Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único



Escapismo?

Em uma cidade longe de casa, a van de voltava para o hotel após mais um show memorável — bem, depois de tantos, as memórias costumam se misturar um pouco, mas o sentimento arrebatador continuava o mesmo. Orgulhoso e agitado, ele conversava aos risos com os colegas de banda, a adrenalina correndo nas suas veias; pura euforia pós-show. Eles gritavam provocações uns para os outros e os gritos lembraram a da arena lotada, o eco da sua própria voz misturado com o frenesi da plateia ainda zumbindo nos ouvidos.

A van entrou por um portão lateral direto ao estacionamento subterrâneo do hotel, onde pegou o elevador e foi sozinho para seu quarto. Os colegas provavelmente iam se reunir para tomar uma e conversar mais um pouco até sentir que estavam relaxados o bastante para dormir.

Um banho quente e uma rotina de skincare completa eram o que precisava para pegar no sono. Ou não.

Mesmo depois de todo o ritual, não conseguia descansar. Inquieto, sentia ter energia suficiente para sair para uma corrida — se tivesse joelhos bons para isso. A dificuldade de pregar os olhos após shows era normal para ele, já estava acostumado. Ele se deitou o mais imóvel possível e tentou manter os olhos fechados, a expectativa era que isso desaceleraria seu corpo até que pudesse adormecer.

A janela do quarto cobria uma boa extensão da parede, indo do chão até quase chegar ao teto. ficou muito tempo acordado sob o quarto pouco iluminado pela luz que passava pelas frestas da cortina mal fechada. A cortina era feita de um elegante tom de borgonha, o tecido, grosso e pesado, causava uma sensação de aconchego, como se a cortina sozinha fosse capaz de bloquear o frio lá fora.

A princípio, o barulho parecia tão distante que não notou. Apenas seus olhos se mexiam; eles dançavam entre o teto e a decoração impessoal do seu quarto de hotel, contando detalhes como quem conta carneiros. O barulho foi imperceptível até que se tornou alto o suficiente para penetrar a barreira de concentração e captar seus ouvidos. No entanto, não foi alarmante para fazê-lo se mexer e ele mal percebeu que estava ouvindo até que o assobio pareceu estar vindo de muito próximo.

Com as sobrancelhas erguidas, se levantou e foi até a janela. Ele abriu outra fresta na cortina para espiar. Seu primeiro instinto foi a cautela, imaginando que fãs talvez tivessem descoberto sua localização exata. O cantor expôs não muito mais do que um olho para a rua e uma mistura de alívio e mistério tomaram seu ser. Alívio porque fãs não o encontraram e mistério porque não havia uma alma viva lá embaixo.

No entanto, o assobio crescia mais concentrado, e harmonizava uma melodia que ele nunca tinha ouvido. tinha certeza de que havia alguém logo abaixo de sua janela, mas quem seria louco para enfrentar o ar gélido das ruas no ponto mais alto da madrugada?

A pessoa só poderia estar em um ponto cego, e a alguns andares de distância, e com uma janela que não se abria, era incapaz de enxergar. Ele se deitou no chão carpeteado que desenhava formas geométricas num padrão que ele não tivera uma insônia longa o bastante para desvendar. Dali, colou o rosto no vidro da janela, tentando ver algo; um braço, um pedaço da cabeça, qualquer coisa que o provasse que aquilo não era apenas privação de sono.

Após um curto momento, desistiu e voltou para a cama. Ele precisava dormir, estava exausto. Mais uma vez tentou seu truque de fechar os olhos e manter o único movimento em seu corpo sendo o da sua respiração. Não deu certo. Virou de um lado, virou para o outro e acabou por encarar o teto com os olhos arregalados e no limite da paciência. O assobio já tinha impregnado nos seus ouvidos, como o aumento da sensibilidade aos sons atrelado a uma enxaqueca dolorida. Seu cérebro hiperfocado naquele tom fino, leve e constante. Era tudo o que ele conseguia ouvir.

Um conjunto de versos surgiu na sua cabeça e combinavam perfeitamente com aquela melodia. O cantor pegou o celular e passou a escrever seus pensamentos. Era quase como se ele estivesse em transe agora, sua mente parecia enevoada, consumida pela musicalidade presente nele mesmo.

Aquela situação estava o deixando louco e ele se viu calçando a pantufa do hotel e resgatando o cartão-chave da mesa de canto antes de abrir a porta e sair do quarto sem olhar para trás. A descida de elevador foi rápida, ninguém o questionou na recepção e o segurança segurou a porta de entrada para ele passar. Não tinha se decidido se descera para mandar a pessoa calar a porra da boca ou para perguntar o que ela estava assobiando.

Do lado de fora, ele olhou para cima. Tentou se situar para encontrar exatamente qual era o seu quarto naquele mar de janelas. Um pouco à deriva, começou a contornar o prédio. Não era uma tarefa rápida, visto que o local ocupava um quarteirão inteiro e ele nem sabia se estava indo para o lado certo. Ele virou a primeira esquina e encontrou... nada. O que ele esperava, afinal? Estava congelando.

Assim, ele deu a volta, passou pela entrada novamente e virou na esquina do outro lado. Mais meia dúzia de nada, e caminhando sem direção, sem rumo. Era guiado em transe pela memória do som melódico que tinha ouvido.

A atmosfera era serena e cheirava a cigarro, álcool misturado com urina e... seus olhos travaram nela.

quase desistiu, mas lá estava uma única pessoa escorada na parede do hotel. Era uma mulher longilínea e de cabelos dançantes com o vento, ele não tinha certeza se ela assobiava, mas se aproximava para descobrir.

O terceiro aroma distinto que tinha sentido ao dobrar a rua estava mais proeminente agora. Lavanda, como o óleo essencial do seu mini difusor para viagens. Por falar nisso, ele tinha esquecido de o desligar.

Ele caminhou diretamente na direção da mulher, mas ela pareceu não notar sua presença. Suas pantufas de borracha e.v.a não emitiam nenhum som e o farfalhar do atrito das pernas do seu pijama se misturava com o vento e era enterrado com o assobio. Sim, ela assobiava.

— Oi. — acenou à dois metros de distância, preocupado em parecer um esquisitão abordando uma mulher sozinha na rua àquela hora da madrugada.

Os olhos da mulher desconhecida o encontraram imediatamente e ela o fitou como se soubesse que ele se aproximava esse tempo todo.

— E aí? — Ela pausou o assobio apenas para responder. Ele notou que ela mascava chiclete.

tinha que se concentrar absurdamente se quisesse assobiar dentro do tom, e fazer isso depois do seu longo aquecimento vocal, de preferência num local em que a temperatura estivesse acima de 22 graus celsius. E ali estava aquela mulher estranha fazendo isso com sua voz da madrugada, mascando chiclete e com nada além de um sobretudo surrado para esquentar suas cordas vocais. A voz dele mal saía quando precisava se apresentar em rádios pela manhã, querer que ele fizesse qualquer coisa, um assobio que fosse, àquela hora era tortura.

Ele queria perguntar o que ela fazia no meio da rua naquele frio e sozinha, mas reconheceu que seria ainda mais esquisito. Conteve sua curiosidade desnecessária.

Hem-Hem. coçou a garganta.

— O que foi|? — Ela levantou uma sobrancelha ao encará-lo novamente.

— B-b-bem, é que eu escutei você assobiando da minha janela. — Gaguejando e sem jeito, ele apontou para o prédio.

— Você conseguiu me escutar lá de cima? — Ela questionou, uma nota sutil de surpresa em sua voz conforme ela seguia o olhar dele.

