Última atualização: 07/09/2022

Capítulo 35

não sabia como descrever, exatamente, o que tinha acontecido no retorno. Se lembrava nitidamente de ter corrido pela base de Garden State até alcançar o térreo, localizou Steve e Tony e, apressados, com o Tesseract em mãos e partículas suficientes para os três voltarem ao tempo ao qual pertenciam, eles saltaram de volta, apressados e felizes pelo sucesso da missão. Disto se lembrava, conseguia descrever com detalhes e com consciência como foi o retorno e como se sentiu diante dele.
A mesma sensação do teste, da ida à missão, foi a sensação que sentiu no retorno quando surgiu, em um piscar de olhos, de Nova Jersey, em 1970, a Nova Iorque, nos tempos presentes. A pressão do corpo sendo comprimido, a dor de tê-lo esticado novamente ao tamanho normal, a confusão mental momentânea. Tudo foi exatamente igual. Contudo, o que mudou para veio logo a seguir. Era o que ela já não conseguia mais descrever.
Ao tempo que pisaram todos de volta na plataforma e que se deram conta que estavam de volta, a sensação que tomou o ambiente foi de vitória absoluta. Com seus trajes recolhendo-se automaticamente e as roupas que vestiam na missão aparecendo abaixo, lembrava-se de olhar ao redor, da alegria imensa que sentiu ao contar com os olhos as seis Joias em mãos das pessoas espalhadas em volta dela, de trocar um olhar eufórico com Thor, ao seu lado. Tinham voltado. Como combinaram, eles dois estavam ali, de volta. se lembrava bem de Rhodes perguntando "vai me dizer que isso deu certo?", tão incrédulo quanto ela estava, descrente que aquela maluquice toda fosse, de fato, surtir algum efeito. E surtiu. Deu certo. Eles tinham conseguido.
Mas, como todo prêmio alto demais, alguma coisa no ambiente estava latentemente estranha. E descobriram no exato segundo seguinte à euforia da vitória que, na realidade, tinham fracassado de algum modo. Tinha pagado o mais alto dos preços para ter todas as seis Joias, um preço que nenhum deles esperava ou poderia pagar. Bruce foi quem perguntou primeiro. Com Clint totalmente encharcado, da cabeça aos pés, chorando sentido e com o olhar perdido em um canto qualquer da plataforma, ele caiu de joelhos ao chão. Fraco, vulnerável, machucado. A pergunta que fez na sequência de Bruce, exatamente a mesma, exatamente a que todos eles se faziam observando Clint ao chão, paralisados pela surpresa e pela incredulidade, se negando a acreditar que um deles não tinha voltado da missão. E não voltaria nunca mais.

— Clint, onde está Natasha?

Não precisava de resposta. Ele não tinha o que responder, porque todo mundo já sabia. Tinham ido à Vormir. Onde Thanos matou a própria filha para conseguir a Joia, aquela cujo nome referenciava a alma, desafiava veladamente a morte. Natasha foi e não voltou. Clint tinha a Joia da Alma em mão. Ela tinha se sacrificado. Tinha dado a sua vida em troca de conseguir aquela maldita Joia, tinha morrido para que pudessem reunir todas elas, para que pudessem chegar até ali. Tinha morrido para que todo o resto do universo pudesse viver. Nobre, egoísta e heroico como Natasha. Ainda na plataforma, chorou, observando Clint no chão. Nenhum deles conseguiu dizer sequer uma palavra. O que teriam a dizer, afinal?
Natasha estava morta.
E uma conta em especial não fechava para nenhum deles. Não conseguiam colocar vidas em balanças, não negociavam vidas, afinal. Steve tinha dito isso a Visão em Wakanda, cinco anos atrás. Visão também havia partido. não podia escolher entre ter seus pais de volta, Bucky, T’Challa e Shuri ou manter a vida de Natasha. Como Clint não conseguia escolher entre sua família e a pessoa que foi tudo para ele por tantos anos. Steve ficava repassando o olhar dela, o encarando antes de saltar no tempo enquanto dizia “Te vejo em um minuto”. Ele não a veria mais, não era justo. Ele pesava Sam com Natasha em uma conta mental que simplesmente não batia. Nenhum deles tinha que escolher. Era covarde e doloroso, não tinha que ter sido daquela forma. Eram todos eles ou ninguém. Onde estava Natasha?
Três dias haviam se passado desde que retornaram do Assalto ao Tempo e não saiu de seu quarto. Chorava, inconformada, com a morte de mais uma pessoa que amava e que perdeu porque cinco anos atrás eles falharam. Natasha não tinha desaparecido, não havia chance de voltar atrás e recuperá-la também, ela estava morta. Não era aquele o plano, não era o que eles tinham em mente, não era para ter sido do jeito que foi. não se conformava. Natasha tinha que estar ali, com eles, e, a cada manhã que acordava depois do retorno, esperava por ela bater à porta de seu quarto, a esperando para correrem juntas, para conversarem. esperava que fossem esquiar outra vez, tinham combinado, ela não podia ter feito aquilo, não podia.
Clint contou o que havia acontecido, horas depois do retorno. Contou exatamente como foi, imerso em lágrimas e no sentimento de culpa, de que deveria ter sido ele em seu lugar. Ninguém soube o que dizer, não havia o que ser dito. se recusou a participar da reunião de velório que, para ela, foi uma palhaçada desrespeitosa. Não havia um corpo ali, não havia o que ser velado, Natasha merecia mais, merecia ter se despedido, merecia que o mundo soubesse o sacrifício dela, de quem ela era, do que representava. Não houve sensibilidade, nem reflexões. Era só uma reunião deles em frente a um lago do Complexo, em que fariam o quê? Natasha não voltaria. Nunca mais. Tinha morrido por uma causa, por uma missão, por uma ideia que sequer tinham conseguido concretizar ainda. E, se tinha morrido por aquilo, tinham que fazer sua vida ter valido a pena.
O peso da responsabilidade em conseguir trazer todos de volta aumentou a partir dessa ideia. Quando a emoção da perda e do luto foi se transformando em uma raiva ainda maior de Thanos, em uma força furiosa e apressada por finalizar aquele plano de uma vez por todas. Deixando de ser uma ideia e se concretizando na própria vida de Natasha, agora, mais do que nunca, tinham que agir. Tinham que fazer aquilo dar certo. Uma obrigação silenciosa, mas presente em todos eles, uma pressão e uma responsabilidade que ganharam a partir do momento em que a perderam.
No terceiro dia depois do retorno, logo que acordou, teve coragem de ligar para Nate. Ele estava absurdamente preocupado com a falta de respostas dela, já tinha recorrido a Steve para ter notícias e saber se estava tudo bem. não tinha forças emocionais para conversar até aquele dia, não estava pronta para nada, senão dormir e se isolar de tudo. Estava baqueada pelo que tinha revivido com seus pais biológicos, destruída pela morte de Natasha, fisicamente machucada pelo que aconteceu com a STRIKE em 2012 e ansiosa, angustiada, por terem conseguido reunir as Joias.
Exatamente como cinco anos atrás, quando o período mais atormentador e doloroso de sua vida começou, aqueles últimos dias estavam matando por dentro um pouco mais.
Juntando forças que não sabia de onde tirou, ela, enfim, contou tudo a Nate. Da aparição de Steve em Berlim até aquele exato momento, uma semana depois. Contou do teste, de ter visto seus pais biológicos duas vezes, contou exatamente como foi, onde estavam, o que disseram, o que ela viu, o que viveu. Contou de 2012, mostrou a ele por videochamada as dezenas de marcas em seu corpo, como se quisesse comprovar que a história que lhe contava era mesmo real. E não poupou nenhum detalhe. A cada nova palavra, Nate insistia que iria até ela, que ficaria com ela, mas não queria, não podia querer. Havia um motivo muito maior pelo qual fez aquela ligação que durou horas, um motivo que ia além da saudade que tinha dele e de um pedido silencioso de ajuda.
tinha comprado uma passagem aérea para ele, naquele dia mais cedo. Uma passagem para Malta, para aquele dia. Pelas informações que ouvia de Thor e Steve, quando iam almoçar ou jantar com ela no quarto, Tony, Bruce e Rocket estavam trabalhando incansavelmente, noite e dia, em uma nova manopla, uma luva que aguentasse a pressão de reunir todas as Joias outra vez. E estavam perto de conseguir, estavam realmente perto. Com isso, perto também estava a chance, a possibilidade, de trazerem todos de volta. Nate tinha que estar em Malta quando a luva estivesse pronta. Tinha que estar lá outra vez porque, caso o novo estalo desse realmente certo, era lá que sua filha iria ressurgir.
E não via a hora de voltar para Wakanda. Ensaiou diversas vezes deixar o Complexo e esperar pelos seus no lugar onde os viu pela última vez, mas parte dela a impedia. Queria estar por perto quando o estalo acontecesse, tinha que ver com os próprios olhos e tinha que estar ali para caso não desse certo. Como reagiriam, o que fariam naquela possibilidade, ela precisava estar por perto. O momento era delicado, todo o time estava abalado o suficiente para quase não conversar entre si mais, desgastados, exaustos, cheios de expectativas no incerto. O melhor que podiam fazer era permanecerem juntos até terem certeza de que já não havia mais nada a ser feito.
Poucos minutos depois de ter desligado a ligação, Nate pegou a passagem que havia comprado e foi para Malta. Com uma mochila pequena nas costas, meia dúzia de documentos em mãos e toda a expectativa do mundo no coração. Nunca mais tinha estado lá, as memórias da perda eram tão violentas para ele, que jurou a si mesmo nunca mais se forçar àquilo. Era um lugar triste, solitário, desesperador e sufocante para ele. Mas Nate confiava em . Acreditava nela, no que estava dizendo, não brincaria com aquilo. Jamais. Ele viu como ela estava, viu a tormenta em seus olhos, a vulnerabilidade de suas palavras, as marcas no corpo. tinha uma alternativa real a oferecer e, dando certo ou não, para Nate, valia a pena a tentativa. Trocando mensagens ao longo do caminho, ele avisaria quando chegasse lá.
De Wakanda, Okoye atendeu a ligação de com entusiasmo, mas logo a enxurrada de informações a inundou de seriedade e preocupação. Nunca tinha gostado de trabalhar com hipóteses, era a pessoa mais segura e assertiva que havia conhecido em toda sua vida. Tudo era ou não era, não havia disposição em Okoye em trabalhar com a margem do talvez. Mas ela gostou do que ouviu. Gostou porque deu a ela, pela primeira vez em cinco anos, um sentimento que Okoye tinha certeza nunca mais sentir: a fé. E bastou a alguns minutos em contar-lhe resumidamente o que estava acontecendo para que ela começasse a se preparar para um possível retorno dos desaparecidos.
Aquele era um ponto crucial. Não tinham ideia de como isso aconteceria e a hipótese mais certeira era a de que voltariam do mesmo jeito que sumiram: repentinamente, da poeira e nos exatos mesmos lugares em que desapareceram. Por isso, para , era fundamental que Okoye soubesse do plano, que ela tivesse informações concretas sobre o que aconteceria, pois, caso desse certo, Wakanda seria um dos maiores palcos de retorno, ela tinha que esperar por aqui, tinha que ajudar os recém retornados, situá-los de volta ao tempo, contar-lhes o que aconteceu. O caos do sumiço daria lugar ao caos do retorno, tinham que se cercar como podiam.
decidiu sair do quarto depois de algum tempo que desligou a chamada com Okoye. Ter conversado por horas com Nate, ter visto Okoye, tinham feito bem a ela, a tinham seguramente confortado como sempre conseguiam fazer. Não adiantaria ficar para sempre isolada do mundo, nada do que aconteceu voltaria atrás e seria refeito, teve cinco anos para aprender a como lidar com aquele sentimento de impotência. Talvez, fosse melhor se focar no agora, em entender o que acontecia, se enturmar, ajudar como podia. E foi o que ela fez.
Jogado na ponta de um sofá com na outra, suas pernas esticadas se encontrando no centro, Thor contava exatamente como foi ter voltado a Asgard. A tinha encontrado andando pela casa minutos antes, vestindo um conjunto de calça e blusão de moletom mais curto, pretos, e tênis brancos. Ela tinha os cabelos meio presos para trás e parecia buscar algo para fazer. Thor ainda não tinha conversado com ninguém sobre aquilo, estava esperando por um momento em que se sentisse confortável em reviver aquela nova memória. Disse que viu sua mãe. Que pôde falar com ela, que ela o reconheceu, sabia que era de outro tempo. Thor tentou alertá-la de que morreria naquele dia, mas ela não pareceu ter medo ou qualquer reação negativa, pelo contrário, teve a sabedoria de dizer-lhe, com palavras amenas e carinhosas, que a morte também faz parte da jornada da vida. Ele viu seu irmão, rápido, de relance, estava preso na época. E viu Jane de longe. Thor sentia falta dela. Disse a que nunca tinha se sentido daquele jeito com outra pessoa, ainda era apaixonado por Jane.
o ouviu em silêncio, deixou que os sentimentos dele se externalizassem em palavras calmas e doloridas, tudo era difícil para Thor também. Estava sendo difícil para todos eles e se sentiu ligeiramente mal por ter dado as costas a eles naqueles três dias em que se trancou. Dividiam a luta e dividiam as dores, tinham que ficar juntos. Ela contou a ele o que tinha acontecido com ela, também. Sobre seus pais, sobre como perdeu o Tesseract, sobre o que viu em Nova Jersey. Contou sobre a surra que deu na Hydra outra vez, que Steve a tinha dado um beijo para distrair uma mulher no elevador. A tristeza em que se encontraram na sala foi dando espaço a risadas amenas, a um clima descontraído e leve. O silêncio foi virando perguntas eufóricas e, conforme a tarde fluía, e Thor encontravam um no outro, mais uma vez, forças para seguir.
No final da tarde, contudo, entre latas e mais latas de energético espalhadas pela mesa em frente à e Thor, Rocket apareceu na porta da sala em que estavam e, sem delicadeza alguma, gritou:

— Aí, rapaziada. — A voz dele chamou a atenção dos dois que, ao mesmo tempo, viraram-se para ele na porta. — O velhote está chamando vocês.
— Steve? — perguntou, levantando-se do sofá, segurando uma lata de energético e observando Thor fazer o mesmo enquanto respondia:
— Stark? — Ele virou todo o conteúdo da bebida que segurava de uma vez.
— Tem Bruce, também — olhou para ele.
— Rhodey, talvez? — Thor perguntou, pensativo, vendo a mulher dar de ombros.
— Quantos anos o Lang tem?
— Quantos anos você tem? — curioso, Thor virou-se para .
— Trinta e você? — ela sorriu e tomou um novo gole de seu energético, que foi cuspido no segundo seguinte quando o ouviu responder, casualmente, orgulhoso de si mesmo:
— 1.505.
— ‘TÁ BRINCANDO? — praticamente gritou, os olhos arregalados de surpresa enquanto limpava o líquido que escapou de sua boca. Não tinha porque se impressionar, afinal, vindo de qualquer pessoa dentro daquela casa, nada era impossível, improvável ou estranho demais. só não imaginava que ele fosse tão velho. E estava até que bem pela idade que tinha.
— Não ‘tô não — ele sorriu, orgulhoso de si mesmo, o peito estufado. — Até quando o tema é idade, eu ainda continuo sendo o maior Vingador.
— ‘Tá ‘tá ‘tá! Só tem velho nessa equipe, já entendi — Rocket massageou as próprias têmporas, gritando outra vez. — Capitão quer vocês dois no laboratório principal do arrogante-mor. Anda logo.

Engolindo as palavras ao ouvir aquilo, Thor e se entreolharam por um segundo. Sabiam que a montagem da luva estava já bem avançada e até esperavam que logo iriam acabar com aquela tensão, toda aquela expectativa, de uma vez. Mas ouvir aquilo tinha caído como uma bomba. Seus corações aceleram ao tempo que a ansiedade os fez respirar fundo e, finalmente, sair da sala rumo ao laboratório. Três passos para fora da sala, sem saber como ele tinha conseguido pegar aquilo de dentro do quarto dela, observou Rocket estender a Thor um comunicador auricular e, em seguida, virar-se para ela, não apenas com um comunicador, mas também com sua tornozeleira. Estranhando aquilo, só então reparou que ele também vestia seu traje.
Toda missão requeria um preparo. Estavam se aprontando para aquilo como quem se aprontava para uma guerra. Uma nova guerra.
Aceitando o comunicador, que logo colocou na orelha, e o pequeno objeto brilhante de vibranium enquanto seguia caminhando pelos corredores, ouviu Rocket dizer animado:

— Está na hora do show.


✽~✽~✽~✽



— A luva está pronta.

Espalhados pelo enorme laboratório, eles ouviram Tony dizer enquanto manuseava a nova manopla dentro de um suporte tecnológico de levitação. O laboratório estava bem iluminado, parte dele era cercado por um jardim de inverno bonito e minimalista, com finas árvores floridas. Estavam no meio da tarde, o dia claro e ensolarado lá fora trazia uma energia boa para dentro da casa, mas que, naquele dia, não seria bem aproveitada. Dentro do laboratório, em meio a móveis elegantes, alta tecnologia e utensílios mecânicos de Tony, todos eles haviam se encontrado para discutir como agir dali em diante, com exceção de Nebulosa — que nenhum deles, na verdade, sabia dizer onde estava, mas não se importavam muito. Algo maior estava para acontecer.
Mais de perto, a manopla parecia com uma luva da armadura de Tony, vermelha e dourada, com a diferença de ter as seis Joias cravadas nela, uma na direção exatamente de cada dedo e uma, a maior delas, ao centro da mão — exatamente na mesma disposição que se lembravam ver na manopla dourada de Thanos. Stark segurava a luva com cuidado e atenção, o medo de apressar as coisas, de inesperadamente fazer alguma das Joias funcionar, enquanto Rocket terminava de fechar o último compartimento dela, na palma. Ele seguia de frente para Tony, do outro lado da luva, enquanto Bruce mantinha-se por perto.
Ao redor, afastados, mas com os olhos grudados em cada movimento mínimo que os três faziam na manopla, Steve, Scott, Clint, Thor, Rhodes e estavam esperando qualquer que fosse o comando para fazer o que tinha que ser feito. O ponto era que, nenhum deles ali, dos nove presentes, sabia exatamente o que viria depois. A luva estava pronta, ótimo. E agora?

— A pergunta é: quem vai estalar os dedinhos? — Rocky perguntou, encarando Stark em sua frente. Estava praticamente em cima da mesa onde o suporte com a luva estava, um óculos de segurança em sua cabeça, mais sério do que de costume.
— Eu vou. — Sem hesitação, em seu look completo de moletom e luvas sem os dedos, Thor caminhou para perto da manopla. Sentada em cima de uma mesa mais ao lado, fechando sua tornozeleira na perna direita, suspirou e deu uma olhada despretensiosa em seu celular jogado ao seu lado. Ia começar a discussão outra vez.
— O que disse? — Tony perguntou, ao tempo em que todos os demais se viraram para Thor.
— Está tudo bem. — Sem parar de andar em direção à manopla, Thor aproximou-se ainda mais, mas foi logo impedido por Tony, Steve e Clint, enquanto Rocket manteve-se atento em segurar a luva. Thor não estava em condições de fazer aquilo. Eles se lembravam de ver como Thanos tinha ficado depois de estalar os dedos. Thanos. Fisicamente maior e mais resistente do que qualquer um deles ali, mas, ainda assim, quase morreu. As seis Joias juntas tinham um poder que eles não podiam sequer mensurar. A energia podia matá-los e não estava nos planos perder mais ninguém. Tinham que pensar, bem, em quem seria a pessoa a dar o estalo.
— Pare. Espere aí. — Tony manteve sua mão no meio do peito de Thor, o impedindo de se aproximar ainda mais.
— Thor, espera — Steve falou sério, mas suave, peitando-o de frente. — Ainda não decidimos quem vai usar.
— Ah, então vamos ficar aqui sentados, esperando a oportunidade certa? —impaciente e carregado de ironia, o asgardiano respondeu.
— Deveríamos ao menos discutir — Scott olhou o loiro, já próximo deles.
— Olha, olha… — Thor parecia instável, apontando para a manopla. — Ficar aqui, olhando a coisa, não vai trazer todos de volta.
— Nem se desesperar e fazer qualquer coisa improvisada — se pronunciou pela primeira vez, fazendo os olhares dos homens recaírem sobre ela. Thor a observou saltar de onde estava sentada e, virando-se de frente para ela, ele argumentou calmamente:
— Eu sou o Vingador mais forte, ‘tá? — ele abriu os braços e logo voltou-se de frente para onde Steve, Tony, Clint e Scott estavam. — Então, a responsabilidade recai sobre mim.
— Normalmente sim... — Stark tentou dizer, mas logo foi cortado por Thor.
— É meu dever.
— Mas não se trata disso agora — Tony completou, tentando empurrar Thor levemente para longe da luva. Qualquer movimento mínimo errado poderia comprometer tudo, ele tinha que ficar longe. Bruce acompanhava em silêncio mais ao fundo de onde estava, com na mesma linha lateral que ele, de braços cruzados.
— PARA! — Thor gritou com Tony, tentando se soltar. — Me deixa…
— Ei, amigo... — Tony o segurou com firmeza pelos braços, o encarando de frente. Com os olhos enchendo-se de lágrimas, Thor bateu suas mãos no peito de Tony, praticamente implorando.
— Só me deixa fazer isso. — A voz dele estava embargada pelo choro. — Deixa eu fazer uma coisa honrada, uma coisa certa.
— Olha, não é só porque essa luva pode iluminar um continente… — Tony explicou paciente, baixo, seus olhos nos de Thor entendendo o momento que ele passava. Os demais seguiam em silêncio, pensativos. — Estou dizendo, você não está em condições.
— O que acha que corre em minhas veias agora? — o Asgardiano insistiu, chacoalhando Tony, ligeiramente, pela camiseta. A resposta, contudo, veio de Rhodes, parado em sua armadura cinza do outro lado do laboratório.
— Requeijão? — Thor chegou a apontar para ele, esperando pela resposta correta, mas frustrou-se, claramente, ao ouvir aquele comentário infeliz. Exausta do comportamento infantil e irresponsável do homem, como se aquela fosse a última gota d’água para transbordar, praticamente gritou, a reação saindo dela com fúria, o pavio tão curto que explodiu ali mesmo:
— Nossa, Rhodes, você é mesmo muito engraçado — ela bateu palmas irônicas, o encarando enquanto dava passos firmes em direção a ele, sem sequer se dar conta daquilo. Rápido, vendo o circo se formar, Steve se colocou na frente dela, a segurando pelos braços enquanto a mantinha afastada de Rhodes, a impedindo de chegar perto dele. — Quer satirizar ainda mais a situação de Thor? — ela gritou mais alto, apontando o homem que, assustado pela reação, manteve-se calado, a observando, sério. — Por que não aproveita o momento propício para isso e faz mais piadas sobre a desgraça que ele está vivendo há cinco anos?
, tudo bem — Steve sussurrou tentando atrair a atenção dela, sem muito sucesso. — Tudo bem, está tudo bem.
— Não, Steve, não está bem. — tentou se soltar dele, sem sucesso. Apesar de delicado, Steve a segurava com firmeza pelos ombros. — Olha para ele, Rhodes, OLHA PARA ELE voltou a gritar enquanto apontava, agora, para Thor. Àquela altura, todos os demais a encaravam, preenchidos pela raiva que a mulher transbordava em suas palavras. A poucos passos dela, Thor deixou uma lágrima escorrer, a vergonha de si mesmo por estar daquele jeito, por ser tão exposto, o conforto de saber que, ao menos com , ele podia ser fraco, podia ser só humano. — Como você tem coragem de fazer piada? Você sabe como é ver todas as pessoas que você ama sendo mortas em sua frente? VOCÊ SABE COMO É?
Steve abaixou a cabeça na mesma hora enquanto Clint deu um passo em frente, concordando com ela em silêncio. Aquilo era delicado para alguns deles. Profundamente íntimo e delicado.
, eu não… — O homem tentou responder, mas sabia que não adiantaria naquele momento. Estava errado, sabia que estava.
— Você não sabe! Não tem o direito de hostilizar a situação dele quando não faz ideia do que ele passou — um tom mais calmo que antes, ela seguiu dizendo, seus olhos raivosos sem desviar dos de Rhodes, odiava aquela situação. — Você não estava lá, não teve sequer a chance de enfrentar Thanos. Não sabe como foi, não sabe. Se não tem o que acrescentar à conversa, então fique na sua.
— Me desculpe, eu não queria ofender — ele sussurrou tão baixo que mal pode ser ouvido por todos os presentes, vendo a mulher negar com a cabeça.

seguiu o encarando por mais um segundo até ter seu olhar desviado por Steve que, delicadamente, puxou o rosto dela para o lado, para que o olhasse. estava cansada em um nível absurdo, estava emocionalmente estressada, já não tinha mais paciência e não deveria ter, não quando cutucavam justamente a maior das feridas. Ela, mais do que ninguém, sabia pelo que Thor tinha passado. Ela o ouviu, o acolheu, o compreendeu. Ela tinha paciência com a situação dele, porque teve que aprender a lidar com algo parecido naqueles anos. Sabia como era, o quanto doía. E, talvez, nenhum deles naquela sala, com exceção de Clint, soubesse, também. Não tinham mesmo o direito de dizer nada. Ela tinha razão. Se não podiam ajudá-los, então que, ao menos, não piorassem ainda mais suas situações.
encarou os olhos claros de Steve por um momento, respirando fundo, tentando se acalmar. Tinha consciência de que tinha passado dos limites, mas não era do tipo que se calaria. Estava aguentando a tempo demais os comentários e piadinhas de Rhodes com Thor, sempre comentando algo sobre sua situação física, sobre como tinha ganhado peso, como parecia sujo, como estava sempre bêbado ou comendo, instável, como não mais era o deus que esperavam ele ser. Nada daquilo dizia respeito a ninguém mais, senão ao próprio Thor, e já não aguentava mais os comentários. Se não havia espaço para demonstrar fraqueza ali, se não podiam sentir e sofrer, deixar suas emoções transparecerem, o que estavam fazendo, afinal? Eram robôs ou seres humanos? E, como humanos, tinham a obrigação de permanecerem constantemente os mesmos? Fortes, estáveis, controlados, prontos para tudo? Talvez para Rhodes, escondido em uma armadura, ser um robô fosse uma prática. Para , nunca seria.
Thor enxugou discretamente a lágrima que deixou escorrer em seu rosto, assentindo com a cabeça, levemente, para , assim que seus olhares se cruzaram, como se dissesse, sem precisar externalizar sequer uma única palavra, que estava tudo bem. Steve esperou por ela se acalmar e a soltou, virando-se novamente de frente para onde os demais estavam, atentos com e com Thor, de olho na manopla. Por segurança, Tony continuou segurando Thor todo aquele tempo, enquanto Rocket ainda estava protegendo a luva.

— O que corre em minhas veias é eletricidade — limpando a garganta, Thor quebrou o breve silêncio, olhando ironicamente de Rhodes para Tony. — São raios.
Stark parou para pensar, ponderando se aquele era realmente um ponto a ser levado em consideração. Se Thor controlava os raios, podia resistir a eletricidade de todas as seis Joias juntas?
— Eletricidade não vai te ajudar. — Do canto do laboratório, mais atrás de todos eles, a voz baixa de Bruce chamou a atenção deles. — Tem que ser eu.

Bruce parecia sereno, mas não certo sobre aquela decisão. Ele deu dois passos para mais perto de onde os demais estavam, vendo Tony soltar Thor, que negava com a cabeça. Ele estava nitidamente triste em ouvir aquilo, completamente frustrado por não poder ser ele a carregar a responsabilidade de fazer algo certo depois de cinco anos, depois de ter fracassado em cortar a cabeça de Thanos no tempo certo. Estalar os dedos ali significava para Thor algo que nenhum dos demais poderia entender. Era como reparar um erro, como pedir perdão.
Contudo, todos concordavam que Thor não estava nas melhores condições físicas e mentais para encarar aquela responsabilidade. E, mesmo que estivesse, ainda seria arriscado demais.

