Escrita por:Jess Gonçalves | Betada por: Giovana (Até o Capítulo 15) | Bruna Kubik (Capítulo 16 em diante)
Última atualização: 05/12/2016
Segredos e mentiras fazem parte do nosso dia-a-dia, em alguns momentos, simplesmente mentir ou ocultar fatos é necessário. Mas se sua vida for apenas segredos e mentiras? Aí você é a filha única de Tony Stark. Ela tinha tudo o que pessoas comuns poderiam querer, mas preferiu jogar tudo pela janela de um avião e deixar E.U.A. para viver em Oxford, onde escolheu sua profissão bem tradicional. Ela deveria se sentir culpada por enganar o pai, mas remorso para Avril é como a sensação de um espirro: se esperar um pouco, passa.
Fazia algo como três anos desde que saíra em missão, até que estava um pouco desacostumada. Ela só não se lembrava daquele silêncio ensurdecedor entre os integrantes da equipe ser item indispensável no trajeto até o local. Depois de semanas de convívio quase que vinte e quatro horas por dia, ela deveria estar agradecendo ter um pouco de paz e silêncio, só que aquele silêncio não era bom. Claro que em nenhum momento a mulher se iludira pensando que voltaria para o campo como se nada tivesse acontecido, e que todos agiriam normalmente. Mas aqueles olhares apreensivos trocados eram um pouco de exagero.
Não que ela fosse verbalizar seu desconforto.
ficou sentada em seu lugar a maior parte da viagem. Suas armas já estavam prontas e posicionadas para quando fossem entrar em ação, Clint e Natasha estavam encarregados da invasão do sistema da base, Bruce e Tony pilotavam a nave, e Thor e Steve faziam praticamente a mesma coisa que ela: tentar não parecer entediados.
O soldado ainda se levantava uma vez ou outra quando a dupla de ex-agentes o chamava, enquanto ela e o asgardiano apenas fitavam o teto, torcendo para que a viagem fosse muito mais rápida do que o esperado. Ambos quase choraram de emoção quando Steve chamou todos para explicar como aquela missão funcionaria.
- Tony, Natasha e eu ficamos com a parte de cima da base. , Clint e Thor vão ficar com o subsolo – disse o soldado, apontando para as plantas que conseguiram do local – Não temos certeza de onde está a central de dados da base, mas está no subsolo. e Clint, essa parte é com vocês.
- Entendido – responderam os dois em sincronia, já se virando para o arsenal para se prepararem.
- Nervosa? – perguntou Clint, prendendo sua aljava no traje – Ou com tédio?
- Definitivamente tédio – suspirou ela, colocando a última arma no coldre escondido pelo colete que usava – Você fica muito tempo fora e esquece essas partes chatas.
Bruce ficara na nave, como de costume. Se precisassem de apoio, ele se juntaria à equipe o mais rápido possível. Os trios se separaram logo no começo: um grupo ficaria como contenção no térreo, além de distração; o segundo iria atrás das informações, tentando passar o mais despercebido possível, só depois se juntando à diversão de verdade.
logo percebeu que subestimara seus instintos: aquilo tudo já lhe era tão natural que num espaço de tempo mínimo eles já estavam dentro da base. Estava um pouco desabituada a ter tantos estímulos ao seu redor, a ter que monitorar tantos aliados e um número ainda muito maior de inimigos, mas estava conseguindo se concentrar muito melhor do que esperava. A única coisa que ainda não lhe parecia natural era não responder a Clint e Natasha, mas sim a Steve – ou melhor, ao Capitão Rogers. Duas ou três vezes Clint rira porque ela simplesmente esquecia e pedia a ele instruções, ou apenas fazia uma careta confusa quando Rogers exigia atualização de status, momentaneamente se esquecendo de quem que estava no comando da operação.
- Para de rir e se concentra, Barton – resmungou ela, soltando mais um corpo inconsciente no chão.
- Você que está precisando se concentrar, meu anjo – o loiro riu, abaixando seu arco e sinalizando para que ela fosse à frente – Não que eu não queria ver você desacatando o Rogers sem querer e ser repreendida no caminho para casa.
iria respondê-lo, mas sentiu inimigos se aproximarem do corredor que estava sendo protegido por Thor. As coisas não estavam saindo como planejado.
- Capitão? – ela chamou Steve pelo comunicador, revirando os olhos quando Clint bateu palmas por ela estar pedindo instruções à pessoa certa – Thor está com problemas. Vai mandar alguém dar apoio a ele ou eu fico para trás também?
- Nossa, você sempre foi tão grossa pedindo ordens? – questionou o arqueiro, colocando uma mão no queixo – Como eu nunca te soquei por isso?
- Você já me socou por isso, Barton. - Estamos com um pouco de problemas aqui em cima também – avisou Steve – Barton, você segue sozinho. Pelo menos assim vocês param de discutir. Ou vou ter que repreender os dois no caminho para casa.
¬- Seu babaca! – resmungou depois de entender o que acontecia, estapeando o braço do arqueiro – Você deixou seu canal aberto para todo mundo ouvir?
- Você ainda estava muito tensa – se explicou o loiro, saindo do campo de alcance da mulher – Vai dar assistência para o Thor. Eu me viro.
- Qualquer coisa, me chama – bufou ela, já correndo na direção oposta do arqueiro – Idiota.
- Eu ouvi isso, Stark!
Mesmo se planejasse responder, não teria conseguido. Aqueles agentes deveriam estar driblando Thor, porque era quase impossível o asgardiano deixar que tantos passassem. Na tentativa de economizar energia e utilizar os recursos que tinha ao seu redor, atirou em um cano que transportava água, que começou a jorrar pelo corredor mal iluminado. Os primeiros agentes sequer deram atenção para o vazamento, por isso se desequilibraram ao tentar correr no piso encharcado. Não demorou muito para a mulher entender as complicações por que Thor estava passando: os inimigos não era exatamente os mais habilidosos, mas ganhavam vantagem na quantidade. Até mesmo para sua velocidade acima da média estava complicado mantê-los concentrados. Depois de aplicar uma chave de braço em um e usá-lo como escudo para não ser alvejada pelo colega do cara quase inconsciente, aproveitou os poucos segundos de descanso que tinha para jogar uma pequena granada no corredor de onde os inimigos estavam vindo em maior quantidade. Como algumas agulhas também eram lançadas com o explosivo, a mulher precisou se jogar no chão fora do alcance da explosão, atirando de lá nos agentes que ainda estavam de pé.
- Eu senti uma explosão no subsolo! – soltou Steve, sua voz deixando claro que eles também estavam enfrentando problemas – O que aconteceu?
- Fui eu, relaxa – grunhiu a morena, jogando o corpo sem vida do agente para o lado para se levantar. Não demorou muito para que ela conseguisse se juntar a Thor, que praguejava enquanto derrubava os agentes que não paravam de aparecer – Com problemas aí, T-Hammer?
- Estou começando a acreditar que a história de “corte uma cabeça...” – começou o deus, parando quando derrubou os últimos dois que pretendiam se juntar à festa com dois disparos certeiros – Hm, talvez tiros não foram considerados nessa história.
- Gavião, status – pediu , rindo de leve.
- Ainda procurando.
- Inimigos vindo do próximo corredor a esquerda.
- Você poderia dizer onde está a maldita sala, não acha?
- Ainda procurando – suspirou ela, chegando até a fechar os olhos para se concentrar melhor. Eles estavam à procura Centro de Dados da base, não deveria ser tão difícil assim de localizá-la mentalmente se não houvesse tantas distrações e sua falta de costume com ambiente tão amplos – Transferência de dados no andar inferior. Vale a pena checar lá.
- Entendido.
- Quanto nós estaríamos ferrando vocês se trocássemos a Viúva pelo Thor? – perguntou Tony, o som de seus repulsores invadindo a transmissão – Ah, esquece. Capitão, declara Código Verde que não está dando.
- Viúva, desça para dar assistência. Thor, se junta à gente – ordenou Steve, e o deus se virou para , procurando instruções em seus olhos, o que a fez rir. Depois de Clint, o asgardiano era o mais mal-acostumado em lhe pedir direções sempre que podia.
- Reto, reto, esquerda, reto, escada até ver o sol. É o caminho mais limpo – disse ela, sem precisar pensar muito – Nat, ouviu?
- Entendido.
Antes que Natasha pudesse se juntar a ela, uma nova leva de agentes chegou, o que deixou a morena ocupada por uns bons minutos. A ruiva também estava encarando dificuldades no caminho, o que a deixava sem assistência nenhuma e seus brinquedos já estavam acabando. Tinha apenas mais uma granada, três aparelhos que liberavam uma quantidade considerável de descarga elétrica, e apenas metade da munição que trouxera, e, como toda porcaria de agente estava vindo para cima dela armado, ficava difícil tentar economizar. era de combate de curta distância, e, com a quantidade de inimigos que a cada segundo chegava, era arriscado demais resolver tudo com os punhos.
- Ás, status? – a voz de Clint ecoou em seus ouvidos, mas como ainda estava cercada, não conseguiu respondê-lo de imediato.
- “Ás”? – repetiu Tony, confuso.
- Achou que “agente A.S.” significava o que?
- O que você quer, Gavião? – perguntou ela automaticamente, quase que ignorando a presença do arqueiro na sala que ela indicara. Se ele estava lá e a chamando, era porque aquela era a sala do Centro de Dados – Ai que pergunta idiota, desculpa. Estou descendo. Viúva, o andar é seu.
- Entendido – ofegou ela, puxando pelo colete o agente que pretendia seguir a morena.
Clint estava debruçado sobre uma longa bancada quando ela finalmente chegou, digitando freneticamente códigos para derrubar as defesas da HYDRA, sequer olhando para a morena quando ela entrou na sala, concentrado em seu trabalho. sabia que ele podia terminar a tarefa sem sua ajuda, e aquilo significava que a segurança dos dois estava por sua conta.
- Acho que eles já perceberam o que estamos fazendo – a voz de Steve ecoou nos ouvidos dos dois – Eles estão voltando para dentro da base.
- Me conte algo que eu não saiba Rogers – suspirou , pegando uma granada de um dos bolsos de Clint e a jogando nos dutos de ventilação, ouvindo a explosão segundos depois. O grupo que se aproximava a leste acabara de ser consideravelmente reduzido – De quanto tempo você precisa, Barton?
- Mais do que temos – bufou o loiro, sem tirar os olhos da tela a sua frente – Use a flecha que solta fumaça como distração.
não questionou, pegando o arco de Clint e apertando os botões até que a flecha estivesse posicionada para ser usada, pegando aquela e mais três normais em seguida, as segurando entre os dentes enquanto se direcionava para o corredor de onde os agentes logo estariam vindo, cravando a primeira próxima ao teto e no meio do caminho, preparando as próximas para quando os inimigos aparecessem. Não demorou muito para que ela derrubasse o primeiro, acionando o explosivo com um dos botões do arco, atirando duas flechas seguidas e correndo para derrubar os três que ainda estavam de pé. Quando a morena se aproximou, a fumaça ainda estava densa, uma vantagem para ela que não precisava enxergar para lutar. Depois de aplicar uma rasteira em um, utilizou o próprio arco para acertar o queixo de outro, que caiu de costas no chão, já inconsciente pela força que ela utilizara. Quando ela se adiantara para o último, o que cairá com a rasteira já se levantava, embora não esperasse sentir a corda do arco envolvendo seu pescoço. Quando jogou suas pernas ao redor do pescoço do agente com quem lutava, três pessoas foram ao chão, apenas ela consciente.
- Certo, talvez estejamos precisando de reforços aqui embaixo – ofegou , quando sentiu a presença de uma quantidade absurda de soldados se aproximando da área – O Gavião está ocupado, e eu já estou sem munição faz um tempo. Se eles chegarem perto do Clint, a missão já era.
- Estou descendo – avisou Steve, e correu de volta para a sala para pegar mais flechas. O soldado chegou um pouco depois que ela, que já voltava para o corredor para derrubar mais dois inimigos que se aproximavam, com cada um escolhendo silenciosamente seu alvo e não se envolvendo com o outro. Quando o escudo voltou para as mãos de Steve, ele apontou para as flechas que a morena segurava – Pensei que tinha dito que estava sem munição.
- Eu estou, o Gavião não – respondeu ela, sorrindo travessa – Tem um novo grupo chegando?
- Quer a esquerda ou a direita? – perguntou Steve, parando próximo demais. Sua respiração já um pouco cansada batia levemente no rosto sujo de poeira da mulher, quase fazendo com que ela se esquecesse de seu objetivo ali.
- Você parece cansado, eu fico com a esquerda – brincou ela, respirando fundo para se preparar. Steve apenas balançou a cabeça e foi para seu lado do corredor, pronto para lançar o escudo no primeiro que aparecesse, o que não demorou muito.
não era a única tensa com aquela missão, Tony e Steve também não estavam muito atrás. Era um pouco mais difícil do que eles imaginavam se concentrar sabendo que a morena estava lutando sozinha, a uma distância considerável deles. Só que estar ao lado dela também não facilitava muito: a cada grunhido mais alto que a mulher soltava, Steve tinha que lembrar que não precisava interferir, que ela podia se virar sozinha, e que, se precisasse de assistência, ela não hesitaria em pedir, assim como fizera minutos atrás. Agora se ele não prestasse atenção no que estava fazendo, que teria que lhe dar assistência e o repreender no caminho para casa.
- Barton, você vai ter que agilizar – ofegou , voltando para a sala com o soldado em seu encalço. Não havia mais agentes nas proximidades e isso nunca era um bom sinal. Claro que podia significar que eles estavam conquistando a base, mas algo lhe dizia que não era isso. Ainda havia muitos agentes na parte de cima, lutando com o restante da equipe. Apenas por precaução, era melhor eles saírem logo dali.
- Acredite: eu estou agilizando – grunhiu o arqueiro em resposta. Aquilo estava um pouco mais complexo do que Clint estava costumado a trabalhar, mas estava perto de concluir a tarefa. Precisava apenas de mais alguns segundos, tempo que eles não tiveram.
sentiu o começo de um abalo na estrutura da base, com uma das grandes rachaduras se direcionando para aquela sala. Seus músculos foram mais rápidos que sua voz, chutando o ombro de Clint com força para tirá-lo do local onde cairiam os maiores escombros. Steve rapidamente a puxou e colocou o escudo acima dos dois antes que ela também fosse atingida. A poeira dos escombros inundou a sala, tornando a respiração de todos difícil, atrapalhando a se concentrar na localização de Clint.
- O que diabos aconteceu? – ofegou Steve entre tosses, deixando seu escudo cair ao lado dos dois quando já era seguro.
- Estou em dúvida se Thor e Tony acertaram algo que não deviam, ou se realmente tentaram nos soterrar aqui... Gavião? Clint? – gritou algumas vezes, enquanto não conseguia se concentrar no arqueiro – Droga, ele está inconsciente.
- Ele está bem?
- Espero que sim... – gemeu ela, se levantando com a ajuda de Steve – Pega o drive, eu vou atrás dele.
até evitou olhar para a mesa parcialmente destruída, pulando os maiores escombros para alcançar o arqueiro que estava imóvel próximo à parede aparentemente estável, mas que não se podia confiar muito. Eles precisavam sair dali muito rápido.
- Clint? – ela o chamou mais uma vez, levando uma mão a seu rosto frio e sujo de poeira. Como esperava, ele não reagiu ao seu chamado. Pelo menos sua respiração estava boa, deveria ter batido a cabeça com força em algum lugar – Gavião está apagado, Cap. Precisamos sair daqui antes que tudo desabe. Temos que abortar a missão.
- Romanoff, fique alerta para buscar o Banner. O Gavião caiu. Temos que abortar a missão – anunciou o soldado, guardando o drive recém-recuperado em um dos compartimentos de seu cinto e já se adiantando para o arqueiro inconsciente – , você pode atirar e sabe de onde estão vindo os inimigos. Você vai à frente e eu carrego o Barton.
A mulher apenas concordou, se afastando o homem inconsciente para que o loiro o erguesse. Enquanto Steve o ajeitava em seu ombro, retirou a aljava do colete do arqueiro, sem ter muitas opções e acabando a prendendo em sua coxa direita, já que seu traje não fora desenhado para aquele acessório. Ela saiu mais à frente do soldado, aproveitando o comunicador para não precisar gritar as direções e assim passarem mais despercebidos. Eles retornaram à superfície tendo esbarrado no menor número possível de inimigos.
Acabara que a explosão fora um acidente causado por ambos os lados: os agentes da HYDRA queriam explodir a base com parte da equipe dentro, mas Tony e Thor acabaram acionando os explosivos sem querer antes da hora. O lado positivo é que boa parte da equipe inimiga fora comprometida pela explosão, o ruim era que a missão fora comprometida. Não dava para saber se Clint tinha conseguido terminar de baixar os dados daquela base, nem se o drive estava em boas condições. E na verdade, aquilo no momento sequer importava: eles tinham um membro caído, e a segurança de todos também estava em jogo. Ainda havia um número considerável de inimigos na área, e, para proteger o arqueiro, outros dois membros estavam fora da jogada – Steve por estar carregando-o, e por ter que proteger os dois. No momento que eles precisavam partir para a ofensiva, eles estavam perigosamente na defensiva.
- Stark?! – ela chamou o pai, percebendo algo que poderia ajudá-los: um vazamento de gás na cratera que sugira na base depois da primeira explosão. Quem estava mais próximo era ela, Tony e Thor, que podiam facilmente se afastar. Natasha trocara com ela na assistência para Steve, e já estavam mais distantes. O Hulk estava entretido destruindo alguns tanques, fora da área de risco. Valia a pena arriscar – Fogo no buraco!
- J.A.R.V.I.S. disse que é uma péssima ideia – avisou Tony, embora já estivesse se preparando para atirar.
- E desde quando você dá atenção para o que o J.A.R.V.I.S. fala? – retrucou , não demorando muito para que ela precisasse correr para fugir da explosão. Certo, talvez tivesse sido um pouquinho mais do que ela esperava. Mas o resultado fora positivo. O número de inimigos havia sido reduzido pela metade, e ela estava um pouco tonta.
Um grito distante a avisou que alguém se aproximava a suas costas, o que obrigou a se levantar. Depois de atirar as últimas três flechas que ainda tinha, o arco de Clint voltou a ser utilizado para outras finalidades, atingindo pernas, rostos, e abdomens inimigos com força quase o suficiente para danificar a arma, que estava aguentando melhor do que ela esperava. O último agente que ela precisava derrubar se curvou depois ser atingindo no abdômen, sequer vendo de onde viera o chute que o apagara de vez. teve que se segurar para também não se jogar no chão. Sentia que podia dormir pelo resto da semana, se tivesse essa opção.
Tony pousou ao seu lado, perguntando se estava tudo bem, em seguida foi a vez de Thor. O Hulk já tinha perdido interesse nos tanques agora aos pedaços, e começava a se afastar, mas Natasha já estava a caminho para ajudá-lo a voltar a ser Bruce Banner. Quando já estava de volta a seu tamanho compacto e vestido, Tony decolou para garantir a segurança da nave, já que Steve estava lá sozinho para proteger o transporte e o arqueiro. Thor se ofereceu para acompanhar a pé os colegas que não podiam voar, mas o trajeto fora silencioso. A cada missão que as coisas ficavam mais difíceis, mas aquela em especial tinha se destacado: mesmo com um membro a mais eles estavam exaustos. Ou aquela base tinha algo importante, ou a HYDRA estava começando a aprender a se defender.
- Como ele está? – perguntou , a primeira a entrar na nave. Seu pai já assumira a cadeira de piloto, enquanto Steve estava ajoelhado ao lado do arqueiro deitado no chão.
- Bem... Inconsciente – respondeu o soldado, se afastando para que a mulher pudesse fazer sua parte. retirou uma pequena lanterna do bolso, erguendo uma das pálpebras do arqueiro e acionando o aparelho. Mal a luz atingiu o olho de Clint e ele já reagira, agilmente derrubando a mulher, sentando em seu abdômen e forçando seu braço contra o pescoço desprotegido de , que ergueu os braços enquanto Steve saia em sua defesa – Barton, calma. Somos nós.
Clint demorou mais um pouco para entender o que acontecia, se jogando ao lado da morena em seguida, fechando os olhos com força enquanto ambas as mãos apertavam sua cabeça. Não lembrava exatamente o que tinha acontecido, mas com certeza dormir um pouco ajudaria aquela dor a passar.
- Não, não. Não dorme – se apressou em dizer, aceitando a ajudar de Steve para se sentar – Você bateu a cabeça, Barton! Tem que ficar acordado.
- Me erra, Stark.
- Ele é todo seu – avisou Natasha, passando por ele apenas para assumir a cadeira vaga ao lado de Tony. Thor e Bruce se sentaram do outro lado da nave, e logo eles estavam no ar.
- Já cansei de falar que eu não sou esse tipo de doutora... Vamos lá, Clint! Acordado... – bufou ela, o puxando pelas mãos para que ficasse pelo menos sentado. Fazia um tempo que o arqueiro não lhe lançava um olhar tão irritado, mas ela sobreviveria – Certo, vamos conversar. Vamos falar sobre alguma coisa. Estou sem ideia de assunto, mas isso não é um problema. Hm... Vamos falar sobre a próxima vez que você vai me levar para pescar! Quando vai ser?
- Que tal nunca? – retrucou Clint, se apoiando na parede ao seu lado, já com os olhos fechados novamente – Você é péssima nisso.
- Não sou, não – se defendeu , levemente ofendida.
- Você acabou o dia dentro do lago, .
- Porque você me empurrou. Ficou sem paciência comigo.
- Porque você é péssima.
- Porque você não sabe ensinar.
- Agora a culpa é minha?
- Então a princesa Stark não é boa em tudo que faz? – comentou Steve, se sentando próximo aos dois e retirando seu capacete. Pelo cansaço que estava demonstrando, ela acabaria apagando antes do próprio arqueiro, era melhor ficar perto para manter ambos acordados.
- Temos que mantê-lo acordado, Rogers. Não começar uma briga entre você e eu.
Natasha notou a mudança de comportamento de Tony ao seu lado, que apertava os controles com mais força que o necessário. A mulher não queria se envolver naquilo, mas a falta de iniciativa de não estava lhe deixando muitas opções. Ela sabia muito bem o que estava incomodando o mais velho dos Stark, e, como todos estavam distraídos, talvez fosse um bom momento para abordar aquele assunto.
- Não está com ciúmes do Barton, não é, Tony? – suspirou a ruiva, com a voz baixa, atraindo o olhar confuso do piloto – estaria fazendo a mesma coisa contigo se fosse você o contundido.
- Não estou com ciúmes de ninguém – foi a única resposta de Tony, que agora parecia mais tenso do que antes, sem se dar o trabalho de disfarçar.
- Estranho... – continuou ela – Porque em momentos como esse me parece que você fica incomodado com a proximidade dos dois.
- Ele é minha filha, não dele.
- Pode ter certeza que o relacionamento deles seria bem ruim se ela fosse filha dele – retrucou Natasha, sorrindo com aquele pensamento. Se tivesse crescido sob o mesmo teto que o arqueiro, teria batido muito mais de frente com ele do que com Tony. Clint muitas vezes aparentava ser relaxado, mas prezava muito a disciplina, conceito que sofrera muito para fazer a jovem Stark entender e utilizar – Clint não faria metade das coisas que faz com a garota se ela fosse filha dele.
Tony se virou rápido para a ruiva, com os olhos arregalados.
- Rogers sabe disso?
- Não esse tipo de coisas... – resmungou Natasha, revirando os olhos – Você sabe muito bem como era antes de entrar na S.H.I.E.L.D. Acha mesmo que eles agem dessa forma desde o começo? Eu odiava aquela pirralha, mas eu odeio quase todo mundo, então não conta. a mesma coisa. Mas Barton? Ela é a pessoa que mais consegue tirá-lo do sério, e não é a tarefa mais fácil do mundo. Ele só não desistiu dela porque Fury nunca permitiu. Eles não queriam trabalhar juntos no começo, e foi catastrófico. Pergunte a ela qualquer dia. O que você está vendo agora parece ser algo a ser invejado, mas você não faz ideia de quanta água já passou por essa ponte, e quantas vezes ela já caiu.
- Ei, Nat? – a voz da morena atraiu a atenção dos dois, mas não demonstrava sinais de estar prestando atenção na conversa – A gente pode dar uma parada em Manchester? Preciso pegar uma coisa.
- Não deve ser algo importante, já que você não pediu para ninguém buscar ou mandar para NY – respondeu ela, voltando a se focar no painel a sua frente.
- Ou é importante o suficiente para eu não confiar isso a mais ninguém – retrucou , o suficiente para que ganhasse a atenção de todos, mesmo aquele não sendo seu objetivo.
- Não acho que você esteja brincando e esse é o tipo de assunto que você me deixa com medo – insistiu Natasha – O que é importante o bastante para você ter que buscar pessoalmente?
- Informação confidencial.
- Quem determinou o sigilo?
- Eu.
- De verdade, Stark. Você está começando a me assustar – avisou a ruiva, a fazendo revirar os olhos.
- Só para em Manchester. Clint ainda pode ser avaliado lá também. Todo mundo sai ganhando.
- Você realmente não vai contar o que vai buscar, não é? – Bruce se juntara à conversa, também um pouco desconfortável com todo o segredo da morena, que respondeu um simples “não”.
- Escolha perigosa, – disse Steve sério, mas ela não estava surpresa, sabia que o soldado não tomaria seu partido caso insistisse em manter segredo, só que não queria contar agora, quando ainda tinha apenas ideias. Não tinha conseguido pensar em nenhuma desculpa plausível para passar na base de Manchester, e já tinha enrolado demais. Precisava buscar algo que acabara ficando para trás.
- Claro que é, mas não pior do que compartilhar a informação agora – tentou argumentar, mas sabia que estava apenas se afundando – Acredite, minha cautela tem um motivo.
- Não está ajudando seu lado – avisou Tony, olhando para a filha por cima do encosto de sua cadeira – Até onde sabemos você pode estar trabalhando em uma arma de destruição em massa.
- Por isso estou mantendo o sigilo.
- .
- Vocês podem me dar um mês? Eu termino e explico o que é – pediu ela, respirando o fundo. Sua ideia inicial era explicar o projeto assim que terminasse, mas contar a todos não era exatamente parte de seu plano. Talvez apenas a seu pai, ou apenas a Bruce. Mas se eles pelo menos concordassem ali, já era um problema a menos – Prometo.
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A base de Manchester estava praticamente a mesma coisa que sempre fora, sem tirar nem por. Clint havia contado que o estrago havia sido feio quando eles resistiram a HYDRA, e agora duvidava se algum dia aquela base havia sido mesmo atacada, já que não parecia ter nada fora do lugar. Ou simplesmente a S.H.I.E.L.D. ainda tinha uma boa reserva para ter conseguido reconstituir aquele lugar em tão pouco tempo.
- Finalmente...! – bufou Sam, se adiantando para o grupo enquanto eles desembarcavam. Uma equipe médica já estava a bordo, colocando o arqueiro, contra sua vontade, em uma maca e o movendo para a área hospitalar. A loira acariciou seu braço quando ele passou ao seu lado, deixando para debochar de seu estado mais tarde. também não estava em seu melhor momento, mas também poderia deixar as piadas para mais tarde – Estava começando a achar que me arrisquei por aquele pedaço de lixo por nada!
- O que você quer dizer com “arrisquei”? – estranhou , hesitando abraçar a amiga. Se ela tinha más notícias, não merecia carinho.
- Barton não te contou? Quando a HYDRA percebeu que não ia ganhar de nós aqui, eles começaram a ir em busca de qualquer coisa que tinha o nome Stark – contou a loira, com cuidado. Sabia muito bem que a reação não seria das melhores – Tanto seu dormitório aqui como o apartamento em Oxford já eram.
- Eu não estou acreditando que eu vou ter que gritar com o Barton enquanto ele está sendo hospitalizado – ofegou a morena se virando para Natasha – Você sabia disso?!
- Não tinha nada para eles encontrarem, não estou entendendo sua reação – questionou a ruiva, a fazendo bufar.
- Tentando imaginar o que eles esperavam encontrar. Eu estava fora de qualquer coisa importante – explicou ela – Eles não iriam atrás das minhas coisas por nada, ainda mais quando achavam que tinham me matado.
- Você estava trabalhando por fora com Fury, você estava trabalhando em coisas sozinhas que nem eu tinha conhecimento, e eles tinham acabado de descobrir que falharam em tentar te matar – lembrou Sam, enumerando nos dedos – Na verdade, teria sido idiotice deles não checar suas coisas.
- Por favor, me diga que eles não levaram – choramingou a morena, apertando o próprio rosto em suas mãos. Sam revirou os olhos, indicando para o grupo a seguir. Depois de terem expulsado a HYDRA, ela tomara algumas medidas de segurança com o notebook da antiga agente. Podia não ter nada de importante no aparelho, mas depois de uma tentativa de aquisição como aquela, seria idiotice não o guardar em um local bem protegido. Só que também não podia avisar o novo responsável pela base, já que exigira toda uma burocracia para classificar o aparelho como importante, além de mais pessoas que o necessário ficariam sabendo de sua existência. A melhor ideia que tivera fora guardar o notebook em seu dormitório reformado, já que as chances de alguém se interessar por aquele pedaço de tecnologia ultrapassada eram muito remotas.
- Pensei que estava criptografado – disse Sam, esperando que todo o grupo entrasse no pequeno quarto antes de fechar a porta – Eles ficaram um tempo considerável com o notebook, . Não sei dizer se eles conseguiram alguma informação.
- Está criptografado, só que vai me dar um trabalho desgraçado começar aquilo do zero – explicou ela, se jogando na cama mal arrumada da antiga colega. O restante da equipe ficou parado próximo à porta, com os braços cruzados. já começava a ficar com dor de cabeça com o tanto que eles a atormentariam para contar o que estava fazendo.
- HYDRA sabia dele, pelo menos achou que era algo importante de tentar roubar – contou Sam, agachando em frente ao seu armário para tirar o aparelho de debaixo do amontoado de roupas onde ele estava escondido.
- Vou assumir esse “tentar” como “não conseguiram”.
- Exato – sorriu a loira, apreensiva enquanto mostrava o notebook parcialmente destruído em suas mãos – Mas ele também não ficou nas melhores condições.
- Merda...! – praguejou , se ajoelhando no colchão e tomando o aparelho em suas mãos. O material escuro do notebook tinha desde marcas de rachaduras por queda como buracos de bala. Se a memória do aparelho tivesse sido danificada, ela teria que começar o trabalho do zero, e sabe-se lá quanto tempo isso levaria. Por isso a morena se pôs a desmontar a máquina com agilidade. Se era para ter uma má notícia, que fosse logo – Por favor, não tenha queimado o disco rígido... Não tenh... Ah! Ótimo, nada que eu não possa consertar.
- Por que você protegeu essa peça de museu? – questionou Tony, assistindo a filha guarda o disco rígido em um dos bolsos em sua perna.
- Projetos.
- Você trabalhava com isso? – estranhou Bruce, depois de estudar os restos do aparelho – Isso não tem nenhuma forma de conexão? Não estou vendo entrada nem para carregador.
- Baterias substituíveis. Sem formas de conexão, mais improvável a chance de alguém roubar os dados da máquina – explicou , já se levantando – Está tudo muito bem criptografado, mas preferi não arriscar.
- Por que tanta segurança? – perguntou Steve.
- Tenho minhas razões.
- Watson? Sabe alguma coisa? – o soldado se direcionou para a loira, que não escondeu a surpresa de estar sendo interrogada com presente – Você fez um grande esforço para proteger esse negócio quebrado.
- Você é novato nisso tudo, Capitão, e eu finalmente tenho alguém para transmitir todo o conhecimento adquirido nesses últimos sete anos de convivência – disse a mulher, jogando de qualquer jeito de volta para o armário as peças que caíram enquanto ela tirava o notebook – Então aqui vai: na maior parte das vezes, é melhor não questionar. Às vezes acontece de você a pegar de bom humor e ela responder. Só que você pode ficar assustado demais para dormir por mais de uma semana, ou assustado demais para ter interações humanas, ou com medo de aceitar qualquer coisa que ela te ofereça para comer ou beber. Na verdade, essa é a única exceção: sempre questione o que ela te entrega para beber.
- Qual é, sua visão melhorou, não foi? – resmungou cruzando os braços, mas um sorriso maldoso se desenhava discretamente em seus lábios.
- O que nós já falamos sobre esse tipo de brincadeira, Stark? – repreendeu-a Sam – Romanoff, ela está sendo má de novo.
- Como Barton aturava vocês, eu nunca vou saber – suspirou a ruiva, abrindo a porta para sair, assim com o resto da equipe. Já que estavam ali, não faria mal nenhum dar uma passada na cozinha.
- Vou checar como está o Barton – avisou , se virando para a direção oposta que o grupo estava tomando.
- Posso fazer inveja para as outras agentes com o Rogers? – pediu Sam, festejando ao receber um “pode” sem muita animação como resposta.
- ! – resmungou Steve, ofendido.
- Que foi? Eu disse não! – ela se apressou em corrigir, se virando para o grupo com as mãos na cintura – Que feio, Samantha! Não esperava isso de você.
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Os médicos tinham acabado de deixar Clint sozinho quando ele ouviu os passos característicos de se aproximando, mas mesmo assim deixou que seus olhos se fechassem por aqueles poucos segundos de paz, que ficariam impossibilitados de existir assim que a morena entrasse no ambiente.
- E ai, Soneca? – riu ela, puxando uma cadeira próxima e se sentando ao lado da maca do arqueiro.
- Você é sempre irritante assim, ou eu que estou com dor demais? – grunhiu o loiro, levando a mão com o acesso do soro à testa, ainda um pouco incomodado com o excesso de luz do local.
- Vou perguntar como você está depois que os analgésicos começarem a fazer efeito – brincou a mulher, mas seu sorriso não concordava com seu olhar um pouco perdido. Ela sequer estava tentando disfarçar e isso era preocupante. Eram raros momentos que Clint a via tão transparente, e nunca era um bom sinal. Presságio de longas e intermináveis dores de cabeça que dificilmente o arqueiro conseguia escapar, ou queria escapar.
Ou os medicamentos estavam fazendo efeito e ele estava alucinando. Não dava para ter certeza.
- O que está te perturbando sua mente? – perguntou ele em um sussurro, e a mulher se ajeitar desconfortável em sua cadeira foi um claro sinal de que ele não estava imaginando coisas.
- Acho que Tony está um pouco desconfiado da nossa proximidade – contou com cuidado, depois de muito hesitar.
- O que? – riu Clint, não conseguindo encontrar o menor sentido nas palavras da mulher – Ele acha que você está traindo o Rogers comigo?
- Não, acho que ele pensa que eu estou traindo ele com você – explicou , e o arqueiro ficou sério. Depois do que pareceu uma eternidade, tudo o que o loiro disse foi “essa faz mais sentido”, o que a fez franzir o cenho – Faz? Porque eu honestamente não consigo imaginar você agindo da forma que agia comigo com a sua filha. Alguém te denunciaria e você seria preso por maus tratos, no mínimo.
- Ah, você sabe como eu sou mole com aqueles pirralhos. Laura que coloca ordem naquela casa – suspirou Clint, tentando forçar os braços para se sentar, sem obter sucesso já que a mulher ao seu lado prontamente o impediu, lembrando que precisava ficar em repouso por um tempo – Só que a única coisa que Tony vê, é que eu arriscaria o mundo para te proteger. E se ele soubesse a metade das coisas que eu já fiz e disse para você, duvido que eu seria bem-vindo na Torre.
- Acho que esse tipo de coisa é melhor eu não contar – comentou , com um sorriso fraco – Sabe, para o bem da equipe.
- Vai conversar com ele? – perguntou ele – Para você estar falando comigo, é porque isso não é um problema de agora, então você deveria falar com seu pai.
- Mais tarde, talvez quando voltarmos para casa – desconversou ela, se afundando uns bons centímetros em sua cadeira – No momento estou é preocupada com você, o resto pode esperar.
- Esse tipo de ação que faz com que ele pense esse tipo de coisa, – argumentou o arqueiro, e bufou.
- Sim, só que você se machucou porque eu não fui rápida o suficiente – retrucou ela – Nem que ele ameace me deserdar eu saio daqui.
- Ei, não foi sua culpa – lembrou Clint, esticando a mão sem o acesso para ela, que revirou os olhos antes permitir que ele segurasse a sua – Eu teria sido soterrado se você não estivesse lá comigo. Você começou muito bem para quem estava voltando à ativa.
- Não muda o fato de que eu ainda tenho muita coisa para melhorar.
- Aí não posso discordar, você precisa voltar a treinar – concordou Clint, sorrindo por já saber o que a morena planejava com aquela parte da conversa. Ela havia voltado para a equipe sem nenhum treinamento prévio. Não que isso atrapalhasse sua performance, mas ela ainda podia ser muito melhor. não evoluía tanto quando treinava sem supervisão, precisava de alguém a cobrando o tempo todo, e, nada contra o soldado, Clint não conseguia ver Rogers sabendo lidar com aquela criatura irritadiça que a Stark se transformava quando ouvia pela milésima vez que estava cometendo o mesmo erro e para recomeçar a simulação.
- Continua comigo nessa?
- Pensei que nunca fosse pedir.
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Como estava ocupada em seu laboratório trabalhando em uma melhoria da Legião de Ferro a pedido de Tony, e como ela estava testando armas e tinha certa tendência a explodir coisas, Steve achou mais seguro dormir em seu próprio quarto naquela noite. Havia aprendido da pior maneira que não era seguro dormir no laboratório quando a jovem louca cientista executava testes. Por dias sentira o cheiro de cabelo queimado e até suspeitava que suas sobrancelhas houvessem sido atingidas também, embora jurasse de pés juntos que não via nenhuma diferença.
Depois de incontáveis dias tendo o laboratório de como dormitório, o loiro estranhou um pouco acordar em seu próprio quarto, além da ausência da mulher. Ela não era exatamente o ser mais silêncio do mundo, o que significava que, se ela acordava, ele também acordava. Já ali nada além do silêncio o acompanhava, sequer J.A.R.V.I.S. havia o chamado pela manhã, como era de costume. Assim que pediu que as cortinas do quarto fossem abertas e seus olhos destruídos pela intensa luz que adentrara pelas janelas, Steve teve certeza que já devia se aproximar do meio-dia, e que a ordem para os Vingadores era dormir o quanto conseguirem. A missão do dia anterior fora um pouco mais complicada que o de costume, e toda a equipe agora precisava do máximo de descanso que poderiam ter até que a próxima missão fosse escolhida, o que não costumava demorar.
Jogando as pernas para fora da cama mesmo sem vontade de levantar, Steve pediu a localização da equipe na Torre enquanto se direcionava para o banheiro, sem ficar surpreso com a informação que recebera: Natasha e Clint estava no andar da academia, Tony e Bruce trancados no laboratório, e Thor e estavam na cozinha, em mais uma tentativa de colocar fogo no prédio. Depois de trocar de roupa, o soldado achou mais interessante se juntar a dupla que ocupava a cozinha, principalmente por já se terem passado mais horas do que o aconselhável desde que comera algo. O estranho foi que, ao chegar ao cômodo, ele estava vazio.
- Eles deixaram a cozinha um pouco antes de o senhor entrar, Cap. Rogers – explicou J.A.R.V.I.S., mas o soldado não acreditou. A cozinha estava em perfeita ordem, até a pia estava limpa. Se qualquer um dos dois tivessem tentado lavar a louça, haveria pelo menos alguns cacos a vista.
- Onde está agora, J.?
- Em seu laboratório, senhor.
Mesmo sendo sua vontade, Steve não questionou o sistema. J.A.R.V.I.S. era o primeiro de que se devia desconfiar naquele prédio, já que ele estava sob o comando da mulher, mesmo que Tony não estivesse ciente disso. O soldado suspeitava que J.A.R.V.I.S. estivesse lhe passando informações erradas, mas realmente encontrou em seu laboratório.
- Ei... Boa tarde, senhor – sorriu a mulher por cima do monitor – Pensei que não fosse acordar mais hoje. Estava quase ficando preocupada se você tinha ligado o ar condicionado e se congelado de novo.
- Você ficou aqui esse tempo todo de novo, ? – indagou ele, cruzando os braços em frente ao peito.
- Na minha defesa, eu saí para comer alguma coisa não faz muito tempo... Se não acredita em mim, pode perguntar para o Thor – disse ela, ajeitando os óculos no rosto antes de voltar a digitar algo com agilidade – Saímos de lá quase agora. “Claro que saíram”, pensou o soldado agora um pouco mais desconfiado. estava escondendo algo. Era algo sutil, mas ele já tinha certa habilidade em perceber aquilo: o ar ao redor da mulher mudava, sua postura ficava minimamente mais travada, relaxando em alguns momentos apenas para tensionar novamente. Ela não estava utilizando seus poderes ao máximo, o que talvez fosse um bom sinal – se fosse algo sério que ela tentava esconder, estaria se esforçado ao máximo. Isso ou ela adiantara aquela sua interpretação e estava tentando o confundir fazendo exatamente o oposto.
Em momentos como aquele era extremamente difícil conviver com outro estrategista.
- Está tudo bem? Você está meio estranho – comentou , desligando o monitor antes que o soldado se aproximasse e visse sua área de trabalho sem nada aberto. Tivera que correr muito para chegar ao laboratório antes dele, e mal conseguira controlar sua respiração antes de sua chegada – Aconteceu alguma coisa?
Aquela era sua chance de questionar a mulher, mas Steve optou por deixar a história de lado. Se estava escondendo algo, ele descobriria mais cedo ou mais tarde.
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Por já ter terminado os projetos que Tony lhe pedira no dia anterior, se voluntariara para ajudar o líder da equipe a selecionar a próxima missão, e agora a dupla estava confortavelmente localizada na cama do laboratório, com a mulher quase dormindo em seus braços enquanto ele analisava as novas informações que adquiriam na última missão. - Srtª Stark... Acredito que estamos sendo atacados.
- Nós estamos sendo o que?! – repetiu ela, se levantando em um pulo e pegando uma pistola na gaveta da mesa mais próxima. Steve a imitou e pegou seu escudo que descansava próximo à porta, e ambos correram para fora da sala depois de calçarem seus sapatos – O que diabos está acontecendo J.A.R.V.I.S.? Onde estão os outros?
- Temo não ter a localização deles, senhorita – avisou o sistema. Steve a puxou pelo braço e sinalizou para que eles utilizassem as escadas, já que era mais seguro – O grupo de intrusos está invadindo pelo telhado. Vocês conseguem alcançá-los na área de convivência, senhorita.
Pela velocidade sobre-humana da dupla, não demorou para que alcançassem o andar, ambos prontos para invadir a sala quando uma explosão abriu as portas de uma vez. Steve instintivamente abraçou para que tanto seu corpo como o escudo pudessem protegê-la, com ambos indo ao chão em seguida com um estrondo. O soldado buscou alguma confirmação nos olhos de de que ela estava bem, com a morena assentindo rapidamente antes de colocar uma mão no escudo para permitir que eles tivessem uma visão do que acontecia na sala antes de levantarem.
O que eles não esperavam era ver o restante da equipe à porta, trajando roupas comuns e sorrisos largos decorando os rostos contentes.
-... Surpresa!
Steve tinha a maior expressão de interrogação da história, que só aumentou quando a mulher ao seu lado bateu as mãos no chão com força.
- Tony, Pepper disse que nós não podíamos mais explodir nada propositalmente na Torre! – repreendeu-o , olhando das portas acinzentadas da explosão para o pai – Ela vai arrancar nossa alma!
- Mas... Mas tinha que parecer convincente! – se defendeu Tony, que tinha se esquecido desse pequeno aviso da namorada. Aparentemente, ia contra as regras de segurança do prédio explodir coisas sem que fosse um acidente, e aquele episódio não dava para passar como um acidente.
- Steve...? Você está bem? – perguntou Natasha, arriscando um passo para frente, oferecendo a mão para ajudar a se levantar. Quando o soldado continuou com aquela expressão idiota, ela se pôs a ralhar com a morena – Eu falei que era uma péssima ideia dar uma festa surpresa para um senhor de idade.
- Fest...? Hoje é dia 4? – ofegou Steve, se levantando com a ajuda das duas mulheres – Eu esqueci meu próprio aniversário?
- Bem, levando em consideração quantos você já teve, não é exatamente uma surpresa você esquecer um ou outro – zombou Clint, recebendo uma cotovelada de Tony por “ter sido mais rápido que ele por um segundo”. ignorou a discussão dos homens ao fundo, ficando na ponta dos pés para abraçar o soldado levemente atordoado.
- Feliz aniversário, Tevie – murmurou ela contra seu ouvido, com ele a apertando com vontade em seus braços.
- Você sabia disso? – perguntou Steve, assim que se separaram para continuar a sessão de abraços. Thor ao fundo argumentava que a morena teria muito tempo para parabenizá-lo mais tarde, que agora era o momento reservado para restante deles. Tony não gostou muito de como aquilo soara, mas se juntou ao asgardiano nos pedidos que ela saísse logo. Afinal, ninguém o deixara cortar o maldito bolo que ele comprara até o aniversariante chegar. Agilizar as coisas soava uma boa ideia.
- Sabia que eles iam fazer, mas não me deixaram ajudar ou saber de muitos detalhes porque estavam com medo que você tentasse me interrogar e eu contasse tudo – contou , dando espaço para que Natasha também o abraçasse.
- Você estava agindo um pouco estranho mais cedo – comentou o soldado, assoprando alguns fios vermelhos que ameaçaram entrar em sua boca.
- Não falei? – riu a ruiva, que quase foi jogada para o lado por Thor para ser o próximo. A risada de Steve saiu um pouco estrangulada quando sentiu seus pés deixarem o chão.
- Eu sei guardar segredos – se defendeu , rumando para a sala com Natasha em seu encalço, ambas já se direcionando para o bar, onde um cooler com garrafas de cerveja estava em cima do balcão – Eu sou uma espiã! Guardar segredos é meu ganha pão.
- Me fala de novo quantos zeros tem seu saldo na conta corrente – gritou Clint do corredor.
- Talvez eu seja muito boa no que faço?
- Ser filha de um bilionário também ajuda, não é? – debochou Tony, o último da fila. Nos últimos instantes tinha se questionado se faria como todos e abraçaria o soldado, ou se apenas um aperto de mão educado já era mais que o suficiente. Sabia que não estava olhando, mas com certeza ela estava prestando atenção no que acontecia no corredor, então não podia hesitar muito, ou estaria com problemas mais tarde. Steve sentiu seu desconforto, e mesmo assim se adiantou para um abraço um tanto desconfortável para ambas as partes, com algumas batidinhas no ombro do outro até se afastarem e rumarem dentro da sala junto com Clint, que assistia a cena com um sorriso contente.
- Se não tivesse uma filha nisso tudo, eu diria que tinha algo entre vocês dois – brincou o arqueiro, e a dupla fechou a expressão, o deixando para trás – A internet chama isso de Stony, caso vocês se interessem.
Assim que entrou na sala, Steve não conseguiu esconder o sorriso. Além dos restos de explosivos próximos as portas, havia algumas bexigas espalhadas pelo local, alterando entre vermelho, azul e branco – as cores de seu escudo. A mesa de centro, que quase não ficava mais no centro porque alguém sempre tinha que ficar no tapete quando decidiam assistir algo, fora recolocada em seu lugar, com um bolo de dois andares sobre ela, seguindo as mesmas cores da decoração. O que mais lhe atraiu a atenção foi a quantidade absurda de velas no bolo, tanto que mal conseguia ver a parte de cima.
- Por que eu não estou surpreso? – riu o soldado, se deixando ser guiado por Bruce e Thor, que se sentaram cada um de seu lado em frente à pequena mesa.
- Tem um bolo debaixo desse monte de velas, certo? Se não tiver, é muita maldade – comentou , que trazia junto com Natasha uma garrafa para cada um. Quando foi entregar a de Steve, ela hesitou – Sabe de uma coisa? Apaga as velas primeiro. Depois você bebe. Já tivemos explosões demais nessa sala por hoje.
Assim como todos, o soldado concordou. Sem querer, Steve acabou comparando aquele aniversário com o último. Depois do ataque de Loki e toda confusão com , trabalhando para S.H.I.E.L.D. junto com Natasha, tivera o dia de folga e fora como qualquer outro. Corrida pela manhã e o resto do dia em seu apartamento, já que sairia em missão de madrugada. Muita coisa tinha mudado, muita coisa ruim também tinha acontecido, mas ele estava feliz. Fazia muito tempo que ele não se classificava naquele estado de espírito, mas Steve estava genuinamente feliz. Nem passar quase um minuto tentando apagar aquela quantidade ofensiva de velas conseguiu tirar o sorriso de seu rosto.
A primeira rodada de bolo fora cortada por Clint, que dizia ter mais experiência na tarefa do que os outros – o pedaço de bolo espatifado no tapete não concordava com ele. A TV fora ligada em uma comédia qualquer, mas ninguém prestava atenção. A conversa não tinha um tema específico, se alterava quase que a cada comentário que alguém fazia. Apenas quando todos estavam satisfeitos – com exceção de Thor, que até já tinha mudado o cooler do bar para o seu lado, e já estava sabe-se lá em qual pedaço de bolo – que Natasha se levantou para buscar os presentes, sob os protestos de Steve.
- Vocês já fizeram bastante coisa, não precisam me dar presentes – repetia ele, mas ninguém estava lhe dando atenção.
O primeiro embrulho que lhe fora entregue era de Natasha: uma pequena caixinha com um relógio que parecia ser bem mais caro do que ele costumava usar. Clint lhe dera um par novo de tênis de corrida. Thor lhe dera uma pequena garrafa de licor asgardiano, dizendo que talvez ele fosse o único da equipe que pudesse aguentar a bebida, o que iniciou uma pequena discussão controlada na sala, com os Stark e Romanoff pessoalmente ofendidos e afirmando que tinha uma excelente tolerância a álcool. e Bruce praticamente deram um presente conjunto, o que reiniciara a discussão no grupo, já que aparentemente presentes em conjunto haviam sido proibidos quando eles começaram a planejar a surpresa. O cientista argumentou que apenas tinha pedido uma sugestão à mulher, e que sem querer seus presentes acabavam completando um ao outro – não que eles tivessem combinado, claro. lhe dera um caderno de desenho com seu escudo na capa dura, e um estojo de lápis grafite mais completo que ele vira até aquele dia, enquanto Bruce lhe dera um estojo de lápis colorido e outro de giz. Antes que eles tomassem gosto pela discussão, Steve agradeceu os dois e partiu para o último presente, só então percebendo que não fazia ideia do que esperar de Tony.
Na verdade, todos estavam um pouco apreensivos para saber o que o moreno comprara. O que só piorou quando Steve começara a gargalhar quando abrira a caixa.
- Um par de meias, Anthony? – repreendeu-o – O que nós conversamos?
- Eu já dou casa, comida e roupa lavada, e ainda tenho que escolher um presente? Eu comprei o bolo! – se defendeu o homem – Eu nem pensei em te pedir sugestão. Teria sido muito melhor do que pedir para a Natasha!
- Eu te disse para pensar em algo relacionado a ele, não para comprar um par de meias.
- São meias do Capitão América, pensei que contava.
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Era meio do verão, mas pela altura uma brisa fria atingia o rosto do soldado, que já tinha terminado sua cerveja há um bom tempo, embora a garrafa ainda estivesse em suas mãos. O restante da equipe negara a permissão de ajudar a limpar a bagunça que fizeram, e agora Steve estava sozinho na varanda, conseguindo ouvir ao longe as explosões das queimas de fogos do Dia da Independência. Mesmo com o barulho da rua lá embaixo, o loiro ainda conseguiu ouvir os passos discretos de .
- Ei, você está legal? – perguntou ela, parando ao seu lado.
- Está brincando? Foi uma noite incrível – disse ele, passando um braço pelos ombros da mulher e a puxando para perto – Obrigado.
- Não insulte minha inteligência, Rogers – resmungou ela, girando o corpo para que ficassem frente a frente – Você me conhece melhor que isso, e eu te conheço melhor que isso.
Era um pouco mais complicado fugir de certos assuntos que te incomodam quando sua namorada é especialista em ler pessoas. Steve não queria tocar naquele assunto, mas a mulher não o deixaria em paz se não falasse. Ou ela até deixaria, só que o loiro sentia que precisava falar sobre aquilo com alguém, e não conseguia pensar em uma pessoa melhor.
- É uma data difícil, sabe? – contou ele, com seus olhos evitando o rosto a sua frente, se ocupando a passear pelos prédios ao redor – Muitas memórias.
- Ninguém quer que você as esqueça, Steve. Essas memórias fazem quem você é – lembrou , levando ambas as mãos ao rosto do soldado, acariciando suas bochechas – Só queríamos que você tivesse um dia agradável.
- E eu tive. Foi um dos melhores aniversários que eu já tive – disse Steve, abaixando rapidamente para deixar sua garrafa vazia no chão, ficando assim com as mãos livres para poder abraçar a mulher – E eu não estou contando os setenta que eu passei congelado, embora eles também tenham sido memoráveis.
- Olha só você... Fazendo piada com coisa que não tenho graça – riu a mulher, apertando o rosto do homem até forma uma careta – Você está passando tempo demais comigo, não está?
- Estou soando um pouco ingrato, não estou?
- Claro que não... Aniversários sempre trazem esse sentimento ruim, não? Essa coisa nostálgica – contou , cada vez seu olhar caindo mais, até estar na altura dos primeiros botões abertos da camiseta do soldado, embora estivesse completamente sem foco, resultado de sua mente longe – Esse sentimento ruim de questionar o que você está fazendo com sua vida.
- Quer dizer que a confiança inabalável de Stark não é tão inabalável assim? – brincou ele, apertando sua cintura de leve, o suficiente para que a mulher se contorcesse tentando fugir de seu aperto, resmungando um “cala a boca” em tom risonho – Sério... Do que você sente falta? Seu aniversário está perto também, quero estar preparado.
- Não sei se sentir falta é uma boa definição, sabe? Talvez... – começou , respirando fundo algumas vezes para tentar clarear seus pensamentos, e só então percebendo como aquilo era uma péssima ideia – Ah, cara. Eu vou te deixar ainda mais para baixo. Melhor entrarmos. Ainda deve ter bolo, se o Thor n...
- Agora eu quero ouvir! – insistiu Steve, travando os braços ao seu redor antes que ela conseguisse fugir – Conta logo.
- São mais questionamentos, sabe? Ou mesmo apenas imaginar – explicou , tão visivelmente desconfortável que ele se sentiu um pouco mal por insistir que ela falasse – Alguns poucos detalhes que poderiam ter feito minha vida ser completamente diferente. Como minha mãe não ter morrido, ou meus avós. Tony ter sido mais responsável. Eu não ter sido uma garotinha ingênua mimada. Erros que eu poderia ter evitado... Só que não são coisas saudáveis para se pensar regularmente, por isso reservo apenas para aniversário. Pelo menos em um dia eu me sinto mais ciente do tipo de pessoa que eu quero ser, das escolhas que não devo tomar.
Steve não sabia o que estava esperando, e mesmo se tivesse alguma expectativa, suspeitava que ficaria sem fala da mesma forma. Não era sequer falando de seu passado com tanta facilidade que o pegara desprevenido, mas a mensagem que ela tentara lhe passar.
- Viu? – ele esboçou um leve sorriso – Você não me colocou para baixo.
- Você é um péssimo mentiroso, Rogers – lembrou ela, rindo nervosa – Se você começar a chorar, eu vou chorar junto, e aí o Tony vai partir para cima de você de armadura por me fazer chorar.
- Então deixar tudo isso te atormentar apenas por um dia? – suspirou ele, retomando o assunto principal – Parece ser uma boa ideia.
- Na teoria é fácil, a prática já nem tanto – avisou a mulher.
- Vale a pena a tentativa – sorriu Steve, antes de capturar os lábios de em um beijo rápido. Até poderia se demorar um pouco mais, só que corriam o risco de darem de cara com um Tony Stark irritado quando voltassem para a sala. Afinal, demonstrações públicas de afeto deixam as pessoas muito desconfortáveis.
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- Vingadores, reunir no laboratório... Acordados ou não – esse foi o chamado que toda a equipe ouviu no meio da madrugada, e não demorou muito para que todos estivessem no laboratório da jovem Stark. Ao entrarem no andar, a primeira coisa que atraiu atenção do grupo foi uma que trajava apenas uma camiseta cinza da S.H.I.E.L.D., muitos números maior que seu manequim, e um short preto que praticamente desaparecia por debaixo da camiseta, quase dormindo em sua cadeira enquanto abraçava seus joelhos.
- O que foi dessa vez, ? – resmungou Clint, apoiando na parede mais próxima. A mulher quase caíra da cadeira ao se assustar com a voz alta do arqueiro, se recompondo em seguida.
- O combinado não era chamar todo mundo assim que eu localizasse a próxima base para invadirmos? – bocejou ela, apontando para a tela ao seu lado – Essa tem uma quantidade absurda de armas chitauri.
- O protocolo é esse, mas cadê Steve? – concordou Bruce, estranhando a ausência do soldado. Quando a morena os convocava, normalmente ele era o primeiro a aparecer simplesmente por já estar junto com ela.
franziu o cenho e se colocou a contar o número de pessoas a sua frente: quatro homens, duas mulheres, contando com ela, totalizando seis vingadores. A equipe era formava por sete pessoas. Alguém estava faltando.
