Capítulo 29
Dizem que o luto é vivido em cinco estágios.
Um a um, internalizados pela dor, pela perda, pela sensação de impotência, de desespero, de impossibilidade. Cada estágio em seu tempo, em sua intensidade, amargos como o sabor das lágrimas que não secam nunca, abertos como feridas que só fecham com o tempo. Negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Cada estágio, único, violento e silencioso, como a morte em si mesma. A existência que se desfaz pela inexistência do outro. Cada momento em viver e reviver a experiência de ter alguém tirado de si, de ter sido tirado de alguém. Os laços que se rompem, as conexões que caem, as amarras que se quebram. Memórias apertadas em sentimentos que perduram, que aprofundam-se, que sufocam até asfixiar.
Dizem que o luto, apesar de tudo, é necessário.
E cada um dos estágios tem um papel fundamental nesse processo. O tempo curando, com a responsabilidade que só ele tem. A esperança que renasce, as memórias boas que se enraízam como plantas, como flores, que brotam em sua sazonalidade, em tempo, em clima perfeito, mas murcham quando não há de ser. O luto é sempre necessário. A negação que vira conformidade, a raiva, calmaria. A barganha, uma negociação perdida, rendição. A depressão transforma-se em cura e a aceitação, finalmente, nos liberta. O luto é corrosivo. Seus estágios avançam lentamente, ao tempo em que os corpos reduzem-se à poeira. Lentamente, à poeira. Com o tempo. Mas como pode haver luto quando não há tempo? Quando os corpos viram poeira sem processo, em instantes? Para que haja luto, para que haja processo, estágios e curas, é preciso que haja corpos, que haja decomposição e, só então, poeira.
Não havia mortos, não havia a possibilidade de luto. Quais eram, afinal, os estágios para o que tinha acontecido? Desaparecimento? Desintegração? Estavam realmente mortos, para começo de conversa? T'Challa, Sam, Bucky, Wanda, Groot. Como a cura é possível quando não se sabe exatamente o que machuca? Como há cura, como há luta, se não há corpos a velar, se não há explicações, se não há nada além da dor? Espalhados pelo laboratório de , em um silêncio profundo e apavorados, nenhum deles, dos que sobraram, sabia responder àquelas perguntas.
Pouco mais de meia hora havia se passado desde que Thanos desapareceu e, com ele, cinquenta por cento de todo o universo. Desesperados sem entender o que tinha de fato acontecido e amedrontados pelo o que encontrariam pela frente, Okoye os conduziu de volta para o Palácio. Rhodes ajudou Steve a carregar o corpo de Visão, e Natasha vinha com Bruce, que abandonou sua armadura, mais atrás. Thor carregava , caminhando ao lado dela enquanto a segurava, com Rocket junto à eles. estava em estado de choque, não menos do que aquilo. Chorava quieta e, vez ou outra, pelo caminho, chamava por Bucky e por Sam baixinho, como se os pudesse trazer de volta, como se tudo aquilo fosse um devaneio irreal e atormentador, um pesadelo que queria a todo custo acordar.
Mas não era. E cada segundo que se passava, cada pessoa horrorizada e desesperada que encontravam pelo caminho, tão apavorada e confusa quanto eles, reforçava a dura realidade que estavam vivendo. Os olhos que antes carregavam admiração e expectativa em ver aquele grupo de perto, em ter os heróis mais poderosos da Terra prontos para vingar o que quer que fosse, já não eram mais os mesmos. Não mais brilhavam em emoção. Brilhavam, agora, em lágrimas. Silenciosos, receosos e preocupados, os olhos perguntavam o que tinha acontecido e por que eles não haviam conseguido resolver o problema, por que tinham deixado tudo chegar naquele ponto, terminar daquela forma.
sentiu seu estômago revirar assim que encontraram Ayo no caminho. Espantada, com o rosto machucado, sua voz saiu quase que em um sussurro quando, entre tímidas lágrimas, contou que Shuri havia desaparecido, sem mais nem menos, bem diante de seus olhos. Tinha virado pó, mas já não havia mais pó, não sabia para onde ela tinha ido, nem o que tinha acontecido. Tão perdida quanto ela, Okoye já não aguentava mais segurar a fraqueza, o desespero e a angústia que estava sentindo e, encarando como se ela fosse a única pessoa de sua família que havia sobrado, Okoye chorou. Parada no corredor do laboratório de , a General chorou silenciosamente até que, como se uma bomba tivesse caído nela, ainda mais aflita e dominada pelo medo do que antes, ela correu para longe deles em busca de W'Kabi. Orando a Bast com toda a intensidade que restava em si, Okoye suplicava ao sol poente que não tivesse levado consigo também o seu marido.
No mesmo instante, da mesma forma, a mesma bomba que havia atingido Okoye pareceu atingir . Entrando em seu laboratório como um furacão, trazendo os demais consigo, pediu que A.R.I.A. abrisse tudo que podia encontrar sobre os últimos eventos e que localizasse as duas últimas pessoas que ainda tinha esperança de encontrar. Bem, vivas. Sem perder tempo, a inteligência artificial começou a projetar em diferentes lugares do laboratório, pela quantidade imensa de dados que estava encontrando, imagens ao vivo de lugares mundo afora e do caos que se espalhava. Trens descarrilados, engavetamento em massa, carros empilhados, aviões caindo e derrubando prédios. Corpos de pessoas que perderam suas vidas em trágicos e inesperados acidentes. Destruição e mais poeira, pessoas correndo desesperadas sem saber para onde ir, sem saber o que deveriam fazer.
A imprensa não tinha uma explicação plausível, não conseguia sequer dar conta de mostrar tudo o que acontecia, tamanho era o caos. Parada ao lado de , de frente para Steve e Thor, com Rhodes e Bruce mais ao lado e Rocket do lado oposto, perto do finado corpo de Visão esticado em uma das macas do laboratório de , Natasha assistiu discretamente a A.R.I.A. discar sete vezes seguidas para dois números diferentes, que ela não soube identificar. Enquanto os demais estavam concentrados em ver, atônitos e paralisados, tudo o que estava acontecendo mundo afora, Romanoff observava mais ao canto afligir-se mais e mais a cada segundo.
Ela estava nitidamente bastante nervosa, seu rosto molhado pelas lágrimas parecia marejar outra vez, seus dedos batiam compulsivamente sobre a mesa a sua frente, em ansiedade. fechou os olhos por um momento, tentando respirar fundo, tentando pensar em qualquer coisa que a pudesse acalmar naquele momento, mas não havia mais nada. Sua mente estava dominada pela exaustão, pela incompreensão, pelo medo, pelo susto e pela perda. A cena de Bucky sumindo passava dentro dela como um filme emperrado, o sorriso brincalhão de Sam a pedindo para não acabar com a festa antes de ele voltar.
Ele não voltou.
Ela disse a Bucky que o veria logo. A última coisa que disse a ele. O veria logo. Ela disse.
Mas não o viu. Não o veria mais. Nunca mais?
E não fosse penoso o suficiente, deixou a sétima ligação cair sozinha, não a desligou depois de alguns toques como havia feito antes, ansiosa. Esperou. Esperou. Esperou. Seu coração saindo pela boca, suas mãos sujas de sangue suando em nervosismo, o frio ruim na barriga, de desespero, de tormenta, de pesadelo. E embora tivesse, sim, esperança, a única coisa que a retornou foi uma gravação simples, clara e objetiva. O último dos golpes que poderia ser dado para a derrubar de uma vez por todas. O pior e mais avassalador dele, para tirar dela o pouco de vida que havia restado.
— Olá, aqui é o Karl. Não posso atender sua ligação agora, mas deixe um recado e te retornarei em breve. Obrigado e até logo.
Natasha deixou as lágrimas que segurava escorrerem, seus olhos presos em e todo sofrimento que ela carregava. Todas as plantas do laboratório, sem exceção, murcharam, morreram de uma única vez no exato momento em que a ligação caiu, logo após a mensagem de voz gravada terminar. Abrindo os olhos outra vez, atormentada pela dor insuportável que sentia, fechou as mãos em punhos com violência, com força, e socou a mesa à sua frente duas vezes seguidas, chorando com tanta dor que Natasha sentiu seu coração apertar.
Caótica, desamparada e sentindo que seu mundo havia acabado, de uma hora para outra, desviou seu olhar para a grande parede de vidro do laboratório. Não tinha mais o que fazer, não tinha rumo, não tinha perspectiva. A passos lentos e com o corpo trêmulo, ela caminhou até perto do vidro. Inexpressivo, sentindo toda a dor que carregava em si mesmo transpor-se em raios que quebravam o céu lá fora com fúria, Thor deu alguns passos na mesma direção, parando ao lado de , a dois passos de distância dela. Rhodes logo fez o mesmo, sendo acompanhado por Rocket e, poucos minutos depois, absurdamente entristecido, Bruce. Steve trocou um olhar preocupado com Natasha que adiantou-se, indo a passos firmes e apressados até perto da outra mulher, parando do outro lado de . A francesa sentiu uma mão delicada e carinhosa em seu ombro, a fazendo parar de encarar os raios que caiam a sua frente pelo vidro, lá fora, e virar-se. Completamente destruída, machucada da pior maneira que se podia machucar um ser humano, a sua alma, sussurrou, olhando Natasha delicadamente a segurar e, um passo atrás dela, Steve a encarar desesperado, pálido:
— Meus pais… — soluçou — Meus pais, eles… meus pais também…
não conseguiu nem formular uma frase racional. Sua mente processava tudo o que tinha acontecido e se perguntava infinitamente onde estavam seus pais, onde estavam Karl e Everett? Eles nunca, jamais, perdiam uma ligação dela, muito menos quando estavam esperando que fizesse contato. Bucky havia dito que conversou com eles, que eles estavam bem, em Berlim, e que tinham pedido para ela os ligar assim que pudesse. Não era coincidência nenhum dos dois ter atendido. Os dois. A.R.I.A. havia feito sete ligações consecutivas para os dois números. Nenhum retorno, senão a mensagem de voz de Karl. A mensagem que teria que se acostumar a ouvir se quisesse ouvir a voz de seu pai outra vez. Eles tinham virado pó? Como Bucky? Como Sam? Como T'Challa? Como Shuri?
Steve podia ver o sofrimento absurdamente profundo de transbordar pelos olhos dela. Não tinham vida, era como se ela própria tivesse morrido. E parte dela, de fato, morreu naquele dia. Morreu como Steve havia morrido quando acordou tantos anos depois, em um tempo diferente, sem mais ninguém, sem mais nada que conhecia. Steve sabia como estava sendo para , porque foi, um dia, para ele também. perdeu muito. Perdeu absolutamente tudo. De todos eles ali, ela era a pessoa que mais tinha perdido naquele dia e Steve só se deu conta disso quando a ouviu dizer sobre seus pais. tinha perdido, de uma única vez, toda a sua família. Não havia sobrado sequer um deles para dividir toda aquela angústia, ela perdeu tudo. Como se estivesse destinada, sempre, a ficar sozinha no final das contas. Steve não tinha o que dizer e não sabia o que fazer. Queria poder tirar de toda aquela dor, queria ao menos poder dividi-la com ela. Mas como poderia? O que ele tinha a oferecer senão o silêncio e um ombro amigo?
não disse mais nada. Sustentou os olhares de Steve e Natasha sobre ela, enquanto tentava se acalmar, tentava pensar racionalmente, mas não tinha sucesso. Karl e Everett estavam mortos. Karl e Everett tinham sido levados por Thanos, o que ela faria agora? Seus pais não estavam mais lá. Limpando o rosto molhado pelas lágrimas com as mãos, voltou novamente sua atenção, com calma, até a vista, através do vidro da parede, lá fora.
Os campos verdes e calmos de Wakanda que podiam ser vistos dali, a floresta mais cheia e saudável de todo o mundo à beira de seus olhos, já não existiam mais. Em seu lugar, podia ter uma visão aérea da destruição causada pelo exército de Thanos, do que sobrou depois de toda luta, depois da guerra e da violência. Centenas de milhares de corpos mortos dos bichos espalhados pelo campo misturavam-se com corpos de wakandanos, árvores caindo, a floresta atrás pegando fogo. A redoma de proteção comprometida ainda falhava e parte da imensa e inigualável natureza ao redor estava morta, como se nunca tivesse existido ali. Tudo o que fizeram, tudo o que preveniram, tudo o que lutaram para, no final das contas, não terem sequer a chance de enfrentar Thanos. Era como Steve, Natasha, Bruce e Rhodes se sentiam, encarando a mesma vista de , ao lado dela, pelo vidro.
Mas não era como e Thor se sentiam. Pelo contrário, eles tiveram a chance. Tiveram a chance de enfrentar Thanos e, ainda assim, perderam. Ainda assim foram fracos e insuficientes. Erraram. Falharam miseravelmente e estavam vendo diante de seus olhos as consequências daquele erro. Exatamente ao lado de , Thor lembrou-se de seu pai por um momento. Da grandeza e sabedoria que ele tinha, do orgulho e da dignidade que carregava em si mesmo e em tudo o que fazia. Thor nunca, jamais, seria como ele. Como poderia? Não tinha sequer conseguido vingar a morte do próprio irmão. Era um deus farsante, falho e fraco. Thor sentiu, por um momento, vergonha de si mesmo.
Vendo o céu quebrar-se em raios logo a sua frente, propositalmente respondendo as emoções de Thor, pensou em como foi que deixou as coisas chegarem àquele ponto, em como foi que permitiu que seu país, o mais próximo de uma casa que já teve algum dia, fosse destruído daquela forma. Que seu povo fosse morto, que seu povo sumisse. Que Bucky fosse tirado dela, que seus pais desaparecessem. sentia como se seu próprio coração tivesse sido arrancado para fora de seu peito. Seus olhos passaram com calma por cada detalhe da enorme destruição que podia ver a sua frente, enquanto as projeções das notícias mundo afora sussurravam a catástrofe que outros milhares de lugares no mundo estavam enfrentando. se sentia culpada, se sentia fracassada. O que fez com Wakanda? O que deixou que fizessem com seus pais? Seus pais… custava acreditar que tinha perdido eles também, não podia ser verdade.
Não tinha qualquer recordação de sentir-se tão destruída e sem vida como daquela forma. Nenhuma dor física que se lembrava ter sentido alguma vez em sua vida chegava perto da dor que sentia naquele momento. A mesma sensação de confusão em não saber o que tinha acontecido com seus pais biológicos, a exata mesma sensação de não ter respostas sobre seu passado, a sensação sufocante e desesperadora que conviveu por tantos anos estava de volta. Ainda mais avassaladora e destrutiva. se sentia presa naquele ciclo de não entender, de perder tudo que era importante para si e simplesmente não saber o por quê, como, de que forma. Desesperada, atormentada por tudo que sentia, observando Wakanda totalmente destruída a sua frente, sua mente a levou de volta para o dia em que, consumida pela inconformidade em não encontrar seus pais biológicos, ela caminhava pelo campo perto da redoma, o exato mesmo campo que agora estava arruinado. Como costumava fazer em dias que não sabia bem como lidar com suas emoções, T’Chaka caminhava com ela, tranquilamente, dando tempo e espaço para que soltasse seus sentimentos, em palavras ou em natureza, como ela achava que deveria fazer.
— Eu só queria saber o que… o que aconteceu com eles — A jovem respirou fundo, olhando o campo verdejante ao seu redor. Com as mãos nos bolsos da túnica que vestia, o homem sorriu triste e assentiu com a cabeça. Seu olhar preso a frente, assim como o da menina ao seu lado. O dia estava bonito, nem tão quente, embora ensolarado.
— Sabe, , meu pai uma vez me ensinou, muito tempo atrás, você pode imaginar... — Ele sorriu com ternura — que há muitas coisas nessa vida que não podemos explicar, porque simplesmente não têm explicação ou porque não estamos na hora certa, preparados o suficiente, para entender. Mas nós podemos pedir ajuda, podemos pedir que nossas mentes se iluminem e que Bast, com todo seu poder, liberte tudo aquilo que precisa chegar até nós — T’Chaka parou de caminhar por um momento, virando-se de frente a menina que, do mesmo que ele, parou. Os olhos de transmitiam curiosidade quando ele estendeu-lhe as mãos — Você quer tentar?
nem sequer pensou, suas mãos foram logo colocadas sobre as do homem à sua frente. Tinha grande admiração e confiava em T’Chaka, em sua sabedoria. Tudo que poderia ajudar a aliviar o que sentia era, naquele momento, bem-vindo. O vendo fechar os olhos, então, ela fez o mesmo. E ali, conectados pela força das palavras que aprendeu naquele dia, e que nunca as havia proferido sozinha antes, ela ouviu a voz baixa e suave do Rei suplicar.
— Grande Senhora do Oriente, Bast, deusa do Sol nascente, escute a minha voz — Com a mão esquerda apoiada no vidro, fechou os olhos com força, as lágrimas escorrendo em seu rosto enquanto sussurrava a oração que, em sua mente, era proferida pelo Rei naquela lembrança — Eu te peço amparo neste momento para a minha dor, lava minhas angústias. Bast, Sekhmet, proteja meu povo para que ele esteja sob a tua influência esse instante e a todo momento. Onde quer que estejam, que possam ser guiados através do teu sistro, portadora do Ankh — Conectado a intimidade e a intensidade do momento, Bruce fechou seus olhos, enquanto Thor abaixou sua cabeça, segurando-se para não desabar — Bast e Sekhmet, fúria do olho de Rá, domesticada e agressiva, mostre o teu poder. Tira meu povo de mãos imundas, se ele está acorrentado. Mostre o caminho, se ele está perdido. Lembra-o de mim, se ele estiver esquecido. Salva-o dos homens que queiram machucá-lo, embora tentem de todas as maneiras — Steve deixou tímidas lágrimas escorrerem por seu rosto pálido, o sussurro de sendo a única coisa que podiam ouvir naquele momento — Traga o nosso povo de volta, a nossa família, se assim achar que deve.
— Dua Bast! Dua Bast e Sekhmet! — pode ouvir Okoye respondendo baixo pelo comunicador, sua voz embargada pelo choro, ao mesmo tempo em que, em sua mente, a voz de T’Chaka concluía o suplício.
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— Eu vou remover o torniquete, tudo bem? — Bruce avisou delicado, observando assentir com a cabeça.
Deitada na maca, vestindo apenas a lingerie, com seu traje jogado ao lado, no chão, não tinha nada o que dizer. Só queria ficar sozinha e logo. A lembrança de Bucky colocando o próprio coldre que vestia no braço dela, para impedir que perdesse muito mais sangue, invadindo sua mente como uma onda feroz, impiedosa. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela engoliu o choro. Estava cansada, exausta, não tinha mais forças para nada. Absolutamente nada.
Doze horas haviam se passado desde que Thanos desapareceu. Doze horas terrivelmente silenciosas e intensas para todos eles. Horas em que tentavam a todo custo processar o que tinha acontecido, digerir a derrota e, mais do que isso, ser racionais para tentar entender a situação e o que poderiam fazer dali em diante. O baque grave das emoções tão dolorosas estava passando junto com o tempo, mas todos eles pareciam amargos, depressivos. Tinham gastado todas as suas forças na luta em Wakanda, não havia mais cartas na manga. E não fosse o suficiente, tinham um caos imenso para ordenar dali em diante.
Steve achou melhor voltarem para o Complexo.
Não haveria espaço para eles em Wakanda e, pelos resultados dos últimos acontecimentos, não haveria problema em voltar para casa. A última coisa que qualquer governo se preocuparia naquele momento era em prender as únicas e últimas pessoas restantes que poderiam ajudar a resolver aquela situação. Talvez ainda fossem criminosos. Mas seriam criminosos em liberdade, criminosos que, possivelmente, teriam seus processos arquivados em troca de informações, de explicações e de novas ações contra Thanos. Voltar ao Complexo dos Vingadores era a melhor das opções para todos eles. Lá teriam um pouco mais de tranquilidade para pensar, teriam estrutura e recursos para planejar. E Steve não deixaria, em hipótese alguma, ficar em Wakanda. Não depois de perder tudo, não depois de não ter mais ninguém nem nada ali que a poderia ajudar. Permanecer no país seria sofrimento demais para ela. E eles precisavam de naquele momento tanto quanto ela precisava deles. Tinham que se manter próximos, unidos e, mais do que isso, prontos para o que quer que acontecesse.
Okoye ficaria em Wakanda, ajudando a reorganizar o país e sua administração. Sem T’Challa e sem sua sucessora oficial ao trono, Shuri, o país tinha perdido até sua forma de governar. Okoye conhecia as regras, as tradições e não abandonaria nunca Wakanda. Não podia e não queria. Mostrou-se disponível e manteria-se acessível, caso e sempre que precisassem dela. Mas não sairia de lá. , contudo, não relutou em deixar o país. Se tivesse uma chance, qualquer que fosse, de reverterem aquele cenário, ela seria com o pouco que restou dos Vingadores. Ficar em Wakanda nunca fez sentido para ela, nem em tempos de paz, não faria sentido agora. podia, finalmente, se libertar das raízes que a prendiam no país. Um sonho que tinha há tantos anos, mas que estava cobrando dela um preço alto demais para ser realizado. Um preço que ela, definitivamente, não queria pagar.
O caminho de volta até os Estados Unidos foi ridiculamente silencioso. Diferente da ida, em que podiam ouvir e Sam rir, se provocar e atualizar um ao outro sobre o tempo que passaram distantes, separados, a volta foi estranha, solitária, cansativa. Nenhum deles tinha o que dizer ao outro, nenhum deles sabia como confortar nem a si mesmo, como poderiam apoiar-se? Espalhados pelo jato que era pilotado por Steve, , Thor, Natasha, Rhodes, Bruce e Rocket olhavam-se, tentavam descansar, colocar as ideias no lugar, acalmar-se. tentou ligar mais algumas vezes para seus pais, o fio de esperança que ter sido uma terrível coincidência eles não atenderem, mas nada. Ligação após ligação sem resposta. Thor se perguntava mentalmente o que teria acontecido com o que restou de seu povo, de Asgard, para onde teriam ido e do que estavam precisando. Se pegou pensando, ao longo da viagem, em Jane. Em tê-la perdido também, como perdeu seus pais, seu irmão, como assistiu perder tudo.
Bruce e Rhodes dividiam a sensação de tristeza e de impotência, mas sabiam que não estavam sequer perto da dor que e Thor estavam sentindo. Bruce era um homem solitário. Há anos já não tinha mais uma família e o mais perto que chegou a ter de uma, de ter uma relacionamento, estava bem ali, diante dele. De tudo que havia acontecido, de todos os sumiços e perdas, Stark era, definitivamente, a única pessoa que impactava Bruce diretamente. O único amigo que ele realmente perdeu naquela batalha. Rhodes sentia muito por Tony, mas também por Sam. Ligados pelo passado militar e por terem se juntado aos Vingadores na mesma época, pelos mesmos motivos, o laço mais profundo quebrado havia sido com o Falcão. E ninguém além dele.
Igualmente solitária, Natasha cogitou tentar encontrar sua irmã, mas não sabia se era uma boa decisão. Já tinha perdido pessoas o suficiente em sua vida, não tinha mais tanto contato com Yelena, ir atrás dela podia ser um novo erro. Uma nova dor. Tão chocada quanto , Nat não conseguia encontrar uma resposta racional para o que tinha acontecido. Ela havia sido soterrada por Thanos e, cinco minutos depois, assistiu às pessoas ao seu redor desfalecerem feito pó. O Titã havia desaparecido, fugido, tão rápido e inesperadamente quanto apareceu, e foi isso. Nada mais, nada menos. Para alguém tão racional, tão imersa em estratégias, planejamentos, números e esquemas sequenciais, treinada para entender profundamente missões, conhecer como ninguém conhecia seus inimigos, Natasha estava absorta. Tudo aquilo tinha sido irracional, incomum e inesperado.
Rocket, enfim, acostumado a guerras e sempre sedento em se envolver nelas, não cogitou nem por um instante a possibilidade de perder. Tinha Thor, aquilo deveria ter bastado. Conhecia Thanos e conhecia as histórias sobre ele que rondavam a Galáxia. Conhecia as Joias do Infinito, seus poderes e suas potencialidades. Mas, ainda assim, apesar de ter consciência de tudo aquilo, não esperava, em hipótese alguma, ser derrotado. Em silêncio, sentado ao lado e observando a garota da franjinha, que aparentemente era irmã ou a mãe perdida de Groot, jogar o celular que segurava para longe dela, no chão, ele se perguntou onde estavam Gamora, Quill, Drax e Mantis. Onde estavam, se é que ainda estavam.
Do piloto, Steve manteve-se virado para frente, focado em fazê-los chegar o mais rápido possível no Complexo. Não havia nada, em cem anos de idade, que não pôde resolver. Tudo tinha tido uma solução até ali, ele sempre tinha dado um jeito, o seu jeito. Não carregava o símbolo da América à toa, não era reconhecido por derrotas, nem por falhas, nem por desistências. Ele sempre tinha uma solução. Tinha que encontrar uma agora também. Imerso em seus pensamentos, Steve viu o radar no avião interceptar algo, assim que chegaram no Complexo e, antes mesmo que pudesse sair do jato, agentes do governo já o esperavam, um tanto desesperados.
A pedido de Steve e puxando a pequena mala de rodinhas que havia carregado consigo, com roupas e pertences pessoais, passou direto pelos agentes do governo, sem sequer notar quem deles estava lá ou o que exatamente queriam. Bruce a acompanhou, para ajudá-la com os primeiros cuidados médicos que precisava receber, enquanto Thor e Rocket vinham atrás. Natasha, Steve e Rhodes ficaram para trás para resolver aquela questão, que, apesar de inusitada, parecia pacífica. Já era esperado que fossem procurados para, ao menos, contar o que aconteceu. Talvez pudessem unir forças.
seguiu com Bruce até um dos cômodos, que parecia um pequeno laboratório médico. Bem iluminado e com uma vista bonita ao jardim lá fora, o cômodo era como um quarto de hospital, elegante e amplo. Tinha uma maca confortável no centro, onde Bruce pediu para ela se deitasse enquanto aprontava os utensílios que usaria. Sobre a maca, saindo do teto, um aparelho de regeneração celular com alta tecnologia, que reconheceu assim que colocou os olhos nele. Com móveis claros e bem organizados, aquele lugar não parecia ser usado há muito tempo. girou sua tornozeleira, como se rosqueiasse, três vezes seguidas até desativar a trava de segurança dela. Em algum momento irrelevante da luta, o mecanismo de abrir e fechar o macacão na tornozeleira foi comprometido e, nesse caso, só conseguiria se livrar da roupa pela trava de segurança.
No exato mesmo segundo em que terminou de rosquear a tornozeleira, seu traje pulsou para a frente, como se ficasse, de repente, dois ou três números maiores e abriu-se. Sem mais adrenalina alguma, exausta, sentia cada centímetro de seu corpo latejar de dor, enquanto tirava o macacão. Dezenas de marcas roxas, amarelas e vermelhas estavam espalhadas por seu corpo, manchas de porrada, de pancadaria, marcas que se sobrepunham às dezenas de cicatrizes que tinha. Bruce tentou não ser indiscreto, observando a mulher totalmente machucada deitar-se na maca com cuidado, sem pressa. tinha dado tudo o que ela tinha naquela guerra. E aquilo só tornava as coisas ainda piores para ela.
Em silêncio, tentava afastar de si as lembranças de Bucky, enquanto Bruce removia o coldre improvisado em um torniquete no braço dela. De onde estavam podiam ouvir as vozes de Rhodes e Natasha conversarem com outros homens, mas não era possível entender claramente o que diziam. Pareciam contar resumidamente o que tinha acontecido, qual era o problema e por que metade da população da Terra havia desaparecido sem mais nem menos.
Bruce deu uma olhada com cuidado no machucado que, novamente exposto, tirava da mulher algumas arfadas baixas de dor. A região do bíceps estava bastante comprometida, o corte arredondado pareceu ter arrancado até parte da carne dela. Estava fundo, com muito sangue escorrendo e, pelo tempo que demoraram para chegar até ali, pontos não eram mais uma opção. Depois de explicar brevemente para ela como a máquina que no teto acima de onde estava deitada funcionava, a regeneração do tecido começou a ser feita. Dez minutos depois, com um incômodo estranho que não chegava a doer exatamente, sentava-se na maca com um braço novamente fechado. Já tinha perdido a conta de quantas vezes a tecnologia a havia salvado naqueles anos todos. Aquela era só mais uma vez.
Suja de sangue, de poeira, de terra, de suor, Bruce viu passar as mãos pelo rosto em claro sinal de irritação e de canseira. Ela estava acabada. Física e mentalmente destruída. Não havia sobrado mais nada de naquele dia, ela precisava descansar, recuperar-se. Todos eles precisavam. Puxando um jaleco qualquer em uma das gavetas do armário mais próximo à ele, Bruce cobriu os ombros de , que ainda vestia apenas a lingerie, recebendo um tímido “obrigada” em agradecimento. A mulher, então, o acompanhou para fora do cômodo, enrolando-se no jaleco como se fosse um cobertor enquanto puxava sua mala, e o seguiu pelos corredores afora do Complexo, até ser assentada em um dos quartos de hóspedes.
Impessoal, em tons claros e terrosos, o quarto parecia como um quarto de hotel luxuoso. A cama de casal bem arrumada e macia ao centro ia em cima de um tapete felpudo claro. O assoalho de madeira abafava o som e as luminárias, que pendiam do teto até quase o chão aos lados da cama, davam ao ambiente uma iluminação amena, aconchegante e calma. Um clima bem diferente do que estava sentindo. Deixando um suspiro pesado sair, ela entrou no quarto e assim que virou-se para fechar a porta, ouviu Bruce comentar baixo e amigavelmente:
— Fique à vontade. Se precisar de algo, meu quarto é o segundo, à direita — Ele apontando para o fim do corredor. assentiu, olhando-o.
— Obrigada, Bruce.
Sem perder mais tempo, querendo deixar sozinha e também ir descansar, Banner concordou em silêncio com a cabeça e virou de costas para ela, caminhando sentindo seu quarto. Contudo, parecia que havia algo a ser dito. Algo que ele estava carregando desde que a viu desesperada em Wakanda, desde que ele percebeu que ela havia perdido tudo. Mais do que qualquer um ali, de família a pessoas amadas, parte de seus poderes, tudo. Tímido, um tanto incerto, ele parou de caminhar alguns passos de distância da porta do quarto dela.
— ? — Ele chamou baixo uma vez mais, suas mãos nos bolsos da calça. levantou seu olhar até ele outra vez, parada no batente da porta — Eu sinto muito. Mesmo.
Uma vez mais naquele dia, a mulher sentiu seus olhos encherem de lágrimas. Ela também sentia.
Sentia muito. Mesmo.
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não sabia direito quanto tempo dormiu, mas certamente não foi muito. Estava exausta depois que tomou banho e, sem resistir a pressão que seu corpo fazia por descanso, ela deitou-se na cama e apagou. A mudança de fuso-horário, de Wakanda para os Estados Unidos, marcava uma diferença de sete horas a mais, o que fez com que a chagada deles no novo país fosse ainda de tarde, como se tivessem voltado no tempo, como se aquele dia maldito não acabasse nunca. não se importou em ver que horas dormiu, mas acordou com o relógio da beirada da cama marcando três e trinta e cinco da manhã. Estava mais calma e, descansada, mas, ainda assim, destruída por dentro, com dores físicas por fora. A última vez em que acordou também havia sido de madrugada. Mas diferente daquela vez, tinha acordado com o pesadelo de Bucky, tinha acordado com Bucky. Bucky. Como se uma onda feroz de tristeza a tomasse de uma única vez, apertou o edredom que a cobria com força e fechou os olhos. A imagem de James sendo feito pó diante de seus olhos enchiam sua mente como um looping infinito, como se fosse uma lembrança terrível e irreal.
Perdida em seus próprios pensamentos, levantou-se preguiçosa da cama e, evitando pensar se seguiria os mesmos passos da última vez em que teve uma manhã normal, que acordou com Bucky e tomou banho com ele, ela rumou ao banheiro. Em um banho breve apenas para acordar, não demorou mais do meia hora para sair do quarto em direção a qualquer lugar que a pudesse distrair minimamente, que a pudesse ajudar a tirar de si todos aqueles pensamentos deprimentes e culposos, imponentes. Os largos corredores do Complexo estavam iluminados com luzes amareladas e baixas, o silêncio do lugar gritando o desespero que todas as pessoas que ocupavam os quartos dali sentiam. caminhava sem pressa, os saltos medianos da sandália que vestia sendo abafados pelo carpete, a calefação aquecendo a casa enquanto o dia se preparava para amanhecer lá fora. O nascer do sol que seus pais amavam ver. E que não veriam mais.
Estressada, emocionalmente sobrecarregada, começou a cantar baixinho uma música de Stromae, que tanto amava e que, sem que ela percebesse, inconscientemente, fazia tanto sentido naquele momento, era quase um suplício.
— Où est ton papa? Dis-moi, où est ton papa? — Ela sussurrava a letra da música enquanto caminhava a passos lentos, suas mãos passando tristemente pelas paredes dos corredores — Sans même devoir lui parler, Il sait ce qu'il ne va pas — Por que tinham levado seus pais? Por que eles? — Un sacré papa, dis-moi où es-tu caché? Ça doit faire au moins mille fois que j'ai compté mes doigts. Hé, où t'es? Papa où t'es?
Mas bastou entrar na sala de estar para calar-se de uma vez. Na mesma sala em que esteve dois dias atrás, quando foi levada da Escócia até o Complexo, em que puderam encontrar Bruce e repassar o que estava acontecendo. A mesma sala que dividiu com Sam, que recebeu Wanda e que tinha Visão ainda vivo. No sofá mais ao canto, perto de onde Sam havia sentado da última vez, uma figura masculina imponente, de cabelos loiros e cabeça baixa, estava sentado. No meio da sala escura, vestindo roupas de moletom, Thor subiu seu olhar até , que, sem perceber a presença dele em um primeiro momento, interrompeu o profundo devaneio em que ele se encontrava.
Os olhos claros do homem estavam brilhantes como estrelas e seu rosto molhado pelas lágrimas. Muito diferente de quando chegou em Wakanda, surgindo do céu como uma salvação milagrosa. Muito diferente da fúria que transbordava quando tentou matar Thanos, acertando-lhe o peito em cheio. Muito diferente da imagem do deus do trovão que a mídia fazia dele. Thor estava em pedaços. Talvez em tantos pedaços quanto . Estava deixando-se transbordar, deixando suas fraquezas saírem, permitindo-se sentir a dor que carregava no peito desde que viu Thanos alcançar seu objetivo. Thor estava solitário, deprimido e raivoso.
Vestindo uma calça de alfaiataria branca, de cós alto, e um top cor de areia em tricot e de alças largas, com um sandália de tiras finas e salto baixo, igualmente branca, Thor reparou em parado em pé, próxima a entrada da sala. Seus cabelos longos estavam soltos e seu rosto parcialmente machucado, por ter tido sua cara enfiada no chão por Thanos. Diferente do dia anterior, em que estava cheia de sangue pelo corpo e transtornada como um planeta em decomposição, parecia mais calma, apesar do olhar inexpressivo, perdido, nele. Thor não esperava encontrar ninguém ali, ao menos não àquelas horas. Tinha virado a madrugada em claro, depois de tomar banho, e não queria encontrar ninguém. Por isso, só deixou seu quarto depois que teve certeza de que não havia mais ninguém nos corredores e, ouvindo as vozes de Steve e Natasha em uma das salas, migrou para outra mais distante, onde poderia isolar-se e refletir.
Nunca havia sido bom em demonstrar suas vulnerabilidades. Criado como um deus, para ser um rei, Thor não teve muito espaço para os fracassos, para as perdas e nem sequer para tristezas. Tinha que engolir suas angústias, seguir em frente, combater a dor como combatia inimigos, não havia tempo nem lugar para sentí-la. Seu pai o havia preparado para aquilo. Mas ele já não estava mais lá. Nem ele, nem sua mãe, nem mesmo Loki, nem Heimdall ou qualquer outro asgardiano. Sequer havia Asgard mais para contar história. Tudo em que Thor havia se formado, suas bases e suas origens, estava arruinado, tudo já não mais existia para ele. Não fossem apenas os infortúnios da vida, às perdas pelo tempo, às baixas pelas ideias erradas que seu irmão tinha, Thanos havia aparecido e levado consigo o pouco que havia sobrado para ele.
— Ele matou meu irmão — Thor disse baixo, sem realmente saber o por que estava dizendo aquilo, seus olhos presos nos de — O enforcou. Na minha frente.
Curvado para frente, com os cotovelos sobre os joelhos, o homem engoliu o choro que, uma vez mais, se formava. segurou a respiração por um segundo, colocando as mãos nos bolsos de sua calça, ainda parada e em pé de frente para ele. Não sabia o que fazer ou o que falar. Dizer que sentia muito era inútil. Não traria ninguém de volta, não ajudaria Thor e não era suficiente. Nunca seria suficiente.
— Minha mãe se foi. Então, meu pai. Perdi o meu reino, meu… — Ele continuou dizendo baixo. A passos silenciosos e delicados, caminhou até ele — Então ele veio. Dizimou meu povo, assassinou meu melhor amigo e, depois, meu irmão. E eu tive a chance de matá-lo, ele estava lá… bem diante de mim, ele estava lá — Nervoso, Thor apontou para sua frente, vendo a mulher sentar-se ao seu lado, atenta à cada palavra que ele dizia — Eu tive a chance, tive a oportunidade de matá-lo, de vingar toda dor e sofrimento que ele espalhou pelo Universo, todas as mortes… mas eu não…
Thor soluçou, atrapalhando-se nas próprias palavras. Sua respiração estava falha, descompassada.
— Não foi culpa sua — sussurrou, seus olhos enchendo-se de lágrimas. Ela estava lá. Estava lá quando Thor o atingiu, ela viu o que havia acontecido. Ele havia tentado, como ela tentou, como todos eles tentaram. Não tinha sido culpa dele, mas Thor a ignorou.
— Ele disse… ele me disse que eu deveria ter acertado na cabeça. Eu deveria. Deveria.
não disse mais nada. Sabia o quanto aquilo era doloroso. Sabia o quanto doía. Colocando sua mão delicadamente no ombro dele, assistiu Thor chorar ao seu lado, sem dizer mais nenhuma palavra. Cobrindo seu rosto com as mãos, o homem deixou-se levar pelo momento, colocando em lágrimas, mais uma vez naquela madrugada, tudo o que sentia. Não conhecia . Mas talvez, ter a acompanhado e entendido o quanto ela havia perdido naquela luta, tanto quanto ele, o tivesse dado um conforto diferente. Ela sabia que ela entendia sua dor. Entendia porque também a sentia.
Doía demais nele. Doía nela.
Doía como o inferno.
E não passaria tão cedo, para nenhum dos dois.
Em silêncio profundo, enquanto confortava carinhosamente Thor, pensou em Bucky, em Sam, em Karl, em Everett. Pensou em T’Challa, em Shuri. Em seus pais biológicos. Em tudo que havia perdido na vida e em quanto parecia que, não importava como, ou quando, ou onde, ela estava fadada à solidão. Como Thor também estava.
— Meus pais também sumiram — Ela falou em um sussurro baixo, sua voz falhando em dizer aquilo em voz alta, seus olhos cheio de lágrimas chamando atenção de Thor, que respirava fundo a seu lado, com a cabeça ainda baixa — T’Challa e Shuri eram minha família. E Sam. E Bucky também, ele era meu...meu…
Limpando a lágrima que escorria, não conseguiu encontrar palavras suficientes para completar aquela frase. Thor levantou seu olhar até o dela, concordando leve com a cabeça, como se a desse apoio, como se dissesse silenciosamente que ela não precisava dizer nada daquilo.
— Eu estava lá com você, eu vi o que aconteceu. Se não ter matado Thanos é culpa sua, também é minha. Nós não… nós poderíamos… — Ela engoliu em seco — Não tivemos nem a chance de lutar contra ele.
— Ele se preparou para isso há décadas. Dizimou planetas inteiros antes de chegar aqui — Thor sentiu a mão delicada da mulher escorregar de seu ombro até o colo dela. pareceu ligeiramente chocada com aquelas informações, sua testa franzindo — Thanos reuniu as Joias, não temos como lutar contra elas juntas, não íamos conseguir, não sozinhos. Onde estava Stark?
— O ataque que sofremos em Wakanda foi o terceiro. Tony tentou segurar o primeiro deles, sozinho, e desapareceu — respondeu triste.
— Barton?
— Tivemos alguns… problemas com o governo nos últimos anos. Nos dividimos, Clint ficou do lado que foi punido e teve que se aposentar para poder ficar com sua família — respondeu breve, deixando um suspiro escapar — Era isso ou ficar preso.
Sem entender direito aquela conversa, Thor perguntou a como foi que tudo havia chegado àquele ponto e, sem medir palavras, ela contou ao homem o que havia acontecido nos últimos dois anos e meio. Thor sabia que tinha perdido muita coisa, mas, igualmente, tinha vivido outros tantos problemas nesse meio tempo. Meia hora depois, recostada no sofá ao lado do homem jogado, do mesmo modo, perguntou baixo, pensativa:
— Para onde Thanos foi?
— Eu não sei — Thor respondeu sincero, negando levemente com a cabeça — Conheço as joias separadas, juntas não sei como operam… bom, não sabia, até ontem.
— O que ele fez…? — perguntou outra vez, a pergunta que estava entalada em sua garganta desde que tudo aconteceu. Seu coração acelerou ligeiramente — As pessoas que sumiram, elas… estão mortas?
Thor pensou por um momento. A esperança era o que separava ele de . Tudo que Thor havia perdido, de fato perdeu. Suas pessoas, sua família, seu povo, seus amigos, estavam todos mortos. Mortos de fato. Não havia retorno ou possibilidades, só a morte. Mas para era diferente. Todas as suas pessoas, sua família, seu povo e seus amigos tinham sumido. Sem explicação, sem precedentes, tinham virado poeira e suas poeiras também sumiram. Se Thanos havia desaparecido, havia a possibilidade de ter levado essas pessoas com ele? Estavam ou não mortos? Thor respirou fundo e ajeitou sua coluna no sofá. Os olhos de pareciam esperançosos.
— Eu não sei também. Me desculpe.
— Tudo… bem — suspirou, abaixando seu olhar até o tapete em claro sinal de frustração. Thor era a única pessoa ali, com eles, que poderia ter informações consistentes, que poderiam ajudá-los a entender o problema e a solucioná-lo. Mas se aquilo era novidade até para ele, como poderia reagir?
Desajeitado e tímido, acompanhando os longos minutos de silêncio da mulher, Thor colocou sua mão no braço de , deixando ali meia dúzia de tapinhas delicados e carinhosos, consoladores. Perdida em tantos pensamentos, colocou uma mão em cima da do homem, em seu braço, e o olhou, dando-lhe um sorriso triste que, do mesmo modo, foi retribuído.
— Não foi culpa sua, Thor — Ela comentou baixo outra vez.
— Nem sua, fada da natureza — Ele respondeu a olhando de volta, vendo-a desviar o olhar dele, assim que ouviu o apelido. O apelido. O apelido que Sam a chamava.
— Você sabe o que o governo queria aqui? — Tentando afastar a imagem de Sam de sua mente, ela perguntou. Thor logo tirou sua mão dela, virando seu corpo, ainda sentada, em direção a , para ficar de frente.
— Entender o que aconteceu e deixaram um objeto, que encontraram em um algum lugar, com Steve — Ele respondeu baixo, sua voz era baixa e grave.
— Um objeto? — A mulher perguntou confusa. Aquilo podia mudar tudo.
— Parece um comunicador terráqueo antigo, mas ainda não sabemos o que é — Thor concordou com a cabeça, olhando — E levaram a carcaça da criatura portadora da joia embora, por segurança.
Visão.
Haviam trazido com eles, de Wakanda, o corpo de Visão. Era claro que, assim que tomassem conhecimento do ocorrido, por segurança, o Departamento de Defesa confiscaria o que restou da única criação artificial de vida da história da humanidade. Teriam posse da maior e mais cara criação de Stark, poderiam dissecá-lo e estudá-lo e, esperava que não, replicá-lo. Coberto em vibranium, o corpo de 3 bilhões de dólares de Visão valia mais em dinheiro e em tecnologia do que qualquer outra coisa no mundo.
não entendeu o por que Steve deixou que levassem o corpo dele embora. Visão era tratado e vivia como um ser humano normal. Deu sua vida, corajosamente, para tentar salvar o universo. Merecia um fim digno, pacífico e tranquilo. Merecia descansar. Deveria acontecer com ele o que Wanda queria que acontecesse, porque ela o conhecia, ela sabia de suas vontades, e não o que Steve achava certo a ser feito. Mas não diria nada. Não poderia interferir naquilo, porque não conhecia as intenções verdadeiras do governo e também não conhecia Visão. Temia pelo vibranium, mas sabia que Wakanda o estava rastreando desde que Klaue o roubou.
— Mais alguém está acordado?
— Todos estão. Na sala de projeções — Ele respondeu breve, mas pensou por um momento — Na verdade, não vi a lebre, acho que deve estar dormindo.
concordou com a cabeça e levantou-se, sendo seguida pelo homem. Queria ver o que era aquele objeto que Thor havia se referido. Se ele fez com que agentes do governo fossem até o Complexo esperar pelo Vingadores para entregá-lo era, no mínimo, curioso.
— Você também deveria dormir um pouco — comentou serena, preocupada, olhando Thor caminhar ao seu lado para fora da sala e parar assim que chegaram diante do corredor.
— Vou tentar — Ele respondeu a olhando uma vez mais e, direcionando seu corpo para o sentido oposto de onde intencionava ir, completou, com um sorriso fraco nos lábios: — Obrigado.
A mulher retribuiu o sorriso, sem emoção, o encarando de volta.
— Meu pai sempre diz… — ela engoliu em seco, colocando suas mãos nos bolsos da calça — ...dizia que só curamos uma dor quando achamos espaço para expô-la. Só aprendemos a digerir o que sentimos quando compartilhamos nossas dores, é... importante — Amarga pela lembrando de quando Everett havia dito aquilo à ela, se referindo ao luto dos próprios pais biológicos, soltou uma risada nasalada, fraca — O luto é um processo. É violento, é penoso. Mas é mais fácil se passarmos por ele juntos.
— Seu pai parecia uma pessoa nobre, honrada — Thor comentou sincero e emocionado pelas palavras dela, reparando o sorriso triste da mulher — Ele habita a proteção de Odin agora. Vamos ficar em paz, . Não vamos?
Paz.
Não sabia responder àquela pergunta. Com os olhos cheios de lágrimas, Thor assistiu a mulher inesperadamente dar-lhe um abraço amoroso e muito, muito, reconfortante. Um abraço como nunca antes teve, um abraço sincero, amigo, acolhedor. Deixando as lágrimas escorrerem tímidas pelo rosto robusto, ele aceitou e retribuiu o abraço dela por um momento, sem saber direito o por que estar fazendo aquilo por ele ou o por que se sentia conectado à ela. Se sua mãe, Frigga, ainda fosse viva, ela certamente diria que havia laços amarrados em suas existência e, por isso, em algum momento da vida, ele encontraria e se conectaria com . Thor nunca acreditou nas teorias de conexões de sua mãe. Respeitava, mas não acreditava. Mas abraçando a mulher nova em sua vida, bem ali, bem naquele momento, ele pensou que, talvez, sua mãe pudesse ter um pouco de razão.
Sem dizer mais nada, o soltou, o encarou por mais alguns segundos e, então, virou-se para o caminho que teria que percorrer pelo corredor, para ir em busca dos demais. Thor a acompanhou com os olhos e, exausto pelo turbilhão de emoções ruins que estava sentindo, foi de volta para seu quarto. Dormir poderia ser, naquela situação, a melhor opção que tinha no momento. , por outro lado, não demorou mais do que dois minutos até ouvir novas vozes pela casa, indo sem pressa em direção à elas.
Do sala que Thor havia nomeado como “sala de projeções”, um cômodo central no Complexo, com uma mesa grande amparada por alta tecnologia, como a que tinha em seu laboratório para que A.R.I.A. abrisse tudo o que precisasse em forma de hologramas, cadeiras e poltronas ao redor e discretos móveis, viu Steve e Natasha observarem as imagens ao centro. Em tons azulados, o holograma aberto em cima da mesa trazia um mapa mundi e uma dezenas de cálculos que se atualizavam por regiões do mundo e, em seguida, por países, em segundos, como se estivesse fazendo uma contagem automática. Steve, vestindo uma camiseta branca lisa e, pelo cabelo bem penteado, recém tomado banho, desviou seu olhar do holograma até a mulher que se aproximava. Pareceu preocupado com mas, ainda mais, com o que via na projeção à sua frente.
— Você está bem? — Ele perguntou sério, vendo-a assentir com a cabeça e olhar para Natasha que, igualmente vestindo roupas casuais, a encarava do mesmo modo, transbordando preocupação.
Pelos olhares e pela aparência, podia imaginar que, assim como ela, os dois também tinham conseguido dormir um pouco, mas não o suficiente. Abalados pelo o que estavam vivendo, suas mentes não conseguiam simplesmente desligar, ignorar o fato de, mesmo indiretamente, serem os responsáveis por aquela catástrofe, por terem perdido tanta gente, por simplesmente terem perdido.
— O que é isso? — perguntou baixo, aproximando-se da mesa, seus olhos caindo sobre o holograma com atenção e cuidado. Não precisou, contudo, que nenhum deles respondesse para entender. Estavam recebendo os números atualizados de desaparecidos no mundo todo. País por país. Cinquenta por cento de toda a Terra.
— Isso é um pesadelo — Steve sussurrou tão baixo que mal pode ser ouvido. Seus olhos cravados no número de desaparecidos globalmente a sua frente, que não parava de aumentar.
— Eu já tive pesadelos melhores — Nat murmurou de volta, igualmente atônita. Do outro lado da mesa, acompanhava silenciosamente os números de países da europa se atualizarem, ao tempo que pequenas telas quadradas com notícias se abriam ao lado. Estavam vivendo o inferno.
Mas não deu tempo de nenhum deles dizer mais nada. Rhodes apareceu logo atrás de Steve, por uma das portas contrárias à que havia entrado no ambiente há pouco. O Coronel parecia preocupado, tinha uma expressão tensa.
— Ei!? — Ele chamou atenção dos outros três, que viraram-se até ele — Aquela coisa parou de fazer o que estava fazendo.
Steve e Natasha se entreolharam preocupados, um tanto confusos. Mas, ainda mais perdida do que eles, deu alguns passos largos, os acompanhando até onde Rhodes saiu em seguida, corredor afora da sala de projeções. podia imaginar que estavam se referindo ao objeto que Thor havia comentado com ela, e o motivo pelo qual ela estava ali. O que quer que fosse que o governo havia deixado com eles, não era comum à Steve e Natasha, porque claramente não estavam sabendo lidar. Pouco passos depois, em um cômodo menor, mas, ainda assim, lotado de tecnologia, viu o que era o objeto.
Como Thor havia descrito, parecia um comunicador antigo, feito nos anos 1980 provavelmente, usado para lançar sinais e não propriamente para falar ou trocar mensagens. Retangular, pequeno e em tons de cinza, ele parecia desligado e tinha sido colocado dentro de um suporte de manuseio mecânico, automatizado e envolto por um vidro temperado. Naquela altura do campeonato, qualquer coisa que fosse minimamente estranha precisava ser tratada por eles com o máximo de cuidado possível. Não podia correr mais riscos. Não podia mais jogar à sorte qualquer que fosse a situação que não sabiam plenamente como lidar. Thanos já tinha sido o bastante.
— O que temos? — Natasha perguntou para Bruce, assim que entraram. Os quatro logo se espalharam pelo cômodo, atônitos, curiosos e um tanto sem entender o que acontecia.
— Seja qual for o sinal que estava enviando, acabou desligando — Vestindo seus óculos, com uma camisa social e de calças jeans, Bruce respondeu encarando o objetivo e, através dele, do outro lado do vidro, Steve, , Natasha e Rhodes se aproximarem ainda mais.
— Achei que tínhamos contornado a bateria — Steve respondeu sério, encarando o objeto.
— E tínhamos — Cruzando os braços, parado ao lado de , a sua esquerda, Steve e Natasha a direita, Rhodes respondeu — Continua ligado, apenas… apenas parou.
— Alguém, ou algo, recebeu o sinal — comentou baixo e séria, desviando seu olhar do objeto até Rhodes a seu lado e, em seguida, Steve, enquanto cruzava os braços — Ele corta a transmissão assim que alguém aceita o sinal — Ela apontou para o aparelho com uma mão, sua testa franzida — Quando era criança, tive um desses, para conseguir avisar meus pais em caso de perigo.
Steve parou para pensar por um segundo, aquilo fazia sentido.
— Reinicie. Vamos enviar o sinal novamente — Steve pediu para Bruce, que logo rebateu, gesticulando apreensivo, enquanto parava ao lado de Natasha, de frente para o aparelho e de costas para a porta, como os demais:
— Nem sabemos o que é isso.
— Fury sabia — Natasha murmurou, atraindo a atenção silenciosa de no mesmo segundo. Fury? O Fury que impediu seus pais biológicos de irem atrás dela quando foi sequestrada? Aquela história estava ficando ainda pior. Com os olhos vidrados no aparelho, ela continuou: — Só reinicie, por favor. E me informe assim que receber um sinal. Quero saber quem está do outro lado dessa coisa.
Natasha virou-se levemente de lado olhando , que concordou levemente com a cabeça. As duas trocaram olhares tensos por um segundo e respondendo a pergunta de Natasha, mais rápido do que pensavam e inesperadamente, assim que as duas se viraram de costas sentido a porta da sala, uma figura totalmente desconhecida estava parada ali, as encarando.
Loira, com os cabelos lisos e vestindo um traje nas mesmas cores do de Steve, com uma estrela no peito, a mulher desconhecida tinha uma expressão descontente, séria e bastante combativa. Estava nitidamente na defensiva, com um ar terrível de arrogância. Parecia querer atacar, não conversar. Por instinto, Natasha deu um passo à frente, peitando a mulher, enquanto fechou as mãos em punhos. Steve, Bruce e Rhodes viraram-se ao mesmo tempo, assim que notaram o clima estranho, um tanto assustado, do ambiente. Aparentemente nenhum deles conhecia essa nova figura. E ela, pelo visto, e pelo o que perguntou a seguir, também não conhecia nenhum deles.
— Onde está o Fury?
Um a um, internalizados pela dor, pela perda, pela sensação de impotência, de desespero, de impossibilidade. Cada estágio em seu tempo, em sua intensidade, amargos como o sabor das lágrimas que não secam nunca, abertos como feridas que só fecham com o tempo. Negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Cada estágio, único, violento e silencioso, como a morte em si mesma. A existência que se desfaz pela inexistência do outro. Cada momento em viver e reviver a experiência de ter alguém tirado de si, de ter sido tirado de alguém. Os laços que se rompem, as conexões que caem, as amarras que se quebram. Memórias apertadas em sentimentos que perduram, que aprofundam-se, que sufocam até asfixiar.
Dizem que o luto, apesar de tudo, é necessário.
E cada um dos estágios tem um papel fundamental nesse processo. O tempo curando, com a responsabilidade que só ele tem. A esperança que renasce, as memórias boas que se enraízam como plantas, como flores, que brotam em sua sazonalidade, em tempo, em clima perfeito, mas murcham quando não há de ser. O luto é sempre necessário. A negação que vira conformidade, a raiva, calmaria. A barganha, uma negociação perdida, rendição. A depressão transforma-se em cura e a aceitação, finalmente, nos liberta. O luto é corrosivo. Seus estágios avançam lentamente, ao tempo em que os corpos reduzem-se à poeira. Lentamente, à poeira. Com o tempo. Mas como pode haver luto quando não há tempo? Quando os corpos viram poeira sem processo, em instantes? Para que haja luto, para que haja processo, estágios e curas, é preciso que haja corpos, que haja decomposição e, só então, poeira.
Não havia mortos, não havia a possibilidade de luto. Quais eram, afinal, os estágios para o que tinha acontecido? Desaparecimento? Desintegração? Estavam realmente mortos, para começo de conversa? T'Challa, Sam, Bucky, Wanda, Groot. Como a cura é possível quando não se sabe exatamente o que machuca? Como há cura, como há luta, se não há corpos a velar, se não há explicações, se não há nada além da dor? Espalhados pelo laboratório de , em um silêncio profundo e apavorados, nenhum deles, dos que sobraram, sabia responder àquelas perguntas.
Pouco mais de meia hora havia se passado desde que Thanos desapareceu e, com ele, cinquenta por cento de todo o universo. Desesperados sem entender o que tinha de fato acontecido e amedrontados pelo o que encontrariam pela frente, Okoye os conduziu de volta para o Palácio. Rhodes ajudou Steve a carregar o corpo de Visão, e Natasha vinha com Bruce, que abandonou sua armadura, mais atrás. Thor carregava , caminhando ao lado dela enquanto a segurava, com Rocket junto à eles. estava em estado de choque, não menos do que aquilo. Chorava quieta e, vez ou outra, pelo caminho, chamava por Bucky e por Sam baixinho, como se os pudesse trazer de volta, como se tudo aquilo fosse um devaneio irreal e atormentador, um pesadelo que queria a todo custo acordar.
Mas não era. E cada segundo que se passava, cada pessoa horrorizada e desesperada que encontravam pelo caminho, tão apavorada e confusa quanto eles, reforçava a dura realidade que estavam vivendo. Os olhos que antes carregavam admiração e expectativa em ver aquele grupo de perto, em ter os heróis mais poderosos da Terra prontos para vingar o que quer que fosse, já não eram mais os mesmos. Não mais brilhavam em emoção. Brilhavam, agora, em lágrimas. Silenciosos, receosos e preocupados, os olhos perguntavam o que tinha acontecido e por que eles não haviam conseguido resolver o problema, por que tinham deixado tudo chegar naquele ponto, terminar daquela forma.
sentiu seu estômago revirar assim que encontraram Ayo no caminho. Espantada, com o rosto machucado, sua voz saiu quase que em um sussurro quando, entre tímidas lágrimas, contou que Shuri havia desaparecido, sem mais nem menos, bem diante de seus olhos. Tinha virado pó, mas já não havia mais pó, não sabia para onde ela tinha ido, nem o que tinha acontecido. Tão perdida quanto ela, Okoye já não aguentava mais segurar a fraqueza, o desespero e a angústia que estava sentindo e, encarando como se ela fosse a única pessoa de sua família que havia sobrado, Okoye chorou. Parada no corredor do laboratório de , a General chorou silenciosamente até que, como se uma bomba tivesse caído nela, ainda mais aflita e dominada pelo medo do que antes, ela correu para longe deles em busca de W'Kabi. Orando a Bast com toda a intensidade que restava em si, Okoye suplicava ao sol poente que não tivesse levado consigo também o seu marido.
No mesmo instante, da mesma forma, a mesma bomba que havia atingido Okoye pareceu atingir . Entrando em seu laboratório como um furacão, trazendo os demais consigo, pediu que A.R.I.A. abrisse tudo que podia encontrar sobre os últimos eventos e que localizasse as duas últimas pessoas que ainda tinha esperança de encontrar. Bem, vivas. Sem perder tempo, a inteligência artificial começou a projetar em diferentes lugares do laboratório, pela quantidade imensa de dados que estava encontrando, imagens ao vivo de lugares mundo afora e do caos que se espalhava. Trens descarrilados, engavetamento em massa, carros empilhados, aviões caindo e derrubando prédios. Corpos de pessoas que perderam suas vidas em trágicos e inesperados acidentes. Destruição e mais poeira, pessoas correndo desesperadas sem saber para onde ir, sem saber o que deveriam fazer.
A imprensa não tinha uma explicação plausível, não conseguia sequer dar conta de mostrar tudo o que acontecia, tamanho era o caos. Parada ao lado de , de frente para Steve e Thor, com Rhodes e Bruce mais ao lado e Rocket do lado oposto, perto do finado corpo de Visão esticado em uma das macas do laboratório de , Natasha assistiu discretamente a A.R.I.A. discar sete vezes seguidas para dois números diferentes, que ela não soube identificar. Enquanto os demais estavam concentrados em ver, atônitos e paralisados, tudo o que estava acontecendo mundo afora, Romanoff observava mais ao canto afligir-se mais e mais a cada segundo.
Ela estava nitidamente bastante nervosa, seu rosto molhado pelas lágrimas parecia marejar outra vez, seus dedos batiam compulsivamente sobre a mesa a sua frente, em ansiedade. fechou os olhos por um momento, tentando respirar fundo, tentando pensar em qualquer coisa que a pudesse acalmar naquele momento, mas não havia mais nada. Sua mente estava dominada pela exaustão, pela incompreensão, pelo medo, pelo susto e pela perda. A cena de Bucky sumindo passava dentro dela como um filme emperrado, o sorriso brincalhão de Sam a pedindo para não acabar com a festa antes de ele voltar.
Ele não voltou.
Ela disse a Bucky que o veria logo. A última coisa que disse a ele. O veria logo. Ela disse.
Mas não o viu. Não o veria mais. Nunca mais?
E não fosse penoso o suficiente, deixou a sétima ligação cair sozinha, não a desligou depois de alguns toques como havia feito antes, ansiosa. Esperou. Esperou. Esperou. Seu coração saindo pela boca, suas mãos sujas de sangue suando em nervosismo, o frio ruim na barriga, de desespero, de tormenta, de pesadelo. E embora tivesse, sim, esperança, a única coisa que a retornou foi uma gravação simples, clara e objetiva. O último dos golpes que poderia ser dado para a derrubar de uma vez por todas. O pior e mais avassalador dele, para tirar dela o pouco de vida que havia restado.
— Olá, aqui é o Karl. Não posso atender sua ligação agora, mas deixe um recado e te retornarei em breve. Obrigado e até logo.
Natasha deixou as lágrimas que segurava escorrerem, seus olhos presos em e todo sofrimento que ela carregava. Todas as plantas do laboratório, sem exceção, murcharam, morreram de uma única vez no exato momento em que a ligação caiu, logo após a mensagem de voz gravada terminar. Abrindo os olhos outra vez, atormentada pela dor insuportável que sentia, fechou as mãos em punhos com violência, com força, e socou a mesa à sua frente duas vezes seguidas, chorando com tanta dor que Natasha sentiu seu coração apertar.
Caótica, desamparada e sentindo que seu mundo havia acabado, de uma hora para outra, desviou seu olhar para a grande parede de vidro do laboratório. Não tinha mais o que fazer, não tinha rumo, não tinha perspectiva. A passos lentos e com o corpo trêmulo, ela caminhou até perto do vidro. Inexpressivo, sentindo toda a dor que carregava em si mesmo transpor-se em raios que quebravam o céu lá fora com fúria, Thor deu alguns passos na mesma direção, parando ao lado de , a dois passos de distância dela. Rhodes logo fez o mesmo, sendo acompanhado por Rocket e, poucos minutos depois, absurdamente entristecido, Bruce. Steve trocou um olhar preocupado com Natasha que adiantou-se, indo a passos firmes e apressados até perto da outra mulher, parando do outro lado de . A francesa sentiu uma mão delicada e carinhosa em seu ombro, a fazendo parar de encarar os raios que caiam a sua frente pelo vidro, lá fora, e virar-se. Completamente destruída, machucada da pior maneira que se podia machucar um ser humano, a sua alma, sussurrou, olhando Natasha delicadamente a segurar e, um passo atrás dela, Steve a encarar desesperado, pálido:
— Meus pais… — soluçou — Meus pais, eles… meus pais também…
não conseguiu nem formular uma frase racional. Sua mente processava tudo o que tinha acontecido e se perguntava infinitamente onde estavam seus pais, onde estavam Karl e Everett? Eles nunca, jamais, perdiam uma ligação dela, muito menos quando estavam esperando que fizesse contato. Bucky havia dito que conversou com eles, que eles estavam bem, em Berlim, e que tinham pedido para ela os ligar assim que pudesse. Não era coincidência nenhum dos dois ter atendido. Os dois. A.R.I.A. havia feito sete ligações consecutivas para os dois números. Nenhum retorno, senão a mensagem de voz de Karl. A mensagem que teria que se acostumar a ouvir se quisesse ouvir a voz de seu pai outra vez. Eles tinham virado pó? Como Bucky? Como Sam? Como T'Challa? Como Shuri?
Steve podia ver o sofrimento absurdamente profundo de transbordar pelos olhos dela. Não tinham vida, era como se ela própria tivesse morrido. E parte dela, de fato, morreu naquele dia. Morreu como Steve havia morrido quando acordou tantos anos depois, em um tempo diferente, sem mais ninguém, sem mais nada que conhecia. Steve sabia como estava sendo para , porque foi, um dia, para ele também. perdeu muito. Perdeu absolutamente tudo. De todos eles ali, ela era a pessoa que mais tinha perdido naquele dia e Steve só se deu conta disso quando a ouviu dizer sobre seus pais. tinha perdido, de uma única vez, toda a sua família. Não havia sobrado sequer um deles para dividir toda aquela angústia, ela perdeu tudo. Como se estivesse destinada, sempre, a ficar sozinha no final das contas. Steve não tinha o que dizer e não sabia o que fazer. Queria poder tirar de toda aquela dor, queria ao menos poder dividi-la com ela. Mas como poderia? O que ele tinha a oferecer senão o silêncio e um ombro amigo?
não disse mais nada. Sustentou os olhares de Steve e Natasha sobre ela, enquanto tentava se acalmar, tentava pensar racionalmente, mas não tinha sucesso. Karl e Everett estavam mortos. Karl e Everett tinham sido levados por Thanos, o que ela faria agora? Seus pais não estavam mais lá. Limpando o rosto molhado pelas lágrimas com as mãos, voltou novamente sua atenção, com calma, até a vista, através do vidro da parede, lá fora.
Os campos verdes e calmos de Wakanda que podiam ser vistos dali, a floresta mais cheia e saudável de todo o mundo à beira de seus olhos, já não existiam mais. Em seu lugar, podia ter uma visão aérea da destruição causada pelo exército de Thanos, do que sobrou depois de toda luta, depois da guerra e da violência. Centenas de milhares de corpos mortos dos bichos espalhados pelo campo misturavam-se com corpos de wakandanos, árvores caindo, a floresta atrás pegando fogo. A redoma de proteção comprometida ainda falhava e parte da imensa e inigualável natureza ao redor estava morta, como se nunca tivesse existido ali. Tudo o que fizeram, tudo o que preveniram, tudo o que lutaram para, no final das contas, não terem sequer a chance de enfrentar Thanos. Era como Steve, Natasha, Bruce e Rhodes se sentiam, encarando a mesma vista de , ao lado dela, pelo vidro.
Mas não era como e Thor se sentiam. Pelo contrário, eles tiveram a chance. Tiveram a chance de enfrentar Thanos e, ainda assim, perderam. Ainda assim foram fracos e insuficientes. Erraram. Falharam miseravelmente e estavam vendo diante de seus olhos as consequências daquele erro. Exatamente ao lado de , Thor lembrou-se de seu pai por um momento. Da grandeza e sabedoria que ele tinha, do orgulho e da dignidade que carregava em si mesmo e em tudo o que fazia. Thor nunca, jamais, seria como ele. Como poderia? Não tinha sequer conseguido vingar a morte do próprio irmão. Era um deus farsante, falho e fraco. Thor sentiu, por um momento, vergonha de si mesmo.
Vendo o céu quebrar-se em raios logo a sua frente, propositalmente respondendo as emoções de Thor, pensou em como foi que deixou as coisas chegarem àquele ponto, em como foi que permitiu que seu país, o mais próximo de uma casa que já teve algum dia, fosse destruído daquela forma. Que seu povo fosse morto, que seu povo sumisse. Que Bucky fosse tirado dela, que seus pais desaparecessem. sentia como se seu próprio coração tivesse sido arrancado para fora de seu peito. Seus olhos passaram com calma por cada detalhe da enorme destruição que podia ver a sua frente, enquanto as projeções das notícias mundo afora sussurravam a catástrofe que outros milhares de lugares no mundo estavam enfrentando. se sentia culpada, se sentia fracassada. O que fez com Wakanda? O que deixou que fizessem com seus pais? Seus pais… custava acreditar que tinha perdido eles também, não podia ser verdade.
Não tinha qualquer recordação de sentir-se tão destruída e sem vida como daquela forma. Nenhuma dor física que se lembrava ter sentido alguma vez em sua vida chegava perto da dor que sentia naquele momento. A mesma sensação de confusão em não saber o que tinha acontecido com seus pais biológicos, a exata mesma sensação de não ter respostas sobre seu passado, a sensação sufocante e desesperadora que conviveu por tantos anos estava de volta. Ainda mais avassaladora e destrutiva. se sentia presa naquele ciclo de não entender, de perder tudo que era importante para si e simplesmente não saber o por quê, como, de que forma. Desesperada, atormentada por tudo que sentia, observando Wakanda totalmente destruída a sua frente, sua mente a levou de volta para o dia em que, consumida pela inconformidade em não encontrar seus pais biológicos, ela caminhava pelo campo perto da redoma, o exato mesmo campo que agora estava arruinado. Como costumava fazer em dias que não sabia bem como lidar com suas emoções, T’Chaka caminhava com ela, tranquilamente, dando tempo e espaço para que soltasse seus sentimentos, em palavras ou em natureza, como ela achava que deveria fazer.
— Eu só queria saber o que… o que aconteceu com eles — A jovem respirou fundo, olhando o campo verdejante ao seu redor. Com as mãos nos bolsos da túnica que vestia, o homem sorriu triste e assentiu com a cabeça. Seu olhar preso a frente, assim como o da menina ao seu lado. O dia estava bonito, nem tão quente, embora ensolarado.
— Sabe, , meu pai uma vez me ensinou, muito tempo atrás, você pode imaginar... — Ele sorriu com ternura — que há muitas coisas nessa vida que não podemos explicar, porque simplesmente não têm explicação ou porque não estamos na hora certa, preparados o suficiente, para entender. Mas nós podemos pedir ajuda, podemos pedir que nossas mentes se iluminem e que Bast, com todo seu poder, liberte tudo aquilo que precisa chegar até nós — T’Chaka parou de caminhar por um momento, virando-se de frente a menina que, do mesmo que ele, parou. Os olhos de transmitiam curiosidade quando ele estendeu-lhe as mãos — Você quer tentar?
nem sequer pensou, suas mãos foram logo colocadas sobre as do homem à sua frente. Tinha grande admiração e confiava em T’Chaka, em sua sabedoria. Tudo que poderia ajudar a aliviar o que sentia era, naquele momento, bem-vindo. O vendo fechar os olhos, então, ela fez o mesmo. E ali, conectados pela força das palavras que aprendeu naquele dia, e que nunca as havia proferido sozinha antes, ela ouviu a voz baixa e suave do Rei suplicar.
— Grande Senhora do Oriente, Bast, deusa do Sol nascente, escute a minha voz — Com a mão esquerda apoiada no vidro, fechou os olhos com força, as lágrimas escorrendo em seu rosto enquanto sussurrava a oração que, em sua mente, era proferida pelo Rei naquela lembrança — Eu te peço amparo neste momento para a minha dor, lava minhas angústias. Bast, Sekhmet, proteja meu povo para que ele esteja sob a tua influência esse instante e a todo momento. Onde quer que estejam, que possam ser guiados através do teu sistro, portadora do Ankh — Conectado a intimidade e a intensidade do momento, Bruce fechou seus olhos, enquanto Thor abaixou sua cabeça, segurando-se para não desabar — Bast e Sekhmet, fúria do olho de Rá, domesticada e agressiva, mostre o teu poder. Tira meu povo de mãos imundas, se ele está acorrentado. Mostre o caminho, se ele está perdido. Lembra-o de mim, se ele estiver esquecido. Salva-o dos homens que queiram machucá-lo, embora tentem de todas as maneiras — Steve deixou tímidas lágrimas escorrerem por seu rosto pálido, o sussurro de sendo a única coisa que podiam ouvir naquele momento — Traga o nosso povo de volta, a nossa família, se assim achar que deve.
— Dua Bast! Dua Bast e Sekhmet! — pode ouvir Okoye respondendo baixo pelo comunicador, sua voz embargada pelo choro, ao mesmo tempo em que, em sua mente, a voz de T’Chaka concluía o suplício.
— Eu vou remover o torniquete, tudo bem? — Bruce avisou delicado, observando assentir com a cabeça.
Deitada na maca, vestindo apenas a lingerie, com seu traje jogado ao lado, no chão, não tinha nada o que dizer. Só queria ficar sozinha e logo. A lembrança de Bucky colocando o próprio coldre que vestia no braço dela, para impedir que perdesse muito mais sangue, invadindo sua mente como uma onda feroz, impiedosa. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela engoliu o choro. Estava cansada, exausta, não tinha mais forças para nada. Absolutamente nada.
Doze horas haviam se passado desde que Thanos desapareceu. Doze horas terrivelmente silenciosas e intensas para todos eles. Horas em que tentavam a todo custo processar o que tinha acontecido, digerir a derrota e, mais do que isso, ser racionais para tentar entender a situação e o que poderiam fazer dali em diante. O baque grave das emoções tão dolorosas estava passando junto com o tempo, mas todos eles pareciam amargos, depressivos. Tinham gastado todas as suas forças na luta em Wakanda, não havia mais cartas na manga. E não fosse o suficiente, tinham um caos imenso para ordenar dali em diante.
Steve achou melhor voltarem para o Complexo.
Não haveria espaço para eles em Wakanda e, pelos resultados dos últimos acontecimentos, não haveria problema em voltar para casa. A última coisa que qualquer governo se preocuparia naquele momento era em prender as únicas e últimas pessoas restantes que poderiam ajudar a resolver aquela situação. Talvez ainda fossem criminosos. Mas seriam criminosos em liberdade, criminosos que, possivelmente, teriam seus processos arquivados em troca de informações, de explicações e de novas ações contra Thanos. Voltar ao Complexo dos Vingadores era a melhor das opções para todos eles. Lá teriam um pouco mais de tranquilidade para pensar, teriam estrutura e recursos para planejar. E Steve não deixaria, em hipótese alguma, ficar em Wakanda. Não depois de perder tudo, não depois de não ter mais ninguém nem nada ali que a poderia ajudar. Permanecer no país seria sofrimento demais para ela. E eles precisavam de naquele momento tanto quanto ela precisava deles. Tinham que se manter próximos, unidos e, mais do que isso, prontos para o que quer que acontecesse.
Okoye ficaria em Wakanda, ajudando a reorganizar o país e sua administração. Sem T’Challa e sem sua sucessora oficial ao trono, Shuri, o país tinha perdido até sua forma de governar. Okoye conhecia as regras, as tradições e não abandonaria nunca Wakanda. Não podia e não queria. Mostrou-se disponível e manteria-se acessível, caso e sempre que precisassem dela. Mas não sairia de lá. , contudo, não relutou em deixar o país. Se tivesse uma chance, qualquer que fosse, de reverterem aquele cenário, ela seria com o pouco que restou dos Vingadores. Ficar em Wakanda nunca fez sentido para ela, nem em tempos de paz, não faria sentido agora. podia, finalmente, se libertar das raízes que a prendiam no país. Um sonho que tinha há tantos anos, mas que estava cobrando dela um preço alto demais para ser realizado. Um preço que ela, definitivamente, não queria pagar.
O caminho de volta até os Estados Unidos foi ridiculamente silencioso. Diferente da ida, em que podiam ouvir e Sam rir, se provocar e atualizar um ao outro sobre o tempo que passaram distantes, separados, a volta foi estranha, solitária, cansativa. Nenhum deles tinha o que dizer ao outro, nenhum deles sabia como confortar nem a si mesmo, como poderiam apoiar-se? Espalhados pelo jato que era pilotado por Steve, , Thor, Natasha, Rhodes, Bruce e Rocket olhavam-se, tentavam descansar, colocar as ideias no lugar, acalmar-se. tentou ligar mais algumas vezes para seus pais, o fio de esperança que ter sido uma terrível coincidência eles não atenderem, mas nada. Ligação após ligação sem resposta. Thor se perguntava mentalmente o que teria acontecido com o que restou de seu povo, de Asgard, para onde teriam ido e do que estavam precisando. Se pegou pensando, ao longo da viagem, em Jane. Em tê-la perdido também, como perdeu seus pais, seu irmão, como assistiu perder tudo.
Bruce e Rhodes dividiam a sensação de tristeza e de impotência, mas sabiam que não estavam sequer perto da dor que e Thor estavam sentindo. Bruce era um homem solitário. Há anos já não tinha mais uma família e o mais perto que chegou a ter de uma, de ter uma relacionamento, estava bem ali, diante dele. De tudo que havia acontecido, de todos os sumiços e perdas, Stark era, definitivamente, a única pessoa que impactava Bruce diretamente. O único amigo que ele realmente perdeu naquela batalha. Rhodes sentia muito por Tony, mas também por Sam. Ligados pelo passado militar e por terem se juntado aos Vingadores na mesma época, pelos mesmos motivos, o laço mais profundo quebrado havia sido com o Falcão. E ninguém além dele.
Igualmente solitária, Natasha cogitou tentar encontrar sua irmã, mas não sabia se era uma boa decisão. Já tinha perdido pessoas o suficiente em sua vida, não tinha mais tanto contato com Yelena, ir atrás dela podia ser um novo erro. Uma nova dor. Tão chocada quanto , Nat não conseguia encontrar uma resposta racional para o que tinha acontecido. Ela havia sido soterrada por Thanos e, cinco minutos depois, assistiu às pessoas ao seu redor desfalecerem feito pó. O Titã havia desaparecido, fugido, tão rápido e inesperadamente quanto apareceu, e foi isso. Nada mais, nada menos. Para alguém tão racional, tão imersa em estratégias, planejamentos, números e esquemas sequenciais, treinada para entender profundamente missões, conhecer como ninguém conhecia seus inimigos, Natasha estava absorta. Tudo aquilo tinha sido irracional, incomum e inesperado.
Rocket, enfim, acostumado a guerras e sempre sedento em se envolver nelas, não cogitou nem por um instante a possibilidade de perder. Tinha Thor, aquilo deveria ter bastado. Conhecia Thanos e conhecia as histórias sobre ele que rondavam a Galáxia. Conhecia as Joias do Infinito, seus poderes e suas potencialidades. Mas, ainda assim, apesar de ter consciência de tudo aquilo, não esperava, em hipótese alguma, ser derrotado. Em silêncio, sentado ao lado e observando a garota da franjinha, que aparentemente era irmã ou a mãe perdida de Groot, jogar o celular que segurava para longe dela, no chão, ele se perguntou onde estavam Gamora, Quill, Drax e Mantis. Onde estavam, se é que ainda estavam.
Do piloto, Steve manteve-se virado para frente, focado em fazê-los chegar o mais rápido possível no Complexo. Não havia nada, em cem anos de idade, que não pôde resolver. Tudo tinha tido uma solução até ali, ele sempre tinha dado um jeito, o seu jeito. Não carregava o símbolo da América à toa, não era reconhecido por derrotas, nem por falhas, nem por desistências. Ele sempre tinha uma solução. Tinha que encontrar uma agora também. Imerso em seus pensamentos, Steve viu o radar no avião interceptar algo, assim que chegaram no Complexo e, antes mesmo que pudesse sair do jato, agentes do governo já o esperavam, um tanto desesperados.
A pedido de Steve e puxando a pequena mala de rodinhas que havia carregado consigo, com roupas e pertences pessoais, passou direto pelos agentes do governo, sem sequer notar quem deles estava lá ou o que exatamente queriam. Bruce a acompanhou, para ajudá-la com os primeiros cuidados médicos que precisava receber, enquanto Thor e Rocket vinham atrás. Natasha, Steve e Rhodes ficaram para trás para resolver aquela questão, que, apesar de inusitada, parecia pacífica. Já era esperado que fossem procurados para, ao menos, contar o que aconteceu. Talvez pudessem unir forças.
seguiu com Bruce até um dos cômodos, que parecia um pequeno laboratório médico. Bem iluminado e com uma vista bonita ao jardim lá fora, o cômodo era como um quarto de hospital, elegante e amplo. Tinha uma maca confortável no centro, onde Bruce pediu para ela se deitasse enquanto aprontava os utensílios que usaria. Sobre a maca, saindo do teto, um aparelho de regeneração celular com alta tecnologia, que reconheceu assim que colocou os olhos nele. Com móveis claros e bem organizados, aquele lugar não parecia ser usado há muito tempo. girou sua tornozeleira, como se rosqueiasse, três vezes seguidas até desativar a trava de segurança dela. Em algum momento irrelevante da luta, o mecanismo de abrir e fechar o macacão na tornozeleira foi comprometido e, nesse caso, só conseguiria se livrar da roupa pela trava de segurança.
No exato mesmo segundo em que terminou de rosquear a tornozeleira, seu traje pulsou para a frente, como se ficasse, de repente, dois ou três números maiores e abriu-se. Sem mais adrenalina alguma, exausta, sentia cada centímetro de seu corpo latejar de dor, enquanto tirava o macacão. Dezenas de marcas roxas, amarelas e vermelhas estavam espalhadas por seu corpo, manchas de porrada, de pancadaria, marcas que se sobrepunham às dezenas de cicatrizes que tinha. Bruce tentou não ser indiscreto, observando a mulher totalmente machucada deitar-se na maca com cuidado, sem pressa. tinha dado tudo o que ela tinha naquela guerra. E aquilo só tornava as coisas ainda piores para ela.
Em silêncio, tentava afastar de si as lembranças de Bucky, enquanto Bruce removia o coldre improvisado em um torniquete no braço dela. De onde estavam podiam ouvir as vozes de Rhodes e Natasha conversarem com outros homens, mas não era possível entender claramente o que diziam. Pareciam contar resumidamente o que tinha acontecido, qual era o problema e por que metade da população da Terra havia desaparecido sem mais nem menos.
Bruce deu uma olhada com cuidado no machucado que, novamente exposto, tirava da mulher algumas arfadas baixas de dor. A região do bíceps estava bastante comprometida, o corte arredondado pareceu ter arrancado até parte da carne dela. Estava fundo, com muito sangue escorrendo e, pelo tempo que demoraram para chegar até ali, pontos não eram mais uma opção. Depois de explicar brevemente para ela como a máquina que no teto acima de onde estava deitada funcionava, a regeneração do tecido começou a ser feita. Dez minutos depois, com um incômodo estranho que não chegava a doer exatamente, sentava-se na maca com um braço novamente fechado. Já tinha perdido a conta de quantas vezes a tecnologia a havia salvado naqueles anos todos. Aquela era só mais uma vez.
Suja de sangue, de poeira, de terra, de suor, Bruce viu passar as mãos pelo rosto em claro sinal de irritação e de canseira. Ela estava acabada. Física e mentalmente destruída. Não havia sobrado mais nada de naquele dia, ela precisava descansar, recuperar-se. Todos eles precisavam. Puxando um jaleco qualquer em uma das gavetas do armário mais próximo à ele, Bruce cobriu os ombros de , que ainda vestia apenas a lingerie, recebendo um tímido “obrigada” em agradecimento. A mulher, então, o acompanhou para fora do cômodo, enrolando-se no jaleco como se fosse um cobertor enquanto puxava sua mala, e o seguiu pelos corredores afora do Complexo, até ser assentada em um dos quartos de hóspedes.
Impessoal, em tons claros e terrosos, o quarto parecia como um quarto de hotel luxuoso. A cama de casal bem arrumada e macia ao centro ia em cima de um tapete felpudo claro. O assoalho de madeira abafava o som e as luminárias, que pendiam do teto até quase o chão aos lados da cama, davam ao ambiente uma iluminação amena, aconchegante e calma. Um clima bem diferente do que estava sentindo. Deixando um suspiro pesado sair, ela entrou no quarto e assim que virou-se para fechar a porta, ouviu Bruce comentar baixo e amigavelmente:
— Fique à vontade. Se precisar de algo, meu quarto é o segundo, à direita — Ele apontando para o fim do corredor. assentiu, olhando-o.
— Obrigada, Bruce.
Sem perder mais tempo, querendo deixar sozinha e também ir descansar, Banner concordou em silêncio com a cabeça e virou de costas para ela, caminhando sentindo seu quarto. Contudo, parecia que havia algo a ser dito. Algo que ele estava carregando desde que a viu desesperada em Wakanda, desde que ele percebeu que ela havia perdido tudo. Mais do que qualquer um ali, de família a pessoas amadas, parte de seus poderes, tudo. Tímido, um tanto incerto, ele parou de caminhar alguns passos de distância da porta do quarto dela.
— ? — Ele chamou baixo uma vez mais, suas mãos nos bolsos da calça. levantou seu olhar até ele outra vez, parada no batente da porta — Eu sinto muito. Mesmo.
Uma vez mais naquele dia, a mulher sentiu seus olhos encherem de lágrimas. Ela também sentia.
Sentia muito. Mesmo.
não sabia direito quanto tempo dormiu, mas certamente não foi muito. Estava exausta depois que tomou banho e, sem resistir a pressão que seu corpo fazia por descanso, ela deitou-se na cama e apagou. A mudança de fuso-horário, de Wakanda para os Estados Unidos, marcava uma diferença de sete horas a mais, o que fez com que a chagada deles no novo país fosse ainda de tarde, como se tivessem voltado no tempo, como se aquele dia maldito não acabasse nunca. não se importou em ver que horas dormiu, mas acordou com o relógio da beirada da cama marcando três e trinta e cinco da manhã. Estava mais calma e, descansada, mas, ainda assim, destruída por dentro, com dores físicas por fora. A última vez em que acordou também havia sido de madrugada. Mas diferente daquela vez, tinha acordado com o pesadelo de Bucky, tinha acordado com Bucky. Bucky. Como se uma onda feroz de tristeza a tomasse de uma única vez, apertou o edredom que a cobria com força e fechou os olhos. A imagem de James sendo feito pó diante de seus olhos enchiam sua mente como um looping infinito, como se fosse uma lembrança terrível e irreal.
Perdida em seus próprios pensamentos, levantou-se preguiçosa da cama e, evitando pensar se seguiria os mesmos passos da última vez em que teve uma manhã normal, que acordou com Bucky e tomou banho com ele, ela rumou ao banheiro. Em um banho breve apenas para acordar, não demorou mais do meia hora para sair do quarto em direção a qualquer lugar que a pudesse distrair minimamente, que a pudesse ajudar a tirar de si todos aqueles pensamentos deprimentes e culposos, imponentes. Os largos corredores do Complexo estavam iluminados com luzes amareladas e baixas, o silêncio do lugar gritando o desespero que todas as pessoas que ocupavam os quartos dali sentiam. caminhava sem pressa, os saltos medianos da sandália que vestia sendo abafados pelo carpete, a calefação aquecendo a casa enquanto o dia se preparava para amanhecer lá fora. O nascer do sol que seus pais amavam ver. E que não veriam mais.
Estressada, emocionalmente sobrecarregada, começou a cantar baixinho uma música de Stromae, que tanto amava e que, sem que ela percebesse, inconscientemente, fazia tanto sentido naquele momento, era quase um suplício.
— Où est ton papa? Dis-moi, où est ton papa? — Ela sussurrava a letra da música enquanto caminhava a passos lentos, suas mãos passando tristemente pelas paredes dos corredores — Sans même devoir lui parler, Il sait ce qu'il ne va pas — Por que tinham levado seus pais? Por que eles? — Un sacré papa, dis-moi où es-tu caché? Ça doit faire au moins mille fois que j'ai compté mes doigts. Hé, où t'es? Papa où t'es?
Mas bastou entrar na sala de estar para calar-se de uma vez. Na mesma sala em que esteve dois dias atrás, quando foi levada da Escócia até o Complexo, em que puderam encontrar Bruce e repassar o que estava acontecendo. A mesma sala que dividiu com Sam, que recebeu Wanda e que tinha Visão ainda vivo. No sofá mais ao canto, perto de onde Sam havia sentado da última vez, uma figura masculina imponente, de cabelos loiros e cabeça baixa, estava sentado. No meio da sala escura, vestindo roupas de moletom, Thor subiu seu olhar até , que, sem perceber a presença dele em um primeiro momento, interrompeu o profundo devaneio em que ele se encontrava.
Os olhos claros do homem estavam brilhantes como estrelas e seu rosto molhado pelas lágrimas. Muito diferente de quando chegou em Wakanda, surgindo do céu como uma salvação milagrosa. Muito diferente da fúria que transbordava quando tentou matar Thanos, acertando-lhe o peito em cheio. Muito diferente da imagem do deus do trovão que a mídia fazia dele. Thor estava em pedaços. Talvez em tantos pedaços quanto . Estava deixando-se transbordar, deixando suas fraquezas saírem, permitindo-se sentir a dor que carregava no peito desde que viu Thanos alcançar seu objetivo. Thor estava solitário, deprimido e raivoso.
Vestindo uma calça de alfaiataria branca, de cós alto, e um top cor de areia em tricot e de alças largas, com um sandália de tiras finas e salto baixo, igualmente branca, Thor reparou em parado em pé, próxima a entrada da sala. Seus cabelos longos estavam soltos e seu rosto parcialmente machucado, por ter tido sua cara enfiada no chão por Thanos. Diferente do dia anterior, em que estava cheia de sangue pelo corpo e transtornada como um planeta em decomposição, parecia mais calma, apesar do olhar inexpressivo, perdido, nele. Thor não esperava encontrar ninguém ali, ao menos não àquelas horas. Tinha virado a madrugada em claro, depois de tomar banho, e não queria encontrar ninguém. Por isso, só deixou seu quarto depois que teve certeza de que não havia mais ninguém nos corredores e, ouvindo as vozes de Steve e Natasha em uma das salas, migrou para outra mais distante, onde poderia isolar-se e refletir.
Nunca havia sido bom em demonstrar suas vulnerabilidades. Criado como um deus, para ser um rei, Thor não teve muito espaço para os fracassos, para as perdas e nem sequer para tristezas. Tinha que engolir suas angústias, seguir em frente, combater a dor como combatia inimigos, não havia tempo nem lugar para sentí-la. Seu pai o havia preparado para aquilo. Mas ele já não estava mais lá. Nem ele, nem sua mãe, nem mesmo Loki, nem Heimdall ou qualquer outro asgardiano. Sequer havia Asgard mais para contar história. Tudo em que Thor havia se formado, suas bases e suas origens, estava arruinado, tudo já não mais existia para ele. Não fossem apenas os infortúnios da vida, às perdas pelo tempo, às baixas pelas ideias erradas que seu irmão tinha, Thanos havia aparecido e levado consigo o pouco que havia sobrado para ele.
— Ele matou meu irmão — Thor disse baixo, sem realmente saber o por que estava dizendo aquilo, seus olhos presos nos de — O enforcou. Na minha frente.
Curvado para frente, com os cotovelos sobre os joelhos, o homem engoliu o choro que, uma vez mais, se formava. segurou a respiração por um segundo, colocando as mãos nos bolsos de sua calça, ainda parada e em pé de frente para ele. Não sabia o que fazer ou o que falar. Dizer que sentia muito era inútil. Não traria ninguém de volta, não ajudaria Thor e não era suficiente. Nunca seria suficiente.
