Capítulo Único
A porta trancada à sua frente não parecia mais tão atrativa, embora o que estivesse por trás dela fosse sua única forma de salvação. Não era sua primeira vez na casa enorme e extremamente segura. Entretanto, naquele momento, era diferente de todas as outras vezes.
Estava ali como uma fugitiva, sendo procurada e tendo toda a vida revirada pelos traficantes mais perigosos da Cidade do México. Não sabia o que fazer depois de ter sido atacada de surpresa, mas, por algum motivo, estar ali parecia certo. Sabia que conseguiria abrigo, mas, também sabia que poderia colocar o dono da casa em um risco tão grande quanto ao que sofria — se não maior, dado o fato de que ele era primo do homem que queria sua cabeça.
Antes que pudesse juntar seus frangalhos e o resto de sua dignidade para ir embora, a porta se abriu, revelando um homem de altura mediana e pele bronzeada, com os cabelos curtos bagunçados e o rosto levemente inchado, como se tivesse acabado de acordar.
— ? — a voz ecoou confusa e um tanto apreensiva.
— Oi, . — respondeu baixinho, sem encará-lo nos olhos. Ainda sentia-se insegura e perseguida, então usava como uma desculpa para si mesma enquanto fugia do olhar carinhoso e curioso que a fitava.
— O que aconteceu? — perguntou com um olhar carregado de questionamentos.
— Eu preciso de ajuda. — murmurou baixinho, ainda olhando em volta. — Posso entrar?
Quando o espaço lhe fora concedido, percebeu que não entrava a residência como , seu disfarce; e sim como , a agente mais promissora do FBI, cuja Quântico alegava nunca ter visto igual — era simplesmente genial e perfeita nos mínimos detalhes, tinha a frieza necessária para infiltrar-se nas missões mais difíceis que possuíam, até aquele momento, até pôr os olhos no primo de Pablo , o maior traficante que as Américas já haviam visto na última década.
trancou a porta atrás de si e o baque baixo tirou a mulher de seus devaneios. De repente, sentiu-se exposta e sem saber como explicar seu estado deplorável. Suas roupas estavam sujas e rasgadas, os braços possuíam arranhões e seu ombro tinha um rastro de sangue seco devido a um tiro de raspão que levara. Sua maquiagem era quase inexistente, mas as marcas do rímel preto ainda estavam visíveis no rosto bonito e amorenado, e seu batom, sempre vermelho vibrante, estava borrado e manchava até suas bochechas. Totalmente o oposto do que estava acostumado a ver; e, por um segundo, ela cogitou que ele sabia de tudo. Suas mentiras, o disfarce, o motivo de estar naquele estado e por que correra logo para a casa alheia.
No entanto, os olhos castanhos de mostravam o contrário. Sua preocupação era palpável, o olhar amedrontado e transbordando questionamentos, o tremor quase imperceptível no lábio inferior, o peitoral definido subindo e descendo em um claro sinal de preocupação — ele não sabia de nada; mas queria protegê-la.
— Pode me dizer o que aconteceu? — perguntou enquanto tentava manter a calma, aproximando-se de .
Ao ouvir a pergunta tão necessária e, ao mesmo tempo, tão inofensiva, a mulher travou. Seus olhos escureceram, o maxilar trincou e a respiração ficou presa em um bolo na garganta, como se estivesse sendo transportada para toda a adrenalina de meia hora atrás.
Quando decidiu seguir um dos capangas de Pablo , não era mais que lhe tomava o corpo e a mente, mas, sim, , a agente federal. No momento lhe pareceu uma boa ideia, porém, ao reconhecer para onde estava indo, percebeu que não. Ela poderia ter esperado até o amanhecer para descobrir o que quer que eles estivessem fazendo, pois teria a ajuda de sua parceira, Eleonor — e que estava no México sob o pseudônimo de Dulce. Mas sua ansiedade e curiosidade não permitiram esperar, e quando percebeu já era tarde demais para voltar. Embora estivesse armada até os dentes, fosse bem treinada e aquela não fosse sua primeira encrenca ao longo da carreira, sabia que não teria como lidar com tudo aquilo e talvez sequer voltaria viva para contar sua aventura e as descobertas que fora pescando durante o caminho.
Guiada pela curiosidade e a vontade de fechar o arquivo de Pablo o mais rápido possível, permitiu-se tomar o lugar de e ir até os confins da cidade, onde todas as ruas eram mal iluminadas e o tráfico era escancarado, assim como a violência também era explícita em cada beco que passava, onde podia ouvir murmúrios e pedidos de socorro que jamais poderia atender. Em outras circunstâncias, diria que aquilo tudo era uma armadilha para pegá-la — e realmente parecia —, contudo, não tinha mais o que fazer a não ser continuar seguindo por entre as ruelas mal cheirosas e escuras.
sabia muitas coisas a respeito de Pablo , além de já ter tido a chance de ficar cara a cara com o crápula. Nas últimas semanas, o boato que se espalhava pelo México é que ele estava ciente de todas as tentativas das autoridades estadunidenses de pegá-lo. Por isso, sua segurança estava redobrada. Alguns capangas, que ficavam pelas ruas, deixaram escapar que o chefe já sabia que tinham infiltrados em suas gangues e ao redor de sua família, mas não levou a sério — era impossível, ninguém iria descobrir agente algum se ele não quisesse ser descoberto. Até chegar ali. A operação que parecia tão bem protegida e abafada por quem trabalhava nela, foi escancarada sem mais nem menos.
Escondida entre as sombras, observou o braço direito de Pablo adentrar um galpão aparentemente abandonado. Permitindo que seus instintos a guiasse, correu silenciosamente até lá e procurou por uma brecha nos portões grossos, não hesitando em olhar o que acontecia no interior do galpão ao encontrar uma brecha. Amarrado pelos braços e totalmente nu, estava o agente James Simpsons — seu colega de trabalho que havia chegado ali há pouco mais de dois meses, para lhe dar suporte.
deixou um arfar de susto escapar e afastou-se do grande portão, logo puxando o celular do bolso. Discou o número de Eleonor com pressa e não levou mais que dois toques para ser atendida pela parceira. Não esperou receber um “alô” ou um “oi” para soltar a bomba; não tinham tempo. Com a voz baixa, sentenciou:
— Pegaram o James.
A agente só não esperava, no entanto, uma segurança realmente redobrada nem que duas palavras fossem o suficiente para entregar seu disfarce e ser pega no flagra.
O som do primeiro disparo em sua direção foi como uma chave girada em seu interior. Seus reflexos fizeram-na saltar em direção ao chão e rolou para onde julgou ser o mais seguro. Ainda assim, não foi rápida o suficiente e a ardência que lhe tomou o ombro direito foi imediata. Podia ouvir a voz da parceira em algum lugar ao redor, mas não conseguia enxergar o celular que voara para longe. Estava sozinha, sem comunicação e cercada por um punhado de capangas do maior traficante que o México já havia visto. E ao erguer-se novamente, já empunhando sua própria arma, percebeu que no mínimo cinco homens naquela área eram conhecidos. Porque, como se não bastasse toda a situação perigosa em que se encontrava desde o primeiro segundo daquela missão, havia se envolvido o suficiente com para passar a frequentar os encontros de família.
— Para falar a verdade, não. — respondeu, por fim, tomando a pose de . — Não posso nem quero te envolver nisso, . Tudo o que precisa saber é que estou indo embora daqui.
— Você está ferida e parece que foi virada do avesso. — rebateu. — E tem a cara de pau de apenas me dizer que está indo embora da cidade?
— É o que precisa ser feito, nem sei por que vim até aqui.
— “É o que precisa ser feito”? — repetiu e, a passos longos, aproximou-se da mulher. — Isso é o melhor que tem para me dizer? Olhe para você, , está ferida e visivelmente perturbada. Sabe que pode confiar em mim e dizer o que aconteceu. Eu posso proteger você.
— Pode me proteger? — sorriu de forma irônica. — Acha que pode me proteger do seu próprio primo, o chefão de toda a Cidade do México?
emudeceu. Não era novidade para ninguém seu parentesco com aquele homem nojento, tinha encontros esporádicos com ele por conta das reuniões de família e que sua mãe e suas tias recusaram-se a bani-lo de frequentar. esteve presente em alguns encontros como aqueles, mas sempre ciente de que a família não tinha nada a ver com aquele desgraçado e seus seguranças que viviam em seu encalço até quando ele ia ao banheiro.
— Foi Pablo que fez isso com você?
não respondeu, fechando os olhos por alguns segundos. Quando voltou a encarar , seus olhos não pareciam tão nublados como antes; até mesmo se parecia com a mulher que ele conheceu em uma exposição de arte aleatória que fora obrigado a ir com o melhor amigo.
— Não. — respondeu, sabendo que era só mais uma mentira para sua coleção. — Desculpe, eu não estou bem. Seu primo não tem nada a ver com isso.
— O que aconteceu, , e por que veio até aqui? — perguntou em tom de súplica, uma última vez.
— Eu… Eu sofri uma tentativa de assalto, corri e os homens vieram atrás de mim, me bateram e atiraram, mas consegui me soltar. — inventou. — Sua casa me pareceu o único refúgio no momento. Acabei falando de Pablo, pois sei que ele é quem controla toda a violência dessa cidade.
não pareceu convencido com o que escutou. Porém, decidiu que não iria insistir mais naquele momento. A mulher estava claramente abalada e precisava de um banho quente.
— Tudo bem. — o dono da casa suspirou. — Vá tomar um banho. Quando acabar, vamos à delegacia.
engoliu a seco de forma disfarçada, sabendo que a encarava analiticamente, buscando qualquer alteração em seu semblante para pegá-la na mentira. Sabia que isso aconteceria, e não fazia ideia do porquê de ter corrido para aquela casa. Por fim, assentiu e agradeceu baixinho. Embora tivesse o coração acelerado em preocupação e quisesse ficar para que, de alguma forma absurda, descobrisse toda a verdade, achou melhor obedecer, logo indo em direção ao banheiro que já conhecia tão bem.
Ao trancar a porta de luxo atrás de si, deixou que a cabeça caísse contra a madeira e descansasse ali por alguns segundos. Estava encrencada demais e, caso conseguisse sair viva dali, ouviria muitas broncas de seus chefes e, talvez, ganhasse uma suspensão por má conduta e por ter misturado as coisas.
Quando decidiu aproximar-se de , não tinha a intenção de deixar-se levar pelo sorriso bonito que ele possuía. Sabia desde o início que ele era primo de Pablo. era um homem bom, céus, como era; mas, ainda assim, era a melhor chance que tinha de entender o que acontecia dentro daquela família e se mais alguém estava envolvido. Além do mais, ficaria muito mais fácil ser infiltrada e entender o funcionamento do bandido se estivesse entre seus entes queridos e seus comparsas. E foi o que ela fez: aproximou-se de , iniciou uma série de flertes e cedeu aos cortejos educados que recebeu, infiltrou-se na família e ficou amiga de alguns seguranças de Pablo, sempre tentando barganhar informações mostrando-se interessada nos negócios, como se fosse usuária de algum tipo de droga sem que notasse. Foi sua melhor jogada em todo aquele ano de missão. Descobriu coisas demais, fez com que o FBI avançasse nas investigações e conseguiu acesso às datas e horários que os carregamentos saíam semanalmente. Conseguiram apreender cerca de três caminhões abarrotados de drogas e armas na fronteira.
Contudo, acabou se afeiçoando até demais à família . Todos eram solícitos demais, até mesmo o bandido, Pablo, parecia outra pessoa ao lado da mãe e das tias. não era diferente. Era um homem educado, bonito, esforçado e tinha a própria empresa, que havia construído do zero. No início, antes de começar a frequentar assiduamente a casa dos , tinha a intenção de manter sua relação com o mais carnal possível; não queria afeto, não queria carinho, nada disso. Ganhou-o facilmente com uma boa noite de sexo no segundo ou terceiro encontro que tiveram, e assim queria manter. Seria bom para ambos. Ela, por estar carente, precisava de algo para que não a distraísse totalmente da missão, e transar com parecia perfeito, porque tinha cada vez mais acesso às informações que precisava e ainda fechava com chave de ouro com um sexo espetacular que a deixava satisfeita e com ainda mais gás para continuar sua missão.
— Ele já está apaixonado por você. — Eleonor disse certa vez, enquanto tomavam café juntas pela primeira vez em três meses. — E não ficarei surpresa se você aparecer apaixonada também.
— Não há nada de paixão envolvido entre nós, El. — sorriu despreocupada. — Ele é bom de cama e me fornece as melhores informações que temos, mesmo sem saber ou perceber. Não vou me apaixonar, parece até que você não conhece minha fama em Quântico.
— Justamente por conhecer sua fama que estou falando isso. — a amiga suspirou. — Não temos uma data limite para essa missão, . Podemos encerrá-la agora, ou daqui a dois anos. Você já está infiltrada aqui há quase seis meses e olha todo o avanço que já fez. Mas, ainda assim, quando foi informada que não precisava mais encontrar-se com , você continuou o encontrando. Todos os fins de semana. Isso é perigoso. Se vocês se apaixonarem, estarão assinando um atestado de óbito. Você sabe bem disso, sabe também que Pablo e os seguranças dele conhecem seu rosto e seu disfarce como um todo. Um falso término não irá convencê-los quando precisarmos partir.
