“Olhos pintados, tênis surrado, músicas desconhecidas pela metade da Inglaterra, cabelos azuis - quase negros. Características essenciais de uma garota estranha. E emo. Como um garoto normal, eu deveria ignorá-la ou, sei lá, ter medo. Mas sou macho por não sentir medo, e anormal por não ignorá-la. Sentir vontade de estar sempre ao lado de uma garota que parecia que iria a um funeral por estar sempre de preto, me assustava. Não por querê-la por perto; era por ela estar sempre de preto mesmo.
Tentar mudá-la, seria inútil. Me aproximar, perigoso. Me apaixonar? Por uma emo? Fora de cogitação.
Mas uma emo conseguiu me deixar mais emo do que a própria, e essa fase da minha vida não vai ser tão fácil de esquecer. Principalmente se tratando de uma garota surpreendente. E se por trás disso houvesse um segredo?”
Um "Ela era a garota mais estranha que já vi na minha vida."
Escola, ensino médio, colégio novo, meio do ano. Quer desgraça maior?
Estávamos às 7 da manhã, eu e meus amigos, sentados no largo banco do estreito corredor de um novo colégio em silêncio, com cara de tédio, braços cruzados, enquanto minha mãe resolvia com diretora sobre nossa entrada no colégio.
Foi quando ouvimos o terrível sinal que anunciava a entrada dos alunos. Uma cavalaria humana passou por nós, acabando com nossos pés, joelhos e, enfim, tudo abaixo da cintura. Aquele corredor se tornou um inferno com a passagem daquelas paty's que se vestiam mais rosa do que a pantera cor de rosa e falavam coisas fúteis e sem noção com uma voz gasguita.
Internamente, xinguei–as, e xinguem também aqueles caras grandalhões de futebol americano que passavam se apoiando sobre os ombros das meninas carentes. Eles se achavam os maiorais por ter um bagulho imenso nos ombros, os deixando com cara de mais velho e deixando a sensação de ter mais músculo, quando, na verdade, era tudo uma ilusão.
Meu pé já estava pedindo arrego e eu estava berrando - internamente- minha mãe que estava do outro lado corredor, sorrindo pra diretora enquanto ela escrevia alguma coisa em um papel.
Quando, lentamente, o corredor foi esvaziando, minha mãe finalmente viu meus sinais de socorro e sorriu, voltando a se virar pra diretora e novamente voltei a fazer cara de tédio, fazendo com que meus amigos rissem da minha cara.
Atento aos papéis de todas as cores coladas na parede vi no final do corredor uma menina descer os últimos degraus de uma escada imensa que dava em não–quero–saber–aonde. Ela virou seu corpo totalmente de frente pro corredor onde estávamos e ajeitou a mochila sobre as costas.
Ela era a garota mais estranha que já vi na minha vida. Seus cabelos eram azuis escuros e seus olhos eram borrados por uma camada preta de lápis de olho. Enquanto caminhava, pude notar todas as feições de seu corpo sob a horrível camiseta uniforme do colégio e a calça skinny escura. Seu tênis era um All Star preto surrado (bem surrado, por sinal) com várias coisas escritas na parte branca da frente.
Quando se aproximou, notei que na lateral do tênis ela havia pintado de xadrez com liquid paper e caneta azul.
Meu transe foi interrompido por um berro que vinha da porta de entrada, o que me fez olhar quem havia gritado dessa forma nada convencional. Uma menina de cabelos castanhos e lisos vinha saltitando feito uma gazela.
– ! – ela não foi rápida dessa forma em gritar o nome da menina, que se virou rapidamente e sorriu. Como um idiota, fiquei prestando atenção na conversa. Afinal, não tinha nada melhor para fazer.
– Oi... – ela disse simplesmente enquanto a outra a abraçava como um abraço de urso, fechando os olhos.
– Aonde vai? Não tem aula, não? – a menina gazela perguntou com os olhos brilhando.
– Tem. Só que o Charles falou que a diretora quer falar comigo, então... – explicou, mas eu não sabia se ela estava debochando ou se a voz dela era assim mesmo.
– Ah, tudo bem, então. A gente se vê lá em cima. – a outra deu um beijo na tal da .
– Hum, então você vá me visitar, – ela se virou e continuou falando – porque eu que não vou subir pra ir na sua sala. – deu de ombros, entrando na mesma sala onde minha mãe saia, que ficava de frente onde nós estávamos. E ela deixou todos os papéis que estavam nas mãos cair no chão. – Ops, me desculpa! – disse se abaixando rapidamente e pegando os papéis no chão.
– Não, minha filha. Está tudo bem, deixa que eu pego, vá pra sua aula. – a adorável da minha mãe disse a ela.
– Aqui estão. – sem sorriso algum, ela entregou os papéis pra minha mãe.
– Obrigada.
– Tudo bem. – minha mãe deu passagem e ela passou, atravessando a porta de vidro.
– Meninos, – minha mãe começou, fazendo minha atenção se voltar pra ela. , e resmungaram alguma coisa e olharam pra ela também. – Consegui matricular vocês e as aulas começam hoje.
– HOJE?! – me levantei rapidamente. Como assim? Fui pego de surpresa, eu tinha que me preparar psicologicamente.
– Sim. Eu avisei pra trazer o material de vocês, mas...
– Não, mãe! Deixa ser amanhã, vai... – eu pedia fazendo minha melhor atuação manhosa.
– Não! É hoje e chega. E vocês peguem os livros na... – ela abaixou os olhos pra olhar um dos papéis que estavam em sua mão – sala quatro do bloco b. – terminou de falar sorrindo. Cruzei os braços e bufei. – Então já vou indo, boa aula. – ela nos deu as costas, dando aquele sorriso maternal que às vezes eu não suporto.
– Como vamos assistir uma aula sem material? – questionou, me olhando com os braços cruzados.
– Já entendi... – a estranha saia da sala de costas para a diretora, fazendo uma careta que me fez rir fraco. Ela bateu com a porta de vidro e nos encarou, me fazendo arregalar os olhos e perder o sorriso instantaneamente. Tinha algo de errado? – Alunos novos, né? – perguntou e, cara, a voz dela era realmente debochada.
– É... – respondemos sem ânimo algum visível.
– Tá, me seguem. – ela nos deu as costas e caminhou em direção a tal escada imensa.
– Falou com sua tia? – um cara moreno que não passava dos 35 anos perguntou, aparecendo do corredor transversal ao que andávamos.
– Falei. Eu não sou funcionária dessa merda não, tá? Você avisa a ela que eu não recebo salário mínimo... – ela disse, caminhando lado a lado com o cara enquanto eu e meus amigos seguíamos os dois. Ele riu fraco e mudou o rumo, indo pra uma lanchonete ao lado da escada.
– Ah, relaxa. – falou antes de sumir dentro da lanchonete. Ela subiu o primeiro degrau da escada e pude ver a careta que ela fez.
Andamos em silêncio até uma sala escura, onde pude ver na porta um placa escrito 'sala 4'.
Ela entrou primeiro e colocou a mão no interruptor, ligando a luz.
– Toma. – falou quando pegou um livro mega pesado que parecia uma bíblia e me entregou.
– Uau! – falei impulsivamente ao sentir o peso do livro em meus braços. Ela foi distribuindo os livros aos meus amigos. – Temos que carregar isso todo dia?
– Não. – falou séria enquanto terminava de colocar o último livro no meu braço.
– Aw! – gemi com a força que ela jogou o livro.
– Ai, deixa de ser molenga... – eu ouvi. Mas finge que não. Ela se encaminhou pra saída da sala e nos aguardou sair do lado de fora. Fomos até ela nos arrastando e ela rolou os olhos por isso.
– Os armários é pra lá – apontou pro seu lado esquerdo, nós três olhamos pro corredor imenso – a turma de vocês é a 2002, que fica pra lá – apontou pro outro lado, e novamente viramos a cabeça pra observá–lo – Boa aula. – se virou, indo pro último lado que ela mesma apontou. – Se isso for possível... – resmungou baixo, mas ainda assim eu ouvi.
– E agora? – perguntou, mirando meus amigos que tinha uma expressão de nada.
– Sei lá! – deu de ombros.
– EI! Menina! – berrei em pleno corredor, olhando aquele ser vestido de preto se afastar cada vez mais.
Ela fez um gesto de 'ninguém merece' com as mãos e se virou pra nós, nos fitando com os braços cruzados e todo o peso do corpo sobre uma perna.
– Como abrimos os armários? – perguntei, me aproximando com os caras atrás. Ela bufou, descruzando os braços.
– Só no final das aulas. – ela ia se virando, mas se voltou pra nós quando comecei a dizer:
– Então temos que ficar com esse peso até o final da manhã? – perguntei incrédulo. E por que, mesmo, só eu tinha coragem de falar com ela?
– Aparentemente, sim. – se virou por completo, caminhando em direção a algum lugar que eu não fazia ideia de onde era. Bufei, a vendo se afastar cada vez mais.
– Tudo bem, – respirei fundo, fechando os olhos – a gente acha a nossa sala. – comecei a caminhar e pude vê–la virar em uma das salas.
Olhando cada plaquinha que tinha na portas estreitas que foram surgindo pelo corredor, achamos a nossa turma.
Uma sensação estranha tomou conta do meu corpo, eu estava me sentindo um gay por isso.
Desajeitadamente, arrumei uma forma - e não foi a melhor forma - de bater na porta, já que meus amigos também seguravam aquelas bíblias em forma de livro escolar.
Não demorou muito pra que a porta se abrisse e metade da turma olhasse pra nossa cara de tacho. A professora sorria amigavelmente com aqueles óculos fundo de garrafa.
Com as bochechas coradas, eu dei um passo, finalmente entrando na sala.
– Alunos novos? – perguntou, e sua voz era a coisa mais irritante que já ouvi na vida, mesmo com duas palavras.
– Sim. – respondi simplesmente, com uma vontade imensa de responder 'obviamente'.
– Entrem, por favor. – ela fez aquela reverência que adulto costuma fazer com as mãos, dando–nos espaço para passar. Entrei encarando meu All Star e, por pouco, eu não dou uma de nerd e sento lá na frente.
Andando pelo corredor com medo de levantar meus olhos, cheguei ao final da sala, levantando a cabeça rapidamente e dando de cara com uma menina que tinha cabelos azuis escuros, olhos pintados levemente por uma camada preta de lápis de olho com a horrível camisa do uniforme. Por que diabos ela não disse que a nossa turma era mesma que a dela? Pouparia nosso tempo.
Mordi o lábio levemente enquanto ela me encarava e, mentalmente, escolhia um lugar para me sentar. Havia um lugar vago ao lado dela, dois na sua frente e outro no outro lado do 'corredor'. Como eu já estava ali, joguei meus livros sobre a mesa ao seu lado, e ela fitou os mesmos, suspendendo seu olhar lentamente até meus olhos com cara de poucos amigos. Sorri torto e puxei a cadeira, fazendo aquele barulho irritante. Quando me sentei, notei que todos nos encaravam com cara de paisagem, pareciam esperar por alguma coisa.
– Então, apresentem–se. – disse a professora, variando o olhar entre eu, e , que estavam sentados em minha frente, e que estava do outro lado, com os braços cruzados e cara de quem não estava gostando.
– É obrigatório? – ouvi a voz de e senti o olhar da menina ao meu lado sobre mim. Aquilo estava me incomodando, fiquei com as bochechas coradas. E isso nunca aconteceu comigo.
– Sim. – respondeu com um sorriso que eu diria sarcástico. bufou.
– . – ele disse de má vontade.
– . – ele falou, levantando um pouco o braço.
– . – respondi baixo, tentando de todas as formas tirar a porra da cor rosada de minha bochecha.
– . – do outro lado da sala, respondeu ainda de braços cruzados.
– Muito bem, – ela juntou as mãos – sou a professora de Literatura, meu nome é Ísola. – ela disse se embalançando autistamente.
Dei um sorriso canto de boca enquanto ela se virava pro quadro. Só então notei que ela já tinha escrito milhares de coisas ali.
– Ei, dudes! – cutuquei e os dois da frente se viraram. – Como vamos escrever?
– Sei lá! Será que aqui tem alguma papelaria? – perguntou com uma expressão confusa.
– Não seja idiota! – minhas mãos pediam pra dar um pedala nele, mas como não era possível, leu meus pensamentos e deu um pedala nele.
– Pega a porra dessas folhas, – começou a menina ao meu lado, arrancando várias folhas com caveiras de seu fichário, nos fazendo olhá–la – e faz o que vocês quiserem. Mas calem a boca, se não for pedir muito – disse por fim, juntando todas as folhas sobre a mesa.
Ainda estranhando aquela atitude, lentamente eu aproximei minha mão das folhas e as peguei e, sorrindo torto, me virei pra frente.
– Obrigado. – sussurrei enquanto ela mexia alguma coisa em seu estojo.
– Tudo bem. – disse em tom baixo, me entregando duas canetas. Em seguida, ela entregou uma caneta à e que a encaravam, um pouco recuados. Peguei algumas das folhas e entreguei a eles, que se viraram se entreolhando.
Quando eu ia começar a escrever, aquela voz debochada ecoou bem próximo ao meu ouvido, me fazendo fechar os olhos ao sentir uma sensação boa:
– Não esquece do seu amigo. – sussurrou e se afastou. Sorri de lado e me virei pra . O entreguei as folhas com a caneta que havia me dado.
O recreio havia chegado, e aquela menina ainda me olhava, eu sentia isso. Depois do 'não esquece do seu amigo' não trocamos uma palavra sequer, apenas olhares. Mas as bochechas dela não coravam como a minha; ela não demonstrava vontade de falar como eu demonstrava; ela não tentava (de forma alguma) puxar assunto, nem que seja algo que me parecesse um nerd, do modo que eu queria. Não que eu esperasse isso, mas eu sentia que a atenção dela se prendia a mim como a minha estava presa nela por algum motivo.
Me levantei, tentando não olhá–la, mas foi inevitável já que eu teria que devolver a caneta. Coçando a nuca, me virei pra ela e tive a impressão que ela já me fitava, prendendo os cabelos num rabo de cabelo mal feito e frouxo.
– Hum...obrigado. – falei e dei um sorriso sem graça.
– Me devolve no final da aula. – disse se levantando com o livro de literatura na mão e passando por mim, deixando seu perfume.
A segui com o olhar, a vendo parar no corredor e se virar rapidamente pra mim.
– Leva seus livros pro armário. Não vai precisar de nenhum deles agora. – avisou e após se virou novamente, se misturando no meio daquele monte de alunos que tentavam todos passar ao mesmo tempo por aquele pequeno corredor.
Suspendi a sobrancelha e olhei para os caras. Eles a fitavam também, com a mesma interrogação que eu estava na cara.
– Vamos descer? – perguntou enquanto se aproximava com .
– Odeio colégio novo. – disse com a cara amarrada e braços cruzados, nos fazendo rir.
– Será que pode ficar por aqui mesmo? – perguntou, perdendo o riso lentamente.
- Temos que ir na secretaria pegar os cadeados pra colocar os livros no armário - eu dizia, já me levantando. Peguei as folhas com a caneta, colocando a última em meu bolso e as folhas sobre os livros.
Após passar na secretaria, nos encaminhamos pro corredor principal para nos livrarmos daquele peso.
Tentando abrir aquele armário da forma mais idiota, ouvi uma voz debochada bem próximo de mim, me fazendo olhar pro lado e vir...ela.
– Dessa forma você nunca vai conseguir. – advertiu, abrindo com facilidade um armário ao lado do meu. Ela enfiou o livro de literatura lá dentro, e fechou o armário, enquanto eu a encarava esperando por explicações. – Gira uma vez e coloca a senha. – sussurrou, passando por trás de mim, deixando seu perfume novamente. Enquanto ela deixava o corredor principal, eu enruguei a testa ao sentir um arrepio. Talvez por gostar do seu cheiro.
Do jeito que ela me explicou, girei e coloquei a senha. Mas por que não me ensinaram aquilo quando fui saber minha senha?
Me encaminhei onde os outros três estavam, um distante do outro, e parei ao lado de , me encostando no armário ao lado dele. Bufei cruzando os braços, relaxando a cabeça no próprio armário.
– O que foi? – perguntou simplesmente, terminando de colocar os livros lá dentro.
– Essa garota... Tem alguma coisa nela que me prende a atenção. – admiti fechando os olhos, mantendo a cabeça relaxada.
– Essa menina... estranha? – afinou a voz na última palavra, fechando o armário.
– Bom... - fui interrompido por um barulho, ou melhor, um estrondo vir do lado oposto e olhamos rapidamente de onde este vinha. Avistamos puto da vida dando chutes no armário.
Corremos até lá, onde já estava.
– O que é isso, cara?
– Ah, essa merda não queria abrir! – se explicou, dando mais um chute no armário.
– Você... arrombou o armário? – perguntei com desespero nas últimas palavras.
– Arrãm. – respondeu simplesmente, encarando a porta do armário se abrir lentamente.
Talvez por sorte, o corredor estava vazio e ninguém viu nada. Mas teríamos que contar para algum superior, ou o ficaria sem armário.
– Primeiro dia de aula e já vamos levar suspensão. – cruzou os braços, encarando o nada. – Hum, fomos descobertos. – disse simplesmente, ainda fixando um ponto, o qual me virei pra olhar. Vi vir ao final do corredor, com sua típica cara de poucos amigos. Olhei para meus amigos com a sobrancelha suspensa. Era impressão minha ou ela nos seguia?
Ela suspirou e deu um sorriso sem mostrar os dentes.
– Não estou seguindo vocês, mas o estrondo foi grande. – essa garota me assusta. – Impossível não se escutar e a nossa 'querida' diretora – fez uma voz mais debochada que o normal, fazendo uma careta e aspas no ar – me mandar ver o que está acontecendo. – voltou ao seu estado normal. – O que aconteceu? – cruzou os braços e, lentamente, ela levou seu olhar até a porta do armário de que estava aberto. Ela revirou os olhos. – Quem é o dono disso aqui? – apontou pro armário aberto.
– Eu... – levantou o dedo vagamente.
– Coloca sua senha aí. – pediu, o fazendo se abaixar e colocar a senha mesmo com o armário aberto.
– Pronto. – ele disse se levantando. Ela se abaixou e deu uma volta completa no dispositivo de senhas. Com facilidade invejável, ela fechou a porta do armário e se levantou.
– Isso é normal entre alunos novos. – falou, nos dando as costas.
– Ei, espera! – chamei impulsivamente. Ela se virou e me encarou sem expressão. – Ér... obrigado, – disse coçando a nuca – E... qual seu nome? – perguntei, relaxando meus braços ao lado de meu corpo.
– . . – falou acenando, nos dando as costas novamente.
Ela não tinha nenhum aspecto feminino, nem mesmo o modo de andar, mas ainda assim ela tinha algo que me chamava atenção. Só me resta descobrir o quê.
Dois "(...) comecei a achar que aqueles dias naquele colégio, seriam dias de tortura com ela por perto."
Somente nessas horas de desespero, percebo que ter minha mãe dentro de casa é a melhor coisa para quatro adolescentes.
Eu coloquei a primeira calça que vi jogada no chão, catei minha camiseta/uniforme, que recebi ontem, dentro do armário e escovei meus dentes de qualquer maneira. Pra esconder os cabelos despenteados, coloquei uma touca e sai do quarto com minha mochila após olhar se não esqueci nada.
Achei que eu fosse o único a estar atrasado, mas ao perceber a casa silenciosa, imaginei que os caras também estivessem, soquei a porta de cada um e invandi os quartos, avisando que eles estavam atrasados.
Por saber que eles se atrasariam e me atrasariam, acabei por pegar uma maçã na cozinha e sair o mais rápido que pude, indo em direção ao colégio à pé mesmo, já que não era tão longe.
Andei o mais rápido que eu pude pra tentar alcançar o portão aberto, mas ao dobrar na rua daquela joça, o portão já estava fechado.
Bufei, me encostando na parede ao lado do portão de entrada, fechando os olhos e relaxando a cabeça para trás. Respirei fundo, e não era possível que no primeiro dia de aula, arromba o armário e no segundo a gente chega atrasado.
Ao levantar a cabeça, senti um calor estranho por minha nuca, descendo até minhas mãos ao vir com cabelos azuis caminhar em minha direção. Fiquei reparando em seu corpo com a testa enrugada até nossos olhares se encontraram. Uma sensação estranha tomou conta do meu estômago quando ela entortou os lábios e riu fraco, enfim, parando ao meu lado, bem próximo a mim. Instantaneamente senti um cheiro estranho, parecia cigarro.
Ela fitou algum ponto dentro do colégio e era visível que ela procurava algo. Era estranho o modo como eu queria falar alguma coisa pra cortar o silêncio, mas ao mesmo tempo eu não queria perder meu tempo, sabendo que ela tinha uma trava invisível em torno dela. Lá no fundo, eu sabia que ela não daria continuidade em nenhum assunto que eu entrasse. Voltei meu olhar para frente e mordi o lábio, fechando as mãos e sentindo–as ficar cada vez mais suadas quando eu a ouvi dizer:
– Atrasado já no segundo dia de aula, ? – perguntou rindo baixo. Lentamente virei meu olhar a ela e ela me encarava de braços cruzados, séria.
– Arrãm. – minha garganta não me permitiu dizer mais que isso, fitando aqueles olhos que pareciam sorrir para mim, apesar de seus lábios continuarem imóveis.
Me perguntei internamente como ela sabia meu sobrenome, enquanto ela descruzava os braços.
– Relaxa. Dois tempos de educação física, não faria tanta diferença. Faria? – aquele cheiro de nicotina estava ficando mais forte a cada vez que ela se aproximava.
– Não... – dei de ombros, fitando seus lábios rosados. Ela sorriu de lado com minha resposta e descruzou os braços, se afastando.
Remexendo em alguma coisa na mochila, ela se sentou no meio–fio da calçada e, com uma despreocupação de dar inveja, ela tirou da bolsa um pacote de 'Black' e acendeu, ainda com aquela despreocupação.
Me sentei ao seu lado e ela me olhou sem expressão, colocando o cigarro na boca.
– Pessoas morrem de câncer no pulmão todo ano por... - ela interrompeu minha frase intelectual.
– Qual é? Vai me vigiar agora? – perguntou com desdém na voz, me fazendo bufar. - Não vai fazer diferença pra ninguém se eu morrer de câncer no pulmão... - agora ela fitava o nada, ainda sem demonstrar nenhum tipo de sentimento.
Soltei um suspiro, querendo entender o porquê dela ter dito isso. Não que descobrir fosse algo muito interessante pra mim, mas no tédio qualquer coisa é bem vinda.
Aquele silêncio torturante permaneceu ali por um bom tempo, até ela jogar fora o maço de cigarro ainda pela metade.
– Esse cheiro não te incomoda? – perguntou e rapidamente olhei pra ela, assustado com sua vontade repentina de falar.
– Não me importo. – respondi naturalmente, me controlando pra minha voz não falhar ao fitar novamente aqueles olhos.
Ela parecia desconfiada ao observar cada ponto de meu rosto descaradamente. Deu um sorriso ao encontrar com meus olhos novamente.
– O que foi? – perguntei após retribuir o sorriso.
– Nada. – disse naturalmente, voltando seu olhar novamente pro 'nada'. – Você parece ser legal, só isso. – disse simplesmente, cruzando as pernas e colocando a mochila sobre elas. – Só pelo fato de ainda ser o único que consegue chegar perto de mim. – ela riu, provavelmente lembrando–se de algo.
– E por que ninguém chega – fiz aspas no ar – perto de você? – perguntei, sem entender muita coisa do que ela dizia.
– Um dia você me entende. – falou suspirando. Agora sim havia feminismo em sua atitude.
– E você não pode me contar? - eu insistia, talvez esse o caminho certo pra descobrir o que tinha nessa garota que me prendia a ela.
– Na boa, isso não é hora de falar sobre isso. – respondeu prontamente, ainda sem me encarar. - Lá no fundo, você sabe porque ninguém se aproxima de mim... - ela riu fraco, sem humor.
Voltei meu olhar pra frente e mordi o lábio, tentando pensar em algo que decifrasse o que ela estava tentando me dizer.
Como nada veio em mente, me virei pra ela de novo.
- Eu não costumo ser tão lerdo... - ela me olhou de lado, agarrando sua mochila. - Mas ainda não entendi o que você quer dizer.
– Talvez fosse mais fácil eu lidar com mulheres. – voltou a se virar para frente, embalançando as pernas freneticamente.
– Por que?
Ela negou com a cabeça, me mostrando que não queria falar sobre isso.
- Você faz muitas perguntas... - ela disse quase num sussurro. Quando eu iria rebater com qualquer coisa que viesse à mente, ela continuou: - O que te faz pensar que vou te contar sobre a minha vida? - enruguei a testa pelo contraste da frase quase rude com o tom de voz baixo e suave, como se ela realmente não ligasse sobre o que eu pensava dela.
- Eu não quero que você me conte sobre sua vida - eu disse, percebendo minha voz um pouco esganiçada. Limpei a garganta, ajeitando minha mochila nas costas. - Só queria entender o que tem de diferente em você - acabei dizendo, sem ter nada coerente na cabeça. Ela riu fraco, me deixando intrigado.
- Sabendo porque poucos se aproximam de mim, você tem a resposta pra essa sua dúvida.
- Eu gosto de pessoas misteriosas... Mas, nesse caso, está me irritando - eu tentei, talvez um pouco furiosa, ela soltasse alguma coisa pra acabar de vez com minha curiosidade.
– Então tire suas próprias conclusões. – se levantou, colocando a mochila nas costas ao som do sinal do colégio.
Suspirei a seguindo com o olhar e me levantei também, indo em direção ao portão que estava sendo aberto por aquele cara que aparentava ter 35 anos.
Segui , que caminhava rapidamente pelos corredores que já havia alguns alunos. Não que eu quisesse alcançá-la, mas éramos da mesma sala, então...
A porta estava aberta com alguns alunos conversando ao lado de fora. Os olhares se direcionaram a nós dois, enquanto atravessávamos a porta estreita de nossa sala.
Chegamos ao final do corredor e ela sentou no mesmo lugar de ontem. Olhei pra ela como quem pedisse pra sentar ao seu lado e ela sorriu de lado. Levei isso como uma permissão e joguei minha mochila sobre a mesa, me sentando em seguida. Para avaliar o quão irritada ela estava comigo, eu virei meus olhos a ela. Sentindo o peso do meu olhar, ela respondeu me encarando com os olhos brilhantes.
De repente parecia que estava tudo em silêncio. Eu não ouvia nada, não enxergava nada apenas o sorriso que ela, finalmente, decidiu me mostrar que tinha. Alarguei mais o meu e sem ter muito controle do que eu estava fazendo, suspendi uma das mãos para tocar seus lábios com meus dedos frios. Eu, realmente, não esperava nada, já que eu estava quase entorpecido por aquele sorriso. Eu desenhei o contorno de seus lábios levemente com os dedos, sorrindo um pouco mais vitorioso quando a vi fechar os olhos. Notei suas bochechas começando a ficarem rosadas. Após alguns segundos sentindo aquele sorriso com meus dedos, ela suspendeu uma das mãos e tocou a minha, tirando lentamente meus dedos de seu rosto. Seu sorriso foi sumindo, então ela abriu os olhos e pôs minha mão sobre a mesa.
- Desculpa - sussurrei, o mundo real vontade aos poucos.
- Tudo bem - ela falou num tom baixo, se virando para frente um pouco sem jeito.
- Acabei virando para frente também, e fitando a mesa enquanto brincava com meus próprios dedos naquele silêncio entre nós dois, eu ouvi a risada escandalosa de . Suspendi a cabeça e o avistei junto a , rindo de alguma que provavelmente disse, já que este vinha atrás gesticulando.
– E aí, dude?! – disso antes de se sentar na frente de . Dei um sorriso como resposta e segui com o olhar, que sentava em minha frente. – Oi. – disse simplesmente a ela, murchando o sorriso. Ela sorriu fraco e abaixou a cabeça, fitando a mesa.
– Oi... – sorriu fitando , colocando seu material sobre a mesa. Ela o olhou e acenou rapidamente.
– Eu vou ter de sentar sempre sozinho? – ouvi a voz de e me virei pra ele, que sentava no mesmo lugar de ontem com a mesma cara de ontem.
– Ei! – ouvi e me virei pra ela, que fitava . – Quer trocar de lugar comigo? – ela ainda tinhas as bochechas levemente rosas. Fala sério, eu tinha conseguido deixá-la com vergonha?!
– Quero! – ouvi responder e ela sorriu, levantando com o material nas mãos. – Tchau, . – sussurrou enquanto eu a seguia com o olhar.
Eles fizeram a troca e por um momento eu fiquei com um ódio mortal de . Mas passou.
– Obrigado!
– Tudo bem. – ela deu um sorriso canto de boca e depois começou a procurar algo em sua bolsa.
– Eu ainda acho que ela é lésbica, sei lá - comentou, me fazendo contorcer o rosto.
– Lésbica?! – arregalei os olhos, um pouco confuso. Eu não tinha pensado nisso...
– Já notou como ela anda? – me encarava atentamente.
– Já... – me encostei–me na cadeira, pensativo. ''Talvez fosse mais fácil eu lidar com mulheres" aquela frase martelou em minha cabeça cruelmente. Será que ela é lésbica? Será que ela, realmente, joga no meu tim?!
Eu estava ficando inquieto repetindo essa palavra, e só acordei de meus transes quando vi aquele sorriso cínico que eu não via desde ontem. Então reparei que eu havia dito 'lésbica' para aquela garota que me encarava. Arregalei os olhos, assustado, e ela continuou a dar aquele sorriso.
Minha atenção foi desviada quando o professor chegou em sala.
Ele começou a dar a aula dele, mas eu estava reflexivo demais pra prestar atenção em alguma coisa que ele tenha dito.
– Vamos, ! – me apressava, já que a sala ficava cada vez mais vazia e o e já haviam descido.
– Espera! – reclamei, escrevendo cada vez mais rápido o que estava no quadro.
– Quero ir ao banheiro, dude! – disse num tom baixo, mas com desespero.
– Então vai! – falei como se fosse óbvio, ainda escrevendo rapidamente. Ele passou por trás de mim e saiu rápido da sala, tapando seu sexo.
Eu ainda escrevia quando senti um olhar suspeito sobre mim. Eu sabia quem me observava, mas fingi ter mais atenção no que eu escrevia.
Quando cheguei ao último ponto final, fechei meu caderno com pressa. Mas quando me virei pra levantar, ela estava me fitando.
A sala já estava vazia, então não entendi porque ela não havia descido...ainda. Me levantei engolindo a seco, dando um sorriso canto de boca, enquanto me movimentava pelo corredor.
– Ei, vem cá. – eu a ouvi, e logo senti suas mãos tocar meu ombro, me fazendo virar. Meu deu uma leve desparada com o tom de voz que ela usou, e eu não estava entendendo essa reação do meu corpo.
De alguma forma, ela me colocou sentado sobre uma mesa qualquer enquanto segurava a gola de minha camiseta e me fazendo engolir a seco novamente.
Ela apoiou as duas mãos em minhas coxas, uma em cada lado, e se aproximou lentamente, fazendo meu coração bater mais forte ainda.
– Então a conclusão que você tirou foi... lésbica? – perguntou, fitando meus olhos. Desviei meu olhar aos seus lábios ao sentir meu sangue ferver. – Foi, ? – perguntou de novo, e eu não tive vontade de responder. Senti novamente um calor por minha nuca quando ela se aproximou da mesma, passando o rosto lentamente enquanto eu fechava meus olhos. Ela não tocou em meu pescoço em momento algum, eu apenas sentia sua respiração tocar minha nuca, parando na base de meu pescoço.
Então ela foi pro outro lado de minha cabeça e fez o mesmo movimento, começando pela nuca e parando na base do pescoço.
Eu sabia que eu deveria ter alguma reação, mas mu corpo estava demais para tomar alguma atitude.
Ela tirou as mãos de minha coxa e as colocou sobre a mesa, me fazendo abrir os olhos e suspirar um pouco aliviado. Afinal, poderia ser um sinal de que ela pararia de me provocar. Bom, pensei errado.
– Você não vai mesmo me responder se sou aquela que gosta de mulheres? – sussurrou em meu ouvido, me trazendo um arrepio que nunca imaginei que fosse capaz de sentir com uma garota estranha como ela. Achei que ela fosse se afastar após a pergunta, mas me enganei novamente.
– Você... não é lésbica. – afirmei baixo, mas ela não se afastou. – Você... – procurei na mente algum adjetivo próprio pra ela, mas a única palavra que veio foi a denominação de – é emo. – finalizei, mordendo o lábio. Ainda próximo ao meu ouvido, a ouvi rir baixo e, enfim, ela se afastou.
– Emo? - ela se afastou um pouco e, após refletir, ela riu na minha cara, me fazendo suspender a sobrancelha. - Esperava mais de você... - comentou, voltando a ficar séria aos poucos. - Mas pode ser uma denominação perfeita pra mim – fez um gesto exagerado com as mãos. – Ou então você está enganado, .
Tomei impulso pra dizer algo, mas ela me interrompeu com um dedo em meu lábio, me fazendo fechar os olhos.
– Ou pode estar certo na primeira conclusão. E errado na segunda. – ouvi e abri os olhos.
– ... – falei com dificuldade, já que seus dedos ainda estavam em meus lábios.
– Ainda pode estar errado na primeira e certo na segunda. – sorriu sarcasticamente, relaxando o braço ao lado do corpo. – Ou pode estar errado nas duas conclusões. – alargou o sorriso.
Ela ia dando as costas pra mim, mas eu a puxei pela cintura, ainda sentado sobre a mesa.
– Por que... você faz isso comigo? – minha voz falhou em algumas palavras, mas acho que ela entendeu.
– Isso o que? – sua atuação de quem não estava entendendo minha pergunta estava sendo ótima, mas não pra mim.
Ela levou suas mãos à sua própria cintura e tirou as minhas mãos de lá.
– Você sabe... - também me tornei cínico. - Você me provoca, garota. – minha voz já falhava, já que minha respiração estava pesada.
Eu, sinceramente, achava que ela fosse dizer algo. Mas ela, simplesmente, me deu as costas e saiu pela porta me deixando ainda mais duvidoso.
Me joguei pra trás sobre a mesa, e comecei a achar que aqueles dias naquele colégio, seriam dias de tortura com ela por perto.
Três "Se aquela garota fizesse qualquer movimento inesperado, eu já não me responsabilizaria por meus atos."
– Galera, to descendo. Espero vocês no portão. – avisei, guardando meus pertences quando terminei de copiar tudo que o professor de história havia escrito no quadro. Eles assentiram com a cabeça sem desviar a atenção do que escreviam e eu peguei minha mochila. Dei uma última olhada pra ela e sorri comigo mesmo ao notar que ela guardava suas coisas também. Embalancei a cabeça negativamente e segui pelo corredor, saindo da sala em seguida.
O corredor principal estava com pouco, mas alguns alunos que conversavam sobre coisas que eu não estava nem um pouco interessado em saber.
Meus pensamentos estavam longes quando ouvi uma voz bem conhecida por trás de mim, se aproximando lentamente.
– Então seus amigos agora sabem da sua teoria, não é, ? – perguntou com aquele tom de deboche que eu já estava acostumado, se referindo ao momento mais cedo em que eu contei aos meus amigos o que aconteceu entre eu e ela ontem.
– Como você sabe disso? – perguntei incrédulo enquanto ela se posicionava ao me lado e eu a olhava sem parar de andar.
– Leitura labial existe, sabia? – avisou sem desviar a atenção da frente. Deu um sorriso.
– Então vai me vigiar agora? – perguntei com um sorriso vitorioso e ela riu fraco, enquanto eu também voltava minha atenção pra frente.
– Talvez. Se você decidir me vigiar, eu vou te vigiar também. – ela deu de ombros, dizendo tão naturalmente que chegou a me assustar.
– Então tá feito - mas eu não deixei de concordar. - Me vigia que eu vigio você. – conclui e senti o olhar dela sobre mim, me fazendo olhá–la também.
– Você é um cara estranho. – disse e desviou o olhar.
– E você é uma garota estranha. – falei no mesmo tom de voz que ela, com um sorriso.
– O que seria estranha pra você? – quis saber, ajeitando a mochila nas costas.
– Seu jeito, suas roupasm, suas atitudes. – falei simplesmente.
– E isso... é bom? – fez uma careta, ainda sem me olhar.
– Até certo ponto.
– Por que?
– Não sei exatamente quem você é.
– Como assim? – me olhou e eu suspirei.
– Por que você não vive como uma menina normal? – desconversei, desviei o olhar.
– E como seria?
– Usando roupas de uma garota normal, tendo atitudes de uma garota normal... – eu realmente não estava entendo porquê eu estava dizendo isso pra ela, já que parecia que eu gostava de vê-la exatamente como ela era.
– Então... Eu não sou uma menina normal? – perguntou, visivelmente confusa.
– Você só é diferente. – afirmei colocando as mãos no bolso do casaco, esclarecendo algumas coisas em minha própria linha de raciocínio.
– Só pelas roupas e minhas atitudes?
– Exato. E por que você é assim?
– Odeio ser os centros das atenções.
– Me desculpa, mas com essa roupa não ajuda muito. – falei e ela riu. Sim, ela riu.
– E odeio parecer ser desejada - segurei a risada, já que era difícil imaginá-la sendo desejada por alguém. - Quer mesmo saber o que acontece caso eu decida me vestir como uma 'menina normal'? – fez aspas no ar, já que eu a olhei.
– Uhum. – dei de ombros enquanto atravessávamos o portão de entrada/saída.
– Às 15h na porta do shopping principal. – disse e continuou andando, enquanto eu fiquei imóvel a vendo sumir pelo resto da rua.
Mas que merda é essa? Pelo que eu saiba, eu que tinha que marcar um encontro. E não ela.
Com uma camisa social branca com botões pela parte da frente e uma bermuda jeans larga com meu Adidas branco e preto, estranhamente, senti uma sensação diferente no estômago a cada passo que eu dava indo em direção ao shopping principal.
Suspirei, me sentando em uma espécie de muro que tinha por ali, e senti um calor percorrer novamente meu corpo quando suspendi meu olhar, que antes estava pairando pelo chão, e avistar .
Preciso citar que a vi vindo em minha direção como câmera lenta, sorrindo de forma suave, diferente daquela menina que conheci há poucos dias. Seus cabelos azuis embalançavam ao vento, já que eles estavam soltos e jogados levemente pro lado, escondendo a argola que usava. A camada que antes marcava seus olhos tinha sido substituída por uma fina camada de lápis, mas um pouco mais claro, e seus lábios estavam com um brilho de cor indecifrável, mas que combinou perfeitamente com o resto de seu rosto que, agora, parecia de um anjo.
Sua roupa me deixava ver suas pernas e que pernas! Com certeza, ela era o centro das atenções agora.
– Olá, – ela parou bem próximo a mim, sorrindo de lado e tirando o óculos. Eu a olhei dos pés a cabeça, suspendendo a sobrancelha, tentando acreditar que aquilo era real.
– Oi... – sussurrei quando meu olhar se encontrou com o dela.
– Satisfeito? – sorriu sarcástica. – Olha em volta... – ela continuou a dar aquele sorriso e disfarçadamente eu olhei em volta, todos nos fitavam. Aliás, todos a fitavam. - Eu não quero ser egocêntrica nem nada parecido, mas eu não suporto essa sensação - ela dizia, e então percebi que ela perdia o muro de gelo que ela mesma havia construido em volta dela. apertava seus dedos uns aos outros, como se estivesse incomodada e nervosa.
– Você... Consegue... – engoli a seco. Nada passava por minha garganta encarando aquela garota se tornar de confiante pra tímida como num passe de mágica.
– Shi... – ela colocou uma das mãos em meus lábios e fechei os olhos ao senti–los frios. – Vamos entrar. – sussurrou antes de direcionar suas mãos à minha e me puxar.
Entramos no shopping, ela havia soltado minha mão e mantinha seu olhar pra frente, enquanto eu não conseguia desviar meu olhar dela, babando descaradamente na garota ao meu lado.
– Você... Quer fazer o favor de... Parar de me olhar? – pediu, as últimas palavras com certo desespero divertido.
– Ér...me desculpa – sussurrei, um pouco sem reação. Nunca imaginei que ela tivesse a bunda daquele tamanho, sério. - Você... parece que tem um imã, não consigo parar de te olhar - eu confessei, e então sorri vitorioso quando vi suas bochechas ficarem vermelhas... violentamente.
– O que quer comer, ? – mudou de assunto, mordendo o lábio em seguida. Não havia mais deboche na voz, nem mesmo atitude... masculina.
– Não sei, qualquer coisa. E pára de me chamar de . – pedi rindo fraco junto a ela.
– Tudo bem. – sussurrou, e se calou de repente.
Tinha apenas um sorriso no canto da sua boca, e suas bochechas coravam cada vez mais. Quando, provavelmente, não estava mais suportando aqueles olhares sobre si, ela abaixou a cabeça, me fazendo automaticamente envolver meus braços por seu pescoço e a puxá–la pra mim sem parar de andar.
– Me desculpa por te fazer passar por isso. – sussurrei, ainda abraçado a ela e sentindo alguns arrepios. Dei um beijo no topo de sua cabeça, a ouvindo dizer algo que não compreendi, mas dei de ombros e a soltei com um sorriso, feliz por senti–la tão perto.
– Vamos ao McDonald's? – perguntou de repente, arrancando um riso fraco da minha parte.
– Vamos. – sorri suave, puxando–a pela mão. Ela sorriu também e veio atrás de mim, ainda segurando fortes os meus dedos que deviam estar suados devido ao calor que eu sentira naquele momento.
– Vamos...pela escada de...emergência? – perguntou, me fazendo parar mesmo no meio do corredor. Olhei pra ela, que tinha um meio sorriso, com uma expressão suplicante e instantaneamente suas bochechas voltaram a cor rosada, me fazendo entender. Eu ri fraco, e a puxei pela mão novamente, indo em direção a saída de emergência.
Abri aquela enorme porta e soltei as mãos de , dando passagem pra que ela pudesse entrar.
Ela sorriu quando passou por mim, deixando seu perfume. Me controlei, fechando a porta.
– Obrigada, . – sorriu enquanto eu me virava pra ela.
Sorri em resposta e por alguns instantes ela ficou me encarando. Correspondi o olhar, perdendo o sorriso aos poucos.
Ela percorreu os olhos por meu rosto, alterando a expressão a cada ponto que fitava, me causando um leve arrepio quando se aproximou um pouco mais.
Ouvi um barulho que me assustou, mas não a ela. Olhei pro chão, ela havia deixado a bolsa cair, mas não se preocupou e me assustou ainda mais quando senti seus braços envolver meu pescoço, me fazendo olhá–la com a expressão confusa.
Ela ainda sorria, e agora fitava meus olhos.
Receoso do que ela pudesse fazer, coloquei as minhas mãos em sua cintura e a puxei mais pra perto, me encostando na grande porta atrás de mim.
Ela, simplesmente, pôs a cabeça em meu peito e eu dei um suspiro aliviado. Sim, aliviado. Se aquela garota fizesse qualquer movimento inesperado, eu já não me responsabilizaria por meus atos.
– Por que você é o único que me entende? – perguntou, visivelmente frágil, com a voz abafada por meu peito me fazendo rir baixo.
– Sabe, eu não sei. – respondi sincero. – Você... mexe comigo. – sussurrei, fitando o nada com um sorriso. Ela me olhou rapidamente e fez uma expressão estranha, a qual não consegui entender.
– Mas...eu era a lésbica, não era? – ela voltou com aquele tom debochado, o qual, estranhamente, eu já estava sentido falta e me soltou, me olhando com o típico sorriso cínico.
– Eu não sei. – engoli a seco tirando o sorriso idiota da cara. – Você me confunde. – falei sério, visivelmente confuso com o rumo que a conversa tomou.
– Ah... – murmurou com uma careta. Ela pairou o olhar pelo chão, e eu tentei encontrá–lo, mas rapidamente ela me se aproximando mais (como se isso fosse possível).
Novamente, ela se aproximou de meu pescoço e passou o rosto por ali, me fazendo fechar os olhos.
– Você... cheira tão bem. – sussurrou sem se afastar. Eu não podia abrir os olhos, eu estava concentrado em me controlar.
– Oobrigado... – consegui dizer entre engolidas a seco enquanto colocava minhas mãos em sua cintura.
Senti uma de suas mãos tocar meu peito e abrir um botão de minha camisa, me fazendo entrar em desespero, de certa forma.
Eu ainda estava de olhos fechados quando ela abriu mais três botões da frente e senti seus lábios tocar meu peito. Soltei um gemido involuntário.
Seus lábios passaram por todo meu peito enquanto eu apertava levemente a cintura daquela garota. Eu sentia calafrios e minha respiração estava forte, pesada; então deixei meus lábios entreabertos pra que o ar pudesse sair por ali, e relaxei a cabeça pra trás, encostando–a na porta. Levei uma das mãos até seus cabelos e os acariciei quando ela subiu seus beijos pro meu pescoço, dando uma leve mordiscada.
– Eu disse que você poderia estar errado em uma das duas conclusões. Ou nas duas. – disse sarcástica em meu ouvido, me fazendo arrepiar. Fiquei imóvel, mas ela se afastou. Abri os olhos, deixando meus braços relaxados ao lado do corpo e desinclinei a cabeça, a fitando com um sorriso suave nos lábios.
– E se eu não estiver tão certo das minhas conclusões? – perguntei, enquanto ela levava suas mãos até minha camisa novamente.
– Aí... – pensou fechando os botões, enquanto, novamente, eu levava minhas mãos à sua cintura. – Qual seria a próxima conclusão? – perguntou quando terminou de fechar os botões.
Suspirei.
– Que você é garota mais estranha, emo e mais linda que conheço.
– Talvez você conheça uma só. – disse, rumando suas mãos a sua cintura e tirando minhas mãos de lá. – E você continua com a teoria que sou emo? – perguntou, colocando meus braços ao lado do meu próprio corpo, sem desviar seu olhar do meu.
– Por que não?
– Definição de emo: pessoas com problemas emocionais e que de tão carentes, escutam músicas sentimentais e leva ao homosexualismo. Só vivem de...
– Talvez nem todos sejam assim. – eu a interrompi com um sorriso vitorioso, e ela se abaixou ainda me fitando, pegando sua bolsa no chão. – Você pode ser uma delas.
– Mas por que essa insistência em dizer que sou emo? – ela fez uma careta, me fazendo rir.
– Sei lá. Pelas rou...
– Não estou vestida feito emo. – me interrompeu.
– Não agora. – sorri. – Você podia ser sempre assim.
– Não, obrigada. – me deu as costas, indo em direção às escadas.
Quatro "Quem te enganou dizendo que emo são 'pessoas com problemas emocionais e que de tão carentes, escutam músicas sentimentais e leva ao homossexualismo'?"
Passei as mãos pelo rosto, eu estava suando.
Eu precisava ir atrás dela, mas meu corpo estava imóvel.
Suspirei e retomei meus sentidos, provavelmente ela já estava no andar de baixo.
Me direcionei às escadas e as desci rapidamente, pulando alguns degraus e me segurando no corrimão. A cada passo preciso que eu dava, um barulho mais alto se ouvia, e quando e eu a vi, ela segurava a grande porta do andar debaixo, me encarando séria, me fazendo parar onde eu estava.
– Vai ficar aí? – perguntou ao notar que eu a encarava sem reação, e mordeu o lábio em seguida.
Dei um sorriso fraco e desci as escadas correndo, sem encará–la diretamente.
Quando levantei meu olhar a ela, ainda me encarava com um sorriso sexy, sem mover um dedo da imensa porta.
– Te faço companhia. – sussurrei com um pequeno sorriso canto de boca, enquanto ela sorria também pegando em uma das minhas mãos, soltando, enfim, a porta. Mesmo receoso, eu deixei que ela continuasse o movimento, então notei que ela colocava meu braço em torno de seu próprio pescoço, e me puxou pela cintura, ficando bem próximo a mim.
Dei de ombros, e ela abriu a porta com um sorriso no canto do lábio e metade do rosto corado.
Caminhamos agarrados em silêncio, até que eu o cortei:
– Quem te enganou dizendo que emo são 'pessoas com problemas emocionais e que de tão carentes, escutam músicas sentimentais e leva ao homossexualismo' ? – eu tentei fazer uma voz fina na definição que ela mesma usou e na boa? Saiu bem gay, a fazendo rir.
– Sei lá! – riu mais um pouco. – Na verdade, eu só acho que ser emo é gostar um estilo de música, a pessoa quem escolhe. E... a parte do homossexualismo, – riu fraco – eu só ouvi pessoas dizendo, nunca levei isso a sério. Eu só queria saber se você concordava comigo. – sorriu me olhando brevemente.
– Sabe que eu não concordo, não é? – ela rolou os olhos.
– Sei, . – disse com uma careta, enquanto eu voltava meu olhar pra frente.
– E como sabe meu sobrenome? – perguntei e novamente ela riu.
– Minha tia é diretora do colégio, isso ajuda um pouco. – voltou a rir e eu a olhei incrédulo.
– Ajuda o que? Com que intenção você foi saber meu sobrenome? – eu já estava me sentindo um idiota, louco pra saber a resposta.
– Segredo, . – ela riu fraco com um sorriso cínico, dando ênfase em meu sobrenome.
– Uh, que menina misteriosa! – falei com a voz sombria.
– Uh, que menino curioso! – ela tentou imitar minha voz, rindo em seguida.
– Vamos lá pra casa hoje? – sussurrei, me inclinando pra ficar próximo ao seu ouvido.
– Hum, melhor não. – entortou os lábios enquanto eu voltava em minha posição inicial, ainda com o braço em torno de seu pescoço.
– Por que? – suspendi a sobrancelha, encarando–a ainda com os lábios tortos.
– Seus amigos vão estar lá, eu não sei se eles vão com a minha cara e eu...
– Só por isso? Então você vai. – sorri vitorioso e ela me olhou.
– Quem garante, mocinho? – parou de andar e pôs a mão na cintura, mesmo no meio do corredor.
– Eu, mocinha. – eu a puxei pela cintura, e senti seu hálito tocar em meus lábios.
– E se eu não quiser? – sussurrou fitando meus lábios, ainda com os braços relaxados ao lado do corpo, enquanto eu mantinha minhas mãos em sua cintura.
– Eu vou te seqüestrar. – sorri vitorioso e ela fez uma falsa expressão de medo e surpresa, me fazendo rir encostando nosso narizes. Fiz uma careta roçando meu nariz ao dela, enquanto ela levou uma das mãos ao meu pescoço, me fazendo sentir arrepios.
– Tudo bem, – ela se afastou, soltando meu pescoço – eu vou com você. – sorriu, e eu a soltei, . Voltamos a caminhar lado a lado.
– não, meu nome é 'amor'! – falei sorrindo e ela gargalhou em pleno shopping. – Além de estranha é escandalosa – levei um tapa no braço, rindo do modo gostoso que ela ria.
O medo estava evidente por sua face, mas eu a puxei pra mim e caminhamos juntos até os caras, que ficaram sérios de repente.
– Ér... Oi, dudes – falei, ficando um pouco vermelho como ela.
– Oi... – eles disseram, olhando dos pés a cabeça. Os olhares deles, ao menos, se cruzaram com o meu!
– Tem algum problema ela... Hum... – eu não sabia ao certo como me expressar, e notei que estava desconfortável ao meu lado, já que ela apertava os dedos fortemente, enquanto eu ainda gaguejava aos meus amigos.
– Não – me olhou vagarosamente – Tem problema algum. – sorriu, enfim, me olhando nos olhos. Sorri como resposta, e voltei a caminhar até o sofá, onde ainda fitava com o queixo caído, e os outros dois estavam com Joystick nas mãos, nos vendo se aproximar do sofá e sentarmos ao lado de .
Dentre sussurros entre si, os caras voltaram a jogar.
– , eu... – ela começou, passando as mãos pelo rosto, me fazendo olhá–la. – Eu não...eu não vou conseguir ficar... – ela mordeu o lábio inferior e logo olhou pra mim.
– Por que não? – perguntei, passando meus braços sobre as costas do sofá, o colocando sobre o outro lado do corpo dela em seguida, segurando seu braço.
– , eu não sou assim, sabe? Eu não consigo. – ela sussurrou fitando o nada.
– 'Assim' como? – perguntei, visivelmente confuso.
– Essas roupas... Isso...não combina comigo. – ela olhou para as próprias roupas com nojo na expressão.
– Quer ir pra casa? – perguntei dando um beijo no canto de seu rosto. – Depois a gente volta. – sorri quando ela me olhou.
– Tá, tudo bem. Obrigada. – ela deu um sorriso canto de boca, mas logo desviou o olhar, corando levemente.
– Dudes, a gente já volta. – avisei, dando a mão à e indo em direção a saída.
– Vamos em um parque de diversões? – perguntou com animação na voz, e eu a olhei sem parar de andar. Ela sorria de forma boba, fitando o nada com os olhos brilhando.
– Vamos...mas por que essa vontade repentina? – perguntei rindo fraco.
– Ai, seu insensível! – ela me deu um leve tapa no braço, soltando minha mão.
– Ah, eu apanho e eu que sou o insensível? – fiz uma careta e ela me deu língua, voltando o olhar pra frente.
– Só acho que seria legal ir à um parque de diversões com você, ué – disse dando de ombros como uma cara sapeca, e eu não resisti e apertei suas bochechas, parando no meio da calçada. – Eu quero ganhar aqueles ursinhos imensos, sabe? – ela disse com gestos exagerados, e eu a olhei com a testa enrugada.
– Pra quê? – eu ria da sua expressão infantil.
– Ah, eu gosto, ué! – fez biquinho, aquilo era tentador, sério. Embalancei a cabeça negativamente e voltei meu olhar pra frente, me controlando.
– Tudo bem - sorri pra ela, anotando na mente essa ideia repentina – Por que... agora você tá tão diferente? – questionei de repente, sem pensar antes, é claro. Senti o olhar dela em mim, me fazendo olhá–la.
– 'Diferente', – fez aspas no ar – como? – me olhou com curiosidade, sem parar de andar.
– Não sei. Você... tá diferente da menina que conheci no colégio há pouco tempo.
– E isso não te agrada? – quis saber prontamente.
– Por que pergunta? – suspendi a sobrancelha, desafiador, enquanto ela revirava os olhos e voltava seu olhar pra frente. – Está tentando ser quem você não é? – a primeira coisa estúpida que passou por minha cabeça. Mas talvez fosse verdade.
– Claro...claro que não...! – sua voz ficou trêmula e nervosa ao mesmo tempo, ela não conseguiria me enganar.
– Por que isso agora? – ela me olhou.
– , não quero ser quem não sou. Nem agradar à quem conheço há pouco tempo. Só que... – ela fitou o chão, ainda com as bochechas corando – você me deixa diferente. – disse por fim, me fazendo sorrir impulsivamente, mesmo que eu não tenha entendido o que ela quis dizer com isso.