— Minha mãe se foi. Então, meu pai. Perdi o meu reino, meu… — Ele continuou dizendo baixo. A passos silenciosos e delicados, caminhou até ele — Então ele veio. Dizimou meu povo, assassinou meu melhor amigo e, depois, meu irmão. E eu tive a chance de matá-lo, ele estava lá… bem diante de mim, ele estava lá — Nervoso, Thor apontou para sua frente, vendo a mulher sentar-se ao seu lado, atenta à cada palavra que ele dizia — Eu tive a chance, tive a oportunidade de matá-lo, de vingar toda dor e sofrimento que ele espalhou pelo Universo, todas as mortes… mas eu não…
Thor soluçou, atrapalhando-se nas próprias palavras. Sua respiração estava falha, descompassada.
— Não foi culpa sua — sussurrou, seus olhos enchendo-se de lágrimas. Ela estava lá. Estava lá quando Thor o atingiu, ela viu o que havia acontecido. Ele havia tentado, como ela tentou, como todos eles tentaram. Não tinha sido culpa dele, mas Thor a ignorou.
— Ele disse… ele me disse que eu deveria ter acertado na cabeça. Eu deveria. Deveria.
não disse mais nada. Sabia o quanto aquilo era doloroso. Sabia o quanto doía. Colocando sua mão delicadamente no ombro dele, assistiu Thor chorar ao seu lado, sem dizer mais nenhuma palavra. Cobrindo seu rosto com as mãos, o homem deixou-se levar pelo momento, colocando em lágrimas, mais uma vez naquela madrugada, tudo o que sentia. Não conhecia . Mas talvez, ter a acompanhado e entendido o quanto ela havia perdido naquela luta, tanto quanto ele, o tivesse dado um conforto diferente. Ela sabia que ela entendia sua dor. Entendia porque também a sentia.
Doía demais nele. Doía nela.
Doía como o inferno.
E não passaria tão cedo, para nenhum dos dois.
Em silêncio profundo, enquanto confortava carinhosamente Thor, pensou em Bucky, em Sam, em Karl, em Everett. Pensou em T’Challa, em Shuri. Em seus pais biológicos. Em tudo que havia perdido na vida e em quanto parecia que, não importava como, ou quando, ou onde, ela estava fadada à solidão. Como Thor também estava.
— Meus pais também sumiram — Ela falou em um sussurro baixo, sua voz falhando em dizer aquilo em voz alta, seus olhos cheio de lágrimas chamando atenção de Thor, que respirava fundo a seu lado, com a cabeça ainda baixa — T’Challa e Shuri eram minha família. E Sam. E Bucky também, ele era meu...meu…
Limpando a lágrima que escorria, não conseguiu encontrar palavras suficientes para completar aquela frase. Thor levantou seu olhar até o dela, concordando leve com a cabeça, como se a desse apoio, como se dissesse silenciosamente que ela não precisava dizer nada daquilo.
— Eu estava lá com você, eu vi o que aconteceu. Se não ter matado Thanos é culpa sua, também é minha. Nós não… nós poderíamos… — Ela engoliu em seco — Não tivemos nem a chance de lutar contra ele.
— Ele se preparou para isso há décadas. Dizimou planetas inteiros antes de chegar aqui — Thor sentiu a mão delicada da mulher escorregar de seu ombro até o colo dela. pareceu ligeiramente chocada com aquelas informações, sua testa franzindo — Thanos reuniu as Joias, não temos como lutar contra elas juntas, não íamos conseguir, não sozinhos. Onde estava Stark?
— O ataque que sofremos em Wakanda foi o terceiro. Tony tentou segurar o primeiro deles, sozinho, e desapareceu — respondeu triste.
— Barton?
— Tivemos alguns… problemas com o governo nos últimos anos. Nos dividimos, Clint ficou do lado que foi punido e teve que se aposentar para poder ficar com sua família — respondeu breve, deixando um suspiro escapar — Era isso ou ficar preso.
Sem entender direito aquela conversa, Thor perguntou a como foi que tudo havia chegado àquele ponto e, sem medir palavras, ela contou ao homem o que havia acontecido nos últimos dois anos e meio. Thor sabia que tinha perdido muita coisa, mas, igualmente, tinha vivido outros tantos problemas nesse meio tempo. Meia hora depois, recostada no sofá ao lado do homem jogado, do mesmo modo, perguntou baixo, pensativa:
— Para onde Thanos foi?
— Eu não sei — Thor respondeu sincero, negando levemente com a cabeça — Conheço as joias separadas, juntas não sei como operam… bom, não sabia, até ontem.
— O que ele fez…? — perguntou outra vez, a pergunta que estava entalada em sua garganta desde que tudo aconteceu. Seu coração acelerou ligeiramente — As pessoas que sumiram, elas… estão mortas?
Thor pensou por um momento. A esperança era o que separava ele de . Tudo que Thor havia perdido, de fato perdeu. Suas pessoas, sua família, seu povo, seus amigos, estavam todos mortos. Mortos de fato. Não havia retorno ou possibilidades, só a morte. Mas para era diferente. Todas as suas pessoas, sua família, seu povo e seus amigos tinham sumido. Sem explicação, sem precedentes, tinham virado poeira e suas poeiras também sumiram. Se Thanos havia desaparecido, havia a possibilidade de ter levado essas pessoas com ele? Estavam ou não mortos? Thor respirou fundo e ajeitou sua coluna no sofá. Os olhos de pareciam esperançosos.
— Eu não sei também. Me desculpe.
— Tudo… bem — suspirou, abaixando seu olhar até o tapete em claro sinal de frustração. Thor era a única pessoa ali, com eles, que poderia ter informações consistentes, que poderiam ajudá-los a entender o problema e a solucioná-lo. Mas se aquilo era novidade até para ele, como poderia reagir?
Desajeitado e tímido, acompanhando os longos minutos de silêncio da mulher, Thor colocou sua mão no braço de , deixando ali meia dúzia de tapinhas delicados e carinhosos, consoladores. Perdida em tantos pensamentos, colocou uma mão em cima da do homem, em seu braço, e o olhou, dando-lhe um sorriso triste que, do mesmo modo, foi retribuído.
— Não foi culpa sua, Thor — Ela comentou baixo outra vez.
— Nem sua, fada da natureza — Ele respondeu a olhando de volta, vendo-a desviar o olhar dele, assim que ouviu o apelido. O apelido. O apelido que Sam a chamava.
— Você sabe o que o governo queria aqui? — Tentando afastar a imagem de Sam de sua mente, ela perguntou. Thor logo tirou sua mão dela, virando seu corpo, ainda sentada, em direção a , para ficar de frente.
— Entender o que aconteceu e deixaram um objeto, que encontraram em um algum lugar, com Steve — Ele respondeu baixo, sua voz era baixa e grave.
— Um objeto? — A mulher perguntou confusa. Aquilo podia mudar tudo.
— Parece um comunicador terráqueo antigo, mas ainda não sabemos o que é — Thor concordou com a cabeça, olhando — E levaram a carcaça da criatura portadora da joia embora, por segurança.
Visão.
Haviam trazido com eles, de Wakanda, o corpo de Visão. Era claro que, assim que tomassem conhecimento do ocorrido, por segurança, o Departamento de Defesa confiscaria o que restou da única criação artificial de vida da história da humanidade. Teriam posse da maior e mais cara criação de Stark, poderiam dissecá-lo e estudá-lo e, esperava que não, replicá-lo. Coberto em vibranium, o corpo de 3 bilhões de dólares de Visão valia mais em dinheiro e em tecnologia do que qualquer outra coisa no mundo.
não entendeu o por que Steve deixou que levassem o corpo dele embora. Visão era tratado e vivia como um ser humano normal. Deu sua vida, corajosamente, para tentar salvar o universo. Merecia um fim digno, pacífico e tranquilo. Merecia descansar. Deveria acontecer com ele o que Wanda queria que acontecesse, porque ela o conhecia, ela sabia de suas vontades, e não o que Steve achava certo a ser feito. Mas não diria nada. Não poderia interferir naquilo, porque não conhecia as intenções verdadeiras do governo e também não conhecia Visão. Temia pelo vibranium, mas sabia que Wakanda o estava rastreando desde que Klaue o roubou.
— Mais alguém está acordado?
— Todos estão. Na sala de projeções — Ele respondeu breve, mas pensou por um momento — Na verdade, não vi a lebre, acho que deve estar dormindo.
concordou com a cabeça e levantou-se, sendo seguida pelo homem. Queria ver o que era aquele objeto que Thor havia se referido. Se ele fez com que agentes do governo fossem até o Complexo esperar pelo Vingadores para entregá-lo era, no mínimo, curioso.
— Você também deveria dormir um pouco — comentou serena, preocupada, olhando Thor caminhar ao seu lado para fora da sala e parar assim que chegaram diante do corredor.
— Vou tentar — Ele respondeu a olhando uma vez mais e, direcionando seu corpo para o sentido oposto de onde intencionava ir, completou, com um sorriso fraco nos lábios: — Obrigado.
A mulher retribuiu o sorriso, sem emoção, o encarando de volta.
— Meu pai sempre diz… — ela engoliu em seco, colocando suas mãos nos bolsos da calça — ...dizia que só curamos uma dor quando achamos espaço para expô-la. Só aprendemos a digerir o que sentimos quando compartilhamos nossas dores, é... importante — Amarga pela lembrando de quando Everett havia dito aquilo à ela, se referindo ao luto dos próprios pais biológicos, soltou uma risada nasalada, fraca — O luto é um processo. É violento, é penoso. Mas é mais fácil se passarmos por ele juntos.
— Seu pai parecia uma pessoa nobre, honrada — Thor comentou sincero e emocionado pelas palavras dela, reparando o sorriso triste da mulher — Ele habita a proteção de Odin agora. Vamos ficar em paz, . Não vamos?
Paz.
Não sabia responder àquela pergunta. Com os olhos cheios de lágrimas, Thor assistiu a mulher inesperadamente dar-lhe um abraço amoroso e muito, muito, reconfortante. Um abraço como nunca antes teve, um abraço sincero, amigo, acolhedor. Deixando as lágrimas escorrerem tímidas pelo rosto robusto, ele aceitou e retribuiu o abraço dela por um momento, sem saber direito o por que estar fazendo aquilo por ele ou o por que se sentia conectado à ela. Se sua mãe, Frigga, ainda fosse viva, ela certamente diria que havia laços amarrados em suas existência e, por isso, em algum momento da vida, ele encontraria e se conectaria com . Thor nunca acreditou nas teorias de conexões de sua mãe. Respeitava, mas não acreditava. Mas abraçando a mulher nova em sua vida, bem ali, bem naquele momento, ele pensou que, talvez, sua mãe pudesse ter um pouco de razão.
Sem dizer mais nada, o soltou, o encarou por mais alguns segundos e, então, virou-se para o caminho que teria que percorrer pelo corredor, para ir em busca dos demais. Thor a acompanhou com os olhos e, exausto pelo turbilhão de emoções ruins que estava sentindo, foi de volta para seu quarto. Dormir poderia ser, naquela situação, a melhor opção que tinha no momento. , por outro lado, não demorou mais do que dois minutos até ouvir novas vozes pela casa, indo sem pressa em direção à elas.
Do sala que Thor havia nomeado como “sala de projeções”, um cômodo central no Complexo, com uma mesa grande amparada por alta tecnologia, como a que tinha em seu laboratório para que A.R.I.A. abrisse tudo o que precisasse em forma de hologramas, cadeiras e poltronas ao redor e discretos móveis, viu Steve e Natasha observarem as imagens ao centro. Em tons azulados, o holograma aberto em cima da mesa trazia um mapa mundi e uma dezenas de cálculos que se atualizavam por regiões do mundo e, em seguida, por países, em segundos, como se estivesse fazendo uma contagem automática. Steve, vestindo uma camiseta branca lisa e, pelo cabelo bem penteado, recém tomado banho, desviou seu olhar do holograma até a mulher que se aproximava. Pareceu preocupado com mas, ainda mais, com o que via na projeção à sua frente.
— Você está bem? — Ele perguntou sério, vendo-a assentir com a cabeça e olhar para Natasha que, igualmente vestindo roupas casuais, a encarava do mesmo modo, transbordando preocupação.
Pelos olhares e pela aparência, podia imaginar que, assim como ela, os dois também tinham conseguido dormir um pouco, mas não o suficiente. Abalados pelo o que estavam vivendo, suas mentes não conseguiam simplesmente desligar, ignorar o fato de, mesmo indiretamente, serem os responsáveis por aquela catástrofe, por terem perdido tanta gente, por simplesmente terem perdido.
— O que é isso? — perguntou baixo, aproximando-se da mesa, seus olhos caindo sobre o holograma com atenção e cuidado. Não precisou, contudo, que nenhum deles respondesse para entender. Estavam recebendo os números atualizados de desaparecidos no mundo todo. País por país. Cinquenta por cento de toda a Terra.
— Isso é um pesadelo — Steve sussurrou tão baixo que mal pode ser ouvido. Seus olhos cravados no número de desaparecidos globalmente a sua frente, que não parava de aumentar.
— Eu já tive pesadelos melhores — Nat murmurou de volta, igualmente atônita. Do outro lado da mesa, acompanhava silenciosamente os números de países da europa se atualizarem, ao tempo que pequenas telas quadradas com notícias se abriam ao lado. Estavam vivendo o inferno.
Mas não deu tempo de nenhum deles dizer mais nada. Rhodes apareceu logo atrás de Steve, por uma das portas contrárias à que havia entrado no ambiente há pouco. O Coronel parecia preocupado, tinha uma expressão tensa.
— Ei!? — Ele chamou atenção dos outros três, que viraram-se até ele — Aquela coisa parou de fazer o que estava fazendo.
Steve e Natasha se entreolharam preocupados, um tanto confusos. Mas, ainda mais perdida do que eles, deu alguns passos largos, os acompanhando até onde Rhodes saiu em seguida, corredor afora da sala de projeções. podia imaginar que estavam se referindo ao objeto que Thor havia comentado com ela, e o motivo pelo qual ela estava ali. O que quer que fosse que o governo havia deixado com eles, não era comum à Steve e Natasha, porque claramente não estavam sabendo lidar. Pouco passos depois, em um cômodo menor, mas, ainda assim, lotado de tecnologia, viu o que era o objeto.
Como Thor havia descrito, parecia um comunicador antigo, feito nos anos 1980 provavelmente, usado para lançar sinais e não propriamente para falar ou trocar mensagens. Retangular, pequeno e em tons de cinza, ele parecia desligado e tinha sido colocado dentro de um suporte de manuseio mecânico, automatizado e envolto por um vidro temperado. Naquela altura do campeonato, qualquer coisa que fosse minimamente estranha precisava ser tratada por eles com o máximo de cuidado possível. Não podia correr mais riscos. Não podia mais jogar à sorte qualquer que fosse a situação que não sabiam plenamente como lidar. Thanos já tinha sido o bastante.
— O que temos? — Natasha perguntou para Bruce, assim que entraram. Os quatro logo se espalharam pelo cômodo, atônitos, curiosos e um tanto sem entender o que acontecia.
— Seja qual for o sinal que estava enviando, acabou desligando — Vestindo seus óculos, com uma camisa social e de calças jeans, Bruce respondeu encarando o objetivo e, através dele, do outro lado do vidro, Steve, , Natasha e Rhodes se aproximarem ainda mais.
— Achei que tínhamos contornado a bateria — Steve respondeu sério, encarando o objeto.
— E tínhamos — Cruzando os braços, parado ao lado de , a sua esquerda, Steve e Natasha a direita, Rhodes respondeu — Continua ligado, apenas… apenas parou.
— Alguém, ou algo, recebeu o sinal — comentou baixo e séria, desviando seu olhar do objeto até Rhodes a seu lado e, em seguida, Steve, enquanto cruzava os braços — Ele corta a transmissão assim que alguém aceita o sinal — Ela apontou para o aparelho com uma mão, sua testa franzida — Quando era criança, tive um desses, para conseguir avisar meus pais em caso de perigo.
Steve parou para pensar por um segundo, aquilo fazia sentido.
— Reinicie. Vamos enviar o sinal novamente — Steve pediu para Bruce, que logo rebateu, gesticulando apreensivo, enquanto parava ao lado de Natasha, de frente para o aparelho e de costas para a porta, como os demais:
— Nem sabemos o que é isso.
— Fury sabia — Natasha murmurou, atraindo a atenção silenciosa de no mesmo segundo. Fury? O Fury que impediu seus pais biológicos de irem atrás dela quando foi sequestrada? Aquela história estava ficando ainda pior. Com os olhos vidrados no aparelho, ela continuou: — Só reinicie, por favor. E me informe assim que receber um sinal. Quero saber quem está do outro lado dessa coisa.
Natasha virou-se levemente de lado olhando , que concordou levemente com a cabeça. As duas trocaram olhares tensos por um segundo e respondendo a pergunta de Natasha, mais rápido do que pensavam e inesperadamente, assim que as duas se viraram de costas sentido a porta da sala, uma figura totalmente desconhecida estava parada ali, as encarando.
Loira, com os cabelos lisos e vestindo um traje nas mesmas cores do de Steve, com uma estrela no peito, a mulher desconhecida tinha uma expressão descontente, séria e bastante combativa. Estava nitidamente na defensiva, com um ar terrível de arrogância. Parecia querer atacar, não conversar. Por instinto, Natasha deu um passo à frente, peitando a mulher, enquanto fechou as mãos em punhos. Steve, Bruce e Rhodes viraram-se ao mesmo tempo, assim que notaram o clima estranho, um tanto assustado, do ambiente. Aparentemente nenhum deles conhecia essa nova figura. E ela, pelo visto, e pelo o que perguntou a seguir, também não conhecia nenhum deles.
— Onde está o Fury?
Capítulo 30
Estados Unidos da América
A sabedoria popular prega que só existem dois dias no ano em que absolutamente nada mais pode ser feito: o ontem e o amanhã. O passado que não se pode mais mudar e o futuro que não se pode prever. Por isso, então, dizem ainda, que é preciso concentrar-se no hoje, no agora, porque o momento é tudo o que temos e porque não sabemos por quanto tempo mais o teremos. O tempo. A maldição de alguns, a esperança de outros. Sempre responsável, sempre determinado e sempre presente. Paciente, expansivo e carregado de razão, nada pode escapar ao tempo, como nada sobrevive a ele.
Nem mesmo as dores mais profundas. Nem mesmo os piores dias.
Vinte e três dias haviam se passado e absolutamente nada havia mudado, exceto as relações que tinham dentro do Complexo dos Vingadores, que se aprofundavam. A primeira semana foi terrivelmente silenciosa e reclusa, para todos eles. Steve, Natasha, Bruce e Rhodes eram os únicos que ocupavam os espaços comuns da casa, os únicos que tinham forças para conversar, para tentar se distrair e para pensar nos fatos recentes sem serem brutalmente consumidos pelas emoções. Talvez pelos históricos de vida, talvez por estarem mais acostumados a perder, a serem sozinhos no final dos dias, a terem apenas uns aos outros. Não foi fácil para eles, não estava sendo. Mas, igualmente, não sentiam o mesmo, não estava sendo tão difícil a eles como estava sendo para e para Thor.
saia de seu quarto para comer e, às vezes, nem isso. Steve dedicou boa parte dos primeiros dias em ficar por perto, com ela, mas também dava o espaço que precisava para se recuperar, ao menos do baque inicial. Da mesma forma, no quarto vizinho, Banner fazia com Thor. Assolado pela dor de ter perdido sua família inteira em tão pouco tempo, a semana que se passou foi para a Thor um tempo de reflexões profundas e, cada dia que virava noite, e cada noite que virava dia, sua dor se transformava em raiva. Uma fúria tão intensa, um inconformismo tão grande em não ter acertado a cabeça de Thanos, que o corroía por dentro, que se externalizava pelo céu afora.
Nas duas semanas que se seguiram, Steve conseguiu convencer a deixar o quarto e ocupar outros espaços da casa, a criar uma nova rotina. Mais apática do que nunca, não se sentia realmente confortável naquele lugar. Uma vez mais na vida, estava sendo submetida a viver em um lugar que não era seu, um lugar que ela não pertencia e que estava longe de ser a sua casa. Ela sabia que era o melhor para o momento, mas não queria estar ali. Queria voltar para Wakanda com Bucky, com T’Challa e com Shuri, ou queria estar em Berlim, com seus pais. E, para piorar, conhecendo cada dia mais a casa, conhecia mais do espaço que era mantido pela fortuna de Stark – alguém que ela não teve realmente a oportunidade de conhecer, alguém que a tinha machucado fisicamente, que tinha causado sofrimentos inigualáveis em Steve e Sam e alguém que não aceitava a existência de Bucky. Como se as paredes pudessem falar, sentia a todo momento que deveria sair dali, porque aquele lugar era incompatível com sua presença.
Conhecendo bem daquela sensação e para tentar aliviá-la, todos os dias pela manhã Natasha fazia questão de correr com ela, pelo o mais próximo de natureza que podiam encontrar fora do Complexo. Apesar de metade de toda a natureza vegetal, que também é viva, ter desaparecido e com isso reduzido a fitocinese pela metade, ainda podia se conectar e se sentir viva, se sentir presente e pertencente à natureza ao redor. Depois, as corridas matinais também eram boas porque Natasha era uma boa companhia e gostava de . Sabia conversar sobre tudo, tinha boas histórias e sabia respeitar o espaço das pessoas ao seu redor. Uma se sentia bem e confortável na presença da outra e os dias pareciam mais leves, mais rápidos, conforme se aproximavam.
Okoye fazia ligações diárias para saber como estava e também para contar de Wakanda. Enviou-lhe o resto de seus pertences e roupas, a pedido de e, com eles, a única família que havia restado para ela: Alpine. Deixada por Bucky com as crianças do chalé vizinho na fronteira, assim que T’Challa e Okoye o tiraram de lá para ir à luta, Alpine parecia feliz em ver sua dona outra vez, mas não pode deixar de reparar que ela circulou pela casa, possivelmente em busca de Bucky. Ligeiramente mais conformada, mas sem ter dito sequer uma única palavra sobre aquilo em três semanas, tudo o que havia sobrado de Bucky estava ali: Alpine, o colar que ele havia dado a de aniversário, e que ela vestia sem tirar nem para tomar banho, a chave dele da casa dela na França e centenas de memórias boas que faziam chorar quase todos os dias.
Quando pudermos sair de Wakanda, sairemos juntos. Ele havia dito no dia em que deu-lhe a chave de presente, no dia em que ela o convidou para morar com ela, na França.
Mas eles não saíram.
Eles não sairiam, nunca mais.
Muito mais próximos, passava boa parte de seus dias com Thor. Durante a tarde, eles dois em especial dedicavam um bom tempo a tentar entender o que tinha acontecido, descobrir alguma forma de reverter aquela situação toda e caçar Thanos, com ajuda de toda tecnologia espacial que tinham disponível. Com o passar dos dias, e com a proximidade de Thor, foi descobrindo mais sobre sua vida, sobre as Joias e sobre o Universo. Tudo parecia mais lógico, menos fantasioso e irreal, tinha sentido no que ele a contava e tinha muito sobre o Espaço, outros planetas e outras civilizações, que ela não conhecia - e que precisava saber, se queria realmente encontrar qualquer que fosse a pista de onde Thanos poderia estar. Rocket, que carinhosamente passou a chamá-la de “mãe do Groot”, estava sempre por perto de Thor, os ajudando, e sempre tinha boas histórias para contar. Ter em que focar, em que pensar e com quem dividir o que sentia, deixava tudo mais ameno para , como se ela estivesse, de fato, cicatrizando com o tempo.
Do mesmo modo, Rocket e Thor usavam como a válvula de escape para amenizar seus sentimentos. Ouviram dela sua história de vida, aprenderam sobre o funcionamento da natureza e, vez ou outra, se pegavam falando algumas palavras em francês. Os dias estavam passando, estavam fluindo. Sempre dividiam o café a tarde e uma garrafa de vinho ao final do dia e, à noite, se juntavam aos demais, para jantar, conversar ou só ficar em silêncio, na companhia e na tristeza de serem só eles os que restaram.
Ao longo dos dias, Steve e Rhodes dividiam-se entre ficar com eles e atender as demandas que o governo os impunha. Bruce canalizou suas frustrações em consertar os trajes dele, de Rhodes e de e Natasha dedicava boa parte dos dias em encontrar Clint, sem ter muito sucesso. Ele não aparecia na lista de desaparecidos, que diariamente era atualizada, mas também não respondia suas mensagens, nem atendia seus telefonemas. Onde quer que Clint estava, certamente não estava bem. E Natasha só teve ainda mais certeza disso quando, buscando pelos nomes de sua esposa e filhos nas gigantescas listas de pessoas que sumiram, os encontrou lá. Embora em frente, os dias não eram, nunca, bons. Para nenhum deles. Só emocionalmente caóticos, silenciosos e estranhamente pacatos.
O Complexo foi florindo, literalmente se enchendo de flores e plantas, por dentro e por fora, conforme os sentimentos de foram se amenizando com os dias. Todos estavam tensos, cansados e absurdamente tristes, sim. Nada daquilo era fácil de lidar e não seria de uma hora para outra que tudo melhoraria, que tudo mudaria. Mas o tempo serviu, e servia a eles, como um algodão em um machucado que sangra. Limpa a ferida, estanca o sangramento e amacia a carne, até o corpo se sentir preparado para, finalmente, começar a se curar. Tinham uns aos outros agora. E só uns aos outros. Aquela era a família que havia sobrevivido. Todos sabiam, em suas mais profundas intimidades, que precisavam cuidar uns dos outros. Ou não teriam mais nada ao que recorrer.
O clima também foi mudando depois que Carol Danvers apareceu.
A tristeza profunda foi dando espaço a uma ansiedade que se intensificava.
Em busca de Nick Fury, foi ela quem havia recebido o sinal pelo velho comunicador que o governo encontrou e entregou a eles, assim que chegaram ali. Apesar de não familiarizada com conversas, Carol apresentou-se naquela noite. Contou sua história e contou sobre sua luta. Descobriram, por ela, que o que tinha acontecido na Terra, de fato, aconteceu em todo o Universo e, encaixando as peças que ela trouxe consigo, daquele caótico quebra-cabeças, descobriram que havia uma chance de, talvez, encontrar Thanos e reverter aquela situação. Danvers não quis ficar. Estava ansiosa e um tanto brava quando deixou o Complexo, voando feito uma estrela pelo céu, de volta ao Universo e em busca de qualquer que fosse a pista de como resolver aquilo.
Carol Danvers deu a eles a coisa mais perigosa que poderiam ter naquele momento: esperança.
E vinte dias depois que partiu, ela voltou. Trazendo consigo a nave em que Tony Stark estava definhando pelo Universo, Carol continuava dando esperança a todos eles.
Steve terminava de fazer a barba e se preparava para o banho, enquanto Natasha conversava com na sala e Rhodes e Bruce recolhiam a louça da janta. Parecia uma noite comum, como qualquer outra. Thor estava mais recluso naquele dia, um dos incontáveis dias de baixa, em que a fúria estava falando mais alto. Rocket irritava Alpine mais ao canto e, coincidentemente, Pepper estava lá para recolher alguma papelada de Tony em seu escritório. Toda a burocracia de manter o Complexo, as Indústrias Stark e o patrimônio bilionário do homem havia ficado sob responsabilidade dela e, por isso, Pepper estava sempre por lá, em busca de papéis, atendendo a reuniões ou correndo de um lado a outro, estressada e sempre atrasada.
Steve, Natasha, Bruce, Rhodes e, desesperada, Pepper correram para fora da casa assim que as paredes e o chão do local começaram a tremer, indicando que algo grande e impactante se aproximava. Por uma das janelas da sala, viu Carol pousar uma nave gigante no quintal, como se fosse feita de papelão, e, dela, sair Tony Stark e uma nova criatura, robótica, azulada. Ao lado de , chocado ao ver aquela cena, Rocket exasperou-se e correu para fora, gritando a Thor que sua nave tinha voltado e que Nebulosa estava ali. Nebulosa. imaginou que seria o nome da criatura azul, mas não colocou tanto reparo naquilo. Seus olhos estavam cravados no retorno de Stark e na emoção de Steve e, mais ainda, Pepper, em revê-lo.
Uma emoção que daria tudo para ter.
Tony estava absurdamente debilitado. Estava magro, pálido, definhando. Usava uma roupa claramente improvisada e mal conseguia se manter em pé. Seus olhos estavam avermelhados e, arrastado para dentro do Complexo com ajuda de Steve e Rhodes, ele cheirava mal. Como se não tomasse banho há semanas, o que, de fato, não o fez. Bruce apressou-se em buscar uma cadeira de rodas para que Tony pudesse sentar-se e, assim que pisaram dentro da casa, o levou rapidamente para o mesmo cômodo que tratou , assim que chegaram ali, de volta de Wakanda. Stark precisava de cuidados médicos e, mais do que isso, precisava de tempo para entender o que acontecia, que não estava morto, que ainda havia vida nele.
Em estado de choque, ele murmurava palavras desconexas e, sem parar, dizia que havia perdido o garoto. De braços cruzados, parada ao canto da sala de projeções e acompanhando a movimentação com os olhos, pensou em Peter. Não sabia exatamente o que Stark queria dizer com “perdeu o garoto”. Peter estava morto? Ou havia virado poeira? Mas aquelas perguntas logo cederam lugar a uma sensação que não sabia ainda viver nela, em todo aquele tempo desde que chegou ali. A sensação de alívio, um reconforto estranho, não familiar. Se Stark estava de volta, Bucky também poderia voltar? Podiam encontrar Sam? Trazer Karl e Everett de volta? Aqueles pensamentos esperançosos, mas carregados de angústias e tristezas, acompanharam madrugada adentro.
Deixando a sala de projeções apenas para tomar banho, eles se mantiveram ali, silenciosos, atentos a qualquer movimentação nova que poderia acontecer. Sabiam que não poderiam dormir naquela noite, não conseguiriam. Algo diferente havia acontecido depois de vinte e três dias, Stark, que tinha sido abduzido em Nova Iorque, estava de volta. Carol o tinha encontrado. Ela poderia encontrar o resto do Universo desaparecido? O clima pacato foi drasticamente substituído por um clima angustiante, ansioso e, embora silencioso, gritando perguntas e jorrando tensão a todo instante. O retorno de Tony representava para eles, , Thor, Steve, Natasha, Bruce, Rhodes e Rocket, muito mais do que um retorno em si mesmo. Era uma alternativa, uma esperança e uma possibilidade de, no fundo, ao fim e ao cabo, não terem perdido total e definitivamente aquela batalha.
Contudo, perto de amanhecer, com Tony descansando depois de receber atendimento médico de Banner, Nebulosa contou seu ponto de vista sobre a história. Filha de Thanos, para a total infelicidade de e para aumentar ainda mais o desgosto e a ânsia por vingança de Thor, ela sabia dos planos de seu pai e sabia de seus passos. Nebulosa contou o que tinha acontecido quando enfrentaram Thanos no Espaço e contou que, tirando ela e Stark, todos os demais haviam desaparecido. Não estavam mortos, mas também já não viviam mais. Um conceito de inexistência existente difícil demais de ser compreendido por qualquer pessoa naquela sala. E, mais ainda, difícil demais de ser aceito por qualquer um deles.
Tony acordou assim que o sol nasceu. Não tinha dormido mais do que duas ou três horas seguidas, seu corpo ainda estava se acostumando com o oxigênio disponível na Terra, depois de tanto tempo em órbita. A confusão, a irritabilidade e a fraqueza eram sintomas normais, Bruce havia explicado, uma reação natural e esperada da perda gradual de oxigênio. Tony praticamente havia ressuscitado - para a total felicidade e alívio de Pepper, Rhodes e Bruce, pessoas que só tinham a perda de Tony a chorar. Reclamando do desconforto da maca, ele pediu para ser sentado novamente na cadeira de rodas e, empurrado por Bruce para a sala de projeções ao lado, onde todos os demais estavam espalhados, esperando por qualquer notícia dele e sem saber o que fazer, Tony olhou com curiosidade para os hologramas abertos em cima da mesa central de projeções. Ele esperou alguns minutos, observando calmamente os números e as notícias mudas que passavam sem parar, vinte e quatro horas por dia desde que chegaram ao Complexo.
Familiarizado com o funcionamento da mesa de projeções, Stark deu alguns comandos no ar, com as mãos trêmulas, e instantaneamente os hologramas fecharam-se. No lugar deles, contudo, novas projeções se abriram, atraindo a atenção de todos os demais. Onde antes havia mapas, números e vídeos de noticiários, agora, podiam ver as fotos e os nomes de pessoas que Stark um dia mapeou como membro dos Vingadores, ou um possível membro ou pessoa dotada de super poderes úteis para a iniciativa. Steve, no mesmo momento em que levantou seu olhar e percebeu o que acontecia, o desviou para o chão. engoliu o choro assim que viu a foto de Bucky aparecer e, ao lado dela, em seguida, a de Sam. A palavra DESAPARECIDO cortando seu coração como se a enfiassem uma faca.
— Fazem vinte e três dias desde que Thanos veio para a Terra — Próximo a mesa de projeções, Rhodes começou a dizer baixo, atualizando Tony sobre o que tinha acontecido.
— Os governos mundiais estão… despedaçados — Natasha completou, parada do outro lado da mesa — As partes que ainda funcionam estão tentando fazer um censo e parece que ele conseguiu... — Nat parou por um instante e engoliu em seco — Ele fez exatamente o que ele disse que iria fazer. Thanos dizimou cinquenta por cento de todas as criaturas vivas.
De onde estava era possível ver, ao seu redor, Rhodes e Carol Danvers em pé que, ao ver a foto de Fury abrir-se no holograma, sentiu seus olhos marejarem. Mais ao lado e atrás dela, Steve estava encostado no braço de uma poltrona, sua camisa social xadrez bem passada, tão desconfortável em seu corpo quanto ele estava com aquele assunto. Na cadeira de rodas, bem próximo a mesa, do outro lado e afastado dos demais, Stark observava com atenção as imagens enquanto ouvia Natasha contar-lhe o que sabiam da situação. Tudo parecia ainda pior, ainda mais grave do que ele havia imaginado. O soro ligado em sua veia, e pendurado ao lado da cadeira, já não surtia mais o efeito calmante nele. Tony sentia-se transtornado.
Mais distantes, do lado oposto de Stark, Steve e Carol, os vendo de frente, Thor estava sentado em um canto da sala, com em pé, de braços cruzados, ao seu lado. O deus do trovão tinha a expressão fechada, e os olhos baixos, no chão, travada pela irritação de voltarem naquele tema e de ver, uma vez mais, todas as pessoas próximas a eles naquelas imagens. E, alguns passos dali, sentado em uma cadeira qualquer, perpendicularmente aonde e Thor estavam, Rocket temia uma reação mais caótica do amigo.
— Onde ele está agora? Onde? — Stark quebrou o silêncio olhando Steve, que respondeu descontente:
— Ninguém sabe — Ele cruzou os braços — Ele só abriu um portal e atravessou.
Tony deixou um suspiro absurdamente cínico sair e moveu-se levemente com a cadeira de rodas até, de repente, seus olhos caírem em e, em seguida, em Thor, que ainda estava de cabeça baixa. Tony desceu seus olhos por , em um minuto, como se a secasse, com desdém. Vestindo uma camiseta de malha preta, lisa, de mangas curtas, uma saia curta igualmente preta e apertada ao corpo, com uma pequena fenda na coxa direita, um cinto fino de metal prateado e tênis brancos, manteve seu olhar em Stark, seus braços cruzados e o máximo de atenção que poderia ter nele. Odiava aquele jeito soberbo.
— Ah, a bonitinha francesa veio também, bonjour mon amour — Ele comentou irônico, dando um sorriso cheio de desdém — Só falta agora me dizer que também trouxeram o desgraçado do assassino que matou meus pais para dentro da minha casa — Ele voltou seu olhar para Steve, que engoliu a raiva que sentiu daquele comentário, e virou-se para Rhodey, a seu lado — Trouxeram?
— Tony… — Rhodes negou com a cabeça, o repreendendo.
chegou a dar um passo à frente, mas a mão de Thor a segurando pelo pulso foi mais rápida, a impedindo de seguir. Thor também não tinha paciência para aquele tipo de comportamento imbecil do outro homem. Stark não estava lá e não sabia pelo o que estava passando. Não tinha o direito de falar daquela forma com ela. Contudo, Thor não deixaria que começasse ali uma nova briga. Já tinham problemas demais para resolver. Sem desviar seu olhar de Stark, consumida pelo ódio e pelo clima horrível que pairou no ambiente, soltou-se delicadamente de Thor e voltou um passo atrás, murmurando:
— Fils de pute.
Rocket sorriu discretamente, gostava de . Tony, contudo, a ignorou, seus olhos curiosos já caídos agora sobre Thor, como se realmente o estivesse vendo ali pela primeira vez.
— O que houve com ele? — O homem perguntou irônico, apontando para o Asgardiano. fechou a cara ainda mais. Se ele mexesse com Thor, ela não se seguraria mais.
— Ele está possesso. Acha que fracassou... — Rocket respondeu, ao mesmo tempo que Thor, apertando suas próprias mãos, subiu seu olhar até Tony que forçou uma expressão surpresa, encarando Rocky — ...que foi o que aconteceu, mas está todo mundo no mesmo barco, não está?
— É sério, até esse exato segundo eu achei que você fosse de pelúcia — Tony gesticulou boquiaberto, tirando de uma revirada de olhos, impaciente.
— Talvez eu seja — Rocky respondeu no mesmo tom de ironia.
— Estamos caçando o Thanos há três semanas já, com sensores espaciais e satélites, e até agora nada — Steve voltou o assunto para seu foco principal, tentando aliviar a tensão que Tony estava causando no ambiente — Tony, você enfrentou ele...
— Quem te contou isso? — O Homem de Ferro perguntou petulante, ajeitando em seu corpo o roupão que vestia — Não enfrentei, não. Ele esfregou minha cara com um planeta enquanto o mago da rua Bleecker entregou o ouro. Foi isso. Não teve luta, porque...
— Ok — Steve tentou cortar, mas Tony o ignorou e continuou dizendo:
— …porque ele é invencível!
— Ele chegou a te dar dicas? Coordenadas ou qualquer coisa? — Steve insistiu, mas a reação de Tony foi ainda mais ridícula. Gesticulando para indicar que não tinha nada, nenhuma informação, o homem fez sons estranhos com a boca e soltou quase um arroto, como uma verdadeira criança mimada. negou com a cabeça e soltou os braços aos lados de seu corpo, enquanto Carol semicerrou os olhos, sem entender aquele comportamento.
— Eu previ isso há alguns anos — Tony apontou para Steve — Eu tive uma visão, não quis acreditar. Achei que era um sonho — Ele recostou-se na cadeira e passou a mão na boca.
— Tony, eu preciso que se concentre — Preocupado com o tom da conversa, Steve aproximou-se dele, mas logo o ouviu gritar em resposta:
— E EU PRECISEI DE VOCÊ — Stark o encarou bem nos olhos, fazendo o Capitão parar de andar — É isso aí, no passado. E isso supera o que você precisa. É tarde demais, amigo, sinto muito. Eu preciso… — Dando um tapa na louça que havia logo a sua frente, em cima da mesa, Stark levantou-se impulsivamente — Eu preciso me barbear. Ah, eu acredito que me lembro de dizer a todos aqui...
— Tony? Tony, Tony… — Rhodes aproximou-se ainda mais dele, tentando impedir que o homem parasse de arrancar o soro do próprio braço, sem sucesso.
— ...aos vivos e aos outros, que era necessário que existisse uma armadura em volta do mundo, se lembram? — Irônico, nervoso e violento, ele gesticulava soberbo, encarando cada um dos presentes ao seu redor que, quietos, assistiam ao show acontecer — Se lembram disso? Com ela impactando nossa preciosa liberdade ou não. Isso era necessário!
— Ok, mas não deu certo, não é? — Afrontoso, com a voz baixa, Steve o encarou.
— Eu disse que íamos perder — Stark apontou para si mesmo e, em seguida, magoado, para Steve — E você disse “faremos isso juntos, também”. E adivinha, Cap? A gente perdeu a guerra. E você não estava lá.
Steve suspirou pesadamente, mas antes que tivesse a chance de dizer algo, ouviu responder em alto e bom som, impaciente:
— E você não estava aqui, também.
— … — Natasha a encarou e negou com a cabeça, como se pedisse para ela não piorar a situação.
— Mas é o que fazemos, não é, meu amor? — Ele perguntou ainda mais arrogante, olhando de novamente para Steve — Trabalhamos melhor depois dos fatos, porque somos os Vingadores. Somos os Vingadores, não os Precavidos?
Nessa altura, Rhodes já segurava Stark, tentando o colocar sentado de volta na cadeira de rodas. Entendiam o sentimento de abandono que Tony sentia. Ele havia enfrentado o primeiro ataque sozinho, nenhum deles ali estava por perto para ajudá-lo. Ele também esteve frente a frente com Thanos, também perdeu uma das joias que lutou para proteger e também viu pessoas queridas desaparecendo. Talvez, todo aquele nervosismo e aquela tentativa de insultar e descarregar mais culpa em Steve, em todos eles ali, em uma discussão que não os levaria a lugar algum, fosse uma reação ao estresse que Tony tinha passado nas últimas semanas. Talvez, para além do estresse, havia também uma mágoa enrustida. Três anos haviam se passado desde a última vez em que Tony viu Steve. Três anos inteiros, em que conviveu com a mágoa de ver uma das poucas pessoas que chamava de amigo defender o assassino de seus pais, como se a vida deles não valesse nada. Tony tinha seus motivos para reagir daquela forma. Aquele só não era o lugar, nem o momento, nem o jeito certo, de lidar com aquelas questões.
— Está bem — Rhodes falou sereno, olhando seu amigo o encarar de volta.
— Certo? — Stark insistiu.
— Ok, todos compreenderam, agora senta — Rhodey fez pressão no corpo do homem, mas ele insistia em manter-se em pé, debatendo-se e tentando desviar do amigo.
— Não, não, isso precisa ficar claro.
— Você está doente, Tony, sente-se.
— Ela é ótima — Tony apontou para Danvers que, confusa e de cara fechada, o olhou com certo desdém — Diferente daquela ali — Ele então apontou , que levantou as sobrancelhas, mas manteve-se olhando Carol — Precisamos de você, é sangue novo. Somos mulas cansadas — Ele se debateu o suficiente para soltar-se de Rhodes e caminhar em direção a Steve, apontando novamente para ele — Mas não tenho nada para você, Capitão. Não tenho coordenadas, nem dicas, nem estratégias, nem opções. Zero, zip, nada — A voz dele era estridente, alta e muito amargurada, nervosa. Steve o encarava pacientemente, sua postura firme, sem baixar a guarda nem um segundo, embora o homem nervoso estivesse o peitando bem, bem, de perto — Nada disso, traidor — Dramático, Stark arrancou o próprio reator do peito e, pegando a mão de Steve, o colocou com força sobre a palma dela — Toma, segura. Se você encontrar ele, põe isso. Se esconde…
A voz embargada de Tony, pela raiva, pela tristeza, denunciava os efeitos que o estresse absurdo que estava passando nos últimos dias fazia em seu corpo. Ele então deu um passo atrás e, fraco, caiu de joelhos no chão, ao mesmo tempo que Steve agachou-se, para socorrê-lo e Rhodes, do mesmo modo, aproximou-se por trás, apressado.
— Tony? — Steve o chamou preocupado.
— Eu estou bem — Ele rebateu, desviando das mãos dos outros homens que, afastaram-se ligeiramente para dar-lhe espaço para respirar — Eu estou…
Stark não conseguiu dizer mais nada porque, no segundo seguinte, apagou. Cercado por Steve, Rhodes, Natasha e Carol, que o acudiu assim que o tronco do homem atingiu o chão, Tony desmaiou de uma vez por todas. Seu corpo não estava pronto para tanto estresse, tinha que se recuperar física e mentalmente. e Rocket se entreolharam confusos, mas, no fundo, um tanto aliviados. Ao menos poderiam falar sério agora. Sem novos shows.
Carol carregou Tony de volta a maca, mas em um novo cômodo, onde ele poderia descansar mais confortavelmente e ser monitorado por aparelhos médicos que Rhodes assistiu Bruce colocar de volta nele. Carol já estava ficando de saco cheio de ser a babá de Stark e esperava que ele melhorasse logo. Pepper, algum tempo depois, juntou-se a Rhodey, Bruce e a Tony, para ficar de vigia no homem e impedir que aquilo tudo acontecesse outra vez. Todos estavam desgastados demais. Exaustos, aflitos, assustados, confusos, entristecidos. Tudo estava ridiculamente estressante e, até então, estavam se esforçando muito em lidar com a situação e em não a deixar ainda pior. Por mais magoado e traído que Stark se sentisse, tinha que agir como o adulto de cinquenta anos que era. Tinha que ser racional.
— Bruce deu um sedativo para ele — Rhodes comentou entrando em outra sala algum tempo depois, onde os demais esperavam — Ele vai dormir, provavelmente, o resto do dia.
— Tomem conta dele, que eu trago um elixir xorriano quando eu voltar — Carol ordenou impaciente, olhando de Rhodes para Natasha e, mais ao lado, Steve, que estava bastante triste pelo ocorrido.
— Para onde você vai? — Steve colocou as mãos nos bolsos da calça, a vendo caminhar segura de si para longe deles e, sem sequer olhá-lo, responder:
— Matar o Thanos.
Ele e Natasha se entreolharam por um segundo, pensativos. Não conheciam Danvers, aquele era o segundo contato breve que estavam tendo com ela. Mas já tinham percebido que ela não tinha muito espírito de equipe. Era impulsiva, determinada e muito, muito, arrogante.
— Aí? — Natasha a chamou, seguindo a outra mulher, que parou de andar e virou-se para ela — Geralmente trabalhamos em equipe aqui e o ânimo do grupo já está fragilizado.
— Eu sei que o espaço é mais o seu território, mas essa luta também é nossa — Um passo atrás de Nat, Steve completou encarando Carol. Do batente da porta atrás, entre a sala de estar que estavam, e a sala de jantar que agora ocupavam, Rhodes concordava com a cabeça, de braços cruzados, e perguntou:
— E você sabe onde ele está?
— Conheço pessoas que sabem — Danvers respondeu com obviedade.
Sentada em cima de uma das bancadas da cozinha próxima, que dividia o ambiente com a sala de jantar, apenas acompanhava o novo circo se formar em silêncio, com Thor sentado pouco a sua frente, comendo amendoins que encontrou em um dos armários enquanto esperavam a situação toda de Tony se resolver, e bebendo uma cerveja. Mais difícil do que lidar com uma luta como a de Thanos era lidar com o ego de pessoas que, como Stark e Danvers, se achavam poderosas o suficiente para resolver todos os problemas do mundo sozinhas. E aqui estava a novidade: no frigir dos ovos, nenhum deles realmente conseguiu resolver. Haviam novas variáveis e o assunto começava a esquentar novamente, mas, no fundo, era mais do mesmo. Se fosse haver um novo show, mudando apenas seus protagonistas, que, ao menos, a plateia pudesse comer assistindo. Os olhos sérios de estavam cravados no desconforto que se formava entre Natasha, Steve e a Capitã Marvel até, de trás deles, ouvirem alguém dizer:
— Não se dê ao trabalho. Eu posso dizer onde Thanos está.
A voz incisiva e robótica de Nebulosa cortou o ambiente, atraindo a atenção de todos eles. Ali estava uma notícia que podia mudar tudo. Ali estava a chance que todos eles tanto queriam de resolver aquele problema, de encontrar Thanos, de descobrir o que ele havia feito com meio universo. E de, talvez, só talvez, trazer todos de volta. Tinham a pista que precisavam para ter a chance que queriam de se vingar. De, dessa vez, vencer a guerra. saltou da bancada que estava sentada e, dando alguns passos de um lado a outro da sala, sentia seu coração bater mais forte a cada palavra que ouvia Nebulosa dizer, inexpressivamente.
— Thanos passou muito tempo tentando me aperfeiçoar. E, enquanto trabalhava, ele falava sobre seu Grande Plano. Mesmo desmantelada, eu faria tudo por ele. Eu dizia: “para onde vamos quando o plano estiver completo?”. A resposta era igual, sempre — Nebulosa virou-se de frente para onde todos os demais estavam, espalhados pela ampla sala, e dando alguns passos até apoiar-se na mesa, ela completou: — “Para o jardim”.
— Aí, mãe do Groot, ele é dos seus — De pé em cima da mesa de jantar, Rocket apontou para .
— Achei uma boa escolha — Ela deu de ombros, vendo Bruce aproximar-se deles, mais ao fundo da sala.
— Que coisa — De braços cruzados, Rhodes comentou frustrado. Estava esperando uma resposta mais enigmática ou poderosa, não um… jardim — Thanos tem um plano de aposentadoria.
— Então, onde ele está? — Steve perguntou ansioso.
— Quando Thanos estalou os dedos, a Terra se tornou o centro de um surto elétrico de proporções ridiculamente cósmicas — Rocket explicou, dando alguns toques nas projeções na mesa sob a qual estava em pé e abrindo, em holograma, um sistema solar para exemplificar o que dizia — Ninguém nunca tinha visto nada como aquilo. Até dois dias atrás… — Aproximando os planetas pelo holograma, a imagem correu até parar em um deles — ...nesse planeta.
— Thanos está lá — Nebulosa completou.
— Ele usou as joias de novo — Aproximando-se ainda mais do holograma, para ver a imagem mais de perto, Natasha murmurou intrigada. Se ele havia usado as joias outras vez, mas nada tinha acontecido com eles, a metade que sobrou, o que Thanos tinha feito dessa vez?
— Desde quando sabe disso, Lebre? — perguntou confusa. Estava há semanas dividindo o trabalho de busca com Thor e Rocket e seguramente podia dizer que não sabia daquilo.
— Desde dez minutos atrás, gatinha, quando todo mundo ficou babando em cima do velhote insuportável — Ríspido como sempre, ele apontou sentido ao quarto em que Tony estava. De fato, Nebulosa não estava por perto quando toda a discussão com Tony aconteceu e, no intervalo até estarem ali, outra vez discutindo, Rocket teve tempo de conversar com a mulher e, sabendo da localização de Thanos, buscar pelo planeta nos registros de satélites em tempo real.
— Bom, o que estamos esperando, então? — Sentindo a ansiedade em fazer aquilo logo tomar conta de si, perguntou olhando Steve, mas logo foi cortada por Banner.
— Ei, ei, ei, ei, ei — Ele deu alguns passos mais ao centro da sala — Estamos desfalcados. Estamos sem gente, esqueceram?
— Ele ainda tem as joias, então… — Rhodes refletiu.
— Então é isso — Carol o completou segura, seus olhos mal piscavam encarando o holograma — Com as joias traremos todos de volta.
Como se aquilo os tivesse pego de surpresa, todos pararam por um segundo. Reflexivos, aflitos e silenciosamente digerindo aquela informação um tanto óbvia, simples e repentina demais, as nove pessoas ali, encarando umas às outras, sentiram o clima de expectativas e esperanças explodir no ambiente. Tinham que tomar uma decisão, ser assertivos e rápidos. Não sabiam por mais quanto tempo Thanos ficaria naquele planeta e, pior, não sabiam quanto tempo mais ele levaria para usar as joias outra vez. Não havia riscos a serem corridos. Se tinham uma chance, por menor e mais improvável que fosse, de reverter o estalo, de trazer todos de volta, eles tinham que tentar. Ao menos era o que pensava angustiadamente naquele momento. Em seus pais, em seus amigos, em Bucky. Faria o que fosse possível para tê-los de volta. Custasse o que fosse. Mas nem todos eles pareciam confiantes sobre essa decisão.
— Tranquilo assim? — Bruce quebrou o silêncio. Estava bastante incerto, receoso.
— Tranquilo assim — Steve respondeu com segurança, vendo assentir brevemente para ele.
— Mesmo que haja uma pequena chance de desfazermos isso, devemos tentar, por todo mundo que não está nessa sala — Colocando em palavras exatamente o que sentia, Natasha comentou baixo e emocionada. Sentia como se seu coração fosse sair pela boca, eles tinham que fazer algo.
— Se a gente fizer isso, como garantir que acontecerá diferente do que aconteceu da última vez? — Bruce insistiu, sua voz alterada em desespero.
— Da última vez, vocês não tinham a mim — Carol semicerrou seus olhos, cheia de si, encarando Bruce. a olhou com uma careta discreta, pensando que o que aquela mulher tinha de bonita, tinha que mal educada, enquanto Natasha bufou e Steve revirou os olhos. Thor não esboçou nenhuma reação, assim como Nebulosa, e Rocket deu de ombros. O clima, uma vez mais naquele dia, tinha ficado chato com aquele comentário. Rhodes trocou um olhar com Bruce que, constrangido pela resposta que levou da mulher, manteve-se em silêncio.
— Aí, garota nova — Rhodes deu um passo em direção a ela, fazendo-a o encarar — Todo mundo nessa sala leva uma vida de super-herói. Se não se importa, me diga, onde esteve esse tempo todo?
— Existem vários outros planetas no universo — Soberba, Carol respondeu com obviedade, constrangendo Rhodes — E, infelizmente, vocês não estão lá.
— E você também não estava aqui quando Thanos veio — chamou a atenção dela para si, dando passos preguiçosos em direção a Carol — Então, sugiro que baixe essa bola toda porque, como você viu, a última coisa que precisamos é de um novo soberbo no grupo.
— Eu acho que vocês não estão em posição de escolher muito — Afrontosa, Danvers deu um passo à frente, a meio passo de encostar na mulher à sua frente. A encarando de volta, de braços cruzados, sorriu cínica.
— Não perguntei o que você acha e, só para lembrar, ninguém te chamou aqui — A francesa rebateu impaciente. Nunca tinha se dado bem com pessoas com ego inflado, nunca teve tempo a perder com pessoas sem senso de coletividade.
— Na verdade, não sei se você se recorda… — Danvers respondeu irônica — … mas você estava lá quando me disseram claramente para voltar caso encontrasse algo. E, nossa, parece que, diferente de você, eu consegui algo, eu encontrei algo.
— Lixo espacial? — perguntou no mesmo tom de voz, umedecendo os lábios. Carol desviou os olhos do dela por uma fração de segundo.
— Se quiser chamar Stark assim, não vou me opor — Danvers cruzou os braços — O fato é que, se tem alguém nessa sala que pode fazer alguma coisa contra Thanos, esse alguém sou eu.
— Sei que está acostumada a fazer as coisas sozinha, e a se achar para cima dos outros, pelo visto, mas aqui você não tem nada de especial, porque todos tem algo a oferecer e todos aqui vão ser respeitados por isso. Se não aceitar isso, pode sair pela mesma porta que entrou e te mandamos um cartão de agradecimento por recolher o nosso lixo — Com a voz firme e séria, apontou levemente para a porta mais próxima, o olhar de Carol a queimando — Mas se ficar, entenda que nosso jogo é coletivo e as regras são claras: somos um grupo, trabalhamos em grupo e temos o mesmo objetivo, matar Thanos.
Carol continuou encarando os olhos da mulher à sua frente por mais um ou dois minutos, pensando. Nenhuma outra pessoa ali teve coragem de cortar o silêncio desafiador que pairava no ar. tinha sido dura, sim, mas tinha razão. Danvers era nova na equipe, se é que fazia parte dela. Tinha que entender que os espaços eram compartilhados e que todos tinham seu valor para o grupo. O egocentrismo de Tony havia causado danos lastimosos e profundos para os Vingadores, conheciam bem as consequências daquele jeito egoísta, soberbo e individualista. Não dava certo com eles. E não daria certo enfrentar uma ameaça como Thanos se estivessem desalinhados, desarticulados e cada um jogando seu próprio jogo. Carol tinha que entender isso.
Descontente, e não querendo dar o braço a torcer, Danvers pensava no que acontecia ali. Ela nunca teve a chance de cruzar seu caminho com o de Thanos, mas não parecia com nada que ela já tinha enfrentado antes. Talvez estivesse o menosprezando demais. Sozinho, ele conseguiu reunir todas as Joias do Infinito. Algo de diferente, assustador e poderoso havia nele, não podia negar. Estavam unindo forças ali. Unindo forças não contra Thanos, mas sim contra as Joias. E Carol só parou realmente para refletir sobre aquilo, naquele momento. Ela daria conta, sozinha, de segurar os poderes do tempo, da mente, da alma, do poder, do espaço e da realidade?
Talvez estivesse mesmo sendo ambiciosa demais, mas nunca admitiria. Carol não conhecia aquela mulher que a peitava. Sabia seu nome, sabia que era quieta, mas impositiva, sabia que era muito atraente, charmosa. Mas não sabia o que ela podia fazer, o que tinha a oferecer para estar naquele seleto grupo. Admirava a coragem dela em bater de frente, em defender seus amigos e em exigir que fossem respeitados. Todos ali estavam fragilizados, era nítido. Mas estavam dispostos a correr o risco de lutar contra Thanos outra vez. Todos eles tinham perdido e todos queriam vingança. Fariam isso juntos, como perderam juntos, como se mantinham ali, juntos. Se Carol tinha uma chance de refazer aquela situação, pela primeira vez em sua vida, não seria sozinha. Tinha que somar.
— Matar Thanos — Ela falou, finalmente, sem tirar seus olhos dos de que, breve, assentiu com a cabeça. Como se tivessem feito um pacto. Faltavam só os demais concordarem com aquilo.
Antes mesmo que qualquer outro deles pudesse se manifestar, Thor levantou-se e caminhou em direção a e Danvers, as encarando enquanto mastigava. Vestindo uma calça jeans emprestada de Steve, uma camiseta cinza de mangas curtas e um blusão de moletom aberto, o homem parou ao lado e entre as duas mulheres que, sem entender direito, viraram-se de frente para ele. Carol, sem se intimidar, a meio passo de distância dele e com a seu lado, cravou seus olhos em Thor que estendeu sua mão. Deixando uma risada escapar, já prevendo o que viria a seguir, apenas esperou o martelo aparecer, voando pelo ar, até a mão dele, como um raio. Casual, encarando as duas mulheres, ele apoiou o martelo no chão, engolindo o amendoim que mastigava. Tinha gostado daquela conversa, tinha gostado da ideia que surgiu e se sentia preparado para, finalmente, ter uma nova oportunidade de fazer tudo direito dessa vez. Concordando com a cabeça, Thor finalmente tomou partido na conversa:
— Eu gostei dessas aqui.
Carol sorriu de lado e, meio segundo depois, olhou novamente para . Entendendo o recado de Thor, encarou Danvers de volta, sorrindo leve e, finalmente, virou-se de costas para olhar Natasha, Rhodes, Bruce, Rocket e Steve, respectivamente, até perguntar:
— E então?
— Vamos dar um jeito nesse filho da mãe — Steve respondeu assertivo, olhando o holograma do planeta em que Thanos supostamente estava, e deixou um suspiro pesado escapar.
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De todas as coisas incomuns que já haviam acontecido na vida de , de controlar a natureza a conversar com um guaxinim, viajar para o Espaço era, certamente, a mais absurda delas. Nunca tinha sequer cogitado aquela possibilidade, nunca se imaginou algum dia chegar tão longe, ir para um lugar tão desconhecido e incerto. Conviver com o fato de que a Terra recebia criaturas de outros planetas era relativamente comum e bastante aceitável para ela, ainda mais depois das últimas semanas, com Thanos, exércitos de bichos que mal podia nomear, Thor, Rocket. Mas ter a chance de ir além Terra, afastar-se do que era conhecido, não. Não parecia comum e nem aceitável.
não se sentia pronta para o que estava fazendo e nem sequer sabia como deveria reagir. Se pegou pensando em seus pais por um momento, no que diriam se estivessem por perto, no surto que teriam ao saber que ela estava sentada em uma nave espacial, quebrando a atmosfera como se estivesse viajando de volta à França. não tinha ideia de onde exatamente estava indo e nem de como seria aquela viagem. Tudo era novo, tudo era incerto e tudo dava a ela uma sensação absurda de insegurança, uma contestação mental e violenta de se estavam mesmo fazendo a coisa certa, de se aquela era mesmo uma boa ideia.
Vestindo seu traje arrumado dias atrás por Bruce, sentada na poltrona da nave que Carol trouxe Stark de volta à Terra, no meio de Rhodes e Thor, logo atrás de Steve e Natasha, não sabia dizer como estava se sentindo. Parte de si estava uma pilha de nervos, com medo do que poderia acontecer, de tudo que poderia dar errado outra vez. Outra parte estava insegura, sem entender como poderia realmente contribuir para aquela luta. Imaginava que, pelo apelido do planeta para onde estavam indo ser "jardim", houvesse muita natureza disponível. Contudo, ela não sabia sobre como a manipulação da fitocinese poderia acontecer em outra atmosfera e tinha consciência de que a luta física não era uma opção contra Thanos.
Apesar daqueles sentimentos, contudo, a maior parte dela, a que a estava impulsionando e motivando a seguir aquele plano, a comprar aquela ideia absurda e a engolir o medo, a ansiedade e a insegurança, era feita de esperança. estava cheia de expectativa de que aquela era a última e única chance real, em três semanas que passaram refletindo e estudando o que fazer, de rever o cenário, de trazer todo mundo de volta. Estava indo por Karl, por Everett, por Bucky, por Sam, por T’Challa e por Shuri. Estava indo porque realmente acreditava que, no fundo, aquilo iria dar certo. Tinha que dar certo.
— Muito bem — Rocket cortou o silêncio profundo, assim que a nave atingiu a termosfera — Quem aqui nunca esteve no Espaço?
Tímida, levantou sua mão direita, vendo Steve, Nat e Rhodey fazerem o mesmo. Thor, Carol e Rocket os encararam risonhos, enquanto, mais a frente, Bruce e Nebulosa prestavam atenção nos comandos de operação da nave. se pegou pensando, por um momento, em Bucky. No que ele diria se soubesse que tinham a chance de navegar pelo Espaço, de como ele se sentiria se estivesse ali, dividindo aquele momento com eles. Mal sabia lidar com A.R.I.A., se atrapalhava com o controle remoto da televisão e tinha embaralhado o sensor de reconhecimento digital da entrada de seu quarto por não saber usá-lo. Como ele se sentiria ali? Imerso em tanta tecnologia e tão distante de casa, diante da imensidão colorida e brilhante do universo. sentiu seus olhos marejarem por um momento, mas logo balançou a cabeça, tentando afastar de si aqueles pensamentos e se concentrar novamente no que acontecia de fato ao seu redor.
— Por quê? — Rhodes perguntou baixo, ouvindo Danvers rir.
— Não quero ninguém vomitando na minha nave, hein!? — Rocket alertou ríspido, cutucando-os. Mas antes que qualquer um deles pudesse responder, Nebulosa alertou alto:
— Se aproximando do salto em três, dois…
Pega de surpresa, sem esperar que saltariam tão rápido, recostou-se na poltrona com firmeza, apertando os braços do assento com força. Não sabia o que deveria esperar, mas tinha assistido a muitos filmes sobre o espaço. O salto nunca era algo tranquilo. Da frente dela, Steve e Natasha fizeram o mesmo, enquanto Bruce ajeitava a postura. Nebulosa terminou a contagem regressiva e, menos de um minuto depois, com a nave tremendo e fazendo um barulho estrondoso, o salto aconteceu. acompanhou com os olhos, atônita, as cores do universo ao redor da nave, por fora, brilharem. Os tons de azul e a escuridão deram lugar a um roxo vivo, quase neon, enquanto o salto acontecia. Toda a potência da nave havia sido carregada e, em uma velocidade impressionante que causou alta pressão neles, haviam migrado de um lugar a outro, como em um piscar de olhos.
não sabia se estava mais impressionada com a beleza do que via lá fora ou a velocidade em que atingiram exatamente o planeta onde queriam chegar. Bastou o salto acontecer para que a nave parasse de supetão, a escuridão retornasse onde antes era roxo e brilhante e, diante deles não haver mais a Terra, e sim o planeta em cujo jardim Thanos descansava. Restava saber agora, e enfim, o que exatamente estava acontecendo naquele lugar e como chegariam até Thanos, como tirariam dele as joias e como lidariam com todo seu exército outra vez.
Pensando nisso e sem tempo a perder, Carol saltou para fora da nave, ágil, brilhando como uma estrela. Pelo lado de fora, ela contornou a nave voando e, parando logo a frente do vidro frontal, olhou para os demais lá dentro, avisando:
— Eu vou fazer o reconhecimento.
Do lado de dentro, todos apenas concordaram brevemente com a cabeça e a assistiram afastar-se da nave, indo em direção ao planeta. Reconhecer o terreno e, mais do que isso, localizar onde Thanos estava e o que tinha a seu redor protegendo-o, protegendo as joias, era essencial para o sucesso daquela missão. Thanos não os estava esperando, o ataque seria surpresa e repentino, tinha que ser fatal. Apesar disso, Steve não havia conseguido pensar em um plano realmente eficiente. Thanos tinha o maior exército do universo. Tinha controle sobre milhares de criaturas selvagens e tinha controle sobre todas, as seis, Joias do Infinito. Nada, nunca, seria o suficiente naquele cenário. Mesmo de surpresa, Steve tinha a sensação de que não eram o suficiente. Estava com medo.
O tempo que esperaram Carol voltar com informações do reconhecimento já foi o suficiente para que eles repensassem a ideia de estar ali. E se eles só piorassem tudo? E se estivessem cedendo pela autoconfiança, movidos pela raiva e pelo luto, e não estivessem sendo racionais? Tinham mesmo uma chance de vencer dessa vez? Destravando o cinto se segurança da poltrona que sentava, respirou fundo. A lembrança dela dizendo a Bucky, no campo de batalha de Wakanda, que o veria logo, a imagem dele sumindo, passando em sua mente. Tinha que fazer isso pelos os que foram, sim. Mas temia, muito, por aqueles que haviam permanecido.
Da poltrona à frente, Steve pensava exatamente o mesmo. Tinha aceitado arriscar o que havia sobrado, comprado pela mesma ideia que motivava e todos os demais a estarem ali. Mas ele não se sentia seguro e isso era novidade para ele. Como um Capitão, estava acostumado a lidar com situações que estavam sob seu controle, que demandavam esforços, mas não cogitavam fracassos. A verdade é que Steve não estava acostumado a perder. Não estava familiarizado com a sensação de fracassar e ter vivido o que viveu em Wakanda, ter perdido aquela guerra e visto suas consequências recaírem nos seus ombros, tinha mexido com Steve de um jeito que nada, nunca, mexeu. Pela primeira vez em sua vida ele não sabia o que fazer. Não havia planos, não havia estratégias. Não havia nada. Apenas a vontade de reagir, de tirar de si aquela sensação penosa de falha, a vontade de redenção.
Ao lado dele, Natasha mexia em um dos tablets que haviam levado, em busca de qualquer nova informação que o satélite mais próximo pudesse apresentar. Agora que estavam ali, não havia mais tempo para voltar atrás, não haveria desistências. Tinham que esperar Carol retornar com informações consistentes e pensar rápido no que poderiam fazer. Natasha engoliu o medo de uma única vez e concentrou-se em fazer o que tinha que ser feito. Precisavam usar seus lados mais racionais, única e exclusivamente eles. Mas reparando em Steve encarando a pequena bússola com uma foto antiga de Peggy, de quando ela era nova, Natasha percebeu que aquilo seria difícil. Estavam movidos e motivados pelo emocional. Puramente, o emocional.
— Vai dar certo, Steve — Ela comentou baixo, tentando ser o mais confiante que podia ser, vendo o homem fechar a bússola.
— Eu sei que vai — Steve suspirou e olhou Natasha — Porque não sei o que fazer se não der.
e Thor se encararam tensos ao ouvir aquilo, como se a pressão em fazer aquela missão ser bem sucedida tivesse acabado de aumentar consideravelmente. Não precisavam ouvir de Steve. Todos eles sabiam que aquela era a única e última chance que tinham. Mas ouvir dele, ouvir claramente aquelas palavras, tornava tudo dolorosamente real. Tornava tudo que eles não tinham coragem de assumir, de dizer em voz alta, verdadeiro. E aquilo machucava. Muito. Para além de tenso, Thor estava começando a ficar ansioso.
Sua mente divagava por todas as possibilidades que imaginava ter de alcançar Thanos, de acabar com seu exército, de acabar com ele, enquanto desviava seu olhar perdido para um canto qualquer da nave, até sentir a delicada e carinhosa mão de segurar a sua, parando ao seu lado, o olhar tão inexpressivo quanto o dele encarando o universo afora da nave. Thor queria estar logo diante de Thanos outra vez, queria olhá-lo nos olhos, tirar dele a honra que roubou de si, a vida que roubou de Loki. Thor queria sangue, queria vingança e queria aquilo logo. E sua mão apertando e soltando a de repetidas vezes, em um silêncio profundo, denunciava todo o estresse e ansiedade que o consumiam por dentro. não sabia como podia apoiá-lo senão ficando fisicamente por perto e, igualmente, Thor não sabia como deveria demonstrar que, fosse o que fosse, estava lá com ela também.
Mas nada durou mais do que cinco minutos, até a imagem de Carol Danvers aparecer novamente diante deles, no vidro frontal da nave, pelo lado de fora.
— Nenhum satélite. Nenhuma nave. Nenhum exército — Ela comentou breve, séria, tirando um olhar confuso de Banner — Nenhum tipo de defesa. É só ele.
— E é o suficiente — Nebulosa respondeu.
O jogo havia acabado de mudar, mais uma vez. Soltando as mãos, e Thor se encaram por um instante, como se perguntasse um ao outro o que deveriam fazer. Aquilo era estranho em um nível que mal conseguiam nomear. Estava sozinho e desprotegido? Com as joias? Não parecia real e nem algo que Thanos faria, mas Carol não teria o porquê mentir e tinham a filha dele a seu favor. Nebulosa não pareceu tão surpresa quanto os demais diante daquela informação. Apesar de estranho, contudo, achou que tinha um lado favorável naquilo. Se Thanos estava completamente sozinho e descoberto, eles estavam em vantagem, tinham uma chance real, e muito provável, de vencê-lo dessa vez. Só tinham que ser o mais assertivos possível no ataque. Não podiam dar a Thanos qualquer chance de reagir e, muito menos, de estalar os dedos outra vez.
— Carol, vai na frente. Bruce e Rhodes seguram ele e Thor, dá um jeito de tirar a manopla — Steve começou a dizer pensativo, vendo a Capitã Marvel voltar para dentro da nave enquanto Rocket iniciava o pouso em solo firme.
— O quanto há de vida vegetal por perto? — perguntou pensativa, seus olhos indo de Steve até a Capitã Marvel.
— Chamam de jardim por um motivo, olhe você mesma — A mulher respondeu ríspida, encarando que, ignorando a falta de educação dela, caminhou para perto de uma das janelas, observando os imensos campos abertos, coloridos e forrados de vida botânica por todo lugar — Não há mais nada além de plantas aqui.
— Ótimo. , ajude a segurá-lo então — Steve pediu, vendo a mulher concordar com a cabeça, em silêncio — Eu, Natasha e Rocket vamos em seguida — Ele então se virou na direção de Nebulosa, parecendo pensativo — Sei que é seu pai, então, se não se sentir confortável, você…
— Eu vou com vocês — Ela rebateu prontamente, cortando Steve que assentiu.
— A quantidade de oxigênio disponível é a mesma da Terra, podemos sair sem medo e sem equipamento extra — Bruce avisou, olhando de um dos tablets que monitorava a atmosfera, para Steve que, sério, focado, assentiu com a cabeça e mirou Natasha, como se pedisse que liberasse a rampa de acesso da nave.
Descendo da nave recém pousada há alguns metros de uma casa, parecida com um chalé, tinha consciência de que aquilo não era um plano. Era uma sequência de ataques, improvisada e sem qualquer fundamento. Steve estava tão concentrado em agir que não parecia raciocinar direito em como fazê-lo. Ele não tinha um plano. Não tinha se preparado para lutar contra o inimigo em sua casa, não tinha ideia do que estavam fazendo e nem se tinham alguma vantagem real naquilo tudo. Steve só tinha boa vontade, esperança e certa brutalidade naquele momento. Acreditava no grupo, confiava naquelas pessoas e torcia pelo melhor. Era o que ele podia oferecer.
Sem mais tempo para conversas, Thor levantou voo e sobrevoou o telhado da casa, angustiado, esperando Carol começar o ataque. Quanto antes fossem, antes podiam terminar com aquilo de uma vez por todas. Preocupada, sendo imersa na mesma sensação de adrenalina que sentiu da última vez em que esteve perto de Thanos, em Wakanda, observou todos os demais afastarem-se, ao redor dela. O chão repleto de grama e de plantas que ela nunca tinha visto antes já começavam a se conectar com ela, como se, silenciosamente, se apresentassem, dissessem que estavam ali, disponíveis para ajudar. caminhou apressada em direção a casa, o dia lindo e ensolarado que parecia um final de tarde de primavera era permeado pela calmaria, pelo silêncio total, bem diferente da última vez em que viu Thanos.
Tudo estava estranho.
Carol voou como um raio em direção a casa e, sem nem mesmo esperar pelos demais, entrou pelo telhado, levando metade da estrutura abaixo junto consigo. Começando a correr do lado de fora, não podia ver o que acontecia lá dentro, mas podia ouvir os barulhos da estrutura se quebrando, de socos e arfadas altas. Sua mente rodava constantemente as palavras “trazer todos de volta” como um mantra sagrado, enquanto corria. Não demorou mais do que dois minutos até que ela chegasse bem diante da casa e, sem cerimônias, subiu os poucos degraus, invadindo a porta principal com brutalidade. Junto com ela, rastejando pelo chão, parte da grama se esticava rapidamente e, assim que ela colocou os olhos raivosos e magoados em Thanos, a grama apressou-se em passar por ela alguns metros, rasteira no chão como uma cobra, e enroscou-se nas pernas da criatura, em cada uma delas separadamente, as mantendo afastadas. Carol, segurando Thanos por trás dele, o enforcando, viu a grama apertar o titã e, em seguida, a partir dela, pontiagudos espinhos nascerem em segundos. Com um movimento calmo e discreto dos dedos, fez as dezenas de espinhos virar-se em direção à Thanos e fincar-se, todos ao mesmo tempo, em suas pernas. Com um grito alto e rouco de dor, Thanos desceu seu olhar até , parada à sua frente.
Para ele, ali estava a humana que conseguiu minimamente segurá-lo da última vez. Para ela, ali estava a criatura que tirou tudo dela.
Impressionada, Danvers olhou de frente para ela, fechar as mãos em punhos e, com elas, os espinhos aprofundarem-se ainda mais nas pernas de Thanos enquanto a grama o apertava violentamente. O Titã estava imóvel, arfando em dor e um tanto confuso. Banner, de dentro da Hulkbuster, que havia ativado poucos minutos antes, segurava seu braço esquerdo, que levava a manopla, enquanto Rhodes, de dentro de sua armadura, segurava o braço direito. imobilizou suas pernas, sem esforço algum, matando Thanos de todas as formas possíveis e mais dolorosas com o olhar. Carol, por sua vez, o segurava pelo pescoço, imobilizando seu tronco. Não havia para onde ir e não havia como ele usar as joias. Já era um ponto para os Vingadores. Uma primeira vitória para eles.
Meio segundo depois de aparecer, Thor surgiu do céu, vindo por trás de onde Thanos estava parado e, sem qualquer cuidado ou preocupação, totalmente tomado pela raiva e pelo desejo de vingar-se, cortou-lhe o braço com a manopla. Usando meu martelo e sem muito esforço, Thor tirou o braço esquerdo de Thanos em uma tacada só, em um segundo. Steve havia pedido para ele tirar a manopla. Ele havia feito sua parte. Ignorando os gritos de dor abafados de Thanos, encarou Thor por um momento, ligeiramente assustada, mas sem transparecer aquilo. Sabia que ele não estava bem e, em especial naquele dia, tudo nele estava caótico. Aquilo tinha que terminar logo. Steve e Natasha logo apareceram por trás de , caminhando firmes. Com eles, Rocket entrou rapidamente na casa, indo em direção ao braço de Thanos caído ao chão e, irado, ele o virou para cima, com o intuito de ver as Joias. Tinha sido fácil e rápido demais.
Rocket contudo sentiu sua expressão abrir-se em choque, ao mesmo tempo em que podia sentir seu coração acelerar. O silêncio do lugar era quebrado apenas pelos altos gemidos de dor e agonia de Thanos, que não parecia querer reagir a nenhum deles. De fato, estava sozinho e cercado. Mas, como Nebulosa havia dito mais cedo, ele por si só já bastava. Por que não estava reagindo? Com Steve e Natasha parando, um de cada lado dela, desviou seu olhar de Thor para Thanos e, em seguida, para Rocket, ao tempo exato de ouvi-lo dizer, frustrado:
— Ai, não.
Steve e Natasha se entreolharam, mas não conseguiu mais acompanhar a movimentação ao seu redor. Sentia como se seu coração pudesse sair pela boca a qualquer instante, estava apavorada. Diante de si, a manopla estava vazia. Sem nenhuma das joias. Nenhuma. Com raiva, confusa e sem saber o que fariam sem as joias, apertou ainda mais os punhos e, com eles, os espinhos se enfiaram de vez por todas em Thanos, sem mais poder ser vistos. pensava em seus pais, em Bucky. Em Sam, T’Challa. Shuri. Dentro de si, sentia seu mundo ser destruído outra vez e, com ele, afrouxava cada vez mais o controle das plantas ao redor, as soltava de Thanos. O que fariam sem as joias? Aquilo não podia ser verdade.
Respirando fundo, alguns passos dali, Thor sentiu seus olhos marejarem assim que percebeu o que acontecia. Estava se segurando, estava lutando contra a ira que crescia dentro de si, contra frustração ainda mais intensa que sentiu diante daquele fato novo. Tinha certeza, absoluta, que venceriam dessa vez. Estava convicto. Não havia chance de fracassos, por que estavam fracassando? Perdido, sufocado, puxando o ar com força pela boca, ele subiu seu olhar cheio de lágrimas para que, do mesmo modo que ele, retribuiu.
— Onde elas estão? — Steve perguntou ríspido, mas Thanos não se abalou. Continuou arfando pela dor que sentia em não ter mais um braço, de ter sido torturado com os espinhos.
— Responda à pergunta — Carol apertou ainda mais seu braço no pescoço dele.
— O Universo precisava de correção — Ele começou a dizer. sentia seu estômago revirar — Depois disso, as Joias não tinham um propósito além da tentação.
— VOCÊ ASSASSINOU TRILHÕES — Bruce gritou nervoso, empurrando Thanos com força, o fazendo se soltar de Carol e Rhodes e cair para trás. A grama que antes estava enroscada nele quebrada ao seu redor.
— Deveriam me agradecer — Thanos murmurou petulante e logo levou um soco de Bruce bem no rosto, em cima do que parecia ser um queimado em sua pele.
— Onde estão as Joias? — Natasha voltou a perguntar. Estava tão tensa que seu corpo tremia.
— Joias? — Thanos a encarou — Reduzida à átomos.
— Você usou elas dois dias atrás — Irritado, Banner exclamou alto. Thanos desviou seu olhar de Natasha que, naquela altura estava quase chorando, ao outro homem e, com obviedade respondeu:
— Eu usei as Joias para destruir as Joias — Nauseada em ouvir aquilo, colocou uma mão no estômago, seus olhos carregados em lágrimas, chocados — E isso quase me matou. Mas o trabalho está concluído. E para sempre.
Para sempre. deixou uma lágrima escorrer ao ouvir aquilo. O que aquele filho da puta tinha feito? O que ele fez? Desconcertada, ela engoliu o choro, a raiva tomando conta de si como uma onda furiosa e devastadora. Se pudesse, ela mesma matava Thanos ali, naquele momento, sem remorsos, sem redenção, sem piedades. Ele tinha assassinado seus pais. Tinha assassinado Bucky. Tinha tirado absolutamente tudo dela. Sam. Shuri. Ele tinha acabado com tudo, de uma hora para outra, sem motivos, sem considerações. T’Challa. Thanos levou a vida inteira de com ele, a enterrou no mais profundo buraco da Terra e não deixou nada no lugar senão solidão, dor e angústia. E ele ainda tinha coragem de chamar aquilo de correção. Everett, Karl, Bucky, Sam, T’Challa e Shuri não eram erros do Universo. Eram acertos. Eram a beleza que dava vida a e Thanos não tinha o direito de ter tirado aquilo dela.
— Eu sou inevitável — Thanos falou pausadamente, olhando , a alguns passos dele, mal conseguindo respirar direito, imersa em si mesma.
— Temos que procurar por toda parte — Rhodes exasperou desesperado, olhando ao redor — Ele deve estar mentindo.
— Meu pai é muitas coisas... — Pela primeira vez desde que chegaram ali, na casa, Nebulosa comentou, aproximando-se de seu pai — Mentiroso não é uma delas.
— Obrigado, filha — O Titã parecia surpreso em vê-la ali e, mesmo apesar de tudo que ele havia feito, Nebulosa ainda abaixou seu olhar perto dele, em claro sinal de respeito, o ouvindo dizer: — Talvez eu tenha sido cruel demais com você…
Mas Thanos não conseguiu completar aquela frase.
A próxima coisa que viu foi a cabeça dele sendo violentamente cortada por Thor, como ele mesmo havia feito alguns minutos antes, com o braço. Dominado por uma raiva que nunca sentiu antes, Thor decidiu acabar com aquele teatro todo, decidiu colocar um fim a decepção que carregava. Como se estivesse tentando aliviar a culpa que sentia por ter tido a chance de matar Thanos naquele dia e não ter conseguido. Como se quisesse apagar um erro. De todas as pessoas ali, era a única que estava por perto quando Thanos havia dito a Thor que ele deveria tê-lo acertado na cabeça. Ela sabia o que aquilo significava para ele, sabia da fragilidade, de tudo que Thor estava sentindo e o que aquilo representava. E ela sentia muito. Sentia muito porque sabia que, parado a poucos metros dela, encarando a cabeça de Thanos no chão, Thor estava se dando conta de que era tarde demais.
Tarde demais.
Se tivessem agido antes, se tivessem chegado até ali alguns dias antes, o plano teria dado certo, eles teriam conseguido as joias outra vez, teriam conseguido colocar um fim naquele pesadelo, trazer todos de volta. Mas era tarde demais. E dali em diante, para além de toda dor que carregavam, dos sentimentos de culpa, perda e impotência, também teriam que lidar com a sensação de terem chegado tarde demais.
O silêncio que tomou conta do ambiente foi um dos piores momentos que já tinha vivido em toda sua vida. Nenhum deles conseguia dizer nada, estavam todos totalmente chocados, debilitados, digerindo a informação, negando mentalmente o que tinha acontecido. A única chance que tinham de trazer todos de volta, de reverter aquele problema, estava agora morta. Não tinham as Joias, não tinham Thanos, não tinham mais o que fazer. Não tinham nada. Tudo havia terminado ali. Voltariam para casa do exato mesmo jeito que haviam ido. Sem nada. Sem ninguém. Ninguém.
deixou as lágrimas escaparem livremente por seu rosto, atordoada, com seu corpo formigando, sua mente girando e seu estômago enjoado. Sentia o baque outra vez, o mesmo baque de quando viu Bucky esfarelar-se bem diante de seus olhos, a mesma impotência de não poder fazer nada para impedir. Outra vez ela não conseguiu fazer nada. O último fio de esperança que carregava tinha acabado de ser tirado dela tão violenta e inesperadamente quanto Bucky foi, quanto seus pais, Sam, T’Challa e Shuri foram. não tinha mais nada.
Não tinha mais ninguém.
Dali em diante seria, definitivamente, só ela. Para sempre.
— O quê... O que você fez? — Transtornado, Rocket perguntou baixo, olhando Thor que, em estado de choque, permaneceu encarando a cabeça cortada de Thanos à sua frente. Ele pensou por alguns instantes até seu olhar significativo e carregado de lágrimas encontrar o de outra vez, e respondeu baixo:
— Eu acertei na cabeça.
A sabedoria popular prega que só existem dois dias no ano em que absolutamente nada mais pode ser feito: o ontem e o amanhã. O passado que não se pode mais mudar e o futuro que não se pode prever. Por isso, então, dizem ainda, que é preciso concentrar-se no hoje, no agora, porque o momento é tudo o que temos e porque não sabemos por quanto tempo mais o teremos. O tempo. A maldição de alguns, a esperança de outros. Sempre responsável, sempre determinado e sempre presente. Paciente, expansivo e carregado de razão, nada pode escapar ao tempo, como nada sobrevive a ele.
Nem mesmo as dores mais profundas. Nem mesmo os piores dias.
Vinte e três dias haviam se passado e absolutamente nada havia mudado, exceto as relações que tinham dentro do Complexo dos Vingadores, que se aprofundavam. A primeira semana foi terrivelmente silenciosa e reclusa, para todos eles. Steve, Natasha, Bruce e Rhodes eram os únicos que ocupavam os espaços comuns da casa, os únicos que tinham forças para conversar, para tentar se distrair e para pensar nos fatos recentes sem serem brutalmente consumidos pelas emoções. Talvez pelos históricos de vida, talvez por estarem mais acostumados a perder, a serem sozinhos no final dos dias, a terem apenas uns aos outros. Não foi fácil para eles, não estava sendo. Mas, igualmente, não sentiam o mesmo, não estava sendo tão difícil a eles como estava sendo para e para Thor.
saia de seu quarto para comer e, às vezes, nem isso. Steve dedicou boa parte dos primeiros dias em ficar por perto, com ela, mas também dava o espaço que precisava para se recuperar, ao menos do baque inicial. Da mesma forma, no quarto vizinho, Banner fazia com Thor. Assolado pela dor de ter perdido sua família inteira em tão pouco tempo, a semana que se passou foi para a Thor um tempo de reflexões profundas e, cada dia que virava noite, e cada noite que virava dia, sua dor se transformava em raiva. Uma fúria tão intensa, um inconformismo tão grande em não ter acertado a cabeça de Thanos, que o corroía por dentro, que se externalizava pelo céu afora.
Nas duas semanas que se seguiram, Steve conseguiu convencer a deixar o quarto e ocupar outros espaços da casa, a criar uma nova rotina. Mais apática do que nunca, não se sentia realmente confortável naquele lugar. Uma vez mais na vida, estava sendo submetida a viver em um lugar que não era seu, um lugar que ela não pertencia e que estava longe de ser a sua casa. Ela sabia que era o melhor para o momento, mas não queria estar ali. Queria voltar para Wakanda com Bucky, com T’Challa e com Shuri, ou queria estar em Berlim, com seus pais. E, para piorar, conhecendo cada dia mais a casa, conhecia mais do espaço que era mantido pela fortuna de Stark – alguém que ela não teve realmente a oportunidade de conhecer, alguém que a tinha machucado fisicamente, que tinha causado sofrimentos inigualáveis em Steve e Sam e alguém que não aceitava a existência de Bucky. Como se as paredes pudessem falar, sentia a todo momento que deveria sair dali, porque aquele lugar era incompatível com sua presença.
Conhecendo bem daquela sensação e para tentar aliviá-la, todos os dias pela manhã Natasha fazia questão de correr com ela, pelo o mais próximo de natureza que podiam encontrar fora do Complexo. Apesar de metade de toda a natureza vegetal, que também é viva, ter desaparecido e com isso reduzido a fitocinese pela metade, ainda podia se conectar e se sentir viva, se sentir presente e pertencente à natureza ao redor. Depois, as corridas matinais também eram boas porque Natasha era uma boa companhia e gostava de . Sabia conversar sobre tudo, tinha boas histórias e sabia respeitar o espaço das pessoas ao seu redor. Uma se sentia bem e confortável na presença da outra e os dias pareciam mais leves, mais rápidos, conforme se aproximavam.
Okoye fazia ligações diárias para saber como estava e também para contar de Wakanda. Enviou-lhe o resto de seus pertences e roupas, a pedido de e, com eles, a única família que havia restado para ela: Alpine. Deixada por Bucky com as crianças do chalé vizinho na fronteira, assim que T’Challa e Okoye o tiraram de lá para ir à luta, Alpine parecia feliz em ver sua dona outra vez, mas não pode deixar de reparar que ela circulou pela casa, possivelmente em busca de Bucky. Ligeiramente mais conformada, mas sem ter dito sequer uma única palavra sobre aquilo em três semanas, tudo o que havia sobrado de Bucky estava ali: Alpine, o colar que ele havia dado a de aniversário, e que ela vestia sem tirar nem para tomar banho, a chave dele da casa dela na França e centenas de memórias boas que faziam chorar quase todos os dias.
Quando pudermos sair de Wakanda, sairemos juntos. Ele havia dito no dia em que deu-lhe a chave de presente, no dia em que ela o convidou para morar com ela, na França.
Mas eles não saíram.
Eles não sairiam, nunca mais.
Muito mais próximos, passava boa parte de seus dias com Thor. Durante a tarde, eles dois em especial dedicavam um bom tempo a tentar entender o que tinha acontecido, descobrir alguma forma de reverter aquela situação toda e caçar Thanos, com ajuda de toda tecnologia espacial que tinham disponível. Com o passar dos dias, e com a proximidade de Thor, foi descobrindo mais sobre sua vida, sobre as Joias e sobre o Universo. Tudo parecia mais lógico, menos fantasioso e irreal, tinha sentido no que ele a contava e tinha muito sobre o Espaço, outros planetas e outras civilizações, que ela não conhecia - e que precisava saber, se queria realmente encontrar qualquer que fosse a pista de onde Thanos poderia estar. Rocket, que carinhosamente passou a chamá-la de “mãe do Groot”, estava sempre por perto de Thor, os ajudando, e sempre tinha boas histórias para contar. Ter em que focar, em que pensar e com quem dividir o que sentia, deixava tudo mais ameno para , como se ela estivesse, de fato, cicatrizando com o tempo.
Do mesmo modo, Rocket e Thor usavam como a válvula de escape para amenizar seus sentimentos. Ouviram dela sua história de vida, aprenderam sobre o funcionamento da natureza e, vez ou outra, se pegavam falando algumas palavras em francês. Os dias estavam passando, estavam fluindo. Sempre dividiam o café a tarde e uma garrafa de vinho ao final do dia e, à noite, se juntavam aos demais, para jantar, conversar ou só ficar em silêncio, na companhia e na tristeza de serem só eles os que restaram.
Ao longo dos dias, Steve e Rhodes dividiam-se entre ficar com eles e atender as demandas que o governo os impunha. Bruce canalizou suas frustrações em consertar os trajes dele, de Rhodes e de e Natasha dedicava boa parte dos dias em encontrar Clint, sem ter muito sucesso. Ele não aparecia na lista de desaparecidos, que diariamente era atualizada, mas também não respondia suas mensagens, nem atendia seus telefonemas. Onde quer que Clint estava, certamente não estava bem. E Natasha só teve ainda mais certeza disso quando, buscando pelos nomes de sua esposa e filhos nas gigantescas listas de pessoas que sumiram, os encontrou lá. Embora em frente, os dias não eram, nunca, bons. Para nenhum deles. Só emocionalmente caóticos, silenciosos e estranhamente pacatos.
