Capítulo Único
NYU, um ano atrás
Eu sempre gostei de olhar para as estrelas.
Para mim, havia algo sombriamente belo em vê-las cintilando em meio a escuridão e imaginar o que podia estar acontecendo do outro lado do universo.
Quando o ar começava a se tornar escasso, era de costume que eu corresse até a janela para observar a beleza celestial até meu coração bater no compasso novamente. O problema era que as últimas crises já não estavam mais passando com tanta facilidade.
A falta de ar se tornava nauseante, a náusea me dava calafrios e os calafrios transformavam-se em choro. Um choro incessante e infundado.
Era sexta-feira e o caos dos corredores da NYU ultrapassava a porta do meu dormitório. Por mais que Riley tivesse insistido vigorosamente para eu acompanhá-la na festa de boas vindas dos calouros, minha cama pareceu confortável demais para abandona-la.
Agora, no meio da madrugada, eu agradecia pela decisão sensata.
Eu nunca sabia quando uma crise de ansiedade estava chegando – muitas vezes o gatilho podia ser simples como um pensamento repentino e fora de hora. Mas, no geral, quando acontecia, era melhor que eu estivesse sozinha e em um ambiente conhecido. Eu me voltava para as estrelas e respirava fundo, pensando em nada além dos ásteres luminescentes.
Quando a calmaria estava perto de entorpecer meu corpo novamente, o barulho da porta sendo aberta me causou um sobressalto. Dei um pulo da frente da janela para a cama, tentando enxugar as lágrimas para que Riley não me visse chorando.
Mas, quando meu olhar focalizou na silhueta, não vi seus cabelos longos e negros adentrando o quarto.
Em seu lugar, um garoto , com brilhantes olhos e as maçãs do rosto levemente rosadas me encarava ligeiramente confuso.
- Desculpe, eu... – sua voz soou ligeiramente embolada quando ele tropeçou para dentro do quarto, instantes antes de me encarar com cautela. – Você está chorando?
Passei mais uma vez as mãos pelo meu rosto e abracei minhas pernas em cima do colchão, na ilusão de que isso me tornaria... Invisível.
- Você está bêbado?
Seus lábios se curvaram em um charmoso sorriso atravessado.
- Touché – ele cruzou os braços e apoiou o corpo na porta. – O que aconteceu?
- Absolutamente nada – soltei uma risada de escárnio. - E essa é a pior parte.
Os olhos relampejaram uma curiosidade genuína.
- Precisa de alguém pra conversar?
- Não – mordi o lábio inferior, devolvendo seu olhar curioso. – Mas uma companhia me parece uma boa ideia.
-
We are brittle
Não posso fazer isso – fechei os olhos pela milésima vez, apertando os braços em volta de meu corpo com um pouco mais de força.
- Linda, você pode fazer o que quiser.
Rolei os olhos ao soltar um suspiro ruidoso. Eu odiava as frases motivacionais de e o quanto elas pareciam sempre... Certas.
Eu era convictamente cética sobre certas coisas; e o destino, incontestavelmente, era uma delas. Mas eu não sabia qual a outra forma de atribuir o fato de ter aparecido bêbado em meu dormitório um ano atrás. Tínhamos sido vizinhos de porta pelo ano anterior inteiro e nem pensamos em interagir antes da noite em questão.
Passamos a madrugada descobrindo o quão pouco tínhamos em comum. Se eu adorava dramas e filmes antigos, não conseguia pregar os olhos na TV ao menos que acontecesse uma explosão por minuto. Se melodias suaves e músicas melancólicas eram meu combustível diário, ele apreciava batidas rápidas com uma guitarra elétrica gritante.
Eu encontrava a paz na chuva. Ele gostava de dias escaldantes tomados pelo brilho fervente do sol.
O medo era meu principal aliado e eu vivia para evitar que uma nova onda de pânico tomasse meu corpo.
apenas vivia.
Ainda assim, havíamos nos tornado melhores amigos.
E, desde então, se tornavam cada vez mais constantes as vezes em que ele me colocava em situações como essa.
Meus pés estavam trêmulos, apoiados a centímetros da ponta de um barranco. A incontáveis metros de distância, o oceano brilhava lá embaixo.
achava convidativo. Eu achava suicida.
Ele dizia que isso era uma espécie de tratamento para as minhas crises. Não tínhamos nenhuma comprovação cientifica que funcionava, mas a verdade é que eu me sentia viva como nunca ao passar por mais uma aventura ao lado dele. O medo sempre estava presente; mas era o tipo de medo que provocava um frio quase agradável na barriga, concomitante a vontade de conhecer a aventura até então nunca provada.
Por último, algo na presença de me acalmava. Era como se a adrenalina fosse experimentada por meu corpo na quantia ideal – não havia overdose, por tanto, nenhuma crise.
- Vamos lá, . Nada vai dar errado. Estou aqui.
Foi necessário apenas um olhar em seus ternos olhos para que meu corpo se enchesse de uma falsa coragem. Minha mão procurou a sua antes de darmos um impulso simultâneo.
O vento ricocheteou meu rosto com força e então o sentimento caótico que costumava ser o único a correr por minhas veias deu lugar a uma sensação inexplicável de liberdade.
tinha razão. Eu podia mesmo fazer o que quisesse.
Quando meu corpo emergiu, ele já me esperava na superfície. Estava lindo com um sorriso permanente nos lábios e os raios de sol refletindo nos fios levemente mais dourados de seus cabelos molhados.
- Não acredito que me fez pular – minha voz saiu trêmula, enquanto eu me mexia incansavelmente para afastar o frio.
- Não acredito que ainda duvida da minha influencia sob você.
Rolei os olhos, jogando um pouco de água em seu rosto
- Eu voaria em seu pescoço se não fosse verdade.
A habitual expressão convencida tomou o rosto de . Então ele deitou o tronco na água para que seus olhos pudessem mirar o céu.
- Não é calmo aqui embaixo? Calmo de uma maneira que diz que nada de errado poderia acontecer aqui.
Sorri com a visão sonhadora de meu melhor amigo e me coloquei na mesma posição que ele, procurando o mesmo pedaço de paraíso que ele enxergava.
Eu não podia negar; o céu azulado, livre de nuvens, visto pela fresta rochosa era uma linda visão. Mas era tão silencioso que eu quase podia ouvir meus pensamentos - e isso nunca era bom.
- Queria ver como fica a noite – divaguei, imaginando qual seria a visão das estrelas ali.
Senti um leve toque na ponta dos meus dedos. A mão de escorregou para junto da minha; nossos dedos quase se entrelaçaram e, com o polegar, ele acariciou minha mão.
Me corpo se eletrizou por alguns instantes e eu me perguntei silenciosamente o que era aquilo.
