Cena 1
- Qual seu maior medo? - ele me perguntou depois de um longo silêncio, a voz fraca me tirando de um pequeno devaneio enquanto encarávamos o nada no horizonte. Minhas narinas inflaram de leve antes do ar escapar, pesado.
- Não conseguir ser mais do que isso - respondi no mesmo fio de voz. As folhas das árvores moviam-se sutis lá fora.
- Isso?
Mordi o interior da boca e alonguei o pescoço devagar, cada movimento parecendo cansado e preguiçoso demais para se completar. Por alguma razão, eu me sentia estranhamente confortável perto dele.
- Eu.
me olhou pela primeira vez desde o longo silêncio e consegui sentir sua confusão mesmo sem olhá-lo de volta. Não havia ninguém na praça àquela hora da madrugada e as estrelas brilhavam forte no céu escuro por trás da parede de vidro do segundo andar da livraria. Às vezes os olhos dele brilhavam tão fortes quanto qualquer uma delas.
- Eu tenho medo de não conseguir ser mais do que eu - um sorriso pequeno se formou em meus lábios antes de eu finalmente olhar para ele. - Isso faz sentido?
me encarou por um momento, os olhos ainda um pouco vermelhos ao redor das íris s, e assentiu.
- Faz.
O uivo do vento pela janela mal fechada voltou nossos olhares para o oceano escuro à nossa frente. Aquela cidade era uma droga, mas a natureza compensava.
- Por que você quer ser mais do que você?
- Porque eu não gosto de quem sou.
voltou a me olhar.
- Por que você não gosta de você?
- Porque... - deixei o ar entrar lenta e profundamente, expirando na mesma velocidade. Aquela era uma resposta complexa que eu não sabia ao certo se queria dar. Mordi o lábio inferior e o olhei com o canto do olho, percebendo um misto de confusão e curiosidade que fez meu rosto se virar para ele. - Porque eu não consigo sair do lugar.
- Ah, já entendi - disse entre um sorriso que virou um pequeno riso, me deixando perdida. - Você não gosta da personagem.
- Personagem? - minhas sobrancelhas se encontraram na testa.
- O problema não é você, é a personagem que você criou pra sobreviver e que agora não te deixa sair do lugar.
Senti um estalo por dentro, como uma moeda caindo dentro do porquinho.
- Continue - pedi, olhando-o agora com interesse.
- Todo mundo nasce uma folha em branco, mas sem condições imediatas de escrever o que quer - começou, os olhos oscilando entre os meus, o horizonte e a sala. - Então você vai pra casa e rabiscam um pouco em cima de você. Você não pode ser assim, faça desse jeito, isso não é pra você... primeira modelagem. Depois, a escola. Você é burro, você é inteligente, você não serve pra humanas, você não vai ser médico porque não é bom em exatas... segunda modelagem. E tem muitas mais entre uma e outra, mas o ponto é que, quando você finalmente tem consciência suficiente pra escrever por si, os padrões e crenças já foram estabelecidos, comprados, validados. E aí você é um personagem que é rejeitado quando tenta ir contra tudo o que planejaram pra você.
parou de falar por um momento, refletindo sobre as próprias palavras enquanto eu deixava, com os lábios entreabertos, a informação assentar. Por que a gente tem dificuldade em perceber o óbvio?
- Então, fica tranquila, você gosta de você. Só precisa encontrá-la.
- Ok... e como eu me encontro? - perguntei entre um riso estranho às próprias palavras. Ele fixou as íris s nas minhas, sorrindo de lado.
- Achando quem não é você.
Um neurônio pareceu enroscar em outro dentro do meu cérebro.
- Não sabia que você podia ser tão complexo - ele riu. - Preciso de mais.
- Tudo bem, mas... você ta pronta?
- Pra quê?
- Pra ser vulnerável.
Uma corrente fria subiu pela minha espinha, inflando minhas narinas. Nós não nos conhecíamos há muito tempo, mas sempre me sentia bem ao lado dele, mais confortável, mais tranquila. A pergunta era: até que ponto?
- Quem tá com medo, você ou a personagem? - ele perguntou fitando o céu atrás do vidro. Mais uma ficha no porquinho e reprimi o sorriso que quis se formar em meus lábios. Por Deus, quem era ele?
- Ok, você me tem.
Eu recolhi as pernas esticadas e girei o corpo, cruzando-as ao me sentar de frente a ele, que sorriu e fez o mesmo. tinha os cabelos pretos espetados e meio rebeldes e nunca trocava o All Star preto por nada. Ele não era o tipo de cara perfeito, mas tinha um rosto encantador e chamava a atenção de oito entre dez clientes que entravam na livraria, também pela personalidade expansiva e divertida. Eu estava mesmo reparando nele agora?