O Complexo foi florindo, literalmente se enchendo de flores e plantas, por dentro e por fora, conforme os sentimentos de foram se amenizando com os dias. Todos estavam tensos, cansados e absurdamente tristes, sim. Nada daquilo era fácil de lidar e não seria de uma hora para outra que tudo melhoraria, que tudo mudaria. Mas o tempo serviu, e servia a eles, como um algodão em um machucado que sangra. Limpa a ferida, estanca o sangramento e amacia a carne, até o corpo se sentir preparado para, finalmente, começar a se curar. Tinham uns aos outros agora. E só uns aos outros. Aquela era a família que havia sobrevivido. Todos sabiam, em suas mais profundas intimidades, que precisavam cuidar uns dos outros. Ou não teriam mais nada ao que recorrer.
O clima também foi mudando depois que Carol Danvers apareceu.
A tristeza profunda foi dando espaço a uma ansiedade que se intensificava.
Em busca de Nick Fury, foi ela quem havia recebido o sinal pelo velho comunicador que o governo encontrou e entregou a eles, assim que chegaram ali. Apesar de não familiarizada com conversas, Carol apresentou-se naquela noite. Contou sua história e contou sobre sua luta. Descobriram, por ela, que o que tinha acontecido na Terra, de fato, aconteceu em todo o Universo e, encaixando as peças que ela trouxe consigo, daquele caótico quebra-cabeças, descobriram que havia uma chance de, talvez, encontrar Thanos e reverter aquela situação. Danvers não quis ficar. Estava ansiosa e um tanto brava quando deixou o Complexo, voando feito uma estrela pelo céu, de volta ao Universo e em busca de qualquer que fosse a pista de como resolver aquilo.
Carol Danvers deu a eles a coisa mais perigosa que poderiam ter naquele momento: esperança.
E vinte dias depois que partiu, ela voltou. Trazendo consigo a nave em que Tony Stark estava definhando pelo Universo, Carol continuava dando esperança a todos eles.
Steve terminava de fazer a barba e se preparava para o banho, enquanto Natasha conversava com na sala e Rhodes e Bruce recolhiam a louça da janta. Parecia uma noite comum, como qualquer outra. Thor estava mais recluso naquele dia, um dos incontáveis dias de baixa, em que a fúria estava falando mais alto. Rocket irritava Alpine mais ao canto e, coincidentemente, Pepper estava lá para recolher alguma papelada de Tony em seu escritório. Toda a burocracia de manter o Complexo, as Indústrias Stark e o patrimônio bilionário do homem havia ficado sob responsabilidade dela e, por isso, Pepper estava sempre por lá, em busca de papéis, atendendo a reuniões ou correndo de um lado a outro, estressada e sempre atrasada.
Steve, Natasha, Bruce, Rhodes e, desesperada, Pepper correram para fora da casa assim que as paredes e o chão do local começaram a tremer, indicando que algo grande e impactante se aproximava. Por uma das janelas da sala, viu Carol pousar uma nave gigante no quintal, como se fosse feita de papelão, e, dela, sair Tony Stark e uma nova criatura, robótica, azulada. Ao lado de , chocado ao ver aquela cena, Rocket exasperou-se e correu para fora, gritando a Thor que sua nave tinha voltado e que Nebulosa estava ali. Nebulosa. imaginou que seria o nome da criatura azul, mas não colocou tanto reparo naquilo. Seus olhos estavam cravados no retorno de Stark e na emoção de Steve e, mais ainda, Pepper, em revê-lo.
Uma emoção que daria tudo para ter.
Tony estava absurdamente debilitado. Estava magro, pálido, definhando. Usava uma roupa claramente improvisada e mal conseguia se manter em pé. Seus olhos estavam avermelhados e, arrastado para dentro do Complexo com ajuda de Steve e Rhodes, ele cheirava mal. Como se não tomasse banho há semanas, o que, de fato, não o fez. Bruce apressou-se em buscar uma cadeira de rodas para que Tony pudesse sentar-se e, assim que pisaram dentro da casa, o levou rapidamente para o mesmo cômodo que tratou , assim que chegaram ali, de volta de Wakanda. Stark precisava de cuidados médicos e, mais do que isso, precisava de tempo para entender o que acontecia, que não estava morto, que ainda havia vida nele.
Em estado de choque, ele murmurava palavras desconexas e, sem parar, dizia que havia perdido o garoto. De braços cruzados, parada ao canto da sala de projeções e acompanhando a movimentação com os olhos, pensou em Peter. Não sabia exatamente o que Stark queria dizer com “perdeu o garoto”. Peter estava morto? Ou havia virado poeira? Mas aquelas perguntas logo cederam lugar a uma sensação que não sabia ainda viver nela, em todo aquele tempo desde que chegou ali. A sensação de alívio, um reconforto estranho, não familiar. Se Stark estava de volta, Bucky também poderia voltar? Podiam encontrar Sam? Trazer Karl e Everett de volta? Aqueles pensamentos esperançosos, mas carregados de angústias e tristezas, acompanharam madrugada adentro.
Deixando a sala de projeções apenas para tomar banho, eles se mantiveram ali, silenciosos, atentos a qualquer movimentação nova que poderia acontecer. Sabiam que não poderiam dormir naquela noite, não conseguiriam. Algo diferente havia acontecido depois de vinte e três dias, Stark, que tinha sido abduzido em Nova Iorque, estava de volta. Carol o tinha encontrado. Ela poderia encontrar o resto do Universo desaparecido? O clima pacato foi drasticamente substituído por um clima angustiante, ansioso e, embora silencioso, gritando perguntas e jorrando tensão a todo instante. O retorno de Tony representava para eles, , Thor, Steve, Natasha, Bruce, Rhodes e Rocket, muito mais do que um retorno em si mesmo. Era uma alternativa, uma esperança e uma possibilidade de, no fundo, ao fim e ao cabo, não terem perdido total e definitivamente aquela batalha.
Contudo, perto de amanhecer, com Tony descansando depois de receber atendimento médico de Banner, Nebulosa contou seu ponto de vista sobre a história. Filha de Thanos, para a total infelicidade de e para aumentar ainda mais o desgosto e a ânsia por vingança de Thor, ela sabia dos planos de seu pai e sabia de seus passos. Nebulosa contou o que tinha acontecido quando enfrentaram Thanos no Espaço e contou que, tirando ela e Stark, todos os demais haviam desaparecido. Não estavam mortos, mas também já não viviam mais. Um conceito de inexistência existente difícil demais de ser compreendido por qualquer pessoa naquela sala. E, mais ainda, difícil demais de ser aceito por qualquer um deles.
Tony acordou assim que o sol nasceu. Não tinha dormido mais do que duas ou três horas seguidas, seu corpo ainda estava se acostumando com o oxigênio disponível na Terra, depois de tanto tempo em órbita. A confusão, a irritabilidade e a fraqueza eram sintomas normais, Bruce havia explicado, uma reação natural e esperada da perda gradual de oxigênio. Tony praticamente havia ressuscitado - para a total felicidade e alívio de Pepper, Rhodes e Bruce, pessoas que só tinham a perda de Tony a chorar. Reclamando do desconforto da maca, ele pediu para ser sentado novamente na cadeira de rodas e, empurrado por Bruce para a sala de projeções ao lado, onde todos os demais estavam espalhados, esperando por qualquer notícia dele e sem saber o que fazer, Tony olhou com curiosidade para os hologramas abertos em cima da mesa central de projeções. Ele esperou alguns minutos, observando calmamente os números e as notícias mudas que passavam sem parar, vinte e quatro horas por dia desde que chegaram ao Complexo.
Familiarizado com o funcionamento da mesa de projeções, Stark deu alguns comandos no ar, com as mãos trêmulas, e instantaneamente os hologramas fecharam-se. No lugar deles, contudo, novas projeções se abriram, atraindo a atenção de todos os demais. Onde antes havia mapas, números e vídeos de noticiários, agora, podiam ver as fotos e os nomes de pessoas que Stark um dia mapeou como membro dos Vingadores, ou um possível membro ou pessoa dotada de super poderes úteis para a iniciativa. Steve, no mesmo momento em que levantou seu olhar e percebeu o que acontecia, o desviou para o chão. engoliu o choro assim que viu a foto de Bucky aparecer e, ao lado dela, em seguida, a de Sam. A palavra DESAPARECIDO cortando seu coração como se a enfiassem uma faca.
— Fazem vinte e três dias desde que Thanos veio para a Terra — Próximo a mesa de projeções, Rhodes começou a dizer baixo, atualizando Tony sobre o que tinha acontecido.
— Os governos mundiais estão… despedaçados — Natasha completou, parada do outro lado da mesa — As partes que ainda funcionam estão tentando fazer um censo e parece que ele conseguiu... — Nat parou por um instante e engoliu em seco — Ele fez exatamente o que ele disse que iria fazer. Thanos dizimou cinquenta por cento de todas as criaturas vivas.
De onde estava era possível ver, ao seu redor, Rhodes e Carol Danvers em pé que, ao ver a foto de Fury abrir-se no holograma, sentiu seus olhos marejarem. Mais ao lado e atrás dela, Steve estava encostado no braço de uma poltrona, sua camisa social xadrez bem passada, tão desconfortável em seu corpo quanto ele estava com aquele assunto. Na cadeira de rodas, bem próximo a mesa, do outro lado e afastado dos demais, Stark observava com atenção as imagens enquanto ouvia Natasha contar-lhe o que sabiam da situação. Tudo parecia ainda pior, ainda mais grave do que ele havia imaginado. O soro ligado em sua veia, e pendurado ao lado da cadeira, já não surtia mais o efeito calmante nele. Tony sentia-se transtornado.
Mais distantes, do lado oposto de Stark, Steve e Carol, os vendo de frente, Thor estava sentado em um canto da sala, com em pé, de braços cruzados, ao seu lado. O deus do trovão tinha a expressão fechada, e os olhos baixos, no chão, travada pela irritação de voltarem naquele tema e de ver, uma vez mais, todas as pessoas próximas a eles naquelas imagens. E, alguns passos dali, sentado em uma cadeira qualquer, perpendicularmente aonde e Thor estavam, Rocket temia uma reação mais caótica do amigo.
— Onde ele está agora? Onde? — Stark quebrou o silêncio olhando Steve, que respondeu descontente:
— Ninguém sabe — Ele cruzou os braços — Ele só abriu um portal e atravessou.
Tony deixou um suspiro absurdamente cínico sair e moveu-se levemente com a cadeira de rodas até, de repente, seus olhos caírem em e, em seguida, em Thor, que ainda estava de cabeça baixa. Tony desceu seus olhos por , em um minuto, como se a secasse, com desdém. Vestindo uma camiseta de malha preta, lisa, de mangas curtas, uma saia curta igualmente preta e apertada ao corpo, com uma pequena fenda na coxa direita, um cinto fino de metal prateado e tênis brancos, manteve seu olhar em Stark, seus braços cruzados e o máximo de atenção que poderia ter nele. Odiava aquele jeito soberbo.
— Ah, a bonitinha francesa veio também, bonjour mon amour — Ele comentou irônico, dando um sorriso cheio de desdém — Só falta agora me dizer que também trouxeram o desgraçado do assassino que matou meus pais para dentro da minha casa — Ele voltou seu olhar para Steve, que engoliu a raiva que sentiu daquele comentário, e virou-se para Rhodey, a seu lado — Trouxeram?
— Tony… — Rhodes negou com a cabeça, o repreendendo.
chegou a dar um passo à frente, mas a mão de Thor a segurando pelo pulso foi mais rápida, a impedindo de seguir. Thor também não tinha paciência para aquele tipo de comportamento imbecil do outro homem. Stark não estava lá e não sabia pelo o que estava passando. Não tinha o direito de falar daquela forma com ela. Contudo, Thor não deixaria que começasse ali uma nova briga. Já tinham problemas demais para resolver. Sem desviar seu olhar de Stark, consumida pelo ódio e pelo clima horrível que pairou no ambiente, soltou-se delicadamente de Thor e voltou um passo atrás, murmurando:
— Fils de pute.
Rocket sorriu discretamente, gostava de . Tony, contudo, a ignorou, seus olhos curiosos já caídos agora sobre Thor, como se realmente o estivesse vendo ali pela primeira vez.
— O que houve com ele? — O homem perguntou irônico, apontando para o Asgardiano. fechou a cara ainda mais. Se ele mexesse com Thor, ela não se seguraria mais.
— Ele está possesso. Acha que fracassou... — Rocket respondeu, ao mesmo tempo que Thor, apertando suas próprias mãos, subiu seu olhar até Tony que forçou uma expressão surpresa, encarando Rocky — ...que foi o que aconteceu, mas está todo mundo no mesmo barco, não está?
— É sério, até esse exato segundo eu achei que você fosse de pelúcia — Tony gesticulou boquiaberto, tirando de uma revirada de olhos, impaciente.
— Talvez eu seja — Rocky respondeu no mesmo tom de ironia.
— Estamos caçando o Thanos há três semanas já, com sensores espaciais e satélites, e até agora nada — Steve voltou o assunto para seu foco principal, tentando aliviar a tensão que Tony estava causando no ambiente — Tony, você enfrentou ele...
— Quem te contou isso? — O Homem de Ferro perguntou petulante, ajeitando em seu corpo o roupão que vestia — Não enfrentei, não. Ele esfregou minha cara com um planeta enquanto o mago da rua Bleecker entregou o ouro. Foi isso. Não teve luta, porque...
— Ok — Steve tentou cortar, mas Tony o ignorou e continuou dizendo:
— …porque ele é invencível!
— Ele chegou a te dar dicas? Coordenadas ou qualquer coisa? — Steve insistiu, mas a reação de Tony foi ainda mais ridícula. Gesticulando para indicar que não tinha nada, nenhuma informação, o homem fez sons estranhos com a boca e soltou quase um arroto, como uma verdadeira criança mimada. negou com a cabeça e soltou os braços aos lados de seu corpo, enquanto Carol semicerrou os olhos, sem entender aquele comportamento.
— Eu previ isso há alguns anos — Tony apontou para Steve — Eu tive uma visão, não quis acreditar. Achei que era um sonho — Ele recostou-se na cadeira e passou a mão na boca.
— Tony, eu preciso que se concentre — Preocupado com o tom da conversa, Steve aproximou-se dele, mas logo o ouviu gritar em resposta:
— E EU PRECISEI DE VOCÊ — Stark o encarou bem nos olhos, fazendo o Capitão parar de andar — É isso aí, no passado. E isso supera o que você precisa. É tarde demais, amigo, sinto muito. Eu preciso… — Dando um tapa na louça que havia logo a sua frente, em cima da mesa, Stark levantou-se impulsivamente — Eu preciso me barbear. Ah, eu acredito que me lembro de dizer a todos aqui...
— Tony? Tony, Tony… — Rhodes aproximou-se ainda mais dele, tentando impedir que o homem parasse de arrancar o soro do próprio braço, sem sucesso.
— ...aos vivos e aos outros, que era necessário que existisse uma armadura em volta do mundo, se lembram? — Irônico, nervoso e violento, ele gesticulava soberbo, encarando cada um dos presentes ao seu redor que, quietos, assistiam ao show acontecer — Se lembram disso? Com ela impactando nossa preciosa liberdade ou não. Isso era necessário!
— Ok, mas não deu certo, não é? — Afrontoso, com a voz baixa, Steve o encarou.
— Eu disse que íamos perder — Stark apontou para si mesmo e, em seguida, magoado, para Steve — E você disse “faremos isso juntos, também”. E adivinha, Cap? A gente perdeu a guerra. E você não estava lá.
Steve suspirou pesadamente, mas antes que tivesse a chance de dizer algo, ouviu responder em alto e bom som, impaciente:
— E você não estava aqui, também.
— … — Natasha a encarou e negou com a cabeça, como se pedisse para ela não piorar a situação.
— Mas é o que fazemos, não é, meu amor? — Ele perguntou ainda mais arrogante, olhando de novamente para Steve — Trabalhamos melhor depois dos fatos, porque somos os Vingadores. Somos os Vingadores, não os Precavidos?
Nessa altura, Rhodes já segurava Stark, tentando o colocar sentado de volta na cadeira de rodas. Entendiam o sentimento de abandono que Tony sentia. Ele havia enfrentado o primeiro ataque sozinho, nenhum deles ali estava por perto para ajudá-lo. Ele também esteve frente a frente com Thanos, também perdeu uma das joias que lutou para proteger e também viu pessoas queridas desaparecendo. Talvez, todo aquele nervosismo e aquela tentativa de insultar e descarregar mais culpa em Steve, em todos eles ali, em uma discussão que não os levaria a lugar algum, fosse uma reação ao estresse que Tony tinha passado nas últimas semanas. Talvez, para além do estresse, havia também uma mágoa enrustida. Três anos haviam se passado desde a última vez em que Tony viu Steve. Três anos inteiros, em que conviveu com a mágoa de ver uma das poucas pessoas que chamava de amigo defender o assassino de seus pais, como se a vida deles não valesse nada. Tony tinha seus motivos para reagir daquela forma. Aquele só não era o lugar, nem o momento, nem o jeito certo, de lidar com aquelas questões.
— Está bem — Rhodes falou sereno, olhando seu amigo o encarar de volta.
— Certo? — Stark insistiu.
— Ok, todos compreenderam, agora senta — Rhodey fez pressão no corpo do homem, mas ele insistia em manter-se em pé, debatendo-se e tentando desviar do amigo.
— Não, não, isso precisa ficar claro.
— Você está doente, Tony, sente-se.
— Ela é ótima — Tony apontou para Danvers que, confusa e de cara fechada, o olhou com certo desdém — Diferente daquela ali — Ele então apontou , que levantou as sobrancelhas, mas manteve-se olhando Carol — Precisamos de você, é sangue novo. Somos mulas cansadas — Ele se debateu o suficiente para soltar-se de Rhodes e caminhar em direção a Steve, apontando novamente para ele — Mas não tenho nada para você, Capitão. Não tenho coordenadas, nem dicas, nem estratégias, nem opções. Zero, zip, nada — A voz dele era estridente, alta e muito amargurada, nervosa. Steve o encarava pacientemente, sua postura firme, sem baixar a guarda nem um segundo, embora o homem nervoso estivesse o peitando bem, bem, de perto — Nada disso, traidor — Dramático, Stark arrancou o próprio reator do peito e, pegando a mão de Steve, o colocou com força sobre a palma dela — Toma, segura. Se você encontrar ele, põe isso. Se esconde…
A voz embargada de Tony, pela raiva, pela tristeza, denunciava os efeitos que o estresse absurdo que estava passando nos últimos dias fazia em seu corpo. Ele então deu um passo atrás e, fraco, caiu de joelhos no chão, ao mesmo tempo que Steve agachou-se, para socorrê-lo e Rhodes, do mesmo modo, aproximou-se por trás, apressado.
— Tony? — Steve o chamou preocupado.
— Eu estou bem — Ele rebateu, desviando das mãos dos outros homens que, afastaram-se ligeiramente para dar-lhe espaço para respirar — Eu estou…
Stark não conseguiu dizer mais nada porque, no segundo seguinte, apagou. Cercado por Steve, Rhodes, Natasha e Carol, que o acudiu assim que o tronco do homem atingiu o chão, Tony desmaiou de uma vez por todas. Seu corpo não estava pronto para tanto estresse, tinha que se recuperar física e mentalmente. e Rocket se entreolharam confusos, mas, no fundo, um tanto aliviados. Ao menos poderiam falar sério agora. Sem novos shows.
Carol carregou Tony de volta a maca, mas em um novo cômodo, onde ele poderia descansar mais confortavelmente e ser monitorado por aparelhos médicos que Rhodes assistiu Bruce colocar de volta nele. Carol já estava ficando de saco cheio de ser a babá de Stark e esperava que ele melhorasse logo. Pepper, algum tempo depois, juntou-se a Rhodey, Bruce e a Tony, para ficar de vigia no homem e impedir que aquilo tudo acontecesse outra vez. Todos estavam desgastados demais. Exaustos, aflitos, assustados, confusos, entristecidos. Tudo estava ridiculamente estressante e, até então, estavam se esforçando muito em lidar com a situação e em não a deixar ainda pior. Por mais magoado e traído que Stark se sentisse, tinha que agir como o adulto de cinquenta anos que era. Tinha que ser racional.
— Bruce deu um sedativo para ele — Rhodes comentou entrando em outra sala algum tempo depois, onde os demais esperavam — Ele vai dormir, provavelmente, o resto do dia.
— Tomem conta dele, que eu trago um elixir xorriano quando eu voltar — Carol ordenou impaciente, olhando de Rhodes para Natasha e, mais ao lado, Steve, que estava bastante triste pelo ocorrido.
— Para onde você vai? — Steve colocou as mãos nos bolsos da calça, a vendo caminhar segura de si para longe deles e, sem sequer olhá-lo, responder:
— Matar o Thanos.
Ele e Natasha se entreolharam por um segundo, pensativos. Não conheciam Danvers, aquele era o segundo contato breve que estavam tendo com ela. Mas já tinham percebido que ela não tinha muito espírito de equipe. Era impulsiva, determinada e muito, muito, arrogante.
— Aí? — Natasha a chamou, seguindo a outra mulher, que parou de andar e virou-se para ela — Geralmente trabalhamos em equipe aqui e o ânimo do grupo já está fragilizado.
— Eu sei que o espaço é mais o seu território, mas essa luta também é nossa — Um passo atrás de Nat, Steve completou encarando Carol. Do batente da porta atrás, entre a sala de estar que estavam, e a sala de jantar que agora ocupavam, Rhodes concordava com a cabeça, de braços cruzados, e perguntou:
— E você sabe onde ele está?
— Conheço pessoas que sabem — Danvers respondeu com obviedade.
Sentada em cima de uma das bancadas da cozinha próxima, que dividia o ambiente com a sala de jantar, apenas acompanhava o novo circo se formar em silêncio, com Thor sentado pouco a sua frente, comendo amendoins que encontrou em um dos armários enquanto esperavam a situação toda de Tony se resolver, e bebendo uma cerveja. Mais difícil do que lidar com uma luta como a de Thanos era lidar com o ego de pessoas que, como Stark e Danvers, se achavam poderosas o suficiente para resolver todos os problemas do mundo sozinhas. E aqui estava a novidade: no frigir dos ovos, nenhum deles realmente conseguiu resolver. Haviam novas variáveis e o assunto começava a esquentar novamente, mas, no fundo, era mais do mesmo. Se fosse haver um novo show, mudando apenas seus protagonistas, que, ao menos, a plateia pudesse comer assistindo. Os olhos sérios de estavam cravados no desconforto que se formava entre Natasha, Steve e a Capitã Marvel até, de trás deles, ouvirem alguém dizer:
— Não se dê ao trabalho. Eu posso dizer onde Thanos está.
A voz incisiva e robótica de Nebulosa cortou o ambiente, atraindo a atenção de todos eles. Ali estava uma notícia que podia mudar tudo. Ali estava a chance que todos eles tanto queriam de resolver aquele problema, de encontrar Thanos, de descobrir o que ele havia feito com meio universo. E de, talvez, só talvez, trazer todos de volta. Tinham a pista que precisavam para ter a chance que queriam de se vingar. De, dessa vez, vencer a guerra. saltou da bancada que estava sentada e, dando alguns passos de um lado a outro da sala, sentia seu coração bater mais forte a cada palavra que ouvia Nebulosa dizer, inexpressivamente.
— Thanos passou muito tempo tentando me aperfeiçoar. E, enquanto trabalhava, ele falava sobre seu Grande Plano. Mesmo desmantelada, eu faria tudo por ele. Eu dizia: “para onde vamos quando o plano estiver completo?”. A resposta era igual, sempre — Nebulosa virou-se de frente para onde todos os demais estavam, espalhados pela ampla sala, e dando alguns passos até apoiar-se na mesa, ela completou: — “Para o jardim”.
— Aí, mãe do Groot, ele é dos seus — De pé em cima da mesa de jantar, Rocket apontou para .
— Achei uma boa escolha — Ela deu de ombros, vendo Bruce aproximar-se deles, mais ao fundo da sala.
— Que coisa — De braços cruzados, Rhodes comentou frustrado. Estava esperando uma resposta mais enigmática ou poderosa, não um… jardim — Thanos tem um plano de aposentadoria.
— Então, onde ele está? — Steve perguntou ansioso.
— Quando Thanos estalou os dedos, a Terra se tornou o centro de um surto elétrico de proporções ridiculamente cósmicas — Rocket explicou, dando alguns toques nas projeções na mesa sob a qual estava em pé e abrindo, em holograma, um sistema solar para exemplificar o que dizia — Ninguém nunca tinha visto nada como aquilo. Até dois dias atrás… — Aproximando os planetas pelo holograma, a imagem correu até parar em um deles — ...nesse planeta.
— Thanos está lá — Nebulosa completou.
— Ele usou as joias de novo — Aproximando-se ainda mais do holograma, para ver a imagem mais de perto, Natasha murmurou intrigada. Se ele havia usado as joias outras vez, mas nada tinha acontecido com eles, a metade que sobrou, o que Thanos tinha feito dessa vez?
— Desde quando sabe disso, Lebre? — perguntou confusa. Estava há semanas dividindo o trabalho de busca com Thor e Rocket e seguramente podia dizer que não sabia daquilo.
— Desde dez minutos atrás, gatinha, quando todo mundo ficou babando em cima do velhote insuportável — Ríspido como sempre, ele apontou sentido ao quarto em que Tony estava. De fato, Nebulosa não estava por perto quando toda a discussão com Tony aconteceu e, no intervalo até estarem ali, outra vez discutindo, Rocket teve tempo de conversar com a mulher e, sabendo da localização de Thanos, buscar pelo planeta nos registros de satélites em tempo real.
— Bom, o que estamos esperando, então? — Sentindo a ansiedade em fazer aquilo logo tomar conta de si, perguntou olhando Steve, mas logo foi cortada por Banner.
— Ei, ei, ei, ei, ei — Ele deu alguns passos mais ao centro da sala — Estamos desfalcados. Estamos sem gente, esqueceram?
— Ele ainda tem as joias, então… — Rhodes refletiu.
— Então é isso — Carol o completou segura, seus olhos mal piscavam encarando o holograma — Com as joias traremos todos de volta.
Como se aquilo os tivesse pego de surpresa, todos pararam por um segundo. Reflexivos, aflitos e silenciosamente digerindo aquela informação um tanto óbvia, simples e repentina demais, as nove pessoas ali, encarando umas às outras, sentiram o clima de expectativas e esperanças explodir no ambiente. Tinham que tomar uma decisão, ser assertivos e rápidos. Não sabiam por mais quanto tempo Thanos ficaria naquele planeta e, pior, não sabiam quanto tempo mais ele levaria para usar as joias outra vez. Não havia riscos a serem corridos. Se tinham uma chance, por menor e mais improvável que fosse, de reverter o estalo, de trazer todos de volta, eles tinham que tentar. Ao menos era o que pensava angustiadamente naquele momento. Em seus pais, em seus amigos, em Bucky. Faria o que fosse possível para tê-los de volta. Custasse o que fosse. Mas nem todos eles pareciam confiantes sobre essa decisão.
— Tranquilo assim? — Bruce quebrou o silêncio. Estava bastante incerto, receoso.
— Tranquilo assim — Steve respondeu com segurança, vendo assentir brevemente para ele.
— Mesmo que haja uma pequena chance de desfazermos isso, devemos tentar, por todo mundo que não está nessa sala — Colocando em palavras exatamente o que sentia, Natasha comentou baixo e emocionada. Sentia como se seu coração fosse sair pela boca, eles tinham que fazer algo.
— Se a gente fizer isso, como garantir que acontecerá diferente do que aconteceu da última vez? — Bruce insistiu, sua voz alterada em desespero.
— Da última vez, vocês não tinham a mim — Carol semicerrou seus olhos, cheia de si, encarando Bruce. a olhou com uma careta discreta, pensando que o que aquela mulher tinha de bonita, tinha que mal educada, enquanto Natasha bufou e Steve revirou os olhos. Thor não esboçou nenhuma reação, assim como Nebulosa, e Rocket deu de ombros. O clima, uma vez mais naquele dia, tinha ficado chato com aquele comentário. Rhodes trocou um olhar com Bruce que, constrangido pela resposta que levou da mulher, manteve-se em silêncio.
— Aí, garota nova — Rhodes deu um passo em direção a ela, fazendo-a o encarar — Todo mundo nessa sala leva uma vida de super-herói. Se não se importa, me diga, onde esteve esse tempo todo?
— Existem vários outros planetas no universo — Soberba, Carol respondeu com obviedade, constrangendo Rhodes — E, infelizmente, vocês não estão lá.
— E você também não estava aqui quando Thanos veio — chamou a atenção dela para si, dando passos preguiçosos em direção a Carol — Então, sugiro que baixe essa bola toda porque, como você viu, a última coisa que precisamos é de um novo soberbo no grupo.
— Eu acho que vocês não estão em posição de escolher muito — Afrontosa, Danvers deu um passo à frente, a meio passo de encostar na mulher à sua frente. A encarando de volta, de braços cruzados, sorriu cínica.
— Não perguntei o que você acha e, só para lembrar, ninguém te chamou aqui — A francesa rebateu impaciente. Nunca tinha se dado bem com pessoas com ego inflado, nunca teve tempo a perder com pessoas sem senso de coletividade.
— Na verdade, não sei se você se recorda… — Danvers respondeu irônica — … mas você estava lá quando me disseram claramente para voltar caso encontrasse algo. E, nossa, parece que, diferente de você, eu consegui algo, eu encontrei algo.
— Lixo espacial? — perguntou no mesmo tom de voz, umedecendo os lábios. Carol desviou os olhos do dela por uma fração de segundo.
— Se quiser chamar Stark assim, não vou me opor — Danvers cruzou os braços — O fato é que, se tem alguém nessa sala que pode fazer alguma coisa contra Thanos, esse alguém sou eu.
— Sei que está acostumada a fazer as coisas sozinha, e a se achar para cima dos outros, pelo visto, mas aqui você não tem nada de especial, porque todos tem algo a oferecer e todos aqui vão ser respeitados por isso. Se não aceitar isso, pode sair pela mesma porta que entrou e te mandamos um cartão de agradecimento por recolher o nosso lixo — Com a voz firme e séria, apontou levemente para a porta mais próxima, o olhar de Carol a queimando — Mas se ficar, entenda que nosso jogo é coletivo e as regras são claras: somos um grupo, trabalhamos em grupo e temos o mesmo objetivo, matar Thanos.
Carol continuou encarando os olhos da mulher à sua frente por mais um ou dois minutos, pensando. Nenhuma outra pessoa ali teve coragem de cortar o silêncio desafiador que pairava no ar. tinha sido dura, sim, mas tinha razão. Danvers era nova na equipe, se é que fazia parte dela. Tinha que entender que os espaços eram compartilhados e que todos tinham seu valor para o grupo. O egocentrismo de Tony havia causado danos lastimosos e profundos para os Vingadores, conheciam bem as consequências daquele jeito egoísta, soberbo e individualista. Não dava certo com eles. E não daria certo enfrentar uma ameaça como Thanos se estivessem desalinhados, desarticulados e cada um jogando seu próprio jogo. Carol tinha que entender isso.
Descontente, e não querendo dar o braço a torcer, Danvers pensava no que acontecia ali. Ela nunca teve a chance de cruzar seu caminho com o de Thanos, mas não parecia com nada que ela já tinha enfrentado antes. Talvez estivesse o menosprezando demais. Sozinho, ele conseguiu reunir todas as Joias do Infinito. Algo de diferente, assustador e poderoso havia nele, não podia negar. Estavam unindo forças ali. Unindo forças não contra Thanos, mas sim contra as Joias. E Carol só parou realmente para refletir sobre aquilo, naquele momento. Ela daria conta, sozinha, de segurar os poderes do tempo, da mente, da alma, do poder, do espaço e da realidade?
Talvez estivesse mesmo sendo ambiciosa demais, mas nunca admitiria. Carol não conhecia aquela mulher que a peitava. Sabia seu nome, sabia que era quieta, mas impositiva, sabia que era muito atraente, charmosa. Mas não sabia o que ela podia fazer, o que tinha a oferecer para estar naquele seleto grupo. Admirava a coragem dela em bater de frente, em defender seus amigos e em exigir que fossem respeitados. Todos ali estavam fragilizados, era nítido. Mas estavam dispostos a correr o risco de lutar contra Thanos outra vez. Todos eles tinham perdido e todos queriam vingança. Fariam isso juntos, como perderam juntos, como se mantinham ali, juntos. Se Carol tinha uma chance de refazer aquela situação, pela primeira vez em sua vida, não seria sozinha. Tinha que somar.
— Matar Thanos — Ela falou, finalmente, sem tirar seus olhos dos de que, breve, assentiu com a cabeça. Como se tivessem feito um pacto. Faltavam só os demais concordarem com aquilo.
Antes mesmo que qualquer outro deles pudesse se manifestar, Thor levantou-se e caminhou em direção a e Danvers, as encarando enquanto mastigava. Vestindo uma calça jeans emprestada de Steve, uma camiseta cinza de mangas curtas e um blusão de moletom aberto, o homem parou ao lado e entre as duas mulheres que, sem entender direito, viraram-se de frente para ele. Carol, sem se intimidar, a meio passo de distância dele e com a seu lado, cravou seus olhos em Thor que estendeu sua mão. Deixando uma risada escapar, já prevendo o que viria a seguir, apenas esperou o martelo aparecer, voando pelo ar, até a mão dele, como um raio. Casual, encarando as duas mulheres, ele apoiou o martelo no chão, engolindo o amendoim que mastigava. Tinha gostado daquela conversa, tinha gostado da ideia que surgiu e se sentia preparado para, finalmente, ter uma nova oportunidade de fazer tudo direito dessa vez. Concordando com a cabeça, Thor finalmente tomou partido na conversa:
— Eu gostei dessas aqui.
Carol sorriu de lado e, meio segundo depois, olhou novamente para . Entendendo o recado de Thor, encarou Danvers de volta, sorrindo leve e, finalmente, virou-se de costas para olhar Natasha, Rhodes, Bruce, Rocket e Steve, respectivamente, até perguntar:
— E então?
— Vamos dar um jeito nesse filho da mãe — Steve respondeu assertivo, olhando o holograma do planeta em que Thanos supostamente estava, e deixou um suspiro pesado escapar.
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De todas as coisas incomuns que já haviam acontecido na vida de , de controlar a natureza a conversar com um guaxinim, viajar para o Espaço era, certamente, a mais absurda delas. Nunca tinha sequer cogitado aquela possibilidade, nunca se imaginou algum dia chegar tão longe, ir para um lugar tão desconhecido e incerto. Conviver com o fato de que a Terra recebia criaturas de outros planetas era relativamente comum e bastante aceitável para ela, ainda mais depois das últimas semanas, com Thanos, exércitos de bichos que mal podia nomear, Thor, Rocket. Mas ter a chance de ir além Terra, afastar-se do que era conhecido, não. Não parecia comum e nem aceitável.
não se sentia pronta para o que estava fazendo e nem sequer sabia como deveria reagir. Se pegou pensando em seus pais por um momento, no que diriam se estivessem por perto, no surto que teriam ao saber que ela estava sentada em uma nave espacial, quebrando a atmosfera como se estivesse viajando de volta à França. não tinha ideia de onde exatamente estava indo e nem de como seria aquela viagem. Tudo era novo, tudo era incerto e tudo dava a ela uma sensação absurda de insegurança, uma contestação mental e violenta de se estavam mesmo fazendo a coisa certa, de se aquela era mesmo uma boa ideia.
Vestindo seu traje arrumado dias atrás por Bruce, sentada na poltrona da nave que Carol trouxe Stark de volta à Terra, no meio de Rhodes e Thor, logo atrás de Steve e Natasha, não sabia dizer como estava se sentindo. Parte de si estava uma pilha de nervos, com medo do que poderia acontecer, de tudo que poderia dar errado outra vez. Outra parte estava insegura, sem entender como poderia realmente contribuir para aquela luta. Imaginava que, pelo apelido do planeta para onde estavam indo ser "jardim", houvesse muita natureza disponível. Contudo, ela não sabia sobre como a manipulação da fitocinese poderia acontecer em outra atmosfera e tinha consciência de que a luta física não era uma opção contra Thanos.
Apesar daqueles sentimentos, contudo, a maior parte dela, a que a estava impulsionando e motivando a seguir aquele plano, a comprar aquela ideia absurda e a engolir o medo, a ansiedade e a insegurança, era feita de esperança. estava cheia de expectativa de que aquela era a última e única chance real, em três semanas que passaram refletindo e estudando o que fazer, de rever o cenário, de trazer todo mundo de volta. Estava indo por Karl, por Everett, por Bucky, por Sam, por T’Challa e por Shuri. Estava indo porque realmente acreditava que, no fundo, aquilo iria dar certo. Tinha que dar certo.
— Muito bem — Rocket cortou o silêncio profundo, assim que a nave atingiu a termosfera — Quem aqui nunca esteve no Espaço?
Tímida, levantou sua mão direita, vendo Steve, Nat e Rhodey fazerem o mesmo. Thor, Carol e Rocket os encararam risonhos, enquanto, mais a frente, Bruce e Nebulosa prestavam atenção nos comandos de operação da nave. se pegou pensando, por um momento, em Bucky. No que ele diria se soubesse que tinham a chance de navegar pelo Espaço, de como ele se sentiria se estivesse ali, dividindo aquele momento com eles. Mal sabia lidar com A.R.I.A., se atrapalhava com o controle remoto da televisão e tinha embaralhado o sensor de reconhecimento digital da entrada de seu quarto por não saber usá-lo. Como ele se sentiria ali? Imerso em tanta tecnologia e tão distante de casa, diante da imensidão colorida e brilhante do universo. sentiu seus olhos marejarem por um momento, mas logo balançou a cabeça, tentando afastar de si aqueles pensamentos e se concentrar novamente no que acontecia de fato ao seu redor.
— Por quê? — Rhodes perguntou baixo, ouvindo Danvers rir.
— Não quero ninguém vomitando na minha nave, hein!? — Rocket alertou ríspido, cutucando-os. Mas antes que qualquer um deles pudesse responder, Nebulosa alertou alto:
— Se aproximando do salto em três, dois…
Pega de surpresa, sem esperar que saltariam tão rápido, recostou-se na poltrona com firmeza, apertando os braços do assento com força. Não sabia o que deveria esperar, mas tinha assistido a muitos filmes sobre o espaço. O salto nunca era algo tranquilo. Da frente dela, Steve e Natasha fizeram o mesmo, enquanto Bruce ajeitava a postura. Nebulosa terminou a contagem regressiva e, menos de um minuto depois, com a nave tremendo e fazendo um barulho estrondoso, o salto aconteceu. acompanhou com os olhos, atônita, as cores do universo ao redor da nave, por fora, brilharem. Os tons de azul e a escuridão deram lugar a um roxo vivo, quase neon, enquanto o salto acontecia. Toda a potência da nave havia sido carregada e, em uma velocidade impressionante que causou alta pressão neles, haviam migrado de um lugar a outro, como em um piscar de olhos.
não sabia se estava mais impressionada com a beleza do que via lá fora ou a velocidade em que atingiram exatamente o planeta onde queriam chegar. Bastou o salto acontecer para que a nave parasse de supetão, a escuridão retornasse onde antes era roxo e brilhante e, diante deles não haver mais a Terra, e sim o planeta em cujo jardim Thanos descansava. Restava saber agora, e enfim, o que exatamente estava acontecendo naquele lugar e como chegariam até Thanos, como tirariam dele as joias e como lidariam com todo seu exército outra vez.
Pensando nisso e sem tempo a perder, Carol saltou para fora da nave, ágil, brilhando como uma estrela. Pelo lado de fora, ela contornou a nave voando e, parando logo a frente do vidro frontal, olhou para os demais lá dentro, avisando:
— Eu vou fazer o reconhecimento.
Do lado de dentro, todos apenas concordaram brevemente com a cabeça e a assistiram afastar-se da nave, indo em direção ao planeta. Reconhecer o terreno e, mais do que isso, localizar onde Thanos estava e o que tinha a seu redor protegendo-o, protegendo as joias, era essencial para o sucesso daquela missão. Thanos não os estava esperando, o ataque seria surpresa e repentino, tinha que ser fatal. Apesar disso, Steve não havia conseguido pensar em um plano realmente eficiente. Thanos tinha o maior exército do universo. Tinha controle sobre milhares de criaturas selvagens e tinha controle sobre todas, as seis, Joias do Infinito. Nada, nunca, seria o suficiente naquele cenário. Mesmo de surpresa, Steve tinha a sensação de que não eram o suficiente. Estava com medo.
O tempo que esperaram Carol voltar com informações do reconhecimento já foi o suficiente para que eles repensassem a ideia de estar ali. E se eles só piorassem tudo? E se estivessem cedendo pela autoconfiança, movidos pela raiva e pelo luto, e não estivessem sendo racionais? Tinham mesmo uma chance de vencer dessa vez? Destravando o cinto se segurança da poltrona que sentava, respirou fundo. A lembrança dela dizendo a Bucky, no campo de batalha de Wakanda, que o veria logo, a imagem dele sumindo, passando em sua mente. Tinha que fazer isso pelos os que foram, sim. Mas temia, muito, por aqueles que haviam permanecido.
Da poltrona à frente, Steve pensava exatamente o mesmo. Tinha aceitado arriscar o que havia sobrado, comprado pela mesma ideia que motivava e todos os demais a estarem ali. Mas ele não se sentia seguro e isso era novidade para ele. Como um Capitão, estava acostumado a lidar com situações que estavam sob seu controle, que demandavam esforços, mas não cogitavam fracassos. A verdade é que Steve não estava acostumado a perder. Não estava familiarizado com a sensação de fracassar e ter vivido o que viveu em Wakanda, ter perdido aquela guerra e visto suas consequências recaírem nos seus ombros, tinha mexido com Steve de um jeito que nada, nunca, mexeu. Pela primeira vez em sua vida ele não sabia o que fazer. Não havia planos, não havia estratégias. Não havia nada. Apenas a vontade de reagir, de tirar de si aquela sensação penosa de falha, a vontade de redenção.
Ao lado dele, Natasha mexia em um dos tablets que haviam levado, em busca de qualquer nova informação que o satélite mais próximo pudesse apresentar. Agora que estavam ali, não havia mais tempo para voltar atrás, não haveria desistências. Tinham que esperar Carol retornar com informações consistentes e pensar rápido no que poderiam fazer. Natasha engoliu o medo de uma única vez e concentrou-se em fazer o que tinha que ser feito. Precisavam usar seus lados mais racionais, única e exclusivamente eles. Mas reparando em Steve encarando a pequena bússola com uma foto antiga de Peggy, de quando ela era nova, Natasha percebeu que aquilo seria difícil. Estavam movidos e motivados pelo emocional. Puramente, o emocional.
— Vai dar certo, Steve — Ela comentou baixo, tentando ser o mais confiante que podia ser, vendo o homem fechar a bússola.
— Eu sei que vai — Steve suspirou e olhou Natasha — Porque não sei o que fazer se não der.
e Thor se encararam tensos ao ouvir aquilo, como se a pressão em fazer aquela missão ser bem sucedida tivesse acabado de aumentar consideravelmente. Não precisavam ouvir de Steve. Todos eles sabiam que aquela era a única e última chance que tinham. Mas ouvir dele, ouvir claramente aquelas palavras, tornava tudo dolorosamente real. Tornava tudo que eles não tinham coragem de assumir, de dizer em voz alta, verdadeiro. E aquilo machucava. Muito. Para além de tenso, Thor estava começando a ficar ansioso.
Sua mente divagava por todas as possibilidades que imaginava ter de alcançar Thanos, de acabar com seu exército, de acabar com ele, enquanto desviava seu olhar perdido para um canto qualquer da nave, até sentir a delicada e carinhosa mão de segurar a sua, parando ao seu lado, o olhar tão inexpressivo quanto o dele encarando o universo afora da nave. Thor queria estar logo diante de Thanos outra vez, queria olhá-lo nos olhos, tirar dele a honra que roubou de si, a vida que roubou de Loki. Thor queria sangue, queria vingança e queria aquilo logo. E sua mão apertando e soltando a de repetidas vezes, em um silêncio profundo, denunciava todo o estresse e ansiedade que o consumiam por dentro. não sabia como podia apoiá-lo senão ficando fisicamente por perto e, igualmente, Thor não sabia como deveria demonstrar que, fosse o que fosse, estava lá com ela também.
Mas nada durou mais do que cinco minutos, até a imagem de Carol Danvers aparecer novamente diante deles, no vidro frontal da nave, pelo lado de fora.
— Nenhum satélite. Nenhuma nave. Nenhum exército — Ela comentou breve, séria, tirando um olhar confuso de Banner — Nenhum tipo de defesa. É só ele.
— E é o suficiente — Nebulosa respondeu.
O jogo havia acabado de mudar, mais uma vez. Soltando as mãos, e Thor se encaram por um instante, como se perguntasse um ao outro o que deveriam fazer. Aquilo era estranho em um nível que mal conseguiam nomear. Estava sozinho e desprotegido? Com as joias? Não parecia real e nem algo que Thanos faria, mas Carol não teria o porquê mentir e tinham a filha dele a seu favor. Nebulosa não pareceu tão surpresa quanto os demais diante daquela informação. Apesar de estranho, contudo, achou que tinha um lado favorável naquilo. Se Thanos estava completamente sozinho e descoberto, eles estavam em vantagem, tinham uma chance real, e muito provável, de vencê-lo dessa vez. Só tinham que ser o mais assertivos possível no ataque. Não podiam dar a Thanos qualquer chance de reagir e, muito menos, de estalar os dedos outra vez.
— Carol, vai na frente. Bruce e Rhodes seguram ele e Thor, dá um jeito de tirar a manopla — Steve começou a dizer pensativo, vendo a Capitã Marvel voltar para dentro da nave enquanto Rocket iniciava o pouso em solo firme.
— O quanto há de vida vegetal por perto? — perguntou pensativa, seus olhos indo de Steve até a Capitã Marvel.
— Chamam de jardim por um motivo, olhe você mesma — A mulher respondeu ríspida, encarando que, ignorando a falta de educação dela, caminhou para perto de uma das janelas, observando os imensos campos abertos, coloridos e forrados de vida botânica por todo lugar — Não há mais nada além de plantas aqui.
— Ótimo. , ajude a segurá-lo então — Steve pediu, vendo a mulher concordar com a cabeça, em silêncio — Eu, Natasha e Rocket vamos em seguida — Ele então se virou na direção de Nebulosa, parecendo pensativo — Sei que é seu pai, então, se não se sentir confortável, você…
— Eu vou com vocês — Ela rebateu prontamente, cortando Steve que assentiu.
— A quantidade de oxigênio disponível é a mesma da Terra, podemos sair sem medo e sem equipamento extra — Bruce avisou, olhando de um dos tablets que monitorava a atmosfera, para Steve que, sério, focado, assentiu com a cabeça e mirou Natasha, como se pedisse que liberasse a rampa de acesso da nave.
Descendo da nave recém pousada há alguns metros de uma casa, parecida com um chalé, tinha consciência de que aquilo não era um plano. Era uma sequência de ataques, improvisada e sem qualquer fundamento. Steve estava tão concentrado em agir que não parecia raciocinar direito em como fazê-lo. Ele não tinha um plano. Não tinha se preparado para lutar contra o inimigo em sua casa, não tinha ideia do que estavam fazendo e nem se tinham alguma vantagem real naquilo tudo. Steve só tinha boa vontade, esperança e certa brutalidade naquele momento. Acreditava no grupo, confiava naquelas pessoas e torcia pelo melhor. Era o que ele podia oferecer.
Sem mais tempo para conversas, Thor levantou voo e sobrevoou o telhado da casa, angustiado, esperando Carol começar o ataque. Quanto antes fossem, antes podiam terminar com aquilo de uma vez por todas. Preocupada, sendo imersa na mesma sensação de adrenalina que sentiu da última vez em que esteve perto de Thanos, em Wakanda, observou todos os demais afastarem-se, ao redor dela. O chão repleto de grama e de plantas que ela nunca tinha visto antes já começavam a se conectar com ela, como se, silenciosamente, se apresentassem, dissessem que estavam ali, disponíveis para ajudar. caminhou apressada em direção a casa, o dia lindo e ensolarado que parecia um final de tarde de primavera era permeado pela calmaria, pelo silêncio total, bem diferente da última vez em que viu Thanos.
Tudo estava estranho.
Carol voou como um raio em direção a casa e, sem nem mesmo esperar pelos demais, entrou pelo telhado, levando metade da estrutura abaixo junto consigo. Começando a correr do lado de fora, não podia ver o que acontecia lá dentro, mas podia ouvir os barulhos da estrutura se quebrando, de socos e arfadas altas. Sua mente rodava constantemente as palavras “trazer todos de volta” como um mantra sagrado, enquanto corria. Não demorou mais do que dois minutos até que ela chegasse bem diante da casa e, sem cerimônias, subiu os poucos degraus, invadindo a porta principal com brutalidade. Junto com ela, rastejando pelo chão, parte da grama se esticava rapidamente e, assim que ela colocou os olhos raivosos e magoados em Thanos, a grama apressou-se em passar por ela alguns metros, rasteira no chão como uma cobra, e enroscou-se nas pernas da criatura, em cada uma delas separadamente, as mantendo afastadas. Carol, segurando Thanos por trás dele, o enforcando, viu a grama apertar o titã e, em seguida, a partir dela, pontiagudos espinhos nascerem em segundos. Com um movimento calmo e discreto dos dedos, fez as dezenas de espinhos virar-se em direção à Thanos e fincar-se, todos ao mesmo tempo, em suas pernas. Com um grito alto e rouco de dor, Thanos desceu seu olhar até , parada à sua frente.
Para ele, ali estava a humana que conseguiu minimamente segurá-lo da última vez. Para ela, ali estava a criatura que tirou tudo dela.
Impressionada, Danvers olhou de frente para ela, fechar as mãos em punhos e, com elas, os espinhos aprofundarem-se ainda mais nas pernas de Thanos enquanto a grama o apertava violentamente. O Titã estava imóvel, arfando em dor e um tanto confuso. Banner, de dentro da Hulkbuster, que havia ativado poucos minutos antes, segurava seu braço esquerdo, que levava a manopla, enquanto Rhodes, de dentro de sua armadura, segurava o braço direito. imobilizou suas pernas, sem esforço algum, matando Thanos de todas as formas possíveis e mais dolorosas com o olhar. Carol, por sua vez, o segurava pelo pescoço, imobilizando seu tronco. Não havia para onde ir e não havia como ele usar as joias. Já era um ponto para os Vingadores. Uma primeira vitória para eles.
Meio segundo depois de aparecer, Thor surgiu do céu, vindo por trás de onde Thanos estava parado e, sem qualquer cuidado ou preocupação, totalmente tomado pela raiva e pelo desejo de vingar-se, cortou-lhe o braço com a manopla. Usando meu martelo e sem muito esforço, Thor tirou o braço esquerdo de Thanos em uma tacada só, em um segundo. Steve havia pedido para ele tirar a manopla. Ele havia feito sua parte. Ignorando os gritos de dor abafados de Thanos, encarou Thor por um momento, ligeiramente assustada, mas sem transparecer aquilo. Sabia que ele não estava bem e, em especial naquele dia, tudo nele estava caótico. Aquilo tinha que terminar logo. Steve e Natasha logo apareceram por trás de , caminhando firmes. Com eles, Rocket entrou rapidamente na casa, indo em direção ao braço de Thanos caído ao chão e, irado, ele o virou para cima, com o intuito de ver as Joias. Tinha sido fácil e rápido demais.
Rocket contudo sentiu sua expressão abrir-se em choque, ao mesmo tempo em que podia sentir seu coração acelerar. O silêncio do lugar era quebrado apenas pelos altos gemidos de dor e agonia de Thanos, que não parecia querer reagir a nenhum deles. De fato, estava sozinho e cercado. Mas, como Nebulosa havia dito mais cedo, ele por si só já bastava. Por que não estava reagindo? Com Steve e Natasha parando, um de cada lado dela, desviou seu olhar de Thor para Thanos e, em seguida, para Rocket, ao tempo exato de ouvi-lo dizer, frustrado:
— Ai, não.
Steve e Natasha se entreolharam, mas não conseguiu mais acompanhar a movimentação ao seu redor. Sentia como se seu coração pudesse sair pela boca a qualquer instante, estava apavorada. Diante de si, a manopla estava vazia. Sem nenhuma das joias. Nenhuma. Com raiva, confusa e sem saber o que fariam sem as joias, apertou ainda mais os punhos e, com eles, os espinhos se enfiaram de vez por todas em Thanos, sem mais poder ser vistos. pensava em seus pais, em Bucky. Em Sam, T’Challa. Shuri. Dentro de si, sentia seu mundo ser destruído outra vez e, com ele, afrouxava cada vez mais o controle das plantas ao redor, as soltava de Thanos. O que fariam sem as joias? Aquilo não podia ser verdade.
Respirando fundo, alguns passos dali, Thor sentiu seus olhos marejarem assim que percebeu o que acontecia. Estava se segurando, estava lutando contra a ira que crescia dentro de si, contra frustração ainda mais intensa que sentiu diante daquele fato novo. Tinha certeza, absoluta, que venceriam dessa vez. Estava convicto. Não havia chance de fracassos, por que estavam fracassando? Perdido, sufocado, puxando o ar com força pela boca, ele subiu seu olhar cheio de lágrimas para que, do mesmo modo que ele, retribuiu.
— Onde elas estão? — Steve perguntou ríspido, mas Thanos não se abalou. Continuou arfando pela dor que sentia em não ter mais um braço, de ter sido torturado com os espinhos.
— Responda à pergunta — Carol apertou ainda mais seu braço no pescoço dele.
— O Universo precisava de correção — Ele começou a dizer. sentia seu estômago revirar — Depois disso, as Joias não tinham um propósito além da tentação.
— VOCÊ ASSASSINOU TRILHÕES — Bruce gritou nervoso, empurrando Thanos com força, o fazendo se soltar de Carol e Rhodes e cair para trás. A grama que antes estava enroscada nele quebrada ao seu redor.
— Deveriam me agradecer — Thanos murmurou petulante e logo levou um soco de Bruce bem no rosto, em cima do que parecia ser um queimado em sua pele.
— Onde estão as Joias? — Natasha voltou a perguntar. Estava tão tensa que seu corpo tremia.
— Joias? — Thanos a encarou — Reduzida à átomos.
— Você usou elas dois dias atrás — Irritado, Banner exclamou alto. Thanos desviou seu olhar de Natasha que, naquela altura estava quase chorando, ao outro homem e, com obviedade respondeu:
— Eu usei as Joias para destruir as Joias — Nauseada em ouvir aquilo, colocou uma mão no estômago, seus olhos carregados em lágrimas, chocados — E isso quase me matou. Mas o trabalho está concluído. E para sempre.
Para sempre. deixou uma lágrima escorrer ao ouvir aquilo. O que aquele filho da puta tinha feito? O que ele fez? Desconcertada, ela engoliu o choro, a raiva tomando conta de si como uma onda furiosa e devastadora. Se pudesse, ela mesma matava Thanos ali, naquele momento, sem remorsos, sem redenção, sem piedades. Ele tinha assassinado seus pais. Tinha assassinado Bucky. Tinha tirado absolutamente tudo dela. Sam. Shuri. Ele tinha acabado com tudo, de uma hora para outra, sem motivos, sem considerações. T’Challa. Thanos levou a vida inteira de com ele, a enterrou no mais profundo buraco da Terra e não deixou nada no lugar senão solidão, dor e angústia. E ele ainda tinha coragem de chamar aquilo de correção. Everett, Karl, Bucky, Sam, T’Challa e Shuri não eram erros do Universo. Eram acertos. Eram a beleza que dava vida a e Thanos não tinha o direito de ter tirado aquilo dela.
— Eu sou inevitável — Thanos falou pausadamente, olhando , a alguns passos dele, mal conseguindo respirar direito, imersa em si mesma.
— Temos que procurar por toda parte — Rhodes exasperou desesperado, olhando ao redor — Ele deve estar mentindo.
— Meu pai é muitas coisas... — Pela primeira vez desde que chegaram ali, na casa, Nebulosa comentou, aproximando-se de seu pai — Mentiroso não é uma delas.
— Obrigado, filha — O Titã parecia surpreso em vê-la ali e, mesmo apesar de tudo que ele havia feito, Nebulosa ainda abaixou seu olhar perto dele, em claro sinal de respeito, o ouvindo dizer: — Talvez eu tenha sido cruel demais com você…
Mas Thanos não conseguiu completar aquela frase.
A próxima coisa que viu foi a cabeça dele sendo violentamente cortada por Thor, como ele mesmo havia feito alguns minutos antes, com o braço. Dominado por uma raiva que nunca sentiu antes, Thor decidiu acabar com aquele teatro todo, decidiu colocar um fim a decepção que carregava. Como se estivesse tentando aliviar a culpa que sentia por ter tido a chance de matar Thanos naquele dia e não ter conseguido. Como se quisesse apagar um erro. De todas as pessoas ali, era a única que estava por perto quando Thanos havia dito a Thor que ele deveria tê-lo acertado na cabeça. Ela sabia o que aquilo significava para ele, sabia da fragilidade, de tudo que Thor estava sentindo e o que aquilo representava. E ela sentia muito. Sentia muito porque sabia que, parado a poucos metros dela, encarando a cabeça de Thanos no chão, Thor estava se dando conta de que era tarde demais.
Tarde demais.
Se tivessem agido antes, se tivessem chegado até ali alguns dias antes, o plano teria dado certo, eles teriam conseguido as joias outra vez, teriam conseguido colocar um fim naquele pesadelo, trazer todos de volta. Mas era tarde demais. E dali em diante, para além de toda dor que carregavam, dos sentimentos de culpa, perda e impotência, também teriam que lidar com a sensação de terem chegado tarde demais.
O silêncio que tomou conta do ambiente foi um dos piores momentos que já tinha vivido em toda sua vida. Nenhum deles conseguia dizer nada, estavam todos totalmente chocados, debilitados, digerindo a informação, negando mentalmente o que tinha acontecido. A única chance que tinham de trazer todos de volta, de reverter aquele problema, estava agora morta. Não tinham as Joias, não tinham Thanos, não tinham mais o que fazer. Não tinham nada. Tudo havia terminado ali. Voltariam para casa do exato mesmo jeito que haviam ido. Sem nada. Sem ninguém. Ninguém.
deixou as lágrimas escaparem livremente por seu rosto, atordoada, com seu corpo formigando, sua mente girando e seu estômago enjoado. Sentia o baque outra vez, o mesmo baque de quando viu Bucky esfarelar-se bem diante de seus olhos, a mesma impotência de não poder fazer nada para impedir. Outra vez ela não conseguiu fazer nada. O último fio de esperança que carregava tinha acabado de ser tirado dela tão violenta e inesperadamente quanto Bucky foi, quanto seus pais, Sam, T’Challa e Shuri foram. não tinha mais nada.
Não tinha mais ninguém.
Dali em diante seria, definitivamente, só ela. Para sempre.
— O quê... O que você fez? — Transtornado, Rocket perguntou baixo, olhando Thor que, em estado de choque, permaneceu encarando a cabeça cortada de Thanos à sua frente. Ele pensou por alguns instantes até seu olhar significativo e carregado de lágrimas encontrar o de outra vez, e respondeu baixo:
— Eu acertei na cabeça.
Capítulo 31
5 anos depois
O quanto a vida pode mudar em cinco anos?
Era a pergunta estampada em letras garrafais na capa do Le Monde Diplomatique daquele dia, do dia em que se celebrava o quinto ano da pior tragédia que o mundo já havia vivido. Cinco anos. desviou seu olhar do jornal, jogado em cima da bancada que dividia a cozinha da sala de jantar, até sua caneca cheia de café, seus olhos na fumaça, mas sua mente latejando aquela pergunta como se tivesse sido feita para ela. Exclusivamente para ela. O quanto a vida pode mudar em cinco anos? O que é realmente possível fazer nesse tempo?
Cinco anos foi um tempo considerável para . Um médio prazo solitário e complexo, uma conta não planejada em um futuro próximo que já tinha acontecido, que passou. Foi exequível, foi factível e foi vivenciável. Foram cinco anos inteiros. Mil oitocentos e vinte e cinco dias, contados um a um em um calendário ao lado da geladeira, como um prisioneiro contava para ser livre novamente. A vida correu os anos como o tempo correu nos dias e tudo mudou tão lentamente que, ao final da contagem, de um a cinco, a vida já era outra. Cinco anos foi bastante tempo. Para uma vida normal, para planos normais, para pessoas normais, cinco anos haviam se passado. Para todas aquelas pessoas que, pela sorte do universo, não foram escolhidas para morrer, para desaparecer feito poeira, cinco longos anos tinham se passado. E nada, nem mesmo a contagem do tempo, pareceu o mesmo. Não foi. Nunca seria.
Muito havia mudado, muito aconteceu.
deixou um suspiro escapar, tomando um gole longo de seu café, tão quente quanto o dia que nascia lá fora. Estava se esforçando todo aquele tempo, estava digerindo o que tinha acontecido, constantemente aprendendo a conviver com a frustração, com a solidão. Mas nunca com a saudade. Não importava quanto tempo se passava, ela simplesmente não conseguia. Não conseguia entender o que tinha acontecido, não conseguia deixar de pensar que não teve sequer tempo de se despedir. De seus pais, de Bucky, de Sam, de T’Challa, de Shuri. Ela não conseguia superar o fato de estar sozinha, de não ter mais absolutamente ninguém que um dia amou. De tudo que sentia nos cinco anos que sobreviveu com o peso de ter fracassado naquela luta, naquele dia. A saudade era a pior das sensações. Opressora, intensa, violentamente dolorosa.
Não gostava de pensar naquilo. Não mais. Nos últimos anos, evitava ao máximo refletir sobre aquele tema, sobre o tempo, sobre os fatos passados. Como uma ferida antiga que nunca podia ser estancada, sangrava nela toda vez que a encostava. Sempre seria terrivelmente dolorido e violento, não queria e sabia que não podia ficar revivendo aquilo tudo a todo instante. Tinha que seguir. estava cansada do passado. Consumida pelo o que sentia diante dele, exausta de ser perseguida pelos mesmos fantasmas. Mas aquela pergunta, aquele jornal, aquele dia… era inevitável não pensar em tudo. Ao menos naquele dia, ela sabia que teria que passar por cima da dor, engolir toda sua amargura. Uma vez mais.
Os cinco anos em que a população da Terra precisou sobreviver, depois do fatídico estalo, pareceu como um inferno violentamente silencioso e solitário. Como se tivessem presos em um pesadelo do qual nunca conseguiam acordar, sufocados, incompreendidos, isolados de todo e qualquer sentimento senão a dor, a angústia, a confusão e a solidão. Era assustador e torturante. Nada, absolutamente nada, foi o mesmo. Para ninguém. Demorou meses para que todo o caos do momento do desaparecimento fosse reorganizado. E demorou mais de um ano para que a vida começasse a se redesenhar perto do que antes podia ser considerado normal.
Os problemas novos eram ridículos e irracionais, ninguém, nunca, pensou que um dia teria que lidar com algo parecido com aquilo. Superabastecimento de comida e de água, mais empregos do que demanda por eles, redução drástica dos padrões de consumo, diminuição de doenças respiratórias, despoluição, desextinção. As pessoas passaram a celebrar novos nascimentos como se fossem milagres, o ar estava visivelmente mais puro e os mares nunca estiveram tão limpos quanto naqueles anos. De fato, o objetivo positivo de Thanos havia se cumprido, reduzir metade de todo o universo a poeira tinha trazido equilíbrio em muitos aspectos. Por outro lado, contudo, o preço que pagavam era ridiculamente alto.
A desestabilidade emocional era um problema permanente e que não se podia resolver. A ausência do tempo de luto, a ausência de explicação e de racionalidade para o que tinha acontecido deixava tudo pior a cada dia, ainda mais desesperador. Haviam pessoas, como e Thor, que tinham perdido tudo. Que tinham perdido absolutamente todos os seus, estavam vagando totalmente sozinhas pelo o que restou da Terra. Haviam pessoas que não puderam, que não conseguiram, lidar com as dores da solidão e da inconformidade. As taxas de suicídio nunca foram tão altas, as buscas por tratamentos psiquiátricos aumentaram drasticamente a ponto de não se conseguir uma consulta por menos do que o dobro do valor de antes, não por menos de três ou quatro meses de espera. Mas, para muita gente, não havia tempo suficiente para esperar. E pelo o que, afinal, esperariam? Nada mais podia mudar, não havia mais o que pudessem fazer senão esperar pelo tempo passar.
A sensação de impotência consumiu pelos cinco anos que só não foram piores do que os primeiros anos em que ela se mudou para Wakanda, quando era criança. O processo de adaptação repentino sendo vivido completamente sozinha e confuso foi exatamente o mesmo. Apesar de já ser adulta e já reconhecer os lugares, apesar de não ser mais indefesa, nem frágil, nem vulnerável, tudo era estranho e doloroso do exato mesmo modo. não tinha problemas em aceitar mudanças. Em geral, pelo bem ou pelo mal, havia aprendido a se apegar a resiliência ao longo da vida, o que, em momentos como aquele, era algo muito bom. Mas, igualmente, algo que só aparecia com o tempo, com as sucessivas quedas e machucados.
Contudo, se por um lado toda a tristeza e dor latente a acompanhavam, cinco anos depois, já estava longe de ser o que um dia foi. Mais quieta, mais observadora e um tanto menos sorridente, estava se separando de seu passado, se libertando de parte das culpas que carregava, ela estava tentando seguir. Se esforçava em ter o mais próximo de uma vida normal, ela tinha que ir em frente. O que mais poderia fazer, afinal? Se vivia, tinha um motivo para seguir. E ali estava ela. Vivendo em memórias passadas, desejando ter de volta aqueles que um dia teve, mas se conformando. Segundo a segundo, dia a dia, ano a ano, estancando a ferida que lentamente se fechava. Longe de ser um caminho ameno, não era fácil. Mas já o suficiente para começar a se recuperar, para que tudo, um dia, pudesse ficar bem novamente.
— Não tem mais nada que possamos fazer e ficar aqui é... um erro — Com os olhos carregados de lágrimas e seus braços envoltos na cintura dela, a abraçando, Thor havia sussurrado, no dia em que se despediram depois da última vez em que confrontaram Thanos, cinco anos atrás — Só nos resta seguir. E é isso que eu vou fazer — A voz dele era incerta — É o que desejo que você também faça. Nós vamos ficar bem.
engoliu o choro, sentindo seus olhos perdidos encherem de lágrimas, enquanto bebia um novo gole de seu café. Já tinha cinco anos desde a última vez em que viu Thor, tão transtornado e profundamente triste, como no dia em que arrancou a cabeça de Thanos. Como se fosse ontem, a memória tão vívida em sua mente, repassou detalhe a detalhe do que tinha acontecido naquela tarde, a ansiedade tomando conta de si como naquele dia, como se estivesse novamente sentada no banco da nave de Rocket, se preparando para saltar o Universo no último fio de esperança que tinha de trazer todos de volta. A sensação de ver as joias destruídas, de se sentir derrotada uma vez mais, de se sentir totalmente inútil, impotente. De ver como tudo terminou.
O retorno à Terra, depois de terem confrontado Thanos pelo o que seria a última vez, e tê-lo matado de uma vez por todas, foi assustadoramente triste e silencioso. Nenhum deles tinha coragem de dizer nada, nenhum deles sabia o que deveria fazer. Tinham perdido pela segunda vez, tinham tido toda a esperança e a expectativa da ida frustradas na volta. Tinham culpa, tinham remorso, tinham dor. E nenhuma palavra ou gesto do mundo poderia aliviar ou sequer descrever o que sentiam naquele momento. Nenhum deles. Rocket e Nebulosa os levaram de volta à Terra e, tão logo o deixaram por lá, seguiram seus caminhos de volta à infinitude do Universo, em busca de qualquer que fosse o lugar que poderiam minimamente chamar de casa. Com eles, Carol Danvers também voltou a dedicar seu tempo e seus interesses em proteger lugares que, como ela mesma se orgulhava em dizer, “não tinham a sorte de ter os Vingadores”. Sorte.
soltou uma risada fraca e irônica daquele pensamento.
Sem metade dos Vingadores vivos, não havia mais o por que manter a iniciativa. Não havia o por que manter o grupo, manter canais de contato ou qualquer coisa relacionada. Não havia mais Vingadores, porque o mundo não precisava mais deles. O mundo não tinha mais espaço para vinganças, não tinha mais espaço para falhas. Não quando a maior delas já tinha sido cometida. Duas vezes. No final das contas, não tinham nada de especial, não podiam oferecer mais nada senão suas próprias reclusões. Sair de cena como entraram: em silêncio, de cabeça baixa e sem mais o que dizer. Mas, na prática, não foi bem assim.
Steve teve que ir a público. Teve que contar em rede nacional, em transmissão ao vivo para todos os plantões internacionais possíveis, exatamente o que tinha acontecido. Teve que justificar erros, teve que aliviar a culpa que sentia e desculpar-se. Mas não foi o suficiente para Steve. Nem para nenhum deles. Foi angustiante. Assistir ao pronunciamento de Steve foi um dos piores dias em todos aqueles anos.
Foi o dia em que a realidade caiu sobre eles como uma tempestade caia do céu no verão: furiosa, barulhenta e assustadora. Foi o dia em que Thor deixou no gramado do Complexo, depois de se despedir dela e agradecer pelo tempo ligeiro, mas tão caro a ele, que passaram juntos, e foi embora. Recomeçar a si mesmo em outro lugar enquanto recomeçava seu povo. Sua história. E foi o dia em que pegou todas as suas coisas e, sem pensar duas vezes, algumas horas depois de Thor sair, também deixou o Complexo. Deixou Steve, deixou Natasha. Deixou como quem deixa um passado que não se quer lembrar, como quem vira uma página. Estava cansada, consumida, deprimida e desesperada. Perdida. Não queria mais sentir as dores da perda, não queria mais ser abandonada. E antes que isso pudesse acontecer outra vez, foi ela quem decidiu abandonar.
Tinham que seguir em frente, afinal, eles sobreviveram. Estavam vivos.
colocou todos os seus pertences em uma das dezenas de carros que Stark tinha guardado no Complexo e, levando consigo todas as coisas de Sam, de roupas a objetos de decoração de seu quarto, foi embora. Vendo Steve chorar como nunca antes viu em toda sua vida e dando um abraço final em Natasha, ela partiu. Uma semana depois da última missão que participou, que falhou. Uma semana depois de terem matado Thanos, de viver em um fluxo intenso de inconformidade e de raiva, de tristeza profunda. Uma semana exaustiva, emocionalmente confusa e muito desgastante, em que passou buscando o que deveria fazer dali em diante, para onde deveria ir, pensando se deveria mesmo ficar. E ela sabia que não deveria, bem no fundo, aquele não era e nunca seria um lugar para ela.
Aquela era a casa de Tony. Aquela era a casa dos Vingadores. E não fazia sentido para permanecer ali, em hipótese alguma. Aquela não era sua casa e não deveria se forçar a se adaptar a ela como foi forçada a se adaptar a Wakanda, como estava cansada de ser forçada. sonhava em um dia ser livre. Passou tantos anos sonhando com o dia em que finalmente poderia sair de onde estava escondida, em que poderia fazer o que quisesse, ir onde tivesse vontade, viver onde escolhesse viver. Passou tanto tempo imersa nisso que, quando o dia de fato chegou, quando esteve pela primeira vez em toda sua vida diante da liberdade, ela não tinha sequer ideia do que deveria fazer com ela. E se questionava o tempo todo, para o que servia toda aquela liberdade se, ao fim e ao cabo, não tinha mais ninguém para partilha-la com ela? Não era como ela sonhava e nem como queria que fosse.
deixou o Complexo sem ter certeza do que fazia e sem saber se aquilo era mesmo o melhor para ela. Sem saber para onde deveria ir, sem conhecer nada por perto, sem conhecer mais ninguém. Estava fisicamente livre, finalmente. Mas estava emocionalmente aprisionada nas piores sensações que alguém podia sentir. Como vinte e tantos anos atrás foi obrigada a fazer, ela estava sendo obrigada a se recompor e a recomeçar. A se reorganizar, a sobreviver. E a experiência já tinha a ensinado, a duras penas, que tinha que começar pelo começo, que precisava ordenar uma coisa de cada vez, sofrer uma dor de cada vez.
E a primeira das dores tinha nome e sobrenome. Sam Wilson.
Com o carro recheado das coisas de Sam e Alpine no banco do passageiro, dirigiu até Delacroix. Uma cidade pequena no interior da Louisiana, um lugar que nunca tinha estado, mas que pelo nome francês lhe soava estranhamente familiar. Não sabia exatamente o porquê estava indo até lá, mas sentia que precisava fazer o que achava certo. Como se tivesse uma lista de redenções, de coisas que precisava fazer para tentar aliviar o sentimento de culpa por não ter conseguido salvar aqueles que ela amava do fundo de seu coração. Como se quisesse dar uma resposta dos mortos aos que ainda estavam vivos. não tinha ideia do por que estava indo até lá, mas ela foi. Sem saber quem iria encontrar, nem sequer se encontraria alguém de fato. Com o teto solar do BMW Série 8 preto aberto, passou por lugares que nunca em sua vida pensou passar, viu o caos ser arrumado pelas estradas e cidades pequenas, foi parada por pessoas que queriam ouvir dela o que tinha acontecido.
teve tempo para pensar. Teve tempo para ficar sozinha. Para refletir o que sentia e organizar em si mesma o que acontecia ao redor. A cada quilômetro rodado, mais da realidade a atingia, mais do inevitável, mais do que foi invencível. E embora fosse terrivelmente doloroso ver tudo aquilo, para foi necessário. Precisava entender o que acontecia, precisava viver a realidade de ser só ela, de ser só mais alguém que não tinha opções, só mais alguém no mundo que rodava em busca de explicações, que teria que se curar com o tempo. Quase vinte horas de viagem. Algumas paradas para comer, abastecer o carro e ir ao banheiro. Uma noite em Richmond. Vinte horas dirigindo sozinha, pensando, observando, buscando forças onde não esperava encontrar para continuar seguindo em frente. Milha a milha, minuto a minuto.
Com o endereço anotado em um pedaço de papel, que recebeu de Steve depois de ter que prometer-lhe que faria contato assim que se assentasse em algum lugar seguro, chegou a uma casa de madeira, aconchegante e um tanto grande em Delacroix. Rodeada por árvores e grama, no final de uma tarde muito bonita e fresca da primavera, ela sequer teve a chance de tocar uma campainha ou bater à porta. Assim que desceu do carro, tensa, emocionada, a mulher que gostaria de ver apareceu na varanda. Vestindo uma jardineira jeans com uma camisa xadrez de mangas compridas por baixo, os cabelos trançados presos em um rabo de cavalo alto, a mulher pareceu confusa. Mas bastou seu olhar descer na outra mulher a sua frente para entender o que se passava.
Fechando a porta do carro e usando um vestido curto e de mangas de frio, florido, em tons de azul e creme, com um colete em tricô sem mangas igualmente creme por cima e uma bota de cano alto e saltos grossos, preta, assistiu em silêncio, a poucos metros de distância, o olhar confuso e um tanto irritado da mulher na varanda dar espaço a uma expressão tímida e surpresa. Não demorou mais do que dez minutos para estar chorando, presa no abraço mais reconfortante que recebeu em todos aqueles dias.
A primeira pessoa que verdadeiramente acolheu naqueles cinco anos foi Sarah Wilson.
Naquele dia, Sarah colocou para dentro de sua casa e, dali em diante, para dentro de sua vida. Conversaram até a madrugada chegar, se apresentaram, contaram suas histórias entre xícaras de chá, lágrimas e suspiros profundos. soube de Sarah naquela noite. Soube que perdeu o marido pouco depois de seu filho mais novo nascer, soube que agora eram só ela, AJ e Cass, na época com 7 e 9 anos, dois meninos tão amáveis e gentis que lembravam Sam em toda sua plenitude. Sarah não deixou ir embora, já estava tarde. Deu a ela o quarto antigo de Sam na casa, como havia dado sua própria casa em Nice a ele, durante um ano em que teve que se esconder.
Ela não dormiu naquela noite. Absorveu cada cantinho do cômodo como se sua vida dependesse daquilo e chorou a falta que sentia de Sam, a impotência e a fraqueza que sentia, colocou a dor em lágrimas para fora do peito. Em silêncio, em solidão, foi terrivelmente doloroso. A insônia e a ausência de descanso tomaram por dias, por semanas, e enquanto não sentia que ela estava realmente bem para seguir sozinha, Sarah não a deixou ir embora. E ficou. Por quase um mês, vivendo ali, na tormenta de sentir falta de Sam, na cura de, dia a dia, fazer companhia a Sarah e aos meninos.
Sarah ouviu de a história que ela tinha a contar. Ouviu sobre seu irmão, sobre o que exatamente tinha acontecido com ele naqueles dois anos em que sumiu, sobre a amizade dele com a mulher que lhe contava uma parte inesperada da história. Descobriu que as mensagens vagas e sigilosas que recebia, informando que Sam estava bem e onde estava, vinham de , direto de Wakanda. E, a pedido dele, ela era monitorada por tecnologia ao menos uma vez por mês, para saber se estava bem. contou a ela sobre o que tinha acontecido em Wakanda. Contou cada detalhe mínimo de que se lembrava da batalha, contou sobre o desfecho trágico, contou da última vez em que viu Sam.
"Vê se não acaba com a festa antes de eu voltar".
soube da situação financeira terrível. Viu as dificuldades que passavam ali e viu a vida ingrata que Sarah levava já há tantos anos. A solidão não era novidade. Sarah tinha que enfrentar a vida todos os dias, não tinha muito tempo a perder, nem sentimentos a serem acumulados. A situação era outra. Tinha que viver por si mesma e por seus filhos. E diariamente era nisso que ela se apegava para seguir em frente. Não cansava de agradecer a por tudo que ela havia feito por seu irmão e por ter chegado até lá, por ter carinhosamente devolvido a ela o pouco que restou dele, suas coisas. Mas ela seguia. Forte, firme, corajosa. Seguia em frente.
E ter por perto naquele mês foi bom, em muitos sentidos, para ela. Enquanto ia ao barco - uma herança de seus pais e única fonte de renda -, tinha com quem deixar os meninos que, animados em ter outra super-pessoa em casa, rodeavam o quanto podiam. Tinha alguém com quem conversar todos os dias, alguém que sabia ouvir e que sabia aconselhar. Tinha alguém. Pela primeira vez em tantos anos, foi para Sarah o primeiro alguém em quem ela pode se apegar outra vez. Entre dividir tarefas cotidianas e contar piadas horríveis enquanto tomavam uma cerveja vendo o pôr-do-sol no barco, aquele mês estava sendo necessário e responsável pela sensação que, em seu final, crescia dentro das duas. A vontade de recomeçar.
Sarah viu algo em que não esperava ver em pessoas como ela. O que podia esperar, afinal, senão alguém forte, seguro e cheio de si? Como pessoas com habilidades especiais podiam agir senão daquela forma? Era o que ela esperava. Mas não foi o que ela encontrou. Em um mês de por perto, Sarah não a viu ser combativa em nenhum momento, não a viu usar seus poderes mais do que para brincar com os meninos ou para melhorar a qualidade dos vegetais e frutas que vendiam em pratos maravilhosamente gostosos no barco. Não a viu treinar ou falar sobre isso, não a viu ter contato com nenhuma outra super-pessoa senão Steve, que a ligava todos os dias. E a vendo com AJ sentado em seu colo, enquanto o ajudava com um projeto de ciências, tirando dele expressões de encanto e risadas altas, Sarah percebeu que o que havia de diferente em era, justamente, a franqueza.
estava sendo honesta consigo mesma. Estava se deixando levar pelo desespero de ter uma vida outra vez, pela tormenta de tirar de si a dor que sentia. Estava exausta, mas começava já a querer descansar; ela estava se permitindo ser fraca. E não tinha medo daquilo. estava vulnerável, estava sozinha e estava perdida. Tentando se encontrar em algo que ela claramente nunca teve na vida: a normalidade e o pertencimento. E tudo ali, momento a momento, mesmice a mesmice, estava fazendo um bem danado para ela. No fundo, Sarah sabia que o maior super poder que podia ter era a resiliência. Assim como ela própria, aí, enfim, a identificação.
Uma semana depois, despediu-se pela manhã e, sem saber direito se estava pronta para o próximo passo, foi embora. Outra vez. Parte dela queria correr a lista mental que havia feito e continuar sua busca por redenção. Mas outra parte tinha consciência de que, diferente do que aconteceu com Sam, não seria assim tão ameno, justamente porque, dali em diante, não encontraria mais Sarahs em quem poderia se apegar. Estaria sozinha outra vez. Teria que enfrentar as próximas dores totalmente sozinha e ela sabia que não tinha forças o suficiente para aquilo. Mas era insistente, teimosa.
A dor seguinte, sem escolha, tinha que ser Karl e Everett.
Por isso, inconsciente do que exatamente estava fazendo, ela viajou de volta para Nova Iorque e chegou a ir até a porta do apartamento de Everett, onde Karl estava vivendo nos últimos meses. Queria conhecer o lugar, queria recolher as coisas deles, doar tudo que pudesse e, assim, talvez, tentar virar aquela página. Mas ela não conseguiu nem entrar no apartamento. Sequer abriu a porta. Sentia seu corpo formigar, uma dor tão violenta em seu peito que parecia estar levando sucessivas facadas no coração. Mal podia respirar, estava sufocando e rendendo-se ao choro que lutou tanto em segurar até chegar ali. foi embora tão rápido quanto chegou. Era insuportável. A simples ideia de abrir aquela porta e não ouvir a voz amorosa de Karl, a risada suave de Everett, de não poder mais vê-los, nem os tocar, era violentamente brutal.
não teve tempo nem de conversar com eles uma última vez. Não os viu, não se despediu. Era como uma porta aberta, emperrada, que ela nunca, jamais, conseguiria fechar.
A última palavra que trocou com eles, ainda estavam na Escócia, celebrando um casamento que sonhavam a anos e mal tiveram tempo de terminar. No momento seguinte, na ligação seguinte, já não existiam mais. Nenhum dos dois. A única família de estava, uma vez mais, morta. Dominada pela ideia de que, além de seus pais biológicos, tinha também matado Karl e Everett, ela se sentiu nauseada. Zonza, enjoada, seu corpo latejando de dor como se ela mesma estivesse morrendo, sendo consumida torturantemente pela dor. não soube quanto tempo ficou jogada no chão, na calçada do prédio, chorando, desolada, chamando por seus pais sem parar, completamente fora de si. Mas sabe que quem a tirou de lá foi Steve.
Rastreando todo e qualquer movimento de pelo carro que ela pegou de Tony, no Complexo, Steve monitorou toda a viagem de ida e de volta dela a Nova Iorque. E bastou ver que a rota calculada no GPS do automóvel marcava o exato endereço dos pais dela para ele desesperar-se e ir atrás da amiga. havia perdido muito. Havia perdido tudo. E por mais que quisesse tempo e espaço para se recuperar, Steve sabia que não faria bem a ela. Ele mesmo já tinha estado onde estava naquele momento da vida. Não queria que ela passasse por nada sozinha, não mais do que já estava passando. Se ainda pudesse fazer algo de bom para alguém, tinha que começar por . Não a deixaria sozinha.
E pensando naquilo, no que talvez fosse melhor para ela, ele a levou de volta à Europa. tinha raízes lá, tinha conhecimento do lugar e poderia, ao menos, se sentir mais acolhida em estar no lugar em que nasceu. E Steve esteve com a amiga quando ela quis, em uma última tentativa, se recuperar da terceira dor.
James. Bucky.
considerou, sim, voltar para a França. Chegou a ir com Alpine e Steve para Nice, determinada a voltar para casa. Finalmente, para sua casa. E quase tudo naquela ideia, na possibilidade de voltar para aquele lugar, era exatamente perfeito como ela havia imaginado, como ela havia sonhado por tantos anos. O clima ameno e mais quente, a brisa do mar em todo lugar que fossem, os restaurantes abertos com vista para a imensidão azul do mar, em um tom tão lindo e tão claro que ela só havia visto uma vez na vida. Nos olhos de quem deveria estar ali com ela, vivendo aquilo. Quase tudo era perfeito. E como o mar, foi essa exata imensidão azul que a inundou, a impedindo de seguir aquela ideia adiante.
De fato, ela sentia que aquele era seu lugar no mundo. Estava tomada por uma sensação única e vívida de pertencimento, algo que não se recordava ter. E apesar de Steve dizer, delicado e sutil, que aquela talvez não fosse a melhor ideia, insistiu em ir até lá. Chegou em sua casa, na casa que Karl e Everett a criaram nos primeiros anos depois da adoção, na rua em que passou os cinco primeiros anos de sua infância, onde viveu o pouco tempo de normalidade, família e pertença que teve na vida. Mas, se achou que não ter conseguido entrar no apartamento de Everett tinha sido difícil, estar ali foi mil vezes pior.
Sua mente foi interrompida por um fluxo contínuo e acelerado de memórias, assim que entrou na casa que não se lembrava de estar há, pelo menos, uma década. Ali tinha muito mais do que a dor de reviver as memórias mais bonitas que felizes que tinha com Everett e com Karl. Tinha o sentimento de se reconhecer, de se conectar com seu passado, com o que um dia foi e, muito pior do que aquilo, com o que um dia poderia ser. Aquela casa tinha Bucky. Em todo canto. Tinha as conversas que teve com ele, os sonhos de um futuro incerto que planejavam. Tinha o holograma aberto no terraço, no dia em que deu a ele a chave daquela exata casa. O dia em que o convidou para viver ali, com ela, com toda a liberdade que poderia ter. A casa, em si mesma, não era mais um porto seguro. Era uma barreira, um forte, que a impedia de pensar em qualquer coisa senão nas pessoas que tinha que deixar ir, nas memórias que precisava de alguma forma acalmar, talvez esquecer.
Steve tirou de lá quase uma semana depois que chegaram. Era nocivo demais para ela ficar ali. Não se recuperaria daquela forma, não estava realmente pronta para enfrentar tudo o que aquele lugar significava. se sentia vazia. Estava perdida, rodando por lugares que não se reconhecia em busca de mais nada senão pertencimento. E era exatamente o que não conseguia encontrar. O que sempre segurou nos lugares foram as pessoas que neles encontrava. Mas já não tinha mais espaço para aquilo também. Se acostumar com essa nova ideia, contudo, foi o maior dos esforços que precisou fazer nos cinco anos seguintes. Talvez tivesse que se conformar em, nessa vida, não conseguir, ironicamente, criar raízes em lugar algum. Talvez a Hydra também tivesse tirado aquilo dela, no exato dia em que a tirou de seus pais biológicos.
Ela decidiu, então, aceitar a sugestão de Steve e, com ele e Alpine, voltou para o único lugar mais tranquilo onde poderia recomeçar. Berlim. Decidiu que não mais tentaria mexer nas coisas de Bucky, que carregava consigo desde que Okoye as enviou para ela em Nova Iorque. Não se forçaria a remexer o passado, não queria mais ler as mesmas páginas dos mesmos livros, se daria tempo. Se permitiria pensar, se acostumar e, depois, se estivesse pronta, voltaria a mexer naquele caos todo. Encaixotadas, as poucas coisas que Bucky acumulou nos dois anos em que viveu com ela em Wakanda foram colocadas no fundo do armário do closet de e lá estavam, fechadas como um tesouro perdido, há cinco anos.
não teve coragem de ir ao apartamento de Karl e Everett em Berlim. Não queria ver em qual cenário eles desapareceram, tinha medo, tinha pânico só de pensar na ideia de ir até lá e não foi. Os grupos de apoio que frequentou diziam que a maré precisava abaixar para que se pudesse navegar novamente. Mas para , se tratando de seus pais e de Bucky, a maré não parecia abaixar nunca. Pelo contrário, era uma tempestade tormentosa e eterna. Era caótico, destruidor e muito intenso. E enquanto assim o fosse, ela não velejaria. Não naqueles mares. E aquilo já durava cinco anos.
Steve não ficou muito tempo com ela, mas o suficiente para ajudá-la a se assentar outra vez no apartamento grande e confortável que vivia antes de se envolver em tudo aquilo, antes mesmo de conhecer Steve. Como se ela tivesse voltado ao ponto inicial, como se dali em diante pudesse apenas continuar com os planos que foram interrompidos, estar ali faria bem a . Fez bem. Poderia retomar as ideias que tinha antes do Tratado de Sokovia, podia seguir sua vida como a dose amarga de normalidade que precisava e que queria. Steve sabia que aquele era o lugar e o momento certo para ela. De certa forma, para ele também. Não queria ficar no Complexo, não queria encontrar Tony e nem usufruir de nada que fosse dele. Justamente ajudando a recomeçar de onde um dia parou, Steve achou que aquela também seria uma boa estratégia para ele. E voltando para os Estados Unidos, voltou para seu antigo apartamento.
Naqueles cinco anos, se esforçou, e muito, em seguir com sua vida. Comprou uma antiga loja de flores de frente com o portal de Brandemburgo e a transformou na floricultura que, anos atrás, havia planejado abrir, quando se mudou para a Alemanha depois de ir a Lagos, quando achou que viveria ali, que passaria despercebida tendo uma vida normal. Demorou alguns meses até a reforma ficar pronta e havia decidido usar a fitocinese, dali em diante, única e exclusivamente para abastecer sua floricultura. A loja era cheia de vida, colorida, organizada e com um toque de romantismo clichê e retrô que ela tanto amava. Como uma amizade que perdura no tempo e como um amor que nunca é superado, os buquês de flores que Steve deu a ela, quando deixou Wakanda, e que Bucky a presenteou no primeiro encontro, formavam um arco de boas-vindas logo na entrada, passando da porta, colocados ali para lembrá-la de onde eles estavam, de quem eram e, mais do que isso, do que significavam para ela. Flores nunca morriam para . Assim como aqueles que ela tanto amava.
Alpine passava alguns dias da semana com na loja, em outros ficava no apartamento. O horário comercial ao longo da semana era repleto de pessoas comprando flores com e os finais de semana eram loucos, tão cheios de turistas que pareciam sempre uma festa. Flores eram artigos bem-vindos depois do estalo. Parentes e queridos que ficaram passaram a levar flores aos desaparecidos nos memoriais espalhados pelo governo por toda a capital, como quem quer homenagear os mortos. Talvez no fundo, estivesse ainda presa à sua lista mental de redenções. Vender, e muitas vezes dar gratuitamente, flores, fosse a forma delicada e sutil de pedir perdão por ter falhado. De se sentir menos mal por já não poder fazer nada para reverter aquela situação.
De todo modo, se as vendas iam bem por um lado, por outro, todos os dias havia uma parcela de pessoas que apenas entravam ali, na floricultura, por curiosidade, mais para ver ao vivo do que para realmente levar alguma planta ou montar um buquê. Ela tinha se acostumado. Desconfortável, sim, mas ao menos ter a loja ocupava mais de seu tempo do que ela pode imaginar quando a abriu. Era bom, produtivo. Trazia a sensação de que estava sendo útil, de que tinha algo com o que se preocupar para além de si mesma e de Alpine - que, no começo, deu bastante trabalho. A gatinha estranhou, e muito, a mudança de casa. Rondava o apartamento sem parar, de um lado a outro, às vezes tentando fugir. sabia que ela estava procurando seu dono, estava constantemente procurando Bucky. Era triste e profundamente doloroso assistir, mas o tempo tinha a função de conformar Alpine também. E fez isso.
ficou por um bom tempo imersa nessa vida e dois anos inteiros se passaram depois do estalo. Estava satisfeita com o que tinha alcançado e relativamente estável com a normalidade. Estava cansada de lutas, de guerras e de suas consequências. Não queria se envolver em mais nada, não queria salvar mais ninguém que não ela mesma e a fitocinese foi sendo cada vez mais normalizada para atividades de seu cotidiano apenas. Sem mais violência, sem mais destruição. Estava decidida a viver o resto de seus dias com os prazeres e as tristezas de ser uma pessoa absolutamente comum.