— Viram o que as Joias fizeram com Thanos. — Bruce dava passos em direção a manopla. — Ele quase morreu. Nenhum de vocês sobreviveria.
— E como sabemos que você conseguirá? — Steve perguntou, preocupado, todos os olhos ao redor de Bruce o encarando parar de frente com a manopla, a encarando.
— Não sabemos — ele respondeu simplesmente, sério, concentrado. — Mas a maior parte da radiação é basicamente gama. Eu acho que é como se… eu tivesse sido feito para isso.

Reflexivos, eles se entreolharam. Bruce já tinha passado por uma injeção energética de portes sobre humanos uma vez. E, não bastasse aquilo, tinha ficado por meses em laboratório bombardeando a si mesmo com raios gama, testando formas de se fundir ao Hulk. O fato estava consolidado. Se tinha algum deles ali, em proporção, que poderia aguentar a energia do estalo, essa pessoa era, sem dúvida alguma, Bruce Banner. Estava se voluntariando a ir porque ele sabia que havia uma chance maior de aguentar o tranco.
Como se tivessem votando, um a um, Steve passou os olhos por cada pessoa presente ao seu redor, os vendo concordar com a cabeça ou consentir brevemente, em silêncio. Uma vez que todos estivessem de acordo e, mais do que isso, que Bruce estivesse pronto, podiam finalmente agir. Banner levou alguns minutos encarando a manopla abaixo e em sua frente, pensando se deveria mesmo ter se voluntariado. Estava longe de ser a pessoa mais corajosa daquela sala e longe também de ser o mais otimista. Apesar de acreditar que aquilo daria, sim, certo, uma parte dele o alertava sobre o perigo que correria. Mas para o que servia um dom super humano, senão para proteger pessoas, salvar vidas e doá-lo ao universo? Natasha não tinha dado sua vida em vão, não tinha se sacrificado para que Bruce não tivesse coragem o suficiente de seguir em frente.
Ele faria aquilo por ela.
Tardiamente, talvez, mas faria algo que nunca teve coragem de fazer, não a tempo: amaria a vida de Natasha e o que ela representava, a honraria, faria com que sua última vontade em vida fosse realizada. Traria todo mundo de volta. Tomado pela tristeza de se lembrar de Nat justamente naquele momento, ele fungou. Bruce não tinha muito mais em que pensar. E era melhor que fosse de uma vez, antes que seu senso de racionalidade o fizesse questionar demais aquela ação. Ele, então, virou-se levemente para o lado, olhando Steve, concordando com a cabeça. O último voto tinha sido dado.
Sem dizer uma só palavra, Rocket tirou a manopla do suporte com todo o cuidado e a entregou para Bruce que, sem perder tempo, dirigiu-se calmamente para o centro do laboratório. Ao redor dele, formando um círculo perfeito, todos os demais se posicionaram, olhos atentos ao que estava prestes a acontecer. Se pudesse descrever aquele momento, ela certamente não encontraria palavras o suficiente. Sentia que seu coração ia sair pela boca a qualquer segundo, pulsava tão rápido em seu peito que talvez pudesse ser ouvido. A concretização de que tinham mesmo conseguido reunir as Joias, de que a história surreal de viajar no tempo tinha dado certo, batia nela a cada segundo que observava ao redor.
Era como um sonho, daqueles que ela teve naqueles cinco anos, em que desejou, com todo seu coração, ter James, Karl, Everett, Samuel, T’Challa e Shuri de volta. sentia que estava a um passo de revê-los. Tinha pressa e tinha pressão. Consumida pela ansiedade, ela tentava respirar fundo, trocando seu olhar tenso e sério com os demais, a testa levemente franzida, o rosto com o ponto falso ainda colocado em seu rosto. Tinha chegado até ali. Era nada mais do que surreal.

— Está preparado? — Tony perguntou a Bruce, caminhando ao lado até o centro.
— Vamos lá. — Banner o encarou inexpressivo, desviando seu olhar na luva em suas mãos.
— Lembre-se, todos que o Thanos eliminou há cinco anos… — Stark pediu seriamente, afastando-se alguns passos dele, em direção onde Clint estava — … só vai trazê-los para o agora, para hoje. Não mude nada dos últimos cinco anos.

sabia que aquele era um lembrete pessoal. Tony não só sobreviveu ao estalo, como tinha podido manter Pepper e teve uma filha com ela naquele tempo. Não sabiam como exatamente um simples estalar de dedos podia eliminar ou retornar metade do Universo, mas aquela regra tinha que ficar clara para Banner. Nada podia ser alterado, exceto pelas pessoas que sumiram. Tony precisava se certificar daquilo e todos sabiam exatamente o porquê.

— Entendido.

Ao tempo em que Hulk consentiu, de trás dele, observou os demais se prepararem para o grande momento e, sem tempo a perder, ela acionou sua tornozeleira, atingindo-a levemente com o tornozelo da outra perna. Como nos velhos tempos em que o vestia, seu traje oficial abriu-se em segundo, tomando todo o seu corpo em um macacão de fibras de vibranium. Sua vida tinha corrido para outros caminhos e ela teve outros propósitos naqueles anos todos, era um fato. Mas a verdade era que, bem no fundo, sentia saudades de vestir aquela roupa. Os tons de preto e verde escuro brilhavam com os contornos discretos de nervuras e flores espalhados por todo o macacão. A letra “A” no braço direito, a flor de Neriine ao centro. sentia falta de toda a adrenalina e o peso da responsabilidade que recaiam sobre ela sempre que vestia aquela roupa. Mas ali estava ela outra vez, voltando exatamente de onde parou, seguindo a vida de cinco anos atrás como se o dia houvesse apenas amanhecido novamente.
Ao lado direito dela, empunhando seu escudo, Steve deu um passo à frente de , aproximando-se ligeiramente para cobri-la com o escudo, como se a quisesse proteger de qualquer que fosse a explosão que poderia sair da manopla. Ao lado dele, Scott e Rhodes fecharam os capacetes de seus trajes em seus rostos e, em seguida, do outro lado do laboratório, quase que de frente para , Thor deu um passo atrás e estendeu seu braço em frente a Rocket, se posicionando para o proteger com o próprio corpo. O guaxinim baixou seus óculos de segurança em seus olhos e deu passos curtos até ficar atrás de Thor. Na outra ponta do círculo, Stark acionou sua armadura que, enquanto abria-se e cobria seu corpo, espetacularmente brilhante e tecnológica, Clint posicionava-se ao lado dele, seu arco em mãos. Uma vez vestido, a armadura vermelha do Homem de Ferro cobriu o rosto de Stark com a máscara e abriu um escudo holográfico a partir de seu punho direito, protegendo a si mesmo e Clint.
Do meio deles, bem ao centro da roda que formaram, Bruce subiu seu olhar tenso da manopla para Stark em sua frente, brevemente concordando com a cabeça.

— Sexta-feira, pode ativar o protocolo Porta do Celeiro? — Tony pediu na sequência, em alto e bom som.
— Sim, chefe. — Bastou a inteligência artificial dizer para que, em meio segundo, todas as portas e janelas ao redor deles fossem completamente fechadas por placas grossas de metal cinza ou prateado. Vedada qualquer que fosse a fresta, estavam oficialmente trancados dentro daquele laboratório. Um mecanismo de segurança que, sabia , servia não apenas para conter uma possível explosão, mas, sobretudo, para isolar as Joias de qualquer eventual interferência externa. Algo que não tinha sido cogitado por eles até aquele momento, mas que não daria mais tempo de cogitar.

— Todo mundo volta para casa — Bruce sussurrou para si mesmo enquanto via a luva calmamente expandir-se para o tamanho exato do braço dele, assim que posicionou sua mão esquerda perto da entrada dela.

De onde estava, pressionando os lábios com força e semicerrando os olhos em preocupação, assistiu Banner colocar a luva e, assim que seu mecanismo se fechou no tamanho do braço dele, todas as Joias soltaram suas energias ao mesmo tempo, como se pudessem saber que estavam sendo manuseadas. A manopla tomou uma coloração vibrante, misturando as seis cores principais de cada uma das Joias, criando fluxos de energia tão intensos que eram possíveis de serem vistos aos olhos nus de todos eles. Pela pressão energética, Bruce caiu de joelhos no chão no instante em que os fluxos de energia se expandiram pela manopla, ligando uma joia a outra.
Deixando gritos altos e estrondosos de dor, ele tentou encaixar ainda mais a manopla em sua mão esquerda, usando a outra mão, a energia subindo por todo seu braço feito uma raiz de árvore no solo. não sabia se ele aguentaria por muito tempo, seus gritos aumentavam e inundavam o cômodo, misturando-se com o barulho alto que os fluxos de energia começaram a fazer, como se algo estivesse entrando em curto-circuito. Dentro do laboratório, completamente isolados e vedados, o barulho era tão alto, mas tão alto, que não podiam ouvir absolutamente nada de fora. Bruce seguiu apoiado sob um único joelho, no chão, seu braço esquerdo tremendo absurdamente, os gritos de dor sem cessar nem por um segundo.

— Tira isso! Tira! — Thor gritou, gesticulando para ele, com Rocket por sobre seu ombro, observando Banner sofrer.
— Não! Espere! — Steve gritou de volta, pedindo, com a mão, para que Thor ficasse em seu lugar e não se aproximasse. — Bruce, você está bem?
Ao contrário do esperado, Banner apenas gritou ainda mais alto, esticando seu tronco, as luzes dissipando-se da manopla por todo o ambiente, subindo pelo corpo dele.
— Bruce? — o chamou, apreensiva, seus olhos levemente arregalados pela surpresa em ter que assistir aquilo sem poder fazer nada.
— Fala comigo, Banner — Tony pediu na sequência, a um passo se arrancar aquilo dele, Bruce não iria aguentar. Contudo, ainda entre gemidos de dor, ele conseguiu responder.
— Eu ‘tô legal. — Ele tinha os olhos fechados fortemente, a cabeça baixa. — Eu ‘tô legal.

De onde estava, Thor fez um sinal de positivo em cada mão para ele, acompanhando, temeroso, toda a movimentação. Não queria perder o amigo, não queria que nada acontecesse com ele. Bruce seguiu gritando pela dor quente e corrosiva que, àquela altura, já tinha queimado parte de sua roupa e toda a pele de seu braço. Era possível ver, para além da energia colorida, fumaça saindo da luva, e, a cada instante que se passava ali, achava que morreria de infarto. Apertando as mãos fechadas em punhos ao lado do corpo e a testa franzida, paralisada pela tensão absurda do momento, ela assistiu Bruce conseguir levantar a mão esquerda no ar, a amparando com a mão direita. E, com grande dificuldade de se concentrar, pela dor, e de manter o braço destruído no alto, Banner, finalmente, estalou os dedos.
Ao tempo em que terminou o estalo, do mesmo modo que e Thor lembravam de ter assistido em Wakanda, um clarão imenso tomou conta de todo o laboratório por um único segundo e, em seguida, assim que se dissipou no ar, Bruce caiu deitado para trás. Com o movimento, a manopla escorregou de seu braço pelo chão, sendo chutada para longe por Clint, enquanto Steve, Thor e Tony corriam em direção ao homem estirado no chão. Seu braço esquerdo estava completamente queimado, em tons escuros e acinzentados, cheirava a queimadura.

— Bruce! — Steve exclamou, horrorizado, assim que se aproximou dele, agachando-se ao lado do homem com Thor fazendo o mesmo ao seu lado.
— Não toquem nele — Stark advertiu, agachando-se do outro lado do homem, vendo , Rhodes e Scott darem passos mais próximos.
Ignorando completamente o pedido de Tony, Steve colocou a mão no ombro direito de Banner enquanto Tony usava o sistema de refrigeração de sua armadura para esfriar o braço esquerdo, queimado. Bruce arfava e, como se pudesse aliviá-la descontando em algo, pegou firmemente o antebraço de Steve, o apertando sincronicamente a dor violenta que sentia em todo seu corpo.
— Deu certo? — ele perguntou baixo, olhando Steve ao seu lado, mas foi Thor quem respondeu, passando a mão no rosto do amigo jogado ao chão.
— A gente não sabe ainda. Está tudo bem.

subiu seu olhar de Bruce até as paredes mais próximas, as vendo abrir novamente, sumir com as placas de metal que os vedavam. Tudo estava silencioso, o ambiente do laboratório sendo novamente iluminado pela luz do dia, ao tempo que a escuridão da vedação sumia automaticamente. Nada pareceu mudar. Mas tudo parecia estranho. Seu coração ainda batia acelerado, ansioso, suas mãos estavam suando, como suas costas, dentro do traje, parecia absorta. Absolutamente tudo se passava em sua cabeça, mas nada a fazia ter forças para dar um passo, para checar se tinha funcionado. Parte dela torcia para que sim, mas a outra parte tinha medo de descobrir que não.
Mais próximo à porta que já terminava de se abrir, viu Scott dar passos lentos em direção ao vidro que levava ao jardim de inverno. Onde antes do estalo havia apenas algumas árvores finas, agora voavam alguns passarinhos. Entorpecida, sentindo seu corpo formigar, sentiu seus olhos encherem-se de lágrimas ao ver aquilo. Não podia ser coincidência, podia? Sentindo o ar faltar-lhe nos pulmões, o silêncio profundo do ambiente foi discretamente cortado pelo barulho de celulares vibrando sobre as mesas de vidro do laboratório. Incrédulo e tão emocionado como àquela altura, Clint foi em direção ao seu aparelho, lentamente.
Encorajada pela pequena movimentação que faziam ao redor, em busca de qualquer que fosse a evidência de que a metade desaparecida do universo havia retornado, caminhou insegura em direção ao seu celular, em cima da mesa onde antes estava sentada, quando chegaram ali. Vibrando sem parar, ela chegou a pegar o aparelho em mãos, a tempo de ver as notificações de mensagens chegando uma atrás da outra, frenéticas. conseguiu ver, pelo pop-up, mensagens de Nate escritas erradas, certamente pelo desespero, dizerem “, pelo amor de Deus, me liga. Ivy” e, em seguida, “eu encontrei Ivy”.
Trêmula, deixando as lágrimas escorrerem livremente pelo seu rosto, não sabia se de alívio, de felicidade ou pela pressão que sentiu até aquele momento, pensou em responder à mensagem. Contudo, antes mesmo que pudesse desbloquear o telefone, uma chamada entrou em seu celular, o fazendo vibrar outra vez. Permitindo-se chorar a dor que carregou por cinco anos, ela viu a tela do aparelho indicar que Karl a ligava. Karl. Seu pai. Estava vivo. Karl estava vivo. Desesperada em falar com ele, ela chegou a atender a ligação, mas uma dor repentina tomou conta de seu corpo violentamente, a fazendo cair para frente, de joelhos no chão, enquanto soltava o celular que, na queda, desligou.

? — Stark a chamou alto assim que a viu cair, atraindo a atenção de todos os demais até ela. não conseguiu responder nada, tamanha a dor que sentia.
? ! — preocupado, Steve a chamou, sem sucesso. Não sabia se deveria deixar Bruce para acudi-la, não sabia mais o que fazer, mas não precisou se mover dali, pois, assim que a viu no chão, Thor já correu para ajudá-la.

A mesma estranha sensação de cinco anos atrás tomava conta do corpo de como uma onda feroz. Uma dor aguda, sufocante, que parecia crescer dentro de si, espalhar-se por todo seu corpo. De joelhos no chão, gemeu alto de dor, sendo acudida, meio segundo depois que caiu, por Thor. Como cinco anos atrás, ele a segurou firmemente pela cintura, por trás, a deixando respirar ajoelhada no chão, com suas mãos apoiadas em frente, apertando-se. gritava de dor, sentindo como se algo tivesse tomando conta dela, como se brotasse em seu peito uma energia estranha, como se tivesse sendo envenenada.

? — Ela ouviu Thor a chamar. — Olha pra mim, Fada. Consegue olhar para mim?

não conseguiu. Sabia o que era aquilo, o que significava. Era o sinal que precisavam, a certeza dada diante dos olhos deles de que tinha funcionado. Como cinco anos atrás, eles assistiram, atônitos, a se reconectar com uma porção de natureza ao redor que não mais existia. A metade do que era vivo e conectado com tinha acabado de retornar, de uma vez só, e ali estava ela, sentindo a presença de tudo aquilo de uma única vez. Como uma porrada forte, a cada grito de dor que dava, a cada aperto agudo e profundo que sentia, ela tinha a sensação de que estava mais forte, de que não estava sozinha. tinha, outra vez, cinquenta por cento a mais de natureza para controlar.
Steve, Bruce, Tony, Rhodes e Rocket mantinham-se no centro do laboratório enquanto Scott, mais afastado dali, ainda olhava os pássaros voarem no jardim de inverno. Clint chegou a pegar seu celular em mãos e o atendeu, mas não teve tempo de conversar. A única coisa que puderam ouvir dele foi o sussurro da palavra “amor?”, tão baixo e sentido, que mal saiu de seus lábios. Do outro lado do laboratório, ainda tentando se recuperar do que acontecia, a última coisa que ouviu foi Scott dizer:

— Pessoal… — ele chamou baixo, feliz — acho que... funcionou.

Contudo, não deu tempo sequer de se recuperar daquele baque, nem de responder Scott ou dos demais fazerem algo, de se pronunciar sobre o que viam ali. A próxima coisa que sentiu foi o peso do corpo de Thor em cima do dela, a atingindo violentamente, depois de um barulho ensurdecedor de um míssil, explodindo o Complexo.

Capítulo 36

De costas para onde o míssil os atingiu, não conseguiu ver exatamente o que estava acontecendo e só se deu conta alguns minutos depois da explosão, quando percebeu que estava soterrada, deitada no chão de barriga para baixo com Thor deitado sobre suas costas, a abraçando firmemente. Tudo estava escuro, muito quente, empoeirado e, de onde estava deitada, conseguia ver, com pouca nitidez, que estavam em meio a centenas de escombros. Um zumbido estridente parecia gritar em sua cabeça e, não fosse pelo barulho de novas explosões acontecendo acima deles, não poderiam ouvir nada, o som estava tão abafado como eles ali.
Sua mente oscilou por um momento, como se sua pressão estivesse prestes a cair consideravelmente. Talvez pela adrenalina ou pelo choque de estar, aos poucos, entendendo o que acontecia, não sentia seu corpo, absolutamente nada dele. Não soube dizer quando e nem de onde as explosões tinham vindo, mas de um segundo a outro, todo o Complexo tinha ido abaixo e virado ruínas. Em seus lábios, podia sentir o gosto de sangue e, a tirar pelo modo em que estava deitada, com o lado direito do rosto pressionado no chão, certamente tinha se machucado inteira. Não fosse pelo vibranium de seu traje e por Thor, em cima dela, ter absorvido todo o impacto, pensou que, certamente, deveria ter se machucado ainda mais. Toda a poeira ao redor era sufocante e os barulhos de explosões não demoraram mais do que um minuto para cessar de uma vez por todas.

— Thor? — ela chamou-lhe baixo, tentando levantar sua cabeça, sem sucesso. O rosto do homem estava deitado entre seu pescoço e nuca, a impedindo de se mover. Thor era bem maior e mais pesado do que e, a tirar pelo fato de estar completamente imóvel, parecia desacordado. Ela não conseguia movê-lo de cima dela, a não ser que acordasse. — Thor? Thor!

Ao tempo em que passou deitada ali, tentando pensar em uma forma de tirar a si mesma e Thor daquele sufoco, foi sentindo os impactos em seu corpo, conforme tentava se mexer com cuidado, preocupada em mover Thor e tê-lo machucado. Não sabia dizer se a dor que sentia era ainda a mesma de antes, resultado do aumento repentino da fitocinese, ou se foi pelo soterramento da explosão, que os enfiou solo abaixo em um piscar de olhos. O fato era que tudo doía nela. Respirando fundo, ela esperou alguns minutos naquela posição, tentando acostumar sua visão e sua audição ao ambiente, tentando entender, mentalmente, o que infernos tinha acontecido. Tinham usado as Joias, sim. Mas será que a manopla tinha causado uma explosão tão grande a ponto de destruir tudo ao seu redor? Não era possível. Estavam soterrados. Algo os explodiu verticalmente, os afundou no solo. Se a manopla tivesse explodido, o raio de energia seria horizontal, provavelmente os atingiria como um raio de um círculo, os levaria à tangente, não ao solo. O que caralhos tinha acontecido?
De cima dela, Thor levou alguns minutos mais para acordar, completamente confuso. Sem se mexer pelos primeiros instantes, ele apenas abriu os olhos e tentou localizar a si mesmo, sua mente o fazendo lembrar que, no exato segundo em que ouviu o primeiro barulho de explosão, ele se jogou sobre , a protegendo sem sequer pensar em fazer aquilo, a abraçando pela cintura de costas para ele. Tinha uma força descomunal, aguentaria o tranco da queda e o que quer que viesse para cima dele, mas seu inconsciente sabia que não. No momento seguinte, ele já não se lembrava de mais nada, pois tinha batido a cabeça em algo que não conseguiu identificar com clareza e apagou. Thor não tinha ideia de onde estava e nem do que acontecia ali, se sentia aprisionado, seus pulmões pareciam não trabalhar direito, faltava-lhe ar e tudo estava quente, úmido, empoeirado.

— Thor? — o chamou outra vez, assim que o sentiu se mexer nas costas dela.
? Você está bem? — ele perguntou, alarmado, enquanto tossia, sua respiração estava pesada. Sem muito em que pensar, ele se moveu com dificuldade até conseguir ficar sobre quatro apoios, seus joelhos e mãos um de cada lado do corpo da mulher abaixo, dando-se conta da posição que estavam.
— Estou. Como você está? Consegue se mexer? — ela respondeu no mesmo tom preocupado, virando-se de barriga para cima, entre arfadas de dor, e logo encarando o homem parado ali, concordando com a cabeça.

Ao menos estavam acordados e, apesar dos machucados visíveis em seus corpos e rostos, estavam bem. Eles se encararam por um momento, pensando no que deveriam fazer, sem encontrar qualquer resposta racional para aquilo. Estavam confusos, era nítido, tinham sido pegos completamente de surpresa, aquilo não estava, definitivamente, nos planos. Planos. Como um raio em suas mentes, os dois pareceram só então notar que não havia mais ninguém ao redor deles. Na explosão, tinham sido separados e já não sabiam sequer onde os outros estavam e se estavam bem, vivos. Assustada com a possibilidade de algo ter acontecido com qualquer um deles, chegou a abrir a boca para perguntar algo, tinha ainda o comunicador enfiado na orelha, mas, antes mesmo que pudesse emitir qualquer palavra, ela ouviu Rhodes dizer, desesperado:

Mayday! Mayday! Alguém na escuta? Estamos no nível inferior, está inundando.
O quê? O quê? — A voz meio grogue de Scott pôde ser ouvida na sequência, mas seu comunicador estava falhando, dando interferência. Thor olhou atônito para a mulher abaixo de si, sem saber ao certo o que deveriam fazer.
Vamos nos afogar — Rhodes voltou a dizer apressado, desesperado. — Alguém na escuta? Mayday!
— Rhodey? Nos ouve? — Thor respondeu alto, como um urro, mas não teve qualquer resposta dos demais.
— Rocky? Banner? Alguém? — insistiu, preocupada. Estavam fundo demais no solo e, possivelmente, bastante longe uns dos outros para que seus comunicadores conseguissem sincronizar com clareza.
— Temos que sair daqui. — Thor desesperou-se, olhando de ao redor deles. Tinham pouco espaço para se movimentar, estavam, literalmente, cobertos por destroços. A mulher acompanhou o olhar dele por um momento, pensando rápido no que podiam fazer para não piorar a situação. Qualquer movimento errado poderia movimentar novamente os destroços e os soterrar ainda mais. Tinham que ser rápidos, precisos e muito atentos aos movimentos que fariam — ou poderia ser perigoso demais. Iluminada por uma ideia que lhe ocorreu repentinamente, enquanto passava a mão na terra pura sobre a qual estava deitada, soltou o ar pela boca com força.
— Certo, não se mova até eu falar, ok? — pediu baixo, atraindo o olhar de Thor novamente para si. Pelo olhar seguro dela, claramente tinha tido uma ideia.
— O que você vai fazer? — no mesmo tom e imóvel, ele perguntou de volta, obedecendo o comando.
— Tirar a gente daqui.

Ao tempo em que disse aquilo, com as palmas das mãos viradas para cima, sobre o chão de terra enlameada, ela as fechou calmamente, concentrando-se no que poderia ter ao redor para ajudá-los. Sem muito esforço, afinal a natureza tinha dobrado seu volume há poucos minutos, conseguiu atrair, para perto de onde estavam, quilômetros de raízes próximas, soterradas ao redor deles. Velozes, ligeiras e fortes, elas rapidamente se infiltraram nos escombros e amontoaram-se no entorno de e Thor, os cercando como uma bolha. Surpreso, e um tanto estupefato pela beleza de ver aquilo acontecer bem diante de seus olhos, Thor observava o movimento das raízes acontecer sobre ele e , engrossando-se na bolha que os envolvia em segundos, criando paredes tão espessas que, certamente, seriam duras de quebrar.
Quando atingiram a grossura pretendida, Thor viu simplesmente abrir as duas mãos de uma vez, uma em cada lado de seu corpo, e sussurrando um “boom” enquanto o encarava com um sorriso divertido, fez a bolha de raízes que os envolvia estourar para cima e para os lados, com força e brutalidade, afastando todo e qualquer escombro que ali se encontrava, de uma vez. Thor nunca tinha dado importância à natureza. Nunca parou para pensar na força que ela tinha e em como poderia manipular aquilo a seu favor. Em menos de três minutos, havia conseguido, com raízes, varrer em um círculo em volta deles, tudo o que os soterrou. Tinha aberto o caminho para saírem dali. Faltava só arrumar uma forma de, literalmente, se levantar daquele buraco em que foram enterrados.

— Minha vez — Thor sorriu sem muita emoção e simplesmente esticou a mão para um lado qualquer.

Sem dizer nada, sentiu seu corpo ser puxado pela cintura e encostado no peito dele e, no mesmo instante, voaram buraco acima. Em sua mão direita, Thor carregava um martelo diferente, o mesmo que usou cinco anos atrás, em Wakanda. Era estrondosamente grande, lembrava um machado antigo, imponente, brilhante com fagulhas de raios passando por ele. Seu braço esquerdo estava passado pela cintura de , a segurando com firmeza e segurança, enquanto ela apoiava as mãos nos ombros dele. Inconsciente do porquê tinha pensado naquilo, lembrou-se de que da última vez em que alguém voou com ela, esse alguém foi Sam Wilson. Onde estava ele, afinal? Será que, àquela altura, tinha voltado também como seu pai? Como a filha de Nate? Uma sensação de urgência tomava conta de a cada novo pensamento, ela tinha que encontrar os seus.
Mas ela não teve muito mais tempo de pensar naquilo, pois, no instante seguinte em que levantaram voo, já estavam no solo, Thor a colocando delicadamente de pé no chão enquanto deixava o Stormbreaker de lado. A mulher deu uma olhada em si mesma, seu macacão estava cheio de arranhões espalhados, suas mãos sujas e, as passando pelo rosto, viu sangue grudar nas palmas. Tinha um corte pequeno aberto no queixo e outro perto do nariz, o lado direito do seu rosto latejava forte de dor e ardência. Ao lado dela, fazendo a mesma auto checagem, Thor percebeu-se igualmente sujo e machucado. Tinha menos ralados do que , cujo rosto estava bem vermelho e arranhado, mas suas costas doíam, provavelmente pelos impactos dos escombros diretamente nele.
Por todo o entorno deles havia nada mais do que o mesmo: destroços do Complexo, terra, em alguns pontos cheios de água e, em outros, fogo, um clima extremamente caótico. A noite já começava a cair e, com a escuridão do céu, misturava-se a névoa de calor e de poeira que havia subido com as explosões. Thor e não demoraram muito em notar que não estavam sozinhos ali. Pairando no céu, distante deles, havia uma nave imensa sobrevoando com seus porta-mísseis visivelmente apontados em direção ao que antes era o Complexo. Tinham sido propositalmente atingidos. Bombardeados por aquela nave, tinham levado uma chuva de mísseis. E tudo pareceu claro. O que ainda não fazia sentido, contudo, era quem havia feito aquilo e, principalmente, por que.
Mas aquelas perguntas não precisaram sequer serem feitas em voz alta. Dando um toque com seu ombro direito no braço esquerdo de , Thor indicou discretamente com a cabeça para onde seus olhos estavam cravados. Na direção deles, alguns bons metros à frente e abaixo, no meio do terreno, envolto aos destroços, uma figura bem conhecida desconcertou . Sentado calmamente e esperando algo que, àquela altura, não fazia ideia do que era, ela encarou Thanos, vivo, em carne, osso e histeria. Ele parecia sereno, como se absolutamente tudo estivesse sob controle. Diferente dele, contudo, parada em pé onde estava, sentiu a raiva tomar conta de si. Não era possível que passariam por aquele inferno outra vez, não era possível. Se tinham matado Thanos cinco anos atrás, o que diabos ele estava fazendo ali?