— Sim. Alto e claro. O que é que você estava assobiando?

— Só uma coisinha que eu inventei...

pensou ouvir algo e olhou para trás. A estranha suspirou. Continuavam sendo os únicos na rua fria e extensa.

— Tchau, eu preciso ir.

— Espera! — Ele deu um passo para frente, o tom urgente. — Achei que estivesse esperando por alguém parada aqui. Parecia que você estava esperando alguém.

— Nah. Eu estou fugindo.

O cantor se sentiu desconcertado pelo tom cortante e a resposta desnuda.

— Ah, desculpe. Você precisa de ajuda? T-tem alguém atrás de você?

Pela primeira vez lhe ocorreu que a insólita mulher poderia ser perigosa. A postura dela não era de quem estava sendo perseguida, muito menos de alguém fugindo. Quem foge sem se mexer e em vez disso relaxa em muros de ruas desertas?

— Nah. — Ela repetiu, o mesmo tom condescendente. — Estou bem. Não tem ninguém atrás de mim.

A resposta o fez dar um suspiro de alívio.

— Meu nome é .

A mulher ergueu uma sobrancelha, como se as apresentações fossem desnecessárias.

.

— Prazer em te conhecer, . — Ele coçou a cabeça. — Posso te perguntar uma coisa?

— Manda.

— Posso usar a sua melodia em uma música? É que eu, é, canto. — Ele deu de ombros, desajeitado.

— Tanto faz. — replicou, desinteressada.

encarou aquilo como um sim e esperou que ela descrevesse a composição, mas a mulher apenas o fitou de volta antes de dar as costas e sair andando.

Desconcertado, permaneceu imóvel no meio da calçada, uma incerteza pairando sobre suas decisões. Enquanto observava se afastar, uma batalha interna se desenrolava em sua mente, um dilema entre perseguir ou resistir. Ele sabia que ir atrás dela era praticamente inevitável, mas sua preocupação principal era evitar sair dessa história como um perseguidor.

Lá na frente, ela parou de andar e olhou para trás.

— Você não vem? — Uma das suas mãos pendeu no ar, juntamente com um leve balançar de cabeça, era uma expressão questionadora.

a alcançou trotando, mas não muito, seus joelhos não aguentariam. No entanto, eles sequer reclamaram, o que o deixaria surpreso se ele não estivesse concentrado em algo mais inédito acontecendo naquele momento.

— Aonde você vai? — Ele perguntou ao parar do lado dela.

— Para a cidade.

— Mas... já estamos na cidade.

— Estamos em uma cidade, vamos para a cidade.

— E onde é a cidade? — quase tropeçou nos próprios pés tentando acompanhar o ritmo dela.

Uma névoa escapou dos lábios entreabertos de quando ela exalou o ar. Era quase como se ela fosse responder, mas mudou de ideia no último segundo.

— O tom que você estava assobiando... É C maior? — Ele enfiou a mão no bolso para resgatar o celular e só ali percebeu que não o tinha trazido.

À medida em que se afastavam mais um quarteirão, olhou para trás, estava levemente preocupado com o que estava fazendo. Ele só precisava da melodia e voltaria para o calor de seu quarto.

— C maior, G menor, A maior.

— C maior, G menor, A maior... — repetia sussurrando. — C maior, G menor, A maior. — Ele tinha uma boa memória musical. Além do mais, a mulher não era nenhum Bach. Aquele conjunto de notas era um dos mais comuns. Ele só queria ter certeza de que não se esqueceria de como soa. — Você canta também?

Ela deu de ombros de novo.

— Ou compõe? Quero dizer, você deve entender de música.

— Às vezes eu troco para F menor, A maior, G menor.

— Quê?

— As notas. Que eu estava assobiando.

Ela tinha aversão a respostas em tempo real? Era como se ela estivesse processando as perguntas muito tempo depois que elas já tivessem sido feitas.

— Você é muito misteriosa. — soltou uma risada pontual de descrença.

— Me diz, , você já foi casado? — Alguma coisa no tom que ela pronunciou seu nome soou quase sarcástica.

Mas ele não deu atenção a isso, já que a pergunta o pegou desprevenido.

— Casado? Não. Nunca fui.

caminhava ao lado dele como se levitasse, suas passadas tão ágeis, irregulares, e ao mesmo tempo tão suaves que eram quase imperceptíveis. Era como se ela caminhasse nas dunas do deserto e não quisesse deixar rastros para os vermes de areia.

Os bolsos profundos do casaco engoliam seus membros superiores até quase nos cotovelos. Nesse momento desejou ter pegado um casaco antes de irromper porta afora sem pensar duas vezes. A noite era silenciosa, exceto pela voz de . não fazia mais ideia de onde estava e tudo parecia muito cinza e triste por ali.

— Meu pai nunca foi casado com a minha mãe. — disse e, de repente, ela jogou a mão para o alto e algo branco e redondo voou para cima antes de cair novamente entre seus dedos.

se retraiu com o susto de algo aleatório e não identificado voando acima de sua cabeça.

— O que é isso?

— Uma bola de golfe.

— Posso?

Ela estendeu o objeto para ele.

— Uau! Essa é uma Callaway. revelou girando a pequena bola entre os dedos. — Uma bem gasta, mas ainda assim. É uma das minhas favoritas. Você joga?

Ela negou com a cabeça.

— Era do meu pai.

sentia que deveria ir embora, mas não conseguia se desprender daquele momento, um misto de curiosidade e atração pelo mistério. O rumar em direção ao desconhecido.

— Aonde nós estamos indo?

— Eu já te disse.

suspirou.

— E falta quando tempo para chegar?

Eles dobravam uma esquina quando ele perguntou isso. Ele também não sabia as horas, mas calculava que eles andavam por apenas dez minutos.

— Estamos aqui.

A mulher parou em frente a um prédio de aparência antiga, havia pichações nas paredes e pedaços grandes de tinta descascada que deixavam cimento e tijolos à mostra. Na fachada havia uma placa escrito “cidade”.

— A cidade. — balbuciou para a estranha, que sorriu.

Eles subiram pela escada porque o elevador estava fora de serviço. Há anos, contou.

A porta estava emperrada, a abriu com um empurrão de ombro que ecoou um estrondo no andar inteiro, e relevou um apartamento amplo e modesto.

— Alguém mais mora aqui? — Ele perguntou preocupado.

Como estava começando a entender que era o usual, ela ignorou a pergunta.

— Fica à vontade, minha casa é a sua casa, ou qualquer merda assim. — Ela disse sem olhar para ele.

O apartamento era estilo studio, mas estava embebido em sombras. Havia um sofá de couro preto rasgado e um rack com uma tv bem no meio; como se as divisões imaginárias fossem desproporcionais, uma sala de estar maior do que qualquer outro cômodo. Numa lateral, havia um projeto de cozinha com uma bancada, e, no fundo, na outra extremidade, uma armação de cama que parecia caber um colchão maior do que o que ela tinha.

— Bebe cerveja? — Ela foi até a geladeira e pegou duas coronas de garrafa e o entregou uma delas sem esperar por uma resposta.

— Obrigado.

— Eu não tenho abridor. — Avisou antes de abrir sua própria garrafa com a mão e tomar um gole sem brindar.

também abriu sua garrafa sem maiores problemas, mas ficou parado em pé naquele meio onde parecia ser a sala, se sentindo estranho e desconfortável.

