Capítulo Único
O nó de gravata foi uma das primeiras coisas que meu pai fez questão de me ensinar depois dos meus 15 anos e eu tinha total habilidade para isto, em todas as ocasiões de formalidade eu recebia uma mensagem ou era convocado para tal feito. Era até engraçado, que, mesmo ensinando, meus amigos não tinham o menor tato, e mais engraçado ainda é o momento de agora, que, por puro nervosismo, minhas mãos soam e se embolam.
— É sério que eu estou vendo isso? — Inácio questionou enquanto olhava diretamente nos meus olhos e prendia o riso.
A vontade de socá-lo era enorme, mas nem de longe eu poderia fazer isto hoje, no dia do seu casamento. Inácio é meu amigo de infância, no qual eu não tive muito escolha, nasci e ele já estava lá para ser meu amigo, irmão e companheiro de todas, literalmente todas as horas.
— Sou eu quem vou casar e não você! — Afirmou enquanto eu tentava, outra vez, arrumar sua gravata.
— Eu também tenho o direito de ficar nervoso, é o casamento do meu melhor amigo. — Menti, mas soou convincente, pelo menos para mim.
— A não morde, ela ainda é a mesma que você conhece.
— Eu sei, a questão é que não sei como agir com ela, não mais. — Dei de ombros e Inácio suspirou, do jeito dele, de quem vai fazer pergunta desconfortável.
— Você, bom... Você sempre gostou dela, né? — Em outros tempos eu demoraria para responder, por orgulho ou até mesmo mágoa, mas a minha cabeça balançou automaticamente em afirmação e Inácio me deu dois tapinhas nas costas, aquela prévia de notícia ruim.
— Bom, pelo menos, para sua sorte, ela não quis convidar o “namoradinho”. — Terminei, finalmente, o nó da gravata e quase enforquei Inácio ao ouvir suas palavras. Ele empurrou minhas mãos para longe, rindo e tossindo ao mesmo tempo. — Eu estou brincando, ela terminou!
Ah, o alívio...
— Porra, Inácio! Acho que por um segundo o meu coração parou, mas para sua infelicidade ele voltou a bater.
— Você é patético! — Rebateu.
— Eu só queria vê-la antes, talvez eu estaria mais confortável.
— Pelo amor de Deus, , você viu a minha irmã a sua vida toda, independente da história de vocês, não é como se você nunca tivesse a visto! — Inácio se posicionou em frente ao espelho, terminando de arrumar seu terno, e agora ele estava visivelmente nervoso, faltavam pouco mais de trinta minutos. — Não demore, eu já estou indo, mais um minuto aqui eu infarto.
Meu coração estava frenético como nunca antes, a mistura de sentimentos era poderosa e inexplicável. Eu tentava inutilmente comparar com tudo que já tinha vivido em busca de amenizar as sensações, mas nem quando eu fiz meu primeiro show para um grande público me senti tão nervoso, tão pouco quando eu ficava contando as horas pra ver nos dias de sempre, nem quando planejei de pedi-la em namoro, tão pouco quando tive de me mudar, sozinho, indo para outro Estado e outra realidade, e nem todas as memórias que surgiram fazendo uma enorme bola de neve na minha cabeça. O ar condicionado da sala não parecia dar vazão, eu estava soando frio dos pés à cabeça com um copo d’água nas mãos, do qual eu mal conseguia ingerir o líquido, tamanho era o meu desespero.
“Pelo amor de Deus, , você viu a minha irmã a sua vida toda, independente da história de vocês, não é como se você nunca tivesse a visto”.
Essa foi a fala de Inácio ao sair da sala, antes de se direcionar ao altar. Bom, é exatamente como isto, eu não tinha visto desde que fui embora, ou melhor, desde que ela nunca mais apareceu na minha casa, nos meus shows ou em qualquer lugar no qual eu estivesse. Não sabia nada de , então é como se eu nunca tivesse a visto e tão pouco a esquecido.
A presença de por si só era meu ponto de calmaria, sempre foi, desde o momento que ficamos pela primeira vez. A conexão fortaleceu com o passar dos dias, da convivência e do sentimento, que, sem perceber, criamos um pelo outro e que, por burrice, eu nunca assumi.