Revirando os olhos, ela se levantou da cadeira para olhar por trás de sua tela e checar a cama encostada no canto do laboratório, não tendo dificuldades em identificar um relevo alto em meio às cobertas como o vingador que falta. Praguejando baixo, ela terminou em um gole o café agora frio que estava em sua caneca, e lançou o objeto com certa força em direção do soldado adormecido, que resmungou alto quando sentiu algo estranho lhe atingindo as costas.
- Fala sério, Rogers! Reunião emergencial, não vou te chamar de novo! – bufou ela, voltando a se sentar em sua cadeira e abraçando seus joelhos – E coloque uma camiseta antes que alguém reclame.
- Eu colocaria uma camiseta se você parasse de usar a minha – retrucou Steve, passando uma mão no rosto e outra nos cabelos, tentando ajeitá-los enquanto se arrastava para se juntar ao grupo.
ergueu uma sobrancelha e desceu o olhar para a camiseta que vestia, só então percebendo que embora o design fosse o mesmo, aquela era bem maior que a sua. Olhando rapidamente o ambiente, não avistou nenhum sinal de um tecido semelhante, e, se não tivesse que explicar a próxima missão, passaria o resto do dia se perguntando onde diabos deixara sua camiseta.
- Você não dormiu, não é? – questionou o soldado. As olheiras da morena estavam ainda mais profundas do que nos dias anteriores. Sua tarefa naquela noite era garantir que ela dormisse um pouco, mas estava tão exausto que acabara adormecendo primeiro.
- O computador apitou e eu vim checar... – suspirou ela, já se colocando a expor as novas informações adquiridas. Havia localizado uma base da HYDRA em Bytom, na Polônia, que parecia ser um depósito de armas chiaturi. Não parecia que o cetro estaria ali, mas era uma estação importante, funcionando como algum tipo de centro administrativo.
- Certo, partimos em uma hora – avisou Steve assim que terminara, naturalmente elevando a voz. Enquanto todos se direcionavam para o elevador, ele se agachou em frente a , passando a mão por seus cabelos e lhe beijando a têmpora – Vai dormir um pouco. Eu cuido de tudo. Te acordo quando formos partir.
apenas assentiu e rumou em direção à cama improvisada, desabando em cima do colchão assim que tropeçou nele, adormecendo exatamente na posição que caíra. Steve assistia a cena com um sorriso bobo nos lábios.
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- Ás, status! – gritou Natasha em seus ouvidos pela terceira vez seguida, e ela ainda tinha que derrubar mais dois agentes antes de poder responder. Um deles esticara o braço para atirar em sua direção, só que fora mais rápida: torcera seu braço em um ângulo que o fez ir ao chão, utilizando de sua arma para atirar no outro agente, e depois atirando contra sua própria arma, só então abrindo seu canal.
- Preciso de cobertura nos arquivos – ofegou ela, já sentindo mais um grupo se direcionar para aquela sala, mas sendo interceptados pelo arqueiro – Não dá para ler e bater ao mesmo tempo.
- Isso é o que, a idade chegando? – debochou Clint – Você costumava fazer tudo sozinha.
- Vocês querem parar com as piadinhas de aniversário? – resmungou ela irritada, erguendo a cadeira que caíra durante a última luta e se sentando em frente ao computador empoeirado – Eu sou a caçula do grupo. Se eu estou velha, imagina vocês.
- Você perdeu o direito de fazer piadas com idade quando começou a namorar alguém que quase ficou de fora da Arca de Noé – comentou Tony, e risos invadiram a transmissão.
- Será que vocês podem manter o foco? – repreendeu Steve, sério. Mas tinha quase certeza que o ouvira rir também.
- Gavião, quanto tempo para chegar aqui embaixo? – perguntou ela, com o drive pronto para ser conectado – No momento que eu começar aqui, não vou poder parar.
- Estou perto, pode começar.
Mesmo tendo que se concentrar em sua tarefa, não parou de monitorar seus arredores, não deixando de notar como cada vez os agentes estavam chegando mais perto até Clint conseguir derrubá-los. E como eles estavam aumentando em número.
sacudiu a cabeça para voltar a se concentrar. Falhas mais do que nunca não seriam permitidas. Ali ela finalmente poderia conseguir a localização do cetro, e seria difícil se perdoar se não conseguisse por algum deslize bobo, por falta de concentração. Por isso ela não parou mesmo quando sentiu um agente passar pela defesa de Barton e seguir em sua direção.
Os dados daquela base já estavam salvos no drive externo, e agora a mulher tentava acessar a rede compartilhada da HYDRA, em busca da localização do cetro. Ela estava perto demais para desistir, por isso tomou uma decisão que lhe traria muita dor de cabeça se chegasse ao líder da equipe.
O agente da HYDRA se posicionou na porta da sala, com sua arma em punho, mas não se virou. O som da arma sendo destravada avisou seus ouvidos do perigo.
não acreditava que conseguiria terminar a sequência final de códigos antes de ser alvejada, mas ela conseguira. Ela terminou a varredura.
Tudo para dar ver um belo “resultados não encontrados”.
E mesmo assim o mais bizarro era que tiro não havia sido disparado.
O inimigo estava parado às suas costas, mantendo-a em sua mira, mas sua postura deixava claro que não intenções de atirar. O dedo estava completamente fora do gatilho, e, se agisse com o máximo de velocidade que tinha, talvez conseguisse pegar a sua arma antes de ler um tiro, mas também não se mexeu. Tinha algo tão errado ali que ela sequer conseguia se mexer, mesmo sem entender o motivo.
Quando o agente ameaçou abrir a boca para dizer algo, uma flecha atravessou sua garganta e ele caiu no chão, agoniando. Só então percebeu que vozes gritavam em seus ouvidos, e que os gritos de Clint chegavam a ela tanto pelo aparelho como pela sua proximidade. Não demorou para que o arqueiro alcançasse a porta, mas a cena já não parecia mais estranha: já estava de pé, com o drive protegido dentro de um dos bolsos de seu traje, rapidamente explicara que não conseguira a localização do cetro, e juntos retornaram para o corredor, prontos para destruir o local.
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Como que conseguira o material daquela vez, Tony que estava encarregado de estudar os dados recém-adquiridos, o que dava um tempo extra à mulher para descansar. Algo que ela até pretendia fazer, se não tivesse um arqueiro sentado na beirada de sua cama quando ela deixou o banheiro de seu quarto. tentaria fingir confusão, mas sua postura tensa a entregou. O loiro tinha então percebido algo de estranho durante a missão, e ele estar ali sozinho era um sinal de que assumira que era algo sério, ou toda a equipe estaria ali para uma bronca geral.
- Quer contar alguma coisa? – perguntou Clint quando ela se sentou ao seu lado, com os ombros caídos em sinal de derrota, o que serviu apenas para deixá-lo mais preocupado. Não costumava ser tão fácil conseguir arrancar informações da mulher, e, se ela não estivesse cedendo tão fácil por cansaço, aquele era um péssimo sinal.
- Você vai me chamar de paranoica... – suspirou , tampando o rosto e deixando suas costas caírem no colchão macio.
- Não seria exatamente novidade... – brincou Clint, mas o sorriso de não deu as caras.
- Quando eu estava invadindo o sistema... – começou ela, tirando as mãos do rosto para estudar as reações do arqueiro – Teve um cara que entrou na sala, o que você derrubou.
- Nem me lembrava disso.
- Só escuta, Clint! – resmungou ela, ríspida – Ele podia ter me matado.
- , toda vez que saímos em missão alguém pode nos m...
- A palavra-chave do que eu disse é “podia”, Clint. Ele não me matou – cortou-o a mulher, e o loiro permaneceu em silêncio, finalmente entendendo o ponto em que ela queria chegar – Eu escolhi terminar meu trabalho e não perder os documentos. Eu sabia que o cara estava ali, se eu tivesse desistido da minha tarefa, eu podia muito bem tê-lo derrubado sozinha.
- O que você está dizendo? – perguntou Clint, mesmo com receio de ouvir a conclusão que a mulher chegara.
- Que aquele cara hesitou: ele ia atirar, me manteve na mira e tirou o dedo do gatilho.
- Talvez ele tivesse pensado em te fazer de refém – arriscou o loiro, mas ele mesmo não encontrou certeza em sua voz. Tinha algo mais errado naquela história do que ele imaginara inicialmente, e isso o preocupava.
- Não, Clint. Eu vi nos olhos dele – replicou ela – Era o olhar que se faz quando você está prestes a fazer a única coisa que te mandaram não fazer. Aquele breve momento que você percebe que vai ser punido se fizer o que não devia.
- Você está ficando paranoica... – concluiu Clint, se pondo de pé e andando de um lado pelo outro no quarto, riu nervoso quando apenas soltou um “eu te disse” – Por que ele não te mataria? Você não é o tipo de pessoa que dá para usar como refém. Eles sabem disso.
- Eu não sei – a resposta da mulher transmitira tanta confusão que Clint parou, percebendo que ficar andando sem motivo não ajudaria em nada o estado quase nervoso da jovem. Ele voltou a se sentar ao seu lado, a puxando pelas mãos para prendê-la em um abraço, gesto que agradecera mentalmente.
- Clint? Não comente sobre isso com ninguém, ok? – pediu ela, depois um tempo considerável em silêncio – Eu sou nova na equipe. Você e Nat já estão acostumados comigo, mas os outros... Eles não confiam tanto em mim ainda.
- Tem certeza que não é melhor contar? – insistiu o arqueiro, e ela logo negou com a cabeça – O que você me contou é muito sério. Deixar todos alertas talvez seja a melhor opção.
- Deve ser só paranoia minha – desconversou , tentando melhorar o clima do quarto – Se acontecer alguma coisa estranha de novo, eu levo a discussão para o grupo. Prometo.
- Você não vai ficar parada na mira de inimigos propositalmente, não é?
- Só sai do meu quarto, Barton.
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Steve estava um pouco inquieto, mas disfarçava bem – talvez nem tanto assim. que estava concentrada demais na atualização da segurança da Torre que seu pai pedira no dia anterior, quase que ignorando por completo o nervosismo do loiro deitado ao seu lado. Na verdade, a mulher estava fazendo um teste: “quanto tempo Steve aguentaria fingir que estava fazendo vários nadas e desembuchar de uma vez” era o nome provisório, que provavelmente sofreria alterações em um futuro próximo.
- ?
- Hm? – resmungou , olhando rapidamente para o pulso antes de sorrir para o loiro. Três horas e vinte e sete minutos. Quem sabe aquele dado não lhe fosse ser útil no futuro.
- O que vai fazer hoje à noite? – perguntou ele, se apoiando nos cotovelos, falhando em parecer casual.
- Dormir...?
- Estava pensando em... Sei lá, jantarmos juntos – sugeriu o loiro. desistiu de seu trabalho, deixando o notebook que até agora estava em seu colo de lado.
- E quando a gente não janta junto, Rogers? – estranhou ela, e Steve riu. Talvez ela não estivesse entendendo o que ele estava falando.
- Eu quis dizer só nós dois.
- Tipo trancar a cozinha e não deixar o pessoal entrar? – ela definitivamente não estava entendendo – Só assim para a gente comer sozinhos.
- E se nós fôssemos para um restaurante? – sugeriu Steve devagar, seu sorriso sugestivo terminando de entregar a mensagem.
- Tipo fora da Torre? – continuou , fechando devagar o notebook em seu colo. Algo lhe dizia que não teria a chance de se concentrar no trabalho pelas próximas horas.
- De preferência fora da Torre – concordou Steve, rindo da incerteza da morena – Já quanto tempo estamos juntos?
- Dois... três...? – começou , só então percebendo que estava perdida no tempo. Se seu aniversário já havia passado, eles já estavam no final de agosto, dava algo como... – Quatro meses.
- Você pareceu surpresa.
- Não vou mentir, estou – confessou a mulher – Pensei que nessa altura alguma coisa já teria dado errado. O que você está vendo? Boa surpresa.
- E nesses quatro meses – Steve retomou o assunto principal – Nós nunca saímos.
- Nós saímos em missão juntos – lembrou .
- Pior tipo de encontro, me recuso a aceitar isso... – resmungou o soldado, voltando a se deitar enquanto ria, mas sem quebrar o contato visual – Qual é, ... O que me diz? Um restaurante legal, nós dois sozinhos e bem vestidos...
- Está me dizendo que não estamos bem vestidos no momento? – debochou ela, esticando os braços e olhando para o que vestia: uma antiga camiseta da S.H.I.E.L.D. e shorts de ginástica –Pensei que você gostava desse conjunto.
- Um encontro de verdade – continuou ele, ignorando as gracinhas da mulher – Eu sempre quis levar a minha garota para lugares legais e agora que tenho uma, nós nunca fazemos isso. Estamos bem sérios até agora e não tivemos um encontro de verdade.
- Você quer ir tipo hoje? – questionou , jogando os pés para fora da cama – São quase seis horas, acha que consegue reservar uma mesa tão em cima da hora?
A falta de resposta fez com que a mulher se virasse desconfiada para Steve, que tinha uma das sobrancelhas erguidas. Aquele era um dos raros momentos que ele estava um passo à frente de Stark, e não era uma sensação ruim.
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Não que tivesse tantas opções em seu guarda-roupa novo, mas se demorara um pouco para escolher o que vestir. Estava quase optando pelo vestido que usara na última festa das Indústrias Stark, só que era um pouco chamativo e a dupla já chamava atenção demais por si só, sem o auxílio de vestimentas. Um vestido preto simples e leve, já que ainda estava um pouco quente estava ótimo. Steve se recusara a adiantar para onde iriam, e, a não ser que ele pretendesse jantar com a Rainha da Inglaterra, ela estava perfeitamente apresentável. Um pouco de maquiagem para esconder as olheiras que a cada dia ficavam mais escuras, um batom de tonalidade um pouco mais marcante, e já estava pronta para voltar a estampar notícias.
Talvez fosse bom manter distância de internet por alguns dias.
- Alguém viu o Rogers? – perguntou , assim que pisou na sala de convivência e não encontrou o soldado, a deixando confusa. Ele havia sido bem claro para esperá-lo ali e ela estava uns bons dez minutos atrasada.
- Ele estava aqui faz uns... Uau – ofegou Thor, assim que seu olhar caiu sobre a mulher. Fazia mais de um mês que só a via de moletom ou uniforme, e tinha se acostumado com aquela cena.
- Vai sair? – sorriu Natasha, se virando para ela, assim como o resto da equipe destruída pelo sofá e tapete.
- E não chama a gente? – acusou Clint, antes que ela pudesse se explicar. No fundo, a morena não queria dar explicações. Nas últimas semanas eles até que tinham se comportado, mas era certeza que eles regrediriam para os estágios iniciais assim que soubessem de seus planos para aquela noite.
- É meio que um programa para dois – respondeu , sorrindo cínica enquanto buscava seu celular na pequena bolsa de mão.
- E você é uma só... Espera – ofegou o arqueiro, compreendendo logo o que acontecia quando a mulher ficou visivelmente desconfortável – Você tem um encontro com o Rogers.
- Cala a boca, Barton.
- Por que não fui comunicado? – indagou Tony, assistindo a filha revirar os olhos antes de o fuzilar – Não adianta me olhar assim, mocinha. Você mora debaixo do meu teto, o que me dá direito de saber todos os seus passos.
- Srtª Stark, Cap. Rogers está a sua espera no saguão.
- Eu vou junto – avisou Tony, pulando do sofá para alcançar a mulher que se apressara em direção do elevador.
- Tony, não.
- Tony, sim.
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olhou para fora da janela mais uma vez antes de voltar a fitar o loiro tenso ao seu lado. Já havia perdido a conta de quantas vezes ele apertara entre seus dedos o tecido de sua calça de risca de giz, relaxando apenas para voltar a repetir o gesto. Não que ela estivesse em um estado muito diferente – apenas conseguia disfarçar aquilo muito bem. Ao mesmo tempo em que ficara um tanto maravilhada, a mulher sentira uma certa ansiedade ao encontrá-lo trajando o terno que Pepper comprara para ele algumas semanas atrás. Até agora estava se questionando se valia mesmo a pena sugerir para a equipe que Steve abandonasse o traje de Capitão América e utilizasse apenas ternos – mas desistia dessa ideia toda vez que lembrava como aquilo seria uma distração em potencial. Só que aquele traje formal a fazia lembrar constantemente como aquilo tudo era sério, e a assustava um pouco. Principalmente por em alguns momentos não a assustar nem um pouco.
Tudo parecia apenas natural.
Com exceção daquele silêncio interminável dentro do táxi.
- É estranho porque de repente eu não sei o que dizer – disse Steve por fim, respirando mais aliviado quando a risada relaxada da morena ecoou pelo pequeno ambiente.
- Esquisito, não é?! – concordou ela – Todo mundo reclama que a gente não cala a boca e agora parece que perdemos a habilidade da fala.
- Não deveríamos estar nervosos, não é? – indagou o soldado, se sentando mais relaxado no banco, deixando um braço por trás dos ombros de – Não começamos exatamente ontem.
- Ficamos mais na companhia um do outro do que sozinhos.
- Temos um grau de intimidade considerável.
- Já passamos pela crise do meu pai querer nos matar.
- Ele ainda quer um pouco, no fundo.
- É só pirraça.
- Mas sabe de uma coisa? – murmurou Steve, puxando o queixo da mulher para próximo de seu rosto – Mesmo nervoso não trocaria isso por nada.
Uma movimentação brusca do veículo impediu que seus lábios se encontrassem, e Steve não precisava dos poderes de para perceber como o motorista estava sem jeito. Ele tinha dois vingadores quase se beijando no banco de trás de seu carro. Daria uma história e tanto. “Sim, querida. Os Vingadores estavam disfarçados para uma missão e eu fui o motorista. Não acredita? Olhe a internet, aposto que alguém conseguiu alguma foto deles. Certo, talvez eles não estivessem disfarçados, mas era definitivamente dois deles”.
Depois de mais alguns minutos de viagem, o casal estava no Upper East Side, quase na esquina da Park Ave com a 65th, em frente a um restaurante de fachada sofisticada, que fazia com que Steve ficasse apreensivo. Ele não pertencia àquele lugar, e ele já sentia isso antes mesmo de entrarem. ao seu lado parecia em casa, afinal, crescera naquele tipo de ambiente. A mulher se encaixava ao cenário sem nenhuma dificuldade. Ele só não entendia o motivo de sua expressão engraçada.
- O que foi? – perguntou Steve, cruzando os braços em frente ao peito – Pensou que eu te levaria para o Brooklin?
- O máximo que posso dizer é que não descartei a possibilidade – brincou , se deixando ser guiada pelo homem para dentro do restaurante – Mas confesso que pensei que você iria escolher um lugar menos... Chamativo.
- Bem, eu já contei três fotógrafos... – suspirou ele, olhando rapidamente por cima do ombro antes de se voltar para a morena – Você já deve saber a localização de todos.
- Na verdade, não – contou , sorrindo enquanto engatava seu braço no musculoso do homem – Outra coisa tem minha atenção hoje.
Antes que Steve pudesse pensar em algo inteligível para responder, chegou a vez deles na recepção. A atendente já estava preparada para aquele momento – as dificuldades para respirar a acompanhavam desde que notara o nome do herói na lista de reservas, além do dono do restaurante a lembrando regularmente que tudo tinha que sair perfeito –, mas em nenhum momento levara em consideração quem seria a acompanhante, por isso ela ficara sem reação ao reconhecer a mulher de cabelos escuros. Um aviso prévio teria sido muito bem-vindo.
- Ai meu Deus! Me desculpem, eu... – a garota teve que respirar fundo algumas vezes, ficando ainda mais nervosa quando o casal lhe lançou sorrisos caridosos – Sua mesa já está pronta, senhor. Me acompanhem, por favor.
Como havia sido requisitado, a mesa era a mais afastada de todo o restaurante, dando a eles um pouco mais de privacidade, na medida do possível. No curto trajeto até a mesa, eles já tinham atraído muitos olhares, e estranhou a postura do soldado se alterar um pouco, ficando mais reclusa.
- Pensei que isso fosse acontecer... – confessou ele, assim que foram deixados sozinhos pelo garçom, dando tempo para que eles decidissem seus pedidos.
- O sorriso triste não é por causa do surto do atendente – constatou a mulher, apoiando os cotovelos na mesa – O que foi?
- Bucky sempre me enfiava em encontros duplos com ele – contou o loiro, mordendo o lábio quando um sorriso triste quis aparecer em seu rosto – Toda garota se apaixonava por ele. Você também teria se tivesse o conhecido naquela época, ele teria sido louco por você também.
- Acha que eu não ia gostar do Steve asmático? – brincou , bebericando rapidamente da sua taça de água. A mulher sabia que em algum momento da noite aquele tópico seria abordado, e estava preparada para ele.
- Queria que esse fosse um encontro duplo – confessou Steve, com o olhar baixo até sentir uma mão fria pousar sobre uma de suas quentes sobre a mesa.
- Ei... Nós vamos encontrá-lo, tudo bem? – disse , sorrindo confiante. O problema era que aquele sorriso conseguia fazê-lo acreditar que porcos podiam voar, e talvez a mulher não estivesse tão perto dessa façanha – Claro que não vai ser fácil e rápido, mas vamos.
- Você é boa demais para mim – murmurou Steve, levando a mão da mulher a seus lábios, e pode jurar que vira um garçom quase cair com sua bandeja no fundo.
- Querido, eu sou boa demais para esse mundo. Eu sou bem incrível – retrucou ela, pegando sua mão de volta quando o garçom que os acompanharia aquela noite retornou para anotar seus pedidos. O rapaz ficara mais do que feliz quando o casal aceitara todas as suas sugestões, desde pratos a bebidas. Eles poderiam deixar a pior gorjeta da vida dele que provavelmente aquele sorriso largo não sumiria de seu rosto.
- Continua nervoso? – perguntou quando voltaram a ficar sozinhos, o soldado respirou fundo, pensando um pouco antes de responder.
- Dificuldade em achar o que falar... É estranho – contou o loiro, mais aliviado quando a mulher a sua frente assentiu em concordância – Em Cleveland nós passávamos horas conversando, isso não acontecia.
- Dois pontos importantes: tínhamos acabado de nos conhecer e não tínhamos tantos problemas para lidar – lembrou a mulher – Nós continuamos conversando por hora, mas boa parte é sobre trabalho.
- Quando viramos um casal de velhos? – grunhiu Steve, colocando um pouco mais de vinho em sua taça enquanto ria.
- Eu continuo bem jovem, você é o veterano da Segunda Guerra.
- Às vezes esqueço esse seu lado comediante – resmungou ele, mas se flagrou rindo também.
- Como? – ofegou , se fingindo ofendida, até com ambas as mãos no peito – É minha característica mais marcante.
- Não para mim – comentou o homem, com seu silêncio deixando certo suspense no ar, à espera do incentivo da morena para continuar.
- E qual seria? – perguntou revirando os olhos, mas estava curiosa pela resposta. O sorriso travesso do homem parecia estar a desafiando, na expectativa de surpreendê-la.
- Não quero parecer muito brega logo no primeiro encontro – desconversou o loiro, e a mulher jogou a cabeça para trás, rindo baixo.
- Ah, então vai ter segundo encontro? – murmurou ela, voltando a se apoiar na mesa, deixando o queixo sobre suas mãos – Está confiante, soldado?
Steve riu sem graça, erguendo sua taça em direção à morena.
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Os próprios clientes do restaurante tinham dificuldade em manter a interação entre eles, todos tentados a apenas assistir a conversa animada entre os dois heróis que naquele momento pareciam apenas simples pessoas aos seus olhos. Sem perceber sorriam junto quando os lábios de um dos dois se esticavam em um largo sorriso enquanto o outro ria concordando.
- Não vou mentir, pensei que as pessoas seriam mais discretas – comentou Steve, assim que voltou do banheiro.
- Eles estão sendo bem discretos – riu a mulher, parando sua fala para apreciar o melhor cheesecake que comera até aquele dia – Ou eu deixei de ser novidade.
- Esqueci de considerar você como pequena celebridade – debochou o soldado, e a mulher reclamou.
- Desculpe se não sou tão famosa como o Grande Steve Rogers, o homem com um plano.
- Ah, por favor, não cante – pediu ele entre risadas quando percebeu que ela tomara fôlego para cantar a música que ainda o atormentava – E eu estava considerando apenas como dois vingadores jantando em público, não a princesa das Indústrias Stark.
- Como você pode esquecer que eu sou uma princesa? – resmungou , com a voz muito mais aguda que o natural – Pelo visto vou ter que voltar a usar minha coroa.
- Você tem uma coroa?
- Não, mas gostei da ideia.
- Deveríamos fazer isso com mais frequência – comentou Steve de repente, fazendo-a se perder um pouco na conversa – Sair. Só nós dois.
- Um pouco improvável, não acha? – suspirou a mulher – Cada vez as missões estão ficando mais próximas e mais difíceis, nós sacrificamos uma longa noite de sono tranquilo que merecemos muito.
- Quando tudo acabar então. HYDRA. Vamos merecer um descanso – insistiu o loiro, tentando a ganhar aos poucos, mesmo sabendo que já tinha obtido sucesso – Podemos viajar para algum lugar qualquer, você descolore o cabelo de novo, eu deixo minha barba crescer, e ninguém vai reconhecer a gente de cara. Que tal?
- Gostei da ideia – disse ela apenas, com ambos apenas sorrindo um para o outro até o garçom retornar para saber se queriam mais algo.
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Petr Ivanov deixou o restaurante minutos depois do casal.
O dia havia sido absurdamente quente, mas um vento gelado o recebeu assim que voltou para as ruas movimentadas de Manhattan, seus cabelos escuros se deixando levar pelo vento. O casal não estava mais em seu campo de visão, mas sentia a presença deles não muito longe, não mais do que dois quarteirões de distância. Eles não estavam com pressa, dispensaram o táxi e voltavam a pé para a Torre dos Vingadores, aparentemente sem se importar com quanto tempo gastariam no percurso, já que não andavam rápido. Não, eles estavam completamente despreocupados: nenhum dos dois estava armado, andando livremente pelas ruas de NY como se não fossem alvos ambulantes. A guarda do casal estava tão baixa que Petr quase deu a ordem antes de pedir instruções.
- Krigor? – foi a primeira coisa que sua voz baixa e rouca disse naquele dia, com seu sotaque russo carregado – Ela saiu do prédio.
- Ela está sozinha?
- Não, ela está com o Capitão América.
- Então você continua apenas observando.
- Já faz três meses, Krigor! – rosnou o homem, controlando sua vontade de chutar algo. Ele estava cansado. Cansado de sempre estar tão perto e não poder fazer nada. A cada dia parecia que a garota era exposta a um perigo diferente, e não havia o que ele pudesse fazer. Mesmo que não tivesse pedido por aquela missão, sua rivalidade com o Soldado Invernal havia chegado a um outro nível nos últimos meses e, se Pierce não tivesse sido morto durante a queda da S.H.I.E.L.D., Petr teria o matado com as próprias mãos. Ninguém que um dia ameaçara o bem-estar da garota sairia impune, não importava se era inimigo ou aliado – Ela levou uma eternidade para deixar o prédio e, quando começou a sair, foi em missão onde todos os malditos Vingadores sempre estão. Essa é a melhor oportunidade que temos desde Washington! Posso derrubar Rogers sozinho.
- Mas não pode derrubar Rogers e a garota juntos, nem todos os Vingadores se eles aparecerem – lembrou o Krigor, com a voz arrastada por aquela não ser a primeira vez que tinham aquela conversa, e sua paciência já não estava mais tão grande assim. Toda aquela demora também no fundo estava o irritando – Você vai ter que esperar por um momento onde ela esteja sozinha, ou pelo menos em um grupo menor e longe o bastante para os Vingadores não interferirem. Se você tentar agora, vai ser morto.
- Ela é tão bonita, Krigor... Eu não... Eu já esperei tempo demais.
- Desobediência não é permitida, Petr. Não vou hesitar em te dar punições adequadas caso saia da linha – ameaçou o homem, interpretando o silêncio repentino na linha como o garoto aceitando a situação – De quão perto você acompanhou os dois? Conseguiu alguma informação útil?
- Acredito que sim. Os Vingadores não estão procurando pelo Barnes. Dominik, Rogers, e o cara com asas do Triskelion, Sam Wilson, que estão atrás dele, sem auxílio dos Vingadores – contou Petr – O cara das asas está procurando pistas e os dois ajudam quando podem.
- Conseguiria derrubar os três, se tivesse a chance? – perguntou Krigor, e em sua voz o homem conseguia sentir seu sorriso sugestivo.
- Sim, senhor.
- Então vamos dar Barnes a eles.
Das duas uma: ou sabia ser muito convincente, ou toda equipe tinha silenciosamente concordado que ela precisava respirar um pouco. Mesmo que quisesse acreditar na primeira opção, a segunda parecia mais próxima da realidade.
O fato era que ela precisava falar com Sam – estava adiando há certo tempo algumas atualizações no software do traje que precisava fazer, assim como testes com alguns protótipos em que estava trabalhando. Só que o ideal seria o homem ir até a Torre por questões de material de trabalho, e dissera que ela iria até ele, em Washington. Por mais estranho que parecesse, ninguém se opôs a ideia, o que a deixou um tanto desconfiada. Não era exatamente como se ela não conseguisse retornar às pressas caso alguma missão importante aparecesse, mas era no mínimo inusitado ela deixar a Torre com aquela desculpa.
Depois de anunciar sua ausência, retornou para seu quarto para trocar suas roupas por algo mais discreto. Desde a volta da HYDRA, o nome da S.H.I.E.L.D. causava certo alvoroço sempre que aparecia em qualquer lugar, então talvez fosse melhor não sair em público com seus antigos uniformes. Além de precisar parecer o menos possível com ela mesma: discrição era pré-requisito para deixar o prédio sem causar confusões, e as pessoas naquele país não estavam habituadas a vê-la com roupas mais gastas e simples, o cabelo preso de qualquer jeito e grandes óculos de lentes transparentes no rosto. Se fechasse os olhos e se esforçasse um pouco, era como estar de volta a Oxford.
Para ganhar tempo, optara pelo voo ao invés das longas horas dirigindo. Um jato particular estava pronto e a sua espera quando a mulher chegou no aeroporto, não demorando muito para que logo estivessem no ar. passara a maior parte do trajeto conversando com Steve, até que ele resolveu gastar um pouco de seu tempo livre na academia com Natasha, e ela pode voltar a passear pelas redes sociais e descobrir o que acontecia no mundo, distraindo um pouco sua mente de tudo que exigia sua atenção nos últimos meses. Não apenas agora a HYDRA estava ficando melhor em se defender como também o incidente em uma das últimas missões se recusava a abandonar seus pensamentos: por que diabos ele não tinha disparado? Um tiro no ombro não a mataria, mas ao menos ele teria tido alguma vantagem sobre ela, se não pretendia matá-la. Mas por que não matá-la? Eles não seriam idiotas o suficiente de querer mantê-la como prisioneira, certo? O que eles poderiam ter para acreditar que poderiam tê-la sob controle? Certo, eles estavam com o cetro de Loki, mas já o superara uma vez, não deveria ser um empecilho. Pelo menos era nisso que ela queria acreditar. E ficar alimentando aquela paranoia com certeza era uma péssima ideia que apenas lhe traria problemas, por isso a mulher sacudiu a cabeça e desceu do jato assim que pousaram, saindo em busca de um táxi.
Sam a esperava no quintal, a recepcionando com um abraço. Fizera algumas perguntas padrão sobre sua viagem enquanto a levava para dentro da casa, lhe oferecendo uma caneca de café que acabara de fazer.
- Certo, eu tenho que perguntar, ... – avisou ele, esperando que a mulher fosse ficar tensa, e se surpreendeu. A morena parecia saber exatamente o que ele planejava falar, e ele não sabia exatamente por que se iludira acreditando que teria outra reação – Você não podia ter mandado alguém me trazer isso? Ou pedido que eu fosse para a Torre? Não precisava ter deixado sua equipe.
riu descrente antes de respirar fundo. Ela conhecia Steve, Thor, e Bruce há um pouco mais de dois anos, Clint e Natasha há sete anos, e seu pai há vinte e cinto. Ela conhecia Sam há quatro meses e se sentia muito mais confortável para falar sobre aquilo com ele, e não tinha nenhuma explicação lógica para isso.
- Quer a resposta honesta? Eu precisava sair um pouco da Torre – confessou ela, e Sam ficou alguns segundos sem reação, o que a fez sorrir. Era ótimo surpreender as pessoas, não dava para negar. Depois de um tempo o homem puxara uma cadeira para se sentar em frente a ela na mesa – Estou mega acostumada a ter muitas funções, mas... Nunca me senti tão cansada como agora. Para você ter noção, vir para cá te ajudar a rastrear um ex-assassino desmemoriado foi a primeira ideia que me surgiu quando estava procurando algo para espairecer.
- Isso é bom! – festejou o moreno, a deixando confusa – Não o que você está passando, mas você estar começando a aceitar que está exigindo demais de si.
- Desculpe? – resmungou ela, franzindo o cenho e cruzando os braços.
- Estresse pós-traumático. Pessoas reagem de formas diferentes. Você se afundou em trabalho, pegando mais responsabilidades do que pode cumprir – disse Sam, com uma naturalidade que a incomodou – Está tentando provar que é capaz.
- Pensei que você fosse um soldado, não um psicólogo – acusou-o . Era um tanto absurdo o número de avaliações psicológicas que os agentes da S.H.I.E.L.D. eram submetidos durante sua carreira, mas lá pelo menos se recebia um aviso de quando isso ia começar. Sam começara a analisar do nada e a mulher se sentia exposta.
- Também já passei por isso, fui afastado logo depois. Quando aprendi a lidar com isso, achei que seria uma boa ajudar outras pessoas na mesma situação – contou o homem, rindo por agora conseguir ver o desconforto de sua visitante. Mesmo que não tivessem convivido um pouco nos últimos meses, ele sabia que a mulher era difícil de lidar, por isso tentou manter o máximo possível a conversa como se fosse sobre qualquer outro tema – Como está sendo até agora?
- Tem hora que sinto que estou bem até demais, já outras me sinto mais inútil do que depois do atentado – suspirou , se dando por vencida. Ela queria falar sobre aquilo, e Sam queria ouvir. Não tinha motivos para tentar desconversar – É bem confuso.
- Pesadelos? Flashbacks? Crises de ansiedade? Ataques de pânico?
- Essas mil perguntas de uma vez com certeza estão me dando pânico – brincou ela, embora no fundo seu desconforto tivesse aumentado consideravelmente com aquele interrogatório escancarado – Pesadelos no começo, agora nem tanto. Flashbacks às vezes começavam quando ouvia algum barulho alto, como tiros ou vidro quebrando, melhorou um pouco depois do teste psicológico.
- Steve me contou sobre isso, foi... brutal, para dizer o mínimo – comentou Sam, incomodado – Um dos motivos por eu não ter insistido muito em ir para Torre ao invés de você vir para cá, foi para evitar uma conversa bem séria com o Barton por ter permitido aquilo. Não se trata um trauma quase causando outro.
- Eu já tinha passado por algo parecido quando estava em recuperação depois do ataque do Loki, não foi nenhuma novidade – saiu em defesa do arqueiro, achando graça da expressão emburrada do moreno – E eu genuinamente me sai bem nos dois, não fingi. Não voltaria para o campo se não estivesse pronta, seria bem mais traumático se eu fizesse isso.
- Você continua bem consciente das coisas, isso é bom. Está lidando muito bem com isso. Só deveria diminuir o ritmo um pouco – aconselhou ele, não surpreso ao vê-la revirar os olhos – Deixar os outros Vingadores fazerem o trabalho por um tempo, só para variar. Pode fugir para cá sempre que quiser.
- Como se eu não tivesse muita coisa para fazer aqui... – brincou ela, terminando seu café e se levantando para colocar a caneca na pia – Alguma novidade do Barnes?
- Só que é difícil rastrear um fantasma, mas a gente já sabia disso – suspirou o homem, também se levantando – Minha dispensa está meio vazia, então vou sair para comprar alguma coisa. Quer vir junto ou quer ficar brincando com o traje?
considerou as opções por um certo tempo, e acabou optando por ficar na casa trabalhando. Não era uma tarefa estressante ou de muita pressão, era algo que ela gostava de fazer. Além do mais, não era uma boa ideia se demorar mais do que um dia na casa de Sam. Ela tinha tirado um dia de folga, não a semana. A qualquer momento podia ser chamada de volta, e queria ter terminado o que viera fazer quando isso acontecesse. Não que tivesse muita coisa para fazer, mas já tinha aprendido que era melhor não tentar prever os passos da HYDRA.
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Sam mais ria do que contava sua história de quando ainda fazia parte da Aeronáutica, e acabava rindo junto mais pela risada alta do homem do que pela história, já que não estava conseguindo entender muita coisa. Um som de notificação diferente saiu do bolso de sua calça, e por alguns segundos ela considerou ignorar o aviso, até sua mente começar a se perguntar o motivo de nunca ter ouvido aquele som antes. Um som diferente para cada tipo de notificação era uma forma fácil de saber se ela queria ou não checar o alerta. Ela não reconhecer o som queria dizer que se travava de algo que ela não tinha tido resultados até o momento. Sam notou a postura relaxada da mulher voltar a ficar tensa, e até chegou a se questionar se tinha dito algo errado, até assistir ela tirar o celular do bolso, agitando o aparelho para que um holograma fosse criado a sua frente, ampliando as informações que recebera.
A imagem de Bucky Barnes flutuando em sua frente fez com que ele logo se sentasse ao lado da morena.
- Que bizarro... – ofegou , os olhos passeando pelas informações. Duas fotos de locais diferentes e horários próximos demais para ele ter conseguido se locomover de um para o outro sem atrair atenção demais. O programa que estava lhe dando retorno era o que utilizava das câmeras de segurança na região, sendo imagens de um dos museus do Smithsonian e do Memorial Nacional da Segunda Guerra. Se Barnes tivesse ido de um para o outro naquela velocidade, alguma coisa já teria aparecido nas redes sociais e ela teria sido notificada – A compatibilidade de imagem é de setenta por cento, difícil acreditar que é coincidência.
- O museu do Smithsonian de História Americana nãos está com uma exposição sobre o Capitão? – lembrou Sam, conquistando a atenção da mulher, que tinha a respiração descompassada – Você passou o teste psicológico, . Não me diga que eu vou ter que lidar com você passando por um ataque de pânico.
sequer estava se exaltando por estar imaginando um novo confronto com Barnes, mas Sam se referir àquilo não lhe ajudara muito. Eram tantas dúvidas em relação ao soldado que ela chegava a ficar um pouco tonta toda vez que aquilo voltava a sua mente. Sempre que revivia o acidente de carro mentalmente, não era mais uma sombra que via do lado de fora do veículo a encarando, mas sim o rosto sombrio do homem, e parecer estar perto de tirar aquela dúvida de uma vez por todas parecia assustá-la mais do que realmente ter uma confirmação. Naquelas últimas semanas aquela suposição havia se tornado sua maior incógnita da vida: se Barnes realmente fosse o responsável pelo acidente, como diabos ela e seu pai reagiriam?
- Não é nisso que eu estou pensando! – ralhou ela com o homem, percebendo que estava muito tempo em silêncio e que era melhor começar a verbalizar suas dúvidas não tão pessoais – Acha que ele lembra alguma coisa? Está tentando criar alguma conexão?
- Ligamos para o Steve? – questionou Sam, e ela parou mais uma vez.
Era realmente uma boa ideia?
- J.A.R.V.I.S., essas informações foram para a Torre? Mais alguém foi notificado? – perguntou ao aparelho. Se mais alguém tivesse sido avisado, não tinha motivos para tentarem esconder a operação. Quando o sistema negou, ela até respirou mais aliviada – Vamos tentar lidar nós dois primeiro? Colocar o Rogers na frente dele talvez possa ser um pouco demais.
- Boa estratégia – concordou Sam, assentindo com a cabeça, com certo teor de sarcasmo em sua voz – E por que Barnes confiaria em nós?
- Tenho a sensação de que ele me ouviria – respondeu ela, se levantando e seguindo para a mochila que trouxera, tirando de seu interior um par de comunicadores, entregando um para Sam enquanto encaixava o aparelho no próprio ouvido.
- Quero saber o motivo?
- Certo, temos duas localizações – desconversou , já que não poderia responder honestamente à pergunta que recebera – O Memorial é um local mais aberto, então é melhor eu ficar com essa área já que eu consigo persegui-lo se ele tentar fugir.
- É, eu não gostei dessa história – cortou-a o homem enquanto cruzava os braços, mas a seguindo para fora da casa – O cara é perigoso, até para você. Se vamos nos separar, então nada de abordar o cara enquanto estiver sem companhia. Não sabemos como ele pode reagir. Nem você.
- Obrigada pela confiança, Wilson – resmungou , mas concordava com ele. Em qualquer cenário. Imaginar Sam entrando em confronto com o soldado não lhe parecia nada bom – Mas tudo bem, sem contato até estarmos juntos. Agora vamos nos apressar antes que percamos ele mais uma vez.
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Já começava a escurecer quando os dois se separaram, com tentando se concentrar na presença de Barnes mesmo sabendo que era quase impossível conseguir localizá-lo dessa forma. Por ser apenas um dia da semana comum, o número de visitantes era bem menor que o de costume, ainda mais por se aproximar o fim do dia. A mulher não gastara tanto tempo no Monumento, adentrando mais ao parque para tentar sua sorte, sempre abordando um segurança quando avistava um, descrevendo superficialmente Barnes, mas nenhum deles se lembrava de ter visto alguém assim. - Talvez nos dividir não tenha sido minha melhor ideia – suspirou a voz de Sam em seu ouvido, assim que ela agradeceu mais um guarda pela atenção.
- O que aconteceu? – indagou ela de uma vez, mesmo sem sentir na voz do moreno algo que indicasse ele estava em perigo ou algo do gênero. - Estou preocupado com você – resmungou Sam, como se constatasse o óbvio – Não posso te devolver com arranhões. Rogers me mata se acontecer algo contigo.
- Se você estivesse aqui, teria ganhado um soco. Ou eu posso guardar o soco para mais tarde – avisou , se distraindo um pouco da conversa. Havia algumas pessoas ao seu redor, todas aparentemente distraídas com seus celulares. O estranho é que ela não sentia nenhuma movimentação neles, como se estivessem apenas a encarar a tela de seus aparelhos – Eu estou preocupada com você se machucando, e Steve vindo me dar sermão por ter te deixado sozinho. E por não ter avisado ele antes. Engraçado, não é? O plano não está mais parecendo uma boa. Por que você concordou comigo? Rogers vai como o nosso fígado. - Onde você está?
- Perto do lago – respondeu a mulher, franzindo o cenho quando notou um homem um pouco mais velho do que ela a encarando, sentado abaixo de uma das árvores do parque. Ele parecia nervoso, assustado, mas tinha um excelente autocontrole, já que seus batimentos cardíacos que o entregavam, não sua postura. No mínimo ele deveria tê-la reconhecido e imaginava que ela estava em missão, o que seria um bom sinal de que o local não era seguro. - Vem para o museu – pediu Sam, e ela bufou, deixando que seus ombros caíssem – Se era ele mesmo, ele já deve estar longe. Nossa melhor chance agora é tentar seguir ele com as câmeras de segurança da cidade. E para isso preciso do seu rostinho bonito e do nome poderoso para enrolar a segurança do museu.
riu de leve, já pronta para retrucar, só que a resposta nunca chegou a deixar seus lábios. Pela visão periférica, a mulher localizara uma pessoa que não sentia a presença, e foi a sua vez de ter os batimentos acelerados, completamente fora de seu controle. Era como se mais uma vez estivesse dentro do carro, dentro do quarto de hotel, ou no andar da academia quando o teste psicológico foi realizado. Mas aquilo não era o que mais a assustava: quem quer que fosse aquela pessoa, não era o Barnes. Por mais improvável que pudesse ser, mais alguém era exceção para suas habilidades, e isso não deveria ser um bom sinal. Sam a chamou várias vezes, mas a parte do cérebro de encarregada da fala tinha perdido o controle para a curiosidade. A pessoa que ela não sentia a presença a encarava de volta: um homem alto, algo como dois palmos mais alto que ela; provavelmente da sua idade ou um pouco mais velho; cabelos curtos e escuros, assim como seus olhos; e de pele um tanto bronzeada. Suas roupas não condiziam com o clima infernal dos últimos dias, vestindo o que parecia ser um material resistente e escuro, até que parecido com o uniforme do Soldado Invernal. Como se sentindo o olhar da mulher em sua direção, o homem de virou minimamente, mas já estava longe, andando o mais rápido que podia sem parecer suspeita. Ela podia estar imaginando coisas ou não, o fato era que precisava sair dali o mais rápido possível.
- Sam... – murmurou ela, levando uma mão à orelha – Liga para o Steve. Eu estou cercada.
- Você o q...?! – Sam provavelmente não gritara a frase pela metade, mas foi apenas aquilo que ouviu. Alguém esbarrara em seu ombro, comprometendo seu equilíbrio, só que aquilo não era o que a surpreendera: definitivamente não estava sentindo a presença de quem quer que aquela pessoa fosse.
Seus instintos gritavam para que ela corresse, mas a mulher continuou sentada no chão, olhando para o estranho com os olhos arregalados.
- Você está bem, Dominik? Parece que viu um fantasma – brincou o homem, sua voz carregada de um sotaque que ela não teve dificuldades de classificar como russo, se abaixando a sua frente e lhe estendendo a mão – Me deixe te ajudar.
O mais bizarro era que o homem lhe parecia estranhamente familiar, como se já o tivesse visto antes. Só que não acreditava que sua mente seria capaz de simplesmente esquecer alguém como ele. Enquanto era naquele momento a personificação da confusão, o homem parecia incrivelmente satisfeito, e ela sequer precisava recorrer aos seus poderes: estava tudo muito bem estampado em seu sorriso contente, no brilho estranho de seus olhos. Finalmente dando atenção a sua mente que implorava que ela se afastasse, encaixara um chute no peito do homem, correndo para longe enquanto ele se levantava. Algo lhe dizia que mesmo se tentasse localizá-lo visualmente, também não obteria sucesso, então a morena apenas correu até seu corpo decidir que não queria continuar naquela atividade.
Desajeitadamente, se escorou em uma árvore próxima, fechando os olhos com força para não ver as sombras que começavam a se formar que pareciam confundir ainda mais seus sentidos já fora de ordem. Por mais que tentasse assumir o controle, ela continuava a hiperventilar, o que apenas aumentava a agonia que sentia já que seu peito também começava a doer, tirando por completo sua concentração. Um suor frio escorria por sua testa, chegando a se unir às lagrimas de desespero que escapavam de seus olhos.
- Mas que ótimo momento para ter um ataque de pânico – grunhiu ela, fazendo um esforço extremo apenas para levar uma mão ao comunicador e tentar contatar Sam novamente. Só depois de chamá-lo algumas vezes que percebeu que o canal chiava, provavelmente sofrendo alguma interferência. Levando a mão livre para tampar a boca no intuito de abafar os sons que estava produzindo, a mulher tirara o celular do bolso da calça, apertando o botão de chamada de emergência, que fora atendida por seu pai antes mesmo do primeiro toque.
- , preciso que você me diga o que está acontecendo – pediu Tony, agradecendo pelo seu capacete fechado não permitir que o resto da equipe pudesse ver seu estado deplorável. Segundos depois da ligação de Sam eles já estavam todos prontos, e nem toda aquela agilidade conseguia tirar a sensação de que eles estavam atrasados demais, longe demais. O que quer que fosse que estivesse acontecendo, precisava deles agora – ? J.AR.V.I.S., a localização dela, agora.
- Rastreando, senhor.
Tony ficou em silêncio na linha, dando espaço para que ela explicasse o que estava acontecendo, mas a morena parecia copiar seu gesto. Ele só entendera o que acontecia quando conseguiu compreender como soluços abafados o único som da linha, e ali o homem também perdera a linha. Com um estrondo por estar de armadura, Tony se sentou no chão da nave sob os olhares atentos do restante da equipe. J.A.R.V.I.S. até lhe explicara momentos depois que sua filha estava passando por um ataque de pânico, mas foi uma informação desnecessária. Tony sabia muito bem identificar um ataque de pânico, tanto que podia dizer que estava passando por um agora também.
- ... – murmurou ele, abrindo o capacete para respirar melhor. Tony já tinha tanta familiaridade com aquilo que agora até conseguia controlar precariamente sua respiração, embora sentisse que ela poderia se rebelar a qualquer momento – Preciso que você se foque em respirar mais devagar. Esqueça todo o resto. Sam já está chegando.
- Não, peça para ele dar meia volta. Ele também está desarmado, não coloque mais pessoas em perigo – alertou a mulher, minimamente mais calma, até tentando olhar para os lados para ter certeza que estava sozinha – Tem... Tem um homem. Eu não sei quem ele é. Tem algo errado com ele. E ele não está sozinho. Eu fui desleixada...
- Errado como, ? – incentivou Tony, embora temesse a resposta. Todo o ar de seus pulmões lhe escapou quando a voz falha de sua filha murmurou “ele é um fantasma, como o Barnes”. O nome de Barnes ressurgir naquele momento apenas fez como que o homem regredisse alguns meses, de volta para quando estava despreocupadamente jogado em seu sofá e recebera a mensagem de emergência da filha. Poderia não ser o mesmo atacante, mas com certeza era a mesma fonte – ? Consegue sentir a presença de mais alguém? Algum grupo de civis? Ótimo, quero que você corra para eles. Fique na multidão. Entendido?
Tony até chegara a respirar um pouco mais aliviado quando ouviu a filha concordar. Até um estalo alto preencher a linha, seguido pelo ruído que talvez fosse do aparelho caindo no chão, com um chiado característico da conexão perdida preenchendo seus ouvidos. O homem se virara para a equipe quando a morena não respondeu o seu chamado, encontrando o que ele acreditava ser um reflexo de sua expressão nos outros, principalmente em Steve, que ainda estava com Sam na linha. Thor foi o primeiro a ter coragem de perguntar o que acontecera, agora mais preocupado do que nunca, já que pesadas lágrimas ameaçavam cair dos olhos de Tony.
Ele dissera apenas uma palavra antes de fechar o capacete e seguir para a área de embarque da nave, abrindo as comportas e sumindo na imensidão do céu.
“Tiro”.
suprimiu o grito que quis lhe escapar pela garganta assim que sentiu o ombro do braço que segurava o celular ser perfurado por um projétil, indo ao chão pela força do impacto. Na queda, seu celular sumira do seu campo de visão, mas a mulher não se preocupava mais com o aparelho, estava mais ocupada em localizar o atirador, o que não foi difícil, já que ele não se preocupara em se esconder.
Da melhor forma que podia, a mulher girou o corpo no chão, segurando com a mão livre o ombro atingido, estranhando a quantidade de sangue que saia tanto pelo ferimento de entrada como de saída. Controlar hemorragias era parte do pacote automático de suas habilidades, e parecia não estar funcionando. O atirador estava há um pouco mais de cinco metros a sua frente, com o sorriso ainda mais largo. Com passos lentos ele começou a se aproximar, e não recuou. A arma que ele usara ainda estava em suas mãos, e, se ele era outro super soldado, deveria ter uma mira boa o suficiente para atingir um alvo ágil como ela em movimento. Precisava tomar cuidado com qualquer ação que fosse tomar.
- Achei que seria interessante você assustar um pouco mais o papai Stark, mas não posso deixar que você saia do meu campo de visão, Nikky – suspirou ele, parando quando chegou próximo a marca de um metro – Demorou demais para eu ter permissão de colocar a emboscada em ação. Você não vai a lugar nenhum.
- Acho que você atirou a pessoa errada, cara – resmungou , tentando se levantar e só então percebendo que seus sentidos estavam comprometidos. Depois de tantos anos no campo, a mulher já estava acostumada em ser alvejada, só que aquele episódio tinha mais algo que o tornava ímpar: se não estava endoidando de vez, parecia que tinha alguma toxina entrando em seu sistema pelo ferimento, o que estava bagunçando seus sentidos – Até agora você me chamou de dois nomes diferentes e nenhum deles é o meu. Se quer matar alguém, pelo menos vá atrás da pessoa certa.
- Não posso dizer que estou surpreso por você responder apenas por ... – o homem forçou uma risada, com o nome da mulher soando estranho em sua voz, quase que como um xingamento. Dando de ombros, ele guardou sua arma no coldre preso em sua coxa – Você vai apagar nos próximos minutos, não vou precisar dela...
- Vocês não querem me matar – constatou , quase que ignorando que seu tempo para se salvar estava se esgotando – Se fosse me matar, já teria feito.
- Pensei que você tivesse percebido isso na Polônia – estranhou o homem, cruzando os braços em frente ao peito e franzido o cenho de forma divertida – Stuart definitivamente percebeu naquele dia que ameaçar a sua vida não é a coisa mais inteligente a se fazer.
- E o que você está fazendo exatamente, querido? – retrucou ela, usando o braço bom de apoio para se levantar devagar e cambaleando – Aquele cara não atirou em mim, mas você atirou.
- Por favor, esse buraco no seu ombro amanhã não vai passar de uma manchinha que vai desaparecer até o final da semana – riu ele, dando de ombros – Um mal necessário, infelizmente.
As pontas de seus dedos já estavam dormentes, seus membros não estavam mais respondendo com a mesma agilidade, mas mesmo assim tentara um último ataque, nem que fosse apenas para ganhar tempo. Ou ela estava realmente lenta demais, ou o homem apenas esperava que ela fosse tentar aproveitar aqueles últimos momentos de consciência, facilmente bloqueando todos os golpes no último instante, como se quisesse que ela acreditasse que poderia derrotá-lo. Quando sua visão também fora comprometida, o homem segurou seu pulso no meio do caminho, o trazendo para perto de seu peito enquanto o seu braço livre passava por trás da cintura da morena, a mantendo no lugar no exato momento que suas pernas cederam.
- Добро пожаловать обратно, сестра – sussurrou o homem contra seu ouvido, beijando sua têmpora em seguida. Enquanto caia na inconsciência, o que mais estranhou não foi o gesto carinhoso, ou ter entendido a frase em russo com a naturalidade que compreendia inglês. Foi o seu significado.
“Bem-vinda de volta, irmã”.
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O dia começava a amanhecer quando os Vingadores retornaram para a Torre, sem uma de suas integrantes. Como não tinham conseguido nenhuma pista a ser seguida em Washington e eles começavam a chamar a atenção lá, o retorno foi uma decisão unânime, embora não fosse o desejo de ninguém. A vontade de todos era de derrubar a HYDRA naquele exato momento, custasse o que custar. Eles precisavam salvar , e não saber por onde começar estava lentamente destruindo a sanidade de cada um. Sam era o mais quieto e afastado do grupo. O próprio Steve tentara consolá-lo nas últimas horas, dizendo que nada daquilo era sua culpa, mas não era assim que o homem se sentia. Se tivesse questionado a decisão da mulher de irem sozinhos averiguarem as pistas recém-adquiridas, ela não teria caída na emboscada sozinha, não teria sido capturada. Se tivesse sido um pouco mais firme em se opor as decisões dela, estaria em casa com todos eles. Steve e Tony eram um caso à parte. Ambos tentavam manter a imparcialidade com a situação, tentando encarar aquilo como apenas um membro da equipe sequestrado, mas estavam falhando com maestria. Tony ainda conseguia estar em um lugar completamente diferente do soldado: não era apenas alguém do seu sangue que fora capturado, mas ele também falara com ela por último, sentira na própria pele o desespero que a mulher estava sentindo. não se desesperava com muita coisa, e a situação se mostrara mais perigosa do que eles imaginaram no primeiro momento.
Todos estavam exaustos mentalmente, mas ninguém se recusou a se reunirem em um dos laboratórios de Tony para analisarem o material que conseguiram do parque. Bruce e Natasha insistiram para que deixassem que eles tomassem a dianteira ali, poupando um pouco Tony, que a cada segundo parecia prestes a ter outro ataque de pânico. A mulher também se voluntariou para deixar Clint se remoendo mais um pouco em pensamentos. Ela não sabia exatamente o que, mas sabia que o arqueiro estava escondendo algo. Ela o conhecia bem demais, logo ele desembucharia de uma vez, e ela já começava a se preparar para um sermão.
- Por que eles a capturariam? – Bruce pensou em voz alta enquanto aumentava o zoom do vídeo de esbarrando com um homem. Algo lhe soava incrivelmente errado: não era fácil de conter, drogas não funcionavam em seu organismo, e ela ainda era completamente imprevisível. E mesmo assim eles conseguiram capturá-la. O que diabos eles poderiam ter contra ela para conseguir tamanha façanha?
- Isca? – arriscou Thor, atraindo a atenção do cientista – Mesmo se ela não fizesse parte da equipe, recuperá-la seria nossa prioridade. Ela tem conexões demais conosco.
Bruce até chegou a abrir a boca para explicar que não achava que eles fariam uma manobra tão arriscada, mas foi interrompido pelo estrondo alto de um móvel caindo.
- Mas que p...! – grunhiu Clint, chutando uma cadeira para longe, os dedos puxando com desespero o próprio cabelo em seguida. Toda a equipe se sobressaltou com a explosão do arqueiro, com exceção de Natasha, que quase sorria satisfeita pelo homem ter cedido praticamente no prazo que ela estipulara – Eu vou achar essa garota e nunca mais eu acredito nela! Nunca mais ela vai sair do meu campo de visão. Nunca mais!
- Só diga o que você estava escondendo, Barton – ordenou Natasha, e ele se entregou ainda mais ao respirar fundo e deixar os ombros caírem.