- Prometo te trazer de novo à noite.
Apenas sorri, concordando em silêncio. E ficamos assim por um bom tempo; apenas observando o infinito e sentindo a presença um do outro.
E eu não podia imaginar um lugar melhor para estar.
-
We fall apart
abriu a porta do meu dormitório e tropeçou pra dentro. Seus olhos estavam quase fechados e suas bochechas tingidas de um tom levemente rosado.
Estava bêbado. Mais uma vez.
Lancei um olhar significativo para Riley, que dividia comigo a leitura da última Cosmopolitan em nosso colo.
- Avise se precisar de alguma coisa – minha amiga deu um breve sorriso e cumprimentou com um sutil aceno de cabeça antes de sair do quarto.
- Achei que tínhamos combinado que você pegaria mais leve – estreitei as sobrancelhas e bati no espaço vago ao meu lado.
- Alguns dias são mais difíceis do que outros. Você sabe como é – se jogou no colchão e apoiou a cabeça em meu colo. Levei as mãos inconscientemente para seus cabelos, tentando reconfortá-lo com um carinho suave.
- O que aconteceu?
- Realmente não quero falar sobre isso.
Suspirei, buscando toda compreensão possível dentro do meu ser.
nunca queria falar sobre isso. Tudo o que eu sabia era que toda a história com sua família era complicada e que toda vez que ele falava com a mãe pelo telefone, ele exagerava na bebida.
- Sobre o que quer falar, então? – soprei e ele levantou a cabeça para que nossos olhos se encontrassem.
- Me conte sobre Paris.
Sorri, balançando a cabeça negativamente. Nós tínhamos uma brincadeira em que nos imaginávamos morando nas cidades mais belas do mundo. Era extremamente efetivo quando precisávamos escapar da realidade.
Eu sonhava com Paris.
queria morar em Amsterdã.
- Paris é linda durante o dia. Mas nada se compara com a cidade das luzes à noite. Passear pelas ruas é o mesmo que contemplar um rico acervo de arte.
- Onde você mora? – ele perguntou de olhos fechados, a expressão visivelmente mais serena do que instantes atrás.
- Em cima de uma padaria que faz os melhores macarons da cidade – sorri e vi meu semblante reluzindo em seu rosto. Eu realmente amava macarons e ele sabia disso. - E você vai me visitar durante o verão. Nós vamos andar até a margem do Sena com uma baguete embaixo do braço e conversar sobre as coisas mais aleatórias que conseguirmos.
- E vai chover no fim da tarde, quando estivermos voltando pra casa – sua voz sobressaiu a minha, igualmente sonhadora. – Você sempre diz que Paris é ainda mais bela na chuva.
Respirei fundo, querendo ser levada por nossa pequena realidade utópica.
- Argh, . Porque somos tão fodidos assim?
Meu amigo abriu os olhos, um meio sorriso estampando seu rosto.
- O que foi isso? – ele levantou a cabeça do meu colo e sentou ao meu lado.
- Uma injeção súbita de realidade, eu acho.
se ajeitou na cama e encostou as costas na parede, me puxando consigo para deitar em seu peito. Ele cheirava a cerveja e cidra.
Eu odiava cerveja.
E cidra.
Mas, envolta por seus braços, isso não importava. Aquele parecia o melhor aroma do mundo.
- A realidade é sempre insatisfatória, linda.
Eu odiava o quanto aquele apelido soava tão bem em sua voz.
- Alguns momentos não são, sabe? Algumas pessoas são o suficiente.
O silêncio caiu sobre nós por alguns instantes e em meio a um suspiro, afagou meus cabelos antes de repetir:
- Algumas pessoas são o suficiente.
-
Beware
- Você está olhando pra esse livro há mais de uma hora.
Era a milésima vez que tirava a minha atenção da leitura e eu estava a um passo de enfiar a mão na cara dele.
- Tenho certeza que não faz tanto tempo assim.
Ele suspirou, batucando a ponta dos dedos na mesa.
- Estou entediado.
- E eu tentando estudar.
suspirou de novo, de uma maneira que eu tinha certeza ser desnecessariamente alta.
E então se remexeu na cadeira uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
E então o breve intervalo de silêncio que me permitiu concentrar em um único parágrafo sobre a história da moda foi encerrado abruptamente pela tampa de uma caneta caindo sob a página aberta de meu livro.
Soltei um resmungo, largando o livro de qualquer jeito na mesa da biblioteca e encarando com a cara mais raivosa que eu era capaz de expressar.
- Será que você consegue ser um pouco menos chato?
Meu amigo tinha uma expressão divertida, os braços cruzados no peito e um sorriso atravessado. Eu suspeitava que me irritar era um dos hobbies preferidos de .
- Você tem os olhos mais lindos que já vi.
- Se pensa que isso vai me amolecer, pense de novo – cruzei os braços também e ajeitei a postura na cadeira.
Ah, mas que mentirosa, .
Se eu tinha certeza de algo, era que ninguém estava imune ao charme de .
- Não vai perguntar o que eu quero?
- Não. Mas algo me diz que você vai me contar mesmo assim.
O seu sorriso se alargou e ele curvou-se na mesa para ficar um pouco mais próximo de mim.
- A festa na praia na próxima semana. Preciso que vá comigo.
- Precisa? – estreitei as sobrancelhas. Ele tinha realmente atrapalhado a minha leitura pra isso?
- Preciso. E não aceito “não” como resposta – ele chegou mais perto para sussurrar. – Pense nisso como mais uma etapa do nosso tratamento.
Sorri de lado e apoiei os braços cruzados na mesa, me debruçando e ficando a poucos centímetros de seu rosto. A visão de sua íris carregada de tanta intensidade e tão de perto quase me desconcentrou.
- O que eu ganho se eu for?
Ele ponderou por alguns segundos, seguindo firme em encarar meus olhos.
- Faço o que você quiser por dois dias. Busco seu café, adianto seus trabalhos e arrumo sua cama.
- Três dias – sorri e estendi a mão em sua direção.
apertou os olhos e após respirar fundo dramaticamente, apertou minha mão.
Voltei a atenção pro meu livro e esperei ele voltar a anotar qualquer coisa em seu caderno para me pronunciar novamente.
- ?
- Linda? – ele ergueu a cabeça pra me olhar.
- Riley já tinha me convencido de ir com ela. Mas vou adorar ser mimada por você durante três dias.
-
But we’re all the same broken fractions and halves of some greater thing
Estar ao lado de era aceitar que, o tempo todo, olhares famintos estivessem cercando ele.
Estar ao lado de na praia, quando ele não se importava com o frio para tirar a camisa e exibir seu peitoral perfeitamente musculoso, era lutar para que meus próprios olhos também não caíssem sob ele.
