De volta à sala, alguns instantes depois, Anni e Thaty já estavam bem o suficiente para fazer perguntas.
— Então... Quer dizer que foi a null que apresentou vocês? — Thaty indagou com um sorriso.
— Sim, eu acabei trabalhando na casa dela pela agência de limpeza e null tava procurando alguém pra trabalhar aqui também — null disse.
Era parcialmente mentira, mas quem se importava?
Ao seu lado, null assentiu enquanto comia.
— Eu tive que correr atrás dela, sabe? null é bem durona. Até mandei uns mimos pro café uma vez, pra equipe toda, só porque ela não queria que eu a visitasse no trabalho.
— Sério? Quer dizer que foi você que enviou?
— Sim. — Ele sorriu e null rolou os olhos, tentando não fazer o mesmo.
— E faz tempo que vocês tão morando juntos? — Anni quis saber.
— Hm, algumas semanas, né? — Ele encarou null, incerto, e em seguida voltou a atenção para as meninas. — null tava procurando um lugar pra morar e depois de muita insistência, consegui convencer ela a vir pra cá.
— Nossa, que decisão difícil, hein, null? — Thaty sorriu, irônica.
null encolheu os ombros e sorriu, tímida.
— Eu tava sendo cuidadosa... Mas null é cuidadoso por nós dois juntos. — Ela o cutucou com o cotovelo.
— Ah, deve ser porque você é uma bomba-relógio ambulante, né? — Ela a encarou de olhos cerrados. — null passou mal uma vez na minha frente porque não tava se alimentando direito e eu surtei. Mas ela trata o coração dela como se não fosse grande coisa.
— Que bom que agora ele é seu — Anni brincou, com uma risadinha. — Agora você pode cuidar.
— Exatamente. — null sorriu de volta.
Conversaram por mais alguns minutos, até Thaty dizer que estava na hora de ir embora. As duas se levantaram, mas Anni paralisou no lugar quando viu algo no celular.
— Eita... Saiu um artigo sobre você, null. Você viu?
— Não... — null franziu o cenho. — Sobre o que é?
Meio hesitante, Anni mostrou a tela do celular para ela. null correu os olhos rapidamente pelo texto e enrijeceu no lugar.
null se inclinou atrás dela, a abraçando por trás e apoiando o queixo em seu ombro enquanto fingia ler.
— Hm, ela não mencionou a parte que null desmaiou em cima do cara — ele comentou, levantando o olhar para as meninas. — Foi nesse dia que ela passou mal e eu surtei. Acontece que ela já vinha mal desde cedo e desmaiou.
— Sério? — Thaty perguntou. — null, você tem que ter mais cuidado!
— Tá tudo bem agora, mas... Eu não dei em cima dele. Eu conheço esse namorado dela porque ele trabalhou na agência por um tempo. Desmaiei e meu batom manchou a camisa dele, ela entendeu tudo errado e...
— E bateu na null sem nem esperar ela falar — null concluiu, sério. — Esse artigo é malicioso, infantil e mentiroso. Eu vou cuidar disso.
— Como assim? — null se virou para ele.
— Eu já enviei pro meu advogado. A Hannah só pode ser muito ingênua se acha que pode mexer com você. Ela tá tentando te usar pra me atingir, null.
— Olha... Eu concordo. Nunca gostei daquela mulher — Thaty comentou. — E um monte de gente fala que ela é uma alpinista social.
— E tá claramente fazendo pouco caso do seu trabalho, null — Anni acrescentou. — O quê? Quer dizer que limpar casas te faz inferior? Que palhaça!
— Concordo, Anni — null disse. — Até porque se eu conquistei a null pelo estômago, acho que ela me conquistou deixando minha casa impecável de limpa — ele brincou, fazendo as meninas rirem, inclusive null.
— null diz isso pra disfarçar a mania de limpeza dele — ela comentou.
— Eu não tenho mania de limpeza!
— Tem sim! — As três afirmaram.
— Tá vendo? Todo mundo sabe disso, menos você.
— Bem, se é verdade, pelo menos me levou a conhecer você. — Ele se inclinou, dando um beijo na bochecha dela.
— Vocês são tão fofos — Anni disse.
— Verdade — Thaty concordou. — A gente já vai, null. Vê se ignora esses artigos idiotas. Essa doida tá com dor de cotovelo porque levou um fora do null.
— Concordo. — null sorriu outra vez. — Foi um prazer conhecer vocês, meninas. Apareçam mais vezes.
— Obrigada, você é muito gentil — Anni disse.
Eles se despediram rapidamente com um abraço e, no instante seguinte, null se viu sozinha com null.
— Antes de mais nada... Eu já tinha visto o artigo. E quis dizer tudo o que disse — ele deixou claro. — A Hannah não pode me atingir diretamente e tá te usando pra me irritar.
— Por quê? Achei que as coisas entre vocês já estavam resolvidas.
— E estão. Ela tá proibida de falar sobre mim na mídia. Mas acho que não aceita perder. Ela tá com o ego ferido porque eu mostrei que tenho provas das mentiras dela. Hannah começou a sair com o tal de John antes que eu terminasse com ela, null.
— Que idiota. Foi assim que vocês entraram num acordo, então?
— Sim, eu disse que não tocaria nesse assunto se ela admitisse as mentiras. Mas não tenho problema nenhum em enviar anonimamente pra um repórter, se ela continuar assim. Mas primeiro, vou fazer Derick entrar em contato com ela. Ela não tem nada a ver com você. E nem tem como provar que o que tá dizendo é verdade.
null respirou fundo, meio incomodada com aquele assunto — e com a exposição — e assentiu.
— Tá, me deixa saber de tudo, ok?
— Claro que sim, agora vem cá. — null abriu os braços. — Tô doido pra te dar um abraço desde a hora que cheguei, mas não quis arriscar te deixar sem jeito na frente das suas amigas.
null deu uma risadinha e, sem hesitar, deu um passo à frente e se perdeu nos braços dele mais uma vez.
26 de outubro de 2017, 16:47 - Apartamento de null, Nova York, NY
null tinha acabado de voltar para casa após fazer a limpeza no apartamento de null, quando se deparou com null perambulando pelo apartamento, tentando achar alguma coisa.
— O que você tá procurando? — ela perguntou, indo até a cozinha.
— Você viu a chave do meu carro? Não consigo achar.
— Antes de sair, eu vi ela no balcão. Você sempre deixa aqui. — Ela observou em volta, constatando que não estava.
— Pois é! Eu também vi, achei que tinha sido impressão minha. Eu tinha pensado em ir ao mercado e não consigo achar.
— Que estranho. Já olhou no sofá? Entre as almofadas?
— Já. Olhei até na geladeira.
— Hm... E você viu o Benny?
— Como assim, "vi o Benny"? Você fala como se aquele duende fosse se mover de... Não. — null cerrou os olhos. — Você acha que aquele projeto de demônio fez alguma coisa?
null suspirou, ignorando o xingamento.
— Ontem à noite, quando a gente foi no meu quarto, você xingou ele de novo. E você nunca dá oi pra ele. Talvez ele esteja chateado.
— Sério? Você acha mesmo que aquele troço escondeu a chave?
null deu de ombros.
— Sei lá. Você pode se desculpar com ele e ver. Diz que vai deixar uma maçã pra ele. Ou um docinho.
— null, não é hora de brincar. — null a encarou, sério. — Eu sei que você adora aquele boneco esquisito e tudo bem, ninguém é perfeito, mas... Você quer mesmo que eu acredite nisso?
— Não tô brincando. Se não foi o Benny e se você nunca perdeu essa chave nem mudou o canto onde guarda, então quem foi? Porque eu nem tava em casa. Além disso, você viu quando o Benny respirou na garrafa.
null a encarou com espanto. Ela tinha razão. Ele teria ouvido a porta abrir se null tivesse voltado. Mas só o pensamento daquele troço criando vida em sua casa já lhe causava arrepios.
— O que eu preciso fazer? — ele perguntou em meio a um suspiro, decidindo ceder.
— Eu vou buscar ele e vocês podem conversar.
Um minuto depois, null encarou com desconfiança o duende sorridente no sofá. Ao lado dele, null segurava um pacote de caramelos que tinha comprado outro dia.
Sem pensar muito, ele enfiou a mão para tirar alguns e, meio hesitante, colocou em frente ao duende.
— Isso daqui é uma oferta de paz, tá bom? — falou, meio arisco. — Se foi você que escondeu minha chave, é melhor devolver logo.
— Assim não, seu idiota! — null deu um tapa no braço dele. — Isso tá parecendo uma ameaça, não uma oferta de paz. Você tem que pedir desculpas.
— Certo. — null respirou fundo. — Desculpe por te xingar, Benny. Foi idiota e ignorante da minha parte porque eu me assustei quando você respirou na garrafa. Não tô tentando arranjar problemas com você, por mais que eu odeie ter que dividir a null... Enfim. Ela disse que você gosta de doces, então tô oferecendo isso pra me redimir. Agora, devolva minha chave!
null o cutucou com o cotovelo e sorriu para Benny.
— O que null quer dizer é que ele promete não te xingar mais se você cooperar, Benny. Então se foi você, por favor, devolva a chave. A gente precisa comprar mantimentos pra casa. Você não quer ficar sem frutas, né?
— E agora? O que a gente faz?
— Agora a gente espera, eu acho. — Ela deu de ombros. — Vou levar ele pro quarto e já volto.
Assim que null levantou, a campainha tocou.
— Você tá esperando alguém? — ela perguntou.
— Eu não. Será que é a null? Você não esqueceu nada lá em cima?
— Acho que não. — Ela franziu o cenho, tentando se lembrar.
— Vou ver, então. — Ele levantou, indo até a porta.
No entanto, assim que abriu, null arregalou os olhos. Um segundo depois, uma voz feminina melodiosa e nada feliz exclamou:
— null null, seu pequeno fujão!
Capítulo 32
null encarou a mãe, meio paralisado.
Atrás dele, null observou a mulher com curiosidade. Tinha o cabelo castanho, cortado na altura dos ombros. De altura mediana, assim como ela, mas que perto do filho parecia um chaveirinho.
— Será possível que vou ter que marcar um horário pra poder ver meu próprio filho?! Tô ocupado aqui, tô ocupado ali! Bem, eu falei com null e ele disse que hoje você estava em casa.
— Oi, mãe. — null finalmente disse, forçando um sorriso.
— Oi, meu bem. — Ela o puxou para um abraço, mas logo se afastou quando seus olhos se voltaram para null. — E você deve ser null! null me falou sobre você. Meu nome é Linda.
— Olá. — null a cumprimentou com um sorriso, no mesmo instante que a mulher a puxou para um abraço.
— Não acredito que você arranjou uma namorada e nem apresentou pra mim, null — Ela disse ao filho, fingindo mágoa.
— Desculpa, mãe. Na verdade, eu tava pensando em fazer isso antes, mas a null machucou o pé e... Enfim, acabei esquecendo.
— E como está esse pé, hein? — ela perguntou à nora, avaliando a bota imobilizadora.
— Bem, foi só uma torção. — null encolheu os ombros.
— E esse fofinho, quem é? — Linda encarou Benny com curiosidade.
— É o Benny. Ele é um duende de-
— Um duende de garrafa? — ela perguntou, com entusiasmo. — Já ouvi falar deles, como é ter um?
— Tranquilo, mas null não gosta dele.
— Por que não? Olha essas bochechas, que fofas! — Ela segurou o boneco, o analisando com cuidado. — Oi, Benny.
— Olha, eu não... — null começou a falar, mas sua voz morreu quando seu olhar se voltou para o balcão. — null! A chave! — Ele apontou, sem acreditar.
— Pelo visto o Benny te perdoou — A namorada brincou.
Linda encarou os dois com confusão no olhar, até que null contou o que tinha acontecido.
Não demorou nada para as duas engatarem em uma conversa sobre diversos assuntos; roupas, comida, coisas esotéricas que gostavam em comum... Linda era adorável, e null achou que não havia palavra melhor para descrevê-la.
Também foi a primeira vez que viu null parecer mais jovem do que era. Perto da mãe, ele era apenas seu filhinho que aceitava tudo o que ela dizia e mesmo quando tentava retrucar, não conseguia ganhar uma discussão com ela.
Ele até tentou discutir sobre Benny, mas a mãe derrubou seus argumentos com poucas palavras.
Quando foi embora, cerca de uma hora depois, Linda já tinha feito seu papel de mãe ao mostrar fotos de null quando era criança e contar algumas situações vergonhosas que o deixaram vermelho só de ouvir, o que arrancou boas risadas das duas.
Meia hora mais tarde, de volta à programação normal, null estava empurrando um carrinho de supermercado enquanto null checava a lista que ele tinha escrito mais cedo.
— Como você consegue andar tão normalmente aqui? — ela perguntou de repente, o encarando de cima a baixo.
Ele usava roupas casuais, com um moletom cinza aberto e um boné preto.
— As pessoas tão mais preocupadas com as próprias coisas aqui. Ninguém vem ao mercado sem um objetivo. E tem muitas famílias, gente que nem se importa com a indústria da música.
— Não tem como você saber. Pelo que vi, vocês têm fãs de todas as idades. Eu reconheceria você até de máscara.
— Ah, não ia não — ele retrucou com um sorriso. — Você nem olha pras pessoas quando passa por elas, null, imagina alguém que tá de máscara.
— É claro que olho. Às vezes.
— Bem, de todo modo, acho que você faz parte da maioria desinteressada. Eu sou só mais uma pessoa aqui no meio de dezenas de outras.
— É... Tem razão. Mas duvido que alguém não fosse reparar em você se tivesse arrumado.
— Então que bom que hoje eu não tô. Porque só tem uma pessoa que quero que repare em mim e ela tá bem na minha frente.
null riu pelo nariz e rolou os olhos.
— Anda logo, a gente precisa terminar isso e voltar pra casa. Quero fazer pizza do jeitinho brasileiro. Por que você não vai ver se tem aquele chocolate, enquanto eu continuo aqui?
— Beleza.
Alguns minutos depois que null se afastou, null estava riscando alguns itens da lista de compras quando ouviu seu nome ser chamado.
— null! Como você tá? — John apareceu ao seu lado com um sorriso e a cumprimentou com um abraço. Por cima do ombro dele, ela viu null se aproximando com o cenho franzido.
— Oi, John. Bem, e você? — Ela sorriu de volta.
— Também, só um pouco sem tempo com o novo trabalho. O que houve com o seu pé?
— Ah, foi só uma torção. Nada de mais — ela respondeu, seu olhar desviando para o homem de semblante sério andando em sua direção.
— Achei esse aqui, será que serve? — null perguntou, mostrando três barras de chocolate meio amargo com castanhas.
— Claro, tá ótimo. — Ela sorriu e indicou John com a mão. — null, esse é o John. A gente trabalhou por um tempo na mesma agência...
— Oi. — O namorado acenou com a cabeça, sem fazer questão de ser simpático. Sabia muito bem que era aquele John.
— E aí, cara? — John o cumprimentou de volta, antes de voltar a atenção para null. — Eu vi o artigo que saiu sobre você. Sinto muito, null. A Hannah tava maluca naquele dia. Faz um tempinho que nós terminamos e... Acho que ela ficou meio obcecada por você, cara — ele disse a null, que arqueou uma sobrancelha.
— Obcecada? Até onde sei, ela se envolveu com você enquanto ainda tava comigo — ele rebateu.
John suspirou.
— Pois é. Sinto muito. Mas acho que fui só um estepe pra ela. Hannah ficou bolada quando você terminou as coisas. Não parava de falar de você. — Ele deu de ombros. — Acho que agora ficou pior, já que tá atacando até a null.
— Eu vou me resolver com ela — null garantiu.
John assentiu, com um sorriso fechado.
— Sim, é bom. Tenho que ir. Foi bom ver você, null. Você parece ótima.
— Você também, John. Até mais.
***
— Por que você ainda tá de cara fechada? — null perguntou a null, enquanto abria a massa de uma das pizzas. — Já faz tempo que a gente chegou e você tá assim. Por que não diz logo o que quer?
null suspirou, meio inquieto, mas resolveu seguir o conselho.
— Eu só acho que não tinha necessidade daquele cara sair agarrando você daquele jeito quando te viu. Não é como se vocês fossem amigos próximos nem nada...
— Então é por isso? Ficou emburrado por que um cara me abraçou?
— Não posso? Eu não tava reclamando, você que quis que eu falasse. Não sou obrigado a gostar disso, null.
— Você... É muito ciumento. Até demais pra alguém que vivia fugindo de relacionamentos.
null fez uma careta, terminando de cortar algumas frutas.
— A diferença é que eu amo você e não pretendo te dividir com ninguém.
— Ninguém? E se eu tiver amigos?
— Se forem amigos mesmo, eu divido. Mas nada de John ou Jesse.
— Eita. Isso é meio problemático, sabia? — ela brincou. — E se eu precisar dançar com o Jesse de novo?
— Então não me conte que vai dançar com ele. Melhor eu não saber mesmo. — Ele deu de ombros.
null riu baixinho.
— Acho que você já cortou morangos suficientes. — Ela apontou com a cabeça para a pilha na frente dele. — Me ajuda com a massa.
— Você faz parecer isso mais fácil do que é.
— Falou o cara que vive testando receitas.
— Tem certeza que não trabalhou em nenhuma pizzaria antes?
— Absoluta. Mas minha tia me ensinou muita coisa, uma delas foi pizza. Você vai ver, essa massa é muito boa.
***
— Nunca pensei que eu fosse falar isso, mas a pizza brasileira é realmente melhor do que a de Nova York — null comentou impressionada, fazendo null rir.
— Isso porque você não viu o cachorro-quente. É super incrementado.
— Então já coloca na lista pra fazer pra gente depois — null disse. — Quem diria que null ia arranjar uma namorada que gostasse de cozinhar tanto quanto ele.
— Eu tava sentindo falta disso — null comentou. — Fazia tempo que eu não cozinhava e o último ano foi... Bem corrido.
— Deve ter sido difícil — null disse. — Juro que não sei como você aguentou aquela rotina por tanto tempo.
— Nem o cardiologista dela sabe, null — null acrescentou. — Mas aparentemente a gente conseguiu parar isso a tempo dela colapsar. Pelo menos depois do ajuste das medicações, ela não tem apresentado tantos sintomas.
— E também foi forçada a dar uma pausa por causa do pé — null disse. — Talvez tenha sido pra melhor, afinal. Você ainda vai voltar pro Café, null?
— Claro. Eu gosto de trabalhar lá, é divertido. Foi meu primeiro emprego quando vim morar aqui e na época, a cafeteria só tinha uns seis meses desde a inauguração.
— Eu sempre gostei de lá. Tem muitas opções de bebidas e coisinhas pra comer — null comentou. — Acho que você podia até dar a ideia deles inserirem algo com brigadeiro no cardápio. Se for que nem o que você colocou nessa pizza doce, aposto que vai vender muito.
— É uma boa ideia. — null sorriu. — Acho que vou falar com minha gerente.
— Aproveita e sugere aqueles biscoitinhos salgados com queijo que você fez outro dia — null sugeriu. — São muito fáceis de fazer também.
null sentiu o peito inchar de satisfação.
Era bom saber que ele havia gostado tanto das comidas brasileiras que ela tinha feito até agora. De todas as coisas que gostava do Brasil, a comida era a melhor delas, do que mais sentia falta. Ter com quem dividir aquele pedacinho dela, de onde tinha vindo, era reconfortante e deixava seu coração quentinho.
null nunca tinha pensado muito sobre como seria amar alguém. Às vezes, lia um romance ou outro que lhe arrancava alguns suspiros e a fazia sonhar, mas aquilo também tinha deixado de acontecer há algum tempo.
Só que viver na pele, se sentir querida e amada por alguém, era completamente diferente do que tinha idealizado enquanto mergulhava em histórias fictícias.
Era melhor e definitivamente especial, como algo que ela nunca havia sentido antes. E sempre que olhava para null, com seu sorriso de covinhas e seus olhos azuis encantadores, null sentia vontade de lhe abraçar e encher de beijinhos só porque sim. Até quando ele era um ciumento idiota, porque além disso, era meio fofo também.
Depois de uma noite repleta de pizzas bem recheadas e conversas animadas, null e null foram embora, deixando null e null para trás com um sorriso em seus rostos.
null mal tinha fechado a porta quando seu celular começou a tocar.
— Quem é? — null perguntou. — Já são onze horas.
— Logan — ele respondeu, depois de uma rápida olhada na tela do celular. Em seguida, atendeu, e colocou no auto falante. — Oi, aconteceu alguma coisa?
— Ah, nada de mais. Só Tony querendo ver vocês dois, sabe? De preferência, amanhã à noite. Ele tá com a cópia do testamento original e quer conversar com null sobre denunciar a família malvada.
— Amanhã? — null perguntou. Àquela altura, já haviam se passado dias e só então ele entrava em contato para ajudar com algo?
— Tudo bem, Logan. Vou levar meu advogado junto, só por precaução. Derick vai saber o que fazer com essa papelada.
— Tá, eu mando o endereço por mensagem.
E desligou.
— Será que ele vai ajudar a gente? — null perguntou.
null a encarou por um momento.
— Bem, eu espero que sim.
Atrás dele, null observou a mulher com curiosidade. Tinha o cabelo castanho, cortado na altura dos ombros. De altura mediana, assim como ela, mas que perto do filho parecia um chaveirinho.
— Será possível que vou ter que marcar um horário pra poder ver meu próprio filho?! Tô ocupado aqui, tô ocupado ali! Bem, eu falei com null e ele disse que hoje você estava em casa.
— Oi, mãe. — null finalmente disse, forçando um sorriso.
— Oi, meu bem. — Ela o puxou para um abraço, mas logo se afastou quando seus olhos se voltaram para null. — E você deve ser null! null me falou sobre você. Meu nome é Linda.
— Olá. — null a cumprimentou com um sorriso, no mesmo instante que a mulher a puxou para um abraço.
— Não acredito que você arranjou uma namorada e nem apresentou pra mim, null — Ela disse ao filho, fingindo mágoa.
— Desculpa, mãe. Na verdade, eu tava pensando em fazer isso antes, mas a null machucou o pé e... Enfim, acabei esquecendo.
— E como está esse pé, hein? — ela perguntou à nora, avaliando a bota imobilizadora.
— Bem, foi só uma torção. — null encolheu os ombros.
— E esse fofinho, quem é? — Linda encarou Benny com curiosidade.
— É o Benny. Ele é um duende de-
— Um duende de garrafa? — ela perguntou, com entusiasmo. — Já ouvi falar deles, como é ter um?
— Tranquilo, mas null não gosta dele.
— Por que não? Olha essas bochechas, que fofas! — Ela segurou o boneco, o analisando com cuidado. — Oi, Benny.
— Olha, eu não... — null começou a falar, mas sua voz morreu quando seu olhar se voltou para o balcão. — null! A chave! — Ele apontou, sem acreditar.
— Pelo visto o Benny te perdoou — A namorada brincou.
Linda encarou os dois com confusão no olhar, até que null contou o que tinha acontecido.
Não demorou nada para as duas engatarem em uma conversa sobre diversos assuntos; roupas, comida, coisas esotéricas que gostavam em comum... Linda era adorável, e null achou que não havia palavra melhor para descrevê-la.
Também foi a primeira vez que viu null parecer mais jovem do que era. Perto da mãe, ele era apenas seu filhinho que aceitava tudo o que ela dizia e mesmo quando tentava retrucar, não conseguia ganhar uma discussão com ela.
Ele até tentou discutir sobre Benny, mas a mãe derrubou seus argumentos com poucas palavras.
Quando foi embora, cerca de uma hora depois, Linda já tinha feito seu papel de mãe ao mostrar fotos de null quando era criança e contar algumas situações vergonhosas que o deixaram vermelho só de ouvir, o que arrancou boas risadas das duas.
Meia hora mais tarde, de volta à programação normal, null estava empurrando um carrinho de supermercado enquanto null checava a lista que ele tinha escrito mais cedo.
— Como você consegue andar tão normalmente aqui? — ela perguntou de repente, o encarando de cima a baixo.
Ele usava roupas casuais, com um moletom cinza aberto e um boné preto.
— As pessoas tão mais preocupadas com as próprias coisas aqui. Ninguém vem ao mercado sem um objetivo. E tem muitas famílias, gente que nem se importa com a indústria da música.
— Não tem como você saber. Pelo que vi, vocês têm fãs de todas as idades. Eu reconheceria você até de máscara.
— Ah, não ia não — ele retrucou com um sorriso. — Você nem olha pras pessoas quando passa por elas, null, imagina alguém que tá de máscara.
— É claro que olho. Às vezes.
— Bem, de todo modo, acho que você faz parte da maioria desinteressada. Eu sou só mais uma pessoa aqui no meio de dezenas de outras.
— É... Tem razão. Mas duvido que alguém não fosse reparar em você se tivesse arrumado.
— Então que bom que hoje eu não tô. Porque só tem uma pessoa que quero que repare em mim e ela tá bem na minha frente.
null riu pelo nariz e rolou os olhos.
— Anda logo, a gente precisa terminar isso e voltar pra casa. Quero fazer pizza do jeitinho brasileiro. Por que você não vai ver se tem aquele chocolate, enquanto eu continuo aqui?
— Beleza.
Alguns minutos depois que null se afastou, null estava riscando alguns itens da lista de compras quando ouviu seu nome ser chamado.
— null! Como você tá? — John apareceu ao seu lado com um sorriso e a cumprimentou com um abraço. Por cima do ombro dele, ela viu null se aproximando com o cenho franzido.
— Oi, John. Bem, e você? — Ela sorriu de volta.
— Também, só um pouco sem tempo com o novo trabalho. O que houve com o seu pé?
— Ah, foi só uma torção. Nada de mais — ela respondeu, seu olhar desviando para o homem de semblante sério andando em sua direção.
— Achei esse aqui, será que serve? — null perguntou, mostrando três barras de chocolate meio amargo com castanhas.
— Claro, tá ótimo. — Ela sorriu e indicou John com a mão. — null, esse é o John. A gente trabalhou por um tempo na mesma agência...
— Oi. — O namorado acenou com a cabeça, sem fazer questão de ser simpático. Sabia muito bem que era aquele John.
— E aí, cara? — John o cumprimentou de volta, antes de voltar a atenção para null. — Eu vi o artigo que saiu sobre você. Sinto muito, null. A Hannah tava maluca naquele dia. Faz um tempinho que nós terminamos e... Acho que ela ficou meio obcecada por você, cara — ele disse a null, que arqueou uma sobrancelha.
— Obcecada? Até onde sei, ela se envolveu com você enquanto ainda tava comigo — ele rebateu.
John suspirou.
— Pois é. Sinto muito. Mas acho que fui só um estepe pra ela. Hannah ficou bolada quando você terminou as coisas. Não parava de falar de você. — Ele deu de ombros. — Acho que agora ficou pior, já que tá atacando até a null.
— Eu vou me resolver com ela — null garantiu.
John assentiu, com um sorriso fechado.
— Sim, é bom. Tenho que ir. Foi bom ver você, null. Você parece ótima.
— Você também, John. Até mais.
— Por que você ainda tá de cara fechada? — null perguntou a null, enquanto abria a massa de uma das pizzas. — Já faz tempo que a gente chegou e você tá assim. Por que não diz logo o que quer?
null suspirou, meio inquieto, mas resolveu seguir o conselho.
— Eu só acho que não tinha necessidade daquele cara sair agarrando você daquele jeito quando te viu. Não é como se vocês fossem amigos próximos nem nada...
— Então é por isso? Ficou emburrado por que um cara me abraçou?
— Não posso? Eu não tava reclamando, você que quis que eu falasse. Não sou obrigado a gostar disso, null.
— Você... É muito ciumento. Até demais pra alguém que vivia fugindo de relacionamentos.
null fez uma careta, terminando de cortar algumas frutas.
— A diferença é que eu amo você e não pretendo te dividir com ninguém.
— Ninguém? E se eu tiver amigos?
— Se forem amigos mesmo, eu divido. Mas nada de John ou Jesse.
— Eita. Isso é meio problemático, sabia? — ela brincou. — E se eu precisar dançar com o Jesse de novo?
— Então não me conte que vai dançar com ele. Melhor eu não saber mesmo. — Ele deu de ombros.
null riu baixinho.
— Acho que você já cortou morangos suficientes. — Ela apontou com a cabeça para a pilha na frente dele. — Me ajuda com a massa.
— Você faz parecer isso mais fácil do que é.
— Falou o cara que vive testando receitas.
— Tem certeza que não trabalhou em nenhuma pizzaria antes?
— Absoluta. Mas minha tia me ensinou muita coisa, uma delas foi pizza. Você vai ver, essa massa é muito boa.
— Nunca pensei que eu fosse falar isso, mas a pizza brasileira é realmente melhor do que a de Nova York — null comentou impressionada, fazendo null rir.
— Isso porque você não viu o cachorro-quente. É super incrementado.
— Então já coloca na lista pra fazer pra gente depois — null disse. — Quem diria que null ia arranjar uma namorada que gostasse de cozinhar tanto quanto ele.
— Eu tava sentindo falta disso — null comentou. — Fazia tempo que eu não cozinhava e o último ano foi... Bem corrido.
— Deve ter sido difícil — null disse. — Juro que não sei como você aguentou aquela rotina por tanto tempo.
— Nem o cardiologista dela sabe, null — null acrescentou. — Mas aparentemente a gente conseguiu parar isso a tempo dela colapsar. Pelo menos depois do ajuste das medicações, ela não tem apresentado tantos sintomas.
— E também foi forçada a dar uma pausa por causa do pé — null disse. — Talvez tenha sido pra melhor, afinal. Você ainda vai voltar pro Café, null?
— Claro. Eu gosto de trabalhar lá, é divertido. Foi meu primeiro emprego quando vim morar aqui e na época, a cafeteria só tinha uns seis meses desde a inauguração.
— Eu sempre gostei de lá. Tem muitas opções de bebidas e coisinhas pra comer — null comentou. — Acho que você podia até dar a ideia deles inserirem algo com brigadeiro no cardápio. Se for que nem o que você colocou nessa pizza doce, aposto que vai vender muito.
— É uma boa ideia. — null sorriu. — Acho que vou falar com minha gerente.
— Aproveita e sugere aqueles biscoitinhos salgados com queijo que você fez outro dia — null sugeriu. — São muito fáceis de fazer também.
null sentiu o peito inchar de satisfação.
Era bom saber que ele havia gostado tanto das comidas brasileiras que ela tinha feito até agora. De todas as coisas que gostava do Brasil, a comida era a melhor delas, do que mais sentia falta. Ter com quem dividir aquele pedacinho dela, de onde tinha vindo, era reconfortante e deixava seu coração quentinho.
null nunca tinha pensado muito sobre como seria amar alguém. Às vezes, lia um romance ou outro que lhe arrancava alguns suspiros e a fazia sonhar, mas aquilo também tinha deixado de acontecer há algum tempo.
Só que viver na pele, se sentir querida e amada por alguém, era completamente diferente do que tinha idealizado enquanto mergulhava em histórias fictícias.
Era melhor e definitivamente especial, como algo que ela nunca havia sentido antes. E sempre que olhava para null, com seu sorriso de covinhas e seus olhos azuis encantadores, null sentia vontade de lhe abraçar e encher de beijinhos só porque sim. Até quando ele era um ciumento idiota, porque além disso, era meio fofo também.
Depois de uma noite repleta de pizzas bem recheadas e conversas animadas, null e null foram embora, deixando null e null para trás com um sorriso em seus rostos.
null mal tinha fechado a porta quando seu celular começou a tocar.
— Quem é? — null perguntou. — Já são onze horas.
— Logan — ele respondeu, depois de uma rápida olhada na tela do celular. Em seguida, atendeu, e colocou no auto falante. — Oi, aconteceu alguma coisa?
— Ah, nada de mais. Só Tony querendo ver vocês dois, sabe? De preferência, amanhã à noite. Ele tá com a cópia do testamento original e quer conversar com null sobre denunciar a família malvada.
— Amanhã? — null perguntou. Àquela altura, já haviam se passado dias e só então ele entrava em contato para ajudar com algo?
— Tudo bem, Logan. Vou levar meu advogado junto, só por precaução. Derick vai saber o que fazer com essa papelada.
— Tá, eu mando o endereço por mensagem.
E desligou.
— Será que ele vai ajudar a gente? — null perguntou.
null a encarou por um momento.
— Bem, eu espero que sim.
Capítulo 33
27 de outubro de 2017, 20:43 - Restaurante japonês Sakura, Nova York, NY
Em todos os anos que morava naquele país, null só tinha encontrado Anthony Sharpe três vezes, todas as três nos aniversários de seu pai.
Embora fosse o braço direito dele e um amigo próximo, Tony nunca foi de frequentar a casa de Peter; não que ela tenha visto, pelo menos. Sabia que eles dois saíam para beber às vezes, mas o Sr. Sharpe não parecia fazer questão de interagir com a família. null não sabia se existia ou não algum motivo pessoal para isso, mas descobrir que ele tinha uma cópia do testamento original de seu pai havia sido uma surpresa.
E a razão por não ter revelado aquilo antes era a mesma que tinha contado a Logan: Tony simplesmente não sabia.
— Charlie me fez acreditar que você tinha deixado ele cuidar dos negócios, null — ele esclareceu, alguns momentos depois.
Estavam apenas ele, null, null e Derick em uma salinha privada de um restaurante japonês, mas mal tinham tocado na comida.
— Como assim? — null franziu o cenho, confusa. — Eu não falei nada, eu nem sabia de nada disso.
— Ele disse que você preferiu cuidar da cafeteria porque não tinha formação em administração, e como já trabalhava lá...
— Espera aí, que cafeteria? Eu só trabalhei em uma desde que vim morar aqui.
— E ela pertence ao grupo null. Seu pai nunca contou? — Tony perguntou, surpreso. null negou com a cabeça. — Peter estava tentando expandir os negócios para outros ramos, mas ele não era do tipo ousado, então quis começar com um Café. Seis meses depois da inauguração, ele me disse que você tinha começado a trabalhar meio período lá.
— Como é? Quer dizer que... Esse tempo todo... Eu consegui o emprego por causa dele?
— Eu não diria isso. Estavam precisando de funcionários na época e você queria trabalhar, você não foi a única contratada, correto?
Não, ela não tinha sido a única. Mas...
— Por que ele nunca me contou isso? — ela perguntou, mais para si mesma do que para ele.
— Acho que ele não queria que você se sentisse desconfortável. Ou os outros funcionários. De todo modo, ele queria tratamento igualitário, assim como é na empresa, com Charlie.
— A minha chefe sabe que eu era filha dele?
— Sim, mas ela é a única. E foi instruída para não demonstrar isso na frente dos outros funcionários. De todo modo, você é a dona do lugar, está bem aqui. — Ele deu batidinhas com o dedo no envelope fechado em frente a eles.
— Posso dar uma olhada nisso? — Derick pediu.
Tony assentiu e null encarou null enquanto o advogado abria o arquivo e começava a ler em voz alta. A cada nova linha lida, os olhos dela ficaram ainda maiores de surpresa ao constatar que aquele documento não tinha nada a ver com o que tinha sido lido após o funeral de seu pai.
— Quer dizer que a esposa e os enteados possuem algumas ações na empresa e a casa? — null perguntou.
— Sim, mas as ações de Peter foram deixadas para null, assim como setenta por cento de sua fortuna e um apartamento em Manhattan, que ele estava planejando dar de presente a ela no aniversário de vinte e sete anos — Derick confirmou.
— O restante foi dividido com a família e alguns funcionários — Anthony acrescentou. — Mas então Logan apareceu dizendo que era seu tio e me contou como você estava vivendo, null. Me sinto idiota por não ter pensado em verificar a veracidade dos documentos que Charlie apresentou, mas achei apenas que você não estivesse interessada nos negócios da empresa, e você fazia faculdade... Seu pai vivia dizendo que você adorava dançar.
— Eu... — null respirou fundo, sentindo o coração acelerar. — O que nós podemos fazer agora? Ainda dá tempo de recorrer a alguma coisa?
— Claro que dá — Tony garantiu. — Vamos abrir um processo contra Sandra, Charlie, Claire e o advogado envolvido na leitura do testamento.
— Podemos fazer isso hoje mesmo — Derick disse. — Não é só você que foi injustiçada, null.
— Verdade, null — null concordou. — A Lucy e outros funcionários também herdaram algumas coisas, mas aqueles quatro mentiram descaradamente pra todo mundo.
— Eu quero acrescentar mais uma denúncia — Tony disse, tirando um dispositivo USB do bolso interno do paletó. — Tenho quase certeza de que Charlie anda subornando funcionários pra votarem nele como novo presidente, e acho que anda desviando dinheiro da empresa pra fazer isso. Algumas contas não batem. Por favor, dê uma olhada nisso, Derick. Eu pediria para alguém da equipe jurídica, mas depois do que Logan me contou, duvido que possa confiar em alguém da empresa.
— Obrigada por isso, Tony — null disse. — Eu nunca saberia se não fosse por vocês. Achei mesmo que meu pai não tinha me incluído no testamento.
— De jeito nenhum, null. Por que ele deixaria a única filha biológica de fora? Se eu soubesse antes... Se eu tivesse me aproximado mais de você quando ele ainda era vivo... Talvez tivesse sido melhor — ele comentou, com pesar. — Mas Charlie e Sandra me garantiram que você estava bem, então...
— Não foi culpa sua — ela se apressou em dizer. — Acho que eu que fui ingênua demais e não corri atrás. Acabei me afundando em trabalho depois, e mal tinha tempo pra pensar.
— Espero que as coisas se resolvam em breve. — Tony apertou a mão dela em cima da mesa. — Você é uma boa garota, null.
null assentiu, sentindo os olhos arderem, mas não disse mais nada, com medo de desmoronar ali mesmo caso deixasse escapar mais uma palavra que fosse.
Seu pai não a tinha deixado desamparada. Havia sido tudo um mal-entendido, provocado propositalmente por sua família mesquinha e maldosa. Ela devia ter desconfiado de tudo aquilo quando os viu derramar apenas algumas lágrimas em seu funeral, mas estava ocupada demais lidando com o próprio luto e em arrumar novos empregos, após a leitura do falso testamento.
Que aqueles três tivessem o que mereciam, então. Ela não faria acordos nem aceitaria qualquer pedido de perdão. E deixou isso claro para Derick antes de deixar o restaurante com null naquela noite.
— Você tá bem? — ele perguntou, quando estavam a caminho de casa.
— Tô sim. Só... Bem surpresa, eu acho. Eu não tava esperando aquilo tudo. Eu meio que tinha um pouco de noção do dinheiro do meu pai, mas... Sei lá, acho que eu tinha me acostumado à ideia de ter sido negligenciada.
— E ainda tem aqueles três pilantras. Quatro, se contar com o advogado. Seu pai não devia confiar totalmente no cara se deu uma cópia autenticada do testamento pro Tony.
— E acho que o Charlie foi esperto com isso também. Ele podia não saber disso, mas Tony era próximo do meu pai, então deu um jeito de fingir cumprir o que tinha no testamento original. Isso é tão ridículo que parece coisa de novela.
— Segundo Derick, acontece mais vezes do que a gente pensa — null comentou, de olho na estrada. — Mas você ouviu... A parte da herança que seu pai deixou pra eles ainda é deles, mesmo que tenham cometido crimes.
— É, eu sei.
— Mas considerando que você vai ferrar os três, talvez precisem se desfazer de uma parte pra pagar fiança, indenização ou algo assim, dependendo do que o juiz exigir.
— Pois é... — null franziu o cenho, olhando para frente. — Espero que eles se ferrem. Aposto que tavam só esperando eu ter o mesmo rumo do meu pai pra ficarem com tudo de vez e, por isso, me removeram do plano de saúde.
— Vamos fazer eles pagarem, null.
— Ah, vamos sim. — Ela sorriu, vingativa. — E nada de acordos pros sanguessugas!
***
30 de outubro de 2017, 23:37 - Apartamento de null, Nova York, NY
— O que você acha? — null perguntou, assim que o vídeo encerrou.
Fazia alguns dias desde o encontro com Tony e enquanto Derick trabalhava no processo relativo ao testamento de seu pai, null se lembrou da ideia de criar um canal no YouTube. No entanto, diante de toda a situação com null, achou melhor usar Cindy Lee como pseudônimo, e o primeiro vídeo que publicou foi na sala de ensaios do Veil of Secrets, dançando “null” de Bishop Briggs em uma cadeira. Estava de máscara e peruca, pois sempre fazia uma parte dos ensaios vestida de Cindy para ver como suas expressões faciais estavam.