FLASHBACK –
Dia 16/01/2017
Mais de duas semanas viajando e fazendo shows entre Rio e São Paulo, dividindo hotéis, experiências e emoções. A sensação era maravilhosa, apesar do dormir pouco, a exigência de estar sempre disposto e saudade que estava de . Ela podia facilmente ter vindo nessa viagem comigo, mas colocaria em jogo contar a toda a sua família sobre o nosso “relacionamento” e não termos paz, segundo a mesma. Estava totalmente fora de cogitação, por enquanto.
havia acabado de sair de um relacionamento ruim, ela sempre esteve ali por comodidade e eu sabia disso, diferentemente de toda a sua família. Por mais amigo de Inácio que eu fosse, por toda a vida, o fato de eu escolher correr atrás dos meus sonhos ao invés de entrar em uma faculdade virou motivo suficiente para os seus pais e infelizmente, junto até dos meus, por um tempo me taxarem de indolente, o que não abalou nossa amizade, mas trouxe bastante dor de cabeça e um par de mentiras para nossas vidas.
Antes mesmo de chegar na cidade, Inácio havia me pedido para passar no Bar do Pesqueiro. Era o nosso bar favorito e quase na orla da praia, mesmo o cansaço tomando conta de mim, não neguei e ainda bem que não neguei! Todos os meus amigos estavam lá, além de Inácio e sua namorada, Brenda, os gêmeos e, bom, meus primos, que contando por alto são em cerca de sete, e todos eles juntos não tinham o menor comportamento para matar a saudade em lugar público, nem eu.
— Parabéns, você conseguiu! — Inácio me abraçou e eu sabia exatamente o discurso de “Estou orgulhoso” que ele faria depois. Agradeci, mas na verdade eu queria ter perguntado de . Por que ela não estava ali?
Peguei meu celular e antes mesmo que eu pudesse digitar qualquer coisa, todos gritaram.
— REGRA DO CELULAR! — E eu tive de pôr o celular na mesa, sem contestar e pagar a rodada de cerveja.
Se tu tivesse aqui, ia te dar uma chuva de beijo
Estilo sertanejo, bem romanticão
Ia tirar tua roupa depois de ter permissão, yeah
FLASHBACK OFF
— Quem tem direito a atraso é a noiva e não você! — deu um pulo do sofá em que estava recostado e pela sua palidez parecia que tinha visto um... Fantasma? Ele não reagiu por alguns segundos e confesso que eu estava rezando para que não falasse absolutamente nada e só saísse daquela sala minúscula em direção ao local da cerimônia comigo.
— Você é perfeita! — A voz saiu suave e rouca, como se tivesse acabado de acordar e, antes que as lembranças das nossas manhãs com essa mesma frase me atingissem, agradeci com um sorriso e o puxei pelo braço sem sequer ter coragem de olhar em seus olhos. — Temos que ir, já estamos mais atrasados que a Brenda!
Ele riu e me acompanhou forçadamente, pois eu estava o arrastando sala afora, mas, antes que atravessássemos a porta da sala, me puxou e me abraçou, jogando no lixo todo o meu trabalho de controlar o emocional, que comecei a construir desde que soube que ele realmente viria para ser meu par no casamento. Meu coração deveria estar batendo a cento e cinquenta batimentos por minutos, sem brincadeira, eu conseguia senti-lo como se fosse sair de mim, assim como as lágrimas que estavam implorando para sair dos meus olhos.
Que ódio!
Os braços de me envolveram ainda mais quando por fim eu correspondi o seu abraço, e eu conhecia muito bem a sensação daquele abraço.
FLASHBACK –
Dia 16/01/2017
O dia tinha sido exaustivo para caramba e a única que me lembro foi de ter chego em casa e visto bilhete dos meus pais, sim eles são os antiquados dos bilhetes mesmo tendo o WhatsApp, informando que iam pra casa no campo visitar os meus avós. Paz de espírito, finalmente? Chamei por Inácio apenas para constatar que ele não estava em casa e deveria ficar na casa de Brenda.
“Já chegou? Passe livre total aqui em casa, vou te esperar, ok?”
Enviei para e, no aguardo de sua resposta, acabei adormecendo.
Acordei assustada e por um momento, se eu não conhecesse bem Inácio, poderia jurar que estavam invadindo a nossa casa. As risadas e o falatório extremamente alto eram a primeira pauta para que eu pudesse mandar todo mundo embora lá de casa e Inácio incluso, mas todo o plano foi por água abaixo quando ainda do pé da escada eu pude ver . Ele estava sentado no chão da sala com uma garrafa de cerveja na mão, a camisa pendurada sobre os ombros, cabelo preso de qualquer jeito, rindo de qualquer idiotice que alguém estava fazendo lá embaixo e, como uma boa idiota, apaixonada?