- O que você mais odeia em você?
- O fato de eu ter quase trinta anos e ainda me ver financeiramente dependente da minha família.
- Por que acha que ainda depende deles?
- Eu não consigo levar as coisas pra frente.
- Que coisas?
- Todas - suspirei. Eu encarava a logo na camiseta preta dele. - Tudo o que eu comecei
até hoje eu abandonei.
- Por quê?
- Porque eu não via motivo em fazer aquilo, muito menos vontade.
- Por quê?
- Por que eu não queria.
- Quem queria?
- Meus pais.
Eu o olhei, o sorriso vitorioso estampado nos lábios bem desenhados, e me vi espantada tanto pela rapidez das minhas respostas quanto pela permissão em da-las a ele.
- Você não é dependente, a personagem é. Você não abandonou coisas, você se abandonou. O que você quer?
Minha garganta fechou e os músculos ficaram contraídos a ponto de arderem. Aquela pergunta me assombrava há quase trinta anos, não por eu não saber a resposta, mas por fingir que não sabia, por ignorar o que gritava dentro de mim. Eu tinha um sonho, mas ele era tão impossível dentro da minha perspectiva limitada que me fazia mal pensar nele.
- Você não precisa responder pra mim, mas consegue responder pra você? - ele perguntou com suavidade na voz, diminuída em meio tom. Assenti. - Por que acha que não consegue?
Um suspiro pesado escapou antes de eu responder.
- Eu não sei... - minha voz se tornou menor do que a dele e brinquei com meus dedos. - Eu só me acho bastante incapaz de muitas coisas, às vezes...
- De onde acha que vem isso?
- Da minha infância, doutor? - torci o rosto numa careta brincalhona.
- Justo - ele disse em meio ao riso. - Não tem como você ser incapaz, mas tem como você ter comprado a ideia de ser incapaz.
- E como eu faço pra devolver isso?
riu mais uma vez e inclinou a cabeça, pensativo. A luz lá de fora iluminava nós dois, deixando-o incrivelmente atraente. De repente eu me vi gostando daquilo.
Ele levantou num pulo.
- Levanta.
Hesitei por um momento, um pouco perdida no ato.
- Por quê?
- Levanta - repetiu e, dessa vez, obedeci.
andou até a mochila jogada numa das poltronas de leitura e tirou dela a bandana vermelha que às vezes usava na cabeça, outras no bolso traseiro direito do jeans - outro motivo pelo qual oito entre dez mulheres não o deixavam passar despercebido -, e cobriu meus olhos com ela sem pedir permissão. Meus lábios se abriram para protestar, mas minhas narinas se distraíram com o cheiro suave que veio dele, então lá estava eu, vendada em meio aos livros, vulnerável e sem saber o que pensar sobre aquilo.
- Devo me preocupar, senhor Gray? - brinquei, mas meio preocupada. Ele deu uma risada gostosa.
- Dominação não é meu lance, você tá salva. Mas o senhor soou bem sexy.
Foi minha vez de rir e sentir a pele da nuca arrepiar de leve com o tom da voz. Engoli em seco. Qual seria o lance do ?
Céus, de onde estava vindo aquilo?
- Então, o que acontece agora?
- Como se sente?
- Hã... confusa.
- Inspira fundo pela barriga, devagar, e solta - ele pediu e assim o fiz. O ar entrou gelado até meus pulmões, enchendo minha barriga como um balão. A sensação foi nova, já que eu respirava sempre pelo peito, e senti um relaxamento instantâneo ao expirar. - Observa seu corpo, relaxa os músculos... como se sente?
Alguns bons segundos se passaram antes que eu pudesse reconhecer alguma coisa no meu corpo, e as batidas do meu coração foram as primeiras. Coloquei o foco alí e senti o sangue irradiando pelos braços, pelas pernas, pelo meu rosto. Senti os olhos tensos e os relaxei. Senti os ombros tensos e os relaxei, e então era como se eu estivesse funcionando como um scanner: do topo da cabeça à ponta dos pés, eu me senti por completo.
- Um pouco tensa e... insegura.
- Mais alguma coisa?
- Incerta... apreensiva...
- Mais alguma coisa?
- Acho que é isso.
- Ótimo. Dê cinco passos à frente.
Hesitei, mas cumpri. Eu conhecia bem cada canto do lugar e, ainda assim, cada passo levava junto uma pitada de incerteza.
- Vire à direita... três passos à frente.
Uma onda quente começou a circular pelo meu corpo.
- Esquerda... vá reto.
Senti como se tivesse entrado em um dos corredores formados pelas prateleiras altas dos livros e a sensação de estar cercada tensionou mais minhas pernas. A voz de estava mais longe agora.
- Direita... reto... direita... continue.