– O seu diferente seria como? – perguntei com dúvida evidente na expressão, enquanto ela voltava a me olhar brevemente.
– Não sei. Me sinto...diferente. – ela soltou uma risada fraca, nervosa. – Mas... você não me respondeu: – me olhou – isso te agrada?
– Me agrada se você se sentir bem. Caso contrário, esqueça. Seja emo. – claro, recebi um tapa no braço por isso.
Rapidamente, ela mudou de assunto, como se estivesse necessitando disso. Eu ignorei, talvez ela não estivesse se sentindo tão bem falando sobre isso.
Com ela em minha costas, ela me mostrou ao longe, onde ficava a casa dela, e ouvindo sua risada bem próximo ao meu ouvido, me direcionei pra lá com tapas no braço como se eu fosse realmente um cavalo.
Eu a coloquei no chão e ela abriu a bolsa revelando um chaveiro em forma de guitarra azul com algumas chaves penduradas. Algumas não, bastante chaves penduradas.
– Caramba, quantos quartos tem na sua casa? – perguntei, ainda fitando aquele chaveiro. Ela riu, abrindo a porta.
– Alguns. – disse indiferente, me dando passagem pra passar. – Mas tenho chaves reservas.
– Pra quê? – suspendi a sobrancelha enquanto entrava, sentindo que ela me seguia com o olhar, mesmo com a mão na maçaneta fechando a porta.
– Pra caso eu perder. – ela riu, imaginando minha resposta pra isso.
– Ah, entendi. – embalancei a cabeça, tentando absorver o que ela acabou de dizer. Ela se virou pra mim, sorrindo. – Então, se você perder o chaveiro, você não vai perder as chaves reservas? – olhei pra cara dela de poucos amigos, cruzando os braços.
– Eu não tinha pensado nisso. – sorriu de novo, pegando em meu braço e o descruzando. – Vamos comer. – incrível a capacidade de ela mudar de assunto.
– Seus pais não estão? – perguntei enquanto ela me arrastava para a cozinha.
– Não, moro sozinha.
– Uh, menina independente! – falei com a voz sombria, e ouvi a risada baixa dela. Ela me soltou quando chegamos a uma cozinha preta e branca, assim como a sala, e como pude ver, o resto da casa.
Fiquei por alguns segundos analisando a cozinha, e aquilo era algo incomum pra uma menina da idade dela.
– ? – ela me chamou com a voz suave, me tirando do leve transe.
– Hum? – me virei pra ela que estava próxima a pia, e sorri ao vir o meio sorriso que ela deu, como se estivesse aliviada.
– O que foi?
– Não, nada. Só estou... pensando. – falei, tentando ser o mais convincente possível. E acho que consegui.
– Tudo bem. – ela sorriu abertamente. – Eu vou... trocar de roupa e já volto. – Ela caminhava lentamente em minha direção, voltando a ter passos masculinos.
– Ok. – sorri, e ela parou ao meu lado.
– Se quiser comer alguma coisa, pega no armário. – ela sussurrou antes de sair da cozinha.
Dei de ombros e peguei um biscoito qualquer que estava sobre a mesa, indo pra sala saboreando aquela delícia que eu nem sabia que tipo de biscoito era.
Ainda autistando na sala, comendo aquela coisa tentadora, ouvi passos pela escada.
Parei meus movimentos com a boca lentamente, até que pararam totalmente quando a vi se aproximar com um sorriso tímido.
Suspirei.
Ela usava um casaco que parecia ser algo de pano fofo que tapavam metade de seu corpo enquanto seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo frouxo sobre o capuz do casaco cinza escuro, enquanto suas pernas eram cobertas por uma calça jeans skinny.
Ela juntou as duas mãos na frente do corpo e, ainda com a expressão tímida, ela se sentou ao meu lado, sem me encarar.
– Olha pra mim. – pedi com um sorriso, vendo seu olhar pairar sobre o tapete da sala. – Olha, . – pedi de novo, e ela me olhou vagarosamente, ainda com um sorriso tímido. – O que houve? Tá com vergonha de mim? – eu ainda tinha um sorriso pra ela, que fitou a ponta do sofá, abrindo outro sorriso com as bochechas coradas.
– Pode ser. – riu fraco, nervosa. – Ultimamente você anda me deixando... fora de mim. – meu sorriso murchou e eu pisquei algumas vezes, tentando entender o que ela quis dizer.
Fiz silêncio.
– Não entendi. – falei, a fazendo rir e me olhar brevemente.
– Você está... – ela coçou a nuca, mudando sua expressão pra confusa. – Estou sendo fraca, sendo quem eu não sou, – ela me olhou – sabe? – riu fraco de novo, frágil.
– Por que?
– Eu realmente não sei. – ela voltou a fitar o tapete com as bochechas rosadas. – Eu sinto...um carinho enorme por você. – entortou os lábios. – Em tão pouco tempo.
– Carinho? – sorri instantaneamente. Não era exatamente o que eu queria ouvir, mas não sei porquê motivo, eu me senti feliz por ouvir.
– É... não sei, acho que você é o único que consegue me fazer sorrir. – ela me olhou e sorriu, me fazendo rir.
– Sabe, – comecei, fitando o mesmo ponto que ela – eu também sinto um carinho enorme por você. Parece que... eu sinto que tenho que estar sempre perto de você, – olhei pra ela – entende? – eu não sabia se eu estava me explicando certo, de modo que ela me entendesse do jeito que eu queria. Ela assentiu, me fazendo sorrir mesmo que ela não visse.
E então eu passei meu braço pelas costas do sofá até tocar o outro lado de seu corpo e a puxei pra mim, dando um beijo no topo de seus cabelos e a sentindo estremecer sob meus braços, me abraçando pela cintura e encostando a cabeça em meu peito.
– No início, eu até tentei ser forte, mas... eu não consegui por tanto tempo.
– Realmente, não estou te entendendo – falei sincero, apertando–a mais contra mim.
– Eu nunca tive amizades com homens, e vendo que você queria se aproximar, eu fui... – ela fez silêncio – rebelde – fez aspas no ar – por algum tempo, mas não por muito tempo.
– E por que não queria que eu me aproximasse de você?
– Eu nunca quis me envolver com homens. – respondeu prontamente.
– Por que?
– Você me faz perguntas demais. – ela riu fraco, levantando a cabeça pra que pudesse me olhar nos olhos.
– Será por quê você é misteriosa demais? – sorri, e após senti seus lábios tocar minha bochecha. Senti uma sensação diferente, como nunca senti, mesmo que o beijo tenha sido na bochecha.
– Eu não sou misteriosa, – começou, voltando a encostar a cabeça em meu peito – sou confusa. – a senti rir.
– Tudo bem, senhorita 'confusa'. – fiz aspas no ar, com uma pitada de deboche na voz, a sentindo rir de novo. – Vamos pra minha casa? – perguntei após alguns e bons minutos de silêncio, sentindo sua respiração lenta sobre minha camisa social.
– Vamos. – ela sorriu, se desencostando lentamente de mim com um sorriso.
Por mais que eu tenha me sentindo extremamente feliz com determinada parte da conversa, a afirmação que ela fez sobre nunca querer se envolver com homens, estava martelando em minha cabeça até o final do dia.
Cinco "Os lábios daquele cara encostaram–se aos lábios dela e ela não impediu que aquilo acontecesse."
Entrávamos no colégio conversando sobre qualquer coisa quando eu a vi de longe, sentada no muro próximo a entrada do prédio.
– Eu...já volto. – avisei, indo em direção a ela e sem me importar com que meus amigos disseram. – Oi... – sussurrei próximo ao seu ouvido, que estava tapado pelos fones brancos.
Ela teve a típica reação de susto e me olhou, tirando os fones do ouvido.
– Ah, oi, amor. – ela disse com um sorriso, e eu devia rir por fraco por ela levar a sério quando eu disse que meu nome é amor. Mas eu fechei a cara, pois senti um cheiro de nicotina. Novamente.
Continuei encarando-a.
Ela virou a cabeça pro outro lado e depois jogou o que tinha na outra mão, longe.
– Eu já te disse que isso vai te fazer mal. – falei calmo, procurando seu olhar que estava preocupado em guardar seu iPod.
– E eu já disse que não faria diferença. – disse com desdém, fechando sua mochila que estava sobre as pernas.
– Mas faria diferença pra mim. – falei ainda calmo, sentindo uma sensação diferente quando ela me olhou nos olhos, ela me fuzilava com o olhar.
– E por que insiste em dizer isso? – ela aumentou um pouco o tom de voz, visivelmente chateada por eu estar dizendo aquilo.
– Porque é verdade. – falei como se fosse óbvio, dando de ombros.
– Eu não acredito. – disse com um olhar desafiador, mantendo o olhar em mim.
Ficamos nos encarando por alguns segundos, meu olhar desafiando-a a dizer ao contrário e o dela lutando pra ser convincente.
Até que ela se cansou e desviou o olhar para o outro lado.
– Eu não consigo confiar em ninguém, é de mim. – falou com a voz trêmula, logo mordendo o canto do lábio.
– E as coisas que você me disse ontem? – sussurrei, a fitando baixar a cabeça. – Você... ainda sente? – mordi o lábio temendo a resposta.
Ela embalançou a cabeça levemente, fechando os olhos com força.
– Sinto, . – disse finalmente, me fazendo suspirar aliviado, abrindo um sorriso idiota. Aquele sorriso idiota.
– Confia em mim? – perguntei novamente. Ela abriu os olhos lentamente e então eu procurei seu olhar. – Hun? – passei as mãos por seus cabelos levemente, e então ela embalançou a cabeça positivamente, de modo discreto, me fazendo sorrir.
Tirei as mãos de seus cabelos e ela levantou a cabeça.
– Você... está chorando? – arregalei os olhos e então ela passou os dedos sob os olhos, onde lágrimas caiam, borrando a camada de lápis de olho.
– Não...
– Vai me dizer que é um cisco que caiu nos seus olhos? – perguntei a fazendo rir fraco junto a mim. – Me desculpa se te fiz chorar, não foi a intenção, acontece que eu...
– Tudo bem, ... – ela se virou e pôs a mão em meus lábios, me fazendo fechar os olhos, mesmo com seu toque simples. – Não diga nada. – abri os olhos e ela sorria pra mim; um pequeno sorriso, mas meigo o qual eu raramente via.
– ! – ouvi uma voz a chamar, me tirando do transe que seu sorriso me fez entrar.
Que eu me lembre, é a mesma voz que a berrou no meio do corredor no primeiro dia de aula. Ela olhou por cima de meu ombro e riu fraco ao me ver revirar os olhos. – Tá sabendo?! Festa na casa do Richard! – a garota jorrava as palavras em meus ouvidos, tão alto que chegava a doer os tímpanos. Me virei, e olhei bem pra menina.
Arregalei os olhos, ela era bem... gostosa. Bom, eu não tinha notado isso no primeiro dia de aula, mas ela era realmente hot.
Seus olhos eram castanhos claro, chegavam a brilhar. Seus cabelos eram escorridos e quando chegavam nas pontas, faziam cachos perfeitos.
– Que que tem? – ela deu de ombros com seu tom debochado, enquanto eu fitava a menina ao meu lado que pareceu nem ter notado minha presença.
– Você vai, ué! – ela disse como se fosse óbvio, e a risada estridente e ao mesmo tempo gostosa de me fez olhá–la com um ponto de interrogação na cara.
– Ei, escandalosa! – falei, cutucando sua barriga.
– Piada é pra rir, ! – ela ainda ria; pouco, mas ria. E ela conseguiu me fazer rir com seu jeito de rir.
– Então tá, você vai. – a menina ao meu lado disse impaciente com um tom autoritário que fez parar de rir.
– , eu não vou, você sabe. – ela respondeu num tom sério, fazendo a garota bufar.
– Então, tá. – ela nos deu as costas e fitou o nada, revirando os olhos.
– Você vai. – ela me olhou.
– Como? – perguntou como se quisesse se certificar do que eu estava dizendo.
– Você vai. – repeti e ela riu irônico.
– Claro que não, odeio esse tipo de festas. – ela encostou a cabeça na parede do muro e fitou o céu, cruzando os braços.
– Já foi em alguma? – perguntei desafiador e ela bufou, entortando os lábios.
– Não. – respondeu simplesmente.
– Então como sabe o que rola lá?
– Eu até imagino. – respondeu rindo, como se estivesse lembrando–se de algo.
– Vamos, vai. Eu vou com você. – falei e ela riu mais um pouco.
– Não to a fim, .
– Então você prefere ficar em casa mesmo?
– Prefiro. – deu de ombros, me fazendo olhá–la incrédulo.
– Por favor, amor, vamos comigo? – ela me olhou rapidamente quando eu a chamei de 'amor'.
– Não.
– Por que?
– Eu teria que usar roupas de meninas chatas e patricinhas...
– Posso ser seu estilista. – afinei a voz e ela riu, dando um tapa em minha testa.
– Hein, vamos? Só pra distrair...
– Tudo bem. Mas por que diabos você sempre consegue me convencer das coisas?
– Porque sou foda – dei meu melhor sorriso, a vendo rir. – Não quero te ver mal. – sussurrei próximo de seu ouvido, segurando em sua cintura e dando uma mordida em sua bochecha.
Seus braços contornaram meu pescoço e ela virou o corpo, descendo do muro.
– Não verá. – ela me deu um beijo na bochecha e se soltou.
À tarde fomos ao shopping escolher uma roupa pra ela. Não que ela realmente quisesse ir, mas eu a forcei a ir.
De alguma forma, eu gostava de estar com ela fora do colégio, porque parecia que ela se tranformava.
Apesar de demorar pra encontrar uma roupa do gosto dela, nós achamos quando eu ameacei a desmaiar de fome.
Como combinado, no dia da tal festa, eu passaria na casa dela pra buscá-la, já que a casa dela era caminho pra casa do tal do Richard. Não era muito longe, apenas uns quarteirões.
Só que o combinado era ela estar pronta, e não com cara de sono, o cabelo despenteado, sem saber exatamente se ia ou não com aquela roupa.
Decidi ajudá-la, mas não era uma ideia tão boa assim...
– Ai, porra! – ela reclamou quando enfiei o lápis no olho dela.
– Desculpa, amor, mas você não fica quieta! – reclamei também, voltando a passar o lápis em seus olhos, enquanto ela embalançava as pernas insistentemente, sentada sobre o vaso sanitário.
– Mas não precisava enfiar esta merda no meu olho! – ela ainda tagarelava enquanto eu tentava acertar a parte inferior da pálpebra.
– Quieta! – falei de novo e ela bufou, me fazendo rir e enfiar de novo o lápis em seus olhos.
– Ai! – ela chegou pra trás e seus olhos lacrimejaram levemente, fazendo com que ela colocasse os dedos nos olhos.
– Me desculpa! – coloquei o lápis em cima da pia e a olhei preocupado. Ela coçava os olhos freneticamente e não me respondeu. – ? – chamei, mas ela não me deu atenção. – ?! – chamei de novo e ela fez um barulho com a boca. – Tá bem?
– To – ela praticamente sussurrou, ainda esfregando os olhos.
– Vai, tira a mão. – pedi, tentando puxar seus braços.
– Ah, não – disse como uma criança, me fazendo rir fraco.
– Tira, amor. – falei num tom baixo, puxando seu pulso. – Abre os olhos.
– Tá doendo! – falou de olhos fechados. Sem me importar, levei meus dedos até seu olho atingido e os abri lentamente. Sorri ao ver o brilho em seus olhos e me aproximei ainda abaixado, e assoprei seus olhos, sentindo sua respiração tocar meu queixo, me deixando levemente arrepiado.
– Amor...não precisa tanto! Meu olho está começando a arder. – eu ainda assoprava, mas eu estava em transe por ver seu rosto tão próximo.
– Ah, – encostei meu nariz ao dela – me desculpa. – falei sorrindo e ela assentiu com a cabeça.
– Mas a culpa é sua por querer passar lápis em mim. – ela disse enquanto eu me afastava antes que eu pudesse não controlar meus atos.
– Eu queria te ajudar – falei manhoso, pegando o lápis de novo.
– Nem pense em continuar passando essa coisa em mim! – ela empurrou meu braço quando eu aproximei o lápis de novo nos olhos dela.
– Por que? – suspendi a sobrancelha e fiz biquinho. Ela riu fraco e abriu um sorriso sapeca, se aproximando lentamente.
– Não quero ser atingida de novo por um desajeitado. – sussurrou fitando meu biquinho e depois deu um beijo no canto de meus lábios, me fazendo fechar os olhos e sentir minha nuca suar.
– Não sou desajeitado. – abri os olhos e ela estava de volta a posição de antes.
– Ah, eu que sou – ela suspendeu a sobrancelha e cruzou os braços – Agora sai e me deixa trocar de roupa.
– E seu lápis de olho? – perguntei enquanto ela me empurrava literalmente para fora do banheiro.
– Deixa que eu passo! – ela arrancou o lápis de minha mão quando eu estava do lado de fora.
– Mas... – ela bateu com a porta na minha cara.
– ? – ouvi sua voz abafada.
– Que é?! – cruzei os braços, emburrado.
– Se quiser comer alguma coisa, pega na cozinha. E se quiser maquiagem, pega no meu quarto! – eu tinha quase certeza que ela tinha uma careta sapeca, segurando a risada.
– HA–HA, muito engraçado! – falei ainda emburrado, dando as costas pra porta do banheiro.
Como ela havia permitido, fui até a cozinha pra pegar alguma coisa. Eu estava com fome, ué...
Sentei no sofá, comendo um biscoito qualquer que eu achei no armário, e coloquei as pernas cruzadas na mesa de centro, ligando a TV em seguida.
Parei num canal de futebol, já que não tinha nada de interessante nos outros canais e alguns minutos depois eu ouvi passos, me fazendo deixar de ser abusado e tirar os pés da mesa.
Como um idiota, eu fui parando os movimentos com a boca, já que eu mastigava o biscoito, e deixei alguns grãos cair porcamente em minha blusa branca social. Fiquei de boca aberta enquanto ela se aproximava com um sorriso tímido.
Seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo frouxo com uma franja jogada pro lado. Sua maquiagem era leve: a camada fina de lápis nos olhos e um brilho básico, nada mais. Ela estava mesmo usando aquela blusa que ela havia comprado e uma calça jeans skinny, com um All Star cinza nos pés.
– Vamos? – disse se embalançando lentamente com as mãos na frente do corpo, entrelaçadas.
– Va–vamos... – embalancei a cabeça levemente, saindo do transe e me levantei, desligando a TV em seguida.
– Ah, eu não acredito que você veio! – aquela garota só sabia gritar?
Lá vinha ela saltitando enquanto ultrapassávamos a porta da casa do tal Richard.
– É, ele me obrigou. – , que estava em minha frente, disse apontando pra mim sobre o ombro com o dedão.
– Ah, oi! – ela disse, me olhando dos pés a cabeça. Sorri forçado, e acenei. – , posso falar com você um minutinho? – ela finalmente disse num tom normal para um ser humano.
– Ah, ér, tudo bem... – ela respondeu visivelmente confusa, sendo puxada pela garota. – , eu já volto. – ela disse com um sorriso sem graça, sendo realmente arrastada.
– Tudo bem. – sorri confiante e ela sumiu com a garota entre a multidão de jovens que dançavam e se esfregavam no meio da pista que foi feita na sala.
Eu não conhecia praticamente ninguém e os dementes dos meus amigos não quiseram me acompanhar, alegando que festas de menino riquinho são um porre. Eles preferiram ir ao pub.
Suspirei, indo procurar um lugar pra ficar até voltar e o único espaço que achei foi ao lado de fora, nos fundos da casa, onde tinha adolescentes bebendo em volta da piscina e próximo ao jardim, que por sinal não era tão chamativo assim.
Me sentei em um banco branco que havia por ali e fitei aquele lugar se encher cada vez mais. Eu estava sozinho, eu não conhecia ninguém.
Até que ouvi uma voz rouca ecoar e olhei pro lado, vendo com a expressão séria sentar–se ao meu lado.
– Oi, amor... – falei sorrindo, mas ela ainda me encarava séria, murchando o meu sorriso. – O que foi? – a preocupação em minha voz e em minha face era evidente.
– Sabe a , aquela que veio falar comigo? – começou, sem alterar a expressão séria.
– Sei... – eu estava confuso agora.
– Então. Vai lá na cozinha, ela está te esperando. – deu um meio sorriso, enquanto eu mantinha a expressão confusa.
– Esperando... pra...?
– Vai, . Divirta–se... – abriu mais um pouco o sorriso.
Ok que a amiga dela era gostosa e tudo o mais, mas me parecia estranho com chegar com ela e pegar a amiga.
– Mas..., eu... – ela me interrompeu com os dedos em meus lábios, ainda com um sorriso.
Suspirei, e me levantei, dando um beijo em sua testa em seguida.
Percebendo que ela realmente não se importava, eu entrei na casa e procurei pela cozinha. Avistei a menina saltitante sentada num dos bancos da bancada branca com as pernas cruzadas de forma sexy, me fazendo suspirar.
– Oi... – me aproximei e sorri, sentando no banco ao seu lado e reparando no decote que ela estava usando. Juro que quando eu cheguei, ele não estava tão chamativo assim.
– Achei que não viesse. – ela sorriu fitando meus lábios.
– E então...? – eu sabia exatamente pra quê ela havia me chamado ali, mas se fazer de desentendido é fazer charme. Às vezes.
– Vamos logo ao que interessa? – sorriu maliciosa, e sem esperar minha resposta, ela pôs a mão em meu pescoço, me puxando pra perto.
Nossos lábios se chocaram, e não senti nada demais ao sentir sua língua tocar a minha, apenas fechei os olhos. Eu me virei sobre o banco e coloquei minhas mãos em sua cintura, a fazendo levantar e se aproximar. Abri minhas pernas e ela ficou entre as mesmas, arranhando minha nuca com força. Eu sabia que iam ficar marcas ali.
Ela me abraçou, fazendo com que nossos corpos ficassem mais próximos e como um flash rápido, eu vi o rosto de , o que me assustou.
Eu a soltei rapidamente, estranhando aquilo. E então me olhou com uma expressão confusa.
– O que houve? – ela perguntou, tentando encontrar meu olhar que pairava pelo chão.
– Não, nada. – respondi ainda um pouco assustado, voltando a olhá–la. – Olha, eu tenho que ir. – avisei me levantando. Ela me deu passagem e logo eu sai da cozinha, sabendo que ela me seguia com o olhar e uma expressão confusa.
Suando um pouco, eu procurei por . Fui até onde eu a deixei, ela não estava lá.
Então eu bufei, rodando a casa inteira. Até que eu a encontrei sentada numa das escadas da casa, olhando o nada com o olhar vazio.
– ? – chamei e vagarosamente ela me olhou.
– Oi – ela deu um meio sorriso e voltou a fitar onde ela olhava antes, enquanto eu me sentava ao seu lado e a encarava. – E então, se divertiu? – perguntou num tom baixo, que pelo som alto que tocava, eu quase que não ouvi.
Dei de ombros, eu não tinha o que responder.
– O que houve? – perguntei, me aproximando pra pôr meus braços em torno de seu pescoço, mas ela se levantou.
– Vou buscar bebidas. – avisou, caminhando em rumo desconhecido, sem olhar pra trás.
Bufei com cara de nada e sentei mais próximo ao corrimão, onde ela estava antes.
Alguns minutos se passaram e ela não voltava, eu não a via em lugar algum no meu campo de visão.
Então me levantei e fui atrás dela, ela teria de estar em algum lugar.
Esbarrei em vários caras que eu já havia visto no colégio, mas não dei a mínima. Eu só realmente me importei quando, ao longe, vi próxima de um garoto. De onde ela conhecia aquele moleque?
Estavam sentados num dos bancos brancos, onde antes eu e estávamos. Ele passou a mão por seu cabelo e ela o fitava de forma estranha, não havia brilho em seus olhos.
Até que eles se aproximaram, próximo demais.
Os lábios daquele cara encostaram–se aos lábios dela e ela não impediu que aquilo acontecesse.
O fato de ter posto uma das mãos na nuca do moleque, me fez ferver de raiva por dentro. Na verdade, eu não sabia ao certo o que estava sentindo e, mesmo sem saber, fechei minhas mãos em punho e, com o sangue borbulhando, fui até os dois, puxando o cara pela gola da camisa.
Sem pensar e controlar o que eu estava fazendo, dei um soco nele, que de tão forte, eu mesmo me assustei e ele caiu de bunda no chão.
– ! – ouvi a voz de atrás de mim, mas não me importava agora. O garoto se levantou e senti uma mão tocar meu ombro, me fazendo desvencilhá–los dos dedos que eu sabia que eram de .
– Tá louco, seu idiota? – o garoto perguntou se pondo de pé, colocando a mão no rosto, que não sangrara, mas estava vermelho. Não sei bem se era pelo soco ou de raiva.
– Qual é a tua?! – me aproximei e novamente senti uma mão em meu ombro. dizia alguma coisa, mas sua voz estava longe, eu só me preocupava em acabar com aquele cara.
Me aproximei mais, dando–lhe outro soco sem motivo, mas ele não caiu no chão e revidou o soco, mas em minha barriga. Doeu, mas a vontade de matá–lo era maior.
Começamos uma guerra e aos poucos fui ouvindo berros de 'Briga, Briga!' se formar cada vez mais.
Um choro incontrolável se destacava no meio daquelas pessoas gritando, o que me fez parar de dar socos insistentes no garoto que estava no chão.
Me levantei, temendo de quem seria aquele choro e então vi me olhando séria, com lágrimas escorrendo e as mãos em punho, do mesmo modo que eu estava antes.
Quando eu ia me aproximar sem me importar com aqueles olhares em mim, ela se virou e se afastou dentre aqueles adolescentes que a seguiam com o olhar.
Meu coração disparou mais do que já estava, e eu não sabia que doeria tanto vê–la chorar daquela forma desesperadora.
Impulsivamente fui atrás dela, que andava rápido caminhando em direção a casa que agora tinha poucas pessoas, já que a maioria foi lá fora ver o vexame que eu havia dado.
Sem olhar pra trás uma vez sequer, ela saiu da casa e caminhou rápido até a calçada, onde se virou pra onde seria sua casa.
– ! , espera, por favor! – eu implorava, correndo atrás dela que agora decidiu correr, sabendo que eu a seguia.
Eu corri mais rápido, mas ela acelerou e logo eu já estava cansado. Ela continuou correndo, mas a vontade de falar com ela e vê–la sorrir novamente me fez continuar correndo, mesmo perdendo o fôlego e arfando do modo em que eu estava.
Eu continuei chamando–a durante a corrida até sua casa e quando ela estava muito próximo ao destino, eu corri o mais rápido que eu podia e enfim, eu consegui tocar seus braços, a fazendo parar sem me olhar.
– Por favor, me desculpa. – falei em sussurros, ainda segurando seu braço. Ela não se moveu, apenas me ouviu.
Alguns segundos se passaram, ouvi seu soluço.
– Me solta. – disse com a voz firme, porém num tom autoritário.
– ... – eu tentava encontrar seu olhar, mas seus olhos estavam fechados.
– Me solta! – ela disse mais alto entre os dentes. Respeitando sua decisão, eu a soltei.
– , eu... Desculpa, eu não que...
– Quantas vezes você vai pedir desculpa num dia só? – ela finalmente me olhou, havia chateação e dor em seu olhar e raiva em sua expressão.
– Eu... me descontrolei. – falei sincero, fitando o chão. Senti minhas bochechas pinicar por sentir seu olhar em mim.
– Você sabe que... eu odeio ser o centro das atenções! – falou firme com um tom de raiva se virando, em seguida, e abrindo a porta. Coloquei a mão na mesma, impedindo que ela se fechasse.
– Por favor, vamos... vamos conversar, ... – eu implorava enquanto ela tentava a todo o custo fechar a porta, mesmo eu estando entre esta e o batente.
Ela parou o que estava fazendo e, me assustando, ela me puxou pela gola e me empurrou na parede.
– Pare de fingir que se importa! Me deixa em paz. – ela disse me olhando nos olhos, mas ainda com as mãos na minha gola.
– Você sabe que... Eu quero você - gaguejei, falando sem pensar enquanto sentia a adrenalina e o a respiração dela em meu rosto me deixar dormente. – Não acredita?
– Não. – me pareceu sincera. - Não, você não me quer, . A única coisa que você quer é acabar com sua dúvida estúpida de...
– Você tá louca?! O que você tá fal...
– Acreditei em você, você me fez ser o centro das atenções, coisa que você sabia perfeitamente que eu odeio. Quer que eu confie em você de novo? – suas lágrimas haviam parado de cair, mas seus olhos lacrimejavam. Era visível que ela lutava contra as lágrimas que, com certeza, queriam cair.
– Você... Precisa acreditar em mim, eu perdi o controle por te ver beijando aquele garoto, eu...
- Então você pode beijar minha amiga e eu...
- Peraí, então você estava beijando aquele loiro... Pra se vingar de mim?!
Ela passou a língua pelos lábios antes de dizer:
- Três coisas: o mundo não gira em torno de você. Eu não me importo que você tenha beijado, transado ou qualquer merda que tenha feito com ela. E na sua concepção, eu sou lésbica.
– Vamos parar com isso?! Eu sei que não é nada disso, você não seria lésbica beijando um garoto – sorri sarcástico.
– Posso ser bissexual. – cruzou os braços, me fazendo aliviar por soltar minha gola.
– Eu não acredito. – cruzei os meus também e a olhei desafiador.
– Então foda–se. – ela me empurrou pra fora e eu fiquei encarando a porta, querendo mais que tudo que ela se abrisse novamente.
Seis "Receoso, mas rápido, eu a puxei pra mim e a abracei, sentindo seu suspiro aliviado em meu peito."
A porra daquela imagem não saia da minha cabeça. Isso era estranho, muito estranho e diferente pra mim.
Eu não sei porque diabos eu estava incomodado com aquilo, mas o fato é que eu sabia que aquilo não era bom nem pra mim quanto pra ela.
Não sei exatamente porque motivo, mas eu a queria perto de mim.
É ridículo, é patético, mas eu sinto.
Eu queria me distrair, eu queria pregar a porra dos olhos e esquecer o que aconteceu. Mas estava impossível: eu fechava os olhos e a imagem dela vinha na mente, me causando um embrulho no estômago.
Quando eu disse que aquela garota estava mexendo comigo, realmente, eu não estava brincando.
– Ei, vai dormir na cama, não? – ouvi a voz de , e então notei que os três me fitavam da porta da sala enquanto eu estava jogado no sofá encarando o teto.
– Se eu estivesse com algum sono, eu até ia. – minha voz saiu trêmula, coisa que eu não pretendia.
Eles deram de ombros e subiram. Apenas veio em minha direção.
Eu sabia que ele ia perguntar algo, mas eu não estava com cabeça nem saco pra conversar sobre isso.
– O que aconteceu? – perguntou, tirando minhas pernas de cima do sofá e sentando onde elas estavam.
– Não, não aconteceu nada. – tentei ser convincente fitando o chão, mas meu amigo me conhece.
– Tá, não me engana. Me fala. – eu o olhei e ele rolava os olhos.
– Ok. – bufei. – Briguei na festa por causa da . – eu continuei o encarando enquanto ele formava uma expressão incrédula.
– Brigou... Por que? E cadê os machucados? – ele olhou descaradamente meu rosto.
– HA–HA. – ri irônico com cara de poucos amigos.
– E por que fez isso? – ele desfez a expressão incrédula e formou uma confusa, me fazendo bufar novamente por ter de explicar o que eu queria esquecer.
– Por eu te visto ele beijando a .
- Você e a estão... estão...
– Isso é o pior. – o interrompi, entendendo o que ele queria dizer. – Não estamos. Não temos nada, somos amigos. – acrescentei, já que ele voltou com a expressão confusa.
– Então por quê diabos você foi bater no cara?
– Não sei. Foi coisa de momento, eu me descontrolei e... – fitei o chão – acabei chateando a .
– ... – ele chamou e como impulso, eu o olhei vagarosamente. – Você tá... gostando dessa menina?
– Não, porra! – minha resposta foi imediata.
– E então!
– Eu não sei! – olhei pro chão, aumentando um pouco o tom de voz me encostando nas costas do sofá. Passei as mãos no rosto, debaixo pra cima, nervoso por estar falando nisso. – Eu... só queria ela perto de mim. – falei como se eu estivesse falando comigo mesmo, ou como se ela estivesse por perto pra me ouvir. Talvez isso fosse o que eu desejava agora.
– Conversa com ela, fala seus motivos. Se ela também te considera um amigo, ela vai te entender. – deu um tapinha em minha costas e depois senti o sofá se mexer. Ele se levantou e eu o segui com o olhar.
***
Cheguei em sala com aquele embrulho no estômago, na esperança de vê–la. Ao menos vê–la.
Mas eu me decepcionei quando não vi seu rosto em nenhum canto daquela sala.
Eu havia notado que o tom de voz dos alunos iam diminuindo a cada passo que eu dava caminhando em direção ao meu lugar com meus amigos atrás, mas eu decidi ignorar totalmente este fato.
Me sentei no fundo e no canto, sentou ao meu lado. Definitivamente, eu não estava com humor pra conversar. Eu tinha coisas mais importantes pra fazer e isso se resumia em dormir.
É incrível que você não consegue dormir a noite inteira, mas quando você tem algo pra fazer, você pega no sono como se estivesse na própria cama.
Acordei assustado com o sinal do final do primeiro período e então levantei a cabeça, tentando focalizar o que estava acontecendo.
Mas a única coisa que consegui realmente focalizar foi entrando em sala, séria como de costume, mas com olheiras e sendo seguida por todos os olhares daquela sala.
Chegando em silêncio no final do corredor sem, ao menos, me olhar, ela jogou a mochila sobre a mesa, o que fez um estrondo, e depois se sentou e se encolheu na cadeira, deitando a cabeça na mesa apoiada nas mãos e virando a cara pra parede.
Aquilo me doía.
Passei as mãos pelos cabelos e eu precisava me controlar pra não sentar ao seu lado.
O sinal do segundo período havia tocado, faltava apenas um sinal pro intervalo.
Eu não prestei atenção na aula inteira, eu apenas fitava a mesa e desenhava coisas sem noção com o dedo sobre ela. Às vezes eu a olhava: ela encarava o quadro com o olhar distante, encolhida na cadeira de braços cruzados.
Na última vez que eu a olhei, ela desenhava alguma coisa no caderno com cara de desapontada. E foi então que ela se levantou, levando a mochila junto.
Assustado, eu a segui com o olhar.
Ela se aproximou do professor e, pela linguagem labial, ela perguntou se podia ir ao banheiro. A turma voltou a fitá–la.
– E você precisa levar a mochila junto? – ouvimos a voz do professor que a encarava com ar superior.
Ela se inclinou e cochichou algo em seu ouvido, e depois se afastou com um sorriso sarcástico, aquele meu preferido. Sorri instantaneamente.
– Ok, pode ir. – ele rolou os olhos e ela deu um riso baixo e debochado, e eu ainda sorria.
Só murchei o sorriso quando ela o deu as costas e saiu porta a fora.
Trinta minutos havia se passado e ela não tinha voltado do banheiro.
Definitivamente, eu quero saber o que ela havia sussurrado para o professor ter deixado ela sair com mochila e não reclamou dela não ter voltado.
Suspirei pelo que passou por minha mente e me levantei, indo em direção a mesa do professor.
– Posso ir ao banheiro?
– O recreio está chegando. Sente–se, por favor. – novamente senti os olhares em mim.
– Então vou mijar aqui mesmo. – falei no tom mais debochado que consegui e ele me olhou.
– Tudo bem, pode ir. – ri por dentro e dei as costas, saindo daquela sala sem ao menos olhar pra meus amigos.
Eu sabia que ela estava dentro do colégio, eu sentia um calor subir por minha nuca.
Rodei o colégio inteiro, que não era tão grande, mas eu não tinha a encontrado em lugar algum.
Parei no meio do pátio e coloquei a mão na cintura, olhando de longe pra todos os cantos. Não era possível que ela tinha conseguido sair do colégio e eu não.
Torcendo pra que nenhum superior me pegasse, eu vi, ao longe, uma fumaça surgir atrás de um muro, o muro onde ela estava sentada outro dia pela manhã, onde eu a obriguei confiar em mim.
Caminhei até lá e então eu dei a volta no muro, e sorri instantaneamente ao ver sentada, fumando.
Ela fitava o lado oposto.
Receoso, rumei em direção a ela e sentei silenciosamente ao seu lado com as pernas cruzadas, da mesma forma que ela.
Vagarosamente, ela me olhou e quando me viu, colocou o cigarro na outra mão e ameaçou a levantar, mas eu coloquei meu peso em suas pernas e segurei seu braço.
– Por favor, fica. – sussurrei simplesmente e ela me olhou nos olhos por alguns segundos.
Novamente ela tentou se levantar.
– , por favor, fica... – ela se levantou rapidamente ao som do sinal do recreio. – Me deixa... conversar com você. Me deixa entender você. – eu pedia enquanto nos encarávamos.
Ela embalançou a cabeça negativamente.
– Eu não quero que você me entenda. – sussurrou firme e então ela soltou o cigarro, fazendo o mesmo caminho que eu havia feito pra sair de trás dali. Me levantei rapidamente, eu não a deixaria escapar.
Mas parei ao vir alguns alunos encarando enquanto ela os encarava. Talvez eles a encaravam tanto, querendo saber se aquela menina da festa de ontem era mesma que se vestia com blusas largas e maquiagem pesada durante as aulas.
Ela estava próxima a mim, mas de costas. Eu não sabia que expressão ela tinha, eu apenas vi suas mãos em punho.
Olhei pra todos aqueles alunos que ainda a observavam de longe, e impulsivamente fui até , me colocando na frente dela. Receoso, mas rápido, eu a puxei pra mim e a abracei, sentindo seu suspiro aliviado em meu peito.
Coloquei uma das mãos em sua cabeça e a outra em suas costas, fazendo carinho nos dois pontos.
Eu a sentia frágil em meus braços, ela respirava pesadamente.
Forcei um passo pra frente, ela ficou imóvel. Tentei de novo e ela me entendeu. Eu a guiei, ainda abraçado a ela, até onde estávamos antes e, com ela ainda frágil, eu a forcei se sentar.
– , obrigada, mas vai embora. – ela disse num sussurro depois que sentei ao seu lado.
– Eu não quero, eu quero ficar com você. Eu quero conversar com você. – falei em sussurros também, a encarando nos olhos.
– Eu não quero, , você está me machucando. – ela disse suave, diferente de todas as outras formas que ela falou comigo até hoje. – Eu já tinha superado tudo que tinha acontecido, agora você aparece em minha vida e muda tudo. – ela lutava contras as lágrimas que já se formavam em seus olhos.
– Me desculpa, eu não queria te machucar. – falei sincero, pegando em sua mão e entrelaçando nossos dedos. – Não foi a intenção, eu só... queria você comigo. – falei e ela abaixou a cabeça, finalmente deixando as lágrimas cair.
Apertei sua mão com determinada força quando ela ameaçou a se levantar novamente, mas ela me olhou e voltou a posição em que estava antes, bufando com vontade.
– Conta pra mim.
– Não. – disse firme, desviando o olhar.
– Conta, por favor. Guardar pra você vai te fazer mal. – falei, querendo que ela me olhasse nos olhos.
– Eu não quero, . – disse com a voz falha, soltando nossos dedos e se levantando. Eu a deixei ir, talvez não fosse uma boa hora agora.
Eu não fazia idéia de onde ela estava agora, eu não tinha idéia do que ela pensava agora.
Suspirei me levantando após passar o recreio inteiro atrás daquele muro, pensando em seu rosto. Eu queria entender porquê diabos aquela garota não saia do meu pensamento. Eu queria entender, porquê ela aparece em flashes para mim. Eu queria saber o que eu realmente sentia.
Eu queria entendê–la, e entender porquê senti raiva a vendo perto de outro cara. Talvez eu quisesse protegê–la, eu sabia de seus motivos.
Aliás, quem era aquele idiota que ela beijou? Eu, ao menos, nunca o vi no colégio!
Bufei pela terceira vez e vendo o pátio um pouco mais vazio, eu voltei pra minha sala, querendo vê–la de novo.
Entrei em sala e ela nem meus amigos ainda não estavam lá. Dei de ombros e caminhei até minha carteira, me sentando e sentindo olhares em mim. De alguma forma, aquilo me incomodava, mas eu não me importava tanto a ponto de tirar satisfações.
Sem ter muito o que fazer, eu brincava inutilmente com o chaveiro de enfeite pendurado na mochila do , que estava na mesa ao lado. Inclinado na cadeira e com as costas no encosto da mesma, eu ainda autistava com aquele objeto, e levantei meu olhar ao ouvir uma conversa se destacar:
– É, mas você viu o que ele fez pela esquisitinha? – eu procurava a dona da voz, parando meus movimentos com os dedos lentamente.
– Disfarça que ele está falando – e então meu olhar se cruzou com uma das duas garotas sentadas lá na frente, na mesa da fileira do lado oposto. Uma delas me olhava enquanto a outra tentava disfarçar olhando pra mesa. Sem sucesso.
Ela voltou seu olhar pra amiga, com um sorriso no canto dos lábios.
– Ele deve ser namorada dela. – ela percebeu que eu a fitava, mas continuou falando com aquela despreocupação enquanto eu fitava suas pernas dobradas embaixo da mesa. Qual é? Sou homem! Eu já tinha notado as duas na minha sala, mas nunca comentei por respeito. Pelo menos elas eram Hot's.
– Dessa vez a mudinha se deu bem. – senti ela me fitar e voltei a encará–la nos olhos, esticando meus braços sobre a mesa. Analisou–me descaradamente por alguns segundos e voltou a olhar para amiga. – "Ele é bem bonitinho." – fiz leitura labial enquanto a outra menina ria baixo do que a amiga acabara de dizer.
Sorri vitorioso e tratei de tirá–los dos lábios vendo entrar na sala com a cabeça baixa e a mochila nas costas, sentando–se no lugar onde ela sentara antes.
Senti um cheiro de nicotina (e não seu perfume), mas pela sua expressão, ela não se importava.
Ajeitou a mochila na mesa e colocou a cabeça sobre ela, voltando naquela mesma posição do início da aula.
– Aí, já conversou com ela? – perguntou se sentando ao meu lado, após entrar fitando .
– Tentei. – suspirei pesadamente e cruzei os braços, olhando–a por cima dos ombros de : estava imóvel.
– O que ela disse? – sua voz era carregada de curiosidade, mas mantínhamos o tom baixo.
– Ela veio com um papo de que eu entrei na vida dela e tudo mudou. – voltei a fitar os olhos de que, de alguma forma, mostravam preocupação.
Fez silêncio, fitando a mesa por alguns segundos; eu fazia o mesmo.
– Pra melhor ou pra pior? – voltou a me olhar.
– Não sei. – eu não tinha pensado nisso. – Mas eu acho que... é pra pior. – ri fraco de mim mesmo, abaixando meu olhar até minha perna que embalançava freneticamente, nervoso em pensar na possibilidade de realmente ter de deixá–la em paz.
– Por que?
– Ela disse que eu estava a machucando. – senti uma pontada estranha no peito ao dizer isso, mas, de qualquer forma, eu ergui a cabeça pra encarar nos olhos. – Mas não era minha intenção. – falei sincero e puxou um dos cantos dos lábios, como se sentisse pena.
– Quer que eu fale com ela? – propôs, me surpreendendo.
– Não, isso seria infantil demais. – descruzei meus braços pra gesticulá–los enquanto eu falava fitando minhas pernas esticadas. – É melhor eu esperar ela esfriar a cabeça, – direcionei meu olhar pra – ? – arregalei os olhos, o idiota do meu amigo já estava indo em direção a ela. – Porra, ôh ! – chamei em sussurros desesperados com mínimos gestos.
Como já não adiantava, bufei enquanto fitava sentar–se ao lado dela.
Com leves toques no ombro, ele a chamava, se inclinando sobre ela. Eu já não estava gostando daquilo. Aliás, eu não gostei desde o início.
E então ela levantou a cabeça e se assustou ao vir . Já prevendo, ela me olhou com os olhos cerrados. Dei de ombros, eu não tinha culpa de nada.
Ela voltou sua atenção pra , que estava de costas pra mim e começou a falar coisas pra ela que eu não conseguia ouvir. apenas afirmava com a cabeça e algumas vezes diziam coisas entre os dentes ou mal abria a boca, mas não havia raiva em sua expressão, somente dor em seus olhos.
Passei a mão pelos cabelos, nervoso pela demora e ansioso pra saber o que ele falou com ela, ou melhor: ansioso pra saber qual foi a resposta dela.
O professor entrou e então entrou e , que por algum motivo que desconheço, eu não sentia falta até tal momento.
– Bom, vamos sentando todos. – ele disse no típico tom autoritário, eu ao menos sabia seu nome.
Os alunos voltaram ao seu lugar, menos . Olhei pra ele incrédulo e, sem ver minha expressão, ele se levantou, dando um sorriso vitorioso enquanto voltava a se sentar ao meu lado.
– O que você falou com ela? O que ela disse? – perguntei baixo, me inclinando pra que só ele escutasse, visivelmente curioso.
– Ora, Ora. – ele se virou pra mim, sua expressão tomada pelo sarcasmo. – Quem não queria que eu falasse com ela? – perguntou, ainda com aquela expressão que, por um momento, achei que fosse me irritar profundamente. Mas meus interesses eram outros.
– Fala logo... – pedi enquanto ele ria baixo de meu desespero.
– Senhor, , algum problema aí atrás? – o professor se virou pra mim, a turma me encarava. Falei alto demais?
– Não, nenhum. – sorri forçado e cerrei os dentes, encostando–me à cadeira. – Você me paga, . – falei dentre os dentes, ouvindo sua risada baixa.
O sinal havia tocado, ela não olhou pra minha cara uma vez sequer que eu a olhava.
Ela saiu mais rápido de sala, já que não tinha nem tirado o material da mochila, e então me virei pra , saindo de sala com os outros.
– Agora me conta o que você falou pra ela. – pedi generosamente, caminhando em direção ao corredor dos armários com os outros dois atrás, conversando sobre alguma garota hot do terceiro ano.
– Nada demais. – deu seu melhor sorriso, sem me encarar.
Sem saco pra mais perguntas, caminhamos até em casa.
Eu sem mínima vontade de dizer algo, e eles falavam sobre coisas que eu não me dei ao trabalho de saber.
Tirei a camisa e me joguei no sofá, passando as mãos no cabelos com força após jogar a mochila em qualquer canto da sala.
Os outros subiram, eu não estava a fim de falar naquele momento.
Liguei a TV num canal qualquer e passei de canal desesperadamente à procura de algo que realmente me agradasse.
Bufei alto ao vir que só passava porcaria naquela hora e então, mesmo sem almoçar ou comer nada, ao menos, tomar um banho, relaxei sobre o sofá.
Acordei com meu próprio ronco.
Passei a mão pelos lábios, e me levantei. Olhei para parede, o relógio marcava 15h.
– ? ? ? – chamei cada vez mais alto, mas ninguém me respondeu.
Fui aos quartos, aos banheiros. Ninguém.
Bufei indo pra cozinha, minha barriga avisara que precisava de alimento. Abri a geladeira e peguei uma garrafa de cerveja, indo em direção ao armário em seguida, procurando qualquer cookie que tinha por lá.
Dei de ombros, pegando um pacote aberto e fui pra sala, me sentando no chão em frente à TV.
Liguei o vídeo game e coloquei num jogo de futebol, colocando um biscoito na boca ao mesmo tempo.
Somente o jogo me distraia, me tirava da realidade.
Joguei animadamente, mesmo sozinho, tomando minha cerveja no próprio gargalo e saboreando aquele biscoito sedução.
Ouvi a campanhinha tocar e, amaldiçoando o ser que interrompera meu jogo, dei pause e me levantei, pegando minha camisa no chão e a jogando sobre o ombro em seguida.
Ajeitando a calça que caia deixando a boxer à mostra, eu abri a porta.
– ?
Sete "Senti seus lábios tocar os meus de leve, roçando–os. (...) Não sei que felicidade era aquela, junto com frios idiotas na barriga."
's POV.
Toquei a campanhia, receando que estivesse em casa.
Não demorou muito tempo até a porta se abrir e revelar um com a calça mais larga que seu quadril, a boxer aparecendo e a camisa jogada num dos ombros. Por alguns segundos eu fiquei paralisada, fitando seu corpo definido, coisa de outro mundo, sério.
– ? Está me ouvindo? – ouvi uma voz ao fundo, me acordando dos transes, então notei que realmente eu fitava o abdômen de . Que diabos eu estava fazendo?
– Oi. – falei ríspida, tentando não encará-lo diretamente.
– E–entra. – ele disse, um pouco confuso e corado, coçando a nuca.
Me deu espaço pra passar e eu estava louca pra ver o que queria pra eu ir embora, eu não agüentaria sentir seu cheiro por muito tempo.
– Onde está o ? – fui direto ao assunto antes que ele dissesse alguma coisa.
– Ér, ele saiu. – ele ainda coçava a nuca após fechar a porta.
– Então eu volto depois. – falei desviando meu olhar pra porta, indo até ela. Mas foi mais rápido e se pôs diante dela, me fazendo parar. – , sai já daí, eu quero sair. – falei num tom normal, a fim de ser atendida.
Mas ele, simplesmente, embalançou a cabeça negativamente me fazendo bufar.
– Não, antes de você me ouvir.
– Me deixa passar, ! – aumentei o tom de voz, eu não queria ouvir.
– Eu já disse que não. – ele manteve o tom normal, encostado e com as mãos na porta, de frente pra mim.
Cruzei os braços e fechei a cara, mais cedo ou mais tarde ele teria de sair dali.
Dois minutos depois.
Ele ainda me encarava, me deixando desconcertada, de certo modo, mas me dando raiva por ele não ter me deixado passar.
– Você quer fazer o favor de me deixar sair? – descruzei os braços. – Mas que porra! – talvez, se eu alterasse a voz e a expressão, ele me desse passagem.
– E eu já disse que você só sai depois que você me ouvir! – ele também aumentou o tom de voz, eu não esperava por isso.
– Eu não quero te ouvir, eu também já disse! – ele arregalou os olhos, mas não deixou de revidar:
– Gr! Eu já estou cansado de ouvir suas birras, dizendo que você nunca quer! Deixa de ser mimada uma vez na vida e me escuta! – com a acusação, me limitei a rir baixo, irônica. Mas, ainda assim, aquilo havia mexido comigo; de alguma forma.
– Ser mimada? – minha expressão, automaticamente, se tornou rude. – Eu nunca fui mimada por ninguém, , nem por meus pais que não merecem ser chamados assim. Nunca fui importante pra ninguém; nunca, ninguém se importou comigo e você ousa a dizer que eu sou mimada? – ri fraco novamente, não acreditando no que eu ouvia.
Ele ficou sem resposta, apenas me encarava com confusão na expressão.
– Me deixa passar. – pedi novamente com um tom normal, sentindo meus olhos úmidos. Ele permaneceu imóvel, apenas me fitava. – , estou falando com você! – aumentei o tom, não cheguei a gritar.
Me aproximei, a qualquer custo eu tentaria sair, estava ridículo.
Quando estava próximo da porta o suficiente, ele segurou meu braço, me fazendo virar.
Instantaneamente, meu coração bateu um pouco mais rápido e desritmado, eu sentia um calor repentino por minha nuca e minhas mãos, que estavam em punhos relaxadas ao lado do corpo.
colocou as duas mãos na porta, acabando com a distância que havia entre nossos corpos.
Encarei seus olhos, eu tinha fúria nos meus, mas eu não conseguia me mover, ele estava me hipnotizando.
– Eu disse pra você que eu nunca quis te machucar, e eu não estava mentindo. – começou em sussurros, me olhando firmemente nos olhos. – Eu falei que me descontrolei, não falei? Eu falei que eu tinha que estar perto de você, não foi? E você disse que eu era o único cara a te fazer sorrir. Ainda estou disposto a fazer isso e recuperar o que eu perdi. Eu te amo, cara, agora para de bancar a menina rebelde e, por favor, me perdoa. – ele jogou as palavras na minha cara como sussurros desesperados. Eu deveria ter dado um tapa em seu rosto pela última parte, mas eu não me atreveria.
– , se afasta – pedi em sussurros, sua respiração em meus lábios estavam me dando tonturas.
– Não, até você dizer que me perdoa. E que vai me dar uma segunda chance. – falou calmo e num tom baixo.
Pisquei os olhos algumas vezes, minhas bochechas pinicavam e meus olhos lacrimejavam levemente.
– Não... – sussurrei baixo, desviando meu olhar pra baixo impulsivamente.
– Me diz que vai me dar uma segunda chance, me diz que eu ainda posso te fazer sorrir. – eu o ouvi e então eu o olhei novamente, havia um brilho intenso em seus olhos, demonstrando ânsia e medo.
Sem sorrir, ele se aproximou lentamente, senti meu coração palpitar, bombear mais rápido e então o vi fechar os olhos, me fazendo fechar os meus.
Senti seus lábios tocar os meus de leve, roçando–os. Me senti diferente, mas ao mesmo tempo feliz. Não sei que felicidade era aquela, junto com frios idiotas na barriga.
Uma de suas mãos que estavam na porta, senti tocar meu cabelo de leve me causando arrepios, enquanto ele ainda roçava nossos lábios levemente, como se quisesse sentir cada sensação que minha boca podia proporcionar.
– Me dá uma segunda chance? – abri os olhos, ele se afastou.
– Isso é chantagem emocional. – falei impulsivamente e ele riu fraco, tirando a mão de meu cabelo, e pelo que pude perceber, ele voltou a colocá–la na porta.
– Então só você pode seduzir?
– Isso não vem ao caso.
– Vai me responder? – eu não queria responder.
Eu tinha prometido a mim mesma que jamais confiaria em outras pessoas – especificando: homens – depois do que aconteceu há algum tempo, eu ainda tinha guardado aquilo pra mim. Às vezes, lembranças me atormentavam, me fazendo chorar em silêncio. Eu tinha medo, muito medo de me magoar novamente. Ou, quem sabe, decepcionar uma pessoa que realmente eu goste.
– , eu... eu não posso.
– Por que não? – ele franziu o cenho, um pouco confuso. – Aquilo já passou. – disse numa simplicidade, como se chatear os outros fosse fácil pra ele. – Eu não fiz porque eu quis. Eu sei que errei com você, mas eu não tive controle do que eu estava fazendo.
Suspirei, fitando seus olhos novamente, que pareciam me dizer a verdade.
– Tudo bem. – minha voz saiu falha, eu não sabia se podia confiar nele de novo. Apesar do que aconteceu ter sido uma coisa boba, a coisa boba podia um dia se tornar em algo mais grave, que machuque a mim, somente a mim.
