Capítulo Único
Ela estava sentada em seu camarim, encarando o espelho. Não tinha a menor vontade de continuar a maquiagem, mas sabia que não tinha muita escolha. A vida não tinha sido muito gentil desde que teve que mudar seus planos para ter seu bebê. Se ao menos o pai de seu filho, o super popular, capitão do time de rugby, , a tivesse apoiado quando ela precisou, a vida poderia ter sido muito diferente…
“Josephine, você sobe em 10”, avisou o assistente de produção.
“Tenho que correr com isso”, pensou. Passou a base, batom e colocou sua máscara. Uma última checada no figurino, e Josephine estava pronta para subir ao palco.
Flashback
“, você precisa me ajudar!”
“Eu não preciso de nada disso, !”, ele gritava enquanto andava de um lado pro outro. “Esse é para ser o melhor ano da minha vida! Eu sou o cara mais popular da escola, provavelmente vou ser o orador da turma, e minha banda está prestes a assinar um contrato com a gravadora! A minha vida agora deveria ser sobre isso!”
“Eu não planejei nada disso, ! Não fiz esse bebê sozinha!”. já estava chorando, sentada no sofá da garagem onde ensaiava com a sua banda, McFLY. A banda estava sendo sondada pelo produtor de uma grande gravadora do Reino Unido, e eles fariam uma turnê por todo o país e ainda gravar um CD. Era a chance da vida deles, e agora aparecia com a notícia de que estava grávida.
“, meu amor, por favor… Você sabe o quanto isso é importante pra mim, pro meu futuro.” ajoelhou-se aos pés da garota e afundou a cabeça em sua saia plissada. “Eu não posso me comprometer com algo tão grande quanto um bebê agora.”
“E eu, ? Como eu fico nessa história? Você acha que eu também não tenho planos pra mim, pro meu futuro? Você acha que eu QUERO abrir mão de tudo por causa do bebê?” Ela se levantou do sofá e foi caminhando em direção à porta. “Você acha que é só a sua vida que vai ser diferente do que você sonha por causa disso?”
“Então por que você não tira esse bebê?” se arrependeu imediatamente depois de dizer a frase. Ele sabia que a ideia sequer passava pela cabeça de , e embora seu lado feminista defendesse o direito das mulheres de terem acesso a aborto seguro, ela jamais faria; seus princípios pessoais e religiosos a impediam de considerar essa possibilidade. Ele só conseguiu ver o vulto da garota saindo pela porta, diretamente para a chuva lá fora. “, me perdoa! Eu não quis dizer isso!”
“Não, , era exatamente isso o que você queria dizer! Você é só mais um garoto idiota, imaturo e egoísta! Eu não sei como eu pude achar um dia que você era o homem da minha vida, porque ainda falta muito para isso, para você se tornar um homem!” Ela gritava, e andava apressada na chuva. Quando estava quase alcançando seu passo, ela se virou e olhou bem dentro dos olhos dele. “Eu vou torcer muito para que dê tudo muito certo para você e a sua banda, e que vocês tenham muito sucesso, muitos shows e você não tenha nem tempo para pensar em tudo o que você está abrindo mão ao virar as costas para nós. Eu espero que você não se arrependa de jogar fora o meu amor e o nosso filho. E não me segue, porque eu espero nunca mais ter que te ver na minha vida.”
E saiu correndo.
Presente
Prestes a entrar no palco, respirou profundamente. Por que mesmo ela estava fazendo isso? Ah sim, seu filho, David. Ele só tinha 4 anos, mas era a criança mais esperta que ela já tinha visto: ele já sabia escrever o próprio nome, e se esforçava para ler absolutamente que via pelo caminho, como as placas do metrô, a embalagem do cereal, revistas, jornais… Mas mais do que tudo, ele gostava de música. Ele tinha mesmo que puxar algo do pai, além dos olhos . Ela sorriu só de lembrar. Não tinha nada na vida que amava mais do que aquele menino.
A música e o anúncio de seu número eram sua deixa. Ela entrou no palco ao som de Lady Marmelade, já totalmente dentro de sua personagem, Josephine. Logo nos primeiros versos, a saia voava longe, deixando-a apenas de corpete vermelho. Quando Josephine dançava, ninguém era capaz de desviar o olhar por um segundo sequer; ela dominava o ambiente com sua presença, confiança e sensualidade. Não havia sequer um homem naquele clube que não estivesse hipnotizado e sem fôlego.
Ao se afastar do pole dance e aproximar-se de seus espectadores, Josephine não esperava encontrar aquele par de olhos , aqueles que a lembravam imensamente de David, e que ela achava que não ia ver nunca mais na vida. Ela ficou congelada por um segundo apenas, porque não era problema de Josephine e não tinha voz naquele palco. Além do que, ela estava muito diferente do que ele conhecia, e com a máscara, não havia chance de ser reconhecida.
, por outro lado, estava em êxtase. Ele não conseguia tirar os olhos da dançarina que rebolava muito sensualmente no palco bem à sua frente. Tirou uma nota de 20 libras e colocou no elástico da calcinha dela e a garota lhe lançou um beijo no ar - e nesse momento ele ficou paralisado: os olhos dela ficaram fixos nos seus por uma fração de segundo, mas foi o suficiente para seu coração pular uma batida.
Ele ficou de pé na frente do palco sem conseguir se mover, e enquanto isso, a dançarina voltava para o pole dance e se livrava do corpete, ficando de calcinha e top. Ela deslizou pelo pole, ficando de frente para ele e foi engatinhando em sua direção, sem nunca tirar o olhar dele. Quando chegou perto o bastante, ela virou de costas e se deitou no palco.
Voulez-vous coucher avec moi, ce soir? - pernas ao ar, em um espacate de 180º perfeito. Ele salivava e não conseguia mais esconder sua ‘felicidade’. Ela estava de joelhos de frente para ele, e o resto do universo simplesmente desapareceu: ela passou as mãos pelo seu rosto e piscou, voltando-se aos outros presentes e continuando seu número.
Voulez-vous coucher avec moi, ce soir? - e o top é lançado ar, deixando garota com apenas dois adesivos sobre os mamilos. A visão de seu corpo escultural e bronzeado era mesmo de tirar o fôlego e tirar a sossego. Ele estendeu a mão para tocá-la - e tomou um tapa do segurança da boate.
“Ô, espertão!” Um cara de mais de dois metros e braços da largura de uma viga de sustentação ficou de pé ao lado dele. “Aqui a gente não toca nas meninas, entendeu? Só se for para dar a gorjeta pelo show. Nada de mão boba!”
Quando o sermão terminou, Josephine já estava longe. Ele ficou levemente decepcionado por ter perdido o final e por não ter podido tocá-la.
, por sua vez, estava de volta. Despida de Josephine, ela se jogou no chão do camarim e chorou até a maquiagem borrar todo o rosto.
Flashback
“Eu não vou ter uma filha mãe solteira dentro da minha casa!” O pai dela vociferou, levantando-se da mesa de jantar e jogando a cadeira no chão. Aparentemente contar à família durante o jantar não foi a melhor das ideias.
“Não vamos ser tão duros com ela, Vincent. Não deve ter sido fácil vir contar para nós,” a mãe tentou apaziguar, ainda que inutilmente.
“E quem é o pai dessa criança?”
“Ele não quer nada conosco, papai. Ele até sugeriu que eu tirasse…” E antes que ela prosseguisse, um urro retumbou pela estrutura do sobrado em que a família morava.
Eles não eram uma família muito abastada, tinham o suficiente para levar uma vida honesta, sem muitos luxos e confortos. O sobrado era herança de sua avó materna, mas a hipoteca era paga a duras penas. Eram 4 quartos: a suíte dos pais, o quarto de , um quarto para os gêmeos de 14 anos e o último era o memorial do irmão mais velho de , que morreu em um acidente de carro no ano anterior, e que ninguém podia entrar. Os móveis estavam em péssimo estado, visto que a mobília também veio com a herança da avó, datada da década de 60. O Ford na garagem não era um modelo recente e já não conseguia engatar a quinta marcha, além de consumir tanto combustível que se tornava quase que impraticável o uso dele pela família, a não ser aos domingos, quando o pai os obrigava a ir à igreja.
“Não repita isso em voz alta, !” Vincent socou a mesa tão forte, que fez todo mundo dar um pulo para trás. “Deus está de olho e ouve nossos pensamentos e nos castiga por isso.”
“Mas, papai…”
“Sem mais, . Suba para o seu quarto. Eu preciso pensar no que vou fazer com você.”
Ela pediu licença e foi para o quarto. Era impressionante que já estivessem em pleno século XXI e o pai ainda carregasse o pensamento do início do século anterior. Mas ele não era tão duro antes. O falecimento do irmão foi um baque enorme, especialmente para o pai de , que era muito apegado ao primogênito.
Quando receberam a visita da polícia no meio da noite informando do acidente, e que seu irmão estava bêbado ao volante e não tinha sobrevivido ao impacto, a vida dos mudou drasticamente. Os pais não conseguiram se recuperar sozinhos e voltaram-se à religião, aproximando-se de Deus como se render-se aos cultos pudesse poupá-los de sofrer outras dores tão grandes. Mas com a religião veio também o preconceito, as regras, a rigidez: as crianças (e isso incluia ) não podiam sair sozinhas à noite, não podiam namorar, ir a festas - que dirá usar qualquer tipo de droga, lícita ou não.
conseguia escapar um pouco, por causa de suas atividades no corpo de eventos e torcida organizada da escola. Foi durante a execução de suas atividades extras que ela conheceu . Ele era, sem dúvida, o cara mais bonito que ela tinha visto na vida. Ele tinha um sorriso lindo e um brilho nos olhos que a deixavam muito desconcertada.
Ele não sabia da existência dela, até que um dia, o destino quis que eles ficassem ilhados no ginásio da escola durante uma tempestade. Ela estava em seu uniforme de torcida, e tinha um enorme laço vermelho nos cabelos, que estavam presos em um rabo de cavalo. Eles se sentaram na arquibancada e conversaram por horas a fio. A conversa fluía fácil, e eles não conseguiam ficar sem assunto. No meio das conversas, as mãos se tocavam, e sorrisos tímidos se seguiam de trocas de olhares intensos, até que, na carona que ele ofereceu e ela prontamente aceitou, ela roubou um beijo dele. Enquanto ele ficava impressionado com a atitude daquela garota, ela sonhava acordada em seu quarto, já sabendo estar apaixonada.
Não demorou muito para que ele a pedisse em namoro, durante um dos muitos almoços que eles dividiram no gramado atrás do ginásio onde tudo começou, e onde eles trocaram beijos e juras de amor.
Deitada em seu quarto, acariciava a barriga. Ela estava com muito medo do que o futuro reservava para ela, mas sabia que aquele bebê era fruto do amor que sentia por e antes mesmo de ver sua carinha, ela já o amava.
“Vai dar tudo certo pra gente, bebêzinho.”
Um batida em sua janela despertou de sua distração. Ela não conseguia ver quem era, porque a noite já tinha caído e o poste da rua não iluminava o caminho até o quarto dos fundos que a garota ocupava.