A-P-A-I-X-O-N-A-D-A
Meu cérebro estava gritando... E, sim, como uma boba apaixonada, fiquei admirando-o, não sei se por muito tempo ou apenas tempo suficiente para ser notada ali, por ele e seu sorriso iluminado. Me contive para não sair correndo escada abaixo e chamar a atenção de todos os bêbados para nós, por sua vez não se importou e já estava no pé da escada com os braços abertos e um sorriso enorme, pra mim, pra me receber. Aquele abraço de saudade, que te faz sorrir, amar, se perder no tempo e se sentir em casa, sem que nada seja dito.
Praqueles que tem sede de ficar na história
Pra nós eu quero só tesouro e joia
E aqueles 50% de amor, se não moía
FLASHBACK OFF
Estávamos todos enfileirados para entrar e de braços dados, só na espera da melodia começar para que pudéssemos dar o primeiro passo. Todas as pessoas que estavam ao nosso redor estavam conversando, mesmo que bem baixo, com seus parceiros, e o silêncio sepulcral que nunca existiu entre e eu se fez presente.
— Você disse que eu estava atrasado e estamos em pé há mais de meia hora — Resmunguei.
— Não tem nem 10 minutos, pare de ser exagerado. — Rebateu, o tom de voz nem um pouco baixo, chamando a atenção para nós.
— Pra você não faz diferença, sempre se atrasava pra tudo. — Eu ri baixinho, mas a cara emburrada de mostrava que ela não tinha achado nenhuma graça ou estava escondendo muito bem.
— Hm, quem se atrasou hoje?! — Ela arqueou a sobrancelha, presunçosa, e eu só balancei a cabeça, não discordando dela.
E silêncio outra vez.
Silêncio até o primeiro acorde da melodia chegar aos nossos ouvidos.
— É agora! — Falamos juntos e, a julgar pelo olhar que trocamos após olharmos nossas mãos juntas, o pensamento de “podia ser nós dois” estava presente. E permaneceu presente a cada passo que dávamos até ao altar.
FLASHBACK –
Dia 09/06/2018
Eu estava uma pilha de nervos no camarim e toda vez que me parecia confortável olhar a plateia era um erro que eu cometia, talvez esse fosse o meu maior show desde o começo e ele seria só o primeiro da noite. O meu andar de um lado para o outro no camarim já havia incomodado a todos e até a mim mesmo, mas ficar dentro dele ainda era melhor do que do lado de fora vendo aquela multidão. Todas as coisas que tinham no camarim sem sombra de dúvidas me deixariam mais enérgico, então eu optei por ignorá-las e pensar na única pessoa que poderia me acalmar e falhei. Por que ainda não tinha chego?
Seu celular estava indo direto para caixa postal e não era nem a primeira, nem a segunda vez que eu tentava ligar para ela e ouvia sua voz com aquele recado idiota... Mas o ponto alto da noite, até agora, era estar repetindo o mantra de Brenda que eu tanto tirava sarro, afim de não criar paranoia, "Respira, inspira e não pira". No meu segundo exercício já aceitei que isso não daria certo nem que eu o repetisse cem vezes. atravessou a porta do camarim com toda sua calma, o rosto sereno e o sorriso iluminando todo o seu rosto milésimos de segundo depois e, mesmo que meu coração ainda estivesse acelerado, a calmaria automaticamente se estabeleceu em mim, só de vê-la.
— Você é perfeita!
— Eu sei! — Respondeu, pretensiosa, e eu ri, não sei se dela ou de felicidade. odiava quando eu ria dela e, ao contrário do que ela costumava fazer, que era emburrar, distribuiu beijos do meu pescoço até o queixo, mordiscando em seguida e roçando seus lábios nos meus, suas mãos estavam por dentro do moletom arranhando minhas costas em um vai e vem instigante.