Mas a teoria era bem distante da prática. E na primeira oportunidade que teve, cedeu em manter seu canal de contato aberto com Natasha que, transtornada em procurar por maneiras de ocupar seu tempo e se redimir pelo fracasso, fazia ligações mensais para investigar o que tinha de errado no mundo e, possivelmente, tentar intervir. O único problema daquilo era que não tinha, nunca, nada de errado acontecendo. Da chamada, era responsável por monitorar toda a Europa, Okoye o continente africano, Natasha e Rhodes a América e a Ásia, Carol e Rocket outros planetas. Aquele era o contato mais sério que tinha com eles e o mais próximo do que um dia os Vingadores foram.
Com o desaparecimento de boa parte das autoridades competentes, o Tratado de Sokovia foi momentaneamente paralisado e todas suas prerrogativas, como mágica, esquecidas. Não foram perdoados, longe disso. Mas se um dia tinham sido caçados e dados como fugitivos internacionais, como terroristas, aqueles dias já não eram mais a realidade de , Steve e Natasha. Podiam expressamente circular, monitorar e, se necessário, intervir. Talvez o mundo ainda tivesse alguma esperança neles. E a cada dois anos em que governos e Natasha se sentavam na ONU para discutir aquele tema, a esperança ficava clara.
Em outros dias, para evitar o sentimento terrível de solidão, fazia chamadas com Okoye e com Ayo, para saber o que acontecia em Wakanda, passava horas com Steve que, ainda perdido em como usar recursos audiovisuais, preferia fazer ligações. E, enfim, com Thor que, de todos eles, parecia o que menos estava disposto a seguir em frente.
Ela tentou visitá-lo, tentou trazê-lo para ficar um tempo com ela. tentava conversar com ele todas as semanas, mas ele não parecia disposto. Não estava. Quando estava bêbado o suficiente para colocar suas emoções para fora, ele ligava. Nos outros dias, em que o nível de embriaguez o impedia de ser honesto consigo mesmo, ele sofria calado. Ignorando qualquer sinal de carinho, de atenção e de preocupação. E isso, na maioria das vezes, durava semanas. não queria invadir o espaço dele, mas, igualmente, não queria deixá-lo sozinho. Mas se Thor não estava disposto a ser ajudado, o que mais ela poderia fazer? Com o tempo, com os anos, ela foi deixando de insistir. Respondia as mensagens que ele mandava, enviava algumas outras ocasionalmente e atendia, ainda, as ligações dele. Era isso.
Não teve mais notícias de Stark e o que sabia de Bruce vinha de comentários pontuais de Steve, quando se falavam. Natasha ia ao menos duas vezes ao ano ficar algumas semanas com ela, em Berlim, e, em algumas férias escolares, conseguia convencer Sarah a deixar AJ e Cass passarem um tempo com ela na Europa - o que tirava de Sarah milhares de comentários sobre o quanto era permissiva e mimava os meninos, o quanto eles voltaram querendo, na verdade, ficar mais tempo com ela. Comentários que, claramente, Sam faria se estivesse ali, vivendo tudo aquilo. Mal sabia Sarah, naquela altura da vida, que tinha aberto contas poupança para os meninos, para no futuro poderem pagar por suas faculdades e, se quisessem, ter vidas mais confortáveis. Quanto mais tempo se passava e quanto mais tinha contato e conhecimento sobre Sarah e a vida que levava, mais queria poder fazer algo por ela. Sarah, contudo, teimosa e orgulhosa demais como um bom Wilson, nunca aceitava a ajuda que lhe era oferecida e, assim, decidiu fazer algo por conta própria.
Da bancada de seu apartamento, a mulher sorriu sozinha, totalmente entregue às lembranças que tinha desse período que, em meio a tanta tristeza e angústia, ainda conseguiam trazer certa leveza e felicidade para ela. Eram as poucas válvulas de escape que conseguiu criar naqueles anos. A essência e o sentido de ainda estar ali, insistindo em seguir em frente. Dia após dia. Seus olhos saíram do jornal a frente e caíram nas fotografias espalhadas pelos móveis da sala, de onde podia ver enquanto tomava seu café. Alpine, já não mais tão pequena como no passado, fazia o que mais gostava de fazer: irritava as folhas de uma planta próxima à porta de entrada do apartamento, fazendo um barulho baixinho que chamou atenção de por um instante.
A vida mudou muito em cinco anos.
E as fotos dela com Natasha esquiando meses atrás, com Steve no último Natal, de AJ e Cass na Euro Disney usando chapéus do Mickey mostravam aquilo. Fotografias espalhadas pelo cômodo em meio a outras mais antigas, dela com T’Challa quando eram crianças, dela com Shuri no aniversário de vinte e cinco anos de . De Karl e de Everett em dezenas de momentos ao longo da vida. De Bucky. Sorrindo feliz como se fosse possível ouvir a risada dele saindo do pedaço de papel impresso, abraçado com ela que não olhava para a foto, mas sim para Okoye, que, do outro lado da câmera, reclamava deles. sentia falta deles. Sentia falta da vida que tinha com eles. Sentia saudades. Todos os dias dos cinco anos que passaram. Dias da mais pura e verdadeira saudade.
Mas ela estava indo. Indo em frente. Como podia e como conseguia. Tentando se livrar da prisão de emoções ruins que se permitiu um dia aprisionar, tentando tirar os estilhaços da explosão que cinco anos atrás aconteceu em sua vida. Na vida de todo o mundo.
Seus olhos seguiram pelas fotos, uma a uma, enquanto sua mente mergulhava em toda a confusão de memórias que tinha daqueles momentos até uma foto em especial, em um porta-retrato de bordas brancas mais ao canto, despertar sua atenção. Havia um fato ali. Um fato consumado e muito claro, a ser assumido por ela. Sarah, Steve, Okoye e Natasha a estavam ajudando, e muito, a ir adiante. Contudo, se estava de fato conseguindo seguir, ao menos nos últimos três anos, devia, e muito, a uma coisa em especial. Uma coisa que tinha nome e sobrenome, que tinha os olhos escuros mais carinhosos do mundo e a mania de querer fazer se sentir feliz de novo. Uma coisa que se tornou um fato e uma constante na vida dela, que aparecia naquela foto, naquele porta-retrato, sorrindo contente, abraçando-a por trás, com o elegante e ensolarado mar Adriático ao fundo, em uma viagem que fizeram três ou quatro meses atrás para o sul da Croácia.
Nathaniel Cohen.
Nate aconteceu no final do segundo ano depois do estalo. Em seu 1,85m de altura, cabelos tão escuros quanto os olhos, com a voz calma e o sotaque britânico mais charmoso que já tinha ouvido, ele apareceu na porta do apartamento dela, como um presente. A barba perfeitamente feita, tímido, um tanto nervoso e segurando uma caixa lotada de processos judiciais que tinha sido intimada a depor, a responder, a comparecer, em todos os anos que passou fugindo do Tratado de Sokovia e de suas consequências. Ela se lembrava exatamente daquele dia. Do dia em que ele apareceu, tão verdadeiro e despretensioso, do dia em tudo começou outra vez.
— Olá? Tudo bem? — insistiu depois de um minuto, o encarando enquanto segurava a porta da entrada de seu apartamento. Os olhos do homem pareciam ligeiramente assustados, como se estivesse vendo alguém que não esperava ver. Ele limpou a garganta, as bochechas ficando vermelhas ao perceber que estava a encarando em silêncio por tempo demais. Ansioso, tinha ensaiado aquele momento o dia todo, não era possível que estivesse reagindo daquela forma.
— Desculpe, é que eu só te vi… na… televisão — Ele disse tímido, desviando os olhos dela, sua voz abaixando a cada palavra nova.
O homem passou uma mão pelo cabelo, envergonhado. Estava se sentindo ridículo, mas era a verdade. Só a tinha visto na televisão. Fazendo coisas absurdamente incomuns, rodeada por pessoas incomuns, sendo procurada pelo governo dos Estados Unidos. A foto dela estampada nas páginas dos jornais alemães oferecendo recompensas por informações de paradeiro. O motivo de ele estar ali, afinal. E fora aquilo, nunca a tinha visto. Era estranho. Era como se uma história tivesse magicamente cuspido um personagem bem a sua frente. Era, também, muito diferente do que ele achava.
Ao menos dez centímetros mais baixa do que ele, com um vestido de estampa de flores, cabelos meio presos e uma dúzia de marcas espalhadas pelo corpo, aquela mulher não parecia ser a mesma das imagens na televisão. O sorriso amigável, a voz baixa, os olhos que não saiam dele, curiosos. Ela era bonita, no mínimo, chamava atenção. Parecia leve, calma e atenciosa, paciente. Nate nunca esqueceu da sensação de ver pela primeira vez. Foi diferente. Foi único.
A mulher soltou uma risada baixa, esperando qualquer nova reação dele, mas o homem só parecia ficar mais tímido a cada segundo que a encarava em silêncio.
— Me desculpe. Que constrangedor — Ele completou tão baixo que mal podia ser ouvido. achou graça da fofura.
— Tudo bem — Ela cruzou os braços, o observando voltar seu olhar até ela — Não é sempre que nos deparamos com uma criminosa, eu sei. Até que sua reação foi boa.
— Bom, na verdade… — Ele sorriu e apontou para si mesmo — Advogado criminal.
riu mais alto, sendo acompanhada por ele.
— Ok, minha vez de ficar constrangida — comentou baixo, desviando seu olhar para o chão por um segundo enquanto colocava as duas mãos nas bochechas.
— Se quiser começar de novo, posso voltar mais tarde dizendo que acabou o açúcar e ver se você tem algum para me emprestar — Ele seguiu brincando, leve, despreocupado, a fazendo rir novamente e negar com a cabeça.
— Gosto da ideia, mas por mim está ótimo assim — sorriu, o observando novamente sorrir para ela em resposta — Sei que estive muito na televisão nos últimos anos, mas achei que já não estavam mais atrás de mim. O que eu fiz dessa vez para um advogado criminal bater na minha porta?
Apesar da voz amigável e despretensiosa, o homem podia ver que a pergunta era sincera. estava ligeiramente apreensiva, não deveria ter mais nenhum processo vigente naquela altura da vida, não depois do estalo. De fato, naqueles dois anos, teve que ir a sede do governo algumas boas vezes, recebeu pessoas em sua casa para inspeção e monitoramento de suas atividades recentes, deu seus depoimentos sobre o que tinha acontecido de Lagos até aquele momento e compareceu à Corte todas às vezes que foi solicitada para responder a algumas das dezenas de processos que derivaram dos documentos sobre ela que Zemo soltou, e que Sharon fez o favor de fuder com tudo ainda mais.
Contudo, da última vez em que teve que passar por uma daquelas penosas situações, seu representante legal, Dr. Murdock, Matt para os amigos, havia comentado que ela não tinha mais com o que se preocupar. Seus processos estavam arquivados em função do congelamento das tratativas de Sokovia. Como tinham ligação direta com dispositivos do Tratado e tendo boa parte das autoridades competentes desaparecido com o estalo, os signatários do Tratado de Sokovia decidiram em unanimidade quebrar a vigência do acordo para que pudessem ter, ao menos, o mínimo de respaldo do que sobrou dos Vingadores caso algo parecido voltasse a acontecer.
Não tinham competência para enfrentar seres de outros planetas, até mesmo o mais arrogante deles teve certeza disso depois de Thanos. Se queriam minimamente se assegurar de que a outra metade da humanidade sobrevivesse, teriam que mudar, outra vez, as regras do jogo. Steve, e Natasha colaboraram com o que eles pediram. Deram seus depoimentos, atestaram os fatos de seus pontos de vista, colocaram sobre a mesa todas as suas cartas, já não havia mais motivo algum em esconder ou omitir. Matt pegou voluntariamente a representação de e estava dedicando seu tempo e esforços em minimizar os danos. Tinha ali um caso emblemático e muito atípico, um daqueles que ele gostava de se meter.
De acordo com os arquivos que Zemo tornou público, dos tempos em que passou atrás de informações sobre seu passado e, consequentemente, limpando o mundo da Hydra, de seus agentes e de seus experimentos, foi acusada de três crimes internacionais, em especial: agressão, crimes de guerra e emprego ilegal de armas. Para além deles, seguindo o Código Penal Internacional, tinha que responder pelos delitos de apoderamento ilícito de aeronaves, quando viajou da Escócia para os EUA com Steve e os demais; ameaça e uso de força contra pessoas internacionalmente protegidas, pelas dezenas de membros antigos da Hydra que machucou ou matou e que, curiosamente, ainda faziam parte de governos mundo afora; tomada de reféns civis, por não ter tirado a população local em Lagos, quando agiu; destruição e/ou furto de tesouros nacionais e furto de materiais nucleares, quando limpava as bases desativadas da Hydra, tirando delas seus pertences e armas, e até mesmo por experiências ilegais com seres humanos, por ter omitido sobre si mesma e a fitocinese por décadas - parte do processo que, inclusive, respingava em seus pais.
Não o bastante, a Corte Internacional ainda achou prudente julgá-la pela infração de uso ilegal de correspondência, e tinha cópias de centenas de vezes em que trocou informações sigilosas com Karl e Everett, em todos os anos que passou longe deles vivendo em Wakanda, cópias que, inclusive, estavam assinadas por Sharon. Sharon. não teve mais sinal dela e nem queria ter. Vez ou outra se pegou olhando pela janela de seu apartamento para a janela do que antes era o apartamento dela, do outro lado da rua, mas se perdia ali. Boa parte dos processos que tinha que enfrentar tinha Sharon Carter como depoente da acusação, uma testemunha comprada, de fato, mas que não economizou detalhes sobre e seu passado atormentado. Matt Murdock era bom. Talvez o melhor advogado para lidar com aquela situação. Mas receber o benefício do arquivamento tinha sido o melhor dos mundos. estava em paz. Ao menos deveria estar por ora. Até aquele homem bater em sua porta e toda a preocupação a tomar outra vez, como uma onda, escondida por um sorriso firme e amigável.
— Eu recebi sua correspondência nos últimos… anos — Ele sorriu sem mostrar os dentes — Voltei de viagem semana passada e Guzman me disse outro dia que você estava de volta também, organizei tudo e vim devolver — O homem esticou a caixa que segurava para ela, observando a mulher franzir a testa confusa, mas aceitar o objeto.
— Minha correspondência? — Desconfiada, ela deu uma olhada dentro da caixa, onde, de fato, dezenas de envelopes diferentes estavam. O que chamou a atenção de , contudo, não foi apenas a quantidade de papéis e o peso da caixa, mas também o pouco dos remetentes que conseguiu ver por cima. Ela sabia exatamente o que era tudo aquilo e, discretamente, deixou um suspiro aliviado escapar. Tinha que avisar Matt que, finalmente, encontrou as intimações.
— Eu moro no andar de baixo — Ele passou a língua entre os lábios, colocando as mãos nos bolsos da calça — A maior parte delas veio dos Estados Unidos, sabe como são os americanos, não sabem contar andares.
Um fato sobre a Europa é que, em muitos lugares, a contagem de andares é diferente do restante do mundo. E em um edifício gerenciado por um francês, certamente não se contavam os andares da mesma forma que um americano fazia. Mas Guzman, ainda o porteiro e zelador do prédio, sabia onde morava, sabia qual era seu andar. E foi só pensando naquilo, naquele momento que ela entendeu o que acontecia. Na tentativa de ajudá-la, mesmo com ela vivendo longe e foragida, Guzman repassou toda e qualquer correspondência judicial que recebeu justamente ao advogado criminalista do prédio. Se tivesse alguém que a poderia ajudar com aquilo tudo, certamente era o homem amigável e charmoso parado na frente dela. sorriu sozinha.
Desde que voltou para Alemanha tinha contatos constantes com Guzman que, tão vivo quanto ela, estava sem a companhia de seus filhos e esposa, todos desaparecidos com o estalo. comprou um carro novo para ele, o exato mesmo modelo e cor do que ela roubou com Steve, Sam e Bucky anos atrás, quando tiveram que fugir dali sem chamar atenção. Contou a verdade sobre si mesma, como se precisasse mesmo contar, como se ele não tivesse pesquisado e acompanhado tudo que aconteceu depois da última vez em que ele a viu, em que viu a Chloe. Guzman foi a companhia cotidiana de para tomar um café da tarde, ver programas de televisão no final de semana e com quem ela podia deixar Alpine quando queria sair, viajar ou chegar mais tarde em casa. Apesar da grande diferença de idade, era a sabedoria e a amizade dele que a ajudava a ter forças e a encontrar novos motivos para recomeçar. Guzman era um homem bom. Paciente, confiável e muito sábio. Estava realmente disposto a ajudar e aquilo tudo era só mais uma prova disso.
— Começo a achar que não são bem os americanos que se confundiram — Ela levantou as sobrancelhas, fazendo o homem concordar com a cabeça.
— Guzman e sua mania de querer ajudar todo mundo me parece a hipótese mais realista — Ele riu fraco, tirando um sorriso da mulher.
— Foi o que pensei. Muito obrigada por trazer até aqui — subiu seu olhar da caixa até o homem, que assentiu — E me desculpe o incômodo em ter que receber isso tudo, todo esse tempo. Não fazia ideia de que tinham mesmo vindo para cá, estava procurando por eles.
— Não te notificaram por e-mail? Ou por telefone? — O homem perguntou estranhando.
— Não me encontraram, na verdade — sorriu triste e logo revirou os olhos da lembrança — Até o dia em que, bom, vieram aqui pessoalmente com uma escolta armada de pelo menos 50 homens e me levaram à força para depor.
— Eu não acredito que perdi isso — Ele brincou outra vez, parecia sereno, parecia ter a mania confortável de não deixar o clima mudar.
— Eu não acredito que tinha um advogado morando bem abaixo de mim e eu não soube a tempo — Ela respondeu no mesmo tom, rindo leve em seguida.
O homem parou para pensar por um momento. Não tinha ideia do que aquela mulher tinha passado em todos aqueles anos de vida, mas, certamente, não se comparava com nada que ele sequer podia imaginar. Não estava diante de alguém normal. Aquilo, aquele contato era novo para ele. E muito tempo depois, ele contou isso à . A tinha visto no grupo de apoio uma semana antes de ir até ela, ele também participava. Mas não tinha coragem de falar com ela lá, apesar de todo o fascínio que rondava . Todo mundo tinha curiosidade em conhecê-la, em se aproximar, em ouvir dela o que foi que tinha acontecido. Mas ela estava nitidamente desgastada. Por isso, Nate não se sentia confortável em simplesmente chegar e conversar, muito menos em trazer ainda mais problemas. Ele ensaiou várias e várias vezes em ir levar para ela aquela correspondência, não estava seguro sobre como a encontraria e muito menos como deveria agir perto dela.
Mas ali estava . Adorável, simpática, dando mais sorrisos fracos do que ele havia visto ela dar no grupo de apoio, falando, brincando. Parecia normal, só a vizinha linda do andar de cima. E parecia preocupada, com os olhos descendo de relance sempre sobre os papéis dentro da caixa. Ela estava curiosa. Ele podia imaginar que, naquela altura, os processos já estavam resolvidos ou, pelo menos, bem encaminhados. Ela deveria ter um bom advogado, talvez o melhor do mundo. Mas ela deveria querer ler todos aqueles papéis, devia estar apreensiva em saber se tinha algo mais do que já estava sofrendo todos aqueles anos.
— Adoraria ajudar — Ele pareceu sincero, sua voz baixa e rouca transmitindo honestidade — Se alguma hora precisar, gostaria de ajudar. Não é nada perto do que você já fez por todos nós, mas, bom, é uma ajuda — O tom de voz dele foi diminuindo visivelmente, até ele engolir em seco — Acho que deveríamos ter feito mais, não ter deixado vocês… sozinhos — Ele não gostava de falar sobre aquilo. Não falaria. Muito menos com ela. Com quem ele sabia que presenciou o acontecimento, que viveu a batalha. Ele havia visto na televisão.
— Não tivemos tempo de entender o que estava acontecendo, nem de nos preparar — seguiu amigável, tentando não se abalar com memória alguma que aquilo podia transmitir a ela — Eu sinto muito.
— Eu também — Ele respondeu baixo, sem deixar de dar-lhe um sorriso contido e triste — Deixei meu telefone dentro da caixa. Se precisar de alguma ajuda, pode me ligar. Ou só… bater na porta.
— Eu não quero te atrapalhar… mais ainda — negou com a cabeça.
— Não vai, por favor — O homem respirou fundo — Eu não tenho muito o que fazer depois que...bom, você sabe. Não tenho mais tantos casos para atender a não ser brigas de famílias por heranças dos desaparecidos — Ele soltou uma risada nasalada, seus olhos desviando de para um canto qualquer atrás dela.
— Nesse caso, se precisar de um amigo ou de um pouco de açúcar, já sei onde ir — A mulher brincou, o vendo concordar com a cabeça, satisfeito e envergonhado — Eu sou a , a propósito.
— Nathaniel — Ele completou, estendendo a mão e a vendo apertá-la, deixando um novo sorriso, o mais bonito que viu em um tempo considerável, escapar — Só… Nate, por favor.
A mão esquerda no bolso da calça, enquanto a direita segurava a mão de , as bochechas ainda rubras, escondidas na barba. Ele era encantador. Desde aquele dia em se conheceram, Nate foi tímido, carinhoso e muito fofo. se lembrava de ter pensado aquilo assim que agradeceu uma última vez e fechou a porta atrás de si. Nate foi mesmo um presente. Um amigo e um recomeço, em muitos sentidos. sempre teve a sensação de que as melhores e piores coisas da vida aconteciam inesperadamente. E se estava provando do que tinha de pior vindo do inesperado, daquele dia em diante a vida pareceu querer mostrar-lhe também o que tinha de melhor a oferecer.
Ao longo dos dias seguintes, encontrou Nate casualmente pelo prédio, saindo ou chegando, no elevador, no quarteirão próximo. Quinze dias depois, eles se encontraram na reunião do grupo de apoio e passaram mais tempo conversando entre eles do que com as demais pessoas presentes. E aquilo se repetiu por meses. Conversavam sobre qualquer coisa, o tempo, o clima, o prédio em que viviam, Guzman. Falavam de seus trabalhos, sobre filmes que tinham visto, shows que foram, livros que estavam lendo. Tudo era leve e casual, espontâneo como a chegada um do outro em suas vidas, sem mais dramas, sem mais tristezas. A cada dia mais próximos, maior era a identificação. Não apenas por afinidades ou por gostos em comum, que descobriram ter aos montes, mas pela solidão e pela angústia silenciosa que carregavam dentro de si. Não tinham mais ninguém com quem dividir a vida mais cotidiana, estava sendo bom.
Nate era britânico, tinha trinta e cinco anos e já morava na Alemanha desde os 20, quando conseguiu uma bolsa de estudos para fazer a faculdade de direito por lá. Se formou, entrou no doutorado, abriu um escritório junto com um amigo e foi, aos poucos, fazendo de Berlim a sua casa. Sua vida estava ali, apesar de sua família permanecer na Inglaterra, tinha se acostumado a viver em outro lugar, a se reconstruir. Tinha bons amigos, uma vida bastante confortável, viajava de volta para o Reino Unido sempre que podia e era feliz sendo quem era, completo pela vida que tinha. E tudo parecia perfeito para ele, um sonho realizado. Até aquele dia.
Demorou cinco meses até Nate contar a que era casado. No final de uma tarde de primavera, em que caminhavam juntos de volta para suas casas depois da reunião do grupo de apoio, Nate disse sobre sua esposa e sua filha de 5 anos de idade. Contou que haviam sumido no estalo, enquanto passavam férias em Malta. Estavam saindo do hotel e Ivy, a filha, estava a dois passos à frente deles quando, atravessando a rua, sumiu feito poeira. Eleonor, a esposa, desesperada pelo o que aconteceu, foi em direção a criança, mas não viu um carro, cujo motorista tinha sumido, se aproximando dela em alta velocidade. Ela não resistiu. Foi prensada em outro carro estacionado próximo e ele não teve sequer tempo de chamar ajuda, não conseguiu nem chegar perto dela nos segundos que demorou para correr até lá, para dizer uma última palavra. Nate perdeu a esposa e a filha em um único minuto e, naqueles já dois anos e meio, tentava lidar com a dor do luto de sua esposa e com a dor da incompreensão do sumiço de sua filha.
Ele ficou seis meses em Malta, sem condições físicas e emocionais de sair de lá, como se estivesse preso em um pesadelo contínuo. Teve que lidar com toda a burocracia de se tornar um viúvo, com o trauma, com o caos de entender o que aconteceu com os desaparecidos, enquanto a ilha foi fechada e a circulação para entrar e sair dela bloqueada. Quando finalmente conseguiu sair, ele voltou para a casa de seus pais, na Inglaterra, onde também não encontrou mais ninguém. Ficou lá por quase um ano até se sentir forte o suficiente para retornar a Berlim e organizar sua vida outra vez. Doou todas as coisas de Eleonor e Ivy, reformou o apartamento para que não mais sentisse nele a dor das lembranças físicas e passou a frequentar os grupos de ajuda para pessoas que, assim como ele, tinham perdido tudo. Sem mais a maior parte de seus amigos, igualmente desaparecidos, e sua família, Nate ficou completamente solitário. O pouco de convívio social que tinha era com Guzman e os clientes dos casos que aceitava representar, até conhecer a pessoa que dividiria a vida com ele pelos próximos três anos.
se sentiu ridiculamente mal e culpada ouvindo a história dele. Chorou enquanto o consolava, sentados nos degraus de frente ao rio Spree, de onde podiam ver os vitrais da central da CIA para onde foi levada quando a prenderam em Bucareste. Ela não sabia o que deveria dizer senão pedir desculpas. Estava acostumada a ouvir histórias do momento do desaparecimento, de pessoas do grupo de ajuda, mas ouvir a de Nate foi violento demais para ela. Primeiro porque ele não era mais, e cada dia menos, uma pessoa qualquer. Era um amigo que se formava, alguém que estava se preocupando com ela e, pouco a pouco, permitindo com que ela chegasse mais perto dele, ao tempo em que ele mesmo também se aproximava. Depois, porque de todas as histórias que havia ouvido, nenhuma era como a dele. Tinha visto coisas horríveis na televisão. Tinha noção de que boa parte das mortes derivaram do desaparecimento. Mas vê-lo contar os detalhes do que aconteceu, com as mãos nos bolsos da blusa de moletom enquanto lágrimas escorriam pelos olhos escuros foi terrivelmente doloroso.
Nate não a culpava. De modo algum. Viu o pronunciamento do Capitão Rogers na televisão, ouviu dezenas de vezes contar no grupo de apoio o que tinha acontecido. De jeito algum era culpa dela. De nenhum deles, na verdade. E o fato de todo aniversário dela o Portal de Brandemburgo se iluminar com rosas vermelhas, homenageando o trabalho de em tentar protegê-los, também mostrava que, em geral, apesar dos críticos e dos odiadores, boa parte dos que restaram também não a culpava pelo o que aconteceu. Mas Nate sabia que não importava quanto tempo passasse, nem o que fizessem por ela, sempre teria em sua mente o fato de ter vivido aquilo, de ter tido a chance de vencer e, no final das contas, ter perdido. Ele não se sentiria diferente no lugar dela. Era triste, solitário e muito doloroso ter que conviver dia a dia com aquele sentimento.
Por isso, só contou a ele sobre Bucky, sobre Karl, sobre Everett, sobre Sam, Shuri e T'Challa dois meses depois de ter ouvido dele quais eram suas perdas. Não era comparável e ela não se sentia realmente pronta a contar sobre eles para alguém. Até ali, todas as pessoas que conviveu sabiam como tinha acontecido e o que ela havia perdido, porque eles também viveram o momento com ela, compartilharam a guerra e a dor. Não havia necessidade de dizer nada, nem mesmo a Sarah precisou contar tudo, da forma que contou a Nate. Ele foi a primeira pessoa que ouviu de sobre a íntegra de suas perdas e que ouviu dela, com sinceridade e lágrimas nos olhos, sentada em uma cafeteria depois de ele tê-la convidado timidamente para comer algo, como ela realmente se sentia perdida, fraca, destruída.
Nate viu em uma amiga que nunca antes teve na vida. Alguém que já tinha passado por tanto, que já tinha estado em tantos lugares e vivido tantas coisas incomuns que criou nela um senso bonito de empatia, de atenção e de cuidado com o outro. Como se todo sofrimento e violência tivessem fertilizado um campo de flores, sentimentos que eram bons e verdadeiros, uma busca contínua de não ter mais que passar por aquilo e nem deixar que outras pessoas passassem. era calma, gostava de ouvir dele as histórias sobre Eleonor e Ivy, ria com leveza e prestava tanta atenção nele que, às vezes, Nate ficava com vergonha de ser observado. Era responsável com o tempo e com o espaço que ele precisava ter, tinha paciência de esperar por ele dar o primeiro passo, por ele ser quem escolhia dizer sobre si mesmo, conversar sobre como se sentia diante de tudo que mudou. era para Nate como um final de tarde ensolarado de verão. Quente, bonita, iluminada e confortável, tão amena e suave quanto uma brisa, era uma música bonita que ele aprendeu a letra com o tempo e que não queria mais parar de ouvir.
contou a ele sobre sua vida. Sobre seus pais e, na medida em que o tempo passou, os encontros amigáveis de sexta à noite na cafeteria se multiplicaram e se tornaram semanais e ela foi sentindo que podia confiar em Nate, contou a ele sobre Bucky. Sobre os dias que passaram juntos em Wakanda, sobre como sua vida foi um dia e não seria mais. Além do charme e da voz sedutora, Nate era curioso. Fazia perguntas, tirava dela alguns sorrisos e risadas quando sentia que ela estava triste ou com saudades, tinha interesse em ouvi-la dizer sobre quem um dia amou. Sobre quem amaria para sempre. E como ela, ele sabia esperar. Tinha paciência e muito carinho com o tempo e com as palavras, era cuidadoso em não invadir nenhum espaço dela. Nate era como um curativo. Diminuía a dor, a solidão e dava a a tênue sensação de que podia recomeçar outras pontos de sua vida, de que tinha, sim, forças para ir, de uma vez por todas, em frente.
Os encontros ocasionais passaram a ser idas marcadas em diferentes cafeterias, todas as sextas à noite. Sempre caminhavam tranquilos de volta ao prédio onde viviam, ele fazia questão de a deixar na porta do apartamento dela e, só então, descer para o seu. O grupo de apoio passou a se estender a idas a parques para caminhar ou andar de bicicleta, exposições de artes, museus, cinemas, ajudas para comprar itens novos para a casa e presentes de aniversário para os poucos amigos que tinham. Os finais de semana foram ocupados por jantares despretensiosos e muito gostosos, em restaurantes, vez na casa de , vez na de Nate, em que filmes premiados eram comentados no meio de taças de vinho e risadas leves, em que a vida era refletida, seus trabalhos comentados com atenção e interesse.
e Nate eram companhia cotidiana um do outro. Eram a peça do quebra-cabeças que faltava aos dois, o objeto que encaixava no molde exato, que estava perdido há tanto tempo. Nate também era vegano, também era um estrangeiro, também estava consumido pela saudade de todos aqueles que foram tirados dele. Gostava de vinho francês, de ir à praia, de uma boa caminhada pela manhã. Tocava piano nas noites chuvosas que passavam juntos conversando e sabia cantar como um anjo. A ajudava a remexer o passado recente enquanto ele próprio se confortava e se conformava com o dele. E um ano depois que se conheceram, eles perceberam que estavam, sim, indo em frente. Apoiando-se, ajudando-se, compartilhando e se segurando um no outro. Estavam conseguindo ir.
Contudo, como uma semente plantada com cuidado e muita atenção, a solidão fez brotar neles algo mais.
E foi em um bar elegante e refinado, no centro antigo de Berlim, que eles se beijaram pela primeira vez. Era a festa de aniversário de Martina, uma amiga de Nate dos tempos de faculdade, uma das únicas que havia restado, em que ele levou . A convidou porque no fundo queria uma desculpa para ver ela, mas também porque sabia que gostava daquele bar e porque já tinha conhecido Martina e estado com ela outras vezes, se davam bem. Além disso, Nate não conhecia muito dos outros convidados e ter alguém familiar próximo só deixaria tudo ainda melhor. A noite correu bem. Foi divertida e muito feliz, não houve espaço para nada além das histórias mirabolantes de Martina, risadas, taças e mais taças cheias de álcool e horas dançando as músicas animadas que tocavam. E foi no meio de uma dessas danças que compartilhavam juntos, imersos nos olhares e nos sorrisos que trocavam, nos toques casuais, no cheiro inebriante dos perfumes um do outro, que o beijo aconteceu.
Um beijo paciente, amoroso e muito delicado, mas um tanto cuidadoso demais, receoso. Sabiam que queriam aquilo, as evidências já estavam gritando. Se sentiam atraídos um pelo outro, mas para os dois o limite não era exatamente claro. Era confuso e Nate já não aguentava mais esperar por aquela resposta quando decidiu, naquela noite, dar o próximo passo. Não havia arrependimentos no dia seguinte. Nem o que ser questionado ou escondido. Havia, todavia, a sensação de querer mais, de insuficiência. Conversando sobre o que realmente aquele beijo significou, no dia seguinte, e Nate assistiram um ao outro entrar em um acordo feliz e um tanto divertido, assumindo uma amizade diferente, com certos benefícios, um relacionamento mais desprendido, leve e sem o peso profundo da carga emocional intensa.
O beijo se repetiu alguns dias depois. E de novo. De novo. De novo, pelos quase três anos que seguiram.
sentia falta de Bucky, como Nate sentia de Eleonor. Não havia um só dia em que não se lembrassem deles, em que não sentiam saudades, em que não eram tomados pela inconformidade. Não deixaram de ter as fotos que tinham com eles espalhadas por seus apartamentos, não deixou de usar todos os dias o pequeno colar de coração que ganhou de Bucky em seu aniversário e Nate decidiu transformar o ouro de sua aliança em uma pulseira, que ficaria nele para sempre. Nenhum dos dois nunca se importou com isso. Sabiam o papel que tinham um para o outro, sabiam o espaço que ocupavam. Nate nunca seria James, como nunca seria Eleonor. Tinham plena consciência de que se o estalo não tivesse acontecido, eles nunca sequer se encontrariam. Eram amigos, em primeiro lugar. Se gostavam, sim, se respeitavam, sem dúvidas. Eles se entendiam, cuidavam, protegiam e amavam um ao outro. Mas entendiam o relacionamento que tinham como um passo a ser dado de cada vez, conforme se sentissem prontos e confortáveis em ir em frente.
E foram. Estavam indo.
Os beijos viraram sexo um mês depois, quando se permitiram assumir e sentir o tesão que tinham um pelo outro. A segurando pelo quadril, de frente, com as pernas dela ao redor de sua cintura, Nate não esquecia da sensação de transar com pela primeira vez. Dos gemidos baixos, do movimento calmo, profundo e gostoso que fazia repetidas vezes, com ela encostada na parede, tão fisicamente nua e emocionalmente exposta quanto ele. Não havia pressa, nem intimidações. Não havia qualquer pressão, foi só o sabor, o cheiro e a sensação de transarem, os dois, pela primeira vez depois de se tornarem sozinhos outra vez. Com outra pessoa senão a que eles genuinamente amaram algum dia. Foi absurdamente gostoso, verdadeiro e intenso.
Mas não era sempre assim, porque não era sempre que conseguiam se conectar um ao outro no sexo, não era sempre que podiam realmente se entregar. E estava tudo bem para eles. As memórias do passado, às vezes, os impediam de viver o presente, era o processo da cura, da superação, altos e baixos. Dezenas foram as vezes que ou Nate simplesmente não conseguiam continuar com a transa ou sequer passar algum tempo juntos. Alguns dias, se deixaram consumir pela sensação irreal de estarem traindo seus pares. Em outros, estavam tão imersos nas lembranças que mal podiam criar novas. Havia dias em que eles transaram assim que acordavam e outros em que a noite, como o tesão, não parecia ter fim. Mas em algumas delas, algum deles chorava, pedia ajuda ou um tempo para ficar sozinho, respirar. Era comum e era aceitável.
Comum.
sorriu sozinha mais uma vez naquela manhã, voltando seu olhar da fotografia de si mesma com Nate até o jornal. Era aquilo tudo que se podia fazer em cinco anos. Foi o que fez, ao menos, tentou recomeçar sua vida. Tinha um trabalho normal, preocupações de uma pessoa normal, um amor normal. Em cinco anos pode ter a normalidade de uma vida que ela sempre quis ter. Ser comum estava sendo o maior e o melhor dos remédios para ela. E torcia para que nada daquilo mudasse, para que a vida fosse pacata daquele jeito.
Nate passava boa parte dos dias no apartamento de , a encontrava na floricultura depois do trabalho e sempre trazia presentes fora de época. Não havia, contudo, levado nenhum de seus pertences para lá, uma das vantagens de serem vizinhos. Quando eles enjoavam do apartamento de , passavam os dias no dele e assim iam levando. Alpine já tinha se acostumado com a presença dele e até arriscava umas sonecas em seu colo de vez em quando. Viajavam sempre que tinham vontade, saiam, se divertiam, se distraiam. Natasha e Steve o conheceram pessoalmente, nas visitas que fizeram a e Sarah conversa bastante com ele pelas videochamadas de domingo, enquanto assistia e Nate fazerem o almoço.
De longe, apesar de afirmarem a todos que os perguntavam de que eram amigos e nada mais, pareciam um casal que estava disposto a ter uma vida juntos. De perto, eram amigos com algumas vantagens, um casal, de fato, mas que queria só viver um dia após o outro. A verdade é que ter perdido tudo os impedia de ter muito mais do que o que já estavam tendo. Os impedia porque, no fundo, tinham medo de, no final das contas, também perderem um ao outro e, uma vez mais, terminarem sozinhos. Por isso, se oficialmente já estivessem sozinhos, e emocionalmente desapegados, não tinham mais nada a perder. O que mais podiam tirar deles, afinal?
— Alguém já te disse que você fica absolutamente linda quando está assim, tão concentrada? — A voz rouca e suave de Nate chamou atenção de , a trazendo de volta para a realidade depois do longo devaneio que uma simples pergunta em um jornal a fez ter. Ela sorriu.
— Alguém já te disse que você fica absurdamente gostoso em um Tom Ford duas peças? — Ela perguntou no mesmo tom, observando o homem de cima a baixo vindo em sua direção. O sorriso tímido e charmoso saindo dele.
Era dia de audiência, o caso mais importante que ele tinha pego, em pelo menos um ano, estava prestes a ser finalizado. Ele torcia por uma redução da pena de seu cliente, seu orgulho profissional estava em jogo. tinha repassado com ele todos os argumentos na noite anterior e sabia que ele estava preparado para o que viesse. Era um bom advogado, responsável e muito honrado, não tinha como dar errado. Tinham dormido bem, acordado cedo, transado, ela tinha tomado banho antes, se arrumando para ir à floricultura e estava esperando por ele terminar de se arrumar para saírem juntos. Era primavera e certamente teriam um dia ensolarado outra vez, por isso, vestiu um vestido curto de alças grossas, bege e preto, com botões no meio e sandálias rasteiras de tiras igualmente marrom claras. Diferente do macacão de vibranium, que nunca mais usou, e das lutas que precisava enfrentar para conseguir sobreviver, a vida nova, o trabalho novo, exigiam dela nada mais do que organização e uma roupa confortável.
Nate tinha acabado de sair do banho. Estava vestindo um terno preto em duas peças, calça e paletó, com uma camisa azul clara por baixo e uma bota Chelsea também do Tom Ford, igualmente preta. O cabelo escuro com gel, penteado para trás, a barba bem feita. O cheiro especiado do tabaco, com o calor da baunilha e o aromático café do perfume que ele usava inundava o ambiente e davam a ele, ainda mais, um ar de britânico apaixonante. Elegante, lindo e muito sensual. Certamente chamava atenção por onde passava.
— Você diz — Ele respondeu à pergunta, perto o suficiente para deixar um beijo suave nos lábios dela — Toda vez que visto esse terno.
— Muito bom gosto de quem te ajudou a escolher ele — brincou com os olhos arregalados, tirando dele uma risada baixa, enquanto roubava a caneca de café dela e tomava todo seu conteúdo.
— O que está te deixando tão concentrada nessas horas da manhã?
— Lembranças — Ela sorriu leve, ligeiramente triste. Nate parou por um instante, trocando um olhar compreensivo com ela. Ele deixou a caneca vazia de volta sobre a bancada e a abraçou por trás.
— Você está bem?
— Sim, é só… aquela semana do ano, outra vez — Ela apontou para o jornal jogado a frente. O homem deixou um suspiro escapar, apoiando seu queixo no ombro dela, enquanto lia a pergunta que estampava a capa do Le Monde.
— Cinco anos já… — Ele sussurrou, ela concordou com a cabeça. Nate tinha a mesma relação caótica com o tempo, não sabia exatamente o que pensar sobre ele. Um dia de cada vez, era a regra. Tinha que ser outra vez, naquela semana do ano — E continuamos a contar.
— Pelo menos juntos — Ela deixou um beijo leve no braço dele, passado em seu peito a abraçando e virou-se de frente para o homem, que a acompanhou com o olhar e falou baixo:
— É o suficiente.
sorriu e concordou com a cabeça, dando-lhe um beijo rápido.
— Boa sorte hoje, me liga quando sair, vou ficar curiosa.
— Se eu sobreviver a pressão, ligarei.
soltou uma risada alta, se afastando dele para pegar sua bolsa na sala. Nate pegou a chave do carro, sua carteira e a chave do escritório onde passaria antes de ir à audiência e, fazendo um carinho rápido em Alpine, saiu com para mais um dia que se iniciava. Comum, rotineiro, nada de especial. Com certeza iriam a algum restaurante jantar à noite, fariam planos para o final de semana, contaria sobre as dezenas de flores que fez nascer naquele dia. Nada seria novo. Ao menos, eles achavam que não.
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Nate não se importava com a fitocinese. Não tinha medo, nem estranhamento, nem via problema no fato de ser uma pessoa com um poder anormal. Na verdade, achava curioso e muito maneiro, sempre fazia perguntas e gostava de ver como a natureza reagia a ela. Dava a um charme extra, uma sensação absurda de empoderamento e de força e sabia que ela usava tudo com responsabilidade. Poucas foram as vezes que ele havia visto usar a fotocinese fora da floricultura, em geral, era como se ela tivesse se aposentado da vida de super-herói que levava antes. Vez ou outra, algum órgão do meio ambiente a procurava para pedir ajuda em casos extremos e graves de queimadas, de desmatamento. Vez ou outra, porque em um mundo sem metade de seus habitantes, e sem metade do que um dia foi natureza viva, já não havia mais tantos problemas a serem resolvidos. O meio ambiente foi uma das coisas que também se auto equilibrou com o estalo.
Para fins violentos, então, Nate viu usar seus poderes uma única vez, em que ela perdeu a paciência com meia dúzia de homens que jogavam latas de cerveja vazias na praia, em uma das viagens que fizeram. Irritada, fez algas do mar crescerem furiosas e puxar os homens para dentro do oceano feito oferendas, enquanto assistia com seus óculos de sol Chanel tudo acontecer. Deixou o desespero tomar conta deles, como tomava conta do ambiente marinho sempre que era poluído, e, só então, os liberou. não tinha medo de mais nada e nem receio de enfrentar mais ninguém. E Nate, na única vez em que presenciou aquilo, não teve outra reação senão segurar o riso. Ela escondia sua tornozeleira em um cofre, nunca mais a tinha usado. Se sentia, mesmo, aposentada de ser uma Vingadora. Se não podia sequer vingar o sumiço de quem amava, não tinha realmente sentido em seguir com aquilo.
E apesar das histórias que contou de seus dias heroicos, da força física que tinha e do poder que a natureza dividia com ela, sabia se controlar. Sabia onde usar todos os seus recursos e evitava, ao máximo, precisar deles. A exceção à regra, contudo, era na floricultura. Um lugar repleto de plantas, do chão às paredes, espalhadas no teto, um lugar que trazia a energia que só sentia quando estava com a natureza. Aquele era o lugar em que ela se sentia confortável em usar seus poderes e que não tinha qualquer ressalva com a fitocinese. Manipulava as flores para fazê-las crescer, ficar na cor e do tamanho ideal, brotar, enraizar, tirar ou colocar espinhos, personalizar.
As pessoas que ali iam comprar podiam escolher a espécie, a cor, a espessura, o tamanho, a textura. podia vender uma variedade de flores e plantas que nenhuma outra loja do mundo conseguia, podia trazer espécies que não são encontradas na Europa, podia multiplicar as sementes, as raízes, as pétalas. Era sua própria fornecedora, sua própria jardineira, sua própria vendedora. Colocava amor e muito empenho em fazer a sua floricultura continuar aberta, em continuar dando vida aquela plano que fez com seus pais muitos anos atrás. Karl amaria aquele lugar, Everett sentiria muito orgulho dela. A floricultura significava muito para . Era a parte externa de quem era, era o contato que tinha com a natureza, era a forma de dar às pessoas um pouco de paz e conforto pela perda dos seus.
Nate amava a sensação de entrar na loja. E amava mais ainda a sensação de quando entrava com , de ver todas as plantas se virarem em direção a ela, a voz suave de falando bom dia como se as pudesse entender. Ela entendia. A mesma sensação de ver chegar em Wakanda, o campo gramado saudando-a com milhares de flores, se conectando com quem ela era, com o que representava para a natureza. A sensação boa, livre e muito energizada que o homem que entrava na floricultura naquele momento sentiu.
O dia tinha corrido, como especialmente corriam para um floriculturista, nas semanas nas quais celebravam mais um ano do estalo. havia vendido muito naquele dia e, igualmente, trabalhado muito para deixar tudo organizado, limpo e bem abastecido. Tinha respondido a um e-mail de Rocket, enviado meia dúzia de áudios para Thor, todos respondidos com embriaguez, e no grupo em que estava com Okoye e Ayo compartilhou fotos antigas com elas, que encontrou sem querer perdidas no telefone. Nate tinha ligado para contar que a sentença finalizou a favor de seu cliente e que sairia com Martina, sua então sócia, para celebrarem mas voltaria a tempo de jantarem juntos.
Eram quatro e pouco da tarde quando, na loja vazia, ouviu o sino da porta tocar baixo e, com ele, um homem com roupas casuais e cores sóbrias, vestindo um boné, entrar. Ela estava de costas para a porta de entrada, atrás da bancada do caixa, onde terminava de remover espinhos de um buquê de rosas vermelhas. Pelos grandes espelhos da parede a sua frente, ela subiu seu olhar para dar uma olhada em quem entrava, a silhueta familiar e sorridente, as mãos nos bolsos da calça, a encarando pelas costas, pelo reflexo do espelho.
Sorrindo com estranhamento, curiosa em saber o que ele fazia ali sem tê-la avisado sobre a visita, perguntou, virando-se de frente para o homem:
— Não vendem flores nos Estados Unidos?
— Não a que vim procurar — Steve sorriu abertamente para ela — A mais rara e forte delas, não floresce em qualquer lugar.
O quanto a vida pode mudar em cinco anos?
Era a pergunta estampada em letras garrafais na capa do Le Monde Diplomatique daquele dia, do dia em que se celebrava o quinto ano da pior tragédia que o mundo já havia vivido. Cinco anos. desviou seu olhar do jornal, jogado em cima da bancada que dividia a cozinha da sala de jantar, até sua caneca cheia de café, seus olhos na fumaça, mas sua mente latejando aquela pergunta como se tivesse sido feita para ela. Exclusivamente para ela. O quanto a vida pode mudar em cinco anos? O que é realmente possível fazer nesse tempo?
Cinco anos foi um tempo considerável para . Um médio prazo solitário e complexo, uma conta não planejada em um futuro próximo que já tinha acontecido, que passou. Foi exequível, foi factível e foi vivenciável. Foram cinco anos inteiros. Mil oitocentos e vinte e cinco dias, contados um a um em um calendário ao lado da geladeira, como um prisioneiro contava para ser livre novamente. A vida correu os anos como o tempo correu nos dias e tudo mudou tão lentamente que, ao final da contagem, de um a cinco, a vida já era outra. Cinco anos foi bastante tempo. Para uma vida normal, para planos normais, para pessoas normais, cinco anos haviam se passado. Para todas aquelas pessoas que, pela sorte do universo, não foram escolhidas para morrer, para desaparecer feito poeira, cinco longos anos tinham se passado. E nada, nem mesmo a contagem do tempo, pareceu o mesmo. Não foi. Nunca seria.
Muito havia mudado, muito aconteceu.
deixou um suspiro escapar, tomando um gole longo de seu café, tão quente quanto o dia que nascia lá fora. Estava se esforçando todo aquele tempo, estava digerindo o que tinha acontecido, constantemente aprendendo a conviver com a frustração, com a solidão. Mas nunca com a saudade. Não importava quanto tempo se passava, ela simplesmente não conseguia. Não conseguia entender o que tinha acontecido, não conseguia deixar de pensar que não teve sequer tempo de se despedir. De seus pais, de Bucky, de Sam, de T’Challa, de Shuri. Ela não conseguia superar o fato de estar sozinha, de não ter mais absolutamente ninguém que um dia amou. De tudo que sentia nos cinco anos que sobreviveu com o peso de ter fracassado naquela luta, naquele dia. A saudade era a pior das sensações. Opressora, intensa, violentamente dolorosa.
Não gostava de pensar naquilo. Não mais. Nos últimos anos, evitava ao máximo refletir sobre aquele tema, sobre o tempo, sobre os fatos passados. Como uma ferida antiga que nunca podia ser estancada, sangrava nela toda vez que a encostava. Sempre seria terrivelmente dolorido e violento, não queria e sabia que não podia ficar revivendo aquilo tudo a todo instante. Tinha que seguir. estava cansada do passado. Consumida pelo o que sentia diante dele, exausta de ser perseguida pelos mesmos fantasmas. Mas aquela pergunta, aquele jornal, aquele dia… era inevitável não pensar em tudo. Ao menos naquele dia, ela sabia que teria que passar por cima da dor, engolir toda sua amargura. Uma vez mais.
Os cinco anos em que a população da Terra precisou sobreviver, depois do fatídico estalo, pareceu como um inferno violentamente silencioso e solitário. Como se tivessem presos em um pesadelo do qual nunca conseguiam acordar, sufocados, incompreendidos, isolados de todo e qualquer sentimento senão a dor, a angústia, a confusão e a solidão. Era assustador e torturante. Nada, absolutamente nada, foi o mesmo. Para ninguém. Demorou meses para que todo o caos do momento do desaparecimento fosse reorganizado. E demorou mais de um ano para que a vida começasse a se redesenhar perto do que antes podia ser considerado normal.
Os problemas novos eram ridículos e irracionais, ninguém, nunca, pensou que um dia teria que lidar com algo parecido com aquilo. Superabastecimento de comida e de água, mais empregos do que demanda por eles, redução drástica dos padrões de consumo, diminuição de doenças respiratórias, despoluição, desextinção. As pessoas passaram a celebrar novos nascimentos como se fossem milagres, o ar estava visivelmente mais puro e os mares nunca estiveram tão limpos quanto naqueles anos. De fato, o objetivo positivo de Thanos havia se cumprido, reduzir metade de todo o universo a poeira tinha trazido equilíbrio em muitos aspectos. Por outro lado, contudo, o preço que pagavam era ridiculamente alto.
A desestabilidade emocional era um problema permanente e que não se podia resolver. A ausência do tempo de luto, a ausência de explicação e de racionalidade para o que tinha acontecido deixava tudo pior a cada dia, ainda mais desesperador. Haviam pessoas, como e Thor, que tinham perdido tudo. Que tinham perdido absolutamente todos os seus, estavam vagando totalmente sozinhas pelo o que restou da Terra. Haviam pessoas que não puderam, que não conseguiram, lidar com as dores da solidão e da inconformidade. As taxas de suicídio nunca foram tão altas, as buscas por tratamentos psiquiátricos aumentaram drasticamente a ponto de não se conseguir uma consulta por menos do que o dobro do valor de antes, não por menos de três ou quatro meses de espera. Mas, para muita gente, não havia tempo suficiente para esperar. E pelo o que, afinal, esperariam? Nada mais podia mudar, não havia mais o que pudessem fazer senão esperar pelo tempo passar.
A sensação de impotência consumiu pelos cinco anos que só não foram piores do que os primeiros anos em que ela se mudou para Wakanda, quando era criança. O processo de adaptação repentino sendo vivido completamente sozinha e confuso foi exatamente o mesmo. Apesar de já ser adulta e já reconhecer os lugares, apesar de não ser mais indefesa, nem frágil, nem vulnerável, tudo era estranho e doloroso do exato mesmo modo. não tinha problemas em aceitar mudanças. Em geral, pelo bem ou pelo mal, havia aprendido a se apegar a resiliência ao longo da vida, o que, em momentos como aquele, era algo muito bom. Mas, igualmente, algo que só aparecia com o tempo, com as sucessivas quedas e machucados.
Contudo, se por um lado toda a tristeza e dor latente a acompanhavam, cinco anos depois, já estava longe de ser o que um dia foi. Mais quieta, mais observadora e um tanto menos sorridente, estava se separando de seu passado, se libertando de parte das culpas que carregava, ela estava tentando seguir. Se esforçava em ter o mais próximo de uma vida normal, ela tinha que ir em frente. O que mais poderia fazer, afinal? Se vivia, tinha um motivo para seguir. E ali estava ela. Vivendo em memórias passadas, desejando ter de volta aqueles que um dia teve, mas se conformando. Segundo a segundo, dia a dia, ano a ano, estancando a ferida que lentamente se fechava. Longe de ser um caminho ameno, não era fácil. Mas já o suficiente para começar a se recuperar, para que tudo, um dia, pudesse ficar bem novamente.
— Não tem mais nada que possamos fazer e ficar aqui é... um erro — Com os olhos carregados de lágrimas e seus braços envoltos na cintura dela, a abraçando, Thor havia sussurrado, no dia em que se despediram depois da última vez em que confrontaram Thanos, cinco anos atrás — Só nos resta seguir. E é isso que eu vou fazer — A voz dele era incerta — É o que desejo que você também faça. Nós vamos ficar bem.
engoliu o choro, sentindo seus olhos perdidos encherem de lágrimas, enquanto bebia um novo gole de seu café. Já tinha cinco anos desde a última vez em que viu Thor, tão transtornado e profundamente triste, como no dia em que arrancou a cabeça de Thanos. Como se fosse ontem, a memória tão vívida em sua mente, repassou detalhe a detalhe do que tinha acontecido naquela tarde, a ansiedade tomando conta de si como naquele dia, como se estivesse novamente sentada no banco da nave de Rocket, se preparando para saltar o Universo no último fio de esperança que tinha de trazer todos de volta. A sensação de ver as joias destruídas, de se sentir derrotada uma vez mais, de se sentir totalmente inútil, impotente. De ver como tudo terminou.
O retorno à Terra, depois de terem confrontado Thanos pelo o que seria a última vez, e tê-lo matado de uma vez por todas, foi assustadoramente triste e silencioso. Nenhum deles tinha coragem de dizer nada, nenhum deles sabia o que deveria fazer. Tinham perdido pela segunda vez, tinham tido toda a esperança e a expectativa da ida frustradas na volta. Tinham culpa, tinham remorso, tinham dor. E nenhuma palavra ou gesto do mundo poderia aliviar ou sequer descrever o que sentiam naquele momento. Nenhum deles. Rocket e Nebulosa os levaram de volta à Terra e, tão logo o deixaram por lá, seguiram seus caminhos de volta à infinitude do Universo, em busca de qualquer que fosse o lugar que poderiam minimamente chamar de casa. Com eles, Carol Danvers também voltou a dedicar seu tempo e seus interesses em proteger lugares que, como ela mesma se orgulhava em dizer, “não tinham a sorte de ter os Vingadores”. Sorte.
soltou uma risada fraca e irônica daquele pensamento.
Sem metade dos Vingadores vivos, não havia mais o por que manter a iniciativa. Não havia o por que manter o grupo, manter canais de contato ou qualquer coisa relacionada. Não havia mais Vingadores, porque o mundo não precisava mais deles. O mundo não tinha mais espaço para vinganças, não tinha mais espaço para falhas. Não quando a maior delas já tinha sido cometida. Duas vezes. No final das contas, não tinham nada de especial, não podiam oferecer mais nada senão suas próprias reclusões. Sair de cena como entraram: em silêncio, de cabeça baixa e sem mais o que dizer. Mas, na prática, não foi bem assim.
Steve teve que ir a público. Teve que contar em rede nacional, em transmissão ao vivo para todos os plantões internacionais possíveis, exatamente o que tinha acontecido. Teve que justificar erros, teve que aliviar a culpa que sentia e desculpar-se. Mas não foi o suficiente para Steve. Nem para nenhum deles. Foi angustiante. Assistir ao pronunciamento de Steve foi um dos piores dias em todos aqueles anos.
Foi o dia em que a realidade caiu sobre eles como uma tempestade caia do céu no verão: furiosa, barulhenta e assustadora. Foi o dia em que Thor deixou no gramado do Complexo, depois de se despedir dela e agradecer pelo tempo ligeiro, mas tão caro a ele, que passaram juntos, e foi embora. Recomeçar a si mesmo em outro lugar enquanto recomeçava seu povo. Sua história. E foi o dia em que pegou todas as suas coisas e, sem pensar duas vezes, algumas horas depois de Thor sair, também deixou o Complexo. Deixou Steve, deixou Natasha. Deixou como quem deixa um passado que não se quer lembrar, como quem vira uma página. Estava cansada, consumida, deprimida e desesperada. Perdida. Não queria mais sentir as dores da perda, não queria mais ser abandonada. E antes que isso pudesse acontecer outra vez, foi ela quem decidiu abandonar.
Tinham que seguir em frente, afinal, eles sobreviveram. Estavam vivos.
colocou todos os seus pertences em uma das dezenas de carros que Stark tinha guardado no Complexo e, levando consigo todas as coisas de Sam, de roupas a objetos de decoração de seu quarto, foi embora. Vendo Steve chorar como nunca antes viu em toda sua vida e dando um abraço final em Natasha, ela partiu. Uma semana depois da última missão que participou, que falhou. Uma semana depois de terem matado Thanos, de viver em um fluxo intenso de inconformidade e de raiva, de tristeza profunda. Uma semana exaustiva, emocionalmente confusa e muito desgastante, em que passou buscando o que deveria fazer dali em diante, para onde deveria ir, pensando se deveria mesmo ficar. E ela sabia que não deveria, bem no fundo, aquele não era e nunca seria um lugar para ela.
Aquela era a casa de Tony. Aquela era a casa dos Vingadores. E não fazia sentido para permanecer ali, em hipótese alguma. Aquela não era sua casa e não deveria se forçar a se adaptar a ela como foi forçada a se adaptar a Wakanda, como estava cansada de ser forçada. sonhava em um dia ser livre. Passou tantos anos sonhando com o dia em que finalmente poderia sair de onde estava escondida, em que poderia fazer o que quisesse, ir onde tivesse vontade, viver onde escolhesse viver. Passou tanto tempo imersa nisso que, quando o dia de fato chegou, quando esteve pela primeira vez em toda sua vida diante da liberdade, ela não tinha sequer ideia do que deveria fazer com ela. E se questionava o tempo todo, para o que servia toda aquela liberdade se, ao fim e ao cabo, não tinha mais ninguém para partilha-la com ela? Não era como ela sonhava e nem como queria que fosse.
deixou o Complexo sem ter certeza do que fazia e sem saber se aquilo era mesmo o melhor para ela. Sem saber para onde deveria ir, sem conhecer nada por perto, sem conhecer mais ninguém. Estava fisicamente livre, finalmente. Mas estava emocionalmente aprisionada nas piores sensações que alguém podia sentir. Como vinte e tantos anos atrás foi obrigada a fazer, ela estava sendo obrigada a se recompor e a recomeçar. A se reorganizar, a sobreviver. E a experiência já tinha a ensinado, a duras penas, que tinha que começar pelo começo, que precisava ordenar uma coisa de cada vez, sofrer uma dor de cada vez.
E a primeira das dores tinha nome e sobrenome. Sam Wilson.
Com o carro recheado das coisas de Sam e Alpine no banco do passageiro, dirigiu até Delacroix. Uma cidade pequena no interior da Louisiana, um lugar que nunca tinha estado, mas que pelo nome francês lhe soava estranhamente familiar. Não sabia exatamente o porquê estava indo até lá, mas sentia que precisava fazer o que achava certo. Como se tivesse uma lista de redenções, de coisas que precisava fazer para tentar aliviar o sentimento de culpa por não ter conseguido salvar aqueles que ela amava do fundo de seu coração. Como se quisesse dar uma resposta dos mortos aos que ainda estavam vivos. não tinha ideia do por que estava indo até lá, mas ela foi. Sem saber quem iria encontrar, nem sequer se encontraria alguém de fato. Com o teto solar do BMW Série 8 preto aberto, passou por lugares que nunca em sua vida pensou passar, viu o caos ser arrumado pelas estradas e cidades pequenas, foi parada por pessoas que queriam ouvir dela o que tinha acontecido.
teve tempo para pensar. Teve tempo para ficar sozinha. Para refletir o que sentia e organizar em si mesma o que acontecia ao redor. A cada quilômetro rodado, mais da realidade a atingia, mais do inevitável, mais do que foi invencível. E embora fosse terrivelmente doloroso ver tudo aquilo, para foi necessário. Precisava entender o que acontecia, precisava viver a realidade de ser só ela, de ser só mais alguém que não tinha opções, só mais alguém no mundo que rodava em busca de explicações, que teria que se curar com o tempo. Quase vinte horas de viagem. Algumas paradas para comer, abastecer o carro e ir ao banheiro. Uma noite em Richmond. Vinte horas dirigindo sozinha, pensando, observando, buscando forças onde não esperava encontrar para continuar seguindo em frente. Milha a milha, minuto a minuto.
Com o endereço anotado em um pedaço de papel, que recebeu de Steve depois de ter que prometer-lhe que faria contato assim que se assentasse em algum lugar seguro, chegou a uma casa de madeira, aconchegante e um tanto grande em Delacroix. Rodeada por árvores e grama, no final de uma tarde muito bonita e fresca da primavera, ela sequer teve a chance de tocar uma campainha ou bater à porta. Assim que desceu do carro, tensa, emocionada, a mulher que gostaria de ver apareceu na varanda. Vestindo uma jardineira jeans com uma camisa xadrez de mangas compridas por baixo, os cabelos trançados presos em um rabo de cavalo alto, a mulher pareceu confusa. Mas bastou seu olhar descer na outra mulher a sua frente para entender o que se passava.
Fechando a porta do carro e usando um vestido curto e de mangas de frio, florido, em tons de azul e creme, com um colete em tricô sem mangas igualmente creme por cima e uma bota de cano alto e saltos grossos, preta, assistiu em silêncio, a poucos metros de distância, o olhar confuso e um tanto irritado da mulher na varanda dar espaço a uma expressão tímida e surpresa. Não demorou mais do que dez minutos para estar chorando, presa no abraço mais reconfortante que recebeu em todos aqueles dias.
A primeira pessoa que verdadeiramente acolheu naqueles cinco anos foi Sarah Wilson.
Naquele dia, Sarah colocou para dentro de sua casa e, dali em diante, para dentro de sua vida. Conversaram até a madrugada chegar, se apresentaram, contaram suas histórias entre xícaras de chá, lágrimas e suspiros profundos. soube de Sarah naquela noite. Soube que perdeu o marido pouco depois de seu filho mais novo nascer, soube que agora eram só ela, AJ e Cass, na época com 7 e 9 anos, dois meninos tão amáveis e gentis que lembravam Sam em toda sua plenitude. Sarah não deixou ir embora, já estava tarde. Deu a ela o quarto antigo de Sam na casa, como havia dado sua própria casa em Nice a ele, durante um ano em que teve que se esconder.
Ela não dormiu naquela noite. Absorveu cada cantinho do cômodo como se sua vida dependesse daquilo e chorou a falta que sentia de Sam, a impotência e a fraqueza que sentia, colocou a dor em lágrimas para fora do peito. Em silêncio, em solidão, foi terrivelmente doloroso. A insônia e a ausência de descanso tomaram por dias, por semanas, e enquanto não sentia que ela estava realmente bem para seguir sozinha, Sarah não a deixou ir embora. E ficou. Por quase um mês, vivendo ali, na tormenta de sentir falta de Sam, na cura de, dia a dia, fazer companhia a Sarah e aos meninos.
Sarah ouviu de a história que ela tinha a contar. Ouviu sobre seu irmão, sobre o que exatamente tinha acontecido com ele naqueles dois anos em que sumiu, sobre a amizade dele com a mulher que lhe contava uma parte inesperada da história. Descobriu que as mensagens vagas e sigilosas que recebia, informando que Sam estava bem e onde estava, vinham de , direto de Wakanda. E, a pedido dele, ela era monitorada por tecnologia ao menos uma vez por mês, para saber se estava bem. contou a ela sobre o que tinha acontecido em Wakanda. Contou cada detalhe mínimo de que se lembrava da batalha, contou sobre o desfecho trágico, contou da última vez em que viu Sam.
"Vê se não acaba com a festa antes de eu voltar".
soube da situação financeira terrível. Viu as dificuldades que passavam ali e viu a vida ingrata que Sarah levava já há tantos anos. A solidão não era novidade. Sarah tinha que enfrentar a vida todos os dias, não tinha muito tempo a perder, nem sentimentos a serem acumulados. A situação era outra. Tinha que viver por si mesma e por seus filhos. E diariamente era nisso que ela se apegava para seguir em frente. Não cansava de agradecer a por tudo que ela havia feito por seu irmão e por ter chegado até lá, por ter carinhosamente devolvido a ela o pouco que restou dele, suas coisas. Mas ela seguia. Forte, firme, corajosa. Seguia em frente.
E ter por perto naquele mês foi bom, em muitos sentidos, para ela. Enquanto ia ao barco - uma herança de seus pais e única fonte de renda -, tinha com quem deixar os meninos que, animados em ter outra super-pessoa em casa, rodeavam o quanto podiam. Tinha alguém com quem conversar todos os dias, alguém que sabia ouvir e que sabia aconselhar. Tinha alguém. Pela primeira vez em tantos anos, foi para Sarah o primeiro alguém em quem ela pode se apegar outra vez. Entre dividir tarefas cotidianas e contar piadas horríveis enquanto tomavam uma cerveja vendo o pôr-do-sol no barco, aquele mês estava sendo necessário e responsável pela sensação que, em seu final, crescia dentro das duas. A vontade de recomeçar.
Sarah viu algo em que não esperava ver em pessoas como ela. O que podia esperar, afinal, senão alguém forte, seguro e cheio de si? Como pessoas com habilidades especiais podiam agir senão daquela forma? Era o que ela esperava. Mas não foi o que ela encontrou. Em um mês de por perto, Sarah não a viu ser combativa em nenhum momento, não a viu usar seus poderes mais do que para brincar com os meninos ou para melhorar a qualidade dos vegetais e frutas que vendiam em pratos maravilhosamente gostosos no barco. Não a viu treinar ou falar sobre isso, não a viu ter contato com nenhuma outra super-pessoa senão Steve, que a ligava todos os dias. E a vendo com AJ sentado em seu colo, enquanto o ajudava com um projeto de ciências, tirando dele expressões de encanto e risadas altas, Sarah percebeu que o que havia de diferente em era, justamente, a franqueza.
estava sendo honesta consigo mesma. Estava se deixando levar pelo desespero de ter uma vida outra vez, pela tormenta de tirar de si a dor que sentia. Estava exausta, mas começava já a querer descansar; ela estava se permitindo ser fraca. E não tinha medo daquilo. estava vulnerável, estava sozinha e estava perdida. Tentando se encontrar em algo que ela claramente nunca teve na vida: a normalidade e o pertencimento. E tudo ali, momento a momento, mesmice a mesmice, estava fazendo um bem danado para ela. No fundo, Sarah sabia que o maior super poder que podia ter era a resiliência. Assim como ela própria, aí, enfim, a identificação.
Uma semana depois, despediu-se pela manhã e, sem saber direito se estava pronta para o próximo passo, foi embora. Outra vez. Parte dela queria correr a lista mental que havia feito e continuar sua busca por redenção. Mas outra parte tinha consciência de que, diferente do que aconteceu com Sam, não seria assim tão ameno, justamente porque, dali em diante, não encontraria mais Sarahs em quem poderia se apegar. Estaria sozinha outra vez. Teria que enfrentar as próximas dores totalmente sozinha e ela sabia que não tinha forças o suficiente para aquilo. Mas era insistente, teimosa.
A dor seguinte, sem escolha, tinha que ser Karl e Everett.
Por isso, inconsciente do que exatamente estava fazendo, ela viajou de volta para Nova Iorque e chegou a ir até a porta do apartamento de Everett, onde Karl estava vivendo nos últimos meses. Queria conhecer o lugar, queria recolher as coisas deles, doar tudo que pudesse e, assim, talvez, tentar virar aquela página. Mas ela não conseguiu nem entrar no apartamento. Sequer abriu a porta. Sentia seu corpo formigar, uma dor tão violenta em seu peito que parecia estar levando sucessivas facadas no coração. Mal podia respirar, estava sufocando e rendendo-se ao choro que lutou tanto em segurar até chegar ali. foi embora tão rápido quanto chegou. Era insuportável. A simples ideia de abrir aquela porta e não ouvir a voz amorosa de Karl, a risada suave de Everett, de não poder mais vê-los, nem os tocar, era violentamente brutal.
não teve tempo nem de conversar com eles uma última vez. Não os viu, não se despediu. Era como uma porta aberta, emperrada, que ela nunca, jamais, conseguiria fechar.
A última palavra que trocou com eles, ainda estavam na Escócia, celebrando um casamento que sonhavam a anos e mal tiveram tempo de terminar. No momento seguinte, na ligação seguinte, já não existiam mais. Nenhum dos dois. A única família de estava, uma vez mais, morta. Dominada pela ideia de que, além de seus pais biológicos, tinha também matado Karl e Everett, ela se sentiu nauseada. Zonza, enjoada, seu corpo latejando de dor como se ela mesma estivesse morrendo, sendo consumida torturantemente pela dor. não soube quanto tempo ficou jogada no chão, na calçada do prédio, chorando, desolada, chamando por seus pais sem parar, completamente fora de si. Mas sabe que quem a tirou de lá foi Steve.
Rastreando todo e qualquer movimento de pelo carro que ela pegou de Tony, no Complexo, Steve monitorou toda a viagem de ida e de volta dela a Nova Iorque. E bastou ver que a rota calculada no GPS do automóvel marcava o exato endereço dos pais dela para ele desesperar-se e ir atrás da amiga. havia perdido muito. Havia perdido tudo. E por mais que quisesse tempo e espaço para se recuperar, Steve sabia que não faria bem a ela. Ele mesmo já tinha estado onde estava naquele momento da vida. Não queria que ela passasse por nada sozinha, não mais do que já estava passando. Se ainda pudesse fazer algo de bom para alguém, tinha que começar por . Não a deixaria sozinha.
E pensando naquilo, no que talvez fosse melhor para ela, ele a levou de volta à Europa. tinha raízes lá, tinha conhecimento do lugar e poderia, ao menos, se sentir mais acolhida em estar no lugar em que nasceu. E Steve esteve com a amiga quando ela quis, em uma última tentativa, se recuperar da terceira dor.
James. Bucky.
considerou, sim, voltar para a França. Chegou a ir com Alpine e Steve para Nice, determinada a voltar para casa. Finalmente, para sua casa. E quase tudo naquela ideia, na possibilidade de voltar para aquele lugar, era exatamente perfeito como ela havia imaginado, como ela havia sonhado por tantos anos. O clima ameno e mais quente, a brisa do mar em todo lugar que fossem, os restaurantes abertos com vista para a imensidão azul do mar, em um tom tão lindo e tão claro que ela só havia visto uma vez na vida. Nos olhos de quem deveria estar ali com ela, vivendo aquilo. Quase tudo era perfeito. E como o mar, foi essa exata imensidão azul que a inundou, a impedindo de seguir aquela ideia adiante.
De fato, ela sentia que aquele era seu lugar no mundo. Estava tomada por uma sensação única e vívida de pertencimento, algo que não se recordava ter. E apesar de Steve dizer, delicado e sutil, que aquela talvez não fosse a melhor ideia, insistiu em ir até lá. Chegou em sua casa, na casa que Karl e Everett a criaram nos primeiros anos depois da adoção, na rua em que passou os cinco primeiros anos de sua infância, onde viveu o pouco tempo de normalidade, família e pertença que teve na vida. Mas, se achou que não ter conseguido entrar no apartamento de Everett tinha sido difícil, estar ali foi mil vezes pior.
Sua mente foi interrompida por um fluxo contínuo e acelerado de memórias, assim que entrou na casa que não se lembrava de estar há, pelo menos, uma década. Ali tinha muito mais do que a dor de reviver as memórias mais bonitas que felizes que tinha com Everett e com Karl. Tinha o sentimento de se reconhecer, de se conectar com seu passado, com o que um dia foi e, muito pior do que aquilo, com o que um dia poderia ser. Aquela casa tinha Bucky. Em todo canto. Tinha as conversas que teve com ele, os sonhos de um futuro incerto que planejavam. Tinha o holograma aberto no terraço, no dia em que deu a ele a chave daquela exata casa. O dia em que o convidou para viver ali, com ela, com toda a liberdade que poderia ter. A casa, em si mesma, não era mais um porto seguro. Era uma barreira, um forte, que a impedia de pensar em qualquer coisa senão nas pessoas que tinha que deixar ir, nas memórias que precisava de alguma forma acalmar, talvez esquecer.
Steve tirou de lá quase uma semana depois que chegaram. Era nocivo demais para ela ficar ali. Não se recuperaria daquela forma, não estava realmente pronta para enfrentar tudo o que aquele lugar significava. se sentia vazia. Estava perdida, rodando por lugares que não se reconhecia em busca de mais nada senão pertencimento. E era exatamente o que não conseguia encontrar. O que sempre segurou nos lugares foram as pessoas que neles encontrava. Mas já não tinha mais espaço para aquilo também. Se acostumar com essa nova ideia, contudo, foi o maior dos esforços que precisou fazer nos cinco anos seguintes. Talvez tivesse que se conformar em, nessa vida, não conseguir, ironicamente, criar raízes em lugar algum. Talvez a Hydra também tivesse tirado aquilo dela, no exato dia em que a tirou de seus pais biológicos.
Ela decidiu, então, aceitar a sugestão de Steve e, com ele e Alpine, voltou para o único lugar mais tranquilo onde poderia recomeçar. Berlim. Decidiu que não mais tentaria mexer nas coisas de Bucky, que carregava consigo desde que Okoye as enviou para ela em Nova Iorque. Não se forçaria a remexer o passado, não queria mais ler as mesmas páginas dos mesmos livros, se daria tempo. Se permitiria pensar, se acostumar e, depois, se estivesse pronta, voltaria a mexer naquele caos todo. Encaixotadas, as poucas coisas que Bucky acumulou nos dois anos em que viveu com ela em Wakanda foram colocadas no fundo do armário do closet de e lá estavam, fechadas como um tesouro perdido, há cinco anos.
não teve coragem de ir ao apartamento de Karl e Everett em Berlim. Não queria ver em qual cenário eles desapareceram, tinha medo, tinha pânico só de pensar na ideia de ir até lá e não foi. Os grupos de apoio que frequentou diziam que a maré precisava abaixar para que se pudesse navegar novamente. Mas para , se tratando de seus pais e de Bucky, a maré não parecia abaixar nunca. Pelo contrário, era uma tempestade tormentosa e eterna. Era caótico, destruidor e muito intenso. E enquanto assim o fosse, ela não velejaria. Não naqueles mares. E aquilo já durava cinco anos.
Steve não ficou muito tempo com ela, mas o suficiente para ajudá-la a se assentar outra vez no apartamento grande e confortável que vivia antes de se envolver em tudo aquilo, antes mesmo de conhecer Steve. Como se ela tivesse voltado ao ponto inicial, como se dali em diante pudesse apenas continuar com os planos que foram interrompidos, estar ali faria bem a . Fez bem. Poderia retomar as ideias que tinha antes do Tratado de Sokovia, podia seguir sua vida como a dose amarga de normalidade que precisava e que queria. Steve sabia que aquele era o lugar e o momento certo para ela. De certa forma, para ele também. Não queria ficar no Complexo, não queria encontrar Tony e nem usufruir de nada que fosse dele. Justamente ajudando a recomeçar de onde um dia parou, Steve achou que aquela também seria uma boa estratégia para ele. E voltando para os Estados Unidos, voltou para seu antigo apartamento.
Naqueles cinco anos, se esforçou, e muito, em seguir com sua vida. Comprou uma antiga loja de flores de frente com o portal de Brandemburgo e a transformou na floricultura que, anos atrás, havia planejado abrir, quando se mudou para a Alemanha depois de ir a Lagos, quando achou que viveria ali, que passaria despercebida tendo uma vida normal. Demorou alguns meses até a reforma ficar pronta e havia decidido usar a fitocinese, dali em diante, única e exclusivamente para abastecer sua floricultura. A loja era cheia de vida, colorida, organizada e com um toque de romantismo clichê e retrô que ela tanto amava. Como uma amizade que perdura no tempo e como um amor que nunca é superado, os buquês de flores que Steve deu a ela, quando deixou Wakanda, e que Bucky a presenteou no primeiro encontro, formavam um arco de boas-vindas logo na entrada, passando da porta, colocados ali para lembrá-la de onde eles estavam, de quem eram e, mais do que isso, do que significavam para ela. Flores nunca morriam para . Assim como aqueles que ela tanto amava.
Alpine passava alguns dias da semana com na loja, em outros ficava no apartamento. O horário comercial ao longo da semana era repleto de pessoas comprando flores com e os finais de semana eram loucos, tão cheios de turistas que pareciam sempre uma festa. Flores eram artigos bem-vindos depois do estalo. Parentes e queridos que ficaram passaram a levar flores aos desaparecidos nos memoriais espalhados pelo governo por toda a capital, como quem quer homenagear os mortos. Talvez no fundo, estivesse ainda presa à sua lista mental de redenções. Vender, e muitas vezes dar gratuitamente, flores, fosse a forma delicada e sutil de pedir perdão por ter falhado. De se sentir menos mal por já não poder fazer nada para reverter aquela situação.
De todo modo, se as vendas iam bem por um lado, por outro, todos os dias havia uma parcela de pessoas que apenas entravam ali, na floricultura, por curiosidade, mais para ver ao vivo do que para realmente levar alguma planta ou montar um buquê. Ela tinha se acostumado. Desconfortável, sim, mas ao menos ter a loja ocupava mais de seu tempo do que ela pode imaginar quando a abriu. Era bom, produtivo. Trazia a sensação de que estava sendo útil, de que tinha algo com o que se preocupar para além de si mesma e de Alpine - que, no começo, deu bastante trabalho. A gatinha estranhou, e muito, a mudança de casa. Rondava o apartamento sem parar, de um lado a outro, às vezes tentando fugir. sabia que ela estava procurando seu dono, estava constantemente procurando Bucky. Era triste e profundamente doloroso assistir, mas o tempo tinha a função de conformar Alpine também. E fez isso.
ficou por um bom tempo imersa nessa vida e dois anos inteiros se passaram depois do estalo. Estava satisfeita com o que tinha alcançado e relativamente estável com a normalidade. Estava cansada de lutas, de guerras e de suas consequências. Não queria se envolver em mais nada, não queria salvar mais ninguém que não ela mesma e a fitocinese foi sendo cada vez mais normalizada para atividades de seu cotidiano apenas. Sem mais violência, sem mais destruição. Estava decidida a viver o resto de seus dias com os prazeres e as tristezas de ser uma pessoa absolutamente comum.
Mas a teoria era bem distante da prática. E na primeira oportunidade que teve, cedeu em manter seu canal de contato aberto com Natasha que, transtornada em procurar por maneiras de ocupar seu tempo e se redimir pelo fracasso, fazia ligações mensais para investigar o que tinha de errado no mundo e, possivelmente, tentar intervir. O único problema daquilo era que não tinha, nunca, nada de errado acontecendo. Da chamada, era responsável por monitorar toda a Europa, Okoye o continente africano, Natasha e Rhodes a América e a Ásia, Carol e Rocket outros planetas. Aquele era o contato mais sério que tinha com eles e o mais próximo do que um dia os Vingadores foram.
Com o desaparecimento de boa parte das autoridades competentes, o Tratado de Sokovia foi momentaneamente paralisado e todas suas prerrogativas, como mágica, esquecidas. Não foram perdoados, longe disso. Mas se um dia tinham sido caçados e dados como fugitivos internacionais, como terroristas, aqueles dias já não eram mais a realidade de , Steve e Natasha. Podiam expressamente circular, monitorar e, se necessário, intervir. Talvez o mundo ainda tivesse alguma esperança neles. E a cada dois anos em que governos e Natasha se sentavam na ONU para discutir aquele tema, a esperança ficava clara.
Em outros dias, para evitar o sentimento terrível de solidão, fazia chamadas com Okoye e com Ayo, para saber o que acontecia em Wakanda, passava horas com Steve que, ainda perdido em como usar recursos audiovisuais, preferia fazer ligações. E, enfim, com Thor que, de todos eles, parecia o que menos estava disposto a seguir em frente.
Ela tentou visitá-lo, tentou trazê-lo para ficar um tempo com ela. tentava conversar com ele todas as semanas, mas ele não parecia disposto. Não estava. Quando estava bêbado o suficiente para colocar suas emoções para fora, ele ligava. Nos outros dias, em que o nível de embriaguez o impedia de ser honesto consigo mesmo, ele sofria calado. Ignorando qualquer sinal de carinho, de atenção e de preocupação. E isso, na maioria das vezes, durava semanas. não queria invadir o espaço dele, mas, igualmente, não queria deixá-lo sozinho. Mas se Thor não estava disposto a ser ajudado, o que mais ela poderia fazer? Com o tempo, com os anos, ela foi deixando de insistir. Respondia as mensagens que ele mandava, enviava algumas outras ocasionalmente e atendia, ainda, as ligações dele. Era isso.
Não teve mais notícias de Stark e o que sabia de Bruce vinha de comentários pontuais de Steve, quando se falavam. Natasha ia ao menos duas vezes ao ano ficar algumas semanas com ela, em Berlim, e, em algumas férias escolares, conseguia convencer Sarah a deixar AJ e Cass passarem um tempo com ela na Europa - o que tirava de Sarah milhares de comentários sobre o quanto era permissiva e mimava os meninos, o quanto eles voltaram querendo, na verdade, ficar mais tempo com ela. Comentários que, claramente, Sam faria se estivesse ali, vivendo tudo aquilo. Mal sabia Sarah, naquela altura da vida, que tinha aberto contas poupança para os meninos, para no futuro poderem pagar por suas faculdades e, se quisessem, ter vidas mais confortáveis. Quanto mais tempo se passava e quanto mais tinha contato e conhecimento sobre Sarah e a vida que levava, mais queria poder fazer algo por ela. Sarah, contudo, teimosa e orgulhosa demais como um bom Wilson, nunca aceitava a ajuda que lhe era oferecida e, assim, decidiu fazer algo por conta própria.
Da bancada de seu apartamento, a mulher sorriu sozinha, totalmente entregue às lembranças que tinha desse período que, em meio a tanta tristeza e angústia, ainda conseguiam trazer certa leveza e felicidade para ela. Eram as poucas válvulas de escape que conseguiu criar naqueles anos. A essência e o sentido de ainda estar ali, insistindo em seguir em frente. Dia após dia. Seus olhos saíram do jornal a frente e caíram nas fotografias espalhadas pelos móveis da sala, de onde podia ver enquanto tomava seu café. Alpine, já não mais tão pequena como no passado, fazia o que mais gostava de fazer: irritava as folhas de uma planta próxima à porta de entrada do apartamento, fazendo um barulho baixinho que chamou atenção de por um instante.
A vida mudou muito em cinco anos.
E as fotos dela com Natasha esquiando meses atrás, com Steve no último Natal, de AJ e Cass na Euro Disney usando chapéus do Mickey mostravam aquilo. Fotografias espalhadas pelo cômodo em meio a outras mais antigas, dela com T’Challa quando eram crianças, dela com Shuri no aniversário de vinte e cinco anos de . De Karl e de Everett em dezenas de momentos ao longo da vida. De Bucky. Sorrindo feliz como se fosse possível ouvir a risada dele saindo do pedaço de papel impresso, abraçado com ela que não olhava para a foto, mas sim para Okoye, que, do outro lado da câmera, reclamava deles. sentia falta deles. Sentia falta da vida que tinha com eles. Sentia saudades. Todos os dias dos cinco anos que passaram. Dias da mais pura e verdadeira saudade.
Mas ela estava indo. Indo em frente. Como podia e como conseguia. Tentando se livrar da prisão de emoções ruins que se permitiu um dia aprisionar, tentando tirar os estilhaços da explosão que cinco anos atrás aconteceu em sua vida. Na vida de todo o mundo.
Seus olhos seguiram pelas fotos, uma a uma, enquanto sua mente mergulhava em toda a confusão de memórias que tinha daqueles momentos até uma foto em especial, em um porta-retrato de bordas brancas mais ao canto, despertar sua atenção. Havia um fato ali. Um fato consumado e muito claro, a ser assumido por ela. Sarah, Steve, Okoye e Natasha a estavam ajudando, e muito, a ir adiante. Contudo, se estava de fato conseguindo seguir, ao menos nos últimos três anos, devia, e muito, a uma coisa em especial. Uma coisa que tinha nome e sobrenome, que tinha os olhos escuros mais carinhosos do mundo e a mania de querer fazer se sentir feliz de novo. Uma coisa que se tornou um fato e uma constante na vida dela, que aparecia naquela foto, naquele porta-retrato, sorrindo contente, abraçando-a por trás, com o elegante e ensolarado mar Adriático ao fundo, em uma viagem que fizeram três ou quatro meses atrás para o sul da Croácia.
Nathaniel Cohen.
Nate aconteceu no final do segundo ano depois do estalo. Em seu 1,85m de altura, cabelos tão escuros quanto os olhos, com a voz calma e o sotaque britânico mais charmoso que já tinha ouvido, ele apareceu na porta do apartamento dela, como um presente. A barba perfeitamente feita, tímido, um tanto nervoso e segurando uma caixa lotada de processos judiciais que tinha sido intimada a depor, a responder, a comparecer, em todos os anos que passou fugindo do Tratado de Sokovia e de suas consequências. Ela se lembrava exatamente daquele dia. Do dia em que ele apareceu, tão verdadeiro e despretensioso, do dia em tudo começou outra vez.
— Olá? Tudo bem? — insistiu depois de um minuto, o encarando enquanto segurava a porta da entrada de seu apartamento. Os olhos do homem pareciam ligeiramente assustados, como se estivesse vendo alguém que não esperava ver. Ele limpou a garganta, as bochechas ficando vermelhas ao perceber que estava a encarando em silêncio por tempo demais. Ansioso, tinha ensaiado aquele momento o dia todo, não era possível que estivesse reagindo daquela forma.
— Desculpe, é que eu só te vi… na… televisão — Ele disse tímido, desviando os olhos dela, sua voz abaixando a cada palavra nova.
O homem passou uma mão pelo cabelo, envergonhado. Estava se sentindo ridículo, mas era a verdade. Só a tinha visto na televisão. Fazendo coisas absurdamente incomuns, rodeada por pessoas incomuns, sendo procurada pelo governo dos Estados Unidos. A foto dela estampada nas páginas dos jornais alemães oferecendo recompensas por informações de paradeiro. O motivo de ele estar ali, afinal. E fora aquilo, nunca a tinha visto. Era estranho. Era como se uma história tivesse magicamente cuspido um personagem bem a sua frente. Era, também, muito diferente do que ele achava.
Ao menos dez centímetros mais baixa do que ele, com um vestido de estampa de flores, cabelos meio presos e uma dúzia de marcas espalhadas pelo corpo, aquela mulher não parecia ser a mesma das imagens na televisão. O sorriso amigável, a voz baixa, os olhos que não saiam dele, curiosos. Ela era bonita, no mínimo, chamava atenção. Parecia leve, calma e atenciosa, paciente. Nate nunca esqueceu da sensação de ver pela primeira vez. Foi diferente. Foi único.
A mulher soltou uma risada baixa, esperando qualquer nova reação dele, mas o homem só parecia ficar mais tímido a cada segundo que a encarava em silêncio.
— Me desculpe. Que constrangedor — Ele completou tão baixo que mal podia ser ouvido. achou graça da fofura.
— Tudo bem — Ela cruzou os braços, o observando voltar seu olhar até ela — Não é sempre que nos deparamos com uma criminosa, eu sei. Até que sua reação foi boa.
— Bom, na verdade… — Ele sorriu e apontou para si mesmo — Advogado criminal.
riu mais alto, sendo acompanhada por ele.
— Ok, minha vez de ficar constrangida — comentou baixo, desviando seu olhar para o chão por um segundo enquanto colocava as duas mãos nas bochechas.
— Se quiser começar de novo, posso voltar mais tarde dizendo que acabou o açúcar e ver se você tem algum para me emprestar — Ele seguiu brincando, leve, despreocupado, a fazendo rir novamente e negar com a cabeça.
— Gosto da ideia, mas por mim está ótimo assim — sorriu, o observando novamente sorrir para ela em resposta — Sei que estive muito na televisão nos últimos anos, mas achei que já não estavam mais atrás de mim. O que eu fiz dessa vez para um advogado criminal bater na minha porta?
Apesar da voz amigável e despretensiosa, o homem podia ver que a pergunta era sincera. estava ligeiramente apreensiva, não deveria ter mais nenhum processo vigente naquela altura da vida, não depois do estalo. De fato, naqueles dois anos, teve que ir a sede do governo algumas boas vezes, recebeu pessoas em sua casa para inspeção e monitoramento de suas atividades recentes, deu seus depoimentos sobre o que tinha acontecido de Lagos até aquele momento e compareceu à Corte todas às vezes que foi solicitada para responder a algumas das dezenas de processos que derivaram dos documentos sobre ela que Zemo soltou, e que Sharon fez o favor de fuder com tudo ainda mais.
Contudo, da última vez em que teve que passar por uma daquelas penosas situações, seu representante legal, Dr. Murdock, Matt para os amigos, havia comentado que ela não tinha mais com o que se preocupar. Seus processos estavam arquivados em função do congelamento das tratativas de Sokovia. Como tinham ligação direta com dispositivos do Tratado e tendo boa parte das autoridades competentes desaparecido com o estalo, os signatários do Tratado de Sokovia decidiram em unanimidade quebrar a vigência do acordo para que pudessem ter, ao menos, o mínimo de respaldo do que sobrou dos Vingadores caso algo parecido voltasse a acontecer.