— Está escuro aqui, não está? — caminhou até a janela perto da cama e abriu as cortinas, uma luz neon caiu direto nos olhos de . — Esqueci de pagar a conta de luz. — Contou com se não fosse nada demais.

se aproximou, parando ao lado dela e em frente à janela. Do outro lado da rua havia um outdoor enorme e brilhante que piscava todas as cores diretamente dentro do apartamento.

— E quem precisa pagar a luz, não é mesmo? — Ela o fitou e sorriu pela primeira vez. — Vem!

voltou para o meio do apartamento e se inclinou sobre um dos braços do sofá.

— Me ajuda aqui. — Ela pediu e suspendeu um lado do sofá no ar.

deu a volta, deixou a cerveja no chão e levantou o outro lado. Assim, eles levaram o sofá para até esbarrar no rack. tirou um vinil da parte debaixo dele e colocou em um tocador que não tinha notado até então.

— Eu sempre mudo os móveis de lugar para ter espaço para dançar. — tirou o sobretudo pesado e o jogou em cima do sofá.

Seus braços eram cobertos de tatuagens, símbolos e desenhos em sua maioria, alguns muito pequenos que ele mal enxergava e outros grandes que cobriam quase uma área inteira e se misturava com os outros. conteve uma reação.

Ela começou a se mover com uma graciosidade que o surpreendeu. Sem parar de dançar, pegou outra rodada de cerveja para eles, forçando-o a virar a maior parte do conteúdo da sua garrafa anterior em um só gole.

A melodia envolvente se espalhava pelo apartamento, misturando-se com as luzes vibrantes do outdoor e criando uma atmosfera muito diferente da encontrada do lado de fora. Aos poucos, foi se soltando e passou a coordenar movimentos com . O chão agora escorregadio sem as pantufas. Mesmo de meias, ele sentia a temperatura fria do piso.

prosseguiu tomando uma garrafa atrás da outra, em poucos e longos goles. Sempre que ela pegava uma para ela, se forçava a tomar a sua mais rápido para receber a próxima garrafa que ela segurava ansiosamente na mão.

— Há quanto tempo você mora aqui? — Em algum momento falou por cima da música. Ele tinha muitas perguntas e uma mente levemente nublada.

— Tem esse cara no meu trabalho e ele fala demais. — contou sem parar de dançar. — Sério. Ele é a pessoa que sai mais merda da boca que você vai encontrar. Então, um dia eu estava dizendo que precisava de um lugar para ficar, e ele contou essa história sobre um amigão dele que morava num apê gigante perto do centro, e eu fiquei tipo “bem, isso é perfeito para mim”. — Quanto mais se empolgava, mais ela se aproximava do ouvido de e mais ela falava alto. Era quase como se eles estivessem em um pub.

— E onde você trabalha?

— Isso não importa. Mas estou aqui há alguns meses. É provisório.

— O outdoor é legal. — tentou ver o lado positivo das coisas. — Você tem sua própria luz particular de balada.

— Ele me disse a mesma coisa!

— Ele quem?

— O amigo do meu colega do trabalho.

— Ahhh!

— Você está dormindo? — chamou sua atenção.

— Desculpe. — pareceu culpado. — Eu tive um dia longo e acho que tomei muitas dessas. — Apontou para a garrafa em sua outra mão.

— Eu tenho um pouco de pó se quiser. E vodka, e whisky, e maconha. Apenas diga seu veneno.

— Eu acho que só vou parar por aqui.

— Não! — Ela agarrou o braço de . Era a primeira vez que se tocavam e a mão de estava fria por causa da garrafa. — Você não pode me deixar bebendo sozinha! — E o chacoalhou um pouco. O movimento de vai e vem fez a sala rodar, ele riu.

O apelo e o tom caloroso foram suficientes para driblar , que já não se lembrava mais como tinha chegado ali, nem em que lugar no mundo estavam. Era como se o tempo estivesse em câmera lenta. Ele sabia que as horas estavam passando, mas parecia tudo muito devagar. Aquela noite tinha três dias.

Poucos momentos depois, eles apenas balançavam o corpo ao som da música enquanto se encaravam frente a frente.

— Qual é o seu maior medo, ?

A pergunta o pegou desprevenido, como a maioria das coisas naquela noite.

— Eu tenho medo de espaços pequenos, é por isso que... — Ela girou no próprio calcanhar sem se desequilibrar. — Sem paredes. — Eles riram. tomou um gole da cerveja; coragem líquida como se ele não estivesse zonzo o suficiente para a confissão.

— Do escuro.

— Você tem medo do escuro? — repetiu alguns decibéis mais alto. Constrangido, concordou em silêncio. — Que bom que abri as cortinas então.

não aguentou e soltou uma gargalhada.

— Que bom.

— Teve essa vez em que meu pai me levou para esse evento e eu passei a noite toda encarando uma mulher porque eu tinha certeza de que a conhecia. — contou. — Achei que ela só poderia ser alguma atriz da minha séria favorita. Ela tinha cara de celebridade. — gargalhou. — Acontece que era só uma das amantes do meu pai.

— Que merda. Nossa.

— Eu acho que é isso. Também tenho medo de pessoas que se parecem com celebridades.

— E aquelas que são, de fato, celebridades? — perguntou sem jeito. Era esquisito pensar nele mesmo como uma pessoa famosa. O fazia soar como um imbecil.

— Sendo concluído, de fato, o cartão celebridade, está tudo bem. — Ela sorriu, o tom jocoso combinava com ela.

— Eu não tenho nenhum documento comigo. — Ele entrou na brincadeira.

— E como você sai de casa sem identificação? — Fingiu horror. — E se você for atropelado por um ônibus e ficar irreconhecível?

— Que horror, ! Eu não vou ser atropelado.

— Nunca se sabe.

— Você conhece alguém que já foi atropelado por um ônibus?

— Não. Mas o gato da minha amiga uma vez fugiu e ploff. — Ela fez o barulho com a língua para fora, e um movimento de mão cruzando o pescoço.

Ugh. fez uma careta. — Nojento.

— Eu sei. Me desculpe.

olhou para o chão, seus pés estavam bem próximos dos dela, mas não parecia que eles estavam assim tão perto um do outro. Ela estava descalço e tinha as unhas dos pés pintadas de lilás. De um jeito estranho, aquele anormal parecia natural, como se eles já se conhecessem há muito tempo. gostava da genuinidade de . Ele subiu o olhar e a encontrou já o encarando. Seus olhos pareciam cansados, como se todas as noites isso fosse o que ela fizesse; mudar os móveis de lugar, beber e dançar até estar claro o bastante para não precisar mais das luzes do outdoor para enxergar dentro do apartamento. Quando ela dormia?

— Você tem algum bicho de estimação, ?

— Não. Eu viajo muito, é difícil.

— E se você pudesse ter um animal, qual seria?

— Um cachorro, provavelmente. Um filhotinho. E você?

— Um cavalo.

— Um cavalo? — repetiu confuso. — Por quê?

— Porque quando eles estão correndo no campo eles são livres e majestosos e... e leais. — A voz de titubeou pela primeira vez, e isso não passou despercebido por . — Eles sempre voltam para você.

— Eu não sabia disso.

— Pois é! — Ela inspirou com força. — Tá com fome? Eu tô com fome.

Mais uma vez recorreu à geladeira, de onde tirou uma caixa de pizza cujas bordas estavam molhadas de gordura.

— Pizza do dia anterior.

— A melhor. — concordou, pegando um pedaço.

observou, de testa franzida, dar apenas três enormes mordidas em seu pedaço e partir para o outro. Será que ela não conseguiria ser um pouquinho mais normal? Ela era tão esquisita que era desconfortável de observar.