Por isso, sentar ao lado de Riley enquanto ele atirava uma bola de futebol americano para outros caras tão atraentes quanto ele do outro lado da fogueira, era mais seguro.
Coney Island era um dos meus lugares preferidos no mundo. Especialmente no outono, quando a faixa de areia estava quase vazia e as luzes do parque logo atrás da praia criavam um contraste perfeito com o céu cinzento.
- O que está pensando? – os dedos de Riley cutucaram as minhas costelas e só então percebi que meus olhos estavam fixos em há um bom tempo.
- Eu sonhei com ele na noite passada.
Minha amiga sorriu, balançando a cabeça negativamente.
- Sabe, é assim que tudo o começa.
- Do que está falando?
- Você sabe perfeitamente do que estou falando – ela se virou pra mim, um sorriso convencido brincando nos lábios. – Primeiro você sonha com ele. E então ele diz que anda sonhando com você também. Você acha isso charmoso, ele já não consegue mais se segurar do seu lado. E quando se derem conta vão estar...
- Eu realmente não sei do que está falando – a interrompi, sentindo um desconforto crescer em meu corpo.
- Vai dizer que nunca pensou nisso?
Voltei os olhos para . Ele dava risada de alguma coisa que os caras falavam, despreocupado ao jogar a cabeça pra trás.
- Olha pra ele. É impossível não pensar.
E era. Mas eu não estava disposta a arriscar o que tínhamos por causa de uma simples atração.
Quando a noite começou a cair, cochichou alguma coisa para os meninos e virou o resto de uma garrafa de cerveja antes de caminhar em minha direção. Para o bem da minha sanidade mental, ele já tinha vestido sua camiseta preta.
Não que isso o tornasse menos atraente.
E eu me sentia semelhante a um saco de batatas vestindo seu moletom verde escuro em que cabiam ao menos três de mim.
Eu estava fingindo prestar atenção em Riley e Caleb Weston, que conversavam a uma considerável distancia de mim, quando parou na minha frente e estendeu as mãos em minha direção. Não hesitei em entrelaçar nossos dedos e aceitar a sua ajuda para levantar, pois sabia exatamente onde ele iria me levar.
Se estávamos em Coney Island, era garantido que andaríamos na roda gigante. adorava parques de diversão e eu adorava observar a galáxia – portanto, era o melhor dos dois mundos.
- Às vezes você não queria poder tocar o céu? – disse enquanto meus dedos estendidos desenhavam vagamente o contorno das nuvens
- Você ficaria impressionada com quantas vezes eu pensei nisso.
- Sério?
- Você me fez prestar mais atenção nas estrelas – deu um sorriso quase tímido e eu correspondi com um encantado.
- É bom saber disso – virei meu rosto em sua direção, torcendo para que ele não percebesse a centelha que provavelmente saltava pra fora de meus olhos. - Você me fez prestar mais atenção na vida.
E então o sorriso tímido se transformou em um largo e sincero sorrio – daqueles que não me davam outra escolha que não sorrir junto e desviar o olhar antes que ele percebesse o rubor em minhas maçãs.
Por mais que estivesse tentando me concentrar no céu à medida que as cadeiras se aproximavam da parte mais alta do brinquedo, eu podia sentir seu olhar e mim.
- Você sabe que te amo, não sabe? – o tom carinhoso me pegou de surpresa e tive que lutar mais uma vez pela curiosa e desconhecida onda elétrica que passou pelo meu corpo e me fez arrepiar
- Porque esta dizendo isso agora?
- Só quero ter certeza de que sabe.
Respirei fundo disfarçadamente, voltando meus olhos para meu amigo. era inexplicavelmente lindo e seus olhos e pequenos me deixavam encantada.
E, nesse momento, apavorada.
- Eu sei.
Mal as palavras sopraram entre meus lábios e o vi se aproximar. No topo da roda-gigante, meu coração parecia pular uma batida a cada segundo.
Os olhos de oscilavam entre os meus e minha boca.
O ar pareceu rarefeito.
As estrelas, sempre tão importantes, agora estavam distantes.
E então o conhecido aperto no peito interrompeu a descarga de boas sensações. Não porque estava próximo demais e eu tivesse a certeza que nossos lábios iriam se encontrar – mas porque meu corpo simplesmente não sabia como responder a tantos sentimentos juntos.
Senti meus dedos tremerem.
Minha visão ficou levemente turva e o ar começou a ir embora.
A tontura me atingiu e a confusão mental se fez presente.
Pela cara de , eu devia estar visivelmente fragilizada. E ele sabia que eu estava no meio de uma crise.
- Olha pra cima – ele sussurrou, se apressando em segurar a minha mão com força. – Apenas olhe para cima e respire fundo.
Fiz exatamente o que ele falou. Meus olhos, lacrimejados pela culpa, tremeram ao refletir o brilho das estrelas. E a visão delas, junto ao conforto do corpo de meu melhor amigo próximo a mim e a sensação de nossos dedos entrelaçados, acalmou meu corpo. E depois meu coração.
Pois aquilo era, definitivamente, suficiente.
Ele era suficiente.
-
Handle with care
- Tem certeza que não quer que eu roube a capa daquele Batman? – a espada prateada que carregava no punho se ergueu em direção a um garoto alto com uma fantasia preta e uma máscara engraçada.
- Estou bem, obrigada – respondi, tentando conter o riso.
- Sabia que devíamos ter escolhido a fantasia um do outro.
- E então eu viria vestida em uma burca.
- Continuaria sendo a menina mais bela dessa festa.
Uma risada escapou de minha garganta
- Você fica uma gracinha com ciúmes.
- Não estou com ciúmes. Estou apenas...
- Com ciúmes.
bufou impaciente quando mais um grupo de veteranos passou ao nosso lado em um burburinho generalizado de cantadas direcionados a mim.
Mais precisamente direcionados a minha roupa.
A festa de Halloween da NYU era, provavelmente, a melhor ocasião do ano letivo. A Liberty Warehouse era anualmente o palco para os estudantes desfilarem as fantasias caprichadas. O enorme salão estava enfeitado por teias, panos pretos e luzes roxas – as músicas, explodindo das caixas de som, estavam remixadas com assustadoras risadas e sons fúnebres.
Ah, eu realmente adorava o dia trinta e um de outubro.
estava vestido de pirata; e eu, naturalmente, pensando como ele podia continuar atraente com lápis de olho e correntes douradas pendendo no peito.
Eu era uma fada.
Quando contei a ideia da fantasia pra , ele concordou prontamente. Afinal, o que podia ser mais angelical que uma fada?