“, abre pra mim, por favor.” Ela reconheceria a voz de em qualquer lugar. “Eu preciso muito falar com você.”
“A gente já conversou, ,” ela disse enquanto abria a janela e deixava que ele entrasse.
“A gente não conversou, de verdade.” Ele tropeçou ao tentar colocar a outra perna para o lado de dentro e acabou caindo deitada no tapete. “Eu falei uma bobagem e você saiu correndo. Eu quero uma chance da gente se entender.”
“Tá bem, mas eu não sei o que você pode dizer pra…”
“Me deixa tentar.” Ele se sentou ao lado dela. “Eu sei que eu não reagi da melhor forma à notícia, mas é que eu fiquei muito assustado e com medo…”
“E você acha que eu não…?”
“Você deve estar muito mais assustada do que eu, eu sei agora. Tive algum tempo para pensar. Mas veja bem, eu tenho uma chance de verdade com o McFLY agora e eu preciso fazer isso. Por nós, pelo bebê.” Ele pousou a mão trêmula sobre a barriga da menina. “Quando eu estiver estabilizado, eu venho te buscar.”
“Você promete?” Uma lágrima desceu pelo rosto dela.
“Pode demorar um pouco, você sabe.” Ele tentou não desanimar. “Mas eu sei que vai acontecer, pode confiar.”
Eles ficaram abraçados por um tempo, e mesmo que tivesse prometido, não estava tão segura; se antes teria acreditado em qualquer coisa que ele dissesse, agora o fato de ele estar indo embora fazia com que as palavras dele não inspirassem tanta confiança.
Ela adormeceu mais um vez nos braços dele, como naquela primeira vez em que se amaram. Mas quando ela acordou, ao invés de encontrar seu olhar e seu sorriso, ela encontrou o travesseiro vazio. se levantou enquanto ela dormia e foi embora, como se tivesse sido somente um sonho bom.
Presente
precisava se recompor, pois a noite de Josephine só estava começando. Agora que ela já havia se apresentado, precisava voltar ao salão e entreter os clientes e servir bebidas. Só assim conseguiria garantir as gorjetas que pagariam seu aluguel, alimentação e a babá que cuidava de David para que ela trabalhasse.
“Jo, você tem uma cabine.” Anunciou um dos donos do clube. “É um cliente VIP, famoso, pagou uma pequena fortuna para que você dançasse só pra ele.”
Ela deu uma olhada no maço de notas e mal pode acreditar. Ela contou por alto, mas julgou ter quase duas mil libras ali, o suficiente para quase 2 meses de suas contas. Por um instante ela se animou, mas lembrou de na plateia.
“Quem é que pagaria tanto dinheiro para me ver dançar por vinte minutos?”
“E isso importa? Esse aí é o seu, já tirei a minha parte do cachê. O cara ficou amarradão em você.” A cara que ela fez entregou que algo estava errado. “Jo, algum problema?”
“Não, não… Eu só preciso de 5 minutos, sabe, para me concentrar.”
estava lá. E ele pagou uma fortuna para vê-la dançar só para ele. Será que ele conseguiu reconhecê-la? Ela não pensava em mais nada. Queria correr, queria fugir. Mas ela já havia feito isso uma vez e agora precisava encarar suas escolhas.
Ele tinha conseguido viver seus sonhos: a banda assinou um contrato milionário com a gravadora e saiu em turnê por todo o país, gravaram um CD e chegaram ao topo das paradas com dois singles do primeiro álbum, saíram em turnê internacional e lotaram estádios por toda a Europa, Estados Unidos e América do Sul. Eram a banda mais quente dos últimos anos e a vida de e seus companheiros de banda não saía dos tablóides.
acompanhou cada um dos namoros de pela mídia, todas as modelos, cantoras, personalidades da TV e da internet. Cada começo que rendia fotos de beijos apaixonados em frente aos principais clubes de Londres e as brigas escandalosas dos términos. Ele vivendo intensamente cada dia de sua juventude, enquanto ela dançava em um clube para sustentar o filho que ele não quis.
Vestiu-se de coragem e foi até a cabine onde ele esperava por ela.
“Josephine”, ele se levantou do sofá quando ela entrou no cômodo. Ele pagou pela maior cabine, com 6x4m, onde ela tinha um pequeno palco para dançar bem de frente para ele a uma distância de um braço dela. Ele ainda assim não poderia tocá-la, a menos que ela permitisse.
Ela não disse nada, e a música começou. Ela subiu ao palco, máscara no lugar, mas o corpete vermelho havia outro, preto. Esse deixava seus seios ainda mais em evidência e, juntamente com a saia de couro fechada quase à vácuo, conferia a ela um ar de poder e dominação, e sentiu imediatamente quando ela subiu ao pequeno palco.
“Você poderia soltar seus cabelos?” Ele parecia nervoso e sua voz tremia um pouco. Ela estranhou o pedido, mas soltou os cachos presos que antes estavam presos em um coque. A enorme cabeleira escura caiu sobre seus ombros, e ela pode ouvir um suspiro da parte dele.
“Mais algum pedido?” A voz quase vacilou, mas ela voltou a ser Josephine e ganhou sua força de volta.
“Tira a máscara.”
“Sem chances, a máscara é parte do pacote.”
“Tudo bem, então pode começar.” se acomodou no sofá e pegou o copo de bourbon pousado na mesinha de canto. A música começou e ele mal podia esperar pelo espetáculo.
Josephine estava no controle ali dentro e tinha nas mãos. Se ela ia para a esquerda, ele mal podia se segurar sentado, tal magnetismo da dançarina exercia sobre ele. Ela vinha para a direita, ele se inclinava no sofá, para não perder nada.
Quando Josephine jogou nele a saia de couro, ele estremeceu o corpo inteiro. Estava tão rígido quanto poderia ficar. A fantasia de não saber nada sobre aquela mulher e se sentir tão desesperadamente atraído por ela estava fazendo com que ele fervilhasse por dentro. E ela sabia o que estava fazendo. Não era a primeira vez que um homem a olhava daquele jeito, mas esse era diferente. Ela queria que ele explodisse de desejo por ela.
Quando se segurou no pole e rodopiou passando os quadris muito próximos do rosto dele, ela quase pode sentir o hálito quente saindo de sua boca aberta e salivante. Sua calcinha fio dental não deixava muito para a imaginação, mas ainda assim, ela sabia que ele imaginava e fantasiava tocá-la. , …
Ela desceu do palco e ficou bem perto do sofá em que ele estava sentado. Apoiou a perna em um dos braços da poltrona, soltou a cinta e enrolou a meia calça. Tirou a peça em um developé elegantemente executado na lateral direita de onde ele apoiou a cabeça, e repetiu o processo para retirar o outro par.
Ele queria muito tocá-la, mas estava paralisado por sua presença e seu cheiro de baunilha. Ela agora estava de costas e rebolava muito perto dele, e ele só queria conseguir esticar a língua e lambê-la, sorvendo seu gosto adocicado. Aquele aroma acendia alguma fagulha em seu cérebro, mas ele estava anestesiado demais para associar alguma lembrança àquele cheiro.
Ela já estava se afastando para voltar ao palco, quando ele a segurou pelo braço e puxou para perto.
“Eu preciso de você essa noite, Josephine.”
“Você sabe que não pode me tocar,” ela disse, puxando o braço e se livrando dele.
“Josephine, eu te quero tanto que chega a doer,” ele retomou segurando de leve a mão dela. “Há muito tempo eu não me sinto tão atraído por uma mulher dessa maneira. Eu nem sei quem você é, e você nem precisa tirar a máscara. Eu só preciso de você hoje, Josephine.”
“Você não sabe quem eu sou?” A garota deu um passo para trás e se afastou dele. “Você quer dormir comigo essa noite sem saber e sem se interessar por quem eu sou? Você não mudou nada.” Ela pegou suas coisas e saiu estalando seus saltos pelo caminho.
Flashback
fechou o casaco e apertou os braços contra o corpo para se proteger do vento frio do final do outono. Ela viu o velho Ford se afastar enquanto apanhava a mala e se dirigia ao interior da rodoviária.
A decisão dos pais foi de que, uma vez que já havia completado os estudos e já era maior de idade, ela deveria responsabilizar-se 100% pelo bebê que trazia no ventre. Depois da conversa que tiveram no quarto, partiu para Londres com o resto da banda e não deu notícias por semanas.
Como se negou a dizer quem era o pai da criança para a família, seu pai só permitiu que ela ficasse em casa o bastante para que não fosse mais possível realizar o aborto, ainda que tivesse garantido que não o faria jamais, e mandou que ela procurasse um rumo sozinha. Bela maneira de manter a família unida.
A mãe, vendo a situação da filha, conseguiu o contato de uma prima distante em Londres e 500 libras para que ela se virasse até conseguir um trabalho e prometeu ajudá-la como pudesse.
“Como eu vou arranjar um trabalho, mamãe, com essa barriga crescendo a cada dia? Quem em sã consciência vai me ajudar?”
“Meu amor, eu queria poder te ajudar mais, mas você sabe como o seu pai é…” A mãe tinha os olhos marejados e sua dor era visível. “Os meninos ainda precisam de mim e te ajudar mais do que isso faria com que seu pai me tirasse eles também, você sabe disso.”
“Eu só queria um jeito de consertar tudo isso…”
“Eu também, meu amor. Se ao menos a gente soubesse quem fez isso com você e pudesse fazer com que ele te assumisse… Mas eu sei que tudo vai dar certo, e com o tempo, vamos voltar a ser uma família.” As lágrimas escorriam pelo rosto da mulher, e enxugou com a manga do casaco. “Eu te amo, filha. Vai com Deus.”
E essa foi a última conversa que teve com a mãe antes que ela entrasse no Ford e saísse de sua vida para sempre. Ela reviveu esse momento várias vezes no caminho para Londres, e muito tempo depois também. Se soubesse que essas seriam, de fato, as últimas palavras que diriam uma para outra, teria dito à mãe que a amava.
Chegando em Londres, a tal prima distante estava esperando na Victoria Station.
“! !” A mulher agitava os braços para ser identificada. Ela não devia ter mais que 30 anos e estava muito maquiada para aquela hora da manhã. “Eu sou sua prima, . Caramba, há quantos anos não nos vemos! Veja só você, como está linda! Definitivamente puxou o gene bom da família!”
“Ahn, obrigada.” já era abraçada fortemente pela prima. “Escuta, obrigada por me ajudar nesse momento. Sei que não é a melhor das situações, mas eu vou fazer o impossível para retribuir o favor.”
“Bobagem, menina! Somos família!” Ela deu um tapinha no ombro da adolescente. “Além do mais, eu não podia te deixar na mão. Quando eu engravidei e seu avô me expulsou de casa, a sua mãe me ajudou muito. É um enorme infelicidade que a gente venha de uma família tão antiquada, que resolve nos marginalizar quando mais precisamos, especialmente porque sou parente do seu pai e contei com a bondade da sua mãe num momento difícil. Vamos, você precisa comer.”