- Um agente da HYDRA podia tê-la matado na missão em Polônia e não matou. Ela estava amedrontada, mas não quis admitir – contou ele, evitando manter contato visual com qualquer um – Parecia paranoia demais pensar que eles podiam tentar capturá-la.
- Engraçado que agora eles conseguiram, não é? – continuou a ruiva, ciente de que os outros iriam precisar de mais um tempo para absorver a informação antes de questionar o arqueiro – Por que não nos contou isso?!
- Porque soava paranoia demais! Até eu concordei com ela! – retrucou ele, exasperado. Clint não deveria ter lhe dado ouvidos, acreditando que era apenas um caso isolado que não precisava de atenção. Wilson estava se culpando, mas na verdade todo o peso estava em suas costas. Ele era o que conhecia melhor a mulher, sabia que ela estava assustada, e mesmo assim concordara com ela. Do que adiantara se esforçar para ficar sempre em seu encalço durante as missões seguintes? Por que acreditara que de volta para casa ela estaria segura? O arqueiro havia sido tão ou mais ingênuo do que ela, e ele nunca se perdoaria – não é o tipo de pessoa que se mantém como refém. É idiotice! Ela é forte, é inteligente, é rápida. É perigoso manter um refém assim.
- Então para que eles iriam a querer? – questionou Bruce, a pergunta que todos temiam a resposta, embora tivessem uma boa noção.
- Eu não sei – o desespero na voz do arqueiro pegou a todos desprevenidos. era sua protegida, e ele falhara. Ele sabia que precisava se manter centrado para resgatá-la, mas parecia quase impossível manter o foco. A mulher até aquele dia já tinha passado por algumas missões um tanto complicadas, algumas até resultando em cativeiro, só que aquela vez era diferente. Não fora resultado de algum erro de estratégia: eles estavam atrás pessoalmente dela, e não saber o motivo era tão perturbador como se soubessem.
- Eu não devia ter deixado ela sair sozinha – resmungou Sam baixo, passando as mãos pelo rosto em um movimento nervoso.
- Exato – concordou Tony, antes que Steve pudesse recomeçar a história de “não é sua culpa”.
- Não é culpa de ninguém – se intrometeu Natasha, sem conseguir não fuzilar o homem com os olhos. Ela entendia que não estava sendo fácil especialmente para ele, mas não tornaria as coisas melhores ficar distribuindo culpa – Há um motivo por eles terem a capturado sozinha: eles esperavam por esse momento. Não pode ter sido uma coincidência. Foi a primeira vez desde abril que esteve desacompanhada.
- Você acha que...? – começou Clint, logo sendo interrompido pela explicação da ruiva.
- Qual é...! Duas supostas localizações diferentes do Barnes em uma área pequena? Até nós teríamos optado por nos separar – disse a espiã, olhando rapidamente para Sam, deixando claro que o plano dos dois não fora tão ruim assim – Foi algo planejado. O que quer seja que eles querem com , foi algo planejado a mais tempo.
- O rosto de um dos homens bate com um antigo registro¬ – anunciou J.A.R.V.I.S., ampliando a imagem congelada do vídeo e colocando ao lado do resultado de sua pesquisa – Esse é o homem de quem ela estava correndo, senhor.
- É da noite que nós saímos para jantar... – ofegou Steve, se aproximando mais do centro do ambiente, parando em frente aos hologramas, sem saber o que fazer. Aquela foi a primeira vez desde que eles se mudaram para a Torre que ela saíra com pouca companhia. Enquanto eles estavam se divertindo, a HYDRA estava à espreita, planejando tirá-la deles – Você está certa, Nat. Era algo planejado. Eles estavam a seguindo.
- Agora é descobrir para que eles a querem tanto – suspirou a espiã, tentando buscar em sua memória o rosto do sequestrador, mesmo sentindo que não lhe era familiar.
- Não já sabemos isso? – arriscou Bruce, tirando os óculos e os colocando sobre a mesa ao seu lado, com cuidado tanto na ação como na sua fala – Eles já tinham o cetro. Agora eles têm alguém que evoluiu com ele.
- Ela superou o cetro – lembrou Tony, na defensiva. Já não era ruim o suficiente ter que imaginar sua filha nas mãos daquele tipo de pessoa, agora teria que imaginar ela servindo de cobaia mais uma vez?
- Ou eles podem apenas estudá-la para entender como fazer isso em outras pessoas – acrescentou Thor – Também não soa nada bom.
- Precisamos resgatá-la, e logo – concluiu Steve, rumando para a porta do laboratório – Continuem a procurar pelo cetro. Se encontramos um, encontramos o outro.
Ninguém se opôs à saída do soldado, e ele agradeceu silenciosamente por isso. Ao entrar no elevador, J.A.R.V.I.S. perguntou para onde ele queria ir, sem obter resposta por alguns longos minutos. Qualquer lugar para que fosse se lembraria da mulher: em seu quarto ainda estava jogado em um canto um dos seus uniformes que eles se esqueceram de mandar para a lavanderia depois da última missão; o laboratório e o quarto de – que praticamente tinha se tornado seu quarto nos últimos meses – eram praticamente uma extensão da mulher, até mesmo o ar tinha um pouco do seu cheiro. Steve se sentia perdido, culpado. Tudo acontecera por causa de um deslize tão bobo que chegava a ser difícil de acreditar. A ideia de ser superada e ser capturada também não parecia certa. O fato de há semanas ela ter percebido algo errado e ele não ter notado alguma mudança nela também o incomodava. Machucava, na verdade. Era sua obrigação ter percebido aquilo logo, ter tomado alguma providência a respeito. Não era exatamente raiva que o soldado estava sentindo em relação a Clint, talvez fosse inveja. confiara mais no arqueiro do que nele, e as coisas desandaram. Se tivesse levado aquela informação a ele, nem em outra vida teria concordado em permitir que ela deixasse a Torre desacompanhada, muito menos tentar liderar uma operação como a que tentara na capital. Perceber que aquilo só estava acontecendo porque não fora mais atento estava o matando por dentro.
Principalmente pela familiaridade da situação.
Quando Bucky fora capturado pela HYDRA durante a Segunda Guerra, fora cobaia para os testes de Zola, e por isso sobrevivera à queda do trem, retornando mais tarde como o Soldado Invernal. Agora eles tinham e o objeto que um dia tivera poder sobre ela. Steve não queria imaginar que tipo de objetivos eles tinham em mente para sequestrar a mulher, mas não conseguia pensar em nada bom. Tinha medo do que encontrariam quando a encontrassem, e essa era uma certeza.
Eles a encontrariam. Eles destruiriam a HYDRA mais uma vez, e agora com muito mais empenho.
Ele teria sua garota de volta.
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sentia que tinha dormido por mais horas que o necessário, e mesmo assim um cansaço estranho ainda dominava seu corpo. Sua cabeça latejava de leve, e seus olhos pesavam, dificultando a tarefa de determinar onde estava. O mais estranho era não estar conseguindo acessar os dados que seus outros sentidos deveriam estar lhe entregando: seus ouvidos pareciam estar cheios d’água, não conseguindo captar com clareza os sons do ambiente; seu nariz parecia estar impregnado por alguma substância que ela desconhecia, de cheiro forte que a deixava um tanto tonta; toda sua pele estava dormente, e ela estava coberta do que deveria ser suor. Algo definitivamente estava errado, e ela temia conseguir respostas. Algo em sua mente parecia lhe avisar que não queria trazer à tona suas últimas memórias antes de apagar, mas ela não tinha muitas opções.
- A princesa acordou...! – comemorou uma voz desconhecida, o que fez com que levantasse a cabeça em um movimento lento, sentindo seu pescoço duro pelo que provavelmente foram horas naquela posição. Seus olhos aos poucos foram ganhando um pouco mais de força, se abrindo lentamente para tentar identificar o local em que estava. Uma sala ampla e praticamente vazia, sem janelas e escura, ar escasso. Subsolo. Onde quer que estivesse, estava no subsolo. Não era de se estranhar, na verdade. A maior parte das bases da HYDRA era subterrânea. HYDRA. A emboscada. Aos poucos a compreensão foi tomando sua mente, rapidamente se arrependendo por sua curiosidade. Ela definitivamente não queria saber onde estava – Você parece tanto com Valerik que chega a ser assustador!
- Qual o problema desses idiotas me chamarem pelo nome certo? – resmungou ela sem pensar direito, apenas se lembrando de que quem quer que fosse o outro fantasma que enviaram para ela também a chamara por nomes que não eram o seu. Tentando se mexer, então percebeu que estava presa em uma espécie de cadeira: ambos os braços estavam presos por uma grossa trava de metal, assim como seus tornozelos. Um arrepio frio passou por seu corpo quando ela tentou forçar sua saída, mas mal conseguiu tencionar seus músculos como de costume.
De alguma forma, ela se sentiu inutilizada.
- Eu não gastaria minhas forças para tentar me soltar daí... – suspirou o homem o tal homem, arriscando mais alguns passos em sua direção, e então pode vê-lo com mais detalhes: um homem que deveria ter entre cinquenta e sessenta anos, os cabelos escuros salpicados de fios brancos, assim como sua barba grossa, olhos azuis gélidos, e provavelmente da sua altura ou um pouco mais alto. Seu sotaque, assim como o do outro fantasma, também era russo, só que ainda mais carregado, como se usasse pouco o inglês ou apenas se recusava a abandonar os sons de sua língua materna – Isso foi construído para segurar o Soldado Invernal, e no momento você parece uma piada perto dele.
Inconscientemente, parou de respirar. A menção de Barnes ao mesmo tempo a assustava como também a deixava irritada. Eles haviam destruído o homem que um dia ele fora para criar uma máquina assassina, que ela acreditava já ter sido mandado para ela pelo menos duas vezes. E agora ela estava ali, sob a posse deles. De alguma forma, eles sabiam que ela estava atrás do soldado, o usaram para atraí-la para aquela emboscada, na qual ela caíra como um maldito patinho. Não importava muito no momento as motivações deles para a levarem para aquele lugar, naquele instante estava apenas irritada. Principalmente por não conseguir fugir da maldita cadeira. Enquanto ela tentava estratégias diferentes para se libertar, o homem passou ao seu lado, buscando no canto da sala uma cadeira simples de armação escura, arrastando o material até voltar a sua frente.
- Não vou mentir e dizer que não estou surpreso com seu atual estado... Claro que você teve uma leve ajudinha daquele asgardiano, mas não vamos tirar seu mérito – sorriu o homem enquanto se sentava, apoiando os braços no encosto da cadeira e apoiando o queixo nas mãos – Você se tornou forte. Mais forte que eu e sua mãe jamais poderíamos imaginar.
- Sim, ser louco é um pré-requisito da HYDRA... – bufou , revirando os olhos antes de tentar mais uma vez forçar seus músculos a lhe obedecerem, falhando mais uma vez.
- Mas que cabeça a minha...! Nos vimos faz um certo tempo, você não deve se lembrar de mim, naturalmente – riu o homem, lhe estendendo a mão direita com um sorriso maldoso nos lábios, já que ela não poderia concluir o cumprimento. Ele estava definitivamente se divertindo com a cena – Sou Krigor Ivanov. Você conheceu meu filho, Petr, que te trouxe até aqui. E você também chegou a conhecer por um tempo, embora não se lembre, a mulher que te deu à luz, também conhecida como minha esposa, Valerik.
quis rir, mas aquele nome chegando aos seus ouvidos mais uma vez fez com que ela apenas parasse, como se aceitasse aquilo como verdade. Sua mente ainda estava um pouco confusa, mas não fora a tal Valerik que ele a comparara quando ela acordou? O outro fantasma, Petr, também a chama por outro nome, também russo – Dominik. Haveria uma conexão entre isso?
- O Soldado Invernal me chamou por esse nome uma vez – confessou ela, se surpreendendo por não ter controle sob sua fala. Seu lado mais idiota e curioso precisava de respostas, e aparentemente não se importava com a origem. Estava há meses com aquela incógnita lhe assombrando, e pelo visto ela não sairia daquele lugar tão cedo, não faria mal ter algumas respostas, para variar.
- Eles eram próximos. Valerik foi a responsável pelo Projeto Soldado Invernal por vários anos, até morrer em um acidente – contou Krigor, um tanto desconfortável, embora não soubesse dizer o motivo – Um dia ela perdeu o controle sob o Soldado, e ele a matou sem pensar duas vezes. Talvez sua semelhança com ela tenha o feito recuperar alguma memória, acontece.
- Isso não acontece muito, mas vocês parecem ter me confundido com outra pessoa – resmungou , rindo descrente – Pelo visto eu tenho uma doppelganger bem peculiar.
- Você cresceu sob o nome de Maria Stark, mas esse não é seu nome original – continuou o homem, seu sorriso apenas se alargando, como se tivesse esperado muito por aquele momento. E ele tinha – Você nasceu aqui, na HYDRA, em 20 de abril de 1989, e eu te dei o nome de Dominik. Dominik Valerikovna Ivanova.
- Então você está basicamente me dizendo que eu sou sua filha com essa tal de Valerik? Acha que testes de DNA não foram realizados depois que eu nasci? – debochou ela, rindo alto em seguida, juntando toda a arrogância que tinha para dizer da forma mais orgulhosa possível as três palavras que Krigor mais odiava – Sou uma Stark.
- Nunca disse que minha mulher era uma pessoa descente – retrucou ele, e riu alto e com gosto.
- Sua esposa era da HYDRA, você já deveria ter suspeitado disso – retrucou ela, sorrindo cínica. Krigor umedeceu os lábios, balançando a cabeça em descrença enquanto prendia o lábio inferior entre os dentes, antes acertar um soco com força no rosto de , ouvindo um estalo alto que deveria ser do seu nariz quebrando.
- Não é algo pessoal, mas você age demais como seu pai, e isso me irrita – rosnou o homem, limpando o pouco de sangue da morena que ficara nas juntas de seus dedos. Bem como ele esperava, voltou a rir mesmo com o rosto parcialmente ensanguentado, cuspindo o pouco que se juntara em sua boca no chão ao seu lado antes de voltar para sua pose arrogante.
- Então não passa disso? O homem traído depois de... No mínimo vinte e cinco anos se vinga da esposa falecida matando a filha bastarda? – provocou ela, se fingindo de ingênua – Sem originalidade? Todo esse trabalho para me pegar sozinha... Para isso?
Krigor riu enquanto se levantava, parando em frente a ela apenas para acariciar o rosto da mulher antes de segurar seu maxilar com força, fazendo-a resmungar baixo.
- Você consegue ser tão inocente...! – disse ele admirado, puxando seu rosto para mais perto do dele, levando a mão livre para seus cabelos, os acariciando por breves momentos antes de encher a mão com os fios, os puxando com violência para trás, conseguindo arrancar dela um gemido de surpresa – É como soltar um filhote no meio de um tiroteio!
não retrucou a ofensa, mas manteve o contato visual intenso até Krigor soltar seus cabelos sem delicadeza nenhuma e lhe dar as costas.
- Sua mãe, por mais cretina que fosse, era uma pessoa especial. Esses poderes que você tem... São dela. Valerik não era tão poderosa quanto Petr ou você, mas ela era algo a ser admirado. Havia a teoria de que suas habilidades pudessem ser passadas por lanços sanguíneos, e a HYDRA gostou da ideia – contou ele, voltando para a sua cadeira como se nada tivesse acontecido. – Se fosse verdade, poderíamos começar um programa novo: agentes com a força do Soldado Invernal com as habilidades de Valerik. Seu irmão foi um teste. Um teste extremamente satisfatório, para ser justo. Aí então um dia, depois de um tempo trabalhando disfarçada na S.H.I.E.L.D. e nas Indústrias Stark, ela pediu permissão para dar continuidade ao Programa Presságio... Disse que a equipe já havia aprendido bastante nos últimos quatro anos e que os erros cometidos com a primeira cobaia não seriam cometidos com a segunda, que isso causaria diferenças gritantes entre os dois soldados. E a segunda cobaia é você. Você nasceu para ser uma arma da HYDRA, assim como o querido amiguinho do seu namorado.
- Se com essa história maluca você acha que eu vou aceitar fazer o serviço sujo de vocês, não funcionou – debochou ela, séria. Sua vontade era gritar que ele estava mentindo, mas por mais estranho que parecesse, não sentia que aquilo era o certo a se fazer. No fundo estava questionando suas origens. Tinha tão pouca informação de sua mãe que não seria um absurdo acreditar naquele homem. Sabia que ela trabalhara com seu avô por uns bons meses, mas não sabia se ela teve alguma conexão com a S.H.I.E.L.D. A teoria de que seus poderes pudessem ser hereditários também circulava na agência, por isso ela hesitava em negar aquela história por completo. A HYDRA passara tanto tempo escondida na S.H.I.E.L.D. que não seria de se estranhar alguns de seus agentes terem se infiltrado na empresa de um de seus fundadores. Ou terem enviado seu assassino mais perigoso para matá-lo.
Krigor tinha conseguido plantar a dúvida em sua mente, e isso não era um bom sinal. Ela não podia perder sua mente para um terceiro, não de novo.
- Eu só senti que devia te contar sua história. Afinal, você sempre se sentiu perdida quando criança por apenas saber o nome da sua mãe, não é? – riu ele, vendo a expressão de endurecer, sentindo que tinha chegado em um assunto delicado – Se perguntando o porquê de ser diferente das outras crianças... Por que nunca sentia que pertencia a um lugar... Você pertence a HYDRA, criança. Sempre pertenceu.
- Vocês não conseguiriam pagar minha folha de pagamento – retrucou ela séria, ignorando a parte de sua mente que queria concordar com o homem. Até que fazia certo sentido, não era? Sendo uma criação da HYDRA, como ela esperava ser como as outras crianças, ter uma vida normal? Era realmente àquele lado que ela pertencia? Um inimigo do espaço chega a Terra e vê nela o potencial para ser uma aliada. Era realmente algo que estava tão óbvio? Impregnado em seu sangue? – Nada do que você falar vai me fazer ingressar na HYDRA.
- Meu amor... Eu não preciso dizer nada – riu Krigor, se levantando mais uma vez e agachando a sua frente, estudando os menores traços de seu rosto com cuidado. Ele queria se lembrar daquele momento. Se tivessem mais tempo, mandaria que fizessem uma pintura, não uma fotografia. Queria a garota o máximo de tempo possível ali, temendo pelo seu futuro. Mas como não podia se dar àquele luxo, Krigor se contentou a apenas memorizar a expressão angustiada da mulher – Tem um motivo para você estar presa nessa cadeira, que na verdade é parte de uma máquina. Você não passou muito tempo com o Invernal, mas acho que deve ter certa noção de como nós o mantínhamos sob controle...
Krigor tirou um protetor bucal do bolso e segurando o queixo da morena com força, obrigando-a a abrir a boca, posicionou a proteção entre seus dentes, segurando seu rosto para que ela não tentasse tirá-lo. Sem sequer se dar o trabalho de controlar sua respiração, lutou mais uma vez contra as travas que a mantinha ali, concentrando toda a força que ainda tinha. Lavagem cerebral. Era assim que eles controlavam Barnes. Ele não sabia quem ele era, nem ela saberia. Era isso que eles planejavam, desde o início. Por isso não fora morta na Polônia. Eles nunca matariam outra de suas armas. Barnes tentara lhe contar isso meses atrás: quase como que uma arma reconhecendo outra. Aquela seria sua essência, nada mais. Não importava se tudo aquilo fosse verdade ou não, ela não se lembraria. Tudo que construíra até aquele dia, nada daquilo faria mais sentido. Ela seria usada contra tudo aquilo. Nunca em toda sua vida havia sentido tanto medo.
Ainda segurando o rosto da mulher, Krigor se levantou e puxou o controle da máquina, assistindo com um sorriso o aparelho iniciar o processo, quase rindo ao ver as lágrimas escorrerem pelo rosto da mulher quando sentiu uma espécie de capacete se fechando ao redor de sua cabeça, estremecendo ao conseguir ouvir a corrente elétrica que percorria o material
- Calma, meu anjo... – murmurou o homem, soltando seu queixo apenas para depositar a mão no ombro da mulher que subia e descia no ritmo descompassado de sua respiração – Não é como se isso não fosse doer ou durar uma eternidade, mas você não vai se lembrar disso depois, então não é por completo ruim.
Antes que pudesse pelo menos o olhar feio, o processo começou, e seus gritos puderam ser ouvidos por toda a base.
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Krigor voltou para sala horas mais tarde, sem tirar o sorriso satisfeito do rosto. Toda a equipe do Programa Presságio estava na sala, andando de um lado para o outro enquanto levavam amostras de sangue e relatórios uns para os outros. A mulher ainda estava sentada na cadeira da máquina com a cabeça baixa, mas sem as restrições nos pulsos e tornozelos. Ela parecia completamente alheia à movimentação intensa ao seu redor, ignorando a todos por completo, perdida em seu próprio mundo. Aquela imagem fez com que Krigor se lembrasse do Soldado Invernal: mesma postura, quase que fingindo não estar ali até receber suas ordens. Era um tanto engraçado como a mulher seria tão contrastante em relação ao irmão, se assemelhando muito mais à cobaia do programa original. Enquanto Petr em alguns momentos insistia em desobedecer e contestar ordens, Dominik seria seu oposto. Desacato não faria parte de sua programação, assim como não fazia parte da programação de Barnes. Finalmente eles teriam alguém que seria a mescla perfeita entre os dois programas: a força e obediência do Soldado Invernal e as habilidades e percepção do Soldado Corvinal em uma única pessoa. Era verdadeiramente uma pena eles não conseguirem dar continuidade ao programa e terem outras cobaias.
Não faria mal nenhum ter mais um ou dois, ou um exército deles.
- Então? – perguntou Krigor a Ivan, o atual cientista responsável pelo Programa Presságio, que deixou o monitor em que trabalhava para falar com o homem. Talvez fosse sua animação por finalmente poder trabalhar com a segunda cobaia ou a pressão de ter seu chefe em seu encalço com tanto empenho, mas suas mãos tremiam.
- Ela está enfraquecida, senhor – contou ele, com cuidado. Sabia muito bem que Krigor sempre esperava as melhores notícias, e que nada bom acontecia com o portador de notícias ruins, por isso se apressou em emendar – Não pelo processo para limpar a memória, mas por terem utilizado o soro para deixá-la inconsciente ontem.
- Você disse que seria seguro – lembrou o Krigor, sua expressão aos poucos passando de ansiosa para ameaçadora. Não tinha esperado tanto tempo para que tudo desse errado por um erro tão idiota.
- E teria sido, se o Corvo mais velho não tivesse exagerado na dose – explicou o cientista, se adiantando para um monitor próximo para mostrar os gráficos que fizera nas últimas horas, ilustrando o estado da garota – Um pequeno corte teria sido o suficiente. Um buraco no ombro dela foi exagero.
- Ele trabalhou da melhor forma que pode.
- Sei disso, senhor – concordou ele. Talvez não fosse inteligente culpar o filho do líder da organização. Era um ato no mínimo ousado – Apenas estou frisando que o soro deve ser manuseado com cuidado na garota. O organismo parece ter o rejeitado, por isso ela está mais fraca.
- Rejeitando? – estranhou Krigor, aumentando levemente o tom de voz, o que fez com que alguns auxiliares se sobressaltassem – Ela já passou por isso quando bebê, e não houve rejeição.
- O organismo dela não é mais o mesmo, senhor. Vamos descobrir como lidar com esse empecilho. Pode testá-la, se quiser – Ivan tentou mudar o foco da conversa, pressentindo que sua falta de respostas concretas apenas irritaria ainda mais o homem, esticando o braço em direção à garota quieta em seu lugar, que tinha o olhar travado em algum lugar do chão próximo aos seus pés – Já terminamos a moldagem mental. Ela ainda está no modo primário, então não irá te reconhecer como pai.
- Modo primário?
- Como Barnes sempre ficava, pronto para receber ordens – explicou Ivan, continuando ao sentir que o homem não tinha entendido plenamente – Imaginei que você fosse a querer um pouco mais sociável do que ele, então vamos adicionar essas habilidades. Apenas estamos dando um tempo para realizar alguns últimos testes antes, para deixá-la o menos desconfortável possível.
- Você realmente está trazendo Dominik de volta – riu Krigor, balançando a cabeça em descrença. Aquilo era bom, na verdade. Quanto mais se parecesse com alguém que crescera na HYDRA, melhor. Quanto mais naturalmente ela agisse, pior os malditos americanos reagiriam a sua presença. Ele não precisava apenas de mais uma arma. Krigor precisava de sua filha, e pelo visto ela realmente estava prestes a retornar.
- Vai ser como se ela nunca tivesse saído daqui, senhor – garantiu Ivan, que sorria satisfeito com seu trabalho – Memórias da infância, missões... Até confronto com os Vingadores. Vai ser de extrema importância para quando você a colocar para enfrentá-los.
- E irei assistir de um local privilegiado, se quer saber – sorriu o homem, dando dois tapinhas um pouco forte demais no ombro do cientista antes de puxar uma cadeira e a arrastar até a frente da mulher.
Alguém descuidado poderia achar que ela estava dormindo, mas seus olhos estavam abertos, e mesmo sem foco, estavam atentos. Ela se esforçava para não prestar atenção no que acontecia a sua volta. Curiosidade não era um conceito de seu conhecimento. Não demorou muito para que Krigor conseguisse entender o que Ivan quis dizer sobre ela estar enfraquecida: era algo visível. Naquelas poucas horas que mal completavam um dia de sua presença na base, a mulher estava vários tons mais pálida, algo mais enfatizado pelas escuras olheiras que circulavam seus olhos sem brilho. Os cabelos molhados de suor e fora de ordem aumentavam ainda mais a aparência de doente. Parecia algo simbólico de se pensar, mas ali Krigor não via sequer um vestígio de Stark.
- Soldado? – chamou-a ele, demorando um pouco para ter a confirmação de que conseguira sua atenção. Ele poderia ter deixado a ordem clara em sua voz, mas optara por um tom mais amigável, mesmo sem saber explicar o motivo – Quem é você?
- Pergunta não compreendida – foi a resposta que ele obteve, depois da eternidade que demorara para o olhar da morena encontrar o seu.
- O que você é? – ele reformulou a pergunta em uma questão mais essencial, pensando que talvez aquele bando de cientistas teriam se focado em algo mais simples, sem chegar as complexidades de já formar uma personalidade.
- Uma arma.
- E qual o nome dessa arma?
- O Corvo.
- E a quais outros nomes essa arma responde?
- O Corvo, Soldado Corvinal, Dominik Ivanova, Stark, Agente A.S, Ás – Krigor não se aguentou, gargalhando alto assim que a mulher terminou de listar seus nomes, que permaneceu indiferente mesmo com a reação inusitada de seu interlocutor. Aquilo era música para os ouvidos do homem. Permitir que ela tivesse algum acesso a sua vida até aquele momento era uma decisão inteligente que tirava qualquer tipo de vantagem que os americanos pudessem ter. Barnes fora desestabilizado porque ouvira seu antigo apelido. Agora eles poderiam gritar o nome inteiro para a mulher que ela permaneceria daquela mesma forma: indiferente. Eles não estavam um passo à frente: eles estavam uma maldita escadaria inteira.
- Parece que o Natal chegou mais cedo esse ano...! Bem-vinda a HYDRA, Dominik – sorriu ele, colocando alguns fios do cabelo sujo da mulher atrás da orelha antes de se levantar e voltar sua conversa com o cientista, que assistia tudo ao seu lado – Ivan, quero ela em ação o mais rápido possível. Você tem uma semana para me devolver ela melhor do que nunca.
- S-sim, senhor.
- Quando ela sair do modo primário, mande ela para o Corvo mais velho – ordenou Krigor, já rumando para a saída – Ele vai se encarregar de mantê-la na linha, é bom que ela se acostume com a sua presença.
Ivan assentiu silenciosamente, engolindo em seco. Trabalhava com Petr desde que ele era pequeno, porém isso não significava que tinha algum conhecimento a mais para trabalhar com Dominik. Algo lhe dizia que estaria condenado ao erro se tentasse lidar com a garota como lidava com seu irmão. Precisava pensar em uma abordagem diferente, uma forma de entender seu organismo e o melhorar. E precisava fazer isso rápido.
O tempo não estava a seu favor.
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O som da sola de suas botas ecoava pelo corredor deserto daquela parte da base – não havia nenhuma restrição de circulação naquela área, mas agentes de nível mais baixo não arriscavam cortar caminho por aquela região da instalação por puro receio de encontrar qualquer um dos moradores daquelas portas de mau humor, e agora havia uma porta específica que realmente devia ser temida. A notícia do regresso da outra Ivanov havia se espalhado com velocidade pela organização, e várias dúvidas já eram colocadas a seu respeito. Poucos tinham conhecimento da sua dupla identidade – era uma informação confidencial que apenas membros mais antigos tinham acesso –, e aos membros menos importantes restava apenas especular o motivo da grande ausência da caçula da família. Alguns que já tiveram um rápido vislumbre de sua fisionomia rapidamente fizeram a ligação com Stark, rindo ao erroneamente entenderem que não apenas a HYDRA tinha se escondido na sombra da S.H.I.E.L.D. por mais de setenta anos, mas que tinha uma das possíveis sucessoras à liderança da organização infiltrada até mesmo nos Vingadores.
Petr parou em frente à porta do quarto de sua irmã, relutante se devia entrar ou não, como deveria se portar em sua presença. Suas ordens eram para testar a nova integrante da equipe, mas não podia tratá-la como mais uma simples agente, só que também não podia facilitar as coisas para ela. Ainda tinha o fato de que suas memórias foram apagadas e novas colocadas no lugar, então era ainda mais incerto como ela reagiria a sua presença. Seu pai deixara bem claro que ela agora era sua responsabilidade, mas se esquecera de lhe dar algum tipo de instrução. A mulher do outro lado daquela parede era mais do que nunca uma estranha para ele, mas o contrário não era verdade, o que apenas complicava mais as coisas. De alguma forma, Petr a conhecia – ou pelo menos conhecia a pessoa que ela fora até alguns dias atrás. Ele conhecia um pouco de sua personalidade difícil, mas não sabia se esses traços permaneceriam em Dominik. Até onde sabia, ela poderia ser completamente diferente de e ainda mais diferente do que ele sempre imaginara como ela seria, e isso o assustava.
Irritado com sua própria hesitação, Petr abriu a porta de uma vez.
- Nikky? – arriscou o homem, assistindo a morena terminar de abotoar sua jaqueta, de costas para ele. Seu cabelo comprido agora apresentava um corte reto acima do ombro, um cumprimento que ainda permitia que ele fosse amarrado, se necessário. A mulher se virou em direção da voz, com suas pistolas em mãos, e inconscientemente ele prendeu a respiração. Ela estava tão diferente... Não era apenas a mudança no cabelo, era algo mais essencial. Sua postura estava mais séria, de uma forma que ele nunca vira em . O ar que a rodeava parecia tentar avisá-lo do perigo eminente, que deveria se afastar enquanto ainda tinha tempo. Os olhos que transmitiam cansaço também pareciam estar cheios de descaso, indiferença, algo que Petr via muito no olhar de outro soldado: Barnes. Ambos mentalmente desconstruídos, deveria ser algum tipo de efeito colateral. Um certo alvoroço crescia em seu peito, mas Petr facilmente o controlou – Você sabe quem eu sou?
- Do que diabos você está falando? – estranhou ela, franzindo o cenho enquanto prendia as armas na cintura – Você é meu irmão...? Aconteceu alguma coisa?
- Não nos víamos há um bom tempo... – mentiu ele, sorrindo nervoso enquanto mexia no próprio cabelo para tentar disfarçar, respirando um tanto mais aliviado. Petr não fazia ideia dos detalhes do que Ivan e sua equipe haviam feito com ela, mas até mesmo um pouco de sotaque russo podia ser ouvido em sua voz, o que o fez rir por dentro – De repente você poderia ter se esquecido de mim.
- Claro, como se coisas boas assim acontecessem tão fácil... – retrucou ela, com um sorriso travesso brincando em seus lábios – Os rumores são que eu tenho que passar pelos testes de novo... Você que vai avaliar?
- Temos muito trabalho para fazer... Está pronta?
Dominik soltou uma risada descrente, ajeitando as alças do coldre nos ombros e travando o fecho na frente.
- Nasci pronta – sussurrou ela ao parar ao seu lado e apontar para o corredor – Mostre o caminho, irmão.
Enquanto rumavam para a sala de treinamento, Petr foi acumulando dezenas de perguntas que queria fazer à mulher, mas permaneceu em silêncio. E se ele dissesse algo errado e revertesse todo o processo? Steve Rogers havia conseguido confundir o Soldado Invernal com apenas uma palavra, e o número de vezes que ele passara por aquele procedimento era grande demais para ele ter conhecimento. Dominik havia passado por aquilo apenas uma vez, e há poucas horas. Ivan havia lhe garantido que ele poderia agir naturalmente perto da irmã, sem nenhuma restrição, só que ele não se sentia confortável.
- Tem certeza que está tudo bem? – perguntou Dominik, depois de alguns minutos de caminhada nos corredores que lhe pareciam todos iguais. Seu irmão estava tenso, e não conseguir compreender o motivo começa a incomodar – Você parece um pouco distraído.
- Missão complicada ontem.
- Não foi tão complicada assim, já que você parece estar inteiro – retrucou ela, cruzando os braços e esbarrando no ombro do homem – O que você não está me contando?
- Não acho que você deva saber – respondeu ele, arriscando um olhar receoso para a irmã, que não ousou quebrar o contato visual – Pelo menos não agora.
- Tudo bem – concordou ela apenas e voltou a prestar atenção no caminho a sua frente, o surpreendendo. Demorou um pouco para que o homem se lembrasse das palavras de Ivan, que questionamento não era algo que ele veria com frequência em sua irmã, apenas em casos específicos, como se ela suspeitasse que alguém estaria tentando prejudicar a organização. Não seria uma obediência extrema como de Barnes, mas seria bem próxima.
Não demorou muito para que chegassem à sala de treinamento. Como lhe fora ordenado, Petr começou primeiro com os testes de mira, deixando que a mulher descarregasse a munição de todas as armas que trouxera livremente, tanto nos alvos móveis como nos imóveis, com ou sem iluminação. Um pouco depois eles iniciaram os testes físicos, começando com os movimentos mais simples e aos poucos aumentando a complexidade, até estarem em um combate bem próximo do real. As câmeras do ambiente seguiam seus movimentos com precisão. Petr sabia que seu pai e Ivan estavam assistindo à simulação, assim como ele, estudando os movimentos e as estratégias da mulher.
- Acho que precisamos dar algum crédito para S.H.I.E.L.D. – resmungou Ivan, sem tirar os olhos da tela – Eles treinaram o Corvo mais jovem muito bem.
- Eles não têm crédito nenhum – retrucou Krigor, irritado. Eles não tiveram nenhuma contribuição importante nas habilidades de sua caçula, pelo contrário. Não precisava se esforçar para encontrar falhas em seu estilo de luta misto demais, o que ficava ainda mais claro em contraste com o estilo de luta mais consistente de seu irmão, mesmo ela estando com certa vantagem sobre o garoto. Petr estava aliviando para ela, assim como seu pai aconselhara. Dominik ainda não estava pronta para um combate real, mas precisavam ter uma certa noção de com o que estava trabalhando – Isso tudo sempre esteve dentro dela, desde o início. Só não entendo o porquê do organismo dela estar negando o soro agora... Quando bebê ele funcionava perfeitamente.
- O cetro alterou o organismo dela, Krigor, e isso nós não levamos em consideração. Usar o mesmo soro que usamos em Petr não vai adiantar, assim como usar o cetro nele também não apresentou resultados – explicou Ivan mais uma vez, talvez a terceira naquele dia – Devíamos enviá-la para Sokovia, participar dos testes do Strucker com o cetro, já que isso apresentou resultados no passado. Se eles entenderem a ligação dela com o cetro, talvez mais algum voluntário sobreviva, para variar. Ambos os corvos são igualmente poderosos, mas Dominik é a chave para o que queremos. Eles podem ser irmãos, mas são muito diferentes.
- Dominik é mais forte – disse Krigor, mas tinha algo estranho em sua voz, algo que não passou despercebido pelo homem ao seu lado. Era uma mescla de orgulho com raiva: Valerik notara isso muito antes do que ele. A mulher conhecia os filhos em um nível que talvez ele nunca fosse atingir, e por isso ela escolhera Dominik no lugar de Petr, pois sabia que o potencial da garota era muito maior do que do seu primogênito, e fora nela que a mulher apostara. Mas agora o cenário era outro: Krigor tinha mais uma vez ambas as crianças sob sua posse, precisava apenas ser cuidadoso e tudo sairia como planejado. Todas as vantagens agora estavam ao seu lado, era só saber usá-las.
- Não era esse o plano, senhor? – questionou Ivan, incomodado com a mudança na voz do homem – Ela nasceu para superar o irmão
- Não da maneira como aconteceu. Mas ela está de volta, é o que importa – suspirou ele, deixando de prestar atenção nas imagens transmitidas e se levantando – E vai ser uma arma importante para derrubar o que sobrou da S.H.I.E.L.D. Eles não vão saber como reagir quando forem atacados por alguém que costumava lutar por eles.
- Você vai colocá-la logo em ação, presumo.
- Vamos esperar Petr avaliá-la – disse Krigor. Com calma, ele se direcionou para uma das longas estantes que ocupava a sala, buscando com agilidade uma das pastas mais novas que ali estavam arquivadas. No dia em que a Viúva Negra expusera boa parte das informações da HYDRA na internet, Krigor agradeceu por ter optado em não transferir os arquivos sobre Dominik/ para a central de dados virtual da organização. A maior parte das informações de sua família não tinha vazado, e assim deveria permanecer. A S.H.I.E.L.D. e os Vingadores sequer veriam o que tinha os atingidos.
- Ambos sabemos que ela é mais do que capaz – insistiu Ivan, reconhecendo com facilidade as duas pastas que o homem folheava – Não compreendo o motivo de tanta hesitação.
- Fisicamente, sim, ela é mais do que capaz, mas mentalmente ela é imprevisível – lembrou Krigor, deixando as folhas que descreviam as habilidades de Barnes e os procedimentos que ele fora submetido de lado e se focando apenas nas folhas que se focavam em Dominik: detalhes dos testes que sofrera quando recém-nascida, seu desaparecimento, monitoração de seus passos como herdeira dos Stark, detalhes de sua carreira na S.H.I.E.L.D... Tudo que ele precisava estava ali – A ideia principal era não cometer com Dominik os erros que cometemos com Petr, mas o fato é que não podemos cometer com ela os erros que cometemos com o Barnes.
- O problema do Barnes foi praticamente termos fritado a mente do cara, e não acho que vamos chegar a esse extremo com ela.
- Espero que não. Existe uma razão para Pierce ter enviado Barnes atrás dela... O potencial dela é muito maior, tanto para nos ajudar como para nos destruir – resmungou Krigor, fechando a pasta com um movimento brusco. Por algumas horas realmente acreditara que o Soldado tinha conseguido colocar fim na garota, apenas para descobrir que não era tão fácil assim. Daquela história pelo menos algo bom tinha saído: Pierce sendo executado durante a queda da S.H.I.E.L.D., o que tornou as coisas muito mais fáceis. Depois de ordenar o assassinato da garota, Krigor não teria impedido seu filho de ir atrás do antigo líder da organização, o que poderia ter lhe causado alguns problemas de confiança na organização no geral, já que Krigor vinha logo atrás dele para assumir a liderança da HYDRA. A maior parte dos membros compreenderia que Pierce errara primeiro ao encomendar a morte de uma peça importante da organização sem levar em consideração tudo o que isso acarretaria, mas mesmo assim causaria desconfiança – Dominik não é alguém que podemos nos dar o luxo de perder.
Petr seguia Dominik um pouco atrás, mas ainda bem próximo. Ele podia muito ter apenas se despedido e retornado a seus aposentos, mas optou por acompanhá-la até o laboratório, mesmo com ela deixando claro que aquilo não era necessário. Eles haviam acabado de voltar do que deveria ter sido quase uma semana fora, emendando uma missão na outra, e, por mais que negasse, o homem estava exausto. Ter a irmã como apoio facilitava as coisas exatamente como ele imaginava, mas tinha um lado cansativo já que precisava prestar atenção em seus menores movimentos, buscando indícios de que ela poderia sair de controle. A máscara de Dominik, característica tanto do Invernal como dos Corvinais, tinha uma utilidade extra exatamente para isso: liberar um pouco da toxina do soro que a deixava inconsciente caso o líder da missão sentisse que estavam perdendo-a. Para a sua felicidade, já fazia quase um mês que saia em missões com a irmã e não sentira a menor necessidade de usar o dispositivo. Embora não parecesse estar ainda em seu melhor condicionamento físico – os arquivos em vídeo de seus treinamentos na S.H.I.E.L.D. estavam ali para provar isso –, Dominik estava se saindo excepcionalmente bem. Porém HYDRA sempre esperava o melhor, por isso mais uma vez ela seguia para o laboratório de Ivan.
No recinto, apenas o cientista e um de seus auxiliares – Leona, se ele não estava enganado – estavam presentes, andando de um lado para o outro enquanto preparavam o material que usaria pelas próximas horas. O corpo de Petr estremeceu minimamente ao notar o líquido azul elétrico dentro de pequenas bolsas de soro. A última vez que passara por aquele processo fora semanas antes de ser enviado para os Estados Unidos para vigiar sua irmã, e algo lhe dizia que não conseguiria fugir daqui por muito mais tempo. Não que não gostasse do resultado final – depois de alguns dias, era a melhor sensação do mundo –, mas no começo era insuportável: enquanto Dominik rapidamente adormecia quando o processo começava, ele normalmente continuava acordado, desmaiando apenas quando o incômodo do soro queimando em suas veias ultrapassava seus limites. Petr sabia que já tinha passado da hora de passar por aquilo novamente, e teve sua confirmação no sorriso maldoso de Leona.
- Você não tinha que estar reportando a missão para seus superiores, soldado? – debochou a mulher, misturando um pouco dos sons do russo à sua fala, algo que sempre o fazia rir. A mulher era nova na equipe, deveria ser ainda alguns anos mais nova do que sua irmã, e de alturas bem próximas. Seus cabelos eram excessivamente claros, quase sendo impossível de distinguir o que era a raiz dos fios e sua pele. Sua aparência amigável não condizia com seu temperamento complicado, e ele aprendera da pior maneira que era melhor manter certa distância da mulher.
- Bom você ter passado aqui primeiro, Pete – disse Ivan, fazendo algumas anotações rápidas no que ele acreditava ser o histórico médico de Dominik, sem olhar em sua direção – Vá reportar a missão e volta imediatamente para seu quarto. Leona estará esperando-o para iniciar o processo.
- E Dominik? – perguntou ele, ganhando a atenção da irmã. Ela sabia muito bem o motivo de estar ali, não conseguia entender porque ele estava perguntando algo que já sabiam.
- Vamos fazer o procedimento aqui dessa vez, mein Schatz – contou o cientista, se direcionando a mais jovem Ivanov, que revirou os olhos pela forma de tratamento carinhosa – Não é o local mais confortável para você, mas é mais seguro que seu quarto.
- Já disse que não é problema nenhum – retrucou a morena, já se adiantando para a poltrona no canto da sala mesmo sem receber instruções. Petr acenou desconfortável para ela antes de deixar a sala, com Leona em seu encalço. A verdade era que Dominik não entendia o motivo de seu irmão sempre estremecer quando alguém fala do procedimento. Para ela, era algo quase bom. Quase porque até agora Ivan não tinha conseguido estabilizar uma fórmula que não lhe fizesse mal, diminuindo suas habilidades ao invés de ampliá-las. Mas em contrapartida, era um dos raros momentos em que ela tinha permissão para entrar na inconsciência, e realmente descansar. Nem quando era alimentada aquele privilégio lhe era concedido. Dominik já tinha compreendido que seu corpo apenas cedia quando forçado ao cansaço extremo, e o estresse de seu organismo se adaptando ao soro sempre funcionava.
Ivan não demorou para puxar uma mesa móvel para o lado da poltrona, posicionando a bolsa de soro em seu apoio para depois higienizar a área onde colocaria o acesso. Seu olhar uma vez ou outra acabava por checar a expressão serena da mulher, que apenas relaxava mais e mais quando o soro começava a entrar em suas veias. Dominik realmente era um ser ímpar: qualquer outra pessoa que era submetida àquele procedimento não conseguia se controlar e demonstrava algum sinal de dor, mas ela não. Ela sempre parecia em paz, e isso era o que mais o intrigava. Ivan sabia que o soro que produzia não chegava aos pés da obra prima de Erskine, ou até mesmo a versão que fora usada no Soldado Invernal, e isso o frustrava um pouco. Em suas mãos estava a pessoa que provavelmente nascera para se submeter àquele processo, e ele não tinha o material. A garota adormecida ao seu lado tinha mais potencial do que já vira antes.
Por questões de segurança, Dominik não foi movida para seu quarto quando o procedimento terminou. Com cuidado, Ivan trocou a bolsa vazia de soro por uma cheia do que seu corpo precisava para funcionar, ocasionalmente checando os sinais vitais da garota e pedindo atualizações do estado da outra cobaia para Leona. Como sabia que aquilo levaria no mínimo o resto do dia e um pouco do seguinte, um bom estoque de café estava localizado no canto da sala para que ele permanecesse atento, ainda mais com a falta de ação na sala, já que Dominik não parecia que acordaria tão cedo. Apenas quase catorze horas mais tarde que ela começou a dar sinais de consciência, rapidamente sendo enviada para testes. Ivan estava consideravelmente mais otimista naquele dia, já que aparência da jovem havia melhorado muito: ainda estava mais pálida do que o de costume, mas já não parecia tão doente, e ela sequer se queixara de algum mal-estar quando acordara, o que já era um ótimo sinal.
Quando chegaram à sala de treinamento preparada para os super soldados, Krigor e Petr já estavam lá, assim como alguns agentes a postos para caso a situação saísse do controle. Dominik como de costume estava extremamente calma, no máximo concordando com a cabeça quando alguém lhe passava alguma instrução, logo tomando seu lugar junto do irmão no meio da sala enquanto seu pai e Ivan seguiam para o andar superior, onde poderiam analisar o combate com mais conforto e com mais visão.
Petr vacilou ao bloquear o primeiro golpe da irmã, um soco na altura do peito. A força dela havia aumentado consideravelmente e, junto com sua surpresa, Dominik não perdeu a oportunidade de tirar vantagem da situação. Pela primeira vez em semanas, Petr estava no chão. Ele tivera que ser rápido ao se esquivar e se levantar, se sentindo um tanto orgulhoso ao ver a rachadura no chão exatamente onde sua cabeça estava segundos atrás. Não achava que ela estava mais forte do que ele, mas já era um avanço imenso.
- Parece que você conseguiu, Ivan... – riu Krigor, lhe dando alguns tapinhas no ombro, sem tirar os olhos da dupla no andar inferior. Os movimentos da mulher estavam mais rápidos, mais precisos, bem mais semelhantes ao irmão. Dominik havia conseguido mesclar seu estilo de luta antigo com o novo com certa maestria que até fizera com que Krigor parasse de julgar a leveza de alguns de seus golpes, entendendo na prática que aquilo poderia ser muito útil – Esse é o soro que o organismo dela aceita.
- Ainda é muito cedo para dizer isso, Krigor. Até agora nenhuma versão se mostrou permanente, não acho que essa vai ser – lembrou o cientista com cuidado, ciente de que o homem não ficaria contente com sua hesitação, o repreendendo com os olhos – Talvez se aplicarmos doses mais regulares obtenhamos o mesmo resultado. O organismo dela é difícil de compreender.
Um estalo mais alto atraiu a atenção dos homens, que se viraram a tempo de ver o corpo inconsciente de Petr ir ao chão. Dominik parecia tê-lo acertado com mais força do que devia na têmpora esquerda, que estava ensanguentada. Assustada, a mulher simplesmente saíra do modo de combate, se jogando de joelho ao lado do irmão, colocando parte de seu corpo sobre suas pernas. Suas mãos trêmulas afastavam os fios grudados de suor de sua testa, deixando alguns rastros de sangue na pele do homem por suas mãos estarem embebidas com o líquido.
- Pete...? – ela o chamava repetidas vezes, com a voz baixa e falha – Petr, fala comigo.
- Tirem a Dominik daqui. Tirem ela daqui agora! – gritou Krigor enquanto corria escada abaixo com Ivan em seu encalço, saindo em socorro do filho enquanto os agentes de guarda levavam a mulher para fora, provavelmente seu quarto.
Dominik não se opôs às mãos agressivas que lhe agarraram pelos braços e a arrastaram pelos corredores que pareciam todos iguais. Sua mente estava longe, nublada. O episódio continuava a se repetir incansáveis vezes diante dos seus olhos, e não parava por mais que ela se esforçasse. Até aquele dia lhe parecia impossível alguém derrubar seu irmão, e ela fora a responsável. Era em suas mãos que estava seu sangue. Quando os agentes simplesmente a jogaram para dentro de seu quarto, ela continuou jogada no chão, encarando as próprias mãos. Ela se sentia um pouco tonta, seu estômago parecia estar dando voltas e ela não sabia o motivo. Apenas depois do que pareceram horas que ela se levantou, seguindo para seu banheiro tirar o sangue seco das mãos. Dominik acabara por tomar uma ducha de uma vez, já que não tivera tempo de fazer isso antes de ser submetida a um novo teste. Pela primeira vez a água fria que saia dos canos lhe foi um incômodo, fazendo com que todo seu corpo tremesse e arrepios mais intensos surgissem uma vez ou outra. Não lhe parecia natural, mas ela sabia o que estava acontecendo: ela estava com medo – algo que ela não deveria ser capaz de sentir, apenas causar. Ela não havia apenas ferido um colega e seu superior, mas também um membro de sua família. Ela seria punida, algo que não acontecera até o momento, e isso também a assustava.
Algumas horas mais tarde seu pai bateu em sua porta, com o semblante sério. Como de costume, ele ficara à porta, com os braços cruzados em frente ao peito. Ela, em contrapartida, trouxe os joelhos para mais perto do corpo, apoiando ali o queixo e focando o olhar no armário em frente à sua cama.
- Como ele está? – ela foi a primeira a se pronunciar, falando tão baixo que se o quarto não estivesse no mais absoluto silêncio, duvidava que o homem a escutaria.
- Em observação – contou ele, depois de respirar fundo. Não fora um ferimento superficial, como esperava, mas não era nada que não pudesse ser consertado – Você vai assumir a missão dele de amanhã.
Dominik ousou olhar para o pai, com a dúvida clara em seus olhos, mas não questionou diretamente.
- Eu o machuquei – lembrou ela, mantendo o contato visual que se tornou intenso. Até aquele dia Krigor não tinha a visto agir daquela forma, queria ver até onde ela iria, por isso apenas assentiu.
- Sim, você o machucou.
- E você parece orgulhoso – constatou ela, com certa dificuldade em encontrar a palavra mais adequada. O brilho nos olhos do homem apenas aumentou, deixando-a ainda mais desconfortável.
- Porque eu estou – suspirou ele, cancelando com poucos passos a distância entre eles, se sentando na beirada da cama – Você vem fazendo muitos avanços ultimamente.
- Esses avanços não são para machucar aliados – retrucou Dominik, com uma facilidade que o surpreendeu. O episódio parecia ter destravado algo dentro da mulher, mas talvez não fosse algo que ele devesse se preocupar. Ela estava mantendo o argumento até que de uma forma profissional, o que era um bom sinal – Ele também é seu filho.
- Você não foi criada para demonstrar misericórdia, Nikky – ele a repreendeu, firme. Precisava que ela tivesse algumas noções de ligações familiares, mas não podia permitir que ela se tornasse mole. De alguma forma precisava começar a introduzir na mente da mulher que não teria perdão caso tomasse decisões erradas, e talvez aquele fosse um bom momento – As pessoas com mais potencial em nos derrubar são aquelas mais próximas.
- Acha que Pete nos trairia? – estranhou ela, apenas depois percebendo que não era de seu irmão que o homem estava se referindo – Ou eu?
- Antes de uma família, somos parte dessa organização, meu anjo. Nem laços sanguíneos estão acima de desconfianças – explicou Krigor, enquanto se levantava.
- Não sei o motivo, mas me sinto mal – contou Dominik, escondendo a cabeça entre os joelhos. Ela não conseguia classificar o que estava sentindo, e isso começava a irritá-la um pouco. Se ela não compreendia, não podia consertar.
- Seu irmão tem o péssimo hábito de facilitar as coisas para você, e ele já foi repreendido por isso. Não é porque ele é o mais velho que só você pode aprender com ele, o caminho inverso também é válido. Você o superou hoje, Dominik. Isso já estava previsto há muito tempo – continuou o homem, rumando para a porta com as mãos nos bolsos – Você ensinou ao seu irmão que não há lugar para colher de chá nesse jogo, e, se for necessário, ele vai fazer a mesma coisa com você futuramente.
- Estou sendo repreendida?
- Por estar com remorso por ter feito o que deveria ter feito, sim – explicou ele, e Dominik ofegou levemente. Remorso. Aquele era o nome daquela sensação? – Não há lugar para isso na HYDRA, princesa.
- Entendido, senhor. Não irá se repetir – garantiu ela, passando as mãos nas coxas algumas vezes antes de se levantar. Sabia muito bem quando o homem aparecia para lhe entregar uma missão, e era por isso que ele estava enrolando para deixar o cômodo.
- Sei que não vai. Comece seus preparativos. Quero você pronta para a missão em três horas – anunciou ele, segurando a porta do quarto aberta – Como você não é seu irmão, vou separar uma equipe especial para você. Não acho que seja bom testar sua liderança no momento. A equipe do Petr parece ter certa hesitação em te obedecer.
- Porque Petr hesita em considerar o que eu digo – explicou ela, girando os calcanhares e se direcionando para seu armário, separando um uniforme limpo – Me deixe com a equipe dele, consigo lidar com eles.
- Falhas não são permitidas, criança – avisou Krigor, com as sobrancelhas unidas. Aquele dia pelo visto estava cheio de surpresas: primeiro ela nocauteava o irmão, depois parecia estar tomada por uma confiança que não tinha presenciado ainda. Se ao menos continuassem a serem surpresas boas, ele não poderia reclamar – Se não completar a missão, você será punida.
- Eu disse que consigo lidar com eles – repetiu ela com mais certeza, colocando o colete mais grosso por cima da camiseta regata que vestia. Krigor apenas concordou, acreditando que talvez fosse a hora de afastar um pouco os irmãos. Era mais seguro deixá-los juntos, mas também era um desperdício de habilidades. Cada um deveria ter sua própria equipe e, quem sabe se a mulher se saísse bem nessa, ela assumiria o lugar de liderança para o qual sempre esteve destinada.
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Ivan tinha a respiração levemente fora de controle. Até parara do lado de fora da sala do líder por alguns instantes para tentar se recompor, mas não adiantou muita coisa. Era engraçado que ele sempre se esforçava para trazer boas notícias ao homem, e mesmo assim ele sempre era encarregado das ruins. Qualquer dia sobraria para ele a ira de Krigor.
- Senhor? – chamou ele, batendo de leve na porta de madeira escura. Krigor ergueu os olhos por cima de seu monitor, retirando os óculos de leitura assim que reconheceu o homem, e pediu para que ele entrasse – O desaparecimento da jovem Stark se tornou público. Todas as mídias estão falando disso.
- Eles conseguiram abafar a história até que por um bom tempo, devo dizer – riu Krigor debochado, voltando sua atenção para os relatórios de missão daquele dia. Quando percebeu que o cientista ainda não tinha dado meia volta e deixado a sala, o homem revirou os olhos – O que foi agora?
- Strucker está exigindo que enviemos Dominik para ele – contou Ivan de uma vez, colocando o tablet com as mensagens na mesa, próximo de seu teclado – Disse que não temos direito de monopolizar a garota.
- Agora tenho que lidar com Strucker me exigindo coisas? – grunhiu Krigor, atirando o aparelho para longe, que se espatifou contra a parede – Diga que o pedido dele não será atendido. Ele não dá as ordens aqui.
- Mas, senhor...! – ofegou Ivan, só depois percebendo o erro que cometera. Em segundos Krigor estava a sua frente, com uma ira nos olhos que poderia se igualar a todos os soldados que a HYDRA produzira, à espera da palavra errada para atirar as mãos ao redor de seu pescoço. Sua sorte era ter um bom motivo para estar contestando-o – Apenas não compreendo. A garota é a cobaia que mais teve sucesso com o cetro. Por que não fazê-la passar pelo procedimento novamente?
- Você leu a ficha dela? Da ? – murmurou o homem ameaçadoramente, avançando um passo a cada palavra dita, que Ivan tomava o cuidado de recuar. Quando suas costas encontraram uma parede como obstáculo, o cientista acreditou que não escaparia dali. Sabia que tinha a confiança do líder, mas podia facilmente ser substituído – Aquela coisa fortaleceu a mente dela, a única coisa que a mantém sob nosso controle. Por isso não quero mandá-la para o Strucker. Claro que agora com os soros não funcionando nela eu me sinto tentado, mas não parece valer a pena.
Quando não foi mais uma vez contestado, Krigor respirou fundo, suavizou a expressão, e voltou para sua cadeira, como se não tivesse acontecido.
- Eu não acredito que apresente tanto perigo, senhor – insistiu Ivan quando o homem já estava distante. Krigor desviou os olhos do monitor para o cientista como se uma segunda cabeça estivesse saindo de seu pescoço. De onde ele estava tirando tanta coragem para continuar naquele assunto, ele não sabia, mas podia afirmar que não duraria muito tempo – Não é como se o cetro fosse recuperar as memórias que apagamos. O que ela precisa é de direcionamento. Fazer com que ela tenha dúvidas do que nos seja vantajoso.