Ele certamente não estava contando com a saia lilás curtíssima quase transparente e o corset tomara-que-caia da mesma cor, que cobria meus seios e deixava os ombros e barriga à mostra.
Eu não sabia que horas eram quando pisei na calçada do Brooklyn. Talvez quatro, talvez cinco da manhã. O chão estava molhado e uma brisa gélida trazia um delicioso cheiro de grama cortada. Quando o álcool corria em minhas veias, em geral, eu fazia coisas ininteligíveis.
Dessa vez, eu tinha escolhido me equilibrar no meio-fio pelo caminho até o metrô.
Talvez porque, a essa altura, eu achasse divertido todas as vezes que escorregava e quase caía no chão.
Talvez porque tivesse me oferecido a mão no instante em que subi na guia.
- Preciso dizer que está linda? – a voz levemente embolada de me fez deter os passos. Com um sorriso enorme no rosto, girei nos calcanhares e dei um passo em sua direção.
- Você está bêbado. Seus elogios alcoolizados não contam.
- Acredite, contam sim – o sorriso atravessado que desenhou seus lábios quase fez meus joelhos cederem.
- Eu não quero ir pra casa – sussurrei, lutando para que meus olhos não dançassem pela boca de .
- E pra onde quer ir?
- Não sei. Pra qualquer lugar e pra lugar nenhum – sorri e ele fez o mesmo. – Ainda esta tão cedo.
- São cinco horas da manha.
- Ótimo. Quero ver o sol nascer.
- ... – ele riu, jogando a cabeça para trás de uma forma perigosamente adorável.
- Não quer ver o sol nascer comigo?
- Eu quero fazer tudo com você.
Talvez fosse o álcool, mas pude jurar que suas palavras vieram carregadas de luxúria. E, não sei ao certo com que coragem, me peguei sussurrando:
- Tudo o que?
- Tudo...
E então, em um instante, nossos lábios se encontraram. Antes que eu pudesse sentir qualquer coisa, um lampejo de sobriedade e medo passou pelo meu corpo e eu espalmei as mãos em seu peito, o empurrando pra longe.
Nos olhamos por alguns instantes em silêncio. Meu coração batia acelerado em meu peito e o olhar de mais parecia um pedido de desculpa.
Mas eu não queria que ele de desculpasse. Eu precisava apenas de mais uma mirada em seus olhos para lembrar que sua íris continha tudo o que minha alma desejava.
E, com esse pensamento, mergulhei em seus lábios novamente. E eles eram tão macios e doces quanto meu inconsciente tinha projetado.
Meu coração, de alguma forma, bateu mais rápido e mais lento ao mesmo tempo. Nos encaixamos como se tivéssemos sido feitos para aquilo. Cada milímetro do meu corpo, de encontro ao dele, parecia extremamente energizado. Era como se eu tivesse esperado por aquilo há tempos e nunca tivesse me dado conta.
-
Fractured in fragments us fragile things
havia me prometido que voltaríamos ao penhasco. E meu amigo nunca deixava de cumprir uma promessa.
De noite, o lugar era um pouco mais assustador do que eu pensava. A única iluminação que suavizava brevemente a atmosfera aterrorizante era proveniente da lua. Ironicamente, era isso o que deixava tudo mais bonito.
- Sabe o que eu estava pensado? – murmurei, brincando com os dedos de entrelaçados aos meus. Seus braços envolviam minha cintura e seu queixo estava apoiado em meus ombros.
- O que?
- O universo existe há bilhões de anos e, de alguma forma, a gente teve a chance de coexistir. Isso deve significar alguma coisa, não?
- Achei que não acreditasse em destino – não precisava olha-lo para ter a certeza que estava sorrindo.
Eu devia confessar que ele e toda a sua vontade de viver sempre me fazia pensar duas vezes sobre qualquer convicção; mas ele já sabia disso.
Céus, o que ele não sabia sobre mim?
- Já pode admitir que eu tinha razão? – escolhi, ao invés disso, dizer.
- Sobre o que?
- Aqui é realmente mais bonito a noite.
- Eu estaria mentindo se dissesse que estou pensando atenção em algo além de você – sua voz suave alcançou meus ouvidos e eu estremeci.
- Você devia parar de dizer essas coisas.
- Por quê?
- Fica mais difícil de me manter longe de você – confessei quase timidamente e ele riu baixinho, apertando um pouco mais as mãos em minha cintura.
- Talvez essa seja a intenção.
E foi a minha vez de sorrir.
- Você é inacreditável, .
- E você é incrível.
Aconchegada em seus braços, me peguei ponderando sobre nós dois.
Um garota com crise de ansiedade apaixonada por um garoto com um intenso espírito aventureiro.
Quais eram as chances de isso dar certo?
me trouxe de volta para a realidade ao escorregar as mãos pelo meu braço, entrelaçando nossos dedos e me colocando de frente pra ele. Ele encostou em meu rosto suavemente e eu fechei os olhos, me deixando levar para um beijo terno, calmo e carinhoso.
Ah.
Aí estava.
Muito além de pequenas coisas em comum.
Era o carinho genuíno que sentia por ele e sua necessidade de fazer-me sentir bem, independente da circunstancia.
Era a inabalável confiança e a felicidade mutua, sempre acima de qualquer outro detalhe do universo.
Era a sensação única de ter a certeza que éramos o encaixe perfeito de corpos e de almas.
-
We’re all the same broken parts
Quando disse que tinha me comprado o presente de aniversario perfeito, eu esperava qualquer coisa.
A minha fragrância preferida.
As sandálias da ultima coleção da Tory Burch.
O par de brincos dourados com pedras verde água que eu tantas vezes havia namorado na vitrine da Harry Winston.
havia feito uma tatuagem. Em seu pulso direito, agora havia uma constelação desenhada. Segundo ele, a exata posição das estrelas vistas do Brooklyn quando nos beijamos pela primeira vez.
Quando me mostrou, ele simplesmente disse que eu não precisava mais olhar pro céu para me acalmar – agora, era só segurar a sua mão e tudo ficaria bem.
Pela primeira, acreditei fielmente nessas palavras.
Tudo ficaria bem.
Porque nós, com todos os nossos problemas e imperfeições, tínhamos nos encontrado. E juntos, estávamos em casa.
Durante toda a minha vida eu sempre me senti quebrada. Sempre tive a certeza que simplesmente nasci assim; fragmentada por dentro.
Mas havia, finalmente, juntado todas as minhas partes estilhaçadas. E, pela primeira vez, eu me senti inteira.
Completa.
Inquebrável.
Eu sempre gostei de olhar para as estrelas.
Para mim, havia algo sombriamente belo em vê-las cintilando em meio a escuridão e imaginar o que podia estar acontecendo do outro lado do universo.