O apartamento da prima era uma caixinha de fósforos: uma sala, uma cozinha americana, um banheiro e um quarto. Simples assim. A sala tinha um sofá cama forrado com um tecido floral meio fora de moda, cortinas meio amareladas pelo tempo, além de um carpete um tanto gasto. Não tinha o menor luxo, mas como a alternativa era a rua, parecia bom o bastante.
“Olha, eu sei que não é nenhum palácio, mas enquanto você estiver aqui, eu te garanto um teto sob a sua cabeça e um prato de comida.” pegou a pequena mala e acomodou no closet que ficava ao lado da porta.
“, você disse que minha mãe te ajudou quando você ficou grávida. Quando foi isso?”
“Foi há tanto tempo, mas jamais vou esquecer.” sentou-se no sofá e tirou um pequeno álbum de fotografias da estante da TV. “Vem ver isso: eu tinha 15 anos, ainda não tinha terminado a escola. Morava desde criança com o vovô, e ele era muito rígido, das antigas. O tipo religioso que o seu pai se tornou depois de… bom, você sabe melhor que eu.”
mostrava as fotos de uma menina magrela e de aparelho nos dentes, em seu uniforme do colégio. Ela estava ao lado de um rapaz alto, atlético, e eles pareciam um casal.
“Seu avô nunca aprovou esse namoro. Claro, ele era um pouco mais velho do que eu, 18 anos, mas eu era inocente e apaixonada. Quando eu engravidei, ele meteu o pé no mundo. Nunca mais ouvi falar dele.” entregou a fotografia a , para que ela pudesse ver melhor. “Vovô, é claro, ficou possesso! Disse que não tinha criado uma neta para ter filho de qualquer vagabundo na rua. Me ameaçou de várias maneiras, até me botar pra fora de casa. Naquela época, eu era boba… Você vai ser mais esperta que eu, tenho certeza.”
“E o que aconteceu com o seu bebê? Quer dizer, eu não estou vendo nenhuma criança ou brinquedo por aqui…”
“Ah, … Eu não tinha a menor condição de criar uma criança aqui.” abriu os braços, mostrando o apartamento. “Eu fiz o que era melhor pra ela, e dei para adoção. Acho que você também vai enxergar isso com o tempo, e vai fazer o que é certo para essa criança. Talvez seus pais até te deixem voltar para casa depois disso. Mas venha, você deve estar com fome.”
Enquanto prima ia para a cozinha e tagarelava sobre algum assunto qualquer, colocou a mão na barriga e a abraçou.
“Eu jamais vou ficar longe de você, bebezinho.”
Presente
“Josephine!” saiu correndo atrás da mulher que era objeto de seu desejo no meio do salão do clube. “Josephine!”
“Você! Fique longe de mim!”
“Josephine, por favor! Me explique o que foi que eu fiz de errado, eu faço qualquer coisa para reparar o meu erro, por favor, Josephine!” De joelhos, suplicava alternando entre ‘perdões’ e ‘por favores’ àquela mulher, que estava sob saltos de 15cm, somente de calcinha, sutiã e poder, olhando bem de cima para ele.
“Temos algum problema aqui, senhores? Josephine?” Um dos sócios do clube, o mesmo que havia recebido o dinheiro de pelo show exclusivo de Josephine estava no meio do salão, tentando apaziguar a situação.
“Ele tocou em mim! Ele me puxou pelo braço e me ofereceu um programa!”
“Sr. , esse aqui é um clube de respeito! Como eu te expliquei anteriormente, nossas garotas não fazem programa e preferem não serem tocadas. Nós cuidamos muito bem das nossas moças aqui e eu temo que seja necessário que o senhor se retire de nossa propriedade.” O dono do clube pegou pelos cotovelos muito gentilmente e o escoltou para fora. “Quem sabe numa próxima ocasião, quando o senhor não tiver bebido tanto, possa voltar e apreciar o nosso show.”
correu de volta ao camarim e começou a se despir da personagem. O dia pareceu infinitamente longo e ela já tinha feito dinheiro o suficiente para uma noite. Tudo o que ela queria era voltar e ficar com David.
Do lado de fora do clube, o frio era cruel. Era janeiro e ainda não tinha nevado um floco sequer, apesar da temperatura estar abaixo de zero há semanas. Ela ainda estava nos saltos de 15cm, mas trajava também um vestido de veludo azul marinho de mangas longas e um sobretudo preto. As canelas só teriam que aguentar o frio até que ela chegasse ao seu carro, que se encontrava no estacionamento, poucos metros depois da portaria do fundos, acesso utilizado pelos funcionários do clube.
O trajeto era curto e mal iluminado, mas já sabia de cor o seu caminho até o carro. Ainda era somente 1 da manhã - nem se lembrava da última vez em que saiu tão cedo do clube, a não ser em seu primeiro e traumático dia como dançarina.
Ao se aproximar do veículo, ela viu um homem escorado no muro ao lado do portão de saída. Seus alarmes internos logo se ativaram, porque embora pudesse gritar por um segurança, uma mulher sozinha na madrugada vai sempre ser um alvo fácil para ladrões e estupradores.
“Josephine, é você?” não tinha ido embora. Estava esperando que ela saísse para abordá-la. “Por favor, deixe-me explicar.”
“Não, você de novo não!” Ela já saiu desesperada em direção ao carro. “Você não pode me assediar dentro e fora do meu trabalho!”
“Eu não quero te assediar, só quero me desculpar pelo meu comportamento.” Enquanto ele falava, ela entrou no carro, e o vidro fumê juntamente com a meia luz protegeram sua identidade. “Josephine, deixa eu olhar para você e me desculpar pelo que eu te fiz hoje. Eu não tinha intenção de te magoar ou ofender.”
“Se eu te desculpar, você me deixa em paz? Eu só quero ir para minha casa e descansar.”
“Eu quero ver seu rosto, Josephine. Me dê somente isso e eu vou embora.” insistia, batendo na janela do motorista.
“Vai se catar, .” E ela saiu cantando pneu.
Flashback
“Te consegui um emprego, prima!” entrou em casa às 6 da manhã, um tanto saltitante e com aquela maquiagem carregada. Havia 5 dias que estava na cidade e não tinha conseguido nada mais que rejeições. “Conversei com o meu patrão no clube e ele disse que você pode trabalhar lá, de camareira, claro. Seu trabalho vai ser manter os camarins em ordem e limpos. Paga pouco, mas é um trabalho honesto. Ele não se importa de você estar grávida, e vai te liberar por 3 meses depois que o bebê nascer. E você vai conseguir passar a noite em casa com o seu bebê, e pode deixá-lo na creche durante o dia. Não é maravilhoso?”
“É mesmo ótimo, ! Não sei nem como te agradecer!”
“Bobagem, prima!” começou a passar um lenço demaquilante no rosto. Os borrões que o rímel e o delineador foram formando lembravam um pouco a maquiagem do Heath Ledger no papel de Coringa, o que fez rir um pouco. “Então, você está mesmo decidida a ficar com o bebê?”
“Eu não poderia me separar dele, . O mero pensamento já me causa náuseas.” Ela acariciava a barriga mais um vez. “Eu nem sei se meu bebê é menino ou menina, mas já sinto por ele um amor tão grande, que não consigo explicar. Não consigo nem imaginar o que faria se ficasse longe dele.”
“Vai ser uma barra pesada essa que você vai passar com essa criança, menina. Mas você tem que seguir o que seu coração manda mesmo.” Ela abraçou e acariciou a barriga da menina. “Já escolheu o nome desse bebezinho aí dentro da sua barriga?”
“Ainda estou pensando, até porque ainda não sei o que é… Mas ainda tem tempo.”
“E o pai dessa criança? Não quer nada com ela mesmo não?”
“Acho que não.” ficou visivelmente triste. “Ele não me procurou mais, nem ligou, eu acho. Quer dizer, eu ligo em casa e meus pais desligam se sabem que sou eu e também não deixam os meninos falarem comigo. Então nem sei te dizer se ele me procurou lá…”
“É melhor assim, . Você não disse que ele queria que você tirasse? Então…” pegou a mão da menina e deu um beijinho. “A gente vai se virar muito bem sem ele.”
Mas a verdade é que a saudade de doía no fundo da alma. Ela não conseguia acreditar que todo amor que eles sentiam um pelo outro tinha simplesmente desaparecido por causa de seu bebê. Ele tinha dito que voltaria por eles, e parte dela acreditava que era verdade. Aquele bebê era resultado de toda a devoção que eles dedicaram um ao outro, aquele sentimento puro e imensurável. se recusava a acreditar que o amor tinha morrido…
O primeiro dia de como funcionária do clube onde trabalhava foi um tanto corrido. Ela chegou lá às 8 em ponto, e uma das meninas que trabalhava lá foi mostrando o serviço, bem impaciente. O trabalho tinha que estar pronto até às duas da tarde, que era quando começavam os ensaios com o coreógrafo, reabastecimento do bar e da cozinha.
ficava responsável pela limpeza dos camarins, onde as dançarinas trocavam os figurinos das apresentações e se maquiavam e penteavam. O lugar era o mais puro glitter e plumas, e apesar de não ser um serviço pesado, tinha toda uma parte de organização dos itens de maquiagem e adereços, além de deixar a bancada de cada uma das meninas como elas gostavam.
Os primeiros dias foram mais intensos, mas depois de pegar o jeito do trabalho, já o realizava rapidamente e de forma automática. Ela acabava cedo, e daí passava a ajudar no bar com o reabastecimento dos equipamentos dos barmen e das bebidas. Ela conquistou a amizade e confiança dos demais trabalhadores do clube, e ganhou muitos presentes para seu bebê, que depois de um tempo, ela descobriu ser um menino.
Com o trabalho, conseguiu alugar um pequeno apartamento de um quarto no mesmo prédio em que sua prima morava. Seria apenas o suficiente para que ela pudesse viver e se alimentar, mas não importava. Ela teria como montar o bercinho do menino dentro do quarto e não no canto da sala, além de não incomodar a prima e privá-la ainda mais de sua liberdade. Seu patrão foi generoso o bastante para adiantá-la o valor dos três meses em que ficaria afastada de suas atividades e depois cobrar em suaves parcelas. Com o tempo, a coisa se ajeitaria.
Quando o bebê nasceu, ela ligou para a família, mas ninguém atendeu. Eles estavam mesmo decididos a fingir que ela não existia. A indiferença só não doeu mais porque ela tinha alguém que precisava dela; David era tão pequeno e parecia tão frágil que ela precisava arranjar dentro de si uma força enorme para protegê-lo. E ela o faria, seja lá o que custasse.
Presente
chegou em casa abalada: não conseguia nem se lembrar como foi o trajeto, ou se trancou o carro antes de subir. Não sabia se era o frio ou a emoção que anestesiou seus pés, que não sentiram o menor desconforto ao descer do salto 15.
“Mas já está de volta, menina?” A babá, uma senhora viúva e gentil que morava no primeiro andar do prédio e tinha problemas de insônia, estava na sala, fazendo tricô e vendo qualquer coisa na tv.