Se você mexer com o tempo, ele tende a reagir. — Foi o que ouviu Tony dizer pelo comunicador, como se respondesse exatamente a angústia que ela sentia.

Tinham brincado com algo que eles não entendiam plenamente. Mas, mais incompreensível ainda, para , era como tinham trazido Thanos até aquele tempo, até aquele exato lugar, com eles. Tinham sido eles? O que tinha acontecido para que Thanos voltasse dos mortos, do passado, para trazer caos e desespero outra vez? E, se estavam diante de uma pessoa morta no passado, havia chance de trazerem Natasha de volta? Nada daquilo importava, ao menos não naquele momento. O problema que tinham que enfrentar agora estava novamente bem em suas frentes e já tinha jogado a primeira peça no jogo. Já tinha os atacado, os machucado, tinha usado a tática covarde da surpresa, já tinha andado uma casa no tabuleiro. Contudo, se dependesse de e da raiva que sentia naquele momento, ele estava longe de dar o xeque-mate.
Não demorou muito para que, vindo por trás de onde estavam, Tony e Steve se juntassem a Thor e , respectivamente nesta ordem, parando lado a lado. Steve segurava seu escudo, encontrado por acaso por Tony no meio de todo aquele caos. Trocando um olhar rápido entre eles, buscando qualquer sinal de que estavam bem, eles focaram-se novamente em Thanos. A movimentação de chegada dos dois outros Vingadores, contudo, chamou a atenção do Titã que, ainda sentado sob um destroço e trajando uma armadura dourada brilhante, com uma arma parecida com uma espada fincada ao chão ao seu lado, subiu seu olhar calmo até as quatro pessoas em sua frente. Nenhum deles queria acreditar naquilo, era difícil e doloroso, era angustiante e inseguro, tinham em mente o que foi que aconteceu cinco anos atrás. E tinham medo, um desespero interno e latente, de que acontecesse outra vez. O medo do incompreensível, o medo da incerteza.
Thanos estava ali. E não precisaram pensar muito para entender o motivo.

— O que ele está fazendo? — Tony perguntou baixo, sem desviar seu olhar. Sua sobrancelha direita estava cortada e a lateral de seu rosto tinha sangue escorrido.
— Absolutamente nada — Thor respondeu, sério, no mesmo tom.
— As Joias — sussurrou para os outros três. — Ele veio por elas.
— Onde estão as Joias? — Foi a vez de Steve perguntar. Assim como os demais, também tinha um machucado grande perto do capacete que vestia, como se tivesse levado uma porrada forte ali.
— Em algum lugar debaixo disso tudo — apontando ao redor e virando-se levemente para Steve, Tony respondeu baixo. — Só sei que não estão com ele.
— Então, vamos deixar assim — fissurado na criatura metros à frente, Steve falou calmo, meia palavra bastando para que todos eles entendessem o que significava. Começariam a jogar o jogo.
— Sabem que é uma armadilha, não é? — Thor comentou, uma aura estranha parecia circular ao redor dele, o céu ventando conforme a fúria que ele sentia dentro de si crescia. Um sentimento que Thor havia perdido cinco anos atrás, uma carga elétrica que suas veias sentiam saudades.
— É… — Stark o olhou e dando de ombros, foi cirúrgico: — Só que eu não ligo.
— Que bom. — Thor mantinha-se focado em Thanos, mas o olhou de soslaio a tempo de ver os olhos deles tomarem uma coloração brilhante, azulada, enquanto dizia: — Já que estamos todos de acordo…vamos matá-lo direito dessa vez.

Respondendo ao comando silencioso dele, alguns raios quebraram o céu tormentosamente, ao tempo que um barulho alto de trovões cortou todo o ambiente. Thor esticou os dois braços desta vez, ambos sendo envolvidos por círculos de eletricidade, até ele ser atingido, na cabeça, pelos raios que caiam do céu. Em um segundo, no exato momento em que os raios saíam dele de volta às nuvens, Thor reapareceu com seu traje, a barba trançada, os cabelos meios presos para trás propositalmente parecido com o de e, para além do Stormbreaker, empunhando também o Mjolnir.
sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao ouvir aquilo. Sabia exatamente como Thor se sentia, entendia a vontade dele de carregar o sangue de Thanos nas mãos. Cinco anos atrás, Thanos tirou tudo deles. Matou Loki, fez Wanda matar a única pessoa que verdadeiramente amou e, não bastando assistir, refez a cena, matou Visão. Thanos sumiu com Peter de Nova Iorque, levou Bucky, Sam, T’Challa consigo. Ele dizimou Asgard, matou seu povo feito insetos, matou wakandanos a sangue frio, não se importou. Cinco anos atrás, Thanos deixou Tony Stark sozinho vagando pelo Espaço, à beira da morte. Desapareceu com Everett, com Karl, com Shuri. Levou metade de todo universo à poeira, forçou Natasha a sacrificar a própria vida. Cada passo que , Thor, Tony e Steve davam em frente, em direção ao Titã, todas as memórias violentamente intensas que tinham sobre o caos que aquela criatura deixou na vida deles vinha à tona. A cada passo, havia raiva. Tristeza. Solidão. Medo. Saudade. Cada passo trazia fúria, tormenta, dor, sofrimentos inigualáveis. Mas, muito mais do que a vontade de fazer justiça, a cada passo de cada um deles quatro, havia um sentimento muito maior, muito mais forte e intenso.
Havia a vontade de vingança.

— Não conseguiram viver com o próprio fracasso — Thanos comentou com sua voz rouca e grave, assim que viu os quatro próximos o suficiente para ouvi-lo. Estavam tensos, atentos e bastante cautelosos, seus movimentos eram cuidadosos demais. — Aonde isso levou vocês? — Ele parou por um novo momento e então sorriu leve, uma pergunta retórica. — De volta a mim.

achou que poderia matá-lo ali mesmo, mas esperou. Seu olhar seguia firme fulminando a criatura arroxeada, suas mãos fechadas com tanta força em punhos que podia sentir as unhas nas palmas enquanto seus pés davam passos firmes no chão. Não tinham se planejado para aquele momento, uma vez mais não tinham conseguido ter tempo para criar uma estratégia de ataque boa o suficiente. Parecia que, quando se tratava de Thanos, tudo tinha que ser no susto, tudo tinha que ser mal articulado por eles, tudo tinha que ser vulnerável. já estava cansada daquilo. Se não havia plano, seguiriam assim mesmo. Esperava que Steve os liderasse, sim, mas aquela situação pedia para que não pensassem tanto antes de agir, era hora de usar o melhor que podiam da improvisação. Como Tony Stark havia dito em seu surto de estresse cinco anos atrás, quando voltou à Terra, eles eram os Vingadores, afinal. Não os precavidos.

— Achei que, eliminando metade da vida, a outra metade prosperaria — Thanos voltou a refletir em voz alta. Os quatro espalharam-se ao entorno dele, desconfiados, sem tirar os olhos do que acontecia ao centro. — Mas mostraram a mim que isso é impossível. E, enquanto houver quem se lembre do que existia, sempre haverá os que são incapazes de aceitar o que poderia ser. Eles resistirão.
— É, porque somos teimosos — sem se importar com aquele discurso todo, Stark rebateu.
— Sou grato por isso — Thanos suspirou alto, tranquilo. — Porque, agora, eu sei o que preciso fazer. — Ele, então, se levantou e deu as costas aos quatro. deu alguns passos, aproximando-se mais dele, sua testa franzindo ao ouvir as palavras que vieram a seguir, enquanto observava o titã vestir um capacete e tirar sua arma fincada do chão. Ao lado dela, Steve, Tony e Thor também se aproximavam, colocando-se em posição. — Eu vou destruir este universo até o último átomo. E depois, com as Joias que vocês me trouxeram, vou criar um novo, enchendo de vida que não sabe o que perdeu, só o que recebeu. — Ao tempo em que ouviram aquilo, Thor energizou os dois machados que segurava, seus olhos tomando novamente a cor brilhante e azulada, enquanto nas pernas de começavam a subir raízes de plantas que se espinhavam feito cactos. Estavam a um passo de começar aquela briga outra vez. Thanos virou-se novamente de frente para eles e completou: — Um universo agradecido.
— Nascido do sangue — Steve rebateu, afrontoso, o encarando.
— Eles nunca saberão disso — Thanos respondeu, calmamente, olhando de Steve para mais ao lado. — Pois vocês não vão estar vivos para contar.
— Vamos acabar logo com isso — falou alto e revoltosa, já correndo em direção a Thanos, impaciente em continuar aguentando aquela conversa fiada.

Thor lançou-se à frente junto com a mulher, correndo em direção a Thanos, com Tony vindo pelo ar e Steve mais atrás. Sem cerimônia alguma, os quatro se jogaram contra o adversário, dividindo-se um em cada lado. Tony o golpeou por cima com o escudo de Steve que, atento ao movimento, o pegou no ar enquanto Stark foi jogado ao chão. tentou dar uma rasteira no titã, mas foi logo chutada para longe dali, ao tempo em que Thor descarregava a eletricidade que puxava ferozmente dos raios, usando os dois machados ao mesmo tempo, intercalando seus golpes de luta com os poderes que tinha. Tony colocou-se de volta no ar, mirando o canhão de plasma da palma de sua mão direita em direção a Thanos, que jogava Capitão para longe do epicentro da luta.
Tudo acontecia ridiculamente rápido e, na euforia do momento, não conseguiam raciocinar direito, mas conseguiam entender, pelo contexto e pelos anos de prática, exatamente qual era o jogo. Steve investia os golpes assim que Tony estava por perto e iam se revezando na luta, pelo ar e pelo chão, entre golpes dados com os próprios corpos, escudo e o que a armadura do Homem-de-Ferro tinha de melhor a oferecer. Quando caíam, quando eram afastados ou atingidos por Thanos, a dupla seguinte se colocava à vista em um piscar de olhos, dando tempo para que os outros dois se recuperassem. E aquele era o melhor movimento que conseguiam fazer, na improvisação, na pressa, na angústia e na raiva do momento.
estava atenta na contramão dos movimentos de Thor, golpeando Thanos agilmente com chutes, socos, joelhadas e tentando o derrubar no chão a todo custo, sempre no sentido contrário onde Thor estava. Se perguntava a todo tempo onde estavam Clint, Bruce, Scott, Rhodes, Rocket e Nebulosa e porque infernos não se juntavam logo a eles. Ela sabia que não tinha muitos recursos físicos a oferecer, Thor era, claramente e naquele sentido, maior e mais forte do que ela — talvez, de fato, o mais forte dos Vingadores. Mas havia aprendido em todos aqueles anos que não se podia dar todas as cartas de uma única vez em um jogo. Guardaria o que tinha de melhor para quando seu corpo já não mais pudesse aguentar, para quando os outros três já tivessem dado tudo de si e não restasse mais nada a oferecer. tinha aprendido a ser a solução final. E algo nela gritava que, àquela hora, a da cartada final, chegaria naquele evento também.
Thanos dividia-se calmamente em reagir aos quatro, mas era nítido que sua irritação estava aumentando a cada segundo, a cada vez que era atingido e, principalmente, a cada vez que conseguia golpear algum deles. Em dado momento, ainda mais sujos e machucados do que antes, limpou o sangue de sua boca com a parte de cima de sua mão, seu rosto ainda mais inchado e dolorido, e colocou-se de pé outra vez, como uma erva daninha, resistente, teimosa. Ela assistiu Steve ser jogado para o lado como um boneco, enquanto Thanos golpeava Tony com sua lança, espelhando o plasma para que refletisse em sua lâmina e se voltasse contra Stark. Poucos passos dali, Thor também se colocava em pé outra vez, seu olhar furioso, suas mãos calejadas, abertas em machucados expostos. Estava irado, toda a eletricidade que corria em suas veias externalizada no céu sobre eles, Thor estava atormentado.
Eram quatro contra um. Uma luta que pareceria desleal a qualquer ouvinte da história, mas que não estava nem perto de ser justa quando se tratava de Thanos. não soube dizer, exatamente, de onde aquilo tinha vindo, mas, meio segundo depois de levantar, Thanos impulsionou seu corpo em um giro rápido e lançou, na exata direção de , a arma que tinha. Sem conseguir desviar a tempo, a lâmina afiada da enorme arma atingiu de raspão a lateral do corpo de , o suficiente para cortar o Vibranium de sua roupa e, com ele, sua pele, bem abaixo do braço esquerdo. Com o impacto do raspão, ela caiu sentada para trás, um gemido alto de dor saindo de lábios, seus olhos descendo estarrecidos até a região, o tempo certo de ver o sangue manchar seu traje. Em sua mente, se perguntava como era possível Thanos ter um metal mais forte que o Vibranium de seu macacão e a imagem de Visão, um corpo feito de Vibranium, voltando da Irlanda totalmente destruído a fez responder aquela pergunta.
Nervoso com o que assistiu, Steve deu um grito alto enquanto correu em direção ao titã, mas Tony foi mais rápido, chamando a atenção de Thor e, no momento seguinte, abrindo uma espécie de canhão em formato de flor nas costas de sua armadura.

— Ok, Thor, pode mandar — ele pediu, simplesmente, sendo ouvido pelos demais através dos comunicadores.

Thor nem sequer hesitou. No segundo em que ouviu o comando de Stark, canalizou uma nova onda de eletricidade e, fechando as mãos de modo que pudesse juntar seus dois machados, direcionou toda a energia para as costas de Tony. O canhão de flor a absorveu instantaneamente e Tony logo passou a descarregá-lo de uma vez na criatura a sua frente. Aproveitando o novo movimento, deslizou sentada até perto da arma que Thanos havia lançado contra ela e, do mesmo modo, juntando toda a força que tinha dentro de si, ela a lançou de volta, conseguindo fazê-la cravar em cima de um dos pés do titã. Mas Thanos era resistente. E, mais do que isso, era esperto.
Tirando sua própria arma fincada de seu pé, ele a girou apressadamente, criando em frente de si mesmo uma espécie de escudo que o protegeu do disparo de energia advindo do Homem de Ferro. Apesar do fluxo de energia, a criatura foi se aproximando de Tony lentamente, dando passos pesados e lentos enquanto se protegia. Atento ao que acontecia ao redor, Thor jogou o Mjolnir para o ar e, em um movimento rápido e violento, o golpeou com o Stormbreaker em direção a Thanos. Mas foi um único segundo de atraso que fez tudo começar a desandar outra vez.
Thanos já tinha conseguido chegar perto o suficiente de Tony e desestabilizou o fluxo de energia, a fazendo dissipar-se pelo ar. No movimento seguinte, pegou Stark, uma mão em sua perna e outra em sua cabeça, e o levantou horizontalmente no ar, o usando como proteção contra o Mjolnir que, seguindo em direção a ele, colidiu exatamente no meio da armadura de Tony. Com o forte impacto, Stark foi empurrado muitos metros para trás por cima da cabeça de Thanos, caindo, desacordado, longe deles. Sua armadura brilhava com os raios azuis que tinham vindo de Thor, como se estivesse em curto-circuito e sua nuca atingiu com força um escombro, o que amorteceu sua queda.
Eram só três agora, para Thanos.
Mas ainda eram três para , Steve e Thor.
Steve chegou no exato momento em que Tony caiu desacordado, tentando golpear Thanos com a força de seu próprio corpo, mas, feito um inseto, foi socado para longe. Seu corpo atingiu uma placa de concreto próxima, o fazendo cair, exausto. Estava machucado, podia sentir seu corpo pesado, não estava mais conseguindo responder aos comandos de sua mente com tanta agilidade e força. Tinha apanhado, ainda estava apanhando, uma surra que não pensou que levaria. E, não bastassem os danos físicos, ainda estava emocionalmente sendo destruído. Estava vendo seus amigos apanhando, levando a mesma surra que ele levava, dando tudo de si e parecendo que nada era bom ou forte o suficiente. Estava com a estranha sensação de cinco anos atrás, de que estavam enxugando gelo, de que, no final, talvez não fossem mesmo o suficiente para lidar com aquilo.
Mas Steve sempre havia sido resistente. Aprendeu a levantar-se quando caía, aprendeu a ser insistente, aprendeu que a recorrência era melhor e sempre seria, do que a desistência. A verdade era que Steve não sabia como era desistir. Do jovem franzino do Brooklyn que conseguiu se meter em uma guerra e se transformar no que era, do soldado que teve um avião desaparecido e foi descongelado fora de seu tempo, do super-herói que salvou Nova Iorque de uma invasão a ter voltado no tempo para recuperar as Joias, Steve não sabia o que desistir significava. Por tudo que havia passado, por tudo o que havia perdido, por tudo que ele era, pelas pessoas que ele ainda tinha, ele seguiria em frente enquanto conseguisse respirar. Tinham que continuar tentando. Ele continuaria tentando e, vendo em um canto se levantar pela centésima vez enquanto Thor corria na direção do inimigo, Steve sabia que não tentaria sozinho.
Rastejando ajoelhado no chão para desviar da arma que Thanos atirou em sua direção e que voltou para ele como um boomerang, Thor quase o conseguiu atingir com o Stormbreaker, mas foi parado um milésimo de segundo antes disso acontecer, pela lâmina da arma. Encarando-se frente a frente enquanto soltavam grunhidos de força e de ódio, Thor conseguiu tirar de perto de Thanos sua arma, ao tempo em que Thanos tirou dele seu machado. Corpo a corpo, o titã o pegou pelo pescoço e o atirou para o lado, o derrubando em um amontoado de terra próximo, socando-o repetidas vezes. O asgardiano já não reagia mais, estava fraco e tinha, nitidamente, perdido os sentidos quando Thanos o jogou novamente, para o outro lado, e seguiu para cima dele, o esmurrando.
Thor chegou a esticar sua mão, chamando o Stormbreaker para perto, mas Thanos o pegou no meio do caminho. No jogo de forças que se seguiu, o deus do trovão tentava afastar o próprio machado que era forçadamente enfiado em seu peito, o gosto do sangue escorrendo em seu rosto até sua boca. Tinha certeza que iria morrer ali e foi a única coisa que ele conseguia pensar — na desonra, no fracasso, em não ter, uma vez mais, conseguido vencer Thanos, vingar as mortes das pessoas que ele amava. Contudo, metros atrás de onde isso acontecia, gritou o nome dele e esticou sua mão direita com raiva. Ao tempo em que fez este breve movimento, algumas raízes que estavam enroladas em seu corpo esticaram-se e estouraram o chão próximo a Thor, enrolando-se nos dois tornozelos dele. E, o que veio a seguir, foi um espetáculo.
Na mesma linha em que estava, mais ao lado, Steve já estava em pé e, sem saber como tinha feito aquilo, assim que viu desesperar-se em assistir Thor quase ser morto, também esticou sua mão. Não tinha a menor ideia do porquê tinha feito aquilo e muito menos esperava que, no segundo seguinte, fosse conseguir manipular o Mjolnir. Steve apenas sentiu uma conexão estranha, um medo absurdo, um desespero assustador. Não perderiam mais ninguém. Thanos não levaria mais nenhuma vida. Essa era a regra. O Mjolnir atingiu o titã na parte de trás da cabeça, o fazendo sair de cima de Thor, e voltou para Steve, no exato mesmo tempo em que conseguiu puxar Thor, pelas raízes e pelos tornozelos, o arrastando, deitado, no chão para longe dali.

— Eu sabia — Thor murmurou, sorrindo leve, enquanto era arrastado pelo chão pelas raízes de . Seus olhos estavam presos no Capitão América, a única pessoa digna de conseguir se conectar ao Mjolnir, depois dele mesmo. Steve empunhava o martelo e seu escudo, o poder e a raiva transbordando de seus olhos claros. puxava Thor para perto dela, uma cena que, em qualquer outro contexto, seria, no mínimo, cômica. Mas, no momento em que Thanos o viu passar deitado e arrastado ao seu lado, deu duas pisadas fortes nele, o fazendo apagar de vez.

Assim que viu Thor também ser apagado, soltou as raízes dele e de si mesma, as fazendo desaparecer de perto e voltarem para o solo. Tinha demorado demais, Thanos tinha sido mais rápido, mais uma vez. Steve, contudo, não deu sequer um milésimo de segundo para a criatura respirar e, girando o Mjolnir em sua mão direita, com o escudo empunhado na esquerda, correu na direção dele. Aproveitando a deixa, também foi na direção deles, se enfiando na luta que se seguiu do jeito que podia, com os golpes que conseguia. Thanos conseguiu a atingir com a lâmina da arma mais duas vezes, uma na parte de trás da coxa direita, outra no antebraço esquerdo, no mesmo lado que já sangrava.
A cada golpe que levava, mais de seu macacão era estourado, mais de seu corpo era machucado. já sentia seu rosto formigar, suas mãos estavam estouradas dos socos que insistia em dar em Thanos, a região dos joelhos e cotovelos de seu traje desgastados, já rompendo. E, embora Steve o tivesse conseguido derrubar, quebrar parte de sua armadura e o golpear com uma descarga de energia oriunda do Mjolnir, nada do que faziam parecia o suficiente. Estavam completamente destruídos fisicamente e Thanos não tinha nenhum arranhão, a não ser o pé machucado pelo corte que conseguiu fazer e alguns pontos de seu rosto que estavam avermelhados pelos socos que levou de Steve e Thor. Tentaram enforcá-lo, derrubá-lo, eletrocutá-lo, cortá-lo, mas nada parecia forte o suficiente. Se um Homem de Ferro, um Deus do Trovão, um Capitão América e uma Fada da Natureza não o podiam derrubá-lo, o que, de fato, poderia? Eles não sabiam e não tinham muito tempo para pensar naquilo.
desejava mentalmente que Stark e Thor acordassem outra vez quando foi chutava por Thanos para o lado oposto onde Steve foi esmurrado. Deixando o Mjolnir cair longe de si, o Capitão subiu seu olhar do martelo até a mulher de frente com ele, que estava de lado para Thanos. Steve ainda tinha seu escudo inteiro, lotado de sujeira e de arranhões, e aquilo o trouxe memórias repentinas. Observando respirar rapidamente, bastante cansada e ofegante, ele se lembrou de quando treinava com Natasha na Torre dos Vingadores, de quando tiveram que agir em Nova Iorque em 2012. A mente dele, então, se lembrou de saltando do avião, em pleno ar, quando estavam indo atrás de Bucky em Bucareste. Ela era ágil, forte, esguia e tinha coragem, um tanto de loucura, de fazer o que fosse preciso. Steve teve uma ideia.
De onde estava, o viu se agachar ligeiramente e apoiar seu escudo com firmeza em seu braço esquerdo, deixando-o paralelo a seu corpo formando uma rampa lateral. Steve olhou expressivamente para ela e, em seguida, para o objeto em seu braço, deu duas batidas leves no centro do escudo: um código silencioso para que ela fosse até ali. não sabia dizer se tinha entendido direito o que aquilo significava, mas vendo Thanos se reaproximar de Steve, ela não teve tempo para pensar. Fosse o que fosse, precisava fazer algo. Trocando um sorriso discreto e cúmplice com ele, ela foi em frente.
A mulher correu os metros que a separava de Steve e, perto o suficiente do amigo, pegou impulso e pulou, com os dois pés, no escudo que ele segurava. Assim que sentiu o peso do corpo dela sobre o braço dele, Steve a impulsionou ainda mais, a empurrando pelo ar, exatamente como fez com Natasha em 2012. Ágil e muito rápida, o corpo de deu uma cambalhota para trás no ar e a fez cair sentada, exatamente sobre os ombros de Thanos, nas costas dele. Ela, então, fechou seus joelhos em volta do pescoço dele e o tentou sufocar, ao mesmo tempo em que lhe dava sucessivas cotoveladas na cabeça, violentas e fortes. Thanos chegou a cambalear para trás por um momento, mas não durou muito. Gritando nervoso, ele puxou a mulher sentada em suas costas por uma única mão, pelo pescoço, e a jogou no chão com toda força que tinha. só se lembrava de ter caído de lado, sua coxa cortada batendo em uma pedra próxima, a fazendo gritar de dor enquanto a criatura a virou de barriga para cima com o pé. Em seguida, levou uma pisada forte no meio do peito, que a sufocou imediatamente e, sem conseguir respirar, desmaiou de vez por todas com um segundo pisão, na cabeça.
A olhando desacordada, jogada no chão, aos seus pés, Thanos pensou que nunca gostou de ervas daninhas.
Steve chegou a gritar por duas ou três vezes, mas, na ausência de resposta da amiga, parou. Seriam só ele e Thanos agora. Só Steve, toda sua raiva e a sensação de querer vingar o que aquela criatura infernal fez até aquele momento, e Thanos. Com os olhos pregados neles, Steve foi para cima uma última vez, mas não resistiria por muito mais tempo. Não demorou sequer cinco minutos para que ele também estivesse de volta ao chão, para que seu escudo fosse destroçado e seu corpo já não respondesse mais. Ainda assim, Steve não desistiria, nunca. Seria resistência enquanto aguentasse ser. Tinha sido criado para aquilo, estava preparado para aquilo e não importava o que custasse, ele sempre se levantaria outra vez.

— Em todos os meus anos de conquistas… — Thanos voltou a dizer, parado a alguns passos de onde Steve tentava se levantar com muita dificuldade, debruçado no chão — ...violência, massacre, nunca foi pessoal. Mas, devo dizer a vocês: o que estou prestes a fazer com seu planetinha irritante e teimoso… — ele encarava Steve ainda no chão — eu vou gostar. Eu vou gostar demais.