Krigor até chegou a tomar fôlego para esbravejar com o cientista, mas desistiu no meio do caminho quando pareceu entender o ponto em que ele queria chegar. Limpar as memórias de alguém não era algo permanente – eles haviam aprendido muito bem aquela lição com Barnes –, mas eles poderiam facilmente continuar a manipular se fizessem duvidar das memórias recuperadas. Se culpassem o cetro e dissessem a ela que aquilo tudo era o objeto querendo tomar controle de sua mente, ela logo descartaria aquelas memórias, as julgando como algum tipo de ilusão. Se fossem cuidadosos, talvez sequer precisariam limpar a memória dela mais alguma vez futuramente, ou a colocar em animação suspensa para preservar sua estabilidade mental. Tudo que precisavam era saber tirar vantagem daquilo.
- Parece um bom plano – sorriu o homem por fim, recolocando seus óculos, fazendo um gesto com a mão para que fosse deixado sozinho – Prepare a equipe dela e fale com Strucker. Vamos mandá-la para Sokovia imediatamente.
Por algum motivo que Dominik desconhecia, seu irmão não ficara muito satisfeito ao ser avisado que ela estava sendo momentaneamente movida para Sokovia sem a sua companhia. Aparentemente, além de ter outra missão designada para ele para o dia seguinte, o mais velho dos irmãos não tinha bom histórico com o responsável pela estação – Strucker. Um certo desconforto crescia em seu peito, mesmo sem entender o motivo. A palavra "experimentos" lhe trazia uma sensação ruim toda vez que alguém a utilizava em uma frase, quase como um aviso, embora não soubesse quem o dava. Sua vida fora moldada em sequências intermináveis de experimentos, não era nenhuma novidade para a mais nova dos Ivanov, o que apenas a deixava incomodada com aquela hesitação que sentia.
Aquele tipo de sensação não lhe era permitida, precisava tomar cuidado antes que precisasse ser punida.
Suas ordens eram de se preparar para deixar a base nos próximos minutos, mas que não precisava se equipar com armamento, apenas trocar seu uniforme empoeirado e tratar os leves ferimentos que sua pele ainda mostrava, para que todos já tivessem sumido quando chegassem em Sokovia. Aparentemente, precisavam mostrá-la nova em folha. Com cuidado ela soltou as fivelas que seguravam seu colete grudado ao corpo, encontrando um ou outro buraco de bala no material que cumprira muito bem seu papel de não deixá-la ser atingida. A malha grossa e resistente que usava por baixo tinha alguns riscos claros nas mangas, resultado das tentativas dos inimigos de a ferirem com lâminas. As calças com vários compartimentos era a peça mais intacta: apenas os protetores nos joelhos estavam bastante arranhados, o que talvez o pessoal que cuidava dos trajes conseguisse dar um jeito. Jogando todo o uniforme já usado em um canto para que buscassem mais tarde, Dominik rumou para o banheiro, ligando o chuveiro e entrando debaixo da água fria sem nenhuma cerimônia. Não tinha muito tempo e os ferimentos não eram tão fundos, apenas um pouco de água e sabão daria conta.
Uma batida na porta fez com que ela se apressasse, desligando o registro e se secando rápido, vestindo um conjunto simples e justo de shorts e camiseta antes de sair.
Embora soubesse que seu irmão já tinha saído para outra missão, ela esperava que fosse Petr.
- Pai – disse ela ao avistar o homem sentado na beirada de sua cama, com sua postura perfeita e o olhar travado no amontoado de tecido que ela deixara no chão - Aconteceu algo, senhor?
- Vim ajudar você a se preparar – suspirou Krigor, se levantando sem pressa e se dirigindo para o único armário do quarto, pegando um novo conjunto de uniforme da mulher – Sei que seu irmão se encarrega disso quando saem em missão juntos.
- Aprecio o gesto, mas acho que eu sei prender algumas fivelas sozinha – brincou ela, mas o tom de brincadeira não estava presente em sua voz. Era algo instintivo: sempre ficava tensa próxima ao pai, assim como Petr também ficava. Quando os irmãos estavam sozinhos, até uma risada menos controlada escapava uma vez ou outra, mas na companhia do pai até um simples sorriso precisava ser forçado.
- Ninguém duvida de suas capacidades, meu anjo – disse Krigor, como quem conta um segredo, segurando a malha para que ela vestisse, algo que ela hesitara um pouco em fazer – Apenas achei que seria importante nós conversarmos antes de você partir.
- Algo aconteceu – constatou Dominik, engolindo em seco antes de se adiantar para suas calças e vesti-las sem pressa – Ou algo vai acontecer.
- Ambas as opções estão corretas – respondeu o homem, dando de ombros e se virando para buscar as botas da filha – O experimento pelo qual você vai passar... Não é a primeira vez.
Dominik ficou em silêncio, pegando seu par de botas com o pai e se sentou no colchão para calçá-las. Não se sentia confortável para verbalizar seus receios com toda aquela história. Aquilo poderia ser um tipo de teste para colocar sua confiança em cheque. Era melhor não arriscar, por isso permaneceu em silêncio para que ele continuasse.
- Outras pessoas já passaram por esses experimentos... Dos voluntários de Strucker, apenas um casal de gêmeos sobreviveu, mas eles possuem muitas falhas, não têm controle sob o próprio potencial. Seu irmão também foi submetido a esses experimentos, mas não surtiu o mesmo efeito. E nenhum deles se compara a você – contou ele – Você, Dominik, é a pessoa que melhor reage ao cetro.
- Se eu já passei por isso antes... – começou a mulher, se pondo de pé para vestir o colete – Por que irei passar por isso de novo?
- Um estrangeiro que comandou os experimentos na primeira vez – explicou Krigor, se colocando atrás de Dominik para subir o material pelos seus braços, depois voltando à frente para prender o colete nas laterais – Não acreditamos que ele liberou todo seu potencial.
- Compreendo – foi a única resposta que Dominik deu, embora estivesse visivelmente desconfortável.
- Por isso achei necessário vir falar com você, Nikky... – suspirou Krigor, prendendo a máscara da garota no cinto de sua calça – Isso pode mudar algo em você.
- Não é esse o objetivo? – estranhou ela, com um vestígio de sorriso nos lábios que fez com que o homem risse de leve antes de voltar a ficar sério. Já esperava que insolência fosse uma característica difícil de se apagar, não estava realmente surpreso.
- Não no sentido que estou dizendo, criança – explicou o homem, tomando as mãos da jovem nas suas, gesto que a surpreendeu – O cetro é uma arma muito poderosa, apenas uma mente igualmente poderosa consegue suportar a ele, e mesmo você pode sucumbir a ele. O cetro pode atrapalhar seus pensamentos, criar memórias falsas... E se isso acontecer, você vai ter que me contar.
Krigor não percebeu a filha estremecer. Suas palavras ecoaram várias vezes em seus ouvidos, lhe causando sensações diferentes. Ele estava receoso, para dizer no mínimo, e isso não era muito comum. O tal cetro realmente deveria ser perigoso, e agora ela começava a questionar se realmente poderia ser mais poderosa do que ele. Aparentemente, tudo dependia disso, então ela teria que obter sucesso no experimento, sem outras opções. Falhas não eram permitidas, ela sabia disso muito bem.
- É perigoso confiar no que aquele cetro te mostra, Nikky. E antes de qualquer coisa, você é minha filha – continuou Krigor, soltando uma das mãos para acariciar seu rosto sério – Te perder não é algo que eu vou aceitar, entendeu?
- Sim, senhor – assentiu ela, forçando um sorriso discreto antes de deixar o quarto, agora mais receosa em relação ao cetro do que nunca.
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Desde que descera da nave, olhares curiosos seguiam Dominik por todos os corredores. Talvez sua transferência momentânea para Sokovia não fosse um segredo, como ela esperava. A atenção lhe incomodava: ela deveria entrar e sair dos lugares sem ser vista ou ouvida, toda aquela exposição fazia com que a mulher se sentisse falhando.
As instalações de Sokovia eram bem diferentes do cenário em Moscou: a base não era inteiramente subterrânea, então haviam janelas, e realmente passava luz natural por elas. O ambiente ao mesmo tempo parecia mais aconchegante, mas também insensível. Em Moscou as paredes eram todas escuras, a iluminação artificial e a pouca circulação do ar passava uma sensação de confinamento. Ali isso não acontecia, mas o ar parecia estar contaminado por alguma sensação ruim. Era uma região pobre, isso Dominik conseguia perceber com facilidade, e algumas áreas destruídas acusavam que combates poderiam ter ocorrido há pouco tempo. Talvez a S.H.I.E.L.D. causando problemas, ou até mesmo os Vingadores. Como não era papel de Dominik questionar, ela apenas seguiu os dois cientistas que a recepcionaram até o laboratório em que Strucker a esperava.
- Strª Ivanov! – comemorou Strucker, assim que a avistou entrando no recinto. Por trás de seu monóculo a mulher ainda conseguia notar o brilho sinistro de seus olhos, e aquele receio pelo o que ela estava ali voltou com força. O cetro estava localizado atrás do homem, o brilho azul em sua ponta quase que a convidando a se aproximar, como se a reconhecesse mesmo depois de tanto tempo. Dominik por algum motivo não se lembrava daquele episódio, mas o medo que começava a percorrer as suas veias era familiar demais para ser a primeira vez. Não percebendo ou indiferente ao desconforto da mulher, Strucker cancelou a distância entre eles, segurando sua mão direita em um aperto firme – Não faz ideia da felicidade que sinto por te ter aqui.
- Prefiro conhecer a felicidade dos seus experimentos tendo sucesso – retrucou ela, sem saber exatamente de onde tinha reunido concentração para responder daquela forma, mas ficou satisfeita. Não era só porque ela havia se tornado um poço de dúvidas por dentro que precisava exteriorizar aquilo.
- Não esperava menos de uma legítima Ivanov - riu Strucker, satisfeito e ao mesmo tempo levemente irritado com a ousadia da jovem. "Uma Ivanov-Stark, claro", pensou ele, revirando os olhos. Se iludira em pensar que moldagem de personalidade seria tão eficaz assim. Com cuidado, ele envolveu os ombros da mulher com as mãos, a guiando para adentro do laboratório – Esse é o Dr. List. Ele também é responsável pelos experimentos.
- E aí? – ela o cumprimentou, acenando antes de se sentar em uma poltrona bem parecida com que Ivan sempre a colocava. Dr. List apenas acenou de volta, um tanto desconfortável tanto pela forma de cumprimento como pela mulher em si. Disfarçada entre vários outros arquivos estava a ficha de Dominik, o motivo de seu temor: definições de suas habilidades, percentual máximo de sucesso em missões... E eles estavam prestes a brincar com a mente dela, a única coisa que a mantinha sob controle da organização. Se algo desse errado, era torcer para que todos fossem mortos da forma mais rápida possível.
O cetro já estava preparado para o procedimento, faltava apenas conectar Dominik à máquina, o que os dois homens se colocaram logo a fazer. Quando todos os eletrodos já estavam posicionados, Strucker sinalizou para que a máquina fosse ligada. De princípio, tudo parecia estar correndo como de costume, até ele notar a expressão confusa da cobaia, e ele bufou alto. Algo parecido ocorrera com o Corvo mais velho, mas não tão rápido como naquela vez. Dominik parecia não estar sentindo nada mesmo com a máquina ligada e em potência máxima. Strucker cometera o erro de principiante de continuar a fitar a mulher enquanto tentava pensar no que poderia estar acontecendo, se desconcentrando com a sobrancelha erguida de Dominik que começava a irritá-lo. Aquele olhar naturalmente debochado duvidava de suas habilidades e atrapalhava seus pensamentos.
- Dominik... – suspirou ele por fim, se agachando ao seu lado depois de indicar para List desligar a máquina. Seu tom de voz por algum motivo fez com que ela sentisse que ele estava falando com uma criança, e algo dentro dela mudou. Nunca tinha experimentado isso antes, mas não gostara de ser tratada daquela forma – Preciso que coopere comigo, ou isso não vai funcionar.
- Já não estou cooperando? – retrucou ela, sem se importar em como estava soando insolente.
- Não, não está – grunhiu o homem, respirando fundo em seguida para tentar não soar tão rude. Tanto a garota como o pai poderia lhe causar muitos problemas se não fosse cuidadoso com suas palavras – Você precisa aceitar o cetro. Deixar que ele aja em você.
- Eu estar sentada aqui não é um sinal de que eu já aceitei?
- Meu anjo – resmungou Strucker sem paciência, se pondo de pé e deixando uma mão sobre o ombro da mulher, o apertando com mais força que devia, mas ela não deu sinais de incômodo – Eu vou ligar de novo, e você vai abaixar todas as suas defesas. Você e o cetro vão se transformar em um. Entendeu a ordem ou quer que eu desenhe?
- Entendido, senhor – respondeu ela séria, mas até a formalidade em sua voz parecia um deboche, por isso Strucker optou por ignorar. Dominik não era seu problema, seu foco eram os gêmeos. Trabalhar com a mulher era apenas uma forma de talvez fazer com que seus voluntários tivessem mais controle sob os poderes recém-adquiridos, mas não passava de suposições. Não valia toda aquela dor de cabeça.
Ou talvez valesse.
Strucker preferiu não olhar para a morena quando a máquina foi religada, querendo evitar mais humilhação da jovem, mas o som de sua respiração parando subitamente fez com que ele mudasse de ideia, virando em sua direção rápido demais, mas sequer se importando com a tontura passageira. O susto do primeiro momento fora substituído por uma risada alta ao notar que ela não só ainda respirava – com um pouco de dificuldade, claro –, como todos seus músculos estavam tensionados, mas o mais espetacular era o brilho azul que dominava seus olhos arregalados e parecia passear por suas veias. Ele teve que controlar a vontade de tocar seus braços expostos, temendo que pudesse atrapalhar o procedimento, mas mesmo assim ele estava tomado pela beleza da cena.
Era exatamente como se ela e o cetro fossem um.
Dominik mal percebera quando a máquina desligara. Na verdade, perdera completamente a noção do tempo assim que retomaram o procedimento. Seus olhos queimavam, tudo a sua volta gritava por sua atenção, só que ela não conseguia se concentrar em nada. Seu maior esforço era para controlar sua respiração. A dor ridiculamente forte que sentia na cabeça também não estava ajudando muito.
- Dominik? – perguntou uma voz desconhecida, que ela assumiu como sendo ou de Strucker ou de List. Sua leitura de dados do ambiente estava muito confusa. Era uma surpresa ela ter conseguido extrair algum sentido do que poderia muito bem ter lhe parecido apenas ser uma sequência de sons aleatórios – Como está se sentindo?
- Cansada – respondeu ela com um gemido assim que mãos estranhas a obrigaram a se sentar – Preciso me deitar.
- Preciso que seja mais específica, coração – insistiu Strucker um tanto apreensivo, deixando uma mão no meio das costas da mulher de apoio. Sua respiração parecia um pouco mais controlada, mas seus batimentos cardíacos estavam rápidos demais, em uma velocidade que ela não deveria suportar.
- Meus sentidos estão mais apurados – contou ela, depois de um tempo em silêncio. Silêncio para eles, já que tudo naquele ambiente parecia estar no volume máximo para os seus ouvidos agora mais sensíveis – Está difícil me concentrar.
- Quão mais apurados?
- É difícil dizer quando não consigo me concentrar – resmungou ela em resposta, fuzilando o homem ao seu lado com os olhos, e ele suspirou vencido, a ajudando a se levantar.
- Certo, vamos deixar que você descanse pelo resto do dia – avisou Strucker, sinalizando para que um dos agentes de guarda se aproximasse, ordenando silenciosamente que a levasse para seus aposentos temporários – Amanhã colocamos você com um dos gêmeos, ver o que mudou em suas habilidades.
Dominik apenas concordou com a cabeça, colocando o indicador em frente aos lábios para que ele finalmente parasse de tagarelar. Até o som de seus passos estava a incomodando, mas sabia que seria bem pior se resolvesse simplesmente ficar no meio de um corredor qualquer. Precisava de um lugar silencioso, e de preferência com uma cama. Cansaço. Esse era um fato que estava atrapalhando ainda mais seus sentidos sensíveis. O que quer que fosse a energia do cetro, ela funcionava de forma semelhante aos soros que Ivan utilizava, estressando demais seu organismo. Uma boa noite de sono era tudo o que ela precisava, por isso ela sequer se importou com o excesso de ruído que isso causaria e se jogou na cama de cheiro estranho que lhe fora designada assim que o agente que a acompanhara fechou a porta, adormecendo exatamente da forma de deitara.
Para seu desagrado, Dominik sentia que assim que fechara os olhos alguém viera lhe chamar e não no dia seguinte, como afirmava o agente que viera lhe buscar. Ivan poderia pelo menos ter avisado Strucker de que quando ela finalmente dormia, era por alguns dias, não por algumas poucas horas. Teria melhorado muito seu humor já difícil.
Seus desejos assassinos ficaram em segundo plano quando ela chegou em uma sala bastante semelhante à sala de treinamento que tinham em Moscou, com Strucker parado bem no meio dela, mas acompanhado. Um garoto que deveria ser um pouco mais novo do que ela, de cabelos brancos bagunçados. O mais estranho era seu organismo: de princípio ela pensou que ele estava nervoso, o que explicaria seu batimento cardíaco acelerado; só que todo seu organismo estava naquele ritmo eletrizante.
- Dominik Ivanova, esse é Pietro Maximoff, um dos gêmeos – anunciou Strucker, olhando de um para o outro e tentando entender o contato visual intenso que estava presenciando. Dominik estava concentrada tentando calibrar sua percepção e ao mesmo tempo entender como o garoto funcionava, e Pietro em contrapartida tentava descobrir o que a morena tinha de especial. Havia sido avisado pela manhã que apenas ele testaria a desconhecida, que não era aconselhável colocar sua irmã para enfrentá-la. Aparentemente seus poderes também eram mentais, e os estragos poderiam ser grandes para ambos os lados caso se enfrentassem sem estarem prontas para isso.
Strucker deixara o centro da sala depois deixar vagas instruções sobre como queria que aquela simulação de combate ocorresse.
- Já quero pedir desculpas, dragostea – suspirou o garoto, seu sotaque um pouco parecido com o dela. Outra coisa semelhante era o sorriso convencido que habitava o rosto de ambos – Por estarem te obrigando a fazer isso.
- Só me mostre o que você sabe e depois se desculpe, amor – retrucou Dominik, se colocando em posição de defesa apenas para ver como o garoto reagiria. Ele era um velocista. Esse era o principal palpite da mulher, palpite confirmado assim que ela quase o perdera de vista. Ele era realmente rápido, mas não rápido o suficiente para que ela não pudesse acompanhar.
Pietro alargou o sorriso travesso quando encontrou uma abertura em sua defesa enquanto corria ao redor da mulher, se inclinando para lhe beijar o rosto quando Dominik se esquivou em um movimento rápido – mas não tão rápido assim – imobilizando seus braços nas suas costas, o forçando a ficar de joelhos no chão empoeirado.
- Aposto que não esperava por essa, ligeirinho – murmurou ela contra seu ouvido, o sotaque forte e o tom de risonho fazendo com que ele risse mesmo estando um pouco irritado por ter sido derrubado. Pietro não podia mentir, até que estava animado. Era bom ter um desafio, para variar.
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Dominik não conseguia localizar temporalmente em suas memórias, mas sabia que aquela simulação estava em um nível bem menor do que era capaz de lidar. Petr podia ter vantagem em força, mas não conseguia superar a irmã caçula em agilidade, e era assim que a dupla se equilibrava, embora sempre que a corda estourava, a garota que perdia. O último coquetel que haviam testado nela tinha danificado sua capacidade de ampliar sua força e resistência e, enquanto eles não arrumavam uma forma de reverter os efeitos indesejados, Dominik tinha que administrar ainda com mais cuidado seus golpes, ou acabaria sendo punida pelo mau desempenho.
Ignorando o incômodo que sentia toda vez que aplicava aquele golpe, a mulher lançou as pernas ao redor do pescoço do irmão, usando o próprio peso para levá-lo ao chão e o imobilizar em seguida. Era uma sequência de movimentos que ela repetia com tanta frequência que sequer precisava pensar antes de executá-lo: sempre que existia uma brecha, seus músculos agiam por conta própria.
- Chega por hoje – anunciou Ivan, atraindo a atenção da dupla que logo estava de pé, pronta para receberem suas ordens – Petr, você está dispensado. Dominik, Abraham quer ter uma palavra com você.
- Dominik e eu somos um time, por que não vou receber instruções junto com ela? – questionou Petr com o maxilar travado, se adiantando um passo para o cientista.
- Vai querer se impor agora, Ivanov? – rosnou o homem em resposta, também se aproximando. Ele tinha medo do pai, não do filho – Você pode ser o primeiro Corvo, mas isso não quer dizer que não seja descartável, criança. Não se esqueça de seu lugar. Se Dominik vai sair em missão sem você, é porque você seria desnecessário.
Dominik continuou em seu lugar, sem saber o que fazer. Nos últimos tempos ela que era ocasionalmente repreendida, não seu irmão. Ele que costumava receber missões sem sua companhia, ou até mesmo liderando pequenos times. Pensando melhor, Dominik percebeu que Petr estava um pouco estranho daquele dia: irritadiço, um pouco mais agressivo que de costume, e um tanto disperso. Se não o conhecesse bem, poderia dizer que ele estava instável.
- Dominik, por que ainda está aqui? – a repreendeu Ivan, tirando-a de seus devaneios. Depois de concordar com a cabeça, a mulher seguiu até Abraham, que a esperava com uma pasta em mãos no corredor do lado de fora da sala.
- O que tem para mim? – perguntou ela, assim que começaram a caminhar em direção de seu dormitório.
- Um desertor. Está com posse de algum arquivo importante e precisamos dele de volta – disse o homem, lhe entregando as informações unidas na pasta, apontando para a foto de seu alvo – Dos arquivos, claro.
- Recupero o pacote, e elimino o traidor? Protocolo padrão? – suspirou ela, fechando a pasta assim que alcançaram a porta de seu quarto.
- Como sempre – assentiu o homem, checando o relógio em seu pulso – Você vai liderar a missão. Precisa bolar a estratégia, e você tem até chegarem ao local para isso, o que deve demorar umas dez horas ou um pouco mais. Vagner vai como piloto e Klaus como suporte, caso você precise. Se apronte e saia o mais rápido possível.
- Hail HYDRA – murmurou ela em concordância.
- Hail HYDRA.
Enquanto trocava o uniforme de treino pelo traje de missão, Dominik não estranhou a entrada de seu irmão no quarto. Constatar que ele demorara três minutos a mais para chegar ali apenas provava que realmente tinha algo errado. Petr deveria ter sido formalmente repreendido, e isso a perturbava um pouco. Ela ficaria pelo menos dois dias fora e ele permaneceria na base. O que quer que estivesse acontecendo, ela não teria como interferir. Se ele fizesse alguma besteira, ela não estaria ali para tentar amenizar ou levar a culpa sozinha.
- Por que você fez aquele show com Ivan? – perguntou ela de uma vez, assim que ele fechou a porta. Petr estava cabisbaixo e ela até se sentiu tentada a suavizar o tom de voz, mas seu prazo apertado não permitiria – Você sai em missões sem mim o tempo todo, por que agora é um problema nós não dividirmos todas missões?
- Você é descuidada demais, Nikky – resmungou o homem, se jogando na cama da irmã de bruços, afundando o rosto em seu travesseiro não tão macio como ele queria.
- E claro, você é o Sr. Perfeição – retrucou ela, colocando suas lâminas nos compartimentos de sua bota.
- Em quesito de descuido somos bem equilibrados – corrigiu Petr, rindo embora não tivesse nenhum traço de felicidade em sua voz – Só que você não está acostumada a ir para o campo sem mim. Pode causa problemas.
- Então você realmente acha que é melhor que eu, que eu não sou capaz – acusou ela, cruzando os braços. Era um sentimento estranho que a dominava no momento. Ela fazia tudo o que podia e o que não podia para se igualar ao irmão, vê-lo aumentar a distância entre eles no mínimo a incomodava – Eu já liderei sua equipe antes, não tive problema nenhum.
- Não são suas capacidades que estou questionando, mas sim o resto da equipe – confessou o homem, rindo descrente quando a irmã soltou um confuso “me perdi, colega” – Qualquer outro agente da HYDRA tem medo de nós, Nikky.
- Por causa da coisa de poderes? Sério mesmo? – debochou ela, amarrando os cabelos no topo da cabeça para testar o encaixe da máscara. Depois de encaixar o objeto em seu maxilar e prender o fecho na nuca, sua voz se tornara baixa e abafada, e Petr teve que se concentrar que sua irmã estava irritada e não rir por sua voz soar engraçada – Você já viu o que eles estão fazendo em Sokovia? Nós somos unicórnios cheios de glitter comparados com as cobaias do Strucker.
- Por causa de Krigor – explicou ele, e dessa vez Dominik realmente parou. Com cuidado ela retirara a máscara e a prendera no cinto da calça, se sentando em silêncio na beirada da cama a espera que ele terminasse o raciocínio – Eles têm medo de nos desafiar e isso chegar aos ouvidos do pai.
- Faria muito mais sentido terem medo de nós – retrucou Dominik, mas sua voz não tinha mais firmeza. Nunca havia parado para pensar naquilo, mas as pessoas realmente temiam seu pai. Não era respeito, era medo. Ela conhecia suas habilidades e as de seu irmão, mas não fazia ideia do que seu pai era capaz, e esse pensamento a perturbou. Se as pessoas o temiam, deveria ter um motivo. Então por que ela não? Ou era algo tão natural que ela sequer notava?
- Não o subestime, Dominik – aconselhou Petr, beijando seu rosto antes de levantar da cama e rumar para a porta – Não acontecem coisas boas com quem faz isso, e não acho que vamos ter privilégios por sermos filhos dele.
- O que você quer dizer com isso?! – murmurou ela apressada, segurando o irmão pelo braço. Tinha algo definitivamente errado, e sua incapacidade de ler o homem a frustrava mais do que nunca. A pessoa que ela mais queria compreender era ironicamente a que ela não conseguia alcançar – Pete, o que está acontecendo?
Petr se virou minimamente para a irmã, se questionando se fora correto deixá-la preocupada. Seu pai não tinha bons planos para ela, e sequer estava se preocupando se ela sairia viva ou não, e isso o atormentava há semanas. Krigor sempre negava quando o questionava, mas era uma vantagem conseguir ler pessoas, mesmo aquelas que passaram a vida toda com o objetivo se tornarem incompreensíveis. Ele não deveria pensar daquela forma, mas talvez a HYDRA não fosse o melhor lugar para sua irmã. Tudo que Petr queria era o seu bem, mas de repente parecia que as opções eram limitadas, os custos altos demais. O homem não pensava em se rebelar ou trair o lugar em que nascera e crescera, mas e se não tivesse outra escolha? Se continuar a obedecer significasse perder mais pessoas?
- Apenas conclua sua missão logo. Desperdício de tempo também não é bem visto.
E sem mais, Petr seguiu para fora do quarto.
Dominik ainda ficou mais alguns segundos estática, tentando compreender o que presenciara, mas nada parecia fazer sentindo. Aquela dúvida não saiu de sua mente até chegar ao hangar, onde ela foi obrigada a focar em outro assunto, já que precisava lidar com a sua equipe. Vagner e Klaus trabalhavam juntos há muitos anos, mas até aquele dia não tinham trabalhado diretamente com ela, o que poderia se tornar algo recorrente, caso tudo saísse bem naquela missão. Ambos já estavam a sua espera na nave, decolando assim que ela embarcara. Rapidamente ela ocupara um dos assentos de passageiros, enquanto a dupla estavam de piloto e co-piloto.
- Então... Você já tem um plano em mente? – arriscou Klaus, recebendo apenas um resmungo como resposta. Ele até chegou a se virar em sua cadeira para a mulher às suas costas, constatando que ela sequer lhe dava mais atenção, folheando o que ele acreditava ser a ficha do alvo – Se importa de me contar?
- Sim, me importo.
- Me desculpe, mas eles colocaram na sua cabeça o conceito de trabalho em equipe, não é? – resmungou ele, com um tom de voz falsamente educado. Vagner acertou com gosto suas costelas com o cotovelo, o fazendo resmungar ainda mais. Não queria saber de quem a garota era filha. Ela era um soldado e tinha que se portar como um. Já bastavam ter que aturar as folgas do Corvo mais velho, não podiam deixar que a caçula seguisse seus passos.
- Você apenas vai ficar observando. Se quiser ficar como sniper em um prédio próximo, não me importo – resumiu a mulher. Normalmente ela já não gostava de se alongar em diálogos desnecessários, naquele momento então era algo que ela não permitiria. Precisava de silêncio para se concentrar no que precisava ser feito, e não podia matar seus colegas para que os batimentos de seus estúpidos corações parassem de distraí-la, mas impedir que eles falassem era algo muito mais viável e que não lhe renderia advertências mais tarde.
- Quero saber o que você está planejando, Ivanov. Desembucha – insistiu Klaus, quase pulando em seu assento quando notou que a mulher não estava mais em seu lugar ao fundo, mas sim atrás dos dois, e sua expressão não era nada contente.
- Estou planejando em fazer uma rápida parada antes de nos encontrarmos com o traidor. Um pequeno presentinho – contou Dominik quase sorrindo ao notar Klaus prender a respiração quando ela esticou o braço entre os dois para entregar um pedaço de papel para o piloto. Vagner também tinha se assustado, mas não tivera a mesma educação da mulher, rindo de leve do repentino sumiço de coragem de seu colega. Analisando melhor o que ela lhe entregara, o homem notou uma sequência de números que só poderiam ser coordenadas em uma caligrafia delicada. Era uma localidade da Austrália também, talvez próximo de Melbourne. Como não queria seguir os passos de seu colega, Vagner apenas assentiu e mudou o destino da viagem.
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Enquanto batucava pacientemente na mesa, a mulher bebericava seu chá agora já frio, se questionando em que momento suas unhas estavam grandes demais para lutar, se já não devia tê-las cortado naquela manhã. Com todas as luzes apagadas, o velho apartamento em que ela se encontrava parecia ainda mais malcuidado, e Dominik tentava se concentrar em seus arredores para ignorar o cheiro estranho que vinha da cozinha, mesmo esta não aparentando ser muito usada. Depois do que pareceram horas, os passos do homem que ela viera visitar ecoaram pelo corredor vazio do andar, seguidos pelo tintilar de seu molho de chaves enquanto trabalhava na tranca. Dominik sorriu satisfeita quando a porta foi aberta, levando a xícara mais uma vez aos lábios apenas para fingir indiferença à presença daquele que era sua missão.
Albert congelou no portal, sem saber ao certo se devia correr ou questionar a mulher que invadira seu apartamento. Com seus olhos arregalados, ele a assistiu devolver a xícara à mesa, virando o rosto levemente em sua direção, o suficiente para que pudesse reconhecê-la. Não fazia o menor sentindo, mas a mulher era Stark. Não conseguia pensar em nenhum motivo bom o suficiente para os Vingadores estarem em sua cola, e então logo ele se recordou da notícia que circulava o mundo: a mais nova dos heróis estava desaparecida há semanas.
Se estava ali, era porque Krigor finalmente tinha recuperado o que lhe pertencia.
Quando finalmente recuperara o controle de suas pernas e ameaçara fugir, o sorriso da mulher se alargou. Nem em outra vida ele conseguiria a superar em velocidade.
- Sente – murmurou ela, com uma delicadeza na voz que Albert sabia que não encontraria em seus punhos. Ela já era perigosa quando pertencia à S.H.I.E.L.D., agora ele não sabia que tipo de atrocidade poderia esperar da mulher – Eu fiz um pouco de chá para nós.
- Ainda não deu a hora do chá, amor – resmungou ele, fechando a porta às suas costas, mas sem avançar em direção à morena.
- Vocês britânicos não tomam chá o dia inteiro? – riu a mulher, afastando sua cadeira com cuidado para se levantar, parando em frente à mesa em seguida – Hm, outra mentira mundial, pelo visto.
- O que você quer, Ivanov? – indagou o homem sem rodeios, e algo em sua voz ao pronunciar seu sobrenome fez com que Dominik hesitasse brevemente. Medo. Albert tentara disfarçar muito bem, mas era medo que estava claro em sua voz. Não era a primeira vez que ela presenciava algo daquele gênero, mas sua mente a traíra, trazendo à tona as memórias do dia anterior, da conversa estranha que tivera com seu irmão. Só que aquele não era lugar para tentar resolver problemas pessoais.
- Os rumores dizem que você está saindo da linha... – respondeu ela depois de um tempo, fingindo um tom de inocência enquanto se sentava em cima da mesa, balançando as pernas como uma criança – Roubando algumas informações...
- Não roubei nada – se defendeu ele rápido demais, característico de quem era culpado – Mantive apenas anotações minhas.
- Aí é que está, querido... Você pertence à HYDRA, tudo que é seu também é nosso. Não existe quebra de contrato – lembrou ela, alargando o sorriso em seguida – Bom, até existe, mas acho que você não vai gostar muito das multas.
Não conseguindo esperar por uma chance melhor, Albert puxou sua pistola do cós da calça, mas não teve tempo de colocar a mulher na mira, já que ela em um movimento mais ágil lançara o bule de chá em sua mão, com força necessária para fazer com que a arma escapasse de sua mão, longe o bastante para ele não conseguir recuperá-la sem se tornar um alvo ainda mais fácil.
- Oh não... – ofegou Dominik em um tom extremamente falso e dramático, levando uma mão ao peito enquanto encarava os cacos do bule no carpete. Sua expressão em seguida mudou para decepcionada – Nós não devíamos fazer barulho...
- Não quer perturbar os vizinhos? – retrucou o homem, com a voz carregada de sarcasmo.
- Mas é claro que não – sorriu a mulher, o tipo de sorriso que adiantava que ela estava prestes a tornar sua vida um verdadeiro pesadelo – Não queria acordar sua filha.
O rosto do homem automaticamente ficou pálido e, antes que ele pudesse a acusar de estar mentindo já que a garota estava segura em Melbourne, a voz infantil da criança saiu de um dos quartos. Logo uma garota que não passava dos seis anos se colocou entre os dois, com um largo sorriso no rosto, se colocando entre os dois, como se tivesse sido ordenada para aquilo.
- Estava com saudades, papai! – contou Mia, olhando de um adulto para o outro – Tia Nikky disse que você viria e me trouxe para te fazer uma surpresa.
- Você colocou uma criança inocente no meio disso... – ofegou Albert, com os olhos ainda travados no rosto contente da filha. Dominik pôde notar a mudança drástica em sua postura: nada mais de hesitação por medo, apenas a ira de um pai que via o filho posto em perigo – Em que tipo de monstro eles te transformaram, Stark?
Dominik alargou o sorriso para disfarçar o instinto de partir o homem em dois por utilizar aquele nome.
- Mia? – a mulher se agachou para ficar da altura da criança, que não perdeu tempo e parou ao seu lado – Por que não pede para o papai entregar para a Tia Nikky as folhas importantes que ela precisa para o trabalho?
- Dentro do closet, uma caixa escondida no fundo falso – respondeu Albert logo, antes que a criança pudesse repetir o pedido. Aquela era sua chance. Se a caixa estivesse nas mãos da mulher, talvez fosse possível se salvar e ainda salvar sua filha. Uma chance era tudo que ele precisava.
- Papai te ensinou como abrir um fundo falso, não é? Você paga para mim, meu anjo? – pediu Dominik, afagando os cabelos da garota – Tia Nikky está tão cansada...
Não demorou muito para que a garota retornasse com uma pequena caixa de madeira em mãos. Quando ela se adiantou para a mulher, Dominik negou com a cabeça.
- Dê para seu pai, meu amor – murmurou ela, seu olhar seguindo para o homem a tempo de ver a expressão quase confiante de Albert desmoronar – Ele sabe quais papéis eu preciso.
Sem questionar, Mia seguiu até seu pai, lhe entregando a caixa. Albert instantaneamente ficou tenso ao sentir o material em suas mãos, ainda mais quando os olhos de Dominik o desafiavam a abrir a tampa.
- Você sabe dos explosivos.
- Eu sei de tudo, Albert. Você não pode mentir para mim, ou tentar me passar a perna... – contou ela, se virando para pegar uma pasta que descansava em sua bolsa, longe do campo de visão do homem. Se tivesse visto aquilo logo de princípio, a cena teria se desenrolado de outra forma – Eu já peguei os arquivos. Desarmei todas as armadilhas que você colocou nesse apartamento. Até mesmo os explosivos que estavam na tampa dessa caixa. Eu poderia tê-los ligados novamente para ver você se explodir sozinho, mas fiquei com medo que a pequena Mia a derrubasse antes de te entregar e se machucasse... Coitadinha, ela estava tão nervosa...! Mas se saiu tão bem nessa tarefa que estou até surpresa, isso não é muito fácil de se conseguir.
- Se você já tem os arquivos que queria, para que esse teatrinho? Se divertir? – grunhiu o homem, lançando a caixa para longe. Albert sabia que deveria se controlar, tentar pensar em outra alternativa para pelo menos salvar a criança, mas o desespero já começava a dominar suas ações. Não, aquilo era orgulho. Ele era tão da HYDRA como a mulher a sua frente, não abaixaria a cabeça para ela, fosse filha da chefia ou não.
- Tudo tem um motivo, querido... – sorriu Dominik, tirando uma pequena pistola da bolsa sobre a mesa, mas ainda sem o colocar na mira – Mia precisava ver um mau exemplo para saber exatamente o que não deve se tornar, assim como aprender as consequências.
- Hail HYDRA – murmurou a criança, atraindo a atenção do pai, que não teve tempo de reagir graças ao tiro que Dominik lhe acertara na cabeça.
Seu corpo ainda ficara mais alguns segundos em pé antes de tombar para o lado. Uma quantidade considerável de sangue espirrara na parede às suas costas, mas nada que uma boa mão de tinta não resolvesse futuramente. Para a sua surpresa, a garota ao seu lado não se surpreendera com a cena – apenas um pequeno sobressalto talvez pelo som do disparo mesmo com silenciador. A garota tinha estômago, isso Dominik não podia negar. Quem sabe com um pouco de treinamento ela não se tornasse alguém.
- Vamos, meu anjo – sorriu Dominik, guardando a pasta na bolsa assim como sua pistola, oferecendo a mão para a criança, que a aceitou sem cerimônias – Hora de conhecer sua nova casa.
A garotinha apenas assentiu em silêncio, a seguindo para fora do prédio e pelas ruas bem movimentadas até onde a equipe deveria se reunir. Klaus praguejava em seu ouvido pelo comunicador, questionando o motivo de a garota ainda estar em sua companhia, mas isso ela já esperava. O que Dominik não imaginava era o outro membro da equipe se rebelando.
- Isso não estava nos planos, Ivanov...! – rosnava Vagner quando já estavam todos mais uma vez na nave, olhando por cima do ombro para a criança adormecida em um dos bancos antes de voltar a fuzilar a comandante da operação ao seu lado – Essa não é uma missão de recrutamento. Você precisa começar a seguir suas ordens. Por sua causa vamos ser todos punidos.
- Tenha um pouco de fé... Eu sei o que estou fazendo – bufou ela, revirando os olhos – E se nossos superiores não aprovarem minhas decisões, a punição será apenas minha, não de vocês. A não ser que vocês me desobedeçam...
- Nós não t… – começou Klaus, estranhando o olhar ameaçador da mulher em sua direção.
- Mude a rota para Sokovia – cortou-o ela, assistindo a expressão de ambos mudar de confusão para descrença – Preciso ver Strucker.
- E por acaso Strucker pediu para te ver? – questionou o piloto – HYDRA não é essa bagunça que você está imaginando, Ivanov.
- Faça como eu disse – avisou a mulher, se levantando e indo com passos lentos em direção dos dois, parando atrás de seus acentos – Avise a base que estamos indo para lá. Diga que preciso ver Strucker. Ele sabe sobre o que é.
Klaus buscou alguma confirmação nos olhos de Vagner, que apenas deu de ombros. Eles provavelmente estariam com problemas mais tarde por darem ouvidos à mulher, mas estariam com problemas agora se não a obedecessem. Pelo menos teriam mais algumas horas de vida.
Dominik deixara a garota dormindo na nave junto com a dupla e seguira os guardas até o laboratório onde Strucker estava. Fazia um certo tempo que estivera ali, mas a mulher ainda se lembrava dos corredores confusos, do ar frio demais que a deixava desperta. Se não tomasse cuidado, sua mente começaria a reprisar os momentos em que fora submetida ao cetro, e todas as incertezas que aquilo lhe causara. Até aquele dia ela ainda negava quando seu pai a questionava sobre o experimento, se a arma não tentara confundi-la. Foram imagens confusas que apareceram em mente, mas não parecia ser algo perigoso. Seria perigoso fazer com que seu pai desconfiasse de sua capacidade, então era melhor lidar com aquilo sozinha.
- Não posso dizer que não estou surpreso com sua visita, Srtª Ivanov ¬– comentou Strucker de trás de uma larga mesa, a tirando de seus devaneios.
- Você disse que estava aberto a sugestões, caso me surgisse alguma – lembrou ela, escondendo as mão nos bolsos do traje. Strucker riu com o gesto: até mesmo quando ela parecia estar se esforçando para transmitir insegurança, confiança era tudo que ela exalava.
- Sou todo ouvidos.
- Há uma razão para o Programa Presságio ter pegado cobaias quando muito novas, não apenas por serem de uma linhagem muito específica, mas porque crianças são as mais adequadas para experimentos – contou ela caminhando pelo espaço, fingindo interesse nos materiais estranhos que ocupavam as mesas – São novas o suficiente para serem mudadas sem tantos esforços, assim como se adaptam com mais facilidade. Os irmãos Maximoff são jovens, mas não o suficiente. Se fossem, tenho certeza que o controle de seus poderes seria uma tarefa muito mais simples.
- Isso foi levado em consideração quando selecionávamos os voluntários, mas infelizmente não tínhamos tantas crianças – explicou Strucker, se adiantando para tirar um vidro da mão da mulher antes que ela o derrubasse e causasse uma pequena catástrofe.
- Eu recrutei uma garota na minha última missão. Não passa dos sete anos. É bem durona, mas não posso dizer se sobreviveria aos experimentos – continuou ela, ignorando o olhar levemente irritado do homem por ter praticamente duvidado de sua inteligência – Em Moscou estamos um pouco sobrecarregados por causa da S.H.I.E.L.D., Vingadores, essas coisas... Então o processo de treinamento por lá está fechado. Aqui as coisas estão mais tranquilas, e achei que você poderia fazer melhor proveito dela. Tanto como cobaia, ou agente, o que você quiser, na verdade. Apenas achei que seria um desperdício não trazer de volta alguém que nasceu em nossa organização e está tão disposta a aprender.
- Você decidiu recrutar a garotinha? – estranhou Strucker, sem conseguir conter um certo riso em sua voz – Por pura e espontânea vontade? Quem é ela?
- Filha de um traidor. Ela se voluntariou a finalizar o próprio pai.
- E você permitiu?
- Não deixaria uma novata estragar minha diversão.
A naturalidade na fala da mulher elevou o astral de Strucker. Poderia acontecer qualquer tipo de desastre pelo resto do dia que aquele momento continuaria sendo o ponto alto que não seria tão facilmente esquecido. Quando se começa a trabalhar com experimentos, você aprender a valoriza os acertos, e a mulher a sua frente era definitivamente um acerto, do tipo que poucas vezes se atinge. Quando soubera que a transformariam em uma versão do Soldado Invernal por causa das lavagens cerebrais, Strucker temeu que seu potencial fosse prejudicado, mas a mulher era conhecida por ser imprevisível, e essa característica continuava. Ela era melhor que Barnes, melhor que o irmão. Nenhum dos dois tinha permissão para aquele tipo de iniciativa, nem mesmo ela, mas a mulher quebrava as regras apenas para trazer mais orgulho aos líderes.
Não importava quem ela fora antes, Dominik era da HYDRA.
- Você definitivamente tem futuro aqui, Dominik – disse Strucker, percebendo a confusão da mulher em razão do seu silêncio - Estou feliz que esteja de volta.
- Bem, eu… - Dominik pigarreou, de repente desconfortável. A postura do homem tinha mudado tão drasticamente que até mesmo ela estava tendo dificuldades em como agir – Se me permite, ainda tenho que reportar a última missão.
Enquanto a mulher deixava o laboratório, Strucker tirou seu aparelho celular do bolso para digitar uma breve mensagem para Krigor, parabenizando pelos seus avanços e narrando o que sua querida filha tinha acabado de fazer.
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Outra missão de recuperação de documentos havia sido separada para Dominik no final da noite do dia anterior, e agora, próximo do começo da tarde, o material já estava em suas mãos. Klaus e Vagner estavam em uma cafeteria próxima, disfarçados para caso ela precisasse de apoio – na verdade eles apenas queriam uma bebida quente, e não ficar enfurnados na nave enquanto a mulher fazia todo o trabalho sozinha. Depois de uma missão na Argentina, eles estavam estranhando voltarem para o hemisfério norte, ainda mais com a proximidade do inverno, que naquela região do Canadá costumava ser sempre rigoroso. Como não tinha permissão para ingerir algo, Dominik apenas sentou próxima a eles, fingindo estar interessada nas notícias do dia no jornal que comprara enquanto os dois se satisfaziam com suas bebidas quentes. Dominik tinha ciência que a temperatura estava bem baixa, mas não a incomodava. Ela estava mais interessada em monitorar seus arredores, já que estavam relativamente expostos.
Vernon era uma cidade pequena, não parecia ser uma ameaça, mas ela não usou aquilo como desculpa.
E fora uma excelente escolha.
Havia uma presença peculiar em seu radar, e por algum motivo ela sabia exatamente quem era.
- Voltem para a base – ordenou Dominik, se adiantando para a mochila que o piloto trazia e tirando de lá a sua máscara. Klaus ainda tentou impedi-la, questionando o que estava fazendo – Localizei um fugitivo. Barnes. Uns trezentos metros daqui.
Dominik não estranhou ver ambos os homens empalideceram. Se eles precisassem enfrentar o Soldado, não durariam sequer um minuto, então entendia o receio. O detalhe era que ela não precisava deles, não precisava de suporte. Na verdade, eles acabariam atrapalhando, por isso logo sinalizou para eles que desistissem.
- Ele é bem mais forte que você, Corvo – lembrou Klaus, tentando segurar seu braço, mas falhando. Já estava sob o comando da mulher a tempo o suficiente para saber que não adiantaria contra argumentar e que se algo desse errado ele não seria responsabilizado, mas aquele caso era diferente. Se eles a perdessem, não teria desculpas o suficiente para salvar suas peles.
- Espere até seu irmão chegar pelo menos – Vagner se juntou a ele, antes que a mulher pudesse retrucar.
- E assim perdemos o rastro dele de novo. Eu termino isso agora – Dominik encerrou a discussão, já se afastando da dupla – Vocês têm uma hora para conseguir o Petr aqui, ou eu vou fazer a aquisição sozinha.
Sua vontade era abordá-lo o mais rápido possível, mas ela se forçou a controlar aquele instinto. A mulher não tinha nenhuma memória do Soldado, mesmo com os arquivos deixando bem claro que eles já haviam se encontrado anteriormente. Seu irmão parecia nutrir algum ressentimento pelo homem, tanto por esses episódios que ela não se recordava como por seus próprios, referentes ao seu treinamento quando mais jovem. Talvez fosse por esse conhecimento, ou alguma ciência inconsciente de que deveria temê-lo, ela não tinha certeza. O fato era que ela tinha agora a chance de recuperá-lo, e era isso que ela faria.
Mesmo se não tivesse suas habilidades, segui-lo seria extremamente fácil: Barnes de alguma forma se destacava, e o fato de estar no meio do dia também facilitava as coisas. E mesmo assim, Dominik tinha que admitir que o Invernal havia sido bem treinado: ela estava tendo o máximo de precaução para não ser descoberta antes da hora, e mesmo assim ele já sabia de sua presença. Barnes estava saindo da área urbanizada da cidade, adentrando na floresta, onde ela não conseguia identificar nenhuma forma de vida humana. De certa forma, até era melhor assim: menos distrações, menos testemunhas.
Sua respiração estava calma, mas seus batimentos cardíacos aos poucos começavam a se acelerar, distribuindo pelo seu corpo a dose necessária de adrenalina para estar pronto para o combate iminente. Em um primeiro momento Barnes pensou que fosse o garoto Corvo que estava o seguindo, mas desistiu dessa hipótese ao notar como seu perseguidor era silencioso e ágil, em um nível muito superior ao de Ivanov. Naquele ponto o homem já não sabia mais dizer quem poderia estar atrás ele, e isso sequer era muito relevante. Qualquer um que se aproximasse era uma ameaça, inimigo.
Como parecia estar sendo seguido por apenas uma pessoa, Barnes não acreditou ser tão arriscado adentrar na floresta. Na verdade, lá até se sentia mais seguro: local afastado, e fácil de se perder. Por já ter familiaridade com o local, a vantagem lhe pertencia. Quem quer que fosse a pessoa, não teria a chance de pedir suporte, se viesse a precisar – e precisaria.
Neve começara a cair com empenho, o que tornaria a situação um pouco mais delicada: fácil de rastrear, fácil de perceber a presença. Aquilo não era bom para nenhum dos dois, e talvez fosse melhor agir logo. Quando já estavam a uma distância considerável da civilização, perseguidor e perseguido entraram em um acordo silencioso: Barnes parou, e o estranho se revelou por entre as árvores. Se não olhasse com atenção, ele poderia dizer que era um espelho que estava a sua frente, refletindo o que seria sua imagem quando pertencia a HYDRA. Só que a imagem tinha uma estatura menor, o físico também forte, porém feminino. Seu traje parecia ter sido inspirado no antigo uniforme do Soldado Invernal sem pudor nenhum, apresentando até a mesma máscara. O primeiro pensamento que lhe ocorreu era que aquela era a sua substituta, outra pessoa que estava sendo usada contra sua própria vontade, assim como ele também fora por décadas. Era um semelhante.
A cada segundo sua respiração condensava ainda mais ao deixar seu corpo, atrapalhando sua visão. A garota – ele não conseguia presumir a sua idade já que a maior parte de seu rosto estava coberta, mas como não a tinha visto até aquele dia, ela provavelmente era mais nova do que ele – imitava sua postura, deixando claro que também estava pronta tanto para atacar como para se defender. No momento em que o ar de condensada em maior volume à sua frente, ela aproveitara a distração, sumindo de seu campo de vista. Quando a avistara novamente, ela já estava muito próxima, com uma faca perto demais de seu pescoço. Quando seus olhos se encontraram, um pensamento curioso invadiu a sua mente: não era a primeira vez que eles se enfrentavam.
Barnes não fazia ideia de onde conhecia aquela garota, mas podia afirmar com certeza de que ela estava mais rápida, mais forte. Ele segurara seu pulso antes que ela cortasse sua garganta e ainda assim conseguira escapar mesmo do aperto da sua mão de metal, girando o braço em um movimento rápido e arriscado, ficando de costas para ele e acertando seu estômago com o outro cotovelo, fazendo com que ele curvasse o corpo e recuasse um passo. Aproveitando a posição, ele envolvera com o braço humano pela cintura, atirando-a em uma árvore próxima com menos força do que queria, mas foi o suficiente para que a madeira se quebrasse um pouco. Quando ela ameaçou se levantar, teve que desviar o punho fechado do homem, que acabou atingindo a árvore enquanto ela aproveitava a abertura em sua guarda para encaixar um chute potente em seu abdômen, fazendo com que ele caísse há alguns metros de distância. Quando se colocara de pé, a mulher empunhara uma pistola e o colocara em sua mira, tendo que desviar no último instante da pedra que Barnes atirara na direção da sua mão para que a arma fugisse de sua posse.
Seus olhos não conseguiram acompanhar seus movimentos, mas ela o sentia se locomovendo com grande velocidade ao seu redor, tentando lhe atingir distraída. Por fim ele tentara lhe acertar um gancho de direita na altura do rosto. Seu braço esquerdo automaticamente se erguera para bloquear o soco, e, como seu tronco ficaria desprotegido e aquele claramente seria o alvo do soldado, ela se prepara para chutar o punho de metal com a perna direita, girando o corpo para ainda tentar acertar um chute em seu rosto com a perna livre, fazendo com que ele fosse ao chão de forma bem menos graciosa do que ela. Barnes limpou sem pressa com as costas da mão o sangue que lhe escorria do lábio recém-cortado, seu olhar raivoso travado no indiferente da mulher. O estilo de luta dela não era nada fora do comum, mas seus instintos estavam o traindo, como se esperassem outra coisa dela. Estilos de luta mudam, idiota. Ele precisava se concentrar no que estava a sua frente, principalmente porque o tempo não estava do seu lado: a cada segundo que desperdiçava, mais próximo o reforço da mulher deveria estar, e, se fosse uma equipe como ela, talvez não fosse possível conseguir derrotá-los.
A mulher pacientemente esperou que ele se levantasse, e Barnes quase podia afirmar que por trás da máscara ela estava sorrindo. Ela não estava ali de brincadeira, mas também não tinha pressa. Era quase que uma certeza de que ele não tinha escapatória, que era uma presa garantida. Aquela postura ele conhecia muito bem, afinal, era daquela mesma forma que ele se lembrava de agir quando era o Soldado Invernal. Mesmo com tantas semelhanças, o homem tinha a sensação de que ela ainda conseguia parecer ainda mais nociva do que aquela sua antiga versão. Sua aura não transmitia apenas indiferença, parecia ter um pouco de diversão. Seus olhos deixavam escapar o segredo de que no fundo ela estava se divertindo.
Ela tirara uma pequena adaga do cano da bota, e Barnes logo se adiantara para chutar sua mão, fazendo com que a arma voasse para longe. Ela tentara golpear suas costelas em seu ponto cego, mas ele já esperava aquele movimento, girando mais ainda o corpo para pegar impulso e lhe acertar o rosto com o punho de metal fechado, o que fez com que ela recuasse uns bons dois passos e a máscara escura que protegia seu rosto voasse para longe.
A máscara da garota pareceu cair em câmera lenta no chão, mesmo sem os olhos de Barnes estarem seguindo o movimento do objeto. Seus olhos estavam travados no rosto recém descoberto de sua atacante, o reconhecimento que começara com a familiaridade de seus olhos finalmente o atingindo por completo.
- Stark? Mas que diabos...? - ofegou o homem, praticamente permitindo que ela encaixasse o pé em seu peito, o fazendo voar alguns metros. Barnes estava tão estupefato que sequer tentou amortecer a queda, se sentando no chão de qualquer jeito em seguida, continuando a fitá-la com espanto. Eles haviam de fato se enfrentado. Ele acreditava ter matado-a, mas a mídia permitiu que ele soubesse que não havia tido sucesso naquela missão. A mídia também lhe informara de seu sumiço, e até que fazia certo sentido. O que o incomodava era aparentemente ela estar com a HYDRA quando foram eles que mandaram que ele a executasse – O que eles fizeram com você?
Uma ira a mais apareceu nos olhos da mulher assim que ouviu seu antigo nome, e Barnes não demorou a entender que talvez eles estivessem feito com que ela criasse algum tipo de aversão ao próprio nome, já que o último soldado semelhante a ela havia sido desestabilizado por ouvir um antigo apelido. Seus golpes se tornaram mais rápidos e fortes, e em contrapartida menos precisos e desleixados. O nome ainda tinha algum poder sobre ela, estava desconcentrando-a. Ele poderia tirar vantagem disso, se também não se deixasse levar pela situação. Havia algo a mais encoberto, que ele não conseguia compreender. Uma sensação estranha no estômago, um sentimento ruim toda vez que seus olhos cruzavam com os raivosos da mulher.
Quase que inocentemente, Barnes tentara segurar seus braços às suas costas para imobilizá-la, sem esperar levar uma cabeçada no queixo, o que fez com que a soltasse. O que lhe surpreendeu ainda mais foi ela não se afastar dele, e sim se agarrar ao seu tronco. Antes que pudesse compreender o que acontecia, ela pegou impulso e jogou suas pernas para cima, prendendo sua cabeça entre os joelhos e o puxando para baixo. Ah, ele conhecia aquele golpe. Barnes controlara sua queda, dando uma cambalhota para frente, o que fez com que ela perdesse o aperto em seu pescoço. Antes que ela pudesse planejar seu próximo movimento, Barnes estava sentado sobre seu abdômen, seus joelhos prendendo seus braços contra o chão. Por causa do solo coberto de neve, ela não estava conseguindo ter apoio em seus pés para tentar de desequilibrá-lo. Assim que seus dedos se fecharam ao redor do pescoço da mulher, Barnes se arrependeu imediatamente.
Mesmo gesto, três momentos diferentes, duas pessoas distintas.
- Valerik... – ofegou Barnes, afrouxando o aperto e saindo de cima dela antes mesmo de pensar no que estava fazendo, assistindo a mulher se encolher no chão enquanto tentava controlar sua respiração – Você é o bebê. Dominik... e Dominik são a mesma pessoa...? Você é da HYDRA.
- Percebeu isso só agora, coração? – resmungou ela entre tosses, o fuzilando por de trás dos fios de cabelo que caíam em seu rosto – Você é bem menos inteligente do que eu esperava.
- E você parece mais comigo do que eu esperava.
- Sua aparência vai estar bem diferente quando eu terminar com você.