Quando o ar começava a se tornar escasso, era de costume que eu corresse até a janela para observar a beleza celestial até meu coração bater no compasso novamente. O problema era que as últimas crises já não estavam mais passando com tanta facilidade.
A falta de ar se tornava nauseante, a náusea me dava calafrios e os calafrios transformavam-se em choro. Um choro incessante e infundado.
Era sexta-feira e o caos dos corredores da NYU ultrapassava a porta do meu dormitório. Por mais que Riley tivesse insistido vigorosamente para eu acompanhá-la na festa de boas vindas dos calouros, minha cama pareceu confortável demais para abandona-la.
Agora, no meio da madrugada, eu agradecia pela decisão sensata.
Eu nunca sabia quando uma crise de ansiedade estava chegando – muitas vezes o gatilho podia ser simples como um pensamento repentino e fora de hora. Mas, no geral, quando acontecia, era melhor que eu estivesse sozinha e em um ambiente conhecido. Eu me voltava para as estrelas e respirava fundo, pensando em nada além dos ásteres luminescentes.
Quando a calmaria estava perto de entorpecer meu corpo novamente, o barulho da porta sendo aberta me causou um sobressalto. Dei um pulo da frente da janela para a cama, tentando enxugar as lágrimas para que Riley não me visse chorando.
Mas, quando meu olhar focalizou na silhueta, não vi seus cabelos longos e negros adentrando o quarto.
Em seu lugar, um garoto , com brilhantes olhos e as maçãs do rosto levemente rosadas me encarava ligeiramente confuso.
- Desculpe, eu... – sua voz soou ligeiramente embolada quando ele tropeçou para dentro do quarto, instantes antes de me encarar com cautela. – Você está chorando?
Passei mais uma vez as mãos pelo meu rosto e abracei minhas pernas em cima do colchão, na ilusão de que isso me tornaria... Invisível.
- Você está bêbado?
Seus lábios se curvaram em um charmoso sorriso atravessado.
- Touché – ele cruzou os braços e apoiou o corpo na porta. – O que aconteceu?
- Absolutamente nada – soltei uma risada de escárnio. - E essa é a pior parte.
Os olhos relampejaram uma curiosidade genuína.
- Precisa de alguém pra conversar?
- Não – mordi o lábio inferior, devolvendo seu olhar curioso. – Mas uma companhia me parece uma boa ideia.
We are brittle
Não posso fazer isso – fechei os olhos pela milésima vez, apertando os braços em volta de meu corpo com um pouco mais de força.
- Linda, você pode fazer o que quiser.
Rolei os olhos ao soltar um suspiro ruidoso. Eu odiava as frases motivacionais de e o quanto elas pareciam sempre... Certas.
Eu era convictamente cética sobre certas coisas; e o destino, incontestavelmente, era uma delas. Mas eu não sabia qual a outra forma de atribuir o fato de ter aparecido bêbado em meu dormitório um ano atrás. Tínhamos sido vizinhos de porta pelo ano anterior inteiro e nem pensamos em interagir antes da noite em questão.
Passamos a madrugada descobrindo o quão pouco tínhamos em comum. Se eu adorava dramas e filmes antigos, não conseguia pregar os olhos na TV ao menos que acontecesse uma explosão por minuto. Se melodias suaves e músicas melancólicas eram meu combustível diário, ele apreciava batidas rápidas com uma guitarra elétrica gritante.
Eu encontrava a paz na chuva. Ele gostava de dias escaldantes tomados pelo brilho fervente do sol.
O medo era meu principal aliado e eu vivia para evitar que uma nova onda de pânico tomasse meu corpo.
apenas vivia.
Ainda assim, havíamos nos tornado melhores amigos.
E, desde então, se tornavam cada vez mais constantes as vezes em que ele me colocava em situações como essa.
Meus pés estavam trêmulos, apoiados a centímetros da ponta de um barranco. A incontáveis metros de distância, o oceano brilhava lá embaixo.
achava convidativo. Eu achava suicida.
Ele dizia que isso era uma espécie de tratamento para as minhas crises. Não tínhamos nenhuma comprovação cientifica que funcionava, mas a verdade é que eu me sentia viva como nunca ao passar por mais uma aventura ao lado dele. O medo sempre estava presente; mas era o tipo de medo que provocava um frio quase agradável na barriga, concomitante a vontade de conhecer a aventura até então nunca provada.
Por último, algo na presença de me acalmava. Era como se a adrenalina fosse experimentada por meu corpo na quantia ideal – não havia overdose, por tanto, nenhuma crise.
- Vamos lá, . Nada vai dar errado. Estou aqui.
Foi necessário apenas um olhar em seus ternos olhos para que meu corpo se enchesse de uma falsa coragem. Minha mão procurou a sua antes de darmos um impulso simultâneo.
O vento ricocheteou meu rosto com força e então o sentimento caótico que costumava ser o único a correr por minhas veias deu lugar a uma sensação inexplicável de liberdade.
tinha razão. Eu podia mesmo fazer o que quisesse.
Quando meu corpo emergiu, ele já me esperava na superfície. Estava lindo com um sorriso permanente nos lábios e os raios de sol refletindo nos fios levemente mais dourados de seus cabelos molhados.
- Não acredito que me fez pular – minha voz saiu trêmula, enquanto eu me mexia incansavelmente para afastar o frio.
- Não acredito que ainda duvida da minha influencia sob você.
Rolei os olhos, jogando um pouco de água em seu rosto
- Eu voaria em seu pescoço se não fosse verdade.
A habitual expressão convencida tomou o rosto de . Então ele deitou o tronco na água para que seus olhos pudessem mirar o céu.
- Não é calmo aqui embaixo? Calmo de uma maneira que diz que nada de errado poderia acontecer aqui.
Sorri com a visão sonhadora de meu melhor amigo e me coloquei na mesma posição que ele, procurando o mesmo pedaço de paraíso que ele enxergava.
Eu não podia negar; o céu azulado, livre de nuvens, visto pela fresta rochosa era uma linda visão. Mas era tão silencioso que eu quase podia ouvir meus pensamentos - e isso nunca era bom.
- Queria ver como fica a noite – divaguei, imaginando qual seria a visão das estrelas ali.
Senti um leve toque na ponta dos meus dedos. A mão de escorregou para junto da minha; nossos dedos quase se entrelaçaram e, com o polegar, ele acariciou minha mão.
Me corpo se eletrizou por alguns instantes e eu me perguntei silenciosamente o que era aquilo.
- Prometo te trazer de novo à noite.
Apenas sorri, concordando em silêncio. E ficamos assim por um bom tempo; apenas observando o infinito e sentindo a presença um do outro.