— Eu achei lindo. E fiquei com inveja dessa cadeira — null disse, com um sorriso. — Eu preferia você dançando sentada em mim e não nela — ele acrescentou, descaradamente.
null riu pelo nariz e pegou o celular de volta, antes de se jogar no sofá ao lado dele.
— Isso me lembra uma coisa — Ela o encarou.
— O quê?
— Eu nunca te ouvi cantar. Não pessoalmente, pelo menos.
— Ah... Tem certeza?
— Claro que tenho. null diz que Hero cantarola o tempo todo em casa depois que voltou a cantar. Eu já até ouvi ele algumas vezes, mas você não dá um pio.
null sorriu, sem graça.
— Tudo bem, eu sou culpado — ele admitiu. — Eu treino a voz nos ensaios ou quando tô sozinho, mas na sua frente... Acho que achei que fosse incomodar. Não queria que você enjoasse da minha voz.
— Como se isso fosse possível. Sua voz é como uma bebida quente em um dia bem frio.
— Ah, é? Quer dizer que eu sou o seu favorito da banda? — ele deduziu.
null bufou.
— Não seja idiota. null é meu favorito.
— null? Semana passada quando eu perguntei, você disse que era o null.
— Talvez seja o null então, ele tem aquele jeito ranzinza que me deixa intrigada...
— Nem vem, não vou cair nessa — ele disse. — Por que você não admite logo que sou eu?
— Por que eu precisaria admitir alguma coisa? Não posso gostar dos quatro por igual?
— Não. Todo mundo tem um favorito, null.
— Esse discurso todo te faz parecer competitivo. Cuidado, Riv, podem te chamar de mesquinho de novo.
— Não tô nem aí. — Ele deu de ombros. — Não quando se trata de você.
— Bem, então você vai ter que trabalhar pra me conquistar. Cante pra mim.
null sorriu, malicioso.
— Achei que você não fosse pedir nunca. Eu volto já, vou pegar o violão. — Ele tentou se levantar, mas null o impediu.
— Não, sem violão. Quero ouvir só você mesmo.
— Hm, tudo bem. Tem alguma música específica que você queira que eu cante?
— Que tal... "Put Your Records On" de Corinne Bailey Rae?
— Que específica. — Ele riu. — Sorte sua que eu sei a letra.
— Nem vem, você já fez cover dessa. Cante só essa e então vamos dormir. Tô cansada e doida pra tirar esse troço do pé amanhã. — Ela apontou para a bota imobilizadora. Teria uma consulta no dia seguinte e, se estivesse tudo bem, poderia parar de usá-la.
— Tá bom — null concordou. — Mas você vai ter que dançar comigo.
Em seguida, ele se levantou e a puxou para que ficasse de pé.
— "Three little birds sat on my window..." — ele começou a cantar em um ritmo lento. null sentiu a pele arrepiar e sorriu, encantada. — "And they told me I don't need to worry..."
Também sorrindo, ele colocou uma mão na cintura dela e a trouxe para mais perto, entrelaçando a outra na dela.
— "Maybe sometimes we got it wrong but it's alright... The more things seem to change, the more they stay the same, don't you hesitate..."
null mordeu o lábio inferior e balançou o quadril com ele de um lado para o outro.
— "Girl, put your records on, tell me your favorite song... You go ahead, let your hair down..."
Era desajeitado e engraçado, e quando null se afastou para fazê-la girar, ela riu, quase tropeçando com a bota ortopédica.
— "Sapphire and faded jeans..." — Ele conseguiu segurar uma risada e a trouxe novamente para perto, sem parar de cantar. — "I hope you get your dreams... Just go ahead, let your hair down... You're gonna find yourself somewhere, somehow..."
Ela estava apaixonada. Completa e loucamente apaixonada por aquele homem doce, gentil e lindo. E a primeira coisa que fez quando null parou de cantar foi envolver o pescoço dele com os braços e puxá-lo para um beijo.
— Tem razão. Você é mesmo meu favorito — null murmurou contra os lábios dele, lhe arrancando um sorriso cem por cento convencido.
Mas null não disse nada, apenas a beijou outra vez.
***
31 de outubro de 2017, 10:37 - Hospital Mount Sinai, Nova York, NY
— Ai! — null reclamou, esfregando o braço no local que null tinha acabado de bater. — Por que você me bateu?
— Você compartilhou o vídeo, não foi? E o meu perfil! Não tem como ter esse tanto de visualizações em poucas horas, null!
Vinte mil, para ser mais específica. Em um vídeo de menos de cinco minutos, publicado há menos de vinte e quatro horas.
— Eu não compartilhei na internet. Só mostrei pra null e os caras... A null compartilhou na internet e aí o null fez o mesmo.
— Meu Deus... E se descobrirem que sou eu?
— Aí vão descobrir que você é uma dançarina talentosa. Mas relaxa, eu só comentei no que null me marcou.
— Como assim?
— Eita... você nem olhou seu Instagram, né? Você ganhou alguns seguidores.
— Ganhei? Mas nem publiquei nada... — null franziu o cenho, a voz morrendo.
No mesmo instante, ainda na sala de espera do hospital, ela abriu o aplicativo e viu que de cinco seguidores, o número havia pulado para sete mil.
— Viu só? Eu te falei — null disse, mas ela ignorou, ocupada demais em assimilar o tanto de notificações que tinha e as interações nas publicações em que havia sido marcada.
null tinha publicado o link do vídeo nos stories, junto com um trecho dele e um comentário que dizia:
"Talvez meu próximo protagonista deva se chamar null... O que você acha, @nullB? Essa música me deu ideias, mas ela tem o seu nome. E olha que dançarina incrível! Sigam a @CindyL, pessoal!"
null repostou os stories com um comentário.
"Eu sempre te falei que null é um ótimo nome. PS. Essa coreografia é muito legal!"
A outra marcação era de null. Assim como null, havia o trecho e o link do vídeo, mas no feed, e o comentário era ainda mais atrevido:
@Dyl88: Eu vi essa dançarina ao vivo uma vez, se apresentando com outras colegas, todas são incríveis! Feliz que @CindyL finalmente criou um perfil. Sigam!!"
Embaixo, null e Hero haviam comentado.
@nullS87: Eu fui, eu tava. null é um babão, mas Cindy é mesmo incrível!
@Hero87: null ficou caidinho, mas ouvi dizer que Cindy já é comprometida...
— Sério que null comentou até isso? — null apontou para a tela do celular. — Desse jeito, vai ficar na cara que sou eu.
— Relaxa, null. Eles tão só brincando. Nem é a primeira vez que vemos e compartilhamos conteúdo de algum artista desconhecido.
— Pelo menos, você não comentou nada de mais. E nem pense em fazer isso, já tô avisando.
— Você tava de máscara e peruca, nem dá pra perceber que é você. E é só um vídeo de dança. Você é uma dançarina, então não tem porque ficar com vergonha.
— As pessoas vão me julgar.
— Ela vão fazer isso com ou sem dança, querida. Aproveita o momento, você pode até a começar a ganhar dinheiro com isso, já pensou? — Ele sugeriu, antes de cantarolar baixinho, fazendo-a rir. — “Hey now, you’re a dance star, get the show on, get paid…”
— Será? — null ponderou após um instante.
Nunca tinha pensado em ganhar dinheiro com internet, ainda mais com dança. Seu objetivo maior era se formar na faculdade e talvez achar um emprego em um teatro ou trabalhar como coreógrafa. Aquele pequeno vislumbre de visibilidade na internet, no entanto, virava sua mente em direção a uma nova perspectiva.
Mas a conversa foi deixada de lado quando seu nome finalmente foi chamado.
***
Algumas horas depois, null sorriu enquanto fazia movimentos de rotação com o pé recém-livre de quaisquer limitações. Bem, não estava totalmente livre pois ainda doía um pouco, mas ela já podia voltar a andar sem imobilização, se exercitar e dançar, desde que tivesse alguns cuidados.
Dependendo do esforço que colocava sobre o pé, ainda sentia um pouco de dor. Dançar de salto alto ainda não seria possível, mas ela podia muito bem fazer aquilo descalça. E precisaria ensaiar bastante, depois de duas semanas sem fazer nada.
— Eu posso usar aquele quarto vazio que você tem? — null perguntou a null, enquanto estavam a caminho da cafeteria, após o almoço. Voltaria para o trabalho naquele dia. — Quero ensaiar as novas coreografias do clube lá.
— Claro. Ele é todo seu — ele respondeu, parando o carro um instante depois. — Seu turno acaba às seis?
— Provavelmente, mas quero conversar com minha chefe depois sobre... Aquilo.
O que tinham descoberto no testamento, para ser mais específica. null precisava tirar aquela história a limpo e ter certeza de que não havia sido beneficiada injustamente. Ainda mais quando ela tinha se matado de trabalhar.
— Tudo bem, quer que eu venha te pegar?
— Não precisa. Você tem um álbum em andamento pra trabalhar, e eu preciso fazer caminhadas agora, lembra? O médico que disse. E são só cinco minutos até em casa.
— Tá, tudo bem. — Ele se inclinou para se despedir com um beijo. — Até mais tarde.
— Até. — null sorriu, se virando para abrir a porta do carro.
A volta ao trabalho estava sendo tranquila. Anni e Harry estavam escalados para o dia e sua chefe cuidava do caixa. Faltava apenas pouco mais de uma hora para encerrar o turno, e então null puxaria sua chefe até o vestiário para conversarem. Tinha pensado naquela conversa a tarde inteira, ensaiando mentalmente o que diria, e estava quase contando os minutos, quando se viu distraída por outra coisa.
Ou melhor, alguém.
Porque Claire Smith, a enteada de seu pai, tinha acabado de entrar na cafeteria com outras três amigas.
E abriu um sorrisinho debochado assim que avistou null.
Pelo visto, teria uma última hora de turno bem longa pela frente.
Mas cheia de profissionalismo, null pegou os cardápios, colocou um sorriso no rosto e se aproximou.
— Boa tarde, sejam bem-vindas!
Em todos os anos que morava naquele país, null só tinha encontrado Anthony Sharpe três vezes, todas as três nos aniversários de seu pai.
Embora fosse o braço direito dele e um amigo próximo, Tony nunca foi de frequentar a casa de Peter; não que ela tenha visto, pelo menos. Sabia que eles dois saíam para beber às vezes, mas o Sr. Sharpe não parecia fazer questão de interagir com a família. null não sabia se existia ou não algum motivo pessoal para isso, mas descobrir que ele tinha uma cópia do testamento original de seu pai havia sido uma surpresa.
E a razão por não ter revelado aquilo antes era a mesma que tinha contado a Logan: Tony simplesmente não sabia.
— Charlie me fez acreditar que você tinha deixado ele cuidar dos negócios, null — ele esclareceu, alguns momentos depois.
Estavam apenas ele, null, null e Derick em uma salinha privada de um restaurante japonês, mas mal tinham tocado na comida.
— Como assim? — null franziu o cenho, confusa. — Eu não falei nada, eu nem sabia de nada disso.
— Ele disse que você preferiu cuidar da cafeteria porque não tinha formação em administração, e como já trabalhava lá...
— Espera aí, que cafeteria? Eu só trabalhei em uma desde que vim morar aqui.
— E ela pertence ao grupo null. Seu pai nunca contou? — Tony perguntou, surpreso. null negou com a cabeça. — Peter estava tentando expandir os negócios para outros ramos, mas ele não era do tipo ousado, então quis começar com um Café. Seis meses depois da inauguração, ele me disse que você tinha começado a trabalhar meio período lá.
— Como é? Quer dizer que... Esse tempo todo... Eu consegui o emprego por causa dele?
— Eu não diria isso. Estavam precisando de funcionários na época e você queria trabalhar, você não foi a única contratada, correto?
Não, ela não tinha sido a única. Mas...
— Por que ele nunca me contou isso? — ela perguntou, mais para si mesma do que para ele.
— Acho que ele não queria que você se sentisse desconfortável. Ou os outros funcionários. De todo modo, ele queria tratamento igualitário, assim como é na empresa, com Charlie.
— A minha chefe sabe que eu era filha dele?
— Sim, mas ela é a única. E foi instruída para não demonstrar isso na frente dos outros funcionários. De todo modo, você é a dona do lugar, está bem aqui. — Ele deu batidinhas com o dedo no envelope fechado em frente a eles.
— Posso dar uma olhada nisso? — Derick pediu.
Tony assentiu e null encarou null enquanto o advogado abria o arquivo e começava a ler em voz alta. A cada nova linha lida, os olhos dela ficaram ainda maiores de surpresa ao constatar que aquele documento não tinha nada a ver com o que tinha sido lido após o funeral de seu pai.
— Quer dizer que a esposa e os enteados possuem algumas ações na empresa e a casa? — null perguntou.
— Sim, mas as ações de Peter foram deixadas para null, assim como setenta por cento de sua fortuna e um apartamento em Manhattan, que ele estava planejando dar de presente a ela no aniversário de vinte e sete anos — Derick confirmou.
— O restante foi dividido com a família e alguns funcionários — Anthony acrescentou. — Mas então Logan apareceu dizendo que era seu tio e me contou como você estava vivendo, null. Me sinto idiota por não ter pensado em verificar a veracidade dos documentos que Charlie apresentou, mas achei apenas que você não estivesse interessada nos negócios da empresa, e você fazia faculdade... Seu pai vivia dizendo que você adorava dançar.
— Eu... — null respirou fundo, sentindo o coração acelerar. — O que nós podemos fazer agora? Ainda dá tempo de recorrer a alguma coisa?
— Claro que dá — Tony garantiu. — Vamos abrir um processo contra Sandra, Charlie, Claire e o advogado envolvido na leitura do testamento.
— Podemos fazer isso hoje mesmo — Derick disse. — Não é só você que foi injustiçada, null.
— Verdade, null — null concordou. — A Lucy e outros funcionários também herdaram algumas coisas, mas aqueles quatro mentiram descaradamente pra todo mundo.
— Eu quero acrescentar mais uma denúncia — Tony disse, tirando um dispositivo USB do bolso interno do paletó. — Tenho quase certeza de que Charlie anda subornando funcionários pra votarem nele como novo presidente, e acho que anda desviando dinheiro da empresa pra fazer isso. Algumas contas não batem. Por favor, dê uma olhada nisso, Derick. Eu pediria para alguém da equipe jurídica, mas depois do que Logan me contou, duvido que possa confiar em alguém da empresa.
— Obrigada por isso, Tony — null disse. — Eu nunca saberia se não fosse por vocês. Achei mesmo que meu pai não tinha me incluído no testamento.
— De jeito nenhum, null. Por que ele deixaria a única filha biológica de fora? Se eu soubesse antes... Se eu tivesse me aproximado mais de você quando ele ainda era vivo... Talvez tivesse sido melhor — ele comentou, com pesar. — Mas Charlie e Sandra me garantiram que você estava bem, então...
— Não foi culpa sua — ela se apressou em dizer. — Acho que eu que fui ingênua demais e não corri atrás. Acabei me afundando em trabalho depois, e mal tinha tempo pra pensar.
— Espero que as coisas se resolvam em breve. — Tony apertou a mão dela em cima da mesa. — Você é uma boa garota, null.
null assentiu, sentindo os olhos arderem, mas não disse mais nada, com medo de desmoronar ali mesmo caso deixasse escapar mais uma palavra que fosse.
Seu pai não a tinha deixado desamparada. Havia sido tudo um mal-entendido, provocado propositalmente por sua família mesquinha e maldosa. Ela devia ter desconfiado de tudo aquilo quando os viu derramar apenas algumas lágrimas em seu funeral, mas estava ocupada demais lidando com o próprio luto e em arrumar novos empregos, após a leitura do falso testamento.
Que aqueles três tivessem o que mereciam, então. Ela não faria acordos nem aceitaria qualquer pedido de perdão. E deixou isso claro para Derick antes de deixar o restaurante com null naquela noite.
— Você tá bem? — ele perguntou, quando estavam a caminho de casa.
— Tô sim. Só... Bem surpresa, eu acho. Eu não tava esperando aquilo tudo. Eu meio que tinha um pouco de noção do dinheiro do meu pai, mas... Sei lá, acho que eu tinha me acostumado à ideia de ter sido negligenciada.
— E ainda tem aqueles três pilantras. Quatro, se contar com o advogado. Seu pai não devia confiar totalmente no cara se deu uma cópia autenticada do testamento pro Tony.
— E acho que o Charlie foi esperto com isso também. Ele podia não saber disso, mas Tony era próximo do meu pai, então deu um jeito de fingir cumprir o que tinha no testamento original. Isso é tão ridículo que parece coisa de novela.
— Segundo Derick, acontece mais vezes do que a gente pensa — null comentou, de olho na estrada. — Mas você ouviu... A parte da herança que seu pai deixou pra eles ainda é deles, mesmo que tenham cometido crimes.
— É, eu sei.
— Mas considerando que você vai ferrar os três, talvez precisem se desfazer de uma parte pra pagar fiança, indenização ou algo assim, dependendo do que o juiz exigir.
— Pois é... — null franziu o cenho, olhando para frente. — Espero que eles se ferrem. Aposto que tavam só esperando eu ter o mesmo rumo do meu pai pra ficarem com tudo de vez e, por isso, me removeram do plano de saúde.
— Vamos fazer eles pagarem, null.
— Ah, vamos sim. — Ela sorriu, vingativa. — E nada de acordos pros sanguessugas!
30 de outubro de 2017, 23:37 - Apartamento de null, Nova York, NY
— O que você acha? — null perguntou, assim que o vídeo encerrou.
Fazia alguns dias desde o encontro com Tony e enquanto Derick trabalhava no processo relativo ao testamento de seu pai, null se lembrou da ideia de criar um canal no YouTube. No entanto, diante de toda a situação com null, achou melhor usar Cindy Lee como pseudônimo, e o primeiro vídeo que publicou foi na sala de ensaios do Veil of Secrets, dançando “null” de Bishop Briggs em uma cadeira. Estava de máscara e peruca, pois sempre fazia uma parte dos ensaios vestida de Cindy para ver como suas expressões faciais estavam.
— Eu achei lindo. E fiquei com inveja dessa cadeira — null disse, com um sorriso. — Eu preferia você dançando sentada em mim e não nela — ele acrescentou, descaradamente.
null riu pelo nariz e pegou o celular de volta, antes de se jogar no sofá ao lado dele.
— Isso me lembra uma coisa — Ela o encarou.
— O quê?
— Eu nunca te ouvi cantar. Não pessoalmente, pelo menos.
— Ah... Tem certeza?
— Claro que tenho. null diz que Hero cantarola o tempo todo em casa depois que voltou a cantar. Eu já até ouvi ele algumas vezes, mas você não dá um pio.
null sorriu, sem graça.
— Tudo bem, eu sou culpado — ele admitiu. — Eu treino a voz nos ensaios ou quando tô sozinho, mas na sua frente... Acho que achei que fosse incomodar. Não queria que você enjoasse da minha voz.
— Como se isso fosse possível. Sua voz é como uma bebida quente em um dia bem frio.
— Ah, é? Quer dizer que eu sou o seu favorito da banda? — ele deduziu.
null bufou.
— Não seja idiota. null é meu favorito.
— null? Semana passada quando eu perguntei, você disse que era o null.
— Talvez seja o null então, ele tem aquele jeito ranzinza que me deixa intrigada...
— Nem vem, não vou cair nessa — ele disse. — Por que você não admite logo que sou eu?
— Por que eu precisaria admitir alguma coisa? Não posso gostar dos quatro por igual?
— Não. Todo mundo tem um favorito, null.
— Esse discurso todo te faz parecer competitivo. Cuidado, Riv, podem te chamar de mesquinho de novo.
— Não tô nem aí. — Ele deu de ombros. — Não quando se trata de você.
— Bem, então você vai ter que trabalhar pra me conquistar. Cante pra mim.
null sorriu, malicioso.
— Achei que você não fosse pedir nunca. Eu volto já, vou pegar o violão. — Ele tentou se levantar, mas null o impediu.
— Não, sem violão. Quero ouvir só você mesmo.
— Hm, tudo bem. Tem alguma música específica que você queira que eu cante?
— Que tal... "Put Your Records On" de Corinne Bailey Rae?
— Que específica. — Ele riu. — Sorte sua que eu sei a letra.
— Nem vem, você já fez cover dessa. Cante só essa e então vamos dormir. Tô cansada e doida pra tirar esse troço do pé amanhã. — Ela apontou para a bota imobilizadora. Teria uma consulta no dia seguinte e, se estivesse tudo bem, poderia parar de usá-la.
— Tá bom — null concordou. — Mas você vai ter que dançar comigo.
Em seguida, ele se levantou e a puxou para que ficasse de pé.
— "Three little birds sat on my window..." — ele começou a cantar em um ritmo lento. null sentiu a pele arrepiar e sorriu, encantada. — "And they told me I don't need to worry..."
Também sorrindo, ele colocou uma mão na cintura dela e a trouxe para mais perto, entrelaçando a outra na dela.
— "Maybe sometimes we got it wrong but it's alright... The more things seem to change, the more they stay the same, don't you hesitate..."
null mordeu o lábio inferior e balançou o quadril com ele de um lado para o outro.
— "Girl, put your records on, tell me your favorite song... You go ahead, let your hair down..."
Era desajeitado e engraçado, e quando null se afastou para fazê-la girar, ela riu, quase tropeçando com a bota ortopédica.
— "Sapphire and faded jeans..." — Ele conseguiu segurar uma risada e a trouxe novamente para perto, sem parar de cantar. — "I hope you get your dreams... Just go ahead, let your hair down... You're gonna find yourself somewhere, somehow..."
Ela estava apaixonada. Completa e loucamente apaixonada por aquele homem doce, gentil e lindo. E a primeira coisa que fez quando null parou de cantar foi envolver o pescoço dele com os braços e puxá-lo para um beijo.
— Tem razão. Você é mesmo meu favorito — null murmurou contra os lábios dele, lhe arrancando um sorriso cem por cento convencido.
Mas null não disse nada, apenas a beijou outra vez.
31 de outubro de 2017, 10:37 - Hospital Mount Sinai, Nova York, NY
— Ai! — null reclamou, esfregando o braço no local que null tinha acabado de bater. — Por que você me bateu?
— Você compartilhou o vídeo, não foi? E o meu perfil! Não tem como ter esse tanto de visualizações em poucas horas, null!
Vinte mil, para ser mais específica. Em um vídeo de menos de cinco minutos, publicado há menos de vinte e quatro horas.
— Eu não compartilhei na internet. Só mostrei pra null e os caras... A null compartilhou na internet e aí o null fez o mesmo.
— Meu Deus... E se descobrirem que sou eu?
— Aí vão descobrir que você é uma dançarina talentosa. Mas relaxa, eu só comentei no que null me marcou.
— Como assim?
— Eita... você nem olhou seu Instagram, né? Você ganhou alguns seguidores.
— Ganhei? Mas nem publiquei nada... — null franziu o cenho, a voz morrendo.
No mesmo instante, ainda na sala de espera do hospital, ela abriu o aplicativo e viu que de cinco seguidores, o número havia pulado para sete mil.
— Viu só? Eu te falei — null disse, mas ela ignorou, ocupada demais em assimilar o tanto de notificações que tinha e as interações nas publicações em que havia sido marcada.
null tinha publicado o link do vídeo nos stories, junto com um trecho dele e um comentário que dizia:
"Talvez meu próximo protagonista deva se chamar null... O que você acha, @nullB? Essa música me deu ideias, mas ela tem o seu nome. E olha que dançarina incrível! Sigam a @CindyL, pessoal!"
null repostou os stories com um comentário.
"Eu sempre te falei que null é um ótimo nome. PS. Essa coreografia é muito legal!"
A outra marcação era de null. Assim como null, havia o trecho e o link do vídeo, mas no feed, e o comentário era ainda mais atrevido:
@Dyl88: Eu vi essa dançarina ao vivo uma vez, se apresentando com outras colegas, todas são incríveis! Feliz que @CindyL finalmente criou um perfil. Sigam!!"
Embaixo, null e Hero haviam comentado.
@nullS87: Eu fui, eu tava. null é um babão, mas Cindy é mesmo incrível!
@Hero87: null ficou caidinho, mas ouvi dizer que Cindy já é comprometida...
— Sério que null comentou até isso? — null apontou para a tela do celular. — Desse jeito, vai ficar na cara que sou eu.
— Relaxa, null. Eles tão só brincando. Nem é a primeira vez que vemos e compartilhamos conteúdo de algum artista desconhecido.
— Pelo menos, você não comentou nada de mais. E nem pense em fazer isso, já tô avisando.
— Você tava de máscara e peruca, nem dá pra perceber que é você. E é só um vídeo de dança. Você é uma dançarina, então não tem porque ficar com vergonha.
— As pessoas vão me julgar.
— Ela vão fazer isso com ou sem dança, querida. Aproveita o momento, você pode até a começar a ganhar dinheiro com isso, já pensou? — Ele sugeriu, antes de cantarolar baixinho, fazendo-a rir. — “Hey now, you’re a dance star, get the show on, get paid…”
— Será? — null ponderou após um instante.
Nunca tinha pensado em ganhar dinheiro com internet, ainda mais com dança. Seu objetivo maior era se formar na faculdade e talvez achar um emprego em um teatro ou trabalhar como coreógrafa. Aquele pequeno vislumbre de visibilidade na internet, no entanto, virava sua mente em direção a uma nova perspectiva.
Mas a conversa foi deixada de lado quando seu nome finalmente foi chamado.
Algumas horas depois, null sorriu enquanto fazia movimentos de rotação com o pé recém-livre de quaisquer limitações. Bem, não estava totalmente livre pois ainda doía um pouco, mas ela já podia voltar a andar sem imobilização, se exercitar e dançar, desde que tivesse alguns cuidados.
Dependendo do esforço que colocava sobre o pé, ainda sentia um pouco de dor. Dançar de salto alto ainda não seria possível, mas ela podia muito bem fazer aquilo descalça. E precisaria ensaiar bastante, depois de duas semanas sem fazer nada.
— Eu posso usar aquele quarto vazio que você tem? — null perguntou a null, enquanto estavam a caminho da cafeteria, após o almoço. Voltaria para o trabalho naquele dia. — Quero ensaiar as novas coreografias do clube lá.
— Claro. Ele é todo seu — ele respondeu, parando o carro um instante depois. — Seu turno acaba às seis?
— Provavelmente, mas quero conversar com minha chefe depois sobre... Aquilo.
O que tinham descoberto no testamento, para ser mais específica. null precisava tirar aquela história a limpo e ter certeza de que não havia sido beneficiada injustamente. Ainda mais quando ela tinha se matado de trabalhar.
— Tudo bem, quer que eu venha te pegar?
— Não precisa. Você tem um álbum em andamento pra trabalhar, e eu preciso fazer caminhadas agora, lembra? O médico que disse. E são só cinco minutos até em casa.
— Tá, tudo bem. — Ele se inclinou para se despedir com um beijo. — Até mais tarde.
— Até. — null sorriu, se virando para abrir a porta do carro.
A volta ao trabalho estava sendo tranquila. Anni e Harry estavam escalados para o dia e sua chefe cuidava do caixa. Faltava apenas pouco mais de uma hora para encerrar o turno, e então null puxaria sua chefe até o vestiário para conversarem. Tinha pensado naquela conversa a tarde inteira, ensaiando mentalmente o que diria, e estava quase contando os minutos, quando se viu distraída por outra coisa.
Ou melhor, alguém.
Porque Claire Smith, a enteada de seu pai, tinha acabado de entrar na cafeteria com outras três amigas.
E abriu um sorrisinho debochado assim que avistou null.
Pelo visto, teria uma última hora de turno bem longa pela frente.
Mas cheia de profissionalismo, null pegou os cardápios, colocou um sorriso no rosto e se aproximou.
— Boa tarde, sejam bem-vindas!
Capítulo 34
— Olá, sejam bem-vindas ao nosso café! — null as cumprimentou, ignorando o sorrisinho idiota de Claire. — Aqui estão os cardápios. Me chamem quando estiverem prontas para pedir.
— Obrigada, garçonete — Claire disse, com um tom de voz gritando superioridade enquanto debochava da palavra, como se fosse uma profissão inferior às outras.
null manteve o sorriso no rosto e só o desfez quando deu as costas.
Patricinha nojenta metida a besta.
Voltou para o lado de Anni e esperou cerca de cinco minutos até ser chamada outra vez.
— Pois não? — Ela abriu outro sorriso, tirando um bloquinho de notas e uma caneta do bolso do uniforme.
— Vou querer uma fatia de bolo de chocolate trufado e um croissant com recheio de baunilha — Claire disse. — Ah, e traz um latte gelado de caramelo também.
— Certo. — null anotou, se virando em seguida para pegar o pedido das outras mulheres.
Não levou muito tempo até duas bandejas repletas de comida aparecerem em cima do balcão. Ela pegou uma e Anni a outra, para agilizar o atendimento.
— Prontinho. — null sorriu, antes de se afastar outra vez.
Avistou o relógio na parede atrás do caixa e constatou que ainda faltavam quarenta minutos para o fim do turno. Kelly, sua chefe, tinha ido para o escritório organizar alguns papéis e null mal via a hora de enfim ter uma oportunidade de falar com ela. Estava inquieta e a aparição repentina de Claire não havia ajudado em nada. Por alguma razão, null achou que a enteada de seu pai causaria algum problema. Nunca nem mesmo tinha visitado aquele lugar, ao menos não que null soubesse — e costumava pegar muitos turnos de trabalho.
Então não foi nenhuma surpresa quando Claire chamou.
— Com licença, garçonete!
Imediatamente, null chegou à mesa.
— Sim?
— Meu bolo está seco, duro e amargo. O que vocês pensam que estão fazendo aqui vendendo uma porcaria dessas?
— Perdão? — null encarou a fatia de bolo de relance, tão hidratado que a massa brilhava. — Acho que deve ser um engano.
— Engano? Por acaso você tá questionando uma cliente? Não seja insolente.
null respirou fundo, tentando manter a compostura.
— Sinto muito, posso trazer outra coisa pra você então. — Ela se inclinou para pegar o prato, mas Claire afastou sua mão de forma rude.
— Não, esqueça. Onde está o gerente desse lugar? Quero falar com ele.
— Só um momento. — null deu as costas e passou direto para o escritório da chefe.
Deu duas batidas e esperou.
— Pode entrar.
— Oi, tem uma cliente reclamando que o nosso bolo tá seco. Tentei oferecer outra coisa, mas ela quer falar com você.
Kelly rolou os olhos, claramente entediada.
— Era tudo o que a gente precisava no fim de uma tarde tranquila... Vamos lá. — Em seguida, se levantou e acompanhou null até a mesa.
Claire estava conversando com as amigas, rindo e apontando para a fatia de bolo como se tivesse algo mesmo de errado.
Kelly, em sua pose extremamente profissional de gerente, se apresentou e perguntou o que tinha acontecido.
— Sua funcionária me trouxe um bolo ruim e seco, e ainda quis discutir comigo como se eu fosse a errada — Claire declarou, cheia de razão. — Você devia contratar pessoas mais qualificadas para atender os clientes. Ela é estrangeira, provavelmente nem entendeu o que eu pedi.
— Com licença? — null tentou se enfiar na frente de Kelly, mas a chefe não deixou.
— Deve haver algum engano. null é uma das minhas melhores funcionárias e é fluente em inglês desde criança. Podemos trazer uma fatia de outro bolo ou outra coisa para a senhorita, como achar melhor.
— Você só pode estar brincando. Como vou saber se não estão servindo algo pior? Olha isso daqui. — Ela esmagou a fatia de bolo com o garfo. — Minha garganta arde de tão seco que está. Além disso, vocês não usam açúcar? Por que é tão amargo? Isso é ridículo.
— Então eu tenho uma ideia. Aposto que vai melhorar o bolo — null disse, se enfiando na frente de Kelly. — Com licença.
Então ela pegou o copo de café e despejou por cima do bolo, usando o garfo para apertar e fazer a massa absorver o líquido. Uma poça de café com leite se formou ao redor da fatia e Claire encarou o prato boquiaberta.
— Você tá me zoando? — Ela ergueu o olhar para null, claramente irritada.
— Não. Mas agora o seu bolo parece hidratado o suficiente? Porque temos produção todos os dias. Aqui mal sobra alguma coisa porque vendemos tudo. Nunca recebemos nenhuma reclamação até você aparecer, Claire. Por que não tira a máscara e admite que veio aqui só pra tentar me humilhar de alguma forma?
— O quê? Do que você tá falando? Eu nem te conheço, sua vadia maluca!
— Claro que não, né? — null sorriu, irônica. — A gente só morou na mesma casa por quatro anos. Na casa do meu pai, por sinal.
— Que piada... — Ela riu, nervosa, e se virou para Kelly. — Você vai deixar sua funcionária falar assim com uma cliente?
— Acho que concordo com null. O bolo parece hidratado o suficiente agora. Mas já que você não quer mais nada, peço que se retire.
— Você deveria demitir essa garota! Vejam só, meninas. — Ela encarou as amigas, que agora pareciam bem desconfortáveis com seu comportamento. — Essa garota só tá dando uma de fodona porque tá namorando aquele cantor famoso.
— Como é? — null franziu o cenho, incomodada. — Não foi você que disse que não me conhecia?
— E não conheço — ela mentiu rapidamente. — Mas você deve ter feito algo muito bom pra amarrar aquele cara. Uma pena alguém como ele ter descido tão baixo pra ficar com alguém como você.
null cogitou revidar e discutir, mas desistiu quando percebeu o olhar ciumento no rosto dela.
— Isso é inveja no seu tom de voz, Claire?
— O quê? — A garota riu, incrédula. — Por que eu teria inveja de uma idiota feito você?
— Senhorita, por favor, não ofenda minha funcionária ou serei obrigada a chamar a polícia. Por favor, vá embora — Kelly tentou apaziguar a situação, mas Claire a ignorou.
— Vou fazer você se arrepender, sua vadiazinha latina.
— Me arrepender de quê? De me defender de algumas ofensas? — null sorriu, tranquila. — Vá em frente, Claire.
— Me aguarde. Vamos, meninas! — E se levantou junto com sua tropa, indo embora sem ao menos pagar o que havia sido consumido.
Felizmente, não havia ninguém além delas no café, mas assim que a porta fechou, null encarou a mesa com pesar.
— Sinto muito por isso, Kelly. Você pode descontar do meu salário.
— De jeito nenhum. Vamos só esquecer essa porcaria toda e nos preparar para o próximo turno.
Em seguida, se retirou.
null não sabia de onde tinha vindo aquela coragem de enfrentar Claire, mas não se arrependia de nenhuma das palavras que disse. Na verdade, queria ter dito mais, mas sabia que prolongar a confusão não levaria a nada.
Viu Kelly se afastar e desaparecer dentro do escritório outra vez e então se virou para limpar a mesa. Anni se aproximou e a ajudou.
— A gente achou que você foi incrível com aquela megera, só pra você saber — ela disse, fazendo um movimento com a cabeça para indicar Harry com um sorriso no rosto, batendo palmas silenciosas.
— Ai, vocês são terríveis.
Anni riu, divertida.
— Você não disse que queria conversar com Kelly? Por que não aproveita agora e deixa que eu termino aqui?
— Não, tudo bem. Deixa que eu limpo.
— Vai logo, null — Anni insistiu. — Finge que é por todos aqueles álbuns autografados.
— Nesse caso, obrigada. — null sorriu e então se dirigiu mais uma vez para o escritório da chefe.
***
null encarou Hannah de braços cruzados e seus lábios se ergueram em um sorriso de escárnio.
— Hein? Por que me chamou aqui? — ela repetiu a pergunta que tinha acabado de fazer. — Não citei seu nome em lugar nenhum.
— Ah, mas achou que seria legal zombar da minha namorada e acusá-la de coisas que não fez? Não seja tola, Hannah. Devia saber que mexer com os meus também estava fora de questão.
— Com os seus? Você deve gostar mesmo daquela oferecida, né? O que ela fez, hein, null? Tem algum truque espetacular que usou com você na cama a ponto de te prender assim? Porque nós dois sabemos que você mal me deixava te tocar.
— Cuidado com a língua, Hannah — ele cuspiu, cerrando os olhos para ela. — Meu relacionamento com null não te diz respeito.
— Olha só você... Todo protetor e irritado — ela zombou. — Ao menos é bom saber que alguém consegue fazer você sentir alguma coisa, Riv.
Ele respirou fundo, se segurando para não transformar aquela conversa em uma discussão. Estava no escritório de Derick e tinha chamado Hannah ali para resolver aquele assunto de uma vez. Queria dar um fim em qualquer brecha que ela pudesse usar contra ele ou null.
— Olha, Hannah, eu tentei ser legal com você. O problema é que, infelizmente, você não coopera e insiste em querer jogar indiretas pra mim. Não achei que nosso término ia render tanto.
— Você contou pra ela sobre aquele diagnóstico? — ela perguntou, de repente, com um brilho de diversão no olhar.
— Isso também não é da sua conta.
Hannah riu pelo nariz.
— Então não, você não contou — ela deduziu. — Eu gostava mais de você quando nós dois nos divertíamos, Riv. Mas então seu humor foi murchando aos poucos. Foi por causa disso? Ou você simplesmente resolveu que não gosta mais de sexo?
— Eu gosto de sexo, Hannah, mas não é uma prioridade. E isso também não te diz respeito. Então por que não colocamos logo um fim nisso?
— Um fim em quê?
— Na gente. Quero que esqueça que um dia tivemos alguma coisa. Quero que pare de jogar indiretas pra tentar me atingir ou usar o nome de outras pessoas pra isso. Você sabe muito bem que null não deu em cima do seu namorado. E quero que saiba de mais uma coisa: qualquer consideração que tive por você acaba aqui. Se surgir qualquer merda ligada a você sobre mim, null ou qualquer um dos meus amigos, eu vou falar também.
— Você parece muito seguro de si.
— E estou, pode acreditar. Ninguém vai querer contratar uma traidora, mentirosa e mesquinha como você. Você até zombou sobre null trabalhar como faxineira... Acha mesmo que ser uma pessoa pública te faz superior a ela? Não seja ingênua.
Hannah respirou fundo, já tem qualquer expressão de deboche no rosto.
— Você é tão arrogante.
— Não, você que é muito egocêntrica. Eu tô só sendo realista e defendendo quem eu amo. Mas enfim... — Ele se levantou do sofá em frente a ela. — Derick pode te passar o resto dos detalhes desse novo... Acordo. Melhor não arriscar fazer mais nenhuma besteira.
Em seguida, ele pegou o celular e mandou uma mensagem para o advogado, que aguardava do lado de fora da sala, para que a conversa pudesse ser particular.
Derick entrou no escritório novamente e eles se despediram com um aceno de cabeça.
Agora era com ele.
***
31 de outubro de 2017, 19:22 - Sede do Grupo null, Nova York, NY
Ele fechou as mãos em punho enquanto observava os policiais recolhendo arquivos e mais arquivos do escritório.
Que palhaçada.
Um mandato àquela hora? Que merda era aquela? Dupla merda, aliás. null estava processando ele por conta do testamento e alguém havia denunciado irregularidades na empresa. Mas como ela tinha descoberto? Nunca nem mesmo tinha pisado os pés no local e ele sabia muito bem que tudo o que ela ligava era para a faculdade inútil de dança, ao menos quando ainda a frequentava.
Agora, mais de um ano após o funeral de Peter null, aquela mulher vinha questionar o testamento? E com base em quê? Não havia provas. Ele fez questão de destruir a cópia original e o advogado que ajudou a forjar um novo não ganharia nada traindo ele. Assim, significava que mais alguém sabia. Ou que agora que estava namorando alguém famoso, null havia se achado corajosa o suficiente para fazer uma denúncia.
Um astro do rock... Que clichê. Ele apostava que ela tinha aberto as malditas pernas para seduzir o cara. Então, qual seria o próximo passo? Um golpe da barriga? Não parecia bem a cara dela, mas seria uma forma de garantir a própria segurança financeira.
E ela ainda se sentia ofendida quando ele dava em cima dela.
Vadia hipócrita do caralho.
Os policiais terminaram de recolher as caixas de documentos, enquanto os funcionários assistiam, imóveis. Quando se retiraram, um policial o lembrou da solicitação de uma visita à delegacia para discutir os detalhes da acusação.