— Não acho que está nos dizendo tudo o que precisamos, por isso continuei com os encontros. Não tem nada a ver com paixão. Sei bem minha hora de bater retirada, El, não se preocupe. Ninguém descobrirá nada, e iremos embora daqui assim que tivermos o suficiente para acabar com essa corja. Eu prometo.
não percebeu que agia em modo automático enquanto era tomada por lembranças, até que sentiu a água quente acertar-lhe o corpo e senti-lo arder dos pés à cabeça. O cansaço fazia-se presente mais forte do que nunca, mas não podia dar-se ao luxo de cansar. Ainda precisava encontrar um jeito de fugir dali sem que ficasse tão abatido ou prejudicado.
Naquele momento, sentia o peso da promessa que havia feito à Eleonor em seus ombros de forma quase literal. Seu coração parecia implodir, e suas entranhas se reviravam em ansiedade e medo. Não sabia que fim James havia tido, não sabia se Eleonor havia conseguido chamar ajuda e rastrear seu celular, não sabia se Pablo já estava ciente de sua invasão; não sabia de nada, mas tinha certeza de que havia sido reconhecida e a operação inteira estava comprometida.
Quando saiu do banheiro, o andar debaixo da casa estava vazio e silencioso. Um calafrio lhe subiu a espinha e ela ficou em alerta, olhando em volta com cautela e indo em direção às escadas a passos lentos. Sua arma estava enrolada entre os tecidos rasgados de suas roupas, mas devidamente engatilhada e apontada para a frente. Contudo, ao ouvir os passos de ecoarem pelo corredor, rapidamente desfez a pose de ataque e voltou a esconder a pistola entre os trapos, voltando a ser apenas a assustada e que precisava de ajuda.
não a notou ali de início, logo voltando ao seu quarto. Após respirar fundo três vezes, assumiu a postura de outra vez, para ser convincente, e seguiu atrás do homem. Assim que entrou o cômodo grande e bem arrumado, foi tomada por uma agonia esquisita ao sentir o olhar desconfiado de sobre seu corpo.
— Às vezes tenho a sensação de que está constantemente mentindo para mim. — ele murmurou calmamente, soltando um suspiro cansado. — Mas basta te olhar para que minhas desconfianças sumam, e isso é estúpido demais, . Eu não deveria deixar que meus sentimentos me cegassem tanto. Há algo de errado com você e eu adoraria descobrir, mas… — deixou a frase no ar, soltando uma risada fraca.
— Mas…? — estimulou, curiosa.
— Mas estou muito apaixonado para aceitar o que quer que haja de errado. — respondeu firme, olhando-a nos olhos. — Eu não queria que isso acontecesse, sempre percebi que para você era algo carnal, sexual e momentâneo, sempre senti que a qualquer momento eu poderia deixá-la escapar entre meus dedos. Só que… Ainda assim, permiti que entrasse em minha casa e conhecesse minha família, até mesmo a parte mais podre dela. — mordeu o lábio inferior e se levantou, parando em frente a mulher fragilizada e com apenas uma toalha escondendo o corpo esbelto e que ele tanto adorava. — Vista-se, pois precisamos e vamos conversar antes de irmos até à delegacia. Não quero que seja algo apenas sexual hoje. Sei que temos uma boa conexão e quero entendê-la melhor. Conte-me sua história, . Deixe-me conhecê-la e ajudá-la. Sei que não devo te cobrar nada, mas sinto que, somente desta vez, devo. Por favor.
— Eu já lhe disse tudo sobre mim, . — disse firme, sem se importar se a mentira escapava de sua boca com naturalidade. — Peço desculpas se não é o suficiente para você e se meu jeito reservado o fez pensar que sou uma mulher mentirosa; eu juro que não sou.
— … — sussurrou, sentindo o peito arder em agonia e vontade de acreditar naquelas palavras.
— Acredite em mim. — a mulher sussurrou de volta, aproximando ambas as bocas a fim de iniciar um beijo e acabar com a discussão, como costumava fazer para abafar sua própria vontade de abrir o jogo. Era perigoso; mostrar-se verdadeiramente dentro de um disfarce era quase suicídio.
— Esta noite terei de dizer não. — sussurrou contra os lábios inchados de . — Eu preciso saber se há algo entre nós, . Já disse e repito: eu não quero algo apenas sexual, ao menos não hoje. Quero entender sua história. Não pode ser coincidência você parar em minha porta após uma “tentativa de assalto”. — fez aspas com os dedos. — Isso realmente aconteceu? Você tem certeza de que não quer me dizer nada? Não precisamos nos beijar, transar e você me dizer um ‘tchau’ antes de fechar minha porta novamente. Me diga, mi amor, há algo real entre nós dois?
Ao fitar os olhos cheios de segredos, sentiu a lembrança do primeiro encontro que tiveram bombardeá-lo.
estava linda. Os cabelos cheios de cachos soltos, batom vermelho nos lábios grossos e um vestido longo preto. A cada passo que dava pelo bar da galeria de luxo, atraía a atenção. Com ele não foi diferente, sentiu-se hipnotizado. Quando menos esperou, recebeu um sorriso tranquilo e sensual ao mesmo tempo. Por um segundo, não acreditou que tamanha beldade lhe sorrira, ainda mais aquele ambiente abarrotado de homens — alguns mais charmosos do que ele, que, naquela noite, não passava de um empresário claramente cansado e tendo a companhia de um uísque caro para lhe causar sono depois de avaliar inúmeras obras de artes. Ainda assim, achou que seria bom sentar-se ao seu lado e lhe sorrir novamente.
não acreditava em paixão à primeira vista, no entanto, sentiu-se ferver ao fitar o fundo dos olhos de pela primeira vez. Não acreditava, também, em coincidências — mas, o que aquele momento poderia ser a não isso? Foi uma conexão instantânea, e ele nunca soube se fora unilateral ou não, já que a mulher bem vestida correspondia suas investidas silenciosas.
Alguns minutos de silêncio depois, a mulher se virou totalmente para ele, ficando de lado sobre o banco alto do bar.
— Me chamo . — ela disse de maneira firme e natural. — O que acha de tomar uma bebida comigo? A solidão não combina com um homem tão bonito quanto você.
Ao ouvir aquilo, sorriu e assentiu um bocado sem jeito; não sabia lidar muito bem com mulheres no primeiro contato e ficava envergonhado, principalmente quando recebia elogios. Porém, naquele momento, sentiu-se bem. Envergonhado, sim, mas, incrivelmente bem e encantado.
Fitou o sorriso que lhe era jogado mais uma vez e desejou ir devagar, mas, como previa, falhou miseravelmente. Mais tarde, enquanto sentia os lábios bonitos de dançarem sobre os seus, já se sentia embriagado demais para negar que havia sido paixão à primeira vista — mas, no fundo, questionava-se se não poderia ser amor.
— Não faça isso comigo. — pediu ao sair de seus devaneios, sentindo os lábios quentes de selarem os seus. — Precisamos esclarecer as coisas ao menos uma vez.
— Desculpe. — sussurrou. — Não sou a mulher perfeita para você.
— O que está acontecendo? Fale a verdade, acho que mereço saber o que há por trás de todo o seu mistério.
A mulher suspirou e encarou-o de perto com mais atenção. Os traços tão bonitos estavam tensos e caídos em um claro sinal de derrota e medo. No fundo, sabia que era sua culpa e que não era tão idiota quanto se mostrava — ele desconfiava dela e de que havia alguma coisa além, certamente sentia algo errado ao tocá-la todas as vezes que se encontravam; às vezes, era quase impossível para disfarçar a tensão que sentia quando o encarava nos olhos.
— Eu não posso. — confessou, por fim. — Por favor, , estou lhe implorando: esqueça tudo isso, me dê uma última noite de amor.
— Última noite?
— Eu preciso ir embora, mas não quero partir sem senti-lo mais uma vez.
— Você não pode simplesmente ir embora. — se afastou, dando alguns passos para trás. — Isso não é justo comigo, com tudo o que vivemos nos últimos meses.
— Eu preciso. — reforçou. — Vi e ouvi demais esta noite, mi amor.
ficou paralisado, não esperava por uma despedida repentina, tampouco que o dissesse de maneira tão fria e egoísta — achava que o assunto de ir embora minutos antes fosse um exagero. Em seus pensamentos, nada daquilo fazia sentido. Seu coração parecia estar em frangalhos, no entanto, a sensação de que tudo o que sentia era amor ainda estava ali, a cada batida do coração dolorido, a cada piscar de olhos. Sentia sob sua própria pele que amava aquela mulher; uma estranha sensação que o tomava por inteiro, e sequer conseguia sentir raiva ao ouvir palavras tão afiadas e desesperadoras.
— Eu queria ser mais forte para continuar lhe dizendo não. — praticamente sussurrou, voltando o olhar pesaroso para . — Mas… Toda vez que olho para você e lembro do sabor da sua boca… Isso se torna impossível. Mesmo sabendo que, depois desta noite, você irá embora. Isso tudo, mi amor — apontou para ambos —, ‘podría ser amor’*.
— ‘Déjame besar tus labios, sentirme en tus brazos’* — murmurou, aproximando-se a passos lentos ao mesmo tempo em que deixava os braços relaxarem nas laterais do próprio corpo. — ‘No digas nada, quiero sentir el calor que hay entre tu y yo’* — finalizou, encarando-o nos olhos e deixando que a toalha caísse no chão, bem aos seus pés.
encarou o corpo nu à sua frente e sentiu-se arrepiar de maneira gostosa. Estava à mercê daquela mulher, não havia mais o que fazer. Sua razão gritava-lhe alto e em bom tom para que se afastasse, para que insistisse no ‘não’ e que deixasse-a partir se tivesse coragem; contudo, seu coração fragilizado somado ao seu lado emocional tão sensível gritava ao contrário, implorava-lhe para que a tocasse, para que voltasse a sentir a pele macia e o calor que ela exalava, porque, naquele momento, não importava nada além das boas sensações que aquela mulher lhe trazia.
No momento em que decidiu deixar a razão de lado outra vez, sons de pneus arrastando no asfalto foram ouvidos do lado de fora — e pareciam bem próximos ao portão da casa, o qual a janela do quarto onde estavam ficava de frente. sentiu o corpo gelar e tentou não desviar o olhar do homem apaixonado à sua frente, no entanto, a curiosidade e o medo estavam matando-a por dentro, e bastou uma pequena olhada através dos vidros enormes para que suas suspeitas fossem confirmadas.
Seu paradeiro era, de fato, previsível. E estava em risco.
— O que está acontecendo lá fora? — sussurrou com pesar, a fim de fazer com que percebesse toda a agitação que acontecia, agora, dentro de seu quintal.
Muito a contragosto, levou o olhar até o outro lado, dando alguns passos para conseguir enxergar melhor.
— É Pablo e os capangas dele… O que será que querem aqui? — murmurou mais para si mesmo, porém, foi capaz de ouvir.
— Preciso do seu celular. — a mulher disse de forma agitada, tateando os bolsos de que parecia chocado demais para ter alguma reação; ele não entendia o porquê de estar agindo daquele jeito, mas tinha certeza de que era por causa do seu primo. — Desculpe, eu não posso falar muito. Preciso ir embora.
— O quê? Como assim? — finalmente encontrou sua voz, enquanto alternava o olhar entre que se vestia com os frangalhos de roupas que havia chegado e pegava uma arma com maestria — e que ele não tinha percebido estar ali antes —, e Pablo e seus capangas que seguiam em direção à sua porta aos gritos e ameaças, até então, descabidas e que ele sequer conseguia entender.
Na cabeça de , não fazia o menor sentido o primo arriscar-se tanto em estar no centro da cidade, em uma área tão bem protegida e bem cuidada, apenas para vê-lo por qualquer motivo que fosse. Ao deixar o olhar cair sobre outra vez, percebeu que não havia nenhum outro motivo para atrair Pablo a não ser ela. O que ele não entendia, porém, era o porquê de tudo aquilo — o que havia feito, de onde vinha e por que estava sempre sob a sombra de um mistério descabido? O que diabos Pablo sabia que ele, o homem com quem ela dormia há meses, não fazia ideia? Os questionamentos massacravam seu coração já tão estraçalhado, mas, ainda assim, não conseguia sentir raiva ou rancor de ; pelo contrário, sentia necessidade de protegê-la e cuidá-la até entender o que estava acontecendo. Poderia tomar uma decisão racional e sensata após entender a mulher por quem estava tão apaixonado.
— Peço perdão por toda a confusão que causei e provavelmente continuarei causando. — o encarou nos olhos. — Prometo que não lhe deixarei em apuros, não irei abandoná-lo e enviarei ajuda. Seu primo quer a mim, mas, eu lhe imploro: não me entregue, deixe-me sair viva daqui, eu posso livrar você desse crápula se conseguir partir.
— E o preço que pago pelo livramento de Pablo é ficar sem você?
— Você ficaria sem mim de qualquer forma, . — falou de maneira sincera e trêmula, encarando o amado nos olhos. — Eu sinto muito. Mas, se te conforta, está doendo em mim também.