Ele deu um suspiro aliviado e abriu um meio sorriso, o sorriso que eu não cansava de fitar.
Se aproximou novamente e, temendo o que ele pudesse fazer, fechei os olhos, sentindo, em seguida, seus lábios tocar meu pescoço levemente.
Fiquei tonta por um momento, e então ele foi subindo seus beijos por meu pescoço – meu causando arrepios –, passando pela orelha – onde deu uma mordiscada – e em seguida pelas bochechas, chegando ao canto da boca – onde deu um beijo de leve.
Ainda me sentindo um pouco tonta, ele se aproximou de meu ouvido.
– Prometo não te decepcionar mais. – só não desequilibrei com o timbre de voz próximo ao meu ouvido, porque... eu realmente não sei porquê.
Apenas assenti com a cabeça, sem capacidade alguma de criar uma frase coerente.
– Venha, vamos comer. – ele falou um pouco mais alto, me puxando pela mão.
Suspirei aliviada. Finalmente, ele estava com o rosto afastado de mim.
– ? – ouvi sua voz me chamar num sussurro, enquanto eu estava deitada em sua perna com uma tigela imensa de pipoca na barriga.
– Hum... – dei sinal de vida, sem tirar os olhos do filme que passava na TV.
– Posso te perguntar uma coisa? – perguntou, dei de ombros. O filme realmente estava bom. – O que você quis dizer, quando disse que eu apareci em sua vida e que eu mudei tudo? – ele continuava em sussurros. Automaticamente, olhei para ele: seus olhos brilhavam, mas não sorria. – Eu... te faço mal? – havia curiosidade e medo em sua voz.
Rapidamente, me sentei colocando a tigela sobre a mesa de centro.
– Você... não me faz mal. – respondi sincera, mas só tive a capacidade de responder a essa pergunta. – Tudo que um dia eu te falei, era verdade.
– E a primeira pergunta? – perguntou, e eu desviei o olhar pra bacia de pipoca.
– , não quero falar sobre isso agora. – avisei, visivelmente desconfortável com o rumo da conversa. – Um dia eu vou te dizer. – acrescentei, me encostando no sofá.
– Promete?
– Curioso.
– Preocupado. Então, me promete? – ele não ia mesmo desistir.
– Prometo. – respondi sincera, fechando os olhos.
Ele pôs um dos braços em torno de meu corpo, e me puxou pra perto dele, me fazendo deitar em seu ombro.
's POV
Nove "Promete que ela não volta?"
Conversando sobre coisas sem noção, íamos para os armários guardar alguns livros. Aquele corredor estava um inferno, como sempre, e então avistei a amiga da .
Ela guardava alguns livros no armário enquanto eu a fitava, sem ao menos notar. Ela tinha um rosto bonito, assim como o corpo. O cabelo castanho e liso batia na altura da base da bunda, e tinha um cacho discreto nas pontas. Pelo que pude ver por sua calça skinny, ela tinha coxas grossas. Bem grossas, por sinal.
– Dude, que cara é essa? – apareceu na minha frente, tapando minha visão e me tirando dos transes.
– Ãhn? – eu voltei meu olhar para os olhos dele rapidamente, já que eu ainda fitava por sobre o ombro dele. Ele se virou pra trás e colocou as mãos na cintura.
– O que você tanto olha? – ouvi sua voz, e rapidamente eu o virei pelo ombro.
– Ninguém, . – desajeitadamente, tirei a mochila das costas e peguei o livro pesado de Literatura. – Ninguém. – me virei pro armário, abrindo–o rapidamente, já que o sinal tocara naquele instante.
– Achei que você estivesse saindo com a ... – ele falou de repente, me fazendo tacar o livro com força dentro do armário com o susto. Virei–me rapidamente pra ele, que mantinha aquele sorriso idiota, que estava me irritando.
– Não fale uma asneira dessas! – franzi a sobrancelha, demonstrando irritação e ele não desfez a porra daquele sorriso.
– Vamos logo, dudes! – ouvi a voz de , e me virei pro armário novamente e vagarosamente, já que antes eu e nos encarávamos.
Bati a porta do armário com certa força. Na verdade, eu não sabia o que realmente foi aquela irritação repentina. Mas decidi ignorar. Eu não ia maltratar meu amigo por um sentimento que nem sei, ao menos, qual é.
Mas, ainda assim, eu passei por eles e comecei minha caminhada para a sala de aula, passando por , que ainda mexia no armário.
Provavelmente, ela deve ter me visto pelo campo de visão, já que se virou quando eu passava bem próximo a ela.
Ela deu um aceno tímido, enquanto eu me limitei a sorrir fraco, como se fosse por simpatia.
Enquanto eu caminhava, meu olhar não se soltou do dela. Isso era incrível e ao mesmo tempo estranho, parecia que tinha algo em seus olhos que estavam me prendendo a eles.
Vi suas bochechas corar, me fazendo rir fraco e virar minha cabeça totalmente pra frente, já que eu estava ficando com a cabeça quase contorcida em 180 graus.
– ! – ouvi a voz de quando eu estava próximo a entrada de minha sala. Olhei vagarosamente para trás e vi os três se aproximando.
– O que foi aquilo, cara? – quis saber, se pondo ao meu lado. Rolei os olhos, entrando em sala com eles atrás.
– Aquilo... o quê, ? – falei sem paciência alguma, seguindo para o fundo da sala.
– Aquela troca de olhares com aquela morena – ele respondeu como se fosse óbvio, enquanto eu jogava minha mochila sobre a mesa, no canto.
Dei uma olhada geral na sala. não estava lá.
Me sentei ao canto, sendo seguido por olhares.
– Não houve trocas de olhares alguma! – eu, praticamente, soletrei, bufando em seguida. Segui com os olhos, que empurrava – que estava no caminho – pra sentar–se ao meu lado. já havia passado e sentado ao canto, em minha frente.
– Como não? – fez cara de poucos amigos, sentando–se na ponta.
– Não houve, ! – falei num tom baixo, porém irritado, já que o professor acabara de chegar em sala.
– Tudo bem, dude – ele levantou os braços na altura dos ombros e se virou pra frente.
O sinal havia tocado há dez minutos, ela ainda não estava em sala.
Eu olhava fixamente para a porta, não me importando tanto com o que meus amigos falavam agora. Na mente, veio a imagem da e a encarnação de meus amigos. Insisto: não teve troca de olhares. Eu só estava apreciando sua beleza, como eu faria com qualquer outra garota.
Tudo bem que foi descaradamente, mas isso não leva a conclusões precipitadas. Ok, nem sei que conclusões seriam essas.
Professor entrou em sala, fechando a porta e me fazendo sair do transe. Bufei, talvez ela não chegasse. Ou então esse mal comido não deixaria ela entrar.
Vinte minutos.
Trinta minutos.
Recreio.
Ela não viria mais.
– Uau, estou começando a gostar deste colégio. – eu não vi, mas eu tinha quase certeza de que caminhava ao meu lado, mas com os olhos no sex simbol que acabou de passar por nosso lado, rebolando os quadris de forma tentadora.
Eu não estava tão animado em olhar, eu estava realmente preocupado em saber porque não foi à aula.
Digamos que ela não é fã de escola, sei perfeitamente disso. Mas pelo que posso recordar, a diretora é tia dela. Ela não faltaria à toa.
– Dudes, eu vou na casa da . – falei de repente. Se eles conversavam sobre algo específico, eu realmente não sei. Eu não prestava atenção.
– Mas... não íamos ver filme? – olhei pra com cara de poucos amigos mesmo sem parar de andar.
– Depois eu vou voltar pra casa, . – rolei os olhos, saindo do colégio.
– Então eu vou estar te esperando na nossa cama. – fez uma voz melosa, me fazendo rolar os olhos novamente, enquanto ouvia as risadas de e atrás de nós.
– Tchau. – disse simplesmente, me separando deles.
– Não esquece: no nosso quarto, na nossa cama! – ainda pude ouvir gritar e então eu dei dedo do meio, mesmo estando de costas, caminhando para a casa da .
Coloquei minha touca e os fones no ouvido, aquecendo minhas mãos no bolso do casaco.
E ao som de The Last Night de Skillet, cheguei na porta da casa de .
Senti aquela droga de borboletas em meu estômago e então toquei a campanhia, tirando os fones em seguida.
Um minuto havia se passado. Toquei novamente.
E depois de dois minutos, a porta abriu, revelando uma com o cabelo preso num rabo de cavalo, ainda com um franjão na testa, um blusão e uma calça de moletom preta, com meias e alguma coisa que não consegui identificar na mão.
– Ah, oi, . – ela disse com a voz rouca, me dando as costas e indo para o sofá.
Suspendi a sobrancelha e entrei, fechando a porta atrás de mim. Ela se deitou no sofá e colocou aquilo (que eu não sabia o que era) na barriga, por baixo da blusa.
Me aproximei, e me abaixei ao seu lado. Em cima da mesa de centro, havia um cinzeiro com um cigarro quase apagado e ao lado uma xícara de café. Ignorei, eu não estava a fim de discutir com ela. Aliás, acho que eu não entraria mais neste assunto. Não mais.
– O que houve? – perguntei, me sentando de lado e na frente do sofá, já que eu não tinha nada pra fitar em seu rosto, pois ela colocou o braço sobre os olhos e a outra mão pressionava aquilo – que distingui como um travesseiro – na barriga.
– TPM. – respondeu, ainda com a voz falha.
– Hum... – eu realmente não sabia o que falar ou o que fazer.
Silêncio.
Feito um autista, eu comecei a reparar naquilo que ela tanto fazia pressão na barriga, e então a curiosidade tomou conta:
– O que é isso? – apontei pra sua barriga, esquecendo–me que ela não me olhava.
Ela tirou os braços do rosto rapidamente pra olhar pra onde eu indicava.
– Bolsa térmica. – respondeu, voltando a colocar o braço no rosto.
Silêncio novamente.
De repente ela levantou, me fazendo olhá–la.
Sem me avisar nada, ela sumiu pelos corredores com uma pressa assustadora.
Suspirei e fitei a mesa de centro.
Não sei ao certo o que se passava na mente agora, mas eu fitei aquele cigarro por alguns segundos. Me perguntava internamente o que se passava na cabeça de um fumante. Me perguntava internamente, o que um fumante sentia, qual era a graça de fumar. O que tinha tão importante num cigarro, a ponto de viciar uma pessoa. E sem controlar meus atos, aproximei minha mão do cigarro e me senti levemente tonto. Normal quando faço algo que sei que está errado.
Peguei o cigarro na mão e, me sentindo habilidoso – já que eu sabia como pegava um cigarro por ver em filmes e até mesmo fumando –, coloquei o cigarro na boca. Dei uma tragada, sentindo uma sensação estranha. Imediatamente, comecei a tossir.
Tanto que devolvi o cigarro.
Ainda tossindo, eu peguei aquela xícara de café e tomei um pouco daquilo, tentando controlar meus pulmões.
Mas ao invés de melhorar, eu tive mais vontade de colocar aquele cigarro na boca.
Peguei o cigarro novamente, mesmo tossindo, e o coloquei na boca.
Dei outra tragada e tossi com mais intensidade.
– ! – ouvi a voz de , e me virei. Ela vinha em minha direção furiosa com aquele travesseiro na mão. – O que pensa que está fazendo?! – eu me limitei a assentir, já que eu não conseguia controlar a tosse.
Ela se abaixou ao meu lado, com uma expressão furiosa e preocupada, e começou a dar leves tapas em minhas costas.
Minha respiração foi se normalizando aos poucos.
– , se você pegar novamente num cigarro sequer... – ela disse, deixando a ameaça no ar.
– Ah, olha só quem fala – rolei os olhos. Não sei porque, mas senti que esse ato foi minha sentença de morte.
Embalançou a cabeça negativamente antes de sumir pelo corredor novamente.
Me joguei no sofá bufando e passando as mãos do queixo até o topo dos cabelos, ouvindo uma porta se bater com força.
Passei alguns minutos esperando ela voltar, só que se passou tempo de demais.
Me levantei e, sem saber por onde começar, tomei o mesmo rumo que ela tomou minutos atrás e então mexi na maçaneta da primeira porta. Estava aberta, mas era a despensa e estava escura.
Fechei a porta e a próxima tinha a luz acessa, que dava pra ver por debaixo da porta.
Mexi na maçaneta, a porta estava trancada.
– , está aí? – perguntei, nenhum som.
Encostei minha orelha na porta e ouvi algum barulho.
– , por favor, abre a porta! – pedi novamente, um pouco mais alto, mexendo na maçaneta.
Esperei alguns segundos e ouvi um barulho de esforço, como se ela estivesse vomitando.
– Abre essa porra, por favor! – pedi um pouco mais desesperado, sem saber exatamente o que se passava lá dentro.
– Me deixa quieta. Vai embora, . – ela pediu com a voz baixa, mas ainda assim eu consegui ouvir. Não me chamou de , como normalmente me chamaria se estivesse com raiva.
– Eu não quero ir embora! – falei alto e decidido, dando um soco na porta. – Eu quero saber o que está acontecendo com você – acrescentei ainda num tom de voz alto, ouvindo mais soluços em seguida. – , por favor... – continuei pedindo, me sentindo um idiota por isso.
– Eu não saio até você ir embora. – ela disse no típico tom debochado, me fazendo bufar.
– E eu não vou embora até você sair. – falei no mesmo tom que ela.
– Então espere eternamente. – bufei novamente.
Passei as mãos pelos cabelos, sabendo que realmente ela não sairia até eu ir embora.
– Então estou indo embora. – falei, mas é claro que eu não iria.
– Estou vendo seus pés.
Dei um passo para trás.
– Te vejo pelo fechadura.
Cheguei pro lado, fora da sua provável visão.
– Eu sei que não foi embora. – ouvi sua voz novamente e, por mais idiota que esteja sendo, ela tinha o tom de voz sério.
Bufei alto e comecei a caminhar. Fui até a porta da entrada e a abri, fechando–a com força em seguida.
Silenciosamente, eu voltei e fiquei ao lado da parede que dava no corredor do cômodo que ela estava. Provavelmente era o banheiro.
Fiquei quieto ali, até que ouvi a porta ranger. Vi sua sombra na parede oposta e quando ela estava próxima, bem próxima, eu dei um passo pra frente, puxando–a rapidamente pra mim, ela de lado.
– Você não é tão esperta o quanto eu pensei. – sussurrei próximo ao seu ouvido, e juro que a senti estremecer.
– Me solta! – ela tentou se soltar, se debatendo.
– Deixa de ser rebelde, ! – falei um pouco mais alto, ainda a prendendo em mim. – Me deixa te ajudar, porra! – aumentei ainda mais quando ela acertou meus olhos com a mão.
Quando eu ia soltá–la pra levar minha mão até meus olhos, ela simplesmente deixou o corpo amolecer em meus braços enquanto soltava soluços que ela não conseguia controlar.
Eu a segurei, já que ela se abaixava cada vez mais. Eu me abaixava com ela, ainda ouvindo seu choro silencioso.
– Calma, amor. – tentei confortá–la, abaixado ao seu lado, já que ela apoiou o corpo sobre os joelhos.
Ela fitava o chão, deixando as lágrimas escorrer.
– O que você tem, meu amor?
– Não se preocupa, é TPM. – sua voz falhou, ela ainda não me encarava.
Suspirei alto a levantando pelo braço e, enfim, ela me olhou.
– Que olhos são esses?! – perguntei, me preocupando novamente por ver seus olhos tão vermelhos.
– É normal, . – respondeu frágil, dando um meio sorriso fraco em seguida.
Retribui o sorriso e a peguei no colo, mesmo sem pedir permissão.
– Minha barriga, seu anta! – ela reclamou quando eu a pendurei, de forma que sua barriga ficasse sobre meu ombro, e suas pernas embalançavam de frente ao meu corpo.
– Desculpa, linda. – respondi rindo, indo em direção ao sofá com ela dando tapas em minhas costas, gritando coisas sem noção.
A joguei no sofá, e ela me olhou com raiva na expressão, enquanto eu ria.
Nos encaramos por alguns segundos, sua expressão se desfazendo e meu riso sumindo. E então me aproximei lentamente, a fim de provocá–la e distraí–la.
Apoiei uma mão nas costas do sofá, enquanto a outra eu mantive na borda mesmo, vendo respirar com dificuldade. Entrelacei uma perna na dela e a outra eu coloquei o pé no chão.
Aproximei de seu ouvido e ela fechou os olhos.
– Quer almoçar, uh? – rocei meus lábios no canto de seu rosto, tentando não me jogar em cima dela.
– N–não... – eu apenas ouvi sua voz por eu estar bem próximo de sua boca.
– Por que? – eu ainda roçava meus lábios em seu cangote, agora, roçando o nariz também, tentando ao máximo memorizar seu cheiro.
– Sai de cima de mim. – ela pediu, mal conseguia falar me fazendo rir fraco.
– E se eu quiser ficar em cima de você, sentindo seu cheiro? – tentei manter o tom firme, já que ficar tão próximo a ela e sentir sua respiração em meu ouvido não era uma coisa tão fácil de se fazer sem ficar...nervoso, digamos assim.
Ela não me respondeu, ela não iria me responder.
Ri fraco novamente, não sei se foi por impulso ou por estar nervoso.
Dei um beijo em sua bochecha, e me levantei, a vendo abrir os olhos.
– Vou... – dei as costas – fazer o almoço. – me encaminhei pra cozinha, antes que ela dissesse alguma coisa.
– Eu não vou almoçar, !
– Vamos, mocinha! – entrei na sala e ela estava deitada, assistindo alguma coisa na TV, que reconheci ser "Friends".
Ela gemeu, se mexendo sofá.
– Vamos, meu amor. – falei, tirando suas pernas do sofá, a fazendo sentar e me sentando ao seu lado.
– Eu disse que eu não queria almoçar! – ela emburrou, encostando–se ao sofá, fazendo um bico enorme e estufando as bochechas.
Ri fraco.
– Não faz esse bico, garota... – sussurrei, fitando seu bico. Ela fez uma careta e voltou a fazer o bico.
Me aproximei lentamente e rapidamente dei um selinho nela, sem ao menos notar o que eu havia feito.
Ela arregalou os olhos enquanto eu voltava a fita e reparava no que eu havia feito. Mas, dude, estava realmente tentador, parece que ela faz de propósito.
– Vamos, vai! Estou com fome.
Levei minhas mãos até as dela e as peguei com um sorriso, levando meu olhar ao dela em seguida.
Ela se levantou comigo, com um sorriso tímido.
– Comer faz tão bem... – comentou se jogando no sofá, com a barriga pra baixo, enquanto eu me jogava no chão, fitando o teto.
– Eu sei cozinho bem – comentei sério e olhando de relance pra ela, que me olhou com cara de poucos amigos, me fazendo rir.
Coloquei as mãos embaixo da nuca e voltei a fitar o teto.
– Vai dizer que estava ruim?
– Não estava, você quer me ver gorda.
– De onde você tirou isso, garota? – eu a olhei rapidamente, ainda com as mãos na nuca: ela estava na mesma posição que eu, com os joelhos ao alto e as mãos embaixo da cabeça.
Ela riu baixo, enquanto eu voltava pra minha posição inicial.
– Você não tem suas teorias? – perguntou, voltando num tom debochado. Eu ia abrir a boca pra responder, mas ela continuou: – Eu tenho as minhas. – eu tinha quase certeza de que ela tinha um sorriso vitorioso e ao mesmo tempo debochado no rosto.
Revirei os olhos.
– Então sua teoria é que eu acho que você... é gorda? – quis saber incrédulo, a ouvindo rir, divertida.
– Por que? Acha um absurdo uma teoria dessas? – ela não fez questão alguma de tirar o cinismo da voz, me fazendo rolar os olhos novamente.
– Acho. – respondi como se fosse óbvio, e era óbvio.
– Eu também achei a sua um absurdo. – a olhei de novo e ela deu de ombros.
– E por quê não disse? Eu riscaria essa da minha lista.
– Era legal te ver perder a voz quando eu te provocava. – falou divertida. Aquilo não estava me divertindo nem um pouco, ela me deixou sem resposta. – Na verdade, – continuou – achei que fosse causar um efeito contrário. Pensei que você ia se afastar, já que uma menina de cabelos azuis, lápis forte nos olhos e tênis surrado se aproximou demais de você. Achei que você fosse fugir como os outros garotos teriam feito.
Por que diabos ela estava dizendo isso pra mim?
– , – me levantei e me sentei encostado com as costas no sofá – eu ainda me pergunto porquê você faz isso comigo. – fitei o nada, visivelmente confuso.
– Isso o quê? – a frase saiu tão rápida, que não notei se havia sarcasmo na mesma.
– Você me quer longe de você?
– Claro que não! – soltou num tom de desespero, senti o sofá se mexer levemente, mas não me atrevi a olhar pra trás. – O que te leva a pensar isso? –
– Me pareceu que você quer que eu me afaste de você, porque você me provocou.
Ouvi sua risada baixa.
– Eu não disse que eu não queria me envolver com homens? – não respondi. Suspirei, relaxando a cabeça para trás até ela encostar–se à borda do sofá, e fechei os olhos. – Hun? – fez, como se esperasse respostas.
– Disse. – minha voz falhou e por minha mente rondava os piores pensamentos possíveis.
Senti o sofá mexer–se novamente.
– Então, já era tarde, . – ela sussurrou, me fazendo abrir os olhos um pouco assustado.
– Tarde? Pra quê?
– Você continua com sua teoria e eu continuo com a minha, tudo bem? – incrível a capacidade de sair do foco. O sofá se mexeu de novo, e eu apenas assenti.
– Ei, espera! – desinclinei a cabeça e fitei a TV. – Que teoria?
– Você me acha emo e lésbica. E eu tenho a teoria que você quer me engordar. – ela riu abertamente, enquanto eu tinha uma cara de tacho ainda fitando a TV.
– Você é ridícula, garota. – falei, rindo baixo.
Voltei a relaxar a cabeça na borda do sofá.
– Eu sou a ridícula? – questionou com cinismo.
– Uhum. – murmurei despreocupado.
– Tua teoria é pior ainda. – disse na mesma despreocupação que eu, me fazendo rir baixo novamente. – Então... eu sou ridícula, sou emo, sou lésbica, sou gorda, e tenho controle sobre você. – abri os olhos, incrédulo. Não perdi a oportunidade de rir.
– Que controle, garota? – parecia que eu falava com o teto, já que eu o fitava, sem parar de rir pensando na asneira que ela acabou de dizer.
– Quer apostar? – ela ignorou todos os meus aspectos de quem estava duvidando.
Perdi o riso aos poucos. Agora eu já não estava gostando.
– N–não.
– Paga pra ver? – perguntou em sussurro próximo ao meu ouvido. Arrepiei.
– N–não.
Ela riu baixo, se agradando da minha desgraça.
Senti o sofá, novamente, se mexer e depois fechei olhos, não querendo saber o que ela estava fazendo. Eu só queria pensar e relaxar.
Não sei como, mas ouvi as notas de Cable Car de The Fray tocar no rádio. Devia ser movido a controle remoto.
Então, senti os lábios de tocar minha testa. Não abri os olhos, eu não conseguia abri–los. De repente eu senti uma sensação de calma invadir meu corpo, uma sensação diferente e boa. Após ficar estacionada com os lábios quentes ali, ela desceu por meu nariz e parou na ponta do mesmo, dando uma mordiscada de leve, me fazendo rir baixo.
Senti seu corpo cair pesado ao meu lado e então ela desceu sua boca por minha bochecha e foi dando beijo até chegar em minha orelha, onde ela mordiscou com força.
– Ai, amor! – reclamei, ouvindo sua risada e minha orelha latejar.
– Desculpa. – sussurrou próximo ao ouvido, me limitei a assentir.
Ela estava quieta, eu já não sentia sua respiração em nenhum canto do meu corpo e então abri os olhos.
Desinclinei a cabeça e olhei pro lado: ela me encarava com um sorriso de canto e as bochechas rosadas, me fazendo rir. Eu a puxei pela cintura, e ela se arrastou – literalmente falando – até ficar com o corpo bem próximo ao meu.
Eu a apertei contra meu corpo, enquanto ela cruzava as pernas.
– Eu te adoro, sabia? – falei rindo, apertando–a ainda mais.
– Promete que não sou gorda? – ela quis saber com um bico e a cara emburrada.
– Bem... – desviei o olhar, a soltando discretamente.
Eu ria, fitando o nada, ouvindo as últimas notas da música. Então, olhei para o lado e ela me olhava séria. – O que uma TPM não faz, uh? – ri fraco, levando meu olhar aos seus olhos.
– Idiota. – ela murmurou fechando os olhos. - Eu também... te adoro.
Acordei com uma dor no pescoço, já que minha cabeça estava relaxada novamente na borda sofá e meus dedos entrelaçados aos dedos da enquanto a outra mão estava em seus cabelos.
Olhei pra baixo, ela dormia em meu colo com a cabeça virada pra estante da TV que estava ligava. Sorri.
Olhei em volta, estava tudo escuro. E então eu rodei meu olhar pela sala a procura de um relógio. Até que achei o relógio digital do DVD: 22h 30min.
Uau, dormimos pacas.
– Amor? – desentrelacei nossos dedos e a cutuquei pelo ombro. – Amor, acorda! – ela se mexeu, virando a cabeça. – Uh, acorda – comecei a mexer em seus cabelos, e ela abriu os olhos pequeninos.
– ? – sua voz falhou ao dizer meu nome, seus olhos vermelhos.
Sorri como resposta.
– Eu... tenho que ir embora, amor. – avisei, a seguindo com o olhar enquanto ela se sentava. – Amanhã temos aula. – ela bufou, coçando os cabelos.
Ela levantou as duas pernas e apoiou os cotovelos nelas, fitando algum ponto fixo.
– O que foi? – perguntei, segurando a risada que sua expressão de sono me causava.
– Tô com sono... – respondeu arrastando a voz, ainda fitando tal ponto e se coçando incansavelmente.
Soltei a risada, me levantando.
– Eu tenho que ir. – estendi minha mão e ela ignorou, olhando para a estante.
– Não vou te deixar ir embora às vinte e duas e trinta e três da noite, . – arrastejou a voz, deitando no chão como se fosse a própria cama.
– Amanhã eu tenho aula, . – tentei manter meu tom sério.
– Ah, dorme aqui. – propôs de olhos fechados, ainda deitada ao chão com as mãos servindo de travisseiro.
– Não se importa? – perguntei após absorver a pergunta com cara de idiota.
– Claro que não. – sua voz falhava e ela se sentou de olhos fechados. Levantou–se, apoiando–se no sofá. – Com tanto que durma no sofá da sala, tudo bem. – disse, me dando um beijo na bochecha.
Mantive a cara de idiota, a vendo se afastar de olhos fechados, tropeçando nas próprias pernas.
Pra dormir no sofá, eu preferia dormir na minha cama quente e confortável.
– Não! – ouvi um grito e acordei assustado.
Hesitei em saber se era algum sonho, mas eu tinha quase certeza de que a voz era real.
Me levantei rapidamente, tropeçando na minha calça no chão e subi as escadas.
Eu só queria me certificar que estava tudo bem.
Avistei uma porta com várias coisas grudadas nela, tipo placas e adesivos de bandas. Certamente, o que mais se destacava no corredor era aquela porta.
Toquei a maçaneta, me sentindo um intruso, e a abri.
estava sentada na cama, encolhida e segurando as pernas, mordendo com força a manga do casaco.
– – ela exclamou ao me vir e abriu os braços, se levantando da cama rapidamente.
– O que foi, o que foi? – perguntei, a abraçando.
– , ela vai te levar! – ela dizia rápido demais, sem saber se gesticulava ou me abraçava.
– Calma, está tudo bem, eu estou com você. – sussurrei, passando a mão por seus cabelos.
A guiei até a cama e a sentei, ela me olhava com os olhos vermelhos e pequenos, lutando pra ficarem abertos.
– Volta a dormir, foi só um sonho.
– Mas... e se ela voltar, ? E se ela voltar e te levar? Ela não pode levar você, ela não pode! – visivelmente, ela estava sob o efeito do sono, eu estava me segurando pra não rir.
– Ela não vai voltar, amor. – falei firme, porém suave, passando a mão por seu rosto levemente.
– Promete que ela não volta? – ela estava tão frágil que parecia uma criança.
– Eu prometo. – cruzei os dedos sobre os lábios e ela deu um sorriso aliviado.
Ela se ajeitou na cama, colocando as pernas sobre ela.
– Quem é ela? – perguntei curioso.
– Ela tinha cabelos grandes, e enrolados, eu acho. – começou, fazendo alguns gestos fitando o nada, como se estivesse voltando a sonhar. – Eu não consegui ver o rosto dela, porque estava muito escuro, mas tinha uma luz no fundo, sabe? – ela me olhou, assenti levemente. Não tinha certeza de que ela vira, somente a luz da lua que entrava pela janela nos iluminava.
– Ela não vai voltar, tá? – perguntei como se eu estivesse lidando com uma criança e ela assentiu, lutando contra as pálpebras que queria se fechar. – Agora volta a dormir que temos que acordar cedo amanhã. – ela se deitou em silêncio, se cobrindo com o cobertor enquanto eu me levantava.
– ? – ouvi sua voz me chamar baixo, mas num tom audível, me fazendo parar de caminhar em direção à porta e olhá–la. – Dorme aqui comigo? – perguntou com o cobertor tapando metade de seu rosto. Só dava pra ver suas mãos segurando a manta, metade do nariz e os olhos.
Sorri pra ela e dei a volta, me deitando ao chão do lado de sua cama.
– Boa noite. – falei de modo que ela pudesse me escutar.
– ! – ela exclamou e eu me levantei assustado.
– Que foi?! – levantei a sobrancelha ao vir que ela estava na mesma posição que antes.
– Eu não falei pra você dormir no chão. Se fosse assim, eu deixaria você ir pra casa e dormir na sua cama dura. – ela arrastejava as palavras, enquanto eu rolava os olhos. – Deita aqui do meu lado.
– ...
– Sem maldade, . – avisou, me fazendo rir fraco.
Dei a volta na cama e puxei o cobertor pro alto, me deitando sob ele em seguida.
Nos acomodamos e ela se virou de lado, lado oposto ao meu.
– Boa noite, pequena. – sussurrei, colocando uma de minhas mãos em sua cintura. Ela murmurou alguma coisa que não consegui entender.
Mas ela fitava o teto, mesmo estando deitada de lado. Passei o polegar levemente em sua cintura, e ela não desgrudava os olhos do teto.
Parecia ter medo, pelo que eu podia ver pela metade de seu rosto.
Encostei uma de minhas mãos em sua barriga sobre o casaco (tenho certeza que eu a senti estremecer) e a puxei pra mais perto de mim. De algum jeito, eu a virei totalmente pra mim, e a fiz afundar a cabeça em meu peito.
– Boa noite – ela disse sonolenta, sua voz abafada em meu peito, me fazendo rir fraco, antes de fechar os olhos e apertá–la contra mim.
Nove "Eu não saberia explicar a emoção que eu sentia naquele momento, eu apenas me perguntava porquê eu sentia aquilo."
's POV
Aquele despertador tocava insistentemente.
Me mexi sobre a cama, e senti um braço em torno de meu corpo. Abri os olhos e olhei rapidamente pra minha cintura: realmente, havia um braço me puxando pra perto. Meu coração bateu um pouco mais rápido do que o normal quando consegui focalizar onde eu estava e com quem eu estava.
Mas, de qualquer forma, não pude deixar de sentir aquela queimação em minha barriga aumentar a cada segundo. Definitivamente, odeio cólicas.
Aquela música ainda tocava, e então, decidi tirar os braços de de minha cintura delicadamente, dando um tapa bem dado e merecido sobre o celular/despertador.
Ele parou de tocar e então me sentei na beira da cama, coçando os cabelos e me contorcendo um pouco, tentando controlar aquela dor infernal na minha barriga.
Cocei os cabelos e senti a cama se mexer, mas não me importei em olhar pra trás. A queimação no meu ventre era bem mais importante do que ver babando no meu travesseiro.
Desprendi os cabelos de um coque e o refiz, levando minhas mãos até a barriga em seguida. Era certo: eu não iria ao colégio.
Em seguida senti dois braços me envolver, me fazendo paralisar, apenas ouvir o disparo rápido e descompassado de meus batimentos cardíacos e sentir suas mãos tocar as minhas, sobre a barriga – uma de cada lado de meu corpo.
– Bom dia, meu amor. – ouvi sua voz dizer, me fazendo sair do leve transe por sentir suas mãos tão quentes presa às minhas.
– Bom dia, amor. – falei simplesmente e o mais baixo possível, tentando disfarçar o pouco, mas o nervosismo que eu sentia naquele momento.
Sem me perguntar, ele se ajeitou na cama, e colocou as pernas pra fora dela, me puxando pra seu colo em seguida. Eu apenas obedecia ao que suas mãos me pediam pra fazer, como se ele estivesse controlando meus movimentos e apagando aquela chama que queimava em meu estômago de forma irritante.
– Dormiu bem? – quis saber, colocando seu queixo em meu ombro, me apertando mais contra ele, me fazendo 'sair do ar' novamente.
– Arrãm. – respondi, mantendo meu olhar na porta, sentindo que ele me encarava.
– Que bom – pude senti–lo sorrir – Agora vamos, porque acho que estamos atrasados.
– Eu não vou ao colégio, . – avisei, virando meu rosto pra encará–lo nos olhos. Eu podia sentir sua respiração calma tocar em meu queixo, me deixando levemente tonta, e sem raciocinar por alguns segundos.
– Olhos vermelhos? – sua expressão mudou completamente pra preocupação.
– Normal quando acordo. – voltei meu olhar pra porta.
– Por que não quer ir ao colégio?
– Eu não qu... – parei ao notar que novamente eu ia agir como uma menina mimada. Decidi explicar de outra forma, a melhor forma: – Eu estou sentindo cólicas, não sei se eu vou conseguir ficar no colégio por...
– Eu fico com você. – assegurou, me fazendo olhá–lo nos olhos, vendo brotar um sorriso tímido em seus lábios em seguida. – Se acontecer alguma coisa, eu vou estar com você. – acrescentou, me fazendo sorrir. Mas eu ainda não estava tão segura. Toda vez que eu ficava na TPM acontecia alguma desgraça, por isso eu não ia ao colégio. Os professores bem entendiam isso, eu sempre deixei bem claro.
– Melhor não, eu sempre falto e...
– Vamos, . – ele fez uma careta fofa, como quem dependesse da minha resposta pra viver. – Eu vou sentir sua falta se você não for. – falou com manha, me fazendo rolar os olhos e desviar o olhar para a porta novamente.
– Tudo bem. – disse por fim, após ele apertar minha barriga, me fazendo contorcê–la.
– Agora vá tomar banho que eu te espero aqui. – ordenou, dando–me um beijo na bochecha em seguida.
– Sim, senhor – bati continência o fazendo rir enquanto eu me levantava de seu colo.
De alguma forma, o cheiro de ainda estava em mim. Eu o sentia enquanto calçava os tênis inclinada na cama.
Aquele cheiro era bom, mas me perturbava, me incomodava – de certa forma.
Ouvi o chuveiro desligar e então eu fui até a porta do banheiro, ajeitando a mochila nas costas.
– ? – dei um leve toque na porta.
– Oi! – ele respondeu indiferente.
– Estou te esperando lá embaixo. – avisei, já me afastando.
– Tudo bem. – pude ouvir sua voz abafada pela porta e pela distância em que eu estava da mesma.
Desci as escadas pulando alguns degraus, dando uma olhada na hora: eu não estava tão atrasada.
Joguei a mochila no sofá e fui pra cozinha preparar alguma coisa comestível. Fiz só um sanduíche pra mim e pra ele, e peguei dois sucos de caixinha na geladeira.
– Bom dia. – ouvi sua voz me desejar bom dia novamente e me virei, o vendo entrar na cozinha com os cabelos bagunçados e molhados, sentindo o cheiro do sabonete.
– Bom dia. – respondi rindo fraco por me desejar bom dia pela segunda vez em menos de trinta minutos e me virei para pia para pegar seu sanduíche. – Toma seu... – mas ao me virar, novamente pude sentir sua respiração tocar meu rosto de forma convidativa.
Ele sorriu pra mim, pegando o sanduíche de minhas mãos, mas sem desviar seu olhar do meu.
– Obrigado. – sussurrou, dando–me um beijo no nariz. Afastou–se, ainda com aquele sorriso nos lábios.
Embalancei a cabeça levemente e negativamente quando ele já não podia me ver, já que se virou pra porta, saindo da cozinha.
Peguei o suco sobre a pia e fui pra sala com o cheiro dele perturbando minha mente.
– Vamos?! – sorri timidamente, entregando a caixinha pro folgado que estava jogado no meu sofá, sem delicadeza alguma pra sentar.
– Vamos. – ele sorriu pro nada, se levantando, totalmente concentrado em segurar o sanduíche, abrir a caixinha e carregar a mochila em um ombro só, que caia sem sua permissão.
Peguei a minha mochila sobre o sofá, ajeitei a mochila dele em seus ombros e depois peguei o sanduíche dele, rindo de seu modo desajeitado de abrir uma simples caixa.
– Obrigado. – agradeceu sorrindo pra caixa.
– Vamos, branquelo. – falei, passando por ele e indo em direção à porta, sentindo seu olhar em minhas costas.
Dividindo meu fone com , chegamos ao colégio com as mãos no casaco que decidimos colocar ao sair de casa.
Ele pôs a touca, enquanto eu me contentei em colocar apenas o capuz do meu confortável casaco.
Ao som de Mr. Amsterdam de Sam 41, entramos no colégio, tendo que tirar os fones por não dar pra passar lado a lado por aquele corredor estreito.
Ao chegar ao pátio, avistei , que sorriu na minha direção, mas ao vir surgir de trás de mim, seu sorriso murchou e sua expressão se transformou numa falsa raiva.
Ele levantou do banco ainda com aquela expressão, e veio em nossa direção, com o olhar mais furioso do que quando o marido pega a esposa transando com outro na própria cama.
– , é melhor você correr. – eu sussurrei pra ele, o cutucando com o cotovelo levemente.
– Arrãm. – murmurou, e então ele se afastou, fazendo com que corresse mais rápido, alcançando onde eu estava rapidamente. Mas ele passou direto, ao menos me olhou.
Ouvi gritar coisas incompreensíveis. Dei de ombros e me encaminhei em direção aos outros, que conversavam animadamente, como se nada tivesse acontecido. Tomei coragem e me sentei onde estava anteriormente e sorri tímida para os dois.
– Bom dia, . – disseram em coro, me fazendo rir baixo.
– Bom dia, meninos. – respondi, ainda sorrindo.
– Não vai defender o , não? – quis saber, me olhando pervertido.
– Defender? – franzi o cenho. – Eu não sei nem do que se trata, eles que se resolvam sozinhos. – dei de ombros, olhando pros lados a procura de algum dos poucos conhecidos.
Ouvi a risada baixa dos dois e em seguida o sinal da entrada.
Entrei em sala, e joguei a mochila sobre a mesa, ignorando os olhares que eu sentia em mim. Desde a festa, todos deram pra me olhar agora, bando de fútil!
Sentei ao canto e então sorriu, sentando–se na cadeira da frente, ao seu lado.
Alguns minutos se passaram, comecei a ficar preocupada com aqueles dois. Era encenação ou ele estava realmente com raiva?
Cutuquei o , a preocupação evidente:
– Ei, o que o queria com o ? – sorri amarelo, ao notar a cara pervertida que ele expressou – Quero dizer, – gesticulei pro nada, me inclinando sobre a mesa pra ficar mais próximo a ele – por que aquela raiva, e tal...
– "Eu não sei nem do que se trata, – se intrometeu – eles que se resolvam sozinhos, e blábláblá" – ele não tinha essas intimidades comigo pra me imitar daquela forma gay que ele ousou a fazer.
Me limitei a rolar os olhos, ouvindo a risada dos dois.
– O só quer matar o por ele não ter avisado que dormiria fora. – deu de ombros, perdendo o riso aos poucos. - Não que ele deva satisfações, mas o cara ficou preocupado. Já estava inventando uma desculpa pra dar à mãe dele, caso ele morresse...
– Hãn... – me senti idiota, voltando a me encostar na cadeira enquanto os dois sorriam. Sorri de volta e sorri mais ainda ao vir entrar em sala.
Mas cadê o ?
Meu sorriso foi murchando a cada passo que se aproximava. Sem se importar, ele se sentou ao meu lado, sorrindo feito demente.
– Bom dia, . – ele disse dando ênfase em meu nome.
– Bom dia, ... – eu olhava pra ele de olhos arregalados. Aquele sorriso era realmente estranho.
– Que cara é essa? – quis saber, murchando o sorriso também, me fazendo suspirar aliviada.
– O que você fez com o , ? – perguntei, com a voz trêmula.
– Ah, isso? – falou despreocupado, se virando pra frente. – Só o que ele merecia. – disse com desdém, dando uma risada maléfica em seguida, sendo acompanhado por e . Idiotamente.
Olhei com cara de poucos amigos pra eles, os fazendo parar.
– Tudo bem, daqui a pouco ele está aí. – disse sem me olhar, tirando a mochila das costas e a colocando nas costas da cadeira.
Dei de ombros, a professora chegou.
Eu não podia esconder a preocupação em minha expressão, mas a que estava em evidência era a expressão de dor.
Eu queria poder estar em minha cama neste exato momento, com uma bolsa térmica na barriga, sem me preocupar com a Revolução Industrial.
Coloquei as mãos na região do estômago e fiz pressão pra dentro, sentindo–a retrair automaticamente e relaxei a cabeça pra trás, me sentindo levemente tonta.
Os meninos conversavam animadamente, enquanto eu me concentrava em não sentir aquela dor insuportável e aquela tontura.
O sinal havia tocado há uns 5 minutos, a professora saia de sala, quando entrou, a cumprimentado com um sorriso.
– Ah, droga! – resmunguei pra mim mesma, voltando meu olhar para a barriga e sentindo meu estômago revirar.
Odeio TPM, odeio TPM.
Olhei pra : ele havia sentado do outro lado da sala, e estava sendo zoado pelos amigos, algo que não entendi.
E novamente senti aquela porra em meu abdômen, me fazendo levantar e bufar.
Sai de sala com uma pressa necessária, sem me importar em avisar nada a ninguém. Eu apenas ia tomar uma água, ou quem sabe, lavar o rosto.
Fui até o bebedouro e bebi a água, sentindo meu estômago agradecer e meus olhos lacrimejar de alegria. Fiquei uns bons minutos tomando água, aquilo era algo impagável e quando me levantei, eu faria uma cara de orgasmos caso não estivesse ali, com as mãos no bolso da calça, me encarando com um meio sorriso amarelo.
– Oi, . – falei um pouco confusa, eu não o esperava ali.
– O que aconteceu? – quis saber, desmanchando o sorriso.
– Só vim beber água. – falei como se fosse óbvio, dando de ombros.
– Podia me avisar... – deu de ombros também, sem tirar as mãos do bolso do casaco.
– ! – exclamei incrédula, porém rindo. – É só um bebedouro. Pra quê avisar a você? – e eu estava confusa.
– Sei lá, você não estava bem, eu pensei que...
– Desculpe, realmente não me importei em avisar. – dei um sorriso amarelo novamente, e comecei a caminhar, eu estava precisando me sentar.
Eu sabia que ele estava atrás de mim, me seguindo feito segurança, mas eu não me importei.
Eu resmunguei a aula inteira no ouvido de , alegando que era melhor estar em casa do que assistindo aulas de Religião.
Do outro lado, eu ouvi resmungar que sentara sozinho para todo o sempre e blábláblá.
Então o sinal tocou, me fazendo suspirar aliviada, por mais uma vez eu ter a oportunidade de tomar mais água. Acho que só desta forma a cólica amenizava um pouco.
Não, remédios não faz meu tipo.
– Dudes, dudes! – íamos saindo da sala e ouvi a voz de . Ignorei, ele chamara e não a mim.
Mas as mãos quentes de me fizeram parar. Olhei pra trás, e vi acenando pra eu esperar por eles, já que ele pegava alguma coisa na mochila. Olhei pra e sorri, o vendo soltar meu braço.
– Eu tenho uma mágica pra vocês! – sorria feliz e excitado, abanando a folha no ar, enquanto desenterrava uma caneta do estojo. Evitei uma rolagem de olhos pra evitar constrangimentos e então ele começou a caminhar, passando por mim e por , que o seguimos com o olhar, assim como e , que estava um pouco mais atrás de nós.
O seguimos e não sabe como eu estava louca pra saber que mágica era aquela. E espero que você não tenha levado isso a sério.
– Vocês vão a–mar! – ele fez um gesto gay com a mão desocupada, enquanto eu rolei os olhos, vendo o quão idiota poderia ser a tal mágica por causa desse suspense todo.
Nos sentamos numa das mesinhas do pátio, e como só havia uma mesa com quatro banquinhos, me chamou pra sentar em seu colo, o que fiz sorrindo, claro.
– Então, – começou, enquanto eu colocava a mão na barriga sentindo a cólica voltar – você. – apontou pra mim e eu fiz uma falsa cara de surpresa, rolando os olhos em seguida.
Ouvi rir baixo da minha careta e em seguida ele mordeu o canto do meu rosto, me fazendo estremecer.
– Bom, – ele começou, fazendo uma cabaninha na folha enquanto escrevia sobre ela – você acredita que o que eu perguntar pra você, e o que você responder vai estar escrito aqui? – ele direcionou seu olhar a mim, dobrando a folha em seguida.
Sério, rolei os olhos novamente, mordendo o lábio e tentando acreditar que aquele moleque estava fazendo aquela pergunta pra mim.
– Não. – enfim, respondi. E ele abriu o papel: estava escrito "Não".
Juro, juro que não vi graça alguma nessa mágicazinha de quinta, mas eu estava num estado de choque com a capacidade desse garoto de fazer uma piadinha dessas com minha cara, e ainda por cima me fazer rir por dentro. Coloquei a mão no queixo, passando a língua pelos lábios, pasma, enquanto teve até que me tirar de seu colo pra rir com mais intensidade.
Embalancei a cabeça levemente, louca pra dar um soco em , e então eles notaram na minha falta de humor.
– Ah, qual é, , foi engraçado! – disse a mim, sentando–se no banquinho novamente ainda rindo de minha cara.
– Aham, pra você, uh? – falei e um clima não muito bom ficou instalado ali.
– Ah, amor, – disse, sentando–se e me puxando pra sentar em seu colo novamente – fala sério, eu achei engraçado também. – comentou, perdendo o riso aos poucos. - TPM - o vi mexer os lábios para os amigos, mas fingi que não vi.
Dei de ombros e comecei a brincar com a casca da tinta da mesa que estava soltando.
E então uma música irritante começou a tocar e minha perna tremer.
– Levanta rapidinho, amor. – sussurrou pra mim. Me levantei e ele pegou o celular no bolso, enquanto eu colocava as mãos no bolso casualmente, olhando para os lados. – Eu já volto. – deu um sorriso amarelo pra mim, se levantando e indo em lado oposto.
Suspendi a sobrancelha, querendo saber aonde ele tinha ido. Mas ao mesmo tempo eu não queria saber. Me sentei onde ele estava e encarei a mesa por alguns segundos, até me tocar e olhar pra .
– Ei, , me desculpa. – sorri sinceramente na direção dele, que conversava algo com , mas se virou pra mim imediatamente.
– Pelo o quê? – sua expressão tornou–se confusa.
Rolei os olhos por sua lerdeza.
– Pelo que eu disse. – embalancei os ombros, em sinal de 'tanto faz'.
– Ah, tudo bem, . O comentou que você está na TPM e tal... – e ele embalançava a cabeça autistamente. Meus olhos se cerraram com a informação.
– Ele disse? – mordi o lábio com uma vontade imensa de socar .
– Disse...
– Ele me paga! – falei no meu melhor tom diabólico e olhei para os lados a procura do fofoqueiro.
Mas não o encontrei.
– ... ? – ouvi a voz de me chamar com manha.
– Hãn? – me virei pra ele, ainda com os olhos cerrados.
– Você... não gostou mesmo da mágica? – quis saber, como se minha opinião fosse muito importante pra ele. Gargalhei por dentro e ri fraco por fora, suavizando minha expressão.
– Gostei sim, – respondi sincera, afinal, eu podia usá–la com qualquer idiota que eu encontrasse no meu caminho. – Mas você poderia ter usado com o , sei lá. – dei de ombros, olhando novamente em volta, como quem não quer nada, sentindo minha barriga roncar ou doer por causa da cólica, não sei muito bem.
– Ah, mas com ... não teria muita graça. – olhei rapidamente pra ele com a nova informação.
– Ah, e eu tenho cara de idiota? – suspendi a sobrancelha significantemente, e ele riu abertamente.
– Não é isso... Mas talvez o me matasse se eu brincasse assim com ele... – ele se explicou e então eu acentuei o poder das sobrancelhas.
– Ah, – soltei um múrmuro sarcástico e cínico – então... Sou idiota o suficiente? – sorri maliciosa (ou vingativa, como quiser).
– Não foi isso... – ele arregalou os olhos em desespero por ver meu sorriso se alargar com o medo em sua voz.
Dei um suspiro, ainda com um sorriso e me levantei, o dando as costas e murchando o sorriso, revirando os olhos.
Caminhei sem rumo, na verdade eu não queria ficar naquela mesa com meninos que eu tinha pouca intimidade. Tenho meus motivos pra isso.
Então eu caminhei em direção ao campo onde tinha uma quadra de futebol onde eu me sentaria e conversaria comigo mesma, coisa que eu costumo fazer quando não tem com quem conversar.
Mas, estranhamente, as pessoas que saiam daquela parte do colégio me encaravam com um olhar malicioso, algumas até com pena e eu não estava entendendo o porquê daquilo. Olhei pra trás rapidamente pra me certificar que não tinha ninguém atrás de mim.
Não havia ninguém.
Voltei meu olhar pra frente e avistei o grupo de patricinhas amigas de vindo em minha direção. Não exatamente na minha direção, mas me parecia que elas iam pra onde eu sai, e uma delas me mirava com o olhar. Nunca me importei com que elas pensam, não é agora que eu me importaria.
Fitei o céu, já que eu não estava a fim de ver certas coisas por seu nariz empinado e então elas estavam próximas, o que atiçou a vontade de uma delas dizer:
– Tem alguém ganhando chifres... – eu ouvi e engoli a seco, sem entender muito bem aquela frase.
Olhei pra trás e elas riam entre elas, me deixando mais confusa ainda. Fitei o chão, apressando–me ao meu destino antes que o sinal tocasse e eu não tivesse a oportunidade de conversar comigo e pensar.
Levantei minha cabeça e então tudo se esclareceu.
Avistei, mesmo que ao longe, e aos beijos num banco que tinha por ali.
Eu não saberia explicar a emoção que eu sentia naquele momento, eu apenas me perguntava porquê eu sentia aquilo. Automaticamente, meus olhos lacrimejaram e então passei a fitar o chão novamente, sentindo pontadas estranhas no estômago. Voltei a fitá–los só pra ter certeza de quê eram eles mesmos ali, e sim, eram.
Senti uma leve tontura e senti minha nuca suar levemente. Os dei as costas, e voltei para o pátio principal com certa pressa, vendo, ao longe, as idiotas daquelas patricinhas me fitando, e quando me viram parar de correr, elas riram novamente entre elas.
Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo.
Suspirei alto, tentando controlar a raiva que eu sentia.
Fechei as mãos, que estavam aquecidas pelo casaco, em punhos e fui em direção à minha sala, sentindo minha unha arranhar a palma de minha mão com força.
Me sentei em minha cadeira e abri minha bolsa, a procura do iPod e, quando achei, coloquei na primeira seqüência de música pesada que veio na tela.
As primeiras notas de She Loves Me Not de Papa Roach começou a tocar nos fones e então senti que como num passe de mágica, a raiva fosse sendo absorvida, ou então que ela fosse aumentando dentro de mim.
Mas por que eu estava com tanta raiva?
Embalancei a cabeça negativamente pra afastar alguns pensamentos e fiquei por alguns minutos ouvindo músicas que talvez pudessem me acalmar ou fazer me sentir mais ódio.
Isso era típico de mim, nada fora do comum. Passei a mãos nos olhos, borrando toda aquela camada grossa de lápis e evitando que lágrimas escorressem, e se eu nunca disse, eu odeio a droga da TMP. Fico mais emotiva do que o normal.
Aos poucos, os alunos foram voltando para as salas. O sinal devia ter batido e eu não escutei por estar ouvindo Papa Roach no último volume.
Dei de ombros e cruzei os braços, escorregando meu corpo na cadeira e fitando o quadro branco fixamente, olhando com falsa ira pra quem entrava em sala.
A visão que eles tinham, vamos combinar, não era a das melhores – já que provavelmente o lápis estava borrando abaixo de meus olhos.
A sala estava praticamente lotada, só faltava quatro garotos que eu conhecia. E três entravam rindo de algo que o último dissera. Este se denominava , o engraçadinho. Bufei, embalançando as pernas freneticamente por pensar que não estava ali porque estava com minha amiga.
O professor entrou em sala e fechou a porta, sorrindo para turma, que o fitou entediados.
Rolei os olhos e relaxei a cabeça pra trás, fechando os olhos para poder ouvir melhor minha música. Quando meu pescoço já doía, mudei de posição, colocando a cabeça sobre as mãos. Eu, realmente, não estava com vontade alguma de copiar nada, de fazer nada, de prestar atenção em nada.
E quando eu notei, eu estava acordando. Sim, acordando.
Me espreguicei na cadeira, um pouco tonta, e foquei o professor de Geografia lá na frente, dando sua aula tranquilamente. Olhei para os lados: não estava lá. Aquilo não me importava tanto. Ok, me importava. O que eu não sei, é porquê eu me importava.
Quando caiu a ficha de que aquele era o último professor, eu tirei os fones do ouvido: eu não queria ficar nem mais um minutos ali, podendo estar na minha cama, relaxada e com um saco de água quente na barriga.
Me levantei com certa pressa, puxando meus fones do ouvido.
– Estou indo falar com a diretora. – avisei sem ao menos olhar para o professor, batendo a porta com certa força atrás de mim quando sai de sala.
Coloquei a mochila nas costas e voltei a colocar os fones no ouvido, caminhando em direção ao bebedouro: eu não sairia do colégio sem tomar minha preciosa água.
Parei na porta do refeitório ao vir e . Ela tinha o rosto próximo ao canto do rosto dele, dizendo alguma coisa em seu pé do ouvido. Estavam sentados de costas para a entrada do refeitório – onde eu estava –, mas ainda assim, eu pude notar a mão de na coxa da menina.
Entrei numa espécie de transe, a voz do vocalista da banda The Cab já não faria diferença pra mim, já que eu não prestava atenção nem na letra de Vegas Skies. Levemente, senti meus olhos úmidos e um embrulho pra lá de estranho no estômago. E foi quando , por estar com o rosto de lado, me viu, olhando totalmente pra mim com um sorriso ingênuo.