— Por que 'cê faz assim, amor? — Sussurrei tentando beijá-la e ela afastou o rosto, com um sorriso safado estampado e a mãos inquietas saindo das costas para o cós da minha calça, em uma brincadeira excitante que me faria facilmente perder o controle se resolvesse descer mais as mãos. Segurei seu rosto com umas das mãos para que não afastasse o rosto e a beijei, tentando não parecer obcecado por aqueles lábios sempre doces e convidativos, ela não demorou em corresponder colando ainda mais nossos corpos e exigindo mais de nós. A puxei para o meu colo e suas pernas logo estavam ao redor do meu corpo, assim como sua intimidade estava pressionando a minha ereção, o gemido escapuliu e tudo foi por água abaixo quando algum maldito abriu a porta e a fechou rápido em seguida, ecoando só o barulho da porta fechando.
— , tá na hora! — Eu suspirei, fracassado, por vários motivos e só desci do meu colo depois de uns bons dois minutos que ela estava com nariz enfiado em meu pescoço, sussurrando várias gracinhas aleatórias. Eu amava isso!
— Boa sorte, faça um bom show. — Me deu selinho demorado que quase se desenrolou para um longo beijo. — Te vejo depois de amanhã! — E ela correu, porta a fora me deixando com as palavras que estavam há dias na minha boca.
E me dá um jeito de acalmar, calma
Por que 'cê faz assim, amor? Porra
Quando excitar, vou te dizer, corra
FLASHBACK –
Dia 11/06/2018
E era o depois de amanhã. No final do show de sexta, havia me mandando mensagem dizendo que fomos interrompidos na melhor hora e eu só respondi com um “Safado” e recebi de volta um “Não estou falando disso”. Desde o momento que me entreguei a ele, sabia que essa conversa existiria e, depois dessa mensagem, eu soube que ela estava mais perto do que eu imaginava. O olhar dele revelava isso, depois o seu toque e seus beijos reafirmaram que ele não iria permitir que eu fosse embora da vida dele e, do fundo do meu coração, eu também não queria ir.
Não precisei abrir os olhos para saber que já havia amanhecido e que me observava, com aquele sorrisinho torto de toda vez que dormíamos juntos.
— Bom dia. — Minha voz saiu rouca, mas ele pareceu não se preocupar. Me deu uma piscadinha antes de começar a beijar o meu pescoço.
— Já é quase boa tarde.
— Não importa, quase não dormimos. — O riso dele saiu abafado em meio aos carinhos que continuava fazendo.
Ele estava protelando o que quer que fosse dizer. O que também prolongava a minha agonia e dúvida. Estava dividida entre o desejo de um possível futuro com ele ou o fim imediato, assim que levantássemos da cama. Minha mente sempre trabalhava rápido demais para sensações ruins.
— Melhor eu ir. — Disse tentando tomar o controle da situação e acabar com aquele martírio. — Cê sabe, meu pais já devem tá pra chegar, é bom que eu esteja já que Inácio tá na Brenda...
— Não, não, não — Finalmente ele me encarou. — Quero que você fique!
— Mas você vai viajar em algumas horas e... viajar não, se mudar né.
— Você não entendeu. — O olhar dele endureceu em determinação. — Quero que você fique comigo, que você permaneça na minha vida e continue me deixando feliz e louco.
— , eu...
— Eu amo você! Não sei bem como isso aconteceu, na verdade eu até sei, mas é o que eu estou sentindo e eu só preciso que você aceite namorar comigo.
Minha cabeça deu mil voltas em segundos. Pensei em quantas vezes esperei que ele dissesse aquelas palavras, e todo o seu esforço para tornar o que tínhamos em um relacionamento. Então, ali estava ele. Abrindo o seu coração, dizendo tudo o que eu sempre quis, mas no momento errado. Pensando bem, não sei se existiria um momento certo na minha cabeça.
— Eu amo você. — O sorriso dele cresceu, os olhos brilharam e foi tão doloroso assistir tudo aquilo se desfazer no exato momento em que continuei a falar. — Mas não podemos, isso nem era pra tá acontecendo...
se levantou e começou a andar de um lado pro outro. Meu corpo trêmulo e a garganta seca eram um impedimento maior em encontrar as palavras exatas que deveria dizer.
— Você sabe que não daria certo e...
— Por que não? Você sempre ficou dizendo que o amor resolvia tudo e agora está mostrando o contrário.
— Nós crescemos e isso aqui é a vida real. Eu não posso abandonar tudo que eu conquistei só porque você acordou e percebeu que me amava.
— Não estou pedindo pra você abandonar nada, estou pedindo pra construir coisas comigo.
