Finalizada em: 18/03/2021

Capítulo Único

Era uma vez, em um reino distante...
Essas eram as primeiras palavras de um conto de fadas, anunciando o início de uma história emocionante entre um príncipe encantado e uma bela moça. Depois das mais diversas dificuldades, eles finalmente ficariam juntos e se casariam. Então, viveriam felizes para sempre.
Algo simples, mas decisivo. Encontrar o verdadeiro amor após uma dança, ser acordada de um sono eterno ou de um encantamento, ser resgatada das mãos de uma madrasta má e suas irmãs. Um singelo olhar era capaz de mudar toda uma vida, definitivamente. Mas e depois? Quando as cortinas se fechassem o que haveria nos bastidores? E quando todos os olhos não estivessem sobre o casal jovem e apaixonado das páginas dos contos?
Foi o que se perguntou desde criança. Sempre que ouvia falar em princesas e finais felizes, se questionava se realmente existia um amor assim e mais, se era possível mantê–lo por toda uma vida. Entretanto, todas essas questões desapareceram no momento em que conheceu o homem que amava. A partir daquele instante realmente passou a acreditar em finais felizes.
Mas agora ela já não sabia mais o que era real. Sentada em uma das cadeiras da grande mesa de vidro da sala de jantar, fitava a comida fria no prato. Estava ali fazia horas e os empregados já haviam ido embora há muito tempo, deixando toda a casa impecável. Não havia sequer um grão de poeira ou um talher fora do lugar.
Suspirando, pegou o celular sobre a mesa e olhou o visor. Ele marcava quase três horas da manhã e seu marido ainda não havia chegado do trabalho, como sempre. Exausta, soltou o garfo, que tilintou contra o prato de porcelana branca e, vencida pelo cansaço, arrastou a cadeira para trás. Caminhando descalça pelo piso frio, chegou à cozinha e colocou o prato intocado na geladeira, encheu um copo com água e deixou o local, indo para a biblioteca.
De todos os lugares daquela mansão, aquele era o único onde se sentia verdadeiramente acolhida. Gostaria de ser útil, como na casa dos pais, porém, para cada serviço existia um encarregado. Não podia lavar, passar ou cozinhar, tudo sempre estava pronto antes mesmo que solicitasse. Entre os livros ao menos poderia se distrair, esquecendo por um momento da solidão que a cercava ultimamente.
Adentrando o recinto, suspirou um pouco mais aliviada ao se deparar com as estantes de madeira escura repletas de livros. Deslizando pelo ambiente, foi até uma prateleira específica, passando os dedos pelos volumes azuis. Era assim que Seokjin gostava de organizar as coisas, cada qual por sua cor correspondente.
Um pequeno sorriso surgiu no canto dos lábios ao se recordar da forma como haviam se conhecido. Estudavam na mesma universidade, no mesmo curso. Ainda assim, nunca tinham se falado. Apenas quando procuravam pelo mesmo livro na biblioteca trocaram as primeiras palavras e a garota soube de cara que aquele rapaz meio tímido era uma ótima pessoa.
A amizade durou por muito tempo e, antes que percebessem, já estavam envolvidos e não pensaram em voltar atrás nem por um segundo. Mesmo com a oposição da família dele, seguiram em frente e se casaram. Naquele dia, pensou ter encontrado o seu 'felizes para sempre'. Depois de um ano, percebeu que estava enganada. O amor era um sentimento bonito, mas precisava ser cultivado. Caso contrário, seria perdido pouco a pouco.
Deixando o sorriso morrer, puxou um volume aleatório e caminhou até a poltrona perto da janela que permanecia com as cortinas fechadas. Virando a frente do livro em sua direção, passou os dedos pela capa dura, lendo em voz baixa o grande título dourado no centro.
Cinderela.
Rindo com desdém, sentiu os olhos umedecerem ao se lembrar do enredo. Uma pobre órfã judiada por sua madrasta e meias–irmãs, obrigada a trabalhar como empregada na própria casa. Mas ela não precisou chorar por muito tempo, pois logo ganhou uma fada madrinha que realizou seus desejos e se casou com um belo príncipe.
– E foram felizes para sempre. – Murmurou para si mesma.