Automaticamente, virou pra ver pra quem ela sorria e então embalancei a cabeça levemente, saindo do transe e os dando as costas, indo em direção à secretaria com passos rápidos e largos.
Eu ouvia uma voz grossa me chamar entre a música aos meus ouvidos, mas eu ignorava essa voz totalmente, entrando na sala da diretora.
– Tia, preciso ir embora. – eu, ao menos, dei bom–dia. Ela me olhou vagarosamente, já que seus olhos estavam vagando pelo livro em sua frente.
– Por que? – quis saber, com uma expressão preocupada.
– Tô naqueles dias... – fiz minha melhor cara de dor. E não que fosse mentira, mas não era pra tanto.
– Se sabia que estava assim, por que veio ao colégio? – fechou o livro, cruzando as mãos sobre eles. Rolei os olhos.
– Comecei a sentir cólica agora... – eu já tinha certa experiência em mentir pra ela.
– Então, – se levantou – vou te dar um remedinho, tenho certeza de que...
– Tia, pelo amor de Deus! – exclamei incrédula. Ela me olhou com certa dúvida na expressão, parando onde estava. – Já está no último tempo, tudo que eu preciso é ir embora! E garanto que remédio algum faria efeito até o final das aulas.
– Então tudo bem, . – ela suspirou derrotada, voltando ao seu lugar. – Me ligue quando chegar em casa. – sorriu.
Retribui o sorriso e dei as costas, saindo de sala. Mas ao lado de fora estava um apreensivo no banco largo do corredor, balançando as pernas freneticamente e o olhar atento ao chão.
Rolei os olhos e fui em lado oposto, já que o portão ficava naquele lado, mas uma mão quente me impediu de continuar.
Bufei alto e significantemente, e, rolando os olhos, o olhei.
– O que você quer? – perguntei, louca pra ir embora.
– Onde vai? – quis saber, sem soltar meu pulso.
– Não é da sua conta, . – falei entre os dentes, impaciente o suficiente pra deixá–lo furioso com minha resposta.
– Eu só estou preocupado com você, ! – exclamou, soltando meu pulso pra fazer um gesto exagerando com as mãos.
– Eu vi sua preocupação estampada na coxa da ... – sorri sarcástica, dando–lhe as costas e o ouvindo bufar.
– , espera! – eu ouvi sua voz se aproximar novamente, me fazendo bufar, rolar os olhos e alargar os passos, colocando os fones novamente no ouvido.
Sua voz agora era apenas um zumbido.
E, de repente, eu vi um na minha frente. Tirei os fones do ouvido de novo. Que merda!
– Na boa, me deixa passar. Estou com cólicas e não estou a fim de discutir com você agora - eu tentei mantar a calma, sabendo que assim ele faria o que eu estava pedindo. Ele suspirou pesado e me deixou passar. Coloquei meus fones e fui até o portão, louca pra sair daquele lugar.
Passei numa loja qualquer que vendesse cigarros, o meu havia acabado. E voltei pra casa ouvindo músicas pra distrair.
Eu ainda tinha raiva, raiva de ser tão estúpida e acreditar que ia ficar do meu lado quando eu estava mal. Ha, mil vezes idiota.
Podia estar curtindo uma pipoca, vendo um filme meloso na TV, mofando em casa. Existe coisa melhor que isso? Claro que não.
Cheguei em frente de minha casa, e sentei na calçada, encostando no poste em seguida. Eu queria fumar um pouco antes de entrar.
Cruzei as pernas e coloquei a mochila na rua, encostada ao meio–fio e meu corpo. Encostei a cabeça no poste após pegar um maço de cigarro e acendê–lo, sem menor preocupação. Lembrei de ligar pra minha tia e peguei meu celular na parte da frente da mochila depois de dar uma tragada.
Informei que eu já havia chegado e coloquei meu celular de volta na mochila, colocando uma seqüência de Sum 41 pra tocar, começando com Mr. Amsterdam. Eu me mexia freneticamente com o corpo, com a cabeça apoiada no poste e os olhos fechados, apenas sentindo a música e fumando meu cigarro tranquilamente.
E eu me empolgava tanto com cada música, que eu perdi a noção do tempo.
Abri meus olhos e prendi a respiração ao vir sentado ali, bem ali, bem a minha frente, brincando com os próprios dedos e fitando os mesmos. Ele notou que eu havia me mexido e então me olhou. Seus olhos estavam sem brilho, seu cenho estava triste.
Não entendi muito bem o porquê daquilo, eu apenas sustentava o olhar, querendo mais que tudo saber o que ele pensava naquele momento. Tirei os fones dos ouvidos lentamente, ainda perdida no olhar daquele garoto, e por alguns instantes eu me esqueci da minha provável dor no estômago.
Ele desviou o olhar e voltar a fitar os dedos, e aquela falta de palavras estava me assustando demais.
– Por que não fez barulho pra eu saber que você estava aqui? – perguntei na tentativa de cortar o silêncio, ainda o fitando. Com minha pergunta, ele me olhou rapidamente, sua expressão tomada pelo desentendimento e ainda assim, triste. Peguei pesado, foi?
– Pra você ir embora? – sua voz falhou e então seus olhos voltaram a brilhar.
– Exatamente. – ameacei a levantar, mas sua voz me fez parar os movimentos.
– ... – ele me chamou com a voz fraca, me encarando nos olhos. – Eu não queria estar dizendo isso, mas... me desculpa. – ele riu fraco, nervoso ou por estar sendo sincero.
– Você não me deve desculpas. Eu que fui imbecil de aceitar a "proposta" de um certo moleque e ir pra escola sentindo dores no estômago, acreditando que este ficaria comigo, como ele mesmo disse. Mas não. Eu fiquei feito idiota numa sala de aula, esperando um terminar de dar uns amassos na minha amiga. – falei no meu melhor tom provocador, apesar de estar sendo sincera.
Ele ficou sem reação, apenas me fitava com os olhos brilhando cada vez mais. Eu queria entender o que se passava na cabeça daquele garoto, sério mesmo.
– Você...me perdoa dessa vez? – eu nunca havia visto aquele menino frágil do jeito em que estava.
– Tsc, ah, ... – desviei o olhar, eu sabia que eu perdoava. Claro que eu perdoava.
– Hein...? – quis saber, imapacinente com minha demora.
– Tá, , tá bom. – eu também estava impaciente.
– Então, – ele mirou o outro lado da rua e fechou os olhos, abrindo um meio sorriso – vou contar até dez e quando eu abrir os olhos, quero ver um sorriso. – ele disse, e eu me segurei muito pra não rir dessa atitude infantil.
Peguei minha mochila silenciosamente e com cuidado enquanto ele contava:
– 1, dois, três...
Me levantei rapidamente e rolei os olhos, indo em direção a entrada de minha casa:
– Trouxa.
's POV OFF.
Dez "Se você tem alguma coisa pra contar que está te machucando, (...) acho que a pessoa certa está na sua frente."
– Nove...dez! – e eu abri os olhos, sorridente.
Olhei pro lado e ela não estava mais lá, me fazendo murchar o sorriso. Olhei pra trás e vi a porta se fechar.
Será que ela não havia me entendido? Ah, sempre eu que faço as merdas...
Tudo bem, a é hot, beijei por impulso, pensei na excitação, mas eu, realmente, havia me esquecido de .
Vindo pra cá, pensei em como eu devia ter a magoado. Na verdade, eu não sabia o que se passava na cabeça dela, eu não tinha a mínima ideia. Eu queria muito saber se ela sentia sensações estranhas como eu sinto quando olho pra ela, queria saber se ela me deseja sempre por perto como eu a desejava, se ela pensava em mim do mesmo jeito que eu pensava nela durante boa parte do dia.
Eu não queria admitir a mim mesmo todos os sentimentos que eu sentia em relação a ela, e eu estava começando a achar que isso passava de amizade. Mas eu não queria, eu nunca me apaixonei de verdade. Eu não sei, ao menos, o que é ter compromisso com outra pessoa. Ou estar namorando, como preferir. Eu sempre fui de só ficar, nada mais que isso.
E magoar aquela garota, me magoava instantaneamente.
Fitando o chão, notei que havia algumas gotas, e então eu fitei o céu: azul e com um sol brilhante. E então ri fraco ao notar que eram lágrimas. Lágrimas. Mas que porra é essa? Fala sério, ela está me transformando num emotivo da pior qualidade. Homem chorar já é humilhante, por uma garota, então, é ainda pior.
Passei a mão sob os olhos, mandando mentalmente aquela lágrima pro inferno e me levantei ajeitando a mochila num dos ombros, indo em direção à porta da casa dela com receio. Talvez eu só saísse de lá quando ela disser que estava tudo bem, que ela não estava chateada por eu ter deixado ela quando eu estava no amasso com a amiga dela, como ela mesma me disse. O me disse é ainda pior. Se eu soubesse por outras pessoas que ela havia ficado chateada, talvez eu não acreditasse.
Dei dois toques na porta, louco pra ver seu rosto e então a porta abriu depois de alguns demorados segundos, revelando uma de cabelos soltos, maquiagem borrada, calça moletom, baby look preta e meias.
Ela rolou os olhos ao vir quem era. Mordi o lábio de leve, temendo que ela fechasse a porta na minha cara.
– Estava chorando? – ela arregalou os olhos, me fazendo desviar o olhar.
– Não... – fitei um ponto qualquer do chão.
– O que você quer, então, ? – perguntou sem paciência alguma visível, ainda com a mão na porta e a outra na cintura. Pose bem autoritária, digamos assim.
Respirei fundo.
– Eu só quero saber se está tudo bem entre a gente. – falei sincero, voltando a morder o lábio com medo da resposta.
– Eu já disse que está... – não parecia.
– , – me aproximei, entrando em sua casa – eu errei de novo com você, eu sei. Mas eu juro que eu tento me esforçar pra que isso não aconteça. Eu tento ao máximo, mas às vezes eu sou egoísta demais... sabe? – ela assentiu, frágil e com a respiração um pouco pesada. – Eu também juro que quando faço esse tipo de coisa, não é por mal. Eu sempre quis te ver feliz, mas eu, sozinho, não consigo. Pra mim, não foi nada tão grave até agora, mas eu sei que um dia pode se tornar grave, e antes que isso aconteça, eu quero deixar claro que eu... – mordi o lábio, receoso – que eu... quero seu bem. – eu não falei nada mais que a verdade, só desviei o que realmente eu diria.
Ela assentiu mais uma vez, respirando fundo cada vez mais.
– Já acabou? – quis saber, impaciente de novo, sua voz falhando.
– Não. – respondi, me aproximando mais um pouco.
Me perdi naquele olhar que eu não consegui desvendar o que queria me passar realmente, e coloquei uma das mãos no ombro, tirando minha mochila de lá, e a jogando no chão, sem piscar e desviar meus olhos dos dela.
Peguei em suas mãos e as coloquei em minha cintura lentamente, sorrindo no canto da boca ao vir que ela não recuou.
Com as costas da mão, eu alisei cada ponto de rosto. Desde os borrões abaixo dos olhos, até a ponta de seu nariz. Abri um pouco mais do meu sorriso, ela estava imóvel, parecia estar distante, num transe.
E num gesto impulsivo, arrastei minha mão da sua bochecha até sua orelha, entrelaçando meus dedos em sua nuca. Arranhei levemente aquela região antes de inclinar um pouco minha cabeça pro lado e dar um beijo de leve no lábio inferior daquela garota, fechando os olhos imediatamente.
Logo minha língua pedia passagem e quando ela abriu os lábios lentamente e minha língua teve contato com a dela, eu me senti estremecer, assim como ela. Aquela sensação era única e impagável. Era a mistura de se sentir errado e certo ao mesmo tempo. Era o querer e o poder num mesmo momento.
Ela continuava imóvel, parecia que só eu tinha controle sobre o beijo, ela mexia apenas a boca.
Ela realmente parecia distante.
Fechei a porta com o pé e, lentamente, caminhei com ela em direção ao sofá, sem nos desgrudarmos. Fiz carinhos insistentes em sua nuca dentre os cabelos e logo eu encostei com a perna no braço do sofá. Me sentei ali mesmo, a colocando dentre minhas pernas, e então com a mão desocupada, eu comecei a explorar seu corpo mesmo que sobre a calça de moletom. O beijo era calmo e suave, mas eu podia sentir a respiração ofegante de . Eu apertei cada região de seu corpo com intensidade, a fim de saber se ela estremecia com um simples toque meu. Ridículo, eu sei. Mas eu não pensei nisso na hora.
Levei uma de minhas mãos à sua cintura e apertei levemente, não recebendo nenhuma reação de . Subi minha mão até seu sutiã, o desabotoando rapidamente. E desci minhas mãos por baixo da baby look. Mas senti algo como fosse uma cicatriz, e passei a alisar aquela região, tendo certeza de que era uma cicatriz.
E, rapidamente, ela me empurrou, mesmo eu não tendo como chegar pra trás. Eu a olhei assustado, a soltando, e ela me olhou de olhos arregalados, o medo em sua expressão era bem evidente. Ela deu largos passos pra trás, até chegar na parede que dava nas escadas.
– , eu... – tentei dizer.
– Sai, , sai daqui... – ela dizia em certo desespero, mesmo sua voz estando baixa. Ela se encostou na parede, parecia ter medo. Parecia ter medo de mim.
– , se você não quisesse, pode ter certeza de que não iria acon..
– Sai, sai daqui!! – ela apontou pra porta com uma das mãos, e aquela atitude estava me dando certo... medo. As lágrimas brotaram de seus olhos numa quantidade assustadora.
Não era o fato de ela estar assustada com um beijo meu repentino, era o fato de ela estar desesperada e com medo de mim.
Suspirei, me aproximando com calma. Mas ela se segurou forte na parede, como se fosse abrir e se esconder lá dentro. Ela começou a "andar" com o as costas presa na parede, se afastando de mim o máximo que podia.
– Não se aproxima ou eu chamo a polícia! – ameaçou, tão frágil que se fosse um ladrão não se importaria; mas tão autoritária que conseguiu me fazer parar onde eu estava.
Isso por causa de um beijo?
– , eu não estou... – eu não terminei de falar e ela olhou pro lado, me fazendo calar. Ela fitou o telefone sem fio sobre a mesinha que havia ali e pegou, mirando–o na minha direção. Arregalei os olhos.
– Calma, eu não vou te fazer nada... – ergui as duas mãos pra ela, tentando um sorriso, mas isso só a desesperou mais.
Voltei a andar, a fim de abraçá–la e dizer que estava tudo bem. Mas eu só vi um telefone voando na minha direção. Acertou em cheio o canto de meu rosto, me deixando levemente tonto.
– Você está exagerando, garota! – berrei com a mão aonde ela havia acertado, a vendo correr pra algum lugar que lembrei ser a cozinha.
Olhei pra minha mão: havia uma pequena mancha de sangue. Senti aquela região latejar forte e fechei os olhos por alguns segundos, tentando fazer com que a tontura passasse e ao mesmo tempo tentando entender aquela atitude. Abri os olhos rapidamente ao lembrar que ela se desesperou quando eu toquei em sua cicatriz. Isso tinha alguma coisa a ver?
Cambaleando um pouco, fui até a cozinha e olhei para os lados à procura de , mas não a vi. Mas eu ouvia soluços.
Dei alguns passos, olhando todos os cantos. Quando olhei atrás da bancada, ela estava lá, encolhida no chão abraçando as próprias pernas e a cabeça enterrada entre elas. Aquilo me doeu um pouco, mas mantive a calma.
Me aproximei silenciosamente, a fim de não ser notado por ela e me abaixei de frente a ela. Receei de início, mas eu a abracei com força.
– Me solta, me solta! – ela se debatia, mas eu não ousei a soltá–la. Ela continuou se debatendo com soluços altos e aos poucos ela foi desistindo, se acalmando. Mas seus soluços continuavam altos. – Eu disse... pra... você... pra você me soltar, ... – voz falha, fraca e frágil.
Aos poucos, eu a soltei.
– , olha pra mim. – pedi num sussurro, esperando uma reação, ao menos.
Ela não me olhou, voltou a enterrar o rosto entre as pernas.
– Olha, por favor...eu não vou te fazer mal, amor. – mordi o lábio ao notar que eu havia a chamado de 'amor'.
Ela embalançou a cabeça negativamente e então me vi obrigado a colocar uma das mãos no canto de seu rosto, o suspendendo mesmo sem sua vontade ou permissão. Seus olhos estavam vermelhos e inundados de lágrimas e senti uma pontada no peito, achando que eu que havia feito isso com ela. Ela desvencilhou o rosto de minhas mãos.
– Por favor, mantém o olhar em mim e me escuta. – pedi firme, porém baixo. Hesitando, ela me olhou vagarosamente. – Eu não sei porquê você fez isso, eu não entendi sua reação, eu não sei se é por causa de um beijo que eu queria faz tempo, eu não sei o que se passa na sua cabeça, eu não sei muito da sua vida. Eu só sei que te ver assim não me faz bem. Eu quero te entender e te ajudar, mas você tem de colaborar com isso. Se você tem alguma coisa pra contar que está te machucando, acho que chegou o momento certo e eu também acho que a pessoa certa está na sua frente. Mais do que nunca, eu quero que você confie em mim, pra qualquer coisa, e pode ter certeza de quê, o que for, isso não vai sair daqui. Não vou te criticar, eu só vou te apoiar porque não quero te ver assim. Eu já disse: me dói. Agora, – peguei suas mãos que estavam em torno de suas pernas – confia em mim e desabafa comigo.
Ela suspirou pesadamente, desviando o olhar, ainda com lágrimas nos olhos. Mordeu o lábio, com dúvida na expressão, e como vi que ela não tomaria uma atitude, eu me sentei ao seu lado, puxando–a pra deitar em meu colo em seguida. Puxei seus cabelos azuis, quase negros, para trás e brinquei com eles, até ela achar que é a hora certa de falar.
Mordeu o lábio mais uma vez e me olhou nos olhos.
– , – começou com a voz falha, mesmo só com o meu nome – quando eu era pequena, meus pais se separaram. Foi difícil pra mim, muito difícil, apesar de eu não ter entendido muita coisa e não entender até hoje. – suspirou enquanto eu estava atento e curioso, ainda embolando meus dedos em seus fios. – Então meu pai foi morar em outro país e até hoje não tenho notícias dele. Nem quero ter. – franzi o cenho em espanto, mas não disse nada. – Minha mãe arranjou outro marido, o qual eu nunca fui com a cara, e... – fechou a boca firme, as lágrimas voltam a escorrer pelo rosto. Ela desviou o olhar, colocando as duas mãos no rosto.
– Não faz assim. – incentivei, tirando suas mãos de seu rosto. – Seja forte, continue. – Ela assentiu, e entrelaçou os dedos de uma das mãos em meus dedos. Apertou–os com força antes de continuar:
– E ele...abusava de mim. – ok, eu fiquei pasmo diante dela. Ela me encarava esperando alguma reação, mas eu movia minha boca e nenhum som saia. Ela decidiu continuar: – E toda vez que eu ameaçava a contar pra minha mãe, ele me batia, ele me... agredia. – agora eu entendi o porquê da cicatriz e o porquê do desespero, mas eu esperei que ela me contasse, apenas pra ter certeza. – E então ele continuou me estuprando até que... – desviou o olhar, apertando novamente meus dedos. Levei uma de minhas mãos aos seus cabelos, massageando–os até ela voltar a me contar. – Até que eu engravidei. – novamente, eu fiquei...sem reação. Eu estava em choque, eu estava sem saber o que dizer ou pensar. Mas eu não podia mostrar nervosismo a ela, senão ela não terminaria.
– Sua mãe não disse... nada? – tentei não gaguejar, mas foi impossível.
– Ela não sabia, nem nunca soube. – sua voz era um sussurro, o único zumbido naquela cozinha vazia e silenciosa.
– E... aonde está... a criança? Quantos anos você tinha? – me vi a enchendo de perguntas, me calei ao notar.
– Eu tinha uns 12 anos. – meus olhos se arregalaram, a fazendo rir fraco. – Fiquei mocinha cedo. – deu um meio sorriso, envergonhada. Voltei a fazer carinho em seus cabelos, sorrindo fraco pra ela. – Bom, – pensou por uns instantes, fitando o teto – a criança... eu abortei. – me olhou, mordendo o canto do lábio.
– Como assim? – arregalei os olhos ainda mais. – , você... matou uma criança?!
– Uma criança indesejada, . – ela mantinha o tom leve e calmo, enquanto eu já ia brigar com ela por um passado que não é muito da minha conta.
– Tudo bem, desculpe.
– De início, eu não queria abortar, eu queria deixar a criança nascer... mas eu via que minha mãe amava demais aquele cretino e eu sabia que ela ia se magoar caso soubesse. Nós vivíamos na dependência daquele... cara – colocou todo seu ódio na expressão – e se caso ela soubesse, ia ser um inferno: ela sofreria por saber que foi traída, saber que foi com sua própria filha, saber que a filha foi estuprada, e ia se separar. E quem ia nos sustentar? Não que o que ela sentia fosse interesse, era sim interesse, mas ela o amava, sabe? – ela me olhou carinhosa, assenti, sorrindo fraco. – Então... como ele era um cara idiota, eu pensei: e se essa criança nascer com a cara dele?
– Ela descobriria e ia ficar arrasada do mesmo jeito. – sorri de novo, a vendo assentir e apertar meus dedos.
– Então achei melhor abortar. – concluiu, desviando o olhar novamente. Estava pensativa, enquanto eu a esperava. Eu sabia que ela tinha mais coisas pra me dizer, era notável. – Aí, minha mãe foi viver com ele e...me deixou aqui sozinha. – sorriu derrotada e com vergonha visível. – Minha tia nunca teve tempo o suficiente pra mim. Eu morava com ela até o início do ano, mas ela nunca esteve presente. Eu cresci tendo que aprender a viver sozinha, fazendo minhas próprias descobertas e tendo de enfrentar o mundo do jeito que eu queria e do jeito que todos diziam ser errado. Mas era o meu jeito. E como na época em que tudo aconteceu não tinha ninguém pra conversar comigo, eu fui crescendo com medo de me apegar a qualquer um, com medo, principalmente, de homens. Cresci com trauma. Eu não tinha com quem falar, com quem mostrar que eu estava certa. Eu não tinha com quem compartilhar uma coisa grave e eu...entro em desespero por estar perto de homens. Tenho medo que tudo se repita. – ela deixou mais algumas lágrimas cair e eu sorri, feliz por ela ter confiado em mim pra contar uma coisa dessas. E infeliz por dentro por pensar que ela fosse lésbica.
– Então, – tomei fôlego e coragem pra falar – por isso que você... se veste assim? Não quero te ofender, claro. – ela riu baixo através das lágrimas.
– Não. Eu sou assim. Esse é meu tipo, . Eu, realmente, não gosto de ser o centro. – sorriu frágil, como quem pedisse que a compreendesse.
– , me desculpa. Eu... não sabia, eu não queria que você entrasse em desespero. Eu... realmente, me desculpe.
– Tudo bem, . – ela disse de forma meiga, fechando os olhos lentamente. – Eu aprendi a confiar em você. – disse de olhos fechados.
Fiquei alguns segundos com os olhos fixado em seu rosto, pensando em quanto aquela garota era forte o suficiente por ter enfrentado tudo sozinha, mas era tão frágil a ponto de se sentir ameaçada, mesmo por um cara que era amigo dela.
Ela abriu os olhos, me tirando do transe e se sentou, mirando meus olhos. Sorriu e se aproximou, até seu nariz tocar o meu.
– Obrigada por me ouvir. – abriu um sorriso sob a lágrima e após senti sua mão tocar o canto de meu rosto, arranhando levemente próximo a orelha, me fazendo arrepiar e fechar os olhos como consequência.
Em seguida, senti seus lábios tocar os meus de leve, me dando um selinho demorado. Sua unha voltou a arranhar a região próximo de minha orelha, e então eu encostei a cabeça na bancada, a sentindo se afastar. Não ousei a abrir meus olhos.
– Obrigado por confiar em mim. – falei sincero, dando um sorriso e abrindo os olhos segundos depois.
– Me promete que isso não vai mudar nada na nossa amizade? – ela quis saber, ficando séria de repente, a preocupação estampada em sua expressão e na voz. Parecia que meu mundo havia desabado e murchei meu sorriso. Mas não me atrevi a dizer que achei que fosse mais que amizade.
– Prometo. – tentei um sorriso, fazendo–a sorrir mais abertamente e intensamente que eu.
Eu a segui com o olhar enquanto ela voltava a deitar em meu colo, passando a mão sob os olhos com marcas pretas.
Fechou os olhos, virando o rosto pra minha barriga e entrelaçando nossos dedos novamente.
Por minutos que não sei dizer quantos foram, ela respirava calmamente enquanto eu fitava seu rosto se suavizar aos poucos e seu corpo amolecer em meu colo.
Após mais ou menos meia hora a fitando e rondando mil perguntas em minha cabeça, perguntas que eu não queria que fossem respondidas agora, eu cantarolei baixinho, levando minha mão desocupada em seus cabelos: (You and Me – Life House)
– What day is it and in what month? This clock never seemed so alive. I can't keep up, and I can't back down. I've been losing so much time.
(Que dia é hoje e de que mês? O relógio nunca pareceu tão vivo. Eu não posso prosseguir, e eu não posso desistir. Tenho perdido tempo demais)
Senti ela se mexer, mas continuei cantarolando em sussurros:
– Cause it's you and me and all of the people with nothing to do, nothing to lose. And it's you and me and all of the people, and I don't know why I can't keep my eyes off of you.
(Porque somos você e eu e todas as pessoas com nada para fazer, nada para perder. E somos você e eu e todas as pessoas, e eu não sei por quê não consigo tirar meus olhos de você.)
– All of the things that I want to say just aren't coming out right. I'm tripping in words, you got my head spinning. I don't know where to go from here.
(Todas as coisas que quero dizer não estão saindo direito. Viajando em mim mesmo, você deixou minha mente girando. Eu não sei pra onde ir aqui.)
– There's something about you now I can't quite figure out. Everything she does is beautiful... (Existe algo sobre você agora que não consigo compreender completamente. Tudo o que ela faz é bonito.) – fui interrompido:
– Everything he does is right. (Tudo o que "ele" faz é certo.) – completou sorrindo, mas de olhos fechados. Sorri sincero, beijando sua testa.
E aos poucos eu senti seu corpo cada vez mais mole em cima de minhas pernas esticadas ao chão e sua mão afrouxar a minha a cada segundo. Até que sua respiração estava completamente tranquila e não havia mais um sorriso em seu rosto.
Talvez, agora, estivéssemos mais próximo que nunca.
Ou talvez mais longe.
Doze "Mas meu desespero aumentou quando o vi dar as costas. O que ele estava fazendo? Eu precisava dele ali, agora!"
Abri meus olhos lentamente e desencostei minha cabeça que estava apoiada em algo que notei ser uma bancada branca. Me situei: ainda estava na casa de . Há quanto tempo eu estava sentado no chão da cozinha com ela em meu colo?
– ? Acorda! – dei leves cutucões em seu ombro, tentando acordá–la sem ficar feito idiota fitando seu rosto relaxado em meu colo. – Vamos, acorda! – não que ela fosse tão pesada, mas eu sentia que minha pernas já estavam dormentes. Aliás: eu não as sentia.
Ela se mexeu quando eu a cutuquei mais forte e então ela abriu os olhos vermelhos e pequenos numa careta engraçada, me fazendo rir.
– Outch! Eu não acredito que dormi na cozinha... – ela arrastava as palavras, se espreguiçando em meu colo.
– Eu acabei dormindo também. – sorri pra ela.
– Tô com fome... – anunciou, fitando qualquer ponto da cozinha que não fosse meu olhar.
– Eu também. – entortei os lábios, sentindo meu estômago roncar ao lembrar de que eu estava com fome. – Vou pra casa almoçar, depois eu tenho que... – parei de falar quando ela me olhou, me fuzilando. – Que foi? – arregalei os olhos.
– Você vai almoçar aqui, ora. – disse simplesmente, se levantando.
– Mas, , eu... – tentei argumentar, a seguindo com o olhar.
– Sem 'mas'. – estendeu a mão pra mim e eu a agarrei. Tentei de novo:
– , eu tenho que es...
– Desde quando você é um nerd? – cruzou os braços e sua expressão era tomada pelo tédio.
– Tudo bem, você venceu. – me rendi, dando–lhe as costas pra me sentar num banco da bancada.
– Quer comer o quê? – quis saber, indo em direção ao fogão enquanto eu esticava meus braços sobre a bancada e apoiava minha cabeça sobre eles.
– Sei lá, qualquer coisa – dei de ombros, afinal, minha fome se matava com qualquer coisa mesmo.
– Vou fazer lasanha! – sorriu pra mim com os olhos brilhando, me fazendo sorrir também.
Ela se virou pro fogão e começou o que tinha que fazer enquanto eu a fitava, ainda com sono. Virei mais um pouco a cabeça sobre os braços, de modo que ela ficasse totalmente inclinada e eu perdesse de vista. Não que não fosse bom fitá–la, mas eu precisava organizar meus pensamentos.
Na verdade, eu não tinha muito o que pensar. Só o que lamentar.
Aparentemente, ela não estava se importando se ela me contou ou não. Mas eu sabia que ela ainda estava duvidosa se foi a coisa certa a se fazer. Por dentro, eu estava feliz por ela ter confiado em mim e ter contado uma coisa grave e íntima, mas o fato de não saber o que ela pensava sobre isso, me atormentava e eu sabia que mais que nunca, ela precisava de mim. Afinal, ela não tinha ninguém. E uma curiosidade tomou conta:
– Se eu te fizer uma pergunta, promete que não fica chateada? – perguntei com receio, desinclinando minha cabeça e apoiando o queixo nos braços. Ela desviou o olhar da bandeja sobre a pia e me olhou, mordendo o lábio. Parecia me analisar antes de responder.
Voltou seu olhar pra pia.
– Prometo. – enfim, respondeu.
– Onde... está sua mãe? – perguntei e ouvi sua risada baixa.
– Não faço a mínima idéia. – respondeu, sua voz falhava.
– Então... porque demonstrou tanto amor a ela?
– Você disse que perguntaria uma pergunta só. – lembrou–me, seu tom agora era firme.
– Desculpe. – voltei a inclinar a cabeça nos braços.
O silêncio permaneceu ali, enquanto eu pensava o quão intrometido eu era.
– Quando se ama uma pessoa, e ela dá tudo de si pra você, é impossível odiá–la, mesmo que ela tenha abandonado você. – ela me disse e eu fechei os olhos, pensando sobre isso por um momento. – O que sinto por ela é mágoa. Mas ódio, nunca se passou por minha cabeça.
Fiquei em silêncio, eu não tinha o quê responder. Abri meus olhos quando ouvi sua voz:
– Por que quis saber? – fitei qualquer canto que não fosse ela.
– Sei lá, curiosidade. – respondi sincero, louco pra trocar o assunto que eu mesmo comecei.
– Hun... – murmurou num tom audível, quase propositalmente. – E você? – eu a fitei: ela mantinha o olhar na bandeja sobre pia, mexendo algo sobre ela. – Sua mãe mora com você?
– Não. – respondi rapidamente, porém continuei: – Implorei a ela pra que eu e meus amigos morássemos juntos, e de tanto insistir ela acabou aceitando. Ela e os pais dos meus amigos pagam nossas contas.
– Ãhn... – fez silêncio. – Mas não sente falta dela?
– Tanto faz. – dei de ombros, já que eu nunca havia pensado nisso.
– Você não sente tanta falta por morar com seus amigos... – me disse, indo em direção à geladeira enquanto eu a seguia com o olhar. – Se você morasse sozinho, na certa queria voltar pra casa.
– Se sente sozinha? – eu mal deixei que ela terminasse a frase.
– Talvez. Nem tanto. – deu de ombros também, voltando pra pia com alguma coisa rosa na mão.
– Por que?
– Sei lá. Aprendi a me virar.
– E quem paga suas contas? – realmente, eu não sei porque eu fazia aquelas perguntas pra ela. Talvez fosse o medo de acabar o assunto que minutos atrás eu comecei e queria terminar. Ou talvez fosse o medo do silêncio desconfortável ficar ali.
– Minha tia. – suspirou. – Mas também fiquei sabendo que minha mãe manda dinheiro pra me sustentar.
– Não se importa com isso?
– Não ligo. – deu de ombros novamente, sua voz fria.
– Se sua mãe voltasse, você... teria... sei lá, co...
– Eu falaria normalmente com ela. – respondeu prontamente, como se soubesse o que eu queria perguntar. Ri baixo com isso. – , acho que você é um dos que tem uma imagem errada de mim. Eu gosto do preto, eu tenho olhos borrados por camadas de lápis nos olhos, escuto músicas com beat pesado, mas eu tenho coração, eu sou sensível, eu sempre fui. Eu não sou revoltada pelo o que eu aconteceu, eu só tenho... trauma. – sua voz falhara na última palavra.
– Então eu não tive a impressão errada de você. – sorri pra mim mesmo.
Não houve respostas.
Suspirei alto, atormentado com aquele silêncio. Eu não sabia o que dizer pra amenizar o clima que nem eu mesmo sei decifrar se era bom ou ruim. Ouvi um soluço baixo reprimido e fechei minha expressão. Ela estaria chorando?
Abaixei meus olhos e fui até ela silenciosamente, e a abracei pela cintura, temendo o que ela pudesse fazer.
– Não chora, detesto te ver chorando. – sussurrei ao pé de seu ouvido e a senti estremecer. Ela parou os movimentos com as mãos. – Prometo não tocar mais no assunto.
– Sem problemas, . Poder falar o que eu quero ser precisar ter vergonha me faz bem. – sua voz falhou em quase todas as vogais, mas entendi perfeitamente. – É a droga da TPM. – riu baixo, me fazendo rir também.
Dei um beijo em sua bochecha e a soltei, voltando a me sentar na bancada.
– Sabe, – comecei, apoiando minha cabeça em minhas mãos – estou pensando em procurar um emprego. – ouvi sua risada.
– Quem diria... – disse num típico tom debochado que ela não usava há muito tempo.
– Não fala nesse tom, é verdade! – protestei, emburrando.
– Tudo bem, desculpe. – disse sério forçadamente, me fazendo rir.
– Voltando ao foco... – ela riu. – É sempre bom ter o próprio dinheiro pra não ficar dependendo de ninguém... – afirmei, brincando com a estampa florida da bancada.
– Entendo. Às vezes eu quero comprar minhas próprias coisas, mas fica difícil, eu não gosto de ficar pedindo dinheiro pra minha tia...
– Isso! Pedi pra que minha mãe comprasse outra guitarra pra mim, mas ela disse que não e que blábláblá e ficou reclamando durante umas boas semanas...
– Ãhn, você toca? – perguntou como se estivesse decepcionada e ao mesmo tempo num tom sarcástico.
– Toco. – respondi simplesmente, franzindo o cenho por não entender aquele tom de voz.
– Ah... – murmurou.
– Por que essa reação?
– Eu podia ficar sabendo disso antes...
– Por que? Você tem uma banda?
– Você não cansa de perguntar 'por que'?! – disse divertida, sua voz voltando ao normal aos poucos.
– Ah, foi mal. Mas então, – ouvi sua risada baixa – você tem uma banda? – sorri radiante, mesmo que ela não pudesse ver.
– Na verdade, não. Eu só toco, eu não tenho tantas amizades, diz–se: nenhuma, pra montar uma banda. E mesmo assim, acho que não tenho paciência pra isso.
– E quem te ensinou a tocar? – eu continuava radiante, fitando suas costas.
– Comprei um violão e aprendi sozinha. – ela me olhou e sorriu, enquanto eu alargava meu sorriso.
– Menina determinada... – disse com admiração, fazendo–a rir relaxando a cabeça pra trás.
Fiquei feito idiota ouvindo aquela risada gostosa e aos poucos ela voltou ao seu estado normal.
E de repente eu senti meu bolso vibrar, em seguida All About You tocava naquele silêncio da cozinha. Rolei os olhos: eu sabia de quem era aquele toque.
Coloquei a mão no bolso e fiz uma careta ao vir que realmente era .
– Fala, cara. – falei, fitando a janela.
– Onde você está? – sua voz tinha misto de raiva com preocupação. Bufei de novo, entortando os lábios em tédio.
– , eu não decidi morar com meus amigos pra ter um viadinho atrás de mim, não... – segurei uma risada, mas não conseguiu controlar.
– Seu ingrato! – gritou sem se importar com meus tímpanos. – Nunca mais me importo com você, ouviu bem? – Entendido. – falei simplesmente, ainda segurando a vontade de rir da provável cara furiosa do meu amigo.
– Então é assim? Onde você está, babaca? – Na casa da , ouras. – informei como se fosse óbvio, dando de ombros.
– Você vai morar aí, agora? Só vai andar com ela, agora? Esqueceu que tem amigos? – Sinto cheiro de ciúmes no ar... – falei rindo fraco e virou a cabeça pra me olhar, com o cenho franzinho em confusão, porém com a expressão divertida.
– Não é ciúmes, ! É que agora você só vive grudado com ela! E ainda nega que sente algo mais... – disse com um desdém irritante, acabando com meu bom humor.
– Não é nada disso, . Você sabe que não é verdade... Acontece que... – deixei a frase no ar, já não me olhava mais. – Esquece. – suspirei. – Quando chegar em casa a gente conversa.
– Vê se não chega tarde e se for dormir aí, avisa pra eu não ficar te procurando de madrugada igual a... – Tá bom, eu já entendi, ... – falei impaciente. – Você está agindo pior que minha mãe!
– Isso se chama preocupação. Então não reclama. – rolei os olhos. – Eu odeio essa menina, eu odeio! Ela está afastando meu amigo e... – , – começou, pegando a bandeja e indo em direção ao fogão e ainda tagarelava do outro lado da linha – chama ele e os meninos pra almoçar aqui... – ela acabou com minha alegria de viver. Ok, menos.
– Âhn... – olhei pra ela piedoso e ela riu baixo, se aproximando após colocar a bandeja dentro do forno.
– Já tô indo prai! – ele mudou o tom de voz rapidamente, me fazendo bufar.
– Claro que não! – protestei. – O que você acabou de dizer sobre ela? – perguntei desafiador, voltando a brincar com a estampa da bancada.
– Ah, isso é passado, . – Imbecil.
– Como quiser, já estou indo. – eu mal disse onde ficava e eu já pude ouvir o 'tututu' do outro lado da linha, me fazendo olhar pro telefone em minhas mãos, indignado.
– Por que o toque do seu amigo é 'It's All About you, it's all about you, baby'? – perguntou suspendendo a sobrancelha, dando ênfase na última palavra.
– Aw, meu amor gravou pra mim! Você gostou?! – fiz gestos gays e exagerados, enquanto ela se arrastava discretamente pra fora da cozinha.
E de repente ela correu.
– Ei, volte aqui! – me levantei da bancada rapidamente e fui atrás dela, a seguindo feito um maníaco.
Corri a casa inteira atrás dela, derrubando quase tudo que tinha na frente e ouvindo sua risada escandalosa. E quando chegou próxima à escada pela quinta vez, eu me joguei em cima dela, nos derrubando no chão.
– Aw, seu gordo! – ela reclamou, sua voz abafada, já que eu ainda estava em cima dela no topo das escadas.
– Preconceituosa. – falei simplesmente, me levantando.
Estendi a mão pra ela e ela a segurou, fazendo uma força exagerada pra se levantar.
– Depois o gordo sou eu... – disse com desdém, recebendo um tapa no braço.
– , – ela começou, indo em direção ao sofá. Eu a segui – me deixa ouvir aquela música de novo? Eu gostei dela. – disse, se jogando no sofá sem delicadeza alguma.
Sorri comigo mesmo, pegando o celular no bolso e o futucando até achar a música.
'It's All About you, it's all about you, baby'(É tudo sobre você, é tudo sobre você, baby) 'It's All About you, it's all about you, baby'(É tudo sobre você, é tudo sobre você, baby) 'It's All About you, it's all about you, baby'(É tudo sobre você, é tudo sobre você, baby) 'It's All About you, it's all about you, baby'(É tudo sobre você, é tudo sobre você, baby)
Joguei o celular no sofá e estendi a mão pra ela, que sorriu e se levantou. Fez uma reverência como uma princesa e seu vestido imaginário e pegou em minha mão, escutando a primeira estrofe da música ecoar pela sala.
Yesturday you asked me something I thought you knew(Ontem você me perguntou algo que pensei que você sabia) So I told you with a smile, "It's all about you"(Então te disse com um sorriso "É tudo sobre você") Then you whispered in my ear and you told me too(Então você sussurrou em meu ouvido também) Said you'd make my life worthwhile, it's all about you(Disse "Você faz minha vida valer a pena, então "é tudo sobre você")
A puxei pra perto de mim, me sentindo arrepiar ao olhar em seus olhos tão de perto e por sentir sua respiração tocar meu queixo.
Começamos uma dança estranha, porém era do nosso jeito. Embalançamos nossos corpos de acordo com a música, ela segurava minha nuca e a outra mão ela a colocou sobre meu ombro.
Enquanto eu coloquei minhas duas mãos em sua cintura, sorrindo pra ela, ela descansou a cabeça em meu peito, sem parar nossos movimentos calmos e suaves. Sorri pra eu mesmo feito idiota, tratando de tirar aquele sorriso rapidamente do rosto.
– And I would answer all of your wishes, if you ask me too. But if you deny me one of your kisses, don't know what I'd do... – sussurrei ao pé de seu ouvido e juro que eu senti que ela estremeceu, me fazendo sorrir.
So hold me close and say three words like you used to do. (Então, abrace–me forte e diga três palavras como você costumava fazer) Dancing on the kitchen tiles, it's all about you, yeah!(Dançando nos azulejos da cozinha. É tudo sobre você, yeah!)
Enquanto os solos de guitarra eram audíveis pela música, subi uma de minhas mãos até alcançar a nuca de , a sentindo estremecer novamente e eu alargar o sorriso. Ela apertou meu ombro com força enquanto eu apertava sua nuca sob os cabelos, e me controlando por sentir sua respiração acelerar em meu pescoço.
And I would answer all of your wishes(E eu realizaria todos os seus desejos) If you ask me too(Se você me pedisse também) But if you deny me one of your kisses(Mas se você me negasse um dos seus beijos) Don't know what I'd do(Não sei o que eu faria) So hold me close and say three words like you used to do(Então, abrace–me forte) Dancing on the kitchen tiles(Dançando nos azulejos da cozinha) "Yes, you make my life worthwhile"("Sim, você faz minha vida valer a pena")
– So I told you with a smile "It's all about you"... – sussurrou, minha vez de arrepiar com um tom tão suave ditos propositalmente em meu ouvido. Afastei o rosto pra encará–la e ela tinha as bochechas num vermelho que eu nem imaginava que uma pele podia atingir, e um sorriso tímido nos lábios. Abaixou os olhos, enterrando o rosto em meu peito até o resto da música acabar, enquanto eu apoiava meu queixo no topo de sua cabeça, apertando–a mais contra mim.
'It's All About you, it's all about you, baby'(É tudo sobre você, é tudo sobre você, baby) 'It's All About you, it's all about you, baby'(É tudo sobre você, é tudo sobre você, baby)
A música acabou e ela levantou a cabeça de meu peito, sorrindo amarelo pra mim e com as bochechas levemente coradas, me fazendo levar meus dedos até elas e alisá–las com as costas da mão. Ela abaixou seus olhos e afastou–se, se jogando deitada de barriga pra cima no sofá.
– Não fique com vergonha. – falei, me jogando de qualquer maneira no chão, enquanto ela colocava as duas mãos embaixo da cabeça.
– Não estou vergonha... – sua voz foi quase um sussurro.
– Sua bochecha ainda está corando...
– Ah, para, ! – disse manhosa, enquanto eu ria e a olhava: ela pôs as duas mãos no rosto.
Me levantei silenciosamente e sorri, tirando suas mãos do rosto.
– Eu disse que suas bochechas estavam coradas... – sorri vitorioso, vendo suas bochechas mais vermelhas do que antes.
– Idiota! – ela se levantou bruscamente, se soltando de minhas mãos que ainda estavam em seus punhos.
Murchei o sorriso.
– , eu estava brincando... – a segui, que ia pra cozinha.
Ela não respondeu, foi direto no fogão e o abriu. Por um milésimo de segundos eu achei que ela jogaria aquela lasanha em mim. Mas ela fechou o fogão e me olhou, sua expressão tomada pela fúria.
– Me desculpa, vai... – falei manhoso, com um bico enorme.
Ela cruzou os braços e me fuzilou com o olhar, saindo da cozinha e, claro, passando por mim.
– , eu só estava brincando com você. – ela se jogou sentada no sofá, e eu me joguei ao seu lado.
Ela me olhou séria. E continuou a me encarar por alguns segundos, me deixando idiotamente desconcertado.
– Eu daria tudo pra seu amigo ver sua cara de idiota nesse momento. – sorriu.
Fiquei com cara de bunda, fitando seu sorriso se transformar numa gargalhada.
– Vai dizer que ficou chateado também? – me olhou, perdendo o riso aos poucos.
Não respondi, faria o mesmo joguinho com ela. Mas a campainha tocando interrompeu a droga dos meus planos. Ela entortou os lábios, em sinal de arrependimento e se levantou, correndo até a porta.
– Oi! – ouvi a voz de , me fazendo rolar os olhos por saber que foi ele quem acabou com minha brincadeira.
– Oi, ! – ouvi a voz dela um pouco menos animada do que a dele. – Oi, meninos! Entrem, entrem.
Bufei, fitando a TV e imaginando a desgraça que seria nossa tarde.
Mas meu sorriso abriu quando meus olhos fixaram num aparelho na parte de cima da estante: era um vídeo–game. Alarguei meu sorriso, fitando o provável Play Station e sentindo meus olhos brilharem feito o de uma criança feliz.
– Que cara é essa? – a voz de fez com que eu desviasse a atenção do vídeo–game.
– Nada. – murchei meu sorriso. – Fala aí, caras.
– Uh, que animação. – jogou–se ao meu lado, fitando a TV desligada. – Se joguem por aí, meninos. – deu de ombros, tateando as costas do sofá à procura do controle.
Zapeou os canais enquanto eu fuzilava com o olhar, já que ele estava me zoando com corações no ar e e se jogaram em qualquer canto da sala.
Ela parou num seriado, no que pude perceber, e colocou o controle nas costas do sofá, cruzando as pernas sobre ele em seguida.
– ? – eu, que desviei minha atenção pra TV, voltei a fitá–la. – Não ficou mesmo chateado não, né? – sussurrou. Sua expressão esperançosa atiçou minha vontade de rir, mas me controlei. E a perdi totalmente quando ela pôs uma das mãos em minha nuca, brincando com os cabelos daquela região, perdendo meu olhar de vista.
– Não. – respondi suspirando, fechando os olhos ao sentir um arrepio fora do comum quando ela arranhou aquela região. Por que diabos nós dois usamos a tática de provocação pra conseguir o que queremos?
– Que bom. – ouvi sua voz dizer e sua mão já não tocava meus cabelos. Abri meus olhos. – Verei a lasanha. – e se levantou, rumando em direção à cozinha em silêncio.
– 'Nhannhan, porque eu te amo do fundo do meu coração, e nhénhénhém...' – fez uma voz afetada, me fazendo olhá–lo. Os outros gargalharam, enquanto eu dava o dedo.
– Não temos nada, ok? Somos amigos. – informei, cruzando os braços e emburrando, nada satisfeito com aquela zoação.
– Tá, acredito. – ouvi a voz de , mas não o olhei.
– Duvido que até hoje vocês não trocaram um selinho! – vez de dizer, e eu arregalei os olhos, ouvindo a risada dos outros.
– Cala a boca, ! – o fuzilei com o olhar, levando meu olhar pra porta. E estava lá em pé. Quando me viu olhando–a, ela embalançou a cabeça negativamente e tentou disfarçar, vindo em direção ao sofá com os olhos no chão.
Me levantei antes que ela pudesse se sentar, e fui em direção à cozinha, a puxando pelo braço. A arrastei, ela de costas resmungando.
– O que você ouviu disso? – perguntei, visivelmente curioso.
– Eu não ouvi nada, – disse em defesa, soltando seu braço.
– Me fala. – pedi de novo, aumentando o tom de voz.
– Eu já disse que eu não ouvi nada. – afirmou de novo, evitando meu olhar. – Eu estava num transe, não ouvi nada. – e saiu da cozinha sem me olhar.
Bufei alto: péssima ideia ela ter chamado meus amigos.
Sentindo o cheiro de lasanha, fui até a geladeira e peguei água, mesmo sem autorização dela. Eu sabia que ela me fuzilaria com o olhar e diria no seu melhor tom óbvio que eu podia pegar água e que não precisava ir à sala pra pedir.
Voltei pra sala depois de beber a água, o silêncio estava ali, mas ela não parecia se preocupar com isso, já que ela estava praticamente babando no Adam Brody do The OC.
Rolei os olhos, me sentando ao seu lado e relaxei a cabeça pra trás.
– Vamos mesmo ficar vendo este bundão na TV? – disse e eu abri os olhos rapidamente, fitando o teto e pensando na asneira que ele acabou de dizer. podia matá–lo a qualquer momento por chamar aquele cidadão de bundão.
– Como é? – ela tinha o tom de voz assustador e então eu olhei pra ela: mirava que estava jogado numa poltrona no outro lado da sala.
– Fodeu.
Após almoçarmos, decidimos jogar vídeo–game. Mas ela decidiu jogar no seu próprio DS, já que não queria se envolver com viciados, como ela mesma se explicou.
Mas aquele barulhinho do Mario no DS dela estava me irritando, e mesmo assim eu tentei ignorar.
A tarde se passou correndo, até que não foi má ideia chamá–los aqui. Ela parecia se divertir com eles e nem, ao menos, demonstrou medo ou algo parecido perto deles. Acho que ela tinha confiança suficiente em mim pra saber que eu não colocaria pessoas que poderiam ser arriscado pra ela, dentro de sua própria casa.
– Melhor irmos, semana que vem é semana de provas, temos que estudar. – falei pensativo, desligando o Play Station quando eu já estava cansado de perder pro .
– De novo eu pergunto: – ouvi a voz de e a olhamos: ela não tirou os olhos do DS – desde quando você é nerd?
– Você já me perguntou isso? – suspendi a sobrancelha, não recordando deste fato.
– Não muda de assunto. Se não está satisfeito de estar na minha casa, você me...
– ... – evitei que ela dissesse alguma besteira, me levantando e sendo acompanhado pelos outros. Ela riu sem desviar sua atenção do brinquedinho na sua mão e se ajeitou no sofá, deitando–se. – Já vamos, amor. – avisei, me aproximando e dando–lhe um beijo na testa após vir que o relógio marcava 19h.
– Vou levar vocês na porta. – ela levantou, ainda jogando e foi em direção à porta, sendo seguida por nós.
– Dá pra vocês soltar esse negócio por um minuto? – pedi, arrancando o Nintendo da mão dela enquanto ela fazia bico.
– , eu estava ganhando! – reclamou, cruzando os braços e acentuando o bico.
Ri baixo e os outros acham que me esperavam lá fora, não os vi por ali.
– Amanhã vamos matar aula e eu vou te levar num lugar legal. – avisei, me aproximando dela com um sorriso de orelha a orelha. – Você vai gostar. Fala pra sua tia que você estava com cólica. – abri mais o sorriso, como se fosse possível, e dei um beijo estalado em sua bochecha.
– Tá, agora me devolve que eu vou tentar recuperar meu jogo. – pediu com a mão estendida, sem desfazer o bico.
– Chata. – sussurrei, dando um beijo em seu nariz e devolvendo o jogo pra ela.
– Babaca. – falou feito criança, sorrindo pro jogo em suas mãos.
– Tchau, amor. – dei um beijo em sua testa e ela reclamou:
– Aiw, tanto beijo!
– Noss, obrigado pela parte que me toca... – falei indignado.
– Você é muito meloso.
– Obrigado pela parte que me toca... – repeti, com cara tédio.
– Você é muito...
– Já entendi. Tchau, . – dei as costas e ouvi sua risada baixa, e logo ela me puxou pela gola, me jogando com certa violência na parede.
– Sabe que te adoro, seu besta . – disse com uma mistura de riso e um sorriso no rosto.
– Tá, agora me solta. – tentei ficar sério, ela murchou o sorriso. – Quando eu queria que você fosse carinhosa, você não foi. – acrescentei ao vir que ela ainda me segurava pela gola com uma mão, enquanto a outra ela segurava seu joguinho que estava emitindo um som irritante.
– Desculpa, cavalheiro. Eu não sabia que você era tão sensível. – esboçou um sorriso sarcástico e debochado, me fazendo rolar os olhos.
– Vem cá, dá pro casalzinho ser breve? – ouvi a voz de e olhei pro lado: ele tinha somente a cabeça pra dentro da casa.
– Desculpa, senhor . Já estou soltando seu namorado. – me soltou, sorrindo falsamente pra ele enquanto este colocou o corpo pra dentro de casa, dando um ataque foquinha.
– Tchau, . Amanhã, na hora da entrada na esquina do colégio. – falei, passando por e o ignorando totalmente.
– Estudo com você, demência. – ouvi sua voz dizer, mas continuei caminhando em direção aos outros que me esperavam sentados na calçada.
Acenei já de costas e senti um peso em minhas costas.
– Bobo, eu sempre vou ser carinhosa com você. – ouvi sua voz em meu ouvido, me fazendo arrepiar, mas ainda segurar suas pernas que estavam em torno em minha cintura.
Sorri.
– Sim, mas agora sai de minhas costas. Você está realmente gorda. – recebi um tapa no ombro e ela desceu rindo.
– Onde você vai levá–la hoje? – quis saber pela décima vez enquanto caminhávamos em direção ao colégio.
– Eu já disse que é surpresa. – repeti minha resposta, aquecendo minhas mãos do frio no casaco.
– Não somos ela pra não saber só porque é surpresa. – estava curioso também.
– Vocês são muitos chatos! – reclamei, chegando cada vez mais próximo à esquina do colégio. – Há um tempo, quando nos conhecemos, ela disse que queria ir pra um parque de diversões, e eu vou levá–la lá hoje. – expliquei impaciente, parando na esquina do colégio, os fazendo parar também. – Satisfeitos?
– Uh, que cavalheiro! – disse, juntando as mãos e piscando os olhos freneticamente.
– Mas vocês vão de manhã? Que parque de diversões vai estar aberto nessa hora?
– Vou levá–la a outro lugar antes. – dei uma piscadela.
– Que lugar? – perguntaram ao mesmo tempo, expressões esperançosas no rosto.
– Não interessa. – murcharam o meio sorriso. – Agora vão que está ficando tarde. – disse, 'enxotando–os' com as mãos.
Enquanto eles se distanciavam, decidi sentar no meio-fio.