Em segundos Dominik estava de pé mais uma vez, e sua investida contra o soldado mais uma vez se alterara, se tornando ainda mais agressiva e desleixada. Ela entrara em um estilo de luta que se poderia considerar no mínimo suicida, onde era difícil conseguir se defender caso o ataque falhasse, e, para a infelicidade de Barnes, ela não estava falhando. Se estivesse de fato concentrado em sua tarefa, ele não teria nenhuma dificuldade em bloquear seus golpes, mas sua mente se tornara nublada mais uma vez: aquela mulher a sua frente era Dominik. Ele ainda tinha dificuldades em organizar cronologicamente as memórias que já recuperara, mas já podia considerar as que tinha dela quando bebê bem antigas, já que agora ela já era adulta. E isso nem era tanto o que estava o perturbando. Um dia ele tivera ordens diretas de proteger e resgatar aquela garota, então por que fora ordenada a matá-la meses atrás?
- Ivanov...! – ofegou o homem, desviando do gancho da mulher. Em um movimento ágil ele segurara seu pulso antes de ela iniciar outro golpe, a puxando para perto – Você precisa parar. Você é mais do que uma arma.
Arma.
A palavra ecoou em seus ouvidos algumas vezes enquanto girava o corpo e segurava o braço que Barnes segurava seu pulso, o segurando às suas costas. Ao chutar seu joelho, o soldado caíra de cara no chão, e ela posicionara um pé sob seu ombro, pronto para deslocá-lo. E então ela parou. “Você não é um brinquedo... Você não é uma arma”, ela não se lembrava daquela voz, mas era familiar. De repente ela não estava mais na floresta com Barnes, mas em um lugar igualmente claro, com um homem loiro naquela mesma posição, lhe dizendo aquelas palavras. Na mesma velocidade que a imagem se formara, ela também se fora, o que deixou Dominik um tanto desestabilizada. Parecia muito com as ilusões que o cetro criava, mas ela não estava sequer perto da arma, ou sob o seu controle, e o mais estranho era que até mesmo Barnes lhe parecia diferente. O soldado de aproveitara da falta de atenção da mulher para libertar seu braço, golpeara agilmente seu joelho para desequilibrá-la e invertera as posições. Antes que ele pudesse concluir a imobilização que planejava, a mulher lhe acertara uma joelhada no estômago, aproveitando para se levantar enquanto ele se recuperava. O alvo estava fácil, apenas um soco bem dado seria o suficiente para apagá-lo de vez. O único problema era que algo singular acontecera: o braço de Dominik parou centímetros antes de seu punho atingir o queixo do Soldado. Confusa, ela tentou terminar o movimento, mas seu braço não a obedecia.
- Você não quer me machucar... Você se lembra de alguma coisa – a afirmação de Barnes pareceu no fim mais como uma pergunta, mas seu efeito foi o mesmo. Não havia outro motivo para a hesitação da mulher.
- Por que não iria querer? – questionou ela, depois de tentar forçar o braço a terminar o movimento mais uma vez e deixando que ele caísse ao lado de seu corpo em seguida, sem saber o que fazer. Ela realmente não queria finalizá-lo, e isso não fazia o menor sentindo. Barnes era perigoso, já tiveram problemas no passado, mesmo que ela não se lembrasse do ocorrido, o que apenas tornava a situação mais bizarra.
- Você sabe quem eu fui – gemeu o soldado, se colocando de pé – Lavagem cerebral.
- Procedimento padrão para você, não para mim – retrucou ela, avançando um passo, mas visivelmente na defensiva. Ela está confusa, Barnes. Aproveite ¬– Eles nunca fizeram isso em mim.
- Você não se lembraria, boneca.... Mas pense com cuidado. Você realmente se lembra do que fez nos últimos meses? – não demorou muito para que o soldado reconhecesse a brecha que precisava. A postura de Dominik relaxara, saindo completamente do espírito de combate. Suas forças haviam sido direcionadas para tentar compreender o que ele falara e prejudicara suas defesas. Quando percebeu o erro, já era tarde. A última coisa que vira fora o pé de Barnes lhe acertando o rosto e tudo ficando escuro.
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DIA 1
A primeira coisa que ela estranhou ao acordar foi o ar que a cercava. Uma atmosfera ainda fria, mas leve. Ela não estava em casa e sentia dificuldades de se lembrar dos últimos momentos antes de adormecer, a dor em seu rosto deixando claro que ela não havia sido apagada da maneira convencional, mas sim nocauteada. Então ela estava em missão, só que onde? Em algum lugar frio, pelo visto. Resmungando baixo enquanto se remexia – ela estava sentada no chão e apoiada contra uma parede, o que resultara em um dor irritante também em seu pescoço – ela sentiu uma leve resistência ao puxar o braço direito, que estava sob uma mesa ao lado, constando um fio espiral enrolado em seu pulso.
Ainda mais confusa, ela se virou para frente na intenção de tentar identificar sua localização e quem quer que fosse que tinha levado-a até lá.
A localização ficara em segundo plano quando ela avistou Barnes em um dos portais da pequena sala, com os braços cruzados em frente ao peito e um olhar sério no rosto. Ele se destacava no ambiente de cores frias: as paredes cobertas com papel de parede cinza, o sofá preto empoeirado, e a mesa de madeira encardida, tudo sob a luz também fria que entrava pelas janelas. Barnes também trajava roupas escuras, mas ele não parecia pertencer ao ambiente tão aparentemente morto. Do que tinha dele em suas memórias, ele deveria se encaixar perfeitamente no cenário frio e insensível, mas o homem parecia ter incorporado toda a vida ao seu redor: sua postura era de longe menos centrada que ela vira até aquele dia, as mãos escondidas nos bolso de seu grosso agasalho, o rosto parcialmente coberto pela barba e um boné velho apresentava uma tonalidade corada saudável, ou ele tinha apenas bebido algo quente, e seus olhos não transmitiam o menor sinal de ameaça, divididos entre receio e ansiedade.
- Espero que você não tenha acreditado que um fio de telefone fosse me segurar – resmungou ela por fim, pronta para puxar seu braço e estourar o fio, mas o soldado se aproximou com passos lentos, agachando em sua frente para desamarrar seu pulso.
- Foi simbólico – murmurou ele, arriscando um olhar rápido para seu rosto antes de terminar a tarefa, não entendendo o motivo da expressão confusa da mulher. O fato era que ela não compreendia o motivo do cuidado de seu toque, segurando com delicadeza seu pulso com a mão real enquanto a de metal afastava o fio – Não há nada aqui que possa te prender, mas não podia simplesmente te deixar solta.
A explicação não fez com que ela se sentisse melhor, pelo contrário: a mulher puxou para mais perto as próprias pernas, puxando seu braço dormente e recém-liberto para frente de seu peito, massageando o pulso enquanto seu olhar percorria mais uma vez o ambiente que se encontrava. Eles ainda estavam em uma floresta, mas o cheiro das folhas era diferente, por isso ela murmurou um baixo “não estamos mais em Vernon”, buscando depois a confirmação nos olhos do soldado.
- Tinha que te tirar de perto da HYDRA.
- Por quê?
Barnes inconscientemente segurou a respiração por mais tempo que o normal, considerando a pergunta da mulher e suas motivações. Seu joelho lesionado na luta anterior o repreendia por estar o apoiando no chão duro, mas ele permaneceu na mesma posição, fitando o chão a sua frente. Sua vontade era fitar a mulher, mas não parecia conseguir juntar coragem para fazer aquilo por muito tempo. Uma inquietação em seu peito aparecia sempre que tentava, quase que como um aviso do perigo iminente. Aquela era uma diferença essencial entre ela e Valerik: talvez ela fosse tão ou mais perigosa que a filha, mas isso não contaminava seu exterior, e era disso que ela sempre tirara vantagem. Era assim que ela sempre mantinha todos sob seu controle.
Até hoje.
- Porque é minha missão – contou Barnes em um sussurro, erguendo os olhos para a morena e se esforçando para manter a expressão neutra – Te proteger.
- Se quer me proteger, deveria ficar longe de mim – retrucou ela sem pensar duas vezes, recuando alguns centímetros para o lado caso ele resolvesse fazer uma demonstração de que seu receio tinha um motivo – Você que vive tentando me matar.
- Seu lugar não é com a HYDRA, criança – ele retornou para o assunto anterior, tentando controlar os flashes de memórias que inundavam sua mente. Imagens da mesma pessoa em épocas diferentes, quase que vidas diferentes. Uma específica o atormentava: a imagem da mulher sendo atirada por uma janela por seu braço de metal mesmo com sua mente gritando que algo estava errado. Barnes não podia ser tão ingênuo, ele também era uma ameaça. O protetor era a última pessoa que merecia sua confiança, já que parecia desempenhar outro papel completamente oposto – Você não é quem pensa que é.
- E você sabe quem eu sou? – debochou ela enquanto ameaçava se levantar. Ela apenas não se pôs de pé porque seu braço de apoio vacilou. O ombro fora deslocado, ela logo constatou. Não tivera tempo o suficiente para se curar ainda. Barnes em contrapartida parecia estar em sua melhor condição física, se levantando com facilidade caminhando para longe da mulher.
A temperatura caia sem piedade com o passar das horas, e logo estaria frio o suficiente para que o traje da mulher não fosse o suficiente para mantê-la aquecida, por isso ele tinha que torcer para quem quer que morasse naquela casa tivesse algumas roupas extras no guarda-roupa.
- É uma das poucas coisas que eu tenho certeza na vida, criança. E isso é raridade – contou ele, entrando no que julgava ser o quarto principal da pequena cabana. Alguns objetos jogados pelos cantos de qualquer jeito eram indícios de um morador frequente, o que significava era melhor eles partirem o mais rápido possível. Felizmente, caminhar a noite não seria nenhum problema. Ele já estava acostumado, e algo lhe dizia que também não seria nenhuma novidade para a mulher – Você não vai voltar para o Ivanov, não no meu turno. Se eu tiver que te manter em cativeiro, que seja. Sua mãe não queria isso.
- Isso foi antes ou depois de você a matar? – questionou ela ainda na sala, procurando algum sinal de suas armas ou qualquer coisa do ambiente que pudesse ter a mesma utilidade. Ela tentara manter a neutralidade em sua voz, mas falhara com gosto. O ódio estava tão bem expresso que ela chegou a revirar os olhos.
- Eles limparam minhas memórias sobre ela antes de me mandarem na missão – gritou ele de algum cômodo distante, e ela parou suas buscas, de repente tomada pela curiosidade.
- Que missão?
- Te resgatar – respondeu ele, fazendo a mulher se sobressaltar por ele ter aparecido no portal da sala sem produzir nenhum ruído. Ela teve que ignorar o coração batendo forte contra o peito e se focar no assunto que importa.
- Do que diabos você está falando?
Barnes hesitou quando abriu a boca para responder, silenciosamente se xingando por não ter entendido mais cedo que aquilo aconteceria. Valerik poderia ser mais perigosa que os filhos, mas não conseguia superar seu marido. Não chegava nem perto. E agora ele tinha as duas crianças sob seu comando, prontas para seguirem suas ordens mais absurdas e autodestrutivas. Barnes sempre fora ciente da semelhança dos irmãos com ele, mas apenas naquele momento ele percebeu que as semelhanças iam mais longe do que ele imaginava. Eles também foram jogados no escuro, alimentados com mentiras. A garota em sua companhia ainda chegava mais perto, já que suas memórias também haviam sido manipuladas, mas o resultado era o mesmo.
As três armas mais perigosas da HYDRA não passavam de crianças perdidas que não sabiam o que acontecia a sua volta.
- Você não sabe – constatou Barnes, um pesar em sua voz que irritou ainda mais a mulher.
- Se você não fala, como eu vou saber do que você está falando? – resmungou ela em resposta, cruzando os braços em frente ao corpo. Seus instintos lhe diziam que ela não queria ouvir a resposta, mas ela não deu atenção. Ela tinha consciência de que algo estava errado: a conversa com Petr dias atrás sempre voltava para atormentar sua mente, deixando-a atenta para o menor detalhe que poderia explicar o que acontecia.
O problema era que sua fonte não parecia ser a mais confiável, mas a situação não permitia ser muito seletiva.
- Valerik abandonou a HYDRA e te levou junto – contou ele, com cuidado – Foi considerado como um ato de traição extremo. Você está trabalhando para eles agora, deve saber o procedimento.
- Você a matou durante a rotina de reparação do braço – seu objetivo era desmenti-lo, mas sua voz lhe traíra: o que era para ser uma afirmação acabou parecendo uma dúvida incerta.
- É isso que está nos registros?
- É o que aconteceu – grunhiu ela – Por que está mentindo?
- Estou tentando abrir seus olhos, criança – retrucou Barnes, também começando a se irritar. Não, aquilo não era irritação. Era frustração. Frustração por já ter passado por aquilo e por agora não saber auxiliar alguém na mesma situação – Ninguém merece viver uma vida dessa forma, ser manipulado desse jeito... Mexer com as memórias de alguém é cruel demais.
- Do que diabos v...? O que você está insinuando? Você acha q...? – ofegou ela, começando a rir em seguida, a ideia lhe parecendo ridícula demais – Eu não sou você.
Ela estava completamente na defensiva, uma postura muito semelhante a que ele assumira no helicarrier quando foi confrontado pelo Capitão América. No fim das contas, era um bom sinal: ele provavelmente acabaria com mais alguns ferimentos talvez sérios, mas a mulher estava apenas resistindo a aceitar algo que ela no fundo já desconfiava.
- Você sabe que tem algo de errado. Alguma lacuna falsamente completa com explicações, não memórias.
A mulher estremeceu. Não tinha como Barnes saber daquilo. Dava para contar nos dedos de apenas uma mão as pessoas que sabiam das lacunas de sua memória, e o soldado não fazia parte desse círculo restrito. Por isso ela apenas um murmurou um assustado “sai da minha mente” enquanto tentava recuar, encontrando dificuldades ao acabar se encurralando no canto da sala.
- Não faz parte das minhas habilidades.
- Por que eu deveria acreditar em você? – a pergunta lhe soara errada assim que a mulher a pronunciou. Não era aquilo que mais a incomodava. Por mais que não entendesse o motivo, alguma parte de si queria aceitar as palavras do soldado como verdade, ela queria acreditar. Pela primeira vez em muito tempo ela parecia estar diante de alguém que tinha respostas e estava disposto a lhe explicar. A ciência de que algo estava errado não lhe era mais o suficiente, ela precisava compreender, e, de alguma forma bizarra, alguém tê-la privado de suas memórias fazia certo sentido, justificava suas ações. Dominik não era como qualquer outro agente da HYDRA, se distinguindo até mesmo de seu irmão. Todos os integrantes da organização tinham um nível elevado de insensibilidade e eram muito bem disciplinados, mas até mesmo eles tinham algum momento em que relaxavam, mesmo que raramente. Para Dominik era algo ainda mais restrito, como não tivesse capacidade para interações sociais, como se quisessem que ela se focasse apenas em seu trabalho. O Invernal não se comportava daquela mesma forma?
- Eles não limpariam sua memória se você não fosse se voltar contra eles – continuou Barnes, mas ela já não prestava tanto atenção nele. O motivo. O que ela poderia saber que a faria se voltar contra HYDRA e sua família? Krigor a ameaçara uma vez, antes de ela ser enviada para Sokovia. Ele deixara bem claro que as pessoas mais próximas eram as mais propícias a te traírem, e ela até chegara a desconfiar um pouco de seu irmão, mas agora ela desconfiava do pai. Se haviam manipulado suas memórias, a ordem teria que ter partido dele. Petr sabia? Ele estava agindo cada vez mais estranho nos últimos tempos, a conversa que tiveram algumas semanas atrás ainda perturbando sua mente. Ele estava tentando lhe avisar sobre algo? Ou ela estava apenas tentando validar as informações que Barnes lhe dissera.
Em quem diabos ela poderia confiar se não podia confiar em sua própria mente?
- Krigor pediu que eu tomasse cuidado com o cetro, mas é você que está me confundindo... – ofegou ela, pensando alto.
- Cetro?
- Você realmente acha que pode me manter com você? Que pode me derrotar?! – grunhiu a mulher, contraditoriamente se afastando do homem como se o temesse, ao invés de se aproximar e demonstrar a confiança que tentava expressar em palavras – Eu vou te levar de volta. Não adianta fazer todo esse teatrinho.
- Não me faça chamar os Vingadores – ameaçou Barnes, a falta de firmeza em sua voz resultante de seu desejo de não precisar chegar àquele extremo, embora soubesse que era a escolha mais inteligente. Ele não tinha ferramentas para dominar a garota e ainda lutar contra a HYDRA, era arriscado demais. Ele precisaria de reforços, e talvez precisasse ser das últimas pessoas que ele queria ver – Os Vingadores estão lutando contra a HYDRA, e procurando por você.
- Os Vingadores são inimigos.
- Costumavam não ser.
O discreto sorriso triste no rosto do homem fez com que ela parasse por alguns instantes, tentando compreender suas ações. Quanto mais ela se esforçava, mais confusa ficava. Sua respiração ficava mais fora de seu controle, seus pensamentos não pareciam mais seguir um padrão. Ela saber exatamente pelo que estava passando apenas piorava ainda mais sua situação.
- Você não está falando coisa com coisa... Você está instável, e está me deixando instável... Por que estou ficando instável? – confirmar sua instabilidade foi o primeiro passo que não permitia volta, era se assemelhar ao homem a sua frente e inconscientemente se virar contra sua família. Toda a hostilidade que ela vinha apresentando desapareceu drasticamente: seus ombros se encolheram, sua voz abaixara em um tom que se aproximava de um sussurro, seu olhar frio e duro passou a ser inseguro e machucado – Eles realmente mexeram com as minhas memórias, não é? Do mesmo jeito que fizeram com você...?
- É a única explicação – suspirou Barnes aliviado, embora a cena não lhe deixasse mais confortável. Ela não passava de uma criança. Perdida. Confusa. Já era ruim o bastante pensar que a HYDRA era cruel a ponto de brincar com suas memórias, mas a mulher era uma deles, nascera na organização, ainda era membro de uma família importante. Os Ivanov eram uma peça importante no bom funcionamento da HYDRA, e isso não os impedira de transformar em um fantoche aquela que um dia podia os liderar – Você não teria trocado de lado em outro cenário. Você é da S.H.I.E.L.D. Uma Vingadora.
O olhar da mulher em direção a Barnes fraquejou, lentamente abaixando até voltar a fitar o chão de madeira já velha. S.H.I.E.L.D. Ela se infiltrara na S.H.I.EL.D., assim como nos Vingadores. Ela não se lembrava, apenas tinha ciência disso. O nome falso que utilizara nesse período sempre lhe causava uma sensação estranha quando tinha que tinha que o pronunciar, ou quando alguém a chamava por ele. “Eu sou uma Stark”. A voz era arrogante, e logo ela reconheceu como sua própria voz, conversando com alguém que ela conhecia. Seu pai. Krigor, não Tony. Ela era uma Stark?
- O pior de tudo é que eu estou acreditando...
A mulher escondera a cabeça entre os joelhos e ficara naquela posição por longas horas, e Barnes não teve coragem de se opor. Ela estava se questionando, questionando tudo o que ela sabia, e ele mais do que ninguém sabia o que era aquilo. Precisava deixar que ela tivesse aquele momento. O homem a deixara sozinha na sala e fora para a cozinha, se alimentando do que encontrara nos armários, que não era muita coisa. Distraído enquanto anotava algo em um de seus diários, ele apenas percebeu como já estava tarde quando notou a luz do dia aos poucos diminuindo, e não ficou muito surpreso ao notar que a mulher ainda estava na mesma posição. Se permitisse, acreditava que ela poderia passar dias daquela forma, pelo menos até encontrar uma resposta para suas dúvidas, que não deveriam ser poucas. O problema era que eles não poderiam permanecer ali por muito tempo. Não acreditava que o dono da cabana retornaria logo, mas o que realmente o preocupava era a HYDRA conseguir seguir o rastro deles. A mulher estava instável, não seria algo interessante a colocar em um combate. Precisava ficar o mais longe possível da HYDRA, e para isso ela não poderia ficar encolhida naquele canto.
- Fome? – perguntou ele do portal da cozinha, os braços cruzados e a expressão concentrada, mentalmente repassando as opções que tinham. Talvez o melhor fossem eles encontrarem alguma cidade pequena e tentar passar o mais despercebidos o possível. Não era a opção mais segura, mas talvez um pouco de civilização fosse fazer bem à mulher, ajudá-la a se lembrar de algo.
- Não sei o que é isso – respondeu ela, ainda de cabeça baixa. Barnes bufou. Claro que eles não a alimentavam da maneira convencional, assim como ele também não era enquanto estava sob o controle deles. O sabor de alimentos poderia facilmente despertar alguma memória, o que poderia ser problemático. Barnes foi até a cozinha e pegou um pedaço de pão que descansava sobre a bancada. Quando retornou, ele se agachou à frente da mulher, partiu um pequeno pedaço de pão nas mãos e o levou até os lábios fechados da morena, que assistia seus movimentos com receio.
- Abra – a ordem saíra baixa e firme, e mesmo assim ela hesitaria por alguns segundos antes de obedecer. O soldado colocou o alimento em sua boca e segurou seu queixo, deixou o polegar sobre seus lábios recém-fechados, sinalizando que não os deveria abrir – Mastigue. Depois engula.
Quando viu que ela tinha obedecido, Barnes puxou umas de suas mãos e lhe entregou o restante do pão antes de se levantar.
- Repita o processo até que não sinta mais fome.
- Obrigada – murmurou ela, antes de colocar mais um pedaço de pão na boca. Seu olhar baixo se erguera por um segundo até encontrar o do moreno, se voltando para o chão em seguida. Barnes não sabia o que fazer. Havia apenas dado ordens para a mulher e ela ainda lhe agradecia. Gratidão com certeza não fazia parte de seu protocolo, e isso só servia para mostrar como a mente da jovem era mais bem estruturada do que a dele, capaz de manter costumes para qual ela não fora programada.
- Termine logo. Não podemos ficar aqui por mais tempo – avisou ele, voltando para o quarto para buscar o grosso agasalho que encontrara. Ela iria precisar, já que seu uniforme da HYDRA não era exatamente algo discreto.
- Vai me levar com você? Por quê? – estranhou ela, se colocando de pé ainda com dificuldades por seu ombro ainda não ter se recuperado – Posso tentar te matar em qualquer momento. Por que me manter? Por que confiar em mim?
Barnes ficou ligeiramente tonto com a quantidade absurda de perguntas que a mulher conseguia fazer por segundo, e acabou apenas bufando em irritação. Algo lhe dizia que aquilo era apenas uma pequena amostra do que o aguardaria se realmente tomasse aquela decisão, mas ele não mudou de ideia.
- Só faça o que eu mandar – sua vontade não era fazer com que aquilo soasse como uma ordem, mas surtira efeito, já que a mulher não tornou a se opor, apenas franzindo o cenho quando ele lhe entregara o agasalho que separara para ela.
- Você está roubando tudo isso? – perguntou ela em um sussurro, com o cenho franzido para a larga blusa que ele lhe entregara, que claramente não era dele, já que não serviria. Barnes apenas a fuzilara com os olhos, e ela mudara a postura para defensiva – Não estou julgando.
- Você fala demais. Anda logo – resmungou ele, esperando à porta ela vestir o agasalho por cima de seu colete. Quando ela apenas ficou o encarando de volta que Barnes se lembrou de seu ombro lesionado, se adiantando para auxiliá-la a se vestir – Estou começando a achar que você não sabe fazer nada sozinha.
Barnes não sabia o motivo, mas esperara que a mulher lhe devolvesse alguma resposta malcriada, e teve apenas o silêncio como resposta. Ela até tinha compreendido a alfinetada do homem, mas aquilo apenas se tornou algo a mais para ocupar sua mente. Até aquele dia ela não tivera o desprazer de conhecer aquele sentimento: impotência. Sequer uma blusa ela era capaz de vestir no momento, quem diria compreender a bagunça que estava seus pensamentos. Talvez realmente estivesse além de sua capacidade. As questões em branco eram em um número muito maior do que ela um dia imaginava, e sentia certo medo em preencher os espaços para as respostas. Se sua mãe havia traído a HYDRA, qual fora sua motivação? Por que Krigor tinha mentido esse tempo todo? O que ele ganhava em permitir que o casal de irmãos alimentasse aquele ódio sem motivo pelo Soldado Invernal? O que realmente preenchia as lacunas em sua memória? Por que que ao mesmo tempo que ansiava por respostas, menos ela realmente as queria? Por que parecia sentir medo de quem ela era? O toque receoso de Barnes em seu ombro interrompeu momentaneamente seus devaneios, e ela se pôs a segui-lo para fora da cabana sem questionar. Já estava bastante escuro, mas do mesmo jeito que a falta de iluminação não chegava a ser um empecilho para a mulher, também não parecia ser para Barnes, que rumava por um caminho incerto sem tropeçar uma vez sequer.
Quase que incorporando as incertezas da morena, o próprio ambiente estava dividido em facilitar e complicar a viagem da dupla: o céu repleto de nuvens pesadas não permitia que a luz da lua iluminasse a floresta, o que era vantagem para eles por dificultar eles serem vistos; mas embora não nevasse mais, o solo ainda estava coberto por uma quantidade generosa de neve, que poderia facilitar para alguém os rastrear. O frio em si não chegava a incomodá-los graças às boas camadas de roupa, mas, se a mulher tivesse prestado um pouco mais de atenção em seu companheiro, teria notado que seus músculos tensos e a expressão vazia eram resultado da baixa temperatura. Barnes não tinha um repertório extenso de memórias, mas as sensações continuavam a funcionar perfeitamente, mesmo que ele não entendesse de imediato os sentimentos que elas motivavam. O frio era uma das poucas exceções, já que era uma memória recorrente: ser colocado em animação suspensa. Toda vez que seu corpo implorava por alguns poucos instantes de inconsciência era a mesma coisa, aquelas memórias dominando a sua mente, como um antigo fantasma relembrando o que o esperava. Como estava em um país de inverno severo, assim que a estação começou a se aproximar, ele passara a reduzir as saídas para fora de seu abrigo, resumindo apenas a sair para comprar comida quando realmente não tinha outra opção. No fundo ele temia ser exposto mais uma vez a temperaturas extremas, e principalmente como ele reagiria. A mulher que o seguia um ou dois passos mais atrás parecia alheia ao perigo que estava exposta, ou apenas não se importava. Barnes até chegava a duvidar de sua capacidade de realmente conseguir machucá-la, pelo menos o suficiente para realmente a matar, e queria acreditar que não seria possível. Seus anos como assassino estavam terminados, mas tinha algo na mulher que o confundia, o fazia hesitar entre considerá-la uma ameaça e algo que deveria proteger. Considerando como sua mente estava uma bagunça, não era de se estranhar a confusão de sentimentos, mas isso não tornava a situação mais fácil.
- Por que nome devo te chamar? – perguntou Barnes depois de longas horas de caminhada, só então percebendo que, toda vez que pensava em algo relacionado à mulher, um pronome substituía seu nome, já que ele não fazia ideia de como se referir a ela. Ele a conhecia por , mas talvez ela estivesse longe demais de ser a americana, e a chamar por Dominik talvez pudesse soar ofensivo já que ela passara pouquíssimo tempo utilizando aquele nome, o nome que poderia facilmente representar tudo aquilo que ela não deveria ter se tornado. Aquele impasse não era algo que cabia a ele resolver, e, mesmo que ela não julgasse capaz de decidir aquilo no momento, nada mais justo do que ela decidir.
- Nenhum – respondeu ela, depois de muito ponderar. Sentia algo ruim em seu peito toda vez que pendia mais para um nome, e logo se lembrara que aquilo tinha um motivo, algo que ela já sabia antes mesmo de sair em perseguição do soldado ao seu lado. Enquanto estava na HYDRA, ela era Dominik. Se estava infiltrada na S.H.I.E.L.D., ela era Stark. Agora ela estava distante de ambas as organizações, e não fazia ideia de quem realmente era – Nenhum é bom.
Barnes quase abriu a boca para perguntar se deveria a chamar de Ninguém, mas parou ao perceber que não fazia ideia de por que aquilo deveria ser engraçado.
- Por que nome devo te chamar? – a morena devolveu a pergunta, percebendo como seus passos bem ritmados vacilaram por um breve instante. Talvez o assunto de nome também o perturbasse um pouco – Barnes?
- Qualquer coisa que não seja Soldado Invernal – respondeu ele mal-humorado, rápido demais, deixando claro que o assunto realmente o incomodava. A mulher apenas assentiu, e até passou a caminhar mais próximo dele.
- Barnes então.
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DIA 2
Barnes estava dividido entre acreditar que a curiosidade da mulher para com tudo que via era porque ela não se lembrava do que estava vendo ou se simplesmente nunca estivera em um lugar como aqueles. Afinal, Fort McMurray era uma cidade pequena e ela fora criada em mansões, como todos os criados possíveis a sua disposição. Talvez seu entusiasmo até com o comum sino na porta de uma loja fosse apenas curiosidade pelo novo.
O problema era que o moreno não era exatamente muito paciente.
Enquanto ele se adiantara para o monte de cestas e já saia para pegar o que precisariam pelos próximos dias, Barnes sequer se importou com a mulher passeando pelos corredores, ocasionalmente perguntando alto para ele o que era tal coisa. A mulher no caixa, que deveria ter entre cinquenta e sessenta anos, olhava para ela com curiosidade, um vestígio de sorriso nos lábios que apenas aumentava quando ela esbarrava em algo e tentava colocar de volta no lugar sem fazer mais estragos.
- Se você quebrar alguma coisa, eu vou ter que pagar – avisou ele em um sussurro mal-humorado, a puxando pelo braço e ficando bem próximo de seu ouvido – Ou eu posso quebrar seu braço agora, o que não me custaria nada.
- Alguém já te disse que você é um amor de pessoa quando está há muito tempo sem dormir? – retrucou ela, tirando o braço de seu aperto e massageando a área para o sangue voltar a circular normalmente – Vá pagar as coisas. Prometo não tocar mais em nada, senhor.
- Eu seria idiota se acreditasse em você...
Com o som do riso baixo da mulher de fundo, Barnes seguiu para o caixa, abaixando ainda mais a aba de seu boné quando a atendente passou a fitar seu rosto com mais empenho. Nunca era um bom momento ser reconhecido, mas aquele era em especial: ambos desarmados, ainda próximos da área onde HYDRA estava no dia anterior. E a mulher ainda estava distraída demais. Claro que ela poderia entrar no modo assassina em um piscar de olhos, mas talvez pudesse não ser rápida o suficiente. Por isso cautela era sempre bem-vinda.
Sem mais interrupções, ambos voltaram para a cabana afastada do centro da cidade que tinham alugado. Barnes pretendia invadir algum lugar abandonado, mas a mulher lhe ensinara como hackear um caixa eletrônico, então puderam se dar o luxo de manter certa legalidade. Como havia sido aconselhada anteriormente, a mulher se manteve em silêncio na parte do trajeto em que poderia ter pessoas próximas prestando atenção nos dois, apenas voltando a abrir a boca quando já estavam isolados, na trilha até o que seria o abrigo de ambos pelos próximos dias.
- Barnes?
- Hm?
- Quanto você sabe sobre mim? – perguntou ela, fingindo desinteresse enquanto chutava algumas pequenas pedras que não estavam cobertas pela neve.
- Quanto você sabe sobre você? – devolveu o homem, um pouco receoso de acabar revelando informações demais e ela não suportar absorver tudo. A mulher até que tinha reagido bem ao choque inicial, muito diferente dele quando estava naquela posição, mas não era inteligente abusar, nem muito educado. Ela estava tão confusa quanto ele, Barnes não queria que ela se sentisse ainda pior.
- Não sei mais. Está tudo confuso... Você disse algumas coisas e... – ela soltou todo o ar de uma vez, suspirando alto. A fumaça que produzira tinha a mesma consistência de suas certezas naquele momento – Não sei, só parece que mais nada é verdade. Como se eu soubesse o tempo todo que tinha algo errado. Aquela sensação irritante...
- Que sensação? – incentivou o moreno, quando o silêncio da mulher pareceu indicar que ela não continuaria a sentença. Quando ela se virou para ele, seus olhos pareciam ter envelhecido uma década em segundos. Eles estavam cansados, confusos. Aquela sensação era uma das primeiras que ela se lembrava de ter, e nunca a abandonava, apenas se intensificava até chegar ao ponto de parecer insuportável.
- De não pertencer.
Um silêncio desconfortável se estendeu sobre os dois. Barnes não sabia como responder àquilo. Ele conhecia aquela sensação muito bem, mas não aprendera a lidar com ela. Ele não pertencia àquela época, e o peso das atrocidades que fizera nos últimos anos apenas acentuava o sentimento de que ele não deveria e não tinha o direito de estar ali.
- Só sei seu nome – contou ele, depois de alguns minutos de caminhada em completo silêncio, respondendo à pergunta original da mulher – Ambos os nomes. Sei que HYDRA já me mandou te proteger assim como te matar.
- Sabe o motivo?
- Você estava com a S.H.I.E.L.D. ainda, talvez Pierce tenha te considerado mais uma ameaça do que uma aliada – arriscou ele, quase sorrindo ao ver as sobrancelhas unidas da morena em confusão pela citação de um nome que ela não conhecia – Alexander Pierce era um dos chefões da S.H.I.E.L.D. e da HYDRA. Ele foi morto durante aquela confusão no começo do ano.
Ela voltou a ficar em silêncio em seguida, e Barnes assumiu que ela estava tentando recuperar as memórias do começo do ano. Para ele as imagens de seu encontro eram vívidas, no fundo ele não queria que ela se lembrasse. Embora estivesse confuso e tivesse tomado uma decisão que permitia uma chance mínima de que ela sobrevivesse, ele tinha acreditado por um longo período de tempo que tinha concluído com sucesso aquela missão.
- Tem uma voz na minha cabeça que diz que não devo confiar em você, ela quase soa como Krigor – contou ela, quando a cabana acabara de entrar no campo de visão de ambos – E outra mais abafada diz a mesma coisa, e eu não sei de quem é a voz... Mas de algum jeito parece que eu confio em você, não faço ideia do porquê. Não é bem confiar, mas sim querer confiar.
- Espera que eu entenda isso e te explique? – debochou ele, abrindo a porta com o pé e a segurando para que ela passasse primeiro.
- Você está mais lúcido do que eu, valeu a tentativa – riu ela enquanto deixava as sacolas no chão ao lado da porta para tirar a jaqueta coberta de neve que vestia.
Barnes riu com aquele pensamento. Ele definitivamente não era a pessoa mais lúcida do mundo, mas duvidava que estava assim tão mais avançado que a mulher. Algo lhe dizia que ela estava fazendo todas as perguntas certas, as perguntas que ele demorara meses para formular, e algumas ele nem tinha resposta ainda. Ela poderia ter passado pelos mesmos procedimentos que ele, mas tinha algo essencialmente diferente que ele não conseguia reconhecer. Claro que sua mente havia sido muito mais danificada do que a dela, mas a mulher parecia estar lidando com tudo rápido demais, aceitando rápido demais, e isso lhe trazia uma sensação ruim de que a qualquer momento ela poderia o apunhalar pelas costas.
- Barnes? – ela o chamou mais uma vez, o ouvindo bufar da cozinha.
- Você realmente não sabe calar a boca, não é?
- O quanto você sabe sobre você? – perguntou ela de uma vez, sem cerimônias. Já tinha percebido como o homem tentava sempre manter o foco das conversas nela, sobre o que ela se lembrava. Barnes não queria falar sobre ele. Na verdade, tinha tantas certezas até agora como a própria mulher. Ambos estavam confusos demais para afirmar algo com clareza, a diferença é que ela parecia um pouco mais aberta para verbalizar o que se passava em sua mente, como se esperasse que ele fosse compreender tudo. E até que compreendia.
- Não é da sua conta – resmungou ele apenas, amassando com violência a sacola em suas mãos antes de jogá-la de qualquer jeito dentro do cesto de lixo, girando os calcanhares para a saída da cozinha, apenas não deixando o cômodo pelo repentino surto de coragem da mulher, que o segurou pelo braço real, mesmo que não tivesse colocado muito força no aperto.
- Não tenho o direito de saber quem está me ajudando?
- Não estou te ajudando.
- Se não está tentando me matar ou me devolver para a HYDRA, você está me ajudando – argumentou ela, quase recuando quando ele bufou alto e se virou de uma vez para ela, seu rosto a centímetros de distância.
- Você sabe quem eu sou – sua voz baixa e pausada tinha apenas como objetivo a amedrontar, mas não surgiu efeito. Ela estava determinada, e não recuaria a ter respostas.
- Sei que a HYDRA acha que você é quem eles acham que te transformaram – retrucou a mulher – Você não é o Soldado Invernal, pelo menos não mais. Você foi alguém antes disso e sei que está tentando descobrir quem era.
Barnes vacilou sob o olhar focado da mulher. Parecia que ela estava olhando dentro de sua alma, suas palavras ecoavam livremente repetidas vezes em seus ouvidos. Ele queria aceitar aquelas palavras como verdade, que ele não era mais o Soldado Invernal, mas como se livrar de toda aquela culpa, de todas aquelas memórias? Ele mal podia fechar os olhos sem se lembrar, como poderia aceitar que toda aquela culpa não estava em suas costas?
- Você fala muita besteira – resmungou ele, se livrando delicadamente do aperto da mulher em seu braço, e se virando para a sala.
- Por que você carrega uma mochila com vários cadernos? Com vários recortes de revistas e anotações a mão? – indagou ela sem sair do lugar, tanto por curiosidade de como Barnes reagiria à pergunta como por receio. Ela não sabia quão bem ele conhecia as habilidades dos soldados do Programa Presságio, e existia a chance de aquilo ser uma surpresa para ele, ainda mais com o nível de sua precisão – Você está tentando reconstituir sua memória, não é?
- Você não chegou nem perto da mochila, como...?! – ofegou Barnes, se virando para ela com o queixo levemente caído e os olhos arregalados. Ela tinha sido específica demais para ser apenas um palpite.
- Eu sei de tudo a minha volta – ela deu a explicação mais simples, cruzando os braços para tentar disfarçar as mãos trêmulas – Você não pode esconder nada de mim.
- Você é uma aprimorada.
- Eu já nasci com isso – explicou ela – Houve experimentos depois, mas essas habilidades sempre foram minhas.
Barnes não sabia dizer qual era seu objetivo com a explicação, mas não se sentira menos desconfortável. Sabia que o irmão mais velho da mulher tinha algum tipo de ciência do que acontecia ao seu redor, mas não com aquele nível de precisão. A cada dia que passava ele apenas descobria que o mundo estava cada vez mais estranho.
- Desde quando? – perguntou ele depois de um tempo, se sentando no único sofá da sala. Percebendo que aquela conversa renderia, a morena se sentou no tapete, a sua frente – Os experimentos.
- Desde... Loki, eu acho – respondeu ela um pouco incerta, brincando com a barra de sua calça. A resposta viera naturalmente em sua língua, mas a memória não acompanhara, a deixando um tanto confusa. Por mais estranho que fosse, o nome não lhe soava estranho, e até um pouco recorrente em sua voz. Uma dor incômoda começou a latejar em suas têmporas, distraindo-a do cenário que a cercava. Ao fundo ela conseguiu distinguir Barnes lhe fazendo alguma pergunta, mas sua mente estava ocupada tentando entender a confusão que se encontrava.
- Quem é esse? – Barnes repetiu a pergunta, com as mãos apoiadas no assento do sofá pronto para sair em seu socorro caso fosse necessário. A expressão da mulher aos poucos se alterava de confusa para sofrendo, o que começou a deixá-lo preocupado – Criança, fala comigo.
- Não sei... Eu não... Eu... Isso dói...! – ela se rendeu à dor, abraçando a cabeça e a colocando entre os joelhos – Você fugiu da pergunta de novo, Buchanan! Quem diabos você é?
- Por que me chamou por esse nome?
- Não faço ideia – choramingou ela, diminuindo o aperto e tentando respirar mais devagar, arriscando olhar para o soldado. Seus olhos desesperados imploravam por respostas, não da pergunta que ela fizera mais cedo, mas de tudo que ela não compreendia. Como ele não possuía tal poder, Barnes apenas suspirou alto e se sentou no tapete junto com ela, disposto a pelo menos contar o que ele já sabia.
- Eu acho que eu sei quem eu fui, mas... – ele jogou a cabeça para trás, tentando pensar em uma maneira de verbalizar toda aquela confusão. Seus dedos metálicos se encarregavam de demonstrar seu nervosismo, batucando contra seu joelho – O que eu descobri e o que eu lembro...
- O que você lembra? – a mulher o incentivou, tentando buscar em sua mente o roteiro de perguntas que o soldado lhe fizera mais cedo, quando o tópico da conversa ainda era ela.
- Missões. Missões da HYDRA. Missões contra a HYDRA. Correr de uma mulher quando criança. Cair de um trem. Dançar com uma garota. Coisas aleatórias... Tão aleatórias q...
- Não parece fazer parte de uma coisa só – completou ela, atraindo o olhar perdido do homem, que espelhou o seu sorriso amargurado – Parece que são sonhos.
- Basicamente.
- Quem você descobriu ser? Sem base nos fragmentos.
- James Barnes. James Buchanan Barnes – suspirou ele, frisando o nome do meio para a mulher entender de onde ela havia tirado aquele nome, que balançou a cabeça em concordância – Eu nasci... Faz muito tempo. Supostamente morri há muito tempo também. Eu deveria ter morrido na queda.
- Do trem? – estranhou ela, franzido o cenho – A queda que você se lembra?
- Eu fui... Algum tipo de herói em uma guerra – a risada amargurada do homem preencheu o espaço enquanto ele passava a mão real pelo rosto, puxando os cabelos assim que os dedos alcançaram os fios – Dei minha vida pelo meu país e alguns cientistas me transformaram em uma arma para atacá-lo.
A mulher encolheu os ombros pelo tom de voz do homem. A voz dele estava carregada de tantos sentimentos conflitantes que ela chegou a ficar um pouco tonta, sem saber como compreendê-los. Ela não compreendia, mas era capaz de sentir e até lhe parecia algo familiar, como algo que a acompanhava a vida inteira. S.H.I.E.L.D. e HYDRA aparentemente eram lados opostos de uma mesma moeda, e, de alguma forma bizarra, parecia que ela pertencia a ambos os lados. Era disso que vinha aquele sentimento ruim?
- S-sinto muito.
- Eles fizeram a mesma coisa com você – lembrou Barnes, rindo sem humor – Tornaram a super-heroína em uma vilã.
- Não acho que tenho senso de bom e mau para entender o que você acabou de dizer.
- Claro que não tem – ele riu mais, se levantando para buscar algo para que comessem – Se tivesse, você já teria me matado.
- Você sabe ser bem dramático quando quer – comentou ela, aliviando o clima pesado que eles haviam instaurado na sala. Da cozinha ela conseguiu ouvir a risada baixa do homem, e ele retrucando um bem-humorado “disse a Drama Queen” – Consequência da lavagem cerebral talvez?
- Olha, a internet não concorda... – lembrou ele, jogando um pacote de biscoitos em sua direção, que ela até pegou com agilidade, mas não deu muita atenção.
- Internet... – ofegou ela, deixando pacote de lado, ainda mais por não estar com fome – Eu era conhecida. Tem coisa sobre mim na internet?
- Quer checar? – sugeriu Barnes, embora conseguisse já ver a recusa nos olhos apreensivos da mulher. Ele lembrava muito bem a experiência confusa que fora visitar um dos museus do Smithsonian em busca de respostas, e não a julgava por hesitar. Não dava para saber como ela reagiria a ser exposta a detalhes de sua vida antiga, poderia ser perigoso tanto para ele quanto para ela – Podemos conseguir um computador, se você quiser. Na verdade, acho que tem um notebook velho no quart...
- Não sei se quero – a mulher o interrompeu, seus ombros se encolhendo a cada palavra carregada de incertezas – Saber quem eu já fui.
- Vai continuar na mentira? – era um movimento cruel a pressionar daquele jeito, mas Barnes precisava saber até onde ela estava disposta a ir – Sendo um brinquedo deles?
- Como você vive com isso? Sabendo que um dia foi um herói e então... – ela desconversou, quase sorrindo satisfeita ao ver o homem se mexer desconfortável e cruzar os braços para disfarçar, permanecendo séria apenas porque ambos estavam na mesma situação. Ele próprio havia dito aquilo mais cedo, não era? A heroína transformada em vilã. Quem quer que ela fosse antes, era seu mais puro oposto. Ela sequer tinha certeza de quem eram aquelas pessoas, mas ela conseguia sentir as contradições. A mesma pessoa jogando de lados distintos do mesmo jogo, sem saber as consequências daquilo –... se tornou isso?
- Não vivo. Aí é que está – foi a única resposta que conseguira de Barnes, que lhe dera as costas e fora buscar um cobertor para ele no quarto. O aquecedor da cabana já estava ligado, mas como a temperatura de noite estava caindo mais do que o de costume, talvez algo a mais para mantê-lo aquecido não fosse lhe fazer mal. Ele voltara para a sala a tempo de assistir a mulher deitar de vez no tapete, resmungando um baixo “ótimo conselho” que talvez ele não devesse ter ouvido, mas sua audição sobre-humana nunca decepcionava – Vá dormir um pouco. Hoje foi um dia cheio. Você fica com o quarto, eu com o sofá.
- Eu não durmo – bufou ela, rindo em seguida ao completar – Bem, pelo menos não sem alguém me apagar.
- Acredite em mim, querida: você vai acabar dormindo – disse Barnes, se jogando no único sofá da sala que era pequeno demais para ele. Se ele realmente pretendesse dormir, teria se juntado à mulher no chão, pegando apenas algumas almofadas para servir de travesseiro, mas não julgava aquela ideia muito boa. Era melhor permanecer acordado e garantir que ele e a mulher estavam seguros, tanto de ameaças externas como deles próprios – Mais cedo ou mais tarde o sono sempre vence. Agora vá para o quarto. Qualquer coisa, você me chama.
Talvez ela apenas estivesse querendo colaborar, ou até mesmo alguma parte de sua mente ainda fosse incapaz de desobedecer a uma ordem direta, mas o fato era que a mulher levantara, mesmo que contrariada, e seguira para o único quarto. Depois dos rangidos da armação enferrujada da cama com ela se deitando, mais nenhum som foi produzido dentro da cabana, e até mesmo do lado de fora estava tudo silencioso demais. No meio da madrugada, Barnes se vira tomado pela curiosidade e se levantara, chutando a coberta para o lado e rumando com cuidado para o quarto, querendo saber se ela havia mesmo adormecido ou estava apenas tentando ficar o mais imóvel possível. Um sorriso satisfeito tomara seu rosto assim que constara que estava certo: a respiração lenta e profunda, o rosto afundado no travesseiro fofo, a posição na cama nem um pouco rígida.
Terceira noite fora e ela já estava dormindo como se nada tivesse acontecido.
Talvez não fosse tão difícil tirar a HYDRA de dentro dela.
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DIA 11
Com o passar dos dias, a temperatura apenas caía e a frequência de nevascas apenas aumentava, o que consequentemente diminuía o número de vezes que a dupla saia para comprar comida. O aquecedor da cabana estava sempre no máximo, o que permitia que eles andassem livremente sem dezenas de camadas de roupas ou enrolados em cobertores. A mulher não se incomodava muito com o frio, tinha uma boa resistência, e acreditava que o homem também deveria ter, mas ele parecia ficar um pouco mais tenso todas as vezes que encostava em algo gelado ou um pouco de neve caia em seu rosto. Ela não sabia ainda dizer o motivo, mas não se sentia confortável o suficiente para questioná-lo.
Pelo menos sobre aquele assunto.
- Incomodaria se eu te perguntasse o que você normalmente faz quando não tem uma assassina psicopata para vigiar? – perguntou a mulher, sem realmente olhar para ele, concentrada demais em seu trabalho. Alguns dias atrás Barnes havia lhe dado um dos seus cadernos que ainda não tinha começado a usar para que ela se distraísse, escrevesse as memórias que recuperasse, ou apenas fizesse qualquer coisa que quisesse. Para sua surpresa, ela optara pela última opção: as primeiras páginas já preenchidas estavam cheias de desenhos de máquinas, em sua maioria motores e geradores de energia, e ocasionalmente alguma arma. Quando a questionou, ela apenas disse que era um movimento involuntário, as especificações das máquinas apenas lhe vinham à mente e sua mão apenas sabia o que fazer.
- Sim, incomodaria.
- Depois de uma semana você já deveria saber que eu me esforço para incomodar – brincou ela, rindo um pouco mais quando ele a fuzilou com os olhos, do outro lado da bancada da cozinha – Sério, Barnes. Qual sua rotina?
- Um dia de cada vez – suspirou ele, tentando voltar sua atenção para seu próprio caderno, mas não voltou a ler suas anotações. A risada abafada da mulher a sua frente era um aviso claro que ela não o deixaria em paz tão cedo.
- Você vai me dizer que fica sentado olhando para o teto, não é?
- Garota, você é um pé no saco – resmungou ele sério, mas talvez seu rosto tivesse o traído, já que fez com que ela risse mais ainda. Ela era perspicaz, detalhista. A menor hesitação no movimento de seus olhos era mais do que o suficiente para ela entender o que se passava em sua mente.
- Quase que exclusivamente – sorriu ela, fechando seu caderno e apoiando os cotovelos na madeira escura da bancada. Barnes imitou seu gesto.
- Como você conseguiu sobreviver tanto tempo na HYDRA sendo tão insolente?
- Você consegue tirar apenas o melhor de mim – retrucou ela, inclinando a cabeça em direção ao quarto – Me dá o notebook. Quero olhar.
Diferente de como ela esperava, Barnes não obedeceu de imediato, ficando longos segundos apenas a encarando, talvez se questionando se entendera certo o objetivo que planejava ou se ela realmente queria fazer aquilo.
- Tem certeza? – perguntou ele enquanto se levantava. Fazia dias que não tocava naquele assunto porque sabia que forçá-la aquilo seria muito pior. Ela precisava estar pronta para o bombardeio de informações que lhe atingiriam, e apenas ela saberia dizer quando estava pronta.
- Não – respondeu ela depois de respirar fundo, deixando os ombros se encolherem por alguns instantes apenas para retornar à postura confiante – Mas eu já enrolei demais. Preciso disso.
Barnes apenas concordou e deixou a cozinha, voltando logo com o aparelho que até ele conseguia identificar como ultrapassado. E lento. Talvez fosse a ansiedade que ela sentia ou a máquina com problemas de velocidade, mas pareceu uma eternidade até que o notebook fosse iniciado e ela conseguisse o conectar a internet.
Assim que ela abriu uma guia de pesquisa, suas mãos ágeis pararam de trabalhar. Parecia um pouco improvável que o Google conseguiria algum resultado útil se despejasse nele todas as dúvidas que inundavam sua mente, então ela teve que parar um pouco para pensar sobre o que fazer. Barnes, ciente da dificuldade que aquilo deveria estar sendo para ela, puxou delicadamente o aparelho mais para o seu lado para ter melhor acesso ao teclado, digitando com certa agilidade duas palavras que fizeram com que a mulher ao seu lado prendesse a respiração em expectativa.
Stark.
Quando os resultados apareceram na tela, Barnes lhe deu as costas e seguiu para a sala para lhe dar um pouco de privacidade. Ela agradeceu mentalmente pelo bom tato do homem. O que a esperava já não era uma tarefa fácil, e ter alguém ao seu lado estudando suas reações não parecia que facilitaria a experiência.
No canto direito da página estava uma pequena seleção de fotos do que parecia ser sua antiga versão. Todas pareciam ser recentes, com exceção de uma em que ela não estava sozinha, mas no colo de um homem já de idade, cercados por uma mulher que deveria ter quase a mesma idade que ele e um rapaz talvez no final da adolescência. A mulher hesitara em clicar na foto, e acabara por abri-la em outra guia e deixar para analisá-la mais tarde. Ela se voltou ao breve texto que se encontrava embaixo das fotos na página de pesquisa, inconscientemente prendendo a respiração. “ Stark é a filha-única do bilionário Tony Stark, um nome importante na área de engenharia mecânica e da indústria bélica, uma possível sucessora de Pepper Potts na presidência das Indústrias Stark. Também foi a mais recente adição ao time dos Vingadores”. A mulher afastou o notebook para longe, levando ambas as mãos ao rosto e ficando naquela posição pelo que pareceram horas para Barnes, que a assistia de longe. Aquelas informações batiam com tudo que ela sabia: ela havia passado um tempo considerável nos Estados Unidos sob um disfarce elaborado, mas a falta de memórias concretas desse espaço de tempo confirmava tudo que o soldado a poucos metros dela dizia. Havia apenas uma explicação lógica para sua falta de memória dos últimos anos, e isso a fazia ser o contrário de tudo que acreditava ser.
Suspirando alto, a mulher puxara de volta o aparelho, ignorara os primeiros links que apareceram e clicara na parte de notícias, já que esses resultados deveriam lhe dar informações mais recentes. Sem pensar muito, ela clicara no primeiro link. "A Princesa fugiu da Torre?
Não é um mistério para ninguém que Stark ingressou na equipe de super-heróis que tanto seu pai como seu suposto namorado lideram – e até demorou, se levarmos em conta o currículo muito bem qualificado da garota. O estranho é que a jovem Stark não é vista há semanas. Teria a bela princesa cansado de brincar de super-heroína? Ou teria voltado às origens e fugido do país, como anos atrás? Nem os Vingadores nem as Indústrias Stark se pronunciaram quando questionados sobre o paradeiro da mais jovem do grupo, e também não deram explicações sobre o que se tratava o ataque da HYDRA em Washington, D.C, dias depois da última vez que foi vista em público. Esperamos que esse atentado não tenha ligações com o sumiço de , e, que se ela estiver apenas tirando folga, que ao menos poste alguma foto em algum lugar. Estamos genuinamente preocupados."
O artigo levava uma foto sua ao lado do Stark e de Potts, todos com roupas que deixavam claro que era um evento de gala. A mulher praguejara baixo por aquela ser uma foto recente e mesmo assim não conseguir recuperar nenhuma memória do dia, desistindo logo daquilo e partindo para o hyperlink que encontrara no final do texto. “Sr. e Sra. América?
Stark se uniu aos Vingadores – Soldado Invernal, não foi dessa vez que você a derrubou, e esperamos que não aja uma segunda chance. Nas últimas semanas descobrimos diversas conexões entre ela e o supergrupo: o pai dela faz parte (certo, todo mundo sabe disso, mas continua sendo importante), ela foi originalmente uma agente da S.H.I.E.L.D. e treinada por Clint Barton e Natasha Romanoff (parece que não era apenas contas que ela estava fazendo em Oxford nos últimos anos, não é, Dona ?), e o irmão de Thor pessoalmente a atacou dois anos atrás, em NY. Até ontem à noite, esse era o máximo de ligações que conseguíamos fazer. E então nos lembrou como os Stark gostam de nos surpreender.
Steve Rogers trocou seu traje de Capitão América por um belo Brioni, e no lugar do escudo em seu braço estavam as mãos da nossa bela Stark, como segue na foto abaixo.
Até esse momento ninguém aqui da redação sabia disso, mas era esse casal que queríamos ver e vamos proteger a todo custo. Isso se colaborar. A jovem não tem o melhor histórico de namorados (o que nos lembra de perguntar: como diabos Andrew Baker conseguiu arrumar uma vaga nas Indústrias Stark?), com o fiasco da fusão Stark-Baker ainda sendo algo bem recente. Tudo bem que ninguém aqui consegue imaginar o Sr. América envolvido com as coisas pesadas que o Sr. Barker Jr., mas não podemos deixar de ser realistas: quando foi a última vez que vimos um Stark em um relacionamento sério sem algum tipo de polêmica envolvida? Pepper Potts é a melhor coisa que já aconteceu para as Indústrias Stark, mas que sua nomeação para a presidência foi um choque, isso foi.
Mas o que importa é que pelo visto o Sr. América e a princesinha da América (!!!) é algo real. Podem começar a pensar em nomes de shipps. Eu pessoalmente gostei de Stogers."
Assim que terminara o texto, a mulher voltara para a foto: se não soubesse quem era na imagem, teria julgado que era apenas um casal qualquer que havia sido fotografado, que a mulher ali não era ela. Seu rosto estava bem evidente na imagem, e mesmo com a maquiagem e a clara felicidade em seu rosto, ela conseguia reconhecer seus traços nela. O homem que a acompanhava ela também conhecia, e para sua surpresa, não era pelas informações da HYDRA. A mesma coisa parecia acontecer com Tony Stark, só não percebera de imediato por não conseguir diferenciar o que ela se lembrava do que a HYDRA lhe contara. As memórias da HYDRA eram mais centradas, objetivas e claras. Combates contra a equipe em resumo, e que normalmente ela estava em desvantagem. O tipo de memória que faria com que ela evitasse contato com eles caso eles a reconhecessem. Mas como uma memória dela e de Tony jogados em um laboratório trabalhando e rindo faria com que ela se virasse contra ele?
- Eu me lembro dele... – disse ela em voz alta, ciente de que Barnes já tinha abandonado seu posto na sala e estava agora encostado no batente da porta da cozinha – Lembro-me dele. Capitão América, não é? Não sabia reconhecê-lo sem o uniforme.
Barnes então se aproximou com sua permissão, voltando a ficar ao seu lado. Ele havia visto de longe a mulher estudar uma foto dela com Steve, mas agora uma imagem dos Vingadores ocupava quase toda a tela. Mesmo se ela não tivesse especificado, Barnes sabia a quem ela se referia.