Não tinham competência para enfrentar seres de outros planetas, até mesmo o mais arrogante deles teve certeza disso depois de Thanos. Se queriam minimamente se assegurar de que a outra metade da humanidade sobrevivesse, teriam que mudar, outra vez, as regras do jogo. Steve, e Natasha colaboraram com o que eles pediram. Deram seus depoimentos, atestaram os fatos de seus pontos de vista, colocaram sobre a mesa todas as suas cartas, já não havia mais motivo algum em esconder ou omitir. Matt pegou voluntariamente a representação de e estava dedicando seu tempo e esforços em minimizar os danos. Tinha ali um caso emblemático e muito atípico, um daqueles que ele gostava de se meter.
De acordo com os arquivos que Zemo tornou público, dos tempos em que passou atrás de informações sobre seu passado e, consequentemente, limpando o mundo da Hydra, de seus agentes e de seus experimentos, foi acusada de três crimes internacionais, em especial: agressão, crimes de guerra e emprego ilegal de armas. Para além deles, seguindo o Código Penal Internacional, tinha que responder pelos delitos de apoderamento ilícito de aeronaves, quando viajou da Escócia para os EUA com Steve e os demais; ameaça e uso de força contra pessoas internacionalmente protegidas, pelas dezenas de membros antigos da Hydra que machucou ou matou e que, curiosamente, ainda faziam parte de governos mundo afora; tomada de reféns civis, por não ter tirado a população local em Lagos, quando agiu; destruição e/ou furto de tesouros nacionais e furto de materiais nucleares, quando limpava as bases desativadas da Hydra, tirando delas seus pertences e armas, e até mesmo por experiências ilegais com seres humanos, por ter omitido sobre si mesma e a fitocinese por décadas - parte do processo que, inclusive, respingava em seus pais.
Não o bastante, a Corte Internacional ainda achou prudente julgá-la pela infração de uso ilegal de correspondência, e tinha cópias de centenas de vezes em que trocou informações sigilosas com Karl e Everett, em todos os anos que passou longe deles vivendo em Wakanda, cópias que, inclusive, estavam assinadas por Sharon. Sharon. não teve mais sinal dela e nem queria ter. Vez ou outra se pegou olhando pela janela de seu apartamento para a janela do que antes era o apartamento dela, do outro lado da rua, mas se perdia ali. Boa parte dos processos que tinha que enfrentar tinha Sharon Carter como depoente da acusação, uma testemunha comprada, de fato, mas que não economizou detalhes sobre e seu passado atormentado. Matt Murdock era bom. Talvez o melhor advogado para lidar com aquela situação. Mas receber o benefício do arquivamento tinha sido o melhor dos mundos. estava em paz. Ao menos deveria estar por ora. Até aquele homem bater em sua porta e toda a preocupação a tomar outra vez, como uma onda, escondida por um sorriso firme e amigável.
— Eu recebi sua correspondência nos últimos… anos — Ele sorriu sem mostrar os dentes — Voltei de viagem semana passada e Guzman me disse outro dia que você estava de volta também, organizei tudo e vim devolver — O homem esticou a caixa que segurava para ela, observando a mulher franzir a testa confusa, mas aceitar o objeto.
— Minha correspondência? — Desconfiada, ela deu uma olhada dentro da caixa, onde, de fato, dezenas de envelopes diferentes estavam. O que chamou a atenção de , contudo, não foi apenas a quantidade de papéis e o peso da caixa, mas também o pouco dos remetentes que conseguiu ver por cima. Ela sabia exatamente o que era tudo aquilo e, discretamente, deixou um suspiro aliviado escapar. Tinha que avisar Matt que, finalmente, encontrou as intimações.
— Eu moro no andar de baixo — Ele passou a língua entre os lábios, colocando as mãos nos bolsos da calça — A maior parte delas veio dos Estados Unidos, sabe como são os americanos, não sabem contar andares.
Um fato sobre a Europa é que, em muitos lugares, a contagem de andares é diferente do restante do mundo. E em um edifício gerenciado por um francês, certamente não se contavam os andares da mesma forma que um americano fazia. Mas Guzman, ainda o porteiro e zelador do prédio, sabia onde morava, sabia qual era seu andar. E foi só pensando naquilo, naquele momento que ela entendeu o que acontecia. Na tentativa de ajudá-la, mesmo com ela vivendo longe e foragida, Guzman repassou toda e qualquer correspondência judicial que recebeu justamente ao advogado criminalista do prédio. Se tivesse alguém que a poderia ajudar com aquilo tudo, certamente era o homem amigável e charmoso parado na frente dela. sorriu sozinha.
Desde que voltou para Alemanha tinha contatos constantes com Guzman que, tão vivo quanto ela, estava sem a companhia de seus filhos e esposa, todos desaparecidos com o estalo. comprou um carro novo para ele, o exato mesmo modelo e cor do que ela roubou com Steve, Sam e Bucky anos atrás, quando tiveram que fugir dali sem chamar atenção. Contou a verdade sobre si mesma, como se precisasse mesmo contar, como se ele não tivesse pesquisado e acompanhado tudo que aconteceu depois da última vez em que ele a viu, em que viu a Chloe. Guzman foi a companhia cotidiana de para tomar um café da tarde, ver programas de televisão no final de semana e com quem ela podia deixar Alpine quando queria sair, viajar ou chegar mais tarde em casa. Apesar da grande diferença de idade, era a sabedoria e a amizade dele que a ajudava a ter forças e a encontrar novos motivos para recomeçar. Guzman era um homem bom. Paciente, confiável e muito sábio. Estava realmente disposto a ajudar e aquilo tudo era só mais uma prova disso.
— Começo a achar que não são bem os americanos que se confundiram — Ela levantou as sobrancelhas, fazendo o homem concordar com a cabeça.
— Guzman e sua mania de querer ajudar todo mundo me parece a hipótese mais realista — Ele riu fraco, tirando um sorriso da mulher.
— Foi o que pensei. Muito obrigada por trazer até aqui — subiu seu olhar da caixa até o homem, que assentiu — E me desculpe o incômodo em ter que receber isso tudo, todo esse tempo. Não fazia ideia de que tinham mesmo vindo para cá, estava procurando por eles.
— Não te notificaram por e-mail? Ou por telefone? — O homem perguntou estranhando.
— Não me encontraram, na verdade — sorriu triste e logo revirou os olhos da lembrança — Até o dia em que, bom, vieram aqui pessoalmente com uma escolta armada de pelo menos 50 homens e me levaram à força para depor.
— Eu não acredito que perdi isso — Ele brincou outra vez, parecia sereno, parecia ter a mania confortável de não deixar o clima mudar.
— Eu não acredito que tinha um advogado morando bem abaixo de mim e eu não soube a tempo — Ela respondeu no mesmo tom, rindo leve em seguida.
O homem parou para pensar por um momento. Não tinha ideia do que aquela mulher tinha passado em todos aqueles anos de vida, mas, certamente, não se comparava com nada que ele sequer podia imaginar. Não estava diante de alguém normal. Aquilo, aquele contato era novo para ele. E muito tempo depois, ele contou isso à . A tinha visto no grupo de apoio uma semana antes de ir até ela, ele também participava. Mas não tinha coragem de falar com ela lá, apesar de todo o fascínio que rondava . Todo mundo tinha curiosidade em conhecê-la, em se aproximar, em ouvir dela o que foi que tinha acontecido. Mas ela estava nitidamente desgastada. Por isso, Nate não se sentia confortável em simplesmente chegar e conversar, muito menos em trazer ainda mais problemas. Ele ensaiou várias e várias vezes em ir levar para ela aquela correspondência, não estava seguro sobre como a encontraria e muito menos como deveria agir perto dela.
Mas ali estava . Adorável, simpática, dando mais sorrisos fracos do que ele havia visto ela dar no grupo de apoio, falando, brincando. Parecia normal, só a vizinha linda do andar de cima. E parecia preocupada, com os olhos descendo de relance sempre sobre os papéis dentro da caixa. Ela estava curiosa. Ele podia imaginar que, naquela altura, os processos já estavam resolvidos ou, pelo menos, bem encaminhados. Ela deveria ter um bom advogado, talvez o melhor do mundo. Mas ela deveria querer ler todos aqueles papéis, devia estar apreensiva em saber se tinha algo mais do que já estava sofrendo todos aqueles anos.
— Adoraria ajudar — Ele pareceu sincero, sua voz baixa e rouca transmitindo honestidade — Se alguma hora precisar, gostaria de ajudar. Não é nada perto do que você já fez por todos nós, mas, bom, é uma ajuda — O tom de voz dele foi diminuindo visivelmente, até ele engolir em seco — Acho que deveríamos ter feito mais, não ter deixado vocês… sozinhos — Ele não gostava de falar sobre aquilo. Não falaria. Muito menos com ela. Com quem ele sabia que presenciou o acontecimento, que viveu a batalha. Ele havia visto na televisão.
— Não tivemos tempo de entender o que estava acontecendo, nem de nos preparar — seguiu amigável, tentando não se abalar com memória alguma que aquilo podia transmitir a ela — Eu sinto muito.
— Eu também — Ele respondeu baixo, sem deixar de dar-lhe um sorriso contido e triste — Deixei meu telefone dentro da caixa. Se precisar de alguma ajuda, pode me ligar. Ou só… bater na porta.
— Eu não quero te atrapalhar… mais ainda — negou com a cabeça.
— Não vai, por favor — O homem respirou fundo — Eu não tenho muito o que fazer depois que...bom, você sabe. Não tenho mais tantos casos para atender a não ser brigas de famílias por heranças dos desaparecidos — Ele soltou uma risada nasalada, seus olhos desviando de para um canto qualquer atrás dela.
— Nesse caso, se precisar de um amigo ou de um pouco de açúcar, já sei onde ir — A mulher brincou, o vendo concordar com a cabeça, satisfeito e envergonhado — Eu sou a , a propósito.
— Nathaniel — Ele completou, estendendo a mão e a vendo apertá-la, deixando um novo sorriso, o mais bonito que viu em um tempo considerável, escapar — Só… Nate, por favor.
A mão esquerda no bolso da calça, enquanto a direita segurava a mão de , as bochechas ainda rubras, escondidas na barba. Ele era encantador. Desde aquele dia em se conheceram, Nate foi tímido, carinhoso e muito fofo. se lembrava de ter pensado aquilo assim que agradeceu uma última vez e fechou a porta atrás de si. Nate foi mesmo um presente. Um amigo e um recomeço, em muitos sentidos. sempre teve a sensação de que as melhores e piores coisas da vida aconteciam inesperadamente. E se estava provando do que tinha de pior vindo do inesperado, daquele dia em diante a vida pareceu querer mostrar-lhe também o que tinha de melhor a oferecer.
Ao longo dos dias seguintes, encontrou Nate casualmente pelo prédio, saindo ou chegando, no elevador, no quarteirão próximo. Quinze dias depois, eles se encontraram na reunião do grupo de apoio e passaram mais tempo conversando entre eles do que com as demais pessoas presentes. E aquilo se repetiu por meses. Conversavam sobre qualquer coisa, o tempo, o clima, o prédio em que viviam, Guzman. Falavam de seus trabalhos, sobre filmes que tinham visto, shows que foram, livros que estavam lendo. Tudo era leve e casual, espontâneo como a chegada um do outro em suas vidas, sem mais dramas, sem mais tristezas. A cada dia mais próximos, maior era a identificação. Não apenas por afinidades ou por gostos em comum, que descobriram ter aos montes, mas pela solidão e pela angústia silenciosa que carregavam dentro de si. Não tinham mais ninguém com quem dividir a vida mais cotidiana, estava sendo bom.
Nate era britânico, tinha trinta e cinco anos e já morava na Alemanha desde os 20, quando conseguiu uma bolsa de estudos para fazer a faculdade de direito por lá. Se formou, entrou no doutorado, abriu um escritório junto com um amigo e foi, aos poucos, fazendo de Berlim a sua casa. Sua vida estava ali, apesar de sua família permanecer na Inglaterra, tinha se acostumado a viver em outro lugar, a se reconstruir. Tinha bons amigos, uma vida bastante confortável, viajava de volta para o Reino Unido sempre que podia e era feliz sendo quem era, completo pela vida que tinha. E tudo parecia perfeito para ele, um sonho realizado. Até aquele dia.
Demorou cinco meses até Nate contar a que era casado. No final de uma tarde de primavera, em que caminhavam juntos de volta para suas casas depois da reunião do grupo de apoio, Nate disse sobre sua esposa e sua filha de 5 anos de idade. Contou que haviam sumido no estalo, enquanto passavam férias em Malta. Estavam saindo do hotel e Ivy, a filha, estava a dois passos à frente deles quando, atravessando a rua, sumiu feito poeira. Eleonor, a esposa, desesperada pelo o que aconteceu, foi em direção a criança, mas não viu um carro, cujo motorista tinha sumido, se aproximando dela em alta velocidade. Ela não resistiu. Foi prensada em outro carro estacionado próximo e ele não teve sequer tempo de chamar ajuda, não conseguiu nem chegar perto dela nos segundos que demorou para correr até lá, para dizer uma última palavra. Nate perdeu a esposa e a filha em um único minuto e, naqueles já dois anos e meio, tentava lidar com a dor do luto de sua esposa e com a dor da incompreensão do sumiço de sua filha.
Ele ficou seis meses em Malta, sem condições físicas e emocionais de sair de lá, como se estivesse preso em um pesadelo contínuo. Teve que lidar com toda a burocracia de se tornar um viúvo, com o trauma, com o caos de entender o que aconteceu com os desaparecidos, enquanto a ilha foi fechada e a circulação para entrar e sair dela bloqueada. Quando finalmente conseguiu sair, ele voltou para a casa de seus pais, na Inglaterra, onde também não encontrou mais ninguém. Ficou lá por quase um ano até se sentir forte o suficiente para retornar a Berlim e organizar sua vida outra vez. Doou todas as coisas de Eleonor e Ivy, reformou o apartamento para que não mais sentisse nele a dor das lembranças físicas e passou a frequentar os grupos de ajuda para pessoas que, assim como ele, tinham perdido tudo. Sem mais a maior parte de seus amigos, igualmente desaparecidos, e sua família, Nate ficou completamente solitário. O pouco de convívio social que tinha era com Guzman e os clientes dos casos que aceitava representar, até conhecer a pessoa que dividiria a vida com ele pelos próximos três anos.
se sentiu ridiculamente mal e culpada ouvindo a história dele. Chorou enquanto o consolava, sentados nos degraus de frente ao rio Spree, de onde podiam ver os vitrais da central da CIA para onde foi levada quando a prenderam em Bucareste. Ela não sabia o que deveria dizer senão pedir desculpas. Estava acostumada a ouvir histórias do momento do desaparecimento, de pessoas do grupo de ajuda, mas ouvir a de Nate foi violento demais para ela. Primeiro porque ele não era mais, e cada dia menos, uma pessoa qualquer. Era um amigo que se formava, alguém que estava se preocupando com ela e, pouco a pouco, permitindo com que ela chegasse mais perto dele, ao tempo em que ele mesmo também se aproximava. Depois, porque de todas as histórias que havia ouvido, nenhuma era como a dele. Tinha visto coisas horríveis na televisão. Tinha noção de que boa parte das mortes derivaram do desaparecimento. Mas vê-lo contar os detalhes do que aconteceu, com as mãos nos bolsos da blusa de moletom enquanto lágrimas escorriam pelos olhos escuros foi terrivelmente doloroso.
Nate não a culpava. De modo algum. Viu o pronunciamento do Capitão Rogers na televisão, ouviu dezenas de vezes contar no grupo de apoio o que tinha acontecido. De jeito algum era culpa dela. De nenhum deles, na verdade. E o fato de todo aniversário dela o Portal de Brandemburgo se iluminar com rosas vermelhas, homenageando o trabalho de em tentar protegê-los, também mostrava que, em geral, apesar dos críticos e dos odiadores, boa parte dos que restaram também não a culpava pelo o que aconteceu. Mas Nate sabia que não importava quanto tempo passasse, nem o que fizessem por ela, sempre teria em sua mente o fato de ter vivido aquilo, de ter tido a chance de vencer e, no final das contas, ter perdido. Ele não se sentiria diferente no lugar dela. Era triste, solitário e muito doloroso ter que conviver dia a dia com aquele sentimento.
Por isso, só contou a ele sobre Bucky, sobre Karl, sobre Everett, sobre Sam, Shuri e T'Challa dois meses depois de ter ouvido dele quais eram suas perdas. Não era comparável e ela não se sentia realmente pronta a contar sobre eles para alguém. Até ali, todas as pessoas que conviveu sabiam como tinha acontecido e o que ela havia perdido, porque eles também viveram o momento com ela, compartilharam a guerra e a dor. Não havia necessidade de dizer nada, nem mesmo a Sarah precisou contar tudo, da forma que contou a Nate. Ele foi a primeira pessoa que ouviu de sobre a íntegra de suas perdas e que ouviu dela, com sinceridade e lágrimas nos olhos, sentada em uma cafeteria depois de ele tê-la convidado timidamente para comer algo, como ela realmente se sentia perdida, fraca, destruída.
Nate viu em uma amiga que nunca antes teve na vida. Alguém que já tinha passado por tanto, que já tinha estado em tantos lugares e vivido tantas coisas incomuns que criou nela um senso bonito de empatia, de atenção e de cuidado com o outro. Como se todo sofrimento e violência tivessem fertilizado um campo de flores, sentimentos que eram bons e verdadeiros, uma busca contínua de não ter mais que passar por aquilo e nem deixar que outras pessoas passassem. era calma, gostava de ouvir dele as histórias sobre Eleonor e Ivy, ria com leveza e prestava tanta atenção nele que, às vezes, Nate ficava com vergonha de ser observado. Era responsável com o tempo e com o espaço que ele precisava ter, tinha paciência de esperar por ele dar o primeiro passo, por ele ser quem escolhia dizer sobre si mesmo, conversar sobre como se sentia diante de tudo que mudou. era para Nate como um final de tarde ensolarado de verão. Quente, bonita, iluminada e confortável, tão amena e suave quanto uma brisa, era uma música bonita que ele aprendeu a letra com o tempo e que não queria mais parar de ouvir.
contou a ele sobre sua vida. Sobre seus pais e, na medida em que o tempo passou, os encontros amigáveis de sexta à noite na cafeteria se multiplicaram e se tornaram semanais e ela foi sentindo que podia confiar em Nate, contou a ele sobre Bucky. Sobre os dias que passaram juntos em Wakanda, sobre como sua vida foi um dia e não seria mais. Além do charme e da voz sedutora, Nate era curioso. Fazia perguntas, tirava dela alguns sorrisos e risadas quando sentia que ela estava triste ou com saudades, tinha interesse em ouvi-la dizer sobre quem um dia amou. Sobre quem amaria para sempre. E como ela, ele sabia esperar. Tinha paciência e muito carinho com o tempo e com as palavras, era cuidadoso em não invadir nenhum espaço dela. Nate era como um curativo. Diminuía a dor, a solidão e dava a a tênue sensação de que podia recomeçar outras pontos de sua vida, de que tinha, sim, forças para ir, de uma vez por todas, em frente.
Os encontros ocasionais passaram a ser idas marcadas em diferentes cafeterias, todas as sextas à noite. Sempre caminhavam tranquilos de volta ao prédio onde viviam, ele fazia questão de a deixar na porta do apartamento dela e, só então, descer para o seu. O grupo de apoio passou a se estender a idas a parques para caminhar ou andar de bicicleta, exposições de artes, museus, cinemas, ajudas para comprar itens novos para a casa e presentes de aniversário para os poucos amigos que tinham. Os finais de semana foram ocupados por jantares despretensiosos e muito gostosos, em restaurantes, vez na casa de , vez na de Nate, em que filmes premiados eram comentados no meio de taças de vinho e risadas leves, em que a vida era refletida, seus trabalhos comentados com atenção e interesse.
e Nate eram companhia cotidiana um do outro. Eram a peça do quebra-cabeças que faltava aos dois, o objeto que encaixava no molde exato, que estava perdido há tanto tempo. Nate também era vegano, também era um estrangeiro, também estava consumido pela saudade de todos aqueles que foram tirados dele. Gostava de vinho francês, de ir à praia, de uma boa caminhada pela manhã. Tocava piano nas noites chuvosas que passavam juntos conversando e sabia cantar como um anjo. A ajudava a remexer o passado recente enquanto ele próprio se confortava e se conformava com o dele. E um ano depois que se conheceram, eles perceberam que estavam, sim, indo em frente. Apoiando-se, ajudando-se, compartilhando e se segurando um no outro. Estavam conseguindo ir.
Contudo, como uma semente plantada com cuidado e muita atenção, a solidão fez brotar neles algo mais.
E foi em um bar elegante e refinado, no centro antigo de Berlim, que eles se beijaram pela primeira vez. Era a festa de aniversário de Martina, uma amiga de Nate dos tempos de faculdade, uma das únicas que havia restado, em que ele levou . A convidou porque no fundo queria uma desculpa para ver ela, mas também porque sabia que gostava daquele bar e porque já tinha conhecido Martina e estado com ela outras vezes, se davam bem. Além disso, Nate não conhecia muito dos outros convidados e ter alguém familiar próximo só deixaria tudo ainda melhor. A noite correu bem. Foi divertida e muito feliz, não houve espaço para nada além das histórias mirabolantes de Martina, risadas, taças e mais taças cheias de álcool e horas dançando as músicas animadas que tocavam. E foi no meio de uma dessas danças que compartilhavam juntos, imersos nos olhares e nos sorrisos que trocavam, nos toques casuais, no cheiro inebriante dos perfumes um do outro, que o beijo aconteceu.
Um beijo paciente, amoroso e muito delicado, mas um tanto cuidadoso demais, receoso. Sabiam que queriam aquilo, as evidências já estavam gritando. Se sentiam atraídos um pelo outro, mas para os dois o limite não era exatamente claro. Era confuso e Nate já não aguentava mais esperar por aquela resposta quando decidiu, naquela noite, dar o próximo passo. Não havia arrependimentos no dia seguinte. Nem o que ser questionado ou escondido. Havia, todavia, a sensação de querer mais, de insuficiência. Conversando sobre o que realmente aquele beijo significou, no dia seguinte, e Nate assistiram um ao outro entrar em um acordo feliz e um tanto divertido, assumindo uma amizade diferente, com certos benefícios, um relacionamento mais desprendido, leve e sem o peso profundo da carga emocional intensa.
O beijo se repetiu alguns dias depois. E de novo. De novo. De novo, pelos quase três anos que seguiram.
sentia falta de Bucky, como Nate sentia de Eleonor. Não havia um só dia em que não se lembrassem deles, em que não sentiam saudades, em que não eram tomados pela inconformidade. Não deixaram de ter as fotos que tinham com eles espalhadas por seus apartamentos, não deixou de usar todos os dias o pequeno colar de coração que ganhou de Bucky em seu aniversário e Nate decidiu transformar o ouro de sua aliança em uma pulseira, que ficaria nele para sempre. Nenhum dos dois nunca se importou com isso. Sabiam o papel que tinham um para o outro, sabiam o espaço que ocupavam. Nate nunca seria James, como nunca seria Eleonor. Tinham plena consciência de que se o estalo não tivesse acontecido, eles nunca sequer se encontrariam. Eram amigos, em primeiro lugar. Se gostavam, sim, se respeitavam, sem dúvidas. Eles se entendiam, cuidavam, protegiam e amavam um ao outro. Mas entendiam o relacionamento que tinham como um passo a ser dado de cada vez, conforme se sentissem prontos e confortáveis em ir em frente.
E foram. Estavam indo.
Os beijos viraram sexo um mês depois, quando se permitiram assumir e sentir o tesão que tinham um pelo outro. A segurando pelo quadril, de frente, com as pernas dela ao redor de sua cintura, Nate não esquecia da sensação de transar com pela primeira vez. Dos gemidos baixos, do movimento calmo, profundo e gostoso que fazia repetidas vezes, com ela encostada na parede, tão fisicamente nua e emocionalmente exposta quanto ele. Não havia pressa, nem intimidações. Não havia qualquer pressão, foi só o sabor, o cheiro e a sensação de transarem, os dois, pela primeira vez depois de se tornarem sozinhos outra vez. Com outra pessoa senão a que eles genuinamente amaram algum dia. Foi absurdamente gostoso, verdadeiro e intenso.
Mas não era sempre assim, porque não era sempre que conseguiam se conectar um ao outro no sexo, não era sempre que podiam realmente se entregar. E estava tudo bem para eles. As memórias do passado, às vezes, os impediam de viver o presente, era o processo da cura, da superação, altos e baixos. Dezenas foram as vezes que ou Nate simplesmente não conseguiam continuar com a transa ou sequer passar algum tempo juntos. Alguns dias, se deixaram consumir pela sensação irreal de estarem traindo seus pares. Em outros, estavam tão imersos nas lembranças que mal podiam criar novas. Havia dias em que eles transaram assim que acordavam e outros em que a noite, como o tesão, não parecia ter fim. Mas em algumas delas, algum deles chorava, pedia ajuda ou um tempo para ficar sozinho, respirar. Era comum e era aceitável.
Comum.
sorriu sozinha mais uma vez naquela manhã, voltando seu olhar da fotografia de si mesma com Nate até o jornal. Era aquilo tudo que se podia fazer em cinco anos. Foi o que fez, ao menos, tentou recomeçar sua vida. Tinha um trabalho normal, preocupações de uma pessoa normal, um amor normal. Em cinco anos pode ter a normalidade de uma vida que ela sempre quis ter. Ser comum estava sendo o maior e o melhor dos remédios para ela. E torcia para que nada daquilo mudasse, para que a vida fosse pacata daquele jeito.
Nate passava boa parte dos dias no apartamento de , a encontrava na floricultura depois do trabalho e sempre trazia presentes fora de época. Não havia, contudo, levado nenhum de seus pertences para lá, uma das vantagens de serem vizinhos. Quando eles enjoavam do apartamento de , passavam os dias no dele e assim iam levando. Alpine já tinha se acostumado com a presença dele e até arriscava umas sonecas em seu colo de vez em quando. Viajavam sempre que tinham vontade, saiam, se divertiam, se distraiam. Natasha e Steve o conheceram pessoalmente, nas visitas que fizeram a e Sarah conversa bastante com ele pelas videochamadas de domingo, enquanto assistia e Nate fazerem o almoço.
De longe, apesar de afirmarem a todos que os perguntavam de que eram amigos e nada mais, pareciam um casal que estava disposto a ter uma vida juntos. De perto, eram amigos com algumas vantagens, um casal, de fato, mas que queria só viver um dia após o outro. A verdade é que ter perdido tudo os impedia de ter muito mais do que o que já estavam tendo. Os impedia porque, no fundo, tinham medo de, no final das contas, também perderem um ao outro e, uma vez mais, terminarem sozinhos. Por isso, se oficialmente já estivessem sozinhos, e emocionalmente desapegados, não tinham mais nada a perder. O que mais podiam tirar deles, afinal?
— Alguém já te disse que você fica absolutamente linda quando está assim, tão concentrada? — A voz rouca e suave de Nate chamou atenção de , a trazendo de volta para a realidade depois do longo devaneio que uma simples pergunta em um jornal a fez ter. Ela sorriu.
— Alguém já te disse que você fica absurdamente gostoso em um Tom Ford duas peças? — Ela perguntou no mesmo tom, observando o homem de cima a baixo vindo em sua direção. O sorriso tímido e charmoso saindo dele.
Era dia de audiência, o caso mais importante que ele tinha pego, em pelo menos um ano, estava prestes a ser finalizado. Ele torcia por uma redução da pena de seu cliente, seu orgulho profissional estava em jogo. tinha repassado com ele todos os argumentos na noite anterior e sabia que ele estava preparado para o que viesse. Era um bom advogado, responsável e muito honrado, não tinha como dar errado. Tinham dormido bem, acordado cedo, transado, ela tinha tomado banho antes, se arrumando para ir à floricultura e estava esperando por ele terminar de se arrumar para saírem juntos. Era primavera e certamente teriam um dia ensolarado outra vez, por isso, vestiu um vestido curto de alças grossas, bege e preto, com botões no meio e sandálias rasteiras de tiras igualmente marrom claras. Diferente do macacão de vibranium, que nunca mais usou, e das lutas que precisava enfrentar para conseguir sobreviver, a vida nova, o trabalho novo, exigiam dela nada mais do que organização e uma roupa confortável.
Nate tinha acabado de sair do banho. Estava vestindo um terno preto em duas peças, calça e paletó, com uma camisa azul clara por baixo e uma bota Chelsea também do Tom Ford, igualmente preta. O cabelo escuro com gel, penteado para trás, a barba bem feita. O cheiro especiado do tabaco, com o calor da baunilha e o aromático café do perfume que ele usava inundava o ambiente e davam a ele, ainda mais, um ar de britânico apaixonante. Elegante, lindo e muito sensual. Certamente chamava atenção por onde passava.
— Você diz — Ele respondeu à pergunta, perto o suficiente para deixar um beijo suave nos lábios dela — Toda vez que visto esse terno.
— Muito bom gosto de quem te ajudou a escolher ele — brincou com os olhos arregalados, tirando dele uma risada baixa, enquanto roubava a caneca de café dela e tomava todo seu conteúdo.
— O que está te deixando tão concentrada nessas horas da manhã?
— Lembranças — Ela sorriu leve, ligeiramente triste. Nate parou por um instante, trocando um olhar compreensivo com ela. Ele deixou a caneca vazia de volta sobre a bancada e a abraçou por trás.
— Você está bem?
— Sim, é só… aquela semana do ano, outra vez — Ela apontou para o jornal jogado a frente. O homem deixou um suspiro escapar, apoiando seu queixo no ombro dela, enquanto lia a pergunta que estampava a capa do Le Monde.
— Cinco anos já… — Ele sussurrou, ela concordou com a cabeça. Nate tinha a mesma relação caótica com o tempo, não sabia exatamente o que pensar sobre ele. Um dia de cada vez, era a regra. Tinha que ser outra vez, naquela semana do ano — E continuamos a contar.
— Pelo menos juntos — Ela deixou um beijo leve no braço dele, passado em seu peito a abraçando e virou-se de frente para o homem, que a acompanhou com o olhar e falou baixo:
— É o suficiente.
sorriu e concordou com a cabeça, dando-lhe um beijo rápido.
— Boa sorte hoje, me liga quando sair, vou ficar curiosa.
— Se eu sobreviver a pressão, ligarei.
soltou uma risada alta, se afastando dele para pegar sua bolsa na sala. Nate pegou a chave do carro, sua carteira e a chave do escritório onde passaria antes de ir à audiência e, fazendo um carinho rápido em Alpine, saiu com para mais um dia que se iniciava. Comum, rotineiro, nada de especial. Com certeza iriam a algum restaurante jantar à noite, fariam planos para o final de semana, contaria sobre as dezenas de flores que fez nascer naquele dia. Nada seria novo. Ao menos, eles achavam que não.
Nate não se importava com a fitocinese. Não tinha medo, nem estranhamento, nem via problema no fato de ser uma pessoa com um poder anormal. Na verdade, achava curioso e muito maneiro, sempre fazia perguntas e gostava de ver como a natureza reagia a ela. Dava a um charme extra, uma sensação absurda de empoderamento e de força e sabia que ela usava tudo com responsabilidade. Poucas foram as vezes que ele havia visto usar a fotocinese fora da floricultura, em geral, era como se ela tivesse se aposentado da vida de super-herói que levava antes. Vez ou outra, algum órgão do meio ambiente a procurava para pedir ajuda em casos extremos e graves de queimadas, de desmatamento. Vez ou outra, porque em um mundo sem metade de seus habitantes, e sem metade do que um dia foi natureza viva, já não havia mais tantos problemas a serem resolvidos. O meio ambiente foi uma das coisas que também se auto equilibrou com o estalo.
Para fins violentos, então, Nate viu usar seus poderes uma única vez, em que ela perdeu a paciência com meia dúzia de homens que jogavam latas de cerveja vazias na praia, em uma das viagens que fizeram. Irritada, fez algas do mar crescerem furiosas e puxar os homens para dentro do oceano feito oferendas, enquanto assistia com seus óculos de sol Chanel tudo acontecer. Deixou o desespero tomar conta deles, como tomava conta do ambiente marinho sempre que era poluído, e, só então, os liberou. não tinha medo de mais nada e nem receio de enfrentar mais ninguém. E Nate, na única vez em que presenciou aquilo, não teve outra reação senão segurar o riso. Ela escondia sua tornozeleira em um cofre, nunca mais a tinha usado. Se sentia, mesmo, aposentada de ser uma Vingadora. Se não podia sequer vingar o sumiço de quem amava, não tinha realmente sentido em seguir com aquilo.
E apesar das histórias que contou de seus dias heroicos, da força física que tinha e do poder que a natureza dividia com ela, sabia se controlar. Sabia onde usar todos os seus recursos e evitava, ao máximo, precisar deles. A exceção à regra, contudo, era na floricultura. Um lugar repleto de plantas, do chão às paredes, espalhadas no teto, um lugar que trazia a energia que só sentia quando estava com a natureza. Aquele era o lugar em que ela se sentia confortável em usar seus poderes e que não tinha qualquer ressalva com a fitocinese. Manipulava as flores para fazê-las crescer, ficar na cor e do tamanho ideal, brotar, enraizar, tirar ou colocar espinhos, personalizar.
As pessoas que ali iam comprar podiam escolher a espécie, a cor, a espessura, o tamanho, a textura. podia vender uma variedade de flores e plantas que nenhuma outra loja do mundo conseguia, podia trazer espécies que não são encontradas na Europa, podia multiplicar as sementes, as raízes, as pétalas. Era sua própria fornecedora, sua própria jardineira, sua própria vendedora. Colocava amor e muito empenho em fazer a sua floricultura continuar aberta, em continuar dando vida aquela plano que fez com seus pais muitos anos atrás. Karl amaria aquele lugar, Everett sentiria muito orgulho dela. A floricultura significava muito para . Era a parte externa de quem era, era o contato que tinha com a natureza, era a forma de dar às pessoas um pouco de paz e conforto pela perda dos seus.
Nate amava a sensação de entrar na loja. E amava mais ainda a sensação de quando entrava com , de ver todas as plantas se virarem em direção a ela, a voz suave de falando bom dia como se as pudesse entender. Ela entendia. A mesma sensação de ver chegar em Wakanda, o campo gramado saudando-a com milhares de flores, se conectando com quem ela era, com o que representava para a natureza. A sensação boa, livre e muito energizada que o homem que entrava na floricultura naquele momento sentiu.
O dia tinha corrido, como especialmente corriam para um floriculturista, nas semanas nas quais celebravam mais um ano do estalo. havia vendido muito naquele dia e, igualmente, trabalhado muito para deixar tudo organizado, limpo e bem abastecido. Tinha respondido a um e-mail de Rocket, enviado meia dúzia de áudios para Thor, todos respondidos com embriaguez, e no grupo em que estava com Okoye e Ayo compartilhou fotos antigas com elas, que encontrou sem querer perdidas no telefone. Nate tinha ligado para contar que a sentença finalizou a favor de seu cliente e que sairia com Martina, sua então sócia, para celebrarem mas voltaria a tempo de jantarem juntos.
Eram quatro e pouco da tarde quando, na loja vazia, ouviu o sino da porta tocar baixo e, com ele, um homem com roupas casuais e cores sóbrias, vestindo um boné, entrar. Ela estava de costas para a porta de entrada, atrás da bancada do caixa, onde terminava de remover espinhos de um buquê de rosas vermelhas. Pelos grandes espelhos da parede a sua frente, ela subiu seu olhar para dar uma olhada em quem entrava, a silhueta familiar e sorridente, as mãos nos bolsos da calça, a encarando pelas costas, pelo reflexo do espelho.
Sorrindo com estranhamento, curiosa em saber o que ele fazia ali sem tê-la avisado sobre a visita, perguntou, virando-se de frente para o homem:
— Não vendem flores nos Estados Unidos?
— Não a que vim procurar — Steve sorriu abertamente para ela — A mais rara e forte delas, não floresce em qualquer lugar.
Capítulo 32
Berlim, Alemanha
Steve nunca tinha sido bom em projetar seus sentimentos em palavras. Talvez pelo tempo que passou sozinho, depois de perder a única família legítima que tinha, sua mãe, talvez por nunca ter tido a oportunidade de dizer a quem amou o que sentia, talvez por ter amado tão pouco que não foi o suficiente para colocar em palavras. Ele tinha introjetado em si mesmo a regra que o acompanhou por muito, muito tempo: reprimir, abafar, engolir tudo o que achava e que sentia por outras pessoas era sempre a melhor opção. Mas o tempo também serviu a Steve como um bom café é servido pelas manhãs: amargo, quente, cujo gosto perdura e cujos efeitos se arrastam por etapas da vida. Steve teve tempo de rever esse lado de si mesmo, de reaprender, só não, ainda, conseguia praticá-lo. Talvez uma imperfeição em toda a carga de acertos que o Capitão América carregava. Talvez o lado humano que Steve estava aprendendo a reconhecer ser tão falho também aparecia ali.
Ele não sabia dizer exatamente o por que precisava de para aquela missão. E não sabia o que ou como deveria dizer aquilo a ela. Não era a força, nem a inteligência, nem as habilidades que tinha. Steve precisava da que não muitas pessoas tiveram a chance de conhecer. A do olhar sereno, da risada fácil, da atenção extrema, das entrelinhas. A da coragem, da alteridade, da seriedade, da compreensão, da falta de paciência e da teimosia. Ele precisava daquela que, naquele momento, dois minutos depois de ele entrar na loja, o abraçava de forma tão apertada e reconfortante que fez Steve refletir sobre como realmente se sentia perto dela. Ele tinha noção do que representava para ele. Tinha noção de que precisava dela como uma flor precisava de chuva. Só não conseguia, ainda, colocar tudo aquilo em palavras.
Muitas pessoas dizem, porque acreditam, que não é possível encontrar abrigo em lugar algum. Por outro lado, encontra-se abrigo em pessoas, em situações, em sentimentos, no tempo, mas nunca em lugares. Talvez fosse aquilo mesmo. Talvez fosse o abrigo. Steve se sentia como em casa, se sentia como se sua família ainda estivesse viva, como se ele tivesse uma irmã. De outra época, de outros pais, vivendo na capital de um país que ele ajudou a libertar, com olhos e cabelos de cores diferentes dos seus, mas que carregavam a mesma intensidade e a mesma coragem. Não havia sangue, nem linhagem, nem sobrenome. Mas havia, contudo, o que mais é necessário ter para que uma família seja considerada como tal: o reconhecimento, o amor e a estranha sensação de ali ter um pedaço de si mesmo, de ter uma das dezenas de pontas de sua própria raiz, de matar e de morrer se for preciso.
Steve teve muito tempo para refletir sobre sua vida. E não bastasse, teve cinco longos anos extras de uma solidão extrema que era eventualmente quebrada por visitas que fazia a Natasha em Nova Iorque e a na Alemanha, quando decidia que era a hora de ser o amigo inconveniente que passava semanas abrigado na casa dos outros. De longe, o apartamento de estava no topo da lista, a preferência de viagem, de visita, de lugar em que podia ficar tão à vontade que parecia ser sua própria casa. Steve teve muito tempo para ressignificar tudo nesses anos. E mais do que isso, teve tempo de, cada vez mais, fazer de a única pessoa sobrevivente para chamar de família.
De certo tinha Natasha. Uma amiga, talvez a melhor delas, como nenhuma outra. Alguém em que podia confiar, contar e ter expectativas. Alguém que o entendia e que se preocupava com ele, que partilhava boa parte das histórias mais irreais que podiam contar. Alguém que daria sua vida pela dele e alguém que, certamente, sempre estaria por ele onde quer que ele precisasse. Steve sabia que tinha ela. Mas, igualmente, sabia também que toda a situação extrema de vulnerabilidade de o tinha trazido cada vez para mais perto dela. precisou muito de Steve naqueles anos. Antes de Nate, antes de Sarah, antes de ter o pouco de vida que estava tendo ali, só o teve. Steve foi para ela a casa, o lar, que a abrigou ao menos no começo de todo aquele inferno e não conseguia mais olhá-lo de outra forma senão como um irmão que, ironicamente, ganhou da vida quando perdeu todo o resto.
Talvez porque tinham partido do mesmo ponto. Bucky. Talvez porque tinham o mesmo gosto para amigos. Sam. Ou talvez porque, no fundo, suas personalidades, seus gostos e suas dores fossem tão parecidos que, muitas vezes, se misturavam. Como em irmãos que partilham a vida, como só irmãos sabem como acontece. Irmãos separados por uma distância geográfica, que se conversavam com os olhos, que se ligavam três ou quatro vezes por semana, que passavam datas comemorativas juntos. Que faziam questão de ter as conversas mais intensas e íntimas, que compartilhavam de quem eram com a naturalidade que só se compartilha com aqueles que genuinamente se confiam. A verdade é que, nos cinco anos em que se passaram, Steve e foram um para o outro o que nunca tiveram no restante de suas vidas.
E se soubesse ali, abraçada a ele dentro de sua floricultura naquela tarde, que daquele exato segundo em diante estaria se despedindo de Steve, talvez ela tivesse feito escolhas diferentes. Mas o que é a vida senão imprevisível?
Steve deixou um suspiro alto escapar, verdadeiramente feliz por estar ali, apesar de toda a tensão que carregava consigo. Com a postura formalmente séria, o olhar amigável transbordando ansiedade e o sorriso leve nos lábios, ele quebrou o abraço levemente, dando uma rápida olhada ao redor, por cima de parada a sua frente. A loja estava do mesmo jeito que da última vez em que ele esteve ali, alguns meses atrás. Repleta de flores e plantas, tomada por um cheiro l adocicado, cheia de cores, energia e de vida. Não havia outros clientes, a loja logo seria fechada, ele sabia disso, tinha chegado naquele horário de propósito.
Nas semanas em que visitava , costumava acompanhá-la à floricultura e passava o dia ali com ela, conversando, a ajudando. Se divertiam juntos, Steve se sentia bem em acompanhar a vida nova que sua amiga levava. Gostava do tempo que tinham juntos, de sair para conhecer Berlim. Gostava de Nate. Sempre ficava uma ou duas semanas ali, a cada seis meses, em média. Para ele, era bom mudar os ares. Era bom ver que , depois de tudo, estava conseguindo se reerguer outra vez. Era bom porque, com isso, ele também se reerguia.
— Posso saber para o que você precisa de uma flor dessas? — quebrou o silêncio sorridente, afastando-se levemente de Steve.
Steve sorriu de volta, tirando levemente seus braços envoltos na cintura dela. Aquela era exatamente a pergunta que o acompanhou por todo o caminho até Berlim. O incômodo que o fazia estar ansioso e que o fez começar a refletir todas aquelas questões. Não tinha um jeito fácil e nem simples de responder àquilo, não tinha uma forma amena ou amigável de propor o que ele tinha que propor, não tinha. Ele havia pensado em todas as possibilidades e, em nenhuma delas, pareceu fácil dizer o que precisava dizer à . Não seria. Steve só não esperava que ela fosse o questionar tão cedo, tão rápido. Mas era cirúrgica. Sempre tinha sido, por que ele ainda se surpreendia?
— Tenho uma missão que exige força e um certo charme raro, preciso dela — Ele disse simplesmente, enquanto observava o olhar de cair ao chão. Apesar da metáfora, ela entendeu expressamente o que ele queria dizer.
— Acho que, nesse caso, não vai encontrar ela aqui também — Ela sorriu sem mostrar os dentes, negando levemente com a cabeça. Steve sabia que não fazia mais aquilo. Estava enfrentando problemas o suficiente com o fracasso da última vez em que tiveram uma missão e, além disso, a justiça estava em cima dela, não havia mais missões para ela. Não há, pelo menos, cinco anos. — Me desculpe.
— Já encontrei, na verdade — Steve colocou suas mãos nos bolsos da calça sem tirar o sorriso fraco do rosto — Só preciso que ela aceite.
soltou uma risada fraca pelo nariz, negando outra vez com a cabeça. Steve claramente tinha algo em mente e aparecer ali de surpresa, tão de supetão que mal tinha enviado uma mensagem para avisá-la, só podia significar que algo realmente urgente, importante e confidencial estava acontecendo - do contrário, ele não chamaria de missão e nem teria ido pessoalmente conversar com ela. Ele não era do tipo que fazia visitas fora de época, para matar saudades ou passar o tempo. Era velho e, como um bom idoso, metódico. deu alguns passos até a porta da loja, virando a placa que indicava estar aberta para que, agora, indicasse estar fechada. Se tinha algo realmente importante acontecendo, algo que forçou Steve a sair dos Estados Unidos e ir até ela, na Alemanha, sem aviso prévio, eles precisavam de tempo e espaço para conversar.
Steve acompanhou os movimentos de com o olhar, em silêncio, sabendo que ela já estava entendendo o jogo sem nem mesmo ter sido convidada a jogá-lo. era esperta. Entendia as entrelinhas como ninguém, via os detalhes de tudo como se saltassem aos olhos, uma sensibilidade que Steve se impressionava. Ele esperou que ela fechasse a loja e que voltasse até perto dele outra vez, parando encostada de lado no balcão do caixa enquanto ele sentava-se em uma das altas banquetas de madeira que tinha ali. Tinha que ser delicado, medir palavras e, mais do que isso, fazê-la realmente entender o que estava em jogo dessa vez. Tinha que ser convincente porque, do contrário, se saísse dali sem ela, não saberia mais o que fazer. Precisavam de todos. Sem exceção.
— Achei que tivesse vindo porque estava com saudades — brincou, seus braços cruzados em frente ao peito.
— De você, talvez — Steve refletiu, brincando — Do seu apartamento, com certeza. Sabe que eu gosto muito dele.
— Vai me dizer que decidiu morar comigo? — Falsamente dramática, colocou as mãos no rosto como se estivesse surpresa com a notícia — Preciso me preocupar?
— Vou atrapalhar? — Ele riu baixo.
— De modo algum, se não se importar de termos Nate e Alpine nessa conta também.
— Uma família peculiar.
— Minha especialidade — concordou com a cabeça, risonha — Mas não parece muito a sua e é por isso que toda essa conversa está estranha.
— Sou tão previsível assim? — Steve semicerrou os olhos, vendo-a dar de ombros.
— Mais do que você pensa — Ela rebateu risonha, fazendo-o revirar os olhos, mas logo se recompôs — É sério, o que está fazendo aqui, Steve?
Ele deixou um suspiro pesado sair enquanto ajeitava suas costas no banco, ganhando tempo para pensar em como, de fato, começar aquela conversa. não demoraria muito mais para insistir no tema e ele não tinha tempo a perder. Quanto antes pudesse sair de lá, da Alemanha, com ela, antes terminariam de uma vez por todas com aquele pesadelo. Sem mais nada a perder, sem mais tempo a ser desperdiçado.
— E não me diga que é visita surpresa, porque não vou acreditar nisso.
— Preciso de você, — Como se o tom do assunto tivesse mudado drasticamente, a voz e a expressão de Steve tomaram um ar sério, reflexivo — Nós precisamos, na verdade.
— Nós? O que está acontecendo? — perguntou serena, seus olhos nos dele com curiosidade. Steve parecia realmente tenso, um tanto aflito. Ele pensou por alguns segundos, até responder, ainda mais baixo do que antes, sem desviar seus olhos intensos dos dela:
— Scott voltou.
Levou um minuto inteiro para que entendesse de que Scott Steve se referia. Só havia um homem com esse nome que era conhecido pelos dois, um único homem que ambos conheceram no mesmo dia, que viram uma única vez em suas vidas. O homem que lutou ao lado deles, que foi preso, que ajudou a conseguir a prisão domiciliar para poder ficar perto de sua filha. Scott Lang, um dos nomes que estava na lista de desaparecidos, constava no monitoramento de Stark. viu a foto dele, viu o nome dele, tinha certeza absoluta de que ele estava desaparecido, como metade do universo. Steve só podia estar brincando.
— Voltou? Da poeira? — Ela perguntou atônita, encarando Steve, que negou com a cabeça — Co-como?
— Ele não estava exatamente desaparecido, ele… — Steve parou por um segundo, soltando todo o ar pelo nariz — Não sei como explicar sem parecer ilógico.
— Steve, metade de todo universo sumiu com um estalo…nada é mais ilógico do que isso — estava nitidamente ansiosa.
— Scott estava fazendo um experimento com espaço e tempo quando o estalo aconteceu — Steve gesticulou, tentando explicar o que tinha ouvido de Lang — Ele entrou no reino quântico e as pessoas que ficaram fora para ajudá-lo a sair de lá desapareceram com o estalo. Ele ficou preso lá dentro.
— Por cinco anos? — tinha a testa franzida, confusa — Como ele sobreviveu?
— Aí que está — Suspirou Steve, seus olhos sem desviar dos de nem por uma fração de segundo, sua mão direita em cima da bancada gesticulando enquanto falava — Para ele só se passaram cinco horas.
Com a testa franzida e a expressão séria, estava totalmente confusa. Não soube o que deveria responder, nem mesmo o que pensar. Aquilo não parecia real, era uma história tão fantasiosa quanto alguém não envelhecer por conta de um soro ou poder controlar a natureza. Era tão absurdo quanto Thanos descer do céu e matar cinquenta por cento de tudo que era vivo com um estalar de dedos, tão inesperado quanto Thor, dado morto, ter se juntado à eles no exato momento em que mais precisavam. E embora coisas absurdas como aquelas fossem uma constante na vida de , não soava real para ela.
Não conhecia Scott Lang a ponto de saber que era um entendido de física quântica e muito menos que fazia experimentos com isso. Não o conhecia a ponto de confiar nele, mas confiava em Steve. Subindo seu olhar de volta até o homem sentado à sua frente, tinha dúvidas sobre o que aquela informação significava. Se Scott tinha voltado, poderiam os outros voltar também? Não, era um absurdo.
— O que isso quer dizer, Steve?
— Scott tem uma teoria — Steve começou a dizer, assentindo brevemente com a cabeça — Conseguimos usar a mesma ideia do reino quântico para viajar de volta no tempo, ocupar o espaço antes de Thanos acontecer e reunir as joias outra vez.
Steve assistiu os olhos de abrirem-se levemente em surpresa, quase imperceptíveis, enquanto uma risada fraca e baixa, um tanto irônica, tomou o ar por um único segundo. Quase como uma reação de desdém, talvez fosse. Mas Steve sabia que estava só se defendendo do que, a partir daquele segundo, começou a fazer sentido para ela. Eram informações demais, repentinas e totalmente surreais.
— Voltar no tempo? — deixou uma risada nasalada escapar, quase como se estivesse zombando daquela ideia — Você só pode estar de brincadeira.
— Não, , isso é sério… é uma teoria ainda, mas… — A tirar pela expressão séria e compenetrada, ele não parecia realmente estar brincando e não deu sequer tempo de ele terminar aquela frase. Não podia ser real.
— Não, não, não, Steve — Ela gesticulou — Isso só pode ser um grande mal-entendido… é... impossível.
— Metade de todo universo sumiu com um estalo, — Ele respondeu suavemente, no mesmo tom que ela o fez há pouco — Se não é ilógico, não é impossível também. Pense.
— Isso não… como seria… possível? — Ela gaguejou, atordoada, suas mãos passando pelo rosto.
— Tony conseguiu fazer o modelo — Steve exasperou-se — Temos um GPS de tempo-espaço que funciona, a interface está sendo adaptada para um modelo operacional que comporte o que precisamos. Temos partículas Pym, as que Scott usa, o suficiente para irmos e voltarmos, temos uma chance, .
Um novo momento de silêncio tomou conta da floricultura. Diferente agora, contudo, foi que algumas flores de girassóis se viraram de onde estavam de frente para onde Steve e conversavam, como se quisessem se juntar a eles na conversa. Aquela informação tinha mexido com de um jeito que estava sendo exteriorizado, que estava atraindo atenção e reação da natureza ao redor. Um bom sinal, talvez, pensou Steve. Mas ainda não o suficiente para convencê-la, a tirar pela expressão ainda mais confusa e intrigada dela.
Apesar de todas diferenças, acreditava no conhecimento de Tony Stark. E saber que ele estava no meio daquilo tudo soou estranhamente confortável para ela. Primeiro porque Stark era um gênio. Talvez não tão inteligente como Shuri, mas um gênio ainda assim. Conhecia sobre física e sobre engenharia quântica e se tinha feito um modelo renderizado que era operativo é porque algum resquício de realidade e de validade aquela história tinha. Depois, era confortável porque Tony Stark passou cinco anos sem procurar Steve. E a recíproca foi verdadeira. Estavam juntos outra vez? O que poderia ser tão sério e real a ponto de fazer Tony Stark engolir o próprio orgulho, suas mágoas e seu rancor para voltar atrás? O que era tão possível que fez Steve pedir ajuda justamente para quem ele sabia que o negaria?
— Stark? Ele… — começou a perguntar, mas logo foi cortada:
— Está de volta ao Complexo, sim. Nós fomos até ele, no começo ele não aceitou a ideia, ele tem uma filha agora...
— O quê? — indagou incrédula. Tony não só tinha aceitado aquela ideia como estava colocando em xeque a própria família para fazer aquilo dar certo? Aquela história parecia ficar, a cada instante, mais absurda — Por Bast — murmurou para si mesma.
— Ele desenvolveu o modelo com base no que Scott disse a ele, testou as variáveis — O homem continuou explicando — Tony fez a ideia sair do papel e se perguntou se tinha mesmo que continuar vivendo a sorte de ter sua família enquanto centenas de milhares de outras pessoas não tiveram o mesmo fim.
Steve esperou que ela encaixasse peça por peça daquele quebra-cabeças. Era complexo, sim. Contudo, apesar das dificuldades que podiam ter de entender a ideia em si mesma, de compreender como o retorno ao tempo poderia funcionar, a parte mais indigesta era, justamente, a chance que parecia nascer de consertar tudo. E como um raio que quebrava o céu com raiva, aquela ideia bateu em com violência. Steve estava propondo trazer seus pais de volta, Bucky. Shuri e T’Challa. Sam. Ivy. Peter Parker. Wanda. Steve estava ali porque descobriram uma forma de voltar ao tempo, de reunir as joias em outra vez, de impedir Thanos não pela força, nem pela violência, mas pela ciência.
Cinco anos atrás Steve não soube o que fazer. Não teve um plano, nem uma estratégia, não teve nada. Naquele dia, contudo, tudo era diferente.
Diferente porque, dessa vez, ele esperou que a ideia fosse comprovada. Esperou que o plano estivesse desenhado e que a estratégia estivesse montada. Steve, mais do que ninguém, sabia que não tinha mais o que perder. O pouco que lhe sobrou era absolutamente tudo para ela. Dessa vez, não podia dar errado. Por isso não ligou, não contou antes quando a ideia surgiu, não avisou que estaria a caminho de Berlim. Ele queria dar a ela certezas. Garantias de que, agora, tudo seria diferente.
esteve com ele quando não havia nada além de raiva e culpa. Quando foram, de alma lavada e de corpos machucados, uma última e fatídica vez em busca da única chance que tinham de reagir. reagiu com ele, sem planos, sem nada. Steve estava ali pedindo que ela fizesse de novo, uma vez mais.
— Steve, isso é… loucura — engoliu seco e negou com a cabeça — Eu não posso… não posso fazer isso.
— Por que não, ? Temos uma chance, é uma oportunidade de... — Ele tentou dizer, mais rápido do que antes, mas logo foi cortado pela voz um tanto desesperada dela:
— Nós tivemos uma chance, Steve… no passado, cinco anos atrás. E o que fizemos com ela?
— O melhor que podíamos com os recursos que tínhamos — O olhar dele era quase um suplício — Dessa vez é diferente.
— E por que seria? — abaixou o tom de voz, vendo Steve, levemente surpreso com a pergunta, respirar fundo.
— Porque estamos juntos de novo — O homem respondeu com firmeza — E estamos traçando um plano. Nós sabemos o que são as joias agora, sabemos o que elas fazem e sabemos o que devemos fazer dessa vez. Cinco anos atrás fomos pegos de surpresa. Agora, não mais. Estamos há cinco anos presos nessa sensação de que poderíamos ter feito mais e melhor para impedir, tentando nos livrar da culpa que carregamos todos os dias, a todo custo, e agora chegou a hora — Ele passou as mãos pelo rosto, sincero em suas palavras e, igualmente, cansado de se sentir daquela forma — Nós podemos consertar as coisas, . E podemos fazer isso do jeito certo dessa vez.
— Eu não posso arriscar mais — Ela rebateu, seus olhos se enchendo de lágrimas enquanto sua mente divagava entre as memórias de seus pais, de Bucky — Nós já tivemos esperança. Eu acreditei que tínhamos um jeito de resolver tudo isso, todos nós acreditamos. E olha onde chegamos, Steve. Você não sabe como Thor está — A voz de começava a ficar embargada — É um preço alto demais que não podemos mais pagar. Não vou aguentar passar por tudo isso outra vez.
— Sei que está fazendo sua segunda chance aqui, sua casa, a floricultura, Nate… mas isso é real, temos uma nova chance de reagir — O homem insistiu — Cinco anos atrás você acreditou que se tivesse qualquer chance de fazermos algo, por menor e mais impossível que fosse, nós deveríamos ao menos tentar. O que mudou?
A única resposta que havia encontrado para aquela pergunta era o conformismo. Nada havia mudado nos cincos anos que se passaram. Ela só tinha se conformado com os fatos. Tinha se acostumado com a vida pacata e sem grandes emoções que levava, tinha aprendido a viver com a saudade e com a dor que sentia sempre que sonhava com a cena de Bucky desaparecendo na sua frente, sempre que se lembrava da risada de Everett e sempre que reparava em AJ e Cass e o quanto se pareciam com Sam. Talvez se algo realmente tivesse mudado, aquela conversa não estivesse mexendo tanto com ela, não a estivesse embaralhando a mente, trazendo todas as exatas mesmas emoções que sentiu cinco anos atrás, quando entrou em uma nave e saltou ao Espaço.
Steve trazia esperança.
Talvez a única coisa que adormeceu em naqueles anos, a única coisa pela qual ela desistiu de lutar, que a fez se conformar.
Karl sempre dizia que o conformismo era um parasita. Silencioso e destruidor. Se ainda tivesse ali, Karl teria se conformado com tudo que aconteceu? Teria desistido de a procurar? Bucky nunca havia se conformado com sua própria situação. Tinha motivos para ter desistido, mas desistiu? Ele não jogaria a toalha, não a abandonaria. Nem Sam faria isso, não fez nos anos em que passou se escondendo do mundo. T’Challa não desistiu quando descobriu sobre o passado dela, nem Everett. Por que ela tinha se conformado, afinal?
Como Nate se sentiria se pudesse ter sua filha de volta? A pessoa que mais amou em toda a vida, por quem ele chorava todos os dias. O quanto Sarah sentia falta de Sam? E se Guzman pudesse ter sua família outra vez? Ela podia dar aquilo a eles? Podia dar a todas as pessoas que perderam alguém os seus de volta?
E como um fósforo em uma vela, Steve reacendia . Aquela única faísca que precisava cair nela para que o incêndio começasse, a virada de chave que a lembrava do que foi um dia, que doía como o inferno. manteve-se em silêncio por algum tempo que Steve não soube dizer qual foi. Ela parecia pensar, os olhos carregando-se de lágrimas. Estava nitidamente perdida, confusa. Divida entre o que lhe parecia mais racional, mais alinhado à vida nova que tinha, e o que lhe parecia mais tendencioso, o que tinha sentido e o que ela mais desejava que acontecesse.
— Nós precisamos de você, — Steve quebrou o longo silêncio, atraindo novamente o olhar dela para si — Não vamos conseguir se você não estiver lá, somos um grupo, não é? Precisamos uns dos outros — Ele refletiu por um momento, buscando as palavras mais claras que podiam existir para dizer o que sentia — E eu preciso de você, porque preciso acreditar que isso é… real, que vai mesmo... que vai dar certo.
Não exatamente do jeito que ele queria dizer, como gostaria de expressar o que sentia, Steve colocou para fora a insegurança que o perseguia desde que Scott apareceu com aquela ideia em mente. Apesar de plena confiança em Tony, Scott e Bruce, ainda não tinha feito os testes necessários e reais, não era uma certeza cem por cento absoluta de que conseguiriam mesmo colocar tudo que esperavam em prática. Ter por perto era uma garantia emocional de que Steve estava fazendo a coisa certa, como se tivesse a aprovação de alguém que ele se importava com a opinião. O pingo de sanidade naquela loucura, o enraizamento no chão quando as ideias pareciam sonhos bons demais para ser verdade.
somaria ao grupo em inteligência, em força física, em poder e em agilidade. Poderia contribuir para pensar na estratégia do plano e para manter o grupo unido e motivado. Contudo, mais do que aquilo, somaria em esperança e em realidade.
— Como sabemos que dessa vez não acabará como da última? Que não ajudaremos a matar a outra metade que sobrou? — A voz dela estava assustada, mas manteve-se baixa. Os olhos cheios de lágrimas a ponto de transbordar a qualquer instante — É arriscado demais, Steve. Eu não posso perder mais nada… eu não posso perder você também.
Steve deixou um sorriso triste escapar ao ouvir aquilo. A sensação tão íntima de amar alguém em detalhes tão pequenos. Ele não estava acostumado com aquilo. Virando-se de frente para ela, ainda sentado no banco, ele estendeu-lhe a mão por cima da bancada de madeira.
— Sei que é arriscado, você tem toda razão. Mas nós temos que tentar — A voz firme e séria, mas serena dele a trazia confiança — Por seus pais, por Sam, por Bucky, Shuri, T’Challa, Wanda, Peter e todos que se foram. Nós temos um plano, temos recursos, só precisamos de uma equipe boa o suficiente para assaltar o tempo.
Assaltar o tempo.
Das coisas que já tinha feito por amor, aquela era, sem dúvidas, a mais inusitada e curiosa delas. moveria o mundo inteiro, se precisasse, para ter as pessoas que mais amou na vida de volta. E ali estava a chance de, não apenas mover o mundo, mas o espaço e o tempo também. A missão de sua vida. A mais complexa delas, a mais assustadora também. Se topasse, não haveria mais volta. Um jogo de soma zero. Estaria abrindo mão das certezas que tinha pelas incertezas de ter de novo o que um dia já teve. Não parecia justo com ela, nem com o esforço que fez para seguir em frente, nem com como se sentia diante de toda aquela situação. Mas parecia justo com o resto do mundo? O que pesava mais na balança? sabia, de olhos fechados. Não havia sequer motivo para ponderações.
não sabia, contudo, o que faria se aquela ideia desse errada outra vez, se eles fracassassem de novo. Mas, igualmente, não queria pensar naquilo naquele momento. Balançando a cabeça levemente para afastar seus pensamentos, evitando que sua mente a levasse para o que tinha de pior, o que mais podia dar errado, engoliu o choro. Ela encarou a mão de Steve alguns segundos até, finalmente, aceitá-la, pegando-a, colocando a sua mão em cima da dele. Steve sorriu satisfeito, a encarando nos olhos por um momento, até ouvir perguntar outra vez:
— Você, Tony, Scott… quem mais está dentro?
— Natasha, Bruce, Rhodey, Rocket e Nebulosa — Ele respondeu, apertando levemente a mão dela — Nat foi atrás de Clint e Bruce e Rocky de Thor.
— Thor? — Ela estranhou. Ele mal respondia às mensagens dela, Thor, de todos eles, era certamente o que menos conseguiu seguir em frente. Não toparia participar daquilo, ainda estava machucado e magoado com tudo — Não acho que vão conseguir convencer ele — Ela negou com a cabeça levemente — Da última vez em que consegui ligar para ele, ele não estava nada bem, ele...
— … chegou hoje cedo ao Complexo — Steve completou baixo, observando fazer uma careta incrédula. Thor tinha aceitado se juntar a eles? Já estava lá? Quer dizer então que…
— Eu sou a última a ser convocada?
— Clint, eu acho — Steve respondeu — Natasha não tem certeza se ele vai aceitar, como eu também não sabia se você… aceitaria. Sei que é uma decisão difícil para quem perdeu muito. E sei que não podem perder ainda mais.
— Só preciso da garantia de que não vamos fracassar outra vez.
— Eu não posso te dar isso — Ele respirou fundo, desviando seu olhar para um canto qualquer — Mas posso te dar uma chance de tentar — Steve voltou seu olhar até ela, suas mãos ainda carinhosamente juntas — Você pode fazer o teste, pode ir a primeira vez, ver se o sistema está operando.
— E se não der certo? — perguntou insegura, a voz cheia de incerteza.
— Então, engavetamos essa ideia e eu mesmo te trago de volta.
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não contou a Nate o real motivo da viagem repentina aos Estados Unidos.
Achou mais seguro não dar a ele a esperança e a ansiedade de lidar com aquela informação. Nate tinha perdido sua filha, tinha visto sua esposa morrer bem diante de seus olhos. Tudo já era difícil demais para ele. não achou justo dar-lhe uma esperança que, ao fim, poderia ser falsa. Nem ela, nem Steve, nem nenhum dos Vingadores restantes sabiam ao certo qual seria o final daquilo. Tinham uma ideia, uma teoria, mas não uma certeza e uma comprovação. estava indo testar uma hipótese, não podia fazer promessas e nem criar em Nate expectativas das quais ela nunca mais poderia escapar da responsabilidade. Fosse o que fosse, ainda não era a hora certa de ele saber o que acontecia ali. Era mais seguro não dizer a verdade.
Apressada, ela fez uma mala pequena com algumas trocas de roupas, juntou seus documentos e despediu-se de Nate em seu apartamento, deixando Alpine com ele. Disse que Steve estava passando por um período ruim e que precisava da ajuda dela, seriam só alguns dias. Nate não desconfiou, não perguntou nada além de se ela estava levando um casaco e de se ficaria bem. Conhecia o suficiente para saber que ela faria o que fosse possível para ajudar Steve quando ele precisasse. E, no fundo, ele ficava feliz de ver que a vida dela estava se movimentando. Era possível que voltasse com AJ e Cass, talvez que estendesse a viagem para ficar com Sarah algum tempo. Nate deixou em o último dos beijos que daria nela. Tranquilo, suave, calmo e amoroso, como a relação que tinham. Não sabiam que aquela seria a última vez que se tocavam daquela forma, que se expressariam tão intimamente um com o outro. Mas talvez fosse melhor daquele jeito.
deixou Nate para trás com a marca que poucas coisas em sua vida haviam recebido. O pertencimento. Naqueles anos em que passaram juntos, Nate fez de Berlim a casa que ela nunca teve. Diminuiu drasticamente a solidão dela enquanto diminuía a sua própria, deu a vida um sentido novo pelo qual seguir em frente e fez do amor uma nova chance de recomeçar. Nate era o motivo pelo qual teve vontade de continuar seguindo, foi quem a amparou nas noites que pareciam tormentosas e quem celebrou com ela cada motivo a ser celebrado. Nate fez se sentir pertencente a algo. E nesse meio tempo, aprendeu a pertencer-se outra vez. Com o respeito, a amizade, o tempo e o espaço que só eles tinham. esperava contar a ele o real motivo da viagem. Prometeu a si mesma que, se aquilo fosse realmente verdadeiro, se a hipótese se confirmasse e a viagem no tempo acontecesse, ele seria a primeira pessoa a saber. Esperava dar a ele de volta a vida que ele deu a ela.
A música alta, contudo, cortou os pensamentos de assim que entraram no amplo galpão do Complexo. Tinha parado para conversar com Natasha assim que chegou ali e ouviu dela a explicação sobre o que já tinham conseguido fazer até então, sem muitos detalhes, porque, assim como ela, também não tinha grandes conhecimentos no tema. Mas já foi o suficiente para que já pudesse ter uma ideia. Tinham uma máquina, tinham um rascunho de um plano, tinham um time. Contudo, nada do que ele disse chegou sequer perto do que realmente estava acontecendo ali. E os olhos brilhantes, impressionados e um tanto esbugalhados de demonstravam a incredulidade que sentiu ao ver, ao viver, aquilo tudo.
Diferente da ideia que fez de um GPS espaço-tempo, imaginando que seria, no máximo, do tamanho de um relógio, diante de seus olhos estava uma plataforma circular gigantesca. Toda em metal brilhante prateado, articulado, com partes espelhadas e algo igualmente gigante saindo do teto, que lembrava a copa de uma árvore, o que antes era um galpão onde aeronaves e veículos de Stark ficavam, agora estava ocupado por um processador de espaço-tempo altamente tecnológico. Diferente das máquinas do tempo que costumava ver em filmes, diferente de qualquer ideia que fez no voo até os EUA enquanto ouvia Steve contar-lhe. Aquilo era real. E era mais sério do que estava achando que seria.
Se tinha carregado consigo qualquer pingo de insegurança e qualquer receio de Steve não estar totalmente certo sobre aquela missão, ver a plataforma bem diante de seus olhos, toda montada e aparentemente pronta para ser usada, funcional, tinha desfeito qualquer incerteza e dúvida bem ali, bem naquele instante.
Era a chance de suas vidas.
A oportunidade de, daquela vez, fazer tudo diferente e, de certa forma, já estava sendo feito. Sem pressa, sem pressão, sem tantas angústias ou emoções negativas. Estavam agindo com o racional, com o lógico e não mais com o emocional. Estavam mesmo desenhando tudo com calma e com atenção. Estavam mesmo dispostos a, daquela vez, vingar a queda que tiveram. E pensar naquilo, ver toda aquela estrutura, soou ridiculamente reconfortante para ela. só conseguia pensar nas pessoas que perdeu. Só conseguia deixar crescer dentro de si a sensação esperançosa e ansiosa de que estava realmente perto do passado, de voltar a ser o que um dia foi. Parado ao seu lado, com os braços cruzados e os olhos atentos, Steve observou a amiga olhar a plataforma com cuidado e com paciência. Talvez tenha sido só naquele momento que se deu conta de que, dentro dela, ainda havia um motivo pelo qual lutar.
— AH! Eu sabia que você viria, eu sabia!
A voz estridente cortou a atenção de e Steve que, virando-se ao mesmo tempo para trás, encararam Rocket apontando um pequeno martelo para , animado e sorridente em vê-la ali, depois de cinco anos. Apesar de ter mantido um canal de contato com ela, por e-mail ou mensagens, ver que tinha mais alguém ali no time e que era justamente , o tinha deixado mais seguro e esperançoso. A mulher retribuiu o sorriso aberto e sincero. A sensação estranha de estar novamente naquele lugar misturando-se com o conforto de uma vez mais terem reunido aquelas pessoas. As únicas pessoas possíveis.
Rocket estava de ponta cabeça, embaixo de alguns ferros da estrutura da plataforma do tempo. Sem prestar muita atenção, ele mandou um beijo de longe para que, risonha e trocando um breve olhar com Steve, negou com a cabeça.
— Achei que estava perdido em algum lugar do espaço, Lebre.
— E ia perder a chance de participar dessa maluquice toda? Nem ferrando — Ele respondeu pulando de volta ao chão, parando em pé — Quando isso tudo acabar e eu puder voltar pro espaço, vou poder me vangloriar, dizer que fui eu quem montei isso aqui e que trouxe todo mundo de volta — Ele bateu a pata na estrutura ao seu lado e soltou uma risada alta.
— Então essa é a sua motivação? — perguntou cruzando os braços, um tom de ironia em sua voz — E o Groot?
— Certo, tem ele também — Rocket brincou áspero dando de ombros, tirando de uma nova risada baixa. Ela pensou em responder-lhe algo, contudo, a voz de Tony Stark vindo mais ao lado deles a cortou.
— Só para constar, Bocket… — Stark começou a dizer cinicamente, aproximando-se deles.
— Olha a boca — Steve murmurou baixo, mas o suficiente para todos ouvirem.
— É Rocket — O animal o corrigiu bufando.
— Tudo bem, que seja — Stark deu de ombros — Estava dizendo aqui que, só para constar, a ideia foi minha e não foi só você quem montou tudo isso aqui — O homem gesticulou ao redor — Portanto, quer meu conselho?
— Não — Rocky logo gritou, sem nem dar tempo do homem falar, virando-se para sair dali. Tony, contudo, o ignorou e continuou a dizer alto o suficiente para que ele, já longe, pudesse ouvir:
— Seja menos ambicioso, meu amigo.
— Vindo de você, parece realmente verdadeiro — o provocou, seus olhos semicerrados enquanto um sorriso cínico brotava em seu rosto. Tony, então, parou por um instante, voltando-se até ela — Uma pena você não ouvir os próprios conselhos.
Steve havia dito que estava reunindo todas as pessoas possíveis para aquela missão, parecia lógico que estaria envolvida. Contudo, como rever todos os demais que ali chegaram, para Tony também foi uma surpresa vê-la. Primeiro porque não tinha certeza se ela realmente se juntaria à eles, não depois de tudo que aconteceu entre eles e de tudo que perdeu da última vez. Depois, porque estava bastante diferente da última lembrança que Tony tinha dela, cinco anos atrás. Não estava mais abatida, nem machucada. Mas seu cabelo semi-preso estava mais curto, seus olhos um tanto aflitos e sua pele mais pálida do que de costume. Tinha perdido peso, talvez na mesma proporção que as lágrimas que derramou naqueles anos. Mas continuava bem vestida, elegante em uma saia curta de tweed que deixava a grande cicatriz que ele mesmo tinha feito nela aparente, com botas de cano alto, o casaco comprido que cobria a blusa de lã fina por dentro da saia. Os tons marsala da roupa combinavam com o vermelho do batom e não fosse pelo cheiro l adocicado característico que emanava dela, Tony diria que a que conheceu anos atrás tinha, junto com o estalo de Thanos, morrido.
Mas ali estava ela. Solitária, um tanto apreensiva, com o olhar feliz e amigável de antes, de quanto viu Rocket, virando tensão e seriedade ao ver ele bem em sua frente. Não tinham tido um bom começo. Em Berlim, na Sibéria, no Complexo. Não havia o que dizer, estavam em lados opostos desde o dia em que se conheceram. defendeu Bucky, Tony a machucou e talvez não fosse por Steve ou por um pingo de sanidade que ainda lhe restou naquele dia, a teria matado. Já era tarde demais para tentarem outra vez, mas, igualmente, já era tempo passado. E, como tudo que passa, deveria ficar para trás de uma vez por todas. Algo maior, proposital e conciliador estava acontecendo ali. Precisavam um do outro dessa vez.
Tony tinha certeza de que era uma aliada poderosa e necessária para o que precisavam agora. Era forte, responsável, cuidadosa, resiliente e protetiva. Era uma das peças mais valiosas do jogo para manter a equipe unida e carregava consigo a raiva e a vontade de vingança que precisavam ter para enfrentar o que quer que fosse dessa vez. No fundo, apesar das ressalvas e das diferenças do passado, Tony sentiu-se satisfeito e mais forte em vê-la ali, se juntar a eles.
E, embora nunca fosse assumir aquilo em voz alta, por todo tratamento que recebeu vindo do homem desde o dia em que seus caminhos se cruzaram pela primeira vez, na sede da Força-Tarefa em Berlim, também estava minimamente feliz por, finalmente, estarem do mesmo lado do jogo dessa vez. Como uma trégua velada, como se ambos estivessem estendendo suas bandeiras brancas, e Tony trocaram um olhar silencioso por um ou dois minutos. Não precisavam dizer nada, afinal, não tinham o que dizer. Estavam juntos agora, custasse a eles o que fosse.
— É bom ter você por aqui, — Ele estendeu-lhe a mão — Precisamos de todas as forças possíveis.
— Espero poder ajudar mais do que da última vez — apertou levemente a mão dele, mas logo soltou.
— Agora será diferente — Steve prontificou-se a responder, atraindo o olhar dela.
— Envenenamento em massa, plantas carnívoras que comiam animais extraterrestres, árvores gigantes e você até mandou um cara rezar — Em tom zombeteiro, Tony pontuou — Não precisamos de nada diferente disso.
— Quem te contou isso? — estranhou a fofoca ter chegado em Stark, mas bastou ele apontar para a figura vindo de trás de e Steve, de braços abertos, óculos de sol e um sorriso estranho no rosto, para tudo fazer sentido.
— Fada? — Thor perguntou por um momento, a mesma animação de sempre que ela conseguia falar com ele pelo telefone, a animação que denunciava o teor alcoólico em que ele se encontrava — Ah Fada, eu não acredito que você está aqui!
Sem pensar muito, Thor simplesmente abraçou com tanta força que a tirou do chão. Estava tão feliz de vê-la depois de tanto tempo que não conseguia esconder o sorriso aberto e as risadas baixas. Era como se tivesse, uma vez mais, diante do porto-seguro dos seus piores dias, os dias que ele tanto lutava em ignorar e esquecer a existência. Apesar das lembranças que o trazia, era feliz e muito reconfortante saber que tinha mais alguém em quem ele confiava ali. Uma das poucas pessoas que havia restado que se preocupava com ele, que queria entender o que acontecia e que compartilhava de boa parte dos infortúnios da vida. Era como reencontrar o ponto exato de estabilidade, que Thor havia perdido desde o dia em que deixou o Complexo dos Vingadores cinco anos atrás.
, por sua vez, demorou alguns minutos para conseguir digerir o choque que levou em ter visto Thor naquelas condições. Talvez fosse por aquele exato motivo que ele não atendia às videochamadas, que ele não quis passar seu endereço para que ela o fosse visitar, que ele se recusou a ir vê-la ao vivo. Ele estava física e emocionalmente abalado, muito diferente do que um dia foi. Tinha ganhado peso, parecia com a saúde debilitada, sua barba e cabelos não pareciam sequer ter sido lavados em cinco anos, quanto mais feitos, aparados. Ele vestia uma roupa velha e esgarçadas, óculos de sol que certamente serviam para esconder a vermelhidão dos olhos e cheirava mal, como se não tomasse banho há tempos. Thor mal estava conseguindo se manter em pé e suas palavras, mesmo que poucas até então, estavam banhadas por bebidas alcóolicas que, sabia , ele estava consumindo diariamente em quantidades exorbitantes, por cinco longos anos.
Ele havia dito a ela que estava tudo bem. Disse que tinha amigos que o estavam fazendo companhia e o ajudando a viver os dias mais longos e as noites mais tormentosas. Mas se perguntou naquele momento, que tipo de pessoa eram aqueles amigos, afinal? Por que havia deixando Thor chegar naquelas condições, por que não pediram ajuda? Thor não estava bem. Longe disso. E se tivesse a consciência de que ele estava tão mal daquela forma, a ponto de beber para que não tivesse mais noção da realidade, de abrir mão de cuidar de si mesmo, ela certamente teria feito algo antes, por ele. Ignorando o cheiro forte de cerveja, ela retribuiu o abraço apertado, desejando uma vez que absolutamente nada daquilo tivesse acontecido com eles.
— Thor? O que aconteceu? — A voz dela saiu quase em um sussurro, preocupada.
— Nada — Ela a colocou de volta no chão e, se afastando um passo para trás, sorriu — Não aconteceu nada. Deveria ter acontecido algo? É tão bom te ver.
— Você está… bem? — Insistindo, tentou começar a conversar, mas sem sucesso. Talvez teria que esperar outro momento, em que estivessem sozinhos e sóbrios. Aquela não era uma boa hora.
— Eu estou ótimo — Ele abriu os braços, mas logo voltou a tomar um gole da cerveja que segurava e que só reparou naquele momento — Você quer uma cerveja? Stark deixou a geladeira cheia delas, também têm mais na nave e...
— Na nave? — estranhou.
— Nem todo mundo tinha um motivo emocional forte o suficiente para estar aqui — Tony começou a dizer, observando virar-se levemente de lado para ele — Alguns tiveram que ser, bom... comprados.
— Vocês o trouxeram até aqui o comprando com bebida alcóolica? — praticamente gritou, incrédula, brava — Se tem algum de nós que tem “um motivo emocional forte o suficiente para estar aqui”, é ele! Ou vocês não estão realmente vendo o estado da coisa?
— Ele vai ficar bem — Steve resumiu-se em dizer. Embora estivesse, sim, preocupado com a situação de Thor, sabia que, no fundo, se aquilo tudo desse certo, ele realmente ficaria bem.
— E veio porque quis! — Tony completou — Banner foi buscar ele, conversaram.
— Muita força e muita inteligência... — apontou respectivamente para Steve e Tony, que seguiram a encarando — ...mas nenhuma sensibilidade.
— E aí? Quem quer cerveja? — Chamando novamente a atenção para si, Thor perguntou alto, ignorando completamente a discussão sobre ele mesmo, como se mal tivesse ouvido.
— Ninguém e nem você, chega — tomou a lata da mão dele, que frustrado, fechou a cara — Você precisa tomar banho. Tem… resto de comida na sua barba.
Sincronizadamente, Steve e Tony deram um passo mais perto de Thor, ficando um em cada lado de , para checar se o que ela dizia era mesmo real. A barba dele estava tão desgrenhada, dura e suja que mal podiam identificar o que eram as coisas ali paradas.
— Não preciso, não — Ele riu. respirou fundo, juntando toda a paciência que não tinha com pessoas embriagadas e, em um último apelo, disse:
— Vamos voltar no tempo, Thor. Se você encontrar Jane, quer mesmo que ela te veja nesse estado? E seus pais? Loki?
O ponto fraco de qualquer ser humano sempre foi o amor. Se estava ali, era pelas pessoas que um dia amou e Thor, mesmo que sem ter consciência clara disso, também deveria ter aceitado aquela ideia pelo mesmo motivo. Ele parou por um instante, refletindo, até levantar novamente a cabeça em direção a e assentir. Sem mais enrolações, ele virou-se em direção a saída do galpão, dizendo alto para que os outros três ouvissem:
— Me esperem para bebermos juntos a chegada da Fada.
, Steve e Tony se entreolharam exaustos. Talvez fosse mais fácil conseguir as joias outra vez do que tirar Thor daquele novo vício. Mas teriam que pensar nisso em uma outra hora.
— Bom, o que vem agora? — perguntou apreensiva, dando uma olhada na plataforma outra vez — Está pronta?
— Sim, estão preparando Scott para fazermos o teste — Tony respondeu prontamente, cruzando os braços — Mas já temos certeza de que uma variante funciona, precisamos testar a ideia de levar pessoas diferentes, para tempos e espaços diferentes ao mesmo tempo.
— Só temos partículas Pym para um único teste, ida e volta, em duas pessoas — Completando a lógica, Steve comentou pensativo. A conversa que teve mais cedo naquele dia com voltando à sua mente, toda incerteza e insegurança dela de que aquilo era realmente real. Steve suspirou, seus olhos caindo nos de , até perguntar — Se quiser ir, fazer o teste, a hora é agora.
Steve nunca tinha sido bom em projetar seus sentimentos em palavras. Talvez pelo tempo que passou sozinho, depois de perder a única família legítima que tinha, sua mãe, talvez por nunca ter tido a oportunidade de dizer a quem amou o que sentia, talvez por ter amado tão pouco que não foi o suficiente para colocar em palavras. Ele tinha introjetado em si mesmo a regra que o acompanhou por muito, muito tempo: reprimir, abafar, engolir tudo o que achava e que sentia por outras pessoas era sempre a melhor opção. Mas o tempo também serviu a Steve como um bom café é servido pelas manhãs: amargo, quente, cujo gosto perdura e cujos efeitos se arrastam por etapas da vida. Steve teve tempo de rever esse lado de si mesmo, de reaprender, só não, ainda, conseguia praticá-lo. Talvez uma imperfeição em toda a carga de acertos que o Capitão América carregava. Talvez o lado humano que Steve estava aprendendo a reconhecer ser tão falho também aparecia ali.
Ele não sabia dizer exatamente o por que precisava de para aquela missão. E não sabia o que ou como deveria dizer aquilo a ela. Não era a força, nem a inteligência, nem as habilidades que tinha. Steve precisava da que não muitas pessoas tiveram a chance de conhecer. A do olhar sereno, da risada fácil, da atenção extrema, das entrelinhas. A da coragem, da alteridade, da seriedade, da compreensão, da falta de paciência e da teimosia. Ele precisava daquela que, naquele momento, dois minutos depois de ele entrar na loja, o abraçava de forma tão apertada e reconfortante que fez Steve refletir sobre como realmente se sentia perto dela. Ele tinha noção do que representava para ele. Tinha noção de que precisava dela como uma flor precisava de chuva. Só não conseguia, ainda, colocar tudo aquilo em palavras.
Muitas pessoas dizem, porque acreditam, que não é possível encontrar abrigo em lugar algum. Por outro lado, encontra-se abrigo em pessoas, em situações, em sentimentos, no tempo, mas nunca em lugares. Talvez fosse aquilo mesmo. Talvez fosse o abrigo. Steve se sentia como em casa, se sentia como se sua família ainda estivesse viva, como se ele tivesse uma irmã. De outra época, de outros pais, vivendo na capital de um país que ele ajudou a libertar, com olhos e cabelos de cores diferentes dos seus, mas que carregavam a mesma intensidade e a mesma coragem. Não havia sangue, nem linhagem, nem sobrenome. Mas havia, contudo, o que mais é necessário ter para que uma família seja considerada como tal: o reconhecimento, o amor e a estranha sensação de ali ter um pedaço de si mesmo, de ter uma das dezenas de pontas de sua própria raiz, de matar e de morrer se for preciso.
Steve teve muito tempo para refletir sobre sua vida. E não bastasse, teve cinco longos anos extras de uma solidão extrema que era eventualmente quebrada por visitas que fazia a Natasha em Nova Iorque e a na Alemanha, quando decidia que era a hora de ser o amigo inconveniente que passava semanas abrigado na casa dos outros. De longe, o apartamento de estava no topo da lista, a preferência de viagem, de visita, de lugar em que podia ficar tão à vontade que parecia ser sua própria casa. Steve teve muito tempo para ressignificar tudo nesses anos. E mais do que isso, teve tempo de, cada vez mais, fazer de a única pessoa sobrevivente para chamar de família.
De certo tinha Natasha. Uma amiga, talvez a melhor delas, como nenhuma outra. Alguém em que podia confiar, contar e ter expectativas. Alguém que o entendia e que se preocupava com ele, que partilhava boa parte das histórias mais irreais que podiam contar. Alguém que daria sua vida pela dele e alguém que, certamente, sempre estaria por ele onde quer que ele precisasse. Steve sabia que tinha ela. Mas, igualmente, sabia também que toda a situação extrema de vulnerabilidade de o tinha trazido cada vez para mais perto dela. precisou muito de Steve naqueles anos. Antes de Nate, antes de Sarah, antes de ter o pouco de vida que estava tendo ali, só o teve. Steve foi para ela a casa, o lar, que a abrigou ao menos no começo de todo aquele inferno e não conseguia mais olhá-lo de outra forma senão como um irmão que, ironicamente, ganhou da vida quando perdeu todo o resto.
Talvez porque tinham partido do mesmo ponto. Bucky. Talvez porque tinham o mesmo gosto para amigos. Sam. Ou talvez porque, no fundo, suas personalidades, seus gostos e suas dores fossem tão parecidos que, muitas vezes, se misturavam. Como em irmãos que partilham a vida, como só irmãos sabem como acontece. Irmãos separados por uma distância geográfica, que se conversavam com os olhos, que se ligavam três ou quatro vezes por semana, que passavam datas comemorativas juntos. Que faziam questão de ter as conversas mais intensas e íntimas, que compartilhavam de quem eram com a naturalidade que só se compartilha com aqueles que genuinamente se confiam. A verdade é que, nos cinco anos em que se passaram, Steve e foram um para o outro o que nunca tiveram no restante de suas vidas.
E se soubesse ali, abraçada a ele dentro de sua floricultura naquela tarde, que daquele exato segundo em diante estaria se despedindo de Steve, talvez ela tivesse feito escolhas diferentes. Mas o que é a vida senão imprevisível?
Steve deixou um suspiro alto escapar, verdadeiramente feliz por estar ali, apesar de toda a tensão que carregava consigo. Com a postura formalmente séria, o olhar amigável transbordando ansiedade e o sorriso leve nos lábios, ele quebrou o abraço levemente, dando uma rápida olhada ao redor, por cima de parada a sua frente. A loja estava do mesmo jeito que da última vez em que ele esteve ali, alguns meses atrás. Repleta de flores e plantas, tomada por um cheiro l adocicado, cheia de cores, energia e de vida. Não havia outros clientes, a loja logo seria fechada, ele sabia disso, tinha chegado naquele horário de propósito.
Nas semanas em que visitava , costumava acompanhá-la à floricultura e passava o dia ali com ela, conversando, a ajudando. Se divertiam juntos, Steve se sentia bem em acompanhar a vida nova que sua amiga levava. Gostava do tempo que tinham juntos, de sair para conhecer Berlim. Gostava de Nate. Sempre ficava uma ou duas semanas ali, a cada seis meses, em média. Para ele, era bom mudar os ares. Era bom ver que , depois de tudo, estava conseguindo se reerguer outra vez. Era bom porque, com isso, ele também se reerguia.
— Posso saber para o que você precisa de uma flor dessas? — quebrou o silêncio sorridente, afastando-se levemente de Steve.
Steve sorriu de volta, tirando levemente seus braços envoltos na cintura dela. Aquela era exatamente a pergunta que o acompanhou por todo o caminho até Berlim. O incômodo que o fazia estar ansioso e que o fez começar a refletir todas aquelas questões. Não tinha um jeito fácil e nem simples de responder àquilo, não tinha uma forma amena ou amigável de propor o que ele tinha que propor, não tinha. Ele havia pensado em todas as possibilidades e, em nenhuma delas, pareceu fácil dizer o que precisava dizer à . Não seria. Steve só não esperava que ela fosse o questionar tão cedo, tão rápido. Mas era cirúrgica. Sempre tinha sido, por que ele ainda se surpreendia?
— Tenho uma missão que exige força e um certo charme raro, preciso dela — Ele disse simplesmente, enquanto observava o olhar de cair ao chão. Apesar da metáfora, ela entendeu expressamente o que ele queria dizer.
— Acho que, nesse caso, não vai encontrar ela aqui também — Ela sorriu sem mostrar os dentes, negando levemente com a cabeça. Steve sabia que não fazia mais aquilo. Estava enfrentando problemas o suficiente com o fracasso da última vez em que tiveram uma missão e, além disso, a justiça estava em cima dela, não havia mais missões para ela. Não há, pelo menos, cinco anos. — Me desculpe.
— Já encontrei, na verdade — Steve colocou suas mãos nos bolsos da calça sem tirar o sorriso fraco do rosto — Só preciso que ela aceite.
soltou uma risada fraca pelo nariz, negando outra vez com a cabeça. Steve claramente tinha algo em mente e aparecer ali de surpresa, tão de supetão que mal tinha enviado uma mensagem para avisá-la, só podia significar que algo realmente urgente, importante e confidencial estava acontecendo - do contrário, ele não chamaria de missão e nem teria ido pessoalmente conversar com ela. Ele não era do tipo que fazia visitas fora de época, para matar saudades ou passar o tempo. Era velho e, como um bom idoso, metódico. deu alguns passos até a porta da loja, virando a placa que indicava estar aberta para que, agora, indicasse estar fechada. Se tinha algo realmente importante acontecendo, algo que forçou Steve a sair dos Estados Unidos e ir até ela, na Alemanha, sem aviso prévio, eles precisavam de tempo e espaço para conversar.