Sentindo uma raiva que não conseguia explicar, sequer folheou o livro, o jogando para longe de si. O objeto acertou uma das prateleiras, derrubando consigo mais alguns livros no momento em que Seokjin abria a porta. Sem entender o que se passava, observou os volumes irem ao chão com um baque surdo.
– O que está acontecendo aqui? – Finalmente disse, chamando a atenção de . – Procurei você pela casa inteira.
– Ah, você chegou! – Voltou a olhar para frente. – Pensei que precisaria acionar a polícia.
– Não precisamos falar sobre isso novamente. – Caminhou até ela, se jogando na poltrona à frente. – Eu estou sobrecarregado esses dias, não é fácil...
– Não é fácil ser o diretor da empresa que pertence à minha família. – Imitou a forma como ele falava, revirando os olhos. – Eu já sei de tudo isso.
– Então por que pergunta onde eu estava? – Afrouxou a gravata azul marinho.
– Eu não deveria? – Ergueu as sobrancelhas.
– Não confia em mim? – Imitou seu gesto.
– Não é essa a questão. – Se desencostou do estofado.
– E qual é? – Balançou os ombros.
– Não tenho o direito de me preocupar com o meu próprio marido? – Questionou, indignada.
– Não precisa se preocupar. – Mexeu os ombros novamente. – Eu sempre estarei no mesmo lugar, pois é apenas isso que faço nessa vida!
Puxando o ar para os pulmões, cerrou as pálpebras, contando mentalmente até dez. Só assim para manter a calma que já era escassa nas últimas semanas. Quando voltou a encará–lo, Seokjin sustentava uma expressão que ela não conseguiu decifrar.
– Por que nunca leva a sério as coisas que eu digo? – Deixou os ombros caírem. – Por acaso isso é uma piada para você?
– Por que tudo isso agora? – Franziu a testa em confusão. – Acabei de chegar do trabalho, exausto. Não vou começar uma discussão.
abriu os lábios em revolta quando Seokjin retirou a gravata que usava e se levantou pronto para seguir para a porta. Cerrando os punhos, não pensou duas vezes antes de dizer o que pretendia.
– Eu não aguento mais isso! – disse para que ele ouvisse de onde estava.
Pego de surpresa, o homem largou a maçaneta, virando metade do corpo para a esposa. Pelo tom de voz usado, achou que a encontraria furiosa e pronta pra gritar e dizer coisas duras. Todavia, não foi a imagem que seus olhos captaram. Com os ombros meio caídos e os olhos marejados, mordia os lábios, para tentar fazê–los parar de tremer.
Seokjin sabia o que aconteceria com ela caso continuassem aquele assunto. A conhecia melhor do que a si próprio e reconhecia os sinais que o corpo dela emitia em todos os momentos. Fossem esses alegres ou tristes.
Sendo pego pelas emoções dela, sentiu de repente a melancolia tomar conta do seu corpo. Na realidade, ela sempre esteve lá, só não havia permitido ainda que escapasse. Apertando com força a gravata entre os dedos, fechou os olhos quando ela voltou a falar.
– Quando nos casamos, achei que valeria a penar deixar tudo para trás. – falou com dificuldade, tentando não ser vencida pelas lágrimas. – Eu tinha uma vida, estava iniciando minha própria carreira, mas as pessoas diziam que eu não poderia perder essa chance.
... – Murmurou, sentindo o coração bater mais rápido contra o peito.
– E apesar da oposição de sua família, eu escolhi ficar ao seu lado. – Balançou a cabeça para os lados. – Eu pensei que... que seria...
A mulher não pôde continuar a frase, baixando o rosto. Não poderia dizer o que pensava, não poderia admitir que havia desejado viver feliz ao lado dele por toda a sua vida. Era estúpido e ingênuo demais.
– Está arrependida? – Ele questionou, chamando sua atenção. – Se arrepende de ter casado comigo?
– Eu não sei... – Respondeu, confusa.
– Tudo bem então. – Desviou o olhar, sentindo o peito rasgar em aflição. – Não precisamos continuar algo que não queira.
Evitando olhar nos olhos da esposa, voltou a caminhar na direção da porta, a abrindo com urgência. Desesperada, se ergueu, dando dois passos na direção dele.
– Seokjin! – O chamou, mas era tarde.
A porta foi batida com força, deixando para trás uma mulher confusa e desolada. Quanto ao rapaz, que seguia pelo largo corredor, os sentimentos eram os mesmos. Como haviam chegado àquele ponto? O amor do início havia acabado? Sem uma resposta, seu corpo desmoronou no estofado e ela permitiu que as lágrimas acumuladas corressem livremente pelo rosto cansado.