“Sim, Sra Stone. Hoje eu consegui terminar mais cedo.”
“Oh, muito bem, então. Vou te deixar descansar.” A senhora calçou as pantufas e foi andando para a porta. “Boa noite, menina.”
“Boa noite.”
jogou o casaco no pequeno sofá e se deitou por cima dele. Ela tentava digerir os acontecimentos daquela noite sem enlouquecer. Ela havia visto , depois de todos aqueles anos. Ele olhou nos olhos dela, pegou em sua mão e não a reconheceu. Tudo bem que a máscara atrapalhava um pouco, mas ela sentiu a energia. Será que ele também tinha sentido?
“Mamãe! Mamãe, você já chegou?” Um menino de pijamas de ursinhos entrava na sala. Ele estava descalço e carregava uma boneca de pano com cabelos de lã.
“Oi, meu amorzinho! A mamãe veio embora mais cedo, sim.” Ela pegou o menino no colo. “O que você está fazendo acordado até agora?”
“Eu tive um sonho ruim, e aí ouvi a sua voz e consegui fugir dele.” Ele sorriu e colocou a boneca de pano debaixo do braço. “A Lalita também ficou muito assustada com o sonho, por isso que eu trouxe ela comigo.”
“Você fez muito bem em proteger a Lalita, meu amor.” Levou David de volta para a cama e o cobria com uma coberta. “Mas agora você precisa voltar a dormir. Já está tarde e a gente só cresce quando dorme.”
“Boa noite, mamãe!” E o menino apertou os olhinhos, se preparando para dormir enquanto recebia um cafuné da mãe.
ficou olhando para seu filho durante longos minutos, nos quais refletiu sobre não saber da existência dele, ou não ligar, ou as duas coisas. De como eles acabaram ficando para trás, como uma parte da vida que ele optou por não viver.
E cada vez que pensava em como as coisas poderiam ter sido diferentes, se sentia cada vez mais sozinha. O mundo desde então era apenas David e ela, e não havia mais ninguém com quem contar. Até sua prima , que a acolheu nos primeiros tempos, também sumiu depois de se casar com um figurão rico que conheceu no clube - e ainda aconselhou a fazer o mesmo. Mas que tempo ela tinha de conhecer alguém? Ela trabalhava para pagar as contas e mal sobrava para juntar algum dinheiro e tentar se mudar dali.
Se David adoecia, ela só podia contar com o Sra. Stone para auxiliá-la, mas acabava tendo que faltar no trabalho para ficar com o ele. Ela mesma não podia se dar o luxo de ficar doente, porque imagina o que aconteceria com ela e David? Certamente seriam despejados…
Se ao menos ela tivesse uma família…
Flashback
Quando David fez um ano, decidiu levá-lo em casa, para que os pais e os irmãos conhecessem o menino. A essa altura, ela já tinha comprado um carro e podia dirigir até a pequena cidade onde morava.
Ao bater na porta de seu antigo endereço, ela não sabia muito bem o que estava sentindo: era um misto de nervoso, ansiedade, saudade e esperança e ela mal podia conter. Olhou para David no bebê conforto e, como o bebê deu um sorriso, ela não pode deixar de sorrir também.
“Posso te ajudar?” Na porta, uma mulher grisalha, com uma cara simpática a recebeu.
“Ahn, oi! Eu sou a …” A garota estava muito confusa, porque aquela senhora não se parecia com ninguém que ela conhecia. “Desculpe, eu te conheço?”
“Me desculpe, meu amor, mas não acho que nos conhecemos,” ela abriu um sorriso gentil e continuou. “Mas você é quem está batendo na porta na minha casa, então quem deveria fazer essa pergunta sou eu.”
“Sua casa? Você mora aqui? Como assim?”
“Eu me mudei há 6 meses atrás.” Ela viu chorar e a convidou para entrar e se acalmar. “Você conhecia a família que morava nesse sobrado antes?”
“Ahn, sim. Eles eram a minha família, meus pais, meus irmãos…” Ela ainda estava em choque, tentando assimilar toda a situação. “Eles não deixaram nenhum endereço? Telefone? Nada?”
“Oh, querida! Eu sinto muito! Quando o banco tomou a propriedade, eles foram embora e não tive mais notícias deles. Inclusive, tenho aqui toda a correspondência que estava acumulada na porta…” A senhora estendeu a ela um maço de envelopes com algumas contas atrasadas, diversas propagandas… E todas as cartas que enviou para família com notícias e fotos de David.
Ela ficou paralisada. Imaginou que os pais a tivessem ignorado no telefone e não quisessem mais falar com ela nem por mensagens de texto, mas não imaginou que eles se mudariam e não diriam para onde estavam indo. Eles não deixaram nem um rastro em que ela pudesse se apegar.
“Querida, eu sinto muito,” a senhora repetiu quando viu o olhar perdido da menina. “Me deixa seu telefone, se eu tiver alguma notícia, eu aviso você.”
“Não, não… talvez seja melhor assim mesmo. Desculpa a incômodo.” E ela voltou pro carro, sem saber bem pra onde ir. Voltar pra casa não parecia ser uma boa opção, já que estava escurecendo. Ligou o carro e dirigiu um pouco sem rumo, e se pegou de volta ao colégio, que era o lugar onde ela se lembrava de ter sido feliz pela última vez.
Agora que e o McFLY tinham mesmo despontado pro sucesso e estavam em turnê, aquela realidade parece não ter passado de um sonho, só que as consequências daquele sonho eram bem reais e estavam ali naquele bebê conforto. Lidar com tudo aqui sozinha nos últimos meses tinha sido pesado e desgastante, mas ver seu bebezinho crescendo saudável fazia tudo valer a pena. Só que a vida podia dar uma trégua…
Dias depois, de volta a Londres, à sua vida mais ou menos, agora trabalhava no bar do clube. Trocava a noite pelo dia, mas o salário era melhor que o de camareira. As gorjetas eram um complemento ao orçamento, mas a jornada era longa e ela aproveitava pouco o tempo com seu filho.
“Ei, !” Um dos donos do clube se aproximou dela no bar, se servido de um bourbon, sem gelo. “Como estão as coisas?”
“Ahn, tudo certo, Trevor… Você precisa de ajuda com alguma coisa?”
“Nope, mas acho que você precisa da minha ajuda.” Ele sorriu com afetação, como se tivesse um grande plano mirabolante em andamento. “Eu sei que a situação na sua casa deve estar um pouco apertada, porque cuidar de uma criança com o salário do bar não deve fácil… Além disso, sua prima não me deixa esquecer que suas longas horas aqui te deixam longe do seu bebê.”
“Mas longe de mim reclamar, Trevor! O que eu ganho aqui me dá a oportunidade de viver com a dignidade e sustentar meu filho.”
“Mas você não gostaria de ganhar um pouco mais?”
“O que exatamente você está querendo propor aqui?” jogou a flanela nos ombros e escorou no balcão para escutar a proposta.
“Você já recuperou o seu corpo da gravidez, e ouvi uns passarinhos dizendo que você era líder de torcida, bastante flexível e leva jeito pra dança…” Ele virou o restante do bourbon e fez uma careta por conta do amargor. “Eu tenho uma vaga de dançarina no meu corpo de baile. Nada complicado, dois números em conjunto, ajudar a servir bebidas, entreter clientes…”
“Eu não sei…”
“Continua sendo um trabalho honesto, nenhuma das meninas é explorada e eu não admito cafetinagem no meu estabelecimento, você sabe!” Ele se aproximou do balcão e pegou a mão de . “O salário fixo é melhor, as gorjetas então, nem se fala. Você tem talento, pode ser uma boa chance.”
“Eu não sei…”
“Pensa nisso, . Pode ser uma forma de dar uma vida mais confortável pro seu filho.” E o figurão saiu, deixando pensativa.
“Trevor! Trevor!” A mocinha saiu correndo atrás dele. “O que eu preciso fazer?”
Presente
se levantou no dia seguinte e sentiu o peso de uma noite mal dormida. Ela não conseguiu pegar no sono logo de cara e rolou por horas na cama, e mesmo assim quando conseguiu dormir, sonhou com repetidas vezes. Como ele tinha reaparecido na vida dela depois de todos aqueles anos? A sorte é que a máscara de Josephine não permitiu que ele a reconhecesse.
Ela lutou contra a sensação de mal estar e foi tomar uma ducha. David ainda estava dormindo e em breve ela teria que deixá-lo no jardim de infância. Sempre que podia, tentava passar a maior parte do tempo com o filho, mas precisava muito da grana se quisesse garantir um futuro um pouco melhor pra ele.
Depois da chuveirada, foi acordar seu príncipe, razão de todos os esforços que ela fazia na vida. E como não fazer? Ele já acordava sorrindo, aqueles enormes olhos brilhando, cheios de alegria. Ela sempre sentia um quentinho no coração de ver que, embora não pudesse oferecer luxos, David era uma criança feliz.
O garotinho se levantou saltitando e foi se trocar. Às vezes ficava impressionada do quanto ele já era independente e conseguia realizar algumas pequenas tarefas sozinho, como escolher suas roupas, se vestir e escovar os dentes. Ao mesmo tempo, uma sensação de que ele estava crescendo mais rápido do que deveria a enchia de culpa.
“Amorzinho, a mamãe já fez o seu cereal. Venha antes que o leite esfrie.”
“Mamãe, mas eu não queria o leite quente.” David fez um biquinho fofo ao se sentar em frente à tigela de cereal. “O leite friozinho é mais gostoso!”
“Me desculpa, meu bem.” Ela fez um cafuné e depois ajeitou o cabelo do menino. “Amanhã a mamãe faz desse jeito. Agora toma o seu café pra gente ir pra escola, sim?” E sorriu mais uma vez olhando pro filho, e voltou a pensar em . Será que ela seria capaz de um dia esquecê-lo, se cada vez que olhava pro filho tinha a imagem vívida do garoto que a abandonou grávida?
Quando David terminou seu café da manhã, começou logo a calçar seu tênis. Ainda não tinha aprendido a amarrar os cadarços, então sempre escolhia o par que tinha velcro. Ou as galochas, se estivesse chovendo. Era uma coisinha adorável, aquela criança!
Começaram a descer a escada do prédio e logo mãe e filho tomaram a rua. O tempo não estava nada agradável, a ventania incomodava um pouco, mas era somente um quarteirão até o jardim de infância, e ela preferia não perder a vaga em que o carro estava estacionado.
Mal começaram a caminhar, um homem veio gritando na direção deles.
“JOSEPHINE!”
“Ah, meu Deus! !” colocou David no colo e pôs-se a correr. Ele não podia descobrir quem ela era. Ele não podia descobrir sobre David! Pernas pra que te quero!
Ele tinha dois fatores a seu favor: o primeiro é que ele não estava carregando David, o segundo é que ele muito provavelmente não estava usando saltos. Ela sabia que não tinha a menor chance daquilo dar certo, e por isso, decidiu que não ia mais fugir. Parou de correr, colocou David no chão e só esperou.
“Mamãe, o que está acontecendo? Não vamos mais para a escola?” - David tirou a touca e coçou o topo da cabeça para dar ênfase à indagação.