E eu não podia imaginar um lugar melhor para estar.
We fall apart
abriu a porta do meu dormitório e tropeçou pra dentro. Seus olhos estavam quase fechados e suas bochechas tingidas de um tom levemente rosado.
Estava bêbado. Mais uma vez.
Lancei um olhar significativo para Riley, que dividia comigo a leitura da última Cosmopolitan em nosso colo.
- Avise se precisar de alguma coisa – minha amiga deu um breve sorriso e cumprimentou com um sutil aceno de cabeça antes de sair do quarto.
- Achei que tínhamos combinado que você pegaria mais leve – estreitei as sobrancelhas e bati no espaço vago ao meu lado.
- Alguns dias são mais difíceis do que outros. Você sabe como é – se jogou no colchão e apoiou a cabeça em meu colo. Levei as mãos inconscientemente para seus cabelos, tentando reconfortá-lo com um carinho suave.
- O que aconteceu?
- Realmente não quero falar sobre isso.
Suspirei, buscando toda compreensão possível dentro do meu ser.
nunca queria falar sobre isso. Tudo o que eu sabia era que toda a história com sua família era complicada e que toda vez que ele falava com a mãe pelo telefone, ele exagerava na bebida.
- Sobre o que quer falar, então? – soprei e ele levantou a cabeça para que nossos olhos se encontrassem.
- Me conte sobre Paris.
Sorri, balançando a cabeça negativamente. Nós tínhamos uma brincadeira em que nos imaginávamos morando nas cidades mais belas do mundo. Era extremamente efetivo quando precisávamos escapar da realidade.
Eu sonhava com Paris.
queria morar em Amsterdã.
- Paris é linda durante o dia. Mas nada se compara com a cidade das luzes à noite. Passear pelas ruas é o mesmo que contemplar um rico acervo de arte.
- Onde você mora? – ele perguntou de olhos fechados, a expressão visivelmente mais serena do que instantes atrás.
- Em cima de uma padaria que faz os melhores macarons da cidade – sorri e vi meu semblante reluzindo em seu rosto. Eu realmente amava macarons e ele sabia disso. - E você vai me visitar durante o verão. Nós vamos andar até a margem do Sena com uma baguete embaixo do braço e conversar sobre as coisas mais aleatórias que conseguirmos.
- E vai chover no fim da tarde, quando estivermos voltando pra casa – sua voz sobressaiu a minha, igualmente sonhadora. – Você sempre diz que Paris é ainda mais bela na chuva.
Respirei fundo, querendo ser levada por nossa pequena realidade utópica.
- Argh, . Porque somos tão fodidos assim?
Meu amigo abriu os olhos, um meio sorriso estampando seu rosto.
- O que foi isso? – ele levantou a cabeça do meu colo e sentou ao meu lado.
- Uma injeção súbita de realidade, eu acho.
se ajeitou na cama e encostou as costas na parede, me puxando consigo para deitar em seu peito. Ele cheirava a cerveja e cidra.
Eu odiava cerveja.
E cidra.
Mas, envolta por seus braços, isso não importava. Aquele parecia o melhor aroma do mundo.
- A realidade é sempre insatisfatória, linda.
Eu odiava o quanto aquele apelido soava tão bem em sua voz.
- Alguns momentos não são, sabe? Algumas pessoas são o suficiente.
O silêncio caiu sobre nós por alguns instantes e em meio a um suspiro, afagou meus cabelos antes de repetir:
- Algumas pessoas são o suficiente.
Beware
- Você está olhando pra esse livro há mais de uma hora.
Era a milésima vez que tirava a minha atenção da leitura e eu estava a um passo de enfiar a mão na cara dele.
- Tenho certeza que não faz tanto tempo assim.
Ele suspirou, batucando a ponta dos dedos na mesa.
- Estou entediado.
- E eu tentando estudar.
suspirou de novo, de uma maneira que eu tinha certeza ser desnecessariamente alta.
E então se remexeu na cadeira uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
E então o breve intervalo de silêncio que me permitiu concentrar em um único parágrafo sobre a história da moda foi encerrado abruptamente pela tampa de uma caneta caindo sob a página aberta de meu livro.
Soltei um resmungo, largando o livro de qualquer jeito na mesa da biblioteca e encarando com a cara mais raivosa que eu era capaz de expressar.
- Será que você consegue ser um pouco menos chato?
Meu amigo tinha uma expressão divertida, os braços cruzados no peito e um sorriso atravessado. Eu suspeitava que me irritar era um dos hobbies preferidos de .
- Você tem os olhos mais lindos que já vi.
- Se pensa que isso vai me amolecer, pense de novo – cruzei os braços também e ajeitei a postura na cadeira.
Ah, mas que mentirosa, .
Se eu tinha certeza de algo, era que ninguém estava imune ao charme de .
- Não vai perguntar o que eu quero?
- Não. Mas algo me diz que você vai me contar mesmo assim.
O seu sorriso se alargou e ele curvou-se na mesa para ficar um pouco mais próximo de mim.
- A festa na praia na próxima semana. Preciso que vá comigo.
- Precisa? – estreitei as sobrancelhas. Ele tinha realmente atrapalhado a minha leitura pra isso?
- Preciso. E não aceito “não” como resposta – ele chegou mais perto para sussurrar. – Pense nisso como mais uma etapa do nosso tratamento.
Sorri de lado e apoiei os braços cruzados na mesa, me debruçando e ficando a poucos centímetros de seu rosto. A visão de sua íris carregada de tanta intensidade e tão de perto quase me desconcentrou.
- O que eu ganho se eu for?
Ele ponderou por alguns segundos, seguindo firme em encarar meus olhos.
- Faço o que você quiser por dois dias. Busco seu café, adianto seus trabalhos e arrumo sua cama.
- Três dias – sorri e estendi a mão em sua direção.
apertou os olhos e após respirar fundo dramaticamente, apertou minha mão.
Voltei a atenção pro meu livro e esperei ele voltar a anotar qualquer coisa em seu caderno para me pronunciar novamente.
- ?
- Linda? – ele ergueu a cabeça pra me olhar.
- Riley já tinha me convencido de ir com ela. Mas vou adorar ser mimada por você durante três dias.
But we’re all the same broken fractions and halves of some greater thing
Estar ao lado de era aceitar que, o tempo todo, olhares famintos estivessem cercando ele.
Estar ao lado de na praia, quando ele não se importava com o frio para tirar a camisa e exibir seu peitoral perfeitamente musculoso, era lutar para que meus próprios olhos também não caíssem sob ele.
Por isso, sentar ao lado de Riley enquanto ele atirava uma bola de futebol americano para outros caras tão atraentes quanto ele do outro lado da fogueira, era mais seguro.