Decidi colocar os fones no ouvido até a hora de ela chegar e então ouvi as notas de Holiday de Green Day tocar em alto e bom som em meus ouvidos. Brinquei com uma pedrinha no chão, enquanto o tempo passava e eu perdia a noção do tempo. Ela estava demorando demais. Decidi olhar as horas: 22 minutos atrasada. Olhei para os lados à procura dela: será que ela entendeu o recado direito?
Me levantei e eu me arriscaria a ir até a porta do colégio pra ver se eu a via por ali, mas ao atravessar e vir uma rua paralela a que eu estava ao longe, avistei uma mochila de caveiras bem conhecida posta no chão. Cerrei meus olhos a fim de conseguir enxergar direito.
Mas não podia ser ela, havia um moleque de cabelos loiros com as mãos na parede enquanto ela o olhava. De longe, eu não consegui decifrar sua expressão. Me aproximei em silêncio, querendo me certificar se era ela mesma e, sim, era. Aquele cabelo não me era estranho, e eu senti meu estômago revirar ao vir aquela cena se repetindo: ele havia a beijado.
Parei onde eu estava, eu não tinha ação.
Aliás, eu tinha. A raiva tomou conta do meu corpo, me fazendo querer ir até lá e acabar com aquele garoto. Quem aquele moleque pensa que é?
Mas eu não podia. Da última vez, ela deixou bem claro como se sentiu quando eu quis matar aquele desgraçado. Eu não podia fazer de novo, eu não podia fazer a mesma burrada de novo, não agora. Talvez ela quisesse, ela não fazia esforço algum pra se afastar.
Então eu notei que eu estava imóvel, os fitando sem reação. Senti uma lágrima de ódio escorrer por meu rosto. Então, ela estava aos beijos ao invés de estar na esquina, me esperando?
Maldito eu que tive a ideia de levá–la pra algum lugar. Idiota, mil vezes idiota.
Ainda com as bocas seladas, ela me olhou. Ela me viu, me tirou do transe.
Mas a única coisa que consegui fazer foi dar as costas àquela cena.
's POV ON
Eu caminhava rápido, eu sabia que eu estava atrasada, mas não posso fazer nada se eu tomava a droga de um remédio e não adiantava porra nenhuma.
Até que uma mão quente segurou meu braço. Sorri, pensando em ser ele, mas aquela voz rouca que eu conhecia de algum lugar, me fez perder todas as esperanças e murchar um sorriso:
– Bom dia, gata. – olhei pra trás e vi Raian, o garoto que eu havia beijado por impulso na festa em que insistiu que eu fosse.
– Oi... – respondi engolindo a seco. No dia da festa eu estava sob efeito de poucas, mas algumas bebidas. Eu não tinha muita noção do que eu estava fazendo, eu apenas fazia. E agora, ali, sozinha com ele, eu sentia o medo e o desespero tomar conta de mim, sem saber exatamente o que ele pudesse fazer.
– Não me esperava aqui, né? – ele sorriu, mas acho que não havia tanta malícia naquele sorriso. Ei, cadê aquela que provoca pra afastar os caras? Outch, adiantaria alguma coisa provocá–lo, já que eu o tenho nas minhas mãos, mesmo não querendo?
– Não. – minha voz falhou, eu mal pude ouvir. Ele riu baixo, soltando meu braço.
– O dono daquela festa é meu amigo, claro, e ele me disse que você estudava aqui. É bom te ver... – disse com sinceridade evidente. Me limitei a sorrir o mais amarelo que eu podia. – Eu não quero te atrasar pro colégio, mas... – ele parou, colocando a mão em meu ombro e o fitando, tirando minha mochila lentamente de lá. Eu já sentia um embrulho no estômago, receando o que ele faria. – Naquele dia seu amigo fez o favor de atrapalhar o que tínhamos e, pra falar a verdade, eu gostei bastante de você. Olha, acho que temos bastante em comum. – sorriu com os olhos brilhando. Realmente, pelos menos no modo de nos vestir, tínhamos algo em comum: ele usava um All Star bem surrado, uma calça jeans larga e com alguns furos que eu não soube identificar se era assim mesmo ou se a máquina de levar dele estava com problemas, e uma camisa preta de uma banda que eu nunca ouvi falar na vida. – Acho que vale a pena nos conhecermos melhor... – atenta ao que ele dizia, eu não notei que ele estava cada vez mais próximo e, quando cai na real, eu estava encostada na parede, de forma que eu ficasse pressionada contra ela, não havendo chance pra sair. – O que você acha? – alargou o sorriso. Eu apenas o fitava, sem emoção alguma ou num pequeno transe, lembrando de momentos que passaram em minha mente como flashes. Eu queria evitar, eu queria viver a vida, mas eu não conseguia. Era de mim, era meu interior que me dizia que eu tinha que me afastar.
Eu não respondi, apenas senti seus lábios tocar o meu suavemente. Toquei a parede, querendo mais que tudo sair dali. Metade de meu cérebro pedia isso, esta metade implorava pra ir embora. Mas meus pés não o obedeciam.
Abri meus olhos assustada com imagens que me assombraram em sonhos há alguns anos atrás me apareceram sem aviso prévio, e então vi sobre o ombro de Raian. Ele nos fitava com os olhos brilhando, o rosto rígido. Suspirei aliviada e desesperada.
Mas meu desespero aumentou quando o vi dar as costas. O que ele estava fazendo? Eu precisava dele ali, agora!
Ele não podia fazer isso comigo, não agora, sabendo do meu passado. Sabendo dos meus medos, sabendo de tudo.
E como impulso, eu coloquei as mãos no peito de Raian e o empurrei, me abaixando rapidamente pra pegar minha mochila.
– Imbecil! – falei pra ele, mas sem tirar os olhos das costas de , que caminhava rapidamente pra um lugar qualquer.
Aumentei meus passos, colocando a mochila nas costas desajeitadamente na tentativa de correr e ajeitá–la ao mesmo tempo.
– Ei, ! – falei alto, mas ele não me deu ouvidos, apenas aumentou os passos, transformando sua caminhada rápida numa corrida sem controle. – , espera! – pedi de novo, tomando cuidado ao atravessar, o cuidado que ele não tomou.
Corri mais rápido e eu não estava acreditando que eu estava correndo atrás de homem, não mesmo.
Quando eu estava perto, bem perto, eu o segurei pelo braço, o fazendo parar.
– , me solta! – ele se debateu com violência, se soltando automaticamente.
– , po...
– Cala a boca, garota! – gritou sem se importar, a raiva em sua expressão me assustava. – Vai lá voltar a se beijar com aquele loiro idiota! – apontou pra onde nós estávamos antes, mas sem desviar seu olhar que estava em mim.
– Por que está agindo assim? – perguntei inocentemente, sem realmente saber o motivo da raiva.
– Ah, como você tem a coragem de perguntar isso? – seu tom debochado atiçou um pouco da minha fúria. – Enquanto eu estava te esperando feito demente há quase uma hora, você estava aos beijos com aquele garoto que só viu uma vez na vida! – arregalei meus olhos.
– E quem você pensa que é pra falar sobre isso? Esqueceu o que aconteceu ontem? – indaguei, controlando o tom de voz. Já havia bastante pessoas nos olhando, eu não precisava de mais atenções em nós.
– O que aconteceu foi diferente. – ele tremia de ódio.
– AH, foi diferente! – decidi usar meu tom debochado também, fazendo gestos exagerados com as mãos. – Quando é com você é normal; quando é comigo, você arruma um escândalo!
– Eu estava te esperando. Eu que te levaria num lugar que você gostaria, com certeza. Mas... – o cortei, não querendo ouvir o resto da frase.
– Eu que acreditei em você. Eu que acabei me fodendo no final das contas.
– Quer saber? Me esquece, garota! – e me deu as costas. Como assim 'me esquece'?
– , não seja idiota! – eu fui atrás dele, novamente, tentando andar na mesma velocidade de seus passos rápidos e largos.
– Quem está sendo idiota aqui é você, ! – disse sem me olhar.
– Você quem está fazendo uma tempestade num copo d'água por causa disso!
– Ah, agora é uma tempestade num copo d'água?! Ontem você não quis nem olhar na minha cara, estava impaciente e eu ainda fui atrás de você, me sentindo o culpado! E hoje você faz a mesma merda! Que tipo de garota você é?!
Parei de andar no mesmo instante. Eu era o tipo de garota que fica correndo atrás desse imbecil que finge que se importa, quando, na verdade, é egoísta igual aos outros.
Ele continuou a andar, sem se importar com o que disse, seguindo um caminho que eu não me preocupei em ver, já que eu fitava o chão, vendo gotas se espalhar.
Treze "Você tem noção do que é juntar tudo que você disse a mim em todos os dias que nos conhecemos e ficar ainda mais confusa com cada palavra?"
De alguma forma, eu não consegui fechar os olhos e pegar no sono. Aquelas palavras ecoavam em minha mente, me fazendo grunhir por conta daquele garoto. Mas eu não tinha muita raiva, eu tinha mágoa. Eu me sentia bem com ele e ele não tinha o direito de dizer aquelas coisas a mim. Não no modo em que ele falou. Então, tudo que ele fazia era pra descobrir um segredo? Um maldito segredo? Eu não acreditava que eu tinha confiado num “estranho”, já que eu prometera a mim mesma que eu não contaria isso a ninguém. Nem a sabia disso, porquê diabos fui confiar nele? E por que ele?
Uma amizade não pode ser esquecida assim, não dessa forma. Não podíamos acabar assim, eu o queria comigo naquele momento. Só ele me acalmava, só ele tinha efeito em mim. Mas eu não podia acreditar que logo ele tinha algum controle em meu corpo.
Era ridículo de se pensar, nem eu mesma conseguia desvendar o que se passava exatamente em minha mente. Eu não sabia o que pensar, nem o que fazer, eu apenas rolava insistentemente na cama, tentando tirá–lo da cabeça. Mas como tirá–lo se ele é 98% do meu dia, 99% da minha vida?
Quando eu, finalmente, tinha conseguido dormir, ouvi o tocar do despertador. Já era de manhã, eu não tinha dormindo nem dez minutos. É ridículo, eu sei perfeitamente, mas eu não iria pro colégio. Eu não estava preparada pra encará–lo de novo. Ainda mais morrendo de sono.
Me levantei: minha vida tediosa estava de volta.
Após a higiene matinal e meu café da manhã sem sossego por rondar as piores imagens na minha mente, coloquei uma calça de moletom cinza claro e meu casaco imenso, que batia um pouco acima do joelho, e prendi os cabelos num coque alto. Não me importei em colocar maquiagem alguma, apenas peguei um Rayban marrom quase transparente que eu mal usava e meu celular, tomando nota de que eram 9h e 30min da manhã.
Coloquei os fones no ouvido e, ao som de My Heart de Paramore, eu andei pelas ruas, caminhando em direção a um parque que tinha bem próximo à minha casa. Talvez o ar fresco me ajudasse a relaxar.
Comprei um saquinho de pipoca num moço sorridente, e me encaminhei pra um banco vazio que havia ali, bem perto do grande lago. Cruzei minhas pernas sobre o banco e por alguns minutos eu fiquei analisando os pombos, parecendo uma autista, me fazendo rir por não ter outra coisa pra fazer. Comecei a comer minha pipoca tranquilamente, fixando meu olhar no saquinho em minhas mãos.
The Old I Get de Skillet já tocava em meus fones, me fazendo mexer no banco de acordo com a música, feliz por não ter pensado nele até tal momento.
Um mendigo sentou–se ao meu lado, não me importei em olhar. O lugar é público, não?
Mas aquele perfume não era de mendigo. Aliás, mendigo não usa perfumes. Eu conhecia aquele cheiro, e então olhei vagarosamente pro lado, sentindo minhas bochechas queimar e minha barriga apitar.
Ele me olhava, os olhos brilhando e a expressão enigmática.
Suspirei alto, voltando minha atenção pra pipoca.
– É incrível como somos tão diferentes, mas tão iguais... Até no lugar para pensar a gente escolhe o mesmo... – ouvi sua voz dizer, mas não ousei a tirar os fones do ouvido. Eu não queria ouvi–lo.
De alguma maneira, eu tentava me distrair com o saco de pipoca; aquela coisa já não ingeria como eu queria.
E então senti minha nuca suar, minhas mãos se paralisaram quando, sem minha permissão, ele tocou em minha mão puxando–a pra ele.
– Eu não vim pensar. – comecei, soltando minha mão das dele. – Eu vim pra não lembrar, eu vim esquecer.
– , por favor, não diga isso. – pediu, me fazendo olhá–lo incrédula. Seu cenho era contorcido em tristeza, seus olhos um pouco vermelhos.
– Estou tentando fazer o que você me pediu, . – disse, descruzando minhas pernas e tirando os fones do ouvido, desviando meu olhar pra qualquer lugar.
– Foi coisa do momento, eu não estava raciocinando, eu...
– Pra você é sempre coisa do momento, e na boa? Eu estou cansada disso. Acabou pra mim. – aumentei o tom de voz, incerta, o olhando nos olhos, agora.
– Não diga uma coisa desses nem de brincadeira! – ele arregalou os olhos, me vendo levantar.
– Eu não estou brincando, .
– Diz que está, por favor. – disse suplicante, se levantando também.
– Não estou, . – sussurrei. – Chegou ao limite. Você sabe o que é dormir com aquela mesma coisa ecoando na sua cabeça? Você sabe o quanto doeu o que você me disse? Você tem noção do que é juntar tudo que você disse a mim em todos os dias que nos conhecemos e ficar ainda mais confusa com cada palavra? Eu não consigo te entender, ! Num dia você é carinhoso, você é meloso até demais. No outro dia você é completamente diferente, é um monstro! Você me faz feliz, mas ao mesmo tempo acaba comigo. E se eu permitir, pode piorar. Eu posso magoar você e você pode me magoar ainda mais e brigar com você é uma das coisas que eu mais detesto. Então acho melhor...
– ... – me interrompeu com a voz falha. – Não continua, por favor, não continua. – ele mantinha o tom de súplica, me fazendo desviar o olhar. – Eu quero ser seu amigo, eu disse que me apeguei a você, eu já não sei mais o que é minha vida sem ver seu rosto, imagina... sem ter sua amizade, que... – parou de falar, me fazendo olhá–lo: mordia o lábio, fitando o chão, parecia escolher palavras – agora é uma das coisas mais importantes que eu tenho. – ele enfim, me olhou. Pegou a mão que não estava segurando o saco de pipoca e a segurou com força. – Eu não queria dizer àquelas coisas a você, mas eu não suporto a ideia de te ver com outro garoto. Pra mim, você é só minha, porque acho que fui o único que conseguiu chegar até aqui. – franzi o cenho, confusa. – Acho que fui o único a conseguir sua confiança ou ser seu amigo, tanto faz. – deu de ombros, fitando nossas mãos entrelaçadas. – Mas pelo o bem da nossa amizade, – riu fraco, provavelmente notando a frase clichê que acabara de dizer – eu vou te deixar em paz. – me olhou nos olhos, piscando lentamente. Senti como uma pontada forte do estômago. Em que sentido ele dizia isso? – Eu não quero te ver longe, eu quero você sempre comigo. – tratou de explicar, ao vir que eu não desfazia a expressão confusa. – Eu digo que... se você quiser ficar com aquele garoto, ou qualquer outro garoto, eu não vou interferir, eu não posso interferir. Porque eu quero ver você feliz. Eu não vou mais me meter na sua vida como eu tenho feito... – o que ele estava dizendo? Eu não queria ficar com aquele moleque!
– , eu... – fui interrompida por seu dedo em meus lábios.
– Não diga nada. – deu um meio sorriso. – Agora me diz que não vai deixar de ser minha... amiga. – mordeu o lábio, tirando seu dedo de meus lábios e colocando sua mão sobre as nossas que estavam entrelaçadas. – Eu não vou te provocar pra eu ter a resposta que eu quero. – disse, rindo sem humor, enquanto eu desviei o olhar.
Fiquei sem resposta. Eu não queria magoá–lo, mas ele havia me magoado. Eu não sou vingativa, mas eu tinha sentimentos.
Fitei o chão, tentando pensar em alguma coisa pra sair dessa situação, mas eu não podia bancar a infantil logo agora, o dando as costas e deixando–o sozinho com cara de paisagem. E novamente aquela merda de medo aparecia em mim, e agora eu tinha medo de me magoar novamente, eu tinha medo de confiar nele novamente e ser tratada da mesma forma que ele me tratou ontem. Eu tinha medo em ele não ser quem parecia, eu tinha medo de me apegar demais. Eu tinha medo de algo a mais que amizade.
Mas do mesmo modo que ele disse que me queria com ele, eu o queria comigo, e não dormir à noite foi só consequência de ter brigado com ele. Então, imagine seu eu deixo de contar meus segredos, ser idiota e não tratá–lo carinhosamente como trato todos os dias? Na certa, eu enlouqueço.
Eu podia dar mais uma chance a ele, afinal, eu só o tinha agora.
– Tudo bem. – tentei um sorriso, mesmo estando chateada com ele.
– Eu posso te abraçar? – o olhei nos olhos e analisei sua expressão: tinha esperança e receio. Mas acima de tudo: sinceridade.
Ainda sabendo que eu não o trataria normalmente durante um tempo, eu o abracei, fechando os olhos e sentindo o cheiro da pipoca se misturar com seu perfume inconfundível por mim.
Suspirei, o soltando e fixando meu olhar no saco de pipoca.
– Posso te levar num lugar hoje? – ouvi sua voz perguntar e o encarei. – O lugar em que eu te levaria ontem. – sorriu.
– Não, melhor não. Eu queria ir pra casa e descansar a mente. – falei variando meu olhar na pipoca e no chão, murchando o sorriso de .
– Tudo bem, eu te entendo. – disse com a voz afetada pelo decepcionamento. Senti seus lábios tocar minha testa, me fazendo fechar os olhos nos poucos segundos que senti o contato de sua pele.
– Então, eu já vou indo. – falei, desconcertada por ele me analisar.
– Posso te acompanhar? – abriu um sorriso divertido e aliviado.
Ri fraco, dando de ombros e o dando as costas. Me concentrei em comer a pipoca, enquanto eu sentia sua mão me puxar pela cintura pra próximo de seu corpo, me trazendo um certo arrepio que decidi ignorar.
Até quando eu iria ignorar essas reações de meu corpo quando estou com ele, realmente eu não sei.
Quatorze "Parecia que o mundo havia desabado, não sei definir o que eu senti naquele momento."
Alguns dias havia se passado e, apesar de eu não estar mais naqueles dias, meu espírito emotivo e depressivo permanecia em mim. Tudo bem, não totalmente. A questão é que eu vinha assistindo filmes melosos e dramáticos durante a semana, na esperança de me distrair, já que eu não tinha nada pra fazer.
Ah, tinha o . Mas este, ultimamente, está evitando ao máximo se tornar 'meloso' demais, ou se aproximar mais de mim do que realmente o necessário. A verdade, é que eu acho que ele tem medo de que briguemos outra vez, e essa falta de intimidade que tínhamos antes, estava me sufocando aos poucos, porque, de uma maneira inexplicável, eu sentia falta daquilo. Eu sentia falta daquele sempre presente em 98% do meu dia.
Mas pelo menos eu conversava e brincava com ele normalmente, fazendo completa questão de esquecer que um dia nós brigamos. Eu sentia uma pontada estranha só de pensar na briga em que um dia tivemos; eu só quero me lembrar das coisas que ele disse após a briga. Aliás, eu não quero lembrar; eu lembro automaticamente. Sem minha autorização, as cenas de um dia no parque aparece em minha mente, mostrando em partes o seu rosto de alívio e esperança, me levando a crer que sim, ele não era nada do que pensei quando eu tinha raiva.
Boulevard Of Broken Dreams de Green Day tocava dos fones de meu inseparável celular enquanto eu adentrava o colégio com a mão no bolso. Típico.
Fui em direção aos armários e após pegar todos os livros que eu precisaria naquele dia, eu fui em direção à sala de aula, ignorando (como sempre) os olhares em mim. Claro que havia olhares em mim: sou sobrinha da diretora e eu não me visto como uma 'boa menina' de Londres.
Entrei em sala e, embalançando a cabeça e fitando meu All Star surrado, me direcionei ao meu lugar no final da sala. Levantei minha cabeça quando joguei minha mochila na mesa e vi sentado ao lado de do outro lado da sala. Assim como estava sentado ao lado de , conversando animadamente. Os quatro.
Sorri de canto pra que olhou em minha direção e desviei o olhar, me sentando em seguida. Suspirei alto, fechando os olhos e colocando os cotovelos sobre a mesa, passando as mãos pelos cabelos, os colocando pra trás. Merda de colégio.
Fiquei uns bons minutos ouvindo a música me ensurdecer com as mãos puxando meus cabelos para trás, até que os abri, lembrando que o professor podia chegar a qualquer momento.
Mas a imagem que vi, foi a de sentado em minha frente com os braços cruzados sobre o encosto da cadeira, me fitando com um meio sorriso. Tirei os fones do ouvido, e abri um sorriso.
– Bom dia. – falei, o vendo alargar o sorriso.
– Bom dia, pequena. – mordeu o lábio, murchando o sorriso. – Tenho duas notícias pra te dar.
– Conta, conta, conta! – dei um ataque foquinha, me ajeitando na cadeira com um sorriso imenso.
– Tudo bem, mas só uma. Porque eu já contei pros meus amigos.
– Fala logo! – o apresei, dando um tapa leve em seu ombro. Ele gemeu e disse:
– Arrumei um emprego. – murchei o sorriso.
– Desde quando isso é bom? – suspendi a sobrancelha, incrédula.
– Aw, achei que ia ficar feliz por mim! – cruzou os braços no peitoral e fez bico.
– Hãn, eu fiquei. Mas... – fitei a mesa. – Trabalhar é ruim, não? – o olhei.
– Claro que não! – emburrou ainda mais. – Eu tenho meu próprio dinheiro e, além do mais...
– Senhor , pode se sentar como gente? – o professor disse alto, provavelmente já dissera isso antes, mas não demos atenção.
se virou pra ele descruzando os braços. Piscou pra mim e foi em direção ao seu lugar bufando.
É, arrumara um escândalo com dias atrás por ele sempre sentar ao meu lado.
Passei a aula inteira curiosa pela notícia que o vinha a dar. Não acho que seja uma coisa do outro mundo nem tão importante, muito menos boa, já que trabalhar pra ele é maravilhoso.
Mas ainda assim, eu estava curiosa.
Tirei meu casaco ao sentir um calor insuportável e estranho em mim ao sentir que eu estava sendo observada. Eu sabia quem me olhava, mas eu não tinha audácia de correspondê–lo.
O sinal tocou, anunciando o recreio. Finalmente. Levantei–me suspirando e arrumei minhas coisas na mesa, sentindo duas mãos tocar minha cintura e me fazendo parar os movimentos, perdendo completamente a concentração.
Só aquelas mãos me faziam sentir calafrios esquisitos, só com aquele toque que meu corpo reagia de forma diferente.
– Vamos? – ouvi sua voz no pé de meu ouvido e me limitei a assentir. Joguei meu celular dentro da mochila de qualquer forma e a coloquei no ombro, sentindo, em seguida, dar um beijo em minha bochecha, me fazendo sorrir.
Ele me guiou até a saída da sala com as mãos em minha cintura, e quando estávamos fora de sala ele me soltou, já que nos separou.
– E então, – ele começou me abraçando pelo pescoço, assim como fez com . Eu e ele nos entreolhamos e rimos – qual a notícia?! – olhou pra , sem nos soltar, e abriu um sorriso imenso.
– Já vou contar, espera chegar no pátio. – ele sorriu torto pro amigo e logo olhou pra frente, não me olhando nos olhos um segundo sequer.
Eu ouvia e conversarem atrás de nós, mas eu não prestava muita atenção. Aquele sorriso não me convencera de muita coisa. Olhei pra rapidamente: ele estava nervoso, já que apertava seus dedos uns contra os outros e suava evidentemente.
Voltei meu olhar pra frente e respirei fundo, sendo guiada ao refeitório por .
Nos sentamos numa mesa espaçosa que cabiam mais pessoas que haviam ali, e então continuou de pé, me fitando fixamente. Não havia nada além de dúvida em sua expressão.
– Então, conte–nos a grande novidade! – fez um gesto exagerado com as mãos.
– Eu já volto. – disse apressado, antes de nos dar as costas e sair do refeitório.
– Ta bom, né... – deu de ombros, abrindo um saco de biscoitos que não sei de onde ele havia tirado. Autistamente, comecei a brincar com a mesa do refeitório que não tinha nada de interessantes, apenas algumas pichações, palavras sem noções escritas a liquid paper. Comecei a ler algumas coisas e me distrai tanto, que nem prestei atenção na voz dos meninos.
Somente a voz do me despertou:
– Então, – levantei minha cabeça lentamente, sorrindo pela babaquisse que eu acabara de ler – eu a estamos namorado. – e encontrei sorrindo pra mim com as bochechas coradas, atrás com a cabeça apoiada em seu ombro, evitando meu olhar.
Parecia que o mundo havia desabado, não sei definir o que eu senti naquele momento. Eu apenas não gostei da notícia. Eu não consegui esboçar um sorriso, eu não conseguia encará–los, eu não conseguia ficar quieta.
– ?! – ouvi alguém me chamar, e olhei pro dono da voz.
– Oi, . – falei, encarando–o e sentindo minhas bochechas queimar.
– Estamos te chamando há quase um minuto e você não responde! – reclamou enquanto eu desviava minha atenção pra mesa, detestando a ideia de estar num mesmo lugar que ele agora.
– Desculpa – sussurrei quase pra mim, com o cenho franzido, confusa.
– Não vai dizer nada? – ouvi a voz de e levantei meu olhar vagarosamente a ela. me olhava sem nenhum sorriso, sem emoção, sem expressão, mas ainda com a cabeça apoiada no ombro de e enquanto esta me fitava atentamente, me analisando.
– Parabéns. Que sejam felizes. – tentei passar alguma emoção positiva, mas minha voz saiu morta, fraca.
Ela sorriu em resposta, acreditando em minhas palavras.
– Eu vou... – me levantei com a mochila, fitando qualquer ponto que não sejam eles dois – ali e eu... – não consegui terminar a frase, caminhei em uma direção qualquer fora do refeitório e ri baixo e sem emoção comigo mesma ao pensar no que eu poderia fazer.
Fui em direção à secretaria com passos largos e apressados, fitando o chão a qualquer custo e tentando expulsar as palavras '', '' e 'namorando' da minha cabeça.
Pela porta de vidro, pude ver minha tia ao telefone, e quando ela me lançou um olhar, eu apontei para o banco atrás de mim indicando que eu a esperaria ali. Ela assentiu e voltou a girar a cadeira.
Me joguei no banco, me deitando de qualquer maneira, e coloquei a mochila na cara, levantando minhas pernas até o joelho ficar ao ar e pus minhas mãos embaixo da cabeça mesmo.
Eu sentia uma dor estranha, uma coisa terrível no estômago e a imagem de insistia em aparecer a partir do momento em que fechei meus olhos. Só uma coisa que eu podia definir isso: posse.
Eu não queria perdê–lo, eu sabia que ele passaria a ficar mais tempo com ela do que comigo. Sei, é infantil, mas o que posso fazer? Ele era meu único melhor amigo. Nem podia ocupar esse lugar, mesmo eu a conhecendo há mais tempo. Ela não era aquela que estava sempre comigo, ela era aquela que eu conversava quando eu queria, que ia na minha casa quando eu não tinha nada mesmo pra fazer ou quando eu estava realmente precisando de companhia.
Mas nada se comparava a . Perdê–lo pra uma amiga é demais. Eu não podia deixar acontecer, mas ao mesmo tempo eu não tinha opções, a não ser deixá–los.
Ha, o é meu amigo, eu deveria ficar feliz por ele. Mas não. Sou tão burra que consigo ser egoísta quando devia estar feliz.
– Que modos horríveis. – ouvi uma voz macia dizer, minha respiração paralisou e eu precisei me esforçar bastante pra conseguir achar o caminho dos meus pulmões, ainda mais com uma mochila tapando minhas narinas.
Senti duas mãos tocar meus tornozelos e colocá–los no chão, me fazendo sentar automaticamente.
Bufei, tirando a mochila da cara e a jogando ao meu lado, lado oposto onde ele já estava sentado.
– Não gostou na notícia? – ele sussurrou, eu sentia seu olhar em mim.
– Gost...
– , eu não quero que pense que fiz isso por vingança. – me interrompeu pra dizer uma coisa dessas.
– Não achei isso. – minha voz saiu mais fria do que eu pretendia, enquanto eu não deixava de mirar a porta de vidro da diretoria, me encostando na parede atrás de mim, já que o banco não era de encosto.
– Então... Por que reagiu assim? – quis saber, a voz suave e receosa.
– Eu só... – vamos, pensa! – Precisava falar com minha tia, nada demais. – faltava mais uma coisa, mas quem disse que eu conseguia dizer?
– Tem certeza?
– Absoluta. – respondi mais que prontamente e o pedido de desculpas pela minha reação parece que não sairia.
Me levantei relutante, vendo minha tia acenar lá de dentro da sala pra que eu entrasse e peguei minha mochila, sem ter a coragem de olhá–lo uma vez sequer.
– Então... Como está? – ela quis saber, dando um sorriso maternal ridículo.
– Ótima! – falei tentando ser verdadeira, mas ao mesmo tempo irônica e debochada. – Melhor eu não podia estar. – olhei pra trás vagarosamente e ainda estava lá, me fitando curiosamente.
– Que bom. – ela disse serena, e eu voltei a encará–la. – E que bom você aparecer por aqui, eu queria te perguntar uma coisa... – disse, com os olhos fixamente nas folhas sobre a mesa, assim como suas mãos estavam empilhando–as.
– Hum... – dei sinal de que estava ouvindo.
– O que pretende fazer no seu aniversário?
– Ér... – meu aniversário? – Eu nem lembrava que estávamos chegando perto do meu aniversário... – soltei um riso sarcástico, sem realmente me lembrar deste fato que nunca foi importante pra mim. Por dois motivos: nunca ninguém passava essa data comigo e automaticamente eu não ganhava presentes, nem que fosse uma cartinha escrito “Feliz Aniversário” de preto, com flores vermelhas em volta; e outra que essa data era terrível porque me deixava mais velha.
– Todos anos você esquece, eu já esperava por isso. – sorriu, me encarando.
– Então... ? – perguntei, querendo saber onde ela queria chegar com isso.
– Pensa em alguma coisa! – exclamou com gestos exagerados e radiantes. – 18 anos é uma data comemorativa especial – franzi o cenho, não entendendo a última parte – em que comemoramos da melhor maneira possível.
– Ah sim, como Bodas de Prata?! – debochei, entortando os lábios em reprovação ao que ela dissera.
– , estou falando sério! – me olhou com cara de poucos amigos, me fazendo revirar os olhos. – Me diz alguma coisa que você queira fazer, que eu...
– Eu não preciso, tia. Passo meu aniversário em casa sozinha mesmo, como em todos os anos. – bufei mais pesadamente, fitando o relógio. 1 minuto pra acabar o recreio.
– Faço questão, . – ela disse esperançosa, os olhos brilhando.
– Tudo bem, tia. – falei, cansada. O dinheiro é dela mesmo. – Contanto que continue pagando minhas contas... – abafei uma risada, a vendo revirar os olhos.
– Claro que não. Prometi pra sua mãe. – falou, hesitante. Sorri forçado. Não que me incomodou, mas eu não queria mesmo sorrir com isso. – Então, o que te trouxe aqui? – ah sim, agora ela lembrava que eu quem fui falar com ela, e não ela tomar meu tempo.
– Ãhn, perguntar se tinha alguma coisa pra fazer, mas... – eu diria que o sinal ia tocar, mas não foi necessário. Sorri sarcástica, a vendo sorrir sincera.
– Ora, ora. Lembrou que sua tia existe... – alargou o sorriso.
– Desculpa pelo sumiço. – mudei meu sorriso pra uma expressão sem graça.
– Tudo bem. Fiquei sabendo pelos professores que você arrumou novos amigos. – ela disse com aquele tom de voz simples. Me fez lembrar uma coisa que eu esquecera por quase dez minutos. Merda.
– É, fiz sim. – sorri torto, direcionando meu olhar pro relógio novamente. – Bom, vou indo.
– Ok. Obrigada pela oferta de ajuda. – assenti, dando–lhe as costas e vendo que ainda estava sentado do lado de fora. Merda duas vezes.
Rolei os olhos fitando a maçaneta, já que não tinha outro ponto a fitar e então sai, esbarrando em Charlie.
– Veja quem decidiu dar as caras... – ele disse, enquanto eu saia da diretoria e o acompanhava lado a lado.
– Me mira, mas me erra... – ouvi uma risada baixa atrás de mim, mas ignorei e continuei caminhando ao lado dele, fitando fixamente as escadas que estavam se aproximando.
– Eu estava tentando ser simpático! – disse emburrado, me fazendo rir sem vontade alguma.
– Sinto lhe informar, mas não conseguiu. – sorri debochada, enquanto eu ia em direção as escadas e ele mudava o rumo, indo à cantina com uma risada estrondosa.
Prendi os cabelos num rabo frouxo e então vi entrando em meu campo de visão, subindo as escadas ao meu lado, me fazendo suar instantaneamente. Odeio essas malditas reações.
O ignorei por um momento, eu não tinha o que dizer a ele.
– , não fica chateada por isso. – pediu, enquanto eu subia prendendo meus cabelos e o olhei incerta. – Aliás, eu não devia nem estar te dando explicações, mas acon...
– Não devia mesmo. – o cortei, tirando as mãos de meus cabelos e voltando meu olhar a frente, subindo o último degrau.
Ouvi seu suspiro pesado e depois o senti segurar por meu braço.
– Eu não quero que você mude comigo por causa disso. Eu não sei porquê você está agindo assim, mas está me assustando. – disse, segurando em meu braço e me olhando nos olhos.
– Não se preocupe comigo. Só seja feliz. – tentei um sorriso, o que achei que seria convincente pra ele e me soltei, indo em direção à sala de aula com passos rápidos, já que a aula já começara há alguns minutos e o corredor estava vazio.
A aula inteira eu ouvi música, eu não estava tão interessada em aprender sobre a 'Semana da Arte Moderna'. Sobre isso, eu pesquisava na Internet depois e me dava bem. Eu sempre me dei bem em Artes, não é agora que vou vacilar.
Eu estava desligada do mundo e evitava a todo custo voltar naquele pensamento que me atormentava e me assustava ao mesmo tempo, já eu nunca fui possessiva nem egoísta, a ponto desejar que uma pessoa não namorasse com outra. Estava me perturbando, eu precisava contar pra alguém, eu precisava falar e tirar um nó da garganta. Eu precisava dizer que ele não podia me deixar pra ficar com ela, ou então ser carinhoso só com ela agora. Eu precisava dele naquele momento.
Olhei pro lado, e ele me fitava apreensivo, nervoso e tímido ao mesmo tempo. Desviei o olhar, ouvindo as últimas notas de uma música no meu celular.
Batuquei a mesa até o final da aula, não conseguindo evitar o pensamento nele. Talvez me fizesse bem.
– , posso falar com você? – ouvi a voz de atrás de mim enquanto eu me levantava e puxava minha mochila das costas da cadeira de qualquer maneira.
– Diga. – falei ríspida, eu tinha quase certeza sobre o que era o assunto.
– Por que saiu da mesa quando o , ér... você sabe... – o olhei: ele coçava a nuca, fitando o chão. Dei uma olhada na sala: nem ele nem os outros estavam lá.
– , não fica chateado e nem se preocupa com isso. É de mim, ninguém pode mudar. – afirmei, dando um meio sorriso quando ele me olhou.
– Tudo bem, eu não queria me intrometer na sua vida nem nada, mas é que o ficou calado a aula inteira, achei que fosse por causa disso e eu só queria ajudar, então...
– , já entendi. – ri fraco ao interromper seu discurso. Ele sorriu sem graça, corando levemente. – Você fez bem em querer saber, pelos menos me senti importante. – sorri divertida, querendo deixá–lo à vontade. Na verdade, eu não sei porquê diabos eu queria aquilo.
Ele riu com minha frase.
– Então tudo bem, qualquer coisa me procura. – deu uma piscadinha e se virou, coçando a nuca insistentemente. O segui, saindo de sala em silêncio e enfim, saindo do colégio.
Mas uma mão quente segurou meu punho, me fazendo parar. Eu tinha certeza de que não era , já que eu não senti nenhuma das sensações que eu sinto quando tenho contato físico com ele.
Receei de início, mas olhei vagarosamente pra trás, dando de cara com quem eu não queria.
– Ér, oi. – Raian disse sorrindo amarelo e soltando meu punho. Rolei os olhos, louca pra dar o fora. – Ei, ! – ele se pôs em minha frente, me fazendo parar e bufar.
– O que você quer, garoto?! – perguntei impaciente.
– Eu só... queria pedir desculpas pelo o que aconteceu naquele dia. Só hoje eu tive tempo de vir falar isso pra você. Mas eu, realmente, não queria que você se assustasse ou algo do tipo, porquê... sei lá, eu... Enfim, me desculpa. – entortou os lábios. Me pareceu sincero.
– Tudo bem, agora saia da minha frente. Quero ir embora. – falei, tentando passar por ele.
– Espera! – ouvi sua voz dizer ao sentir que ele me seguia com o olhar. Bufei, parando onde eu estava. – Podemos tentar de novo? – suspendi a sobrancelha, mesmo de costas pra ele. – Quero dizer, recomeçar e tal... – fechei os olhos por um momento, pensando rapidamente. Abri–os e vi pendurada no pescoço de ao longe. Este encostado em um poste com as mãos na cintura de . Ele sorria. Mas um sorriso forçado, eu diria. Senti novamente a tal pontada que me acompanhava desde manhã.
Ele tinha o direito de tentar ser feliz com outra pessoa. Por que eu não?
– Tá bom, Raian. – minha voz falhou, mas tenho a certeza de que ele me ouviu, já que senti sua mão tocar minha cintura e em seguida seu queixo tocar meu ombro, me fazendo inclinar a cabeça pro lado oposto e fechar os olhos, tentando lembrar que não era ali.
– Quer tomar um sorvete? – perguntou e eu abri meus olhos, não achando uma má ideia.
virou o rosto pra receber um beijo estalado na bochecha de , e me viu, fazendo seu rosto ficar rígido instantaneamente.
– Te acompanho. – falei simplesmente, feliz em saber que eu tinha superado uma parte do meu medo.
Ele depositou um beijo em meu pescoço e em seguida vi nos olhar, já que fitara e ele não correspondia ao olhar. Ela sorriu abertamente em minha direção, enquanto sorri sem mostrar os dentes, voltando a encarar . Este desviou o olhar pro chão, voltando a olhar rapidamente. Sussurrou alguma coisa pra ela, fazendo com que ela murchasse o sorriso e voltasse sua atenção pra ele.
– ? Está me ouvindo? – somente Raian em minha frente me despertou, me fazendo embalançar a cabeça levemente e deixar de fitar o casal que estava um pouco mais à frente.
– Oi, desculpa. – olhei pro chão, desconcertada por não dar–lhe atenção.
– Tudo bem. Vamos? – ele pegou uma de minhas mãos e suspendeu meu rosto com a outra, me fazendo assentir e dar as costas, indo em direção oposta a que e estavam.
Dei mais uma olhada rápida pra trás: vinha em nossa direção.
– Va... vamos. – me virei pra frente, acelerando meus passos e puxando as mãos de Raian.
– Calma, linda. – ouvi sua voz dizer enquanto eu o arrastava.
Com o pensamento longe, eu ouvia a voz de Raian, mas eu não prestava atenção no que ele dizia. E com ele ainda tagarelando, entramos numa sorveteria próxima ao colégio. Ele soltou minha mão pra que pudesse abrir a porta de vidro, sorrindo abertamente enquanto eu passava por ele. Esbocei um sorriso amarelo entrando na sorveteria e sentindo o ar fresco tocar minha pele. Ele me guiou até o balcão, me fazendo sentar em um dos bancos giratórios brancos.
– Vai querer de quê? – ele me olhou sorrindo, enquanto eu desviei meu olhar pra atendente que tinha uma prancheta nas mãos. Eu não fazia a mínima ideia de quando ela apareceu ali.
– Ér, morango, chocolate. Tanto faz. – dei de ombros, realmente sem me importar com o sorvete.
Ouvi Raian fazer nossos pedidos enquanto eu fitava o letreiro sem nem ler o que estava escrito ali, era apenas pra disfarçar minha distração.
Os pedidos chegaram e peguei minha taça, sorrindo forçado pra atendente, indo em direção à mesa que Raian me indicou. Mas senti meu coração pulsar um pouco mais rápido quando vi sentado em uma das mesas, no canto, bem próximo a saída. Parei de andar instantaneamente, o fitando com curiosidade, enquanto ele tentou disfarçar, olhando pra fora da loja pelo vidro impecavelmente limpo.
Senti as mãos de Raian tocar minha cintura, me forçando a voltar a caminhar. Assim fiz, com a confusão e a curiosidade expressa evidentemente em meu cenho. Me sentei. Eram três mesas longe da que ele estava, ainda fitando a rua e brincando com o guardanapo.
Foquei meu sorvete e o remexi, sem vontade alguma de comê–lo, ainda mais ouvindo Raian falando sobre coisas que eu não conseguia prestar atenção, por mais que eu tentasse. Perguntas que eu queria muito que fossem respondidas, rodavam minha mente. Perguntas como: por que ele me seguia? O que deu nele pra largar a namorada pra vir atrás de mim e do Raian? Por que, ao menos, não veio falar comigo? Por que ele era um total estranho? Ele não disse que me deixaria em paz?
– Preciso ir ao banheiro. – falei me levantando, provavelmente cortando o que o meu parceiro dizia. Não olhei a reação dele, apenas larguei minha colher ali mesmo e, fitando o chão, confusa, eu procurei o banheiro. Mas não cheguei a achar antes de duas mãos me puxar pela cintura.
E, novamente, eu me senti estremecer ao sentir aquele perfume inconfundível e extremamente adorável.
– Vai me vigiar até quando? – minha voz saiu num sussurro, mesmo não querendo. Lentamente, ele me virou pra ele. O encarei, seus olhos brilhavam, seu olhar enigmático.
– Não quero que me trate como estranho. – abri minha boca pra dizer que quem estava se comportando como tal era ele, mas ele me cortou e acrescentou: – E fizemos o trato de você me vigiar que eu vigiava você. Lembra? – deu um meio sorriso, na esperança que eu me lembrasse de alguma coisa, tirando suas mãos de minha cintura, o que me deixou levemente aliviada – de certa forma.
– Não lembro, . E que seja, quero que esqueça esse trato. – falei, tentando passar por ele e voltar a procurar o banheiro.
– , eu não estou mais aguentando você! – ele disse, me segurando pelo braço, como sempre costumava fazer.
– O que você quer dizer com isso? – perguntei, realmente sem entender aquela frase.
– Eu quero muito te entender, eu quero saber porque está agindo assim... – me soltou lentamente, sua expressão estava dolorida, me deixando confusa.
– Nem eu saberia te explicar. Eu só... não gostei da... Esquece, . Esqueça. – bufei, cansada, e passei por ele, sentindo seu olhar em mim.
– Eu tentei. Eu juro que tentei. – ouvi sua voz e parei de andar no mesmo momento.
– Tentou... o quê? – minha voz falhou, não transparecendo tanta curiosidade.
Fechei meus olhos, apenas o barulho de pessoas ao longe conversando era audível ali. Cansada de tanto silêncio, sem uma resposta pra minha pergunta, me virei. Mas ele já não estava mais lá.
Senti meus olhos lacrimejar levemente ao vir indo em direção da saída da sorveteria com uma certa pressa. E antes de dar qualquer passo fora daquele lugar, ele olhou pra trás: seus olhos estavam levemente úmidos.
Quinze "...talvez por eu ser o único estranho que tenha ousadia de se aproximar daquela garota, que é frágil e se faz de forte, que é doce e se faz de rebelde."
– Quero que você conheça meus amigos. – Raian dizia a mim, enquanto eu tinha os pensamentos em , querendo saber detalhes do motivo da sua última frase.
– Amigos? – suspendi a sobrancelha. Isso me parecia ameaçador demais, mas ao mesmo tempo era algo novo. Eu não podia perder uma oportunidade de esquecê–lo por algumas horas, já que eu já tinha plena noção que não era normal eu sentir uma dor horrorosa quando eu vejo que já não era o mesmo. Nossa amizade já não era a mesma. Pelo menos eu achava.
– Sim. – ele disse numa mistura de obviedade e confusão.
– Tudo bem. Apresente–me. – tentei meu melhor sorriso, voltando a fitar meu sorvete derretido na tigela.
– O que você tem? – sua pergunta me fez olhá–lo. – Você me parece tão... longe.
– Não... é nada. – minha voz saiu mais falha do que eu esperava. – Só preciso ir pra casa e descansar. – disse–lhe, voltar a fitar meu sorvete e me divertindo horrores com este.
– Tudo bem, te levo pra casa. – o olhei e ele tinha um sorriso triste estampado. Me senti culpada por um momento, mas não me importava tanto.
– Desculpe. – disse tão baixo, que não sei responder se ele me ouviu.
Nos levantamos e ele insistia em puxar assunto comigo, contando sobre seus amigos e os que eles faziam aos finais de semana pra se divertir. Eu não queria me divertir, eu queria me aconchegar e esquecer algumas coisas. Eu queria apenas descansar a mente, esquecer certos detalhes.
Chegamos em casa e tive a leve impressão que ele notou minha falta de atenção no que ele dizia, já que, antes de eu entrar, me segurou pela cintura.
– Foi aquele garoto, não foi? – ele perguntou e eu senti um embrulho no estômago por saber que era verdade, ele era o autor de minha distração.
– Ele quem? – me fiz de desentendida, tentando ao máximo desviar aquela conversa.
– Aquele seu amigo. Olha, me controlei bastante...
– Não precisava manter o controle. – mordi o lábio ao notar a merda que eu tinha dito ao vir sua expressão contorcer–se. – Digo... ele não faria nada com você. – minha voz saiu trêmula o suficiente pra que ele não acreditasse em minhas palavras. E, pra completar, eu não consegui manter meu olhar no de Raian.
– Ele é seu segurança? Seu namorado? Pelo que eu saiba, você não tem namorado.
– Andou me investigando? – suspendi a sobrancelha incrédula e me afastando dele discretamente.
– Mais do que você imagina. – ri fraco, sarcástica, e me afastando totalmente.
– Tchau, Raian. – disse, dando–lhe as costas.
– Ei, espera! – disse, me fazendo virar e olhá–lo. – Amanhã eu passo no seu colégio e aí eu te apresento meus amigos, combinado? – ele sorriu com os olhos brilhando.
– Tudo bem, combinado. – novamente, eu tentava meu melhor sorriso. O dei as costas, e entrei em casa, sem me preocupar em dar–lhe um selinho ou algo parecido. Eu não estava tão animada em ter algo mais com ele, mesmo.
Minhas preocupações eram outras.
's POV
Acordei com sono. Aliás, eu não dormi. Quando eu já estava começando a sentir minhas pálpebras lutar contra a vontade de deixá–las abertas, o sol já batia em meus olhos, entrando fracamente pela fresta de cortina aberta do meu quarto. Me levantei sem a mínima vontade e fui tomar banho, tentando controlar minha vontade de pensar nela.
Peguei minha mochila na poltrona e desci as escadas, me encontrando com os caras na cozinha.
– Bom dia. – sussurrei, eles me olharam enquanto eu ia até a mesa onde todos estavam sentados, e pegava uma maçã.
– Que cara é essa? – os três perguntaram ao mesmo tempo, me fazendo encará–los. Eu estava mesmo num estado deplorável?
– Cara de sono, ué. – dei de ombros, dando as costas e saindo com minha maçã na mão.
Com uma mochila caída num ombro só e comendo a fruta em minhas mãos, cheguei ao colégio rapidamente; eu tinha ânsia em vê–la. Pelo menos vê–la.
Por eu sair mais cedo, eu tinha noção de que a sala estaria vazia, já que sai de casa cedo e andei praticamente correndo pelas ruas transitadas. E a sala, realmente, estava vazia. Mas parece que não fui só eu quem não dormiu à noite: ela estava lá. Com a cabeça enterrada nos braços cruzados sobre a mesa, enquanto sua mochila estava jogada na mesa do lado. Senti uma imensa vontade de sentar ao seu lado, mas um peso em minhas costas me fez rolar os olhos e segurar as pernas que eu já conhecia quase que perfeitamente.
– Bom dia, meu amor! – ouvi sussurrar em meu ouvido. Sorri de canto pra que ela pudesse ver e senti seus lábios tocar o canto de meu rosto. Ela desceu e se pôs em minha frente, sorrindo radiante. – Como passou a noite? – aquela preocupação que ela tinha me fazia bem, mas não era comparada com a preocupação que demonstrava.
– Bem. – menti. – E você?
– Bem também. – ela sorriu, se aproximando e colocando as mãos em minha nuca, me fazendo colocar as mãos em sua cintura automaticamente. – Vamos dar uma saída hoje, uh? – perguntou manhosa, dando–me selinhos, enquanto eu tentava afastá–la.
– Hum, hoje não. Estou sem muita vontade e... – calei–me ao vir caminhar rapidamente pelo corredor, os olhos fitando o chão com urgência.
– ! – me soltou pra abraçá–la quando ela estava próxima, enquanto eu embalançava minha cabeça lentamente, reprovando aquela atitude.
– Oi... – ela disse despreocupada, sentindo a amiga abraçá–la, sem ao menos retribuir o gesto. Ela apenas fitava o chão, seu semblante mais triste e confuso que já vi na vida.
– Pretende fugir? – perguntou divertida quando soltou .
– Claro que não. Nunca fui disso. – sussurrou, sua voz sem vida.
– Então... aonde vai? – a amiga perguntou com o tom de voz mais sério, enquanto eu fixava meus olhos em , entrando num pequeno transe.
– Não sei. Só quero sair daqui. – ela disse, passando por , e automaticamente, passando por mim. Senti vontade de ir atrás dela e conversar, mas se aproximou e colocou as mãos em minha cintura.
– Deixa ela, amor. Depois eu vou à casa dela e conversamos. – as palavras dela me fizeram olhá–la, já que eu tinha os olhos em que se afastava com pressa, indo para o pátio.
– Promete? – perguntei esperançoso. Ela assentiu, dando–me um selinho. Sorri de canto com a ideia. Talvez fosse boa, talvez fosse péssima.
Eu e ficamos conversando até a sala encher e o professor entrar. Os babacas dos meus amigos decidiram me dar sermões, dizendo que eu estava ficando muito 'rebeldizinho' por ir pro colégio sem avisar a eles. Sobre o quê eu respondi, eu prefiro não entrar em detalhes.
Já era a segunda aula e não estava em sala. A cada segundo eu ficava mais tenso sentado na cadeira, passando as mãos em meus cabelos a cada momento. Eu já não prestava atenção ao que professor de matemática dizia lá na frente, eu sabia que estava chegando à semana de provas, mas parece que eu não tinha tanta preocupação.
Meus transes foram cortados pela entrada da secretária loira e bem gostosa, por sinal.
– Posso entrar? – ela quis saber, colocando apenas a cabeça pra dentro da sala.
– Claro, entre senhorita Hope. – o professor sorriu pra ela, e como sou homem, digo que aquele sorriso foi bem malicioso. Ri abafado, vendo a saia que ela usava subir lentamente de acordo que ela andava.
– Bom, – começou, colocando uma pilha de folhas sobre a mesa do professor e olhou pra turma, sorrindo – como não fizemos nada nas férias passadas, a diretora decidiu promover um passeio. – foi direto ao assunto, causando uma escola de samba na sala de aula. – Nós já temos todas as informações, e vai ser após a semana de provas. – ela disse um pouco mais alto, a fim de cessar o furduncio, mas acabou piorando. – Vai ser num Hotel fazenda, – recomeçou após o silêncio ser feito – e vocês vão passar apenas três dias. – e um coro de 'aw' desanimado foi formado. – Quem quiser se inscrever, – ela ignorou a turma completamente – que vá à secretaria e dê seu nome que a diretora dará um papel pra que seus pais assinem. Vou entregar um folheto dizendo tudo sobre o Hotel Fazenda. – sorriu por fim, pegando os folhetos sobre a mesa do professor.
E então ela começou a distribuir com sorrisos radiantes.
– Ei, – cutuquei e – vocês vão? – perguntei, sorrindo de canto.
– Claro! Tudo pra sair dessa maldita rotina... – disse animado, fazendo hi–5 com , que também estava bem animado.
– Tu vai? – ouvi perguntar e me virei pra ele.
– Acho que vou, sim. – sorri confiante, embora eu não tendo tanta certeza disso.
A aula de matemática acabou e entrou a professora de música, com aqueles óculos imensos e os olhos no chão, com um livro e um monte de folhas nas mãos. Isso não me cheirava bem.
Sentou–se na mesa (quando eu digo na mesa, é na mesa mesmo e não na cadeira) e encarou a turma, esperando que esta fizesse silêncio. Passados alguns minutos, todos tomaram vergonha na cara e calaram a boca, fixando o olhar nela que já tinha os braços cruzados, embalançando uma perna que não batia no chão, já que ela sentou quase de lado, deixando o corpo inclinado e a saia ia subindo, deixando uma visão nada agradável. Erg.
– Bom, – ela começou com aquela típica postura irritante de professor, dando um tapa na própria mão e fazendo uma expressão completamente horrorosa, como se estivesse lidando com um jardim de infância – está chegando a semana de provas e como eu não fiz nenhum trabalho com vocês até agora, eu planejei um diferente pra esse bimestre. – não preciso dizer que lá vem bomba, uh? – Perguntei a diretora se vão usar o auditório semana que vem, e, por sorte – ou azar – ela disse que não. – sorriu. Só ela sorriu. – O trabalho desse bimestre, vocês vão se unir ou pode ser individual, e vão criar uma música e uma melodia e apresentar pra turma. – e um coro de 'aw' foi formado novamente. Ela não se importou, com aquela cara de quem estava cagando e andando pra nós, continuou: – Os trabalhos deverão ser apresentados na próxima aula. Ou seja, não preciso dizer que vocês deverão ir direto ao auditório.
E ela se levantou, nos deixando com cara de bunda. Como assim, ela passa um trabalho pra sete dias? Tudo bem, bastante tempo, mas qual daqueles inúteis irão criar uma música em uma semana? Isso é quase impossível, mas preferi relaxar. Se não for impossível, seria, no mínimo, cômico.
– Sorte nossa que temos algumas músicas em casa. – sussurrou a mim, e eu assenti, aliviado.