“Jose… ?” – E viu seu mundo revirar.
“Josephine, você sobe em 10”, avisou o assistente de produção.
“Tenho que correr com isso”, pensou. Passou a base, batom e colocou sua máscara. Uma última checada no figurino, e Josephine estava pronta para subir ao palco.
Flashback
“, você precisa me ajudar!”
“Eu não preciso de nada disso, !”, ele gritava enquanto andava de um lado pro outro. “Esse é para ser o melhor ano da minha vida! Eu sou o cara mais popular da escola, provavelmente vou ser o orador da turma, e minha banda está prestes a assinar um contrato com a gravadora! A minha vida agora deveria ser sobre isso!”
“Eu não planejei nada disso, ! Não fiz esse bebê sozinha!”. já estava chorando, sentada no sofá da garagem onde ensaiava com a sua banda, McFLY. A banda estava sendo sondada pelo produtor de uma grande gravadora do Reino Unido, e eles fariam uma turnê por todo o país e ainda gravar um CD. Era a chance da vida deles, e agora aparecia com a notícia de que estava grávida.
“, meu amor, por favor… Você sabe o quanto isso é importante pra mim, pro meu futuro.” ajoelhou-se aos pés da garota e afundou a cabeça em sua saia plissada. “Eu não posso me comprometer com algo tão grande quanto um bebê agora.”
“E eu, ? Como eu fico nessa história? Você acha que eu também não tenho planos pra mim, pro meu futuro? Você acha que eu QUERO abrir mão de tudo por causa do bebê?” Ela se levantou do sofá e foi caminhando em direção à porta. “Você acha que é só a sua vida que vai ser diferente do que você sonha por causa disso?”
“Então por que você não tira esse bebê?” se arrependeu imediatamente depois de dizer a frase. Ele sabia que a ideia sequer passava pela cabeça de , e embora seu lado feminista defendesse o direito das mulheres de terem acesso a aborto seguro, ela jamais faria; seus princípios pessoais e religiosos a impediam de considerar essa possibilidade. Ele só conseguiu ver o vulto da garota saindo pela porta, diretamente para a chuva lá fora. “, me perdoa! Eu não quis dizer isso!”
“Não, , era exatamente isso o que você queria dizer! Você é só mais um garoto idiota, imaturo e egoísta! Eu não sei como eu pude achar um dia que você era o homem da minha vida, porque ainda falta muito para isso, para você se tornar um homem!” Ela gritava, e andava apressada na chuva. Quando estava quase alcançando seu passo, ela se virou e olhou bem dentro dos olhos dele. “Eu vou torcer muito para que dê tudo muito certo para você e a sua banda, e que vocês tenham muito sucesso, muitos shows e você não tenha nem tempo para pensar em tudo o que você está abrindo mão ao virar as costas para nós. Eu espero que você não se arrependa de jogar fora o meu amor e o nosso filho. E não me segue, porque eu espero nunca mais ter que te ver na minha vida.”
E saiu correndo.
Presente
Prestes a entrar no palco, respirou profundamente. Por que mesmo ela estava fazendo isso? Ah sim, seu filho, David. Ele só tinha 4 anos, mas era a criança mais esperta que ela já tinha visto: ele já sabia escrever o próprio nome, e se esforçava para ler absolutamente que via pelo caminho, como as placas do metrô, a embalagem do cereal, revistas, jornais… Mas mais do que tudo, ele gostava de música. Ele tinha mesmo que puxar algo do pai, além dos olhos . Ela sorriu só de lembrar. Não tinha nada na vida que amava mais do que aquele menino.
A música e o anúncio de seu número eram sua deixa. Ela entrou no palco ao som de Lady Marmelade, já totalmente dentro de sua personagem, Josephine. Logo nos primeiros versos, a saia voava longe, deixando-a apenas de corpete vermelho. Quando Josephine dançava, ninguém era capaz de desviar o olhar por um segundo sequer; ela dominava o ambiente com sua presença, confiança e sensualidade. Não havia sequer um homem naquele clube que não estivesse hipnotizado e sem fôlego.
Ao se afastar do pole dance e aproximar-se de seus espectadores, Josephine não esperava encontrar aquele par de olhos , aqueles que a lembravam imensamente de David, e que ela achava que não ia ver nunca mais na vida. Ela ficou congelada por um segundo apenas, porque não era problema de Josephine e não tinha voz naquele palco. Além do que, ela estava muito diferente do que ele conhecia, e com a máscara, não havia chance de ser reconhecida.
, por outro lado, estava em êxtase. Ele não conseguia tirar os olhos da dançarina que rebolava muito sensualmente no palco bem à sua frente. Tirou uma nota de 20 libras e colocou no elástico da calcinha dela e a garota lhe lançou um beijo no ar - e nesse momento ele ficou paralisado: os olhos dela ficaram fixos nos seus por uma fração de segundo, mas foi o suficiente para seu coração pular uma batida.
Ele ficou de pé na frente do palco sem conseguir se mover, e enquanto isso, a dançarina voltava para o pole dance e se livrava do corpete, ficando de calcinha e top. Ela deslizou pelo pole, ficando de frente para ele e foi engatinhando em sua direção, sem nunca tirar o olhar dele. Quando chegou perto o bastante, ela virou de costas e se deitou no palco.
Voulez-vous coucher avec moi, ce soir? - pernas ao ar, em um espacate de 180º perfeito. Ele salivava e não conseguia mais esconder sua ‘felicidade’. Ela estava de joelhos de frente para ele, e o resto do universo simplesmente desapareceu: ela passou as mãos pelo seu rosto e piscou, voltando-se aos outros presentes e continuando seu número.
Voulez-vous coucher avec moi, ce soir? - e o top é lançado ar, deixando garota com apenas dois adesivos sobre os mamilos. A visão de seu corpo escultural e bronzeado era mesmo de tirar o fôlego e tirar a sossego. Ele estendeu a mão para tocá-la - e tomou um tapa do segurança da boate.
“Ô, espertão!” Um cara de mais de dois metros e braços da largura de uma viga de sustentação ficou de pé ao lado dele. “Aqui a gente não toca nas meninas, entendeu? Só se for para dar a gorjeta pelo show. Nada de mão boba!”
Quando o sermão terminou, Josephine já estava longe. Ele ficou levemente decepcionado por ter perdido o final e por não ter podido tocá-la.
, por sua vez, estava de volta. Despida de Josephine, ela se jogou no chão do camarim e chorou até a maquiagem borrar todo o rosto.
Flashback
“Eu não vou ter uma filha mãe solteira dentro da minha casa!” O pai dela vociferou, levantando-se da mesa de jantar e jogando a cadeira no chão. Aparentemente contar à família durante o jantar não foi a melhor das ideias.
“Não vamos ser tão duros com ela, Vincent. Não deve ter sido fácil vir contar para nós,” a mãe tentou apaziguar, ainda que inutilmente.
“E quem é o pai dessa criança?”
“Ele não quer nada conosco, papai. Ele até sugeriu que eu tirasse…” E antes que ela prosseguisse, um urro retumbou pela estrutura do sobrado em que a família morava.
Eles não eram uma família muito abastada, tinham o suficiente para levar uma vida honesta, sem muitos luxos e confortos. O sobrado era herança de sua avó materna, mas a hipoteca era paga a duras penas. Eram 4 quartos: a suíte dos pais, o quarto de , um quarto para os gêmeos de 14 anos e o último era o memorial do irmão mais velho de , que morreu em um acidente de carro no ano anterior, e que ninguém podia entrar. Os móveis estavam em péssimo estado, visto que a mobília também veio com a herança da avó, datada da década de 60. O Ford na garagem não era um modelo recente e já não conseguia engatar a quinta marcha, além de consumir tanto combustível que se tornava quase que impraticável o uso dele pela família, a não ser aos domingos, quando o pai os obrigava a ir à igreja.
“Não repita isso em voz alta, !” Vincent socou a mesa tão forte, que fez todo mundo dar um pulo para trás. “Deus está de olho e ouve nossos pensamentos e nos castiga por isso.”
“Mas, papai…”
“Sem mais, . Suba para o seu quarto. Eu preciso pensar no que vou fazer com você.”
Ela pediu licença e foi para o quarto. Era impressionante que já estivessem em pleno século XXI e o pai ainda carregasse o pensamento do início do século anterior. Mas ele não era tão duro antes. O falecimento do irmão foi um baque enorme, especialmente para o pai de , que era muito apegado ao primogênito.
Quando receberam a visita da polícia no meio da noite informando do acidente, e que seu irmão estava bêbado ao volante e não tinha sobrevivido ao impacto, a vida dos mudou drasticamente. Os pais não conseguiram se recuperar sozinhos e voltaram-se à religião, aproximando-se de Deus como se render-se aos cultos pudesse poupá-los de sofrer outras dores tão grandes. Mas com a religião veio também o preconceito, as regras, a rigidez: as crianças (e isso incluia ) não podiam sair sozinhas à noite, não podiam namorar, ir a festas - que dirá usar qualquer tipo de droga, lícita ou não.
conseguia escapar um pouco, por causa de suas atividades no corpo de eventos e torcida organizada da escola. Foi durante a execução de suas atividades extras que ela conheceu . Ele era, sem dúvida, o cara mais bonito que ela tinha visto na vida. Ele tinha um sorriso lindo e um brilho nos olhos que a deixavam muito desconcertada.
Ele não sabia da existência dela, até que um dia, o destino quis que eles ficassem ilhados no ginásio da escola durante uma tempestade. Ela estava em seu uniforme de torcida, e tinha um enorme laço vermelho nos cabelos, que estavam presos em um rabo de cavalo. Eles se sentaram na arquibancada e conversaram por horas a fio. A conversa fluía fácil, e eles não conseguiam ficar sem assunto. No meio das conversas, as mãos se tocavam, e sorrisos tímidos se seguiam de trocas de olhares intensos, até que, na carona que ele ofereceu e ela prontamente aceitou, ela roubou um beijo dele. Enquanto ele ficava impressionado com a atitude daquela garota, ela sonhava acordada em seu quarto, já sabendo estar apaixonada.
Não demorou muito para que ele a pedisse em namoro, durante um dos muitos almoços que eles dividiram no gramado atrás do ginásio onde tudo começou, e onde eles trocaram beijos e juras de amor.
Deitada em seu quarto, acariciava a barriga. Ela estava com muito medo do que o futuro reservava para ela, mas sabia que aquele bebê era fruto do amor que sentia por e antes mesmo de ver sua carinha, ela já o amava.
“Vai dar tudo certo pra gente, bebêzinho.”
Um batida em sua janela despertou de sua distração. Ela não conseguia ver quem era, porque a noite já tinha caído e o poste da rua não iluminava o caminho até o quarto dos fundos que a garota ocupava.
“, abre pra mim, por favor.” Ela reconheceria a voz de em qualquer lugar. “Eu preciso muito falar com você.”
“A gente já conversou, ,” ela disse enquanto abria a janela e deixava que ele entrasse.