— Abandonando o que eu já tenho?
— Você é a porra de uma garota egoísta e insegura, é isso que eu vejo na minha frente agora.
As palavras duras me fizeram reagir, não como a criança encolhida que estava sendo, mas como a mulher que era. Como a mulher que estava defendendo o que conquistou, mesmo sabendo que aquilo era puro medo de dar tudo errado e ter de voltar correndo para os meus pais. A realidade é que eu não teria para onde voltar no momento em que colocasse os pés pra fora daquela casa com , mas ele nunca iria saber disso.
Me levantei e, sem me importar com a nudez ou o fato de ser vários centímetros mais baixa que ele, busquei toda a minha altivez pra lhe dizer.
— Não é egoísmo ter amor próprio e nem é insegurança permanecer onde se deseja.
— Você disse que me amava, mas não quer se entregar a esse amor, se dar uma oportunidade. Pode parecer egoísmo meu querer te levar no mesmo caminho que tô construindo meu sonho? Sim — Ele suspirou e passou a mão no rosto mais vezes do que eu pude contar. — Mas é oportunidade pra você também, sair dessa dependência de fazer o que é certo e errado por causa dos seus pais. Isso me parece um monte de medo.
Ele tinha razão, tinha a maldita razão, mas ainda não era maior que o meu monte de medo.
— Você não entende...
— Eu tô tentando te salvar e eu que não entendo?
— Sim, eu não preciso ser salva, , isso não é porra de um conto de fadas! — Em anos, a gente nunca tinha se alterado um com o outro, nem quando éramos só amigos, tão pouco quando começamos a ficar, e era desconfortável demais para o meu coração ter que esconder tanto sentimento agora. — Eu não sou uma criança, não estou te pedindo ajuda, sou a porra de uma adulta que está tomando uma decisão e o que eu posso fazer se um “Não” como resposta é desagradável pra você?
— Pelo amor de Deus, você esteve em um relacionamento abusivo e a única pessoa que notou isso foi eu e a sua família só se importando com a merda da aparência e você vem com esse discurso? — Automaticamente, quando toda essa fala saiu da sua boca, o ar do quarto mudou. — Me desculpa, eu nunca deveria ter falado isso. — O arrependimento de foi mais rápido do que eu pude processar, mas eu já estava cega de raiva e mágoa, totalmente sem filtro.
— E é isso que você vai fazer no futuro? Jogar tudo na minha cara? — Eu perguntei e não dei tempo que respondesse. — Eu dispenso qualquer coisa que venha de você.
— ... — Eu não me esforcei para olhar em seus olhos enquanto me vestia e prendia o choro para sair dali com meu monte de medo e dignidade. — Não vai embora desse jeito, por favor. — Pediu e como uma criança birrenta ele estava pegando meus tênis do chão, para me forçar a olhar, conversar ou pedi-los para ir embora.
— É sério? — Meu tom de voz já estava mais controlado, mas poderia fraquejar ao qualquer momento agora, pois ver os olhos de tristes e marejados tinha me quebrado em dois e eu não ia passar mais um segundo dentro daquele quarto, nem que tivesse de ir embora descalça. Eu decidi que era melhor eu ir, mesmo querendo ficar.
FLASHBACK OFF
Sua campainha eu toco
E onde mais tu quiser sentir prazer, fala que eu toco
Pô, mozão
Desse jeito eu machuco até seu coração
Não só tesão
Pivato
Toda a burocracia de casamento já tinha passado. Os votos, as fotos, os discursos, a valsa, a abertura da pista de dança, que é sem dúvidas a melhor parte pra mim! Eu estava dançando com meu irmão e interagindo com Brenda, que, por sua vez, estava dançando com a festa inteira quando a música foi interrompida pela voz de , me causando um arrepio pelo corpo inteiro quando ele simplesmente começou a cantar.
— Sim, é ele quem vai cantar no casamento, não tem nada de banda como você tanto insistiu. — Inácio declarou, se antecipando, e eu engoli a seco a minha birra por ser seu casamento. Não só a minha birra como o meu choro, que estava pronto para vir à tona, mas eu continuei lá e Inácio continuou me mantendo animada e me observando.
— O engraçado é que você sabe todas as músicas, né?! — Eu não sei se era uma pergunta ou uma afirmação, só sei que o silêncio e mandá-lo à merda daria no mesmo, fiz silêncio.