O sinal do recreio tocou e eu me levantei com pressa, torcendo pra que meus amigos não me fizessem o favor de me parar e dar mais sermões a mim. Fui em direção ao pátio torcendo, também, pra que uma melosa não aparecesse e se pendurasse em minhas costas, dizendo que me queria por perto. E quando eu vi esta de longe, tratei de baixar a cabeça e mudar meu rumo, indo em direção ao banheiro masculino. Entrei e fui pra dentro de uma das cabines: talvez eu tivesse sossego ali. Talvez não.
Ouvi uns caras, provavelmente do terceiro ano, entrando no banheiro rindo escandalosamente, me fazendo revirar os olhos. Peguei meu celular e tentei me distrair jogando, mas a conversa deles era bem mais interessante:
– Acho que aquele moleque do terceiro ano foi bem mais esperto. Você viu? Ele estava com aquela esquisitona, sobrinha da diretora! – este disse como se isso fosse um absurdo, uma aberração.
– E vamos combinar que a e as amigas delas são bem hot! – o outro disse, me fazendo sentir pouca, mas um pingo de raiva em mim. Apesar de eu não sentir nada extraordinário por ela, é minha namorada. Mas sorri de canto por sentir orgulho.
– Ele fez uma boa escolha, eu nunca ficaria com aquela garota. Eu não sei como ele e os amigos dele têm coragem de falar com ela... – outra voz mais rouca disse, me fazendo bufar.
– Mas vai me dizer que você não queria dar uns pegas na , uh? – o que disse antes falou, fazendo os outros rir. Não me controlei e sai da cabine, colocando o celular no bolso.
Dei um tapa forte na porta, atraindo a atenção deles.
– Mede as palavras antes de falar da minha namorada. – disse firme, apontando o dedo para o que ria mais, ajeitando o cabelo feito bicha na pia, enquanto os outros mijavam; uma cena bem detestável, digamos assim.
– Ãhn, vai defender a namoradinha, agora? – este se virou pra mim com o deboche evidente na voz e na expressão, me fazendo bufar de raiva.
– Cala a boca, imbecíl! – disse–lhe despreocupado, antes de acertar seu rosto com um soco. Ora, ele quem provocara!
– Então, senhor – a diretora começou, enquanto eu estava sentado sem modo algum, girando a cadeira, fitando o relógio que parecia não andar – como o senhor explica o olho roxo no seu colega?
– Ele quem me provocou. – disse a ela, enquanto eu entortava os lábios em tédio.
– Você podia vir à diretoria e nos comunicar a provocação. Tomaríamos providencias.
– Até parece... – sussurrei pra mim mesmo, sentindo seu olhar reprovador em mim. Ela fez silêncio e eu a olhei, começando a recear aquela falta de palavras. Ela acenava pra alguém que passava na porta da sala e então eu senti um vento extra adentrar o ambiente.
– Faz um favor pra mim, minha filha? Chame o Charlie e peça pra que ele abra o portão pra este cidadão. Está suspenso por hoje. – rolei os olhos. – Não, não. – ela mudou de ideia e abriu a gaveta da mesa, emitindo um barulhinho de chaves em seguida. – Abra pra ele. – e eu vi uma mão ser estendida ao meu lado. Eu conhecia aquelas unhas pintadas de preto, eu conhecia aquele tom de pele, eu conhecia aquele perfume. Parei de girar a cadeira e virei o rosto rapidamente. – E depois venha aqui, quero ter uma conversa com você sobre o que vamos fazer na sexta que vem. – a diretora, que eu nem sei o nome, disse enquanto não tirava os olhos da tia e eu não tirava os olhos dela.
– Tudo bem. – a voz dela saiu falha e então eu senti um cheiro de cigarro. Ela fumara de novo.
– Pode ir, senhor . Espero que isso não se repita. – me levantei, assentindo forçadamente. – E se repetir, – continuou, me fazendo olhá–la já de pé – serei obrigada a chamar seus pais. – isso tudo por causa de um bichinha que levou um soco merecido?
Dei–lhe as costas, mandando–a pro inferno mentalmente e segui , que já estava do lado de fora da sala, segurando a porta enquanto não tirava sua atenção que tinha no final do corredor à sua frente.
Sai da sala e eu já não sentia mais o ar condicionado tocar minha pele, seguindo pelo corredor e sentindo o olhar de em minhas costas. Há tanto tempo que eu queria conversar com ela e agora que eu tinha a droga da oportunidade, eu não tinha palavras pra dizer a ela. Ela passou em minha frente, abrindo o portão e me deixando sair. Bateu este com uma força exagerada e quando ela ia dando as costas, eu consegui puxá–la pela camisa através do vago espaço dentre os ferros que formavam o portão azul.
– Vem cá. – disse, vendo–a se virar e me fazendo soltar sua camisa automaticamente.
– O que quer? – cruzou os braços, colocando o peso do corpo sobre as pernas.
– Fica aqui comigo... – eu, realmente, não tinha frase pior pra dizer. Ela riu irônica. – Digo... – fitei qualquer ponto, tentando pensar em alguma coisa, mas não vinha nada.
– , vê se você se toca. – e me deu as costas, indo até a sala da diretora, enquanto eu suspirava derrotado.
As palavras daquele garoto no banheiro já não saiam da minha cabeça, talvez por eu ser o único estranho que tenha ousadia de se aproximar daquela garota, que é frágil e se faz de forte, que é doce e se faz de rebelde.
Dezesseis "Uma expressão triste tomava lugar daquele cenho feliz que eu sempre vira, sempre admirava."
's POV
De alguma forma, eu precisava me afastar dele. Mas eu não conseguia. Há, me afastar por que ele está com namorada? deixa de ser infantil! Mas como me controlar ao sentir uma dor me invadir por vê–lo tão próximo à minha amiga?
Eu já estava começando a não me reconhecer a cada instante. E eu já estava começando a achar que, realmente, havia mudado quem eu era antes. Mas que porra, eu nunca havia me aproximado de cara algum, agora que me aproximo, eu decido ser tão possessiva?
Sai do colégio com os pensamentos a mil, me sentindo uma completa estranha e receando que alguém desse falta de minha presença na aula ou que Charlie tenha me visto fumando no pátio do colégio.
Lembrei que Raian disse que me pegaria hoje pra eu conhecer seus amigos, mas eu não sabia se eu estava tão preparada assim pra sair do meu mundo tedioso pra conhecer novas personalidades.
Mas ao andar mais um pouco, senti uma mão tocar um lado de minha cintura e um outro toque completamente diferente tocar o outro lado, me deixando um pouco confusa, mas não deixando de sentir um arrepio com o último toque. Olhei pra um lado e vi Raian, sorrindo abertamente; olhei para o outro e vi vermelho e com a respiração pesada.
Olhei pra frente e fechei os olhos, respirando fundo: pra que lado eu ia?
– Quero te levar pra um lugar hoje. Agora. – ouvi a voz de dizer autoritário, me fazendo abrir os olhos e olhá–lo.
– Temos um compromisso hoje, . – ouvi a voz de Raian, e o olhei rapidamente.
– ! – e eu ouvi um berro e um peso nas minhas costas. Rolei os olhos, sabendo exatamente quem era. As mãos que me seguravam pela cintura me soltaram, me fazendo suspirar aliviada, de certa forma.
Já que não segurei as pernas de , ela desceu rapidamente, indo para o pescoço de em seguida, dando–lhe um selinho.
– Você vai no passeio, ? – ela quis saber, dando um sorriso e apertando contra ela.
– Que passeio? – perguntei, encarando–a fixamente, sentindo Raian me abraçar pela cintura.
– Ué! A Hope não foi a sua sala, não? – sua expressão confusa era evidente.
– Aw, ér... Não sei se vou a esse passeio. Provavelmente não. – disse, sem saber de passeio algum, mas tentando passar o contrário.
– Por que? – quis saber, me fazendo olhá–lo.
– Não tenho vontade de ir. – dei de ombros, eu não queria continuar com o papo mesmo. Muito menos encarando–o. – Vou pra casa. – me soltei de Raian e os dei as costas. Estar num mesmo lugar, com aquelas três pessoas era bem embaraçoso pra mim.
– Espera! – ouvi duas vozes completamente diferentes dizer e rolei os olhos, apressando meus passos.
E em seguida, novamente, duas mãos me fizeram parar de andar.
– Me deixa falar com ela em paz? – ouvi a voz de , me fazendo virar por recear aquele tom alto e raivoso que ele usou.
– Eu quem vou falar com ela. Ela estava esperando por mim, assim como eu estava esperando por ela. – Raian disse, me puxando pra ele pela cintura.
respirava fundo, pesadamente e visivelmente irritado, vermelho como nunca vi. Achei que ele fosse fazer alguma coisa, mas não. Ele, simplesmente, nos deu as costas e foi em direção a uma confusa na porta do colégio.
's POV OFF
Fazia alguns dias que eu trabalhava ali. Três dias depois do dia em que eu deixei com aquele loiro idiota. A partir daquele dia, eu já não tinha mais o que dizer a ela, afinal, eu sabia que ela não me escutaria. Eu apenas fazia o meu possível pra poder vê–la, mas vê–la me deixava revoltado, mas ao mesmo tempo arrasado, já que ela não vinha sorrindo. Não mais pra mim. Ela apenas sorria para aquele panaca que a esperava todo dia na hora da saída. Mas ao vir aquele sorriso, eu sorria instantaneamente, mesmo sabendo que o destinatário deste sorriso já não era mais eu.
Eu preparava um drink, completamente desconcentrado atrás daquele balcão enquanto a música tocava altamente, me deixando surdo em alguns momentos. Aquele malabarismo que éramos obrigados a fazer começava a me deixar caolho em determinada hora da noite. Até que deixei cair àquela garrafa automaticamente no chão.
Quatro garotos entravam no pub onde eu trabalhava recentemente, e atrás vinha uma garota de cabelos soltos e azuis, um vestido preto decotado com enfeites de bolhinhas pratas na altura dos seios, e um salto da mesma cor que o vestido. A maquiagem era leve, bem leve. Estava diferente, linda como eu nunca tinha visto antes. Mas isso não me chamou mais atenção do que as suas mãos entrelaçadas as do cara ao seu lado. Um loiro oxigenado sorrindo triunfante.
– Dá pra você prestar mais atenção no que você está fazendo? – o dono do que era um drink, disse–me com a fúria começando a transparecer em sua expressão. Me abaixei cautelosamente, saindo do transe e pegando o drink com rapidez, voltando a fitar onde eu tinha a visto pela última vez. Mas ela havia sumido.
's POV ON
– Vamos dançar! – Loren dizia, puxando Paul, seu namorado, pela mão. Este se levantou sorrindo e a acompanhou até a pista de dança, enquanto eu seguia os dois com o olhar, colocando o meu cigarro na boca.
– Quer dançar, linda? – Raian me perguntou após dar um gole em seu uísque.
– Não. Agora não. – tentei um sorriso, fitando seus olhos que brilhavam.
– Então, vou ao banheiro. – ele disse, dando–me um selinho demorado e se levantando.
Fiquei sozinha na mesa, tomando meu drink e fumando sem controle, até que as músicas eletrônicas pararam de tocar e deram lugar às músicas internacionais. Algumas eu já tinha escutado num dos programas de TV à cabo, outras eu não fazia a mínima idéia de que país era.
Uma noite é pouco para nós dois, eu prefiro que seja o ano inteiro. Agora é pouco, eu preciso dormir que amanhã eu acordo (cedo)
Os primeiros e poucos acordes de uma música começou a tocar naquela boate cheia de luzes coloridas e segundos depois eu vi uma mão estendida pra mim. Aquela música era realmente convidativa, então eu sorri, tentando alcançar a mão em meu campo de visão, já que eu enxergava tudo em dobro devido à bebida.
Na pista, Raian colocou as duas mãos em minha cintura, e eu senti um arrepio extraordinário, me levando a pensar coisas que eu não deveria estar pensando. Apoiei minha cabeça em seu ombro, o abraçando pelo pescoço e sentindo cheiro de uísque misturado àquele perfume que eu conhecia como a palma da minha mão. Mas este perfume não pertencia a Raian.
É melhor parar, não provoca assim. E te digo mais: eu mato aula, o trabalho, e quem mais se por entre nos dois E deixo tudo pra depois.
Eu sabia que ele queria dizer alguma coisa com aquela música e então subi meus olhos e aquele não era meu namorado. Idiota quinhentas vezes!
colocou os lábios presos em meu pescoço, com o corpo embalançando conforme a música pedia, me mostrando um charme que ele tinha que eu desconhecia completamente. Ele alisava minha cintura levemente, me deixando mais tonta do que provavelmente eu já estava, enquanto eu tinha a cabeça inclinada para o lado. Eu queria me afastar, Raian podia chegar à qualquer momento, mas meu corpo não obedecia aos comandos do meu cérebro. O cheiro daquele cara misturado com bebida, me deixava completamente dopada e seus beijos passeando por meu ombro me deixava completamente louca.
Um dia eu vou te dizer. É mesmo, bem que eu te avisei. Agora estamos bem, nessa noite. E pra sempre...
Essa parte da música que era um pouco mais rápida, ele continuou dançando lentamente, sem se preocupar se estava dançando certo ou não, ainda com as mãos em minha cintura, mas agora levantando seu olhar até o meu, que brilhavam de forma intensa. Pude notar tristeza em seus olhos, seu semblante era contorcido, abatido. Uma expressão triste tomava lugar daquele cenho feliz que eu sempre vira, sempre admirava. Sei que isso se deve ao fato de nos afastarmos, mas o que eu posso fazer se fico completamente desconfortável perto dele e da , que agora é 98% do dia dele?
– Posso dançar esta música com a minha namorada? – e olhamos pro lado, avistando um Raian com um sorriso vitorioso, fuzilando com o olhar. Achei que iriam cair na porrada ali mesmo, mas me surpreendi.
– Claro. Como quiser. – e entregou minha mão à Raian, que se virou pra mim sorrindo.
Em seguida, sumiu no meio daquela multidão.
– Sabe que eu não te quero perto desse garoto. – disse–me, embalançando o corpo conforme a música e me abraçando pela cintura, enquanto eu colocava as duas mãos em sua nuca.
– Você não pode ter o controle sobre mim eternamente. E ele era meu amigo antes de você aparecer.
– Não quero brigar com você sobre isso. – disse, e selou seus lábios aos meus.
Dancei o resto da música rogando todas as pragas pra Raian. Eu queria estar dançando com , eu o queria sentir novamente, eu queria dizer a ele todas as coisas que eu pensei durante os dias que eu preferi evitá–lo pra não me magoar ainda mais. Mas talvez fosse melhor eu de um lado, de outro.
A música acabou e fomos nos sentar; ele sorrindo, eu nem tanto.
– Vamos lá pra fora, aqui está um calor infernal! – Loren, que estava na mesa com Paul ao lado, disse–nos com um sorriso malicioso.
– Concordo com você. – não chegamos a nos sentar, já que Raian os deu a costas e se apressou a me levar pra fora daquela boate, carregando um cigarro na boca que ele havia pegado sobre a mesa.
's POV OFF
Voltei pro balcão derrotado, sorrindo forçado pro cara que tomou meu lugar enquanto eu tentaria falar com . Pra mim chega, eu já não tentaria entendê–la mais. Olhei pra pista e senti uma dor estranha percorrer meu corpo ao ver que ele a beijara. Desviei minha atenção, tentando me concentrar ao máximo no meu trabalho.
Acabou meu horário e eu ainda não tinha a visto mais uma vez. Era até bom, porque, provavelmente, ela estaria com aquele loiro imbecil. Tirei aquele avental preto ridículo e o joguei no balcão, acenando pro meu chefe, e saindo de lá o quanto antes. Eu estava exausto, eu precisava dormir.
Peguei meu celular, vendo que eram duas da manhã. Duas da manhã!
Passei as mãos pelos cabelos, arrepiando–os e lembrando que amanhã – ou hoje, tanto faz – tem aula. Praga de escola. Sai do pub com passos rápidos, louco pra chegar em casa. E andando pelas ruas quase desertas, avistei um rosto conhecido. Seus olhos estavam vermelhos, mas ela ria. Ria escandalosamente. Normalmente, eu iria rir junto com ela, mesmo que ela não visse. Mas não ri por ela estar com uma seringa na mão. Eu sabia exatamente o que ela estava fazendo, eu tinha noção disso. Eu, também, tinha noção do mal que aquilo podia fazer a ela. Mas eu não iria até lá, não agora. Se fosse antigamente, talvez eu não estivesse nem pensando. Mas agora, agora ela tem o namorado dela. Ele quem sabe o que é melhor pra ela. Eu acho.
Embalancei a cabeça levemente, voltando a caminhar com os olhos pregados ao chão, tentando, ao máximo, não olhar aquela cena que me deixava com um sentimento estranho de culpa.
Outro dia havia se passado. Outro, outro e outro. Minha relação com já era nula. Ela dormia a aula inteira, ela não saia pro recreio e eu a fitava de longe por um bom tempo, mesmo sabendo que podia desconfiar. Eu não me importava.
Afinal, ela disse que tentaria falar com ela, não disse? Mas até hoje ela não disse uma palavra sobre esse assunto.
Meus amigos já não ligam pra minha distração em boa parte das aulas, pensando que era culpa do trabalho. Também não se importavam com minha falta de bom humor durante o dia. Culpa do trabalho. Na verdade, o trabalho não tem nada a ver com isso, até porque, sim, eu a via no mesmo pub, no mesmo horário, com o mesmo cidadão oxigenado.
Eu não me atrevia a chegar perto, ela demonstrava felicidade. Se eu me aproximasse, talvez essa felicidade acabasse numa velocidade incrível, como sempre fui capaz de fazer.
Eu apenas me contentava em vê–la de longe, com a vontade de aconchegá–la quando ela está bêbada, me sufocando.
Brincando com a guitarra do chaveiro de , eu tinha meus pensamentos longes quando o professor bateu com a porta, me acordando do transe.
Mas entrou junto, me fazendo sorrir mesmo que ela esteja andando de cabeça baixa, as mãos fechadas em punho ao lado do corpo.
Flashback – 's POV ON
– Posso saber porque disse à senhorita Phoebe que não quer fazer o trabalho da aula dela? – minha tia me perguntava com calma, porém com autoridade nas palavras, enquanto eu estava em pé, diante dela com os braços cruzados e minha melhor cara de quem estava odiando estar ali.
– Primeiro que eu não tenho com quem fazer dupla, seg...
– Ela disse que pode ser individual! – me interrompeu com um tom de voz acima do normal, porém, parecia calma.
– Segundo, – a ignorei completamente, e ainda fiz questão de levantar dois dedos da mão – eu não tenho prática em música.
– Como não? – ela fez um gesto exagerado, enquanto eu voltava a cruzar os braços. Bufei descaradamente e rolei os olhos, louca pra sair dali, apesar de ar condicionado estar funcionando muito bem. – E aquele violão que você comprou? Não serviu pra nada? Comprei aquele instrumento à toa, então? – quis saber aumentando o tom das palavras, enquanto eu me rendia aos poucos. Maldita professora que foi fofocar. Grunhi alto.
– Então tudo bem, eu faço a droga do trabalho! – reclamei, dando as costas.
– Eu ainda não acabei, ! – disse alto e autoritário o suficiente pra me fazer virar com cara de tédio. – Você vai ao passeio? – nem procurei saber sobre esse passeio.
– Não. – e dei as costas, saindo da sala antes que ela quisesse mudar minha vontade também.
Fui pra sala ainda com aquela cara de bunda por ter de pensar em música qualquer pra cantar na frente daqueles idiotas pra poder ganhar ponto e satisfazer minha querida tia, e pra piorar, entrei na sala com o professor de história.
End Flashback – 's OFF
Passei a aula de história inteira fitando–a discretamente e diferente dos outros dias, ela não dormia. Mas também não olhava para o quadro, muito menos para o professor. Ela escrevia. Sua franja cai levemente em seus olhos, tapando seu rosto, mas a deixava linda.
Mas ela escrevia com tanta fúria que chegava a me assustar, de verdade. A curiosidade tomou conta de mim, e eu queria saber o que estava escrito ali, eu queria decifrar o porquê daquela forma bruta e rápida em escrever, mas seu rosto tapado não dava pra ver sua expressão por inteiro, pra eu tentar ler seus olhos.
O professor saiu de sala e aproveitei a deixa pra me levantar, ignorando qualquer comentário que fosse dos meus amigos. Me sentei ao lado dela, ela não me mandaria sair, afinal, a sala é pública.
Dei uma olhada por cima de seu ombro e a única coisa que consegui enxergar foi escrito em letra perfeitamente redonda e caligrafia apressada:
"She falls asleep and all she thinks about is you. She falls asleep and all she dreams about is you. When she's asleep the air she's breathing is for you"
(Ela adormece e tudo o que ela pensa é sobre você. Ela adormece e tudo o que ela sonha é sobre você. Quando ela adormece, o ar que ela respira é por você)
Mas antes que eu pudesse ver mais alguma coisa, ela me olhou vagarosamente, enquanto eu olhava vagarosamente pra ela. Quando seus olhos se encontraram aos meus, foi como se eu tomasse um choque, ou algo parecido. Senti um arrepio e rapidamente ela fechou o caderno, ainda me encarando.
– O que está fazendo aqui? – eu senti seu hálito tocar meu queixo por estarmos tão próximo, já que eu via seu caderno sobre o ombro dela.
– Ér, eu... desculpa, eu não... não... – eu ainda estava meio tonto por sentir seu hálito. Idiota, duzentas vezes idiota. Como eu consegui gaguejar? Puta que pariu.
Sem esperar respostas, ela se virou pra frente e, calmamente, como se eu não estivesse ali, ela colocou o caderno embaixo da mesa, se esticando sobre a cadeira em seguida. Senti uma vontade incontrolável de tocá–la, de senti–la, saber que ela estava ali, mas eu não podia. Ela podia, sei lá, arrumar um escândalo. Ela tão imprevisível...
Já que a vontade era incontrolável, levei minha mão receosamente até a lateral de sua cabeça e pude vê–la fechar os olhos com o contato físico.
– Por que está fazendo isso comigo? Você está acabando comigo, – sussurrei, começando a fazer um leve cafuné em sua cabeça.
– Para, por favor. – ela disse em um sussurro também e então eu entortei os lábios, derrotado e parei de afagar seus cabelos.
Dei um suspiro e me aproximei pra dar um beijo em seus cabelos, me levantando em seguida. Eu me rendia a ela muito fácil, talvez fosse o medo de brigarmos.
Dezessete "Eu nunca estive tão confuso em relação a uma garota em minha vida, quanto eu estou em relação a ela."
O dia do passeio havia chegado. Estávamos todos formando uma fila na porta do colégio, enquanto os ônibus roxos e brancos formam uma fila na rua. Os professores passavam com uma lentidão irritante pra quem queria ir pra um passeio, anotando nossos nomes na prancheta que eles carregavam e pegando o papel que tinha a autorização de nossos pais. Eu e meus amigos estávamos separados, já que a fila foi organizada por ordem alfabética.
Internamente, eu torcia pra que mudasse de ideia, ou que sua tia a obrigasse a ir. Ou que talvez, passasse mal e não pudesse comparecer. Alguns dias só com amigos não faz mal a ninguém, faz?
Infelizmente, eu não tenho tanta sorte de tudo que eu quero aconteça, então foi tudo ao contrário: vinha em minha direção saltitante com uma mala imensa da cor rosa de cegar qualquer um; os professores já arrumavam os alunos, o ônibus estava prestes a sair e ainda não tinha chegado.
Bufei alto com os braços cruzados, e sorri forçado para a pantera cor–de–rosa que tinha um sorriso de rachar a cara vindo em minha direção. Como sempre, ela se pendurou em meu pescoço após jogar a mala no chão, me fazendo segurar em sua cintura automaticamente. Até então eu não tinha nenhum sorriso visível, mas ao vir uma garota de cabelos azuis presos num rabo–de–cavalo alto, virar a esquina do colégio com um casaco cinza claro batendo na coxa sobre a calça skinny, as mãos no bolso do casaco e óculos Ray–ban roxo escuro, eu creio que eu tenha entrado num leve transe, já que eu só acordei deste quando senti me sacudir.
– Que é? – virei meu olhar lentamente até ela, que tinha uma expressão triste, ainda com as mãos dos dois lados de meu corpo.
– Você não me deu atenção... – ela disse manhosa, formando uma expressão infantil de quem choraria. Rolei os olhos, mas ao mesmo tempo eu estava um pouco desconcertado por não dar–lhe mesmo atenção.
– Desculpe, ok? – tentei um sorriso dando um beijo em sua testa e ela assentiu.
– . – ouvimos uma voz autoritária chamá–la e olhamos pro lado, vendo Robert Willians, professor de Geografia, passando os olhos na prancheta assim como a caneta. Aguardamos pacientemente enquanto ele tinha dificuldades de achar o nome da minha namorada. – Você é lá na frente. – disse, olhando–nos vagarosamente, fazendo o sorriso de murchar.
– Aw, eu não... – ela tentou argumentar, mas foi interrompida:
– É só por enquanto. Depois vocês podem sentar com quem quiser no ônibus. – e sorriu, dando as costas e fazendo sinal pra que o seguisse. Antes de fazê–lo, me deu um selinho demorado e pegou a mala no chão, seguindo o professor rebolando os quadris. Claro, não deixei de fitá–los.
Mas o pouco vento que fazia naquela manhã, me trazia um perfume conhecido. Deixei de fitar a bunda da minha namorada e olhei para os lados, finalmente podendo ver a dona do perfume: estava na porta do colégio, praticamente ao meu lado, com as mãos no bolso e embalançando a cabeça freneticamente olhando para dentro do colégio.
Até que um professor se aproximou, a cutucando pelo ombro. Ela se virou e então pude ver seu rosto perfeitamente, me causando certo embrulho no estômago que eu já estava acostumado a sentir. Ela fixava atentamente o professor de história que tinha uma prancheta nas mãos, e pela linguagem labial, eu pude entender parte da conversa:
– Quer falar com sua tia? – ele perguntou a ela, que o olhava sem desviar. Mas quem garante que sob aquele óculos ela tinha o olhar nele?
– Ér, hun... Obviamente. – não ouvi seu tom de voz, mas sua expressão era puro deboche.
– Bom, ela ainda não chegou. – ele passou a mão pelos cabelos negros e ela embalançou a cabeça em sinal de que tinha escutado. – Você... vai ao passeio? – ele quis saber, levando o olhar para a prancheta pela primeira vez.
– Não. – deu de ombros, esperando uma reação do homem.
– Então... ? – ele a olhou rapidamente.
– Então o quê? – pude ver sua sobrancelha transparecer sobre o óculos. – Eu só quero falar com minha tia. – ela tirou a mão do bolso pra fazer um gesto exagerado.
– ! – e rapidamente ela virou completamente a cabeça em minha direção, mas com o susto eu virei a minha em direção a quem me chamara, avistando o senhor Willians com a expressão furiosa em minha frente, enquanto a fila já estava a quase cinco metros de distância. – Preste mais atenção, mocinho. – disse–me, voltando o olhar para a prancheta enquanto eu aproveitava a deixava e virava meu olhar a ela novamente: tinha a cabeça ainda em minha direção, assim como o professor. Ambos me encaravam. – Qual ônibus vai querer ir? – me perguntou e eu voltei minha atenção novamente a ele.
– O mesmo ônibus que a .
– Tudo bem. Ônibus dois. – deu um suspiro, me dando passagem.
Dei de ombros e comecei minha caminhada em direção ao ônibus dois com a mochila mega pesada nas costas. Lembrando que haviam dez ônibus estacionados ao redor do colégio. Mas antes que eu saísse de vista, dei mais uma olhada pra trás: e ela ainda me encarava, mas por causa do óculos, eu não consegui decifrar sua expressão.
A viagem foi tranqüila, tirando o fato de eu ter de me controlar para não ficar pensando nela enquanto beijava no último banco do ônibus. Os amassos – às vezes – ultrapassavam o ponto desejado. Mas eu ainda tinha juízo, e não queria que uma coisa dessas acontecesse dentro de um ônibus. era realmente gostosa, por isso eu tinha que ter meu autocontrole e passar a maior parte do beijo de olhos fechados, só pra não precisar encarar o que ela tinha de maior, o que se resume a seios.
Após duas horas, o ônibus adentrava um lugar que eu podia chamar de floresta, devido as flores desnecessárias que haviam só na entrada do hotel. Mas ainda assim, as flores eram bonitas. Só era em tamanho exagerado, só isso. E homem achar flores bonitas, realmente é bem estranho.
Lá na frente, o professor avisou que estaríamos descendo em poucos minutos e que éramos pra nos ajeitarmos. Mas pra afastar de mim foi uma tarefa mais complicada do que pensei.
Quando finalmente o ônibus parou, me levantei e peguei a mala dela na prateleira acima do banco e entreguei a ela que ainda estava na sentada no banco da janela. Depois peguei a minha e ela se levantou, pegando em minha mão desocupada enquanto eu ajeitava a mochila no ombro com a outra.
(N.a.: Escrevi essa parte ouvindo Big Girls Don't Cry – Fergie. Se quiser ouvir, é bom pra superar o momento, HA.)
Enquanto eu estava deitado na cama com a barriga pra cima, as mãos sob a cabeça e fitando o teto com interesse, arrumava suas coisas no armário. Por sorte, conseguimos um quarto pra dois e ri baixo comigo mesmo por pensar que talvez meus amigos tenham que dormir em cama de casal.
– O que foi? – ouvi a voz de e olhei pra ela de soslaio e pretendia voltar a fitar o teto, mas puta, ela é muito gostosa!
– Na–ada. – tá bom que um cara consegue se controlar tendo uma visão dessas.
usava um biquíni de bolinhas coloridas um pouco menor que seus seios podem sustentar, uma canga rosa bebê presa em sua cintura formando uma saia, óculos Wayfar branco, brilho labial, uma argola mediana e os cabelos presos pra trás num coque apertado, enquanto suas mãos estavam ocupadas em dobrar minhas roupas que eu joguei na cama quando acabei de tomar banho ao chegar.
– Vou à piscina. Vai ficar ai? – quis saber ainda dobrando, embora seus olhos ainda estivessem em mim.
– Pensando bem... – me levantei com um sorriso malicioso, fitando sua barriga. Ou a falta dela, que seja.
Ela riu e eu me aproximei, a puxando pela cintura e me perguntando porquê diabos ela não apareceu de biquíni pra mim antes.
Ainda rindo, ela selou nossos lábios, levando sua mão ao meu peitoral e o arranhando levemente enquanto eu ainda tinha mãos em sua cintura, apertando–a com um pouco mais de força do que eu pretendia. A puxei mais pra perto, acabando com a distância de nossos corpos enquanto nossas línguas brigavam e ela levava sua mão às minhas costas, arranhando da mesma forma que arranhou meu peito.
A abracei pela base das costas e não resisti em colocar minhas mãos um pouco mais abaixo de seu quadril, a sentindo rir fraco entre o beijo. Um pouco fora de mim, só sendo levado pela excitação, eu a puxei até minhas pernas tocar a cama atrás de mim. Me joguei de costas sobre ela, mas não soltei o corpo de por nada, a fazendo rir mais uma vez entre o beijo. Minhas mãos exploraram cada parte que eu desconhecia de seu corpo, a fazendo arfar às vezes, me deixando triunfante por saber que ela também se arrepia com meu toque.
Duas horas depois, minha camiseta preta e minha bermuda de praia estavam jogadas em algum canto do quarto, e o biquíni dela... bom, estava pendurado na chave da fechadura do armário.
Eu fazia carinho em seu braço já que seu corpo estava sobre meu braço e sua cabeça em meu peito, dormindo tranquilamente, enquanto eu fitava o teto, um pouco confuso.
Havia sido bom, mas não exatamente isso que eu queria.
Não era exatamente ela quem eu queria. Mas eu já tinha feito, e de alguma forma inexplicável, eu não estava arrependido. Só estava mesmo um pouco confuso.
's POV ON
Faziam dois dias desde em que vi pela última vez no colégio, o dia do passeio.
Na minha cabeça só permaneciam as palavras ‘’ ‘’ e ‘juntos’. Dava–me um embrulho no estômago, um formigamento bem conhecido no nariz, uma culpa desconhecida me invadir. Eu não sei ao certo o que era pior: e juntos, mas longe de mim; ou e juntos, mas próximos a mim.
Longe, eu tinha a sensação de estar errada, de estar sendo A infantil, de causar tristeza em mim mesma e nele.
Mas estando com eles, os dois no maior ‘love’, me dava ânsia de vômito. Não exatamente isso, mas eu tinha vontade de sumir. Ou que os dois sumissem. A verdade é que eu sentia falta de . E o que ele disse um dia a mim, já não faz mais sentido agora:
”Eu não queria dizer àquelas coisas a você, mas eu não suporto a ideia de te ver com outro garoto. Pra mim, você é só minha, porque acho que fui o único que conseguiu chegar até aqui. Acho que fui o único a conseguir sua confiança ou ser seu amigo, tanto faz.” Exatamente por isso que eu sou possessiva em relação a ele: só ele me entendia, só ele conseguiu minha confiança. Eu estava começando a achar que eu estava sentindo algo mais que amizade. Mas como nunca senti um troço desses, eu não saberia identificá–lo. Até porque, eu não sinto nada fora do normal quando estou com Raian, que é meu namorado. Então comecei a achar que se identifica quando você se sente ridiculamente idiota na frente de um só garoto, sente suas mãos suar, seu estômago revirar, e só tem olhos pra ele. Consegue perdoar mesmo que ele esteja errado, não para de pensar nele por um momento. E isso me assustava a cada instante, porque eu me sinto culpada por fazer Raian acreditar que sou completamente apaixonada por ele, mesmo que eu seja seca às vezes, mesmo que eu tenha meus ataques sensíveis, mesmo que eu seja completamente carinhosa só com . Mas parece que até hoje ele não notou nesse tipo de diferença que eu trato ele, e como ele me trata.
Pra mim não faz muita diferença. Eu não me importo tanto com ele quanto eu me importo com e .
's POV OFF
– E ela é mesmo boa de cama? – perguntou me cutucando com o cotovelo enquanto eu me servia de qualquer coisa na imensa mesa que tinha no restaurante.
– Cara, depois a gente conversa sobre isso. Não estou a fim de falar. – disse–lhe, colocando quantidade desnecessária de queijo em meu prato.
– Mas quem começou o assunto foi você! – acusou incrédulo.
– Sim, mas agora eu quero terminar. – dei de ombros, sem nem olhá–lo, e fui em direção à mesa onde os outros estavam.
Sentei–me sem olhá–los também, eu só tinha olhos pro meu prato. Sim, eu estava morrendo de fome.
Durante o café eles conversavam, mas eu não tinha cabeça pra ouvir o que eles diziam. Meus pensamentos estavam longe, estavam numa certa garota de cabelos azuis. Eu achava que estava ficando louco, eu via seu rosto em todos os lugares, e o que eu negava há algum tempo eu começava a achar que era a mais pura verdade. Eu sentia falta dela de uma forma inexplicável, eu a queria do meu lado, sentir seu perfume, sentir seu corpo, sentir seus lábios. Minha mente voltou a um dia na casa dela, onde nos beijamos pela primeira vez. E talvez pela última vez. Talvez tenha sido o melhor beijo até hoje, mas eu precisava colocar na cabeça que ela era minha amiga. Ou não é mais.
Eu precisava ter consciência de que ela praticamente me abandonou e eu não sei muito bem o motivo. E com isso eu me sentia estranhamente sozinho, mesmo tendo amigos. Eu me sentia um completo tolo por estar pensando essas coisas, e me sentia traíra por estar namorando uma e pensando na outra.
Sem dar muita atenção ao meus atos, pedi licença e sai da mesa com praticamente a comida inteira intacta. Eu precisava de um ar fresco e aquele bando de gente falando não ajudava.
Fui em direção a um dos vários jardins que tinha por ali – pelos menos, pra isso eles serviam – e me sentei num dos balanços que ficavam bem longe de qualquer movimento humano. Ou só ouvia o barulho de uma cachoeira que tinha ali próximo e os pássaros cantando, piando, sei lá.
Embalancei levemente o balanço, tirando os pés do chão, porém fitando–os fixamente. Por alguns minutos, alguns momentos passavam na mente. Mas eu queria esquecê–los completamente. E, ao mesmo tempo, eu queria lembrá–los. Eu queria ter certeza do que eu estava sentindo, e ter a oportunidade de dizer tudo a ela. Mas e se ela não acreditasse em mim? E se ela nunca quisesse olhar na minha cara? Esta última possibilidade me assusta, mas não tanto, já que eu nem tenho mais contato algum com . Eu já não sei mais como agir quando estou próximo a ela.
Eu nunca estive tão confuso em relação a uma garota em minha vida, quanto eu estou em relação a ela.
Me tirando completamente do transe, senti que o balanço tomou impulso sozinho, mas não precisei olhar pra trás pra saber quem era, já que seu perfume a denunciara.
– Arrependido do que aconteceu ontem, ? – ouvi sua voz perguntar, enquanto eu a via sentar–se no balanço ao lado.
– Não. – eu não estava mentindo. – Só estou pensando. – tentei um sorriso quando ela me olhou, mas ela continuou com a expressão séria.
Soltou um suspiro e deu impulso com os pés, fitando–os. Mordi o lábio levemente.
– , vem aqui. – sussurrei e rapidamente ela me olhou, mesmo com o balanço indo pra frente e pra trás.
Com o cenho franzido em confusão, ela parou o balanço e se levantou, vindo em minha direção, enquanto eu tinha os braços abertos esperando que ela entendesse e senta–se em meu colo. Ela parou em minha frente e deu uma breve olhada pra minhas pernas, voltando a olhar em meus olhos.
– Senta aqui. – sussurrei novamente e ela sentou–se onde eu indiquei. Em seguida, eu a abracei pela cintura e apoiei o queixo em seu ombro. – Me diz que me perdoa? – pedi, fitando um pássaro amarelo que andava bem em nossa frente.
– Pelo o quê? – quis saber confusa, mas não se moveu um centímetro.
– Só diz que me perdoa, . – eu precisava disso, mesmo que indiretamente.
– O que está escondendo, ? – agora sim ela virou um pouco a cabeça pra tentar me olhar, mas eu não tirei meu queixo de seu ombro.
– Não estou escondendo nada, e não briga comigo. – apesar das palavras parecerem rudes, eu disse suave e tentando ser manhoso.
Ela se calou de repente e voltou a sua posição inicial. Apertei–a contra mim e a fiz encostar a cabeça em meu ombro, fazendo um carinho em sua barriga sobre a regata branca.
– Tudo bem, eu te perdôo. – sussurrou e pude ver seus olhos fechados. Sorri comigo mesmo, dando um beijo com dificuldade no canto de seu rosto.
E ela voltou a dar impulso no balanço.
Dezoito "Eu sabia que você vinha."
O último dia do passeio havia chegado. Desde o momento em que chegamos, não falou uma palavra sequer com as amigas, enquanto eu trocava pouca palavras com os amigos. Acho que formamos uma boa companhia um ao outro. Ela me fez esquecer certas coisas.
Enquanto eu dançava desajeitadamente Twist And Shout de Beatles, eu arrumava minhas coisas na mala. terminava de tomar banho e quando eu havia terminado, sentei na cama e esperei a Barbie terminar de se arrumar no banheiro. Se ela se arruma na minha frente, eu não me responsabilizo pelo atraso.
Quando disse que estava pronta, apareceu de cabelos molhados, uma saia jeans bem curta pro meu gosto, uma regata branca e Ray–ban e Havaianas da mesma cor. Suspirei pesado e fui em direção a ela e, mantendo meu autocontrole, a dei um selinho demorado e peguei sua mala no chão, indo pra porta com pendurada no meu pescoço, segurando sua mala rosa choque, e minha mochila no ombro.
Me virei pra trancar a porta e seguimos de mãos dadas para o ônibus.
No dia seguinte, era óbvio que meus amigos queriam saber detalhes do que rolou no Hotel, bem na hora no café da manhã. E na boa, aquilo estava parecendo mais uma reunião de mulherzinha.
– No restaurante você não quis me dizer, agora vai fugir de novo? – emburrou, me tacando uma bolinha de queijo que estava quase no fim.
– Isso é um assunto embaraçoso, então não me aporrinhem. – disse–lhes num tom de riso, tomando o último gole de café em minha caneca com a mochila do colégio pendurada no ombro, de pé e pronto pra sair.
– Você não me escapa, ! – disse me fuzilando com o olhar. Dei de ombros e sai de casa colocando os fones do iPod no ouvido, indo em direção à escola com o coração a mil.
Esperei que, ao menos, sentiria um peso em minhas costas ao chegar. Mas nenhum sinal de , então fiquei um pouco mais aliviado e entrei no colégio, sorriso forçado pra Charlie que segurava o portão como se este fosse fugir.
Louco pra vê–la, fui em direção aos armários e em seguida em direção à sala, vendo alguns alunos na porta. Entrei em sala e senti minhas mãos e nuca suar quando eu a avistei no final da sala, os cabelos presos pra trás num coque apertado, fitando alguma coisa sobre a mesa. Sorri comigo mesmo por vê–la e fui com um pouco mais de pressa até ela, receando em sentar ao seu lado, mas o fiz.
Vagarosamente, ela me olhou enquanto eu já tinha meu olhar nela.
– Oi. – um tinha um pequeno sorriso no rosto. Ela me olhou, me analisou. Mas não disse nada por alguns segundos.
– Oi, . – sua voz falhou, mas abri mais o sorriso por saber que ela tinha me chamado de . Tudo bem, pode ser grandes merdas, mas ela me chama de quando não está chateada/magoada/bolada/fula/raiva/ódio.
E sem saber o que fazer, eu fiquei a observando também, sentindo minha respiração falhar com o passar do tempo. Ela também não desviava o olhar, e seus olhos agora estavam nítidos pra mim por não haver aquela camada de lápis nos olhos, e não haver rastros de cabelos em seu rosto. Nem um fio.
– , eu... preciso conversar com você. – eu disse–lhe após sair do transe, tentando ler seu olhar que não piscava, não desviava um segundo sequer. Mas antes que ela respondesse, a professora Ísola entrou em sala:
– A professora de música mandou avisar que quando acabar meu tempo, é pra todos irem direto para o auditório que ela estará esperando.
Logo me lembrei que era o dia do trabalho de música e eu não tinha pensado em nada, ainda. Olhei em pânico pra mesa e então caiu a ficha porquê estava diferente.
Discretamente, levei meu olhar à sua mesa pra tentar expiar o que ela lia, mas ela percebeu e tirou as folhas de cima da mesa rapidamente.
– Droga! – murmurei a mim mesmo, levando meu olhar a ela novamente.
Ela riu baixo, embalançando a cabeça negativamente enquanto reforçava o coque da cabeça.
Me levantei suspirando derrotado e fui em direção à minha mesa, vendo meus amigos entrar.
– Dude, hoje é o dia do trabalho! – arregalei meus olhos, não moveu um músculo da cara. Continuou a me fitar com aquele sorriso besta sentando ao meu lado.
– Sim. – embalançou a cabeça, em sinal de que tinha escutado. – E daí?
– Como 'e daí?', ! – gritei em sussurros pra que a professora não nos visse brigando sobre a aula seguinte.
– Você passou a semana aéreo, agora vem me falar sobre trabalho? – desfez o sorriso e formou uma cara de tacho altamente irritante.
– Obrigado pela parte que me toca, . Belos amigos eu tenho! – dramatizei, me jogando na cadeira e cruzando os braços sobre o peito.
Olhei pro outro lado e ela voltou a ler o que tinha na folha, me deixando curioso e me fazendo inventar mil maneiras de chegar lá sem ela me notar.
– Porra, depois você vem reclamar que não tem amigos, ôh infeliz! – me cutucou mais forte que o necessário, me mostrando uma folha em seguida. – Aqui, eu sabia que você ia esquecer mesmo. – e me olhou com um sorrisão enquanto eu tinha cara de poucos amigos. – Cada um vai cantar sozinho pra evitar desafinações e prejudicar a nota do outro... – disse com certo tom de indireta, me fazendo bufar e arrancar o papel da mão dele.
Abri o papel que estava dobrado em forma de origami e então eu reconheci aquela música: Chills In The Evening.
Suspirei alto e levantei meu olhar. Seria mesmo uma boa?
Os alunos já estavam devidamente sentados nas cadeiras que comem do auditório. Quando digo cadeiras que comem, são aquelas cadeiras de tirar a paciência de qualquer um, que quando você se levanta, ela fecha.
No palco, havia guitarras, violões, baixos, um grande piano preto, virado de lado para a platéia. Estava um falatório, todos esperando a professora chegar. Somente eu estava esperando chegar. Esta não deu as caras depois que sumiu na multidão de alunos. Eu já sabia todos os acordes e palavras daquela música, mas não foi por isso que não deixei de dar uma olhada. Era minha nota que estava em jogo.
Fiquei uns bons minutos tentando me concentrar no papel branco em minhas mãos enquanto meus amigos brincavam de guerra de papel com as folhas onde estavam a música que eles tocariam. Até que o barulho forte de porta se batendo junto com o eco que desta se formou fez com que todos olhassem para a lateral do auditório, onde era a entrada, e avistassem a professora, e de trás dela saiu . Estava visivelmente tímida já que tinhas as duas mãos na frente do corpo, unidas.
Respirei fundo, vendo a professorar cochichar alguma coisa a ela e esta assentir, indo sentar–se numa das fileiras atrás de mim. Eu a fitava descaradamente, e quando meu pescoço ia formar 180º, quase o deslocando, eu tomei vergonha na cara e me virei pra frente, pigarreando falsamente quando notei que meus amigos me fitavam com expressões incrédulas.
Se não fosse comigo, eu diria que era até engraçado.
– O que foi? – perguntei aleatoriamente, levando meu olhar às folhas na minha mão.
Por azar, o primeiro a ser chamado foi o aqui. Xinguei internamente aquela professora. Eu não sei que esquema ela usava pra sortear os alunos, estava começando a achar que tinha a ver com macumba.
Fui em direção ao palco sorrindo falso e forçado pra professora que tinha alguns papéis nas mãos e subi, respirando fundo. Peguei o violão encostado ao piano e me virei para aquele bando de idiotas que me encaravam com cara de nada e pude ver que quem fazia os tais efeitos sonoros eram , e . Quem eu imaginava.
Passeei mais um pouco os olhos pelas cadeiras até meu olhar se encontrar com o de , que estava sentada bem lá no fundo, sozinha. Me encarava séria, e não fez ameaça alguma de que ia desviar o olhar, me fazendo sorrir. Instantaneamente, suas bochechas coraram e ela abaixou o olhar, me fazendo sorrir mais abertamente e sentar no banquinho no meio do palco. Era bom saber que eu ainda tinha controle sobre ela.
Dedilhei algumas notas pensando em trocar de música. Mas a vaca da professora me apressou, dizendo que se eu não andasse logo, ela não me daria nota, mas sim tiraria. (Chills In The Evening)
Being with you was all that I needed (Estar com você era tudo que eu precisava)
I don't know why (Eu não sei por que)
You were to blind to see it (Você estava cega demais para ver)
Now you're gone (Agora você se foi)
And I need you here tonight (E eu preciso de você aqui hoje à noite)
Eu estava atento às cordas do violão, mas de alguma forma eu sentia um olhar diferente em mim, um olhar especial. Parecia que eu sentia reação do meu corpo, as mesmas reações de quando eu a tocava, quando eu a sentia.
Apesar da música não ser feita por mim, muito menos há pouco tempo e nem pra ela, fazia todo sentido. Era exatamente essas palavras que eu queria dizer para ela naquele momento.
You know that I can't sleep coz I'm terrified (Você sabe que eu não consigo dormir porque estou aterrorizado)
Feels like I'm falling down really fast inside (Parece que eu estou caindo muito rápido por dentro)
And I'm wishing the night away (E eu estou desejando que a noite acabe)
These chills in evening, they won't go away (E esses calafrios a noite, eles não vão embora)
Levantei meu olhar lentamente, receando a reação dos mesquinhos colegas de sala e principalmente de duas pessoas: da professora, claro; e dela.
A professora batia uma perna no chão de acordo com as notas; já , tinha a cabeça abaixada, e por um milésimo de segundo, eu vi uma lágrima pingar. Eu juro que vi. Mas eu não podia me desconcentrar, não agora.
And sometimes I feel like I can't go on living (E às vezes eu me sinto como se eu não pudesse continuar vivendo)
There's not much to take when you done all the giving (não há muito para receber quando você deu tudo o que podia)
Now you're gone and I need you here tonight (Agora você se foi e eu preciso de você aqui hoje a noite)
Continuei cantando, sem tirar os olhos daquela garota que ainda tinha a cabeça baixa. Eu não sabia se isso fazia bem a ela, mas, com certeza, fazia bem a mim. Parecia um peso que eu estava tirando das costas, já que eu dizia a ela tudo o que eu queria, só que indiretamente. Afinal, se eu quisesse conversar com ela e dizer essas mesmas coisas, mas em outras palavras, tenho certeza de que ela não me escutaria.
And now I need to find a way ( E agora eu preciso achar uma maneira)
To stop this pain from getting stronger ( De impedir que essa dor fique mais forte)
And I just can't explain ( E eu não consigo explicar)
I don't understand ( Eu não entendo)
Why you left me here ( Porque você me deixou aqui)
Lentamente, ela levantou a cabeça até encontrar com meu olhar, e de acordo com seus olhos vermelhos, sim, ela havia chorado.
Senti uma pontada no peito por vê–la naquele estado, mais uma reação do meu corpo. Parecia que ela ouvia essa estrofe com atenção e quando estava na última linha, ela se levantou com pressa, saindo do auditório com mais pressa ainda. Não consegui decifrar sua expressão, isso era difícil pra mim nos últimos dias, mas ainda assim, eu achei melhor parar com a música, porque sim, teria o refrão mais uma vez. Mas com minha nota, agora eu não me importava.
Sorri forçado novamente pra professora, me levantando e colocando o violão onde eu tinha pegado e desci do palco, vendo que ela escrevia alguma coisa no fichário que tentei expiar por sobre seu ombro, mas não consegui ver nada.
– Muito bom, senhor . – detesto quando me chamam de senhor.
Sorri amarelo e só então notei que os outros alunos me fitavam sorrindo. Alguns me deram parabéns, outros me olhavam com nojo (provável inveja) e então fui em direção ao meu lugar, ainda com a preocupação presa na garganta.
– Mandou bem, hein, cara! – disse enquanto eu passava e quase levava suas pernas pra me sentar, de tão estreito que era o espaço entre uma fileira e outra.
– Valeu – sorri de lado, finalmente me sentando.
O cantou That Girl, enquanto cantava Not Alone. E na vez de , ele cantou Transylvania, enquanto eu o zoava, tacando bolinhas de papel até a professora me fuzilar com o olhar. Aparentemente, eu havia se esquecido de , mas por dentro eu ainda estava preocupado. Eu queria levantar e ir atrás dela, só pra saber se ela está bem. Mas não quero nem imaginar o que a professora poderia fazer caso me visse saindo da sala. Muito menos se soubesse o real motivo.
E ao ouvir seu nome, desfiz um sorriso, sentindo um embrulho idiota no estômago.
– ? – a professora chamou de novo, rodando o olhar pelo auditório.
– Estou aqui. – e aquela voz me fez sentir um calor repentino. Olhei pra onde a voz vinha e todos olharam ao mesmo tempo, onde estava na porta, entrando e sorrindo fracamente pra professora. O rosto molhado, os olhos já não estavam mais vermelhos.
Ela foi em direção ao palco com a cabeça baixa, visivelmente tímida, e subiu. Achei que ela fosse pegar o violão, o baixo, qualquer coisa. Mas ela sentou no banco do piano, me fazendo suspender a sobrancelha.
Respirou fundo antes de começar uma música com notas completamente tranquilizantes.
She falls asleep and all she thinks about is you (Ela adormece e tudo o que ela pensa é sobre você)
She falls asleep and all she dreams about is you (Ela adormece e tudo o que ela sonha é sobre você)
When she's asleep the air she's breathing is for you (Quando ela adormece, o ar que ela respira é por você)
Oh why she wants to live (Oh por que ela quer viver)
She's not got that much more to give (Ela não tem muito mais a oferecer)
A voz dela era completamente diferente quando estava cantando, era algo confortante. A cada estrofe, meu coração batia mais rápido, minha respiração estava saindo do controle. Então ela escrevia furiosamente uma música que ela cantaria... Provavelmente pra mim?
She sits alone, on her phone (Ela senta sozinha, com seu telefone)
And she's calling about a broken heart (E ela está ligando por causa de um coração partido)
And i don't know what i should say cause she's crying (E eu não sei o que devo dizer pois ela está chorando)
And feels as though she's thrown it all away (E parece, no entanto, que ela jogará tudo fora)
She won't last another day (Ela não durará mais um dia)
Eu não entendia muito bem o que ela queria dizer com aquelas palavras, mas aquela música estava mexendo comigo de alguma forma. E eu estava começando a achar que ela me conhecia perfeitamente. Talvez fosse exatamente assim que eu faria uma música pra ela. Ou talvez não.
You're climbing the stairs, unaware that she's hurting (Você está subindo as escadas, sem saber que ela está magoada)
Bad and lying very still on the floor by the door (Mal e deitada sem se mexer no chão, perto da porta)
But it's locked and she was hoping (Mas está trancada e ela estava esperando )
You would come back for more (Que você voltaria para mais)
But it's too late to realize you've made mistakes (Mas é tarde demais para perceber que você cometeu erros)
Eu estava rígido na cadeira, ela não me olhava uma vez se sequer, tinha apenas atenção nos dedos e nos teclados, me deixando frustrado, de certa forma. Eu queria saber se realmente aquela música foi feita pra mim. Ou mais pra quem seria?
She falls asleep and all she thinks about is you (Ela adormece e tudo o que ela pensa é sobre você)
She falls asleep and all she dreams about is you (Ela adormece e tudo o que ela sonha é sobre você)
When she's asleep the air she's breathing is for you (Quando ela adormece, o ar que ela respira é por você)
Oh why she wants to live (Oh por que ela quer viver)
She's not got that much more to give (Ela não tem muito mais a oferecer)
Sua voz começara a ficar rouca, mas a melodia continuava incrível. Não sei porquê motivo, mas seu tom de voz foi abaixando aos poucos.
Please save me (Por favor, me salve)
I've been waiting (Eu estive esperando)
Been waiting for too long (Esperando por tanto tempo)
Se fosse pra mim, então eu ainda tinha chances? Sorri abertamente com esse final, mas antes que ela terminasse as notas, ela levantou do banco e desceu do palco correndo, passando por uma professora assustada enquanto os outros alunos aplaudiam. Aplaudiam?
