- Capítulo 21 -
Shuri até pensou em fazer alguma brincadeira ou deixá-lo sem ter a resposta naquele momento, para criar um clima, aumentar a saudade, a expectativa, mas ela viu nos olhos de Bucky o quanto aquilo o estava incomodando. Ela estava no laboratório no dia em que se despediram e ela viu os dois juntos, ela ouviu a conversa deles. Bucky tinha perguntado a se ela ainda estaria lá quando ele acordasse, porque ele tinha, justamente, medo daquilo acontecer, e não estava ali naquele momento. Bucky deveria estar confuso, perdido e, muito mais do que aquilo, triste por não ter cumprido sua promessa, pensando em milhares de possibilidades que explicassem aquele fato, nenhuma delas boa. Shuri não iria brincar com os sentimentos dele. Ele era um homem solitário, inseguro e triste, tinha muitos problemas em que pensar e certamente, naquela altura, estava entendendo tudo errado, porque simplesmente não tinha ideia de tudo que aconteceu nos últimos tempos. Shuri não iria brincar com aquilo, por mais que ela quisesse. Ela sorriu fraco para ele, os olhos de Bucky cheios de expectativa em ouvir a resposta, em saber onde estava.
— Ela está descansando agora — Shuri comentou meio triste, queria que estivesse ali com eles. Sabia que era para ser ali, a encontrá-lo primeiro, e não ela.
Mas Bucky não respondeu nada por algum tempo. Sua mente se recusava a aceitar aquela informação, não podia ser verdade. não, a sua não. Não podia ser verdade. A angústia tomando conta dele como uma onda, devastando toda e qualquer sensação boa que ele podia sentir, puxando em sua mente todas as memórias que tinha com . Ele não deveria ter saído de perto dela, ele não deveria ter pedido, implorado, pelo tratamento. Se ele estivesse lá, se ele estivesse com ela, nada teria acontecido. Onde estava ? O que fizeram com ela? Não era possível. A parte mais egoísta de Bucky o alertava de que ele ficaria sozinho de novo, para sempre. A única vez em que realmente se apaixonou por alguém, a única vez em que estava disposto a se entregar, foi mais uma vez em que não deu tempo. Ele tinha perdido , como perdia tudo em sua vida. Foi ingênuo pensar que seria diferente, que poderia recomeçar e ter uma vida perto do normal. Ele não poderia, nunca conseguiria. Parecia que estava fadado à solidão, às perdas violentas e ao caos. Tudo estava bom demais para ser verdade, estava calmo e dando certo demais. Como ele pode acreditar naquilo? Bucky respirou fundo por algum tempo, seus olhos marejando enquanto ele se esforçava em engolir as lágrimas. Podia ser ele, porque ? Era como se o mundo estivesse acabando, como se nada mais fizesse sentido.
— Ela...? O que aconteceu com ela? — Bucky perguntou quase inaudível, seu coração batendo forte no peito, sua mente se recusando a acreditar naquilo. E foi só então que Shuri percebeu, no tom de voz e na reação dele, que tinha falado merda. Tomou tanto cuidado para não fazer piada com aquilo que, no final das contas, gerou uma situação muito pior. Com os olhos arregalados e gesticulando rapidamente com as mãos, ela praticamente gritou:
— NÃO! NÃO É ISSO! Por Bast, Barnes, não foi nesse sentido, ela está viva — Shuri sorriu sem graça, coçando os cabelos.
Bucky subiu seu olhar até ela lentamente e engoliu em seco. Sua expressão foi quase que momentaneamente de tristeza para uma clara raiva por ter sido feito de trouxa. Shuri não sabia medir brincadeiras, ele já tinha notado aquilo. Mas não podia brincar com algo tão sério. Ele acordou meia hora atrás e ele esperava ver . Se ela não estava ali, tinha alguma coisa acontecendo e ele não estava com medo da resposta. Estava com pavor de descobri-la. Shuri esperou ele se recompor por alguns segundos, desconfortável pelo jeito que ele a encarava. Parecia que queria voar para cima dela. Talvez aquele autocontrole já fosse um sinal de que o tratamento tinha dado certo. No final das contas, para Shuri e para fins científicos, foi até que bom aquilo ter acontecido. Alguns passos atrás de onde Shuri e Bucky estavam, Ayo segurava a risada e evitava olhar para sua parceira, que estava na mesma situação.
— Meu Deus, não acredito nisso — Bucky murmurou aliviado, passando a única mão pela testa.
— Me desculpe, escolhi mal as palavras — Ela tentou dar um sorriso amigável, mas a expressão de Bucky ainda estava fechada.
— Não dá nem para dizer que você escolheu as palavras — Ele respondeu baixo, revirando os olhos. Sua mente estava confusa, muito em que pensar, muitas emoções fortes demais em pouco tempo.
— só está dormindo. Ela passou quase três dias seguidos acordada, estava em choque, muito exausta. Ela ficou aqui com você, mas tivemos que tirar ela daqui — Shuri explicou rapidamente, olhando as crianças, que há pouco estavam com ela, correrem de volta para perto do lago. Bucky deixou um sorriso discreto sair. Então ela tinha ficado ali, com ele?
— O que aconteceu? — Bucky voltou a perguntar ainda encarando Shuri — E escolha bem as palavras para explicar dessa vez.
— Muita coisa, Bucky, você não tem ideia — Shuri suspirou, só de lembrar dos últimos dias já se sentia desesperada — Em resumo, o pai de levou um tiro e quase morreu. Wakanda sofreu uma espécie de golpe de Estado de um cara que ameaçou matar e que machucou T’Challa. Achamos, inclusive, que T’Challa tinha morrido, mas ele sobreviveu. Toda a erva-coração foi queimada e você foi tirado da criogenia em tempo recorde. Sem contar que fez esse coque em você em algum tempo entre o desespero por morrer e o desespero em te proteger.
Bucky parou para pensar, outra vez, antes de responder qualquer coisa. Seu coração ainda estava relativamente acelerado pelo impacto de achar que tinha morrido e pela vontade de socar Shuri por ter dado a entender aquilo. Bucky não tinha ideia do que faria se perdesse e aquilo era estranho. Antes dela chegar em sua vida, tudo estava tomando forma, ele estava sobrevivendo ao seu passado e tentando seguir em frente. Mas mudou tudo. Mudou o jeito de ver a vida, mudou a perspectiva sobre o passado, mudou os planos para o futuro, as vontades. fazia Bucky querer viver, querer tentar, querer dar uma chance para si mesmo, para o mundo ao seu redor. E aquilo era estranho. Ele estava aprendendo a se aceitar, a se sentir confortável e seguro consigo mesmo, a se reintegrar no mundo. tinha dado esperança a ele. E Bucky sabia, porque aprendeu com ela, com a história dela, que enquanto tivesse esperança, teria tudo.
A possibilidade de ter uma vida segura, mais calma e mais próxima do que Bucky achava ser normal estava bem à sua frente. Ele tinha entrado e já saído da criogenia, esperava que o tratamento tivesse dado certo, embora o fato de ter sido “tirado da criogenia em tempo recorde”, como Shuri havia dito, o preocupasse naquele momento. E tudo aquilo, toda aquela calmaria, a paz, a sensação de segurança, de conforto, só tinha acontecido porque aconteceu em sua vida. Como poderia seguir em frente sem ela? Não dava mais. , aparentemente, também não havia seguido a vida sem ele, como tinha pensado. Se Shuri disse que ela havia ficado ali com ele, que ela tinha o tirado do tratamento e que precisou ser levada de volta para sua casa, talvez, só talvez, quisesse dizer que ela também queria ficar perto dele, que ele também significava algo mais para ela. Colocando a mão discretamente no cabelo, em seu meio coque, Bucky sentiu-se cuidado de um jeito que não conseguia descrever.
E foi pensando naquilo que ele se sentiu calmo outra vez. Ainda refletindo as palavras de Shuri, Bucky tentava ordenar e entender o que tinha acontecido naqueles meses que, aparentemente, não tinham sido nada bons. tinha passado por muita coisa e parecia que, assim como ele, emendava um conflito em outro, um problema a ser resolvido em outro, como se a vida não desse uma trégua. Bucky desejou estar lá para ajudá-la, ser a paz dela em meio ao tormento, como ela era para ele. , aparentemente, não estava bem e a cada segundo que passava, Bucky só queria saber onde ela estava, para poder ficar perto, ajudar como podia. Shuri estava fazendo mistério demais. Respondeu e não respondeu à pergunta dele, como se quisesse dar a um espaço e tempo para que ela ficasse sozinha e descansasse. Bucky entendia, mas ele queria vê-la, queria ter certeza de que agora estava tudo bem. Queria ficar perto dela.
— Qual dos pais dela foi baleado? O que aconteceu? Ele está bem? — Bucky perguntou com sua testa franzida, em claro sinal de confusão — E quem é esse cara que quis matar ela? Ele machucou ela? Onde ele está?
— Calma lá, Lobo Branco, muita informação para quem acabou de voltar de umas férias no gelo — Shuri sinalizou com as duas mãos, como se o acalmasse e sorriu fraco.
— De onde veio esse apelido? — Bucky negou levemente com a cabeça, enquanto Shuri ria.
— Vamos, no caminho te conto.
Shuri fez um breve sinal com a cabeça, até onde Ayo e a outra Dora Milaje o esperavam. Bucky concordou em silêncio e caminhou com Shuri, e os duas guardas, até um carro, que os levou de volta ao palácio. Bucky não conhecia Wakanda. Desde que chegou no país ficou trancado a sete chaves no prédio real, não tinha coragem de sair, tinha medo do que as pessoas pudessem dizer, tinha receio dos olhares, vergonha de quem era, das coisas que tinha feito. Não se lembrava de ter qualquer informação sobre Wakanda e aquela era a primeira que estava realmente vendo o país. Toda a tecnologia, as cores vibrantes, a natureza, a felicidade das pessoas passando pela janela do carro, enquanto ele assistia como se fosse uma criança que conhecia o mundo pela primeira vez. Ainda não estava seguro sobre sair e ser exposto à sociedade, mas estava feliz e muito agradecido por estar ali. Wakanda parecia um sonho, daqueles tão bons que Bucky não se lembrava de ter, que ele não queria acordar nunca mais.
A viagem até o palácio durou pouco menos de uma hora. Shuri estava no banco de trás do carro com ele, contando detalhes do que tinha acontecido nos últimos meses, enquanto Ayo conduzia o veículo no banco da frente. Bucky ouvia tudo com atenção e em silêncio. A situação era muito pior e mais grave do que tinha pensado. tinha virado um alvo criminoso mundo afora, estava na mira de governos e Bucky sabia bem o quanto aquilo era complicado. não poderia sair do país tão cedo, deveria estar sendo intimada em dezenas de processos e certamente seria presa se a encontrassem. Ele sabia que, em maior grau, aquilo era uma das consequências da decisão de em não assinar o Tratado de Sokovia. Contudo, parte daquilo era culpa dele também. Se ela não tivesse se envolvido com ele, se ela não tivesse movendo o mundo para mantê-lo bem e protegido, talvez as consequências fossem menores para ela hoje. Algo na mente de Bucky sempre dizia a ele que não era, e nunca seria, bom para . E nem para ninguém.
Afastando aqueles pensamentos e tentando focar-se no que Shuri contava, Bucky não conseguia acreditar no que Sharon tinha feito. Não esperava nada de bom vindo de Zemo, mas Sharon era amiga de , ou ao menos era o que achava dela. Como ela pode? Shuri não tinha muitas informações sobre Steve, por isso, quando Bucky a perguntou sobre ele, ela não conseguiu contar mais do que o que tinha acontecido durante o resgate de Sam e de seus amigos e a chegada na França. Bucky descobriu que Karl e Everett foram interrogados e movidos da divisão da força-tarefa para outras missões que podiam ser mais vigiados pelo Estado e, por isso, tinham menos contato com do que antes. deveria estar se sentindo mais sozinha do que nunca e ele queria poder mudar aquilo.
Mas, para Bucky, o mais chocante entre todas as coisas que aconteceram naqueles meses, foi, justamente, a aparição de Killmonger. Shuri contou em detalhes o que tinha acontecido, desde a missão em Busan para capturarem Klaue, o retorno de Everett baleado, o corpo do traficante aparecendo na fronteira, a conversa de Killmonger no conselho, o que ele havia dito à quando estava a sós com ela. Bucky ficou ligeiramente feliz por saber que o homem levou uns tapas de , ao menos isso, e não escondeu a risadinha quando Shuri chegou nessa parte da história. O sorriso dele também se manteve aberto em saber que ela ficou preocupada com ele, que o tirou da criogenia assim que o cenário passou a ser minimamente perigoso para ele e imaginava o quanto aquela decisão tinha sido difícil para ela.
Do carro direto ao laboratório de Shuri, Bucky refletia se o tratamento tinha, de fato, dado certo nele. tinha muitas expectativas naquilo e tinha dedicado tanto tempo de sua vida para que aquele momento chegasse, que Bucky não podia imaginar como ela se sentiria se, no final das contas, desse errado. Contudo, muito mais do que aquilo, Bucky estava preocupado em não ter conseguido, de fato, se livrar do Soldado Invernal. Se sentia mais leve, sua mente parecia mais organizada, mais calma do que antes. Mas aquilo não era parâmetro. A qualquer momento, bastava alguém dizer aquelas malditas palavras para que o pesadelo começasse outra vez. Bucky tinha medo de viver aquilo de novo. Já não bastassem as memórias de tudo que fez, a possibilidade de fazer mais, pior e de novo, o atormentava. Não poderia mais ficar em Wakanda e, muito menos, manter por perto caso o tratamento não tivesse dado certo. Era perigoso para ela, para qualquer outra pessoa, ele não correria o risco de machucá-la. Não havia negociação. Suspirando frustrado, Bucky abaixou seu olhar para o chão, enquanto caminhava lentamente. Será que era pedir demais que as coisas dessem certo, uma única vez em sua vida? Só havia um jeito de descobrir.
— Você sabe me dizer se o tratamento… funcionou?— Meio inseguro, Bucky começou a perguntar assim que entrou no laboratório com Shuri poucos passos à sua frente.
— Sendo bem sincera, meu negócio nunca foi medicina, sou mais da tecnologia — Shuri deu de ombros, ainda de costas para ele — Vamos fazer alguns exames aqui para termos uma ideia, mas vai poder te explicar melhor sobre isso e sobre o teste.
— Então eu vou poder ver ela hoje? — Bucky levantou as sobrancelhas e foi se sentar em uma cadeira próxima a parede de vidro, onde Shuri apontava.
— Eu não disse que era hoje, você está muito ansioso. Tudo isso é saudades dela? — Shuri brincou olhando dele para uma tela à sua frente, onde começou a digitar alguns comandos.
— Eu preciso responder isso? — Bucky murmurou envergonhado, sentando-se na cadeira.
— Na verdade, não. Dá para ver na sua cara — Shuri respondeu ainda sem o encarar, sua atenção focada na tela — É o seguinte, fique bem parado aí que A.R.I.A. vai te escanear e, enquanto isso, temos um presente de boas-vindas.
— Me escanear? Presente? — Bucky a olhou confuso, mas Shuri não precisou responder.
Um dos compartimentos, como um armário, do enorme e super avançado laboratório de Shuri, abriu-se para frente, como se fosse uma gaveta. O compartimento prateado, que de onde Bucky estava parecia uma mesa, abrigava um objeto nem tão esperado assim por ele, mas, à primeira vista, muito bonito.
— É a versão de teste. Preciso ver como seu corpo vai se adaptar ao implante cibernético e, daqui algum tempo, colocamos a prótese final, que é visualmente igual a essa, mas com muito mais… recursos — Shuri explicou aproximando-se do braço de vibranium no compartimento.
— Recursos? Que recursos? — Bucky pareceu não entender o comentário.
— Na hora certa, você irá saber — Shuri sorriu sugestiva. Enquanto não soubessem exatamente o resultado do tratamento, não iria colocar o braço oficial e não iria contar o que podia fazer com ele. O braço era uma arma controlada pela mente de James. Sem instabilidade, sem segurança, sem braço oficial — Você se sente confortável em colocar o implante já?
— Eu não sei, sinceramente — Bucky negou fraco com a cabeça.
— Amostra retirada, iniciando análises clínicas — A voz de A.R.I.A. tomou o laboratório, avisando Shuri. Em breve teriam resultados dos exames de James.
— Podemos removê-lo depois, não tem problema — Shuri insistiu, queria ver como sua nova criação ficaria. Bom, não só dela, mas ainda assim uma criação que dedicou bastante tempo para terminar.
Bucky pensou por algum tempo e concordou com a cabeça. Apesar de odiar o fato de carregar um braço de metal em seu corpo, cuja serventia era única e exclusivamente para machucar pessoas, era estranho não ter ele, depois de tantos anos usando-o. Se o tratamento realmente deu certo, não havia mais o porquê ter medo de usá-lo. Mas se o tratamento tivesse falhado, Shuri disse que podiam remover o braço novamente. Não parecia ser uma má ideia, embora a mente de Bucky o levasse longe, trazendo imagens de toda violência que poderia causar com ele, antes mesmo de ter a chance de ter o braço removido outra vez.
— ÓTIMO! Preciso, então, que você se livre desses panos todos primeiro e vamos usar um imã de vibranium no metal que ainda restou do seu braço antigo — Shuri explicou rapidamente, aproximando-se empolgada de Bucky com uma pequena rodela de vibranium e uma seringa em mãos, vendo-o tirar os tecidos que estavam enrolados em seu corpo com certa dificuldade — Ele vai criar uma base sólida com as nanopartículas do metal, que vão aderir lentamente, para não soltar mais. Depois disso só encaixamos a prótese.
— Isso aí vai impregnar na minha carne? — Bucky perguntou voltando seu olhar para Shuri. Os tecidos que antes vestia caídos em seu colo, tapando só da cintura para baixo.
— Tipo isso, às vezes esqueço que você é velho demais para tecnologia — Shuri revirou os olhos — Eu vou anestesiar seu ombro, só por precaução, tudo bem? Não é para você sentir nada no procedimento, mas se descobrir que eu te fiz sentir dor ou te machuquei, a próxima a apanhar sou eu.
Shuri viu Bucky rir tímido e desviar seu olhar para um canto qualquer do chão. Gostava daquela sensação de ser protegido. E ser cuidado por , daquele jeito, era bom para ele. Shuri, por sua vez, não sabia mais por quanto tempo eles ficariam naquele chove-não-molha, já estava cansativo para ela, queria ação. e Bucky tinham que conversar sobre o que sentiam um pelo outro, e rápido. Se Killmonger tivesse feito o que realmente planejou com , Bucky não teria tido sequer a chance de dizer a ela o que sente e nunca ouviria dela o que ela sente por ele. Não dava para brincar com o tempo, não sendo quem eles eram, mas para Shuri parecia que eles não entendiam aquilo. Estavam imersos demais em inseguranças, presos demais no passado, cegos demais para entender que não tinham mais tempo.
— Posso te perguntar uma coisa? — Shuri perguntou, aplicando o anestésico no ombro esquerdo de Bucky.
— Se eu disser não, você vai perguntar do mesmo jeito, não vai? — Bucky rebateu no mesmo tom. Shuri bufou, tirando a seringa com a agulha dele e a deixando de lado.
— Quanto tempo mais você vai demorar para chamar a para sair? — Ela foi cirúrgica, encostando a pequena rodela de vibranium no pouco de metal que sobrou no ombro dele.
Não sabia se pelo fato de o ímã ter se transformado, em segundos, no exato formato do ombro dele, como se tivesse sido ali encaixada uma peça sólida de vibranium, ou se pelo o que Shuri havia perguntado, Bucky não conseguiu responder, assustado. Era tecnologia demais para ele processar e um passo ousado demais para ele dar. Não tinha certeza se gostava dele da mesma forma, tinha medo de ser rejeitado, de acabar afastando ela por isso. Chamá-la para sair era algo que Bucky só fazia em sua mente, não conseguiria externalizar. Onde ele a levaria? Como ele pagaria? O que ele vestiria? era demais, merecia mais do que ele poderia oferecer e ela não aceitaria sair com ele. O que ele teria para contar? O que falaria para impressionar ela? Era um sonho ridículo. A realidade era bem diferente, e , por mais doce e gentil que fosse com ele, não deveria vê-lo daquela forma. Bucky ficou tão imerso naqueles pensamentos que mal viu Shuri ir buscar o braço no compartimento e voltar para perto com ele em mãos.
— Vai ficar com essa cara de pasmo até quando? — Shuri quebrou o silêncio.
— Eu não estou pasmo — Bucky rebateu ligeiramente bravo.
— Você prometeu uma dança para ela, eu sei que sim, eu vi o climão antes de você hibernar — A menina insistiu, segurando o braço em suas mãos. Era mais pesado do que parecia.
— Foi ela que me chamou e, com certeza, por educação — Bucky se defendeu, olhando incrédulo para Shuri, que tinha o maior sorriso irônico no rosto — Ela me disse que tem um lugar legal aqui, que toca jazz e é só isso. Por que você acha que eu a chamaria para sair?
— Depois de quase cinco meses congelado, a primeira coisa que você quis saber é onde ela está, qual é, Bucky? Você é velho o suficiente para saber o que está acontecendo — Shuri insistiu sugestiva.
— O que está acontecendo? — Bucky perguntou confuso, não estava entendendo direito onde Shuri queria chegar, ele não chamaria para sair. Cara de pasmo ele ficaria se ela recusasse o convite, isso sim.
— Eu desisto! — Shuri bufou irritada — Vou colocar a prótese, vai ser estranho, estou avisando.
Shuri encaixou o braço no ombro esquerdo do homem, com precisão, e o segurou ali, por algum tempo breve, até as válvulas travarem. Para Bucky a sensação era que algo estava pressionando seu ombro para trás com força, mas não doía ou machucava, só pressionava. Seu corpo, contudo, pareceu mais pesado do que o normal e demorou alguns segundos até as ligações do braço entenderem os comandos de movimento do corpo. Shuri soltou a prótese e deu alguns passos para trás orgulhosa de si mesma, vendo Bucky mover seu ombro lentamente e, com ele, o braço para trás, como se o estivesse encaixando no lugar. Sem pressa e com muita atenção, Bucky parou um segundo para admirar a nova parte de seu corpo. Diferente do antigo, o braço novo era preto, mais leve e mais confortável. As chapas de vibranium eram perfeitamente encaixadas umas nas outras e tinha um design mais fino e luxuoso. Os detalhes em dourado agradaram muito e Bucky se pegou encarando a mão por alguns instantes. Seus dedos movendo-se lentamente, a sensação de que estava inteiro outra vez tomando conta de si. Talvez aquele fosse mais um passo para o tão sonhado recomeço. O braço era lindo, ele tinha de assumir para si mesmo.
— Obrigado, Shuri — Bucky sorriu de lado, subindo seu olhar de sua mão até ela. Shuri sorriu de volta e deu dois tapinhas no ombro dele, animadíssima por ver o braço funcionar perfeitamente.
— Não é a mim que você tem que agradecer, Lobo Branco, a ideia não foi minha — Ela respondeu no mesmo tom, tentando falar o mais sério que conseguia. Bucky abriu o sorriso um pouco mais — Ela veio todos os dias te ver enquanto você estava na criogenia, ela fez o protótipo do seu braço, ela se preocupou em ser o mais discreto e confortável possível. Ela te tirou daqui e ficou com você o tempo todo. Estava tão preocupada que algo ruim pudesse acontecer com você, que tio Everett ficou um tempão até convencê-la de que poderia voltar para cá tranquilamente. É isso que está acontecendo, Barnes. E se não for o suficiente, então a sua dogtag pendurada no pescoço dela por quatro meses deveria ser.
Bucky sentiu seu rosto queimar de vergonha. Sinceramente, não sabia mais o que pensar. Passou tantos anos sozinho e tão distante de sentir qualquer coisa próxima do que estava sentindo que não conseguia entender direito. Não sabia como deveria interpretar os sinais, isso ficou para trás, algo que o James com seus vinte e poucos anos dominava e que ele, naquela altura da vida, depois de tudo e de tanto, já não fazia mais ideia de como fazer. Parte dele acreditava, muito, que correspondia. Parte dele acreditava, muito, que era só coisa de sua mente. Estava tão carente, mas tão carente, tanto tempo, que às vezes achava que até a figura de era uma invenção. Nada que era bom demais parecia ter sido feito para ele. Mas Shuri estava dizendo o contrário. Estava claramente insistindo que ele desse o primeiro passo, que , inclusive, já tinha dado. Ele podia convidá-la para sair. Para jantar, talvez. Não precisava ser um encontro, embora ele quisesse que fosse, podia ser só um jantar. Talvez começar com algo simples, entender a reação de e depois decidir se poderiam seguir em frente ou não. Mas a verdade é que ele não queria jantar. Ele queria ter um contato mais íntimo, queria sentir o cheiro dela, o calor do toque, a voz dela falando baixinho em seu ouvido. Ele queria dançar. Ele queria dançar com .
— Só não esquece que o tempo está passando e que a gente nunca sabe o que e quando vem aí — Shuri sorriu se achando muito sábia e o empurrou levemente pelo ombro — Agora, vai tomar banho e se trocar, não pega bem um homem seminu no meu lab. Seu quarto de antes ainda é seu e se der alguma alteração nos seus exames, eu aviso.
Ele soltou uma risada fraca e negou com a cabeça, observando Shuri voltar-se para o outro lado do laboratório, indo fazer alguma coisa que Bucky não podia entender. Ele reparou, então, em cima de uma das bancadas, na meia dúzia de tornozeleiras, parecidas com a que usava no dia em que o encontrou em Bucareste. Shuri tinha razão. , assim como ele, não tinha muito tempo nem espaço para ter uma vida normal. Estava sempre no olho do furacão, sempre no meio de alguma coisa, enfrentando alguém. Eram preparados para fazer aquilo e não demoraria muito tempo para se envolverem em algo de novo. Se ficasse esperando muito tempo, talvez acontecesse com ele o que aconteceu com Steve e Peggy. Se Bucky tinha uma chance, por menor que fosse, talvez valesse a pena tentar, e não demorar muito mais para isso.
— Sei que não estou em posição de pedir mais favores, mas eu posso te pedir ajuda com uma coisa? — Bucky perguntou sorrindo de lado e se levantando, enquanto se cobria novamente com o tecido que vestia antes. Do outro lado do laboratório, Shuri sorriu abertamente e o olhou. Aparentemente seu plano tinha dado certo.
***
— Achei que nunca mais ia acordar, Fada Adormecida.
Deitada em sua cama e com preguiça de se levantar, encarava o teto de seu quarto como se fosse a coisa mais interessante do mundo, até a voz de Sam Wilson a interromper de seus devaneios. tinha dormido tanto que já estava ficando com dor de cabeça por ficar deitada, mas ela não queria realmente sair dali. O dia estava frio, o céu cinzento lá fora, não era um dia bom para sair da cama. Seu pai tinha ido embora de Wakanda, Shuri deveria estar na fronteira com Bucky, que não acordava nunca, e T’Challa ocupado demais fora do país com Nakia. estava sozinha outra vez. O mundo girava e caía sempre na mesma sensação de solidão e de abandono. Ela queria se dar o luxo de ficar ali, quieta, isolada, imperceptível. Mas parecia que sempre que se sentia assim, alguém surgia para lembrá-la de que estava ligeiramente errada. E nos últimos meses, esse alguém era sempre Sam Wilson.
— Como você destravou a A.R.I.A. dessa vez? — perguntou sonolenta, sentando-se lentamente na cama e olhando o holograma de Sam aberto em um canto perto da porta de seu quarto. Sam tinha dado um jeito de suas chamadas serem abertas sem precisar da aprovação de A.R.I.A., mas tinha bloqueado ele outra vez.
— Pedi pra Shuri — Ele respondeu galanteador e concordou com a cabeça. Tinha que admitir, ele era criativo e muito focado no que queria.
— Eu não sei, sinceramente, qual de vocês dois é o pior — reclamou, vendo Sam cruzar os braços.
— Shuri, sem nem pensar muito — Ele respondeu dando de ombros e riu da cara de descrença da amiga.
— O que você está fazendo no meu quarto a essas horas? — perguntou pausadamente.
— Primeiro, devem ser tipo quatro horas da tarde por aí e depois, acabamos de ver a Alteza Real T’Challa ao vivo, dizendo que vai abrir as portas de Wakanda para o mundo — Ele comentou sério, sua expressão demonstrando clara preocupação — O que aconteceu?
Ainda sentada na cama, puxou um cobertor para cobrir suas costas e contou para Sam o que Wakanda viveu nos últimos dias. Todas as partes que ela mesma havia vivenciado e as que Shuri e seu pai haviam lhe contado, depois que a buscaram na fronteira. Everett havia contado para que, enquanto ela estava escondida com Bucky no chalé, ele, Nakia, Shuri e Ramonda foram parar nos Jabari, para pedir ajuda. Conseguiram salvar a última erva-coração e encontraram lá o corpo de T’Challa, depois de terem dado ele como morto no desafio. T’Challa incorporou a erva-coração e, na manhã seguinte, Wakanda viveu uma espécie de Guerra Civil sem precedentes, até Killmonger ser, finalmente, derrotado. Passado isso, Everett e Shuri foram com Ayo atrás de e a encontraram em um estado deplorável de exaustão. Sem informações de nenhum deles há muitas horas e sem dormir há mais de dois dias, estava emocionalmente consumida e saiu aos prantos no colo de seu pai, que a levou de volta ao palácio, ajudou-a a tomar banho e a colocou na cama.
Desde então, dormiu por horas, acordou a tempo de despedir-se de Everett e voltou a dormir mais um pouco até, finalmente, acordar. Steve se juntou à conversa de e Sam, em holograma, três segundos depois de ouvir que Bucky foi tirado da criogenia antes do tempo. Preocupado com aquilo, não conseguiu responder exatamente todas as perguntas, porque ainda não tinha visto Bucky. Shuri se comprometeu a ficar com ele para que pudesse descansar e, assim que ele acordasse, voltaria para a fronteira. Ela estava ansiosa, Steve e Sam puderam perceber, mas não havia mesmo o que ser feito senão esperar que Bucky acordasse.
explicou, então, que depois da aparição de T’Challa como Pantera Negra, na Europa, o mundo voltou seu olhar ao país e passou a cobrar explicações. A pressão pela abertura, mesmo que gradual, estava acontecendo e o governo de Wakanda já não podia mais gerenciar todas as informações sobre o país que estavam circulando mundo afora. A pauta que Killmonger trouxe, sobre a oportunidade de Wakanda intervir em assuntos internacionais para ajudar tantas outras pessoas a reduzir vulnerabilidades e problemas estruturais, já era algo que vinha sendo discutido com mais força dentro do conselho nos últimos meses. Talvez abrir Wakanda para o mundo fosse a maneira de justificar a presença de um Pantera Negra e, ainda, entregar uma alternativa de ajuda humanitária - trabalho que, inclusive, Nakia poderia liderar. Diante disso, Everett propôs que T’Challa, Nakia e Okoye fossem até a Europa e fizessem um anúncio oficial dentro de um fórum das Nações Unidas. Precisavam ter a visibilidade certa e fazer a abertura acontecer lentamente. Não correriam riscos assim, mas, igualmente, não ficariam mais totalmente na sombra do mundo.
Para Wakanda aquilo seria bom. Podiam ter relações abertas com outros países, influenciar decisões internacionais com maior peso decisório e ajudar pessoas que, assim como Killmonger, precisam deles. Para T’Challa, aquilo era ótimo. Poderia manter Nakia por perto por mais tempo e circular como Pantera Negra sem a pressão de ter que justificar sempre suas ações. Para , Steve e Sam, contudo, aquilo mudava muita, muita coisa.
— Acho melhor vocês saírem daí. Com a abertura, com certeza vão vazar documentos de Wakanda e não sabemos o que sobre minha vida vai ser liberado nesse bolo. Se descobrirem o endereço da minha casa aí, na França, certamente vão fazer vigília e pode ser arriscado para vocês — se levantou da cama lentamente e parou logo à frente e no meio dos hologramas de Steve e Sam.
— E para onde iríamos? — Sam perguntou preocupado, vendo cruzar seus braços.
— Vai começar a etapa em que pulamos de hotel em hotel — Steve respondeu sério.
— Não acho que consigam ficar mais do que três ou quatro dias em cada um deles. Alguém vai ver vocês, é inevitável, pelo menos na recepção — pensou alto.
— Se a gente intercalar os hotéis com aluguel de casas ou apartamentos? — Sam deu a ideia, Steve pareceu pensar por alguns instantes, enquanto concordou brevemente com a cabeça. Parecia uma boa — Podemos usar os hotéis para mudar rápido de lugar e ficar só até achar uma nova casa ou apartamento que seja seguro na nova localização. Aí mudamos. E vamos fazendo assim.
— Isso garante uma boa circulação. Se conseguirem sair dos hotéis com um ou dois dias, melhor ainda — concordou, olhando de Sam para Steve, que parecia apreensivo com a ideia.
— Não sei como vamos pagar por isso — Ele suspirou, encarando Sam com preocupação. Suas mãos nos bolsos da calça de sarja, a postura impecável de sempre. Como Sam, os cabelos e a barba de Steve estavam maiores e mais cheios do que antes.
— Não se preocupem com isso — sorriu sincera, atraindo os olhares dos dois homens.
— , não podemos aceitar. Você já está fazendo demais nos deixando ficar aqui, na sua casa, e protegendo Bucky aí — Steve negou com a cabeça. Sua voz séria e preocupada. já estava fazendo demais por eles, não podia pedir mais nada dela.
— Nós combinamos isso antes de você sair daqui, Steve, não se esqueça. E você me disse uma vez que vocês são minha família agora. Cuidamos uns dos outros. Do contrário, não merecia ter ganhado aquela letra — respondeu séria, mas deixando um sorriso sincero abrir-se assim que viu Steve fazer o mesmo. Ela tinha visto o traje. Steve desejou por um instante estar por perto para ver também, queria saber como tinha ficado pronto.
— Ela está ficando boa com discursos, logo logo pode te substituir — Sam brincou olhando para Steve, que sorriu — Você não tem medo dela pegar a liderança? Você é velho e nem tão bonito, pense nisso.
— O que você acha de deixar ele para trás? — comentou levantando as sobrancelhas.
— Eu me arrependo às vezes de ter tirado ele da prisão — Steve brincou no mesmo tom de , vendo a cara indignada de Sam.
— Ah, é assim então? Quero ver quem vai fazer o jantar hoje — Sam rebateu sério, sua voz falsamente afetada.
— Vocês parecem meus pais às vezes, já disso isso?
— Eu não iria reclamar. Deu para ver Everett na transmissão hoje, estava bonitão, boa pinta — Sam respondeu olhando , que riu leve.
— Tem certeza disso, ? — Steve voltou a perguntar sério, olhando a amiga concordar com a cabeça.
— Não vai ser incomodo algum, Steve. Só tentem me avisar onde estão, podem ser coordenadas e por mensagem, sei que vamos perder o sinal do comunicador quando saírem daí. Se souber os nomes dos lugares e as localizações, consigo puxar os dados e fazer as transferências.
— Tudo bem — Ele finalmente concordou, olhando Sam ao lado fazer o mesmo — Obrigado, .
— Fiquem bem, se cuidem e mandem notícias, por favor — comentou preocupada, olhando de Sam para Steve — A.R.I.A. está rastreando vocês vinte e quatro horas, qualquer coisa, mesmo, me avise e nós interferimos.
— Você também, fada — Sam respondeu no mesmo tom de voz, o misto de preocupação e saudosismo, não sabia quando poderia conversar com daquela forma outra vez — Ainda não acredito que teve uma guerra aí e você não nos avisou.
— Nem eu soube dela — deu de ombros — Sei que gostam de uma briga, mas dessa vez não fomos convidados.
— Eu fico feliz com isso, sinceramente — Steve brincou e tirou às mãos dos bolsos, acenando leve para — Se cuide você também, , e nos mande notícias. Mande um abraço para o Buck.
— Pode deixar — sorriu leve e deixou um suspiro sair, será que Buck já tinha acordado?
— Espero te ver em breve, fada — Sam comentou olhando , que sorriu para ele.
— Nos veremos com certeza, passarinho — Ela respondeu e acenou para Steve, o vendo, em seguida, desligar-se da chamada. e Sam trocaram um último olhar e um último sorriso, até ele fazer o mesmo, e o holograma sumir da frente de .
Se os três soubessem que, a partir daquele dia, ficariam mais de um ano sem se falar diretamente, talvez tivessem se despedido melhor. Tempos difíceis estavam vindo para Steve, Sam e Wanda - que quase nunca aparecia nas chamadas que tinha com os dois homens. Viver daquela forma, escondidos, com medo, angustiados por não saber como ou quando as coisas mudariam era difícil, muito desgastante e um tanto quanto desumano. Não podiam sair, não podiam sequer ir ao mercado. Não podiam dormir em paz, não tinham tranquilidade e nem o que fazer. Só esperar os dias passarem e torcer para que a situação melhorasse, que o cenário se revertesse e que pudessem, enfim, ser tratados com mais empatia e justiça.
A decisão de T'Challa em abrir o país era um passo importante para Wakanda, mas muito perigoso para Steve, Sam, Wanda, e Bucky. Eles dependiam do sigilo, da proteção e da tecnologia do país. A atenção teria que ser dobrada dali em diante. Chateada pelo o que Steve e Sam teriam que passar, mas segura de que sair da França, naquele momento, era o melhor a ser feito, decidiu ir tomar banho. Por mais que não quisesse sair da cama e nem deixar seu quarto naquele dia, ela queria saber como Bucky estava indo e se, de repente, já tinha acordado. Ela tinha prometido para ele, deveria estar lá quando ele acordasse. Era importante para que ele se sentisse seguro e acolhido, era importante para que ela visse como o tratamento tinha reagido nele.
saiu do banho alguns bons minutos depois, seu corpo descansado como há tempos não sentia. Ela se enxugou preguiçosamente e enrolada na toalha macia, deixou o banheiro de volta para seu quarto. O final da tarde estava mais frio do que de costume e ela ficou alguns minutos encarando seu closet, pensando no que deveria vestir. Tinha que ser quente e confortável, porque a fronteira era ainda mais úmida do que a região central da capital. E tinha que ser bonito. queria estar bonita e aquele pensamento a fez rir sozinha. Pegando uma calça jeans skinny preta, uma blusa fininha de manga comprida e um suéter caramelo de tricô, se vestiu rapidamente e puxou um lenço igualmente caramelo do armário. Ficou entre seu par de tênis favorito e as botinhas pretas de cano curto e couro, que ela fez Karl comprar há algum tempo atrás, e pensou se deveria levar um casaco mais quentinho para vestir por cima, só no caso de ficar muito frio. Pegando o par de botinhas e um casaco off white de plush, que jogou em cima da mesa ao canto de seu quarto, foi em direção a poltrona, perto de sua cama. E foi tempo exato de ela se sentar para, uma vez mais naquele dia, seu quarto ser invadido.
— , você precisa ir ao terraço agora! Parece que o sistema de irrigação está louco — Shuri entrou no quarto de uma vez e, como um raio, foi direto em direção à cama de e se jogou deitada lá.
— Ninguém respeita meu espaço nesse lugar? O que é isso? — virou-se assustada para a amiga, que não pareceu se importar.
— Seu espaço é todo mundo também — Shuri sorriu convencida.
— O que você está fazendo aqui, Shuri? Quem ficou lá com o Bucky? — perguntou séria, calçando suas meias e as botas. Shuri deveria, em tese, estar na fronteira vigiando Bucky. Ele não podia estar sozinho quando acordasse, seria ruim e confuso para ele, além de que não sabia se ele acordaria bem. Podia estar com dores ou muito perdido, certamente teria um milhão de perguntas sobre o porquê estava naquele lugar e não no laboratório onde hibernou.
— Aduke — Shuri respondeu simplesmente, com obviedade.
— Ele tem oito anos! Você deixou uma criança de OITO ANOS cuidando do Bucky? — praticamente gritou, seus olhos arregalados em desconforto e incredulidade por ouvir aquilo. Sabia que Shuri não tinha muita responsabilidade na vida, mas aquilo era demais.
— Crianças se dão bem com velhos — Shuri deu de ombros, sentando-se na cama de , que ainda a olhava incrédula.
— Eu vou para lá, você não tem responsabilidade nenhuma, isso é um absurdo — resmungou brava, terminando de calçar as botas e se levantando da poltrona.
— Não vai não — Shuri se levantou em um pulo e se colocou na frente da amiga. era teimosa demais para ser convencida facilmente — Você me ouviu? Seus matos lá em cima precisam de você.
— Meus matos podem esperar até outra hora — respondeu irônica — Alguém precisa ficar de olho no Bucky, é sério isso.
— Ué, seus matos não são um assunto sério? Não é você que protege eles com toda sua vida? — Shuri insistiu cinicamente. não estava entendendo bem o rumo daquela conversa e nem o comportamento de Shuri.
— Shuri…?
— Eu não estou acreditando na hipocrisia! — Shuri falou mais alto, meio brava, batendo suas mãos na lateral de seu corpo, em claro sinal de impaciência.
— SHURI, O QUE ESTÁ ACONTECENDO? — praticamente gritou, segurando Shuri pelos braços e a chacoalhando levemente.
— Estou dizendo, seus matos estão descontrolados no terraço, a irrigação está encharcando tudo e vai danificar a tecnologia do seu tão sagrado lugar — O tom de voz de Shuri quase desesperado, como se aquilo fosse realmente o fim do mundo.
— A.R.I.A.? — soltou a amiga e levantou uma sobrancelha. Aquilo era facilmente resolvido pela inteligência artificial, não tinha que ir até lá e nem se preocupar tanto daquela forma, não estava entendendo o porquê do desespero e da crise da amiga.
— Está hibernada, já tentei — Shuri respondeu frustrada. Tinha propositalmente travado o mecanismo antes de ir até , para que ela achasse que ainda estava hibernada.
— É só desligar a hibernação…? — sugeriu com obviedade.
Shuri bufou uma vez mais e abaixou seus ombros. era uma pessoa muito difícil, porque era muito esperta. Desde criança sempre derrubou todas as tentativas de Shuri de fazer surpresa e as eventuais mentirinhas que contava para se safar de algo ou pregar peças. Com nunca funcionava. E parecia que, quanto mais velha ela ficava, mais fácil ficava de desmascarar Shuri. a olhava com certo deboche. O sorriso divertido brotando nos lábios, já entendendo tudo. Estava quase caindo numa das peças da amiga, mas não seria daquela vez. Shuri abaixou seu olhar por , notando que ela já estava trocada, arrumada para sair. A dogtag de Bucky pendurada em seu pescoço, por fora do fino suéter, denunciando que ela não desistiria de ir até a tribo da fronteira. Ela não desistiria de Bucky tão fácil, a não ser que algo realmente catastrófico acontecesse.
— Eu não ia te contar, porque eu sei como você se sente em relação ao terraço e tudo mais — Shuri falou baixo e desviou seu olhar para o chão. murchou o sorriso, acompanhando o tom de voz da amiga. Shuri não era de falar daquele jeito.
— O que foi? — cruzou os braços e viu Shuri suspirar, passando as mãos pelas tranças do cabelo, como se estivesse ansiosa.
— Killmonger. Ele… — Ela engoliu seco e voltou seus olhos até — ...queimou o terraço como fez com a erva-coração.
— Ele… ele o quê? — repetiu a informação automaticamente, seu coração batendo mais forte e descompassado —Ele queimou o terraço? O meu terraço?
não podia acreditar naquilo. Não bastasse tudo de errado e ruim que aquele homem havia feito em tão pouco tempo em Wakanda, ele tinha colocado fogo na única coisa que sobrou de T'Chaka para , no lugar que, por tantos anos, foi seu porto-seguro, seu único lugar no mundo. Como se aquilo não valesse nada, como se fosse um lugar a ser esquecido, Killmonger simplesmente tentou apagar parte importante da história de , a parte que contava muito sobre a fitocinese, sobre sua força, seu desenvolvimento, seu aprendizado e autocontrole. O terraço era para o lugar em que cresceu, em que viveu parte significativa de seus dias até aceitar quem ela era, até descobrir sobre si mesma. Ele não tinha aquele direito. E por mais que pudesse reconstruir o local, colocar tudo novamente em seu lugar, a sensação de era como se a tivessem invadido. Entrado em sua casa, mexido em suas coisas e queimado tudo.
— Por isso a irrigação está descontrolada, tem muita fumaça lá ainda, não deixei ninguém mexer, queria você fosse até lá ver, primeiro — Shuri voltou a falar tensa, vendo os olhos de carregados de lágrimas e sua expressão furiosa.
— Por que não me avisou antes? — perguntou encarando-a de volta.
— Você precisava descansar e sei o quanto ficaria chateada com isso, me desculpa — Shuri abraçou a si mesma — Achei que conseguiríamos resolver antes de você ver o que aconteceu, mas a irrigação está emperrada e está piorando tudo, não sei mais o que fazer. Pensei que se você fosse até lá sem saber exatamente o que tinha acontecido, e visse na hora só, poderia dar um jeito de arrumar… de reviver o espaço, seria menos dolorido. Me desculpe mesmo, maninha.
— Não tem problema, me desculpe falar dessa forma — comentou triste, baixando a guarda — É só que…
— Esses dias têm sido muito estressantes — Shuri completou a amiga, sugestiva, a vendo sorrir levemente de lado e concordar com a cabeça — Estamos colocando tudo no lugar agora e eu tenho a sensação de que as coisas vão melhorar.
— Eu espero que sim — pressionou os lábios triste e gesticulou para a porta de seu quarto — Vou ver o que aconteceu lá, obrigada por vir avisar.
— Aduke tem uma conta kimoyo, não se preocupe, ele irá nos avisar assim que o Lobo Branco começar a acordar — Shuri falou saindo do quarto com , que respirou fundo. Não gostava muito da ideia de deixar Bucky com uma criança, mas já estava feito. E com Killmonger derrotado, não havia mais com o que se preocupar, ao menos por ora. Se fosse rápida em resolver o problema no terraço, poderia voltar logo para a fronteira e resolver isso também. Agora que tudo voltou ao seu lugar e que estava descansada, podia passar o tempo que fosse preciso com Bucky.
— Vou tentar resolver isso rápido e ir direto para lá depois. Me avise qualquer coisa.
Shuri concordou com a cabeça, chateada pela situação em que teria que resolver. Ela despediu-se de sua amiga no final do corredor e, assim que a porta do elevador fechou com dentro, Shuri deu uma risada alta e celebrou sozinha. Era mesmo uma mestre da enganação.
***
não demorou muito para chegar até o terraço, no último andar do prédio. Parte de si estava triste, consumida pelo fato de que tentaram apagar quem ela era, colocando fogo no terraço. Talvez se não tivesse pensado rápido, se não tivesse dado um jeito de fechar seu quarto e seu laboratório, algo parecido teria acontecido com o resto de seus pertences e suas lembranças. Outra parte dela, contudo, estava ansiosa. Queria resolver o que quer que tivesse que fazer para arrumar o terraço logo e ir de volta para a fronteira. Não sabia quando e como Bucky acordaria, mas ela tinha que estar lá. Não podia correr o risco de quebrar uma promessa, não quando ela tinha sido feita para Bucky. A passos largos pelo corredor, deixou o elevador em silêncio e entrou no terraço sem muita cerimônia, pronta para encarar o que quer que tivesse acontecido ali.
Contudo, muito diferente do que Shuri havia dito, não havia nada lá dentro. Absolutamente nada. Com a iluminação do lugar baixa, pelo sol se pondo no final da tarde, o extenso gramado do terraço estava completamente normal, o sofá ao centro intacto e não havia nada de errado com a irrigação - a grama sequer estava molhada. Confusa com a informação que recebeu, e ligeiramente descontente por ter sido enganada por Shuri, olhou à sua frente, ao redor, em busca de qualquer indício de algo queimado ou destruído. Mas não havia nada. Tudo parecia normal. Deixando um suspiro pesado sair, negou levemente com a cabeça, frustrada por ter perdido tempo com mais uma das brincadeiras de Shuri enquanto deveria estar já a caminho da fronteira. Ela, então, virou-se de volta para sair do lugar quando algo pequeno, bem ao fundo do terraço e na direção do sofá, chamou sua atenção.
Curiosa, caminhou até lá sem demorar muito. A grama dançando discretamente a cada passo que dava em frente, como se estivesse feliz por tê-la ali. Tudo parecia estranho. O clima, a sensação de que algo não estava fazendo sentido, de que aquilo não era apenas mais uma brincadeira de Shuri. E tudo ficou ainda mais confuso quando, diante de si, viu o que estava colocado na grama. Um buquê cheio de íris branca, delicadamente assentado no chão, como se alguém o tivesse esquecido ali. agachou-se e o pegou em suas mãos, sendo tomada por uma enorme vontade de chorar. Íris, a flor rara do recomeço e da esperança, significava muito para ela naquele momento, depois de tudo. Mas, ainda assim, não fazia sentido estar ali. Shuri tinha deixado flores para ela? Aquilo não fazia sentido e nem o estilo da amiga. Era delicado e carinhoso demais. Colocando-se em pé novamente, mexeu no buquê, deixando algumas pétalas das flores caírem ao chão, em busca de qualquer sinal de quem o havia deixado ali até, finalmente, encontrar um pequeno cartão.
Dentro de um envelope creme, o cartão tinha sido escrito à mão, em letras tão finas que pareciam datilografadas. Segurando as flores com o braço esquerdo, como se as carregasse em seu colo, ela abriu o cartão com delicadeza, lendo o escrito em silêncio.
“A vida renasce, onde se plantam flores. Obrigado por florescer em mim”
sentiu seu coração parar de bater e, com ele, a respiração falhar. Aquilo significava que…? Emocionada pela única possibilidade que se formou em sua mente, ela se virou de costas, para olhar a porta de entrada do terraço e ali seu coração ficou. Como se suas pernas não pudessem a sustentar mais, ela não conseguia se mover, só ficar ali, parada, olhando o homem com as mãos nos bolsos da calça, parado alguns passos para dentro, perto da porta, não conseguir conter o sorriso ao vê-la. O sorriso que ela tanto sentia falta. Os olhos azuis a encarando com tanta expectativa que brilhavam, a barba por fazer, o cabelo no coque desajeitado igual ao que tinha feito nele dias antes, as mangas compridas da blusa verde dobradas em seus antebraços. Não havia queimada, não havia problema algum com o terraço, não havia nada. Só ele e ela, juntos de novo.
Bucky não conseguia conter o sorriso. estava radiante, segurando as flores que ele havia escolhido para ela, como ele havia imaginado que seria. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas e Bucky não sabia dizer se eram de felicidade ou de emoção pelo momento, mas sabia que era pelos dois. Não estavam mais sozinhos. Nenhum deles. Sem dizer uma só palavra, e Bucky tentavam absorver a emoção de se verem novamente, depois de meses. Queriam guardar aquele momento para sempre em suas mentes, mas eles queriam mais, precisavam de mais. Tirando as mãos dos bolsos da calça, Bucky deu alguns passos para frente, em direção a , mas logo parou. Não tinha certeza se deveria fazer aquilo. Do outro lado do terraço, fez o mesmo, alguns passos mais próximos dele e, igualmente, parou. Se ele tinha parado, ela também pararia.
O que não notou, e muito menos Bucky, é que, enquanto estavam imersos nos sentimentos intensos que sentiam naquele momento, e se aproximavam um do outro, as pétalas das flores de íris que caíram ao chão, pouco antes, enraizaram-se e suas nervuras cresciam discreta e lentamente pelas paredes que formavam a redoma de vidro no terraço. Sem tirar os olhos um do outro, e Bucky continuaram a se encarar por mais alguns instantes até, ambos, darem novos passos em direção um ao outro. Há dois ou três passos de, finalmente, matar a vontade que os consumia, Bucky abriu os braços discretamente, a chamando para si. soltou uma risada tímida e, sem mais perder tempo, correu até os braços dele.
A segurando pela cintura com o braço de metal, enquanto seu braço direito a abraçava pelas costas e a mão em seu cabelo, Bucky sentiu passar os dois braços pelos ombros dele, o segurando com firmeza. O cheiro amadeirado que emanava dele misturava-se com o l adocicado dela, o calor gostoso, o toque macio e presente, forte, delicado, como só um abraço de saudades podia fazer sentir. A sensação de que estavam protegidos do mundo, de que não havia mais nada ali, só eles. O buquê nunca deixando a mão de e Bucky a segurando com tanta vontade que a tirou do chão alguns centímetros, trazendo para mais perto de si. A calma que esperava viver em meio a todo caos que estava imersa naqueles meses. A paz que Bucky esperava sentir depois de tantos anos de angústia.
E como se tudo aquilo já não fosse especial e emocionante o suficiente, foi exatamente um minuto depois de terem se abraçado, se encostado, que centenas de pétalas brancas de íris caíram do teto, como se chovesse neles. e Bucky se soltaram levemente, a mão dela entrelaçada na mão de metal dele, enquanto os dois, quase que ao mesmo tempo, olharam para o teto. Bucky sorria atônito, sentindo as pétalas da flor que ele havia dado caírem sobre eles com ternura. E naquele momento, diante daquilo, Bucky não precisava mais de respostas. Ele entendeu o que sentia por ele. Estava esperando vê-lo, estava com saudades. Tinha tanta expectativa por aquele momento que não conseguiu segurar a intensidade de vê-lo perto dela outra vez. Embora estivesse envergonhada por estar fazendo aquilo, sentia um enorme alívio dentro de si. Tamanha sua felicidade e emoção, tanta coisa se passando em sua mente e tantos sentimentos dentro de si, que não estava conseguindo os controlar. E para que mais servia o terraço, para , senão para testar suas emoções com a fitocinese?
Sem pressa alguma, sem vontade de saírem dali, e Bucky ficaram em silêncio por algum tempo que não fazia diferença para eles. Puxando-a novamente para um abraço, Bucky encostou seu queixo na cabeça de , enquanto ela aninhou-se em seu peito. Só observando as flores caírem, sentindo um ao outro. Nada mais importava naquele momento. Pouco a pouco, as pétalas foram cessando, conforme foi, mentalmente, ordenando seus sentimentos outra vez. Toda a tristeza que tinha sentido pela possibilidade de o terraço ter sido queimado, toda a preocupação que estava com Bucky por não estar perto dele, cedendo lugar para uma felicidade que ela sabia exatamente de onde vinha.
— Feliz vinte e dois de fevereiro fora de época — A voz rouca e baixa de Bucky cortando o silêncio depois de um longo tempo. sorriu. Era bom ouvir ele outra vez.
— É bom ter você de volta, Buck — comentou baixo, soltando-se e afastando-se alguns passos dele, para olhá-lo de frente — Como você está se sentindo?
— Bem e… aliviado por você ainda estar aqui — Bucky soltou uma risada nasalada fraca, a encarando.
— Eu disse que vou estar sempre onde você estiver — Ela sorriu tímida, encarando os olhos azuis de Bucky, que repararam nela mexendo discretamente no colar dele em seu pescoço — E me desculpe por não estar lá quando você acordou. Achei que Shuri me avisaria e agora você está bem aqui.
— Não deixei ela te avisar, o plano foi meu, então é minha culpa — Bucky brincou, vendo rir baixo, tímida — Queria te agradecer por tudo que fez por mim e tinha que ser especial… como você.
— Foi lindo, Buck, obrigada — não conseguiu contar o sorriso depois daquilo, chacoalhando o buquê que ainda segurava.
— Só queria que soubesse como… como eu me sinto — Bucky falou inseguro, desviando seu olhar para um canto qualquer da grama cheia de pétalas de íris. não entendeu exatamente o que ele quis dizer com aquilo. Era como ele se sentia com ela? Ou em relação a tudo? Mentalmente, Bucky se amaldiçoou por não ser tão bom com palavras. Queria que soubesse o que ele sentia por ela, queria que ela visse o quão grande e bonito era aquele sentimento, mas algo nele ainda o segurava em falar. E ele jamais conseguiria demonstrar aquilo como tinha acabado de demonstrar para ele.
— Não precisava agradecer. Só quero que você seja… feliz de novo — respondeu engolindo a vergonha de pensar que, talvez, a fala dele não tenha sido bem naquele sentido — E nem sabemos se deu certo ainda.
O sorriso de murchou levemente, lembrando-se daquilo, como se algo a trouxesse de volta à realidade. O tratamento de Bucky tinha sido interrompido, com pouco mais da metade da execução em sucesso, mas ainda assim muito tinha que ser feito para terem certeza do resultado. Não tinha tido tempo, nem recursos na fronteira, para fazer os testes e seria muito difícil, mesmo com a tecnologia avançada de Wakanda, entender os resultados daquilo, uma vez que foi interrompido. Estavam falando de algo muito subjetivo, mesmo para a ciência. O controle mental não podia ser mensurado, visualizado em máquinas e nem calculado. Ele tinha que ser testado, praticado e visto fisicamente. Seria difícil e arriscado testar, mas era a única forma. E Bucky já tinha consciência daquilo.
O tempo que passou esperando acordar e Shuri ajudá-lo a colocar o plano de reencontro em prática foi, além de ansioso e cheio de expectativas, o tempo em que Bucky parou realmente para pensar em tudo que tinha acontecido. Precisava entender o que do tratamento conseguiu avançar e o que ainda faltava, se havia alguma chance de voltar para a criogenia e, se sim, como seria isso, por quanto tempo. Só a ínfima chance de ter que passar por aquilo de novo já o desesperava e o fazia querer saber, a qualquer custo, se o tratamento de tinha dado certo. Estava concentrado em encontrá-la, em vê-la primeiro. Mas agora, vencida essa etapa, ele queria saber como seria dali em diante.
— Shuri me contou o que aconteceu nesses meses, eu sinto muito que você tenha passado por tudo isso — Bucky falou sincero, vendo o rosto de tencionar em surpresa, não esperava que Shuri já tivesse o contato tudo — Eu te agradeço por ter cuidado de mim e me protegido. Mas eu preciso saber... o que acontece agora, ?
Ela não sabia responder aquela pergunta porque realmente não tinha ideia do que fazer. Tudo estava tão corrido e desesperado, não tinha tido tempo de entender a situação, de parar e pensar no que fariam assim que Bucky acordasse. Ela estava esperando que ele fosse demorar algum tempo para se recuperar da criogenia, que fariam os testes de check-up da condição de saúde dele e que fossem ter mais tempo para apresentar-lhe o novo implante cibernético e o colocar. Mas ali estava ele. Fisicamente bem, mentalmente estável e com o braço novo perfeitamente colocado. Bucky estava reagindo bem, e muito rápido, ao passo a passo que imaginava durar semanas para acontecer. O que viria dali em diante? Ela não sabia.
— Shuri fez os exames clínicos? — perguntou pensativa, vendo Bucky concordar com a cabeça.
— Acho que sim, A.R.I.A. me escaneou e Shuri disse que qualquer alteração me avisaria — Bucky respondeu prontamente.
— Certo, e ela não te disse mais nada depois disso? — Ela perguntou outra vez, olhando Bucky.
— Não, acho que está tudo certo — Ele colocou a mão direita no bolso da calça.
— Tudo bem — suspirou tentando pensar no que viria, recusando-se a falar o que estava realmente passando em sua mente — O próximo passo seria te apresentar a prótese nova, mas Shuri fez isso também. Como se sente com ela?
— É bem melhor do que a outra, mais leve e não machuca meu ombro. É bem mais discreta e… bonita, se é que podemos dizer isso — Bucky riu com certa tristeza, abrindo e fechando sua mão de metal pouco à frente, a encarando. Estava fisicamente confortável com ela, mas sabia que, emocionalmente, seria um passo difícil a ser dado.
— Qualquer incômodo, me avise, podemos arrumar — falou preocupada, tentando passar segurança. Bucky a olhou agradecido e assentiu com a cabeça.
Os dois sabiam o que vinha a seguir, mas nenhum deles estava exatamente confortável em dizer aquilo em voz alta. A tecnologia conseguiu fazer um acompanhamento perfeito da atividade cerebral de Bucky durante o tratamento. Monitorava todas as suas reações aos medicamentos e falas, aos impulsos que davam para que certos momentos de sua memória fossem apagados de uma vez por todas, para que o vagão de carga fosse enfraquecido, desligado. O monitoramento traduzido em números, permitia com que acompanhasse a evolução e agisse em tempo hábil caso precisassem mudar de caminho, acelerar ou fazer pausas breves, de um ou dois dias, no tratamento. Com oito meses de procedimentos, seria feito o primeiro teste com Bucky, ainda inconsciente. Ele ouviria as palavras em sequência, sem adição de medicamentos e com a criogenia momentaneamente desligada, e conseguiria monitorar a reação. Sem dor, sem sofrimento para ele, sem perigo algum para e os médicos envolvidos. Caso desse errado, ainda tinham dois meses de margem para retomar o tratamento e refazer o teste na semana final.
Contudo, com Bucky acordado, era diferente. O teste teria que ser feito com ele consciente e não precisavam sequer do monitoramento. Saberiam se deu certo ou errado pela própria reação dele. Bucky sentiria dor e sua mente certamente o remeteria para memórias passadas, violentas e desumanas, de situações que viveu. Acordado, ele sentiria medo, reviveria a ansiedade e o desespero de se saber, conscientemente, que estava prestes a ser controlado outras vez, que havia, ainda, 40% de chance de voltar a ser o Soldado Invernal.
— Precisamos testar, não é? — Bucky deu um meio sorriso, vendo morder o lábio inferior e assentir levemente com a cabeça.
— Eu sinto muito por isso, não queria ter te tirado da criogenia antes do tempo, mas não tive muita escolha — respondeu sincera. Esperava ter aquela conversa com ele desde o momento em que decidiu interromper o tratamento.
— A culpa não foi sua, por favor, não… — Instintivamente Bucky voltou a pegar a mão de , com a sua mão direita — Eu teria feito a mesma coisa por você, não quero que se sinta culpada por isso, pelo teste ou se não der certo.
— Queria poder testar sem te fazer sofrer, mas não vou te colocar de novo na criogenia só para isso, porque existe uma chance real de você já não reagir mais a sequência — apertou levemente a mão dele — Passamos da metade do tratamento e, até aqui, você reagiu bem melhor do que esperávamos.
— Você realmente acha que deu… que deu certo? — Bucky perguntou pensativo, incerto sobre aquilo. , mais do que ninguém, sabia sobre o tratamento. A expectativa dela era, para ele, carregava indícios do que realmente poderia ou não acontecer.
— Eu não sei, eu só não perderia as esperanças na ciência — Ela sorriu confiante, realmente acreditava naquilo — Quando se sentir pronto, podemos fazer o teste e ver de uma vez por todas.
Bucky pensou por alguns instantes, ponderando se deveria responder aos seus anseios ou se deveria esperar, colocar tudo em seu lugar outra vez. Ele queria ter tempo com , queria sair com ela, queria dar uma chance a si mesmo de viver uma experiência nova, de tentar seguir sua vida em frente, de amar e de ser amado por alguém. Depois do que viveu há pouco, Bucky se sentia um pouco mais, ligeiramente mais, confiante em dar o próximo passo com . E ele tinha medo de fazer o teste naquele momento, de, no final das contas, descobrir que o soldado invernal ainda estava dentro dele. Tinha medo do resultado ser negativo e de ter que voltar outra vez para a criogenia, de ter que se afastar de de novo, de, talvez, a machucar. Mas ele sentia que, enquanto não tivesse aquela resposta, enquanto não soubesse realmente quem ele era depois do tratamento, ele não conseguiria simplesmente seguir. Estaria preso à angústia de não saber se era mesmo só o Bucky ou se ainda tinha que se preocupar em ser o soldado invernal.
— Eu queria fazer o teste já, se for possível — Bucky pediu baixo, seu tom de voz passando segurança para . Ela imaginava que ele queria acabar com aquilo logo. No lugar dele, faria o mesmo — O que você acha?
— Claro, se é o que realmente quer, podemos fazer. Vou com você, não precisamos envolver ninguém mais se não quiser.
— Não quero que seja aqui, é… perigoso — Bucky falou tenso, seu olhar preso no de , que concordou em silêncio, ainda segurando a mão dele — E quero que você se proteja como puder. Eu não sei o que vai acontecer depois de ouvir… de ouvir as palavras.
— Podemos voltar para a fronteira. Estaremos sozinhos lá e caso algo aconteça, estamos cercados de natureza — pensou alto, vendo Bucky concordar com a cabeça, parecia uma boa ideia.
Embora com medo do que pudesse acontecer e do que poderia fazer com , o fato de estarem só os dois já dava maior segurança para Bucky. E exatamente como ela havia dito, pouco mais de uma hora depois de conversarem, Bucky sentava-se em um pedaço de tronco, na frente do chalé em que acordou mais cedo naquele dia. A noite já havia caído e deu um jeito de acender uma fogueira lá fora, para que não sentissem tanto o frio que cortava a noite. Preocupada com o que poderia acontecer, depois de sair do terraço, pediu que Shuri tirasse a família do chalé vizinho e os levasse para outro lugar naquela noite. Confiava no processo, na ciência e em tudo que havia feito por tantos anos para chegar até aquele momento. Mas nunca era demais certificar-se e Bucky se sentiria mais à vontade daquela forma.
deixou suas flores e o pequeno cartão em seu quarto, pegou o casaco e o lenço que havia separado mais cedo, conversou com Shuri sobre o teste e dirigiu com Bucky até a fronteira. A longa viagem foi extremamente silenciosa. Ambos estavam tensos com o que aconteceria em breve, ansiosos, pensando em milhares de possibilidades de tudo dar errado outra vez. se apegava em suas próprias esperanças, mas Bucky, em especial, custava em acreditar que voltaria de lá da mesma forma que estava indo. Estava tão acostumado com as recaídas, com tudo dando errado, por que seria diferente dessa vez?
Em pé, de frente para Bucky e do outro lado da fogueira, viu ele fechar os olhos por um breve momento. Não era fácil e nem tão simples quanto parecia. Muita coisa deveria estar passando pela mente dele, muito do que ele fez, de onde esteve, do que lutava tanto para esquecer. O tratamento foi a primeira e única vez que Bucky pode ter esperança em oitenta anos. O primeiro tempo de paz em meio a tantas guerras, significava muito. E tinha que dar certo. Do contrário, nem nem Bucky sabiam como seria, como reagiriam ou o que deveriam fazer. esperou pacientemente até ele abrir os olhos novamente.
— Está na hora — Ela falou suave, queria acabar com aquela tortura silenciosa logo. Os olhos tensos de Bucky perdidos no fogo à sua frente.
— Você tem certeza disso? — Ele perguntou receoso. Por mais que quisesse fazer aquilo, estava apavorado, com medo de machucar ou qualquer outra pessoa. E ela sabia disso.
— Eu não vou te deixar machucar ninguém — respondeu segura, o olhando. Bucky parecia se recusar a olhar para ela, como se estivesse envergonhado do que viria a seguir.
Cercados por floresta, poderia intervir caso o soldado invernal fosse ativado e estaria segura. Essa era a única coisa que Bucky pensava quando, finalmente, começou a dizer as palavras, uma a uma, sem pressa. O medo transbordando dos olhos de Bucky, como ele nunca antes sentiu, fez desejar por um instante que não fosse ela ali, fazendo-o passar por aquilo.
— Желание, Ржавый... — o encarava. As lágrimas se formando em Bucky, sua mente apertando com cada uma das palavras que mais temia ouvir.
— Não vai funcionar — Bucky falou alto e desesperado, seus olhos carregados de lágrimas. sentiu seu coração cortar, ele estava claramente apavorado. Mas ela tinha que seguir em frente, ou ele nunca se livraria daquilo.
— Семнадцать, Рассвет, Печь, Девять, Добросердечный, Возвращение на родину, Один...
A mente de Bucky o levava para momentos em que cada uma daquelas palavras fazia sentido para ele. Ele se viu novamente na Hydra, sentiu a dor de ter sua mente mexida outra vez, de ter suas memórias apagadas. A sensação de confusão de ter o mínimo de consciência depois de assassinar alguém, a roupa que era obrigado a vestir, a máscara. Bucky viu a si mesmo segurando armas, atirando em pessoas, enforcando outras. Lembrou-se de Washington, de Steve o chamando pelo nome verdadeiro pela primeira vez, do estado em que deixou seu melhor amigo depois de quase o matar. A sensação de ver Tony Stark assistir ao próprio assassinato de seus pais, a mãe dele chamando por seu marido. Bucky viu , criança, ensanguentada, sendo rudemente puxada pela base afora da Hydra, gritando por ajuda. A voz de Steve dizendo a Tony que não foi culpa dele, a voz de gritando com T’Challa dizendo que ele não tinha matado seu pai. Zola dizendo que ele era um presente para a humanidade.
Sentindo-se torturado, Bucky lembrou-se do trem em que caiu, da sensação fria do inverno, da dor insuportável de ter seu braço esquerdo removido de seu corpo e outro de metal ter sido colocado no lugar. não tinha conseguido tirar aquela lembrança dele, como havia dito que faria, o tratamento não tinha sido eficiente para aquele trauma e pensar naquilo deixou Bucky ainda mais desesperado. Ele ouvia Zola dizer que o procedimento tinha começado, o barulho dos instrumentos médicos na sala que ele desejava nunca mais voltar em sua vida. A confusão que sentiu quando viu o que tinham feito com ele, de como foi ouvir sobre a Hydra pela primeira vez e do desespero de ter sido congelado. As lembranças, então, voltaram-se para meses atrás, quando Bucky acordou no galpão em Berlim, diante de Steve e Sam. O sentimento de culpa por ter cometido novos crimes, os olhares de desconfiança deles dois, de . Bucky se lembrou de Zemo e da última vez em que ouviu aquelas mesmas palavras que dizia com calma.
Sem conseguir conter mais as lágrimas, viu Bucky chorar enquanto sua expressão mudava de desespero para dor. Como se ele estivesse travando uma luta silenciosa contra cada uma das palavras que ouvia dela, como se estivesse a todo custo tentando impedir que as palavras tivessem qualquer impacto em sua mente. Bucky estava sofrendo absurdamente com aquilo e a cada palavra que dizia, a cada lembrança que Bucky revivia de seu passado atormentador, dava um passo mais perto dele, segurando-se para não deixar as lágrimas que se formavam cair.
— Товарный вагон — O vagão de carga, a última palavra da sequência, foi falada por , finalmente, a tempo de Bucky desabar, de uma vez por todas, como se toda sua dor tivesse se cristalizado de uma vez.
Apesar de todo o sofrimento que estava passando, Bucky não reagiu as palavras. Estava simplesmente lá, sentado, chorando, parado. Bucky não reagiu. Sua mente não respondeu a absolutamente nada, a nenhuma delas. Aquelas palavras não o machucavam mais, não o controlavam. E aquilo só queria dizer uma única coisa. Bucky estava livre agora e, com essa liberdade, a conquista da vida de tinha acabado de ser concluída.
— Você está livre — falou como se concluísse aquilo, sua voz baixa e embargada pelo choro que ela já não conseguia segurar mais.
Bucky não respondeu absolutamente nada, só chorou alto e desesperadamente. O medo e a insegurança que sentia antes dando espaço para uma sensação enorme de alívio. Ele estava livre. Bucky levantou seu olhar lentamente, ainda chorando, para , sem saber o que deveria dizer. Devia aquilo a ela. Ele podia recomeçar, podia reviver, não precisaria mais ter medo, não teria que lidar com a pressão de achar que seria controlado outra vez. Ninguém, nunca mais, o controlaria. Bucky tinha sua vida de volta. o libertou. E ele sabia o quanto aquilo tudo significava para ela. Queria se lembrar e Benedict e Hellen, sabia que estavam orgulhosos de sua menina.
Em pé a poucos passos de Bucky, levantou seu olhar para o céu, as estrelas assistindo a tudo com alegria e esperança. Onde quer que seus pais estivessem naquele momento, ela sentia que eles estavam finalmente em paz. tinha terminado o que eles começaram anos atrás, tinha conseguido concluir o plano desesperado deles de aliviar a culpa e o peso que carregavam por terem feito parte do soldado invernal. tinha acabado de vencer a Hydra de uma vez por todas, tinha vingado a morte de seus pais, tinha terminado o que a vida inteira planejou fazer. Ela tinha conseguido. Chorando e encarando o céu, sorriu sozinha. Benedict e Hellen podiam, finalmente, descansar em paz.
sentiu a mão de Bucky pegar na sua e ela desceu seu olhar até o dele. Não sabiam dizer qual dos dois estava mais emocionado com aquilo, mas certamente podiam ver a alegria, o alívio e a felicidade de terem conquistado a liberdade juntos. ajoelhou-se no chão, na frente dele, no meio de suas pernas e viu Bucky não conter a risada. Em meio a tantas lágrimas, Bucky riu feliz. Ele estava feliz, genuinamente feliz. Nunca pensou que poderia se sentir daquela forma algum dia. Nunca acreditou na liberdade, a paz sempre tinha sido um sonho. E agora ele estava livre.
Bucky viu rir com ternura junto com ele, deixando as lágrimas escorrerem por seu rosto. Sem pensar direito, então, ela o abraçou uma vez mais naquele dia. Para ela, ter Bucky por perto nunca era demais. Para ele, aquele era o primeiro de muitos dias de recomeço que viriam. Era o primeiro de todos os abraços que queria dar em pelo resto dos dias que vivesse. Devia o mundo a ela.
— Eu vou deixar você descansar agora — se afastou dele lentamente. Bucky limpou algumas lágrimas do rosto dela com delicadeza, não queria que ela fosse, não tinha mais o porquê ficar longe dela, não mais. Olhando dos lábios de até seus olhos intensos, Bucky sorriu.
— Fica aqui comigo, por favor.
— Ela está descansando agora — Shuri comentou meio triste, queria que estivesse ali com eles. Sabia que era para ser ali, a encontrá-lo primeiro, e não ela.
Mas Bucky não respondeu nada por algum tempo. Sua mente se recusava a aceitar aquela informação, não podia ser verdade. não, a sua não. Não podia ser verdade. A angústia tomando conta dele como uma onda, devastando toda e qualquer sensação boa que ele podia sentir, puxando em sua mente todas as memórias que tinha com . Ele não deveria ter saído de perto dela, ele não deveria ter pedido, implorado, pelo tratamento. Se ele estivesse lá, se ele estivesse com ela, nada teria acontecido. Onde estava ? O que fizeram com ela? Não era possível. A parte mais egoísta de Bucky o alertava de que ele ficaria sozinho de novo, para sempre. A única vez em que realmente se apaixonou por alguém, a única vez em que estava disposto a se entregar, foi mais uma vez em que não deu tempo. Ele tinha perdido , como perdia tudo em sua vida. Foi ingênuo pensar que seria diferente, que poderia recomeçar e ter uma vida perto do normal. Ele não poderia, nunca conseguiria. Parecia que estava fadado à solidão, às perdas violentas e ao caos. Tudo estava bom demais para ser verdade, estava calmo e dando certo demais. Como ele pode acreditar naquilo? Bucky respirou fundo por algum tempo, seus olhos marejando enquanto ele se esforçava em engolir as lágrimas. Podia ser ele, porque ? Era como se o mundo estivesse acabando, como se nada mais fizesse sentido.
— Ela...? O que aconteceu com ela? — Bucky perguntou quase inaudível, seu coração batendo forte no peito, sua mente se recusando a acreditar naquilo. E foi só então que Shuri percebeu, no tom de voz e na reação dele, que tinha falado merda. Tomou tanto cuidado para não fazer piada com aquilo que, no final das contas, gerou uma situação muito pior. Com os olhos arregalados e gesticulando rapidamente com as mãos, ela praticamente gritou:
— NÃO! NÃO É ISSO! Por Bast, Barnes, não foi nesse sentido, ela está viva — Shuri sorriu sem graça, coçando os cabelos.
Bucky subiu seu olhar até ela lentamente e engoliu em seco. Sua expressão foi quase que momentaneamente de tristeza para uma clara raiva por ter sido feito de trouxa. Shuri não sabia medir brincadeiras, ele já tinha notado aquilo. Mas não podia brincar com algo tão sério. Ele acordou meia hora atrás e ele esperava ver . Se ela não estava ali, tinha alguma coisa acontecendo e ele não estava com medo da resposta. Estava com pavor de descobri-la. Shuri esperou ele se recompor por alguns segundos, desconfortável pelo jeito que ele a encarava. Parecia que queria voar para cima dela. Talvez aquele autocontrole já fosse um sinal de que o tratamento tinha dado certo. No final das contas, para Shuri e para fins científicos, foi até que bom aquilo ter acontecido. Alguns passos atrás de onde Shuri e Bucky estavam, Ayo segurava a risada e evitava olhar para sua parceira, que estava na mesma situação.
— Meu Deus, não acredito nisso — Bucky murmurou aliviado, passando a única mão pela testa.
— Me desculpe, escolhi mal as palavras — Ela tentou dar um sorriso amigável, mas a expressão de Bucky ainda estava fechada.
— Não dá nem para dizer que você escolheu as palavras — Ele respondeu baixo, revirando os olhos. Sua mente estava confusa, muito em que pensar, muitas emoções fortes demais em pouco tempo.
— só está dormindo. Ela passou quase três dias seguidos acordada, estava em choque, muito exausta. Ela ficou aqui com você, mas tivemos que tirar ela daqui — Shuri explicou rapidamente, olhando as crianças, que há pouco estavam com ela, correrem de volta para perto do lago. Bucky deixou um sorriso discreto sair. Então ela tinha ficado ali, com ele?
— O que aconteceu? — Bucky voltou a perguntar ainda encarando Shuri — E escolha bem as palavras para explicar dessa vez.
— Muita coisa, Bucky, você não tem ideia — Shuri suspirou, só de lembrar dos últimos dias já se sentia desesperada — Em resumo, o pai de levou um tiro e quase morreu. Wakanda sofreu uma espécie de golpe de Estado de um cara que ameaçou matar e que machucou T’Challa. Achamos, inclusive, que T’Challa tinha morrido, mas ele sobreviveu. Toda a erva-coração foi queimada e você foi tirado da criogenia em tempo recorde. Sem contar que fez esse coque em você em algum tempo entre o desespero por morrer e o desespero em te proteger.
Bucky parou para pensar, outra vez, antes de responder qualquer coisa. Seu coração ainda estava relativamente acelerado pelo impacto de achar que tinha morrido e pela vontade de socar Shuri por ter dado a entender aquilo. Bucky não tinha ideia do que faria se perdesse e aquilo era estranho. Antes dela chegar em sua vida, tudo estava tomando forma, ele estava sobrevivendo ao seu passado e tentando seguir em frente. Mas mudou tudo. Mudou o jeito de ver a vida, mudou a perspectiva sobre o passado, mudou os planos para o futuro, as vontades. fazia Bucky querer viver, querer tentar, querer dar uma chance para si mesmo, para o mundo ao seu redor. E aquilo era estranho. Ele estava aprendendo a se aceitar, a se sentir confortável e seguro consigo mesmo, a se reintegrar no mundo. tinha dado esperança a ele. E Bucky sabia, porque aprendeu com ela, com a história dela, que enquanto tivesse esperança, teria tudo.
A possibilidade de ter uma vida segura, mais calma e mais próxima do que Bucky achava ser normal estava bem à sua frente. Ele tinha entrado e já saído da criogenia, esperava que o tratamento tivesse dado certo, embora o fato de ter sido “tirado da criogenia em tempo recorde”, como Shuri havia dito, o preocupasse naquele momento. E tudo aquilo, toda aquela calmaria, a paz, a sensação de segurança, de conforto, só tinha acontecido porque aconteceu em sua vida. Como poderia seguir em frente sem ela? Não dava mais. , aparentemente, também não havia seguido a vida sem ele, como tinha pensado. Se Shuri disse que ela havia ficado ali com ele, que ela tinha o tirado do tratamento e que precisou ser levada de volta para sua casa, talvez, só talvez, quisesse dizer que ela também queria ficar perto dele, que ele também significava algo mais para ela. Colocando a mão discretamente no cabelo, em seu meio coque, Bucky sentiu-se cuidado de um jeito que não conseguia descrever.
E foi pensando naquilo que ele se sentiu calmo outra vez. Ainda refletindo as palavras de Shuri, Bucky tentava ordenar e entender o que tinha acontecido naqueles meses que, aparentemente, não tinham sido nada bons. tinha passado por muita coisa e parecia que, assim como ele, emendava um conflito em outro, um problema a ser resolvido em outro, como se a vida não desse uma trégua. Bucky desejou estar lá para ajudá-la, ser a paz dela em meio ao tormento, como ela era para ele. , aparentemente, não estava bem e a cada segundo que passava, Bucky só queria saber onde ela estava, para poder ficar perto, ajudar como podia. Shuri estava fazendo mistério demais. Respondeu e não respondeu à pergunta dele, como se quisesse dar a um espaço e tempo para que ela ficasse sozinha e descansasse. Bucky entendia, mas ele queria vê-la, queria ter certeza de que agora estava tudo bem. Queria ficar perto dela.
— Qual dos pais dela foi baleado? O que aconteceu? Ele está bem? — Bucky perguntou com sua testa franzida, em claro sinal de confusão — E quem é esse cara que quis matar ela? Ele machucou ela? Onde ele está?
— Calma lá, Lobo Branco, muita informação para quem acabou de voltar de umas férias no gelo — Shuri sinalizou com as duas mãos, como se o acalmasse e sorriu fraco.
— De onde veio esse apelido? — Bucky negou levemente com a cabeça, enquanto Shuri ria.
— Vamos, no caminho te conto.
Shuri fez um breve sinal com a cabeça, até onde Ayo e a outra Dora Milaje o esperavam. Bucky concordou em silêncio e caminhou com Shuri, e os duas guardas, até um carro, que os levou de volta ao palácio. Bucky não conhecia Wakanda. Desde que chegou no país ficou trancado a sete chaves no prédio real, não tinha coragem de sair, tinha medo do que as pessoas pudessem dizer, tinha receio dos olhares, vergonha de quem era, das coisas que tinha feito. Não se lembrava de ter qualquer informação sobre Wakanda e aquela era a primeira que estava realmente vendo o país. Toda a tecnologia, as cores vibrantes, a natureza, a felicidade das pessoas passando pela janela do carro, enquanto ele assistia como se fosse uma criança que conhecia o mundo pela primeira vez. Ainda não estava seguro sobre sair e ser exposto à sociedade, mas estava feliz e muito agradecido por estar ali. Wakanda parecia um sonho, daqueles tão bons que Bucky não se lembrava de ter, que ele não queria acordar nunca mais.
A viagem até o palácio durou pouco menos de uma hora. Shuri estava no banco de trás do carro com ele, contando detalhes do que tinha acontecido nos últimos meses, enquanto Ayo conduzia o veículo no banco da frente. Bucky ouvia tudo com atenção e em silêncio. A situação era muito pior e mais grave do que tinha pensado. tinha virado um alvo criminoso mundo afora, estava na mira de governos e Bucky sabia bem o quanto aquilo era complicado. não poderia sair do país tão cedo, deveria estar sendo intimada em dezenas de processos e certamente seria presa se a encontrassem. Ele sabia que, em maior grau, aquilo era uma das consequências da decisão de em não assinar o Tratado de Sokovia. Contudo, parte daquilo era culpa dele também. Se ela não tivesse se envolvido com ele, se ela não tivesse movendo o mundo para mantê-lo bem e protegido, talvez as consequências fossem menores para ela hoje. Algo na mente de Bucky sempre dizia a ele que não era, e nunca seria, bom para . E nem para ninguém.
Afastando aqueles pensamentos e tentando focar-se no que Shuri contava, Bucky não conseguia acreditar no que Sharon tinha feito. Não esperava nada de bom vindo de Zemo, mas Sharon era amiga de , ou ao menos era o que achava dela. Como ela pode? Shuri não tinha muitas informações sobre Steve, por isso, quando Bucky a perguntou sobre ele, ela não conseguiu contar mais do que o que tinha acontecido durante o resgate de Sam e de seus amigos e a chegada na França. Bucky descobriu que Karl e Everett foram interrogados e movidos da divisão da força-tarefa para outras missões que podiam ser mais vigiados pelo Estado e, por isso, tinham menos contato com do que antes. deveria estar se sentindo mais sozinha do que nunca e ele queria poder mudar aquilo.
Mas, para Bucky, o mais chocante entre todas as coisas que aconteceram naqueles meses, foi, justamente, a aparição de Killmonger. Shuri contou em detalhes o que tinha acontecido, desde a missão em Busan para capturarem Klaue, o retorno de Everett baleado, o corpo do traficante aparecendo na fronteira, a conversa de Killmonger no conselho, o que ele havia dito à quando estava a sós com ela. Bucky ficou ligeiramente feliz por saber que o homem levou uns tapas de , ao menos isso, e não escondeu a risadinha quando Shuri chegou nessa parte da história. O sorriso dele também se manteve aberto em saber que ela ficou preocupada com ele, que o tirou da criogenia assim que o cenário passou a ser minimamente perigoso para ele e imaginava o quanto aquela decisão tinha sido difícil para ela.
Do carro direto ao laboratório de Shuri, Bucky refletia se o tratamento tinha, de fato, dado certo nele. tinha muitas expectativas naquilo e tinha dedicado tanto tempo de sua vida para que aquele momento chegasse, que Bucky não podia imaginar como ela se sentiria se, no final das contas, desse errado. Contudo, muito mais do que aquilo, Bucky estava preocupado em não ter conseguido, de fato, se livrar do Soldado Invernal. Se sentia mais leve, sua mente parecia mais organizada, mais calma do que antes. Mas aquilo não era parâmetro. A qualquer momento, bastava alguém dizer aquelas malditas palavras para que o pesadelo começasse outra vez. Bucky tinha medo de viver aquilo de novo. Já não bastassem as memórias de tudo que fez, a possibilidade de fazer mais, pior e de novo, o atormentava. Não poderia mais ficar em Wakanda e, muito menos, manter por perto caso o tratamento não tivesse dado certo. Era perigoso para ela, para qualquer outra pessoa, ele não correria o risco de machucá-la. Não havia negociação. Suspirando frustrado, Bucky abaixou seu olhar para o chão, enquanto caminhava lentamente. Será que era pedir demais que as coisas dessem certo, uma única vez em sua vida? Só havia um jeito de descobrir.
— Você sabe me dizer se o tratamento… funcionou?— Meio inseguro, Bucky começou a perguntar assim que entrou no laboratório com Shuri poucos passos à sua frente.
— Sendo bem sincera, meu negócio nunca foi medicina, sou mais da tecnologia — Shuri deu de ombros, ainda de costas para ele — Vamos fazer alguns exames aqui para termos uma ideia, mas vai poder te explicar melhor sobre isso e sobre o teste.
— Então eu vou poder ver ela hoje? — Bucky levantou as sobrancelhas e foi se sentar em uma cadeira próxima a parede de vidro, onde Shuri apontava.
— Eu não disse que era hoje, você está muito ansioso. Tudo isso é saudades dela? — Shuri brincou olhando dele para uma tela à sua frente, onde começou a digitar alguns comandos.
— Eu preciso responder isso? — Bucky murmurou envergonhado, sentando-se na cadeira.
— Na verdade, não. Dá para ver na sua cara — Shuri respondeu ainda sem o encarar, sua atenção focada na tela — É o seguinte, fique bem parado aí que A.R.I.A. vai te escanear e, enquanto isso, temos um presente de boas-vindas.
— Me escanear? Presente? — Bucky a olhou confuso, mas Shuri não precisou responder.
Um dos compartimentos, como um armário, do enorme e super avançado laboratório de Shuri, abriu-se para frente, como se fosse uma gaveta. O compartimento prateado, que de onde Bucky estava parecia uma mesa, abrigava um objeto nem tão esperado assim por ele, mas, à primeira vista, muito bonito.
— É a versão de teste. Preciso ver como seu corpo vai se adaptar ao implante cibernético e, daqui algum tempo, colocamos a prótese final, que é visualmente igual a essa, mas com muito mais… recursos — Shuri explicou aproximando-se do braço de vibranium no compartimento.
— Recursos? Que recursos? — Bucky pareceu não entender o comentário.
— Na hora certa, você irá saber — Shuri sorriu sugestiva. Enquanto não soubessem exatamente o resultado do tratamento, não iria colocar o braço oficial e não iria contar o que podia fazer com ele. O braço era uma arma controlada pela mente de James. Sem instabilidade, sem segurança, sem braço oficial — Você se sente confortável em colocar o implante já?
— Eu não sei, sinceramente — Bucky negou fraco com a cabeça.
— Amostra retirada, iniciando análises clínicas — A voz de A.R.I.A. tomou o laboratório, avisando Shuri. Em breve teriam resultados dos exames de James.
— Podemos removê-lo depois, não tem problema — Shuri insistiu, queria ver como sua nova criação ficaria. Bom, não só dela, mas ainda assim uma criação que dedicou bastante tempo para terminar.
Bucky pensou por algum tempo e concordou com a cabeça. Apesar de odiar o fato de carregar um braço de metal em seu corpo, cuja serventia era única e exclusivamente para machucar pessoas, era estranho não ter ele, depois de tantos anos usando-o. Se o tratamento realmente deu certo, não havia mais o porquê ter medo de usá-lo. Mas se o tratamento tivesse falhado, Shuri disse que podiam remover o braço novamente. Não parecia ser uma má ideia, embora a mente de Bucky o levasse longe, trazendo imagens de toda violência que poderia causar com ele, antes mesmo de ter a chance de ter o braço removido outra vez.
— ÓTIMO! Preciso, então, que você se livre desses panos todos primeiro e vamos usar um imã de vibranium no metal que ainda restou do seu braço antigo — Shuri explicou rapidamente, aproximando-se empolgada de Bucky com uma pequena rodela de vibranium e uma seringa em mãos, vendo-o tirar os tecidos que estavam enrolados em seu corpo com certa dificuldade — Ele vai criar uma base sólida com as nanopartículas do metal, que vão aderir lentamente, para não soltar mais. Depois disso só encaixamos a prótese.
— Isso aí vai impregnar na minha carne? — Bucky perguntou voltando seu olhar para Shuri. Os tecidos que antes vestia caídos em seu colo, tapando só da cintura para baixo.
— Tipo isso, às vezes esqueço que você é velho demais para tecnologia — Shuri revirou os olhos — Eu vou anestesiar seu ombro, só por precaução, tudo bem? Não é para você sentir nada no procedimento, mas se descobrir que eu te fiz sentir dor ou te machuquei, a próxima a apanhar sou eu.
Shuri viu Bucky rir tímido e desviar seu olhar para um canto qualquer do chão. Gostava daquela sensação de ser protegido. E ser cuidado por , daquele jeito, era bom para ele. Shuri, por sua vez, não sabia mais por quanto tempo eles ficariam naquele chove-não-molha, já estava cansativo para ela, queria ação. e Bucky tinham que conversar sobre o que sentiam um pelo outro, e rápido. Se Killmonger tivesse feito o que realmente planejou com , Bucky não teria tido sequer a chance de dizer a ela o que sente e nunca ouviria dela o que ela sente por ele. Não dava para brincar com o tempo, não sendo quem eles eram, mas para Shuri parecia que eles não entendiam aquilo. Estavam imersos demais em inseguranças, presos demais no passado, cegos demais para entender que não tinham mais tempo.
— Posso te perguntar uma coisa? — Shuri perguntou, aplicando o anestésico no ombro esquerdo de Bucky.
— Se eu disser não, você vai perguntar do mesmo jeito, não vai? — Bucky rebateu no mesmo tom. Shuri bufou, tirando a seringa com a agulha dele e a deixando de lado.
— Quanto tempo mais você vai demorar para chamar a para sair? — Ela foi cirúrgica, encostando a pequena rodela de vibranium no pouco de metal que sobrou no ombro dele.
Não sabia se pelo fato de o ímã ter se transformado, em segundos, no exato formato do ombro dele, como se tivesse sido ali encaixada uma peça sólida de vibranium, ou se pelo o que Shuri havia perguntado, Bucky não conseguiu responder, assustado. Era tecnologia demais para ele processar e um passo ousado demais para ele dar. Não tinha certeza se gostava dele da mesma forma, tinha medo de ser rejeitado, de acabar afastando ela por isso. Chamá-la para sair era algo que Bucky só fazia em sua mente, não conseguiria externalizar. Onde ele a levaria? Como ele pagaria? O que ele vestiria? era demais, merecia mais do que ele poderia oferecer e ela não aceitaria sair com ele. O que ele teria para contar? O que falaria para impressionar ela? Era um sonho ridículo. A realidade era bem diferente, e , por mais doce e gentil que fosse com ele, não deveria vê-lo daquela forma. Bucky ficou tão imerso naqueles pensamentos que mal viu Shuri ir buscar o braço no compartimento e voltar para perto com ele em mãos.
— Vai ficar com essa cara de pasmo até quando? — Shuri quebrou o silêncio.
— Eu não estou pasmo — Bucky rebateu ligeiramente bravo.
— Você prometeu uma dança para ela, eu sei que sim, eu vi o climão antes de você hibernar — A menina insistiu, segurando o braço em suas mãos. Era mais pesado do que parecia.
— Foi ela que me chamou e, com certeza, por educação — Bucky se defendeu, olhando incrédulo para Shuri, que tinha o maior sorriso irônico no rosto — Ela me disse que tem um lugar legal aqui, que toca jazz e é só isso. Por que você acha que eu a chamaria para sair?
— Depois de quase cinco meses congelado, a primeira coisa que você quis saber é onde ela está, qual é, Bucky? Você é velho o suficiente para saber o que está acontecendo — Shuri insistiu sugestiva.
— O que está acontecendo? — Bucky perguntou confuso, não estava entendendo direito onde Shuri queria chegar, ele não chamaria para sair. Cara de pasmo ele ficaria se ela recusasse o convite, isso sim.
— Eu desisto! — Shuri bufou irritada — Vou colocar a prótese, vai ser estranho, estou avisando.
Shuri encaixou o braço no ombro esquerdo do homem, com precisão, e o segurou ali, por algum tempo breve, até as válvulas travarem. Para Bucky a sensação era que algo estava pressionando seu ombro para trás com força, mas não doía ou machucava, só pressionava. Seu corpo, contudo, pareceu mais pesado do que o normal e demorou alguns segundos até as ligações do braço entenderem os comandos de movimento do corpo. Shuri soltou a prótese e deu alguns passos para trás orgulhosa de si mesma, vendo Bucky mover seu ombro lentamente e, com ele, o braço para trás, como se o estivesse encaixando no lugar. Sem pressa e com muita atenção, Bucky parou um segundo para admirar a nova parte de seu corpo. Diferente do antigo, o braço novo era preto, mais leve e mais confortável. As chapas de vibranium eram perfeitamente encaixadas umas nas outras e tinha um design mais fino e luxuoso. Os detalhes em dourado agradaram muito e Bucky se pegou encarando a mão por alguns instantes. Seus dedos movendo-se lentamente, a sensação de que estava inteiro outra vez tomando conta de si. Talvez aquele fosse mais um passo para o tão sonhado recomeço. O braço era lindo, ele tinha de assumir para si mesmo.
— Obrigado, Shuri — Bucky sorriu de lado, subindo seu olhar de sua mão até ela. Shuri sorriu de volta e deu dois tapinhas no ombro dele, animadíssima por ver o braço funcionar perfeitamente.
— Não é a mim que você tem que agradecer, Lobo Branco, a ideia não foi minha — Ela respondeu no mesmo tom, tentando falar o mais sério que conseguia. Bucky abriu o sorriso um pouco mais — Ela veio todos os dias te ver enquanto você estava na criogenia, ela fez o protótipo do seu braço, ela se preocupou em ser o mais discreto e confortável possível. Ela te tirou daqui e ficou com você o tempo todo. Estava tão preocupada que algo ruim pudesse acontecer com você, que tio Everett ficou um tempão até convencê-la de que poderia voltar para cá tranquilamente. É isso que está acontecendo, Barnes. E se não for o suficiente, então a sua dogtag pendurada no pescoço dela por quatro meses deveria ser.
Bucky sentiu seu rosto queimar de vergonha. Sinceramente, não sabia mais o que pensar. Passou tantos anos sozinho e tão distante de sentir qualquer coisa próxima do que estava sentindo que não conseguia entender direito. Não sabia como deveria interpretar os sinais, isso ficou para trás, algo que o James com seus vinte e poucos anos dominava e que ele, naquela altura da vida, depois de tudo e de tanto, já não fazia mais ideia de como fazer. Parte dele acreditava, muito, que correspondia. Parte dele acreditava, muito, que era só coisa de sua mente. Estava tão carente, mas tão carente, tanto tempo, que às vezes achava que até a figura de era uma invenção. Nada que era bom demais parecia ter sido feito para ele. Mas Shuri estava dizendo o contrário. Estava claramente insistindo que ele desse o primeiro passo, que , inclusive, já tinha dado. Ele podia convidá-la para sair. Para jantar, talvez. Não precisava ser um encontro, embora ele quisesse que fosse, podia ser só um jantar. Talvez começar com algo simples, entender a reação de e depois decidir se poderiam seguir em frente ou não. Mas a verdade é que ele não queria jantar. Ele queria ter um contato mais íntimo, queria sentir o cheiro dela, o calor do toque, a voz dela falando baixinho em seu ouvido. Ele queria dançar. Ele queria dançar com .
— Só não esquece que o tempo está passando e que a gente nunca sabe o que e quando vem aí — Shuri sorriu se achando muito sábia e o empurrou levemente pelo ombro — Agora, vai tomar banho e se trocar, não pega bem um homem seminu no meu lab. Seu quarto de antes ainda é seu e se der alguma alteração nos seus exames, eu aviso.
Ele soltou uma risada fraca e negou com a cabeça, observando Shuri voltar-se para o outro lado do laboratório, indo fazer alguma coisa que Bucky não podia entender. Ele reparou, então, em cima de uma das bancadas, na meia dúzia de tornozeleiras, parecidas com a que usava no dia em que o encontrou em Bucareste. Shuri tinha razão. , assim como ele, não tinha muito tempo nem espaço para ter uma vida normal. Estava sempre no olho do furacão, sempre no meio de alguma coisa, enfrentando alguém. Eram preparados para fazer aquilo e não demoraria muito tempo para se envolverem em algo de novo. Se ficasse esperando muito tempo, talvez acontecesse com ele o que aconteceu com Steve e Peggy. Se Bucky tinha uma chance, por menor que fosse, talvez valesse a pena tentar, e não demorar muito mais para isso.
— Sei que não estou em posição de pedir mais favores, mas eu posso te pedir ajuda com uma coisa? — Bucky perguntou sorrindo de lado e se levantando, enquanto se cobria novamente com o tecido que vestia antes. Do outro lado do laboratório, Shuri sorriu abertamente e o olhou. Aparentemente seu plano tinha dado certo.
— Achei que nunca mais ia acordar, Fada Adormecida.
Deitada em sua cama e com preguiça de se levantar, encarava o teto de seu quarto como se fosse a coisa mais interessante do mundo, até a voz de Sam Wilson a interromper de seus devaneios. tinha dormido tanto que já estava ficando com dor de cabeça por ficar deitada, mas ela não queria realmente sair dali. O dia estava frio, o céu cinzento lá fora, não era um dia bom para sair da cama. Seu pai tinha ido embora de Wakanda, Shuri deveria estar na fronteira com Bucky, que não acordava nunca, e T’Challa ocupado demais fora do país com Nakia. estava sozinha outra vez. O mundo girava e caía sempre na mesma sensação de solidão e de abandono. Ela queria se dar o luxo de ficar ali, quieta, isolada, imperceptível. Mas parecia que sempre que se sentia assim, alguém surgia para lembrá-la de que estava ligeiramente errada. E nos últimos meses, esse alguém era sempre Sam Wilson.
— Como você destravou a A.R.I.A. dessa vez? — perguntou sonolenta, sentando-se lentamente na cama e olhando o holograma de Sam aberto em um canto perto da porta de seu quarto. Sam tinha dado um jeito de suas chamadas serem abertas sem precisar da aprovação de A.R.I.A., mas tinha bloqueado ele outra vez.
— Pedi pra Shuri — Ele respondeu galanteador e concordou com a cabeça. Tinha que admitir, ele era criativo e muito focado no que queria.
— Eu não sei, sinceramente, qual de vocês dois é o pior — reclamou, vendo Sam cruzar os braços.
— Shuri, sem nem pensar muito — Ele respondeu dando de ombros e riu da cara de descrença da amiga.
— O que você está fazendo no meu quarto a essas horas? — perguntou pausadamente.
— Primeiro, devem ser tipo quatro horas da tarde por aí e depois, acabamos de ver a Alteza Real T’Challa ao vivo, dizendo que vai abrir as portas de Wakanda para o mundo — Ele comentou sério, sua expressão demonstrando clara preocupação — O que aconteceu?
Ainda sentada na cama, puxou um cobertor para cobrir suas costas e contou para Sam o que Wakanda viveu nos últimos dias. Todas as partes que ela mesma havia vivenciado e as que Shuri e seu pai haviam lhe contado, depois que a buscaram na fronteira. Everett havia contado para que, enquanto ela estava escondida com Bucky no chalé, ele, Nakia, Shuri e Ramonda foram parar nos Jabari, para pedir ajuda. Conseguiram salvar a última erva-coração e encontraram lá o corpo de T’Challa, depois de terem dado ele como morto no desafio. T’Challa incorporou a erva-coração e, na manhã seguinte, Wakanda viveu uma espécie de Guerra Civil sem precedentes, até Killmonger ser, finalmente, derrotado. Passado isso, Everett e Shuri foram com Ayo atrás de e a encontraram em um estado deplorável de exaustão. Sem informações de nenhum deles há muitas horas e sem dormir há mais de dois dias, estava emocionalmente consumida e saiu aos prantos no colo de seu pai, que a levou de volta ao palácio, ajudou-a a tomar banho e a colocou na cama.
Desde então, dormiu por horas, acordou a tempo de despedir-se de Everett e voltou a dormir mais um pouco até, finalmente, acordar. Steve se juntou à conversa de e Sam, em holograma, três segundos depois de ouvir que Bucky foi tirado da criogenia antes do tempo. Preocupado com aquilo, não conseguiu responder exatamente todas as perguntas, porque ainda não tinha visto Bucky. Shuri se comprometeu a ficar com ele para que pudesse descansar e, assim que ele acordasse, voltaria para a fronteira. Ela estava ansiosa, Steve e Sam puderam perceber, mas não havia mesmo o que ser feito senão esperar que Bucky acordasse.
explicou, então, que depois da aparição de T’Challa como Pantera Negra, na Europa, o mundo voltou seu olhar ao país e passou a cobrar explicações. A pressão pela abertura, mesmo que gradual, estava acontecendo e o governo de Wakanda já não podia mais gerenciar todas as informações sobre o país que estavam circulando mundo afora. A pauta que Killmonger trouxe, sobre a oportunidade de Wakanda intervir em assuntos internacionais para ajudar tantas outras pessoas a reduzir vulnerabilidades e problemas estruturais, já era algo que vinha sendo discutido com mais força dentro do conselho nos últimos meses. Talvez abrir Wakanda para o mundo fosse a maneira de justificar a presença de um Pantera Negra e, ainda, entregar uma alternativa de ajuda humanitária - trabalho que, inclusive, Nakia poderia liderar. Diante disso, Everett propôs que T’Challa, Nakia e Okoye fossem até a Europa e fizessem um anúncio oficial dentro de um fórum das Nações Unidas. Precisavam ter a visibilidade certa e fazer a abertura acontecer lentamente. Não correriam riscos assim, mas, igualmente, não ficariam mais totalmente na sombra do mundo.
Para Wakanda aquilo seria bom. Podiam ter relações abertas com outros países, influenciar decisões internacionais com maior peso decisório e ajudar pessoas que, assim como Killmonger, precisam deles. Para T’Challa, aquilo era ótimo. Poderia manter Nakia por perto por mais tempo e circular como Pantera Negra sem a pressão de ter que justificar sempre suas ações. Para , Steve e Sam, contudo, aquilo mudava muita, muita coisa.
— Acho melhor vocês saírem daí. Com a abertura, com certeza vão vazar documentos de Wakanda e não sabemos o que sobre minha vida vai ser liberado nesse bolo. Se descobrirem o endereço da minha casa aí, na França, certamente vão fazer vigília e pode ser arriscado para vocês — se levantou da cama lentamente e parou logo à frente e no meio dos hologramas de Steve e Sam.
— E para onde iríamos? — Sam perguntou preocupado, vendo cruzar seus braços.
— Vai começar a etapa em que pulamos de hotel em hotel — Steve respondeu sério.
— Não acho que consigam ficar mais do que três ou quatro dias em cada um deles. Alguém vai ver vocês, é inevitável, pelo menos na recepção — pensou alto.
— Se a gente intercalar os hotéis com aluguel de casas ou apartamentos? — Sam deu a ideia, Steve pareceu pensar por alguns instantes, enquanto concordou brevemente com a cabeça. Parecia uma boa — Podemos usar os hotéis para mudar rápido de lugar e ficar só até achar uma nova casa ou apartamento que seja seguro na nova localização. Aí mudamos. E vamos fazendo assim.
— Isso garante uma boa circulação. Se conseguirem sair dos hotéis com um ou dois dias, melhor ainda — concordou, olhando de Sam para Steve, que parecia apreensivo com a ideia.
— Não sei como vamos pagar por isso — Ele suspirou, encarando Sam com preocupação. Suas mãos nos bolsos da calça de sarja, a postura impecável de sempre. Como Sam, os cabelos e a barba de Steve estavam maiores e mais cheios do que antes.
— Não se preocupem com isso — sorriu sincera, atraindo os olhares dos dois homens.
— , não podemos aceitar. Você já está fazendo demais nos deixando ficar aqui, na sua casa, e protegendo Bucky aí — Steve negou com a cabeça. Sua voz séria e preocupada. já estava fazendo demais por eles, não podia pedir mais nada dela.
— Nós combinamos isso antes de você sair daqui, Steve, não se esqueça. E você me disse uma vez que vocês são minha família agora. Cuidamos uns dos outros. Do contrário, não merecia ter ganhado aquela letra — respondeu séria, mas deixando um sorriso sincero abrir-se assim que viu Steve fazer o mesmo. Ela tinha visto o traje. Steve desejou por um instante estar por perto para ver também, queria saber como tinha ficado pronto.
— Ela está ficando boa com discursos, logo logo pode te substituir — Sam brincou olhando para Steve, que sorriu — Você não tem medo dela pegar a liderança? Você é velho e nem tão bonito, pense nisso.
— O que você acha de deixar ele para trás? — comentou levantando as sobrancelhas.