— …
— Você precisa escolher entre me deixar ir ou morrer.
— Jamais deixaria que você morresse por minha causa…
— Então permita-me ir.
— Eu não devo lhe permitir nada, meu amor; você sempre fez o que e como quis, não cabe a mim tomar decisões agora.
— Eu te amo. — soltou de repente, sentindo os olhos encherem de lágrimas. — Jamais duvidei do que tínhamos; sempre soube que era amor.
— Mas nem sempre amor é sinônimo de felicidade ou um relacionamento bom e duradouro. — respondeu baixinho, resvalando seus lábios nos de , vendo-a fragilizada pela primeira vez. — No andar debaixo, dentro do porão, existe uma porta que dá para o quintal dos fundos, atrás do jardim tem um portão que vai diretamente para a rua. E eu também nunca duvidei do nosso amor, muito pelo contrário, eu o senti logo na primeira vez que coloquei meus olhos em você.
— Obrigada, jamais irei esquecê-lo, .
— Não há de quê, mi amor, agora vá. Preciso descer antes de você, Pablo provavelmente já está invadindo a casa. — engoliu a seco, afastando-se e fingindo que não sentia vontade de chorar. — Vá até o guarda-roupas e vista-se de forma mais segura e quente, irei segurá-lo ao máximo. Vai dar tudo certo.
não teve condições de dizer nenhuma outra palavra, apenas assentiu e correu em direção ao móvel, pegando apenas um casaco de . O cheiro conhecido estava impregnado na vestimenta, fazendo-a querer chorar mais. Ainda assim, a mulher ignorou suas próprias frustrações e esperou que saísse do quarto para fazer o mesmo, sempre com a arma bem colocada entre os dedos trêmulos.
A verdade é que conhecia aquela casa como a palma de sua mão e já tinha planos para fugir pelo caminho que comentou. Ela havia estudado toda a vida do empresário e seus familiares, assim como conseguiu conhecer a enorme casa antes mesmo de conhecê-lo de fato — a magia de ter contatos ao redor do mundo fazia com que ela conseguisse tudo o que queria na hora de realizar uma missão; e também tinha a ajuda de Eleonor, que estava sempre em seu encalço a fim de ajudar e proteger, mesmo que não concordasse com os métodos usados. Ademais, o problema estava em chegar até o porão, já que Pablo não era burro e deixou seus homens espalhados por todo andar debaixo, enquanto apenas um ia em direção ao segundo.
só tinha uma chance de não ser exposta para e morta logo em seguida; e esta era pegar o capanga que subia em sua direção.
Ao fitar a mulher camuflada em um enorme casaco preto, o bandido se preparou para gritar e puxar sua arma, no entanto, fora mais rápida em alcançá-lo em passadas rápidas e longas, acertando-o na garganta com a mão aberta. Ao vê-lo engasgar na própria saliva e o ar rarefeito naquele momento, chutou-o entre as pernas fazendo-o tombar para a frente, totalmente desarmado e fraco. A agente segurou o corpo grande e pesado com força, deixando-o cair no chão sem emitir um ruído sequer. Sem o menor resquício de remorso, ajoelhou-se em frente ao corpo e prendeu-o entre os braços, sufocando-o como podia. O homem se debateu, tentou gritar, tentou se soltar e nada adiantou; ela era treinada, afinal, e lidaria com quem quer que fosse para defender sua vida e a de — que era um homem inocente e que caiu em toda a situação de paraquedas sem ao menos desejar.
Quando o homem parou de se debater, não se preocupou em confirmar se ele estava morto ou apenas desmaiado; não tinha tempo. Focada em conseguir ajuda e ir embora, digitou uma mensagem repleta de códigos no celular de e enviou-a para Eleonor, mesmo que soubesse que a amiga estava ocupada do outro lado da cidade — ela não demoraria para chegar ali, de todo modo, já que a situação provavelmente estava controlada e tinham os policiais locais para tomarem conta de toda a confusão.
O celular de ficou jogado em algum lugar do corredor, não importava; ela não podia sair dali com o aparelho, sabendo que poderia ser rastreada por quem quer que fosse — não queria ser encontrada até que estivesse em segurança por si só, e Pablo, no mínimo, preso. Sua maior missão, porém, estava sendo descer as escadas, já que havia mais um capanga pelos arredores, enquanto Pablo e encontravam-se na sala com o restante do bando.
preferia não pensar de que forma Pablo estava perguntando sobre ela para . Era capaz de ouvir murmúrios irritados e outros sons mais abafados; e sabia bem como aquilo funcionava, não importava se tratasse de um parente até então inocente. Homens como Pablo lidavam diferente com traição — ou o que eles pensavam se tratar de traição.
Os minutos passavam e continuava parada no topo da escada, pensando em um jeito de livrar-se daquele único homem. Pegá-lo de surpresa em um golpe de alguma arte marcial não seria a melhor tática, tampouco atirar mesmo que sua pistola possuísse um silenciador. A outra opção, todavia, era uma janela que ela jamais entenderia por que existia logo no fim do corredor atrás de si. Dava para os fundos da casa também, sim, mas a altura não era nem um pouco tentadora.
Quando entrou para a base do FBI em Quântico, treinou diversas lutas e teve uma infinidade de missões em lugares altos e arriscados, ainda assim, nunca imaginou que teria de viver algo parecido com as missões absurdas que seus superiores criavam. Nunca imaginou que pendurar-se em uma janela, em completo silêncio, poderia vir a acontecer. E lá estava ela, deixando seu grande amor para trás, correndo risco de vida, para arriscar-se em dobro para… Fugir. Fugir de Pablo, de e todo aquele sentimentalismo, fugir do México. E ela nunca foi uma mulher de fugir do que quer que fosse.
sentiu as mãos formigarem enquanto segurava fortemente no batente da janela, já com o corpo quase todo do lado de fora. Sua consciência estava pesada e seu coração sequer parecia bater, tamanho o remorso que tentava ignorar. Por que estava fazendo aquilo ao invés de tentar corrigir seus erros? Já passara por tantas situações parecidas, sozinha, e conseguira resolver. Por que justo naquele momento pensava em simplesmente... Fugir? Pablo era perigoso, claro que sim; um dos homens mais procurados por todo o mundo, mas já havia enfrentado outros iguais a ele e conseguiu obter êxito em todas as missões.
Um suspiro lhe escapou. Olhou para baixo. Foi quando lembrou. Lembrou do real motivo por ter escolhido como alvo; que não foi apenas pela facilidade para aproximar-se de Pablo. era um homem incrível; bom, honesto, alegre, ajudava as pessoas, inteligente e esperto; ele era capaz de conquistar as pessoas ao redor, percebia os mínimos detalhes de tudo e ignorava quando necessário; era desconfiado e não se importava se algo parecesse estranho caso sua intuição dissesse para acreditar e confiar no momento; e foi o que ele fez o tempo todo enquanto tinha ao seu lado — desconfiava, sentia medo; mas estava apaixonado e amando a mulher cegamente, jamais duvidaria do que estavam tendo, e, em sua cabeça, deveria acolhê-la até que estivesse confortável para lhe narrar sua história de vida.
era viciado em mistério.
Quando surgiu em sua frente, ele foi capaz de sentir que ela era tudo o que mais desejava — misteriosa, inteligente, bondosa e justa, qualidades que eram raras à primeira vista e que ele prezava mais do que tudo.
E sabia disso, e este foi o real motivo para criar . Investigou por semanas antes de infiltrar-se em sua vida, e deixou-o totalmente virado do avesso e com a vida bagunçada. O mínimo que poderia fazer para se redimir era voltar e deixá-lo são e salvo, como fora encontrado. não tinha nada a ver com Pablo e sua gangue, merecia ser salvo e protegido; era apenas um civil, um empresário promissor, não poderia morrer ou sofrer nas mãos do próprio primo por causa dela e seu trabalho.
O impulso para voltar para o corredor foi automático. suspirou e refez o caminho, parando próximo ao corpo desacordado do primeiro bandido. Abaixou e pegou a arma que ele carregava, colocando-a na cintura após conferi-la com atenção. Antes de voltar em direção à escada, procurou pelo celular de e discou os números tão conhecidos de Eleonor, que provavelmente não aguentava mais nem mesmo ouvir seu nome. Assim que ouviu a voz desconfiada da amiga, sussurrou:
— Cadê você?
— ? Graças a Deus você está bem! — Eleonor exclamou, suspirando. — Estou a caminho do endereço que você me enviou na última mensagem. Suponho ser a casa do alvo.
— Sim. Eu ainda estou aqui.
— Você disse que deixaria o local.
— Mudei de ideia.
— Preciso saber agora o por quê?
— Não. Está a quanto tempo daqui?
— De cinco a oito minutos.
— Ótimo, vou tentar ganhar tempo. Diga para quem estiver com você vir bem armado.
— Certo. Tome cuidado.
— Eu sempre tomo, agora acelere o carro e chegue logo.
— Mantenha-se viva.
— Você também, amiga.
Após desligar o celular, não se deu ao trabalho de fingir que não estava mais ali. Tirou o capuz do casaco, deixando os cabelos cacheados e bagunçados à mostra, e seguiu até à escada de uma vez por todas. Os mesmos murmúrios de minutos atrás eram audíveis e o capanga ainda continuava no mesmo lugar, em frente ao primeiro degrau. Era hora de assumir sua verdadeira faceta e transformar-se na agente federal , a lenda de Quântico.
Com isso em mente, desceu os degraus devagar sem causar ruído nenhum. Quando o homem à sua frente percebeu sua aproximação e se virou, lhe acertou o rosto com a arma que segurava, fazendo-o cambalear. Sua intenção, inicialmente, era se aproximar devagar e grudar a arma em sua cabeça, no entanto, o pobre coitado acabou por senti-la — e foi um péssimo momento para descobrir-se sensitivo, diga-se de passagem.
não parou por ali. Acertou-o mais algumas vezes, até arrancar sangue de sua boca, e ele já estava claramente tonto — mas era grande demais, e era difícil derrubar homens grandes demais. Quando o brutamontes finalmente foi levado ao chão com um tiro no pescoço, o inevitável aconteceu: toda a atenção fora diretamente para a sala, onde se encontravam.
A cena pareceu ficar em câmera lenta diante dos olhos de . Primeiro, mais dois homens surgiram, atrás deles, com alguns machucados espalhados pelo rosto bonito, e, por fim, Pablo — o crápula. Mesmo com alguns machucados espalhados pelo corpo, ficou ereta rapidamente, em uma posição defensiva. Sabia que não teria chance daquele jeito, porém, não teve tempo de pensar em algo melhor, e também não contava de todos eles estarem tão próximos — sequer dera tempo de pensar em correr para algum esconderijo.
— Sou eu quem você quer, não é, Pablo? Estou aqui. — falou num tom de voz firme. — Deixe ir embora. Ele não sabe de nada.
— Você não é uma super heroína, garota. — Pablo deu alguns passos à frente, passando pelo primo machucado e empurrando-o para o lado com força. — Aqui não existe isso de “sou eu quem você quer” e “deixe ir embora”. Não sei como funciona no seu país, mas, aqui… — sorriu. — Aqui nós matamos quando se trata de traição. Ainda mais quando se vem da família. No entanto, concordo com você que não sabe de nada. Pobre primo. Tão inteligente para algumas coisas, mas tão burro para outras. Como ele não pôde perceber que você não presta?
— Pare aí mesmo ou eu atiro. — rebateu com raiva, apertando a arma entre os dedos.
— Ah, atira? Pensei que estávamos tentando ganhar tempo para ver se alguém aparece para salvá-la. Eu descobri quem você é, agente . — Pablo ficou sério de repente, deixando as feições pavorosas. — Sinto informá-la que ninguém virá ao seu encontro, e que tampouco sairá viva daqui. Sua missão acabou; você falhou.
Atrás de Pablo, jogado de joelhos no chão e sem forças para se erguer, estava . Seus olhos estavam banhados em lágrimas e sua cabeça uma completa bagunça. Os lábios tremiam levemente, mais por raiva e o sentimento de traição que qualquer outra coisa. Ainda assim, estava preocupado. , como ele a conhecia, tinha três homens à sua frente e prontos para atirarem contra ela. E ele continuava ali como um inválido; sentia-se fraco, triste e enganado. Era uma mistura de sensações que jamais saberia como explicar, mas, no fundo, sabia que só queria que a mulher saísse viva. Perguntava-se por que diabos ela não fugiu como disse que faria, ele aguentava passar por tudo aquilo, claro que aguentava. Poderiam se reencontrar depois, algum dia, mesmo que levasse anos para que acontecesse.
Algo nos olhos de sua deixava-o confuso e com o coração acelerado — era como se aquele olhar pudesse falar com ele. Não queria ser egocêntrico e pensar que ela havia voltado por ele, mas estava impossível não cogitar a possibilidade.
— Eu vou te matar. — murmurou entredentes, tentando se controlar para não apertar o gatilho e morrer naquele instante, antes mesmo de ter a chance de receber a ajuda de Eleonor que estava prestes a chegar.