Steve acompanhou os movimentos de com o olhar, em silêncio, sabendo que ela já estava entendendo o jogo sem nem mesmo ter sido convidada a jogá-lo. era esperta. Entendia as entrelinhas como ninguém, via os detalhes de tudo como se saltassem aos olhos, uma sensibilidade que Steve se impressionava. Ele esperou que ela fechasse a loja e que voltasse até perto dele outra vez, parando encostada de lado no balcão do caixa enquanto ele sentava-se em uma das altas banquetas de madeira que tinha ali. Tinha que ser delicado, medir palavras e, mais do que isso, fazê-la realmente entender o que estava em jogo dessa vez. Tinha que ser convincente porque, do contrário, se saísse dali sem ela, não saberia mais o que fazer. Precisavam de todos. Sem exceção.
— Achei que tivesse vindo porque estava com saudades — brincou, seus braços cruzados em frente ao peito.
— De você, talvez — Steve refletiu, brincando — Do seu apartamento, com certeza. Sabe que eu gosto muito dele.
— Vai me dizer que decidiu morar comigo? — Falsamente dramática, colocou as mãos no rosto como se estivesse surpresa com a notícia — Preciso me preocupar?
— Vou atrapalhar? — Ele riu baixo.
— De modo algum, se não se importar de termos Nate e Alpine nessa conta também.
— Uma família peculiar.
— Minha especialidade — concordou com a cabeça, risonha — Mas não parece muito a sua e é por isso que toda essa conversa está estranha.
— Sou tão previsível assim? — Steve semicerrou os olhos, vendo-a dar de ombros.
— Mais do que você pensa — Ela rebateu risonha, fazendo-o revirar os olhos, mas logo se recompôs — É sério, o que está fazendo aqui, Steve?
Ele deixou um suspiro pesado sair enquanto ajeitava suas costas no banco, ganhando tempo para pensar em como, de fato, começar aquela conversa. não demoraria muito mais para insistir no tema e ele não tinha tempo a perder. Quanto antes pudesse sair de lá, da Alemanha, com ela, antes terminariam de uma vez por todas com aquele pesadelo. Sem mais nada a perder, sem mais tempo a ser desperdiçado.
— E não me diga que é visita surpresa, porque não vou acreditar nisso.
— Preciso de você, — Como se o tom do assunto tivesse mudado drasticamente, a voz e a expressão de Steve tomaram um ar sério, reflexivo — Nós precisamos, na verdade.
— Nós? O que está acontecendo? — perguntou serena, seus olhos nos dele com curiosidade. Steve parecia realmente tenso, um tanto aflito. Ele pensou por alguns segundos, até responder, ainda mais baixo do que antes, sem desviar seus olhos intensos dos dela:
— Scott voltou.
Levou um minuto inteiro para que entendesse de que Scott Steve se referia. Só havia um homem com esse nome que era conhecido pelos dois, um único homem que ambos conheceram no mesmo dia, que viram uma única vez em suas vidas. O homem que lutou ao lado deles, que foi preso, que ajudou a conseguir a prisão domiciliar para poder ficar perto de sua filha. Scott Lang, um dos nomes que estava na lista de desaparecidos, constava no monitoramento de Stark. viu a foto dele, viu o nome dele, tinha certeza absoluta de que ele estava desaparecido, como metade do universo. Steve só podia estar brincando.
— Voltou? Da poeira? — Ela perguntou atônita, encarando Steve, que negou com a cabeça — Co-como?
— Ele não estava exatamente desaparecido, ele… — Steve parou por um segundo, soltando todo o ar pelo nariz — Não sei como explicar sem parecer ilógico.
— Steve, metade de todo universo sumiu com um estalo…nada é mais ilógico do que isso — estava nitidamente ansiosa.
— Scott estava fazendo um experimento com espaço e tempo quando o estalo aconteceu — Steve gesticulou, tentando explicar o que tinha ouvido de Lang — Ele entrou no reino quântico e as pessoas que ficaram fora para ajudá-lo a sair de lá desapareceram com o estalo. Ele ficou preso lá dentro.
— Por cinco anos? — tinha a testa franzida, confusa — Como ele sobreviveu?
— Aí que está — Suspirou Steve, seus olhos sem desviar dos de nem por uma fração de segundo, sua mão direita em cima da bancada gesticulando enquanto falava — Para ele só se passaram cinco horas.
Com a testa franzida e a expressão séria, estava totalmente confusa. Não soube o que deveria responder, nem mesmo o que pensar. Aquilo não parecia real, era uma história tão fantasiosa quanto alguém não envelhecer por conta de um soro ou poder controlar a natureza. Era tão absurdo quanto Thanos descer do céu e matar cinquenta por cento de tudo que era vivo com um estalar de dedos, tão inesperado quanto Thor, dado morto, ter se juntado à eles no exato momento em que mais precisavam. E embora coisas absurdas como aquelas fossem uma constante na vida de , não soava real para ela.
Não conhecia Scott Lang a ponto de saber que era um entendido de física quântica e muito menos que fazia experimentos com isso. Não o conhecia a ponto de confiar nele, mas confiava em Steve. Subindo seu olhar de volta até o homem sentado à sua frente, tinha dúvidas sobre o que aquela informação significava. Se Scott tinha voltado, poderiam os outros voltar também? Não, era um absurdo.
— O que isso quer dizer, Steve?
— Scott tem uma teoria — Steve começou a dizer, assentindo brevemente com a cabeça — Conseguimos usar a mesma ideia do reino quântico para viajar de volta no tempo, ocupar o espaço antes de Thanos acontecer e reunir as joias outra vez.
Steve assistiu os olhos de abrirem-se levemente em surpresa, quase imperceptíveis, enquanto uma risada fraca e baixa, um tanto irônica, tomou o ar por um único segundo. Quase como uma reação de desdém, talvez fosse. Mas Steve sabia que estava só se defendendo do que, a partir daquele segundo, começou a fazer sentido para ela. Eram informações demais, repentinas e totalmente surreais.
— Voltar no tempo? — deixou uma risada nasalada escapar, quase como se estivesse zombando daquela ideia — Você só pode estar de brincadeira.
— Não, , isso é sério… é uma teoria ainda, mas… — A tirar pela expressão séria e compenetrada, ele não parecia realmente estar brincando e não deu sequer tempo de ele terminar aquela frase. Não podia ser real.
— Não, não, não, Steve — Ela gesticulou — Isso só pode ser um grande mal-entendido… é... impossível.
— Metade de todo universo sumiu com um estalo, — Ele respondeu suavemente, no mesmo tom que ela o fez há pouco — Se não é ilógico, não é impossível também. Pense.
— Isso não… como seria… possível? — Ela gaguejou, atordoada, suas mãos passando pelo rosto.
— Tony conseguiu fazer o modelo — Steve exasperou-se — Temos um GPS de tempo-espaço que funciona, a interface está sendo adaptada para um modelo operacional que comporte o que precisamos. Temos partículas Pym, as que Scott usa, o suficiente para irmos e voltarmos, temos uma chance, .
Um novo momento de silêncio tomou conta da floricultura. Diferente agora, contudo, foi que algumas flores de girassóis se viraram de onde estavam de frente para onde Steve e conversavam, como se quisessem se juntar a eles na conversa. Aquela informação tinha mexido com de um jeito que estava sendo exteriorizado, que estava atraindo atenção e reação da natureza ao redor. Um bom sinal, talvez, pensou Steve. Mas ainda não o suficiente para convencê-la, a tirar pela expressão ainda mais confusa e intrigada dela.
Apesar de todas diferenças, acreditava no conhecimento de Tony Stark. E saber que ele estava no meio daquilo tudo soou estranhamente confortável para ela. Primeiro porque Stark era um gênio. Talvez não tão inteligente como Shuri, mas um gênio ainda assim. Conhecia sobre física e sobre engenharia quântica e se tinha feito um modelo renderizado que era operativo é porque algum resquício de realidade e de validade aquela história tinha. Depois, era confortável porque Tony Stark passou cinco anos sem procurar Steve. E a recíproca foi verdadeira. Estavam juntos outra vez? O que poderia ser tão sério e real a ponto de fazer Tony Stark engolir o próprio orgulho, suas mágoas e seu rancor para voltar atrás? O que era tão possível que fez Steve pedir ajuda justamente para quem ele sabia que o negaria?
— Stark? Ele… — começou a perguntar, mas logo foi cortada:
— Está de volta ao Complexo, sim. Nós fomos até ele, no começo ele não aceitou a ideia, ele tem uma filha agora...
— O quê? — indagou incrédula. Tony não só tinha aceitado aquela ideia como estava colocando em xeque a própria família para fazer aquilo dar certo? Aquela história parecia ficar, a cada instante, mais absurda — Por Bast — murmurou para si mesma.
— Ele desenvolveu o modelo com base no que Scott disse a ele, testou as variáveis — O homem continuou explicando — Tony fez a ideia sair do papel e se perguntou se tinha mesmo que continuar vivendo a sorte de ter sua família enquanto centenas de milhares de outras pessoas não tiveram o mesmo fim.
Steve esperou que ela encaixasse peça por peça daquele quebra-cabeças. Era complexo, sim. Contudo, apesar das dificuldades que podiam ter de entender a ideia em si mesma, de compreender como o retorno ao tempo poderia funcionar, a parte mais indigesta era, justamente, a chance que parecia nascer de consertar tudo. E como um raio que quebrava o céu com raiva, aquela ideia bateu em com violência. Steve estava propondo trazer seus pais de volta, Bucky. Shuri e T’Challa. Sam. Ivy. Peter Parker. Wanda. Steve estava ali porque descobriram uma forma de voltar ao tempo, de reunir as joias em outra vez, de impedir Thanos não pela força, nem pela violência, mas pela ciência.
Cinco anos atrás Steve não soube o que fazer. Não teve um plano, nem uma estratégia, não teve nada. Naquele dia, contudo, tudo era diferente.
Diferente porque, dessa vez, ele esperou que a ideia fosse comprovada. Esperou que o plano estivesse desenhado e que a estratégia estivesse montada. Steve, mais do que ninguém, sabia que não tinha mais o que perder. O pouco que lhe sobrou era absolutamente tudo para ela. Dessa vez, não podia dar errado. Por isso não ligou, não contou antes quando a ideia surgiu, não avisou que estaria a caminho de Berlim. Ele queria dar a ela certezas. Garantias de que, agora, tudo seria diferente.
esteve com ele quando não havia nada além de raiva e culpa. Quando foram, de alma lavada e de corpos machucados, uma última e fatídica vez em busca da única chance que tinham de reagir. reagiu com ele, sem planos, sem nada. Steve estava ali pedindo que ela fizesse de novo, uma vez mais.
— Steve, isso é… loucura — engoliu seco e negou com a cabeça — Eu não posso… não posso fazer isso.
— Por que não, ? Temos uma chance, é uma oportunidade de... — Ele tentou dizer, mais rápido do que antes, mas logo foi cortado pela voz um tanto desesperada dela:
— Nós tivemos uma chance, Steve… no passado, cinco anos atrás. E o que fizemos com ela?
— O melhor que podíamos com os recursos que tínhamos — O olhar dele era quase um suplício — Dessa vez é diferente.
— E por que seria? — abaixou o tom de voz, vendo Steve, levemente surpreso com a pergunta, respirar fundo.
— Porque estamos juntos de novo — O homem respondeu com firmeza — E estamos traçando um plano. Nós sabemos o que são as joias agora, sabemos o que elas fazem e sabemos o que devemos fazer dessa vez. Cinco anos atrás fomos pegos de surpresa. Agora, não mais. Estamos há cinco anos presos nessa sensação de que poderíamos ter feito mais e melhor para impedir, tentando nos livrar da culpa que carregamos todos os dias, a todo custo, e agora chegou a hora — Ele passou as mãos pelo rosto, sincero em suas palavras e, igualmente, cansado de se sentir daquela forma — Nós podemos consertar as coisas, . E podemos fazer isso do jeito certo dessa vez.
— Eu não posso arriscar mais — Ela rebateu, seus olhos se enchendo de lágrimas enquanto sua mente divagava entre as memórias de seus pais, de Bucky — Nós já tivemos esperança. Eu acreditei que tínhamos um jeito de resolver tudo isso, todos nós acreditamos. E olha onde chegamos, Steve. Você não sabe como Thor está — A voz de começava a ficar embargada — É um preço alto demais que não podemos mais pagar. Não vou aguentar passar por tudo isso outra vez.
— Sei que está fazendo sua segunda chance aqui, sua casa, a floricultura, Nate… mas isso é real, temos uma nova chance de reagir — O homem insistiu — Cinco anos atrás você acreditou que se tivesse qualquer chance de fazermos algo, por menor e mais impossível que fosse, nós deveríamos ao menos tentar. O que mudou?
A única resposta que havia encontrado para aquela pergunta era o conformismo. Nada havia mudado nos cincos anos que se passaram. Ela só tinha se conformado com os fatos. Tinha se acostumado com a vida pacata e sem grandes emoções que levava, tinha aprendido a viver com a saudade e com a dor que sentia sempre que sonhava com a cena de Bucky desaparecendo na sua frente, sempre que se lembrava da risada de Everett e sempre que reparava em AJ e Cass e o quanto se pareciam com Sam. Talvez se algo realmente tivesse mudado, aquela conversa não estivesse mexendo tanto com ela, não a estivesse embaralhando a mente, trazendo todas as exatas mesmas emoções que sentiu cinco anos atrás, quando entrou em uma nave e saltou ao Espaço.
Steve trazia esperança.
Talvez a única coisa que adormeceu em naqueles anos, a única coisa pela qual ela desistiu de lutar, que a fez se conformar.
Karl sempre dizia que o conformismo era um parasita. Silencioso e destruidor. Se ainda tivesse ali, Karl teria se conformado com tudo que aconteceu? Teria desistido de a procurar? Bucky nunca havia se conformado com sua própria situação. Tinha motivos para ter desistido, mas desistiu? Ele não jogaria a toalha, não a abandonaria. Nem Sam faria isso, não fez nos anos em que passou se escondendo do mundo. T’Challa não desistiu quando descobriu sobre o passado dela, nem Everett. Por que ela tinha se conformado, afinal?
Como Nate se sentiria se pudesse ter sua filha de volta? A pessoa que mais amou em toda a vida, por quem ele chorava todos os dias. O quanto Sarah sentia falta de Sam? E se Guzman pudesse ter sua família outra vez? Ela podia dar aquilo a eles? Podia dar a todas as pessoas que perderam alguém os seus de volta?
E como um fósforo em uma vela, Steve reacendia . Aquela única faísca que precisava cair nela para que o incêndio começasse, a virada de chave que a lembrava do que foi um dia, que doía como o inferno. manteve-se em silêncio por algum tempo que Steve não soube dizer qual foi. Ela parecia pensar, os olhos carregando-se de lágrimas. Estava nitidamente perdida, confusa. Divida entre o que lhe parecia mais racional, mais alinhado à vida nova que tinha, e o que lhe parecia mais tendencioso, o que tinha sentido e o que ela mais desejava que acontecesse.
— Nós precisamos de você, — Steve quebrou o longo silêncio, atraindo novamente o olhar dela para si — Não vamos conseguir se você não estiver lá, somos um grupo, não é? Precisamos uns dos outros — Ele refletiu por um momento, buscando as palavras mais claras que podiam existir para dizer o que sentia — E eu preciso de você, porque preciso acreditar que isso é… real, que vai mesmo... que vai dar certo.
Não exatamente do jeito que ele queria dizer, como gostaria de expressar o que sentia, Steve colocou para fora a insegurança que o perseguia desde que Scott apareceu com aquela ideia em mente. Apesar de plena confiança em Tony, Scott e Bruce, ainda não tinha feito os testes necessários e reais, não era uma certeza cem por cento absoluta de que conseguiriam mesmo colocar tudo que esperavam em prática. Ter por perto era uma garantia emocional de que Steve estava fazendo a coisa certa, como se tivesse a aprovação de alguém que ele se importava com a opinião. O pingo de sanidade naquela loucura, o enraizamento no chão quando as ideias pareciam sonhos bons demais para ser verdade.
somaria ao grupo em inteligência, em força física, em poder e em agilidade. Poderia contribuir para pensar na estratégia do plano e para manter o grupo unido e motivado. Contudo, mais do que aquilo, somaria em esperança e em realidade.
— Como sabemos que dessa vez não acabará como da última? Que não ajudaremos a matar a outra metade que sobrou? — A voz dela estava assustada, mas manteve-se baixa. Os olhos cheios de lágrimas a ponto de transbordar a qualquer instante — É arriscado demais, Steve. Eu não posso perder mais nada… eu não posso perder você também.
Steve deixou um sorriso triste escapar ao ouvir aquilo. A sensação tão íntima de amar alguém em detalhes tão pequenos. Ele não estava acostumado com aquilo. Virando-se de frente para ela, ainda sentado no banco, ele estendeu-lhe a mão por cima da bancada de madeira.
— Sei que é arriscado, você tem toda razão. Mas nós temos que tentar — A voz firme e séria, mas serena dele a trazia confiança — Por seus pais, por Sam, por Bucky, Shuri, T’Challa, Wanda, Peter e todos que se foram. Nós temos um plano, temos recursos, só precisamos de uma equipe boa o suficiente para assaltar o tempo.
Assaltar o tempo.
Das coisas que já tinha feito por amor, aquela era, sem dúvidas, a mais inusitada e curiosa delas. moveria o mundo inteiro, se precisasse, para ter as pessoas que mais amou na vida de volta. E ali estava a chance de, não apenas mover o mundo, mas o espaço e o tempo também. A missão de sua vida. A mais complexa delas, a mais assustadora também. Se topasse, não haveria mais volta. Um jogo de soma zero. Estaria abrindo mão das certezas que tinha pelas incertezas de ter de novo o que um dia já teve. Não parecia justo com ela, nem com o esforço que fez para seguir em frente, nem com como se sentia diante de toda aquela situação. Mas parecia justo com o resto do mundo? O que pesava mais na balança? sabia, de olhos fechados. Não havia sequer motivo para ponderações.
não sabia, contudo, o que faria se aquela ideia desse errada outra vez, se eles fracassassem de novo. Mas, igualmente, não queria pensar naquilo naquele momento. Balançando a cabeça levemente para afastar seus pensamentos, evitando que sua mente a levasse para o que tinha de pior, o que mais podia dar errado, engoliu o choro. Ela encarou a mão de Steve alguns segundos até, finalmente, aceitá-la, pegando-a, colocando a sua mão em cima da dele. Steve sorriu satisfeito, a encarando nos olhos por um momento, até ouvir perguntar outra vez:
— Você, Tony, Scott… quem mais está dentro?
— Natasha, Bruce, Rhodey, Rocket e Nebulosa — Ele respondeu, apertando levemente a mão dela — Nat foi atrás de Clint e Bruce e Rocky de Thor.
— Thor? — Ela estranhou. Ele mal respondia às mensagens dela, Thor, de todos eles, era certamente o que menos conseguiu seguir em frente. Não toparia participar daquilo, ainda estava machucado e magoado com tudo — Não acho que vão conseguir convencer ele — Ela negou com a cabeça levemente — Da última vez em que consegui ligar para ele, ele não estava nada bem, ele...
— … chegou hoje cedo ao Complexo — Steve completou baixo, observando fazer uma careta incrédula. Thor tinha aceitado se juntar a eles? Já estava lá? Quer dizer então que…
— Eu sou a última a ser convocada?
— Clint, eu acho — Steve respondeu — Natasha não tem certeza se ele vai aceitar, como eu também não sabia se você… aceitaria. Sei que é uma decisão difícil para quem perdeu muito. E sei que não podem perder ainda mais.
— Só preciso da garantia de que não vamos fracassar outra vez.
— Eu não posso te dar isso — Ele respirou fundo, desviando seu olhar para um canto qualquer — Mas posso te dar uma chance de tentar — Steve voltou seu olhar até ela, suas mãos ainda carinhosamente juntas — Você pode fazer o teste, pode ir a primeira vez, ver se o sistema está operando.
— E se não der certo? — perguntou insegura, a voz cheia de incerteza.
— Então, engavetamos essa ideia e eu mesmo te trago de volta.
não contou a Nate o real motivo da viagem repentina aos Estados Unidos.
Achou mais seguro não dar a ele a esperança e a ansiedade de lidar com aquela informação. Nate tinha perdido sua filha, tinha visto sua esposa morrer bem diante de seus olhos. Tudo já era difícil demais para ele. não achou justo dar-lhe uma esperança que, ao fim, poderia ser falsa. Nem ela, nem Steve, nem nenhum dos Vingadores restantes sabiam ao certo qual seria o final daquilo. Tinham uma ideia, uma teoria, mas não uma certeza e uma comprovação. estava indo testar uma hipótese, não podia fazer promessas e nem criar em Nate expectativas das quais ela nunca mais poderia escapar da responsabilidade. Fosse o que fosse, ainda não era a hora certa de ele saber o que acontecia ali. Era mais seguro não dizer a verdade.
Apressada, ela fez uma mala pequena com algumas trocas de roupas, juntou seus documentos e despediu-se de Nate em seu apartamento, deixando Alpine com ele. Disse que Steve estava passando por um período ruim e que precisava da ajuda dela, seriam só alguns dias. Nate não desconfiou, não perguntou nada além de se ela estava levando um casaco e de se ficaria bem. Conhecia o suficiente para saber que ela faria o que fosse possível para ajudar Steve quando ele precisasse. E, no fundo, ele ficava feliz de ver que a vida dela estava se movimentando. Era possível que voltasse com AJ e Cass, talvez que estendesse a viagem para ficar com Sarah algum tempo. Nate deixou em o último dos beijos que daria nela. Tranquilo, suave, calmo e amoroso, como a relação que tinham. Não sabiam que aquela seria a última vez que se tocavam daquela forma, que se expressariam tão intimamente um com o outro. Mas talvez fosse melhor daquele jeito.
deixou Nate para trás com a marca que poucas coisas em sua vida haviam recebido. O pertencimento. Naqueles anos em que passaram juntos, Nate fez de Berlim a casa que ela nunca teve. Diminuiu drasticamente a solidão dela enquanto diminuía a sua própria, deu a vida um sentido novo pelo qual seguir em frente e fez do amor uma nova chance de recomeçar. Nate era o motivo pelo qual teve vontade de continuar seguindo, foi quem a amparou nas noites que pareciam tormentosas e quem celebrou com ela cada motivo a ser celebrado. Nate fez se sentir pertencente a algo. E nesse meio tempo, aprendeu a pertencer-se outra vez. Com o respeito, a amizade, o tempo e o espaço que só eles tinham. esperava contar a ele o real motivo da viagem. Prometeu a si mesma que, se aquilo fosse realmente verdadeiro, se a hipótese se confirmasse e a viagem no tempo acontecesse, ele seria a primeira pessoa a saber. Esperava dar a ele de volta a vida que ele deu a ela.
A música alta, contudo, cortou os pensamentos de assim que entraram no amplo galpão do Complexo. Tinha parado para conversar com Natasha assim que chegou ali e ouviu dela a explicação sobre o que já tinham conseguido fazer até então, sem muitos detalhes, porque, assim como ela, também não tinha grandes conhecimentos no tema. Mas já foi o suficiente para que já pudesse ter uma ideia. Tinham uma máquina, tinham um rascunho de um plano, tinham um time. Contudo, nada do que ele disse chegou sequer perto do que realmente estava acontecendo ali. E os olhos brilhantes, impressionados e um tanto esbugalhados de demonstravam a incredulidade que sentiu ao ver, ao viver, aquilo tudo.
Diferente da ideia que fez de um GPS espaço-tempo, imaginando que seria, no máximo, do tamanho de um relógio, diante de seus olhos estava uma plataforma circular gigantesca. Toda em metal brilhante prateado, articulado, com partes espelhadas e algo igualmente gigante saindo do teto, que lembrava a copa de uma árvore, o que antes era um galpão onde aeronaves e veículos de Stark ficavam, agora estava ocupado por um processador de espaço-tempo altamente tecnológico. Diferente das máquinas do tempo que costumava ver em filmes, diferente de qualquer ideia que fez no voo até os EUA enquanto ouvia Steve contar-lhe. Aquilo era real. E era mais sério do que estava achando que seria.
Se tinha carregado consigo qualquer pingo de insegurança e qualquer receio de Steve não estar totalmente certo sobre aquela missão, ver a plataforma bem diante de seus olhos, toda montada e aparentemente pronta para ser usada, funcional, tinha desfeito qualquer incerteza e dúvida bem ali, bem naquele instante.
Era a chance de suas vidas.
A oportunidade de, daquela vez, fazer tudo diferente e, de certa forma, já estava sendo feito. Sem pressa, sem pressão, sem tantas angústias ou emoções negativas. Estavam agindo com o racional, com o lógico e não mais com o emocional. Estavam mesmo desenhando tudo com calma e com atenção. Estavam mesmo dispostos a, daquela vez, vingar a queda que tiveram. E pensar naquilo, ver toda aquela estrutura, soou ridiculamente reconfortante para ela. só conseguia pensar nas pessoas que perdeu. Só conseguia deixar crescer dentro de si a sensação esperançosa e ansiosa de que estava realmente perto do passado, de voltar a ser o que um dia foi. Parado ao seu lado, com os braços cruzados e os olhos atentos, Steve observou a amiga olhar a plataforma com cuidado e com paciência. Talvez tenha sido só naquele momento que se deu conta de que, dentro dela, ainda havia um motivo pelo qual lutar.
— AH! Eu sabia que você viria, eu sabia!
A voz estridente cortou a atenção de e Steve que, virando-se ao mesmo tempo para trás, encararam Rocket apontando um pequeno martelo para , animado e sorridente em vê-la ali, depois de cinco anos. Apesar de ter mantido um canal de contato com ela, por e-mail ou mensagens, ver que tinha mais alguém ali no time e que era justamente , o tinha deixado mais seguro e esperançoso. A mulher retribuiu o sorriso aberto e sincero. A sensação estranha de estar novamente naquele lugar misturando-se com o conforto de uma vez mais terem reunido aquelas pessoas. As únicas pessoas possíveis.
Rocket estava de ponta cabeça, embaixo de alguns ferros da estrutura da plataforma do tempo. Sem prestar muita atenção, ele mandou um beijo de longe para que, risonha e trocando um breve olhar com Steve, negou com a cabeça.
— Achei que estava perdido em algum lugar do espaço, Lebre.
— E ia perder a chance de participar dessa maluquice toda? Nem ferrando — Ele respondeu pulando de volta ao chão, parando em pé — Quando isso tudo acabar e eu puder voltar pro espaço, vou poder me vangloriar, dizer que fui eu quem montei isso aqui e que trouxe todo mundo de volta — Ele bateu a pata na estrutura ao seu lado e soltou uma risada alta.
— Então essa é a sua motivação? — perguntou cruzando os braços, um tom de ironia em sua voz — E o Groot?
— Certo, tem ele também — Rocket brincou áspero dando de ombros, tirando de uma nova risada baixa. Ela pensou em responder-lhe algo, contudo, a voz de Tony Stark vindo mais ao lado deles a cortou.
— Só para constar, Bocket… — Stark começou a dizer cinicamente, aproximando-se deles.
— Olha a boca — Steve murmurou baixo, mas o suficiente para todos ouvirem.
— É Rocket — O animal o corrigiu bufando.
— Tudo bem, que seja — Stark deu de ombros — Estava dizendo aqui que, só para constar, a ideia foi minha e não foi só você quem montou tudo isso aqui — O homem gesticulou ao redor — Portanto, quer meu conselho?
— Não — Rocky logo gritou, sem nem dar tempo do homem falar, virando-se para sair dali. Tony, contudo, o ignorou e continuou a dizer alto o suficiente para que ele, já longe, pudesse ouvir:
— Seja menos ambicioso, meu amigo.
— Vindo de você, parece realmente verdadeiro — o provocou, seus olhos semicerrados enquanto um sorriso cínico brotava em seu rosto. Tony, então, parou por um instante, voltando-se até ela — Uma pena você não ouvir os próprios conselhos.
Steve havia dito que estava reunindo todas as pessoas possíveis para aquela missão, parecia lógico que estaria envolvida. Contudo, como rever todos os demais que ali chegaram, para Tony também foi uma surpresa vê-la. Primeiro porque não tinha certeza se ela realmente se juntaria à eles, não depois de tudo que aconteceu entre eles e de tudo que perdeu da última vez. Depois, porque estava bastante diferente da última lembrança que Tony tinha dela, cinco anos atrás. Não estava mais abatida, nem machucada. Mas seu cabelo semi-preso estava mais curto, seus olhos um tanto aflitos e sua pele mais pálida do que de costume. Tinha perdido peso, talvez na mesma proporção que as lágrimas que derramou naqueles anos. Mas continuava bem vestida, elegante em uma saia curta de tweed que deixava a grande cicatriz que ele mesmo tinha feito nela aparente, com botas de cano alto, o casaco comprido que cobria a blusa de lã fina por dentro da saia. Os tons marsala da roupa combinavam com o vermelho do batom e não fosse pelo cheiro l adocicado característico que emanava dela, Tony diria que a que conheceu anos atrás tinha, junto com o estalo de Thanos, morrido.
Mas ali estava ela. Solitária, um tanto apreensiva, com o olhar feliz e amigável de antes, de quanto viu Rocket, virando tensão e seriedade ao ver ele bem em sua frente. Não tinham tido um bom começo. Em Berlim, na Sibéria, no Complexo. Não havia o que dizer, estavam em lados opostos desde o dia em que se conheceram. defendeu Bucky, Tony a machucou e talvez não fosse por Steve ou por um pingo de sanidade que ainda lhe restou naquele dia, a teria matado. Já era tarde demais para tentarem outra vez, mas, igualmente, já era tempo passado. E, como tudo que passa, deveria ficar para trás de uma vez por todas. Algo maior, proposital e conciliador estava acontecendo ali. Precisavam um do outro dessa vez.
Tony tinha certeza de que era uma aliada poderosa e necessária para o que precisavam agora. Era forte, responsável, cuidadosa, resiliente e protetiva. Era uma das peças mais valiosas do jogo para manter a equipe unida e carregava consigo a raiva e a vontade de vingança que precisavam ter para enfrentar o que quer que fosse dessa vez. No fundo, apesar das ressalvas e das diferenças do passado, Tony sentiu-se satisfeito e mais forte em vê-la ali, se juntar a eles.
E, embora nunca fosse assumir aquilo em voz alta, por todo tratamento que recebeu vindo do homem desde o dia em que seus caminhos se cruzaram pela primeira vez, na sede da Força-Tarefa em Berlim, também estava minimamente feliz por, finalmente, estarem do mesmo lado do jogo dessa vez. Como uma trégua velada, como se ambos estivessem estendendo suas bandeiras brancas, e Tony trocaram um olhar silencioso por um ou dois minutos. Não precisavam dizer nada, afinal, não tinham o que dizer. Estavam juntos agora, custasse a eles o que fosse.
— É bom ter você por aqui, — Ele estendeu-lhe a mão — Precisamos de todas as forças possíveis.
— Espero poder ajudar mais do que da última vez — apertou levemente a mão dele, mas logo soltou.
— Agora será diferente — Steve prontificou-se a responder, atraindo o olhar dela.
— Envenenamento em massa, plantas carnívoras que comiam animais extraterrestres, árvores gigantes e você até mandou um cara rezar — Em tom zombeteiro, Tony pontuou — Não precisamos de nada diferente disso.
— Quem te contou isso? — estranhou a fofoca ter chegado em Stark, mas bastou ele apontar para a figura vindo de trás de e Steve, de braços abertos, óculos de sol e um sorriso estranho no rosto, para tudo fazer sentido.
— Fada? — Thor perguntou por um momento, a mesma animação de sempre que ela conseguia falar com ele pelo telefone, a animação que denunciava o teor alcoólico em que ele se encontrava — Ah Fada, eu não acredito que você está aqui!
Sem pensar muito, Thor simplesmente abraçou com tanta força que a tirou do chão. Estava tão feliz de vê-la depois de tanto tempo que não conseguia esconder o sorriso aberto e as risadas baixas. Era como se tivesse, uma vez mais, diante do porto-seguro dos seus piores dias, os dias que ele tanto lutava em ignorar e esquecer a existência. Apesar das lembranças que o trazia, era feliz e muito reconfortante saber que tinha mais alguém em quem ele confiava ali. Uma das poucas pessoas que havia restado que se preocupava com ele, que queria entender o que acontecia e que compartilhava de boa parte dos infortúnios da vida. Era como reencontrar o ponto exato de estabilidade, que Thor havia perdido desde o dia em que deixou o Complexo dos Vingadores cinco anos atrás.
, por sua vez, demorou alguns minutos para conseguir digerir o choque que levou em ter visto Thor naquelas condições. Talvez fosse por aquele exato motivo que ele não atendia às videochamadas, que ele não quis passar seu endereço para que ela o fosse visitar, que ele se recusou a ir vê-la ao vivo. Ele estava física e emocionalmente abalado, muito diferente do que um dia foi. Tinha ganhado peso, parecia com a saúde debilitada, sua barba e cabelos não pareciam sequer ter sido lavados em cinco anos, quanto mais feitos, aparados. Ele vestia uma roupa velha e esgarçadas, óculos de sol que certamente serviam para esconder a vermelhidão dos olhos e cheirava mal, como se não tomasse banho há tempos. Thor mal estava conseguindo se manter em pé e suas palavras, mesmo que poucas até então, estavam banhadas por bebidas alcóolicas que, sabia , ele estava consumindo diariamente em quantidades exorbitantes, por cinco longos anos.
Ele havia dito a ela que estava tudo bem. Disse que tinha amigos que o estavam fazendo companhia e o ajudando a viver os dias mais longos e as noites mais tormentosas. Mas se perguntou naquele momento, que tipo de pessoa eram aqueles amigos, afinal? Por que havia deixando Thor chegar naquelas condições, por que não pediram ajuda? Thor não estava bem. Longe disso. E se tivesse a consciência de que ele estava tão mal daquela forma, a ponto de beber para que não tivesse mais noção da realidade, de abrir mão de cuidar de si mesmo, ela certamente teria feito algo antes, por ele. Ignorando o cheiro forte de cerveja, ela retribuiu o abraço apertado, desejando uma vez que absolutamente nada daquilo tivesse acontecido com eles.
— Thor? O que aconteceu? — A voz dela saiu quase em um sussurro, preocupada.
— Nada — Ela a colocou de volta no chão e, se afastando um passo para trás, sorriu — Não aconteceu nada. Deveria ter acontecido algo? É tão bom te ver.
— Você está… bem? — Insistindo, tentou começar a conversar, mas sem sucesso. Talvez teria que esperar outro momento, em que estivessem sozinhos e sóbrios. Aquela não era uma boa hora.
— Eu estou ótimo — Ele abriu os braços, mas logo voltou a tomar um gole da cerveja que segurava e que só reparou naquele momento — Você quer uma cerveja? Stark deixou a geladeira cheia delas, também têm mais na nave e...
— Na nave? — estranhou.
— Nem todo mundo tinha um motivo emocional forte o suficiente para estar aqui — Tony começou a dizer, observando virar-se levemente de lado para ele — Alguns tiveram que ser, bom... comprados.
— Vocês o trouxeram até aqui o comprando com bebida alcóolica? — praticamente gritou, incrédula, brava — Se tem algum de nós que tem “um motivo emocional forte o suficiente para estar aqui”, é ele! Ou vocês não estão realmente vendo o estado da coisa?
— Ele vai ficar bem — Steve resumiu-se em dizer. Embora estivesse, sim, preocupado com a situação de Thor, sabia que, no fundo, se aquilo tudo desse certo, ele realmente ficaria bem.
— E veio porque quis! — Tony completou — Banner foi buscar ele, conversaram.
— Muita força e muita inteligência... — apontou respectivamente para Steve e Tony, que seguiram a encarando — ...mas nenhuma sensibilidade.
— E aí? Quem quer cerveja? — Chamando novamente a atenção para si, Thor perguntou alto, ignorando completamente a discussão sobre ele mesmo, como se mal tivesse ouvido.
— Ninguém e nem você, chega — tomou a lata da mão dele, que frustrado, fechou a cara — Você precisa tomar banho. Tem… resto de comida na sua barba.
Sincronizadamente, Steve e Tony deram um passo mais perto de Thor, ficando um em cada lado de , para checar se o que ela dizia era mesmo real. A barba dele estava tão desgrenhada, dura e suja que mal podiam identificar o que eram as coisas ali paradas.
— Não preciso, não — Ele riu. respirou fundo, juntando toda a paciência que não tinha com pessoas embriagadas e, em um último apelo, disse:
— Vamos voltar no tempo, Thor. Se você encontrar Jane, quer mesmo que ela te veja nesse estado? E seus pais? Loki?
O ponto fraco de qualquer ser humano sempre foi o amor. Se estava ali, era pelas pessoas que um dia amou e Thor, mesmo que sem ter consciência clara disso, também deveria ter aceitado aquela ideia pelo mesmo motivo. Ele parou por um instante, refletindo, até levantar novamente a cabeça em direção a e assentir. Sem mais enrolações, ele virou-se em direção a saída do galpão, dizendo alto para que os outros três ouvissem:
— Me esperem para bebermos juntos a chegada da Fada.
, Steve e Tony se entreolharam exaustos. Talvez fosse mais fácil conseguir as joias outra vez do que tirar Thor daquele novo vício. Mas teriam que pensar nisso em uma outra hora.
— Bom, o que vem agora? — perguntou apreensiva, dando uma olhada na plataforma outra vez — Está pronta?
— Sim, estão preparando Scott para fazermos o teste — Tony respondeu prontamente, cruzando os braços — Mas já temos certeza de que uma variante funciona, precisamos testar a ideia de levar pessoas diferentes, para tempos e espaços diferentes ao mesmo tempo.
— Só temos partículas Pym para um único teste, ida e volta, em duas pessoas — Completando a lógica, Steve comentou pensativo. A conversa que teve mais cedo naquele dia com voltando à sua mente, toda incerteza e insegurança dela de que aquilo era realmente real. Steve suspirou, seus olhos caindo nos de , até perguntar — Se quiser ir, fazer o teste, a hora é agora.
Capítulo 33
— Clint e , vocês vão se sentir meio confusos por conta da transição temporal, mas não se preocupem.
Quase que ao mesmo tempo, e Clint assentiram para Bruce, trocando um breve olhar confuso entre si. Desde minutos atrás, quando pisou naquela sala, naquele anexo do galpão, se perguntava mentalmente o que, de fato, estava acontecendo ali. Tinha certeza quase que absoluta de que não estava entendendo mais nada daquela missão. Talvez fosse, sim, racional, talvez ela só não estava mesmo familiarizada com viagens no tempo. Ou, talvez, nada daquilo fizesse sentido e, ao fim, tudo não passasse de um devaneio coletivo. Não era fácil e sequer compreensível entender como era possível brincar com o tempo daquela forma e, apesar de confiar na palavra de Steve e na inteligência de Stark, parte de ainda receava em acreditar no que estava prestes a acontecer. E, talvez, para além da esperança e da possibilidade que a moviam, fosse por aquele exato motivo que ela estava parada ali, em pé, ao lado de Clint, pronta para assaltar uma linha temporal que sequer sabia qual seria.
respirou fundo e ajeitou sua postura, dando uma rápida olhada nas pessoas ao seu redor. O misto de expectativa e esperança carregado em seus olhos a davam a sensação de que, apesar dos questionamentos e das incertezas, valia a pena tentar. Já tinham chegado até ali e, ironicamente, não havia muito mais tempo ou espaço para voltar atrás na decisão. A história ensinou que uma teoria sempre precisa de validação para que se comprove em realidade. e Clint eram as comprovações práticas de que o passado podia, sim, se tornar novamente, por um curto período de tempo, o presente. Iriam entrar no tempo e no espaço programados, recolher um único objeto qualquer que encontrassem pelo caminho e, então, seriam puxados de volta. Uma missão simples, rápida, poucos minutos de ação para e Clint, apenas cinco segundos de espera para os demais.
Uma missão que representava absolutamente tudo. Que poderia esperançosamente comprovar uma teoria e mudar o curso da história, mas que, igualmente, poderia refutá-la. Cinquenta por cento para cada resultado, uma única tentativa, um único acerto e um único erro. Não podiam falhar, de modo algum, não podiam não voltar nem se esquecer do objeto. Como em muitas outras situações de suas vidas, e Clint estavam se aprontando e estavam se arriscando. Pela primeira vez, contudo, carregariam consigo o peso e as consequências de serem os primeiros a ver com os próprios olhos e a sentirem em suas próprias peles a chance de vingar o passado. Trazer todos de volta. Nada, até então, se comparava ao que ambos estavam sentindo naquele momento. Ansiedade, sim. Pressa, com toda certeza.
Ao redor deles estavam Bruce, Rhodes, Scott e Nebulosa, os preparando, os instruindo, antecipando, como podiam, eventuais erros e consequências que poderiam viver. Estavam os ajudando, com tudo o que sabiam, a entender como o teste funcionaria, como poderiam se sentir, o que poderiam fazer, caso algo saísse fora do esperado. O teste era uma parte crucial de um plano que viria a seguir. Era importante que ambos soubessem o que esperar e que ambos tivessem a certeza do que fazer. Não tinham Partículas Pym o suficiente para novos testes, era tudo ou nada.
Àquela altura, Clint e já estavam usando o traje desenvolvido por Bruce e Scott, feito especialmente para os acompanhar na redução de seus corpos a níveis tão pequenos que mal poderiam ser vistos a olhos nus. Em branco e vermelho, com detalhes em preto, apesar de resistente e sólido, o traje era confortável, lembrava o estilo do macacão de , fechado do pescoço até os pés. Altamente tecnológico, como tudo o que havia sido tocado por Tony Stark, Nebulosa ajustava alguns comandos da roupa por meio de uma tela holográfica projetada a partir dos ombros de cada um deles. estava nitidamente tensa, desde o momento em que tomou sua decisão final e disse a Steve e Tony que queria participar do teste. Sabia que só acreditaria verdadeiramente nas chances que tinham, se as visse com seus próprios olhos, ela não podia mais viver e se apagar em meras ocasionalidades. Precisava ser real ou não havia motivo concreto o suficiente para ela seguir adiante naquela missão.
entrou na pequena sala paralela ao galpão a tempo de ouvir Clint se voluntariando para tomar o lugar de Scott no teste e não demorou até Steve dizer que ela iria também. A ideia inicial era fazer dois testes separados, mas, se iam todos eles ao mesmo tempo, em um salto coletivo, o mais inteligente seria testar um salto em grupo e eliminar quaisquer dúvidas de que poderia dar errado. Rhodes, Bruce, Scott, Nebulosa e Clint cumprimentaram brevemente e, sem muita conversa, esperaram por ela vestir o traje. Enquanto aprontava-se, mais ao canto do anexo, lançava olhares curiosos e discretos para Bruce que, bem mais verde e grande do que da última vez que o tinha visto, parecia ter passado por uma transformação drástica e permanente. Ela quis perguntar, estava curiosa. Mas não seria indelicada e invasiva àquele ponto. Aparentemente, muito havia mudado para todos eles. Física, emocional, psicologicamente. Tinham sido afetados em seus mais profundos interiores, tomados por uma dor tão íntima e pessoal, que foi externalizada individualmente em marcas claras espalhadas pelos corpos, em barrigas, cores e cortes de cabelos, tatuagens, machucados e nos semblantes cansados.
Clint também estava diferente de como se lembrava de tê-lo visto da última vez, sete anos atrás. Parecia abatido, tinha um braço fechado em tatuagens e um corte de cabelo que demonstrava certa anarquia e violência. Sua postura não era mais a mesma, seu olhar era apático, quase gritava indiferença. Ela sabia o que tinha acontecido com ele. Ouviu de Natasha o pouco que ela sabia sobre ele nos cinco anos que se passaram, soube que perdeu todos os membros de sua família, sem exceção. Como afundou-se em solidão, Clint pareceu afundar-se em indiferença, a barreira que nitidamente havia ao redor dele o protegendo de sentir qualquer coisa novamente. sentiu muito por ele. Sentiu muito por tê-lo feito perder seus filhos e sua esposa, lembrou-se rapidamente de como Nate se sentia. Fazia sentido, sim, tê-lo ali, no teste.
Apesar de estar cansado e um tanto enfadado pela demora em se aprontar, Clint parecia mais confiante e seguro do que . Nem tão amigável e simpático, contudo, ele manteve-se em silêncio, pensativo, apenas ouvindo as instruções que lhes eram passadas, hora ou outra trocando olhares com os demais, com ao seu lado.
— Espera, quero saber uma coisa. — Rhodes perguntou, um braço cruzado em sua barriga apoiando o cotovelo do outro, enquanto sua mão estava no queixo, pensativo. — Se conseguirmos fazer isso, quer dizer, voltar no tempo, por que a gente não encontra o bebê Thanos e, sabe… entendeu, e… — Ele gesticulou com as mãos, como se estivesse enrolando algo em seu pescoço e, em seguida, o enforcando.
— Em primeiro lugar, isso é horrível. — Bruce começou a dizer, vendo concordar brevemente.
— É o Thanos. — Rhodes insistiu.
— E, em segundo, o tempo não funciona assim. — Banner continuou. — Mudar o passado não muda o futuro.
— Olha, a gente volta, rouba as Joias antes do Thanos... — Scott começou a explicação, seus olhos dividindo-se entre todas as pessoas ao seu redor que, atentas, tentavam acompanhar o raciocínio. — O Thanos fica sem as Joias. Problema resolvido.
— Bingo! — Clint murmurou, vendo Rhodes apontar para ele.
— Parece muito… fácil, não? — sentia um nó se formando em sua cabeça.
— Não é assim que funciona. — Nebulosa interferiu, séria, como sempre. tinha certo receio dela, não sabia direito como lidar com seu humor peculiar.
— Foi o que eu ouvi. — Ainda em um tom de voz baixo e seco, Clint rebateu.
— Ok, ouviu de quem? — Exasperou-se Bruce.
— Star Trek, O Exterminador do Futuro, Timecop, Ressaca… — Rhodes enumerou, sendo acompanhando por Scott, que completou:
— Contratempos…
— Uma Dobra no Tempo… — Rhodes falou.
— Questão de Tempo. — comentou, pensativa. Eles tinham um ponto. Scott apontou para ela e seguiu dizendo:
— Em Algum Lugar no Passado…
— Em Algum Lugar no Passado, Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica. — Rhodes continuou gesticulando, voltando-se para Bruce. — Basicamente todo filme que lida com viagem no tempo.
— Duro de Matar. — Lang seguiu dizendo, mas, pensando melhor, logo completou: — Não, esse não.
— Isso é conhecido! — Exclamou James Rhodes.
— Eu não sei por que todos acreditam nisso, mas não é verdade. — Banner voltou a explicar, um tanto irritado. — Pensa comigo: se você viaja ao passado, o passado passa a ser o seu futuro e seu antigo presente passa a ser o seu passado, que agora não tem como ser alterado pelo seu novo futuro.
— O quê? — sussurrou, confusa, sua testa franzida. Nebulosa terminava de ajustar o traje nela e, virando-se para os demais, concordou com Banner.
— Exato!
— Então, De Volta para o Futuro é uma… mentira? — Atordoado, Scott perguntou pensativo. Rhodes também pareceu ligeiramente frustrado em descobrir aquilo.
Sem responder aquela pergunta, e Clint soltaram uma risada baixa, enquanto Rhodes e Scott se entreolharam. Nebulosa apertou os comandos uma última vez no traje de Clint e, um minuto depois, estavam os dois prontos. Com um aceno breve com a cabeça, Rhodes deixou a sala, sendo seguido pelos demais. O clima um tanto descontraído de momentos antes foi, novamente, tomado pelo silêncio absoluto e pela pressão das expectativas. Steve, Tony, Natasha, Rocket e, recém chegado do banho, Thor, estavam encarregados de programar e preparar a plataforma enquanto e Clint se aprontavam para a ida. Somente a ida. Não tinham certezas sobre nada, muito menos se haveria uma volta. Contudo, não podiam se deixar abalar, não àquela altura.
Um risco por uma chance, parecia justo.
passou por um Thor fazendo-lhe joias com as duas mãos, um sorriso incerto, mas que tentava transmitir a amiga certa segurança. Ela não tinha certeza se ele tinha noção do que estava prestes a acontecer, mas sorriu de volta, sem mostrar os dentes. Pouco atrás dele, viu Steve checar alguns dados na tela do painel de controle da plataforma, com Natasha ao seu lado. Não sabia para onde e nem para quando iria, mas era apenas um teste. Provavelmente, voltaria para Alemanha, uma ou duas semanas atrás, não era necessário muito mais do que aquilo para terem as provas concretas de que precisavam. Natasha deveria estar cuidando das definições de tempo e espaço de retorno de Clint e Steve das dela. Seria seguro para eles dois, ao menos, se sentia segura em vê-los ali.
— Vai nessa, Fada, manda ver. — Vindo do outro lado da plataforma junto com Stark, Rocket falou alto, fazendo desviar sua atenção até ele. A mulher deu-lhe um sorriso lateral e seguiu andando firme. Estavam contando com eles.
Tony parou por um momento para falar com Clint, o tempo exato de Bruce aproximar-se do painel de controle da plataforma e começar a programá-la. Todos os demais mantiveram-se espalhados pelo galpão, assistindo qualquer que fosse o movimento em frente, atônitos, cheios de expectativas. Observar Clint e naquelas roupas, aproximando-se da plataforma, era como assistir a um filme de super-heróis. Como se tudo passasse em câmera lenta, como se fossem só os dois e a chance real, a cada instante mais real, de poderem salvar o mundo. Estavam diante da única oportunidade que teriam de se livrar da culpa, dos pesadelos constantes naqueles cinco anos, do peso de se sentirem inúteis, de não mais poder fazer nada para alterar o passado. Estavam diante de serem, uma vez mais, os Vingadores. E a emoção que cada um deles sentiu os vendo ali foi absolutamente inenarrável.
Clint deixou subir na sua frente na plataforma. Não queria perder mais tempo, se tinham que ir, que fossem de uma vez por todas. Atrás dela, ele caminhou tranquilo, vendo a mulher olhar para cima e para os lados, apreensiva, observando cada pedacinho da máquina que faria a magia acontecer dentro de segundos, até parar em um dos cantos, onde Steve a indicou. Ficando do outro lado da plataforma, de frente para ela, Clint lembrou-se de Natasha contando-lhe tudo o que ela passou. Disse que, assim como ele, também perdeu toda sua família. Perdeu todas as pessoas que um dia amou na vida e estava sozinha. Pareceu tragicamente poético para Clint ser justamente eles dois a irem no teste. Não pela coragem nem pela curiosidade, mas porque nenhum deles tinha mais nada a perder.
— Ok, e Clint, entrando em três, dois…
Parado a poucos metros da plataforma, no painel de controle, Bruce falava alto enquanto os capacetes dos trajes de e Clint fechavam-se automaticamente em seus rostos. Pela gigante parede de vidro do galpão, era possível ver que o sol já começava a se pôr e deixou-se levar pelos pensamentos ansiosos, se perguntando quanto tempo aquilo demoraria e para onde, exatamente, ela iria voltar no teste. Ao tempo que Bruce contava regressivamente e que os olhos dos demais fincavam-se sob eles dois, carregados de preocupação e ansiedade, Clint e se entreolharam uma última vez e respiraram fundo. A plataforma se movimentou conforme os comandos de Banner e o suporte acima deles passou a se reorganizar até se encaixar perfeitamente, em um instante. O chão em suas frentes abriu-se em um círculo, de repente, e, sem dar sequer tempo de verem exatamente o que acontecia, e Clint foram puxados para dentro.
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Não sabia se física ou mental, o fato era que doía. Muito. Uma dor aguda, expansiva e corrosiva, como se o corpo estivesse pedindo ajuda para se livrar de algo, como se alguém tivesse pressionando sua cabeça contra uma parede com tanta força, que era possível sentir a pressão. se sentiu perdida enquanto arfava de dor, com o tronco curvado para frente, os lábios pressionados com força e o capacete do traje abrindo-se, deixando seu rosto livre. Bruce havia dito que eles poderiam se sentir atordoados, mas não que sentiriam dor. Era estranho e inesperado. Respirando o mais fundo e o mais pesadamente que conseguia, tentando aliviar a dor aos poucos, levantou seu olhar para ver o que tinha, de fato, acontecido. Estava ridiculamente confusa, não se lembrava com clareza de como foi a “entrada”, só de que, em um único segundo antes, estava com Clint na plataforma, no Complexo, e, agora, estava sozinha, diante de uma casa.
Levou alguns segundos para que ela percebesse que estava em pé e alguns outros para notar estar parada em uma calçada de um bairro tranquilo e residencial. O dia ensolarado estava frio, parecia o começo de uma manhã. tentava ordenar em sua mente exatamente o que tinha acontecido para ela chegar até ali, mas não conseguia raciocinar. Era complexo demais entender como havia mudado de lugar tão rápido, sua mente parecia girar. Ajeitando sua coluna, em pé, ela sentia a dor aliviar-se enquanto sua respiração seguia a acalmando de qualquer surto que poderia ter naquele momento. A não ser por ela, a rua estava vazia, mas era possível ouvir alguns barulhos do cotidiano ao redor: cachorros latindo, pratos sendo empilhados, máquinas de lavar louças ligadas, garagens sendo manualmente abertas.
Curiosa, deu alguns passos em direção à uma pequena caixa de correio, em um estilo que certamente não via há muito, muito tempo. Sem cerimônias, ela tirou lá de dentro o que pareceu ser o jornal daquela manhã e foi, então, que absolutamente tudo fez sentido. Em letras miúdas, escrito em um idioma que conhecia muito bem, o jornal datava de 01 de março de 1997. Como se a dor que sentia antes pudesse a atingir ainda mais precisamente, como se pudesse ser canalizada em um único órgão de seu corpo, sentiu seu coração parar de bater um momento. Com o estômago revirado e a respiração começando a ficar ofegante outra vez, ela virou-se de frente para a casa de onde pegou o jornal na caixa de correio. Não podia ser verdade.
“Quer dizer, 1997 foi o ano em que seus pais me encontraram, está em francês e tem um endereço de Nice. Faz sentido para você?”. Inconscientemente, a voz baixa e grave de Bucky perguntando aquilo à ela, no sofá da sala principal de Wakanda, no dia em que se acertaram, tomou sua mente como um flash enquanto os olhos já marejados de caíam sobre a casa. Pintada em tons claros e terrosos, repleta de flores e plantas em um jardim vívido e colorido, a casa tinha a vida que nunca teve a chance de presenciar. Estava com as luzes de dentro acesas, com fumaça saindo da chaminé da lareira, o cheiro de café fresco saindo pela porta. sentiu-se confusa, não sabia o que deveria fazer, mas não precisou pensar muito mais.
Uma movimentação dentro da casa deu a ela um motivo para sair de vista, a não ser que quisesse explicar quem era e por que estava usando aquele traje esquisito em pleno final de inverno. Sem saber exatamente para onde deveria ir e ainda segurando o jornal, ela entrou no quintal da casa rapidamente e colocou-se dentro de uma grande estufa, de onde podia ver o que acontecia do lado de fora, mas não poderia ser vista lá dentro. A poucos metros de onde estava, a movimentação deu vista a um homem, de seus trinta ou quarenta e poucos anos, alto, com a barba perfeitamente desenhada e os cabelos ondulados. Vestia uma camisa xadrez em tons de verde e uma calça de alfaiataria e, embora murmurasse alguma música em francês, era ligeiramente possível notar o sotaque diferente. Seus olhos tinham a mesma cor que os dela e ele parecia feliz, a tirar pelo sorriso que carregava nos lábios, olhando em direção ao jardim em sua frente, entre a casa da qual saía e a estufa onde se escondia.
— Ah, olha só o que brotou. — A voz animada do homem tomou todo o ambiente, mas o que chamou a atenção de foi a criança pequena, por volta dos cinco anos de idade, que surgiu logo em seguida do homem. Carregando seu dinossauro de pelúcia, ela tinha os cabelos presos em duas chuquinhas, vestia um uniforme de escola e encarava o homem até ele, finalmente, pegá-la no colo.
sentiu uma vontade enorme de sair de onde se escondia, de abraçar o homem em sua frente, dizer quem ela era e o que estava acontecendo. Era a primeira vez em sua vida que via seu pai biológico, era a primeira vez que via Benedict, vivo, carregando a si mesma quando criança em seu colo, em meio a sorrisos e beijos carinhosos. não tinha uma única lembrança dele. Nem de sua mãe. A Hydra tirou dela o pouco que poderia ter sobrado deles quando apagou suas memórias. O que estava vendo ali, diante de seus olhos, era a única chance que teria em vida de se lembrar de seu pai, de sua mãe e de si mesma naquela idade.
Sem conseguir segurar as lágrimas, chorou sozinha de dentro da estufa, dando alguns passos à frente até parar tão perto da porta de entrada, que sua respiração quente abafava o vidro por onde ela assistia. Seus olhos tão vidrados em seu pai que quase podiam sair de seu rosto, seu coração acelerado, a sensação terrível de dor, de saber que aquilo era nada mais do que o passado.
— Hellen, venha ver que lindo. — O homem chamou. — As flores de Abutilon apareceram, finalmente.
E, dois segundos depois de chamá-la, viu a sua mãe juntar-se ao jardim com Benedict e a pequena . Alguns centímetros menores que Ben, ela tinha os cabelos curtos e escuros, o nariz fino e os olhos amendoados no mesmo formato dos de . Ao redor de onde eles olhavam estarrecidos e contentes, os arbustos cheios de flores vermelhas e alaranjadas, flores de uma espécie rara, de charme inigualável e de origem ainda desconhecida pela ciência, tinham brotado em montes. tapou a boca com a mão, abafando os soluços. A missão que exigia força e um certo charme raro, exatamente o que Steve havia dito a ela. Ele sabia que ela voltaria para 1997. Ele ofereceu a ela a chance de fazer o teste, porque ele sabia que poderia dar a ela uma das únicas coisas que não havia jeito algum de recuperar: a memória de seu passado. E só entendeu que estar ali não era uma coincidência quando percebeu que, na verdade, as flores de Abutilon só haviam brotado porque ela estava ali. A fitocinese.
— Ah, meu Deus! Foi tempo, demorou o quê? Três anos? — Em seu macacão de tecido verde musgo, a mulher perguntou, intrigada.
— Acho que mais. — Benedict refletiu. — Foi Everett quem nos trouxe ela dos Estados Unidos, não foi?
— É verdade! — Hellen concordou, passando a mão delicadamente por uma das flores. — Vamos mandar um buquê para ele de presente. Ficarão lindas no centro da sala.
Everett. Completamente chocada em poder ver seus pais biológicos pela primeira vez em vida, havia se esquecido, por um momento, de que seus pais adotivos, Karl e Everett, também viviam ali, em alguma casa vizinha, a poucos metros de onde estava naquele momento. E ver Hellen falar deles daquela forma, com carinho, tinha sido como se tudo ao redor tivesse parado por um momento. Como se a realidade tivesse batido em como a chuva batia no chão: pesada, mas necessária. Aquilo tudo que ela estava vivendo ali, que estava presenciando, era tão real quanto ela própria.
— Abutilon hybridum. — A pequena falou baixo, apontando para as flores que tinham a atenção de seus pais. Benedict e Hellen se entreolharam e soltaram uma risada fofa, cúmplice.
— Muito bem, querida. — A mulher depositou um beijo no braço dela, que sorriu.
— Vamos ver, então… e essa outra aqui? — Ben perguntou, apontando para o arbusto próximo, onde outra espécie de flor se encontrava. — Você se lembra como se chama?
— Eranthus hyemalis. — A garotinha comentou. — Eu gosto dessa, é amarela!
— Isso mesmo, é a minha preferida também. — O homem respondeu, olhando a menina, que riu em resposta.
— E essa aqui… será que nós sabemos o nome? — Foi a vez de Hellen perguntar, delicada.
— São Sinos da Irlanda. — A pequena se balançou no colo de seu pai, como se dançasse com seu dinossauro enquanto encarava as plantas. — Mas em latim chama Moluccella laevis.
— Perfeito, meu amor! E você quer saber uma coisa sobre os Sinos da Irlanda? — Benedict perguntou, animado, e um tanto misterioso, trocando a menina de braço em seu colo. concordou fervorosamente com a cabeça, atenta. — Na linguagem das flores, representa sorte.
— Sorte. — Ela repetiu pensativa, balançando o dinossauro de pelúcia de um lado a outro.
— Isso! Por isso, os colocamos ao lado do Abutilon e tivemos a sorte de ter flores, viu só? — Paciente e muito amoroso, o homem continuou a explicar. Os olhos curiosos da pequena só não estavam mais chocados do que a versão adulta dela. — Por isso, também, que a mamãe usa uma folha seca dele no colar. E, quando você crescer, também vai poder usar um.
não sabia que sua mãe tinha aquele colar, até vê-la mexer nele em seu pescoço. Um círculo fino e delicado de resina com uma pequena flor de Sinos da Irlanda seca ao meio, envolto em uma corrente igualmente fina em ouro rosé. não conseguia parar de chorar sequer um momento, todos os detalhes, tudo aquilo era demais para ela. Não tinha sequer um único resquício de lembrança deles, de absolutamente nada daquele período de sua vida. Ela foi feliz com eles, foi uma criança normal, com pais cientistas, que gostava de aprender e do seu dinossauro de pelúcia. teve uma casa, um lar, teve pessoas que a amavam e era àquele tempo e àquele espaço que ela pertencia. Tinha uma família feliz, amena, carinhosa, que a ensinava sobre a natureza como se, desde aquela época, soubessem o que viria a seguir.
E foi pensando naquilo que , finalmente, deu-se conta de um fato estarrecedor. Se era primeiro de março de 1997, em nove dias Bucky faria aniversário. Ele, certamente, estava lá, dentro da casa, em algum lugar. Seus pais já o tinham encontrado, o escondiam ali, o protegiam. já teria sido sequestrada na data do aniversário dele e, se estava vestindo o uniforme da escola, talvez aquele fosse o último dia, o último diálogo que teve com seus pais. A última vez em que ela os veria consciente de quem eles eram.
seria sequestrada pela Hydra naquela tarde, ao sair da escola.
O que tinha que começar a acontecer para que ela chegasse até ali, até aquele exato momento, começaria naquele dia.
Transtornada, sentiu o GPS de seu braço direito apitar algumas vezes, indicando que ela seria puxada de volta ao tempo e espaço ao qual ela participava. Desesperada, sussurrando “não” várias vezes seguidas, como se pudesse pará-lo de alguma forma, olhou uma última vez para seus pais, pelo vidro da porta. Não queria deixá-los para trás, queria saber mais deles, queria saber onde estava Bucky, onde estava Karl e Everett. Talvez pudesse salvá-los, talvez pudesse esconder Bucky em outro lugar, impedir que ela mesma fosse sequestrada. Tudo poderia ser diferente.
— E qual é o nome dessa flor aqui? — Hellen deu duas cutucadas leves no nariz da garotinha, a fazendo rir alto.
— . — Ela respondeu, tímida.
— A minha favorita no mundo inteiro.
ouviu sua mãe dizer uma última vez enquanto que, na tentativa de parar o retorno do GPS, desesperada e angustiada, ela adentrou ainda mais a estufa, em busca de qualquer objeto que poderia usar para manipular o traje. Sem tempo para dar mais do que três ou quatro passos, segurando o jornal, a última coisa que ela viu foi a fórmula de Neriine em alguns papéis grudados na parede da estufa.
Alterar o passado, afinal, não altera o futuro.
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Ansiosos para saber o que tinha acontecido e se o teste tinha sido bem sucedido, Steve e Natasha se entreolharam, tensos, assim que Bruce começou a contagem regressiva do retorno. Steve tinha programado o dia e o local de , bem como Natasha o fez para Clint. Sabiam que não seriam experiências fáceis de serem vividas, mas, igualmente, sentiam que era o mais correto a ser feito. Eles tinham perdido tanto, tinham consumido suas próprias vidas em dor e saudade naqueles anos. Tinham família, tinham a quem pertencer e precisavam sentir a pertença uma vez mais, porque, caso falhasse daquela vez também, seria o último fio de lembrança que teriam vivido com aqueles que amavam. Clint precisava ver seus filhos. precisava ter uma única lembrança com seus pais biológicos. Se tinham a oportunidade de dar aquilo a eles, por que não fazer?
Os mesmos cinco segundos que levou para que e Clint entrassem no tempo e espaço programados, foi o tempo que levou para que eles saíssem de lá. E o suspiro alto e generalizado de alívio ao ver os dois corpos reaparecem ali foi a melhor das sensações em todos aqueles instantes de espera para Steve e Natasha. Entre gemidos altos de dor e o mesmo desconforto mental terrível de antes, sentiu seu corpo jogado na plataforma, sentada, mudar de lugar outra vez. Em frente a ela, Clint estava do mesmo modo, dolorido, arfando, gritando “não”, tão alto, que parecia tirar de seu peito uma dor forte. Sem tempo para pensar, os demais subiram na plataforma como raios, preocupados com os amigos, não esperavam uma reação como aquela deles.
Natasha jogou-se no chão em frente a Clint, de joelhos, o chamando repetidamente, insistindo para que ele a olhasse. Steve, por sua vez, foi em direção à , com Thor em seu encalço. Ajoelhando-se em frente à ela, Steve segurou o rosto da mulher entre suas mãos, o mantendo focado nele, olhando para cima. chorava, tinha a respiração descompassada e seu peito subia e descia, arfando, conforme a dor que sentia ia se aliviando. Thor não tinha ideia do que ela tinha visto, mas viu o local e a data para onde ela foi mandada, podia imaginar o que tinha acontecido. Ele ficou parado em pé a dois passos dela, observando em silêncio, preocupado, enquanto os demais se revezavam entre observar abalados as reações de Clint e de .
— ? Olha para mim. — Steve pediu suavemente, tentando fazer os olhos confusos dela pararem nos dele.
— Ei, está tudo bem? — Do outro lado, Natasha perguntou para Clint que, em um movimento brusco, levantou-se.
— Sim, está. — Ele respondeu, olhando ao redor com ansiedade.
— Me diga algo bom… — Tony sussurrou, ansioso.
— ? — Steve insistiu, vendo os olhos dela, finalmente, focaram nos dele. Ela o olhou um tanto atordoada e, em seguida, subiu seu olhar para Thor que lhe estendeu a mão enquanto perguntava, sério:
— Você está bem?
— Acho que… sim. — Ela aceitou a mão dele, sendo puxada delicadamente para ficar em pé. Protetivo, Steve se manteve em frente à ela, segurando-lhe um dos braços com cuidado, temeroso de que algo ainda pudesse acontecer.
— É…funcionou. — Clint respirava, exausto. Ele, então, olhou para a luva de basebol que segurava em mãos, de seus filhos, e, então, a jogou para Tony, repetindo: — Funcionou.
Os olhares de todos eles, então, fixaram-se em , na expectativa gritante de que também dissesse que deu certo. Clint tinha chegado até onde estava programado para ir e havia ficado o tempo que estipularam para ele ficar. Conseguiu trazer de lá um objeto, sem problemas. Entraram e saíram juntos. A plataforma estava operando adequadamente. Só restava saber se também tinha chegado até o local que foi planejado para ela ou se, por algum acaso ou erro matemático, tinha ido parar em um lugar diferente ou mesmo acompanhado Clint. Se fosse o caso, não teriam mais Partículas Pym para novos testes. Ou tudo deu certo ou qualquer novo reajuste só poderia ser testado na hora da missão em si.
respirou fundo por alguns instantes, recuperando-se do movimento brusco e dolorido, até perceber que tinha trazido o jornal consigo, em mãos. Dando uma última olhada nele, como se quisesse certificar-se de que de fato esteve em Nice, em 1997, como dizia o cabeçalho do papel, o estendeu para Steve. E, sem tirar os olhos dela dos do Capitão, respondeu entre arfadas:
— Deu certo.
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rodopiava o celular freneticamente em suas mãos, incerta sobre o que deveria fazer. A tela do aparelho marcava 17h32 e ela simplesmente não conseguia decidir se deveria ou não ligar para Nate. Já era tarde em Berlim, ele deveria estar se preparando para dormir e esperando que ela, ao menos, respondesse as últimas mensagens de texto que enviou, perguntando como ela estava e como estavam sendo os dias nos EUA. não sabia o que deveria responder. Ainda não tinha dito nada a ele sobre o real motivo de ter feito aquela viagem, não havia comentado sobre as possibilidades que tinham e, muito menos, que ela mesma havia feito o teste. Não sabia exatamente como explicar tudo que estava acontecendo. Se estava sendo difícil para ela mesma entender, como seria para Nate ouvir toda aquela história? Talvez um absurdo, soaria tão ridículo quanto soou para ela mesma quando ouviu Steve levantar aquela possibilidade em sua floricultura. Viagem no tempo. Era melhor esperar. Ter mais detalhes, saber se a missão daria tão certo quanto o teste. Era melhor, ainda, não dizer nada a ninguém fora daquela casa.
Segura da decisão de esperar, jogou seu celular em cima de uma das mesas de seu quarto e subiu seu olhar até o grande espelho na parede mais próxima, em frente. Estava já vestindo o exato mesmo traje que usou para o teste, branco e vermelho, cabelos presos em um rabo de cavalo alto e parcialmente trançado, pronta para ação, como nos velhos tempos. encarou seu próprio reflexo no espelho, deixando o misto de expectativa e nervosismo transparecer em seus olhos. Não sabia o que, exatamente, iria acontecer dali em diante, mas se sentia pronta para o grande momento.
Quatro dias haviam se passado desde o teste e ela não conseguia parar de pensar em tudo que tinha revivido e em como poderia, de fato, rever todas as pessoas que amava outra vez. Sua mente divagava entre os cinco anos em que viveu sozinha, entre os cinco minutos que mudaram tudo. A imagem de Bucky sumindo em sua frente, a falta de resposta de Sam, de seus pais. Como um sonho estranho ou um filme dramático que se gosta muito, não era possível absorver tudo aquilo, mas, apenas, repassar e repassar em sua mente. já tinha aberto mão das tentativas de entender a lógica da viagem no tempo, estava ligeiramente confusa com o que tinha acontecido consigo mesma e as dores do corpo, embora não tivessem permanecido, ainda lhe causavam certo incômodo.
O desespero inicial, que sentiu ao ver seus pais biológicos, pela primeira vez na vida deu lugar a uma tristeza profunda que, como uma montanha-russa, refletida no tempo e com paciência, transformou-se em uma sensação quente e confortável de aceitação e felicidade. Uma alegria amena, calma e silenciosa, que foi consumindo toda a tristeza e a dor da perda. tinha os visto. A poucos passos de si, viu Ben e Hellen vivos, felizes, falando, rindo. Conseguiu ver a si mesma, a sua casa. Não os destroços depois que ela mesma explodiu tudo, ela viu a estrutura, os detalhes, ouviu o som que de lá saía, o cheiro que emanava. Agora, tinha algo a dizer sobre sua infância. Tinha uma única lembrança, talvez a melhor e mais feliz delas, assistida de fora, que guardaria consigo pelo resto de sua vida. E aquilo já era mais do que motivo suficiente para alegrar-se.
Com as lágrimas virando carinho, não conseguiu dizer nada mais senão palavras de gratidão a Steve. Ele estava satisfeito e genuinamente feliz por ela, por ter conseguido dar-lhe um pingo de felicidade e uma enxurrada de esperanças em meio a tanto caos. Steve a ouviu contar exatamente o que tinha acontecido, entre um intervalo e outro da preparação final para a grande missão. aproveitou estarem a sós na cozinha, um momento, e descreveu todos os detalhes do que tinha revivido. Sem mais dor, sem mais ansiedades, desnuda de qualquer sentimento pesado ou entristecido, ela só parecia saudosa. Seus olhos brilhavam como poucas vezes Steve os viu brilhar e, ao final, o sorriso leve e despretensioso saltou em seus lábios. A realização da possibilidade de se ter novamente o que um dia se perdeu caiu nela como uma bomba. Tudo era real. A chance, de fato, existia. Entre as banquetas da cozinha e latas de energético, se pegou agradecendo a Steve uma vez mais naquele dia: por ter insistido que ela se juntasse a eles naquela missão. A missão de suas vidas.
A primeira parte do plano que ele tinha pensado foi bem sucedida, agora só restava replicar o que e Clint viveram em outros cenários e datas. A ideia era exatamente a mesma, o que mudaria, contudo, é que dessa vez não teriam que pegar luvas de basebol ou jornais. Mas, sim, em uma única oportunidade, as Joias do Infinito. E por aquele exato motivo que todos eles, apesar da canseira, decidiram se reunir na sala principal do Complexo, logo na manhã seguinte ao teste, para fazer o que chamaram carinhosamente de Sessão de Brainstorm da operação Assalto no Tempo — talvez o jeito mais fácil e rápido de pensar em um plano era, justamente, se todos pudessem pensar ao mesmo tempo. Uma missão daquelas exigiria deles uma articulação perfeita e um trabalho em equipe bem definido, um nível de confiança tão alto como nunca antes tiveram uns com os outros.
— Certo, então, como funciona. — Steve começou a dizer, assim que todos acomodaram-se na sala, em pé em frente aos demais, ao lado dos televisores com projeções das Joias. — Agora só falta saber o quando e o onde. A maioria das pessoas dessa sala já encontrou ao menos uma das seis Joias do Infinito...
— Ou substituam a palavra “encontrou” por “quase foi morto” por uma das seis Joias do Infinito. — Tony completou, caminhando calmamente do outro lado da sala, segurando seu copo de café.
Rodeada por paredes de vidro e um mobiliário de escritório refinado e caro, a sala tinha um carpete escuro no chão e um clima confortável, que equilibrava com o frio que fazia lá fora. estava sentada ao lado de Natasha e Rhodey, ao redor da grande mesa de centro da sala, que parecia feita especialmente para reuniões e que estava coberta por pequenos cadernos e canetas. Na poltrona logo atrás de , Thor estava jogado em silêncio, enquanto que, do outro lado do cômodo, na outra ponta da mesa, Scott e Rocket estavam sentados, com Nebulosa um pouco mais atrás em um sofá e Banner caminhando pelo centro.
— Na verdade, eu não. — deu de ombros. — Não quase fui morta por nenhuma das Joias, nem as encontrei.
— Eu também não. — Scott concordou, sincero. — Eu nem sei do que vocês estão falando, na boa.
— Independentemente disso, só temos Partículas Pym suficientes para uma viagem cada. — Bruce relembrou a variável mais importante do plano. — E essas Joias estiveram em vários locais diferentes ao longo da História.
— Da nossa História. — Tony o corrigiu, observando Banner caminhar de um lado a outro da sala. — Então, não tem tantos pontos convenientes para saltarmos, não é?
— Significa que teremos que escolher nossos alvos. — Em pé, próximo à porta e de braços cruzados, Clint concluiu o raciocínio.
— Correto. — Tony passou por ele.
— Onde e quando as encontrar, faz sentido. — concluiu, pensativa. — Vocês que já se depararam com alguma das Joias, digam o que sabem sobre elas, o lugar e o ano da última vez que as viram... não sei, talvez fique mais fácil de mapeá-las assim.
— É um bom ponto de partida. — Natasha concordou brevemente com a cabeça.
— Então, vamos começar com o Éter. — Com as mãos nos bolsos da calça de moletom, Steve pediu ansioso. — Thor, é contigo.
Curiosos, todos os olhares da sala voltaram-se para Thor ao mesmo tempo, na expectativa de ouvir o que ele sabia sobre aquela Joia e, mais do que isso, pensarem juntos em qual seria o momento e local ideais para entrarem e conseguirem pegá-la. Thor, contudo, pareceu sequer ouvir o pedido de Steve. Com os dedos de uma mão dentro da calça de moletom e usando, novamente, seus óculos de sol, ele segurava uma lata de cerveja que jurava ter tirado dele alguns minutos antes. Não sabia como, mas ele sempre dava um jeito de pegar uma bebida nova, era insuportável. Ele nada respondeu. Trocando um olhar confuso com Natasha, só percebeu que ele estava dormindo pelo ronco baixo que, pela proximidade de onde ele estava sentado, pôde ouvir.
— Só pode ser brincadeira. — Ela respirou fundo, passando uma mão pelo rosto.
— Ele está dormindo? — Natasha perguntou, estranhando.
— Não está não. — Rhodes ironizou. — Tenho quase certeza que ele morreu.
— O primeiro que vai morrer aqui é você, Rhodes, se não parar com essas piadinhas. Estou avisando. — o repreendeu, assim que ouviu algumas risadas fracas e contidas, levantando-se de sua cadeira e indo, em dois passos, até Thor. Sem muita delicadeza, ela o chacoalhou por um momento até fazê-lo acordar em um susto. Thor deu uma olhada ao redor, confuso. — Thor? Thor, tudo bem?
— Bom dia, Fadinha. Ainda é de manhã? — Ele respondeu, observando concordar levemente com ele. Tinham virado a noite acordados, não deveria ser mais do que sete ou oito horas da manhã. Banner havia pedido uma pausa para que pudessem descansar depois do retorno do teste, tendo em vista que já era noite, mas, pela ansiedade generalizada, foi negado. e Clint tiveram um tempo para se situar outra vez na realidade enquanto que, os demais, divididos entre analisar o progresso dos testes e pensar nos próximos passos, seguiram trabalhando noite adentro.
— Se quisermos descansar, temos que terminar logo com isso. — Ela comentou, delicada, e apontou para a tela atrás de si. — Consegue nos contar o que sabe sobre o Éter?
Thor apenas concordou com a cabeça, sorridente, feliz por estarem interessados em algo que ele sabia contar e levantou-se. voltou para seu lugar no tempo exato em que a imagem da pequena pedra brilhante e vermelha se abriu em um dos televisores, com os dizeres “Joia da Realidade”. Assistindo a tudo o que acontecia ao redor, os demais prestavam atenção em silêncio, curiosos e um tanto apreensivos pela postura debochada e atipicamente informal de Thor. Ele caminhou lentamente até perto de onde a imagem da Joia estava refletida e, um tanto perdido, talvez pelo álcool, talvez pela canseira, perguntou:
— Por onde eu começo? — Ele olhou de até a imagem, batendo os óculos de sol recém tirados, na tela. Thor estava de pijama, com um quimono andino em tricô por cima e de crocs nos pés, bem confortável e desapegado, era a única troca de roupas que tinha levado consigo. — Ah, sim, o Éter. Primeiro, não é uma Joia. Alguém o tinha chamado de Joia antes… — Ele limpou a garganta e começou a dizer, pensativo, até apontar para Steve que, de braços cruzados e ainda em pé, franziu o cenho. — Está mais para um tipo de lama raivosa, mais ou menos, então… — Sem dizer de onde ele tirou aquilo, todos assistiram o deus do trovão pingar um colírio em seus olhos enquanto falava — ...as pessoas têm que compreender e acertar o nome. Mas tem uma história interessante sobre o Éter. Meu avô, a muitos anos atrás, teve que esconder as Joias dos Elfos Negros. — Ele parou por um momento, fazendo um barulho que, em tese, deveria ser de mistério enquanto chacoalhava as mãos e soltou uma risada. — Seres assustadores. Então, a Jane, na verdade… — Ele virou-se a tempo de a imagem na tela mudar para uma foto da Jane e, um tanto desestabilizado, continuou: — Ah, olha ela aí. É, a Jane era uma antiga paixão minha.
Com exceção de Scott, que estava realmente animado, a verdade era que, prestando atenção em Thor, nenhum dos demais naquela sala estava entendendo qual era o ponto daquela história. Thor não estava sabendo filtrar informações e, até ali, mais tinha confundido os próprios sentimentos com lembranças de seu avô e, agora, de Jane, do que criado um cenário de análise que os ajudaria a entender qual seria o melhor momento e local para conseguirem recuperar a Joia da Realidade. Os demais, vez ou outra, se entreolhavam, confusos, bufavam discretamente ou se pegavam viajando em pensamentos mais do que Thor parecia viajar com as próprias palavras. Sorridente, dividindo sua atenção entre olhar os amigos na sala e a foto de Jane, ele continuou a contar:
— Ela prendeu a mão dentro de uma rocha, uma vez, e o Éter ficou preso dentro dela e ela ficou muito, muito, doente. Então, fomos para Asgard, que é de onde eu sou, e nós tentamos dar um jeito nela. — Ele seguiu, sorridente. — Estávamos namorando na época, sabe, então eu tive que apresentá-la para a minha mãe... que foi assassinada. — Uma vez mais, Thor parou ao dizer aquilo, soltando um suspiro pesado.
— Ok, Thor, obrigada! — Preocupada com os rumos da fala dele, o cortou, mas ele sequer deu ouvidos a ela. — Acho que já entendemos tudo sobre o Éter, hora do descanso.
— Sabe, eu e a Jane não estamos mais namorando, então… é, essas coisas acontecem, nada é eterno. — O asgardiano seguiu refletindo, sem notar que e Tony se entreolharam, confusos, até Stark, com o palito de mexer o açúcar do café na boca, aproximar-se dele.
— Você não quer sentar? — Ele tentou puxar Thor levemente.
— Eu não acabei ainda. — Ele desvencilhou-se, um tanto ríspido. — A única coisa que é permanente na vida é a impermanência.
— Incrível. — Tony bateu palmas, aproximando-se outra vez e o puxando dali. — Ovos? Café da manhã?
— Não. — Thor sorriu para ele e sussurrou — Eu queria um bloody mary.
Tirando olhares incrédulos e bufadas descontentes de metade da sala, Thor foi conduzido por Stark para fora dali que, pedindo por um intervalo para descanso, dispensou os demais naquele dia. Estava sendo inútil ter aquela conversa com todo mundo exausto e, enquanto não conseguissem tirar de Thor um mínimo de sobriedade e concentração para tratar sobre o tema, não conseguiriam sair do lugar. Ele era o reflexo do esgotamento que as últimas horas de trabalho intenso os estava causando. O processo também demandava tempo, paciência e algum descanso.
Embora estivessem angustiados e sem querer perder ainda mais tempo para, de fato, iniciarem a missão, aquele era um momento muito estratégico e que envolvia muito mais do que a força e os poderes que tinham a oferecer. Precisavam pensar, raciocinar com clareza e inteligência, não podiam cometer erros de cálculos, de lugares e nem de tempo. Tinham uma única chance de entrar para encontrar cada uma das Joias, não mais do que isso. Não podiam desperdiçar as Partículas Pym com erros, porque, qualquer que fosse o motivo que culminasse em um novo fracasso, estariam, permanentemente, sendo os responsáveis, dessa vez, pelo desaparecimento de meio universo. Era crucial que pensassem com calma, com clareza e com racionalidade.
Dispersos pela casa, cada um deles foi para seu respectivo quarto, dormir as horas perdidas ou, ao menos, descansar o quanto conseguiam. Perto da noite, contudo, alguns deles, sem conseguir dormir mais, passaram a fazer o que mais ajudava a si mesmo a se concentrar: exercícios físicos, banhos, energéticos, leituras, isolamento, meditação, qualquer que fosse a coisa que pudesse dar a eles um tempo para refletir e, quem sabe, recomeçar novamente aquela conversa, em breve. Apesar de amigável, o clima no Complexo estava um tanto sobrecarregado, cheio de expectativas, angústias e ansiedades no ar. Algo silencioso, mas latente, algo que os dava a sensação de urgência, de pressa, de terminar logo com tudo aquilo. Um desgaste emocional tão grande que não poderia ser segurado por muito mais tempo e latas de energético. Tinham que evoluir com o plano. E tinham que ser rápidos.
Sendo assim, na hora do almoço do dia seguinte, o terceiro a partir do teste, regados a comida chinesa pedida do restaurante mais próximo e de volta à mesma sala de reuniões de antes, a conversa recomeçou com Rocket explicando tudo o que sabia da Joia do Poder. Dessa vez, em um tom mais sério e compenetrado. Um apanhado geral e objetivo sobre o que ela podia fazer e quais possíveis lugares poderiam encontrá-la de forma relativamente segura.
— O Quill disse que roubou a Joia do Poder de Morag. — Rocket dizia, caminhando em cima da mesa.
— Isso é uma pessoa? — Da outra ponta, Bruce perguntou, fazendo Rocky virar-se até ele.
— Não, Morag é um planeta. — Sem paciência alguma, ele respondeu, apontando Banner. — Quill era uma pessoa.
— Tipo um planeta? No meio do Espaço? — Scott pareceu incrédulo, perguntando mesmo com a boca cheia de comida.
— Ah, olha! — Rocket ironizou com a voz manhosa, aproximando-se de Lang até fazer-lhe um carinho meio bruto nos cabelos. — Parece um cachorrinho, todo feliz, olha só. Quer ir para o Espaço? Quer ir para o Espaço, cachorrinho? Eu te levo para o Espaço.
— Lebre, fala sério. — pediu, cutucando sua comida com os hashis. — O que precisamos saber sobre Morag?
Uma vez mais, Rocket virou-se em cima da mesa, caminhando para perto de e, com um suspiro cansado, começou a contar-lhes a história real do planeta — ou, ao menos, as partes que sabia. Algumas horas depois do almoço e definido que voltariam para o exato mesmo dia em que Peter Quill havia encontrado a Joia do Poder em Morag, 2014, passaram, enfim, a discutir a próxima delas — a Joia da Alma. Stark já estava inquieto com tanta conversa e pouco progresso no final do almoço e, por isso, achou mais útil se dividirem. Poderiam ir mais rápido e serem mais assertivos, se trabalhassem em grupos menores, rodando entre eles com o tempo, para não cansar de ficar tantas horas pensando na mesma coisa. Com isso, ele e Rhodes passaram a trabalhar com e Thor qualquer informação que fosse útil sobre o Éter enquanto os demais seguiram em busca de detalhes sobre a Joia da Alma
não soube quanto tempo se passou, mas, certamente, dedicou boas horas em conversar com Thor e ler todas as pesquisas que a Inteligência Artificial de Tony Stark conseguiu fazer sobre o tema. Rodeada de post-its e folhas impressas, ela fazia agrupamentos de ideias para facilitar o mapeamento de datas que Rhodes estava montando enquanto Tony, àquela altura, buscava por localizações onde Thor se recordava de ter visto a Joia. Da sala em que estavam, exatamente ao lado da que almoçaram e onde ainda estavam os demais, pôde ouvir uma parte da conversa enquanto colava as notas adesivas nos papéis em sua frente, em silêncio.
— Thanos achou a Joia da Alma em Vormir. — Nebulosa começou dizendo, olhando da imagem projetada na tela até as poucas pessoas que ali restaram.
— O que é Vormir? — Natasha perguntou, curiosa, sentada em um dos cantos do sofá que dividia com Scott e Bruce na outra ponta enquanto anotava as informações em um bloquinho.
— Um domínio da morte, no centro da existência celestial. — Os olhos perdidos de Nebulosa estavam no chão, ela pareceu engolir o choro. — Foi onde Thanos matou minha irmã.
Sem dizer uma única palavra e, como se houvessem combinado, e Tony levantaram seus olhares confusos e levemente preocupados um até o outro e, em seguida, até a sala ao lado, que podia ser vista através da parede de vidro. Por que Thanos havia matado a própria filha em Vormir? E o que aquilo tinha a ver com a Joia da Alma? Bom, duas perguntas em sequência lógica que, feitas mentalmente por e Tony, foram rapidamente respondidas em silêncio. A partir daquela constatação, uma nova variável havia se inserido na missão: mais do que ir e voltar com todas as Joias, eles tinham que voltar. Custasse o que fosse. estava tão absorta nas possibilidades que tinha, tão levada pelo o que aconteceu no teste e rendida a fazer o que tinha que ser feito para ter os seus de volta que, nem por um momento, havia considerado a possibilidade de serem eles, algum deles, quem não voltasse mais daquela missão. A soma zero era uma hipótese. Mas ela não queria pensar naquilo. Não podia.
Na sala ao lado, todos evitavam se encarar, reflexivos sobre o que exatamente iriam encontrar em Vormir. Com exceção de Natasha, que parecia mais interessada nas anotações de seu caderninho, e Clint, com a estranha pose de valentão inabalável, todos os demais podiam ser definidos pelo sussurro tão discreto que saiu de Scott, que mal pôde ser ouvido:
— Me erra.
voltou seu olhar até Tony que, como se entendesse até onde os pensamentos a tivessem levado, assentiu com a cabeça, tentando passar confiança. Ele, mais do que nenhum outro ali, estava certo sobre a chance que tinham. Apegado em tudo que a ciência e a tecnologia tinham a oferecer, não haveria erros. Em hipótese alguma tinham que pensar naquilo. Estariam em equipes, com um plano bem feito, apoiados em uma máquina que ele mesmo, com Banner, Scott e, até o Guaxinim, tinham estruturado. Tinham poderes inumanos a seu favor. Estavam considerando os erros para minar os problemas como podiam. Tony tinha certeza de que, vencida a etapa de determinar os lugares e as datas, nada mais daria errado.
Definidos o local e a data em que entrariam para pegar a Joia da Alma, Clint e Nebulosa passaram a estudá-la com mais atenção enquanto Steve juntou-se a e Thor para analisar a Joia da Realidade. Stark, quase um dia depois, finalizou os direcionamentos que precisava de Thor e juntou-se a Natasha e Bruce para começar a pensar nas três Joias que ainda faltavam enquanto Rhodes revisava com Rocket as direções da Joia do Poder. Scott voltou aos cálculos finais de uso das Partículas Pym, o recurso fundamental que tinham, o ponto de partida da missão. Todos trabalhando, imersos naquilo tudo, pensando juntos, compartilhando informações que tinham, trocando de grupos de tempos em tempos para renovar a mente, refrescar o raciocínio, mudar o foco. Complexos, atípicos e um tanto caóticos, exaustivos, sem dúvidas, quatro dias se passaram até, finalmente, terem um plano bem estruturado.
No final do quarto dia, projetado do centro de uma pequena mesa redonda da cozinha, três telas dividiam as seis Joias do Infinito em grupos de lugar e datas. Espaço, Tempo e Mente, em Nova Iorque, 2012. Realidade, em Asgard, 2013. Poder e Alma, em Morag e Vormir, em 2014, respectivamente. Espalhados pela cozinha, todos eles prestavam atenção nas imagens se movendo em frente, nas telas, até organizarem-se em grupos. Tinham conseguido pensar nas entradas, em quando e onde saltar. Tinham gastado até o último neurônio possível fazendo os cálculos necessários para agilizar aquele momento e ali estavam eles. Diante da teoria que, ao menos no papel, se comprovou por um cálculo de física quântica. Eles eram os números agora, eram variáveis e o que tinha de mais complexo em toda aquela história estava prestes a começar.
— Feche a porta da frente. — Tony pediu em voz alta, seus olhos presos nas imagens nas telas. Atônita, sentiu a ansiedade subir sua espinha enquanto se levantava do sofá onde estava sentada, ajeitando a coluna.
— Muito bem, temos um plano. — Steve começou dizendo enquanto dava alguns passos à frente, trazendo os demais consigo, que se levantavam e ajeitavam suas posturas. Seu tom de voz claro, alto e sério, um tanto preocupado e ansioso também. — Seis joias, três equipes, uma chance.