— Eu me arrependo às vezes de ter tirado ele da prisão — Steve brincou no mesmo tom de , vendo a cara indignada de Sam.
— Ah, é assim então? Quero ver quem vai fazer o jantar hoje — Sam rebateu sério, sua voz falsamente afetada.
— Vocês parecem meus pais às vezes, já disso isso?
— Eu não iria reclamar. Deu para ver Everett na transmissão hoje, estava bonitão, boa pinta — Sam respondeu olhando , que riu leve.
— Tem certeza disso, ? — Steve voltou a perguntar sério, olhando a amiga concordar com a cabeça.
— Não vai ser incomodo algum, Steve. Só tentem me avisar onde estão, podem ser coordenadas e por mensagem, sei que vamos perder o sinal do comunicador quando saírem daí. Se souber os nomes dos lugares e as localizações, consigo puxar os dados e fazer as transferências.
— Tudo bem — Ele finalmente concordou, olhando Sam ao lado fazer o mesmo — Obrigado, .
— Fiquem bem, se cuidem e mandem notícias, por favor — comentou preocupada, olhando de Sam para Steve — A.R.I.A. está rastreando vocês vinte e quatro horas, qualquer coisa, mesmo, me avise e nós interferimos.
— Você também, fada — Sam respondeu no mesmo tom de voz, o misto de preocupação e saudosismo, não sabia quando poderia conversar com daquela forma outra vez — Ainda não acredito que teve uma guerra aí e você não nos avisou.
— Nem eu soube dela — deu de ombros — Sei que gostam de uma briga, mas dessa vez não fomos convidados.
— Eu fico feliz com isso, sinceramente — Steve brincou e tirou às mãos dos bolsos, acenando leve para — Se cuide você também, , e nos mande notícias. Mande um abraço para o Buck.
— Pode deixar — sorriu leve e deixou um suspiro sair, será que Buck já tinha acordado?
— Espero te ver em breve, fada — Sam comentou olhando , que sorriu para ele.
— Nos veremos com certeza, passarinho — Ela respondeu e acenou para Steve, o vendo, em seguida, desligar-se da chamada. e Sam trocaram um último olhar e um último sorriso, até ele fazer o mesmo, e o holograma sumir da frente de .
Se os três soubessem que, a partir daquele dia, ficariam mais de um ano sem se falar diretamente, talvez tivessem se despedido melhor. Tempos difíceis estavam vindo para Steve, Sam e Wanda - que quase nunca aparecia nas chamadas que tinha com os dois homens. Viver daquela forma, escondidos, com medo, angustiados por não saber como ou quando as coisas mudariam era difícil, muito desgastante e um tanto quanto desumano. Não podiam sair, não podiam sequer ir ao mercado. Não podiam dormir em paz, não tinham tranquilidade e nem o que fazer. Só esperar os dias passarem e torcer para que a situação melhorasse, que o cenário se revertesse e que pudessem, enfim, ser tratados com mais empatia e justiça.
A decisão de T'Challa em abrir o país era um passo importante para Wakanda, mas muito perigoso para Steve, Sam, Wanda, e Bucky. Eles dependiam do sigilo, da proteção e da tecnologia do país. A atenção teria que ser dobrada dali em diante. Chateada pelo o que Steve e Sam teriam que passar, mas segura de que sair da França, naquele momento, era o melhor a ser feito, decidiu ir tomar banho. Por mais que não quisesse sair da cama e nem deixar seu quarto naquele dia, ela queria saber como Bucky estava indo e se, de repente, já tinha acordado. Ela tinha prometido para ele, deveria estar lá quando ele acordasse. Era importante para que ele se sentisse seguro e acolhido, era importante para que ela visse como o tratamento tinha reagido nele.
saiu do banho alguns bons minutos depois, seu corpo descansado como há tempos não sentia. Ela se enxugou preguiçosamente e enrolada na toalha macia, deixou o banheiro de volta para seu quarto. O final da tarde estava mais frio do que de costume e ela ficou alguns minutos encarando seu closet, pensando no que deveria vestir. Tinha que ser quente e confortável, porque a fronteira era ainda mais úmida do que a região central da capital. E tinha que ser bonito. queria estar bonita e aquele pensamento a fez rir sozinha. Pegando uma calça jeans skinny preta, uma blusa fininha de manga comprida e um suéter caramelo de tricô, se vestiu rapidamente e puxou um lenço igualmente caramelo do armário. Ficou entre seu par de tênis favorito e as botinhas pretas de cano curto e couro, que ela fez Karl comprar há algum tempo atrás, e pensou se deveria levar um casaco mais quentinho para vestir por cima, só no caso de ficar muito frio. Pegando o par de botinhas e um casaco off white de plush, que jogou em cima da mesa ao canto de seu quarto, foi em direção a poltrona, perto de sua cama. E foi tempo exato de ela se sentar para, uma vez mais naquele dia, seu quarto ser invadido.
— , você precisa ir ao terraço agora! Parece que o sistema de irrigação está louco — Shuri entrou no quarto de uma vez e, como um raio, foi direto em direção à cama de e se jogou deitada lá.
— Ninguém respeita meu espaço nesse lugar? O que é isso? — virou-se assustada para a amiga, que não pareceu se importar.
— Seu espaço é todo mundo também — Shuri sorriu convencida.
— O que você está fazendo aqui, Shuri? Quem ficou lá com o Bucky? — perguntou séria, calçando suas meias e as botas. Shuri deveria, em tese, estar na fronteira vigiando Bucky. Ele não podia estar sozinho quando acordasse, seria ruim e confuso para ele, além de que não sabia se ele acordaria bem. Podia estar com dores ou muito perdido, certamente teria um milhão de perguntas sobre o porquê estava naquele lugar e não no laboratório onde hibernou.
— Aduke — Shuri respondeu simplesmente, com obviedade.
— Ele tem oito anos! Você deixou uma criança de OITO ANOS cuidando do Bucky? — praticamente gritou, seus olhos arregalados em desconforto e incredulidade por ouvir aquilo. Sabia que Shuri não tinha muita responsabilidade na vida, mas aquilo era demais.
— Crianças se dão bem com velhos — Shuri deu de ombros, sentando-se na cama de , que ainda a olhava incrédula.
— Eu vou para lá, você não tem responsabilidade nenhuma, isso é um absurdo — resmungou brava, terminando de calçar as botas e se levantando da poltrona.
— Não vai não — Shuri se levantou em um pulo e se colocou na frente da amiga. era teimosa demais para ser convencida facilmente — Você me ouviu? Seus matos lá em cima precisam de você.
— Meus matos podem esperar até outra hora — respondeu irônica — Alguém precisa ficar de olho no Bucky, é sério isso.
— Ué, seus matos não são um assunto sério? Não é você que protege eles com toda sua vida? — Shuri insistiu cinicamente. não estava entendendo bem o rumo daquela conversa e nem o comportamento de Shuri.
— Shuri…?
— Eu não estou acreditando na hipocrisia! — Shuri falou mais alto, meio brava, batendo suas mãos na lateral de seu corpo, em claro sinal de impaciência.
— SHURI, O QUE ESTÁ ACONTECENDO? — praticamente gritou, segurando Shuri pelos braços e a chacoalhando levemente.
— Estou dizendo, seus matos estão descontrolados no terraço, a irrigação está encharcando tudo e vai danificar a tecnologia do seu tão sagrado lugar — O tom de voz de Shuri quase desesperado, como se aquilo fosse realmente o fim do mundo.
— A.R.I.A.? — soltou a amiga e levantou uma sobrancelha. Aquilo era facilmente resolvido pela inteligência artificial, não tinha que ir até lá e nem se preocupar tanto daquela forma, não estava entendendo o porquê do desespero e da crise da amiga.
— Está hibernada, já tentei — Shuri respondeu frustrada. Tinha propositalmente travado o mecanismo antes de ir até , para que ela achasse que ainda estava hibernada.
— É só desligar a hibernação…? — sugeriu com obviedade.
Shuri bufou uma vez mais e abaixou seus ombros. era uma pessoa muito difícil, porque era muito esperta. Desde criança sempre derrubou todas as tentativas de Shuri de fazer surpresa e as eventuais mentirinhas que contava para se safar de algo ou pregar peças. Com nunca funcionava. E parecia que, quanto mais velha ela ficava, mais fácil ficava de desmascarar Shuri. a olhava com certo deboche. O sorriso divertido brotando nos lábios, já entendendo tudo. Estava quase caindo numa das peças da amiga, mas não seria daquela vez. Shuri abaixou seu olhar por , notando que ela já estava trocada, arrumada para sair. A dogtag de Bucky pendurada em seu pescoço, por fora do fino suéter, denunciando que ela não desistiria de ir até a tribo da fronteira. Ela não desistiria de Bucky tão fácil, a não ser que algo realmente catastrófico acontecesse.
— Eu não ia te contar, porque eu sei como você se sente em relação ao terraço e tudo mais — Shuri falou baixo e desviou seu olhar para o chão. murchou o sorriso, acompanhando o tom de voz da amiga. Shuri não era de falar daquele jeito.
— O que foi? — cruzou os braços e viu Shuri suspirar, passando as mãos pelas tranças do cabelo, como se estivesse ansiosa.
— Killmonger. Ele… — Ela engoliu seco e voltou seus olhos até — ...queimou o terraço como fez com a erva-coração.
— Ele… ele o quê? — repetiu a informação automaticamente, seu coração batendo mais forte e descompassado —Ele queimou o terraço? O meu terraço?
não podia acreditar naquilo. Não bastasse tudo de errado e ruim que aquele homem havia feito em tão pouco tempo em Wakanda, ele tinha colocado fogo na única coisa que sobrou de T'Chaka para , no lugar que, por tantos anos, foi seu porto-seguro, seu único lugar no mundo. Como se aquilo não valesse nada, como se fosse um lugar a ser esquecido, Killmonger simplesmente tentou apagar parte importante da história de , a parte que contava muito sobre a fitocinese, sobre sua força, seu desenvolvimento, seu aprendizado e autocontrole. O terraço era para o lugar em que cresceu, em que viveu parte significativa de seus dias até aceitar quem ela era, até descobrir sobre si mesma. Ele não tinha aquele direito. E por mais que pudesse reconstruir o local, colocar tudo novamente em seu lugar, a sensação de era como se a tivessem invadido. Entrado em sua casa, mexido em suas coisas e queimado tudo.
— Por isso a irrigação está descontrolada, tem muita fumaça lá ainda, não deixei ninguém mexer, queria você fosse até lá ver, primeiro — Shuri voltou a falar tensa, vendo os olhos de carregados de lágrimas e sua expressão furiosa.
— Por que não me avisou antes? — perguntou encarando-a de volta.
— Você precisava descansar e sei o quanto ficaria chateada com isso, me desculpa — Shuri abraçou a si mesma — Achei que conseguiríamos resolver antes de você ver o que aconteceu, mas a irrigação está emperrada e está piorando tudo, não sei mais o que fazer. Pensei que se você fosse até lá sem saber exatamente o que tinha acontecido, e visse na hora só, poderia dar um jeito de arrumar… de reviver o espaço, seria menos dolorido. Me desculpe mesmo, maninha.
— Não tem problema, me desculpe falar dessa forma — comentou triste, baixando a guarda — É só que…
— Esses dias têm sido muito estressantes — Shuri completou a amiga, sugestiva, a vendo sorrir levemente de lado e concordar com a cabeça — Estamos colocando tudo no lugar agora e eu tenho a sensação de que as coisas vão melhorar.
— Eu espero que sim — pressionou os lábios triste e gesticulou para a porta de seu quarto — Vou ver o que aconteceu lá, obrigada por vir avisar.
— Aduke tem uma conta kimoyo, não se preocupe, ele irá nos avisar assim que o Lobo Branco começar a acordar — Shuri falou saindo do quarto com , que respirou fundo. Não gostava muito da ideia de deixar Bucky com uma criança, mas já estava feito. E com Killmonger derrotado, não havia mais com o que se preocupar, ao menos por ora. Se fosse rápida em resolver o problema no terraço, poderia voltar logo para a fronteira e resolver isso também. Agora que tudo voltou ao seu lugar e que estava descansada, podia passar o tempo que fosse preciso com Bucky.
— Vou tentar resolver isso rápido e ir direto para lá depois. Me avise qualquer coisa.
Shuri concordou com a cabeça, chateada pela situação em que teria que resolver. Ela despediu-se de sua amiga no final do corredor e, assim que a porta do elevador fechou com dentro, Shuri deu uma risada alta e celebrou sozinha. Era mesmo uma mestre da enganação.
não demorou muito para chegar até o terraço, no último andar do prédio. Parte de si estava triste, consumida pelo fato de que tentaram apagar quem ela era, colocando fogo no terraço. Talvez se não tivesse pensado rápido, se não tivesse dado um jeito de fechar seu quarto e seu laboratório, algo parecido teria acontecido com o resto de seus pertences e suas lembranças. Outra parte dela, contudo, estava ansiosa. Queria resolver o que quer que tivesse que fazer para arrumar o terraço logo e ir de volta para a fronteira. Não sabia quando e como Bucky acordaria, mas ela tinha que estar lá. Não podia correr o risco de quebrar uma promessa, não quando ela tinha sido feita para Bucky. A passos largos pelo corredor, deixou o elevador em silêncio e entrou no terraço sem muita cerimônia, pronta para encarar o que quer que tivesse acontecido ali.
Contudo, muito diferente do que Shuri havia dito, não havia nada lá dentro. Absolutamente nada. Com a iluminação do lugar baixa, pelo sol se pondo no final da tarde, o extenso gramado do terraço estava completamente normal, o sofá ao centro intacto e não havia nada de errado com a irrigação - a grama sequer estava molhada. Confusa com a informação que recebeu, e ligeiramente descontente por ter sido enganada por Shuri, olhou à sua frente, ao redor, em busca de qualquer indício de algo queimado ou destruído. Mas não havia nada. Tudo parecia normal. Deixando um suspiro pesado sair, negou levemente com a cabeça, frustrada por ter perdido tempo com mais uma das brincadeiras de Shuri enquanto deveria estar já a caminho da fronteira. Ela, então, virou-se de volta para sair do lugar quando algo pequeno, bem ao fundo do terraço e na direção do sofá, chamou sua atenção.
Curiosa, caminhou até lá sem demorar muito. A grama dançando discretamente a cada passo que dava em frente, como se estivesse feliz por tê-la ali. Tudo parecia estranho. O clima, a sensação de que algo não estava fazendo sentido, de que aquilo não era apenas mais uma brincadeira de Shuri. E tudo ficou ainda mais confuso quando, diante de si, viu o que estava colocado na grama. Um buquê cheio de íris branca, delicadamente assentado no chão, como se alguém o tivesse esquecido ali. agachou-se e o pegou em suas mãos, sendo tomada por uma enorme vontade de chorar. Íris, a flor rara do recomeço e da esperança, significava muito para ela naquele momento, depois de tudo. Mas, ainda assim, não fazia sentido estar ali. Shuri tinha deixado flores para ela? Aquilo não fazia sentido e nem o estilo da amiga. Era delicado e carinhoso demais. Colocando-se em pé novamente, mexeu no buquê, deixando algumas pétalas das flores caírem ao chão, em busca de qualquer sinal de quem o havia deixado ali até, finalmente, encontrar um pequeno cartão.
Dentro de um envelope creme, o cartão tinha sido escrito à mão, em letras tão finas que pareciam datilografadas. Segurando as flores com o braço esquerdo, como se as carregasse em seu colo, ela abriu o cartão com delicadeza, lendo o escrito em silêncio.
“A vida renasce, onde se plantam flores. Obrigado por florescer em mim”
sentiu seu coração parar de bater e, com ele, a respiração falhar. Aquilo significava que…? Emocionada pela única possibilidade que se formou em sua mente, ela se virou de costas, para olhar a porta de entrada do terraço e ali seu coração ficou. Como se suas pernas não pudessem a sustentar mais, ela não conseguia se mover, só ficar ali, parada, olhando o homem com as mãos nos bolsos da calça, parado alguns passos para dentro, perto da porta, não conseguir conter o sorriso ao vê-la. O sorriso que ela tanto sentia falta. Os olhos azuis a encarando com tanta expectativa que brilhavam, a barba por fazer, o cabelo no coque desajeitado igual ao que tinha feito nele dias antes, as mangas compridas da blusa verde dobradas em seus antebraços. Não havia queimada, não havia problema algum com o terraço, não havia nada. Só ele e ela, juntos de novo.
Bucky não conseguia conter o sorriso. estava radiante, segurando as flores que ele havia escolhido para ela, como ele havia imaginado que seria. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas e Bucky não sabia dizer se eram de felicidade ou de emoção pelo momento, mas sabia que era pelos dois. Não estavam mais sozinhos. Nenhum deles. Sem dizer uma só palavra, e Bucky tentavam absorver a emoção de se verem novamente, depois de meses. Queriam guardar aquele momento para sempre em suas mentes, mas eles queriam mais, precisavam de mais. Tirando as mãos dos bolsos da calça, Bucky deu alguns passos para frente, em direção a , mas logo parou. Não tinha certeza se deveria fazer aquilo. Do outro lado do terraço, fez o mesmo, alguns passos mais próximos dele e, igualmente, parou. Se ele tinha parado, ela também pararia.
O que não notou, e muito menos Bucky, é que, enquanto estavam imersos nos sentimentos intensos que sentiam naquele momento, e se aproximavam um do outro, as pétalas das flores de íris que caíram ao chão, pouco antes, enraizaram-se e suas nervuras cresciam discreta e lentamente pelas paredes que formavam a redoma de vidro no terraço. Sem tirar os olhos um do outro, e Bucky continuaram a se encarar por mais alguns instantes até, ambos, darem novos passos em direção um ao outro. Há dois ou três passos de, finalmente, matar a vontade que os consumia, Bucky abriu os braços discretamente, a chamando para si. soltou uma risada tímida e, sem mais perder tempo, correu até os braços dele.
A segurando pela cintura com o braço de metal, enquanto seu braço direito a abraçava pelas costas e a mão em seu cabelo, Bucky sentiu passar os dois braços pelos ombros dele, o segurando com firmeza. O cheiro amadeirado que emanava dele misturava-se com o l adocicado dela, o calor gostoso, o toque macio e presente, forte, delicado, como só um abraço de saudades podia fazer sentir. A sensação de que estavam protegidos do mundo, de que não havia mais nada ali, só eles. O buquê nunca deixando a mão de e Bucky a segurando com tanta vontade que a tirou do chão alguns centímetros, trazendo para mais perto de si. A calma que esperava viver em meio a todo caos que estava imersa naqueles meses. A paz que Bucky esperava sentir depois de tantos anos de angústia.
E como se tudo aquilo já não fosse especial e emocionante o suficiente, foi exatamente um minuto depois de terem se abraçado, se encostado, que centenas de pétalas brancas de íris caíram do teto, como se chovesse neles. e Bucky se soltaram levemente, a mão dela entrelaçada na mão de metal dele, enquanto os dois, quase que ao mesmo tempo, olharam para o teto. Bucky sorria atônito, sentindo as pétalas da flor que ele havia dado caírem sobre eles com ternura. E naquele momento, diante daquilo, Bucky não precisava mais de respostas. Ele entendeu o que sentia por ele. Estava esperando vê-lo, estava com saudades. Tinha tanta expectativa por aquele momento que não conseguiu segurar a intensidade de vê-lo perto dela outra vez. Embora estivesse envergonhada por estar fazendo aquilo, sentia um enorme alívio dentro de si. Tamanha sua felicidade e emoção, tanta coisa se passando em sua mente e tantos sentimentos dentro de si, que não estava conseguindo os controlar. E para que mais servia o terraço, para , senão para testar suas emoções com a fitocinese?
Sem pressa alguma, sem vontade de saírem dali, e Bucky ficaram em silêncio por algum tempo que não fazia diferença para eles. Puxando-a novamente para um abraço, Bucky encostou seu queixo na cabeça de , enquanto ela aninhou-se em seu peito. Só observando as flores caírem, sentindo um ao outro. Nada mais importava naquele momento. Pouco a pouco, as pétalas foram cessando, conforme foi, mentalmente, ordenando seus sentimentos outra vez. Toda a tristeza que tinha sentido pela possibilidade de o terraço ter sido queimado, toda a preocupação que estava com Bucky por não estar perto dele, cedendo lugar para uma felicidade que ela sabia exatamente de onde vinha.
— Feliz vinte e dois de fevereiro fora de época — A voz rouca e baixa de Bucky cortando o silêncio depois de um longo tempo. sorriu. Era bom ouvir ele outra vez.
— É bom ter você de volta, Buck — comentou baixo, soltando-se e afastando-se alguns passos dele, para olhá-lo de frente — Como você está se sentindo?
— Bem e… aliviado por você ainda estar aqui — Bucky soltou uma risada nasalada fraca, a encarando.
— Eu disse que vou estar sempre onde você estiver — Ela sorriu tímida, encarando os olhos azuis de Bucky, que repararam nela mexendo discretamente no colar dele em seu pescoço — E me desculpe por não estar lá quando você acordou. Achei que Shuri me avisaria e agora você está bem aqui.
— Não deixei ela te avisar, o plano foi meu, então é minha culpa — Bucky brincou, vendo rir baixo, tímida — Queria te agradecer por tudo que fez por mim e tinha que ser especial… como você.
— Foi lindo, Buck, obrigada — não conseguiu contar o sorriso depois daquilo, chacoalhando o buquê que ainda segurava.
— Só queria que soubesse como… como eu me sinto — Bucky falou inseguro, desviando seu olhar para um canto qualquer da grama cheia de pétalas de íris. não entendeu exatamente o que ele quis dizer com aquilo. Era como ele se sentia com ela? Ou em relação a tudo? Mentalmente, Bucky se amaldiçoou por não ser tão bom com palavras. Queria que soubesse o que ele sentia por ela, queria que ela visse o quão grande e bonito era aquele sentimento, mas algo nele ainda o segurava em falar. E ele jamais conseguiria demonstrar aquilo como tinha acabado de demonstrar para ele.
— Não precisava agradecer. Só quero que você seja… feliz de novo — respondeu engolindo a vergonha de pensar que, talvez, a fala dele não tenha sido bem naquele sentido — E nem sabemos se deu certo ainda.
O sorriso de murchou levemente, lembrando-se daquilo, como se algo a trouxesse de volta à realidade. O tratamento de Bucky tinha sido interrompido, com pouco mais da metade da execução em sucesso, mas ainda assim muito tinha que ser feito para terem certeza do resultado. Não tinha tido tempo, nem recursos na fronteira, para fazer os testes e seria muito difícil, mesmo com a tecnologia avançada de Wakanda, entender os resultados daquilo, uma vez que foi interrompido. Estavam falando de algo muito subjetivo, mesmo para a ciência. O controle mental não podia ser mensurado, visualizado em máquinas e nem calculado. Ele tinha que ser testado, praticado e visto fisicamente. Seria difícil e arriscado testar, mas era a única forma. E Bucky já tinha consciência daquilo.
O tempo que passou esperando acordar e Shuri ajudá-lo a colocar o plano de reencontro em prática foi, além de ansioso e cheio de expectativas, o tempo em que Bucky parou realmente para pensar em tudo que tinha acontecido. Precisava entender o que do tratamento conseguiu avançar e o que ainda faltava, se havia alguma chance de voltar para a criogenia e, se sim, como seria isso, por quanto tempo. Só a ínfima chance de ter que passar por aquilo de novo já o desesperava e o fazia querer saber, a qualquer custo, se o tratamento de tinha dado certo. Estava concentrado em encontrá-la, em vê-la primeiro. Mas agora, vencida essa etapa, ele queria saber como seria dali em diante.
— Shuri me contou o que aconteceu nesses meses, eu sinto muito que você tenha passado por tudo isso — Bucky falou sincero, vendo o rosto de tencionar em surpresa, não esperava que Shuri já tivesse o contato tudo — Eu te agradeço por ter cuidado de mim e me protegido. Mas eu preciso saber... o que acontece agora, ?
Ela não sabia responder aquela pergunta porque realmente não tinha ideia do que fazer. Tudo estava tão corrido e desesperado, não tinha tido tempo de entender a situação, de parar e pensar no que fariam assim que Bucky acordasse. Ela estava esperando que ele fosse demorar algum tempo para se recuperar da criogenia, que fariam os testes de check-up da condição de saúde dele e que fossem ter mais tempo para apresentar-lhe o novo implante cibernético e o colocar. Mas ali estava ele. Fisicamente bem, mentalmente estável e com o braço novo perfeitamente colocado. Bucky estava reagindo bem, e muito rápido, ao passo a passo que imaginava durar semanas para acontecer. O que viria dali em diante? Ela não sabia.
— Shuri fez os exames clínicos? — perguntou pensativa, vendo Bucky concordar com a cabeça.
— Acho que sim, A.R.I.A. me escaneou e Shuri disse que qualquer alteração me avisaria — Bucky respondeu prontamente.
— Certo, e ela não te disse mais nada depois disso? — Ela perguntou outra vez, olhando Bucky.
— Não, acho que está tudo certo — Ele colocou a mão direita no bolso da calça.
— Tudo bem — suspirou tentando pensar no que viria, recusando-se a falar o que estava realmente passando em sua mente — O próximo passo seria te apresentar a prótese nova, mas Shuri fez isso também. Como se sente com ela?
— É bem melhor do que a outra, mais leve e não machuca meu ombro. É bem mais discreta e… bonita, se é que podemos dizer isso — Bucky riu com certa tristeza, abrindo e fechando sua mão de metal pouco à frente, a encarando. Estava fisicamente confortável com ela, mas sabia que, emocionalmente, seria um passo difícil a ser dado.
— Qualquer incômodo, me avise, podemos arrumar — falou preocupada, tentando passar segurança. Bucky a olhou agradecido e assentiu com a cabeça.
Os dois sabiam o que vinha a seguir, mas nenhum deles estava exatamente confortável em dizer aquilo em voz alta. A tecnologia conseguiu fazer um acompanhamento perfeito da atividade cerebral de Bucky durante o tratamento. Monitorava todas as suas reações aos medicamentos e falas, aos impulsos que davam para que certos momentos de sua memória fossem apagados de uma vez por todas, para que o vagão de carga fosse enfraquecido, desligado. O monitoramento traduzido em números, permitia com que acompanhasse a evolução e agisse em tempo hábil caso precisassem mudar de caminho, acelerar ou fazer pausas breves, de um ou dois dias, no tratamento. Com oito meses de procedimentos, seria feito o primeiro teste com Bucky, ainda inconsciente. Ele ouviria as palavras em sequência, sem adição de medicamentos e com a criogenia momentaneamente desligada, e conseguiria monitorar a reação. Sem dor, sem sofrimento para ele, sem perigo algum para e os médicos envolvidos. Caso desse errado, ainda tinham dois meses de margem para retomar o tratamento e refazer o teste na semana final.
Contudo, com Bucky acordado, era diferente. O teste teria que ser feito com ele consciente e não precisavam sequer do monitoramento. Saberiam se deu certo ou errado pela própria reação dele. Bucky sentiria dor e sua mente certamente o remeteria para memórias passadas, violentas e desumanas, de situações que viveu. Acordado, ele sentiria medo, reviveria a ansiedade e o desespero de se saber, conscientemente, que estava prestes a ser controlado outras vez, que havia, ainda, 40% de chance de voltar a ser o Soldado Invernal.
— Precisamos testar, não é? — Bucky deu um meio sorriso, vendo morder o lábio inferior e assentir levemente com a cabeça.
— Eu sinto muito por isso, não queria ter te tirado da criogenia antes do tempo, mas não tive muita escolha — respondeu sincera. Esperava ter aquela conversa com ele desde o momento em que decidiu interromper o tratamento.
— A culpa não foi sua, por favor, não… — Instintivamente Bucky voltou a pegar a mão de , com a sua mão direita — Eu teria feito a mesma coisa por você, não quero que se sinta culpada por isso, pelo teste ou se não der certo.
— Queria poder testar sem te fazer sofrer, mas não vou te colocar de novo na criogenia só para isso, porque existe uma chance real de você já não reagir mais a sequência — apertou levemente a mão dele — Passamos da metade do tratamento e, até aqui, você reagiu bem melhor do que esperávamos.
— Você realmente acha que deu… que deu certo? — Bucky perguntou pensativo, incerto sobre aquilo. , mais do que ninguém, sabia sobre o tratamento. A expectativa dela era, para ele, carregava indícios do que realmente poderia ou não acontecer.
— Eu não sei, eu só não perderia as esperanças na ciência — Ela sorriu confiante, realmente acreditava naquilo — Quando se sentir pronto, podemos fazer o teste e ver de uma vez por todas.
Bucky pensou por alguns instantes, ponderando se deveria responder aos seus anseios ou se deveria esperar, colocar tudo em seu lugar outra vez. Ele queria ter tempo com , queria sair com ela, queria dar uma chance a si mesmo de viver uma experiência nova, de tentar seguir sua vida em frente, de amar e de ser amado por alguém. Depois do que viveu há pouco, Bucky se sentia um pouco mais, ligeiramente mais, confiante em dar o próximo passo com . E ele tinha medo de fazer o teste naquele momento, de, no final das contas, descobrir que o soldado invernal ainda estava dentro dele. Tinha medo do resultado ser negativo e de ter que voltar outra vez para a criogenia, de ter que se afastar de de novo, de, talvez, a machucar. Mas ele sentia que, enquanto não tivesse aquela resposta, enquanto não soubesse realmente quem ele era depois do tratamento, ele não conseguiria simplesmente seguir. Estaria preso à angústia de não saber se era mesmo só o Bucky ou se ainda tinha que se preocupar em ser o soldado invernal.
— Eu queria fazer o teste já, se for possível — Bucky pediu baixo, seu tom de voz passando segurança para . Ela imaginava que ele queria acabar com aquilo logo. No lugar dele, faria o mesmo — O que você acha?
— Claro, se é o que realmente quer, podemos fazer. Vou com você, não precisamos envolver ninguém mais se não quiser.
— Não quero que seja aqui, é… perigoso — Bucky falou tenso, seu olhar preso no de , que concordou em silêncio, ainda segurando a mão dele — E quero que você se proteja como puder. Eu não sei o que vai acontecer depois de ouvir… de ouvir as palavras.
— Podemos voltar para a fronteira. Estaremos sozinhos lá e caso algo aconteça, estamos cercados de natureza — pensou alto, vendo Bucky concordar com a cabeça, parecia uma boa ideia.
Embora com medo do que pudesse acontecer e do que poderia fazer com , o fato de estarem só os dois já dava maior segurança para Bucky. E exatamente como ela havia dito, pouco mais de uma hora depois de conversarem, Bucky sentava-se em um pedaço de tronco, na frente do chalé em que acordou mais cedo naquele dia. A noite já havia caído e deu um jeito de acender uma fogueira lá fora, para que não sentissem tanto o frio que cortava a noite. Preocupada com o que poderia acontecer, depois de sair do terraço, pediu que Shuri tirasse a família do chalé vizinho e os levasse para outro lugar naquela noite. Confiava no processo, na ciência e em tudo que havia feito por tantos anos para chegar até aquele momento. Mas nunca era demais certificar-se e Bucky se sentiria mais à vontade daquela forma.
deixou suas flores e o pequeno cartão em seu quarto, pegou o casaco e o lenço que havia separado mais cedo, conversou com Shuri sobre o teste e dirigiu com Bucky até a fronteira. A longa viagem foi extremamente silenciosa. Ambos estavam tensos com o que aconteceria em breve, ansiosos, pensando em milhares de possibilidades de tudo dar errado outra vez. se apegava em suas próprias esperanças, mas Bucky, em especial, custava em acreditar que voltaria de lá da mesma forma que estava indo. Estava tão acostumado com as recaídas, com tudo dando errado, por que seria diferente dessa vez?
Em pé, de frente para Bucky e do outro lado da fogueira, viu ele fechar os olhos por um breve momento. Não era fácil e nem tão simples quanto parecia. Muita coisa deveria estar passando pela mente dele, muito do que ele fez, de onde esteve, do que lutava tanto para esquecer. O tratamento foi a primeira e única vez que Bucky pode ter esperança em oitenta anos. O primeiro tempo de paz em meio a tantas guerras, significava muito. E tinha que dar certo. Do contrário, nem nem Bucky sabiam como seria, como reagiriam ou o que deveriam fazer. esperou pacientemente até ele abrir os olhos novamente.
— Está na hora — Ela falou suave, queria acabar com aquela tortura silenciosa logo. Os olhos tensos de Bucky perdidos no fogo à sua frente.
— Você tem certeza disso? — Ele perguntou receoso. Por mais que quisesse fazer aquilo, estava apavorado, com medo de machucar ou qualquer outra pessoa. E ela sabia disso.
— Eu não vou te deixar machucar ninguém — respondeu segura, o olhando. Bucky parecia se recusar a olhar para ela, como se estivesse envergonhado do que viria a seguir.
Cercados por floresta, poderia intervir caso o soldado invernal fosse ativado e estaria segura. Essa era a única coisa que Bucky pensava quando, finalmente, começou a dizer as palavras, uma a uma, sem pressa. O medo transbordando dos olhos de Bucky, como ele nunca antes sentiu, fez desejar por um instante que não fosse ela ali, fazendo-o passar por aquilo.
— Желание, Ржавый... — o encarava. As lágrimas se formando em Bucky, sua mente apertando com cada uma das palavras que mais temia ouvir.
— Não vai funcionar — Bucky falou alto e desesperado, seus olhos carregados de lágrimas. sentiu seu coração cortar, ele estava claramente apavorado. Mas ela tinha que seguir em frente, ou ele nunca se livraria daquilo.
— Семнадцать, Рассвет, Печь, Девять, Добросердечный, Возвращение на родину, Один...
A mente de Bucky o levava para momentos em que cada uma daquelas palavras fazia sentido para ele. Ele se viu novamente na Hydra, sentiu a dor de ter sua mente mexida outra vez, de ter suas memórias apagadas. A sensação de confusão de ter o mínimo de consciência depois de assassinar alguém, a roupa que era obrigado a vestir, a máscara. Bucky viu a si mesmo segurando armas, atirando em pessoas, enforcando outras. Lembrou-se de Washington, de Steve o chamando pelo nome verdadeiro pela primeira vez, do estado em que deixou seu melhor amigo depois de quase o matar. A sensação de ver Tony Stark assistir ao próprio assassinato de seus pais, a mãe dele chamando por seu marido. Bucky viu , criança, ensanguentada, sendo rudemente puxada pela base afora da Hydra, gritando por ajuda. A voz de Steve dizendo a Tony que não foi culpa dele, a voz de gritando com T’Challa dizendo que ele não tinha matado seu pai. Zola dizendo que ele era um presente para a humanidade.
Sentindo-se torturado, Bucky lembrou-se do trem em que caiu, da sensação fria do inverno, da dor insuportável de ter seu braço esquerdo removido de seu corpo e outro de metal ter sido colocado no lugar. não tinha conseguido tirar aquela lembrança dele, como havia dito que faria, o tratamento não tinha sido eficiente para aquele trauma e pensar naquilo deixou Bucky ainda mais desesperado. Ele ouvia Zola dizer que o procedimento tinha começado, o barulho dos instrumentos médicos na sala que ele desejava nunca mais voltar em sua vida. A confusão que sentiu quando viu o que tinham feito com ele, de como foi ouvir sobre a Hydra pela primeira vez e do desespero de ter sido congelado. As lembranças, então, voltaram-se para meses atrás, quando Bucky acordou no galpão em Berlim, diante de Steve e Sam. O sentimento de culpa por ter cometido novos crimes, os olhares de desconfiança deles dois, de . Bucky se lembrou de Zemo e da última vez em que ouviu aquelas mesmas palavras que dizia com calma.
Sem conseguir conter mais as lágrimas, viu Bucky chorar enquanto sua expressão mudava de desespero para dor. Como se ele estivesse travando uma luta silenciosa contra cada uma das palavras que ouvia dela, como se estivesse a todo custo tentando impedir que as palavras tivessem qualquer impacto em sua mente. Bucky estava sofrendo absurdamente com aquilo e a cada palavra que dizia, a cada lembrança que Bucky revivia de seu passado atormentador, dava um passo mais perto dele, segurando-se para não deixar as lágrimas que se formavam cair.
— Товарный вагон — O vagão de carga, a última palavra da sequência, foi falada por , finalmente, a tempo de Bucky desabar, de uma vez por todas, como se toda sua dor tivesse se cristalizado de uma vez.
Apesar de todo o sofrimento que estava passando, Bucky não reagiu as palavras. Estava simplesmente lá, sentado, chorando, parado. Bucky não reagiu. Sua mente não respondeu a absolutamente nada, a nenhuma delas. Aquelas palavras não o machucavam mais, não o controlavam. E aquilo só queria dizer uma única coisa. Bucky estava livre agora e, com essa liberdade, a conquista da vida de tinha acabado de ser concluída.
— Você está livre — falou como se concluísse aquilo, sua voz baixa e embargada pelo choro que ela já não conseguia segurar mais.
Bucky não respondeu absolutamente nada, só chorou alto e desesperadamente. O medo e a insegurança que sentia antes dando espaço para uma sensação enorme de alívio. Ele estava livre. Bucky levantou seu olhar lentamente, ainda chorando, para , sem saber o que deveria dizer. Devia aquilo a ela. Ele podia recomeçar, podia reviver, não precisaria mais ter medo, não teria que lidar com a pressão de achar que seria controlado outra vez. Ninguém, nunca mais, o controlaria. Bucky tinha sua vida de volta. o libertou. E ele sabia o quanto aquilo tudo significava para ela. Queria se lembrar e Benedict e Hellen, sabia que estavam orgulhosos de sua menina.
Em pé a poucos passos de Bucky, levantou seu olhar para o céu, as estrelas assistindo a tudo com alegria e esperança. Onde quer que seus pais estivessem naquele momento, ela sentia que eles estavam finalmente em paz. tinha terminado o que eles começaram anos atrás, tinha conseguido concluir o plano desesperado deles de aliviar a culpa e o peso que carregavam por terem feito parte do soldado invernal. tinha acabado de vencer a Hydra de uma vez por todas, tinha vingado a morte de seus pais, tinha terminado o que a vida inteira planejou fazer. Ela tinha conseguido. Chorando e encarando o céu, sorriu sozinha. Benedict e Hellen podiam, finalmente, descansar em paz.
sentiu a mão de Bucky pegar na sua e ela desceu seu olhar até o dele. Não sabiam dizer qual dos dois estava mais emocionado com aquilo, mas certamente podiam ver a alegria, o alívio e a felicidade de terem conquistado a liberdade juntos. ajoelhou-se no chão, na frente dele, no meio de suas pernas e viu Bucky não conter a risada. Em meio a tantas lágrimas, Bucky riu feliz. Ele estava feliz, genuinamente feliz. Nunca pensou que poderia se sentir daquela forma algum dia. Nunca acreditou na liberdade, a paz sempre tinha sido um sonho. E agora ele estava livre.
Bucky viu rir com ternura junto com ele, deixando as lágrimas escorrerem por seu rosto. Sem pensar direito, então, ela o abraçou uma vez mais naquele dia. Para ela, ter Bucky por perto nunca era demais. Para ele, aquele era o primeiro de muitos dias de recomeço que viriam. Era o primeiro de todos os abraços que queria dar em pelo resto dos dias que vivesse. Devia o mundo a ela.
— Eu vou deixar você descansar agora — se afastou dele lentamente. Bucky limpou algumas lágrimas do rosto dela com delicadeza, não queria que ela fosse, não tinha mais o porquê ficar longe dela, não mais. Olhando dos lábios de até seus olhos intensos, Bucky sorriu.
— Fica aqui comigo, por favor.
- Capítulo 22 -
Bucky demorou muito para pegar no sono naquela noite. Não tinha certeza se pelo fato de ter ficado meses na criogenia e seu corpo já estar suficientemente descansado, ou se pelo turbilhão de emoções que sentiu naquele dia, sua mente simplesmente não o deixava dormir. Era difícil digerir tudo o que tinha acontecido, era bom demais para ser verdade. Parecia um sonho. Como se, a qualquer momento, ele fosse acordar e voltar a ser o Soldado Invernal, como se a alegria e a paz não fossem ter mais do que algumas horas de sobrevivência nele. Bucky revivia o momento do teste, que tinha passado há pouco, segundo a segundo, sensação a sensação, memória a memória, lágrima a lágrima. Cada uma das palavras passando e voltando em sua mente, sem realmente acreditar que ele tinha superado aquilo, mas aliviado também. Tinha mesmo vencido aquela etapa violenta de sua vida, tinha ganhado a chance de seguir em frente. E naquele momento, deitado em sua cama, deixando sua mente divagar por tudo que tinha vivido, Bucky se perguntou o que faria a seguir. Tinha consciência do passado, tinha ciência do presente, mas não tinha controle do futuro, não tinha ideia do que deveria fazer com a liberdade dali em diante e como poderia? Estar livre da Hydra, do Soldado Invernal, do controle, da violência, nunca tinha sido sequer uma opção para ele.
Alheia ao fato de Bucky ainda estar acordado, imerso em seus próprios pensamentos e preso nas emoções que sentiu nas últimas horas, se mexeu na cama, virando-se preguiçosamente de frente para o lado em que Bucky estava deitado. Sem se mover, com receio de acordá-la, ele abaixou seu olhar do teto até a mulher deitada ao seu lado, permitindo-se cortar os pensamentos ansiosos. Em um sono tranquilo e profundo, ela parecia descansar serena, finalmente, depois de tantos dias conturbados. também parecia em paz. Bucky a encarou por alguns minutos, em silêncio, o chalé sendo iluminado apenas pela luz do luar entrando pela janela, enquanto ele ajeitava delicadamente os cobertores sobre ela. era linda até dormindo. Deixando um sorriso leve escapar, ele se perguntou por um momento, uma vez mais, o que foi que tinha feito para merecer ela. Toda a atenção, o cuidado, a proteção, a preocupação e o carinho que parecia aumentar a cada dia. fazia parte daquele sonho e Bucky tinha medo de acordar dele.
Como uma chuva tranquila e intensa, as memórias recentes, de horas atrás, inundaram a mente de Bucky. O momento em que ajoelhou-se entre suas pernas e chorou junto com ele, feliz, aliviada, entregue ao sentimento de ter, finalmente, vencido a maior das batalhas de sua vida. A intimidade, a confiança, o momento que, para Bucky, só foi como foi, porque foi com ela. E não poderia ter sido melhor. Cada lágrima que limpou dela, o olhar intenso e sereno de sobre ele.
— Fica aqui comigo, por favor.
havia sorrido com ternura diante do pedido de Bucky para ficar lá, com ele. Ela deixou que ele enxugasse suas lágrimas e aceitou o pedido, feliz por não ter que ir embora, por não ter mais que se esconder, não precisar mais ficar longe dele. não sabia qual foi a última vez em que se sentiu daquela forma, não sabia se algum dia já tinha realmente gostado de alguém como sabia que estava gostando de Bucky. Ela queria ficar com ele, queria ter mais dele, queria dar mais dela. E por mais que soubesse sobre todos os riscos e sobre o quão complicado seria assumir aquilo, para , ainda assim, valia a pena tentar. Bucky era alguém que não desistiu dela ao saber pelo o que ela passou, alguém que se preocupava, que a protegia, que a respeitava; alguém que conhecia das batalhas e entendia a importância da vida, do tempo. Alguém que queria ficar com ela, que queria mantê-la ali, com ele. Alguém que pedia declaradamente para que ela ficasse. já não tinha mais como esconder o que sentia por ele, não depois de ter deixado suas emoções transbordarem no terraço. O que faltava para ela chegar no limite, para que ela realmente desse o próximo passo, era ter a certeza de que ele também sentia o mesmo por ela. Bucky era um homem confuso, de muitas dores e muitas inseguranças, seus sentimentos também deveriam estar confusos. Ela tinha que ter cuidado. Sabia que tudo aquilo era novo para ele e podia imaginar como estava sendo experimentar tudo aquilo de uma única vez. Se ele desse o primeiro passo, ela daria com ele. Do contrário, não iria atropelar seu tempo.
Sem ter muito o que dizer e sem conseguir parar de chorar, pela felicidade, pelo alívio da dor, por tantos anos em que passou fugindo, lutando, apanhando, sendo apagado, Bucky permitiu-se transparecer toda a fraqueza e todo medo que carregou dentro de si por tanto tempo. não sabia o que deveria fazer, ou falar. Nada seria o suficiente, nada poderia realmente ajudá-lo naquele momento. Bucky tinha que viver aquilo, tinha que ter tempo e espaço para sentir-se vivo de novo, livre de novo. E ela daria a ele quanto tempo fosse preciso. Sentada no chão, ainda entre as pernas de Bucky, deitou seu rosto no colo dele e ali ficaram por horas. Imersos em palavras suaves que saiam vez ou outra, na noite que caía sobre eles e guiados pela emoção de tudo que tinha acabado de acontecer. Os pensamentos de vagando entre Bucky e seus pais biológicos. Os pensamentos de Bucky vagando entre tudo que havia feito naqueles cem anos de vida e na mulher deitada em seu colo. Passando a mão direita carinhosamente pelos cabelos dela, Bucky assistia olhar do céu para ele, vez ou outra, e sorrir, como se aquilo fosse a coisa mais bonita que ele estava vendo em sua vida. Quando ele poderia imaginar que algo assim fosse acontecer?
A madrugada foi se aproximando e, com ela, o frio. parecia ficar sonolenta, seus olhos piscavam com mais lentidão e ela se encolhia cada vez mais perto de Bucky, como quando voltaram da Sibéria. Ele não queria que ela fosse embora, queria que ela passasse a noite lá, com ele. Mas ele poderia pedir algo assim? Bucky não costumava ter noites tranquilas de sono, tinha pesadelos constantes, tinha madrugadas conturbadas e isso quando conseguia dormir. Assustaria , a deixaria preocupada, sentiria vergonha de mostrar a ela mais uma parte do quão fodido ele era. Uma parte que ela não poderia ajudá-lo a se recuperar. Bucky não tinha realmente considerado aquilo quando pensou que deveria convidá-la a ficar e talvez fosse tarde demais agora para pedir que ela se afastasse. Ela parecia com sono, dirigir não era uma opção e ele não queria voltar para o palácio, estava seguro ali, longe, sozinho, com ela. Queria ficar e queria que ela ficasse.
Envergonhado pela ousadia do convite, amedrontado pelo o que poderia acontecer e inseguro de que ela fosse entender o contexto errado, Bucky convidou para dormir no chalé. deixou uma risada tímida escapar, aquilo tinha sido extremamente fofo. Os olhos dele desviando dos dela enquanto perguntava, a voz baixa, as bochechas dele levemente vermelhas. Ela lembrou-se de Steve dizendo que Bucky não sabia como reagir a ela e aquilo parecia verdade em muitos sentidos. Bucky costumava ser um homem completamente diferente no passado. Nunca teve vergonha de dar em cima das garotas que queria, sempre foi bom de flertar, expansivo, simpático e charmoso. Gostava de lugares cheios de pessoas, gostava de chamar atenção por onde passava e não se importava de ter uma garota diferente por semana em seu quarto. Ele se lembrava vagamente de ser daquele jeito e conhecia aquele lado, ele sabia que sim. Mas como ele poderia voltar a ser aquilo? De onde tiraria aquela segurança toda? Como reagiria a ver a cicatriz violenta do ombro esquerdo dele, como ele poderia tocar ela com o braço que matou tantas pessoas? Como ele diria a ela que queria senti-la, beijá-la? E como seria ser rejeitado, caso ela não quisesse nada daquilo e ele estivesse entendendo tudo errado? Depois de tantos anos de solidão, tantos anos em que sequer se lembrava o que era ter alguém por perto, como era sentir-se amado, acarinhado, como seria ser recusado?
Contudo, uma vez mais naquela noite, havia feito exatamente o oposto do esperado por ele. Ela simplesmente se levantou e estendeu sua mão para Bucky, o puxando para dentro da cabana com uma casualidade que ele não estava acostumado. tinha levado cobertores e tinha uma bolsinha com materiais de higiene pessoal no carro, que levou para dentro do chalé assim que chegaram ali. Preparados para dormir, tímidos pela situação, deixou seu casaco e seu lenço jogados no chão, ao lado da cama, e tirou suas botas. Bucky, ligeiramente nervoso com aquilo, deixou seus sapatos da mesma forma, ao canto, e sentou-se no lado oposto da cama onde , aparentemente, deitaria. Eles se encararam por um minuto. Se sentiam como adolescentes, como se tudo aquilo fosse intenso demais, incerto demais. Demais. e Bucky, então, soltaram uma risada baixa juntos. Deitando-se quase que ao mesmo tempo, lado a lado, na pequena cama do chalé que escondeu Bucky dias atrás, tudo parecia calmo, perfeito. O silêncio da noite cortava o ambiente e observou, discreta e silenciosamente, Bucky afastar de perto dela, o máximo que podia, seu braço de metal.
Bucky nunca tinha dividido a cama com alguém desde que ganhou aquele braço. Nunca tinha estado tão próximo a alguém daquela forma, nunca, jamais, tinha deixado alguém se aproximar daquele jeito. era a novidade, o recomeço, de muitas formas para ele. Por mais que estivesse feliz por tê-la ali, por ela ter aceitado ficar com ele naquela noite, por ter aceitado dormir lá, ele estava apavorado. E percebeu isso. Deitada sob seu próprio braço esquerdo, virada de frente para ele e o encarando, como se quisesse guardar cada detalhe daquele momento para sempre em sua mente, ela perguntou duas ou três vezes se ele tinha certeza daquilo e se ofereceu para ficar no carro, se ele quisesse, não haveria problema para ela. entendia que aquele era um grande passo e podia mesmo imaginar como ele estava se sentindo. Bucky não respondeu nada. Encarando ela de volta, ele negou levemente com a cabeça. Confuso entre a sensação de a querer e o medo de acontecer algo durante a noite, Bucky viu dezenas de pequenas flores em tom de rosa crescerem tímidas pelo teto e pelas paredes do chalé. Valerianas aceleram e melhoram o sono, disse a ele em um sussurro e sorriu levemente. Bucky não tinha que dizer nada, sabia o que ele sentia, se importava com isso. E talvez aquele fosse o principal motivo pelo qual ele tinha se apaixonado por ela.
Do lado direito dele, dividindo os cobertores e a pequena cama, adormeceu naquela noite. E foi relembrando de cada um dos detalhes até aquele momento que Bucky dormiu também.
***
Um pouco mais quente do que a noite anterior, o dia amanheceu aconchegante. acordou não muito tempo depois de Bucky ter, finalmente, pegado no sono. Preguiçosa, ela se aconchegou mais para dentro das cobertas, sem realmente querer sair dali. Se sentia descansada, pronta para começar um dia novo, mas tudo estava tão confortável e quentinho, sair da cama parecia um erro. demorou alguns minutos até ter consciência de onde realmente estava e só de fato percebeu quando sentiu o braço direito de Bucky passado em sua cintura, a abraçando levemente. Seus corpos estavam há poucos centímetros de formarem uma conchinha e tudo que conseguia pensar naquele momento era em como ela queria fosse daquela forma todas as manhãs. Se sentia segura, confortada, presa em um sonho feliz. O calor do corpo de Bucky emanava nela embaixo dos cobertores e ponderou por algum tempo se deveria se mover dali ou não. Não queria acordar Bucky se movendo dali e não queria sair daquela cama nunca mais. Contudo, um barulho discreto de passos na grama lá fora e uma sombra passando pela fresta da porta do chalé fizeram estranhar. Quem quer que estivesse ali, não era uma boa hora. Definitivamente não. O que estavam fazendo ali e o que queria com eles aquelas horas da manhã?
Curiosa, a passos delicados e deixando um suspiro frustrado escapar, deixou os braços de Bucky e a cama quentinha, e foi até a porta do chalé, abrindo-a sem muita cerimônia. Talvez fosse a família de Ayo voltando para a casa, no chalé vizinho, talvez fosse Aduke e seus irmãos brincando. Mas a frustração de em levantar da cama foi ainda maior quando ela viu, a poucos passos da porta, o filhote de cabrito pastar tranquilo. Revirando os olhos impaciente, ela voltou para dentro e encostou a porta delicadamente atrás de si. Tinha que aprender a ser menos desconfiada, a viver com a guarda abaixada. Tinha que parar, às vezes, de ser tão combativa.
hesitou por um momento, incerta, se deveria voltar para a cama com Bucky ou não. Embora parecesse tentador, ela não queria mesmo acordá-lo e sabia que se se sentasse ou deitasse na cama outra vez, o movimento o acordaria. Bucky tinha vivido emoções muito intensas na noite anterior e sair da criogenia nunca era uma tarefa fácil, mesmo para alguém como ele, precisava descansar. Calma e silenciosamente, decidiu ir até o pequeno e apertado banheiro - único cômodo separado dentro do chalé. Escovando os dentes no maior silêncio que podia fazer, ela se pegou sorrindo sozinha. Mesmo não sendo o lugar mais confortável que já passou a noite, aquilo tudo tinha sido… bom. Estava se sentindo leve, feliz, como há muito tempo não sentia. Seu coração agitado, a ansiedade de quem parecia querer que o tempo corresse, que às etapas fossem puladas, que o resultado fosse logo alcançado. estava feliz. Feliz por Bucky, feliz por tê-lo de volta, feliz pelos avanços pequenos e amorosos que estavam fazendo. Estava feliz como não se lembrava de estar nos últimos tempos.
De volta pelo o que seria o quarto e a cozinha juntos, observou Bucky dormindo. O cabelo bagunçado em seu rosto, os lábios entreabertos, a respiração calma. Ele parecia tranquilo, sereno de uma forma que nem poderia imaginar vê-lo algum dia. E talvez aquele fosse um dos mais sinceros sinais do que representava para ele. Bucky confiava nela. Confiou sua vida, sua mente, seu passado e seu futuro a . Deu a ela a chance de conhecê-lo, de se aproximar dele. E estava confiando sua intimidade à ela agora, dando a chance de mostrar intimamente quem era, se permitindo ser conhecido por alguém, abrindo a si mesmo à como nunca antes teve coragem ou vontade de fazer com outra pessoa. Talvez aquela fosse a percepção, o sinal, que ela precisava. ajeitou levemente os cobertores sobre ele, afofando-os carinhosamente. Bucky merecia ter uma vida. Merecia descansar, rir, sentir, chorar. Ele merecia ser feliz. E se sentia bem por fazer parte daquilo.
Deixando-o no chalé, dormindo profundamente, a mulher saiu para ver o dia lá fora e tomar um pouco de sol. As manhãs de Wakanda costumavam ser agradáveis e ela gostava de amanhecer ali. Nenhum lugar no mundo a deixava tão perto da natureza, tão confortável, protegida e confiante. Embora sempre tivesse tido consciência de que Wakanda não era realmente sua casa, se sentia, na maior parte dos dias, acolhida ali. Acolhida de uma forma que nenhum outro lugar, até aquele dia, a fez sentir. se mudou de casa muitas vezes na infância, até finalmente fixar-se em Wakanda. Tinha recordações da desconfiança e do medo de seus pais em alguém a encontrar, de algo acontecer com ela. A correria, a atenção redobrada, a sensação de que tudo estava prestes a mudar a qualquer momento. Wakanda representava paz para e para seus pais. Paz como estava sendo para Bucky também e aquilo era incrível.
Sem saber exatamente quanto tempo passou imersa em suas próprias reflexões sobre Wakanda e seus recomeços, observava o extenso lago a sua frente, sem realmente prestar atenção. Poucas foram as vezes em que teve a oportunidade de estar exatamente naquele lugar, diante da imensidão e da força da natureza. A fitocinese a fazia se sentir grande, potente, pertencente, no comando de absolutamente tudo que estava ao seu redor. Uma sensação boa, mas perigosa, sedutora. Uma sensação que conheceu exatamente ali, muitos anos atrás. Sorrindo pela lembrança de Okoye a treinando quando criança, de frente para aquele exato lago, agachou-se. Sua vida havia recomeçado ali. A de Bucky também. E ninguém, nunca, saberia a sensação daquilo. Ninguém, nunca, saberia pelo o que ela teve que passar até que pudesse efetivamente controlar a fitocinese. Exatamente como no exercício que se lembrava de fazer exaustivamente com Okoye, com um toque leve na superfície da água à sua frente, o lago inteiro foi coberto por flores de lótus, em um piscar de olhos. Outro toque e as flores, todas elas, foram substituídas por uma imensa corrente verde de pistia. No terceiro toque, tão leve quanto os dois primeiros, as pistias moveram-se até se transformarem em algas finas e longas, mergulhando no lago lentamente até desaparecer por completo.
— É incrível — A voz rouca e um tanto quanto sonolenta de Bucky cortou a atenção de , a fazendo levantar-se e virar levemente para trás.
Suas roupas estavam amarrotadas e os pés descalços na grama. Os cabelos recém penteados denunciavam que Bucky havia usado o pente dela, o sorriso de quem tinha tido uma boa noite de sono, depois de tanto tempo, nos lábios. Os olhos azuis claros levemente inchados pelo sono e a barba ligeiramente bagunçada o deixavam ainda mais charmoso. Ele era lindo de manhã. não segurou o sorriso ao vê-lo se aproximando, a passos lentos, com as mãos nos bolsos da calça, como se ainda estivesse se acostumando com a ideia de estar acordado.
— Bom dia, James — sorriu mais abertamente, assim que ele parou de frente para ela.
— Bom dia, — Ele sorriu de volta.
— Achei que fosse dormir até mais tarde — Ela comentou sorrindo leve — Te acordei?
— Não, não, está tudo bem — Bucky respondeu ainda baixo, ajeitando seus cabelos — Eu demorei um pouco para pegar no sono e… você não estava lá… quando eu acordei. Eu achei que...
Idiota. Foi exatamente assim que ele se sentiu dizendo aquilo em voz alta. Não era possível. já tinha visto insegurança demais nele, não precisava ter certeza de mais uma delas. Não poderia só ter dito bom dia? Sem graça com a confissão, Bucky desviou seu olhar dela e do sorriso mais lindo que conhecia, para um canto qualquer do lago ao lado. O dia estava lindo, o sol nascendo, o frescor das árvores banhando eles como uma fragrância suave, bem diferente de como ele acordou. Bucky tinha levantado em um pulo. Bastou segundos passando a mão pelo lado vazio da cama, em que deveria estar, para que ele despertasse. A sensação de que tudo tinha terminado mal, de que ele tinha feito algo contra ela, tomando sua mente. Ele sabia que tinha dormido pouco, não se lembrava de ter tido pesadelos naquela noite, mas e se ele tivesse feito algo enquanto dormia? E se sua mente, instável, caótica, tivesse apagado ao amanhecer? Estar livre não queria dizer estar curado. Ele não podia machucar . O que tinha acontecido? Instintivamente, ele olhou sua mão de metal, em busca de rastros do que poderia ter feito sair dali, tão cedo. No ápice do medo e da paranoia, Bucky só pensava em tudo que poderia ter dado errado naquela ideia de ter passado a noite com ela. Não era seguro. Mas bastou ele sair do chalé, e ver brincando com a natureza diante do lago, para que sua mente se acalmasse outra vez e ele se sentir a pessoa mais ridícula e insegura do mundo.
— Está tudo bem, Buck — respondeu suave, sem tirar seus olhos do rosto dele. Parecia meio tenso, preocupado — Não aconteceu nada. Eu só não queria te acordar, por isso saí de lá.
— Me desculpe, é só que eu não estou muito... acostumado a… — Ele engoliu em seco, sem realmente querer terminar aquela frase. Era mais difícil confessar aquilo do que imaginava.
— Passar a noite com alguém? — levantou as sobrancelhas, colocando suas mãos nos bolsos de trás de sua calça. Bucky voltou seu olhar até ela e sorriu tímido, envergonhado.
— Não nos últimos cinquenta anos — Ele pressionou os lábios, vendo o vento soltar os cabelos dela de trás da orelha.
— Foi bom e… aconchegante, acho que você leva jeito para isso — brincou, conseguindo tirar um riso fraco e bastante tímido de Bucky que, uma vez mais, desviou seu olhar do dela. Parecia fácil como fluía seus pensamentos para fora, como conseguia se expressar com clareza, com delicadeza. Bucky queria ter a segurança de fazer o mesmo por ela. Talvez valesse a tentativa.
— Fiquei com medo de acontecer alguma coisa… com você — Bucky confessou, dando dois passos lentos mais próximos de e delicadamente pegando a mecha de cabelo que voava no rosto dela, com a mão direita, e a colocando atrás de sua orelha, voltando a mão para o bolso outra vez. acompanhava cada movimento dele com o olhar — Na maior parte das noites eu tenho… pesadelos com coisas que vivi, que eu fiz. Às vezes eles são… violentos demais.
entendia o medo dele e sabia que a insistência em falar sobre o tema era por, justamente, ser uma preocupação real, um incômodo. Por mais que a mente de Bucky não pudesse mais ser controlada pelas palavras e ele não pudesse mais reviver o Soldado Invernal, tudo que viveu, que passou, que sofreu, que fez, estava lá, bem dentro deles, como o fardo que ele teria que carregar pelo resto de sua vida. Àquilo, não podia fazer nada para tirar dele. Só o tempo, paciência, acolhimento e muita terapia o poderiam ajudar a entender, aceitar e se sentir seguro e confiante em relação ao seu passado.
— Bom, mas parece que isso também está mudando — encolheu os ombros, sorrindo de lado.
— Consegui dormir três horas direto, sem pesadelos, é realmente uma vitória — Ele concordou com a cabeça e sorriu sem emoção.
— E dividiu a cama com alguém — Ela completou. Seu rosto levemente inclinado para cima, para ver o homem alguns centímetros mais altos do que ela, o sol batendo em seus rostos.
— Acho que de tudo que tem mudado, essa é a melhor parte — Bucky respondeu baixo, seus olhos sem desviar dos de . A verdade era que ele queria gritar que a melhor parte de tudo aquilo era ela, só ela. Mas ele conteve-se com a indireta e esperava que ela entendesse. sorriu mais abertamente e desviou seu olhar do dele, respirando fundo. Onde quer que ele quisesse chegar com aquilo, se sentia pronta, ansiosa, para que acontecesse logo.
— A melhor parte é você, Bucky — respondeu sincera, seu tom voz baixo, carinhoso, enquanto seu olhar voltava até ele — Você estar aqui, você estar de volta, estar se recuperando. É você.
Bucky sorriu sincero, toda a paixão que sentia por ela fervendo em seu peito, queimando. Aquela era a sensação que ele queria, que ele precisava ter. estava mesmo dizendo aquilo? Talvez aquele fosse o sinal que ele precisava para se sentir confortável o suficiente para dar o próximo passo. Talvez aquele fosse o momento perfeito. Só eles, o dia começando, o lugar da liberdade, a calmaria da manhã. A confissão de que se preocupavam um com o outro, se confiavam, se confortavam, talvez de que se queriam. Tinha passado a noite juntos, aquela era a manhã seguinte. Era o momento que Bucky queria, que esperava. E, sem que tivesse mais tempo para raciocinar o que acontecia ali, antes que desistisse, Bucky abraçou pela cintura, de frente para ela, e puxou seu corpo levemente para mais perto de si. Com o olhar preso no dele, só percebeu realmente o que estava acontecendo quando os lábios de Bucky estavam quase tocando os dela, seus narizes se encostando. Suas respirações se misturavam, as mãos de amorosamente apoiadas no peito de Bucky, seus corações tão acelerados como se aquilo fosse inédito, único. diminuiu ainda mais o espaço entre eles, enquanto Bucky subia sua mão direita pelas costas dela, até a nuca, entrelaçando seus dedos nos cabelos dela. Seus olhos azuis dançavam entre os olhos de e os lábios dela e ele chegou a tombar ligeiramente a cabeça para o lado, roçando seus lábios nos dela, até tudo se perder de uma vez.
— AH, POR BAST!
— Não acredito — sussurrou e fechou os olhos com raiva, sentindo Bucky a soltar e se afastar alguns passos dela, claramente frustrado. Eles estavam prestes a se beijar, ele ia beijar . Mas que porra, Shuri.
— Eu acordei 6 horas da manhã para vir atrás de vocês, porque eu estava super preocupada, e vocês estão aqui brincando de Lagoa Azul? — Shuri praticamente gritava, vindo a passos largos para mais perto deles. De trás dela, Ayo negava discretamente com a cabeça. Se tivesse percebido antes o que acontecia ali, teria segurado Shuri.
— O que é a lagoa azul? — Bucky perguntou emburrado para , curioso, os dois se virando de frente para onde Shuri vinha caminhando e bufando.
— Não vai querer saber, acredite — respondeu meio irritada.
— Eu podia matar vocês nesse momento!
— A recíproca é verdadeira — Bucky murmurou baixo, descontente.
— Vocês não dão notícias desde ontem à noite! Sabe o que eu estava achando? Que tinha dado tudo errado, que um de vocês estava morto nessas horas — Shuri apontava para eles feito uma mãe irritada. Bucky umedeceu os lábios e arregalou os olhos forçadamente, enquanto bufou.
— E mesmo assim você dormiu e esperou amanhecer para vir atrás da gente? — perguntou irônica, cruzando os braços.
— Eu prezo pela qualidade do meu sono — Shuri deu de ombros. Estava irritada, mas, no fundo, aliviada por eles estarem bem, vivos e seja lá fazendo o que quando ela chegou.
— Muito preocupada mesmo — Bucky respondeu baixo, revirou os olhos concordando.
— Você não está em posição de dizer algo aqui, Lobo Branco — Shuri sorriu sem graça, olhando de Bucky para — Com todo respeito.
— Nós já íamos voltar — tentou concluir o assunto.
— Voltar para a cama, né, você quer dizer? — Shuri apontou para o chalé mais ao lado. As expressões de e Bucky indo de clara frustração para incredulidade e constrangimento, respectivamente. Shuri riu sozinha.
— SHURI! — deu um tapa leve no ombro da amiga, negando com a cabeça. Ela conseguia deixar tudo ainda mais desconfortável, não era possível. Ela tinha atrapalhado o momento, estava sendo dramática e ainda zoando eles de propósito. tinha certo receio de como Bucky reagiria aquilo depois, não era tempo de testar as emoções dele.
— Ah, qual é? Todo mundo sabe o que estava rolando aqui, maninha — Shuri falou olhando diretamente , como s e ignorasse completamente o fato de Bucky estar bem ali, um passo ao lado, segurando a risada, envergonhado.
— Você tem dez segundos para sair daqui ou vai virar alga morta dentro desse lago — apontou de Shuri para o lago atrás de si.
— Retificando: nós temos dez segundos para sair daqui porque (i) seu pai ligou 18 vezes atrás de você ontem e (ii) você tem um brunch com o rei para ir hoje — Shuri disse respectivamente para e Bucky, que, quase ao mesmo tempo, franziram as testas em claro sinal de confusão.
— Qual deles ligou? — perguntou curiosa, estranhando — Não, espera, nem precisa dizer. Karl?
— Brunch? Com o rei? T’Challa? — Bucky perguntou ao mesmo tempo que , confuso.
— Os próprios — Shuri concordou com a cabeça e sorriu forçadamente.
— O que aconteceu dessa vez? — perguntou em um tom preocupado. Pela insistência de Karl em falar com ela, era possível que algo sério tivesse acontecido. Bucky olhou para ela por um instante, igualmente preocupado. estava passando por meses complicados, desgastantes e muito intensos. Não era possível que, depois de tudo, ainda havia mais por vir. Pelo menos, dessa vez, ele estaria lá com ela.
— Não sei, ele só disse que precisava falar com você —Shuri respondeu simplesmente, encarando a amiga pressionar os lábios em preocupação.
— Urgente?
— Pelo tom de voz dele? Não pareceu — Shuri negou com a cabeça, vendo concordar, ligeiramente aliviada. Só se sentiria tranquila, mesmo, quando soubesse o que ele queria.
— O que eu vou fazer em um brunch com T’Challa? — Bucky perguntou nitidamente desconfortável, olhando de Shuri para .
— Eu avisei para ele que você havia acordado, falei dos exames, da prótese nova e também contei que vocês estavam aqui para testar o tratamento — Shuri explicou colocando as mãos nos bolsos de sua saia — Ele quer saber como você se sente e como podemos te ajudar daqui em diante.
Bucky não estava realmente esperando por aquilo. Wakanda já tinha feito demais por ele quando o protegeu, e Shuri estavam fazendo demais por ele com o tratamento, com o novo braço, dando-lhe um lugar para viver e tentar recomeçar. Não precisava e não queria mais nada, não teria como retribuir tudo aquilo e parte dele ainda não se julgava merecedor. Como uma redenção, um perdão que ele ainda não tinha tido coragem de pedir, ele não merecia nada daquilo. Mas, aparentemente, teria que aprender a lidar com a culpa e com a sensação de, a todo tempo, ser ajudado. O maior problema daquilo tudo, para Bucky, era o sentimento opressor das lembranças de que todas as vezes em que lhe foi oferecida ajuda, ele acabou sendo controlado. T’Challa não faria isso com ele, ele imaginava. E estava ali, ela não deixaria, deixaria? Talvez estivesse inclinado demais ao passado, deixando, uma vez mais, sua mente vencer e o fazer recusar ajuda. Talvez dar uma chance a ele, como deu a , podia ser bom.
— Obrigado — Bucky ateve-se em dizer, concordando com a cabeça. Shuri sorriu em resposta.
— E o tratamento? Deu certo? — Ela perguntou curiosa. Pela postura dos dois, e pelo momento que ela havia interferido minutos antes, parecia que sim, que tudo tinha dado mais do que certo. Precisava encher mais tarde, saber de todos os detalhes.
— Estou livre, finalmente — Ele respondeu um pouco mais feliz, sorrindo de Shuri para , que retribuiu.
Bucky contou brevemente para Shuri como tinha sido o teste na noite anterior, enquanto recolhia, com ajuda de Ayo, seus pertences de dentro do chalé. Lá dentro, agradecia imensamente a Ayo pela ajuda e por ter cedido o lugar para que Bucky ficasse em segurança. Lá fora, Shuri fazia perguntas técnicas sobre a prótese nova do braço de Bucky que, até então, parecia responder bem à adaptação ao corpo dele. Não demoraram mais do que meia hora para saírem dali. Shuri voltou com Ayo, no carro a frente, enquanto e Bucky foram no carro que chegaram até ali na noite anterior. Apesar do que quase havia acontecido entre eles mais cedo, e do constrangimento que passaram com Shuri, o clima não pareceu pesado ou desconfortável. Mas, igualmente, nenhum dos dois se atreveu a falar uma só palavra sobre aquilo.
Diferente da ida, decidiu voltar pelo caminho mais longo. Estava disposta a mostrar o máximo que podia de Wakanda para Bucky e não queria que o tempo com ele terminasse logo. Quanto mais longo fosse o caminho, mais tempo poderiam passar juntos e aquilo pareceu uma boa ideia. Evitando ao máximo cair no assunto do que tinha se passado naquela manhã, Bucky perguntou algumas coisas sobre a infância de em Wakanda, como foi se adaptar naquele lugar e passaram mais da metade do caminho conversando sobre aquilo.
Assim como estava sendo um tanto quanto estranho e angustiante para ele, também compartilhava da sensação de não ter uma casa. De ter sido forçada a deixar o que conhecia para trás, de ter sido forçada a começar outra vez. Em outro cenário, em outro contexto, de uma forma completamente diferente, também tinha passado pelo o que Bucky estava passando e talvez fosse exatamente por compartilhar daquela sensação que ele se sentia à vontade em perguntar, em se abrir, em conversar sobre aquilo. contou que Wakanda a deu a liberdade de poder ser quem era, mas cobrou dela um custo alto, um controle que, em menor grau agora que T’Challa era o rei, ela também tinha que se submeter. Ela contou de Everett, do acordo que fez com T’Chaka para recebê-la no país, dos segredos que tiveram que manter, dos treinamentos e dos testes que foi obrigada a se submeter. estava segura ali, protegida, em segredo. Mas toda sua vida no país era uma negociação e nunca passou disso. Chateado por descobrir aquela parte da vida de , Bucky podia imaginar o quão difícil e solitário era para ela. Queria poder ter uma solução para aquilo.
— Quem sabe um dia não esqueçam da nossa existência e a gente não possa ser livres o suficiente para escolher a nossa casa — Bucky pensou alto, olhando pela janela.
— E quando isso acontecer, você vai voltar para Nova Iorque? — perguntou sorrindo leve, olhando brevemente para ele e de volta para a estrada à frente.
— Não — Ele respondeu certeiro.
— Para onde você iria?
— Para a França — Bucky voltou seu olhar até ela, a tempo de ver o sorriso dela se abrir e a testa franzir levemente.
— França? Por quê? — perguntou confusa. Bucky suspirou.
— Porque é onde eu poderia encontrar você.
deixou uma risada tímida escapar, feliz e surpresa pela resposta dele. Bucky conseguiu transformar uma conversa longa e triste em algo leve e fofo. Sem saber direito o que responder, se pegou imaginando como seria ter a chance de viver na França outra vez, e com ele. No silêncio confortável que havia acabado de se instalar no carro, entre uma música e outra de um especial do Maroon 5 tocando no rádio, a mente de gritava o fato de quase ter beijado Bucky. A sensação dos lábios dele começando a tocar os dela, a mão dele em sua nuca, o arrepio, o calor. A adrenalina de viver tudo aquilo, mas, ao mesmo tempo, de não se ter certeza se é real. não estava acreditando em nada daquilo. Estava perfeito e, uma vez mais, não durou, sequer começou. Se fossem dois minutos antes, tudo teria sido diferente. O tempo. Sempre o tempo.
Do banco do carona, observando a extensa e completamente vazia rua abrir-se à frente, Bucky dividia aqueles pensamentos com , sem nem ter ideia disso. A música que nunca tinha ouvido antes na vida contava a história de um casal que tinha uma última noite juntos até o amanhecer, quando teriam que se despedir, e aquilo pareceu amargamente real para ele. Se pudesse escolher, se tivesse a chance de escolher, Bucky gostaria de ficar para sempre naquele chalé, com . O estranho sentimento de conforto e segurança que tinha com ela parecia potencializar naquele lugar, como se estivesse a salvo do mundo, a sós, isolados. Como se não precisassem de mais nada. Bucky assistia o caminho com atenção, a melodia calma e um tanto quanto triste da música ao longo, sussurrando a letra tão baixo que mal podia ser ouvida. As centenas de milhares de flores nas árvores do acostamento, que acompanhava a estrada pela qual dirigiam, faziam Bucky, a todo tempo, lembrar de e do quase beijo.
A vontade dele era que parasse aquele carro e que eles pudessem ficar juntos ali, do jeito que fosse, como fosse. Mas ele jamais falaria aquilo para . Por mais ansioso que ele estivesse, por mais que quisesse sentir de novo o que sentiu naquela manhã, ele sabia que tinha que ser em tempo, com calma. Como um bom vinho a ser degustado, como uma dança. A dança. Como se uma luz tivesse sido acesa em sua mente, Bucky iluminou-se com a ideia repentina. Talvez aquele dia ainda não estivesse totalmente perdido, talvez ainda houvesse uma chance de terminar como ele queria que aquela manhã tivesse terminado. Ele só precisava perguntar. E só precisava que aceitasse a ideia, que estivesse disposta a dar-lhe outra chance.
— O que você vai fazer hoje… a noite? — Bucky a olhou com expectativa, assim que entraram na cidade. Parte de si envergonhado pela pergunta, outra parte torcendo, gritando por dentro, para que ela aceitasse o convite.
— O que você quer fazer? — respondeu prontamente, como se estivesse esperando por aquela pergunta. Seus olhos desviaram a atenção da rua até Bucky por um segundo, até ela voltar a se concentrar na direção.
— Sair… com você — Bucky desviou seu olhar dela — Dançar, talvez.
— Achei que tinha esquecido disso — respondeu feliz, seus olhos na rua, enquanto já adentravam o centro da cidade. Ela deixaria Bucky direto no restaurante onde T’Challa havia marcado o tradicional brunch.
— Estou pensando nisso desde que acordei da criogenia, para ser sincero — Bucky colocou seu cabelo atrás da orelha, meio nervoso.
— Você se sente confortável em sair? Ou prefere ficar aqui? — perguntou pensativa. Não queria forçar nenhuma barra. Bucky pareceu pensar por alguns instantes.
— Desde que não seja um lugar muito cheio, acho que tudo bem — Ele concordou, vendo sorrir e assentir com a cabeça, estacionando o carro em frente a um restaurante que, aparentemente, estava fechado. T’Challa certamente havia reservado o lugar inteiro, na dúvida de Barnes iria se sentir bem ou não em dividir o ambiente com estranhos.
— Podemos ir naquele lugar que comentei com você — Ela refletiu, observando Bucky abrir a porta do carro — Acho que você vai gostar de lá e não é cheio.
— Tudo bem por você? Não parece ter muitas pessoas da sua idade por lá — Ele brincou, vendo rir leve.
— Acho que gosto dos velhos — Ela olhou significativamente para ele, sorrindo. Foi a vez de Bucky rir baixo.
— Sorte a minha — Ele respondeu charmoso, a encarando uma última vez até, finalmente, descer do carro. esperou ele ir para a porta de entrada do restaurante e virar-se para ela, para despedir-se. Ela abaixou o vidro do carona e disse alto o suficiente para ele ouvir:
— Às 20h, no Boogie. Te encontro lá.
Alheia ao fato de Bucky ainda estar acordado, imerso em seus próprios pensamentos e preso nas emoções que sentiu nas últimas horas, se mexeu na cama, virando-se preguiçosamente de frente para o lado em que Bucky estava deitado. Sem se mover, com receio de acordá-la, ele abaixou seu olhar do teto até a mulher deitada ao seu lado, permitindo-se cortar os pensamentos ansiosos. Em um sono tranquilo e profundo, ela parecia descansar serena, finalmente, depois de tantos dias conturbados. também parecia em paz. Bucky a encarou por alguns minutos, em silêncio, o chalé sendo iluminado apenas pela luz do luar entrando pela janela, enquanto ele ajeitava delicadamente os cobertores sobre ela. era linda até dormindo. Deixando um sorriso leve escapar, ele se perguntou por um momento, uma vez mais, o que foi que tinha feito para merecer ela. Toda a atenção, o cuidado, a proteção, a preocupação e o carinho que parecia aumentar a cada dia. fazia parte daquele sonho e Bucky tinha medo de acordar dele.
Como uma chuva tranquila e intensa, as memórias recentes, de horas atrás, inundaram a mente de Bucky. O momento em que ajoelhou-se entre suas pernas e chorou junto com ele, feliz, aliviada, entregue ao sentimento de ter, finalmente, vencido a maior das batalhas de sua vida. A intimidade, a confiança, o momento que, para Bucky, só foi como foi, porque foi com ela. E não poderia ter sido melhor. Cada lágrima que limpou dela, o olhar intenso e sereno de sobre ele.
— Fica aqui comigo, por favor.
havia sorrido com ternura diante do pedido de Bucky para ficar lá, com ele. Ela deixou que ele enxugasse suas lágrimas e aceitou o pedido, feliz por não ter que ir embora, por não ter mais que se esconder, não precisar mais ficar longe dele. não sabia qual foi a última vez em que se sentiu daquela forma, não sabia se algum dia já tinha realmente gostado de alguém como sabia que estava gostando de Bucky. Ela queria ficar com ele, queria ter mais dele, queria dar mais dela. E por mais que soubesse sobre todos os riscos e sobre o quão complicado seria assumir aquilo, para , ainda assim, valia a pena tentar. Bucky era alguém que não desistiu dela ao saber pelo o que ela passou, alguém que se preocupava, que a protegia, que a respeitava; alguém que conhecia das batalhas e entendia a importância da vida, do tempo. Alguém que queria ficar com ela, que queria mantê-la ali, com ele. Alguém que pedia declaradamente para que ela ficasse. já não tinha mais como esconder o que sentia por ele, não depois de ter deixado suas emoções transbordarem no terraço. O que faltava para ela chegar no limite, para que ela realmente desse o próximo passo, era ter a certeza de que ele também sentia o mesmo por ela. Bucky era um homem confuso, de muitas dores e muitas inseguranças, seus sentimentos também deveriam estar confusos. Ela tinha que ter cuidado. Sabia que tudo aquilo era novo para ele e podia imaginar como estava sendo experimentar tudo aquilo de uma única vez. Se ele desse o primeiro passo, ela daria com ele. Do contrário, não iria atropelar seu tempo.
Sem ter muito o que dizer e sem conseguir parar de chorar, pela felicidade, pelo alívio da dor, por tantos anos em que passou fugindo, lutando, apanhando, sendo apagado, Bucky permitiu-se transparecer toda a fraqueza e todo medo que carregou dentro de si por tanto tempo. não sabia o que deveria fazer, ou falar. Nada seria o suficiente, nada poderia realmente ajudá-lo naquele momento. Bucky tinha que viver aquilo, tinha que ter tempo e espaço para sentir-se vivo de novo, livre de novo. E ela daria a ele quanto tempo fosse preciso. Sentada no chão, ainda entre as pernas de Bucky, deitou seu rosto no colo dele e ali ficaram por horas. Imersos em palavras suaves que saiam vez ou outra, na noite que caía sobre eles e guiados pela emoção de tudo que tinha acabado de acontecer. Os pensamentos de vagando entre Bucky e seus pais biológicos. Os pensamentos de Bucky vagando entre tudo que havia feito naqueles cem anos de vida e na mulher deitada em seu colo. Passando a mão direita carinhosamente pelos cabelos dela, Bucky assistia olhar do céu para ele, vez ou outra, e sorrir, como se aquilo fosse a coisa mais bonita que ele estava vendo em sua vida. Quando ele poderia imaginar que algo assim fosse acontecer?
A madrugada foi se aproximando e, com ela, o frio. parecia ficar sonolenta, seus olhos piscavam com mais lentidão e ela se encolhia cada vez mais perto de Bucky, como quando voltaram da Sibéria. Ele não queria que ela fosse embora, queria que ela passasse a noite lá, com ele. Mas ele poderia pedir algo assim? Bucky não costumava ter noites tranquilas de sono, tinha pesadelos constantes, tinha madrugadas conturbadas e isso quando conseguia dormir. Assustaria , a deixaria preocupada, sentiria vergonha de mostrar a ela mais uma parte do quão fodido ele era. Uma parte que ela não poderia ajudá-lo a se recuperar. Bucky não tinha realmente considerado aquilo quando pensou que deveria convidá-la a ficar e talvez fosse tarde demais agora para pedir que ela se afastasse. Ela parecia com sono, dirigir não era uma opção e ele não queria voltar para o palácio, estava seguro ali, longe, sozinho, com ela. Queria ficar e queria que ela ficasse.
Envergonhado pela ousadia do convite, amedrontado pelo o que poderia acontecer e inseguro de que ela fosse entender o contexto errado, Bucky convidou para dormir no chalé. deixou uma risada tímida escapar, aquilo tinha sido extremamente fofo. Os olhos dele desviando dos dela enquanto perguntava, a voz baixa, as bochechas dele levemente vermelhas. Ela lembrou-se de Steve dizendo que Bucky não sabia como reagir a ela e aquilo parecia verdade em muitos sentidos. Bucky costumava ser um homem completamente diferente no passado. Nunca teve vergonha de dar em cima das garotas que queria, sempre foi bom de flertar, expansivo, simpático e charmoso. Gostava de lugares cheios de pessoas, gostava de chamar atenção por onde passava e não se importava de ter uma garota diferente por semana em seu quarto. Ele se lembrava vagamente de ser daquele jeito e conhecia aquele lado, ele sabia que sim. Mas como ele poderia voltar a ser aquilo? De onde tiraria aquela segurança toda? Como reagiria a ver a cicatriz violenta do ombro esquerdo dele, como ele poderia tocar ela com o braço que matou tantas pessoas? Como ele diria a ela que queria senti-la, beijá-la? E como seria ser rejeitado, caso ela não quisesse nada daquilo e ele estivesse entendendo tudo errado? Depois de tantos anos de solidão, tantos anos em que sequer se lembrava o que era ter alguém por perto, como era sentir-se amado, acarinhado, como seria ser recusado?
Contudo, uma vez mais naquela noite, havia feito exatamente o oposto do esperado por ele. Ela simplesmente se levantou e estendeu sua mão para Bucky, o puxando para dentro da cabana com uma casualidade que ele não estava acostumado. tinha levado cobertores e tinha uma bolsinha com materiais de higiene pessoal no carro, que levou para dentro do chalé assim que chegaram ali. Preparados para dormir, tímidos pela situação, deixou seu casaco e seu lenço jogados no chão, ao lado da cama, e tirou suas botas. Bucky, ligeiramente nervoso com aquilo, deixou seus sapatos da mesma forma, ao canto, e sentou-se no lado oposto da cama onde , aparentemente, deitaria. Eles se encararam por um minuto. Se sentiam como adolescentes, como se tudo aquilo fosse intenso demais, incerto demais. Demais. e Bucky, então, soltaram uma risada baixa juntos. Deitando-se quase que ao mesmo tempo, lado a lado, na pequena cama do chalé que escondeu Bucky dias atrás, tudo parecia calmo, perfeito. O silêncio da noite cortava o ambiente e observou, discreta e silenciosamente, Bucky afastar de perto dela, o máximo que podia, seu braço de metal.
Bucky nunca tinha dividido a cama com alguém desde que ganhou aquele braço. Nunca tinha estado tão próximo a alguém daquela forma, nunca, jamais, tinha deixado alguém se aproximar daquele jeito. era a novidade, o recomeço, de muitas formas para ele. Por mais que estivesse feliz por tê-la ali, por ela ter aceitado ficar com ele naquela noite, por ter aceitado dormir lá, ele estava apavorado. E percebeu isso. Deitada sob seu próprio braço esquerdo, virada de frente para ele e o encarando, como se quisesse guardar cada detalhe daquele momento para sempre em sua mente, ela perguntou duas ou três vezes se ele tinha certeza daquilo e se ofereceu para ficar no carro, se ele quisesse, não haveria problema para ela. entendia que aquele era um grande passo e podia mesmo imaginar como ele estava se sentindo. Bucky não respondeu nada. Encarando ela de volta, ele negou levemente com a cabeça. Confuso entre a sensação de a querer e o medo de acontecer algo durante a noite, Bucky viu dezenas de pequenas flores em tom de rosa crescerem tímidas pelo teto e pelas paredes do chalé. Valerianas aceleram e melhoram o sono, disse a ele em um sussurro e sorriu levemente. Bucky não tinha que dizer nada, sabia o que ele sentia, se importava com isso. E talvez aquele fosse o principal motivo pelo qual ele tinha se apaixonado por ela.
Do lado direito dele, dividindo os cobertores e a pequena cama, adormeceu naquela noite. E foi relembrando de cada um dos detalhes até aquele momento que Bucky dormiu também.
Um pouco mais quente do que a noite anterior, o dia amanheceu aconchegante. acordou não muito tempo depois de Bucky ter, finalmente, pegado no sono. Preguiçosa, ela se aconchegou mais para dentro das cobertas, sem realmente querer sair dali. Se sentia descansada, pronta para começar um dia novo, mas tudo estava tão confortável e quentinho, sair da cama parecia um erro. demorou alguns minutos até ter consciência de onde realmente estava e só de fato percebeu quando sentiu o braço direito de Bucky passado em sua cintura, a abraçando levemente. Seus corpos estavam há poucos centímetros de formarem uma conchinha e tudo que conseguia pensar naquele momento era em como ela queria fosse daquela forma todas as manhãs. Se sentia segura, confortada, presa em um sonho feliz. O calor do corpo de Bucky emanava nela embaixo dos cobertores e ponderou por algum tempo se deveria se mover dali ou não. Não queria acordar Bucky se movendo dali e não queria sair daquela cama nunca mais. Contudo, um barulho discreto de passos na grama lá fora e uma sombra passando pela fresta da porta do chalé fizeram estranhar. Quem quer que estivesse ali, não era uma boa hora. Definitivamente não. O que estavam fazendo ali e o que queria com eles aquelas horas da manhã?
Curiosa, a passos delicados e deixando um suspiro frustrado escapar, deixou os braços de Bucky e a cama quentinha, e foi até a porta do chalé, abrindo-a sem muita cerimônia. Talvez fosse a família de Ayo voltando para a casa, no chalé vizinho, talvez fosse Aduke e seus irmãos brincando. Mas a frustração de em levantar da cama foi ainda maior quando ela viu, a poucos passos da porta, o filhote de cabrito pastar tranquilo. Revirando os olhos impaciente, ela voltou para dentro e encostou a porta delicadamente atrás de si. Tinha que aprender a ser menos desconfiada, a viver com a guarda abaixada. Tinha que parar, às vezes, de ser tão combativa.
hesitou por um momento, incerta, se deveria voltar para a cama com Bucky ou não. Embora parecesse tentador, ela não queria mesmo acordá-lo e sabia que se se sentasse ou deitasse na cama outra vez, o movimento o acordaria. Bucky tinha vivido emoções muito intensas na noite anterior e sair da criogenia nunca era uma tarefa fácil, mesmo para alguém como ele, precisava descansar. Calma e silenciosamente, decidiu ir até o pequeno e apertado banheiro - único cômodo separado dentro do chalé. Escovando os dentes no maior silêncio que podia fazer, ela se pegou sorrindo sozinha. Mesmo não sendo o lugar mais confortável que já passou a noite, aquilo tudo tinha sido… bom. Estava se sentindo leve, feliz, como há muito tempo não sentia. Seu coração agitado, a ansiedade de quem parecia querer que o tempo corresse, que às etapas fossem puladas, que o resultado fosse logo alcançado. estava feliz. Feliz por Bucky, feliz por tê-lo de volta, feliz pelos avanços pequenos e amorosos que estavam fazendo. Estava feliz como não se lembrava de estar nos últimos tempos.
De volta pelo o que seria o quarto e a cozinha juntos, observou Bucky dormindo. O cabelo bagunçado em seu rosto, os lábios entreabertos, a respiração calma. Ele parecia tranquilo, sereno de uma forma que nem poderia imaginar vê-lo algum dia. E talvez aquele fosse um dos mais sinceros sinais do que representava para ele. Bucky confiava nela. Confiou sua vida, sua mente, seu passado e seu futuro a . Deu a ela a chance de conhecê-lo, de se aproximar dele. E estava confiando sua intimidade à ela agora, dando a chance de mostrar intimamente quem era, se permitindo ser conhecido por alguém, abrindo a si mesmo à como nunca antes teve coragem ou vontade de fazer com outra pessoa. Talvez aquela fosse a percepção, o sinal, que ela precisava. ajeitou levemente os cobertores sobre ele, afofando-os carinhosamente. Bucky merecia ter uma vida. Merecia descansar, rir, sentir, chorar. Ele merecia ser feliz. E se sentia bem por fazer parte daquilo.
Deixando-o no chalé, dormindo profundamente, a mulher saiu para ver o dia lá fora e tomar um pouco de sol. As manhãs de Wakanda costumavam ser agradáveis e ela gostava de amanhecer ali. Nenhum lugar no mundo a deixava tão perto da natureza, tão confortável, protegida e confiante. Embora sempre tivesse tido consciência de que Wakanda não era realmente sua casa, se sentia, na maior parte dos dias, acolhida ali. Acolhida de uma forma que nenhum outro lugar, até aquele dia, a fez sentir. se mudou de casa muitas vezes na infância, até finalmente fixar-se em Wakanda. Tinha recordações da desconfiança e do medo de seus pais em alguém a encontrar, de algo acontecer com ela. A correria, a atenção redobrada, a sensação de que tudo estava prestes a mudar a qualquer momento. Wakanda representava paz para e para seus pais. Paz como estava sendo para Bucky também e aquilo era incrível.
Sem saber exatamente quanto tempo passou imersa em suas próprias reflexões sobre Wakanda e seus recomeços, observava o extenso lago a sua frente, sem realmente prestar atenção. Poucas foram as vezes em que teve a oportunidade de estar exatamente naquele lugar, diante da imensidão e da força da natureza. A fitocinese a fazia se sentir grande, potente, pertencente, no comando de absolutamente tudo que estava ao seu redor. Uma sensação boa, mas perigosa, sedutora. Uma sensação que conheceu exatamente ali, muitos anos atrás. Sorrindo pela lembrança de Okoye a treinando quando criança, de frente para aquele exato lago, agachou-se. Sua vida havia recomeçado ali. A de Bucky também. E ninguém, nunca, saberia a sensação daquilo. Ninguém, nunca, saberia pelo o que ela teve que passar até que pudesse efetivamente controlar a fitocinese. Exatamente como no exercício que se lembrava de fazer exaustivamente com Okoye, com um toque leve na superfície da água à sua frente, o lago inteiro foi coberto por flores de lótus, em um piscar de olhos. Outro toque e as flores, todas elas, foram substituídas por uma imensa corrente verde de pistia. No terceiro toque, tão leve quanto os dois primeiros, as pistias moveram-se até se transformarem em algas finas e longas, mergulhando no lago lentamente até desaparecer por completo.
— É incrível — A voz rouca e um tanto quanto sonolenta de Bucky cortou a atenção de , a fazendo levantar-se e virar levemente para trás.
Suas roupas estavam amarrotadas e os pés descalços na grama. Os cabelos recém penteados denunciavam que Bucky havia usado o pente dela, o sorriso de quem tinha tido uma boa noite de sono, depois de tanto tempo, nos lábios. Os olhos azuis claros levemente inchados pelo sono e a barba ligeiramente bagunçada o deixavam ainda mais charmoso. Ele era lindo de manhã. não segurou o sorriso ao vê-lo se aproximando, a passos lentos, com as mãos nos bolsos da calça, como se ainda estivesse se acostumando com a ideia de estar acordado.
— Bom dia, James — sorriu mais abertamente, assim que ele parou de frente para ela.
— Bom dia, — Ele sorriu de volta.
— Achei que fosse dormir até mais tarde — Ela comentou sorrindo leve — Te acordei?
— Não, não, está tudo bem — Bucky respondeu ainda baixo, ajeitando seus cabelos — Eu demorei um pouco para pegar no sono e… você não estava lá… quando eu acordei. Eu achei que...
Idiota. Foi exatamente assim que ele se sentiu dizendo aquilo em voz alta. Não era possível. já tinha visto insegurança demais nele, não precisava ter certeza de mais uma delas. Não poderia só ter dito bom dia? Sem graça com a confissão, Bucky desviou seu olhar dela e do sorriso mais lindo que conhecia, para um canto qualquer do lago ao lado. O dia estava lindo, o sol nascendo, o frescor das árvores banhando eles como uma fragrância suave, bem diferente de como ele acordou. Bucky tinha levantado em um pulo. Bastou segundos passando a mão pelo lado vazio da cama, em que deveria estar, para que ele despertasse. A sensação de que tudo tinha terminado mal, de que ele tinha feito algo contra ela, tomando sua mente. Ele sabia que tinha dormido pouco, não se lembrava de ter tido pesadelos naquela noite, mas e se ele tivesse feito algo enquanto dormia? E se sua mente, instável, caótica, tivesse apagado ao amanhecer? Estar livre não queria dizer estar curado. Ele não podia machucar . O que tinha acontecido? Instintivamente, ele olhou sua mão de metal, em busca de rastros do que poderia ter feito sair dali, tão cedo. No ápice do medo e da paranoia, Bucky só pensava em tudo que poderia ter dado errado naquela ideia de ter passado a noite com ela. Não era seguro. Mas bastou ele sair do chalé, e ver brincando com a natureza diante do lago, para que sua mente se acalmasse outra vez e ele se sentir a pessoa mais ridícula e insegura do mundo.
— Está tudo bem, Buck — respondeu suave, sem tirar seus olhos do rosto dele. Parecia meio tenso, preocupado — Não aconteceu nada. Eu só não queria te acordar, por isso saí de lá.
— Me desculpe, é só que eu não estou muito... acostumado a… — Ele engoliu em seco, sem realmente querer terminar aquela frase. Era mais difícil confessar aquilo do que imaginava.
— Passar a noite com alguém? — levantou as sobrancelhas, colocando suas mãos nos bolsos de trás de sua calça. Bucky voltou seu olhar até ela e sorriu tímido, envergonhado.
— Não nos últimos cinquenta anos — Ele pressionou os lábios, vendo o vento soltar os cabelos dela de trás da orelha.
— Foi bom e… aconchegante, acho que você leva jeito para isso — brincou, conseguindo tirar um riso fraco e bastante tímido de Bucky que, uma vez mais, desviou seu olhar do dela. Parecia fácil como fluía seus pensamentos para fora, como conseguia se expressar com clareza, com delicadeza. Bucky queria ter a segurança de fazer o mesmo por ela. Talvez valesse a tentativa.
— Fiquei com medo de acontecer alguma coisa… com você — Bucky confessou, dando dois passos lentos mais próximos de e delicadamente pegando a mecha de cabelo que voava no rosto dela, com a mão direita, e a colocando atrás de sua orelha, voltando a mão para o bolso outra vez. acompanhava cada movimento dele com o olhar — Na maior parte das noites eu tenho… pesadelos com coisas que vivi, que eu fiz. Às vezes eles são… violentos demais.
entendia o medo dele e sabia que a insistência em falar sobre o tema era por, justamente, ser uma preocupação real, um incômodo. Por mais que a mente de Bucky não pudesse mais ser controlada pelas palavras e ele não pudesse mais reviver o Soldado Invernal, tudo que viveu, que passou, que sofreu, que fez, estava lá, bem dentro deles, como o fardo que ele teria que carregar pelo resto de sua vida. Àquilo, não podia fazer nada para tirar dele. Só o tempo, paciência, acolhimento e muita terapia o poderiam ajudar a entender, aceitar e se sentir seguro e confiante em relação ao seu passado.
— Bom, mas parece que isso também está mudando — encolheu os ombros, sorrindo de lado.
— Consegui dormir três horas direto, sem pesadelos, é realmente uma vitória — Ele concordou com a cabeça e sorriu sem emoção.
— E dividiu a cama com alguém — Ela completou. Seu rosto levemente inclinado para cima, para ver o homem alguns centímetros mais altos do que ela, o sol batendo em seus rostos.
— Acho que de tudo que tem mudado, essa é a melhor parte — Bucky respondeu baixo, seus olhos sem desviar dos de . A verdade era que ele queria gritar que a melhor parte de tudo aquilo era ela, só ela. Mas ele conteve-se com a indireta e esperava que ela entendesse. sorriu mais abertamente e desviou seu olhar do dele, respirando fundo. Onde quer que ele quisesse chegar com aquilo, se sentia pronta, ansiosa, para que acontecesse logo.
— A melhor parte é você, Bucky — respondeu sincera, seu tom voz baixo, carinhoso, enquanto seu olhar voltava até ele — Você estar aqui, você estar de volta, estar se recuperando. É você.
Bucky sorriu sincero, toda a paixão que sentia por ela fervendo em seu peito, queimando. Aquela era a sensação que ele queria, que ele precisava ter. estava mesmo dizendo aquilo? Talvez aquele fosse o sinal que ele precisava para se sentir confortável o suficiente para dar o próximo passo. Talvez aquele fosse o momento perfeito. Só eles, o dia começando, o lugar da liberdade, a calmaria da manhã. A confissão de que se preocupavam um com o outro, se confiavam, se confortavam, talvez de que se queriam. Tinha passado a noite juntos, aquela era a manhã seguinte. Era o momento que Bucky queria, que esperava. E, sem que tivesse mais tempo para raciocinar o que acontecia ali, antes que desistisse, Bucky abraçou pela cintura, de frente para ela, e puxou seu corpo levemente para mais perto de si. Com o olhar preso no dele, só percebeu realmente o que estava acontecendo quando os lábios de Bucky estavam quase tocando os dela, seus narizes se encostando. Suas respirações se misturavam, as mãos de amorosamente apoiadas no peito de Bucky, seus corações tão acelerados como se aquilo fosse inédito, único. diminuiu ainda mais o espaço entre eles, enquanto Bucky subia sua mão direita pelas costas dela, até a nuca, entrelaçando seus dedos nos cabelos dela. Seus olhos azuis dançavam entre os olhos de e os lábios dela e ele chegou a tombar ligeiramente a cabeça para o lado, roçando seus lábios nos dela, até tudo se perder de uma vez.
— AH, POR BAST!
— Não acredito — sussurrou e fechou os olhos com raiva, sentindo Bucky a soltar e se afastar alguns passos dela, claramente frustrado. Eles estavam prestes a se beijar, ele ia beijar . Mas que porra, Shuri.
— Eu acordei 6 horas da manhã para vir atrás de vocês, porque eu estava super preocupada, e vocês estão aqui brincando de Lagoa Azul? — Shuri praticamente gritava, vindo a passos largos para mais perto deles. De trás dela, Ayo negava discretamente com a cabeça. Se tivesse percebido antes o que acontecia ali, teria segurado Shuri.
— O que é a lagoa azul? — Bucky perguntou emburrado para , curioso, os dois se virando de frente para onde Shuri vinha caminhando e bufando.
— Não vai querer saber, acredite — respondeu meio irritada.
— Eu podia matar vocês nesse momento!
— A recíproca é verdadeira — Bucky murmurou baixo, descontente.
— Vocês não dão notícias desde ontem à noite! Sabe o que eu estava achando? Que tinha dado tudo errado, que um de vocês estava morto nessas horas — Shuri apontava para eles feito uma mãe irritada. Bucky umedeceu os lábios e arregalou os olhos forçadamente, enquanto bufou.
— E mesmo assim você dormiu e esperou amanhecer para vir atrás da gente? — perguntou irônica, cruzando os braços.
— Eu prezo pela qualidade do meu sono — Shuri deu de ombros. Estava irritada, mas, no fundo, aliviada por eles estarem bem, vivos e seja lá fazendo o que quando ela chegou.
— Muito preocupada mesmo — Bucky respondeu baixo, revirou os olhos concordando.
— Você não está em posição de dizer algo aqui, Lobo Branco — Shuri sorriu sem graça, olhando de Bucky para — Com todo respeito.
— Nós já íamos voltar — tentou concluir o assunto.
— Voltar para a cama, né, você quer dizer? — Shuri apontou para o chalé mais ao lado. As expressões de e Bucky indo de clara frustração para incredulidade e constrangimento, respectivamente. Shuri riu sozinha.
— SHURI! — deu um tapa leve no ombro da amiga, negando com a cabeça. Ela conseguia deixar tudo ainda mais desconfortável, não era possível. Ela tinha atrapalhado o momento, estava sendo dramática e ainda zoando eles de propósito. tinha certo receio de como Bucky reagiria aquilo depois, não era tempo de testar as emoções dele.
— Ah, qual é? Todo mundo sabe o que estava rolando aqui, maninha — Shuri falou olhando diretamente , como s e ignorasse completamente o fato de Bucky estar bem ali, um passo ao lado, segurando a risada, envergonhado.
— Você tem dez segundos para sair daqui ou vai virar alga morta dentro desse lago — apontou de Shuri para o lago atrás de si.
— Retificando: nós temos dez segundos para sair daqui porque (i) seu pai ligou 18 vezes atrás de você ontem e (ii) você tem um brunch com o rei para ir hoje — Shuri disse respectivamente para e Bucky, que, quase ao mesmo tempo, franziram as testas em claro sinal de confusão.
— Qual deles ligou? — perguntou curiosa, estranhando — Não, espera, nem precisa dizer. Karl?
— Brunch? Com o rei? T’Challa? — Bucky perguntou ao mesmo tempo que , confuso.
— Os próprios — Shuri concordou com a cabeça e sorriu forçadamente.
— O que aconteceu dessa vez? — perguntou em um tom preocupado. Pela insistência de Karl em falar com ela, era possível que algo sério tivesse acontecido. Bucky olhou para ela por um instante, igualmente preocupado. estava passando por meses complicados, desgastantes e muito intensos. Não era possível que, depois de tudo, ainda havia mais por vir. Pelo menos, dessa vez, ele estaria lá com ela.
— Não sei, ele só disse que precisava falar com você —Shuri respondeu simplesmente, encarando a amiga pressionar os lábios em preocupação.
— Urgente?
— Pelo tom de voz dele? Não pareceu — Shuri negou com a cabeça, vendo concordar, ligeiramente aliviada. Só se sentiria tranquila, mesmo, quando soubesse o que ele queria.
— O que eu vou fazer em um brunch com T’Challa? — Bucky perguntou nitidamente desconfortável, olhando de Shuri para .
— Eu avisei para ele que você havia acordado, falei dos exames, da prótese nova e também contei que vocês estavam aqui para testar o tratamento — Shuri explicou colocando as mãos nos bolsos de sua saia — Ele quer saber como você se sente e como podemos te ajudar daqui em diante.
Bucky não estava realmente esperando por aquilo. Wakanda já tinha feito demais por ele quando o protegeu, e Shuri estavam fazendo demais por ele com o tratamento, com o novo braço, dando-lhe um lugar para viver e tentar recomeçar. Não precisava e não queria mais nada, não teria como retribuir tudo aquilo e parte dele ainda não se julgava merecedor. Como uma redenção, um perdão que ele ainda não tinha tido coragem de pedir, ele não merecia nada daquilo. Mas, aparentemente, teria que aprender a lidar com a culpa e com a sensação de, a todo tempo, ser ajudado. O maior problema daquilo tudo, para Bucky, era o sentimento opressor das lembranças de que todas as vezes em que lhe foi oferecida ajuda, ele acabou sendo controlado. T’Challa não faria isso com ele, ele imaginava. E estava ali, ela não deixaria, deixaria? Talvez estivesse inclinado demais ao passado, deixando, uma vez mais, sua mente vencer e o fazer recusar ajuda. Talvez dar uma chance a ele, como deu a , podia ser bom.
— Obrigado — Bucky ateve-se em dizer, concordando com a cabeça. Shuri sorriu em resposta.
— E o tratamento? Deu certo? — Ela perguntou curiosa. Pela postura dos dois, e pelo momento que ela havia interferido minutos antes, parecia que sim, que tudo tinha dado mais do que certo. Precisava encher mais tarde, saber de todos os detalhes.
— Estou livre, finalmente — Ele respondeu um pouco mais feliz, sorrindo de Shuri para , que retribuiu.
Bucky contou brevemente para Shuri como tinha sido o teste na noite anterior, enquanto recolhia, com ajuda de Ayo, seus pertences de dentro do chalé. Lá dentro, agradecia imensamente a Ayo pela ajuda e por ter cedido o lugar para que Bucky ficasse em segurança. Lá fora, Shuri fazia perguntas técnicas sobre a prótese nova do braço de Bucky que, até então, parecia responder bem à adaptação ao corpo dele. Não demoraram mais do que meia hora para saírem dali. Shuri voltou com Ayo, no carro a frente, enquanto e Bucky foram no carro que chegaram até ali na noite anterior. Apesar do que quase havia acontecido entre eles mais cedo, e do constrangimento que passaram com Shuri, o clima não pareceu pesado ou desconfortável. Mas, igualmente, nenhum dos dois se atreveu a falar uma só palavra sobre aquilo.