Pablo riu de forma debochada e fez um sinal com os dedos para os dois capangas ao seu lado, como se desse uma ordem — e conhecia aquela ordem muito bem, e ele jamais deixaria que aquilo se concretizasse; , agente , quem quer que ela fosse, não estava sozinha; ele não tinha suas habilidades, tampouco sua esperteza, mas poderia ser útil até que a ajuda chegasse; ele sabia que chegaria.
Em uma ação ousada, apoiou as mãos no chão e girou o corpo do jeito mais rápido que conseguiu, esticando as pernas em direção a um dos capangas e passando o pé pelas canelas alheias, fazendo-o desequilibrar por conta da surpresa e a força aplicada no golpe — uma típica ‘rasteira’, movimento que ele sequer se lembrava onde aprendeu. Tão rápido e certeiro quanto o golpe de , apertou o gatilho duas vezes, acertando o peito do segundo capanga, enquanto voltava a subir as escadas rapidamente ao perceber que Pablo sacou uma arma e mirou em sua direção. Ela sabia que ficaria bem, e, àquele ponto, não era a prioridade do primo bandido.
O caos estava instaurado quando o som de sirenes pôde ser ouvido. estava sobre o corpo másculo e maior que o seu do capanga do primo, e socava-lhe o rosto com raiva e força, arrancando sangue e deixando-o quase inconsciente devido à intensidade dos golpes.
— Separem-nos! — uma voz feminina desconhecida por ecoou pela sala. Em seguida, sentiu os braços fortes dos policiais puxarem-no para cima. — Ele é nossa vítima, leve-o para fora e preste os devidos cuidados, Ramon. Esse aqui está preso — a mulher murmurou para o homem de rosto ensanguentado. — Onde está o seu chefe e a minha parceira?
O bandido não respondeu, apenas cuspiu um punhado de sangue no rosto da policial que ele sabia ser estadunidense. A mulher fez uma careta de nojo e olhou em volta, percebendo que alguns policiais ainda a encarava aguardando uma nova ordem. Em um movimento rápido, deferiu um soco no nariz do homem, entortando-o na hora.
— É só assim que vocês abrem a boca nesse ramo? — perguntou, devolvendo a cuspida sobre o rosto do homem. — Nunca podemos ter uma conversa decente? Vai me responder agora ou vou precisar quebrar outra parte do seu corpo?!
— Cima… Lá… Em cima. — o bandido murmurou em pânico, sentindo a dor lancinante espalhar de seu nariz para todo o rosto.
— Obrigada pela cooperação, senhor. Vocês — virou-se para os outros — prendam-no. Pode deixar que com a agente e Pablo, eu ‘me viro’.
Com sangue nos olhos e o colete bem apertado no tronco, Eleonor subiu torcendo para que a amiga ainda estivesse viva.
Antes mesmo de chegar ao topo da escada, Eleonor foi capaz de ouvir gritos abafados e sons de pancadas, como se um combate corpo a corpo estivesse acontecendo. Tomando cuidado para não ser vista nem ouvida, acelerou os passos e manteve a arma apontada para frente, preparada para qualquer situação. Entretanto, ao chegar no começo do corredor, não conseguiu esconder seu horror. Já havia visto em diversas situações perigosas, assim com ela própria tinha lá seus números de perigos enfrentados, mas, ainda assim, sentiu-se tensa e horrorizada com o que via.
estava sob o corpo de Pablo, sendo sufocada e se debatia quase sem forças, tentando alcançar a arma que estava ao seu lado. Os cabelos estavam espalhados pelo chão, as pernas chacoalhavam em desespero e as mãos do bandido pareciam apertar cada vez mais em volta do pescoço da agente.
Eleonor caminhou com pressa até os dois que sequer perceberam sua presença. Com força empurrou Pablo para o lado, fazendo-o soltar o pescoço de e cair para o lado. O movimento foi o suficiente para que se esticasse até à pistola caída e se levantasse em um pulo, mesmo que ainda estivesse tonta e sem conseguir respirar direito, além de ferida — ela parecia fora de órbita, desesperada, porém ainda pronta e preparada para executar seu trabalho com perfeição e maestria; quase como um robô.
Sem esperar pela parceira, andou mancando levemente até o bandido e chutou sua barriga, fazendo-o arquear o corpo e rolar para o chão outra vez, sem dá-lo a chance de rebater.
— Nunca mais encoste em mim ou em qualquer outra mulher. — murmurou sentindo a voz tremer, cuspindo um pouco de sangue no chão em seguida. Com todo seu ódio, chutou-o mais uma vez, e outra, e outra, e outra, até que Eleonor a segurasse pelos ombros com cuidado.
— . — A amiga chamou, e só então ela parou de chutar o bandido jogado no chão.
Com um ódio jamais visto transbordando de seus olhos, agachou ao lado de Pablo e segurou-o pelos cabelos, deixando-os cara a cara, literalmente. Sem medo e tomada por um ressentimento anormal, a agente colocou o cano do silenciador da pistola na bochecha alheia, apertando com força e fazendo com que Pablo arregalasse os olhos, assustado pela primeira vez na noite. Eleanor prendeu a respiração e novamente tentou tocar o ombro da amiga, que desviou no toque com um movimento leve. Ela sabia o que estava fazendo; estava no controle; tinha Pablo nas mãos como sonhara nos últimos meses.
o olhou nos olhos, sorriu, e soprou em um único sussurro:
— Você está preso, hijo de puta.
deixou que Eleonor levasse Pablo para uma das viaturas e, pela primeira vez, permitiu-se fugir de alguma coisa: os jornalistas que gritavam alucinadamente em busca de alguma informação. Deu a volta pelo jardim da casa de e seguiu até onde algumas ambulâncias estavam paradas, em busca de uma análise profissional para seu estado — deplorável. Sentia-se arder e doer em lugares que sequer sabia que tinha; além de estar exausta e sem dormir por mais horas que poderia contar.
Contudo, seus pensamentos ainda estavam em e seu estado, só que não tinha forças para procurar por ele — e também não era como se precisasse, de fato; ele devia estar por ali, em algum dos carros, sendo tratado, já que estava tão ferido quanto ela.
suspirou e parou de andar antes mesmo de conseguir chegar à uma ambulância. Deixou-se cair no chão sem importar-se com a sujeira e se estragaria algumas flores do jardim bem cuidado que possuía. Lembrar-se que o homem por quem se apaixonara estava tão ferido quanto ela partia seu coração, tinha voltado justamente para tentar evitar aquela situação e havia falhado. Seu trabalho estava concluído, Pablo e seus capangas estavam presos, mas, como sempre, sua vida pessoal e seu coração estavam em frangalhos. Não sabia o que faria depois de tudo aquilo. Sua única certeza era que voltaria para os Estados Unidos, levaria uma bronca de seu chefe e ganharia uma medalha de honra dentro de algumas semanas — depois da possível suspensão por má conduta e irresponsabilidade.
Mas… E ? Teria a oportunidade de vê-lo novamente? Poderia se desculpar e explicar tudo que acontecera? Ele ao menos a ouviria se tivesse a chance?
— Acho que você precisa de um médico — a voz melodiosa ecoou logo ao seu lado, fazendo-a erguer a cabeça assustada. — Desculpe, não quis assustá-la… Agente — cuspiu, por fim.
— Eu… — engoliu a seco. — Eu sei que preciso me examinar, mas… Como você está? — perguntou um tanto quanto zonza, observando o homem ao seu lado.
ainda tinha os cabelos curtinhos desgrenhados, o rosto estava marcado e possuía alguns curativos bem feitos, uma das mãos estava enfaixada e os braços à mostra estavam com marcas roxas espalhadas.
— Estou vivo. — respondeu. — Acho que é o que importa.
— É… — não soube o que dizer, sua garganta arranhava, estava seca, e seus olhos estavam prestes a transbordar de lágrimas grossas. — Eu gostaria de lhe pedir perdão, , não foi justo fazê-lo passar por tudo isso… Ainda mais em sua própria casa.
— Está tudo bem… Eu acho. — suspirou. — Sempre soube que corria esse risco tendo o primo que tinha. Eu só não esperava ser tão enganado por você. Quero dizer… Eu desconfiava que tinha algo errado, é claro que tinha, você deixou bem óbvio. Ainda assim, eu quis me enganar e fingir que estava tudo bem, lhe dei um voto de confiança e esperei que um dia você conseguisse se abrir comigo. Isso não aconteceu e creio que nunca irá acontecer. Algo me diz que você partirá e nunca mais irá voltar.
não soube o que responder de imediato, então apenas desviou o olhar para o lado oposto e passou a mão sob os olhos, enxugando as lágrimas que deixou rolar sem querer. Queria ter coragem de se abrir com como ele fazia nos sábados chuvosos sob os edredons. Ele a contara sobre a infância, sobre como era difícil lidar com a tia passando a mão na cabeça de Pablo, como era insuportável ter de olhar para a cara daquele bandido, como amava seu trabalho, sua família… E várias outras coisas que se lembrava com clareza e guardava no fundo do coração, pois sabia que jamais teria chance de viver de um jeito calmo e realmente feliz ao lado de — isso sequer era indicado, dado ao fato de que ele fizera parte da missão; um mero objeto para todos ao redor.
— Eu sinto muito. — murmurou.
— Posso saber seu verdadeiro nome?
— . — respondeu sem hesitar, voltando a encará-lo. — Desculpe-me por tudo, , nunca quis usá-lo ou traí-lo. Infelizmente, no meu trabalho, tenho que tomar algumas decisões difíceis e acabo magoando muitas pessoas pelo caminho.
— Creio que se magoe com frequência também, então.
— Sim, não sou imune às minhas próprias falhas.
— Ninguém é, mi amor. — tentou sorrir. — Não vou negar que estou magoado, porque estou. Muito, mais do que posso descrever. Porém… Não sou um homem ruim ou insensível, . — soprou o nome com carinho, fazendo-a estremecer. Parecia certo. — Sei que você precisou fazer tudo o que fez, e ainda tenho esperança de que um dia possa se abrir comigo e contar sua história. Você parece ser uma mulher solitária, assim como eu já fui um homem solitário há algum tempo. Os momentos que vivemos juntos significou muito para mim e eu gostaria de escutá-la quando for possível. Ninguém merece viver com a solidão.
— Você não existe… — riu sem humor algum, secando as lágrimas que ainda deixava rolar. — Foi por isso… Que eu voltei. Não costumo abandonar pessoas, apesar de trabalhar sozinha na maioria das vezes. Consigo reconhecer quem eu gosto e quem me ajudou. Você se encaixa nos dois tópicos, e eu não conseguiria dormir nunca mais se não voltasse. Eu precisava mantê-lo vivo, … Não só pelo meu trabalho.
— Então, por quê? Pensei que seu trabalho fosse sua prioridade.
— Por que está aqui e me escutando, ?
— Porque sou um idiota apaixonado, mas isso não vem ao caso. Responda minha pergunta.
— Porque sou uma idiota apaixonada, . Por que mais seria?
tentou esconder a surpresa nas feições bonitas, assim como tentou segurar o sorriso que tomou seus lábios automaticamente — e falhou miseravelmente em ambas as tentativas. Era um grande idiota apaixonado mesmo, não tinha como negar ou ao menos tentar disfarçar. A agente o havia encantado logo no primeiro olhar, e tudo piorou após o primeiro beijo. Sentia-se delirar a cada mísero olhar de — que seria sua eterna —, cada beijo, cada toque; era capaz de senti-los na pele mesmo depois de tanto tempo e em meio àquela situação caótica. A sensação da primeira vez que a vira ainda estava ali, zapeando em suas entranhas, sob as veias, pulsando e lembrando-o do que aquela mulher era capaz de causar em seu interior.
— Você pode repetir isso? — pediu baixinho, ainda desacreditado.
— Não é como se eu não tivesse dito que te amo mais cedo, . — riu baixinho, fungando um pouquinho e ainda um tanto emotiva. — Mas, é, sou uma grande idiota apaixonada por você.
— Fico feliz em saber que não estou amando sozinho. — respondeu e se aproximou mais, segurando o rosto de com delicadeza. — Senti medo de tudo ter sido mentira. Obrigado por ter voltado e por ter salvado minha vida. Não sei o que seria de mim sem você, mi amor.
— Não seja bobo. — sussurrou e fechou os olhos, permitindo uma aproximação mais íntima, a ponto de deixar suas bocas quase coladas. — Eu jamais lhe deixaria para trás, desculpe por tê-lo feito pensar o contrário; desculpe por ter perdido tempo demais duvidando de sua confiança.
— Está tudo bem agora, estamos vivos e Pablo está preso… Está tudo sob controle.
— Até eu precisar voltar para casa. — sussurrou tão baixinho que quase não fora capaz de escutá-la.
— Não vamos pensar nisso agora… O resto o tempo há de resolver por nós.
— E o que você quer fazer agora?
— Beijar você.
— O que está esperando, então?
apenas sorriu e grudou suas bocas de uma vez por todas, fazendo com que seu coração desse cambalhotas de tanta alegria e alívio — estavam finalmente juntos.