Me levantei sem me importar se levaria as pernas do meus amigos e corri até a saída, sendo quase impedido pela professora. Mas eu a ignorei completamente, vendo correr com muita, muita velocidade em direção ao campo. Ela parou de repente, me fazendo parar também mesmo um pouco longe. E logo ela deixou o corpo amolecer, sentando sobre os pés e me fazendo voltar a correr até ela. Me abaixei ao seu lado e mais que rápido, a abracei, mesmo sem saber qual seria sua reação. Mas me surpreendi quando ela retribuiu o abraço, me fazendo sorrir bobo.
Toquei cada parte de seu corpo, querendo saber se ela era real, ou se era minha imaginação, mas sim, seu cheiro era extremamente real.
– Eu sabia que você vinha. – disse com a voz embargada próximo de meu ouvido, estremeci.
– E por que me deixou escapar? – perguntei, apertando–a mais contra mim, ainda abaixado ao seu lado. Minha vez de senti–la estremecer.
– Já é tarde, . – ela disse como se estivesse bêbada. Não sei ao certo, ela parecia que estava dopada.
– Tarde pra quê? Por quê? – eu tinha confusão nas palavras e então eu a afastei pelo braço, segurando–os e analisando sua expressão, seus olhos, sua boca. – Vamos, me fala. – pedi de novo num sussurro, já que ela não ameaçou que diria alguma coisa. Deu um sorriso triste e logo ouvimos a voz da professora:
– Ei, os dois! Já para a diretoria! – nos viramos ainda ajoelhados e lá vinha a mala com seus óculos fundos de garrafa.
– Podem me explicar, senhorita e senhor . – a tia dela disse–nos, fuzilando–nos com o olhar. A professora já havia saído da sala pra deixar que a diretora nos matasse sozinha.
– A culpa foi minha. Eu não estava me sentindo bem, e eu acabei saindo do auditório. Ele percebeu e foi me ajudar, só isso. – disse numa simplicidade que me fez olhá–la, incrédulo.
– E já está se sentindo melhor? – ela quis saber, o tom de voz um pouco mais calmo enquanto eu ainda tinha os olhos grudados na figura ao meu lado.
Ela embalançou a cabeça negativamente, me arrancando uma vontade de formar outra expressão incrédula. Mas me controlei.
– Então estão dispensados por hoje. – ainda estava com aquele tom de voz calmo, me assustando. Pois sim, não é sempre que ela é calma assim. – Senhor , – se dirigiu a mim, me fazendo olhá–la – espero que saiba que sair de qualquer sala é extremamente proibido. O que você deveria fazer era avisar a professora. Estamos entendidos? – falou tão explícita, que achei que ela estava lidando com uma criança.
– Sim, senhora. – minha voz saiu mais debochada do que eu esperava, mas parece que ela não notou, já que se virou pra sem dizer nada a mim.
– E amanhã irei na sua casa, resolver aquele problema. – que problema? Olhei rapidamente pra , que agora tinha os olhos úmidos. Ela assentiu. – Então podem ir. – não me dei ao trabalho de olhar pra trás, apenas dei as costas saindo lado a lado com .
Fechei a porta atrás de nós, enquanto ela fitava o chão, tímida.
– Obrigada. – disse, dando um sorriso mesmo que ela não visse.
– Por que? – quis saber, levantando seu olhar lentamente até o meu.
– Por não contar a verdade. Até porque, a verdade ia acabar ferrando você também, mas você entendeu. – eu disse com alguns gestos, nervoso talvez por estar perto dela. Patético.
Ela formou uma expressão de que havia entendido e fitou o nada.
– , a gente precisa conversar. – eu disse sério, tentando encontrar seu olhar, ainda parados na porta da diretora.
– Não precisamos, não. – ela disse baixo, mas consegui entender. – Acredita em mim, vai me fazer mal, . – ela me olhou suplicante, uma garota frágil que eu desconhecia completamente.
– Você acha que isso está me fazendo bem? Olha bem pra mim, . – eu disse calmo e baixo, num tom que só ela me escutasse.
– Eu... eu sei que... Ah, – suspirou derrotada.
– Adiantou alguma coisa eu dizer que queria sempre um sorriso seu? Adiantou você confiar em mim? Adiantou eu querer te ajudar? – ela não disse nada, apenas levou as mãos no rosto e enterrou–o entre os dedos.
– Não, não fica assim... – sussurrei, a puxando pra um abraço. Apertado. – Estou aqui sempre que você se sentir fraca, está bem? – coloquei minha cabeça no topo de seus cabelos e fiz um carinho em seus braços, sentindo sua respiração contra minha camiseta.
– Obrigada, – ela disse num sussurro, a voz abafada no meu peito.
– Tudo bem, vamos pra casa – sussurrei também, enquanto ela se soltava.
– Eu não vou pra casa, eu... Bom, eu... – olhou para os lados, visivelmente nervosa. – Eu... vou na casa do Raian e... – ela me olhou com os olhos arregalados, com medo da minha reação. Mas eu não faria nada, apesar de sentir ciúmes. Merda, ciúmes!
– Tudo bem. – dei meu melhor sorriso e ajeitei a mochila no ombro. Eu não queria brigar com ela agora. – Então já vou indo. – dei um beijo em sua testa e pude vê–la fechar os olhos.
Sem olhar pra trás, eu caminhei pelo corredor, sentindo seu olhar em minhas costas.
Dezenove "...e tentava confiar em alguém pela segunda vez na minha vida."
's POV ON
Enquanto minhas mãos batucavam minhas pernas sem controle, eu olhava para o relógio consecutivamente. Até que a campainha tocou, me fazendo sorrir radiante. Fui em direção à porta com certa pressa, apagando as luzes pelo caminho.
– Até que enfim! – disse para Raian com falsa raiva ao abrir a porta.
– Desculpe, linda. Peguei engarrafamento... – disse com um sorriso amarelo, enquanto eu fechava a porta e ia de encontro aos seus lábios, dar–lhe um selinho.
– Não vem com essa. – ralhei, virando–me pra trancar a porta. – Nessa hora não tem engarrafamento...
– Tudo bem, eu me atrasei mesmo. – admitiu num tom de riso, abraçando–me pela cintura.
– Hm... – murmurei, sentindo–o me apertar mais. Era bom seu abraço, mas eu sabia que havia melhores.
– Vamos, amor. – desceu suas mãos por meu braço, tocando meus dedos e me fazendo virar, me arrastando até seu carro.
No caminho, passamos pra pegar Loren e Paul, e depois seguimos direto pra casa de Jason, parando no caminho para comprarmos bebida.
Chegando ao destino, o anfitrião nos esperava com uma bolsa térmica preta e uma cerveja na mão. Parecia que ele já estava se divertindo sozinho antes, já que ele levantou a garrafa em forma de cumprimento quando nos viu adentrar a própria casa, sem ao menos tocar a campanhia.
– Fala aí, cara! – Raian, que antes me abraçava pela cintura, me soltou pra ir em direção ao amigo que permaneceu sentado ao sofá.
– , ! – ouvi a voz de Loren me chamar e então me virei, vendo que Paul já ia sorridente em direção ao dono da casa. – Olha o que eu trouxe! – e ela tirou do bolso da calça um saquinho de cor marrom, com uma mulher passando a mão nos cabelos ridiculamente sensual. Suspendi meu olhar a ela com a sobrancelha suspensa, não entendendo – ou fingindo que não – o que ela queria com aquilo.
– O que quer com isso? – cruzei meus braços e instantaneamente ela murchou o sorriso radiante.
– Mudar um pouco, ficar mais sexy pra eles. – ela apontou para os Raian e Paul com o olhar.
– Pintar o cabelo é sinal de sensualidade? – eu ainda tinha incredulabilidade na expressão e ela rolou os olhos por minha pergunta.
– Qual é, ?! Estamos na hora de mudar! – ela voltou a dar aquele sorriso radiante/infantil.
– Não, não. Estou muito bem assim, obrigada. – e descruzei meus braços, dando–lhe as costas e ouvindo a risada estrondosa de nossos amigos/namorados.
– Aw, ... – ela vinha ao meu lado, enquanto eu rolava os olhos, indo em direção aos três sentados ao sofá com cigarros na boca.
– Não insiste, Loren. – eu disse sério, sentando–me à mesa de centro, de frente a Raian que se calou ao me vir ali e me olhou dos pés a cabeça, dando um sorriso aberto e malicioso.
– O que aconteceu? – vi Loren sentar ao lado de Paul no sofá e este a abraçou pelo pescoço.
– Ela não quer me acompanhar na arte de mudar... – disse com manha e um bico imenso, me fazendo rolar os olhos novamente e bufar.
– Mudar o quê? – os três perguntaram ao mesmo tempo. Entortei os lábios em tédio, fitando meu namorado incrédula.
– Pintar o cabelo. – ela respondeu, erguendo o saquinho pra que os três pudessem ver. No mesmo instante, os três me olharam, e logo Loren os seguiu. Suspendi a sobrancelha, discordando com a cabeça e apoiando minhas mãos no vidro da mesa.
– Ah, amor... – Raian começou após dar uma tragada em seu cigarro. – Aposto que vai ficar linda! – abriu os braços num gesto exagerado, fazendo a fumaça do cigarro ir direto à cara de Jason, que estava ao seu lado esquerdo. – Está na hora de tirar esse azul chulo do cabelo.
– Ah, obrigada pela parte que me toca, Raian. – falei, começando a ficar irritada com a insistência.
– Não, amor, não foi isso que eu quis dizer! – me levantei, querendo me direcionando para a cozinha, e senti sua mão tocar meu punho, mas rapidamente eu o soltei, continuando a andar. – , espera. Vai ficar zangada por causa disso? – dei de ombros e continuei a andar. Mas rapidamente ele se pôs em minha frente, me fazendo parar ou então eu daria com a cara em seu ombro. – Você anda muito sensível ultimamente, sabia? – disse num tom alto o suficiente pra me fazer dar um passo pro lado e tentar passar, assentindo ao que ele disse. – Tudo bem, vamos lá em cima pra conversar, vai.
– Eu não quero pintar o cabelo, eu não quero sentir cheiro de cigarro, não quero ver seringas na minha frente, e... – mas ele me pegou no colo com um suspiro. Me debati, quem ele pensa que é?
– Me solta, Raian! – gritei, batendo em suas costas enquanto ele andava em direção às escadas.
– Vou usar um dos quartos pra acalmar a fera, Jason. – avisou, nem um pouco abatido com meus socos constantes em sua coluna.
Continuei a me debater e gritar, mas aos poucos eu estava perdendo as forças e logo ele entrou num dos quartos, que reconheci ser quarto de hóspedes, já que tinha poucos móveis. Ele me jogou na cama como se eu fosse um objeto, me deixando mais furiosa.
Me levantei rapidamente ao vir que ele ia em direção à porta, mas antes que eu pudesse impedir, ele já tinha passado a chave pela fechadura.
– Abre essa porta, Raian. – tentei dizer num tom autoritário, mas minha garganta me traiu. Minha voz saiu falha, demonstrando medo.
– Não. – disse normalmente, colocando a chave no bolso. – O que você tem, hein? – quis saber com um tom mais alto do que o necessário.
– Eu não tenho nada. Só quero ir pra minha casa, Raian. Agora abre essa porra! – eu não entendia muito bem o porquê do medo, ele era meu namorado, não?
– Você não vai até a gente conversar e você me dizer o que está acontecendo com você. – cruzou os braços, numa pose autoritária enquanto eu sentia lágrimas de raiva se formar em meus olhos. Tentei passar por ele, e me surpreendendo, ele me deu passagem. Toquei a maçaneta, mexendo nesta freneticamente, mas ela não abria de jeito nenhum. Eu não sou retardada, sei que esta estava trancada, mas ela podia abrir, sei lá.
– Abre isso, Raian! – pedi, ainda mexendo com força e sem jeito na maçaneta.
– Para com isso, . – ele disse num tom um pouco mais baixo, num tom compreensivo. – Olha, há dias você anda sensível demais, distante demais, seca demais e quando eu pergunto o que está acontecendo, você foge do assunto e não quer me contar por bem, o jeito é me contar por mal. – lentamente, parei de tocar a maçaneta e me virei pra ele lentamente.
– Já pensou na possibilidade de eu não querer contar a você? – perguntei baixo, mas a raiva transparecendo nas palavras.
– Por que? – franziu o cenho, provavelmente ofendido.
– Porque eu não quero, Raian. Você não entende?
– Tudo bem. Se não quiser confiar em mim como namorado, não posso fazer nada. Mas vai fazer mal a você, e você sabe disso. – disse, vindo em minha direção com a mão no bolso.
Fitando um ponto qualquer do quarto, eu pensei em ele estar certo, já que aquilo estava me sufocando. Eu, realmente, precisava contar a alguém, eu precisava desabafar e nesse momento eu só tinha a ele.
Mas não, eu não estava pronta pra confiar em outros novamente. Confiei no , uh? E o que ele fez no dia seguinte? Agiu como se não soubesse de meu maior temor, como se não soubesse do passado.
– Não... não... não... – e sem eu perceber, meus pensamentos estavam audíveis por minha boca e lentamente minha voz subia a cada sílaba, e logo eu senti Raian me abraçar por trás, colocando a cabeça em meu ombro.
– Eu sei que você tem medo, mas pode confiar em mim. – e eu senti seus lábios tocar o canto de meu rosto, me fazendo fechar os olhos e pensar por um momento.
– Raian. – chamei, apenas pra ouvir seu tom de voz pra saber se ele tinha raiva ou não. Mas ele só fez um ‘hm’ com a boca. – Eu vou dizer, mas não agora. – e abri meus olhos, ouvindo seu suspiro alto.
– Tudo bem, quando quiser. – mas eu não sei ao certo ao que ele se referia.
Era ou meu passado agonizante?
Ele apertou suas mãos em minha cintura e em seguida me fez virar pra ele e eu pude ver seus olhos brilharem intensamente. Ele tinha um meio sorriso nos lábios, o olhar... bom, eu nunca soube ler seu olhar.
Ele apenas me analisava descaradamente, me deixando um pouco constrangida. E sem nenhum índice, ele se aproximou lentamente abrindo o sorriso a medida que se aproximava, me puxando mais contra ele quando nossos lábios se chocaram. Soltei um gemido de dor, mas não deixei de pôr minhas mãos em sua nuca ao abraçá–lo pelo pescoço e arranhar levemente aquela região, fechando os olhos junto a ele. Era bom saber que estava sendo correspondida, já que o senti arrepiar ao fazê–lo. Lentamente, ele deu passos pra frente, me forçando a dar passos para trás, ainda o abraçando pelo pescoço, enquanto suas mãos faziam um leve carinho em minha cintura. Delicadamente, ele me sentou na cama, mas não desgrudou seus lábios dos meus, tirando apenas sua mão de minha cintura e sentando ao meu lado, me deitando em seguida, assim como ele. Ele se pôs em cima de mim, mas não fez tanta pressão sobre meu corpo, já que uma mão eu tinha quase certeza de que ele se apoiava na borda da cama. Minhas mãos ainda estavam em sua nuca e fui descendo lentamente por suas costas até onde eu alcançava, enquanto os dedos de Raian tocavam cada parte de meu corpo sob a roupa. Mas quando ele ousou a tocar numa cicatriz um pouco acima da cintura, foi rápido demais, mas eu vi um passado como flash, me fazendo cortar o beijo no mesmo instante.
Eu o olhei receosa, a fragilidade e o medo no olhar enquanto eu tentava acalmar a respiração ofegante.
– Raian, eu... Eu não posso. – eu virei o rosto pra não encará–lo e tentaria me levantar, mas ele não se moveu.
– Só confia em mim. – sussurrou e rapidamente eu o olhei. Seus olhos me passaram a tal confiança, uma confiança que eu nunca tinha notado que ele me passava e no mesmo instante eu tentei um sorriso, mas me lembrando que ele não era quem eu queria que estivesse comigo naquele momento.
Levando meu sorriso como um sim, ele voltou a me beijar enquanto eu lutava contra o medo e tentava confiar em alguém pela segunda vez na minha vida.
's POV OFF
Acordei animado naquela manhã. Tive uma perfeita noite de sonos, até sonhei com anjos! Claro, o fato de saber que provavelmente eu voltaria a falar com ela, me deixava feliz. Desci as escadas cantarolando qualquer coisa e não me dei conta de quem havia acordado ou não. Apenas peguei minha mochila do sofá e sai porta a fora. Caminhei com pressa até o colégio, louco pra vê–la. Tinha praticamente ninguém no colégio, só uns babacas do terceiro ano. Sentei na cadeira de sempre e peguei meu iPod, colocando qualquer música pra tocar. Aos poucos, os alunos iam chegando e novamente recebi sermão de meus amigos. E, novamente, não vou comentar sobre minha resposta a eles. Ela ainda não tinha chegado, e o barulho de porta se batendo me fez olhar para a porta. Mas era o simpático (ironicamente falando) professor de Geografia. Ele cumprimentou a turma como sempre fazia e sentou–se, abrindo o diário em seguida. Ele começou a chamar os números da chamada e quando chegou ao dela, olhei pro lado: ela ainda não havia chegado.
– Ãhn, é o número da . – ouvi a voz do professor em alto e bom som, me fazendo olhá–lo. – Vejamos, hoje é aniversário dela... – suspendi a sobrancelha. Como eu não to sabendo de uma coisa dessas?
– Deve ser por isso que ela faltou... – ouvi uma nerd dizer lá da frente com sua voz terrivelmente fina e irritante.
– Não, acho que não. – o professor fitou–a. – Parece que ela mudou de colégio, foi isso que ouvi hoje de manhã na secretaria, e... – com certeza, ele parou de falar por eu ter batido com força a porta da sala de aula.
Com a mochila caindo dos ombros, fui até o muro mais baixo do colégio, longe de câmeras e longe da visão de Charlie, e o fitei por alguns segundos, tentando arrumar um modo de pulá–lo. Suspirei pesadamente e fui fitando o comprimento do muro, até que, no final deste, tinha uma espécie de arquibancada. Perfeito!
Corri pra lá olhando pra todos os lados, e subi na arquibancada, jogando minha mochila pra fora da escola, pulando em seguida.
's POV
Parabéns pra mim. Fico mais velha e mais idiota.
Eu estava me olhando no espelho da sala fazia uns vinte minutos, até a campainha tocar e interromper minha diversão. Bufei e fui em direção à porta com a pior cara de sono possível e a abri, pronta pra receber um feliz aniversário de minha tia ou de Raian.
– Feliz aniversário. – mas a visão que tive foi a de , com a mochila caindo dos ombros e um ramo de flores ao lado do rosto. Confesso que perdi alguns segundos tentando voltar a respirar e tentando controlar aquele embrulho no estômago, ou talvez, tentando esconder o quão suadas minhas mão estavam.
Ele não sorria, estava sério, ou triste, não sei dizer.
– ?! – finalmente, eu consegui dizer alguma coisa. Mas, veja, perguntei uma coisa óbvia. Quando eu disse que eu estava ficando idiota, eu não estava mentindo.
– Oi... – ele sussurrou, abrindo um sorriso de canto, misturando–se com uma expressão de alívio.
E sem me perguntar, ele se aproximou, afastando as flores a cada segundo, e dando–me um abraço apertado. Fechei meus olhos por sentir seu cheiro novamente, e senti sua mão desocupada tocar minha nuca sob os cabelos, fazendo um carinho naquela região.
– Eu sentia falta do seu toque... – disse–me, ainda me fazendo um pequeno cafuné enquanto minhas mãos estavam o abraçando pelo pescoço.
– , isso me machuca tanto...
Com isso, ele me soltou lentamente, me olhando com o cenho contorcido demonstrando tristeza. Me entregou as flores, que recebi com os olhos no chão.
– Por que? – quis saber, passado alguns segundos. Sua voz saiu um sussurro, e ainda assim, falha.
Não respondi. Eu diria o quê? “Ãhn, é porque sou tão infantil, que quero te ver longe, mas com você dizendo essas coisas, eu não consigo”. Claro que não.
– Tudo bem, – começou, me fazendo olhá–lo, mesmo sentindo minhas bochechas rosadas – se não que dizer, não diz. – e sorriu triste.
– , por favor... – implorei, torcendo pra que ele entendesse o resto da frase.
– , você não sabe o quanto está sendo comp... – ele não terminou a frase, já que outra voz o interrompeu:
– Feliz aniversário, meu amor! – Raian vinha correndo em nossa direção, sorrindo vitorioso. E eu estou começando a achar Raian um cara incoveniente.
se virou rolando os olhos.
– Não é possível! – dessa vez ele não se controlou.
– O quê?! – Raian deixou bem claro um deboche na expressão, parando de correr bem ao lado de .
– Sempre quando quero conversar com ela, você aparece! Mas que saco de moleque! – reclamou com a voz mais alto que realmente o necessário, bufando alto em seguida.
– A namorada é minha, então, foda–se você e tua vontade de conversar com ela – e Raian se aproximou, me puxando pelo braço e, em seguida, me abraçando pela cintura, mas mirando os olhos de fúria que tinha naquele momento.
– , posso conversar com você? – dirigiu–se a mim. – À sós. – olhou significantemente pra Raian, que me apertou contra ele. Lancei um olhar suplicante pra , mas acho que ele não entendeu. Ou fingiu que não entendeu. – Então... ? – murmurou, não suportando minha demora pra dizer alguma coisa.
– Ér... – olhei para os lados, pensando no que fazer. tinha o olhar mais brilhoso que já vi, o olhar mais apagado ao mesmo tempo. Eu queria conversar com ele. Talvez meu presente de aniversário fosse voltar a tê–lo comigo.
– Então tudo bem, . – disse, me fazendo olhá–lo. – Novamente, eu tentei. – e me deus as costas.
– Espera! – falei impulsivamente, me soltando de Raian e parando bem atrás dele. – Eu também... preciso conversar com você. – fechei os olhos e mordi o lábio, pensando bem no que eu acabara de dizer. Nada me impedia, afinal. Ele se virava lentamente.
– Mas eu não vou deixar. – e senti Raian me segurar pela cintura novamente. Nota mental: dar uma surra em Raian.
– Eu disse que você não pode ter controle sobre mim eternamente. – disse–lhe furiosa, mas com o tom baixo.
– O assunto é entre eu – apontou pra si – e ela. – e apontou pra mim. – Se manda, cara! – ele fez um gesto exagerado com as mãos, fuzilando Raian que tinha o ar de superior. – Qual é? Vai dizer que está com medo de levar chifre? Ta com medinho de não ser bom o bastante pra ela? – arregalei meus olhos, fitando meu namorado e receando o que ele pudesse dizer ou fazer como conseqüência do que ouvia. Ele perdia o ar superior lentamente, até que mirava com o mesmo olhar raivoso. – Vê se melhora o teu... – e ganhou um belo de um soco na cara.
– Raian! – gritei–o, já que ele ia em direção ao caído no chão com as mãos nos olhos, louco pra dar chutes nele. E assim ele fez. – Para, Raian! – eu pedia, mas era em vão, já que ele era bem mais forte que eu.
Raian se jogou sobre , e quando ele ia dar um soco nele, eu segurei seu punho, o obrigando a parar. Aproveitando a deixa, conseguiu sair debaixo do meu namorado, enquanto eu o puxava pra longe, tentando segurá–lo e segurar as flores que eu havia ganhado. Mas todo meu sacrifício foi em vão, já que, quando fui notar, vinha em nossa direção, preparando o punho e o acertando na cara de Raian. Ele não caiu, mas provavelmente sentiu dor, já que, juro, eu ouvi o barulho do impacto dos ossos do nariz do cidadão ao meu lado.
Sem deixar passar dois segundos, ele foi pra cima de e eu já não tinha mais forças pra gritar. Aliás, adiantaria alguma coisa? Como sempre, brutos.
Eles começaram uma briga feia; um tacando o outro longe. conseguiu jogar Raian na caixa de correios, enquanto este conseguiu jogar meu ex–amigo sobre o carro do vizinho, estacionado quase na minha porta.
A cena era ridícula, mas me apavorava. Eu tinha medo do que pudesse acontecer com o , eu bem que conhecia os amigos de Raian. O nariz de já estava sangrando, enquanto o rosto de Raian estava arranhado e bem vermelho. Os cabelos de ambos estavam bem mais arrepiados que o normal, e quando eu dei por mim, eu estava sentada na porta de casa, abraçando minhas pernas e com as flores jogadas ao meu lado. Eu sentia meus olhos úmidos enquanto eu via dar um soco bem no meio dos olhos de Raian. Este caiu no chão cambaleando. Segui com o olhar, que vinha em minha direção correndo, e temi o que ele pudesse fazer.
– Você tá legal? – disse, abaixando–se em minha frente. Assenti, me sentindo tremer e estremeci quando ele tocou em meus cabelos. – Estou aqui. – sorriu confiante, tocando em meu braço pra me levantar. Mas ele foi puxado, levando dois socos em seguida, um de cada lado do rosto.
– ! – arregalei meus olhos ao o vir caído no chão, ele não se mexia. Me levantei rapidamente, sentindo minhas pernas bambas e fui até com certa pressa, cambaleando. – , fala comigo, por favor! Me responde! – eu pedia, dando leves tapas em seu rosto, deixando algumas lágrimas cair sobre o mesmo. Mas ele não se movia de jeito de nenhum.
Vinte "...eu fiquei apaixonado por ela."
– , eu não to desmaiado. – ouvi sua voz dizer bem baixa, mas ele não abriu os olhos, ele mal mexeu a boca.
– Mas merecia estar. – e eu ouvi uma voz rouca atrás de mim, me lembrando que Raian estava ali.
– Sai daqui, Raian. – eu disse com raiva, me virando pra ele vagarosamente, ainda com as mãos e o corpo sobre . – Sai daqui!
– ... – ele tentou dizer, com o semblante contorcido em incredulabilidade.
– Eu já disse pra sair. Vai embora, agora! – eu disse com as palavras firmes e autoritárias o bastante pra que ele me desse as costas derrotado e fosse embora, chutando o chão e o ar com força. Me virei pra e ele tinha uma das mãos no rosto.
– Você está bem? – sussurrei a ele, colocando a mão em seu peitoral e o sentindo respirar pesadamente. Ele não me respondeu. – , fala comigo! – o sacudi.
– , me deixa respirar! – disse com a voz falha, rindo fraco e gemendo em seguida.
– , me desculpa! Me desculpa, eu não queria que... me desculpa! – eu dizia, visivelmente desesperada e me sentindo culpada.
– , não precisa se desculpar. – ele tirou a mão do rosto, e fez força pra se sentar enquanto eu o ajudava. – Aquele maldito me paga! – socou o ar. – Wow! – gemeu de forma engraçada, mas não tive vontade de rir.
– , – comecei o puxando pelo braço e o puxando pra cima – fica longe dele, por favor...
– Mas, , ele... – tentou argumentar, levando as mãos no rosto, uma mão de cada lado.
– Sem ‘mas’, . Só faz o que estou te pedindo. – disse, levando minhas mãos ao seu punho e tirando uma das mãos de lá. Provavelmente, ele estava com tontura.
Com muita má vontade, ele assentiu e eu coloquei uma mão em sua cintura, o abraçando e o ajudando a caminhar até a casa. Antes de entrar, me abaixei pra pegar as flores.
– , eu... Eu vou pra casa. – ele disse, tentando se afastar de mim ainda com as mãos no rosto.
– Claro que não! – rebati. – Não vou deixar você ir pra casa sozinho e desse jeito, . – falei, o forçando a entrar em casa.
– Mas... – e eu fechei a porta.
– Shh.
Andei com ele até o sofá e o fiz sentar, colocando as flores sobre a mesa de centro. Passei as mãos pelos cabelos, nervosa por vê-lo sangrando enquanto ele parecia estar com raiva e despreocupado com tal sangue.
Suspirei fundo e o peguei pela mão que estava em seu rosto, tirando-a de lá.
– Me deixa ver. – pedi, me inclinando e vendo que Raian conseguiu deslocar o nariz de , e este sangrava pacas. Fiz uma careta vendo o estrago. – , melhor levar você ao médico. – eu disse, desviando meu olhar de seu nariz e levando-o até os olhos de , me fazendo perder o rumo.
– Não, nada de médico. Eu estou bem, só estou tonto. – disse, me fazendo suspirar. Não adiantava insistir, e eu que não o arrastaria pra uma clínica.
Me sentei ao seu lado, voltando a fitar seu nariz e levei minhas mãos até ele, mexendo-o contra a vontade do dono.
Ele reclamou quando comecei a embalançar seu nariz, consecutivamente, sua cabeça embalançava também. Rindo um pouco, puxei seu nariz pra frente e ouvi um estalo.
– Opa. – e fiz uma careta, largando o nariz dele no mesmo momento. Ele suspendeu a cabeça.
– Parou de doer. – ele fez uma expressão confusa, e eu formei a mesma expressão. – Parou de dor! Obrigada – sorriu radiante, colocando a mão no nariz, mas este ainda sangrava.
– Tá, tá. Vamos ao banheiro. – e me levantei, pegando em sua mão e a sentindo suadas.
Ele se levantou e eu o puxei pela cintura, já que ele estava tonto, e ao sentir seu corpo e seu perfume novamente, os pêlos de meu corpo se atiçaram, mas preferi ignorar. Como sempre.
O senti estremecer, mas ignorei este fato também, o abraçando pela cintura e o ajudando a caminhar até o banheiro.
– Melhor me deixar sozinho. – ele disse quando o soltei, de frente a pia.
– Por que? – suspendi a sobrancelha, cruzando os braços.
– Não vai querer ver tanto sangue. – explicou com um sorriso sob as mãos que tapavam sua boca e seu nariz. Dei um longo suspiro por sua explicação ridícula, mas concordei.
– Tudo bem. Vou fazer um chá. – e o dei as costas, indo em direção a saída do banheiro.
– Eu não vou tomar chá, é coisa de boiola! – eu ouvi, mas ignorei. – Wow, meu nariz, porra!
– ... – ouvi me chamar, e tomei um pequeno susto e logo ouvi sua risada. – Te assustei? – me virei e ele vinha em minha direção com um papel higiênico enfiado no nariz.
– Ai, que horror! – fiz uma careta de nojo, o vendo parar de andar.
– O quê? – quis saber passando as mãos pelos cabelos.
– Esse troço no teu nariz! – me virei, não querendo ver aquilo nem mais um segundo. Eu tinha mais coisas a fazer, como colocar água no chá, pegar remédios, a caneca...
– Deixa isso pra depois. – e eu parei meus movimentos ao sentir que ele colocou as mãos em meus ombros, me fazendo virar pra olhá-lo. – Vamos logo conversar antes que seu namorado chegue.
– , eu não tenho pra te falar, você não entende? – eu tentei manter um tom normal, pra poder ter um clima legal naquele ambiente.
– Não, eu não entendo. – ele quase gritou, tirando sua mão de meu ombro e relaxando-a ao lado do corpo. – Do nada, você me abandonou, . – e ele continuava com o tom de voz alto, fazendo meu sangua começar a borbulhar. – E agora você faz uma música pra m...
– Aquela música eu não fiz pra você. – eu disse firme, mesmo sabendo que era mentira.
– N-não? – ele piscou os olhos algumas vezes, agora o tom de voz baixo.
– Não. – tentei ser indiferente, e ainda embalancei a cabeça pra ajudar na mentira.
– Então... – ele olhou para os lados, as bochechas corando. Me deu uma vontade de rir, mas eu não podia. Não agora. – Eu, eu... – e me deu as costas.
– Aonde você vai? – perguntei alto o suficiente pra que ele me ouvisse.
– Pegar um ar – ouvi muito mal, e ele atravessou a porta da cozinha, me fazendo segui-lo. Ele andava apressadamente até a porta da sala, mas eu fui mais rápido e me pus diante dele.
– Eu disse que não vou deixar você ir embora sozinho e neste estado. – eu disse-lhe, encarando seu cenho assustado.
– Me deixa passar. – tentou um tom autoritário.
– Não dessa vez. – sorri triunfante. Ele suspirou pesadamente, fechando os olhos.
Passados alguns segundos, eu desfazia o sorriso autoritário e ele não abria os olhos. Aproveitei e passei a fitar seu rosto, me perdendo novamente em cada traço.
Eu ouvia sua respiração calma, e parecia que ele estava se controlando, até ele abrir os olhos.
– Me deixa passar, preciso ver a . – ele disse e então eu voltei a realidade, mirando seus olhos.
– Ela não é tão importante quanto seu nariz, . – eu disse, tentando não ofender ninguém.
– Ela é. – ele disse simplesmente. – , – começou, desviando seu olhar para os próprios pés – acontece que... eu fiquei apaixonado por ela. – eu podia sentir minhas pernas amolecer a qualquer momento, mas eu precisava agir naturalmente. O ego falava mais alto, nessas horas.
– Legal, ... – eu disse, tentando um sorriso, o vendo sorrir também. – Q-que... legal. – eu repeti levando meu olhar ao chão, tentando acreditar que realmente era legal ele ter se apaixonado por minha amiga. Se é que eu não tinha consciência disso antes.
– Você acha mesmo legal? – levantei meu olhar, vendo que sua voz saira esganiçada.
– Acho. – sussurrei, tentando um sorriso. – Se você está feliz, eu acho. – e o vi vindo em minha direção, abrindo os braços à medida que se aproximava. Me abraçou apertado, fazendo um carinho em minhas costas, enquanto eu não conseguia de jeito algum retribuir aquele abraço.
– Eu quero minha amiga de volta – disse e senti uma pontada no estômago ao ouvir ‘melhor amiga’. Então tudo que eu estava prestes a dizer iria por água abaixo?
Senti meus olhos molhados, e logo eu retribui o abraço, com medo de que ele me soltasse e visse que meus olhos brilhavam mais que antes.
Me soltei de seu abraço após indeterminados minutos. Só sei que foi bastantes tempo.
Seu cheiro me acalmava de um jeito que eu não conseguiria explicar, seu corpo me trás uma tranqüilidade que eu nunca tive.
E me soltou, mas não ousei a olhá-lo nos olhos.
– Vou ao banheiro. – avisei com os olhos fixos no chão, caminhando com urgência ao banheiro. Eu precisava passar uma água no rosto, ou eu desabaria ali mesmo, tamanho era o sentimento que estava sentindo.
– Ei, espera! – apressei meus passos e eu bati com a porta na cara dele.
Sentei no vaso e agora sim eu podia deixar que aquele nó na garganta se desfizesse sozinho, que através das lágrimas eu podia tirar aquilo que estava me matando, me torturando.
Sim, eu diria pra ele tudo que eu sentia, que depois que eu ouvi a música no auditório, eu tomei coragem pra dizer que eu também o queria de volta, mas não, eu não diria isso a ele. Não sabendo dos meus reais sentimentos e, ainda, que ele é apaixonado por .
– ? – ouvi sua voz chamar baixa e receosa.
– Hm... – tentei não fungar, mas foi impossível.
– Abre a porta... – pediu, ainda naquele tom.
Eu não queria responder, minha voz me trairia. Passei a mão pelos olhos e fui até o espelho, me olhando e vendo os olhos vermelhos. Passei água em abundância e me olhei novamente: estava razoável.
Fui em direção à porta após passar a toalha no rosto e abri a porta: estava sentado no chão com as costas na parede oposta, os cotovelos apoiados nos joelhos, já que estes estavam em 90º com o chão. Ele levantou rapidamente e sem nem dar tempo pra eu reagir, se aproximou colocando a mão em meu braço:
– Está bem? Por que esses olhos? – meus olhos ainda estavam vermelhos?
– Meus olhos? O que tem meus olhos? – arregalei-os, sentindo fazer cafuné em meu braço.
– Eu os conheço perfeitamente. Mas agora estão vermelhos, tristes, frágeis e em dúvida. Não quer me contar nada? – a cada frase, eu arregalava mais meus olhos. Como assim?!
– N-não... – eu ainda o encarava assustada, sentindo arrepios por sua unha arranhar minha pele.
Suspirou pesadamente, me abraçando novamente.
– Vamos tomar chá. – me olhou num tom risonho, e eu sorri fraca, sendo puxada por ele em direção à cozinha com sua mão entrelaçada a minha.
Ele tomou o chá em silêncio, e aquele negócio em seu nariz estava me dando uma vontade tremenda de rir. Por isso, desviei meu olhar pra mesa e desenhei flores invisíveis com os dedos, me divertindo bastante com isso.
– Posso te fazer umas perguntas? – ouvi sua voz firme, e isso me arrancou um bom susto e um arrepio, junto com um frio no estômago, e uma vontade de vomitar. Sem esquecer-se das mãos e da nuca suando e... – ?
– Ãhn? – o olhei rapidamente. – Ah, pode. – dei de ombros, tentando ser indiferente.
– Por que parou de falar comigo? – ele mal deixou que eu terminasse de responder. – Por que me deixou? Por que nunca mais sorriu pra mim? Por que aparece pra mim em pesadelos? Por que diabos você não sai do meu pensamento? – e a cada pergunta seu tom era mais alto, porém desesperados.
– Não sei, – respondi num sussurro, voltando meu olhar pra mesa.
– Você disse que eu podia fazer as perguntas.
– Não prometi respondê-las. – o olhei, na defensiva.
– Você não sabe a resposta de nenhuma delas? – voltou com um tom baixo, eu apenas balancei a cabeça negativamente. – Me promete que não vai deixar de sorrir pra mim? Promete que nunca mais vai aparecer em pesadelos? Me promete que não vai sair do meu pensamento?
– Não me faça prometer coisas improváveis, . – disse-lhe simplesmente, me levantando e indo até a geladeira. Eu precisava disfarçar que minhas mãos suavam.
– Por que são improváveis? – eu sentia seu olhar em mim, mas eu ignorava completamente.
– Não sei. Só não quero que me faça prometer. – bebi água no próprio gargalo, bebendo quase tudo de uma vez só.
– Eu queria te prometer uma coisa, mas... – eu o olhei rapidamente: fitava a mesa da cozinha com um interesse invejável.
– Mas... – incentivei.
– Não, deixa. – e suspirou. – Por que mudou de colégio e não me avisou? – me olhou rapidamente, sua expressão falsamente furiosa.
– Eu precisava mudar de colégio. – disse, voltando minha atenção à geladeira e fechando-a após guardar a garrafa.
– Por que? E por que não me avisou? – havia muita curiosidade em sua voz enquanto eu caminhava em direção à bancada novamente e pegava seu chá.
– Você só sabe perguntar por que? - suspirei, o vendo me encarar, porém sem sinal de que me responderia - Quando eu estiver certa, – recomecei, colocando a xícara na pia – eu conto. – e sorri pra mim mesma, incerta do que estava dizendo, indo em direção a ele que estava de costas para a bancada.
– Certa de quê? – me sentei em sua frente. Eu não pretendia responder. – Me fala, eu preciso ouvir.
Ele mordeu o lábio levemente enquanto eu analisava sua expressão: curiosidade, esperança, medo, ânsia...
Eu não falaria nada. Não por enquanto.
– Eu um dia eu conto, . – e tentei um sorriso murcho.
– Tudo bem. – se deu por vencido dando o mesmo sorriso. – Vamos ver um filme? – alargou o sorriso.
Enquanto ele fazia carinhos em meus cabelos, eu estava deitada em seu colo, pouco prestando atenção no filme que passava. Eu só colocava vinte pipocas de uma vez só na boca, pensando se eu colocaria tudo que estava me sufocando em relação ele pra fora, ou não.
Até que sua voz me tirou do transe:
– Me promete que eu tenho minha amiga de volta? – quis saber, parando os movimentos com os dedos, embora não os tenha tirado de meus cabelos.
– Eu já pedi pra não me fazer prometer, . – minha saiu mais falha do que eu pretendia e, pra disfarçar, coloquei mais um pouco de pipoca na boca. Ele suspirou alto e voltou a fazer cafuné em meus cabelos.
's POV OFF
Senti um vento frio em meu pescoço e logo um arrepio percorreu meu corpo. Abri os olhos, tentando focalizar algo e então lembrei que estava na casa de . Minha vista ainda estava embaçada, mas não hesitei em olhar pra baixo. Ela ainda estava deitada em meu colo, a cabeça virada para a TV enquanto seus dedos apertavam os meus, abaixo da própria cabeça e sobre meus joelhos. Fitei seu rosto com fios azuis espalhados por ele por um tempo e embalancei a cabeça negativamente para afastar alguns pensamentos ousados. Encostei a cabeça no encosto do sofá, fitando o teto por alguns segundos. Meu corpo implorava por ela, mas ao mesmo tempo era ridículo. Ridículo eu achar que estou apaixonado por minha amiga e mais ridículo ainda é brigar fisicamente com o namorado dela. Mais especificamente a parte em que eu levo um soco. Dois socos. Mas isso não vai ficar assim, ah... Não vai.
Respirei fundo, e eu ignoraria completamente a parte em que disse pra deixar o Raian em paz. Ele é namorado dela, mas também vou esquecer essa parte.
Senti ela se mexer em meu colo e voltei a olhá-la: abria os olhos lentamente. Abri um sorriso por vê-la acordando, e logo ela soltou um gemido, acabando com meu sorriso.
- O que foi? – sussurrei, me inclinando sobre ela e vendo seus cabelos alvoroçar levemente devido a minha respiração próxima a eles. Ela teve uma leve reação de susto e levou seu olhar até o meu rapidamente; o olhar confuso.
- Não sei, eu... – pigarreou, devido a voz rouca que tomou lugar de sua voz natural. – Parece que as coisas estão girando... – comentou, voltando seu olhar pra TV, apertando meus dedos. – E tira esse papel higiênico do nariz.
- Ta com fome? Quer alguma coisa? – perguntei sussurrando, ignorando completamente a parte do papel higiênico.
- Não... – murmurou, fazendo um esforço desnecessário para sentar-se, sem soltar meus dedos. Ela gemeu mais uma vez, jogando-se no encosto e, enfim, soltando meus dedos, levando-os até os cabelos e os puxando pra trás com certa força.
- Para com isso... – disse baixo, levantando uma das mãos e fazendo-a parar. – O que está sentindo? – ela deu de ombros, enquanto eu colocava suas mãos sobre suas pernas.
Ficamos alguns segundos em silêncio e eu não sabia o que dizer pra quebrar aquele clima tenso que estava naquele ambiente levemente iluminado pelo sol que já ia embora. A televisão ainda estava acesa, estacionada num canal de desenhos num volume baixo. Encarávamos a TV feito dois autistas e, de repente, senti sua cabeça tombar em meu ombro. Achei que ela estivesse cansada e decidiu descansar a cabeça, mas o modo bruto que esta impactou em mim, me assustou.
- ? Você está bem? – decidi perguntar, olhando-a de rabo de olho. Ela não respondeu. Levantei o ombro levemente e fiquei esperançoso, esperando um tapa no braço ou um resmungo qualquer. Mas ela não se moveu. – ? – chamei um pouco mais alto, embalançando o ombro de forma que não a machucasse. Como ela não respondeu de novo, engoli a seco, chegando pra frente rapidamente e segurando sua cabeça, que caiu em cheio na minha mão. A deitei com calma, colocando seus cabelos para trás. – O que você tem, hein? – perguntei praticamente a mim mesmo, passando as mãos por seus cabelos e sabendo que a resposta seria ''TPM''. Continuei a fazer cafuné em seus cabelos (já estava virando costume ou mania), esperando ansioso pra que ela acordasse. Não tinha nada a fazer, a não ser fitar seu rosto relaxado sobre o sofá.
E de tanto fitar, me perdi em pensamentos. Eu não podia pensar em nada. Mas algo me sufocava, algo me intrigava. Eu queria falar.
Quando ela abriu os olhos, um alívio tomou conta de mim, mesmo sabendo que ela acordaria e logo eu sorri ao que ela me olhou, mesmo confusa.
- Ta sentindo alguma coisa? – sentei na ponta do sofá, vendo suas bochechas corar sem motivo algum aparente, enquanto eu tirava minhas mãos de seus cabelos e as colocava em meus joelhos.
- Não. – sua voz não saiu, apenas fiz leitura labial. – Obrigada, . – ela disse, ainda com o semblante confuso, a voz baixa e evitando meu olhar a qualquer custo.
- Que isso. – tentei um sorriso, mesmo que ela não o visse. – Acho que sua pressão baixou por causa da pipoca. – tentei alguma desculpa, mas a única coisa que consegui foi uma risada baixa e um olhar reprovador.
- É, talvez. – ela disse ainda rindo, mas me pareceu relutante com a própria conclusão em concordar comigo. Ela desviou o olhar novamente.
- Vem, vamos comer. – disse com um sorriso, pegando sua mão sobre a barriga e as senti suadas. – Depois quero levar você num lugar e...
- , hoje não. – ela me olhou suplicante, me fazendo suspirar.
- Por que? Você pretende passar seu aniversário dentro de casa? Preciso tirar aquela má impressão que causei no novo . – a cada palavra minha, suas mãos soavam mais e sua sobrancelha suspendia lentamente.
- Qual má impressão? – entortou os lábios em tédio.
- Ah, a pequena briga com seu namorado e, aliás, peço desculpas por isso. – disse-lhe sincero, mordendo levemente o lábio.
- Sem problemas, – sorriu fraco, voltando a fitar o teto, enquanto suas pernas embalançavam e levavam seu corpo junto. - Vou conversar com o Raian e...
- É o que?! – minha voz saiu mais incrédula e alta do que eu pretendia enquanto minhas sobrancelhas se transformavam em uma só. – Digo, eu...
- , deixa que isso eu resolvo. – ela disse num tom de bronca, e deu tanta ênfase em ‘eu’, que preferi ficar quieto. Afinal, o namorado é dela mesmo.
- Tudo bem. Desculpe. – disse num tom baixo. Eu não queria passar emoção alguma nessas palavras. – E então, pretende passar o aniversário dentro de casa mesmo?
- Não sei, estou com mal estar. – sua voz saiu melancólica e manhosa, me fazendo apertar sua barriga de forma brincalhona, vendo-a se encolher. – Para, . – sorri fraco com a expressão infantil que ela formou.
- Vou fazer um almoço de aniversário pra você. – e me levantei antes que ela dissesse alguma coisa.
- Eu não quero comer, ! – e da mesma forma que ela me ignorou quando falei do chá, eu a ignorei também, indo pra cozinha.
- Amor, a comida está pronta! – disse antes mesmo de entrar na sala.
- Não quero comer, ... – ela ainda tinha aquele tom manhoso, me olhando vagarosamente. E ela formou uma expressão horrorizada. – Me diz que... Me diz que você não chegou perto do fogão com esse negócio no nariz!
- Tsc, vamos logo comer, garota. – eu disse com alguns gestos exagerados, indo em direção ao sofá.
- Só porque você está muito gato com esse avental preto. – ela grunhiu com um cara extremamente sexy, me fazendo desviar o olhar e parar a dois centímetros do sofá, me controlando mentalmente. – Ficou constrangido? – e sua voz tinha uma pitada de deboche.
- Vamos logo comer, garota. – repeti a frase, só que um pouco mais alto. Ouvi sua risada baixa e logo suas mãos abraçaram meu pescoço.
- Eu to brincando, ta? – ela sussurrou tão próximo de meu ouvido, que senti um arrepio que eu já esperava. Precisei fechar meus olhos e me controlar novamente. E ela mordeu minha orelha levemente, me fazendo gemer pelo susto. Mas a sensação era boa. – E só vou comer porque eu gostei do macarrão que você fez há algum tempo atrás.
- Ta, vamos logo comer. – eu juro, juro que eu precisava tirá-la de perto de mim.
Me levantei antes que ela decidisse brincar assim comigo de novo e fui pra cozinha, desamarrando o avental.
- Fica de avental, é bem sexy. – e ouvi sua voz. Ela estava brincando com o fogo.
- , come, por favor. – falei sério, me virando pra ela que se encaminhava para a bancada e joguei o avental sobre a pia. – Me parece que você está melhor agora. – falei com certo deboche.
- Insensível. – disse, sentando-se num dos bancos, de frente ao prato branco, ao lado de outro prato branco. – Tudo bem, não brinco mais assim. – disse despreocupada, pegando o prato e levantando-se novamente. Sua cara me mostrava tédio enquanto ela vinha em minha direção. Ela tirou o papel higiênico do meu nariz e o jogou em meu peito. – Insensível e porco.
- Você já serve pra casar. – ela comentou enquanto me seguia até a sala após comer sem muita paz, já que ela insistia em brincar com as batatas e formar carinhas no prato com a couve.
- Pena que eu ainda não tenho mulher pra casar. – juro que saiu sem querer. Arregalei meus olhos com o susto que tomei com minhas palavras.
- Tem a – ela disse numa simplicidade absurda, me fazendo tossir enquanto me sentava no sofá. Ela deu alguns tapas exagerados nas minhas costas, me fazendo reprová-la com o olhar.
- Cla-claro que não. – falei após cessar a tosse e ela parar de me bater, sentando-se ao meu lado.
- Por que não? – ela ainda tinha indiferença na voz, enquanto sua expressão era levemente brincalhona. E idiota.
- Não me faça perguntas. O que quer fazer agora? – perguntei me encostando, mudando de assunto antes que isso passasse de apenas uma brincadeira.
- Sei lá, dormir. – e eu a olhei incrédulo. – Que foi? – ela me olhou ao notar que eu a observava.
- Dormir? No dia do aniversário? Sem cogitação. – cruzei os braços, a vendo formar um leve bico. Mas esse bico foi se desfazendo aos poucos, dando lugar a uma expressão dolorosa e... confusa. Ela desviou o olhar para a barriga, a apertando com força.
- O que ta havendo? – perguntei preocupado, sem saber como reagir.
- Minha barriga ta doendo demais. – ela disse naturalmente, mas sua expressão só me mostrava dúvida.
- Tá próximo...hm... daqueles dias? – inesperadamente, formei uma expressão de nojo. Mas a desfiz quando ela me olhou. Me analisou por alguns segundos, e mordeu o lábio, dizendo por fim:
- To. – e desviou o olhar pra barriga de novo. – Mas ta doendo demais, .
- É normal, amor. – sussurrei as palavras, me assustando novamente com as mesmas. Mais especificamente, a última palavra.
- É, é normal. – disse como se estivesse convencendo a si mesma e em seguida embalançou a cabeça negativamente.
- Vem, deita aqui. – eu não esperei sua resposta, eu apenas a puxei pelo braço e a fiz deitar novamente em meu colo. Ela não me encarou nos olhos; ela os fechou, colocando suas mãos sobre a barriga e ainda fazendo aquela força sobre ela.
Fiz alguns penteados em seus cabelos, vendo seu rosto relaxar aos poucos.
O barulho de um toque telefônico me assustou. Olhei para os cantos da sala, reconhecendo que aquele toque era meu. Meu olhar parou sobre a minha mochila ao lado da estante da sala e logo eu suspendi a cabeça de de meu colo, a colocando delicadamente de volta no sofá. Corri até a mochila, onde o toque permanecia baixo, mas irritante. Peguei o celular na lateral da mochila e rolei os olhos por vir que era .
- Alô? – atendi num tom baixo, indo pra cozinha pra não acordar .
- Amor? - ouvi sua voz dizer um pouco rouca e baixa, cautelosa. Murmurei um ‘hm’. - Onde você está? - Bom, eu... To... Em casa. – menti, mordendo o lábio com certa força.
- Então por que não atende a porta? - ao contrário do que parece, ela continuava no tom baixo e receoso.
- Tudo bem. Eu não estou em casa. – disse-lhe, me sentando na bancada e puxando o arranjo da mesa pra mim.
- Onde está, então? - perguntou, enquanto eu estava distraído, brincando com o tal arranjo de flores.
- Bom, a faz aniversário hoje e eu vim dar parabéns a ela. – agora, a minha voz que estava receosa.
- Eu... Preciso falar com você. - sua voz falhou, me deixando alerto.
- Aconteceu alguma coisa?
- , vem pra casa agora, por favor. - seu tom tinha tanta súplica, que estava mesmo me preocupando. Mas não estava tão bem, eu não podia deixá-la ali.
- , desculpa, mas não posso sair daqui agora. – me levantei da bancada, decidido a ficar ali com .
- , por favor... - eu podia sentir que ela choraria por seu tom de voz enquanto eu adentrava a sala e estava na mesma posição que eu havia a deixado. - Por favor... - continuou ao vir que eu não respondera nada. Minha amiga respirava tranquilamente sobre o sofá, enquanto minha namorada implorava minha companhia no outro lado da linha. Acho que ela ficaria bem.
- Tudo bem, - comecei, fitando sem piscar. – Estou indo aí.
Coloquei a televisão no volume mínimo e em seguida peguei um papel na mochila, escrevendo com certa pressa:
“Sei que você vai ficar bem.
Precisei ir embora, me perdoe por isso.
Se precisar, me liga.
”
Joguei a mochila no ombro e dei um beijo de leve nos cabelos dela, rumando pra porta em seguida.
A cada passo, eu me culpava por deixá-la em casa sozinha, sabendo que ela não estava se sentindo bem. Mas minha namorada também precisava de mim, eu não podia abandoná-la.
Cheguei em minha rua, e, de longe, pude vir sentada na minha calçada. A cabaça abaixada não me permitia ver seu rosto, já que seus cabelos o tapavam, e suas mãos apertavam uma às outras, numa massagem esquisita. Me aproximei mais, suspirando pesadamente, fazendo-a notar-me ali.
- ! – ela levantou com certo desespero, mas mal pude ver seu rosto e ela me abraçou. Fiquei um pouco confuso, mas retribui o abraço, tirando a mochila de meu ombro com certa dificuldade, já que ela me abraçava com muita força. Ouvi um soluço baixo e pude sentir que ela ficou um pouco mais desesperada com minha presença.
- Calma, ta tudo bem. – me senti na obrigação de dizer isso. De alguma forma, eu não me sentia bem a vendo tão frágil assim. Fiz um carinho em seus cabelos enquanto ela se acalmava; a curiosidade tomando conta de mim aos poucos.
Alguns segundos se passaram e ela resolveu me soltar, mas seus olhos não miraram os meus.
- O que aconteceu? – perguntei, estranhando aquela menina sensível bem a minha frente. Seus olhos estavam no chão, enquanto suas mãos voltaram a fazer a tal massagem nos dedos.
- , eu... Bom, eu... – ela levantou o olhar: seus olhos estavam vermelhos, seu rosto com marcas de choro. – Eu estou grávida.
Vinte e Um " Porque essa ida fez com meu aniversário se tornasse o pior de todos."
's POV ON
A dor no estômago era a pior dor que um ser humano podia sentir, ou, talvez, a pior sentida por mim. As lágrimas escorriam sem controle por meu rosto, deixando marcas e fazendo os pequenos machucados arderem ainda mais. Raian me olhava com fúria e desgosto, mas a raiva em sua expressão era o que mais me assustava, sua respiração estava descompassada, ele andava pra lá e pra cá, enquanto eu juntava forças pra me levantar e fugir dali. Mas eu me sentia pesada e impossibilitada de algo a mais que não fosse respirar e chorar. Minhas pernas não demonstravam nenhum sinal de que estavam a fim de me ajudar e meus pés formigavam de forma irritante e desesperadora. Parecia que um sapato me apertava, que me espremia dos dedos até a sola. Até que os passos daquele que me apavorava vindo em minha direção, me aterrorizou ainda mais; eu ouvia meu próprio choro. Seu bico de fúria se acentuava a cada centímetro próximo a mim e minha respiração se descompassa junto à dele. Quando estava diante de mim, ele levantou uma das mãos, chocando–a contra meu rosto. Mas não senti dor alguma.