Diferente da ida, decidiu voltar pelo caminho mais longo. Estava disposta a mostrar o máximo que podia de Wakanda para Bucky e não queria que o tempo com ele terminasse logo. Quanto mais longo fosse o caminho, mais tempo poderiam passar juntos e aquilo pareceu uma boa ideia. Evitando ao máximo cair no assunto do que tinha se passado naquela manhã, Bucky perguntou algumas coisas sobre a infância de em Wakanda, como foi se adaptar naquele lugar e passaram mais da metade do caminho conversando sobre aquilo.
Assim como estava sendo um tanto quanto estranho e angustiante para ele, também compartilhava da sensação de não ter uma casa. De ter sido forçada a deixar o que conhecia para trás, de ter sido forçada a começar outra vez. Em outro cenário, em outro contexto, de uma forma completamente diferente, também tinha passado pelo o que Bucky estava passando e talvez fosse exatamente por compartilhar daquela sensação que ele se sentia à vontade em perguntar, em se abrir, em conversar sobre aquilo. contou que Wakanda a deu a liberdade de poder ser quem era, mas cobrou dela um custo alto, um controle que, em menor grau agora que T’Challa era o rei, ela também tinha que se submeter. Ela contou de Everett, do acordo que fez com T’Chaka para recebê-la no país, dos segredos que tiveram que manter, dos treinamentos e dos testes que foi obrigada a se submeter. estava segura ali, protegida, em segredo. Mas toda sua vida no país era uma negociação e nunca passou disso. Chateado por descobrir aquela parte da vida de , Bucky podia imaginar o quão difícil e solitário era para ela. Queria poder ter uma solução para aquilo.
— Quem sabe um dia não esqueçam da nossa existência e a gente não possa ser livres o suficiente para escolher a nossa casa — Bucky pensou alto, olhando pela janela.
— E quando isso acontecer, você vai voltar para Nova Iorque? — perguntou sorrindo leve, olhando brevemente para ele e de volta para a estrada à frente.
— Não — Ele respondeu certeiro.
— Para onde você iria?
— Para a França — Bucky voltou seu olhar até ela, a tempo de ver o sorriso dela se abrir e a testa franzir levemente.
— França? Por quê? — perguntou confusa. Bucky suspirou.
— Porque é onde eu poderia encontrar você.
deixou uma risada tímida escapar, feliz e surpresa pela resposta dele. Bucky conseguiu transformar uma conversa longa e triste em algo leve e fofo. Sem saber direito o que responder, se pegou imaginando como seria ter a chance de viver na França outra vez, e com ele. No silêncio confortável que havia acabado de se instalar no carro, entre uma música e outra de um especial do Maroon 5 tocando no rádio, a mente de gritava o fato de quase ter beijado Bucky. A sensação dos lábios dele começando a tocar os dela, a mão dele em sua nuca, o arrepio, o calor. A adrenalina de viver tudo aquilo, mas, ao mesmo tempo, de não se ter certeza se é real. não estava acreditando em nada daquilo. Estava perfeito e, uma vez mais, não durou, sequer começou. Se fossem dois minutos antes, tudo teria sido diferente. O tempo. Sempre o tempo.
Do banco do carona, observando a extensa e completamente vazia rua abrir-se à frente, Bucky dividia aqueles pensamentos com , sem nem ter ideia disso. A música que nunca tinha ouvido antes na vida contava a história de um casal que tinha uma última noite juntos até o amanhecer, quando teriam que se despedir, e aquilo pareceu amargamente real para ele. Se pudesse escolher, se tivesse a chance de escolher, Bucky gostaria de ficar para sempre naquele chalé, com . O estranho sentimento de conforto e segurança que tinha com ela parecia potencializar naquele lugar, como se estivesse a salvo do mundo, a sós, isolados. Como se não precisassem de mais nada. Bucky assistia o caminho com atenção, a melodia calma e um tanto quanto triste da música ao longo, sussurrando a letra tão baixo que mal podia ser ouvida. As centenas de milhares de flores nas árvores do acostamento, que acompanhava a estrada pela qual dirigiam, faziam Bucky, a todo tempo, lembrar de e do quase beijo.
A vontade dele era que parasse aquele carro e que eles pudessem ficar juntos ali, do jeito que fosse, como fosse. Mas ele jamais falaria aquilo para . Por mais ansioso que ele estivesse, por mais que quisesse sentir de novo o que sentiu naquela manhã, ele sabia que tinha que ser em tempo, com calma. Como um bom vinho a ser degustado, como uma dança. A dança. Como se uma luz tivesse sido acesa em sua mente, Bucky iluminou-se com a ideia repentina. Talvez aquele dia ainda não estivesse totalmente perdido, talvez ainda houvesse uma chance de terminar como ele queria que aquela manhã tivesse terminado. Ele só precisava perguntar. E só precisava que aceitasse a ideia, que estivesse disposta a dar-lhe outra chance.
— O que você vai fazer hoje… a noite? — Bucky a olhou com expectativa, assim que entraram na cidade. Parte de si envergonhado pela pergunta, outra parte torcendo, gritando por dentro, para que ela aceitasse o convite.
— O que você quer fazer? — respondeu prontamente, como se estivesse esperando por aquela pergunta. Seus olhos desviaram a atenção da rua até Bucky por um segundo, até ela voltar a se concentrar na direção.
— Sair… com você — Bucky desviou seu olhar dela — Dançar, talvez.
— Achei que tinha esquecido disso — respondeu feliz, seus olhos na rua, enquanto já adentravam o centro da cidade. Ela deixaria Bucky direto no restaurante onde T’Challa havia marcado o tradicional brunch.
— Estou pensando nisso desde que acordei da criogenia, para ser sincero — Bucky colocou seu cabelo atrás da orelha, meio nervoso.
— Você se sente confortável em sair? Ou prefere ficar aqui? — perguntou pensativa. Não queria forçar nenhuma barra. Bucky pareceu pensar por alguns instantes.
— Desde que não seja um lugar muito cheio, acho que tudo bem — Ele concordou, vendo sorrir e assentir com a cabeça, estacionando o carro em frente a um restaurante que, aparentemente, estava fechado. T’Challa certamente havia reservado o lugar inteiro, na dúvida de Barnes iria se sentir bem ou não em dividir o ambiente com estranhos.
— Podemos ir naquele lugar que comentei com você — Ela refletiu, observando Bucky abrir a porta do carro — Acho que você vai gostar de lá e não é cheio.
— Tudo bem por você? Não parece ter muitas pessoas da sua idade por lá — Ele brincou, vendo rir leve.
— Acho que gosto dos velhos — Ela olhou significativamente para ele, sorrindo. Foi a vez de Bucky rir baixo.
— Sorte a minha — Ele respondeu charmoso, a encarando uma última vez até, finalmente, descer do carro. esperou ele ir para a porta de entrada do restaurante e virar-se para ela, para despedir-se. Ela abaixou o vidro do carona e disse alto o suficiente para ele ouvir:
— Às 20h, no Boogie. Te encontro lá.
- Capítulo 23 -
— COMO ASSIM VOCÊS VÃO SE CASAR? — se sentou em sua cama, os olhos arregalados e as mãos na boca, extremamente surpresa com aquela notícia. Karl soltou uma risada feliz.
— Não é bem um casamento, só vamos renovar votos oficialmente e depois uma lua de mel — O homem respondeu pensativo, sem esconder o sorriso — Ou os dois ao mesmo tempo.
— PAPA! Sem tantos detalhes, s’il vous plaît! — espremeu os olhos, como se aquilo tivesse passado muito dos limites. Karl riu uma vez mais.
— Pardon, ma chérie! É um sonho, estou empolgado — Karl gesticulou, dando alguns passos para o lado. O holograma dele perfeitamente aberto dentro do quarto de . Como ela queria abraçá-lo naquele momento.
— E como isso aconteceu? Eu queria tanto estar aí para ver — Sentada da cama, assistia seu pai expressar a maior felicidade de todo o mundo.
— Eu também queria que você estivesse aqui, meu amor. Você foi a primeira pessoa que pensei em contar, mas você não me atendeu — Ele fechou a expressão por um instante, vendo sorrir sem graça — Vou te contar. Everett veio de surpresa para Nova Iorque ontem pela manhã, você sabe como seu pai é, cheio de mistério.
descobriu que Everett conseguiu desviar a etapa de uma missão que cumpria para passar o final de semana com Karl, nos Estados Unidos. Ele havia feito uma caixa, com velas aromáticas, uma fragrância memorável de cada um dos momentos especiais que marcaram o relacionamento deles em todos aqueles anos. Para cada vela, o cheiro de um lugar, de uma emoção, de um ingrediente marcante. Everett havia deixado a caixa na porta do apartamento em que Karl estava vivendo e, sem que ele soubesse, preparou um jantar surpresa. Entre os aromas, a luz baixa do ambiente, as risadas contidas, o sabor do vinho e da comida preferida de Karl, Everett contou como tinha se assustado com os últimos acontecimentos e o quanto quase ter sido morto em Busan o tinha feito refletir sobre tudo, sobre eles. Com duas passagens aéreas compradas para a Escócia e lágrimas nos olhos, Everett perguntou a Karl se ele queria, oficialmente, cerimonialmente, se casar com ele. A vida passava, o tempo corria, não podia mais esperar, não podia mais contar com a sorte de ter um futuro em que realizaria os sonhos e as vontades de quem amava. Tinha que ser agora, tinha que ser o quanto antes.
Karl e Everett já eram legalmente casados, no civil. Às pressas, entre uma burocracia ou outra para adotar o quanto antes, eles escolheram um ao outro, dividir o resto de suas vidas. A união estável os deu a chance de serem reconhecidos enquanto casal, mas não os deu a possibilidade de viver a formalização da união como gostariam. O tempo foi passando, tudo foi acontecendo, o trabalho foi consumindo, a preocupação em sobreviver mais forte e urgente do que a de viver. Até quase tudo terminar, repentinamente, de uma vez por todas. Mas ainda havia tempo e, se havia uma oportunidade, por que não a agarrar? viu Karl enxugar as lágrimas se lembrando de cada detalhe, contando para ela, naquele dia, o quanto se sentiu especial, amado e cuidado por Everett. O quanto estava feliz e como foi aceitar aquele pedido tão esperado por ele. se emocionou junto com seu pai, absurdamente contente e satisfeita por, ao menos em um momento da vida, seus pais terem o tempo e a chance de aproveitarem um ao outro, de não ter mais que se segurar, que esperar, por causa dela. desejava, do fundo do coração, viver em outros tempos, em outro contexto, em um em que ela pudesse estar perto deles naquele momento, compartilhando presencialmente aquela felicidade, ajudando a organizar a maior festa de todos os tempos. A festa que todos eles sabiam que nunca, jamais, poderiam fazer. Na surpresa intimista e na ideia de renovarem os votos apenas os dois moravam a nova felicidade de Karl e queria que isso durasse para sempre nele.
— E vocês já pensaram nos detalhes? — perguntou depois da longa história de seu pai que, naquele momento, estava sentada em uma poltrona de seu apartamento, projetando o holograma.
— Bom, Everett reservou as passagens para quando conseguimos coincidir férias, o que é só daqui um ano, mais ou menos, então, até lá, temos tempo de pensar em tudo — Karl refletiu, olhando sua filha assentir sorridente — E eu quero sua ajuda para isso.
— Já estava achando que não ia me incluir nunca — fez um biquinho dramático.
— Ah meu amor, eu queria muito que você pudesse estar conosco — Karl comentou sério, seu tom de voz levemente triste em dizer aquilo — Quem sabe até lá as coisas já não vão estar melhores, talvez o tratado seja ratificado, as punições sejam abrandadas, vamos esperar.
— Está tudo bem, pai. Somos uma família, mas acompanhar vocês na lua de mel é um pouco demais, não acha? — Ela brincou, os olhos arregalados em um sinal de falso desespero. Karl riu e negou com a cabeça.
— Preciso de cuecas novas — Ele provocou e gargalhou em seguida, vendo tapar o rosto com as mãos.
— PAI! NÃO!
— É brincadeira, querida — Karl riu baixo, observando sua filha se jogar outra vez na cama — E falando em lua de mel, onde você estava ontem à noite, mocinha?
— O que Shuri te contou? — levantou uma sobrancelha. Só pela conexão do assunto com lua de mel, já sabia que Shuri tinha dado com a língua nos dentes.
— Que você passou a noite com James na fronteira e eu sinceramente não sei se gosto disso, — O tom que voz de Karl parecia mais sério.
Ele e Everett já tinham entendido, pelas conversas que tinham com , em todos aqueles meses em que James ficou na criogenia, como ela se sentia em relação à ele. Ela se identificava com Bucky, dividia com ele boa parte do caos ao qual foi submetida na vida, compartilhava de alguns sentimentos não tão bons, dos momentos mais delicados e complexos. Ter em quem se apoiar, ter com quem dividir aquilo tendo a certeza absoluta de que a pessoa sabia exatamente como era, tornava tudo mais fácil, mais leve, mais seguro. precisava disso. Precisava ter alguém que realmente entendesse tudo pelo o que ela passou, que realmente sentisse o que era ser como ela. A sensação de ser manipulada, de ser experienciada, de ter que sempre fugir, se esconder, limpar o sangue das mãos no final do dia. Sentimentos que ela podia encontrar em Steve e Sam, por exemplo, mas que, mais do que isso, podia compartilhar sem medo com Bucky.
se sentia confortável com seu passado e com o que fez perto de Bucky, porque ele, igualmente, se sentia daquela forma com ela. A conexão era intensa, era verdadeira, era profunda. Ela passou tantos anos atrás dele, buscando, estudando, investigando, e encontrou um homem totalmente diferente do que esperava. Alguém que parecia confiar nela, que parecia querer tê-la por perto, que parecia grato, que a aceitava. Alguém que tinha medo da violência, que buscava paz. Alguém que se preocupava com . Para Karl e Everett não havia dúvidas de que aquilo estava se transformando no tempo, se intensificando. Quanto mais perto ficavam, quanto mais de si mesmos conheciam e deixavam o outro conhecer, mais e Bucky estavam se gostando, se sentindo, se aprofundando. Uma parte de Karl estava muito feliz pelos resultados de tudo aquilo. merecia ser feliz, merecia ter um tempo amar e ser amada, mesmo que a pessoa a dividir isso com ela fosse Bucky. Como para ele e para Everett, não podia esperar que ela tivesse um relacionamento convencional, um filme perfeito de romance. era diferente e ele nunca negou isso. Tudo em sua vida era atípico, um relacionamento, qualquer que fosse ele, também seria.
Mas de todas as pessoas por quem poderia ter se apaixonado, parte de Karl perguntava, como pai, por que tinha que ser pelo homem mais perigoso e procurado do mundo? Bucky estava se tratando, era um fato. Tudo estava saindo bem conforme as pesquisas de , ela estava sendo responsável e muito atenciosa em seguir as etapas, em dar a ele tempo para se acostumar, para recomeçar. Não estava atropelando nada. E isso era ótimo. Mas, ainda assim, complexo. Bucky não se recuperaria tão fácil, nem tão rápido, Karl tinha medo do cansaço, do desgaste emocional que poderia gerar em sua filha. já tinha suas questões, já tinha seus problemas, não tinha que absorver e nem cuidar de problemas tão graves de outra pessoa. Por que não foi Steve ou Sam? Até mesmo T’Challa? De todos os clichês do mundo, Karl tinha certeza de um único naquele momento: não conseguimos mesmo mandar no coração. E fosse como fosse, estava preparada para se cuidar e tinha que viver aquilo por ela mesma. O tempo mostraria a ela, como mostrou a Karl e Everett, se Bucky era realmente a sua pessoa no mundo. E Karl desejava, muito, que Bucky fosse, que desse a ela o que estava procurando, o que lhe faltava e que a fizesse feliz, como ela merecia ser.
— Não foi desse jeito, pai, sabe como a Shuri é dramática — negou com a cabeça, sem realmente acreditar que seu pai tinha caído na mentira de Shuri — E só para constar, eu não tenho mais quinze anos, sei o que estou fazendo.
— Parecia ter mais juízo quando tinha quinze anos — Ele respondeu falsamente emburrado, pegando uma caneca sob a mesinha de centro — Se bem que foi quando você envenenou aquele rapaz, beijando ele, não foi?
— Por que ninguém esquece essa história? — revirou os olhos, mas não conseguiu segurar a risada. Karl sempre dava um jeito de relembrar os constrangimentos.
— Porque ela é boa demais para ser esquecida — Karl riu junto, bebendo um gole de seu chá — O que aconteceu ontem, então?
— Bucky quis fazer o teste para saber o resultado do tratamento, mas não se sentiu seguro fazendo aqui — Ela suspirou, encarando o holograma de seu pai prestar atenção nela — Ele estava com medo de ter dado errado e de ativar o Soldado Invernal outra vez, achou melhor ser um lugar afastado e sem outras pessoas que ele pudesse… machucar. A fronteira tem muita natureza, era seguro para mim.
— Eu entendo — Karl concordou com a cabeça, ainda segurando sua caneca — E como foi?
— Intenso — sorriu sem emoção, se lembrando do momento — Bucky estava apavorado, eu tenho certeza de que muita coisa passou pela mente dele enquanto ouvia as palavras. Ele chorou muito, chorou de medo pelo tratamento ter dado errado e, quando percebeu que tinha dado certo, ele chorou de alívio, foi… intenso.
Karl podia imaginar. Conhecia a história de Bucky e sabia que nada tinha sido fácil para ele. Dor, violência, medo constantes. Nada de bom havia acontecido com ele em décadas, ter a sensação de que estava livre de tudo aquilo deveria ser, depois de tudo e de tanto, um sonho. Karl podia mesmo imaginar a ansiedade que ele sentiu em fazer o teste logo, o pavor em ouvir aquelas dez palavras outra vez, em perder o controle, recomeçar o ciclo. E podia imaginar a alegria de sentir a liberdade, a consciência de poder escolher o que e como fazer, pela primeira vez em tanto tempo.
Mas Karl também sabia que aquilo era importante para . Sua conexão com seus pais biológicos estava naquilo, ela tinha seguido o legado deles, tinha terminado o que eles haviam começado. De uma vez por todas, tinha libertado Bucky e, com ele, tinha também libertado seus pais biológicos de parte da culpa que carregavam por terem feito o que fizeram com ele. Ela tinha finalizado a sua busca, tinha concluído a missão de sua vida com sucesso. Karl também podia imaginar que aquele foi um momento intenso para . E talvez, só talvez, a intensidade das emoções a tenha prendido lá, com Bucky, a noite toda. Fazia sentido para ele e como poderia ser diferente? Era o momento deles, estavam certos de celebrar em companhia.
— E como você está se sentindo em relação a isso? — Karl perguntou carinhoso, tomando outro gole de seu café. pensou por alguns instantes de responder:
— Feliz por ele e por ter conseguido finalizar o tratamento, apesar de tudo. Agora só nos resta ficar de olho em Sam, Steve e Wanda, garantir que nada aconteça com eles e nem que nos encontrem em Wakanda.
— Estamos cuidando disso com você, querida, não se preocupe. Temos tudo sob controle por enquanto, você e Barnes podem curtir um pouco a vida aí — Ele brincou carinhoso, tirando um sorriso tímido de , que respirou fundo.
— Falando nisso… — Ele mordeu os lábios, incerta se deveria mesmo contar aquilo para ele.
— Sabia que estava me escondendo algo — Karl a cortou provocativamente, ouvindo a filha rir leve.
— Não estou escondendo nada, você é que não está me deixando contar — se defendeu, juntando seu cabelo em um rabo de cavalo.
— Me conte, então — Karl pediu, seu holograma falhando por um segundo pela conexão, mas logo voltando ao normal — É sobre a noite na fronteira?
— Isso parece nome de filme ruim de suspense — riu com Karl e negou com a cabeça — Não teve noite na fronteira, pai, quer dizer, não nesse sentido. Nós literalmente dormimos lá e quando amanheceu viemos embora. Não aconteceu nada.
— Então, o que quer contar? — Karl insistiu, sabendo que aquilo irritaria em algum momento.
— Bucky me chamou para sair… hoje… à noite — falou tímida, desviando seu olhar para um canto qualquer no quarto.
— JE N’EN CROIS PAS MES YEUX! — Karl praticamente gritou, deixando a caneca de volta na mesa de centro e inclinando seu corpo para frente na poltrona — Everett não vai acreditar nisso! Você aceitou? Onde vocês vão?
— Aceitei! Vamos no Boogie — sorriu nervosa. A reação de seu pai melhor do que ela esperava. Everett certamente estaria fazendo um longo discurso sobre como era perigoso.
— Ah , que horror! A pessoa mais nova daquele lugar deve ter noventa anos — A expressão horrorizada dele fez soltar uma risada alta.
— Bucky tem cem anos, pai — Ela levantou as sobrancelhas.
— Às vezes esqueço desse detalhe — Ele soprou pensativo — Vamos fingir que eu não sei disso para não ser julgado um pai ruim, ok?
— Você é o melhor dos pais, Karl, entenda — falou série, mas carinhosa, vendo seu pai mandar-lhe um beijo no ar.
— Te amo, meu amor. Me lembre de contar isso a Everett depois.
— Nunca — Ela negou com a cabeça, mandando um beijo de volta — Mas vamos focar aqui, pai, ele me chamou para sair, para dançar. O que você acha que eu...
— Saia rosa midi de cetim, uma camiseta básica branca e aquele par de Jimmy Choo rosa claro e salto fino — Karl a interrompeu prontamente, raciocinando enquanto falava, sempre animado demais com o fato de ser consultado para roupas.
— Não é formal demais? Nunca usei aquela saia, vou ficar meio fora de moda — refletiu já em pé, indo em direção a seu closet, em busca das peças de roupa que seu pai havia sugerido.
— Bucky tem cem anos, — Karl respondeu no exato mesmo tom que ela havia dito aquela informação para ele, minutos antes. riu e deu de ombros, puxando o cabide com a saia e voltando para onde o holograma de seu pai estava — E vocês vão dançar, precisa de uma roupa confortável.
— Tudo bem, você venceu, vou com ela — fez uma joinha e jogou a saia em cima da cama.
— Que horas vão? — Karl perguntou feliz, vendo ela voltar ao closet para buscar as outras peças.
— Às oito — Ela respondeu já de volta, segurando o par de sandálias nas mãos e dando uma olhada no pequeno relógio em cima da mesa de canto de seu quarto. Tinha tempos para se arrumar com calma.
— Conhecendo você e o quanto demora, acho melhor eu ir e te deixar começar a se arrumar — Karl brincou, fazendo revirar os olhos e parar de frente para ele — Everett deve chegar logo por aqui também, ele quer ir à exposição nova do MoMA hoje.
— Manda um beijo para ele e diz que estou feliz pelo pedido de casamento — sorriu abertamente e encolheu os ombros em animação — Vocês merecem toda a felicidade do mundo. Vai ser lindo!
— Não tão lindo quanto a dança de hoje, meu amor — Karl respondeu com ternura, vendo as bochechas de ficarem ligeiramente vermelhas — Divirta-se, aproveite.
— Obrigada, pai — Ela acenou brevemente para ele, ainda segurando as sandálias.
— Até logo, ma chérie — Karl mandou beijos para ela — Eu te amo.
— Eu também te amo.
***
Pela ansiedade de que a noite chegasse logo, o dia pareceu correr para Bucky. Ele passou o final da manhã e o começo da tarde no brunch com T’Challa, em uma das conversas mais ternas e sinceras que já tinha tido a oportunidade de ter. Bucky se sentiu confortável em contar o que tinha acontecido durante o teste, como estava se sentindo e, pela primeira vez desde que chegou em Wakanda, teve a chance de, oficialmente, agradecer pela recepção e pela segurança. Ele sabia o quanto T’Challa estava se arriscando e arriscando o país em mantê-lo ali, em segredo. Sabia o quanto estava em jogo e era grato por isso. T’Challa parecia um homem íntegro, confiável e bastante discreto. Bucky se sentiu confiante em contar-lhe algumas coisas de sua vida e, no final do brunch, já estavam rindo de alguma situação engraçada que T’Challa contava. Embora a conversa tenha sido bastante formal, as guardas do rei os vigiando o tempo todo e um ou outro curioso parando para observar de longe, pelo vidro do restaurante, Bucky se sentiu melhor naquele evento do que pensou.
T’Challa havia entendido um pouco mais sobre o tratamento e, sabendo que o teste final havia sido feito e concluído com sucesso, se sentiu mais confortável em ter Barnes no país. Ele podia ser livre lá dentro, podia circular e fazer o que quisesse. T’Challa avisou que todo o país era monitorado por tecnologia e que, por segurança, ele não escaparia do monitoramento. Eles não iriam interferir, de jeito algum, mas iriam monitorá-lo. Para Bucky, naquele momento, pareceu uma troca justa. As trocas, as negociações indiretas, o mesmo que faziam com , estavam, agora, fazendo com ele. Cortesias por cortesias, ele poderia viver em paz ali. E era isso que mais importava. T’Challa ofereceu-lhe o chalé da fronteira para, sempre que quisesse ou se sentisse melhor lá, poder acessá-lo. Bucky concordou em ficar no quarto que já estava hospedado, no palácio, desde que também estivesse ali, no país. Na chance de ela estar longe, ele preferia ficar na fronteira, isolado. Por mais segurança que tivesse no tratamento, para ele, ainda levaria tempo para confiar em si mesmo.
Bucky voltou com T’Challa ao palácio, o dia fluindo bem e tranquilo como nunca antes. Era estranho estar, pacificamente, tão próximo a um Rei, a um chefe de Estado. Era estranho ele ser T’Challa e estranho viver no mesmo ambiente que ele. Bucky estava acostumado a matar membros de governos, não tomar brunch com eles. Definitivamente não estava acostumado com aquilo. E foi caminhando sozinho de volta ao seu quarto, carregando algumas sacolas com roupas novas que T’Challa havia mandado comprar para ele, que Bucky se pegou lembrando de seu apartamento em Bucareste. Sem ter como pagar por aquilo, ele havia feito uma troca com a senhora, dona do local e vizinha de porta. Ele fazia pequenos consertos no apartamento de dona Mihaela e nas compras de supermercado que ela pedia e, em troca, ele podia ficar no apartamento ao lado. Todo dinheiro que tinha foi roubado da Hydra, assim que ela caiu e antes de ele se esconder na Romênia, e estava servindo para comer. Mas Bucky não tinha ideia do que seria quando esse dinheiro acabasse.
Passando em frente ao quarto de , Bucky teve seus pensamentos cortados por um grito animado da mulher, vindo de dentro. Como assim vocês vão se casar?. Ele sorriu sozinho, imaginando que ela estava, finalmente, falando com seu pai. E pela notícia, fazia sentido ele ter ligado tantas vezes. Entrando em seu quarto, uma parte de Bucky ficou aliviada por saber, sem querer, que nada de ruim tinha acontecido com eles. Karl e Everett eram tudo que tinha e, em hipótese alguma, podia perder eles também. Bucky estava acostumado a estar sozinho, a não ter ninguém. Se acostumar com a chegada de outras pessoas, como estava sendo para ele com Steve e desde que apareceram, era infinitamente mais fácil do que se acostumar a perder pessoas. já tinha perdido demais, mas ela ainda tinha uma família, tinha a quem amar e a quem cuidar. E isso era absolutamente tudo para ela. Estando tudo bem, não era tempo de refletir mais sobre aquilo. Tinha um encontro para se preparar e aquilo, repentinamente, animou Bucky.
Pouco mais de duas horas depois, Bucky respirava fundo, pela boca, se encarando no largo espelho de seu quarto. Sua mão humana estava suando como nunca antes, a sensação de frio na barriga, de que tudo tinha sido um surto, de que ele deveria desistir. Limpando a palma da mão na calça de sarja preta e espirrando um pouco mais do perfume que T’Challa havia dado para ele, Bucky se perguntou se deveria ter comprado flores. Como ele esqueceu daquilo? Como podia ir a um encontro sem levar flores? Bucky bateu os olhos sob o relógio que usava no pulso, arrumou seu cabelo uma última vez e pegou sua jaqueta de couro, deixando o quarto em seguida. Vestindo a luva na mão de metal e sua jaqueta, ele passou pela porta fechada do quarto de , torcendo mentalmente para que ela ainda não tivesse saído.
Bucky chegou quarenta e oito minutos antes do horário combinado. Talvez estivesse ansioso, talvez só tivesse calculado mal o tempo, não sabia direito. Ele conferiu cem vezes o letreiro do lugar e o nome que havia dito, anotado em um papel que levou no bolso, incerto se estava mesmo onde deveria estar. Bucky ficou na calçada, andando de um lado a outro, vendo a movimentação de pessoas tranquilas, animadas pela noite de sábado que começava. O buquê de rosas vermelhas, que pediu ajuda de Shuri para comprar rápido, em sua mão direita, enquanto a mão esquerda, com a luva, estava escondida no bolso da calça. Bucky sentia seu coração querer sair pela boca, estava ridiculamente nervoso. Quase tinha beijado naquela manhã, qual era a chance de aquilo dar errado?
Quinze minutos antes das oito horas em ponto, ele decidiu entrar no Boogie. A fachada colorida do lugar escondia um dos bares mais elegantes que Bucky se lembrava de ter estado. As paredes de tijolos escuros, todos os móveis em madeira rústica, os bancos altos nas mesas e na bancada principal do bar. Aquilo deu a Bucky a confortante sensação de estar de volta em sua juventude, no auge de seus vinte e poucos anos. O clima festivo, o chão de madeira com pisos decorados no centro, abrindo espaço para uma pista de dança pequena, mas charmosa. As mesas espalhadas ao redor da pista, lustres finos cuidando da iluminação baixa do lugar, alguns barris bem ao fundo, trazendo ainda mais o ar de um ambiente que sobreviveu no tempo. O teto de vibranium, enfeitado com colmeias industriais, entregando a modernidade e a tecnologia que só podiam ser encontrados em Wakanda. Alguns sofás e poltronas, em couro marrom e amarelados, estavam espalhados por todo o ambiente e a decoração com garrafas antigas, taças, quadros e fotografias em preto e branco, contavam a história de décadas passadas do país.
Bucky estava encantado pelo lugar. A sensação de estar em casa, a estranha familiaridade mesmo conhecendo o Boogie pela primeira vez. Era como viajar ao passado, viajar diretamente para a parte boa e amorosa de seu passado, a parte que não precisava se esforçar em fazer as pazes, a parte que, dia a dia, sonho a sonho, memória a memória, ele se alegrava em lembrar. Uma vez mais, tinha acertado. Uma vez mais, ela tinha acertado o seu coração. Um casal de senhores, de sessenta e tantos anos, pediram licença, em xhosa, para Bucky, cortando seu deslumbre. O ignorando completamente, eles sorriram em agradecimento assim que Bucky tirou seu corpo da passagem, e foram rumo a uma mesa qualquer. O lugar não estava cheio, mas já tinha meia dúzia de casais para serem atendidos que, notou Bucky, não tinham menos de sessenta anos e, felizmente, apesar dos olhares discretos e curiosos em ver alguém fisicamente tão jovem ali, não pareciam realmente interessados nele. Aquilo o fez sorrir sozinho, uma vez mais. Parecia estar seguro.
Meio perdido, sem saber ao certo o que deveria fazer, Bucky procurou uma mesa vazia com os olhos, até encontrar uma mais ao canto, à direita, próxima a banda e a pista de dança. Nervoso, ansioso, ele caminhou até lá com o buquê de rosas na mão, e se sentou. A música ao vivo que antes tocava foi suavemente finalizada e o cantor acenou com a cabeça para Bucky, como se o cumprimentasse. Sem graça, ele repetiu o gesto e voltou a olhar ao redor. Contudo, para sua surpresa, como se soubessem quem ele era e de quando, os acordes da música que iniciava o fizeram olhar imediatamente de volta para a banda, que pareceu não perceber a surpresa dele. I'm Beginning to See the Light, de Ella Fitzgerald, sendo lindamente interpretada, fez Bucky se arrepiar. Com a letra na ponta da língua, Bucky deixou-se embalar pela música tão conhecida e tão bonita, aproveitando o momento sozinho. Algumas outras pessoas cantavam baixinho, prestando atenção na música e, nos acordes finais, uma chuva de aplausos tomou o ambiente. Bucky estava feliz. A felicidade que só ouvir uma música conhecida, em um lugar reconfortante como aquele, o poderia fazer sentir.
Sorrindo abertamente e aplaudindo a banda, Bucky se perguntou se haveria outras músicas naquela noite que, talvez, ele pudesse conhecer. Uma melodia totalmente diferente da anterior, mais animada e alegre, sensual, como um mambo elegante, começou a tocar assim que o cantor anunciou que animaria aquela festa. Rindo tímido da animação do casal de senhores que antes passou por ele, e que estava bem na mesa ao lado, Bucky voltou seu olhar para a entrada do bar.
E foi só então que ele viu ela.
Caminhando lentamente pela entrada, ao tempo perfeito em que Sway With Me, de Yossi Azulay, começava a ser cantada, parecia o procurar com os olhos. A saia cor-de-rosa de cetim balançando lentamente com o vento, enquanto a letra da música, ironicamente, dizia like a flower bending in the breeze, bend with me, sway with ease. Bucky sorriu encantado. Os passos firmes na sandália de salto alto e fino, o batom vermelho que Bucky amava ver nela, os cabelos levemente presos de um único lado. estava deslumbrante. E não havia uma só pessoa naquele bar, naquela noite, que não reparou nela quando chegou.
Os olhos de corriam pelo lugar com certa ansiedade, em busca do homem que a deveria estar esperando, até, finalmente, o encontrar. Se levantando no exato momento em que seus olhos se encontraram, e Bucky sorriram um para o outro com carinho. A intensidade dos olhares deles, um no outro, chamou atenção do cantor, que sorriu discretamente enquanto continuava a cantar a música alegremente. caminhou até ele, concentrada em seus saltos. Estava tão nervosa de estar ali, de ver Bucky a esperando, dos olhos intensos, do sorriso lindo aberto no rosto dele, que pensava que iria despencar a qualquer momento. Bucky esperou se aproximar, pacientemente, olhando cada detalhe dela como se aquela fosse a última noite, seu coração batendo tão forte que ele achou que passaria mal.
— Você está linda — Bucky sussurrou no ouvido de , a abraçando carinhosamente. O cheiro do l branco emanando dela, a viciante sensação da baunilha, o frutado leve. tinha um cheiro viciante, bom, expansivo. Um cheiro dela.
— Obrigada — Ela sussurrou de volta, sorrindo, charmosa, enquanto se afastava levemente dele — Você também está ótimo.
reparou que ele vestia roupas bastante discretas, completamente diferente da saia brilhante dela. Bucky estava com uma calça preta, de sarja, e vestia uma jaqueta de couro bem recortada, igualmente preta, por cima de uma camiseta básica. Seu cabelo estava tão cheiroso quanto o perfume que emanava dele e se misturava no couro da jaqueta. A barba feita, mais baixa e bem desenhada, o deixava com um ar ainda mais sensual e um tanto quanto misterioso. Ele estava perfeito naquela noite e só desejava que, a qualquer momento, pudesse estar tão perto dele quanto na manhã daquele dia.
— Trouxe… para você — Bucky disse ligeiramente envergonhado, pegando o grande buquê de rosas vermelhas e entregando para , que aceitou com felicidade. Algumas pessoas ao redor olhavam o momento pela delicadeza do casal jovem. Outras, contudo, por saber quem era.
— São lindas, obrigada — Ela abraçou o buquê, desviando seu olhar dele para as flores.
— Eu nunca sei se te dar flores é realmente uma boa ideia — Bucky confessou sorrindo, apontando para a banqueta ao lado da que ele antes sentava, vendo acompanhar com o olhar.
— O que eu posso dizer é que eu amo todas elas — Ela se sentou assim que Bucky puxou a banqueta para ela, deixando o buquê mais ao lado, sob a mesa — Ainda mais quando vêm de você.
Bucky sorriu envergonhado pelo comentário, mas não teve tempo de responder, pois a garçonete logo apareceu diante deles, com um grande sorriso no rosto. pediu para que ela explicasse algumas das opções de bebida do lugar e acabou com uma taça de gin tônica com chá de limão siciliano e gengibre, enquanto Bucky foi seduzido por uma boa dose do whisky mais antigo da casa. Recusando o cardápio de petiscos, e Bucky não queriam realmente que aquele fosse um jantar e, sem que um e outro soubessem, os dois haviam comido algo antes de sair para o encontro. Queriam se divertir, aproveitar um ao outro, dançar, conversar. Comer não estava nos planos de nenhum deles.
Entre um drink e outro, embalados pelas melodias das músicas familiares a Bucky e totalmente desconhecidas por , a conversa baixa e charmosa deles foi fluindo, um flerte e outro saindo. havia perguntado sobre como foi a manhã com T’Challa e ouviu Bucky contar dezenas de detalhes sobre os tempos em que ambientes como aquele, como o Boogie, eram uma constante para ele. Sem memórias ruins, sem guerras, sem lutas. Os dois pareciam tomar todo o cuidado do mundo para não deixar a leveza do momento ser interrompida. Com as pernas cruzadas e com o corpo voltado para ele, segurava sua terceira taça da noite, ouvindo atenta sobre uma época da qual ela não fazia ideia de como era viver. Ao lado dela, bastante próximo para que pudessem se ouvir com clareza, Bucky tinha o braço direito apoiado no encosto da banqueta dela e o cotovelo esquerdo sob a mesa, segurando sua quinta dose de whisky. Desviando seu olhar toda vez que notava encarar os lábios dela, Bucky ouvia rir, a via dançar levemente no ritmo de algo que tocava, e perguntar tudo que tinha curiosidade de saber sobre ele, que ainda não sabia.
Igualmente, em uma parte da noite, contou a ele sobre alguns lugares que já tinha estado, tentou o convencer a ir conhecer Nice e falou sobre seus pais, sobre a novidade do casamento e sobre a vida em Wakanda. Interrompidos duas ou três vezes por casais de velhinhos que queriam cumprimentar sem motivo aparente, Bucky fez piada todas as vezes. Estar com ela era leve, natural, não precisava se esforçar em ser algo, em parecer diferente. Podia brincar, podia perguntar, falar exatamente o que passava em sua cabeça. Bucky sentia que, dentro de si, tinha espaço para quem ele era com , para esse James diferente, leve, solto. Tinha a oportunidade de deixar tudo ser esquecido, propositalmente, por algumas horas. Concentrar-se apenas no que era bom. Sentir como se nada, nunca, tivesse dado errado para ele, porque estava dando certo com ela. E era isso que importava naquele momento.
— O que significa? — Bucky perguntou depois de uma risada, pegando na parte interna do braço direito de , de onde podia ver os traços finos da tatuagem.
— É uma raiz, brotando. Eu fiz ela quando era adolescente, em cima e no formato exato do começo da maior cicatriz que tenho no corpo — explicou docemente, olhando a tatuagem com carinho, do mesmo modo que Bucky fazia, ainda segurando seu braço com delicadeza — É para que eu nunca me esqueça de onde vim, de quem sou... das minhas próprias raízes.
O coração de Bucky parecia querer explodir de amor ao ouvir aquilo. Tudo em era intenso, proposital, complexo, detalhadamente pensado. Tudo se encaixava, tudo nela fazia sentido. Ao menos fazia sentido para ele. Carinhosamente, Bucky contornou a parte exposta da tatuagem com o dedo da mão direita, os traços curvos do elegante desenho sobressaltados pela sensação da grossa cicatriz abaixo. Por um momento, Bucky se sentiu mal por esconder seu braço de vibranium. tinha tanto orgulho de quem era, tinha tanta segurança sobre o que carregava em sua pele, por que ele não conseguia se sentir daquela forma também? acompanhava com os olhos, em silêncio, o movimento discreto dele em seu braço.
— Tudo em você tem tanto significado — Bucky comentou baixo, subindo seu olhar até o dela, próximo o suficiente para que seus narizes quase se encostassem.
— Tudo precisa sempre fazer sentido para mim — Ela respondeu igualmente baixo, o encarando. Bucky sorriu de lado, engolindo seco a dose de coragem em perguntar o que ele realmente gostaria de ouvir dela, suave, calmo:
— Eu faço sentido para você?
não estava esperando aquela pergunta. Ser tão direto, tão urgente, tão profundo, um tanto quanto afrontoso daquela forma, não era muito o estilo de Bucky, ao menos não tinha sido até então. A urgência da pergunta também aparecia em sua voz, em seus olhos. E Bucky tinha consciência daquilo. demorou alguns instantes para responder, pensando no que ele realmente queria descobrir com aquela pergunta, pensando no que realmente ela queria que ele descobrisse. Aproximando-se ainda mais dele, lentamente, ela deixou um sorriso sedutor escapar e tombou a cabeça levemente para o lado.
— Mais do que você imagina — Ela sussurrou de volta.
Sorrindo junto com ela, ligeiramente envergonhado pela confissão, Bucky soube, declaradamente, que retribuía todos os sentimentos que ele tinha por ela. Nada mais tinha que ser dito, perguntado, confessado. Seus olhos divagando pelo rosto dela, mas sua mente longe, perdida nas lembranças de tudo que tinha vivido com . A primeira vez em que se viram, ela cuidando dele, a despedida antes da criogenia, o abraço, o reencontro, a cama que dividiram, a noite anterior que passaram juntos, o quase beijo. Tudo parecia perfeito para ele, perfeito demais. Só faltava uma única coisa.
— Você… — Bucky limpou a garganta, nervoso — Você quer dançar? Comigo?
sorriu com ternura, o sorriso que, para Bucky, foi o mais lindo de todo o mundo. Aquilo era delicado, carinhoso, um tanto sensual, nunca esteve em uma situação como aquela antes, ninguém nunca havia a chamado para dançar. Embora já esperasse por aquele momento, desde o dia em que comentou sobre aquele lugar com Bucky, no corredor de seu quarto, estar ali, vivendo aquilo, era diferente. Era como uma cena de filme, como se o encontro ideal estivesse acontecendo, aquele que, por muitos anos, para , só acontecia com pessoas muito diferentes dela. nunca achou que, algum dia, encontraria alguém que realmente se sentisse confortável de estar por perto, que se sentisse seguro com ela. Aquilo era diferente. Ainda sorrindo, sem saber o que ou como deveria responder ao convite mais carinhoso que recebeu em sua vida, apenas concordou com a cabeça.
De frente para ela, ainda perto demais, Bucky suspirou aliviado. De volta aos dias de ouro, aquele era um passo e tanto a ser dado. Não costumava chamar qualquer garota para dançar, não era assim tão fácil e nem tão rápido. Uma dança era como um aroma. Deveria ser sentida, vivida com calma, no tempo certo. E lá estava ele. Oitenta anos depois, nervoso por tirar a mulher que mais desejava em toda sua vida para dançar. Mesmo com a postura firme, Bucky transpareceu certo nervosismo quando se levantou de seu lugar e caminhou sem pressa até o outro lado da mesa, onde estava sentada. Elegante e cavalheiro, como a etiqueta de seu tempo mandava, ele estendeu a mão para ela. Seus olhos brilhando em expectativa, o sorriso nunca saindo de seus lábios. O encarando igualmente sorridente, pegou na mão de Bucky, aceitando o convite, finalmente, e se levantou.
Bucky a conduziu delicadamente até o meio do bar e, ao centro o suficiente para terem espaço, ele deu meia volta em , para que ficassem de frente um ao outro. Naquela altura, não sabia mais ao certo o que estava fazendo, sequer se lembrava de como era dançar. Mas o sorriso e os olhos de lhe transmitiam tanta segurança, tanta certeza, que nada mais importava. Se ela estava disposta a tentar, ele também estava. Os acordes delicados de Dream a Little Dream of Me começavam a tocar, o som alto da música tomando conta dos dois quando finalmente se aproximaram. Extasiado por ser exatamente aquela música, Bucky deixou uma risada contente escapar. Não podia ser mais perfeito do que aquilo, podia? deixou suas mãos nos ombros do homem, sentindo Bucky a puxar para mais perto do corpo dele, pela cintura.
A leveza e a delicadeza da música foram intensamente sentidas passo a passo, movimento a movimento, pelos dois. Sozinhos no meio da pista de dança, de frente para a banda, e atraindo olhares encantados dos velhinhos e velhinhas que assistiam à cena com saudosismo e carinho, e Bucky verdadeiramente se sentiam. Seus corações batendo forte, o calor de seus corpos se misturando junto com seus cheiros, com os sorrisos que não mais podiam ser escondidos. Balançando de um lado a outro, deixando-se ser totalmente conduzida por Bucky, deitou levemente seu rosto no peito dele. Mais alto do que ela, Bucky apoiou seu queixo no topo da cabeça de e fechou os olhos, sentindo toda a emoção do momento tomar conta de si. Era muito melhor do que ele se lembrava, era melhor do que ela imaginava que seria.
Sem pressa alguma, eles dançavam como se aquele momento fosse único, fosse eterno. Como se o mundo tivesse parado por um instante, como se houvesse apenas eles ali, só os dois. Bucky cantava baixinho, sussurrando a letra da música tão familiar, que não poderia ter vindo em hora melhor, era simplesmente perfeito. se arrepiava com a voz rouca dele cantando em seu ouvido, baixo, aveludado, sincero, como se cada palavra da música fosse para ela. Queriam viver naquele momento para sempre, queriam que o tempo simplesmente se perdesse ali. Mas foi nos segundos finais da música que tudo, enfim, fez sentido para Bucky. O sentido que havia falado.
Ela se desencostou levemente e subiu seu olhar carregado de paixão, com um certo desejo, até ele. Os passos da dança diminuindo naturalmente, até pararem por completo. Bucky deixou-se encará-la por dois ou três segundos, tentando guardar em sua memória todas as sensações de ter tão perto de si, até, finalmente, sem mais tempo a perder, encostar os seus lábios nos dela. Seus olhos se fechando quase ao mesmo tempo, sorriu com a doçura dos lábios dele nos seus, enquanto sentia uma mão de Bucky subir por suas costas, exatamente como mais cedo naquele dia, até chegar em sua nuca. O outro braço dele a abraçava pela cintura, puxando-a para mais perto de si, como se fosse possível se conectarem ainda mais. Delicadamente, ela subiu uma mão até a bochecha dele, assim que sentiu Bucky abrir os lábios levemente e suas línguas, enfim, se encontrarem. Para Bucky aquilo era simbólico, memorável, inimaginável. Para era indescritível, especial, totalmente novo. O beijo urgente, desejado, tão esperado pelos dois foi calmo e extremamente amoroso. Como se estivessem se conhecendo, sem necessidade alguma de ter pressa, eles só queriam se encontrar um no outro, só queriam transbordar as emoções que aquele momento carregava e assim ficaram. Aprofundando o beijo lentamente, cada vez mais, até o ar começar a faltar.
A música seguinte, Fly Me To The Moon (In Other World) , de Frank Sinatra, já estava na metade quando e Bucky quebraram o beijo. Descendo as mãos até o peito dele, enquanto ele a abraçava pela cintura, apertado, com os dois braços, Bucky e se encararam, sorridentes, tímidos. As pessoas no bar, ao redor, que pararam por um instante para assistir o romance acontecer ao vivo, aplaudiram animadas, celebrando o começo de um novo amor. Tão jovem, tão leve, tão calmo. Bonito, como boa parte dos casais mais de idade ali presentes se lembravam de ter vivido um dia, na juventude. Intenso, como as músicas que a banda tocava ao vivo. Sem graça, olhou para as pessoas ao redor, não segurando os sorrisos e as risadas de felicidade, como se, com o olhar, pudesse agradecer o carinho, por tornar tudo ainda mais especial. Bucky deu uma dúzia de beijos espalhados pelo rosto de , enquanto sorria bobo, ouvindo as palmas e assovios. Se um dia alguém lhe dissesse que viveria aquilo, exatamente do jeito que foi, Bucky jamais iria acreditar.
e Bucky ficariam daquele jeito, abraçados, grudados um no outro, dançando música atrás de música, se beijando de tempos em tempos, sem conseguir dizer absolutamente nada. Não havia palavras suficientes para descrever o que estavam sentindo. Aproveitando naquela noite o que em anos lhes foi tirado, lhes foi impedido de acontecer. Os outros casais, pouco a pouco, foram se juntando a eles na pista de dança, se deixando levar pelo romantismo do jazz dos anos 40 e 50, pela animação dos anos 60 e 70. Perto da meia noite, segurando de volta sua taça de gin tônica, enquanto Bucky a abraçava pela cintura com o braço cibernético e bebia uma nova dose de whisky, ouviu os acordes da única música conhecida começar a tocar. O cantor, então, apontou para ela e Bucky e disse que aquela era para eles. Soltando uma risada alta e levantando suas bebidas para ele, em agradecimento, começou a cantar Marvin Gaye, de Charlie Puth, junto com o cantor, enquanto Bucky tentava dançar livremente, ainda a segurando pela cintura. se perguntou, por um instante, a música a fazendo lembrar, o que Sam diria quando soubesse deles. Deixando uma risada escapar pelo pensamento, seguiu cantando feliz, impedindo que qualquer preocupação tomasse conta de si naquela noite. Entre passos de dança desajeitados de Bucky e goles da bebida, e Bucky deixavam transparecer a alegria que estavam sentindo um para o outro. Os lábios dela encostando nos dele, o gosto do whisky, o cheiro quente do perfume grudando cada vez mais na pele de . As mordidas leves na boca dela, o corpo dela dançando no dele. O contato ficando a cada momento mais confortável, menos tímido.
Perto da uma hora da manhã, eles deixaram o Boogie para trás, sem realmente querer ir embora. Não fosse pelo fato de o bar estar prestes a fechar e terem sido os últimos a saírem da pista de dança, praticamente expulsos, ainda estariam lá, presos naquele momento que podia não terminar nunca. As ruas vazias na madrugada de Wakanda fizeram Bucky se sentir confortável em tirar sua jaqueta, e ficar apenas com a fina camiseta de mangas compridas, para colocá-la nos ombros de e evitar que ela tomasse o vento. Estavam há poucos quarteirões de distância e em cinco minutos chegariam de volta ao palácio. Mas, ainda assim, ele queria ser gentil com ela. Vendo ali, de braço dado com ele, caminhando tranquila pelas ruas, o barulho de seu salto batendo no chão, a saia balançando com o vento, sua jaqueta sob as costas, carregando o buquê de flores que ele havia dado, Bucky sentiu que tinha valido a pena todo o esforço em ter sobrevivido aqueles anos.
— No que você está pensando? — perguntou curiosa, sentindo Bucky a encarar enquanto caminhavam pelo palácio adentro, até o elevador mais próximo.
— Em você — Ele respondeu simplesmente. soltou uma risada baixa.
— Você tem a incrível capacidade de me deixar sem palavras, James — Ela mordeu os lábios, parando de frente para ele e se encostando na parede ao lado do elevador, enquanto esperavam por ele. De frente para ela, com uma mão no bolso da calça e outra apoiada na parede ao lado do rosto de , Bucky deixou um sorriso escapar.
— Você tem a incrível capacidade de me fazer feliz, — Ele respondeu baixo.
Sem pensar duas vezes, juntou seus lábios nos dele, o beijando pela centésima vez naquela noite. A mão de Bucky que estava no bolso foi rapidamente para o pescoço de , abaixo de seus cabelos. O toque gelado da luva de couro, escondendo a mão de vibranium, na pele quente de , fez a espinha dela se arrepiar e Bucky notou aquilo. Sem quebrar o beijo, suas línguas dançando com calma e com intensidade, ele afastou de perto dela o braço de metal, deixando, no lugar, seu corpo encostar no dela, a pressionando levemente contra a parede. Bucky não conseguia interpretar as reações de sobre seu braço cibernético e, talvez, fosse mesmo demais digerir aquilo. puxou delicadamente o rosto dele para mais perto, seus dedos entrelaçados nos cabelos dele, na nuca. O gosto de era doce e viciante como ela e Bucky não queria se separar dela, mas o barulho estridente do elevador chegando no andar o forçou a isso.
Com as respirações ofegantes, o casal se separou rapidamente, assustados pelo movimento despercebido do elevador e soltaram uma risada baixa, sem graça. Bucky estava revivendo muito de seus dias nos anos 40 naquela noite. Não só pelo encontro, pelo ambiente, pelas músicas, pela bebida ou pela dança, mas pelo jeito de levar tudo aquilo. Pelas risadas tímidas, pela ousadia dos beijos sem aviso, pelo jeito que ela o olhava. Bucky se sentia de novo, como nunca achou que poderia sentir outra vez, o James do Brooklyn, o Sargento James Barnes, prestes a sair para a guerra. Tomado por uma sensação nostálgica, ele se deixou ser puxado por para dentro do elevador, e ouviu a porta fechar-se atrás de si. Se encarando e parados em lados opostos do elevador, que subia, e Bucky sabiam que estavam há alguns andares de tudo aquilo terminar. A noite estava chegando ao fim e, com ela, chegava a incerteza e a preocupação de como seria o dia seguinte.
Bucky acompanhou até a porta do quarto dela, em silêncio, consumido pela ideia de terem que se separar em segundos, querendo evitar aquilo a qualquer custo. Já tinham transbordado tantas emoções naquela noite, por que ainda sentia que não era o suficiente? Que faltava algo? Bucky deixou um suspiro pesado sair, a mão de apertando a dele, como se respondesse à frustração de não saber exatamente o que aconteceria dali para frente. Momentos como o que tiveram naquele dia, naquela noite, não eram comuns, nem rotineiros, para nenhum dos dois. Para Bucky levou oitenta anos para chegar até ali. Para , nada, nunca, tinha se comparado àquilo. E nenhum dos dois sabia exatamente o que esperar. O dia seguinte era uma incógnita que eles não queriam realmente descobrir.
— Acho que é aqui que a gente se despede — Bucky falou baixo, levando sua mão até a bochecha de , fazendo um carinho calmo ali. Ela sorriu com ternura e certa tristeza.
— Infelizmente — sussurrou o encarando de volta.
A verdade é que nenhum dos dois queria realmente que as coisas terminassem naquele corredor, daquele jeito. Eles queriam ir além, queriam mais um do outro, queriam dar mais de si mesmos, mas não sabiam exatamente como dizer isso e nem se era o momento certo para avançar. sabia que terem saído, terem dançado, terem se beijado, já significava muito para Bucky. As memórias de como tudo terminou da última vez em que ela deu a ele informações demais para digerir, em um único dia, vindo em sua mente, como um alerta. Não estava lidando com um homem qualquer, comum. Era Bucky. E sendo quem era, tinha que ser paciente, cuidadosa, não passar os limites. Para Bucky, contudo, chamar para dormir com ele, outra vez, depois de se tornarem um pouco mais íntimos do que na noite anterior, parecia ousado demais. Algo que ele faria sem nem pensar muito nos anos 40. Algo que ele temia fazer naquele momento.
Diferente da noite anterior, que simplesmente dormiram, o contexto agora era um pouco mais complexo. A vontade de ter um ao outro estampada em seus olhos demonstrava o que poderia acontecer se dessem a si mesmos a chance de passar outra noite juntos. Bucky tinha tido sorte de não ter acontecido nada com na noite anterior, poderia contar com a sorte outra vez? Mas, era realmente arriscado para ela? Bucky não sabia exatamente como deveria se sentir, nem o que pensar. Um lado dele sabia que já o conhecia o suficiente, já tinha visto seu pior lado, já tinha sido vítima do que ele podia fazer. E, ainda assim, ali estava ela. Linda, paciente, esperando por ele. O outro lado dele, contudo, o fazia se perguntar sobre as coisas que ela ainda não tinha visto. Os pesadelos, as crises, o braço, a cicatriz violenta em seu ombro. Se visse essa parte, ela conseguiria realmente ficar? Ela conseguiria ver tudo isso e, ainda assim, gostar dele? O desejar? Caindo na peça que sua mente pregava, Bucky foi dominado por uma certa tristeza. Todo aquele sonho tinha dia e horário para terminar, só restava saber o quão longe ele conseguiria levar aquilo e até quando aguentaria os inevitáveis sofrimentos de ficar com ele.
— Boa noite, James — cortou os pensamentos dele, sua voz tão suave quanto o beijo que deixou em seus lábios — Obrigada por hoje.
Naquele momento, vendo o sorriso de se abrir junto com a porta do quarto dela, Bucky pensou que, talvez, ele estivesse errado. Ela sabia exatamente quem ele era e, apesar disso, o estava escolhendo. Se ela estava disposta a correr os riscos, por que ele não estaria? Se já tinham chegado até ali e se tinha sido bom, se tinha sido incrível, por que não continuar? Novos começos são feitos de superação, de aprendizados, de novas vivências e de novos erros. O que tivesse que fazer, o que quer que fosse acontecer dali em diante, deveria fazer parte do novo começo de Bucky, e não mais ficar preso ao antigo. Em um impulso, tomando a última dose mental de coragem que tinha naquele dia, Bucky segurou a porta do quarto de antes que ela fechasse por completo. abriu levemente a porta outra vez, confusa, a tempo de ver Bucky puxar o ar com força, como se estivesse prestes a dizer algo importante.
— Eu não… eu não quero… ir — Ele sussurrou tão baixo e inseguro, que quase não pode ser ouvido. Seus olhos cravados em com desejo, com incerteza, a expressão dela se suavizando com a confissão.
— Eu também não quero que você vá, Buck — Ela sussurrou de volta, deixando o buquê de flores na poltrona ao lado da porta e, em seguida, estendendo a mão para ele.
Com o nervosismo tomando conta de si, o coração acelerado, mais uma vez naquela noite, Bucky pensou por um segundo se deveria mesmo fazer aquilo. Não queria se arrepender, não queria que se arrependesse, não queria estragar tudo pela ansiedade de dar um passo em falso. Mas ele queria passar a noite com outra vez, ele desejava senti-la tão perto dele de novo. E não queria que ele fosse embora, estava tudo bem. Bucky sorriu sem mostrar os dentes para ela, o olhar de o inundando de expectativa até ele, finalmente, pegar a mão dela e ser puxado para dentro do quarto, com delicadeza.
Bem maior do que o dele, o quarto estava iluminado apenas pelo luar e pelas poucas luzes que vinham de fora, que entravam fracas e apagadas pela parede de vidro ao fundo, perto da cama de . O clima ameno, suave e silencioso do ambiente contrastava com o caos na mente de Bucky. se virou de frente para ele e o encarou por algum tempo. A respiração descompassada, os olhos brilhantes dele passando por ela, a incerteza e o desejo enchendo o quarto. Bucky assistiu tirar a jaqueta dele e deixá-la no chão, assim como fez com as sandálias de salto, sem pressa. Imóvel no centro do quarto, em silêncio, preso na imagem de vindo até ele enquanto mexia nos cabelos, Bucky reparou no quando ela conseguia impactar ele e no quanto ele queria ela.
o abraçou delicadamente pela cintura, sem saber ao certo o que deveria fazer, o que Bucky estava esperando dela. Bucky pegou o rosto de com as duas mãos e o puxou para cima, beijando-a com calma, com paciência. As mãos dela brincavam em suas costas discretamente, seus corpos se encostando cada vez mais um no outro. O tempo parecia ter parado outra vez e o mundo voltou a ser só eles dois, sozinhos, naquele quarto, naquela noite, sem mais nada importar. Não demorou muito para que o beijo se intensificasse, a vontade de um ter o outro mais perto, de ter mais contato, crescer a cada segundo.
Diferente das outras vezes em que se beijaram naquela noite, havia muito mais paixão, muito mais desejo, naquele momento. A paciência foi cedendo certo espaço para um desespero, a calmaria se tornando urgência. A insegurança e a preocupação de Bucky foram desaparecendo ligeiramente de sua mente, dando lugar para sentimentos que ele não se lembrava muito bem como eram. Lentamente, rendida ao momento, puxou a cabeça de Bucky para o lado, descendo seus beijos da boca dele, pelo maxilar, até seu pescoço. Cada toque dos lábios de em sua pele causava em Bucky um arrepio diferente, uma vontade mais intensa e ela parecia notar isso. De olhos fechados, tentando aproveitar cada segundo daquela sensação, Bucky imaginava coisas que não teria coragem de dizer em voz alta.
Voltando aos lábios de Bucky no mesmo ritmo sedutor e marcante, sentiu uma das mãos dele descer discretamente por sua cintura até alcançar sua bunda. Tudo parecia mais quente no quarto, o ar mais rarefeito, o cheiro mais sensual. Estavam passando do limite que mentalmente tinham estipulado um para o outro, mas nenhum deles queria parar. Pelo contrário, queriam cada vez mais. Em um movimento firme e sereno, Bucky pegou no colo, pela cintura, sem cortar o beijo, sentindo sua saia subir com o movimento. prendeu suas pernas ao redor da cintura dele, arfando entre seus lábios quando Bucky a encaixou exatamente em seu colo.
A passos largos e calmos, Bucky foi até a cama de e se sentou, com ela por cima, ainda em seu colo, uma perna em cada lado de seu corpo. O beijo quebrado pelo movimento os fez se encararem por alguns minutos, em silêncio completo. Tudo que podiam ouvir era a respiração um do outro e o ritmo de seus próprios corações batendo acelerados em seus peitos. Os lábios levemente inchados de , os cabelos bagunçados, o jeito que ela estava sentada nele, o olhar. parecia entregue, parecia esperar que ele tocasse a música para que ela apenas dançasse. Para que ela dançasse para ele. E aquilo era absurdamente excitante para Bucky.
viu os olhos claros e cristalinos dele tomarem um tom mais escuro, enquanto ele colocava os cabelos dela para trás e começava a beijar seu pescoço. Quente, macio, os lábios de Bucky pareciam torturar . Tinham roupa demais, contato de menos, ela não sabia o quanto mais daquilo iria aguentar até ceder, definitivamente, a vontade que a consumia. As mãos de Bucky apertavam levemente suas coxas e a mantinham sentada em seu colo, perfeitamente encaixada nele. colocou as mãos por dentro da barra da camiseta de Bucky, em sua barriga, subindo-a levemente enquanto ele intensificava os beijos em seu pescoço. Contudo, como se algo tivesse repentinamente acontecido, Bucky parou por um instante e abriu os olhos, encarando que o olhou confusa, com medo de ter feito algo errado. A insegurança caindo sobre ele outra vez, como uma bomba, rápida e destruidor.
Bucky sabia que tinha acabado de foder tudo. Sabia que não demoraria para ele começar a estragar as coisas e foi, na verdade, mais rápido do que ele pensou. Sem entender, tirou as mãos da barriga dele, deixando a camiseta que ele vestia cair de volta ao normal, tapando o pouco que estava começando a ser exposto. Talvez Bucky só tivesse se dado conta do que estava prestes a acontecer naquele momento, e tenha desistido. O homem engoliu em seco, sustentando o olhar confuso de no seu, desejando não ter reagido daquela forma. Ele queria continuar, ele queria. E se tivesse uma única chance de conseguir consertar a pane que sua mente criou, ela, certamente, seria contando a o que tinha acabado de acontecer.
— O braço, eu… — Bucky tentou dizer, envergonhado demais para continuar, passando as mãos pelo rosto, suspirando — A cicatriz no ombro… você não vai gostar, você vai… desistir, você…
encostou sua testa na de Bucky, segurando seu rosto com as mãos, e passou a pontinha de seu nariz no dele, com carinho e com cuidado. Bucky estava com vergonha de se expor. Ele estava com vergonha de mostrar a ela a parte física que carregava de seu passado, a parte que ele tanto se culpava e que se esforçava muito em esconder. Ele estava com vergonha de si mesmo e, mais do que isso, estava com medo. Não havia tesão em ver aquilo, não havia desejo ou vontade. Como transaria com ele vendo aquele braço, como ela se sentiria diante da cicatriz enorme que ficou onde haviam arrancado seu braço humano? Para onde sua mente a levaria quando visse aquilo? Toda a conexão se perderia, ele sabia disso. Como poderia haver tesão onde um dia teve tanta violência?
Sem dizer absolutamente nada, saiu do colo dele e se colocou em pé, a dois passos de distância de onde Bucky estava sentado na cama. Se ele soubesse, talvez se sentisse mais confortável com a situação, com a exposição. O olhar triste dele acompanhando os movimentos dela, achando que tinha mesmo estragado tudo até, dois segundos depois, reparar no que ela estava fazendo. Sem cerimônias e sem aviso prévio, começou a tirar sua própria roupa. A saia caindo no chão com leveza e a blusa sendo atirada ao lado, encarou Bucky profundamente, sem vergonha alguma. Bucky descia seu olhar pelo corpo dela, sem conseguir mais ordenar o que estava pensando. Tudo em , cada parte dela, era absolutamente formoso. Vestindo apenas um conjunto fino de lingerie branco e rendado, Bucky viu, enfim, o que ela queria lhe mostrar com aquilo. Na coxa, a cicatriz que Stark deixou nela na Sibéria, na barriga uma marca de tiro, que se repetia no ombro. Naquela intimidade, Bucky pensou que era a mulher mais linda com quem ele já havia estado e não fosse por ela estar fazendo questão de ele ver suas marcas, ele não teria ligado para elas.
deixou Bucky a consumir pelos olhos até ele, finalmente, a encarar. Com um sorriso fraco nos lábios, ela esticou o braço direito para o lado, apontando para a tatuagem sobre a qual conversaram mais cedo, naquele dia. Bucky acompanhou curioso o olhar dela pelo braço até que , de uma vez por todas, se virou de costas para ele. Tirando o sutiã e o deixando cair no chão, Bucky seguiu seu olhar pelo braço com a fina tatuagem até as costas dela. “A maior cicatriz que tenho no corpo”, ela havia dito. De onde terminava o delicado e pequeno ramo de flores na pele dela, continuava uma cicatriz enorme pela parte de trás do braço, até o ombro, e se estendia por boa parte de suas costas. Como se tivesse sido cortado com uma faca, Bucky sabia bem de onde vinha aquela marca na pele dela. A cicatriz ironicamente denunciando a parte mais forte e, ao mesmo tempo, a maior fraqueza que ela carregava. A prova do lugar onde ela havia estado. O lugar que ele conhecia tão bem.
E mesmo vendo aquilo, mesmo sabendo de onde vinha, mesmo tendo ciência do que tinha acontecido, Bucky ainda sentia o tesão crescer dentro de si. Não pela violência, nem pelo estado físico, mas pela entrega, pela intimidade, pela confiança, pela descoberta. Nua, olhando levemente para ele por sob o ombro, estava verdadeiramente se entregando à Bucky. Abrindo espaço para que ele chegasse, para que ele a descobrisse. E se ela estava confortável em fazer isso com ele, por ele, por ela, ele também queria tentar. Também queria que sentisse que ele, naquela noite, estava disposto a se entregar para ela.
Bucky a puxou devagar de volta para seu colo, a sentando, dessa vez, de costas para ele. Nenhum dos dois precisava dizer mais nada, seus corpos já estavam respondendo por si mesmos. Embora ainda se sentisse levemente nervoso com aquilo, ter ali, com ele, para ele, tinha sido incentivo suficiente para Bucky. Ele afastou os cabelos das costas dela e suavemente começou a beijá-la, na nuca, no pescoço, seguindo exatamente o caminho que a cicatriz fazia na pele dela. De olhos fechados, sentia sua pele se arrepiar com cada toque, a língua dele deixando um rastro úmido, leve, sobre ela. Cada segundo parecendo mais massacrante, cada toque deixando o desejo por mais ainda mais imediato. Algum tempo depois, abriu os olhos suavemente e puxou a mão direita de Bucky até os seus seios. Perdido ali, sentindo seu corpo pulsar, Bucky acariciava enquanto a beijava, ainda de costas para ele, inebriado pela ânsia e pela tentação de ter mais dela.
No ápice do calor, do excitamento e da fantasia que criava em sua mente, se levantou do colo dele e abaixou sua última peça de roupa, a calcinha, em um movimento único. Sentando de volta, ela pegou a outra mão de Bucky e se virou por sob o ombro, o encarando, como se pedisse a permissão dele para seguir adiante. O homem sorriu de lado, um tanto quanto devasso, e assentiu brevemente com a cabeça. , então, tirou a luva que ele vestia de sua mão esquerda, deixando o metal exposto e, sem pensar muito, a conduziu até o meio de suas pernas. Afastando as pernas sedutoramente em seu colo, Bucky ouviu gemer baixo, assim que ele a tocou pela primeira vez. Havia um outro lado do metal, um lado que, inerte em todas as lembranças ruins, Bucky nunca tinha pensado. O lado prazeroso, voluptuoso, libertino, que explorava dele sem medo algum.
Os movimentos calmos de Bucky tiravam de gemidos sensuais e grunhidos baixos. Ele acariciou o corpo dela o quanto pôde, o quanto aguentou, carinhoso, preciso, até deitá-la na cama. Beijando de volta os lábios de Bucky, apaixonada, sucumbindo ao tesão e ao prazer que ele estava lhe causando, o ajudou a tirar cada uma das peças de roupa que vestia. A última delas, a camiseta, forçando-os a quebrar o beijo por um instante. Tentando não transparecer a insegurança que insistia em dominá-lo, Bucky assistiu observar seu peito com cuidado, com atenção. Os músculos bem definidos, a postura ereta e perfeita, a pele se arrepiando enquanto passava o dedo em seu peito, sedutoramente, até chegar, enfim, em seu ombro esquerdo. Contornando a grossa cicatriz, imediatamente antes do braço de metal começar, não conseguia pensar em outra coisa senão no quanto a resiliência, a força e a coragem de Bucky a atraiam, a encantavam.
O beijando com vontade, com mais intensidade e pressão, começou a apalpar o corpo dele, o trazendo para perto, enquanto ele se deitava em cima dela. O gelado extremo do braço de metal contrastava com o quente do corpo dela sempre que ele a tocava, a apertava, a fazendo arfar em aceitação. Entre os gemidos, o ar que parecia faltar, o gosto da boca um do outro, os toques, os estímulos que não pareciam suficientes, tudo parecia querer correr, a necessidade de aliviarem a tortura de, finalmente, se conectarem, de sentirem profundamente um ao outro.
Bucky se sentou na cama outra vez, encostando-se na parede atrás de si, e trouxe consigo, para cima dele, sem desgrudar do corpo dela nem por um único segundo, seus lábios encontrando os seios dela. A camisinha, jogada no fundo da gaveta do pequeno móvel ao lado da cama, foi rapidamente encontrada e aberta, mas paciente e torturantemente colocada nele por . Com uma perna de cada lado de seu corpo, Bucky assistiu subir seus beijos até a boca dele e, alinhando-o a ela, sentar-se lentamente. Entre seus lábios, e o encarando bem no fundo dos olhos, gemeu o primeiro nome dele, assim que sentiu Bucky dentro de si. A dor, o calor, a ardência, o prazer.
Segurando-a pelo quadril, sem desviar seu olhar do dela e sem desencostar suas bocas, Bucky entrava e saia de sem pressa, aproveitando cada segundo daquele momento, deixando todo seu tesão escapar em grunhidos altos. Seu nome saindo da boca dela em seu ouvido, tão baixo, falho, manhoso, prazeroso. A sensação de ter para si, o suor se misturando, os seios dela roçando sem seu peito enquanto subia e descia em seu colo. Aquilo parecia demais para Bucky. A sensação única de ver o que ele podia, o que ele conseguia, fazer em .
A calmaria dos movimentos foi ficando cada vez mais escassa e, no lugar, o desespero foi tomando conta. Subindo uma mão até a nuca de , e a enroscando em seus cabelos, Bucky pressionou o tronco dela mais perto de si. não sabia mais quanto tempo aguentaria e bastou Bucky começar a sussurrar coisas que ela não imaginava ouvir dele para que se deleitasse de uma vez por todas. O gemido alto dela e o tesão de seu olhar nele fizeram Bucky, no momento seguinte, comprazer-se também. As respirações descompassadas, aceleradas, tomaram conta do ambiente e nenhum deles conseguiu dizer algo. O que teriam mais para dizer um ao outro depois de tudo? Bucky deu leves beijinhos pelo rosto de , a vendo rir baixo, um pouco tímida.
De todos os clichês do mundo, Bucky pensou naquele momento, que onde havia amor, havia recomeço. Os lugares novos, o amargo virando doce. A violência virando carinho, a insegurança, aceitação. A beleza da chance, do que é verdadeiro, a vida que se renova. Foi ali, naquele momento, naquela noite, vendo nua, aninhada em seus braços confortavelmente, que Bucky assistiu a sua vida começar outra vez.
— Não é bem um casamento, só vamos renovar votos oficialmente e depois uma lua de mel — O homem respondeu pensativo, sem esconder o sorriso — Ou os dois ao mesmo tempo.
— PAPA! Sem tantos detalhes, s’il vous plaît! — espremeu os olhos, como se aquilo tivesse passado muito dos limites. Karl riu uma vez mais.
— Pardon, ma chérie! É um sonho, estou empolgado — Karl gesticulou, dando alguns passos para o lado. O holograma dele perfeitamente aberto dentro do quarto de . Como ela queria abraçá-lo naquele momento.
— E como isso aconteceu? Eu queria tanto estar aí para ver — Sentada da cama, assistia seu pai expressar a maior felicidade de todo o mundo.
— Eu também queria que você estivesse aqui, meu amor. Você foi a primeira pessoa que pensei em contar, mas você não me atendeu — Ele fechou a expressão por um instante, vendo sorrir sem graça — Vou te contar. Everett veio de surpresa para Nova Iorque ontem pela manhã, você sabe como seu pai é, cheio de mistério.
descobriu que Everett conseguiu desviar a etapa de uma missão que cumpria para passar o final de semana com Karl, nos Estados Unidos. Ele havia feito uma caixa, com velas aromáticas, uma fragrância memorável de cada um dos momentos especiais que marcaram o relacionamento deles em todos aqueles anos. Para cada vela, o cheiro de um lugar, de uma emoção, de um ingrediente marcante. Everett havia deixado a caixa na porta do apartamento em que Karl estava vivendo e, sem que ele soubesse, preparou um jantar surpresa. Entre os aromas, a luz baixa do ambiente, as risadas contidas, o sabor do vinho e da comida preferida de Karl, Everett contou como tinha se assustado com os últimos acontecimentos e o quanto quase ter sido morto em Busan o tinha feito refletir sobre tudo, sobre eles. Com duas passagens aéreas compradas para a Escócia e lágrimas nos olhos, Everett perguntou a Karl se ele queria, oficialmente, cerimonialmente, se casar com ele. A vida passava, o tempo corria, não podia mais esperar, não podia mais contar com a sorte de ter um futuro em que realizaria os sonhos e as vontades de quem amava. Tinha que ser agora, tinha que ser o quanto antes.
Karl e Everett já eram legalmente casados, no civil. Às pressas, entre uma burocracia ou outra para adotar o quanto antes, eles escolheram um ao outro, dividir o resto de suas vidas. A união estável os deu a chance de serem reconhecidos enquanto casal, mas não os deu a possibilidade de viver a formalização da união como gostariam. O tempo foi passando, tudo foi acontecendo, o trabalho foi consumindo, a preocupação em sobreviver mais forte e urgente do que a de viver. Até quase tudo terminar, repentinamente, de uma vez por todas. Mas ainda havia tempo e, se havia uma oportunidade, por que não a agarrar? viu Karl enxugar as lágrimas se lembrando de cada detalhe, contando para ela, naquele dia, o quanto se sentiu especial, amado e cuidado por Everett. O quanto estava feliz e como foi aceitar aquele pedido tão esperado por ele. se emocionou junto com seu pai, absurdamente contente e satisfeita por, ao menos em um momento da vida, seus pais terem o tempo e a chance de aproveitarem um ao outro, de não ter mais que se segurar, que esperar, por causa dela. desejava, do fundo do coração, viver em outros tempos, em outro contexto, em um em que ela pudesse estar perto deles naquele momento, compartilhando presencialmente aquela felicidade, ajudando a organizar a maior festa de todos os tempos. A festa que todos eles sabiam que nunca, jamais, poderiam fazer. Na surpresa intimista e na ideia de renovarem os votos apenas os dois moravam a nova felicidade de Karl e queria que isso durasse para sempre nele.
— E vocês já pensaram nos detalhes? — perguntou depois da longa história de seu pai que, naquele momento, estava sentada em uma poltrona de seu apartamento, projetando o holograma.
— Bom, Everett reservou as passagens para quando conseguimos coincidir férias, o que é só daqui um ano, mais ou menos, então, até lá, temos tempo de pensar em tudo — Karl refletiu, olhando sua filha assentir sorridente — E eu quero sua ajuda para isso.
— Já estava achando que não ia me incluir nunca — fez um biquinho dramático.
— Ah meu amor, eu queria muito que você pudesse estar conosco — Karl comentou sério, seu tom de voz levemente triste em dizer aquilo — Quem sabe até lá as coisas já não vão estar melhores, talvez o tratado seja ratificado, as punições sejam abrandadas, vamos esperar.
— Está tudo bem, pai. Somos uma família, mas acompanhar vocês na lua de mel é um pouco demais, não acha? — Ela brincou, os olhos arregalados em um sinal de falso desespero. Karl riu e negou com a cabeça.
— Preciso de cuecas novas — Ele provocou e gargalhou em seguida, vendo tapar o rosto com as mãos.
— PAI! NÃO!
— É brincadeira, querida — Karl riu baixo, observando sua filha se jogar outra vez na cama — E falando em lua de mel, onde você estava ontem à noite, mocinha?
— O que Shuri te contou? — levantou uma sobrancelha. Só pela conexão do assunto com lua de mel, já sabia que Shuri tinha dado com a língua nos dentes.
— Que você passou a noite com James na fronteira e eu sinceramente não sei se gosto disso, — O tom que voz de Karl parecia mais sério.
Ele e Everett já tinham entendido, pelas conversas que tinham com , em todos aqueles meses em que James ficou na criogenia, como ela se sentia em relação à ele. Ela se identificava com Bucky, dividia com ele boa parte do caos ao qual foi submetida na vida, compartilhava de alguns sentimentos não tão bons, dos momentos mais delicados e complexos. Ter em quem se apoiar, ter com quem dividir aquilo tendo a certeza absoluta de que a pessoa sabia exatamente como era, tornava tudo mais fácil, mais leve, mais seguro. precisava disso. Precisava ter alguém que realmente entendesse tudo pelo o que ela passou, que realmente sentisse o que era ser como ela. A sensação de ser manipulada, de ser experienciada, de ter que sempre fugir, se esconder, limpar o sangue das mãos no final do dia. Sentimentos que ela podia encontrar em Steve e Sam, por exemplo, mas que, mais do que isso, podia compartilhar sem medo com Bucky.
se sentia confortável com seu passado e com o que fez perto de Bucky, porque ele, igualmente, se sentia daquela forma com ela. A conexão era intensa, era verdadeira, era profunda. Ela passou tantos anos atrás dele, buscando, estudando, investigando, e encontrou um homem totalmente diferente do que esperava. Alguém que parecia confiar nela, que parecia querer tê-la por perto, que parecia grato, que a aceitava. Alguém que tinha medo da violência, que buscava paz. Alguém que se preocupava com . Para Karl e Everett não havia dúvidas de que aquilo estava se transformando no tempo, se intensificando. Quanto mais perto ficavam, quanto mais de si mesmos conheciam e deixavam o outro conhecer, mais e Bucky estavam se gostando, se sentindo, se aprofundando. Uma parte de Karl estava muito feliz pelos resultados de tudo aquilo. merecia ser feliz, merecia ter um tempo amar e ser amada, mesmo que a pessoa a dividir isso com ela fosse Bucky. Como para ele e para Everett, não podia esperar que ela tivesse um relacionamento convencional, um filme perfeito de romance. era diferente e ele nunca negou isso. Tudo em sua vida era atípico, um relacionamento, qualquer que fosse ele, também seria.
Mas de todas as pessoas por quem poderia ter se apaixonado, parte de Karl perguntava, como pai, por que tinha que ser pelo homem mais perigoso e procurado do mundo? Bucky estava se tratando, era um fato. Tudo estava saindo bem conforme as pesquisas de , ela estava sendo responsável e muito atenciosa em seguir as etapas, em dar a ele tempo para se acostumar, para recomeçar. Não estava atropelando nada. E isso era ótimo. Mas, ainda assim, complexo. Bucky não se recuperaria tão fácil, nem tão rápido, Karl tinha medo do cansaço, do desgaste emocional que poderia gerar em sua filha. já tinha suas questões, já tinha seus problemas, não tinha que absorver e nem cuidar de problemas tão graves de outra pessoa. Por que não foi Steve ou Sam? Até mesmo T’Challa? De todos os clichês do mundo, Karl tinha certeza de um único naquele momento: não conseguimos mesmo mandar no coração. E fosse como fosse, estava preparada para se cuidar e tinha que viver aquilo por ela mesma. O tempo mostraria a ela, como mostrou a Karl e Everett, se Bucky era realmente a sua pessoa no mundo. E Karl desejava, muito, que Bucky fosse, que desse a ela o que estava procurando, o que lhe faltava e que a fizesse feliz, como ela merecia ser.
— Não foi desse jeito, pai, sabe como a Shuri é dramática — negou com a cabeça, sem realmente acreditar que seu pai tinha caído na mentira de Shuri — E só para constar, eu não tenho mais quinze anos, sei o que estou fazendo.
— Parecia ter mais juízo quando tinha quinze anos — Ele respondeu falsamente emburrado, pegando uma caneca sob a mesinha de centro — Se bem que foi quando você envenenou aquele rapaz, beijando ele, não foi?
— Por que ninguém esquece essa história? — revirou os olhos, mas não conseguiu segurar a risada. Karl sempre dava um jeito de relembrar os constrangimentos.
— Porque ela é boa demais para ser esquecida — Karl riu junto, bebendo um gole de seu chá — O que aconteceu ontem, então?
— Bucky quis fazer o teste para saber o resultado do tratamento, mas não se sentiu seguro fazendo aqui — Ela suspirou, encarando o holograma de seu pai prestar atenção nela — Ele estava com medo de ter dado errado e de ativar o Soldado Invernal outra vez, achou melhor ser um lugar afastado e sem outras pessoas que ele pudesse… machucar. A fronteira tem muita natureza, era seguro para mim.
— Eu entendo — Karl concordou com a cabeça, ainda segurando sua caneca — E como foi?
— Intenso — sorriu sem emoção, se lembrando do momento — Bucky estava apavorado, eu tenho certeza de que muita coisa passou pela mente dele enquanto ouvia as palavras. Ele chorou muito, chorou de medo pelo tratamento ter dado errado e, quando percebeu que tinha dado certo, ele chorou de alívio, foi… intenso.
Karl podia imaginar. Conhecia a história de Bucky e sabia que nada tinha sido fácil para ele. Dor, violência, medo constantes. Nada de bom havia acontecido com ele em décadas, ter a sensação de que estava livre de tudo aquilo deveria ser, depois de tudo e de tanto, um sonho. Karl podia mesmo imaginar a ansiedade que ele sentiu em fazer o teste logo, o pavor em ouvir aquelas dez palavras outra vez, em perder o controle, recomeçar o ciclo. E podia imaginar a alegria de sentir a liberdade, a consciência de poder escolher o que e como fazer, pela primeira vez em tanto tempo.
Mas Karl também sabia que aquilo era importante para . Sua conexão com seus pais biológicos estava naquilo, ela tinha seguido o legado deles, tinha terminado o que eles haviam começado. De uma vez por todas, tinha libertado Bucky e, com ele, tinha também libertado seus pais biológicos de parte da culpa que carregavam por terem feito o que fizeram com ele. Ela tinha finalizado a sua busca, tinha concluído a missão de sua vida com sucesso. Karl também podia imaginar que aquele foi um momento intenso para . E talvez, só talvez, a intensidade das emoções a tenha prendido lá, com Bucky, a noite toda. Fazia sentido para ele e como poderia ser diferente? Era o momento deles, estavam certos de celebrar em companhia.
— E como você está se sentindo em relação a isso? — Karl perguntou carinhoso, tomando outro gole de seu café. pensou por alguns instantes de responder:
— Feliz por ele e por ter conseguido finalizar o tratamento, apesar de tudo. Agora só nos resta ficar de olho em Sam, Steve e Wanda, garantir que nada aconteça com eles e nem que nos encontrem em Wakanda.
— Estamos cuidando disso com você, querida, não se preocupe. Temos tudo sob controle por enquanto, você e Barnes podem curtir um pouco a vida aí — Ele brincou carinhoso, tirando um sorriso tímido de , que respirou fundo.
— Falando nisso… — Ele mordeu os lábios, incerta se deveria mesmo contar aquilo para ele.
— Sabia que estava me escondendo algo — Karl a cortou provocativamente, ouvindo a filha rir leve.
— Não estou escondendo nada, você é que não está me deixando contar — se defendeu, juntando seu cabelo em um rabo de cavalo.
— Me conte, então — Karl pediu, seu holograma falhando por um segundo pela conexão, mas logo voltando ao normal — É sobre a noite na fronteira?
— Isso parece nome de filme ruim de suspense — riu com Karl e negou com a cabeça — Não teve noite na fronteira, pai, quer dizer, não nesse sentido. Nós literalmente dormimos lá e quando amanheceu viemos embora. Não aconteceu nada.
— Então, o que quer contar? — Karl insistiu, sabendo que aquilo irritaria em algum momento.
— Bucky me chamou para sair… hoje… à noite — falou tímida, desviando seu olhar para um canto qualquer no quarto.
— JE N’EN CROIS PAS MES YEUX! — Karl praticamente gritou, deixando a caneca de volta na mesa de centro e inclinando seu corpo para frente na poltrona — Everett não vai acreditar nisso! Você aceitou? Onde vocês vão?
— Aceitei! Vamos no Boogie — sorriu nervosa. A reação de seu pai melhor do que ela esperava. Everett certamente estaria fazendo um longo discurso sobre como era perigoso.
— Ah , que horror! A pessoa mais nova daquele lugar deve ter noventa anos — A expressão horrorizada dele fez soltar uma risada alta.
— Bucky tem cem anos, pai — Ela levantou as sobrancelhas.
— Às vezes esqueço desse detalhe — Ele soprou pensativo — Vamos fingir que eu não sei disso para não ser julgado um pai ruim, ok?
— Você é o melhor dos pais, Karl, entenda — falou série, mas carinhosa, vendo seu pai mandar-lhe um beijo no ar.
— Te amo, meu amor. Me lembre de contar isso a Everett depois.
— Nunca — Ela negou com a cabeça, mandando um beijo de volta — Mas vamos focar aqui, pai, ele me chamou para sair, para dançar. O que você acha que eu...
— Saia rosa midi de cetim, uma camiseta básica branca e aquele par de Jimmy Choo rosa claro e salto fino — Karl a interrompeu prontamente, raciocinando enquanto falava, sempre animado demais com o fato de ser consultado para roupas.
— Não é formal demais? Nunca usei aquela saia, vou ficar meio fora de moda — refletiu já em pé, indo em direção a seu closet, em busca das peças de roupa que seu pai havia sugerido.
— Bucky tem cem anos, — Karl respondeu no exato mesmo tom que ela havia dito aquela informação para ele, minutos antes. riu e deu de ombros, puxando o cabide com a saia e voltando para onde o holograma de seu pai estava — E vocês vão dançar, precisa de uma roupa confortável.
— Tudo bem, você venceu, vou com ela — fez uma joinha e jogou a saia em cima da cama.
— Que horas vão? — Karl perguntou feliz, vendo ela voltar ao closet para buscar as outras peças.
— Às oito — Ela respondeu já de volta, segurando o par de sandálias nas mãos e dando uma olhada no pequeno relógio em cima da mesa de canto de seu quarto. Tinha tempos para se arrumar com calma.
— Conhecendo você e o quanto demora, acho melhor eu ir e te deixar começar a se arrumar — Karl brincou, fazendo revirar os olhos e parar de frente para ele — Everett deve chegar logo por aqui também, ele quer ir à exposição nova do MoMA hoje.
— Manda um beijo para ele e diz que estou feliz pelo pedido de casamento — sorriu abertamente e encolheu os ombros em animação — Vocês merecem toda a felicidade do mundo. Vai ser lindo!
— Não tão lindo quanto a dança de hoje, meu amor — Karl respondeu com ternura, vendo as bochechas de ficarem ligeiramente vermelhas — Divirta-se, aproveite.
— Obrigada, pai — Ela acenou brevemente para ele, ainda segurando as sandálias.
— Até logo, ma chérie — Karl mandou beijos para ela — Eu te amo.
— Eu também te amo.
Pela ansiedade de que a noite chegasse logo, o dia pareceu correr para Bucky. Ele passou o final da manhã e o começo da tarde no brunch com T’Challa, em uma das conversas mais ternas e sinceras que já tinha tido a oportunidade de ter. Bucky se sentiu confortável em contar o que tinha acontecido durante o teste, como estava se sentindo e, pela primeira vez desde que chegou em Wakanda, teve a chance de, oficialmente, agradecer pela recepção e pela segurança. Ele sabia o quanto T’Challa estava se arriscando e arriscando o país em mantê-lo ali, em segredo. Sabia o quanto estava em jogo e era grato por isso. T’Challa parecia um homem íntegro, confiável e bastante discreto. Bucky se sentiu confiante em contar-lhe algumas coisas de sua vida e, no final do brunch, já estavam rindo de alguma situação engraçada que T’Challa contava. Embora a conversa tenha sido bastante formal, as guardas do rei os vigiando o tempo todo e um ou outro curioso parando para observar de longe, pelo vidro do restaurante, Bucky se sentiu melhor naquele evento do que pensou.
T’Challa havia entendido um pouco mais sobre o tratamento e, sabendo que o teste final havia sido feito e concluído com sucesso, se sentiu mais confortável em ter Barnes no país. Ele podia ser livre lá dentro, podia circular e fazer o que quisesse. T’Challa avisou que todo o país era monitorado por tecnologia e que, por segurança, ele não escaparia do monitoramento. Eles não iriam interferir, de jeito algum, mas iriam monitorá-lo. Para Bucky, naquele momento, pareceu uma troca justa. As trocas, as negociações indiretas, o mesmo que faziam com , estavam, agora, fazendo com ele. Cortesias por cortesias, ele poderia viver em paz ali. E era isso que mais importava. T’Challa ofereceu-lhe o chalé da fronteira para, sempre que quisesse ou se sentisse melhor lá, poder acessá-lo. Bucky concordou em ficar no quarto que já estava hospedado, no palácio, desde que também estivesse ali, no país. Na chance de ela estar longe, ele preferia ficar na fronteira, isolado. Por mais segurança que tivesse no tratamento, para ele, ainda levaria tempo para confiar em si mesmo.
Bucky voltou com T’Challa ao palácio, o dia fluindo bem e tranquilo como nunca antes. Era estranho estar, pacificamente, tão próximo a um Rei, a um chefe de Estado. Era estranho ele ser T’Challa e estranho viver no mesmo ambiente que ele. Bucky estava acostumado a matar membros de governos, não tomar brunch com eles. Definitivamente não estava acostumado com aquilo. E foi caminhando sozinho de volta ao seu quarto, carregando algumas sacolas com roupas novas que T’Challa havia mandado comprar para ele, que Bucky se pegou lembrando de seu apartamento em Bucareste. Sem ter como pagar por aquilo, ele havia feito uma troca com a senhora, dona do local e vizinha de porta. Ele fazia pequenos consertos no apartamento de dona Mihaela e nas compras de supermercado que ela pedia e, em troca, ele podia ficar no apartamento ao lado. Todo dinheiro que tinha foi roubado da Hydra, assim que ela caiu e antes de ele se esconder na Romênia, e estava servindo para comer. Mas Bucky não tinha ideia do que seria quando esse dinheiro acabasse.
Passando em frente ao quarto de , Bucky teve seus pensamentos cortados por um grito animado da mulher, vindo de dentro. Como assim vocês vão se casar?. Ele sorriu sozinho, imaginando que ela estava, finalmente, falando com seu pai. E pela notícia, fazia sentido ele ter ligado tantas vezes. Entrando em seu quarto, uma parte de Bucky ficou aliviada por saber, sem querer, que nada de ruim tinha acontecido com eles. Karl e Everett eram tudo que tinha e, em hipótese alguma, podia perder eles também. Bucky estava acostumado a estar sozinho, a não ter ninguém. Se acostumar com a chegada de outras pessoas, como estava sendo para ele com Steve e desde que apareceram, era infinitamente mais fácil do que se acostumar a perder pessoas. já tinha perdido demais, mas ela ainda tinha uma família, tinha a quem amar e a quem cuidar. E isso era absolutamente tudo para ela. Estando tudo bem, não era tempo de refletir mais sobre aquilo. Tinha um encontro para se preparar e aquilo, repentinamente, animou Bucky.
Pouco mais de duas horas depois, Bucky respirava fundo, pela boca, se encarando no largo espelho de seu quarto. Sua mão humana estava suando como nunca antes, a sensação de frio na barriga, de que tudo tinha sido um surto, de que ele deveria desistir. Limpando a palma da mão na calça de sarja preta e espirrando um pouco mais do perfume que T’Challa havia dado para ele, Bucky se perguntou se deveria ter comprado flores. Como ele esqueceu daquilo? Como podia ir a um encontro sem levar flores? Bucky bateu os olhos sob o relógio que usava no pulso, arrumou seu cabelo uma última vez e pegou sua jaqueta de couro, deixando o quarto em seguida. Vestindo a luva na mão de metal e sua jaqueta, ele passou pela porta fechada do quarto de , torcendo mentalmente para que ela ainda não tivesse saído.
Bucky chegou quarenta e oito minutos antes do horário combinado. Talvez estivesse ansioso, talvez só tivesse calculado mal o tempo, não sabia direito. Ele conferiu cem vezes o letreiro do lugar e o nome que havia dito, anotado em um papel que levou no bolso, incerto se estava mesmo onde deveria estar. Bucky ficou na calçada, andando de um lado a outro, vendo a movimentação de pessoas tranquilas, animadas pela noite de sábado que começava. O buquê de rosas vermelhas, que pediu ajuda de Shuri para comprar rápido, em sua mão direita, enquanto a mão esquerda, com a luva, estava escondida no bolso da calça. Bucky sentia seu coração querer sair pela boca, estava ridiculamente nervoso. Quase tinha beijado naquela manhã, qual era a chance de aquilo dar errado?
Quinze minutos antes das oito horas em ponto, ele decidiu entrar no Boogie. A fachada colorida do lugar escondia um dos bares mais elegantes que Bucky se lembrava de ter estado. As paredes de tijolos escuros, todos os móveis em madeira rústica, os bancos altos nas mesas e na bancada principal do bar. Aquilo deu a Bucky a confortante sensação de estar de volta em sua juventude, no auge de seus vinte e poucos anos. O clima festivo, o chão de madeira com pisos decorados no centro, abrindo espaço para uma pista de dança pequena, mas charmosa. As mesas espalhadas ao redor da pista, lustres finos cuidando da iluminação baixa do lugar, alguns barris bem ao fundo, trazendo ainda mais o ar de um ambiente que sobreviveu no tempo. O teto de vibranium, enfeitado com colmeias industriais, entregando a modernidade e a tecnologia que só podiam ser encontrados em Wakanda. Alguns sofás e poltronas, em couro marrom e amarelados, estavam espalhados por todo o ambiente e a decoração com garrafas antigas, taças, quadros e fotografias em preto e branco, contavam a história de décadas passadas do país.
Bucky estava encantado pelo lugar. A sensação de estar em casa, a estranha familiaridade mesmo conhecendo o Boogie pela primeira vez. Era como viajar ao passado, viajar diretamente para a parte boa e amorosa de seu passado, a parte que não precisava se esforçar em fazer as pazes, a parte que, dia a dia, sonho a sonho, memória a memória, ele se alegrava em lembrar. Uma vez mais, tinha acertado. Uma vez mais, ela tinha acertado o seu coração. Um casal de senhores, de sessenta e tantos anos, pediram licença, em xhosa, para Bucky, cortando seu deslumbre. O ignorando completamente, eles sorriram em agradecimento assim que Bucky tirou seu corpo da passagem, e foram rumo a uma mesa qualquer. O lugar não estava cheio, mas já tinha meia dúzia de casais para serem atendidos que, notou Bucky, não tinham menos de sessenta anos e, felizmente, apesar dos olhares discretos e curiosos em ver alguém fisicamente tão jovem ali, não pareciam realmente interessados nele. Aquilo o fez sorrir sozinho, uma vez mais. Parecia estar seguro.
Meio perdido, sem saber ao certo o que deveria fazer, Bucky procurou uma mesa vazia com os olhos, até encontrar uma mais ao canto, à direita, próxima a banda e a pista de dança. Nervoso, ansioso, ele caminhou até lá com o buquê de rosas na mão, e se sentou. A música ao vivo que antes tocava foi suavemente finalizada e o cantor acenou com a cabeça para Bucky, como se o cumprimentasse. Sem graça, ele repetiu o gesto e voltou a olhar ao redor. Contudo, para sua surpresa, como se soubessem quem ele era e de quando, os acordes da música que iniciava o fizeram olhar imediatamente de volta para a banda, que pareceu não perceber a surpresa dele. I'm Beginning to See the Light, de Ella Fitzgerald, sendo lindamente interpretada, fez Bucky se arrepiar. Com a letra na ponta da língua, Bucky deixou-se embalar pela música tão conhecida e tão bonita, aproveitando o momento sozinho. Algumas outras pessoas cantavam baixinho, prestando atenção na música e, nos acordes finais, uma chuva de aplausos tomou o ambiente. Bucky estava feliz. A felicidade que só ouvir uma música conhecida, em um lugar reconfortante como aquele, o poderia fazer sentir.
Sorrindo abertamente e aplaudindo a banda, Bucky se perguntou se haveria outras músicas naquela noite que, talvez, ele pudesse conhecer. Uma melodia totalmente diferente da anterior, mais animada e alegre, sensual, como um mambo elegante, começou a tocar assim que o cantor anunciou que animaria aquela festa. Rindo tímido da animação do casal de senhores que antes passou por ele, e que estava bem na mesa ao lado, Bucky voltou seu olhar para a entrada do bar.
E foi só então que ele viu ela.
Caminhando lentamente pela entrada, ao tempo perfeito em que Sway With Me, de Yossi Azulay, começava a ser cantada, parecia o procurar com os olhos. A saia cor-de-rosa de cetim balançando lentamente com o vento, enquanto a letra da música, ironicamente, dizia like a flower bending in the breeze, bend with me, sway with ease. Bucky sorriu encantado. Os passos firmes na sandália de salto alto e fino, o batom vermelho que Bucky amava ver nela, os cabelos levemente presos de um único lado. estava deslumbrante. E não havia uma só pessoa naquele bar, naquela noite, que não reparou nela quando chegou.
Os olhos de corriam pelo lugar com certa ansiedade, em busca do homem que a deveria estar esperando, até, finalmente, o encontrar. Se levantando no exato momento em que seus olhos se encontraram, e Bucky sorriram um para o outro com carinho. A intensidade dos olhares deles, um no outro, chamou atenção do cantor, que sorriu discretamente enquanto continuava a cantar a música alegremente. caminhou até ele, concentrada em seus saltos. Estava tão nervosa de estar ali, de ver Bucky a esperando, dos olhos intensos, do sorriso lindo aberto no rosto dele, que pensava que iria despencar a qualquer momento. Bucky esperou se aproximar, pacientemente, olhando cada detalhe dela como se aquela fosse a última noite, seu coração batendo tão forte que ele achou que passaria mal.
— Você está linda — Bucky sussurrou no ouvido de , a abraçando carinhosamente. O cheiro do l branco emanando dela, a viciante sensação da baunilha, o frutado leve. tinha um cheiro viciante, bom, expansivo. Um cheiro dela.
— Obrigada — Ela sussurrou de volta, sorrindo, charmosa, enquanto se afastava levemente dele — Você também está ótimo.
reparou que ele vestia roupas bastante discretas, completamente diferente da saia brilhante dela. Bucky estava com uma calça preta, de sarja, e vestia uma jaqueta de couro bem recortada, igualmente preta, por cima de uma camiseta básica. Seu cabelo estava tão cheiroso quanto o perfume que emanava dele e se misturava no couro da jaqueta. A barba feita, mais baixa e bem desenhada, o deixava com um ar ainda mais sensual e um tanto quanto misterioso. Ele estava perfeito naquela noite e só desejava que, a qualquer momento, pudesse estar tão perto dele quanto na manhã daquele dia.
— Trouxe… para você — Bucky disse ligeiramente envergonhado, pegando o grande buquê de rosas vermelhas e entregando para , que aceitou com felicidade. Algumas pessoas ao redor olhavam o momento pela delicadeza do casal jovem. Outras, contudo, por saber quem era.
— São lindas, obrigada — Ela abraçou o buquê, desviando seu olhar dele para as flores.
— Eu nunca sei se te dar flores é realmente uma boa ideia — Bucky confessou sorrindo, apontando para a banqueta ao lado da que ele antes sentava, vendo acompanhar com o olhar.
— O que eu posso dizer é que eu amo todas elas — Ela se sentou assim que Bucky puxou a banqueta para ela, deixando o buquê mais ao lado, sob a mesa — Ainda mais quando vêm de você.
Bucky sorriu envergonhado pelo comentário, mas não teve tempo de responder, pois a garçonete logo apareceu diante deles, com um grande sorriso no rosto. pediu para que ela explicasse algumas das opções de bebida do lugar e acabou com uma taça de gin tônica com chá de limão siciliano e gengibre, enquanto Bucky foi seduzido por uma boa dose do whisky mais antigo da casa. Recusando o cardápio de petiscos, e Bucky não queriam realmente que aquele fosse um jantar e, sem que um e outro soubessem, os dois haviam comido algo antes de sair para o encontro. Queriam se divertir, aproveitar um ao outro, dançar, conversar. Comer não estava nos planos de nenhum deles.
Entre um drink e outro, embalados pelas melodias das músicas familiares a Bucky e totalmente desconhecidas por , a conversa baixa e charmosa deles foi fluindo, um flerte e outro saindo. havia perguntado sobre como foi a manhã com T’Challa e ouviu Bucky contar dezenas de detalhes sobre os tempos em que ambientes como aquele, como o Boogie, eram uma constante para ele. Sem memórias ruins, sem guerras, sem lutas. Os dois pareciam tomar todo o cuidado do mundo para não deixar a leveza do momento ser interrompida. Com as pernas cruzadas e com o corpo voltado para ele, segurava sua terceira taça da noite, ouvindo atenta sobre uma época da qual ela não fazia ideia de como era viver. Ao lado dela, bastante próximo para que pudessem se ouvir com clareza, Bucky tinha o braço direito apoiado no encosto da banqueta dela e o cotovelo esquerdo sob a mesa, segurando sua quinta dose de whisky. Desviando seu olhar toda vez que notava encarar os lábios dela, Bucky ouvia rir, a via dançar levemente no ritmo de algo que tocava, e perguntar tudo que tinha curiosidade de saber sobre ele, que ainda não sabia.
Igualmente, em uma parte da noite, contou a ele sobre alguns lugares que já tinha estado, tentou o convencer a ir conhecer Nice e falou sobre seus pais, sobre a novidade do casamento e sobre a vida em Wakanda. Interrompidos duas ou três vezes por casais de velhinhos que queriam cumprimentar sem motivo aparente, Bucky fez piada todas as vezes. Estar com ela era leve, natural, não precisava se esforçar em ser algo, em parecer diferente. Podia brincar, podia perguntar, falar exatamente o que passava em sua cabeça. Bucky sentia que, dentro de si, tinha espaço para quem ele era com , para esse James diferente, leve, solto. Tinha a oportunidade de deixar tudo ser esquecido, propositalmente, por algumas horas. Concentrar-se apenas no que era bom. Sentir como se nada, nunca, tivesse dado errado para ele, porque estava dando certo com ela. E era isso que importava naquele momento.
— O que significa? — Bucky perguntou depois de uma risada, pegando na parte interna do braço direito de , de onde podia ver os traços finos da tatuagem.
— É uma raiz, brotando. Eu fiz ela quando era adolescente, em cima e no formato exato do começo da maior cicatriz que tenho no corpo — explicou docemente, olhando a tatuagem com carinho, do mesmo modo que Bucky fazia, ainda segurando seu braço com delicadeza — É para que eu nunca me esqueça de onde vim, de quem sou... das minhas próprias raízes.
O coração de Bucky parecia querer explodir de amor ao ouvir aquilo. Tudo em era intenso, proposital, complexo, detalhadamente pensado. Tudo se encaixava, tudo nela fazia sentido. Ao menos fazia sentido para ele. Carinhosamente, Bucky contornou a parte exposta da tatuagem com o dedo da mão direita, os traços curvos do elegante desenho sobressaltados pela sensação da grossa cicatriz abaixo. Por um momento, Bucky se sentiu mal por esconder seu braço de vibranium. tinha tanto orgulho de quem era, tinha tanta segurança sobre o que carregava em sua pele, por que ele não conseguia se sentir daquela forma também? acompanhava com os olhos, em silêncio, o movimento discreto dele em seu braço.
— Tudo em você tem tanto significado — Bucky comentou baixo, subindo seu olhar até o dela, próximo o suficiente para que seus narizes quase se encostassem.
— Tudo precisa sempre fazer sentido para mim — Ela respondeu igualmente baixo, o encarando. Bucky sorriu de lado, engolindo seco a dose de coragem em perguntar o que ele realmente gostaria de ouvir dela, suave, calmo:
— Eu faço sentido para você?
não estava esperando aquela pergunta. Ser tão direto, tão urgente, tão profundo, um tanto quanto afrontoso daquela forma, não era muito o estilo de Bucky, ao menos não tinha sido até então. A urgência da pergunta também aparecia em sua voz, em seus olhos. E Bucky tinha consciência daquilo. demorou alguns instantes para responder, pensando no que ele realmente queria descobrir com aquela pergunta, pensando no que realmente ela queria que ele descobrisse. Aproximando-se ainda mais dele, lentamente, ela deixou um sorriso sedutor escapar e tombou a cabeça levemente para o lado.
— Mais do que você imagina — Ela sussurrou de volta.