“Porque te siento, porque te siento
Muy dentro de mi piel
Extraña sensación, podría ser amor”
Estava ali como uma fugitiva, sendo procurada e tendo toda a vida revirada pelos traficantes mais perigosos da Cidade do México. Não sabia o que fazer depois de ter sido atacada de surpresa, mas, por algum motivo, estar ali parecia certo. Sabia que conseguiria abrigo, mas, também sabia que poderia colocar o dono da casa em um risco tão grande quanto ao que sofria — se não maior, dado o fato de que ele era primo do homem que queria sua cabeça.
Antes que pudesse juntar seus frangalhos e o resto de sua dignidade para ir embora, a porta se abriu, revelando um homem de altura mediana e pele bronzeada, com os cabelos curtos bagunçados e o rosto levemente inchado, como se tivesse acabado de acordar.
— ? — a voz ecoou confusa e um tanto apreensiva.
— Oi, . — respondeu baixinho, sem encará-lo nos olhos. Ainda sentia-se insegura e perseguida, então usava como uma desculpa para si mesma enquanto fugia do olhar carinhoso e curioso que a fitava.
— O que aconteceu? — perguntou com um olhar carregado de questionamentos.
— Eu preciso de ajuda. — murmurou baixinho, ainda olhando em volta. — Posso entrar?
Quando o espaço lhe fora concedido, percebeu que não entrava a residência como , seu disfarce; e sim como , a agente mais promissora do FBI, cuja Quântico alegava nunca ter visto igual — era simplesmente genial e perfeita nos mínimos detalhes, tinha a frieza necessária para infiltrar-se nas missões mais difíceis que possuíam, até aquele momento, até pôr os olhos no primo de Pablo , o maior traficante que as Américas já haviam visto na última década.
trancou a porta atrás de si e o baque baixo tirou a mulher de seus devaneios. De repente, sentiu-se exposta e sem saber como explicar seu estado deplorável. Suas roupas estavam sujas e rasgadas, os braços possuíam arranhões e seu ombro tinha um rastro de sangue seco devido a um tiro de raspão que levara. Sua maquiagem era quase inexistente, mas as marcas do rímel preto ainda estavam visíveis no rosto bonito e amorenado, e seu batom, sempre vermelho vibrante, estava borrado e manchava até suas bochechas. Totalmente o oposto do que estava acostumado a ver; e, por um segundo, ela cogitou que ele sabia de tudo. Suas mentiras, o disfarce, o motivo de estar naquele estado e por que correra logo para a casa alheia.
No entanto, os olhos castanhos de mostravam o contrário. Sua preocupação era palpável, o olhar amedrontado e transbordando questionamentos, o tremor quase imperceptível no lábio inferior, o peitoral definido subindo e descendo em um claro sinal de preocupação — ele não sabia de nada; mas queria protegê-la.
— Pode me dizer o que aconteceu? — perguntou enquanto tentava manter a calma, aproximando-se de .
Ao ouvir a pergunta tão necessária e, ao mesmo tempo, tão inofensiva, a mulher travou. Seus olhos escureceram, o maxilar trincou e a respiração ficou presa em um bolo na garganta, como se estivesse sendo transportada para toda a adrenalina de meia hora atrás.
Quando decidiu seguir um dos capangas de Pablo , não era mais que lhe tomava o corpo e a mente, mas, sim, , a agente federal. No momento lhe pareceu uma boa ideia, porém, ao reconhecer para onde estava indo, percebeu que não. Ela poderia ter esperado até o amanhecer para descobrir o que quer que eles estivessem fazendo, pois teria a ajuda de sua parceira, Eleonor — e que estava no México sob o pseudônimo de Dulce. Mas sua ansiedade e curiosidade não permitiram esperar, e quando percebeu já era tarde demais para voltar. Embora estivesse armada até os dentes, fosse bem treinada e aquela não fosse sua primeira encrenca ao longo da carreira, sabia que não teria como lidar com tudo aquilo e talvez sequer voltaria viva para contar sua aventura e as descobertas que fora pescando durante o caminho.
Guiada pela curiosidade e a vontade de fechar o arquivo de Pablo o mais rápido possível, permitiu-se tomar o lugar de e ir até os confins da cidade, onde todas as ruas eram mal iluminadas e o tráfico era escancarado, assim como a violência também era explícita em cada beco que passava, onde podia ouvir murmúrios e pedidos de socorro que jamais poderia atender. Em outras circunstâncias, diria que aquilo tudo era uma armadilha para pegá-la — e realmente parecia —, contudo, não tinha mais o que fazer a não ser continuar seguindo por entre as ruelas mal cheirosas e escuras.
sabia muitas coisas a respeito de Pablo , além de já ter tido a chance de ficar cara a cara com o crápula. Nas últimas semanas, o boato que se espalhava pelo México é que ele estava ciente de todas as tentativas das autoridades estadunidenses de pegá-lo. Por isso, sua segurança estava redobrada. Alguns capangas, que ficavam pelas ruas, deixaram escapar que o chefe já sabia que tinham infiltrados em suas gangues e ao redor de sua família, mas não levou a sério — era impossível, ninguém iria descobrir agente algum se ele não quisesse ser descoberto. Até chegar ali. A operação que parecia tão bem protegida e abafada por quem trabalhava nela, foi escancarada sem mais nem menos.
Escondida entre as sombras, observou o braço direito de Pablo adentrar um galpão aparentemente abandonado. Permitindo que seus instintos a guiasse, correu silenciosamente até lá e procurou por uma brecha nos portões grossos, não hesitando em olhar o que acontecia no interior do galpão ao encontrar uma brecha. Amarrado pelos braços e totalmente nu, estava o agente James Simpsons — seu colega de trabalho que havia chegado ali há pouco mais de dois meses, para lhe dar suporte.
deixou um arfar de susto escapar e afastou-se do grande portão, logo puxando o celular do bolso. Discou o número de Eleonor com pressa e não levou mais que dois toques para ser atendida pela parceira. Não esperou receber um “alô” ou um “oi” para soltar a bomba; não tinham tempo. Com a voz baixa, sentenciou:
— Pegaram o James.
A agente só não esperava, no entanto, uma segurança realmente redobrada nem que duas palavras fossem o suficiente para entregar seu disfarce e ser pega no flagra.
O som do primeiro disparo em sua direção foi como uma chave girada em seu interior. Seus reflexos fizeram-na saltar em direção ao chão e rolou para onde julgou ser o mais seguro. Ainda assim, não foi rápida o suficiente e a ardência que lhe tomou o ombro direito foi imediata. Podia ouvir a voz da parceira em algum lugar ao redor, mas não conseguia enxergar o celular que voara para longe. Estava sozinha, sem comunicação e cercada por um punhado de capangas do maior traficante que o México já havia visto. E ao erguer-se novamente, já empunhando sua própria arma, percebeu que no mínimo cinco homens naquela área eram conhecidos. Porque, como se não bastasse toda a situação perigosa em que se encontrava desde o primeiro segundo daquela missão, havia se envolvido o suficiente com para passar a frequentar os encontros de família.
— Para falar a verdade, não. — respondeu, por fim, tomando a pose de . — Não posso nem quero te envolver nisso, . Tudo o que precisa saber é que estou indo embora daqui.
— Você está ferida e parece que foi virada do avesso. — rebateu. — E tem a cara de pau de apenas me dizer que está indo embora da cidade?
— É o que precisa ser feito, nem sei por que vim até aqui.
— “É o que precisa ser feito”? — repetiu e, a passos longos, aproximou-se da mulher. — Isso é o melhor que tem para me dizer? Olhe para você, , está ferida e visivelmente perturbada. Sabe que pode confiar em mim e dizer o que aconteceu. Eu posso proteger você.
— Pode me proteger? — sorriu de forma irônica. — Acha que pode me proteger do seu próprio primo, o chefão de toda a Cidade do México?
emudeceu. Não era novidade para ninguém seu parentesco com aquele homem nojento, tinha encontros esporádicos com ele por conta das reuniões de família e que sua mãe e suas tias recusaram-se a bani-lo de frequentar. esteve presente em alguns encontros como aqueles, mas sempre ciente de que a família não tinha nada a ver com aquele desgraçado e seus seguranças que viviam em seu encalço até quando ele ia ao banheiro.
— Foi Pablo que fez isso com você?
não respondeu, fechando os olhos por alguns segundos. Quando voltou a encarar , seus olhos não pareciam tão nublados como antes; até mesmo se parecia com a mulher que ele conheceu em uma exposição de arte aleatória que fora obrigado a ir com o melhor amigo.
— Não. — respondeu, sabendo que era só mais uma mentira para sua coleção. — Desculpe, eu não estou bem. Seu primo não tem nada a ver com isso.
— O que aconteceu, , e por que veio até aqui? — perguntou em tom de súplica, uma última vez.
— Eu… Eu sofri uma tentativa de assalto, corri e os homens vieram atrás de mim, me bateram e atiraram, mas consegui me soltar. — inventou. — Sua casa me pareceu o único refúgio no momento. Acabei falando de Pablo, pois sei que ele é quem controla toda a violência dessa cidade.
não pareceu convencido com o que escutou. Porém, decidiu que não iria insistir mais naquele momento. A mulher estava claramente abalada e precisava de um banho quente.
— Tudo bem. — o dono da casa suspirou. — Vá tomar um banho. Quando acabar, vamos à delegacia.
engoliu a seco de forma disfarçada, sabendo que a encarava analiticamente, buscando qualquer alteração em seu semblante para pegá-la na mentira. Sabia que isso aconteceria, e não fazia ideia do porquê de ter corrido para aquela casa. Por fim, assentiu e agradeceu baixinho. Embora tivesse o coração acelerado em preocupação e quisesse ficar para que, de alguma forma absurda, descobrisse toda a verdade, achou melhor obedecer, logo indo em direção ao banheiro que já conhecia tão bem.
Ao trancar a porta de luxo atrás de si, deixou que a cabeça caísse contra a madeira e descansasse ali por alguns segundos. Estava encrencada demais e, caso conseguisse sair viva dali, ouviria muitas broncas de seus chefes e, talvez, ganhasse uma suspensão por má conduta e por ter misturado as coisas.
Quando decidiu aproximar-se de , não tinha a intenção de deixar-se levar pelo sorriso bonito que ele possuía. Sabia desde o início que ele era primo de Pablo. era um homem bom, céus, como era; mas, ainda assim, era a melhor chance que tinha de entender o que acontecia dentro daquela família e se mais alguém estava envolvido. Além do mais, ficaria muito mais fácil ser infiltrada e entender o funcionamento do bandido se estivesse entre seus entes queridos e seus comparsas. E foi o que ela fez: aproximou-se de , iniciou uma série de flertes e cedeu aos cortejos educados que recebeu, infiltrou-se na família e ficou amiga de alguns seguranças de Pablo, sempre tentando barganhar informações mostrando-se interessada nos negócios, como se fosse usuária de algum tipo de droga sem que notasse. Foi sua melhor jogada em todo aquele ano de missão. Descobriu coisas demais, fez com que o FBI avançasse nas investigações e conseguiu acesso às datas e horários que os carregamentos saíam semanalmente. Conseguiram apreender cerca de três caminhões abarrotados de drogas e armas na fronteira.
Contudo, acabou se afeiçoando até demais à família . Todos eram solícitos demais, até mesmo o bandido, Pablo, parecia outra pessoa ao lado da mãe e das tias. não era diferente. Era um homem educado, bonito, esforçado e tinha a própria empresa, que havia construído do zero. No início, antes de começar a frequentar assiduamente a casa dos , tinha a intenção de manter sua relação com o mais carnal possível; não queria afeto, não queria carinho, nada disso. Ganhou-o facilmente com uma boa noite de sexo no segundo ou terceiro encontro que tiveram, e assim queria manter. Seria bom para ambos. Ela, por estar carente, precisava de algo para que não a distraísse totalmente da missão, e transar com parecia perfeito, porque tinha cada vez mais acesso às informações que precisava e ainda fechava com chave de ouro com um sexo espetacular que a deixava satisfeita e com ainda mais gás para continuar sua missão.
— Ele já está apaixonado por você. — Eleonor disse certa vez, enquanto tomavam café juntas pela primeira vez em três meses. — E não ficarei surpresa se você aparecer apaixonada também.
— Não há nada de paixão envolvido entre nós, El. — sorriu despreocupada. — Ele é bom de cama e me fornece as melhores informações que temos, mesmo sem saber ou perceber. Não vou me apaixonar, parece até que você não conhece minha fama em Quântico.
— Justamente por conhecer sua fama que estou falando isso. — a amiga suspirou. — Não temos uma data limite para essa missão, . Podemos encerrá-la agora, ou daqui a dois anos. Você já está infiltrada aqui há quase seis meses e olha todo o avanço que já fez. Mas, ainda assim, quando foi informada que não precisava mais encontrar-se com , você continuou o encontrando. Todos os fins de semana. Isso é perigoso. Se vocês se apaixonarem, estarão assinando um atestado de óbito. Você sabe bem disso, sabe também que Pablo e os seguranças dele conhecem seu rosto e seu disfarce como um todo. Um falso término não irá convencê-los quando precisarmos partir.