Minhas mãos agora estavam suspensas ao meu lado, alertas para qualquer coisa que pudesse estar em meu caminho ou me dar alguma informação. Eu nem me lembrava da última vez que alguém fizera aquele jogo comigo.
Não demorou para que eu estivesse de volta ao mesmo lugar e retirasse a bandana. A sala era iluminada apenas pelas luzes lá de fora e pelas lâmpadas fracas dos mini abajoures nas poucas mesas, mas meus olhos precisaram se acostumar novamente mesmo assim, a visão um pouco borrada pela pressão do pano.
- Como se sentiu?
- Com um pouco de receio.
- Do quê?
- Não sei, esbarrar em alguma coisa, me machucar.
- Mais alguma coisa?
- Hm, acho que só. Na verdade, foi... - me interrompi ao sentir um sorriso espontâneo se formar. Ele olhava para mim com certa intensidade.
- Foi?
- Divertido.
O canto dos lábios dele subiu.
- E como se sente agora?
- Me sinto bem... com o coração meio acelerado, mas bem.
- Parabéns, você é capaz de confiar em alguém.
- Obrigada, mas, é, eu já tinha entendido seu ponto.
arqueou as sobrancelhas, o sorriso se reprimindo, e coçou o canto do nariz com o polegar antes de me calar.
- E quem disse que eu terminei?
Cena 2
me levou até a cozinha, no andar de baixo, e me vendou novamente assim que me sentei em um banco alto de uma das bancadas de inox. Aquela era a vantagem de ser o melhor amigo do dono da livraria-café: tinha total liberdade de fazer o que quiser sem que Rick nem ficasse sabendo, razão pela qual ainda estávamos lá depois do expediente - e à meia noite. Algumas conversas voam.
Era desconfortável, mas estava gostando daquilo. Eu só ouvia o barulho de coisas sendo colocadas sobre a bancada e os passos dele ao redor do lugar, até que senti-o sentar-se no banco à minha frente, o joelho tocando de leve o meu quando ele usou a base do meu banco para apoiar o pé. Cócegas.
- Como se sente?
- Vulnerável, senhor - brinquei.
- Definitivamente, sexy.
Franzi o cenho.
- Tem certeza de que eu não encontraria algemas embaixo da sua cama?
E a risada gostosa mais uma vez.
- Por mais que aprecie uma boa noite, esse é um mundo para o qual não estou preparado.
- Acredito em você, senhor.
- Você não está ajudando.
Eu ri.
- Desculpe, é a bandana. Qual a tarefa da vez?
respondeu com a ação de levar algo de cheiro adocicado até meu nariz. Morango.
- Abra a boca - pediu, autoritário. Mordi um pedaço da fruta, salivando ainda mais. - Pode descrever o que sente para mim?
- Doce - foi a primeira coisa que me veio. - E um pouco cítrico.
- O que mais?
Deslizei a língua pelos pedaços, degustando a água que preenchia minha boca e sentindo os relevos da fruta. Nunca tinha dado tanta atenção a um morango antes.
- Macio... liso e áspero ao mesmo tempo... gostoso.
levou um copo até minha mão e pediu para que eu bebesse um gole da água, depois levou um pedaço de algo mais firme à minha boca. Minha língua fez o primeiro reconhecimento: liso de um lado, um pouco mais áspero do outro, e o sabor veio quando mordi.
- Você me deu cebola?
- Sim, senhora.
Meu rosto se contorceu numa careta, mas, na verdade, não era tão ruim assim porque Davi, o chef, deixava as pétalas na água para servir com quibe cru.
- Ok, nada mal... é até doce, na verdade.
- E o que mais?
- Macio, mas crocante... o barulho que faz quando mordo é gostoso de ouvir... Tem com quibe?
Ouvi a risada antes de tomar mais um gole da água e ter algo novo em minha boca. Estranhei de cara.
- Hm... - murmurei, sentindo o pedaço se desmanchar na língua praticamente sem que eu precisasse mastigar. - Eu... eu não sei.
- Tente.
- Macio, mas como uma pasta... não consigo encontrar uma palavra pra esse sabor, nem sei ao menos se isso tem sabor. O que é?
- Abacate.
Ergui as sobrancelhas.
- Isso é abacate? Acho que nunca tinha comido.
- É sério?
- Muito sério.
- O que achou?
- Meio sem graça, mas da pra comer.
- Bebe um gole e abre a boca... e agora?
Houve uma pequena explosão de sabores que me deixou feliz.
- Caramba, o que você fez?
- O que você sente?
- Sinto, hã, acidez... limão... sal... e algo mais doce, mel?
- Muito bem. O que acha do abacate agora?
- Acho que agora ele virou comida.