Uma chance.
respirou fundo, dando uma última olhada no espelho, assim que ouviu alguém bater à porta de seu quarto, a fazendo cortar as lembranças dos últimos dias recentes. A hora era aquela. Sem mais tempo a perder, sem mais no que pensar, era tempo de fazer a missão acontecer. Steve os dividiu em três equipes, usando a estratégia básica de quem seria ideal para lidar com cada lugar, tempo e, principalmente, cada uma das Joias. Bruce aproveitou para instruir sobre o uso dos trajes e Scott os havia alertado sobre a desestabilidade do tempo. Caso algo desse errado com a plataforma, tinham um plano b que não sabia dizer se entendeu direito. De todo modo, havia entendido as regras principais: ficariam desnorteados no começo, não poderiam demorar muito tempo no assalto e não podiam encontrar-se consigo mesmos, caso fossem para algum tempo e lugar que corressem esse risco e, fosse o que fosse, dando certo ou errado, só tinham uma passagem de ida e uma de volta. Não podiam gastá-las em hipótese alguma, senão para regressar ao presente.
No tempo em que estavam, Scott estimou que gastariam apenas um minuto para ir e voltar. Na entrada, contudo, o tempo correria de outra forma, não deveriam se apegar a relógios ou contagens dos lugares de ida, apenas os de seus trajes. Depois das instruções básicas e gerais a todos, cada uma das equipes dividiu-se pela casa para traçar o plano em detalhes, antecipando tudo o que podiam para que, na hora, não perdessem tempo. Apesar disso, contudo, não conseguiram estimar muita coisa, pois, ao fim da conversa, concluíram que não sabiam exatamente o que poderia acontecer e um plano às cegas podia mais atrapalhar do que ser eficiente. Fizeram combinados gerais, dividiram as responsabilidades e os focos em cada uma das Joias. Marcaram pontos de encontro com ajuda da tecnologia, sinais de pedido de ajuda e contaram, aqueles que retornariam para lugares que já tinham estado, um pouco do que podiam esperar.
Exaurido o plano, tinham ganhado meia hora para aprontarem-se, vestir os trajes e, finalmente, ir em frente. passou o olho pelo celular em cima da mesa, a tela iluminando-se com uma mensagem de boa noite de Nate, e seguiu, forçadamente ignorando-a, para fora de seu quarto. Faria o que quer que fosse possível para pegar as Joias. Por ela, por ele, por todas as pessoas que eles perderam, por todos aqueles que entraram em sua floricultura naqueles cinco anos para comprar flores aos desaparecidos. Por Wanda, por Peter, por Groot. Pelos wakandanos que assistiu morrer em batalha, por Visão. E, cada pessoa que conseguia pensar, cada motivo que listava, mentalmente, até chegar sozinha e em silêncio de volta à sala de reuniões, parecia dar a ela ainda mais força e coragem. Como se algo estivesse recém explodido, como ira, fúria. Passo a passo, nome a nome, crescia em a vontade de, em cinco anos, finalmente, vencer outra vez. A qualquer custo.
— Nervosa? — ouviu Natasha a perguntar, assim que a viu entrar na sala. Ela sorria serena, como sempre, transparecendo uma calma e um controle como mais ninguém conseguia enquanto estendia a amiga um comunicador auricular.
— Sem saber o que esperar, na verdade. — respondeu, sorrindo, de volta, pegando o pequeno objeto e o colocando em seu ouvido direito. — Ansiosa também.
— Bom, pelo menos será só um minuto. — Nat respondeu, vendo Steve as chamar com a cabeça para irem até o galpão.
— Foi o que demorou para você quase se acidentar esquiando em St. Moritz. — brincou, lembrando-se daquele momento, das últimas férias que Natasha passou a visitando e que foram para a Suíça. Natasha era ágil, mas nem tanto em uma competição de esqui. A ruiva riu, caminhando com até se juntarem aos demais.
— Revanche de esqui quando voltar?
— Você sabe que eu vou ganhar. — sorriu abertamente.
— Eu não teria tanta certeza assim. — Natasha brincou, segura, passando por a passos firmes, assim que se juntaram aos demais.
não teve tempo de responder, apenas trocou um último sorriso com ela e seguiu caminhando para o mesmo lugar que todos os demais iam. Bastante diferente da leveza e segurança que Natasha transpassava, o clima voltou a ficar silencioso e focado. Cada um deles, enquanto caminhava firmemente em direção a plataforma, fechou-se em seu próprio mundo, deixou-se levar por seus próprios pensamentos. Tensos, incertos, mas cheios de esperança. Repassando, mentalmente, todos os detalhes, refletindo uma última vez se aquilo era mesmo o que deveriam fazer. Alguns outros engolindo o medo de um novo fracasso, caminhando em direção a algo tão desconhecido quanto o universo. Mas foram em frente. Todos eles. Como se tivessem em formação, com Steve e Tony os liderando, passo a passo caminhava ali a última esperança de todo o universo, o que sobrou dos Vingadores.
O sol já estava se pondo lá fora, em um final de tarde ameno e bonito, quando eles subiram na plataforma. Bruce havia ficado para trás para programar a máquina no painel de controle. Steve tinha Natasha a sua esquerda, seguido por Clint e Rhodes bem na outra ponta da plataforma. Ao lado esquerdo deste último, seguia Nebulosa, Rocket e Thor, respectivamente. Na sequência, , Scott, um lugar que seria de Bruce, Tony e, enfim, chegava em Steve novamente. Formando um círculo perfeito bem no centro da plataforma, posicionados lado a lado, próximos uns aos outros, se entreolhando em um silêncio ensurdecedor, que logo foi cortado pela voz suave e carregada de assertividade de Steve:
— Cinco anos atrás, nós perdemos. Todos nós. Perdemos amigos. Perdemos família. Perdemos parte de nós. Hoje, nós temos uma chance de recuperar tudo. Sabem qual é sua equipe. Sabem qual é sua missão. Peguem as Joias. Tragam de volta. — Steve esticou sua mão direita, fechada em um punho forte e apertado. Como ele, todos os demais colocaram suas mãos do mesmo modo, em punhos, formando um novo círculo no meio deles, enquanto se entreolharam, tensos, absortos nas palavras do Capitão. — Uma ida e volta para cada. Sem erros, sem repetições. A maioria vai a lugares conhecidos. Não significa que sabemos o que esperar. Tenham cuidado. Cuidem uns dos outros. Essa é a luta das nossas vidas. E nós vamos vencer. — Ele soltou um suspiro e voltou seu olhar diretamente para Tony, que, retribuindo, o ouviu concluir. — Custe o que custar. Boa sorte.
não sabia exatamente como descrever o que sentiu ouvindo aquilo. Nenhum deles, na verdade, e os olhos perdidos, com testas franzidas e suspiros pesados demonstravam aquilo. Em sua mente, ouvindo cada palavra de Steve, se passavam detalhes dos cincos anos em que ficou sozinha, detalhes de seus pais, de Sam. Cass e AJ, Sarah. A família de Guzman que havia sumido, de Nate. foi inundada por lembranças que achava ter adormecido de Bucky, de sua infância em Wakanda, Shuri, T’Challa. Cada sentimento de luto, de perda, de fracasso, que tanto lutou em passar por cima, a atingiram com cada palavra que ouviu de Steve. Foi dolorido. E tinha mexido com todos eles ali, sem dúvidas. Contudo, apesar da carga emocional intensa e repentina que sentiu, havia muita esperança em tudo que Steve disse. A dose suficiente para engolir qualquer outro sentimento.
Uma mistura de medo, engajamento e força desceram o estômago de como um frio na barriga, daqueles que se não se sabe identificar a origem, se veio pela ansiedade ou por um alerta natural de que algo perigoso estava por perto. Ela estava com medo, sim. Talvez em pânico. Sentiu suas mãos suarem por dentro das luvas do traje enquanto dava passos para trás, colocando-se na posição marcada no chão, observando os demais fazerem o mesmo. Soltando a respiração pela boca, ela respirou fundo por um minuto, tentando manter a calma e a concentração.
— Ele é muito bom nisso. — Rocket comentou, impressionado.
— Não é? — Scott concordou, olhando de , ao seu lado, para Tony, do outro, que, de volta em sua posição, comentou:
— Vocês ouviram o cara. — Ele, então, elevou o tom de voz. — Digita aí, chuchu bombado.
Do chão próximo, no painel de controle, Bruce começou a acionar os comandos necessários assim que ouviu a permissão de Tony, sem mais tempo a perder. Da plataforma, um tanto contrariado, Rocket aproximou-se de Clint e, dando uma última olhada na miniatura de sua própria nave, encolhida com um resto de Partículas Pym que Scott encontrou ainda em seu traje, a estendeu para o homem. Sem dizer nada, ainda tentando manter sua respiração, os acompanhou com o olhar, observando Clint pegar o objeto e dar uma olhada, enquanto Rocket cruzou os pequenos braços.
— Rastreadores ativados. — Bruce avisou alto o suficiente para que todos pudessem ouvir e, dando uma última checada nos comandos, caminhou sentido à plataforma.
— Promete trazê-la de volta inteira, não é? — Rocket perguntou, sério, notando a postura debochada de Clint. Não tinha ido muito com a cara dele, afinal.
— ‘Tá, ‘tá, ‘tá, ‘tá — Clint forçou o sorriso, em desdém. — Ok, farei o meu melhor.
— Eita, promessinha furreca. — Rocket reclamou baixo, revirando os olhos.
Não sabia se pela tensão, que claramente todos eles estavam sentindo naquele momento, ou se pela falta de educação mesmo, Clint pareceu impaciente e um tanto rude. Não era nem perto a pessoa que havia conhecido no estacionamento do aeroporto na Alemanha, descendo feliz de um furgão, mesmo sabendo estar do lado ilegal da luta, falando de seus filhos com saudade e orgulho. Sabia que o luto era diferente de pessoa para pessoa. Mas Clint, certamente, não seria mais o mesmo de antes. Nunca mais. se perguntou, por um momento, se ela também já não era mais a mesma. Se realmente conseguisse trazer todos de volta, ainda seria reconhecida por eles? Amada por eles? Ela não encontrou respostas para aquilo. Perguntas feitas pelos anos de solidão, que bateram naquela hora, na beira da possibilidade real de não mais ser só outra vez.
Mas se perguntou, no instante seguinte, se realmente esteve sozinha. E, antes mesmo que pudesse refletir sobre aquilo, o movimento de Bruce passando a sua frente chamou-lhe a atenção. Ele se colocou no lugar que deveria estar, entre Scott e Tony, e, sem cerimônias, ativou o dispositivo GPS acoplado na parte de cima de uma de suas luvas. Ao tempo em que o comando foi dado, a estrutura superior da plataforma, montada a partir do tato, moveu-se acima deles, como folhas de uma árvore. puxou o ar com força, olhando da estrutura acima de si até Natasha, assim que a ouviu dizer, sorridente, baixo, para Steve ao seu lado:
— Te vejo em um minuto.
Steve nada respondeu. Apenas retribuiu o sorriso ao tempo que olhou Thor ao seu lado, o vendo encará-la de volta.
— Vamos voltar, certo? — Thor perguntou baixo, fazendo a mulher sorrir com ternura.
— Vamos. — Ela respondeu no mesmo tom. — Senão, dessa vez, você querendo ou não, vou ter que ir atrás de você.
— Acho que você vai gostar de Asgard. — Thor falou mais sério do que gostaria, o capacete de seu traje fechando-se automaticamente, assim como o dos demais.
— Tenho certeza que sim. — Ele a ouviu responder uma última vez enquanto seu capacete também se fechava. — Já gosto do que vem de lá.
No instante seguinte, o chão no meio deles se abriu como um poço, emitindo uma energia em tons de laranja e roxo, parecido com um reator nuclear. O calor que saiu dali não incomodou mais do que um único segundo porque, no momento seguinte, já tinham sido engolidos pela plataforma. fechou os olhos com força, sem saber o que esperar quando os abrisse novamente. Não conseguia explicar nada do que acontecia ali, como podiam reduzir tanto de tamanho a ponto de viajar pela matéria, como o GPS em seus trajes os levariam exatamente, em equipes, para os exatos lugares e datas em que tinham estipulado, ela não sabia explicar. E tudo foi tão rápido que, como em um piscar de olhos, no segundo seguinte em que os fechou, ainda na plataforma, já pôde os abrir em outro lugar, a tempo de perceber estar sentada no chão, ouvindo um barulho alto e caótico, sentindo a mesma dor aguda que sentiu quando fez o teste. Com a respiração descompassada e abrindo seu capacete para poder respirar melhor, olhou ao seu redor atônita, tentando livrar-se da sensação de confusão que aquilo causava.
Mas bastaram poucos segundos observando ao redor, enquanto colocava-se em pé outra vez, para entender que, ao menos ela, tinha acabado de entrar na missão.
Quase que ao mesmo tempo, e Clint assentiram para Bruce, trocando um breve olhar confuso entre si. Desde minutos atrás, quando pisou naquela sala, naquele anexo do galpão, se perguntava mentalmente o que, de fato, estava acontecendo ali. Tinha certeza quase que absoluta de que não estava entendendo mais nada daquela missão. Talvez fosse, sim, racional, talvez ela só não estava mesmo familiarizada com viagens no tempo. Ou, talvez, nada daquilo fizesse sentido e, ao fim, tudo não passasse de um devaneio coletivo. Não era fácil e sequer compreensível entender como era possível brincar com o tempo daquela forma e, apesar de confiar na palavra de Steve e na inteligência de Stark, parte de ainda receava em acreditar no que estava prestes a acontecer. E, talvez, para além da esperança e da possibilidade que a moviam, fosse por aquele exato motivo que ela estava parada ali, em pé, ao lado de Clint, pronta para assaltar uma linha temporal que sequer sabia qual seria.
respirou fundo e ajeitou sua postura, dando uma rápida olhada nas pessoas ao seu redor. O misto de expectativa e esperança carregado em seus olhos a davam a sensação de que, apesar dos questionamentos e das incertezas, valia a pena tentar. Já tinham chegado até ali e, ironicamente, não havia muito mais tempo ou espaço para voltar atrás na decisão. A história ensinou que uma teoria sempre precisa de validação para que se comprove em realidade. e Clint eram as comprovações práticas de que o passado podia, sim, se tornar novamente, por um curto período de tempo, o presente. Iriam entrar no tempo e no espaço programados, recolher um único objeto qualquer que encontrassem pelo caminho e, então, seriam puxados de volta. Uma missão simples, rápida, poucos minutos de ação para e Clint, apenas cinco segundos de espera para os demais.
Uma missão que representava absolutamente tudo. Que poderia esperançosamente comprovar uma teoria e mudar o curso da história, mas que, igualmente, poderia refutá-la. Cinquenta por cento para cada resultado, uma única tentativa, um único acerto e um único erro. Não podiam falhar, de modo algum, não podiam não voltar nem se esquecer do objeto. Como em muitas outras situações de suas vidas, e Clint estavam se aprontando e estavam se arriscando. Pela primeira vez, contudo, carregariam consigo o peso e as consequências de serem os primeiros a ver com os próprios olhos e a sentirem em suas próprias peles a chance de vingar o passado. Trazer todos de volta. Nada, até então, se comparava ao que ambos estavam sentindo naquele momento. Ansiedade, sim. Pressa, com toda certeza.
Ao redor deles estavam Bruce, Rhodes, Scott e Nebulosa, os preparando, os instruindo, antecipando, como podiam, eventuais erros e consequências que poderiam viver. Estavam os ajudando, com tudo o que sabiam, a entender como o teste funcionaria, como poderiam se sentir, o que poderiam fazer, caso algo saísse fora do esperado. O teste era uma parte crucial de um plano que viria a seguir. Era importante que ambos soubessem o que esperar e que ambos tivessem a certeza do que fazer. Não tinham Partículas Pym o suficiente para novos testes, era tudo ou nada.
Àquela altura, Clint e já estavam usando o traje desenvolvido por Bruce e Scott, feito especialmente para os acompanhar na redução de seus corpos a níveis tão pequenos que mal poderiam ser vistos a olhos nus. Em branco e vermelho, com detalhes em preto, apesar de resistente e sólido, o traje era confortável, lembrava o estilo do macacão de , fechado do pescoço até os pés. Altamente tecnológico, como tudo o que havia sido tocado por Tony Stark, Nebulosa ajustava alguns comandos da roupa por meio de uma tela holográfica projetada a partir dos ombros de cada um deles. estava nitidamente tensa, desde o momento em que tomou sua decisão final e disse a Steve e Tony que queria participar do teste. Sabia que só acreditaria verdadeiramente nas chances que tinham, se as visse com seus próprios olhos, ela não podia mais viver e se apagar em meras ocasionalidades. Precisava ser real ou não havia motivo concreto o suficiente para ela seguir adiante naquela missão.
entrou na pequena sala paralela ao galpão a tempo de ouvir Clint se voluntariando para tomar o lugar de Scott no teste e não demorou até Steve dizer que ela iria também. A ideia inicial era fazer dois testes separados, mas, se iam todos eles ao mesmo tempo, em um salto coletivo, o mais inteligente seria testar um salto em grupo e eliminar quaisquer dúvidas de que poderia dar errado. Rhodes, Bruce, Scott, Nebulosa e Clint cumprimentaram brevemente e, sem muita conversa, esperaram por ela vestir o traje. Enquanto aprontava-se, mais ao canto do anexo, lançava olhares curiosos e discretos para Bruce que, bem mais verde e grande do que da última vez que o tinha visto, parecia ter passado por uma transformação drástica e permanente. Ela quis perguntar, estava curiosa. Mas não seria indelicada e invasiva àquele ponto. Aparentemente, muito havia mudado para todos eles. Física, emocional, psicologicamente. Tinham sido afetados em seus mais profundos interiores, tomados por uma dor tão íntima e pessoal, que foi externalizada individualmente em marcas claras espalhadas pelos corpos, em barrigas, cores e cortes de cabelos, tatuagens, machucados e nos semblantes cansados.
Clint também estava diferente de como se lembrava de tê-lo visto da última vez, sete anos atrás. Parecia abatido, tinha um braço fechado em tatuagens e um corte de cabelo que demonstrava certa anarquia e violência. Sua postura não era mais a mesma, seu olhar era apático, quase gritava indiferença. Ela sabia o que tinha acontecido com ele. Ouviu de Natasha o pouco que ela sabia sobre ele nos cinco anos que se passaram, soube que perdeu todos os membros de sua família, sem exceção. Como afundou-se em solidão, Clint pareceu afundar-se em indiferença, a barreira que nitidamente havia ao redor dele o protegendo de sentir qualquer coisa novamente. sentiu muito por ele. Sentiu muito por tê-lo feito perder seus filhos e sua esposa, lembrou-se rapidamente de como Nate se sentia. Fazia sentido, sim, tê-lo ali, no teste.
Apesar de estar cansado e um tanto enfadado pela demora em se aprontar, Clint parecia mais confiante e seguro do que . Nem tão amigável e simpático, contudo, ele manteve-se em silêncio, pensativo, apenas ouvindo as instruções que lhes eram passadas, hora ou outra trocando olhares com os demais, com ao seu lado.
— Espera, quero saber uma coisa. — Rhodes perguntou, um braço cruzado em sua barriga apoiando o cotovelo do outro, enquanto sua mão estava no queixo, pensativo. — Se conseguirmos fazer isso, quer dizer, voltar no tempo, por que a gente não encontra o bebê Thanos e, sabe… entendeu, e… — Ele gesticulou com as mãos, como se estivesse enrolando algo em seu pescoço e, em seguida, o enforcando.
— Em primeiro lugar, isso é horrível. — Bruce começou a dizer, vendo concordar brevemente.
— É o Thanos. — Rhodes insistiu.
— E, em segundo, o tempo não funciona assim. — Banner continuou. — Mudar o passado não muda o futuro.
— Olha, a gente volta, rouba as Joias antes do Thanos... — Scott começou a explicação, seus olhos dividindo-se entre todas as pessoas ao seu redor que, atentas, tentavam acompanhar o raciocínio. — O Thanos fica sem as Joias. Problema resolvido.
— Bingo! — Clint murmurou, vendo Rhodes apontar para ele.
— Parece muito… fácil, não? — sentia um nó se formando em sua cabeça.
— Não é assim que funciona. — Nebulosa interferiu, séria, como sempre. tinha certo receio dela, não sabia direito como lidar com seu humor peculiar.
— Foi o que eu ouvi. — Ainda em um tom de voz baixo e seco, Clint rebateu.
— Ok, ouviu de quem? — Exasperou-se Bruce.
— Star Trek, O Exterminador do Futuro, Timecop, Ressaca… — Rhodes enumerou, sendo acompanhando por Scott, que completou:
— Contratempos…
— Uma Dobra no Tempo… — Rhodes falou.
— Questão de Tempo. — comentou, pensativa. Eles tinham um ponto. Scott apontou para ela e seguiu dizendo:
— Em Algum Lugar no Passado…
— Em Algum Lugar no Passado, Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica. — Rhodes continuou gesticulando, voltando-se para Bruce. — Basicamente todo filme que lida com viagem no tempo.
— Duro de Matar. — Lang seguiu dizendo, mas, pensando melhor, logo completou: — Não, esse não.
— Isso é conhecido! — Exclamou James Rhodes.
— Eu não sei por que todos acreditam nisso, mas não é verdade. — Banner voltou a explicar, um tanto irritado. — Pensa comigo: se você viaja ao passado, o passado passa a ser o seu futuro e seu antigo presente passa a ser o seu passado, que agora não tem como ser alterado pelo seu novo futuro.
— O quê? — sussurrou, confusa, sua testa franzida. Nebulosa terminava de ajustar o traje nela e, virando-se para os demais, concordou com Banner.
— Exato!
— Então, De Volta para o Futuro é uma… mentira? — Atordoado, Scott perguntou pensativo. Rhodes também pareceu ligeiramente frustrado em descobrir aquilo.
Sem responder aquela pergunta, e Clint soltaram uma risada baixa, enquanto Rhodes e Scott se entreolharam. Nebulosa apertou os comandos uma última vez no traje de Clint e, um minuto depois, estavam os dois prontos. Com um aceno breve com a cabeça, Rhodes deixou a sala, sendo seguido pelos demais. O clima um tanto descontraído de momentos antes foi, novamente, tomado pelo silêncio absoluto e pela pressão das expectativas. Steve, Tony, Natasha, Rocket e, recém chegado do banho, Thor, estavam encarregados de programar e preparar a plataforma enquanto e Clint se aprontavam para a ida. Somente a ida. Não tinham certezas sobre nada, muito menos se haveria uma volta. Contudo, não podiam se deixar abalar, não àquela altura.
Um risco por uma chance, parecia justo.
passou por um Thor fazendo-lhe joias com as duas mãos, um sorriso incerto, mas que tentava transmitir a amiga certa segurança. Ela não tinha certeza se ele tinha noção do que estava prestes a acontecer, mas sorriu de volta, sem mostrar os dentes. Pouco atrás dele, viu Steve checar alguns dados na tela do painel de controle da plataforma, com Natasha ao seu lado. Não sabia para onde e nem para quando iria, mas era apenas um teste. Provavelmente, voltaria para Alemanha, uma ou duas semanas atrás, não era necessário muito mais do que aquilo para terem as provas concretas de que precisavam. Natasha deveria estar cuidando das definições de tempo e espaço de retorno de Clint e Steve das dela. Seria seguro para eles dois, ao menos, se sentia segura em vê-los ali.
— Vai nessa, Fada, manda ver. — Vindo do outro lado da plataforma junto com Stark, Rocket falou alto, fazendo desviar sua atenção até ele. A mulher deu-lhe um sorriso lateral e seguiu andando firme. Estavam contando com eles.
Tony parou por um momento para falar com Clint, o tempo exato de Bruce aproximar-se do painel de controle da plataforma e começar a programá-la. Todos os demais mantiveram-se espalhados pelo galpão, assistindo qualquer que fosse o movimento em frente, atônitos, cheios de expectativas. Observar Clint e naquelas roupas, aproximando-se da plataforma, era como assistir a um filme de super-heróis. Como se tudo passasse em câmera lenta, como se fossem só os dois e a chance real, a cada instante mais real, de poderem salvar o mundo. Estavam diante da única oportunidade que teriam de se livrar da culpa, dos pesadelos constantes naqueles cinco anos, do peso de se sentirem inúteis, de não mais poder fazer nada para alterar o passado. Estavam diante de serem, uma vez mais, os Vingadores. E a emoção que cada um deles sentiu os vendo ali foi absolutamente inenarrável.
Clint deixou subir na sua frente na plataforma. Não queria perder mais tempo, se tinham que ir, que fossem de uma vez por todas. Atrás dela, ele caminhou tranquilo, vendo a mulher olhar para cima e para os lados, apreensiva, observando cada pedacinho da máquina que faria a magia acontecer dentro de segundos, até parar em um dos cantos, onde Steve a indicou. Ficando do outro lado da plataforma, de frente para ela, Clint lembrou-se de Natasha contando-lhe tudo o que ela passou. Disse que, assim como ele, também perdeu toda sua família. Perdeu todas as pessoas que um dia amou na vida e estava sozinha. Pareceu tragicamente poético para Clint ser justamente eles dois a irem no teste. Não pela coragem nem pela curiosidade, mas porque nenhum deles tinha mais nada a perder.
— Ok, e Clint, entrando em três, dois…
Parado a poucos metros da plataforma, no painel de controle, Bruce falava alto enquanto os capacetes dos trajes de e Clint fechavam-se automaticamente em seus rostos. Pela gigante parede de vidro do galpão, era possível ver que o sol já começava a se pôr e deixou-se levar pelos pensamentos ansiosos, se perguntando quanto tempo aquilo demoraria e para onde, exatamente, ela iria voltar no teste. Ao tempo que Bruce contava regressivamente e que os olhos dos demais fincavam-se sob eles dois, carregados de preocupação e ansiedade, Clint e se entreolharam uma última vez e respiraram fundo. A plataforma se movimentou conforme os comandos de Banner e o suporte acima deles passou a se reorganizar até se encaixar perfeitamente, em um instante. O chão em suas frentes abriu-se em um círculo, de repente, e, sem dar sequer tempo de verem exatamente o que acontecia, e Clint foram puxados para dentro.
Não sabia se física ou mental, o fato era que doía. Muito. Uma dor aguda, expansiva e corrosiva, como se o corpo estivesse pedindo ajuda para se livrar de algo, como se alguém tivesse pressionando sua cabeça contra uma parede com tanta força, que era possível sentir a pressão. se sentiu perdida enquanto arfava de dor, com o tronco curvado para frente, os lábios pressionados com força e o capacete do traje abrindo-se, deixando seu rosto livre. Bruce havia dito que eles poderiam se sentir atordoados, mas não que sentiriam dor. Era estranho e inesperado. Respirando o mais fundo e o mais pesadamente que conseguia, tentando aliviar a dor aos poucos, levantou seu olhar para ver o que tinha, de fato, acontecido. Estava ridiculamente confusa, não se lembrava com clareza de como foi a “entrada”, só de que, em um único segundo antes, estava com Clint na plataforma, no Complexo, e, agora, estava sozinha, diante de uma casa.
Levou alguns segundos para que ela percebesse que estava em pé e alguns outros para notar estar parada em uma calçada de um bairro tranquilo e residencial. O dia ensolarado estava frio, parecia o começo de uma manhã. tentava ordenar em sua mente exatamente o que tinha acontecido para ela chegar até ali, mas não conseguia raciocinar. Era complexo demais entender como havia mudado de lugar tão rápido, sua mente parecia girar. Ajeitando sua coluna, em pé, ela sentia a dor aliviar-se enquanto sua respiração seguia a acalmando de qualquer surto que poderia ter naquele momento. A não ser por ela, a rua estava vazia, mas era possível ouvir alguns barulhos do cotidiano ao redor: cachorros latindo, pratos sendo empilhados, máquinas de lavar louças ligadas, garagens sendo manualmente abertas.
Curiosa, deu alguns passos em direção à uma pequena caixa de correio, em um estilo que certamente não via há muito, muito tempo. Sem cerimônias, ela tirou lá de dentro o que pareceu ser o jornal daquela manhã e foi, então, que absolutamente tudo fez sentido. Em letras miúdas, escrito em um idioma que conhecia muito bem, o jornal datava de 01 de março de 1997. Como se a dor que sentia antes pudesse a atingir ainda mais precisamente, como se pudesse ser canalizada em um único órgão de seu corpo, sentiu seu coração parar de bater um momento. Com o estômago revirado e a respiração começando a ficar ofegante outra vez, ela virou-se de frente para a casa de onde pegou o jornal na caixa de correio. Não podia ser verdade.
“Quer dizer, 1997 foi o ano em que seus pais me encontraram, está em francês e tem um endereço de Nice. Faz sentido para você?”. Inconscientemente, a voz baixa e grave de Bucky perguntando aquilo à ela, no sofá da sala principal de Wakanda, no dia em que se acertaram, tomou sua mente como um flash enquanto os olhos já marejados de caíam sobre a casa. Pintada em tons claros e terrosos, repleta de flores e plantas em um jardim vívido e colorido, a casa tinha a vida que nunca teve a chance de presenciar. Estava com as luzes de dentro acesas, com fumaça saindo da chaminé da lareira, o cheiro de café fresco saindo pela porta. sentiu-se confusa, não sabia o que deveria fazer, mas não precisou pensar muito mais.
Uma movimentação dentro da casa deu a ela um motivo para sair de vista, a não ser que quisesse explicar quem era e por que estava usando aquele traje esquisito em pleno final de inverno. Sem saber exatamente para onde deveria ir e ainda segurando o jornal, ela entrou no quintal da casa rapidamente e colocou-se dentro de uma grande estufa, de onde podia ver o que acontecia do lado de fora, mas não poderia ser vista lá dentro. A poucos metros de onde estava, a movimentação deu vista a um homem, de seus trinta ou quarenta e poucos anos, alto, com a barba perfeitamente desenhada e os cabelos ondulados. Vestia uma camisa xadrez em tons de verde e uma calça de alfaiataria e, embora murmurasse alguma música em francês, era ligeiramente possível notar o sotaque diferente. Seus olhos tinham a mesma cor que os dela e ele parecia feliz, a tirar pelo sorriso que carregava nos lábios, olhando em direção ao jardim em sua frente, entre a casa da qual saía e a estufa onde se escondia.
— Ah, olha só o que brotou. — A voz animada do homem tomou todo o ambiente, mas o que chamou a atenção de foi a criança pequena, por volta dos cinco anos de idade, que surgiu logo em seguida do homem. Carregando seu dinossauro de pelúcia, ela tinha os cabelos presos em duas chuquinhas, vestia um uniforme de escola e encarava o homem até ele, finalmente, pegá-la no colo.
sentiu uma vontade enorme de sair de onde se escondia, de abraçar o homem em sua frente, dizer quem ela era e o que estava acontecendo. Era a primeira vez em sua vida que via seu pai biológico, era a primeira vez que via Benedict, vivo, carregando a si mesma quando criança em seu colo, em meio a sorrisos e beijos carinhosos. não tinha uma única lembrança dele. Nem de sua mãe. A Hydra tirou dela o pouco que poderia ter sobrado deles quando apagou suas memórias. O que estava vendo ali, diante de seus olhos, era a única chance que teria em vida de se lembrar de seu pai, de sua mãe e de si mesma naquela idade.
Sem conseguir segurar as lágrimas, chorou sozinha de dentro da estufa, dando alguns passos à frente até parar tão perto da porta de entrada, que sua respiração quente abafava o vidro por onde ela assistia. Seus olhos tão vidrados em seu pai que quase podiam sair de seu rosto, seu coração acelerado, a sensação terrível de dor, de saber que aquilo era nada mais do que o passado.
— Hellen, venha ver que lindo. — O homem chamou. — As flores de Abutilon apareceram, finalmente.
E, dois segundos depois de chamá-la, viu a sua mãe juntar-se ao jardim com Benedict e a pequena . Alguns centímetros menores que Ben, ela tinha os cabelos curtos e escuros, o nariz fino e os olhos amendoados no mesmo formato dos de . Ao redor de onde eles olhavam estarrecidos e contentes, os arbustos cheios de flores vermelhas e alaranjadas, flores de uma espécie rara, de charme inigualável e de origem ainda desconhecida pela ciência, tinham brotado em montes. tapou a boca com a mão, abafando os soluços. A missão que exigia força e um certo charme raro, exatamente o que Steve havia dito a ela. Ele sabia que ela voltaria para 1997. Ele ofereceu a ela a chance de fazer o teste, porque ele sabia que poderia dar a ela uma das únicas coisas que não havia jeito algum de recuperar: a memória de seu passado. E só entendeu que estar ali não era uma coincidência quando percebeu que, na verdade, as flores de Abutilon só haviam brotado porque ela estava ali. A fitocinese.
— Ah, meu Deus! Foi tempo, demorou o quê? Três anos? — Em seu macacão de tecido verde musgo, a mulher perguntou, intrigada.
— Acho que mais. — Benedict refletiu. — Foi Everett quem nos trouxe ela dos Estados Unidos, não foi?
— É verdade! — Hellen concordou, passando a mão delicadamente por uma das flores. — Vamos mandar um buquê para ele de presente. Ficarão lindas no centro da sala.
Everett. Completamente chocada em poder ver seus pais biológicos pela primeira vez em vida, havia se esquecido, por um momento, de que seus pais adotivos, Karl e Everett, também viviam ali, em alguma casa vizinha, a poucos metros de onde estava naquele momento. E ver Hellen falar deles daquela forma, com carinho, tinha sido como se tudo ao redor tivesse parado por um momento. Como se a realidade tivesse batido em como a chuva batia no chão: pesada, mas necessária. Aquilo tudo que ela estava vivendo ali, que estava presenciando, era tão real quanto ela própria.
— Abutilon hybridum. — A pequena falou baixo, apontando para as flores que tinham a atenção de seus pais. Benedict e Hellen se entreolharam e soltaram uma risada fofa, cúmplice.
— Muito bem, querida. — A mulher depositou um beijo no braço dela, que sorriu.
— Vamos ver, então… e essa outra aqui? — Ben perguntou, apontando para o arbusto próximo, onde outra espécie de flor se encontrava. — Você se lembra como se chama?
— Eranthus hyemalis. — A garotinha comentou. — Eu gosto dessa, é amarela!
— Isso mesmo, é a minha preferida também. — O homem respondeu, olhando a menina, que riu em resposta.
— E essa aqui… será que nós sabemos o nome? — Foi a vez de Hellen perguntar, delicada.
— São Sinos da Irlanda. — A pequena se balançou no colo de seu pai, como se dançasse com seu dinossauro enquanto encarava as plantas. — Mas em latim chama Moluccella laevis.
— Perfeito, meu amor! E você quer saber uma coisa sobre os Sinos da Irlanda? — Benedict perguntou, animado, e um tanto misterioso, trocando a menina de braço em seu colo. concordou fervorosamente com a cabeça, atenta. — Na linguagem das flores, representa sorte.
— Sorte. — Ela repetiu pensativa, balançando o dinossauro de pelúcia de um lado a outro.
— Isso! Por isso, os colocamos ao lado do Abutilon e tivemos a sorte de ter flores, viu só? — Paciente e muito amoroso, o homem continuou a explicar. Os olhos curiosos da pequena só não estavam mais chocados do que a versão adulta dela. — Por isso, também, que a mamãe usa uma folha seca dele no colar. E, quando você crescer, também vai poder usar um.
não sabia que sua mãe tinha aquele colar, até vê-la mexer nele em seu pescoço. Um círculo fino e delicado de resina com uma pequena flor de Sinos da Irlanda seca ao meio, envolto em uma corrente igualmente fina em ouro rosé. não conseguia parar de chorar sequer um momento, todos os detalhes, tudo aquilo era demais para ela. Não tinha sequer um único resquício de lembrança deles, de absolutamente nada daquele período de sua vida. Ela foi feliz com eles, foi uma criança normal, com pais cientistas, que gostava de aprender e do seu dinossauro de pelúcia. teve uma casa, um lar, teve pessoas que a amavam e era àquele tempo e àquele espaço que ela pertencia. Tinha uma família feliz, amena, carinhosa, que a ensinava sobre a natureza como se, desde aquela época, soubessem o que viria a seguir.
E foi pensando naquilo que , finalmente, deu-se conta de um fato estarrecedor. Se era primeiro de março de 1997, em nove dias Bucky faria aniversário. Ele, certamente, estava lá, dentro da casa, em algum lugar. Seus pais já o tinham encontrado, o escondiam ali, o protegiam. já teria sido sequestrada na data do aniversário dele e, se estava vestindo o uniforme da escola, talvez aquele fosse o último dia, o último diálogo que teve com seus pais. A última vez em que ela os veria consciente de quem eles eram.
seria sequestrada pela Hydra naquela tarde, ao sair da escola.
O que tinha que começar a acontecer para que ela chegasse até ali, até aquele exato momento, começaria naquele dia.
Transtornada, sentiu o GPS de seu braço direito apitar algumas vezes, indicando que ela seria puxada de volta ao tempo e espaço ao qual ela participava. Desesperada, sussurrando “não” várias vezes seguidas, como se pudesse pará-lo de alguma forma, olhou uma última vez para seus pais, pelo vidro da porta. Não queria deixá-los para trás, queria saber mais deles, queria saber onde estava Bucky, onde estava Karl e Everett. Talvez pudesse salvá-los, talvez pudesse esconder Bucky em outro lugar, impedir que ela mesma fosse sequestrada. Tudo poderia ser diferente.
— E qual é o nome dessa flor aqui? — Hellen deu duas cutucadas leves no nariz da garotinha, a fazendo rir alto.
— . — Ela respondeu, tímida.
— A minha favorita no mundo inteiro.
ouviu sua mãe dizer uma última vez enquanto que, na tentativa de parar o retorno do GPS, desesperada e angustiada, ela adentrou ainda mais a estufa, em busca de qualquer objeto que poderia usar para manipular o traje. Sem tempo para dar mais do que três ou quatro passos, segurando o jornal, a última coisa que ela viu foi a fórmula de Neriine em alguns papéis grudados na parede da estufa.
Alterar o passado, afinal, não altera o futuro.
Ansiosos para saber o que tinha acontecido e se o teste tinha sido bem sucedido, Steve e Natasha se entreolharam, tensos, assim que Bruce começou a contagem regressiva do retorno. Steve tinha programado o dia e o local de , bem como Natasha o fez para Clint. Sabiam que não seriam experiências fáceis de serem vividas, mas, igualmente, sentiam que era o mais correto a ser feito. Eles tinham perdido tanto, tinham consumido suas próprias vidas em dor e saudade naqueles anos. Tinham família, tinham a quem pertencer e precisavam sentir a pertença uma vez mais, porque, caso falhasse daquela vez também, seria o último fio de lembrança que teriam vivido com aqueles que amavam. Clint precisava ver seus filhos. precisava ter uma única lembrança com seus pais biológicos. Se tinham a oportunidade de dar aquilo a eles, por que não fazer?
Os mesmos cinco segundos que levou para que e Clint entrassem no tempo e espaço programados, foi o tempo que levou para que eles saíssem de lá. E o suspiro alto e generalizado de alívio ao ver os dois corpos reaparecem ali foi a melhor das sensações em todos aqueles instantes de espera para Steve e Natasha. Entre gemidos altos de dor e o mesmo desconforto mental terrível de antes, sentiu seu corpo jogado na plataforma, sentada, mudar de lugar outra vez. Em frente a ela, Clint estava do mesmo modo, dolorido, arfando, gritando “não”, tão alto, que parecia tirar de seu peito uma dor forte. Sem tempo para pensar, os demais subiram na plataforma como raios, preocupados com os amigos, não esperavam uma reação como aquela deles.
Natasha jogou-se no chão em frente a Clint, de joelhos, o chamando repetidamente, insistindo para que ele a olhasse. Steve, por sua vez, foi em direção à , com Thor em seu encalço. Ajoelhando-se em frente à ela, Steve segurou o rosto da mulher entre suas mãos, o mantendo focado nele, olhando para cima. chorava, tinha a respiração descompassada e seu peito subia e descia, arfando, conforme a dor que sentia ia se aliviando. Thor não tinha ideia do que ela tinha visto, mas viu o local e a data para onde ela foi mandada, podia imaginar o que tinha acontecido. Ele ficou parado em pé a dois passos dela, observando em silêncio, preocupado, enquanto os demais se revezavam entre observar abalados as reações de Clint e de .
— ? Olha para mim. — Steve pediu suavemente, tentando fazer os olhos confusos dela pararem nos dele.
— Ei, está tudo bem? — Do outro lado, Natasha perguntou para Clint que, em um movimento brusco, levantou-se.
— Sim, está. — Ele respondeu, olhando ao redor com ansiedade.
— Me diga algo bom… — Tony sussurrou, ansioso.
— ? — Steve insistiu, vendo os olhos dela, finalmente, focaram nos dele. Ela o olhou um tanto atordoada e, em seguida, subiu seu olhar para Thor que lhe estendeu a mão enquanto perguntava, sério:
— Você está bem?
— Acho que… sim. — Ela aceitou a mão dele, sendo puxada delicadamente para ficar em pé. Protetivo, Steve se manteve em frente à ela, segurando-lhe um dos braços com cuidado, temeroso de que algo ainda pudesse acontecer.
— É…funcionou. — Clint respirava, exausto. Ele, então, olhou para a luva de basebol que segurava em mãos, de seus filhos, e, então, a jogou para Tony, repetindo: — Funcionou.
Os olhares de todos eles, então, fixaram-se em , na expectativa gritante de que também dissesse que deu certo. Clint tinha chegado até onde estava programado para ir e havia ficado o tempo que estipularam para ele ficar. Conseguiu trazer de lá um objeto, sem problemas. Entraram e saíram juntos. A plataforma estava operando adequadamente. Só restava saber se também tinha chegado até o local que foi planejado para ela ou se, por algum acaso ou erro matemático, tinha ido parar em um lugar diferente ou mesmo acompanhado Clint. Se fosse o caso, não teriam mais Partículas Pym para novos testes. Ou tudo deu certo ou qualquer novo reajuste só poderia ser testado na hora da missão em si.
respirou fundo por alguns instantes, recuperando-se do movimento brusco e dolorido, até perceber que tinha trazido o jornal consigo, em mãos. Dando uma última olhada nele, como se quisesse certificar-se de que de fato esteve em Nice, em 1997, como dizia o cabeçalho do papel, o estendeu para Steve. E, sem tirar os olhos dela dos do Capitão, respondeu entre arfadas:
— Deu certo.
rodopiava o celular freneticamente em suas mãos, incerta sobre o que deveria fazer. A tela do aparelho marcava 17h32 e ela simplesmente não conseguia decidir se deveria ou não ligar para Nate. Já era tarde em Berlim, ele deveria estar se preparando para dormir e esperando que ela, ao menos, respondesse as últimas mensagens de texto que enviou, perguntando como ela estava e como estavam sendo os dias nos EUA. não sabia o que deveria responder. Ainda não tinha dito nada a ele sobre o real motivo de ter feito aquela viagem, não havia comentado sobre as possibilidades que tinham e, muito menos, que ela mesma havia feito o teste. Não sabia exatamente como explicar tudo que estava acontecendo. Se estava sendo difícil para ela mesma entender, como seria para Nate ouvir toda aquela história? Talvez um absurdo, soaria tão ridículo quanto soou para ela mesma quando ouviu Steve levantar aquela possibilidade em sua floricultura. Viagem no tempo. Era melhor esperar. Ter mais detalhes, saber se a missão daria tão certo quanto o teste. Era melhor, ainda, não dizer nada a ninguém fora daquela casa.
Segura da decisão de esperar, jogou seu celular em cima de uma das mesas de seu quarto e subiu seu olhar até o grande espelho na parede mais próxima, em frente. Estava já vestindo o exato mesmo traje que usou para o teste, branco e vermelho, cabelos presos em um rabo de cavalo alto e parcialmente trançado, pronta para ação, como nos velhos tempos. encarou seu próprio reflexo no espelho, deixando o misto de expectativa e nervosismo transparecer em seus olhos. Não sabia o que, exatamente, iria acontecer dali em diante, mas se sentia pronta para o grande momento.
Quatro dias haviam se passado desde o teste e ela não conseguia parar de pensar em tudo que tinha revivido e em como poderia, de fato, rever todas as pessoas que amava outra vez. Sua mente divagava entre os cinco anos em que viveu sozinha, entre os cinco minutos que mudaram tudo. A imagem de Bucky sumindo em sua frente, a falta de resposta de Sam, de seus pais. Como um sonho estranho ou um filme dramático que se gosta muito, não era possível absorver tudo aquilo, mas, apenas, repassar e repassar em sua mente. já tinha aberto mão das tentativas de entender a lógica da viagem no tempo, estava ligeiramente confusa com o que tinha acontecido consigo mesma e as dores do corpo, embora não tivessem permanecido, ainda lhe causavam certo incômodo.
O desespero inicial, que sentiu ao ver seus pais biológicos, pela primeira vez na vida deu lugar a uma tristeza profunda que, como uma montanha-russa, refletida no tempo e com paciência, transformou-se em uma sensação quente e confortável de aceitação e felicidade. Uma alegria amena, calma e silenciosa, que foi consumindo toda a tristeza e a dor da perda. tinha os visto. A poucos passos de si, viu Ben e Hellen vivos, felizes, falando, rindo. Conseguiu ver a si mesma, a sua casa. Não os destroços depois que ela mesma explodiu tudo, ela viu a estrutura, os detalhes, ouviu o som que de lá saía, o cheiro que emanava. Agora, tinha algo a dizer sobre sua infância. Tinha uma única lembrança, talvez a melhor e mais feliz delas, assistida de fora, que guardaria consigo pelo resto de sua vida. E aquilo já era mais do que motivo suficiente para alegrar-se.
Com as lágrimas virando carinho, não conseguiu dizer nada mais senão palavras de gratidão a Steve. Ele estava satisfeito e genuinamente feliz por ela, por ter conseguido dar-lhe um pingo de felicidade e uma enxurrada de esperanças em meio a tanto caos. Steve a ouviu contar exatamente o que tinha acontecido, entre um intervalo e outro da preparação final para a grande missão. aproveitou estarem a sós na cozinha, um momento, e descreveu todos os detalhes do que tinha revivido. Sem mais dor, sem mais ansiedades, desnuda de qualquer sentimento pesado ou entristecido, ela só parecia saudosa. Seus olhos brilhavam como poucas vezes Steve os viu brilhar e, ao final, o sorriso leve e despretensioso saltou em seus lábios. A realização da possibilidade de se ter novamente o que um dia se perdeu caiu nela como uma bomba. Tudo era real. A chance, de fato, existia. Entre as banquetas da cozinha e latas de energético, se pegou agradecendo a Steve uma vez mais naquele dia: por ter insistido que ela se juntasse a eles naquela missão. A missão de suas vidas.
A primeira parte do plano que ele tinha pensado foi bem sucedida, agora só restava replicar o que e Clint viveram em outros cenários e datas. A ideia era exatamente a mesma, o que mudaria, contudo, é que dessa vez não teriam que pegar luvas de basebol ou jornais. Mas, sim, em uma única oportunidade, as Joias do Infinito. E por aquele exato motivo que todos eles, apesar da canseira, decidiram se reunir na sala principal do Complexo, logo na manhã seguinte ao teste, para fazer o que chamaram carinhosamente de Sessão de Brainstorm da operação Assalto no Tempo — talvez o jeito mais fácil e rápido de pensar em um plano era, justamente, se todos pudessem pensar ao mesmo tempo. Uma missão daquelas exigiria deles uma articulação perfeita e um trabalho em equipe bem definido, um nível de confiança tão alto como nunca antes tiveram uns com os outros.
— Certo, então, como funciona. — Steve começou a dizer, assim que todos acomodaram-se na sala, em pé em frente aos demais, ao lado dos televisores com projeções das Joias. — Agora só falta saber o quando e o onde. A maioria das pessoas dessa sala já encontrou ao menos uma das seis Joias do Infinito...
— Ou substituam a palavra “encontrou” por “quase foi morto” por uma das seis Joias do Infinito. — Tony completou, caminhando calmamente do outro lado da sala, segurando seu copo de café.
Rodeada por paredes de vidro e um mobiliário de escritório refinado e caro, a sala tinha um carpete escuro no chão e um clima confortável, que equilibrava com o frio que fazia lá fora. estava sentada ao lado de Natasha e Rhodey, ao redor da grande mesa de centro da sala, que parecia feita especialmente para reuniões e que estava coberta por pequenos cadernos e canetas. Na poltrona logo atrás de , Thor estava jogado em silêncio, enquanto que, do outro lado do cômodo, na outra ponta da mesa, Scott e Rocket estavam sentados, com Nebulosa um pouco mais atrás em um sofá e Banner caminhando pelo centro.
— Na verdade, eu não. — deu de ombros. — Não quase fui morta por nenhuma das Joias, nem as encontrei.
— Eu também não. — Scott concordou, sincero. — Eu nem sei do que vocês estão falando, na boa.
— Independentemente disso, só temos Partículas Pym suficientes para uma viagem cada. — Bruce relembrou a variável mais importante do plano. — E essas Joias estiveram em vários locais diferentes ao longo da História.
— Da nossa História. — Tony o corrigiu, observando Banner caminhar de um lado a outro da sala. — Então, não tem tantos pontos convenientes para saltarmos, não é?
— Significa que teremos que escolher nossos alvos. — Em pé, próximo à porta e de braços cruzados, Clint concluiu o raciocínio.
— Correto. — Tony passou por ele.
— Onde e quando as encontrar, faz sentido. — concluiu, pensativa. — Vocês que já se depararam com alguma das Joias, digam o que sabem sobre elas, o lugar e o ano da última vez que as viram... não sei, talvez fique mais fácil de mapeá-las assim.
— É um bom ponto de partida. — Natasha concordou brevemente com a cabeça.
— Então, vamos começar com o Éter. — Com as mãos nos bolsos da calça de moletom, Steve pediu ansioso. — Thor, é contigo.
Curiosos, todos os olhares da sala voltaram-se para Thor ao mesmo tempo, na expectativa de ouvir o que ele sabia sobre aquela Joia e, mais do que isso, pensarem juntos em qual seria o momento e local ideais para entrarem e conseguirem pegá-la. Thor, contudo, pareceu sequer ouvir o pedido de Steve. Com os dedos de uma mão dentro da calça de moletom e usando, novamente, seus óculos de sol, ele segurava uma lata de cerveja que jurava ter tirado dele alguns minutos antes. Não sabia como, mas ele sempre dava um jeito de pegar uma bebida nova, era insuportável. Ele nada respondeu. Trocando um olhar confuso com Natasha, só percebeu que ele estava dormindo pelo ronco baixo que, pela proximidade de onde ele estava sentado, pôde ouvir.
— Só pode ser brincadeira. — Ela respirou fundo, passando uma mão pelo rosto.
— Ele está dormindo? — Natasha perguntou, estranhando.
— Não está não. — Rhodes ironizou. — Tenho quase certeza que ele morreu.
— O primeiro que vai morrer aqui é você, Rhodes, se não parar com essas piadinhas. Estou avisando. — o repreendeu, assim que ouviu algumas risadas fracas e contidas, levantando-se de sua cadeira e indo, em dois passos, até Thor. Sem muita delicadeza, ela o chacoalhou por um momento até fazê-lo acordar em um susto. Thor deu uma olhada ao redor, confuso. — Thor? Thor, tudo bem?
— Bom dia, Fadinha. Ainda é de manhã? — Ele respondeu, observando concordar levemente com ele. Tinham virado a noite acordados, não deveria ser mais do que sete ou oito horas da manhã. Banner havia pedido uma pausa para que pudessem descansar depois do retorno do teste, tendo em vista que já era noite, mas, pela ansiedade generalizada, foi negado. e Clint tiveram um tempo para se situar outra vez na realidade enquanto que, os demais, divididos entre analisar o progresso dos testes e pensar nos próximos passos, seguiram trabalhando noite adentro.
— Se quisermos descansar, temos que terminar logo com isso. — Ela comentou, delicada, e apontou para a tela atrás de si. — Consegue nos contar o que sabe sobre o Éter?
Thor apenas concordou com a cabeça, sorridente, feliz por estarem interessados em algo que ele sabia contar e levantou-se. voltou para seu lugar no tempo exato em que a imagem da pequena pedra brilhante e vermelha se abriu em um dos televisores, com os dizeres “Joia da Realidade”. Assistindo a tudo o que acontecia ao redor, os demais prestavam atenção em silêncio, curiosos e um tanto apreensivos pela postura debochada e atipicamente informal de Thor. Ele caminhou lentamente até perto de onde a imagem da Joia estava refletida e, um tanto perdido, talvez pelo álcool, talvez pela canseira, perguntou:
— Por onde eu começo? — Ele olhou de até a imagem, batendo os óculos de sol recém tirados, na tela. Thor estava de pijama, com um quimono andino em tricô por cima e de crocs nos pés, bem confortável e desapegado, era a única troca de roupas que tinha levado consigo. — Ah, sim, o Éter. Primeiro, não é uma Joia. Alguém o tinha chamado de Joia antes… — Ele limpou a garganta e começou a dizer, pensativo, até apontar para Steve que, de braços cruzados e ainda em pé, franziu o cenho. — Está mais para um tipo de lama raivosa, mais ou menos, então… — Sem dizer de onde ele tirou aquilo, todos assistiram o deus do trovão pingar um colírio em seus olhos enquanto falava — ...as pessoas têm que compreender e acertar o nome. Mas tem uma história interessante sobre o Éter. Meu avô, a muitos anos atrás, teve que esconder as Joias dos Elfos Negros. — Ele parou por um momento, fazendo um barulho que, em tese, deveria ser de mistério enquanto chacoalhava as mãos e soltou uma risada. — Seres assustadores. Então, a Jane, na verdade… — Ele virou-se a tempo de a imagem na tela mudar para uma foto da Jane e, um tanto desestabilizado, continuou: — Ah, olha ela aí. É, a Jane era uma antiga paixão minha.
Com exceção de Scott, que estava realmente animado, a verdade era que, prestando atenção em Thor, nenhum dos demais naquela sala estava entendendo qual era o ponto daquela história. Thor não estava sabendo filtrar informações e, até ali, mais tinha confundido os próprios sentimentos com lembranças de seu avô e, agora, de Jane, do que criado um cenário de análise que os ajudaria a entender qual seria o melhor momento e local para conseguirem recuperar a Joia da Realidade. Os demais, vez ou outra, se entreolhavam, confusos, bufavam discretamente ou se pegavam viajando em pensamentos mais do que Thor parecia viajar com as próprias palavras. Sorridente, dividindo sua atenção entre olhar os amigos na sala e a foto de Jane, ele continuou a contar:
— Ela prendeu a mão dentro de uma rocha, uma vez, e o Éter ficou preso dentro dela e ela ficou muito, muito, doente. Então, fomos para Asgard, que é de onde eu sou, e nós tentamos dar um jeito nela. — Ele seguiu, sorridente. — Estávamos namorando na época, sabe, então eu tive que apresentá-la para a minha mãe... que foi assassinada. — Uma vez mais, Thor parou ao dizer aquilo, soltando um suspiro pesado.
— Ok, Thor, obrigada! — Preocupada com os rumos da fala dele, o cortou, mas ele sequer deu ouvidos a ela. — Acho que já entendemos tudo sobre o Éter, hora do descanso.
— Sabe, eu e a Jane não estamos mais namorando, então… é, essas coisas acontecem, nada é eterno. — O asgardiano seguiu refletindo, sem notar que e Tony se entreolharam, confusos, até Stark, com o palito de mexer o açúcar do café na boca, aproximar-se dele.
— Você não quer sentar? — Ele tentou puxar Thor levemente.
— Eu não acabei ainda. — Ele desvencilhou-se, um tanto ríspido. — A única coisa que é permanente na vida é a impermanência.
— Incrível. — Tony bateu palmas, aproximando-se outra vez e o puxando dali. — Ovos? Café da manhã?
— Não. — Thor sorriu para ele e sussurrou — Eu queria um bloody mary.
Tirando olhares incrédulos e bufadas descontentes de metade da sala, Thor foi conduzido por Stark para fora dali que, pedindo por um intervalo para descanso, dispensou os demais naquele dia. Estava sendo inútil ter aquela conversa com todo mundo exausto e, enquanto não conseguissem tirar de Thor um mínimo de sobriedade e concentração para tratar sobre o tema, não conseguiriam sair do lugar. Ele era o reflexo do esgotamento que as últimas horas de trabalho intenso os estava causando. O processo também demandava tempo, paciência e algum descanso.
Embora estivessem angustiados e sem querer perder ainda mais tempo para, de fato, iniciarem a missão, aquele era um momento muito estratégico e que envolvia muito mais do que a força e os poderes que tinham a oferecer. Precisavam pensar, raciocinar com clareza e inteligência, não podiam cometer erros de cálculos, de lugares e nem de tempo. Tinham uma única chance de entrar para encontrar cada uma das Joias, não mais do que isso. Não podiam desperdiçar as Partículas Pym com erros, porque, qualquer que fosse o motivo que culminasse em um novo fracasso, estariam, permanentemente, sendo os responsáveis, dessa vez, pelo desaparecimento de meio universo. Era crucial que pensassem com calma, com clareza e com racionalidade.
Dispersos pela casa, cada um deles foi para seu respectivo quarto, dormir as horas perdidas ou, ao menos, descansar o quanto conseguiam. Perto da noite, contudo, alguns deles, sem conseguir dormir mais, passaram a fazer o que mais ajudava a si mesmo a se concentrar: exercícios físicos, banhos, energéticos, leituras, isolamento, meditação, qualquer que fosse a coisa que pudesse dar a eles um tempo para refletir e, quem sabe, recomeçar novamente aquela conversa, em breve. Apesar de amigável, o clima no Complexo estava um tanto sobrecarregado, cheio de expectativas, angústias e ansiedades no ar. Algo silencioso, mas latente, algo que os dava a sensação de urgência, de pressa, de terminar logo com tudo aquilo. Um desgaste emocional tão grande que não poderia ser segurado por muito mais tempo e latas de energético. Tinham que evoluir com o plano. E tinham que ser rápidos.
Sendo assim, na hora do almoço do dia seguinte, o terceiro a partir do teste, regados a comida chinesa pedida do restaurante mais próximo e de volta à mesma sala de reuniões de antes, a conversa recomeçou com Rocket explicando tudo o que sabia da Joia do Poder. Dessa vez, em um tom mais sério e compenetrado. Um apanhado geral e objetivo sobre o que ela podia fazer e quais possíveis lugares poderiam encontrá-la de forma relativamente segura.
— O Quill disse que roubou a Joia do Poder de Morag. — Rocket dizia, caminhando em cima da mesa.
— Isso é uma pessoa? — Da outra ponta, Bruce perguntou, fazendo Rocky virar-se até ele.
— Não, Morag é um planeta. — Sem paciência alguma, ele respondeu, apontando Banner. — Quill era uma pessoa.
— Tipo um planeta? No meio do Espaço? — Scott pareceu incrédulo, perguntando mesmo com a boca cheia de comida.
— Ah, olha! — Rocket ironizou com a voz manhosa, aproximando-se de Lang até fazer-lhe um carinho meio bruto nos cabelos. — Parece um cachorrinho, todo feliz, olha só. Quer ir para o Espaço? Quer ir para o Espaço, cachorrinho? Eu te levo para o Espaço.
— Lebre, fala sério. — pediu, cutucando sua comida com os hashis. — O que precisamos saber sobre Morag?
Uma vez mais, Rocket virou-se em cima da mesa, caminhando para perto de e, com um suspiro cansado, começou a contar-lhes a história real do planeta — ou, ao menos, as partes que sabia. Algumas horas depois do almoço e definido que voltariam para o exato mesmo dia em que Peter Quill havia encontrado a Joia do Poder em Morag, 2014, passaram, enfim, a discutir a próxima delas — a Joia da Alma. Stark já estava inquieto com tanta conversa e pouco progresso no final do almoço e, por isso, achou mais útil se dividirem. Poderiam ir mais rápido e serem mais assertivos, se trabalhassem em grupos menores, rodando entre eles com o tempo, para não cansar de ficar tantas horas pensando na mesma coisa. Com isso, ele e Rhodes passaram a trabalhar com e Thor qualquer informação que fosse útil sobre o Éter enquanto os demais seguiram em busca de detalhes sobre a Joia da Alma
não soube quanto tempo se passou, mas, certamente, dedicou boas horas em conversar com Thor e ler todas as pesquisas que a Inteligência Artificial de Tony Stark conseguiu fazer sobre o tema. Rodeada de post-its e folhas impressas, ela fazia agrupamentos de ideias para facilitar o mapeamento de datas que Rhodes estava montando enquanto Tony, àquela altura, buscava por localizações onde Thor se recordava de ter visto a Joia. Da sala em que estavam, exatamente ao lado da que almoçaram e onde ainda estavam os demais, pôde ouvir uma parte da conversa enquanto colava as notas adesivas nos papéis em sua frente, em silêncio.
— Thanos achou a Joia da Alma em Vormir. — Nebulosa começou dizendo, olhando da imagem projetada na tela até as poucas pessoas que ali restaram.
— O que é Vormir? — Natasha perguntou, curiosa, sentada em um dos cantos do sofá que dividia com Scott e Bruce na outra ponta enquanto anotava as informações em um bloquinho.
— Um domínio da morte, no centro da existência celestial. — Os olhos perdidos de Nebulosa estavam no chão, ela pareceu engolir o choro. — Foi onde Thanos matou minha irmã.
Sem dizer uma única palavra e, como se houvessem combinado, e Tony levantaram seus olhares confusos e levemente preocupados um até o outro e, em seguida, até a sala ao lado, que podia ser vista através da parede de vidro. Por que Thanos havia matado a própria filha em Vormir? E o que aquilo tinha a ver com a Joia da Alma? Bom, duas perguntas em sequência lógica que, feitas mentalmente por e Tony, foram rapidamente respondidas em silêncio. A partir daquela constatação, uma nova variável havia se inserido na missão: mais do que ir e voltar com todas as Joias, eles tinham que voltar. Custasse o que fosse. estava tão absorta nas possibilidades que tinha, tão levada pelo o que aconteceu no teste e rendida a fazer o que tinha que ser feito para ter os seus de volta que, nem por um momento, havia considerado a possibilidade de serem eles, algum deles, quem não voltasse mais daquela missão. A soma zero era uma hipótese. Mas ela não queria pensar naquilo. Não podia.
Na sala ao lado, todos evitavam se encarar, reflexivos sobre o que exatamente iriam encontrar em Vormir. Com exceção de Natasha, que parecia mais interessada nas anotações de seu caderninho, e Clint, com a estranha pose de valentão inabalável, todos os demais podiam ser definidos pelo sussurro tão discreto que saiu de Scott, que mal pôde ser ouvido:
— Me erra.
voltou seu olhar até Tony que, como se entendesse até onde os pensamentos a tivessem levado, assentiu com a cabeça, tentando passar confiança. Ele, mais do que nenhum outro ali, estava certo sobre a chance que tinham. Apegado em tudo que a ciência e a tecnologia tinham a oferecer, não haveria erros. Em hipótese alguma tinham que pensar naquilo. Estariam em equipes, com um plano bem feito, apoiados em uma máquina que ele mesmo, com Banner, Scott e, até o Guaxinim, tinham estruturado. Tinham poderes inumanos a seu favor. Estavam considerando os erros para minar os problemas como podiam. Tony tinha certeza de que, vencida a etapa de determinar os lugares e as datas, nada mais daria errado.
Definidos o local e a data em que entrariam para pegar a Joia da Alma, Clint e Nebulosa passaram a estudá-la com mais atenção enquanto Steve juntou-se a e Thor para analisar a Joia da Realidade. Stark, quase um dia depois, finalizou os direcionamentos que precisava de Thor e juntou-se a Natasha e Bruce para começar a pensar nas três Joias que ainda faltavam enquanto Rhodes revisava com Rocket as direções da Joia do Poder. Scott voltou aos cálculos finais de uso das Partículas Pym, o recurso fundamental que tinham, o ponto de partida da missão. Todos trabalhando, imersos naquilo tudo, pensando juntos, compartilhando informações que tinham, trocando de grupos de tempos em tempos para renovar a mente, refrescar o raciocínio, mudar o foco. Complexos, atípicos e um tanto caóticos, exaustivos, sem dúvidas, quatro dias se passaram até, finalmente, terem um plano bem estruturado.
No final do quarto dia, projetado do centro de uma pequena mesa redonda da cozinha, três telas dividiam as seis Joias do Infinito em grupos de lugar e datas. Espaço, Tempo e Mente, em Nova Iorque, 2012. Realidade, em Asgard, 2013. Poder e Alma, em Morag e Vormir, em 2014, respectivamente. Espalhados pela cozinha, todos eles prestavam atenção nas imagens se movendo em frente, nas telas, até organizarem-se em grupos. Tinham conseguido pensar nas entradas, em quando e onde saltar. Tinham gastado até o último neurônio possível fazendo os cálculos necessários para agilizar aquele momento e ali estavam eles. Diante da teoria que, ao menos no papel, se comprovou por um cálculo de física quântica. Eles eram os números agora, eram variáveis e o que tinha de mais complexo em toda aquela história estava prestes a começar.
— Feche a porta da frente. — Tony pediu em voz alta, seus olhos presos nas imagens nas telas. Atônita, sentiu a ansiedade subir sua espinha enquanto se levantava do sofá onde estava sentada, ajeitando a coluna.
— Muito bem, temos um plano. — Steve começou dizendo enquanto dava alguns passos à frente, trazendo os demais consigo, que se levantavam e ajeitavam suas posturas. Seu tom de voz claro, alto e sério, um tanto preocupado e ansioso também. — Seis joias, três equipes, uma chance.
Uma chance.
respirou fundo, dando uma última olhada no espelho, assim que ouviu alguém bater à porta de seu quarto, a fazendo cortar as lembranças dos últimos dias recentes. A hora era aquela. Sem mais tempo a perder, sem mais no que pensar, era tempo de fazer a missão acontecer. Steve os dividiu em três equipes, usando a estratégia básica de quem seria ideal para lidar com cada lugar, tempo e, principalmente, cada uma das Joias. Bruce aproveitou para instruir sobre o uso dos trajes e Scott os havia alertado sobre a desestabilidade do tempo. Caso algo desse errado com a plataforma, tinham um plano b que não sabia dizer se entendeu direito. De todo modo, havia entendido as regras principais: ficariam desnorteados no começo, não poderiam demorar muito tempo no assalto e não podiam encontrar-se consigo mesmos, caso fossem para algum tempo e lugar que corressem esse risco e, fosse o que fosse, dando certo ou errado, só tinham uma passagem de ida e uma de volta. Não podiam gastá-las em hipótese alguma, senão para regressar ao presente.
No tempo em que estavam, Scott estimou que gastariam apenas um minuto para ir e voltar. Na entrada, contudo, o tempo correria de outra forma, não deveriam se apegar a relógios ou contagens dos lugares de ida, apenas os de seus trajes. Depois das instruções básicas e gerais a todos, cada uma das equipes dividiu-se pela casa para traçar o plano em detalhes, antecipando tudo o que podiam para que, na hora, não perdessem tempo. Apesar disso, contudo, não conseguiram estimar muita coisa, pois, ao fim da conversa, concluíram que não sabiam exatamente o que poderia acontecer e um plano às cegas podia mais atrapalhar do que ser eficiente. Fizeram combinados gerais, dividiram as responsabilidades e os focos em cada uma das Joias. Marcaram pontos de encontro com ajuda da tecnologia, sinais de pedido de ajuda e contaram, aqueles que retornariam para lugares que já tinham estado, um pouco do que podiam esperar.
Exaurido o plano, tinham ganhado meia hora para aprontarem-se, vestir os trajes e, finalmente, ir em frente. passou o olho pelo celular em cima da mesa, a tela iluminando-se com uma mensagem de boa noite de Nate, e seguiu, forçadamente ignorando-a, para fora de seu quarto. Faria o que quer que fosse possível para pegar as Joias. Por ela, por ele, por todas as pessoas que eles perderam, por todos aqueles que entraram em sua floricultura naqueles cinco anos para comprar flores aos desaparecidos. Por Wanda, por Peter, por Groot. Pelos wakandanos que assistiu morrer em batalha, por Visão. E, cada pessoa que conseguia pensar, cada motivo que listava, mentalmente, até chegar sozinha e em silêncio de volta à sala de reuniões, parecia dar a ela ainda mais força e coragem. Como se algo estivesse recém explodido, como ira, fúria. Passo a passo, nome a nome, crescia em a vontade de, em cinco anos, finalmente, vencer outra vez. A qualquer custo.
— Nervosa? — ouviu Natasha a perguntar, assim que a viu entrar na sala. Ela sorria serena, como sempre, transparecendo uma calma e um controle como mais ninguém conseguia enquanto estendia a amiga um comunicador auricular.
— Sem saber o que esperar, na verdade. — respondeu, sorrindo, de volta, pegando o pequeno objeto e o colocando em seu ouvido direito. — Ansiosa também.
— Bom, pelo menos será só um minuto. — Nat respondeu, vendo Steve as chamar com a cabeça para irem até o galpão.
— Foi o que demorou para você quase se acidentar esquiando em St. Moritz. — brincou, lembrando-se daquele momento, das últimas férias que Natasha passou a visitando e que foram para a Suíça. Natasha era ágil, mas nem tanto em uma competição de esqui. A ruiva riu, caminhando com até se juntarem aos demais.
— Revanche de esqui quando voltar?
— Você sabe que eu vou ganhar. — sorriu abertamente.
— Eu não teria tanta certeza assim. — Natasha brincou, segura, passando por a passos firmes, assim que se juntaram aos demais.
não teve tempo de responder, apenas trocou um último sorriso com ela e seguiu caminhando para o mesmo lugar que todos os demais iam. Bastante diferente da leveza e segurança que Natasha transpassava, o clima voltou a ficar silencioso e focado. Cada um deles, enquanto caminhava firmemente em direção a plataforma, fechou-se em seu próprio mundo, deixou-se levar por seus próprios pensamentos. Tensos, incertos, mas cheios de esperança. Repassando, mentalmente, todos os detalhes, refletindo uma última vez se aquilo era mesmo o que deveriam fazer. Alguns outros engolindo o medo de um novo fracasso, caminhando em direção a algo tão desconhecido quanto o universo. Mas foram em frente. Todos eles. Como se tivessem em formação, com Steve e Tony os liderando, passo a passo caminhava ali a última esperança de todo o universo, o que sobrou dos Vingadores.
O sol já estava se pondo lá fora, em um final de tarde ameno e bonito, quando eles subiram na plataforma. Bruce havia ficado para trás para programar a máquina no painel de controle. Steve tinha Natasha a sua esquerda, seguido por Clint e Rhodes bem na outra ponta da plataforma. Ao lado esquerdo deste último, seguia Nebulosa, Rocket e Thor, respectivamente. Na sequência, , Scott, um lugar que seria de Bruce, Tony e, enfim, chegava em Steve novamente. Formando um círculo perfeito bem no centro da plataforma, posicionados lado a lado, próximos uns aos outros, se entreolhando em um silêncio ensurdecedor, que logo foi cortado pela voz suave e carregada de assertividade de Steve:
— Cinco anos atrás, nós perdemos. Todos nós. Perdemos amigos. Perdemos família. Perdemos parte de nós. Hoje, nós temos uma chance de recuperar tudo. Sabem qual é sua equipe. Sabem qual é sua missão. Peguem as Joias. Tragam de volta. — Steve esticou sua mão direita, fechada em um punho forte e apertado. Como ele, todos os demais colocaram suas mãos do mesmo modo, em punhos, formando um novo círculo no meio deles, enquanto se entreolharam, tensos, absortos nas palavras do Capitão. — Uma ida e volta para cada. Sem erros, sem repetições. A maioria vai a lugares conhecidos. Não significa que sabemos o que esperar. Tenham cuidado. Cuidem uns dos outros. Essa é a luta das nossas vidas. E nós vamos vencer. — Ele soltou um suspiro e voltou seu olhar diretamente para Tony, que, retribuindo, o ouviu concluir. — Custe o que custar. Boa sorte.
não sabia exatamente como descrever o que sentiu ouvindo aquilo. Nenhum deles, na verdade, e os olhos perdidos, com testas franzidas e suspiros pesados demonstravam aquilo. Em sua mente, ouvindo cada palavra de Steve, se passavam detalhes dos cincos anos em que ficou sozinha, detalhes de seus pais, de Sam. Cass e AJ, Sarah. A família de Guzman que havia sumido, de Nate. foi inundada por lembranças que achava ter adormecido de Bucky, de sua infância em Wakanda, Shuri, T’Challa. Cada sentimento de luto, de perda, de fracasso, que tanto lutou em passar por cima, a atingiram com cada palavra que ouviu de Steve. Foi dolorido. E tinha mexido com todos eles ali, sem dúvidas. Contudo, apesar da carga emocional intensa e repentina que sentiu, havia muita esperança em tudo que Steve disse. A dose suficiente para engolir qualquer outro sentimento.
Uma mistura de medo, engajamento e força desceram o estômago de como um frio na barriga, daqueles que se não se sabe identificar a origem, se veio pela ansiedade ou por um alerta natural de que algo perigoso estava por perto. Ela estava com medo, sim. Talvez em pânico. Sentiu suas mãos suarem por dentro das luvas do traje enquanto dava passos para trás, colocando-se na posição marcada no chão, observando os demais fazerem o mesmo. Soltando a respiração pela boca, ela respirou fundo por um minuto, tentando manter a calma e a concentração.
— Ele é muito bom nisso. — Rocket comentou, impressionado.
— Não é? — Scott concordou, olhando de , ao seu lado, para Tony, do outro, que, de volta em sua posição, comentou:
— Vocês ouviram o cara. — Ele, então, elevou o tom de voz. — Digita aí, chuchu bombado.
Do chão próximo, no painel de controle, Bruce começou a acionar os comandos necessários assim que ouviu a permissão de Tony, sem mais tempo a perder. Da plataforma, um tanto contrariado, Rocket aproximou-se de Clint e, dando uma última olhada na miniatura de sua própria nave, encolhida com um resto de Partículas Pym que Scott encontrou ainda em seu traje, a estendeu para o homem. Sem dizer nada, ainda tentando manter sua respiração, os acompanhou com o olhar, observando Clint pegar o objeto e dar uma olhada, enquanto Rocket cruzou os pequenos braços.
— Rastreadores ativados. — Bruce avisou alto o suficiente para que todos pudessem ouvir e, dando uma última checada nos comandos, caminhou sentido à plataforma.
— Promete trazê-la de volta inteira, não é? — Rocket perguntou, sério, notando a postura debochada de Clint. Não tinha ido muito com a cara dele, afinal.
— ‘Tá, ‘tá, ‘tá, ‘tá — Clint forçou o sorriso, em desdém. — Ok, farei o meu melhor.
— Eita, promessinha furreca. — Rocket reclamou baixo, revirando os olhos.
Não sabia se pela tensão, que claramente todos eles estavam sentindo naquele momento, ou se pela falta de educação mesmo, Clint pareceu impaciente e um tanto rude. Não era nem perto a pessoa que havia conhecido no estacionamento do aeroporto na Alemanha, descendo feliz de um furgão, mesmo sabendo estar do lado ilegal da luta, falando de seus filhos com saudade e orgulho. Sabia que o luto era diferente de pessoa para pessoa. Mas Clint, certamente, não seria mais o mesmo de antes. Nunca mais. se perguntou, por um momento, se ela também já não era mais a mesma. Se realmente conseguisse trazer todos de volta, ainda seria reconhecida por eles? Amada por eles? Ela não encontrou respostas para aquilo. Perguntas feitas pelos anos de solidão, que bateram naquela hora, na beira da possibilidade real de não mais ser só outra vez.
Mas se perguntou, no instante seguinte, se realmente esteve sozinha. E, antes mesmo que pudesse refletir sobre aquilo, o movimento de Bruce passando a sua frente chamou-lhe a atenção. Ele se colocou no lugar que deveria estar, entre Scott e Tony, e, sem cerimônias, ativou o dispositivo GPS acoplado na parte de cima de uma de suas luvas. Ao tempo em que o comando foi dado, a estrutura superior da plataforma, montada a partir do tato, moveu-se acima deles, como folhas de uma árvore. puxou o ar com força, olhando da estrutura acima de si até Natasha, assim que a ouviu dizer, sorridente, baixo, para Steve ao seu lado:
— Te vejo em um minuto.
Steve nada respondeu. Apenas retribuiu o sorriso ao tempo que olhou Thor ao seu lado, o vendo encará-la de volta.
— Vamos voltar, certo? — Thor perguntou baixo, fazendo a mulher sorrir com ternura.
— Vamos. — Ela respondeu no mesmo tom. — Senão, dessa vez, você querendo ou não, vou ter que ir atrás de você.
— Acho que você vai gostar de Asgard. — Thor falou mais sério do que gostaria, o capacete de seu traje fechando-se automaticamente, assim como o dos demais.
— Tenho certeza que sim. — Ele a ouviu responder uma última vez enquanto seu capacete também se fechava. — Já gosto do que vem de lá.
No instante seguinte, o chão no meio deles se abriu como um poço, emitindo uma energia em tons de laranja e roxo, parecido com um reator nuclear. O calor que saiu dali não incomodou mais do que um único segundo porque, no momento seguinte, já tinham sido engolidos pela plataforma. fechou os olhos com força, sem saber o que esperar quando os abrisse novamente. Não conseguia explicar nada do que acontecia ali, como podiam reduzir tanto de tamanho a ponto de viajar pela matéria, como o GPS em seus trajes os levariam exatamente, em equipes, para os exatos lugares e datas em que tinham estipulado, ela não sabia explicar. E tudo foi tão rápido que, como em um piscar de olhos, no segundo seguinte em que os fechou, ainda na plataforma, já pôde os abrir em outro lugar, a tempo de perceber estar sentada no chão, ouvindo um barulho alto e caótico, sentindo a mesma dor aguda que sentiu quando fez o teste. Com a respiração descompassada e abrindo seu capacete para poder respirar melhor, olhou ao seu redor atônita, tentando livrar-se da sensação de confusão que aquilo causava.
Mas bastaram poucos segundos observando ao redor, enquanto colocava-se em pé outra vez, para entender que, ao menos ela, tinha acabado de entrar na missão.
Capítulo 34
NOVA IORQUE, 2012
— Gostei da roupa.
A voz alta e impressionada de Steve, um tanto tímido depois de perceber o tom do elogio, chamou a atenção de que, ainda meio atordoada, virou-se de costas prontamente, a tempo de encontrar ele, Tony, Scott e Bruce a encarando, a poucos passos de si. Na queda, ao chegar até ali, tinha acionado o sensor de recolhimento do traje de viagem no tempo que, em um único instante, desapareceu do corpo dela. Em seu lugar, contudo, embaixo dele e vestido no Complexo antes de saírem, ela vestia um uniforme antigo da SHIELD, emprestado por Natasha. Totalmente preto, em um tecido maleável, mas que parecia couro, apertado no corpo, o uniforme tinha o símbolo da SHIELD em um dos braços, um pequeno cinto na cintura e era acompanhado por botas resistentes e luvas sem os dedos.
Apesar de muito bonito e robusto, se sentia estranha com ele. Desde o momento em que o vestiu, em seu quarto, ainda no Complexo, as memórias de seus pais dos tempos que trabalhavam para a SHIELD a dominaram com força, a saudade e a tristeza sendo empurradas para longe pela esperança que estar ali, vestindo aquilo, por eles também. Mas a pior sensação que teve veio de outra lembrança. se lembrava de quando Sharon começou a trabalhar para a organização. Se lembrava do primeiro dia, de quando ela recebeu um uniforme parecido com aquele. E, apesar dos tempos que passaram juntas feito irmãs, Sharon não era mais uma lembrança boa. Em hipótese alguma. Era alguém que , constantemente, naqueles cinco longos anos, tentava esquecer de uma vez por todas.
Ainda que estivesse emocionalmente sobrecarregada, pelo simples fato de estar usando aquela roupa, sabia que tinha que ir em frente. Naquele ano e naquele lugar, tinha que ser alguém que não era. Para que a missão desse certo, dali em diante, teria que ser o que Karl e Everett foram um dia: uma agente da SHIELD. E pensar nisso fez sentir-se feliz por um breve momento. Feliz de ter conseguido chegar até ali, de poder ajudar e, mais do que isso, de ver que a parte mais complexa e vulnerável da missão, fazer a entrada correta no tempo, tinha já dado certo. Era o primeiro ponto para eles. Agora só faltava seguir em frente.
— Sei que você tem uma queda por agentes da SHIELD, mas, sinto dizer, estou aqui pelo seu amigo — brincou com Steve, o vendo sorrir tímido, sem saber se por lembrar-se de Peggy ou de Sharon, enquanto dizia:
— Sorte a dele — ela sorriu de volta, uma sensação imensa de saudades de Bucky a tomando de repente, como sempre acontecia ao mencioná-lo.
— Me diz de novo: onde você estava nessa época, borboleta? — Stark perguntou.
— Borboleta? — ergueu as sobrancelhas, encarando Tony em sua frente, se aproximando deles.
— Minha filha tem uma boneca sua que tem asas de borboleta, não te disse? — Ele deu de ombros.
— Asas de borboleta? — Scott pareceu fascinado. — Você tem asas?
— Não, Scott, não sou um inseto — apontou para ele, mas logo repensou as palavras. — Com todo respeito — ela sorriu, sem graça, e voltou seu olhar até Stark — Por que tem uma boneca minha?
— Tem tudo sobre você, — Scott explicou, enumerando com a mão e, conforme dizia, se recordava vagamente de já ter visto alguns daqueles itens, em pessoas que a paravam nos lugares para pedir autógrafos ou tirar fotos, que apareciam em sua floricultura para conversar com ela. — Camisetas, bonecos, pôsteres, canecas, bonés. Nunca provou seu sorvete?
— O papo do sorvete de novo não — Bruce bufou, exausto. Parecia que escolhiam a dedo quando trazer aquele assunto à tona, sempre nos momentos mais propícios para se falar de sorvete.
— Rosas Cremosas da — Scott respondeu, sorridente. — É um ícone da Ben & Jerry's. Vem em uma casquinha, com o sorvete de rosas, em formato de rosa.
— É vegano — Stark completou, concordando com a cabeça.
— Essa é novidade. Por que nunca me disse isso? — perguntou, curiosamente feliz, para Steve, que deu de ombros.
— Porque acabei de descobrir também.
— E você… — ela se virou de frente para Tony, sorrindo, irônica, e levemente confusa — … não sabia que sentia tanto a minha falta assim, a ponto de comprar uma boneca minha.
— Se viesse com essa roupa, talvez — ele rebateu, cínico, a medindo com o olhar, fazendo a mulher revirar os olhos. — Alguém achou que minha filha amaria ter bonecos dos Vingadores e recebemos uma versão de todos.
— Até um meu? — Scott perguntou, empolgado, mas Tony parou por um momento, pensativo, até negar com a cabeça. Bruce deu um sorrisinho sem graça.
— Temos muitas formigas no quintal, você está bem representado. — Consolador, Tony pegou no ombro dele e o chacoalhou por um momento, mas não pareceu animar Scott.
— A gente não podia conversar depois? Já perdemos o quê? Cinco minutos? — preocupado e impaciente, Bruce exasperou-se.
— É sério esse papo aqui: onde você estava nesse dia? — Tony insistiu, dando uma olhada ao redor e logo recaindo seus olhos na mulher, que simplesmente respondeu:
— Wakanda.
Foi o exato tempo de a mulher terminar de responder para um novo barulho alto e explosivo chamar a atenção de todos eles. Em silêncio, olhando atentos e defensivos ao redor, só então, genuinamente, percebeu que os barulhos, assim como aquele, vinham de explosões por toda parte e do motor de naves com seres tão incomuns e bizarros quanto os bichos que invadiram Wakanda cinco anos atrás. Concentrando-se no que acontecia ao redor, gritos assustados de pessoas que estavam naquela região ecoavam pelo caos da cidade e, misturados a eles, os barulhos violentos que os extraterrestres faziam. Aquela era a primeira invasão alienígena que a Terra tinha vivido — depois de Thor, se o considerassem como um — e que Steve havia contado em detalhes para ela e Scott quando estavam, horas antes, se preparando para entrar justamente naquele dia e naquele lugar. A invasão que assistiu do luxo e do conforto de Wakanda, atenta aos comandos de T'Chaka para caso precisasse intervir.
Os cinco estavam parados em uma rua transversal a uma das principais avenidas de Nova Iorque, rodeados de escombros de prédios, carros amassados, lixo, corpos de alienígenas mortos e restos de coisas que pessoas desesperadas deixaram para trás. imaginou ter sido uma situação caótica e desesperadora, violenta também. Mas, de certo, não pensou que tinha sido daquele jeito.
— E não pensou em, por acaso, vir nos dar uma forcinha aqui? — Tony seguiu perguntando, sem tirar seus olhos dela. O cabelo perfeitamente preso no rabo de cavalo alto e levemente trançado, o olhar atônito dividido entre eles e seu redor, o macacão da SHIELD imponente e bonito como ela.
— Era supervisionada na época — ela respondeu, cínica, dando um sorriso forçado para ele.
— Ok, acho que entendi — ele suspirou e, então, virou-se para Scott, perguntando baixo e irônico: — Me lembra de rever essa coisa de supervisão quando voltarmos?
— ‘Tá legal, cada um sabe o que fazer. — Dando as costas a eles e dois passos à frente, Steve observou o perímetro. Assim como já havia saído pronta do Complexo, Steve já estava vestindo seu traje de Capitão América e, Scott, o seu de Homem-Formiga. — Duas Joias ao norte, uma mais ao sul. — Ele, então, virou-se de frente para os demais. — Sejam discretos. Olho no relógio.
Contudo, antes que pudessem seguir adiante com o plano, assim que Steve terminou de dizer, uma figura gigantesca, verde, apareceu em um pulo, saltando do ar próximo a eles, na avenida perpendicular a onde estavam. Hulk, na versão de 2012, furioso, rugiu feito um verdadeiro monstro violento, segurando um táxi em mãos, que atirou, sem nem pensar direito, em cima de uma das criaturas que o importunava com uma arma em mãos. Caída no chão, a criatura gritou, como um choro agudo e bem alto, mas Hulk, impiedoso, seguiu a esmagando com o automóvel até, e ainda um pouco depois, de vê-la morta. Não bastasse o táxi, ele, então, pulou em cima do automóvel seguidas vezes, como se pisasse em um inseto, grunhindo alto e raivoso. De lado para onde estavam e com tudo acontecendo em um único minuto, Hulk não percebeu a presença de nenhum deles ali.
Atônitos, os cinco assistiram a cena paralisados, ligeiramente horrorizados e, assim que o viram afastar-se correndo, viraram-se, ao mesmo tempo, para Bruce - em uma versão bem mais baixa, tranquila, calma, estável e amena do que aquela que tinham visto a um segundo atrás. parecia boquiaberta. Seus olhos arregalados assistiram Bruce sorrir amarelo e tentar disfarçar a vergonha que sentiu de si mesmo, tapando levemente o rosto. Nunca tinha se orgulhado daquele descontrole. Mas o que podia fazer? Ainda assim era ele. Sempre seria. Por um momento tão rápido quanto o que tinham acabado de assistir, se perguntou, novamente, o que teria acontecido com Banner, por que tinha se fundido ao Hulk. Até o tom de verde de sua pele parecia diferente, mais claro, algo nele não estava certo. sabia que não tinham sido tempos fáceis para nenhum deles, afinal.
— Pode esmagar algumas coisas até chegar lá — Steve assentiu para Banner.
— Acho desnecessário, mas... tanto faz — Bruce respondeu, aborrecido, rasgando a própria regata azul marinho que vestia.
Descontente com aquilo, ele, então, caminhou sem pressa alguma até a avenida principal, fazendo um barulho infeliz e forçado de fúria, socando sem vontade alguma alguns carros já amassados e, no ápice da violência, pegando uma motocicleta que encontrou no caminho próximo e a jogando para o lado. , Steve, Tony e Scott o assistiram brevemente sair dali naquele estado de espírito e, sem dizer uma só palavra, correram, literalmente, até o próximo passo do plano que tinham traçado mais cedo naquele dia, até onde encontrariam as duas outras joias: para a Torre Stark. Bruce daria conta sozinho de encontrar a Joia do Tempo. Naquela época, sequer tinham ouvido falar sobre ela, estava segura, guardada em uma residência da Bleecker Street, não encontraram nenhum problema ou impedimento visível em buscá-la.
Diferente dela, contudo, as Joias do Espaço e da Mente estavam cercadas por seguranças, pela SHIELD, dentro do prédio mais tecnológico e seguro do mundo e, àquela altura do campeonato, protegidas por eles mesmos, pelos Vingadores. Não seria fácil consegui-las. Por isso, a melhor estratégia era focar a maior parte do grupo nelas e, na medida do possível, se infiltrar no prédio.
— Lembra o que fizemos com elas quando prendemos o Loki? — Tony perguntou para Steve na esquina anterior à Torre. Scott e se entreolharam.
— As levamos para a cobertura. Vamos entregar o Cetro para a STRIKE e descer com o Tesseract para entregar à SHIELD. — Steve deu uma rápida olhada ao redor no térreo, em busca de qualquer que fosse a movimentação, mas nada além de seguranças estava ali. Sem Vingadores e sem SHIELD por perto naquele momento, só poderia significar que... — Ainda estão lá em cima.
— Vamos nos certificar disso e acompanhar o movimento das Joias. Lang, vem comigo — Tony apontou para ele. — Você e deem um jeito de entrar na Torre pelas portas dos fundos. Rápido.
Só deu tempo de e Steve concordarem com a cabeça, para que Tony acionasse sua armadura, dando dois passos para trás, enquanto Scott reduzia a um tamanho que sequer podiam vê-lo a olho nu. Sem dizer mais nada, os dois homens partiram juntos pelos ares, voando para longe dali. e Steve se entreolharam por um instante e, assentindo brevemente um para o outro, voltaram a caminhar, cuidadosos, até mais perto do prédio. Não demoraram mais do que dois minutos até, forçando a porta de segurança dos fundos, conseguirem estourar as travas e entrar de uma vez. Com pouca iluminação e um cheiro peculiar de lugar fechado, não tinha mais nada ao redor deles senão o começo de uma escadaria cimentada e alguns elevadores de serviços.
— Quantos andares temos? — perguntou, baixo, olhando o ambiente ao redor, encaminhando-se segura para a escadaria.
— 82 — Steve rebateu no mesmo tom, sorrindo, ao vê-la parar diante da escada e, sem hesitar, virar-se em direção a um dos elevadores de serviços, apertando o botão para subir.
— Eu desço primeiro e você fica alguns andares mais acima da metade da Torre — ela pensou alto, entrando com o homem no elevador assim que ele chegou. — Se vão descer com as Joias, uma em cada elevador diferente, não podemos perder a cobertura de nenhum deles e nem correr o risco de sermos vistos. Melhor separarmos os andares.
— De acordo.
— Cetro vai descer pelo elevador B, na ala noroeste dos andares — Tony os instruiu rapidamente pelo comunicador. — E o Tesseract no C, ala leste.
— Entendido, Tony — respondeu, breve, olhando Steve em sua frente por um momento enquanto o elevador subia.