“A gente não conversou, de verdade.” Ele tropeçou ao tentar colocar a outra perna para o lado de dentro e acabou caindo deitada no tapete. “Eu falei uma bobagem e você saiu correndo. Eu quero uma chance da gente se entender.”
“Tá bem, mas eu não sei o que você pode dizer pra…”
“Me deixa tentar.” Ele se sentou ao lado dela. “Eu sei que eu não reagi da melhor forma à notícia, mas é que eu fiquei muito assustado e com medo…”
“E você acha que eu não…?”
“Você deve estar muito mais assustada do que eu, eu sei agora. Tive algum tempo para pensar. Mas veja bem, eu tenho uma chance de verdade com o McFLY agora e eu preciso fazer isso. Por nós, pelo bebê.” Ele pousou a mão trêmula sobre a barriga da menina. “Quando eu estiver estabilizado, eu venho te buscar.”
“Você promete?” Uma lágrima desceu pelo rosto dela.
“Pode demorar um pouco, você sabe.” Ele tentou não desanimar. “Mas eu sei que vai acontecer, pode confiar.”
Eles ficaram abraçados por um tempo, e mesmo que tivesse prometido, não estava tão segura; se antes teria acreditado em qualquer coisa que ele dissesse, agora o fato de ele estar indo embora fazia com que as palavras dele não inspirassem tanta confiança.
Ela adormeceu mais um vez nos braços dele, como naquela primeira vez em que se amaram. Mas quando ela acordou, ao invés de encontrar seu olhar e seu sorriso, ela encontrou o travesseiro vazio. se levantou enquanto ela dormia e foi embora, como se tivesse sido somente um sonho bom.
Presente
precisava se recompor, pois a noite de Josephine só estava começando. Agora que ela já havia se apresentado, precisava voltar ao salão e entreter os clientes e servir bebidas. Só assim conseguiria garantir as gorjetas que pagariam seu aluguel, alimentação e a babá que cuidava de David para que ela trabalhasse.
“Jo, você tem uma cabine.” Anunciou um dos donos do clube. “É um cliente VIP, famoso, pagou uma pequena fortuna para que você dançasse só pra ele.”
Ela deu uma olhada no maço de notas e mal pode acreditar. Ela contou por alto, mas julgou ter quase duas mil libras ali, o suficiente para quase 2 meses de suas contas. Por um instante ela se animou, mas lembrou de na plateia.
“Quem é que pagaria tanto dinheiro para me ver dançar por vinte minutos?”
“E isso importa? Esse aí é o seu, já tirei a minha parte do cachê. O cara ficou amarradão em você.” A cara que ela fez entregou que algo estava errado. “Jo, algum problema?”
“Não, não… Eu só preciso de 5 minutos, sabe, para me concentrar.”
estava lá. E ele pagou uma fortuna para vê-la dançar só para ele. Será que ele conseguiu reconhecê-la? Ela não pensava em mais nada. Queria correr, queria fugir. Mas ela já havia feito isso uma vez e agora precisava encarar suas escolhas.
Ele tinha conseguido viver seus sonhos: a banda assinou um contrato milionário com a gravadora e saiu em turnê por todo o país, gravaram um CD e chegaram ao topo das paradas com dois singles do primeiro álbum, saíram em turnê internacional e lotaram estádios por toda a Europa, Estados Unidos e América do Sul. Eram a banda mais quente dos últimos anos e a vida de e seus companheiros de banda não saía dos tablóides.
acompanhou cada um dos namoros de pela mídia, todas as modelos, cantoras, personalidades da TV e da internet. Cada começo que rendia fotos de beijos apaixonados em frente aos principais clubes de Londres e as brigas escandalosas dos términos. Ele vivendo intensamente cada dia de sua juventude, enquanto ela dançava em um clube para sustentar o filho que ele não quis.
Vestiu-se de coragem e foi até a cabine onde ele esperava por ela.
“Josephine”, ele se levantou do sofá quando ela entrou no cômodo. Ele pagou pela maior cabine, com 6x4m, onde ela tinha um pequeno palco para dançar bem de frente para ele a uma distância de um braço dela. Ele ainda assim não poderia tocá-la, a menos que ela permitisse.
Ela não disse nada, e a música começou. Ela subiu ao palco, máscara no lugar, mas o corpete vermelho havia outro, preto. Esse deixava seus seios ainda mais em evidência e, juntamente com a saia de couro fechada quase à vácuo, conferia a ela um ar de poder e dominação, e sentiu imediatamente quando ela subiu ao pequeno palco.
“Você poderia soltar seus cabelos?” Ele parecia nervoso e sua voz tremia um pouco. Ela estranhou o pedido, mas soltou os cachos presos que antes estavam presos em um coque. A enorme cabeleira escura caiu sobre seus ombros, e ela pode ouvir um suspiro da parte dele.
“Mais algum pedido?” A voz quase vacilou, mas ela voltou a ser Josephine e ganhou sua força de volta.
“Tira a máscara.”
“Sem chances, a máscara é parte do pacote.”
“Tudo bem, então pode começar.” se acomodou no sofá e pegou o copo de bourbon pousado na mesinha de canto. A música começou e ele mal podia esperar pelo espetáculo.
Josephine estava no controle ali dentro e tinha nas mãos. Se ela ia para a esquerda, ele mal podia se segurar sentado, tal magnetismo da dançarina exercia sobre ele. Ela vinha para a direita, ele se inclinava no sofá, para não perder nada.
Quando Josephine jogou nele a saia de couro, ele estremeceu o corpo inteiro. Estava tão rígido quanto poderia ficar. A fantasia de não saber nada sobre aquela mulher e se sentir tão desesperadamente atraído por ela estava fazendo com que ele fervilhasse por dentro. E ela sabia o que estava fazendo. Não era a primeira vez que um homem a olhava daquele jeito, mas esse era diferente. Ela queria que ele explodisse de desejo por ela.
Quando se segurou no pole e rodopiou passando os quadris muito próximos do rosto dele, ela quase pode sentir o hálito quente saindo de sua boca aberta e salivante. Sua calcinha fio dental não deixava muito para a imaginação, mas ainda assim, ela sabia que ele imaginava e fantasiava tocá-la. , …
Ela desceu do palco e ficou bem perto do sofá em que ele estava sentado. Apoiou a perna em um dos braços da poltrona, soltou a cinta e enrolou a meia calça. Tirou a peça em um developé elegantemente executado na lateral direita de onde ele apoiou a cabeça, e repetiu o processo para retirar o outro par.
Ele queria muito tocá-la, mas estava paralisado por sua presença e seu cheiro de baunilha. Ela agora estava de costas e rebolava muito perto dele, e ele só queria conseguir esticar a língua e lambê-la, sorvendo seu gosto adocicado. Aquele aroma acendia alguma fagulha em seu cérebro, mas ele estava anestesiado demais para associar alguma lembrança àquele cheiro.
Ela já estava se afastando para voltar ao palco, quando ele a segurou pelo braço e puxou para perto.
“Eu preciso de você essa noite, Josephine.”
“Você sabe que não pode me tocar,” ela disse, puxando o braço e se livrando dele.
“Josephine, eu te quero tanto que chega a doer,” ele retomou segurando de leve a mão dela. “Há muito tempo eu não me sinto tão atraído por uma mulher dessa maneira. Eu nem sei quem você é, e você nem precisa tirar a máscara. Eu só preciso de você hoje, Josephine.”
“Você não sabe quem eu sou?” A garota deu um passo para trás e se afastou dele. “Você quer dormir comigo essa noite sem saber e sem se interessar por quem eu sou? Você não mudou nada.” Ela pegou suas coisas e saiu estalando seus saltos pelo caminho.
Flashback
fechou o casaco e apertou os braços contra o corpo para se proteger do vento frio do final do outono. Ela viu o velho Ford se afastar enquanto apanhava a mala e se dirigia ao interior da rodoviária.
A decisão dos pais foi de que, uma vez que já havia completado os estudos e já era maior de idade, ela deveria responsabilizar-se 100% pelo bebê que trazia no ventre. Depois da conversa que tiveram no quarto, partiu para Londres com o resto da banda e não deu notícias por semanas.
Como se negou a dizer quem era o pai da criança para a família, seu pai só permitiu que ela ficasse em casa o bastante para que não fosse mais possível realizar o aborto, ainda que tivesse garantido que não o faria jamais, e mandou que ela procurasse um rumo sozinha. Bela maneira de manter a família unida.
A mãe, vendo a situação da filha, conseguiu o contato de uma prima distante em Londres e 500 libras para que ela se virasse até conseguir um trabalho e prometeu ajudá-la como pudesse.
“Como eu vou arranjar um trabalho, mamãe, com essa barriga crescendo a cada dia? Quem em sã consciência vai me ajudar?”
“Meu amor, eu queria poder te ajudar mais, mas você sabe como o seu pai é…” A mãe tinha os olhos marejados e sua dor era visível. “Os meninos ainda precisam de mim e te ajudar mais do que isso faria com que seu pai me tirasse eles também, você sabe disso.”
“Eu só queria um jeito de consertar tudo isso…”
“Eu também, meu amor. Se ao menos a gente soubesse quem fez isso com você e pudesse fazer com que ele te assumisse… Mas eu sei que tudo vai dar certo, e com o tempo, vamos voltar a ser uma família.” As lágrimas escorriam pelo rosto da mulher, e enxugou com a manga do casaco. “Eu te amo, filha. Vai com Deus.”
E essa foi a última conversa que teve com a mãe antes que ela entrasse no Ford e saísse de sua vida para sempre. Ela reviveu esse momento várias vezes no caminho para Londres, e muito tempo depois também. Se soubesse que essas seriam, de fato, as últimas palavras que diriam uma para outra, teria dito à mãe que a amava.
Chegando em Londres, a tal prima distante estava esperando na Victoria Station.
“! !” A mulher agitava os braços para ser identificada. Ela não devia ter mais que 30 anos e estava muito maquiada para aquela hora da manhã. “Eu sou sua prima, . Caramba, há quantos anos não nos vemos! Veja só você, como está linda! Definitivamente puxou o gene bom da família!”
“Ahn, obrigada.” já era abraçada fortemente pela prima. “Escuta, obrigada por me ajudar nesse momento. Sei que não é a melhor das situações, mas eu vou fazer o impossível para retribuir o favor.”
“Bobagem, menina! Somos família!” Ela deu um tapinha no ombro da adolescente. “Além do mais, eu não podia te deixar na mão. Quando eu engravidei e seu avô me expulsou de casa, a sua mãe me ajudou muito. É um enorme infelicidade que a gente venha de uma família tão antiquada, que resolve nos marginalizar quando mais precisamos, especialmente porque sou parente do seu pai e contei com a bondade da sua mãe num momento difícil. Vamos, você precisa comer.”
O apartamento da prima era uma caixinha de fósforos: uma sala, uma cozinha americana, um banheiro e um quarto. Simples assim. A sala tinha um sofá cama forrado com um tecido floral meio fora de moda, cortinas meio amareladas pelo tempo, além de um carpete um tanto gasto. Não tinha o menor luxo, mas como a alternativa era a rua, parecia bom o bastante.