Cócegas correram minhas têmporas quando a ponta dos dedos dele puxaram a bandana. estava mais próximo do que eu tinha percebido e nossos olhares se sustentaram por alguns segundos antes dele sorrir.
- Parabéns, você é capaz de identifcar e descrever sabores variados.
Ainda sentia o gosto do mel.
- Desculpe, mas como isso é diferente de antes?
Dessa vez ele se levantou e esticou a mão, pedindo pela minha. Talvez fosse um efeito colateral do exercício, mas a pele dele era macia, quente e convidativa.
Era desconfortável, mas estava gostando daquilo. Eu só ouvia o barulho de coisas sendo colocadas sobre a bancada e os passos dele ao redor do lugar, até que senti-o sentar-se no banco à minha frente, o joelho tocando de leve o meu quando ele usou a base do meu banco para apoiar o pé. Cócegas.
- Como se sente?
- Vulnerável, senhor - brinquei.
- Definitivamente, sexy.
Franzi o cenho.
- Tem certeza de que eu não encontraria algemas embaixo da sua cama?
E a risada gostosa mais uma vez.
- Por mais que aprecie uma boa noite, esse é um mundo para o qual não estou preparado.
- Acredito em você, senhor.
- Você não está ajudando.
Eu ri.
- Desculpe, é a bandana. Qual a tarefa da vez?
respondeu com a ação de levar algo de cheiro adocicado até meu nariz. Morango.
- Abra a boca - pediu, autoritário. Mordi um pedaço da fruta, salivando ainda mais. - Pode descrever o que sente para mim?
- Doce - foi a primeira coisa que me veio. - E um pouco cítrico.
- O que mais?
Deslizei a língua pelos pedaços, degustando a água que preenchia minha boca e sentindo os relevos da fruta. Nunca tinha dado tanta atenção a um morango antes.
- Macio... liso e áspero ao mesmo tempo... gostoso.
levou um copo até minha mão e pediu para que eu bebesse um gole da água, depois levou um pedaço de algo mais firme à minha boca. Minha língua fez o primeiro reconhecimento: liso de um lado, um pouco mais áspero do outro, e o sabor veio quando mordi.
- Você me deu cebola?
- Sim, senhora.
Meu rosto se contorceu numa careta, mas, na verdade, não era tão ruim assim porque Davi, o chef, deixava as pétalas na água para servir com quibe cru.
- Ok, nada mal... é até doce, na verdade.
- E o que mais?
- Macio, mas crocante... o barulho que faz quando mordo é gostoso de ouvir... Tem com quibe?
Ouvi a risada antes de tomar mais um gole da água e ter algo novo em minha boca. Estranhei de cara.
- Hm... - murmurei, sentindo o pedaço se desmanchar na língua praticamente sem que eu precisasse mastigar. - Eu... eu não sei.
- Tente.
- Macio, mas como uma pasta... não consigo encontrar uma palavra pra esse sabor, nem sei ao menos se isso tem sabor. O que é?
- Abacate.
Ergui as sobrancelhas.
- Isso é abacate? Acho que nunca tinha comido.
- É sério?
- Muito sério.
- O que achou?
- Meio sem graça, mas da pra comer.
- Bebe um gole e abre a boca... e agora?
Houve uma pequena explosão de sabores que me deixou feliz.
- Caramba, o que você fez?
- O que você sente?
- Sinto, hã, acidez... limão... sal... e algo mais doce, mel?
- Muito bem. O que acha do abacate agora?
- Acho que agora ele virou comida.
Cócegas correram minhas têmporas quando a ponta dos dedos dele puxaram a bandana. estava mais próximo do que eu tinha percebido e nossos olhares se sustentaram por alguns segundos antes dele sorrir.
- Parabéns, você é capaz de identifcar e descrever sabores variados.
Ainda sentia o gosto do mel.
- Desculpe, mas como isso é diferente de antes?
Dessa vez ele se levantou e esticou a mão, pedindo pela minha. Talvez fosse um efeito colateral do exercício, mas a pele dele era macia, quente e convidativa.
Cena 3
Ele me levou para o começo de tudo e soltou minha mão ao se posicionar a minha frente, uma distância pequena, mas confortável, entre nós. Estávamos mais próximos da janela, o que dava um contorno mais claro às nossas silhuetas e deixava mais intrigante o que quer que ele fosse fazer. Esperei por um comando, mas cravou os olhos nos meus com a expressão relaxada e se manteve assim.
- E agora? - questionei, sem resposta. Ele não moveu um músculo.
Os primeiros segundos foram de certa confusão da minha parte e, então, desconforto. O olhar era tão fixo que meu corpo tensionou e minhas bochechas começaram a esquentar. O que ele estava fazendo?
- Hã, o que... o que foi?