— Já se passaram 2 anos, ... — E ele começou, eu sabia que esse dia iria chegar, mas tinha que ser hoje? Inácio nunca tocou no assunto comigo e eu nunca quis voltar para aquele dia horrível. — Não vou defendê-lo ou eximir de culpa, mas vocês amadureceram, acho que vale uma conversa ao menos para ficar um bom clima, sabe?
— E quem disse que o clima não está bom? — Rebati no automático.
— O estava prestes a desmaiar antes de te ver e agora eu posso sentir você tremendo por estar ouvindo a voz dele e se esforçando pra não olhar pro palco, eu conheço muito bem vocês dois. — Ele limpou a lágrima teimosa que escapou dos meus olhos, ajeitou meu cabelo em seguida. — Pense nisso e...
— Ele me pediu pra ir com ele, eu não quis porquê... — Eu o interrompi pronta para despejar tudo, mas não consegui terminar, não de primeira. — Sério que você quer ter essa conversa aqui? Hoje?
— Você já começou a falar, — Ele deu de ombros — E, bom, você não vai me ver durante os próximos trintas dias, qualquer decisão que tomar não estarei te atormentando.
— Eu não quis ir, por medo, medo do que nossos pais fossem achar, medo de dar errado. Se desse errado? Com que cara eu iria voltar pra casa? Aqui eu já tinha amizades, vocês, meus contatos certos pra trabalho de fotografia... Jogar tudo pro alto por causa de uma coisa incerta? — Agora eu quem dei de ombros — E não é como se ele se importasse, por Deus, ele fez o que fez, você tava lá e... — Agora eu realmente não iria conseguir terminar, não com as lembranças daquele dia me bombardeando, com flashes vivos como se fosse ontem. A voz de Inácio ao fundo parecia zumbido, mas ainda assim eu conseguia ouvi-lo, igualzinho àquele dia.
FLASHBACK –
Dia 07/11/2018
Fazia mais de três meses que havia se mudado e, junto a isso, mais de três meses que eu não tinha contato direto com ele. Nossa separação (será se posso chamar assim?) havia sido desastrosa, na verdade tudo virou um desastre desde o pedido de namoro, que eu não aceitei, por medo de como a minha família reagiria.
Ele sempre mandava mensagens pra Inácio e toda vez que ele fazia chamada de vídeo com o meu irmão, eu me intrometia, apenas porque precisava ouvir sua voz sem ser nas músicas, precisava vê-lo sendo o de sempre e, pela sua cara de descontentamento, ele odiava me ver. Em umas dessas chamadas Inácio disse que iria vê-lo e eu tive que me conter, na hora, para não gritar que queria ir junto. Passaram-se três dias e Inácio não tinha sequer perguntado se eu queria ir, ele já sabia sobre nós, sobre quase tudo que aconteceu durante os últimos meses e eu sinceramente queria saber quem ele estava tentando preservar ou se apenas não queria me levar junto.
E eu também não me dei o trabalho de perguntar, apenas apareci arrumada e com as mochilas nas costas na porta do carro de Inácio.
— WTF? Quem disse que você vai? — Questionou. — Eu não vou me responsabilizar por levar você pra lugar nenhum!
— Inácio! — Era mamãe, amém. — Qual o problema da ir com você? Não é para casa de que vai?
— O final de semana não incluía a . — Respondeu com o tom de voz bem mais brando. Otário.
— Pois agora inclui, boa viagem! — Yeah! Meus divertidamentes deveriam estar tendo taquicardia de tanta alegria.
— E lá vamos nós! — Foi tudo que pude dizer antes de iniciar uma viagem de boas 7 horas com um Inácio de mau humor pela minha presença forçada, foda-se.
— Estamos quase chegando, . — A voz estava alta, mas ainda assim parecia longe. — Colabore e avise ao , ao invés de dormir os poucos vinte minutos que faltam!
— Autoritário e chato! — Resmunguei.
— Não era nem pra você estar aqui, né, minha filha? — Ele não estava mais bravo, o seu tom de voz já era de ironia e implicância, como de todos os bons irmãos.
— Mandei a mensagem — Balancei o celular — Mas sem sinal! — Dei de ombros e Inácio fez o mesmo, cantarolando qualquer que seja a música ruim que ele estava ouvindo e, antes que eu pudesse criticá-lo sobre o gosto musical, já estávamos parados na cancela do prédio esperando a liberação, o que não demorou. Mas o que pareceu uma eternidade foi o tempo no elevador e os segundos em qual a porta demorou para ser aberta, por uma pessoa que não era o .