Coney Island era um dos meus lugares preferidos no mundo. Especialmente no outono, quando a faixa de areia estava quase vazia e as luzes do parque logo atrás da praia criavam um contraste perfeito com o céu cinzento.
- O que está pensando? – os dedos de Riley cutucaram as minhas costelas e só então percebi que meus olhos estavam fixos em há um bom tempo.
- Eu sonhei com ele na noite passada.
Minha amiga sorriu, balançando a cabeça negativamente.
- Sabe, é assim que tudo o começa.
- Do que está falando?
- Você sabe perfeitamente do que estou falando – ela se virou pra mim, um sorriso convencido brincando nos lábios. – Primeiro você sonha com ele. E então ele diz que anda sonhando com você também. Você acha isso charmoso, ele já não consegue mais se segurar do seu lado. E quando se derem conta vão estar...
- Eu realmente não sei do que está falando – a interrompi, sentindo um desconforto crescer em meu corpo.
- Vai dizer que nunca pensou nisso?
Voltei os olhos para . Ele dava risada de alguma coisa que os caras falavam, despreocupado ao jogar a cabeça pra trás.
- Olha pra ele. É impossível não pensar.
E era. Mas eu não estava disposta a arriscar o que tínhamos por causa de uma simples atração.
Quando a noite começou a cair, cochichou alguma coisa para os meninos e virou o resto de uma garrafa de cerveja antes de caminhar em minha direção. Para o bem da minha sanidade mental, ele já tinha vestido sua camiseta preta.
Não que isso o tornasse menos atraente.
E eu me sentia semelhante a um saco de batatas vestindo seu moletom verde escuro em que cabiam ao menos três de mim.
Eu estava fingindo prestar atenção em Riley e Caleb Weston, que conversavam a uma considerável distancia de mim, quando parou na minha frente e estendeu as mãos em minha direção. Não hesitei em entrelaçar nossos dedos e aceitar a sua ajuda para levantar, pois sabia exatamente onde ele iria me levar.
Se estávamos em Coney Island, era garantido que andaríamos na roda gigante. adorava parques de diversão e eu adorava observar a galáxia – portanto, era o melhor dos dois mundos.
- Às vezes você não queria poder tocar o céu? – disse enquanto meus dedos estendidos desenhavam vagamente o contorno das nuvens
- Você ficaria impressionada com quantas vezes eu pensei nisso.
- Sério?
- Você me fez prestar mais atenção nas estrelas – deu um sorriso quase tímido e eu correspondi com um encantado.
- É bom saber disso – virei meu rosto em sua direção, torcendo para que ele não percebesse a centelha que provavelmente saltava pra fora de meus olhos. - Você me fez prestar mais atenção na vida.
E então o sorriso tímido se transformou em um largo e sincero sorrio – daqueles que não me davam outra escolha que não sorrir junto e desviar o olhar antes que ele percebesse o rubor em minhas maçãs.
Por mais que estivesse tentando me concentrar no céu à medida que as cadeiras se aproximavam da parte mais alta do brinquedo, eu podia sentir seu olhar e mim.
- Você sabe que te amo, não sabe? – o tom carinhoso me pegou de surpresa e tive que lutar mais uma vez pela curiosa e desconhecida onda elétrica que passou pelo meu corpo e me fez arrepiar
- Porque esta dizendo isso agora?
- Só quero ter certeza de que sabe.
Respirei fundo disfarçadamente, voltando meus olhos para meu amigo. era inexplicavelmente lindo e seus olhos e pequenos me deixavam encantada.
E, nesse momento, apavorada.
- Eu sei.
Mal as palavras sopraram entre meus lábios e o vi se aproximar. No topo da roda-gigante, meu coração parecia pular uma batida a cada segundo.
Os olhos de oscilavam entre os meus e minha boca.
O ar pareceu rarefeito.
As estrelas, sempre tão importantes, agora estavam distantes.
E então o conhecido aperto no peito interrompeu a descarga de boas sensações. Não porque estava próximo demais e eu tivesse a certeza que nossos lábios iriam se encontrar – mas porque meu corpo simplesmente não sabia como responder a tantos sentimentos juntos.
Senti meus dedos tremerem.
Minha visão ficou levemente turva e o ar começou a ir embora.
A tontura me atingiu e a confusão mental se fez presente.
Pela cara de , eu devia estar visivelmente fragilizada. E ele sabia que eu estava no meio de uma crise.
- Olha pra cima – ele sussurrou, se apressando em segurar a minha mão com força. – Apenas olhe para cima e respire fundo.
Fiz exatamente o que ele falou. Meus olhos, lacrimejados pela culpa, tremeram ao refletir o brilho das estrelas. E a visão delas, junto ao conforto do corpo de meu melhor amigo próximo a mim e a sensação de nossos dedos entrelaçados, acalmou meu corpo. E depois meu coração.
Pois aquilo era, definitivamente, suficiente.
Ele era suficiente.
Handle with care
- Tem certeza que não quer que eu roube a capa daquele Batman? – a espada prateada que carregava no punho se ergueu em direção a um garoto alto com uma fantasia preta e uma máscara engraçada.
- Estou bem, obrigada – respondi, tentando conter o riso.
- Sabia que devíamos ter escolhido a fantasia um do outro.
- E então eu viria vestida em uma burca.
- Continuaria sendo a menina mais bela dessa festa.
Uma risada escapou de minha garganta
- Você fica uma gracinha com ciúmes.
- Não estou com ciúmes. Estou apenas...
- Com ciúmes.
bufou impaciente quando mais um grupo de veteranos passou ao nosso lado em um burburinho generalizado de cantadas direcionados a mim.
Mais precisamente direcionados a minha roupa.
A festa de Halloween da NYU era, provavelmente, a melhor ocasião do ano letivo. A Liberty Warehouse era anualmente o palco para os estudantes desfilarem as fantasias caprichadas. O enorme salão estava enfeitado por teias, panos pretos e luzes roxas – as músicas, explodindo das caixas de som, estavam remixadas com assustadoras risadas e sons fúnebres.
Ah, eu realmente adorava o dia trinta e um de outubro.
estava vestido de pirata; e eu, naturalmente, pensando como ele podia continuar atraente com lápis de olho e correntes douradas pendendo no peito.
Eu era uma fada.
Quando contei a ideia da fantasia pra , ele concordou prontamente. Afinal, o que podia ser mais angelical que uma fada?
Ele certamente não estava contando com a saia lilás curtíssima quase transparente e o corset tomara-que-caia da mesma cor, que cobria meus seios e deixava os ombros e barriga à mostra.