Um pequeno sorriso no canto esquerdo dos lábios e ele afundou as mãos nos bolsos do jeans. Silêncio. Uma onda quente correu meu corpo, seguida de uma fria, mais tensão. Ele não parava de me olhar e desviei os olhos quando o desconforto falou mais alto, uma risada nervosa escapando por entre meus dentes.
- O que foi? - perguntou. Olhei-o com deboche.
- Eu que te pergunto.
- Como assim?
- Como assim, como assim? Você que só tá me... olhando - terminei num tom mais baixo; ele fez um gesto rápido com a cabeça.
- E daí?
Abri a boca, mas nada saiu, então voltamos a nos encarar até que eu me sentisse desconfortável de novo e desviasse, outra vez, o olhar.
- Olha pra mim - ele pediu, e foi automático. - Por que tá desviando o olhar?
Umideci os lábios, apertando-os de leve enquanto descargas de várias emoções irradiavam por todo meu ser.
- Porque você tá me deixando... sem graça... - disse entre todos os contorcionismos possíveis que meu rosto poderia fazer.
- Por quê? - perguntou com a mesma expressão relaxada, mas parecendo querer realmente saber. Eu não tinha movimentos e minhas mãos estavam coladas no quadril. Era assim que eu ficava quando me sentia...
Clic. Mais um estalo no porquinho.
Mordi o interior da boca, respirando fundo enquanto as maçãs do rosto ardiam em desespero. Ele era bom, era muito bom e sabia disso. Meus olhos baixaram por um instante, parando na gola da camisa dele até que minha boca tivesse coragem de cuspir as palavras.
- Eu me sinto tímida.
Dois segundos.
- Olha pra mim.
Quatro segundos e um incentivo com o olhar.
- Eu estou tímida.
- Eu estou com medo - ele disse, me confundindo. Que jogo era aquele?
- Medo do quê? - indaguei, mas ele negou com a cabeça.
- Sua vez.
Não soube o que dizer, então gastamos mais alguns bons segundos apenas nos olhando, minhas pernas querendo correr, mas paralizadas pelo...
- Sinto desconforto.
- Sinto receio.
- Eu quero correr.
- Eu quero chegar mais perto de você.
Todo o ar naquela sala acabou naquele instante. Quis desviar o olhar, mas o me penetrava. Quente, frio, úmido, formigante.
Me rendi.
- Eu quero que você chegue mais perto de mim.
Foi instantâneo. O calor do corpo dele tomou conta do meu sem ao menos me tocar e queria correr, mas queria ficar. A respiração dele bateu nos meus lábios.
- Como se sente, ?
- Vulnerável - minha voz não passava de um fio frouxo.
- E como é?
- Desagradável.
- E por que ainda está aqui?
- Porque...
Não soube o que responder. Cada segundo que passava me olhando era uma redução das minhas capacidades cognitivas. Que diabos estava acontecendo naquela noite?
Em um movimento lento, ele se afastou, caminhando até onde estávamos sentados no começo da noite e me deixando lá, parada, embasbacada, confusa, envergonhada, sem nada. Foram longos e torturosos minutos até que meus músculos resolvessem voltar à vida, virando meu corpo para ficar frente a ele, que ainda me olhava. Abri e fechei a boca algumas vezes, mas os pensamentos eram nós que ele desfez.
- Você diz se sentir incapaz de seguir seu coração, mas capacidade existe em você - começou. - Só que você não confia e não permite. Não sei o tamanho do seu sonho, mas o que te deixa no mesmo lugar é sua falta de permissão e confiança em você mesma, só que, olha que interessante, não é estranho como você confiou em mim?
Eu ainda sentia a respiração dele latejando nos lábios, mas acompanhava o raciocínio. - Você, , é a pessoa por trás da venda e, se me permite a ousadia, seu único trabalho é lembrar de usar a sensação de capacidade que sente nas pequenas coisas pra fazer as grandes também.
- Porque vulnerabilidade é uma das grandes, não é?
Ele sorriu satisfeito.
- E mata a personagem.
Suspirei.
- As coisas são mais fáceis na teoria do que na prática.
- Verdade, mas... - andou até mim, parando na metade do caminho, e me perguntei se ele conseguia ouvir meu coração. - Minha avó era uma pessoa péssima... sendo sincero, não tenho nenhuma boa lembrança dela, mas uma coisa que me lembro bem era dela dizendo que a vida não te da nenhuma fome a qual não pretende alimentar.
Existem frases que te pegam e pessoas que ressoam. Não era possível, mas era as duas coisas.
- Você é bom - confessei. - Obrigada por isso. Fazia tempo que eu não sentia tantas coisas.
- Se eu perguntar mais uma vez como se sentiu, vou apanhar, né?
- Talvez - disse entre o riso. - Apesar do desconforto, me senti bem.