Com dificuldades de respirar e jogada a alguns metros de onde Steve estava, abriu os olhos. Sua cabeça parecia girar e sentia seu corpo formigar, como se algumas partes dele não pudessem mais ser sentidas. estava entorpecida e sabia que aquilo era normal. Pela porrada que levou e pela adrenalina que corria em suas veias, seu corpo estava absorvendo tudo o que tinha acontecido, estava tentando lidar com todos os machucados ao tempo que tentava reagir aos comandos de sua mente de colocar-se em pé outra vez. estava exausta. Acabada. Ainda deitada no chão, tentou passar as mãos pelo rosto, mas sequer conseguiu tocá-lo. Tudo doía absurdamente.
Em um movimento lento e cuidadoso, ela apoiou-se de cotovelos no chão, dando uma olhada assustada e desesperada ao redor, em busca de Thanos. Não tinha noção de que estava desacordada por não mais do que cinco ou dez minutos e não sabia o que esperar. Um medo repentino tomou conta dela. Medo de que Thanos tivesse matado Steve, de que tivesse encontrado as Joias. O pavor de que tivessem oficial e novamente perdido aquela luta, que fossem perder todos os que desapareceram uma vez mais. Não podia deixar que isso acontecesse outra vez, ela tinha que fazer algo. sentia sua respiração forçar-se em seu peito e, pela dor insuportável que sentia no tórax, tinha certeza absoluta de que estava com uma fratura na costela. Seus olhos pareciam que sairiam de seu rosto a qualquer instante enquanto ela olhava ao redor, apoiando-se lentamente, entre gemidos de dor, para conseguir se levantar pouco a pouco.
Ao tempo em que conseguiu colocar-se, finalmente, em pé, ela pôde ver Steve parado de frente para ela, a bons metros de distância. Ele estava tão ferido quanto , seu rosto estava tão sujo de sangue que mal podia vê-lo. O Capitão tinha a respiração eufórica, ofegante, pouco de seu escudo havia restado, metade dele. Steve observou por um único instante, o caos do que tinha acontecido refletido em cada parte do corpo dela. Sem dizer nada, ambos concentrados em suas respirações exaustas, Steve sentiu-se aliviado por vê-la colocar-se em pé outra vez, ao tempo em que agradeceu mentalmente a Bast por ele não estar morto. Mas algo estava estranho na atmosfera. Algo estava instável, parado demais. Onde estava Thanos? sequer precisou perguntar. Como se entendesse a confusão que transparecia no olhar da amiga, Steve apontou com o queixo em direção a ela e, então, desviou seu olhar para trás de onde ela estava.
Lentamente, com certa dificuldade de se mover, tentando se acostumar com a dor generalizada que sentia, virou-se de costas para ele, para olhar na direção que ele havia apontado. Tinha a mão direita segurando a própria costela, puxava o ar pela boca, seus cabelos bagunçados, ainda meio presos, estavam grudados no pescoço e com sangue. Esperava encontrar Thanos ali, parado e soberbo, esperando por eles para recomeçar a luta. Contudo, bastou a virar-se totalmente para entender o que estava acontecendo. O exato mesmo exército de criaturas que haviam lutado contra em Wakanda, cinco anos atrás, estava de volta. Saindo da nave que os sobrevoava, a quilômetros de distância deles, centenas de milhares daqueles bichos corriam furiosos, prontos para matar o que vissem pela frente. Enquanto isso, criaturas gigantescas e fortes eram libertas de coleiras no solo e outras, como amebas gigantes, do mesmo tipo que observou em Nova Iorque ao voltar no tempo, eram soltas no céu. conseguiu identificar a criatura esbranquiçada que abduziu Peter Parker, as outras duas contra quem lutou na Escócia e aquela que mandou rezar em Wakanda.
Thanos não só tinha voltado como também tinha trazido seu inferno particular com ele. Não estava contente com tudo o que já tinha feito, ele queria mais. Queria massacrar, lavar aquele solo com o sangue de todos que se colocavam em sua frente, ele queria ter a sensação de que estava no comando, de que era, sim, invencível. Inevitável.
sentiu seus olhos encherem de lágrimas, observando o terreno gigantesco do Complexo virar um novo campo de guerra. Seu coração batia acelerado, estava angustiada, apesar de, por fora, manter-se respirando fundo, concentrada. O céu estava escuro, o vento gelado batia neles e o barulho ensurdecedor das criaturas furiosas vindo em sua direção já começava a ficar evidente. Os quilômetros que os separavam foram diminuindo, virando metros, até chegarem perto o suficiente de Thanos e parar. Como um líder em uma guerra medieval, Thanos estava ao centro e à frente, seu exército o cercando alguns passos atrás, esperando um comando oficial para, finalmente, atacá-los.
Do outro lado do campo, contudo, de frente para eles, havia apenas e Steve. Seriam só eles dois novamente. E jamais seria o suficiente, sabiam o que estava prestes a acontecer. Um tanto de coragem e um tanto de loucura. Ela e Steve contra milhares de seres. Uma conta que jamais fecharia, era irreal, improvável, um suicídio. pensou em seus pais por um momento. Pensou se Benedict e Hellen tinham imaginado que ela estaria ali algum dia, se tinham ideia do quão grande era a filha deles. Pensou em Karl e Everett, onde estavam e por que não deu sequer tempo de respondê-los quando ligaram, há pouco. pensou em Bucky, como seria para ele quando tudo aquilo terminasse, como Sam reagiria em ver o que tinha feito por sua família. sentiu que não voltaria mais, que não haveria mais chances de rever T’Challa e Shuri em Wakanda.
Ela havia feito tudo o que fez para trazer todos que amava de volta. Mas, talvez, daquela vez, seria ela quem não voltaria mais para eles.
soltou o ar com força, pela boca, e engoliu o choro, seus olhos carregados de lágrimas. Ela, então, estendeu a mão direita para o lado do corpo e deu uma olhada por sobre o ombro esquerdo, para ver Steve. A metros atrás dela, ele deu alguns passos em frente, mancando, encarando do exército à . Steve sabia que tinha encontrado nela uma amiga de uma vida inteira. Sabia que tinha em uma irmã. Mas, a olhando parada ali, em frente a ele e um pouco ao lado, totalmente caótica, machucada, esperando por seu comando para seguir em frente, seus olhos carregados em lágrimas e em fúria, Steve teve a certeza absoluta de que tinha em a sua própria vida. À prova final, assim como ele, ela daria a sua vida por um propósito maior. E daria sua vida pela a dele.
Os dois se encaram por um breve momento. Steve chegou a apertar a fivela do que sobrou de seu escudo em seu braço, ignorando os machucados por dentro de sua roupa e parou de caminhar por um momento, mantendo-se metros atrás de onde estava, pensando no que poderiam fazer. Mas, antes que ele pudesse assentir ou dizer qualquer coisa à , para que começassem a luta de uma vez por todas, um chiado estranho rompeu seus comunicadores, como se ele estivesse falhando, mas alguém tentando dizer algo ao fundo chamou a atenção. franziu a testa, tentando se concentrar, até uma voz familiar surgir repentina e inesperadamente, clara, pelos comunicadores em seus ouvidos.

Ei, Cap, está na escuta?

Os dois pararam por um momento, atordoados, sem saber como reagir. Não sabiam dizer se estavam ouvindo aquilo por puro estresse do momento, pela pressão da responsabilidade que tinham, pelo medo, pela ansiedade, ou se era real. Havia uma chance de ser real? Steve sabia que tinha conversado com Okoye. Sabia que tinha contado a ela sobre o plano, que a tinha alertado sobre a possibilidade de ter todos de volta outra vez e que ressurgiriam, justamente, em seus locais de partida. Okoye estava em Wakanda, onde os demais deveriam também estar. Tinham tecnologia o suficiente para já saberem o que estava acontecendo no Complexo e para conseguir conectar novos comunicadores aos deles, afinal, Shuri também deveria estar de volta. Era possível? Talvez fosse real. sentiu seu coração bater tão forte que podia sair de seu corpo a qualquer momento. Ela conhecia aquela voz. Só não sabia, assim como Steve, como reagir a ela.

Cap, é o Sam. Está me ouvindo? — A voz clara de Sam saiu novamente do comunicador, como se quisesse responder aos pensamentos deles, na hora exata, tirando de e Steve arrepios em suas espinhas.

Ele tinha voltado, ele tinha mesmo voltado. E, ao menos que Steve e estivessem enlouquecendo juntos, ele estava se comunicando com eles, era Sam, era mesmo Sam Wilson. Vivo. Presente. Próximo. E, não bastasse sua vida poder novamente ser sentida, ainda poderiam, finalmente, pedir sua ajuda. sentiu seu corpo estremecer, de alívio, as lágrimas não deixando de marejar seus olhos. Steve deixou uma respiração exausta escapar, uma felicidade inesperada tomando conta de si, um alerta de que ainda havia uma chance para eles. Não estavam sozinhos, afinal, Sam surgiu como a salvação. Ao tempo em que ouviram o Falcão no comunicador, Stark e Thor recobraram suas consciências, já acordados, mas ainda permaneceram sentados no chão. De onde estavam, longe um do outro e alguns metros de e de Steve, tentavam entender o que acontecia ao redor deles, seus olhares, aliviados por também ouvir Sam pelo comunicador, corriam pelos dois amigos em pé por perto e pelo exército de criaturas à frente.
Apesar de abatidos, machucados e cansados, a batalha real sequer tinha começado ainda. virou-se novamente de frente para Steve, atônita com o fato de terem sim conseguido trazer todos de volta, de Sam os ter encontrado, de não estarem mais sozinhos. Ela, então, viu Steve colocar a mão direita em seu comunicador, enquanto respirava pesadamente pela boca, pronto para pedir ajuda para Sam, passar as coordenadas de onde estavam e do que estava acontecendo com eles. Mas não foi preciso dizer sequer uma única palavra, porque Sam disse uma última vez, fazendo Steve virar-se de costas.

À sua esquerda.

Exatamente à esquerda de Steve e ao tempo em que ele se virou, viu um portal redondo, em faíscas douradas e brilhantes, abrir-se rapidamente. E o que veio de dentro dele a fez dar dois passos para trás, sentindo toda a emoção que poderia ter dentro de si tomar conta de seu corpo de uma vez, como se uma bomba tivesse explodido de dentro para fora dela. De saudades, de encantamento, de desespero. Como se toda angústia e solidão que sentiu nos últimos cinco anos tivessem virado faíscas e desaparecido tão rápido quanto cinco anos antes assistiu as pessoas que mais amava na vida desaparecerem.
sentiu, naquele exato instante, que venceu. Que seu coração estava inteiro outra vez, que suas lágrimas tinham sido secadas e que havia nela mais nada além de vida de novo.
Okoye saia do portal com T’Challa e Shuri ao seu lado. Sérios, tensos, observando a frente com foco. Ao tempo em que desceu seus olhos por cada um deles, deixando algumas poucas lágrimas escorrerem por seu rosto, de felicidade e de alívio a todo aquele estresse extremo, T’Challa a olhou de volta. Paralisada em seu lugar, sem conseguir se mover pelo choque de vê-los outra vez, não teve tempo de dizer ou de fazer nada. A próxima movimentação de dentro do portal tirou dela o maior dos sorrisos que poderia dar e seus olhos acompanharam o Falcão voar por cima de onde Steve e ela, metros à frente, estavam. Ela não sabia se estava sonhando ou se eles realmente estavam ali, diante de seus olhos. Chegou a pensar, por um segundo, enquanto assistia dezenas de novos portais abrirem-se, como aquele primeiro e ao redor dele, que talvez pudesse estar morta; que Thanos a havia matado quando a atingiu, e que estava se encontrando com aqueles que ela perdeu, com todos os desaparecidos, com os mortos.
jamais conseguiria colocar em palavras tudo o que sentiu naquele momento. Não era possível dizer, porque ela não conseguia entender. Um misto absurdo de felicidade e de saudade, um grito de vitória ecoando em seu peito com tanta força que ela mal conseguia reagir. Pelos portais, pessoas que ela nunca tinha visto em toda sua vida saíam, atentas ao exército inimigo em frente, tentando entender, minimamente, o que acontecia ali e o que deveriam fazer. Steve parecia ficar mais satisfeito e seguro a cada pessoa nova que via se juntar a eles e deixou seu sorriso abrir ainda mais assim que viu o garoto pousar em cima de um escombro, metros de onde ela estava, olhando ao redor, confuso. Peter Parker não tinha morrido, também. A lembrança de vê-lo desaparecer em Nova Iorque e de, em Wakanda, cinco anos atrás, ter gritado seus pulmões afora perguntando por ele a atingiram tão fortes quanto vê-lo bem ali, vivo, bem.
Ao tempo que cada uma das novas pessoas aparecia pelos círculos, que aos olhos de pareciam ser abertos e controlados pelo mago que havia visto pelas imagens de Nova Iorque sendo invadida, cinco anos atrás, e outros como ele. Do mesmo modo que se lembrou de ouvir na última batalha que travaram juntos, sentiu um arrepio percorrer sua espinha assim que T’Challa gritou Yibambe. O grito em plenos pulmões que era repetido pelo exército de wakandanos que se levantava atrás de onde seu rei e sua general caminhavam, fortes, resilientes, prontos para defender a honra e a memórias daqueles que perderam da última vez que Thanos apareceu. A palavra que os preparava para uma nova guerra, que os dizia para terem garra e persistência, que resistissem em pé ao lado dos seus.
Junto com eles, naves de alta tecnologia sobrevoavam a batalha, se posicionando para atacar quando fosse a hora, enquanto, no chão, novas pessoas apareciam, formando um exército, se não tão grande quanto o do inimigo, ao menos mais poderoso do que ele. acompanhou a entrada de cada pessoa, uma a uma, aparecer por chão, pelo ar, voando ou correndo alguns passos à frente, até parar onde os primeiros da fila estavam parados. Formando uma parede das pessoas mais fortes e poderosas do mundo, o medo que sentiu de perder mais uma vez ou de não aguentar aquela batalha foi dissolvendo de até sumir de vez quando seus olhos caíram sobre a pessoa que ela mais sentia falta naqueles anos.
Calmo, como ela se lembrava dele, com um olhar sério e um tanto descontente, provavelmente dominado pelo medo e pela tristeza de estar em uma nova guerra, naquelas proporções, Bucky apareceu de dentro de um dos portais, acompanhado por Groot ao seu lado. Ele segurava a mesma arma que carregava cinco anos atrás, na batalha em Wakanda, tinha os cabelos compridos semi presos, como estavam os de naquele momento, apesar de bagunçados, e vestia o mesmo uniforme que ela mandou fazer para ele. Como se absolutamente nada tivesse acontecido em todos aqueles anos, como se nada tivesse mudado nele, não mudou, afinal.
Ali estava Bucky. Tão vivo quanto os demais, tão perdido e incompreendido quanto todos os que desapareceram, carregando dúvidas nos olhos claros que tanto amava, no azul que, por tanto tempo, ela se perdeu, nos dias em Wakanda e nos seus pesadelos mais tristes nas noites em Berlim. Ver Bucky de novo foi devastador, uma felicidade violenta, uma saudade reprimida que explodia dentro dela, foi avassalador. Fez o coração de querer pular para fora de seu corpo, bater tão acelerado que doía em seu peito. Era mesmo Bucky. Estava ali, com eles, outra vez, se dispondo a ajudar, pronto para mais uma luta.
Dando alguns passos inseguros em frente, Bucky passava seus olhos apressados pelo lugar. Os gritos altos dos wakandanos inundando seus ouvidos, com a escuridão da noite caindo ao seu redor e o vento gelado batendo em seus cabelos. Uma vez mais em sua vida, não incomum e não anormal, ele se sentia confuso. Não tinha tido tempo de entender o que havia acontecido. De repente sumiu, se viu virar pó e, como cinco minutos depois, se viu voltar, do mesmo pó que se desfez. No exato mesmo lugar que sumiu, em Wakanda, ele voltou, mas não havia mais nada lá. Nem a batalha que se lembrava de estar travando, nem Steve, nem mais ninguém, nem . Okoye o abraçou com tanta força que ele se assustou. E não demoraram dez minutos para que as poucas pessoas que, assim como ele, tinham aparecido de volta em Wakanda, fossem reunidas um pouco próximo a entrada do palácio e lhe fossem contadas a história mais atormentadora que Bucky já tinha ouvido em toda sua vida de violências e inconformidades: cinco anos haviam se passado.
Mas não tinham tempo de conversar, não naquele momento e nem naquele lugar. Okoye lhes disse por cima que tinham desaparecido quando Thanos conseguiu os vencer em batalha e acionou as Joias, dizimando cinquenta por cento de tudo que era vivo em todo o universo. Cinco longos anos tinham se passado, desde então, e muita coisa havia mudado para todos aqueles que ficaram. E, falando neles, estavam novamente travando uma guerra porque tinham, os que sobraram, conseguido encontrar uma forma de trazer os desaparecidos de volta. Tinham conseguido, mas precisavam de suas ajudas agora. Bucky não trocou uma só palavra com ninguém. Manteve-se fechado em seus próprios pensamentos, uma sensação brutal de insegurança rompendo sua mente, enquanto se perguntava incansáveis vezes onde estava , o que tinha acontecido com ela e se ainda estava viva, depois dos cinco anos que ele sumiu.
Atormentado pela ideia de, mais uma vez, ter morrido e voltado a vida sem sequer se dar conta disso, Bucky entrou pelo portal que se abriu diante dele, assim que um mago apareceu inesperadamente em Wakanda, pedindo ajuda. E seu coração ligeiramente se acalmou assim que seus olhos correram pelo lugar totalmente destruído ao seu redor e caíram sobre ela. Diferente da última imagem que tinha de , a que estava diante dele parecia bastante diferente. O encarando de volta, as mãos aos lados de seu corpo, metros de distância dele, a mulher estava mais magra, os cabelos mais curtos e bagunçados e estava tão fisicamente machucada, cheia de vermelhos, roxos e sangue, que ele se desesperou.
Por um segundo, se perguntou o que tinha acontecido com ela e desejou a todo custo tirá-la dali o mais rápido possível, ajudá-la, salvá-la de alguma forma. Mas a voz de Okoye rapidamente contando o que tinha acontecido minutos antes de chegarem ali fez um sentido enorme para Bucky naquele momento. havia sobrevivido àqueles cinco anos e mantinha-se em pé ali, naquele estado, porque estava dando sua vida para salvar a de todos eles. Estava lutando há mais tempo do que Bucky podia imaginar e os olhos carregados de alegria e alívio dela demonstravam o quanto estava se sentindo feliz por vê-los ali. Ele queria ir até ela, queria falar com ela, senti-la. Mas não havia tempo de mais nada, senão de começar a luta de suas vidas.
desviou seu olhar de Bucky para Groot, ao lado, assentindo brevemente com a cabeça para ele, que retribuía. Em seguida, ela reparou que Wanda estava também com eles, furiosa, magoada, com os olhos cravados em Thanos do outro lado do campo, mirando nele a vingança da morte de Visão. Indescritivelmente contente e orgulhoso por ver o seu povo se juntar a eles, Thor puxou o Stormbreaker de volta e se colocou em pé, ao mesmo tempo que centenas de outras pessoas apareciam, entre elas Pepper em uma armadura de Tony e Scott em sua versão gigante, colocando Bruce, Rhodes e Rocket no chão, todos em formação. Sem mais tempo a perder, deu alguns passos colocando-se ao lado de algumas pessoas que, de perto, pôde identificar como os Guardiões da Galáxia, que ouviu Rocket falar incontáveis vezes quando estavam estudando as Joias. Balançando o pescoço de um lado a outro e sentindo a violenta conexão, forte e poderosa, da natureza que vinha de Wakanda pelos portais atrás de si, abriu os braços, calma, concentrada e, ao tempo em que os levantou para cima e os desceu novamente para os lados de seu corpo com força e rapidez, um novo exército rompeu-se do chão, estremecendo tudo ao redor.
Assustadas, as outras pessoas olharam ligeiramente ao redor, a tempo de ver árvores gigantes desprenderem-se do chão atrás de onde estavam, saindo dos portais aos montes, devagar, caminhando em suas raízes para frente como se elas estivessem vivas. De onde estava, Peter reconheceu alguns passos ao lado dele e sorriu, incrédulo. Os olhos dela tomavam uma coloração verde clara e, ao redor de seu corpo, algumas folhas voavam, sem a encostar, como se uma energia invisível as fizesse mover-se. Encarando o exército inimigo em frente, estava concentrada em criar e mover o maior número possível de árvores gigantes, de diferentes espécies, quando a última coisa que ela ouviu foi o alto e forte grito de Steve, vindo do centro de onde eles estavam.

Vingadores — ele chamou a atenção de todos eles enquanto puxava o Mjolnir para si mesmo e, com uma breve pausa, rangendo os dentes, ele ordenou: — Avante.

Tudo aconteceu tão ridiculamente rápido que sequer se deu conta. Entre gritos ardentes e eufóricos, de raiva, de fúria, de vingança, assim que Steve deu o comando, todos eles correram em direção ao exército de Thanos que, ao perceber o movimento, indicou para que fossem na direção oposta deles, de frente. Como havia aprendido desde pequena, sabia que o lado a dar o primeiro tiro era sempre o lado que saia em vantagem em um duelo, mas não foi aquilo que a deu segurança naquele momento. O que fez ter certeza de que tudo seria diferente daquela vez foi a sensação de, finalmente, pertencer a algo. Em um momento bastante único de sua vida, ter a consciência de que era, sim, uma Vingadora. E estar lutando ao lado de tantos outros, que ali, com ela, enfrentavam o mesmo inimigo e jogavam o mesmo jogo, a deu uma sensação profunda de ter um lugar para chamar de seu no mundo.
Como fez em Wakanda da última vez, irada, ela puxou a terra abaixo de si formando degraus enquanto corria, subindo cada um deles com pulos firmes e rápidos até tomar a altitude necessária. E, no instante seguinte, saltou do último degrau pelo ar, dando uma cambalhota livremente e, assim que atingiu o solo, um raio de três ou quatro quilômetros ao seu redor foi atingido por raízes que saíam furiosas do chão como ondas, atingindo tudo o que encontravam pela frente e os soterrando no solo, feito areia movediça. Sem tempo a perder, enroscando-se no corpo dela como uma simbiose, partindo dela, movendo-se com autonomia e se remodelando de acordo com os movimentos que ela fazia, nervuras de folhas moviam-se enquanto ela lutava fisicamente, formando extensões de seu corpo como chicotes grossos, soltando esporos venenosos e criando espinhos pontiagudos.
atingiu e combateu o que quer que se colocou em sua frente, por algum tempo que não pode mensurar. Estava totalmente concentrada em lutar fisicamente enquanto usava a fitocinese para manipular o exército de árvores que, ao redor deles, destruía tudo o que estivesse por perto, soltando grossos e pesados galhos com força, atirando outros pontiagudos como se fossem flechas. Espinhos e plantas carnívoras apareciam e sumiam a todo tempo, enquanto nervuras de folhas e raízes se enrolavam em dezenas de criaturas ao mesmo tempo, dilacerando-as. Apesar de estar exausta e cada vez mais machucada, ela lutou como nunca antes havia lutado em toda sua vida, tirando de dentro de si uma força que jamais imaginou ter.
Ela matou o que queria matá-la e vingou-se deles por tudo que o que passou e sentiu naqueles cinco anos, como se fossem eles, todos, sem exceção, culpados. Foi bruta, foi violenta, não teve piedade de nada e nem de ninguém, senão dos seus, porque não estavam tendo piedade de nenhum deles. Vinham furiosos para machucá-los, atingi-los e, se conseguissem, matá-los de uma vez por todas. apanhou também, de certo. Foi ainda mais machucada, jogada ao chão, esmurrada, socada, mordida pelos dentes tão afiados daqueles bichos que ela mal os conseguia ver. Entre criaturas diferentes, não conseguia ordenar o que acontecia a seu redor. O caos, os gritos, a poeira que levantava, os barulhos altos, todos lutando para salvar suas próprias vidas e as vidas daqueles que lutavam ao seu lado até longos minutos depois de a guerra começar, o principal motivo pelo qual brigavam reapareceu em seus ouvidos, pelo comunicador.

— Capitão? — segurando a manopla, Clint chamou, correndo, vendo Sam matar uma criatura gigantesca que antes o perseguia, fincando as pontas de suas asas de metal no peito dele enquanto gritava alto. — O que quer que eu faça com essa coisa?
— Leva as Joias o mais longe possível — Steve respondeu gritante, atingindo um outrider que o enfrentava, jogando-o para trás de si.
— Temos que levá-las de volta para o lugar delas — Bruce comentou perto de Steve, empurrando o corpo da criatura, que foi em sua direção, para longe dele.
— Não rola — Stark respondeu rápido. — Thanos destruiu o túnel quântico.
— O que a gente faz agora, então? — perguntou, preocupada, derrubando um outrider com força no chão.
— Não era a nossa única máquina do tempo — Scott comentou já de volta em seu tamanho normal, acionando o alarme de seu carro. No segundo seguinte, uma música alta soou pelo campo, sendo ecoada pelos escombros. Steve procurou ao redor, em um minuto de alívio na luta, mas não encontrou de onde o som vinha. Ele respirou fundo, perguntando:
— Conseguem ver uma van marrom em algum lugar?
— Sim — de cima de seu cavalo alado, Valquíria respondeu prontamente. — Mas não vai gostar de ver onde ela está parada. — Pela visão área que tinha, podia ver o veículo em meio ao campo inimigo, sendo cercado por centenas de milhares das criaturas que pareciam como lobos raivosos. observou ao seu redor um momento, respirando pesadamente, o rosto escorrendo sangue sujo, avistando Clint não muito longe dela.
— Lang, em quanto tempo consegue fazê-la funcionar? — Tony perguntou outra vez, pensativo, ouvindo Scott responder brevemente:
— Em uns dez minutos.
— Liga ela — Steve ordenou. — Vamos levar as Joias até você.
— Entendido, Cap — ao lado de Scott, Hope concordou e, tão logo assentiu para o homem, ambos se transformaram em versões minúsculas. Ela, então, pegou Scott pelo braço e voou com ele até a Van. Sem sequer serem notados pelo tamanho de insetos que estavam, conseguiram atravessar o campo em um minuto e entrar no veículo sem problemas ou interferências.

Enquanto Scott e Hope, já em campo inimigo, tentavam ligar a van por ligação direta, apressados, Clint voltou a correr em direção ao veículo, tentando atravessar o campo com a manopla em mãos. Sozinho e sem muitas possibilidades de se proteger, afinal, tinha que manter-se firme nas Joias, ele empunhou uma espada que estava acoplada em seu traje e defendia-se das criaturas que vinham, aos montes, em cima dele. Com um comando rápido das mãos, enquanto corria em sua direção, varreu o redor de Clint fazendo amontoados de terra engolirem os outriders, ao exato mesmo tempo em que T’Challa também se aproximou dele, atingindo outros que chegavam correndo e pelo ar.

— Clint — T’Challa o chamou alto, abrindo seu capacete momentaneamente.

Trocando um olhar cúmplice, parando lado a lado, e T’Challa sorriram um para o outro e logo voltaram seus olhares para frente, encarando Clint que os olhava de volta, silenciosamente grato por terem o ajudado.

— Deixa com a gente — completou.

Barton não disse nada. Apenas passou a manopla com as Joias para o rei de Wakanda que, assentindo para a mulher ao seu lado, pulou para longe dali. vinha correndo atrás dele, manipulando a natureza com tanta destreza que parecia, de fato, uma parte dela. Tentava livrar o caminho em frente a T’Challa, abrir espaço entre as criaturas que os atacavam e que vinham em suas direções, enquanto seu amigo seguia lutando, desviando e correndo para o mais perto possível que conseguiria chegar do veículo. Por um momento, lembraram-se das vezes em que treinaram juntos em Wakanda. Dos tempos que brincavam de batalhas, que fingiam ser o que, anos depois, se tornaram. Heróis.
T’Challa observou por um instante. O sorriso que ela abriu ao olhá-lo, depois de derrubar mais algumas dezenas de criaturas ao redor. O mesmo sorriso que ele se lembrou de ver nela quando ela se levantou aos dez anos, na primeira vez que Okoye a pegou para treinar. O mesmo sorriso dos treze anos, quando defendeu Shuri dos adolescentes idiotas que a perseguiam na escola, o mesmo sorriso dos dezesseis, quando derrubou vinte e duas Dora Milaje em um treinamento e, aos vinte, quando voltou com a primeira pista da Hydra em mãos. O sorriso que ela lançou irônico, curto, bonito, que demonstrava a consciência do poder que tinha, de quem era e do que podia fazer. Que mostrava força, coragem. Que transmitia a sensação de segurança que T’Challa nunca teve com outra pessoa, senão com a irmã que ganhou de presente das tragédias da vida.
Eles seguiram correndo e batalhando com o que quer que se colocasse em suas frentes até chegarem perto o suficiente do veículo, a ponto de o conseguirem ver a alguns metros dali. T’Challa não perdeu sequer um segundo. Colocou toda força, velocidade e impulso em uma corrida que, no final, não foi o suficiente. De onde estava, próximo a eles lateralmente, Thanos atirou sua lança no exato mesmo momento em que o Pantera Negra se impulsionou, pulando pelo ar sentido ao túnel quântico que, àquela altura, já estava ligado e em plena operação.
Notando o que acontecia, o titã agiu com rapidez e força, sua lança atingiu T’Challa em cheio e, fazendo um boomerang perfeito, pegou em no retorno. Sem ter tido tempo de ver o que acontecia, ela foi jogada para longe, para um lado, enquanto T’Challa foi forçadamente empurrado, pelo impacto da lança, para outro. De barriga para o chão, apoiando-se para se levantar, pode ver Wanda colocar-se entre T’Challa, caído, e Thanos em pé a alguns metros. Certamente conseguiria segurá-lo. Se tinha alguém deles que podia parar Thanos, essa pessoa era, sem sombra de dúvidas, Wanda Maximoff. E lá estava ela. Tão furiosa quanto uma tempestade, tão ferida quanto qualquer um deles ali, fazendo a sua chance de aliviar a dor que sentia, de vingar-se.
T’Challa levantou-se ao mesmo tempo que , do outro lado do campo, e pegou a manopla caída do chão, mais uma vez, mas não demorou mais do que um minuto para ser encurralado pelos inimigos — Fauce de Ébano manipulava restos do Complexo com T’Challa o prendendo no ar. Peter, contudo, surgiu rápido e preciso, gritando “minha vez”, e puxou a responsabilidade de carregar a manopla para si mesmo. Apesar de ser o mais novo do grupo, era ágil, forte e bastante esperto. Conseguiria dar conta. o observou afastar-se pelos ares, rapidamente, até cair no chão e, no instante seguinte, o ouvir dizer pelo comunicador “ativar morte súbita”. Sem saber o que aquilo queria dizer, ela deu de ombros, mas, antes que pudesse sair dali e voltar para o conflito que acontecia ao redor, uma voz grave, baixa, a fez paralisar.