Sorrindo junto com ela, ligeiramente envergonhado pela confissão, Bucky soube, declaradamente, que retribuía todos os sentimentos que ele tinha por ela. Nada mais tinha que ser dito, perguntado, confessado. Seus olhos divagando pelo rosto dela, mas sua mente longe, perdida nas lembranças de tudo que tinha vivido com . A primeira vez em que se viram, ela cuidando dele, a despedida antes da criogenia, o abraço, o reencontro, a cama que dividiram, a noite anterior que passaram juntos, o quase beijo. Tudo parecia perfeito para ele, perfeito demais. Só faltava uma única coisa.
— Você… — Bucky limpou a garganta, nervoso — Você quer dançar? Comigo?
sorriu com ternura, o sorriso que, para Bucky, foi o mais lindo de todo o mundo. Aquilo era delicado, carinhoso, um tanto sensual, nunca esteve em uma situação como aquela antes, ninguém nunca havia a chamado para dançar. Embora já esperasse por aquele momento, desde o dia em que comentou sobre aquele lugar com Bucky, no corredor de seu quarto, estar ali, vivendo aquilo, era diferente. Era como uma cena de filme, como se o encontro ideal estivesse acontecendo, aquele que, por muitos anos, para , só acontecia com pessoas muito diferentes dela. nunca achou que, algum dia, encontraria alguém que realmente se sentisse confortável de estar por perto, que se sentisse seguro com ela. Aquilo era diferente. Ainda sorrindo, sem saber o que ou como deveria responder ao convite mais carinhoso que recebeu em sua vida, apenas concordou com a cabeça.
De frente para ela, ainda perto demais, Bucky suspirou aliviado. De volta aos dias de ouro, aquele era um passo e tanto a ser dado. Não costumava chamar qualquer garota para dançar, não era assim tão fácil e nem tão rápido. Uma dança era como um aroma. Deveria ser sentida, vivida com calma, no tempo certo. E lá estava ele. Oitenta anos depois, nervoso por tirar a mulher que mais desejava em toda sua vida para dançar. Mesmo com a postura firme, Bucky transpareceu certo nervosismo quando se levantou de seu lugar e caminhou sem pressa até o outro lado da mesa, onde estava sentada. Elegante e cavalheiro, como a etiqueta de seu tempo mandava, ele estendeu a mão para ela. Seus olhos brilhando em expectativa, o sorriso nunca saindo de seus lábios. O encarando igualmente sorridente, pegou na mão de Bucky, aceitando o convite, finalmente, e se levantou.
Bucky a conduziu delicadamente até o meio do bar e, ao centro o suficiente para terem espaço, ele deu meia volta em , para que ficassem de frente um ao outro. Naquela altura, não sabia mais ao certo o que estava fazendo, sequer se lembrava de como era dançar. Mas o sorriso e os olhos de lhe transmitiam tanta segurança, tanta certeza, que nada mais importava. Se ela estava disposta a tentar, ele também estava. Os acordes delicados de Dream a Little Dream of Me começavam a tocar, o som alto da música tomando conta dos dois quando finalmente se aproximaram. Extasiado por ser exatamente aquela música, Bucky deixou uma risada contente escapar. Não podia ser mais perfeito do que aquilo, podia? deixou suas mãos nos ombros do homem, sentindo Bucky a puxar para mais perto do corpo dele, pela cintura.
A leveza e a delicadeza da música foram intensamente sentidas passo a passo, movimento a movimento, pelos dois. Sozinhos no meio da pista de dança, de frente para a banda, e atraindo olhares encantados dos velhinhos e velhinhas que assistiam à cena com saudosismo e carinho, e Bucky verdadeiramente se sentiam. Seus corações batendo forte, o calor de seus corpos se misturando junto com seus cheiros, com os sorrisos que não mais podiam ser escondidos. Balançando de um lado a outro, deixando-se ser totalmente conduzida por Bucky, deitou levemente seu rosto no peito dele. Mais alto do que ela, Bucky apoiou seu queixo no topo da cabeça de e fechou os olhos, sentindo toda a emoção do momento tomar conta de si. Era muito melhor do que ele se lembrava, era melhor do que ela imaginava que seria.
Sem pressa alguma, eles dançavam como se aquele momento fosse único, fosse eterno. Como se o mundo tivesse parado por um instante, como se houvesse apenas eles ali, só os dois. Bucky cantava baixinho, sussurrando a letra da música tão familiar, que não poderia ter vindo em hora melhor, era simplesmente perfeito. se arrepiava com a voz rouca dele cantando em seu ouvido, baixo, aveludado, sincero, como se cada palavra da música fosse para ela. Queriam viver naquele momento para sempre, queriam que o tempo simplesmente se perdesse ali. Mas foi nos segundos finais da música que tudo, enfim, fez sentido para Bucky. O sentido que havia falado.
Ela se desencostou levemente e subiu seu olhar carregado de paixão, com um certo desejo, até ele. Os passos da dança diminuindo naturalmente, até pararem por completo. Bucky deixou-se encará-la por dois ou três segundos, tentando guardar em sua memória todas as sensações de ter tão perto de si, até, finalmente, sem mais tempo a perder, encostar os seus lábios nos dela. Seus olhos se fechando quase ao mesmo tempo, sorriu com a doçura dos lábios dele nos seus, enquanto sentia uma mão de Bucky subir por suas costas, exatamente como mais cedo naquele dia, até chegar em sua nuca. O outro braço dele a abraçava pela cintura, puxando-a para mais perto de si, como se fosse possível se conectarem ainda mais. Delicadamente, ela subiu uma mão até a bochecha dele, assim que sentiu Bucky abrir os lábios levemente e suas línguas, enfim, se encontrarem. Para Bucky aquilo era simbólico, memorável, inimaginável. Para era indescritível, especial, totalmente novo. O beijo urgente, desejado, tão esperado pelos dois foi calmo e extremamente amoroso. Como se estivessem se conhecendo, sem necessidade alguma de ter pressa, eles só queriam se encontrar um no outro, só queriam transbordar as emoções que aquele momento carregava e assim ficaram. Aprofundando o beijo lentamente, cada vez mais, até o ar começar a faltar.
A música seguinte, Fly Me To The Moon (In Other World) , de Frank Sinatra, já estava na metade quando e Bucky quebraram o beijo. Descendo as mãos até o peito dele, enquanto ele a abraçava pela cintura, apertado, com os dois braços, Bucky e se encararam, sorridentes, tímidos. As pessoas no bar, ao redor, que pararam por um instante para assistir o romance acontecer ao vivo, aplaudiram animadas, celebrando o começo de um novo amor. Tão jovem, tão leve, tão calmo. Bonito, como boa parte dos casais mais de idade ali presentes se lembravam de ter vivido um dia, na juventude. Intenso, como as músicas que a banda tocava ao vivo. Sem graça, olhou para as pessoas ao redor, não segurando os sorrisos e as risadas de felicidade, como se, com o olhar, pudesse agradecer o carinho, por tornar tudo ainda mais especial. Bucky deu uma dúzia de beijos espalhados pelo rosto de , enquanto sorria bobo, ouvindo as palmas e assovios. Se um dia alguém lhe dissesse que viveria aquilo, exatamente do jeito que foi, Bucky jamais iria acreditar.
e Bucky ficariam daquele jeito, abraçados, grudados um no outro, dançando música atrás de música, se beijando de tempos em tempos, sem conseguir dizer absolutamente nada. Não havia palavras suficientes para descrever o que estavam sentindo. Aproveitando naquela noite o que em anos lhes foi tirado, lhes foi impedido de acontecer. Os outros casais, pouco a pouco, foram se juntando a eles na pista de dança, se deixando levar pelo romantismo do jazz dos anos 40 e 50, pela animação dos anos 60 e 70. Perto da meia noite, segurando de volta sua taça de gin tônica, enquanto Bucky a abraçava pela cintura com o braço cibernético e bebia uma nova dose de whisky, ouviu os acordes da única música conhecida começar a tocar. O cantor, então, apontou para ela e Bucky e disse que aquela era para eles. Soltando uma risada alta e levantando suas bebidas para ele, em agradecimento, começou a cantar Marvin Gaye, de Charlie Puth, junto com o cantor, enquanto Bucky tentava dançar livremente, ainda a segurando pela cintura. se perguntou, por um instante, a música a fazendo lembrar, o que Sam diria quando soubesse deles. Deixando uma risada escapar pelo pensamento, seguiu cantando feliz, impedindo que qualquer preocupação tomasse conta de si naquela noite. Entre passos de dança desajeitados de Bucky e goles da bebida, e Bucky deixavam transparecer a alegria que estavam sentindo um para o outro. Os lábios dela encostando nos dele, o gosto do whisky, o cheiro quente do perfume grudando cada vez mais na pele de . As mordidas leves na boca dela, o corpo dela dançando no dele. O contato ficando a cada momento mais confortável, menos tímido.
Perto da uma hora da manhã, eles deixaram o Boogie para trás, sem realmente querer ir embora. Não fosse pelo fato de o bar estar prestes a fechar e terem sido os últimos a saírem da pista de dança, praticamente expulsos, ainda estariam lá, presos naquele momento que podia não terminar nunca. As ruas vazias na madrugada de Wakanda fizeram Bucky se sentir confortável em tirar sua jaqueta, e ficar apenas com a fina camiseta de mangas compridas, para colocá-la nos ombros de e evitar que ela tomasse o vento. Estavam há poucos quarteirões de distância e em cinco minutos chegariam de volta ao palácio. Mas, ainda assim, ele queria ser gentil com ela. Vendo ali, de braço dado com ele, caminhando tranquila pelas ruas, o barulho de seu salto batendo no chão, a saia balançando com o vento, sua jaqueta sob as costas, carregando o buquê de flores que ele havia dado, Bucky sentiu que tinha valido a pena todo o esforço em ter sobrevivido aqueles anos.
— No que você está pensando? — perguntou curiosa, sentindo Bucky a encarar enquanto caminhavam pelo palácio adentro, até o elevador mais próximo.
— Em você — Ele respondeu simplesmente. soltou uma risada baixa.
— Você tem a incrível capacidade de me deixar sem palavras, James — Ela mordeu os lábios, parando de frente para ele e se encostando na parede ao lado do elevador, enquanto esperavam por ele. De frente para ela, com uma mão no bolso da calça e outra apoiada na parede ao lado do rosto de , Bucky deixou um sorriso escapar.
— Você tem a incrível capacidade de me fazer feliz, — Ele respondeu baixo.
Sem pensar duas vezes, juntou seus lábios nos dele, o beijando pela centésima vez naquela noite. A mão de Bucky que estava no bolso foi rapidamente para o pescoço de , abaixo de seus cabelos. O toque gelado da luva de couro, escondendo a mão de vibranium, na pele quente de , fez a espinha dela se arrepiar e Bucky notou aquilo. Sem quebrar o beijo, suas línguas dançando com calma e com intensidade, ele afastou de perto dela o braço de metal, deixando, no lugar, seu corpo encostar no dela, a pressionando levemente contra a parede. Bucky não conseguia interpretar as reações de sobre seu braço cibernético e, talvez, fosse mesmo demais digerir aquilo. puxou delicadamente o rosto dele para mais perto, seus dedos entrelaçados nos cabelos dele, na nuca. O gosto de era doce e viciante como ela e Bucky não queria se separar dela, mas o barulho estridente do elevador chegando no andar o forçou a isso.
Com as respirações ofegantes, o casal se separou rapidamente, assustados pelo movimento despercebido do elevador e soltaram uma risada baixa, sem graça. Bucky estava revivendo muito de seus dias nos anos 40 naquela noite. Não só pelo encontro, pelo ambiente, pelas músicas, pela bebida ou pela dança, mas pelo jeito de levar tudo aquilo. Pelas risadas tímidas, pela ousadia dos beijos sem aviso, pelo jeito que ela o olhava. Bucky se sentia de novo, como nunca achou que poderia sentir outra vez, o James do Brooklyn, o Sargento James Barnes, prestes a sair para a guerra. Tomado por uma sensação nostálgica, ele se deixou ser puxado por para dentro do elevador, e ouviu a porta fechar-se atrás de si. Se encarando e parados em lados opostos do elevador, que subia, e Bucky sabiam que estavam há alguns andares de tudo aquilo terminar. A noite estava chegando ao fim e, com ela, chegava a incerteza e a preocupação de como seria o dia seguinte.
Bucky acompanhou até a porta do quarto dela, em silêncio, consumido pela ideia de terem que se separar em segundos, querendo evitar aquilo a qualquer custo. Já tinham transbordado tantas emoções naquela noite, por que ainda sentia que não era o suficiente? Que faltava algo? Bucky deixou um suspiro pesado sair, a mão de apertando a dele, como se respondesse à frustração de não saber exatamente o que aconteceria dali para frente. Momentos como o que tiveram naquele dia, naquela noite, não eram comuns, nem rotineiros, para nenhum dos dois. Para Bucky levou oitenta anos para chegar até ali. Para , nada, nunca, tinha se comparado àquilo. E nenhum dos dois sabia exatamente o que esperar. O dia seguinte era uma incógnita que eles não queriam realmente descobrir.
— Acho que é aqui que a gente se despede — Bucky falou baixo, levando sua mão até a bochecha de , fazendo um carinho calmo ali. Ela sorriu com ternura e certa tristeza.
— Infelizmente — sussurrou o encarando de volta.
A verdade é que nenhum dos dois queria realmente que as coisas terminassem naquele corredor, daquele jeito. Eles queriam ir além, queriam mais um do outro, queriam dar mais de si mesmos, mas não sabiam exatamente como dizer isso e nem se era o momento certo para avançar. sabia que terem saído, terem dançado, terem se beijado, já significava muito para Bucky. As memórias de como tudo terminou da última vez em que ela deu a ele informações demais para digerir, em um único dia, vindo em sua mente, como um alerta. Não estava lidando com um homem qualquer, comum. Era Bucky. E sendo quem era, tinha que ser paciente, cuidadosa, não passar os limites. Para Bucky, contudo, chamar para dormir com ele, outra vez, depois de se tornarem um pouco mais íntimos do que na noite anterior, parecia ousado demais. Algo que ele faria sem nem pensar muito nos anos 40. Algo que ele temia fazer naquele momento.
Diferente da noite anterior, que simplesmente dormiram, o contexto agora era um pouco mais complexo. A vontade de ter um ao outro estampada em seus olhos demonstrava o que poderia acontecer se dessem a si mesmos a chance de passar outra noite juntos. Bucky tinha tido sorte de não ter acontecido nada com na noite anterior, poderia contar com a sorte outra vez? Mas, era realmente arriscado para ela? Bucky não sabia exatamente como deveria se sentir, nem o que pensar. Um lado dele sabia que já o conhecia o suficiente, já tinha visto seu pior lado, já tinha sido vítima do que ele podia fazer. E, ainda assim, ali estava ela. Linda, paciente, esperando por ele. O outro lado dele, contudo, o fazia se perguntar sobre as coisas que ela ainda não tinha visto. Os pesadelos, as crises, o braço, a cicatriz violenta em seu ombro. Se visse essa parte, ela conseguiria realmente ficar? Ela conseguiria ver tudo isso e, ainda assim, gostar dele? O desejar? Caindo na peça que sua mente pregava, Bucky foi dominado por uma certa tristeza. Todo aquele sonho tinha dia e horário para terminar, só restava saber o quão longe ele conseguiria levar aquilo e até quando aguentaria os inevitáveis sofrimentos de ficar com ele.
— Boa noite, James — cortou os pensamentos dele, sua voz tão suave quanto o beijo que deixou em seus lábios — Obrigada por hoje.
Naquele momento, vendo o sorriso de se abrir junto com a porta do quarto dela, Bucky pensou que, talvez, ele estivesse errado. Ela sabia exatamente quem ele era e, apesar disso, o estava escolhendo. Se ela estava disposta a correr os riscos, por que ele não estaria? Se já tinham chegado até ali e se tinha sido bom, se tinha sido incrível, por que não continuar? Novos começos são feitos de superação, de aprendizados, de novas vivências e de novos erros. O que tivesse que fazer, o que quer que fosse acontecer dali em diante, deveria fazer parte do novo começo de Bucky, e não mais ficar preso ao antigo. Em um impulso, tomando a última dose mental de coragem que tinha naquele dia, Bucky segurou a porta do quarto de antes que ela fechasse por completo. abriu levemente a porta outra vez, confusa, a tempo de ver Bucky puxar o ar com força, como se estivesse prestes a dizer algo importante.
— Eu não… eu não quero… ir — Ele sussurrou tão baixo e inseguro, que quase não pode ser ouvido. Seus olhos cravados em com desejo, com incerteza, a expressão dela se suavizando com a confissão.
— Eu também não quero que você vá, Buck — Ela sussurrou de volta, deixando o buquê de flores na poltrona ao lado da porta e, em seguida, estendendo a mão para ele.
Com o nervosismo tomando conta de si, o coração acelerado, mais uma vez naquela noite, Bucky pensou por um segundo se deveria mesmo fazer aquilo. Não queria se arrepender, não queria que se arrependesse, não queria estragar tudo pela ansiedade de dar um passo em falso. Mas ele queria passar a noite com outra vez, ele desejava senti-la tão perto dele de novo. E não queria que ele fosse embora, estava tudo bem. Bucky sorriu sem mostrar os dentes para ela, o olhar de o inundando de expectativa até ele, finalmente, pegar a mão dela e ser puxado para dentro do quarto, com delicadeza.
Bem maior do que o dele, o quarto estava iluminado apenas pelo luar e pelas poucas luzes que vinham de fora, que entravam fracas e apagadas pela parede de vidro ao fundo, perto da cama de . O clima ameno, suave e silencioso do ambiente contrastava com o caos na mente de Bucky. se virou de frente para ele e o encarou por algum tempo. A respiração descompassada, os olhos brilhantes dele passando por ela, a incerteza e o desejo enchendo o quarto. Bucky assistiu tirar a jaqueta dele e deixá-la no chão, assim como fez com as sandálias de salto, sem pressa. Imóvel no centro do quarto, em silêncio, preso na imagem de vindo até ele enquanto mexia nos cabelos, Bucky reparou no quando ela conseguia impactar ele e no quanto ele queria ela.
o abraçou delicadamente pela cintura, sem saber ao certo o que deveria fazer, o que Bucky estava esperando dela. Bucky pegou o rosto de com as duas mãos e o puxou para cima, beijando-a com calma, com paciência. As mãos dela brincavam em suas costas discretamente, seus corpos se encostando cada vez mais um no outro. O tempo parecia ter parado outra vez e o mundo voltou a ser só eles dois, sozinhos, naquele quarto, naquela noite, sem mais nada importar. Não demorou muito para que o beijo se intensificasse, a vontade de um ter o outro mais perto, de ter mais contato, crescer a cada segundo.
Diferente das outras vezes em que se beijaram naquela noite, havia muito mais paixão, muito mais desejo, naquele momento. A paciência foi cedendo certo espaço para um desespero, a calmaria se tornando urgência. A insegurança e a preocupação de Bucky foram desaparecendo ligeiramente de sua mente, dando lugar para sentimentos que ele não se lembrava muito bem como eram. Lentamente, rendida ao momento, puxou a cabeça de Bucky para o lado, descendo seus beijos da boca dele, pelo maxilar, até seu pescoço. Cada toque dos lábios de em sua pele causava em Bucky um arrepio diferente, uma vontade mais intensa e ela parecia notar isso. De olhos fechados, tentando aproveitar cada segundo daquela sensação, Bucky imaginava coisas que não teria coragem de dizer em voz alta.
Voltando aos lábios de Bucky no mesmo ritmo sedutor e marcante, sentiu uma das mãos dele descer discretamente por sua cintura até alcançar sua bunda. Tudo parecia mais quente no quarto, o ar mais rarefeito, o cheiro mais sensual. Estavam passando do limite que mentalmente tinham estipulado um para o outro, mas nenhum deles queria parar. Pelo contrário, queriam cada vez mais. Em um movimento firme e sereno, Bucky pegou no colo, pela cintura, sem cortar o beijo, sentindo sua saia subir com o movimento. prendeu suas pernas ao redor da cintura dele, arfando entre seus lábios quando Bucky a encaixou exatamente em seu colo.
A passos largos e calmos, Bucky foi até a cama de e se sentou, com ela por cima, ainda em seu colo, uma perna em cada lado de seu corpo. O beijo quebrado pelo movimento os fez se encararem por alguns minutos, em silêncio completo. Tudo que podiam ouvir era a respiração um do outro e o ritmo de seus próprios corações batendo acelerados em seus peitos. Os lábios levemente inchados de , os cabelos bagunçados, o jeito que ela estava sentada nele, o olhar. parecia entregue, parecia esperar que ele tocasse a música para que ela apenas dançasse. Para que ela dançasse para ele. E aquilo era absurdamente excitante para Bucky.
viu os olhos claros e cristalinos dele tomarem um tom mais escuro, enquanto ele colocava os cabelos dela para trás e começava a beijar seu pescoço. Quente, macio, os lábios de Bucky pareciam torturar . Tinham roupa demais, contato de menos, ela não sabia o quanto mais daquilo iria aguentar até ceder, definitivamente, a vontade que a consumia. As mãos de Bucky apertavam levemente suas coxas e a mantinham sentada em seu colo, perfeitamente encaixada nele. colocou as mãos por dentro da barra da camiseta de Bucky, em sua barriga, subindo-a levemente enquanto ele intensificava os beijos em seu pescoço. Contudo, como se algo tivesse repentinamente acontecido, Bucky parou por um instante e abriu os olhos, encarando que o olhou confusa, com medo de ter feito algo errado. A insegurança caindo sobre ele outra vez, como uma bomba, rápida e destruidor.
Bucky sabia que tinha acabado de foder tudo. Sabia que não demoraria para ele começar a estragar as coisas e foi, na verdade, mais rápido do que ele pensou. Sem entender, tirou as mãos da barriga dele, deixando a camiseta que ele vestia cair de volta ao normal, tapando o pouco que estava começando a ser exposto. Talvez Bucky só tivesse se dado conta do que estava prestes a acontecer naquele momento, e tenha desistido. O homem engoliu em seco, sustentando o olhar confuso de no seu, desejando não ter reagido daquela forma. Ele queria continuar, ele queria. E se tivesse uma única chance de conseguir consertar a pane que sua mente criou, ela, certamente, seria contando a o que tinha acabado de acontecer.
— O braço, eu… — Bucky tentou dizer, envergonhado demais para continuar, passando as mãos pelo rosto, suspirando — A cicatriz no ombro… você não vai gostar, você vai… desistir, você…
encostou sua testa na de Bucky, segurando seu rosto com as mãos, e passou a pontinha de seu nariz no dele, com carinho e com cuidado. Bucky estava com vergonha de se expor. Ele estava com vergonha de mostrar a ela a parte física que carregava de seu passado, a parte que ele tanto se culpava e que se esforçava muito em esconder. Ele estava com vergonha de si mesmo e, mais do que isso, estava com medo. Não havia tesão em ver aquilo, não havia desejo ou vontade. Como transaria com ele vendo aquele braço, como ela se sentiria diante da cicatriz enorme que ficou onde haviam arrancado seu braço humano? Para onde sua mente a levaria quando visse aquilo? Toda a conexão se perderia, ele sabia disso. Como poderia haver tesão onde um dia teve tanta violência?
Sem dizer absolutamente nada, saiu do colo dele e se colocou em pé, a dois passos de distância de onde Bucky estava sentado na cama. Se ele soubesse, talvez se sentisse mais confortável com a situação, com a exposição. O olhar triste dele acompanhando os movimentos dela, achando que tinha mesmo estragado tudo até, dois segundos depois, reparar no que ela estava fazendo. Sem cerimônias e sem aviso prévio, começou a tirar sua própria roupa. A saia caindo no chão com leveza e a blusa sendo atirada ao lado, encarou Bucky profundamente, sem vergonha alguma. Bucky descia seu olhar pelo corpo dela, sem conseguir mais ordenar o que estava pensando. Tudo em , cada parte dela, era absolutamente formoso. Vestindo apenas um conjunto fino de lingerie branco e rendado, Bucky viu, enfim, o que ela queria lhe mostrar com aquilo. Na coxa, a cicatriz que Stark deixou nela na Sibéria, na barriga uma marca de tiro, que se repetia no ombro. Naquela intimidade, Bucky pensou que era a mulher mais linda com quem ele já havia estado e não fosse por ela estar fazendo questão de ele ver suas marcas, ele não teria ligado para elas.
deixou Bucky a consumir pelos olhos até ele, finalmente, a encarar. Com um sorriso fraco nos lábios, ela esticou o braço direito para o lado, apontando para a tatuagem sobre a qual conversaram mais cedo, naquele dia. Bucky acompanhou curioso o olhar dela pelo braço até que , de uma vez por todas, se virou de costas para ele. Tirando o sutiã e o deixando cair no chão, Bucky seguiu seu olhar pelo braço com a fina tatuagem até as costas dela. “A maior cicatriz que tenho no corpo”, ela havia dito. De onde terminava o delicado e pequeno ramo de flores na pele dela, continuava uma cicatriz enorme pela parte de trás do braço, até o ombro, e se estendia por boa parte de suas costas. Como se tivesse sido cortado com uma faca, Bucky sabia bem de onde vinha aquela marca na pele dela. A cicatriz ironicamente denunciando a parte mais forte e, ao mesmo tempo, a maior fraqueza que ela carregava. A prova do lugar onde ela havia estado. O lugar que ele conhecia tão bem.
E mesmo vendo aquilo, mesmo sabendo de onde vinha, mesmo tendo ciência do que tinha acontecido, Bucky ainda sentia o tesão crescer dentro de si. Não pela violência, nem pelo estado físico, mas pela entrega, pela intimidade, pela confiança, pela descoberta. Nua, olhando levemente para ele por sob o ombro, estava verdadeiramente se entregando à Bucky. Abrindo espaço para que ele chegasse, para que ele a descobrisse. E se ela estava confortável em fazer isso com ele, por ele, por ela, ele também queria tentar. Também queria que sentisse que ele, naquela noite, estava disposto a se entregar para ela.
Bucky a puxou devagar de volta para seu colo, a sentando, dessa vez, de costas para ele. Nenhum dos dois precisava dizer mais nada, seus corpos já estavam respondendo por si mesmos. Embora ainda se sentisse levemente nervoso com aquilo, ter ali, com ele, para ele, tinha sido incentivo suficiente para Bucky. Ele afastou os cabelos das costas dela e suavemente começou a beijá-la, na nuca, no pescoço, seguindo exatamente o caminho que a cicatriz fazia na pele dela. De olhos fechados, sentia sua pele se arrepiar com cada toque, a língua dele deixando um rastro úmido, leve, sobre ela. Cada segundo parecendo mais massacrante, cada toque deixando o desejo por mais ainda mais imediato. Algum tempo depois, abriu os olhos suavemente e puxou a mão direita de Bucky até os seus seios. Perdido ali, sentindo seu corpo pulsar, Bucky acariciava enquanto a beijava, ainda de costas para ele, inebriado pela ânsia e pela tentação de ter mais dela.
No ápice do calor, do excitamento e da fantasia que criava em sua mente, se levantou do colo dele e abaixou sua última peça de roupa, a calcinha, em um movimento único. Sentando de volta, ela pegou a outra mão de Bucky e se virou por sob o ombro, o encarando, como se pedisse a permissão dele para seguir adiante. O homem sorriu de lado, um tanto quanto devasso, e assentiu brevemente com a cabeça. , então, tirou a luva que ele vestia de sua mão esquerda, deixando o metal exposto e, sem pensar muito, a conduziu até o meio de suas pernas. Afastando as pernas sedutoramente em seu colo, Bucky ouviu gemer baixo, assim que ele a tocou pela primeira vez. Havia um outro lado do metal, um lado que, inerte em todas as lembranças ruins, Bucky nunca tinha pensado. O lado prazeroso, voluptuoso, libertino, que explorava dele sem medo algum.
Os movimentos calmos de Bucky tiravam de gemidos sensuais e grunhidos baixos. Ele acariciou o corpo dela o quanto pôde, o quanto aguentou, carinhoso, preciso, até deitá-la na cama. Beijando de volta os lábios de Bucky, apaixonada, sucumbindo ao tesão e ao prazer que ele estava lhe causando, o ajudou a tirar cada uma das peças de roupa que vestia. A última delas, a camiseta, forçando-os a quebrar o beijo por um instante. Tentando não transparecer a insegurança que insistia em dominá-lo, Bucky assistiu observar seu peito com cuidado, com atenção. Os músculos bem definidos, a postura ereta e perfeita, a pele se arrepiando enquanto passava o dedo em seu peito, sedutoramente, até chegar, enfim, em seu ombro esquerdo. Contornando a grossa cicatriz, imediatamente antes do braço de metal começar, não conseguia pensar em outra coisa senão no quanto a resiliência, a força e a coragem de Bucky a atraiam, a encantavam.
O beijando com vontade, com mais intensidade e pressão, começou a apalpar o corpo dele, o trazendo para perto, enquanto ele se deitava em cima dela. O gelado extremo do braço de metal contrastava com o quente do corpo dela sempre que ele a tocava, a apertava, a fazendo arfar em aceitação. Entre os gemidos, o ar que parecia faltar, o gosto da boca um do outro, os toques, os estímulos que não pareciam suficientes, tudo parecia querer correr, a necessidade de aliviarem a tortura de, finalmente, se conectarem, de sentirem profundamente um ao outro.
Bucky se sentou na cama outra vez, encostando-se na parede atrás de si, e trouxe consigo, para cima dele, sem desgrudar do corpo dela nem por um único segundo, seus lábios encontrando os seios dela. A camisinha, jogada no fundo da gaveta do pequeno móvel ao lado da cama, foi rapidamente encontrada e aberta, mas paciente e torturantemente colocada nele por . Com uma perna de cada lado de seu corpo, Bucky assistiu subir seus beijos até a boca dele e, alinhando-o a ela, sentar-se lentamente. Entre seus lábios, e o encarando bem no fundo dos olhos, gemeu o primeiro nome dele, assim que sentiu Bucky dentro de si. A dor, o calor, a ardência, o prazer.
Segurando-a pelo quadril, sem desviar seu olhar do dela e sem desencostar suas bocas, Bucky entrava e saia de sem pressa, aproveitando cada segundo daquele momento, deixando todo seu tesão escapar em grunhidos altos. Seu nome saindo da boca dela em seu ouvido, tão baixo, falho, manhoso, prazeroso. A sensação de ter para si, o suor se misturando, os seios dela roçando sem seu peito enquanto subia e descia em seu colo. Aquilo parecia demais para Bucky. A sensação única de ver o que ele podia, o que ele conseguia, fazer em .
A calmaria dos movimentos foi ficando cada vez mais escassa e, no lugar, o desespero foi tomando conta. Subindo uma mão até a nuca de , e a enroscando em seus cabelos, Bucky pressionou o tronco dela mais perto de si. não sabia mais quanto tempo aguentaria e bastou Bucky começar a sussurrar coisas que ela não imaginava ouvir dele para que se deleitasse de uma vez por todas. O gemido alto dela e o tesão de seu olhar nele fizeram Bucky, no momento seguinte, comprazer-se também. As respirações descompassadas, aceleradas, tomaram conta do ambiente e nenhum deles conseguiu dizer algo. O que teriam mais para dizer um ao outro depois de tudo? Bucky deu leves beijinhos pelo rosto de , a vendo rir baixo, um pouco tímida.
De todos os clichês do mundo, Bucky pensou naquele momento, que onde havia amor, havia recomeço. Os lugares novos, o amargo virando doce. A violência virando carinho, a insegurança, aceitação. A beleza da chance, do que é verdadeiro, a vida que se renova. Foi ali, naquele momento, naquela noite, vendo nua, aninhada em seus braços confortavelmente, que Bucky assistiu a sua vida começar outra vez.
- Capítulo 24 -
Um ano e seis meses depois
— Bucky? — O relógio do quarto marcava cinco e doze da manhã quando acordou e se sentou na cama, extremamente sonolenta.
A chuva intensa caindo lá fora impedia que qualquer outro barulho chamasse atenção, os trovões quebrando o céu com fúria, como se não chovesse há anos. O clima frio deixava aquela noite ainda melhor, mais confortável para dormir, perfeita para descansar, e não fosse pelo susto, ainda estaria imersa no sono calmo e profundo que a embalava por horas. Deixando um bocejo baixo e preguiçoso escapar, ela tentava encontrar uma resposta, um motivo que justificasse aquilo, mas nada de diferente havia acontecido naquela noite. Nada de preocupante ou angustiante, só mais do mesmo, do costumeiro. Trabalho, treino, jantar, filmes, sexo. Mas, ainda assim, estava acontecendo. Noites como aquela não eram incomuns, pelo contrário, já eram parte da rotina há pouco mais de um ano. esfregou os olhos com as mãos e deu uma olhada ao redor, o silêncio e a escuridão de seu quarto durando só mais alguns segundos até os gritos aflitos de Bucky começarem outra vez, enquanto parte das luzes do quarto se acendiam serena e automaticamente, como foram programadas para fazer naquela situação.
Ao seu lado da cama, vestindo apenas a cueca, Bucky gritava tão alto que o barulho da chuva lá fora começava a ser abafado. Gritos angustiados, de uma dor insuportável, insuperável, como se alguém o estivesse torturando. E em sua mente, alguém realmente o estava. De volta a uma das dezenas de experiências violentas e degradantes a que foi submetido, Bucky revivia em sua mente, em seu sonho, o pesadelo de estar sentado na cadeira que torturantemente apagava suas memórias. O cheiro de queimado no ambiente, a descarga elétrica descendo em suas veias, destruindo tudo em segundos, o zumbido em sua cabeça. As feridas que se abriam em sua pele depois disso, os dentes que rangiam tão fortes que, por vezes, quebravam-se. As manchas roxas no rosto, a sensação de formigamento, seu corpo sem responder a qualquer comando, Bucky terminava a sessão sem sequer conseguir se colocar em pé. A violência com que o tiravam da cadeira, o arrastavam pelos corredores e o jogavam no chão frio e úmido de uma cela, feito um criminoso, feito um animal violento domado. A dor. A dor aguda, quente, violenta, que permanecia por dias em seu corpo. A dor mental de não saber mais sequer seu nome. A dor única que só o zero, o nada e o vazio podiam trazer. E não bastasse ter vivido aquilo por pelo menos vinte vezes ao longo da vida, Bucky revivia cada detalhe, cada segundo, em certas noites. Em noites como aquela.
Como ele havia pedido a ela, um ano antes, quando viu isso acontecer pela primeira vez, ela esperou. Sentada na cama, sem encostar nele, sem se aproximar, o observava gritar. O suor escorrendo pela testa e pelo peito dele, a respiração descompassada, sua mão direita apertando o lençol com tanta força que era possível ver as veias saltarem de seu braço. Das piores sensações do mundo, a impotência a consumia. Não havia nada que ela pudesse fazer para ajudá-lo, não havia mais nada que ela pudesse fazer por ele e aquilo a entristecia. não tinha o que fazer com as sequelas que a Hydra deixou nele, marcas que ela não poderia apagar. Bucky tinha aceitado ajuda médica. Tinha sessões com o psiquiatra que também cuidou dos traumas de na infância e, três vezes por semana, fazia terapia com a doutora Asiaht, a psicóloga que também tratava desde então. Quando Bucky sentia confiança em remexer o passado, ele pedia para que o acompanhasse ao terraço e que fizesse com ele o que fez da primeira vez em que ela o levou até lá. Ter se livrado do Soldado Invernal, as sessões intensas de terapia, alguns remédios e as sessões com eram um começo. Um bom começo. Mas não eram a solução, não eram suficientes, e talvez nunca fossem ser.
Sem desviar o olhar dele, encostou gentilmente a mão esquerda na parede atrás da cabeceira da cama e deixou um suspiro escapar. Nada daquilo era fácil para ele, nada era escolha dele. Eram só consequências, reflexos do que ele tinha vivido, de tudo que tinha passado. Era a quarta vez naquela semana que Bucky tinha pesadelos. A quarta vez em que ele acordaria frustrado, se sentindo culpado e com medo. A quarta vez em que ele tentaria se afastar de por algum tempo, envergonhado, apavorado em machucar ela, em perder o controle. A quarta vez em que ele choraria e pediria desculpas depois de algum tempo isolado. A quarta vez em quase dois meses que isso não acontecia, em que ele se sentiria fracassado, como se todos seus esforços para superar aquilo estivessem sendo em vão. Era o tempo de uma recaída. Uma recaída que acontecia às vezes, inconstante, inesperadamente. tentava entender os gatilhos, mas nunca parecia haver nada. Era como se a mente de Bucky sorteasse um momento qualquer para fazê-lo se lembrar das partes que ele tanto lutava para esquecer. Nunca seria culpa dele.
Vendo as costas de Bucky arquearem na cama, em meio aos gritos que não pareciam ter fim, centenas de flores de lavanda brotaram nas paredes do quarto a partir do braço esquerdo de . Tímidas, delicadas, mas fortes o suficiente para reduzir o estresse do ambiente, absorver a ansiedade e acalmar o ritmo cardíaco. Havia funcionado das últimas vezes, teria que funcionar dessa. Apesar de tudo, dos dias ruins, das recaídas, dos pesadelos e das inseguranças, queria continuar travando aquela guerra, queria que Bucky se recuperasse de tudo aquilo, queria tirar dele os sentimentos ruins, as lembranças mais atormentadoras. Não teve um só dia naquele ano em que passaram juntos que Bucky não esteve ao lado dela, que não moveu o mundo para que ela se sentisse bem nele, que não ajudava a tirar de si as angústias que carregava, as dores que sentia, por que ela não faria o mesmo por ele?
esperou, por quase quinze minutos, que a lavanda fizesse efeito e o acalmasse naturalmente, como das últimas vezes, mas Bucky não respondia aos estímulos olfativos. Seguia gritando sem parar, apertando o lençol, se movendo de um lado a outro na cama em pura agonia. Aflita, não podia, não conseguia, ficar ali, apenas assistindo e esperando que ele acordasse sozinho. Não sabia quanto tempo demoraria e Bucky parecia sofrer mais do que o de costume, parecia reviver em si um momento diferente dos outros que ela tinha presenciado, algo mais violento, punitivo. Ela precisava acordá-lo, precisava dar um jeito de acabar com aquele sofrimento.
Sem mais aguentar aquilo, afastou as cobertas de si e se levantou, dando a volta na cama em instantes até parar, em pé, ao lado de onde Bucky estava deitado. O frio do quarto percorrendo seu corpo trajando apenas a lingerie preta, os cabelos bagunçados sendo empurrados para trás dos ombros, enquanto aproximava-se um pouco mais dele. estava preocupada, tinha receio de o acordar, porque não sabia exatamente como a mente dele poderia reagir e Bucky havia pedido para que ela não chegasse perto dele nesses momentos. Tinha pavor de fazer algo contra ela. Mas não podia continuar só assistindo, era teimosa e preocupada demais. Das últimas vezes em que aconteceu, Bucky não demorou mais do que alguns instantes para acordar, assustado com os próprios pensamentos. Contudo, dessa vez, ele parecia tão imerso ao pesadelo que não dava indícios de que acordaria tão cedo.
— Buck? — Ela o chamou novamente, sussurrando, seu tronco curvado em cima dele.
O homem ficou em silêncio por um momento. Os gritos cessando, mas a respiração pesada. Ele se mexeu na cama, como se afundasse a cabeça com força no travesseiro. Sua expressão era de dor, os olhos espremidos, os cabelos grudados na testa suada. pressionou os lábios, seu olhar perdido em Bucky com preocupação e agonia, não suportando vê-lo sofrer daquela forma. Contudo, antes que pudesse encostar nele para o acordar, seus olhos pararam em seu braço de vibranium, bem ao lado e abaixo dela, por um instante. Se a mente de Bucky não reagisse conforme esperado, se, por algum motivo, ele não acordasse e achasse que estava em perigo, a primeira coisa que viria em direção de seria o braço. Tensa, tentava pensar na solução mais rápida possível caso algo desse errado. Bucky não se perdoaria por aquilo, por tê-la atacado, por eventualmente a machucar e, no final das contas, seria culpa de . Ele tinha pedido para ela não se aproximar, para não tocar nele em momentos como aquele, estava decidindo por conta própria, mas não seria fácil convencê-lo disso depois.
Pensando por alguns poucos minutos, só encontrou uma única solução rápida de impedir que aquela situação terminasse mal: desarmar o braço dele. A trava de segurança que ela sabia existir no braço dele, mas que Bucky não fazia ideia, era a opção segura e eficiente. Se Bucky soubesse da trava, T’Challa havia dito, talvez em momentos como aquele, ele se protegeria de perder a sua maior e melhor arma. Sua mente teria consciência da possibilidade de perde o braço, estaria preparado para se defender caso alguém tentasse removê-lo, ele não podia saber. Em hipótese alguma. Como tudo que era dado em Wakanda, havia um modo rápido e eficiente de ser tirado caso a segurança do país e de sua população estivesse em jogo. Desconfortável com aquela ideia, mas seguindo o protocolo de segurança, foi orientada a não avisar Bucky da possibilidade de ter seu braço removido em segundos. Se quisesse ter ele por perto, vivendo no palácio, tinha que seguir o protocolo à risca.
Com a atenção cortada por novos gritos vindo de Bucky e sem pensar muito mais, posicionou a mão em direção ao ombro esquerdo dele, repassando mentalmente a sequência de movimentos que havia sido ensinada para retirar o braço cibernético do corpo dele. A mulher deixou um suspiro pesado escapar, se perguntando por que raios a lavanda não estava funcionando daquela vez. Se sentando levemente na beira da cama ao lado do homem ainda dormindo, com cuidado para não fazer movimentos bruscos e o assustar, contou até três mentalmente. Definitivamente aquele não era um dilema que ela queria estar vivendo.
— Vocês me devem essa — murmurou para as flores nas paredes do quarto, sem tirar sua atenção do homem — Bucky? — Ela o chamou pela terceira vez, sua mão esquerda agora dando tapinhas leves no peito dele — Buck, acorda.
O cheiro forte da lavanda, inconscientemente potencializado por , espalhava-se por todo o quarto, enquanto a mulher insistia em chamar Bucky e o chacoalhar levemente. O sono pesado sendo lentamente interrompido, os gritos desaparecendo até, finalmente, Bucky abrir os olhos de repente, estonteantes, confusos. Sem perceber o que acontecia, assustado, interrompido de um devaneio que o alertava estar em perigo, Bucky puxou seu corpo para trás e sentou-se na cama em um movimento único, e chegou a levantar o braço de metal no ar em direção a , que, preparada para aquilo, o parou no meio do caminho, segurando seu pulso com firmeza. Como se ele houvesse congelado assim que seus olhos encontraram os dela, a expressão de Bucky era confusa, a testa franzida, os lábios entreabertos pela falta de fôlego. , por sua vez, não sabia ao certo como deveria, e se deveria, reagir. Ele só estava assustado ou estava realmente combativo? Não dava para saber ao certo.
— Está tudo bem, tudo bem — falou baixo, sem tirar seus olhos dos dele, que ainda pareciam perturbados, a mão dela apertando o pulso de metal dele — Sou eu. Respire.
Mentalmente, Bucky tentava ordenar, passo a passo, o que tinha acontecido até aquele momento, se situando no ambiente em que estava e como foi parar ali. Bem diferente do lugar em que achava estar, o ambiente estava ameno, sereno, o barulho da chuva caindo lá fora, o cheiro l familiar. Atordoado, Bucky passou os olhos pelo quarto com calma, em busca de qualquer coisa que o trouxesse de volta à realidade. Perdido, o homem tentava acalmar sua respiração ofegante, notando as flores nas paredes desaparecerem lenta e discretamente. Só havia um lugar no mundo em que aquilo poderia ser possível e só havia uma pessoa no mundo que poderia fazer aquilo acontecer. E foi então que, como um estalo, a mente de Bucky o fez entender o que em realidade estava acontecendo.
— Você sabe quem eu sou? — A voz suave e preocupada de o fez olhar novamente para ela.
— … — Como se o mundo houvesse desabado com aquela pergunta, viu as lágrimas começarem a escorrer pelo rosto de Bucky no mesmo segundo em que ele sussurrou o nome dela.
Aliviada por ter Bucky de volta, mas sem que ele percebesse, o puxou levemente pelo pulso que ainda segurava, o abraçando com força. Ela sabia o que viria a seguir, sabia como ele se sentiria dali em diante até se acostumar com a ideia de que, uma vez mais, tinha tido uma crise enquanto dormia. Ele precisava de tempo para ordenar os pensamentos e era paciente o suficiente para esperar. E assim foi. Deitado no peito dela, com o corpo entre as pernas da mulher, Bucky chorou por algum tempo breve até conseguir se acalmar novamente. Ela permaneceu sentada na cama, encostada na cabeceira, vez ou outra depositando beijos leves na cabeça do homem aninhado nela, passando as mãos por seus cabelos ou o abraçando com força, de repente, como se dissesse silenciosamente que estava tudo bem. Que ele estava bem ali, seguro. E ele sentia daquela forma. Sentia, há um ano.
Pouco mais de um ano havia se passado desde a primeira dança, desde o primeiro beijo, desde a primeira transa. Um ano em que era tudo que Bucky tinha, era por quem valia a pena tentar, recomeçar. Um ano que tudo mudou. Que as noites passaram a ser mais longas, mais prazerosas, mais confortáveis. Que os dias passaram a voar, como se o tempo corresse, como se nunca fosse suficiente. Um ano em que Bucky a amava por tudo o que ela representava para ele, por tudo aquilo. E embora se sentisse mais confortável hoje, feliz como nunca antes, amado, protegido, seguro de si e certo sobre a situação, sobre e o que ela sentia por ele, Bucky ainda não tinha tido coragem de dizer aquilo abertamente a ela. Não tinha coragem de mensurar e de externalizar o quanto amava aquele ano, o quanto a amava por ele, por cada dia e cada segundo. Três palavras, sete letras, algo que nunca tinha sentido nem dito para alguém, um novo passo desconhecido demais.
— Está tudo bem? Você está bem? — perguntou depois de alguns minutos em silêncio, esperando Bucky se acalmar. Ele apenas concordou com a cabeça e deu um beijo no braço dela, passando sua barba ali, dengoso, como se fosse um gato — Quer conversar sobre isso?
— Não… eu não… — Ele suspirou pensativo, fechando os olhos com o toque de mexendo em seus cabelos carinhosamente.
Ele não sabia o que deveria dizer, porque não sabia exatamente o que tinha acontecido naquela semana. Os pesadelos eram mais comuns no começo do relacionamento deles, antes de Bucky começar os tratamentos. Com a terapia, as sessões psiquiátricas, os medicamentos, contudo, foi se tornando um evento cada vez mais raro, até aquela semana. Bucky realmente achava que depois de meses sem ter os pesadelos, tivesse efetivamente resolvido aquele problema, mas como poderia? Pesadelos eram comuns para pessoas comuns. Para ele, e todos os traumas que carregava, deixar de tê-los não seria, nunca, uma opção. Limpando as lágrimas secas de seu rosto, ele pensou que talvez só estivesse sendo otimista esse tempo todo. Talvez não valesse a pena seguir tentando se recuperar de algo que carregaria consigo pelo resto da vida.
— Você está se saindo bem, Buck, é normal que isso aconteça — comentou suave. Bucky abriu novamente os olhos e soltou um suspiro frustrado — Foi uma semana cheia, talvez você esteja com tanto medo e tão concentrado em não ter mais pesadelos que, na verdade, está causando o efeito inverso.
— Eles são tão… reais. É como se eu estivesse de volta naquela sala, naquela cadeira, é… — Bucky passou as mãos pelo rosto, cansado — É assustador, é… real.
— Eu sinto muito por isso — apoiou seu queixo na cabeça dele, o abraçando pelos ombros uma vez mais. De costas para ela, Bucky virou-se levemente para poder vê-la, o sorriso triste dela brotando assim que ele a encarou.
— Me desculpe por isso — A voz rouca e sonolenta de Bucky transparecia tristeza — E por ter te acordado outra vez, ter te assustado. Me desculpe.
— Não tem que se desculpar por algo que não é culpa sua, sabe disso — sorriu com mais confiança, vendo ele pegar a mão dela e depositar um beijo ali — Está tudo bem, Buck.
— Eu vou para meu quarto para você conseguir dormir de novo — Ele sorriu triste, sem mostrar os dentes, seu braço de metal segurando a coxa dela.
Uma vez mais naquela semana ele tinha acordado de supetão, de madrugada, ele tinha que deixar ela descansar. Como nas outras vezes, Bucky sempre a deixava sozinha assim que acordava, envergonhado, culpado, querendo ter espaço e dar espaço a ela. Bucky sabia que nada daquilo era fácil para também. Não era simples lidar com um homem tão instável, tão… fodido. Não era fácil acompanhar tão de perto suas crises, não era. Ela fazia o melhor que podia, e era, sem dúvidas, muito mais do que ele um dia esperou ter de alguém, mas ela não era obrigada a nada. Não tinha que aguentar aqueles momentos dele, não tinha que se cansar por surtos que não lhe pertenciam, Bucky odiava envolver naquilo tudo. E sempre achava que dar a ela algum espaço e tempo era a melhor solução para amenizar tantas emoções negativas.
— Não vai hoje não, fica aqui… por favor — Ela fez um biquinho manhoso, que logo recebeu um beijinho rápido dele — Já está amanhecendo, não vou voltar a dormir.
— Eu não quero te incomodar ainda mais, você deve estar cansada — Bucky respondeu incerto. A verdade é que ele não queria realmente ir, mas ficar não parecia uma boa ideia também. só estava sendo gentil. Como sempre.
— Você nunca me incomoda, Bucky — Ela puxou as cobertas mais para cima deles, deixando seu corpo escorregar levemente para deitar-se na cama, embaixo do homem que se virava de frente para ela, por cima — Você tem que parar de se isolar quando isso acontece. Eu estou aqui e estou com você. Eu estou te escolhendo todos os dias, escolhendo ficar com você e vou te avisar se algum dia nada disso fizer sentido para mim. Nos dias bons e nos dias ruins, somos eu e você. Juntos.
Bucky afundou seu rosto no pescoço dela e deixou ali alguns beijos carinhosos, enquanto a abraçava apertado. O mundo deveria conhecer aquela . Aquela tão entregue, tão carinhosa, tão companheira, tão única. A que, por trás do olhar sério e intenso, brotava tanto amor e carinho, tanta beleza, tanto empenho em tudo que ela se dedicava. Bucky sentia que, ao menos uma vez na vida, tinha tirado a sorte grande sorte. Sorte de a ter encontrado. Sorte de ser compreendido. Sorte de ser amado por ela. Sorte de acordar todos os dias naquele abraço.
— Você pode escolher passar pelos seus problemas sozinho, isolado, ou pode passar por eles aqui, comigo — Ela comentou baixo, abraçada a ele, que suspirou. Aquela era uma escolha fácil demais de ser feita. A opção que ele claramente já tinha escolhido há pouco mais de dois anos atrás, quando deixou-se ser protegido por em Berlim.
— Eu quero passar pelo o que quer que seja nessa vida, aqui, com você — Ele sussurrou sincero de volta, fazendo sorrir feliz. Ela tinha razão, ele sabia que sim. Se esconder nunca tinha sido a solução, por que ele insistia naquilo? Talvez precisasse tratar melhor aquele ponto com Asiaht.
— Bom, isso quer dizer que você não precisa se preocupar em deixar esse quarto hoje, então — Ela brincou, tirando dele uma risada abafada e tímida.
— Acho que tenho uma ideia melhor — Bucky levantou-se levemente, apoiando-se em seus cotovelos, com ainda deitada embaixo de si. Ela o olhou curiosa.
— O que pode ser melhor do que passar o dia todo aqui? — perguntou retórica, o encarando charmosa. Bucky pareceu ponderar por alguns instantes até, finalmente, perguntar sedutor:
— Tomar banho. Quer vir comigo?
A água quente saindo do chuveiro, de cima e da parede atrás deles, deixava o clima frio do banheiro ameno e confortável. Sem mais nenhuma das poucas peças de roupa que antes vestiam, agora jogadas pelo chão do espaçoso e luxuoso banheiro, e Bucky se beijavam com calma, sem pressa alguma, tão imersos em si mesmos embaixo da água do chuveiro, que sequer se importavam em molhar tudo ao redor. Das partes que compunham um relacionamento, aquela era, sem dúvida alguma, uma das melhores para eles. Ser tão íntimo, ser desejado, poder desejar e compartilhar o sentimento que parecia crescer e ferver cada dia mais, era único. Bucky se perguntava como é que pode passar tantos anos sem saber da existência de tudo aquilo, daquelas sensações, sem nunca ter nem chegado perto de ter o que ele tinha hoje com . Tanta confiança, tanta profundidade, tanta energia, tudo fazendo sentido. A responsabilidade emocional, o afeto, o respeito, a compreensão.
Bucky estava genuinamente feliz de estar com . E beijando ela ali, a sentindo cada vez mais perto, sentindo todas as sensações que faziam ele se apaixonar por ela todos os dias um pouco mais, Bucky pensou que não só de crises, problemas, memórias passadas ruins e pesadelos se fez o ano em que passaram juntos. Pelo contrário, foi mais de momentos inusitados e felizes, de muito amor, construção e segurança também, momentos tão desconhecidos por Bucky que eram difíceis de descrever. Sonhos bons, gestos sinceros, risadas verdadeiras. Flores em todos os sentidos, jantares, planos para o futuro. Bucky estava reaprendendo a amar e a ser amado, enquanto vivia pela primeira vez a construção de um relacionamento verdadeiro, saudável, intenso e, aparentemente, duradouro. Eles estavam se conhecendo um no outro, se reconhecendo, depois de tanto tempo.
Uma vez ao mês, sempre em um sábado, e Bucky iam ao Boogie dançar. Como da primeira vez em que saíram, ficavam até o bar fechar, se divertiam, bebiam sempre as mesmas bebidas e aproveitavam a noite como bons jovens apaixonados. O casal de senhores, que estava no bar da primeira vez em que foram lá, os havia encontrado algumas outras e, seis meses depois de frequentarem o lugar, lá estavam e Bucky indo jantar na casa deles. Apesar de um tanto peculiar, Bucky estava fazendo amigos e passando algum tempo com outras pessoas. Em outros dias, iam ao cinema, a outros restaurantes, faziam pequenas viagens pelo interior do país ou simplesmente ficavam em casa, aproveitando o tempo que tinham um com o outro, e que temiam não ter mais algum dia.
Shuri ensinava Bucky sobre tecnologia, sobre engenharia, sobre a história do país e sobre as infinitas possibilidades do vibranium. Descobriu nele um ótimo assistente de laboratório e isso ocupava boa parte dos dias dele, enquanto também trabalhava. Com , contudo, Bucky estava aprendendo sobre plantas, sobre a natureza, sobre moda e sobre as artes. Começou a estudar francês e até passou a comprar roupas online. Ele estava se reintegrando na sociedade. Estava aprendendo a confiar em si mesmo, nas pessoas ao seu redor, no mundo que o cercava. Estava perdendo o medo de viver, pouco a pouco, dia a dia. Estava começando a ser simpático com quem era, a ficar em paz consigo mesmo, a se dar uma chance. descobriu nele um ótimo professor de russo, mas um péssimo botânico. Descobriu sobre as músicas que ele gostava, os livros que tinha lido, sobre a guerra, sobre como e era viver em Nova Iorque, sobre a família dele, sobre a vida passada de Steve. Steve. Com o comunicador desligado há mais de um ano, não houve sequer um único dia em que e Bucky não se preocuparam com ele e com Sam. Sam. Não tinha sequer um único dia em que não falava dele para Bucky, que não se divertia com as poucas memórias que criou com ele ao seu lado.
Saudosa, contou, durante um almoço qualquer, como conheceu Sam por acaso, em Washington, quando ela estava atrás do Soldado Invernal. Ela foi avisada por Sharon sobre a infiltração da Hydra na SHIELD e, na possibilidade crescente de encontrar Bucky lá, ela passou alguns dias com Sharon, no apartamento que tinham alugado para ela poder vigiar Steve. Vizinha, no terceiro andar, esbarrou com Sam pelo corredor algumas vezes em que ele foi visitar Steve até que, no dia em que ela estava indo embora do país, e perdeu o táxi por não saber como lidar com eles naquele lugar, Sam ofereceu uma carona e a levou até o aeroporto. Nas conversas genéricas de uma carona amigável, Sam não tinha ideia de quem era, apesar de saber o suficiente sobre ele.
Bucky sabia que ela sentia falta de Sam. Sabia que ela sentia falta de seus pais todos os dias, sabia que ela chorava às vezes, sem motivo, de solidão. Soube da carta que Steve deixou para ela, das flores, da garrafa de bebida que guardava para beber com ele quando tivessem a oportunidade, do celular de flip que, inicialmente era para enviar mensagens mas, depois que Sam encontrou um jeito mais seguro de se comunicar, passou a ser o último recurso de contato, em que ela só ligaria em último caso, em emergência. Bucky celebrou com o sucesso em conseguir contatar Sarah, a irmã de Sam, depois de meses tentando encontrar um canal seguro. Conseguiram transmitir a notícia de que ele estava bem, apesar de já não ter mais tanta certeza daquela informação. A única notícia que tinham deles eram pelas contas dos hotéis e casas que alugavam, que chegavam aos montes para pagar. Estavam se movimentando, estavam seguindo o plano, deveriam estar bem.
O mais interessante daquele ano, contudo, foi poder encaixar as peças finais do quebra-cabeça. Durante as sessões de recuperação de memória que tinha com , Bucky se lembrou de ir atrás dos pais dela, vez ou outra. Lembrou-se de ter lapsos de memórias enquanto estava preso na Hydra, de ter pesquisado pelo sobrenome que ele recordou nesses lapsos e ter ido atrás do casal de cientistas que ele sabia que poderia ajudá-lo. Sem informações sobre eles, sem saber que estavam mortos, Bucky esteve atrás de por anos sem sequer ter noção daquilo. Para , ter encontrado Bucky nos eventuais lugares onde ela estava era uma coincidência estranha. Seus pais sempre acharam que ele estava lá para matá-la e, por algum motivo, eram repelidos um do outro. A beleza do destino. sempre esteve atrás de Bucky para ajudá-lo. Bucky, mesmo sem saber, sempre esteve atrás de para pedir ajuda. A felicidade de, no final das contas, terem finalmente se encontrado.
havia devolvido a dogtag de Bucky no dia seguinte em que ficaram juntos pela primeira vez. Contou sobre eles dois para seus pais um mês depois, quando teve certeza de que Bucky não estava brincando quando demonstrava o que sentia por ela, e Karl chegou a ligar diretamente para ele para conversar — um constrangimento que jurava não ter que passar, mas que foi inevitável. Karl e Everett estavam felizes por sua garota. Mas estariam de olho. Em tudo, sempre. Mania de agente ou mania de pai protetor, tinha tudo aquilo em dobro e não podia negar, amava demais aquela parte de sua vida.
De presente de aniversário, naquele ano, Bucky ganhou de um filhotinho de gato. Alpine, a gatinha branca adotada direto do Centro de Animais Abandonados, pareceu amar Bucky à primeira vista. Dengosa e muito preguiçosa, ela gostava de andar dentro da jaqueta dele e às vezes rosnava quando chegava muito perto. A parte mais antiga da personalidade de Bucky estava bastante satisfeita com o mais próximo de uma família que tinha formado ali. Ele não podia ter filhos, pelos experimentos que passou, e descobriu mais tarde que também não. Seu corpo envenenaria a vida em gestação em algum momento, por isso ela tinha sido esterilizada alguns anos atrás. Alpine era o mais próximo de uma filha que poderiam ter. Apesar dos detalhes trágicos, Bucky tinha ficado imensamente feliz e emocionado de ter sido atenciosa ao dia em ele lhe contou que sempre quis ter um gato. Alpine era agora, também, parte do recomeço dele.
Reciprocamente, Bucky fez uma festa surpresa para ela em seu aniversário — que deu errado pois Okoye, responsável por segurar até o horário combinado, perdeu a paciência e a deixou sair do quarto antes. Com ajuda de Karl, ele comprou um colar de ouro em formato de coração, pequeno e discreto. As iniciais dele e dela gravadas em finos traços na parte de trás do colar, como se os guardasse em seu próprio coração. Antigo, um tanto quanto fora de moda e bastante clichê, como só James Barnes conseguia ser. A festa linda, animada, cheia das pessoas que amava, seus pais de surpresa lá, o bolo de macarons feito por Enila, a melhor confeiteira de Wakanda, tudo perfeito, tudo como ela merecia ter.
O ano mais feliz que Bucky teve em um século de vida. Um ano que viveu, um ano que não precisou realmente se preocupar, que não lutou. Um ano sem guerras, sem violência. Um ano sem machucados, feridas ou sangue nas mãos. Um ano inteiro de novas lembranças, boas, ternas, amorosas. Um ano que em o passado foi passado e que o futuro era um sonho a ser alcançado. Um ano de . Um ano que Bucky desejava que durasse o resto de sua vida. Segurando em seu colo, encostada na parede ainda embaixo do chuveiro, com as pernas em volta da cintura dele, Bucky cortou o longo beijo e a encarou por um momento. Todas aquelas memórias boas de um ano inteiro deixando sua mente e cedendo lugar para o agora, para a mulher linda em seus braços, o encarando curiosa. Se não fosse a melhor coisa que tinha acontecido em sua vida, Bucky não sabia mais o que era. Colocando uma mecha do cabelo molhado dela atrás da orelha, Bucky sorriu abertamente. Ela merecia saber. Merecia ter dele absolutamente tudo que ele podia dar. E merecia que fosse agora.
— Eu te amo, — Ele sussurrou ainda a encarando, observando a expressão curiosa dela tornar-se amena, ligeiramente surpresa e absurdamente feliz. Feliz como ele era com ela.
— Eu também te amo, James — sussurrou de volta, sincera, carinhosa, sua mão brincando com os cabelos da nuca dele.
jamais iria se acostumar com o jeito que os olhos dele sorriam para ela. A intensidade do azul transbordando todas as emoções que ele não conseguia colocar em palavras, o sorriso se abrindo tímido e satisfeito. Como se nada mais importasse para ele, como se ele quisesse gravar cada detalhe, cada pedacinho dela, o deixou encará-la, como ele gostava de fazer. Ela chegou a encostar seu nariz no dele outra vez, mas antes que pudessem voltar a se beijar, uma fumaça mais densa que a do vapor da água do chuveiro chamou atenção deles, junto com um cheiro de queimado. Por um instante, e ao mesmo tempo, o casal olhou para o chuveiro, esperando que algo nele estivesse queimando.
Contudo, no instante seguinte, o braço cibernético de Bucky, que apoiava em seu colo, tremeu e, como se ele tivesse perdido totalmente as forças, ele despencou da cintura de . A sensação fraca, mas inesperada, de choque que veio em seguida fez Bucky se afastar rapidamente da mulher, não a derrubando sentada no chão por pouco, pois conseguiu se segurar a tempo. Sem entender muito o que acontecia, observou Bucky dar dois passos para trás, se afastando da água que caia, enquanto seu braço de metal estava claramente entrando em curto. Algumas faíscas soltando no ar, a fumaça saindo da parte de trás, o cheiro de queimado se misturando ao cheiro dos produtos de banho. não conseguiu fazer nada senão gargalhar alto, pela situação completamente estranha que acontecia na pior hora possível. Bucky subiu seu olhar assustado do próprio braço em curto até ela, rindo junto.
— A.R.I.A.? — chamou deixando o banheiro, enrolada na toalha felpuda, enquanto Bucky terminava rapidamente de tomar banho.
— Sim, senhorita ?
— Abra a interface de curto-circuito do protótipo 42-B, por gentileza — pediu gentilmente, indo em direção a seu closet, tomando cuidado para não acordar Alpine que, preguiçosa como só ela podia ser, dormia em sua caminha perto da porta de entrada no closet — Pode jogar direto em meu notebook.
— Interface bloqueada — A.R.I.A. respondeu segundos depois.
— Bloqueada? — A mulher estranhou. Aquele tinha sido um projeto iniciado por ela, deveria ter acesso a todas as interfaces dele. Como se já não soubesse disso, se sentiu, uma vez mais, presa e desprezada. O que em Wakanda, afinal, era realmente livre e acessível? Shuri deveria ter bloqueado todas as interfaces do braço novo de Bucky por “segurança”. Nem mesmo deveria ter acesso a elas. revirou os olhos frustrada.
— Código de segurança exigido, deseja inseri-lo? — A assistente de insistiu, esperando por uma resposta.
— Se eu soubesse qual é — murmurou sozinha, pegando um vestido de mangas compridas qualquer e vestindo-o — Localize Shuri, ARI.
— Senhorita Shuri está retornando de Mumbai — Ela rebateu brevemente — Deseja abrir localização exata?
— Não precisa — pareceu confusa por um instante, pegando uma das dezenas de meia-calça em uma gaveta — O que infernos ela foi fazer em Dubai?
— Mumbai — A.R.I.A. a corrigiu, estava ficando ousada demais para um I.A. — Convenção Internacional de Novas Tecnologias de Uso Eletromagnético.
— Ela tem idade para isso? — Bucky perguntou alto o suficiente para ouvir, deixando o banheiro. Ela terminou de vestir sua meia calça por baixo do vestido e, segurando um par de sapatos, voltou para o quarto, a tempo de ver Bucky meio… torto.
Seu braço cibernético simplesmente tinha parado de responder aos comandos e seguia pendurado em seu corpo, como uma peça solta. O curto não durou mais do que um minuto, até alguns fios se soltarem e uma das placas de vibranium se fundir com outra. Olhando ele de frente, parado, com uma toalha enrolada na cintura e os cabelos pingando, segurando a risada por estar nitidamente ridículo naquela situação, não conseguiu conter o sorriso. Até daquele jeito Bucky conseguia ficar... gostoso. Não fazia ideia do que tinha acontecido para gerar um curto circuito no braço dele e, pior, não fazia ideia de como poderia consertar aquilo.
— Ela deve ter falsificado documentos de novo — respondeu apontando para uma troca de roupas dele, jogada em uma pilha em cima da poltrona perto da janela.
Bucky tinha deixado algumas roupas dele por lá depois que se acostumou a passar mais tempo no quarto de do que no dele próprio. T’Challa convidou pessoalmente a arquiteta da última reforma do palácio, E’Bujiram, para deixar o quarto de Bucky o mais próximo do que ele gostaria, para ser confortável, como uma casa, mas, mesmo assim, ele preferia ficar no de . Sem muita vontade, ele foi até às roupas e puxou as primeiras peças que encontrou, vestindo-as em seguida com certa dificuldade, por ter apenas um abraço disponível para ajudá-lo.
— Quem falsifica documentos para entrar em convenções acadêmicas? — Ele perguntou irônico, vendo aproximar-se dele.
— Shuri — deu de ombros risonha, levantando lentamente o braço esquerdo de Bucky, que já vestia uma calça — Dói? Machuca?
— Um pouco, para ser honesto — Ele refletiu, observando concordar com a cabeça, levemente preocupada — A sensação é de que está mais... pesado, eu acho. E parece que ele vai cair a qualquer momento. Incomoda.
— ARI, Anile’onam ou Adraude estão por aqui hoje? — perguntou pensando em todas as possibilidades de dar um jeito naquilo, observando os detalhes do braço de Bucky. Anile’onam era a chefe do laboratório de física, especialista em vibranium, e Adraude do de mecânica. Talvez pudessem ajudar a, pelo menos, entender o que tinha acontecido de errado.
— Estão em período de férias — A.R.I.A. respondeu depois de algum tempo processando a pergunta.
— O que aconteceu com as pessoas desse lugar? — bufou exausta — Não tem ninguém aqui hoje?
— As doutoras An’Aicat e Esilena estão de plantão, junto com N’Aniram, Aniratac e Airotiv. A’Nurb, do departamento de design, Aliaht e S’Ioht do departamento de estética estão entrando no palácio neste momento. O plantão administrativo tem escala com Enay’aht e A’Thays — A.R.I.A. respondia prontamente, puxando a lista de funcionários ativos naquele momento. e Bucky se entreolharam risonhos — As’Siral, Nemrac, Aleirbag e Anerol, do departamento de eventos, estão saindo para a cerimônia da Redenção Jabari. Rainha Ramonda tem um brunch com Ellie em uma hora e Rei T’Challa dará uma entrevista ao vivo a E’nelim. A veterinária Allebasi está de passagem pelo palácio. Deseja agendar uma consulta de rotina a Alpine?
— Ela não é muito boa em entender ironias, não é? — Bucky perguntou depois do longo relatório da assistente, vendo negar com a cabeça rindo baixo.
— Definitivamente não — Ela respondeu, deixando o braço dele delicadamente de volta e o encarando.
— E agora? O que fazemos? — Bucky perguntou roubando um beijo rápido de e colocando sua camiseta em seguida.
— Não sei — suspirou pensativa — A interface de curto foi bloqueada e, por isso, não tenho acesso. Sem ela não consigo entender o que aconteceu para gerar o curto e nem como podemos repará-lo.
— Bloquearam seu acesso a um projeto que é seu? — Bucky perguntou incrédulo, vendo concordar com a cabeça e revirar os olhos, decepcionada.
— C’est Wakanda, mon amour.
— Eu não sei como você consegue aguentar isso por tanto tempo — O homem comentou honesto, batendo a toalha em seu cabelo molhado. sorriu triste.
já estava acostumada as regras do país, ele sabia. Muitos anos vivendo daquela forma, ela precisava de Wakanda, a troca era, pragmaticamente, justa. Mas ser constantemente lembrada de que aquele não era o seu lugar era desgastante demais para ela e eles sempre conversavam sobre isso. Sempre conversavam sobre lugares que gostaria de viver se pudesse ir embora dali e, no fundo, Bucky sabia que só estava esperando o dia em que pudesse ser libertada de tudo aquilo. Que pudesse se sentir segura para escolher onde ir, onde viver. De volta a França, talvez uma temporada em Nova Iorque e outra em Berlim, os dois faziam planos para um futuro que não sabiam realmente se iria existir. E que sempre, no fim, esbarravam nas dezenas de restrições de Wakanda. Bucky retribuiu o sorriso triste dela. Talvez fosse melhor mudar de assunto.
— Bom, Shuri está fora do país, quem mais poderia ajudar está de férias, então até uma delas voltar eu fico com esse braço… desse jeito? — Bucky completou o raciocínio, balançando o braço para frente e para trás feito um boneco. riu alto outra vez.
— Acho que… bom, podemos tentar ver nos arquivos do seu braço antigo, deve ter alguma coisa neles, os papéis estão no meu laboratório, se for tudo bem por você — Ela sugeriu juntando seus cabelos em um rabo de cavalo. Talvez pudessem encontrar algo ali que os ajudasse. Desconfortável com o braço pendurado em seu corpo, Bucky não considerou muito o fato de remexer em arquivos da Hydra, de seu passado. Apesar de ser emocionalmente desgastante, ele só queria mesmo dar um jeito naquilo e, se possível, não levar outro choque inesperado.
— Já é alguma coisa. Acho que vale a pena tentar.
Cinco horas e quarenta e sete minutos depois e nada. Sentados no chão do laboratório de , com dezenas de caixas abertas e centenas de papéis, pastas e arquivos espalhados no chão, não havia nem sinal de algum estudo, manual ou mesmo dica de como arrumar um braço de metal em estado de curto. De fato os papéis que havia se baseado para desenvolver o novo braço de Bucky estavam ali, no meio daquela bagunça, mas o arquivo completo não contava com a possibilidade de o braço dar errado. Talvez os membros da Hydra fossem arrogantes o suficiente para nunca anteciparem seus erros, porque talvez não acreditassem poder errar. descobriu não ter mais acesso a nenhuma das interfaces do braço de vibranium dele, absolutamente tudo estava bloqueado. Apelando para a internet, não encontraram mais do que meia dúzia de vídeos ensinando a arrumar próteses convencionais ou tratando de circuitos elétricos complexos demais para serem contextualizados em um braço. Nada era sequer parecido com o braço de Bucky.
Desconfortável, com seu ombro doendo pelo peso, Bucky observou virar no chão a última caixa que ainda não tinham visto, enquanto comia o final das frutas picadas que vieram no café da manhã que pediram para entregar lá. Alpine, que tinha sido carregada por eles até o laboratório, parecia se divertir deitada no colo de , lambendo um brinquedo em formato de cactos que comprou para ela, e parou por um único segundo para ver a bagunça no chão aumentar, até voltar sua atenção para o brinquedo. Bucky soltou uma risada fraca e nasalada do quão blasé aquele gato podia ser. Contudo, como se o vento soprasse até ele, uma pasta de papel kraft deslizou pelo chão, assim que caiu da caixa, até perto de Bucky, atraindo sua atenção. Seus olhos passaram pelo escrito da capa da pasta e, curioso, ele a abriu. O primeiro arquivo dentro da pasta era uma foto não tão antiga, de uma mulher loira, jovem, muito bonita por sinal. Ela estava séria, sua expressão apática, sem vida, como alguém que certamente estava sofrendo nas mãos da Hydra. Mas, apesar daquilo, foi a cor amarelada dos olhos dela que despertou curiosidade em Bucky.
— O que é Dark Mind Program ? — Bucky perguntou intrigado, enquanto bebia o último gole de seu café, olhando do arquivo para sentada à sua frente.
— Algo como um programa antigo da Hydra, de experimentação, como o Projeto Neriine ou o Soldado Invernal, eu acho — respondeu brevemente, sem prestar muita atenção, remexendo outros papéis — Por algum tempo, quando comecei a procurar respostas sobre meu passado, vasculhando as bases da Hydra, achei que podia ter a ver comigo, então roubei os arquivos que encontrei. Mas são todos sobre uma outra garota.
— Raven Evanoff — Bucky leu o nome digitado no papel, se perguntando o que foi que tinha acontecido com ela para ter olhos daquela cor.
— Mais uma para a longa lista de vítimas de Hydra — comentou triste, lembrando-se vagamente do que tinha lido no arquivo daquela garota — Parece um arquivo médico, mas não diz muito.
— Pensou em ir atrás dela alguma vez? — Bucky perguntou novamente, curioso, mas logo negou com a cabeça, subindo seu olhar até ele enquanto deixava o papel que antes lia de lado.
— Estão faltando partes no arquivo, veja no final. Não dá nem para saber se ela sobreviveu.
Rapidamente, Bucky folheou o arquivo até o final, dando uma olhada por cima nas informações que continham ali. Nada sobre quem ela era ou de onde tinha vindo, nada sobre o que tinham feito com ela. Só dados médicos, códigos que não podiam ser compreendidos e anotações a mão com palavras soltas que não faziam sentido. Pela localização, ela parecia ter estado em uma base diferente de onde Bucky ficou, por isso talvez ele nunca tivesse ouvido falar daquele programa. Em tantos anos de atuação, a Hydra tinha desenvolvido mais projetos e programas do que qualquer outra organização secreta. Como ele, como , como Wanda e Raven, quantas outras pessoas não tinham sido vítimas dos planos desumanos e cruéis de homens tão ruins que sequer mereciam viver?
Bucky se perdeu por algum tempo naqueles pensamentos até ouvir dizer frustrada que desistia. Estavam há horas procurando, tinham vasculhado tudo que podiam e não encontraram nada. Reflexivos sobre o que poderiam fazer para resolver o problema do curto circuito, enquanto guardavam os arquivos de volta nas caixas, movidos pela fome e pela dor que Bucky sentia, eles decidiram retirar o braço todo de uma vez. Não era a solução ideal e nenhum dos dois queria realmente fazer aquilo. sabia que mexer no braço dele era como cutucar uma parte muito pessoal, muito íntima de sua vida. Era o principal motivo de insegurança, de medo, que ele carregava em si e mesmo um ano depois de conviver com ele, Bucky ainda tinha suas ressalvas em relação ao braço perto de . Sorte ou bom humor que, naquela manhã, ele não tinha entendido o curto como um sinal de insegurança a ponto de ficar chateado, mas sim, se divertiu com a situação.
Embora aquela não fosse sua área de atuação, estava um pouco chateada consigo mesma por não ter encontrado solução alguma e chateada por saber que poderia tirar o braço em dois segundos, usando a trava de segurança, que jamais poderia contar a ele sobre. Minutos depois de decidir pela remoção do braço, sentada numa banqueta de alumínio ao lado de Bucky sem camisa, tirava as placas de vibranium, uma por uma, com uma fina chave de fendas e com todo o cuidado e atenção do mundo, para não machucá-lo. Com Alpine agora deitada em seu colo, Bucky via intrigada desmontar seu braço, hora ou outra rindo de alguma coisa que não entendia, desviando de algum estalo que o braço dava, cutucando os ligamentos que estavam soltos com certo receio de o curto circuito voltar. A quantidade de fios soltos internamente no braço demonstrava que, claramente, aquele era o problema. Só não entendiam por que raios os fios haviam se soltado.
Sem grandes dificuldades, removeu a prótese de Bucky e a deixou de lado, em cima de uma das bancadas de seu laboratório, pedindo para que A.R.I.A. a escaneasse e mapeasse todas as falhas possíveis. Ao menos, Bucky não sentia mais a dor e o incômodo de carregar um peso morto. Como não sabia nem sequer onde estavam guardando a prótese final, mais avançada, do braço dele, só restava esperar pelo retorno de Shuri para que essa nova versão pudesse ser colocada.
— A.R.I.A. comentou que Shuri está retornando, talvez no final do dia ou amanhã já consigamos colocar a prótese nova — aproximava-se novamente de Bucky.
— Tudo bem — Bucky sorriu sem mostrar os dentes, a mão direita acariciando Alpine — Acho que posso viver mais um dia sem o braço.
— Não era para ter dado curto, me desculpe por isso — pediu sincera. Talvez fosse melhor, dali em diante, ficar apenas com as plantas mesmo e deixar esse lance todo de mecânica com quem entendia direito dele.
— Acho que a pior parte não foi nem o curto, mas o momento em que ele resolveu acontecer — Bucky brincou, tirando um riso aberto de .
— Eu quase fui derrubada no chão, do chuveiro — negou com a cabeça — NUA — Ela ressaltou.
— Não vou me esquecer dessa cena nunca mais — O homem a puxou para mais perto pela cintura, a sentando em seu colo no exato momento em que Alpine pulou para o chão. A gatinha ficou rondando as pernas de , dengosa, até decidir passear pelo laboratório.
— Você me deve essa, James — A mulher brincou, passando seus braços pelos ombros dele e dando-lhe um beijinho.
— Me desculpe, boneca — Ele sorriu de lado — Mas quem projetou o braço foi você.
— Eu não acredito que você falou isso — praticamente gritou em uma falsa indignação, afastando seu tronco levemente dele com a boca aberta. Bucky apenas riu e a segurou em um abraço, impedindo-a de se levantar de seu colo.
— Já te disse que eu te amo? — Ele falou baixo e charmoso.
— Você não vai se safar dessa, Barnes — Ela o empurrou levemente, tentando se soltar dele sem muito sucesso. Bucky riu baixo e deixou beijos espalhados pelo rosto e pescoço dela, que tentava desviar, brincando, parando assim que ele, finalmente, acertou seus lábios.
— Posso arcar com as consequências disso depois de almoçarmos? — Bucky perguntou a olhando — Estou com fome.
— Por favor, sim — Ela respondeu como se aquele fosse o melhor convite de sua vida. Ficaram tão entretidos a manhã toda em resolver o problema do braço que não tinham tido tempo, ainda, de pensar no almoço.
Contudo, antes que pudessem sequer se mexer dali, a voz de A.R.I.A. cortou novamente o ambiente.
— Senhorita ?
— Sim? — respondeu prontamente, desviando sua atenção de Bucky até o teto, como se ali pudesse ver a I.A.
— Há uma assinatura de calor nível 2 entrando na estratosfera.
— Nível 2? Tem certeza? — perguntou claramente confusa, sua voz estridente, enquanto se levantava em um pulo — Quanto tempo para pousar?
— Dez segundos — A.R.I.A. rebateu prontamente. olhou preocupada para Bucky, que parecia não entender com exatidão o teor daquela conversa.
— Onde? — Ela perguntou dando alguns passos mais para o centro de seu laboratório. Aquilo era, no mínimo, estranho.
— Nova Iorque, Estados Unidos da América.
— O que está acontecendo? — Bucky perguntou apreensivo, vendo ir até mais perto da mesa de projeção. A expressão dela era de confusão e uma leve preocupação — O que isso quer dizer, ?
o encarou por alguns segundos, pensando exatamente no que deveria fazer com aquela informação. Ela olhou Bucky com a testa franzida, o olhar sério, e respirou fundo antes de responder:
— Que algo de fora da Terra está chegando.
- Capítulo 25 -
— Como assim algo de fora da Terra?
Bucky perguntou enquanto se levantava, assistindo mexer em uma pequena tela sob a mesa central de seu laboratório, apressada, como se tudo tivesse mudado de um segundo a outro. Não tinha entendido exatamente o que quis dizer com algo de fora da Terra e esperava que aquela informação não fosse realmente literal. Bucky já tinha passado por muito na vida. De uma guerra mundial ao Caveira Vermelha, de experimentos da Hydra ao Soldado Invernal. Já tinha brigado muito, sofrido muito, se violado muito, participado de lutas intermináveis. Mas nunca, em nenhuma vez, lidou com algo sequer parecido com aquilo. E ele, definitivamente, não queria lidar. Não estava preparado e muito menos a fim de passar por mais aquilo. Contudo, a tirar pela expressão preocupada e concentrada de , ele sentia que podia esperar pelo pior. A descontração e todo o carinho da mulher, de minutos atrás, tinha mudado nitidamente para uma tensão que há pelo menos dois anos Bucky não se lembrava de ver nela. Como se algo realmente grave estivesse prestes a acontecer, como se aquela informação repentina e estranha fosse um alerta.
— Do Espaço, Buck, literalmente do Espaço — desviou seu olhar da tela até Bucky, que franziu o cenho, tentando digerir aquela informação com normalidade.
— Não é possível! É possível? — Bucky a encarava atônito. pressionou os lábios e assentiu brevemente com a cabeça, pensativa.
— Recalcule a assinatura de calor, A.R.I.A. — Ela pediu alto, dando alguns passos mais perto da mesa central, notando Bucky olhar para o teto do laboratório, esperando pela confirmação. A.R.I.A. recalculou a assinatura e três segundos confirmou:
— Assinatura de calor em nível 2.
— O pouso foi concluído? — ainda tinha esperança de que aquilo fosse um terrível engano.
— Há dois minutos — A inteligência artificial respondeu prontamente. e Bucky se encararam uma vez mais — Deseja visualizar mais informações?
— Projete na mesa central o que temos — pediu apoiando as duas mãos sob a mesa. Bucky se aproximou dela, parando ao seu lado, a mão dele sendo posta delicadamente em cima da dela, sobre a mesa.
A.R.I.A. não demorou mais do que um minuto para abrir um grande holograma de alta resolução, em cima da mesa, com imagens do que estava acontecendo naquele exato momento, na localização estimada. Réplicas de dezenas de transmissões ao vivo de câmeras de segurança hackeadas e noticiários do mundo afora, que cobriam aquele evento com horror e medo, abriam-se, lado a lado, na frente de e Bucky que, ainda mais assustados do que antes, não conseguiam dizer nada. Nas imagens, algo redondo, em formato anelar, com um furo no meio, estava parado poucos metros acima dos prédios, no que claramente era o centro de Nova Iorque, Bucky conseguia reconhecer. Como se soubesse exatamente onde deveria ir, o objeto parecia estacionado, um feixe grosso de luz azul brilhante saia dele em direção ao chão, mas não podiam ver com clareza qualquer movimento. Por um momento, cogitou ser apenas um aparelho de reconhecimento, não deveria ter realmente alguém ali — ao menos, se tivesse alguém, eles já teriam visto.
A nave de dimensões desconhecidas por A.R.I.A. era grande o suficiente para desestabilizar o ar, gerando um vento absurdo e um pouco de névoa, que impedia a captura de detalhes pelas câmeras. Em algumas imagens, e Bucky podiam ver o pânico e uma correria apavorada de pessoas pelas ruas. Em silêncio, acompanhando todas as informações a sua frente como se assistisse a um filme terrível de ficção, suspirou aliviada por seus pais não estarem em Nova Iorque naquele momento — estavam passando a semana na Escócia, celebrando o recente casamento e aquilo era uma tremenda sorte. Não era possível ver exatamente o que acontecia ali, muito menos saber o que tinha entrado na Terra, de onde tinha vindo aquela nave e, o mais importante, o que queria ali. Mas foi a imagem do Homem de Ferro voando de um lado a outro atrás de uma criatura, que nem nem Bucky sabiam nomear, que deixou tudo mais claro.
— Puta merda — deu dois passos para trás, chocada, vendo Tony, pelo holograma, lutar de um lado a outro da cidade, que já começava a ser destruída.
— Mas que porra é essa? — Bucky murmurou, seus olhos arregalados em confusão e incredulidade. Nunca tinha visto algo como aquilo. Nunca. Em cem anos.
— Uma invasão, Sargento Barnes — A voz de T’Challa respondeu literal, chamando a atenção do casal que, ao mesmo tempo, virou-se de lado para vê-lo. T’Challa, tão tenso quanto os dois, entrava no laboratório de com Okoye ao seu lado, nitidamente preocupada com a situação. Aparentemente já estavam a par do que estava acontecendo. A.R.I.A. estava programada para emitir um sinal a eles em casos como aquele.
— Alguma chance de ser Thor ou algo do tipo? — perguntou olhando T’Challa.
— Parece o Thor para você? — T’Challa perguntou com obviedade, atraindo a atenção de para o exato momento em que, nas imagens, uma criatura que mais parecia um bicho, absurdamente grande e forte, com uma foice empunhada, jogava Stark longe.
— Se for ele, da última vez em que esteve na Terra parecia mais bonito — Okoye respondeu irônica.
— Eu tinha esperanças — bufou frustrada sem desviar seu olhar das imagens.
— A.R.I.A., conseguimos reconhecer quem são? — T’Challa pediu alto, intrigado.
A inteligência artificial precisou de alguns poucos minutos para escanear as imagens e as analisar em comparativo com informações que conseguia puxar de satélites e criptografias de serviços de segurança de alguns governos mundo afora. A situação era tão estranha que, para , nem A.R.I.A. parecia conseguir lidar direito. Estavam no escuro, sem muitas informações, tudo acontecendo rápido demais, sem aviso prévio, sem sinais. Fazer conexões em uma realidade tão bizarra como aquela era difícil até mesmo para o processador mais avançado do mundo.
— Criatura extraterrestre, de pele inquebrável e força sobre humana, de nome identificado pelas Forças Especiais Americanas como Estrela Negra — A assistente de respondeu depois de algum tempo, reorganizando as imagens que eles assistiam, abrindo espaço para projetar novas.
— Americanos e seus nomes — Okoye murmurou revirando os olhos.
— Está acompanhada por outra criatura identificada como Fauce de Ébano. Sem mais registros.
A.R.I.A. conseguiu projetar duas imagens, como fotografias, de perfil de ambas criaturas referidas, mas não mais do que isso. Não era fácil conseguir informações de criaturas de outros planetas, era como um limbo espacial, ainda desconhecido pelos homens e mulheres da Terra, mas já era suficiente para terem noção do que estava acontecendo ali e quem estava sendo combatido. Nas imagens que tinham, contudo, era possível apenas identificar uma delas, a primeira, Estrela Negra, que insistia em lutar contra Stark. E foi olhando novamente para aquelas imagens que um detalhe chamou a atenção de e Bucky.
Estava lá outra figura conhecida, ajudando Stark. A tirar pelo tamanho da criatura que ele estava enfrentando sozinho, ver uma nova peça finalmente aparecer naquele xadrez foi ligeiramente reconfortante, mas ainda não suficiente. Stark era forte, pensou inconscientemente passando a mão na coxa que carregava a cicatriz violentamente desenhada por ele, mas ele claramente precisava de ajuda. De mais ajuda. Ela deu dois passos de volta para mais perto da mesa, semicerrando os olhos enquanto dava zoom no holograma com as mãos. Um riso satisfatório, mas preocupado, escapou de seus lábios, enquanto ela olhava da imagem aproximada para Bucky, que tombou a cabeça reflexivo.
— Parece que Stark levou a turma dele completa — Bucky revirou os olhos discretamente.
— Peter Parker? — perguntou confusa, vendo Bucky assentir com a cabeça. A memória de como ele se apresentou para ela com tanta simpatia, em meio a uma luta no aeroporto em Berlim, tomando sua mente.
Nas imagens, Peter tinha acabado de se meter na frente de Tony, impedindo-o de ser acertado em cheio pela criatura. Mais forte do que parecia, o garoto segurou no ar a foice que o adversário empunhava contra Tony, dando tempo do homem mais velho se levantar e se colocar de volta na luta. Contudo, desviando atenção para Tony, o adversário conseguiu jogar Peter do outro lado do que parecia uma praça, voltando seu foco para o homem que antes lutava contra ele.
— Ele vai precisar mais do que um garoto de dezesseis anos dessa vez — T’Challa comentou sério, indo até o outro lado da mesa, sem tirar os olhos das imagens.
— O problema é que, dessa vez, ele não tem muito mais do que isso — respondeu reflexiva, cruzando os braços. Se perguntava onde Steve e Sam estavam naquele momento e imaginava se Natasha, Rhodes e Visão iriam se juntar a Tony também, como Peter. Ele claramente não estava dando conta de enfrentar aquilo sozinho. Não terminaria bem.
Nas imagens, A.R.I.A. abria novas câmeras de monitoramento das ruas, dando visão a eles, finalmente, da segunda criatura, Fauce de Ébano. De tamanho humano mas feições diferentes, flutuando sob uma névoa acinzentada, a criatura era branca e escamada, de pele grossa e tinha um machucado na testa que sangrava. Peter parecia segui-lo, mas ele, com breves movimentos das mãos, movia objetos de diferentes tamanhos contra o garoto. Nas imagens ao lado, Tony ainda lutava contra a outra criatura, brutalmente, e parecia perder, não fosse por uma terceira pessoa, totalmente desconhecida por , Bucky, Okoye e T’Challa, ter aberto um portal, como magia, e tirado a criatura de lá antes que pudesse nocautear Stark de uma vez por todas. Todo o contexto daquilo estava confuso para eles. Rápido demais, inesperado demais, com informações de menos. A.R.I.A. ia projetando as imagens que conseguia encontrar, em um processamento de dados incrivelmente rápido, mostrando a cena em todos os ângulos possíveis. Contudo, ainda assim, não conseguiam responder as perguntas mais básicas possíveis: quem, de fato, eram eles? E o que queriam na Terra?
— ARI, tente rastrear a localização de origem da nave — ordenou, assistindo as imagens se sobreporem à sua frente, o caos instalado na cidade com pessoas correndo e gritando por todos os lados, a nuvem de poeira pairando no ar enquanto a destruição consequente da luta aparecia nitidamente. Mais uma vez estavam destruindo tudo. se perguntou internamente, ironicamente, se Tony e Peter, signatários do Tratado de Sokovia, tinham autorização para aquilo.
— Localização de origem da nave desconhecida.
— Tente fazer contato — insistiu passando as mãos no rosto, nervosa. Não conseguir mais informações não ajudava, não era um bom sinal.
— Você quer mesmo fazer contato com eles? — Bucky perguntou intrigado, vendo-a dar de ombros.
— Precisamos entender o que está acontecendo — respondeu preocupada.
— Não vai terminar bem — Okoye comentou baixo, cruzando seus braços, sua expressão fechada, compenetrada no que assistia.
— Canais de contato desligados — A.R.I.A. respondeu depois de alguns segundos tentando contatar a nave. deu um soco leve na mesa e bufou. Não era um bom sinal.
— Por Bast, o que eles querem aqui? — Okoye perguntou retoricamente, seu coração batendo mais acelerado do que o de costume. Como General, estava preparada para muitas coisas. Mas aquela não era, definitivamente, uma delas.
— O que são essas coisas? — Bucky perguntou igualmente tenso, indigesto, impressionado pelas imagens que passavam em sua frente.
— Alienígenas? — Okoye respondeu com obviedade, vendo Barnes bufar.
Ele esperava, do fundo do coração, que Stark conseguisse resolver toda aquela situação e que, no final das contas, não precisassem se envolver em uma nova guerra. Primeiro porque ele sequer podia sair do país. Deixar Wakanda era uma opção arriscada e muito incerta. Depois, porque não tinham ideia de onde Steve estava. Não poderiam se juntar a Tony em uma luta que a qualquer momento poderia se virar contra eles, não sem Steve as garantias que só ele poderia conseguir. Teriam um inimigo em comum, mas não sabiam como seria depois que aquele problema fosse resolvido. Em terceiro lugar, enfim, Bucky não queria se envolver naquilo porque simplesmente estava cansado. De guerras, de lutas, de problemas, de todo o sangue que era espalhado. Aquilo não tinha começado bem, não estava se desenvolvendo bem e Bucky temia não terminar bem. Por mais que fosse algo isolado, acontecendo do outro lado do mundo e já sendo combatido por Stark, o garoto e o que parecia ser um mago, Bucky ainda assim temia ter que se envolver. E querendo explicações do que acontecia não era um bom sinal de que se manteriam afastados. A cada instante mais, Bucky se arrependia do momento em que deixou o quarto de naquela manhã. Deveriam ter ficado lá, juntos, seguros, longe de qualquer que fosse o caos.
— Vocês parecem casuais demais com o fato de ter seja lá o que é isso destruindo Nova Iorque — Ele apontou ligeiramente nervoso para as imagens.
— Essa já é a segunda vez que Nova Iorque é invadida, acho que estamos ficando acostumados — respondeu ele, tirando os olhos das imagens por um instante. Bucky parecia nervoso, seu olhar introspectivo já alertava de que algo em sua mente estava o fazendo pensar demais.
— Vocês foram para lá da primeira vez em que isso aconteceu? — Bucky perguntou ansioso, virando-se da tela para , que, entendendo o receio silencioso dele em se envolver, negou com a cabeça.
— Nós não interferimos em conflitos que não são nossos, Sargento Barnes — Okoye respondeu séria, ao lado de T’Challa, do outro lado da mesa onde e Bucky estavam. Parecia preocupada com o tema, apesar da segurança em dizer que não teriam o por quê se envolver — Esperamos que eles sejam resolvidos por quem é alvo deles, mas monitoramos, como estamos fazendo agora. Caso algum de nós seja solicitado, tenha parte na guerra ou o conflito venha até nós, então lutamos. Do contrário, não.
— Esperamos que os Vingadores resolvessem o problema, da última vez em que isso aconteceu, e caso não, caso a batalha se estendesse, aí sim interferiríamos — T’Challa completou Okoye, um pouco mais amigável, mas ainda sério.
— E Sokovia? Ultron roubou vibranium, não foi? — Bucky insistiu apreensivo, cedendo à ansiedade que, naquela altura, já começava a o consumir.
— Roubou de um traficante, não de Wakanda. Não era um problema nosso diretamente — A general rebateu breve, olhando T’Challa significativamente, como se dissesse, com os olhos, que era melhor ele nem sequer cogitar a possibilidade de ir ajudar Stark.
Bucky não pareceu se convencer muito com as respostas, embora não houvesse qualquer indício real, expresso, de que algum deles iria até lá, se envolver no conflito. Ele trocou um olhar tenso com por um momento, a vendo negar discretamente com a cabeça, indicando que estava tudo bem, que não iriam a lugar algum. Contudo, contrariando a segurança de , as imagens passaram a transmitir a criatura mais parecida com um humano voltar à nave, junto com um corpo desacordado, ou morto, não era possível distinguir. Em seguida, puderam ver Peter sendo fortemente puxado por uma fonte de energia desconhecida até a nave, o mesmo feixe de luz em tom azul que viram minutos antes. Como se houvessem combinado, as expressões dos quatro naquele laboratório foram de tensão para um desespero silencioso, a ansiedade pesando no clima do ambiente, enquanto assistiam a nave simplesmente ir embora em uma velocidade impressionante, de uma hora para outra.
— O garoto foi… abduzido? — A voz de Okoye era firme, mas quase histérica.
— Por que estão o levando com eles? Para quê? — Bucky perguntou horrorizado, sua voz quase em um sussurro. mexeu nas imagens, como se as folheassem no ar, em busca de Tony até, finalmente, o encontrar indo em direção da nave, já distante do solo.
— A.R.I.A., defina a camada — Ela respondeu dando zoom nas imagens em busca de Tony.
— Nave entrando na estratosfera.
— Estão voltando? — Foi a vez de T’Challa perguntar intrigado, ligeiramente perdido.
— O que está acontecendo? — Bucky murmurou, assistindo as imagens de Tony subir ao céu atrás da nave até ficar tão distante que nada mais podia ser visto.
Por alguns minutos, , Bucky, Okoye e T’Challa ficaram em profundo silêncio. Nenhum deles conseguia formular qualquer que fosse a pergunta, nada faria sentido, porque nada estava fazendo sentido para eles naquele momento. Em minutos foram de um controle total da Terra, para uma invasão alienígena do outro lado do mundo que, aparentemente, não tinha motivo para acontecer senão abduzir Peter Parker e chamar atenção de Stark. Era isso? O que tinha exatamente acontecido ali? Não era racional, não era óbvio, não estava claro, mas, igualmente, não parecia casual. Para nenhum dos quatro. desviou seu olhar das imagens, do caos que ficou para trás em Nova Iorque, até Bucky, ao seu lado, que retribuiu assustado, sério, mais ansioso do que antes. Estava engolindo as palavras, imerso nas perguntas que, naquela altura da situação, estavam presas nas gargantas de , Okoye e T’Challa também.
A pior parte de não entender a situação, contudo, era, justamente, não saber se deveriam ou não agir, o que exatamente deveriam fazer. Tinham recursos, tinham possibilidades, mas não podiam simplesmente interferir, podiam? Como se aquele pensamento tivesse atingido ao mesmo tempo que T’Challa, eles dois se entreolharam, silenciosos, tensos. Ponderando o que deveriam fazer, qual seria o próximo passo, avaliando os riscos de se meterem em uma luta que, até então, não era deles, os dois se encaravam em cumplicidade. Stark e Peter estavam lidando com a situação, essa era a única premissa verdadeira e clara até aquele momento. Tinham o contato de T’Challa, chamariam se precisassem de ajuda. Chamariam?
— Localize Peter Parker — pediu em um tom de voz quase desesperado, quebrando o breve silêncio, seu coração querendo sair pela boca em ansiedade enquanto esperava pela resposta de A.R.I.A. Assim que a pergunta foi feita, a inteligência artificial fechou, de uma única vez, todas as imagens abertas anteriormente e, em seu lugar, abriu uma foto de Peter bem ao centro da projeção do holograma, atraindo a atenção dos quatro outra vez. Os dizeres em vermelho abaixo da foto reproduziam o que A.R.I.A. respondia em alto e bom som:
— Localização desconhecida.
sentiu seus olhos encherem de lágrimas por um segundo, seu corpo formigando em torpor. Eles tinham perdido? Peter estava ali, tinha entrado na nave, o que tinham feito com ele nesses minutos até a nave voltar a sair da Terra? Para onde tinham ido? Quem eram eles? O que queriam? Queriam o garoto? E o corpo que estava com a criatura branca, de quem era? O que caralhos estava acontecendo? As dezenas de perguntas que , Bucky, T’Challa e Okoye se faziam internamente, em silêncio, eram nítidas em seus olhares angustiados. Dezenas de perguntas e absolutamente nenhuma resposta. O silêncio do ambiente sendo quebrado apenas pelos tímidos miados de Alpine gritava a falta de compreensão do que tinha acabado de acontecer, as mentes que trabalhavam tão rápido que mal conseguiam formular palavras. A pergunta que nenhum deles queria realmente fazer em voz alta. Não deveriam mesmo interferir? E onde estava...
— Localize Tony Stark — pediu alto, engolindo em seco, com medo da resposta que viria a seguir, mas já esperando o pior dos cenários. Ao lado da imagem de Peter, instantaneamente abriu-se uma foto de Tony Stark, enquanto A.R.I.A. parecia processar o pedido de até, instantes depois, os mesmos dizeres em vermelho surgirem logo abaixo na foto dele, como na de Peter:
— Localização desconhecida.
Vinte minutos. Vinte minutos foi o tempo que demorou entre A.R.I.A. avisar sobre a chegada da nave e Tony Stark ser dado como desaparecido. Uma luta rápida, mas brutal, com criaturas desconhecidas, cujos propósitos nenhum dos quatro ali, naquele momento, sabia qual era. Vinte minutos em que foram da esperança de Tony resolver aquilo para o torpor de não fazer ideia do que viria a seguir, do que deveriam fazer. Uma vez mais, os quatro ficaram se entreolhando em silêncio, entorpecidos, apáticos, como se digerissem cada detalhe do que tinham acabado de presenciar. Esperando, em esperança, que a nave voltasse, que Tony e Peter reaparecem com ela. Bem, vivos. Para onde eles tinham ido? A mente de a levou de volta ao aeroporto de Berlim, quando encontrou Peter pela primeira vez. Apesar de lados opostos naquela situação, ele parecia gentil, uma boa pessoa. Tinha uma vida inteira pela frente, no que tinha se metido? O que fizeram com ele?
— Outra assinatura de calor nível 2 entrando em dez minutos na exosfera — A voz de A.R.I.A. cortou o silêncio novamente, como um alarme.
Por um momento, a sensação de alívio tomou conta dos quatro, imaginando que Tony e Peter tinham conseguido retornar à nave, estavam de volta. Em uma celebração tão silenciosa quanto a angústia que estavam sentindo segundos antes, os quatro permaneceram pensativos, ordenando o que estavam sentindo, esperando pelas imagens do momento glorioso em que Homem de Ferro e Homem Aranha tinham vencido mais uma batalha. Não tinham perdido aquela luta. Não havia mais com o que se preocupar.
— Reabra as imagens — pediu soltando o ar pela boca. Ao seu lado, bem próximo à ela, Bucky colocou seus próprios cabelos atrás da orelha, vendo T’Challa apoiar-se na mesa, seus olhares um pouco mais amenos, aguardando a confirmação visual de que tudo estava, uma vez mais, sob controle.
— Não é possível abrir imagens, objeto há 800 km do solo — Por mais veloz que fosse, a nave que estava em Nova Iorque não poderia estar já há 800 km de distância do solo e, muito menos, em retorno. Era fisicamente impossível. Nesse caso, só havia uma outra possibilidade. E não demorou mais do que dez segundos para eles pensarem nela.
— Outra nave? — T’Challa perguntou encarando , com a testa franzida. De braços cruzados ao lado dele, Okoye trocou um olhar confuso com Bucky. Os breves segundos de alívio voltando a ceder lugar para a aflição e o estresse.
— Geolocalizar coordenada de pouso previsto, ARI — pediu uma vez mais, vendo as fotos de Tony e Peter sumir de sua frente no mesmo segundo.
— 55.858, latitude — Ela respondeu eficientemente — Longitude: -4.259 55° 51′ 29″ norte e 4° 15′ 32″ oeste.
Enquanto A.R.I.A. dizia alto as coordenadas, na mesa, o holograma com um mapa mundi se abria prontamente. movimentou o mapa com alguns toques rápidos, programando-o em acordo com a localização dada por sua assistente. Bucky assistia aquilo com preocupação, vendo, número a número digitado por , a localização ficar cada vez mais afastada de Nova Iorque. A chance cada vez maior e mais nítida de ser uma segunda invasão, de ser outra nave, chegando em outro lugar. Mas foi um minuto depois, exatamente um minuto depois, assim que o ponto vermelho pulsante apareceu no mapa, que Bucky começou a ver seu mundo inteiro desmoronar. Ele só não sabia naquele momento que era a partir dali, daquilo, daquele instante, que absolutamente tudo começaria a mudar uma vez mais em sua vida. Que tudo começaria a piorar outra vez. E o sumiço de Tony Stark era só o começo do que estava por vir.
encarava o mapa com um misto de nervosismo, apreensão e preocupação. A confusão que sentia deu espaço a um desespero absurdo que a consumiu de uma única vez ao ver a Escócia como o próximo lugar previsto a ser invadido. A Escócia. Exatamente onde seus pais estavam naquele momento, exatamente onde eles não podiam estar. tinha que dar um jeito de tirar eles de lá, tinha que fazer alguma coisa. O Homem de Ferro e o Homem-Aranha, duas das maiores forças que o mundo conhecia, haviam enfrentado aquelas criaturas e haviam perdido, haviam desaparecido. Em vinte minutos. Quem quer que fossem essas criaturas, não estavam a fim de brincar, nem de perder tempo. Tinham um objetivo na Terra e pareciam dispostos a passar por cima de quem quer que fosse para conseguir atingi-lo. Diferente de Nova Iorque, protegida por uma dúzia das pessoas mais poderosas que conhecia, a Escócia não tinha em quem se apoiar. não contaria com a sorte, não poderia deixar seus pais lá, a mercê da eventualidade de outra pessoa os proteger. podia fazer isso, ela tinha que fazer isso.
Incerta, a mente de repassava todas as acusações e processos jurídicos abertos sobre ela, toda pressão que sofria há dois anos por não ter assinado o Tratado de Sokovia, por ter que ficar presa, escondida em Wakanda, por ter escolhido o lado de Steve na luta, por ter escolhido Bucky. Bucky. Sentindo seu corpo formigar, ela o olhou nervosa, as mãos suando, os olhos ligeiramente arregalados enquanto sua respiração ficava cada vez mais pesada, sem fôlego. Se ela saísse do país, se fosse atrás de seus pais, teria que deixar Bucky para trás, sem ter a certeza, a garantia, de que conseguiria voltar. Podia desaparecer como Tony e Peter. Podia ser morta. Podia ser presa. Mas não podia, em hipótese alguma, perder seus pais. E Bucky sabia disso, jamais ficaria entre ela e a única parte que restou de sua família. Jamais seria a escolha que teria que fazer naquele momento, embora, pelos olhos aflitos e confusos dela, ele pudesse vê-la ponderar.
Ele sabia, ainda, que não poderia ir junto com ela. Chamaria ainda mais atenção, seria muito mais arriscado. Bucky ainda era o assassino mais procurado por dezenas de governos mundo afora, tinha o benefício da discrição a seu favor e, sem o braço de vibranium, ele não sabia se poderia, de fato, ser muito útil. Estava preparada para lutar, para se defender, e tinha toda a natureza e seu poder em suas mãos. Ela podia fazer aquilo sozinha. Por segurança e por certeza, pelo mínimo de garantias que podiam se dar o luxo de ter, Bucky tinha que ficar. Protegiria mais e seus pais ficando em Wakanda, sem chamar atenção para eles, sem trazer exércitos e seus arsenais, sem criar uma guerra paralela a que já parecia se formar ali. poderia ir à Escócia, tirar seus pais de lá e voltar. Menos de um dia. No máximo um dia. Algumas horas eram suficientes para aquilo. Daria certo se todos eles ali, dos bastidores, também trabalhassem para aquilo.