- Ah, é, sobre isso... - ele caminhou a metade restante, ficando na primeira distância de antes. - Às vezes é sobre o resultado.
Minhas sobrancelhas uniram-se na testa.
- Como assim?
- A gente tolera um desconforto pelo benefício do resultado. Por mais que seja ruim, a imagem final vale a pena. É por isso que a gente fica.
Engoli em seco, me perguntando se deveria me fingir de morta.
- Faz sentido. Também notei que verbalizar o que eu estava sentindo fez com que o peso daquilo diminuísse.
- Ora, ora, bem observado.
Sorrimos um para o outro e os olhos dele ficaram nos meus novamente.
- Do que você ficou com medo?
Foi a primeira vez que o vi se desestabilizar. Ele olhou para o lado, comprimindo os lábios enquanto reprimia o sorriso sem graça, os pés balançando por um momento. estava... tímido?
- De dizer que queria me aproximar de você - disparou, aparentemente procurando não pensar demais.
- Por que isso te deu medo?
Ele me olhou com o canto do olho antes de voltar o rosto para frente.
- Você tá gostando disso, não tá?
Aquilo me fez rir.
- E quem tá com medo agora, você ou o personagem?
- Ah, touché - ele disse em tom teatral, mordendo o lábio enquanto balançava a cabeça. - Você é boa.
- Por que isso te deu medo? Vai me responder?
E lá estavam os olhos dele nos meus novamente, dessa vez mais doces, mais gentis, mais brilhantes. Ainda sentia os blocos anteriores rodando meu corpo e me vi com vergonha de novo, especialmente quando ele escaneou meu rosto, demorando as íris s nos meus lábios antes de subi-las. Sua voz virou um sussurro.
- Não é óbvio, ?
Eu gostava de como meu apelido ficava na voz dele. Diminuí a distância entre nós apenas o suficiente para que meus dedos alcançassem a bandana no bolso traseiro do jeans, vendo-o sorrir de canto, e gentilmente o vendei.
- Devo me preocupar?
Eu ri e me afastei, andando até que minhas costas encostassem no vidro gelado.
- Sete passos à frente - obedeceu depressa, cuidando de onde pisava mesmo que estivesse em linha reta, mas sete não foi o suficiente para o que eu tinha em mente. - Mais um... mais um pouco... e mais um pouco...
E então senti o peito dele encostar em mim. Ele sorriu.
- O que acontece se eu for mais um pouco?
- Por que não tenta?
acabou com qualquer distância entre nós, me deixando tonta e queimando por dentro. Suas mãos pousaram gentis em minha cintura e as minhas apertaram de leve seus antebraços na altura dos cotovelos. Sentia o coração dele batendo contra o meu e o calor úmido dos nossos quadris unidos.
- Abra a boca... - pedi em um sussurro. entreabriu os lábios, descendo a mandíbula o suficiente para que os meus envolvessem seu inferior.
Arrepiei da cabeça aos pés. Ele tinha um beijo equilibrado, nem muito suave e nem muito agressivo, mas cheio de vontade. Minha língua brincava com a dele sem pressa e sem medo, explorando cada canto, deslizando por entre seus lábios, e o término daquele momento se deu lenta e relutantemente. Eu era um poço de sensações das quais não me lembrava de ter sentido, pelo menos não naquela intensidade, daquele jeito. Abri os olhos.
- O que sente? - sussurrei, o nariz tocando o dele. Um sopro de ar quente bateu na minha pele.
- Doce - sussurrou de volta. - Quente, úmido e ridiculamente delicioso.
Estremeci. Meus dedos correram pelos braços dele, subindo até os ombros, passando pela lateral do pescoço e entrelaçando nos fios lisos até a altura da bandana. Devagar, ela cedeu até que os olhos dele estivessem nos meus uma última vez e, envolvendo seu pescoço em meus braços, murmurei.
- O que você quer, senhor?
apertou os olhos e rosnou baixo entre um sorriso luxurioso, acariciando a ponta do meu nariz por um momento antes de selar os lábios, suave e provocantemente, aos meus.
- Você.
Nada naquela noite foi usual a não ser pelo brilho das estrelas no céu da meia noite. Às vezes os olhos dele brilhavam tão fortes quanto qualquer uma delas. Eu quis correr, mas quis ficar, e quem era eu, de fato? Com tudo o que havia sido dito e feito, permaneci fiel aos meus desejos.
E me rendi.
- E agora? - questionei, sem resposta. Ele não moveu um músculo.
Os primeiros segundos foram de certa confusão da minha parte e, então, desconforto. O olhar era tão fixo que meu corpo tensionou e minhas bochechas começaram a esquentar. O que ele estava fazendo?
- Hã, o que... o que foi?