— Você está acabada.
sentiu uma enorme vontade de chorar. A lembrança de ter ouvido aquela exata frase da última vez que o viu tomando sua mente com força, com saudade. Ela sorriu para si mesma, engolindo o choro.
— Um de nós dois realmente entrou na briga — respondeu a exata mesma frase que havia respondido da última vez, virando-se de costas até ver Sam sorrir para ela. — O outro é você.
— Dessa vez, vou ser obrigado a concordar — ele brincou, tirando dela um sorriso triste.
— Eu sinto muito — ela comentou, sincera. — Por tudo que aconteceu.
— Eu também sinto muito — no mesmo de voz que ela, Sam respondeu — por ter te deixado aqui cinco anos sem a minha presença. Deve ter sido horrível viver sem mim. Flora riu leve. Ninguém no mundo sabia o quanto ela sentia falta daquilo. — Já estou começando a me arrepender de ter chorado por você — ela revirou os olhos, sem esconder o sorriso, tirando uma risada de Sam. — Você? Chorando por mim? Essa é novidade — Sam deu um passo em direção à ela. — Ter você de volta também é — Flora tinha os olhos cheios de lágrimas, mas o sorriso não deixava seu rosto enquanto olhava o amigo. — Uma das melhores novidades, na verdade — ela riu, sincera. — Eu sinto muito mesmo, Sam, sinto muito por te deixar ir. — Não foi culpa sua, Fada — Sam respondeu rapidamente e então apontou para si mesmo. — Eu estou aqui agora e é isso que importa.

Sem dar tempo de dizer qualquer outra coisa, correu os poucos passos que os separavam e se jogou nos braços dele. Surpreso, mas extremamente aliviado de vê-la ali, Sam a abraçou de volta, com a mesma força e intensidade que ela o abraçava. Como se quisesse ter certeza de que ele era real, de que estava mesmo ali com ela. Como se quisesse senti-lo, como se gritasse, sem precisar dizer nenhuma só palavra, a falta que ele tinha feito. Sam não sabia o que ela estava sentindo. Não sabia pelo que ela tinha passado naqueles cinco anos, não tinha ideia do que tinha acontecido com . Mas sabia que não tinha sido fácil e sabia que ela tinha sido forte o suficiente para aguentar e estar ali.
se deixou sentir o que quer que fosse naquele instante e abraçou Sam por um momento, como se não tivesse mais nada ao redor deles. Observando a cena alguns passos dali, Steve sentiu seus olhos marejarem e seguiu afastando toda criatura que ousava aproximar-se deles. Os protegeria a qualquer custo. Daria o momento que necessitava ter para seguir em frente, porque ela, mais do que ninguém, merecia aquilo. E não durou mais do que poucos minutos até ela quebrar o abraço confortável, firme, tão carregado de amor e segurança, de memórias boas, de pertencimento, que seus olhos transbordaram o que estava sentindo.

— Não teve um único dia nesses cinco anos que eu não senti sua falta — em um sussurro tão baixo que mal pode ser ouvido, confessou.

Sam viu as lágrimas escorrerem calmas pelo rosto dela enquanto o sorriso brotava em seus lábios, assim que seus olhos se encontraram. Ele sorriu de volta, amoroso. A sensação crescendo dentro dele de ser, mais uma vez na vida, os dois contra o mundo. A sensação batendo dentro dela de ter, mais uma vez na vida, a sua família de volta. Olhando os olhos de Sam, viu Sarah, Cass e AJ. Viu a alegria deles em seus pensamentos ao saber que ele tinha voltado. E viu a angústia tomar conta de si mesma quando se deu conta, novamente, de que precisavam terminar com tudo aquilo antes de poder rever os seus, de reviver a vida que foi interrompida cinco anos atrás.

— Não vai ter que sentir mais — ele comentou baixo, sorrindo com segurança.

Ela assentiu com a cabeça para Sam, nenhum dos dois tinha mais o que dizer naquele momento. Mas, antes que pudessem pensar em fazer qualquer coisa, em voltar para a batalha, a gigantesca nave inimiga que pairava no céu acima deles direcionou seus canhões para o chão e, dois segundos depois, passou a disparar. e Sam se separaram por um instante e foram para lados opostos, ela correndo pelo chão para tentar desviar dos disparos, enquanto Sam levantou voo para tentar entender de onde vinha aquilo e, talvez, como poderia parar. De um instante a outro, tudo mudou. Foram de uma situação em que pareciam conseguir controlar para uma ofensiva inesperada que os atingia em cheio.

— Tem mais alguém vendo isso? — Pepper perguntou pelo comunicador, observando a barragem próxima ser rompida por um dos disparados e, por ela, começar a vir água para o campo de batalha. No chão, próximo a barragem, Strange correu alguns passos em sua direção e, usando seus poderes, a segurava como podia. Espalhados pelo campo, os demais tentavam se proteger nos “guarda-chuvas” que os magos abriam com seus poderes, em escombros ou simplesmente corriam de um lado a outro, enfrentando as criaturas que não paravam de vir para cima deles. correu alguns metros de onde encontrou Sam, mas logo foi atacada, novamente, pelos outriders.
— Eu cuido disso, eu cuido disso — pelo comunicador, Peter afirmava repetidamente, tentando se livrar das criaturas ao redor dele, sem sucesso. — Está bom, eu não cuido disso. — Ele, então, gritou: — Alguém me ajuda.
— Oh, Queens, olha para cima — Steve avisou, lançando o Mjolnir na direção dele. Peter lançou uma teia que grudou no machado, assim que passou por cima dele, e, pela força, o tirou dali. Não longe dali, um dos disparos da nave de Thanos, contudo, cortou a teia no meio do caminho, o fazendo se desprender do Mjolnir e cair ao chão. Mas, antes mesmo que ele pudesse atingi-lo, Pepper o pegou pelo braço, ligeiramente.
— Estou aqui, garoto. Eu te ajudo — ela falou, séria, mas logo o impulsionou para cima, jogando-o ao céu. Valquíria, que passava exatamente por ali naquele momento, o pegou no ar e o puxou para que montasse também em seu cavalo. Àquela altura, Peter estava tão confuso com o que estava acontecendo consigo mesmo que mal podia organizar o que sentia.
— Oi, é um prazer te conhecer — ele falou para Valquíria, que sorriu em resposta e acelerou seu voo de uma vez sentido chão, com Pepper vindo atrás. — Ai, meu Deus — Peter gritava alto, apavorado. O voo não durou mais do que alguns segundos, pois, embora Valquíria tivesse conseguido desviar de meia dúzia dos tiros das naves de Thanos, um, ainda assim, conseguiu os atingir, fazendo os dois irem ao chão. Peter amorteceu a queda com seu traje, ativado no modo Morte Súbita, e ainda conseguiu pegar a manopla no ar, correndo com ela alguns poucos metros no chão antes de um novo disparo o atingir. Machucado, com medo e sem saber o que fazer, ele permaneceu deitado no chão, abraçando a manopla com as Joias, encolhendo-se, tentando se proteger dos disparos que caíam impiedosos do céu.

Perto de onde ele caiu, Bucky atirava concentrado nos outriders, descontente e absurdamente cansado daquilo. Tinha a sensação de que quanto mais atirava, quanto mais acertava, mais deles vinham para cima. Já tinha perdido a conta de quantas criaturas matou naquela hora de batalha, ora com sua arma, ora com o braço de metal, e simplesmente não parecia o suficiente. De onde estava, não conseguia localizar Thanos e os mais próximos dele eram Rocket e Groot, que vez ou outra, pela posição que estavam, o protegiam de algum outrider que vinha por trás. Bucky procurou não se movimentar muito pelo campo, sabia que a melhor estratégia era deixar que viessem até ele, assim ganharia tempo para se sentir seguro no espaço e pouparia energia.
Mas aquela ideia foi absolutamente péssima quando os disparos da nave começaram a cair do céu. E não demorou muito para que ele também fosse atingido, conseguindo sair a tempo, um milésimo de segundo antes do disparo cair exatamente no lugar em que ele estava. Com a força da energia que emanava do disparo, Bucky foi jogado para frente, mas algo forte o atingiu em cheio de lado, o empurrando por um segundo no ar, até cair com ele no chão, impedindo que fosse atingido por outro disparo que vinha da nave. Bucky rolou no chão um momento, junto com a pessoa que o havia salvado, até, finalmente, parar deitado sobre ela, embaixo de um escombro que os protegia da chuva de fogo.

— Buck — com os olhos arregalados, totalmente arrebentada pela luta, ela o chamou levemente, amorosa. — — ele respondeu no mesmo tom, surpreso em vê-la ali. Sem que desse tempo de qualquer outra coisa, ele simplesmente largou sua arma no chão, ao lado, e a abraçou com força, como se dissesse silenciosamente que estava ali, com ela. retribuiu o abraço breve, tentando guardar em si a sensação que ela mais sentia em todos aqueles anos, de estar com ele, nos braços dele. — Você está bem? — perguntou em um sussurro, colocando as duas mãos no rosto de Bucky. — Estou — ele sorriu levemente — e odiando o fato de sempre nos encontrarmos em uma luta — riu leve. Estava tão ridiculamente feliz em vê-lo novamente que parecia nada mais importar. — Estou amando o fato de que, ao menos, a gente sempre se encontra — sorrindo de volta para ele, respondeu em um sussurro baixo. Seus olhos não deixavam os dele nem por um segundo, atônita, como se sua mente estivesse processando a realidade, a veracidade, do que acontecia ali. — Como você está? — preocupado, Bucky passou as mãos pelo rosto dela, afastando os cabelos bagunçados, olhando cada pedacinho dela com ternura e cuidado. — Estou bem, estou bem — ela sussurrou de volta, o olhando nos olhos. — Precisamos tirar você daqui, não vai aguentar por muito mais tempo, eu... — Bucky sentiu um pingo de desespero tomar conta de si. Nunca a tinha visto tão machucada daquela forma, era assustador. — Vou ficar bem, Buck — tentou soar confiante, mas não podia enganá-lo. Não a Bucky. Ele sabia que ela estava no ápice de sua adrenalina e que seu corpo, estourado como estava, logo começaria a falhar. Ela precisava de ajuda. Precisava descansar e precisava de um tempo para tirar a confusão que seus olhos carregavam — Só... muita coisa acontecendo, muita informação, não sei mais o que pensar nem o que sentir e tem uma guerra acontecendo. — O que aconteceu? — ele perguntou, carinhoso.

não conseguiu responder. Estava extasiada com a presença dele. Com seu corpo deitado em cima do dela, uma mão em cada lado, no chão, o mantendo ligeiramente acima, ele a encarava de volta, com um misto de ansiedade e alegria de vê-la, de tocá-la pela primeira vez desde que chegou ali. Os olhos marejados de lágrimas dela prenderam-se aos dele, o coração de batendo tão acelerado que talvez pudesse ser ouvido. Não era o jeito que ela queria tê-lo encontrado pela primeira vez depois de tantos anos, não era daquela forma. Mas estavam em meio a uma nova guerra, o que poderiam fazer? Ela passou por perto dele, o viu, conseguiu notar o disparo a tempo e o que poderia fazer, senão tudo o que podia para salvá-lo? Estava ali por ele também. Sem cerimônias, sem grandes encontros e sem beleza alguma. Eram só eles dois. Só e Bucky ali e aquilo já bastava para ela.
O tempo havia feito ela se esquecer de como era estar ali, de como era ser a pessoa responsável pelo sorriso sereno que Bucky abria. E, como se estivesse sendo inundada por um mar cujas águas a sufocaram por cinco anos, sentiu reacender dentro de si tudo o que ela, forçada e dolorosamente, enterrou para conseguir sobreviver na solidão. Sentiu todo o amor que tinha por ele, toda a calmaria, toda a vontade, o carinho. Sentiu saudades de estar daquele jeito com ele, em outros contextos, saudades das noites em que se encaravam daquela forma, saudades dos dias que nunca pareciam suficientes. De quando dançavam, de quando riam, de quando a vida foi o mais perto possível de ser o que ela verdadeiramente amou ser.
Como se, de um momento a outro, não tivesse mais que lutar por nada. Já tinha outra vez tudo aquilo que ela mais queria.
Bucky deixou-se ser observado por ela, o tempo que ela precisou, o tempo que ela quis olhá-lo. Mais do que qualquer pessoa, ele entendia exatamente qual era a sensação de perder alguém e, de repente, encontrá-la outra vez. Em outro cenário, de outra forma, mas, ainda assim, a mesma dor. A exata mesma dor que ele carregou por décadas e que se amenizou quando Steve apareceu dentro de seu apartamento em Bucareste, quando tudo começou. estava digerindo a ideia de não precisar mais viver o luto e aquilo era único, íntimo. Ele sabia como era. Sorrindo para ela, limpando as tímidas lágrimas que escorriam pelos olhos dela mais uma vez naquele dia, Bucky aproximou-se carinhoso e deu em um beijo leve e carinhoso. Um aviso sutil e apaixonado de que ele estava, sim, ali. Com ela.
sorriu, retribuindo o beijo leve e rápido, mas logo algo cortou sua atenção. O barulho dos disparos pareceu ser interrompido e a frequência deles havia sido alterada. Bucky olhou para o lado, receoso, e, sem ver nada cair sobre eles, levantou-se, puxando delicadamente do chão consigo. Em pé, os dois olharam para o céu, o campo de batalha silenciando-se curiosamente, assistindo algo quebrar a atmosfera. Eles se entreolharam, cautelosos, com medo do que mais poderia estar vindo atacá-los.

— O que é isso? — Sam perguntou, assustado, pelo comunicador, observando os canhões da nave girarem sentido o céu, disparando furiosos pelo ar, agora.
— Estão disparando em quê? — Tony perguntou baixo.

Do chão, todos eles podiam ver algo brilhante como o fogo descer pela atmosfera até atingir, de vez, a gigante nave que antes disparava, no céu, contra eles. Bastou alguns movimentos pelo ar mais próximos, entrando e saindo da nave como se fosse um raio, para que alguns deles já entendessem o que exatamente estava acontecendo ali. revirou os olhos do estrelismo de sempre da outra mulher, mas deixou um sorriso satisfeito escapar. Agora tinham alguém tão segura e pronta para a luta quanto e tão forte e poderosa quando Wanda.
Estavam perto do fim.

— Agora sim! — Rocket celebrou, gritando animado, assim que ouviu o aviso de um novo comunicador ser conectado ao grupo. — Achei que não ia vir, estrelinha brincou, ouvindo algumas risadas baixas saírem de seu comunicador. — Ninguém me convidou para a festa — Carol rebateu brevemente, prestando atenção em terminar de destruir logo a nave. — Não deu muito tempo de enviar convites dessa vez — deu de ombros.
— Danvers, consegue ajudar aqui? — Steve perguntou, aliviado, suspirando, assim que viu a nave gigantesca simplesmente desligar-se e cair do céu, destruída, dentro da água próxima, como se fosse nada além de um pedaço de papel.

Sam trocou um olhar impressionado com Rhodes que, já conhecendo Carol, deu de ombros. passou o olhar rapidamente ao seu redor, em busca das Joias, até ver Peter jogado perto dali. Carol certamente ajudaria. Mas, igualmente, ela certamente precisaria de ajuda. Dando uma última olhada em Bucky, que assentiu com a cabeça, entendendo que teriam que se separar, correu até lá. Teria tempo com James depois. Se vencessem, eles teriam tempo. Mas tinham que vencer ainda. Torcendo mentalmente para que tudo aquilo terminasse logo, Bucky voltou a mirar sua arma no sentido oposto onde Peter estava, na intenção de impedir que os outriders, que se aproximavam novamente, de fato conseguissem chegar ao garoto por aquele lado.
Sem responder a Steve, Carol pousou no chão fazendo seu redor estremecer, tão rápida quanto chegou pelos ares minutos antes, pouco antes que pudesse se aproximar.

— Oi, eu sou Peter Parker — ele falou, amigável, enquanto se levantava, tirando um sorriso sério de Carol. Ela notou o quanto ele era jovem e o quanto estava debilitado, vulnerável, abraçado a manopla como se fosse sua própria vida. Peter a encarava com um misto de alívio e curiosidade, escondidos embaixo de toda a dor que sentia. Danvers não era de se compadecer muito com situações como aquela, mas ver o garoto daquele jeito a deu uma sensação estranha de dó.
— Oi, Peter Parker — Carol respondeu, segura. — Tem alguma coisa para mim?
— Eu não sei como você vai atravessar aquilo tudo — ele comentou baixo, seus olhos deixando os de Danvers um momento para olhar atrás dela, onde centenas de milhares de outriders estavam. Receoso, ele estendeu-lhe a manopla, mas, antes mesmo que pudesse ter qualquer resposta da Capitã Marvel, um novo movimento ao redor deles chamou sua atenção.
— Relaxa — Wanda respondeu, dando alguns passos perto deles.
— Ela tem ajuda — Okoye completou, séria, atenta ao movimento em sua frente, ao tempo em que uma figura já conhecida por Peter apareceu em seu campo de visão e estendeu-lhe a mão, carinhosa.
— E você também tem — puxando Peter cuidadosamente para que ele ficasse em pé, completou, tirando um sorriso satisfeito de Carol. Peter seguiu a encarando feliz, um tanto atônito, sua mão dada a de
— Obrigado, — ele sorriu leve, sinceramente grato, mas pôde notar ele engolir o choro. Estava tão machucado quanto ela mesma, deveria estar exausto, dolorido. Se pudesse, pensou naquele instante, o guardaria em um potinho e cuidaria dele pelo resto da vida. Ela sorriu de volta e manteve sua mão segurando a dele, carinhosamente, até ela dizer:
— É tão bom te ver, Peter Parker.
— É ótimo, você continua bonita — ele disse, sincero, tirando uma risada baixa de , mas ele logo limpou a garganta, constrangido. — Quer dizer, que bom que... — ele deu uma olhada ao redor, envergonhado — que bom que estamos do mesmo lado agora.
concordou com a cabeça, sabendo que ele se referia à primeira e última vez em que tinham se encontrado, no aeroporto de Berlim, anos atrás. A verdade era que não importava mais o que tinha acontecido. Foi um equívoco de muitas partes, um erro que todos eles haviam cometido pelo calor do momento e das emoções. Nunca estiveram, verdadeiramente, em lados opostos. Sempre foram, todos eles, parte de uma mesma família.
— Acho que sempre estivemos — soltando a mão dele e deixando um sorriso no ar, virou-se de frente para onde as outras meninas estavam, avaliando o que aconteceria a seguir.

Ao redor de Danvers, que segurava a manopla, se posicionou com Wanda, Okoye, Shuri, Mantis, Gamora, Nebulosa, Pepper, Valquíria e, mais à frente, Hope. Encarando o campo inimigo de frente, com seus peitos abertos e suas cabeças erguidas, corajosas, sem qualquer insegurança ou medo, Peter sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao perceber que, sem combinarem e sem perceberem, todas as mulheres daquele lado da batalha tinham acabado de se unir, para proteger umas às outras. Como sempre deveria ser, eram um grupo único. Eram elas por elas mesmas, uma pelas outras dali em diante. E foram em frente.
Cada uma lutando como sabia, como podia, as dez mulheres abriam espaço para que Carol conseguisse avançar com as Joias sentido o veículo. voltou a manipular a natureza ao redor, o contato que tinha sido quebrado em algum momento quando foi brutalmente atingida e que fez com que ela perdesse o controle do exército de árvores que havia levantado. Groot, todavia, ainda conseguia manter algumas em pé, que resistiam e seguiam brigando. Contudo, alguns minutos depois que conseguir avançar, foi encurralada por tantos outriders, que sua mente não conseguiu contar rapidamente. E, no instante seguinte que se distraiu em combatê-los, a próxima coisa que sentiu foi o impacto de uma nova explosão, que a empurrou, outra vez, para longe de onde estava.
Danvers havia conseguido chegar perto o suficiente da van, mas Thanos, novamente, foi mais rápido do que ela e atirou sua lança com força em direção ao veículo. Emanando uma energia absurda, a força da lança desestabilizou o túnel quântico e o fez explodir de uma vez por todas. Carol foi jogada de um lado, a manopla de outro, e todas as pessoas no raio de, pelo menos, cinco quilómetros perto deles, foram fortemente atingidas. De onde estava caído, exausto, Tony conseguiu ver as joias rodopiarem no chão até chegarem perto dele e foi correndo em direção à elas, tentando empurrar o titã, de lado, para longe dali, sem sucesso.
Tirando Stark de perto da manopla, aproveitou o momento breve de distração e correu até o local, se jogando no chão de joelhos até conseguir pegar a luva. Mas, bastou ela encostar no metal, para Thanos virar-se e vir para cima dela. Com os punhos cerrados, puxando toda força que tinha em seu corpo, ele os direcionou para , ajoelhada no chão, que tentou se proteger com os braços em cima da cabeça, mas, por sorte, Thor foi mais rápido. Entrando no meio para proteger a amiga, ele conseguiu impedir que Thanos a atingisse e tirou, minimamente, a atenção dele das Joias. chegou a conseguir se levantar, mas, em meio a golpes que se defendia de Thor e outros que o tiravam alguns segundos de perto, o titã a atingiu pelas costas com um escombro, a fazendo cair de barriga no chão e soltar a manopla do lado.
Steve logo apareceu na briga, pegando Thanos pelas costas, enquanto Thor o tentava atingir com os dois machados pela frente. Por alguns segundos, eles conseguiram segurá-lo, mas não demorou até que o titã os tirassem de cena de vez, esmurrando Steve no chão, até ele desmaiar, e jogando Thor com força para cima do escombro que soterrou , o machucando o suficiente para fazê-lo perder as forças por um instante. Carol foi para cima de Thanos em uma investida bruta, mas já não conseguiu acompanhar. De onde estava deitada, com os farelos de uma placa de concreto em cima de seu corpo ao chão e com Thor jogado e desacordado ao lado dela, ela já não sentia mais nada, senão uma dor absurda.
O pouco que conseguiu se mexer, pela dor absurda que sentia e pelos sentidos que já não respondiam mais como ela gostaria, a fez perceber que algo havia fincado na lateral de seu corpo e estava já perdendo muito sangue. Seus olhos começaram a pender, exaustos, como se quisessem fechar-se de uma vez por todas e sua respiração falhava, tão rapidamente, como se ela estivesse sendo sufocada. Estava destruída. Fisicamente destruída. Seu traje já tinha parado de dar conta do impacto de toda violência que sofreu naquele dia e sentia tanta dor, que não conseguia sequer perceber a manifestação de qualquer sinal da natureza ao redor. A fitocinese não a ajudaria naquele momento, porque não tinha forças para se conectar com ela. Piscando pesadamente, viu Carol ser jogada para longe, desacordada, e Thanos, finalmente, vestir a manopla.
chegou a estender a mão e tentar gritar, para que alguém pudesse ajudar ali, mas quase todos estavam caídos ao seu redor. Seu coração quebrou-se em milhares de partes pela simples ideia de ter que reviver toda a dor de perder todas aquelas pessoas outras vez, de fracassarem uma vez mais, depois de tudo que fizeram. não saberia como carregar aquela angústia, não quando tiveram a chance de fazer tudo diferente, mas, ainda assim, o resultado parecia ser o mesmo. Ela não suportaria mais perder. Nem a luta, nem todos aqueles que ela amava.
Como se ouvisse ao suplício dela, Stark tentou impedi-lo a todo custo, mas não tinha força suficiente para combater Thanos sozinho. Era teimoso, era insistente, era mesquinho, arrogante a ponto de achar que ele conseguiria vencer aquela luta fisicamente, mas ele não podia. Talvez nenhum deles pudesse. tossiu algumas vezes, o gosto do sangue dentro de sua boca a fazendo se assustar, a fazendo sentir medo pela primeira vez desde que aquela guerra começou. Talvez eles tivessem mesmo que perder. Talvez dessa vez, ela não sobrevivesse. fechou os olhos com força, uma sensação terrivelmente dolorosa tomando seu peito quando ouviu Thanos dizer suavemente:

— Eu sou inevitável.

Talvez ele realmente fosse, ela pensou. Mas, no segundo seguinte que o ouviu estalar os dedos com a manopla e absolutamente nada pareceu acontecer ao redor, abriu os olhos novamente, atônita. Ela piscou pesadamente mais algumas vezes, seu olhar ficando turvo, sua audição se pendendo. Mas ela viu. Viveu o momento que nunca mais se esqueceria em toda sua vida. Thanos percebeu que a manopla que usava era, na verdade, uma luva do Homem de Ferro. Assustado, de frente para ele, Tony estava ajoelhado no chão. Fisicamente machucado, mas emocionalmente estável. viu que ele vestia a manopla com todas as Joias do Infinito, a energia colorida percorrendo seu corpo enquanto ele mantinha-se firme, sem se importar com a dor que sentia.
Tony Stark era teimoso. Era mesquinho e era um arrogante. Mas era, também, e sempre seria, o motivo pelo qual todos eles venceram daquela vez.
Dominada pela dor insuportável que sentia e respirando fundo, a última coisa que assistiu de seu lugar foi a mais vitoriosa e mais triste cena de sua vida. Foi ouvir a voz de Tony Stark, pela última vez, dizer, sereno, enquanto estalava os dedos.

— E eu — ele sussurrou, encarando Thanos — sou o Homem de Ferro.

Capítulo 37

— Estava pensando... você tem trinta anos agora, então?

Desviando o olhar do espelho em sua frente, riu, vendo Bucky se aproximar dela, a abraçando por trás com carinho e cuidado. Usando um vestido curto e preto, com os cabelos soltos e uma maquiagem leve que ainda mostrava alguns roxos e pequenos machucados em seu rosto e pescoço, estava pronta para ir. E, a tirar pela roupa que Bucky vestia, ele também estava. Prontos para enfrentar a última parte de uma guerra que parecia não ter fim. Mas já não havia muito mais o que ser feito – ao menos, não por eles dois.