— Não acho que está nos dizendo tudo o que precisamos, por isso continuei com os encontros. Não tem nada a ver com paixão. Sei bem minha hora de bater retirada, El, não se preocupe. Ninguém descobrirá nada, e iremos embora daqui assim que tivermos o suficiente para acabar com essa corja. Eu prometo.
não percebeu que agia em modo automático enquanto era tomada por lembranças, até que sentiu a água quente acertar-lhe o corpo e senti-lo arder dos pés à cabeça. O cansaço fazia-se presente mais forte do que nunca, mas não podia dar-se ao luxo de cansar. Ainda precisava encontrar um jeito de fugir dali sem que ficasse tão abatido ou prejudicado.
Naquele momento, sentia o peso da promessa que havia feito à Eleonor em seus ombros de forma quase literal. Seu coração parecia implodir, e suas entranhas se reviravam em ansiedade e medo. Não sabia que fim James havia tido, não sabia se Eleonor havia conseguido chamar ajuda e rastrear seu celular, não sabia se Pablo já estava ciente de sua invasão; não sabia de nada, mas tinha certeza de que havia sido reconhecida e a operação inteira estava comprometida.
Quando saiu do banheiro, o andar debaixo da casa estava vazio e silencioso. Um calafrio lhe subiu a espinha e ela ficou em alerta, olhando em volta com cautela e indo em direção às escadas a passos lentos. Sua arma estava enrolada entre os tecidos rasgados de suas roupas, mas devidamente engatilhada e apontada para a frente. Contudo, ao ouvir os passos de ecoarem pelo corredor, rapidamente desfez a pose de ataque e voltou a esconder a pistola entre os trapos, voltando a ser apenas a assustada e que precisava de ajuda.
não a notou ali de início, logo voltando ao seu quarto. Após respirar fundo três vezes, assumiu a postura de outra vez, para ser convincente, e seguiu atrás do homem. Assim que entrou o cômodo grande e bem arrumado, foi tomada por uma agonia esquisita ao sentir o olhar desconfiado de sobre seu corpo.
— Às vezes tenho a sensação de que está constantemente mentindo para mim. — ele murmurou calmamente, soltando um suspiro cansado. — Mas basta te olhar para que minhas desconfianças sumam, e isso é estúpido demais, . Eu não deveria deixar que meus sentimentos me cegassem tanto. Há algo de errado com você e eu adoraria descobrir, mas… — deixou a frase no ar, soltando uma risada fraca.
— Mas…? — estimulou, curiosa.
— Mas estou muito apaixonado para aceitar o que quer que haja de errado. — respondeu firme, olhando-a nos olhos. — Eu não queria que isso acontecesse, sempre percebi que para você era algo carnal, sexual e momentâneo, sempre senti que a qualquer momento eu poderia deixá-la escapar entre meus dedos. Só que… Ainda assim, permiti que entrasse em minha casa e conhecesse minha família, até mesmo a parte mais podre dela. — mordeu o lábio inferior e se levantou, parando em frente a mulher fragilizada e com apenas uma toalha escondendo o corpo esbelto e que ele tanto adorava. — Vista-se, pois precisamos e vamos conversar antes de irmos até à delegacia. Não quero que seja algo apenas sexual hoje. Sei que temos uma boa conexão e quero entendê-la melhor. Conte-me sua história, . Deixe-me conhecê-la e ajudá-la. Sei que não devo te cobrar nada, mas sinto que, somente desta vez, devo. Por favor.
— Eu já lhe disse tudo sobre mim, . — disse firme, sem se importar se a mentira escapava de sua boca com naturalidade. — Peço desculpas se não é o suficiente para você e se meu jeito reservado o fez pensar que sou uma mulher mentirosa; eu juro que não sou.
— … — sussurrou, sentindo o peito arder em agonia e vontade de acreditar naquelas palavras.
— Acredite em mim. — a mulher sussurrou de volta, aproximando ambas as bocas a fim de iniciar um beijo e acabar com a discussão, como costumava fazer para abafar sua própria vontade de abrir o jogo. Era perigoso; mostrar-se verdadeiramente dentro de um disfarce era quase suicídio.
— Esta noite terei de dizer não. — sussurrou contra os lábios inchados de . — Eu preciso saber se há algo entre nós, . Já disse e repito: eu não quero algo apenas sexual, ao menos não hoje. Quero entender sua história. Não pode ser coincidência você parar em minha porta após uma “tentativa de assalto”. — fez aspas com os dedos. — Isso realmente aconteceu? Você tem certeza de que não quer me dizer nada? Não precisamos nos beijar, transar e você me dizer um ‘tchau’ antes de fechar minha porta novamente. Me diga, mi amor, há algo real entre nós dois?
Ao fitar os olhos cheios de segredos, sentiu a lembrança do primeiro encontro que tiveram bombardeá-lo.
estava linda. Os cabelos cheios de cachos soltos, batom vermelho nos lábios grossos e um vestido longo preto. A cada passo que dava pelo bar da galeria de luxo, atraía a atenção. Com ele não foi diferente, sentiu-se hipnotizado. Quando menos esperou, recebeu um sorriso tranquilo e sensual ao mesmo tempo. Por um segundo, não acreditou que tamanha beldade lhe sorrira, ainda mais aquele ambiente abarrotado de homens — alguns mais charmosos do que ele, que, naquela noite, não passava de um empresário claramente cansado e tendo a companhia de um uísque caro para lhe causar sono depois de avaliar inúmeras obras de artes. Ainda assim, achou que seria bom sentar-se ao seu lado e lhe sorrir novamente.
não acreditava em paixão à primeira vista, no entanto, sentiu-se ferver ao fitar o fundo dos olhos de pela primeira vez. Não acreditava, também, em coincidências — mas, o que aquele momento poderia ser a não isso? Foi uma conexão instantânea, e ele nunca soube se fora unilateral ou não, já que a mulher bem vestida correspondia suas investidas silenciosas.
Alguns minutos de silêncio depois, a mulher se virou totalmente para ele, ficando de lado sobre o banco alto do bar.
— Me chamo . — ela disse de maneira firme e natural. — O que acha de tomar uma bebida comigo? A solidão não combina com um homem tão bonito quanto você.
Ao ouvir aquilo, sorriu e assentiu um bocado sem jeito; não sabia lidar muito bem com mulheres no primeiro contato e ficava envergonhado, principalmente quando recebia elogios. Porém, naquele momento, sentiu-se bem. Envergonhado, sim, mas, incrivelmente bem e encantado.
Fitou o sorriso que lhe era jogado mais uma vez e desejou ir devagar, mas, como previa, falhou miseravelmente. Mais tarde, enquanto sentia os lábios bonitos de dançarem sobre os seus, já se sentia embriagado demais para negar que havia sido paixão à primeira vista — mas, no fundo, questionava-se se não poderia ser amor.
— Não faça isso comigo. — pediu ao sair de seus devaneios, sentindo os lábios quentes de selarem os seus. — Precisamos esclarecer as coisas ao menos uma vez.
— Desculpe. — sussurrou. — Não sou a mulher perfeita para você.
— O que está acontecendo? Fale a verdade, acho que mereço saber o que há por trás de todo o seu mistério.
A mulher suspirou e encarou-o de perto com mais atenção. Os traços tão bonitos estavam tensos e caídos em um claro sinal de derrota e medo. No fundo, sabia que era sua culpa e que não era tão idiota quanto se mostrava — ele desconfiava dela e de que havia alguma coisa além, certamente sentia algo errado ao tocá-la todas as vezes que se encontravam; às vezes, era quase impossível para disfarçar a tensão que sentia quando o encarava nos olhos.
— Eu não posso. — confessou, por fim. — Por favor, , estou lhe implorando: esqueça tudo isso, me dê uma última noite de amor.
— Última noite?
— Eu preciso ir embora, mas não quero partir sem senti-lo mais uma vez.
— Você não pode simplesmente ir embora. — se afastou, dando alguns passos para trás. — Isso não é justo comigo, com tudo o que vivemos nos últimos meses.
— Eu preciso. — reforçou. — Vi e ouvi demais esta noite, mi amor.
ficou paralisado, não esperava por uma despedida repentina, tampouco que o dissesse de maneira tão fria e egoísta — achava que o assunto de ir embora minutos antes fosse um exagero. Em seus pensamentos, nada daquilo fazia sentido. Seu coração parecia estar em frangalhos, no entanto, a sensação de que tudo o que sentia era amor ainda estava ali, a cada batida do coração dolorido, a cada piscar de olhos. Sentia sob sua própria pele que amava aquela mulher; uma estranha sensação que o tomava por inteiro, e sequer conseguia sentir raiva ao ouvir palavras tão afiadas e desesperadoras.
— Eu queria ser mais forte para continuar lhe dizendo não. — praticamente sussurrou, voltando o olhar pesaroso para . — Mas… Toda vez que olho para você e lembro do sabor da sua boca… Isso se torna impossível. Mesmo sabendo que, depois desta noite, você irá embora. Isso tudo, mi amor — apontou para ambos —, ‘podría ser amor’*.
— ‘Déjame besar tus labios, sentirme en tus brazos’* — murmurou, aproximando-se a passos lentos ao mesmo tempo em que deixava os braços relaxarem nas laterais do próprio corpo. — ‘No digas nada, quiero sentir el calor que hay entre tu y yo’* — finalizou, encarando-o nos olhos e deixando que a toalha caísse no chão, bem aos seus pés.
encarou o corpo nu à sua frente e sentiu-se arrepiar de maneira gostosa. Estava à mercê daquela mulher, não havia mais o que fazer. Sua razão gritava-lhe alto e em bom tom para que se afastasse, para que insistisse no ‘não’ e que deixasse-a partir se tivesse coragem; contudo, seu coração fragilizado somado ao seu lado emocional tão sensível gritava ao contrário, implorava-lhe para que a tocasse, para que voltasse a sentir a pele macia e o calor que ela exalava, porque, naquele momento, não importava nada além das boas sensações que aquela mulher lhe trazia.
No momento em que decidiu deixar a razão de lado outra vez, sons de pneus arrastando no asfalto foram ouvidos do lado de fora — e pareciam bem próximos ao portão da casa, o qual a janela do quarto onde estavam ficava de frente. sentiu o corpo gelar e tentou não desviar o olhar do homem apaixonado à sua frente, no entanto, a curiosidade e o medo estavam matando-a por dentro, e bastou uma pequena olhada através dos vidros enormes para que suas suspeitas fossem confirmadas.
Seu paradeiro era, de fato, previsível. E estava em risco.
— O que está acontecendo lá fora? — sussurrou com pesar, a fim de fazer com que percebesse toda a agitação que acontecia, agora, dentro de seu quintal.
Muito a contragosto, levou o olhar até o outro lado, dando alguns passos para conseguir enxergar melhor.
— É Pablo e os capangas dele… O que será que querem aqui? — murmurou mais para si mesmo, porém, foi capaz de ouvir.
— Preciso do seu celular. — a mulher disse de forma agitada, tateando os bolsos de que parecia chocado demais para ter alguma reação; ele não entendia o porquê de estar agindo daquele jeito, mas tinha certeza de que era por causa do seu primo. — Desculpe, eu não posso falar muito. Preciso ir embora.
— O quê? Como assim? — finalmente encontrou sua voz, enquanto alternava o olhar entre que se vestia com os frangalhos de roupas que havia chegado e pegava uma arma com maestria — e que ele não tinha percebido estar ali antes —, e Pablo e seus capangas que seguiam em direção à sua porta aos gritos e ameaças, até então, descabidas e que ele sequer conseguia entender.
Na cabeça de , não fazia o menor sentido o primo arriscar-se tanto em estar no centro da cidade, em uma área tão bem protegida e bem cuidada, apenas para vê-lo por qualquer motivo que fosse. Ao deixar o olhar cair sobre outra vez, percebeu que não havia nenhum outro motivo para atrair Pablo a não ser ela. O que ele não entendia, porém, era o porquê de tudo aquilo — o que havia feito, de onde vinha e por que estava sempre sob a sombra de um mistério descabido? O que diabos Pablo sabia que ele, o homem com quem ela dormia há meses, não fazia ideia? Os questionamentos massacravam seu coração já tão estraçalhado, mas, ainda assim, não conseguia sentir raiva ou rancor de ; pelo contrário, sentia necessidade de protegê-la e cuidá-la até entender o que estava acontecendo. Poderia tomar uma decisão racional e sensata após entender a mulher por quem estava tão apaixonado.
— Peço perdão por toda a confusão que causei e provavelmente continuarei causando. — o encarou nos olhos. — Prometo que não lhe deixarei em apuros, não irei abandoná-lo e enviarei ajuda. Seu primo quer a mim, mas, eu lhe imploro: não me entregue, deixe-me sair viva daqui, eu posso livrar você desse crápula se conseguir partir.
— E o preço que pago pelo livramento de Pablo é ficar sem você?
— Você ficaria sem mim de qualquer forma, . — falou de maneira sincera e trêmula, encarando o amado nos olhos. — Eu sinto muito. Mas, se te conforta, está doendo em mim também.
— …
— Você precisa escolher entre me deixar ir ou morrer.
— Jamais deixaria que você morresse por minha causa…
— Então permita-me ir.