~o~


não soube por quanto tempo ficou confinada na biblioteca, muito menos quando seu pranto cessou. Caminhando pelos largos corredores, abraçava o próprio corpo por conta da friagem da madrugada. Estar descalça também não ajudava a manter a temperatura e sua cabeça latejava por conta do choro excessivo.
Sem coragem de subir as escadas e voltar para o próprio quarto, cambaleou até a cozinha para deixar o copo que havia usado. Ao entrar, parou subitamente, sentindo o corpo congelar. Com a respiração levemente descompassada, viu Seokjin sentado num dos bancos perto do balcão. Com o cotovelo sobre mármore, apoiava a testa na mão grande.
Apertando o copo de vidro entre os dedos, a mulher pensou várias vezes se voltava ou seguia em frente. Respirando fundo, tomou coragem e resolveu ser discreta. Não precisava fazer mais do que entrar e sair em segundos. Passando pelo balcão, foi até a pia, ficando de frente para ele. Mantendo o olhar baixo, apenas conseguiu perceber seus movimentos ligeiros assim que a notou no ambiente. Sem emitir nenhuma palavra, ligou a torneira para lavar o que havia sujado.
– Achei que já estivesse dormindo – ele disse, um pouco surpreso.
– Não consegui dormir. – Respondeu apenas, fechando o registro.
– Eu também não. – Revelou, soltando um suspiro. – Passei todo esse tempo pensando no que conversamos.
Sem conseguir se conter e ergueu os olhos para ele, como um imã que é atraído pelo metal. Imediatamente, notou as olheiras sob os pequenos olhos escuros. Também estavam vermelhos, anunciando ainda mais a noite em claro. Pensou em terminar a distância entre eles e abraçá–lo para transmitir conforto, porém, não o fez. Manteve–se parada, esperando que ele continuasse a falar o que queria.
– Sei que você sabe que nunca fui bom em demonstrar meus sentimentos e talvez esse tenha sido o motivo de estarmos nessa situação. – Engoliu em seco. – Desde o dia que passamos a dividir o mesmo teto, eu não faço ideia do que fazer para que seja feliz.
– Eu sempre deixei bem claro o que me fazia feliz. – Rebateu.
– E é exatamente por isso que me senti perdido. – Balançou a cabeça. – Você deixou para trás tudo isso para ficar ao meu lado. Como eu poderia compensar?
Passando as mãos inquietas pelos fios negros, soltou o ar pelos lábios entreabertos, permitindo pela primeira vez que sua esposa visse a frustração que sentia. Conhecia os sonhos e desejos dela e onde ele queria chegar, mas não sabia lidar com o fato dela ter desistido de tudo para estar num casamento que caminhava para o fracasso.
– Nunca pedi me compensasse. – Respondeu, mordendo o lábio inferior.
– Mas no fim nada disso valeu a pena, não é? – Deu um falso sorriso.
– Seokjin... – Murmurou, aflita.
– Não quero que desista de sua vida por mim. – Apoiou as mãos na bancada. – Não é justo.
Não era justo para nenhum dos dois. Como conviver com a sensação de estar anulando a própria vida por conta de outro alguém? Um amor valia mesmo tudo isso? Mesmo que a pessoa certa estivesse na sua frente?
Puxando o ar para os pulmões, caminhou lentamente, dando a volta no balcão. Com o coração pulsando mais do que achou ser possível parou de frente para ele, que havia se virado em sua direção. Olhando em seus olhos, ergueu as mãos frias e tocou o rosto pálido com carinho, fazendo–o fechar os olhos automaticamente.
Olhando–o tão de perto conseguia enxergar melhor toda a situação. Não queria viver uma vida solitária sabendo que tudo poderia ter sido diferente, mas não queria deixá–lo. Não iria partir depois de tudo. As coisas podiam ser resolvidas de outra maneira.
– Se lembra do que eu havia dito sobre contos de fadas? – sussurrou e ele abriu os olhos.
– Que não são reais. – Repetiu as palavras da esposa. – Sempre dizia isso.
– E não são. – Sorriu. – Mas existe uma coisa interessante em todas essas histórias.
– Existe? – Franziu o cenho.
– Antes de viverem felizes para sempre os protagonistas sempre precisam vencer obstáculos. – Continuou. – Uma bruxa, madrasta má ou sono eterno. Às vezes correm o risco de perder a própria vida.
– Sim. – Concordou.
– Nós não precisamos vencer nenhuma bruxa – disse e o viu rir abafado. – Não precisamos ir tão longe. Podemos resolver as coisas de outro jeito.
Seokjin balançou a cabeça positivamente. Concordava com cada palavra dita. Não iria exigir que vivesse uma vida que não queria, porém, se ela desejava tentar resolver os problemas, ele não perderia a chance.
Tirando as mãos dela de seu rosto, ele a puxou para mais perto. Fitando–a nos olhos, passou os braços em volta de sua cintura, abraçando-a com carinho. Sem pensar duas vezes, jogou os braços sobre seus ombros largos, sentindo depois de muito tempo a sensação de conforto preencher seu coração.