Um misto de angústia e expectativas corria pelos olhos claros do homem, era possível ver a incerteza por trás da postura séria. Steve se sentia grandemente responsável por aquela missão. Estava se preparando há semanas para ela, tinha reunido todas as pessoas que mais confiava na vida e articulado detalhe a detalhe do que precisava ser feito. Tudo estava meticulosamente calculado até ali e, mesmo assim, Steve ainda se sentia inseguro. Havia mais do que seis Joias em jogo, haviam vidas, havia metade de todo o Universo. E, não fosse aquela pressão e responsabilidade suficientes, ainda carregava expectativas que eles mesmos projetaram a partir de outras pessoas. Como esperava poder acabar com o sofrimento e toda a dor de Nate, Steve também tinha alguém mais com quem se preocupar.
Seria um erro achar que o Capitão América passou cinco anos completamente preso à própria companhia. Apesar de ter e Natasha sempre por perto, apesar de ocupar seu tempo em grupos de ajuda e em dividir-se entre os poucos amigos que sobrou, Steve também seguiu minimamente em frente. Diferente de , contudo, que tinha uma vida para além dos Vingadores até tudo acontecer, Steve permanecia preso na sombra do passado, de quem um dia era, e já não aguentava mais viver daquele jeito. Os cinco anos serviram a ele, também, para tentar mudar aquilo - embora não tivesse tido muito sucesso.
Em um grupo de ajuda próximo à sua casa, ele conheceu Violet¹. Uma garota de olhos e cabelos escuros, nem tão alta nem tão baixa, com um sorriso bonito e um brilho diferente. Começou a frequentar o grupo através de um amigo, Andrew, que a apresentou a Steve em uma das reuniões. Desde então, algo mais acontecia entre eles, mas Steve era lento demais para firmar os passos. não conheceu Violet pessoalmente, mas a viu por vídeo chamada algumas vezes em que Steve estava passando semanas com ela em Berlim. Era discreta, mas bastante simpática, alguém decente para Steve tentar recomeçar. Mas, apesar de gostar dela, de genuinamente gostar de Violet, ele só não conseguia. Sabia que não era aquele homem, sua mente o trazia de volta para 1930 e de novo, de novo, outra vez.
Steve não conseguia seguir em frente porque, em algum lugar dentro dele, o amor que tinha por Peggy se enraizou. Feito as flores que tanto amava, Peggy estava presente nele e sempre estaria. Não importava quanto tempo se passasse, Steve sempre a amaria e continuaria sonhando com a chance de, um dia, terminar o que mal pôde começar com ela. Peggy já não vivia mais. Mas, junto com a ideia do Assalto no Tempo, nascia em Steve, secretamente, uma nova possibilidade, que nem mesmo comentou com , apesar das longas conversas que tinham sobre como se sentia em relação à Peggy e à Violet. Em outra vida, em outro momento, Violet seria quem ele escolheria amar. Mas naquela, ainda, não podia seguir em frente. Não conseguia.
— Contou a Nate que estava vindo? — Steve quebrou o breve silêncio, reflexivo. Lembrava-se de conversando com ele no Complexo, mas não chegou a perguntar-lhe sobre aquilo. negou com a cabeça.
— Contou à Violet? — ela suspirou. Um a um, era exatamente a mesma situação.
— Não — ele desviou o olhar para o chão, cruzando os braços em seu peito. — Assim como Nate perdeu a filha, ela perdeu a irmã gêmea, é muita…
— Responsabilidade — logo o completou, sorrindo, sem mostrar os dentes. — Sem falsas esperanças, melhor esperar e ter algo concreto a dizer.
— Estamos aqui por eles também — Steve voltou seu olhar para a amiga em frente, sorrindo um pouco mais confiante enquanto a via concordar com a cabeça. — Vamos conseguir.
desceu no 47º andar deixando Steve para trás com um sorriso cúmplice. Tinham muito o que fazer, ainda; sequer tinham localizado as Joias, mas ter chegado até ali sem nenhuma interferência já tinha sido um bom sinal. Segundo a segundo, momento a momento, estavam vencendo aquele jogo. Do comunicador que usavam no ouvido, todos eles podiam ouvir Bruce conversar com alguém, como se estivesse tentando convencer a pessoa pelo discurso de que precisava da Joia. Um terço do plano estava já, de fato, acontecendo. soltou o ar pela boca, caminhando com cautela e atenção no andar onde chegou pelo elevador, vez ou outra passando a mão pelos grandes vasos de plantas que decoravam o andar. Tinham que se manter em alerta o tempo todo, tinham que ser cuidadosos com qualquer que fosse o contato que poderiam ter com pessoas daquela época. não encontraria a si mesma ali, o que já era positivo. Mas isso não significava que não poderia encontrar outras pessoas já conhecidas por ela naquele ano.
— É melhor correr, Capitão — do topo do prédio vizinho, em frente a Torre Stark, Tony falou pelo comunicador. — Parece que vão terminar por aqui.
— Entendido — Steve respondeu prontamente, caminhando apressado do elevador de serviços de onde descia para o elevador principal, onde teria que interceder em uma das Joias. — Estou quase no elevador agora. Flora?
— Em posição — ela respondeu, ao tempo que viu o elevador social em sua frente, na outra ponta do andar. — Ala Leste, elevador B.
— Ah, Sr. Rogers, eu quase me esqueci que esse traje não favorecia o seu traseiro — Tony comentou, sincero, dando uma boa olhada na bunda do Steve de 2012, em um traje um pouco mais apertado, como um macacão em látex fosco que marcava, até demais, cada detalhe dos músculos de seu corpo.
— Ninguém mandou você olhar — Steve respondeu prontamente, sério.
— É ridículo — Stark completou, reflexivo, ainda encarando.
— Eu acho incrível, Cap — parado em pé no ombro de Tony, em tamanho de uma formiga, Scott comentou, contente. — Para mim, é o clássico traseiro América.
— Eu não acredito que estou perdendo a melhor parte disso tudo — riu.
Tony, contudo, não respondeu mais. O silêncio que pairou no comunicador indicava que algum novo movimento deveria estar acontecendo ao redor de Stark e Lang. Do andar em que estava, franziu a testa, tensa, vez ou outra olhando ao redor, mas parada em frente ao elevador como se tivesse ali criado raízes. Seu olhar subiu, então, para a pequena e elegante placa de metal logo acima das portas do elevador, onde o sinalizador piscou em um tom de amarelo, indicando que tinha acabado de parar em algum lugar. Não era possível saber, pois não havia indicado, em lugar algum, qual era o andar em que ele havia parado, mas o fato era que alguém mais, além dos Vingadores, tinha acabado de chegar ao prédio, provavelmente exatamente onde Tony e Scott estavam.
— Quem chegou, Tony? — ela perguntou, aflita, seus olhos sem deixar o sinalizador de andares do elevador, tensa, esperando por um novo movimento. odiava estar às cegas daquela forma.
— Sua turma — ele respondeu, irônico, mas não teve tempo de rebater, pois Scott perguntou em seguida:
— Quem são esses caras?
— São da SHIELD — Tony respondia em um sussurro discreto e contido. — Bom, na verdade, são da Hydra, mas ainda não sabíamos disso.
sentiu sua respiração parar por um momento. Estava ciente da chance que tinha de os encontrar ali, sim. Steve e Tony já haviam falado da participação e presença deles naquele dia, mas ela não podia, em hipótese alguma, encontrar com eles. Por isso, inclusive, deveria focar-se no Tesseract e não no Cetro, cuja responsabilidade já sabiam que seria da equipe STRIKE. Não podia encontrar com eles porque, em 2012, já tinha interferido o suficiente na Hydra para que boa parte deles já tivesse, pelo menos, ouvido falar dela. Ela, contudo, naquela época, ainda não tinha encontrado Rumlow e sua trupe pessoalmente, porque só saberia que ele também era um membro da organização terrorista dois anos mais tarde, com a queda da SHIELD e quando entrou, de fato, em cena. Mesmo assim, não sabia o quanto ele tinha ouvido falar dela àquela altura de sua vida. Era melhor não arriscar encontrá-lo.
— Sério? Não sabiam? — Scott perguntou, incrédulo. — Eles têm cara de vilão.
— Você é pequeno, mas fala tão alto — Tony reclamou de Scott, mas não deu tempo de continuar aquele assunto, pois ele logo emendou: — Oh, é com você, amiguinho. Lá está a nossa Joia.
— Vamos lá — Scott sussurrou em posição, ainda no ombro de Tony. e Steve seguiam ouvindo os movimentos, apenas aflitos em saber em qual hora deveriam agir. — Me dá um impulso.
No segundo seguinte, apenas ouviu um ruído alto que, pela lógica, pareceu como se Tony tivesse acionado sua armadura outra vez. Sem mais ouvir nenhum deles, com os olhos ainda cravados no sinalizador de andares do elevador, o viu piscar outra vez, sinalizando que descia. Como nenhum dos membros dos Vingadores naquela época a conhecia, ainda, era a pessoa ideal para fazer uma escolta anônima. Por isso, tinha que parar o elevador quando chegasse em seu andar, se apresentar como uma agente da equipe de Inspeção da SHIELD, entrar nele junto com os Vingadores e pegar o Tesseract com a desculpa de que, dali em diante, o levaria às autoridades responsáveis. Tony e Scott seguiriam no térreo para escoltá-la como seguranças e, finalmente, sairiam dali. E, para caso aquela tentativa desse errada, seria também a peça fundamental do plano B. Poderia ir embora junto com a SHIELD, infiltrada como uma agente, e pegar o Tesseract no meio do caminho.
— Elevador Leste descendo — ela informou, atenta, apertando, receosa, o botão na parede para que o elevador parasse ali, naquele andar. — Vou entrar em breve.
— Muito bem e Cap., seu Cetro está no elevador também… passando pelo 80º andar — Tony avisou, monitorando o movimento pelo lado de fora do prédio. Ficar ali, contudo, pairando no ar em uma armadura vermelha metalizada não era, definitivamente, discreto. Tinha que voltar ao solo o quanto antes e se preparar para finalizar o plano, o que incluía trocar de roupa.
— Estou aqui — Steve respondeu prontamente, apertando o botão do elevador que o faria parar naquele andar. — Vai até o lobby. Flora chega em breve.
— Nos vemos lá, Borboleta — Tony respondeu rapidamente.
nada respondeu. Seguiu acompanhando o sinalizador de movimentos do elevador acender e apagar sucessivas vezes, contando os andares mentalmente como se pudesse antecipar o momento em que ele pararia no andar em que ela estava. não sabia se estava ansiosa pelo desfecho daquela missão ou se pelo fato de, agora, ser a hora de ela entrar em ação. Abrindo e fechando as mãos em punhos ao lado do corpo, ela respirava fundo, seus olhos cravados no sensor, sem desviar nem por um instante, até algo estranho acontecer. Tão rápido e repentinamente que mal teve tempo de pensar em como lidar.
Pelo comunicador, ela ouviu Steve conversando com alguém, até explicitamente ouvir o nome de Rumlow e, pouco tempo depois, ouviu Steve jogando o jogo mais sujo de toda a sua vida: os cumprimentou com um Hail Hydra. O que foi estranho, contudo, veio meio segundo depois, quando o elevador que acompanhava pareceu parar por um instante. Estranhando aquilo, ela olhou ao redor, em busca de qualquer que fosse o sinal de paralisação do elevador, mas ele logo voltou a piscar, anunciando que continuava a descida. E foi só então que tudo começou a fazer sentido. O elevador pareceu ter parado quando Steve cumprimentava a equipe STRIKE e, no que seria o tempo exato de ele ter descido em algum andar qualquer acima de onde estava, o elevador voltou a descer.
Tentando encaixar as peças de um mistério que ela sequer tinha se dado conta, o que chamou atenção de logo em seguida foi o sinal sonoro discreto, mas perceptível, de outro elevador, no outro lado do andar em que ela estava. O sinal indicava que o outro elevador passava direto por aquele andar. parou por um segundo, pensativa. Deu alguns passos para trás, em direção ao outro elevador, observando dele para o que estava mais próximo de si, um misto de dúvida e insegurança tomando conta de seu corpo. De olho no sinal luminoso que indicava que a descida ainda acontecia, deu mais alguns passos para trás, em busca de uma certeza qualquer de que estava realmente no local correto. Mas, bastou seus olhos passarem pela placa de metal prateado com os dizeres "Ala Leste - Lado B" na direção do outro elevador, no outro lado do corredor, para ela entender, de uma vez por todas, que tinha trocado os lados.
— Meninos, acho que temos um problema — começou a dizer, incerta, seus olhos correndo entre um elevador e outro. Mas, antes mesmo que pudesse tentar explicar, a voz curiosa e um tanto irônica de Tony soou pelo comunicador.
— Florence, me diz que você está escondida no fundo do elevador, como uma borboleta no casulo.
— Se eu disser que não, o que você diria? — Ela engoliu em seco.
— Que o elevador que você deveria estar dentro acabou de chegar ao térreo — Stark concluiu, objetivamente, mas não deu tempo sequer de pensar no que responder, porque a próxima coisa que ouviu foi a voz alta de Steve pelo comunicador:
— Sai daí, Flora, AGORA!
Mas já era tarde demais.
Como tinha apertado o botão para o elevador mais próximo parar, achando que era o correto em que deveria interferir e entrar, onde estaria o Tesseract e não o Cetro, assim que ele se aproximou do andar, ele parou. Com um sinal baixo e curto, as portas se abriram em segundos, avisando que estavam no quadragésimo sétimo andar. não teve tempo de responder nada, sequer de se mover dali ou pensar no que deveria fazer. Em sua frente, a poucos passos de onde estava, atônita e paralisada, a imagem da equipe S.T.R.I.K.E. abriu-se, conforme as portas do elevador se abriram.
Ela engoliu em seco, observando, atenta, a qualquer que fosse o movimento deles, esperando eles agirem primeiro antes de fazer qualquer coisa. Ainda havia a chance de passar despercebida, de todos eles não a reconhecerem, de conseguir manter o disfarce da agente. Mas estava atenta, pronta e defensiva para o que fosse. Tinha que estar, afinal, o sucesso da missão dependia dela também. E ela tinha acabado de colocar tudo em risco. seguiu em silêncio, encarando os homens que a encaravam de volta, ignorando as tentativas de comunicação de Steve pelo comunicador, não podia falar agora.
Rumlow estava mais ao centro do elevador, com Jasper Sitwell ao seu lado. A bizarra sensação de revê-lo, sabendo que estava lá quando ele morreu, quando explodiu junto com o prédio em Lagos, quando tudo aquilo começou para . A raiva que sentia dele pelo que ajudou a fazer com Bucky, pelos anos que o maltratou, que tirou dele as memórias, a dignidade, a humanidade. sentiu seu estômago revirar. Seus olhos cravados no homem que ela gostaria de matar outra vez, se tivesse a chance.
Com eles, no elevador, sete outros homens observavam de frente, com expressões sérias e apáticas, não era possível decifrar o que estavam pensando. Nenhum deles ali era desconhecido por , mas, igualmente, não tinham tanta importância para ela quanto Rumlow teve. De onde estava, conseguia ver que o cetro não estava mais na posse deles, o que, por um lado, era bom. só precisava entrar naquele elevador, não ser reconhecida por algum deles, de modo algum, e sair dali como a boa agente da SHIELD que fingia ser.
— Vai descer, agente? — Rumlow perguntou alto, curioso, segurando a porta do elevador para que não se fechasse.
Se tinha chamado o elevador para parar naquele andar, o que mais poderia fazer senão descer? manteve-se calada. Apenas seguiu a passos firmes e seguros para dentro do elevador, sendo consumida pelos olhares de todos os homens que ali estavam, mas de um, em especial, parado mais ao fundo. Algo nela os gerava certa incerteza e aquilo era nítido. Paciente, sem demonstrar qualquer sinal de nervosismo ou insegurança, virou-se de costas para eles, parando lado a lado entre Rumlow e Sitwell, e assistiu as portas se fecharem em sua frente.
— Achei que a equipe de Dissuasão estivesse agindo no perímetro — Rumlow comentou, curioso, lançando olhares laterais à mulher, que pareceu inabalável.
— Inspeção — ela o corrigiu, seca, apontando para o símbolo falsificado da equipe de inspeção em seu uniforme, sem sequer desviar seu olhar para o homem ao lado.
— Foram liberados antes de entrarmos. O que você ainda está fazendo aqui dentro? — ele rebateu prontamente, um tom de superioridade e autoritarismo em sua voz.
— Não devo explicações a você. — Ela seguiu o ignorando, atenta ao movimento do elevador, que parecia descer tão lentamente como uma tortura.
— Mas certamente a mim deve, agente. Qual é o seu nível credenciado? — Foi a vez de Sitwell perguntar. Ao lado dele, , então, o encarou com soberba.
Ela se lembrou de seus pais. De quando Karl e Everett lhe contaram sobre como funcionava a hierarquia da SHIELD. Quanto menor o número de um agente, mais poder de decisão e força ele tinha dentro da organização. Sitwell era um nível 8, ela se lembrava. não daria o braço a torcer.
— Seis — ela respondeu, simplesmente, parecendo desinteressada naquela conversa. Jasper afrouxou sua postura ao ouvir aquilo, dando uma olhada sem graça nos demais homens no elevador que, àquela altura, apenas ouviam a conversa em silêncio.
— Desculpe, agente, mas nós nos conhecemos? — Em tom de voz mais baixo, Sitwell tentou sorrir, amigável, tirando de nada mais do que uma olhada entediada.
— Felizmente, ainda não.
— Há quanto tempo trabalha na SHIELD? Tenho certeza de que já te vi em algum lugar — o homem insistiu, buscando em sua mente onde foi que tinha visto uma foto dela, não tinha clareza.
Ao lado dele, Rumlow tinha a expressão fechada, estava reflexivo. Dificilmente a Equipe STRIKE estava por fora de quem eram os novos agentes e dificilmente ele se esqueceria de ter visto uma mulher como aquela, tão bonita e segura, chamava a atenção dele. A última leva de agentes que entrou para a organização passou minuciosamente pelas mãos deles, para que pudessem garantir um número maior de infiltrados da Hydra. Não se lembrava dos arquivos dela, nem de vê-la nos testes, na qualificação ou na cerimônia de posse. E tinha certeza absoluta de que ela não era da Hydra. Hydra. Como se uma lâmpada tivesse acendido em sua mente, por um instante, pensando naquilo, Rumlow cogitou a possibilidade de já tê-la visto na organização. Não como uma agente, certamente não, ele se lembraria. Mas, talvez, como alguém procurada por eles. Como se tivessem combinado, Rumlow e Sitwell se entreolharam, desconfiados. Não tinham certeza, mas a sensação que tinham de que aquela mulher era alguém que já tinham visto era, no mínimo, estranha.
— O que é isso? Uma entrevista de emprego? — rebateu, irônica. — Ou um interrogatório?
seguia com a postura perfeitamente ereta, imóvel. Seu queixo levemente levantado, seus olhos cravados na porta de metal fechada em sua frente até caírem na pequena barra metalizada pouco acima. Pelo reflexo da barra, ela pôde ver o mesmo homem mais ao fundo, atrás dela, a encarando com um olhar difícil de decifrar. Ele parecia atônito, estupefato. Mais alto do que os demais, careca, olhos claros e barba. Com uma cicatriz cortando seu rosto verticalmente da testa ao queixo, ele estava sério, compenetrado e queimando-a com os olhos. Sua mão direita apertando o cinto, talvez com uma arma ali.
o encarou de volta por um único segundo, exatamente o tempo que demorou para sua mente lembrar-se de como fez aquele homem, anos atrás, ganhar aquela cicatriz.
— Você não é da SHIELD — o homem rangeu os dentes baixo, atraindo atenção dos demais que, se antes já estavam em alerta, depois daquela informação pareceram prontos para agir.
— Olha só, que coincidência, rapazes — riu, irônica, ganhando tempo.
— O que disse? — Sitwell franziu a testa. O que ela sabia sobre eles?
— Quem é você? — começando a ficar agressivo, Rumlow perguntou.
— Não vamos apressar as coisas, Rumlow, em dois anos você vai descobrir — respondeu, com calma, dando uma olhada no contador de andares do elevador. Embora o tom fosse um tanto ameaçador, Rumlow não entendeu exatamente o que ela quis dizer. — E te garanto que não vai esquecer mais.
— Eu não esqueci, — o mesmo cara que começou aquela confusão esbravejou alto. — Sonho com o dia em que te encontraria de novo para te devolver o que você me deu. — Ele, então, passou a mão pela própria cicatriz no rosto.
Todos os demais seguiram assistindo em silêncio, confusos com aquela conversa. O nome Florence soando em suas mentes como um sino de alerta, alto e sombrio, ao tempo que iam, um a um, pouco a pouco, lembrando-se de quem ela era, de onde a tinham visto, das histórias que tinham ouvido dentro da Hydra. Sitwell, então, arregalou os olhos. Aquela era Florence do Algoritmo de Zola? Não era possível, algo não batia naquela conta, deveria ser mais nova, não? Ter vinte anos, no máximo, não ser aquela mulher de trinta. Tudo pareceu ridiculamente estranho, como um surto coletivo, mas ele não teve tempo de pensar.
— Ah, Richard, que pena ter que acabar com seu sonho dessa forma — ela fez um biquinho. — Tudo que você tinha que fazer era ter ficado de boca fechada até o elevador parar. Mas, tudo bem. Eu vou fazer esse favor para você.
Faltavam cerca de vinte andares para atingirem o térreo quando ela, sem cerimônias, apertou com força o botão de emergência, que fez o elevador parar entre os andares. Com o tranco da parada repentina, todos eles foram ligeiramente para frente enquanto eram agachados pela gravidade, até conseguirem colocar-se em pé novamente. A partir daí, então, tudo aconteceu tão rápido, que não foram necessários sequer cinco minutos para acabar. Ainda de costas para os nove homens, ela voltou seu olhar por sob seus próprios ombros e, reparando no homem da cicatriz uma última vez, deixou um sorrisinho cínico escapar assim que o ouviu dizer, furioso:
— É Reynaud, sua vadia.
Sem hesitar, ele partiu para cima da mulher como um animal faminto. , esperta ao movimento que acontecia ao seu redor, apoiada pela visão que tinha através da pequena parte espelhada na porta do elevador em sua frente, fechou sua mão esquerda em um punho forte e pesado e, ainda olhando para frente, deu um soco lateral bem no meio do rosto de Sitwell, entre os olhos, que bateu a parte de trás da cabeça em uma das paredes do elevador e caiu sentado no chão, totalmente desacordado. Começar pelo o que era mais fraco, como Okoye a havia ensinado desde criança, era a garantia de que, ao menos, assustaria quem mais estivesse presente. Faltavam oito agora.
Richard, ou Reynaud, passou o braço direito no pescoço de e a puxou brutalmente para trás, contra seu corpo. Assim que encostou na parede atrás de si, segurando a mulher encostada de costas em sua frente, ele sacou uma pequena faca, como um canivete, de um dos bolsos da calça, com a mão esquerda, e veio empunhando-a na direção de . Ao redor deles, os outros homens vinham um a um, com armas de choque e suas próprias forças, esperando para agir na hora certa, um tanto receosos sobre o que deveriam fazer, afinal. Não estavam esperando por aquilo e não tinham cem por cento de certeza sobre quem ela era e o que queria com eles.
parou a mão esquerda de Richard no ar, antes que pudesse aproximar dela a faca e, aproveitando a euforia, deu um chute com seu joelho no meio das pernas de um dos caras em sua frente, acertando a faca, que segurava na mão de Richard, no rosto de um terceiro, que se aproximava rapidamente. Se estavam na defensiva, apenas observando e esperando para ver o que aconteceria, com isso, não conseguiu mais do que despertar a ira de todos eles.
Richard forçava o braço de para frente enquanto apertava seu próprio braço direito no pescoço dela, tentando a enforcar de uma vez. A mulher conseguiu acertar dois outros golpes de faca no homem que cortou o rosto a um segundo atrás enquanto, em um movimento rápido, travou as duas pernas no pescoço do homem em frente, que, depois de ter sido chutado, curvou-se para frente pela dor. tentava tirar o braço forte e apertado de seu pescoço, o ar já mandando lembranças, começando a fazer falta, mas Richard era forte e parecia ter, pelo menos, o dobro do tamanho dela.
Cedendo a força que Richard fazia com o braço esquerdo, trouxe a mão dele com a faca em direção a seu próprio peito. Contudo, ao invés de atingi-la, ela direcionou a faca para o braço direito do homem, que a enforcava, cravando-a ali impiedosamente. Com um grito alto e estridente de dor, ele a soltou o suficiente para que ela puxasse seu corpo para frente, sentando-se nos ombros do homem em quem ela tinha as pernas enroscadas. Pressionando suas pernas com toda força que tinha no pescoço dele, impedindo-o de respirar direito, bastou três ou quatro cotoveladas bem dadas do topo da cabeça dele para fazê-lo apagar e cair ao chão.
De pé em um pulo, um passo atrás do corpo do segundo homem desacordado, estava finalmente de frente para os sete demais. Um deles com uma faca totalmente cravada no braço, outro com um olho e metade do rosto esfaqueados. Talvez fosse mais fácil apagá-los primeiro. , então, deu um chute na mão de um dos homens que apontou uma arma para ela, fazendo o objeto cair no chão sem cerimônias. Ela foi socando-o para o fundo do elevador, ao tempo em que chutava, ora com os pés, ora com os joelhos, um outro que chegava ao seu lado e virava-se, vez ou outra, de costas, para atingir o que já estava esfaqueado, com o rosto repleto de sangue. Entre dezenas de socos que levou e que deu, não demorou dois minutos para apagar os três.
Pelo comunicador, era possível ouvir Tony e Scott conversarem, trocando instruções de um novo e inesperado plano que parecia estar dando certo, apesar de parecer que tinham que quase matar a versão mais jovem de Stark para conseguir o Tesseract. Pelo menos, eles tinham pensado rápido em como reagir à falha de e ela, por sua vez, estava conseguindo segurar a STRIKE e dar mais espaço e tempo para que Tony e Scott pudessem conseguir o cubo. Àquela altura, ela já deveria tê-lo pegado e estar longe dali.
No elevador, irritado e ainda sem entender direito aquela situação, Rumlow conseguiu puxar pelos cabelos e, em um sinal tão breve quanto a luta que ela tinha travado até ali, um dos homens que sobrou acordado veio em direção à ela com uma arma de choque. Sem hesitação alguma, ele a atingiu na lateral da barriga, próximo a costela, algumas vezes seguidas, o tempo suficiente para que Richard se aproximasse novamente dela, empunhando a faca ensanguentada que arrancou do próprio braço. gritava alto a cada novo choque, aquele maldito macacão não segurando absolutamente nada da energia despejada nela, sem qualquer cuidado ou piedade. Sua testa suada grudava os fios de cabelo que se soltaram, suas mãos presas para trás com brutalidade por Rumlow, que sorria, satisfeito, enquanto o outro homem atirava os choques nela entre socos em seu rosto.
— Isso não deveria ter acontecido, não é? — conseguiu ouvir Scott dizer pelo comunicador e logo ser respondido por Tony:
— Estragamos tudo. — A voz dele era quase um sussurro. O que tinha acontecido, afinal? pensou em perguntar, mas um novo soco em seu rosto a impediu.
— Tony, o que está acontecendo? — Embora falasse baixo, a voz de Steve estava carregada de preocupação e um pouco de nervosismo. — Me fala que achou aquele cubo. — Na ausência de resposta, preocupado, ele voltou a perguntar. — Flora? O que está acontecendo aí? — Steve já estava chamando-a há algum tempo, mas ela não parecia ouvir.
— Encontrei… — ela parou por um momento, sentindo o choque, agora, ser dado em seu pescoço, a dor percorrendo seu corpo com violência —...velhos… amigos — respondeu, exausta. Seus olhos subindo até a porta do elevador, sem olhar para nenhum dos quatro homens ao seu redor, a cabeça baixa, pendendo levemente, ponderando se deveria ou não fazer o que sua mente mandava fazer.
— Estamos indo até você — aflito, Scott respondeu brevemente enquanto olhava ao redor, em busca de algum lugar que pudesse sair para alcançar , mas logo parou ao ouvi-la dizer:
— Não precisa vir, preciso só de um minuto. — Ela, então, grunhiu outra vez, depois de levar um novo soco. — Me dê um minuto.
A voz de Okoye em sua mente a ensinando a estratégia que já a tinha salvado tantas vezes de situações como aquela. Demonstrar fraqueza em situações em que se luta por algo era uma das cartas mais clichês para bater o jogo. seguiu aguentando o quanto podia, a dor aguda e quente dos choques percorrendo seu corpo, mas manteve seu olhar na porta do elevador, focado, sério. Se não podia mais lutar fisicamente, podia ainda, ao menos, se concentrar em pedir ajuda. Fazia já tanto tempo que não usava aquele recurso, não tinha certeza se ainda seria respondida, mas torcia para que sim. Nunca tinha estado sozinha, afinal. Se algo nunca tinha decepcionado em toda sua vida, esse algo era a natureza.
Richard, contudo, pegou o queixo da mulher e empurrou a cabeça dela para trás, forçando seu olhar a subir até o dele, aproximando seu rosto do dela. Tentando amedrontá-la, ele, então, apertou a ponta da faca na bochecha esquerda de , fazendo ali um pequeno e ardido corte, que tirou dela nada mais do que um lapso de fraquejo de dor. já tinha passado por muita coisa naquela vida. Já tinha experimentado diferentes tipos de dores e a física, para ela, não passava de um efeito colateral de se estar em uma luta. Não se abalaria com aquilo.
Os olhos de mantiveram-se nos dele, firmes e fortes, descendo discretamente pela cicatriz que sua mente se lembrava exatamente como o deu de presente, em uma base da Hydra na Eslovênia, dois ou três anos antes daquele momento em que estavam. De todas as dores do mundo, ela sabia, a emocional era a mais aguda delas. Entre facas e choques, a maior tortura que um ser humano poderia ter é, e sempre será, sua própria memória.
— Você se lembra de como ganhou essa cicatriz, Richard? — Ela perguntou baixo, fazendo o homem afundar um pouco mais a faca no rosto dela, irritado, trêmulo.
Ele se lembrava, sim. Se lembrava da sensação, da dor, de ter perdido a luta física para uma menina que nunca tinha visto na vida, que lhe fazia perguntas insistentemente enquanto batia nele como se a vida inteira tivesse sido treinada para aquilo. “Onde está o Soldado invernal?”, “O que sabe sobre Hellen Lamarck?”, “Onde fica a base central?”, ela gritava, enfurecida, descontrolada. Ele se lembrava da lâmina de uma folha cortar-lhe a pele. Ele se lembrava e sabia o que ela podia fazer, tinha visto com os próprios olhos a natureza responder à ela como um súdito responde à uma rainha. Rainha. Talvez fosse aquilo que ela fosse aquele dia. Mas Richard tinha certeza que, ali, presa pelos quatro homens que ela não conseguiu derrubar, ela já não era mais.
E ele não podia estar mais errado.
De trás de , aproveitando-se da posição em que estava, a segurando com força contra si, com o corpo colado ao dela, Rumlow assistiu, atônito, assustado, ao elevador ser completamente tomado por nervuras de folhas em um único segundo. Longas e finas, espalharam-se sozinhas por todo o lugar, feito um parasita em busca de um corpo. E elas encontraram não um, mas três corpos ao mesmo tempo. Como se tivessem vida própria e estivessem resgatando , elas subiram pelos corpos de Richard, Charles e Adam, os três outros homens que a seguravam com Rumlow, e se enroscaram neles, entrando pelas bocas, narizes, orelhas e qualquer outra passagem que encontravam nos corpos. Desesperados e confusos, os homens gritavam por ajuda e tentavam se livrar das plantas a qualquer custo, sem sucesso algum.
Bastou a tombar a cabeça para o lado, no instante seguinte em que as plantas tomaram todo o corpo deles, feito casulos, para que fossem violentamente puxados e colados às paredes do elevador, ao tempo em que uma névoa esverdeada se soltou das plantas.
Veneno, Rumlow sabia.
Olhando de onde estava, além dos homens desacordados no chão, sangue das facadas e toda a bagunça que aquela luta tão rápida deixou para trás, Rumlow observou, horrorizado, os seus homens grudados à parede, como se fossem múmias, completamente cobertos pelas nervuras das plantas, desacordados. Não sabia dizer se estavam mortos ou não, nem o porquê de aquilo tudo ter acontecido, mas ele estava assustado. Estava com medo. Que porra tinha acontecido? E quem caralhos era aquela mulher?
— Só porque seremos ótimos amigos no futuro... — ela começou dizendo, calma, seu rosto latejando de dor pelo corte, o corpo ainda reclamando dos choques. — Você pode escolher se quer apagar pelas plantas ou por mim.
— Mas que… porra é essa? — ele gritou, horrorizado.
— Na verdade, estou meio cansada, vou deixar com elas — o ignorou completamente, como por tantos anos ele o fez, enquanto ela gritava perguntas sobre sua vida que ele fingia não saber ou não ouvir. A sensação de se pagar na mesma moeda era, infelizmente, boa demais.
— O que é você? — o homem gritou outra vez, ainda mais alto e violento, o desespero jorrando de sua voz.
Rumlow pensou em perguntar novamente, porque não acreditava que ela não o estava ouvindo, mas não teve mais tempo. Sem sequer se movimentar, deixou que as plantas tomassem conta dele, subindo tranquilas, mas velozes, dos pés à cabeça do homem, o apertando com força suficiente para causar-lhe dor e não mais do que isso, soltando o veneno que, em um instante, o faria apagar de vez. Rumlow finalmente a soltou, sem conseguir se livrar das plantas e sem saber exatamente como estava se sentindo diante daquela situação. Angustiado, com medo de morrer ali, a última coisa que a ouviu dizer, com a visão já turva e parcialmente coberta pelas plantas, foi em claro e bom som:
— Eu sou a cobaia bem sucedida do Projeto Neriine.
Sem mais respondê-la, esperou só Rumlow apagar de vez para puxar o botão de segurança do elevador outra vez e, apressada, pedir para parar no próximo andar possível. Tinha que sair dali antes que algum deles acordasse, antes que fosse tarde demais para continuar a seguir o plano. Alongando o pescoço e passando a mão delicadamente pelo rosto para limpar o sangue do corte em sua bochecha, pulou os corpos jogados no chão e saiu do elevador tranquilamente, sem sequer olhar para trás. Já tinha feito coisas demais por um dia, coisas das quais esperava não ter que contar a ninguém, nunca.
Não se arrependeria, afinal, eram eles ou ela e as dores fortes dos choques que levou pelo corpo demonstravam claramente aquilo. Mas nada daquilo estava nos planos. Por um momento, por um descuido dela, tinha se enfiado na cova dos leões, quebrado toda a estratégia e deixado os demais na mão. Dando passos lentos e com o corpo levemente inclinado para a frente, pela dor que sentia pelos choques, se sentiu exausta. Como uma enxurrada, conforme toda a adrenalina do combate foi diminuindo, as lembranças que tinha com a Hydra, com aqueles homens e, em especial, com Rumlow, tomaram conta de sua mente. Não conseguia esquecer nada do que passou com eles. De cada uma das cicatrizes que carregava em seu corpo, do tanto que apanhou, dos tiros que levou, do quanto foi ignorada, do quanto tiraram dela. Do dia em que decidiram torturá-la, fazer dela um rato de laboratório, matar seus pais.
Ela não conseguia esquecer.
E não conseguiria perdoá-los, nunca. Por isso, não se arrependia de nada do que fez com eles. Nem daquele momento, nem daqueles que ela matou, que devolveu a dor que a fizeram sentir, que tirou tudo como tiraram dela. não conseguia mais sentir nenhum remorso quando se tratava de algum membro daquela organização. Fazia sua própria justiça, dava a si mesma a própria reparação. Se nunca houve leis para ela, por que haveria para algum deles? E, mesmo sendo cobrada disso, mesmo sendo indiciada e tendo dezenas de processos judiciais correndo contra ela, a forçando a mostrar qualquer lapso de arrependimento diante das leis e de seus homens, não conseguia.
Faria tudo de novo, contra todos eles, se precisasse fazer. Pelo que aconteceu com ela, pelo que aconteceu com Bucky, pelo fim trágico de seus pais. A Hydra e seus membros tinham de o que mereciam ter.
Mas já não era tempo de pensar naquilo e, embora cambaleante, cansada, dolorida e emocionalmente abalada com o que tinha acabado de acontecer, seguiu caminhando em frente, olhando ao redor, atenta e silenciosa. Estava ali por outro motivo. Um maior e muito mais válido. Tinha que focar nas Joias. Nas Joias, só nelas.
— Flora? — Steve voltou a chamá-la pelo comunicador, mas, diferente das outras vezes, sua voz também parecia cansada, como se estivesse ele também se enfiado em alguma luta. Estranhando a falta de fôlego dele, a visível resolução cansada, ela respondeu apenas:
— Estou bem, a caminho do lobby.
— O que aconteceu com a STRIKE? — Scott parecia realmente curioso e, assim como Steve, perguntou com a voz apressada, parecia que estava correndo.
— Vão chegar ao térreo, embalados para presente — ela ironizou, andando apressadamente pelos corredores do andar, em busca de uma saída segura. — É melhor saírem daí logo, a situação vai se complicar.
— Já saímos do prédio, chegando no ponto de encontro — Scott respondeu brevemente, ligeiramente nervoso. Algo não parecia certo com ele, mas ainda não sabia o que.
— Estão com as Joias? — curiosa, ela perguntou.
— Preciso de cinco minutos — Bruce respondeu pela primeira vez.
— De acordo. Steve? — perguntou, preocupada, andando ainda em frente até, finalmente, entrar em uma área diferente do corredor que seguia e não precisar mais daquela resposta.
Bem mais abaixo do andar em que antes estava, exatamente seis acima do térreo, ela entrou em um ambiente que parecia com as áreas de laboratórios mecânicos de Stark, no Complexo. Com escadas que levavam até o térreo, parecia uma parte menos comercial e, talvez, mais particular, da Torre. A parede de vidro logo em frente dava vista para uma boa parte da cidade e, bem mais iluminada do que os corredores, tinha uma energia diferente, mais expositiva e projetista, como se dali pudessem ver tudo. Apesar do lugar ser exuberante, os olhos de cravaram-se nos dois homens em sua frente e, dando mais alguns passos em direção a eles, ela parou por um segundo.
A imagem de dois Steves jogados no chão, em meio a dezenas de cacos de vidro espalhados ao redor deles, era, no mínimo, esquisita. Pelo jeito, não tinha sido só ela quem encontrou com alguém indesejado naquele dia. Steve também tinha colocado a missão em risco, em um nível ainda mais preocupante do que o ocorrido com , pois encontrou a si mesmo. estava tão absorta e concentrada no que acontecia consigo mesma, que não pôde ouvir nitidamente, sequer notar, que Steve também estava passando por uma luta. A parte boa, contudo, talvez por sorte, era que ele também tinha conseguido se livrar bem daquela situação.
aproximou-se dele, sua mão direita sobre a costela esquerda, como se pudesse estancar a dor que sentia ali, a tempo de vê-lo colocar-se em pé, com o cetro em mãos. Ainda mantinha a Joia segura com ele, o que era ótimo. E não havia qualquer dúvida de que aquele era o Steve certo, o Steve de seu tempo. Mais velho, mais bonito e com um uniforme mais escuro, discreto e elegante, era fácil ver que o outro, jogado de bruços no chão e desacordado, era quem deveria evitar. Steve deu uma olhada rápida em si mesmo no chão, uma sensação esquisita de encontrar uma versão mais nova sua e, com olhos focando em uma parte específica de seu corpo, ele comentou baixo:
— É, até que é bonitinho, sim.
riu do comentário ao perceber que ele se referia ao próprio traseiro, como se quisesse comprovar a teoria de Stark de mais cedo, de que aquele traje antigo não o favorecia muito. Assustado, sem esperar encontrá-la por ali, Steve virou-se prontamente de frente para ela, a tempo de vê-la com um corte novo e alguns roxos espalhados pelo rosto e, apesar disso, ouvi-la dizer, feliz:
— Eu gostei também. Você malha bunda?
— Capitão? Borboleta?
A voz de Tony assustou e Steve, assim que alcançaram o beco em que tinham marcado como ponto de encontro. O caminho até lá, para e Steve, foi apressado e mal tinham conseguido conversar sobre o que aconteceu. Tinham que manter os olhos no relógio, correr até o ponto marcado, encontrar os demais com as Joias e saltar de volta ao tempo deles. E, tendo em vista que tinha feito uma lambança e Steve tinha encontrado a si mesmo, tinham mesmo que sair dali o quanto antes, evitar que a situação piorasse. Ofegantes pela corrida, olhando ao redor entre os escombros, carros destruídos, fumaça e muita poeira, e Steve se viram de frente para onde ouviram a voz de Tony, o encontrando sentado dentro de um carro aos pedaços, no banco do motorista, enquanto Scott estava no banco de trás, ambos com os vidros abertos e expressões de frustração absoluta.
— Desculpe, amigos, temos um problema — Tony voltou a dizer meio chateado, mas havia algo mais em sua voz, algo como culpa.
— É, temos — Scott concordou, bravo. Diferente do bom humor em que chegaram ali, ele parecia nervoso, inconformado.
e Steve se entreolharam um tanto confusos, mas, antes mesmo que pudessem perguntar o que havia acontecido, Tony começou a contar-lhes. Sem muitos detalhes, abrindo a porta do carro em que estava, disse que Scott provocou uma arritmia momentânea no Stark de 2012 e, soltando a maleta com o Tesseract, conseguiram pegá-la. Tony estava indo embora, pronto para sair do prédio e ir ao ponto de encontro, quando Hulk abriu a porta da escadaria no lobby e a acertou justamente em Tony. Com o impacto, Stark caiu deitado no chão e soltou a maleta. O maior dos infortúnios, contudo, veio logo na sequência: o Tesseract caiu bem em seus pés e, sem pensar muito, ele o pegou e desapareceu.
— O que faremos agora? — Steve suspirou, exausto. Àquela altura, Scott já estava em pé fora do carro, indo de um lado a outro, impaciente.
— Desapareceu? Como desapareceu? Não é possível — exasperou-se, suas mãos passando no rosto em claro sinal de desespero, limpando levemente o corte no rosto, que insistia em sangrar.
— Dá um tempo, — Tony rebateu. — Acertaram minha cabeça com o Hulk.
— Disse que tínhamos uma chance. Essa foi a nossa chance — fora de si, Scott gritou, gesticulando enquanto falava. — Acabou! Já era! Seis Joias ou nada. Seis ou nada!
— Está se repetindo, sabia? — Tony comentou, calmamente, sem olhar o homem desesperado, que rebateu:
— Está se repetindo. Você está se repetindo — ele o imitou, irritado.
— Quanta maturidade — bufou, irônica, ao mesmo tempo em que Steve desviou seu olhar do homem, cansado daquele papo.
— Você não me venha falar de maturidade — Scott apontou para , que apenas cruzou os braços e levantou as sobrancelhas. Não era hora daquele show, mas ele continuou gritando para ela: — Foi você quem errou leste e oeste, para começo de conversa. Acabou com o plano que ficamos horas repassando porque a única flor que deveria ter decorado, não decorou, a ROSA DOS VENTOS. Está presa no quê? Na terceira série?
Scott tinha razão, ela sabia. tinha noção e consciência de que foi a primeira pessoa que cometeu um erro naquele dia, a primeira deles que desviou do plano por falta de atenção. Mas o que ela poderia fazer? Se meteu em um evento imprevisto, que demorou alguns minutos para ser resolvido, e esperava que Tony e Scott resolvessem a situação, afinal, tinham ido em equipes para o assalto ao tempo por aquele exato motivo. Venceriam juntos ou perderiam juntos, essa era a regra. Eles dois tiveram a chance de resgatar a Joia, ainda depois que a perdeu de vista, mas também tinham vacilado. Da mesma forma que , não porque quiseram, mas, sim, por um incidente. Não tinham que culpar, tinham que resolver aquela situação de alguma forma. Scott estava desgastado e desgastando todo o time.
— Qual é — Tony murmurou, negando com a cabeça, o suficiente para atrair novamente a atenção de Lang, que se virou outra vez de frente para ele.
— Você não queria um assalto no tempo. Nunca comprou essa de assalto no tempo — Lang seguiu, gritando nervoso, encarando Stark.
— Vacilei — Tony concordou com ele, tentando acalmar a situação, mas o outro homem logo gritou em resposta:
— ARRUINOU O ASSALTO!
— Foi o que eu fiz? — Stark ironizou, exausto.
— FOI! — Lang berrou de volta.
— Existem outras opções com o Tesseract? — pragmático, Steve perguntou. Tinham que se reorganizar, nada mais do que isso.
— Não, não, não tem outras opções — Scott deu alguns passos em direção a Steve. De pé ao lado do Capitão, apenas observava em silêncio, vez ou outra apertando seu corte do rosto para o estancar, trocando olhares culpados e um tanto reflexivos com Stark ainda dentro do carro, bem em frente a ela, até Scott bater a porta de trás do carro com força, fechando-a. — Não temos outra chance, não vamos a nenhum lugar. Só temos uma partícula. Cada. Só isso, entendeu? Se usarmos ela, tchau tchau, não vamos para casa.
— ‘Tá, mas se não tentarmos, ninguém vai para casa — Steve respondeu firme, olhando de Scott para , que concordou com a cabeça, dizendo:
— Não é possível que não tenha nada mais que possamos fazer.
— Eu já sei. — Com o olhar perdido, como se algo tivesse batido dentro dele em um susto, Tony desceu do carro e fechou a porta atrás de si. — Tem outro jeito de recuperar o Tesseract e conseguir mais partículas — ele olhou de Steve para e Scott, respectivamente, mas seguiu aproximando-se do Capitão. — Isso te lembra alguma coisa? Base militar, Garden State.
Steve parou por um momento, pensativo. Tony podia ter razão, tinha um ponto na história deles em que podiam saltar, um ponto que seguramente encontrariam não só as Joias, mas, também, novas partículas, o passaporte de retorno a casa. Surgia ali uma nova possibilidade de conseguirem o Tesseract outra vez e, como Steve mesmo havia dito a todos eles, custasse o que fosse, tinham que voltar com as Joias. Eram as seis ou nada. Eram as seis ou nenhum dos esforços dos demais membros da equipe, Thor, Rocket, Natasha, Clint, Bruce, Rhodes, Nebulosa, teria valido a pena. Era tudo ou nada.
— Quando os dois estiveram lá? — Steve perguntou, sério, vendo e Scott se aproximarem deles alguns passos, apreensivos.
— Eles estiveram lá em uma época… — Stark pensou um segundo e, antes que sua incerteza pudesse ser comentada, já emendou. — Eu tenho uma vaga ideia exata.
— Exata ou vaga? — Steve questionou, impaciente, seus olhos nos de Tony.
— Aonde vamos? — Poucos passos atrás de Tony, vendo Steve de frente, foi a vez de Scott interferir, mas foi totalmente ignorado. Steve e Tony pareciam imersos demais naquela conversa confusa.
— Eu sei, com certeza, que eles estiveram lá... — Tony insistiu. Precisava que Steve o ouvisse, o entendesse.
— Eles quem? O que estamos fazendo? — Scott tentou perguntar outra vez. Vendo Steve e Tony discutirem em sua frente, de lado para ela, não estava entendendo mais nada. Apenas acompanhava com o olhar, em silêncio.
— E eu sei como eu sei — Tony concluiu seguro, observando Steve concordar com a cabeça.
— Gente, oi? — Scott falou mais alto. — O que é isso?
— Acho que estamos improvisando — Steve respondeu a Tony, um diálogo tão velado e íntimo, que apenas os dois conseguiram compreender com clareza. Naquela altura, não se importava em entender nada. Iria para onde tivesse que ir e faria o que tivesse que fazer. Não se importava.
— Ótimo — Tony respondeu, virando-se então para . — Você vem?
— É o mínimo que posso fazer depois de ter perdido a Joia aqui — ela respondeu sem hesitar, olhando o homem, que sorriu.
— Sem leste ou oeste dessa vez — Tony brincou, fazendo revirar os olhos, mas concordar com um suave:
— Por favor.
— Scott, leva de volta para o Complexo. — Entregando-lhe o Cetro que segurava, Steve deu dois passos mais perto de Lang e, em seguida, voltou-se novamente para onde e Tony estavam.
— Bruce deve estar chegando — completou Steve, sem saber ao certo onde Banner estava. Ele não interagiu mais com eles desde que saíram da Torre, talvez tivesse perdido o sinal. O fato era que Scott precisava esperar por ele para saltarem juntos e garantirem as duas Joias. O homem apenas concordou com a cabeça.
— Preparem os trajes — , então, ouviu Tony avisar e, assim como ele pediu, virou o GPS em sua mão esquerda para cima, esperando pelos comandos para resetar a localização. Aí iam eles outra vez.
— O que tem em Nova Jersey? — Scott insistiu, confuso.
Odiava ser excluído, alguém podia ao menos explicar o que acontecia e, mais do que isso, ter consciência do quanto aquela ideia era arriscada. Scott queria, sim, reagir. Queria conseguir ter uma nova oportunidade de pegar o Tesseract, queria trazer todos de volta e sabia o peso da responsabilidade que tinham em mãos. Não podiam voltar de mãos abanando. Mas o risco era alto demais. Podiam simplesmente não voltar e ficarem presos para sempre em um tempo e um espaço onde não pertenciam. Aquele não era um risco que deveriam correr, estava fora do que haviam combinado para aquela missão e, naquele momento, Steve e Tony pareciam ignorar totalmente aquilo.
— 0-7… — Tony começou a instruir as coordenadas para o GPS, ouvindo Steve e confirmarem os números em voz alta, avisando que estavam alinhados. Como da primeira vez, tinham que sincronizar os saltos, era importante que a entrada fosse feita de uma única vez por todos eles.
— 0-7.
— 0-4…
— 0-4.
— 1.9.7.0.
— 1970? — repetiu, incerta, subindo seu olhar do GPS em sua mão para Tony, que a encarou de volta.
— Tem certeza? — Steve perguntou, igualmente inseguro. Voltariam ainda mais no tempo, estariam totalmente deslocados e, caso Tony não tivesse cem por cento de certeza de que ao menos encontraria mais Partículas Pym lá, ficariam presos no tempo, para sempre.
se pegou pensando por um milésimo de segundo no que exatamente estava fazendo ali. Estava agindo pela euforia do momento, pela emoção de uma vez mais tentar arrumar o que falhou em conseguir da primeira vez. Como quando aceitou ir ao Espaço adentro atrás de Thanos, algo soava familiar naquela situação. A falta de plano, de estratégia, a confusão de emoções, a não clareza de palavras. Estavam só indo por ir, sem saber o que encontrar ou o que fazer, sem mais nada a dizer, sem mais tempo a perder. E aquilo, feito exatamente daquele jeito, gerava em uma certa incerteza, uma insegurança de voltar com uma cabeça cortada e sem Joia alguma mais uma vez.
E ela não saberia o que fazer, caso terminasse daquele jeito. Não sabia porque, em primeiro lugar, não conseguiria voltar ao seu tempo outra vez. Ficaria presa em 1970, sem sequer ter noção de como era aquele ano. Contudo, a pior das prisões para , nesse cenário, não seria o tempo ou o espaço. Mas, sim, a carga emocional de lidar com o fato de que ela foi a responsável primordial por perder a chance de pegar o Tesseract. Foi culpada e foi por besteira. Algo tão irrelevante, que ela não saberia dizer como aconteceu, porque, até ali, até aquele momento, ela também não tinha entendido. não conseguiria lidar outra vez com o peso do fracasso, com o fato de nunca mais e, dessa vez, definitivamente, ver seu país, Bucky, Sam, Shuri, T'Challa e todo o resto do mundo.
Qualquer risco que conseguiria pontuar a si mesma valeria a pena correr. Ela tinha que fazer o que fosse possível, esgotar todas as possibilidades, custasse o que fosse.
— Cap? Capitão? Steve? — Lang chamou alto até os três, finalmente, o encararem. — Desculpe, América. Rogers. Olha, se vocês fizerem isso… — ele apontava a ponta do Cetro para cada um deles, o tom de voz alarmista — ...e não der certo. Não vão voltar.
— Valeu pela motivação, Formiguinha — Tony agradeceu, ironicamente, trocando um olhar tenso com Steve e . — Vocês confiam em mim?
— É claro, confio — Capitão respondeu sem pestanejar, concordando com a cabeça e encarou por um segundo, até ouvi-la dizer, sincera:
— Não tenho mais nada a perder, tenho?
Scott sabia o que fazer caso eles não voltassem, porque tinham combinado sobre aquilo também. Os que ainda tinham poucas pessoas a recorrer preocupavam-se com elas, caso algo acontecesse com eles na missão, e tinham um protocolo para aquilo também. Apesar da força e do engajamento, dos planos minuciosamente articulados e de tudo que cada um deles tinha a oferecer, alguma coisa sempre poderia sair errada. Estariam prontos para aquilo também.
respirou fundo, dando uma olhada em seu GPS. Seu corpo ainda latejava de dor dos choques e socos que levou, seu rosto estava com sangue do corte da faca de Richard e sua mente, acelerada, como um carro em alta velocidade. Não conseguia parar de pensar no que tinha acontecido naquele dia, em suas lembranças com a Hydra, em Bucky. Onde ele estava naquele momento? Onde estava Bucky? E Sam. Sentia falta de Sam, de Shuri. Sua mente a levava para Wakanda, com T'Challa, e a trazia de volta para Nate, tinha que dizer a ele sobre o que estava fazendo ali, sobre a chance de trazer Ivy outra vez. pensava nas Joias, em Karl e Everett, no que havia visto no teste da viagem ao tempo.
A verdade era que ela já não sabia mais o que estava fazendo. Só queria ir em frente e acabar com aquilo tudo, logo.
— Você decide — A voz de Tony a trouxe de volta a realidade. O homem pareceu respirar fundo, encarando Steve com ansiedade. Aquilo tinha que funcionar. Ou Tony estaria fodendo com tudo outra vez, sozinho.
— É agora.
Sem cerimônia alguma, os três apertaram duas vezes seguidas o censor do GPS em suas mãos, se entreolhando, tensos. Steve não estava cem por cento seguro que aquilo daria certo e alguma coisa nele o alertava de que precisavam voltar logo. Talvez a insegurança ou a ansiedade, seus pensamentos o levavam para os piores cenários possíveis, onde tudo daria errado outra vez. Era a última das chances. E, sem o auxílio da plataforma, ele nem tinha certeza mais de que conseguiriam chegar os três no exato tempo e lugar que gostariam. Mas, em breve, ele descobriria.
Foi só o tempo de acionar automaticamente o traje de viagem no tempo e de ele cobrir seus corpos completamente para que a segunda parte daquela missão começasse de uma vez por todas.
NOVA JERSEY, 1970
— Você está bem?
Aquela foi a pergunta mais sincera que Tony Stark havia feito a ela em todo o tempo que se conheceram e teve consciência daquilo. Virando-se de frente para ele a tempo de vê-lo apontar para o corpo descoberto dela, ela desceu seu olhar até sua barriga, onde meia dúzia de marcas amarelo-arroxeadas, com sangue pisado, estavam espalhadas. Pela barriga, costelas, parte interna dos braços e pescoço. Tony não queria ser indelicado, mas não pôde deixar de perguntar. De onde a via, parecia ruim, as marcas eram grandes e, a observando tirar o macacão da SHIELD com cuidado e certa dificuldade, em silêncio, ele sabia que estavam doendo nela.
De frente para a mulher, dentro do vestiário em que se trocavam, Steve subiu seu olhar discretamente pelo corpo da amiga. Ela estava vestindo apenas a lingerie, o traje da SHIELD jogado ao chão perto dela enquanto segurava um vestido azul claro em mãos. não era uma pessoa fácil de derrubar. E, quando se tratava de fazer algo por aqueles que ela amava, nada no mundo a podia parar.
— Arma de choque — ela respondeu, baixo, sorrindo com tristeza enquanto subia seu olhar de seu próprio corpo até Tony, que abotoava sua camisa. — Nem perto do que eles já fizeram comigo um dia e nem perto de como deixei-os no elevador.
— Sabe que você pode ficar aqui, se quiser, não sabe? — ele respondeu, preocupado, vendo Steve concordar enquanto vestia a calça. Não a forçaria, se não estivesse disposta a agir, ele e Steve dariam um jeito e a encontrariam de volta ali, o quanto antes.
— E perder a chance de viver dez minutos nos anos 70? — Ela fez um sinal de paz e amor para ele e, sem pensar muito, vestiu a roupa que segurava em mãos. — Estou bem, Stark, não se preocupe.
O salto até Garden State, Nova Jersey, tinha ocorrido bem demais para ser verdade e a confusão mental que aquelas viagens causavam os deixou um pouco perdidos por alguns instantes. Sem se abalar tanto mais com as dores corporais, de diminuir e aumentar em um único segundo, , Steve e Tony trataram logo de procurar um lugar relativamente seguro para se esconder até combinarem exatamente o que deveriam fazer. O plano era chegar até 1970 e, dali em diante, não havia mais nada senão a pura arte da improvisação.
Escondidos dentro de um vestiário, o primeiro passo para o sucesso daquela missão, comentado por assim que chegaram ali, era trocar de roupas. Tony vestia roupas despojadamente modernas demais, enquanto estava com um macacão da SHIELD que claramente não era comum em mulheres daquela época e Steve trajava sua roupa de Capitão América. Tinham que se livrar daquelas roupas o quanto antes para que pudessem tentar se infiltrar na base e caminhar tranquilamente por ela, sem serem contestados ou reconhecidos. De certo, naquela época, e Tony sequer tinham nascido ainda. Mas Steve era uma figura já bem conhecida. Dado como morto em guerra pouco mais de duas décadas antes, aquela era mais do que uma base militar, era justamente a 78ª Divisão de Infantaria, conhecida na época como “o local de nascimento do Capitão América”. A geração que vivia ali e trabalhava naquela base militar, em 1970, tinha conhecido bem a figura do Capitão América. Dos três, portanto, Steve deveria ser a maior preocupação daquela missão.
Feito totalmente de madeira e pintado em tons de verde militar, o vestiário era pequeno, mas trazia cabines unissex e armários onde soldados e cientistas podiam se trocar antes de adentrar o espaço da base militar. Por segurança e facilidade de reconhecimento, a maior parte dos funcionários da SHIELD, na época, vestiam uniformes e essa foi a deixa perfeita para eles três. Steve conseguiu encontrar um macacão militar jogado em uma pilha no canto do vestiário enquanto Tony e quebraram alguns armários pessoais em busca de roupas que lhe servissem, encontrando um terno preto clássico e alguns números maiores para Stark e um vestido até os joelhos, de mangas curtas e azul Royal, para . Tanto as roupas de quanto as de Tony tinham o logo da SHIELD bordados na parte frontal direita do peito. Deveria ser o suficiente para conseguirem se infiltrar pelos poucos minutos que esperavam gastar ali, mas torcia, mentalmente, enquanto calçava os sapatos que encontrou em outro armário, para não encontrar a dona do vestido.
— Toma, vai ajudar — Tony estendeu-lhe um pequeno pedaço de micropore que encontrou no fundo do armário onde pegava as peças do terno. sorriu para ele e, aceitando o fino pedaço de esparadrapo, o colocou sobre o corte de seu rosto, delicadamente.
— Obrigada.
— Só falta dar um jeito nessa marca do pescoço — Steve aproximou-se dela, já totalmente vestido.
parou por um segundo, o encarando. Steve era um homem bonito, atraente, seu porte físico chamava atenção de qualquer mulher, em qualquer época, era um fato. Mas vê-lo ali, vestindo os trajes militares de uma época passada, era deslumbrante. Steve havia nascido para ser um militar, um soldado de primeira linha, e se sentiu feliz em vê-lo naquela roupa. Mas ela não conseguiu deixar de pensar em Bucky. Em como seria, em como ele ficaria naquele uniforme, em como era o sargento. Aquela era a visão mais próxima e real do que um dia Steve e Bucky foram, do marco inicial, de onde tudo havia começado. engoliu a sensação saudosa e sorriu abertamente para Steve, o vendo parar a um passo dela com um lenço amarelo e laranja em mãos, tirado de algum canto do vestiário.
Delicado e carinhoso, ele passou o lenço pelo pescoço de e deu um pequeno nó nele, amarrando-o, do exato jeito que se lembrava fazer nas garotas de sua época. Do exato jeito que se lembrava de ver sua mãe se arrumando para sair, o charme elegante do lenço de pescoço. Ele, então, sorriu para . A vendo naquela roupa, Steve pensou que não havia tempo no mundo em que ela não se encaixasse, em que ela não pudesse pertencer. Ela só não sabia disso ainda.
— Acho que vai disfarçar bem — Steve comentou, ajeitando o nó do lenço no pescoço dela para o lado. Tinha coberto a marca.
— Obrigada, Capitão — brincou, soltando os cabelos. Tony e Steve já estavam prontos. — O que não está dando para disfarçar bem é a sua cara.
— Tirou as palavras da minha boca — Tony concordou, colocando as mãos nos bolsos da calça, parecendo encontrar algo dentro de um deles.
— Todo mundo acha que estou morto — Steve refletiu, encarando e Tony. — Podem notar semelhança, mas não vão me reconhecer, porque não há chance de que eu esteja vivo.
— Melhor nos certificarmos disso — Tirando um par de óculos de sol do bolso, que viu ser no estilo aviador, Tony o estendeu para Steve.
— Ah claro, agora sim, problema resolvido! Ninguém mais vai te reconhecer — revirou os olhos, irônica, começando a caminhar sentido à porta do vestiário.
— É o que temos — Tony concluiu, dando uma boa olhada em Steve, parecia razoável. — Temos que ir.
Sem dizer mais nada, os três saíram apressados do vestiário, atentos a qualquer que fosse o movimento dali em diante. Tinham que localizar a Joia e, quanto antes, dar um jeito de pegá-la, encontrar mais partículas Pym para ir embora e saltar de volta. Tudo isso em um tempo mais corrido do que a primeira tentativa, não dava para perder mais tempo. Seria tudo ou nada. Apesar da pressão e da responsabilidade ter aumentado drasticamente, o que causava certa ansiedade neles, , Steve e Tony estavam única e exclusivamente focados em conseguir o que precisavam conseguir.
— Tony, você conhece a base e consegue mapear a Joia, vai atrás do Tesseract — Steve murmurou, assim que chegaram à área central da base, onde dezenas de pessoas circulavam de um lado a outro. e Tony caminhavam com ele, atentos, disfarçadamente olhando ao redor. — Eu e vamos em busca das Partículas Pym. Temos que ser rápidos.
— De acordo — respondeu, sorrindo e acenando com a cabeça para um soldado que passava por eles, a olhando.
— Claramente não foi aqui que você nasceu, certo? — Tony perguntou, curioso, olhando ao redor, ouvindo Steve responder:
— A ideia de me criar, sim.
— Certo, meninos, imaginem estar na SHIELD… — suspirou. — Dirigindo uma agência de informações quase fascista. Onde vocês esconderiam o que tem de mais importante?
— Bem à vista — Steve respondeu prontamente, apontando com o queixo para frente, fazendo Tony e pararem de andar por um segundo, acompanhando o olhar dele.
A casa E47 da base estava logo à frente, uma estrutura em madeira simples e velha, que lembrava um hexágono cortado pela metade. Nela havia apenas uma porta central, desprotegida, por onde dois senhores entraram, tranquilos, mas certificando-se de que ninguém os estava observando. Sem perder tempo, Stark ativou seus óculos com o toque simples na armação, observando em silêncio, por um instante, o que acontecia. Como um raio-x em mapa de calor, ele pode ver os homens descerem solo adentro por um elevador e, sem dizer absolutamente nada, ele apenas assentiu discretamente para os outros dois, caminhando à frente, com eles em seu encalço.
, Steve e Tony entraram na casa e, em seguida, no elevador, sem grandes problemas, exceto por uma mulher entrar atrás deles, casualmente. Com a estatura baixa, pele negra e cabelos escuros presos em um penteado da época, ela vestia um conjunto de duas peças, blusa e saia, azul marinho, e carregava no pescoço um distintivo da SHIELD. Em suas mãos, ela lia alguns papéis em uma pasta de papel Kraft claro que indicava ser do Departamento de Recursos Humanos e, vez ou outra, dava encaradas sérias em algum dos três. Tony estava de lado e mais perto dela, com Steve, em seguida, mais ao fundo do elevador, virado para a porta, e encostada na parede, de lado para Steve e bem de frente para a outra mulher. Sem mais usar os óculos de sol, Steve a viu subir seu olhar para ele uma vez mais, parecendo meio desconfiada. A falta de sorte de terem encontrado justamente alguém de Recursos Humanos, que, no mínimo, conhecia todos os que trabalhavam ali, estava clara dos rostos de , Steve e Tony.
No momento em que a viu encarar Steve, fingindo casualidade, Tony deu um passo mais próximo dela enquanto , ao mesmo tempo, foi mais para o lado, aproximando-se de Steve, que seguia de frente para ela, tentando o tapar de alguma forma.
— Boa sorte na missão, Capitão — Cordial, Tony virou-se para Steve e, em seguida, para , dizendo antes de deixar o elevador assim que ele parou: — Bom dia, Agente.
— Boa sorte no projeto, Doutor — Steve respondeu no mesmo tom, ao tempo em que apenas concordou com a cabeça, vendo Tony os encarar enquanto as portas do elevador se fechavam. sentiu as mãos suarem, mas não teve de pensar naquilo, pois, assim que o elevador voltou a descer, a mulher que estava com eles perguntou, sorridente:
— Vocês são novos aqui?
Oh, porra, ela pensou. Já estava começando a odiar elevadores e suas situações.
— Primeira semana — respondeu rápido, sorrindo de volta, no exato mesmo momento em que Steve disse:
— Não exatamente — Steve olhou preocupado a reação da mulher, que seguiu sorrindo para eles até descer os olhos, novamente, para a pasta aberta em mãos. Algo neles parecia suspeito. Definitivamente, estranho.
Sabiam que ela não tinha se convencido muito e os olhares insistentes que caíam neles o tempo todo, sem tanta discrição, demonstravam aquilo. Ela parecia especialmente incomodada com Steve, como se tentassem reconhecê-lo de alguma forma. deu uma olhada rápida no contador de andares, Steve desceria já no próximo, o que era bom. Ela seguiria até o andar seguinte, mais abaixo, para, assim, poderem procurar mais rápido pelo laboratório de Hank Pym. Pelo comunicador, ouviram Tony comentar que “tinha voltado ao jogo”, um sinal velado de que tinha encontrado a Joia. Era a vez deles.
Steve viu a mulher com eles no elevador fechar a pasta com os papéis que lia e, assim que o elevador parou no subnível sete, onde ele desceria, com uma expressão intrigada, ela voltou-se novamente para eles, dando um passo à frente. Sem saber o que fazer, a única coisa que Steve pensou, assim que viu a mulher abrir a boca para perguntar outra vez, foi na técnica que aprendeu com Natasha. Se tinha algo que incomodava as pessoas, que as deixavam sem graça o suficiente para se calarem, era demonstração de afeto em público. E movido por aquele pensamento, sem pensar muito no que estava fazendo, ele deixou um beijo rápido nos lábios de , assim que passou por ela, antes de descer no andar recém parado.
De olhos arregalados pela surpresa e paralisada, viu a mulher se calar e dar um passo atrás, novamente, voltando para a mesma posição de antes, disfarçando seu olhar totalmente sem graça em cima do casal. Levou só um segundo para que entendesse o que tinha acontecido. O segundo suficiente para que Steve passasse por ela seguro de si, com uma normalidade absurda, e deixasse o elevador, apressado. tentou segurar a risada e se manter firme no papel que tinha que atuar ali, mas a frase que veio de Steve quase a fez perder tudo.
— Te vejo mais tarde, amor.— Sério, completamente dentro de um personagem que não soube dizer de onde veio, Steve a olhou de fora para dentro do elevador uma última vez.
— Bom trabalho, meu bem — respondeu, segurando a risada o máximo que conseguia, mordendo internamente as próprias bochechas, e, assim que a porta do elevador fechou outra vez, sorrindo, ela subiu seu olhar novamente para a outra mulher em sua frente. Sem precisar falar nada, apenas a ouviu dizer-lhe, baixo:
— Sorte a sua, garota, sorte a sua.
desatou a rir sozinha assim que deixou o elevador, um andar depois de Steve, no subnível seis. Pela surpresa ou pela situação, ela não sabia dizer, aquilo tinha sido, no mínimo, esquisito. Apesar de ter sido só um selinho, de meio segundo, ela não esperava uma atitude daquela vinda de Steve. Podia ser de qualquer um, sim, mas não do Capitão América, o senhor certinho de cem anos de idade. Foi um tanto cômico e atípico, uma intimidade em uma amizade tão sólida, que certos atos são normais, em pessoas normais, mas neles foi inesperado. Ao menos, tinha dado certo. Tinham sido salvos de um novo interrogatório ou de coisa pior, caso aquela mulher reconhecesse Steve. Achando graça, seguiu andando pelo longo corredor, observando, com discrição, os nomes de funcionários e de cientistas nas portas dos laboratórios em busca daquele homem cuja inteligência os levaria de volta ao tempo. E não demorou dois minutos até ela o localizar.
Descobriu que Howard Stark, o pai de Tony, tinha uma sala ali, logo ao lado da de Margaret Carter, cuja sala ficou tentada a entrar, mas não o fez. Em seguida, viu uma mulher loira, absurdamente bonita, sair da sala de frente da de Peggy, cujo nome, Amity Forbes², brilhava em uma placa dourada, indicando ser ela uma das fundadoras da SHIELD. Sorrindo casualmente para a mulher que retribuiu, seguiu andando, apressada, seus olhos passando de porta em porta, nome por nome, até Hank Pym finalmente aparecer na lista.
— Encontrei — sussurrou pelo comunicador, passando reto pela porta que indicava o laboratório que estavam procurando, sem querer chamar atenção. — Ala Noroeste, sala 21-A, 5.25. Parece ter alguém lá dentro.
— Tem certeza do noroeste? — Tony perguntou, baixo e irônico, prestando atenção na conversa que estava tendo com seu pai, alguns andares mais acima de onde e Steve estavam, mas de olho na eventual posição dos amigos.
— Diferente do seu prédio, aqui eles sinalizam as coisas — respondeu no mesmo tom, revirando os olhos.
— Deixa comigo, estou a caminho — Steve respondeu prontamente.
— De acordo, meu bem — brincou, rindo em seguida, tirando uma risada abafada de Steve.
Ela não sabia exatamente qual era o plano, mas, certamente, Steve tinha algo articulado em mente. Provavelmente, daria um jeito de tirar Hank de dentro do laboratório e, no meio tempo, entraria nele para pegar as partículas. De todo modo, seria estratégico permanecer naquele andar e no perímetro, pois, caso algo acontecesse ou Steve não encontrasse a tempo as partículas, poderia segurar Hank fora do laboratório. Ela seguiu andando casualmente pelo corredor, parando em alguns momentos para disfarçar, atenta à conversa que Tony estava tendo e que dava para ouvir discretamente pelo comunicador, como se ele tivesse encontrado alguém já conhecido, um velho amigo. Aparentemente, tudo estava dando certo e bastou alguns poucos minutos para ela ver Steve sair do laboratório e, com um breve aceno, a indicar que tinha conseguido.
Alguns passos atrás dele, virou à esquerda assim como Steve, ao final do corredor, no tempo exato de ver a mulher do elevador acompanhada por mais três homens da segurança, vindo de frente com eles. Steve parou por um segundo, abaixando a cabeça, e , atrás dele e um pouco mais afastada, olhou ao redor rapidamente. Pela conversa que ecoava no corredor, a mulher do elevador dizia que eram suspeitos, que ela tinha certeza, dava informações sobre as características físicas deles e, vindo apressada com os seguranças bem em direção a onde estavam, pedia reforços. Sem pensar muito, como se tivessem combinado aquilo, Steve entrou de uma vez na primeira porta à direita enquanto entrou na porta mais próxima, à sua esquerda.
— Ah, finalmente você chegou!
se virou a tempo de ver um rapaz a encarando, sorridente, sentado atrás de uma bancada. Não deveria ter mais do que vinte anos de idade. Ele vestia uma calça social preta, as bocas levemente abertas, e uma camisa xadrez de botões na frente, colocada propositalmente por dentro da calça. Os cabelos escuros ondulados cheios de volume e os olhos castanhos claros davam um charme a mais ao homem, que sorria discretamente, esperando uma resposta. Ele era um pouco mais alto do que ela, não tinha barba e tinha em mãos um jaleco branco, que parecia terminar de vestir.
O laboratório em que entrou não parecia muito grande, mas era bem iluminado e repleto de plantas, o que gerou certa incerteza em . Tinha que se esforçar em mantê-las paradas e torcer para que nenhuma delas reagisse à sua presença ali ou a coisa poderia ficar ainda mais estranha. não pareceu prestar muita atenção ao seu redor, estava acostumada com laboratórios e aquele era só mais um. Cheio de utensílios de pesquisa, bancadas, banquetas, com um cheiro peculiar de que misturava plantas e compostos químicos, o ar gelado, provavelmente, para manter amostras de pesquisa em temperatura ideal. Nada era muito diferente, exceto pelos utensílios e pelo mobiliário serem antigos e pelo homem que seguia a encarando, simpático e curioso.
— Cheguei? — respondeu, incerta, sorrindo, tensa, de volta. Parecia que a cada segundo se metia em uma nova roubada. Os anos 70 eram um caos.
— Oh, não, você não é minha nova assistente? — ele sorriu amarelo, dando a volta na bancada em que trabalhava e aproximou-se dela, o cheiro cítrico herbáceo do perfume dele chamando a atenção de , que respondeu:
— Eu não sou, me desculpe — sorriu, tímida, olhando do homem até a porta atrás dela. Ela tinha que sair dali, não podiam desconfiar dela. — Só estou um pouco… perdida aqui. Sabe como é, muitas salas parecidas, acho que me confundi.
— De fato, isso aqui é como um labirinto. É sua primeira semana também? — o homem perguntou para ela, a encarando.
— É… não — limpou a garganta, pensando rápido no que dizer, mas só conseguiu soltar palavras desconexas. — Eu sou... inspetora. Visitante. Biologia, Stanford.
— Ah, você jura? Eu também fui aluno de lá, acabei de me formar, na verdade. — Ele estendeu a mão para , dando mais alguns passos na direção dela. — Benedict Lamarck.
sentiu seu coração parar por um momento e prendeu a respiração. Não era possível, aquilo não era possível. Seu pai estava, outra vez, em sua frente, seu pai. sentiu seus olhos marejarem no exato instante em que o ouviu se apresentar e, engolindo o choro com todas as forças que tinha, sorriu para ele. Não podia, em hipótese alguma, deixar com que ele soubesse quem ela era e, muito menos, que veio do futuro. E, embora sua vontade fosse de implorar a ele que desse meia volta e voltasse para a Europa, que desistisse da SHIELD e que, jamais, em hipótese alguma, aceitasse se infiltrar na Hydra, a voz de Bruce dizendo que mudar o passado não mudaria o futuro ecoava em sua mente em um ritmo frenético. Ela não podia mudar o curso da história.
Mas, diferente do teste, de quando o viu pela primeira e única vez diante de si, vivo, vivendo, dessa vez ela podia aproveitar, minimamente, a única chance na vida que teria de conversar com seu pai. O seu pai. E agradeceria a si mesma por ter pensado naquilo naquele momento. Por ter tido a ideia rápida e assertiva de se manter firme naquela hora, por falar com seu pai. O seu pai. O homem que, ali, naquele momento, era mais novo do que ela, recém contratado pela SHIELD, cheio de ideias, de sonhos, com uma vida curta pela frente.
— La… Lacroix. — Ela pegou a mão dele e a apertou carinhosamente, a sensação de querer abraçá-lo a todo custo.
— Florence, vem do latim, Florentius, quer dizer “a que floresce” — ele sorriu, tirando sua mão da dela, engoliu o choro. — Sempre achei o nome lindo, minha mãe dizia que eu seria se, bem, tivesse nascido menina — ele riu, baixo, da lembrança. — Quem sabe um dia a minha menina não possa herdar este nome.
— Tenho certeza que sim — ela respondeu, baixo. — Combina com a nossa profissão.
— Já é um incentivo para ela seguir os passos do pai, não é? — Ben seguiu brincando, suas mãos sendo colocadas nos bolsos da calça. — Seu pai é biólogo também? Diga-me que sim.
— Ele era. Botânico, na verdade — respondeu, emocionada, desviando seus olhos dos dele por um momento. — Acho que fã de plantas o suficiente para chamar a filha de .
— Eu sinto muito — Benedict falou, sincero, um tanto triste.
— Eu também — suspirou e voltou seu olhar até ele. Se Benedict soubesse que viveria só mais vinte anos, será que teria feito algo diferente?
— Bom, e o que faz neste subsolo, ? — o homem voltou a perguntar, tentando aliviar o clima levemente triste que se instalou.
— Só , por favor — ela respondeu, ganhando tempo, sem saber o que responder direito. — Eu estava… inspecionando. O departamento em que trabalho, em Stanford, me manda vir conhecer os… projetos, para bom, você sabe, poder… contribuir de alguma forma.
Que merda foi essa? Caralho, pensou nervosa, passando as mãos pela saia do seu vestido, sem saber se realmente havia sido convincente. Benedict parecia gentil e muito simpático, bom de conversa. Ele deu de ombros.
— Massa! Não conhecia este departamento. — O homem, então, caminhou de volta à sua bancada. — Recebi meu primeiro projeto essa semana, ainda não tenho muito o que falar sobre ele. Acho que por isso não te mandaram inspecionar aqui ainda.
— Pois é — concordou, sorrindo, uma ideia se passando em sua mente. — Só por curiosidade, em qual projeto está alocado?
— Veja, estamos sequenciando genomas botânicos de plantas, cujos venenos não são muito conhecidos. São plantas que demandam alta tensão energética da natureza para crescer e para resistir ao tempo. — Ele pegou um dos papéis em cima da bancada, convidando a se aproximar para ver de perto. Sem hesitar, ela encostou ao lado dele na bancada, prestando atenção. — E conseguimos mapear um caminho, um caminho de interface, desses genomas com genes humanos. Não há testes, precisamos entender como isso seria aplicável, mas temos uma teoria.
— Uma teoria? — franziu a testa, aquilo soava estranhamente familiar.
— Sim, não sei se posso contar, mas você veio para inspecionar, não deve fazer mal — ele pensou alto, gesticulando, sua voz bastante séria. — Bom, temos a teoria de que é possível cruzarmos esse material genético em um ser humano. Criar um híbrido, uma espécie extraordinária capaz de criar diálogo com a natureza de um modo que nunca antes vimos.
sentiu sua cabeça girar por um momento, como se sua pressão estivesse prestes a despencar. Seu pai não só tinha sido recém contratado, mas o foi justamente para desenvolver o projeto, cujo nome podia ser lido no cabeçalho de todas as folhas espalhadas pela bancada. Datilografado em tinta preta, Benedict explicava para o que, por tantos anos, ela não entendeu sobre si mesma: o que ela era. Empolgado com a possibilidade de fazer ciência, ele contava à mulher ao seu lado sobre o único projeto de sua vida, o projeto que o fez morrer, o projeto que transformou no ser híbrido, em uma espécie extraordinária capaz de criar diálogo com a natureza de um modo nunca antes visto. O Projeto Neriine. sentia que desabaria a qualquer momento. A pergunta que sempre quis fazer, que nunca encontrou sequer racionalidade em respostas possíveis, saindo de seus lábios com tormenta, com curiosidade:
— E para o que, exatamente, vocês querem fazer isso?
— A SHIELD tem seus motivos, querem proteger a si mesmos de uma ameaça que nem sabemos se realmente existe. — O homem pareceu nem se importar, falava sobre o Soldado Invernal, sabia. — Mas eu vim, quer dizer, eu aceitei esse trabalho porque eu sei de uma ameaça real. Sei que o meio ambiente não vai aguentar muito tempo. Sei que estamos adoecendo aos poucos, destruindo tudo e que a população da Terra não sobreviverá por outro século. Mas temos um jeito de reverter isso, temos aqui uma chance. — Ele umedeceu os lábios e passou as mãos pelos cabelos, um tanto envergonhado em dizer aquilo em voz alta. — Posso parecer idiota em falar isso, mas eu acredito que, se der certo, se tivermos alguém que consiga regenerar a natureza, as populações da Terra também poderão se regenerar por séculos e séculos. Vamos sobreviver, , vamos ter a garantia, a longo prazo, de que iremos sobreviver porque haverá alguém que poderá nos proteger enquanto espécie, enquanto humanidade.
Deixando uma lágrima discreta escapar, sentiu seu corpo tremer. Benedict era um idealista, sem dúvidas. Mas era, também, um homem bom, de boas intenções, carregado de esperança. Era um ecologista em sua essência, um naturalista, um apaixonado pela vida. Deu a o presente de cuidar da Terra, exatamente como T’Chaka dizia sobre Ísis. E ela se sentiu profundamente completa em ouvir aquilo. Completa porque, pela primeira vez em trinta anos, absolutamente tudo fez sentido. Tudo o que aconteceu, tudo o que passou, tudo o que enfrentou e viveu, todas as dores, as lutas, os fracassos, as perdas. Tudo fez sentido. Tudo pareceu ali, diante das palavras de Benedict, como uma história bem contada, como se fosse para ter sido exatamente do jeito que foi.
sentiu, pela primeira vez em trinta anos, o sentido de ser quem verdadeiramente era. Tinha que ter sido, tinha que ser ela. Do começo ao fim, tudo precisava ser exatamente como foi.
Sem querer chamar a atenção dele, que ainda olhava para os papéis na frente deles, limpou as lágrimas e seguiu perguntando, suave, curiosa e interessada. Era a única oportunidade que teria em toda sua vida de descobrir a verdade, de entender o que era aquilo tudo da fitocinese. A única oportunidade de conversar com seu pai, de ouvi-lo contar os detalhes que ninguém mais sabia.
— E como isso seria... possível?
— Temos um modelo genético ideal. A ideia era apenas usá-lo como base, mas estamos considerando utilizar partes do material genético do modelo também. — Ele, então, tirou, de baixo de algumas folhas, uma ficha com uma imagem desenhada, como um croqui, de algo que já havia visto, cinco anos atrás.
— Groot? — ela sussurrou tão baixo, surpresa, engolindo as lágrimas, que mal pode ser ouvida. Seu corpo tremendo em tensão.
— Desculpe, o que disse? — O homem virou-se para ela, notando que, diferente dos minutos atrás em que entrou ali, ela parecia meio abalada.
— O que é isso? — perguntou, atordoada. Por isso tinha conseguido se conectar com Groot, por isso. Havia partes dele, nela.
— Não sabemos ainda. É uma criatura que foi encontrada em uma área remota da América Latina, não conseguimos identificar a origem... — Ele, então, parou por um momento, a encarando. — Você está bem, ? Parece abatida — ele perguntou, preocupado. — Podemos chamar um médico.
— Não, está tudo bem, eu estou bem — tentou dizer, confiante, mas sua voz trêmula a condenava, era muita informação de uma vez só. — Só preciso... ir.
— Não, não, eu faço questão. Não pode sair andando por aí desta forma, talvez sua pressão tenha caído. — A poucos passos de onde estava, ele virou-se com agilidade para a porta do laboratório e colocou a cabeça para fora, observando o corredor até localizar alguém passando por perto. — Ei, Elle, que bom que está por aqui, precisamos de ajuda médica.
— O que está acontecendo? — ouviu a pessoa responder alto. Ela passou a mão na testa, tinha que se livrar daquela situação.
— Flora? Onde você está? Já localizei Tony, temos que ir. — A voz de Steve soou repentinamente pelo comunicador, trazendo de volta à realidade.
— Parece que a pressão dela caiu, veja como está pálida — Benedict comentou, sua testa franzida em preocupação.
A mulher, que imaginou ser médica pelo alívio de Ben em encontrá-la no corredor bem naquele momento, aproximou-se dela em um instante e a encarou nos olhos. Assim como Benedict, a mulher também era jovem, muito bonita. Seus cabelos estavam enrolados e presos para trás, ela usava um batom rosado que combinava com a saia midi rosa clara e seus sapatos brancos faziam par com a camiseta de tricô branca que vestia por dentro da saia. Ela e se encararam por alguns instantes, Benedict ao lado delas olhando de para a médica, da médica para , nitidamente intrigado.
— Uau, vocês são muito… parecidas — Benedict sussurrou, impressionado, seus olhos arregalados indo de uma até a outra.
A semelhança era assustadoramente nítida. A médica sentia que estava vendo a si mesma, como um espelho, enquanto sentiu seu estômago revirar ainda mais. E, foi descendo os olhos até o pequeno crachá que a médica usava, pendurado em sua camiseta de tricô do lado esquerdo, para tudo fazer sentido. A doutora Hellen, mãe de , sorriu com ternura.
— De fato, acho que você deve ser minha irmã mais velha, perdida — ela brincou, tirando de um sorriso murcho. tinha que sair dali. Aquilo tudo era demais para ela. — Como está se sentindo...?
— — ela completou, baixo, inventando desculpas mentais para se livrar de toda aquela situação. — Estou bem, foi só a pressão, eu acho. Estou há muito tempo sem comer, sabe como é.
— Certo, , eu sou a Hellen, ou só Elle — Hellen respondeu, carinhosa, toda sua atenção em . — Vamos te arrumar algo para comer. Ben, na minha mochila tem uma barra de cereais, no bolso da frente. Você pode pegar, por gentileza?
— Não precisa, eu…
— Faço questão — Hellen sorriu abertamente, desviando seu olhar de até o garoto que, apressado, pegava a barra de cereais dentro da mochila dela, curiosamente guardada naquele laboratório. se perguntou, mentalmente, se, àquela altura de suas vidas, eles já namoravam ou, ao menos, se gostavam. Benedict voltou praticamente correndo e estendeu-lhe, enfim, a pequena barra.
— Obrigada — sorriu do homem para a mulher em sua frente, que concordou com a cabeça, a observando abrir a embalagem.
— E o que aconteceu com seu rosto? — Hellen não deixou de notar o micropore colado ali. Naquele tempo, já deveria estar com sangue absorvido e aparente nele.
— Deixei um bisturi escapar hoje mais cedo… trabalhando em meu laboratório — mordeu um pedaço da barra de cereais, tentando ser convincente. Hellen pensou por um momento.
— É um corte grande, está sangrando, ainda, talvez por isso esteja se sentindo fraca. Posso dar uma olhada?
— Não quero te dar trabalho, Elle, eu preciso ir…
— De jeito algum. Estava agora mesmo dando pontos em alguns soldados que voltaram de um treinamento, deixe-me ver como está isso. — Delicada, ela retirou o esparadrapo do rosto de .
Sem precisar dizer nada, Benedict já havia separado um algodão, álcool e um pequeno ponto falso, colocando tudo em cima da bancada, ao lado de onde estava encostada com Hellen, a examinando de frente.
— Vocês são uma boa dupla — observou, sorridente, tirando de Hellen uma risadinha baixa e um silêncio envergonhado de Benedict, que se afastou para arrumar algumas coisas mais ao fundo do laboratório.
— Eu também acho — Hellen sussurrou mais perto de , limpando o rosto dela com o algodão e álcool. — Ele só não tomou coragem ainda para me chamar para sair, mas eu espero que tome em breve.
sorriu abertamente com aquele comentário, talvez tivesse puxado a segurança de sua mãe. Hellen não demorou dois minutos para limpar e fechar o corte de com um ponto falso, em um cuidado tão delicado e carinhoso, que fez não querer que acabasse nunca. Não sabia qual era a sensação de ter uma mãe. Não sabia como era ser cuidada por ela e, naquele momento, tudo que mais desejava era ficar ali, para sempre. Mas ela não podia, tinha consciência do tempo que estava perdendo ali e precisava voltar, encontrar com Steve e Tony. suspirou pesadamente, engolindo a vontade de chorar junto com o resto da barra de cereais que mastigava.
— Vou torcer por vocês — respondeu no mesmo tom, trocando um sorriso cúmplice com a garota em sua frente.
— Se sente melhor, ? — Benedict voltou para perto delas, sorridente.
— Muito. Obrigada por isso — ela respondeu, sincera, seu coração quebrando em mil pedaços em ter que dizer aquilo, em ter que, de uma vez por todas, dizer adeus a seus pais. — Eu realmente preciso ir, estou… atrasada — ela desviou seu olhar deles e deu alguns passos em direção à porta.
— Podemos te acompanhar para garantir que está bem, não será incômodo — Hellen disse, simpática, fazendo parar por um momento no batente da porta aberta e olhá-los. Vendo o casal parado lado a lado dentro do laboratório, a encarando de volta, teve certeza de que, apesar do pouco tempo que passou com eles em vida, ela foi muito feliz. Talvez feliz de um jeito que nunca mais seria outra vez.
— Eu agradeço muito, por tudo o que fizeram — disse, sincera, seus olhos se enchendo de lágrimas enquanto os olhava uma última vez e saía da sala, fechando a porta atrás de si. — Por tudo o que foram para mim.
_____________________________
¹Violet é uma personagem retirada de “Os Dez Primeiros”, história disponível no FFOBS, com consentimento da autora.
²Amity Forbes é uma personagem retirada de “The Chase”, história disponível no FFOBS, com consentimento da autora.
Continua...
Nota da autora: E quem achou que a iria para Asgard com Thor levanta a mão? o/
Confesso que fiquei com o coração dividido entre levar ela para Asgard ou para NY, mas Steve é, e sempre foi, o grande amigo da vez, ela não poderia deixar de acompanha-lo – ainda mais pensando que, logo logo, ele vai embora também. E teve até um beijinho de amigos hahaha essa história já saiu do controle.
Me contem aí o que acharam desse mega capítulo, oficialmente o maior de PN, 36 páginas! Espero que tenham gostado e nos vemos em breve!
Beijos da Juju 😊 x
Nota da beta: Eu fui enganada com sucesso: comecei a ler "Nova Iorque" e fiquei "Ué? Não era Asgard?" hahahahahahaha
Amei esse final com mais um encontro da Flora com os pais, foi emocionante ❤️
Outras Fanfics:
➽ Care Bears (Avengers - Finalizada)
➽ Vingt-Cinq (Spin-off de Project Neriine - Shortfic) ➽ Taste The Feeling (Originais - Em andamento)
➽ 11:11 (Spin-off de Taste The Feeling - Shortfic)
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Confesso que fiquei com o coração dividido entre levar ela para Asgard ou para NY, mas Steve é, e sempre foi, o grande amigo da vez, ela não poderia deixar de acompanha-lo – ainda mais pensando que, logo logo, ele vai embora também. E teve até um beijinho de amigos hahaha essa história já saiu do controle.
Me contem aí o que acharam desse mega capítulo, oficialmente o maior de PN, 36 páginas! Espero que tenham gostado e nos vemos em breve!
Beijos da Juju 😊 x
Nota da beta: Eu fui enganada com sucesso: comecei a ler "Nova Iorque" e fiquei "Ué? Não era Asgard?" hahahahahahaha
Amei esse final com mais um encontro da Flora com os pais, foi emocionante ❤️
Outras Fanfics:
➽ Care Bears (Avengers - Finalizada)
➽ Vingt-Cinq (Spin-off de Project Neriine - Shortfic) ➽ Taste The Feeling (Originais - Em andamento)
➽ 11:11 (Spin-off de Taste The Feeling - Shortfic)