“Olha, eu sei que não é nenhum palácio, mas enquanto você estiver aqui, eu te garanto um teto sob a sua cabeça e um prato de comida.” pegou a pequena mala e acomodou no closet que ficava ao lado da porta.
“, você disse que minha mãe te ajudou quando você ficou grávida. Quando foi isso?”
“Foi há tanto tempo, mas jamais vou esquecer.” sentou-se no sofá e tirou um pequeno álbum de fotografias da estante da TV. “Vem ver isso: eu tinha 15 anos, ainda não tinha terminado a escola. Morava desde criança com o vovô, e ele era muito rígido, das antigas. O tipo religioso que o seu pai se tornou depois de… bom, você sabe melhor que eu.”
mostrava as fotos de uma menina magrela e de aparelho nos dentes, em seu uniforme do colégio. Ela estava ao lado de um rapaz alto, atlético, e eles pareciam um casal.
“Seu avô nunca aprovou esse namoro. Claro, ele era um pouco mais velho do que eu, 18 anos, mas eu era inocente e apaixonada. Quando eu engravidei, ele meteu o pé no mundo. Nunca mais ouvi falar dele.” entregou a fotografia a , para que ela pudesse ver melhor. “Vovô, é claro, ficou possesso! Disse que não tinha criado uma neta para ter filho de qualquer vagabundo na rua. Me ameaçou de várias maneiras, até me botar pra fora de casa. Naquela época, eu era boba… Você vai ser mais esperta que eu, tenho certeza.”
“E o que aconteceu com o seu bebê? Quer dizer, eu não estou vendo nenhuma criança ou brinquedo por aqui…”
“Ah, … Eu não tinha a menor condição de criar uma criança aqui.” abriu os braços, mostrando o apartamento. “Eu fiz o que era melhor pra ela, e dei para adoção. Acho que você também vai enxergar isso com o tempo, e vai fazer o que é certo para essa criança. Talvez seus pais até te deixem voltar para casa depois disso. Mas venha, você deve estar com fome.”
Enquanto prima ia para a cozinha e tagarelava sobre algum assunto qualquer, colocou a mão na barriga e a abraçou.
“Eu jamais vou ficar longe de você, bebezinho.”
Presente
“Josephine!” saiu correndo atrás da mulher que era objeto de seu desejo no meio do salão do clube. “Josephine!”
“Você! Fique longe de mim!”
“Josephine, por favor! Me explique o que foi que eu fiz de errado, eu faço qualquer coisa para reparar o meu erro, por favor, Josephine!” De joelhos, suplicava alternando entre ‘perdões’ e ‘por favores’ àquela mulher, que estava sob saltos de 15cm, somente de calcinha, sutiã e poder, olhando bem de cima para ele.
“Temos algum problema aqui, senhores? Josephine?” Um dos sócios do clube, o mesmo que havia recebido o dinheiro de pelo show exclusivo de Josephine estava no meio do salão, tentando apaziguar a situação.
“Ele tocou em mim! Ele me puxou pelo braço e me ofereceu um programa!”
“Sr. , esse aqui é um clube de respeito! Como eu te expliquei anteriormente, nossas garotas não fazem programa e preferem não serem tocadas. Nós cuidamos muito bem das nossas moças aqui e eu temo que seja necessário que o senhor se retire de nossa propriedade.” O dono do clube pegou pelos cotovelos muito gentilmente e o escoltou para fora. “Quem sabe numa próxima ocasião, quando o senhor não tiver bebido tanto, possa voltar e apreciar o nosso show.”
correu de volta ao camarim e começou a se despir da personagem. O dia pareceu infinitamente longo e ela já tinha feito dinheiro o suficiente para uma noite. Tudo o que ela queria era voltar e ficar com David.
Do lado de fora do clube, o frio era cruel. Era janeiro e ainda não tinha nevado um floco sequer, apesar da temperatura estar abaixo de zero há semanas. Ela ainda estava nos saltos de 15cm, mas trajava também um vestido de veludo azul marinho de mangas longas e um sobretudo preto. As canelas só teriam que aguentar o frio até que ela chegasse ao seu carro, que se encontrava no estacionamento, poucos metros depois da portaria do fundos, acesso utilizado pelos funcionários do clube.
O trajeto era curto e mal iluminado, mas já sabia de cor o seu caminho até o carro. Ainda era somente 1 da manhã - nem se lembrava da última vez em que saiu tão cedo do clube, a não ser em seu primeiro e traumático dia como dançarina.
Ao se aproximar do veículo, ela viu um homem escorado no muro ao lado do portão de saída. Seus alarmes internos logo se ativaram, porque embora pudesse gritar por um segurança, uma mulher sozinha na madrugada vai sempre ser um alvo fácil para ladrões e estupradores.
“Josephine, é você?” não tinha ido embora. Estava esperando que ela saísse para abordá-la. “Por favor, deixe-me explicar.”
“Não, você de novo não!” Ela já saiu desesperada em direção ao carro. “Você não pode me assediar dentro e fora do meu trabalho!”
“Eu não quero te assediar, só quero me desculpar pelo meu comportamento.” Enquanto ele falava, ela entrou no carro, e o vidro fumê juntamente com a meia luz protegeram sua identidade. “Josephine, deixa eu olhar para você e me desculpar pelo que eu te fiz hoje. Eu não tinha intenção de te magoar ou ofender.”
“Se eu te desculpar, você me deixa em paz? Eu só quero ir para minha casa e descansar.”
“Eu quero ver seu rosto, Josephine. Me dê somente isso e eu vou embora.” insistia, batendo na janela do motorista.
“Vai se catar, .” E ela saiu cantando pneu.
Flashback
“Te consegui um emprego, prima!” entrou em casa às 6 da manhã, um tanto saltitante e com aquela maquiagem carregada. Havia 5 dias que estava na cidade e não tinha conseguido nada mais que rejeições. “Conversei com o meu patrão no clube e ele disse que você pode trabalhar lá, de camareira, claro. Seu trabalho vai ser manter os camarins em ordem e limpos. Paga pouco, mas é um trabalho honesto. Ele não se importa de você estar grávida, e vai te liberar por 3 meses depois que o bebê nascer. E você vai conseguir passar a noite em casa com o seu bebê, e pode deixá-lo na creche durante o dia. Não é maravilhoso?”
“É mesmo ótimo, ! Não sei nem como te agradecer!”
“Bobagem, prima!” começou a passar um lenço demaquilante no rosto. Os borrões que o rímel e o delineador foram formando lembravam um pouco a maquiagem do Heath Ledger no papel de Coringa, o que fez rir um pouco. “Então, você está mesmo decidida a ficar com o bebê?”
“Eu não poderia me separar dele, . O mero pensamento já me causa náuseas.” Ela acariciava a barriga mais um vez. “Eu nem sei se meu bebê é menino ou menina, mas já sinto por ele um amor tão grande, que não consigo explicar. Não consigo nem imaginar o que faria se ficasse longe dele.”
“Vai ser uma barra pesada essa que você vai passar com essa criança, menina. Mas você tem que seguir o que seu coração manda mesmo.” Ela abraçou e acariciou a barriga da menina. “Já escolheu o nome desse bebezinho aí dentro da sua barriga?”
“Ainda estou pensando, até porque ainda não sei o que é… Mas ainda tem tempo.”
“E o pai dessa criança? Não quer nada com ela mesmo não?”
“Acho que não.” ficou visivelmente triste. “Ele não me procurou mais, nem ligou, eu acho. Quer dizer, eu ligo em casa e meus pais desligam se sabem que sou eu e também não deixam os meninos falarem comigo. Então nem sei te dizer se ele me procurou lá…”
“É melhor assim, . Você não disse que ele queria que você tirasse? Então…” pegou a mão da menina e deu um beijinho. “A gente vai se virar muito bem sem ele.”
Mas a verdade é que a saudade de doía no fundo da alma. Ela não conseguia acreditar que todo amor que eles sentiam um pelo outro tinha simplesmente desaparecido por causa de seu bebê. Ele tinha dito que voltaria por eles, e parte dela acreditava que era verdade. Aquele bebê era resultado de toda a devoção que eles dedicaram um ao outro, aquele sentimento puro e imensurável. se recusava a acreditar que o amor tinha morrido…
O primeiro dia de como funcionária do clube onde trabalhava foi um tanto corrido. Ela chegou lá às 8 em ponto, e uma das meninas que trabalhava lá foi mostrando o serviço, bem impaciente. O trabalho tinha que estar pronto até às duas da tarde, que era quando começavam os ensaios com o coreógrafo, reabastecimento do bar e da cozinha.
ficava responsável pela limpeza dos camarins, onde as dançarinas trocavam os figurinos das apresentações e se maquiavam e penteavam. O lugar era o mais puro glitter e plumas, e apesar de não ser um serviço pesado, tinha toda uma parte de organização dos itens de maquiagem e adereços, além de deixar a bancada de cada uma das meninas como elas gostavam.
Os primeiros dias foram mais intensos, mas depois de pegar o jeito do trabalho, já o realizava rapidamente e de forma automática. Ela acabava cedo, e daí passava a ajudar no bar com o reabastecimento dos equipamentos dos barmen e das bebidas. Ela conquistou a amizade e confiança dos demais trabalhadores do clube, e ganhou muitos presentes para seu bebê, que depois de um tempo, ela descobriu ser um menino.
Com o trabalho, conseguiu alugar um pequeno apartamento de um quarto no mesmo prédio em que sua prima morava. Seria apenas o suficiente para que ela pudesse viver e se alimentar, mas não importava. Ela teria como montar o bercinho do menino dentro do quarto e não no canto da sala, além de não incomodar a prima e privá-la ainda mais de sua liberdade. Seu patrão foi generoso o bastante para adiantá-la o valor dos três meses em que ficaria afastada de suas atividades e depois cobrar em suaves parcelas. Com o tempo, a coisa se ajeitaria.
Quando o bebê nasceu, ela ligou para a família, mas ninguém atendeu. Eles estavam mesmo decididos a fingir que ela não existia. A indiferença só não doeu mais porque ela tinha alguém que precisava dela; David era tão pequeno e parecia tão frágil que ela precisava arranjar dentro de si uma força enorme para protegê-lo. E ela o faria, seja lá o que custasse.
Presente
chegou em casa abalada: não conseguia nem se lembrar como foi o trajeto, ou se trancou o carro antes de subir. Não sabia se era o frio ou a emoção que anestesiou seus pés, que não sentiram o menor desconforto ao descer do salto 15.
“Mas já está de volta, menina?” A babá, uma senhora viúva e gentil que morava no primeiro andar do prédio e tinha problemas de insônia, estava na sala, fazendo tricô e vendo qualquer coisa na tv.
“Sim, Sra Stone. Hoje eu consegui terminar mais cedo.”
“Oh, muito bem, então. Vou te deixar descansar.” A senhora calçou as pantufas e foi andando para a porta. “Boa noite, menina.”