Sem dizer nada, Bucky apenas concordou brevemente com a cabeça, encarando de volta. Podia ver os olhos dela marejados, a preocupação em algo ruim acontecer com seus pais transparecendo em cada pedaço de seu corpo. Aflição, tensão, apreensão, ansiedade. Apesar de controlada, Bucky sabia que, por dentro, emocionalmente, estava começando a reviver o caos. Nesse meio tempo, assistindo e Bucky discutirem em silêncio, apenas com o olhar, questões tão claras que mal precisavam ser ditas, Okoye e T’Challa refletiam a situação com pragmatismo, em sussurros quase inaudíveis. A regra clara de se envolver apenas quando algum deles fosse solicitado, tivesse parte na guerra ou caso o conflito viesse até eles pulsando em suas mentes. tinha acabado de ser envolvida naquilo, sua família estava em perigo. Bastava decidirem ali, rápido, se Wakanda daria todo o suporte que ela precisaria para chegar até eles e voltar para o país. Para T’Challa e Okoye, contudo, se tratando de , aquela decisão já estava mais do que tomada.
— A.R.I.A., calcule a previsão de pouso da nave — T’Challa pediu sério, atraindo para si o olhar de . Bucky deu alguns passos até parar atrás dela, deixando um beijo no topo de sua cabeça, atrás, esperando ansioso pela resposta.
— Pouso previsto para acontecer em 10 horas.
Tempo hábil e ideal. Saindo em poucos minutos, chegaria na Escócia durante a madrugada, irrastreável, discreta. O Rei olhou para Okoye, que assentiu uma única vez com a cabeça, entendendo exatamente o que ele queria dizer e o que viria a seguir. Algumas novas imagens de noticiários internacionais começaram a ser abertas na mesa, denunciando a preocupação em não ter sinal algum do glorioso Tony Stark. Sem que nada mais precisasse ser discutido, T’Challa voltou seu olhar sério até e resumiu-se em dizer:
— Vai.
***
— Tem certeza disso? — Bucky perguntou receoso.
Quebrando o abraço dele, mas mantendo-se a menos de um passo de distância, de frente para ele, deixou um beijo leve em seus lábios e tentou sorrir com o máximo de confiança que conseguia passar naquele momento. Da decisão de T’Challa até estar ali, diante da entrada do avião que a levaria até a Escócia, só teve tempo de pegar a tornozeleira que Shuri havia feito para ela e vesti-la, seu traje novo abrindo-se e tomando seu corpo em instantes, enquanto Bucky a assistia caminhar ao seu lado pelos corredores do palácio. Não tinham muito o que dizer um para o outro, a situação era aquela, estava dada, e não havia muito o que fazer. Bucky estava bastante preocupado com tudo que poderia acontecer e ligeiramente angustiado de ter que ficar longe de depois de dois anos vivendo um sonho. Mas ele sabia, como ela sabia, que foram dois anos perfeitos mas atípicos. Sendo quem eram, demorou mais do que esperavam para aquela vida de guerras e conflitos voltar a ser a realidade. Tinham consciência de quem eram, da vida que tinham e das responsabilidades envolvidas nela.
— Meus pais estão lá, Buck — respondeu baixo, suas mãos segurando o rosto dele com carinho, o braço humano de Bucky em sua cintura — Você viu o que eles fizeram com Tony, não vai ser diferente agora, precisamos entender o que está em jogo.
— Você sabe que pode só tirar seus pais de lá, não precisa enfrentar essas coisas — Ele rebateu sereno e preocupado.
Já tinham levantado aquela possibilidade há pouco, mas não fazia sentido, ele sabia. Não era apenas Karl e Everett que corriam perigo, um novo país inteiro estava prestes a ser invadido e só eles quatro ali sabiam o que estava prestes a acontecer. O avião que viajaria estava programado para seguir as coordenadas de pouso previsto da próxima nave e depois seguir até o norte, até o ponto que seria combinado com Karl e Everett. Com isso, ela cruzaria o caminho dos invasores, tentaria entender a situação, quem eram e o que queria, e, com mais respostas do que perguntas dessa vez, eles esperavam, ela poderia acionar mais forças competentes para enfrentar o problema e seguir até seus pais. Esse era o plano. Interceptar, encontrar as criaturas, entender o que queriam e o que tinham feito com Stark e o garoto, tirar seus pais de lá e ir embora. Não seria simples como o planejado, mas não esperava que terminasse como terminou para Peter e Tony.
Okoye faria contato com Karl e Everett para alertá-los do que estava acontecendo e pediria, por sugestão de , que fossem o mais para o norte possível do país, longe de onde o pouso da próxima nave estava previsto. Enquanto isso, T’Challa seguiria monitorando a invasão com A.R.I.A., pronto para interferir alertando as autoridades de segurança da Escócia e, caso a situação se apertasse, ir pessoalmente até lá. Deixaria os contatos de Rhodes, Visão e Natasha prontos e aviões à disposição. Bucky, por sua vez, acompanharia a viagem de remotamente. Não podia deixar que nada desse errado, cruzaria dezenas de espaços aéreos diferentes, não podia ser interceptada, rastreada nem encontrada. Ele estaria de olho nisso, com ajuda de Ayo e de toda a tecnologia de Wakanda, e informaria sobre tudo que ela precisasse saber para ir e voltar em segurança.
— E como eu poderia? Tem algo grande acontecendo, tem outras pessoas em perigo, eu sei e eu posso fazer algo para ajudar — passou a mão em cima do “A” no braço direito de seu traje, tirando de Bucky um sorriso estranho, de orgulho e de tristeza — Esse é o preço de se carregar essa letra. Foi para isso que Steve me deu ela.
— Tem certeza de que não quer avisar Steve? — Bucky perguntou uma vez mais, seus olhos sem deixar o rosto de nem por um segundo.
— Ainda não. Não vou colocar ele e Sam em risco sem antes entender o que exatamente está acontecendo — suspirou. Bucky não estava muito feliz com aquela decisão, embora entendesse o ponto de vista dela. Achava melhor já deixar Steve em alerta, por perto, mesmo que não interferisse diretamente.
— T'Challa pode ir com você — A voz de Okoye cortou o ambiente, aproximando-se do casal que se afastou levemente.
— Se ele for abduzido, quem governa esse país? — perguntou curiosa, encarando Okoye de volta que, já perto o suficiente deles, entregou-a um ponto eletrônico.
— Shuri? — Okoye respondeu receosa, fazendo Bucky soltar uma risada abafada e cínica.
— Tenho mais medo disso do que dos alienígenas — brincou, os olhos arregalados exageradamente enquanto colocava em seu ouvido direito o ponto eletrônico.
— Tenha cuidado, entenda o que eles querem, garanta que seus pais estão seguros e volte — A voz de T’Challa pode ser ouvida pelo ponto, tão alta que mesmo Okoye e Bucky puderem ouvir.
— Volte — Bucky reforçou, segurando o rosto dela com a mão, a expressão ainda mais preocupada e triste do que antes — Por favor, volte.
— E você fique aqui — Ela sorriu serena — Temos um braço para arrumar e, se me lembro bem, você me deve um almoço de desculpas por me culpar pelo curto-circuito — brincou manhosa, tirando dele um sorriso fraco, enquanto deixava-se ser puxada para um abraço breve e apertado.
— Te levo no Boko, é uma promessa — Bucky sussurrou no ouvido dela — E depois podemos ficar o resto da semana trancados no quarto, para compensar todo esse estresse.
— Eu ainda estou aqui, Sargento Barnes — Okoye disse séria, encarando com desdém o casal rir fraco, enquanto trocava um beijo rápido de despedida e T’Challa resmungava no ponto eletrônico.
deixou o país às 15h, na aeronave mais tecnológica e veloz que Wakanda poderia oferecer. Irrastreável, com placas de camuflagem que a impediam de ser vista ao olho nu, a aeronave estava prevista para chegar na Escócia em seis horas e quarenta e sete minutos. Exatamente dezessete minutos depois da previsão de chegada da nave. chegaria até lá sem interferências, mas não sabia exatamente o que aconteceria depois disso. A rota calculada, a ser percorrida em piloto automático e remoto, a partir de Ayo, em Wakanda, deveria cruzar propositalmente a rota de pouso da nave espacial. Karl e Everett estavam já indo para o extremo norte do país e podia acompanhar a viagem deles em um rastreador no painel da aeronave.
Na impossibilidade de prever o que aconteceria e sendo o ideal combater o problema pela própria raiz, tentava criar alguma estratégia de luta, antecipando tudo que poderia dar errado naquela missão. Do ponto eletrônico Bucky conversava com ela ao longo da viagem, a ajudava a se manter calma, focada e a pensar em meios eficientes de resolver aquela situação o mais rápido possível. Contudo, a falta de compreensão sobre o que estava acontecendo e o que estava prestes a enfrentar tornava tudo ainda mais difícil, confuso e torturante. A ansiedade consumia a cada segundo que passava naquele avião, a cada quilômetro mais perto do incerto.
De Wakanda, Bucky estava confiante na capacidade de de lutar e de se proteger. Contudo não esperava que fosse ser algo tão pacífico quanto T'Challa e Okoye a orientavam. Eles viram o que fizeram em Nova Iorque horas antes, assistiram a surra que Tony Stark levou, viram ele desaparecer. Qual era a chance real de conseguir resolver aquilo sozinha? Bucky estava horas conversando com ela pelo ponto eletrônico, a conhecia bem o suficiente para saber que, embora fosse corajosa como ninguém, precisaria de ajuda. Absurdamente ansioso, Bucky não podia ficar sentado, esperando que sozinha resolvesse uma situação que ela sequer estava entendendo direito. Desesperado, três horas depois que saiu de Wakanda, Bucky se pegou fuçando todas as gavetas do quarto dela até encontrar o celular de flip que Steve a deu, para casos de emergência.
Sentada na poltrona do piloto da aeronave, com a cabeça no encosto e os olhos fechados, sentia o cansaço e o sono bater fortes. A sexta hora da longa viagem já estava marcada no relógio sob o painel de controle, enquanto a mente dela trabalhava em uma velocidade absurda. Toda a tensão daquele dia e a ansiedade do que estava por vir desciam pelo corpo de como uma bomba, ela precisava descansar e seu corpo pedia por isso, mas não podia. Não naquele momento. Bucky manteve-se ativo e audível a viagem toda, fazendo companhia para , mas, por um instante, tinha se ausentado para ir buscar algo para comer. Comida. Com meia dúzia de barras de cereais que encontrou em um dos compartimentos do avião, passou o dia sem comer direito. Na falta de plantas no ar e dentro do avião, não podia fazer frutas com a fitocinese e a caçada por qualquer que fosse a comida terminou junto com a última barrinha de cereal encontrada.
— Ainda está aí, boneca? — abriu os olhos em um estalo, assim que a voz de Bucky voltou a sair de seu comunicador.
— Sim, Sargento, na escuta — Ela sorriu cansada, ouvindo Bucky soltar uma risada fraca.
— Estamos iniciando a descida, prepare-se — Ele comentou brevemente, ao exato mesmo momento em que a diferença de pressão podia ser sentida por . Ela respirou fundo por um instante.
— Quanto tempo até o solo? — perguntou séria dessa vez, levantando-se e dando uma rápida olhada no painel de controle à sua frente. O radar que mapeava a viagem de seus pais já tinha parado o monitoramento há horas, indicando que eles estavam em posição, bem longe dali. Agora era com ela. Estava na hora.
— Seis minutos — Okoye respondeu tensa. Podia imaginar como estava se sentindo naquele momento porque ela mesma, mesmo longe, estava nervosa.
De Wakanda, Bucky, Okoye, Ayo e T’Challa trocaram um olhar impaciente. Estavam há horas concentrados no laboratório de Shuri, acompanhando a pilotagem remota do avião em que estava e monitorando toda e qualquer informação que pudesse ser útil para ela. Mesmo tendo certo tempo para alinharem as estratégias e pensarem em minimizar todos os possíveis riscos, estar ali, diante da ação, era diferente. E ver as imagens de outra nave tão grande e imponente quanto a que esteve em Nova Iorque horas atrás era, no mínimo, assustador. Como mais cedo, A.R.I.A. projetava imagens de câmeras de segurança que podia hackear e as abria diante dos quatro, analisando o que podia analisar, mas, ainda assim, não encontrando as respostas que eles precisavam. Desviando o olhar de T’Challa de volta para as projeções a sua frente, Bucky levantou-se da cadeira em que estava sentado e passou a mão pelo rosto. tinha que voltar, ela tinha que conseguir.
— Algum sinal do que estamos procurando? — perguntou tensa, dando uma breve olhada ao redor, já posicionada ao meio da aeronave, de onde sabia que teria que saltar em breve.
— Olhe pela janela, a esquerda — T’Challa respondeu brevemente, assim como Bucky, levantando-se e aproximando-se das telas com as imagens.
chegou a curvar-se em direção a janela sugerida por T’Challa, contudo, antes mesmo que pudesse localizar a nave, algo que ela não soube identificar naquele momento atingiu uma das turbinas e um dos estabilizadores horizontais da aeronave, liberando um alerta instantâneo de queda, com comando de despressurização e apagando todas as luzes interiores. sentiu o tranco, segurando-se em uma poltrona para não cair e, imediatamente, olhou para o painel de controle, emitindo tantos sinais diferentes que ela não conseguia identificar.
— ? — Bucky a chamou nervoso, indo a passos rápidos para mais perto do piloto remoto, onde Ayo estava, vendo todas as telas a sua frente piscarem com alertas em vermelho, indicando todas as dezenas de problemas que tinham.
— O que está acontecendo? — T’Challa parecia igualmente aflito, aproximando-se dele.
— Ela está caindo — Ayo respondeu enquanto tentava desesperadamente reverter a situação.
— Acho que encontrei o sinal — brincou inquieta, tentando pensar rapidamente no que deveria fazer. Pela velocidade que estava perdendo altitude, não demoraria mais do que um ou dois minutos para atingir o solo. Tinha que sair dali. Rápido.
— Você está bem? — Bucky perguntou uma vez mais.
— Vou ficar — Ela respondeu puxando a trava de segurança da porta que, no mesmo segundo abriu-se diante dela — Levem o avião para o mais longe daqui, ele não pode cair agora, têm muitas casas na região, pessoas vão ser atingidas.
— Protocolo de segurança emergencial B-45 ativado — Ayo avisou pelo comunicador. tinha sido treinada para momentos de emergência, ela certamente se lembraria do que aquele comando faria.
— Iniciando desmembramento — A.R.I.A. avisou.
Bucky levou alguns segundos, em choque, para entender o que exatamente estava acontecendo, encarando a imagem de um desenho da estrutura do avião quebrar-se em centenas de milhares de partes tão pequenas que mal poderiam ser vistas, mostrando o que aconteceria com a aeronave que estava em menos de trinta segundos. Na Escócia, enquanto o avião caia, só teve mais alguns breves instantes para pensar no que exatamente deveria fazer para sair dali e na falta de planos para aquilo, ela respirou fundo e correu em direção a porta, jogando-se para fora do avião de uma vez por todas. Todos os sinais do painel de controle tinham sido desligados e o avião, que caía em uma velocidade impressionante, começou, finalmente, a se desmantelar no ar. Não haveria qualquer resquício de que ali tinha acontecido um acidente aéreo, o que era ideal para que não descobrisse sobre . O único problema, contudo, que já consumia Bucky mentalmente era como faria para seguir viagem até seus pais, ao norte do país, e, principalmente, como voltaria para casa depois disso. A cada segundo a quantidade de problemas parecia aumentar dramaticamente e Bucky não estava gostando nada de como as coisas estavam se encaminhando.
A queda livre de não durou mais do que cinco segundos. O frio do lugar cortava seu rosto impiedosamente quando deu uma cambalhota para frente poucos metros antes de atingir o solo e parou agachada, seus joelhos no chão e uma mão à sua frente, para se estabilizar. O traje novo que vestia abafava o som das fibras de vibranium em contato com qualquer superfície, a mantendo discreta e silenciosa. colocou-se em pé, dando uma rápida olhada no local em que tinha caído, tentando entender o perímetro em que estava antes de, oficialmente, ir atrás de quem quer que fosse que estava procurando. Parecia estar em uma estação de trem, em pleno funcionamento a tirar pela boa iluminação acesa do local e pelos painéis com os horários dos trens da manhã seguinte piscando no alto. O que chamou atenção de , contudo, foi o fato de ter caído em um lugar fechado, sem ter quebrado nada. Contudo, bastou uma breve olhada para cima para que ela entendesse que tinha passado pelo telhado de vidro já quebrado da estação. Ela não estava sozinha ali. O silêncio estranho demais para uma invasão extraterrestre foi logo cortado pela voz de Bucky no ponto eletrônico, chamando por ela preocupado e perguntando se estava bem.
— Estou bem, no solo, em uma estação de trem, eu acho — sussurrou de volta, dando alguns passos, escondida e em alerta, mais para o centro da estação.
— Há sete assinaturas de calor por perto, atenção — Okoye avisou-a baixo, vendo pelo painel de monitoramento à sua frente, que geolocalizava como um ponto em um mapa.
A frente dela, no mapa, havia sete outros pontos, o que indicava, definitivamente, que ela não estava sozinha. Só não esperavam que fossem tantas pessoas assim. estava esperando e se preparando para encontrar dois ou três, como viram acontecer nos Estados Unidos. Ao lado de Okoye, Bucky sentiu seu coração parar de bater em um minuto. daria conta de sete criaturas?
— Devemos desligar o comunicador — T’Challa informou reflexivo — Perdemos o interceptador de chamadas junto com a aeronave, não é seguro, estamos expostos, não sabemos se estão nos rastreando ou não.
— De acordo — ateve-se em dizer, atenta a qualquer movimento a seu redor. O vento balançava alguns jornais, a apreensão sobrecarregando o ambiente.
— Tome cuidado, por favor — Bucky pediu baixo, transbordando medo e um certo sofrimento em sua voz. Estar às cegas, sem ver nem ouvir seria angustiante.
não teve tempo de responder mais nada, o sinal do ponto eletrônico em sua orelha direita apitou baixo duas vezes, sinalizando a desconexão. Respirando fundo, seu coração acelerado, ela seguiu caminhando cuidadosamente pelo local até ouvir uma voz não tão desconhecida assim no ambiente, perto de si, mais a frente. Estranhando aquilo, por instinto, ela parou logo atrás de uma banca de jornais, como um quiosque, bem ao centro da estação de trem. As luzes claras do lugar não ajudavam muito na camuflagem, teria que tomar cuidado com qualquer que fosse o movimento ao seu redor.
— Venha, vamos, você tem que se levantar — A voz baixa e feminina parecia desesperada — Tem que se levantar. Temos que ir.
— Por favor, vá embora — Uma segunda voz, mais mecânica e masculina, porém igualmente baixa pode ser ouvida. De onde estava, escondida atrás de uma banca de jornais da estação, não podia exatamente ver quem eram e o que estava acontecendo, mas temeu, por um instante, que aquelas pessoas estivessem sendo atacadas, pareciam fugir, pareciam vulneráveis.
— Você me pediu para ficar — A mulher respondeu em um sussurro — Vou ficar.
— Por favor — O homem insistiu.
Mas não deu tempo sequer dos dois continuarem aquela conversa ou mesmo de entender o que acontecia ali, porque uma terceira pessoa caiu do céu, repentinamente, quebrando uma outra parte do telhado de vidro da estação. No exato segundo seguinte, uma quarta pessoa caiu, da mesma força, poucos metros de onde estava, à sua frente, aparentemente diante de onde o casal que ela podia ouvir estava. sentiu seu corpo pulsar, a adrenalina tomando conta de si como poucas vezes sentiu em sua vida. Seu coração batia tão forte que era quase audível. Não havia tempo a perder, estava diante da exata situação que passou as últimas seis horas pensando em lidar e tinham pessoas ali que precisavam de sua ajuda.
saiu de trás da banca de jornais em que estava escondida no exato mesmo segundo em que Wanda, a mulher que ela pode ouvir há pouco, colocou-se de pé, as mãos tomadas pelo campo energético vermelho que ela controlava. O que Wanda estava fazendo ali? Na frente de , de costas para ela, duas criaturas grandes e desconhecidas, como as que ela viu invadir Nova Iorque mais cedo, davam passos ferozes em direção a Wanda, a encarando. O rosto da mulher na defensiva tinha um corte aberto, ensanguentado, que fez pensar a quanto tempo ela estava lutando contra aquilo sozinha. Uma das criaturas parecia mais humana, como uma mulher, e a outra mais animalesca. Estavam tão concentradas em Wanda que mal puderem perceber a presença de atrás delas. Visão, jogado ao chão, encostado em uma grade atrás de Wanda, encarou com um misto de alívio e agradecimento no olhar. Parecia machucado, não conseguia se mover e, pela posição de Wanda, alguns passos à frente dele, certamente o estava protegendo. A situação pareceu clara por um instante. Eles queriam Visão. só não sabia dizer, ainda, o por quê. Tony, Peter, Wanda, Visão, o que eles queriam, afinal?
Mas ela não teve tempo de pensar naquilo, porque no instante seguinte em que saiu de trás da banca de jornais, e que Wanda colocou-se em pé, encarando às criaturas a sua frente e, discretamente, a chegada de atrás delas, um trem passou no trilho atrás da grade onde Visão estava encostado. A estranheza do movimento repentino foi tamanho que, uma das criaturas, que parecia mais feminina, desviou sua atenção de Wanda até o trem, suspeita. Como se toda a preliminar da luta que estava prestes a começar ali tivesse parado por um momento, Wanda olhou tensa por cima de seu ombro, para trás, esperando que o trem passasse de uma vez por todas. De onde estava, contudo, era possível ver, pelos vãos entre um vagão e outro, que uma nova figura tinha acabado de aparecer ali. Pela postura da criatura a sua frente, contudo, pode notar que não estava do lado deles. Com a testa franzida e os olhos confusos, bastou o trem passar de uma vez por todas para deixar um sorriso confiante abrir em seus lábios, encarando o contorno do homem que aparecia. Bucky tinha feito sua jogada.
Claramente descontente, a criatura não perdeu tempo em atirar a lança que segurava, cujas pontas tinham algum tipo de fonte energética azul, em direção ao homem que surgiu do outro lado da plataforma, nas sombras, atrás de onde o trem havia acabado de passar. Com firmeza, o homem segurou a lança no ar, sem sequer se dar ao trabalho de se esforçar, dando alguns passos para frente, em seguida. Sua expressão era séria, intimidadora, mas seus olhos caíram em com cumplicidade e certa confusão. A criatura o encarou duvidosamente, certamente não estava esperando por aquilo. Visão virou-se levemente de lado para encarar o que acontecia e Wanda deixou um sorriso discreto sair de seus lábios, entendo o que acontecia ali. Tinha e tinha Steve agora. Visão estaria protegido. O que ela não considerou é que os dois não estavam sozinhos.
Sam surgiu de algum lugar que nenhum deles pode exatamente ver, voando em direção às criaturas, e metendo os dois pés em uma delas, na que parecia como um animal, que rapidamente conseguiu agachar e desviar. Pela distração, a outra criatura não conseguiu ver a chegada de Sam a tempo e foi atingida em cheio por ele, sendo arremessada com brutalidade para longe dali, mais ao lado, estraçalhando as vitrines de uma das lojas de conveniência da estação. Sam deu a volta no ar e programou o equipamento de seu pulso, soltando quatro minis mísseis em direção ao outro oponente que, ágil, preciso e furioso, desviava os mísseis com sua lança. Aproveitando a distração da criatura, correu em direção a ela, a vendo virar-se de frente para Steve que, em um movimento rápido e assertivo, atirou a lança que segurava em direção a criatura, passando por ela propositalmente e sendo pega, no ar, por . A criatura virou-se de costas para ver o que acontecia, sendo recebida por um golpe nas pernas de , com a lança, que deslizou de joelhos no chão até o outro lado e colocou-se agilmente em pé, parando no ar com a lança que empunhava, perto de seu rosto, a ponta de lança que a criatura tentava acertar nela.
A criatura virou a lança em um segundo no ar, tentando acertar na lateral do corpo, que, rapidamente, conseguiu se proteger com a lança que segurava, pegando impulso naquele movimento e dando um chute forte nas pernas do adversário, o fazendo cambalear para trás e afastar-se dela. A criatura, bizarra, grunhia com fúria encarando de frente, como se a quisesse matar a qualquer custo. Com passos firmes em direção à ela, a criatura rodopiou sua lança em mãos, sem tirar os olhos de nem por um instante. , contudo, viu uma nova movimentação acontecer de frente para ela, correndo em direção às costas da criatura. Com um sorriso irônico para a criatura que já se aproximava, atirou a lança que segurava, uma vez mais, em direção a pessoa que vinha correndo atrás da criatura e, do mesmo modo que instantes antes, Natasha a segurou no ar. De cabelo loiro e curto, muito diferente da última vez em que a viu, só conseguiu reconhecer ela assim que estava já perto o suficiente, atingindo a criatura com a lança. seguiu desestabilizando a criatura, lutando com seu próprio corpo, até Natasha acabar com aquilo de uma vez por todas, enfiando a lança no peito da criatura com agilidade e força.
Com grito alto de dor, a criatura encarou Nat nos olhos. Sem remorso algum, ela puxou a lança de dentro dele com força, dando uma cambalhota com o corpo para frente e soltando a lança no ar para que a pegasse uma vez mais. Em perfeita sincronia, pegou a lança e enfiou a ponta dela novamente na criatura, em seu abdômen dessa vez. Apoiando-se na lança fixada no corpo da criatura, ela tomou impulso no ar e passou a perna direita por cima da lança, atingindo o rosto do adversário com o pé esquerdo, enquanto tirava a lança dele, em um movimento rápido e forte, parando em pé novamente de frente para a criatura caída. posicionou-se ao lado de Natasha, direcionando a lança de frente para a criatura que já parecia sem forças o suficiente para enfrentar as duas. Contudo, sem saber que aquilo era possível, a lança foi puxada brutalmente da mão de , atraindo a atenção dela e de Natasha para trás de onde estavam.
A dona da lança, a criatura mais humana, vinha em direção à elas furiosa, irritada, mas antes mesmo que pudesse atingi-las, Steve apareceu perto, empunhando a lança da criatura que estava caída, protegendo-as, segurando o golpe da adversária. Ele a golpeou com a lança, a afastando brevemente de si, dando tempo e espaço suficientes para e Natasha conseguirem se juntar à ele. Nat tinham dois bastões, um em cada mão, acoplados em seu traje, o que a ajudava a se proteger das tentativas de ser atingida por uma das lanças, enquanto tentava tirar a criatura de perto dela e de Steve na força mesmo, o vibranium de seu traje e algumas raízes saindo e voltando do solo, rápidas, segurando os golpes que recebia. Os três lutaram em uma sincronia quase ensaiada, mas foi Sam, vindo do ar e dando um giro preciso que conseguiu atingir a criatura em cheio, com os pés, afastando-a para o canto, sem a lança. Acuada, ela ajoelhou-se e engatinhou até perto de seu parceiro que, machucado, encarou Steve, Sam, e Natasha se colocarem de frente para eles, em pé. Sam sacou suas armas e apontou em direção aos adversários, sem tempo a perder para agir novamente, caso necessário.
— Levante-se — A criatura mais humana pediu, colocando sua mão no peito do parceiro. Só naquele momento realmente reparou nas feições estranhas que tinham. Usavam roupas de combate, suas peles pareciam resistentes, tinham orelhas como chifres, nada que ela já tivesse visto ou enfrentado na vida.
— Não consigo — A outra criatura murmurou, encarando sua parceira.
— Quem são vocês e o que querem aqui? — perguntou séria, encarando-os à sua frente. Estavam relativamente desesperados, tentando acudir-se, salvar-se.
— Nós não queremos matá-los, mas mataremos — Natasha os alertou, no mesmo tom de voz imponente e sério de , atraindo atenção dos dois. Sam pensou por um instante que, se fosse ele naquela situação, encarando e Natasha juntas, ele já teria entregado todos os pontos.
— Nunca mais terão outra oportunidade — A criatura mais humana respondeu encarando diretamente Natasha e, meio segundo depois, curvou-se em cima do corpo de seu amigo machucado, deixando-se ser puxada, junto com ele, por uma fonte repentina de luz azul, parecida com aquela que viu puxar Peter.
Sem esperar por aquilo, , Sam, Steve e Natasha encaravam a abdução acontecer atônitos. Tudo tão rápido que mal conseguiram processar direito o que estava acontecendo. A fonte de energia, como um portal, ficou aberta por não mais do que dez segundos, puxando consigo a lança que Steve segurava e desaparecendo em seguida. deu um passo mais à frente, ao mesmo tempo em que Sam, encarando o buraco no teto da estação, por onde se pode ver a nave, no mesmo formato gigantesco e anelar do que a que viu em Nova Iorque ir embora. Tão rápido como da outra vez. Igualmente sem sentido. tinha falhado na missão de entender quem eram e o que queriam, tinha falhado em descobrir o que tinham feito com Tony e Peter. Mas parte dela, contudo, pareceu aliviada ao se dar conta de que, diferente da outra vez, naquela, eles tinham vencido.
abaixou seu olhar até o homem à sua frente, que retribuiu no mesmo instante, guardando as armas que segurava de volta nos coldres de seu uniforme. O sorriso contido aparecendo nos lábios de Sam em resposta ao olhar carinhoso, carregado de saudades, de . Toda a adrenalina da ação os tinha impedido de parar por um instante e raciocinar a outra parte do que estava acontecendo ali, fora a invasão. Steve e Sam estavam há um ano sem fazer qualquer tipo de contato com . Aquele era o primeiro momento, em dois anos, que estavam se vendo novamente. E o primeiro momento, em um ano, que poderiam, finalmente, se falar. A certeza de que estavam bem recaindo sobre eles três trouxe um misto de alegria e saudosismo silenciosos, a emoção do reencontro que queriam viver, embora não naquele lugar e nem daquele jeito.
Soltando uma risada baixa, como se entendesse o que o olhar feliz de estivesse dizendo, Sam abriu os braços para ela. não demorou nem um segundo para correr até ele se jogar ali, o apertando com força. O cheiro do perfume fresco e fumado dele, tomando conta com alegria, toda a preocupação e saudade que sentia de um dos melhores amigos que fez na vida cedendo lugar a uma tranquilidade que só podia vir dele. Natasha e Steve sorriam diante da cena, com emoção e discrição. Sabiam o quanto Sam sentia falta dela. Sabiam o que aquele momento significava para ele.
— A gente precisa parar de se encontrar nesse tipo de situação — Sam comentou brincalhão, tirando de uma risada abafada, enquanto ela se afastava levemente dele.
— Está ficando cada vez mais bizarro — Ela respondeu pensativa, lembrando-se de Lagos, a última situação em que se encontraram daquela forma, e bem mais normal do que essa.
— Sorte que Bucky nos ligou a tempo — Steve comentou aproximando-se dela, dando-lhe um abraço caloroso e um tanto demorado, carinhosamente retribuído por . Só Bast sabia o quanto ela sentia falta deles dois e o quanto estava feliz por vê-los ali, bem.
— Gostei do novo visual — encarou Steve assim que se separaram do abraço.
— Pareço diferente? — Ele riu envergonhado, passando a mão pelo cabelo mais comprido. A barba mais cheia, maior, dava um ar diferente, ainda mais charmoso, para ele. O traje de Capitão América havia mudado, estava mais escuro, mais sério, maduro e sóbrio.
— Parece mais gostoso — respondeu dando de ombros, propositalmente para constranger o amigo que riu tímido e negou com a cabeça. Tinha saudades de . Muitas.
— Eu disse — Natasha comentou olhando de Steve, envergonhado, para , abraçando-a brevemente em seguida, ainda segurando suas barras em mãos.
— Eu também — Sam encarou o amigo, cruzando os braços.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou curiosa, afastando-se de Nat e a segurando pelos braços, estranhando a presença dela ali. A mudança de visual já dava indícios de que ela havia mudado de lado na separação, mas queria ter certeza daquilo antes de seguir em frente.
— Eu repensei a minha escolha — Ela sorriu sem mostrar os dentes, encarando a mulher à sua frente sorrir de volta.
— Na verdade, a vida nômade seduziu ela — Sam brincou, fazendo Natasha revirar os olhos.
— É bom ver vocês de novo — comentou sincera, dando um passo mais atrás, olhando os três ao seu redor, à sua frente.
— Nós também achamos — A voz de Wanda chamou atenção dos quatro, os trazendo de volta a realidade de um segundo a outro.
Parada no exato mesmo lugar que antes, ela estava agachada ao lado de Visão, tentando fazê-lo se sentir minimamente melhor. A tirar pela preocupação, pela conversa que ouviu deles mais cedo e por estarem a sós ali, na Escócia, entendeu que a teoria de Steve estava certa e acontecendo. Wanda e Visão estavam juntos, por isso ele não estava com Stark nos Estados Unidos, por isso, talvez, assim como Natasha, tinha mudado de lado no jogo. E por isso que Wanda deixou de ser citada por Sam e Steve nas últimas chamadas que eles fizeram com . Era um pelo outro, eram só os dois. deu um sorriso triste para Wanda, pensando em como estaria se sentindo se estivesse no lugar dela, se jogado ali no chão fosse Bucky.
Visão ainda estava encostado na grade antes da plataforma de trens, parecia muito debilitado. Os quatro encararam o casal por apenas um segundo antes de irem até eles, pensando no que tinha acabado de acontecer. Por que queriam Wanda e Visão? Por que estavam atrás deles? O que tinha acontecido antes de eles chegarem ali? Havia de fato uma explicação? Natasha encaixou as barras que segurava de volta nas costas de seu traje, alguns passos de chegar realmente perto de Wanda e Visão, enquanto e Steve vinham ao seu lado, firmes e preocupados.
— Consegue se levantar? — Sam, proativo, deu alguns passos mais à frente, agachando-se do outro lado de Visão, ajudando Wanda a levantá-lo. Visão conseguiu se colocar em pé, sendo escorado por Sam e Wanda, um de cada lado, como se o abraçasse. Ele trocou um olhar sério, um tanto assustado, com Steve, que parecia tenso na presença dele ali.
— Obrigado, Capitão — Visão agradeceu baixo, vendo Steve o encarar nos olhos e respirar profundamente. Natasha ainda parecia desconfiada que algo mais pudesse acontecer, não abaixaria a guarda tão facilmente. Ela olhou para trás por um instante, para ter certeza de que estavam sozinhos.
— Não é a mim que você deve agradecer — Steve desviou seu olhar até , sendo seguido por Visão e Wanda, que a encararam por um momento, em um agradecimento silencioso e sincero que tirou dela um discreto sorriso enquanto assentia com a cabeça — Vamos levá-lo para o jato.
— E ? Para onde vai? — Sam perguntou com a expressão preocupada, vendo a amiga respirar fundo. Ela não tinha pensado naquilo ainda, tinha que tentar se comunicar novamente com Bucky, pedir ajuda para sair dali.
— Não pode vir com a gente? — Wanda perguntou preocupada — De todos aqui, você é a única que entende sobre vibranium, como vamos consertar o Vis?
Ela tinha um ponto. Um ponto fundamental e muito coerente para fazer ficar, para os planos, uma vez mais, serem mudados de última hora. não conseguia entender como puderam danificar o funcionamento de Visão daquela forma. Havia vibranium no corpo dele, o metal mais resistente já encontrado na Terra fibrilado em uma tecnologia absurdamente avançada. Não era para aquilo ter acontecido. E todos eles sabiam disso. deu uma rápida olhada pelo corpo de Visão, o mal funcionamento das ligações a lembrando do curto que o braço de Bucky teve naquele mesmo dia, mais cedo. Algo que ela não pode resolver e que dependia de Shuri. Algo que Wanda não podia resolver e que dependia dela para isso.
— Meu jato foi atingido, preciso de uma carona para casa de qualquer forma, posso ver o que consigo fazer, no caminho — Ela respondeu preocupada, olhando Wanda de volta.
— O que aconteceu aqui, irá acontecer novamente — Visão falou como um alerta, olhando de Steve para a sua frente — Eles estão atrás da joia e irão voltar, eu consigo sentir, a joia estava me alertando isso o tempo todo.
não sabia se estava entendendo exatamente o que ele queria dizer naquele momento. Seu olhar pairou sobre a gema amarelada que ele carregava na testa, encarando-a com curiosidade. Nunca tinha tido contato com aquilo, nunca tinha discutido ou estudado o que ele estava dizendo ser uma joia, ela não conseguia realmente entender como funcionava e para o que exatamente servia ou por que de seres de outros planetas estarem atrás dela. Contudo, aquele não era lugar nem momento para descobrir. Tinham que tirar Visão dali, tinham que sair dali antes que alguém chegasse, antes que aquela situação pudesse piorar ainda mais. não tinha como voltar para Wakanda, não tinha como chegar até seus pais sem ser perigoso demais para ela, sem correr o risco de ser encontrada pelas autoridades de segurança, de ser presa. Tinha que encontrar um modo de religar seu comunicador sem interferências e sem ser rastreada. Tinha que ajudar Visão. Tinha que se preparar para novos ataques como aquele.
— Precisamos avisar T’Challa sobre o que está acontecendo — comentou, voltando seu olhar para Steve ao seu lado, que concordou.
— E precisamos ficar juntos, senhorita — Visão voltou a falar apreensivo, sugestivo. Ao seu lado, Wanda concordou brevemente com a cabeça, olhando-a — Fomos seis contra dois agora e não conseguimos mais do que afugentar eles. Tony Stark está desaparecido. Não podemos correr mais riscos. Sem mais perdas.
— O que quer que aconteça, faremos isso juntos — Steve concluiu com um suspiro, vendo ponderar por um instante.
Ela tinha muito a perder, ele sabia disso. Tinha deixado o conforto e a segurança de Wakanda, tinha deixado Bucky para trás. Aquela era uma decisão difícil, mas não havia muito em que pensar. Estavam diante de um problema muito maior e mais complexo do que qualquer um deles já tinha enfrentado ao longo de suas vidas. Não podiam esperar por nada mais senão o pior. De um dos bolsos de seu traje, Steve tirou o celular de flip que tinha pegado com Shuri, quando esteve em Wakanda, e o entregou para . Como se dissesse a ela silenciosamente que poderia avisar Bucky e T’Challa, ela aceitou o aparelho e concordou com a cabeça, olhando os olhos de Steve. Se sentia segura com eles, tinham mais força juntos do que separados e, fosse o que fosse, ela não estaria sozinha naquilo. Precisavam dela.
Os seis saíram da estação de trem em silêncio, pensativos, puxando Visão consigo em uma dificuldade extrema. Wanda contou brevemente, sem grandes detalhes, ao longo do caminho até o jato, o que tinha acontecido até a chegada deles e percebeu só então que, o que tinha derrubado seu avião foi, na verdade, desvios da energia que Visão tentou lançar em uma das criaturas. Com todos tomando seus lugares dentro do jato, Sam no piloto, Steve em pé ao centro, Visão sentado em uma das poltronas com Wanda ao seu lado, sentada no chão, se perguntou mentalmente em que momento daquele dia tudo havia saído do controle daquela forma. Steve parecia igualmente apreensivo, com as duas mãos no cinto de seu traje, ele refletia sobre o que tinha acabado de acontecer e, o mais importante, o que deveriam fazer dali em diante.
Sam tirou o jato do chão e o manteve pairando no ar, esperando por alguns comandos do painel de controle da aeronave liberarem a saída deles. viu Natasha apertar o botão para travar a porta do jato, enquanto mantinha-se em pé, de frente para Steve, no centro do jato. Com os braços cruzados, segurando o pequeno aparelho celular em mãos, e o corpo apoiado em um dos encostos da poltrona, pensava se deveria ou não já entrar em contato com Bucky. Queria saber exatamente para onde estavam indo antes de avisá-lo, podia imaginar o quão angustiado ele deveria estar, sem ter qualquer notícia dela. Natasha parecia meio irritada, e como se tivesse lembrado de algo importante, algo que ela não guardaria para si mesma, ela quebrou o silêncio dentro do jato.
— Achei que tivéssemos um acordo — Nat comentou cirúrgica, esperando a rampa de acesso ao jato fechar-se, sem desviar seu olhar para Wanda, que sabia que aquela bronca era especialmente para ela — Ficar perto, dar notícias, não se arriscar.
— Sinto muito — Wanda respondeu com certa tristeza, olhando Nat ir até o outro lado da aeronave, passar por Steve e sentar-se na poltrona logo atrás de Sam, no piloto — Nós só queríamos um tempo.
desviou seu olhar para o chão, triste em ouvir aquilo. Não era fácil ter uma vida minimamente normal para nenhum deles. Para ninguém.
— Para onde Capitão? — Sam perguntou do banco do piloto, olhando Steve por sob o ombro.
Natasha fez o mesmo, enquanto subiu seu olhar cheio de expectativas e certa insegurança até Steve. Não tinham realmente para onde ir, tinham? Qual lugar seria seguro para eles se estavam junto com Visão, o principal alvo? Steve repassava mentalmente todas as possibilidades que tinham, tudo que podia dar errado e tudo que poderiam fazer nesses casos. Com seu olhar perdido em um canto qualquer do jato, no fundo, sem realmente saber se aquela era a melhor das decisões, ele finalmente respondeu com firmeza:
— Para casa.
Bucky perguntou enquanto se levantava, assistindo mexer em uma pequena tela sob a mesa central de seu laboratório, apressada, como se tudo tivesse mudado de um segundo a outro. Não tinha entendido exatamente o que quis dizer com algo de fora da Terra e esperava que aquela informação não fosse realmente literal. Bucky já tinha passado por muito na vida. De uma guerra mundial ao Caveira Vermelha, de experimentos da Hydra ao Soldado Invernal. Já tinha brigado muito, sofrido muito, se violado muito, participado de lutas intermináveis. Mas nunca, em nenhuma vez, lidou com algo sequer parecido com aquilo. E ele, definitivamente, não queria lidar. Não estava preparado e muito menos a fim de passar por mais aquilo. Contudo, a tirar pela expressão preocupada e concentrada de , ele sentia que podia esperar pelo pior. A descontração e todo o carinho da mulher, de minutos atrás, tinha mudado nitidamente para uma tensão que há pelo menos dois anos Bucky não se lembrava de ver nela. Como se algo realmente grave estivesse prestes a acontecer, como se aquela informação repentina e estranha fosse um alerta.
— Do Espaço, Buck, literalmente do Espaço — desviou seu olhar da tela até Bucky, que franziu o cenho, tentando digerir aquela informação com normalidade.
— Não é possível! É possível? — Bucky a encarava atônito. pressionou os lábios e assentiu brevemente com a cabeça, pensativa.
— Recalcule a assinatura de calor, A.R.I.A. — Ela pediu alto, dando alguns passos mais perto da mesa central, notando Bucky olhar para o teto do laboratório, esperando pela confirmação. A.R.I.A. recalculou a assinatura e três segundos confirmou:
— Assinatura de calor em nível 2.
— O pouso foi concluído? — ainda tinha esperança de que aquilo fosse um terrível engano.
— Há dois minutos — A inteligência artificial respondeu prontamente. e Bucky se encararam uma vez mais — Deseja visualizar mais informações?
— Projete na mesa central o que temos — pediu apoiando as duas mãos sob a mesa. Bucky se aproximou dela, parando ao seu lado, a mão dele sendo posta delicadamente em cima da dela, sobre a mesa.
A.R.I.A. não demorou mais do que um minuto para abrir um grande holograma de alta resolução, em cima da mesa, com imagens do que estava acontecendo naquele exato momento, na localização estimada. Réplicas de dezenas de transmissões ao vivo de câmeras de segurança hackeadas e noticiários do mundo afora, que cobriam aquele evento com horror e medo, abriam-se, lado a lado, na frente de e Bucky que, ainda mais assustados do que antes, não conseguiam dizer nada. Nas imagens, algo redondo, em formato anelar, com um furo no meio, estava parado poucos metros acima dos prédios, no que claramente era o centro de Nova Iorque, Bucky conseguia reconhecer. Como se soubesse exatamente onde deveria ir, o objeto parecia estacionado, um feixe grosso de luz azul brilhante saia dele em direção ao chão, mas não podiam ver com clareza qualquer movimento. Por um momento, cogitou ser apenas um aparelho de reconhecimento, não deveria ter realmente alguém ali — ao menos, se tivesse alguém, eles já teriam visto.
A nave de dimensões desconhecidas por A.R.I.A. era grande o suficiente para desestabilizar o ar, gerando um vento absurdo e um pouco de névoa, que impedia a captura de detalhes pelas câmeras. Em algumas imagens, e Bucky podiam ver o pânico e uma correria apavorada de pessoas pelas ruas. Em silêncio, acompanhando todas as informações a sua frente como se assistisse a um filme terrível de ficção, suspirou aliviada por seus pais não estarem em Nova Iorque naquele momento — estavam passando a semana na Escócia, celebrando o recente casamento e aquilo era uma tremenda sorte. Não era possível ver exatamente o que acontecia ali, muito menos saber o que tinha entrado na Terra, de onde tinha vindo aquela nave e, o mais importante, o que queria ali. Mas foi a imagem do Homem de Ferro voando de um lado a outro atrás de uma criatura, que nem nem Bucky sabiam nomear, que deixou tudo mais claro.
— Puta merda — deu dois passos para trás, chocada, vendo Tony, pelo holograma, lutar de um lado a outro da cidade, que já começava a ser destruída.
— Mas que porra é essa? — Bucky murmurou, seus olhos arregalados em confusão e incredulidade. Nunca tinha visto algo como aquilo. Nunca. Em cem anos.
— Uma invasão, Sargento Barnes — A voz de T’Challa respondeu literal, chamando a atenção do casal que, ao mesmo tempo, virou-se de lado para vê-lo. T’Challa, tão tenso quanto os dois, entrava no laboratório de com Okoye ao seu lado, nitidamente preocupada com a situação. Aparentemente já estavam a par do que estava acontecendo. A.R.I.A. estava programada para emitir um sinal a eles em casos como aquele.
— Alguma chance de ser Thor ou algo do tipo? — perguntou olhando T’Challa.
— Parece o Thor para você? — T’Challa perguntou com obviedade, atraindo a atenção de para o exato momento em que, nas imagens, uma criatura que mais parecia um bicho, absurdamente grande e forte, com uma foice empunhada, jogava Stark longe.
— Se for ele, da última vez em que esteve na Terra parecia mais bonito — Okoye respondeu irônica.
— Eu tinha esperanças — bufou frustrada sem desviar seu olhar das imagens.
— A.R.I.A., conseguimos reconhecer quem são? — T’Challa pediu alto, intrigado.
A inteligência artificial precisou de alguns poucos minutos para escanear as imagens e as analisar em comparativo com informações que conseguia puxar de satélites e criptografias de serviços de segurança de alguns governos mundo afora. A situação era tão estranha que, para , nem A.R.I.A. parecia conseguir lidar direito. Estavam no escuro, sem muitas informações, tudo acontecendo rápido demais, sem aviso prévio, sem sinais. Fazer conexões em uma realidade tão bizarra como aquela era difícil até mesmo para o processador mais avançado do mundo.
— Criatura extraterrestre, de pele inquebrável e força sobre humana, de nome identificado pelas Forças Especiais Americanas como Estrela Negra — A assistente de respondeu depois de algum tempo, reorganizando as imagens que eles assistiam, abrindo espaço para projetar novas.
— Americanos e seus nomes — Okoye murmurou revirando os olhos.
— Está acompanhada por outra criatura identificada como Fauce de Ébano. Sem mais registros.
A.R.I.A. conseguiu projetar duas imagens, como fotografias, de perfil de ambas criaturas referidas, mas não mais do que isso. Não era fácil conseguir informações de criaturas de outros planetas, era como um limbo espacial, ainda desconhecido pelos homens e mulheres da Terra, mas já era suficiente para terem noção do que estava acontecendo ali e quem estava sendo combatido. Nas imagens que tinham, contudo, era possível apenas identificar uma delas, a primeira, Estrela Negra, que insistia em lutar contra Stark. E foi olhando novamente para aquelas imagens que um detalhe chamou a atenção de e Bucky.
Estava lá outra figura conhecida, ajudando Stark. A tirar pelo tamanho da criatura que ele estava enfrentando sozinho, ver uma nova peça finalmente aparecer naquele xadrez foi ligeiramente reconfortante, mas ainda não suficiente. Stark era forte, pensou inconscientemente passando a mão na coxa que carregava a cicatriz violentamente desenhada por ele, mas ele claramente precisava de ajuda. De mais ajuda. Ela deu dois passos de volta para mais perto da mesa, semicerrando os olhos enquanto dava zoom no holograma com as mãos. Um riso satisfatório, mas preocupado, escapou de seus lábios, enquanto ela olhava da imagem aproximada para Bucky, que tombou a cabeça reflexivo.
— Parece que Stark levou a turma dele completa — Bucky revirou os olhos discretamente.
— Peter Parker? — perguntou confusa, vendo Bucky assentir com a cabeça. A memória de como ele se apresentou para ela com tanta simpatia, em meio a uma luta no aeroporto em Berlim, tomando sua mente.
Nas imagens, Peter tinha acabado de se meter na frente de Tony, impedindo-o de ser acertado em cheio pela criatura. Mais forte do que parecia, o garoto segurou no ar a foice que o adversário empunhava contra Tony, dando tempo do homem mais velho se levantar e se colocar de volta na luta. Contudo, desviando atenção para Tony, o adversário conseguiu jogar Peter do outro lado do que parecia uma praça, voltando seu foco para o homem que antes lutava contra ele.
— Ele vai precisar mais do que um garoto de dezesseis anos dessa vez — T’Challa comentou sério, indo até o outro lado da mesa, sem tirar os olhos das imagens.
— O problema é que, dessa vez, ele não tem muito mais do que isso — respondeu reflexiva, cruzando os braços. Se perguntava onde Steve e Sam estavam naquele momento e imaginava se Natasha, Rhodes e Visão iriam se juntar a Tony também, como Peter. Ele claramente não estava dando conta de enfrentar aquilo sozinho. Não terminaria bem.
Nas imagens, A.R.I.A. abria novas câmeras de monitoramento das ruas, dando visão a eles, finalmente, da segunda criatura, Fauce de Ébano. De tamanho humano mas feições diferentes, flutuando sob uma névoa acinzentada, a criatura era branca e escamada, de pele grossa e tinha um machucado na testa que sangrava. Peter parecia segui-lo, mas ele, com breves movimentos das mãos, movia objetos de diferentes tamanhos contra o garoto. Nas imagens ao lado, Tony ainda lutava contra a outra criatura, brutalmente, e parecia perder, não fosse por uma terceira pessoa, totalmente desconhecida por , Bucky, Okoye e T’Challa, ter aberto um portal, como magia, e tirado a criatura de lá antes que pudesse nocautear Stark de uma vez por todas. Todo o contexto daquilo estava confuso para eles. Rápido demais, inesperado demais, com informações de menos. A.R.I.A. ia projetando as imagens que conseguia encontrar, em um processamento de dados incrivelmente rápido, mostrando a cena em todos os ângulos possíveis. Contudo, ainda assim, não conseguiam responder as perguntas mais básicas possíveis: quem, de fato, eram eles? E o que queriam na Terra?
— ARI, tente rastrear a localização de origem da nave — ordenou, assistindo as imagens se sobreporem à sua frente, o caos instalado na cidade com pessoas correndo e gritando por todos os lados, a nuvem de poeira pairando no ar enquanto a destruição consequente da luta aparecia nitidamente. Mais uma vez estavam destruindo tudo. se perguntou internamente, ironicamente, se Tony e Peter, signatários do Tratado de Sokovia, tinham autorização para aquilo.
— Localização de origem da nave desconhecida.
— Tente fazer contato — insistiu passando as mãos no rosto, nervosa. Não conseguir mais informações não ajudava, não era um bom sinal.
— Você quer mesmo fazer contato com eles? — Bucky perguntou intrigado, vendo-a dar de ombros.
— Precisamos entender o que está acontecendo — respondeu preocupada.
— Não vai terminar bem — Okoye comentou baixo, cruzando seus braços, sua expressão fechada, compenetrada no que assistia.
— Canais de contato desligados — A.R.I.A. respondeu depois de alguns segundos tentando contatar a nave. deu um soco leve na mesa e bufou. Não era um bom sinal.
— Por Bast, o que eles querem aqui? — Okoye perguntou retoricamente, seu coração batendo mais acelerado do que o de costume. Como General, estava preparada para muitas coisas. Mas aquela não era, definitivamente, uma delas.
— O que são essas coisas? — Bucky perguntou igualmente tenso, indigesto, impressionado pelas imagens que passavam em sua frente.
— Alienígenas? — Okoye respondeu com obviedade, vendo Barnes bufar.
Ele esperava, do fundo do coração, que Stark conseguisse resolver toda aquela situação e que, no final das contas, não precisassem se envolver em uma nova guerra. Primeiro porque ele sequer podia sair do país. Deixar Wakanda era uma opção arriscada e muito incerta. Depois, porque não tinham ideia de onde Steve estava. Não poderiam se juntar a Tony em uma luta que a qualquer momento poderia se virar contra eles, não sem Steve as garantias que só ele poderia conseguir. Teriam um inimigo em comum, mas não sabiam como seria depois que aquele problema fosse resolvido. Em terceiro lugar, enfim, Bucky não queria se envolver naquilo porque simplesmente estava cansado. De guerras, de lutas, de problemas, de todo o sangue que era espalhado. Aquilo não tinha começado bem, não estava se desenvolvendo bem e Bucky temia não terminar bem. Por mais que fosse algo isolado, acontecendo do outro lado do mundo e já sendo combatido por Stark, o garoto e o que parecia ser um mago, Bucky ainda assim temia ter que se envolver. E querendo explicações do que acontecia não era um bom sinal de que se manteriam afastados. A cada instante mais, Bucky se arrependia do momento em que deixou o quarto de naquela manhã. Deveriam ter ficado lá, juntos, seguros, longe de qualquer que fosse o caos.
— Vocês parecem casuais demais com o fato de ter seja lá o que é isso destruindo Nova Iorque — Ele apontou ligeiramente nervoso para as imagens.
— Essa já é a segunda vez que Nova Iorque é invadida, acho que estamos ficando acostumados — respondeu ele, tirando os olhos das imagens por um instante. Bucky parecia nervoso, seu olhar introspectivo já alertava de que algo em sua mente estava o fazendo pensar demais.
— Vocês foram para lá da primeira vez em que isso aconteceu? — Bucky perguntou ansioso, virando-se da tela para , que, entendendo o receio silencioso dele em se envolver, negou com a cabeça.
— Nós não interferimos em conflitos que não são nossos, Sargento Barnes — Okoye respondeu séria, ao lado de T’Challa, do outro lado da mesa onde e Bucky estavam. Parecia preocupada com o tema, apesar da segurança em dizer que não teriam o por quê se envolver — Esperamos que eles sejam resolvidos por quem é alvo deles, mas monitoramos, como estamos fazendo agora. Caso algum de nós seja solicitado, tenha parte na guerra ou o conflito venha até nós, então lutamos. Do contrário, não.
— Esperamos que os Vingadores resolvessem o problema, da última vez em que isso aconteceu, e caso não, caso a batalha se estendesse, aí sim interferiríamos — T’Challa completou Okoye, um pouco mais amigável, mas ainda sério.
— E Sokovia? Ultron roubou vibranium, não foi? — Bucky insistiu apreensivo, cedendo à ansiedade que, naquela altura, já começava a o consumir.
— Roubou de um traficante, não de Wakanda. Não era um problema nosso diretamente — A general rebateu breve, olhando T’Challa significativamente, como se dissesse, com os olhos, que era melhor ele nem sequer cogitar a possibilidade de ir ajudar Stark.
Bucky não pareceu se convencer muito com as respostas, embora não houvesse qualquer indício real, expresso, de que algum deles iria até lá, se envolver no conflito. Ele trocou um olhar tenso com por um momento, a vendo negar discretamente com a cabeça, indicando que estava tudo bem, que não iriam a lugar algum. Contudo, contrariando a segurança de , as imagens passaram a transmitir a criatura mais parecida com um humano voltar à nave, junto com um corpo desacordado, ou morto, não era possível distinguir. Em seguida, puderam ver Peter sendo fortemente puxado por uma fonte de energia desconhecida até a nave, o mesmo feixe de luz em tom azul que viram minutos antes. Como se houvessem combinado, as expressões dos quatro naquele laboratório foram de tensão para um desespero silencioso, a ansiedade pesando no clima do ambiente, enquanto assistiam a nave simplesmente ir embora em uma velocidade impressionante, de uma hora para outra.
— O garoto foi… abduzido? — A voz de Okoye era firme, mas quase histérica.
— Por que estão o levando com eles? Para quê? — Bucky perguntou horrorizado, sua voz quase em um sussurro. mexeu nas imagens, como se as folheassem no ar, em busca de Tony até, finalmente, o encontrar indo em direção da nave, já distante do solo.
— A.R.I.A., defina a camada — Ela respondeu dando zoom nas imagens em busca de Tony.
— Nave entrando na estratosfera.
— Estão voltando? — Foi a vez de T’Challa perguntar intrigado, ligeiramente perdido.
— O que está acontecendo? — Bucky murmurou, assistindo as imagens de Tony subir ao céu atrás da nave até ficar tão distante que nada mais podia ser visto.
Por alguns minutos, , Bucky, Okoye e T’Challa ficaram em profundo silêncio. Nenhum deles conseguia formular qualquer que fosse a pergunta, nada faria sentido, porque nada estava fazendo sentido para eles naquele momento. Em minutos foram de um controle total da Terra, para uma invasão alienígena do outro lado do mundo que, aparentemente, não tinha motivo para acontecer senão abduzir Peter Parker e chamar atenção de Stark. Era isso? O que tinha exatamente acontecido ali? Não era racional, não era óbvio, não estava claro, mas, igualmente, não parecia casual. Para nenhum dos quatro. desviou seu olhar das imagens, do caos que ficou para trás em Nova Iorque, até Bucky, ao seu lado, que retribuiu assustado, sério, mais ansioso do que antes. Estava engolindo as palavras, imerso nas perguntas que, naquela altura da situação, estavam presas nas gargantas de , Okoye e T’Challa também.
A pior parte de não entender a situação, contudo, era, justamente, não saber se deveriam ou não agir, o que exatamente deveriam fazer. Tinham recursos, tinham possibilidades, mas não podiam simplesmente interferir, podiam? Como se aquele pensamento tivesse atingido ao mesmo tempo que T’Challa, eles dois se entreolharam, silenciosos, tensos. Ponderando o que deveriam fazer, qual seria o próximo passo, avaliando os riscos de se meterem em uma luta que, até então, não era deles, os dois se encaravam em cumplicidade. Stark e Peter estavam lidando com a situação, essa era a única premissa verdadeira e clara até aquele momento. Tinham o contato de T’Challa, chamariam se precisassem de ajuda. Chamariam?
— Localize Peter Parker — pediu em um tom de voz quase desesperado, quebrando o breve silêncio, seu coração querendo sair pela boca em ansiedade enquanto esperava pela resposta de A.R.I.A. Assim que a pergunta foi feita, a inteligência artificial fechou, de uma única vez, todas as imagens abertas anteriormente e, em seu lugar, abriu uma foto de Peter bem ao centro da projeção do holograma, atraindo a atenção dos quatro outra vez. Os dizeres em vermelho abaixo da foto reproduziam o que A.R.I.A. respondia em alto e bom som:
— Localização desconhecida.
sentiu seus olhos encherem de lágrimas por um segundo, seu corpo formigando em torpor. Eles tinham perdido? Peter estava ali, tinha entrado na nave, o que tinham feito com ele nesses minutos até a nave voltar a sair da Terra? Para onde tinham ido? Quem eram eles? O que queriam? Queriam o garoto? E o corpo que estava com a criatura branca, de quem era? O que caralhos estava acontecendo? As dezenas de perguntas que , Bucky, T’Challa e Okoye se faziam internamente, em silêncio, eram nítidas em seus olhares angustiados. Dezenas de perguntas e absolutamente nenhuma resposta. O silêncio do ambiente sendo quebrado apenas pelos tímidos miados de Alpine gritava a falta de compreensão do que tinha acabado de acontecer, as mentes que trabalhavam tão rápido que mal conseguiam formular palavras. A pergunta que nenhum deles queria realmente fazer em voz alta. Não deveriam mesmo interferir? E onde estava...
— Localize Tony Stark — pediu alto, engolindo em seco, com medo da resposta que viria a seguir, mas já esperando o pior dos cenários. Ao lado da imagem de Peter, instantaneamente abriu-se uma foto de Tony Stark, enquanto A.R.I.A. parecia processar o pedido de até, instantes depois, os mesmos dizeres em vermelho surgirem logo abaixo na foto dele, como na de Peter:
— Localização desconhecida.
Vinte minutos. Vinte minutos foi o tempo que demorou entre A.R.I.A. avisar sobre a chegada da nave e Tony Stark ser dado como desaparecido. Uma luta rápida, mas brutal, com criaturas desconhecidas, cujos propósitos nenhum dos quatro ali, naquele momento, sabia qual era. Vinte minutos em que foram da esperança de Tony resolver aquilo para o torpor de não fazer ideia do que viria a seguir, do que deveriam fazer. Uma vez mais, os quatro ficaram se entreolhando em silêncio, entorpecidos, apáticos, como se digerissem cada detalhe do que tinham acabado de presenciar. Esperando, em esperança, que a nave voltasse, que Tony e Peter reaparecem com ela. Bem, vivos. Para onde eles tinham ido? A mente de a levou de volta ao aeroporto de Berlim, quando encontrou Peter pela primeira vez. Apesar de lados opostos naquela situação, ele parecia gentil, uma boa pessoa. Tinha uma vida inteira pela frente, no que tinha se metido? O que fizeram com ele?
— Outra assinatura de calor nível 2 entrando em dez minutos na exosfera — A voz de A.R.I.A. cortou o silêncio novamente, como um alarme.
Por um momento, a sensação de alívio tomou conta dos quatro, imaginando que Tony e Peter tinham conseguido retornar à nave, estavam de volta. Em uma celebração tão silenciosa quanto a angústia que estavam sentindo segundos antes, os quatro permaneceram pensativos, ordenando o que estavam sentindo, esperando pelas imagens do momento glorioso em que Homem de Ferro e Homem Aranha tinham vencido mais uma batalha. Não tinham perdido aquela luta. Não havia mais com o que se preocupar.
— Reabra as imagens — pediu soltando o ar pela boca. Ao seu lado, bem próximo à ela, Bucky colocou seus próprios cabelos atrás da orelha, vendo T’Challa apoiar-se na mesa, seus olhares um pouco mais amenos, aguardando a confirmação visual de que tudo estava, uma vez mais, sob controle.
— Não é possível abrir imagens, objeto há 800 km do solo — Por mais veloz que fosse, a nave que estava em Nova Iorque não poderia estar já há 800 km de distância do solo e, muito menos, em retorno. Era fisicamente impossível. Nesse caso, só havia uma outra possibilidade. E não demorou mais do que dez segundos para eles pensarem nela.
— Outra nave? — T’Challa perguntou encarando , com a testa franzida. De braços cruzados ao lado dele, Okoye trocou um olhar confuso com Bucky. Os breves segundos de alívio voltando a ceder lugar para a aflição e o estresse.
— Geolocalizar coordenada de pouso previsto, ARI — pediu uma vez mais, vendo as fotos de Tony e Peter sumir de sua frente no mesmo segundo.
— 55.858, latitude — Ela respondeu eficientemente — Longitude: -4.259 55° 51′ 29″ norte e 4° 15′ 32″ oeste.
Enquanto A.R.I.A. dizia alto as coordenadas, na mesa, o holograma com um mapa mundi se abria prontamente. movimentou o mapa com alguns toques rápidos, programando-o em acordo com a localização dada por sua assistente. Bucky assistia aquilo com preocupação, vendo, número a número digitado por , a localização ficar cada vez mais afastada de Nova Iorque. A chance cada vez maior e mais nítida de ser uma segunda invasão, de ser outra nave, chegando em outro lugar. Mas foi um minuto depois, exatamente um minuto depois, assim que o ponto vermelho pulsante apareceu no mapa, que Bucky começou a ver seu mundo inteiro desmoronar. Ele só não sabia naquele momento que era a partir dali, daquilo, daquele instante, que absolutamente tudo começaria a mudar uma vez mais em sua vida. Que tudo começaria a piorar outra vez. E o sumiço de Tony Stark era só o começo do que estava por vir.
encarava o mapa com um misto de nervosismo, apreensão e preocupação. A confusão que sentia deu espaço a um desespero absurdo que a consumiu de uma única vez ao ver a Escócia como o próximo lugar previsto a ser invadido. A Escócia. Exatamente onde seus pais estavam naquele momento, exatamente onde eles não podiam estar. tinha que dar um jeito de tirar eles de lá, tinha que fazer alguma coisa. O Homem de Ferro e o Homem-Aranha, duas das maiores forças que o mundo conhecia, haviam enfrentado aquelas criaturas e haviam perdido, haviam desaparecido. Em vinte minutos. Quem quer que fossem essas criaturas, não estavam a fim de brincar, nem de perder tempo. Tinham um objetivo na Terra e pareciam dispostos a passar por cima de quem quer que fosse para conseguir atingi-lo. Diferente de Nova Iorque, protegida por uma dúzia das pessoas mais poderosas que conhecia, a Escócia não tinha em quem se apoiar. não contaria com a sorte, não poderia deixar seus pais lá, a mercê da eventualidade de outra pessoa os proteger. podia fazer isso, ela tinha que fazer isso.
Incerta, a mente de repassava todas as acusações e processos jurídicos abertos sobre ela, toda pressão que sofria há dois anos por não ter assinado o Tratado de Sokovia, por ter que ficar presa, escondida em Wakanda, por ter escolhido o lado de Steve na luta, por ter escolhido Bucky. Bucky. Sentindo seu corpo formigar, ela o olhou nervosa, as mãos suando, os olhos ligeiramente arregalados enquanto sua respiração ficava cada vez mais pesada, sem fôlego. Se ela saísse do país, se fosse atrás de seus pais, teria que deixar Bucky para trás, sem ter a certeza, a garantia, de que conseguiria voltar. Podia desaparecer como Tony e Peter. Podia ser morta. Podia ser presa. Mas não podia, em hipótese alguma, perder seus pais. E Bucky sabia disso, jamais ficaria entre ela e a única parte que restou de sua família. Jamais seria a escolha que teria que fazer naquele momento, embora, pelos olhos aflitos e confusos dela, ele pudesse vê-la ponderar.
Ele sabia, ainda, que não poderia ir junto com ela. Chamaria ainda mais atenção, seria muito mais arriscado. Bucky ainda era o assassino mais procurado por dezenas de governos mundo afora, tinha o benefício da discrição a seu favor e, sem o braço de vibranium, ele não sabia se poderia, de fato, ser muito útil. Estava preparada para lutar, para se defender, e tinha toda a natureza e seu poder em suas mãos. Ela podia fazer aquilo sozinha. Por segurança e por certeza, pelo mínimo de garantias que podiam se dar o luxo de ter, Bucky tinha que ficar. Protegiria mais e seus pais ficando em Wakanda, sem chamar atenção para eles, sem trazer exércitos e seus arsenais, sem criar uma guerra paralela a que já parecia se formar ali. poderia ir à Escócia, tirar seus pais de lá e voltar. Menos de um dia. No máximo um dia. Algumas horas eram suficientes para aquilo. Daria certo se todos eles ali, dos bastidores, também trabalhassem para aquilo.
Sem dizer nada, Bucky apenas concordou brevemente com a cabeça, encarando de volta. Podia ver os olhos dela marejados, a preocupação em algo ruim acontecer com seus pais transparecendo em cada pedaço de seu corpo. Aflição, tensão, apreensão, ansiedade. Apesar de controlada, Bucky sabia que, por dentro, emocionalmente, estava começando a reviver o caos. Nesse meio tempo, assistindo e Bucky discutirem em silêncio, apenas com o olhar, questões tão claras que mal precisavam ser ditas, Okoye e T’Challa refletiam a situação com pragmatismo, em sussurros quase inaudíveis. A regra clara de se envolver apenas quando algum deles fosse solicitado, tivesse parte na guerra ou caso o conflito viesse até eles pulsando em suas mentes. tinha acabado de ser envolvida naquilo, sua família estava em perigo. Bastava decidirem ali, rápido, se Wakanda daria todo o suporte que ela precisaria para chegar até eles e voltar para o país. Para T’Challa e Okoye, contudo, se tratando de , aquela decisão já estava mais do que tomada.
— A.R.I.A., calcule a previsão de pouso da nave — T’Challa pediu sério, atraindo para si o olhar de . Bucky deu alguns passos até parar atrás dela, deixando um beijo no topo de sua cabeça, atrás, esperando ansioso pela resposta.
— Pouso previsto para acontecer em 10 horas.
Tempo hábil e ideal. Saindo em poucos minutos, chegaria na Escócia durante a madrugada, irrastreável, discreta. O Rei olhou para Okoye, que assentiu uma única vez com a cabeça, entendendo exatamente o que ele queria dizer e o que viria a seguir. Algumas novas imagens de noticiários internacionais começaram a ser abertas na mesa, denunciando a preocupação em não ter sinal algum do glorioso Tony Stark. Sem que nada mais precisasse ser discutido, T’Challa voltou seu olhar sério até e resumiu-se em dizer:
— Vai.
— Tem certeza disso? — Bucky perguntou receoso.
Quebrando o abraço dele, mas mantendo-se a menos de um passo de distância, de frente para ele, deixou um beijo leve em seus lábios e tentou sorrir com o máximo de confiança que conseguia passar naquele momento. Da decisão de T’Challa até estar ali, diante da entrada do avião que a levaria até a Escócia, só teve tempo de pegar a tornozeleira que Shuri havia feito para ela e vesti-la, seu traje novo abrindo-se e tomando seu corpo em instantes, enquanto Bucky a assistia caminhar ao seu lado pelos corredores do palácio. Não tinham muito o que dizer um para o outro, a situação era aquela, estava dada, e não havia muito o que fazer. Bucky estava bastante preocupado com tudo que poderia acontecer e ligeiramente angustiado de ter que ficar longe de depois de dois anos vivendo um sonho. Mas ele sabia, como ela sabia, que foram dois anos perfeitos mas atípicos. Sendo quem eram, demorou mais do que esperavam para aquela vida de guerras e conflitos voltar a ser a realidade. Tinham consciência de quem eram, da vida que tinham e das responsabilidades envolvidas nela.
— Meus pais estão lá, Buck — respondeu baixo, suas mãos segurando o rosto dele com carinho, o braço humano de Bucky em sua cintura — Você viu o que eles fizeram com Tony, não vai ser diferente agora, precisamos entender o que está em jogo.
— Você sabe que pode só tirar seus pais de lá, não precisa enfrentar essas coisas — Ele rebateu sereno e preocupado.
Já tinham levantado aquela possibilidade há pouco, mas não fazia sentido, ele sabia. Não era apenas Karl e Everett que corriam perigo, um novo país inteiro estava prestes a ser invadido e só eles quatro ali sabiam o que estava prestes a acontecer. O avião que viajaria estava programado para seguir as coordenadas de pouso previsto da próxima nave e depois seguir até o norte, até o ponto que seria combinado com Karl e Everett. Com isso, ela cruzaria o caminho dos invasores, tentaria entender a situação, quem eram e o que queria, e, com mais respostas do que perguntas dessa vez, eles esperavam, ela poderia acionar mais forças competentes para enfrentar o problema e seguir até seus pais. Esse era o plano. Interceptar, encontrar as criaturas, entender o que queriam e o que tinham feito com Stark e o garoto, tirar seus pais de lá e ir embora. Não seria simples como o planejado, mas não esperava que terminasse como terminou para Peter e Tony.
Okoye faria contato com Karl e Everett para alertá-los do que estava acontecendo e pediria, por sugestão de , que fossem o mais para o norte possível do país, longe de onde o pouso da próxima nave estava previsto. Enquanto isso, T’Challa seguiria monitorando a invasão com A.R.I.A., pronto para interferir alertando as autoridades de segurança da Escócia e, caso a situação se apertasse, ir pessoalmente até lá. Deixaria os contatos de Rhodes, Visão e Natasha prontos e aviões à disposição. Bucky, por sua vez, acompanharia a viagem de remotamente. Não podia deixar que nada desse errado, cruzaria dezenas de espaços aéreos diferentes, não podia ser interceptada, rastreada nem encontrada. Ele estaria de olho nisso, com ajuda de Ayo e de toda a tecnologia de Wakanda, e informaria sobre tudo que ela precisasse saber para ir e voltar em segurança.
— E como eu poderia? Tem algo grande acontecendo, tem outras pessoas em perigo, eu sei e eu posso fazer algo para ajudar — passou a mão em cima do “A” no braço direito de seu traje, tirando de Bucky um sorriso estranho, de orgulho e de tristeza — Esse é o preço de se carregar essa letra. Foi para isso que Steve me deu ela.
— Tem certeza de que não quer avisar Steve? — Bucky perguntou uma vez mais, seus olhos sem deixar o rosto de nem por um segundo.
— Ainda não. Não vou colocar ele e Sam em risco sem antes entender o que exatamente está acontecendo — suspirou. Bucky não estava muito feliz com aquela decisão, embora entendesse o ponto de vista dela. Achava melhor já deixar Steve em alerta, por perto, mesmo que não interferisse diretamente.
— T'Challa pode ir com você — A voz de Okoye cortou o ambiente, aproximando-se do casal que se afastou levemente.
— Se ele for abduzido, quem governa esse país? — perguntou curiosa, encarando Okoye de volta que, já perto o suficiente deles, entregou-a um ponto eletrônico.
— Shuri? — Okoye respondeu receosa, fazendo Bucky soltar uma risada abafada e cínica.
— Tenho mais medo disso do que dos alienígenas — brincou, os olhos arregalados exageradamente enquanto colocava em seu ouvido direito o ponto eletrônico.
— Tenha cuidado, entenda o que eles querem, garanta que seus pais estão seguros e volte — A voz de T’Challa pode ser ouvida pelo ponto, tão alta que mesmo Okoye e Bucky puderem ouvir.
— Volte — Bucky reforçou, segurando o rosto dela com a mão, a expressão ainda mais preocupada e triste do que antes — Por favor, volte.
— E você fique aqui — Ela sorriu serena — Temos um braço para arrumar e, se me lembro bem, você me deve um almoço de desculpas por me culpar pelo curto-circuito — brincou manhosa, tirando dele um sorriso fraco, enquanto deixava-se ser puxada para um abraço breve e apertado.
— Te levo no Boko, é uma promessa — Bucky sussurrou no ouvido dela — E depois podemos ficar o resto da semana trancados no quarto, para compensar todo esse estresse.
— Eu ainda estou aqui, Sargento Barnes — Okoye disse séria, encarando com desdém o casal rir fraco, enquanto trocava um beijo rápido de despedida e T’Challa resmungava no ponto eletrônico.
deixou o país às 15h, na aeronave mais tecnológica e veloz que Wakanda poderia oferecer. Irrastreável, com placas de camuflagem que a impediam de ser vista ao olho nu, a aeronave estava prevista para chegar na Escócia em seis horas e quarenta e sete minutos. Exatamente dezessete minutos depois da previsão de chegada da nave. chegaria até lá sem interferências, mas não sabia exatamente o que aconteceria depois disso. A rota calculada, a ser percorrida em piloto automático e remoto, a partir de Ayo, em Wakanda, deveria cruzar propositalmente a rota de pouso da nave espacial. Karl e Everett estavam já indo para o extremo norte do país e podia acompanhar a viagem deles em um rastreador no painel da aeronave.
Na impossibilidade de prever o que aconteceria e sendo o ideal combater o problema pela própria raiz, tentava criar alguma estratégia de luta, antecipando tudo que poderia dar errado naquela missão. Do ponto eletrônico Bucky conversava com ela ao longo da viagem, a ajudava a se manter calma, focada e a pensar em meios eficientes de resolver aquela situação o mais rápido possível. Contudo, a falta de compreensão sobre o que estava acontecendo e o que estava prestes a enfrentar tornava tudo ainda mais difícil, confuso e torturante. A ansiedade consumia a cada segundo que passava naquele avião, a cada quilômetro mais perto do incerto.
De Wakanda, Bucky estava confiante na capacidade de de lutar e de se proteger. Contudo não esperava que fosse ser algo tão pacífico quanto T'Challa e Okoye a orientavam. Eles viram o que fizeram em Nova Iorque horas antes, assistiram a surra que Tony Stark levou, viram ele desaparecer. Qual era a chance real de conseguir resolver aquilo sozinha? Bucky estava horas conversando com ela pelo ponto eletrônico, a conhecia bem o suficiente para saber que, embora fosse corajosa como ninguém, precisaria de ajuda. Absurdamente ansioso, Bucky não podia ficar sentado, esperando que sozinha resolvesse uma situação que ela sequer estava entendendo direito. Desesperado, três horas depois que saiu de Wakanda, Bucky se pegou fuçando todas as gavetas do quarto dela até encontrar o celular de flip que Steve a deu, para casos de emergência.
Sentada na poltrona do piloto da aeronave, com a cabeça no encosto e os olhos fechados, sentia o cansaço e o sono bater fortes. A sexta hora da longa viagem já estava marcada no relógio sob o painel de controle, enquanto a mente dela trabalhava em uma velocidade absurda. Toda a tensão daquele dia e a ansiedade do que estava por vir desciam pelo corpo de como uma bomba, ela precisava descansar e seu corpo pedia por isso, mas não podia. Não naquele momento. Bucky manteve-se ativo e audível a viagem toda, fazendo companhia para , mas, por um instante, tinha se ausentado para ir buscar algo para comer. Comida. Com meia dúzia de barras de cereais que encontrou em um dos compartimentos do avião, passou o dia sem comer direito. Na falta de plantas no ar e dentro do avião, não podia fazer frutas com a fitocinese e a caçada por qualquer que fosse a comida terminou junto com a última barrinha de cereal encontrada.
— Ainda está aí, boneca? — abriu os olhos em um estalo, assim que a voz de Bucky voltou a sair de seu comunicador.
— Sim, Sargento, na escuta — Ela sorriu cansada, ouvindo Bucky soltar uma risada fraca.
— Estamos iniciando a descida, prepare-se — Ele comentou brevemente, ao exato mesmo momento em que a diferença de pressão podia ser sentida por . Ela respirou fundo por um instante.
— Quanto tempo até o solo? — perguntou séria dessa vez, levantando-se e dando uma rápida olhada no painel de controle à sua frente. O radar que mapeava a viagem de seus pais já tinha parado o monitoramento há horas, indicando que eles estavam em posição, bem longe dali. Agora era com ela. Estava na hora.
— Seis minutos — Okoye respondeu tensa. Podia imaginar como estava se sentindo naquele momento porque ela mesma, mesmo longe, estava nervosa.
De Wakanda, Bucky, Okoye, Ayo e T’Challa trocaram um olhar impaciente. Estavam há horas concentrados no laboratório de Shuri, acompanhando a pilotagem remota do avião em que estava e monitorando toda e qualquer informação que pudesse ser útil para ela. Mesmo tendo certo tempo para alinharem as estratégias e pensarem em minimizar todos os possíveis riscos, estar ali, diante da ação, era diferente. E ver as imagens de outra nave tão grande e imponente quanto a que esteve em Nova Iorque horas atrás era, no mínimo, assustador. Como mais cedo, A.R.I.A. projetava imagens de câmeras de segurança que podia hackear e as abria diante dos quatro, analisando o que podia analisar, mas, ainda assim, não encontrando as respostas que eles precisavam. Desviando o olhar de T’Challa de volta para as projeções a sua frente, Bucky levantou-se da cadeira em que estava sentado e passou a mão pelo rosto. tinha que voltar, ela tinha que conseguir.
— Algum sinal do que estamos procurando? — perguntou tensa, dando uma breve olhada ao redor, já posicionada ao meio da aeronave, de onde sabia que teria que saltar em breve.
— Olhe pela janela, a esquerda — T’Challa respondeu brevemente, assim como Bucky, levantando-se e aproximando-se das telas com as imagens.
chegou a curvar-se em direção a janela sugerida por T’Challa, contudo, antes mesmo que pudesse localizar a nave, algo que ela não soube identificar naquele momento atingiu uma das turbinas e um dos estabilizadores horizontais da aeronave, liberando um alerta instantâneo de queda, com comando de despressurização e apagando todas as luzes interiores. sentiu o tranco, segurando-se em uma poltrona para não cair e, imediatamente, olhou para o painel de controle, emitindo tantos sinais diferentes que ela não conseguia identificar.
— ? — Bucky a chamou nervoso, indo a passos rápidos para mais perto do piloto remoto, onde Ayo estava, vendo todas as telas a sua frente piscarem com alertas em vermelho, indicando todas as dezenas de problemas que tinham.
— O que está acontecendo? — T’Challa parecia igualmente aflito, aproximando-se dele.
— Ela está caindo — Ayo respondeu enquanto tentava desesperadamente reverter a situação.
— Acho que encontrei o sinal — brincou inquieta, tentando pensar rapidamente no que deveria fazer. Pela velocidade que estava perdendo altitude, não demoraria mais do que um ou dois minutos para atingir o solo. Tinha que sair dali. Rápido.
— Você está bem? — Bucky perguntou uma vez mais.
— Vou ficar — Ela respondeu puxando a trava de segurança da porta que, no mesmo segundo abriu-se diante dela — Levem o avião para o mais longe daqui, ele não pode cair agora, têm muitas casas na região, pessoas vão ser atingidas.
— Protocolo de segurança emergencial B-45 ativado — Ayo avisou pelo comunicador. tinha sido treinada para momentos de emergência, ela certamente se lembraria do que aquele comando faria.
— Iniciando desmembramento — A.R.I.A. avisou.
Bucky levou alguns segundos, em choque, para entender o que exatamente estava acontecendo, encarando a imagem de um desenho da estrutura do avião quebrar-se em centenas de milhares de partes tão pequenas que mal poderiam ser vistas, mostrando o que aconteceria com a aeronave que estava em menos de trinta segundos. Na Escócia, enquanto o avião caia, só teve mais alguns breves instantes para pensar no que exatamente deveria fazer para sair dali e na falta de planos para aquilo, ela respirou fundo e correu em direção a porta, jogando-se para fora do avião de uma vez por todas. Todos os sinais do painel de controle tinham sido desligados e o avião, que caía em uma velocidade impressionante, começou, finalmente, a se desmantelar no ar. Não haveria qualquer resquício de que ali tinha acontecido um acidente aéreo, o que era ideal para que não descobrisse sobre . O único problema, contudo, que já consumia Bucky mentalmente era como faria para seguir viagem até seus pais, ao norte do país, e, principalmente, como voltaria para casa depois disso. A cada segundo a quantidade de problemas parecia aumentar dramaticamente e Bucky não estava gostando nada de como as coisas estavam se encaminhando.
A queda livre de não durou mais do que cinco segundos. O frio do lugar cortava seu rosto impiedosamente quando deu uma cambalhota para frente poucos metros antes de atingir o solo e parou agachada, seus joelhos no chão e uma mão à sua frente, para se estabilizar. O traje novo que vestia abafava o som das fibras de vibranium em contato com qualquer superfície, a mantendo discreta e silenciosa. colocou-se em pé, dando uma rápida olhada no local em que tinha caído, tentando entender o perímetro em que estava antes de, oficialmente, ir atrás de quem quer que fosse que estava procurando. Parecia estar em uma estação de trem, em pleno funcionamento a tirar pela boa iluminação acesa do local e pelos painéis com os horários dos trens da manhã seguinte piscando no alto. O que chamou atenção de , contudo, foi o fato de ter caído em um lugar fechado, sem ter quebrado nada. Contudo, bastou uma breve olhada para cima para que ela entendesse que tinha passado pelo telhado de vidro já quebrado da estação. Ela não estava sozinha ali. O silêncio estranho demais para uma invasão extraterrestre foi logo cortado pela voz de Bucky no ponto eletrônico, chamando por ela preocupado e perguntando se estava bem.
— Estou bem, no solo, em uma estação de trem, eu acho — sussurrou de volta, dando alguns passos, escondida e em alerta, mais para o centro da estação.
— Há sete assinaturas de calor por perto, atenção — Okoye avisou-a baixo, vendo pelo painel de monitoramento à sua frente, que geolocalizava como um ponto em um mapa.
A frente dela, no mapa, havia sete outros pontos, o que indicava, definitivamente, que ela não estava sozinha. Só não esperavam que fossem tantas pessoas assim. estava esperando e se preparando para encontrar dois ou três, como viram acontecer nos Estados Unidos. Ao lado de Okoye, Bucky sentiu seu coração parar de bater em um minuto. daria conta de sete criaturas?
— Devemos desligar o comunicador — T’Challa informou reflexivo — Perdemos o interceptador de chamadas junto com a aeronave, não é seguro, estamos expostos, não sabemos se estão nos rastreando ou não.
— De acordo — ateve-se em dizer, atenta a qualquer movimento a seu redor. O vento balançava alguns jornais, a apreensão sobrecarregando o ambiente.
— Tome cuidado, por favor — Bucky pediu baixo, transbordando medo e um certo sofrimento em sua voz. Estar às cegas, sem ver nem ouvir seria angustiante.
não teve tempo de responder mais nada, o sinal do ponto eletrônico em sua orelha direita apitou baixo duas vezes, sinalizando a desconexão. Respirando fundo, seu coração acelerado, ela seguiu caminhando cuidadosamente pelo local até ouvir uma voz não tão desconhecida assim no ambiente, perto de si, mais a frente. Estranhando aquilo, por instinto, ela parou logo atrás de uma banca de jornais, como um quiosque, bem ao centro da estação de trem. As luzes claras do lugar não ajudavam muito na camuflagem, teria que tomar cuidado com qualquer que fosse o movimento ao seu redor.
— Venha, vamos, você tem que se levantar — A voz baixa e feminina parecia desesperada — Tem que se levantar. Temos que ir.
— Por favor, vá embora — Uma segunda voz, mais mecânica e masculina, porém igualmente baixa pode ser ouvida. De onde estava, escondida atrás de uma banca de jornais da estação, não podia exatamente ver quem eram e o que estava acontecendo, mas temeu, por um instante, que aquelas pessoas estivessem sendo atacadas, pareciam fugir, pareciam vulneráveis.
— Você me pediu para ficar — A mulher respondeu em um sussurro — Vou ficar.
— Por favor — O homem insistiu.
Mas não deu tempo sequer dos dois continuarem aquela conversa ou mesmo de entender o que acontecia ali, porque uma terceira pessoa caiu do céu, repentinamente, quebrando uma outra parte do telhado de vidro da estação. No exato segundo seguinte, uma quarta pessoa caiu, da mesma força, poucos metros de onde estava, à sua frente, aparentemente diante de onde o casal que ela podia ouvir estava. sentiu seu corpo pulsar, a adrenalina tomando conta de si como poucas vezes sentiu em sua vida. Seu coração batia tão forte que era quase audível. Não havia tempo a perder, estava diante da exata situação que passou as últimas seis horas pensando em lidar e tinham pessoas ali que precisavam de sua ajuda.
saiu de trás da banca de jornais em que estava escondida no exato mesmo segundo em que Wanda, a mulher que ela pode ouvir há pouco, colocou-se de pé, as mãos tomadas pelo campo energético vermelho que ela controlava. O que Wanda estava fazendo ali? Na frente de , de costas para ela, duas criaturas grandes e desconhecidas, como as que ela viu invadir Nova Iorque mais cedo, davam passos ferozes em direção a Wanda, a encarando. O rosto da mulher na defensiva tinha um corte aberto, ensanguentado, que fez pensar a quanto tempo ela estava lutando contra aquilo sozinha. Uma das criaturas parecia mais humana, como uma mulher, e a outra mais animalesca. Estavam tão concentradas em Wanda que mal puderem perceber a presença de atrás delas. Visão, jogado ao chão, encostado em uma grade atrás de Wanda, encarou com um misto de alívio e agradecimento no olhar. Parecia machucado, não conseguia se mover e, pela posição de Wanda, alguns passos à frente dele, certamente o estava protegendo. A situação pareceu clara por um instante. Eles queriam Visão. só não sabia dizer, ainda, o por quê. Tony, Peter, Wanda, Visão, o que eles queriam, afinal?
Mas ela não teve tempo de pensar naquilo, porque no instante seguinte em que saiu de trás da banca de jornais, e que Wanda colocou-se em pé, encarando às criaturas a sua frente e, discretamente, a chegada de atrás delas, um trem passou no trilho atrás da grade onde Visão estava encostado. A estranheza do movimento repentino foi tamanho que, uma das criaturas, que parecia mais feminina, desviou sua atenção de Wanda até o trem, suspeita. Como se toda a preliminar da luta que estava prestes a começar ali tivesse parado por um momento, Wanda olhou tensa por cima de seu ombro, para trás, esperando que o trem passasse de uma vez por todas. De onde estava, contudo, era possível ver, pelos vãos entre um vagão e outro, que uma nova figura tinha acabado de aparecer ali. Pela postura da criatura a sua frente, contudo, pode notar que não estava do lado deles. Com a testa franzida e os olhos confusos, bastou o trem passar de uma vez por todas para deixar um sorriso confiante abrir em seus lábios, encarando o contorno do homem que aparecia. Bucky tinha feito sua jogada.
Claramente descontente, a criatura não perdeu tempo em atirar a lança que segurava, cujas pontas tinham algum tipo de fonte energética azul, em direção ao homem que surgiu do outro lado da plataforma, nas sombras, atrás de onde o trem havia acabado de passar. Com firmeza, o homem segurou a lança no ar, sem sequer se dar ao trabalho de se esforçar, dando alguns passos para frente, em seguida. Sua expressão era séria, intimidadora, mas seus olhos caíram em com cumplicidade e certa confusão. A criatura o encarou duvidosamente, certamente não estava esperando por aquilo. Visão virou-se levemente de lado para encarar o que acontecia e Wanda deixou um sorriso discreto sair de seus lábios, entendo o que acontecia ali. Tinha e tinha Steve agora. Visão estaria protegido. O que ela não considerou é que os dois não estavam sozinhos.
Sam surgiu de algum lugar que nenhum deles pode exatamente ver, voando em direção às criaturas, e metendo os dois pés em uma delas, na que parecia como um animal, que rapidamente conseguiu agachar e desviar. Pela distração, a outra criatura não conseguiu ver a chegada de Sam a tempo e foi atingida em cheio por ele, sendo arremessada com brutalidade para longe dali, mais ao lado, estraçalhando as vitrines de uma das lojas de conveniência da estação. Sam deu a volta no ar e programou o equipamento de seu pulso, soltando quatro minis mísseis em direção ao outro oponente que, ágil, preciso e furioso, desviava os mísseis com sua lança. Aproveitando a distração da criatura, correu em direção a ela, a vendo virar-se de frente para Steve que, em um movimento rápido e assertivo, atirou a lança que segurava em direção a criatura, passando por ela propositalmente e sendo pega, no ar, por . A criatura virou-se de costas para ver o que acontecia, sendo recebida por um golpe nas pernas de , com a lança, que deslizou de joelhos no chão até o outro lado e colocou-se agilmente em pé, parando no ar com a lança que empunhava, perto de seu rosto, a ponta de lança que a criatura tentava acertar nela.
A criatura virou a lança em um segundo no ar, tentando acertar na lateral do corpo, que, rapidamente, conseguiu se proteger com a lança que segurava, pegando impulso naquele movimento e dando um chute forte nas pernas do adversário, o fazendo cambalear para trás e afastar-se dela. A criatura, bizarra, grunhia com fúria encarando de frente, como se a quisesse matar a qualquer custo. Com passos firmes em direção à ela, a criatura rodopiou sua lança em mãos, sem tirar os olhos de nem por um instante. , contudo, viu uma nova movimentação acontecer de frente para ela, correndo em direção às costas da criatura. Com um sorriso irônico para a criatura que já se aproximava, atirou a lança que segurava, uma vez mais, em direção a pessoa que vinha correndo atrás da criatura e, do mesmo modo que instantes antes, Natasha a segurou no ar. De cabelo loiro e curto, muito diferente da última vez em que a viu, só conseguiu reconhecer ela assim que estava já perto o suficiente, atingindo a criatura com a lança. seguiu desestabilizando a criatura, lutando com seu próprio corpo, até Natasha acabar com aquilo de uma vez por todas, enfiando a lança no peito da criatura com agilidade e força.
Com grito alto de dor, a criatura encarou Nat nos olhos. Sem remorso algum, ela puxou a lança de dentro dele com força, dando uma cambalhota com o corpo para frente e soltando a lança no ar para que a pegasse uma vez mais. Em perfeita sincronia, pegou a lança e enfiou a ponta dela novamente na criatura, em seu abdômen dessa vez. Apoiando-se na lança fixada no corpo da criatura, ela tomou impulso no ar e passou a perna direita por cima da lança, atingindo o rosto do adversário com o pé esquerdo, enquanto tirava a lança dele, em um movimento rápido e forte, parando em pé novamente de frente para a criatura caída. posicionou-se ao lado de Natasha, direcionando a lança de frente para a criatura que já parecia sem forças o suficiente para enfrentar as duas. Contudo, sem saber que aquilo era possível, a lança foi puxada brutalmente da mão de , atraindo a atenção dela e de Natasha para trás de onde estavam.
A dona da lança, a criatura mais humana, vinha em direção à elas furiosa, irritada, mas antes mesmo que pudesse atingi-las, Steve apareceu perto, empunhando a lança da criatura que estava caída, protegendo-as, segurando o golpe da adversária. Ele a golpeou com a lança, a afastando brevemente de si, dando tempo e espaço suficientes para e Natasha conseguirem se juntar à ele. Nat tinham dois bastões, um em cada mão, acoplados em seu traje, o que a ajudava a se proteger das tentativas de ser atingida por uma das lanças, enquanto tentava tirar a criatura de perto dela e de Steve na força mesmo, o vibranium de seu traje e algumas raízes saindo e voltando do solo, rápidas, segurando os golpes que recebia. Os três lutaram em uma sincronia quase ensaiada, mas foi Sam, vindo do ar e dando um giro preciso que conseguiu atingir a criatura em cheio, com os pés, afastando-a para o canto, sem a lança. Acuada, ela ajoelhou-se e engatinhou até perto de seu parceiro que, machucado, encarou Steve, Sam, e Natasha se colocarem de frente para eles, em pé. Sam sacou suas armas e apontou em direção aos adversários, sem tempo a perder para agir novamente, caso necessário.
— Levante-se — A criatura mais humana pediu, colocando sua mão no peito do parceiro. Só naquele momento realmente reparou nas feições estranhas que tinham. Usavam roupas de combate, suas peles pareciam resistentes, tinham orelhas como chifres, nada que ela já tivesse visto ou enfrentado na vida.
— Não consigo — A outra criatura murmurou, encarando sua parceira.
— Quem são vocês e o que querem aqui? — perguntou séria, encarando-os à sua frente. Estavam relativamente desesperados, tentando acudir-se, salvar-se.
— Nós não queremos matá-los, mas mataremos — Natasha os alertou, no mesmo tom de voz imponente e sério de , atraindo atenção dos dois. Sam pensou por um instante que, se fosse ele naquela situação, encarando e Natasha juntas, ele já teria entregado todos os pontos.
— Nunca mais terão outra oportunidade — A criatura mais humana respondeu encarando diretamente Natasha e, meio segundo depois, curvou-se em cima do corpo de seu amigo machucado, deixando-se ser puxada, junto com ele, por uma fonte repentina de luz azul, parecida com aquela que viu puxar Peter.
Sem esperar por aquilo, , Sam, Steve e Natasha encaravam a abdução acontecer atônitos. Tudo tão rápido que mal conseguiram processar direito o que estava acontecendo. A fonte de energia, como um portal, ficou aberta por não mais do que dez segundos, puxando consigo a lança que Steve segurava e desaparecendo em seguida. deu um passo mais à frente, ao mesmo tempo em que Sam, encarando o buraco no teto da estação, por onde se pode ver a nave, no mesmo formato gigantesco e anelar do que a que viu em Nova Iorque ir embora. Tão rápido como da outra vez. Igualmente sem sentido. tinha falhado na missão de entender quem eram e o que queriam, tinha falhado em descobrir o que tinham feito com Tony e Peter. Mas parte dela, contudo, pareceu aliviada ao se dar conta de que, diferente da outra vez, naquela, eles tinham vencido.
abaixou seu olhar até o homem à sua frente, que retribuiu no mesmo instante, guardando as armas que segurava de volta nos coldres de seu uniforme. O sorriso contido aparecendo nos lábios de Sam em resposta ao olhar carinhoso, carregado de saudades, de . Toda a adrenalina da ação os tinha impedido de parar por um instante e raciocinar a outra parte do que estava acontecendo ali, fora a invasão. Steve e Sam estavam há um ano sem fazer qualquer tipo de contato com . Aquele era o primeiro momento, em dois anos, que estavam se vendo novamente. E o primeiro momento, em um ano, que poderiam, finalmente, se falar. A certeza de que estavam bem recaindo sobre eles três trouxe um misto de alegria e saudosismo silenciosos, a emoção do reencontro que queriam viver, embora não naquele lugar e nem daquele jeito.
Soltando uma risada baixa, como se entendesse o que o olhar feliz de estivesse dizendo, Sam abriu os braços para ela. não demorou nem um segundo para correr até ele se jogar ali, o apertando com força. O cheiro do perfume fresco e fumado dele, tomando conta com alegria, toda a preocupação e saudade que sentia de um dos melhores amigos que fez na vida cedendo lugar a uma tranquilidade que só podia vir dele. Natasha e Steve sorriam diante da cena, com emoção e discrição. Sabiam o quanto Sam sentia falta dela. Sabiam o que aquele momento significava para ele.
— A gente precisa parar de se encontrar nesse tipo de situação — Sam comentou brincalhão, tirando de uma risada abafada, enquanto ela se afastava levemente dele.
— Está ficando cada vez mais bizarro — Ela respondeu pensativa, lembrando-se de Lagos, a última situação em que se encontraram daquela forma, e bem mais normal do que essa.
— Sorte que Bucky nos ligou a tempo — Steve comentou aproximando-se dela, dando-lhe um abraço caloroso e um tanto demorado, carinhosamente retribuído por . Só Bast sabia o quanto ela sentia falta deles dois e o quanto estava feliz por vê-los ali, bem.
— Gostei do novo visual — encarou Steve assim que se separaram do abraço.
— Pareço diferente? — Ele riu envergonhado, passando a mão pelo cabelo mais comprido. A barba mais cheia, maior, dava um ar diferente, ainda mais charmoso, para ele. O traje de Capitão América havia mudado, estava mais escuro, mais sério, maduro e sóbrio.
— Parece mais gostoso — respondeu dando de ombros, propositalmente para constranger o amigo que riu tímido e negou com a cabeça. Tinha saudades de . Muitas.
— Eu disse — Natasha comentou olhando de Steve, envergonhado, para , abraçando-a brevemente em seguida, ainda segurando suas barras em mãos.
— Eu também — Sam encarou o amigo, cruzando os braços.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou curiosa, afastando-se de Nat e a segurando pelos braços, estranhando a presença dela ali. A mudança de visual já dava indícios de que ela havia mudado de lado na separação, mas queria ter certeza daquilo antes de seguir em frente.
— Eu repensei a minha escolha — Ela sorriu sem mostrar os dentes, encarando a mulher à sua frente sorrir de volta.
— Na verdade, a vida nômade seduziu ela — Sam brincou, fazendo Natasha revirar os olhos.
— É bom ver vocês de novo — comentou sincera, dando um passo mais atrás, olhando os três ao seu redor, à sua frente.
— Nós também achamos — A voz de Wanda chamou atenção dos quatro, os trazendo de volta a realidade de um segundo a outro.
Parada no exato mesmo lugar que antes, ela estava agachada ao lado de Visão, tentando fazê-lo se sentir minimamente melhor. A tirar pela preocupação, pela conversa que ouviu deles mais cedo e por estarem a sós ali, na Escócia, entendeu que a teoria de Steve estava certa e acontecendo. Wanda e Visão estavam juntos, por isso ele não estava com Stark nos Estados Unidos, por isso, talvez, assim como Natasha, tinha mudado de lado no jogo. E por isso que Wanda deixou de ser citada por Sam e Steve nas últimas chamadas que eles fizeram com . Era um pelo outro, eram só os dois. deu um sorriso triste para Wanda, pensando em como estaria se sentindo se estivesse no lugar dela, se jogado ali no chão fosse Bucky.
Visão ainda estava encostado na grade antes da plataforma de trens, parecia muito debilitado. Os quatro encararam o casal por apenas um segundo antes de irem até eles, pensando no que tinha acabado de acontecer. Por que queriam Wanda e Visão? Por que estavam atrás deles? O que tinha acontecido antes de eles chegarem ali? Havia de fato uma explicação? Natasha encaixou as barras que segurava de volta nas costas de seu traje, alguns passos de chegar realmente perto de Wanda e Visão, enquanto e Steve vinham ao seu lado, firmes e preocupados.
— Consegue se levantar? — Sam, proativo, deu alguns passos mais à frente, agachando-se do outro lado de Visão, ajudando Wanda a levantá-lo. Visão conseguiu se colocar em pé, sendo escorado por Sam e Wanda, um de cada lado, como se o abraçasse. Ele trocou um olhar sério, um tanto assustado, com Steve, que parecia tenso na presença dele ali.
— Obrigado, Capitão — Visão agradeceu baixo, vendo Steve o encarar nos olhos e respirar profundamente. Natasha ainda parecia desconfiada que algo mais pudesse acontecer, não abaixaria a guarda tão facilmente. Ela olhou para trás por um instante, para ter certeza de que estavam sozinhos.
— Não é a mim que você deve agradecer — Steve desviou seu olhar até , sendo seguido por Visão e Wanda, que a encararam por um momento, em um agradecimento silencioso e sincero que tirou dela um discreto sorriso enquanto assentia com a cabeça — Vamos levá-lo para o jato.
— E ? Para onde vai? — Sam perguntou com a expressão preocupada, vendo a amiga respirar fundo. Ela não tinha pensado naquilo ainda, tinha que tentar se comunicar novamente com Bucky, pedir ajuda para sair dali.
— Não pode vir com a gente? — Wanda perguntou preocupada — De todos aqui, você é a única que entende sobre vibranium, como vamos consertar o Vis?
Ela tinha um ponto. Um ponto fundamental e muito coerente para fazer ficar, para os planos, uma vez mais, serem mudados de última hora. não conseguia entender como puderam danificar o funcionamento de Visão daquela forma. Havia vibranium no corpo dele, o metal mais resistente já encontrado na Terra fibrilado em uma tecnologia absurdamente avançada. Não era para aquilo ter acontecido. E todos eles sabiam disso. deu uma rápida olhada pelo corpo de Visão, o mal funcionamento das ligações a lembrando do curto que o braço de Bucky teve naquele mesmo dia, mais cedo. Algo que ela não pode resolver e que dependia de Shuri. Algo que Wanda não podia resolver e que dependia dela para isso.
— Meu jato foi atingido, preciso de uma carona para casa de qualquer forma, posso ver o que consigo fazer, no caminho — Ela respondeu preocupada, olhando Wanda de volta.
— O que aconteceu aqui, irá acontecer novamente — Visão falou como um alerta, olhando de Steve para a sua frente — Eles estão atrás da joia e irão voltar, eu consigo sentir, a joia estava me alertando isso o tempo todo.
não sabia se estava entendendo exatamente o que ele queria dizer naquele momento. Seu olhar pairou sobre a gema amarelada que ele carregava na testa, encarando-a com curiosidade. Nunca tinha tido contato com aquilo, nunca tinha discutido ou estudado o que ele estava dizendo ser uma joia, ela não conseguia realmente entender como funcionava e para o que exatamente servia ou por que de seres de outros planetas estarem atrás dela. Contudo, aquele não era lugar nem momento para descobrir. Tinham que tirar Visão dali, tinham que sair dali antes que alguém chegasse, antes que aquela situação pudesse piorar ainda mais. não tinha como voltar para Wakanda, não tinha como chegar até seus pais sem ser perigoso demais para ela, sem correr o risco de ser encontrada pelas autoridades de segurança, de ser presa. Tinha que encontrar um modo de religar seu comunicador sem interferências e sem ser rastreada. Tinha que ajudar Visão. Tinha que se preparar para novos ataques como aquele.
— Precisamos avisar T’Challa sobre o que está acontecendo — comentou, voltando seu olhar para Steve ao seu lado, que concordou.
— E precisamos ficar juntos, senhorita — Visão voltou a falar apreensivo, sugestivo. Ao seu lado, Wanda concordou brevemente com a cabeça, olhando-a — Fomos seis contra dois agora e não conseguimos mais do que afugentar eles. Tony Stark está desaparecido. Não podemos correr mais riscos. Sem mais perdas.
— O que quer que aconteça, faremos isso juntos — Steve concluiu com um suspiro, vendo ponderar por um instante.
Ela tinha muito a perder, ele sabia disso. Tinha deixado o conforto e a segurança de Wakanda, tinha deixado Bucky para trás. Aquela era uma decisão difícil, mas não havia muito em que pensar. Estavam diante de um problema muito maior e mais complexo do que qualquer um deles já tinha enfrentado ao longo de suas vidas. Não podiam esperar por nada mais senão o pior. De um dos bolsos de seu traje, Steve tirou o celular de flip que tinha pegado com Shuri, quando esteve em Wakanda, e o entregou para . Como se dissesse a ela silenciosamente que poderia avisar Bucky e T’Challa, ela aceitou o aparelho e concordou com a cabeça, olhando os olhos de Steve. Se sentia segura com eles, tinham mais força juntos do que separados e, fosse o que fosse, ela não estaria sozinha naquilo. Precisavam dela.
Os seis saíram da estação de trem em silêncio, pensativos, puxando Visão consigo em uma dificuldade extrema. Wanda contou brevemente, sem grandes detalhes, ao longo do caminho até o jato, o que tinha acontecido até a chegada deles e percebeu só então que, o que tinha derrubado seu avião foi, na verdade, desvios da energia que Visão tentou lançar em uma das criaturas. Com todos tomando seus lugares dentro do jato, Sam no piloto, Steve em pé ao centro, Visão sentado em uma das poltronas com Wanda ao seu lado, sentada no chão, se perguntou mentalmente em que momento daquele dia tudo havia saído do controle daquela forma. Steve parecia igualmente apreensivo, com as duas mãos no cinto de seu traje, ele refletia sobre o que tinha acabado de acontecer e, o mais importante, o que deveriam fazer dali em diante.