Humm. gemeu, como se aquela fosse a melhor coisa que ela comia em dias. — Qual foi o lugar mais incrível que você já visitou? — Ela perguntou ao terminar de mastigar.

Era como se ela tivesse uma cartela infinita de perguntas na manga.

— Relacionado ao trabalho ou pessoal?

— Os dois.

Oof. exalou. — Eu não sei. Acho a Eurotrip que fiz com meus primos há uns dois anos. Foi bem incrível.

— Isso soa mesmo incrível! — adicionou com brilho nos olhos. — Qual foi seu lugar favorito?

— Acho que Barcelona, embora as coisas tenham saído de controle.

— Alguma história maluca?

— Então, eu realmente queria assistir a algum jogo, certo? Afinal, estávamos em Barcelona. Meus primos, eles estavam morrendo para ir para alguma festa. — começou a contar a história empolgadamente. — Eu preferia muito mais me sentar em um bar, tomar uma e assistir ao jogo.

— Sim, como um cinquentão. — concordou, seu tom soou inocente, mas a provocação era clara. — Mas, então, o que vocês decidiram?

— Nada. Nos arrumamos e saímos do hotel ainda argumentando o que faríamos, só para ao chegarmos lá embaixo percebermos que o carro que alugamos não estava mais lá.

— Não! — exclamou em choque. — Foi roubado?

— Foi guinchado! — respondeu entre risos. — Estacionamos numa zona proibida. Mas até descobrirmos isso pensamos mesmo que tivesse sido roubado, tivemos que chamar a polícia. Foi vergonhoso.

— E você sabe falar espanhol?

— Nem uma palavra!

Eles gargalharam juntos da tragicômica história de . Aquela conversa estava sendo a interação mais normal que eles tiveram durante toda a noite, como se tivesse acessado seus pensamentos e decidido ser menos estranha como ele tinha desejado. Naquele momento, ela nem parecia tão esquisita assim. gostou da energia que ela passava quando engajava numa conversa que realmente parecia de dois estranhos se conhecendo. Ela era astuta e divertida.

Assim, ela se parecia muito mais com o tipo de pessoa que era mais provável que ele se desse bem. A questão era, por que ela não tinha sido assim desde o começo?

— Ah! Eu quase me esqueci! Eu quero te mostrar uma coisa que eu tenho certeza de que você vai amar!

— Ok. — concordou. — O quê?

— Nós temos que ir! — anunciou e ele não teve tempo de reagir antes que ela o puxasse pela mão.

Talvez tenha se precipitado. A normalidade não durou muito.

Diferente de quando entraram no apartamento, a porta se abriu facilmente quando a puxou por dentro para saírem.

Eles caminharam pelo corredor, passaram pelo elevador com a faixa de interditado e abriram a pesada porta de acesso às escadas. Eles entraram e a porta de fechou atrás deles. ficou paralisado com o breu.

— Vamos! — falou na escuridão e se virou na direção de sua voz. Ela não soltou a mão dele, mas a sensação de não conseguir enxergar era como se ele não conseguisse a alcançar.

Eles desceram as escadas eternamente, ou pelo menos foi o que pareceu para . Onde quer que eles estivessem indo, estava demorando mais do que quando subiram do térreo.

Em algum momento, parou e abriu a porta com habilidade. Saíram da escada de encontro ao que parecia o subsolo do prédio. Havia uma diferença de altura entre onde estavam ao redor da porta e o resto do espaço, então desceram os poucos degraus que separavam essas duas partes.

Na parte mais baixa havia uma piscina negligenciada, e a água até tinha um tom levemente esverdeado. Num canto, havia espreguiçadeiras empilhadas umas em cima das outras e cobertas por camadas grossas de poeira. Nas outras partes, estantes de madeira mofadas, cadeiras de aço enferrujadas, estruturas de metal que pareciam com andaimes usados em reformas, plástico e algumas caixas. O grafite nas paredes dava ao local um ar de que havia sido abandonado as pressas e que, no fim, havia virado um depósito de coisas estragadas, inutilizadas e esquecidas que lembraram a do ginásio interditado da escola.

Enquanto tentava identificar o que era aquele espaço ou entender o que faziam ali, foi em direção à piscina. Ela não olhou para nenhum outro canto, como se fosse completamente familiarizada com o espaço e houvesse frequentado ali muitas vezes.

— Legal, não é? — se virou para , ela tinha um sorriso no rosto como se aquele local fosse um segredo e ela estivesse orgulhosa por saber dele.

O ar ali era denso, os cheiros de mofo e poeira misturados com a umidade da água da piscina pesava nas suas narinas.

Antes que ele pudesse verbalizar qualquer preocupação, começou a se desfazer da calça que vestia e virou o rosto por reflexo.

— Ahn, o que você está fazendo? — Ele encarou a parede de cimento batido e a coluna de teto que a encontrava, onde acumulava teias de aranha.

— O que parece que eu estou fazendo?

— Me parece que você é maluca! — se atreveu a olhar e encontrou de costas para ele, vestindo apenas a calcinha e o olhando por cima do ombro com um sorriso de lado. — Está frio, e eu não acho que essa piscina esteja própria para uso.

considerou o que ele disse com um pender de cabeça, em seguida mergulhou com tudo na água. correu para a borda e olhou para baixo, sem conseguir enxergar ou o fundo da piscina.

Em expectativa, ele aguardou o momento em que ela emergiria da água, mas os segundos se passaram e nada aconteceu.

? — chamou. — , cadê você? — Gritou. Ele sabia que isso era inútil, seria impossível que ela o ouvisse.

O pânico começou a se instalar no peito do cantor. Eles tinham bebido e estava debaixo d’água há tempo demais.

— Merda! — Ele olhou para os lados, ele precisava agir rápido, alguma coisa tinha acontecido.

Sem pensar direito, pulou na piscina. Ele não teve tempo de considerar que deveria ter tirado as roupas, ou como aquele verde parecia ainda mais nojento em contato com sua pele. Olhou em volta uma última vez antes de prender a respiração e mergulhar. Ele se cansou rápido, a água parecia formar um escudo elástico e invisível que não o deixava avançar. Nadou e nadou, sem atingir o fundo, então abriu os olhos, tentando encontrá-la.

À sua frente havia uma infinidade de água turva, que ondulava e sugava todo o oxigênio. não conseguia enxergar nada além; nem as bordas ou os azulejos enlodados. E então, houve um clarão.

Tudo ficou em silêncio, um silêncio que ele conseguia ouvir. Era como uma arfada densa em seu pescoço, um calafrio.

A luz era tão intensa que o cegou por um segundo inteiro; e quando se está debaixo d’água prendendo a respiração, você não tem um segundo para perder. Em seguida, o que se relevou diante dele não foi a água turva, mas sim uma criança correndo num playground.

Era uma linda menina com presilhas coloridas no cabelo. Ela também segurava um balão no ar e dava voltas por baixo da estrutura do escorregador, onde um menininho alguns anos mais novo subia os últimos degraus da escada e se sentava no topo, se preparando para descer.

Ele parecia um pouco amedrontado, como se não fosse corajoso o suficiente para descer daquela altura. A menina parou de correr e se posicionou na ponta do escorregador, olhando para cima.

— Você consegue! — Ela gritou para o menininho. — É tão legal que parece que você está voando!

O menino a encarou por um momento e então sorriu, impulsionando seu corpo para escorregar. Ele fechou os olhos e reprimiu um grito de medo e, quando os abriu novamente, estava lá embaixo, ao lado da minha menininha com presilhas coloridas.