- O que você se lembra dele?
- Olhar para ele. Ouvi-lo falando... – contou ela, uma risada triste lhe escapando enquanto balançava a cabeça – Ele falando sem parar.
- E os outros?
- Não me são estranhos. O loiro mais baixo... Ele brigando comigo por alguma coisa que fiz – contou ela, o vestígio de riso sumindo de sua voz enquanto ela se concentrava nos dados que queria transmitir – Gavião Arqueiro. Barton... Clint Barton.
- Você parece ser boa com nomes – brincou o homem, dando a volta na bancada para pegar outra cadeira e se sentar ao seu lado.
- HYDRA quer que eu os desestabilize – respondeu ela, depois de engolir em seco – Conheço seus nomes, suas habilidades.
- Isso são dados que eles te deram. As memórias...
- Não acho que sejam implantadas – ela o interrompeu, sem tirar os olhos da imagem. – Eles não teriam motivo para isso.
- Boas memórias?
- Se fossem implantadas, seriam memórias de combates, não é? Tenho algumas, são um tanto pesadas. Mas as outras... – ela parou para respirar fundo, um tanto frustrada por não conseguir formular direito o que queria dizer – O sentimento deveria ser de insegurança, raiva... Tenho muitas dessas também, mas... O sentimento era bom em algumas. Eu me sentia bem, segura. Mas não sei se devo confiar nisso. Como eu posso saber o que é meu e o que não é?
Um silêncio absoluto se estendeu na cozinha, com a mulher pacientemente esperando que Barnes utilizasse seu turno na conversa. De qualquer forma, ela não tinha mais o que dizer. Sentia que já tinha feito todas as perguntas possíveis, e o sentimento que a envolvia era de cansaço, vazio. Como se tivesse mais nada que ela pudesse fazer. Barnes percebeu que ela esperava que ele dissesse alguma coisa, por isso desviou o olhar, desconfortável.
- Você parece achar que eu tenho todas as respostas que precisa – brincou ele em um resmungo, esticando a mão para fechar a tampa do notebook. Ele não perguntou se ela pretendia continuar com as pesquisas, julgando que ela já tinha visto demais por um dia, e até respirou um pouco mais aliviado quando ela concordou silenciosamente, não se opondo à sua decisão.
- Alguém tem que ter – disse ela, com certa determinação em sua voz. Antes que Barnes pudesse dizer alguma coisa, ela pegou seu caderno e o lápis e rumou para a sala, se sentando ao lado da lareira sem uso. Mesmo não sentindo frio, ela jogara um cobertor sobre os próprios ombros, pela primeira vez não criando imagens nas folhas em branco do caderno, mas sim pequenos esquemas, anotações. Ela estava determinada a separar o que era da HYDRA e o que não era, mesmo que ela não soubesse dizer no fundo qual era a diferença. Pelo menos já era alguma coisa, algo para se ocupar.
- Estou tão perdido nessa quanto você – murmurou Barnes ainda na cozinha depois de um longo momento encarando o aparelho fechado a sua frente. Ele já havia feito todo tipo de pesquisa possível, aquele dispositivo não lhe era mais útil. Talvez pudesse checar como estava o avanço dos Vingadores contra HYDRA, mas a verdade é que ele não queria saber, queria distância daquele mundo. Ele não fazia mais parte daquilo, de nenhum dos lados. Estar auxiliando a jovem Stark já ia contra tudo que ele estava se esforçando nos últimos meses, já que o colocava mais uma vez também tanto no radar da HYDRA como no dos Vingadores. Só que ele não podia simplesmente a abandonar. Melhor: ele não queria. Não era mais questão de ser uma de suas antigas ordens ter que proteger aquela garota, ele queria protegê-la. Ela merecia proteção, e ele nunca se perdoaria se lhe negasse aquilo.
Para sua surpresa – além de notar quando voltou para a sala que ela estava realmente escrevendo algo, e não desenhando –, a mulher optara por dormir na sala. Os sinais que ela conseguia sentir de Barnes eram tão sutis quanto os de seu irmão, mas já era suficiente para ao menos acalmá-la um pouco. Sua mente nos últimos dias sempre pregava peças durante o seu sono, e hoje mais do que nunca ela não se sentia segura dormindo tão longe de alguém. Barnes a assistiu desistir do caderno e se deitar no tapete, apertando a coberta contra o corpo não para impedir que o calor lhe escapasse, mas quase como uma proteção. Seu sono a cada dia ficava mais irregular e perturbado, aquela noite ainda em especial. As informações recém-adquiridas haviam feito uma bela bagunça em sua mente, julgando pelo número de vezes que ela acordara ou que praguejava baixo em russo mesmo durante o sono.
Apenas no meio da madrugada que ela pareceu acordar por completo, franzindo o cenho ao encontrar sem dificuldades os olhos do homem travados nos seus.
- Sabe, não é legal acordar e perceber que tinha alguém te observando – resmungou ela entre bocejos, voltando a se sentar no tapete e se espreguiçando.
- Você parece demais com sua mãe – comentou Barnes, sem realmente pensar no que estava falando. A mulher por sua vez passou o encarar sem reação, até finalmente rir em descrença.
- Alguém sabe muito bem o que uma garota gosta de ouvir... – debochou ela, ajeitando o cobertor sobre seus ombros e se encostando na parede às suas costas. Barnes demorou um pouco para entender o que a mulher estava sugerindo, e ela poderia jurar que até tinha visto um pouco mais de cor em suas bochechas quando a compreensão finalmente o atingiu.
- Eu não estav...
- Foi uma brincadeira, Barnes – explicou ela, quase que com dó por deixá-lo constrangido – Não recuperou seu senso de humor ainda?
- Você recuperou o seu? – ele devolveu a pergunta, embora a resposta estivesse clara. Várias vezes por dia ele precisava se lembrar do motivo que não podia deixar a mulher ali e simplesmente sumir de seu radar.
- Nunca perdi, pelo visto. O pessoal da HYDRA não gostava nem um pouco disso... – o riso aos poucos foi sumindo de sua voz, até que mais uma vez ela estivesse séria. Aquilo era algo que ela já suspeitava, mas não tivera base para questioná-lo até aquele momento. Seu sono era leve, mas como ela normalmente dormia em um local mais afastado e ele era silencioso até demais, não chegava a perturbar seu sono. Só que dessa vez eles estavam no mesmo ambiente, ela adormecera e despertara e ele ainda estava na mesma posição – Você não dorme? Não te vi dormindo até agora.
Suas suspeitas apenas aumentaram quando o homem não respondeu.
- James...? – começou ela, com certa acusação na voz – Quando foi a última vez que você dormiu?
- Pesadelos... – explicou ele, se mexendo desconfortável no sofá, seu olhar nunca encontrando com o dela – Fico agressivo, posso acabar te machucando.
- Sei muito bem me defender.
- Já joguei seu corpo inconsciente de um prédio uma vez... – lembrou ele, soltando uma risada baixa e amarga – Você não está segura perto de mim.
Barnes esperou que ela resmungasse algo em resposta, voltando a fita-la quando o silêncio se tornou longo e estranho demais, e só então ele percebera o que fizera: a respiração desregulada e superficial demais, o olhar sem foco travado no chão, todos os músculos de seu corpo tensos e travados. Ele havia engatilhado alguma memória, e não parecia ser das boas.
Com agilidade, ele se lançara ao tapete a sua frente, receoso se tocá-la era ou não uma boa ideia.
- Garota...? Dom... ? – Barnes hesitara em chamá-la pelo nome russo, optando no último segundo pelo americano, que surgiu o efeito que esperava: seus olhos amedrontados voltaram a ganhar foco, travando nos seus apreensivos – O que foi?
- Eu me lembro de cair de um prédio. Você era o atirador... – contou ela com a voz falha, apertando a cabeça com as mãos – Sabia que ia morrer.
estava tão perdida em seus próprios pensamentos bagunçados que não notou de imediato que o homem se distanciara, voltando a ocupar seu lugar no sofá, fitando o chão enquanto era consumido por todo o remorso e culpa que ele inutilmente tentava controlar. Quando finalmente notara a sua ausência, foi a vez da mulher de se sentir culpa: deveria ser sido mais cuidadosa, saber que aquele episódio não era algo a ser lembrado com um sorriso no rosto para nenhum dos dois. Barnes não precisava da ajuda de ninguém para se martirizar, e parecia que era exatamente isso que ela tinha feito.
- Desculpe, eu não... – se apressou ela em dizer, engatinhando até o sofá se agachando entre as pernas do homem, tomando seu rosto baixo em suas mãos, e mesmo assim seu olhar continuava baixo – Barnes, olhe para mim. James...?
Ele não planejava a obedecer, mas a escolha de seu primeiro nome atiçou sua curiosidade, e, quando percebera, seu olhar já estava travado no apreensivo da mulher.
- Eu não quis te deixar para baixo... Eu só... – a mulher bufou, rindo em seguida em frustração – Eu confio em você, tudo bem? Quero que confie em você também. Durma um pouco.
Barnes tentou prestar atenção em outra coisa, mas o toque firme da morena em seu rosto era a única coisa em sua mente. Era claro que as intenções da garota era mantê-lo ali sob seu olhar determinado, querendo ele ou não, porém seu toque tinha certa delicadeza, quase como se tivesse medo de machucá-lo. Alguma parte de sua mente tentava o desmentir, dizendo aquilo não passava de receio pela proximidade, mas aquilo não o convenceu. A garota era transparente demais. Ela genuinamente confiava nele.
As lavagens cerebrais deveriam ter danificado sua sanidade.
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Barnes acordou assustado. Não se lembrava do que acontecera nas últimas horas, e apenas ficou mais assustado ao notar a garota jogada no tapete em frente ao sofá. Ele até chegou a se adiantar para seu corpo inconsciente, suas mãos hesitando em tocá-la por medo de constatar o que tanto temia, quase gritando em surpresa ao notar a movimentação de seu peito pela respiração tranquila quando seus dedos naturais estavam a centímetros de seus ombros.
Ela estava inconsciente. Ela estava dormindo, assim como ele também estava até minutos antes. Barnes não se lembrava do que acontecera nas últimas horas não porque sua mente estava o traindo mais uma vez, mas sim porque finalmente tinha adormecido, e sem pesadelos. Apenas um sono profundo e sem sonhos.
Por mais surreal que lhe parecesse, a garota estava certa: ele não a machucaria. Agora um pouco mais calmo, ele compreendia tudo que antes não passava de dúvidas e confusão: não importava que nome ela levava, proteger aquela garota era tudo que ele precisava fazer.
Sentindo que talvez não tivesse dormido o suficiente, Barnes deixou que seu corpo relaxasse, caindo sentado próximo à garota com um barulho alto, que fez com que ela acordasse em alerta. Em segundos ele estava preso abaixo de seu corpo, e o mais estranho era que ele não reagira. A garota era forte, muito mais forte do que quando se encontraram no começo daquele ano, mas mesmo assim ele era capaz de escapar dali, ao menos inverter as posições. Só que de novo aquele medo de machucá-la o dominava, e tudo que ele podia fazer era esperar que ela se acalmasse.
Demorara poucos segundos para que ela o reconhecesse, se jogando no chão ao seu lado, de princípio rindo apenas em descrença, até que finalmente gargalhava.
- Se você gosta de ter sua cabeça conectada ao seu corpo, nunca mais me acorde desse jeito – resmungou ela ainda entre risos, buscando a sua coberta que acabara chutando para longe com a movimentação intensa, virara para o outro lado e voltara a dormir.
Só então se permitindo rir um pouco, Barnes voltou para o sofá e dormiu mais algumas horas.
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DIA 23
- Barnes? – tornou a chamá-lo, e dessa vez o homem não controlou a vontade de bufar. O posicionamento deles na sala já apresentava certo padrão: ela rodeada de cobertas perto da lareira e ele no sofá, cada um com um caderno em mãos.
- O que foi agora?
- Não acho que você vá gostar da pergunta – avisou ela enquanto colocava seu caderno de lado, e tudo que conseguiu foi deixá-lo mais irritado.
- Tem hora que eu não sei se gosto de você.
- O quanto você lembra? – perguntou a mulher por fim, voltando a fitá-lo apenas quando tornou a ficar em silêncio, esperando sua resposta – De ser o Soldado Invernal.
- Algumas coisas, por quê? – alguma coisa em sua mente tentava lhe avisar que a mulher planejava algo, que não era uma conversa aleatória. A postura dela indicava aquilo: ela estava tensa, apreensiva, ansiosa. A melhor escolha era simplesmente desconversar e mudar de assunto, mas ele temia a determinação de .
- 16 de dezembro de 1991 – uma simples data, nada mais. E aquilo foi o suficiente para que a respiração de Barnes travasse em sua garganta – Você se lembra, não adianta mentir. Posso ver nos seus olhos.
- O que você quer saber daquele dia? – resmungou ele, claramente desconfortável, mesmo sabendo exatamente em que ponto ela pretendia chegar.
- Quero que me descreva o que aconteceu.
- Você estava lá, para que quer ouvir o que aconteceu por mim? – retrucou ele, se virando para ela em razão do estalo alto que produzira ao levar as mãos à boca, completamente em choque.
- Era nesse ponto que eu queria chegar... Você me viu – a respiração de voltara a sair de seu controle. Ataque de pânico, ela logo constatou, mas não deu muita atenção. Respostas primeiro, depois ela tomava as rédias da situação – Por que você não me matou?
- Não sei.
- Mentira.
- Como você se lembra disso?! – questionou Barnes, se exaltando um pouco – Você era nova demais, sem considerar a lavagem nas memórias.
- Se eu entendi direito, você é meu trauma de infância. Não acho que esse tipo de coisa seja fácil de apagar – explicou ela – Por que você não me matou, Barnes?
- Eu realmente não sei – ele repetiu a resposta anterior, se virando para o outro lado. Já era difícil o bastante conviver tanto com ela com as lembranças de todas as vezes que ele quase a matara passeando diante de seus olhos, agora saber que ela tinha ciência de todos os episódios era mais do que ele suportava. Ela merecia proteção, mas não dele. A maior distância possível entre eles ainda não seria o suficiente para deixá-la segura dele.
- Suas missões não costumam permitir testemunhas, Barnes, e você sabia que eu estava no carro – continuou ela, mesmo com ele deixando claro que não queria continuar aquele assunto. Sem medir as próprias ações, se levantou e sentou ao lado dele no sofá – Você olhou diretamente para mim e simplesmente me deu as costas.
- Algo me disse que eu não deveria – explicou ele depois de bufar mais uma vez, ainda sem a fitar – Talvez fosse um vestígio de memória apagada que lembrava que você estava com os Stark, que eu deveria te proteger, não te matar.
- Então por que não me levou com você?
- Você está esquecendo que eu não conseguia entender o que estava acontecendo, estava além da minha capacidade – resmungou Barnes, lhe lançando um olhar rápido e irritado – Se eu sequer sabia por que tinha hesitado em te matar, como eu tomaria a iniciativa de te levar comigo? Eu seria punido. Fingir que não tinha visto mais ninguém vivo no carro era minha melhor alternativa.
controlou a vontade de socar alguma coisa em frustração, e engoliu em seco, deixando que seu corpo afundasse um pouco no sofá, jogando a cabeça para trás enquanto fechava os olhos com força. Barnes não estava mentindo, era fácil de perceber, mas isso não deixava a história mais simples. Certo, o Soldado Invernal – era importante o diferenciar do Barnes – tinha ordens para protegê-la, ordens diretas de sua mãe. Mãe essa que morrera pelas mãos dele não em um acidente, mas por ordens diretas de seu pai – ou padrasto, tanto faz –, nos Estados Unidos, e não na Rússia, por isso ela crescera com os Stark, porque a tal mãe a deixara sob seus cuidados. Mas por quê?
- Isso está começando a me incomodar, sabia? – resmungou ela alto, se virando minimamente para o homem, que já a fitava – Minha mãe abandonou a HYDRA, certo? Mas por quê? Por que ela levou apenas eu, e não meu irmão? Como que você foge apenas com um filho e abandona o outro?
- Quão fácil você acha que é fugir de lá? – retrucou Barnes, até um tanto grosseiro – Tem ideia da segurança que tinha em volta de você e do seu irmão? A HYDRA estava investindo pesado em vocês. Não faço ideia de como ela conseguir ter sucesso em te tirar de lá.
- Me diga que você está entendendo o que me incomoda nisso tudo, eu não posso estar endoidando – pediu ela, depois de muito resmungar. Ao mesmo tempo em que tudo parecia fazer sentindo, também não parecia. Aquilo era o suficiente para tirar a sanidade de qualquer um.
- Eu entendo, – murmurou o homem, agora com a voz muito mais baixa e calma – E não vou mentir, me incomoda também. Tem lacunas demais nessa história para fazer sentido.
- Você está coberto de razão... – concordou ela amargurada, se inclinando para frente e apoiando os cotovelos nos joelhos enquanto apertava as mãos, parecendo planejar alguma coisa.
- ... – repreendeu-a o homem, já não tendo um bom pressentimento.
- James...? – ela imitara seu tom de voz, erguendo a sobrancelha em sua direção.
- Não faça alguma coisa idiota.
- Concordar com você é algo idiota? – debochou ela, não conseguindo mais manter a expressão séria e começando a rir. Barnes por sua vez bufou alto enquanto revirava os olhos, se levantando com um resmungo e se direcionando para a cozinha.
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DIA 33
acordou de sobressalto, e demorou para entender que o que a acordara fora os gritos longos e graves de Barnes, que se contorcia no sofá. A cada grito seu próprio corpo tremia, e ela logo notou que isso também tinha ligação com o frio extremo que fazia dentro da cabana. De princípio ela pensara que o aquecedor tivesse quebrado, mas quando notou que sequer a lâmpada da sala estava mais acesa, percebeu que o gerador que tinha pifado. Se até mesmo ela estava incomodada com a baixa temperatura do ambiente, não era surpresa nenhuma que tivesse desencadeado aquela reação no homem.
- Barnes! – ela o chamou mais uma vez, um pouco mais alto. sabia que não era uma boa ideia tocá-lo, mas parecia ser a única forma de fazer com que ele acordasse. Antes que mudasse de ideia, ela tocou o ombro do homem, e em segundos a mão de metal dele já rumava para sua garganta. Como já imaginava que aquele seria o primeiro movimento que ele escolheria, a mulher desviou com agilidade no último instante, segurando o pulso dele com a mão livre – James, sou eu. . Foi só um pesadelo.
Ele ainda apresentara certa resistência pelo aperto em seu pulso, mas aos poucos foi se acalmando. podia dizer o exato momento que ele voltara a si, quando os seus olhos abandonaram aquele vazio do Soldado Invernal e retomaram o brilho cheio de confusão de James Barnes.
- Por que esse lugar está congelando? – resmungou ele assim que a mulher soltou seu pulso e ele pode se enrolar melhor na coberta. O fato de seu corpo ter suado demais durante o sono também não estava facilitando a tarefa de se manter aquecido.
- Acho que deu algum problema no gerador... – suspirou , se esticando para pegar seu cobertor e jogar por cima do homem, que sequer reclamou quando ela cobriu sua cabeça com o tecido – Eu vou lá fora checar.
- E-eu vou com você...
- Para que? Virar um boneco de neve? – brincou ela, se adiantando para porta e vestindo seu agasalho – Eu sou a mecânica de nós dois, querido. Não vou demorar.
Mesmo sem olhar para ele, percebeu que Barnes ainda pretendia se opor, mas assim que sua temperatura corporal aumentou mais um pouco, ele desistiu e se ajeitou melhor no sofá, ouvindo de longe as risadas da mulher antes de ela fechar a porta.
Certo, estava frio. Muito frio.
O primeiro vento que lhe atingira o rosto já fora o suficiente para seu nariz congelar e ela tentar inutilmente cobrir o rosto com a gola do agasalho. Até dar a voltar na cabana e alcançar a porta do porão, já não sentia as pontas dos dedos mesmo com eles protegidos nos bolsos. Antes mesmo de alcançar o gerador, ela já procurava pelo galão de combustível para caso esse fosse o problema, mas ela conseguia sentir que o tanque ainda estava pela metade. O problema realmente era mais sério. Com cuidado ela abrira a tampa da máquina, e um cheiro característico de queimado chegou ao seu nariz. É, pelo visto o transformador tinha ido dessa para melhor.
- Descobriu qual é o problema? – perguntou Barnes às suas costas, fazendo com que ela se sentasse no chão sujo pelo susto. Enquanto ela o xingava em russo, o homem se agachou em frente à máquina – Alguma coisa queimou, não é?
- O transformador de energia foi para o saco... – resmungou ela, se levantando e batendo uma mão na outra para tirar o excesso de sujeira – Vou ter que ir à cidade comprar outro.
- Certo, vou ver se acho uma blusa ext...
- James, qual é...! – resmungou , deixando que os braços caíssem ao lado do corpo – Você está tremendo mais do que não sei o que. Volta para dentro e tente se manter aquecido. A distância daqui até a cidade não é muito grande. Não acho que vai ser um problema eu ir sozinha.
- Aí é que está, você nunca acha que vai ser problema... – bufou homem, se virando para as escadas – Se você não voltar em uma hora, vou atrás de você.
revirou os olhos e reclamou mais um pouco, mas aceitara o prazo apertado e rumara para o centro da cidade. No mesmo estabelecimento que eles sempre compravam comida também tinham uma área reservada para máquinas, então ali ela já concluiria duas tarefas de uma vez. A mesma senhora estava no caixa quando ela entrou, e como de costume lhe mostrou um sorriso largo e caloroso, coisa que não fazia quando Barnes entrava ao mesmo tempo que ela. Duas ou três vezes ela lhe dissera que as pessoas desconfiariam menos dele se ele ficasse menos tempo com a cara emburrada – e ele sempre ficava mais emburrado, então ela desistira.
Faltando vinte minutos para acabar seu prazo, já estava com tudo que precisava em uma grande sacola de papel que ela carregava em frente ao corpo. Seu rosto estava baixo quando voltou para a rua, com o intuito de evitar as câmeras de trânsito próximas para que não pudessem a rastrear. Tanto quando chegara como agora pronta para voltar para a cabana, seu coração se rebelava e batia com força contra suas costelas, sabendo exatamente o tipo de pensamento que ocupava sua mente.
Mais de um mês. Era o tempo que ela estava ali. Havia feito imenso progresso, claro, só que ainda faltava muita coisa. Perguntas que as respostas não estavam em nenhum lugar próximo, e que não iriam procurá-la. Ela teria que ir atrás, e Barnes não concordaria com aquilo nem em outra vida.
respirou fundo antes de atravessar a rua, e olhou diretamente para a câmera mais próxima, com um quase sorriso aparecendo em seus lábios. Ela já estava cansada daquilo tudo, não iria mais fugir.
- Venham me pegar – murmurou ela ainda olhando para a lente. Depois voltou a abaixar a cabeça e seguiu o caminho até a cabana onde um gerador esperava para ser consertado.
Mais tarde Steve teria que sair pelos corredores do prédio pedindo desculpas a todos que encontrasse, já que não conseguiria buscar em sua memória quais foram as pessoas que ele quase atropelava agora que corria com a maior velocidade que conseguia para o laboratório de Bruce. As faixas ainda em suas mãos auxiliavam ainda mais a quem o visse a entender que ele saíra às pressas do andar da academia, já que o suor que brilhava sob sua pele podia facilmente ser daquela pequena corrida para se reunir com o restante da equipe.
- Conseguiram identificar os sequestradores? – indagou Steve de uma vez, assim que colocara os pés no laboratório, sendo o único que faltava para a reunião estar completa. Sua respiração estava travada na garganta. Ele correra consideravelmente para chegar à sala, mas isso era de longe o menor empecilho que tinha para controlar sua respiração. Era aquela maldita ansiedade de obter pistas e talvez não terminar em outro maldito beco sem saída. Todos estavam sentados ao redor de uma das bancadas do ambiente, mas ele optou por ficar em pé. Se fosse alguma informação útil, já estava fácil para sair e se preparar, se não fosse, também podia sair de lá rápido.
- Petr Ivanov – leu Clint, ampliando o holograma com a imagem do homem para que o soldado conseguisse dar uma boa olhada. Ele e Natasha estavam há dias tentando descriptografar alguns arquivos da HYDRA que pareciam ser importantes, e agora agradecia por não terem desistido da tarefa nem um pouco fácil – Uma espécie de versão para espionagem do Soldado Invernal.
- Você tem que estar brincando – ofegou Tony. Mesmo sentindo que poderia andar de um lado para o outro naquela sala até fazer buracos no chão, ele havia tentado se controlar e optado por ficar sentado. Fora uma boa escolha, já que tornara mais fácil a tarefa de bater sua testa na bancada a sua frente, exteriorizando toda sua frustração.
- Existem outros Soldados Invernais, é isso? – questionou Thor confuso, com a mão no queixo. Se lembrava daquele codinome ter aparecido nas explicações de sobre o que acontecera durante o tempo que ficara longe de Midgard, mas não se lembrava de exigir mais de um. Se sua memória não estava o traindo, um já era problemático o suficiente.
- Não, esse é diferente. É de outro momento, para necessidades diferentes – explicou Natasha, ainda passeando os olhos pelas informações, na esperança de encontrar algo que pudesse ter passado batido – É um programa abandonado. Só teve duas cobaias: Petr e a irmã, Dominik. Ela não sobreviveu. Ele é o único Corvo.
- Dominik – repetiu Tony, o nome lhe parecendo estranho em sua voz, mesmo que não entendesse o motivo.
- O nome te diz algo, Stark? – estranhou Natasha, principalmente quando o homem não a respondeu de imediato. Tony parecia estar longe, perdido em pensamentos.
- Não, é só... Nome bonito. Provavelmente a garota seria um amor de pessoa – desconversou o moreno, puxando uma tela próxima para ocupar tanto seus olhos como suas mãos – Programa Presságio. Soa como um lugar onde você só encontraria pessoas legais, não?
- Dois corvos são os mensageiros de meu pai... – comentou Thor, atraindo olhares curiosos – Vê-los é um bom sinal, mas não acho que seja o que essa dupla significa.
- Muitas culturas veem corvos como algo bem ruim. Mal sinal – suspirou Bruce, retirando os óculos do rosto e limpando as lentes em sua camisa – Sinal de morte.
- Senhor? – disse J.A.R.V.I.S., soando um tanto incerto, o que fez com que todos ficassem curiosos – Essas informações apareceram em uma das pesquisas da Srtª Stark certo tempo atrás.
- O que ela estava procurando, J.?
- Informações sobre Valerik Ivanova.
- Não sou especialista em sobrenomes russos, mas isso significa que ela e esse Petr são parentes, certo? – arriscou Tony, buscando a confirmação em Natasha, que assentiu com o cenho franzido – Qual a ligação dessa Valerik com esse programa?
- Ela foi a fundadora e mãe das duas cobaias.
- Por que estava pesquisando sobre ela?
- Ela não chegou a especificar seus motivos, senhor.
- Ela estava escondendo alguma coisa...? – estranhou Clint, buscando alguma explicação em sua antiga parceira – Romanoff?
- Não notei nada diferente.
- Filha da p... – praguejou o arqueiro, controlando sua vontade de socar a mesa. Desde o desaparecimento de , o número de móveis e aparelhos danificados no prédio havia aumentado exponencialmente, mesmo que eles tentassem se controlar – J.A.R.V.I.S., libera para mim o acesso aos arquivos da criatura, por favor. Tudo. Pesquisa, contatos, documentos... Na verdade, restaure tudo que ela apagou desde que chegou aqui, só por garantia.
- Não tenho autorização para isso, senhor.
- Eu autorizo – interveio Tony, estranhando em seguida seu sistema claramente hesitar diante da ordem.
- Temo que o senhor não tenha autoridade para isso também, senhor.
- Repete isso – ofegou o homem, um tom claro de desafio e indignação em sua voz. Era impossível ele ter perdido o controle da Torre mais uma vez. Ele checara milhões de vezes e até desabilitara uma tentativa de se assumir o topo da hierarquia do sistema, mas nada desse gênero acontecera novamente. Além disso, ela estava trabalhando o tempo todo, estava sempre acompanhada. Não dava para ela ter feito aquilo sem que alguém...
- Protocolo de segurança 37F88HF – a voz potente de Steve interrompeu o pensamento de Tony segundos antes de ele conseguir montar alguma suspeita diante do soldado. Desde o primeiro momento que J.A.R.V.I.S. dissera que não tinha autorização que ambas as mãos do soldado estavam em seu rosto, apertando a testa. Seu olhar não abandonava o chão tanto para fugir dos olhares acusadores como para se concentrar na sequência de caracteres aleatórios que havia criado, se esforçando para não errar – Rogers, Steven Grant.
- Protocolo de segurança ativo, Cap. Rogers. Iniciar medidas de segurança?
- Desative as medidas de segurança. Faça o backup de tudo que mexeu nos últimos meses e libere o acesso para o Barton – ordenou ele, a voz cada vez mais grave, aos poucos compreendendo o erro que cometera. Erro de principiante – Retire da hierarquia de autoridade, e reestabeleça Tony no lugar.
- Eu não estou acreditando nisso, Rogers – Tony praticamente cuspiu as palavras, apenas não se adiantando para o soldado por Bruce tê-lo segurado pelo braço – Mais de três meses e você decide que só agora era um bom momento?
- Acha que eu quero dificultar as coisas, Stark? Eu esqueci – retrucou o loiro, não muito diferente do bilionário. Estava tão focado nas buscas que não imaginara que poderia ser útil bisbilhotar nas coisas da mulher. Na verdade, em nenhum momento considerara que talvez pudesse ter feito algo para que aquela situação acontecesse, e agora ele se sentia pior por ainda não ter percebido nada mais uma vez – Não me faz sentir nada melhor, se é o que você está imaginando.
- E como diabos você sabia como burlar isso? – perguntou Natasha, um tanto desconfiada.
- Porque alguém precisava ter acesso aos arquivos fantasmas caso algo acontecesse com ela – grunhiu o soldado, procurando com certo desespero algo para golpear e não encontrando. Se tivesse escolhido se sentar, talvez o laboratório de Tony estivesse com algumas telas a menos – Eu devia ter lembrado disso mais cedo...
- Nós não teríamos a conexão, Steve. Não precisa ficar assim – lembrou Natasha, fuzilando rapidamente Tony com os olhos antes de continuar – De qualquer jeito, não sabemos as motivações dela. Até onde sabemos, pode ser uma coincidência.
- Acha que é uma coincidência? – devolveu ele, mal-humorado. Natasha apenas retribuiu o olhar nada amigável.
- Acho que ela não sabia o que estava fazendo.
- É a cara dela isso... – resmungou Clint, afundando em sua cadeira – Quando ela sabe o que está fazendo? Devia ser proibido ela viver sem supervisão
- Ahn, gente? – chamou-os Bruce, com os olhos levemente arregalados. Já fazia alguns instantes que ele tivera o acesso liberado para os arquivos de , e já encontrara algo logo do primeiro documento, só não conseguia encontrar palavras para explicar o que estava vendo, por isso optou por jogar a imagem para todos no meio da sala – Talvez de alguma forma ela soubesse o que estava fazendo.
Um projeto simples, um protótipo que parecia mais uma fina coleira de metal aparentemente inofensiva, mas não de acordo com as anotações e fórmulas que seguiam os desenhos: o dispositivo parecia ser capaz de identificar quando estava usando seus poderes e instantaneamente a apagar com uma descarga de energia considerável.
- É a versão dela da Veronica – constatou Bruce, enquanto todos ainda assimilavam a informação – A S.H.I.E.L.D. tinha conhecimento disso? Esse negócio nas mãos erradas...
- Meu palpite que esse era o projeto secreto em que ela trabalhava – suspirou Clint, girando a imagem à sua frente, analisando os detalhes da coleira mais de perto – Desde que Fury tinha a liberado para trabalhar que ela tinha um projeto separado, e agora eu agradeço por ela não ter passado isso para a S.H.I.E.L.D.
- Se ela não tivesse mantido segredo... – começou Bruce, soltando uma risada nervosa – A HYDRA teria mais isso contra ela. Poderia ser catastrófico.
- É vantagem para nós – comentou Natasha, ganhando alguns olhares um tanto inconformados – Se eles tiverem bagunçado as ideias dela como faziam com o Barnes, é uma maneira de detê-la.
- Isso é seguro? – perguntou Steve, incomodado. Até agora não conseguia se decidir qual cenário era pior: como prisioneira e tendo o mesmo destino que Bucky. Ele queria acreditar que até agora não ter tido nenhum sinal da mulher ou alguma ação que parecesse seu estilo fosse um sinal de que ela estava sendo mantida como prisioneira, só que era extremamente bem treinada, podia facilmente estar agindo bem debaixo de seu nariz se fosse isso que a HYDRA queria. A possibilidade de ter que enfrentá-la o devastava.
- A Srtª Stark fez diversos testes com o protótipo, mas ainda havia uma dúvida sobre como ele se comportaria em momentos que ela não seria capaz de desativar os poderes, como em casos de ferimentos graves – contou J.A.R.V.I.S., expondo para eles outro arquivo de anotações e suposições que a mulher tinha feito – Desconsiderando cenário, é completamente seguro.
Tony ponderou por alguns instantes, a fala de seu sistema lhe causando incômodo, já que o incitara a imaginar sua filha mais uma vez a ferida. O atentado em Washington para o homem ainda era muito recente, a sensação de seu coração parando por uma eternidade agora se tornara algo recorrente, que nunca lhe abandonava. Aquele vazio em seu peito. Uma vez ou outra ele se flagrava olhando para baixo para checar o brilho forte do reator em seu peito, apenas para se lembrar que ele não estava mais ali. Em alguns momentos, parecia que seu coração também não estava. Apenas o vazio. A falta de sua filha.
- Então mande fabricar, J.A.R.V.I.S. – ordenou ele, se levantando de sua cadeira. No caminho até a saída, ele se virara rapidamente para a dupla de ex-espiões, pedindo que continuassem a vasculhar os arquivos confidenciais de , e o avisassem se encontrasse mais algo importante. Steve saiu logo em seu encalço, provavelmente rumando mais uma vez para a academia. Em qualquer outro dia ele teria chamado o soldado para conversar, mas hoje achou melhor não. Ele não podia negar que também estava um pouco irritado com Steve: tanto por ter acobertado sua filha como por não ter se lembrado disso antes. Ela nunca escondia coisas boas, ou inofensivas, Rogers já deveria ter aprendido aquilo. Se existia um manual de convivência, Tony tinha certeza que deveria haver vários parágrafos sobre aquilo.
Tony apertou o botão do elevador com violência, deixando todo o ar sair de seus pulmões em um suspiro cansado. Não, exausto. Três meses, quase quatro. Sentia que tinha feito tudo que podia, mas não era verdade, já sua filha não estava de volta. Ele precisava dela, saber que ela estava em casa, segura. Seu dever era protegê-la, e ele falhara. Todos seus esforços, tudo que ele criava era para proteger as duas pessoas mais importantes de sua vida, e não fora o suficiente. J.A.R.V.I.S. sequer perguntou qual era o destino, levando o elevador até o andar do laboratório de . Ele estava cansado, mas precisava trabalhar. Precisava de algo para resgatá-la e a mantê-la segura depois. Como de costume, o homem parara em frente à porta do laboratório da filha, ainda incapaz de sequer tocar na porta. Ele queria entrar, notar os costumes de organização da mulher nos menores objetos, mas nunca conseguia passar da porta. De alguma forma aquilo lhe parecia uma maneira de se apegar a alguém que havia partido, e sua filha ainda estava viva. E ela provavelmente o mataria se tirasse algo do lugar.
Frustrado, Tony deu meia volta e retornou para o elevador, pedindo para que Bruce se juntasse a ele assim que possível. Ele precisava fazer algo, e talvez Ultron tivesse que deixar de ser apenas uma ideia distante.
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pretendia seguir diretamente para o gerador quando chegara na cabana, assumindo que Barnes não iria querer passar mais tempo congelando que o necessário, mas temia estragar os alimentos que tinha comprado, por isso decidiu entrar primeiro. Barnes estava mais uma vez deitado no sofá, em uma confusão de cobertores. Ela o cumprimentara ao passar pela sala e seguir para a cozinha, estranhando ao não ouvir ele a cumprimentar de volta. O silêncio estranho do soldado a incomodou, e ela não conseguiu disfarçar o incômodo enquanto depositara o que comprara de alimentos na bancada, deixando apenas as peças do gerador na sacola.
Quando abrira a boca para questionar Barnes sobre a repentina falta de educação, ele já estava próximo demais, a prensando contra as portas do armário. Suas mãos quiseram seguir para seu pescoço e tentar afastar o antebraço do homem que atrapalhava sua respiração, mas optou por não se mexer. Ele sabia. De alguma forma muito bizarra, ele já sabia, e não conseguiria e nem tentaria defender. Não fora necessário mais do que alguns segundos para que ela se arrependesse da decisão idiota, só que não tinha para onde correr. Querendo ou não, ela teria que seguir com o plano.
- Você nem reagiu...! – rosnou ele, desorientado pela confirmação de suas suspeitas tão óbvia nos olhos assustados de , tirando o antebraço de seu pescoço e recuando alguns passos antes que fizesse alguma besteira – Você me entregou, não é? Responde, garota!
- Eu preciso voltar para a HYDRA, e eles não vão me aceitar se eu não voltar com você – contou ela com cuidado, evitando olhar para o homem para não ver o desapontamento expresso em seu rosto.
- Você é o que, idiota? Passou todos esses dias se remoendo por ter sido arrastada a força para a HYDRA e agora quer voltar? O que diabos há de errado com você? – berrou o homem, atingindo o batente da porta da cozinha em um movimento exasperado do braço de metal, fazendo com um pedaços de madeira voassem longe, deixando um buraco na parede – Você deveria querer distância deles! Tudo que eu fiz foi te proteger e é assim que você retribui?! Eu não vou voltar. Eu me mato antes de permitir que eles me usem novamente.
- Você mesmo disse, Barnes... – lembrou a mulher, a voz baixa e falha. Ela não estava assustada pela reação do soldado, pelo contrário, esperava até mais do que aquilo. O problema era o remorso que crescia em seu peito – Você não tem todas as respostas, e eu preciso delas.
Barnes passou alguns segundos estudando o rosto da morena, esperando encontrar algum vestígio que indicasse que aquilo tudo não passava de uma brincadeira muito das sem graças, rindo alto ao perceber que ela realmente estava falando sério. Nos últimos dias havia identificado uma ingenuidade perigosa na jovem, mas aquilo ultrapassava os limites humanamente possíveis.
- Acha que vai simplesmente chegar lá e eles vão explicar tudo para você?! – ironizou ele, travando a mão de metal embaixo da mesa no meio da cozinha e a atirando para o lado – Eles vêm mentindo há anos, pirralha. Não vai ser seu sorriso bonito que vai fazer eles mudarem.
- E-eu só preciso de algo escrito, algum registro. Relatórios de missão.
- Não acredita em mim? – indagou Barnes, mais ofendido do que esperava. Depois do tanto que se arriscara, ela ainda não confiava nele? – É disso que se trata?
- Petr não acreditaria – contou ela, e aos poucos os punhos do soldado foram relaxando, entendendo as motivações da jovem – Ele foi tão enganado ou mais do que eu. Ele merece sair daquele lugar, pelo menos ter a chance de escolher sair ou não. Só que ele não vai acreditar no que você diz. Vou precisar de provas. Apenas levantar dúvidas não vai funcionar com ele.
Barnes fechou os olhos com força, ambas as mãos rumando para seus cabelos. Era uma decisão cretina, mas a pirralha de alguma forma destorcida tinha uma razão para aquilo. Sem ela, seu irmão seria considerado apenas mais um agente da HYDRA, e se ela merecia uma colher de chá, o mesmo deveria ser oferecido a ele, embora a situação fosse bem mais complicada para o Corvo mais velho. assistiu o soldado aos poucos aumentando a distância entre eles, aquele antigo desespero óbvio em seus olhos, e o remorso que remoía em seu peito apenas aumentando por saber que aquela vez ela era o motivo. Que tipo de escolha era entregar Barnes para tentar – com imensas possibilidades de falha – tirar seu irmão de lá? Onde estavam todos os discursos que fizera em defesa do soldado nos últimos meses? Como iria viver com um fantasma daqueles?
- Some daqui, Barnes – grunhiu ela por fim, cotovelando uma das portas do armário às suas costas em um movimento rápido que deixara um buraco na madeira.
- O que?
- Eu mandei você sumir – rosnou ela, revirando os olhos ao ver a confusão apenas aumentar no cenho franzido do homem. No pouco que se lembrava, seus surtos de bom senso não duravam muito, por isso era melhor se apressar – Isso não tem nada a ver com você. Eu lido com isso sozinha.
- Depois desse tempo todo desaparecida, acha mesmo que eles vão te aceitar?
- Se eles pensarem que você me manteve aqui contra a minha vontade...
- Não gosto das suas ideias – interrompeu-a ele, lhe dando as costas e rumando para a sala, e ela logo se pôs a segui-lo.
- Eu tentei te entregar, James. Confiou em mim e eu te apunhalei pelas costas – insistiu ela, o puxando pelo braço em um movimento brusco antes que ele pudesse se afastar demais, ficando a milímetros de distância do homem quando ele se virou – Você está bravo comigo. Vá em frente e desconte. Dificulte para eles me reconhecerem.
- Eu não v...! – ofegou Barnes, seus olhos arregalando assim que compreendeu por completo o plano da mulher.
- Você vai – continuou ela, aumentando o aperto em seu braço até ele fazer um movimento rápido e o tecido escorregar de seus dedos – Porque se eles chegarem aqui e não encontrarem sequer um arranhão em mim, não tenho certeza se eles vão fazer questão que eu sobreviva à punição.
- Você cometeu um erro, criança. Podemos consertar. Continuar fugindo – Barnes abandonou toda a hostilidade de uma vez, tomando o rosto da mulher com o máximo de cuidado que possuía para que ela não tentasse fugir – Eles nunca vão nos achar. Eu te protejo. Recuperamos nossas memórias juntos, só... Não volte para lá.
- Eu não... – começou , quase considerando a opção. Tinha que admitir que era o caminho mais fácil, mas valeria a pena? Se colocar a frente de todos e desperdiçar a chance de salvar alguém? Deixar Krigor impune? Aquele tipo de remorso era algo com que ela conseguiria viver? – Eu tenho coisa para descobrir. Eu não posso deixar a HYDRA. Isso tudo não é apenas sobre mim.
- Eu sou a sua única salvação, garota – disse Barnes, sério. Sua expressão quase amolecera ao notar os olhos da mulher começarem a marejar, tendo que respirar fundo para se manter firme, principalmente quando ela envolveu suas mãos com as dela – E você não vai me ver novamente se eu passar por aquela porta.
- Eu preciso de respostas, e você não as tem, Barnes – lembrou ela, apertando as mãos dele, ambas geladas em contraste com as suas que estavam até quentes demais – Por favor.
- Você sabe as perguntas agora, mas, quando eles te pegarem, eles vão limpar sua mente novamente – argumentou o soldado, realmente sem saber o que fazer. Ele simplesmente lhe daria as costas? Já seria algo quase impensável imaginando que ela teria sucesso no que planejava, mas aquela ideia era um maldito plano suicida – Você vai voltar a ser um fantoche.
- Se eu lembrei uma vez, posso lembrar de novo – tentara soar firme, mas não conseguira nem se convencer com aquelas palavras. Ela não estava acostumada com aquele tipo de otimismo idiota, e era arriscado se tornar adepta a ele naquele momento. Não dava para saber qual seriam as ações da HYDRA assim que a tivessem mais uma vez, mas era a melhor chance que tinha.
- Você é louca – constatou Barnes, rindo de nervoso – Você é absolutamente louca.
- E estou só me aquecendo...
- Você está com medo – sussurrou o soldado, como se não fosse algo claro na mulher: a respiração desregulada, as mãos tremendo, e as lágrimas já passeando livremente pelo seu rosto corado.
- Eu já passei dessa fase faz um tempo – confessou ela rindo de leve enquanto deixou sua testa se apoiar no ombro do homem, que logo tirou as mãos de seu rosto para a envolver em um abraço apertado – Se tiver algo acima de amedrontada, eu estou por lá.
- Tem que haver outro jeito de obter as respostas que você quer – tentou ele mais uma vez, apoiando o queixo em sua cabeça – Não me obrigue te abandonar.
- Tarde demais para mudar de ideia, Bucky – murmurou ela, se afastando minimamente para voltar a fitar seus olhos, para não deixar dúvidas que as coisas seriam daquele jeito. Nos olhos claros do soldado ela conseguira ver que aquilo também não estava sendo fácil para ele, mas pelo menos era melhor do que arrastá-lo junto para aquele inferno. Um dos dois escapar já era lucro mais lucro do que o esperado – Saia daqui antes que seja tarde demais para você também.
- Feche seus olhos – pediu ele em um sussurro, beijando a testa da mulher enquanto afagava seus cabelos fora de ordem. Ele respirou fundo uma, duas vezes, mas não surtiu efeito. Barnes já conseguiu ouvir seus batimentos em seus ouvidos, mas sabia que o único som que continuaria a ouvir pelos próximos dias seria dos golpes que teria que desferir na mulher, por isso também fechou os olhos. Os sons já o atormentaria o suficiente, não precisava de recursos visuais – E não abra por nada, entendeu?
assentiu e recuou alguns passos, mantendo os olhos fechados com empenho até sentir o primeiro golpe, que lhe acertara a lateral do rosto. Seus instintos quase imploravam para poder ver o que acontecia, mesmo com ela tendo completa noção da localização de tudo ao seu redor. Ela não caíra no primeiro soco, apenas cambaleara para o lado. O segundo golpe já fora uma joelhada nas costelas, o som característico de osso se quebrando chegando aos seus ouvidos, mas ela só caíra quando Barnes encaixou um chute até que leve em seu abdômen, que a fez atravessar a parede que dividia a sala da cozinha. O impacto de sua cabeça contra o chão bagunçara um pouco seus sentidos, mas não a impedira de sentir o homem se sentar sobre suas pernas, respirando fundo por já saber o que vinha pela frente.
Barnes agradeceu mentalmente por ela tentar reprimir os gemidos a cada golpe, mas em certo ponto ela não tinha mais controle. Suspeitava que ela se permitira sentir todas as dores como forma de punição por estar forçando-o àquilo, mas se obrigou a não pensar naquilo porque definitivamente não fazia com que ele se sentisse melhor. Quando os gemidos começaram a se extinguir, ele parou. Se sentiu tentado a abrir os olhos, mas não o fez. Ele ainda conseguia ouvir a respiração fraca da mulher, e se apegaria àquele detalhe. Ela estava respirando. Ele deixaria a cabana, e ela estava respirando. Sem permitir pensar no que aconteceria com ela depois. Ela estava respirando, nada mais importava.
Ele se levantara um pouco tonto, cambaleando para longe do corpo inconsciente da mulher, apenas abrindo os olhos quando a cozinha já estava às suas costas, quase se jogando de volta ao chão ao notar como suas mãos estavam embebidas do sangue quente de . Aquilo não podia estar acontecendo de novo. Ele prometera que aquilo nunca mais se repetiria. Sem mais sangue inocente em suas mãos. Mais uma vez sangue inocente em suas mãos. De alguém que ele deveria proteger.
Barnes passara rapidamente no banheiro, passando um pouco de água e sabão nas mãos com pressa. Se se demorasse mais do que o necessário, mudaria de ideia e mataria qualquer agente da HYDRA que ousasse pisar naquele lugar. Esperava realmente que o plano de funcionasse, porque ele se culparia daquilo pela eternidade caso contrário, mesmo sem ter outras opções. Poderia continuar se opondo à mulher, mas não conseguiria fazer com que ela mudasse de ideia. Por isso ele pegou a mochila com seus pertences e logo deixou a cabana, rumando para o mais longe possível daquele lugar. Se desse sorte, talvez encontrasse alguma manchete de jornal anunciando a volta de Stark para os Vingadores.
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tentava normalizar sua respiração mesmo com as intensas cargas de eletricidade que percorriam o seu corpo. De princípio ela imaginara que mal sentiria qualquer que fosse a punição que seus superiores imaginariam para ela, já que sua condição física não era exatamente das melhores, mas cada golpe ela parecia estar sentindo com mais intensidade do que realmente tinha. Fosse a eletricidade, a quantia considerável de soro que eles haviam injetado nela novamente, o fato era que fazia tempos que a mulher não sentia tanta dor.
- Onde está o Soldado Invernal? – perguntou Markus, o agente que havia sido encarregado do interrogatório. Antes mesmo que ela pudesse abrir a boca para responder, ele liberara outra descarga elétrica, fazendo com que ela perdesse o fôlego.
- Eu... Não... Sei! – grunhiu a mulher por entre os dentes. Suas unhas cravadas na palma da mão tentavam aliviar a tensão, e aos poucos começavam a perfurar a pele, tímidas gostas de sangue escorrendo até seus pulsos e sujando as travas de metal que a seguravam no lugar.
- Por que o deixou escapar?
- Eu não deixei!
- Por que está mentindo?
- Eu não estou!
- Quem você é?
- Ninguém...!
- O que você é?
- H-HYDRA...
Krigor assistia tudo por trás do vidro com o semblante sério, os braços travados em frente ao corpo. Não sabia dizer se a garota estava mentindo ou não, mas o fato era que de qualquer forma não podia mais confiar nem na garota nem em sua mente. Se ela tivesse passado apenas um dia ou dois desaparecida, talvez pudesse lhe dar o benefício da dúvida, mas havia se passado mais de um mês. O Soldado Invernal era poderoso, mas não conseguiria mantê-la sob controle por tanto tempo. De alguma forma ele havia conseguido que a garota escolhesse ficar ao seu lado. Até o pedido de resgate de Dominik lhe parecia estranho, demorara tempo demais. Krigor sequer queria continuar pensando naquilo, se sentia tentado a acreditar que Dominik estava apenas tentando fazer seu trabalho da melhor forma que podia, mas algo lhe dizia que acreditar naquilo era ingenuidade demais.
Não podia ser uma coincidência ela ter passado tanto tempo logo com o soldado que se rebelara ao começar a recobrar suas memórias.
- O que fazemos, senhor? – perguntou Ivan, visualmente cansado. O interrogatório já durava algumas horas, e ele tinha que estar sempre atento para caso algo saísse do controle – Ela está instável. Não podemos ter certeza se ela está mentindo ou não. O encontro com o Invernal pode ter desestabilizado a mente dela, memórias apagadas podem ter voltado.
- Então refaçam o processo. Limpem a memória dela novamente, mas dessa vez direito.
- Sim, senhor.
soube exatamente o momento em que estava perdida.
Grosas lágrimas começaram a escorrer por seu rosto quando avistou Ivan se aproximando com um protetor bucal em mãos, e ela automaticamente abriu a boca antes de ele precisar lhe dar a ordem. Lembrava vagamente de um cenário semelhante com isso, e algo lhe dizia que não viria coisa boa. Quando o processo começou, em meios aos gritos a mulher tentava se apegar a apenas um pensamento.
Se ela lembrara uma vez, podia lembrar novamente.
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Seus ouvidos zumbiam, mas não parecia ter som ao seu redor. Sua respiração parecia estar sendo alta, só que não conseguia captar o ruído. Seus olhos já estavam abertos, e mesmo assim não conseguia focalizar seu olhar em algo. Aos poucos, sua audição foi voltando ao normal, e os primeiros sons que ela conseguiu identificar foi de uma voz masculina próxima, murmurando pausadamente e sem pressa palavras que parecia aleatórias, e que de alguma forma faziam com que seus músculos se tensionassem.
- Dezenove. Água-marinha. Pólvora. Oito. Rua vazia. Anthony. Nove. Habitável. Introdução... – ela não havia tentado contar o número de palavras, mas percebera que não chegara a compreender a última, como se de repente seus ouvidos tivessem cheios de água e os sons tivessem se tornados confusos.
- Pronta para obedecer – murmurou ela em resposta, sem saber ao certo o motivo. Sua cabeça doía, mas algo lhe dizia que era melhor não se queixar. Ivan logo aparecera a sua frente, lhe fazendo algumas perguntas que pareciam sem sentido, mas que ela respondeu de qualquer forma. Ela por algum motivo esperava que logo fosse enviada para seu quarto e pudesse descansar um pouco, mas ainda ficou pelo o que poderiam ter sido horas naquela sala, ainda presa pelos braços e tornozelos.
Ivan e Markus haviam sido categoricamente claros: ela havia cometido um deslize, para dizer o mínimo. Em nenhum momento chegaram de fato a especificar que erro ela tinha cometido – algo importante de se comentar, já que por algum motivo ela não conseguia se lembrar das últimas missões em que saíra –, e isso a incomodou um pouco, mesmo que não tenha expressado aquele sentimento. Tivera que pacientemente ouvir o discurso dos dois homens, assentindo nos momentos certos, e só depois ela foi liberada. Ninguém a escoltara para seu quarto, mas ela podia dizer que alguém a vigiava pelas câmeras, acompanhando seus movimentos.
A sensação de que tinha algo errado apenas aumentou quando seu irmão apareceu mais tarde em seu quarto, parecendo tão perturbado quando ela.
Petr estava uma pilha de nervos, e não sabia o que fazer. Não sabia separar o que estava sentindo: raiva, culpa, e indignação era o máximo que ele conseguia identificar. Ninguém lhe avisara que haviam localizado sua irmã, nem que uma operação de resgate fora colocada em prática imediatamente. No último mês, seu número de missões havia sido reduzido drasticamente para zero, seus superiores temendo algum tipo de rebelião caso saísse da base, mas ele se iludira pensando que teria permissão para mais uma vez resgatar Dominik assim que tivessem sua localização, e se enganara. Tivera apenas a informação de que ela estava de volta algumas horas atrás, enquanto ela mais uma vez passava pelo processo de limpeza das memórias, e isso o deixou mais irritado.
Ela não era um maldito brinquedo, e mesmo assim seu pai continuava a autorizar aqueles processos. Ele deveria protege-la, e a cada dia Petr apenas conseguia notar ele fazendo exatamente o contrário.
- Nikky? – ele a chamou em um sussurro, incerto se deveria entrar no quarto ou não. As luzes estavam quase todas apagadas, e ele ainda conseguia distinguir a silhueta da irmã deitada de barriga para cima, encarando o teto – Você está bem?
- Por que não estaria? – retrucou ela, virando a cabeça minimamente para a porta. O homem teve que engolir em seco sob o olhar frio da morena, as íris tomadas por aquele brilho azul característico da exaustão – Eles disseram que eu desapontei toda a organização. Só não me falaram como.
- Não é importante – garantiu ele, fechando a porta as suas costas e se sentando na beirada da cama. Dominik não parecera gostar da resposta, também se sentando. Ela não sabia explicar o motivo, mas sentiam que estavam ofendendo sua inteligência, ainda mais quando alguém tentava desconversar.
- Como eu vou ser capaz de não repetir o mesmo erro se não sei no que errei? – disse ela, constatando o óbvio. Todos estavam agindo de forma diferente perto dela, como se temessem até respirar de forma diferente, e seu irmão não era exceção. Isso estava começando a irritar, mais até do que a dor latejante em sua cabeça que não passava de jeito nenhum e ela não conseguia ignorar.
- Apenas não erre. É para isso que nós estamos aqui – disse ele, dessa vez não vacilando sob o olhar irritado que a irmã lhe lançara – Somos a elite dos agentes da HYDRA.
- Pensei que a elite fosse o Invernal – retrucou ela, cruzando os braços, e por alguns segundos Petr se questionou se eles tinham realmente limpado a memória dela direito. Tinha uma certa fúria em seus olhos, que intensificava o tom azul brilhante do poder em suas veias. Ao mesmo tempo que parecia que ela sabia de alguma coisa, também parecia que ela estava apenas perdida, o que não significava que ela não sentia que algo estava errado. Instinto. Isso eles não tinham como dominar, e agora Petr temia que aquela fosse a chave para Dominik se rebelar.
- O Invernal foi ultrapassado, nós somos mais poderosos que ele – disse o homem, forçando as palavras a deixarem sua boca. Parecia que uma mão invisível estava apertando sua garganta, o repreendendo pelas mentiras que planejava dizer, e os olhos atentos de Dominik pareciam estar cientes de tudo.
- E ele foi simplesmente descartado porque foi superado? – ela riu, uma risada irônica que fez um arrepio ruim percorrer o corpo do homem – E o que vão fazer conosco quando nós formos superados? Não somos nada diferente do Barnes.
- Por que está falando isso?
- Não sei... Só me sinto estranha. Cansada – resmungou Dominik, passando as mãos nervosamente pelo rosto antes de voltar a se deitar, suspirando alto. Seu tom de voz se alterara imensamente, em um contraste notório com segundos atrás, quase como se fosse outra pessoa. Quando voltou a fitar Petr, seus olhos já apresentavam a coloração mais próxima do natural – Pedi que me apagassem, mas disseram que eu precisava passar por treinamento de novo. É por isso que está aqui?
- Não recebi ordens hoje – estranhou o moreno, balançando a cabeça de leve – Apenas vim ver se você estava bem.
- Eu realmente fiz besteira, não é? – contatou a mulher, o rosto contorcido em uma expressão apreensiva – Nunca te vi assim, tão preocupado.