“Boa noite.”
jogou o casaco no pequeno sofá e se deitou por cima dele. Ela tentava digerir os acontecimentos daquela noite sem enlouquecer. Ela havia visto , depois de todos aqueles anos. Ele olhou nos olhos dela, pegou em sua mão e não a reconheceu. Tudo bem que a máscara atrapalhava um pouco, mas ela sentiu a energia. Será que ele também tinha sentido?
“Mamãe! Mamãe, você já chegou?” Um menino de pijamas de ursinhos entrava na sala. Ele estava descalço e carregava uma boneca de pano com cabelos de lã.
“Oi, meu amorzinho! A mamãe veio embora mais cedo, sim.” Ela pegou o menino no colo. “O que você está fazendo acordado até agora?”
“Eu tive um sonho ruim, e aí ouvi a sua voz e consegui fugir dele.” Ele sorriu e colocou a boneca de pano debaixo do braço. “A Lalita também ficou muito assustada com o sonho, por isso que eu trouxe ela comigo.”
“Você fez muito bem em proteger a Lalita, meu amor.” Levou David de volta para a cama e o cobria com uma coberta. “Mas agora você precisa voltar a dormir. Já está tarde e a gente só cresce quando dorme.”
“Boa noite, mamãe!” E o menino apertou os olhinhos, se preparando para dormir enquanto recebia um cafuné da mãe.
ficou olhando para seu filho durante longos minutos, nos quais refletiu sobre não saber da existência dele, ou não ligar, ou as duas coisas. De como eles acabaram ficando para trás, como uma parte da vida que ele optou por não viver.
E cada vez que pensava em como as coisas poderiam ter sido diferentes, se sentia cada vez mais sozinha. O mundo desde então era apenas David e ela, e não havia mais ninguém com quem contar. Até sua prima , que a acolheu nos primeiros tempos, também sumiu depois de se casar com um figurão rico que conheceu no clube - e ainda aconselhou a fazer o mesmo. Mas que tempo ela tinha de conhecer alguém? Ela trabalhava para pagar as contas e mal sobrava para juntar algum dinheiro e tentar se mudar dali.
Se David adoecia, ela só podia contar com o Sra. Stone para auxiliá-la, mas acabava tendo que faltar no trabalho para ficar com o ele. Ela mesma não podia se dar o luxo de ficar doente, porque imagina o que aconteceria com ela e David? Certamente seriam despejados…
Se ao menos ela tivesse uma família…
Flashback
Quando David fez um ano, decidiu levá-lo em casa, para que os pais e os irmãos conhecessem o menino. A essa altura, ela já tinha comprado um carro e podia dirigir até a pequena cidade onde morava.
Ao bater na porta de seu antigo endereço, ela não sabia muito bem o que estava sentindo: era um misto de nervoso, ansiedade, saudade e esperança e ela mal podia conter. Olhou para David no bebê conforto e, como o bebê deu um sorriso, ela não pode deixar de sorrir também.
“Posso te ajudar?” Na porta, uma mulher grisalha, com uma cara simpática a recebeu.
“Ahn, oi! Eu sou a …” A garota estava muito confusa, porque aquela senhora não se parecia com ninguém que ela conhecia. “Desculpe, eu te conheço?”
“Me desculpe, meu amor, mas não acho que nos conhecemos,” ela abriu um sorriso gentil e continuou. “Mas você é quem está batendo na porta na minha casa, então quem deveria fazer essa pergunta sou eu.”
“Sua casa? Você mora aqui? Como assim?”
“Eu me mudei há 6 meses atrás.” Ela viu chorar e a convidou para entrar e se acalmar. “Você conhecia a família que morava nesse sobrado antes?”
“Ahn, sim. Eles eram a minha família, meus pais, meus irmãos…” Ela ainda estava em choque, tentando assimilar toda a situação. “Eles não deixaram nenhum endereço? Telefone? Nada?”
“Oh, querida! Eu sinto muito! Quando o banco tomou a propriedade, eles foram embora e não tive mais notícias deles. Inclusive, tenho aqui toda a correspondência que estava acumulada na porta…” A senhora estendeu a ela um maço de envelopes com algumas contas atrasadas, diversas propagandas… E todas as cartas que enviou para família com notícias e fotos de David.
Ela ficou paralisada. Imaginou que os pais a tivessem ignorado no telefone e não quisessem mais falar com ela nem por mensagens de texto, mas não imaginou que eles se mudariam e não diriam para onde estavam indo. Eles não deixaram nem um rastro em que ela pudesse se apegar.
“Querida, eu sinto muito,” a senhora repetiu quando viu o olhar perdido da menina. “Me deixa seu telefone, se eu tiver alguma notícia, eu aviso você.”
“Não, não… talvez seja melhor assim mesmo. Desculpa a incômodo.” E ela voltou pro carro, sem saber bem pra onde ir. Voltar pra casa não parecia ser uma boa opção, já que estava escurecendo. Ligou o carro e dirigiu um pouco sem rumo, e se pegou de volta ao colégio, que era o lugar onde ela se lembrava de ter sido feliz pela última vez.
Agora que e o McFLY tinham mesmo despontado pro sucesso e estavam em turnê, aquela realidade parece não ter passado de um sonho, só que as consequências daquele sonho eram bem reais e estavam ali naquele bebê conforto. Lidar com tudo aqui sozinha nos últimos meses tinha sido pesado e desgastante, mas ver seu bebezinho crescendo saudável fazia tudo valer a pena. Só que a vida podia dar uma trégua…
Dias depois, de volta a Londres, à sua vida mais ou menos, agora trabalhava no bar do clube. Trocava a noite pelo dia, mas o salário era melhor que o de camareira. As gorjetas eram um complemento ao orçamento, mas a jornada era longa e ela aproveitava pouco o tempo com seu filho.
“Ei, !” Um dos donos do clube se aproximou dela no bar, se servido de um bourbon, sem gelo. “Como estão as coisas?”
“Ahn, tudo certo, Trevor… Você precisa de ajuda com alguma coisa?”
“Nope, mas acho que você precisa da minha ajuda.” Ele sorriu com afetação, como se tivesse um grande plano mirabolante em andamento. “Eu sei que a situação na sua casa deve estar um pouco apertada, porque cuidar de uma criança com o salário do bar não deve fácil… Além disso, sua prima não me deixa esquecer que suas longas horas aqui te deixam longe do seu bebê.”
“Mas longe de mim reclamar, Trevor! O que eu ganho aqui me dá a oportunidade de viver com a dignidade e sustentar meu filho.”
“Mas você não gostaria de ganhar um pouco mais?”
“O que exatamente você está querendo propor aqui?” jogou a flanela nos ombros e escorou no balcão para escutar a proposta.
“Você já recuperou o seu corpo da gravidez, e ouvi uns passarinhos dizendo que você era líder de torcida, bastante flexível e leva jeito pra dança…” Ele virou o restante do bourbon e fez uma careta por conta do amargor. “Eu tenho uma vaga de dançarina no meu corpo de baile. Nada complicado, dois números em conjunto, ajudar a servir bebidas, entreter clientes…”
“Eu não sei…”
“Continua sendo um trabalho honesto, nenhuma das meninas é explorada e eu não admito cafetinagem no meu estabelecimento, você sabe!” Ele se aproximou do balcão e pegou a mão de . “O salário fixo é melhor, as gorjetas então, nem se fala. Você tem talento, pode ser uma boa chance.”
“Eu não sei…”
“Pensa nisso, . Pode ser uma forma de dar uma vida mais confortável pro seu filho.” E o figurão saiu, deixando pensativa.
“Trevor! Trevor!” A mocinha saiu correndo atrás dele. “O que eu preciso fazer?”
Presente
se levantou no dia seguinte e sentiu o peso de uma noite mal dormida. Ela não conseguiu pegar no sono logo de cara e rolou por horas na cama, e mesmo assim quando conseguiu dormir, sonhou com repetidas vezes. Como ele tinha reaparecido na vida dela depois de todos aqueles anos? A sorte é que a máscara de Josephine não permitiu que ele a reconhecesse.
Ela lutou contra a sensação de mal estar e foi tomar uma ducha. David ainda estava dormindo e em breve ela teria que deixá-lo no jardim de infância. Sempre que podia, tentava passar a maior parte do tempo com o filho, mas precisava muito da grana se quisesse garantir um futuro um pouco melhor pra ele.
Depois da chuveirada, foi acordar seu príncipe, razão de todos os esforços que ela fazia na vida. E como não fazer? Ele já acordava sorrindo, aqueles enormes olhos brilhando, cheios de alegria. Ela sempre sentia um quentinho no coração de ver que, embora não pudesse oferecer luxos, David era uma criança feliz.
O garotinho se levantou saltitando e foi se trocar. Às vezes ficava impressionada do quanto ele já era independente e conseguia realizar algumas pequenas tarefas sozinho, como escolher suas roupas, se vestir e escovar os dentes. Ao mesmo tempo, uma sensação de que ele estava crescendo mais rápido do que deveria a enchia de culpa.
“Amorzinho, a mamãe já fez o seu cereal. Venha antes que o leite esfrie.”
“Mamãe, mas eu não queria o leite quente.” David fez um biquinho fofo ao se sentar em frente à tigela de cereal. “O leite friozinho é mais gostoso!”
“Me desculpa, meu bem.” Ela fez um cafuné e depois ajeitou o cabelo do menino. “Amanhã a mamãe faz desse jeito. Agora toma o seu café pra gente ir pra escola, sim?” E sorriu mais uma vez olhando pro filho, e voltou a pensar em . Será que ela seria capaz de um dia esquecê-lo, se cada vez que olhava pro filho tinha a imagem vívida do garoto que a abandonou grávida?
Quando David terminou seu café da manhã, começou logo a calçar seu tênis. Ainda não tinha aprendido a amarrar os cadarços, então sempre escolhia o par que tinha velcro. Ou as galochas, se estivesse chovendo. Era uma coisinha adorável, aquela criança!
Começaram a descer a escada do prédio e logo mãe e filho tomaram a rua. O tempo não estava nada agradável, a ventania incomodava um pouco, mas era somente um quarteirão até o jardim de infância, e ela preferia não perder a vaga em que o carro estava estacionado.
Mal começaram a caminhar, um homem veio gritando na direção deles.
“JOSEPHINE!”
“Ah, meu Deus! !” colocou David no colo e pôs-se a correr. Ele não podia descobrir quem ela era. Ele não podia descobrir sobre David! Pernas pra que te quero!
Ele tinha dois fatores a seu favor: o primeiro é que ele não estava carregando David, o segundo é que ele muito provavelmente não estava usando saltos. Ela sabia que não tinha a menor chance daquilo dar certo, e por isso, decidiu que não ia mais fugir. Parou de correr, colocou David no chão e só esperou.
“Mamãe, o que está acontecendo? Não vamos mais para a escola?” - David tirou a touca e coçou o topo da cabeça para dar ênfase à indagação.
“Jose… ?” – E viu seu mundo revirar.
Fim...?
Nota da autora: Sim, eu parei a história no meio da emoção, mas eu prometo que tem uma continuação. Vou postar depois que eu tiver 5 comentários nessa (risos). Se você chegou até aqui, obrigada <3
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