— Sabe, os escorregadores são os meus brinquedos favoritos aqui do playground. — Ela contou.

— Por quê?

observava aquilo tudo intrigado, era quase como se ele...

— Porque quando você está lá em cima e escorrega, seu bumbum escapa do escorregador, e não tem nada te segurando, e então você é livre.

Ele sabia que a menininha ia dizer aquilo. Uma frase veio à memória como o sussurro de um fantasma: o desejo pelo escape.

— Você quer ir até o carrossel? — Ela perguntou, apontando para o outro lado do parque. — Cavalos são meus animais favoritos.

O menininho concordou com um aceno, e eles começaram a caminhar juntos.

— Qual é o seu nome? — A menina perguntou para o menino.

, e o seu?

.

emergiu de volta sem fôlego. Arfando e em desespero, ele bateu os braços sobre a água, tentando boiar. Em frenesi, ele vasculhou à sua volta até parar em , vestida e sentada na beira da piscina enquanto balançava os pés na água.

— Para quem disse que não ia entrar na água... — Ela sorriu provocante.

nadou até a borda e saiu.

— Que porra aconteceu? — Ele gritou de pé, suas roupas molhadas pingando sobre a cabeça da mulher.

— Como assim? — Ela respondeu, seu tom confuso.

— Você sumiu debaixo d’água! Eu pulei para te salvar.

franziu a testa, sorrindo levemente de lado.

— Eu não.

— Eu tô fora daqui! Eu vou embora! — deu as costas e saiu marchando, mas percebeu que as pantufas tinham ficado na borda da piscina, então deu meia volta para calcá-las.

— Você está bem? — o cercou, tentando fazê-lo olhá-la nos olhos.

— É claro que eu não estou bem! Você... Eu vi você, nós... Você ia morrer! E se você morresse? Se você me deixasse, o que eu ia fazer?

jogou os braços por sobre os ombros de e o abraçou pelo pescoço.

— Ei, eu tô bem. — Assegurou. — Não aconteceu nada.

— Eu achei que fosse te perder. — soluçou, sem entender por que estava dizendo aquilo. — Achei que você tivesse me deixado.

— Eu estou aqui. Estou aqui. — afirmou, carinhosamente passando a mão pelo cabelo dele.

se desprendeu do abraço com um tranco e segurou pelos ombros.

— O que tinha naquela pizza? Você me drogou!

— Eu não... — negou levemente com a cabeça. — Era só uma pizza.

— Eu vi você! Eu te vi! Você tinha sete anos de idade!

, do que você está falando?

O cantor levou as duas mãos para a cabeça.

— Não! Não! O que aconteceu? O que aconteceu? — Ele repetia. — Eu estou alucinando!

... — disse calmamente, o tom de voz baixo e suave. — Por que você não tira essas roupas, sim? Você está pingando molhado, vai ficar doente.

Ele acenou com a cabeça, algo nele não estranhou a ideia de se despir na frente daquela estranha. Do contrário, o pensamento o abraçou com familiaridade.

não virou para o lado nem desviou o olhar de enquanto ele passava a gola da blusa de pijama pela cabeça, deixando a peça cair no chão entre eles. Em seguida, se abaixou, levando a calça junto e ficando apenas de cueca.

Cara a cara, eles trocaram um olhar silencioso. imaginou como estaria o enxergando naquele momento; seus olhos de um azul profundo e penetrante como o mar do caribe, as sardas no seu nariz, os lábios repousados em linha fina, seu cabelo sempre impecável agora emplastado de lodo da piscina; fios espetados pela cabeça e caindo nos seus olhos.

quebrou o contato visual primeiro, se virando para se afastar e procurar algo no lugar que pudesse servir para cobri-lo até que eles voltassem para o apartamento dela. Na metade do movimento, agarrou seu braço, fixando o olhar em uma das tatuagens ali, só visível agora com a forma que ela havia dobrado o braço. Ele traçou as linhas falhadas pelo tempo, sem conseguir se livrar daquela nova e estranha sensação queimando no seu peito.

— Ei, me solta! — O comando o despertou do transe.

— Desculpe. — Um suspiro se desprendeu sutil da sua boca, estava se sentindo frustrado.

Eles voltaram para o apartamento em seguida e emprestou uma toalha para que se secasse. Quando ele saiu do banheiro, ela o entregou uma camisa branca e uma calça de moletom marrom, tinha roupas idênticas em casa. Essas o serviram perfeitamente, quase como se ela tivesse roupas masculinas extras guardadas para aquele tipo de ocasião.

— Obrigado.

se aproximou mais uma vez, passando as mãos pelos ombros de e as deslizando pelos seus braços, como se tentasse desamassar o pano.

— Melhor assim. — Ela sorriu de lado.

queria perguntar o que estava se passando pela cabeça dela naquele momento, ela nunca tinha ficado tanto tempo sem fazê-lo perguntas. Era entranho, sentia uma urgência de então fazer as perguntas por ela.

O outdoor piscava lá fora, banhando o rosto de como a luz da lua. sentiu seu coração se acelerando com um pensamento que ele não conseguia desvendar. Estava lá, no fundo da gaveta, coberto por objetos que pareciam irrelevantes demais naquele momento. Estava lá, grudado na madeira como um papel há muito tempo dobrado e esquecido. só precisava alcançá-lo, o conteúdo o diria exatamente sobre o sentimento o qual não conseguia nomear.

Um súbito estrondo vindo de fora reverberou por todo o apartamento, o coração de que já estava acelerado parou por uma fração de segundo. De alguma forma, ficou mais alerta do que nunca. Ele girou os olhos, aterrorizado demais para mexer o pescoço inteiro na direção do barulho.

— Não se preocupe. É só o Sam indo trabalhar. — o tranquilizou. — Ele faz esse barulho todos os dias.

Ela fez um sinal com a cabeça para que eles fossem até a janela. De lá, percebeu que começava a amanhecer.

— Eu preciso ir embora. — se virou para ela. — Eu tenho um show amanhã à noite, preciso dormir, descansar a voz...

A cabeça de era confusão pura, ele já tivera muitas noites intensas antes, mas aquela tinha sido bizarra, para dizer o mínimo. Ele estava exausto mentalmente.

— Tudo bem. — sorriu. — Eu entendo.

— Okay. — concordou sem jeito. — Eu queria te perguntar... Você tem certeza de que posso usar a sua melodia? — Ele não sabia se aquele era o momento mais apropriado para voltar àquele assunto, mas não poderia ir embora sem ter certeza de que ela se lembrava do que tinha dito.

— Tenho.

— Então vá me encontrar hoje à noite de novo. — sugeriu em um ímpeto de coragem.

— Okay. — respondeu, mas não sentiu firmeza em seu tom.

— E-eu vou conversar com a minha equipe para formalizarmos isso, sabe, por escrito. — Eu não posso usar se não fizermos isso, então eu realmente preciso que você me encontre lá. — gaguejou. Embora fosse verdade, seu tom era aflito, de pura barganha.

— Tudo bem, eu vou. Prometo.

— Eu te espero depois do meu show, no mesmo horário e no mesmo lugar. Por favor, apareça. — O desespero crescia, uma angústia profunda que só o deixaria ir embora quando tivesse certeza de que a veria de novo.

— A minha promessa é solene. Eu vou.

— Okay. — acenou, sua inquietação era palpável. As lembranças da sua alucinação pairando na superfície. sumindo diante de seus olhos, ele correndo atrás dela e jamais a alcançando, sequer a encontrando. — E me promete que não vai entrar mais naquela piscina.

o fitou inexpressiva.