Para completar, um e-mail chegou pouco depois, avisando que ele estaria suspenso do cargo pelos próximos dias até que a investigação na empresa fosse concluída.
Que piada!
Charlie deixou o escritório pisando duro naquela noite e, ao entrar no carro, a primeira coisa que fez antes de sair, foi pegar o celular e fazer uma ligação, atendida no segundo toque.
— null null. Fique de olho nela. Quero saber de tudo, por onde anda, com quem fala e até o que anda comendo. Vou mandar os detalhes por mensagem. Descubra o quanto antes.
— Sim, senhor — foi tudo o que o homem respondeu, antes dele encerrar a ligação, jogando o celular no banco de carona antes de dar a partida no carro.
Vamos ver o que você anda aprontando, null.
— Obrigada, garçonete — Claire disse, com um tom de voz gritando superioridade enquanto debochava da palavra, como se fosse uma profissão inferior às outras.
null manteve o sorriso no rosto e só o desfez quando deu as costas.
Patricinha nojenta metida a besta.
Voltou para o lado de Anni e esperou cerca de cinco minutos até ser chamada outra vez.
— Pois não? — Ela abriu outro sorriso, tirando um bloquinho de notas e uma caneta do bolso do uniforme.
— Vou querer uma fatia de bolo de chocolate trufado e um croissant com recheio de baunilha — Claire disse. — Ah, e traz um latte gelado de caramelo também.
— Certo. — null anotou, se virando em seguida para pegar o pedido das outras mulheres.
Não levou muito tempo até duas bandejas repletas de comida aparecerem em cima do balcão. Ela pegou uma e Anni a outra, para agilizar o atendimento.
— Prontinho. — null sorriu, antes de se afastar outra vez.
Avistou o relógio na parede atrás do caixa e constatou que ainda faltavam quarenta minutos para o fim do turno. Kelly, sua chefe, tinha ido para o escritório organizar alguns papéis e null mal via a hora de enfim ter uma oportunidade de falar com ela. Estava inquieta e a aparição repentina de Claire não havia ajudado em nada. Por alguma razão, null achou que a enteada de seu pai causaria algum problema. Nunca nem mesmo tinha visitado aquele lugar, ao menos não que null soubesse — e costumava pegar muitos turnos de trabalho.
Então não foi nenhuma surpresa quando Claire chamou.
— Com licença, garçonete!
Imediatamente, null chegou à mesa.
— Sim?
— Meu bolo está seco, duro e amargo. O que vocês pensam que estão fazendo aqui vendendo uma porcaria dessas?
— Perdão? — null encarou a fatia de bolo de relance, tão hidratado que a massa brilhava. — Acho que deve ser um engano.
— Engano? Por acaso você tá questionando uma cliente? Não seja insolente.
null respirou fundo, tentando manter a compostura.
— Sinto muito, posso trazer outra coisa pra você então. — Ela se inclinou para pegar o prato, mas Claire afastou sua mão de forma rude.
— Não, esqueça. Onde está o gerente desse lugar? Quero falar com ele.
— Só um momento. — null deu as costas e passou direto para o escritório da chefe.
Deu duas batidas e esperou.
— Pode entrar.
— Oi, tem uma cliente reclamando que o nosso bolo tá seco. Tentei oferecer outra coisa, mas ela quer falar com você.
Kelly rolou os olhos, claramente entediada.
— Era tudo o que a gente precisava no fim de uma tarde tranquila... Vamos lá. — Em seguida, se levantou e acompanhou null até a mesa.
Claire estava conversando com as amigas, rindo e apontando para a fatia de bolo como se tivesse algo mesmo de errado.
Kelly, em sua pose extremamente profissional de gerente, se apresentou e perguntou o que tinha acontecido.
— Sua funcionária me trouxe um bolo ruim e seco, e ainda quis discutir comigo como se eu fosse a errada — Claire declarou, cheia de razão. — Você devia contratar pessoas mais qualificadas para atender os clientes. Ela é estrangeira, provavelmente nem entendeu o que eu pedi.
— Com licença? — null tentou se enfiar na frente de Kelly, mas a chefe não deixou.
— Deve haver algum engano. null é uma das minhas melhores funcionárias e é fluente em inglês desde criança. Podemos trazer uma fatia de outro bolo ou outra coisa para a senhorita, como achar melhor.
— Você só pode estar brincando. Como vou saber se não estão servindo algo pior? Olha isso daqui. — Ela esmagou a fatia de bolo com o garfo. — Minha garganta arde de tão seco que está. Além disso, vocês não usam açúcar? Por que é tão amargo? Isso é ridículo.
— Então eu tenho uma ideia. Aposto que vai melhorar o bolo — null disse, se enfiando na frente de Kelly. — Com licença.
Então ela pegou o copo de café e despejou por cima do bolo, usando o garfo para apertar e fazer a massa absorver o líquido. Uma poça de café com leite se formou ao redor da fatia e Claire encarou o prato boquiaberta.
— Você tá me zoando? — Ela ergueu o olhar para null, claramente irritada.
— Não. Mas agora o seu bolo parece hidratado o suficiente? Porque temos produção todos os dias. Aqui mal sobra alguma coisa porque vendemos tudo. Nunca recebemos nenhuma reclamação até você aparecer, Claire. Por que não tira a máscara e admite que veio aqui só pra tentar me humilhar de alguma forma?
— O quê? Do que você tá falando? Eu nem te conheço, sua vadia maluca!
— Claro que não, né? — null sorriu, irônica. — A gente só morou na mesma casa por quatro anos. Na casa do meu pai, por sinal.
— Que piada... — Ela riu, nervosa, e se virou para Kelly. — Você vai deixar sua funcionária falar assim com uma cliente?
— Acho que concordo com null. O bolo parece hidratado o suficiente agora. Mas já que você não quer mais nada, peço que se retire.
— Você deveria demitir essa garota! Vejam só, meninas. — Ela encarou as amigas, que agora pareciam bem desconfortáveis com seu comportamento. — Essa garota só tá dando uma de fodona porque tá namorando aquele cantor famoso.
— Como é? — null franziu o cenho, incomodada. — Não foi você que disse que não me conhecia?
— E não conheço — ela mentiu rapidamente. — Mas você deve ter feito algo muito bom pra amarrar aquele cara. Uma pena alguém como ele ter descido tão baixo pra ficar com alguém como você.
null cogitou revidar e discutir, mas desistiu quando percebeu o olhar ciumento no rosto dela.
— Isso é inveja no seu tom de voz, Claire?
— O quê? — A garota riu, incrédula. — Por que eu teria inveja de uma idiota feito você?
— Senhorita, por favor, não ofenda minha funcionária ou serei obrigada a chamar a polícia. Por favor, vá embora — Kelly tentou apaziguar a situação, mas Claire a ignorou.
— Vou fazer você se arrepender, sua vadiazinha latina.
— Me arrepender de quê? De me defender de algumas ofensas? — null sorriu, tranquila. — Vá em frente, Claire.
— Me aguarde. Vamos, meninas! — E se levantou junto com sua tropa, indo embora sem ao menos pagar o que havia sido consumido.
Felizmente, não havia ninguém além delas no café, mas assim que a porta fechou, null encarou a mesa com pesar.
— Sinto muito por isso, Kelly. Você pode descontar do meu salário.
— De jeito nenhum. Vamos só esquecer essa porcaria toda e nos preparar para o próximo turno.
Em seguida, se retirou.
null não sabia de onde tinha vindo aquela coragem de enfrentar Claire, mas não se arrependia de nenhuma das palavras que disse. Na verdade, queria ter dito mais, mas sabia que prolongar a confusão não levaria a nada.
Viu Kelly se afastar e desaparecer dentro do escritório outra vez e então se virou para limpar a mesa. Anni se aproximou e a ajudou.
— A gente achou que você foi incrível com aquela megera, só pra você saber — ela disse, fazendo um movimento com a cabeça para indicar Harry com um sorriso no rosto, batendo palmas silenciosas.
— Ai, vocês são terríveis.
Anni riu, divertida.
— Você não disse que queria conversar com Kelly? Por que não aproveita agora e deixa que eu termino aqui?
— Não, tudo bem. Deixa que eu limpo.
— Vai logo, null — Anni insistiu. — Finge que é por todos aqueles álbuns autografados.
— Nesse caso, obrigada. — null sorriu e então se dirigiu mais uma vez para o escritório da chefe.
null encarou Hannah de braços cruzados e seus lábios se ergueram em um sorriso de escárnio.
— Hein? Por que me chamou aqui? — ela repetiu a pergunta que tinha acabado de fazer. — Não citei seu nome em lugar nenhum.
— Ah, mas achou que seria legal zombar da minha namorada e acusá-la de coisas que não fez? Não seja tola, Hannah. Devia saber que mexer com os meus também estava fora de questão.
— Com os seus? Você deve gostar mesmo daquela oferecida, né? O que ela fez, hein, null? Tem algum truque espetacular que usou com você na cama a ponto de te prender assim? Porque nós dois sabemos que você mal me deixava te tocar.
— Cuidado com a língua, Hannah — ele cuspiu, cerrando os olhos para ela. — Meu relacionamento com null não te diz respeito.
— Olha só você... Todo protetor e irritado — ela zombou. — Ao menos é bom saber que alguém consegue fazer você sentir alguma coisa, Riv.
Ele respirou fundo, se segurando para não transformar aquela conversa em uma discussão. Estava no escritório de Derick e tinha chamado Hannah ali para resolver aquele assunto de uma vez. Queria dar um fim em qualquer brecha que ela pudesse usar contra ele ou null.
— Olha, Hannah, eu tentei ser legal com você. O problema é que, infelizmente, você não coopera e insiste em querer jogar indiretas pra mim. Não achei que nosso término ia render tanto.
— Você contou pra ela sobre aquele diagnóstico? — ela perguntou, de repente, com um brilho de diversão no olhar.
— Isso também não é da sua conta.
Hannah riu pelo nariz.
— Então não, você não contou — ela deduziu. — Eu gostava mais de você quando nós dois nos divertíamos, Riv. Mas então seu humor foi murchando aos poucos. Foi por causa disso? Ou você simplesmente resolveu que não gosta mais de sexo?
— Eu gosto de sexo, Hannah, mas não é uma prioridade. E isso também não te diz respeito. Então por que não colocamos logo um fim nisso?
— Um fim em quê?
— Na gente. Quero que esqueça que um dia tivemos alguma coisa. Quero que pare de jogar indiretas pra tentar me atingir ou usar o nome de outras pessoas pra isso. Você sabe muito bem que null não deu em cima do seu namorado. E quero que saiba de mais uma coisa: qualquer consideração que tive por você acaba aqui. Se surgir qualquer merda ligada a você sobre mim, null ou qualquer um dos meus amigos, eu vou falar também.
— Você parece muito seguro de si.
— E estou, pode acreditar. Ninguém vai querer contratar uma traidora, mentirosa e mesquinha como você. Você até zombou sobre null trabalhar como faxineira... Acha mesmo que ser uma pessoa pública te faz superior a ela? Não seja ingênua.
Hannah respirou fundo, já tem qualquer expressão de deboche no rosto.
— Você é tão arrogante.
— Não, você que é muito egocêntrica. Eu tô só sendo realista e defendendo quem eu amo. Mas enfim... — Ele se levantou do sofá em frente a ela. — Derick pode te passar o resto dos detalhes desse novo... Acordo. Melhor não arriscar fazer mais nenhuma besteira.
Em seguida, ele pegou o celular e mandou uma mensagem para o advogado, que aguardava do lado de fora da sala, para que a conversa pudesse ser particular.
Derick entrou no escritório novamente e eles se despediram com um aceno de cabeça.
Agora era com ele.
31 de outubro de 2017, 19:22 - Sede do Grupo null, Nova York, NY
Ele fechou as mãos em punho enquanto observava os policiais recolhendo arquivos e mais arquivos do escritório.
Que palhaçada.
Um mandato àquela hora? Que merda era aquela? Dupla merda, aliás. null estava processando ele por conta do testamento e alguém havia denunciado irregularidades na empresa. Mas como ela tinha descoberto? Nunca nem mesmo tinha pisado os pés no local e ele sabia muito bem que tudo o que ela ligava era para a faculdade inútil de dança, ao menos quando ainda a frequentava.
Agora, mais de um ano após o funeral de Peter null, aquela mulher vinha questionar o testamento? E com base em quê? Não havia provas. Ele fez questão de destruir a cópia original e o advogado que ajudou a forjar um novo não ganharia nada traindo ele. Assim, significava que mais alguém sabia. Ou que agora que estava namorando alguém famoso, null havia se achado corajosa o suficiente para fazer uma denúncia.
Um astro do rock... Que clichê. Ele apostava que ela tinha aberto as malditas pernas para seduzir o cara. Então, qual seria o próximo passo? Um golpe da barriga? Não parecia bem a cara dela, mas seria uma forma de garantir a própria segurança financeira.
E ela ainda se sentia ofendida quando ele dava em cima dela.
Vadia hipócrita do caralho.
Os policiais terminaram de recolher as caixas de documentos, enquanto os funcionários assistiam, imóveis. Quando se retiraram, um policial o lembrou da solicitação de uma visita à delegacia para discutir os detalhes da acusação.
Para completar, um e-mail chegou pouco depois, avisando que ele estaria suspenso do cargo pelos próximos dias até que a investigação na empresa fosse concluída.
Que piada!
Charlie deixou o escritório pisando duro naquela noite e, ao entrar no carro, a primeira coisa que fez antes de sair, foi pegar o celular e fazer uma ligação, atendida no segundo toque.
— null null. Fique de olho nela. Quero saber de tudo, por onde anda, com quem fala e até o que anda comendo. Vou mandar os detalhes por mensagem. Descubra o quanto antes.
— Sim, senhor — foi tudo o que o homem respondeu, antes dele encerrar a ligação, jogando o celular no banco de carona antes de dar a partida no carro.
Vamos ver o que você anda aprontando, null.
Capítulo 35
31 de outubro de 2017, 17:47, Nova York , NY - A esperada conversa com a chefe
null se sentou na cadeira em frente a Kelly e observou em silêncio enquanto a chefe terminava de digitar uma lista de mantimentos.
— Então, o que você queria falar comigo? — Ela se virou para null. — É sobre a cliente chata?
— Não. Na verdade, é sobre... Uma coisa que eu descobri recentemente — null respondeu devagar, meio insegura, mas sem nem saber porquê. — Peter null. Esse nome te diz alguma coisa?
Conhecimento brilhou no olhar de sua chefe e um sorriso pequeno ergueu seus lábios.
— Acho que é meio óbvio eu saber o nome do meu antigo chefe, não é?
— Então você sabia? Que eu era filha dele?
— Sim.
— Foi por isso que me deu esse emprego, então? E sempre oferecia os turnos extras pra mim primeiro?
Kelly respirou fundo e entrelaçou as duas mãos em cima da mesa.
— Acho melhor ir com calma, null. Seu pai não mexeu os pauzinhos pra te fazer ganhar esse emprego, se é o que pensa.
— Não? — null a encarou, surpresa.
— Ele era mais do tipo que acreditava em mérito, não nepotismo. Achei que soubesse disso. Você já tinha conseguido o emprego quando eu descobri que ele era seu pai.
— Sério? E você não desconfiou de nada? Do meu sobrenome, talvez?
— Seu sobrenome? Tem ideia de quantos null existe nesse país? — Kelly riu. — Não. Eu juro que não sabia de nada até ele me contar, mais ou menos um mês depois que você começou a trabalhar.
— Meu pai falou com você? — null a encarou, com interesse. — O que ele disse além disso?
— Ele perguntou como você estava se saindo como funcionária. E depois que me contou que era seu pai, me pediu pra cuidar bem de você e dos outros funcionários.
— E você nunca me disse isso?
— Ele me fez prometer não te contar. Falou que esse Café era um negócio novo que queria tentar, mas não tinha planos de expansão por enquanto — ela contou. — Felizmente, nós lucramos bem o suficiente pra conseguir manter o lugar de pé até hoje.
— E os turnos extras? Você não me deu preferência?
— Lógico que dei. Mas não porque você é filha dele e sim porque você é uma das funcionárias mais antigas. Você e Harry, na verdade. Mas mesmo assim, você entrou antes dele. Achei que isso fosse óbvio. Além disso, você falou que precisava de turnos extras, só que… honestamente, nunca entendi o que tava acontecendo. Eu sabia que você trabalhava em uma agência de limpeza também, mas... Por quê? Seu pai deixou uma fortuna, mas nunca te vi usufruindo de nada disso, só se matando de trabalhar.
— Eu não fui uma das pessoas beneficiadas no testamento dele — null revelou, em meio a um suspiro. — Ou pelo menos eu achava que não. Recentemente descobri que um amigo dele, que tinha uma cópia do testamento original, foi coagido a acreditar que eu tava administrando esse lugar. No testamento original, o Café é meu. Mas a família do meu pai, especialmente o enteado dele... Fez esse cara, Tony, acreditar que tava tudo bem. Aparentemente, ele falsificou documentos que levou pra empresa e... Bem, eu passei mais de um ano achando que tinha sido rejeitada.
— Como é? — Kelly abriu a boca, em choque. — Quer dizer que aquele pilantra do Charlie fez isso?
— Você conhece ele?
— Nós fizemos faculdade juntos. Ele sempre se gabou nas reuniões de turma que tava trabalhando em um bom cargo como diretor no Grupo null. — Ela riu, sem humor. — Aquele cargo é real mesmo? Ou ele também inventou?
— Charlie, Claire e Sandra estão no testamento original, com direito à mansão do meu pai, ações e alguns outros bens, como carros. Mas vários funcionários também estão, assim como, bem, eu. — Ela encolheu os ombros. — Só faz alguns dias que descobri, depois Tony e eu fizemos uma denúncia. Aparentemente, Charlie também tá envolvido em algum lance de corrupção na empresa.
— Meu Deus... — Kelly cruzou os braços. — E você, tá bem? Quer dizer que, em breve, você vai virar minha chefe? — Ela sorriu de canto.
null revirou os olhos, contendo um sorriso.
— Não faço ideia do que vai acontecer, na verdade, mas… Por favor, não conta pra ninguém.
— Relaxa, null. Essa conversa não vai sair daqui.
— Obrigada, chefe. — null sorriu.
— De nada. Vou torcer pra que dê tudo certo. E não tenho culpa nenhuma em falar que espero que aquele idiota do Charlie se ferre. Nunca gostei dele.
***
— Quer dizer que aquela patricinha metida a Regina George tentou humilhar você? — null perguntou, incrédulo. — Quer que eu me vingue por você, amor? Se quiser, é só falar e prometo que dou um jeito.
null deu uma risadinha, achando engraçado.
— Você tá parecendo um vilão rendido pela protagonista de um livro de fantasia.
— Sarcástico e moreno, de olhos claros? Acho que talvez eu seja mesmo. — Ele sorriu, galanteador.
— E com covinhas — ela lembrou, encarando as duas marquinhas em duas bochechas. — Mas não, não precisa de vingar por mim. Você nem me deixou terminar de contar tudo.
— Certo, continue então — ele pediu.
Estavam na cozinha, no meio de um lanche que null havia trazido do café, incluindo o tal bolo “seco”.
— O que achou do bolo? — Ela apontou para a fatia que ele beliscava.
— Tá ótimo, por quê?
— Claire disse que tava seco e até chamou minha chefe pra reclamar. Falou que eu tentei discutir com ela.
— E o que Kelly disse?
— Ela ficou do meu lado. Depois, Claire continuou a me atacar. Daí perdi a paciência e joguei o café no bolo dela pra deixar bem hidratado.
null engasgou com uma risada.
— Você fez o quê? Jogou café? Eu posso ver as filmagens de segurança? Não acredito que não presenciei isso.
— Você é horrível. — Ela riu outra vez.
— Não, você que é boazinha demais — ele retrucou. — Precisa se impor mais vezes, null. Mas fico feliz por não ter deixado aquela doida sair por cima.
— É, eu sei. Mas eu meio que fiz sem pensar mesmo. — Ela encolheu os ombros, mas havia um sorriso em seu rosto. — Quando vi, já tava derramando o café.
— Você precisa andar mais com a null e a Karol pra aprender umas crueldades com elas — null brincou.
— Eu também conversei com a Kelly sobre meu pai — ela disse. — Ela já sabia que eu era filha dele.
— E aí? — null a encarou, curioso. — O que ela disse?
Então null contou, sem deixar passar nenhum detalhe. Quando acabou, alguns minutos depois, null suspirou.
— Espero que as coisas se resolvam logo. Vai ser uma dor de cabeça, mas você não pode continuar sendo injustiçada. Eles fizeram você arriscar a própria vida sem ter como pagar por um plano de saúde e ter que se matar pra comprar os medicamentos.
— Sim... Espero que dê tudo certo — ela murmurou baixinho.
— Mas olha, mudando de assunto agora que você terminou de me contar tudo... Eu tenho uma coisa surpresa pra você, sabia?
— Surpresa, é? — null arqueou uma sobrancelha.
— Preparei hoje à tarde.
— Achei que tivesse trabalhado hoje.
— Ah, eu tive que dar uma saída pra resolver uma coisa. Daí pedi pra null tomar de conta do apartamento enquanto arrumavam tudo.
— Tudo o quê?
— A surpresa, meu bem. Vem, vou te mostrar. — E puxou ela pela mão até o final do corredor onde ficava o quarto vazio. null cobriu os olhos dela e null riu enquanto ele empurrava a porta.
Quando a deixou ver, ela abriu os olhos e se deparou com o quarto repleto de espelhos, além de alguns equipamentos fixos de filmagem e ventilação.
Seus olhos brilharam de entusiamo e um sorriso de orelha a orelha surgiu em seu rosto.
— Não acredito! — Ela correu para o meio do quarto que agora era um pequeno estúdio de dança. — Tá perfeito, eu... Você sabe que não precisava.
— Mas eu quis te dar esse presente, especialmente agora que você já pode voltar a dançar. Sei o quanto é importante pra você.
null sentiu os olhos encherem d'água. Era a primeira vez que ela tinha o próprio estúdio em casa. Quando morava com o pai, usava o próprio quarto para ensaiar, no único espelho de corpo inteiro que possuía. Era limitante por conta do espaço, mas ainda assim quebrava um galho. E por mais que soubesse que havia espaço suficiente na mansão do pai, nunca pediu a ele um estúdio próprio, porque não queria passar a impressão de que estava se aproveitando.
Quando null cedeu o quarto, até passou por sua cabeça pedir permissão a ele para instalar alguns espelhos, mas então... Mais uma vez, era como se ele tivesse lido sua mente, como se enxergasse além dela.
Aquilo era mesmo possível? Estabelecer uma conexão com alguém em tão pouco tempo? Parecia irreal, como um sonho repleto de momentos que desapareceriam repentinamente quando ela acordasse.
— Eu amei, amei mesmo. — Ela fungou, um soluço emotivo escapando de sua garganta. null deu uma risadinha e a envolveu em um abraço.
— A intenção era te arrancar sorrisos, não lágrimas — ele brincou, fazendo-a rir.
— São lágrimas de felicidade — ela garantiu, com o rosto enterrado no peito dele. — Além disso, deve ser a TPM me fazendo chorar. Mas sério... Obrigada mesmo, null. É o meu primeiro estúdio.
— Fico feliz então, por te dar essa pequena felicidade. Quero te dar muito mais que isso, null. — Ele segurou o rosto dela entre as mãos. — Quero que você se sinta tão absurdamente querida e amada que não vai nem se lembrar de como é não ter isso. Porque eu te amo demais, e eu sei que faz pouco tempo que a gente se conhece, mas... Isso nunca aconteceu antes.
— Eu também te amo, grandalhão. — Ela sorriu, ainda abraçada a ele. — Queria poder te retribuir igualmente por tudo o que você fez por mim.
— Você já faz isso. É só continuar do meu lado e a gente tá ok. Desde que você queira também.
— Como se eu não fosse querer meu próprio moreno sarcástico, de olhos claros e covinhas — ela brincou.
null riu e se inclinou para beijá-la, torcendo para que mais dias bons viessem.
***
Uma semana depois de descobrir que tinha seu próprio estúdio, null estava ansiosa para voltar para casa e ensaiar a nova coreografia que Izzy tinha enviado.
Havia voltado para o clube naquele fim de semana, mas não participou de nenhuma dança no palco já que ainda estava em processo de recuperação. O pé doía bem menos, ainda um tanto sensível, mas ela já tinha voltado a se exercitar na academia com null. Por mais que odiasse malhar e principalmente fazer cardio, ele tornava tudo um pouco mais suportável a ponto dela ter a impressão de que o tempo passava mais rápido quando estavam juntos, diferente das vezes em que se exercitava sob supervisão apenas do personal trainer.
null andava ocupado nos últimos dias e quando não estava no estúdio, tinha uma ou outra atividade individual para fazer, como alguma campanha publicitária ou reuniões da banda com a gravadora. null o via apenas algumas poucas horas do dia, quando coincidia dos dois estarem em casa ao mesmo tempo.
No entanto, tirando isso — que já era meio de se esperar que acontecesse hora ou outra — as coisas estavam estranhamente normais.
Calmas até demais, o que provocava um pouco de ansiedade nela. Tinha passado tanto tempo tensa, que agora mesmo podendo relaxar um pouco, mesmo que já estivesse fazendo isso há algum tempo, ainda era estranho.
Claire não voltou para a cafeteria, e até mesmo a ex de null, Hannah, pareceu ficar quieta depois do último artigo que havia saído. Não havia fofocas nem burburinhos à tona, e até mesmo o canal no YouTube que ela havia criado parecia estar indo bem.
Tão bem que ela já podia até mesmo monetizar.
Tinha postado outros dois vídeos nos últimos dias, ambos com a peruca de Cindy Lee, mas usando outras máscaras que lhe cobriam o rosto inteiro. O último vídeo, null tinha gravado no próprio estúdio. Era sem cortes e tinha filmado cerca de cinco vezes até ficar satisfeita com a coreografia.
Já estava pensando na próxima enquanto caminhava para casa, depois de sair do café. Digitou rapidamente uma mensagem para null, avisando que chegaria em cinco minutos, depois acessou o Pinterest em busca de ideias de figurinos e conceitos para talvez usar no próximo vídeo.
Tinha acabado de salvar algumas imagens quando sentiu um puxão forte no braço que a fez derrubar o celular. null perdeu o equilíbrio e caiu sentada no chão enquanto alguém a arrastava para um beco.
Sem entender nada e com o coração disparando repentinamente, ela começou a gritar de medo, mas o som foi abafado por uma grande mão masculina que agarrou seu queixo e, em seguida, derramou um líquido amargo na boca dela, a forçando a engolir. null engasgou e tossiu algumas vezes, algumas lágrimas rolando por seu rosto. O gosto do líquido parecia uma bebida alcoólica bem forte, mas algo lhe dizia que não era apenas aquilo.
Desesperada, ela tentou lutar e arranhar o homem que a segurava, inconformada por não conseguir ver o rosto dele. O beco era escuro e havia uma faixa de luz entrando, mas ele a segurava por trás. Mesmo assim, ela se debateu e tentou se soltar até que conseguiu cair para frente, ralando os dois joelhos no chão. Uma dor forte nas palmas das mãos a fez gemer e ela notou que tinha caído em pedaços de cacos de vidros.
Mas antes que pudesse reagir e pensar em fazer alguma coisa, foi atingida por um chute nas costelas que a fez cair de lado. Sua cabeça girou e, naquele momento, ela teve certeza de que havia sido drogada. Com a vista embaçada, ela viu o homem se aproximar e franziu o cenho tentando enxergar o rosto dele.
Seu coração errou algumas batidas quando reconheceu seu sorriso.
— Charlie... — ela sussurrou, ofegante.
— Oi, null. Vim te fazer uma visitinha. Descobri que você andou se encontrando com Tony Sharpe e descobriu umas coisinhas... Você tá se achando corajosa demais depois que se envolveu com aquele cantorzinho de merda, né? Ele te pagou bem o suficiente? Certamente você faz loucuras na cama pra ter amarrado o cara, pena que nunca me deixou experimentar... — Ele correu as mãos pelo corpo dela, apertando a bunda e os seios dolorosamente.
null teve vontade de vomitar e conseguiu acertar seu rosto com um tapa.
— Fique longe de mim! — ela conseguiu dizer. — Socorro! Socorro! Alguém me-
Sua voz foi interrompida no meio da frase quando ele devolveu o tapa.
null sentiu o rosto arder e doer, e a tontura aumentou. Logo, ela se viu com dificuldade de respirar, provavelmente graças ao coração quebrado que carregava no peito.
— Como ousa me bater? Sua puta suja! — Charlie a chutou uma e outra vez, fazendo o ar escapar de seus pulmões.
null rezou para que aquilo fosse um pesadelo, rezou para acordar logo, para que tudo aquilo acabasse.
— Por favor... — ela pediu e tossiu, cuspindo sangue.
— Por favor, o quê? Você, sua desgraçada! Quem pensa que é pra processar a mim e a minha família? Você não passa de uma latina fodida que deu sorte de ter um pai rico.
— Eu sou a filha biológica, seu imbecil — ela falou, com a voz grogue. — Quem você pensa que é? Um enteado fodido atacando uma mulher inocente. Filho da pu-Ah! — ela gritou quando ele agarrou seu cabelo com força e bateu sua cabeça no chão duas vezes.
O mundo girou outra vez.
— Repete! Repete, sua puta! Você tá com a língua grande demais pra alguém que tá toda ferrada. Talvez eu devesse te dar outro motivo pra gritar...
null franziu o cenho e piscou, tentando enxergar melhor, quando ouviu o som de fivela de um cinto. Seu coração disparou mais ainda e ela arregalou os olhos quando viu Charlie desabotoando a calça, seu estômago se revirando de medo, até que uma súbita onda de adrenalina tomou conta dela.
null não sabia como, mas conseguiu chutá-lo no meio das pernas, fazendo-o cair para o lado. Desesperada, ela tentou engatinhar e conseguiu ficar de pé e dar alguns passos enquanto Charlie gemia no chão.
— Alguém! Por favor! Ajuda! — ela gritou, enquanto cambaleava para fora do beco.
Esbarrou em uma mulher que perguntou se ela estava bem.
— Tem um homem, no beco... atrás de mim. Por favor, me ajuda. Eu acho que ele me drogou — ela falou, ofegante, com a voz embolada. — Preciso... Preciso...
...de ajuda, ela tentou dizer.
Mas então seu corpo desabou e tudo ficou escuro.
null se sentou na cadeira em frente a Kelly e observou em silêncio enquanto a chefe terminava de digitar uma lista de mantimentos.
— Então, o que você queria falar comigo? — Ela se virou para null. — É sobre a cliente chata?
— Não. Na verdade, é sobre... Uma coisa que eu descobri recentemente — null respondeu devagar, meio insegura, mas sem nem saber porquê. — Peter null. Esse nome te diz alguma coisa?
Conhecimento brilhou no olhar de sua chefe e um sorriso pequeno ergueu seus lábios.
— Acho que é meio óbvio eu saber o nome do meu antigo chefe, não é?
— Então você sabia? Que eu era filha dele?
— Sim.
— Foi por isso que me deu esse emprego, então? E sempre oferecia os turnos extras pra mim primeiro?
Kelly respirou fundo e entrelaçou as duas mãos em cima da mesa.
— Acho melhor ir com calma, null. Seu pai não mexeu os pauzinhos pra te fazer ganhar esse emprego, se é o que pensa.
— Não? — null a encarou, surpresa.
— Ele era mais do tipo que acreditava em mérito, não nepotismo. Achei que soubesse disso. Você já tinha conseguido o emprego quando eu descobri que ele era seu pai.
— Sério? E você não desconfiou de nada? Do meu sobrenome, talvez?
— Seu sobrenome? Tem ideia de quantos null existe nesse país? — Kelly riu. — Não. Eu juro que não sabia de nada até ele me contar, mais ou menos um mês depois que você começou a trabalhar.
— Meu pai falou com você? — null a encarou, com interesse. — O que ele disse além disso?
— Ele perguntou como você estava se saindo como funcionária. E depois que me contou que era seu pai, me pediu pra cuidar bem de você e dos outros funcionários.
— E você nunca me disse isso?
— Ele me fez prometer não te contar. Falou que esse Café era um negócio novo que queria tentar, mas não tinha planos de expansão por enquanto — ela contou. — Felizmente, nós lucramos bem o suficiente pra conseguir manter o lugar de pé até hoje.
— E os turnos extras? Você não me deu preferência?
— Lógico que dei. Mas não porque você é filha dele e sim porque você é uma das funcionárias mais antigas. Você e Harry, na verdade. Mas mesmo assim, você entrou antes dele. Achei que isso fosse óbvio. Além disso, você falou que precisava de turnos extras, só que… honestamente, nunca entendi o que tava acontecendo. Eu sabia que você trabalhava em uma agência de limpeza também, mas... Por quê? Seu pai deixou uma fortuna, mas nunca te vi usufruindo de nada disso, só se matando de trabalhar.
— Eu não fui uma das pessoas beneficiadas no testamento dele — null revelou, em meio a um suspiro. — Ou pelo menos eu achava que não. Recentemente descobri que um amigo dele, que tinha uma cópia do testamento original, foi coagido a acreditar que eu tava administrando esse lugar. No testamento original, o Café é meu. Mas a família do meu pai, especialmente o enteado dele... Fez esse cara, Tony, acreditar que tava tudo bem. Aparentemente, ele falsificou documentos que levou pra empresa e... Bem, eu passei mais de um ano achando que tinha sido rejeitada.
— Como é? — Kelly abriu a boca, em choque. — Quer dizer que aquele pilantra do Charlie fez isso?
— Você conhece ele?
— Nós fizemos faculdade juntos. Ele sempre se gabou nas reuniões de turma que tava trabalhando em um bom cargo como diretor no Grupo null. — Ela riu, sem humor. — Aquele cargo é real mesmo? Ou ele também inventou?
— Charlie, Claire e Sandra estão no testamento original, com direito à mansão do meu pai, ações e alguns outros bens, como carros. Mas vários funcionários também estão, assim como, bem, eu. — Ela encolheu os ombros. — Só faz alguns dias que descobri, depois Tony e eu fizemos uma denúncia. Aparentemente, Charlie também tá envolvido em algum lance de corrupção na empresa.
— Meu Deus... — Kelly cruzou os braços. — E você, tá bem? Quer dizer que, em breve, você vai virar minha chefe? — Ela sorriu de canto.
null revirou os olhos, contendo um sorriso.
— Não faço ideia do que vai acontecer, na verdade, mas… Por favor, não conta pra ninguém.
— Relaxa, null. Essa conversa não vai sair daqui.
— Obrigada, chefe. — null sorriu.
— De nada. Vou torcer pra que dê tudo certo. E não tenho culpa nenhuma em falar que espero que aquele idiota do Charlie se ferre. Nunca gostei dele.
— Quer dizer que aquela patricinha metida a Regina George tentou humilhar você? — null perguntou, incrédulo. — Quer que eu me vingue por você, amor? Se quiser, é só falar e prometo que dou um jeito.
null deu uma risadinha, achando engraçado.
— Você tá parecendo um vilão rendido pela protagonista de um livro de fantasia.
— Sarcástico e moreno, de olhos claros? Acho que talvez eu seja mesmo. — Ele sorriu, galanteador.
— E com covinhas — ela lembrou, encarando as duas marquinhas em duas bochechas. — Mas não, não precisa de vingar por mim. Você nem me deixou terminar de contar tudo.
— Certo, continue então — ele pediu.
Estavam na cozinha, no meio de um lanche que null havia trazido do café, incluindo o tal bolo “seco”.
— O que achou do bolo? — Ela apontou para a fatia que ele beliscava.
— Tá ótimo, por quê?
— Claire disse que tava seco e até chamou minha chefe pra reclamar. Falou que eu tentei discutir com ela.
— E o que Kelly disse?
— Ela ficou do meu lado. Depois, Claire continuou a me atacar. Daí perdi a paciência e joguei o café no bolo dela pra deixar bem hidratado.
null engasgou com uma risada.
— Você fez o quê? Jogou café? Eu posso ver as filmagens de segurança? Não acredito que não presenciei isso.
— Você é horrível. — Ela riu outra vez.
— Não, você que é boazinha demais — ele retrucou. — Precisa se impor mais vezes, null. Mas fico feliz por não ter deixado aquela doida sair por cima.
— É, eu sei. Mas eu meio que fiz sem pensar mesmo. — Ela encolheu os ombros, mas havia um sorriso em seu rosto. — Quando vi, já tava derramando o café.
— Você precisa andar mais com a null e a Karol pra aprender umas crueldades com elas — null brincou.
— Eu também conversei com a Kelly sobre meu pai — ela disse. — Ela já sabia que eu era filha dele.
— E aí? — null a encarou, curioso. — O que ela disse?
Então null contou, sem deixar passar nenhum detalhe. Quando acabou, alguns minutos depois, null suspirou.
— Espero que as coisas se resolvam logo. Vai ser uma dor de cabeça, mas você não pode continuar sendo injustiçada. Eles fizeram você arriscar a própria vida sem ter como pagar por um plano de saúde e ter que se matar pra comprar os medicamentos.
— Sim... Espero que dê tudo certo — ela murmurou baixinho.
— Mas olha, mudando de assunto agora que você terminou de me contar tudo... Eu tenho uma coisa surpresa pra você, sabia?
— Surpresa, é? — null arqueou uma sobrancelha.
— Preparei hoje à tarde.
— Achei que tivesse trabalhado hoje.
— Ah, eu tive que dar uma saída pra resolver uma coisa. Daí pedi pra null tomar de conta do apartamento enquanto arrumavam tudo.
— Tudo o quê?
— A surpresa, meu bem. Vem, vou te mostrar. — E puxou ela pela mão até o final do corredor onde ficava o quarto vazio. null cobriu os olhos dela e null riu enquanto ele empurrava a porta.
Quando a deixou ver, ela abriu os olhos e se deparou com o quarto repleto de espelhos, além de alguns equipamentos fixos de filmagem e ventilação.
Seus olhos brilharam de entusiamo e um sorriso de orelha a orelha surgiu em seu rosto.
— Não acredito! — Ela correu para o meio do quarto que agora era um pequeno estúdio de dança. — Tá perfeito, eu... Você sabe que não precisava.
— Mas eu quis te dar esse presente, especialmente agora que você já pode voltar a dançar. Sei o quanto é importante pra você.
null sentiu os olhos encherem d'água. Era a primeira vez que ela tinha o próprio estúdio em casa. Quando morava com o pai, usava o próprio quarto para ensaiar, no único espelho de corpo inteiro que possuía. Era limitante por conta do espaço, mas ainda assim quebrava um galho. E por mais que soubesse que havia espaço suficiente na mansão do pai, nunca pediu a ele um estúdio próprio, porque não queria passar a impressão de que estava se aproveitando.
Quando null cedeu o quarto, até passou por sua cabeça pedir permissão a ele para instalar alguns espelhos, mas então... Mais uma vez, era como se ele tivesse lido sua mente, como se enxergasse além dela.
Aquilo era mesmo possível? Estabelecer uma conexão com alguém em tão pouco tempo? Parecia irreal, como um sonho repleto de momentos que desapareceriam repentinamente quando ela acordasse.
— Eu amei, amei mesmo. — Ela fungou, um soluço emotivo escapando de sua garganta. null deu uma risadinha e a envolveu em um abraço.
— A intenção era te arrancar sorrisos, não lágrimas — ele brincou, fazendo-a rir.
— São lágrimas de felicidade — ela garantiu, com o rosto enterrado no peito dele. — Além disso, deve ser a TPM me fazendo chorar. Mas sério... Obrigada mesmo, null. É o meu primeiro estúdio.
— Fico feliz então, por te dar essa pequena felicidade. Quero te dar muito mais que isso, null. — Ele segurou o rosto dela entre as mãos. — Quero que você se sinta tão absurdamente querida e amada que não vai nem se lembrar de como é não ter isso. Porque eu te amo demais, e eu sei que faz pouco tempo que a gente se conhece, mas... Isso nunca aconteceu antes.
— Eu também te amo, grandalhão. — Ela sorriu, ainda abraçada a ele. — Queria poder te retribuir igualmente por tudo o que você fez por mim.
— Você já faz isso. É só continuar do meu lado e a gente tá ok. Desde que você queira também.
— Como se eu não fosse querer meu próprio moreno sarcástico, de olhos claros e covinhas — ela brincou.
null riu e se inclinou para beijá-la, torcendo para que mais dias bons viessem.