- Você cometeu um deslize. Mas não foi culpa sua, foi minha – contou ele, encolhendo os ombros e fitando os próprios pés. Deveria ter sido mais insistente ao se opor a decisão de seu pai de deixar Dominik sair em missões sem sua supervisão. Aquele episódio poderia ter sido tão facilmente evitado que ele não conseguia se livrar do sentimento de culpa – Não vou permitir que aconteça novamente.
- Do que você está falando?
- Somos uma equipe, Nikky. Eu e você. Somos irmãos acima de tudo – contou ele, com algo em sua voz que lhe deu a impressão de que ele repetia aquilo pela milésima vez, mas ela nunca aprendia – É meu dever te proteger, e vice e versa.
- Você não deveria falar esse tipo de coisa... Você vai acabar sendo punido! – murmurou ela apressada, assim que notou o que a incomodava na fala do irmão – Nós não fomos feitos para ter emoções, você sabe disso também quanto eu.
- O que você não está me contando, Dominik? – questionou Petr de uma vez, começando a ficar irritado com as constantes mudanças de abordagem da irmã. Parecia que ele estava discutindo com pessoas diferentes que tomavam o lugar da outra sem o menor aviso, e ele não sabia como proceder.
- Ivanov – uma voz rosnou, fazendo com que a dupla se virasse para a porta. Markus estava no portal, com um sorriso irritante nos lábios – Garota Ivanov. Você vem comigo. A sala de treinamento já está pronta.
- Posso saber por que não me colocaram como responsável dessa vez? – questionou Petr, sinalizando para que sua irmã não saísse do lugar.
- Não – riu o homem, alargando o sorriso. Já fazia um certo tempo que a arrogância dos mais novos dos Ivanov estava o incomodando, e ele definitivamente estava contente por Krigor finalmente estar abrindo os olhos e colocando a dupla em seu devido lugar – Confidencial. Vá perguntar para o papai.
Petr estava pronto para partir com punhos fechados para cima do homem, mas a mão firme de Dominik em seu ombro o fez parar. Era estranho, mas parecia que a mulher estava mais estável mentalmente do que ele, embora fosse claro também o seu desconforto. Dominik de repente parecia ser a mais velha da dupla, que sabia exatamente como agir e o que dizer. Talvez fosse algum tipo de instinto que as lavagens cerebrais não conseguiam apagar, que permitia que ela pudesse ainda saber exatamente como manipular as pessoas sem levantar suspeitas. Ou fosse algo tão dela que sequer precisava estar ciente dessa habilidade para utilizá-la.
Dominik passou a mão pelos cabelos escuros do irmão carinhosamente antes de deixar o quarto e seguir o agente de expressão fechada que seria seu avaliador por sabe-se lá quanto tempo. No fundo ela se culpava por tanto reclamar de Clint na época em que ele era responsável por seus treinos, porém sequer conseguir dizer quem essa pessoa devia ser e porque aqueles detalhes tão aleatórios e tão singulares continuavam a invadir sua mente, e aquela sensação estranha de algo estar fora do lugar cada vez a dominava mais.
Ela precisava de respostas, e precisava encontrá-las logo.
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Dominik acordou com seu irmão esmurrando sua porta, o que a fez levantar em um pulo, sem saber o que estava acontecendo. Seus sentidos deveriam funcionar perfeitamente assim que ela acordasse, mas em alguns dias especiais isso não acontecia, e aquele era um desses. Petr tivera que controlar sua vontade de rir ao dar de cara com sua irmã emburrada e de rosto amassado assim que ela abriu a porta de uma vez, perguntando se alguém estava morrendo ou se eles estavam sob ataque.
- Saímos em dez minutos – anunciou ele, já girando os calcanhares e correndo para o fim do corredor.
- Por que eu estou sendo avisada tão em cima da hora? – gritou ela, se apoiando no batente da porta. Petr parou no meio do caminho, ponderando se deveria contar o que estava acontecendo de uma vez ou se era melhor inventar algo.
- Estavam questionando se você ir nessa missão era realmente uma boa ideia – contou ele de uma vez, deixando a morena desconfiada – Vamos invadir uma base da S.H.I.E.L.D. em que você passou muito tempo.
- Manchester? – arriscou ela, tentando controlar o nó que automaticamente se formara em sua garganta. Aquilo não era bom, não era nada bom. Uma coisa era recobrar suas memórias, outra bem diferente era ficar frente a frente com pessoas com que ela costumava conviver diariamente. Ainda havia algumas lacunas abismais para serem completas, e ela temia que isso acontecesse no pior momento possível – Por que não seria uma boa ideia eu ficar de fora?
- O intuito é ser um ataque rápido e silencioso. Se você for, as chances de virar uma bagunça são grandes – explicou Petr – Porque eles vão te reconhecer e essas coisas.
- Como se eles fossem viver tempo o suficiente para me reconhecer e espalhar a notícia – resmungou Dominik, revirando os olhos – Te encontro em cinco minutos.
Depois que fechou a porta, ela ainda esperou ficar fora da área de percepção de seu irmão, permitindo que seus batimentos acelerassem como bem entendiam enquanto trocava suas roupas pelo uniforme. Ao mesmo tempo que aquilo era bom, também era péssimo. Ela teria que manter o disfarce, bancar a agente da HYDRA mesmo se fosse reconhecida, e provavelmente seria. A menor hesitação para puxar o gatilho e atirar em um antigo aliado seria o suficiente para que Petr levasse as suspeitas aos superiores, e tudo iria por água abaixo. Erros mais do que nunca não seriam permitidos.
No trajeto até Manchester, Dominik se mantivera em silêncio, o que ninguém estranhou. Assentia apenas uma vez ou outra quando alguém lhe passava alguma instrução, se mantendo afastada no fundo da nave. Quando Petr se sentara ao seu lado para lhe mostrar a planta da base, ela apenas prestou atenção por educação – afinal, conhecia aqueles corredores de olhos fechados. Sua tarefa se tratava apenas de conseguir alguns documentos importantes da S.H.I.EL.D., enquanto o restante da equipe se encarregaria de recolher algumas armas que eles classificaram como interessantes do arsenal daquela estação. Em um primeiro momento Dominik pensou em questionar o motivo de estar sendo tirada da linha de frente, mas só depois lhe ocorreu que aquela escolha era inteligente: a S.H.I.E.L.D. inicialmente se preocuparia em proteger o seu arsenal, e os poucos que acabassem entrando em seu caminho ficaria sem reação por avistarem a desaparecida Stark. Ela não gostara nem um pouco do plano, mas não podia dizer que não era uma boa estratégia.
O técnico da equipe logo conseguiu invadir o firewall da base, danificando permanentemente o sistema de segurança do local. Era de extrema importância que eles não conseguissem contatar suporte, além de não estar incluso nos planos a informação de que o segundo Corvo estava de volta, e muito menos quem ele era. Ainda não era o momento, aquela última cartada estava reservada para a queda dos Vingadores, mas talvez já estivesse próxima. Assim que deixaram a nave, a equipe de dez pessoa se separou, Dominik seguindo para o lado o posto para ao que os outros seguiam seu irmão. Ela iria por uma entrada diferente, um pouco afastada do seu destino, mas pelo menos chamaria menos atenção. Poucos agentes entraram em seu caminho enquanto ela viajava pelas sombras dos corredores, praticamente passando despercebida, precisando finalizar apenas um ou outro que estavam mais atentos ao que acontecia ao se redor. Como o objetivo principal não era que ela entrasse de fato na luta de verdade, seu poder de fogo havia sido reduzido: duas pistolas presas em suas coxas e uma um pouco maior às suas costas, além de algumas lâminas escondidas em suas botas. Já não era de seu costume desperdiçar munição, mas aquele era um dia especial. Cada disparo tinha que ser certeiro já que seu número havia sido drasticamente reduzido.
Assim como ela esperava, um rosto ou outro lhe era familiar, mas ninguém chegou a reconhecê-la devido à máscara escura que protegia a parte de baixo de seu rosto. A mulher estava tendo que manter um controle ainda mais refinado do que estava habituada, já que a menor hesitação ou tremor em suas mãos seria o suficiente para seu irmão ter as confirmações que precisava. Demorara mais do que ela se orgulhava para conseguir manter certa estabilidade mental, e o estrago já tinha sido feito: nem ela e nem Petr haviam esquecido a conversa depois que ela voltara de mais uma visita à máquina que deveria sumir com suas memórias, mesmo que não tocassem naquele assunto. Ambos esperavam um deslize do outro: Petr atento a qualquer indício de que sua irmã se lembrava da estadia com o Soldado Invernal ou até mesmo a vida com os Vingadores; e torcendo para notar algum indício de que seu irmão sabia que algo estava errado naquela história, e que a ajudaria a desvendar. Por isso ela teve que se manter o mais indiferente o possível mesmo quando sua mente gritava para ela não puxar o gatilho.
Um pouco depois que as coisas começaram a ficar agitadas do lado oposto da base, Dominik já estava bem próxima da central de dados. Os agentes ali já estavam alterados por terem perdido o controle visual da situação, piorando ainda mais quando um inimigo invadiu a sala. Os três mais próximos à porta sequer viram o que os atingiu, e mais alguns de seus colegas se juntaram ao número de abatidos antes mesmo de seus corpos chegarem ao chão. Os agentes mais distantes tentavam alvejar a mulher, mas ela era mais ágil, desviando os disparos e ainda conseguindo atingir alguns alvos. No fundo da sala ela conseguira identificar Sam Watson, que caíra depois de ser atingida no ombro esquerdo. Dominik já tinha desistido de se iludir imaginando que talvez a mulher não estivesse ali hoje, por isso foi fácil manter a compostura.
Sam, por outro lado, ficou alguns momentos a mais abaixada no chão protegida por uma mesa. Tinha algo no atacante que lhe era familiar demais, algo que ficou óbvio quando ela perdeu a máscara depois de ser golpeada no rosto por um de seus colegas que conseguira encontrar uma brecha em sua defesa, sendo em seguida arremessado em direção a parede mais distante por um chute potente, e não se levantando depois de atingir o chão. O rosto mais magro, a pele mais pálida, olheiras profundas que parecia quase alcançar o tom da máscara que há instantes cobria seu rosto, ou até mesmo o tom dos cabelos que pareciam agora também mais escuros. Ela estava diferente, mas não irreconhecível.
A loira assistiu Stark atirar nos dois últimos agentes ainda vivos, devolver as pistolas ao coldre, e se direcionar para uma das estações da sala, digitando alguma sequência de códigos com agilidade antes de plugar um drive na entrada próxima à tela em que trabalhava. Sam prendera os lábios entre os dentes com força para evitar deixar escapar algum som involuntário enquanto se esticava para tentar alcançar sua arma que acabara caindo muito longe dela, apenas para ver um buraco de bala sendo criado no chão centímetros de sua mão. Quando voltou a olhar para a mulher confortavelmente sentada, uma de suas pistolas estava próxima ao teclado, um aviso para que ela não fizesse mais movimentos arriscado.
- ? – gaguejou Sam, mal conseguindo levantar o corpo do chão. Pela quantidade de sangue que ela já via ao seu lado e pela tontura repentina, ela acreditava que o tiro atingira uma artéria, uma precisão que não seria surpresa nenhuma se aquela fosse mesmo sua amiga desaparecida – , é você?
- Os códigos, Sam – foi a única coisa que a mulher disse, sem interromper a seu trabalho ágil no teclado. Tanto como para ter acesso aos documentos que procurava como para os salvar em um drive externo era necessária a autorização de um agente de nível alto, e algo lhe dizia que sua senha de acesso já tinha sido desativada há muito tempo.
- Ai meu Deus, é você! – ofegou a loira, se sentando com dificuldade, apoiando as costas na parede mais próxima. Sua principal tarefa era tentar parar a hemorragia em seu ombro, mas a única coisa que ela conseguia fazer era encarar a mulher, estupefata – O que você está fazendo?
- Corvo, status.
- Tudo sob controle aqui. Extraindo os documentos – contou ela, levando uma mão ao comunicador assim que identificou a voz do irmão. Sam ao fundo produziu um som que parecia uma mistura de grunhido e gemido, recuando mais para a parede enquanto pressionava o ferimento de entrada. A loira estava com uma hemorragia bem complicada, ainda mais por também ter o ferimento de saída do projétil – Preciso que você me dê os códigos, Watson.
- Você vai ter que me matar antes – rosnou a mulher, no que pareceu um súbito momento de ousadia, o que fez com que a morena risse.
- Não, eu te mato depois – corrigiu , parando momentaneamente de digitar para girar sua cadeira em direção à loira caída – Eu posso tentar descobrir sozinha, mas seria muito melhor você mostrar alguma utilidade. A HYDRA não gosta de quem não tem algo a adicionar.
- E-eu vou vomitar... – murmurou a mulher, fechando os olhos com força e jogando a cabeça para trás. Sam não sabia se a náusea que lhe atingira tinha como origem sua tontura ou as palavras que acabara de ouvir – Você... Como eles...? Você não é isso!
vacilou minimamente. Em certos momentos ela tinha um pouco de dificuldade em classificar o que ela era ou não, mas como Sam afirmava aquilo com base em suas crenças, não podia dizer que ela estava erada. Ela não era aquilo. Ela não sabia o que era, mas esperava que não fosse aquilo. A cada dia que se passava sentia que o tempo não estava a seu favor, e agora tinha certeza daquilo mais do que nunca. Já se arrependendo de suas ações, ela abriu uma nova janela em sua tela, digitando algo rápido e logo confirmando sua ação.
- Eu criei uma interferência nos sinais de comunicação desse lado da base – anunciou ela, girando sua cadeira mais uma vez e apoiando os cotovelos nos joelhos – Temos um pouco menos de um minuto, Sam, e eu preciso dos códigos.
- ? – repetiu a mulher com receio, mais confusa do que antes, se é que aquilo era possível. A expressão da morena havia mudado tanto em alguns meros segundos que chegava a parecer outra pessoa.
- Eu não ficaria feliz, não há a menor chance de você sair viva dessa.
- Você...?
- Eu sou da HYDRA. Isso não quer dizer que eu não sei quem você é, ou que eu não lembro. Isso apenas quer dizer que você está com problemas bem sérios – explicou a mulher de uma vez, assistindo a antiga amiga balançar a cabeça em descrença – Se eu tentar te salvar, eu sou desmascarada. Se eu não atirar em você para matar, meu irmão vai se encarregar de fazer você desejar que eu tivesse te matado. Percebeu o beco sem saída?
- No que você se meteu dessa vez?
- Eu já nasci nessa bagunça – respondeu ela, soltando uma risada amargurada – E preciso dos códigos.
- E eu não posso te dar – disse Sam pausadamente, depois de muito ponderar. Não importava se aquela mulher a sua frente era alguém que ela gostava de acreditar que conhecia. Ela era outra pessoa agora, isso mudava completamente as coisas.
mordeu o lábio inferior enquanto assentia algumas vezes, antes de girar o corpo e pegar mais uma vez sua pistola que deixara sobre a mesa. Sam sentira o disparo atingindo sua coxa, próximo à virilha. Sequer precisava olhar para o ferimento para constatar outra artéria comprometida.
- Você vai sangrar até a morte – avisou , voltando sua atenção para o teclado ao seu lado.
- Vou morrer sabendo que não te ajudei.
engoliu em seco. Ela não precisava da ajuda da mulher, ela sabia muito bem invadir o firewall da S.H.I.E.L.D., não importava quantas medidas eles tomassem para o tornar a prova de Stark. Aquilo tudo era apenas para disfarçar o que ela estava fazendo de fato, já que estava sendo monitorada: um vírus discreto que poderia passar despercebido nas defesas da HYDRA e facilitar a tarefa dos hackers na Torre dos Vingadores em conseguir informações. Aquilo estaria escondido no meio dos documentos que ela viera extrair, e ninguém perceberia, nem se a HYDRA tivesse outra mente como a sua para fazer a varredura dos documentos. O problema que aquele era um passo arriscado, e as chances de seu plano falharem eram muito maiores do que as chances de sucesso. Só que aquela poderia ser a única janela que teria em muito tempo, e estava cansada de fingir que sabia lidar com tudo aquilo. Seu sangue não era tão frio, pelo contrário.
Ele fervia.
- Obrigada pela cooperação, Sam – anunciou a mulher, desconectando o drive onde todo seu trabalho estava salvo e o guardando em um dos compartimentos de seu traje. O olhar da loira se tornou um pouco confuso – Como essa área da base está tomada pela HYDRA, socorro apenas vai aparecer quando decidirmos ir embora, e, julgando pela quantidade de sangue que você já perdeu... Eu sinto muito.
- Dominik! O que aconteceu?! – voz de Petr voltou a gritar em seu ouvido, anunciando que a interferência tinha acabado.
- Alguém causou uma interferência nos sinais desse lado da base, não consegui notar a origem... – mentiu ela, o olhar travado no de Sam, que parecia capaz de a matar com as próprias mãos se não estivesse comprometida – Extração de documentos completa. Precisa de suporte?
- Não, volte para a nave. E a garota?
- Vai morrer nos próximos minutos. Ela não foi muito legal comigo.
- Finalize o alvo, Dominik. Não brinque comigo, eu vou saber se você não finalizar.
respirou fundo e tirou sua pistola do coldre, colocando a mulher mais uma vez em sua mira. Sam ajeitou sua postura contra a parede as suas costas, desistindo de tentar diminuir a hemorragia em sua perna, esperando pelo disparo final, que não demorou muito. Seu semblante indiferente não condizia aos seus batimentos acelerados pelo desespero, um completo oposto à mulher a sua frente: tinha a expressão levemente contorcida, mas seus batimentos apenas indicavam que nada daquilo estava fora do comum. Petr podia monitorar seus sinais vitais, mas não conseguiria ler sua expressão daquela distância. Aquilo já era mais do que o suficiente para mostrar para Sam que não era aquilo que ela queria fazer.
O disparo quase não produzira som graças ao silenciador acoplado na pistola, mas mesmo assim o ouvira pelo resto da noite.
- Pronto – anunciou ela, sem tirar os olhos do corpo agora sem vida da loira – Não sei porque você está fazendo um caso disso. Isso era para ser um teste?
- Talvez. Mas fique feliz, você foi aprovada.
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As mãos de Steve suavam mesmo com a baixa temperatura. Era uma pista muito recente, mas não deixava de ser uma pista. Uma prova de que estava viva, e aparentemente bem. Claro que a parte mais sombria da sua mente não o deixava esquecer o que aquilo deveria significar, mas ele se esforçava o máximo para ignorar. Ela está viva, qualquer outra coisa pode ser consertada. Ou pelo menos era nisso que ele precisava acreditar, senão perderia de vez a sanidade.
Tony e Clint o seguiam logo atrás, todos trajando roupas civis comuns – sob vários protestos do Stark. Demorara mais do que a dupla de loiros se orgulhava para convencê-lo de que terno não era a vestimenta mais discreta do mundo, mas que sair de moletom também não ajudava em nada. Eles haviam pousado a nave um pouco afastada do centro da cidade para não chamar atenção, com Natasha ficando para trás como segurança. Como se tratava de uma operação menor, não havia necessidade de mobilizar toda a equipe, por isso Thor e Bruce aceitaram sem problemas ficar na Torre – talvez o asgardiano tivesse feito um pouco de cara feia, mas acabara concordando. Era uma cidade pequena, bem simples, e fora consideravelmente fácil encontrar a tal loja de onde tinha saído. Para a sorte deles, não havia mais ninguém no estabelecimento além do responsável, o que dava a eles uma pouco mais de segurança.
- Senhora? – pigarreou Steve, tentando chamar a atenção da mulher atrás do balcão, que estava entretida com uma revista.
- Pois não, meu jovem? – sorriu ela, e mesmo com Tony e Clint virando o rosto, ainda conseguira ouvi-los rindo baixo.
- Estamos procurando por essa mulher... – contou o soldado, mostrando na tela de seu celular uma foto recente de – As imagens de trânsito dizem que ela entrou na sua loja, alguns dias. Se lembra dela?
A senhora buscou o par de óculos pendurado na blusa, se debruçando na bancada para ter uma visão melhor, abrindo um largo sorriso assim que reconheceu a mulher na imagem: o cabelo um pouco mais comprido e bem tratado, a pele de uma aparência mais saudável, e os olhos com mais brilho. Mas o sorriso era o mesmo.
- Ah, mas é claro que me lembro! Lauren, um amor de garota! Tinha algo especial nela que até agora não consegui compreender. Uma pena era aquele namorado estranho dela...
- Lauren? – repetiu Tony em voz baixa, agora um pouco mais confuso. estava usando o nome da mãe, deveria significar alguma coisa, ele só não sabia se era bom ou não.
- Namorado? – estranhou Clint, tirando seu próprio celular do bolso, ampliando uma foto de Petr – Esse homem? Ele estava com ela?
- Não, não. Acredito que não. É uma foto recente? – perguntou a mulher, tentando buscar em sua memória a imagem do companheiro da jovem, mas ele não se parecia em nada com o homem da imagem – Porque o rapaz tinha um cabelo bem cumprido, e não tão escuro. Uma barba grossa. E olhos azuis também. Não é esse rapaz da foto. Ele apareceu aqui apenas uma ou duas vezes, e não se demorou muito, escondia o rosto... Não gosto de julgar as pessoas, mas ele me pareceu um tanto desconfiado. Já ela era um amor.
- Senhora... – ofegou Tony, arrancando o celular das mãos do arqueiro e selecionando outra imagem: uma foto antiga de Bucky Barnes – O tal namorado parecia com esse homem?
- Sim, é ele! – confirmou a mulher assim que seus olhos caíram na imagem, sequer notando os três homens estremecerem – Um pouco mais velho, mais barbudo e com cabelo comprido. O olhar é o mesmo. Difícil de esquecer...
- Ela está com o Barnes? – ofegou Clint para os dois, um tanto exasperado – Ambos estão com a HYDRA?
- Está tudo bem com a jovem? – questionou a mulher, antes que eles pudessem iniciar de fato uma discussão – O tal namorado é perigoso?
- Ambos estão desaparecidos, dona – contou Steve, depois de respirar fundo e tentar aliviar sua tensão ao passar a mão pelos cabelos em um movimento demorado. Era a primeira pista que tinha em meses de Bucky, e ele estava na companhia de , o que deixava sua mente ainda mais confusa. Se eles estavam juntos, por que não voltaram para ele? – Já faz um bom tempo.
- Oh céus...! Tem algo em que eu possa ajudar? – ofegou a mulher, com ambas as mãos na boca e os olhos arregalados – Tenho quase certeza de onde eles estão acomodados.
- Seria de muita ajuda, dona.
- As gravações do seu sistema de segurança também seriam muito úteis – emendou Clint, quando a mulher se levantava e ia atrás de algum pedaço de papel para tentar improvisar algum mapa. Ouvira alguém comentar que o casal estava acomodado na floresta, e ela tinha bastante familiaridade com a área e as cabanas de lá.
- É de vocês – disse ela, apontando para a pequena sala de segurança enquanto trabalhava em seus traços. Os três homens trocaram olhares rápidos, e rumaram para o local.
Clint, sentindo que talvez fosse o com a cabeça mais no lugar do trio, ocupou a cadeira giratória velha que estava em frente ao sistema de segurança, logo buscando as imagens do dia que fora capturada pelo sistema de trânsito. Não demorou muito para que eles conseguissem identificar seu corpo coberto de várias camadas de agasalho entrando na imagem, retirando o boné surrado que estava coberto de neve enquanto se adiantava para conversar com a senhora no caixa, lhe mostrando um largo sorriso. A senhora também tinha arriscado mais ou menos em que dia tinha aparecido na loja na companhia do Bucky – essa eles demoraram um pouco mais para encontrar –, a imagem dos dois na tela aparecendo um pouco depois da senhora aparecer com o mapa improvisado e lhe dar instruções.
- Pelo menos ela parece bem... – comentou Clint, parando de assistir a mulher passear pelos corredores e olhando rapidamente para os dois homens às suas costas – Já vocês não parecem nem um pouco bem.
- Como poderíamos? – resmungou Steve, soltando uma risada irônica.
- Seja um pouco mais inteligente, Rogers – repreendeu-o o arqueiro, apontando para a tela com a imagem congelada – Isso parece o tipo de missão para o Soldado Invernal? Eles não estão uniformizados.
- Você acha que eles não estão com a HYDRA? – estranhou Tony, mesmo que concordando com o arqueiro. Realmente não parecia normal a HYDRA manter os dois naquele fim de mundo, nem se tivesse sob disfarce. podia ser uma espiã, mas Barnes não era.
- Me parece um pouco bizarro eles mandarem os dois comprarem mantimentos.
- Se eles fugiram... – começou Steve, com pesar na voz. Ele não queria verbalizar aquela pergunta, parecia que ela estava presa em sua garganta – Por que não foram para a Torre?
- Aí já é algo que vamos ter que perguntar diretamente para eles – suspirou Clint, voltando sua atenção para a mesa para fazer uma cópia das filmagens. Ele só não terminou a tarefa porque a voz de Natasha ecoou em seus ouvidos, fazendo que suas mãos ficassem suspensas sob o teclado.
- Precisamos sair daqui agora – disse a ruiva, a voz deixando claro que a situação era séria –
- Voltamos a ser faxineiros da S.H.I.E.L.D.? – debochou Tony, fazendo um gesto com a mão para que o arqueiro acelerasse – Que base foi atacada?
- Manchester.
- Eles levaram alguma coisa?
- Armas e documentos.
- Por que eu tenho a impressão de que as armas da Fase 2 ainda estavam lá? – resmungou Clint, desplugando o drive com as filmagens salvas e o guardando no bolso do agasalho enquanto se levantava, seguindo os dois homens para fora da loja – Ligue para a Sam, ela será capaz de dar mais detalhes.
- Esse é o problema, Clint – Natasha deixou que um silêncio estranho se instalasse, sabendo que a reação do arqueiro não seria das melhores – Não houve sobreviventes ao ataque.
Os três Vingadores vacilaram em seus passos ao mesmo tempo. Nos últimos meses a HYDRA tinha diminuído consideravelmente seu número de ataque, já que estavam gastando boa parte do pessoal para se defender da equipe de super-heróis, por isso um ataque daquele nível era algo que os pegara desprevenidos. A base de Manchester era uma das mais bem protegidas da S.H.I.E.L.D., acomodava um número alto de agentes talentosos e abrigava armas poderosas. Eles não haviam conseguido dominar aquela base nem quando os intrusos se revelaram, e de alguma forma agora eles haviam conseguido derrubá-la. Tony convocara sua armadura e seguira com Steve para o tal local que a mulher da loja indicara, na esperança de no mínimo encontrar mais alguma pista do paradeiro de e Bucky, enquanto Clint seguira em direção oposta, para ver com Natasha as informações que eles já tinham sob o ataque.
- Não é fácil te deixar apreensiva, Romanoff – comentou o arqueiro, ocupando o lugar de copiloto ao lado da ruiva – Desembucha.
Natasha revirou os olhos, mas não conseguiu diminuir a tensão em seus músculos. Se não tivesse desligado sua linha direta com a Torre, a ex-espiã ainda estaria ouvindo os gritos inconformados de Thor, e Bruce inutilmente tentando o acalmar. No fundo, ela estava com inveja do cientista: um deus irritado era bem mais fácil de lidar do que com aqueles três.
- Nós conseguimos algumas informações sobre a equipe que atacou em Manchester.
- E por que você está hesitando tanto em contar? – estranhou o homem, desconfiado – É alguém que conhecemos?
- Dominik Ivanova – disse a ruiva com cuidado, mas daquele nome para ele ainda não tinha importância nenhuma.
- Por que esse nome não me é estranho? – questionou Clint, no exato momento que Tony e Steve retornaram. Aparentemente, acontecera uma briga na casa, e Sexta-Feira havia identificado o sangue encontrado lá como o de . A dupla recém-chegada estranho uma reação tão indiferente da mulher, que apenas avisou que eles estavam decolando mais uma vez – Nat? De onde a gente conhece essa tal Dominik?
- Dominik? – repetiu Tony, enquanto retirava sua armadura – Quem é Dominik? Por que esse nome de novo?
- Esse nome te incomoda, Stark? – perguntou Natasha, o tom de enigma pegando todos de surpresa. A ruiva não sabia dizer se estava enrolando por receio das reações ou preparando terreno. Qualquer que fosse a desculpa, ela não mudaria de estratégia agora. Tony apenas deu de ombros, se jogando na cadeira mais próxima assim que trajava apenas suas roupas de tecido.
- É só um nome.
- E Lauren Smith?
Dos três homens, apenas Steve se manteve indiferente.
- A mãe da ? – estranhou Tony, sua expressão agora completamente séria – Espero que você tenha um ponto em que queria chegar, Romanoff. Eu não gosto exatamente de falar dela.
- Por que a morte dela foi estranha? – arriscou a mulher, colocando a nave no piloto automático e girando sua cadeira para o grupo, gesto que Clint imitou, mesmo sem saber o que estava acontecendo – Enquanto vocês estavam atrás de pistas e Bruce e eu estávamos analisando o que aconteceu em Manchester, uma base da HYDRA em Moscou foi hackeada. Não acredito que eles já tenham percebido ainda, mas nós percebemos. Foi alguém de dentro.
- ? – arriscou Clint, querendo soar esperançoso, mas se conteve. Natasha não estava transmitindo uma energia muito boa e dessa vez parecia ter um bom motivo.
- Não acredito que ela ainda esteja no nosso lado.
- Se importa de justificar uma acusação desse nível? – resmungou Tony, quase ofendido por não ouvir Steve repreendendo a mulher. Claro que ele já tinha tido tempo o suficiente para aceitar que existia a possibilidade de eles estarem manipulando sua filha, mas a forma que Natasha falara era quase como se ela estivesse escolhido mudar de lado.
- Ela que atacou a base em Manchester, Stark – contou ela, a expressão indiferente, mas as palavras quase não conseguindo passar por sua garganta – As equipes de resgate conseguiram recuperar as gravações de emergência do celular da agente Watson. foi a que roubou os documentos enquanto o outro Corvo foi atrás das armas.
- Outro Corvo? – repetiu Clint, finalmente conseguindo pegar alguma referência nas informações que a ruiva soltava que pareciam aleatórias – Como o tal Petr Ivanov? Ele não era o único corvo?
- A irmã caçula dele também usa o mesmo codinome.
- Ela não tinha morrido? HYDRA está recrutando fantasmas agora? – resmungou Steve, sua expressão passando de confusa para assustada assim que alguns nomes voltaram a sua mente – Espera, você está dizend...?
- é o outro Corvo – contou a ruiva, erguendo as sobrancelhas em direção ao Stark – Já se lembrou por que o nome Dominik te incomoda, Tony? Você já sabia, não é?
- Dominik foi o nome que a Lauren escolheu para a – contou Tony em um sussurro, seu olhar não conseguindo se manter estável por mais de dois segundos – O que você está insinuando...
- Com a ajuda do vírus que apareceu hoje, conseguimos algumas informações sobre os membros do Projeto Presságio interessantes... – contou a mulher – Coisas como a caçula da família estar na ativa, e Lauren Smith ter sido o disfarce que Valerik Ivanov usou quando passou mais de um ano infiltrada nas Indústrias Stark.
De todas as reações possíveis, Tony escolheu a mais inusitada.
Ele começou a rir.
- I-isso... Isso é a coisa mais bizarra que eu escutei nesses últimos tempos... – ofegava ele entre risadas, massageando a testa – Logo depois da história da morando com o Barnes...
- Tony...
- Não, sério – interrompeu-a o homem, rapidamente assumindo uma postura rígida – Deixa eu ver se eu entendi... Lauren... Não, qual que era o nome? Valerik? Essa aí espiona minha família e as empresas por sei lá quantos meses, desaparece enquanto estava grávida da minha filha, volta para a HYDRA para brincar de cientista, e simplesmente volta depois para deixar o bebê comigo? É nisso que você quer que eu acredite?
- Acredito que há algumas lacunas nessa história.
- Não, tem a porcaria de uma outra história, isso sim! – berrou Tony, gesticulando com raiva. Ele até ameaçara se levantar, mas Steve fora mais rápido, o segurando pelo braço.
- Tony, se acalm...
- Me acalmar? Você por acaso ouviu o que ela disse?! – grunhiu o moreno, mudando seu alvo para o soldado – Ou você está acreditando nela?
- Você vai realmente me dizer que isso tudo não faz nem um pouco de sentindo? – suspirou Steve, escolhendo suas palavras com cuidado. Claro que ele não queria acreditar naquilo, mas não era questão de querer, podia ser a maldita verdade. Acreditar ou não naquilo não era o que importava. podia ser da S.H.I.EL.D., da HYDRA, ou qualquer outra coisa. A única coisa que importava era ter ela de volta – As habilidades da , esse tal Petr a sequestrando...? Até aqui, se eles fizeram ela acreditar que ela é um deles, ela poderia muito bem estar tentando recuperar o Bucky, mas falhou. Só tinha sangue dela naquela casa, Tony. Houve uma luta, e ela perdeu.
- Você vai se arrepender de ter dito isso, Rogers – murmurou Tony, a raiva clara em seus olhos enquanto tirava seu braço do aperto do soldado – Minha filha não é da HYDRA.
- Toda essa discussão não tem importância – disse Natasha, virando sua cadeira para frente e tirando a nave do piloto automático – Nós temos algumas coordenadas para bases da HYDRA que desconhecíamos, e estamos assumindo que de onde saíra o vírus é onde está, então é para lá que vamos.
- Thor e Bruce?
- Esperando a gente chegar na Torre, Capitão.
- E se for uma armadilha? – questionou Clint em um sussurro, um longo silêncio se estendendo depois daquela questão em aberto. A história toda parecia suspeita demais, não dava para negar. Um ataque daqueles e logo em seguida uma quebra daquele nível de segurança de dados. Talvez realmente fosse a responsável, talvez estivesse apenas bancando a agente da HYDRA até ter uma chance real de escapar. O problema era se basear apenas naquelas suposições. Se ela realmente era o tal segundo Corvo, sabe-se lá que tipo de experiências ela havia sido submetida, que tipo de habilidade agora ela possuía. Lutar contra ela e contra a HYDRA ao mesmo tempo era um cenário arriscado.
- Se for uma armadilha, nós vamos diretamente para ela – respondeu Natasha, confirmando mais uma vez que eles estavam viajando na velocidade máxima.
O efeito do soro já havia acabado há muito tempo, mas permaneceu de olhos fechados, apreciando sua recém-adquirida habilidade de conseguir ignorar tudo a sua volta, deixar sua mente no mais completo vazio. Se permitisse o menor dos pensamentos, sua sanidade era posta em risco. Ela quase hesitara ao entregar o drive para Markus quando retornaram para a base, até chegara a esperar os avisos de invasão tecnológica assim que ele começou a baixar os arquivos, mas o homem simplesmente a dispensou para ser preparada para descanso, e algumas horas mais tarde ela estava se esforçando ao máximo para não pensar nas consequências de suas ações, ou o que enfrentaria dali em diante. Aquilo era o mais perto de dormir que ela conseguia nos últimos tempos, com efeitos bem semelhantes. Sua meditação foi apenas interrompida quando as luzes amareladas de seu quarto apagaram com um ruído característico, sendo substituídas por alarmantes luzes vermelhas logo em seguida.
A base estava sob ataque.
Talvez as consequências fossem chegar mais rápido do que ela imaginava.
No mesmo instante voltou a analisar os dados que quase imploravam por sua atenção, ignorando o leve incômodo na cabeça por não respeitar o bem-estar de sua mente e ir de zero a cem muito rápido, já buscando seu uniforme antes mesmo de seu irmão começar a esmurrar a porta do quarto. Ela sabia quem eram os invasores antes de tentar localizá-los mentalmente: a S.H.I.E.L.D. não arriscaria tentar tomar aquela base, aquilo era mais a cara dos Vingadores, e estava sendo mais difícil do que de costume controlar seu coração batendo com força contra o peito. Uma ansiedade incômoda começava a percorrer seu corpo, e aquilo não poderia ter a chance de se tornar um problema, ela precisava manter o foco.
- Já tem as ordens ou vamos decidir entre nós? - questionou ela assim que deixou o quarto, encaixando a máscara em seu rosto e acompanhando seu irmão, que também trajava seu uniforme completo, corredor acima.
- A ordem é não deixar eles se tornarem um problema – explicou ele, seus olhos cumprindo a função de transmitir maldade, já que seus lábios estavam cobertos – Os métodos nós escolhemos.
- Ótimo. Juntos ou...?
- Eles se separam em dois grupos.
- Eu fico com o Capitão e o Homem de Ferro – avisou a mulher sem pensar muito, parando já na entrada do corredor onde ela deveria se separar do irmão – Já tenho uma ideia de como brincar com eles.
- Não faça nada idiota – avisou Petr, puxando-a pelo braço antes que ela pudesse sair de seu campo de alcance. Por mais inacreditável que fosse, ele até que estava conseguindo se manter sob controle e aparentava estar calmo, como se aquela fosse apenas mais uma operação normal, mesmo que não fosse. Ele sabia que aquele dia chegaria, que seria obrigado a enfrentar os Vingadores junto com sua irmã, e no fundo ele temia como ela se portaria diante deles. Em Manchester ela tivera uma performance excepcional, não cometera nenhum deslize, mas a situação ali era completamente diferente. Eles não enfrentariam antigos colegas de trabalho, era família. Era algo pessoal – Se você perder a vantagem do elemento surpresa, existe a possibilidade de eles não pegarem leve com você.
- Não estou contando com isso – retrucou a mulher, se livrando do aperto em seu braço e mantendo um ritmo rápido para alcançar logo o grupo. Ela realmente esperava que eles não fossem lhe dar uma colher de chá ou algo do gênero, tanto por fazer parte do seu plano como por puro orgulho.
Querendo ou não, aquele era um bom momento para testar seus novos limites.
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Não era algo reservado apenas ao Capitão da equipe: todos os Vingadores estavam um pouco alterados, para dizer o mínimo.
A cada corredor que dobravam, a cada novo grupo de agentes da HYDRA que aparecia para enfrentá-los, eles esperavam encontrar entre eles, mesmo sem terem certeza de para que lado ela penderia. E a cada minuto em que não a avistavam, a frustação os dominavam ainda mais, refletindo em seus golpes que começavam a se tornar um tanto exagerados.
Steve estava com o escudo pronto para ser lançado contra mais um inimigo quando parou o movimento na metade ao notar a familiaridade que sentia com um uniforme daquele: as roupas de material escuro e aparentemente resistente, e a máscara que lhe cobria a maior parte do rosto, até mesmo o cabelo fora de ordem que parecia ter sido mal cortado. Quando alcançou seus olhos, os braços do soldado caíram de vez ao lado do corpo, sua respiração travou na garganta. Ele sabia que aquele momento chegaria, e sua reação fora exatamente o que ele temera: abaixara completamente a guarda.
Tony não fizera nada muito diferente, até Natasha abaixara minimamente os pulsos, principalmente porque a mulher não parecia ter nenhuma intenção de atacar naquele momento. tinha avançado poucos passos para dentro da ampla sala, e uma equipe já se posicionara atrás dela, todos com armas prontas para atirar. O estranho era que nem as mãos da mulher estavam próximas das armas presas em suas coxas, mesmo que ela conseguisse empunhá-las mais rápido que eles poderiam se defender. A postura estava relaxada demais, como se não planejasse entrar em combate, e por algum motivo os Vingadores acreditavam que aquilo era ainda mais perigoso.
Não era inteligente cair em jogos mentais de alguém como ela.
- Não hesite, soldado – a repreendeu um agente mais ao fundo, seu olhar oscilando entre os inimigos e as costas da mulher. Eles deveriam seguir suas ordens, mas era um tanto confuso ela simplesmente ficar encarando os inimigos.
- Não é hesitação... Se chama bons modos – resmungou a ela, levando ambas as mãos ao rosto para retirar sua máscara com cuidado, quase sorrindo ao conseguir ouvir seu pai praguejar baixo dentro da armadura quando seu rosto foi exposto, e a conectar com seu cinto. Eles não usariam nenhum tipo de gás contra ela, e o dispositivo a atrapalhava a falar, sem contar que a reação deles ao ver mais uma vez seu rosto depois de tanto tempo era impagável – Eles são nossos convidados. Merecem uma boa recepção.
- Então devemos chamar o Invernal para a festa?
se flagrou rindo, tanto pela ousadia de Daniel como pela expressão no mínimo desesperada de Steve.
- Não, ele teve a festa dele ontem à noite. Deixe-o descansar mais um pouco – disse ela por fim, virando o rosto em direção do agente, mas sem quebrar o contato visual com Steve, que engolira em seco e tentava se recompor – Se eu ficar com tédio, é outra história...
- ... – começou Tony com cuidado, abrindo seu capacete e erguendo as palmas das mãos para sinalizar que não pretendia atacar. não teve dificuldades de notar como ele aparentava estar cansado, o rosto mais magro e as olheiras escuras, uma fisionomia ironicamente muito parecida com a sua.
- Sim, pai? – respondeu ela docemente, ignorando a parte de sua mente que começara a se preocupar com a saúde do mais velho. Ela definitivamente não tinha tempo para aquilo. Quando tudo aquilo terminasse talvez ela pudesse questionar se ele estava se alimentando e dormindo adequadamente. Mesmo se seus olhos não fossem atentos, qualquer um dos outros agentes percebeu que o homem parecera ter levado um soco por ter ouvido a filha usar aquele tratamento – Desculpe, espera outra reação? O olhar confuso e talvez um "quem diabos é ?"? É, temo que vou desapontá-lo.
- Dominik, status – a voz carregada de urgência de Petr ecoou em seu ouvido, mas não era porque ele estava com problemas. O mais velho dos corvos estava ansioso porque sua irmã não estava exatamente lutando.
- Batendo um papo, nada demais. A propósito, o Hulk está causando problemas lá fora. Mande o suporte aéreo. Joseph vai saber o que fazer... – ordenou ela, sorrindo ao receber reações distintas dos três intrusos, embora a tensão fosse um fator em comum. Como já esperava, Natasha era a que estava sendo a mais profissional ali, quase não expressando emoções. Acreditava que a ruiva poderia acabar com ela apenas com as mãos se lhe desse a oportunidade, mas não demonstraria nada daquilo. Tony e Steve pareciam ter encarnado a própria hesitação, mas o soldado ainda tinha certa vantagem por ainda estar com seu capacete, mesmo que ele não cobrisse seus olhos, que silenciosamente pediam para que ela parasse, assim como seu pai – Desculpe, onde estávamos? Me distraio um pouco fácil, as vezes...
- ... – se pronunciou Steve finalmente, a voz rouca e um tanto falha, mesmo com ele tentando manter o tom que sempre usava quando estava de uniforme. Ele erguera os braços na altura de sua cintura, as palmas para baixo, pedindo que ela se acalmasse, não fizesse nada idiota – Você precisa parar.
A risada cruel da mulher preencheu o ambiente. Sua postura mudara. O olhar que ela lançava para eles se parecia com o olhar de pena que um adulto mostra para uma criança quando ela não compreende algo.
- Não, vocês precisam parar – corrigiu ela, sua voz aos poucos mudando para um tom mais sombrio, que aos poucos foi tomando seu rosto – Isso não precisa terminar em uma luta, embora eu não vá hesitar em derrubar um por.
- Você não é da HYDRA, criança – lembrou Natasha, controlando a vontade de extinguir a distância entre elas e lhe acertar um bom soco no queixo quando ela voltou a rir, claramente debochando deles. Mesmo a conhecendo muito bem, a ruiva tinha a sensação de que ela estava se divertindo. E existia um ponto que aquilo deixava de ser fingimento.
- Tem certeza? Tenho a impressão de que eu sou – riu , apontando para seus colegas as suas costas – Não consigo pensar em outro motivo para esses caras aqui estarem me obedecendo.
- Ivanov...
- Еще нет... – rosnou ela em russo, fuzilando rapidamente o agente que tentara repreendê-la. Ainda não – Подождите, пока знак – espere pelo sinal.
- Что знак, паршивец? – que sinal, pirralha?, questionou Natasha, espelhando o sorriso maldoso que se desenhava no rosto da mais jovem. Ela não estava exatamente querendo iniciar uma conversa secreta ali, mas por um breve segundo havia se esquecido que na verdade ela não era a única russa na equipe. alargou o sorriso.
- Vocês atirando.
Natasha chegara bem perto de vencê-la em velocidade, conseguindo disparar em sua direção milésimos depois da morena, que não hesitou em avançar na direção de seu pai, que fechara o capacete da armadura a tempo de não levar um chute no rosto.
Tony estava um pouco estupefato demais para conseguir enfrentar a filha, principalmente pelo medo de acabar machucando-a – preocupação que ela não parecia ter, ainda mais em relação a ele. O sistema de disparo de seu braço esquerdo foi permanentemente danificado quando ela agarrou o antebraço da armadura, apertando as peças até que o metal ficasse contorcido e causasse um pequeno curto circuito. Tony em um primeiro momento olhou das mãos de para seu rosto algumas vezes, surpreso pelo seu novo nível de força, apenas voltando à realidade quando percebeu que o aperto da mulher não parecia ter intenções de parar, e logo quebraria seu braço. Com a mão livre, Tony esticou a palma na direção de seu ombro, com medo de mirar seu rosto e talvez ela não desviasse a tempo. Não só desviou, mas também girou o corpo para chutar o abdômen da armadura e o fez recuar alguns metros até atingir a parede mais próxima. Depois do golpe, tivera que se agachar rápido para sair do trajeto do escudo que passara por cima de sua cabeça, sem força o suficiente para causar um ferimento grave, mas o suficiente para pelo menos atrasá-la.
O escudo ricocheteou duas vezes na parede antes de voltar ao braço de Steve, que permanecera alguns metros a sua frente, mantendo o contato visual que com o passar dos segundos apenas se intensificava. O soldado estava tentando se mostrar determinado e indiferente, porém seus olhos o traíam, silenciosamente implorando para que ela parasse. Lutar contra era a última coisa que ele desejava, embora não existisse a possibilidade de simplesmente entregar os pontos e desistir do combate. Não, aquilo era completamente diferente da vez que tivera que parar o Soldado Invernal. Mesmo que em um certo momento do combate com seu antigo amigo Steve tivesse aceitado que talvez seus esforços fossem ser em vão, ali a estratégia de tentar fazê-la se lembrar não funcionaria. O Invernal era um soldado programado para obedecer ordens e nada mais, não tinha uma personalidade própria, uma certa autonomia. , antes de um soldado, era uma espiã. Ela era escorregadia, difícil de encurralar, e parecia que a HYDRA estava aproveitando muito bem aquelas características. Talvez ela não tivesse completa consciência de quem era, mas sabia o suficiente para deixar seus inimigos desconcertados, o que tornava muito mais difícil lutar contra ela quando a mulher respondia sem problemas a todas as tentativas deles de tentarem fazê-la voltar a si. A HYDRA havia sido perspicaz naquela escolha: uma vez, sem preparação nenhuma, ela quase fora capaz de derrotar a equipe, e agora parecia que ela estava mais perto do que nunca de chegar àquele feito. Só que se alguém fosse cair, seria apenas ele. Steve era o que mais se aproximava de suas habilidades, o que mais conhecia seus estilos de luta – mesmo que suspeitasse que agora veria algumas novidades. O restante da equipe deveria se ocupar em derrubar aquela base de uma vez por todas.
era seu problema agora.
Ela que fez o primeiro movimento, caminhando com calma invejável em sua direção. Steve arriscara lançar o escudo mais uma vez, agora com um pouco mais de força, já que imaginava que ela tentaria pegá-lo. Acabou que apenas bateu com o antebraço no escudo, que ficou abandonado no chão enquanto ela acelerava seus passos, deferindo alguns golpes fáceis apenas para ver como ele reagiria. Bom, pelo menos ele estava levando-a mais a sério que seu pai.
ergueu uma das pernas para retirar uma adaga do compartimento de sua bota, aproveitando a forma desastrada que Steve optara para desviar da lâmina – recuando o tronco e inclinando o rosto em sua direção –, e lhe acertar uma joelhada no queixo. Como o golpe não fora tão forte, demorou bem menos do que o habitual para que se recompusesse, passando a maior parte do tempo agora tentando tirar a arma da mão da mulher. Um sentimento ruim se apossou dele ao notar alguns movimentos em comum com o Soldado Invernal, o quase malabarismo com a arma durante as trocas de mão, sem desperdício nenhum de tempo antes de conectar com o próximo golpe.
Acreditando que ela já tinha esquecido do escudo que agora estava há uns bons metros às suas costas, Steve ativou o imã em seu braço. se jogara para o lado e dera uma cambalhota ao chegar ao chão, tirando uma pistola do coldre e mirando na cabeça do soldado. Quando ele ergueu o escudo para se proteger dos disparos, a mulher tirou um dispositivo do bolso que não passava de uma espécie de algema de material resistente, atirando na direção nos tornozelos do soldado, que foi ao chão pelo impacto do dispositivo e por perder o equilíbrio.
Não era o mais aconselhável, mas Natasha saiu em seu socorro.
A ruiva pegara impulso na parede próxima para forçar o joelho na parte de trás do ombro de antes que ela pudesse se levantar de fato, segurando com ambas as mãos uma fina corda que passou em frente ao pescoço da mulher, tentando estrangulá-la. por sua vez mal deu atenção ao objeto que impedia sua respiração: calmamente jogou um braço para trás e puxara Natasha pelo uniforme, a jogando a sua frente. Enquanto ela se livrava do fio em seu pescoço, Natasha logo se pôs de pé, se adiantando para mais uma nova sequência de golpes. Aproveitou de seu alvo ainda estar abaixada para tentar lhe chutar o rosto, sem por muita confiança no movimento, já que sabia que seria fácil de ser bloqueado, assim como foi. Com a mesma mão que bloqueara o chute, apenas girou o braço para cima para afastar o punho fechado de Natasha que mirava seu rosto. Uma pequena brecha no lado esquerdo da ruiva aparecera, e inclinou o corpo um pouco na direção oposta para lhe aceitar uma joelhada na lateral do corpo, no começo de suas costelas. Mesmo com a confusão de ruídos que preenchia aquele ambiente, ainda conseguiu ouvir o som característico de ossos se quebrando. Para finalizar ela encaixara o pé na boca do estômago da ruiva, que acabara caindo por cima de um agente da HYDRA já inconsciente.
Steve tinha acabado de conseguir se livrar das algemas quando notara que Romanoff precisava de apoio, mas não conseguira ser rápido o bastante. até parecia disposta a ir em direção à ruiva e terminar a luta definitivamente, mas o soldado interveio, passando ambos os braços por debaixo dos braços de , travando as mãos atrás da nuca da mulher. Era um tipo eficiente de imobilização, principalmente quando se era mais forte que o imobilizado. tentou algumas vezes criar uma alavanca com os braços, mas Steve a tirara do chão, tirando por completo o seu apoio. Em uma tentativa desesperada, ela contraíra o abdômen e erguera as pernas o máximo que podia, quase chegando a tocar a testa com os joelhos, deixando em seguida que a gravidade fizesse sua parte, suas pernas descendo de uma vez e aumentando a intensidade da alavanca nos braços do soldado, que acabara por perder o aperto em sua nuca. Com a velocidade do movimento, a mulher acabara por sair de seus braços, caindo no chão de uma forma nem um pouco graciosa. Por causa do movimento que ela fizera, Steve acabara inclinando o corpo demais para frente e, como ela estava despreparada no chão, acabou por aproveitar a chance de imobilizá-la mais uma vez.
Só não esperava que ela fosse conseguir mira um chute naquela posição, lhe acertando com o calcanhar na lateral da cabeça, num chute que o deixara desnorteado por vários longos segundos.
O som do corpo do soldado caindo chegou aos ouvidos de antes mesmo de seu pé voltar ao chão, sua mente a traindo ao engatilhar uma memória até que recente, mas que não fora o Steve o protagonista. Assustada, a mulher simplesmente saíra do modo de combate, se jogando de joelho ao lado do irmão, colocando parte de seu corpo sobre suas pernas. Suas mãos trêmulas afastavam os fios grudados de suor de sua testa, deixando alguns rastros de sangue na pele do homem por suas mãos estarem embebidas com o líquido.
- Pete...? – ela o chamava repetidas vezes, com a voz baixa e falha. Sua respiração mais uma vez estava presa em sua garganta, uma sensação ruim de deja vu dominava seu peito, não que ela estivesse lhe dando atenção – Petr, fala comigo.
Steve não sabia se estava mais confuso pelo chute potente que levara na têmpora, ou pela mudança brusca no semblante da mulher ao seu lado. Ela estava desesperada. Em um movimento rápido, retirara seu capacete, checando a área atingida, parecendo começar a chorar quando ele deixou escapar um gemido baixo quando ela tocou a região a procura de ferimentos. Por breves instantes o soldado se deixara iludir acreditando que estava de volta, que qualquer controle que a HYDRA tinha sob sua mente havia caído, mas logo notou que ela murmurava algo, um nome que nas últimas semanas se tornara muito familiar aos seus ouvidos: Petr.
Ela de alguma forma acreditava que estava socorrendo seu irmão.
Sem realmente pensar no que estava fazendo, Steve segurou o pulso dela que estava próximo à sua cabeça, e envolveu a outra mão dela que parecia verificar os batimentos cardíacos sobre seu peito. O efeito fora imediato: os olhos de que antes pareciam nublados ganharam foco, em um primeiro momento recebendo bem a imagem de Steve, mas depois recuando assustada. Só que ele não permitiu, a segurando próxima a ele.
- Por quanto tempo eu viajei? – perguntou ela em um sussurro, logo desistindo de fugir do aperto do soldado. Ela estava assustada demais para manter o teatrinho naquele momento, e talvez nem fizesse sentido. Se ela tivesse passado tempo demais presa naquela memória, talvez tudo já tivesse ido por água a baixo. Quando o homem não a respondeu, ela adquiriu um tom mais urgente – Steven, isso é mais importante do que parece. Por quanto tempo eu perdi a noção da realidade?
- Alguns segundos – respondeu ele, sem entender o que acontecia – ...?
sabia que tinha muita significação por ele chamá-la logo pelo apelido naquele momento, que no fundo ele não estava chamando-a. Steve estava testando as águas, buscando uma confirmação. Se fosse minutos antes, ela teria conseguido contornar a situação, mas como já começava a apresentar mais sinais de instabilidade do que o recomendado, ela se esquecera completamente que precisava agir apenas como Dominik por mais um tempo, respondendo automaticamente ao homem, como se nada estivesse acontecendo, como estivesse apenas largados em um dos sofás da Torre sem ter o que fazer.
Ela só percebera o erro que cometera ao sentir o ombro ser perfurado por um projétil, caindo sob o soldado, que logo colocou o escudo às suas costas.
- Dominik parece estar saindo do controle – avisou Markus aos seus superiores, que acabara de chegar com uma nova equipe, uma mão no comunicador em seu ouvido e outra empunhando a arma – Uma dose já foi aplicada.
- Сукин сын, ублюдка, мудак... – praguejou em um sussurro, tentando se concentrar o máximo possível para ignorar os efeitos no soro que estavam dentro de qualquer projétil que fosse disparado em sua direção. Talvez ela teria que improvisar um pouco.
Antes que mais apoio pudesse chegar, afastou minimamente o escudo a sua frente, mirando o painel de controle da porta na entrada de onde eles viriam. Já precisava de uma precisão grande para conseguir causar um curto circuito nos controles da porta, e, ainda com uma pequena quantidade de soro em sua corrente sanguínea, a tarefa se tornara mais difícil. Sua hesitação não durara mais do que alguns segundos, e logo o som do metal se arrastando preencheu o ambiente, com todos os agentes da HYDRA se virando surpresos para a saída bloqueada.
- Matem a garota – ordenou Markus, sua respiração se tornando profunda enquanto sua equipe se reposicionava. Um dos mais jovens se virou em sua direção, questionando sua ordem. riu baixo, aproveitando da posição privilegiada atrás do escudo para enfiar seus dedos na ferida aberta em seu ombro, em busca da bala que ali ficara alojada. Steve ofegara e ralhara com ela quando percebeu o que ela fazia, mas a mulher não lhe deu atenção, jogando o projétil no chão enquanto se levantava.
- Eles não vão atirar em mim, querido – avisou , afastando o escudo de vez e se pondo de pé sem pressa, aos poucos retomando o controle de seu corpo. O ferimento em seu ombro poderia se tornar um problema em um futuro próximo, então ela não tinha muito tempo a perder. Para sua felicidade, a pessoa que ela precisava interrogar era exatamente o seu atirador. A equipe da HYDRA assistiu apreensiva a mulher se levantando, emitindo um gemido de dor uma vez ou outra até retomar sua postura neutra, pronta para o ataque – Você não tem poder o suficiente para encomendar a minha morte, Markus. Muito menos topete o suficiente para enfrentar meu pai e meu irmão depois disso. Ou me enfrentar quando você falhar em me finalizar.
Os Vingadores continuaram nos mesmos lugares, estáticos. O fato de ninguém estar repreendendo a pessoa que aparentemente estava os traindo os surpreendera mais do que fato de parecer estar traindo-os. Os mais jovens do grupo até chegaram a abaixar suas armas, cientes de que teriam muito mais problemas caso ferissem a mulher, quem diria matá-la. O que a mulher podia fazer não chegaria nem perto da criatividade de seus superiores para punições, era melhor não arriscar. Markus em contrapartida manteve a arma em punhos, a cabeça de em sua mira, seu corpo o traindo a cada passo que ela dava em sua direção, seu sistema nervoso tentando lhe avisar do perigo eminente e da morte certa.