— Por favor.

— Tudo bem, não entro mais. — concordou por fim. — Eu te levo até a porta.

Quando saiu no corredor, ele se virou para uma última vez. Tinha uma última coisa que ele precisava dizer.

— Eu espero que você saiba que é encantadora. Já te disseram isso?

abriu um sorriso tímido.

Assim, se afastou, indo embora como se sentisse cada músculo do seu corpo lhe puxando na direção contrária.



O cheiro de lavanda invadiu suas narinas. piscou, tentando manter os olhos abertos. Por um momento teve dificuldade de se recordar onde estava. Acordara com a mente atordoada, a cabeça pesada como se experienciasse a pior ressaca da sua vida. A sensação de que algo estava muito errado o assolou. O nome dela apareceu nos seus pensamentos. Ele tinha ido embora e a deixado naquele lugar assombroso e anômalo. O vazio da perda preencheu seu peito. Uma nuvem de culpa pairou sobre sua cabeça, acelerando seu coração e esvaziando sua alma.

Checou o celular, conferindo as mensagens e anotando o conjunto de notas que passou. Em seguida, mandou uma mensagem para seu colega de banda e produtor musical, pedindo para que ele fosse até seu quarto e levasse um violão.

tomou um banho e se arrumou rapidamente. Ficou andando em círculos, esperando que o amigo chegasse. Quando a batida na porta veio, ele correu para abri-la.

— Ei, mate. — John cumprimentou, entrando no quarto e se sentando numa das poltronas.

— Bom dia. Como vai?

— Bem. Você?

encolheu os ombros.

— Como foi com os caras ontem? — Ele desviou o assunto.

— Nós tomamos uma e assistimos a reprise do jogo.

— Quem ganhou?

— Manchester.

— Merda, hein.

— Pois é.

— Escuta, mate, eu... tô com essa melodia na cabeça, mas não sei se já ouvi em algum lugar, eu gostaria que você conferisse para mim.

O cantor queria ter certeza de que não estava apenas assobiando alguma música muito famosa que ele não conhecia. Plágio era uma coisa séria.

— Claro, sem problemas. — John passou a case do violão para .

colocou o celular para gravar o áudio em cima de uma mesinha e se sentou na poltrona ao lado de John. Repetindo as notas na cabeça, ele começou a tocar.

A melodia o levou de volta à noite anterior como um flashback. O show, a volta para o hotel, a insônia, o assobio, ... A letra que ele tinha criado saiu pelos seus lábios em um murmúrio e, antes que ele percebesse, seu cérebro começou a completar os versos e refrão.

Waking up with you gone in the mornin'
Goin' to sleep with you not here at night
Oh, these feelings they would just be so foreign
Can't you stay for the rest of my life?

If you leave me
Oh, I think that I just might lose it completely, yeah
If you leave me
Hope you know that you're sentencing me to a life on my knees
Don't know who I would be


Quando terminou, abriu os olhos. Não percebeu quando os tinha fechado. John encarava o cantor com o que ele imaginava ser admiração. sempre teve facilidade de criar letras assim, na hora, sem pensar muito. Sabia que era uma habilidade que nem todo mundo dominava; mas, uma vez que ele tinha uma melodia, a letra certa parecia apenas escapar de seus lábios.

Os dois ficaram em silêncio por um momento, John sem palavras, constrangido pelo significado por trás de tudo isso.

— Então... Você pode conferir se essa melodia não existe?

— Claro... Claro! Por que você acha que ouviu em algum lugar e não que criou?

não queria contar sobre . Não ainda.

— Eu não sei. — Encolheu os ombros. — Só parece um conjunto genérico que eu ouvi em algum lugar e ficou preso na minha mente. Só quero ter certeza de que só não sei de onde veio.



— Ótimo show, galera! Muito bom! — gritou para todos no camarim enquanto pegavam suas coisas para ir embora.

Ele mal podia esperar para chegar no hotel e ir se encontrar com . O dia tinha se arrastado e a madrugada parecia nunca chegar.

Na van, diferente da noite anterior, estava introspectivo e perdido em pensamentos. Ele ouvia as conversas paralelas como um barulho distante e indistinguível.

— Então, você vai tomar uma com a gente hoje?

Ele estava ansioso para mostrar a gravação de voz dele tocando mais cedo para .

— Mate?

Se perguntava o que ela diria ao ouvir. Ela parecia o tipo de pessoa que diria que gostou apenas se fosse verdade, assim como não teria medo de dizer que não gostou.

! — Ele ouviu seu nome ao mesmo tempo em que seu ombro sentiu um baque, ele tinha levado um soco.

— Aí! — reclamou. — Pra que isso?

— Estamos falando com você!

— O que você disse?

— Se você vai tomar uma com a gente hoje à noite.

— Desculpe, eu não posso.

— Tem razão, é muito depois da sua hora de dormir. — Algum deles zombou, os outros riram.

— Eu não tenho hora para dormir. — Ofendido, revidou.

— Humm, o que você vai fazer ?

— N-nada! — Seu tremor na voz o entregou.

As repostas de só serviram para gerar mais perguntas.

— Você vai sair sem nós? — Alguém gritou.

— É um encontro? — Outro falou por cima.

— O que você fez ontem à noite, ?

Aqueles caras ali eram seus amigos. Por que ele estava tão relutante em contar a verdade?

— Escrevi uma música. — disse por fim, cortando o assunto.

Todos perceberam que ele não estava para brincadeira, então desistiram de zoar com a cara do amigo, que afinal também era o chefe.

Quando desceram no hotel, como na noite anterior, foi direto para o elevador enquanto o resto da banda e equipe decidia se iam para algum pub dessa vez. Exceto John, John seguiu .

, o que tá rolando?

— Como assim?

— Você não quis beber ontem, não quer sair hoje. Apareceu do nada com essa melodia que você acha que pode ter ouvido em algum lugar; quando você compõe qualquer coisa sem ter certeza de que a ideia veio de você? Fora as suas respostas evasivas e sua atitude furtiva o dia inteiro. O que tá rolando?

John tinha razão, estava agindo muito suspeitamente. Era impossível que ninguém percebesse, ou melhor, todos não percebessem.

— Eu conheci uma mulher ontem à noite.

— Você saiu ontem à noite?

— Não. Quero dizer, sim. — suspirou. — Ela estava assobiando essa melodia da música embaixo da minha janela, eu não conseguia dormir, então desci para falar com ela, nós conversamos e eu perguntei se podia usar a melodia numa música.

achou melhor deixar de lado a parte que ele foi até o apartamento dela e, principalmente, a piscina e a alucinação.

— O-kay. — John concordou com uma sobrancelha erguida, enfatizando o tom suspeito.

— Ela vai voltar hoje, eu pedi para o advogado me mandar um contrato de uso... Esses direitos autorais, você sabe como são.

, você ficou maluco? — John repreendeu. — Não é assim que as coisas funcionam, você não pode simplesmente pegar a melodia de uma mulher aleatória na rua só porque ela disse que você poderia usar.

— Eu sei. — pressionou a mão na testa. — Tem alguma coisa sobre ela... Venha comigo quando eu for encontrá-la, você vai entender do que eu estou falando.

— Certo. Eu vou. — John suspirou, sabia o que ele estava pensando. Mas tudo ia fazer sentido quando ele visse , tinha certeza disso. — Que horas?

— Eu vou entrar no chuveiro, comer alguma coisa e bato no seu quarto.

John concordou e saiu atordoado.