— Pois é — tombou sua cabeça para o lado, encostando-a no peito dele. A imagem dos dois juntos no reflexo do espelho parecia uma miragem, um sonho que ela ainda não havia se acostumado a viver novamente em realidade.
— Pelo menos, são cinco anos a menos de distância entre a gente para seus pais se preocuparem — tentando descontrair o pensamento confuso que tinha, Bucky brincou, tirando um sorriso aberto da mulher.
— De onde você tirou isso?
— Ouvi Karl e Everett comentando hoje mais cedo, depois do café da manhã — ele deu de ombros, ouvindo a mulher rir baixo. — Fiquei pensando e, bom, eles têm razão.
— Acho que essa foi uma das poucas partes boas disso tudo — ela respirou fundo, pensativa.
— Fazer trinta anos?
— Não, ficar cinco anos mais perto da sua realidade — respondeu brincalhona, tirando uma risada fraca do homem atrás de si.
— E como foram as festas? Não me contou essa parte ainda — curioso e despreocupado, Bucky perguntou, mas se arrependeu no momento seguinte ao ver os olhos de murcharem levemente, junto com o sorriso.
— Não tiveram festas, na verdade — sorrindo triste, o olhou pelo reflexo do espelho. — Todo ano, perto da data, eu só conseguia me lembrar da última vez, da última festa, de tudo o que você fez, de você — a voz dela foi abaixando, como um sussurro —, dos meus pais, das pessoas de Wakanda e de como vocês não estavam mais... aqui, comigo. — Ele deu-lhe um beijo suave no topo da cabeça. — Não havia mais motivos para que eu comemorasse, não... comemorei, nenhum deles.
— Eu sinto muito por isso — sincero, Bucky comentou, a olhando.
— Não foi culpa sua — ela, então, se virou de frente para ele, presa no abraço carinhoso do homem — e você precisa parar de se desculpar por isso.
o olhou significativamente, falando mais sério do que gostaria.
— Eu sei, é só que... é estranho ter perdido tanto tempo — Bucky pensou alto. — É estranho ver que passou, mas não passou para mim, estranho não ter uma memória sequer desse tempo, é como... — ele respirou fundo, olhando a imagem dela pelo reflexo do espelho — é como a parte da minha vida que ainda não me lembro de como foi. Como se tivessem tirado as memórias de mim outra vez — ele sorriu novamente, triste, sem mostrar os dentes. — É só... estranho.
— Acho que a pior parte é termos que seguir fingindo certa naturalidade, ignorando essa parte toda como se ela simplesmente não tivesse acontecido — concordou, o vendo assentir com a cabeça. — Foram cinco anos inteiros, de desespero e de angústia, e, agora, a gente segue de onde parou como se esses anos não tivessem existido, é... surreal.
— E recente também — ele passou a pontinha do nariz dele no dela e, tentando amenizar o assunto que os rondava nos últimos dias, seguiu dizendo: — estou me acostumando com o fato de você ter ido ao espaço, voltado no tempo e de Alpine ter cento e cinquenta anos na idade dos gatos agora.
riu leve do comentário.
— Temos que nos habituar com isso, de alguma forma — ela tentou ser confiante, positiva, tirando dele um novo beijinho em seus lábios. — É muito recente, quer dizer, todo mundo está de volta há pouco tempo, precisamos de... tempo — ela fez uma pausa, pensativa — para pensar e digerir tudo isso. Já aconteceu e já passou, nós só temos que nos...
— Acostumar — ele completou a frase, afirmando mais para si mesmo do que para ela. Um verbo simples, uma ação costumeira, mas que estava sendo bastante difícil, ao menos, desde que tudo aconteceu.

Três dias haviam se passado desde a batalha que travaram contra Thanos e muita coisa, de novo, havia mudado. Para a maior parte da humanidade, contudo, as mudanças tinham vindo para melhor. Tinham conseguido trazer os seus de volta e aquilo já bastava. Era o suficiente e era o necessário, o que viesse a partir daí seria lucro, poderiam lidar com a presença daqueles que por tanto tempo sofreram as ausências. E, assim, o mundo assistiu a si mesmo se povoar novamente, encher-se por aqueles que haviam desaparecido cinco anos antes e que, como mágica, voltaram nos exatos mesmos lugares de onde sumiram.
Contudo, para uma parcela significativa da sociedade, as mudanças trouxeram também um ar tão caótico que parecia, desde as primeiras horas do grande retorno, impossível de lidar. Para aqueles que permaneceram, a vida continuou em muitos sentidos e entender aquilo estava sendo o primeiro e o maior desafio que todos eles, os que ficaram e os que chegaram, tinham que lidar.
Casas foram vendidas, empregos foram ocupados por outras pessoas, pertences foram doados. Os que ficaram, se mudaram, se relacionaram com outras pessoas, casaram novamente, tiveram novos filhos e envelheceram cinco anos. Mas, para os que chegaram, nada havia acontecido. Pelo contrário, tudo permaneceu como era antes. Como se tivessem dormido por cinco minutos, como se tudo não fosse mais do que um piscar de olhos, absolutamente nada tinha mudado para eles. E, como todas as pessoas que haviam retornado, Bucky ainda estava assimilando aquilo. sabia.
Era difícil para ele compreender a mudança de tempo, difícil entender que havia envelhecido, que o tempo havia passado para ela e, para ele, não. Era triste pensar no quão sozinha ela ficou, em tudo que sentiu e em tudo que teve que lidar. E era dolorido, a cada passo novo que dava no apartamento de Karl e Everett, a cada marca nova que via no corpo de e não reconhecia e a cada história nova que ela lhe contava e que ele não tinha participado, ter a consciência de que, por cinco anos, ele simplesmente não fez parte de nada daquilo. Como se a estivesse conhecendo pela primeira vez em sua vida ao tempo em que já conhecia parte essencial dela, a sensação era terrivelmente nova e terrivelmente estranha para ele.
Mas tinha razão em suas palavras. Não restava mais nada a eles, a nenhum deles, senão tentar se acostumar com aquele fato e seguir em frente. Para Bucky, seria só mais um episódio caótico e sufocante de sua vida, só mais uma porção de memórias que ele não tinha e de momentos que ele jamais poderia voltar atrás e viver. Mesmo diferente do que já tinha passado, ainda assim, ao fim e ao cabo, seria mais do mesmo. Da mesma sensação de impotência, da mesma sensação de confusão, da solidão e da incompreensão. Nada com o que ele não soubesse lidar. Nada que ele, estando com , não pudesse aprender a conviver e, quem sabe, superar. Se ela, depois de tudo que passou, estava disposta a se acostumar com aquilo tudo, por que ele não?
Carinhosamente, Bucky passou a mão direita dele pelo rosto de , observando atentamente os machucados que, àquela altura, não passavam de marcas e pequenas cicatrizes. Talvez, fosse realmente como uma flor. Que nasceu, que perdeu as pétalas com o tempo, que se consumiu em si mesma e que morreu. Mas no tempo, ali estava ela. Florescendo novamente. Forte, resiliente, suntuosa. estava ali. Estava em pé, estava encontrando em quem amava tudo o que precisava para enfrentar a parte final daquela luta interminável, estava disposta a engavetar os cinco anos passados e criar cinco novos anos pela frente. Ainda brilhava feito uma pedra preciosa, ainda conseguia sorrir e passar confiança com os olhos. Ela ainda conseguia dizer coisas boas sobre a vida e sobre o tempo, mesmo depois de tanto apanhar deles. E Bucky não conseguia entender e, talvez, nunca o fosse fazer, de onde ela tirava a força para sempre florescer outra vez. Mas ela florescia. Ela sempre florescia.
demorou algumas horas para acordar depois que perdeu sua consciência ao final da luta. Estava exausta, tinha perdido muito sangue e seu corpo simplesmente parou de funcionar. Ela tinha visto o que aconteceu, contudo. Viu Tony estalar os dedos, assistiu, com lágrimas escorrendo de seu rosto, todas as criaturas de Thanos virarem pó e desaparecerem. Ela viu. Ela viveu a vitória, mas não suportou o alívio de ter vencido. Seu corpo já não podia mais.
Soube que Thor a havia tirado do chão e que caminhou com ela no colo sem saber o que fazer, até Bucky os encontrar. E ele, então, a levou no colo de volta até Wakanda, aproveitando os portais que ainda se mantinham abertos pelos magos. Como estava acostumada, porque já tinha feito aquilo algumas outras vezes na vida, Shuri usou toda a tecnologia médica que tinham disponível no país e submeteu ao exato mesmo procedimento de cura que havia testado nela anos antes, quando ela voltou da Sibéria, destruída. Não levou mais do que algumas horas para que ela fosse recuperada e todas as feridas abertas fossem fechadas, pedaço a pedaço, como se tivessem, apenas, colocado esparadrapos. Bucky manteve-se com ela o tempo todo, não iria sair de perto nem mais um segundo, estava aflito, se sentindo terrivelmente assustado e o horror correu pela sua mente quando viu Shuri e uma médica terminarem de remover o traje dela. Com cortes abertos nas pernas, como se tivessem passado nela uma faca, a lateral do corpo cravejada com uma fina estaca de ferro e dezenas de marcas que pareciam ter sido feitas com armas de choque, Bucky ficou atormentado em vê-la. Confiava em Shuri e em toda tecnologia de Wakanda. Mas era inevitável não sentir o medo absurdo de simplesmente não aguentar tudo aquilo. De ter dado tanto de si que perdeu a si mesma.
E ele só se deu conta naquele momento de que, talvez, a luta tivesse começado muito tempo antes de eles terem se juntado a ela. E, pelas condições do lugar e de como , Steve, Thor e Tony estavam, pareciam que eram só eles quatro contra o mundo todo. Bucky se perguntou por um instante, observando a máquina fechar-se em , se ele teria tido coragem e energia para fazer o mesmo no lugar dela. Se, apesar de achar que todos os que amava estivessem mortos e carregar aquela culpa por cinco anos inteiros, ele ainda teria forças para continuar lutando por uma possibilidade, por uma chance. Pela incerteza, pela simples ideia de poder, talvez, trazê-los todos de volta.
Karl e Everett foram o mais rápido que conseguiram para Wakanda, assim que receberam a ligação de Bucky contando resumidamente o que acontecia. Chegaram ao tempo exato de acordar e, sem saber se era o alto estresse ou se era apenas a reação natural de alguém que reencontra aqueles que um dia perdeu, eles assistiram chorar por tanto tempo, que precisou de um medicamento para se acalmar. Ao redor dela, Everett, Karl, Bucky, Shuri, T’Challa, aqueles por quem chorou o desaparecimento por tanto tempo, estavam a olhando, deixando abraços, beijos, carinhos suaves em meio a um silêncio profundo. Não tinham o que dizer, porque nenhum deles tinha ideia de como foi. E só souberam dos detalhes daqueles cinco anos algumas horas depois, quando, se sentindo bem o suficiente para contar, e Okoye discursaram por horas enquanto jantavam todos juntos no laboratório médico em que a mulher seguia em observação.
Bucky soube que ela se mudou de Wakanda, que não suportou ficar ali. Soube que tentaram recuperar as Joias e acabaram matando Thanos, ouviu sobre Thor, sobre as tentativas de se encontrar em algum lugar, sobre a família de Sam e como a ajudaram a sobreviver naquele período. Karl e Everett souberam que ela não conseguiu entrar em seus apartamentos, nem em Nova Iorque, nem em Berlim e, por isso, voltaram nele e o encontraram exatamente como o deixaram. Souberam dos dias que Steve passou com ela, do apoio, das viagens que fez com Natasha e ouviram-na contar, entre lágrimas, que a mulher já não estava mais com eles. contou que tentou voltar à França, mas que acabou indo viver em Berlim. E falou sobre Nate. Sobre sua história, sobre como se tornaram amigos e, poupando detalhes, sobre como tinham encontrado um no outro o amor que lhes faltava.
Contudo, de todas as coisas que contou naquela noite, a que mais entristeceu Bucky foi ouvi-la dizer sobre o Assalto no Tempo. Do mesmo modo, impressionados, Karl e Everett a encaravam, tensos, nenhum deles tinha o que dizer. Cada palavra que ouviam dela parecia absurda e cada palavra dita por ela carregava ainda mais a história toda de angústia, de desespero. Apesar disso, eles notaram, eram faladas com tanto carinho, como se aquela fosse uma das memórias mais bonitas que tinha. E, de fato, era. A ouviram falar sobre o teste de volta ao tempo, sobre seus pais biológicos, sobre tê-los visto uma primeira vez e, depois, sobre poder ter tido a única chance em sua vida de conversar com eles. Contou sobre o que aconteceu com a Equipe Strike em 2012, as marcas que ainda estavam em seu corpo, sobre a base de Nova Jersey, sobre como Steve e Tony foram essenciais para que tudo aquilo acontecesse, para que todos eles ali voltassem e, mais do que isso, para ela.
E, apesar de ter falado muito em pouco tempo, também ouviu naquela noite. Ouviu a parte da história que já sabia, mas que a causava certa confusão. Bucky, Shuri e T’Challa contaram que a batalha terminou com o exército de Thanos desaparecendo feito poeira, como cinco anos atrás fizeram com eles, e soube, pela voz grave e baixa de Bucky, que Tony não tinha mesmo resistido. Continuou vivo alguns poucos minutos depois de estalar os dedos, mas a descarga energética das seis Joias ao mesmo tempo era demais para um ser humano resistir. Ela estava lá quando Thanos as usou pela primeira vez, viu o que tinham feito com ele e viu, depois, o que fizeram com Bruce. Tony Stark não resistiria e não resistiu.
E nunca teria a chance de se despedir dele.
Triste pela morte de mais um deles, talvez um dos mais importantes deles, exausta pela luta, recuperando-se de todos os machucados que tinha em seu corpo, sequer tinha forças para se levantar. Se deixou ser levada até seu antigo quarto do palácio por Bucky e, em um momento extremamente íntimo e silencioso, o deixou dar banho nela, limpar cada uma das feridas e cada gota de sangue que seu corpo carregava. Delicado, carinhoso, atento, Bucky não soube quanto tempo ficaram ali, debaixo do chuveiro, só os dois, em um silêncio profundo e entre carinhos. Ele não sabia o que poderia dizer, porque simplesmente não conseguia encontrar nada que fosse suficientemente bom para tirar dela tudo o que estava sentindo. Enquanto limpava , atento a cada marca e a cada ferida recém fechada, Bucky se perguntava pelo que ela tinha passado naqueles anos todos e desejava, do fundo de seu coração, que a água também levasse consigo toda a tristeza que ela carregava naquele momento.
dormiu naquela noite, nos braços de Bucky, se sentindo estranhamente incompleta. O vazio que só sente aqueles que um dia se conectaram com outras pessoas, que um dia fizeram de si mesmos, mesmo sem querer, um lugar de pertença. E, na manhã seguinte, assim que acordou, decidiu voltar com seus pais e Bucky para Nova Iorque.
O Complexo estava destruído, todos, certamente, estavam passando por um momento terrivelmente doloroso e confuso, ela não podia ficar longe deles. Não podia ficar longe de Steve naquele momento, não podia ficar longe de Thor e não queria ficar longe de Sam. Não mais. Voltou para a casa de seus pais e preencheu seu dia e sua mente os ajudando a reorganizar o apartamento, fechado por cinco anos, encontrando entre as caixas de mudança e o conforto das três pessoas que mais amava em sua vida um lugar confortável para conversar e para chorar. Para dizer tudo o que ainda não tinha sido dito, para se livrar das fraquezas e das vulnerabilidades que, com a saudade e a angústia, tinham morado nela por cinco anos.
E, na noite que se seguiu, deitada mais uma vez nos braços de um Bucky protetivo e carinhoso, conseguiu, finalmente, conversar a sós com ele a primeira vez desde o retorno. Conseguiu se desculpar por não ter conseguido impedir Thanos, por ter deixado tantos anos passar, por Nate. Bucky deixou que ela colocasse para fora tudo o que estava sentindo, a ouvindo atento e paciente. Não poderia culpá-la por nada. não tinha culpa pelo que Thanos fez, não teve culpa pelo tempo que passou e muito menos por ter tentado seguir sua vida. Merecia ser feliz com quem fosse, merecia amar e ser amada, merecia ter momentos bons e precisava de alguém que compartilhasse com ela o pouco que restava das coisas bonitas da vida. Bucky não a culpava e não a julgava.

— Fico feliz em saber que, ao menos em alguns momentos, você foi feliz, — ele disse a ela naquela noite, a observando chorar, deitada de frente para ele na cama. — Eu te amo e, justamente por isso, desejo que você seja feliz como for, como merece ser, como quer que seja — afastando uma mexa do cabelo dela de seu rosto, ele continuou dizendo baixo, sereno. — Você não tem que se culpar pelo que aconteceu e não tem que se desculpar por tentar ser feliz — observando as lágrimas dela aumentarem, ele a puxou para mais perto de si, a abraçando com mais firmeza. — Eu estou aqui, agora. Nós estamos aqui. E é só isso que importa, não é?

Bucky não conseguiu dormir naquela noite. Mas não se importou, já estava acostumado com aquilo. Permaneceu abraçando com força a noite toda, deixando levar-se pelo calor confortável dos cobertores, pelas luzes fracas que entravam pela janela do quarto, pelo silêncio que parecia gritar tanto. Estava pensativo, absorvendo tudo o que tinha acontecido e tudo o que tinham conversado naquela noite. Não conseguia organizar dentro de si mesmo a confusão e sabia que estava ainda mais confusa do que ele. Ela não entendia porque tudo tinha sido daquele jeito e não sabia o que deveria sentir primeiro. Estava feliz de ouvir o que ouviu de Bucky naquela noite e imensamente feliz de estar com ele outra vez, de estar com seus pais, de terem vencido. Mas outra parte dela custava a acreditar que pagaram um preço tão alto pela vitória. Tinham perdido Visão, Natasha e, agora, Tony.
seguia entre celebrar a vida e sofrer a falta dela.
O renascimento e o luto acontecendo ao mesmo tempo, um momento incompatível, anulador, irônico e carregado de amargura. Se sentia culpada em ficar feliz por ter os seus de volta, porque teve que perder outros que amava para que aquilo acontecesse. A vida e a morte lado a lado. Era difícil de lidar, impossível de entender. E, como ela, Bucky sabia que Steve também se sentia daquela forma. Tinham sofrido demais. Sofreram por ele, pela falta deles, tantos anos e, mesmo assim, apesar disso, ainda estavam ali.
Bucky sabia que não tinha culpa pelo que aconteceu, mas não conseguia deixar de se sentir mal por tudo. Passou anos sem se lembrar de Steve e anos conturbados com , com suas histórias se cruzando, e tiveram um respiro saudável e apaixonado por só dois anos até que o sofrimento voltou. A sensação incômoda e a ideia intensa de que, talvez, ele não fosse bom o suficiente para ela, não fosse certo, não conseguisse trazer nada mais além de sofrimentos e dor, brotou nele outra vez, naquela noite.
E, por isso, ele se desculpava sempre que podia. Estavam sendo bons os espaços que encontraram para conversar, conseguiam tirar de seus peitos as dores e as angústias que sentiam, mas, ainda assim, não pareciam verdadeiramente se livrar delas. E não poderiam tão cedo, ao menos não tão rápido daquela forma. Teriam que ser pacientes. Continuar falando e reafirmando cada detalhe do que tinha acontecido, dar tempo ao tempo, ficar juntos, vencer aquela etapa como venceram as demais, teriam que ser pacientes. Consigo mesmos e uns com os outros. Um dia de cada vez, como fez com ele a sete anos atrás. Uma etapa por vez.
acordou descansada, entre os beijos de bom dia e um café da manhã na cama trazidos por Bucky. Tinha se acostumado tanto a cuidar de si mesma que qualquer sinal mínimo de cuidado parecia estranho. Mas, apesar disso, era bom. Era ridiculamente bom e seguro. Karl havia saído cedo para comprar comida, enquanto Everett tratou logo de trazer novas roupas e um celular novo para , tendo em vista que uma parte de seus pertences foram destruídos junto com o Complexo. Entre conversas baixas e mais leves, com contando sobre Alpine, Bucky tomou café da manhã com ela até receber a ligação de Steve, os informando sobre o horário do compromisso que tinham naquele dia. O enterro de Tony.
E lá estavam eles. Fisicamente prontos para sair. Emocionalmente despreparados para, uma vez mais em suas vidas, terem que se despedir.

— Você não sabe o quanto é bom ter você aqui — ela respondeu de volta, depois de um breve tempo em silêncio, encarando Bucky. — Às vezes, parece até mentira.
Os olhos claros e serenos de Bucky, que tanto fizeram falta, tomaram um brilho intenso, amoroso, enquanto ele sussurrava, confiante:
— E eu não vou a lugar algum, nunca mais.
— Eu espero que não mesmo — sorriu, sentindo um beijo leve em seus lábios. — Tem certeza de que quer mesmo ir?

parecia ligeiramente preocupada com aquele tema e, desde a hora que Steve havia ligado para confirmar o horário, já tinha perguntado aquilo meia dúzia de vezes para Bucky. Apesar de ser um evento que reuniria todas as pessoas que conheciam e que eram o mais próximo de amigos e família que poderiam ter, não era exatamente o ambiente mais confortável para Bucky. Não depois de tudo que ele fez com os pais de Stark, quando ainda estava sob controle da Hydra, e não depois de tudo que aconteceu anos antes, quando a verdade veio à tona para Tony, na Sibéria.
Bucky não sentia que era certo participar daquela despedida, Tony jamais gostaria de vê-lo ali, em meio à sua família, em um contexto tão íntimo e doloroso. Para ele, James só havia trazido perdas e sofrimentos. O Soldado Invernal tinha destruído uma parte importante e considerável de quem Stark era e a última coisa que poderia fazer era se redimir. Bucky tentou explicar. Tentou se desculpar. Mas o que seria suficiente para estancar uma ferida incurável como a morte de um pai e de uma mãe? Absolutamente nada. Bucky tinha consciência daquilo e sabia como ele se sentia, tinham falado sobre aquilo mais cedo.
Ele não precisava ir, se não quisesse. Mas ele queria. Porque algo dentro dele dizia que era o certo a ser feito, algo em seu coração sabia que, mesmo na morte, ele ainda devia desculpas à Tony Stark.

— Não pude me redimir com ele em vida, não posso carregar também a sensação de ter ignorado a morte dele — Bucky respondeu depois de um minuto pensativo. — Estou aqui, agora, porque ele se sacrificou. Devo muito a ele.
— Acho que sempre vamos dever — concordou. Não tinha tido a melhor das relações com Tony, mas, diferente de Bucky, teve tempo de conviver com ele e de, minimamente, acertar-se, redimir-se, entender-se com ele.
— E você, está bem para ir? Não acha que é muita informação em pouco tempo?
— É sim — ela suspirou, afastando-se lentamente dele. — Mas preciso ir. Quando eu não tinha nada, Tony me deu esperança de volta. — Bucky viu os olhos dela encherem-se de lágrimas. — Onde quer que ele esteja agora, eu vou estar com ele. — Bucky sorriu triste para ela, concordando com a cabeça. — E, por mais que tudo esteja terrivelmente ruim nesses dias, Steve, Thor, Bruce e Rocket foram a minha família. Não posso deixar de estar com eles agora.
— Tudo bem, então — concordando com a cabeça, Bucky chegou a dizer, mas logo foi interrompido por Karl, que parava no batente da porta do quarto de .
— Sam chegou — ele avisou sorridente — e disse que está com pressa.
— Que novidade — Bucky revirou os olhos.
— Só porque ele voa, acha que todo mundo precisa voar também — bufou, mas logo riu com Bucky, o acompanhando para fora do quarto.
— Não se esqueçam de que vamos estar esperando vocês quando voltarem para um almoço maravilhoso que eu mesmo farei — Karl riu animado, dando um beijo em sua filha, enquanto James já estava abrindo a porta da entrada para sair do apartamento.
— Falando em Sam, sabe que ele vai querer vir junto almoçar, não é? — comentou, caminhando para a saída.
— Conto com isso! — Karl respondeu, reparando Bucky revirar os olhos.

e Bucky não demoraram dois minutos para encontrar com Sam estacionado na entrada do prédio de Karl e Everett e, o cumprimentando rapidamente, seguiram rumo à casa de campo de Tony. No banco de trás, Bucky seguiu o caminho todo em silêncio, perdido em seus próprios pensamentos, enquanto e Sam conversavam, animados, no banco da frente. A naturalidade da conversa e a leveza do clima entre eles, que os acompanhou o caminho inteiro, fez a mulher pensar, por um instante, que absolutamente nada havia mudado. Mas, no instante seguinte, quando Sam deixou sua curiosidade transparecer e perguntou-lhe, simplesmente, como haviam sido aqueles cinco anos, a realidade bateu em novamente. E, do mesmo jeito que havia feito em Wakanda, contou a exata mesma história, com os exatos mesmos detalhes para Sam, que ouvia atento e reagia em algumas partes.
Sam pareceu verdadeiro em responder o que achava da situação. Como Bucky, jamais a julgaria por ter tentado seguir sua vida, era a coisa certa a se fazer, era o melhor para ela e era o que ele teria feito também. Contou sobre a conversa que teve com Steve no dia anterior, sobre o mesmo tema, ouviu dele as mesmas coisas que estava ouvindo de , mas se preocupava em saber como ela estava se sentindo diante de todo aquele caos. Sam entendeu que cinco anos tinham se passado do modo mais puro que entendia absolutamente tudo em sua vida: com seriedade, responsabilidade e, vez ou outra, tentando fazer piadas sobre a situação.
Apesar de saber que as pessoas tinham formas diferentes de lidar com os mesmos cenários, se sentiu mais confortável em conversar com Sam do que com Bucky ou mesmo com seus pais. Karl e Everett estavam, como sempre, tentando ser positivos e avaliar a situação com o maior senso possível de normalidade que, no fundo, não existia. Aquilo tudo não era normal e tinham perdido tanto, tinham vivido tantas coisas ruins, que não conseguia extrair o otimismo todo que seus pais, confiantemente, a passavam. Bucky, por sua vez, estava um tanto recluso, como naquele momento, no carro. Fechado em si mesmo como ela lembrava de tê-lo conhecido, sabia que enfrentava seus próprios questionamentos mentais e sabia que tudo aquilo tinha mexido com ele de uma forma única. Bucky tinha um contexto absurdamente violento em seu histórico e, quando parecia aprender a lidar com ele, alguma coisa acontecia novamente e o tirava da vida.
Sam era mais objetivo. Avaliava a situação de um ponto de vista que também tinha, parecia ter vivido com ela, ter sentido o que ela sentiu naqueles anos. Ele era mais prático, realista, tão pragmático que, às vezes, assustava. Não havia espaço para dramas ou para insensibilidades, Sam era humano, altruísta e muito empático, talvez a pessoa com o maior senso de alteridade que teve a chance de conhecer na vida. Ele sabia ouvir e sabia aliviar a tensão do momento, tirava dela risadas e, sem saber disso, naquela conversa enquanto ele dirigia, ele a ajudou a se reorganizar novamente.
Bucky sentiu um pingo de inveja de Sam.
Não por ciúmes ou por não ter sido incluído na conversa. Ele não queria realmente conversar. Mas por saber que alguém conseguia compreender de uma forma que, talvez, ele mesmo nunca fosse conseguir. Sam estava mais próximo de ser o que Steve era. Era mais expansivo, era mais seguro, mais corajoso e muito mais humano do que Bucky sentia ser. Não trazia à uma porrada de incertezas e de questões internas, mal resolvidas, dele. Conseguia apenas ouvi-la e tentar resolver os problemas dela, sem criar outros. Sem dramas e sem rodeios. Sam tinha a confiança e a segurança que Bucky queria ter também.
Propositalmente afastada da cidade, a casa dos Stark era longe de onde estava morando com os pais naquele dia e o caminho até lá demorou mais do que Sam havia estipulado. Chegaram ao endereço passado por Steve quando todos os outros já estavam lá, mas, ainda assim, antes do velório começar. A casa de Tony era bastante diferente do que estavam acostumados a ver, sem grandes tecnologias ou luxos por fora, parecia uma casa normal, de uma família nitidamente rica. Era confortável, segura, silenciosa, arborizada e muito tranquila. se sentiu amena ao chegar, talvez o contato com a natureza ao redor ajudasse, e muito, naquele momento.
Todos usando preto, todos em luto, os três recém chegados cumprimentaram os demais silenciosa e educadamente, sem grandes alardes. A quietude do local só era quebrada por conversas em sussurros tão baixos, que mal podiam ser ouvidos. Estavam ali só as pessoas mais próximas de Tony e tudo era tão reservado que causava certo estranhamento para todos eles. Tony era excêntrico. Era um homem de presença marcante e gostava de estar no centro das atenções. Se pudesse escolher, talvez, não teria feito nada tão calmo daquela forma.
Sam ficou em um canto conversando com Wanda e Rhodes, que lamentavam o que tinha acontecido, enquanto Bucky juntou-se a Steve, em outro. ficou pelo caminho para falar com Thor, que queria saber se ela estava bem, mas logo pediu licença a ele, por um momento, e foi em direção a Peter. Sentado em um banco na varanda da casa, sozinho, ele parecia transtornado em estar ali. Seu rosto estava inchado pelas lágrimas, ligeiramente vermelho, e ele olhava fixamente para o grande lago próximo à casa, como se esperasse que dele saísse alguma coisa. sentiu seu coração partir-se em mil pedaços quando seus olhos cruzaram com os dele e, a vendo se aproximar, Peter voltou a chorar.