Meu coração parecia ter sido exprimido e destroçado para fazer uma caipirinha, a qual estava bebendo e achando deliciosa. Eu estava sentada no sofá pouco mais de quatro metros de distância dele e de sua amiga, palavras dele, Inácio por sua vez estava sentando no chão com o corpo encostado em minhas pernas, que eu lutava para controlá-las quietas e firmes ao chão. O assunto à minha volta começou a parecer zumbidos e eu só voltei a realidade quando ouvi a voz de Nadine, amiga de , o chamando e tudo pareceu uma eternidade desastrosa depois disso. Eu conseguia ouvir o barulho do chuveiro sem precisar de muita concentração, a minha mente pode ter trabalhado rápido demais ou eu realmente consegui ouvir gemidos e risadas.
Engoli, em seco, tudo.
Principalmente os dois voltando de cabelo molhado, rindo, sentados à minha frente no sofá.
— Está tudo bem? — Nadine perguntou — Você está vermelha!
— É sol! — e Inácio responderam por mim, ao mesmo tempo, e eu agradeci mentalmente. O nojo era tão grande, que eu poderia vomitar a qualquer momento, principalmente se abrisse a boca.
— Mas ela não estava assim quando chegou. — Constatou. Filha da puta observadora.
— Licença! — Foi tudo o que consegui dizer, antes de correr à procura do banheiro e despejar tudo que havia comido. Que ódio!
Eu respirei, talvez por menos de um minuto, e observei o banheiro, transformando os sons em imagens e conseguindo embrulhar todo o meu estômago outra vez e voltando a vomitar.
— Inácio... — Falei assim que senti a mão em meu cabelo e depois testa.
— Sou eu! — E todo o vazio chegou, junto com o sussurro daquela voz, junto com todo o embrulho de estômago outra vez.
— Sai, sai daqui — Pedi e não tive força no braço para empurrá-lo, apenas os apoiando no chão pra vomitar outra vez. Eu odiava vomitar e odiava mais ainda não conseguir me controlar em situações como essas, as lágrimas estavam escorrendo lentamente, mas eu podia senti-las e isso me deixava pior a cada segundo.
— O que você comeu ou bebeu vindo pra cá? — Ahhh, a falsa preocupação. Eu com certeza o o-d-i-a-v-a nesse momento.
— Cadê o meu irmão? — Choraminguei e usei o pouco de força que me restava pra levantar. me segurou quando vacilei, me apoiando em seguida na pia do banheiro, e eu odiei o reflexo que vi no espelho. O meu, o seu, o nosso. Eu vi um vazio nos nossos olhos, ao mesmo tempo, o que nunca havia acontecido antes, em anos.
— É sério, se sujeitou a esse nível tão baixo? — Saiu como um sopro, ecoando por todo o banheiro e voltando para nós — Eu estou com nojo de você!
— , me escuta?! — Pediu e eu senti seu corpo ainda mais perto e as mãos indecisas entre encostar em mim ou não. Eu respirei fundo, com o mantra ridículo de Brenda na cabeça “respira, inspira e não pira” e falhei, miseravelmente.
— Eu deveria? — Ironizei e, antes que ele respondesse, já estava pronta para sair dali com a última palavra, tendo ou não razão. — , não precisa se explicar pra mim, precisa no mínimo se colocar no meu lugar. — Fiz uma pausa, talvez virasse um monólogo. — Você gostaria de ficar semanas, meses esperando a hora de “conversar” e essa hora nunca chegar? E, na primeira oportunidade forçada que isso pode acontecer, você simplesmente transa com outra pessoa comigo aqui, sem se importar, sem ter consideração? Eu estava no outro cômodo, porra! — Não chore mais ! Eu implorei ao meu cérebro. — O que aconteceu com você?!
E essa foi a minha última palavra, deixando um atordoado no banheiro e encontrando um Inácio perplexo, que com toda certeza havia escutado tudo, e a última coisa que eu pude ouvir antes de sair de lá foram “Desculpa, ” e “, deixa ela em paz”.