Sam tirou o jato do chão e o manteve pairando no ar, esperando por alguns comandos do painel de controle da aeronave liberarem a saída deles. viu Natasha apertar o botão para travar a porta do jato, enquanto mantinha-se em pé, de frente para Steve, no centro do jato. Com os braços cruzados, segurando o pequeno aparelho celular em mãos, e o corpo apoiado em um dos encostos da poltrona, pensava se deveria ou não já entrar em contato com Bucky. Queria saber exatamente para onde estavam indo antes de avisá-lo, podia imaginar o quão angustiado ele deveria estar, sem ter qualquer notícia dela. Natasha parecia meio irritada, e como se tivesse lembrado de algo importante, algo que ela não guardaria para si mesma, ela quebrou o silêncio dentro do jato.
— Achei que tivéssemos um acordo — Nat comentou cirúrgica, esperando a rampa de acesso ao jato fechar-se, sem desviar seu olhar para Wanda, que sabia que aquela bronca era especialmente para ela — Ficar perto, dar notícias, não se arriscar.
— Sinto muito — Wanda respondeu com certa tristeza, olhando Nat ir até o outro lado da aeronave, passar por Steve e sentar-se na poltrona logo atrás de Sam, no piloto — Nós só queríamos um tempo.
desviou seu olhar para o chão, triste em ouvir aquilo. Não era fácil ter uma vida minimamente normal para nenhum deles. Para ninguém.
— Para onde Capitão? — Sam perguntou do banco do piloto, olhando Steve por sob o ombro.
Natasha fez o mesmo, enquanto subiu seu olhar cheio de expectativas e certa insegurança até Steve. Não tinham realmente para onde ir, tinham? Qual lugar seria seguro para eles se estavam junto com Visão, o principal alvo? Steve repassava mentalmente todas as possibilidades que tinham, tudo que podia dar errado e tudo que poderiam fazer nesses casos. Com seu olhar perdido em um canto qualquer do jato, no fundo, sem realmente saber se aquela era a melhor das decisões, ele finalmente respondeu com firmeza:
— Para casa.
- Capítulo 26 -
Wakanda
Tribo da Fronteira
Tribo da Fronteira
— O que é isso? — Ele perguntou curioso, dando alguns passos mais ao centro do terraço.
— Está preparado? — sorriu travessa, um misto de ansiedade e timidez tomando conta de si.
— Acho que sim — Bucky sorriu vendo-a feliz apertar com animação algo que parecia um pequeno controle remoto.
No mesmo instante em que apertou o minúsculo botão do controle, o terraço em que estavam perdeu-se de vista. O amplo e vazio lugar, forrado em grama e com o confortável sofá que e Bucky gostavam de passar as noites foi tomado por um holograma perfeito, uma realidade virtual tão rica em detalhes que facilmente era possível confundir-se. Ao redor deles, impecavelmente planejado, o holograma mostrava diferentes cômodos em tamanho real, como se estivesse agora dentro de uma casa. Bucky olhou ao redor atônito, levando alguns instantes até perceber exatamente o que estava acontecendo. Os olhos de acompanhavam cada movimento do homem à sua frente, parado com as duas mãos nos bolsos da calça jeans, seus olhos impressionados, os cabelos compridos delicadamente atrás das orelhas, os lábios levemente entreabertos pela surpresa.
Estavam em pé no que parecia ser uma grande sala de estar. Confortável, em tons terrosos, amenos, bem decorada e muito elegante. Dali, era possível ver a sala de jantar com uma mesa colonial em madeira escura, a cozinha em ilha, a escada que levava para o andar de cima. O tapete que Bucky havia comentado uma vez, como ele se lembrava de ter na casa de seus pais, os porta-retratos sob os móveis da sala que mostravam fotos dele e de , tiradas ao longo daqueles exatos dois anos desde a primeira vez em que suas vidas se cruzaram. Haviam plantas espalhadas pelo lugar, como ele havia visto no apartamento de em Berlim, um sofá bastante confortável e um cantinho especial para Alpine, ele reparou.
Bucky sabia o que era aquilo. Mas não esperava. Não daquele jeito e não naquele momento. Não tão delicado, detalhado e amoroso. A projeção exata de uma conversa que tiveram em uma tarde de chuva, enquanto estavam no chalé na fronteira. O holograma perfeito, realista, de um plano, de um sonho, de um futuro incerto, mas desejado por ambos. sempre foi atenta aos detalhes, sempre conseguia entender as entrelinhas, sempre o ganhava pela alma, pelo amor e, de longe, era aquilo que ele mais amava nela. O sentido em tudo que fazia. Calma, esperou pacientemente pela reação dele, assistindo-o caminhar impressionado, seus olhos se enchendo de lágrimas discretamente, enquanto observava cada detalhe, como se estivesse dentro daquela casa, como se estivesse vivendo aquela ideia. Diante do último estágio da liberdade que eles tanto sonhavam: ter, finalmente, um lugar ao qual pertencer.
— É a minha casa, na França — Quebrando o longo silêncio, minutos depois, comentou baixo, feliz — Mas diferente de como está hoje. É como conversamos naquele dia, como gostaríamos que... fosse, como… imaginamos que seria se… — Ela deixou as palavras voarem, a felicidade sendo interrompida por certa tristeza em tudo aquilo não ser real. Não ainda. Bucky voltou seu olhar até ela, sorrindo com ternura.
— Isso é lindo, boneca. É muito melhor do que imaginamos — Ele a puxou delicadamente, deixando um beijo suave e rápido em seus lábios. Passando as mãos pelos ombros dele, sorriu.
— Gostou? Mesmo? — Ela perguntou tímida. Estava ansiosa naquele dia, por aquele momento em especial. Tinha tido um trabalho e tanto em planejar e desenvolver aquele holograma, queria que fosse o mais realista possível, queria que Bucky pudesse se sentir dentro da casa e lá estavam eles.
— Eu amei, — A olhando nos olhos, Bucky respondeu sincero, emocionado.
— Bom, nesse caso… — Ainda sorrindo e levemente envergonhada, ele pode notar, afastou-se dele e tirou de um dos bolsos de sua calça um objeto novo, pequeno e brilhante — Quando eu puder sair daqui, quando for seguro e eu puder deixar Wakanda… — Ela esticou-lhe o objeto — ... queria que você... viesse comigo.
Bucky só entendeu, de fato, o que acontecia ali naquele momento. A preparação, o mistério, a expectativa, a surpresa. O holograma, os detalhes, a lembrança da conversa que tiveram. Tudo era um convite. Silencioso, ameno, sutil. Um convite tão íntimo e tão inseguro quanto eles dois. Encarando como se pudesse ver sua alma, Bucky sorriu, uma única lágrima escorrendo por seu rosto, transbordando pelo amor que recebia dela naquele instante. Ainda tinha algo a viver, a receber. Ainda tinha mais, ela ainda queria mais, apesar de tudo, apesar dele, de seus momentos, de seu passado. Se algo fez sentido a Bucky naquele momento era o que havia aprendido com naqueles anos. Valia a pena amar tudo aquilo que faz tremer as mãos.
Com as mãos trêmulas, pela emoção, pelo momento, pelo significado, Bucky aceitou a chave que o estendia gentilmente. A chave da casa dela. Da casa que Karl e Everett começaram a construir a referência de família que tinha. A casa que abrigou e protegeu Steve e Sam. A casa que ela tanto queria voltar a viver. A chave da casa que ela planejava reformar do jeito que eles haviam conversado, imaginado. A casa que estava aberta naquele holograma. A casa em que podiam, finalmente, de uma vez por todas, viver em liberdade. Viver o sonho que sonhavam juntos.
Com uma pequena casinha desenhada no próprio metal da chave e a letra B gravada em um chaveiro minimalista, em claro sinal de que o objeto pertencia a ele e só ele, Bucky o apertou com força em sua mão direita. Novos passos, novos começos, ele queria aquilo, ele sonhava com aquilo. Feliz, e um tanto aliviada por ter seu convite aceito, por ter conseguido fazer e manter a surpresa daquele presente singelo de dois anos desde que se conheceram, beijou Bucky lenta e apaixonadamente, pelo tempo que foi possível até o ar faltar-lhes nos pulmões. Contente, realizado e ainda emocionado pelo momento, Bucky a abraçou com força, seus braços na cintura da mulher colada em si, de frente para ele, e sussurrou:
— Quando pudermos sair de Wakanda, sairemos juntos.
Mas eles não saíram.
Ao menos não daquela vez.
Bucky se revirou inquieto na cama. A memória percorrendo sua mente como se pertencesse a um passado estranho, como se o presente não fosse mais aquele. E não era. Tudo estava confuso, incerto, acontecendo rápido e repentinamente demais. Bucky não estava sabendo lidar com a saída de de Wakanda e ele tinha consciência daquilo. Estava absurdamente preocupado, o instinto mais protetor que poderia ter estava aguçado, aflito, angustiado e inseguro. Não sabia o que deveria esperar e, acostumado aos cuidados e a atenção, a companhia e a parceria, sem ela ali, por perto dele, nada mais parecia ter sentido. Era como se tudo estivesse saindo do controle novamente.
Horas antes, de Wakanda, ele recebeu uma única mensagem de , pelo telefone que Steve deixou com ela para casos de emergência. O texto breve e muito objetivo dizia que ela estava bem, mas que tinham um problema muito maior do que estavam imaginando e, por isso, ele presumiu, ela estava indo aos Estados Unidos com Steve. Bucky não aguentou a ansiedade e o afligimento diante daquela última informação, em especial, e arriscou fazer uma ligação. Tão breve e objetiva quanto a mensagem, atendeu receosa em correr o risco de colocá-los no radar de qualquer que fosse o interceptador de sinais por perto. O medo transbordando, de estarem sendo rastreados, de alguém descobrir sobre o paradeiro de Bucky, de irem atrás dele com ela longe.
Com a voz rouca e receosa, Bucky queria entender o que tinha acontecido para que os planos tivessem sido abruptamente alterados uma vez mais. Da mesma forma que A.R.I.A. conseguiu transmitir o ocorrido em Nova Iorque, hackeando câmeras de segurança dos lugares, Bucky havia assistido à luta de na Escócia. Pelas imagens das câmeras da estação de trem em que ela caiu, ele a viu aparecer, viu Steve chegar em tempo e viu Visão machucado. Bucky assistiu com atenção e confusão as criaturas irem embora espantadas por , Steve, Samuel e Natasha, tentando a todo segundo entender o que se passava ali. Contudo, assim que eles saíram da estação, as imagens não puderam mais transmitir o que havia acontecido com e para onde ela tinha ido. Ele perdeu a visão e o contato com ela até receber aquela mensagem, até fazer aquela ligação.
Assim como ele, e como todos já envolvidos naquela situação, não parecia entender exatamente o que acontecia, não tinha respostas, mas, pelo contrário, ainda tinha as mesmas perguntas. Os fatos pareceram se clarear ligeiramente quando descobriram que estavam atrás de Visão agora e que ele estava bastante debilitado. Feito em vibranium, aceitou ajudar a consertá-lo como podia, mas não tinha uma justificativa real para estar a caminho dos Estados Unidos. Bucky sabia que aquela era uma decisão de Steve e, talvez, baseada na esperança de poder fazer algo mais eficiente acessando a tecnologia de Stark. Ainda assim, contudo, era arriscado para ela. Bucky insistiu duas ou três vezes que iria até eles, que se juntaria e ajudaria no que fosse preciso, mas não estava segura daquela decisão. Não iria arriscar Bucky e sua segurança, sua integridade, enquanto não estivesse exatamente claro o que estava acontecendo. Ela pediu mais alguns dias para ele, pediu que avisasse seus pais e prometeu, como havia feito mais cedo, voltar.
Se estava se arriscando ainda mais, indo voluntariamente ao lugar em que certamente seria encontrada, e muito possivelmente detida, era porque o problema era muito maior do que qualquer um deles havia imaginado. Bucky conseguiu contato com Karl e Everett, que estavam bem, e, na impossibilidade de se encontrarem com a filha, decidiram retornar à Berlim. Ele repassou a mensagem e a ligação que teve com a T’Challa e Shuri, que já estava de volta ao país. O rei pareceu igualmente tenso, já esperando ter que, em breve, se juntar à luta também. Não havia nada mais que pudessem fazer, contudo, senão esperar por novos contatos de e continuar monitorando qualquer que fosse o movimento na atmosfera. Tenso, ansioso e desconfortável em permanecer no palácio sem por perto, um lugar que não lhe pertencia e que o fazia lembrar dela a todo segundo, Bucky decidiu voltar para o chalé na fronteira, com Alpine, onde seguramente poderia organizar seus pensamentos e seus sentimentos, descarregá-los se precisasse, enquanto esperava angustiado por novas instruções. T’Challa o avisaria de qualquer que fosse o movimento, e concordou que seria melhor para ele se afastar por um momento.
Na madrugada da segunda noite, sem conseguir dormir, com sua mente rodando toda a saudade que sentia de em lembranças carinhosas e nas promessas frustradas, toda a preocupação em memórias das últimas horas, Bucky soltou o ar pelo nariz pesadamente e se sentou na cama. Muito cansado fisicamente, desgastado pela incompreensão e pela incerteza, ele passou a mão no rosto e puxou seus cabelos para trás. Instintivamente, então, ele pegou o pequeno aparelho celular em cima do móvel de cabeceira de cama e deixou um novo suspiro escapar.
— O que está acontecendo, ? — Ele sussurrou para si mesmo, a escuridão solitária daquela madrugada apertando seu coração com força — Volte, por favor, volte.
Estados Unidos da América
Espaço aéreo
Espaço aéreo
— Como conseguiu as asas de volta? — perguntou curiosa, vendo Sam prestar atenção no painel de controle do avião.
— Natasha as trouxe, junto com o traje de Steve, quando nos encontrou — Ele respondeu dando de ombros, vendo concordar breve com a cabeça.
O caminho de volta ao lugar que Steve chamava de casa, os Estados Unidos, não durava mais do que três horas. A impressionante tecnologia de Tony Stark, bastante parecida com a tecnologia aérea utilizada por Wakanda, conseguia encurtar viagens em proporções inimagináveis. Com ajuda de um amigo misterioso, Natasha havia conseguido um jato de alta tecnologia, como os de Tony, antes de ir atrás de Steve e dos demais. Ela estava fugindo do Secretário Ross desde que T’Challa havia dado seu depoimento à ele, depois dos acontecimentos no aeroporto de Berlim, e, culpada por ter deixado Steve, e Bucky escaparem, passou a ser caçada feito uma criminosa, como todos eles ali. Nat contou a brevemente, sem emoção e sem detalhes, que reencontrou sua irmã nesse meio tempo e resolveu uma questão que ainda estava em aberto, mas, uma vez resolvida e sem ter mais para onde ir, logo passou a procurar por eles e se juntou a Steve e Sam até receberem uma ligação, pelo número que Steve deixou com Tony anos antes, contando-lhe sem detalhes o que tinha acabado de acontecer em Nova Iorque e pedindo que fossem de volta ao Complexo dos Vingadores o mais rápido possível.
Contudo, foi o tempo de Steve desligar para uma nova chamada entrar. Bucky ligava pelo telefone de emergência que Steve deixou com , para lhe avisar que o que tinha acabado de acontecer em Nova Iorque estava prestes a acontecer na Escócia e, sem detalhes, disse que estava a caminho, sozinha. A preocupação transbordando na voz do amigo, Steve podia notar que ele estava desesperado. Não pela invasão em si, mas por estar sozinha diante dela.
Sem muito em que pensar, já em cima da hora em que Bucky havia informado estar prevista a invasão, Steve anotou as coordenadas e avisou Natasha e Sam, que dividiam com ele um apartamento minúsculo em uma cidade do interior da Bélgica. O galpão onde deixavam o quinjet escondido, na intenção de não chamar atenção nem serem rastreados, ficava há 63 quilômetros de distância, percorridos em um veículo roubado por Natasha. Como um bom piloto, Sam conseguiu gerenciar a partida do jato e chegaram em tempo exato de encontrar . O que não esperavam, contudo, era ver Wanda e Visão ali também. Descumprindo a promessa que fez a Natasha, Wanda tinha desligado o rastreador que carregava consigo, perdendo totalmente a comunicação com o resto do grupo.
Dizer que tudo estava sob controle, como Steve gostava que as coisas estivessem, seria uma grande mentira. Ele estava intrigado com aquela história, um tanto apreensivo, pensativo e, não fosse por vez ou outra em que se meteu na conversa de Sam e , ele passou a viagem toda se esforçando em entender o que deveriam fazer dali em diante. Ir de volta ao Complexo não era a melhor das ideias e estava longe de ser a mais segura, ele sabia. Tudo parecia estranho e atípico demais para Steve, algo o incomodava naquela história, ele só não sabia, ainda, o que era.
No jato, levou menos de uma hora para religar os fios rompidos do corpo de Visão, com apoio de algumas poucas ferramentas que Natasha a ajudou a encontrar pelos bagageiros. Aquilo parecia ter sido o suficiente para, ao menos, Visão sentir seu corpo inteiro de novo e ficar em pé, seguraria as pontas até estarem no Complexo dos Vingadores, onde, de acordo com Steve, ela poderia ter mais recursos para ajudá-lo. tinha conhecimento profundo sobre o vibranium, sabia o que podia ou não ser feito com ele, e um rompimento daquela forma, definitivamente, não estava nos planos. Não havia uma explicação lógica para terem basicamente quebrado Visão ao meio, as rígidas e resistentes fibras do metal deveriam segurar o impacto da lança. Mas nada, absolutamente nada, naquela história estava sendo lógico. Aquele era só mais um dos detalhes.
Wanda contou a , enquanto a assistia ajudar Visão, sobre os dois anos em que ela passou vivendo clandestinamente pelo mundo. Sem expressar nitidamente, se sentiu mal por não ter podido fazer muito mais do que bancar os esconderijos e manter tudo que eles precisassem, de comida a roupas. Queria ter podido levá-los para Wakanda, queria que eles pudessem ter passado aqueles dois anos seguros, protegidos e confortáveis, como ela e Bucky passaram, e o desejo que aquilo fosse realidade só aumentou quando, terminado o trabalho com Visão, ela ouvia Sam contar seu ponto de vista da história. Tudo poderia ter sido diferente para eles. Mas Wakanda era Wakanda.
Contudo, havia uma parte boa em ouvir aquelas histórias e era justamente a sensação confortável e amena de estar por perto de todos eles novamente. Por mais difíceis que aqueles dias tivessem sido, e eles foram, Sam fazia tudo parecer mais leve e um tanto cômico. Ele fez questão de contar em detalhes sobre o que aconteceu depois de terem perdido contato, naquele ano inteiro em que passaram distantes. Fez questão de reclamar dos lugares que ficaram e das comidas. Fez questão que soubesse o quanto ele sentiu sua falta. Sam estava verdadeiramente feliz de tê-la por perto outra vez. Uma felicidade, um conforto, que ele não sentia há dois anos inteiros e que só sentia com ela. parecia mais leve, mais decidida e um tanto mais segura de si. Talvez ter fechado algumas feridas do passado e ter ficado um tempo longe do caos, das lutas e das fugas tivessem feito bem a ela. O que Sam não sabia, porque não teve tempo nem espaço para contar, era o outro detalhe do que tinha acontecido nesse meio tempo, o detalhe do que realmente havia feito bem a ela.
— E Barnes? Não me contou sobre ele — Sam perguntou despretensiosamente, apertando alguns botões do painel a sua frente. suspirou, recostando-se na poltrona em que estava sentada, logo ao lado de Sam no piloto.
— Ele está bem, ganhou um braço novo e, para sua informação e total descrença, conseguimos desativar o Soldado Invernal de uma vez por todas — Ela sorriu vitoriosa e um tanto provocativa — Mais um ponto pra mim, Passarinho.
Até onde se lembrava, a única vez em que Sam teve contato com Bucky foi durante o dia que passaram no apartamento dela, em Berlim. A irritação e a descrença dele em estarem protegendo e arriscando suas próprias vidas e liberdades por um assassino cruel, violento e instável, pareciam viver nas memórias de . Ela se lembrava bem da reação de Sam quando decidiram ir atrás de Barnes em Bucareste, quando ele achou que Bucky a tinha machucado, em Berlim. O que Sam tinha de bom e bonito, ele tinha de desconfiado e teimoso. E não perderia a oportunidade de cantar vitória, de dizer que ela estava certa e ele não. Ela não perderia aquela chance. Sam a encarou por alguns instantes, segurando o sorriso para não dar o braço a torcer.
Alguns poucos metros daqui, sentados nas poltronas atrás de onde e Sam conversavam, Steve e Natasha levantaram seus olhares até eles quase que ao mesmo tempo. O fato de Bucky não ser mais o Soldado Invernal despertou profunda curiosidade em Natasha, que tentava entender, em silêncio, reflexiva, como podiam ter feito aquilo depois de tantos anos. Steve, por sua vez, foi atingido por uma onda discreta e carinhosa de felicidade. Aquela era uma notícia e tanto, um alívio no meio de todo aquele caos. Podia imaginar como seu amigo estava se sentindo, como tinham sido libertadores e calmos aqueles dois anos. Bucky estava, finalmente, tendo algo que merecia ter. E Steve se sentiu satisfeito por ter tomado a decisão certa, de deixá-lo lá, com . Não poderia ter sido melhor. trocou um olhar rápido com Steve e deixou um sorriso sincero escapar. Ele sabia o que aquilo significava para Bucky, mas sabia também o que ter o libertado do Soldado Invernal significava para . Steve estava genuinamente feliz em ouvir aquilo e sorriu breve em resposta.
— Duvido! Só acredito nisso, vendo — Defensivo, Sam rebateu. Não duvidava da capacidade de , mas sim e muito pelo contrário, duvidava de Barnes — Mas não é isso que eu quero saber, você sabe — Sam respondeu, atraindo o olhar de outra vez para si — Anda, conta logo.
— Não tenho mais nada o que contar — Enfadada, deu de ombros.
— Tem certeza disso? — Sam arqueou as sobrancelhas, a encarando.
— Tenho — Ela cruzou os braços.
— Não tem não — O homem insistiu.
— É uma longa história — bufou, cedendo. Steve e Natasha acompanham a pequena discussão deles com os olhos.
— Então tem o que contar, Fada? — Provocativo, Sam cutucou o braço da mulher ao seu lado, tirando uma risada abafada, de incredulidade, de Steve. Sam e juntos eram uma especificidade da vida que ele nunca, jamais, encontraria em outras pessoas. Uma amizade tão leve, divertida e respeitosa, tão confiável e conectada que ele não havia visto em mais ninguém.
— Não estava com saudades disso — Negando com a cabeça, desviou seu olhar para o céu lá fora, pela grande janela à sua frente.
— Não é isso o que você me dizia nas chamadas — Sam fingiu-se magoado por um segundo, uma mão no próprio peito, arfando forçadamente. não aguentou e riu, passando a mão pelo rosto.
— Ok, está certo — Se dando por vencida, passou a língua pelos lábios e voltou seu olhar até o homem ao seu lado — O que mais você quer saber?
— MINHA NOSSA! — Com os olhos arregalados, Sam falou alto, atraindo atenção de Wanda e Visão para o assunto também — Realmente tem algo a contar? O que aconteceu?
deixou um sorriso escapar, pensando por onde deveria começar a contar a história. Tanto havia acontecido, tamanha era a intensidade daqueles dias, como ela poderia resumir? Contudo, antes mesmo que pudesse efetivamente começar a falar, o painel de controle sinalizou com alguns toques baixos, junto com um alerta visual vermelho, a chegada deles no lugar previsto. Mudando completamente o tom do ambiente, da leveza à preocupação, em segundos. Como se houvessem combinado, todos os seis dentro do jato olharam para fora, a tempo de ver o gigantesco terreno do Complexo dos Vingadores aparecer em suas vistas. olhou um tanto desconfiada para Sam que, assentindo brevemente com a cabeça, como se dissesse estar tudo bem, voltou a programar o painel de controle à frente, para pousarem. Não demorou mais do que alguns poucos minutos até estarem todos em pé. Lado a lado, silenciosos, preocupados com o que aconteceria dali em diante, os seis esperavam a rampa de acesso do jato terminar de abrir-se, para finalmente, estarem de volta em casa.
Steve havia contado brevemente como era aquele lugar, no dia em que saiu com para beber e conversar, em Wakanda. Mas nada do que ele havia dito chegava perto do que realmente era estar ali. já tinha estado em muitos lugares pelo mundo, alguns deles tão luxuosos e impressionantes que poucas pessoas poderiam ter a sorte de acessar algum dia. Por isso, e pela naturalidade em viver dentro de um palácio, em meio a tecnologia mais avançada existente em todo o mundo, não se impressionou pelo luxo e pela elegância do lugar. Tony Stark certamente tinha bom gosto e muito, muito, dinheiro. O que era incrível ali, contudo, era a energia que o lugar transmitia. Não só por estar rodeado de natureza livre, mas também pela sensação de acessar algo tão exclusivo, tão fechado, tão surreal e tão íntimo. O lugar que abrigava, que concentrava, as pessoas mais poderosas e fortes do mundo. O lugar tão carregado de expectativas, tão cheio de vitórias, de força e de responsabilidades. Os corredores que escondiam histórias gloriosas e, igualmente, algumas outras tão trágicas quanto as de e Wanda, tão simbólicas quanto a de Steve e Sam, tão misteriosas quanto a de Natasha e tão racionalmente impossíveis quanto a de Visão.
A intimidade de estar, finalmente, na casa deles. Um lugar que tinha tudo para ser estranho e impressionante, mas que, para , pareceu reconfortante, pertencente, como se fosse dela também. Mas não era. Acompanhando Steve e Natasha ao seu lado, enquanto Sam e Wanda vinham poucos passos atrás deles, apoiando Visão, se sentiu verdadeiramente parte daquilo. Parte do time, parte da esperança que o mundo tinha em dias melhores, parte da força, parte do todo. Parte dos Vingadores. Estar ali era simbólico, era alusivo. E se sentiu confortavelmente segura em ter feito aquela escolha, em ter se juntado a eles, até ver, poucos metros a frente, no final do corredor pelo qual caminhavam, a figura de James Rhodes conversar com um homem em holograma de alta resolução. Seus olhos não deixaram de notar com tristeza a estrutura de ferro que deixava Rhodes em pé, resultado da cirurgia que Karl havia contribuído para acontecer depois de tudo que passaram no aeroporto em Berlim.
Um fio agudo de adrenalina tomou conta dela, enquanto as expressões dos seis fecharam-se em apreensão e seriedade. Os tinham encontrado cedo demais, fácil demais. Não podiam perder tempo com questões governamentais, com aquela briga idiota sobre um Tratado que não fez mais do que separá-los e colocá-los uns contra os outros. Steve não estava disposto a comprar aquela briga outra vez, não quando algo muito maior e mais complexo estava prestes a acontecer. se perguntou por um segundo se deveriam mesmo confiar em Rhodes, mas foi trocar um breve olhar com Natasha para perceber que, talvez, as coisas já estivessem um pouco diferentes entre eles naquela altura.
— Senhor Secretário — Steve cumprimentou o homem no holograma com firmeza, parando de andar há poucos passos antes de adentrar um dos laboratórios de mecânica de Tony, poucos metros antes da sala principal do Complexo. e Natasha pararam com ele, uma de cada lado, enquanto Sam, Wanda e Visão paravam logo atrás deles. Rhodes cruzou seus braços e, de frente para ele, o holograma do homem desviou seu olhar para o lado, a tempo de vê-los se aproximar.
— Você tem coragem — Thaddeus Ross, o secretário de Defesa dos EUA, rebateu irônico, dando alguns passos mais perto dos seis — Tenho que admitir.
— Um pouco de coragem não lhe faria mal — Natasha respondeu no mesmo tom, seus olhos cravados no homem.
— E tem mais essa novidade, estão aumentando o clube do crime? — O homem continuou a falar sereno e irônico, seu olhar voltando-se diretamente para — Trouxeram uma bomba biológica com vocês. É realmente impressionante.
— Vegetal, senhor Secretário, uma bomba vegetal — o corrigiu irônica, o sorriso cínico em seus lábios enquanto semicerrava os olhos, sem desviar dos olhos dele — E se me permite um conselho, tome cuidado, porque ela pode estourar bem na sua cara.
— Ameaçando o Secretário de Defesa, senhorita Lamarck? Achei que fosse mais inteligente do que isso — Irritante, Secretário Ross umedeceu os lábios, as mãos nos bolsos da calça — Já não tem processos e mandados de prisão o suficiente?
— Me ameaçando, Senhor Secretário? Achei que fosse mais inteligente do que isso — Ela repetiu no mesmo tom de voz. Sam mordeu a própria bochecha segurando a risada — Vai precisar de um pouco mais do que processos e mandados de prisão, mas acho que o senhor já percebeu isso nesses dois anos em que falhou miseravelmente em me encontrar. O que me admira é o senhor ainda ser o Secretário — praticamente descarregou a ira que sentia nele. O Secretário engoliu as próprias palavras, sem saber realmente como responder aquela afronta. Com uma risada irônica e fraca, ele então soltou, sem desviar seu olhar do dela:
— Você tem muito a perder, , deveria considerar isso.
— Todos temos. Inclusive o senhor — levantou levemente o queixo, não se dando por vencida sequer um segundo. Não tinha medo dele, nem do que ele poderia fazer.
— O mundo está em chamas. E vocês acham que tudo foi perdoado? — A voz calma e arrogante do Secretário denunciava certa incredulidade por vê-los ali, depois de dois anos como fugitivos internacionais. Ele deu alguns poucos passos ao lado, parando exatamente de frente a Steve, desviando seu olhar de .
— Não estou em busca de perdão. E já passei da fase de pedir permissão — O Capitão tinha o peito estufado em claro sinal de segurança, todos os olhares em qualquer que fosse a reação do Secretário que não parecia se abalar com nada — A Terra acabou de perder seu melhor defensor. Viemos aqui para lutar — Steve deu um novo passo em direção ao holograma, descendo o único degrau que os separava. De trás da projeção do Secretário, Rhodes concordou com a cabeça — E se você quiser ficar no nosso caminho… lutaremos com você também.
sentiu um arrepio subir sua espinha. Steve era bom com palavras. Deixava tudo ainda mais impressionantemente poderoso. O Secretário encarou Steve nos olhos por mais um ou dois segundos e, com a mesma expressão cínica e um tanto apático, virou-se de frente para Rhodes outra vez, afastando-se de Rogers. Tinha acabado de ser intimado pelo Capitão América e, ainda assim, sentia-se maior, mais poderoso e totalmente no controle da situação. Com uma mão no bolso de seu terno caro, ele ordenou:
— Prenda-os.
— É para já — Rhodes respondeu sem muita emoção, com uma careta no rosto, empurrando no ar o holograma do Secretário, fazendo com que ele, e as outras pessoas do governo projetadas mais ao lado, no que parecia uma sala de reuniões, fossem desconectadas automaticamente depois de dois apitos do computador — Isso dá Corte Marcial — Ele comentou baixo, gesticulando com as mãos, seu olhar de volta nas seis pessoas novas a sua frente que pareciam esperar por qualquer que fosse a reação dele, com expectativa — Que prazer em vê-lo, Capitão.
Steve sorriu sincero para ele, em resposta, e um tanto aliviado. Estava há dois anos sem ver Rhodes, sem ter notícias dele. Rhodes tinha assinado o Tratado e tinha se mantido fiel a Tony, mas já tinha tido tempo o suficiente para repensar sua decisão. Ele, mais do que ninguém, sofreu as consequências de ter concordado com aquele erro. O Tratado de Sokovia foi um erro brutal e, naquela altura, Rhodes já estava arrependido o suficiente para declarar guerra a quem quer que fosse para ter seus amigos, sua equipe, de volta. Steve deu alguns passos em direção a ele, como se, com aquele gesto, avisasse aos demais que estava tudo bem, que estavam seguros ali. Os dois homens trocaram um olhar cúmplice, feliz.
— O prazer é meu, Rhodey — Steve o cumprimentou contente, apertando sua mão, e observando, em seguida, o Coronel dar um breve abraço em Natasha, sorridente, até logo se afastar dela e voltar-se para , que ainda parecia um tanto desconfiada. Sua expressão fechada, observava tudo com atenção.
— Fico feliz em vê-la também, — Rhodes comentou sincero, mais sério, vendo o olhar dela recair sobre ele — Eu sinto muito pelo o que aconteceu em Bucareste.
— Tudo bem — limitou-se em dizer, concordando brevemente com a cabeça. Precisavam de toda e qualquer ajuda. Se estavam do mesmo lado, podiam deixar certos detalhes no passado ao qual eles pertenciam. Todos os demais presentes acompanhavam a conversa dos dois com os olhos, em silêncio.
— Não, é sério. Eu fiquei pensando sobre isso nesses dois anos, não foi certo, não foi justo. Eu sinto muito, mesmo — Ele insistiu, sua voz um tanto magoada e muito arrependida. Rhodes tinha ensaiado mil vezes aquele momento em sua mente, queria ter a oportunidade de desculpar-se com pelo soro, pelo o que ele tinha causado nela, por tê-la tratado mal em Bucareste sem sequer a conhecer. Ele sabia que estava errado e foi com o esporro que ganhou de Everett, depois do homem descobrir sobre o soro, que o fez repensar em cada detalhe daquilo.
— Desde que não tenha outro soro escondido aqui com você, acho que podemos superar isso — sorriu leve, vendo o homem retribuir.
— Desde que eu não tenha que enfrentar a fúria dos seus pais outra vez, acho que sim — Rhodes respondeu no mesmo tom, estendendo a mão para ela, cordialmente.
— Vamos ficar bem — Diplomática, ela aceitou a mão dele, apertando-a com firmeza. Steve e Natasha sorriram e logo viraram-se, junto com e Rhodes, de frente para onde Sam e Wanda seguravam Visão.
— Vocês estão... com uma cara péssima — Rhodes comentou dando uma olhada neles, por cima — Devem ter sido anos difíceis.
— É, os hotéis não eram cinco estrelas — Sam comentou em um tom de brincadeira, mas com um fundo de verdade nítido, olhando significativamente para , que cruzou os braços e levantou as sobrancelhas, o encarando de volta. Rhodes soltou uma risada leve, mas antes mesmo que pudesse responder, uma nova voz chamou atenção imediata de todos eles.
— Eu acho que vocês estão ótimos — Do outro lado do laboratório, um homem de meia idade e voz suave, com as roupas rasgadas e imundas, dava alguns passos tímidos em direção à eles, o sorriso constrangido abrindo em seus lábios — É, eu voltei.
O silêncio constrangedor que pairou no ar fez sentido para todas as pessoas que assistiam aquele momento, exceto que não estava entendendo o drama. Já tinha ouvido falar do Doutor Bruce Banner, conhecia sua ciência e também o lado mais furioso dele. Nunca o tinha visto de perto, como naquele momento, não se conheciam, era fato. Mas ela não esperava o encontrar por ali — e, pelas expressões impressionadas e confusas dos mais, nenhum deles também esperava por aquilo.
Já fazia muitos anos desde a última aparição pública de Hulk, nunca mais tinham ouvido falar dele. Seu nome não estava considerado no convite de assinatura do Tratado, podia inferir que ele não estava escondido ali, no Complexo, todos aqueles anos. Deveria estar desaparecido e, pela reação dele em dizer que estava de volta, aparentemente tinha voltado sem aviso prévio.
Contudo, de toda a estranheza daquela situação, o que mais chamou atenção de foi a reação de Natasha ao vê-lo. Ela e Bruce trocaram um olhar íntimo, bastante delicado e um tanto surpreso. Ela parecia verdadeiramente feliz em vê-lo outra vez, em estar tão próxima a ele. Como se tivessem uma conexão, como se algo entre eles estivesse sobrecarregado em expectativas. Os olhos de Natasha marejaram por um instante e , ao seu lado, a viu engolir discretamente o choro.
— Oi, Bruce — Natasha o cumprimentou em um sussurro, sua respiração pesando em seu peito. Ele tinha mesmo voltado.
— Nat — Puxando as mangas rasgadas da roupa que vestia, em claro sinal de nervosismo, o homem respondeu tímido depois de um longo minuto de silêncio a encarando. desviou seu olhar até o chão, por um momento, sorrindo leve e sozinha com a cena.
— Isso é esquisito — Sam murmurrou baixo, sem perder a chance de deixar tudo ainda mais constrangedor.
— É um alívio te ver aqui, Banner — Steve comentou encarando o homem, tentando amenizar o clima estranho que pairava no ar.
— Estou feliz de estar de volta, Capitão — Bruce respondeu assentindo, olhando Steve — Mas não pelos motivos que tenho a dizer a vocês.
— Podemos imaginar — Natasha o encarou uma vez mais, pressionando os lábios em preocupação.
— Vejo que já começaram a reunir as pessoas, isso é bom — Bruce respondeu olhando de Natasha e Steve até a mulher desconhecida ao lado deles.
Jovem e bastante bonita, ela trajava um macacão preto imponente, como o de Natasha, mas com traços is discretamente espalhados pela vestimenta. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo alto e perfeito e seu olhar era sério, preocupado e um tanto curioso. Bruce reparou no pequeno símbolo dos Vingadores marcando o braço de seu macacão. Ele não tinha ideia de quem ela era e, por um momento, a encarando ali, vendo aquele símbolo, ele se perguntou o quanto tinha perdido naqueles anos em que passou longe de casa. O que tinha sacrificado, o que tinha recusado para viver isolado. Aquelas pessoas ali, o encarando de frente, eram sua família. Uma pessoa ali o tinha dado uma chance de conhecer o amor, de ser verdadeiramente amado. Todos eles o tinham aceitado como era. E o que ele fez, senão ter negado tudo aquilo e, covardemente, se isolado? Bruce suspirou discretamente, afastando aqueles pensamentos de si. Talvez já fosse tarde demais para pensar aquilo.
— Acho que não te conheço ainda. Eu sou o Bruce.
— , é um prazer — Dando alguns passos na direção do homem, estendeu sua mão, simpática. O sotaque francês, aparecendo nítido e carregado ao dizer seu nome, chamou atenção de todos eles — Li seus artigos.
— Também é cientista? — Bruce perguntou sorridente, apertando brevemente a mão dela.
— Nas horas vagas — brincou soltando a mão dele, balançando a cabeça em direção aos demais, como se indicasse ser aquele seu principal trabalho.
— Acho que entendo bem — Bruce sorriu com certa tristeza.
— E eu acho melhor deixarmos a convenção acadêmica para depois — Sem muita paciência para toda aquela conversa, Sam olhou significativamente para Visão que, em pé e escorado em Wanda, segurava a lateral de seu próprio corpo, como se estivesse com dor. O receio e a preocupação eram visíveis nas expressões de Visão e Wanda.
— Sam tem razão — Steve concordou segurando em seu cinto, dando uma rápida olhada em todos os presentes — Ross não vai nos deixar ficar aqui por muito tempo, precisamos pensar no que fazer.
— Venham.
Rhodes apontou com a cabeça para a sala principal do Complexo, onde poderiam minimamente descansar e conversar sobre o que fazer. Bruce aproveitou o momento para contar brevemente o que tinha acontecido consigo mesmo até cair de volta à Terra. Contou sobre a recente invasão a Nova Iorque e contou sobre uma figura nova, Doutor Estranho, que, assim como Visão, também era o portador de uma Joia do Infinito. Espalhados pela sala, todos prestavam atenção em Bruce como se suas vidas dependessem daquelas informações - e, de certa forma, dependiam. O homem não economizou detalhes, parecia ter as respostas que eles tanto queriam saber. Tinha as respostas às perguntas de , ao menos. Aquelas criaturas tinham um líder, Thanos, que tinha planos violentos para o Universo, de acordo com Bruce. Estavam tentando reunir um conjunto de pedras, chamadas Joias do Infinito, que carregavam poderes inigualáveis. As seis joias controlavam, respectivamente, o Espaço, o Tempo, a Mente, a Alma, a Realidade e o Poder. Sozinhas tinham poderes absurdos. Juntas seriam indestrutíveis. É tudo o que eles sabiam.
O Doutor Estranho, que descobriu pela história de Bruce ser o corpo carregado desacordado de um lado a outro da cidade e, depois, abduzido junto com Peter, era o protetor da joia do Tempo. E Visão carregava consigo a joia da Mente. Thanos já tinha conseguido duas das seis joias, ao que Bruce dizia. Tinha assassinado Thor e, naquela altura, já estava em posse das outras três pedras. Visão era, certamente, um alvo e cedo ou tarde eles viriam atrás dele outra vez. De massacrar planetas inteiros até a morte de Thor, cada palavra de Bruce assustava ainda mais todos os ouvintes. Nenhum deles ali, nem sequer Steve, sabia como deveria reagir, o que deveria fazer ou falar. A sensação de apatia, de fraqueza, de desespero tomando conta de cada um deles individualmente. estava apavorada. Não pela violência iminente, nem pela brutalidade do tal de Thanos, isso não a amedrontava, não a acuava, de jeito algum. Ela estava preparada para quando ele viesse, todos eles ali estavam, ela sabia. Mas o que a apavorava, em toda aquela fantasia atormentadora, era o objetivo final de Thanos, em reunir as seis joias.
Dizimar cinquenta por cento de tudo que era vivo, em todo o universo.
De todas as possíveis alternativas ao que estava acontecendo, nenhum deles jamais poderia pensar em algo tão perverso. Jamais pensariam que seriam envolvidos em algo tão absurdo quanto aquilo. Entre as seis joias que existiam, espalhadas pelo Universo, qual era a chance de exatamente a última delas estar com eles? De o destino de tudo que vivia estar em suas mãos? E qual era a chance de realmente vencerem aquilo? Onde estavam Tony e Peter? Como conseguiram matar Thor? Ele era um deus! trocou um olhar tenso com Sam, sem saber o que deveria dizer. Como ela, o homem retribuiu aflito, pensativo.
Em pé ao lado de Steve, há poucos passos dele, passou as duas mãos pelo rosto, aflita, deixando a ansiedade a consumir. Sua mente lançava uma pergunta seguida da outra, tentando digerir tudo que tinha ouvido de Bruce, tentando gerenciar tudo o que estava sentindo naquele momento. A única coisa que queria, que precisava fazer, e logo, era avisar Bucky sobre aquilo, avisar T’Challa. Eles poderiam ajudar, Wakanda tinha recursos, e, mais do que isso, eles tinham que saber o que estava acontecendo. Quanto mais pessoas pudessem se juntar a eles e ajudar, melhor. Ela tinha que encontrar uma forma de chegar até eles.
— Então, temos que presumir que eles irão voltar, certo? — Rhodes perguntou pensativo, olhando Bruce concordar com a cabeça, enquanto andava de um lado a outro da sala.
— E sabemos que podem nos achar — Em pé, perto da cozinha, Wanda abraçou a própria cintura com um braço, levando a outra mão até seu rosto.
— Precisamos de todos — Bruce exasperou — Onde está Clint?
— Depois do Tratado, Scott e ele fizeram um acordo — Natasha respondeu séria, seus braços cruzados em seu peito. Bruce virou-se de frente para ela — Foi difícil para as famílias deles. Estão em prisão domiciliar.
— Quem é Scott? — Bruce voltou a perguntar, curioso.
— Homem-Formiga — Steve respondeu breve, atraindo o olhar de Banner para si.
— Tem um Homem-Formiga e um Homem-Aranha? — Confuso e um pouco histérico, Bruce perguntou alto. deu de ombros, enquanto Rhodes, de braços cruzados, concordou com a cabeça em silêncio — Ouçam, Thanos tem o maior exército do Universo. E ele não vai parar até conseguir… — Desesperado, Banner olhava um a um na sala, até parar seu olhar em Visão, sua voz abaixando consideravelmente o tom — ...a joia do Visão.
— Então temos que protegê-la — Soltando os braços, Natasha deu um passo à frente.
— Não! Temos que destruí-la.
Pela primeira vez desde que chegaram no Complexo, Visão falou baixo. Sua mão ainda segurava o próprio abdômen, enquanto ele se apoiava na parede de vidro da sala. Todas as sete pessoas no ambiente subiram seus olhares tensos até ele.
— Pensei sobre essa entidade na minha cabeça, sobre sua natureza — Ele continuou calmo, apontando para a joia em sua testa — Mas também, sua composição. Acho que se for exposta a uma fonte de energia poderosa o bastante, algo muito semelhante à sua própria assinatura, talvez… — Ele caminhou lentamente até Wanda, parando de frente para ela e a segurando carinhosamente pelos braços — … sua integridade molecular possa se romper.
— É, e você com ela — Encarando-o nos olhos, Wanda respondeu ríspida. Aquela não era uma opção para ela — Isso está fora de cogitação.
— Eliminar a joia é o único jeito de garantir que Thanos não a pegará — Visão insistiu, sem a soltar. Sam e trocaram um olhar breve, cuidadoso.
— É um preço alto demais — Wanda respondeu triste, sem desviar seus olhos marejados dos de Vis. Ele negou com a cabeça e segurou o rosto dela delicadamente.
— Um preço que só você pode pagar — Ele respondeu suave, determinado.
Wanda, contudo, não podia fazer aquilo, não queria sequer considerar aquela ideia. Descontente, ela se afastou dele, virando-se de costas para todos na sala, dando alguns passos em direção à pequena cozinha. Quase que ao mesmo tempo, todos os demais desviaram seus olhares do casal para um canto qualquer, tristes e constrangidos pelo tom da conversa.
— Thanos ameaça metade do Universo — Visão continuou pensativo, nenhum deles parecia feliz com aquela conversa — Uma vida não pode impedir que ele seja derrotado.
— Mas deveria — Steve comentou e negou rapidamente com a cabeça, subindo seu olhar de volta até o homem — Não negociamos vidas, Visão.
— Capitão, há 70 anos você deu sua vida para salvar quantos milhões de pessoas? — Visão caminhou firme em direção a Steve, que, assim como ele, fez o mesmo — Por que agora seria diferente?
Parada no exato ponto entre eles, dois passos atrás, cruzou os braços e franziu a testa, vendo Steve e Visão, logo à sua frente, se encararem de frente um para o outro. Steve respirou fundo, mas antes que pudesse responder, Bruce o interrompeu calmo:
— Porque talvez você tenha uma opção — Steve e Visão, assim como , Sam, Rhodes, Wanda e Natasha, desviaram seus olhares até ele — Sua mente é composta por um complexo construto de camadas — Banner explicava diretamente para Visão, aproximando-se dele e de Steve enquanto gesticulava — Jarvis, Ultron, Tony, eu, a joia… tudo isso misturado, aprendendo uns com os outros.
— Está dizendo que o Visão não é só a joia? — Com as mãos nos bolsos de trás da calça jeans que vestia, Wanda olhava de frente para Bruce, do outro lado da sala. Um fio de esperança em sua voz.
— Estou dizendo que se tirarmos a joia, ainda ficará muito do Visão — Bruce explicou diretamente para ela — Talvez as melhores partes.
— Podemos fazer isso? — Natasha perguntou confusa, com a expressão mais séria que de costume.
— Não eu… não aqui — Bruce negou pensativo, avaliando rápido e mentalmente as chances que tinha de fazer aquilo dar certo, sem Tony.
— Então é melhor encontrar alguém e algum lugar rápido — Rhodes pontuou, seus braços ainda cruzados — Ross não vai deixar vocês terem seus antigos quartos de volta.
acompanhava a conversa em silêncio, tentando ordenar cada informação nova que era posta. Não entendia sobre as joias, não entendia sobre o Universo e não tinha intimidade para opinar sobre a decisão de Visão. Tudo parecia confuso e difícil demais para todos eles. Até aquele momento, tudo que podia fazer era ouvir e tentar entender a dimensão da situação, no máximo pensar em como ajudar. Bruce cogitava a chance de remover a joia sem desativar Visão. Uma ação delicada como uma cirurgia de alto risco, que demandava uma inteligência e um aparato tecnológico complexos demais para se encontrar com facilidade. A inteligência e a tecnologia que sabia exatamente onde encontrar, mas que, naquele instante, no silêncio que se instalou na sala, ela não sabia se poderia oferecer.
Aquela não era uma decisão dela, ela sabia. Mas na ausência total de outras alternativas e diante da guerra que podia começar a qualquer segundo, não havia muito em que pensar. Não havia tempo, nem espaço, não havia regras e nem deveriam haver impedimentos. estava ali para ajudar Visão, afinal de contas. Ela se comprometeu, se responsabilizou e não deixaria, em hipótese alguma, que algo acontecesse com ele.
Reflexivas, as oito pessoas naquela sala se entreolharam enquanto criavam cenários mentais com todas as possibilidades que tinham. ponderou as alternativas por alguns segundos, sem saber ao certo o que era melhor ou pior naquela situação toda, até notar Steve a encarar, como se soubesse exatamente o que ela estava pensando. Em silêncio, séria, assentiu com segurança para ele, o vendo retribuir do mesmo modo, e, respirando fundo enquanto olhava para os demais ao seu redor na sala, ela disse alto:
— Eu conheço um lugar.
Wakanda
— Alertaram a Guarda do Rei e as Dora Milaje.
Caminhando ao lado de T’Challa por um dos extensos campos da Fronteira, Okoye comentou séria, refletindo sobre uma possível estratégia para o que estava prestes a acontecer. Algumas horas antes, assim que o dia amanheceu, fez um novo contato com eles para avisar que estava a caminho de Wakanda e que, consigo, estava levando a possibilidade de entrarem em uma guerra sem precedentes, contra o maior exército do Universo. A decisão ousada e incomum de , em levar um grupo considerável de estrangeiros para Wakanda, e, pior do que isso, um grupo criminosamente procurado mundo afora, não foi sequer questionada pelo rei. Bastou abrir os arquivos que a mulher o enviou remotamente, que dispunham sobre as Joias do Infinito, para T’Challa entender o tamanho do problema que estavam prestes a enfrentar. De todos os lugares da Terra, Wakanda era, sem dúvida alguma, a única opção possível. nunca pedia permissão para fazer o que achava ser o certo, T’Challa já havia aprendido isso há anos.
O alerta breve de , assim que ela desligou, cedeu lugar a um desespero generalizado e silencioso, que logo transformou-se em um trabalho urgente de preparação para enfrentar o quer que fosse. T’Challa estudava as estratégias de proteção e combate junto com Okoye, enquanto Shuri debruçava-se nas centenas de informações que compartilhava com ela, de dentro do quinjet e no trajeto até o país, com ajuda de Bruce. Pesquisavam todas as informações possíveis sobre a Joia da Mente, processavam tudo o que encontravam sobre as demais pedras e, em um compartilhamento de dados incrivelmente veloz, iam trocando informações como quem trocava de roupas. Não sabiam quanto tempo mais teriam, não sabiam quanto tempo iria demorar até uma terceira invasão acontecer, até a guerra começar. Não podiam perder sequer um segundo.
Steve foi com Sam pilotando o jato, enquanto e Bruce compilavam as informações e as compartilhavam com Shuri. Natasha garantia a conexão sem interferências, com apoio de Rhodes, e Wanda, por sua vez, seguia apoiando Visão mais ao fundo da aeronave. Toda a preocupação em serem interceptados ou encontrados passou a ser secundária, não havia mais nada a perder. Eles tinham pressa e tinham muita preocupação com o que poderia acontecer, não dava tempo de lidar com outras questões, a nova ameaça era muito maior e mais complexa do que o fato de certos governos possivelmente irem atrás deles.
De todo modo, não demorariam mais do que poucas horas até chegar em Wakanda e estariam, uma vez mais, relativamente seguros. Todos eles estavam exaustos, de fato, física e mentalmente. Emendar uma viagem a outra não era tão fácil quanto parecia e a ansiedade, misturada com o medo do incerto e a preocupação do que poderia acontecer sem sequer saber quando aconteceria, os matava por dentro a cada segundo. Contudo, a adrenalina não os deixava pensar em mais nada senão chegar logo em Wakanda, remover a joia do Visão e, com sorte, terminar aquilo tudo de uma vez por todas.
Para os wakandanos, a sensação era a mesma, mas com uma dose extra de incerteza. Por mais que estivesse tentando os deixar por dentro dos acontecimentos, previsões não eram realidade, nunca foram e não seriam daquela vez também. E para alguém tão realista e pragmático como T’Challa, ainda não tinham o suficiente. Ele esperava que os demais chegassem logo para que, finalmente, pudessem pensar em conjunto o que deveriam fazer. Ele estava pronto para proteger Wakanda, mas não sabia se estava realmente preparado para proteger o Universo inteiro. Nenhuma estratégia parecia boa, realista e grande o suficiente. Esperava que, com Capitão Rogers por perto, alguma ideia brilhante pudesse aparecer. Contudo, até lá, era melhor já se prepararem como podiam e reunir quem quer que pudesse os ajudar.
— E a Tribo da Fronteira? — T’Challa perguntou à General ao seu lado, caminhando firmemente, seus olhos no chalé alguns bons metros à frente.
— O que restou dela — Okoye concordou prontamente. Já tinha alertado todo e qualquer grupo possível que poderia apoiá-los naquela situação.
— Alerte os Jabari também — T’Challa ordenou, um sorriso fraco e irônico brotando em seu rosto, apesar da seriedade em sua voz, assim que Okoye olhou para ele, um tanto confusa — M’Baku gosta de confrontos.
— E quanto a esse aí? — Okoye perguntou com um certo desdém, apontando com o queixo até o chalé, agora já mais próximo deles.
— Este pode estar cansado de guerras — Caminhando até perto de um monte de feno, T’Challa respondeu olhando o homem logo à frente — Mas o Lobo Branco já descansou demais.
Vendo uma movimentação aproximar-se de si, Bucky desviou seu olhar da pilha de feno que arrumava no quintal ao redor do chalé da Fronteira, onde costumava ficar quando não estava por perto. Ele não tinha conseguido dormir, sua mente estava tão incomodada e atormentada pela preocupação que não conseguiu desligá-la nem por cinco minutos. Assim que o sol nasceu, então, ele decidiu organizar a bagunça das cabras no quintal, uma atividade que ele mal sabia fazer, mas que, diante do desespero que sentia, poderia ajudá-lo a, pelo menos, ocupar a mente e focar em outra coisa. Bucky ainda não tinha consciência das últimas informações, não soube do último contato de e não teve qualquer notícia nova dela. T’Challa esperou ter detalhes mais consistentes e um plano de guerra mais assertivo para então ir até ele, como tinham combinado. Sabia que Bucky estava aflito e, por isso, recluso, não queria confundí-lo ainda mais e nem gerar novas angústias.
T’Challa tinha tido inúmeras oportunidades de conversar com James, de conhecer quem ele era. Soube de sua história, de seu passado e vivia com ele o presente. Tinha consciência de que ele era um homem exausto. Certamente não entraria em novos conflitos, não queria mais participar e não merecia viver uma nova guerra. Já tinham sido o suficiente para ele, não precisava de mais. E T’Challa não recorreria a ele se não soubesse que, de fato, precisavam de toda e qualquer ajuda possível. Bucky caminhou a passos lentos e desgostosos até onde T’Challa e Okoye o esperavam, mais ao topo da baixa colina de frente para o chalé. Junto com eles havia dois guardas, um deles colocava uma caixa grande e cinza em cima de uma pilha de feno e a destravava, voltando para trás do rei em seguida. Uma parte de Bucky esperava por aquilo, esperava pelo pior. E bastou ele ver o que tinha dentro da caixa para fazer a única pergunta possível que passou por sua mente.
— Onde é a luta? — Bucky perguntou baixo, a resignação expressa em sua voz.
— Está a caminho — T’Challa respondeu breve e sério.
— E ? — Bucky desviou seu olhar indo do novo braço de metal, aquele que tentou encontrar quando o outro deu curto, mas estava bloqueada de acessar, até o homem à sua frente.
— Vindo junto com ela — Assentindo com a cabeça, T’Challa rebateu soltando um suspiro forte.
A expressão de Bucky era apática, como se não quisesse realmente fazer parte daquilo. E ele não queria. Okoye não pode deixar de reparar no estado físico dele, no quanto ele parecia cansado, acabado. Como se sequer tivesse tido forças para tomar banho, a tirar pelos cabelos sujos, ele estava abatido, vestindo roupas rasgadas e estranhas, muito diferente do Sargento Barnes que ela havia acostumado ver de um lado a outro no palácio, com . Apesar do físico forte e combativo, o emocional de Bucky era frágil e muito vulnerável. Ele parecia internalizar as emoções com uma profundidade extrema, parecia reagir a elas com grande potência, como se, de um segundo a outro, ele estivesse lutando mentalmente para manter-se no controle. Sequelas de um passado violento e bruto, Okoye não podia julgá-lo. Em seu lugar, ela pensou, talvez estivesse ainda pior.
Bucky deu uma nova olhada no braço a sua frente, dentro da caixa que o suportava, e engoliu em seco. Não queria ter que fazer aquilo, mas qual era a sua opção, afinal? T’Challa não parecia estar pedindo sua ajuda, mas sim o informando sobre sua responsabilidade. Uma responsabilidade que, por ser quem era, Bucky sabia que teria pelo resto dos dias que vivesse. E contava com ele. Estava voltando para casa e certamente tinha uma expectativa nele. Se estava trazendo a luta consigo, não podia e ele não deixaria que ela lutasse sozinha. Se tivessem que fazer aquilo que, ao menos, fossem juntos. Diferente da Escócia, dessa vez Bucky estaria com ela. Sem dizer uma só palavra, se sentindo exausto, ele concordou com a cabeça.
Não tinham muito tempo a perder e, seguindo instruções que Shuri havia lhe passado mais cedo, Okoye acoplou o braço de metal novo no ombro esquerdo de Bucky, em segundos, como se fosse um imã, um encaixe perfeito. Ele se lembrava de Shuri tê-lo contado uma vez, logo quando saiu da criogenia, que a prótese que usava era um teste de conformidade do braço, como se servisse apenas para que seu corpo se acostumasse a carregar o vibranium. Aquela versão, que recebia de presente naquele momento, era, sem dúvida alguma, muito mais avançada e inovadora, embora fosse visual e estéticamente igual a outra. Bucky esperou Okoye se afastar alguns passos, os olhares das quatro pessoas a sua frente o encarando com curiosidade, e, assim que ela estava longe o suficiente, ele deu uma volta forte com o braço esquerdo, como se encaixasse e firmasse todas as placas do metal do braço em si. O barulho cibernético que fez com o movimento dele o certificava de que estava tudo em seu devido lugar.
— Como se sente? — T’Challa perguntou encarando Bucky olhar a própria mão cibernética, enquanto a abria e fechava.
— Bem, obrigado — Desviando seu olhar de volta a T’Challa, Bucky respondeu no mesmo tom apático de antes — O que está acontecendo?
— Muito mais do que imaginávamos — Okoye rebateu tensa, sua voz parecia trêmula apesar da postura firme — Vamos, te contamos os detalhes no caminho, não podemos perder mais tempo aqui.
- Capítulo 27 -
— Desça a 2.600 e vá para 0-3-0 — levantou-se de seu assento e aproximou-se de Sam, no piloto, observando Steve concordar com a cabeça.
— Espero que esteja certa sobre isso, Fada — Sam murmurou um tanto descrente, seguindo os comandos dela e prestando atenção no caminho à frente — Ou vamos chegar ao chão mais rápido do que o esperado.
e Steve trocaram um olhar cúmplice, em meio a um sorriso um tanto arteiro. Não disseram absolutamente nada, só tinham que esperar a reação de Sam, que veio menos de dois minutos depois, assim que o jato passou por um campo de força de camuflagem. Sobrevoando o vale da Cidade Dourada de Wakanda, abria em suas frentes toda a visão do país em um dia claro, ensolarado, ameno e muito bonito. Como Steve se sentiu da primeira e única vez em que esteve ali, em que viu aquela vista, Sam ficou impressionado, boquiaberto e um pouco chocado. Finalmente estava em Wakanda. Finalmente estava vendo com os próprios olhos o lugar que ambientava tantas histórias que ouviu de , a casa dela. Muito mais incrível, desenvolvido, rico e tecnológico do que ele imaginava.
Sam desceu o jato sob a pequena pista de pouso logo em frente ao palácio, por instrução da amiga. T’Challa já deveria estar esperando por eles lá, porque assim que cruzaram a barreira de camuflagem já deveria ter sido alertado sobre a presença da aeronave. E exatamente como imaginou, lá estava ele, acompanhado por Okoye, parte da Guarda Real e das Dora Milaje, os esperando. Seus olhares tensos, saudosos e um tanto apreensivos aguardavam pacientemente, em formação e com postura, a rampa de acesso do avião recém chegado abrir-se. Steve foi com Natasha mais a frente, apressados, saindo da aeronave em poucos segundos. Rhodes vinha com Bruce logo atrás, que, formal, vestia um blazer por cima da camisa, enquanto Wanda apoiava Visão em seguida. esperou por Sam, que desligava os controles da aeronave, e, tão logo ele o finalizou, caminharam juntos para fora também.
— Devemos nos curvar? — ouviu Bruce perguntar baixo para Rhodes, que, em resposta, disse:
— Claro, é um rei.
Risonha, ela trocou um olhar breve com Sam. De todos eles, Bruce era quem mais parecia nervoso com o fato de estarem a caminho de Wakanda. Já tinha lido sobre o país, já tinha ouvido falar sobre ele, mas não imaginava ser nada daquilo que estava vendo ali, bem em sua frente. Ainda nos Estados Unidos, no Complexo, Bruce pôde trocar de roupas, enquanto os demais lavavam o rosto, usavam o banheiro e comiam algo antes da viagem, e, pelo o que Rhodes havia contado a ele, fez questão de escolher algo mais social para vestir. Estaria na presença de um chefe de Estado, de um monarca, não podia aparecer maltrapilho como estava.
— Parece que sempre tenho que lhe agradecer por alguma coisa — Steve comentou quando já estava perto o suficiente de T’Challa, estendendo-lhe a mão e sendo recebido com um sorriso.
— Não desta vez, Capitão Rogers — O Rei o cumprimentou, seus olhos buscando discretamente por até, finalmente, a encontrar saindo da aeronave com Sam — Protegeu e trouxe o coração deste país de volta. Eu quem lhe agradeço desta vez.
sorriu feliz em vê-lo e em ouvir aquilo, e assentiu brevemente com a cabeça para Okoye, que, formal, retribuiu. Contudo, antes mesmo que pudesse dizer qualquer coisa, a imagem de Bruce se curvando desajeitadamente para T’Challa atraiu sua atenção, a fazendo pressionar os lábios e desviar o olhar em constrangimento.
— O que você está fazendo? — Rhodes perguntou falsamente envergonhado.
— Nós não… nós não fazemos isso aqui — T’Challa explicou gesticulando para Bruce, como se pedisse para que ele parasse com aquilo. Bruce olhou confuso e sério para Rhodes ao seu lado que, rindo por ter atingido seu objetivo de sacaneá-lo, bateu seu ombro no do homem e seguiu caminhando por onde o Rei de Wakanda e sua corte iam — Qual é o tamanho do ataque que estamos esperando?
— Senhor…ahn, senhor? Acho que deveria esperar um ataque dos grandes — Bruce respondeu apressado, se colocando entre Steve e Natasha, que caminhavam mais a frente, logo atrás de T’Challa, que olhou por sobre os ombros.
— Como estamos? — Natasha perguntou curiosa.
— Vocês terão minha guarda, a Tribo da Fronteira, as Dora Milaje e… — T’Challa apontou para frente, atraindo os olhares de Steve, Natasha, Sam, , Rhodes e Bruce. Wanda e Visão estavam já sendo direcionados para o prédio administrativo do palácio, onde Shuri os esperava para começar o trabalho o quanto antes.
— Um homem semiestável de cem anos de idade — Bucky completou a fala de T’Challa, deixando o sorriso escapar. Não sabia se de alívio por ver que estava ali, de volta, ou de felicidade por finalmente reencontrar Steve. Todos pararam de andar por um instante e o encararam.
Feliz em vê-lo, e mais do que isso, em vê-lo bem, sorrindo, com a voz tranquila e serena, Steve deu alguns passos em direção ao seu melhor amigo, o abraçando com força. Bucky parecia saudável, física e emocionalmente, parecia estável e com o controle sobre sua própria vida, feliz, livre, como ele merecia ser. Steve estava realmente contente por poder presenciar aquilo. Barnes, por sua vez, não mediu esforços em retribuir o abraço. Sentia falta de Steve, sentia mesmo. Queria poder ter passado aqueles dois anos de calmaria com ele por perto, queria que ele estivesse lá para vê-lo se recuperar, para relembrar os dias de ouro. E ali estava ele. De volta, mas, uma vez mais, em um momento não propício para celebrações ou felicidades.
— Como você está, Buck? — Afastando-se de seu amigo, Steve perguntou sereno.
— Ah, nada mal... para o fim do mundo — Bucky respondeu sorrindo, seus olhos espremidos pela felicidade atravessando Steve até encontrar os olhos de , vindo logo atrás do Capitão.
Sem muito em que pensar, e sem muito o que dizer, apressou os passos ligeiramente e jogou-se nos braços de Bucky, sendo abraçada com força e intensidade. Bucky podia sentir seu coração acelerar, sua mente se acalmar relativamente rápido, estava de volta. Era como ser atingido por uma onda, todas as sensações ruins, os pressentimentos de que algo daria errado, de que estava perdendo o controle, como se nada daquilo tivesse existido, não existia mais. Não naquele momento. Ele se afastou levemente dela, os braços de ainda abraçados em sua cintura enquanto ele segurava o rosto dela, passando os olhos por cada cantinho, procurando por machucados, avaliando se ela estava realmente bem.
Os olhos de mantiveram-se nos olhos azuis dele, que pareciam preocupados. Ela reparou que ele tinha ganhado o braço novo. Reparou que ele estava absurdamente cheiroso, como se tivesse recém saído do banho, do jeito que ela gostava de dormir. E reparou que ele vestia um traje diferente, em couro azulado, mais leve e mais bonito do que os últimos que costumava vestir quando era o Soldado Invernal. Um traje que parecia com as roupas que ele se lembrou de usar quando era um Sargento, em guerra, e que passou detalhes ao time de design, com um pedido especial para levarem em conta quando o fossem desenvolver.
O que eles não notaram, na emoção do momento, eram as expressões de confusão dos demais que assistiam aquela cena. E perceberam menos ainda, quando Bucky beijou leve, carinhosa e brevemente. Aquela era a parte da história que estava prestes a contar para Sam e não deu tempo. Aquele era o detalhe que a fazia estar diferente. Aquilo deu a Steve uma sensação única de felicidade, em ver que eles, finalmente, tinham confessado seu amor um ao outro, finalmente estavam se permitindo ser felizes. Sem segurar o sorriso, Steve olhou do casal de amigos para o lado, a tempo de ver Natasha o olhar confusa. não só tinha vencido o Soldado Invernal como também pegava ele? Aquilo era estranho. Para Rhodes, aquela cena só confirmou o tratamento e a reação que teve com Bucky desde Bucareste. Toda a proteção, o cuidado, a atenção. Sam, contudo, embora feliz pela amiga e satisfeito por ter descoberto o que ela iria lhe contar, não conseguiu segurar a expressão levemente descontente em vê-la, justamente, com o cara que se autointitulava “semiestável”. Ele ainda era perigoso.
T’Challa segurou a risada ao ver a reação das pessoas à sua volta, enquanto Bruce olhava de um para o outro sem entender nada. Não conhecia aquele cara novo, não conhecia , não entendia por que todos pareciam chocados com o fato de eles serem um casal. e Bucky se separaram um instante depois e viraram-se a tempo de ver todos eles desviarem seus olhares, constrangidos, como se não tivessem assistindo àquilo. soltou uma risada baixa, enquanto Bucky negou levemente com a cabeça.
— Como você está? — Ele perguntou, segurando a mão da mulher com delicadeza.
— Bem, por enquanto, mas isso logo deve mudar — respondeu suave, sua expressão fechando-se em apreensão outra vez. Steve e Natasha concordaram com a cabeça.
— Vamos, Shuri já deve estar iniciando a remoção da pedra — T’Challa apontou com o queixo para dentro do prédio, onde deveriam seguir caminhando.
— Precisamos nos dividir para ficar de guarda. Todos dentro do palácio não é seguro, caso a invasão comece. É melhor fazermos camadas de proteção — Okoye informou, olhando e, em seguida, Sargento Barnes assentirem — Peguem novos comunicadores — Foi o exato tempo de Okoye dizer aquilo para um dos guardas reais aproximar-se com uma caixa em mãos, distribuindo novos pontos eletrônicos para que todos eles pudessem se comunicar em uma única linha, e recolher os pontos antigos que usavam.
— Nós ficamos, Sam e Rhodes também — Apontando para si mesma, Bucky e os respectivos voadores, falou, enquanto colocava na orelha o novo comunicador — Steve, Nat e Banner vão com T’Challa. Shuri vai precisar de ajuda e vocês podem pensar na melhor estratégia lá dentro.
Steve concordou e, assim como sugeriu, seguiu com Natasha e Banner para dentro do palácio, guiados por T’Challa, Okoye e algumas das Dora Milaje. permaneceu na entrada do palácio, com Sam, que armava seu equipamento em poucos instantes, Bucky, a quem foi entregue uma das melhores e mais poderosas armas que Wakanda tinha, e Rhodes, que poucos minutos depois da saída de Steve e dos demais, levantou voo com sua armadura, para rondar o local. Não demorou muito para que Sam, na ansiedade de ficar só esperando algo acontecer, também saísse rapidamente para fazer um teste de voo. Bucky deu alguns passos mais perto de , segurando sua arma, e depositou um beijo em sua cabeça, enquanto passava por ela e parava logo ao seu lado. sorriu para ele, o encarando.
— Conversei com Karl e Everett — O Soldado comentou a observando, adiantando o assunto antes mesmo que ela perguntasse — Estão bem e foram de volta para a Alemanha, acharam mais seguro — concordou com a cabeça — E pediram para que você ligasse assim que fosse possível.
— Não consegui mais contato com eles depois que o jato explodiu na Escócia — Ela respondeu com tristeza — Obrigada por ter falado com eles. Devem estar preocupados.
— Eu também estava — Com um sorriso fofo, Bucky respondeu baixo, seus olhos não desviando dos de nem por um segundo. Sem conter a vontade, ela deu um passo mais próxima dele e depositou-lhe um beijo suave.
— Tudo está acontecendo rápido demais — deitou sua cabeça no ombro dele, sendo puxada pela cintura por Bucky, para mais perto de si.
estava cansada e confusa com tudo, estava atenta ao que quer que fosse acontecer, mas transbordava preocupação. Nada era casual e nada era planejável naquela situação. Saiu do país movida a encontrar seus pais e mal teve tempo de falar com eles, tudo estava estranho. Confuso. Rápido. Inexplicável. E Bucky se sentia exatamente daquela forma.
Segurando a arma na mão direta com firmeza, enquanto abraçava com o braço esquerdo, Bucky sentiu o contraste de ter a violência e o amor em seus braços. Como se o seu passado e o seu presente estivessem ali, sendo abraçados por ele de uma única vez. A calmaria e o caos, a certeza e o incerto. Estava, sim, acostumado com as guerras. Mas não estava acostumado em ter alguém que amava tanto participando delas. Em muitos sentidos, aquilo era novo, preocupante, estranho e absurdamente confuso para ele.
— Não se parece muito com a última guerra que me lembro — Tentando relevar a apreensão, Bucky comentou e sorriu — O que tínhamos de mais tecnológico naquela época era Steve — Ele desviou seu olhar de até a arma que segurava. deu uma risada leve do comentário, mas, no fundo, estava triste em ouvir aquilo. Ali estava Bucky outra vez, se metendo em mais conflitos, em mais guerras.
— Eu sinto muito por tudo, não queria que nada disso estivesse acontecendo — fez um biquinho frustrado, sincera em suas palavras.
— Eu também não — Ele concordou, seus lábios novamente deixando um beijo rápido no topo da cabeça dela, a sensação boa de, apesar de tudo, ter de volta e com ele — Senti sua falta esses dias, eu não… não é legal sem você — Bucky deixou as palavras tímidas e tristes escaparem, tirando de um sorriso lateral, enquanto se desencostava dele para olha-lo.
— Também senti a sua, Buck. Eu só queria voltar pra casa, voltar para você. E não desse jeito.
— Estamos bem agora, boneca, isso que importa — Tentando ser confiante, Bucky assentiu com a cabeça — Vai ficar tudo bem, não vai?
— Eu espero que sim — Ela respirou fundo — Só temos que enfrentar o maior exército do universo, aparentemente. Depois disso, tudo ok — brincou ligeiramente amarga, o medo transparecendo em sua voz. Bucky soltou uma risada nasalada, pela ironia.
— Já estou arrependido de ter saído da cama dois dias atrás — Ele comentou virando-se de frente para ela, que abriu o sorriso — Maldita hora que o braço foi pifar.
— Ainda está de pé o convite para um almoço e depois passar o resto da semana no quarto? — roubou um beijo rápido dele.
— Só se pudermos trocar a semana por um mês, no mínimo — Manhoso, Bucky roubou um beijo de volta dela.
— Bast, dê-me paciência. Isso de novo, não — A voz descontente de Okoye saiu pelo comunicador. e Bucky riram baixo. Por um instante, esqueceram-se de que estavam conectados com todo o resto das pessoas de Wakanda, através do ponto eletrônico.
O casal se entreolhou por um instante, mas não puderam dizer mais nada, pois a voz de Shuri chamou a atenção de todos eles. De dentro do laboratório, ela examinava a gema de Visão com uma de suas contas Kimoyo, impressionada em ver aquela estrutura tão complexa pela primeira vez na vida. Um tanto intrigada pelas escolhas que tinham sido feitas quando na construção de Visão, Shuri discutia com Banner alguns detalhes, sendo assistida com expectativa por todas as pessoas em seu laboratório. Sabia que tinha um trabalho fundamental a fazer para o sucesso daquela missão. Sabia que tinha que ser rápida. E, mais do que isso, sabia que estava amando fazer parte daquilo. Todas as pessoas naquele lugar, ao seu redor, tinham muito a oferecer. Força, habilidades extraordinárias, poderes inumanos. Mas nenhuma delas tinha o que Shuri tinha. Nenhuma delas manipulava a ciência com tanta destreza como ela. Shuri sentia-se orgulhosa de si mesma.
Deitado na fria mesa de exames, Visão acompanhava a conversa de Banner e da nova cientista que, aparentemente, já tinha entendido a complexidade do que precisavam fazer ali e, com um toque de arrogância, questionava a forma com que Bruce e Tony haviam pensado em sua composição. Como nunca antes havia sentido, Visão estava inquieto, queria acabar com aquilo tudo de uma vez por todas. Quanto antes conseguissem remover a joia e destruí-la, antes resolveriam o problema, mais cedo reduziriam os riscos e poderiam voltar a viver em paz. Só não havia tanta expectativa nele quanto em Wanda que, em pé próxima a Steve e Natasha, assistia em silêncio cada movimento de Shuri. O que quer que fossem fazer ali, precisava dar certo. Visão tinha que sobreviver e eles tinham que destruir a joia.
Do lado de fora do prédio, e Bucky aguardavam em silêncio qualquer que fosse a instrução. Seus olhos dançavam entre si e ao seu redor, nada parecia incomum, exceto pelo clima tenso e apreensivo. Rhodes ainda sobrevoava a região e Sam, que antes fazia o mesmo, logo apareceu novamente no campo de visão deles, pelo ar, pousando próximo do casal, com maestria e muita elegância. Pensativo, silencioso e um tanto amedrontado com a situação, o Falcão prestava atenção na conversa que saia pelo comunicador, enquanto caminhava em direção a e Bucky.
— Viu alguma coisa estranha? — Bucky perguntou não tão amigável, observando as asas do equipamento de voo de Sam fechar-se atrás dele. Com uma careta se formando e encarando James de volta, ele respondeu com obviedade:
— Sim, vocês dois namorando.
Pelo comunicador em sua orelha, ouviu Shuri rir brevemente do comentário. Bucky bufou descontente pela resposta. Não conseguia entender qual era o problema daquele cara.
— Dá um tempo, periquito — revirou os olhos, cruzando os braços — Consegue falar sério?
— Aparentemente tudo normal, Fada — Ele rebateu sorridente, calmo, olhando lançar-lhe uma careta — Não tem nada com o que nos preocuparmos por ora, relaxe.
Sam, contudo, não poderia estar mais errado. E infeliz foi o momento em que terminou de dizer aquelas palavras. Como se quisesse contradizê-lo de propósito, do laboratório, Okoye observava o pequeno holograma sair das contas Kimoyo, sobre a palma de sua mão, enquanto um sinal sonoro alto começava a tocar por todo o ambiente. A confusão em não entender o que aquele sinal queria dizer não tardou muito, até Okoye alertar todos pelo comunicador:
— Algo entrou na atmosfera.
e Bucky olharam ao mesmo tempo para Sam.
— Tudo normal? — Bucky murmurou irônico, quase ao mesmo tempo em que ouviu dizer:
— Nada com o que nos preocuparmos por ora?
Bufando, Sam desviou seu olhar do céu até o casal ao seu lado, que retribuía com certa ironia. Mas antes mesmo que pudessem continuar aquela conversa, algo estranho, gigantesco e aparentemente muito tecnológico surgia sobre eles, fazendo uma grande sombra no chão. Os olhos de Sam, e Bucky levantaram-se até o céu ao exato mesmo tempo, atônitos, com a adrenalina subindo em suas espinhas, esperando pelo o que quer que fosse. Por fora da redoma de proteção do centro de Wakanda, algo pontudo quebrava o céu e os tentava atingir com força.
— Ei, Capitão — Sam o chamou pelo comunicador, olhando para o céu — Temos um problema aqui.
Estavam sendo, oficialmente, atacados. Mais cedo e mais rápido do que estavam esperando. Shuri mal tinha começado a remoção da joia, não estavam em tempo ainda. Em aceleração total e rapidamente, o objeto em queda livre atingiu o escudo de defesa da cidade, sendo destruído em poucos segundos. O barulho alto do choque assustou ligeiramente Sam, que encolheu os ombros, mas absolutamente nada passou pela redoma que os protegia.
— Cara, eu amo esse lugar — Impressionado, Bucky murmurou, observando, no alto, a barreira os proteger do ataque.
— Não comemorem ainda — A voz de Rhodes alertou pelo comunicador — Tem mais entrando pelo lado de fora da redoma.
Tensa, muito mais séria do que antes, deu uma olhada ao redor no céu e a sua frente. Outros objetos como aquele, pontudos e imensos, choviam ao redor da redoma como água, caindo apressados e se fincando no chão. Sem saber a proporção do que iam realmente enfrentar, ela, Bucky e Sam encaravam aquilo apreensivos, preocupados. O barulho alto de explosões por perto e acima deles persistia, a atmosfera de expectativa e ansiedade sendo transformada em caos e violência, em preocupação extrema e angústia.
Dentro do laboratório era possível ter uma visão panorâmica de boa parte da região central de Wakanda, importante por ser o polo que concentrava todo o vibranium do país - e, por isso, guardada pela redoma. Enquanto estivessem ali estariam protegidos pela alta tecnologia do escudo de proteção, contudo, quilômetros a frente era possível ver a movimentação se formar, com, a cada minuto, novas naves caírem do céu, destruindo toda e qualquer coisa que estivesse por perto, em seu caminho. A cada nave nova que brutalmente quebrava o céu e atingia o solo com fúria, derrubando boa parte da floresta local, sentia a natureza morrer dentro de si, destruir-se rapidamente.
— Estão destruindo a minha floresta — Irritada, ela murmurou, ignorando a conversa que saia do comunicador. Sam e Bucky, um de cada lado, a olharam — Estão. Destruindo. A. Minha. Floresta — Ela repetiu pausadamente, entredentes. Os dois homens se entreolharam.
— Vamos segurá-los — T'Challa respondeu pelo comunicador.
— Wanda, assim que tirarem a joia dele, você explode ela — Steve pediu sério e, logo em seguida, puderam ouvir Wanda responder, no mesmo tom:
— Entendido.
— Evacuem a cidade, iniciem todos os procedimentos de defesa e deem a este homem um escudo — T'Challa ordenou apontando para Steve, que assentiu.
Não demorou mais do que dez minutos para todos eles se juntarem a , Bucky, Sam e Rhodes outra vez, do lado de fora. Wanda ficaria com Visão, esperando Shuri terminar o trabalho de remoção da jóia. Os demais, assim que T'Challa autorizou a ação, foram encaminhados ao local mais afastado da cidade, onde as naves pousadas haviam se concentrado, por fora da redoma. Quanto mais longe conseguissem mantê-los do centro da cidade, mais seguro seria para toda a população e, principalmente, para Visão. A estratégia clara era segurá-los longe o suficiente até que a joia fosse, de uma vez por todas, para o inferno. Sem muito mais tempo para conversas, todos eles foram direcionados às naves de baixa altitude, que os levariam até mais próximo à fronteira.
As naves inimigas, ou seja lá o que fossem aquelas coisas que caíram com fúria do céu, pareceram imóveis por algum tempo. Como se esperassem pacientemente por qualquer reação deles, como se não estivessem dispostas a dar o primeiro passo, não iriam atacar antes de entender qual era o terreno que haviam aterrissado. Bem diferente da última invasão, na Escócia, estavam agora em um lugar mais aberto e muito mais tecnológico. Sabiam que precisavam ter mais atenção e cuidado dessa vez. E sabiam quem iriam enfrentar: pessoas tão aprimoradas quanto eles próprios. Tinham que ir com calma, com atenção. Não podiam fracassar outra vez, seu líder não aceitaria.
Do lado de dentro da redoma, T’Challa, Steve, Natasha, e Bucky dividiram-se nas naves junto com Okoye e centenas de outras pessoas convocadas pelo Rei. Sam e Rhodes voavam acima deles, próximos um do outro, enquanto Bruce, de dentro de uma das armaduras que Stark havia feito para ele anos antes e que nunca teve a chance de usar, corria na mesma direção que as naves levavam os demais.
— Duas assinaturas de calor saindo das árvores — Rhodes alertou apreensivo, pelo comunicador. Sua armadura conseguiu captar as assinaturas, mas, de onde estavam, ainda não podiam ver exatamente quem, ou o que, eram.
Não mais do que poucos minutos depois, estavam já descendo próximos à fronteira. Os porta-aviões que os levaram até lá davam meia-volta e, sem sequer pousar, inclinavam-se levemente, permitindo que todos eles escorregassem para fora da nave, com agilidade e rapidez. Perfeitamente sincronizados, a Guarda Real e as Dora Milaje enfileiraram-se, tomando a posição ideal e estratégica de combate que haviam ensaiado há tempos e que, até então, nunca tinham tido a chance de colocar em prática. Felizmente. Com todos de frente para onde o inimigo estava, esperando aflitos por qualquer que fosse o movimento, o campo aberto e tranquilo de Wakanda transformou-se, em segundos, em um campo de batalha. deu uma olhada breve ao seu redor, o clima tenso e toda a adrenalina da luta subindo em sua espinha. Nunca tinha presenciado nada parecido, nunca tinha lutado ao lado dos Wakandanos e nunca tinha se sentido tão despreparada como naquele momento.
Ao seu lado, receoso e com a expressão séria, Bucky deixou um suspiro pesado escapar. Dando alguns passos mais à frente, com a metralhadora M-249 em mãos, ele observava atento à barreira de proteção, tentando ver o que tinha para além dela. Seus olhos estavam semicerrados e o silêncio da oposição o incomodava. O escudo de proteção os mantinha protegidos por ora e parecia dar conta do primeiro contato. Mas Bucky, assim como todos os demais, sem exceção, sabia que aquilo não duraria por muito tempo. Restava ver quem daria o primeiro passo.
Entre os gritos de guerra das Dora Milaje, , Bucky, Steve, Natasha e Bruce colocaram-se em posição, em formação, na primeira fileira ao lado de T'Challa e Okoye. Mesmo em tempos de guerra, Wakanda seguia sendo perfeitamente hierárquica e um tanto conservadora. Os mais fortes vinham na frente, seguidos por líderes e pelo alto escalão militar. A partir deles, para trás, as patentes em nível decrescente colocavam-se cada uma no exato lugar onde sabiam pertencer. Soldados, guerreiros e o que mais tinham a oferecer, com lanças empunhadas, roupas excêntricas e carregados da mais alta tecnologia até os dentes. Bucky se perguntou mentalmente, por um segundo, por que só ele usava uma arma. Mas a lembrança de Okoye, mais cedo naquele dia, murmurando o quanto armas eram primitivas, logo respondeu sua pergunta. Wakanda estava preparada para aquela guerra. Física, tecnológica e combativamente. Eram tribos guerreiras, nascidas na luta, movidas pelo orgulho e pela honra. O afrontamento, a coragem e o senso de proteger o país a qualquer custo estava enraizado neles, do mesmo modo que a violência estava em Bucky, , Natasha, Steve, Bruce, Rhodes, Sam.
sentia o vento gelado bater em seus cabelos presos em um alto rabo de cavalo, a sensação estranha de que aquilo não terminaria bem. No meio de Steve e Bucky, ela encarava irritada as naves pousadas no meio da floresta destruída, até ver um novo e discreto movimento sair delas. Sam e Rhodes sobrevoavam a fronteira, com intuito de mapear melhor a situação e, a tirar pela quantidade de naves à frente deles e ao redor da redoma, dessa vez, tudo seria diferente. Aparentemente não tinham vindo apenas duas das criaturas de Thanos, como na Escócia, como apareciam caminhando, se aproximando da redoma. Dessa vez, Banner parecia ter razão.
Apesar de toda a concentração estar à frente, poucos minutos depois de se instalarem no campo, um novo grito de guerra pode ser ouvido aproximando-se por trás deles. Curiosa pelo fato de tê-los ali, virou-se para encarar M'Baku e os Jabari chegarem, aparentemente para somar a luta. Sem saber direito se aquilo era bom, pois teriam reforços, ou ruim, pois se tratava de M'Baku, ignorou completamente a presença dele e de sua tribo, e logo voltou a encarar a barreira fechada à frente, séria, tão tensa como nunca antes. Ao seu lado, Steve trocou um breve olhar com Natasha, que assentiu com a cabeça, e, em seguida, com T’Challa que, sem dizer sequer uma palavra, os convidou para se juntar à ele, apontando com o queixo para onde as duas criaturas aproximavam-se da redoma. sabia que aquela era a praxe. T’Challa tentaria resolver o problema por meio do diálogo, da negociação e da conversa. Objetivo e bastante assertivo, ele faria primeiro o que o protocolo de um chefe de Estado mandava fazer. E foi exatamente daquela forma.
Metros atrás deles, e Bucky assistiam em silêncio Natasha, Steve e T’Challa aproximando-se das duas criaturas e, pelo comunicador, podiam ouvir a tentativa de conversa.
— Cadê o seu outro amigo? — Natasha perguntou calma, mas bastante irônica, assim que reparou que apenas a criatura que parecia mais como uma mulher estava de volta. A outra, ao lado dela, era nova.
— Pagará pela vida dele com a sua — e Bucky se entreolharam, assim que ouviram a resposta da criatura — Thanos terá aquela joia — Bucky ergueu as sobrancelhas cinicamente, enquanto deixou uma risada breve e irônica escapar. Steve respondeu:
— Isso não acontecerá, jamais.
— Vocês estão em Wakanda agora — Imponente, T’Challa falou alto e em bom som — Thanos conseguirá sangue e poeira, apenas.
sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Estava odiando aquela tensão, odiando as preliminares de uma guerra que era inevitável. Por que não podiam simplesmente pular para a porrada logo? Sobrevoando as proximidades onde a conversa acontecia, Sam se sentia da mesma forma.
— Sangue... temos de sobra — A criatura respondeu serena, como se tudo estivesse perfeitamente sob controle.
E, de certa forma, para aquele lado do jogo, estava. Em um movimento preciso e ágil, ela levantou seu braço direito, segurando uma lança e emitindo um som, como se desse permissão para que algo acontecesse. Com as mãos fechadas em punhos, uma em cada lado de seu corpo, observou atônita as naves moverem-se, todas em perfeita sincronia, como se estivessem esticando-se para cima, assim que a criatura fez o sinal. Sem conseguir entender direito o que acontecia, ela, assim como os demais ao seu redor, apenas assistiram em silêncio. Claramente não havia nenhuma negociação ali. Seja lá quem eram eles, e seja lá qual era a real motivação de estarem ali, não queriam resolver nada no diálogo. Queriam lutar e queriam sangue. Por segurança, Natasha, T’Challa e Steve logo voltaram para perto deles, afastando-se novamente da redoma.
— Eles se renderam? — Sem desviar seus olhos do inimigo, Bucky perguntou retoricamente.
— Eu não diria isso — Steve respondeu do mesmo modo.
Assim que o movimento das naves parou de uma vez por todas, suas portas abriram-se de uma só vez e, inesperadamente, o que saiu de dentro delas não era exatamente um exército. Ao menos, não como eles esperavam que fosse. Mesmo sem conseguir ver exatamente o que eram, podiam perceber pela velocidade e pelo barulho incomuns, vindo de dentro da floresta, que não era algo conhecido. T’Challa deu um passo à frente, o instinto cultural gritando seus pulmões a fora a palavra que aprendeu com seu falecido e honrado pai, a expressão que seus ancestrais criaram para dizer a todos que aguentassem firme, que resistissem. Yibambe. Em resposta, toda a população de Wakanda que ali estava gritava de volta, em uníssono, afirmando ser um só povo, ser a resistência. Na segunda vez em que o Rei pronunciou a palavra, contudo, junto com a resposta, todos eles se colocaram em formação, apontando suas lanças para frente. De dentro de sua armadura, Bruce sentiu seus pelos dos braços arrepiarem diante daquele momento.
Se tudo já estava estranho e incomum o suficiente, ver aquelas coisas surgindo no campo de visão deles, em instantes, foi terrivelmente inexplicável. Correndo furiosamente em direção a redoma, as criaturas que compunham o exército do tão temido Thanos pareciam como lobos, três ou quatro vezes maiores e mais altos, de coluna ereta, com pernas e quatro braços. Tinham um tom de pele acinzentado, como se fossem feitos em chumbo e faziam um barulho ensurdecedor. Uma grande matilha com centenas de milhares daquelas criaturas espalhava-se pelo lado de fora da redoma, amontoando-se, atropelando-se, passando uma por cima da outra. trocou um olhar uma tanto assustado com Bucky que, sem desviar seus olhos das criaturas, fez a pergunta que todos eles ali gostariam de fazer:
— Que porra é essa?
— Acho que ela ficou irritada — Romanoff respondeu em um murmúrio.
— Você acha? — Baixo e meio irônica, perguntou.
Os outriders, como chamavam as criaturas animalescas, seguiram correndo velozmente até começarem a colidir contra a redoma. Irritados por não conseguir atravessá-la, eles insistiam em colocar-se contra o escudo tecnológico, forçando-se contra ele. Não levou mais do que alguns segundos para que alguns dos outriders conseguissem cruzar a barreira. Perdendo pernas, braços, pedaços inteiros do próprio corpo, alguns até caindo mortos para o lado de dentro da redoma, eles não paravam. Aquelas criaturas não pareciam ser racionais, nem sentimentais, nem… nada. Não importava o que custasse, não raciocinavam a própria perda, nem temiam a própria vida. Só queriam chegar até seu inimigo, estavam programadas para a aniquilação e era aquilo que pretendiam fazer.
— Eles estão se matando — Okoye comentou rangendo os dentes, horrorizada em ver aquilo bem diante de seus olhos. Alguns deles, contudo, estavam conseguindo com sucesso cruzar a redoma, com vida, inteiros. Estavam passando a barreira.
Parte da guarda real acionou um escudo de proteção a partir das próprias vestes que usavam, colocando-se alguns passos mais à frente dos demais, com objetivo de impedir, ou criar uma nova barreira, desta vez humana, a possível aproximação dos outriders. Com lanças, armas e jatos de energia apontados para frente, por sobre a barreira recém criada, todos esperavam com expectativa pelo comando de T’Challa para, finalmente, atacar. desviou seu olhar até T’Challa que, como se houvesse combinado, retribuiu ao exato mesmo tempo. Havia algo que poderia ser feito, mais um passo anterior à luta, algo que poderia evitar que qualquer combate físico acontecesse. E ele sabia que estava pensando exatamente na mesma coisa.
— Apenas os de fora da redoma — T’Challa ordenou, vendo concordar com a cabeça. Bucky, Steve e Natasha desviaram seus olhares até ela também, ligeiramente confusos.
— E os de dentro? — franziu a testa, dando alguns passos em frente e saindo da proteção da barreira da guarda real.
— Daremos conta — T’Challa rebateu rápido, observando alguns dos animais perigosamente se aproximando deles.
Sem tempo a perder, encarou o chão longos metros à sua frente, puxando dentro de si toda e qualquer energia que havia ao seu redor. Por segurança, muitos anos atrás, ela tinha sugerido ao Rei que colocassem, enterradas no solo e encapadas para não brotarem, sementes de ervas venenosas em toda a borda da redoma, pelo lado de fora. Nunca havia usado aquele recurso até então, mas, para naquele momento, pareceu a melhor ideia que já tinha tido em toda sua vida. Elevando sua mão direita com elegância, as ervas de White Snake-Root cresciam rapidamente do lado de fora da barreira, em meio aos animais que, atordoados pelo cheiro estranho, tentavam se afastar delas. subiu seu olhar do chão até as criaturas e, com um sorriso cínico nos lábios, ela simplesmente assoprou com força, fechando a mão direita.
Alguns passos atrás dela, impressionado com a leveza de algo tão grandioso, Bucky viu milhares de esporos pequenos e brancos, como dentes-de-leão, desprenderem-se das ervas já grandes o suficiente para cobrir, em altura, metade da barreira. No instante seguinte, absolutamente todas as criaturas de fora da redoma, sem exceção alguma, caíram no chão de uma só vez. Todo o barulho alto que faziam cedeu lugar a um silêncio absurdo, a névoa esbranquiçada dos esporos, cheia de toxinas tremotol, recaindo sob os corpos dos outriders jogados no chão, como se estivessem mortos. Todos. De uma única vez. Em segundos. E como se não tivesse terminado por aí, Bucky viu , ainda de costas para eles, esticar o braço esquerdo ao lado do corpo, com a palma da mão virada para cima.
— Essa é a melhor parte — Okoye sussurrou orgulhosa, sem tirar os olhos de . Lembrava-se dos treinamentos de quando ela era só uma criança. De cada segundo que passou daquela vida se aprimorando para fazer o que estava prestes a fazer com tanta maestria.
Como se estivesse recebendo algo na palma de sua mão esquerda, ela a fechou e, lentamente, a trouxe para perto de seu corpo. Acompanhando o movimento, como um músico acompanhava seu maestro, dezenas de galhos de árvores, espessos e pontiagudos, multiplicavam-se e se esticavam das árvores próximas até tomarem todo o campo de visão à frente de . Com o movimento leve do braço e os olhos cravados nas criaturas ainda vivas que conseguiram adentrar a redoma e que corriam na direção deles, ela manipulou os galhos até que os atingissem. Um a um, perfurados violentamente, os outriders não tiveram sequer tempo de entender de onde vinha aquele ataque e, muito menos, de se protegerem. A concentração e a tranquilidade dos movimentos de contrastavam com a violência e o caos provocados pelos galhos das árvores poucos metros à sua frente.
só precisou de um minuto. Apenas um único minuto. Para envenenar cem por centro dos outriders fora da redoma e para matar todos aqueles que conseguiram entrar nela. Sessenta segundos depois de dar alguns passos em frente, ela deixou seus braços caírem ao lado do corpo de volta e, perdendo o foco da energia da natureza ao seu redor, ela observou o que tinha feito ali. Satisfeita por acabar com o problema tão rápido, virou-se novamente de frente para os demais, observando as expressões de curiosidade misturar-se com incredulidade e um pouco de incerteza. O silêncio absoluto e todos os olhares nela denunciavam a surpresa em ver tudo simplesmente parar, em ver aquilo tudo terminar ainda mais rápido do que começou.
— Apenas os de fora da redoma, — T’Challa repetiu, dando-lhe um sorriso lateral.
— Não resisti — deu de ombros, voltando a sua posição inicial, ao lado de Steve e Bucky que, impressionado, só conseguiu sorrir orgulhoso para ela. Nunca tinha visto manipular a natureza para algo que não fosse fazer o bem. De recordar memórias ao método indolor, sempre era para uma boa causa. Aquilo era novidade. era mais perigosa e mais forte do que ele havia pensado. E aquilo, de alguma forma, o fez se sentir ainda mais atraído por ela.
— Mandou bem, Fada — Sam comentou feliz, pelo comunicador. Steve concordou, assentindo para ela com a cabeça.
— Onde você estava na batalha de Nova Iorque? — Bruce perguntou impressionado. Nunca tinha visto nada parecido com aquilo. Estava esperando que ela fosse boa de luta, talvez que tivesse um traje impressionante ou super força. Fitocinese, definitivamente, não estava nos planos — Por que ninguém chamou ela para os Vingadores antes?
— Foi fácil… assim? — Natasha perguntou um tanto indignada, olhando que não teve tempo de responder.
Furiosa pelo o que tinha acabado de acontecer ali, Proxima Midnight, a criatura feminina que lutou contra eles na Escócia e também prometeu matar Natasha, soltou um grito estridente e absurdamente alto. Completamente irritada em ter seu exército derrubado de uma única vez, ela ergueu sua lança para o alto, a empunhando com força e nervosismo. A fonte de energia azul que saía da ponta da lança expandiu-se em instantes e, limpando todo o ar do veneno espalhado pelos esporos, cobriu os corpos dos outriders de uma única vez. A claridade absurda da energia fez com que todos eles do outro lado da redoma espremessem seus olhos ou os cobrissem com as mãos para tentar se proteger do incômodo. O manto azul de energia pairou pelo lado de fora por dois ou três segundos até, finalmente, dissipar-se e, consigo, trazer de volta à vida todas as criaturas antes mortas por . Os milhares de outriders levantaram-se e, como se nunca tivessem sido mortos, voltaram a fazer a exata mesma coisa de antes: tentar furiosamente atravessar a redoma.
— Não foi fácil assim — Bufando, respondeu Nat, que estava confusa. O barulho alto dos bichos as irritando outra vez — Mas que caralho.
— Eles parecem mais nervosos agora ou é impressão minha? — Rhodes observou, vendo-os ainda mais alvoroçados e violentos, como se pudessem se conectar com as emoções de sua líder.
— Não dá para envenenar eles de novo? — Sam perguntou, ainda sobrevoando a borda da redoma.
— Dá sim — Bucky respondeu impaciente — Ai ficamos nesse looping para sempre.
— Não perguntei para você, Soldadinho de Chumbo — No mesmo tom de voz, Sam rebateu.
— Sam — Steve o advertiu sem sequer piscar, tamanho o descontentamento que sentia.
— Em posição — T’Challa ordenou atento, encarando, novamente, dezenas das criaturas conseguirem passar através da barreira e correr até perto deles.
Sem querer mais usar da diplomacia ou de qualquer outro recurso, assim que o primeiro outrider chegou realmente perto a ponto de poder atacá-los, T’Challa autorizou a ação com um grito alto. No mesmo segundo, a Guarda Real soltou pequenas lanças finas de seu equipamento, enquanto as Dora Milaje apontavam suas lanças afiadas em direção aos outriders, prontas para agir. , Steve, Natasha e T’Challa apenas assistiam tensos, concentrados, ao tempo que Bucky atirava com sua metralhadora e Bruce usava os reatores nas palmas das mãos do Hulkbuster. Do ar, Sam controlava o Asa Vermelha para aplainar e atirar no inimigo no solo, enquanto Rhodes soltava pequenos mísseis de sua armadura.
— Estão vendo os dentes daquelas coisas? — Sam praticamente gritou, desviando de um deles que pulou em sua direção. Embora estivessem acertando alguns e matando outros, a cada segundo que se passava, mais deles conseguia adentrar a redoma.
— Pode botar essas asas para funcionar, Sam — Rhodes avisou ríspido, voando paralelamente a barreira e soltando atrás de si, por onde passava, uma sequência de explosivos que foi o suficiente para atingir boa parte da matilha e fazer com que os demais recuassem, parando de atirar por um momento.
O efeito, contudo, foi parcialmente contrário ao que Rhodes esperava. Sem danificar a barreira e atingindo o que estava do lado de dentro, as explosões assustaram os outriders do lado de fora que, por instinto, começaram a se afastar dali, de onde estavam concentrados, e passaram a buscar alternativas em outros lados da redoma. não estava gostando nenhum pouco daquilo. Se pudesse descrever como estava se sentindo naquele exato momento, ela certamente poderia resumir em três palavras: ansiedade, incerteza e apreensão. Ao lado dela, Bucky tinha a sensação de que tudo parecia estar piorando a cada segundo que se passava.
— Capitão, se essas coisas derem a volta e passarem por trás de nós, não vai ter mais nada entre elas e o Visão — Banner observou um tanto aflito.
— Então vamos mantê-las na nossa frente — Steve respondeu objetivo. Estava tão concentrado no que acontecia ali que até sua postura estava séria, imponente. já tinha lutado ao lado dele, mas aquela era a primeira vez que o via tão tenso daquela forma.
— Como vamos fazer isso? — Okoye perguntou preocupada, olhando rapidamente para T’Challa.
— Vamos abrir a barreira — O Rei respondeu de prontidão, a encarando de volta. Bucky trocou um olhar incerto com , enquanto Steve voltou-se para T’Challa. Aquilo seria suicídio. Estavam em número muito menor do que o inimigo, certamente não dariam conta de segurá-los e não faziam ideia de quanto tempo mais Shuri precisaria para remover e destruir a joia — Ao meu sinal, abra a ala Noroeste 17 — Sem tempo a perder, T’Challa ordenou pelo comunicador.
— Solicito confirmação, meu Rei — Uma voz feminina perguntou direto da torre de controle — Disse para abrir a barreira?
— Ao meu sinal — O homem confirmou. Sentindo seu coração disparar levemente, Natasha o encarou de lado.
— Esse será o fim de Wakanda — Preocupado como nunca antes, M’Baku murmurou e logo foi completado por Okoye, sua voz tão segura quanto sua postura:
— O fim mais nobre de toda a história.
Por um momento, sentiu o medo percorrer seu corpo. Não pelo o que estava prestes a acontecer, nem por ter que enfrentar aquelas coisas fisicamente. Mas ela sentiu medo por tudo que tinha a perder ali. Steve. Sam. T’Challa. Okoye. Bucky. Wakanda. O que foi sua casa por tantos anos, apesar de nunca ter pertencido àquele lugar. O que foi sua família, apesar de não ter o mesmo sangue. O que foi o amor, apesar de ter sido por tão pouco tempo. Daria sua vida por aquelas pessoas e daria sua vida por aquele lugar, apesar de tudo. Sentindo seus olhos marejarem, a testa franzida em preocupação e os lábios comprimidos, olhou os olhos azuis de Bucky pela última vez, tão preocupados e angustiados quanto os dela, antes de ouvir T’Challa gritar “Wakanda para sempre”. Torcer pelo melhor. Esperar pelo pior. Quando a barreira abrisse, já seria tarde demais. E eles dois sabiam disso.
Steve e T’Challa lideraram a corrida, mais à frente do que os demais, sentido a redoma. Vindo com toda força e fúria que podia ter, alguns poucos metros depois, todos os demais corriam na mesma direção, sem saber exatamente o que e quando deveriam fazer. Contudo, um minuto depois de começarem a correr, T’Challa confirmou a abertura da redoma e, assim que uma fina fresta dela foi aberta, os milhares de outriders do lado de fora amontoaram-se e começaram, efetivamente, a adentrar o espaço tão protegido de Wakanda. Correndo lado a lado, sorriu para Bucky, tentando ser minimamente confiante. Sabia que ele estava se segurando para ficar ali, ao lado dela, quando na verdade poderia correr mais rápido e alcançar Steve. Mas se estavam em uma guerra, então tinham que lutar. E tinham que lutar para vencer.
Pouco antes de atingir os outriders, ainda correndo, manipulou amontoados de terra em sua frente, formando degraus, enquanto gesticulava com as mãos. Cada gesto elevava um amontoado diferente, frente a frente, formando uma escada, em que ela, a cada passo em frente pisava, como se estivesse literalmente subindo enquanto corria. Em uma altura suficiente para puxar a maior quantidade possível de energia da natureza, disposta por quilômetros ao seu redor, ela parou de criar degraus e se jogou para frente, dando uma cambalhota no ar e caindo, em seguida, em queda livre, no chão, bem no meio dos outriders e mais próxima a redoma, onde a maior quantidade deles estava. Pouco antes de atingir o chão, contudo, um conjunto de raízes quebrou o chão rapidamente e a encontrou no ar, formando uma espécie de bolha ao redor dela, como se a pegasse e a protegesse. Assim que ela encostou no solo, as raízes circundaram-se no entorno dela, ainda no formato da bolha que explodiu de uma vez, quebrando-se em pequenas pontas, como espinhos, atingindo propositalmente boa parte dos outriders ao redor.
— Exibida — ouviu Sam murmurar pelo comunicador, o vendo sobrevoar exatamente por cima dela, enquanto, exibidamente, dava um giro no ar para desviar de uma criatura e acertava outras duas.
— Exibido — Ela rebateu da mesma forma, ouvindo Sam rir.
Descendo sua atenção de volta ao que acontecia ao seu redor, não teve muito mais tempo para pensar no que deveria fazer, pois uma quantidade que não podia sequer contar de criaturas aproximava-se correndo dela, caóticas, alvoroçadas. De perto, pareciam ainda mais assustadoras. Com a pele elástica e bastante resistente, como uma armadura, eram meio gosmentas, babavam e não conseguiam deixar a língua dentro da boca. O barulho alto que faziam parecia aumentar a todo o momento, conforme envolviam-se na guerra, e bastava observá-los lutar por segundos para entender que sua total falta de inteligência era compensada pelas incríveis habilidades de luta física. Com dois ou três metros de altura, não pareciam ter olhos e, apesar de nunca ter visto nada parecido com aquilo, o mais curioso, para , foi entender que eles eram movidos, na verdade, pela sede de sangue.