Uma semana depois de descobrir que tinha seu próprio estúdio, null estava ansiosa para voltar para casa e ensaiar a nova coreografia que Izzy tinha enviado.
Havia voltado para o clube naquele fim de semana, mas não participou de nenhuma dança no palco já que ainda estava em processo de recuperação. O pé doía bem menos, ainda um tanto sensível, mas ela já tinha voltado a se exercitar na academia com null. Por mais que odiasse malhar e principalmente fazer cardio, ele tornava tudo um pouco mais suportável a ponto dela ter a impressão de que o tempo passava mais rápido quando estavam juntos, diferente das vezes em que se exercitava sob supervisão apenas do personal trainer.
null andava ocupado nos últimos dias e quando não estava no estúdio, tinha uma ou outra atividade individual para fazer, como alguma campanha publicitária ou reuniões da banda com a gravadora. null o via apenas algumas poucas horas do dia, quando coincidia dos dois estarem em casa ao mesmo tempo.
No entanto, tirando isso — que já era meio de se esperar que acontecesse hora ou outra — as coisas estavam estranhamente normais.
Calmas até demais, o que provocava um pouco de ansiedade nela. Tinha passado tanto tempo tensa, que agora mesmo podendo relaxar um pouco, mesmo que já estivesse fazendo isso há algum tempo, ainda era estranho.
Claire não voltou para a cafeteria, e até mesmo a ex de null, Hannah, pareceu ficar quieta depois do último artigo que havia saído. Não havia fofocas nem burburinhos à tona, e até mesmo o canal no YouTube que ela havia criado parecia estar indo bem.
Tão bem que ela já podia até mesmo monetizar.
Tinha postado outros dois vídeos nos últimos dias, ambos com a peruca de Cindy Lee, mas usando outras máscaras que lhe cobriam o rosto inteiro. O último vídeo, null tinha gravado no próprio estúdio. Era sem cortes e tinha filmado cerca de cinco vezes até ficar satisfeita com a coreografia.
Já estava pensando na próxima enquanto caminhava para casa, depois de sair do café. Digitou rapidamente uma mensagem para null, avisando que chegaria em cinco minutos, depois acessou o Pinterest em busca de ideias de figurinos e conceitos para talvez usar no próximo vídeo.
Tinha acabado de salvar algumas imagens quando sentiu um puxão forte no braço que a fez derrubar o celular. null perdeu o equilíbrio e caiu sentada no chão enquanto alguém a arrastava para um beco.
Sem entender nada e com o coração disparando repentinamente, ela começou a gritar de medo, mas o som foi abafado por uma grande mão masculina que agarrou seu queixo e, em seguida, derramou um líquido amargo na boca dela, a forçando a engolir. null engasgou e tossiu algumas vezes, algumas lágrimas rolando por seu rosto. O gosto do líquido parecia uma bebida alcoólica bem forte, mas algo lhe dizia que não era apenas aquilo.
Desesperada, ela tentou lutar e arranhar o homem que a segurava, inconformada por não conseguir ver o rosto dele. O beco era escuro e havia uma faixa de luz entrando, mas ele a segurava por trás. Mesmo assim, ela se debateu e tentou se soltar até que conseguiu cair para frente, ralando os dois joelhos no chão. Uma dor forte nas palmas das mãos a fez gemer e ela notou que tinha caído em pedaços de cacos de vidros.
Mas antes que pudesse reagir e pensar em fazer alguma coisa, foi atingida por um chute nas costelas que a fez cair de lado. Sua cabeça girou e, naquele momento, ela teve certeza de que havia sido drogada. Com a vista embaçada, ela viu o homem se aproximar e franziu o cenho tentando enxergar o rosto dele.
Seu coração errou algumas batidas quando reconheceu seu sorriso.
— Charlie... — ela sussurrou, ofegante.
— Oi, null. Vim te fazer uma visitinha. Descobri que você andou se encontrando com Tony Sharpe e descobriu umas coisinhas... Você tá se achando corajosa demais depois que se envolveu com aquele cantorzinho de merda, né? Ele te pagou bem o suficiente? Certamente você faz loucuras na cama pra ter amarrado o cara, pena que nunca me deixou experimentar... — Ele correu as mãos pelo corpo dela, apertando a bunda e os seios dolorosamente.
null teve vontade de vomitar e conseguiu acertar seu rosto com um tapa.
— Fique longe de mim! — ela conseguiu dizer. — Socorro! Socorro! Alguém me-
Sua voz foi interrompida no meio da frase quando ele devolveu o tapa.
null sentiu o rosto arder e doer, e a tontura aumentou. Logo, ela se viu com dificuldade de respirar, provavelmente graças ao coração quebrado que carregava no peito.
— Como ousa me bater? Sua puta suja! — Charlie a chutou uma e outra vez, fazendo o ar escapar de seus pulmões.
null rezou para que aquilo fosse um pesadelo, rezou para acordar logo, para que tudo aquilo acabasse.
— Por favor... — ela pediu e tossiu, cuspindo sangue.
— Por favor, o quê? Você, sua desgraçada! Quem pensa que é pra processar a mim e a minha família? Você não passa de uma latina fodida que deu sorte de ter um pai rico.
— Eu sou a filha biológica, seu imbecil — ela falou, com a voz grogue. — Quem você pensa que é? Um enteado fodido atacando uma mulher inocente. Filho da pu-Ah! — ela gritou quando ele agarrou seu cabelo com força e bateu sua cabeça no chão duas vezes.
O mundo girou outra vez.
— Repete! Repete, sua puta! Você tá com a língua grande demais pra alguém que tá toda ferrada. Talvez eu devesse te dar outro motivo pra gritar...
null franziu o cenho e piscou, tentando enxergar melhor, quando ouviu o som de fivela de um cinto. Seu coração disparou mais ainda e ela arregalou os olhos quando viu Charlie desabotoando a calça, seu estômago se revirando de medo, até que uma súbita onda de adrenalina tomou conta dela.
null não sabia como, mas conseguiu chutá-lo no meio das pernas, fazendo-o cair para o lado. Desesperada, ela tentou engatinhar e conseguiu ficar de pé e dar alguns passos enquanto Charlie gemia no chão.
— Alguém! Por favor! Ajuda! — ela gritou, enquanto cambaleava para fora do beco.
Esbarrou em uma mulher que perguntou se ela estava bem.
— Tem um homem, no beco... atrás de mim. Por favor, me ajuda. Eu acho que ele me drogou — ela falou, ofegante, com a voz embolada. — Preciso... Preciso...
...de ajuda, ela tentou dizer.
Mas então seu corpo desabou e tudo ficou escuro.
Capítulo 36
null examinou a mão de null com um olhar minucioso, em seguida ergueu o olhar para o rosto dele.
— É sério que você cortou essa mão de novo?
O amigo fez uma careta.
— Você fala como se a última vez tivesse sido semana passada, mas foi há uns seis anos. A faca escapou, o que posso fazer?
— Você tem que prestar mais atenção, seu idiota. Você cozinha há anos e cortou uma cenoura com a faca virada pra palma da mão?
— Você vai me ajudar com o curativo ou vai ficar me dando bronca?
— Os dois — null respondeu, irritada com o descuido dele.
null suspirou, voltando a encarar o corte.
— Você acha que vai precisar levar pontos?
— Não, não tá tão ruim quanto da última vez. Acho que ficar fazendo curativos vai resolver. Mas vai continuar doendo.
— Tá... Que seja.
— Vou pegar meu kit de primeiros socorros — null disse, abrindo um dos armários da cozinha de null e tirando uma caixa dele. — E a null?
— Já deve ter chegado. Mandei uma mensagem falando que tava aqui, mas ela não deve ter visto. Acho que tá no banho.
— Ah, daqui a pouco ela aparece então — ela comentou, já preparando tudo o que iria usar, e então se virou para ele. — Isso vai doer, mas não seja um bebê, null.
null rolou os olhos, sem realmente se incomodar com a dor, mas ela pareceu aumentar três vezes quando null colocou o antisséptico na ferida. Involuntariamente, ele chiou, e teria puxado a mão se ela não tivesse segurado firme.
— Porra, null. Parece que piorou.
— Eu preciso limpar, então aguenta aí. Pelo menos você conseguiu estancar o sangramento.
Ele tinha pressionado um pano de prato contra a ferida, pouco antes de aparecer ali. Não era exatamente higiênico, mas não tinha muito o que fazer no momento, apenas usou o que encontrou primeiro para não perder mais sangue.
Felizmente, não era tão ruim quanto parecia.
— Tem certeza de que não tá fazendo de propósito? — Ele a encarou, desconfiado.
— Tenho, mas posso ser mais carrasca se você quiser.
— Deus me livre — ele disse, e null deu uma risadinha.
Depois de alguns minutos incômodos, ela fez um pequeno curativo no corte e tinha acabado de enrolar uma faixa na mão dele, quando seu celular tocou em cima do balcão.
— É a null. — Ele pegou o aparelho e atendeu a ligação. — Oi, amor. Já chegou? Eu ainda tô na-
— Boa noite, este é o contato de emergência de null null?
null se levantou no mesmo instante, em alerta.
— Sim, quem fala? O que aconteceu com null?
— Eu sou assistente social no hospital Mount Sinai. Uma mulher que esbarrou nela chamou a emergência. Não sabemos ao certo, mas parece que ela foi agredida na rua por um homem. A bolsa e o celular estavam no chão perto de onde ela caiu.
— Entendi, e ela tá bem? — Ele quis saber, sentindo o coração apertar.
— Ainda está desacordada, mas já está sendo examinada. Faz cerca de dez minutos que ela chegou. Seu nome é null, certo?
— Sim, sim. Eu sou o namorado dela, nós moramos juntos. Eu tô indo aí agora mesmo.
— Vou deixar a equipe sob aviso da sua chegada. Alguém deve te entregar os pertences dela assim que chegar.
— Certo. — null engoliu em seco. — Obrigado.
Ele encerrou a ligação, angustiado.
— Ei, o que foi? — null o encarou, preocupada.
— null foi agredida por alguém na rua, acabou esbarrando numa mulher que chamou a emergência e... — Ele suspirou. — Ela acabou de chegar, tá sendo examinada ainda... Eu tenho que ir. Ela tá na emergência do Mount Sinai.
— Eu vou com você — null se prontificou. — Me deixa só pegar um casaco. Pegue um também, tá frio. Eu te encontro lá embaixo.
Menos de cinco minutos depois, os dois estavam descendo pelo elevador. As mãos de null suaram frio e ele as esfregou ansiosamente contra o casaco.
— Ei, fica calmo. Daqui a pouco você vai ver ela.
— Ela tá desacordada, null. E se ela tiver muito ferida? E se o coração dela...
Ele não conseguiu terminar a frase.
O tratamento de null estava indo bem, mas dentro do possível. Ainda estava no processo de adquirir resistência física, e ter ficado duas semanas sem se exercitar por causa do pé machucado não ajudou muito.
E se tivesse acontecido algo sério?
Será que a equipe estava apenas esperando ele chegar para dar uma notícia ruim?
De repente, sua respiração ficou pesada e os olhos arderam. Um soluço angustiado irrompeu dele um instante antes que as portas do elevador abrissem, e ele cobriu o rosto com uma mão.
null colocou uma mão nas costas dele, esfregando suavemente.
— null... Vamos descobrir o que aconteceu primeiro.
Não era um "vai ficar tudo bem."
null trabalhou como enfermeira por anos, afinal. Testemunhou casos e mais casos, inclusive vítimas de agressões, e sabia como algumas delas acabavam. Ele não queria pensar em nada ruim, mas a ansiedade parecia tomar conta dele a cada segundo que passava.
— Vamos logo. — Ele limpou o rosto rapidamente e saiu pisando duro até chegar no carro.
— Deixa que eu dirijo. — null pegou a chave da mão dele e o empurrou em direção ao outro lado.
null não discutiu. Provavelmente passaria alguns sinais vermelhos se estivesse no volante.
Por sorte, o hospital ficava em Manhattan, não muito longe de onde eles moravam. No entanto, o trânsito não cooperou muito naquele horário e chegaram apenas quarenta minutos depois. null teve que correr atrás de null para acompanhar os passos rápidos de suas longas pernas.
Quando chegaram à enfermaria da emergência, ela avistou Susan, uma conhecida.
— Oi, Susan. Tudo bem?
— null! Faz tempo que não te vejo! Como você tá?
— Bem, e você? Estamos procurando uma paciente que chegou há pouco tempo. null null.
— Ah, sim. Os médicos encaminharam ela para fazer uma tomografia.
— Ela tá bem? — null perguntou. — Eu sou o namorado dela.
— Aparentemente sim. Fizemos um eletro quando descobrimos a condição dela, mas o coração parece estar bem. Fora isso, há alguns hematomas pelo corpo e ferimentos nas mãos, resquícios de cacos de vidro. Uma das meninas limpou as feridas enquanto os médicos a examinavam. Mas precisamos checar se há alguma fratura ou traumatismo.
— Ela machucou a cabeça? — null perguntou.
— Há um inchaço, mas realmente não sabemos o que aconteceu. A mulher que a encontrou disse que ela saiu do nada de um beco, pedindo por ajuda. Falou que tinha um homem atrás dela, mas desmaiou antes.
— Quem foi? Pegaram ele? — null quis saber, já sentindo o sangue ferver.
— Ninguém viu nada. Havia outra saída, então ele provavelmente fugiu por lá.
— E as câmeras?
— Não faço ideia. Mas pelo que me contaram, era um beco escuro, provavelmente tinha pontos cegos.
— Merda! — null xingou baixo. — Faz tempo que ela saiu pra fazer esse exame?
— Um tempinho, ela já deve estar voltando — Susan informou. — Tenho que ir ver os outros pacientes. Vejo vocês depois.
— Mais uma coisa — ele a chamou. — Transfira ela pra um quarto particular assim que possível. Por favor.
— Sem problemas. Vocês podem aguardar ali, é onde ela estava antes. — Susan apontou para uma cama. — Eu vou fazer uma solicitação de transferência assim que os médicos liberarem ela.
— Obrigado — null e null disseram, antes dela se afastar.
Os dois se dirigiram até o local indicado e null se sentou na cadeira ao lado da cama. null se apoiou no colchão grosso e o encarou.
— Você ouviu, ela tá bem. É provável que esteja só desacordada por conta do susto — ela tentou tranquilizá-lo.
— Eu sei, mas não me deixa mais tranquilo. Ainda mais sabendo que quem fez isso com ela conseguiu fugir.
— Vamos encontrar esse cara, null. Quando null acordar, vamos fazer uma denúncia.
Ele assentiu e respirou fundo, tentando se manter calmo. null tinha razão. Quebrar agora não ia ajudar null. Ele precisava ser forte por ela, para que ela pudesse se apoiar nele e se sentir segura. E para isso, arrancaria quaisquer pensamentos negativos de sua mente naquele momento.
Ela vai ficar bem. Ela vai ficar bem.
Ela já está bem.
Ele repetiu aquilo mentalmente, sem parar, até o momento em que a visão de uma maca apareceu em seu campo de visão periférica.
null se levantou no mesmo instante, e null o guiou em meio aos outros profissionais para que abrisse espaço para que a colocassem na cama. Ele se esticou tentando vê-la, mas só conseguiu quando se afastaram, deixando uma null inconsciente na cama. Um soro estava conectado a um dos seus braços e ela ainda estava completamente imóvel, exceto pelo peito que subia e descia, deixando claro que respirava sem dificuldade.
Um médico começou a falar com ele e null, mas null mal ouviu alguma coisa. Estava paralisado no lugar, com os olhos fixos nela, e nem percebeu quando suas mãos se fecharam em punho e trincou a mandíbula até null chamar sua atenção, colocando uma mão em seu rosto.
— null, você ouviu? null não sofreu nada grave. Nenhuma fratura. Ela tá bem e tá apenas dormindo.
— O exame de sangue saiu. Nós encontramos álcool e um medicamento com propriedades sedativas no sangue dela. Meu palpite é que ela conseguiu fugir e encontrar ajuda antes que ele a fizesse dormir.
— Faz sentido — null comentou. — Ele tentou drogar ela pra que ficasse inconsciente ou obediente, e o tiro saiu pela culatra.
— Filho da puta — null rosnou baixo. — Eu vou matar o imbecil que se atreveu a fazer isso com ela.
— Compreendo seus sentimentos, mas vamos manter a calma, sim? — O médico pediu. — Vou transferi-la para um quarto privado. Vamos mantê-la em observação até que acorde e mais algumas horas depois, para garantir que está tudo bem. Então vocês podem falar com a polícia.
— Tudo bem, obrigada — null disse, no mesmo instante em que null se moveu para se ajoelhar ao lado de null.
Ele segurou uma mão enfaixada dela com cuidado e a levou aos lábios. Em seguida, sentiu null se aproximar e colocar uma mão no ombro dele.
— Ela vai se recuperar logo, null. Tá tudo bem.
— Eu devia ter ido buscar ela. Devia pelo meno ter percebido que ela tava demorando. Ela disse que ia chegar em cinco minutos e eu não conferi.
— Ei, você se feriu e acabou se distraindo, não se culpe por isso — null o repreendeu. — Além disso, vou ter que refazer seu curativo, seu cabeça dura idiota. Olha o que você fez.
O olhar de null caiu para a mão direita encaixada e só então ele percebeu que estava manchada de sangue. Doía, mas ele não se importou.
— Porcaria... — resmungou baixo.
— Vamos esperar ela ser transferida pro quarto e depois eu vou em casa pegar roupas pra vocês e mais material de primeiro socorros. A menos que você queira refazer o curativo aqui, já tá na emergência mesmo...
— Não, não quero chamar atenção — ele negou imediatamente. — Você faz.
— Tudo bem. Precisa de mais alguma coisa?
null hesitou por um momento, mas então olhou para o rosto adormecido de null e tomou uma decisão.
— Na segunda gaveta da minha mesinha de cabeceira, perto da porta... Tem dois frascos de medicamentos. Preciso que traga.
— null esqueceu? — null franziu o cenho. — Achei que ela andasse com eles.
— Não são pra ela — null disse, engolindo em seco, antes de levantar o olhar para encarar o rosto da melhor amiga. — São meus.
***
Mais ou menos uma hora depois que null foi transferida para o quarto particular, null apareceu com uma bolsa repleta de roupas, produtos de higiene e medicamentos.
Ela não havia feito perguntas quando ele pediu para pegar os dois frascos de remédio em seu quarto, mas null sabia que elas viriam em breve. O olhar perspicaz que ela lançou a ele quando entrou no quarto deixou aquilo mais do que claro. null não estava apenas irritada, mas parecia magoada também. E provavelmente foi esse o único motivo pelo qual ela não fez nenhum comentário imediatamente.
Em silêncio, ela organizou os materiais para refazer o curativo da mão dele e permaneceu assim, agindo com frieza o tempo inteiro.
— null...
— Eu não falaria comigo agora se fosse você, null. Ou seu curativo pode acidentalmente ficar bem mais apertado.
Foi o suficiente para ele entender. Nada de conversa então.
No entanto, quando ela finalizou e se levantou para guardar os materiais, ele tentou outra vez.
— null.
— null sabe? — ela perguntou, finalmente o encarando.
— Não.
— Alguém sabe? — ela reformulou.
— Só você.
null assentiu, respirando fundo, então fez outra pergunta:
— Há quanto tempo?
— Desde abril, eu acho — ele confessou. — Mas procurei ajuda só depois, em maio. Tô em tratamento desde então.
— Meu Deus, null. Como pôde esconder esconder isso da gente? — A voz dela falhou pela primeira vez em muito tempo. null não se lembrava da última vez que tinha visto null tão triste, mas ali estava ela.
Ele piscou duas vezes, confuso.
— null, tá tudo bem. Não é nada de mais...
— É? E se fosse comigo e eu falasse isso pra você? E se fosse com null? Tenho certeza de que você não ia achar que não é nada de mais — ela rebateu, irritada. — Esconder uma depressão, Riv? É sério?
Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto dela.
— Eu sinto muito — ele murmurou baixo. — Eu não queria preocupar ninguém. Achei que conseguiria lidar com isso sozinho.
— Quer dizer que você tava fingindo o tempo todo? Aquelas vezes que você deu desculpas pra não sair de casa... Era por isso?
— Eu demorei pra aceitar a doença, null. Não fazia sentido pra mim. Eu não achava que tinha motivos suficientes. Não achei que aquilo ia mexer tanto comigo e... Acabar provocando isso.
— Aquilo o quê? — ela quis saber, sem deixar nenhuma palavra passar despercebida.
— Tem mais uma coisa que vocês não sabem.
— Ah, é? E o que mais você andou escondendo? Por favor, faça uma lista — ela resmungou, sarcástica.
Ainda estava irritada, mas null não tirava a razão dela. Sabia que tinha errado em não contar. E sabia que agiria da mesma forma caso estivesse em seu lugar. Apenas tinha sido estúpido demais em ficar calado. Ele queria contar eventualmente, quando se recuperasse, e nenhum dos cenários que havia imaginado quando fosse fazer isso se assemelhavam a como estava sendo naquele momento.
Mas não havia mais como evitar, ele entendeu.
— Antes disso acontecer, eu fiz um check-up médico e-
— Meu Deus, por favor, não me diz que você tem alguma doença terminal — null se adiantou.
— Não, não é nada disso. — Ele quase riu com o susto dela, mas compreendia sua preocupação. — Eu descobri que sou infértil, null. Não posso ter filhos. Tipo, nunca.
null encarou aquele par de olhos azuis sem deixar de reparar na expressão de dor que cruzou o rosto dele.
— Como isso aconteceu? — ela perguntou, baixo, com a voz suave.
Estava definitivamente mais tranquila por saber que ele não carregava nenhuma doença física que arriscasse sua vida, mas ainda assim precisava saber de tudo. O que ele sentia, o que pensava. null era seu melhor amigo, e ela não tinha nem mesmo percebido os sinais.
Uma pontada de culpa cortou seu coração e ela se aproximou dele, sentando na cadeira que estava antes, ao seu lado.
— Segundo o que o médico disse, eu já não tinha grandes chances de ser pai, mas... Você lembra daquela infecção que tive? Pelo visto, ela piorou tudo.
— Uma infecção urinária?
— Pois é, parece estranho, mas ele disse que pode acontecer. Então, basicamente todas as chances se esvaíram depois disso.
— E como você se sentiu? Como se sente agora?
— Eu aceitei a realidade. Mas pelo visto, não foi suficiente. Eu nunca parei pra pensar muito em filhos, você sabe. Sempre quis um relacionamento como o dos meus pais, mas não necessariamente com filhos. Se eles viessem, então tudo bem, mas não era uma questão pra mim.
— E passou a ser uma questão depois?
— É, acho que sim. Antes eu tinha uma escolha, pelo menos. — Ele deu de ombros. — Acho que minha mente começou a seguir por um caminho distorcido quando percebi que isso poderia arruinar um futuro relacionamento, e eu tive medo.
— null...
— Sabe, a maioria das mulheres não é que nem você, né? Você decidiu não ter filhos. Hero também nunca quis. Mas eu... Acho que se minha futura esposa quisesse, então eu daria isso a ela. Eu percebi que meu humor foi piorando aos poucos. Eu sabia que algo estava errado e que precisava de ajuda médica, mas não queria contar a ninguém. Não queria preocupar ninguém e, eu sei, foi estúpido. Mas eu queria falar só quando tivesse tudo bem.
— E como foi quando você descobriu? Você disse que demorou a aceitar.
— Sim. Eu achava que era uma coisa pequena demais pra provocar aquilo. Tem um monte de gente sofrendo por aí, em situações realmente ruins e justificáveis. Eu tenho tudo e sou completamente saudável, só... Bem, vim com esse defeito de fábrica. — Ele riu pelo nariz.
No entanto, null não achou graça.
— Seus sentimentos são tão importantes quanto os de qualquer outra pessoa. Você é a pessoa mais gentil e compreensiva que eu já conheci, null. Devia saber disso, mas você sempre se coloca em segundo lugar. Não preocupar a gente? Você tinha o dever de contar. Pra que servem os amigos? É justo que você divida o peso de seus ombros com a gente. Você sempre esteve lá pros seus amigos, então deixe que nós façamos o mesmo por você, seu idiota.
Um novo par de lágrimas escapou dos olhos dela e null segurou seu rosto carinhosamente, as secando com os polegares.
— Ei, sua besta. Não chora. Eu tô bem melhor agora. Tô fazendo terapia, me medicando, e levando uma rotina saudável. Além disso, tem a... null. — O olhar dele desviou para o corpo adormecido a menos de dois metros deles. — Depois que ela apareceu, foi como se eu encontrasse um novo propósito. Me senti como se estivesse voltando a ser meu velho eu.
null afastou as mãos dele de seu rosto e beijou cada uma. Em seguida, sorriu para o amigo.
— Eu só não te dou um soco na cara agora mesmo porque seria uma pena estragar esse lindo rostinho com um olho roxo.
null riu, divertido.
— Sorte minha então.
— Mas é sério, agora é seu dever contar pros meninos e pra null. E pros seus pais também, eles merecem saber.
— Não quero que ela pense que tô com dependência emocional ou algo assim. — Ele encarou a namorada mais uma vez, antes de voltar o olhar para a amiga. — null me ajudou e nem sabe, mas eu tenho plena consciência de que não ia fazer diferença se eu não estivesse me tratando há muito mais tempo.
— Ela vai entender, null. Confia em mim.
— É ela, null — ele confessou, quase em um sussurro. — A pessoa que eu sempre esperei que aparecesse. Sinto por ela exatamente o que null sente por você.
— E a gente soube disso bem antes que você, seu besta. — null sorriu. — Ela é perfeita pra você, provavelmente muito mais do que você pensa.
— Como você sabe?
— Porque a null me contou algo que você não sabe, ou não estaria tão inseguro assim.
— O quê?
— Que ela também não tem um pingo de vontade de ser mãe — null confidenciou, e deixou escapar uma risadinha quando viu a expressão perplexa no rosto dele.
— Tem certeza?
— Absoluta. Agora que tal você criar coragem e finalmente parar de esconder as coisas das pessoas mais importantes da sua vida?
— Certo. — null assentiu, ainda assimilando a nova informação. Seu coração bateu mais rápido, e esperança cresceu um pouco mais nele. — Vou fazer isso.
De repente, o futuro não parecia mais tão assustador.
— É sério que você cortou essa mão de novo?
O amigo fez uma careta.
— Você fala como se a última vez tivesse sido semana passada, mas foi há uns seis anos. A faca escapou, o que posso fazer?
— Você tem que prestar mais atenção, seu idiota. Você cozinha há anos e cortou uma cenoura com a faca virada pra palma da mão?
— Você vai me ajudar com o curativo ou vai ficar me dando bronca?
— Os dois — null respondeu, irritada com o descuido dele.
null suspirou, voltando a encarar o corte.
— Você acha que vai precisar levar pontos?
— Não, não tá tão ruim quanto da última vez. Acho que ficar fazendo curativos vai resolver. Mas vai continuar doendo.
— Tá... Que seja.
— Vou pegar meu kit de primeiros socorros — null disse, abrindo um dos armários da cozinha de null e tirando uma caixa dele. — E a null?
— Já deve ter chegado. Mandei uma mensagem falando que tava aqui, mas ela não deve ter visto. Acho que tá no banho.
— Ah, daqui a pouco ela aparece então — ela comentou, já preparando tudo o que iria usar, e então se virou para ele. — Isso vai doer, mas não seja um bebê, null.
null rolou os olhos, sem realmente se incomodar com a dor, mas ela pareceu aumentar três vezes quando null colocou o antisséptico na ferida. Involuntariamente, ele chiou, e teria puxado a mão se ela não tivesse segurado firme.
— Porra, null. Parece que piorou.
— Eu preciso limpar, então aguenta aí. Pelo menos você conseguiu estancar o sangramento.
Ele tinha pressionado um pano de prato contra a ferida, pouco antes de aparecer ali. Não era exatamente higiênico, mas não tinha muito o que fazer no momento, apenas usou o que encontrou primeiro para não perder mais sangue.
Felizmente, não era tão ruim quanto parecia.
— Tem certeza de que não tá fazendo de propósito? — Ele a encarou, desconfiado.
— Tenho, mas posso ser mais carrasca se você quiser.
— Deus me livre — ele disse, e null deu uma risadinha.
Depois de alguns minutos incômodos, ela fez um pequeno curativo no corte e tinha acabado de enrolar uma faixa na mão dele, quando seu celular tocou em cima do balcão.
— É a null. — Ele pegou o aparelho e atendeu a ligação. — Oi, amor. Já chegou? Eu ainda tô na-
— Boa noite, este é o contato de emergência de null null?
null se levantou no mesmo instante, em alerta.
— Sim, quem fala? O que aconteceu com null?
— Eu sou assistente social no hospital Mount Sinai. Uma mulher que esbarrou nela chamou a emergência. Não sabemos ao certo, mas parece que ela foi agredida na rua por um homem. A bolsa e o celular estavam no chão perto de onde ela caiu.
— Entendi, e ela tá bem? — Ele quis saber, sentindo o coração apertar.
— Ainda está desacordada, mas já está sendo examinada. Faz cerca de dez minutos que ela chegou. Seu nome é null, certo?
— Sim, sim. Eu sou o namorado dela, nós moramos juntos. Eu tô indo aí agora mesmo.
— Vou deixar a equipe sob aviso da sua chegada. Alguém deve te entregar os pertences dela assim que chegar.
— Certo. — null engoliu em seco. — Obrigado.
Ele encerrou a ligação, angustiado.
— Ei, o que foi? — null o encarou, preocupada.
— null foi agredida por alguém na rua, acabou esbarrando numa mulher que chamou a emergência e... — Ele suspirou. — Ela acabou de chegar, tá sendo examinada ainda... Eu tenho que ir. Ela tá na emergência do Mount Sinai.
— Eu vou com você — null se prontificou. — Me deixa só pegar um casaco. Pegue um também, tá frio. Eu te encontro lá embaixo.
Menos de cinco minutos depois, os dois estavam descendo pelo elevador. As mãos de null suaram frio e ele as esfregou ansiosamente contra o casaco.
— Ei, fica calmo. Daqui a pouco você vai ver ela.
— Ela tá desacordada, null. E se ela tiver muito ferida? E se o coração dela...
Ele não conseguiu terminar a frase.
O tratamento de null estava indo bem, mas dentro do possível. Ainda estava no processo de adquirir resistência física, e ter ficado duas semanas sem se exercitar por causa do pé machucado não ajudou muito.
E se tivesse acontecido algo sério?
Será que a equipe estava apenas esperando ele chegar para dar uma notícia ruim?
De repente, sua respiração ficou pesada e os olhos arderam. Um soluço angustiado irrompeu dele um instante antes que as portas do elevador abrissem, e ele cobriu o rosto com uma mão.
null colocou uma mão nas costas dele, esfregando suavemente.
— null... Vamos descobrir o que aconteceu primeiro.
Não era um "vai ficar tudo bem."
null trabalhou como enfermeira por anos, afinal. Testemunhou casos e mais casos, inclusive vítimas de agressões, e sabia como algumas delas acabavam. Ele não queria pensar em nada ruim, mas a ansiedade parecia tomar conta dele a cada segundo que passava.
— Vamos logo. — Ele limpou o rosto rapidamente e saiu pisando duro até chegar no carro.
— Deixa que eu dirijo. — null pegou a chave da mão dele e o empurrou em direção ao outro lado.
null não discutiu. Provavelmente passaria alguns sinais vermelhos se estivesse no volante.
Por sorte, o hospital ficava em Manhattan, não muito longe de onde eles moravam. No entanto, o trânsito não cooperou muito naquele horário e chegaram apenas quarenta minutos depois. null teve que correr atrás de null para acompanhar os passos rápidos de suas longas pernas.
Quando chegaram à enfermaria da emergência, ela avistou Susan, uma conhecida.
— Oi, Susan. Tudo bem?
— null! Faz tempo que não te vejo! Como você tá?
— Bem, e você? Estamos procurando uma paciente que chegou há pouco tempo. null null.
— Ah, sim. Os médicos encaminharam ela para fazer uma tomografia.
— Ela tá bem? — null perguntou. — Eu sou o namorado dela.
— Aparentemente sim. Fizemos um eletro quando descobrimos a condição dela, mas o coração parece estar bem. Fora isso, há alguns hematomas pelo corpo e ferimentos nas mãos, resquícios de cacos de vidro. Uma das meninas limpou as feridas enquanto os médicos a examinavam. Mas precisamos checar se há alguma fratura ou traumatismo.
— Ela machucou a cabeça? — null perguntou.
— Há um inchaço, mas realmente não sabemos o que aconteceu. A mulher que a encontrou disse que ela saiu do nada de um beco, pedindo por ajuda. Falou que tinha um homem atrás dela, mas desmaiou antes.
— Quem foi? Pegaram ele? — null quis saber, já sentindo o sangue ferver.
— Ninguém viu nada. Havia outra saída, então ele provavelmente fugiu por lá.
— E as câmeras?
— Não faço ideia. Mas pelo que me contaram, era um beco escuro, provavelmente tinha pontos cegos.
— Merda! — null xingou baixo. — Faz tempo que ela saiu pra fazer esse exame?
— Um tempinho, ela já deve estar voltando — Susan informou. — Tenho que ir ver os outros pacientes. Vejo vocês depois.
— Mais uma coisa — ele a chamou. — Transfira ela pra um quarto particular assim que possível. Por favor.
— Sem problemas. Vocês podem aguardar ali, é onde ela estava antes. — Susan apontou para uma cama. — Eu vou fazer uma solicitação de transferência assim que os médicos liberarem ela.
— Obrigado — null e null disseram, antes dela se afastar.
Os dois se dirigiram até o local indicado e null se sentou na cadeira ao lado da cama. null se apoiou no colchão grosso e o encarou.
— Você ouviu, ela tá bem. É provável que esteja só desacordada por conta do susto — ela tentou tranquilizá-lo.
— Eu sei, mas não me deixa mais tranquilo. Ainda mais sabendo que quem fez isso com ela conseguiu fugir.
— Vamos encontrar esse cara, null. Quando null acordar, vamos fazer uma denúncia.
Ele assentiu e respirou fundo, tentando se manter calmo. null tinha razão. Quebrar agora não ia ajudar null. Ele precisava ser forte por ela, para que ela pudesse se apoiar nele e se sentir segura. E para isso, arrancaria quaisquer pensamentos negativos de sua mente naquele momento.
Ela vai ficar bem. Ela vai ficar bem.
Ela já está bem.
Ele repetiu aquilo mentalmente, sem parar, até o momento em que a visão de uma maca apareceu em seu campo de visão periférica.
null se levantou no mesmo instante, e null o guiou em meio aos outros profissionais para que abrisse espaço para que a colocassem na cama. Ele se esticou tentando vê-la, mas só conseguiu quando se afastaram, deixando uma null inconsciente na cama. Um soro estava conectado a um dos seus braços e ela ainda estava completamente imóvel, exceto pelo peito que subia e descia, deixando claro que respirava sem dificuldade.
Um médico começou a falar com ele e null, mas null mal ouviu alguma coisa. Estava paralisado no lugar, com os olhos fixos nela, e nem percebeu quando suas mãos se fecharam em punho e trincou a mandíbula até null chamar sua atenção, colocando uma mão em seu rosto.
— null, você ouviu? null não sofreu nada grave. Nenhuma fratura. Ela tá bem e tá apenas dormindo.
— O exame de sangue saiu. Nós encontramos álcool e um medicamento com propriedades sedativas no sangue dela. Meu palpite é que ela conseguiu fugir e encontrar ajuda antes que ele a fizesse dormir.
— Faz sentido — null comentou. — Ele tentou drogar ela pra que ficasse inconsciente ou obediente, e o tiro saiu pela culatra.
— Filho da puta — null rosnou baixo. — Eu vou matar o imbecil que se atreveu a fazer isso com ela.
— Compreendo seus sentimentos, mas vamos manter a calma, sim? — O médico pediu. — Vou transferi-la para um quarto privado. Vamos mantê-la em observação até que acorde e mais algumas horas depois, para garantir que está tudo bem. Então vocês podem falar com a polícia.
— Tudo bem, obrigada — null disse, no mesmo instante em que null se moveu para se ajoelhar ao lado de null.
Ele segurou uma mão enfaixada dela com cuidado e a levou aos lábios. Em seguida, sentiu null se aproximar e colocar uma mão no ombro dele.
— Ela vai se recuperar logo, null. Tá tudo bem.
— Eu devia ter ido buscar ela. Devia pelo meno ter percebido que ela tava demorando. Ela disse que ia chegar em cinco minutos e eu não conferi.
— Ei, você se feriu e acabou se distraindo, não se culpe por isso — null o repreendeu. — Além disso, vou ter que refazer seu curativo, seu cabeça dura idiota. Olha o que você fez.
O olhar de null caiu para a mão direita encaixada e só então ele percebeu que estava manchada de sangue. Doía, mas ele não se importou.
— Porcaria... — resmungou baixo.
— Vamos esperar ela ser transferida pro quarto e depois eu vou em casa pegar roupas pra vocês e mais material de primeiro socorros. A menos que você queira refazer o curativo aqui, já tá na emergência mesmo...
— Não, não quero chamar atenção — ele negou imediatamente. — Você faz.
— Tudo bem. Precisa de mais alguma coisa?
null hesitou por um momento, mas então olhou para o rosto adormecido de null e tomou uma decisão.
— Na segunda gaveta da minha mesinha de cabeceira, perto da porta... Tem dois frascos de medicamentos. Preciso que traga.
— null esqueceu? — null franziu o cenho. — Achei que ela andasse com eles.
— Não são pra ela — null disse, engolindo em seco, antes de levantar o olhar para encarar o rosto da melhor amiga. — São meus.
Mais ou menos uma hora depois que null foi transferida para o quarto particular, null apareceu com uma bolsa repleta de roupas, produtos de higiene e medicamentos.
Ela não havia feito perguntas quando ele pediu para pegar os dois frascos de remédio em seu quarto, mas null sabia que elas viriam em breve. O olhar perspicaz que ela lançou a ele quando entrou no quarto deixou aquilo mais do que claro. null não estava apenas irritada, mas parecia magoada também. E provavelmente foi esse o único motivo pelo qual ela não fez nenhum comentário imediatamente.
Em silêncio, ela organizou os materiais para refazer o curativo da mão dele e permaneceu assim, agindo com frieza o tempo inteiro.
— null...
— Eu não falaria comigo agora se fosse você, null. Ou seu curativo pode acidentalmente ficar bem mais apertado.
Foi o suficiente para ele entender. Nada de conversa então.
No entanto, quando ela finalizou e se levantou para guardar os materiais, ele tentou outra vez.
— null.
— null sabe? — ela perguntou, finalmente o encarando.
— Não.
— Alguém sabe? — ela reformulou.
— Só você.
null assentiu, respirando fundo, então fez outra pergunta:
— Há quanto tempo?
— Desde abril, eu acho — ele confessou. — Mas procurei ajuda só depois, em maio. Tô em tratamento desde então.
— Meu Deus, null. Como pôde esconder esconder isso da gente? — A voz dela falhou pela primeira vez em muito tempo. null não se lembrava da última vez que tinha visto null tão triste, mas ali estava ela.
Ele piscou duas vezes, confuso.
— null, tá tudo bem. Não é nada de mais...
— É? E se fosse comigo e eu falasse isso pra você? E se fosse com null? Tenho certeza de que você não ia achar que não é nada de mais — ela rebateu, irritada. — Esconder uma depressão, Riv? É sério?
Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto dela.
— Eu sinto muito — ele murmurou baixo. — Eu não queria preocupar ninguém. Achei que conseguiria lidar com isso sozinho.
— Quer dizer que você tava fingindo o tempo todo? Aquelas vezes que você deu desculpas pra não sair de casa... Era por isso?
— Eu demorei pra aceitar a doença, null. Não fazia sentido pra mim. Eu não achava que tinha motivos suficientes. Não achei que aquilo ia mexer tanto comigo e... Acabar provocando isso.
— Aquilo o quê? — ela quis saber, sem deixar nenhuma palavra passar despercebida.
— Tem mais uma coisa que vocês não sabem.
— Ah, é? E o que mais você andou escondendo? Por favor, faça uma lista — ela resmungou, sarcástica.