— Vai ficar tudo bem — ela sussurrou, assim que se sentou no banco ao lado dele, o abraçando o mais forte e amorosa que conseguia.
— Eu não consegui salvá-lo — chorando, Peter falou, desesperado.
— Não foi culpa sua — sentindo seus olhos encherem-se de lágrimas, ela o apertou ainda mais no abraço. — Não foi culpa sua.
— Eu estava lá, , e eu não consegui salvá-lo.

Ela não respondeu mais nada. Absolutamente nada. Nada que dissesse tiraria aquela dor de dentro dele, ela sabia como era, o quanto doía. O abraçando sem soltá-lo nem sequer por um momento, apenas o deixou chorar por quanto tempo ele quis. E assim ficaram. Exaustos, entristecidos, fracos, ambientados naquele lugar que trazia memórias passadas e certa angústia. sabia o quanto Tony representava para Peter. Sabia, porque viu a relação deles quando os conheceu em Berlim, anos antes. Sabia, porque assistiu Tony ir, atordoado, atrás de Peter quando ele foi abduzido no ataque em Nova Iorque e ela estava lá quando Stark retornou ao Complexo, chorando a perda do garoto. “Eu não consegui salvar o garoto”, Tony dizia sem parar naquela noite. “Eu não consegui salvá-lo”, era o que Peter sussurrava no colo de .
Mais do que saber daquilo, teve um momento a sós, em que Peter, mais calmo, foi ao banheiro lavar o rosto, com a tia dele. May se apresentou cheia de ternura para a outra mulher, contou que ouviu Peter falar sobre ela algumas vezes e, simpática, agradeceu pelo carinho de com ele. Peter tinha o jeito amigável e carinhoso de ser de quem puxar. E, na breve conversa que tiveram ali, esperando Pepper aparecer e dar início ao enterro, descobriu que Tony Stark era a figura paterna que Peter nunca tinha tido. E aquela ideia a massacrou de tal forma, que ela não mais conseguiu pensar em outra coisa, senão em como ele estava se sentindo naquele lugar. No fundo, talvez, tivesse se identificado com Peter, entre tantas outras coisas, pelo fato de ele também estar em uma luta eterna por uma família e por um lugar ao qual pertencer. Uma luta que, até ali, ele só parecia ter perdido.
Tony Stark foi simbolicamente enterrado às 14h de um sábado.
O sol fraco tocava as poucas nuvens no céu quando Pepper, com sua filha ao lado, colocou o primeiro reator que Tony carregou em seu peito no lago, no quintal da casa que viveram aqueles cinco anos. Diferente dos demais, Tony teve a chance de ter uma família e de viver com ela. Mesmo assim, nunca seria, jamais, tempo suficiente. Ao lado de Bucky, Sam e Wanda, mais ao fundo e atrás de onde as quase 30 outras pessoas estavam, todos em pé, assistiu à despedida de um dos Vingadores mais emblemáticos que viveram na Terra. E para homenageá-lo, sem esforço algum e sem sequer se mexer, fez centenas de flores vermelhas e douradas brotarem no campo ao redor deles enquanto assistiam seu reator flutuar pela água. Steve, Thor, Clint e Bruce deixaram seus olhos encherem-se de lágrimas assistindo àquilo, mas as engoliram. Tony viveria dentro de cada um deles dali em diante. E faria uma falta absurda.
O velório e o enterro não duraram mais do que uma hora, Pepper não queria grandes cerimônias. Estava cansada e estava tão profundamente triste que só queria terminar de uma vez por todas com aquilo e se afastar por um tempo, fechar-se nas saudades que já sentia dele. Happy logo levou Morgan para outro lugar, a tirando daquele ambiente pesado e triste, enquanto os demais se espalhavam e se despediam.
— Vai voltar para New Asgard? — perguntou, assim que abraçou Thor uma última vez. Ao lado dela, Bucky apenas acompanhava a conversa, com as mãos nos bolsos da jaqueta, sem saber o que dizer. Pelo que tinha ouvido dela e pelo jeito que via Thor a tratar, tinham feito uma amizade sólida e muito cuidadosa naqueles anos.
— É o meu dever estar com o meu povo, mas não acho que quero ficar por lá. — E vai para onde? — ela franziu o cenho, curiosa.
— Ainda não sei — Thor a olhou nos olhos e sorriu. — Mas, se não encontrar lugar algum, vou para sua casa.
— De jeito nenhum — ela riu baixo e negou com a cabeça. — Acho que quero férias de você, um tempo, pelo menos.
— Qual é? Somos a melhor dupla de combate que esse universo já viu — ele deu um passo mais perto dela. — Não conta para o Steve.
— Eu ouvi — Capitão falou mais alto, alguns passos deles, se despedindo de Rocket e Nebulosa.
— Sabe que sempre vai ter um lugar comigo, certo? — respondeu, séria, sorrindo para ele. — Quando precisar de mim ou quando só quiser uma amiga, sabe onde me encontrar.
— Obrigado por tudo, Fada da Natureza — Thor a abraçou uma vez mais, sussurrando, sincero, mas logo se afastou, caminhando sentido à nave que o esperava. — Prometo lavar o cabelo, parar de beber e te atender quando você me ligar.
— Ele está mentindo. — Rocket se aproximou de , que ria do comentário do homem. Ela, então, se abaixou, abraçando rapidamente o Guaxinim. — Se cuide, ‘tá? E mande notícias, o Groot vai querer saber de você.
— Eu sou o Groot — ele concordou ao lado de Rocky, vendo virar-se em direção a ele e o puxar para um abraço também.
— Descobri que parte do que tem em mim vem da sua família — ela olhou para Groot, que sorriu. — Não sei o que aconteceu com ela e sinto muito você estar sozinho. Mas queria dizer que, para mim, nós — apontou para si mesma, Groot e Rocket — somos uma família agora, também. Como disse a Thor, vou estar sempre aqui esperando vocês.
— Vamos voltar — Rocket confirmou baixo. — E vamos estar de olho em você, caso precise da gente.
— Eu sou o Groot — a árvore afirmou, tirando de um sorriso.
— De jeito nenhum, ok? — Rocket rebateu áspero, empurrando Groot para a nave, que estendia uma mão para . — Ela não pode te adotar, ela tem mais o que fazer e já tem um gato. Vamos embora. — O Guaxinim, então, parou por um segundo, segurando Groot, e olhou para Bucky ao lado de . — Última chamada: quanto quer pelo braço?
— Não está à venda — Bucky respondeu a mesma coisa que da última vez, vendo Rocky dar de ombros e sair reclamando dali.

Scott tinha ido embora com Hope e os Pym, enquanto May, depois de passar seu número para para que pudesse mandar notícias do sobrinho, tirava Peter apático dali, seguindo para seu carro. Thor ia embora com os Guardiões da Galáxia, vendo Rhodes se despedir deles para fazer companhia para Pepper. T’Challa passou brevemente pelo velório e, tão logo havia terminado, voltou às pressas para Wakanda com Shuri e Okoye, pois tinham que restituir sua posse ao governo e aquilo estava gerando uma instabilidade gigantesca dentro do país. Wanda e Clint conversavam mais adiante, perto do lago, enquanto Strange e Wang caminhavam para onde estacionaram seu carro. Carol se despedia de Fury e Maria Hill, cada um direcionando-se para um lado diferente.
não teve tempo e nem contexto para conversar com boa parte das pessoas ali e seguiu sem conhecê-las. Lembrava de Hank Pym porque tinha ajudado Steve a assaltar o laboratório dele em 1970 e ficou interessada em conhecer os magos, mas, tirando o breve momento em que os cumprimentou e se despediu deles, não conseguiu sequer conversar. Tinha reconhecido Fury de rabo de olho e, pelo olhar dele nela, sabia que ele também a reconhecera. A estranheza dele em ver o fruto de um projeto que ele mesmo comandava bem ali; a sensação libertadora de em não ter mais dúvidas sobre sua família biológica e sobre seu passado.

— Ninguém mais acha estranho um guaxinim de roupa? — Sam perguntou, se aproximando de e Bucky, que o olharam ao mesmo tempo.
— Tony achava — ela respondeu, triste, lembrando-se do comentário dele quando viu Rocket pela primeira vez, cinco anos atrás.

Sam soltou uma risada fraca, nasalada, e nada mais disse. Observando as pessoas irem embora, ao seu redor, tomando seus respectivos rumos e caminhos, teve a sensação de que um ciclo havia se fechado. De que uma etapa tinha sido vencida e de que uma história tinha sido contada. Como se tivesse se iniciado com ele, parecia que Tony Stark tinha acabado de colocar, enfim, um ponto final em uma era.

Capítulo 38

Nova Iorque,
Duas semanas depois

Duas semanas haviam se passado desde o velório, quando chegou com Bucky, novamente, na casa de Tony Stark. Pouca coisa havia efetivamente mudado naqueles dias, mas o clima, certamente, parecia ter melhorado para todos eles. Nada podia ser melhor do que ter paciência, do que estar em companhia daqueles que se amava e dar tempo ao tempo, para que tudo voltasse novamente ao seu devido lugar. Apesar dos desencontros físicos de terem ido um para cada lado, , Bucky, Steve e Sam estavam mais próximos do que nunca. Estavam decididos a apoiar uns aos outros e a acelerar os processos de cura e de compressão em todo aquele caos.
Depois do velório de Tony, Sam, de fato, almoçou na casa dos pais de e, então, decidiu passar algum tempo na casa de sua irmã. Ainda não tinha visto Sarah e os meninos pessoalmente desde que retornou da poeira, ainda não tinha tido tempo de conversar tudo o que queria com ela, de rever sua família e de se sentir presente em algum lugar. Com a destruição do Complexo, Sam não tinha mais seus pertences e nem exatamente para onde ir e não queria ficar vivendo de favor no apartamento de Steve, que precisava de espaço para se reorganizar também. Ele chegou no meio da noite à casa de Sarah e vê-la ali, depois de tantos anos se escondendo na Europa, sem poder fazer contato, e depois de tantos anos desaparecido, foi um reencontro e uma sensação tão bons, que ele jamais pensou que viveria.
Steve manteve-se em seu apartamento, comprado alguns anos atrás, assim que Stark voltou do Espaço e que todos os Vingadores que sobraram saíram do Complexo. Nada novo aconteceu para o Capitão naquelas duas semanas, exceto pelo tempo que passou com Bruce, na casa de campo de Tony, tentando pensar em formas de reproduzir o túnel quântico. Apesar da calmaria e da sensação de normalidade naqueles dias, o que fazer com as Joias, contudo, era o que estava causando certas angústias em Steve e, sem exatamente saber o que fazer ou com quem deveria conversar sobre as ideias que tinha para elas, recorreu a única pessoa possível que o entenderia.
Bucky havia passado mais tempo com Steve naquelas semanas do que ele tinha se dado conta. viajou de volta à Berlim, tinha pendências a resolver da floricultura, tinha que buscar suas coisas para ficar mais tempo e mais confortável na casa de seus pais, tinha que pegar Alpine e, Bucky sabia, ela queria conversar com Nate. Ele havia ligado em uma manhã para conversar com ela, para dizer que estava com Ivy de volta à Alemanha e para agradecê-la por tudo que tinha feito por eles. tinha saído da vida dele tão rápido quanto entrou e precisavam conversar, precisavam terminar qualquer coisa que havia sido começada, manter a amizade que tinham antes.
Ela viajou com Everett, que foi convidado a revisitar a base da CIA no país para acertar seu antigo posto de trabalho, e lá ficariam por dez dias. , contudo, participava das chamadas em grupo que Steve aprendeu a fazer pelo celular, com Sam e Bucky, e acompanhou a adaptação de James em Nova Iorque. Naqueles dias, com tempo e se sentindo seguro em caminhar sozinho pelas ruas e reconhecer lugares que, por décadas, ele sequer se lembrava de já ter conhecido, Bucky sentiu algo que não se lembrava de ter sentido antes, senão com : a vontade de ficar. Tudo parecia tão familiar e confortável ali, tudo soava como uma casa que ele não tinha tido, como um lugar dele. E todo dia, quando saía pelas ruas, observando tudo ao seu redor, se sentindo seguro e ameno, ele se apegava a Nova Iorque um pouquinho mais.
Sem pensar muito, dominado pelas saudades e pelas sensações amenas que o lugar lhe trazia, ele tomou a primeira grande decisão de sua vida: a de viver ali. Talvez, se pudesse voltar ao antigo bairro e encontrar uma casa, talvez, se pudesse minimamente recuperar uma parte perdida de sua vida, conseguisse viver em paz, finalmente, conseguisse ser um pouco mais feliz, mais normal. Tudo havia começado e tudo havia terminado ali.
Ele gostaria de voltar, de continuar de onde parou e, quem sabe, de recomeçar tudo outra vez.
Como se tivessem correndo atrás do tempo perdido, como se fossem novamente só os dois garotos do passado, os amigos corajosos, irritantes e cheios de ideias duvidosas, Bucky pediu a ajuda de Steve para encontrar um apartamento no Brooklyn, que fosse próximo ao dele próprio e que ele pudesse pagar com um possível financiamento do banco. Steve, por sua vez, satisfeito e muito feliz com a decisão do amigo, o encorajou a ir em frente. Estava orgulhoso em vê-lo muito diferente de como era anos antes, de quando ainda vivia na sombra, no medo e na culpa do que um dia fez. Bucky parecia muito mais livre e muito mais confortável em ser quem era, em ter algo que fosse dele, em tentar reconstruir sua vida.
E ver aquilo, naqueles dias todos em que o acompanhou nas visitas em dezenas de imóveis por Nova Iorque, deu a Steve a certeza e a segurança que ele precisava para, definitivamente, decidir seguir em frente com a última de suas missões.
Steve havia pensado muito naquilo nos últimos tempos. Havia pensado na vida e em como vivê-la. Pensou em quem era, no que tinha feito, na vida que levou e nas pessoas que tinha conseguido trazer para si. Mas, mais do que isso, refletindo sobre Bucky, ele pensou em tudo que ainda faltava a si mesmo. Em tudo que ele queria ser algum dia, em tudo que ele poderia ter sido, se tivesse feito escolhas diferentes. Longe de ter arrependimentos, cético sobre a vida ser nada mais do que ela era, sem destinos ou forças do universo, ele não desejava que fosse totalmente diferente. Só queria ter tido a chance de poder ter aproveitado aquela parte que Bucky vivia agora com , aquele lado da vida que ele jamais conseguiu aproveitar.
E, em suas reflexões, viu, em tudo o que aconteceu naqueles últimos anos, uma possibilidade concreta de realizar aquele desejo. Steve pensou se deveria mesmo fazer aquilo e, na incerteza de seus anseios, conversou com Bucky, a única pessoa que verdadeiramente o entenderia e não o impediria de seguir com a ideia. A única pessoa de quem ele precisava ter a segurança de que poderia seguir a missão e que teve naquelas duas semanas. Uma de suas maiores preocupações era deixar seu amigo para trás e ter a certeza de que ele ficaria bem. Mas Bucky estava se recuperando de tudo. Ele tinha agora. Tinha outra vez. Alguém que o amava, que faria de tudo para protegê-lo e para o ver bem, alguém que não media esforços em fazer o que fosse preciso fazer. E ele teria Sam. Apesar de ainda não terem percebido, eram parecidos em muitos sentidos e, se deixassem seus orgulhos de lado, poderiam ser bons amigos.
Entre um encontro e outro que teve com seu melhor amigo, Steve chegou a oferecer a mesma alternativa que encontrou para si mesmo a Bucky. Uma chance real de poder voltar ao tempo e ser a pessoa que ele sempre quis ser. Sem Hydra, sem Soldado Invernal, sem nada mais além de si mesmo e das infinitas possibilidades de ter tido uma vida agradável e normal. Uma parte que ele desejou e que sonhou por décadas de sua vida, mas que ali, diante da oportunidade, não mais lhe brilhou os olhos.
Bucky tinha muito a perder. O preço que teria que pagar para poder voltar o tempo era alto demais e ele não queria. Não queria perder de forma alguma. Não valeria a pena ser o Bucky do começo do século novamente, porque naquele tempo ele não a encontraria lá. Por , por quem ele se transformou e por quem ele aprendia a amar cada dia mais, ele decidiu ficar. Decidiu que não importava o que tinha que carregar dentro de si, por , valeria a pena.
A segunda grande decisão da vida de Bucky, naquelas semanas, foi deixar Steve ir. Entendia o amigo. Entendia de verdade. E, talvez, em seu lugar, diante das condições concretas que ele tinha, da solidão e do desespero em se encaixar de volta em seu tempo, ele também teria feito o mesmo. Se aquela era a sua vontade e se aquilo o faria feliz, ele não o impediria de forma alguma.
havia voltado de viagem com seu pai no dia seguinte à conversa de Steve e Bucky e, em uma tentativa de fazer uma surpresa, no dia que ela chegou, Bucky preparou um jantar no apartamento que havia escolhido para si mesmo. Tinha assinado o contrato de aluguel naquela tarde, depois de conseguir autorização do banco para um empréstimo que, em realidade, era falso. Steve quem estava financiando. Em todos os anos que viveu desde que descongelou, Steve havia recebido uma bolsa mensal razoável do governo pelos serviços militares prestados à nação. Como Tony arcava com suas despesas e de boa parcela dos demais Vingadores, Steve havia conseguido guardar integralmente as bolsas e sabia que não mais precisaria daquele dinheiro.
Bucky demoraria a ser ou nunca seria reconhecido pelos serviços militares prestados, não depois de tudo que fez, e não conseguiria receber o mesmo benefício. Não era justo com ele, mas Steve achou justo dar-lhe o que tinha. Bucky não precisava saber, porque, caso soubesse, jamais aceitaria. Por isso, esperto e usando da boa influência e credibilidade que seu nome tinha, Steve comprou o apartamento do antigo proprietário, deixou no nome de Bucky e, ao banco, acordou uma documentação de empréstimo falsa para um aluguel que Bucky jamais pagaria.
Se pudesse deixar algo a seu amigo, antes de partir, gostaria de dar-lhe de volta toda a dignidade que, por anos, foi violentamente tirada dele.
Não haviam móveis no apartamento ainda e, por isso, e Bucky jantaram sentados no chão, sob uma toalha xadrez vermelha e branca, como se fizessem um piquenique no taco da sala. Entre as conversas animadas e baixas na baixa luz do ambiente, enquanto comiam, e Bucky puderam refazer planos de um futuro que foi interrompido anos atrás. Observando a chuva cair na rua lá fora pela janela, com taças cheias de um vinho cuja garrafa já acabava, Bucky a tirou para dançar ao som ameno de Formidable, de Stromae. Como se tivessem em uma festa feita só para os dois, eles conseguiram o tempo a sós que ainda não tinham tido, na correria de solucionar um caos que eles já imploravam não viver mais. Vez ou outra, brincando com Alpine que, finalmente, reencontrou seu dono, o casal se reconectou mais uma vez, como se pudessem começar de novo, como se fosse o tempo para que se apaixonassem uma vez mais. Bucky parecia absoluta e verdadeiramente feliz, completo, inteiro.
se sentia viva outra vez. Como se a vida lhe tivesse devolvido as cores e o coração, que um dia ela perdeu.
Eles transaram pela primeira vez, desde que Bucky voltou, naquela noite. Em uma calmaria absurda, em uma urgência tão controlada que durou horas, com o barulho da chuva lá foram abafando os sons que ecoavam dentro do apartamento. Se aproveitaram, se sentiram, se tocaram, se beijaram. Tudo com tanto cuidado e com tanta paixão que nenhum deles queria que acabasse, nunca mais. se sentiu realizada, grata e segura em tê-lo outra vez. E Bucky se sentiu apaixonadamente confiante em saber que, apesar de tudo, era ele quem ela escolheu ficar no final das contas. O bastante para que ele sentisse a certeza de que estava escolhendo certo, de que ficar naquele tempo, naquela história, era a melhor das opções para ele. E, assim, Bucky foi tomado, naquela noite, por uma vontade extrema de deixar o passado no passado e de seguir adiante, sem amarras, com ao seu lado.
Uma noite perfeita como nenhuma outra. Um tempo que parecia se amenizar, finalmente, que parecia colocar cada coisinha de volta em seu lugar.
Mas, como tudo na vida parecia tender a um equilíbrio, o momento em que a felicidade pôde voltar a reinar foi ligeiramente interrompido por uma ligação de Steve na manhã seguinte, pedindo que , Bucky e Sam se juntassem a ele e Bruce na casa de Stark. Ainda tinham uma parte da missão a ser concluída e Steve, apesar de não querer criar alardes, precisava de ajuda e queria terminar de uma vez por todas com aquilo. Deu o tempo que Banner pediu para ajustar todo o maquinário necessário e, tão logo estava pronto, convocou as pessoas que genuinamente queria que estivessem por perto dele naquele momento.
Bucky sabia o que aquilo significa, em realidade. Mas respeitou o momento e o pedido de Steve, a decisão de não contar para mais ninguém o que iria fazer até que estivesse, definitivamente, feito. Steve conhecia Sam e conhecia . Sabia que resistiriam à ideia de perdê-lo, que não aceitariam a decisão dele com tanto carinho e compreensão como Bucky o fez. Se já estivesse feito, contudo, seria mais fácil para eles dois digerirem e mais simples de lidarem. Por isso, Steve ligou para Bucky naquela manhã e logo depois de acordarem, ele e pegaram um café pelo caminho e foram em encontro aos demais.
— Chamei vocês aqui porque precisamos terminar o que começamos — sem demoras, Steve comentou, assim que cumprimentou e Bucky, vendo-os fazer o mesmo com Sam e Bruce, que já estavam por lá. Bruce tinha o braço do estalo enfaixado ainda, demoraria muito para se recuperar. — Não é seguro manter as Joias conosco.
— Como vamos fazer isso? — Sam perguntou, pensativo.
— É um túnel quântico? — perguntou para Banner, olhando a plataforma bem menor do que a última, construída no quintal do terreno de Tony, afastada da casa por segurança.
— Sim, uma versão menor e, espero, mais ágil — Bruce respondeu, dando de ombros.
— Legal, aí vamos nós — ela sorriu, animada, trocando um olhar empolgado com Banner, que riu baixo. Aparentemente, tinha alguém ali que tinha gostado de voltar no tempo. — Certo, temos que nos trocar antes — , então, olhou para Bucky e Sam, que concordou com a cabeça. Steve já estava com seu traje de Capitão América, mas os demais estavam em seus jeans e jaquetas, totalmente desconfortáveis para uma missão. Steve, contudo, logo negou, antes que eles pudessem pensar em fazer qualquer coisa.
— Não precisam se trocar, eu vou sozinho — Steve suspirou, sua voz transparecendo uma certeza estranha.
— Está ficando louco, Steve? — exasperou-se. — Você sabe muito bem o que tivemos que fazer para consegui-las, não vai conseguir devolvê-las sozinho.
— Vou conseguir, já passamos por isso uma vez, vai ser mais simples agora — ele insistiu.
— Você não acha que está seguro demais? — ela rebateu.
— Ela tem razão — foi a vez de Sam comentar, intrigado. — Não parece fácil demais?
— Parece — Bucky sussurrou, preocupado, alguns passos dali, mais afastado deles. Apesar de já saber exatamente o porquê de estarem ali, ainda sim estava achando perigoso Steve devolver as Joias sozinho.
— E é fácil — Steve sorriu, confiante. — Todo mundo quer alguma das Joias em algum momento da história, em algum lugar do Universo, e não somos nós que estamos roubando dessa vez. Consegui-las foi um problema. Devolvê-las, não.

Havia uma racionalidade no que ele dizia e os outros três precisavam concordar. Sam e Bucky pareciam confiantes em estar ali, mas confusos com aquela conversa, afinal, não entendiam plenamente o funcionamento do túnel quântico e não viveram o momento das discussões de como a operação de voltar ao tempo funcionava e o que era, ou não, possível de ser feito. , por sua vez, pensou por um instante. Steve era esperto e forte e Bruce era inteligente o suficiente para manipular a máquina a favor deles. Fazia sentido, se fossem mesmo naqueles moldes. Ele já conhecia os lugares, tinham estudado os cenários e poderia simplesmente colocar cada uma de volta em seu lugar e ir embora. Deixar o curso da história correr livre e normalmente, como tinha que ser.
— Tem certeza disso? — olhou Steve, apreensiva.
— Tenho.
— E o que nós viemos fazer aqui, então? — Sam gesticulou, impaciente. — Eu estava afim de participar dessa vez.
— Se alguma coisa der errada, vocês entram — Steve respondeu, simplesmente, vendo concordar com a cabeça, de braços cruzados.
— Lembra, hein — Banner abriu a maleta que estava em cima da mesa de comandos, revelando as seis Joias colocadas nela. — Você tem que devolver as Joias no momento exato em que pegamos ou vai abrir um monte de realidades alternativas doidas.
— Fica tranquilo, Bruce — Steve fechou a maleta e a travou. Parecia calmo e seguro até demais. — Sem ramificações.
— Olha, eu tentei — Banner abaixou seu olhar e sua voz. — Quando estive com elas, as Joias, eu tentei fazê-la voltar.

abaixou seu olhar também, sentindo tudo parar ao seu redor por um instante e uma fisgada no coração em ouvir aquilo. Bruce tinha levado duas semanas para finalizar o túnel quântico não porque estava tendo dificuldades em fazê-lo sozinho ou porque precisava de mais tempo para pensar em uma forma mais ágil ou seja lá o que fosse. Ele levou todo aquele tempo porque estava esgotando, incansavelmente, todas as possiblidades de trazer Natasha de volta, de revê-la. se lembrava de como ele ficou quando ela não voltou, ela se lembrava de como foi. Natasha fazia falta para ele, talvez mais do que fazia para qualquer outro. Bruce a queria ter de volta, mas não encontrou recursos ou possibilidades de negociar com o tempo. Já era tarde demais.

— Ela faz falta — Bruce sussurrou, chateado em ter fracassado.
— Muita — concordou baixo, recebendo um aperto amigável no ombro, de Sam. Bucky tinha seus olhos no chão, sem saber exatamente o que dizer. Não se lembrava de ter contatos com ela, exceto nas vezes que lutaram um contra o outro. Diferente de Stark, Natasha parecia querer dá-lo uma nova chance, parecia querer deixar o passado para trás, mas não tiveram tempo. Pelo que sabia dela, pelo que tinha ouvido de Steve e de sobre ela, talvez, pudessem ter sido bons amigos.
— Eu sei — Steve concordou, olhando dela para Bruce. — Só estamos aqui por ela e, por isso, devemos seguir. — Ele, então, virou-se para e abriu levemente os braços.
— O que é isso? — ela perguntou, franzindo a testa.
— Um abraço — Steve respondeu, com obviedade.
— Um abraço? — confusa, ela rebateu, o encarando.
— Qual é o problema de um abraço?
— Do nada assim? — ela riu levemente. — Parece estranho, Steve. Você está bem?
— Só quero um abraço para poder sair em missão, é pedir demais? — Steve respondeu, chacoalhando os braços levemente.