Um pequeno sorriso no canto esquerdo dos lábios e ele afundou as mãos nos bolsos do jeans. Silêncio. Uma onda quente correu meu corpo, seguida de uma fria, mais tensão. Ele não parava de me olhar e desviei os olhos quando o desconforto falou mais alto, uma risada nervosa escapando por entre meus dentes.
- O que foi? - perguntou. Olhei-o com deboche.
- Eu que te pergunto.
- Como assim?
- Como assim, como assim? Você que só tá me... olhando - terminei num tom mais baixo; ele fez um gesto rápido com a cabeça.
- E daí?
Abri a boca, mas nada saiu, então voltamos a nos encarar até que eu me sentisse desconfortável de novo e desviasse, outra vez, o olhar.
- Olha pra mim - ele pediu, e foi automático. - Por que tá desviando o olhar?
Umideci os lábios, apertando-os de leve enquanto descargas de várias emoções irradiavam por todo meu ser.
- Porque você tá me deixando... sem graça... - disse entre todos os contorcionismos possíveis que meu rosto poderia fazer.
- Por quê? - perguntou com a mesma expressão relaxada, mas parecendo querer realmente saber. Eu não tinha movimentos e minhas mãos estavam coladas no quadril. Era assim que eu ficava quando me sentia...
Clic. Mais um estalo no porquinho.
Mordi o interior da boca, respirando fundo enquanto as maçãs do rosto ardiam em desespero. Ele era bom, era muito bom e sabia disso. Meus olhos baixaram por um instante, parando na gola da camisa dele até que minha boca tivesse coragem de cuspir as palavras.
- Eu me sinto tímida.
Dois segundos.
- Olha pra mim.
Quatro segundos e um incentivo com o olhar.
- Eu estou tímida.
- Eu estou com medo - ele disse, me confundindo. Que jogo era aquele?
- Medo do quê? - indaguei, mas ele negou com a cabeça.
- Sua vez.
Não soube o que dizer, então gastamos mais alguns bons segundos apenas nos olhando, minhas pernas querendo correr, mas paralizadas pelo...
- Sinto desconforto.
- Sinto receio.
- Eu quero correr.
- Eu quero chegar mais perto de você.
Todo o ar naquela sala acabou naquele instante. Quis desviar o olhar, mas o me penetrava. Quente, frio, úmido, formigante.
Me rendi.
- Eu quero que você chegue mais perto de mim.
Foi instantâneo. O calor do corpo dele tomou conta do meu sem ao menos me tocar e queria correr, mas queria ficar. A respiração dele bateu nos meus lábios.
- Como se sente, ?
- Vulnerável - minha voz não passava de um fio frouxo.
- E como é?
- Desagradável.
- E por que ainda está aqui?
- Porque...
Não soube o que responder. Cada segundo que passava me olhando era uma redução das minhas capacidades cognitivas. Que diabos estava acontecendo naquela noite?
Em um movimento lento, ele se afastou, caminhando até onde estávamos sentados no começo da noite e me deixando lá, parada, embasbacada, confusa, envergonhada, sem nada. Foram longos e torturosos minutos até que meus músculos resolvessem voltar à vida, virando meu corpo para ficar frente a ele, que ainda me olhava. Abri e fechei a boca algumas vezes, mas os pensamentos eram nós que ele desfez.
- Você diz se sentir incapaz de seguir seu coração, mas capacidade existe em você - começou. - Só que você não confia e não permite. Não sei o tamanho do seu sonho, mas o que te deixa no mesmo lugar é sua falta de permissão e confiança em você mesma, só que, olha que interessante, não é estranho como você confiou em mim?
Eu ainda sentia a respiração dele latejando nos lábios, mas acompanhava o raciocínio. - Você, , é a pessoa por trás da venda e, se me permite a ousadia, seu único trabalho é lembrar de usar a sensação de capacidade que sente nas pequenas coisas pra fazer as grandes também.
- Porque vulnerabilidade é uma das grandes, não é?
Ele sorriu satisfeito.
- E mata a personagem.
Suspirei.
- As coisas são mais fáceis na teoria do que na prática.
- Verdade, mas... - andou até mim, parando na metade do caminho, e me perguntei se ele conseguia ouvir meu coração. - Minha avó era uma pessoa péssima... sendo sincero, não tenho nenhuma boa lembrança dela, mas uma coisa que me lembro bem era dela dizendo que a vida não te da nenhuma fome a qual não pretende alimentar.
Existem frases que te pegam e pessoas que ressoam. Não era possível, mas era as duas coisas.
- Você é bom - confessei. - Obrigada por isso. Fazia tempo que eu não sentia tantas coisas.
- Se eu perguntar mais uma vez como se sentiu, vou apanhar, né?