Ainda estava irritada, mas null não tirava a razão dela. Sabia que tinha errado em não contar. E sabia que agiria da mesma forma caso estivesse em seu lugar. Apenas tinha sido estúpido demais em ficar calado. Ele queria contar eventualmente, quando se recuperasse, e nenhum dos cenários que havia imaginado quando fosse fazer isso se assemelhavam a como estava sendo naquele momento.
Mas não havia mais como evitar, ele entendeu.
— Antes disso acontecer, eu fiz um check-up médico e-
— Meu Deus, por favor, não me diz que você tem alguma doença terminal — null se adiantou.
— Não, não é nada disso. — Ele quase riu com o susto dela, mas compreendia sua preocupação. — Eu descobri que sou infértil, null. Não posso ter filhos. Tipo, nunca.
null encarou aquele par de olhos azuis sem deixar de reparar na expressão de dor que cruzou o rosto dele.
— Como isso aconteceu? — ela perguntou, baixo, com a voz suave.
Estava definitivamente mais tranquila por saber que ele não carregava nenhuma doença física que arriscasse sua vida, mas ainda assim precisava saber de tudo. O que ele sentia, o que pensava. null era seu melhor amigo, e ela não tinha nem mesmo percebido os sinais.
Uma pontada de culpa cortou seu coração e ela se aproximou dele, sentando na cadeira que estava antes, ao seu lado.
— Segundo o que o médico disse, eu já não tinha grandes chances de ser pai, mas... Você lembra daquela infecção que tive? Pelo visto, ela piorou tudo.
— Uma infecção urinária?
— Pois é, parece estranho, mas ele disse que pode acontecer. Então, basicamente todas as chances se esvaíram depois disso.
— E como você se sentiu? Como se sente agora?
— Eu aceitei a realidade. Mas pelo visto, não foi suficiente. Eu nunca parei pra pensar muito em filhos, você sabe. Sempre quis um relacionamento como o dos meus pais, mas não necessariamente com filhos. Se eles viessem, então tudo bem, mas não era uma questão pra mim.
— E passou a ser uma questão depois?
— É, acho que sim. Antes eu tinha uma escolha, pelo menos. — Ele deu de ombros. — Acho que minha mente começou a seguir por um caminho distorcido quando percebi que isso poderia arruinar um futuro relacionamento, e eu tive medo.
— null...
— Sabe, a maioria das mulheres não é que nem você, né? Você decidiu não ter filhos. Hero também nunca quis. Mas eu... Acho que se minha futura esposa quisesse, então eu daria isso a ela. Eu percebi que meu humor foi piorando aos poucos. Eu sabia que algo estava errado e que precisava de ajuda médica, mas não queria contar a ninguém. Não queria preocupar ninguém e, eu sei, foi estúpido. Mas eu queria falar só quando tivesse tudo bem.
— E como foi quando você descobriu? Você disse que demorou a aceitar.
— Sim. Eu achava que era uma coisa pequena demais pra provocar aquilo. Tem um monte de gente sofrendo por aí, em situações realmente ruins e justificáveis. Eu tenho tudo e sou completamente saudável, só... Bem, vim com esse defeito de fábrica. — Ele riu pelo nariz.
No entanto, null não achou graça.
— Seus sentimentos são tão importantes quanto os de qualquer outra pessoa. Você é a pessoa mais gentil e compreensiva que eu já conheci, null. Devia saber disso, mas você sempre se coloca em segundo lugar. Não preocupar a gente? Você tinha o dever de contar. Pra que servem os amigos? É justo que você divida o peso de seus ombros com a gente. Você sempre esteve lá pros seus amigos, então deixe que nós façamos o mesmo por você, seu idiota.
Um novo par de lágrimas escapou dos olhos dela e null segurou seu rosto carinhosamente, as secando com os polegares.
— Ei, sua besta. Não chora. Eu tô bem melhor agora. Tô fazendo terapia, me medicando, e levando uma rotina saudável. Além disso, tem a... null. — O olhar dele desviou para o corpo adormecido a menos de dois metros deles. — Depois que ela apareceu, foi como se eu encontrasse um novo propósito. Me senti como se estivesse voltando a ser meu velho eu.
null afastou as mãos dele de seu rosto e beijou cada uma. Em seguida, sorriu para o amigo.
— Eu só não te dou um soco na cara agora mesmo porque seria uma pena estragar esse lindo rostinho com um olho roxo.
null riu, divertido.
— Sorte minha então.
— Mas é sério, agora é seu dever contar pros meninos e pra null. E pros seus pais também, eles merecem saber.
— Não quero que ela pense que tô com dependência emocional ou algo assim. — Ele encarou a namorada mais uma vez, antes de voltar o olhar para a amiga. — null me ajudou e nem sabe, mas eu tenho plena consciência de que não ia fazer diferença se eu não estivesse me tratando há muito mais tempo.
— Ela vai entender, null. Confia em mim.
— É ela, null — ele confessou, quase em um sussurro. — A pessoa que eu sempre esperei que aparecesse. Sinto por ela exatamente o que null sente por você.
— E a gente soube disso bem antes que você, seu besta. — null sorriu. — Ela é perfeita pra você, provavelmente muito mais do que você pensa.
— Como você sabe?
— Porque a null me contou algo que você não sabe, ou não estaria tão inseguro assim.
— O quê?
— Que ela também não tem um pingo de vontade de ser mãe — null confidenciou, e deixou escapar uma risadinha quando viu a expressão perplexa no rosto dele.
— Tem certeza?
— Absoluta. Agora que tal você criar coragem e finalmente parar de esconder as coisas das pessoas mais importantes da sua vida?
— Certo. — null assentiu, ainda assimilando a nova informação. Seu coração bateu mais rápido, e esperança cresceu um pouco mais nele. — Vou fazer isso.
De repente, o futuro não parecia mais tão assustador.
Capítulo 37
8 de novembro de 2017, 02:33 - Hospital Mount Sinai, Nova York, NY
null abriu os olhos devagar, com lembranças de um sonho nebuloso se dissipando de sua mente. Sua visão foi aos poucos entrando em foco enquanto observava o quarto escuro que não era o seu.
Subitamente, as memórias da noite anterior vieram, fazendo-a se lembrar de Charlie e do que havia acontecido e ela se alarmou, sentando de uma vez na cama, com medo de onde poderia estar. A ação repentina chamou atenção de alguém ao seu lado, mas estava escuro demais para identificar quem era.
Ela choramingou de medo e estava tentando levantar da cama quando sentiu uma mão em seu ombro.
— Não me toque! — Ela afastou o toque com um tapa violento. — Me deixa em paz! Por favor, me deixa em paz.
Ela colocou as duas mãos ao redor da cabeça e se encolheu por um instante, soluçando baixinho.
— null. Sou eu, null. — A voz dele era tranquila e suave, penetrando seus ouvidos como uma súbita onda de alívio.
null congelou por um instante antes de levantar a cabeça devagar, o rosto molhado por lágrimas. Uma luz foi acendida e ela notou o abajur ao lado da cama, iluminando o suficiente para que ela pudesse distinguir o homem alto parado em sua frente.
null carregava uma expressão preocupada no rosto e permaneceu onde estava, lutando para não se aproximar e confortá-la. Não era hora. Ainda não, pelo menos. null parecia confusa, e null havia avisado antes de sair que isso poderia acontecer. Então ele permaneceu parado e esperou enquanto ela observava o lugar.
null olhou ao redor do quarto, absorvendo cada detalhe e levou apenas um segundo para que percebesse que estava em um quarto de hospital.
Havia uma poltrona grande ao lado da cama e duas cadeiras, além de um sofá pequeno mais adiante.
— null? — Ela o encarou, com lágrimas nos olhos. — Como eu vim parar aqui?
— Você foi agredida e drogada em um beco, mas conseguiu fugir e pedir ajuda antes de desmaiar. Eu fiquei sabendo quando você já tava aqui.
— null... — Outro soluço. — Eu tive tanto medo...
— Eu posso me aproximar? — Ele perguntou, com cuidado. — Tudo bem se eu tocar em você?
null assentiu, fungando, e abriu os braços para ele, que não perdeu tempo em dar um passo à frente e envolvê-la em um abraço. Ela enterrou o rosto no peito dele e null ficou parado ali por alguns instantes em silêncio enquanto ela se acalmava.
— Deixa eu ir avisar a enfermeira que você acordou. — Ele deu um passo para trás, tentando se afastar, mas ela se agarrou mais a ele.
— Não, fica aqui. Por favor.
— null... Você conseguiu ver o rosto do agressor?
Ela prendeu a respiração por um instante, com o corpo tenso, até que finalmente respondeu, com um tom de voz meio distante:
— Sim. E eu arranhei ele, então é provável que encontrem DNA nas minhas unhas.
— O que aconteceu?
— Eu tava voltando pra casa e ele me puxou pra um beco. Eu tava distraída e nem vi de onde ele saiu. Quando percebi, já tava sendo arrastada. Foi horrível, null... Antes de conseguir fugir, ele passou a mão em mim e tentou... achei que ele fosse...
Ela não conseguiu terminar, e nem precisou. null respirou fundo, o corpo enrijecendo, os braços apertando ela de forma ainda mais protetora contra ele.
— Quem? — ele rosnou. — Você conhece o filho da puta?
Mais silêncio.
— null.
— Foi o Charlie — ela revelou. — Foi ele que me agrediu.
— O quê?! — Ele levantou o rosto dela para que o encarasse. — Como ele se atreve?
null engoliu em seco, então contou o que Charlie disse a ela.
— Ele falou sobre meu encontro com Anthony Sharpe, e sobre o processo. Acho que por isso foi atrás de mim. Disse que eu criei coragem de repente agora que tô com você.
— Vamos denunciar ele, fazer um exame de corpo de delito, e tentar coletar o DNA. Quero aquele filho da puta preso por isso.
— Não acho que ele vá ficar preso. Ele foi preso umas duas vezes ano passado por dirigir bêbado, mas pagou fiança e saiu.
— Isso é diferente.
— Não é — ela discordou. — Não pra pessoas como ele. Não vai adiantar nada se eu sei que ele vai sair.
— Não importa. Vamos denunciar mesmo assim. Isso é mais um crime pra lista dos que ele vêm cometendo. Uma hora esse filho da puta vai ser pego e ter que pagar por tudo o que fez. E se ele tentar fazer algo com você de novo, vai ter que passar por mim antes. Tá ouvindo, null? Não vou deixar isso acontecer de novo.
null respirou fundo e assentiu. Seu olhar então caiu para a mão enfaixada dele.
— O que houve com sua mão?
— Fui idiota e me cortei quando tava cozinhando.
— null! — Ela o repreendeu.
— O quê? — Ele afastou a mão, escondendo atrás de si. — Não foi nada de mais. Nem precisou de pontos, null fez o curativo.
— Me deixa ver. Por favor.
Meio hesitante, ele trouxe a mão de volta ao campo de visão dela, e null examinou a bandagem que envolvia a palma, na região abaixo do polegar.
— Nem foi um corte grande. Mas se não fosse isso, talvez eu soubesse que você tinha demorado a chegar — ele resmungou, com raiva de si mesmo. — Eu tava na casa de null e a null tava fazendo o curativo e brigando comigo, enquanto ele tava no banho. Recebi a ligação pouco depois.
— Você sabe quem me ajudou?
— Não, disseram que foi uma mulher que ficou com você até a ambulância chegar.
— Ah... Que pena, não vou poder nem agradecer.
— Tá tudo bem, null. Você tá bem e é isso que importa. Você me deu um susto enorme. Achei que fosse surtar quando te vi desacordada em uma maca. Felizmente, não aconteceu nada grave.
— Eu me senti muito impotente. Quando ele me drogou, achei você desmaiar a qualquer momento. Foi por causa desse remédio que eu dormi tanto?
— Sim, você dormiu por várias horas. null tava aqui mais cedo e null também apareceu, e ficou um tempinho.
— Ah, eu pensei ter ouvido a voz dela em algum momento, mas achei que tava sonhando ou algo assim.
— Ouviu? — ele indagou, ficando um pouco tenso.
— Sim. Talvez fossem só vocês conversando, mas fiquei inconsciente de novo antes de abrir os olhos. Não lembro de nada. Por isso, pensei que fosse um sonho.
— Ah. Certo.
— Tá tudo bem? — Ela o encarou com curiosidade. — Você ficou estranho de repente.
— Sim, tudo bem. Você devia voltar a dormir e aproveitar pra descansar mais. Talvez o médico te dê alta pela manhã.
— Hm, certo. Deita comigo? — Ela puxou a mão dele de leve. — Acho que tem espaço suficiente pra nós dois e essa poltrona ali mal te cabe.
— Acho melhor não. Não se preocupe comigo.
— Por favor, null. Tenho medo de acordar assustada outra vez.
null a encarou por alguns segundos e então assentiu, finalmente cedendo.
— Chega pra lá, então — ele pediu.
null abriu um sorriso pequeno e se afastou enquanto ele se livrava dos sapatos. null deitou ao seu lado um momento depois e a aconchegou contra si.
O cheiro familiar dele a fez relaxar e ela respirou fundo, inalando a fragrância agradável de seu perfume.
— Boa noite, null.
— Boa noite, meu amor. — Ele depositou um beijo em sua têmpora, e apagou o abajur ao lado da cama.
null encheu os pulmões mais uma vez e então fechou os olhos, mergulhando na escuridão outra vez, alguns instantes depois.
***
14 de novembro de 2017, 01:54 - Apartamento de null, Nova York, NY
null achou que quando fechasse os olhos para dormir outra vez, tranquila e aconchegada a null, tudo ficaria bem. Mas para seu desgosto, sua mente foi invadida com novos pesadelos, fazendo-a reviver o fatídico momento com Charlie uma e outra vez.
Ela encarou o teto branco do quarto e respirou fundo, cansada do que vinha sentindo. Mesmo sabendo que estava bem, mesmo que acordada se sentisse melhor, ela se viu tomada por um medo irracional que a fazia permanecer em claro por horas, além de suar durante o sono agitado.
E deliberadamente não disse nada disso a null. Afinal, achou que depois de uns dias, dormindo em seu próprio quarto ou com ele, tudo se resolveria. Felizmente, ou Riv tinha um sono pesado, ou ela não fazia barulho o suficiente para acordá-lo, poupando-o de lidar com aquilo.
Depois do estresse e constrangimento de ter seu corpo machucado fotografado para o exame de corpo de delito no hospital, null denunciou Charlie e prestou depoimento em uma delegacia. Ainda acreditava que Charlie se safaria em breve, mas como null havia dito, era mais um crime para a ficha dele.
Talvez tivesse sido por isso que ela se sentiu ansiosa e temerosa nos dias seguintes que passaram. Riv havia insistido para que ficasse uns dias em casa se recuperando, mas null estava cansada disso, cansada de ter que se recuperar. E escondendo o medo que ainda sentia, ela insistiu em voltar a trabalhar e seguir a vida normalmente.
Não deixaria Charlie influenciar sua rotina tal como estava fazendo com sua mente.
Ela nem mesmo entendia porque estava agindo assim. Não tinha sido algo tão grave, certo? Ela tinha conseguido fugir. Mas agora sempre que andava na rua, sozinha ou não, seus olhos corriam automaticamente para todos os cantos da rua e ocasionalmente ela olhava para trás, para o caso de estar sendo seguida.
Sabia que estava ficando meio paranoica, mas de jeito nenhum passaria sozinha em frente a um beco escuro. Nem que precisasse ficar parada e esperar estranhos — preferencialmente mulheres — seguirem pelo mesmo caminho, apenas para ter alguém ao seu lado quando fizesse isso.
Se sentia fraca e idiota por agir assim, como se fosse uma bobagem, mas sempre que pensava em atravessar um lugar sozinha, a sensação de ser puxada de repente vinha em sua mente. As imagens do céu escuro enquanto era arrastada, sem entender o que estava acontecendo; a lembrança da dor quando foi agredida, e as mãos nojentas de Charlie correndo pelo seu corpo. Tudo isso ainda estava fresco em sua memória, como se tivesse acontecido no dia anterior, e não há mais de uma semana.
Nunca tinha sentido nada parecido.
Nunca tinha pensado que algo assim poderia acontecer com ela até, de fato, acontecer. Por mais que se solidarizasse com outras mulheres vítimas de agressão, entender, sentir na pele, era totalmente diferente.
De repente, tudo parecia bem e então ela era tomada por uma angústia e uma ansiedade que parecia vir de suas entranhas. Era medo cru e puro, e ela nem se achava no direito de sentir isso. Não porque não fosse uma vítima, mas porque o caso dela era de longe um dos mais leves e supostamente menos traumatizantes se comparado aos de outras mulheres.
Mas às vezes, quando acordava de madrugada após um pesadelo ou encarava o próprio reflexo no espelho, lágrimas instantâneas brotavam de seus olhos, rápidas e silenciosas, e ela precisava de alguns minutos para respirar fundo e se recompor antes de voltar para o que quer que estivesse fazendo no momento, fosse dormir ou trabalhar.
Charlie nunca havia ultrapassado aquele limite, por mais idiota que tivesse sido no passado. Por mais que sempre tenha soltado piadinhas que ela não levava a sério e fazia questão de ignorar, a vez em que a abordou no clube, bêbado e ciumento, foi a primeira vez que forçou a si mesmo nela. null achava que era parte culpa da bebida, parte culpa de seu caráter quebrado, e havia esquecido isso e seguido em frente. Mas então ele provou na noite em que a atacou que conseguia ser muito pior do que ela imaginava. Deixou claro que não havia como nada mais que uma prostituta sem dignidade e não via nenhum problema em tomá-la à força, por mais que ela dissesse não.
Naquela noite, Charlie estava sendo movido por puro ódio e ganância. Não estava bêbado ou drogado, apenas sendo um grande filho da puta ambicioso e imbecil. Um que se achava no direito de reivindicá-la como um menino mimado querendo um brinquedo novo, e que provavelmente adoraria saber que ela agora não conseguia tirá-lo da cabeça. Adoraria saber que ele tinha conseguido penetrar em sua mente como um maldito parasita.
Arrogante do jeito que era, provavelmente iria se vangloriar por isso.
E tudo o que ela queria era que acabasse. Que sua mente se soltasse das amarras que ele tinha plantado.
Que as coisas voltassem ao normal, que ela voltasse ao normal.
E por um curto período, quando Derick ligou no dia seguinte contando que ele havia sido preso e que o juiz não parecia muito inclinado a fazer um acordo, null se permitiu sentir um pouco de alívio.
Apenas para descobrir que, dois dias depois, uma fiança de sessenta mil dólares havia comprado sua liberdade para comparecer à audiência de julgamento livre.
Exatamente como ela tinha previsto.
null abriu os olhos devagar, com lembranças de um sonho nebuloso se dissipando de sua mente. Sua visão foi aos poucos entrando em foco enquanto observava o quarto escuro que não era o seu.
Subitamente, as memórias da noite anterior vieram, fazendo-a se lembrar de Charlie e do que havia acontecido e ela se alarmou, sentando de uma vez na cama, com medo de onde poderia estar. A ação repentina chamou atenção de alguém ao seu lado, mas estava escuro demais para identificar quem era.
Ela choramingou de medo e estava tentando levantar da cama quando sentiu uma mão em seu ombro.
— Não me toque! — Ela afastou o toque com um tapa violento. — Me deixa em paz! Por favor, me deixa em paz.
Ela colocou as duas mãos ao redor da cabeça e se encolheu por um instante, soluçando baixinho.
— null. Sou eu, null. — A voz dele era tranquila e suave, penetrando seus ouvidos como uma súbita onda de alívio.
null congelou por um instante antes de levantar a cabeça devagar, o rosto molhado por lágrimas. Uma luz foi acendida e ela notou o abajur ao lado da cama, iluminando o suficiente para que ela pudesse distinguir o homem alto parado em sua frente.
null carregava uma expressão preocupada no rosto e permaneceu onde estava, lutando para não se aproximar e confortá-la. Não era hora. Ainda não, pelo menos. null parecia confusa, e null havia avisado antes de sair que isso poderia acontecer. Então ele permaneceu parado e esperou enquanto ela observava o lugar.
null olhou ao redor do quarto, absorvendo cada detalhe e levou apenas um segundo para que percebesse que estava em um quarto de hospital.
Havia uma poltrona grande ao lado da cama e duas cadeiras, além de um sofá pequeno mais adiante.
— null? — Ela o encarou, com lágrimas nos olhos. — Como eu vim parar aqui?
— Você foi agredida e drogada em um beco, mas conseguiu fugir e pedir ajuda antes de desmaiar. Eu fiquei sabendo quando você já tava aqui.
— null... — Outro soluço. — Eu tive tanto medo...
— Eu posso me aproximar? — Ele perguntou, com cuidado. — Tudo bem se eu tocar em você?
null assentiu, fungando, e abriu os braços para ele, que não perdeu tempo em dar um passo à frente e envolvê-la em um abraço. Ela enterrou o rosto no peito dele e null ficou parado ali por alguns instantes em silêncio enquanto ela se acalmava.
— Deixa eu ir avisar a enfermeira que você acordou. — Ele deu um passo para trás, tentando se afastar, mas ela se agarrou mais a ele.
— Não, fica aqui. Por favor.
— null... Você conseguiu ver o rosto do agressor?
Ela prendeu a respiração por um instante, com o corpo tenso, até que finalmente respondeu, com um tom de voz meio distante:
— Sim. E eu arranhei ele, então é provável que encontrem DNA nas minhas unhas.
— O que aconteceu?
— Eu tava voltando pra casa e ele me puxou pra um beco. Eu tava distraída e nem vi de onde ele saiu. Quando percebi, já tava sendo arrastada. Foi horrível, null... Antes de conseguir fugir, ele passou a mão em mim e tentou... achei que ele fosse...
Ela não conseguiu terminar, e nem precisou. null respirou fundo, o corpo enrijecendo, os braços apertando ela de forma ainda mais protetora contra ele.
— Quem? — ele rosnou. — Você conhece o filho da puta?
Mais silêncio.
— null.
— Foi o Charlie — ela revelou. — Foi ele que me agrediu.
— O quê?! — Ele levantou o rosto dela para que o encarasse. — Como ele se atreve?
null engoliu em seco, então contou o que Charlie disse a ela.
— Ele falou sobre meu encontro com Anthony Sharpe, e sobre o processo. Acho que por isso foi atrás de mim. Disse que eu criei coragem de repente agora que tô com você.
— Vamos denunciar ele, fazer um exame de corpo de delito, e tentar coletar o DNA. Quero aquele filho da puta preso por isso.
— Não acho que ele vá ficar preso. Ele foi preso umas duas vezes ano passado por dirigir bêbado, mas pagou fiança e saiu.
— Isso é diferente.
— Não é — ela discordou. — Não pra pessoas como ele. Não vai adiantar nada se eu sei que ele vai sair.
— Não importa. Vamos denunciar mesmo assim. Isso é mais um crime pra lista dos que ele vêm cometendo. Uma hora esse filho da puta vai ser pego e ter que pagar por tudo o que fez. E se ele tentar fazer algo com você de novo, vai ter que passar por mim antes. Tá ouvindo, null? Não vou deixar isso acontecer de novo.
null respirou fundo e assentiu. Seu olhar então caiu para a mão enfaixada dele.
— O que houve com sua mão?
— Fui idiota e me cortei quando tava cozinhando.
— null! — Ela o repreendeu.
— O quê? — Ele afastou a mão, escondendo atrás de si. — Não foi nada de mais. Nem precisou de pontos, null fez o curativo.
— Me deixa ver. Por favor.
Meio hesitante, ele trouxe a mão de volta ao campo de visão dela, e null examinou a bandagem que envolvia a palma, na região abaixo do polegar.
— Nem foi um corte grande. Mas se não fosse isso, talvez eu soubesse que você tinha demorado a chegar — ele resmungou, com raiva de si mesmo. — Eu tava na casa de null e a null tava fazendo o curativo e brigando comigo, enquanto ele tava no banho. Recebi a ligação pouco depois.
— Você sabe quem me ajudou?
— Não, disseram que foi uma mulher que ficou com você até a ambulância chegar.
— Ah... Que pena, não vou poder nem agradecer.
— Tá tudo bem, null. Você tá bem e é isso que importa. Você me deu um susto enorme. Achei que fosse surtar quando te vi desacordada em uma maca. Felizmente, não aconteceu nada grave.
— Eu me senti muito impotente. Quando ele me drogou, achei você desmaiar a qualquer momento. Foi por causa desse remédio que eu dormi tanto?
— Sim, você dormiu por várias horas. null tava aqui mais cedo e null também apareceu, e ficou um tempinho.
— Ah, eu pensei ter ouvido a voz dela em algum momento, mas achei que tava sonhando ou algo assim.
— Ouviu? — ele indagou, ficando um pouco tenso.
— Sim. Talvez fossem só vocês conversando, mas fiquei inconsciente de novo antes de abrir os olhos. Não lembro de nada. Por isso, pensei que fosse um sonho.
— Ah. Certo.
— Tá tudo bem? — Ela o encarou com curiosidade. — Você ficou estranho de repente.
— Sim, tudo bem. Você devia voltar a dormir e aproveitar pra descansar mais. Talvez o médico te dê alta pela manhã.
— Hm, certo. Deita comigo? — Ela puxou a mão dele de leve. — Acho que tem espaço suficiente pra nós dois e essa poltrona ali mal te cabe.
— Acho melhor não. Não se preocupe comigo.
— Por favor, null. Tenho medo de acordar assustada outra vez.
null a encarou por alguns segundos e então assentiu, finalmente cedendo.
— Chega pra lá, então — ele pediu.
null abriu um sorriso pequeno e se afastou enquanto ele se livrava dos sapatos. null deitou ao seu lado um momento depois e a aconchegou contra si.
O cheiro familiar dele a fez relaxar e ela respirou fundo, inalando a fragrância agradável de seu perfume.
— Boa noite, null.
— Boa noite, meu amor. — Ele depositou um beijo em sua têmpora, e apagou o abajur ao lado da cama.
null encheu os pulmões mais uma vez e então fechou os olhos, mergulhando na escuridão outra vez, alguns instantes depois.
14 de novembro de 2017, 01:54 - Apartamento de null, Nova York, NY
null achou que quando fechasse os olhos para dormir outra vez, tranquila e aconchegada a null, tudo ficaria bem. Mas para seu desgosto, sua mente foi invadida com novos pesadelos, fazendo-a reviver o fatídico momento com Charlie uma e outra vez.
Ela encarou o teto branco do quarto e respirou fundo, cansada do que vinha sentindo. Mesmo sabendo que estava bem, mesmo que acordada se sentisse melhor, ela se viu tomada por um medo irracional que a fazia permanecer em claro por horas, além de suar durante o sono agitado.
E deliberadamente não disse nada disso a null. Afinal, achou que depois de uns dias, dormindo em seu próprio quarto ou com ele, tudo se resolveria. Felizmente, ou Riv tinha um sono pesado, ou ela não fazia barulho o suficiente para acordá-lo, poupando-o de lidar com aquilo.
Depois do estresse e constrangimento de ter seu corpo machucado fotografado para o exame de corpo de delito no hospital, null denunciou Charlie e prestou depoimento em uma delegacia. Ainda acreditava que Charlie se safaria em breve, mas como null havia dito, era mais um crime para a ficha dele.
Talvez tivesse sido por isso que ela se sentiu ansiosa e temerosa nos dias seguintes que passaram. Riv havia insistido para que ficasse uns dias em casa se recuperando, mas null estava cansada disso, cansada de ter que se recuperar. E escondendo o medo que ainda sentia, ela insistiu em voltar a trabalhar e seguir a vida normalmente.
Não deixaria Charlie influenciar sua rotina tal como estava fazendo com sua mente.
Ela nem mesmo entendia porque estava agindo assim. Não tinha sido algo tão grave, certo? Ela tinha conseguido fugir. Mas agora sempre que andava na rua, sozinha ou não, seus olhos corriam automaticamente para todos os cantos da rua e ocasionalmente ela olhava para trás, para o caso de estar sendo seguida.
Sabia que estava ficando meio paranoica, mas de jeito nenhum passaria sozinha em frente a um beco escuro. Nem que precisasse ficar parada e esperar estranhos — preferencialmente mulheres — seguirem pelo mesmo caminho, apenas para ter alguém ao seu lado quando fizesse isso.
Se sentia fraca e idiota por agir assim, como se fosse uma bobagem, mas sempre que pensava em atravessar um lugar sozinha, a sensação de ser puxada de repente vinha em sua mente. As imagens do céu escuro enquanto era arrastada, sem entender o que estava acontecendo; a lembrança da dor quando foi agredida, e as mãos nojentas de Charlie correndo pelo seu corpo. Tudo isso ainda estava fresco em sua memória, como se tivesse acontecido no dia anterior, e não há mais de uma semana.
Nunca tinha sentido nada parecido.
Nunca tinha pensado que algo assim poderia acontecer com ela até, de fato, acontecer. Por mais que se solidarizasse com outras mulheres vítimas de agressão, entender, sentir na pele, era totalmente diferente.
De repente, tudo parecia bem e então ela era tomada por uma angústia e uma ansiedade que parecia vir de suas entranhas. Era medo cru e puro, e ela nem se achava no direito de sentir isso. Não porque não fosse uma vítima, mas porque o caso dela era de longe um dos mais leves e supostamente menos traumatizantes se comparado aos de outras mulheres.
Mas às vezes, quando acordava de madrugada após um pesadelo ou encarava o próprio reflexo no espelho, lágrimas instantâneas brotavam de seus olhos, rápidas e silenciosas, e ela precisava de alguns minutos para respirar fundo e se recompor antes de voltar para o que quer que estivesse fazendo no momento, fosse dormir ou trabalhar.
Charlie nunca havia ultrapassado aquele limite, por mais idiota que tivesse sido no passado. Por mais que sempre tenha soltado piadinhas que ela não levava a sério e fazia questão de ignorar, a vez em que a abordou no clube, bêbado e ciumento, foi a primeira vez que forçou a si mesmo nela. null achava que era parte culpa da bebida, parte culpa de seu caráter quebrado, e havia esquecido isso e seguido em frente. Mas então ele provou na noite em que a atacou que conseguia ser muito pior do que ela imaginava. Deixou claro que não havia como nada mais que uma prostituta sem dignidade e não via nenhum problema em tomá-la à força, por mais que ela dissesse não.
Naquela noite, Charlie estava sendo movido por puro ódio e ganância. Não estava bêbado ou drogado, apenas sendo um grande filho da puta ambicioso e imbecil. Um que se achava no direito de reivindicá-la como um menino mimado querendo um brinquedo novo, e que provavelmente adoraria saber que ela agora não conseguia tirá-lo da cabeça. Adoraria saber que ele tinha conseguido penetrar em sua mente como um maldito parasita.
Arrogante do jeito que era, provavelmente iria se vangloriar por isso.
E tudo o que ela queria era que acabasse. Que sua mente se soltasse das amarras que ele tinha plantado.
Que as coisas voltassem ao normal, que ela voltasse ao normal.
E por um curto período, quando Derick ligou no dia seguinte contando que ele havia sido preso e que o juiz não parecia muito inclinado a fazer um acordo, null se permitiu sentir um pouco de alívio.
Apenas para descobrir que, dois dias depois, uma fiança de sessenta mil dólares havia comprado sua liberdade para comparecer à audiência de julgamento livre.
Exatamente como ela tinha previsto.
Capítulo 38
— Charlie foi demitido — null anunciou, levantando o olhar da tela do celular, depois de ler a mensagem que havia acabado de receber. — Logan disse que falou com Tony e o conselho não tá nada feliz com ele.
— Hm, sei — null murmurou enquanto mexia no celular, sentada no sofá, não dando muita atenção.
null continuou.
— Fizeram uma auditoria interna também e parece que tudo o que Tony tava desconfiando meio que veio à tona, então é provável que algum veículo de mídia noticie isso.
— Vamos ver. Vai que ele se livra disso também.
— Todas as pessoas envolvidas em corrupção na empresa do seu pai vão ser punidas, null. Mesmo que só de forma administrativa. Mas Charlie é uma exceção, tem mais coisas pesando pro lado dele. Inclusive, o conselho já tá sabendo que ele te agrediu. A filha biológica do padrasto dele.
null riu pelo nariz, achando mais irônico que engraçado.
— A filha que nunca nem pisou naquela empresa e que não tem controle de nada.
— Você tem mais direitos que aquele idiota — ele retrucou. — O juiz vai ver isso e ficar do seu lado. E se isso se tornar público, as pessoas vão ficar do seu lado também.
null estremeceu só de pensar.
— Não quero que aquelas fotos vazem, null. Nem os detalhes dessa confusão toda. Não esquece que isso pode respingar em você também. Meu nome vai ficar vinculado a isso.
— Você é a vítima, null. Não fez nada de errado. — Ele se jogou ao lado dela e espiou a tela de seu celular aberta num aplicativo de edição. — Vai postar outro vídeo?
— Sim, de todo jeito é o que vem me distraindo. Mas o único que tenho não tô de peruca, você acha que as pessoas vão me reconhecer? A máscara cobre meu rosto todo.
— Acho que não. Você mal aparece e faz semanas desde aquele último artigo.
— Tá bem. — Ela assentiu, continuando a editar. — Não tem nada de mais nesse, mas... Acho que adquiri gosto por esse estilo mais sexy de dança.
— Eu sou suspeito pra falar, você fica linda. Mas provavelmente ficaria linda dançando até shufflin' vestida em um saco.
Uma risada sincera escapou dela e null o encarou com diversão no olhar.
— Talvez eu dance pra você de novo qualquer dia desses.
— Só nós dois? — Ele se aproximou dela, roçando o nariz em seu pescoço. null sentiu a pele arrepiar e soltou uma risadinha. Era naqueles breves momentos que ela conseguia esquecer o que tinha acontecido, que sua mente conseguia manter atenção inteiramente nele, sem ser vítima das esgueiradas de Charlie advindas de seus pesadelos.
— Só nós dois — ela confirmou, dando um selinho nele.
null sorriu, mostrando uma covinha e o estômago dela se apertou.
Não deixou passar despercebido que desde a alta do hospital, null vinha sendo extremamente cuidadoso com ela. Tão cuidadoso que tinha evitado muita proximidade e, conhecendo ele, era mais do que óbvio o porquê.
Ele não queria assustá-la. E por mais que depois de tudo não tivessem conversado muito sobre aquele assunto, null sabia que ele havia notado uma mudança no comportamento dela. Mesmo assim não a pressionou, nem questionou seus sentimentos; Pelo contrário, até sugeriu que fizesse terapia também, mas por enquanto ela não se sentia à vontade para compartilhar sua vida pessoal com mais alguém. null deixou o assunto de lado e null sentiu como se ele estivesse esperando pacientemente pelo momento em que ela voltaria a se sentir como ela mesma outra vez.
Isso fazia o coração dela dar um pulo no peito, e era uma sensação agridoce. Como uma pessoa tão boa tinha aparecido na vida dela? O que ela tinha feito para merecer alguém como ele?
Tudo era tão tranquilo, tão em paz...
Quando ela não estava lidando com seus novos demônios, era null quem ocupava seus pensamentos, com toda sua parceria, apoio, amor e carinho.
null não tinha pedido por nada daquilo, mas mesmo assim aquele homem incrível resolveu abrir seu coração para ela. Retribuir era o mínimo que ela podia fazer.
19 de novembro de 2017, 08:32 - Apartamento de null, Nova York, NY
null abriu os olhos, ainda um pouco sonolenta e se arrastou para o banheiro um momento depois. Escovou os dentes e lavou o rosto, mas em vez de trocar de roupa, voltou para a cama, se aconchegando outra vez nos lençóis macios.
Ela encarou Benny ao lado, na mesinha de cabeceira, virado para sua direção e sorrindo como se a encarasse. Ele tinha estado naquela posição na noite passada? Ela não tinha certeza. Mesmo assim, o encarou de volta e sorriu. Tinha dormido ali para fazer companhia a ele, afinal.
— Bom dia, Benny.
Esticou o braço por baixo do travesseiro e tateou até encontrar o celular. Em seguida, desbloqueou a tela e a primeira coisa que viu foi uma série de mensagens.
No grupo do clube, da cafeteria, além de sua tia, sua avó e sua irmã.
"Feliz aniversário, null!"
A mensagem se repetiu algumas vezes, enquanto ela agradecia aos colegas de trabalho.
null suspirou, só então encarando a data no canto da tela. Nem tinha se lembrado do próprio aniversário, mas de todo modo tinha parado de comemorar a data no ano anterior.
As mensagens de sua tia e avó eram mais longas, uma série que "tenha um bom dia, uma boa vida e eu te amo". A de Maia, contudo, era bem simples.
Maia: Feliz niver, null.
Ela rapidamente digitou uma resposta.
null: Valeu.
O relacionamento das duas ainda era um tópico sensível e por mais que Maia tivesse tentado conversar com ela algumas vezes, agora era null quem não queria. Estranhamente, não sentiu nenhum tipo de culpa em relação a isso, apenas uma indiferença fria. Desde o dia que descobriu o que a irmã mais nova tinha aprontado, era apenas isso o que sentia. Tinha lavado as mãos, mas, de todo modo, uma parte de null havia ficado feliz em saber que Maia tinha arrumado um emprego e agora estava ganhando o próprio dinheiro.
Quando acabou de responder as mensagens, null bloqueou e largou o celular outra vez, fechou os olhos e respirou fundo, um pouco cansada depois de mais um pesadelo durante a madrugada.
Naquele, o que Charlie havia pretendido fazer com ela antes que fugisse se concretizava e parecia tão real que ela tinha acordado tremendo, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Conseguiu adormecer novamente depois de vários minutos encarando o escuro do quarto, mas a sensação era de como nem tivesse dormido nada. E passou cada minuto cogitando a terapia que null tinha proposto.
Será que ela poderia escrever ao invés de falar? Talvez fosse mais fácil assim.
O som da porta se abrindo chamou sua atenção e ela abriu os olhos, vendo a figura de null empurrar a porta com cuidado enquanto carregava uma bandeja de café da manhã nas mãos.
— Bom dia. — Ele sorriu, se aproximando.
null se sentou na cama, encarando a bandeja com curiosidade. Estava repleta de comida e havia uma caixa de isopor fechada.
— O que é isso tudo?
— Achei que você soubesse que aniversariantes têm tratamento especial. — Em seguida, ele abriu a caixa, revelando um mini bolo decorado com cobertura branca e azul com "feliz aniversário", uma velinha e uma bonequinha engraçada vestida como Cindy Lee. — Feliz aniversário, meu amor.
null sorriu, ainda encarando o bolo.
— Como você sabia? — Ela ergueu o olhar para ele, que tinha acabado de sentar ao seu lado.
— Ei, quem você pensa que sou? Não esquece que você me deu cópias de seus documentos pra inserir no nosso contrato. Achei que fosse meio óbvio.
— Não passou pela minha cabeça que você fosse se importar com isso. Eu nem lembrei da data até ver mensagens de aniversário. Esqueci completamente.
— Um absurdo — ele resmungou, com falsa irritação. Em seguida, tirou uma uva em meio às frutas e encarou Benny. — Bom dia pra você também, aberração. Tome aqui uma uva. — Ele a depositou em frente ao duende sorridente. — Tô tentando ser legal, então nada de esconder minhas chaves.
null riu, divertida.
— Pelo menos você tá tentando — ela reconheceu. — Obrigada pelo café, null. Eu adorei. Principalmente o bolo.
— Ah, vamos acender uma vela agora. Isso é só uma prévia, mais tarde tem a comemoração de verdade — ele disse, já pegando um isqueiro.
— Como assim, de verdade? — null franziu o cenho.
— Não vou deixar seu aniversário passar em branco. Encomendei aqueles salgados brasileiros que você gosta e comecei a fazer um bolo ontem, null me ajudou.
— null? — null o encarou, desacreditada.
— Pois é, pode não parecer, mas aquele idiota sabe cozinhar também, só é preguiçoso. — Ele deu de ombros. — A null auxiliou também, sabe? Com opiniões, porque ela tá ocupada escrevendo. Acho que é uma das centenas de revisões antes da publicação. Ah, sabia que o Andy tá namorando a Lexi?
— Quem é Andy mesmo?
— Ah, esqueci que você não conheceu ele ainda. É um dos donos da editora da null, e a Lexi é agente dela já faz uns meses. Acho que vi ela só uma ou duas vezes, mas null fala muito dela.
— Ah... Então ela tá namorando o chefe? — null perguntou, curiosa pela fofoca.
— Aparentemente. Pelo que ouvi, o Andy passou um tempo se segurando. — Ele riu. — Mas que tava na cara que os dois se gostavam há meses.