Não tem nem dó de mim, também não de você
FLASHBACK OFF
— ! — Eu despertei daquela lembrança horrível que sempre rondava a minha cabeça tarde da noite durante esses dois anos. — Você precisa acreditar em você mesma, ainda não é tarde pra sair da bolha que a mamãe te enfiou. — Eu fechei a cara, ainda mais e Inácio não parou. — Não é você que sempre falou que ela nos criou para que sempre dependêssemos dela? Se eu acreditasse nesse discurso, não estaríamos aqui hoje. Se dá uma chance e agora não é sobre o que eu estou falando... — Inácio iria continuar, mas se engasgou com a própria saliva ou aquilo era um péssimo disfarce pra me avisar de algo... Péssimo mesmo.
— Até que esse menino dá para o gasto, né? — Era mamãe, de braços dado com , como se o admirasse e fosse o filho dos sonhos. — Agora eu posso considerar que ele seja um bom partido. — Mamãe me cutucou, com o cotovelo e eu só quis me certificar da cara de descontentamento de e Inácio com seu comentário.
— Talvez, se a Senhora o tivesse valorizado anos atrás, agora que ele é famoso e está ao seu nível, acho um pouco tarde para reconhecer, não? — De todas as vezes, dessa vez não fiquei, para obter respostas. Eu exalava o puro veneno.
Eu fiz menção de ir atrás de , mas Inácio me repreendeu com o olho e sibilou “Deixa ela” enquanto sua mãe a chamava de mal-educada, entre outras coisas que meus ouvidos se negaram a abstrair. Nós ficamos fazendo sala pra sua mãe mais tempo do que eu julgava necessário, mas por Inácio eu estava ali. Quando ela finalmente se desvencilhou de nós, dizendo que já era hora de Brenda jogar o tal do buquê, nosso suspiro de alívio saiu audível e a nossa risada veio logo em seguida.
— Você disfarça muito mal! — Inácio declarou. — Se até ontem minha mãe achava que vocês nunca tiveram nada, agora ela teve certeza que foi enganada.
— A sua mãe não mudou nada em relação a , eu tenho impressão de que só piorou.
— Você não tem noção do quanto, mas acho que a vai finalmente entender, eu não estarei mais lá com ela ou por ela todo dia.
— É o que eu espero... — Antes de continuar seja lá a frase que iria sair, a gritaria chegou até nós, assim como várias mulheres à nossa esquerda e uma Brenda histérica pedindo ordem entre elas, ameaçando jogar o buquê uma vez fazendo um leve teste se todas estavam atentas.
— Quem pega? — Perguntei.
— Eu aposto na irmã da Brenda.
— Eu aposto na sua mãe, que nem era pra estar lá! — Nós dois rimos e aguardamos, enquanto Brenda fazia novamente a contagem até três.
“1,2,3...”
Estavam todos contando em uníssono e, assim que ela jogou, a gritaria se fez presente outra vez entre todas elas e a surpresa foi de quem pegou o buquê.
— Eu vou chamar isso de um bom sinal! — Inácio declarou, enquanto batia palmas e apontava para irmã. — VOCÊ É A PRÓXIMA! — Ela lhe deu o dedo do meio como resposta, rindo, e eu fiquei a observando, vendo a desmembrar o buquê e entregar as flores pra todos que estavam ali nessa disputa. Sinceramente? Ela não cansava de ser perfeita.
— A baba está escorrendo... — Esse foi o último comentário de Inácio antes de me deixar sozinho e encontrar Brenda, que estava no meio do caminho com o sorriso enorme de sempre e os braços abertos esperando. Observar não seria mais o meu hobby da festa, em vista que ela estava indo embora com a sua mãe e com a única chance de ter uma conversa forçada ou por conveniência.
— ! — Eu gritei, mas não alto o suficiente para que ela pudesse me ouvir antes de entrar no carro. Me obriguei a fazer o que não tinha feito nos últimos dois anos e liguei pra ela, recebendo a caixa postal com a sua voz linda e mensagem idiota, de imediato.
“Oi, eu sou a ! Quem é você? No momento não posso atender ou não quero falar com alguém. Após o sinal, deixe seu recado. Se eu não ligar de volta, é porque esse alguém é você, beijos”
Eu ri e deixei o meu recado, na esperança de não ser esse alguém.
Pô, se tu quiser passar em casa mais tarde
Eu vou 'tá tranquilão lá
E, pô, nem precisa ir embora amanhã, não, se 'cê não quiser
Fim.
Nota da autora: Sem nota.
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