— Eu não devo lhe permitir nada, meu amor; você sempre fez o que e como quis, não cabe a mim tomar decisões agora.
— Eu te amo. — soltou de repente, sentindo os olhos encherem de lágrimas. — Jamais duvidei do que tínhamos; sempre soube que era amor.
— Mas nem sempre amor é sinônimo de felicidade ou um relacionamento bom e duradouro. — respondeu baixinho, resvalando seus lábios nos de , vendo-a fragilizada pela primeira vez. — No andar debaixo, dentro do porão, existe uma porta que dá para o quintal dos fundos, atrás do jardim tem um portão que vai diretamente para a rua. E eu também nunca duvidei do nosso amor, muito pelo contrário, eu o senti logo na primeira vez que coloquei meus olhos em você.
— Obrigada, jamais irei esquecê-lo, .
— Não há de quê, mi amor, agora vá. Preciso descer antes de você, Pablo provavelmente já está invadindo a casa. — engoliu a seco, afastando-se e fingindo que não sentia vontade de chorar. — Vá até o guarda-roupas e vista-se de forma mais segura e quente, irei segurá-lo ao máximo. Vai dar tudo certo.
não teve condições de dizer nenhuma outra palavra, apenas assentiu e correu em direção ao móvel, pegando apenas um casaco de . O cheiro conhecido estava impregnado na vestimenta, fazendo-a querer chorar mais. Ainda assim, a mulher ignorou suas próprias frustrações e esperou que saísse do quarto para fazer o mesmo, sempre com a arma bem colocada entre os dedos trêmulos.
A verdade é que conhecia aquela casa como a palma de sua mão e já tinha planos para fugir pelo caminho que comentou. Ela havia estudado toda a vida do empresário e seus familiares, assim como conseguiu conhecer a enorme casa antes mesmo de conhecê-lo de fato — a magia de ter contatos ao redor do mundo fazia com que ela conseguisse tudo o que queria na hora de realizar uma missão; e também tinha a ajuda de Eleonor, que estava sempre em seu encalço a fim de ajudar e proteger, mesmo que não concordasse com os métodos usados. Ademais, o problema estava em chegar até o porão, já que Pablo não era burro e deixou seus homens espalhados por todo andar debaixo, enquanto apenas um ia em direção ao segundo.
só tinha uma chance de não ser exposta para e morta logo em seguida; e esta era pegar o capanga que subia em sua direção.
Ao fitar a mulher camuflada em um enorme casaco preto, o bandido se preparou para gritar e puxar sua arma, no entanto, fora mais rápida em alcançá-lo em passadas rápidas e longas, acertando-o na garganta com a mão aberta. Ao vê-lo engasgar na própria saliva e o ar rarefeito naquele momento, chutou-o entre as pernas fazendo-o tombar para a frente, totalmente desarmado e fraco. A agente segurou o corpo grande e pesado com força, deixando-o cair no chão sem emitir um ruído sequer. Sem o menor resquício de remorso, ajoelhou-se em frente ao corpo e prendeu-o entre os braços, sufocando-o como podia. O homem se debateu, tentou gritar, tentou se soltar e nada adiantou; ela era treinada, afinal, e lidaria com quem quer que fosse para defender sua vida e a de — que era um homem inocente e que caiu em toda a situação de paraquedas sem ao menos desejar.
Quando o homem parou de se debater, não se preocupou em confirmar se ele estava morto ou apenas desmaiado; não tinha tempo. Focada em conseguir ajuda e ir embora, digitou uma mensagem repleta de códigos no celular de e enviou-a para Eleonor, mesmo que soubesse que a amiga estava ocupada do outro lado da cidade — ela não demoraria para chegar ali, de todo modo, já que a situação provavelmente estava controlada e tinham os policiais locais para tomarem conta de toda a confusão.
O celular de ficou jogado em algum lugar do corredor, não importava; ela não podia sair dali com o aparelho, sabendo que poderia ser rastreada por quem quer que fosse — não queria ser encontrada até que estivesse em segurança por si só, e Pablo, no mínimo, preso. Sua maior missão, porém, estava sendo descer as escadas, já que havia mais um capanga pelos arredores, enquanto Pablo e encontravam-se na sala com o restante do bando.
preferia não pensar de que forma Pablo estava perguntando sobre ela para . Era capaz de ouvir murmúrios irritados e outros sons mais abafados; e sabia bem como aquilo funcionava, não importava se tratasse de um parente até então inocente. Homens como Pablo lidavam diferente com traição — ou o que eles pensavam se tratar de traição.
Os minutos passavam e continuava parada no topo da escada, pensando em um jeito de livrar-se daquele único homem. Pegá-lo de surpresa em um golpe de alguma arte marcial não seria a melhor tática, tampouco atirar mesmo que sua pistola possuísse um silenciador. A outra opção, todavia, era uma janela que ela jamais entenderia por que existia logo no fim do corredor atrás de si. Dava para os fundos da casa também, sim, mas a altura não era nem um pouco tentadora.
Quando entrou para a base do FBI em Quântico, treinou diversas lutas e teve uma infinidade de missões em lugares altos e arriscados, ainda assim, nunca imaginou que teria de viver algo parecido com as missões absurdas que seus superiores criavam. Nunca imaginou que pendurar-se em uma janela, em completo silêncio, poderia vir a acontecer. E lá estava ela, deixando seu grande amor para trás, correndo risco de vida, para arriscar-se em dobro para… Fugir. Fugir de Pablo, de e todo aquele sentimentalismo, fugir do México. E ela nunca foi uma mulher de fugir do que quer que fosse.
sentiu as mãos formigarem enquanto segurava fortemente no batente da janela, já com o corpo quase todo do lado de fora. Sua consciência estava pesada e seu coração sequer parecia bater, tamanho o remorso que tentava ignorar. Por que estava fazendo aquilo ao invés de tentar corrigir seus erros? Já passara por tantas situações parecidas, sozinha, e conseguira resolver. Por que justo naquele momento pensava em simplesmente... Fugir? Pablo era perigoso, claro que sim; um dos homens mais procurados por todo o mundo, mas já havia enfrentado outros iguais a ele e conseguiu obter êxito em todas as missões.
Um suspiro lhe escapou. Olhou para baixo. Foi quando lembrou. Lembrou do real motivo por ter escolhido como alvo; que não foi apenas pela facilidade para aproximar-se de Pablo. era um homem incrível; bom, honesto, alegre, ajudava as pessoas, inteligente e esperto; ele era capaz de conquistar as pessoas ao redor, percebia os mínimos detalhes de tudo e ignorava quando necessário; era desconfiado e não se importava se algo parecesse estranho caso sua intuição dissesse para acreditar e confiar no momento; e foi o que ele fez o tempo todo enquanto tinha ao seu lado — desconfiava, sentia medo; mas estava apaixonado e amando a mulher cegamente, jamais duvidaria do que estavam tendo, e, em sua cabeça, deveria acolhê-la até que estivesse confortável para lhe narrar sua história de vida.
era viciado em mistério.
Quando surgiu em sua frente, ele foi capaz de sentir que ela era tudo o que mais desejava — misteriosa, inteligente, bondosa e justa, qualidades que eram raras à primeira vista e que ele prezava mais do que tudo.
E sabia disso, e este foi o real motivo para criar . Investigou por semanas antes de infiltrar-se em sua vida, e deixou-o totalmente virado do avesso e com a vida bagunçada. O mínimo que poderia fazer para se redimir era voltar e deixá-lo são e salvo, como fora encontrado. não tinha nada a ver com Pablo e sua gangue, merecia ser salvo e protegido; era apenas um civil, um empresário promissor, não poderia morrer ou sofrer nas mãos do próprio primo por causa dela e seu trabalho.
O impulso para voltar para o corredor foi automático. suspirou e refez o caminho, parando próximo ao corpo desacordado do primeiro bandido. Abaixou e pegou a arma que ele carregava, colocando-a na cintura após conferi-la com atenção. Antes de voltar em direção à escada, procurou pelo celular de e discou os números tão conhecidos de Eleonor, que provavelmente não aguentava mais nem mesmo ouvir seu nome. Assim que ouviu a voz desconfiada da amiga, sussurrou:
— Cadê você?
— ? Graças a Deus você está bem! — Eleonor exclamou, suspirando. — Estou a caminho do endereço que você me enviou na última mensagem. Suponho ser a casa do alvo.
— Sim. Eu ainda estou aqui.
— Você disse que deixaria o local.
— Mudei de ideia.
— Preciso saber agora o por quê?
— Não. Está a quanto tempo daqui?
— De cinco a oito minutos.
— Ótimo, vou tentar ganhar tempo. Diga para quem estiver com você vir bem armado.
— Certo. Tome cuidado.
— Eu sempre tomo, agora acelere o carro e chegue logo.
— Mantenha-se viva.
— Você também, amiga.
Após desligar o celular, não se deu ao trabalho de fingir que não estava mais ali. Tirou o capuz do casaco, deixando os cabelos cacheados e bagunçados à mostra, e seguiu até à escada de uma vez por todas. Os mesmos murmúrios de minutos atrás eram audíveis e o capanga ainda continuava no mesmo lugar, em frente ao primeiro degrau. Era hora de assumir sua verdadeira faceta e transformar-se na agente federal , a lenda de Quântico.
Com isso em mente, desceu os degraus devagar sem causar ruído nenhum. Quando o homem à sua frente percebeu sua aproximação e se virou, lhe acertou o rosto com a arma que segurava, fazendo-o cambalear. Sua intenção, inicialmente, era se aproximar devagar e grudar a arma em sua cabeça, no entanto, o pobre coitado acabou por senti-la — e foi um péssimo momento para descobrir-se sensitivo, diga-se de passagem.
não parou por ali. Acertou-o mais algumas vezes, até arrancar sangue de sua boca, e ele já estava claramente tonto — mas era grande demais, e era difícil derrubar homens grandes demais. Quando o brutamontes finalmente foi levado ao chão com um tiro no pescoço, o inevitável aconteceu: toda a atenção fora diretamente para a sala, onde se encontravam.
A cena pareceu ficar em câmera lenta diante dos olhos de . Primeiro, mais dois homens surgiram, atrás deles, com alguns machucados espalhados pelo rosto bonito, e, por fim, Pablo — o crápula. Mesmo com alguns machucados espalhados pelo corpo, ficou ereta rapidamente, em uma posição defensiva. Sabia que não teria chance daquele jeito, porém, não teve tempo de pensar em algo melhor, e também não contava de todos eles estarem tão próximos — sequer dera tempo de pensar em correr para algum esconderijo.
— Sou eu quem você quer, não é, Pablo? Estou aqui. — falou num tom de voz firme. — Deixe ir embora. Ele não sabe de nada.
— Você não é uma super heroína, garota. — Pablo deu alguns passos à frente, passando pelo primo machucado e empurrando-o para o lado com força. — Aqui não existe isso de “sou eu quem você quer” e “deixe ir embora”. Não sei como funciona no seu país, mas, aqui… — sorriu. — Aqui nós matamos quando se trata de traição. Ainda mais quando se vem da família. No entanto, concordo com você que não sabe de nada. Pobre primo. Tão inteligente para algumas coisas, mas tão burro para outras. Como ele não pôde perceber que você não presta?
— Pare aí mesmo ou eu atiro. — rebateu com raiva, apertando a arma entre os dedos.
— Ah, atira? Pensei que estávamos tentando ganhar tempo para ver se alguém aparece para salvá-la. Eu descobri quem você é, agente . — Pablo ficou sério de repente, deixando as feições pavorosas. — Sinto informá-la que ninguém virá ao seu encontro, e que tampouco sairá viva daqui. Sua missão acabou; você falhou.
Atrás de Pablo, jogado de joelhos no chão e sem forças para se erguer, estava . Seus olhos estavam banhados em lágrimas e sua cabeça uma completa bagunça. Os lábios tremiam levemente, mais por raiva e o sentimento de traição que qualquer outra coisa. Ainda assim, estava preocupado. , como ele a conhecia, tinha três homens à sua frente e prontos para atirarem contra ela. E ele continuava ali como um inválido; sentia-se fraco, triste e enganado. Era uma mistura de sensações que jamais saberia como explicar, mas, no fundo, sabia que só queria que a mulher saísse viva. Perguntava-se por que diabos ela não fugiu como disse que faria, ele aguentava passar por tudo aquilo, claro que aguentava. Poderiam se reencontrar depois, algum dia, mesmo que levasse anos para que acontecesse.
Algo nos olhos de sua deixava-o confuso e com o coração acelerado — era como se aquele olhar pudesse falar com ele. Não queria ser egocêntrico e pensar que ela havia voltado por ele, mas estava impossível não cogitar a possibilidade.
— Eu vou te matar. — murmurou entredentes, tentando se controlar para não apertar o gatilho e morrer naquele instante, antes mesmo de ter a chance de receber a ajuda de Eleonor que estava prestes a chegar.
Pablo riu de forma debochada e fez um sinal com os dedos para os dois capangas ao seu lado, como se desse uma ordem — e conhecia aquela ordem muito bem, e ele jamais deixaria que aquilo se concretizasse; , agente , quem quer que ela fosse, não estava sozinha; ele não tinha suas habilidades, tampouco sua esperteza, mas poderia ser útil até que a ajuda chegasse; ele sabia que chegaria.