Eu não sabia que horas eram quando pisei na calçada do Brooklyn. Talvez quatro, talvez cinco da manhã. O chão estava molhado e uma brisa gélida trazia um delicioso cheiro de grama cortada. Quando o álcool corria em minhas veias, em geral, eu fazia coisas ininteligíveis.
Dessa vez, eu tinha escolhido me equilibrar no meio-fio pelo caminho até o metrô.
Talvez porque, a essa altura, eu achasse divertido todas as vezes que escorregava e quase caía no chão.
Talvez porque tivesse me oferecido a mão no instante em que subi na guia.
- Preciso dizer que está linda? – a voz levemente embolada de me fez deter os passos. Com um sorriso enorme no rosto, girei nos calcanhares e dei um passo em sua direção.
- Você está bêbado. Seus elogios alcoolizados não contam.
- Acredite, contam sim – o sorriso atravessado que desenhou seus lábios quase fez meus joelhos cederem.
- Eu não quero ir pra casa – sussurrei, lutando para que meus olhos não dançassem pela boca de .
- E pra onde quer ir?
- Não sei. Pra qualquer lugar e pra lugar nenhum – sorri e ele fez o mesmo. – Ainda esta tão cedo.
- São cinco horas da manha.
- Ótimo. Quero ver o sol nascer.
- ... – ele riu, jogando a cabeça para trás de uma forma perigosamente adorável.
- Não quer ver o sol nascer comigo?
- Eu quero fazer tudo com você.
Talvez fosse o álcool, mas pude jurar que suas palavras vieram carregadas de luxúria. E, não sei ao certo com que coragem, me peguei sussurrando:
- Tudo o que?
- Tudo...
E então, em um instante, nossos lábios se encontraram. Antes que eu pudesse sentir qualquer coisa, um lampejo de sobriedade e medo passou pelo meu corpo e eu espalmei as mãos em seu peito, o empurrando pra longe.
Nos olhamos por alguns instantes em silêncio. Meu coração batia acelerado em meu peito e o olhar de mais parecia um pedido de desculpa.
Mas eu não queria que ele de desculpasse. Eu precisava apenas de mais uma mirada em seus olhos para lembrar que sua íris continha tudo o que minha alma desejava.
E, com esse pensamento, mergulhei em seus lábios novamente. E eles eram tão macios e doces quanto meu inconsciente tinha projetado.
Meu coração, de alguma forma, bateu mais rápido e mais lento ao mesmo tempo. Nos encaixamos como se tivéssemos sido feitos para aquilo. Cada milímetro do meu corpo, de encontro ao dele, parecia extremamente energizado. Era como se eu tivesse esperado por aquilo há tempos e nunca tivesse me dado conta.
Fractured in fragments us fragile things
havia me prometido que voltaríamos ao penhasco. E meu amigo nunca deixava de cumprir uma promessa.
De noite, o lugar era um pouco mais assustador do que eu pensava. A única iluminação que suavizava brevemente a atmosfera aterrorizante era proveniente da lua. Ironicamente, era isso o que deixava tudo mais bonito.
- Sabe o que eu estava pensado? – murmurei, brincando com os dedos de entrelaçados aos meus. Seus braços envolviam minha cintura e seu queixo estava apoiado em meus ombros.
- O que?
- O universo existe há bilhões de anos e, de alguma forma, a gente teve a chance de coexistir. Isso deve significar alguma coisa, não?
- Achei que não acreditasse em destino – não precisava olha-lo para ter a certeza que estava sorrindo.
Eu devia confessar que ele e toda a sua vontade de viver sempre me fazia pensar duas vezes sobre qualquer convicção; mas ele já sabia disso.
Céus, o que ele não sabia sobre mim?
- Já pode admitir que eu tinha razão? – escolhi, ao invés disso, dizer.
- Sobre o que?
- Aqui é realmente mais bonito a noite.
- Eu estaria mentindo se dissesse que estou pensando atenção em algo além de você – sua voz suave alcançou meus ouvidos e eu estremeci.
- Você devia parar de dizer essas coisas.
- Por quê?
- Fica mais difícil de me manter longe de você – confessei quase timidamente e ele riu baixinho, apertando um pouco mais as mãos em minha cintura.
- Talvez essa seja a intenção.
E foi a minha vez de sorrir.
- Você é inacreditável, .
- E você é incrível.
Aconchegada em seus braços, me peguei ponderando sobre nós dois.
Um garota com crise de ansiedade apaixonada por um garoto com um intenso espírito aventureiro.
Quais eram as chances de isso dar certo?
me trouxe de volta para a realidade ao escorregar as mãos pelo meu braço, entrelaçando nossos dedos e me colocando de frente pra ele. Ele encostou em meu rosto suavemente e eu fechei os olhos, me deixando levar para um beijo terno, calmo e carinhoso.
Ah.
Aí estava.
Muito além de pequenas coisas em comum.
Era o carinho genuíno que sentia por ele e sua necessidade de fazer-me sentir bem, independente da circunstancia.
Era a inabalável confiança e a felicidade mutua, sempre acima de qualquer outro detalhe do universo.
Era a sensação única de ter a certeza que éramos o encaixe perfeito de corpos e de almas.
We’re all the same broken parts
Quando disse que tinha me comprado o presente de aniversario perfeito, eu esperava qualquer coisa.
A minha fragrância preferida.
As sandálias da ultima coleção da Tory Burch.
O par de brincos dourados com pedras verde água que eu tantas vezes havia namorado na vitrine da Harry Winston.
havia feito uma tatuagem. Em seu pulso direito, agora havia uma constelação desenhada. Segundo ele, a exata posição das estrelas vistas do Brooklyn quando nos beijamos pela primeira vez.
Quando me mostrou, ele simplesmente disse que eu não precisava mais olhar pro céu para me acalmar – agora, era só segurar a sua mão e tudo ficaria bem.
Pela primeira, acreditei fielmente nessas palavras.
Tudo ficaria bem.
Porque nós, com todos os nossos problemas e imperfeições, tínhamos nos encontrado. E juntos, estávamos em casa.
Durante toda a minha vida eu sempre me senti quebrada. Sempre tive a certeza que simplesmente nasci assim; fragmentada por dentro.
Mas havia, finalmente, juntado todas as minhas partes estilhaçadas. E, pela primeira vez, eu me senti inteira.
Completa.
Inquebrável.
Fim.
Nota da autora: Broken Parts é uma música com várias palavras soltas que podem nos levar a mil e uma interpretações. Desde o começo minha intenção era criar um enredo triste; mas algo me fez mudar de ideia e escrever apenas uma história de amor com personagens tristes.
Muito obrigada pela leitura e espero que tenham gostado da minha interpretação dessa obra de arte da maravilhosa The Maine! ♡
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