- Vá em frente. Apenas um tiro é tudo que você precisa – incentivou , o tom sombrio de sua voz contaminando seu sorriso, que o desafiava. Seus olhos pareciam alheios a tudo: a mesma indiferença de sempre, não importava se era durante treinamento ou a pior das missões. Era como se ela não se importasse com nada daquilo, e agora ele se questionava até que ponto aquilo era verdade – Mas garanta que você acerte. Não vai ter outra chance.
- Eu não pretendo errar – respondeu Markus, finalmente disparando. Só que seu alvo era o Capitão América alguns metros atrás da mulher.
O que Markus não vira fora sinalizando discretamente com o dedo para que Steve ficasse atento, e que a seu sinal lançasse o escudo. No menor sinal da mulher abaixando, o escudo saíra de suas mãos, e ele também saíra do trajeto do disparo. Aquela movimentação brusca foi o suficiente para que Tony e Natasha voltassem ao combate, e a luta mais uma vez se reiniciasse.
Alheia ao que acontecia ao seu redor, focou apenas em seu alvo. Depois de lutar com super soldados, enfrentar Markus parecia incrivelmente ridículo, porém exigia algo que ela não estava acostumada: moderação. Se aplicasse um soco ou um chute com a potência que acertara Steve, ela poderia acidentalmente matar o homem, e todo seu plano iria por água a baixo. A mulher precisava medir muito bem a força que utilizava, e ao mesmo tempo não podia diminuir demais, já que não seria efetivo. O máximo de força que se permitira usar foi ao tomar a arma das mãos do homem, amassando-a entre seus dedos como se fosse um pedaço de papel antes de jogá-la longe. Markus tinha um bom conhecimento de seu estilo de luta, e até sabia como se defender e contra-atacar, só não tinha velocidade o suficiente para isso. Quando suas costas bateram com violência contra a parede, seu nariz sangrando e peito doendo, ele até sabia quais golpes a mulher usara, só não os vira sendo executados.
- Você é uma vadia igual sua mãe – rosnou o homem, cuspindo uma quantidade considerável de sangue no chão. se aproximou mais um passo e se agachou em frente a ele, sem parecer se importar com os insultos – Vai morrer igual a ela.
- Provavelmente – concordou ela, assentindo com a cabeça – E isso significa que não vai ser por suas mãos.
Markus até chegou a abrir a boca para retrucar, mas os dedos frios da mulher tocando a pele de seu pescoço em uma ameaça clara tirou sua concentração.
- Onde está a sala de arquivos? – perguntou , uma calma em sua voz e gestos que não espelhava sua mente. Ela não estava sendo rápida o suficiente. Krigor já sabia que as coisas estavam desandando, seu irmão já deveria ter notado que algo estava errado naquele lado da base. Se ela não fosse rápida o suficiente, estaria fadada ao fracasso – Eu sei que está nessa base, mas eu não sei onde e não tenho tanto tempo assim para procurar de porta em porta. Então você vai me contar.
- Espere sentada, Stark... – Markus soltou uma risada alta e arrogante, o nome de uma de suas famílias passando por sua língua como um insulto, e em segundos a mão da mulher se fechou com empenho ao redor de seu pescoço, sua voz depois disso saindo engasgada – Hail... HYDRA!
- Me fale onde está a sala e sua morte vai ser bem agradável... – murmurou ela, diminuindo o aperto no pescoço do homem e descendo uma mão para suas costas, passando as pontas dos dedos por suas costelas com a delicadeza de quem passeava os dedos pelas teclas de um instrumento, até encontrar uma que lhe agradasse, onde quase sem esforço ela quebrou um dos ossos – A próxima coisa que eu vou quebrar vai ser uma de suas vértebras e eu vou fazer questão de quebrar uma que te deixe sentir suas pernas... Só me diga onde está a sala e eu te deixo em paz, Markus.
- Eu nã... – vértebra quebrada – Argh, nos arquivos da sua sala de treinamento.
- Você está brincando...! – ofegou ela.
- N-não estou... – se apressou o homem em dizer, com certo desespero pelo o que poderia lhe esperar caso ela assumisse que ele estava tentando enganá-la.
- Modo de falar, cara. Eu sei que não está – resmungou mal-humorada, revirando os olhos antes de quebrar seu pescoço em um movimento preciso e deixar que o corpo agora sem vida caísse ao seu lado.
não sabia dizer se estava mais irritada pelo local ser de difícil acesso no momento ou por ser um local em que ela passava a maior parte do tempo. Desde o começo, as respostas estavam acima de sua cabeça, a sua espera. Havia um andar superior na sala de treinamento que normalmente apenas o Programa Presságio utilizava, Krigor e Ivan normalmente ficavam lá enquanto ela e seu irmão treinavam. A porcaria do tempo todo, as informações que ela queria estavam a uma escada e distância.
Quase que como se estivesse cronometrado, voltou a si quando os últimos ex-colegas foram derrotados, e o trio de Vingadores trocou alguns olhares antes de arriscarem se aproximar.
- Tony, tem um quadro de força daquele lado, preciso que cause um curto circuito – avisou ela, apoiando as mãos no chão para finalmente se levantar – Acho que pode acabar derrubando a comunicação de vocês também, mas é a vida.
Como ela já esperava, nenhum deles se mexeu.
- Pai, faça o que eu disse – pediu ela mais uma vez, arriscando um sorriso bem-humorado – Eu estou do lado de vocês. Acha que é tão fácil me fazer mudar de lado?
- Temos algumas provas contra você – lembrou Natasha, seu semblante desconfiado já tão comum um pouco mais acentuado.
- Prova de que eu sou uma excelente agente dupla, não acha? – retrucou , cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha – Você me treinou. Acho que eu sei manter um disfarce por um tempo considerável.
Natasha buscou ordens no líder da equipe, que debateu aquilo por alguns instantes antes de assentir, e logo ela rumou para o tal quadro de força. Tony e Steve tinham uma tonelada de perguntas para a mulher, mas tiveram que deixá-las de lado assim que notaram sua movimentação estranha, voltando a se agachar próxima do homem que matara, tirando o comunicador de seu ouvido.
- Dividindo o pessoal que ainda resta – respondeu ela, assim que Steve questionou seus atos.
tirara o próprio comunicador do ouvido para encaixar o aparelho de Markus, pigarreando algumas vezes enquanto pensava na mensagem que transmitiria a Krigor. Aquela habilidade, de acordo com o que seu irmão lhe contara, fora um dos motivos dos integrantes do Presságio serem chamados de Corvos, mas era a habilidade que ela menos dominava, embora fosse até que útil em alguns momentos, já que fora a última que ela adquirira e a que menos praticava.
- Krigor... Dominik saiu do controle – avisou ela em russo antes que Natasha derrubasse a comunicação, adotando a voz de sua última vítima – Ela está seguindo para seu escritório. Chame a equipe.
- O q...? – ofegou Tony, dividido em perguntar como diabos ela imitara a voz de alguém com tamanha precisão e o que diabos ela estava planejando – O que você está fazendo?
- Despistando-os. Não quero ninguém a mais na minha cola – explicou ela, tirando o dispositivo de seu ouvido e o esmagando em sua mão enquanto levantava. Steve ajeitara melhor o escudo em seu braço, sentindo uma mudança sutil na postura da mulher que o deixou incomodado, e mesmo assim ela ainda fora mais rápida, atacando a equipe novamente antes que ele pudesse dar algum aviso.
Natasha acabara com uma algema em seus tornozelos antes que pudesse fazer alguma coisa, Tony tivera alguns problemas de distribuição de energia quando lançou um dispositivo semelhante ao que a Viúva-negra utilizava em seu capacete, e Steve só pode assistir. Ela optou por não atacá-lo e ele logo compreendeu o motivo: ao longe ele já conseguia ouvir mais soldados da HYDRA se aproximando. Ou ela estava deixando um de pé para proteger a equipe ou ela estava apenas tentando deixá-lo confuso.
Quando ela se virara em direção à porta, Steve em um movimento rápido lançara mais uma vez o escudo mirando as costas da mulher. por sua vez parou o escudo com as mãos, lançando um olhar nada amigável ao loiro depois de absorver todo o impacto. Certo, ela até que esperava aquilo, mas ele insistir em atingi-la começava a irritá-la. Girando o corpo, lançou o escudo com toda a força que tinha na porta de metal fechada, conseguindo já danificar as travas que a mantinham no lugar, o que facilitaria a tarefa mais tarde de a derrubá-la com um chute. O escudo ricocheteou diretamente para a mão de Steve, que continuava com a expressão enigmática.
- Vocês ficam longe do meu caminho – avisou ela, sua voz deixando clara a ameaça – No momento eu não tenho aliados, e nem quero. Façam o que quiser aqui, mas não ousem se aproximar da minha família. Isso não diz respeito a nenhum de vocês.
- Não vamos deixar você sumir do nosso campo de visão – grunhi Tony, que ainda lutava para desgrudar o dispositivo de seu capacete. Sua voz amplificada pela armadura não chegou nem perto de expressar o desespero que sentia – Não de novo.
- Aí é que está: não cabe a vocês decidir – foi a única coisa que ela disse antes de mirar um chute na porta e fazer com que ela parasse na parede oposta, sumindo pelo corredor que em segundos emanava novos inimigos.
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tentara seguir o caminho mais vazio possível para economizar tempo e para passar despercebida, mas os soldados da HYDRA brotavam de todos os cantos. Krigor já deveria ter sido avisado que ela saíra de seu controle, e logo algum esquadrão armado para detê-la a encontraria, então precisava ser rápida. Já havia levado um tiro e isso já comprometia toda a operação. Mais erros não podiam ser cometidos.
Assim que alcançara a sala, ela subiu em segundos as escadas até o andar superior, pulando vários degraus em cada passada. Mesmo nunca tendo estado lá antes, ela não gastou tempo observando os detalhes do espaço, sabia que não tinha mais ninguém ali e que não havia nenhum tipo de armadilha, era o máximo de informação que precisava. A única coisa digna de sua atenção ali eram as inúmeras estantes com mais pastas do que ela podia contar.
prendeu a respiração enquanto pensava em como encontrar um arquivo útil. Pensou em procurar pelo nome da mãe, mas duvidava que Krigor cometeria o erro de deixar algo daquele gênero tão fácil, ou que aquele tipo de documento estaria ali com relativo fácil acesso. Sua melhor chance era procurar pela sua ficha e torcer para ter algo sobre a missão de resgate entregue ao Soldado Invernal em aberto, alguma passagem mínima se referindo à execução de Valerik. Quando não conseguiu localizar nenhuma pasta relacionada a ninguém da família, teve que controlar a vontade de derrubar a estante aos socos. Markus não mentira e ela tinha certeza de que os documentos estavam naquela base, principalmente por já ter visto sua pasta nas mãos de Ivan enquanto ele fazia anotações durante procedimentos, mas não tinha percebido nenhuma peculiaridade nas páginas para conseguir a localizar ali. O tempo parecia passar ainda mais rápido que de costume e a ansiedade começava a dominar sua mente. Um grupo já se aproximava.
Quando já se preparava para empunhar suas pistolas, o olhar de caiu por acidente em uma pasta aleatória, deixando uma única risada alta escapar por sua garganta enquanto puxava o arquivo. Huginn e Muninn. Os dois corvos mensageiros de Odin. Nunca antes ela imaginara que conhecimento de mitologia nórdica poderia lhe ser tão util. Talvez Thor até merecesse um beijo depois disso.
Seus dedos passearam com agilidade pelas páginas, pulando as informações básicas registradas de seu irmão e dela que não lhe eram úteis. Seu foco era encontrar algo em sua cronologia que pudesse usar para convencer Petr de que Krigor viera o enganando por todos aqueles anos, mas ela se surpreendera ao encontrar algo na própria seção do irmão.
sentiu como se um punho tivesse lhe acertado o estômago, fazendo com que todo o ar de seus pulmões lhe escapasse. Não era aquilo que ela estava procurando, mesmo que fosse servir aos seus propósitos. Seu tempo era apertado, mas ela se esquecera completamente daquele detalhe, deixando o choque daquela informação lhe dominar.
- Mas que...? – foi a primeira coisa que ela conseguiu dizer, deixando que a pasta caísse de suas mãos trêmulas a sua frente. quis culpar o soro em seu sangue que deveria estar confundindo sua visão ou algo do tipo, mas aquilo de alguma forma parecia tão como um ato de Krigor que no fundo ela se questionou como nunca cogitara aquela possibilidade antes.
- Eu deveria ter percebido que essa repentina invasão dos Vingadores tinha que ter tido ajuda de dentro – contou Krigor da porta da sala, com uma pistola em mãos, a cabeça de sua enteada na mira. Mesmo com parte de seus instintos quase implorando que ela tomasse uma postura defensiva e saísse da mira do homem, continuou imóvel, permitindo que seu peito subisse e descesse no ritmo rápido que sua respiração queria ter. Seu plano agora estava perdido no fundo de sua mente, completamente longe de sua atenção. Se no princípio já era algo pessoal, agora era mais ainda – Fui um tolo em apostar tanto em você.
- Você é ainda pior do que eu imaginava – ofegou ela, sua expressão aos poucos se contorcendo no nojo que sentia, antes mesmo de se virar para ele. Mesmo que não tivesse escolha, a mulher sentia nojo de si mesma por todas as vezes que o chamara de pai. Nojo por ter se sentido mal todas as vezes que desconfiara dele antes de Barnes esclarecer parcialmente a história. E agora com mais alguns segredos revelados, o que ela sentia era nojo misturado com desprezo.
- Mãos para cima, Dominik.
- Meu nome é , mas para você é Srtª Stark – rosnou a mulher, quase não controlando o impulso de voar na direção de Krigor mesmo sem armas em punhos, sedenta por sentir seu sangue imundo em suas mãos enquanto quebrasse seu pescoço – Você é um monstro. Ele é seu filho!
- Oh, magoei seus sentimentos? – debochou Krigor, tombando a cabeça para um lado e deixando sua voz em um tom infantil, sinalizando para que a equipe de contenção entrasse na sala e começasse a se posicionar. Ele tinha em sua mira, mas sabia muito bem como seria difícil atingi-la, e como seria arriscado tentar derrubá-la sozinho. Precisava de reforços, ainda mais agora que a garota parecia estar mais instável do que ele jamais vira.
- Você não merec...! Na verdade, você merece sim a família que tem – mudara sua postura, saindo da hostilidade para uma indiferença invejável, não permitindo que seus olhos acompanhassem a movimentação dos atiradores ao seu redor, mas mentalmente já esboçando uma estratégia para sair dali com vida, ou pelo menos não ser capturada – Porque vai ser a sua família que vai te destruir. Vou pessoalmente me encarregar disso.
- Ameaças vazias de alguém incapaz não me assustam.
riu, sua voz saindo grave e profunda, cheia de incredulidade.
- Nesse ponto você já devia ter entendido que eu sempre tenho uma carta na manga, papai.
Não foi tão difícil desviar dos primeiros disparos.
As estantes pesadas de metal a ajudaram bastante, já que alguns atiradores tinham se posicionado por cima e atrás delas, então quando elas começaram a cair em efeito dominó depois que chutou as estantes que a cercavam, uma parcela considerável da equipe estava ocupada em se libertar ou estava inconsciente. sequer recorreu a alguma das armas que carregava: ela queria sentir a pele de Krigor ensanguentada se partindo entre seus dedos, ver o medo em seus olhos quando ela apenas decidisse aumentar mais o aperto ao redor de seu pescoço. De todos seus alvos nos últimos meses, ele realmente merecia.
Krigor sabia que não tinha chances se a mulher conseguisse colocar as mãos nele, por isso tomara o cuidado de também trazer uma pistola com balas feitas especialmente para ela. Enquanto estava ocupada com alguns dos agentes que chegaram próximos o suficiente para começar um combate físico, Krigor disparou contra a parte de trás de sua coxa, fazendo com que ela perdesse o apoio daquela perna e acabasse levando um soco bem dado no rosto, indo ao chão completamente.
Antes que se levantasse de fato, mais três projeteis estavam alojados em seu corpo, sem contar um que atravessara seu abdômen. O estranho era que o soro não estava fazendo efeito tão rápido, então ainda conseguiu derrubar mais três agentes, caindo junto com o último por começar a sentir a exaustão acentuada pelo número de ferimentos, até Krigor perder a paciência e se adiantar para o grupo, lhe acertando um chute no queixo que fez com que ela caísse sobre a estante mais próxima, inconsciente.
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Ela acordou sem ter noção nenhuma de quanto tempo tinha se passado, ou o que ela estava fazendo antes de dormir. Um frio em seus pulsos parecia tentar lhe alertar sobre algo, e ela demorara um pouco a perceber que aquele frio era proveniente das travas de metal em seu pulso, que garantiam que ela permaneceria no lugar durante todo o processo. O estranho era que ela já havia passado por aquilo alguns dias antes, e eles costumavam passar um bom tempo estudando as mudanças do último antes de realizar mais uma vez. Erguendo sua cabeça que parecia pesar uma tonelada, ela encontrou Krigor do outro lado da sala, parado exatamente à sua frente, com os braços cruzados em frente o peito e um sorriso cruel em seus lábios. apenas entendeu o que acontecia quando ouviu ele dizer um contente “liguem a máquina no máximo”.
Alguém tentou argumentar que aquilo acabaria resultando na morte cerebral da cobaia, mas foi silenciosamente repreendido por se meter no que não devia.
Um agente se aproximou à sua esquerda com um protetor bucal, sendo surpreendido quando conseguiu libertar aquele pulso, agarrando seu uniforme pela gola, o puxando para a direita para bater o rosto na lateral da cadeira e voltar a jogá-lo para a esquerda, acertando alguns agentes que vinham para pará-la com o seu corpo inconsciente. Com a mão livre trabalhando na outra trava, só pode chutar quem tentava se aproximar. Seu erro fora esquecer de danificar o capacete que começava a descer em direção a sua cabeça, já ligado.
Não demorou para que seus gritos ecoassem pelos corredores próximos.
Sem a proteção entre seus dentes, sentia que seus dentes estavam prestes a trincar, tamanha a força que fazia sobre eles, e mesmo assim não se comparara em nada à dor que a máquina lhe causava. Era apenas uma região atingida, mas aquilo se espalhava por todo seu corpo. Inconscientemente, sua mão livre ainda tentava quebrar a trava que faltava e, contra a força de suas fontes diferentes, a trava acabou cedendo. O próximo alvo foi o material ao redor de sua cabeça, que virou sucata em segundos.
Sua visão turva não era confiável, mas ainda tentou se colocar de pé e rumar até Krigor, que ainda estava no mesmo lugar, a mesma expressão arrogante em seu rosto. Ele era seu alvo. Precisava terminar a missão.
Clint tentara segurar o corpo da mulher quando ela cambaleou para o lado, o olhar travado na parede à sua frente. Assim que sentiu seu toque, ela pareceu o assumir como um inimigo, já que deferiu alguns golpes muito mal trabalhados, mas que o obrigara a se afastar, já que a força dela continuava grande, mesmo estando debilitada. Steve percebera que o arqueiro estava tendo dificuldades com , e, depois de uma troca de olhares, eles trocaram de função, o soldado foi socorrer a mulher e Clint foi dar um jeito nos agentes da HYDRA que ainda estavam de pé. Tony, que estava do outro lado da base, perguntou em gritos o que diabos estava acontecendo e o motivo de eles estarem tão quietos. Natasha tentava inutilmente pedir calma ao homem, que não lhe dava ouvidos. Entre os golpes que deferia, a ruiva tentava ter uma visão melhor do que acontecia do canto da sala, já que nem Clint nem Steve pareciam dispostos a atualizá-la da situação.
ainda tentou lutar mais um pouco, mas parou com um gemido baixo quando alguém segurou seus pulsos. Só então Steve percebeu como eles estavam machucados, provavelmente pelas travas destruídas da cadeira de onde ela saíra segundos atrás. Seu olhar travou no do soldado quando ele pediu desculpa várias vezes, soltando a área ferida e a segurando com mais empenho em seus braços, tentando lhe passar algum conforto e familiaridade. Os olhos dela vacilaram, passando daquela raiva incontrolável para algo mais ameno, uma confusão inocente por não conseguir identificar a pessoa em sua frente. Seus sentidos tentavam lhe avisar de algo, talvez de algum combate nos arredores, mas ela não conseguia descodificar a mensagem, já que seu olhar estava ocupado demais em identificar a pessoa a sua frente.
Ela o conhecia.
- S-steve...? – gaguejou ela, sua voz fraca e baixa pelos gritos incessantes de mais cedo que feriram sua garganta, que ardia diante do esforço. O soldado lhe mostrou um sorriso um tanto aliviado e um tanto triste enquanto assentia. Sua visão embaçou brevemente, nada que respirar fundo e algumas piscadas rápidas não resolvessem. Ele tinha que se controlar. Era sua responsabilidade assegurar o bem-estar da mulher em seus braços, então teria que guardar aquilo para mais tarde, quando estivessem finalmente em casa. Suas mãos trêmulas passaram pela testa cheia de escoriações e hematomas, tirando alguns fios de cabelo que grudaram na pele com o suor. A respiração de voltou a acelerar e Steve tentou acalmá-la, mas não adiantou. Ela estava reconhecendo-o, estava claro em seus olhos.
Só que não demorou muito para que os olhos dela rolassem para trás e suas pálpebras se fechassem.
- ...? ? – Steve a chamou, sacudindo-a de leve, sem obter nenhum tipo de resposta. Receoso, ele tirou a mão de seus cabelos e levou ao seu pescoço exposto, conseguindo ainda sentir uma pouca pulsação. Fraca e inconstante, mas ainda uma pulsação. Ajeitando-a melhor em seus braços, ele se levantou – Abortar missão. Preciso de cobertura.
Natasha e Clint não responderam de imediato, terminando suas últimas lutas antes de se virarem para o líder da equipe, que não mais conseguia tirar o desespero de seu rosto.
- Ela está...? – indagou Clint, se sentindo um idiota por não conseguir concluir a pergunta, abaixando seu arco.
- Não. Pelo menos ainda não – resmungou o soldado. Seu escudo estava no braço que passava pelas costas da mulher, servindo de proteção extra. Na outra mão ele segurava uma pistola que encontrara caída no chão, apenas por precaução – Esqueçam a base. Precisamos sair daqui agora.
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Seus ouvidos zumbiam, mas não parecia ter som ao seu redor. Ela estava imersa no completo silêncio. O problema é que ela era a confusão de ruídos: diversos pontos de seu corpo emitiam sinais de dor, principalmente sua cabeça. Parecia que seu cérebro estava se revirando dentro de seu crânio. Em um movimento involuntário, ela apertou a cabeça contra seu travesseiro, se encolhendo ainda mais em sua cama, grunhindo baixo quando aquilo não pareceu aliviar as dores.
- Ivan...? – ela arriscou chamar o cientista em algo um pouco mais alto que um sussurro, tentando alcançar o botão na sua mesa de cabeceira, e estranhamente não encontrando o móvel. Como sua cabeça não explodira ao volume da própria voz, ela arriscou chamar um pouco mais alto, ainda sem arriscar abrir os olhos. Por trás de suas pálpebras ela conseguia identificar uma luz branca e forte, e já xingava até a terceira geração do infeliz que achara que era uma boa ideia trocar a iluminação de seu quarto sem a consultar antes – Pete? Pai? Alguém apaga essa luz...!
Em meio à confusão de sons que seu corpo produzia, ela conseguiu identificar sinais de uma segunda pessoa, o coração batendo com força e velocidade contra suas costelas. Ele estava a uma distância considerável, mas ela sabia que estava observando-a.
- Chame meu pai – grunhiu ela, tentando se sentar no colchão e insistindo no movimento mesmo quando percebeu que era uma péssima escolha. Tinha algo errado demais naquele cenário, e sua dificuldade em recordar o que acontecera antes de dormir apenas confirmava isso – Agora.
Ela genuinamente esperava que quem quer que fosse obedeceria uma ordem direta como aquela, mas a pessoa continuou imóvel.
- Eu não fui clara o suficiente? – rosnou ela, finalmente se sentando, as costas contra a parede em que sua cama ficava encostada – Eu disse para chamar meu pai.
- Eu estou aqui, .
O corpo da mulher estremeceu, e por vários instantes ela permaneceu estática. Ela queria abrir os olhos, mas eles pareciam saber de algo que ela não tinha conhecimento, já que se recusavam a obedecer. Você não quer ver, confie na gente, eles praticamente diziam, mas era teimosa demais para aceitar o conselho de alguém.
Aos poucos ela foi abrindo os olhos, prendendo a respiração para tentar não resmungar pela luz forte que atingia seu rosto. O ambiente que ela estava lhe era extremamente familiar, principalmente a pessoa do outro lado do vidro de proteção. Duvidava que sua estatura tivesse diminuído, mas ele parecia mais baixo, talvez pelos seus ombros caídos enquanto afundava as mãos nos bolsos da calça. Os cabelos fora de ordem pareciam ter diminuído em questão de volume, talvez queda por estresse, assim como as profundas olheiras embaixo de seus olhos. Uma barba rala tomava seu rosto, lhe dando um semblante desleixado.
Não parecia em nada com as memórias que ela tinha, mas aquele era Tony Stark.
- Mas que d...? - ofegou ela, a respiração saindo de seu controle. Suas últimas memórias não estavam assim tão acessíveis e estáveis, o que não era um bom sinal. Havia um momento ou outro em que perdia o controle daquela parte de sua mente, mas era por breves espaços de tempo, e sempre fazia algum sentido. Daquela vez, não fazia sentido algum. A não ser que faltasse algum pedaço, e esse era o ponto. Algo dera errado – Torre dos Vingadores. É onde estamos, não é? Como q...? Que merda eu fiz dessa vez?!
- ... – arriscou Tony, avançando alguns passos em sua direção. Ele não entendeu logo o motivo de seu desespero. Imaginava que sua memória estivesse prejudicada em um sentido mais amplo, não os últimos minutos. A mulher estava se desesperando pela falta de uma memória, não de todas. Mais do que isso: seu desespero era por não saber o motivo daquela memória em especial estar faltando.
- Eu não lembro o que aconteceu... Por que eu não lembro? – resmungava ela baixo, levando ambas as mãos à cabeça, tentando inutilmente se forçar a lembrar. Não era bem assim que funcionava e ela sabia disso, mas sua agonia era tamanha que precisava de uma forma de acelerar o processo. Se ela não se lembrava, era porque descobrira algo importante.
- , preciso que você se acalme – continuou Tony, ignorando os pedidos de Natasha em seu ouvido para que ele seguisse a porcaria do plano e ficasse do lado de fora da cela. A ruiva bufou tão alto quando ele arriscou mais um passo que ele teve a impressão de tê-la ouvido sem ser pelo comunicador mesmo com os vários andares os separando – Está tudo bem agora.
- Não, não está. Na verdade, está bem longe de estar tudo bem – retrucou , de uma forma tão enigmática que Tony viu seu pé hesitando em finalizar o passo. Alguma coisa havia mudado, e talvez no fundo ele estivesse admitindo que Romanoff estava certa e ter entrado ali fora uma péssima ideia. Depois de todos aqueles anos, ele já tinha um bom repertório de olhares de sua filha de base, mas aquele era novo. Não novo de primeira vez que via, mas novo no sentido de tê-lo visto pouquíssimas vezes, tanto que podia contar nos dedos: quando ela perdera a mente para o cetro, semana passada quando ela ainda estava sob o poder da HYDRA, e agora. Aquele mesmo olhar frio que ao mesmo tempo queimava com uma fúria má controlada. Todos momentos que ela não era exatamente sua filha.
respirou fundo algumas vezes, tentando clarear sua mente. Precisava colocar as informações em ordem, e se desesperar não ajudaria em nada. Precisava ir devagar. Um passo de cada vez. Saber há quantos dias estava apagada já era um começo, já que havia perdido por completo a noção do tempo.
– Preciso que você seja objetivo comigo, Tony... – pediu ela com cuidado, a voz baixa e lenta – Que dia é hoje?
- 23 de janeiro.
Ela havia voltado para a HYDRA na segunda semana do mês, depois foi mais ou menos uma semana e meia para ela voltar a sair em missão, e depois suas memórias viraram uma geleia. Isso dava o que? Talvez um espaço de tempo de cinco dias, no máximo? Não era tão ruim assim. O que quer que tivesse acontecido, talvez pudesse ser revertido, ou pelo menos consertado.
- Bom – soltou ela, pensando alto. O sentimento ruim que se acomodara no peito de Tony se intensificou assim que percebeu um brilho peculiar nos olhos da filha – Isso é bom.
- ... – murmurou ele, sua voz com um claro tom de aviso, mas ela não lhe deu atenção, parecia falar sozinha, em uma altura que ele conseguia compreender.
- Vocês invadiram a base de Moscou. Eu descobri alguma coisa, não foi? – continuou ela, aparentemente para Tony, mesmo que não olhasse para ele. Seu olhar estava travado em um ponto aleatório no chão claro, longe em pensamentos – Krigor não me colocaria na máquina de novo por pouca coisa... Ou ele estava tentando me matar de vez?
- ...
- Tony – disse ela, como se só agora tivesse notado sua presença. A verdade era que só agora ela notara que não havia mais um vidro os separando. Seu tom se tornara mais uma vez sombrio, tanto que Tony sentiu um arrepio subir por sua espinha ao ouvir seu nome da voz da filha – Se você não estiver armado, eu sugiro que não divida o mesmo ambiente que eu.
- Aquela não era você, – disse ele, falhando em tentar passar algum tipo de confiança, algo que não passara despercebido pela mulher.
- Continue dizendo isso até acreditar.
- Você lembra de algo, não é? – arriscou Tony, um pouco surpreso por vê-la assentir – Do que você se lembra?
- O suficiente para saber que é melhor você manter distância – respondeu , sinalizando para a cabeça para porta de vidro aberta – Saia da cela, Tony. Tenho certeza que há um protocolo de segurança que você está ignorando.
- ... Muita coisa acontec...
- Lembrar é minha maldição, Tony. Você não pode tirar minhas memórias de mim – interrompeu-o ela, sua expressão alternando hora por algo que parecia um divertimento, hora por algo que sintetizava o peso que carregava em seus ombros – Meu poder é a minha mente. Não dá para esperar que possam me controlar por ela. O que eu fiz nos últimos meses era realmente eu... Na maior parte do tempo.
Tony analisou aquela informação com cuidado, uma incredulidade começando a dominar sua mente. Aquela possibilidade assombrava sua mente a dias, e aquilo poder ser verdade começava a envenenar sua mente.
- Você se lembra de quem é – constatou o homem, a voz grave e profunda – Se você ainda tinha suas memórias... Por que estava defendendo a HYDRA durante esse tempo todo? Por que não tentou fugir?
- “Porque foi para isso que eu fui feita”? “Trabalhar pelo time”? “Queria mais informações”? “Hail HYDRA”? – arriscou ela, em seu rosto claro o esforço que ela estava tendo para ler o homem – Meus poderes estão fora do ar, não consigo ver qual resposta você quer... Ah! “Porque eu fui obrigada”. Era essa, não é?
Mesmo se Tony tivesse algo para respondê-la, ele não teria aberto a boca. Se tentasse, provavelmente vomitaria. O mantra de “minha filha não é da HYDRA” continuava a ecoar em seus ouvidos, aos poucos perdendo o sentido, zombando de sua ingenuidade.
- Você está mentindo – disse ele por fim, balançando a cabeça de leve em descrença e inconscientemente recuando alguns passos – Eles bagunçaram sua mente, você não sabe o que está dizendo.
- Eu sou uma das armas deles, Tony – choramingou ela cansada, deixando que a cabeça tombasse para o lado – É isso que eu sou. Sempre fui. Eu acabar sendo sua filha provavelmente foi a reviravolta mais bizarra nessa história toda, e olha que tiveram algumas bem difíceis de engolir.
As reviravoltas.
Uma palavra tão simples que ela própria utilizara que engatilhou as memórias perdidas.
Krigor realmente tinha tentado matá-la. Qualquer coisa depois do ataque na sala de arquivos era uma bagunça de imagens, talvez pela mistura não recomendada do processo do soro e limpeza de memórias, mas ela se lembrava de encontrar a sala de arquivos, de olhar as informações sobre ela e seu irmão. Indiretamente havia confirmado a versão de Barnes da história: Valerik havia fugido com o Corvo mais jovem e o Soldado Invernal foi enviado para resgate/execução das duas figuras femininas da família, sendo apenas a última tarefa concluída, já que ela já estava sob a proteção dos Stark/S.H.I.E.L.D. quando foram localizadas. Krigor havia mentido e alterado detalhes da história a seu bem entender, para ter ambos os filhos sob seu controle, concordando com tudo que ele ordenava. ainda sentia que havia lacunas naquilo tudo, provavelmente informações que Barnes não teria acesso, mas não tinha problema. Se não sucumbisse a sua fúria e matasse o padrasto na próxima vez que o encontrasse, talvez conseguisse completar aquela história uma vez por todas.
- Eles terem planos para você não justifica você ter matado por eles – argumentou Tony um tanto irritado, a tirando daquela linha de raciocínio, a trazendo de volta para a discussão que participava. Não era exatamente irritação que o homem sentia, pelo menos não apenas isso. Se ainda tivesse o reator no peito, Tony diria que alguém estava arrancando-o com as próprias mãos. E o que mais machucava era a quem pertencia a mão.
- Eu precisava de informações e eles tinham.
- Se você é o Corvo, o assassinato de Samantha Watson foi atribuído a você.
estremeceu minimamente por um breve segundo, sua expressão centrada deu lugar a uma sentida apenas para se tornar indiferente logo depois. Eles já sabiam do ataque em Manchester. Uma parte da sua mente queria saber no que eles haviam errado para serem identificados como atacantes, mas naquele momento aquilo não importava. Eles já tinham conhecimento daquilo e ela não estava exatamente disposta a debater aquele assunto.
- Nós somos uma dupla, então existem dois Corvos, mas sim... Esse está na minha ficha – retrucou ela logo em seguida, abaixando seu olhar para o chão antes de o erguer com o máximo de indiferença que conseguiu juntar – Não é como se eu me orgulhasse disso.
Tony sustentou o contato visual por um tempo, se mantendo inexpressivo. Ele tentou com todas as suas forças encontrar algo que o relacionasse com a mulher a sua frente, apenas para falhar. Tentou se lembrar da criança pequena que parecia ter como hobby lhe lançar olhares reprovadores mesmo sem saber exatamente pelo o que estava o julgando. Tentou se lembrar da adolescente difícil de conviver que ele permitira se afastar, até mesmo da mulher de riso fácil que ela acabara por se tornar ao mais uma vez depois de anos dividirem o mesmo teto. Nenhuma daquelas era a pessoa a sua frente, ele não a via. Quem estava naquele mesmo espaço com ele era um fria, insensível e cruel assassina.
Ele não a conhecia.
até chegou a estranhar quando o assistiu girar os calcanhares e finalmente se direcionar para a porta aberta, como ela tanto pedira. Não dava para negar, ela esperava alguns bons gritos, Tony de alguma forma tentando por algum bom senso em sua cabeça da forma mais agressiva e inapropriada possível. Aquela postura quase conformada não era algo que ela esperava.
- Eu passei a maior parte do ano passado acreditando que você estava morta – contou Tony, parando bem próximo à porta aberta. Ele virou o rosto minimamente para o lado para lançar um rápido olhar à mulher, antes de voltar a fitar o chão à sua frente. Seus ombros então ficaram tensos – E agora eu preferia que você estivesse.
Depois de um tempo estudando o peso daquelas palavras, apenas riu.
- Pode ter certeza que eles vão desejar ter me matado quando tiveram a chance – acrescentou ela, tentando soar bem-humorada, mas falhando. Não dava para ver com muita facilidade, mas aquilo de alguma forma havia a atingido.
- Eu não sei quem diabos você é, mas você não é minha filha.
- Essa morreu quando eu fui capturada, Tony – suspirou , voltando a se deitar em sua pequena cama quando o vidro da cela se fechou depois do homem sair – Aparentemente você não recebeu minhas flores.
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Tony se arrependera não depois que aquelas palavras deixaram sua boca, mas sim quando percebeu que agora precisava encarar a equipe – equipe essa que estava monitorando toda a conversa, anotando detalhes importantes do interrogatório que ele deveria ter feito e não fez. Natasha não sairia do seu pé pelo resto do ano por aquilo.
A ruiva tinha sido bem categórica sobre o tipo de postura que a prisioneira poderia apresentar, e fizera uma lista ainda maior sobre todos os deslizes que Tony poderia cometer caso insistisse em fazer um primeiro contato antes que ela ou Clint, que já estavam mais acostumados com a situação. Minha filha, eu falo com ela, haviam sido suas exatas palavras antes de marchar para fora da sala e encerrar aquele assunto de uma vez, e agora ele voltava com um sentimento ruim no peito, como se só agora depois de meses tivesse compreendido que havia perdido sua filha. Havia um termo em um dos idiomas do Oriente Médio que existia por lá ser uma situação recorrente e o classificava muito bem: ele era um pai sem filho, um órfão ao inverso.
Assim que seus pés voltaram a pisar no laboratório de Bruce, todos os olhares se voltaram para ele, o julgando de formas e intensidades diferentes. Clint e Natasha sentavam lado a lado em uma mesa com vários monitores, onde alguns deles mostravam as imagens da cela de , ambos trabalhando tanto nas informações adquiridas na invasão de dias atrás como na situação da vingadora caída. Bruce os auxiliava de outra mesa, um pouco menor e mais distante da entrada, com Thor e Steve sentados no tampo de vidro, ocasionalmente fazendo algum comentário quando achavam adequado.
Bruce tirou seus óculos e passou as mãos por todo o rosto quando o viu entrar, já respirando fundo para o repreender.
- Tony, s..
- Se você pedir para eu me acalmar, eu juro q...! – começou ele, só então percebendo que não tinha nenhuma ameaça. Com passos duros, Tony se direcionou para a cadeira vazia ao lado do outro cientista com um barulho alto, batendo a testa com vontade no tampo da mesa – Argh!
- O que você esperava quando desceu lá? Algumas lágrimas e abraços? – resmungou Natasha, sem se dar o trabalho de desviar os olhos da tela que usava – Pelo amor de Deus, Stark. Vai ser necessário mais do que isso para tirar a HYDRA do sistema dela. Ela passou meses agindo daquela forma, a última coisa que ela precisa é de alguém a pressionando como você fez.
Tony não retrucou, apenas escorregou mais pela cadeira, ambas as mãos no rosto apertando as têmporas. Ele não tivera tempo o suficiente para absorver aquela história, e sentia que poderia ter todo o tempo do mundo que ainda não tornaria aquilo mais fácil de se aceitar. De volta ao final de sua adolescência e seu começo de vida paterna, ele sabia muito bem como tinha pouco conhecimento de quem era Lauren Smith, mas ela ser uma cientista e espiã da HYDRA era algo que passava um pouco dos limites. O pior daquilo tudo era ter sua filha envolvida. Não importava se ela tinha vinte e cinco anos ou três meses, ela era inocente naquela história. Ela não pedira para nascer naquela confusão, e era injusto agora ela ter que pagar o preço. poderia continuar a gritar aos quatro ventos que ela era da HYDRA que Tony não aceitaria aquilo como verdade. Por isso ele estava tão irritado: a própria parecia ter aceitado aquela segunda identidade sem peso nenhum na consciência, e no fundo aquilo tudo se resumia a estar perdendo sua filha mais uma vez. Todo o trajeto para casa ele passara no fundo da nave, seu olhar nunca abandonando seu corpo inconsciente, nem mesmo enquanto Natasha e Bruce trabalhavam em seus vários ferimentos. Era mais forte do que ele, não dava para simplesmente desviar o olhar. E se ela não estivesse mais lá quando voltasse a olhar? Ele não podia perdê-la de novo, não dava. Seria mais do que ele podia suportar.
E se ele não tivesse recuperado-a, de fato? Se aquela estranha andares abaixo fosse agora a pessoa que ele costumava reconhecer como sua filha? Como diabos ele seria capaz de viver com aquilo?
- Ela disse que eles tinham informação que ela precisava – comentou Natasha, depois que o silêncio incômodo deixou claro que não dariam continuidade ao assunto anterior – O último cara que ela matou antes de fugir de novo, ela estava perguntando sobre uma sala de arquivos.
- Então ela estava como agente dupla? – indagou Clint, parando momentaneamente de digitar para coçar a barba que começava a sair do controle já que nem ele nem os outros homens da equipe tiveram tempo nos últimos dias para gastar com aquele tipo de cuidado – Ou tripla? Eu já me perdi na contagem.
- Ela não tinha escolha – continuou a ruiva, se referindo à primeira pergunta do arqueiro – O outro Corvo tem as mesmas habilidades do que ela, não é? Isso significa monitoração 24 horas por dia. Não dava para ela sair da linha. Ter nos ajudado a hackear a base provavelmente foi o máximo que ela pôde fazer, e ainda foi muito arriscado. - Dr. Banner, acredito que a Srtª Stark esteja o chamando¬ – avisou J.A.R.V.I.S., interrompendo a discussão. Bruce pediu para que o sistema abrisse o canal com a cela.
- O que foi, criança? – a voz do homem ecoou pela cela, a fazendo sorrir pela escolha de tratamento enquanto ela se sentava. Agora compreendia que a visita de seu pai não era apenas uma visita, mas sim um interrogatório. Sendo assim, eles não tinham muitas informações úteis a respeito de seu atual estado, então não era muito inteligente utilizar nomes próprios com alguém que talvez pudesse estar tentando problemas de identidade.
- Por exatamente quanto tempo eu fiquei apagada?
- Algo como três dias.
- Certo... E qual é a chance de vocês terem me alimentado nesse espaço de tempo?
- Como nós iriamos te alimentar com você inconscient...? – estranhou Bruce, até chegando a procurar respostas nos olhos de seus colegas. Ao ver o olhar impaciente da jovem diretamente para a câmera que ele entendeu – Eles não te davam comida. Foi alimentação intravenosa esse tempo todo?
- Único dos cinco sentidos que eles conseguiam controlar... Será que dá para você me arrumar alguma coisa? Eu meio que estou literalmente morrendo de fome aqui – resmungou ela, apoiando os pés no vidro da cela e se sentando ao contrário no banco/cama – E sede também. Alguns galões de água seriam bem-vindos.
Bruce desviou os olhos da tela para silenciosamente questionar seus colegas. Não demorou muito para que Steve se levantasse, dizendo que cuidaria disso.
- Eu sei me comportar, Romanoff – suspirou ele, já rumando para a saída. Bruce ainda pediu que ele esperasse, buscando algo em uma de suas gavetas e logo lhe entregando uma argola de material quase da grossura de seu dedo, com algumas articulações para que o objeto de abrisse e se fechasse ao redor de um pescoço. A coleira que projetara.
Steve assentiu mesmo incomodado com a ideia, rumando para a cozinha para preparar algo leve, já que aparentemente fazia meses que algo sólido não chegava a seu estômago. J.A.R.V.I.S. completamente o compreendera quando pediu para que ele mantivesse as portas do elevador fechadas por mais uns segundos, permitindo que ele se preparasse um pouco mais. A bandeja em suas mãos com dois sanduíches e uma garrafa de um litro de água balançava um pouco devido o tremor de suas mãos, que até cessava quando ele se concentrava de verdade. A questão era quanto de concentração ele conseguiria manter quando estivesse mais uma vez de frente para ela.
A imagem de desmaiando em seus braços parecia impressa na parte interna de suas pálpebras, um lembrete amigável para todas as vezes que ele tentava dormir um pouco, como se isso já não ocupasse sua mente quando acordado. A conversa dela com Tony praticamente aniquilara suas esperanças de que as coisas voltariam de imediato a ser como antes, e agora ele tinha apenas a confirmação de que precisava ser cuidadoso, já que aquela não era uma pessoa que ele conhecia.
- Não vou mentir: se fosse para considerar que um de vocês fosse descer, eu esperava que fosse a Romanoff – comentou surpresa, até chegando a se sentar direito, depois de uns bons segundos encarando o soldado do outro lado do vidro. Apenas quando a porta se abrira que ela conseguira retomar algum controle sob sua fala – Acredito que vir aqui é um pouco demais para você, Rogers. Você viu como meu pai reagiu.
- Talvez seja – concordou o soldado, esperando que o vidro se fechasse antes de respirar fundo e continuar se aproximando – Mas apenas Thor e eu conseguimos te derrubar, se for necessário.
- Eu já estou derrubada, coração – brincou ela, analisando o que ele lhe trouxera quando depositara a bandeja na outra extremidade do banco – O Dr. Banner ainda não disse que eu estou desligada?
- Disse, mas até onde sabemos você pode estar forçando isso – retrucou o soldado, levando uma mão às costas, lhe mostrando o dispositivo que ela própria desenvolvera depois de o tirar do bolso – Por isso tivemos que bolar um Plano B.
O queixo de caiu minimamente ao reconhecer o objeto.
- Eu sabia que isso um dia iria ser usado contra mim – resmungou ela a contragosto, prendendo o cabelo com os próprios fios na altura da nuca para deixar seu pescoço exposto. pegou o dispositivo das mãos do loiro, estudando-o rapidamente em busca de alterações que Bruce e seu pai pudessem ter feito. Ao não encontrar alguma, ela o encaixou em seu pescoço, logo sentindo ele ser ativado.
- O intuito dele não era exatamente ser usado contra você? – perguntou Steve. Ele tentara soar um tanto irônico, mas a verdade é que também ficara confuso.
- Imaginei um cenário diferente. Um tanto semelhante a esse, mas ainda diferente – explicou ela, ignorando em um primeiro momento os sanduíches e dando atenção à garrafa que parecia estar cheia do líquido na temperatura fria que ela tanto precisava. No repentino desespero de sua garganta por mais, ela acabou se engasgando algumas vezes – Você pode continuar mandando mais dessas? Essa aqui não vai nem para o cheiro.
- Se você não desacelerar, vai passar mal – alertou Steve, apenas para receber um aceno de mão de que “não tinha problema”. Respirando fundo, ele debateu o que deveria fazer agora, e logo Natasha começou a murmurar ordens seguidas de ordens em seus ouvidos, temendo que aquilo desandasse como desandara com Tony. Por fim ele suspirou alto, escondendo as mãos nos bolsos para disfarçar seu nervosismo – Consegue comer sozinha? Se lembra como faz isso?
Steve não entendeu, mas ficou surpreso ao ver um sorriso genuíno no rosto cansado da mulher, e estranhamente ela pareceu muito mais velha do que realmente era. Seu olhar estava distante, parecia estar estudando a refeição que lhe trouxera, mas estava claramente perdida em pensamentos. A falta de brilho em seus olhos a deixava com um semblante triste, contrastando com seus lábios esticados.
- Sim, eu lembro.
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estava quase dormindo de tédio quando ouviu alguém se aproximando. Desde que acordara ela tinha uma leve suspeita do que para que seria aquela mesa colocada do outro lado de sua cela, bem próxima à parede de vidro onde seu banco/cama ficava. Quando voltara da capital, talvez por toda a confusão em que eles estavam, uma avaliação psicológica da maneira convencional havia sido descartada – embora agora ela acreditasse que Sam teria intervindo caso uma sessão realmente tivesse sido necessária –, mas agora não parecia o caso.
Quando a mulher que deveria ter sua idade ou poucos anos mais velha apareceu em seu campo de visão com um sorriso educado no rosto, suspirou alto. Pois é, talvez aquelas sessões não fossem as suas preferidas. Não que isso fosse levado em consideração.
- Bom dia, senhorita – sorriu a mulher, deixando sobre a mesa algumas finas pastas e um caderno de anotações antes de se sentar – Sou Monica Diaz, e nós vamos conversar um pouco hoje, tudo bem?
revirou os olhos e respirou fundo, mas mesmo assim se sentou na sua pequena cama, encostada em um dos pilares para manter a postura, ficando de perfil para a psicóloga.
- Por que nome devo te chamar?
- está ok.
- Qual o problema com Dominik? – perguntou a mulher, parecendo quase que genuinamente interessada. apenas revirou os olhos.
- Nenhum. Se quiser me chamar por esse, também não tem problema.
- Um nome caracteriza uma identidade.
- E eu dizer que prefiro um ou outro não faz a menor diferença também – retrucou ela, um sorriso arrogante aparecendo em seus lábios – Afinal, eu não me chamo, as outras pessoas que me chamam de algo, esse tipo de visão está além do meu controle.
- Fui avisada que você poderia pender para esses tópicos filosóficos... – resmungou Monica baixo, quase que pensando em voz alta, enquanto anotava algo com agilidade em seu caderno – Mas você não precisa ficar na defensiva, . Estou aqui apenas para conversar.
- Você está se iludindo se acha que essa é a primeira avaliação psicológica por que eu passo – debochou a jovem, fechando os olhos com vontade, sua cabeça batendo de leve no pilar as suas costas. Se tivesse um botão que entregasse todas as informações que a mulher queria e encerrasse tudo aqui, apertaria sem pensar duas vezes – Só faça as malditas perguntas.
- Você parece cansada.
soltou uma risada desesperada em frente a constatação da médica, apertando o rosto entre as mãos.
- Odeio quando fazem isso... – choramingou ela em um sussurro, mas não tinha escapatória, mas isso ela se deu por vencida, mesmo que de má vontade – Sim, eu estou cansada.
- Sabe o motivo?
- Hm, péssima qualidade de sono, talvez?
- Bem, realmente esse não me parece ser um quarto muito confortável... – brincou a médica, e o máximo que conseguiu foi um sorriso irônico da mulher.
- Celas não são feitas para serem confortáveis, doc.
- Quanto mais cedo terminarmos, mais cedo você volta para casa, e vai poder ter uma boa noite de sono – lembrou Monica, esperando que talvez um incentivo fosse surtir algum efeito, mesmo aquela sendo a paciente mais ímpar que tivera até aquele momento. Quando um silêncio estranho se prolongou, Monica ergueu os olhos de suas folhas para a mulher aprisionada, encontrando uma expressão confusa em seu rosto.
- Eu estou em casa – disse ela – E acredito que nem um mandado do Congresso vai conseguir me tirar desse prédio.
Algo na voz de atraiu a atenção da médica. Um tom quase ofendido.
- Você se sente segura aqui? – questionou ela, acreditando que valeria a pena adentrar naquele assunto. Monica já esperava que aquela paciente em particular dificultaria sua tarefa de obter respostas, já que essa era basicamente uma de suas antigas profissões. Então quando ela deixava aberta uma brecha como aquela, ela tinha que aproveitar logo – Você chamou esse lugar de casa. Isso ainda significa algo para você?
- Não, não significa – respondeu com certa lentidão, mas não era nada relacionado a incerteza. Era quase como um tom didático, como um professor corrigindo um aluno. Talvez aquela questão fosse permanecer em aberto por mais um tempo.
- Há várias pessoas que se importam com você aqui – lembrou a médica, e ela voltou a rir.
- Também há na HYDRA.
- E mesmo assim você os sabotou – engatou Monica, quase sorrindo satisfeita tanto por ter tido tanta facilidade de chegar àquele assunto como pela mudança no semblante da mulher, que automaticamente se tornara mais sério – Por quê?
- Não quero falar sobre isso.
- Então sobre o que você quer falar?
Monica recebeu como resposta um silêncio irritado.
- Tudo bem... – suspirou ela, gesticulando que não havia problema nenhum nisso – Você parece mais aberta a falar sobre os Vingadores, que tal? Fazia muito tempo que você não os via. Como foi esse encontro?
- Eu tenho quase certeza que eu quebrei uma costela da Romanoff e você diz como se tivesse sido algo usual... – riu , balançando a cabeça descrente.
- “Quase certeza”? – repetiu a mulher, estranhando a escolha de palavras – Você não se lembra com clareza do episódio?
- O encontro me deixou instável – o nível de sarcasmo na voz de estava um pouco alto, mas Monica acreditou que isso não tirava a importância do relato – Não prestei tanta atenção aos detalhes como deveria.
- O que mais você não se lembra direito daquele dia?
- Os últimos minutos.
- Porque você estava instável? – arriscou a doutora. considerou por alguns instantes, franzindo os lábios.
- Até que dá para dizer isso...
- Foi mais de um motivo.
- Eu tinha conseguido as informações que precisava. Isso ia causar problemas – continuou , o sorriso irônico voltando a seus lábios – Isso vai causar problemas.
- Sobre o que são as informações?
- É confidencial.
- A pessoa sai da agência, mas a agente não sai dela... – brincou Monica, batucando com a caneta na mesa antes de voltar a fazer anotações – Não estou surpresa.
- Está habituada com ex-agentes, pelo visto.
- Nove de dez palavras que eu consigo da Romanoff e do Barton é confidencial – contou a mulher, sem notar a discreta surpresa nos olhos de – Até agora você apenas disse isso uma vez, para mim já é uma vitória.
Monica apenas notou que aquele assunto surtira algum efeito quando a jovem se manteve em silêncio.
- Acha que você é a única vingadora que precisou passar por uma avaliação? – riu a doutora, parando suas anotações para depositar ambas as mãos sobre a mesa, mostrando uma postura profissional – Rogers, Barton, e seu pai passam comigo uma vez por semana. Thor também, mas é mais porque ele gosta de conversar.
voltou a franzir os lábios concordando, mas não se pronunciou.
- Você não tem nada para falar sobre isso? – incentivou-a a mulher – Ou não pensou nas consequências que seu afastamento causaria?
- Você acha q...?! – rosnou ela, a voz mais elevada do que ela pretendia, já que logo diminuiu a altura, assim como voltara à postura mais controlada – Eu sei muito bem as consequências dos meus atos.
- Eu nunca disse de seus atos, – disse a médica, sem entender o motivo da mulher estar se responsabilizando – Você estava sob o controle da HYDRA, não era você.
- Eu sou da HYDRA. E meu nome é , não – corrigiu ela, sua expressão se tornando emburrada como de uma criança. Monica fez mais algumas anotações importantes antes de continuar.
- Por que você acredita que é da HYDRA? – perguntou ela, quando retomou o roteiro de perguntas que já tinha planejado depois de falar com os Vingadores – Você não cresceu com eles, e não acho que ter nascido lá faça alguma diferença.
- Eu pareço o tipo de pessoa que aceitaria esse tipo besta de sentimentalismo? – riu , um riso debochado que bem lá no fundo conseguiu irritá-la. Mais uma anotação – Me poupe.
- Então por que não me explica? – pediu Monica, até já sabendo qual seria a resposta antes mesmo das palavras deixarem os lábios da jovem.
- Por que eu não quero?
Mais um sintoma que concordava com suas teorias.
- Você quer. Você quer uma chance de se explicar – corrigiu Monica, se inclinando minimamente sobre a mesa para tentar passar uma imagem mais firme, quase espelhando o sorriso convencido de sua paciente – Só está com medo de perder o controle de novo, não é? Você não consegue machucar ninguém dentro dessa cela, nem mesmo você. Tenho quase certeza que todo o oxigênio aí dentro some em meio segundo se você fazer um movimento suspeito. Então por que você não me diz o que quer dizer?
- Eu odeio psicólogos – resmungou , afundando tanto no banco que acabara quase deitada.
- Responda a minha pergunta – exigiu a médica.
- Não quero falar sobre isso.
- Tudo bem – assentiu Monica, dessa vez um pouco menos paciente. Havia um tópico em especial que ela precisava abordar, mas tinha certo receio de como a mulher reagiria. E agora ela estava prestes a descobrir – Você não quer falar sobre suas motivações, nem sobre sua ligação com a HYDRA... Que tal falarmos da sua família? Não Tony, mas Krigor e Petr Ivanov?
O movimento fora tão rápido que Monica mal acompanhara. Apenas o trinco extenso no vidro era a prova de que o golpe um dia fora dado, assim como a expressão contorcida em ódio que dominara o rosto de .
- Você deve ser muito estúpida para ter a ousadia de se referir a Krigor como minha família.
A mão de Monica quase correu para o discreto botão ao lado de seus papeis, e depois de certo tempo tentando controlar sua respiração, julgou que conseguiria continuar. Talvez apenas no quinto golpe a mulher conseguisse quebrar aquela proteção, não precisava desistir tão rápido. Ela queria fazer anotações sobre a reação de , mas acreditou que suas mãos trêmulas não conseguiriam produzir uma letra legível.
- Assunto delicado, pelo visto – constatou a mulher, com uma risada nervosa no final – Acredito que essa seja a relação enteada-padrasto mais complicada que eu vou ver nessa vida.
- Pare de fazer conexões entre aquele homem e eu – exigiu , um tom de ameaça quase palpável em sua voz, o que fez com que Monica sinalizasse para que ela se acalmasse.
- O que ele fez com você?
- Ele me fez ser quem eu sou.
- E você é HYDRA.
- Exatamente. E sabe o que é legal sobre isso? – perguntou em um sussurro, deixando espaço para que a mulher usasse seu turno para incentivá-la a responder. O brilho quase doentio nos olhos da jovem quase fez com que ela desistisse de perguntar, mas acabou por questioná-la – Eu vou derrubá-lo.
- Você não tem condições no momento para voltar para o campo, – avisou Monica. Seus dedos apertaram o botão de alerta antes mesmo que ela entendesse o que estava fazendo. Tinha algo na postura da paciente, algo no ar ao seu redor. Monica sabia muito bem quais era suas habilidades especiais, tinha uma lista muito bem detalhada sobre isso. Só não tinha uma lista de tudo que ela era capaz, no sentindo mais amplo possível – E não consigo ver esse cenário tão cedo.
- Eu sequer preciso deixar o prédio para derrubá-lo.
- Como? – perguntou Monica, mesmo que no fundo temesse a resposta. Quando os lábios de se esticaram em um largo sorriso, ela teve certeza de que não queria ouvir a resposta.
- É confidencial.