— Bom pra eles então. — Ela sorriu, grata pela pequena distração em forma de fofoca. Então pegou uma torrada da bandeja, a enchendo de requeijão. — Sabe... Acho que tô preciso me exercitar e tomar banho — ela acrescentou alguns minutos depois, quando terminou de comer.
— Hã? — null riu, roubando uma uva da bandeja. — Você querendo ir pra academia? E no dia do seu aniversário?
— Não tô me referindo a academia.
— Não? Então o que-
null engasgou de repente quando null puxou a blusinha que usava pela cabeça, revelando um top por baixo.
— Que susto, null. Achei que fosse ficar pelada agora.
— Mas eu vou. — Ela sorriu. — Tô querendo outro tipo de exercício hoje que só você pode me proporcionar. Além disso, tô sentindo falta da sua banheira de hidromassagem…
null piscou surpreso, subitamente se sentindo um idiota, todo travado.
— É sério? Tem certeza? — Um calor se espalhou por seu corpo diante da possibilidade. Fazia mais de duas semanas que não transavam. Não que para ele isso fosse super importante, mas... Depois de null, sua relação com sexo tinha mudado, para dizer o mínimo. Agora era mais divertida, mais intensa e, definitivamente, nunca vazia.
Seu corpo sentia falta do dela, mas tinha que ter certeza se ela queria mesmo. Ainda mais quando fazia só pouco mais de uma semana desde que ela havia saído do hospital.
— Certeza absoluta — null respondeu, colocando a bandeja do outro lado da cama para se aproximar dele. — Parece que você desperta instintos de vagabunda em mim e só precisa sorrir pra isso.
— Para... — Ele riu pelo nariz. — Não chame a si mesma assim, null.
— Por que você prefere chamar? — ela brincou.
— Não. Eu prefiro chamar você de gostosa, deliciosa, incrível, perfeita e coisas assim. — O sorriu dele sumiu. — Não vagabunda. Então tira isso da cabeça. Não curto apelidos desse tipo.
— Olha, isso é quase uma declaração de amor distorcida, mas agradeço a intenção.
— De onde veio isso, de repente?
— Ah, foi o Charlie. — Ela revelou com uma expressão de ironia no rosto. — Sabe, aquele lance de abrir as pernas pra você e tal.
— Aquele imbecil... Você não devia deixar ele entrar na sua mente, null.
— Tem razão — ela concordou. — Mas parte daquilo é verdade. A diferença é que é só com você e nunca foi pelo dinheiro, muito menos pra te usar. — Ela passou uma perna por cima dele, se sentando em seu colo.
— Pois é. — null engoliu em seco, as mãos automaticamente pousando nos quadris dela.
— Eu tô com saudade, sabe? — Ela brincou com a barra da camiseta dele, preta, como sempre. Assim como noventa por cento de seu guarda-roupa. — Com vontade de comer você todinho — ela murmurou em seu ouvido, fazendo a pele de null arrepiar.
Em seguida, beijou o pescoço dele, na parte logo abaixo da orelha.
— Você tá tentando me seduzir?
— Tá dando certo?
null forçou o quadril dela para baixo, contra o dele.
— Isso parece certo o suficiente pra você?
— Parece ótimo. — Ela se remexeu de leve, o provocando mais. — Primeiro round aqui ou na banheira?
null quase gemeu de expectativa, mas quando abriu os olhos, fez uma careta, seus olhos indo automaticamente para a mesinha de cabeceira.
— Aqui não, não na frente da aberração. — Ele indicou Benny com o olhar e em seguida a encarou nos olhos. Sua voz caiu uma oitava quando voltou a falar, cada palavra pingando de desejo. — Vou te comer na minha cama e aí vamos pra banheira tomar um banho relaxante e demorado, e então vou te comer de novo nela.
null sentiu a barriga contrair de expectativa e uma onda quente de umidade molhar a calcinha.
— Parece ótimo.
— Então segura firme — ele pediu, antes de se levantar com ela, indo direto para o quarto vizinho.
null a jogou na cama e a beijou uma vez, enquanto suas mãos se desfaziam das roupas dela sem qualquer cerimônia, antes de fazer o mesmo com as próprias.
null lançou um olhar faminto para ele, sem qualquer indício de vergonha, bem diferente da null de algumas semanas atrás, quando eles dividiram a cama pela primeira vez. E por mais que parecesse arrogante da parte dele, null tinha um prazer masculino em saber que provocava desejo nela, a quem tanto desejava também. Seu corpo era um reflexo do desejo que ela sentia. Tinha uma coisa bem mais especial naquele tipo de intimidade. Fazer aquilo com alguém que você queria para além do sexo, alguém que a mera companhia parecia mais que suficiente noventa por cento das vezes.
E isso o excitava ainda mais.
null pegou um preservativo na mesinha de cabeceira e se preparou, sem querer perder tempo ao ter se afastar dela depois.
Uma vozinha no fundo de sua mente falou que eles nem mesmo precisavam daquilo, considerando sua condição e sabendo que ambos estavam limpos. Mas null não sabia ainda. O plano era contar sobre tudo em breve, depois que seus pais e amigos soubessem. Então ele enfiou a vozinha em um armário imaginário em sua mente e se concentrou completamente na mulher que o esperava em sua cama, completamente nua e pronta.
— Vem logo — null o chamou. — Quero sentir você em mim.
— Nem precisa falar duas vezes, meu bem — ele brincou, deixando o corpo pairar em cima do dela enquanto beijava seu pescoço.
null gemeu baixinho quando null pressionou o corpo contra o dela, a deixando sentir exatamente quanto a queria.
— Anda logo. — Ela enlaçou as pernas em sua cintura. — Me fode, null. Agora. A gente vai ter tempo suficiente pra brincar depois.
— Que apressada... E eu querendo ir com calma.
— Mentiroso. — Ela deu uma risadinha. — Você tá se controlando agora mesmo.
null riu junto por um breve segundo, e tomou seus lábios em um beijo.
— Tem razão. É só que tô com vontade de te comer todinha também — ele disse, repetindo as mesmas palavras que ela havia dito antes, deslizando o membro por sua fenda molhada, provocando só um pouquinho. — Mas seu desejo é uma ordem, amor.
Sem mais enrolação, ele deslizou para dentro, preenchendo o corpo dela com o seu. null gemeu com a sensação e não demorou muito para mexer os quadris embaixo dele, ansiosa por alívio.
null se afastou e investiu em um ritmo devagar a princípio, incapaz de não provocar a namorada.
— null... Mais rápido.
— Então pede “por favor” — ele brincou, fazendo-a bufar.
— Quer mesmo que eu implore?
— Tem razão. — Ele continuou com o ritmo lento. — Implorar é demais. Que tal você me dizer o quanto gosta de quando eu te fodo assim, fazendo você ficar toda impaciente e encharcada?
— Não preciso repetir o que você já sabe.
— Então vamos continuar assim, devagarinho… — Ele diminuiu a velocidade e girou os quadris, atingindo um novo ponto dentro dela.
— Por que você gosta de castigar a si mesmo?
— Porque gosto mais de te observar enquanto eu te como — ele murmurou contra o ouvido dela, deixando um beijo em seu pescoço.
— Eu amo quando você me fode assim — ela disse, se rendendo a ele. — Mas também amo quando você perde o controle e não para até satisfazer nós dois. Então faz isso agora... Por favor.
Certo, aquilo era demais. Definitivamente o suficiente para fazê-lo perder o controle, exatamente como ela queria. Quase inconscientemente, null aumentou o ritmo e null se agarrou a ele, jogando a cabeça para trás e arqueando o corpo enquanto ele dava atenção aos seus seios também.
Era um fato. Com ela era infinitamente melhor.
null diminuiu o ritmo outra vez, querendo prolongar aquele misto de sensações, e ficou surpreso por conseguir, dado o tempo que havia ficado longe de null. Então, sem sair de dentro dela, a puxou para que sentasse junto a ele.
— Me acompanha, null. E deixa esses olhinhos lindos abertos — ele pediu. — Quero olhar pra eles quando você gozar pra mim.
null assentiu, o cenho franzido diante da tensão que se acumulava em seu corpo, e apoiou as duas mãos nos ombros dele. Naquela posição, sentia como se ele a preenchesse ainda mais. Seu corpo se alargou para recebê-lo e a fricção era um pouco maior. Ela rebolou os quadris enquanto ele investia, até que sentiu as pernas tremerem e não conseguiu mais.
null a segurou firme pela cintura e continuou enquanto a sentia se apertando mais ao redor dele. Então ele estremeceu, os braços se agarrando a ela, como se quisesse fundir seus corpos em um só.
Os dois desabaram na cama ofegantes, suados e satisfeitos.
Enquanto recuperavam o fôlego, trocaram beijos e carícias, com os corpos ainda unidos. null conseguia sentir as batidas do coração dela se mesclando às dele e sorriu, orgulhoso por saber que tinha aquele efeito nela.
Alguns minutos mais tarde, eles repetiram tudo na banheira.
19 de novembro de 2017, 19:37 - Apartamento de null, Nova York, NY
null estava mesmo falando sério sobre a comemoração.
null achou que fosse algo bem mais simples, mas ele havia encomendado centenas de salgados e docinhos. Pastéis, coxinhas, canudos, empadas... Até mesmo as doces. E cerca de cinco tipos diferentes de brigadeiros.
Somado a isso, muita Coca-Cola e Guaraná, sem contar no bolo, que havia ficado lindo. Um naked inteiro de chocolate, com cobertura de brigadeiro na parte de cima e morangos para enfeitar.
Era só eles dois, os caras da banda e null, mas ainda assim parecia mais do que ela esperava. Ainda mais quando eles começaram a cantar uma série de músicas de repente, em um karaokê improvisado que null tinha montado.
— E aí? Vocês já viram que tão tentando criar um nome de casal pra vocês? — O baterista comentou, de repente.
— Não vi isso não. — null franziu o cenho.
— Tão chamando vocês de Risabelle. Mas tem gente que tá usando Rivisa, que eu acho bem estranho — ele comentou. — Pessoalmente, prefiro Risa. Simples e curto. Tem um nome em japonês assim, acho que um dos significados é “adorável”.
null riu, divertida.
— Eu achei todos péssimos, mas tudo bem. Esse até que dá pra relevar.
— Não seria pior do que Hero e null, que virou Hate — ele debochou.
— Ah, pelo amor de Deus, null — null reclamou. — Só quem chama a gente assim é você.
— Eu sei, mas Hate é bem mais engraçado do que Katrian.
— Sim, sim. Hate ou Katrian, que seja. Vamos cantar parabéns agora? — null sugeriu. — Vou filmar tudinho. Já fiz as fotos do aniversário brasileiro.
— Pensei que ia passar batido — null comentou, enchendo mais um copo de Guaraná. — Vou ter que encomendar refrigerante a essa loja que você compra também, null. Eu amo esse troço.
— Vou te mandar o contato — null ofereceu.
Um instante depois, eles se juntaram ao redor do bolo e começaram a cantar. Pela primeira vez em anos, null se sentiu completamente acolhida e querida em um ambiente, sem qualquer pessoa a menosprezando por qualquer motivo.
Seu coração estava quentinho quando a música acabou, e ela assoprou as velas. Em seguida, partiu o bolo, meio desajeitada, e ofereceu o primeiro pedaço a null, surpreendendo o total de zero pessoas.
— Que honra — ele brincou, dando um beijo na bochecha dela. — Feliz vinte e nove, amor.
— Olha que os trinta já tão batendo na porta! — null alertou.
— Inclusive pra você, null — null lembrou, vendo o amigo fazer uma careta.
— Não seja estraga prazeres, seu velhote.
— Eu sou só um ano mais velho do que você! — null retrucou.
— Tem certeza de que não é cinco? De todo jeito, a null vem antes de mim, ela é de janeiro!
— Vou fazer um tema legal, por sinal. Me ajuda a escolher, null?
— Claro, seria um insulto você não me pedir isso, logo eu, o fanfiqueiro do grupo e seu fã número um.
— Não seja um puxa saco. — Hero o empurrou pelo ombro. — Ela vai ficar toda metida depois.
— Ei! Como se você não ficasse se achando também quando é bajulado — null retrucou.
Eles continuaram a discutir por mais alguns instantes, mas eventualmente o assunto mudou. Cerca de uma hora depois, no entanto, quando null e null já estavam de saída, a campainha tocou.
— Quem deve ser? São quase onze agora — null comentou.
— Eu vou lá ver. — null se levantou.
Do outro lado da porta, um dos porteiros do condomínio o aguardava com um buquê enorme de rosas-vermelhas na mão.
— Boa noite, Sr. null. Chegou isso há pouco pra a srta. null.
— Obrigado. — null pegou o buquê, meio confuso, e fechou a porta. — null, olha o que chegou.
— Hã? Quem enviou?
— Não sei, mas tem um cartão. Será que não foi alguma das suas chefes?
— Ninguém me avisou nada, que estranho. — Ela se levantou também. Segurou o buquê nas mãos e cheirou as flores, absorvendo o aroma por um instante, enquanto pegava o envelope que veio junto.
Era bem maior do que um simples cartão, mais pesado também. Levou apenas um instante para null descobrir porquê. Dentro dele havia diversas fotos dela vestida de Cindy Lee no clube, performando no palco.
— Será que foi a Suzy? — null perguntou.
— Ou talvez a Izzy — null sugeriu.
No entanto, o pequeno cartão que encontrou no envelope quando tirou todas as fotos revelou o remetente.
Continha apenas uma frase, escrita à mão, mas ela gelou quando leu.
"Feliz aniversário, vadia.
C."
No mesmo instante, null largou o buquê no chão, como se pegasse fogo.
Pisou em todas as flores, sem se importar se estava parecendo uma maluca na frente dos amigos.
— null, o que foi? — null apanhou o cartão do chão, em meio às pétalas destruídas. — Que porra é essa?!
— Eu não... Ele não vai me deixar em paz — ela choramingou, de repente respirando com dificuldade.
Sua visão ficou turva e ela tentou puxar o ar, em vão.
— null, você tá bem? — Ela ouviu a voz de null perguntar, mas era como se ele estivesse longe.
— Tira ela de perto do buquê! E fica todo mundo longe.
Era null. Mas a visão dela estava escura e seu corpo dormente.
Mal sentiu quando foi pega nos braços e colocada sentada em um estofado macio. O sofá, provavelmente.
Sua visão estava escura, cheia de pontinhos brancos, a respiração curta e pesada. Ela tentou falar outra vez, mas sua língua parecia embolada de repente.
Então as estrelas sumiram e tudo ficou em completa escuridão.
Capítulo 39
— Escopolamina? — null franziu o cenho. — Essa era a substância presente nas flores? O que é isso? Algum tipo de veneno?
— É um remédio, na verdade. Pra tratar dores gastrointestinais, tipo cólica ou gases — null explicou. — Mas quando inalado ou absorvido pela pele pode causar efeitos tóxicos.
— Quer dizer que foi isso que me fez desmaiar? — null perguntou.
Havia uma expressão vazia em seu rosto, presente desde o momento em que ela acordou do desmaio, alguns dias antes.
Se encheu de vergonha por ter feito os amigos presenciarem aquilo, principalmente o pequeno surto que antecedeu o desmaio. Mas quando leu o cartão, ela nem sequer pensou. Quando deu por si, o buquê já estava destruído e ela hiperventilando, tonta e prestes a desmaiar.
— Sim — null confirmou. — Mas a crise de ansiedade que você teve na hora provavelmente contribuiu pra que acontecesse mais rápido. A substância é praticamente imperceptível, então explica você não ter notado quando cheirou o buquê. Mas quando você destruiu ele, isso fez as partículas se dispersarem no ar. Por isso, abrimos as janelas depois.
Ela tinha ficado pouco tempo desacordada, mas acordou confusa e ainda um pouco tonta. Seus amigos fizeram uma roda ao redor dela e null se deparou com preocupação ilustrando seus rostos.
null, contudo, era a mais tranquila e logo anunciou que null havia se livrado das flores, e mostrou um saquinho plástico onde tinha posto algumas pétalas para analisar em laboratório. No dia seguinte, ela também fez uma coleta de sangue para ser analisada.
— E o exame de sangue? Deu isso também?
— Sim, aqui. — null virou a tela do celular para ela, mostrando o resultado que tinha recebido online. — Escopolamina também. Acho que aquele idiota quis te dar um susto.
— Ele tá obcecado, parece um cachorro atrás de um osso — null resmungou, irritado. — Vou processar ele de novo por isso.
— Não dá pra provar que foi ele, null. — null suspirou, resignada. Seu tom de voz era baixo e suave. — Provavelmente nem foi ele que escreveu o bilhete. Deve ter mandado alguém comprar as flores e depois essa pessoa fez isso. Não sabemos nem em que loja foi.
— null-
— Você sabe que é perda de tempo. — Ela o interrompeu, um pouco nervosa. — Além disso, o julgamento é em breve, né? Daqui a uns dias.
— Ela tem razão, null — null comentou. — Não tem nada que incrimine ele aqui. Poderia ser qualquer pessoa.
— Que inferno... — Ele passou a mão no cabelo, frustrado.
Queria poder fazer algo a respeito e ter as mãos atadas daquele jeito o deixava inquieto, frustrado e se sentindo inútil. Mais tarde, Derick confirmou o que null e null haviam comentado.
Só restavam a eles confiar que a justiça seria feita.
***
28 de novembro de 2017, 09:15 - Corte do Tribunal, Nova York, NY
null esfregou as mãos suadas na calça de tecido e respirou fundo uma e outra vez, enquanto a juíza designada para o caso ouvia a apuração de fatos.
Charlie estava do outro lado, vestido em um terno cinza, sentado como se fosse o dono do lugar, mas ela não teve coragem de olhar para ele duas vezes.
Como se não bastassem os pesadelos que vinha lhe provocando, desde o aniversário ela não conseguia tirar aquele buquê envenenado da cabeça. E se estivesse sozinha quando o recebeu? Poderia ter inalado a substância o suficiente para ser afetada por um nível maior de toxicidade? Não haveria ninguém para socorrê-la, ao menos não de imediato.
Só de pensar em como poderia ter sido pior já a deixava enjoada. Se ainda morasse na casa do pai, o que poderia ter acontecido? Bem, certamente não teria nem descoberto a fraude do testamento. Sua saúde física e mental teria piorado e provavelmente teria adoecido, para a alegria daquele traste e a família dele.
— O que o réu tem a dizer sobre isso? — a juíza perguntou, colocando uma mecha de seu cabelo vermelho para trás. Era bem mais jovem do que null esperava e... Parecia entediada com aquela audiência, para dizer o mínimo.
Charlie pigarreou e se inclinou para falar no microfone.
— Quero dizer a srta. null que estou arrependido das minhas ações.
— Só isso? — A juíza arqueou uma sobrancelha. — Está arrependido de tê-la agredido ou arrependido por ter feito isso com as próprias mãos?
Os olhos de null se arregalaram levemente quando ela ouviu a pergunta. De soslaio, viu Charlie perder um pouco da compostura, parecendo incomodado.
— Não estou entendendo sua pergunta, Meritíssima.
— Não consegue entender algo simples, Sr. Smith? Não vi você se desculpar honestamente com a srta. null nenhuma vez. E por causa de um processo que ela abriu devido ao senhor supostamente ter fraudado o testamento do pai dela? O que esperava que ela fizesse? — Ela o encarou com ironia. — "Ah, você fez um testamento falso e roubou toda a minha herança, mas tudo bem, eu nem preciso mesmo disso, amo ser pobre e injustiçada". Algo assim? — A juíza riu, sem humor.
null ouviu um barulho ao seu lado e encarou Derick pressionando os lábios para segurar o riso.
— Meritíssima, tem certeza que essa abordagem é apropriada? — O advogado dele se intrometeu. — Esse processo não tem nada a ver com a situação atual e está a cargo de outro juiz...
— Você está questionando minha abordagem, Sr. advogado? Se esse foi o motivo pelo qual a srta. null foi agredida, como não tem nada a ver? Me explique, por favor, o que uma pergunta simples como essa poderia causar? É só responder sim ou não. Mas diante de sua hesitação, imagino que o peguei mesmo de surpresa. Você parece assustado, Sr. Smith. Mas tenho certeza de que não chega nem a um décimo do que fez a srta. null sentir na noite em que a agrediu, drogou e cogitou estuprá-la. O que teria acontecido se ela não tivesse conseguido fugir?
— Meritíssima... — O advogado tentou falar novamente, mas ela levantou uma mão, o calando.
— Teve sorte de conseguir fiança por decisão do juiz anterior. Imagino que esperava que ele continuasse com esse caso, mas... Houve certo conflito de interesses e por isso fui designada a ele — ela explicou. — Mas se esse caso fosse meu desde o início, o pedido de fiança certamente não teria sido aceito.
— Meritíssima, está tomando um lado da situação — o advogado protestou.
— E não é esse o meu trabalho? — Ela o encarou, como se fosse óbvio. — Julgar imparcialmente e decidir como devo aplicar a lei? Bem, foi o que fiz. Infelizmente, o lado do seu cliente não parece muito favorável.
— Meritíssima...
— Vamos encerrar por hoje. Na próxima audiência, darei um veredicto.
— Droga... — null xingou baixinho.
— Tudo bem, null. A juíza Park é uma mulher bem justa, embora um pouco excêntrica. Tenho certeza de que vai dar o veredicto a seu favor.
null assentiu e olhou para a juíza, que lançou um último olhar para ela, antes de ir embora.
Um brotinho de esperança quis nascer em seu peito, mas ela o reprimiu, com medo de se iludir.
Alguns minutos mais tarde, null se despediu de Derick e aguardou do lado de fora enquanto null voltava de uma ida ao banheiro.
De braços cruzados, ela manteve a cabeça baixa, olhando para os próprios sapatos enquanto repassava na mente tudo o que tinha acontecido naquela primeira audiência. Viu a sombra de alguém se aproximando por trás e virou as costas, certa de que era o namorado. Mas para seu desgosto, foi Charlie quem apareceu.
Ele usava os mesmos óculos escuros de antes e tinha aquele sorrisinho idiota no rosto.
— Uma intrometida aquela juíza, eu devo dizer. Mas olha, eu tava ansioso pra falar com você, null.
— Que pena, porque não tenho nada pra falar com você — ela respondeu, fria, como se seu coração não tivesse acelerado naquele exato momento.
— Você gostou das flores? — ele perguntou com um sorriso. — Foi um pedido especial pra você, e um aviso. Não pense que você vai ser meu único alvo se continuar a fazer merda. Seu namoradinho pode ser rico, mas ele não é intocável.
— Você é ridículo, Charlie. Sua cara de pau não tem limites.
— Assim como meus contatos — ele garantiu. — Se eu fosse você, retiraria a acusação.
— Não vou retirar coisa nenhuma, seu filho da puta — ela teve coragem de dizer. — Mesmo que você se safe de um jeito ou de outro, faço questão de dar trabalho até isso acontecer.
— Que corajosa. De onde vem isso, null? Você fica tão engraçada quando fala assim. Nem parece a garota apavorada do beco. — Ele se aproximou mais um pouco e, inconscientemente, ela deu um passo para trás, fazendo-o rir. — Ou talvez ainda esteja assustada.
— Vá se ferrar, Charlie! Você não tem direito de exigir nada de mim!
— Sim, sim... Mas você não gostaria que null null se machucasse por sua causa, né? Ou que tal arriscar pra ver se eu tô blefando? Mas quem sabe... Se você terminar com ele, talvez as coisas fiquem mais tranquilas entre nós.
— Não vou me envolver com você, se é isso que quer.
— Então não vai se envolver com mais ninguém, sua puta desgraçada. — Ele deu outro passo à frente, invadindo o espaço pessoal dela.
— O que tá acontecendo aqui? — Uma voz irritada rosnou atrás dele.
Em um instante, null se colocou na frente de null, em uma posição defensiva. — O que porra você pensa que tá fazendo? Não tem direito de falar com ela, tá entendendo? Você não tem direito nem de olhar pra ela, ou sequer respirar o mesmo ar que ela, seu desgraçado!
— Cuidado, null, posso não ser bonzinho se me provocar muito.
— E que tal você ir se foder? — null o encarou com os olhos frios como gelo. — Olhe bem pra mim e veja se eu me importo, seu imbecil arrogante.
— null... — null tocou o braço dele, chamando sua atenção. — Vamos embora, por favor. Ele não vale a pena.
— Vejo você depois, null. — Charlie sorriu, como se fossem velhos amigos. — Pense bem no que falei.
null apertou a alça da bolsa, irritada, mas apenas o ignorou, por mais que as palavras dele ainda estivessem ecoando em sua mente. E não por conta de qualquer ameaça direta a ela, mas a null.
null não, pensou.
Poderia lidar com qualquer merda vinda de Charlie, mas não permitiria que ele mexesse com o homem que amava. O homem que havia protegido e cuidado dela, que a tinha enxergado, mesmo quando ela era invisível para a maioria das pessoas.
Ele não.
— É um remédio, na verdade. Pra tratar dores gastrointestinais, tipo cólica ou gases — null explicou. — Mas quando inalado ou absorvido pela pele pode causar efeitos tóxicos.
— Quer dizer que foi isso que me fez desmaiar? — null perguntou.
Havia uma expressão vazia em seu rosto, presente desde o momento em que ela acordou do desmaio, alguns dias antes.
Se encheu de vergonha por ter feito os amigos presenciarem aquilo, principalmente o pequeno surto que antecedeu o desmaio. Mas quando leu o cartão, ela nem sequer pensou. Quando deu por si, o buquê já estava destruído e ela hiperventilando, tonta e prestes a desmaiar.
— Sim — null confirmou. — Mas a crise de ansiedade que você teve na hora provavelmente contribuiu pra que acontecesse mais rápido. A substância é praticamente imperceptível, então explica você não ter notado quando cheirou o buquê. Mas quando você destruiu ele, isso fez as partículas se dispersarem no ar. Por isso, abrimos as janelas depois.
Ela tinha ficado pouco tempo desacordada, mas acordou confusa e ainda um pouco tonta. Seus amigos fizeram uma roda ao redor dela e null se deparou com preocupação ilustrando seus rostos.
null, contudo, era a mais tranquila e logo anunciou que null havia se livrado das flores, e mostrou um saquinho plástico onde tinha posto algumas pétalas para analisar em laboratório. No dia seguinte, ela também fez uma coleta de sangue para ser analisada.
— E o exame de sangue? Deu isso também?
— Sim, aqui. — null virou a tela do celular para ela, mostrando o resultado que tinha recebido online. — Escopolamina também. Acho que aquele idiota quis te dar um susto.
— Ele tá obcecado, parece um cachorro atrás de um osso — null resmungou, irritado. — Vou processar ele de novo por isso.
— Não dá pra provar que foi ele, null. — null suspirou, resignada. Seu tom de voz era baixo e suave. — Provavelmente nem foi ele que escreveu o bilhete. Deve ter mandado alguém comprar as flores e depois essa pessoa fez isso. Não sabemos nem em que loja foi.
— null-
— Você sabe que é perda de tempo. — Ela o interrompeu, um pouco nervosa. — Além disso, o julgamento é em breve, né? Daqui a uns dias.
— Ela tem razão, null — null comentou. — Não tem nada que incrimine ele aqui. Poderia ser qualquer pessoa.
— Que inferno... — Ele passou a mão no cabelo, frustrado.
Queria poder fazer algo a respeito e ter as mãos atadas daquele jeito o deixava inquieto, frustrado e se sentindo inútil. Mais tarde, Derick confirmou o que null e null haviam comentado.
Só restavam a eles confiar que a justiça seria feita.
28 de novembro de 2017, 09:15 - Corte do Tribunal, Nova York, NY
null esfregou as mãos suadas na calça de tecido e respirou fundo uma e outra vez, enquanto a juíza designada para o caso ouvia a apuração de fatos.
Charlie estava do outro lado, vestido em um terno cinza, sentado como se fosse o dono do lugar, mas ela não teve coragem de olhar para ele duas vezes.
Como se não bastassem os pesadelos que vinha lhe provocando, desde o aniversário ela não conseguia tirar aquele buquê envenenado da cabeça. E se estivesse sozinha quando o recebeu? Poderia ter inalado a substância o suficiente para ser afetada por um nível maior de toxicidade? Não haveria ninguém para socorrê-la, ao menos não de imediato.
Só de pensar em como poderia ter sido pior já a deixava enjoada. Se ainda morasse na casa do pai, o que poderia ter acontecido? Bem, certamente não teria nem descoberto a fraude do testamento. Sua saúde física e mental teria piorado e provavelmente teria adoecido, para a alegria daquele traste e a família dele.
— O que o réu tem a dizer sobre isso? — a juíza perguntou, colocando uma mecha de seu cabelo vermelho para trás. Era bem mais jovem do que null esperava e... Parecia entediada com aquela audiência, para dizer o mínimo.
Charlie pigarreou e se inclinou para falar no microfone.
— Quero dizer a srta. null que estou arrependido das minhas ações.
— Só isso? — A juíza arqueou uma sobrancelha. — Está arrependido de tê-la agredido ou arrependido por ter feito isso com as próprias mãos?
Os olhos de null se arregalaram levemente quando ela ouviu a pergunta. De soslaio, viu Charlie perder um pouco da compostura, parecendo incomodado.
— Não estou entendendo sua pergunta, Meritíssima.
— Não consegue entender algo simples, Sr. Smith? Não vi você se desculpar honestamente com a srta. null nenhuma vez. E por causa de um processo que ela abriu devido ao senhor supostamente ter fraudado o testamento do pai dela? O que esperava que ela fizesse? — Ela o encarou com ironia. — "Ah, você fez um testamento falso e roubou toda a minha herança, mas tudo bem, eu nem preciso mesmo disso, amo ser pobre e injustiçada". Algo assim? — A juíza riu, sem humor.
null ouviu um barulho ao seu lado e encarou Derick pressionando os lábios para segurar o riso.
— Meritíssima, tem certeza que essa abordagem é apropriada? — O advogado dele se intrometeu. — Esse processo não tem nada a ver com a situação atual e está a cargo de outro juiz...
— Você está questionando minha abordagem, Sr. advogado? Se esse foi o motivo pelo qual a srta. null foi agredida, como não tem nada a ver? Me explique, por favor, o que uma pergunta simples como essa poderia causar? É só responder sim ou não. Mas diante de sua hesitação, imagino que o peguei mesmo de surpresa. Você parece assustado, Sr. Smith. Mas tenho certeza de que não chega nem a um décimo do que fez a srta. null sentir na noite em que a agrediu, drogou e cogitou estuprá-la. O que teria acontecido se ela não tivesse conseguido fugir?
— Meritíssima... — O advogado tentou falar novamente, mas ela levantou uma mão, o calando.
— Teve sorte de conseguir fiança por decisão do juiz anterior. Imagino que esperava que ele continuasse com esse caso, mas... Houve certo conflito de interesses e por isso fui designada a ele — ela explicou. — Mas se esse caso fosse meu desde o início, o pedido de fiança certamente não teria sido aceito.
— Meritíssima, está tomando um lado da situação — o advogado protestou.
— E não é esse o meu trabalho? — Ela o encarou, como se fosse óbvio. — Julgar imparcialmente e decidir como devo aplicar a lei? Bem, foi o que fiz. Infelizmente, o lado do seu cliente não parece muito favorável.
— Meritíssima...
— Vamos encerrar por hoje. Na próxima audiência, darei um veredicto.
— Droga... — null xingou baixinho.
— Tudo bem, null. A juíza Park é uma mulher bem justa, embora um pouco excêntrica. Tenho certeza de que vai dar o veredicto a seu favor.
null assentiu e olhou para a juíza, que lançou um último olhar para ela, antes de ir embora.
Um brotinho de esperança quis nascer em seu peito, mas ela o reprimiu, com medo de se iludir.
Alguns minutos mais tarde, null se despediu de Derick e aguardou do lado de fora enquanto null voltava de uma ida ao banheiro.
De braços cruzados, ela manteve a cabeça baixa, olhando para os próprios sapatos enquanto repassava na mente tudo o que tinha acontecido naquela primeira audiência. Viu a sombra de alguém se aproximando por trás e virou as costas, certa de que era o namorado. Mas para seu desgosto, foi Charlie quem apareceu.
Ele usava os mesmos óculos escuros de antes e tinha aquele sorrisinho idiota no rosto.
— Uma intrometida aquela juíza, eu devo dizer. Mas olha, eu tava ansioso pra falar com você, null.
— Que pena, porque não tenho nada pra falar com você — ela respondeu, fria, como se seu coração não tivesse acelerado naquele exato momento.
— Você gostou das flores? — ele perguntou com um sorriso. — Foi um pedido especial pra você, e um aviso. Não pense que você vai ser meu único alvo se continuar a fazer merda. Seu namoradinho pode ser rico, mas ele não é intocável.
— Você é ridículo, Charlie. Sua cara de pau não tem limites.
— Assim como meus contatos — ele garantiu. — Se eu fosse você, retiraria a acusação.
— Não vou retirar coisa nenhuma, seu filho da puta — ela teve coragem de dizer. — Mesmo que você se safe de um jeito ou de outro, faço questão de dar trabalho até isso acontecer.
— Que corajosa. De onde vem isso, null? Você fica tão engraçada quando fala assim. Nem parece a garota apavorada do beco. — Ele se aproximou mais um pouco e, inconscientemente, ela deu um passo para trás, fazendo-o rir. — Ou talvez ainda esteja assustada.
— Vá se ferrar, Charlie! Você não tem direito de exigir nada de mim!
— Sim, sim... Mas você não gostaria que null null se machucasse por sua causa, né? Ou que tal arriscar pra ver se eu tô blefando? Mas quem sabe... Se você terminar com ele, talvez as coisas fiquem mais tranquilas entre nós.
— Não vou me envolver com você, se é isso que quer.
— Então não vai se envolver com mais ninguém, sua puta desgraçada. — Ele deu outro passo à frente, invadindo o espaço pessoal dela.
— O que tá acontecendo aqui? — Uma voz irritada rosnou atrás dele.
Em um instante, null se colocou na frente de null, em uma posição defensiva. — O que porra você pensa que tá fazendo? Não tem direito de falar com ela, tá entendendo? Você não tem direito nem de olhar pra ela, ou sequer respirar o mesmo ar que ela, seu desgraçado!
— Cuidado, null, posso não ser bonzinho se me provocar muito.
— E que tal você ir se foder? — null o encarou com os olhos frios como gelo. — Olhe bem pra mim e veja se eu me importo, seu imbecil arrogante.
— null... — null tocou o braço dele, chamando sua atenção. — Vamos embora, por favor. Ele não vale a pena.
— Vejo você depois, null. — Charlie sorriu, como se fossem velhos amigos. — Pense bem no que falei.
null apertou a alça da bolsa, irritada, mas apenas o ignorou, por mais que as palavras dele ainda estivessem ecoando em sua mente. E não por conta de qualquer ameaça direta a ela, mas a null.
null não, pensou.
Poderia lidar com qualquer merda vinda de Charlie, mas não permitiria que ele mexesse com o homem que amava. O homem que havia protegido e cuidado dela, que a tinha enxergado, mesmo quando ela era invisível para a maioria das pessoas.
Ele não.
Capítulo 40
30 de novembro de 2017, 10:35 - Casa dos null, Nova York, NY
Linda null estava estranhamente calma.
O que provavelmente significava que a tempestade iria cair a qualquer segundo. E veio apenas um instante depois, em forma de um tapa na cabeça de null e palavras duras.
Foi como se ele tivesse voltado a ser adolescente.
— Como você ousa esconder isso da gente, seu moleque? — ela perguntou, irritada. — Uma coisa séria assim... null, você só pode estar brincando! Em algum momento, eu e seu pai fizemos algo pra fazer você não confiar na gente?
— Não, mãe, não é isso. Como eu disse antes, eu não queria preocupar ninguém. Só contei a null porque não tive escolha, já que ela acabou vendo meus medicamentos, mas... — A voz dele falhou, encarando ele encarava os pais. — É desconfortável falar sobre isso, e eu não sei porque eu... Só aconteceu, sabe? Eu sinto muito.
— Nós somos uma família, filho — o pai dele disse. — E você pode ter trinta ou cinquenta anos, e mesmo assim vai continuar sendo nosso garotinho.
— Bem, o garotinho de vocês vai acabar com a linhagem da família — ele brincou, sem humor.
— Bobagem, você tem primos — o pai retrucou. — Adote um gato, se quiser. Todo mundo sabe que criança dá muito trabalho hoje em dia.
null assentiu, engolindo em seco, tentando não desmoronar. Mas somente aquele momento de confissão aos pais foi o bastante para fazer ele chorar como uma criança.
Quis ser forte e garantir que estava melhor, que estava bem, porque realmente estava. A terapia e as medicações estavam, de fato, ajudando. Ele estava tomando todos os cuidados possíveis.
Mesmo assim, quando sua mãe se aproximou de onde ele estava sentado e o abraçou de repente, um soluço irrompeu de seu peito.
— Ah, meu amor. Deve ter sido difícil manter isso pra si mesmo.
— Desculpa, mãe. — Ele a abraçou de volta, chorando no ombro dela, sentindo-se extremamente acolhido e amado, como sempre foi com seus pais, as duas pessoas no mundo que ele mais admirava.
— Tudo bem, querido. Vai ficar tudo bem.
— Sim, filho. Não se preocupe, você tem nosso apoio — o pai dele concluiu, o abraçando também.
— Obrigado — ele conseguiu dizer.
E ficou ali entre os dois por mais alguns minutos, ouvindo a voz doce da mãe sussurrar mais palavras de conforto.
***
30 de novembro de 2017, 15:44 - Estúdio de Hero, Nova York, NY
Embora a reação de seus pais tivesse sido relativamente calma, null não podia dizer o mesmo a respeito de Hero, null e null.
Especialmente null.
Depois que terminou de falar, o amigo se aproximou calmamente, em silêncio. E quando null se deu conta, já estava de costas no chão, após ser derrubado com um golpe de Taekwondo.
— Ai... — ele gemeu, por um instante sentindo o ar faltar nos pulmões.
— Nada de ai, seu mané! — null retrucou. — Você devia ser o mais inteligente da banda e faz uma burrice dessas? Não querer preocupar a gente? Que desculpa de merda é essa, seu imbecil?
— Todo mundo sabe que o mais inteligente é você, seu nerd idiota — null devolveu. — Não venha jogar nada pra cima de mim.
— Você foi muito egoísta, null. Nem o null escondeu nada da gente, e Deus sabe que null e eu contamos tudo, seu cuzão. Então é bom você se orientar pra vida, e cortar essa merda de não incomodar ninguém. Nós somos irmãos. E o que irmãos mais fazem uns com os outros é justamente incomodar.
— Faço das palavras dele as minhas — null disse, com uma expressão séria no rosto e os braços cruzados.
— Eu também — null acrescentou, o encarando com a mesma expressão de Hero.
Ótimo, estavam todos com raiva dele.
Que animador.
— Certo, certo. Tenho certeza que null já entendeu que errou — null comentou, ajudando ele a se levantar. — Querem fazer um pacto de sangue agora, só pra garantir?
— Eca, não seja nojenta, null — null comentou, fazendo-a rir.
— O quê? Um monte de gente faz isso.
— Meus pais me matariam se soubesse disso — null acrescentou.
— É só não contar nada — ela brincou.
— Certo, ninguém vai fazer pacto de sangue aqui — Hero disse e olhou para null. — Amor, por favor, você tá sendo esquisita agora.
— Ai, como vocês são sensíveis. Não aguentam uma brincadeira...
— Disse a esquisitona com ideias mirabolantes — null retrucou.
— Eu sou só criativa. Você devia entender isso, null. Sabe... Já que é um artista também.
— Vou ter que concordar com ela nisso, null — null disse.
— A null já sabe? — null perguntou a null, puxando-o para o canto enquanto os outros três discutiam.
— Não, eu quis contar pros meus pais primeiro e depois pra vocês. Vou contar hoje à noite.
— Melhor arrancar o curativo de uma vez mesmo. Você sabe o que aconteceu comigo e null quando a gente enrolou pra contar coisas importantes.
— Você acha que ela vai ficar brava?
— Provavelmente não. A null é tranquila. Por falar nela... Derick deu alguma notícia sobre o processo em cima daquele cara?
— A polícia tá apurando informações, e medidas administrativas tão sendo tomadas na empresa também. Acho que é só uma questão de tempo até ele ser preso de novo. E Tony Sharpe disse que deu uma entrevista que deve sair a qualquer momento. Acho que se isso se tornar público, muitos aliados vão se afastar de Charlie.