- Talvez - disse entre o riso. - Apesar do desconforto, me senti bem.
- Ah, é, sobre isso... - ele caminhou a metade restante, ficando na primeira distância de antes. - Às vezes é sobre o resultado.
Minhas sobrancelhas uniram-se na testa.
- Como assim?
- A gente tolera um desconforto pelo benefício do resultado. Por mais que seja ruim, a imagem final vale a pena. É por isso que a gente fica.
Engoli em seco, me perguntando se deveria me fingir de morta.
- Faz sentido. Também notei que verbalizar o que eu estava sentindo fez com que o peso daquilo diminuísse.
- Ora, ora, bem observado.
Sorrimos um para o outro e os olhos dele ficaram nos meus novamente.
- Do que você ficou com medo?
Foi a primeira vez que o vi se desestabilizar. Ele olhou para o lado, comprimindo os lábios enquanto reprimia o sorriso sem graça, os pés balançando por um momento. estava... tímido?
- De dizer que queria me aproximar de você - disparou, aparentemente procurando não pensar demais.
- Por que isso te deu medo?
Ele me olhou com o canto do olho antes de voltar o rosto para frente.
- Você tá gostando disso, não tá?
Aquilo me fez rir.
- E quem tá com medo agora, você ou o personagem?
- Ah, touché - ele disse em tom teatral, mordendo o lábio enquanto balançava a cabeça. - Você é boa.
- Por que isso te deu medo? Vai me responder?
E lá estavam os olhos dele nos meus novamente, dessa vez mais doces, mais gentis, mais brilhantes. Ainda sentia os blocos anteriores rodando meu corpo e me vi com vergonha de novo, especialmente quando ele escaneou meu rosto, demorando as íris s nos meus lábios antes de subi-las. Sua voz virou um sussurro.
- Não é óbvio, ?
Eu gostava de como meu apelido ficava na voz dele. Diminuí a distância entre nós apenas o suficiente para que meus dedos alcançassem a bandana no bolso traseiro do jeans, vendo-o sorrir de canto, e gentilmente o vendei.
- Devo me preocupar?
Eu ri e me afastei, andando até que minhas costas encostassem no vidro gelado.
- Sete passos à frente - obedeceu depressa, cuidando de onde pisava mesmo que estivesse em linha reta, mas sete não foi o suficiente para o que eu tinha em mente. - Mais um... mais um pouco... e mais um pouco...
E então senti o peito dele encostar em mim. Ele sorriu.
- O que acontece se eu for mais um pouco?
- Por que não tenta?
acabou com qualquer distância entre nós, me deixando tonta e queimando por dentro. Suas mãos pousaram gentis em minha cintura e as minhas apertaram de leve seus antebraços na altura dos cotovelos. Sentia o coração dele batendo contra o meu e o calor úmido dos nossos quadris unidos.
- Abra a boca... - pedi em um sussurro. entreabriu os lábios, descendo a mandíbula o suficiente para que os meus envolvessem seu inferior.
Arrepiei da cabeça aos pés. Ele tinha um beijo equilibrado, nem muito suave e nem muito agressivo, mas cheio de vontade. Minha língua brincava com a dele sem pressa e sem medo, explorando cada canto, deslizando por entre seus lábios, e o término daquele momento se deu lenta e relutantemente. Eu era um poço de sensações das quais não me lembrava de ter sentido, pelo menos não naquela intensidade, daquele jeito. Abri os olhos.
- O que sente? - sussurrei, o nariz tocando o dele. Um sopro de ar quente bateu na minha pele.
- Doce - sussurrou de volta. - Quente, úmido e ridiculamente delicioso.
Estremeci. Meus dedos correram pelos braços dele, subindo até os ombros, passando pela lateral do pescoço e entrelaçando nos fios lisos até a altura da bandana. Devagar, ela cedeu até que os olhos dele estivessem nos meus uma última vez e, envolvendo seu pescoço em meus braços, murmurei.
- O que você quer, senhor?
apertou os olhos e rosnou baixo entre um sorriso luxurioso, acariciando a ponta do meu nariz por um momento antes de selar os lábios, suave e provocantemente, aos meus.
- Você.
Nada naquela noite foi usual a não ser pelo brilho das estrelas no céu da meia noite. Às vezes os olhos dele brilhavam tão fortes quanto qualquer uma delas. Eu quis correr, mas quis ficar, e quem era eu, de fato? Com tudo o que havia sido dito e feito, permaneci fiel aos meus desejos.
E me rendi.
Fim
Nota da autora: Hello! Obrigada por ler! Esse é o segundo conto da série. É uma mistura de ficção com um pouco da minha própria experiência, e o foco não são os detalhes, mas a essência da coisa haha.
Espero que gostem <3
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Contos de Amor à Meia Noite: Despertar
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