ALGUNS MESES DEPOIS


Desesperada, corria de um lado para o outro procurando um dos pares de sapato que havia deixado ao lado da cama para calçar assim que saísse do banho. Já havia vestido a roupa, feito uma maquiagem leve e penteado os cabelos. Faltava apenas isso para estar pronta.
– Mas que droga... – Murmurou, se ajoelhando no carpete.
Olhando debaixo da cama, bufou ao ver o bendito sapato de salto perdido lá. Enfiou metade do corpo, puxando o objeto com certa dificuldade. Ao sair, encontrou Seokjin parado a certa distância, encarando-a com uma careta engraçada.
– O que perdeu aí embaixo? – perguntou, terminando de dar o nó na gravata.
– Meu sapato. – Se levantou, mostrando o objeto para ele.
– Ah, então foi isso que chutei sem querer mais cedo. – Mordeu os lábios, desviando os olhos.
– Eu deveria imaginar. – Riu abafado.
Colocando o calçado escuro, passou as mãos na saia justa e pegou a bolsa de ombro, fitando o marido, que a esperava.
– Vamos? – perguntou, estendendo a mão para ela.
– Sim. – Aceitou.
Saíram da suíte juntos, descendo as escadas até o andar inferior. Conversavam, distraídos, quando a governanta se aproximou esbaforida, dizendo várias coisas ao mesmo tempo.
– Senhor e senhora Kim! – chamou a atenção deles com sucesso.
– Berta, aconteceu algo? – Seokjin franziu a testa.
– Não, não... – Negou com um aceno de mão. – Vim apenas avisar que o café da manhã está pronto.
– Acho que não vamos ter tempo para isso. – Fitou o relógio de pulso. – Estamos em cima da hora.
– Mas... – Arregalou os olhos.
– Berta, será que poderia embalar uma parte para comer no caminho? – interveio.
– Sim, sim!– Voltou a se animar. – Só um minuto.
– Ah! – disse e a mais velha voltou a se virar. – E poderia avisar a todos que estão dispensados a partir do meio–dia?
– Mas e o almoço? – Voltou a ficar apreensiva.
– Não vamos almoçar em casa. – Seokjin tentou tranquilizar a mulher.
– Mas e o jantar? – questionou, ainda mais alarmada.
– Nos viramos. – sorriu para ela. – Obrigada!
Vencida, a governanta se foi, voltando após alguns minutos com sacos de papel com uma parte do café da manhã. Cada um deles pegou o seu, indo até o estacionamento.
– Tem certeza que pode fazer o jantar? – perguntou, destravando o carro.
– Sim. – Ele respondeu, destravando o seu. – Vou voltar mais cedo hoje. O trabalho está mais leve essa semana. Além disso, dá última vez você fez.
– Tudo bem. – Riu. – Eu trago algo para a sobremesa.
Antes de entrar no veículo a mulher foi até ele, depositando um beijo demorado em seus lábios. Pego de surpresa, pôde apenas retribuir, segurando sua cintura com a mão livre. Quando se afastaram, sorriam cúmplices.
– Até o jantar! – sussurrou e lhe deus as costas, caminhando de volta para seu carro.
Entrou, colocando o cinto, e o rapaz fez o mesmo. Quase no mesmo momento ligaram o carro e, antes de dar a partida, se olharam pelas janelas abertas. Lançando uma piscadela, Seokjin finalmente deu a partida, deixando para trás sua esposa sorridente.
Destravando o freio de mão, ela pisou no acelerador, pensando no que a esperaria quando chegasse em casa. Só de imaginar seu corpo se arrepiava. Deixando que um suspiro escapasse, dirigiu para fora da mansão, seguindo o caminho do trabalho. Havia voltado a fazer o que amava e percebeu que não precisava escolher, poderia viver ao lado do homem que amava e poderia ser quem desejava ser.
Não que vivessem em um conto de fadas. Pelo contrário, aquela era a vida real e os problemas surgiriam um após o outro. Não planejava ter um final feliz, pois não desejava que nada daquilo chegasse ao fim. Queria apenas amar o homem que a amava e isso era o suficiente.


END



Nota da autora: Sem nota.



Outras Fanfics:
Prince Charming: Choices
Prince Charming: Confident
Prince Charming: Freedom
Prince Charming: Honeymoon
Prince Charming: Sweet Melody
Prince Charming: True Beauty

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