— Espero que sim. Agora, já pro estúdio. — Hero o empurrou em direção à salinha de gravação. — Quero que você repita aqueles acordes outra vez.
***
30 de novembro de 2017, 20:47 - Apartamento de null, Nova York, NY
Vadia.
Interesseira.
Sua mentirosa.
Prostituta de merda.
Fique longe de null, sua puta.
Os comentários fluíam nas redes sociais como água corrente. Por um momento, null não entendeu e ficou paralisada no lugar enquanto observava centenas, milhares de ofensas chegarem até ela. No YouTube, no Instagram dela e até de null, na única foto que ele tinha postado onde null aparecia, uma selfie em grupo no aniversário dela.
As pessoas haviam descoberto sobre sua persona de Cindy Lee e ela só entendeu o porquê dos xingamentos quando Anni enviou um link no chat em grupo com ela e Thaty.
Rapidamente, null clicou no link e se deparou com um título de um artigo de fofoca que quase a fez cair para trás.
Foi como um banho de água fria, mas ao menos explicava por que estava sendo atacada na internet.
"Como em Uma Linda Mulher: null null se apaixonou por uma prostituta?"
null desceu os olhos para o texto e o leu rapidamente.
"Há alguns dias tivemos contato com a irmã da srta. null, enteada de seu pai, e ela nos revelou coisas incríveis!
Aparentemente, a namorada de null null está processando a própria família depois de ter sido deserdada pelo pai em seu testamento. A irmã alega que a decisão possivelmente tenha vindo depois do desgosto de ter uma filha que vende o próprio corpo em um clube noturno, e a srta. null se nega a aceitar a situação.
Sob o pseudônimo Cindy Lee, uma dançarina que cobre o rosto, ela se apresenta aos finais de semana em um clube burlesco chamado Veil of Secrets.
Ela ainda conta que null null, vocalista da Cave Panthers, pode ser uma vítima de sua ambição e possivelmente o responsável por arcar com os custos do processo, já que o cachê mensal da srta. null provavelmente seria insuficiente para fazer tal coisa. Um pouco parecido com uma versão moderna de Uma Linda Mulher, não é mesmo?
null já deixou claro há várias semanas sua paixão pela namorada e, há alguns dias, compartilhou em seu Instagram a primeira e única foto em que null aparece. A ocasião? O aniversário dela.
Dito isso, parece que toda a Cave Panthers e null null estavam cientes de sua persona Cindy Lee, já que compartilharam seu conteúdo de dança nas redes sociais.
A srta. Smith, irmã dela, ainda comenta que null processou recentemente seu irmão mais velho, alegando ter sido agredida por ele — supostamente mais uma mentira sendo contada.
'Ela sempre teve inveja de nós por sermos uma família. Meu padrasto ainda fez a gentileza de aceitar que morasse conosco e pagar uma faculdade que ela largou assim que ele faleceu. E quando conheceu null, provavelmente dando uma de faxineira pobre e indefesa, não perdeu tempo antes de sair de casa para morar com ele assim que a oportunidade surgiu.'
Seria o Sr. null null apenas mais uma vítima, ou alguém que realmente se apaixonou por uma profissional do sexo? E até que ponto vai os sentimentos da srta. null?
A srta. Smith alega que a conhecendo depois de anos de convivência, dificilmente null sentiria o mesmo que Vivian, de Uma Linda Mulher, e só está tentando extorquir uma herança inexistente por pura ganância e orgulho ferido, além de sujar a reputação da família no processo.
Mas o que vocês acham disso? Não esqueça de deixar seu comentário!"
O celular caiu da mão de null em cima da cama, quando ela começou a tremer. De raiva, tristeza e frustração. E como se não bastasse, o aparelho não parava de vibrar sem parar com notificações de ataques chegando até ela.
As pessoas estavam comentando coisas ridículas sem ter certeza de nada, sem sequer conhecê-la, tudo com base naquele artigo completamente mentiroso.
Só que por mais que null soubesse disso, por mais que tivesse consciência de que era tudo falso, um sentimento de culpa a envolveu de uma forma quase insuportável.
As lágrimas começaram a cair antes que ela se desse conta e null tampou os ouvidos enquanto soluçava, tentando não ouvir as vibrações insistentes das notificações.
Era só uma questão de tempo até null, a banda e null começarem a ser atacados também. A reputação que ele tinha se esforçado para recuperar iria para o lixo e ela seria a culpada, a pessoa que deveria ajudar ele, a pessoa que estava sendo infinitamente mais beneficiada com o acordo dos dois, simplesmente porque null era generoso e bondoso demais.
Talvez ela fosse mesmo interesseira.
Depois de mais de um ano trabalhando sem parar, a perspectiva de ter um tempo livre, voltar a estudar, cuidar da saúde e dormir direito havia sido boa demais para ser ignorada.
null sabia que tentar conseguir justiça após a fraude do testamento teria um preço a pagar, só não esperava que fosse tão alto.
Um barulho na porta a arrancou de seus pensamentos e quando ela levantou a cabeça, viu null entrar já falando.
— null, preciso conversar com você sobre uma coisa e... Ei, o que houve? — ele parou no lugar quando viu o rosto molhado dela. — Aconteceu alguma coisa?
null passou as mãos no rosto, secando-o como pôde e, ainda em silêncio, pegou o celular e o estendeu com o artigo aberto para que ele lesse.
Levou apenas um minuto para null terminar. Ele respirou fundo, irritado por mais um ataque pessoal a ela, e devolveu o aparelho.
— Vou pedir pra Derick liberar uma nota sobre isso. Essa garota só pode estar iludida se acha que vai conseguir alguma coisa com-
— Você viu o resto? Meu celular tá lotado de notificações de gente me atacando, falando que arrastei você pra isso enquanto me fiz de coitadinha.
— null, ignora isso, por favor. Eu sei que é difícil, mas...
— Não, null. Você não sabe. O único escândalo que você teve foi com a Hannah e o público só achou que você tava sendo só mais um homem babaca.
— Amor... Eu sinto muito, isso é minha culpa.
— Não, é minha culpa. Eu devia saber que isso uma hora viria à tona — ela afirmou, com a voz falha. — Eu não devia ter processado aquelas pessoas, não devia nem deixar você me ajudar com meus problemas. Tudo isso é por minha causa, null, e é só uma questão de tempo até as pessoas se voltarem contra você, e... — ela hesitou por um momento. — Eu acho que a gente devia acabar logo com isso.
Por um instante, o coração dele pareceu parar.
— null, por favor, você não quer dizer isso...
— Eu quero terminar, null — ela declarou, em alto e bom-tom. — Não aguento mais te deixar lidar com tudo isso. É muita dor de cabeça e nem é problema seu. E por mais que eu goste de você, por mais que eu te ame, é incômodo demais continuar.
— Eu tô só te protegendo, é isso que fazemos com as pessoas que amamos.
— E é minha vez de fazer isso agora — ela retrucou, sem olhar para ele. — Não quero complicar sua vida mais do que já compliquei. Quando ao nosso contrato... Você pode cortar todos os meus benefícios, rescindir ele e... Vou usar o dinheiro da faculdade pra pagar os honorários do Derick. Quanto ao resto... Se tiver alguma taxa de quebra, eu posso ir te pagando aos poucos e-
— null, não. Por favor. — A voz dele falhou, enquanto seu coração murchava. Aquilo não podia estar acontecendo, podia?
— Vou sair agora e depois volto pra pegar Benny e as minhas coisas — ela anunciou, já se levantando com a bolsa no ombro, ainda evitando encará-lo.
Mas quando null tentou passar por ele, null a segurou pelo braço.
— null. Por favor, pense direito. Você não quer fazer isso.
Ela respirou fundo, fechando os olhos, ainda de costas para ele.
— null...
— Olha pra mim, null. É idiotice jogar fora o que a gente tem por causa de idiotas que não tem o que fazer além de falar merda na internet. Por favor, fica.
— Me solta, por favor.
— null...
— Eu disse me solta! — Ela aumentou o tom de voz, o pegando de surpresa.
No mesmo instante, ele a largou, como se ela pegasse fogo. null finalmente o encarou e manteve o olhar duro e a voz firme, tentando não desabar na frente dele. — Sinto muito.
E então ela se foi, deixando um null frustrado e machucado para trás.
Alguns segundos depois, ele ouviu a porta da frente abrir e fechar, e caiu sentado na cama dela, arrasado.
Era isso. Ela tinha mesmo ido embora.
Linda null estava estranhamente calma.
O que provavelmente significava que a tempestade iria cair a qualquer segundo. E veio apenas um instante depois, em forma de um tapa na cabeça de null e palavras duras.
Foi como se ele tivesse voltado a ser adolescente.
— Como você ousa esconder isso da gente, seu moleque? — ela perguntou, irritada. — Uma coisa séria assim... null, você só pode estar brincando! Em algum momento, eu e seu pai fizemos algo pra fazer você não confiar na gente?
— Não, mãe, não é isso. Como eu disse antes, eu não queria preocupar ninguém. Só contei a null porque não tive escolha, já que ela acabou vendo meus medicamentos, mas... — A voz dele falhou, encarando ele encarava os pais. — É desconfortável falar sobre isso, e eu não sei porque eu... Só aconteceu, sabe? Eu sinto muito.
— Nós somos uma família, filho — o pai dele disse. — E você pode ter trinta ou cinquenta anos, e mesmo assim vai continuar sendo nosso garotinho.
— Bem, o garotinho de vocês vai acabar com a linhagem da família — ele brincou, sem humor.
— Bobagem, você tem primos — o pai retrucou. — Adote um gato, se quiser. Todo mundo sabe que criança dá muito trabalho hoje em dia.
null assentiu, engolindo em seco, tentando não desmoronar. Mas somente aquele momento de confissão aos pais foi o bastante para fazer ele chorar como uma criança.
Quis ser forte e garantir que estava melhor, que estava bem, porque realmente estava. A terapia e as medicações estavam, de fato, ajudando. Ele estava tomando todos os cuidados possíveis.
Mesmo assim, quando sua mãe se aproximou de onde ele estava sentado e o abraçou de repente, um soluço irrompeu de seu peito.
— Ah, meu amor. Deve ter sido difícil manter isso pra si mesmo.
— Desculpa, mãe. — Ele a abraçou de volta, chorando no ombro dela, sentindo-se extremamente acolhido e amado, como sempre foi com seus pais, as duas pessoas no mundo que ele mais admirava.
— Tudo bem, querido. Vai ficar tudo bem.
— Sim, filho. Não se preocupe, você tem nosso apoio — o pai dele concluiu, o abraçando também.
— Obrigado — ele conseguiu dizer.
E ficou ali entre os dois por mais alguns minutos, ouvindo a voz doce da mãe sussurrar mais palavras de conforto.
30 de novembro de 2017, 15:44 - Estúdio de Hero, Nova York, NY
Embora a reação de seus pais tivesse sido relativamente calma, null não podia dizer o mesmo a respeito de Hero, null e null.
Especialmente null.
Depois que terminou de falar, o amigo se aproximou calmamente, em silêncio. E quando null se deu conta, já estava de costas no chão, após ser derrubado com um golpe de Taekwondo.
— Ai... — ele gemeu, por um instante sentindo o ar faltar nos pulmões.
— Nada de ai, seu mané! — null retrucou. — Você devia ser o mais inteligente da banda e faz uma burrice dessas? Não querer preocupar a gente? Que desculpa de merda é essa, seu imbecil?
— Todo mundo sabe que o mais inteligente é você, seu nerd idiota — null devolveu. — Não venha jogar nada pra cima de mim.
— Você foi muito egoísta, null. Nem o null escondeu nada da gente, e Deus sabe que null e eu contamos tudo, seu cuzão. Então é bom você se orientar pra vida, e cortar essa merda de não incomodar ninguém. Nós somos irmãos. E o que irmãos mais fazem uns com os outros é justamente incomodar.
— Faço das palavras dele as minhas — null disse, com uma expressão séria no rosto e os braços cruzados.
— Eu também — null acrescentou, o encarando com a mesma expressão de Hero.
Ótimo, estavam todos com raiva dele.
Que animador.
— Certo, certo. Tenho certeza que null já entendeu que errou — null comentou, ajudando ele a se levantar. — Querem fazer um pacto de sangue agora, só pra garantir?
— Eca, não seja nojenta, null — null comentou, fazendo-a rir.
— O quê? Um monte de gente faz isso.
— Meus pais me matariam se soubesse disso — null acrescentou.
— É só não contar nada — ela brincou.
— Certo, ninguém vai fazer pacto de sangue aqui — Hero disse e olhou para null. — Amor, por favor, você tá sendo esquisita agora.
— Ai, como vocês são sensíveis. Não aguentam uma brincadeira...
— Disse a esquisitona com ideias mirabolantes — null retrucou.
— Eu sou só criativa. Você devia entender isso, null. Sabe... Já que é um artista também.
— Vou ter que concordar com ela nisso, null — null disse.
— A null já sabe? — null perguntou a null, puxando-o para o canto enquanto os outros três discutiam.
— Não, eu quis contar pros meus pais primeiro e depois pra vocês. Vou contar hoje à noite.
— Melhor arrancar o curativo de uma vez mesmo. Você sabe o que aconteceu comigo e null quando a gente enrolou pra contar coisas importantes.
— Você acha que ela vai ficar brava?
— Provavelmente não. A null é tranquila. Por falar nela... Derick deu alguma notícia sobre o processo em cima daquele cara?
— A polícia tá apurando informações, e medidas administrativas tão sendo tomadas na empresa também. Acho que é só uma questão de tempo até ele ser preso de novo. E Tony Sharpe disse que deu uma entrevista que deve sair a qualquer momento. Acho que se isso se tornar público, muitos aliados vão se afastar de Charlie.
— Espero que sim. Agora, já pro estúdio. — Hero o empurrou em direção à salinha de gravação. — Quero que você repita aqueles acordes outra vez.
30 de novembro de 2017, 20:47 - Apartamento de null, Nova York, NY
Vadia.
Interesseira.
Sua mentirosa.
Prostituta de merda.
Fique longe de null, sua puta.
Os comentários fluíam nas redes sociais como água corrente. Por um momento, null não entendeu e ficou paralisada no lugar enquanto observava centenas, milhares de ofensas chegarem até ela. No YouTube, no Instagram dela e até de null, na única foto que ele tinha postado onde null aparecia, uma selfie em grupo no aniversário dela.
As pessoas haviam descoberto sobre sua persona de Cindy Lee e ela só entendeu o porquê dos xingamentos quando Anni enviou um link no chat em grupo com ela e Thaty.
Rapidamente, null clicou no link e se deparou com um título de um artigo de fofoca que quase a fez cair para trás.
Foi como um banho de água fria, mas ao menos explicava por que estava sendo atacada na internet.
"Como em Uma Linda Mulher: null null se apaixonou por uma prostituta?"
null desceu os olhos para o texto e o leu rapidamente.
"Há alguns dias tivemos contato com a irmã da srta. null, enteada de seu pai, e ela nos revelou coisas incríveis!
Aparentemente, a namorada de null null está processando a própria família depois de ter sido deserdada pelo pai em seu testamento. A irmã alega que a decisão possivelmente tenha vindo depois do desgosto de ter uma filha que vende o próprio corpo em um clube noturno, e a srta. null se nega a aceitar a situação.
Sob o pseudônimo Cindy Lee, uma dançarina que cobre o rosto, ela se apresenta aos finais de semana em um clube burlesco chamado Veil of Secrets.
Ela ainda conta que null null, vocalista da Cave Panthers, pode ser uma vítima de sua ambição e possivelmente o responsável por arcar com os custos do processo, já que o cachê mensal da srta. null provavelmente seria insuficiente para fazer tal coisa. Um pouco parecido com uma versão moderna de Uma Linda Mulher, não é mesmo?
null já deixou claro há várias semanas sua paixão pela namorada e, há alguns dias, compartilhou em seu Instagram a primeira e única foto em que null aparece. A ocasião? O aniversário dela.
Dito isso, parece que toda a Cave Panthers e null null estavam cientes de sua persona Cindy Lee, já que compartilharam seu conteúdo de dança nas redes sociais.
A srta. Smith, irmã dela, ainda comenta que null processou recentemente seu irmão mais velho, alegando ter sido agredida por ele — supostamente mais uma mentira sendo contada.
'Ela sempre teve inveja de nós por sermos uma família. Meu padrasto ainda fez a gentileza de aceitar que morasse conosco e pagar uma faculdade que ela largou assim que ele faleceu. E quando conheceu null, provavelmente dando uma de faxineira pobre e indefesa, não perdeu tempo antes de sair de casa para morar com ele assim que a oportunidade surgiu.'
Seria o Sr. null null apenas mais uma vítima, ou alguém que realmente se apaixonou por uma profissional do sexo? E até que ponto vai os sentimentos da srta. null?
A srta. Smith alega que a conhecendo depois de anos de convivência, dificilmente null sentiria o mesmo que Vivian, de Uma Linda Mulher, e só está tentando extorquir uma herança inexistente por pura ganância e orgulho ferido, além de sujar a reputação da família no processo.
Mas o que vocês acham disso? Não esqueça de deixar seu comentário!"
O celular caiu da mão de null em cima da cama, quando ela começou a tremer. De raiva, tristeza e frustração. E como se não bastasse, o aparelho não parava de vibrar sem parar com notificações de ataques chegando até ela.
As pessoas estavam comentando coisas ridículas sem ter certeza de nada, sem sequer conhecê-la, tudo com base naquele artigo completamente mentiroso.
Só que por mais que null soubesse disso, por mais que tivesse consciência de que era tudo falso, um sentimento de culpa a envolveu de uma forma quase insuportável.
As lágrimas começaram a cair antes que ela se desse conta e null tampou os ouvidos enquanto soluçava, tentando não ouvir as vibrações insistentes das notificações.
Era só uma questão de tempo até null, a banda e null começarem a ser atacados também. A reputação que ele tinha se esforçado para recuperar iria para o lixo e ela seria a culpada, a pessoa que deveria ajudar ele, a pessoa que estava sendo infinitamente mais beneficiada com o acordo dos dois, simplesmente porque null era generoso e bondoso demais.
Talvez ela fosse mesmo interesseira.
Depois de mais de um ano trabalhando sem parar, a perspectiva de ter um tempo livre, voltar a estudar, cuidar da saúde e dormir direito havia sido boa demais para ser ignorada.
null sabia que tentar conseguir justiça após a fraude do testamento teria um preço a pagar, só não esperava que fosse tão alto.
Um barulho na porta a arrancou de seus pensamentos e quando ela levantou a cabeça, viu null entrar já falando.
— null, preciso conversar com você sobre uma coisa e... Ei, o que houve? — ele parou no lugar quando viu o rosto molhado dela. — Aconteceu alguma coisa?
null passou as mãos no rosto, secando-o como pôde e, ainda em silêncio, pegou o celular e o estendeu com o artigo aberto para que ele lesse.
Levou apenas um minuto para null terminar. Ele respirou fundo, irritado por mais um ataque pessoal a ela, e devolveu o aparelho.
— Vou pedir pra Derick liberar uma nota sobre isso. Essa garota só pode estar iludida se acha que vai conseguir alguma coisa com-
— Você viu o resto? Meu celular tá lotado de notificações de gente me atacando, falando que arrastei você pra isso enquanto me fiz de coitadinha.
— null, ignora isso, por favor. Eu sei que é difícil, mas...
— Não, null. Você não sabe. O único escândalo que você teve foi com a Hannah e o público só achou que você tava sendo só mais um homem babaca.
— Amor... Eu sinto muito, isso é minha culpa.
— Não, é minha culpa. Eu devia saber que isso uma hora viria à tona — ela afirmou, com a voz falha. — Eu não devia ter processado aquelas pessoas, não devia nem deixar você me ajudar com meus problemas. Tudo isso é por minha causa, null, e é só uma questão de tempo até as pessoas se voltarem contra você, e... — ela hesitou por um momento. — Eu acho que a gente devia acabar logo com isso.
Por um instante, o coração dele pareceu parar.
— null, por favor, você não quer dizer isso...
— Eu quero terminar, null — ela declarou, em alto e bom-tom. — Não aguento mais te deixar lidar com tudo isso. É muita dor de cabeça e nem é problema seu. E por mais que eu goste de você, por mais que eu te ame, é incômodo demais continuar.
— Eu tô só te protegendo, é isso que fazemos com as pessoas que amamos.
— E é minha vez de fazer isso agora — ela retrucou, sem olhar para ele. — Não quero complicar sua vida mais do que já compliquei. Quando ao nosso contrato... Você pode cortar todos os meus benefícios, rescindir ele e... Vou usar o dinheiro da faculdade pra pagar os honorários do Derick. Quanto ao resto... Se tiver alguma taxa de quebra, eu posso ir te pagando aos poucos e-
— null, não. Por favor. — A voz dele falhou, enquanto seu coração murchava. Aquilo não podia estar acontecendo, podia?
— Vou sair agora e depois volto pra pegar Benny e as minhas coisas — ela anunciou, já se levantando com a bolsa no ombro, ainda evitando encará-lo.
Mas quando null tentou passar por ele, null a segurou pelo braço.
— null. Por favor, pense direito. Você não quer fazer isso.
Ela respirou fundo, fechando os olhos, ainda de costas para ele.
— null...
— Olha pra mim, null. É idiotice jogar fora o que a gente tem por causa de idiotas que não tem o que fazer além de falar merda na internet. Por favor, fica.
— Me solta, por favor.
— null...
— Eu disse me solta! — Ela aumentou o tom de voz, o pegando de surpresa.
No mesmo instante, ele a largou, como se ela pegasse fogo. null finalmente o encarou e manteve o olhar duro e a voz firme, tentando não desabar na frente dele. — Sinto muito.
E então ela se foi, deixando um null frustrado e machucado para trás.
Alguns segundos depois, ele ouviu a porta da frente abrir e fechar, e caiu sentado na cama dela, arrasado.
Era isso. Ela tinha mesmo ido embora.
Capítulo 41
Irritado era uma palavra muito simples para descrever o que null estava sentindo naquele momento.
Um misto de raiva, frustração, tristeza e decepção, ele concluiu, enquanto olhava para o teto do quarto, esparramado na cama de null. A maioria desses sentimentos direcionados não a ela, mas às pessoas que a fizeram tomar aquela decisão. Terminar com ele? Isso não faria diferença nenhuma no geral das coisas. Era uma escolha movida por uma culpa que ela não deveria sentir e que só fazia os dois sofrerem.
Por um segundo, ele cogitou que talvez ela não o amasse de verdade, mas essa ideia foi descartada no mesmo instante. Não, null o amava. Ele tinha certeza disso, assim como tinha certeza de que a amava também.
Eles não eram o tipo de casal que tinha grandes discussões, ou atritos um com o outro. Não havia espaço para hostilidade ou ações maldosas e mesquinhas porque estavam sempre se comunicando. E conversavam bastante, inclusive sobre as coisas que vinham acontecendo. Normalmente, null conseguia se abrir para ele sem grandes dificuldades.
Menos daquela vez.
Ela não estava interessada em conversar, só em sair dali. A vontade de null era de se agarrar nela e tentar convencê-la a ficar a todo custo, mas sabia que ela estava de cabeça quente, estressada e precisava se acalmar um pouco.
E por mais que odiasse ficar longe dela, também sabia que ela precisava enfrentar aquilo sozinha. Quando isso acontecesse, então ele tentaria uma nova abordagem, mesmo que precisasse enfrentar horas ou dias daqueles sentimentos que o deixavam tão inquieto.
E pensar que ele estava prestes a confessar todos os seus segredos... O resto deles, pelo menos. Achava que null seria compreensiva, mas naquele momento contar parecia ser uma má escolha. Talvez ela pensasse que ele estava tentando usar seus próprios problemas como chantagem emocional, ou de prender ela naquele relacionamento.
De jeito nenhum null faria isso.
Por mais que doesse e por mais que quisesse se abrir completamente para ela, ele preferia manter a boca fechada por anos do que correr o risco de fazê-la ter uma ideia errada em relação àquele assunto.
Além disso, ele estava bem melhor da depressão. Isso era um fato, e por mais que fosse doloroso se expor, falar sobre aquilo, ele sentia que estava melhorando, cada vez mais parecido como o cara que costumava ser antes.
Já tinha até aceitado que não poderia gerar filhos. E por mais que ainda houvesse certa insegurança antes, esse sentimento foi amenizado quando descobriu que null não sentia vontade de ser mãe. De repente, a ideia de serem eles dois para sempre pareceu uma possibilidade, uma decisão de longo prazo.
De prazo indeterminado, se dependesse dele.
E foda-se aquele contrato dos dois, por mais que ainda estivesse válido por mais alguns meses. null não cortaria relações com ela após um ano e não rescindiria aquele documento de jeito nenhum. null precisaria se esforçar mais para se livrar dele, especialmente quando ele tinha certeza dos sentimentos dos dois.
Ele respirou fundo, ainda encarando o teto branco, e então desviou o olhar para o duende em cima da mesinha de cabeceira. Em seguida, se sentou e encarou Benny com curiosidade, uma ideia mirabolante começando a se formar em sua mente.
— Se eu te encher de doces, cristais e todas essas coisas esotéricas que a null gostar de te dar, você traz ela de volta?
O duende permaneceu imóvel, com seus olhos brilhantes como duas jabuticabas e o sorriso congelado no rosto. null respirou fundo outra vez. Então, depois de algum tempo, resolveu optar por uma decisão um tanto estúpida.
Após meses sem colocar uma gota de álcool na boca, null decidiu beber, — pelo menos um pouco. Só para acalmar a inquietação, talvez esfriar um pouco a cabeça.
Voltaria ao normal no dia seguinte. Mas, por ora, precisava de uma bebida.
E das fortes.
***
1° de dezembro de 2017, 11:40 - Apartamento de null, Nova York, NY
— Tem certeza de que quer ir? — null perguntou, enquanto ainda estavam no corredor vazio. — Eu posso pegar suas coisas sozinha.
— Não, tá tudo bem — null garantiu. — Você já fez muito me deixando ficar no seu apartamento. Prometo que vou tentar encontrar um lugar logo.
— Que nada, fique quanto tempo quiser. Você sabe que passo mais tempo na casa de null, de qualquer forma.
null sorriu de lábios fechados e assentiu. Em seguida, digitou a senha da porta do apartamento de null. Havia enviado uma mensagem mais cedo avisando o horário que iria buscar suas coisas, mas ele nem mesmo leu.
Provavelmente estava com raiva, depois de como ela resolveu terminar as coisas entre eles, mas null não o culpava. Ela deliberadamente tomou aquela decisão sem considerar o que ele sentia, envolta de culpa e vergonha diante da exposição que seu nome agora tinha. Não conseguia evitar, mesmo sabendo que o que diziam eram apenas mentiras, uma atrás da outra.
Quando saiu do apartamento de null, ligou para null quando ainda estava no elevador e mesmo envergonhada — afinal, ela era amiga dele —, pediu para ficar na casa dela até encontrar um lugar.
O sim foi instantâneo, assim como a ajuda que null ofereceu a ela para buscar as coisas e dar um jeito de tirar null de casa, caso ele estivesse lá. E, para seu desgosto, estava — de uma forma que nenhuma delas esperava.
O primeiro sentimento que null teve foi susto. null estava no quarto dela, esparramado em sua cama, desacordado, e com várias garrafas de bebidas ao redor. Também usava a mesma roupa da noite anterior, com exceção da camiseta, largada em um canto no pé da cama.
Antes que ela pudesse processar mais alguma coisa, null passou por ela em um vulto indo em direção a ele.
— Acorda, null! — Ela o cutucou de todo jeito, parecendo irritada. null gemeu, de bruços, mas não se mexeu. null então deu um tapa forte na bunda dele e falou mais alto. — Acorda, seu idiota!
Outro gemido foi ouvido e então ele abriu os olhos, apenas o suficiente para vê-la.
— null? O que você tá-
Ele parou de falar assim que viu null, ainda perto da porta. No entanto, não teve tempo de perguntar nada, pois a amiga já estava enfiando uma garrafa de bebida da cara dele.
— Que merda é essa aqui, null? — null perguntou, parecendo bastante irritada, o que deixou null surpresa.
null se sentou na cama, fazendo uma careta quando sua cabeça girou com o início de uma enxaqueca, enquanto seu estômago se revirava, enjoado.
— null, eu posso explicar.
— Ah, e vai explicar mesmo, seu irresponsável! Mas antes, saia daqui. Preciso ajudar null a pegar as coisas dela e você precisa de um banho já pra tirar esse fedor de whisky.
— Espera, deixa eu só... — Ele desviou o olhar para null, que agora já olhava para qualquer canto, menos para ele. — null, eu-
— null. Pra fora. Agora — null disse, com a voz firme, antes que ele pudesse continuar. — E nem pense em tomar mais nada, entendeu?
null suspirou, sabendo que não adiantaria nada discutir naquele momento e então, sem dizer mais nada, se retirou. Como um menino obediente, seguiu direto para o próprio banheiro e se despiu para tomar banho, fazendo uma careta quando notou que, de fato, ele fedia a whisky.
O pior era que ele nem gostava de whisky, mas bebeu mesmo assim. Tudo o que tinha em casa eram algumas cervejas que os caras não tinham terminado de beber no aniversário de null, e uma garrafa de whisky que ele usava de enfeite na sala, e uma de vodca pela metade, que foi a primeira que acabou.
Ele sabia muito bem porque null estava com raiva. E nervosa. Bem nervosa, na verdade. Parte dele se sentiu culpado, mas a outra não se importava nem um pouco, mesmo sabendo que poderia ter dado muito errado.
Um minuto depois de sair do chuveiro, estava de shorts e ainda secando o cabelo com uma toalha quando a amiga entrou no quarto e fechou a porta devagar. Em seguida, andou a passos largos e deu um tapa no braço dele.
— Ai! Isso dói! — ele reclamou, esfregando o local.
— Aposto que tá doendo especialmente agora depois que você encheu o rabo de álcool — ela deduziu, certeira.
Cada músculo dele doía com o mais simples dos movimentos.
— null...
— Misturar álcool com antidepressivos, Riv? É sério? Você não pode ter sido burro assim.
— Desculpa — ele murmurou, baixo. — Eu sei que foi errado, só... Não pensei.
— E essa burrice poderia ter custado sua vida, seu irresponsável! — ela sibilou, nervosa. — Você sabe que várias pessoas morreram por menos, null. Isso é sério.
— É, eu sei. Sinto muito. Prometo não fazer de novo.
— Ah, e não vai. Já basta o susto que tomei com o acidente de null ano passado. null me contou o que aconteceu e tenho certeza de que você tá chateado, mas não vou perder meu melhor amigo porque ele resolveu ser um irresponsável depois de levar um pé na bunda.
— null... — Ele tentou falar, mas ela o ignorou.
— Nem que pra isso eu tenha que te amarrar e supervisionar cada dose de medicamento. Você sabe que não sou uma enfermeira muito boazinha quando tô irritada. E você me deixou bem irritada, null.
— Eu-
— Sente muito, eu sei. A null tá terminando de fazer a mala dela e vai ficar no meu apartamento por uns dias, mas vou tentar segurar ela lá até vocês se resolverem — ela contou. — E tô aqui pra juntar os caquinhos do seu coração, caso precise, enquanto isso não acontece.
null assentiu, sentindo os olhos arderem subitamente, sabendo que ela provavelmente era a única pessoa que o entendia naquele momento. Em seguida, puxou null para um abraço apertado e ficaram assim por alguns segundos, em silêncio, até ouvirem uma batida na porta.
— Entra — null disse, após se afastar da amiga. null abriu a porta e colocou a cabeça para dentro. — Precisa de ajuda com algo?
— Sim. Onde você colocou o Benny?
null franziu o cenho.
— Ele tava no seu quarto da última vez que vi.
Ela abriu a porta de uma vez, parecendo um pouco frustrada.
— Pois é, mas ele não tá mais. Onde você colocou ele, null?
— Onde eu o quê? Por que você acha que eu ia tocar naquela aberração?
— E quem mais iria? Por favor, não brinque comigo. Meu duende tava na minha mesinha quando saí e você ficou sozinho com ele nessa casa.
— Eu não peguei nele, null, eu juro. Você sabe que morro de medo daquele troço.
null suspirou, tentando não perder a paciência.
— null...
— Você pode checar a casa toda se quiser — ele sugeriu, e ela o encarou como se a tivesse ofendido.
— Não vou bisbilhotar suas coisas. Eu não sei porque você tá agindo assim, mas não tem graça. Aquela bagunça toda no meu quarto também não teve graça. Eu nunca nem te vi bebendo.
— Bem, pra tudo tem uma primeira vez, né? — Ele sorriu, irônico.
— null. — null o cutucou com o cotovelo. — Não seja um idiota, devolve logo o Benny pra ela.
null se virou para a amiga, irritado também.
— Eu não peguei no projeto de Anabelle, null! — ele insistiu. — Eu juro! Só lembro de abrir umas bebidas e depois apaguei na cama até você me acordar.
— Eu não acredito nisso... — null resmungou consigo mesma, frustrada.
— Eu disse que você pode revirar a casa toda se quiser, mas não faço ideia de onde aquele boneco se meteu — null garantiu. — Vai ver ele fugiu de você.
— Ele não fugiria de mim.
— Vai ver ele pensou que você tava abandonando ele, assim como fez comigo — ele acrescentou, amargo.
null lhe lançou um olhar afiado, que ele devolveu com a mesma intensidade. Se estivessem em um desenho animado, provavelmente haveria faíscas saindo deles.
— Você sabe porque eu terminei com você, null.
— Porque você se cansou de mim.
— Não, eu não... — Ela fez uma pausa, soltando o ar de uma vez. — Não coloque palavras na minha boca.
— Bem, não espere que eu acredite nessa merda de "quem ama, deixa ir" — ele retrucou, irritado. — Eu te disse que a gente ia passar por tudo juntos, mas você preferiu dar no pé assim que as coisas apertaram um pouco mais.
— As pessoas tão me chamando de prostituta! Acham que te dei alguma merda de golpe.
— Pois é, imagina a cara delas se descobrissem que o golpe sou eu. Que eu saí correndo atrás de você que nem um cachorrinho idiota.
— null.
— Fala a verdade, null. Você me ama?
— Eu…
— Vou esperar lá fora enquanto vocês conversam — null disse, tentando sair rapidamente, mas null a segurou pelo braço.
— Não, me espera — ela pediu, sem deixar de encarar null. — Eu já te disse ontem tudo o que tinha pra dizer.
Em seguida, ela deu as costas, pronta para ir embora.
— Quer dizer que seus sentimentos não mudaram? — null perguntou, a fazendo parar no lugar.
— É óbvio que não, seu idiota! — null gritou, se virando para ele, exasperada. — Eu não sou de ferro! Acha que é fácil pra mim?
Silêncio.
E então um sorrisinho de canto, quase imperceptível. E olhos astutos, que a encaravam como se vissem a alma dela.
— Bom saber, null. Bom saber.
Sem falar mais nada, null se virou, arrastando null com ela, e pegou a mala que estava no corredor. Não adiantava continuar aquela conversa.
E quanto a Benny, ela daria um jeito depois.
Um misto de raiva, frustração, tristeza e decepção, ele concluiu, enquanto olhava para o teto do quarto, esparramado na cama de null. A maioria desses sentimentos direcionados não a ela, mas às pessoas que a fizeram tomar aquela decisão. Terminar com ele? Isso não faria diferença nenhuma no geral das coisas. Era uma escolha movida por uma culpa que ela não deveria sentir e que só fazia os dois sofrerem.
Por um segundo, ele cogitou que talvez ela não o amasse de verdade, mas essa ideia foi descartada no mesmo instante. Não, null o amava. Ele tinha certeza disso, assim como tinha certeza de que a amava também.
Eles não eram o tipo de casal que tinha grandes discussões, ou atritos um com o outro. Não havia espaço para hostilidade ou ações maldosas e mesquinhas porque estavam sempre se comunicando. E conversavam bastante, inclusive sobre as coisas que vinham acontecendo. Normalmente, null conseguia se abrir para ele sem grandes dificuldades.
Menos daquela vez.
Ela não estava interessada em conversar, só em sair dali. A vontade de null era de se agarrar nela e tentar convencê-la a ficar a todo custo, mas sabia que ela estava de cabeça quente, estressada e precisava se acalmar um pouco.
E por mais que odiasse ficar longe dela, também sabia que ela precisava enfrentar aquilo sozinha. Quando isso acontecesse, então ele tentaria uma nova abordagem, mesmo que precisasse enfrentar horas ou dias daqueles sentimentos que o deixavam tão inquieto.
E pensar que ele estava prestes a confessar todos os seus segredos... O resto deles, pelo menos. Achava que null seria compreensiva, mas naquele momento contar parecia ser uma má escolha. Talvez ela pensasse que ele estava tentando usar seus próprios problemas como chantagem emocional, ou de prender ela naquele relacionamento.
De jeito nenhum null faria isso.
Por mais que doesse e por mais que quisesse se abrir completamente para ela, ele preferia manter a boca fechada por anos do que correr o risco de fazê-la ter uma ideia errada em relação àquele assunto.
Além disso, ele estava bem melhor da depressão. Isso era um fato, e por mais que fosse doloroso se expor, falar sobre aquilo, ele sentia que estava melhorando, cada vez mais parecido como o cara que costumava ser antes.
Já tinha até aceitado que não poderia gerar filhos. E por mais que ainda houvesse certa insegurança antes, esse sentimento foi amenizado quando descobriu que null não sentia vontade de ser mãe. De repente, a ideia de serem eles dois para sempre pareceu uma possibilidade, uma decisão de longo prazo.
De prazo indeterminado, se dependesse dele.
E foda-se aquele contrato dos dois, por mais que ainda estivesse válido por mais alguns meses. null não cortaria relações com ela após um ano e não rescindiria aquele documento de jeito nenhum. null precisaria se esforçar mais para se livrar dele, especialmente quando ele tinha certeza dos sentimentos dos dois.
Ele respirou fundo, ainda encarando o teto branco, e então desviou o olhar para o duende em cima da mesinha de cabeceira. Em seguida, se sentou e encarou Benny com curiosidade, uma ideia mirabolante começando a se formar em sua mente.
— Se eu te encher de doces, cristais e todas essas coisas esotéricas que a null gostar de te dar, você traz ela de volta?
O duende permaneceu imóvel, com seus olhos brilhantes como duas jabuticabas e o sorriso congelado no rosto. null respirou fundo outra vez. Então, depois de algum tempo, resolveu optar por uma decisão um tanto estúpida.
Após meses sem colocar uma gota de álcool na boca, null decidiu beber, — pelo menos um pouco. Só para acalmar a inquietação, talvez esfriar um pouco a cabeça.
Voltaria ao normal no dia seguinte. Mas, por ora, precisava de uma bebida.
E das fortes.
1° de dezembro de 2017, 11:40 - Apartamento de null, Nova York, NY
— Tem certeza de que quer ir? — null perguntou, enquanto ainda estavam no corredor vazio. — Eu posso pegar suas coisas sozinha.
— Não, tá tudo bem — null garantiu. — Você já fez muito me deixando ficar no seu apartamento. Prometo que vou tentar encontrar um lugar logo.
— Que nada, fique quanto tempo quiser. Você sabe que passo mais tempo na casa de null, de qualquer forma.
null sorriu de lábios fechados e assentiu. Em seguida, digitou a senha da porta do apartamento de null. Havia enviado uma mensagem mais cedo avisando o horário que iria buscar suas coisas, mas ele nem mesmo leu.
Provavelmente estava com raiva, depois de como ela resolveu terminar as coisas entre eles, mas null não o culpava. Ela deliberadamente tomou aquela decisão sem considerar o que ele sentia, envolta de culpa e vergonha diante da exposição que seu nome agora tinha. Não conseguia evitar, mesmo sabendo que o que diziam eram apenas mentiras, uma atrás da outra.
Quando saiu do apartamento de null, ligou para null quando ainda estava no elevador e mesmo envergonhada — afinal, ela era amiga dele —, pediu para ficar na casa dela até encontrar um lugar.
O sim foi instantâneo, assim como a ajuda que null ofereceu a ela para buscar as coisas e dar um jeito de tirar null de casa, caso ele estivesse lá. E, para seu desgosto, estava — de uma forma que nenhuma delas esperava.