Alguns segundos antes da primeira criatura conseguir encostar nela, limpando sua mente dos pensamentos e do medo, ela concentrou-se rapidamente em fazer crescer ao seu redor uma das plantas que mais a fascinavam. Circundando como se estivessem de guarda em torno dela, sete grandes Venus Flytrap, Dioneias, brotaram do chão com um ou dois simples movimentos de mãos de . Com seus caules atingindo quase quatro metros de altura, as plantas pareciam ganhar vida, como se pudessem decidir sozinhas o que fazer. Famintas, como boas carnívoras, abriam e fechavam suas folhas como bocas, prontas para atacar. E não bastasse ter criado plantas carnívoras gigantes, babando litros de toxinas digestivas que consumiam parte dos corpos dos outriders apenas de encostas nelas, reforçou as hastes capilares das plantas com espinhos. Grossos e afiados o suficiente para proteger as plantas do contra-ataque que sofreriam. No meio delas, permaneceu parada, observando ao seu redor as plantas lutarem contra os outriders, acertando alguns, engolindo outros, comendo parte de seus corpos e os impedindo de chegar perto dela. Mas não demorou muito até a primeira das plantas ser tirada do solo por uma criatura que, sem piedade alguma, a estraçalhou com os dentes.
Irritada por ter perdido uma de suas plantas, deu um grito alto o suficiente para chamar a atenção dos demais pelo comunicador e esticando suas mãos e seus braços ao lado do corpo, os elevando com força e lentamente, fez com que as seis Dioneias sobreviventes levantassem suas raízes do chão e, livres, caminhassem em frente, expandindo o círculo ao redor de , como se estivessem marchando. sabia que não conseguiria aguentar o controle delas por muito tempo, mas foi o suficiente para, em questão de minutos, matar mais algumas dúzias dos outriders.
Segurando como podia seu controle sobre as plantas, esforçava-se em manter-se concentrada e no exato meio delas, lutando fisicamente contra algumas poucas criaturas que conseguiram passar a barreira das plantas, até ver, mais duas delas serem mortas. Observando as quatro Dioneias que resistiam e ainda atacavam aquelas coisas, fez como um sinal de “já chega” com os braços, a frente de seu corpo e, no exato mesmo instante, as plantas incharam-se absurdamente até explodirem, lançando as centenas de espinhos que tinham espalhadas por suas folhas e derrubando nos outriders mais próximos os litros de toxinas. Com a explosão das plantas, ao menos, mais algumas dezenas das criaturas foram mortas. sentou-se no chão por um segundo, exausta, sem fôlego, consumida em sentir tanto a fitocinese daquela forma, naquela intensidade, em tão pouco tempo.
— Desde quando você sabe fazer essas… coisas? — Bucky perguntou pelo comunicador, o barulho da metralhadora o forçando a praticamente gritar.
— Desde sempre? — respondeu com obviedade, respirando fundo, até ouvir Bucky dizer novamente:
— E eu, todo esse tempo, achando que poderia te machucar. Estou me sentindo ridículo.
Colocando-se em pé, soltou uma risada breve e tentou procurar por ele com os olhos, mas o caos instalado ali não a deixou encontrar mais ninguém. Tinham que se proteger, tinham que sobreviver, mas não sabia bem o que fazer. Dezenas de outras coisas como aquelas que matou há pouco vinham em direção a ela e intercalava entre encará-los pela força física, lutando como sabia, como podia, e em manipular a natureza ao redor, os fazendo enroscar em raízes, ser atingidos por grossos cactos que brotavam do nada no chão e sumiam ou os acertando com pedras gigantes e amontoados de terra. Controlar a natureza, contudo, exigia de conexão com a energia ao redor e concentração. Por isso, diante da loucura que estava inserida, a força física parecia o jeito mais rápido de se livrar daquelas coisas, que vinham para cima como se estivessem famintas.
— Quanto tempo mais, Shuri? — A voz um tanto cansada de T’Challa perguntou, pelo comunicador de todos eles em campo.
— Eu mal comecei, maninho — A garota respondeu brevemente. Do laboratório, Wanda acompanhava apreensiva a luta se formar.
— É melhor você se apressar.
Poucos metros dali, Steve tentava matar alguns outriders com os pequenos escudos improvisados que T’Challa o deu horas antes. Sua mente divagava entre o fato de, quarenta e oito horas antes, ser apenas um fugitivo da lei para, agora, naquele momento, estar em um quilométrico campo aberto tendo que lidar com milhares de seres de outro planeta, que sequer conseguia nomear. Se sentia cansado e um tanto velho para guerras como aquela e se ele estava daquela forma, mal podia imaginar como seu melhor amigo estava se sentindo. Irritado, nervoso, centrado em ser o melhor atirador de elite do mundo há, pelo menos, oitenta anos, e contando os segundos para que aquilo terminasse de uma vez por todas, Bucky se sentiu menos indisposto do que horas antes. Embora estivesse cansado de guerras, estar em uma, e do lado certo dessa vez, do lado dos Vingadores, o fez sentir-se ligeiramente saudoso. A cada tiro que dava, a cada vez que olhava para o lado e via Steve ali, lutando com ele, Bucky lembrava-se de quando estavam juntos de volta aos anos 1940. De outras formas, por outros motivos e em outras proporções. Mas foi só ele ver ser arremessada para mais perto dele, com um rasgo na testa sangrando, para o saudosismo morrer e, em seu lugar, a ira voltar.
Bucky mirou a arma em direção às criaturas que se aproximavam rapidamente de e, com agilidade, uma a uma, as tirou de perto da mulher, matando-as. Ao mesmo tempo, , de frente para ele e alguns metros de distância, passou o braço com força e com raiva, de um lado a outro na horizontal, em frente a seu peito, fazendo uma folha de agave brotar e cortar ao meio as criaturas que vinham ao redor e em direção a Bucky. Por um instante em que conseguiram proteger um ao outro, o casal se entreolhou. Bucky piscou charmoso para ela, enquanto deu-lhe um sorriso e logo correu dali, empurrando com o próprio corpo um dos outriders que vinha em sua direção.
Do ar, Sam e Rhodes continuavam a atirar. O Falcão estava focado em neutralizar os inimigos mais para o meio do campo, enquanto o Máquina de Combate atacava diretamente a barreira de entrada da redoma, por onde ainda passava centenas de milhares de outriders. Do ponto de vista aéreo, a situação não parecia nada boa. E estava bem longe de ter um final. Parecia que, para cada criatura que algum deles matava, dez outras apareciam no lugar. Era como se se auto multiplicassem, as milhares que viram fora da redoma pareciam bilhares entrando nela agora. De onde estavam, Sam podia ver Steve matar algumas em um canto, com T’Challa próximo a ele, atingindo outras agilmente. Barnes seguia atirando ao seu redor, preocupado em não ficar descoberto e ser atingindo, enquanto, perto dele, tentava matar três outras na força bruta. Mais ao lado, Natasha empunhava os bastões que trajava e colocava-se em pé, depois de ter sido atingida, enquanto Bruce usava os recursos da Hulkbuster para atacar e se proteger.
Por mais fortes que fossem, e por mais que estivessem empenhados em não deixar que chegassem até Visão, nenhum deles sabia ao certo por quanto tempo aguentaria aquilo tudo. A pressão e a expectativa de Shuri terminar logo a remoção da jóia, de Wanda a destruir e daquela luta terminar. A pressão de nada acontecer com qualquer um deles e a angústia de querer ajudar e proteger uns aos outros, mas não poder, porque não estavam, nem isolada, nem conjuntamente, dando conta do que acontecia ali. E foi só naquele instante, enquanto era nocauteado por uma das criaturas que Steve percebeu o que havia de errado naquele conflito todo. O que o estava incomodando desde que aquela história começou, o que parecia soar diferente. Aquela não era uma guerra que lutavam para vencer. Aquela era uma guerra que lutavam para ganhar tempo. E isso mudava muita coisa. Mudava, não somente pelo ferido de super-herói. Mas, sobretudo, porque todos sabiam que não poderiam vencer. Estavam em menor número, em clara desvantagem. O objetivo daquilo tudo, para todos eles ali e pela primeira vez em suas vidas, era apenas, e simplesmente, ganhar tempo. E estavam aprendendo na prática como fazer aquilo.
A criatura que acompanhava Proxima Midnight, de nome Cull Obsidian, lançou seu machado em direção a Rhodes, o atingindo em cheio e o tirando de perto da abertura da redoma. Muito maior e fisicamente mais forte do que Proxima, Cull também parecia um híbrido humano-animal, uma criatura pavorosa e claramente de outro planeta. Acompanhava Proxima como se fosse seu guarda-costas, de olho em tudo que acontecia ao redor assim que cruzou com ela a barreira, finalmente adentrando a redoma. O machado logo voltou a ele, como um boomerang, e Rhodes perdeu-se de vista, caindo no solo.
Como se estivessem tendo um momento de baixas, depois de meia hora seguida de luta relativamente controlada por eles, observou Bruce desajeitadamente pular de um canto a outro do campo, sendo praticamente engolido pelas criaturas. Alguns poucos metros, próximo a ela, Bucky descuidou-se por um único segundo, o suficiente para que um outrider socasse sua metralhadora para longe, e o atingisse com um tapa forte no rosto, o jogando para trás, de modo que caísse deitado. Bucky não teve tempo de segurar-se ou de se colocar em pé novamente, porque no instante seguinte o bicho já estava em cima dele, tentando a todo custo o matar. Por sorte, ou por atenção do time que desenvolveu o traje de Bucky, ele conseguiu tirar uma faca do coldre que usava na coxa direita e, com os olhos fechados pelo medo de ser engolido, esfaqueou o bicho em cima de si, do jeito que pode.
, por sua vez, preocupada em ver o que acontecia com Bucky, não desviou a tempo de um soco que levava e, pela força, foi arrastada para trás alguns metros, até atingir, de costas, uma pedra. Saindo de trás dela, no exato mesmo segundo que colidiu, uma outra criatura conseguiu a morder no braço, a chacoalhando com força, pela boca, até a arremessar com força e muita fúria para longe. caiu a longos metros de distância de onde estava, de barriga para baixo, a tempo de ver T’Challa ter atingido fortemente por um dos bichos, enquanto Steve, também já com uns machucados abertos no rosto, tentava segurar outro que o encurralava. De onde estava, e todo aquele tempo, não conseguia ver nem ouvir Natasha e Okoye. Só podia esperar que estivessem bem e sobrevivessem. Colocando-se em pé em um instante, e limpando brevemente o sangue que escorria de sua testa, correu em direção a Steve e jogou-se em cima do outrider que o encurralava, tirando-o de cima de seu amigo. O Capitão perdeu o equilíbrio com o movimento e, caindo mais ao lado, não teve tempo de reagir antes que novos bichos caíssem por cima dele.
— Têm muitos deles — Bruce gritou pelo comunicador, sem mais conseguir enxergar nada pelo capacete de sua armadura, tamanha era a quantidade de criaturas em cima dele, fazendo um monte.
Sam até cogitou dar uma resposta irônica, mas estava concentrado demais em não morrer. Havia tantos deles, de fato, que mal podia raciocinar direito sobre o que fazer para pará-los. Todo movimento, de uma hora a outra, passou a ser meramente instintivo e nada mais do que isso. Não havia treinamento para aquilo, nem estratégia, nem qualquer tipo de preparação ou previsão. Aquela era uma batalha única, para Sam e para todos eles ao seu lado. Não dava tempo de absolutamente nada. A angústia e a pressa aumentavam a cada segundo. E a desvantagem de ser um voador era, justamente, observar do alto enquanto cada um de seus amigos era nocauteado.
Do chão, contudo, insistia em levantar-se, apesar de ter sido derrubada dezenas de vezes. Seu rosto latejava de dor pelo corte aberto e uma parte de seu macacão já estava começando a esfolar, a gastar-se, pelos impactos. Estava tão confusa, tão apavorada em não se deixar ser atingida, em matar o maior número possível de outriders e em tentar garantir que nenhum dos seus se machucasse, que, no fundo, ela não sabia o que fazer primeiro. E aquela ansiedade toda não contribuía para mais nada senão gerar um caos ainda maior dentro de si e atrapalhar sua conexão com a fitocinese. tinha sua perna esquerda sendo mordida por um dos bichos, enquanto seus braços batiam socos e murros nos outros que estavam em cima dela, até eles conseguirem, finalmente, a derrubar deitada no chão, como Bucky minutos atrás.
não viu exatamente o que aconteceu, mas, como se a ajuda tivesse vindo do céu, de repente, algo que ela não soube descrever naquele momento atingiu todos os bichos que estavam em cima e ao redor dela, esquartejando-os em segundos e com precisão. A única coisa que pode ver foi um feixe de luz azul, como raio, cortar as criaturas rapidamente e afastar-se dela. Desnorteada, ela levantou-se, sentando-se no chão, notando a ligeira pausa em absolutamente tudo para observar o que acontecia ali perto de onde ela estava. Os guerreiros e soldados wakandanos simplesmente pararam de lutar por um momento e voltaram-se para o centro, algumas centenas de outriders que antes ocupavam aquela área mortos ao redor, todos. Mas bastou a olhar para o lado de onde estava sentada para entender exatamente o que tinha acontecido. Para entender, na verdade, quem tinha acontecido. Vendo Steve aproximar-se dela e estender-lhe a mão, sorriu vitoriosa, como se, agora sim, tivessem uma vantagem real.
— AH-hahaha. Vocês estão fodidos agora — Banner comemorou rindo alto, abrindo o capacete da Hulkbuster por um momento, para respirar. Foi como ser inundado por um sentimento de vitória, como se tivessem dado a ele uma esperança. E na explosão de felicidade que sentiu naquele momento, Bruce sentiu-se também aliviado. Seu amigo estava de volta. Estava vivo.
aceitou a mão de Steve e, com ajuda dele, levantou-se rapidamente. O Capitão, assim como ela, parecia sem fôlego, um tanto aliviado e bastante confiante com a chegada triunfal de Thor, junto com duas outras criaturas que nunca tinha visto antes. Preocupada, deu meia volta, varrendo todo seu entorno com os olhos, em busca de Bucky que, mais afastado dali e perto de Natasha, a encarava relativamente satisfeito em vê-la bem. Nat, contudo, se perguntava mentalmente se Thor havia ressuscitado. Bruce chegou contando que ele estava morto, o que tinha acontecido? Por que absolutamente tudo naquela história parecia tão irracional?
Salvos pelo Stormbreaker, voltou seu olhar até Thor e, em seguida, até Proxima e Cull, os líderes do inimigo. Pareciam tão chocados com a presença do deus como eles, uma chegada que foi tão inesperada, tão surpresa, que os pegou despreparados também. A presença de Thor os fez parar por um momento, e repensar a estratégia de ataque, e os outriders, vendo muitos dos seus serem mortos de uma única vez, recuarem para perto da redoma. Thor levou apenas um minuto para observar seu redor e entender o terreno, analisar superficialmente o que acontecia ali, até que, nervoso, virou-se de frente para a abertura da redoma, de frente para os outriders e correu. Com seu machado em mãos, sendo acompanhando pelo guaxinim e por algo que, de onde observava a cena, parecia ser um vegetal, ele saltou ao ar, gritando alto o suficiente para todos eles ouvirem:
— ME TRAGAM O THANOS!
De onde estava, enquanto descarregava sua metralhadora sem qualquer remorso, Bucky conseguiu ver Thor gerar raios do próprio corpo e os descarregar no solo, atingindo os bichos ao redor como se ele próprio fosse uma tempestade. Tinham e tinham Thor agora, duas das pessoas mais poderosas que o mundo já havia tido. Duas pessoas que conseguiram, sozinhas, dizimar boa parte daquelas coisas. Por que é que, então, Bucky sentia que estavam perdendo? Tinha a sensação de que já estava ali há horas, matando como se estivesse em um jogo violento, sem conseguir saber direito por onde estava e, principalmente, como ela estava.
Embora a procurasse com os olhos de tempos em tempos, não podia sequer parar por um segundo sem correr o risco de ser comido vivo. Bucky já sentia suas pernas doerem, seu braço direito ficar dormente por segurar a arma na mesma posição por muito tempo e, apesar de tê-lo usado algumas vezes para luta física, seu braço cibernético pesava em seu ombro e machucava demais sua mente. Bucky não queria estar ali. Não queria reviver a violência e não queria ter que usar aquele maldito braço de metal para se proteger novamente. Ele não queria.
Parte dele esperava que conseguisse dar conta de terminar com tudo aquilo de uma vez. Outra parte dele celebrou em silêncio a chegada repentina de Thor. Mas dentro de si aumentava a aflição, de não terminar nunca aquilo, a cada bicho novo que aparecia em sua frente e que ele matava. Para Bucky, de todas as lutas que lutou e em todas as guerras que participou, aquela era a que mais parecia infinita.
Imerso em seus próprios pensamentos, ele não percebeu que uma das figuras novas no jogo se aproximava dele. Pelo contrário, a mente de Bucky só conseguia focar na quantidade de outriders que de colocavam a frente e em fazer o que fosse preciso para tirá-los do caminho. Dando alguns passos atrás e sem parar de atirar em momento algum, Bucky se viu encurralado uma vez mais. A saída, contudo, brotou em sua mente como uma das flores de , assim que ele reparou no guaxinim, que chegou com Thor, próximo dele, igualmente segurando uma arma.
Sem pensar duas vezes, vendo o cerco se fechar cada vez mais perto dele, Bucky pegou Rocket pela nuca, pela gola da roupa que vestia, com seu braço cibernético, e o levantou até ficar na altura de seu ombro. Com os braços abertos e sentindo a pressão dos tiros que saíam da arma do guaxinim, Bucky deu uma volta em 540 graus com seu corpo, rodando no mesmo lugar, enquanto ainda o segurava, de modo que pudessem atirar juntos, rápido e em direções opostas, limpando rapidamente o terreno ao redor de onde estavam.
— Toma, minha gente! É CHUMBO GROSSO PARA TODO O LADO — Rocket parecia se divertir, o que, para Bucky, era bizarro. Estava mesmo segurando um guaxinim de roupa que podia falar e, pior do que isso, que podia manipular uma arma? — É ISSO AÍ, PODEM VIR!
Demorou só um minuto para que a ideia de Bucky tivesse sucesso total e, assim que o último bicho caiu morto no chão diante deles, ele soltou Rocket no chão outra vez, que, o encarando com interesse, perguntou:
— Quanto quer pela arma?
— Não está à venda — Bucky respondeu sério.
— Ok. E quanto pelo braço? — Rocket insistiu, apontando para o braço cibernético do homem.
Não sabia se estava se sentindo mais ridículo por estar falando com um guaxinim ou se por ele estar interessado justamente naquele braço. Bucky encarou o animal por um momento e, descontente, saiu de perto sem dizer mais nada.
Do outro lado do campo, foi arrastada por alguns outriders até conseguir se livrar deles no chute. Caindo em pé perto de alguns Jabari e mais próxima a T’Challa, ela teve só dois segundos para perceber no que tinha se metido. Diante dela, há meia dúzia de passos à frente, a maior das criaturas, Cull, com seu machado empunhado na mão, ou pata, esquerda, a encarava com raiva. O que não tinha visto ainda, e que só reparou naquele momento, era na grossa corrente de metal que ligava o machado gigantesco à própria mão dele. Como se a soltasse de si mesmo, a corrente saiu do machado rapidamente em direção a que, ágil, conseguiu pular para trás por sobre ela, três vezes, desviando das ondas que a longa e espessa corrente fazia e caindo agachada no chão.
Descontente em não acertar seu alvo, Cull puxou de volta a corrente para si e, no momento seguinte, a lançou em direção aos Jabari próximos que, sem chance alguma de lutar contra aquilo, caíram para trás. Machucados e exaustos, eles sequer tiveram tempo de se colocar em pé outra vez, até Cull recuar a corrente e, com o machado, e muita violência, matar um dos Jabari mais próximo a ele. sentiu seu coração parar por um momento. Com a testa franzida em claro sinal de nervosismo, ela levantou-se, com as mãos abertas ao lado do corpo e os braços ligeiramente estendidos. As raízes saindo da grama abaixo dela enquanto ela se colocava em pé, rodeando seu corpo como se a possuíssem, como cobras. Do tornozelo a seu pescoço, o corpo inteiro de foi tomado por raízes maleáveis, em verde tão claro e tão carregadas de energia, que pareciam neon. Assim que elas chegaram às mãos abertas de , contudo, cresceram por mais um metro e pararam.
apertou as mãos nas raízes que, vendo de frente, pareciam chicotes que se apoiavam no próprio corpo dela, e espremeu os olhos. Deixando a cabeça tombar levemente de lado, sentindo um frio imenso na barriga e um ódio crescente, ela murmurou raivosa, chicoteando o chão com as raízes que apertava em suas mãos:
— Comece a rezar.
— Espero que esteja certa sobre isso, Fada — Sam murmurou um tanto descrente, seguindo os comandos dela e prestando atenção no caminho à frente — Ou vamos chegar ao chão mais rápido do que o esperado.
e Steve trocaram um olhar cúmplice, em meio a um sorriso um tanto arteiro. Não disseram absolutamente nada, só tinham que esperar a reação de Sam, que veio menos de dois minutos depois, assim que o jato passou por um campo de força de camuflagem. Sobrevoando o vale da Cidade Dourada de Wakanda, abria em suas frentes toda a visão do país em um dia claro, ensolarado, ameno e muito bonito. Como Steve se sentiu da primeira e única vez em que esteve ali, em que viu aquela vista, Sam ficou impressionado, boquiaberto e um pouco chocado. Finalmente estava em Wakanda. Finalmente estava vendo com os próprios olhos o lugar que ambientava tantas histórias que ouviu de , a casa dela. Muito mais incrível, desenvolvido, rico e tecnológico do que ele imaginava.
Sam desceu o jato sob a pequena pista de pouso logo em frente ao palácio, por instrução da amiga. T’Challa já deveria estar esperando por eles lá, porque assim que cruzaram a barreira de camuflagem já deveria ter sido alertado sobre a presença da aeronave. E exatamente como imaginou, lá estava ele, acompanhado por Okoye, parte da Guarda Real e das Dora Milaje, os esperando. Seus olhares tensos, saudosos e um tanto apreensivos aguardavam pacientemente, em formação e com postura, a rampa de acesso do avião recém chegado abrir-se. Steve foi com Natasha mais a frente, apressados, saindo da aeronave em poucos segundos. Rhodes vinha com Bruce logo atrás, que, formal, vestia um blazer por cima da camisa, enquanto Wanda apoiava Visão em seguida. esperou por Sam, que desligava os controles da aeronave, e, tão logo ele o finalizou, caminharam juntos para fora também.
— Devemos nos curvar? — ouviu Bruce perguntar baixo para Rhodes, que, em resposta, disse:
— Claro, é um rei.
Risonha, ela trocou um olhar breve com Sam. De todos eles, Bruce era quem mais parecia nervoso com o fato de estarem a caminho de Wakanda. Já tinha lido sobre o país, já tinha ouvido falar sobre ele, mas não imaginava ser nada daquilo que estava vendo ali, bem em sua frente. Ainda nos Estados Unidos, no Complexo, Bruce pôde trocar de roupas, enquanto os demais lavavam o rosto, usavam o banheiro e comiam algo antes da viagem, e, pelo o que Rhodes havia contado a ele, fez questão de escolher algo mais social para vestir. Estaria na presença de um chefe de Estado, de um monarca, não podia aparecer maltrapilho como estava.
— Parece que sempre tenho que lhe agradecer por alguma coisa — Steve comentou quando já estava perto o suficiente de T’Challa, estendendo-lhe a mão e sendo recebido com um sorriso.
— Não desta vez, Capitão Rogers — O Rei o cumprimentou, seus olhos buscando discretamente por até, finalmente, a encontrar saindo da aeronave com Sam — Protegeu e trouxe o coração deste país de volta. Eu quem lhe agradeço desta vez.
sorriu feliz em vê-lo e em ouvir aquilo, e assentiu brevemente com a cabeça para Okoye, que, formal, retribuiu. Contudo, antes mesmo que pudesse dizer qualquer coisa, a imagem de Bruce se curvando desajeitadamente para T’Challa atraiu sua atenção, a fazendo pressionar os lábios e desviar o olhar em constrangimento.
— O que você está fazendo? — Rhodes perguntou falsamente envergonhado.
— Nós não… nós não fazemos isso aqui — T’Challa explicou gesticulando para Bruce, como se pedisse para que ele parasse com aquilo. Bruce olhou confuso e sério para Rhodes ao seu lado que, rindo por ter atingido seu objetivo de sacaneá-lo, bateu seu ombro no do homem e seguiu caminhando por onde o Rei de Wakanda e sua corte iam — Qual é o tamanho do ataque que estamos esperando?
— Senhor…ahn, senhor? Acho que deveria esperar um ataque dos grandes — Bruce respondeu apressado, se colocando entre Steve e Natasha, que caminhavam mais a frente, logo atrás de T’Challa, que olhou por sobre os ombros.
— Como estamos? — Natasha perguntou curiosa.
— Vocês terão minha guarda, a Tribo da Fronteira, as Dora Milaje e… — T’Challa apontou para frente, atraindo os olhares de Steve, Natasha, Sam, , Rhodes e Bruce. Wanda e Visão estavam já sendo direcionados para o prédio administrativo do palácio, onde Shuri os esperava para começar o trabalho o quanto antes.
— Um homem semiestável de cem anos de idade — Bucky completou a fala de T’Challa, deixando o sorriso escapar. Não sabia se de alívio por ver que estava ali, de volta, ou de felicidade por finalmente reencontrar Steve. Todos pararam de andar por um instante e o encararam.
Feliz em vê-lo, e mais do que isso, em vê-lo bem, sorrindo, com a voz tranquila e serena, Steve deu alguns passos em direção ao seu melhor amigo, o abraçando com força. Bucky parecia saudável, física e emocionalmente, parecia estável e com o controle sobre sua própria vida, feliz, livre, como ele merecia ser. Steve estava realmente contente por poder presenciar aquilo. Barnes, por sua vez, não mediu esforços em retribuir o abraço. Sentia falta de Steve, sentia mesmo. Queria poder ter passado aqueles dois anos de calmaria com ele por perto, queria que ele estivesse lá para vê-lo se recuperar, para relembrar os dias de ouro. E ali estava ele. De volta, mas, uma vez mais, em um momento não propício para celebrações ou felicidades.
— Como você está, Buck? — Afastando-se de seu amigo, Steve perguntou sereno.
— Ah, nada mal... para o fim do mundo — Bucky respondeu sorrindo, seus olhos espremidos pela felicidade atravessando Steve até encontrar os olhos de , vindo logo atrás do Capitão.
Sem muito em que pensar, e sem muito o que dizer, apressou os passos ligeiramente e jogou-se nos braços de Bucky, sendo abraçada com força e intensidade. Bucky podia sentir seu coração acelerar, sua mente se acalmar relativamente rápido, estava de volta. Era como ser atingido por uma onda, todas as sensações ruins, os pressentimentos de que algo daria errado, de que estava perdendo o controle, como se nada daquilo tivesse existido, não existia mais. Não naquele momento. Ele se afastou levemente dela, os braços de ainda abraçados em sua cintura enquanto ele segurava o rosto dela, passando os olhos por cada cantinho, procurando por machucados, avaliando se ela estava realmente bem.
Os olhos de mantiveram-se nos olhos azuis dele, que pareciam preocupados. Ela reparou que ele tinha ganhado o braço novo. Reparou que ele estava absurdamente cheiroso, como se tivesse recém saído do banho, do jeito que ela gostava de dormir. E reparou que ele vestia um traje diferente, em couro azulado, mais leve e mais bonito do que os últimos que costumava vestir quando era o Soldado Invernal. Um traje que parecia com as roupas que ele se lembrou de usar quando era um Sargento, em guerra, e que passou detalhes ao time de design, com um pedido especial para levarem em conta quando o fossem desenvolver.
O que eles não notaram, na emoção do momento, eram as expressões de confusão dos demais que assistiam aquela cena. E perceberam menos ainda, quando Bucky beijou leve, carinhosa e brevemente. Aquela era a parte da história que estava prestes a contar para Sam e não deu tempo. Aquele era o detalhe que a fazia estar diferente. Aquilo deu a Steve uma sensação única de felicidade, em ver que eles, finalmente, tinham confessado seu amor um ao outro, finalmente estavam se permitindo ser felizes. Sem segurar o sorriso, Steve olhou do casal de amigos para o lado, a tempo de ver Natasha o olhar confusa. não só tinha vencido o Soldado Invernal como também pegava ele? Aquilo era estranho. Para Rhodes, aquela cena só confirmou o tratamento e a reação que teve com Bucky desde Bucareste. Toda a proteção, o cuidado, a atenção. Sam, contudo, embora feliz pela amiga e satisfeito por ter descoberto o que ela iria lhe contar, não conseguiu segurar a expressão levemente descontente em vê-la, justamente, com o cara que se autointitulava “semiestável”. Ele ainda era perigoso.
T’Challa segurou a risada ao ver a reação das pessoas à sua volta, enquanto Bruce olhava de um para o outro sem entender nada. Não conhecia aquele cara novo, não conhecia , não entendia por que todos pareciam chocados com o fato de eles serem um casal. e Bucky se separaram um instante depois e viraram-se a tempo de ver todos eles desviarem seus olhares, constrangidos, como se não tivessem assistindo àquilo. soltou uma risada baixa, enquanto Bucky negou levemente com a cabeça.
— Como você está? — Ele perguntou, segurando a mão da mulher com delicadeza.
— Bem, por enquanto, mas isso logo deve mudar — respondeu suave, sua expressão fechando-se em apreensão outra vez. Steve e Natasha concordaram com a cabeça.
— Vamos, Shuri já deve estar iniciando a remoção da pedra — T’Challa apontou com o queixo para dentro do prédio, onde deveriam seguir caminhando.
— Precisamos nos dividir para ficar de guarda. Todos dentro do palácio não é seguro, caso a invasão comece. É melhor fazermos camadas de proteção — Okoye informou, olhando e, em seguida, Sargento Barnes assentirem — Peguem novos comunicadores — Foi o exato tempo de Okoye dizer aquilo para um dos guardas reais aproximar-se com uma caixa em mãos, distribuindo novos pontos eletrônicos para que todos eles pudessem se comunicar em uma única linha, e recolher os pontos antigos que usavam.
— Nós ficamos, Sam e Rhodes também — Apontando para si mesma, Bucky e os respectivos voadores, falou, enquanto colocava na orelha o novo comunicador — Steve, Nat e Banner vão com T’Challa. Shuri vai precisar de ajuda e vocês podem pensar na melhor estratégia lá dentro.
Steve concordou e, assim como sugeriu, seguiu com Natasha e Banner para dentro do palácio, guiados por T’Challa, Okoye e algumas das Dora Milaje. permaneceu na entrada do palácio, com Sam, que armava seu equipamento em poucos instantes, Bucky, a quem foi entregue uma das melhores e mais poderosas armas que Wakanda tinha, e Rhodes, que poucos minutos depois da saída de Steve e dos demais, levantou voo com sua armadura, para rondar o local. Não demorou muito para que Sam, na ansiedade de ficar só esperando algo acontecer, também saísse rapidamente para fazer um teste de voo. Bucky deu alguns passos mais perto de , segurando sua arma, e depositou um beijo em sua cabeça, enquanto passava por ela e parava logo ao seu lado. sorriu para ele, o encarando.
— Conversei com Karl e Everett — O Soldado comentou a observando, adiantando o assunto antes mesmo que ela perguntasse — Estão bem e foram de volta para a Alemanha, acharam mais seguro — concordou com a cabeça — E pediram para que você ligasse assim que fosse possível.
— Não consegui mais contato com eles depois que o jato explodiu na Escócia — Ela respondeu com tristeza — Obrigada por ter falado com eles. Devem estar preocupados.
— Eu também estava — Com um sorriso fofo, Bucky respondeu baixo, seus olhos não desviando dos de nem por um segundo. Sem conter a vontade, ela deu um passo mais próxima dele e depositou-lhe um beijo suave.
— Tudo está acontecendo rápido demais — deitou sua cabeça no ombro dele, sendo puxada pela cintura por Bucky, para mais perto de si.
estava cansada e confusa com tudo, estava atenta ao que quer que fosse acontecer, mas transbordava preocupação. Nada era casual e nada era planejável naquela situação. Saiu do país movida a encontrar seus pais e mal teve tempo de falar com eles, tudo estava estranho. Confuso. Rápido. Inexplicável. E Bucky se sentia exatamente daquela forma.
Segurando a arma na mão direta com firmeza, enquanto abraçava com o braço esquerdo, Bucky sentiu o contraste de ter a violência e o amor em seus braços. Como se o seu passado e o seu presente estivessem ali, sendo abraçados por ele de uma única vez. A calmaria e o caos, a certeza e o incerto. Estava, sim, acostumado com as guerras. Mas não estava acostumado em ter alguém que amava tanto participando delas. Em muitos sentidos, aquilo era novo, preocupante, estranho e absurdamente confuso para ele.
— Não se parece muito com a última guerra que me lembro — Tentando relevar a apreensão, Bucky comentou e sorriu — O que tínhamos de mais tecnológico naquela época era Steve — Ele desviou seu olhar de até a arma que segurava. deu uma risada leve do comentário, mas, no fundo, estava triste em ouvir aquilo. Ali estava Bucky outra vez, se metendo em mais conflitos, em mais guerras.
— Eu sinto muito por tudo, não queria que nada disso estivesse acontecendo — fez um biquinho frustrado, sincera em suas palavras.
— Eu também não — Ele concordou, seus lábios novamente deixando um beijo rápido no topo da cabeça dela, a sensação boa de, apesar de tudo, ter de volta e com ele — Senti sua falta esses dias, eu não… não é legal sem você — Bucky deixou as palavras tímidas e tristes escaparem, tirando de um sorriso lateral, enquanto se desencostava dele para olha-lo.
— Também senti a sua, Buck. Eu só queria voltar pra casa, voltar para você. E não desse jeito.
— Estamos bem agora, boneca, isso que importa — Tentando ser confiante, Bucky assentiu com a cabeça — Vai ficar tudo bem, não vai?
— Eu espero que sim — Ela respirou fundo — Só temos que enfrentar o maior exército do universo, aparentemente. Depois disso, tudo ok — brincou ligeiramente amarga, o medo transparecendo em sua voz. Bucky soltou uma risada nasalada, pela ironia.
— Já estou arrependido de ter saído da cama dois dias atrás — Ele comentou virando-se de frente para ela, que abriu o sorriso — Maldita hora que o braço foi pifar.
— Ainda está de pé o convite para um almoço e depois passar o resto da semana no quarto? — roubou um beijo rápido dele.
— Só se pudermos trocar a semana por um mês, no mínimo — Manhoso, Bucky roubou um beijo de volta dela.
— Bast, dê-me paciência. Isso de novo, não — A voz descontente de Okoye saiu pelo comunicador. e Bucky riram baixo. Por um instante, esqueceram-se de que estavam conectados com todo o resto das pessoas de Wakanda, através do ponto eletrônico.
O casal se entreolhou por um instante, mas não puderam dizer mais nada, pois a voz de Shuri chamou a atenção de todos eles. De dentro do laboratório, ela examinava a gema de Visão com uma de suas contas Kimoyo, impressionada em ver aquela estrutura tão complexa pela primeira vez na vida. Um tanto intrigada pelas escolhas que tinham sido feitas quando na construção de Visão, Shuri discutia com Banner alguns detalhes, sendo assistida com expectativa por todas as pessoas em seu laboratório. Sabia que tinha um trabalho fundamental a fazer para o sucesso daquela missão. Sabia que tinha que ser rápida. E, mais do que isso, sabia que estava amando fazer parte daquilo. Todas as pessoas naquele lugar, ao seu redor, tinham muito a oferecer. Força, habilidades extraordinárias, poderes inumanos. Mas nenhuma delas tinha o que Shuri tinha. Nenhuma delas manipulava a ciência com tanta destreza como ela. Shuri sentia-se orgulhosa de si mesma.
Deitado na fria mesa de exames, Visão acompanhava a conversa de Banner e da nova cientista que, aparentemente, já tinha entendido a complexidade do que precisavam fazer ali e, com um toque de arrogância, questionava a forma com que Bruce e Tony haviam pensado em sua composição. Como nunca antes havia sentido, Visão estava inquieto, queria acabar com aquilo tudo de uma vez por todas. Quanto antes conseguissem remover a joia e destruí-la, antes resolveriam o problema, mais cedo reduziriam os riscos e poderiam voltar a viver em paz. Só não havia tanta expectativa nele quanto em Wanda que, em pé próxima a Steve e Natasha, assistia em silêncio cada movimento de Shuri. O que quer que fossem fazer ali, precisava dar certo. Visão tinha que sobreviver e eles tinham que destruir a joia.
Do lado de fora do prédio, e Bucky aguardavam em silêncio qualquer que fosse a instrução. Seus olhos dançavam entre si e ao seu redor, nada parecia incomum, exceto pelo clima tenso e apreensivo. Rhodes ainda sobrevoava a região e Sam, que antes fazia o mesmo, logo apareceu novamente no campo de visão deles, pelo ar, pousando próximo do casal, com maestria e muita elegância. Pensativo, silencioso e um tanto amedrontado com a situação, o Falcão prestava atenção na conversa que saia pelo comunicador, enquanto caminhava em direção a e Bucky.
— Viu alguma coisa estranha? — Bucky perguntou não tão amigável, observando as asas do equipamento de voo de Sam fechar-se atrás dele. Com uma careta se formando e encarando James de volta, ele respondeu com obviedade:
— Sim, vocês dois namorando.
Pelo comunicador em sua orelha, ouviu Shuri rir brevemente do comentário. Bucky bufou descontente pela resposta. Não conseguia entender qual era o problema daquele cara.
— Dá um tempo, periquito — revirou os olhos, cruzando os braços — Consegue falar sério?
— Aparentemente tudo normal, Fada — Ele rebateu sorridente, calmo, olhando lançar-lhe uma careta — Não tem nada com o que nos preocuparmos por ora, relaxe.
Sam, contudo, não poderia estar mais errado. E infeliz foi o momento em que terminou de dizer aquelas palavras. Como se quisesse contradizê-lo de propósito, do laboratório, Okoye observava o pequeno holograma sair das contas Kimoyo, sobre a palma de sua mão, enquanto um sinal sonoro alto começava a tocar por todo o ambiente. A confusão em não entender o que aquele sinal queria dizer não tardou muito, até Okoye alertar todos pelo comunicador:
— Algo entrou na atmosfera.
e Bucky olharam ao mesmo tempo para Sam.
— Tudo normal? — Bucky murmurou irônico, quase ao mesmo tempo em que ouviu dizer:
— Nada com o que nos preocuparmos por ora?
Bufando, Sam desviou seu olhar do céu até o casal ao seu lado, que retribuía com certa ironia. Mas antes mesmo que pudessem continuar aquela conversa, algo estranho, gigantesco e aparentemente muito tecnológico surgia sobre eles, fazendo uma grande sombra no chão. Os olhos de Sam, e Bucky levantaram-se até o céu ao exato mesmo tempo, atônitos, com a adrenalina subindo em suas espinhas, esperando pelo o que quer que fosse. Por fora da redoma de proteção do centro de Wakanda, algo pontudo quebrava o céu e os tentava atingir com força.
— Ei, Capitão — Sam o chamou pelo comunicador, olhando para o céu — Temos um problema aqui.
Estavam sendo, oficialmente, atacados. Mais cedo e mais rápido do que estavam esperando. Shuri mal tinha começado a remoção da joia, não estavam em tempo ainda. Em aceleração total e rapidamente, o objeto em queda livre atingiu o escudo de defesa da cidade, sendo destruído em poucos segundos. O barulho alto do choque assustou ligeiramente Sam, que encolheu os ombros, mas absolutamente nada passou pela redoma que os protegia.
— Cara, eu amo esse lugar — Impressionado, Bucky murmurou, observando, no alto, a barreira os proteger do ataque.
— Não comemorem ainda — A voz de Rhodes alertou pelo comunicador — Tem mais entrando pelo lado de fora da redoma.
Tensa, muito mais séria do que antes, deu uma olhada ao redor no céu e a sua frente. Outros objetos como aquele, pontudos e imensos, choviam ao redor da redoma como água, caindo apressados e se fincando no chão. Sem saber a proporção do que iam realmente enfrentar, ela, Bucky e Sam encaravam aquilo apreensivos, preocupados. O barulho alto de explosões por perto e acima deles persistia, a atmosfera de expectativa e ansiedade sendo transformada em caos e violência, em preocupação extrema e angústia.
Dentro do laboratório era possível ter uma visão panorâmica de boa parte da região central de Wakanda, importante por ser o polo que concentrava todo o vibranium do país - e, por isso, guardada pela redoma. Enquanto estivessem ali estariam protegidos pela alta tecnologia do escudo de proteção, contudo, quilômetros a frente era possível ver a movimentação se formar, com, a cada minuto, novas naves caírem do céu, destruindo toda e qualquer coisa que estivesse por perto, em seu caminho. A cada nave nova que brutalmente quebrava o céu e atingia o solo com fúria, derrubando boa parte da floresta local, sentia a natureza morrer dentro de si, destruir-se rapidamente.
— Estão destruindo a minha floresta — Irritada, ela murmurou, ignorando a conversa que saia do comunicador. Sam e Bucky, um de cada lado, a olharam — Estão. Destruindo. A. Minha. Floresta — Ela repetiu pausadamente, entredentes. Os dois homens se entreolharam.
— Vamos segurá-los — T'Challa respondeu pelo comunicador.
— Wanda, assim que tirarem a joia dele, você explode ela — Steve pediu sério e, logo em seguida, puderam ouvir Wanda responder, no mesmo tom:
— Entendido.
— Evacuem a cidade, iniciem todos os procedimentos de defesa e deem a este homem um escudo — T'Challa ordenou apontando para Steve, que assentiu.
Não demorou mais do que dez minutos para todos eles se juntarem a , Bucky, Sam e Rhodes outra vez, do lado de fora. Wanda ficaria com Visão, esperando Shuri terminar o trabalho de remoção da jóia. Os demais, assim que T'Challa autorizou a ação, foram encaminhados ao local mais afastado da cidade, onde as naves pousadas haviam se concentrado, por fora da redoma. Quanto mais longe conseguissem mantê-los do centro da cidade, mais seguro seria para toda a população e, principalmente, para Visão. A estratégia clara era segurá-los longe o suficiente até que a joia fosse, de uma vez por todas, para o inferno. Sem muito mais tempo para conversas, todos eles foram direcionados às naves de baixa altitude, que os levariam até mais próximo à fronteira.
As naves inimigas, ou seja lá o que fossem aquelas coisas que caíram com fúria do céu, pareceram imóveis por algum tempo. Como se esperassem pacientemente por qualquer reação deles, como se não estivessem dispostas a dar o primeiro passo, não iriam atacar antes de entender qual era o terreno que haviam aterrissado. Bem diferente da última invasão, na Escócia, estavam agora em um lugar mais aberto e muito mais tecnológico. Sabiam que precisavam ter mais atenção e cuidado dessa vez. E sabiam quem iriam enfrentar: pessoas tão aprimoradas quanto eles próprios. Tinham que ir com calma, com atenção. Não podiam fracassar outra vez, seu líder não aceitaria.
Do lado de dentro da redoma, T’Challa, Steve, Natasha, e Bucky dividiram-se nas naves junto com Okoye e centenas de outras pessoas convocadas pelo Rei. Sam e Rhodes voavam acima deles, próximos um do outro, enquanto Bruce, de dentro de uma das armaduras que Stark havia feito para ele anos antes e que nunca teve a chance de usar, corria na mesma direção que as naves levavam os demais.
— Duas assinaturas de calor saindo das árvores — Rhodes alertou apreensivo, pelo comunicador. Sua armadura conseguiu captar as assinaturas, mas, de onde estavam, ainda não podiam ver exatamente quem, ou o que, eram.
Não mais do que poucos minutos depois, estavam já descendo próximos à fronteira. Os porta-aviões que os levaram até lá davam meia-volta e, sem sequer pousar, inclinavam-se levemente, permitindo que todos eles escorregassem para fora da nave, com agilidade e rapidez. Perfeitamente sincronizados, a Guarda Real e as Dora Milaje enfileiraram-se, tomando a posição ideal e estratégica de combate que haviam ensaiado há tempos e que, até então, nunca tinham tido a chance de colocar em prática. Felizmente. Com todos de frente para onde o inimigo estava, esperando aflitos por qualquer que fosse o movimento, o campo aberto e tranquilo de Wakanda transformou-se, em segundos, em um campo de batalha. deu uma olhada breve ao seu redor, o clima tenso e toda a adrenalina da luta subindo em sua espinha. Nunca tinha presenciado nada parecido, nunca tinha lutado ao lado dos Wakandanos e nunca tinha se sentido tão despreparada como naquele momento.
Ao seu lado, receoso e com a expressão séria, Bucky deixou um suspiro pesado escapar. Dando alguns passos mais à frente, com a metralhadora M-249 em mãos, ele observava atento à barreira de proteção, tentando ver o que tinha para além dela. Seus olhos estavam semicerrados e o silêncio da oposição o incomodava. O escudo de proteção os mantinha protegidos por ora e parecia dar conta do primeiro contato. Mas Bucky, assim como todos os demais, sem exceção, sabia que aquilo não duraria por muito tempo. Restava ver quem daria o primeiro passo.
Entre os gritos de guerra das Dora Milaje, , Bucky, Steve, Natasha e Bruce colocaram-se em posição, em formação, na primeira fileira ao lado de T'Challa e Okoye. Mesmo em tempos de guerra, Wakanda seguia sendo perfeitamente hierárquica e um tanto conservadora. Os mais fortes vinham na frente, seguidos por líderes e pelo alto escalão militar. A partir deles, para trás, as patentes em nível decrescente colocavam-se cada uma no exato lugar onde sabiam pertencer. Soldados, guerreiros e o que mais tinham a oferecer, com lanças empunhadas, roupas excêntricas e carregados da mais alta tecnologia até os dentes. Bucky se perguntou mentalmente, por um segundo, por que só ele usava uma arma. Mas a lembrança de Okoye, mais cedo naquele dia, murmurando o quanto armas eram primitivas, logo respondeu sua pergunta. Wakanda estava preparada para aquela guerra. Física, tecnológica e combativamente. Eram tribos guerreiras, nascidas na luta, movidas pelo orgulho e pela honra. O afrontamento, a coragem e o senso de proteger o país a qualquer custo estava enraizado neles, do mesmo modo que a violência estava em Bucky, , Natasha, Steve, Bruce, Rhodes, Sam.
sentia o vento gelado bater em seus cabelos presos em um alto rabo de cavalo, a sensação estranha de que aquilo não terminaria bem. No meio de Steve e Bucky, ela encarava irritada as naves pousadas no meio da floresta destruída, até ver um novo e discreto movimento sair delas. Sam e Rhodes sobrevoavam a fronteira, com intuito de mapear melhor a situação e, a tirar pela quantidade de naves à frente deles e ao redor da redoma, dessa vez, tudo seria diferente. Aparentemente não tinham vindo apenas duas das criaturas de Thanos, como na Escócia, como apareciam caminhando, se aproximando da redoma. Dessa vez, Banner parecia ter razão.
Apesar de toda a concentração estar à frente, poucos minutos depois de se instalarem no campo, um novo grito de guerra pode ser ouvido aproximando-se por trás deles. Curiosa pelo fato de tê-los ali, virou-se para encarar M'Baku e os Jabari chegarem, aparentemente para somar a luta. Sem saber direito se aquilo era bom, pois teriam reforços, ou ruim, pois se tratava de M'Baku, ignorou completamente a presença dele e de sua tribo, e logo voltou a encarar a barreira fechada à frente, séria, tão tensa como nunca antes. Ao seu lado, Steve trocou um breve olhar com Natasha, que assentiu com a cabeça, e, em seguida, com T’Challa que, sem dizer sequer uma palavra, os convidou para se juntar à ele, apontando com o queixo para onde as duas criaturas aproximavam-se da redoma. sabia que aquela era a praxe. T’Challa tentaria resolver o problema por meio do diálogo, da negociação e da conversa. Objetivo e bastante assertivo, ele faria primeiro o que o protocolo de um chefe de Estado mandava fazer. E foi exatamente daquela forma.
Metros atrás deles, e Bucky assistiam em silêncio Natasha, Steve e T’Challa aproximando-se das duas criaturas e, pelo comunicador, podiam ouvir a tentativa de conversa.
— Cadê o seu outro amigo? — Natasha perguntou calma, mas bastante irônica, assim que reparou que apenas a criatura que parecia mais como uma mulher estava de volta. A outra, ao lado dela, era nova.
— Pagará pela vida dele com a sua — e Bucky se entreolharam, assim que ouviram a resposta da criatura — Thanos terá aquela joia — Bucky ergueu as sobrancelhas cinicamente, enquanto deixou uma risada breve e irônica escapar. Steve respondeu:
— Isso não acontecerá, jamais.
— Vocês estão em Wakanda agora — Imponente, T’Challa falou alto e em bom som — Thanos conseguirá sangue e poeira, apenas.
sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Estava odiando aquela tensão, odiando as preliminares de uma guerra que era inevitável. Por que não podiam simplesmente pular para a porrada logo? Sobrevoando as proximidades onde a conversa acontecia, Sam se sentia da mesma forma.
— Sangue... temos de sobra — A criatura respondeu serena, como se tudo estivesse perfeitamente sob controle.
E, de certa forma, para aquele lado do jogo, estava. Em um movimento preciso e ágil, ela levantou seu braço direito, segurando uma lança e emitindo um som, como se desse permissão para que algo acontecesse. Com as mãos fechadas em punhos, uma em cada lado de seu corpo, observou atônita as naves moverem-se, todas em perfeita sincronia, como se estivessem esticando-se para cima, assim que a criatura fez o sinal. Sem conseguir entender direito o que acontecia, ela, assim como os demais ao seu redor, apenas assistiram em silêncio. Claramente não havia nenhuma negociação ali. Seja lá quem eram eles, e seja lá qual era a real motivação de estarem ali, não queriam resolver nada no diálogo. Queriam lutar e queriam sangue. Por segurança, Natasha, T’Challa e Steve logo voltaram para perto deles, afastando-se novamente da redoma.
— Eles se renderam? — Sem desviar seus olhos do inimigo, Bucky perguntou retoricamente.
— Eu não diria isso — Steve respondeu do mesmo modo.
Assim que o movimento das naves parou de uma vez por todas, suas portas abriram-se de uma só vez e, inesperadamente, o que saiu de dentro delas não era exatamente um exército. Ao menos, não como eles esperavam que fosse. Mesmo sem conseguir ver exatamente o que eram, podiam perceber pela velocidade e pelo barulho incomuns, vindo de dentro da floresta, que não era algo conhecido. T’Challa deu um passo à frente, o instinto cultural gritando seus pulmões a fora a palavra que aprendeu com seu falecido e honrado pai, a expressão que seus ancestrais criaram para dizer a todos que aguentassem firme, que resistissem. Yibambe. Em resposta, toda a população de Wakanda que ali estava gritava de volta, em uníssono, afirmando ser um só povo, ser a resistência. Na segunda vez em que o Rei pronunciou a palavra, contudo, junto com a resposta, todos eles se colocaram em formação, apontando suas lanças para frente. De dentro de sua armadura, Bruce sentiu seus pelos dos braços arrepiarem diante daquele momento.
Se tudo já estava estranho e incomum o suficiente, ver aquelas coisas surgindo no campo de visão deles, em instantes, foi terrivelmente inexplicável. Correndo furiosamente em direção a redoma, as criaturas que compunham o exército do tão temido Thanos pareciam como lobos, três ou quatro vezes maiores e mais altos, de coluna ereta, com pernas e quatro braços. Tinham um tom de pele acinzentado, como se fossem feitos em chumbo e faziam um barulho ensurdecedor. Uma grande matilha com centenas de milhares daquelas criaturas espalhava-se pelo lado de fora da redoma, amontoando-se, atropelando-se, passando uma por cima da outra. trocou um olhar uma tanto assustado com Bucky que, sem desviar seus olhos das criaturas, fez a pergunta que todos eles ali gostariam de fazer:
— Que porra é essa?
— Acho que ela ficou irritada — Romanoff respondeu em um murmúrio.
— Você acha? — Baixo e meio irônica, perguntou.
Os outriders, como chamavam as criaturas animalescas, seguiram correndo velozmente até começarem a colidir contra a redoma. Irritados por não conseguir atravessá-la, eles insistiam em colocar-se contra o escudo tecnológico, forçando-se contra ele. Não levou mais do que alguns segundos para que alguns dos outriders conseguissem cruzar a barreira. Perdendo pernas, braços, pedaços inteiros do próprio corpo, alguns até caindo mortos para o lado de dentro da redoma, eles não paravam. Aquelas criaturas não pareciam ser racionais, nem sentimentais, nem… nada. Não importava o que custasse, não raciocinavam a própria perda, nem temiam a própria vida. Só queriam chegar até seu inimigo, estavam programadas para a aniquilação e era aquilo que pretendiam fazer.
— Eles estão se matando — Okoye comentou rangendo os dentes, horrorizada em ver aquilo bem diante de seus olhos. Alguns deles, contudo, estavam conseguindo com sucesso cruzar a redoma, com vida, inteiros. Estavam passando a barreira.
Parte da guarda real acionou um escudo de proteção a partir das próprias vestes que usavam, colocando-se alguns passos mais à frente dos demais, com objetivo de impedir, ou criar uma nova barreira, desta vez humana, a possível aproximação dos outriders. Com lanças, armas e jatos de energia apontados para frente, por sobre a barreira recém criada, todos esperavam com expectativa pelo comando de T’Challa para, finalmente, atacar. desviou seu olhar até T’Challa que, como se houvesse combinado, retribuiu ao exato mesmo tempo. Havia algo que poderia ser feito, mais um passo anterior à luta, algo que poderia evitar que qualquer combate físico acontecesse. E ele sabia que estava pensando exatamente na mesma coisa.
— Apenas os de fora da redoma — T’Challa ordenou, vendo concordar com a cabeça. Bucky, Steve e Natasha desviaram seus olhares até ela também, ligeiramente confusos.
— E os de dentro? — franziu a testa, dando alguns passos em frente e saindo da proteção da barreira da guarda real.
— Daremos conta — T’Challa rebateu rápido, observando alguns dos animais perigosamente se aproximando deles.
Sem tempo a perder, encarou o chão longos metros à sua frente, puxando dentro de si toda e qualquer energia que havia ao seu redor. Por segurança, muitos anos atrás, ela tinha sugerido ao Rei que colocassem, enterradas no solo e encapadas para não brotarem, sementes de ervas venenosas em toda a borda da redoma, pelo lado de fora. Nunca havia usado aquele recurso até então, mas, para naquele momento, pareceu a melhor ideia que já tinha tido em toda sua vida. Elevando sua mão direita com elegância, as ervas de White Snake-Root cresciam rapidamente do lado de fora da barreira, em meio aos animais que, atordoados pelo cheiro estranho, tentavam se afastar delas. subiu seu olhar do chão até as criaturas e, com um sorriso cínico nos lábios, ela simplesmente assoprou com força, fechando a mão direita.
Alguns passos atrás dela, impressionado com a leveza de algo tão grandioso, Bucky viu milhares de esporos pequenos e brancos, como dentes-de-leão, desprenderem-se das ervas já grandes o suficiente para cobrir, em altura, metade da barreira. No instante seguinte, absolutamente todas as criaturas de fora da redoma, sem exceção alguma, caíram no chão de uma só vez. Todo o barulho alto que faziam cedeu lugar a um silêncio absurdo, a névoa esbranquiçada dos esporos, cheia de toxinas tremotol, recaindo sob os corpos dos outriders jogados no chão, como se estivessem mortos. Todos. De uma única vez. Em segundos. E como se não tivesse terminado por aí, Bucky viu , ainda de costas para eles, esticar o braço esquerdo ao lado do corpo, com a palma da mão virada para cima.
— Essa é a melhor parte — Okoye sussurrou orgulhosa, sem tirar os olhos de . Lembrava-se dos treinamentos de quando ela era só uma criança. De cada segundo que passou daquela vida se aprimorando para fazer o que estava prestes a fazer com tanta maestria.
Como se estivesse recebendo algo na palma de sua mão esquerda, ela a fechou e, lentamente, a trouxe para perto de seu corpo. Acompanhando o movimento, como um músico acompanhava seu maestro, dezenas de galhos de árvores, espessos e pontiagudos, multiplicavam-se e se esticavam das árvores próximas até tomarem todo o campo de visão à frente de . Com o movimento leve do braço e os olhos cravados nas criaturas ainda vivas que conseguiram adentrar a redoma e que corriam na direção deles, ela manipulou os galhos até que os atingissem. Um a um, perfurados violentamente, os outriders não tiveram sequer tempo de entender de onde vinha aquele ataque e, muito menos, de se protegerem. A concentração e a tranquilidade dos movimentos de contrastavam com a violência e o caos provocados pelos galhos das árvores poucos metros à sua frente.
só precisou de um minuto. Apenas um único minuto. Para envenenar cem por centro dos outriders fora da redoma e para matar todos aqueles que conseguiram entrar nela. Sessenta segundos depois de dar alguns passos em frente, ela deixou seus braços caírem ao lado do corpo de volta e, perdendo o foco da energia da natureza ao seu redor, ela observou o que tinha feito ali. Satisfeita por acabar com o problema tão rápido, virou-se novamente de frente para os demais, observando as expressões de curiosidade misturar-se com incredulidade e um pouco de incerteza. O silêncio absoluto e todos os olhares nela denunciavam a surpresa em ver tudo simplesmente parar, em ver aquilo tudo terminar ainda mais rápido do que começou.
— Apenas os de fora da redoma, — T’Challa repetiu, dando-lhe um sorriso lateral.
— Não resisti — deu de ombros, voltando a sua posição inicial, ao lado de Steve e Bucky que, impressionado, só conseguiu sorrir orgulhoso para ela. Nunca tinha visto manipular a natureza para algo que não fosse fazer o bem. De recordar memórias ao método indolor, sempre era para uma boa causa. Aquilo era novidade. era mais perigosa e mais forte do que ele havia pensado. E aquilo, de alguma forma, o fez se sentir ainda mais atraído por ela.
— Mandou bem, Fada — Sam comentou feliz, pelo comunicador. Steve concordou, assentindo para ela com a cabeça.
— Onde você estava na batalha de Nova Iorque? — Bruce perguntou impressionado. Nunca tinha visto nada parecido com aquilo. Estava esperando que ela fosse boa de luta, talvez que tivesse um traje impressionante ou super força. Fitocinese, definitivamente, não estava nos planos — Por que ninguém chamou ela para os Vingadores antes?
— Foi fácil… assim? — Natasha perguntou um tanto indignada, olhando que não teve tempo de responder.
Furiosa pelo o que tinha acabado de acontecer ali, Proxima Midnight, a criatura feminina que lutou contra eles na Escócia e também prometeu matar Natasha, soltou um grito estridente e absurdamente alto. Completamente irritada em ter seu exército derrubado de uma única vez, ela ergueu sua lança para o alto, a empunhando com força e nervosismo. A fonte de energia azul que saía da ponta da lança expandiu-se em instantes e, limpando todo o ar do veneno espalhado pelos esporos, cobriu os corpos dos outriders de uma única vez. A claridade absurda da energia fez com que todos eles do outro lado da redoma espremessem seus olhos ou os cobrissem com as mãos para tentar se proteger do incômodo. O manto azul de energia pairou pelo lado de fora por dois ou três segundos até, finalmente, dissipar-se e, consigo, trazer de volta à vida todas as criaturas antes mortas por . Os milhares de outriders levantaram-se e, como se nunca tivessem sido mortos, voltaram a fazer a exata mesma coisa de antes: tentar furiosamente atravessar a redoma.
— Não foi fácil assim — Bufando, respondeu Nat, que estava confusa. O barulho alto dos bichos as irritando outra vez — Mas que caralho.
— Eles parecem mais nervosos agora ou é impressão minha? — Rhodes observou, vendo-os ainda mais alvoroçados e violentos, como se pudessem se conectar com as emoções de sua líder.
— Não dá para envenenar eles de novo? — Sam perguntou, ainda sobrevoando a borda da redoma.
— Dá sim — Bucky respondeu impaciente — Ai ficamos nesse looping para sempre.
— Não perguntei para você, Soldadinho de Chumbo — No mesmo tom de voz, Sam rebateu.
— Sam — Steve o advertiu sem sequer piscar, tamanho o descontentamento que sentia.
— Em posição — T’Challa ordenou atento, encarando, novamente, dezenas das criaturas conseguirem passar através da barreira e correr até perto deles.
Sem querer mais usar da diplomacia ou de qualquer outro recurso, assim que o primeiro outrider chegou realmente perto a ponto de poder atacá-los, T’Challa autorizou a ação com um grito alto. No mesmo segundo, a Guarda Real soltou pequenas lanças finas de seu equipamento, enquanto as Dora Milaje apontavam suas lanças afiadas em direção aos outriders, prontas para agir. , Steve, Natasha e T’Challa apenas assistiam tensos, concentrados, ao tempo que Bucky atirava com sua metralhadora e Bruce usava os reatores nas palmas das mãos do Hulkbuster. Do ar, Sam controlava o Asa Vermelha para aplainar e atirar no inimigo no solo, enquanto Rhodes soltava pequenos mísseis de sua armadura.
— Estão vendo os dentes daquelas coisas? — Sam praticamente gritou, desviando de um deles que pulou em sua direção. Embora estivessem acertando alguns e matando outros, a cada segundo que se passava, mais deles conseguia adentrar a redoma.
— Pode botar essas asas para funcionar, Sam — Rhodes avisou ríspido, voando paralelamente a barreira e soltando atrás de si, por onde passava, uma sequência de explosivos que foi o suficiente para atingir boa parte da matilha e fazer com que os demais recuassem, parando de atirar por um momento.
O efeito, contudo, foi parcialmente contrário ao que Rhodes esperava. Sem danificar a barreira e atingindo o que estava do lado de dentro, as explosões assustaram os outriders do lado de fora que, por instinto, começaram a se afastar dali, de onde estavam concentrados, e passaram a buscar alternativas em outros lados da redoma. não estava gostando nenhum pouco daquilo. Se pudesse descrever como estava se sentindo naquele exato momento, ela certamente poderia resumir em três palavras: ansiedade, incerteza e apreensão. Ao lado dela, Bucky tinha a sensação de que tudo parecia estar piorando a cada segundo que se passava.
— Capitão, se essas coisas derem a volta e passarem por trás de nós, não vai ter mais nada entre elas e o Visão — Banner observou um tanto aflito.
— Então vamos mantê-las na nossa frente — Steve respondeu objetivo. Estava tão concentrado no que acontecia ali que até sua postura estava séria, imponente. já tinha lutado ao lado dele, mas aquela era a primeira vez que o via tão tenso daquela forma.
— Como vamos fazer isso? — Okoye perguntou preocupada, olhando rapidamente para T’Challa.
— Vamos abrir a barreira — O Rei respondeu de prontidão, a encarando de volta. Bucky trocou um olhar incerto com , enquanto Steve voltou-se para T’Challa. Aquilo seria suicídio. Estavam em número muito menor do que o inimigo, certamente não dariam conta de segurá-los e não faziam ideia de quanto tempo mais Shuri precisaria para remover e destruir a joia — Ao meu sinal, abra a ala Noroeste 17 — Sem tempo a perder, T’Challa ordenou pelo comunicador.
— Solicito confirmação, meu Rei — Uma voz feminina perguntou direto da torre de controle — Disse para abrir a barreira?
— Ao meu sinal — O homem confirmou. Sentindo seu coração disparar levemente, Natasha o encarou de lado.
— Esse será o fim de Wakanda — Preocupado como nunca antes, M’Baku murmurou e logo foi completado por Okoye, sua voz tão segura quanto sua postura:
— O fim mais nobre de toda a história.
Por um momento, sentiu o medo percorrer seu corpo. Não pelo o que estava prestes a acontecer, nem por ter que enfrentar aquelas coisas fisicamente. Mas ela sentiu medo por tudo que tinha a perder ali. Steve. Sam. T’Challa. Okoye. Bucky. Wakanda. O que foi sua casa por tantos anos, apesar de nunca ter pertencido àquele lugar. O que foi sua família, apesar de não ter o mesmo sangue. O que foi o amor, apesar de ter sido por tão pouco tempo. Daria sua vida por aquelas pessoas e daria sua vida por aquele lugar, apesar de tudo. Sentindo seus olhos marejarem, a testa franzida em preocupação e os lábios comprimidos, olhou os olhos azuis de Bucky pela última vez, tão preocupados e angustiados quanto os dela, antes de ouvir T’Challa gritar “Wakanda para sempre”. Torcer pelo melhor. Esperar pelo pior. Quando a barreira abrisse, já seria tarde demais. E eles dois sabiam disso.
Steve e T’Challa lideraram a corrida, mais à frente do que os demais, sentido a redoma. Vindo com toda força e fúria que podia ter, alguns poucos metros depois, todos os demais corriam na mesma direção, sem saber exatamente o que e quando deveriam fazer. Contudo, um minuto depois de começarem a correr, T’Challa confirmou a abertura da redoma e, assim que uma fina fresta dela foi aberta, os milhares de outriders do lado de fora amontoaram-se e começaram, efetivamente, a adentrar o espaço tão protegido de Wakanda. Correndo lado a lado, sorriu para Bucky, tentando ser minimamente confiante. Sabia que ele estava se segurando para ficar ali, ao lado dela, quando na verdade poderia correr mais rápido e alcançar Steve. Mas se estavam em uma guerra, então tinham que lutar. E tinham que lutar para vencer.
Pouco antes de atingir os outriders, ainda correndo, manipulou amontoados de terra em sua frente, formando degraus, enquanto gesticulava com as mãos. Cada gesto elevava um amontoado diferente, frente a frente, formando uma escada, em que ela, a cada passo em frente pisava, como se estivesse literalmente subindo enquanto corria. Em uma altura suficiente para puxar a maior quantidade possível de energia da natureza, disposta por quilômetros ao seu redor, ela parou de criar degraus e se jogou para frente, dando uma cambalhota no ar e caindo, em seguida, em queda livre, no chão, bem no meio dos outriders e mais próxima a redoma, onde a maior quantidade deles estava. Pouco antes de atingir o chão, contudo, um conjunto de raízes quebrou o chão rapidamente e a encontrou no ar, formando uma espécie de bolha ao redor dela, como se a pegasse e a protegesse. Assim que ela encostou no solo, as raízes circundaram-se no entorno dela, ainda no formato da bolha que explodiu de uma vez, quebrando-se em pequenas pontas, como espinhos, atingindo propositalmente boa parte dos outriders ao redor.
— Exibida — ouviu Sam murmurar pelo comunicador, o vendo sobrevoar exatamente por cima dela, enquanto, exibidamente, dava um giro no ar para desviar de uma criatura e acertava outras duas.
— Exibido — Ela rebateu da mesma forma, ouvindo Sam rir.
Descendo sua atenção de volta ao que acontecia ao seu redor, não teve muito mais tempo para pensar no que deveria fazer, pois uma quantidade que não podia sequer contar de criaturas aproximava-se correndo dela, caóticas, alvoroçadas. De perto, pareciam ainda mais assustadoras. Com a pele elástica e bastante resistente, como uma armadura, eram meio gosmentas, babavam e não conseguiam deixar a língua dentro da boca. O barulho alto que faziam parecia aumentar a todo o momento, conforme envolviam-se na guerra, e bastava observá-los lutar por segundos para entender que sua total falta de inteligência era compensada pelas incríveis habilidades de luta física. Com dois ou três metros de altura, não pareciam ter olhos e, apesar de nunca ter visto nada parecido com aquilo, o mais curioso, para , foi entender que eles eram movidos, na verdade, pela sede de sangue.
Alguns segundos antes da primeira criatura conseguir encostar nela, limpando sua mente dos pensamentos e do medo, ela concentrou-se rapidamente em fazer crescer ao seu redor uma das plantas que mais a fascinavam. Circundando como se estivessem de guarda em torno dela, sete grandes Venus Flytrap, Dioneias, brotaram do chão com um ou dois simples movimentos de mãos de . Com seus caules atingindo quase quatro metros de altura, as plantas pareciam ganhar vida, como se pudessem decidir sozinhas o que fazer. Famintas, como boas carnívoras, abriam e fechavam suas folhas como bocas, prontas para atacar. E não bastasse ter criado plantas carnívoras gigantes, babando litros de toxinas digestivas que consumiam parte dos corpos dos outriders apenas de encostas nelas, reforçou as hastes capilares das plantas com espinhos. Grossos e afiados o suficiente para proteger as plantas do contra-ataque que sofreriam. No meio delas, permaneceu parada, observando ao seu redor as plantas lutarem contra os outriders, acertando alguns, engolindo outros, comendo parte de seus corpos e os impedindo de chegar perto dela. Mas não demorou muito até a primeira das plantas ser tirada do solo por uma criatura que, sem piedade alguma, a estraçalhou com os dentes.
Irritada por ter perdido uma de suas plantas, deu um grito alto o suficiente para chamar a atenção dos demais pelo comunicador e esticando suas mãos e seus braços ao lado do corpo, os elevando com força e lentamente, fez com que as seis Dioneias sobreviventes levantassem suas raízes do chão e, livres, caminhassem em frente, expandindo o círculo ao redor de , como se estivessem marchando. sabia que não conseguiria aguentar o controle delas por muito tempo, mas foi o suficiente para, em questão de minutos, matar mais algumas dúzias dos outriders.
Segurando como podia seu controle sobre as plantas, esforçava-se em manter-se concentrada e no exato meio delas, lutando fisicamente contra algumas poucas criaturas que conseguiram passar a barreira das plantas, até ver, mais duas delas serem mortas. Observando as quatro Dioneias que resistiam e ainda atacavam aquelas coisas, fez como um sinal de “já chega” com os braços, a frente de seu corpo e, no exato mesmo instante, as plantas incharam-se absurdamente até explodirem, lançando as centenas de espinhos que tinham espalhadas por suas folhas e derrubando nos outriders mais próximos os litros de toxinas. Com a explosão das plantas, ao menos, mais algumas dezenas das criaturas foram mortas. sentou-se no chão por um segundo, exausta, sem fôlego, consumida em sentir tanto a fitocinese daquela forma, naquela intensidade, em tão pouco tempo.
— Desde quando você sabe fazer essas… coisas? — Bucky perguntou pelo comunicador, o barulho da metralhadora o forçando a praticamente gritar.
— Desde sempre? — respondeu com obviedade, respirando fundo, até ouvir Bucky dizer novamente:
— E eu, todo esse tempo, achando que poderia te machucar. Estou me sentindo ridículo.
Colocando-se em pé, soltou uma risada breve e tentou procurar por ele com os olhos, mas o caos instalado ali não a deixou encontrar mais ninguém. Tinham que se proteger, tinham que sobreviver, mas não sabia bem o que fazer. Dezenas de outras coisas como aquelas que matou há pouco vinham em direção a ela e intercalava entre encará-los pela força física, lutando como sabia, como podia, e em manipular a natureza ao redor, os fazendo enroscar em raízes, ser atingidos por grossos cactos que brotavam do nada no chão e sumiam ou os acertando com pedras gigantes e amontoados de terra. Controlar a natureza, contudo, exigia de conexão com a energia ao redor e concentração. Por isso, diante da loucura que estava inserida, a força física parecia o jeito mais rápido de se livrar daquelas coisas, que vinham para cima como se estivessem famintas.
— Quanto tempo mais, Shuri? — A voz um tanto cansada de T’Challa perguntou, pelo comunicador de todos eles em campo.
— Eu mal comecei, maninho — A garota respondeu brevemente. Do laboratório, Wanda acompanhava apreensiva a luta se formar.
— É melhor você se apressar.
Poucos metros dali, Steve tentava matar alguns outriders com os pequenos escudos improvisados que T’Challa o deu horas antes. Sua mente divagava entre o fato de, quarenta e oito horas antes, ser apenas um fugitivo da lei para, agora, naquele momento, estar em um quilométrico campo aberto tendo que lidar com milhares de seres de outro planeta, que sequer conseguia nomear. Se sentia cansado e um tanto velho para guerras como aquela e se ele estava daquela forma, mal podia imaginar como seu melhor amigo estava se sentindo. Irritado, nervoso, centrado em ser o melhor atirador de elite do mundo há, pelo menos, oitenta anos, e contando os segundos para que aquilo terminasse de uma vez por todas, Bucky se sentiu menos indisposto do que horas antes. Embora estivesse cansado de guerras, estar em uma, e do lado certo dessa vez, do lado dos Vingadores, o fez sentir-se ligeiramente saudoso. A cada tiro que dava, a cada vez que olhava para o lado e via Steve ali, lutando com ele, Bucky lembrava-se de quando estavam juntos de volta aos anos 1940. De outras formas, por outros motivos e em outras proporções. Mas foi só ele ver ser arremessada para mais perto dele, com um rasgo na testa sangrando, para o saudosismo morrer e, em seu lugar, a ira voltar.
Bucky mirou a arma em direção às criaturas que se aproximavam rapidamente de e, com agilidade, uma a uma, as tirou de perto da mulher, matando-as. Ao mesmo tempo, , de frente para ele e alguns metros de distância, passou o braço com força e com raiva, de um lado a outro na horizontal, em frente a seu peito, fazendo uma folha de agave brotar e cortar ao meio as criaturas que vinham ao redor e em direção a Bucky. Por um instante em que conseguiram proteger um ao outro, o casal se entreolhou. Bucky piscou charmoso para ela, enquanto deu-lhe um sorriso e logo correu dali, empurrando com o próprio corpo um dos outriders que vinha em sua direção.
Do ar, Sam e Rhodes continuavam a atirar. O Falcão estava focado em neutralizar os inimigos mais para o meio do campo, enquanto o Máquina de Combate atacava diretamente a barreira de entrada da redoma, por onde ainda passava centenas de milhares de outriders. Do ponto de vista aéreo, a situação não parecia nada boa. E estava bem longe de ter um final. Parecia que, para cada criatura que algum deles matava, dez outras apareciam no lugar. Era como se se auto multiplicassem, as milhares que viram fora da redoma pareciam bilhares entrando nela agora. De onde estavam, Sam podia ver Steve matar algumas em um canto, com T’Challa próximo a ele, atingindo outras agilmente. Barnes seguia atirando ao seu redor, preocupado em não ficar descoberto e ser atingindo, enquanto, perto dele, tentava matar três outras na força bruta. Mais ao lado, Natasha empunhava os bastões que trajava e colocava-se em pé, depois de ter sido atingida, enquanto Bruce usava os recursos da Hulkbuster para atacar e se proteger.
Por mais fortes que fossem, e por mais que estivessem empenhados em não deixar que chegassem até Visão, nenhum deles sabia ao certo por quanto tempo aguentaria aquilo tudo. A pressão e a expectativa de Shuri terminar logo a remoção da jóia, de Wanda a destruir e daquela luta terminar. A pressão de nada acontecer com qualquer um deles e a angústia de querer ajudar e proteger uns aos outros, mas não poder, porque não estavam, nem isolada, nem conjuntamente, dando conta do que acontecia ali. E foi só naquele instante, enquanto era nocauteado por uma das criaturas que Steve percebeu o que havia de errado naquele conflito todo. O que o estava incomodando desde que aquela história começou, o que parecia soar diferente. Aquela não era uma guerra que lutavam para vencer. Aquela era uma guerra que lutavam para ganhar tempo. E isso mudava muita coisa. Mudava, não somente pelo ferido de super-herói. Mas, sobretudo, porque todos sabiam que não poderiam vencer. Estavam em menor número, em clara desvantagem. O objetivo daquilo tudo, para todos eles ali e pela primeira vez em suas vidas, era apenas, e simplesmente, ganhar tempo. E estavam aprendendo na prática como fazer aquilo.
A criatura que acompanhava Proxima Midnight, de nome Cull Obsidian, lançou seu machado em direção a Rhodes, o atingindo em cheio e o tirando de perto da abertura da redoma. Muito maior e fisicamente mais forte do que Proxima, Cull também parecia um híbrido humano-animal, uma criatura pavorosa e claramente de outro planeta. Acompanhava Proxima como se fosse seu guarda-costas, de olho em tudo que acontecia ao redor assim que cruzou com ela a barreira, finalmente adentrando a redoma. O machado logo voltou a ele, como um boomerang, e Rhodes perdeu-se de vista, caindo no solo.
Como se estivessem tendo um momento de baixas, depois de meia hora seguida de luta relativamente controlada por eles, observou Bruce desajeitadamente pular de um canto a outro do campo, sendo praticamente engolido pelas criaturas. Alguns poucos metros, próximo a ela, Bucky descuidou-se por um único segundo, o suficiente para que um outrider socasse sua metralhadora para longe, e o atingisse com um tapa forte no rosto, o jogando para trás, de modo que caísse deitado. Bucky não teve tempo de segurar-se ou de se colocar em pé novamente, porque no instante seguinte o bicho já estava em cima dele, tentando a todo custo o matar. Por sorte, ou por atenção do time que desenvolveu o traje de Bucky, ele conseguiu tirar uma faca do coldre que usava na coxa direita e, com os olhos fechados pelo medo de ser engolido, esfaqueou o bicho em cima de si, do jeito que pode.
, por sua vez, preocupada em ver o que acontecia com Bucky, não desviou a tempo de um soco que levava e, pela força, foi arrastada para trás alguns metros, até atingir, de costas, uma pedra. Saindo de trás dela, no exato mesmo segundo que colidiu, uma outra criatura conseguiu a morder no braço, a chacoalhando com força, pela boca, até a arremessar com força e muita fúria para longe. caiu a longos metros de distância de onde estava, de barriga para baixo, a tempo de ver T’Challa ter atingido fortemente por um dos bichos, enquanto Steve, também já com uns machucados abertos no rosto, tentava segurar outro que o encurralava. De onde estava, e todo aquele tempo, não conseguia ver nem ouvir Natasha e Okoye. Só podia esperar que estivessem bem e sobrevivessem. Colocando-se em pé em um instante, e limpando brevemente o sangue que escorria de sua testa, correu em direção a Steve e jogou-se em cima do outrider que o encurralava, tirando-o de cima de seu amigo. O Capitão perdeu o equilíbrio com o movimento e, caindo mais ao lado, não teve tempo de reagir antes que novos bichos caíssem por cima dele.
— Têm muitos deles — Bruce gritou pelo comunicador, sem mais conseguir enxergar nada pelo capacete de sua armadura, tamanha era a quantidade de criaturas em cima dele, fazendo um monte.
Sam até cogitou dar uma resposta irônica, mas estava concentrado demais em não morrer. Havia tantos deles, de fato, que mal podia raciocinar direito sobre o que fazer para pará-los. Todo movimento, de uma hora a outra, passou a ser meramente instintivo e nada mais do que isso. Não havia treinamento para aquilo, nem estratégia, nem qualquer tipo de preparação ou previsão. Aquela era uma batalha única, para Sam e para todos eles ao seu lado. Não dava tempo de absolutamente nada. A angústia e a pressa aumentavam a cada segundo. E a desvantagem de ser um voador era, justamente, observar do alto enquanto cada um de seus amigos era nocauteado.
Do chão, contudo, insistia em levantar-se, apesar de ter sido derrubada dezenas de vezes. Seu rosto latejava de dor pelo corte aberto e uma parte de seu macacão já estava começando a esfolar, a gastar-se, pelos impactos. Estava tão confusa, tão apavorada em não se deixar ser atingida, em matar o maior número possível de outriders e em tentar garantir que nenhum dos seus se machucasse, que, no fundo, ela não sabia o que fazer primeiro. E aquela ansiedade toda não contribuía para mais nada senão gerar um caos ainda maior dentro de si e atrapalhar sua conexão com a fitocinese. tinha sua perna esquerda sendo mordida por um dos bichos, enquanto seus braços batiam socos e murros nos outros que estavam em cima dela, até eles conseguirem, finalmente, a derrubar deitada no chão, como Bucky minutos atrás.
não viu exatamente o que aconteceu, mas, como se a ajuda tivesse vindo do céu, de repente, algo que ela não soube descrever naquele momento atingiu todos os bichos que estavam em cima e ao redor dela, esquartejando-os em segundos e com precisão. A única coisa que pode ver foi um feixe de luz azul, como raio, cortar as criaturas rapidamente e afastar-se dela. Desnorteada, ela levantou-se, sentando-se no chão, notando a ligeira pausa em absolutamente tudo para observar o que acontecia ali perto de onde ela estava. Os guerreiros e soldados wakandanos simplesmente pararam de lutar por um momento e voltaram-se para o centro, algumas centenas de outriders que antes ocupavam aquela área mortos ao redor, todos. Mas bastou a olhar para o lado de onde estava sentada para entender exatamente o que tinha acontecido. Para entender, na verdade, quem tinha acontecido. Vendo Steve aproximar-se dela e estender-lhe a mão, sorriu vitoriosa, como se, agora sim, tivessem uma vantagem real.
— AH-hahaha. Vocês estão fodidos agora — Banner comemorou rindo alto, abrindo o capacete da Hulkbuster por um momento, para respirar. Foi como ser inundado por um sentimento de vitória, como se tivessem dado a ele uma esperança. E na explosão de felicidade que sentiu naquele momento, Bruce sentiu-se também aliviado. Seu amigo estava de volta. Estava vivo.
aceitou a mão de Steve e, com ajuda dele, levantou-se rapidamente. O Capitão, assim como ela, parecia sem fôlego, um tanto aliviado e bastante confiante com a chegada triunfal de Thor, junto com duas outras criaturas que nunca tinha visto antes. Preocupada, deu meia volta, varrendo todo seu entorno com os olhos, em busca de Bucky que, mais afastado dali e perto de Natasha, a encarava relativamente satisfeito em vê-la bem. Nat, contudo, se perguntava mentalmente se Thor havia ressuscitado. Bruce chegou contando que ele estava morto, o que tinha acontecido? Por que absolutamente tudo naquela história parecia tão irracional?
Salvos pelo Stormbreaker, voltou seu olhar até Thor e, em seguida, até Proxima e Cull, os líderes do inimigo. Pareciam tão chocados com a presença do deus como eles, uma chegada que foi tão inesperada, tão surpresa, que os pegou despreparados também. A presença de Thor os fez parar por um momento, e repensar a estratégia de ataque, e os outriders, vendo muitos dos seus serem mortos de uma única vez, recuarem para perto da redoma. Thor levou apenas um minuto para observar seu redor e entender o terreno, analisar superficialmente o que acontecia ali, até que, nervoso, virou-se de frente para a abertura da redoma, de frente para os outriders e correu. Com seu machado em mãos, sendo acompanhando pelo guaxinim e por algo que, de onde observava a cena, parecia ser um vegetal, ele saltou ao ar, gritando alto o suficiente para todos eles ouvirem:
— ME TRAGAM O THANOS!
De onde estava, enquanto descarregava sua metralhadora sem qualquer remorso, Bucky conseguiu ver Thor gerar raios do próprio corpo e os descarregar no solo, atingindo os bichos ao redor como se ele próprio fosse uma tempestade. Tinham e tinham Thor agora, duas das pessoas mais poderosas que o mundo já havia tido. Duas pessoas que conseguiram, sozinhas, dizimar boa parte daquelas coisas. Por que é que, então, Bucky sentia que estavam perdendo? Tinha a sensação de que já estava ali há horas, matando como se estivesse em um jogo violento, sem conseguir saber direito por onde estava e, principalmente, como ela estava.
Embora a procurasse com os olhos de tempos em tempos, não podia sequer parar por um segundo sem correr o risco de ser comido vivo. Bucky já sentia suas pernas doerem, seu braço direito ficar dormente por segurar a arma na mesma posição por muito tempo e, apesar de tê-lo usado algumas vezes para luta física, seu braço cibernético pesava em seu ombro e machucava demais sua mente. Bucky não queria estar ali. Não queria reviver a violência e não queria ter que usar aquele maldito braço de metal para se proteger novamente. Ele não queria.
Parte dele esperava que conseguisse dar conta de terminar com tudo aquilo de uma vez. Outra parte dele celebrou em silêncio a chegada repentina de Thor. Mas dentro de si aumentava a aflição, de não terminar nunca aquilo, a cada bicho novo que aparecia em sua frente e que ele matava. Para Bucky, de todas as lutas que lutou e em todas as guerras que participou, aquela era a que mais parecia infinita.
Imerso em seus próprios pensamentos, ele não percebeu que uma das figuras novas no jogo se aproximava dele. Pelo contrário, a mente de Bucky só conseguia focar na quantidade de outriders que de colocavam a frente e em fazer o que fosse preciso para tirá-los do caminho. Dando alguns passos atrás e sem parar de atirar em momento algum, Bucky se viu encurralado uma vez mais. A saída, contudo, brotou em sua mente como uma das flores de , assim que ele reparou no guaxinim, que chegou com Thor, próximo dele, igualmente segurando uma arma.
Sem pensar duas vezes, vendo o cerco se fechar cada vez mais perto dele, Bucky pegou Rocket pela nuca, pela gola da roupa que vestia, com seu braço cibernético, e o levantou até ficar na altura de seu ombro. Com os braços abertos e sentindo a pressão dos tiros que saíam da arma do guaxinim, Bucky deu uma volta em 540 graus com seu corpo, rodando no mesmo lugar, enquanto ainda o segurava, de modo que pudessem atirar juntos, rápido e em direções opostas, limpando rapidamente o terreno ao redor de onde estavam.
— Toma, minha gente! É CHUMBO GROSSO PARA TODO O LADO — Rocket parecia se divertir, o que, para Bucky, era bizarro. Estava mesmo segurando um guaxinim de roupa que podia falar e, pior do que isso, que podia manipular uma arma? — É ISSO AÍ, PODEM VIR!
Demorou só um minuto para que a ideia de Bucky tivesse sucesso total e, assim que o último bicho caiu morto no chão diante deles, ele soltou Rocket no chão outra vez, que, o encarando com interesse, perguntou:
— Quanto quer pela arma?
— Não está à venda — Bucky respondeu sério.
— Ok. E quanto pelo braço? — Rocket insistiu, apontando para o braço cibernético do homem.
Não sabia se estava se sentindo mais ridículo por estar falando com um guaxinim ou se por ele estar interessado justamente naquele braço. Bucky encarou o animal por um momento e, descontente, saiu de perto sem dizer mais nada.
Do outro lado do campo, foi arrastada por alguns outriders até conseguir se livrar deles no chute. Caindo em pé perto de alguns Jabari e mais próxima a T’Challa, ela teve só dois segundos para perceber no que tinha se metido. Diante dela, há meia dúzia de passos à frente, a maior das criaturas, Cull, com seu machado empunhado na mão, ou pata, esquerda, a encarava com raiva. O que não tinha visto ainda, e que só reparou naquele momento, era na grossa corrente de metal que ligava o machado gigantesco à própria mão dele. Como se a soltasse de si mesmo, a corrente saiu do machado rapidamente em direção a que, ágil, conseguiu pular para trás por sobre ela, três vezes, desviando das ondas que a longa e espessa corrente fazia e caindo agachada no chão.
Descontente em não acertar seu alvo, Cull puxou de volta a corrente para si e, no momento seguinte, a lançou em direção aos Jabari próximos que, sem chance alguma de lutar contra aquilo, caíram para trás. Machucados e exaustos, eles sequer tiveram tempo de se colocar em pé outra vez, até Cull recuar a corrente e, com o machado, e muita violência, matar um dos Jabari mais próximo a ele. sentiu seu coração parar por um momento. Com a testa franzida em claro sinal de nervosismo, ela levantou-se, com as mãos abertas ao lado do corpo e os braços ligeiramente estendidos. As raízes saindo da grama abaixo dela enquanto ela se colocava em pé, rodeando seu corpo como se a possuíssem, como cobras. Do tornozelo a seu pescoço, o corpo inteiro de foi tomado por raízes maleáveis, em verde tão claro e tão carregadas de energia, que pareciam neon. Assim que elas chegaram às mãos abertas de , contudo, cresceram por mais um metro e pararam.
apertou as mãos nas raízes que, vendo de frente, pareciam chicotes que se apoiavam no próprio corpo dela, e espremeu os olhos. Deixando a cabeça tombar levemente de lado, sentindo um frio imenso na barriga e um ódio crescente, ela murmurou raivosa, chicoteando o chão com as raízes que apertava em suas mãos:
— Comece a rezar.
- Capítulo 28 -
A criatura apenas arfou alto em resposta, e sem mais esperar, marchou em direção a , batendo o machado no chão pelo caminho. Sem qualquer medo, correu na direção dele, seus olhos presos e vingativos no oponente. Perto de alcançá-lo, a mulher deu um pulo alto o suficiente para ficar na altura de sua cabeça e, chicoteando a raiz da mão direita, a enrolou no pescoço dele de uma única vez, o puxando para o chão com força conforme caía de volta, em pé. Sem conseguir se equilibrar, Cull soltou um grito de descontentamento e, furioso, direcionou o machado à que, esperando por aquilo, conseguiu desviar abaixando-se a tempo. A lâmina do machado, contudo, cortou a raiz que o enforcava, desprendendo-o de .
Apertando ainda com firmeza cada uma das raízes-chicote em suas mãos, logo regenerou a que foi recém cortada e voltou a partir para cima dele. Entre chicoteadas fortes e firmes, ela o desestabilizava e o machucava mais e mais a cada golpe, desviando dos contra-ataques deles e, principalmente, o mantendo focado nela e não mais nos Jabari. Colocar pessoas normais, por mais bem treinadas que fossem, para enfrentar aquilo era covardia. não deixaria que mais nenhum dos seus morresse. Não sem ao menos ter a chance justa de lutar por sua vida.
Cull, contudo, parecia incansável, apesar de ter apanhado de por um bom tempo. Muitos metros maiores do que ela, apanhou tanto que perdeu o movimento da mão direita, que foi quebrada, teve um de seus dentes tirado a força, parte considerável de sua pele aberta pelos golpes com as raízes em, em certo momento, foi tão enforcado que sentiu parte da pele de seu pescoço abrir. estava irada. Tão irritada com aquilo tudo que parecia cega ao que acontecia ao redor. E sua irritação aumentou ainda mais quando se deu conta de que aquele era um dos bichos que esteve em Nova Iorque. Aquele era um dos responsáveis por ter dado um sumiço em Stark. Em Peter. Enlouquecida em só ter se dado conta daquilo naquele momento, partia para cima dele uma vez mais, pegando impulso no chão e, em um giro rápido, o chutando no rosto com força. Cull deu dois passos para trás, zonzo.
— ONDE ESTÁ O GAROTO? — gritou rangendo os dentes, chicoteando as raízes na criatura seguidas vezes, que, desnorteada, dava passos para trás — Eu te fiz uma pergunta!
O bicho a entendia, mas não queria responder. Aquilo a estava desestabilizando emocionalmente e era bom para ele, uma vantagem. Cull deixou-se apanhar dela por mais algum tempo até, finalmente, conseguir entender a sequência lógica de luta da mulher. era humana, apesar de tudo. Não tinha a mesma resistência que ele, nem o mesmo fôlego e, muito menos, a mesma racionalidade. Era emotiva e isso a enfraquecia de muitas maneiras. Dez ou quinze minutos depois de começar a luta contra ele, sem conseguir matá-lo, ela estava já ficando cansada, mais lenta, mais irritada. E foi aproveitando-se disso que Cull conseguiu acertar a ponta da corrente no braço esquerdo dela, a afastando dele, de modo que deslizasse em pé pelo chão à sua frente.
Horrorizada pela dor insuportável, podia sentir seus olhos arregalados enquanto olhava para o próprio bíceps. As raízes que antes manipulava como chicotes desapareceram em segundos, a concentração na natureza foi substituída pela concentração na dor. Assim como a lança fez com Visão dois dias atrás, a ponta da corrente conseguiu quebrar o vibranium de seu traje, perfurando-o e rasgando sua carne. Como se tivessem dentes na ponta fincada no braço de , ela sentia algo mexer-se, a cutucando, perfurando-a ainda mais. soltou um grito alto de dor quando, no segundo seguinte, Cull puxou a corrente de volta com força. A ponta da lança saiu de sua carne com brutalidade, levando consigo sangue e vibranium.
Próximo de onde ela estava, contudo, T’Challa conseguiu chegar a tempo de evitar que algo pior acontecesse com ela. Tomando impulso enquanto corria, ele pulou em cima de Cull, vindo por trás de , e liberando a energia que seu traje acumulava sempre que recebia algum golpe, ele conseguiu, de uma vez por todas, derrubar a criatura. Observando aquilo com gratidão nos olhos, sem fôlego, assentiu brevemente com a cabeça para ele. Com as mãos apoiadas em seus joelhos enquanto tentava brevemente se recuperar, tentava controlar a dor que sentia. T’Challa viu o braço dela jorrar sangue, a ferida grande e aberta embaixo do rasgo do traje que, em tese, foi feito para segurar aquele tipo de ofensiva. Precisavam se livrar logo da joia, Shuri estava demorando demais. T’Challa sabia que não aguentariam por muito mais tempo, ainda mais quando estavam já começando a se ferir daquele jeito.
Sem saber se Cull estava morto ou só desacordado, e T’Challa se entreolharam cansados uma última vez e separaram-se, indo para lados opostos. Não havia tempo a perder, ainda eram muitos a serem combatidos. Correndo sem saber exatamente para onde, foi derrubando e lutando contra os outriders que encontrava pelo caminho. Não podia se abalar, não podia deixar-se concentrar em outra coisa senão no objetivo principal daquela guerra. Os corpos dos wakandanos que encontrava pelo caminho agrediam tanto quanto os outriders que lutavam contra ela. Quantos deles sobreviveriam, afinal? O quão longe do fim aquela luta estava? A mulher afastou seus pensamentos, contudo, assim que ouviu uma nova conversa sair pelo comunicador.
— Novo corte? — Steve perguntou arfando. De onde estava, pode ver ele e Thor se entreolhando, lado a lado.
— Notei que copiou a minha barba — Thor respondeu contente, apontando para Steve e, em seguida, para a própria barba. Steve concordou com a cabeça — A propósito, esse é meu amigo, Árvore — Thor apontou para Groot poucos passos atrás de onde eles estavam. Aquilo chamou a atenção de . A Árvore estendia longamente um de seus braços, que, feitos de um tronco duro, cortava meia dúzia de outriders ao meio, enfileirados, os perfurando.
— Eu sou o Groot.
— Eu sou Steve Rogers — Cansado, mas sempre educado, Steve apontou para si mesmo respondendo a apresentação. A árvore, contudo, desviou seu olhar de Steve para a mulher que vinha logo atrás dele. O olhar curioso de Groot chamou a atenção do Capitão que o acompanhou a tempo de ver , igualmente curiosa depois de ouvir a palavra “árvore” pelo comunicador, aproximar-se.
— Vejo que fez amigos novos também — Thor voltou a dizer sorridente, encarando , que sorriu de volta — Eu sou Thor, filho de Odin, deus do trovão.
sorriu confusa pela formalidade. Thor era bem mais alto do que ela, absurdamente forte e… bonito. se perguntou por um momento por que será que todo super-humano tinha que ser tão bonito e atraente. Bucky, Sam, Steve, Natasha, Thor. Era quase que um pré-requisito.
— Eu sou — Ela respondeu no mesmo tom, apontando para si mesma — Filha de Karl e Everett. Fada da… natureza? — Ela completou incerta, desviando seus olhos dos de Thor para Steve, mais ao lado, que concordou com a cabeça, como se dissesse que foi uma boa apresentação. Do comunicador, Sam deu uma gargalhada alta.
— Vou me lembrar disso para sempre, Fada da Natureza — Ele provocou.
— A próxima criatura a ser morta por mim é você, Wilson, se prepare — revirou os olhos.
— Pode vir, gatinha — Sam passou voando, uma vez mais, por ela, tão depressa que quase não pode ser visto. De onde estava, Bucky bufou, descontando a irritação estranha que sentia ao ouvir Samuel falar com daquele jeito, em matar mais bichos.
— É um prazer imenso — Thor respondeu finalmente, notando concordar.
Apesar de a primeira impressão causada ser imponente, expansiva e um tanto amedrontadora, Thor parecia fofo. Ele sorriu por mais um segundo, sem deixar de reparar que a cor dos cabelos dela parecia com os de Jane, e como se quisesse contradizer os breves pensamentos de sobre ele, virou-se de costas no instante seguinte e arrancou a cabeça de mais alguns outriders, com muita destreza e impiedade. Um ogro fofo, pensou.
Mas o propósito da aproximação de com Steve e Thor não era ser apresentada, mas sim chegar mais perto da árvore. E foi a vendo voltar seu olhar e dar mais alguns passos em direção a Groot que Steve entendeu aquilo. Groot voltou seu braço ao tamanho normal, o tirando de dentro dos outriders que atingiu, e veio em direção à . Steve e Thor, ao redor deles, seguravam os bichos que se aproximavam como podiam, por isso, e Groot puderam se concentrar um no outro por alguns poucos minutos. Groot tinha a forma exata de uma árvore, mas parecia também um híbrido. Tinha pernas e braços, um corpo como de um humano. Sua expressão era de curiosidade e, pela energia que ele transmitia, e que podia claramente captar como captava de toda a natura a seu redor, ele parecia feliz. Verdadeiramente feliz.
Groot, por sua vez, caminhou calmo e um tanto tímido até chegar perto o suficiente da mulher. Do mesmo modo que ela, também podia sentir a energia vegetal que saia de e aquilo era estranho para ele. A única vez em que pode sentir aquilo foi quando seu planeta ainda existia, quando sua família ainda era viva. Tantas décadas depois, Groot finalmente sentiu que não era mais o único de sua espécie ainda vivo no Universo. Havia uma mulher, havia mais alguém. E ela estava ali, bem diante dele. agachou-se ligeiramente para poder olhá-los nos olhos, ficar na altura de Groot, e sorriu com ternura. A energia que emanava dele era tão pura, tão limpa, tão feliz que ela não conseguia segurar o sorriso.
nunca tinha visto nada parecido. Ela conseguia, sim, criar formas vegetais parecidas com humanos, mas não podia dar-lhes sentimentos, nem expressões ou fazê-los falar. A vida deles dependia da dela e aquilo era diferente. Groot era um ser completo, não simbiótico e independente. Estava sentindo, estava tomando decisões, estava falando, encarando e sorrindo sozinho. Por vontade própria e não por controle. Para , o olhando com atenção e carinho a um passo à sua frente, pareceu, por um momento, que ele era a concretização plena da fitocinese. Talvez o híbrido, naquela história toda, fosse, na verdade, ela. E não Groot.
— Eu sou o Groot — Ele disse novamente, as exatas mesmas palavras que disse a Steve. Do seu braço esquerdo, ele tirava uma pequena margarida branca que nascia e, carinhoso, a entregou para . Costumavam fazer isso quando encontravam suas famílias. Groot sonhava com aquele momento.
— Eu sou a — Ela respondeu sorridente, aceitando a pequena flor. No instante seguinte, contudo, deixou a margarida cair propositalmente no chão e, assim que ela tocou o solo, milhares de outras como ela brotaram ao seu redor. Thor parou por um instante, ligeiramente chocado, desviando seu olhar do chão que, como se estivessem abrindo um tapete, era totalmente coberto pelas flores, até .
— Eu sou o Groot? — Perguntando dessa vez, Groot repetiu fascinado. franziu a testa confusa, mas a voz de Thor vindo de trás dela logo clareou suas ideias:
— Ele quer saber se você é como ele — Thor explicou ainda encarando ela, gesticulando — Ele fala grootês. Fica repetindo só essas palavras, você se acostuma depois de um tempo.
pensou por um momento. Aquela era uma boa pergunta. E só havia uma maneira de descobrir a resposta. Total e estranhamente conectado à energia vegetal que emanava de , com as palmas das mãos viradas para cima, Groot, que lembrava de um adolescente, estendeu-lhe as mãos, como se a convidasse para algo. Curiosa, aceitou o convite, pegando as duas mãos de Groot. O que aconteceu, contudo, foi absolutamente inesperado. sentiu uma energia, uma força ridiculamente absurda tomar conta de si e, sem nunca ter vivido nada daquilo antes, diferente do que estava acostumada, não pode controlá-la. De frente para ela, Groot assistiu os olhos da mulher ficarem verdes, como esmeraldas, e no momento seguinte uma aura da mesma cor sair dela, como uma explosão.
Centenas de milhares de flores coloridas, de diferentes espécies, abriram-se no chão em meio as margaridas, por todo o campo, ao tempo que, como ondas, raízes grandes quebravam o solo engolindo, soterrando e arrastando consigo tudo o que tinha pela frente. Do lado de fora da redoma, o mesmo efeito de envenenamento que manipulou antes voltou a acontecer, enquanto, do lado de dentro, dezenas de plantas carnívoras cresceram em meio a cactos gigantes, que soltavam seus espinhos com fúria para todo lado. não sabia exatamente como estava fazendo tudo aquilo acontecer ao mesmo tempo, mas palpitava, racionalmente, que a conexão com Groot potencializava a fitocinese. Era como se tivesse seus poderes em dobro, como se Groot a ajudasse a manipular a natureza enquanto ela mesma a fazia também.
Para os de fora, do mesmo lado da luta que eles, aquilo era um espetáculo. Como se a própria natureza, por escolha, por vontade, estivesse se juntando a eles na guerra, os dando tempo para descansar um momento, eles pararam para assistir, como o fizeram quando Thor chegou. e Groot permaneceram de mãos dadas, um de frente para o outro, enquanto a aura verde brilhante saia de como um reator nuclear. A cada segundo novas plantas, novas raízes, novas folhas gigantes, nervuras, esporos e amontoados de terra apareciam. Árvores que estendiam seus galhos violentamente até acertar o alvo, cogumelos que pendiam de um lado a outro como martelos, socando tudo que passava perto deles. Folhas pontudas que cortavam os outriders como se fossem lâminas afiadas, flores que se enroscavam e quebravam o inimigo feito cobras famintas, plantas carnívoras cuspindo toxinas venenosas e nervuras que rondeavam os corpos do inimigo os espremendo até a morte. Por quilómetros em seu entorno, ao longo de todo o campo, dentro e fora dele, controlava toda a luta sem realmente se dar conta daquilo.
De olhos fechados, pela claridade que dissipava de seu próprio corpo, sua mente divagava rápido entre tudo o que estava sentindo. A dor insuportável em seu braço, a angústia em Shuri não terminar logo de remover a joia, a preocupação em algo acontecer com alguns dos seus, o luto pela morte de tantos wakandanos. A violência que estava manipulando e que estava vivendo, a vontade de manter-se por perto de Bucky, de protegê-lo, e a sensação impotente de não poder. pensou em Peter, pensou no medo que sentiu de algo acontecer com seus pais, pensou na ansiedade de Wanda em não saber se Visão sobreviveria, na felicidade de Groot em vê-la. E tudo aquilo acumulado, saindo junto com a energia da natureza ao seu redor, explodia de , de dentro para fora, como o ápice de um estresse, como uma bomba. A bomba vegetal que o Secretário de Defesa dos EUA, Ross, a chamou com tanta ironia.
Groot não conseguiu segurar por muito mais tempo e sem esperar por aquilo, soltou-se de de repente, assim que sentiu seu corpo estremecer junto com o solo. Toda a energia que saía de foi direcionada para ele que, absorvendo aquilo tudo, expandiu-se em segundos. Abrindo seus olhos de volta, se sentindo totalmente exausta, deu alguns passos para trás, tentando recuperar o ar, fazendo Groot, a sua frente, crescer até ficar gigante, tomando proporções que nunca antes tinha atingido, que sequer sabia que poderia atingir. Steve e Thor estavam atônitos, boquiabertos, e pelo comunicador puderam ouvir Natasha, incrédula, soltar alguns palavrões, enquanto Bucky murmurava pausadamente um “ah meu deus”.
— Isso é... MUITO FODA — Rocket gritou de algum lugar não muito longe dali, olhando Groot.
só percebeu realmente o porquê daquilo quando olhou rapidamente para a redoma. O chão estava estremecendo não por conta de Groot, mas sim porque algo estava vindo na direção deles. Com a floresta do lado de fora pegando fogo e o solo abaixo da barreira sendo rompido, Proxima havia liberado o último recurso que tinha em mente como uma forma de contra-atacar tudo aquilo que estava fazendo. E ter transmitido toda a energia para criar um Groot gigante foi a forma inconsciente de lidar com toda a energia da natureza sendo morta fora da redoma, como se ela pudesse captar essa energia perdida, destruída, e canalizá-la em algum lugar. Até aquele exato momento, não tinha ideia de que podia fazer isso com a natureza morta também.
Diante deles, rodas gigantescas e maciças com pontas motorizadas saiam do solo, destruindo absolutamente tudo que estava à sua frente. Vinham em grupo, de cinco ou seis, e passavam a redoma pelo solo sem problema algum, por todos os lados, desestabilizando o que havia sobrado da barreira de proteção. olhou desesperada para Steve, próximo a ela que, na verdade, não tinha ideia de como reagir àquilo. Não tinha condição alguma de irem em frente, não conseguiriam derrubar aquelas coisas com força, lanças e armas. Só havia uma estratégia aceitável para eles, e foi o que T’Challa gritou assim que viu as rodas adentrarem:
— Recuem, recuem agora.
— VAI — desviou seu olhar de Steve para o gigante Groot, enquanto gritava e corria, em seguida, com o Capitão ao seu lado, o mais rápido que podia, para longe das rodas.
— EU SOU O GROOT! — Achando aquilo muito maneiro, a árvore gigante esbravejou, caminhando em direção as rodas de metal e derrubando algumas delas de lado, no chão, com chutes e pisadas, tomando cuidado para não atingir ninguém mais além de outriders.
Groot, contudo, só conseguia lidar com a meia dúzia de rodas que vinha na direção onde ele estava, protegendo, naquela linha, , Steve, e as pessoas que perto deles corriam para longe dali. Não bastassem as rodas, ainda tinham que lidar com as criaturas sobreviventes ao longo do caminho e lutava para não perder a conexão energética com Groot, ou pararia de o manipular como um gigante e aquilo não seria nada bom naquele momento.
Do ar, Sam e Rhodes trocaram uma estratégia rápida para derrubar outra roda a tiros e pequenos bombardeiros, mas foi Wanda quem conseguiu dar um fim naquilo de uma vez. Usando seus poderes, a energia vermelha que saia dela parou as rodas no ar no tempo exato antes de atingir Natasha e Okoye e, dando uma rápida olhada ao redor para não atingir nenhum dos seus, ela as soltou para os lados. As rodas deslizaram plenamente passando ao lado de Natasha e Okoye, limpando toda a população de outriders que estava por perto. Wanda sabia que era mais seguro ficar perto de Visão. Mas ela estava a todo aquele tempo assistindo a luta de camarote, na paz e no silêncio do laboratório de Shuri. Viu a chegada de Thor, viu o que fez e viu que não foi o suficiente. Se podia ajudá-los, se podia protegê-los, então o tinha que fazer.