Eu apenas acordei. Eu podia sentir o suor escorrer por meu rosto, dando lugar às lágrimas do sonho. Eu estava assustada, e rondei meus olhos pelo resto do cômodo. Eu estava em casa.
Lembrei que antes de eu dormir, me fazia companhia. Cadê ele?
- ? – ouvi minha voz sair praticamente num sussurro. Tentei de novo: – ? – franzi o cenho em dúvida, me sentando e esperando resposta dele, mas eu não ouvi nada além do zumbido que a TV, que estava no volume mínimo, fazia naquele ambiente quase sombrio de tão silencioso. Passei a mão pelo rosto, e ainda pude o sentir molhado; Olhei novamente pra todos os lados, mas nenhum sinal de . De início, achei que sua presença ali fosse apenas um de meus sonhos, mas seu perfume permanecia ali, me levando a crer que ele esteve presente comigo o tempo todo. Me levantei com preguiça, sentindo meu ventre doer de uma maneira estranha, era a maldita cólica. Eu caminhava pelo corredor, a fim de chegar à cozinha, mas o barulho do telefone tocando me fez voltar para atender:
- Alô? – e, novamente, minha voz saiu num sussurro.
- Amor? É o Raian.
- Oi... – eu disse ainda um pouco sonolenta.
- Seu amiguinho ainda está aí? – pelo seu tom debochado, altamente irritante, lembrei da briga que ele teve com . E estava confirmado que antes ele estava lá.
- O que você fez com ele, Raian? – perguntei em alerta, me despertando de repente.
- Calma aí, garota! Eu não fiz nada, não... Quer dizer, então, que ele não está aí? – e ele continuava com aquele tom de me tirar do sério.
- Não... – minha voz saiu trêmula; não sei bem se era o medo ou a raiva.
- Posso dar uma passada aí? – perguntou como se nada tivesse acontecido, como se eu não estivesse com raiva dele. Abri minha boca pra dizer algo que eu não tinha nem pensado, mas ele me interrompeu antes mesmo de eu começar: – Não, não. Melhor. Você passa aqui, pode ser? – sua voz ia se animando aos poucos.
- Raian, eu... – tentaria dizer que eu não estava bem, mas, novamente, ele me interrompeu:
- Te espero aqui, gata. Beijos – e desligou na minha cara. Como assim?
Taquei o telefone longe, murmurando um 'idiota' raivoso. Passei as mãos pelos cabelos, nervosa. Eu não estava a fim de vê–lo agora, eu acabaria com ele. Mas era melhor acabar logo com aquilo. Porém, o fato de ter saído sem me avisar me preocupava. Eu não sabia ao certo o que tinha acontecido, e pra piorar, aquela dor no estômago estava se tornando um enjôo altamente perigoso.
Subi as escadas com certa pressa e abri a porta de meu quarto, indo direto ao armário e pegando minha agenda em seguida. Eu tinha certeza que eu estava com TPM, mas eu queria conferir. Abri na página do calendário menstrual e estava lá: a menstruação teria de descer há quatro dias atrás. Levantei levemente a cabeça, afastando pensamentos malditos e joguei a agenda de qualquer maneira no armário, catando o primeiro All Star que vi na frente.
Peguei minha carteira, eu não podia perder tempo.
's POV OFF
Eu não sei, exatamente, há quanto tempo eu estava sentado na calçada de minha casa, com em meu peito e a mochila ao meu lado, enquanto eu acariciava seus cabelos e pensando em como seria minha vida daqui pra frente com um filho pra cuidar. Pensei, também, em como eu contaria isso aos meus pais, e de forma extraordinária, eu havia apagado da minha mente naquele momento.
Eu apenas lembrei que esta existia quando vi ao final da rua uma garota de saia jeans escura, uma bata branca e All Star da mesma cor, caminhando com pressa e a cabeça abaixada, os cabelos azuis balançando ao vento. Meu coração disparou de uma forma impressionante, de tão impressionante, que assustou a mim; mas não foi somente a mim:
- Não precisava ficar nervoso, amor. Vamos dar um jeito nisso – ouvi a voz de e arregalei meus olhos, lembrando que ela estava com o ouvido apoiado em meu peito, e abaixei meus olhos, beijando o topo de seus cabelos, demonstrando que eu tinha escutado o que ela havia dito. Levantei meu olhar novamente, a fim de ver , e sim, eu a vi. Mas ela estava parada, metros de distância, mas ainda assim eu pude ver seus olhos brilhando, sua expressão dolorosa. De imediato, minha reação foi querer levantar, mas o peso de em minhas pernas me impediram de tal ato.
- O que foi, amor? – eu ainda fitava , a voz da minha namorada estava longe, eu estava num leve transe.
- Eu... Eu preciso ir... Eu... – eu gaguejava, tentando me levantar, mas sem soltar a cabeça de , que tentou me encarar nos olhos.
- Mas eu preciso de você, – sua voz saiu tão melancólica, e tão dramática, que me tirou do transe, me fazendo olhá–la. Ela se soltou, me olhando nos olhos e os seus estavam vermelhos, muito vermelhos.
- Desculpa. – disse baixo, mas ela me entendeu, dando um sorriso aliviado e voltando a acomodar–se em meu peito. Voltei meu olhar a ; eu tentaria me comunicar com ela através dos lábios, mas ela não estava mais onde eu a vi pela última vez.
's POV ON
Eu queria afastar aqueles pensamentos, e eu já estava decidida a terminar com Raian. Mas ele seria o único capaz de me fazer esquecer e . Achei que eu fosse suportar vê–los juntos após tanto tempo sem vê–los, mas, veja, fui fraca. Novamente.
O saco em minhas mãos me faziam temer. Temer tudo: meu futuro, meu amigo, meu namorado. Minha vida.
Eu não queria pensar na pior possibilidade, eu tinha de ser otimista; eu precisava ser otimista. Continuei a caminhar pelos arbustos que achei como caminho pra me desviar da casa de , e quando dei por mim, eu estava em frente a casa de Raian.
Tomei coragem e toquei a campainha, limpando rapidamente os possíveis rastros de lágrimas e em menos de 20 segundos a porta se abriu, revelando um Raian quase bêbado.
- Aleluia, amor! – ele disse, levantando um copo com cerveja ao ar. Seu hálito me deu uma leve tontura, mas entrei e o dei um selinho. Eu precisava agir naturalmente. Ele quem me ajudaria a esquecer um certo amigo. Ele seria minha isca. – Achei que estivesse chateada comigo. – disse, e por um momento eu estranhei aquela frase, ouvindo a porta ser batida atrás de mim.
- O que disse? – mesmo tendo entendido perfeitamente o que ele disse, eu perguntei um pouco confusa.
- Eu dei uma surra no seu amiguinho hoje, está esquecida? – ele disse rindo marotamente, como se o que ele fizesse foi grandes coisas, digno de ganhar o troféu de melhor ser humano generoso.
- Eu não esqueci. Mas quero esquecer. É melhor esquecer pra não brigarmos – disse–lhe caminhando para ao sofá, tentando fazer com minhas palavras soasse suaves, quando, na verdade, eu estava com tremenda vontade de esmurrar meu namorado.
- Você quem manda, gatinha! – mesmo afastada dele, eu pude sentir o cheiro forte de bebida, e bem lá no fundo, um cheiro bem conhecido por mim: maconha. – O que é isso? – quis saber, jogando–se ao meu lado no sofá. – Trouxe comida?!
- Não, não é comida. Raian, eu preciso fa... – quando estava com coragem o suficiente pra conversar com ele, o telefone soou, me fazendo bufar e rolar os olhos.
- Opa! – ele disse animadinho, colocando o copo na mesa de centro e levantando–se rapidamente, indo em direção ao telefone em seguida.
Aproveitei a deixa e fui ao banheiro, carregando o saco e sentindo o olhar de Raian em minhas costas.
Abri aquele pacotinho com certa incerteza. Eu não estaria me precipitando?
Após alguns minutos, eu estava com o resultado em mãos, e, acredite, eu não sabia que emoção era aquela.
- Amor? – ouvi a voz de Raian e desviei meu olhar do espelho, que não sei por quanto tempo me miravam.
- Oi, já estou indo – gritei de volta, amaldiçoando minha voz por sair tão rouca e falha. Joguei tudo no lixo, colocando alguns papéis higiênicos por cima e saindo do banheiro em seguida, sentindo, novamente, aquele cheiro de álcool invadir o ambiente.
Tapei o nariz, com medo do enjôo voltar, e fui em direção a Raian, que estava sentado no sofá, que no ângulo em que eu estava, era de costas pra mim. Sentei ao seu lado, mas mal pude dizer o que eu tinha a dizer, já que ele me cortou. De novo.
- Vamos, vamos! – ele se levantou, apagando a TV com o controle que já estava em sua mão.
- Vamos aonde? – suspendi levemente a sobrancelha, arregalando os olhos.
- O Paul ligou, pediu pra nos encontrarmos perto do Pub. Vamos, vai ser legal. Ele quer te ver por causa do seu aniversário... – ele fazia alguns gestos, ao mesmo tempo em que tentava ficar em pé.
- Raian, temos que conversar. Nós não...
- Está escurecendo, na volta nós conversamos. Vamos? – ele formou um bico, e eu bufei derrotada, me levantando e me dando por vencida. – Aê! Por isso que eu te amo! – e me puxou pela cintura, me beijando o pescoço.
- Tá, agora vamos logo... – é sério, aquele cheiro estava ficando insuportável. Passei por ele, indo em direção à porta.
Pude ouvir seus passos atrás de mim, e logo saímos, indo em direção à rua do pub de sempre.
Enquanto Paul e Loren estavam aos beijos com baseados nas mãos, eu tentava fazer um shotgun com Raian, sentindo a fumaça entrar por meus pulmões aos poucos e me fazendo esquecer alguns problemas. E claro, querer doce.
Pedi a Raian que comprasse doce numa lanchonete qualquer, mas a essa altura ele cheirava a droga e álcool até a alma. Mas mesmo assim, ele disse: 'eu vou, só porque é seu aniversário.' E se eu soubesse, eu não o deixaria ir, mesmo sendo meu aniversário. Porque essa ida fez com meu aniversário se tornasse o pior de todos.
's POV OFF
Vinte e Dois "Fui burra de deixar você nas mãos de outra, quando eu tinha você em minhas mãos completamente."
Se eu tivesse que escrever um diário, todas as páginas teriam as mesmas palavras, já que os fatos se repetem:
”Maldito diário,
Hoje meu dia foi extremamente normal: aula tediosa, pendurada em meu pescoço tentando puxar assunto de todas - e das piores - maneiras possíveis, meus amigos dizendo coisas sem noção em meu ouvido, enquanto eu fico na vontade de levantar, sair daquele inferno que chamam de colégio e falar com a garota mais esquisita da cidade. À noite, me visto de garçom, servindo à imbecís que não têm o que fazer em casa, e quando dá dez da noite, tenho que me controlar pra não falar com aquela garota que sempre aparece de vestido preto, de mãos dadas àquele loiro oxigenado, com um cigarro na mão, com sua pior cara de drogada e os olhos vermelhos. Fico com ciúmes por vê-la tão próxima a ele, e ao mesmo tempo, sinto inveja por vê-lo tão próxima a ela.”
E nesse dia, especialmente nesse dia, eu não tinha tanta certeza de que os fatos iam permanecer, por causa de duas simples palavras:
- Eu abortei. - me disse na maior simplicidade, como se aquilo fosse extremamente normal.
- É o quê? - não controlei o tom da voz, e olhei para os lados em seguida, domando o tom das próximas palavras: - Por que diabos você fez isso? - eu, praticamente, soletrei pra ela que tinha os olhos arregalados, pasma com minha reação. Alguns alunos nos olhavam, mas não se aproximavam. Cada um tinha seus respectivos armários para cuidar.
- Não estava na hora, . Eu... Acho que eu não teria coragem de...
- Como não estava na hora? Agora que você tinha que assumir com suas responsabilidades, você decide abortar? Abortar, ? E pior: sem, ao menos, me consultar ou saber o que eu achava disso! - não me controlei novamente. Meu tom de voz não era alto, porém, tinha raiva.
Ela me olhou visivelmente indignada pelo o que eu disse, enquanto eu passava as mãos pelos cabelos cruelmente, olhando para os lados e tentando controlar, também, a vontade de socar aquela garota.
- Eu não acredito que eu ouvi isso de você, . Você quem é o irresponsável, você quem fez o filho, ent...
- É o que? - olhei pra ela, incrédulo.
- Isso mesmo, ! Qu...
- Quem fez o filho fomos nós dois! - passei a língua pelos lábios, tentando me controlar. Após perceber que eu poderia me descontrolar de verdade, acabei dando-lhe as costas, pensando num modo de sair daquele colégio infeliz.
- ! - ouvi sua voz e aumentei meus passos, logo a vendo no meu campo de visão. - , você não pode me deixar assim, só por causa disso! O que vão pensar de mim, ?! - parei de andar no mesmo momento.
- Então sua preocupação era sua reputação? Uma maldita reputação? Eu, realmente, me enganei em tudo sobre você!
Como não pensei em nada pra conseguir sair do colégio, eu fui pra minha sala mesmo, carregando aquela merda de livro nas mãos, me levando a pensar que eu era um nerd.
Eu tinha meus pensamentos longes, eu não acreditava que ela tinha abortado. Tudo bem, eu não queria um filho no auge da minha idade, mas ela não podia fazer isso sem me avisar.
Batendo com a perna no chão insistentemente, furioso com cada atitude daquela garota (a pior delas é se preocupar com a porra de uma reputação), ouvi a voz de , me fazendo sair do transe:
- Vejo que a conversa com ela não foi lá muito legal, uh? - o olhei vagarosamente e e sentavam-se na minha frente, enquanto o dono da voz passava pra sentar-se ao meu lado.
- Ex-namorada. - frisei bem o 'ex', desviando meu olhar pro quadro e batucando meus dedos na mesa inquietamente.
- Uh, então foi péssimo. - ouvi sua voz dizer, bem ao meu lado. - O que houve pra levar a terminar com a 'garota mais hot do colégio'? - ele decidiu mesmo zombar numa hora dessas? Contei até dez, respirando pesadamente. - Ela é a mãe do teu futuro filho, mesmo você n...
- Ela abortou, - comuniquei enquanto embalançava as pernas freneticamente.
- Ow! - arregalou os olhos. - Por que cargas d'água ela fez isso?
Dei de ombros, voltando minha atenção ao quadro. e brincavam de brigar, enquanto a sala enchia aos poucos.
- E agora? O que vai fazer? - ouvi novamente e me virei pra ele.
- Não vou fazer nada. Que se foda ela e sua reputação - bufei pesadamente, dando um soco de leve na mesa.
- Reputação? - ele arqueou as sobrancelhas, confuso.
- Ela me disse: 'O que vão pensar de mim, ?'. - tentei imitá-la na frase que ela usou, fazendo gestos e afetando a voz, mas só fez rir e eu bufar.
- Mas você gostava dela? - quis saber, perdendo o riso aos poucos.
- Sei lá - minha resposta foi imediata.
- Então por que estava com ela, babaca? E por que está nervoso por isso?
Me virei pra frente lentamente, levando meu olhar pra mesa e pensando sobre isso. Acho que, na verdade, eu estava nervoso por outros motivos e acabei descontando nela. Eu gostava de beijá-la e estar com ela, mas eu sabia que era temporário.
O professor deve ter chegado e eu não notei, eu apenas pensava em . Eu apenas pensava em .
Pensamentos completamente diferentes. Elas mal se falavam agora por causa de um maldito pedido de namoro. Até hoje não entendi muito bem a reação de em se afastar de mim desde o dia em que dei a tal notícia; ela, como amiga, deveria ficar feliz por mim, mesmo eu não estando lá muito feliz com isso. Mas não foi isso que aconteceu: ela, simplesmente, se afastou. Tanto, que saiu do colégio, fato que nunca se passou por minha mente. Afinal, ela é sobrinha da diretora, eu nunca achei que esta fosse permitir que a sobrinha se afastasse. De qualquer forma, eu estava mais puto por ter começado uma coisa pensando que eu ficaria bem quando, na verdade, piorou.
Minha raiva foi passando aos poucos e não notei que a aula havia se passado. Passarei a pensar mais vezes, só assim eu não preciso ouvir as vozes irritantes dos professores e dos babacas dos meus amigos.
- Não vai descer?
- Não, - respondi ao cidadão que estava em pé ao meu lado, pronto pra sair de sala saltitando com os outros dois que estavam me analisando de braços cruzados, sérios.
- Então tudo bem. - se virou. - Espero que o Charlie não te veja aqui. - disse, me fazendo lembrar que não podia ficar. Saco!
Rolei os olhos me levantando, e peguei minha mochila nas costas da cadeira, já que eu nem peguei meu material dentro da mochila e caminhei pelo corredor, vendo que meus amigos já haviam saído.
Sai de sala e olhei para os lados: ninguém.
Eu não estava com a mínima vontade de falar com ninguém agora, eu só precisava relaxar e esquecer que namoros e garotas existem. Fui em direção ao corredor de entrada, o único lugar que, provavelmente, ninguém me incomodaria. Me sentei num daqueles bancos bufando alto, jogando minha mochila ao meu lado e encostando minha cabeça na parede, fechando meus olhos em seguida.
Peguei os fones do celular na lateral da mochila e abri os olhos pra poder ligá-lo. Mas parei meus movimentos com as mãos ao vir no final do corredor aquela garota caminhar sobre as rasteirinhas em minha direção. Pra mim, foi como se tudo estivesse em câmera lenta. Que idiota.
Seus cabelos embalançavam de acordo que ela andava, suas pernas descobertas por causa do simples short branco que ela usava, era da mesma cor de sua blusa larga escrita sobre os seios 'But Life So Bitch, And So Are You' e uma bolsa caída diagonalmente em seu tronco. Ela não usava maquiagem, apenas brilho nos lábios e uma leve camada de lápis nos olhos.
Estava extremamente diferente e linda.
Engoli a seco quando ela chegou próximo demais, e me peguntei internamente se aquela frase ridícula na sua blusa uma indireta. E ela entrou na secretaria.
Seu idiota, quem te disse que ela viria na sua direção e falar com você?
O barulho da porta de vidro se batendo, me fez piscar os olhos algumas vezes, só pra eu me certificar que eu não estava sonhando.
Bati com a mão na testa algumas vezes. Eu queria acordar, mas ao mesmo tempo eu não queria estar num maldito sonho. Embalancei a cabeça negativamente algumas vezes, tentando afastar cargas negativas e, com pressa, peguei meu celular de vez, não deixando de inclinar o corpo sobre o banco pra dar uma olhadinha na secretaria. Mas não dava pra ver nada, só se eu ficasse bem de frente a sala, aí sim.
Suspirei derrotado e voltei a me sentar como gente, enfiando os fones de qualquer maneira nos ouvidos, escutando as primeiras notas de Mr Brightside de Queen tocar. Encostei a cabeça na parede, fechando os olhos e abrindo um sorriso verdadeiro e idiota por, pelos menos agora, eu estar fazendo alguma coisa que me deixe em paz.
Mas minha paz acabou em segundos:
- Oi... - ouvi uma voz dizer abafada pelos fones, e abri os olhos rapidamente, receando que fosse ela. Antes fosse ela. Tirei os fones, bufando, e encarei sentada ao meu lado, com minha pior cara de 'pouco interessado no assunto'. - , - ela fitou os dedos e eu voltei a encostar a cabeça na parede, fechando os olhos - eu queria te pedir desculpas pelo o que aconteceu, eu só estava insegura e essa foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça, eu... Eu queria te avisar, mas eu estava desesperada e... Me...desculpa. - me pareceu sincera. E só pra não causar constrangimentos, eu, simplesmente, assenti. De maneira fria, mas assenti. - Posso... Abraçar você? - sua voz era receosa e instantaneamente, arqueei a sobrancelha, abrindo os olhos em seguida. A olhei significantemente e desfiz minha expressão confusa ao vê-la morder o lábio levemente com as bochechas coradas. Bem coradas. Assenti novamente e então ela abriu um sorriso no canto do lábio, se aproximando e me dando um abraço. Ouvi seu suspiro bem próximo de meu ouvido, mas a calma que este ato me passou, foi substituída por um zumbido por ouvir gritar bem próximo de meu ouvido:
- ?! - ela me soltou e eu senti um frio infeliz no estômago por ouvir esse nome. Rapidamente, ela se levantou com um sorriso, enquanto eu a seguia com o olhar.
Ela foi em direção a uma parada na porta da secretaria, parecia estar num transe que, nem com o peso de em seu colo, parecia ter despertado-a. Fitei o chão, eu sabia que ela me mirava.
- Menina! - desceu do colo de , provavelmente, por notar que esta, ao menos, havia a segurado pela cintura. - Nunca mais te vi, que saudades, o que aconteceu com você? Por que saiu do colégio? Como é o novo colégio? Tá pegando algum gatinho? Aparece aqui mais vezes! - eu ouvia tagarelar enquanto eu fingia procurar alguma música no celular, sem obedecer ao comando de meu cérebro em olhá-la.
- Ér, eu... Bom, eu... Ai, ... - ela gaguejava, então eu levantei meu olhar e ela desviou o dela rapidamente, já que parecia que ela me fitava e então ela passou as mãos pelos cabelos, suspirando pesadamente. - Eu tenho que ir. - e deu as costas para a .
- Ei, espera! - e lá foi a gazela saltitando atrás da menina. Esta nem olhou pra trás, apenas apressou seus passos em direção ao portão.
Quando chegou ao destino, minha voz interna implorava pra que eu fosse até ela, mas eu não me mexia, apenas a observava. disse alguma coisa pra que a fez virar rapidamente com uma expressão confusa. Engoli a seco quando ela olhou em minha direção ainda com aquela expressão confusa e, novamente, desviei meu olhar, me sentindo idiota por não conseguir encará-la. Na verdade, eu preferia estar encarando-a do que ter que revelar a ela que esteve grávida. Parecia que eu sabia o que ela sentiria.
Fitei o outro lado do corredor por ouvir passos e lá vinha Charlie andando com certa pressa e a expressão enigmática.
- Senhorita ! - chamou, passando diante de mim e indo em direção a minha ex-namorada. - Poderia fazer o favor de... ?
Embalancei a cabeça nagativamente, voltando meu olhar ao celular. Eu sabia perfeitamente a expressão de poucos amigos que tinha agora e ri fraco ao levantar meu olhar e a vir rolando os olhos, formando a tal expressão.
Durante alguns minutos, eu ouvia os zumbidos de sua voz, me fazendo imaginar milhares de possibilidades de chegar lá e entrar no papo, mas seria ridículo demais.
Até que a voz de me tirou do transe:
- Que inferno! - ela passava por mim, indo em direção às escadas do corredor que dava no corredor dos armários.
Entortei os lábios em tédio e voltei meu olhar aos outros dois. Charlie abria o portão, e olhou rapidamente pra trás sobre os ombros: suas bochechas coradas e o olhar mais confuso que já vi.
Charlie disse-lhe alguma coisa e ela voltou a olhar pra frente vagarosamente, saindo do colégio em seguida. E mais uma vez, eu a deixei escapar.
Mas eu tinha certeza de que não era por muito tempo.
Eu perdi a noção de quanto tempo eu fiquei calado durante o dia. Eu sentia necessidade de falar, eu já começava a sentir gosto ruim na boca; mas eu não sentia vontade de falar.
Para os clientes, eu apenas dava um sorriso forçado que eu achava o suficiente, afinal, meu trabalho não era mostrar os dentes a ninguém. Eu não me importava o que eles achariam de mim. Pelo contrário: sorrir demais podia até causar transtornos, se é que me entende.
Joguei aquele drink pro alto pela quinta vez naquele malabarismo inútil e fiquei caolho na tentativa de me certificar se eu estava vendo novamente ou se era coisa da minha cabeça, por tanto pensar nela.
Segurei a garrafa com força pra que ela não caísse e passei a fitar aquele ponto de entrada, onde aquela garota entrava de short preto muito curto pro meu gosto, uma blusa larga e caída nos ombros da cor roxa escura, um colar prateado com um pingente enorme que identifiquei ser uma gata. Seus cabelos escorridos, deixavam pouco amostra as argolas médias que ela usava e seus olhos brilhavam, brilhavam demais. Estava sozinha, e logo tinham alguns babacas puxando os cabelos dela, ou até babando descaradamente na garota.
Uma voz grossa e irritante me tirou do transe:
- Dá pra ser mais rápido, meu amigo? - olhei rapidamente para o dono da bebida que eu preparava e tentei meu melhor sorriso, sem deixar de olhar discretamente para onde ela caminhava, mas ela havia sumido.
Exatamente, eu não sei há quanto tempo eu estava preparando os drinks, procurando com o olhar a dona do olhar mais indecifrável que já vi na vida, me perguntando porquê diabos eu ainda me preocupava em achá-la. Não que eu achasse que ainda estávamos brigados, mas seu olhar me dizia 'mantenha-se afastado'.
Até que começou a tocar músicas mais agitadas, deixando o bar um pouco mais vazio, já que as pessoas levantavam e iam dançar. Coloquei as mãos no bolso do avental, torcendo pra que ninguém venha pedir bebida a mim, logo a mim. E senti minha nuca suar ao vê-la de longe, mas eu não sorri: ela dançava com um cara. Rolei meus olhos, me mandando pro inferno por ter procurado ela por esse tempo e logo tinha um cidadão na minha frente, sorrindo feito boiola pra mim. Eu dei só um sorriso amarelo.
Eu já tinha visto beijar dez caras naquela noite. Dez! E a cada beijo que eu via, minha raiva aumentava. Não sei dizer se eu tinha raiva por vê-la com outro cara, ou se era por que ela era aquela garota 'com medo de homens por ter um passado trágico'. Trágico é o cacete! Aposto que está traindo aquele oxigenado filho da puta.
E quando eu não a via, eu também não sei dizer se eu tinha mais raiva por pensar que ela estava beijando outros caras, ou até fazendo algo mais, porque o modo em que ela beijava, na boa, era deplorável. Só faltavam se comer no meio da pista.
Meus músculos relaxaram quando eu a vi se sentando numa das mesas próxima ao bar. Eu não sabia ao certo se ela já tinha me visto, ou se, ao menos, ela sabia que eu trabalhava lá. De longe, eu via que a cada instante chegava mais bebidas à sua mesa, junto a bilhetes entregados a ela por alguns garçons. Ela os rasgava e deixava picados no chão. Eu tinha uma vontade imensa de duas coisas: mandar o remetente do bilhete e da bebida pra puta que o pariu, e de mandar um bilhete a ela, sendo excluído da minha primeira vontade.
Era visível pra qualquer um que aquela garota estava bêbada, já que ela conseguia cambalear até sentada. Acrescentando mais um item à minhas vontades: ir lá e aconchegá-la. E outra vontade: de me matar por ser tão sensível e idiota quando o assunto é ela.
O cara à minha frente já reclamava na minha demora pra fazer aquela bebida azul, já que eu fitava de longe que quase batia com o queixo na mesa, segurando fortemente o copo pela metade.
's POV OFF
O cigarro se apagava aos poucos no cinzeiro, eu já sentia meu corpo amolecer, eu precisava de minha cama o quanto antes. Mas, ao mesmo tempo, eu queria aproveitar aquela noite. Última noite. Parecia que o copo em minha mão iria quebrar a qualquer momento, tamanha a força que eu o apertava, decidindo se eu bebida ou não. Meu corpo apelava por mais, mas eu estava sozinha e teria que ir embora sozinha. Sozinha e bêbada pelas ruas quase desertas? Fora de cogitação.
Meus olhos giravam, minha cabeça doía e minhas pernas começavam a se anestesiar, eu já não as sentia mais. Não por completa. E então minhas mãos afrouxaram o copo, meu corpo amoleceu por completo sobre o banco de couro, minha cabeça caiu inclinada sobre meu ombro. Eu já não via mais nada.
Após minutos incontáveis, eu senti uma mão quente tocar meu braço estirado sobre a mesa próxima ao copo, me fazendo sentir um arrepio estranho, mas que eu já conhecia por sentir aquele toque por várias vezes.
A mão subiu vagarosamente por meu braço até tocar meu ombro, onde senti ser pressionado como uma espécie de massagem.
- Vamos, acorda. - aquela voz macia ecoou bem próximo de meu ouvido, mas eu não tive reação alguma.
Eu queria encontrar o caminho das cordas vocais e dizer pra ele se afastar de mim, já que era o que eu tentava fazer há tempos. E eu precisava disso agora, mais que nunca. Achei que se ele ficasse longe só por hoje, as coisas a partir de amanhã fosse bem mais fáceis pra mim.
E eu sabia exatamente porque eu me sentia assim. Só não irei ter oportunidade de contar a ele.
's POV OFF
Sentei-me ao seu lado, afastando aquele cigarro que estava quase apagado, e tirando o copo de perto dela. Com um pouco de dificuldade, já que suas costas estavam encostadas no banco de couro marrom, eu passei meu braço por seu tronco, tocando o outro lado de seu corpo e então eu toquei sua cabeça de leve, pra que ela caísse em meu peito. Outra dificuldade: arrastar uma bêbada desmaiada pelo banco, já que não dava pra levantar por causa da mesa presa ao chão. Mas até que não foi difícil, já que ela estava com o corpo leve e me levantei, pegando-a no colo e indo em direção a saída do pub. Dane-se meu emprego.
Passei sem ser barrado pela portaria, já que os caras me conheciam, e sorri forçado pro segurança, olhando significantemente pra ele e pra . Ele assentiu e eu sai, olhando para os lados e pensando no que eu faria. Lembrei que perto, praticamente ao lado do pub, havia um jardim com alguns bancos na calçada. Fui pra lá com certa pressa, talvez o vento fizesse bem a ela. Deitei-a no banco e me ajoelhei ao seu lado, passando a mão por seu rosto em seguida.
- , eu sei que está me ouvido. - comecei, pensando na idéia de dizer tudo pra ela que eu pensava agora. Mas seria covardia demais. Passei a mão por sua bochecha levemente, mudando de idéia. - Vamos, acorda. Eu... queria...tanto conversar com você agora. Eu queria te contar e te explicar tanta coisa... Por favor, acorda... - continuei com uma voz fraca, que eu cheguei a pensar que ela não acreditaria em minhas palavras.
Passei a mão por sua testa, parando em seus cabelos e os colocando atrás da orelha, notando que havia um sorriso sincero em meus lábios. Ela se mexeu, fazendo meu sorriso aumentar e ,lentamente, ela abriu os olhos, revelando-os vermelhos e isso me fez lembrar que ela estava na TPM de novo.
- , - começou, tossindo novamente e se sentando, evitando meu olhar a qualquer custo - obrigada, mas vai embora.
- Você já me disse isso uma vez. Mas não vou te deixar, não agora que eu tenho a oportunidade de dizer tudo e...
- Vai embora!! - com essa reação, ela me assustou mais. Ao notar, ela diminuiu o tom de voz nas próximas palavras: - Não estou sendo ingrata, - sua voz falhou, ela olhou pro chão e seus cabelos embalaçavam na direção do vento - eu só quero você... - engoliu a seco - fique longe de mim.
- Posso... ao menos... saber porquê? - tentei ser firme, mas minha voz saiu num sussurro.
Ela apenas embalançou a cabeça negativamente. Soquei o ar com raiva, e ela querendo ou não, eu diria tudo que estava me sufocando.
- Pra mim, você era a garota mais perfeita que já conheci. Estar com você me deixava bem, me deixava calmo, me deixava com uma sensação que eu nunca senti na minha vida. Era diferente, era esquisito, era novo, mas era bom. E... do nada, você decidiu sair da minha vida, sem ao menos me dar explicações! Simplesmente, me abandonou. E eu que um dia achava... - suspirei derrotado, eu não falaria isso a ela. - Os dias que você ficou longe de mim, acredite, foram os piores pra mim. Não sei de onde tirei coragem, nem sei de onde eu arranjei essas palavras, mas você é a garota mais incrível pra mim. Te ver longe me doía, e eu não sei de onde eu tirava tanta vontade de ir pro colégio. Até que o dia em que você decidiu parar de olhar na minha cara. Descobri que eu tinha vontade de ir ao colégio pra vê-la, somente vê-la ou estar perto de você, e depois de nunca mais falar uma palavra sequer com você, eu também descobri que eu não tinha mais vontade de ir ao colégio só pelo fato de saber que você estava lá, mas que não trocaria uma palavra comigo. Ou por saber que eu te veria fumando ou dormindo durante as aulas. Por saber que eu te veria mal. E arranjar uma namorada... ha, foi só pra eu esquecer ou tentar, uma garota completamente diferente, uma garota que me fez ver o mundo de outra forma, ou talvez usá-la como exemplo quando eu for fraco. Mas... olha pra você, , olha no que você se transformou, olha o que você é agora. - ela pôs as duas mãos nos ouvidos, e eu a ouvi dizer algo como 'para, para' até que isso ficou audível:
- Para, para, ! - ela ainda não me encarava, apenas embalançava a cabeça negativamente. Mas ignorei, aumentando um pouco mais o tom de voz:
- Você... está linda! - tirou as mãos do ouvido, colocando-as sobre as pernas e batucando-as com os dedos. - Mas... não é aquela garota que eu me apeguei, não é a que sempre me surpreendia. Não é garota que... desde sempre... eu sou louco. - ri fraco, nervoso pelo fato de estar dizendo tudo isso a ela. Nunca na vida eu desejei que essa garota chorasse; somente agora. Eu sabia que eu podia estar magoando-a, mas eu queria dizer o que também estava me sufocando, e só chorando, eu tinha a certeza de que ela estava me ouvindo e que estava, de alguma forma, 'sentida' com isso. - Mas, mais uma vez, acredita em mim. Eu ainda tenho esperanças de que ela, aquela menina doce e rebelde, linda e atraente mesmo usando roupas pretas, ela vai voltar. - levei minha mão com receio até seu rosto, onde uma parte da franja insistia em tapar seus olhos que ainda estavam no chão. - Até lá, eu espero. Eu ainda espero. - fiz um leve carinho em sua bochecha, tirando minhas mãos de lá rapidamente.
Ela não teve reação nenhuma. Novamente, suspirei derrotado e fechei meus olhos levemente por achar que tudo que eu disse foi em vão. Eu, ao menos, ouvi um soluço, nenhum índice de que ela estava chorando. No que transformaram a minha garota?
Dei as costas, torcendo pra que ela ficasse bem, e com as mãos no bolso da calça eu rumei em direção a uma praia que ficava não muito longe dali. Eu sabia de todos os riscos de que eu estava correndo por estar na rua às três da manhã, e sabia os riscos que tinha por estar sozinha e bêbada. Ela não está completamente bêbada agora, mas ainda assim, ela tinha álcool no sangue. Também não me importei com meu emprego.
Mas eu precisava descansar e pôr meus pensamentos em ordem, ou ao menos ficar um pouco sozinho, já que eu sabia que se eu fosse pra casa, eu rolaria na cama o resto da madrugada, mas não dormiria. Afinal, eu estava sem sono.
Caso eu dormisse, eu teria pesadelos.
Me sentei na areia e coloquei as pernas de forma que meus joelhos ficassem no ar e desse pra apoiar o cotovelo neles. Fitei o mar por alguns instantes, sentindo meu cabelo embalançar de acordo com o vento e ouvindo o barulho das ondas do mar. Passei a fitar a lua e nela parecia que tinha o rosto de . Ri fraco com isso, estou começando a ficar ridículo quando penso nela.
Sem tirar meus olhos da lua, me deitei e larguei os braços na areia, sem me importar se minha roupa sujaria ou não. Fechei meus olhos e eu estou ficando louco, já que eu sentia o cheiro de sendo trazido pelo vento. Não me importei com isso também, eu apenas procurei aproveitar melhor aquele aroma que me fez sorrir, mesmo sabendo que não era ela, mesmo sabendo que era só uma ilusão por pensar nela por tempo demais.
- Sabe aquele trato de nos vigiarmos? - ouvi sua voz bem próxima a mim e quando eu ia abrir meus olhos, decidi deixá-los fechados, rindo pelo nariz e assenti, sorrindo. - Acho que ainda está de pé. - a voz me parecia bem real, e então eu abri os olhos, vendo que ela estava sentada na mesma posição em que estava antes, mas entre meu tronco e meu braço estirado na areia, de frente pro mar. Seus cabelos embalançavam, assim como a blusa e senti vontade de me levantar, mas sua voz ecoou novamente, me fazendo mudar de idéia: - Preciso te pedir desculpas.
- Vo...
- Eu tenho coisas a dizer também, . - disse firme, sem olhar pra mim nenhuma vez.
Senti uma coisa estranha dentro de mim, ao ouvir, e me sentei. Meu olhar demonstrava preocupação, assim como meu tom de voz:
- O que houve? - e minha voz falhou. Merda, merda, merda.
Ela cruzou as pernas e prendeu os cabelos num coque frouxo, e quando terminou, ela não me olhou, mantinha os olhos fixos nas ondas do mar.
- Pra mim, você também é um garoto incrível, . Te conhecer foi algo inesperado, e só de pensar que eu queria te afastar, me faz querer... Acontece, que... isso tudo era novo demais pra mim. Eu estava insegura, eu nunca tive um amigo - frisou bem -, então eu tinha muito medo de me apegar demais e virar uma dependente. De você. E foi o que acabou acontecendo. Eu já não sabia mais o que era meu dia sem teu cheiro, eu já não sabia mais o que era meu dia sem te ver, eu já tinha esquecido completamente da minha vida tediosa de antes de conhecer você. Eu queria poder confiar mais em você, . Eu queria acreditar em todas as suas palavras, eu queria ter esperanças que um dia nunca mais brigaríamos, porque me doía brigar com você, me doía também pensar que você não era quem parecia ser quando você me dizia coisas sem noção, quando você me magoava. E quando você disse que estava namorando com minha amiga, eu achava que eu não sabia o que eu estava sentindo, eu comecei a me descontrolar de todos meus atos, e achei que a única solução fosse tirar você de vez da minha vida. Achei que eu não tinha mesmo nada a perder, já que eu brigava com você. - riu fraco. - Quando, na verdade, eu sabia de tudo. Eu conseguia esconder isso de você, eu conseguia esconder isso de mim, . Mas hoje, especialmente hoje, eu tenho que dizer pela primeira e última vez que isso é amor. - riu fraco de novo. - Amor. Quem diria que uma menina como eu sentia amor e pelo amigo. Mas eu quero que você também acredite em mim, que tudo que eu fazia era pra ver, nem que fosse ao canto dos lábios, um sorriso seu. E fui burra demais pra te perder, te deixar escapar. Fui burra de deixar você nas mãos de outra, quando eu tinha você em minhas mãos completamente, mesmo sabendo de tudo que eu sentia. Mas me faltava segurança, me faltava alguém pra dizer que sentia o mesmo, me faltava ter certeza de que eu era correspondida. E ouvir que você estava namorando com a , fez meu mundo cair, me fez ver que realmente eu te amava. E que nunca eu deveria ter sido infantil e deixar você. Ouvir um 'eu fiquei apaixonado por ela' me doeu tanto... que eu decidi que eu ficaria melhor sem ser, ao menos, sua amiga. - e ela se calou. Eu sentia meus olhos úmidos, e era isso mesmo? Ela estava mesmo se declarando pra mim?
- Achei que você me conhecesse como a palma da sua mão - disse-lhe com descrença, ainda em choque com tudo que ela disse.
- E eu conheço, . - juntou uns dedos aos outros e os apertou com força, fitando-os. - O tempo que passei com você foi tempo suficiente pra que eu conhecesse cada expressão sua, cada sorriso que você dava, cada olhar que você me lançava e cada tom de voz que você usava. - disse com tanta certeza e com pequenos gestos, que me fez acreditar em suas palavras por um momento.
- Então quando eu disse que estava apaixonado pela , eu tenho certeza de que você vacilou e deixou de analisar minha expressão infeliz, você deixou de fitar minha falta de sorriso ou não reparou no sorriso triste que eu dei quando você me olhou após ter te dito isso, você não notou meu olhar fosco, você não reparou no tom da minha voz. - a cada palavra que eu dizia, ela me olhava vagarosamente. Quando seu olhar estava completamente em mim, eu continuei: - Eu não estava apaixonado pela . Porque eu sempre fui apaixonado por outra garota. Ela me deixou, mas eu não deixei de continuar louco por ela. - sorri de canto, querendo que ela me entendesse, então notei seus olhos úmidos. Ela, finalmente, choraria. Mas, agora, eu não queria. Ela desviou o olhar, deixando uma lágrima escorrer antes de perder meu rosto de vista. - Sabe de quem estou falando, não sabe? - claro que ela sabia. Cruzei minhas pernas, voltando meu olhar ao mar, e se me perguntassem que música eu cantaria agora, seria You and Me ( Life House ).
- What day is it and in what month? This clock never seemed so alive. I can't keep up, and I can't back down. I've been losing so much time.
(Que dia é hoje e de que mês? O relógio nunca pareceu tão vivo. Eu não posso prosseguir, e eu não posso desistir. Tenho perdido tempo demais)
Ouvi sua risada baixa, me fazendo rir fraco, e escutar sua voz em sussurros:
- Cause it's you and me and all of the people with nothing to do, nothing to lose. And it's you and me and all of the people, and I don't know why
I can't keep my eyes off of you.
(Porque somos você e eu e todas as pessoas com nada para fazer, nada para perder. E somos você e eu e todas as pessoas, e eu não sei por quê não consigo tirar meus olhos de você.)
Continuei cantando, me sentindo um idiota:
- All of the things that I want to say just aren't coming out right. I'm tripping in words, you got my head spinning. I don't know where to go from here.
(Todas as coisas que quero dizer não estão saindo direito. Viajando em mim mesmo, você deixou minha mente girando. Eu não sei pra onde ir aqui.)
E cantamos juntos, apenas o barulho do vento e das ondas e de nossa voz interferia no silêncio:
- Cause it's you and me and all of the people with nothing to do, nothing to lose. And it's you and me and all of the people, and I don't know why
I can't keep my eyes off of you.
(Porque somos você e eu e todas as pessoas com nada para fazer, nada para perder. E somos você e eu e todas as pessoas, e eu não sei por quê não consigo tirar meus olhos de você.)
- There's something about you now I can't quite figure out... (Existe algo sobre você agora que não consigo compreender completamente.) - continuamos juntos num sussurro.
- Everything she does is beautiful... (Tudo o que ela faz é bonito.)
- Everything he does is right. (Tudo o que "ele" faz é certo.).
Rimos baixinho juntos, parecendo dois pré-adolescentes sem saber o que fazer pra cortar o clima, até que ela mesma o cortou:
- É, eu sei sim de quem você está falando. - disse num tom divertido, porém baixo, abaixando a cabeça.
Abri um sorriso de orelha a orelha, sentindo meu estômago revirar e fitei o sorriso no canto de seu lábio, mas murchei o meu quando vi uma lágrima escorrer. Sem medo, aproximei minhas mãos de sua bochecha corada e passei meu polegar ali, limpando os rastros que aquela maldita lágrima havia deixado. Minha mão tomou rumo de sua nuca, indo parar do outro lado de seu corpo e me arrastei pra bem perto dela, sentindo seu cheiro novamente.
Suspirei fundo, antes de perguntar e apertá-la contra mim:
- , quer namorar, casar e ter filhos comigo? - e mordi o lábio, receando sua resposta.
Ela riu fraco, e suspirou em seguida, sem levantar a cabeça e deixando uma nova lágrima cair.
- , tenho duas coisas pra te contar. - disse, voltando com o tom de voz fraco e sem vida.
- Conta. - dei de ombros, tentando ser indiferente, e ela suspirou de novo.
- Eu... Fiquei grávida.
's POV ON
Ele tirou seu braço que estava em torno de meu pescoço e então me senti insegura novamente. Ele ficara com raiva?
Aquele silêncio estava desconfortável e eu seguraria minhas lágrimas até o fim, mas foi impossível. Elas vieram sem minha permissão, trazendo soluços incontroláveis com elas.
Passei a mão pelos olhos, tentando me acalmar e criando forças pra levantar, quando me surpreendi com a mão de , novamente, em torno do meu pescoço.
- Calma, eu não vou te abandonar agora e nem gritar com você. Isso foi impulso.
Assenti, querendo acreditar nele.
- O pai é aquele oxigenado, não é? - quis saber com uma pitada de raiva na voz, o que eu fingi não notar. Assenti de novo, passando a mão novamente pelos olhos. - Ele... sabe disso? - perguntou receoso.
- Sabe. - minha voz falhou, mas continuei: - Tanto é que ele terminou comigo. - e ele me soltou de novo, e, pelo campo de visão, vi que ele deu um soco no ar, murmurando alguma coisa que eu não consegui entender.
Bufou pesadamente.
- Se quiser, eu... assumo... a criança. - disse e eu me senti extremamente feliz com isso. Mas já não faria diferença, ele não poderia cuidar da criança.
- Obrigada. - sussurrei, mordendo o lábio e sentindo um frio na barriga por saber qual seria a próxima pergunta.
- E... a outra notícia? - diminuiu o tom de voz, quase num sussurro, enquanto eu deixei que algumas lágrimas escorressem, agora, sem querer controlá-las e prendê-las. Ele me abraçou, e isso só fez com que eu aumentasse os soluços e tivesse menos coragem e vontade de dizer.
Me soltou sem dizer nada e me arrastou, me pondo sobre suas pernas cruzadas e me fazendo apoiar minha cabeça em seu peito.
- Bom, - mordi o lábio e pigarreei, fechando os olhos e tentando imaginar que aquilo não se passava de um sonho - a polícia pegou eu e os amigos do Raian com drogas e... Bom, minha tia perdeu minha guarda. Isso quer dizer que... - e através de meus olhos fechados, as malditas lágrimas voltaram. Mas era incrível, parecia que eu soltava uma coisa sufocante a cada gota que escorria por meu rosto. - Isso quer dizer que eu tenho de morar em Boston com minha mãe. - minha voz falhou demais, mas eu tinha certeza de que ele me ouviu, já que ele me apertou contra ele.
Seu suspiro tocou meu ombro, me trazendo um leve arrepio.
- , você... você não pode fazer isso comigo! É... é injusto! - sussurrou firme, me apertando mais.
Eu não respondi nada, eu não tinha o que dizer a ele. O único barulho agora era o vento, o bater das ondas e o meu soluço.
- Quando... você vai e que horas é o vôo? - sua voz saiu um tanto quanto ríspida.
- É amanhã, às nove da noite. - respondi com o tom um pouco mais alto do que eu pretendia. - E, , eu não tenho culpa de eu estar indo embora - rebati, na defensiva.
- Claro que tem! - ele afrouxou o abraço, me fazendo levantar. - Se você não tivesse com aquele loiro idiota, você não estaria com drogas e a polícia não pegaria você - ele tinha razão. E saber que ele tinha razão me dava um nó na garganta. Não por saber que ele tinha razão, é pela razão mesmo.
Sem saber o que dizer a ele, eu comecei a andar em direção a calçada que não estava muito longe e sua voz me fez parar:
- Me desculpa. Acontece que... eu não sei como agir quando estou com você. - embalancei minha cabeça negativamente e achei melhor continuar meus passos. Melação antes de nunca mais vê-lo era o que eu menos queria.
Péssima despedida.
Passei o dia deitada no sofá, tentando pegar num sono que não consegui ter à noite e pensei até em escrever uma carta pro , mas não, acho que seria melhor não pensar nele.
Analisei todas as paredes e cada canto daquele sala e parecia que o cheiro de estava naquele sofá que eu estava deitada há horas, sem, ao menos, comer.
Aquele cenário me lembrava várias coisas, me traziam lembranças boas e ruins. Me traziam os melhores momentos em que eu estava com ele, como o primeiro beijo.
Me sentindo uma patética por isso, mas não me importando, coloquei os dedos levemente pelos lábios, lembrando do dia em que ele mesmo me beijou com calma e desejo. Me fez sentir querida, me fez sentir como eu nunca havia me sentido antes. Aquele beijo não tinha malícia, isso que me dava segurança em estar correspondendo-o, mesmo que inconscientemente, já que naquele momento eu me lembrava de coisas que aconteceram durante meses em que morei com minha mãe e meu padrasto.
E nesses pensamentos, tirei rapidamente os dedos dos lábios: ela estaria morando com outro?
O medo percorreu meu corpo novamente, me fazendo sentar com o pensamento e notar que já estava escuro. Eu precisava afastar esses pensamentos e eu precisava colocar na cabeça de que eu tinha superado esse medo, e que, agora, eu era outra , completamente diferente daquela que tinha trauma de chegar próximo de homens.
Olhei para o relógio e marcavam sete da noite. Ouvi um carro buzinando lá fora, devia ser o táxi.
Era agora.
Suspirando, deixei uma lágrima escorrer, passei as mãos pelas alças de todas aquelas malas e fui arrastando-as até a porta de casa. E quando todas estavam do lado de fora, eu dei mais uma olhada na casa que estava embaçada por minha visão e fechei a porta, dando um longo suspiro.
Cheguei ao aeroporto ainda com lágrimas nos olhos e com uma dor no coração por não me despedir decentemente de . Ele me faria falta, muita falta. Minha tia eu já tinha me despedido dela, eu disse-lhe que ela não precisava me ver no aeroporto. Detesto despedidas. E , eu não preciso comentar sobre ela.
Sentei-me num banco da sala de embarque e coloquei os fones no ouvido, pulando a possibilidade de tocar You and Me, ou qualquer outra música que me lembre . E então meu celular começou a tocar, marcando oito e meia.
Me levantei sem a mínima vontade ouvindo a moça irritante dizer sobre meu vôo e aquela coisa toda.
Até que ouvi uma voz me gritar, som abafado pelos fones de ouvido. A voz se aproximava e, rapidamente, tirei os fones pra saber se a voz era real. E era:
- , não me deixa aqui. - senti meu corpo amolecer ao ouvir aquela voz novamente, dizendo aquelas palavras pra mim.
- Sinto muito, - disse-lhe num tom baixo, ainda de costas a ele, e voltei a caminhar com passos apressados à fila do embarque, sentindo meu nariz formigar e um nó se formar em minha garganta.
Mas sua mão segurando meu punho, me fez parar.
- Posso refazer um pedido? - eu não queria olhar em seus olhos, seria demais pra mim. Eu apenas assenti. - Quer namorar, casar e ter filhos comigo? - eu não estava acreditando que ele estava fazendo isso comigo.
- , - comecei enquanto ele me forçava a virar pra ele - você sabe que é impos... - e arregalei meus olhos por ver seu rosto iluminado por um sorriso, e uma mochila imensa nas costas e um papel e sua identidade nas mãos. - O... que é isso? - perguntei, visivelmente confusa e ele não desfez o sorriso.
- Eu vou com você. - alargou ainda mais os lábios, como se fosse possível, e eu pisquei os olhos, tentando acreditar. - E agora? Casa comigo?
- , você... você não pode estar falando sério! - eu ri fraco, radiante e começando a dar um sorriso infantil, os olhos brilhando mais do que nunca.
- Eu estou... - sussurrou se aproximando e arrastando sua mão, que estava estacionada em meu punho, até minha nuca, e claro, estremeci. Ele encostou nossos narizes e a testa em seguida.
- Você não pode fazer isso, . Você vai abandonar seus amigos, sua família... É injusto e... - ele me calou com um sorriso e um selinho de leve nos lábios. - Como... Conseguiu isso?
- Peguei o que consgui juntar nesse tempo de trabalho e fugi de casa. O resto não importa agora. - e me abraçou pela cintura. - Vamos?
Mesmo incerta, eu assenti. E mesmo incerta, eu me sentia feliz. Feliz por poder estar com ele naquele momento. Feliz por ele ter decido abandonar o que ele tinha há tanto tempo pra ficar comigo, e me fazer sentir, mais uma vez importante.
Agora eu tinha quase toda a certeza de que eu o amava, e, sem dúvida, esse amor era correspondido. Ele me fez ser uma nova garota, e eu não tinha a mínima ideia de como seria minha vida daqui pra frente; como seria nossa vida daqui pra frente.
Sentada no banco do avião, fez o grande favor de pedir ao senhor que me faria companhia durante a viagem pra trocar de lugar com ele, e como este estava sozinho, ele aceitou. Era um velhinho de aparência caridosa a atenciosa, que sorriu docemente pra nós dois, entendendo nossos hormônios.
- Olha, - ele começou, pegando na minha mão, me fazendo olhá-lo - eu amo você, mas... Pra isso dar certo você precisa confiar em mim. - ele disse as palavras numa mistura de insegurança e receio, me fazendo franzir o cenho, um pouco confusa. - Hein? Você confia? - ele quis saber, já que eu não dei nenhum sinal de que tinha escutado. Suspirei pesado e me aconcheguei em seus braços, que ainda me abraçavam de lado.
- Confio mais que tudo, .
- Então vai dar tudo certo. - senti seus lábios tocarem meus cabelos, e suas mãos roçarem em meus braços.
- É, vai dar tudo certo. - sussurrei a mim mesma, mesmo me sentindo observada. Parecia um olhar perseguidor. E não vinha do cidadão que me abraçava agora, disso eu tinha certeza.
Mas tinha o poder de me fazer esquecer os problemas, então eu não tinha com o quê me preocupar. Agora era só eu, ele e nosso filho.
Bom, pelo menos eu achava.
» Nota da autora: (11/01/2010) Ok, demorou um pouco, mas eu estava sem inspiração pra escrever, e do nada, ela apareceu. Aí tive que adaptar o capítulo 21 ao capítulo 22, porque o último eu já tinha escrito e saiu isso. Espero que não briguem comigo :~
Ficou um pouco vago, mas estou pensando em fazer a parte dois, porém, o nome não vai ser o mesmo. Porque quem não leu Emo Girl, pode ler essa outra também. O nome vai ser Just Turn It Off, (ver trailer aqui) e deve entrar em breve. Comentando sobre o capítulo 21, na verdade eu não tenho o mínimo problema em escrever o principal com minha amiga. Acho, até, que ele está sendo bem atencioso e tentando 'consolar' as duas. Mas, de qualquer forma, a culpa não é dele se a principal não viu o bilhete que ele deixou u_u
E sobre o fim, eu confesso que não imaginei o Tom com mochila e tudo, correndo atrás de mim. Eu imaginei o Dan Q
Anyway, se um garoto disesse pra mim 'vou com você', eu desmaiaria -n
Ok, eu me sentiria, no mínimo, importante. Porque é sinal de quê ele se importa. De qualquer forma, comentem sobre o fim, porque sou insegura RSRSSRS
Espero que tenham gostado :3