Em seu quarto, só fez metade das coisas que tinha dito. Ele não estava com fome, não conseguia sequer pensar em comida, ou em qualquer outra coisa que não fosse as horas passando rápido.

Apesar de ter certeza de que tinha sofrido uma alucinação, ele estava preocupado com e não conseguia parar de pensar na piscina sem fundo e a versão criança dos dois.

Quando não aguentava esperar mais, foi buscar John e os dois desceram do hotel, indo para a rua lateral onde tinha encontrado . Os dois ficaram parados lá, em silêncio, estava ansioso demais para conversar fiado.

— Então, que horas essa mulher vai aparecer? — John perguntou por fim.

— E-eu não sei exatamente. Eu estava sem relógio ontem, não sei que horas eram. Mas não deve demorar.

Eles esperaram por muito tempo, viu que John estava cansado e com sono e temeu que o amigo fosse desistir.

— Ela vai vir. — balbuciou.

— Mate, já se passaram horas. Você não tem o número dela?

se sentiu um completo idiota nesse momento, como ele não tinha pensado em pedir um simples número de telefone? Ele estava assim tão em choque depois de alucinar? É, ele estava.

— Ela vai vir. Ela me deu a palavra dela. — Ele reafirmou.

— O que vocês conversaram mesmo? Você pediu a música e ela disse sim?

concordou com a cabeça, evitando dar os detalhes.

— Ela queria alguma coisa em troca? Pediu dinheiro? Os créditos?

negou.

— Ela disse o que fazia? Onde morava?

O interrogatório estava deixando mais ansioso ainda, e ele não viu saída a não ser contar a verdade.

— Ela me levou no apartamento dela. Nós bebemos cerveja e... — coçou a garganta, imensamente constrangido — dançamos na sala.

— Dançaram na sala? — John repetiu como se não tivesse ouvido.

— O apartamento estava nas ruínas, mate. Eu acho que ela precisa de ajuda. Ela disse que estava fugindo.

— Fugindo? De quem?

— Ela não disse.

— Mate, no que é você se meteu?

— Ela vai vir. E eu vou pedir para que ela te mostre a melodia. — A voz de saiu frenética, obsessiva. — , cadê você? — sussurrou mais para si mesmo.

? Você disse que o nome dela é ?

— Sim, por quê?

— Como ela se parecia?

— Annnn — gaguejou.

— Qual era a cor dos cabelos dela?

fechou os olhos com força, tentando pensar.

— Loira? Morena? Ruiva?

Por mais que tentasse, ele não conseguia se lembrar, a imagem de não vinha na sua cabeça.

— Eu... não sei. — Admitiu, por fim.

— Você disse que ela te levou no apartamento, você sabe onde era? Sabe como chegar lá?

— Eu acho que sim.

— Então vamos. — John determinou.

o olhou confuso, desacreditado.

— Espera, sério?

— Sim, anda logo.

No caminho, John fez mais perguntas e acabou contando tudo o que aconteceu: Sobre o apartamento com a luz cortada e a péssima localização em frente ao outdoor, o elevador estragado, os barulhos que ecoavam, a piscina abandonada, o desaparecimento momentâneo dela, a visão, a sensação de que estava em perigo e que se ela não tinha aparecido alguma coisa tinha acontecido com ela.

percebeu John ficar muito calado depois. De certa forma, isso o deixou aliviado, talvez significasse que ele havia respondido todas as suas perguntas. Por outro lado, John e se conheciam desde a época da escola, e sua intuição dizia que não poderia ser só isso, que John não se daria por satisfeito tão facilmente.

— A cidade! — exclamou num acesso de memória. — O prédio que ela mora. Se chama “A cidade”.

— Bem, isso pode ajudar. — John disse retirando o celular do bolso e procurando no pelo local no google. — Achei. Existe mesmo.

— É claro que existe! — rebateu ofendido.

— Estamos perto, é daqui duas quadras.

Eles quase correram o resto do caminho, John seguia o GPS e só enxergava o caminho à frente, esperando o momento em que veria o outdoor e saberia que tinha chegado. No fundo, ele teve esperanças de encontrar no meio do caminho, pois isso significaria que ela estava à salvo e, menos importante, mas ainda assim desempenhando um papel essencial para , significaria que ela estaria indo ao encontro dele.

Agora que o momento estava ali, não soube como aguentou passar pelo dia inteiro, fazer um show e atender fãs. Sua mente e coração estavam consumidos para dar os próximos passos naquela jornada.

? — Ele ouviu John gritar.

— O quê? — olhou para o lado e não encontrou o amigo. — O que foi? Por que parou? — Ele perguntou ao encontrar John alguns passos para trás.

— É aqui. — John anunciou, apontando para o prédio de frente para ele.

— Não, não é não. — franziu a testa, a fachada daquele lugar em nada se parecia com a que ele tinha visto na madrugada anterior. — Aquele prédio era novo e moderno.

— Olha, “A cidade”. — John mostrou. — Nós passamos aqui em frente quando voltamos do show ontem.

Observando com mais atenção, a fachada parecia exatamente a mesma que ele tinha visto com , só que com as manutenções e pintura em dia. O revestimento da fachada não faltava nenhuma cerâmica e parecia que havia sido polido ou limpo há pouco tempo, pois reluzia o brilho mesmo na noite fria.

se aproximou mais e colou a testa na porta de vidro, tentando enxergar alguma coisa lá dentro. A luz estava acessa, os elevadores não tinham faixas de interditado e os tapetes estavam perfeitamente alinhados com as cerâmicas do chão.

— John, não é aqui! — tentou se enganar. — O prédio dela sequer tinha tapetes. Nós temos que achar a !

não percebeu quando o nome diferente saiu de seus lábios.

? — John repetiu.

piscou, uma mistura de confusão e perturbação. Sua respiração falhava, como se estivesse sufocado.

— Ah, mate... — John colocou a mão num dos ombros de , segurando com firmeza. — Eu não sei como te dizer isso...

Algo na voz entalada de John e a soma de todos os acontecimentos das últimas 24 horas trouxeram um momento instantâneo de clareza para o cantor.

— Não... Não. — negou veemente, ele sentia que sabia o que o amigo diria.

— A , ela não pode vir, ela...

Sua vista escureceu, como se ele estivesse prestes a desmaiar.

De repente, sua memória o levou para um cenário totalmente diferente, há muitos anos antes.

— Você não acha legal que os nossos nomes soem parecidos? — A garota disse entre risos. Ela olhava para pela lateral do olho, enquanto jogava uma pipoca para o alto e tenta pegar com a boca.

e ... — O garoto testou os nomes em voz alta, sorrindo com a ideia de comparação. — Mas é só seu apelido.

— Ninguém me chama pelo meu nome desde o Ensino Fundamental. — Ela rebateu ofendida.

— Tem razão. — Ele riu. — Eu nunca penso em você como “”. Sempre penso em você como—

A garota não deixou que ele continuasse a falar, já soltando uma risadinha.

— Então quer dizer que você sempre pensa em mim?


As lembranças de avançaram alguns anos; ele e a mesma garota estavam na área externa da casa dele. Enquanto estava dentro da piscina com um copo na mão, ela estava sentada na borda, balançando os pés na água.

— Eu acho que dessa vez é sério. — dizia, seu tom de voz era de chateação, seu semblante triste.

— Isso é péssimo. Eu não sei como reagiria se meus pais se separassem.

— É que meus pais nunca ficaram juntos, não de verdade. — Ela olhou para os pés, se concentrando no movimento da água.