— Por que ela estava lá em cima todo esse tempo? — Um pouco indignada, Okoye não conseguiu segurar a pergunta, rodopiando sua lança, enquanto Natasha sorria satisfeita pela ação de Wanda.
Em outro lado do campo, e Steve paravam de correr e lutavam, uma vez mais.
— Buck? Onde você está? — perguntou preocupada, dando uma rasteira em um dos bichos enquanto virava-se e colocava-se em pé outra vez, socando um novo que se aproximava dela.
— Aqui atrás, boneca — Ele respondeu prontamente, vendo , poucos passos na frente dele virar-se a tempo de vê-lo chegar perto dela, atirando nos dois outriders que antes lutavam com ela. suspirou aliviada e Bucky, por um único segundo, a abraçou com força. A sensação de ter Buck por perto, contudo, fez se desconcentrar de Groot e, do mesmo modo que fez ele crescer, o trouxe de volta ao tamanho normal. queria ficar ali, nos braços dele, sentindo-se protegida e calma. Queria ficar ali a todo custo. Mas não era momento. Ela se afastou dele, desviando seu olhar para o lado, vendo muitos metros dali Groot cair sentado no chão, um tanto zonzo, em seu tamanho normal. Bucky, contudo, desviou seu olhar do rosto para o braço machucado de , reparando apenas naquele momento no grande corte aberto e que ainda sangrava.
precisava de ajuda médica, e rápido. Precisava de pontos ou teria problemas para fechar aquele corte depois. Bucky pensou por um momento em tudo que estava custando para viver aquele momento. Por mais que nunca tenha se sentido realmente uma cidadã de Wakanda, realmente parte do país, por mais que dissesse e que sentisse que aquela não era a sua casa, era o mais perto de uma que ela já havia tido. E a ver sendo destruída, tomada por caos e por violência, ver suas pessoas sendo mortas por um capricho de um ser intergaláctico em roubar uma pedra, não era, definitivamente, fácil. estava fazendo o que podia para salvar Wakanda. Estava dando seu sangue e continuaria até não poder mais. Bucky sabia.
Faltando-lhe palavras, Bucky soltou sua arma no chão por um único minuto e rapidamente tirou o coldre que vestia de sua coxa. Com carinho e muita delicadeza, ele pegou o braço machucado de com a mão de metal, atraindo a atenção dela de volta para ele, e, com a outra mão, desencaixou a faca do coldre. Tão leve que mal pode ser sentido, Bucky abriu um espaço maior no rasgo do macacão dela, com a faca, para aliviar a dor que imaginava ela sentir em ter algo a todo o tempo grudando na carne exposta dela e para evitar que as fibras do vibranium cortadas a machucassem ainda mais. acompanhava cada movimento dele com os olhos, atenta vez ou outra com o que acontecia ao redor para certificar-se que não seriam desprevenidamente atacados. Bucky guardou a faca em dos bolsos de sua calça com agilidade e, ainda mais delicado do que antes, passou as tiras elásticas do coldre no braço de , de forma que enrolasse o machucado como um torniquete.
— Acho que vai segurar por enquanto — O Soldado murmurou, seus olhos subindo rapidamente para encontrar os dela, que os fechou, gemendo de dor assim que sentiu ele apertar as faixas com certa força para estancar o sangramento — Me desculpe.
— Está tudo bem — respondeu abrindo novamente os olhos, notando Bucky fazer alguma gambiarra para amarrar as pontas das fitas do coldre, de modo que não caíssem do braço dela — Obrigada, Sargento.
— Me agradeça depois que eu matar o desgraçado que fez isso em você.
não conseguiu saber se aquilo era retórico ou não. Bucky parecia realmente centrado demais, raivoso demais, como se estivesse com muito ódio. E ele estava. Não gostava de ver machucada, com dor. Ela sabia. Deveria estar tão emocionalmente exausto quanto ela, sentindo tanta coisa diferente que mal podia ordenar. Por instinto, procurou pelo bicho que a machucou daquele jeito ao redor, mas não o encontrou mais. Talvez T'Challa tivesse realmente conseguido matá-lo. Bucky acompanhou o olhar dela assim que terminou de improvisar o torniquete e, antes que tivesse a chance de dizer mais qualquer coisa, ouviu Sam desesperar-se pelo comunicador:
— Gente, olha, o Visão está encrencado aqui.
— Alguém vai até o Visão — Steve ordenou estridente, enquanto socava com força uma das coisas.
e Bucky olharam ao redor, em busca de qualquer pista do que estava acontecendo com Visão, mas não podiam ver nada dali. Exatamente como Bucky sentia, tudo estava de fato piorando a cada instante.
— Deixa comigo — Bruce respondeu já levantando voo.
— A caminho — Wanda comentou, mas, antes mesmo que pudesse se mover, Proxima a acertou no rosto com a lança, a fazendo cair em uma vala. Pelo comunicador deu para notar que algo tinha interferido nos planos dela. respirou fundo.
— Sam, consegue me dar uma carona? — perguntou, encarando Bucky de volta à sua frente que, pela expressão ter se fechado mais ainda, pareceu não gostar muito da ideia.
— Chegando em três, dois… — Sam contava regressivamente enquanto deu alguns passos atrás, soltando sua mão carinhosamente da de Bucky, sem desviar os olhos dele.
— Te vejo daqui a pouco — Ela sussurrou sorrindo para ele, o vendo retribuir com tristeza.
Sem ter tido tempo de responder, Bucky viu Sam baixar voo, vindo ao lado de onde estavam, e pegar pela cintura, voando com ela em seguida para longe dali.
— Você está acabada — Sam comentou carregando pelo ar. Daquela perspectiva, ela podia ter o panorama do que estava acontecendo abaixo, toda a destruição do país.
— Um de nós dois realmente entrou na briga — rebateu no mesmo tom — O outro é você.
Sam apenas soltou uma risada amarga, vendo sorrir com ele. De tudo que haviam combinado fazer quando pudessem se encontrar novamente, lutar era justamente algo que não estava na lista. Havia uma frustração clara entre os dois, uma frustração de não poderem tirar o tempo perdido, o atraso que o Tratado de Sokovia os impôs quando fez deles fugitivos, quando prendeu Sam e o forçou a sumir do mapa. tinha muito a contar, Sam queria muito ouvir. A amizade deles que parecia se desenvolver sempre no caos, ficava cada vez mais forte, mais responsável e, igualmente, mais preocupada. Sam só queria ser um cara normal novamente. O cara que deu carona a quando a conheceu em Washington, que poderia sair para beber com ela e caminhar no parque. O cara que queria ter uma amiga normal. Que queria fazer piadas e pedir conselhos amorosos, não estratégias de guerra. Menos de cinco minutos depois de pegar no solo, Sam baixou voo novamente para a soltar de volta no chão.
— Vê se não acaba com a festa antes de eu voltar — Sam ironizou, dando meia volta para retornar ao campo, enquanto via sorrir sinceramente para ele e correr em busca de Visão.
só precisou correr por alguns metros floresta adentro até ouvir a voz de uma das criaturas, Corvus, que ainda não tinha aparecido na luta, dizer:
— Achei que você fosse formidável, máquina — Corvus segurava sua lança enfiada dentro do abdômen de Visão e, com a outra mão, o pegou pelo pescoço — Mas vai morrer como um homem.
Impiedoso, a criatura puxa a lança de volta, com força, para fora de Visão, o fazendo entrar em curto outra vez. O pouco que havia conseguido consertar de seu corpo novamente tinha sido destruído. Ele chegou a se inclinar por cima de Visão, mas antes que pudesse proferir o próximo golpe, surgiu correndo na direção deles, acertando Corvus com força, o empurrando com o próprio corpo para longe de Vis. A mulher caiu de um lado, a criatura de outro e sua lança mais ao longe.
— Sai daqui — gesticulou com a mão encarando Visão. Havia chegado no tempo exato de impedir que ele perdesse a joia, era arriscado demais tê-lo por perto, ainda mais sendo a única pessoa ali para o proteger. Corvus logo colocou-se em pé outra vez e, vindo para cima de , levou dois socos seguidos dela, caindo deitado no chão novamente. Uma vez mais, a mulher virou-se para Visão, que ainda estava deitado, debilitado — VAI!
Corvus se levantou como se nada tivesse acontecido e aproximou-se de , empunhando sua lança. Ele a rodopiou no ar algumas vezes e tentava acertá-la a todo custo, mas a mulher conseguiu escapar agachando-se e parando a lança usando o próprio macacão de escudo. Atenta aos seus movimentos, conseguiu tirar a lança dele outra vez, no soco, mas, em um milésimo de segundo e de descuido, Corvus a pegou exatamente pelo machucado aberto no braço. Tirando da mulher um grito alto de dor, em seguida, com a mão livre, ele a pegou pelo pescoço, a enforcando e, com muita agilidade, a jogou para trás de si. colidiu com uma pedra e seu corpo rolou para o lado, dolorido. Ela chegou a ver Corvus virar-se para onde ela estava caída, mas Steve chegou a tempo, indo para cima dele e desviando sua atenção da mulher.
Steve pegou uma carona com Sam, do mesmo modo que fez, até ali e Visão mal conseguiu se levantar do lugar onde estava. Seus sistemas estavam falhos, ele estava nitidamente em colapso e qualquer movimento que fizesse poderia piorar tudo ainda mais. O Capitão travou uma luta rápida contra Corvus e, assim como aconteceu com , foi atirado bem ao lado dela, que ainda estava estirada no chão tentando se recuperar. Diferente dessa vez, contudo, foi que Corvus chegou a ir para cima de Steve, deitando sobre ele e o enforcando com o braço. Steve segurou o quanto pôde, com ajuda dos pequenos escudos de vibranium que T’Challa o deu. Contudo, inesperadamente, a lança apareceu enfiada no peito de Corvus, de fora a fora, de suas costas a seu peito, o fazendo afrouxar seus movimentos e ser tirado do chão até finalmente cair morto, entre e Steve.
Junto com ele, fraco e caindo mais atrás, Visão soltou a lança no chão.
— Ela mandou você sair daqui — Steve comentou colocando-se de pé em um pulo, indo acudir Visão. Ao seu lado, também se colocava em pé, preocupada.
— Não negociamos vidas, Capitão — Visão disse sem fôlego, olhando o amigo.
No campo de batalha, afastado de onde estavam, Thor derrubava as naves do inimigo, do lado de fora da redoma, que já não existia mais. Estranhamente, as naves começaram a se mover, levantando voo, como se estivessem recuando. Pelo comunicador, os gritos orgulhosos e furiosos dos Jabari inundavam os ouvidos, celebrando a proximidade do fim daquela guerra. Bucky parou de atirar, notando que já tinham conseguido dizimar a maior parte dos outriders e que, o pouco que restava, corria de volta para as naves. Para ele, sem saber exatamente o que tinha acontecido, eles tinham vencido a guerra. e Steve deviam ter matado o último dos líderes e, talvez, a joia tivesse sido destruída, para o alívio de todos. Okoye buscava por T’Challa, enquanto Natasha se perguntava o que tinha acontecido com Visão e se havia dado tempo de, finalmente, remover a joia.
E foi pensando exatamente naquilo, consumida pela preocupação extrema, que Wanda voou até onde Visão, Steve e estavam. O desespero, contudo, foi ver que, além de ele ainda portar a joia em sua testa, estava mais machucado do que antes, mais debilitado, muito mais fraco. Foi o tempo de Wanda aproximar-se dele, ajoelhando em sua frente e levando suas mãos carinhosamente até seu rosto, para que Visão começasse a ter os mesmos sinais que teve na Escócia. Como se estivesse interceptando algo.
— O que foi? O que foi? — Wanda perguntou desesperada, ansiosa. Visão desviou seu olhar do dela até os lados, em busca de algo. O pavor tomava conta dele, apesar da voz calma responder:
— Ele está aqui.
Em pé, lado a lado, Steve e olhavam para o céu, em busca de qualquer coisa. O dia já começava a cair quando tudo ficou estranhamente quieto, silencioso, calmo demais, de repente. Não fosse pelo vento e por algumas poucas folhas que se desprendiam das árvores, não havia mais qualquer movimento ao redor deles. Era estranho, mas tinham ouvido o que Visão acabara de dizer a Wanda. Era estranho. E proposital.
— Todos na minha posição — Steve pediu sério — Algo se aproxima.
deu um passo mais perto de Steve, sentindo o medo tomar conta de si. Seu coração batia mais forte, suas mãos estavam suando, a ansiedade passando em cada célula de seu corpo. Não gostava daquela sensação, daquele clima de expectativas ruins, daquele silêncio. T’Challa, Okoye, Natasha e Sam logo chegaram até eles, seus olhos varrendo o ambiente com receio e confusão.
— O que é isso? — Nat perguntou baixo, sentindo o vento no ambiente aumentar consideravelmente. E foi justamente no segundo seguinte que Bruce percebeu uma nova movimentação atrás de si. Virando-se junto com os demais, a tempo de ver uma nuvem acinzentada, como poeira, abrir-se no meio do nada, Bruce viu sair dela a última das criaturas que ele gostaria de rever na vida. Alguns passos atrás dele, os demais fecharam suas expressões, finalmente entendendo o que acontecia ali.
— Olha, Capitão — Banner comentou silencioso — É ele.
— Se preparem — Steve ordenou completamente irritado, acionando o pequeno escudo em sua mão outra vez e já indo em direção a Thanos — Atenção.
Na posição que estavam faziam uma barreira perfeita até chegar em Visão. Bruce era o primeiro mais perto de Thanos, seguido de Steve, depois T’Challa, então Sam. Na sequência vinham Natasha, depois Okoye e, alguns passos mais atrás, de costas para Wanda e Visão, . Se aproximando, ainda tinham Bucky, Rhodes, Rocket, Groot e Thor. Se Thanos quisesse aquela joia, teria que passar por todos eles, um a um. Não seria uma tarefa simples. E para eles, para todos eles, naquele momento, aquilo pareceu seguro o suficiente.
Mas não podiam estar mais errados. Bruce, o primeiro Vingador do cerco que formaram, foi em direção a Thanos, que simplesmente fechou o punho. De onde estava, percebeu que ele vestia uma espécie de manopla, uma luva em metal dourado, onde podia ver as outras Joias do Infinito, como a de Visão, incrustadas. Com um movimento leve da mão, Thanos fez Bruce tornar-se imaterial por um momento, flutuando ao lado dele até parcialmente enterrá-lo, com a armadura e tudo, em uma pedra de um penhasco próximo, o fundindo ali.
Steve, que veio correndo logo em seguida, foi arremessado para o lado violentamente, sem sequer ter a chance de chegar perto de Thanos. Na sequência, viu T’Challa dar um pulo no ar, tentando atingir o novo inimigo por cima, mas logo sendo pego pelo pescoço, feito um animal, e socado no chão. A força do impacto fez o traje do Pantera Negra descarregar a energia que tinha acumulada em si mesmo, o fazendo desacordar.
A cada passo que Thanos dava, lento, calmo, paciente, como se não temesse nada nem ninguém, como se nada o abalasse, sentia seu coração bater mais forte. Assistia cada um de seus amigos serem tratados como insetos, como se não fossem nada, ninguém especial. Assistia eles serem apagados sem nem ter a chance de lutar, sem nem conseguir fazer absolutamente nada. O próximo a ser derrubado foi Sam que, voando e atirando em Thanos, também não conseguiu nem chegar perto dele. deu um passo à frente, suas mãos cerradas em punhos firmes ao lado do corpo, as pernas levemente entreabertas. Não sabia se deveria ir pela força física ou com a natureza, não sabia o que fazer quando chegasse a vez dela. Receosa, ela olhou por sobre seus ombros, seus olhos encontrando os de Wanda que, marejados pelo medo do que estava prestes a acontecer com Visão, já estava em pé, na frente dele e com a telecinese saindo de suas mãos.
Thanos encarou pela primeira vez e, logo atrás dela, Wanda e o portador da última joia que ele precisava. Eles eram fracos, despreparados, não tinham condições de enfrentar a grandiosidade dele e não tinham o poder reunido de cinco Joias do Infinito. Thanos se sentia invencível e, mais do que isso, se sentia inevitável. O encarando de frente, acompanhava cada movimento dele com atenção, como se nada mais ao redor dela importasse. Ele parecia determinado, focado em conseguir o que queria e parecia ter se preparado bastante para aquele exato momento. Ao fundo, podia ouvir Wanda e Visão sussurrem uma conversa difícil, dolorosa demais, enquanto Thanos dava passos calmos em direção a eles.
— Wanda — Visão a chamou baixo, puxando ela levemente para olhá-la — É tarde demais.
— Não — Ela respondeu nervosa, virando-se novamente para frente, onde estava.
— Eles não podem detê-lo, mas nós sim — Pelo comunicador, ouviu Visão dizer aflito. Ele era uma máquina, uma inteligência artificial humanizada que carregava uma das Joias do Infinito. Mais do que qualquer um deles ali, ele sabia ser racional, realista e pragmático. Era preciso no que dizia, sabia que por mais que tentassem não conseguiriam parar Thanos. Não quando ele já tinha o poder de todas as outras joias em mãos — Olha para mim — Ele insistia com Wanda — Você tem o poder de destruir a joia, tem que fazer isso.
— Não — Wanda parecia ficar cada segundo mais desesperada, não podia fazer aquilo, não podia matar Visão.
— Nós não temos tempo — A voz embargada de Visão voltou a dizer, encarando Wanda nos olhos.
— Eu não consigo — Ela sussurrou tensa, sem coragem alguma sequer de cogitar aquela ideia.
Alguns passos à frente deles, sentiu seus olhos marejarem. Sabia como era o peso de carregar a morte de alguém que se amava nas mãos, ela entendia bem daquilo. Wanda não deveria ser a pessoa a fazer aquilo. De todos eles, de todas as habilidades que tinham, não deveria ter que ser Wanda a destruir a joia, a destruir Visão. sentia raiva das ironias da vida. Mas, mais do que isso, sentia raiva do ser que caminhava à sua frente, em sua direção.
permaneceu imóvel, esperando e encarando Thanos chegar até ela. Seus olhos transbordando fúria e segurando as lágrimas viram alguém se aproximar pela mata, enquanto ouvia pelo comunicador Visão dizer uma última vez.
— Você consegue — A voz dele era leve — Consegue sim. Metade no Universo morre se ele conseguir a joia — Wanda já começava a chorar naquela altura — Não é justo. Não deveria ser você, mas é. Está tudo bem — Visão tentava ser o mais calmo e confiante possível, sua voz cheia de ternura enquanto via Wanda dar alguns passos para trás, entre lágrimas, direcionando uma mão até a testa dele — Você jamais me faria mal.
Tudo pareceu parar por um momento. O vento batendo nas folhas e o choro baixo de Wanda era tudo que podiam ouvir. desejou ter poder o suficiente para destruir a joia, para não deixar Wanda ter que passar por aquilo. Não podia se imaginar no lugar dela, não podia imaginar ter que matar Bucky para salvar metade do universo. Era uma decisão acertada, racional, mas violentamente dolorosa. E a dor maior veio quando puderam ouvir Visão dizer:
— Eu só sinto você.
Ao tempo que virou-se levemente para ver o que acontecia atrás de si, se deparando com Wanda desconcertada conectar-se através do seu poder contra a joia de Visão, Rhodes surgiu voando pelas árvores próximas, indo em direção a Thanos. Nada diferente dos demais, mais do mesmo, ele foi congelado no ar pelo poder de uma das joias na manopla e jogado para longe dali. O barulho alto dos tiros e o grito forte cortaram a atenção de e a trouxeram de volta para ver o que estava acontecendo à sua frente, ainda mais ansiosa do que antes. Bucky vinha correndo e atirando em Thanos, o único e último recurso possível que tinha. As balas da metralhadora acertavam a criatura, mas ricocheteavam e caiam ao chão como se nada estivesse acontecendo. Ele era forte, era resistente, era assustadoramente poderoso. Sentindo a última gota de ódio que faltava para mover-se, correu em direção à Thanos assim que o viu empurrar Bucky para longe, o fazendo bater a cabeça no chão e desmaiar com a força do impacto.
Antes que ela pudesse chegar perto, contudo, Okoye atirou com força sua lança e Natasha, correndo ao lado dela, ia com fúria para cima de Thanos. Com mais poucos gestos, o titã parou a lança no ar, a um fio de encostar nele, como se estivesse se divertindo com aquilo, e a soltou de volta em Okoye, derrubando-a longe dele. Natasha, por sua vez, nem teve a chance de fazer nada, pois foi logo soterrada por pedras que, do mesmo modo que as podia controlar, Thanos as manipulou para prendê-la no chão. Groot apareceu na jogada pouco antes de entrar em ação, mas, miseravelmente, teve os galhos que criava contra Thanos quebrados e foi atirado para o lado oposto onde Okoye estava caída. Usar a fitocinese com ele seria inútil.
De frente, ao redor de Thanos, observava o corpo de todas as pessoas que estavam com ela em luta estirados no chão como se não fossem nada. Nenhum deles sequer encostou um dedo naquela coisa. estava irada. Podia sentir seus olhos arderem pela raiva, pelo ódio que saía de si como nunca antes havia sentido na vida. Sem pensar duas vezes, ela só queria, naquele momento, de qualquer jeito, matar Thanos. Havia sobrado ela, Wanda, Visão e.. onde estava Thor? Ela tinha que dar um jeito de segurar ele longe, tinha que ganhar tempo, tinha que dar tempo a Wanda de terminar de fazer o que já tinha começado.
De onde estava, Natasha podia ver possessa, absurdamente nervosa, correr até chegar perto o suficiente de Thanos, o acertando com um soco forte no queixo, enquanto o empurrava para trás com outro soco, com a mão esquerda dessa vez, no estômago. conseguiu dele um único passo para trás e um olhar confuso, levemente impressionado. Com a mão descoberta, ele cerrou em punho e a levou em direção a que, ágil, abaixou-se a tempo, deslizando pelo chão para chegar mais perto dele e o acertando com um chute no joelho. Ela sabia que não poderia vencê-lo, sabia. Mas sabia que poderia irritá-lo, distraí-lo. Thanos, contudo, ainda impressionado, levou a mão da manopla em direção a que, esperta com o que aconteceria se ele acionasse uma das joias que carregava, segurou sua mão no ar com as duas mãos. O titã era bem mais alto do que ela, estava tão perto que tinha que praticamente olhar para o céu para vê-lo. Ela parecia usar toda a força que tinha para manter a mão dele imóvel, os dedos entreabertos, para impedi-lo de usar as joias nela outra vez.
Thanos, contudo, em um golpe rápido, conseguiu acertar um soco com a mão livre no rosto de e, antes que ela pudesse efetivamente cair no chão, ele a puxou pelos cabelos, pelo rabo de cavalo, e a levantou no ar, para olhá-la mais perto como se fosse um animal. debateu-se, atordoada pelo soco, e gritou tão alto que atraiu a atenção de Wanda, por sob os ombros, atrás dela. Thanos encarou os olhos irritados e desesperados de e, sem dar chance à sorte de vê-la fugir e atacá-lo outra vez, a enfiou de cara no chão com tanta força que apagou.
De onde estava, Wanda olhou novamente por sobre os ombros, vendo Thanos se aproximar cada vez mais de si. era a última das alternativas para segurá-lo e, desacordada como os outros, não conseguiu impedi-lo a tempo de a joia quebrar-se. Com intuito de ir mais rápido e terminar logo aquilo, Wanda aumentava o fluxo de energia usando as duas mãos e torcia mentalmente para que algum deles acordasse e a ajudasse de alguma forma. Visão se sentia perdendo o controle do próprio corpo, seus olhos não desviavam nunca dos de Wanda, querendo guardar cada detalhe dela para si, para levar consigo para a eternidade. O pouco tempo que teve de vida passava em sua mente em memórias felizes que tinha acumulado com ela, em momentos que se sentiu tão humano quanto era máquina. Visão sabia que estava partindo. Mas sabia que estava deixando uma parte de si com Wanda. A parte mais bonita de todas. E sabia que cada segundo que viveu ao lado dela, que a amou e que a teve, valeu a pena ter vivido.
— Está tudo bem, está tudo bem — Ele repetia baixinho, vendo a sombra de Thanos se aproximar por trás dela, mas não a querendo desesperar ainda mais.
Wanda sentiu seu coração partir junto com a joia. A expressão serena e decidida de Visão dava a Wanda certo conforto, mas não o suficiente para fazê-la aceitar o que estava fazendo. Sentindo a presença do inimigo atrás de si, aproximando-se cada vez mais, Wanda virou-se para ele e, atormentada pelas emoções tão profundas que sentia, direcionou uma de suas mãos até Thanos. A energia que dissipava concentrada e forte em direção a ele foi barrada antes mesmo de o atingir, por outra tão forte quanto, que saia arroxeada de sua manopla. Wanda estava exatamente entre Visão e Thanos, dividindo sua força e sua energia em destruir a joia, de um lado, e impedir que Thanos se aproximasse ainda mais, de outro. Com lágrimas escorrendo em seu rosto, desejando que aquilo tudo acabasse ou que, ao menos, alguém a pudesse ajudar, Wanda segurava-se com toda a força que tinha dentro de si até, de repente, sentir uma estranha leveza.
A energia que Thanos emanava para se proteger da telecinese de Wanda simplesmente desapareceu e ele passou a, finalmente, ser atingido pela força de Wanda, o que a fez ligeiramente parar de se esforçar em não ser atingida por ele. De trás dele, contudo, Wanda pode entender o que estava acontecendo. estava novamente em pé, seu rosto ainda mais machucado do que antes, com roxos espalhados em meio ao sangue que escorria. Ela havia manipulado raízes, como mais cedo naquele dia, que saiam do chão e se apoiavam enroladas em seu próprio corpo. Como chicotes, as grossas e resistentes raízes enrolaram-se nos pulsos e nas mãos do titã a frente dela que, de costas, não a viu chegar. puxava as raízes com toda a força que tinha, para si mesma, para trás, fazendo com que os braços de Thanos permanecessem abertos no ar, sendo igualmente puxados pelas raízes, enquanto Wanda, de frente para ele, lançava sua energia diretamente no peito exposto da criatura.
Thanos tentava fechar seus braços, mas as raízes enroladas várias vezes em seus pulsos, sendo puxadas para trás por alguém que ele não conseguia ver, o impediam. O balanço de forças pendia para o lado das meninas, enquanto a joia de Visão, pouco a pouco rachava-se. tinha seus pés cravados no chão com tanta força que o solo abaixo de si já começava a afundar-se. A terra abaixo dela, sem qualquer manipulação de , mas sim em uma reação natural a ela, fazia um suporte para que ela não perdesse o equilíbrio. A força de Thanos a puxava para frente, levemente, e perguntava-se como infernos ele estava resistindo a ser exposto a todo o poder de Wanda e onde caralhos estava Thor, que ainda não tinha aparecido para ajudar.
— Está tudo bem, está tudo bem — Visão disse uma última vez, atraindo a atenção de Wanda para si mesmo, a última vez que eles se veriam — Eu te amo.
A sensação era como se alguém tivesse esfaqueado o coração de Wanda. Talvez pela força da emoção, talvez pelo medo de Thanos conseguir chegar até a joia ou talvez pelas últimas palavras tão significativas de Visão, Wanda sentiu o fluxo de energia que soltava aumentar consideravelmente até, finalmente, a joia na testa de Visão explodir de uma vez por todas. A força da destruição foi tanta que a Joia da Mente causou uma explosão concentrada por alguns quilômetros ao redor de seu portador, pulsando uma energia amarelada que estremeceu as árvores e o solo ao redor. Pelo impacto, soltou as raízes que, por sua vez, soltaram-se de Thanos, e caiu sentada para trás. Sentia-se cansada, machucada, seu corpo pulsando de dor. De onde estava caída, pode ver o corpo de Visão jogado no chão, sem vida, seu rosto estourado onde deveria estar a pedra que carregava. Wanda tinha conseguido. Eles tinham vencido. Mas tinha custado muito. Tinha custado tudo.
Thanos, contudo, embora parecesse insatisfeito por ver a sua última esperança de dominar o universo ser explodida bem diante de seus olhos, enquanto era barrado por duas mulheres que considerava fracas, não pareceu muito abalado. Ele respirou fundo, tentando recuperar o fôlego e pareceu pensar no que fazer por um instante. Thanos, então, caminhou a passos lentos, pacientes, em direção a Wanda que, destruída emocionalmente, assim como a joia, estava jogada no chão, caída, pouco à frente do corpo de Visão, chorando, enfraquecida, furiosa.
— Eu entendo, minha criança — Thanos disse pela primeira vez em que chegou ali, sua voz grossa, porém tranquila — Melhor do que qualquer um.
— Você nunca seria capaz — Entredentes, quase rosnando e levantando seu olhar até ele, Wanda respondeu. Thanos passou a mão pelos cabelos dela, como se quisesse consolá-la, mas foi o suficiente para colocar-se em pé outra vez. Ele não machucaria Wanda, ela não deixaria.
— Hoje eu perdi mais do que você acreditaria — Ele voltou a dizer, sério. Wanda abaixou sua cabeça, enquanto o olhar do titã estava em cima do corpo de Visão, à frente — Mas agora, não há tempo para lamentar. Agora… não há mais tempo.
Sem entender exatamente o que ele fazia, e sem cogitar qualquer possibilidade de Thanos voltar a lutar contra elas, porque havia perdido, estava feito, assistiu ele dar alguns passos mais à frente, deixando Wanda para trás, e preciso, fechar a mão com a manopla. No instante seguinte, contudo, ele abriu a mão outra vez, em direção ao corpo de Visão, fazendo com que uma luz verde tomasse forma ao redor da manopla. Com um movimento leve, girando lentamente a mão como se abrisse um registro, assistiu atônita, extremamente confusa, a luz amarela da Joia da Mente se reunir de volta na direção de Visão. Em questão de segundos, como se a explosão estivesse se revertendo, o exato momento em que Visão explodiu voltou, bem diante de seus olhos. Thanos estava reconstruindo a cena, voltando ao passado recente, a instantes atrás.
— NÃO! — Finalmente entendendo o que estava acontecendo ali, Wanda gritou em plenos pulmões e se colocou em pé. veio correndo na direção deles, mas, rápido, Thanos deu um tapa absurdamente forte em Wanda, a fazendo cair metros atrás dele e, justamente, em cima de .
Sem tempo a perder, Thanos pegou Visão, novamente vivo, pelo pescoço, o tirando do chão. Impiedoso, ele observou Visão sufocar pelo medo que sentia e arrancou da testa dele, com a própria mão e muita brutalidade, a joia. O corpo de Visão ficou instantaneamente sem cor, sem vida, e foi atirado de volta ao chão, feito lixo.
Uma vez mais naquele dia, se levantou do chão, puxando Wanda consigo. Contudo, elas não tiveram tempo de fazer mais nada, de sequer pensar em como reagir. Thanos observou por um segundo a pedra em sua mão e, sem mais delongas, lentamente a colocou na manopla que vestia, no exato último lugar vazio. Horrorizada pelo o que tinha acabado de presenciar, viu a onda de energia colorida percorrer o corpo de Thanos, seu torso envolvo em estática iridescente, enquanto ele berrava de dor. Assim que a energia cedeu, contudo, um enorme raio de luz o atingiu do céu, cravando o titã no chão e o arrastando alguns metros para trás.
Com os olhos brilhando de poder, Thor descia do céu como um raio poderoso. Thanos tentou direcionar a ele todo o poder das joias que, em formato de energia, saía da manopla em altíssima intensidade. Thor, contudo, inabalável, gritando pela força e pela fúria que sentia, lançou o Stormbreaker tão intensamente que, com uma velocidade impressionante, cortou a energia das joias que estava em sua direção e, de uma vez por todas, cravou no peito de Thanos. Do solo, engoliu em seco, não conseguindo exatamente saber o que sentia. Parte dela estava apavorada com tudo o que Thanos podia fazer, parte dela estava preocupada com todas as pessoas ao redor derrubadas no chão. Outra parte dela, contudo, celebrava a aparição de Thor mais uma vez naquele dia e, mais do que isso, torcia pela morte de Thanos.
Incrustado no penhasco alguns metros atrás, Bruce viu caminhar em direção a Thanos, parando alguns passos ao lado, assim que Thor atingiu o chão e caminhou para ficar frente a frente com ele. Igualmente assustada, Wanda correu até mais perto do corpo de Visão, sem saber o que aconteceria em seguida, sem saber o que esperar. Estava apavorada.
— Eu avisei… — Segurando a cabeça de Thanos, o Deus do Trovão alertou assertivo, respirando fundo, encarando Thanos segurar seu machado no próprio peito enquanto tentava se estabilizar do golpe — … que morreria pelo o que fez.
semicerrou os olhos, dando dois passos mais perto de Thor, o vendo afundar ainda mais o grande machado contra o peito do inimigo. Uma vez mais, Thanos arfou alto de dor. Thor estava suado, tinha os olhos tão focados em Thanos, em acabar com ele, que seu corpo tremia pela adrenalina, pela força que estava fazendo. A criatura, contudo, respirava fundo, parecia querer chorar mas, ao invés disso, subiu seu olhar novamente até o rosto de Thor, milímetros a sua frente.
— Devia...devia… — Thanos tentava dizer, sentindo a fraqueza tomar conta de si — Você devia… devia ter arrancado a minha cabeça.
Inesperadamente, e para Thanos inevitavelmente, ele não fez mais nada senão estalar os dedos da mão que vestia a manopla. Percebendo o que acontecia, mas sem saber a dimensão do que viria por aí, e Thor gritaram ao mesmo tempo:
— NÃO! — foi ainda para mais perto deles, como se pudesse impedir aquilo, mas, tudo foi tão ridiculamente rápido que, o milésimo de segundo que ela demorou para aproximar-se foi o tempo suficiente para que o estalo acontecesse. chegou a tempo de ver o braço de Thanos soltar algo parecido com uma fumaça, como se tivesse tido uma descarga elétrica ali. Sem entender nada do que acontecia, ela olhou ao redor, procurando por qualquer que fosse o movimento, qualquer que fosse o resultado de Thanos ter usado todas as joias de uma única vez, ao mesmo tempo. Contudo, tirando o fato de que o que ele havia feito contra os demais Vingadores ter sido desfeito, e eles, todos, estarem se levantando e voltando para perto, não tinha mais nada. Nada além dela e de Thor, nada além do mesmo vento estranho de antes, de quando Thanos apareceu. Não havia exército, nem outriders, nem novas criaturas, não havia mais energia sendo dissipada, explosões, descargas. não sabia o que ele tinha feito. O que ele tinha feito?
— O que você fez? — Thor perguntou em um sussurro, soltando Thanos e o encarando com ódio até gritar outra vez, desconcertado — O QUE VOCÊ FEZ?
Thanos, contudo, pareceu sequer ver Thor a sua frente. Sem olhá-lo, sem dizer ou fazer mais nada, ele simplesmente fechou a mão e, do mesmo jeito que chegou ali, abriu um portal e o atravessou, desaparecendo em segundos. olhou do portal para Thor. Podia sentir seu corpo formigar, estremecer pela ansiedade que sentia, pela confusão. Estava entorpecida.
— Thor? O que aconteceu? — perguntou tão apavorada que sua voz saiu trêmula. Com os olhos cheios de lágrimas, o homem subiu seu olhar até ela — Thor…?
O que ele diria a ela, se também não sabia? Imóvel, incrédulo, choroso, Thor ficou encarando pelo tempo que foi, sua mente correndo entre todas as possibilidades do que podia ter acontecido. Ele teve a chance de matar Thanos e, ainda assim, não o fez, não conseguiu. Thanos levou a joia, Thanos levou todas as joias. Ele tinha perdido. Todos eles tinham. Thor não sabia o que dizer e já não sabia mais nem o que perguntar. Ficaram se encarando, em silêncio, até ouvirem a voz de Steve aproximar-se.
— Para onde ele foi? — Steve caminhava lentamente até eles, os fazendo desviar seus olhares até o homem que, machucado, segurava a lateral esquerda de seu corpo. Steve deu uma olhada ao redor até voltar-se novamente de frente para os dois — Thor? Para onde ele foi?
Steve estava igualmente confuso, totalmente perdido. Thor não sabia onde Thanos estava e, embora tivesse uma ideia do que tinha acontecido, não tinha certeza absoluta, nunca tinha vivido nada sequer parecido. Vendo Steve desviar seus olhos de Thor até ela, se perguntou se Thanos já tinha atingido seu objetivo de dizimar cinquenta por cento de tudo que era vivo no Universo ou se o começaria a fazer a partir de agora, que conseguiu reunir as joias. Contudo, em mais uma das ironias da vida, e mais rápido e inesperado possível, teve a resposta àquela pergunta, do pior jeito que poderia ter.
— ?
Bucky a chamou, vindo alguns passos atrás de onde Steve estava. Sua voz transmitia um medo absurdo, estava trêmula e assustada, como ela nunca antes tinha ouvido. levantou seu olhar tenso até ele, ao mesmo tempo em que Steve virou-se e Thor o encarou. O tempo exato. Sem entender o que acontecia, apavorado, tendo a consciência de que estava morrendo, Bucky olhava sua própria mão esquerda desmanchar-se feito poeira.
Não sentia qualquer dor, mas algo estranho crescia dentro de si. Algo que fazia seu corpo pesar, o impedia de responder a qualquer comando que sua mente tentava dar, algo inexplicável, opressor. E não só o fato em si o incomodava, o amedrontava, mas ter consciência dele, sobretudo. Em todos os anos que foi conscientemente torturado, machucado, em que achou que o sofrimento não cessaria, que ele não sobreviveria, em todos aqueles anos, nada foi parecido com o que Bucky sentiu naquele momento. Ele não queria partir. Não queria morrer. Sequer sabia o porquê de aquilo estar acontecendo justamente com ele. Aquela não era a hora. Horrorizado, Bucky teve tempo de olhar a mulher que corria em sua direção, desesperada, uma última vez.
— Não, não não não, não — sussurrava correndo em direção a ele, seus olhos enchendo de lágrimas em um milésimo de segundo. O que estava acontecendo? O que ele fez com Bucky?
Mas ela não chegou a tempo.
No segundo seguinte, o encarando pela última vez, sem tempo ou chance de dizer mais nada, viu o corpo inteiro de Bucky se desintegrar.
— Bucky? Não, não! Bucky? NÃO! — Agachando-se ao lado de onde a arma que ele segurava caiu e em meio ao pó que sumia, o chamava desesperada, sem entender o que estava acontecendo, olhando para os lados como se o procurasse em todo lugar, as lágrimas caindo por seu rosto — James? JAMES!
Incrédulo, entorpecido pelo o que tinha acabado de ver acontecer com seu melhor amigo, Steve caminhou cambaleando até onde Bucky um segundo antes estava, agachando-se ao lado de . Thor deu alguns passos à frente, tão preocupado e incrédulo quanto, observando Steve o olhar, como se perguntasse para onde seu amigo tinha ido. Sem entender, sem conseguir explicar aquilo, sem ter nenhuma pista do que houve, Steve colocou a mão no chão, tentando pegar as cinzas de Bucky, mas não havia mais nada ali. Nada. Era como se seu amigo nunca estivesse estado ali, como se ele nunca tivesse existido em matéria. Soluçando, jogada ao chão ao lado dele, Steve pegou pela cintura e a levantou, o medo de acontecer a mesma coisa com ela o consumindo por dentro, como uma bomba.
Pelo comunicador, a situação não pareceu das melhores. Muito pelo contrário, parecia piorar. Aparentemente, Bucky tinha o primeiro de uma sequência de desaparecimentos inexplicáveis, repentinos e dolorosos para todos eles ali. Do campo que antes batalhavam, podiam ouvir as pessoas chamando umas às outras silenciosamente, perdidas. ouviu Okoye chorando, sussurrando por T’Challa. A poucos passos de onde estava, assistiu Wanda sumir do exato mesmo modo que Bucky e, não muito tempo depois, pode ouvir Rhodes gritar por Sam, o procurando na mata próxima. Desesperada, buscou com Sam e por T’Challa, gritando por eles horrorizada, a sensação de perda e de solidão tomando conta de si.
sentia-se tão desesperada, seu coração batia tão acelerado, que ela achou que morreria ali mesmo. Seu corpo estava estranho, parecia não querer responder mais, era como se estivesse formigando, como se algo dentro de si estivesse começando a queimar. Sua mente perguntava sem parar onde estava Bucky, o que tinha acontecido com T’Challa, onde estava Sam. Thanos só tinha juntado as joias, só tinha estalado os dedos. Não tinha feito nada, o que ele tinha feito? O que estava acontecendo? Confusa, sentindo a queimação dentro de si ficando maior, mais intensa, como se a dor a desse mais poder, deixou-se chorar com mais intensidade. Sua mente girava em confusão, em medo, em frustração, em dor. Não era para nada disso acontecer, por que estava acontecendo? O que estava acontecendo?
Sem conseguir dizer nada, deu dois passos para frente, seu corpo ficando mole, fraco demais para sustentar-se sozinho. Algo dentro dela não estava certo, não estava respondendo bem.
— Steve? — Ela o chamou chorosa, mas não teve tempo de esperar por ele, seu corpo pendeu para frente, a fazendo cair de joelhos no chão. Por instinto, e por estar mais perto dela, Thor aproximou-se em um instante, a segurando pela cintura a tempo de ela cair ajoelhada, para evitar que ela despencasse ainda mais. Steve veio no instante seguinte, seu coração parando de bater por um momento. Não suportaria perder outra pessoa, não suportaria. também não, também não, não, não, por favor, não, sua mente gritava.
Pelo medo, olhou as próprias mãos, esperando pelo o que vinha a seguir. Mas foi a sensação insuportável de dor e de sufocamento, como se estivesse sendo envenenada por um momento, que a fez entender exatamente o que acontecia. Já próximo deles, Rhodes, Bruce e Rocket viraram-se de frente para , assim que a viram cair de joelhos no chão. Um grito alto de dor deixou sua garganta, enquanto abaixo dela algumas poucas flores nasciam no solo ao seu redor. segurava no braço de Thor, passado em sua cintura, com força, o apertando conforme a dor que sentia ficava mais aguda. Steve, por sua vez, sufocando o horror que sentia em perder também, manteve-se jogado de joelhos de frente para ela, seus olhos sem desviar da mulher. Sem querer perder de vista a possível última vez que a veria viva.
Natasha juntou-se a eles no mesmo instante, correndo, a tempo de ver Steve ajoelhado de frente para , que era escorada por Thor, por trás. Ela parecia respirar fundo, em meio a meia dúzia de flores coloridas ao redor deles, o silêncio aflito e angustiante misturado com a tristeza de viver aquele momento. olhou desconcertada das flores para Steve que, acompanhando o olhar dela, finalmente entendeu exatamente o que acontecia com . O que tinha acontecido com todos eles. Ela respirou fundo por mais algum tempo, sentindo a dor insuportável aliviar-se, tentando a todo custo se conectar com a natureza ao seu redor, com uma dificuldade que nunca antes teve na vida. Naquele dia, havia perdido aquilo também.
— O que é isso? — Rhodes perguntou baixo, sem entender — O que diabos está acontecendo?
Sem acreditar que tinham perdido, e muito pior, que Thanos tinha vencido, Steve fez a única coisa que poderia confirmar a sensação de derrota, de perda, que sentia naquele momento. Assim que viu acalmar-se novamente, ele caminhou alguns passos para a frente, até onde o corpo de Visão estava jogado e, em um movimento delicado, o virou para cima. De pé ao lado de Steve, que se agachou diante do corpo acinzentado e sem vida de Visão, Natasha viu que sua testa estava estourada, sem a joia. Sentindo seu corpo tremer, Steve deixou-se sentar no chão. Pela primeira vez em sua vida estava completamente perdido. Pela primeira vez em sua vida, não sabia o que fazer. Pela primeira vez em sua vida, havia perdido. E pela primeira vez naquele dia ele percebeu a dimensão do que perdeu. Deixando um suspiro pesado sair, depois de longos minutos em silêncio, Steve olhou para , sentada no chão a poucos passos dele, totalmente chocada, e murmurou:
— Ah, não.
Apertando ainda com firmeza cada uma das raízes-chicote em suas mãos, logo regenerou a que foi recém cortada e voltou a partir para cima dele. Entre chicoteadas fortes e firmes, ela o desestabilizava e o machucava mais e mais a cada golpe, desviando dos contra-ataques deles e, principalmente, o mantendo focado nela e não mais nos Jabari. Colocar pessoas normais, por mais bem treinadas que fossem, para enfrentar aquilo era covardia. não deixaria que mais nenhum dos seus morresse. Não sem ao menos ter a chance justa de lutar por sua vida.
Cull, contudo, parecia incansável, apesar de ter apanhado de por um bom tempo. Muitos metros maiores do que ela, apanhou tanto que perdeu o movimento da mão direita, que foi quebrada, teve um de seus dentes tirado a força, parte considerável de sua pele aberta pelos golpes com as raízes em, em certo momento, foi tão enforcado que sentiu parte da pele de seu pescoço abrir. estava irada. Tão irritada com aquilo tudo que parecia cega ao que acontecia ao redor. E sua irritação aumentou ainda mais quando se deu conta de que aquele era um dos bichos que esteve em Nova Iorque. Aquele era um dos responsáveis por ter dado um sumiço em Stark. Em Peter. Enlouquecida em só ter se dado conta daquilo naquele momento, partia para cima dele uma vez mais, pegando impulso no chão e, em um giro rápido, o chutando no rosto com força. Cull deu dois passos para trás, zonzo.
— ONDE ESTÁ O GAROTO? — gritou rangendo os dentes, chicoteando as raízes na criatura seguidas vezes, que, desnorteada, dava passos para trás — Eu te fiz uma pergunta!
O bicho a entendia, mas não queria responder. Aquilo a estava desestabilizando emocionalmente e era bom para ele, uma vantagem. Cull deixou-se apanhar dela por mais algum tempo até, finalmente, conseguir entender a sequência lógica de luta da mulher. era humana, apesar de tudo. Não tinha a mesma resistência que ele, nem o mesmo fôlego e, muito menos, a mesma racionalidade. Era emotiva e isso a enfraquecia de muitas maneiras. Dez ou quinze minutos depois de começar a luta contra ele, sem conseguir matá-lo, ela estava já ficando cansada, mais lenta, mais irritada. E foi aproveitando-se disso que Cull conseguiu acertar a ponta da corrente no braço esquerdo dela, a afastando dele, de modo que deslizasse em pé pelo chão à sua frente.
Horrorizada pela dor insuportável, podia sentir seus olhos arregalados enquanto olhava para o próprio bíceps. As raízes que antes manipulava como chicotes desapareceram em segundos, a concentração na natureza foi substituída pela concentração na dor. Assim como a lança fez com Visão dois dias atrás, a ponta da corrente conseguiu quebrar o vibranium de seu traje, perfurando-o e rasgando sua carne. Como se tivessem dentes na ponta fincada no braço de , ela sentia algo mexer-se, a cutucando, perfurando-a ainda mais. soltou um grito alto de dor quando, no segundo seguinte, Cull puxou a corrente de volta com força. A ponta da lança saiu de sua carne com brutalidade, levando consigo sangue e vibranium.
Próximo de onde ela estava, contudo, T’Challa conseguiu chegar a tempo de evitar que algo pior acontecesse com ela. Tomando impulso enquanto corria, ele pulou em cima de Cull, vindo por trás de , e liberando a energia que seu traje acumulava sempre que recebia algum golpe, ele conseguiu, de uma vez por todas, derrubar a criatura. Observando aquilo com gratidão nos olhos, sem fôlego, assentiu brevemente com a cabeça para ele. Com as mãos apoiadas em seus joelhos enquanto tentava brevemente se recuperar, tentava controlar a dor que sentia. T’Challa viu o braço dela jorrar sangue, a ferida grande e aberta embaixo do rasgo do traje que, em tese, foi feito para segurar aquele tipo de ofensiva. Precisavam se livrar logo da joia, Shuri estava demorando demais. T’Challa sabia que não aguentariam por muito mais tempo, ainda mais quando estavam já começando a se ferir daquele jeito.
Sem saber se Cull estava morto ou só desacordado, e T’Challa se entreolharam cansados uma última vez e separaram-se, indo para lados opostos. Não havia tempo a perder, ainda eram muitos a serem combatidos. Correndo sem saber exatamente para onde, foi derrubando e lutando contra os outriders que encontrava pelo caminho. Não podia se abalar, não podia deixar-se concentrar em outra coisa senão no objetivo principal daquela guerra. Os corpos dos wakandanos que encontrava pelo caminho agrediam tanto quanto os outriders que lutavam contra ela. Quantos deles sobreviveriam, afinal? O quão longe do fim aquela luta estava? A mulher afastou seus pensamentos, contudo, assim que ouviu uma nova conversa sair pelo comunicador.
— Novo corte? — Steve perguntou arfando. De onde estava, pode ver ele e Thor se entreolhando, lado a lado.
— Notei que copiou a minha barba — Thor respondeu contente, apontando para Steve e, em seguida, para a própria barba. Steve concordou com a cabeça — A propósito, esse é meu amigo, Árvore — Thor apontou para Groot poucos passos atrás de onde eles estavam. Aquilo chamou a atenção de . A Árvore estendia longamente um de seus braços, que, feitos de um tronco duro, cortava meia dúzia de outriders ao meio, enfileirados, os perfurando.
— Eu sou o Groot.
— Eu sou Steve Rogers — Cansado, mas sempre educado, Steve apontou para si mesmo respondendo a apresentação. A árvore, contudo, desviou seu olhar de Steve para a mulher que vinha logo atrás dele. O olhar curioso de Groot chamou a atenção do Capitão que o acompanhou a tempo de ver , igualmente curiosa depois de ouvir a palavra “árvore” pelo comunicador, aproximar-se.
— Vejo que fez amigos novos também — Thor voltou a dizer sorridente, encarando , que sorriu de volta — Eu sou Thor, filho de Odin, deus do trovão.
sorriu confusa pela formalidade. Thor era bem mais alto do que ela, absurdamente forte e… bonito. se perguntou por um momento por que será que todo super-humano tinha que ser tão bonito e atraente. Bucky, Sam, Steve, Natasha, Thor. Era quase que um pré-requisito.
— Eu sou — Ela respondeu no mesmo tom, apontando para si mesma — Filha de Karl e Everett. Fada da… natureza? — Ela completou incerta, desviando seus olhos dos de Thor para Steve, mais ao lado, que concordou com a cabeça, como se dissesse que foi uma boa apresentação. Do comunicador, Sam deu uma gargalhada alta.
— Vou me lembrar disso para sempre, Fada da Natureza — Ele provocou.
— A próxima criatura a ser morta por mim é você, Wilson, se prepare — revirou os olhos.
— Pode vir, gatinha — Sam passou voando, uma vez mais, por ela, tão depressa que quase não pode ser visto. De onde estava, Bucky bufou, descontando a irritação estranha que sentia ao ouvir Samuel falar com daquele jeito, em matar mais bichos.
— É um prazer imenso — Thor respondeu finalmente, notando concordar.
Apesar de a primeira impressão causada ser imponente, expansiva e um tanto amedrontadora, Thor parecia fofo. Ele sorriu por mais um segundo, sem deixar de reparar que a cor dos cabelos dela parecia com os de Jane, e como se quisesse contradizer os breves pensamentos de sobre ele, virou-se de costas no instante seguinte e arrancou a cabeça de mais alguns outriders, com muita destreza e impiedade. Um ogro fofo, pensou.
Mas o propósito da aproximação de com Steve e Thor não era ser apresentada, mas sim chegar mais perto da árvore. E foi a vendo voltar seu olhar e dar mais alguns passos em direção a Groot que Steve entendeu aquilo. Groot voltou seu braço ao tamanho normal, o tirando de dentro dos outriders que atingiu, e veio em direção à . Steve e Thor, ao redor deles, seguravam os bichos que se aproximavam como podiam, por isso, e Groot puderam se concentrar um no outro por alguns poucos minutos. Groot tinha a forma exata de uma árvore, mas parecia também um híbrido. Tinha pernas e braços, um corpo como de um humano. Sua expressão era de curiosidade e, pela energia que ele transmitia, e que podia claramente captar como captava de toda a natura a seu redor, ele parecia feliz. Verdadeiramente feliz.
Groot, por sua vez, caminhou calmo e um tanto tímido até chegar perto o suficiente da mulher. Do mesmo modo que ela, também podia sentir a energia vegetal que saia de e aquilo era estranho para ele. A única vez em que pode sentir aquilo foi quando seu planeta ainda existia, quando sua família ainda era viva. Tantas décadas depois, Groot finalmente sentiu que não era mais o único de sua espécie ainda vivo no Universo. Havia uma mulher, havia mais alguém. E ela estava ali, bem diante dele. agachou-se ligeiramente para poder olhá-los nos olhos, ficar na altura de Groot, e sorriu com ternura. A energia que emanava dele era tão pura, tão limpa, tão feliz que ela não conseguia segurar o sorriso.
nunca tinha visto nada parecido. Ela conseguia, sim, criar formas vegetais parecidas com humanos, mas não podia dar-lhes sentimentos, nem expressões ou fazê-los falar. A vida deles dependia da dela e aquilo era diferente. Groot era um ser completo, não simbiótico e independente. Estava sentindo, estava tomando decisões, estava falando, encarando e sorrindo sozinho. Por vontade própria e não por controle. Para , o olhando com atenção e carinho a um passo à sua frente, pareceu, por um momento, que ele era a concretização plena da fitocinese. Talvez o híbrido, naquela história toda, fosse, na verdade, ela. E não Groot.
— Eu sou o Groot — Ele disse novamente, as exatas mesmas palavras que disse a Steve. Do seu braço esquerdo, ele tirava uma pequena margarida branca que nascia e, carinhoso, a entregou para . Costumavam fazer isso quando encontravam suas famílias. Groot sonhava com aquele momento.
— Eu sou a — Ela respondeu sorridente, aceitando a pequena flor. No instante seguinte, contudo, deixou a margarida cair propositalmente no chão e, assim que ela tocou o solo, milhares de outras como ela brotaram ao seu redor. Thor parou por um instante, ligeiramente chocado, desviando seu olhar do chão que, como se estivessem abrindo um tapete, era totalmente coberto pelas flores, até .
— Eu sou o Groot? — Perguntando dessa vez, Groot repetiu fascinado. franziu a testa confusa, mas a voz de Thor vindo de trás dela logo clareou suas ideias:
— Ele quer saber se você é como ele — Thor explicou ainda encarando ela, gesticulando — Ele fala grootês. Fica repetindo só essas palavras, você se acostuma depois de um tempo.
pensou por um momento. Aquela era uma boa pergunta. E só havia uma maneira de descobrir a resposta. Total e estranhamente conectado à energia vegetal que emanava de , com as palmas das mãos viradas para cima, Groot, que lembrava de um adolescente, estendeu-lhe as mãos, como se a convidasse para algo. Curiosa, aceitou o convite, pegando as duas mãos de Groot. O que aconteceu, contudo, foi absolutamente inesperado. sentiu uma energia, uma força ridiculamente absurda tomar conta de si e, sem nunca ter vivido nada daquilo antes, diferente do que estava acostumada, não pode controlá-la. De frente para ela, Groot assistiu os olhos da mulher ficarem verdes, como esmeraldas, e no momento seguinte uma aura da mesma cor sair dela, como uma explosão.
Centenas de milhares de flores coloridas, de diferentes espécies, abriram-se no chão em meio as margaridas, por todo o campo, ao tempo que, como ondas, raízes grandes quebravam o solo engolindo, soterrando e arrastando consigo tudo o que tinha pela frente. Do lado de fora da redoma, o mesmo efeito de envenenamento que manipulou antes voltou a acontecer, enquanto, do lado de dentro, dezenas de plantas carnívoras cresceram em meio a cactos gigantes, que soltavam seus espinhos com fúria para todo lado. não sabia exatamente como estava fazendo tudo aquilo acontecer ao mesmo tempo, mas palpitava, racionalmente, que a conexão com Groot potencializava a fitocinese. Era como se tivesse seus poderes em dobro, como se Groot a ajudasse a manipular a natureza enquanto ela mesma a fazia também.
Para os de fora, do mesmo lado da luta que eles, aquilo era um espetáculo. Como se a própria natureza, por escolha, por vontade, estivesse se juntando a eles na guerra, os dando tempo para descansar um momento, eles pararam para assistir, como o fizeram quando Thor chegou. e Groot permaneceram de mãos dadas, um de frente para o outro, enquanto a aura verde brilhante saia de como um reator nuclear. A cada segundo novas plantas, novas raízes, novas folhas gigantes, nervuras, esporos e amontoados de terra apareciam. Árvores que estendiam seus galhos violentamente até acertar o alvo, cogumelos que pendiam de um lado a outro como martelos, socando tudo que passava perto deles. Folhas pontudas que cortavam os outriders como se fossem lâminas afiadas, flores que se enroscavam e quebravam o inimigo feito cobras famintas, plantas carnívoras cuspindo toxinas venenosas e nervuras que rondeavam os corpos do inimigo os espremendo até a morte. Por quilómetros em seu entorno, ao longo de todo o campo, dentro e fora dele, controlava toda a luta sem realmente se dar conta daquilo.
De olhos fechados, pela claridade que dissipava de seu próprio corpo, sua mente divagava rápido entre tudo o que estava sentindo. A dor insuportável em seu braço, a angústia em Shuri não terminar logo de remover a joia, a preocupação em algo acontecer com alguns dos seus, o luto pela morte de tantos wakandanos. A violência que estava manipulando e que estava vivendo, a vontade de manter-se por perto de Bucky, de protegê-lo, e a sensação impotente de não poder. pensou em Peter, pensou no medo que sentiu de algo acontecer com seus pais, pensou na ansiedade de Wanda em não saber se Visão sobreviveria, na felicidade de Groot em vê-la. E tudo aquilo acumulado, saindo junto com a energia da natureza ao seu redor, explodia de , de dentro para fora, como o ápice de um estresse, como uma bomba. A bomba vegetal que o Secretário de Defesa dos EUA, Ross, a chamou com tanta ironia.
Groot não conseguiu segurar por muito mais tempo e sem esperar por aquilo, soltou-se de de repente, assim que sentiu seu corpo estremecer junto com o solo. Toda a energia que saía de foi direcionada para ele que, absorvendo aquilo tudo, expandiu-se em segundos. Abrindo seus olhos de volta, se sentindo totalmente exausta, deu alguns passos para trás, tentando recuperar o ar, fazendo Groot, a sua frente, crescer até ficar gigante, tomando proporções que nunca antes tinha atingido, que sequer sabia que poderia atingir. Steve e Thor estavam atônitos, boquiabertos, e pelo comunicador puderam ouvir Natasha, incrédula, soltar alguns palavrões, enquanto Bucky murmurava pausadamente um “ah meu deus”.
— Isso é... MUITO FODA — Rocket gritou de algum lugar não muito longe dali, olhando Groot.
só percebeu realmente o porquê daquilo quando olhou rapidamente para a redoma. O chão estava estremecendo não por conta de Groot, mas sim porque algo estava vindo na direção deles. Com a floresta do lado de fora pegando fogo e o solo abaixo da barreira sendo rompido, Proxima havia liberado o último recurso que tinha em mente como uma forma de contra-atacar tudo aquilo que estava fazendo. E ter transmitido toda a energia para criar um Groot gigante foi a forma inconsciente de lidar com toda a energia da natureza sendo morta fora da redoma, como se ela pudesse captar essa energia perdida, destruída, e canalizá-la em algum lugar. Até aquele exato momento, não tinha ideia de que podia fazer isso com a natureza morta também.
Diante deles, rodas gigantescas e maciças com pontas motorizadas saiam do solo, destruindo absolutamente tudo que estava à sua frente. Vinham em grupo, de cinco ou seis, e passavam a redoma pelo solo sem problema algum, por todos os lados, desestabilizando o que havia sobrado da barreira de proteção. olhou desesperada para Steve, próximo a ela que, na verdade, não tinha ideia de como reagir àquilo. Não tinha condição alguma de irem em frente, não conseguiriam derrubar aquelas coisas com força, lanças e armas. Só havia uma estratégia aceitável para eles, e foi o que T’Challa gritou assim que viu as rodas adentrarem:
— Recuem, recuem agora.
— VAI — desviou seu olhar de Steve para o gigante Groot, enquanto gritava e corria, em seguida, com o Capitão ao seu lado, o mais rápido que podia, para longe das rodas.
— EU SOU O GROOT! — Achando aquilo muito maneiro, a árvore gigante esbravejou, caminhando em direção as rodas de metal e derrubando algumas delas de lado, no chão, com chutes e pisadas, tomando cuidado para não atingir ninguém mais além de outriders.
Groot, contudo, só conseguia lidar com a meia dúzia de rodas que vinha na direção onde ele estava, protegendo, naquela linha, , Steve, e as pessoas que perto deles corriam para longe dali. Não bastassem as rodas, ainda tinham que lidar com as criaturas sobreviventes ao longo do caminho e lutava para não perder a conexão energética com Groot, ou pararia de o manipular como um gigante e aquilo não seria nada bom naquele momento.
Do ar, Sam e Rhodes trocaram uma estratégia rápida para derrubar outra roda a tiros e pequenos bombardeiros, mas foi Wanda quem conseguiu dar um fim naquilo de uma vez. Usando seus poderes, a energia vermelha que saia dela parou as rodas no ar no tempo exato antes de atingir Natasha e Okoye e, dando uma rápida olhada ao redor para não atingir nenhum dos seus, ela as soltou para os lados. As rodas deslizaram plenamente passando ao lado de Natasha e Okoye, limpando toda a população de outriders que estava por perto. Wanda sabia que era mais seguro ficar perto de Visão. Mas ela estava a todo aquele tempo assistindo a luta de camarote, na paz e no silêncio do laboratório de Shuri. Viu a chegada de Thor, viu o que fez e viu que não foi o suficiente. Se podia ajudá-los, se podia protegê-los, então o tinha que fazer.
— Por que ela estava lá em cima todo esse tempo? — Um pouco indignada, Okoye não conseguiu segurar a pergunta, rodopiando sua lança, enquanto Natasha sorria satisfeita pela ação de Wanda.
Em outro lado do campo, e Steve paravam de correr e lutavam, uma vez mais.
— Buck? Onde você está? — perguntou preocupada, dando uma rasteira em um dos bichos enquanto virava-se e colocava-se em pé outra vez, socando um novo que se aproximava dela.
— Aqui atrás, boneca — Ele respondeu prontamente, vendo , poucos passos na frente dele virar-se a tempo de vê-lo chegar perto dela, atirando nos dois outriders que antes lutavam com ela. suspirou aliviada e Bucky, por um único segundo, a abraçou com força. A sensação de ter Buck por perto, contudo, fez se desconcentrar de Groot e, do mesmo modo que fez ele crescer, o trouxe de volta ao tamanho normal. queria ficar ali, nos braços dele, sentindo-se protegida e calma. Queria ficar ali a todo custo. Mas não era momento. Ela se afastou dele, desviando seu olhar para o lado, vendo muitos metros dali Groot cair sentado no chão, um tanto zonzo, em seu tamanho normal. Bucky, contudo, desviou seu olhar do rosto para o braço machucado de , reparando apenas naquele momento no grande corte aberto e que ainda sangrava.
precisava de ajuda médica, e rápido. Precisava de pontos ou teria problemas para fechar aquele corte depois. Bucky pensou por um momento em tudo que estava custando para viver aquele momento. Por mais que nunca tenha se sentido realmente uma cidadã de Wakanda, realmente parte do país, por mais que dissesse e que sentisse que aquela não era a sua casa, era o mais perto de uma que ela já havia tido. E a ver sendo destruída, tomada por caos e por violência, ver suas pessoas sendo mortas por um capricho de um ser intergaláctico em roubar uma pedra, não era, definitivamente, fácil. estava fazendo o que podia para salvar Wakanda. Estava dando seu sangue e continuaria até não poder mais. Bucky sabia.
Faltando-lhe palavras, Bucky soltou sua arma no chão por um único minuto e rapidamente tirou o coldre que vestia de sua coxa. Com carinho e muita delicadeza, ele pegou o braço machucado de com a mão de metal, atraindo a atenção dela de volta para ele, e, com a outra mão, desencaixou a faca do coldre. Tão leve que mal pode ser sentido, Bucky abriu um espaço maior no rasgo do macacão dela, com a faca, para aliviar a dor que imaginava ela sentir em ter algo a todo o tempo grudando na carne exposta dela e para evitar que as fibras do vibranium cortadas a machucassem ainda mais. acompanhava cada movimento dele com os olhos, atenta vez ou outra com o que acontecia ao redor para certificar-se que não seriam desprevenidamente atacados. Bucky guardou a faca em dos bolsos de sua calça com agilidade e, ainda mais delicado do que antes, passou as tiras elásticas do coldre no braço de , de forma que enrolasse o machucado como um torniquete.
— Acho que vai segurar por enquanto — O Soldado murmurou, seus olhos subindo rapidamente para encontrar os dela, que os fechou, gemendo de dor assim que sentiu ele apertar as faixas com certa força para estancar o sangramento — Me desculpe.
— Está tudo bem — respondeu abrindo novamente os olhos, notando Bucky fazer alguma gambiarra para amarrar as pontas das fitas do coldre, de modo que não caíssem do braço dela — Obrigada, Sargento.
— Me agradeça depois que eu matar o desgraçado que fez isso em você.
não conseguiu saber se aquilo era retórico ou não. Bucky parecia realmente centrado demais, raivoso demais, como se estivesse com muito ódio. E ele estava. Não gostava de ver machucada, com dor. Ela sabia. Deveria estar tão emocionalmente exausto quanto ela, sentindo tanta coisa diferente que mal podia ordenar. Por instinto, procurou pelo bicho que a machucou daquele jeito ao redor, mas não o encontrou mais. Talvez T'Challa tivesse realmente conseguido matá-lo. Bucky acompanhou o olhar dela assim que terminou de improvisar o torniquete e, antes que tivesse a chance de dizer mais qualquer coisa, ouviu Sam desesperar-se pelo comunicador:
— Gente, olha, o Visão está encrencado aqui.
— Alguém vai até o Visão — Steve ordenou estridente, enquanto socava com força uma das coisas.
e Bucky olharam ao redor, em busca de qualquer pista do que estava acontecendo com Visão, mas não podiam ver nada dali. Exatamente como Bucky sentia, tudo estava de fato piorando a cada instante.
— Deixa comigo — Bruce respondeu já levantando voo.
— A caminho — Wanda comentou, mas, antes mesmo que pudesse se mover, Proxima a acertou no rosto com a lança, a fazendo cair em uma vala. Pelo comunicador deu para notar que algo tinha interferido nos planos dela. respirou fundo.
— Sam, consegue me dar uma carona? — perguntou, encarando Bucky de volta à sua frente que, pela expressão ter se fechado mais ainda, pareceu não gostar muito da ideia.
— Chegando em três, dois… — Sam contava regressivamente enquanto deu alguns passos atrás, soltando sua mão carinhosamente da de Bucky, sem desviar os olhos dele.
— Te vejo daqui a pouco — Ela sussurrou sorrindo para ele, o vendo retribuir com tristeza.
Sem ter tido tempo de responder, Bucky viu Sam baixar voo, vindo ao lado de onde estavam, e pegar pela cintura, voando com ela em seguida para longe dali.
— Você está acabada — Sam comentou carregando pelo ar. Daquela perspectiva, ela podia ter o panorama do que estava acontecendo abaixo, toda a destruição do país.
— Um de nós dois realmente entrou na briga — rebateu no mesmo tom — O outro é você.
Sam apenas soltou uma risada amarga, vendo sorrir com ele. De tudo que haviam combinado fazer quando pudessem se encontrar novamente, lutar era justamente algo que não estava na lista. Havia uma frustração clara entre os dois, uma frustração de não poderem tirar o tempo perdido, o atraso que o Tratado de Sokovia os impôs quando fez deles fugitivos, quando prendeu Sam e o forçou a sumir do mapa. tinha muito a contar, Sam queria muito ouvir. A amizade deles que parecia se desenvolver sempre no caos, ficava cada vez mais forte, mais responsável e, igualmente, mais preocupada. Sam só queria ser um cara normal novamente. O cara que deu carona a quando a conheceu em Washington, que poderia sair para beber com ela e caminhar no parque. O cara que queria ter uma amiga normal. Que queria fazer piadas e pedir conselhos amorosos, não estratégias de guerra. Menos de cinco minutos depois de pegar no solo, Sam baixou voo novamente para a soltar de volta no chão.
— Vê se não acaba com a festa antes de eu voltar — Sam ironizou, dando meia volta para retornar ao campo, enquanto via sorrir sinceramente para ele e correr em busca de Visão.
só precisou correr por alguns metros floresta adentro até ouvir a voz de uma das criaturas, Corvus, que ainda não tinha aparecido na luta, dizer:
— Achei que você fosse formidável, máquina — Corvus segurava sua lança enfiada dentro do abdômen de Visão e, com a outra mão, o pegou pelo pescoço — Mas vai morrer como um homem.
Impiedoso, a criatura puxa a lança de volta, com força, para fora de Visão, o fazendo entrar em curto outra vez. O pouco que havia conseguido consertar de seu corpo novamente tinha sido destruído. Ele chegou a se inclinar por cima de Visão, mas antes que pudesse proferir o próximo golpe, surgiu correndo na direção deles, acertando Corvus com força, o empurrando com o próprio corpo para longe de Vis. A mulher caiu de um lado, a criatura de outro e sua lança mais ao longe.
— Sai daqui — gesticulou com a mão encarando Visão. Havia chegado no tempo exato de impedir que ele perdesse a joia, era arriscado demais tê-lo por perto, ainda mais sendo a única pessoa ali para o proteger. Corvus logo colocou-se em pé outra vez e, vindo para cima de , levou dois socos seguidos dela, caindo deitado no chão novamente. Uma vez mais, a mulher virou-se para Visão, que ainda estava deitado, debilitado — VAI!
Corvus se levantou como se nada tivesse acontecido e aproximou-se de , empunhando sua lança. Ele a rodopiou no ar algumas vezes e tentava acertá-la a todo custo, mas a mulher conseguiu escapar agachando-se e parando a lança usando o próprio macacão de escudo. Atenta aos seus movimentos, conseguiu tirar a lança dele outra vez, no soco, mas, em um milésimo de segundo e de descuido, Corvus a pegou exatamente pelo machucado aberto no braço. Tirando da mulher um grito alto de dor, em seguida, com a mão livre, ele a pegou pelo pescoço, a enforcando e, com muita agilidade, a jogou para trás de si. colidiu com uma pedra e seu corpo rolou para o lado, dolorido. Ela chegou a ver Corvus virar-se para onde ela estava caída, mas Steve chegou a tempo, indo para cima dele e desviando sua atenção da mulher.
Steve pegou uma carona com Sam, do mesmo modo que fez, até ali e Visão mal conseguiu se levantar do lugar onde estava. Seus sistemas estavam falhos, ele estava nitidamente em colapso e qualquer movimento que fizesse poderia piorar tudo ainda mais. O Capitão travou uma luta rápida contra Corvus e, assim como aconteceu com , foi atirado bem ao lado dela, que ainda estava estirada no chão tentando se recuperar. Diferente dessa vez, contudo, foi que Corvus chegou a ir para cima de Steve, deitando sobre ele e o enforcando com o braço. Steve segurou o quanto pôde, com ajuda dos pequenos escudos de vibranium que T’Challa o deu. Contudo, inesperadamente, a lança apareceu enfiada no peito de Corvus, de fora a fora, de suas costas a seu peito, o fazendo afrouxar seus movimentos e ser tirado do chão até finalmente cair morto, entre e Steve.
Junto com ele, fraco e caindo mais atrás, Visão soltou a lança no chão.
— Ela mandou você sair daqui — Steve comentou colocando-se de pé em um pulo, indo acudir Visão. Ao seu lado, também se colocava em pé, preocupada.
— Não negociamos vidas, Capitão — Visão disse sem fôlego, olhando o amigo.
No campo de batalha, afastado de onde estavam, Thor derrubava as naves do inimigo, do lado de fora da redoma, que já não existia mais. Estranhamente, as naves começaram a se mover, levantando voo, como se estivessem recuando. Pelo comunicador, os gritos orgulhosos e furiosos dos Jabari inundavam os ouvidos, celebrando a proximidade do fim daquela guerra. Bucky parou de atirar, notando que já tinham conseguido dizimar a maior parte dos outriders e que, o pouco que restava, corria de volta para as naves. Para ele, sem saber exatamente o que tinha acontecido, eles tinham vencido a guerra. e Steve deviam ter matado o último dos líderes e, talvez, a joia tivesse sido destruída, para o alívio de todos. Okoye buscava por T’Challa, enquanto Natasha se perguntava o que tinha acontecido com Visão e se havia dado tempo de, finalmente, remover a joia.
E foi pensando exatamente naquilo, consumida pela preocupação extrema, que Wanda voou até onde Visão, Steve e estavam. O desespero, contudo, foi ver que, além de ele ainda portar a joia em sua testa, estava mais machucado do que antes, mais debilitado, muito mais fraco. Foi o tempo de Wanda aproximar-se dele, ajoelhando em sua frente e levando suas mãos carinhosamente até seu rosto, para que Visão começasse a ter os mesmos sinais que teve na Escócia. Como se estivesse interceptando algo.
— O que foi? O que foi? — Wanda perguntou desesperada, ansiosa. Visão desviou seu olhar do dela até os lados, em busca de algo. O pavor tomava conta dele, apesar da voz calma responder:
— Ele está aqui.
Em pé, lado a lado, Steve e olhavam para o céu, em busca de qualquer coisa. O dia já começava a cair quando tudo ficou estranhamente quieto, silencioso, calmo demais, de repente. Não fosse pelo vento e por algumas poucas folhas que se desprendiam das árvores, não havia mais qualquer movimento ao redor deles. Era estranho, mas tinham ouvido o que Visão acabara de dizer a Wanda. Era estranho. E proposital.
— Todos na minha posição — Steve pediu sério — Algo se aproxima.
deu um passo mais perto de Steve, sentindo o medo tomar conta de si. Seu coração batia mais forte, suas mãos estavam suando, a ansiedade passando em cada célula de seu corpo. Não gostava daquela sensação, daquele clima de expectativas ruins, daquele silêncio. T’Challa, Okoye, Natasha e Sam logo chegaram até eles, seus olhos varrendo o ambiente com receio e confusão.
— O que é isso? — Nat perguntou baixo, sentindo o vento no ambiente aumentar consideravelmente. E foi justamente no segundo seguinte que Bruce percebeu uma nova movimentação atrás de si. Virando-se junto com os demais, a tempo de ver uma nuvem acinzentada, como poeira, abrir-se no meio do nada, Bruce viu sair dela a última das criaturas que ele gostaria de rever na vida. Alguns passos atrás dele, os demais fecharam suas expressões, finalmente entendendo o que acontecia ali.
— Olha, Capitão — Banner comentou silencioso — É ele.
— Se preparem — Steve ordenou completamente irritado, acionando o pequeno escudo em sua mão outra vez e já indo em direção a Thanos — Atenção.
Na posição que estavam faziam uma barreira perfeita até chegar em Visão. Bruce era o primeiro mais perto de Thanos, seguido de Steve, depois T’Challa, então Sam. Na sequência vinham Natasha, depois Okoye e, alguns passos mais atrás, de costas para Wanda e Visão, . Se aproximando, ainda tinham Bucky, Rhodes, Rocket, Groot e Thor. Se Thanos quisesse aquela joia, teria que passar por todos eles, um a um. Não seria uma tarefa simples. E para eles, para todos eles, naquele momento, aquilo pareceu seguro o suficiente.
Mas não podiam estar mais errados. Bruce, o primeiro Vingador do cerco que formaram, foi em direção a Thanos, que simplesmente fechou o punho. De onde estava, percebeu que ele vestia uma espécie de manopla, uma luva em metal dourado, onde podia ver as outras Joias do Infinito, como a de Visão, incrustadas. Com um movimento leve da mão, Thanos fez Bruce tornar-se imaterial por um momento, flutuando ao lado dele até parcialmente enterrá-lo, com a armadura e tudo, em uma pedra de um penhasco próximo, o fundindo ali.
Steve, que veio correndo logo em seguida, foi arremessado para o lado violentamente, sem sequer ter a chance de chegar perto de Thanos. Na sequência, viu T’Challa dar um pulo no ar, tentando atingir o novo inimigo por cima, mas logo sendo pego pelo pescoço, feito um animal, e socado no chão. A força do impacto fez o traje do Pantera Negra descarregar a energia que tinha acumulada em si mesmo, o fazendo desacordar.
A cada passo que Thanos dava, lento, calmo, paciente, como se não temesse nada nem ninguém, como se nada o abalasse, sentia seu coração bater mais forte. Assistia cada um de seus amigos serem tratados como insetos, como se não fossem nada, ninguém especial. Assistia eles serem apagados sem nem ter a chance de lutar, sem nem conseguir fazer absolutamente nada. O próximo a ser derrubado foi Sam que, voando e atirando em Thanos, também não conseguiu nem chegar perto dele. deu um passo à frente, suas mãos cerradas em punhos firmes ao lado do corpo, as pernas levemente entreabertas. Não sabia se deveria ir pela força física ou com a natureza, não sabia o que fazer quando chegasse a vez dela. Receosa, ela olhou por sobre seus ombros, seus olhos encontrando os de Wanda que, marejados pelo medo do que estava prestes a acontecer com Visão, já estava em pé, na frente dele e com a telecinese saindo de suas mãos.
Thanos encarou pela primeira vez e, logo atrás dela, Wanda e o portador da última joia que ele precisava. Eles eram fracos, despreparados, não tinham condições de enfrentar a grandiosidade dele e não tinham o poder reunido de cinco Joias do Infinito. Thanos se sentia invencível e, mais do que isso, se sentia inevitável. O encarando de frente, acompanhava cada movimento dele com atenção, como se nada mais ao redor dela importasse. Ele parecia determinado, focado em conseguir o que queria e parecia ter se preparado bastante para aquele exato momento. Ao fundo, podia ouvir Wanda e Visão sussurrem uma conversa difícil, dolorosa demais, enquanto Thanos dava passos calmos em direção a eles.
— Wanda — Visão a chamou baixo, puxando ela levemente para olhá-la — É tarde demais.
— Não — Ela respondeu nervosa, virando-se novamente para frente, onde estava.
— Eles não podem detê-lo, mas nós sim — Pelo comunicador, ouviu Visão dizer aflito. Ele era uma máquina, uma inteligência artificial humanizada que carregava uma das Joias do Infinito. Mais do que qualquer um deles ali, ele sabia ser racional, realista e pragmático. Era preciso no que dizia, sabia que por mais que tentassem não conseguiriam parar Thanos. Não quando ele já tinha o poder de todas as outras joias em mãos — Olha para mim — Ele insistia com Wanda — Você tem o poder de destruir a joia, tem que fazer isso.
— Não — Wanda parecia ficar cada segundo mais desesperada, não podia fazer aquilo, não podia matar Visão.
— Nós não temos tempo — A voz embargada de Visão voltou a dizer, encarando Wanda nos olhos.
— Eu não consigo — Ela sussurrou tensa, sem coragem alguma sequer de cogitar aquela ideia.
Alguns passos à frente deles, sentiu seus olhos marejarem. Sabia como era o peso de carregar a morte de alguém que se amava nas mãos, ela entendia bem daquilo. Wanda não deveria ser a pessoa a fazer aquilo. De todos eles, de todas as habilidades que tinham, não deveria ter que ser Wanda a destruir a joia, a destruir Visão. sentia raiva das ironias da vida. Mas, mais do que isso, sentia raiva do ser que caminhava à sua frente, em sua direção.
permaneceu imóvel, esperando e encarando Thanos chegar até ela. Seus olhos transbordando fúria e segurando as lágrimas viram alguém se aproximar pela mata, enquanto ouvia pelo comunicador Visão dizer uma última vez.
— Você consegue — A voz dele era leve — Consegue sim. Metade no Universo morre se ele conseguir a joia — Wanda já começava a chorar naquela altura — Não é justo. Não deveria ser você, mas é. Está tudo bem — Visão tentava ser o mais calmo e confiante possível, sua voz cheia de ternura enquanto via Wanda dar alguns passos para trás, entre lágrimas, direcionando uma mão até a testa dele — Você jamais me faria mal.
Tudo pareceu parar por um momento. O vento batendo nas folhas e o choro baixo de Wanda era tudo que podiam ouvir. desejou ter poder o suficiente para destruir a joia, para não deixar Wanda ter que passar por aquilo. Não podia se imaginar no lugar dela, não podia imaginar ter que matar Bucky para salvar metade do universo. Era uma decisão acertada, racional, mas violentamente dolorosa. E a dor maior veio quando puderam ouvir Visão dizer:
— Eu só sinto você.
Ao tempo que virou-se levemente para ver o que acontecia atrás de si, se deparando com Wanda desconcertada conectar-se através do seu poder contra a joia de Visão, Rhodes surgiu voando pelas árvores próximas, indo em direção a Thanos. Nada diferente dos demais, mais do mesmo, ele foi congelado no ar pelo poder de uma das joias na manopla e jogado para longe dali. O barulho alto dos tiros e o grito forte cortaram a atenção de e a trouxeram de volta para ver o que estava acontecendo à sua frente, ainda mais ansiosa do que antes. Bucky vinha correndo e atirando em Thanos, o único e último recurso possível que tinha. As balas da metralhadora acertavam a criatura, mas ricocheteavam e caiam ao chão como se nada estivesse acontecendo. Ele era forte, era resistente, era assustadoramente poderoso. Sentindo a última gota de ódio que faltava para mover-se, correu em direção à Thanos assim que o viu empurrar Bucky para longe, o fazendo bater a cabeça no chão e desmaiar com a força do impacto.
Antes que ela pudesse chegar perto, contudo, Okoye atirou com força sua lança e Natasha, correndo ao lado dela, ia com fúria para cima de Thanos. Com mais poucos gestos, o titã parou a lança no ar, a um fio de encostar nele, como se estivesse se divertindo com aquilo, e a soltou de volta em Okoye, derrubando-a longe dele. Natasha, por sua vez, nem teve a chance de fazer nada, pois foi logo soterrada por pedras que, do mesmo modo que as podia controlar, Thanos as manipulou para prendê-la no chão. Groot apareceu na jogada pouco antes de entrar em ação, mas, miseravelmente, teve os galhos que criava contra Thanos quebrados e foi atirado para o lado oposto onde Okoye estava caída. Usar a fitocinese com ele seria inútil.
De frente, ao redor de Thanos, observava o corpo de todas as pessoas que estavam com ela em luta estirados no chão como se não fossem nada. Nenhum deles sequer encostou um dedo naquela coisa. estava irada. Podia sentir seus olhos arderem pela raiva, pelo ódio que saía de si como nunca antes havia sentido na vida. Sem pensar duas vezes, ela só queria, naquele momento, de qualquer jeito, matar Thanos. Havia sobrado ela, Wanda, Visão e.. onde estava Thor? Ela tinha que dar um jeito de segurar ele longe, tinha que ganhar tempo, tinha que dar tempo a Wanda de terminar de fazer o que já tinha começado.
De onde estava, Natasha podia ver possessa, absurdamente nervosa, correr até chegar perto o suficiente de Thanos, o acertando com um soco forte no queixo, enquanto o empurrava para trás com outro soco, com a mão esquerda dessa vez, no estômago. conseguiu dele um único passo para trás e um olhar confuso, levemente impressionado. Com a mão descoberta, ele cerrou em punho e a levou em direção a que, ágil, abaixou-se a tempo, deslizando pelo chão para chegar mais perto dele e o acertando com um chute no joelho. Ela sabia que não poderia vencê-lo, sabia. Mas sabia que poderia irritá-lo, distraí-lo. Thanos, contudo, ainda impressionado, levou a mão da manopla em direção a que, esperta com o que aconteceria se ele acionasse uma das joias que carregava, segurou sua mão no ar com as duas mãos. O titã era bem mais alto do que ela, estava tão perto que tinha que praticamente olhar para o céu para vê-lo. Ela parecia usar toda a força que tinha para manter a mão dele imóvel, os dedos entreabertos, para impedi-lo de usar as joias nela outra vez.
Thanos, contudo, em um golpe rápido, conseguiu acertar um soco com a mão livre no rosto de e, antes que ela pudesse efetivamente cair no chão, ele a puxou pelos cabelos, pelo rabo de cavalo, e a levantou no ar, para olhá-la mais perto como se fosse um animal. debateu-se, atordoada pelo soco, e gritou tão alto que atraiu a atenção de Wanda, por sob os ombros, atrás dela. Thanos encarou os olhos irritados e desesperados de e, sem dar chance à sorte de vê-la fugir e atacá-lo outra vez, a enfiou de cara no chão com tanta força que apagou.
De onde estava, Wanda olhou novamente por sobre os ombros, vendo Thanos se aproximar cada vez mais de si. era a última das alternativas para segurá-lo e, desacordada como os outros, não conseguiu impedi-lo a tempo de a joia quebrar-se. Com intuito de ir mais rápido e terminar logo aquilo, Wanda aumentava o fluxo de energia usando as duas mãos e torcia mentalmente para que algum deles acordasse e a ajudasse de alguma forma. Visão se sentia perdendo o controle do próprio corpo, seus olhos não desviavam nunca dos de Wanda, querendo guardar cada detalhe dela para si, para levar consigo para a eternidade. O pouco tempo que teve de vida passava em sua mente em memórias felizes que tinha acumulado com ela, em momentos que se sentiu tão humano quanto era máquina. Visão sabia que estava partindo. Mas sabia que estava deixando uma parte de si com Wanda. A parte mais bonita de todas. E sabia que cada segundo que viveu ao lado dela, que a amou e que a teve, valeu a pena ter vivido.
— Está tudo bem, está tudo bem — Ele repetia baixinho, vendo a sombra de Thanos se aproximar por trás dela, mas não a querendo desesperar ainda mais.
Wanda sentiu seu coração partir junto com a joia. A expressão serena e decidida de Visão dava a Wanda certo conforto, mas não o suficiente para fazê-la aceitar o que estava fazendo. Sentindo a presença do inimigo atrás de si, aproximando-se cada vez mais, Wanda virou-se para ele e, atormentada pelas emoções tão profundas que sentia, direcionou uma de suas mãos até Thanos. A energia que dissipava concentrada e forte em direção a ele foi barrada antes mesmo de o atingir, por outra tão forte quanto, que saia arroxeada de sua manopla. Wanda estava exatamente entre Visão e Thanos, dividindo sua força e sua energia em destruir a joia, de um lado, e impedir que Thanos se aproximasse ainda mais, de outro. Com lágrimas escorrendo em seu rosto, desejando que aquilo tudo acabasse ou que, ao menos, alguém a pudesse ajudar, Wanda segurava-se com toda a força que tinha dentro de si até, de repente, sentir uma estranha leveza.
A energia que Thanos emanava para se proteger da telecinese de Wanda simplesmente desapareceu e ele passou a, finalmente, ser atingido pela força de Wanda, o que a fez ligeiramente parar de se esforçar em não ser atingida por ele. De trás dele, contudo, Wanda pode entender o que estava acontecendo. estava novamente em pé, seu rosto ainda mais machucado do que antes, com roxos espalhados em meio ao sangue que escorria. Ela havia manipulado raízes, como mais cedo naquele dia, que saiam do chão e se apoiavam enroladas em seu próprio corpo. Como chicotes, as grossas e resistentes raízes enrolaram-se nos pulsos e nas mãos do titã a frente dela que, de costas, não a viu chegar. puxava as raízes com toda a força que tinha, para si mesma, para trás, fazendo com que os braços de Thanos permanecessem abertos no ar, sendo igualmente puxados pelas raízes, enquanto Wanda, de frente para ele, lançava sua energia diretamente no peito exposto da criatura.
Thanos tentava fechar seus braços, mas as raízes enroladas várias vezes em seus pulsos, sendo puxadas para trás por alguém que ele não conseguia ver, o impediam. O balanço de forças pendia para o lado das meninas, enquanto a joia de Visão, pouco a pouco rachava-se. tinha seus pés cravados no chão com tanta força que o solo abaixo de si já começava a afundar-se. A terra abaixo dela, sem qualquer manipulação de , mas sim em uma reação natural a ela, fazia um suporte para que ela não perdesse o equilíbrio. A força de Thanos a puxava para frente, levemente, e perguntava-se como infernos ele estava resistindo a ser exposto a todo o poder de Wanda e onde caralhos estava Thor, que ainda não tinha aparecido para ajudar.
— Está tudo bem, está tudo bem — Visão disse uma última vez, atraindo a atenção de Wanda para si mesmo, a última vez que eles se veriam — Eu te amo.
A sensação era como se alguém tivesse esfaqueado o coração de Wanda. Talvez pela força da emoção, talvez pelo medo de Thanos conseguir chegar até a joia ou talvez pelas últimas palavras tão significativas de Visão, Wanda sentiu o fluxo de energia que soltava aumentar consideravelmente até, finalmente, a joia na testa de Visão explodir de uma vez por todas. A força da destruição foi tanta que a Joia da Mente causou uma explosão concentrada por alguns quilômetros ao redor de seu portador, pulsando uma energia amarelada que estremeceu as árvores e o solo ao redor. Pelo impacto, soltou as raízes que, por sua vez, soltaram-se de Thanos, e caiu sentada para trás. Sentia-se cansada, machucada, seu corpo pulsando de dor. De onde estava caída, pode ver o corpo de Visão jogado no chão, sem vida, seu rosto estourado onde deveria estar a pedra que carregava. Wanda tinha conseguido. Eles tinham vencido. Mas tinha custado muito. Tinha custado tudo.
Thanos, contudo, embora parecesse insatisfeito por ver a sua última esperança de dominar o universo ser explodida bem diante de seus olhos, enquanto era barrado por duas mulheres que considerava fracas, não pareceu muito abalado. Ele respirou fundo, tentando recuperar o fôlego e pareceu pensar no que fazer por um instante. Thanos, então, caminhou a passos lentos, pacientes, em direção a Wanda que, destruída emocionalmente, assim como a joia, estava jogada no chão, caída, pouco à frente do corpo de Visão, chorando, enfraquecida, furiosa.
— Eu entendo, minha criança — Thanos disse pela primeira vez em que chegou ali, sua voz grossa, porém tranquila — Melhor do que qualquer um.
— Você nunca seria capaz — Entredentes, quase rosnando e levantando seu olhar até ele, Wanda respondeu. Thanos passou a mão pelos cabelos dela, como se quisesse consolá-la, mas foi o suficiente para colocar-se em pé outra vez. Ele não machucaria Wanda, ela não deixaria.
— Hoje eu perdi mais do que você acreditaria — Ele voltou a dizer, sério. Wanda abaixou sua cabeça, enquanto o olhar do titã estava em cima do corpo de Visão, à frente — Mas agora, não há tempo para lamentar. Agora… não há mais tempo.
Sem entender exatamente o que ele fazia, e sem cogitar qualquer possibilidade de Thanos voltar a lutar contra elas, porque havia perdido, estava feito, assistiu ele dar alguns passos mais à frente, deixando Wanda para trás, e preciso, fechar a mão com a manopla. No instante seguinte, contudo, ele abriu a mão outra vez, em direção ao corpo de Visão, fazendo com que uma luz verde tomasse forma ao redor da manopla. Com um movimento leve, girando lentamente a mão como se abrisse um registro, assistiu atônita, extremamente confusa, a luz amarela da Joia da Mente se reunir de volta na direção de Visão. Em questão de segundos, como se a explosão estivesse se revertendo, o exato momento em que Visão explodiu voltou, bem diante de seus olhos. Thanos estava reconstruindo a cena, voltando ao passado recente, a instantes atrás.
— NÃO! — Finalmente entendendo o que estava acontecendo ali, Wanda gritou em plenos pulmões e se colocou em pé. veio correndo na direção deles, mas, rápido, Thanos deu um tapa absurdamente forte em Wanda, a fazendo cair metros atrás dele e, justamente, em cima de .
Sem tempo a perder, Thanos pegou Visão, novamente vivo, pelo pescoço, o tirando do chão. Impiedoso, ele observou Visão sufocar pelo medo que sentia e arrancou da testa dele, com a própria mão e muita brutalidade, a joia. O corpo de Visão ficou instantaneamente sem cor, sem vida, e foi atirado de volta ao chão, feito lixo.
Uma vez mais naquele dia, se levantou do chão, puxando Wanda consigo. Contudo, elas não tiveram tempo de fazer mais nada, de sequer pensar em como reagir. Thanos observou por um segundo a pedra em sua mão e, sem mais delongas, lentamente a colocou na manopla que vestia, no exato último lugar vazio. Horrorizada pelo o que tinha acabado de presenciar, viu a onda de energia colorida percorrer o corpo de Thanos, seu torso envolvo em estática iridescente, enquanto ele berrava de dor. Assim que a energia cedeu, contudo, um enorme raio de luz o atingiu do céu, cravando o titã no chão e o arrastando alguns metros para trás.
Com os olhos brilhando de poder, Thor descia do céu como um raio poderoso. Thanos tentou direcionar a ele todo o poder das joias que, em formato de energia, saía da manopla em altíssima intensidade. Thor, contudo, inabalável, gritando pela força e pela fúria que sentia, lançou o Stormbreaker tão intensamente que, com uma velocidade impressionante, cortou a energia das joias que estava em sua direção e, de uma vez por todas, cravou no peito de Thanos. Do solo, engoliu em seco, não conseguindo exatamente saber o que sentia. Parte dela estava apavorada com tudo o que Thanos podia fazer, parte dela estava preocupada com todas as pessoas ao redor derrubadas no chão. Outra parte dela, contudo, celebrava a aparição de Thor mais uma vez naquele dia e, mais do que isso, torcia pela morte de Thanos.
Incrustado no penhasco alguns metros atrás, Bruce viu caminhar em direção a Thanos, parando alguns passos ao lado, assim que Thor atingiu o chão e caminhou para ficar frente a frente com ele. Igualmente assustada, Wanda correu até mais perto do corpo de Visão, sem saber o que aconteceria em seguida, sem saber o que esperar. Estava apavorada.
— Eu avisei… — Segurando a cabeça de Thanos, o Deus do Trovão alertou assertivo, respirando fundo, encarando Thanos segurar seu machado no próprio peito enquanto tentava se estabilizar do golpe — … que morreria pelo o que fez.
semicerrou os olhos, dando dois passos mais perto de Thor, o vendo afundar ainda mais o grande machado contra o peito do inimigo. Uma vez mais, Thanos arfou alto de dor. Thor estava suado, tinha os olhos tão focados em Thanos, em acabar com ele, que seu corpo tremia pela adrenalina, pela força que estava fazendo. A criatura, contudo, respirava fundo, parecia querer chorar mas, ao invés disso, subiu seu olhar novamente até o rosto de Thor, milímetros a sua frente.
— Devia...devia… — Thanos tentava dizer, sentindo a fraqueza tomar conta de si — Você devia… devia ter arrancado a minha cabeça.
Inesperadamente, e para Thanos inevitavelmente, ele não fez mais nada senão estalar os dedos da mão que vestia a manopla. Percebendo o que acontecia, mas sem saber a dimensão do que viria por aí, e Thor gritaram ao mesmo tempo:
— NÃO! — foi ainda para mais perto deles, como se pudesse impedir aquilo, mas, tudo foi tão ridiculamente rápido que, o milésimo de segundo que ela demorou para aproximar-se foi o tempo suficiente para que o estalo acontecesse. chegou a tempo de ver o braço de Thanos soltar algo parecido com uma fumaça, como se tivesse tido uma descarga elétrica ali. Sem entender nada do que acontecia, ela olhou ao redor, procurando por qualquer que fosse o movimento, qualquer que fosse o resultado de Thanos ter usado todas as joias de uma única vez, ao mesmo tempo. Contudo, tirando o fato de que o que ele havia feito contra os demais Vingadores ter sido desfeito, e eles, todos, estarem se levantando e voltando para perto, não tinha mais nada. Nada além dela e de Thor, nada além do mesmo vento estranho de antes, de quando Thanos apareceu. Não havia exército, nem outriders, nem novas criaturas, não havia mais energia sendo dissipada, explosões, descargas. não sabia o que ele tinha feito. O que ele tinha feito?
— O que você fez? — Thor perguntou em um sussurro, soltando Thanos e o encarando com ódio até gritar outra vez, desconcertado — O QUE VOCÊ FEZ?
Thanos, contudo, pareceu sequer ver Thor a sua frente. Sem olhá-lo, sem dizer ou fazer mais nada, ele simplesmente fechou a mão e, do mesmo jeito que chegou ali, abriu um portal e o atravessou, desaparecendo em segundos. olhou do portal para Thor. Podia sentir seu corpo formigar, estremecer pela ansiedade que sentia, pela confusão. Estava entorpecida.
— Thor? O que aconteceu? — perguntou tão apavorada que sua voz saiu trêmula. Com os olhos cheios de lágrimas, o homem subiu seu olhar até ela — Thor…?
O que ele diria a ela, se também não sabia? Imóvel, incrédulo, choroso, Thor ficou encarando pelo tempo que foi, sua mente correndo entre todas as possibilidades do que podia ter acontecido. Ele teve a chance de matar Thanos e, ainda assim, não o fez, não conseguiu. Thanos levou a joia, Thanos levou todas as joias. Ele tinha perdido. Todos eles tinham. Thor não sabia o que dizer e já não sabia mais nem o que perguntar. Ficaram se encarando, em silêncio, até ouvirem a voz de Steve aproximar-se.
— Para onde ele foi? — Steve caminhava lentamente até eles, os fazendo desviar seus olhares até o homem que, machucado, segurava a lateral esquerda de seu corpo. Steve deu uma olhada ao redor até voltar-se novamente de frente para os dois — Thor? Para onde ele foi?
Steve estava igualmente confuso, totalmente perdido. Thor não sabia onde Thanos estava e, embora tivesse uma ideia do que tinha acontecido, não tinha certeza absoluta, nunca tinha vivido nada sequer parecido. Vendo Steve desviar seus olhos de Thor até ela, se perguntou se Thanos já tinha atingido seu objetivo de dizimar cinquenta por cento de tudo que era vivo no Universo ou se o começaria a fazer a partir de agora, que conseguiu reunir as joias. Contudo, em mais uma das ironias da vida, e mais rápido e inesperado possível, teve a resposta àquela pergunta, do pior jeito que poderia ter.
— ?
Bucky a chamou, vindo alguns passos atrás de onde Steve estava. Sua voz transmitia um medo absurdo, estava trêmula e assustada, como ela nunca antes tinha ouvido. levantou seu olhar tenso até ele, ao mesmo tempo em que Steve virou-se e Thor o encarou. O tempo exato. Sem entender o que acontecia, apavorado, tendo a consciência de que estava morrendo, Bucky olhava sua própria mão esquerda desmanchar-se feito poeira.
Não sentia qualquer dor, mas algo estranho crescia dentro de si. Algo que fazia seu corpo pesar, o impedia de responder a qualquer comando que sua mente tentava dar, algo inexplicável, opressor. E não só o fato em si o incomodava, o amedrontava, mas ter consciência dele, sobretudo. Em todos os anos que foi conscientemente torturado, machucado, em que achou que o sofrimento não cessaria, que ele não sobreviveria, em todos aqueles anos, nada foi parecido com o que Bucky sentiu naquele momento. Ele não queria partir. Não queria morrer. Sequer sabia o porquê de aquilo estar acontecendo justamente com ele. Aquela não era a hora. Horrorizado, Bucky teve tempo de olhar a mulher que corria em sua direção, desesperada, uma última vez.
— Não, não não não, não — sussurrava correndo em direção a ele, seus olhos enchendo de lágrimas em um milésimo de segundo. O que estava acontecendo? O que ele fez com Bucky?
Mas ela não chegou a tempo.
No segundo seguinte, o encarando pela última vez, sem tempo ou chance de dizer mais nada, viu o corpo inteiro de Bucky se desintegrar.
— Bucky? Não, não! Bucky? NÃO! — Agachando-se ao lado de onde a arma que ele segurava caiu e em meio ao pó que sumia, o chamava desesperada, sem entender o que estava acontecendo, olhando para os lados como se o procurasse em todo lugar, as lágrimas caindo por seu rosto — James? JAMES!
Incrédulo, entorpecido pelo o que tinha acabado de ver acontecer com seu melhor amigo, Steve caminhou cambaleando até onde Bucky um segundo antes estava, agachando-se ao lado de . Thor deu alguns passos à frente, tão preocupado e incrédulo quanto, observando Steve o olhar, como se perguntasse para onde seu amigo tinha ido. Sem entender, sem conseguir explicar aquilo, sem ter nenhuma pista do que houve, Steve colocou a mão no chão, tentando pegar as cinzas de Bucky, mas não havia mais nada ali. Nada. Era como se seu amigo nunca estivesse estado ali, como se ele nunca tivesse existido em matéria. Soluçando, jogada ao chão ao lado dele, Steve pegou pela cintura e a levantou, o medo de acontecer a mesma coisa com ela o consumindo por dentro, como uma bomba.
Pelo comunicador, a situação não pareceu das melhores. Muito pelo contrário, parecia piorar. Aparentemente, Bucky tinha o primeiro de uma sequência de desaparecimentos inexplicáveis, repentinos e dolorosos para todos eles ali. Do campo que antes batalhavam, podiam ouvir as pessoas chamando umas às outras silenciosamente, perdidas. ouviu Okoye chorando, sussurrando por T’Challa. A poucos passos de onde estava, assistiu Wanda sumir do exato mesmo modo que Bucky e, não muito tempo depois, pode ouvir Rhodes gritar por Sam, o procurando na mata próxima. Desesperada, buscou com Sam e por T’Challa, gritando por eles horrorizada, a sensação de perda e de solidão tomando conta de si.
sentia-se tão desesperada, seu coração batia tão acelerado, que ela achou que morreria ali mesmo. Seu corpo estava estranho, parecia não querer responder mais, era como se estivesse formigando, como se algo dentro de si estivesse começando a queimar. Sua mente perguntava sem parar onde estava Bucky, o que tinha acontecido com T’Challa, onde estava Sam. Thanos só tinha juntado as joias, só tinha estalado os dedos. Não tinha feito nada, o que ele tinha feito? O que estava acontecendo? Confusa, sentindo a queimação dentro de si ficando maior, mais intensa, como se a dor a desse mais poder, deixou-se chorar com mais intensidade. Sua mente girava em confusão, em medo, em frustração, em dor. Não era para nada disso acontecer, por que estava acontecendo? O que estava acontecendo?
Sem conseguir dizer nada, deu dois passos para frente, seu corpo ficando mole, fraco demais para sustentar-se sozinho. Algo dentro dela não estava certo, não estava respondendo bem.
— Steve? — Ela o chamou chorosa, mas não teve tempo de esperar por ele, seu corpo pendeu para frente, a fazendo cair de joelhos no chão. Por instinto, e por estar mais perto dela, Thor aproximou-se em um instante, a segurando pela cintura a tempo de ela cair ajoelhada, para evitar que ela despencasse ainda mais. Steve veio no instante seguinte, seu coração parando de bater por um momento. Não suportaria perder outra pessoa, não suportaria. também não, também não, não, não, por favor, não, sua mente gritava.
Pelo medo, olhou as próprias mãos, esperando pelo o que vinha a seguir. Mas foi a sensação insuportável de dor e de sufocamento, como se estivesse sendo envenenada por um momento, que a fez entender exatamente o que acontecia. Já próximo deles, Rhodes, Bruce e Rocket viraram-se de frente para , assim que a viram cair de joelhos no chão. Um grito alto de dor deixou sua garganta, enquanto abaixo dela algumas poucas flores nasciam no solo ao seu redor. segurava no braço de Thor, passado em sua cintura, com força, o apertando conforme a dor que sentia ficava mais aguda. Steve, por sua vez, sufocando o horror que sentia em perder também, manteve-se jogado de joelhos de frente para ela, seus olhos sem desviar da mulher. Sem querer perder de vista a possível última vez que a veria viva.
Natasha juntou-se a eles no mesmo instante, correndo, a tempo de ver Steve ajoelhado de frente para , que era escorada por Thor, por trás. Ela parecia respirar fundo, em meio a meia dúzia de flores coloridas ao redor deles, o silêncio aflito e angustiante misturado com a tristeza de viver aquele momento. olhou desconcertada das flores para Steve que, acompanhando o olhar dela, finalmente entendeu exatamente o que acontecia com . O que tinha acontecido com todos eles. Ela respirou fundo por mais algum tempo, sentindo a dor insuportável aliviar-se, tentando a todo custo se conectar com a natureza ao seu redor, com uma dificuldade que nunca antes teve na vida. Naquele dia, havia perdido aquilo também.
— O que é isso? — Rhodes perguntou baixo, sem entender — O que diabos está acontecendo?
Sem acreditar que tinham perdido, e muito pior, que Thanos tinha vencido, Steve fez a única coisa que poderia confirmar a sensação de derrota, de perda, que sentia naquele momento. Assim que viu acalmar-se novamente, ele caminhou alguns passos para a frente, até onde o corpo de Visão estava jogado e, em um movimento delicado, o virou para cima. De pé ao lado de Steve, que se agachou diante do corpo acinzentado e sem vida de Visão, Natasha viu que sua testa estava estourada, sem a joia. Sentindo seu corpo tremer, Steve deixou-se sentar no chão. Pela primeira vez em sua vida estava completamente perdido. Pela primeira vez em sua vida, não sabia o que fazer. Pela primeira vez em sua vida, havia perdido. E pela primeira vez naquele dia ele percebeu a dimensão do que perdeu. Deixando um suspiro pesado sair, depois de longos minutos em silêncio, Steve olhou para , sentada no chão a poucos passos dele, totalmente chocada, e murmurou:
— Ah, não.
Continua...
Nota da autora:[A autora não conseguiu comentar esse capítulo, pois sumiu com o estalo do Thanos exatamente quando estava fazendo isso. Ela retornará em 5 anos].
Até a próxima att. Beijos, Ju S. x
Outras Fanfics:
Care Bears (Avengers - Finalizada) Vingt-Cinq (Spin-off de Project Neriine - Shortfic)
Taste The Feeling (Originais - Em andamento)
11:11 (Spin-off de Taste The Feeling - Shortfic)
Nota da Scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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