Em uma ação ousada, apoiou as mãos no chão e girou o corpo do jeito mais rápido que conseguiu, esticando as pernas em direção a um dos capangas e passando o pé pelas canelas alheias, fazendo-o desequilibrar por conta da surpresa e a força aplicada no golpe — uma típica ‘rasteira’, movimento que ele sequer se lembrava onde aprendeu. Tão rápido e certeiro quanto o golpe de , apertou o gatilho duas vezes, acertando o peito do segundo capanga, enquanto voltava a subir as escadas rapidamente ao perceber que Pablo sacou uma arma e mirou em sua direção. Ela sabia que ficaria bem, e, àquele ponto, não era a prioridade do primo bandido.
O caos estava instaurado quando o som de sirenes pôde ser ouvido. estava sobre o corpo másculo e maior que o seu do capanga do primo, e socava-lhe o rosto com raiva e força, arrancando sangue e deixando-o quase inconsciente devido à intensidade dos golpes.
— Separem-nos! — uma voz feminina desconhecida por ecoou pela sala. Em seguida, sentiu os braços fortes dos policiais puxarem-no para cima. — Ele é nossa vítima, leve-o para fora e preste os devidos cuidados, Ramon. Esse aqui está preso — a mulher murmurou para o homem de rosto ensanguentado. — Onde está o seu chefe e a minha parceira?
O bandido não respondeu, apenas cuspiu um punhado de sangue no rosto da policial que ele sabia ser estadunidense. A mulher fez uma careta de nojo e olhou em volta, percebendo que alguns policiais ainda a encarava aguardando uma nova ordem. Em um movimento rápido, deferiu um soco no nariz do homem, entortando-o na hora.
— É só assim que vocês abrem a boca nesse ramo? — perguntou, devolvendo a cuspida sobre o rosto do homem. — Nunca podemos ter uma conversa decente? Vai me responder agora ou vou precisar quebrar outra parte do seu corpo?!
— Cima… Lá… Em cima. — o bandido murmurou em pânico, sentindo a dor lancinante espalhar de seu nariz para todo o rosto.
— Obrigada pela cooperação, senhor. Vocês — virou-se para os outros — prendam-no. Pode deixar que com a agente e Pablo, eu ‘me viro’.
Com sangue nos olhos e o colete bem apertado no tronco, Eleonor subiu torcendo para que a amiga ainda estivesse viva.
Antes mesmo de chegar ao topo da escada, Eleonor foi capaz de ouvir gritos abafados e sons de pancadas, como se um combate corpo a corpo estivesse acontecendo. Tomando cuidado para não ser vista nem ouvida, acelerou os passos e manteve a arma apontada para frente, preparada para qualquer situação. Entretanto, ao chegar no começo do corredor, não conseguiu esconder seu horror. Já havia visto em diversas situações perigosas, assim com ela própria tinha lá seus números de perigos enfrentados, mas, ainda assim, sentiu-se tensa e horrorizada com o que via.
estava sob o corpo de Pablo, sendo sufocada e se debatia quase sem forças, tentando alcançar a arma que estava ao seu lado. Os cabelos estavam espalhados pelo chão, as pernas chacoalhavam em desespero e as mãos do bandido pareciam apertar cada vez mais em volta do pescoço da agente.
Eleonor caminhou com pressa até os dois que sequer perceberam sua presença. Com força empurrou Pablo para o lado, fazendo-o soltar o pescoço de e cair para o lado. O movimento foi o suficiente para que se esticasse até à pistola caída e se levantasse em um pulo, mesmo que ainda estivesse tonta e sem conseguir respirar direito, além de ferida — ela parecia fora de órbita, desesperada, porém ainda pronta e preparada para executar seu trabalho com perfeição e maestria; quase como um robô.
Sem esperar pela parceira, andou mancando levemente até o bandido e chutou sua barriga, fazendo-o arquear o corpo e rolar para o chão outra vez, sem dá-lo a chance de rebater.
— Nunca mais encoste em mim ou em qualquer outra mulher. — murmurou sentindo a voz tremer, cuspindo um pouco de sangue no chão em seguida. Com todo seu ódio, chutou-o mais uma vez, e outra, e outra, e outra, até que Eleonor a segurasse pelos ombros com cuidado.
— . — A amiga chamou, e só então ela parou de chutar o bandido jogado no chão.
Com um ódio jamais visto transbordando de seus olhos, agachou ao lado de Pablo e segurou-o pelos cabelos, deixando-os cara a cara, literalmente. Sem medo e tomada por um ressentimento anormal, a agente colocou o cano do silenciador da pistola na bochecha alheia, apertando com força e fazendo com que Pablo arregalasse os olhos, assustado pela primeira vez na noite. Eleanor prendeu a respiração e novamente tentou tocar o ombro da amiga, que desviou no toque com um movimento leve. Ela sabia o que estava fazendo; estava no controle; tinha Pablo nas mãos como sonhara nos últimos meses.
o olhou nos olhos, sorriu, e soprou em um único sussurro:
— Você está preso, hijo de puta.
deixou que Eleonor levasse Pablo para uma das viaturas e, pela primeira vez, permitiu-se fugir de alguma coisa: os jornalistas que gritavam alucinadamente em busca de alguma informação. Deu a volta pelo jardim da casa de e seguiu até onde algumas ambulâncias estavam paradas, em busca de uma análise profissional para seu estado — deplorável. Sentia-se arder e doer em lugares que sequer sabia que tinha; além de estar exausta e sem dormir por mais horas que poderia contar.
Contudo, seus pensamentos ainda estavam em e seu estado, só que não tinha forças para procurar por ele — e também não era como se precisasse, de fato; ele devia estar por ali, em algum dos carros, sendo tratado, já que estava tão ferido quanto ela.
suspirou e parou de andar antes mesmo de conseguir chegar à uma ambulância. Deixou-se cair no chão sem importar-se com a sujeira e se estragaria algumas flores do jardim bem cuidado que possuía. Lembrar-se que o homem por quem se apaixonara estava tão ferido quanto ela partia seu coração, tinha voltado justamente para tentar evitar aquela situação e havia falhado. Seu trabalho estava concluído, Pablo e seus capangas estavam presos, mas, como sempre, sua vida pessoal e seu coração estavam em frangalhos. Não sabia o que faria depois de tudo aquilo. Sua única certeza era que voltaria para os Estados Unidos, levaria uma bronca de seu chefe e ganharia uma medalha de honra dentro de algumas semanas — depois da possível suspensão por má conduta e irresponsabilidade.
Mas… E ? Teria a oportunidade de vê-lo novamente? Poderia se desculpar e explicar tudo que acontecera? Ele ao menos a ouviria se tivesse a chance?
— Acho que você precisa de um médico — a voz melodiosa ecoou logo ao seu lado, fazendo-a erguer a cabeça assustada. — Desculpe, não quis assustá-la… Agente — cuspiu, por fim.
— Eu… — engoliu a seco. — Eu sei que preciso me examinar, mas… Como você está? — perguntou um tanto quanto zonza, observando o homem ao seu lado.
ainda tinha os cabelos curtinhos desgrenhados, o rosto estava marcado e possuía alguns curativos bem feitos, uma das mãos estava enfaixada e os braços à mostra estavam com marcas roxas espalhadas.
— Estou vivo. — respondeu. — Acho que é o que importa.
— É… — não soube o que dizer, sua garganta arranhava, estava seca, e seus olhos estavam prestes a transbordar de lágrimas grossas. — Eu gostaria de lhe pedir perdão, , não foi justo fazê-lo passar por tudo isso… Ainda mais em sua própria casa.
— Está tudo bem… Eu acho. — suspirou. — Sempre soube que corria esse risco tendo o primo que tinha. Eu só não esperava ser tão enganado por você. Quero dizer… Eu desconfiava que tinha algo errado, é claro que tinha, você deixou bem óbvio. Ainda assim, eu quis me enganar e fingir que estava tudo bem, lhe dei um voto de confiança e esperei que um dia você conseguisse se abrir comigo. Isso não aconteceu e creio que nunca irá acontecer. Algo me diz que você partirá e nunca mais irá voltar.
não soube o que responder de imediato, então apenas desviou o olhar para o lado oposto e passou a mão sob os olhos, enxugando as lágrimas que deixou rolar sem querer. Queria ter coragem de se abrir com como ele fazia nos sábados chuvosos sob os edredons. Ele a contara sobre a infância, sobre como era difícil lidar com a tia passando a mão na cabeça de Pablo, como era insuportável ter de olhar para a cara daquele bandido, como amava seu trabalho, sua família… E várias outras coisas que se lembrava com clareza e guardava no fundo do coração, pois sabia que jamais teria chance de viver de um jeito calmo e realmente feliz ao lado de — isso sequer era indicado, dado ao fato de que ele fizera parte da missão; um mero objeto para todos ao redor.
— Eu sinto muito. — murmurou.
— Posso saber seu verdadeiro nome?
— . — respondeu sem hesitar, voltando a encará-lo. — Desculpe-me por tudo, , nunca quis usá-lo ou traí-lo. Infelizmente, no meu trabalho, tenho que tomar algumas decisões difíceis e acabo magoando muitas pessoas pelo caminho.
— Creio que se magoe com frequência também, então.
— Sim, não sou imune às minhas próprias falhas.
— Ninguém é, mi amor. — tentou sorrir. — Não vou negar que estou magoado, porque estou. Muito, mais do que posso descrever. Porém… Não sou um homem ruim ou insensível, . — soprou o nome com carinho, fazendo-a estremecer. Parecia certo. — Sei que você precisou fazer tudo o que fez, e ainda tenho esperança de que um dia possa se abrir comigo e contar sua história. Você parece ser uma mulher solitária, assim como eu já fui um homem solitário há algum tempo. Os momentos que vivemos juntos significou muito para mim e eu gostaria de escutá-la quando for possível. Ninguém merece viver com a solidão.
— Você não existe… — riu sem humor algum, secando as lágrimas que ainda deixava rolar. — Foi por isso… Que eu voltei. Não costumo abandonar pessoas, apesar de trabalhar sozinha na maioria das vezes. Consigo reconhecer quem eu gosto e quem me ajudou. Você se encaixa nos dois tópicos, e eu não conseguiria dormir nunca mais se não voltasse. Eu precisava mantê-lo vivo, … Não só pelo meu trabalho.
— Então, por quê? Pensei que seu trabalho fosse sua prioridade.
— Por que está aqui e me escutando, ?
— Porque sou um idiota apaixonado, mas isso não vem ao caso. Responda minha pergunta.
— Porque sou uma idiota apaixonada, . Por que mais seria?
tentou esconder a surpresa nas feições bonitas, assim como tentou segurar o sorriso que tomou seus lábios automaticamente — e falhou miseravelmente em ambas as tentativas. Era um grande idiota apaixonado mesmo, não tinha como negar ou ao menos tentar disfarçar. A agente o havia encantado logo no primeiro olhar, e tudo piorou após o primeiro beijo. Sentia-se delirar a cada mísero olhar de — que seria sua eterna —, cada beijo, cada toque; era capaz de senti-los na pele mesmo depois de tanto tempo e em meio àquela situação caótica. A sensação da primeira vez que a vira ainda estava ali, zapeando em suas entranhas, sob as veias, pulsando e lembrando-o do que aquela mulher era capaz de causar em seu interior.
— Você pode repetir isso? — pediu baixinho, ainda desacreditado.
— Não é como se eu não tivesse dito que te amo mais cedo, . — riu baixinho, fungando um pouquinho e ainda um tanto emotiva. — Mas, é, sou uma grande idiota apaixonada por você.
— Fico feliz em saber que não estou amando sozinho. — respondeu e se aproximou mais, segurando o rosto de com delicadeza. — Senti medo de tudo ter sido mentira. Obrigado por ter voltado e por ter salvado minha vida. Não sei o que seria de mim sem você, mi amor.
— Não seja bobo. — sussurrou e fechou os olhos, permitindo uma aproximação mais íntima, a ponto de deixar suas bocas quase coladas. — Eu jamais lhe deixaria para trás, desculpe por tê-lo feito pensar o contrário; desculpe por ter perdido tempo demais duvidando de sua confiança.
— Está tudo bem agora, estamos vivos e Pablo está preso… Está tudo sob controle.
— Até eu precisar voltar para casa. — sussurrou tão baixinho que quase não fora capaz de escutá-la.
— Não vamos pensar nisso agora… O resto o tempo há de resolver por nós.
— E o que você quer fazer agora?
— Beijar você.
— O que está esperando, então?
apenas sorriu e grudou suas bocas de uma vez por todas, fazendo com que seu coração desse cambalhotas de tanta alegria e alívio — estavam finalmente juntos.
Muy dentro de mi piel
Extraña sensación, podría ser amor”
Fim.
Nota da autora: E foi isso! Eu espero que tenham gostado, foi bem divertido (e difícil!) escrever esse ficstape. O final me deixou meio… Não sei? Mas acabei gostando depois de algum tempo. Enfim, é isso aí. Não deixem de comentar e ler/comentar as outras fanfics desse ficstape!
*Trechos da música.
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