— Por que você acha que isso aconteceu? — se aproximou, colocando-se entre as pernas dela, obrigando-a encontrar seu olhar.

Como resposta, ela apenas encolheu os ombros.

— Vai ficar tudo bem, .

A garota não o respondeu novamente. Eles trocaram um olhar significativo, no entanto. Ela se inclinou para frente e deixou o corpo cair na água. Assim, boiou de bruços por um momento, o rosto completamente imerso dentro da água.

Ela emergiu poucos segundos depois, rindo. Os risos causaram um ataque de tosse, que a fizeram rir mais ainda. riu junto, aliviado que ela não estava tão chateada ao ponto de perder o humor.

se aproximou, levando uma das mãos até a lateral do rosto da garota e, com cuidado, colocou as mexas de cabelo molhado atrás da orelha dela.

— Melhor assim. — Ele disse suavemente, deslizando as mãos para os ombros dela e depois para a cintura. — Agora consigo ver melhor seu rosto bonito.

Ela sorriu tímida e o abraçou.

— Você se lembra quando nossas mães nos colocaram naquela aula de natação quanto tínhamos... quantos anos tínhamos? — Ela perguntou ao se soltarem do abraço, deu de ombros, sem se esforçar para pensar, muito envolvido no sorriso lindo dela. — Seja lá quantos anos tínhamos, que eles nos faziam prender a respiração assim debaixo d’água? — Ela riu mais um pouco. — Nós éramos muitos novos para esse trauma.

— Você sempre foi uma melhor nadadora do que eu.

— E uma melhor escorregadora em escorregas do parque. — Ela completou com um tom de provocação.


Tudo voltava de uma só vez para , ele se lembrava de tudo com uma clareza absurda agora. As casas que cresceram vizinhos, as brincadeiras nos parques do bairro, a amizade de suas mães, estudar nas mesmas escolas, os últimos anos conturbados. Estava tudo lá na sua mente. Tudo. Até mesmo o que ele não queria se lembrar.

O vinil que tocava era um dos preferidos de , os móveis da sala estavam todos amontoados para que eles tivessem espaço suficiente para dançar. O apartamento que tinha ganhado do pai de aniversário de 18 anos era iluminado e florido. O dia não era dos melhores, no entanto. Mas fazia o possível para que pudesse amenizar sua dor. Ela tinha comprado a cerveja porque, legalmente, ele ainda não poderia beber. E era uma festa.

Eles só não tinham o que comemorar.

— Eu não quero ir, . — confessou em determinado momento.

— Vem aqui. — , ainda adolescente, puxou delicadamente pela mão, abraçando-a. — Vai ficar tudo bem.

Ela suspirou e o encarou, dando-lhe um beijo que transmitia toda a gratidão que sentia pela segurança que ele passava.

— É só que... primeiro ele traiu a minha mãe e agora ele vai se casar com a amante? Eu só queria fugir para sempre, para algum lugar que ele nunca fosse me encontrar. Ou, pelo menos, na semana que vem.

Abraçados, eles não dançavam mais.

— Nós podemos escapar da cidade. Ou... ir embora de vez. — sugeriu incerto, afagando os cabelos dela.

— Para onde? — suspirou no ouvido dele. — Eu acabei de passar na faculdade e você ainda está no colégio, como vamos nos sustentar? Eu só tenho isso aqui porque meu pai se sente culpado, no momento em que eu o desafiar, ele me manda de volta para morar com a minha mãe.

— Eu... eu vou arrumar um emprego! — respondeu confiante. — A gente consegue. Você não precisa dele. Você tem a mim!

— Mas e o seu sonho de ser cantor? Se nós formos embora... Sozinhos, como faríamos?

— Eu não quero nada disso se não for com você. E se você quer fugir dele, eu vou junto.

— Você faria isso por mim?

— Isso e muito mais.



As notícias chegaram pela mãe dela. A cena, ainda que não vista por ele, não foi impedimento para que sua mente não a projetasse. O carro de virado de cabeça para baixo no rio. Ele conhecia o rio, conhecia o carro, e isso era o suficiente para que a imagem fosse criada na sua cabeça, tão traumatizante quanto se ele tivesse visto de verdade. Ele pensou sobre o que ela deveria ter sentido no momento em que seu carro atravessou a contenção e despencou da ponte. Pensou se ela o deixou enquanto sonhava sobre os planos que fizeram, se ela realmente acreditava que eles iriam embora no dia do casamento do pai dela, que venderiam o apartamento que ela ganhou e se mudariam para um lugar perto da praia.

Enquanto se esforçava para manter o telefone na orelha, era impossível que acreditasse que estivesse sendo retirada do fundo do rio naquele momento, não quando logo na noite anterior ela foi a última coisa que ele viu ao dormir e a primeira a acordar. Ele a viu pela última vez sem saber que era a última vez. O que ele faria com sua vida agora? Como ele poderia seguir com ela não mais ao lado dele?


nunca soube o que aconteceu. Como não conseguiu sair sabendo nadar tão bem? Os mesmos questionamentos de mais de dez anos atrás o atingiram como um soco no estômago. Ele não conseguia suportar o pensamento de que talvez ela tivesse feito de propósito. Foi um acidente, todos disseram. E foi o que ele se forçou a acreditar. Se forçou tanto que aquilo havia ficado para sempre preso numa gaveta nunca mais acessada, embora cravado na sua alma como escritas em pedra.

Em que momento ele se esqueceu disso? Foi quando tudo começou a dar certo demais e parecia estranho ter algo tão sombrio o rondando? desejou tanto escapar daquela realidade em que não existia, que ela o seguiu de forma deturpada e corrompida pelos seus sonhos. E desejou tão fortemente que não apenas escapou, como se esqueceu. E como ele pôde se esquecer assim? Dela? Não a reconhecer? Como a sua memória poderia tê-lo traído de forma tão cruel? A trazendo de volta por uma noite, e instalando a constante culpa de que ele conseguiu descobrir quem ele era mesmo sem ela. E a lembrança daquilo que ele jamais teria de volta.

Condenado a uma vida baseada no que ele perdeu, foi deixado com a ironia mais impiedosa do seu talento: Uma música.




FIM



Nota da autora: Eu sei! EU SEI! Todo mundo que me conhece vai chegar aqui pensando que porra acomnteceu???? e eu já peço perdão de uma vez, não me odeiem por estragar essa música, mas ela me passou muito essa vibe de devaneio e eu precisava escrever algo assim, mas mantendo o elemento do meu pp famoso porque eu não supero isso, né?
CONFESSO, no entanto, que é a primeira vez que me arrisco a escrever algo nessa linha que eu não sei nem como classificar? seria um mistério turned out em drama?? Enfim. Foi totalmente fora da minha zona de conforto, meio (muito) surto da minha cabeça, mas espero que gostem? Ou que achem bem escrito pelo menos? CADE AS LEITORAS QUE DIZEM QUE LERIAM ATÉ A MINHA LISTA DE COMPRAS? Pois é!!! Ainda pensam assim???
Não deixem de dar o feedback de vocês, mesmo se acharem uma merda, só levem em consideração que é a primeira vez que faço algo assim, então ainda não tenho noção??? Qualquer dica e crítica com embasamento é bem-vinda!!
ENFIM, se você gostou, infelizmente não vai achar nada parecido com isso no meu acervo, MAS você pode encontrar minhas fics fofinhas nos links abaixo. E se você odiou, também clica nos links abaixo justamente porque você não vai achar nada como isso aqui e pelo menos UMA das minhas fics você vai amar <3

Por favor, não desistam de mim,
Beijinhos da Cam Vessato.

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