O primeiro sentimento que null teve foi susto. null estava no quarto dela, esparramado em sua cama, desacordado, e com várias garrafas de bebidas ao redor. Também usava a mesma roupa da noite anterior, com exceção da camiseta, largada em um canto no pé da cama.
Antes que ela pudesse processar mais alguma coisa, null passou por ela em um vulto indo em direção a ele.
— Acorda, null! — Ela o cutucou de todo jeito, parecendo irritada. null gemeu, de bruços, mas não se mexeu. null então deu um tapa forte na bunda dele e falou mais alto. — Acorda, seu idiota!
Outro gemido foi ouvido e então ele abriu os olhos, apenas o suficiente para vê-la.
— null? O que você tá-
Ele parou de falar assim que viu null, ainda perto da porta. No entanto, não teve tempo de perguntar nada, pois a amiga já estava enfiando uma garrafa de bebida da cara dele.
— Que merda é essa aqui, null? — null perguntou, parecendo bastante irritada, o que deixou null surpresa.
null se sentou na cama, fazendo uma careta quando sua cabeça girou com o início de uma enxaqueca, enquanto seu estômago se revirava, enjoado.
— null, eu posso explicar.
— Ah, e vai explicar mesmo, seu irresponsável! Mas antes, saia daqui. Preciso ajudar null a pegar as coisas dela e você precisa de um banho já pra tirar esse fedor de whisky.
— Espera, deixa eu só... — Ele desviou o olhar para null, que agora já olhava para qualquer canto, menos para ele. — null, eu-
— null. Pra fora. Agora — null disse, com a voz firme, antes que ele pudesse continuar. — E nem pense em tomar mais nada, entendeu?
null suspirou, sabendo que não adiantaria nada discutir naquele momento e então, sem dizer mais nada, se retirou. Como um menino obediente, seguiu direto para o próprio banheiro e se despiu para tomar banho, fazendo uma careta quando notou que, de fato, ele fedia a whisky.
O pior era que ele nem gostava de whisky, mas bebeu mesmo assim. Tudo o que tinha em casa eram algumas cervejas que os caras não tinham terminado de beber no aniversário de null, e uma garrafa de whisky que ele usava de enfeite na sala, e uma de vodca pela metade, que foi a primeira que acabou.
Ele sabia muito bem porque null estava com raiva. E nervosa. Bem nervosa, na verdade. Parte dele se sentiu culpado, mas a outra não se importava nem um pouco, mesmo sabendo que poderia ter dado muito errado.
Um minuto depois de sair do chuveiro, estava de shorts e ainda secando o cabelo com uma toalha quando a amiga entrou no quarto e fechou a porta devagar. Em seguida, andou a passos largos e deu um tapa no braço dele.
— Ai! Isso dói! — ele reclamou, esfregando o local.
— Aposto que tá doendo especialmente agora depois que você encheu o rabo de álcool — ela deduziu, certeira.
Cada músculo dele doía com o mais simples dos movimentos.
— null...
— Misturar álcool com antidepressivos, Riv? É sério? Você não pode ter sido burro assim.
— Desculpa — ele murmurou, baixo. — Eu sei que foi errado, só... Não pensei.
— E essa burrice poderia ter custado sua vida, seu irresponsável! — ela sibilou, nervosa. — Você sabe que várias pessoas morreram por menos, null. Isso é sério.
— É, eu sei. Sinto muito. Prometo não fazer de novo.
— Ah, e não vai. Já basta o susto que tomei com o acidente de null ano passado. null me contou o que aconteceu e tenho certeza de que você tá chateado, mas não vou perder meu melhor amigo porque ele resolveu ser um irresponsável depois de levar um pé na bunda.
— null... — Ele tentou falar, mas ela o ignorou.
— Nem que pra isso eu tenha que te amarrar e supervisionar cada dose de medicamento. Você sabe que não sou uma enfermeira muito boazinha quando tô irritada. E você me deixou bem irritada, null.
— Eu-
— Sente muito, eu sei. A null tá terminando de fazer a mala dela e vai ficar no meu apartamento por uns dias, mas vou tentar segurar ela lá até vocês se resolverem — ela contou. — E tô aqui pra juntar os caquinhos do seu coração, caso precise, enquanto isso não acontece.
null assentiu, sentindo os olhos arderem subitamente, sabendo que ela provavelmente era a única pessoa que o entendia naquele momento. Em seguida, puxou null para um abraço apertado e ficaram assim por alguns segundos, em silêncio, até ouvirem uma batida na porta.
— Entra — null disse, após se afastar da amiga. null abriu a porta e colocou a cabeça para dentro. — Precisa de ajuda com algo?
— Sim. Onde você colocou o Benny?
null franziu o cenho.
— Ele tava no seu quarto da última vez que vi.
Ela abriu a porta de uma vez, parecendo um pouco frustrada.
— Pois é, mas ele não tá mais. Onde você colocou ele, null?
— Onde eu o quê? Por que você acha que eu ia tocar naquela aberração?
— E quem mais iria? Por favor, não brinque comigo. Meu duende tava na minha mesinha quando saí e você ficou sozinho com ele nessa casa.
— Eu não peguei nele, null, eu juro. Você sabe que morro de medo daquele troço.
null suspirou, tentando não perder a paciência.
— null...
— Você pode checar a casa toda se quiser — ele sugeriu, e ela o encarou como se a tivesse ofendido.
— Não vou bisbilhotar suas coisas. Eu não sei porque você tá agindo assim, mas não tem graça. Aquela bagunça toda no meu quarto também não teve graça. Eu nunca nem te vi bebendo.
— Bem, pra tudo tem uma primeira vez, né? — Ele sorriu, irônico.
— null. — null o cutucou com o cotovelo. — Não seja um idiota, devolve logo o Benny pra ela.
null se virou para a amiga, irritado também.
— Eu não peguei no projeto de Anabelle, null! — ele insistiu. — Eu juro! Só lembro de abrir umas bebidas e depois apaguei na cama até você me acordar.
— Eu não acredito nisso... — null resmungou consigo mesma, frustrada.
— Eu disse que você pode revirar a casa toda se quiser, mas não faço ideia de onde aquele boneco se meteu — null garantiu. — Vai ver ele fugiu de você.
— Ele não fugiria de mim.
— Vai ver ele pensou que você tava abandonando ele, assim como fez comigo — ele acrescentou, amargo.
null lhe lançou um olhar afiado, que ele devolveu com a mesma intensidade. Se estivessem em um desenho animado, provavelmente haveria faíscas saindo deles.
— Você sabe porque eu terminei com você, null.
— Porque você se cansou de mim.
— Não, eu não... — Ela fez uma pausa, soltando o ar de uma vez. — Não coloque palavras na minha boca.
— Bem, não espere que eu acredite nessa merda de "quem ama, deixa ir" — ele retrucou, irritado. — Eu te disse que a gente ia passar por tudo juntos, mas você preferiu dar no pé assim que as coisas apertaram um pouco mais.
— As pessoas tão me chamando de prostituta! Acham que te dei alguma merda de golpe.
— Pois é, imagina a cara delas se descobrissem que o golpe sou eu. Que eu saí correndo atrás de você que nem um cachorrinho idiota.
— null.
— Fala a verdade, null. Você me ama?
— Eu…
— Vou esperar lá fora enquanto vocês conversam — null disse, tentando sair rapidamente, mas null a segurou pelo braço.
— Não, me espera — ela pediu, sem deixar de encarar null. — Eu já te disse ontem tudo o que tinha pra dizer.
Em seguida, ela deu as costas, pronta para ir embora.
— Quer dizer que seus sentimentos não mudaram? — null perguntou, a fazendo parar no lugar.
— É óbvio que não, seu idiota! — null gritou, se virando para ele, exasperada. — Eu não sou de ferro! Acha que é fácil pra mim?
Silêncio.
E então um sorrisinho de canto, quase imperceptível. E olhos astutos, que a encaravam como se vissem a alma dela.
— Bom saber, null. Bom saber.
Sem falar mais nada, null se virou, arrastando null com ela, e pegou a mala que estava no corredor. Não adiantava continuar aquela conversa.
E quanto a Benny, ela daria um jeito depois.
Capítulo 42
3 de dezembro de 2017, 22:37 - Apartamento de null, Nova York, NY
null encarou a mensagem por alguns segundos, pensando no que responder.
Maia: É verdade o que tão dizendo? Você tava se prostituindo? É assim que ganha dinheiro, null?
Uma onda de raiva fez o sangue dela esquentar. null tentou ao máximo manter a calma, pensar em uma resposta simples e direta, mas havia palavras presas em sua garganta, palavras essas que ela começou a digitar antes mesmo de perceber. E quando enviou a mensagem, ficou surpresa pela falta de remorso, algo que costumava sentir com frequência até alguns meses atrás.
null: Você, mais do que ninguém, deveria saber que tipo de pessoa eu sou. Não vou responder sua pergunta, Maia. Melhor deixar você torrar os miolos enquanto tenta descobrir se é verdade ou não. Você nunca se importou em perguntar da minha saúde, ou se eu tava bem, e só tinha olhos pro dinheiro que eu mandava na sua conta todo mês. Pois bem, irmã, meia-irmã ou o que quer que você seja, eu não te devo satisfação nenhuma sobre o que faço ou deixo de fazer. Não mande mensagens casuais como se fôssemos amigas achando que vou te falar alguma coisa. Essa máscara aí não combina com você. Então volte a fingir que não existo, como sempre fez.
Em seguida, ela bloqueou o número da irmã. Estava prestes a largar o celular na cama quando ele vibrou com mais uma notificação, dessa vez de null. Era um aviso de que ele tinha acabado de postar algo nos stories do Instagram.
Curiosa, null abriu para ver.
Mal estava entrando no aplicativo e tinha deletado todos os posts e tornado a conta privada, assim como os vídeos no YouTube. Ela até mesmo estava tirando uma folga dos trabalhos, ao menos naquela semana. Não queria encontrar ninguém naquele momento e correr o risco de ser xingada pessoalmente. A internet já não estava sendo nada saudável e ela não queria continuar lidando com aquilo naquele momento.
Mas, pelo visto, null sim. E tinha até aberto uma caixinha de perguntas para responder.
"Já que estão curiosos, perguntem direto na fonte."
null franziu o cenho, tentando entender o que ele pretendia com aquilo, mas só descobriu uma hora mais tarde, quando ele já havia respondido algumas perguntas.
"É verdade o que tão dizendo sobre sua namorada?"
"Não. null é apenas uma dançarina muito talentosa. Vocês deviam ver as apresentações dela no Veil of Secrets. São incríveis. Não acreditem nas bobagens que falam pela internet."
"Vocês terminaram? Não foram mais vistos juntos."
"Não, nós não terminamos. Por que eu me afastaria por conta de algo que sei que é mentira? Além disso, aposto que você também não ia querer sair de casa sabendo que um monte de gente anda te atacando na internet."
"Ela é mesmo faxineira ou usou isso pra tentar te seduzir?"
"null é muito profissional. Fui eu que corri atrás dela."
"A própria família dela tá dizendo aquelas coisas, é muito confuso."
"Família? Bem, ela não tem parentesco de sangue com ninguém. Por que não tentam entender o motivo por estarem falando dela? Segue o link dessa matéria aqui, que acabou de sair do forno."
Abaixo do texto, havia o print de uma manchete com um título bem interessante.
"Troca de ataques? Charlie Smith e família denunciados por fraude, corrupção no Grupo null e agressão física à verdadeira herdeira dos negócios. Confira!"
null levou cerca de dez minutos para ler o artigo. De fato, tinha acabado de sair, e era extremamente detalhado. Além de confiável, é claro, afinal Tony Sharpe tinha concedido uma entrevista especialmente para aquele artigo.
Na maior parte dela ele falava sobre como vinha desconfiando de algumas atitudes de Charlie na empresa, coisas que Peter nunca deixaria acontecer. Demissões injustas, mau tratamento de funcionários, suborno por votos no conselho e desvio de dinheiro. Era um show de horrores do mundo corporativo. E Tony passou vários meses investigando e tentando juntar provas, até que acabou descobrindo o que aconteceu com null.
"Foi justo quando eu estava decidindo quando denunciar. Então fiquei sabendo que a filha biológica de Peter havia sido supostamente deserdada. Só que o que ninguém sabia era que o próprio Peter tinha me dado uma cópia do testamento. Charlie e sua mãe, principalmente, conseguiram me enganar direitinho. Eu só tinha visto null algumas vezes e sabia que ela fazia faculdade de dança, então como alguém extremamente ligada à arte, pensei que tinha realmente deixado Charlie tomar conta de tudo."
null leu mais alguns detalhes, coisas que Tony tinha contado a ela quando se encontraram, até que seu olhar desceu para a última parte da entrevista. Um trecho curto sobre a agressão de null, seguido de um comentário de Tony.
"null passou por maus bocados, e eu soube disso muito tarde. Me culpo por não tê-la procurado antes. Ela está bem agora, mas tem a mesma doença que o pai, que pode resultar nas mesmas complicações se não for bem tratada. Algo de ruim poderia ter acontecido no último ano e nós nunca saberíamos, já que os Smith estavam com as rédeas de tudo. Espero que null e todas as outras pessoas citadas no testamento original tenham a justiça que lhes é devida.
null é uma ótima garota, uma ótima artista e, definitivamente, não merece a onda de ódio infundado que anda recebendo. Tudo isso é obra da ganância da família do pai dela. Quando soube do processo, o próprio Charlie a agrediu fisicamente, e isso não é segredo, podem procurar. Ele conseguiu fiança e agora essa família podre está surgindo com rumores falsos sobre a garota só porque o nome dela está associado ao do namorado. Infelizmente para eles, os dois são muito unidos, e o garoto null é extremamente protetor. Tenho certeza de que Peter o aprovaria, e acho que eles têm sorte de ter um ao outro."
null largou o celular na cama e encarou o teto, tentando absorver tudo o que tinha lido. Se sentia grata por Tony ter dito aquelas coisas, por null ter compartilhado também, mas... E se tudo ainda assim se virasse contra ele?
Ele estava saindo por aí falando que ainda estavam juntos. E se acontecesse algo? Charlie estava solto agora. Com certeza receberia mais atenção após aquela entrevista de Tony, mas mesmo assim caminhava em liberdade por aí. Será que null não via o quão perigoso se meter com alguém tão ruim como ele, ou só não se importava?
Em um momento de impulso, ela pegou o celular outra vez e o enviou uma mensagem.
null: Por que você disse aquelas coisas no Instagram?
A resposta veio um minuto depois.
null: Não quero que saiam por aí espalhando rumores de que a gente terminou.
null: Mas a gente terminou.
null: Errado. VOCÊ terminou comigo. Além disso, o público não sabe de nada. Vamos manter como está.
null: null... Eu já falei que você pode cancelar o contrato.
Ele começou a digitar uma resposta, mas depois de alguns instantes, parou, e então o celular dela começou a tocar. null atendeu no mesmo instante.
— Não vou cancelar coisa nenhuma — null disse, determinado. — Se apronte amanhã à noite, vou te levar pra jantar.
null suspirou, sem querer discutir.
— Para com isso. Não vou sair com você.
Mas ele não parecia nada disposto a receber um não.
— Vai sim. Faz parte do contrato, lembra?
— null, isso é golpe baixo. É sério que você tá usando o contrato pra me fazer sair com você só porque você não quer cancelar?
— Isso aí.
— Isso pode ser ruim pra sua reputação. Meu nome tá na lama agora graças ao Charlie, e se aquele idiota resolver fazer alguma coisa com você?
— Ele só tá com inveja porque eu consegui te conquistar, e fazendo o mínimo. Aquele cara te odeia e só queria te levar pra cama.
— Eu sei. Mas por minha causa, agora ele odeia você também.
— Então que se foda. Não me importo com isso, tá ouvindo? Eu quis te dar espaço pra você processar sua decisão estúpida de terminar comigo, mas acho que já teve tempo suficiente.
Ela abriu a boca em choque.
— Como é? Você acabou de me chamar de estúpida?!
— Não, eu chamei a sua decisão de estúpida. É bem diferente. Mas todo mundo tem licença poética de fazer merda de vez em quando.
— null, isso não tá te ajudando, sabia?
— A verdade dói? — ele retrucou. — Você sabe que não precisava ir embora nem terminar comigo, null. Em algum momento eu te fiz duvidar dos meus sentimentos por você? — Silêncio. — null?
— Não, nunca — ela finalmente respondeu, sentindo o rosto esquentar, grata por ele não poder vê-la.
— E você duvidou dos seus sentimentos por mim? Eram reais mesmo ou você só disse tudo aquilo pra me agradar?
— Eu nunca falaria algo assim só pra agradar alguém, null — null explicou, ofendida. — Você pensar isso de mim é ofensivo.
— Ótimo, porque você me largar do nada também foi bastante ofensivo. E inda por cima, por causa de coisas que não têm nada a ver com o nosso relacionamento.
null respirou fundo, sentindo os olhos arderem.
— Eu sinto muito — ela disse, com a voz embargada.
— null... Você me ama?
— null...
— Só me responde isso. Eu preciso ouvir a verdade.
— Você sabe que sim — ela confessou como uma idiota, sem nem hesitar.
O telefone ficou mudo no mesmo instante e quando ela viu, a ligação tinha sido encerrada. Ele tinha acabado de desligar na cara dela? Qual o motivo daquilo? De repente, ela ouviu o som da campainha e se levantou, meio confusa, pensando em quem poderia ser àquela hora. null estava no apartamento de Hero, então não podia ser nenhuma visita, certo? Estava tarde demais, mas... Ela parou a meio metro da porta, subitamente assustada.
E se fosse alguém que havia descoberto a localização dela? E se Charlie estivesse ali? Só de pensar, seu coração acelerava. null sentiu as mãos suando e olhou em volta, em busca de algo que pudesse usar como arma, caso precisasse, e encontrou um taco de hóquei no canto da sala.
Só Deus sabia porque null tinha um daqueles ali.
Ela rapidamente o pegou e se dirigiu para a porta. A campainha tocou novamente e o coração dela deu um pulo.
— Quem é? — null tomou coragem para perguntar.
— Com certeza não é o bicho-papão — uma voz respondeu.
Uma voz que ela conhecia bem.
Uma onda de alívio a atingiu, e null imediatamente abriu a porta, se deparando com null ali.
Lindo como o inferno.
— O que você tá fazendo aqui?
O olhar dele recaiu para o taco que ela tinha em mãos.
— O que é isso? Achou que fosse um invasor e ia se defender com esse taco? — ele brincou. — Vou contar pra null que você andou duvidando da segurança do prédio dela.
— null... Como chegou aqui?
— Eu tava por perto.
— É mesmo? Você, na rua, depois das onze da noite? — Ela o encarou, cética.
— Eu vim buscar o que é meu — ele admitiu.
— O que é seu?
— Mas você tem razão. Tá tarde, então vou ter que esperar até amanhã. — Ele entrou no apartamento, trancando a porta atrás de si.
null sentiu o coração errar uma batida.
— E o que veio buscar? — ela perguntou, o estômago revirando de nervosismo.
Só fazia dois dias desde a última vez que tinha visto ele, então por que parecia que tinham se passado semanas?
null deu um passo para frente, como um gato se aproximando de uma presa, os olhos jamais deixando os dela.
— Você — ele respondeu. — Eu vim em busca de você, null.
Ele deu mais um passo e ela deu outro, a respiração ficando ofegante.
— Você não devia estar aqui.
— Por que não?
Porque você é uma tentação ambulante, seu idiota.
— Não é uma boa ideia.
— E por que não? — Ele se aproximou mais, parando a centímetros do corpo dela, tão perto que null conseguia sentir o calor exalando dele. — Eu te deixo nervosa, null? Quando me aproximo assim?
— Para com isso. — Ela colocou uma mão no peito dele, na intenção de empurrá-lo, mas tudo o que fez foi agarrar o tecido de sua camiseta.
null fechou os olhos, respirando fundo, mas se arrependeu no mesmo instante ao sentir o perfume amadeirado e com um leve toque cítrico que ele usava.
— Você não quer que eu pare.
Não, ela não queria. null abriu os olhos para encará-lo, mas continuou em silêncio.
null continuou a falar.
— Infelizmente pra você, null, eu já conheço cada pedacinho do seu corpo e como você reage a mim. — Então abaixou a cabeça para sussurrar no ouvido dela. — Na verdade, acho que você quer o contrário. Por que a gente não deixa essa conversa chata pra amanhã?
— null...
— Não tem ninguém aqui, null. É só a gente. — Ele a envolveu pela cintura, trazendo-a para perto. — E eu tô morrendo de saudade de você. Não consegue ver que essa separação é idiota? Que essa discussão toda não vai levar a gente a lugar algum? E sabe por quê? Porque você já é minha, e eu sou seu. E nós dois não temos olhos pra mais ninguém. Todo mundo que me conhece sabe que você é a pessoa que eu sempre quis. E não vou desistir. Nunca. Então para de se fazer de difícil e-
Ele não precisou falar mais nada. Nem conseguiria, naquele momento, pois null o interrompeu com um beijo. Faminto, urgente, e repleto de saudade e um desejo que parecia infinito quando se tratava dele. No segundo em que seus lábios se tocaram, ela se perguntou porque tinha decidido manter distância.
null tinha razão. Era uma ideia estúpida que não ia levar a nada. Ela só estava de cabeça quente e foi precipitada. Até porque, quem, em sã consciência, amando aquele homem e tendo o amor dele, conseguiria ficar longe por muito tempo?
Ela certamente não tinha toda essa força de vontade. Bastou ele aparecer na frente dela e falar algumas palavras para fazê-la mudar de ideia. Que mulher fraca ela era, se deixando ser seduzida por um homem, se tornando incapaz de dizer não a ele. Incapaz de resistir a ele. Mas nada daquilo importava, pois, enquanto sentia os lábios de null sobre os seus e as mãos dele em seu corpo, as dela percorrendo o dele também, todo o resto parecia irrelevante.
Apenas eles importavam. Infelizmente, null havia percebido isso bem antes que ela. Mas, felizmente, ele havia segurado as pontas também. E insistido, mesmo que não fizesse nem uma semana que os dois tinham se separado.
Mais uma vez, null se sentiu grata pela atenção dele. Pela cautela, espaço e determinação. Por causa dele, ela também era uma nova pessoa, mais corajosa e bem mais capaz de impor limites e falar quando estava incomodada.
Ele era como um anjo em sua vida, exceto quando não era.
Como naquele momento.
Especialmente quando a colocou nos braços e a levou até o quarto de hóspedes que ela estava ocupando.
E certamente não havia nada de bonzinho ou angelical nele quando removeu suas peças de roupa, dele e dela, uma a uma, sem nenhuma pressa.
null podia jurar ter visto seus olhos escurecerem quando ele colocou o rosto entre suas pernas e a tomou com a boca, como um homem faminto. null não parou até ela explodir e seu corpo virar gelatina, um olhar de satisfação — agora bastante conhecido por ela — tomando conta de suas feições quando ele se afastou e se posicionou contra ela, encaixando o membro em sua entrada e deslizando para dentro lentamente, até que ela estivesse totalmente preenchida.
null não conseguia pensar em nada além dele, não via nada além dele, dos dois ali, querendo que continuasse. Querendo mais e mais, se possível para sempre. Seus corpos se movendo em sincronia, em sintonia completa um com um outro, em algo que não era apenas contato físico, mas também um encontro de corações e almas.
Era certo. E à medida que o tempo passava, ela pensava cada vez mais nisso. E quando desmoronaram juntos — ofegantes, suados, cansados e satisfeitos — ela teve certeza.
Quando null a puxou para se aconchegar com ele, o coração de null já estava calmo, com batidas constantes e ritmadas, tranquilo, assim como sua mente, com uma calmaria que apenas ele tinha sido capaz de proporcionar.
Naquela noite, ela caiu no sono pensando que tudo melhoraria em breve, quase certa disso.
Até porque já tinham começado a melhorar.
null encarou a mensagem por alguns segundos, pensando no que responder.
Maia: É verdade o que tão dizendo? Você tava se prostituindo? É assim que ganha dinheiro, null?
Uma onda de raiva fez o sangue dela esquentar. null tentou ao máximo manter a calma, pensar em uma resposta simples e direta, mas havia palavras presas em sua garganta, palavras essas que ela começou a digitar antes mesmo de perceber. E quando enviou a mensagem, ficou surpresa pela falta de remorso, algo que costumava sentir com frequência até alguns meses atrás.
null: Você, mais do que ninguém, deveria saber que tipo de pessoa eu sou. Não vou responder sua pergunta, Maia. Melhor deixar você torrar os miolos enquanto tenta descobrir se é verdade ou não. Você nunca se importou em perguntar da minha saúde, ou se eu tava bem, e só tinha olhos pro dinheiro que eu mandava na sua conta todo mês. Pois bem, irmã, meia-irmã ou o que quer que você seja, eu não te devo satisfação nenhuma sobre o que faço ou deixo de fazer. Não mande mensagens casuais como se fôssemos amigas achando que vou te falar alguma coisa. Essa máscara aí não combina com você. Então volte a fingir que não existo, como sempre fez.
Em seguida, ela bloqueou o número da irmã. Estava prestes a largar o celular na cama quando ele vibrou com mais uma notificação, dessa vez de null. Era um aviso de que ele tinha acabado de postar algo nos stories do Instagram.
Curiosa, null abriu para ver.
Mal estava entrando no aplicativo e tinha deletado todos os posts e tornado a conta privada, assim como os vídeos no YouTube. Ela até mesmo estava tirando uma folga dos trabalhos, ao menos naquela semana. Não queria encontrar ninguém naquele momento e correr o risco de ser xingada pessoalmente. A internet já não estava sendo nada saudável e ela não queria continuar lidando com aquilo naquele momento.
Mas, pelo visto, null sim. E tinha até aberto uma caixinha de perguntas para responder.
"Já que estão curiosos, perguntem direto na fonte."
null franziu o cenho, tentando entender o que ele pretendia com aquilo, mas só descobriu uma hora mais tarde, quando ele já havia respondido algumas perguntas.
"É verdade o que tão dizendo sobre sua namorada?"
"Não. null é apenas uma dançarina muito talentosa. Vocês deviam ver as apresentações dela no Veil of Secrets. São incríveis. Não acreditem nas bobagens que falam pela internet."
"Vocês terminaram? Não foram mais vistos juntos."
"Não, nós não terminamos. Por que eu me afastaria por conta de algo que sei que é mentira? Além disso, aposto que você também não ia querer sair de casa sabendo que um monte de gente anda te atacando na internet."
"Ela é mesmo faxineira ou usou isso pra tentar te seduzir?"
"null é muito profissional. Fui eu que corri atrás dela."
"A própria família dela tá dizendo aquelas coisas, é muito confuso."
"Família? Bem, ela não tem parentesco de sangue com ninguém. Por que não tentam entender o motivo por estarem falando dela? Segue o link dessa matéria aqui, que acabou de sair do forno."
Abaixo do texto, havia o print de uma manchete com um título bem interessante.
"Troca de ataques? Charlie Smith e família denunciados por fraude, corrupção no Grupo null e agressão física à verdadeira herdeira dos negócios. Confira!"
null levou cerca de dez minutos para ler o artigo. De fato, tinha acabado de sair, e era extremamente detalhado. Além de confiável, é claro, afinal Tony Sharpe tinha concedido uma entrevista especialmente para aquele artigo.
Na maior parte dela ele falava sobre como vinha desconfiando de algumas atitudes de Charlie na empresa, coisas que Peter nunca deixaria acontecer. Demissões injustas, mau tratamento de funcionários, suborno por votos no conselho e desvio de dinheiro. Era um show de horrores do mundo corporativo. E Tony passou vários meses investigando e tentando juntar provas, até que acabou descobrindo o que aconteceu com null.
"Foi justo quando eu estava decidindo quando denunciar. Então fiquei sabendo que a filha biológica de Peter havia sido supostamente deserdada. Só que o que ninguém sabia era que o próprio Peter tinha me dado uma cópia do testamento. Charlie e sua mãe, principalmente, conseguiram me enganar direitinho. Eu só tinha visto null algumas vezes e sabia que ela fazia faculdade de dança, então como alguém extremamente ligada à arte, pensei que tinha realmente deixado Charlie tomar conta de tudo."
null leu mais alguns detalhes, coisas que Tony tinha contado a ela quando se encontraram, até que seu olhar desceu para a última parte da entrevista. Um trecho curto sobre a agressão de null, seguido de um comentário de Tony.
"null passou por maus bocados, e eu soube disso muito tarde. Me culpo por não tê-la procurado antes. Ela está bem agora, mas tem a mesma doença que o pai, que pode resultar nas mesmas complicações se não for bem tratada. Algo de ruim poderia ter acontecido no último ano e nós nunca saberíamos, já que os Smith estavam com as rédeas de tudo. Espero que null e todas as outras pessoas citadas no testamento original tenham a justiça que lhes é devida.
null é uma ótima garota, uma ótima artista e, definitivamente, não merece a onda de ódio infundado que anda recebendo. Tudo isso é obra da ganância da família do pai dela. Quando soube do processo, o próprio Charlie a agrediu fisicamente, e isso não é segredo, podem procurar. Ele conseguiu fiança e agora essa família podre está surgindo com rumores falsos sobre a garota só porque o nome dela está associado ao do namorado. Infelizmente para eles, os dois são muito unidos, e o garoto null é extremamente protetor. Tenho certeza de que Peter o aprovaria, e acho que eles têm sorte de ter um ao outro."
null largou o celular na cama e encarou o teto, tentando absorver tudo o que tinha lido. Se sentia grata por Tony ter dito aquelas coisas, por null ter compartilhado também, mas... E se tudo ainda assim se virasse contra ele?
Ele estava saindo por aí falando que ainda estavam juntos. E se acontecesse algo? Charlie estava solto agora. Com certeza receberia mais atenção após aquela entrevista de Tony, mas mesmo assim caminhava em liberdade por aí. Será que null não via o quão perigoso se meter com alguém tão ruim como ele, ou só não se importava?
Em um momento de impulso, ela pegou o celular outra vez e o enviou uma mensagem.
null: Por que você disse aquelas coisas no Instagram?
A resposta veio um minuto depois.
null: Não quero que saiam por aí espalhando rumores de que a gente terminou.
null: Mas a gente terminou.
null: Errado. VOCÊ terminou comigo. Além disso, o público não sabe de nada. Vamos manter como está.
null: null... Eu já falei que você pode cancelar o contrato.
Ele começou a digitar uma resposta, mas depois de alguns instantes, parou, e então o celular dela começou a tocar. null atendeu no mesmo instante.
— Não vou cancelar coisa nenhuma — null disse, determinado. — Se apronte amanhã à noite, vou te levar pra jantar.
null suspirou, sem querer discutir.
— Para com isso. Não vou sair com você.
Mas ele não parecia nada disposto a receber um não.
— Vai sim. Faz parte do contrato, lembra?
— null, isso é golpe baixo. É sério que você tá usando o contrato pra me fazer sair com você só porque você não quer cancelar?
— Isso aí.
— Isso pode ser ruim pra sua reputação. Meu nome tá na lama agora graças ao Charlie, e se aquele idiota resolver fazer alguma coisa com você?
— Ele só tá com inveja porque eu consegui te conquistar, e fazendo o mínimo. Aquele cara te odeia e só queria te levar pra cama.
— Eu sei. Mas por minha causa, agora ele odeia você também.
— Então que se foda. Não me importo com isso, tá ouvindo? Eu quis te dar espaço pra você processar sua decisão estúpida de terminar comigo, mas acho que já teve tempo suficiente.
Ela abriu a boca em choque.
— Como é? Você acabou de me chamar de estúpida?!
— Não, eu chamei a sua decisão de estúpida. É bem diferente. Mas todo mundo tem licença poética de fazer merda de vez em quando.
— null, isso não tá te ajudando, sabia?
— A verdade dói? — ele retrucou. — Você sabe que não precisava ir embora nem terminar comigo, null. Em algum momento eu te fiz duvidar dos meus sentimentos por você? — Silêncio. — null?
— Não, nunca — ela finalmente respondeu, sentindo o rosto esquentar, grata por ele não poder vê-la.
— E você duvidou dos seus sentimentos por mim? Eram reais mesmo ou você só disse tudo aquilo pra me agradar?
— Eu nunca falaria algo assim só pra agradar alguém, null — null explicou, ofendida. — Você pensar isso de mim é ofensivo.
— Ótimo, porque você me largar do nada também foi bastante ofensivo. E inda por cima, por causa de coisas que não têm nada a ver com o nosso relacionamento.
null respirou fundo, sentindo os olhos arderem.
— Eu sinto muito — ela disse, com a voz embargada.
— null... Você me ama?
— null...
— Só me responde isso. Eu preciso ouvir a verdade.
— Você sabe que sim — ela confessou como uma idiota, sem nem hesitar.
O telefone ficou mudo no mesmo instante e quando ela viu, a ligação tinha sido encerrada. Ele tinha acabado de desligar na cara dela? Qual o motivo daquilo? De repente, ela ouviu o som da campainha e se levantou, meio confusa, pensando em quem poderia ser àquela hora. null estava no apartamento de Hero, então não podia ser nenhuma visita, certo? Estava tarde demais, mas... Ela parou a meio metro da porta, subitamente assustada.
E se fosse alguém que havia descoberto a localização dela? E se Charlie estivesse ali? Só de pensar, seu coração acelerava. null sentiu as mãos suando e olhou em volta, em busca de algo que pudesse usar como arma, caso precisasse, e encontrou um taco de hóquei no canto da sala.
Só Deus sabia porque null tinha um daqueles ali.
Ela rapidamente o pegou e se dirigiu para a porta. A campainha tocou novamente e o coração dela deu um pulo.
— Quem é? — null tomou coragem para perguntar.
— Com certeza não é o bicho-papão — uma voz respondeu.
Uma voz que ela conhecia bem.
Uma onda de alívio a atingiu, e null imediatamente abriu a porta, se deparando com null ali.
Lindo como o inferno.
— O que você tá fazendo aqui?
O olhar dele recaiu para o taco que ela tinha em mãos.
— O que é isso? Achou que fosse um invasor e ia se defender com esse taco? — ele brincou. — Vou contar pra null que você andou duvidando da segurança do prédio dela.
— null... Como chegou aqui?
— Eu tava por perto.
— É mesmo? Você, na rua, depois das onze da noite? — Ela o encarou, cética.
— Eu vim buscar o que é meu — ele admitiu.
— O que é seu?
— Mas você tem razão. Tá tarde, então vou ter que esperar até amanhã. — Ele entrou no apartamento, trancando a porta atrás de si.
null sentiu o coração errar uma batida.
— E o que veio buscar? — ela perguntou, o estômago revirando de nervosismo.
Só fazia dois dias desde a última vez que tinha visto ele, então por que parecia que tinham se passado semanas?
null deu um passo para frente, como um gato se aproximando de uma presa, os olhos jamais deixando os dela.
— Você — ele respondeu. — Eu vim em busca de você, null.
Ele deu mais um passo e ela deu outro, a respiração ficando ofegante.
— Você não devia estar aqui.
— Por que não?
Porque você é uma tentação ambulante, seu idiota.
— Não é uma boa ideia.
— E por que não? — Ele se aproximou mais, parando a centímetros do corpo dela, tão perto que null conseguia sentir o calor exalando dele. — Eu te deixo nervosa, null? Quando me aproximo assim?
— Para com isso. — Ela colocou uma mão no peito dele, na intenção de empurrá-lo, mas tudo o que fez foi agarrar o tecido de sua camiseta.
null fechou os olhos, respirando fundo, mas se arrependeu no mesmo instante ao sentir o perfume amadeirado e com um leve toque cítrico que ele usava.
— Você não quer que eu pare.
Não, ela não queria. null abriu os olhos para encará-lo, mas continuou em silêncio.
null continuou a falar.
— Infelizmente pra você, null, eu já conheço cada pedacinho do seu corpo e como você reage a mim. — Então abaixou a cabeça para sussurrar no ouvido dela. — Na verdade, acho que você quer o contrário. Por que a gente não deixa essa conversa chata pra amanhã?
— null...
— Não tem ninguém aqui, null. É só a gente. — Ele a envolveu pela cintura, trazendo-a para perto. — E eu tô morrendo de saudade de você. Não consegue ver que essa separação é idiota? Que essa discussão toda não vai levar a gente a lugar algum? E sabe por quê? Porque você já é minha, e eu sou seu. E nós dois não temos olhos pra mais ninguém. Todo mundo que me conhece sabe que você é a pessoa que eu sempre quis. E não vou desistir. Nunca. Então para de se fazer de difícil e-
Ele não precisou falar mais nada. Nem conseguiria, naquele momento, pois null o interrompeu com um beijo. Faminto, urgente, e repleto de saudade e um desejo que parecia infinito quando se tratava dele. No segundo em que seus lábios se tocaram, ela se perguntou porque tinha decidido manter distância.
null tinha razão. Era uma ideia estúpida que não ia levar a nada. Ela só estava de cabeça quente e foi precipitada. Até porque, quem, em sã consciência, amando aquele homem e tendo o amor dele, conseguiria ficar longe por muito tempo?
Ela certamente não tinha toda essa força de vontade. Bastou ele aparecer na frente dela e falar algumas palavras para fazê-la mudar de ideia. Que mulher fraca ela era, se deixando ser seduzida por um homem, se tornando incapaz de dizer não a ele. Incapaz de resistir a ele. Mas nada daquilo importava, pois, enquanto sentia os lábios de null sobre os seus e as mãos dele em seu corpo, as dela percorrendo o dele também, todo o resto parecia irrelevante.
Apenas eles importavam. Infelizmente, null havia percebido isso bem antes que ela. Mas, felizmente, ele havia segurado as pontas também. E insistido, mesmo que não fizesse nem uma semana que os dois tinham se separado.
Mais uma vez, null se sentiu grata pela atenção dele. Pela cautela, espaço e determinação. Por causa dele, ela também era uma nova pessoa, mais corajosa e bem mais capaz de impor limites e falar quando estava incomodada.
Ele era como um anjo em sua vida, exceto quando não era.
Como naquele momento.
Especialmente quando a colocou nos braços e a levou até o quarto de hóspedes que ela estava ocupando.
E certamente não havia nada de bonzinho ou angelical nele quando removeu suas peças de roupa, dele e dela, uma a uma, sem nenhuma pressa.
null podia jurar ter visto seus olhos escurecerem quando ele colocou o rosto entre suas pernas e a tomou com a boca, como um homem faminto. null não parou até ela explodir e seu corpo virar gelatina, um olhar de satisfação — agora bastante conhecido por ela — tomando conta de suas feições quando ele se afastou e se posicionou contra ela, encaixando o membro em sua entrada e deslizando para dentro lentamente, até que ela estivesse totalmente preenchida.
null não conseguia pensar em nada além dele, não via nada além dele, dos dois ali, querendo que continuasse. Querendo mais e mais, se possível para sempre. Seus corpos se movendo em sincronia, em sintonia completa um com um outro, em algo que não era apenas contato físico, mas também um encontro de corações e almas.
Era certo. E à medida que o tempo passava, ela pensava cada vez mais nisso. E quando desmoronaram juntos — ofegantes, suados, cansados e satisfeitos — ela teve certeza.
Quando null a puxou para se aconchegar com ele, o coração de null já estava calmo, com batidas constantes e ritmadas, tranquilo, assim como sua mente, com uma calmaria que apenas ele tinha sido capaz de proporcionar.
Naquela noite, ela caiu no sono pensando que tudo melhoraria em breve, quase certa disso.
Até porque já tinham começado a melhorar.
Continua...
Nota da autora: Fui boazinha nessa att HAHAHA enfim os refrescos. Faltam DUAS atts pra concluir a história. O que você acha que vem por aí? G.G Deixe aqui um comentário sobre o que você achou da att! Ou comenta um emoji pra eu saber que você tá lendo <3 Até a próxima att! XxAlly
PS. Se você chegou aqui, provavelmente leu HERO ou caiu de paraquedas. De toda forma, seja bem-vinda <3 Essa história está totalmente escrita e apenas sendo postada semanalmente.
Confira também Depois da Meia-Noite, um romance que também tô postando, as atts saem no mesmo dia que as de River! Dá uma olhadinha nela também! É o meu xodózinho ♥
Para mais informações sobre mim ou meus outros livros em e-book já publicados, visite meu Instagram (@aquelally) ou meu grupo de leitores no WhatsApp pelos links nos ícones abaixo. Podem interagir comigo, tá? xD Também tem o link de uma playlist de River!
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