De fato, não era a pessoa mais carinhosa do mundo e sempre desconfiava de qualquer manifestação de carinho dele. Ela o encarou por um novo segundo, mas logo se rendeu, dando alguns passos em sua direção e o abraçando com força. Talvez, ele só estivesse com medo. Com medo de ir sozinho dessa vez, com medo de que algo acontecesse com ele, de não voltar. Com medo de não poder se despedir como Natasha não pôde, como Tony não pôde. Não havia mais margens para o tempo, não havia mais motivos para deixar o que se queria fazer e demonstrar para outro momento. Se tinham aprendido algo com Thanos, com os cinco anos mais avassaladores de todos, com a viagem no tempo, era que não havia mais nada senão o agora.
O tangível, o preenchível, o fator a ser vivido e o amor a ser dado, tudo sempre foi e sempre seria o agora. Tudo que tinham era agora e eles não podiam mais viver por outra coisa senão por isso. o abraçou com força, com vontade, sendo retribuída da mesma forma. Não sabia o que seria de Steve, não sabia mais o que poderia esperar de viagens no tempo e se o fosse perder também que, ao mesmo, pudesse se despedir dele.

— Por que parece que estamos nos despedindo? — afastou-se levemente dele, o encarando nos olhos. Steve sorriu, sincero.
— Uma das coisas mais sábias que aprendi é que não podemos deixar de amar quem amamos quando queremos amar. — sorriu para ele, não era comum ouvir Steve falar abertamente sobre seus sentimentos.
— Não podemos contar com o benefício do tempo, não é? — ela riu, serena, lembrando-se de ter aprendido aquilo com ele, no tempo que passaram juntos em Wakanda. Sorridente, Steve segurou a mão dela.
— Você foi uma das melhores coisas que me aconteceram em todos esses anos de vida, . Você é o meu lado mais humano, mais carinhoso, a minha parte mais amorosa. — Presos nos dele, ela sentiu os olhos encherem-se de lágrimas, mas sorriu, apertando sua mão, o ouvindo continuar: — Você foi o motivo pelo qual cheguei até aqui como cheguei e devo muito a vocês. Não quero que se esqueça disso, de jeito algum.
— Nunca me esquecerei — ela sorriu mais abertamente. De onde estava, Bucky sentiu uma vontade enorme de chorar, assistindo se despedir dele sem sequer se dar conta disso. Eram bons amigos, como ele e Steve eram, não seria fácil para ela, não estava sendo fácil para Steve, ele sabia. — Jamais me esquecerei de nada do que vivemos, de nada do que você foi para mim e para esse mundo. Eu agradeço pelo tempo que vivi com você, Steve — ainda o olhava, sorrindo. — Onde eu for, você sempre vai estar comigo — ela engoliu as lágrimas, o vendo sorrir de volta para ela, carinhoso —, porque você é e sempre será o meu irmão.
— Nesse caso — Sam quebrou totalmente o momento, disfarçando a emoção de ter visto aquilo tudo —, o que aconteceu em 1970 foi um incesto?
— Você contou a ele? — praticamente gritou, vendo Bucky rir leve enquanto Steve dava de ombros e começava a caminhar para perto da plataforma, onde Bucky estava, com Sam ao seu lado.
— Eu sempre conto tudo para ele, você sabe.
— Eu te disse para não contar — protestou, bufando risonha. — Agora eu vou ter que aguentar isso pelo resto da vida.
— Tive uma ideia: e se você levasse ela com você e a deixasse para sempre em outra época? — Sam fingiu sussurrar para Steve. — Eu não ia achar ruim.

O olhando incrédula, de costas para ela, fez um movimento rápido com a mão, fazendo a terra abaixo de Sam fazer uma onda rápida, o desestabilizando e derrubando-o no chão, sentado. Steve, Bruce e Bucky riram baixo enquanto Sam se levantava, fuzilando com os olhos, que o encarava de braços cruzados, sorrindo com certo poder.
— Exibida.
— Insuportável — ela rebateu, mas logo foi ignorada por ele, que voltou a caminhar ao lado de Steve. manteve-se próxima a Banner, um tanto ansiosa.
— Se você quiser, eu posso ir com você — Sam comentou, novamente sério.
— Você é um bom homem, Sam — Steve parou por um instante, sorrindo para o amigo. — Só que é comigo agora.

Sam não respondeu nada. Conhecia Steve o suficiente para saber que, quando ele colocava algo em sua cabeça, não tirava jamais. Tinha um plano e o seguiria até o fim. Estava determinado a ir sozinho e, embora soubesse que tinha pessoas com quem poderia contar, ele não aceitaria colocá-los em risco novamente. Ficariam como cartas na manga, caso algo realmente acontecesse, saíssem de seu controle. Steve seguiu caminhando até onde Bucky estava e deixou a maleta com as Joias no chão, por um segundo, enquanto encarava o amigo, até dizer:
— Não faça nada estúpido até eu voltar — ele brincou. Os olhos apáticos de Bucky não passaram despercebidos por , que não entendeu o teor do momento, mas se apegou na mesma ideia de que Steve estava só se despedindo por precaução, por medo do que poderia acontecer.
— Eu não ia conseguir — Bucky riu fraco, negando com a cabeça e olhando o amigo. — Está levando toda a estupidez com você.
Sem mais esperar, os dois se abraçaram com força e não se demoraram muito, logo se soltaram, se encarando por um novo minuto, até Bucky dizer, sincero:
— Vou sentir sua falta.

trocou um olhar rápido com Sam, sem entender exatamente aquela fala. Tudo estava estranho, uma sensação esquisita de que Steve estava definitivamente indo para não voltar, como se ele soubesse de algo que não queria falar para ela e Sam. , contudo, não cogitou nenhuma possibilidade. Se Bucky soubesse de algo, ele certamente a teria dito. E eles estavam ali, afinal. Estavam de cobertura, em hipótese alguma perderiam Steve.

— Vai ficar tudo bem, Buck — Capitão respondeu, sereno, e, com o sorriso do amigo em resposta, subiu na plataforma.

Não demorou cinco minutos para que Steve se colocasse em posição, acionando o traje de viagem no tempo, que se abriu rapidamente sobre o corpo dele. Em pé na marca em que deveria entrar, ele segurava a maleta das Joias na mão esquerda e empunhou o Mjolnir, que Thor havia deixado de presente para ele, ao se despedir depois do velório de Tony, na mão direita. Do mesmo jeito que se sentiu quando subiu na plataforma a primeira vez, Steve estava ansioso, mas não quis transparecer. Tinha que se mostrar certo e confiante, tinha que ir e fazer o que precisava fazer, sem preocupar as pessoas que mais amava e que ali ficariam. Ele, então, deu uma última olhada em seus amigos ao redor, o encarando um tanto preocupados, mas confiantes, com sorrisos fracos.

— E quanto tempo isso vai durar? — curioso, Sam desviou seu olhar até Bruce.
— Para ele, o tempo que precisar — ele respondeu, apertando alguns comandos no painel de controle. — Para nós, cinco segundos.
O barulho da plataforma sendo acionada já podia ser ouvido e Steve virou-se, enfim, de frente para os outros três.
— Está pronto, Capitão? — Bruce perguntou uma última vez, vendo Steve assentir seguro. — A gente te espera aqui, ‘tá?
— Está bem — Steve concordou mais uma vez, fechando seu capacete.
— Certo... Então, ficando quântico em três, dois, um. — Bruce, então, apertou o botão central do comando, fazendo com que Steve desaparecesse da frente deles, sem mais tempo de dizer nada. Do mesmo modo, , Sam ou Bucky não tiveram tempo de reagir, porque, no instante seguinte, Banner já dizia: — E voltando em cinco, quatro, três… — tinha os braços cruzados enquanto Sam e Bucky mantinham suas mãos nos bolsos de suas jaquetas. Os olhares sérios, concentrados, estavam em cima da plataforma, esperando ansiosos pelo retorno de Steve. Sem erros, sem mais despedidas, só Steve — dois, um.

Mas Steve não voltou.
A plataforma manteve-se vazia, como se nunca alguém tivesse sequer subido nela. Bruce apertava rapidamente alguns botões em sua frente, no painel de controle, tentando entender o que poderia ter dado errado, mas nada acontecia. Simplesmente nada. E bastou apenas alguns segundos em silêncio, com seus corações batendo acelerados e suas mentes começando a pensar nos piores cenários possíveis, para que eles entendessem, de fato, que Steve havia se despedido porque, talvez, soubesse que já não mais iria voltar.
Ele não tinha voltado.

— Onde ele está? — Sam perguntou, encarando Banner.
— Bruce? — o chamou, assustada, aproximando-se dele para olhar o painel de controle. — Vamos entrar agora? Cadê Steve?
— Não sei, ele passou direto pela marca de tempo — Banner explicou desesperado. — Devia estar aqui.
De onde estava, Bucky sorriu sozinho, triste, e virou-se de costas silenciosamente para onde os demais começaram uma discussão fervorosa.
— Como assim “passou direto”? — exasperou-se.
— Traz ele de volta — Sam pediu, olhando do cientista para a máquina.
— Estou tentando — Banner respondeu alto, concentrado.
— Traz ele de volta agora — mais áspero e alto do que antes, Sam pediu novamente.
— Eu disse que estou tentando — Bruce o encarou impaciente. Estava realmente fazendo tudo o que era possível, mas não estava obtendo resultado algum. De onde estava, contudo, apertando os olhos ligeiramente para ter certeza de que via aquilo, Bucky os chamou sem alardes:
— Sam? ?

Os dois o olharam curiosos, atônitos e confusos, enquanto caminharam até perto dele. Bruce, enfim, parou o que tentava fazer e, sério, com a testa franzida, encarou o mesmo sentido que os demais iam. De todas as improbabilidades de toda aquela missão, estavam presenciando a maior delas.
Se tivesse que descrever aquele momento, ela certamente não conseguiria. Foi das sensações de desespero e angústia em não ver Steve de volta na plataforma para uma confusão absurda em ver o que acontecia. Sentia seu coração se acalmar, não mais batendo acelerado como segundos antes e sua mente dava voltas, entre lembranças que tinha com Steve até o momento. Mas não demorou a ela mais do que poucos instantes até, finalmente, tudo começar a se clarear, a fazer algum sentido. Steve estava sentado, de costas para eles, alguns metros de distância de onde estavam, em um banco de madeira próximo ao lago, observando o horizonte. Parecia calmo e atencioso ao seu redor. Fraco, debilitado. Não era mais o Steve que havia conhecido. Tinha envelhecido em cinco segundos.
Mas ela sabia que ele tinha vivido outra vida, que em cinco segundos tudo foi diferente.
Com lágrimas nos olhos, assistiu Bucky e Sam caminharem para mais perto dele e, assim que se aproximaram o suficiente, Bucky fez um sinal com a cabeça para que Sam seguisse em frente. Sam se aproximou de Steve com cuidado, curioso e tão confuso quanto ela estava. Ela não conseguia entender o motivo pelo qual Steve havia tomado aquela decisão, não conseguia entender o porquê de ele não ter contado a ela. Talvez, porque soubesse que ela o teria impedido ou que ela ficaria chateada, magoada. Talvez, porque ele já tivesse antecipado tudo aquilo que ela estava sentindo, a sensação estranha de ter pedido mais uma pessoa em sua vida, mas de ainda tê-la por perto. Por isso ele havia se despedido dela. De Sam. De Bucky.
Não porque tinha medo de não voltar mais. Steve se despediu porque já sabia que aquele Steve não voltaria nunca mais.
ficou parada onde estava, sem conseguir absorver o que exatamente acontecia ali, imersa em tantos pensamentos e sentimentos. Steve tinha sido tão egoísta que ela sentia que poderia esmurrá-lo, independentemente de ter fisicamente cem ou duzentos anos, agora. Ele havia deixado Bucky para trás, havia deixado ela, Sam, os Vingadores, toda a ideia que ele carregava, tudo o que ele significava para o mundo inteiro. Havia trocado seus ideais e seus propósitos de uma vida inteira por algo que correu outros rumos sem ele, que sobreviveu de outras formas. Se enfiou em uma história que já tinha começo, meio e fim sem ele. O que Steve tinha feito, afinal?
A resposta, contudo, brotou em como uma flor, assim que os olhos de Bucky voltaram-se rapidamente para ela e uma memória em especial correu sua mente como uma estrela.

“Dancem. Dancem por vocês e dancem por mim, que nunca tive a chance.
Estou feliz que tenham se encontrado, feliz de verdade, e vou embora hoje com a certeza de que, enquanto estiverem juntos, tudo ficará bem.”


O trecho da carta que Steve havia deixado para ela, quando foi embora de Wakanda sete anos atrás, resumia, talvez, um pensamento, um sentimento, que quase uma década depois ele ainda carregava em seu peito. Steve tinha feito tudo aquilo por nunca ter tido a oportunidade de ter o que Bucky havia conseguido. Era clara a parte que lhe faltava, sempre foi. Steve nunca tinha superado seu amor por Peggy e continuou lutando por ele. Essa era a luta de sua vida. E o que mais poderia mover um homem ao passado, a abandonar tudo o que construiu e o que fez, a abrir mão de todo seu presente, senão o amor? Steve era um homem que teve tudo, mas buscou pelo amor até seu último momento.
Tudo, então, faz sentido para , no final das contas. As reações dele quando foi buscá-la na floricultura, ter passado todo aquele tempo com ela a visitando na Alemanha, tê-la enviado para ver seus pais no teste, ter feito questão de que ela fosse na mesma equipe que ele durante a viagem ao tempo, o lenço que colocou em seu pescoço, o beijinho, a companhia, a última luta que se levantaram lado a lado. Steve estava criando memórias com ela, porque ele já sabia que faria aquilo desde o momento em que Scott apareceu com uma ideia de voltar ao tempo. Ele deu à a sensação de uma vida vivida com ele, ao tempo em que ele mesmo vivia o que queria com ela. Um presente e uma enxurrada de lembranças que ambos guardariam em seus corações até seus últimos dias naquele mundo.
Apesar de ter consciência do que acontecia e de entender os reais motivos dele, o que mais dava raiva em era a sensação de não saber o que ela faria dali em diante, o que Bucky e Sam fariam dali em diante, sem ter Steve.
Sam conversava com ele, enquanto ela caminhou para mais perto de Bucky, que a olhava. Pela reação dele, ela tinha certeza de que já sabia daquele plano desde o começo, mas o guardou para si como um segredo que Steve pediu para que guardasse. Tinham tido alguns encontros, alguns momentos em que estavam só os dois como os bons e velhos amigos do Brooklyn e certamente tinham conversado, e muito, sobre aquilo. Podia imaginar como Bucky estava se sentindo e, de certa forma, compartilhava das sensações com ele.
apoiou seu queixo no ombro de Bucky assim que chegou perto dele, o abraçando por trás enquanto assistiam Sam empunhar o escudo do Capitão América, depois de confirmar pelos olhos com Bucky se devia mesmo fazer aquilo. sorriu para Sam enquanto Bucky assentia, sorridente, silencioso. Sabia que Sam era a melhor das opções para continuar com o legado de Steve, para terminar de contar a história do Capitão América. Era um homem íntegro, responsável, disciplinado e muito honrado. Alguém que tinha um histórico de vida correto, que sempre tinha lutado pelo bem e pela humanidade. Alguém incorrompível, leal, o braço direito de Steve quando ele não tinha mais ninguém.
Tinha que ser Sam. Por motivos infinitos que e Bucky poderiam passar horas pontuando, era Sam Wilson quem deveria segurar o escudo e se responsabilizar pela América. E seria ele dali em diante. A beleza daquele momento foi indescritível, mas não durou muito mais. Sam já não tinha muito o que falar e Steve estava decidido a não contar nada sobre seu casamento e a vida comum que teve com Peggy, em um novo livro que escreveu, sem batalhas, sem vilões, sem missões, sem solidão. Preferia guardar para si mesmo todas as lembranças novas que criou. Sam, então, virou-se, enfim, para e gesticulou para que ela e Bucky se aproximassem de Steve.

— Pode ir — Bucky comentou baixo, sorrindo confiante. — Acho que eu e ele já falamos muito nessas semanas — ele assumiu, sincero.
— Tem certeza? — incerta, ela o olhou cheia de expectativas.
— Agora ele precisa saber de você que está tudo bem — Bucky a encorajou. — Falo com ele depois.

caminhou a passos lentos e calmos em frente, aproximando-se do senhor Steve, que permanecia sentado no banco, observando a paisagem. Sam deu alguns passos mais atrás, para deixá-la mais a vontade e deu-lhe a mão rapidamente, assim que passou por ela. Muitas coisas diferentes se passavam pela mente e pelo coração de naquele momento. Tantas as lembranças que tinha com Steve, como se encontraram em Lagos a primeira vez, como se protegeram e lutaram juntos. As memórias dele em seu apartamento em Berlim, lutando junto com ela na Sibéria, a levando de volta para Wakanda. A carta que lhe deixou junto com as margaridas que ela ainda mantinha vivas em sua loja.
O tempo em que se comunicavam via holograma, em que Steve estava foragido, escondido e correndo feito um nômade. O dia em que se reencontraram na Escócia. A luta em Wakanda. A perda. O fracasso. A dor. Como ele absorveu tudo aquilo dela feito uma esponjinha, como se seu coração pudesse aguentar o que o de não conseguia. O dia em que a buscou na porta do apartamento de seus pais, quando a levou de volta para França e as primeiras semanas em que viveu com ela em Berlim, até que tudo ficasse minimamente mais ameno. As semanas, então, quando ele passava visitando-a. O dia que a buscou de volta na floricultura. O dia em que foi o começo daquele fim.
Cada palavra que ele disse a ela naquela tarde, como na tarde em que foram ao bar juntos em Wakanda, pela primeira vez. A confiança, o medo, a busca por uma segurança que ela não sabia que poderia dar a ele.
se lembrava de tudo.
De cada risada, de cada lágrima, de cada dia em que tudo que tinham era um ao outro. Se lembrava dos abraços, das brincadeiras, das provocações, das horas que passavam refletindo sobre a vida e seus propósitos, das confissões. Dos segredos que contavam, da intimidade de uma família que construíram sem se dar conta disso. E, parando de frente para onde ele estava sentado, assim que Steve olhou a mulher sorrir leve para ele, teve a certeza absoluta de que ele também se lembrava de tudo.
Steve sempre se lembraria dela.
E, sete anos depois, como escreveu na carta que entregou à , ele sabia que os dias em que passaram juntos nunca morreriam. Tudo ficaria bem.
Steve manteve-se em silêncio, observando a amiga enxugar as lágrimas que escorriam teimosas. Os olhos dela pareciam serenos e não precisava dizer uma só palavra para que ele entendesse exatamente o que ela sentia. Estava feliz por ele, feliz em observá-lo, em ver como estava vestido, em como parecia saudável, confortável e afetuoso. Estava feliz em vê-lo usar uma aliança de casado, plenamente realizada em descobrir que seu amigo tinha tido o que merecia ter, o que mais queria ter em sua vida. Mas parecia vulnerável. Não pelas lágrimas ou por sequer dizer uma palavra, mas pelos olhos que perguntavam a Steve o que os olhos de Bucky perguntaram no dia em que ele lhe contou sua ideia, o que os olhos de Sam perguntaram há pouco: o que fariam dali em diante, sem ele?
Com certa dificuldade para se levantar, Steve colocou-se em pé lentamente, apoiando-se no próprio banco. Preocupada, cuidadosa, aproximou-se dele rapidamente, parando em sua frente, mas Steve pareceu bem. Em pé, sem dizer nada, ele tirou um pequeno pedaço de tecido do bolso direito de sua calça e, então, virou-se novamente para . Alguns passos dali, Sam e Bucky assistiam atentos, curiosos, ao que acontecia. Com as mãos trêmulas, Steve ajeitou o pequeno pedaço de tecido de cetim, amarelo e laranja e olhou nos olhos, a um passo de distância em sua frente.
só então notou que o tecido era o exato mesmo lenço que ele havia colocado no pescoço dela, com intuito de esconder os machucados que tinha, quando voltaram no tempo, na base militar de Nova Jersey, em 1970. Sem conter as lágrimas e sem segurar o sorriso ameno, o observou colocar o lenço carinhosa e cuidadosamente em seu pescoço, dando um pequeno nó lateral nele, como o fez daquela vez. Ele, então, sorriu para ela.

Onde eu for, você sempre vai estar comigo — Steve repetiu baixo a frase que ela havia dito a ele há pouco, antes de devolver as Joias, e, ajeitando o lenço nela, ele completou: —, porque, por onde você estiver, , não importa onde ou quando seja, eu sempre vou estar com você.

Em cada um dos três, Steve havia deixado legados diferentes. A amizade, os recomeços, a história de uma vida inteira e as chances de um futuro em Bucky. A força, a esperança, a persistência e as memórias do passado em . A justiça, a lealdade, a liderança e o presente em Sam. Steve quis que justamente eles três estivessem ali, naquele exato momento, porque dali em diante eram eles que carregariam o seu legado. As partes mais bonitas e extraordinárias de uma história que ele não mais continuaria a contar.

— Obrigada, Capitão — agradeceu do mesmo modo que o fez em 1970 e, o abraçando delicadamente, sendo retribuída por um Steve sorridente, ela completou em um sussurro: — Obrigada por tudo, Steve.

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Bucky não demorou muito tempo conversando com Steve e, exaustos pelas emoções do dia, logo se despediram do Capitão. A idade pesava nele como nunca antes tinham imaginado pesar e Steve precisava voltar para sua casa, para descansar. Com a nova adaptação da realidade, não mais tinha seu apartamento e, em seu lugar, vivia em uma casa grande e espaçosa no Brooklyn. Preocupado com as condições de saúde dele, Sam fez questão de levar Steve para casa. Estava de carro e provavelmente passaria o caminho inteiro fazendo interrogatórios, que iriam de visitas ao médico até se ele precisava de alguém que pudesse cozinhar e ajudá-lo na limpeza da casa, no seu dia a dia.
e Bucky se despediram de Steve com a sensação estranha de não saber se o veriam novamente. Pela idade que estava, qualquer segundo novo de vida era extraordinariamente milagroso e, por isso, estavam incertos sobre como deveriam agir ou se sentir diante daquilo. Sam mandaria notícias assim que chegasse à casa de Steve e os manteria informados sobre os detalhes da vida nova do homem – imaginavam que precisaria de um cuidador ou ficar em uma casa de repouso, de trocentos remédios, visitas regulares, adaptações na casa e tudo o mais que uma vida idosa poderia demandar. Sam investigaria tudo e retornaria em breve.
O casal seguiu de volta para o centro de Nova Iorque, no carro de e com ela dirigindo, mastigando internamente cada detalhe daquele dia. Tudo parecia tão certo e tão errado ao mesmo tempo, nenhum deles conseguia ordenar o que dizer ou como dizer o que estava sentindo. A música baixa que saia do rádio os acompanhou por mais da metade do caminho, até chegarem a poucos quilômetros da cidade.

— Me desculpe não ter te falado nada sobre... isso tudo — Bucky suspirou, olhando desviar sua atenção minimamente da rua para ele, concordando com a cabeça. — Steve me disse que estava maturando a ideia ainda e que não queria causar incertezas em você ou Sam. Achei melhor respeitar, quer dizer... — ele fez uma pausa, meio confuso — a decisão era dele, não podia interferir.
— Não precisa se desculpar, Buck — ela sorriu. Sua voz era carinhosa. — Eu imaginei que Steve não quisesse contar. Ele é determinado e teimoso demais para querer que a gente opine nos planos dele.
— Imagine agora que ele está, literalmente, velho — Bucky brincou, tirando uma risada leve dela. — Será que devemos avisar alguém sobre isso? — ele, então, perguntou, pensativo. Imaginava que, mais cedo ou mais tarde, aquilo viria à tona e que, inevitavelmente, sobraria para eles. — Quer dizer, uma hora vão se dar conta de que o Capitão América sumiu e que ele envelheceu, como vai ser?
— Não sei como vai ser, mas sei que Sam vai saber lidar com isso, agora que herdou o escudo — respondeu no mesmo tom de voz reflexivo — e vamos ajudá-lo, no que ele precisar.
Sam não pareceu totalmente confortável com a ideia de seguir o legado de Steve, mas Bucky achou melhor esperar para ver. De repente, tudo pudesse se resolver mais rápido e mais fácil do que eles estavam imaginando, não restava muito senão esperar e ver o que poderia acontecer.
— Vamos estar aqui, sim — ele concordou e desviou seu olhar pela janela do carro, por um momento, pensando em algo que não tinha dito à ainda. Sem saber se aquele era o momento ideal ou não, Bucky decidiu comentar: — Steve me ofereceu a possibilidade de voltar também, com ele.

manteve-se em silêncio por um novo momento. Aquela informação batendo nela como uma onda feroz, como se algo tivesse acabado de colidir em si mesma. Não tinha pensado naquela possibilidade, estava focada demais em Steve e se esqueceu, por um momento, que aquela também era uma chance, real, de consertar toda a vida de Bucky. Uma chance que ela não o poderia dar, uma alternativa de viver as partes boas que ele perdeu, de apagar as partes ruins e violentas que ele viveu. Steve havia dado a Bucky a chance de recuperar os anos perdidos e ele simplesmente não quis.

— E por que não aceitou? — o misto de curiosidade e confusão saiu da voz de enquanto ela prestava atenção no caminho em frente. Carinhoso, Bucky colocou sua mão delicadamente nos cabelos dela e respondendo aquela pergunta como se fosse óbvia, ele sussurrou, a olhando:
— Porque lá não teria você.

Bucky viu carinhosa e abertamente sorrir para ele enquanto ele seguia a encarando, passando a mão em seus cabelos. A felicidade genuína transbordando de seus olhos, a paixão carregada nas entrelinhas daquela frase. Apesar de não conseguir se expressar como gostaria, porque nunca tinha sido tão bom com palavras, Bucky esperava que ela soubesse o que aquilo realmente significava. era a real chance para ele. Era a alternativa que ele não mais encontraria em outro lugar ou tempo, representava uma possibilidade, talvez a melhor delas, que nenhuma outra alternativa em cem anos poderia representar. estava feliz em saber daquilo. Feliz em entender o peso de ser quem era para Bucky, de vê-lo escolher por ela, livre e espontâneo.
Outra parte dela, contudo, sentia-se incerta, sem saber se, de fato, aquela era a melhor escolha. Sabia que, àquela altura de sua vida, quando deixou sua casa para entrar no Exército, Bucky já não tinha muito ao que se apegar. A tirar por Steve, que mais tarde perderia também para a guerra, sua família já estava perdida e Bucky já era mais sozinho do que ele queria admitir na época. Voltar para lá, para aquele contexto, seria doloroso, triste em muitos sentidos e bastante solitário. Mas não seria violento da forma que foi, não seria brutal a ponto de perder sua mente e o controle de si mesmo, a ponto de ter seu braço arrancado e colocado um de metal no lugar. Nada poderia ser tão doloroso quanto a realidade em que ele vivia e se perguntou se, de fato, ele tinha feito mesmo a melhor das escolhas.
Mas ela não teve muito mais tempo para pensar naquilo. Não, porque já era tarde demais agora. Ele tinha feito uma escolha e, como ele respeitou a de Steve, ela também respeitaria a dele. Bucky estava aprendendo a escolher por si mesmo, aprendendo os prazeres e as mazelas de ter controle sobre si mesmo, sobre suas decisões, e lá estava ele: feliz e certo do que tinha escolhido. Era sua vida, afinal. não interferiria.

— Eu te amo, James — ela comentou baixo, deitando sua cabeça levemente no braço dele, mas logo voltou à posição normal, atenta à direção. Bucky aproveitou para dar-lhe um beijinho na cabeça enquanto sussurrava de volta:
— E é o que basta para me fazer querer ficar.

Epílogo

Nice, França, 8 meses depois

Bucky estava cansado. Não havia dormido a noite toda, não foi possível dormir. Ficou revirando de um lado ao outro em sua poltrona, inquieto, pensativo, sem sequer se dar conta das horas que passavam pela janela do avião. Não podia relaxar o corpo e muito menos a mente, que insistia em trabalhar em uma velocidade absurda, repassando tudo o que tinha acontecido nos últimos meses, até aquele exato momento. Desde a partida de Steve, nada mais pareceu o mesmo e aquilo não necessariamente era ruim. Em alguma medida, sim, carregava a tristeza e a dor da ausência, da falta, da lembrança que se esvaía. Mas em muitas outras, contudo, definitivamente não foi ruim tudo ter mudado, uma vez mais.
Tinha tido experiência o suficiente com o tempo para saber que tudo, absolutamente tudo na vida era passageiro. Talvez um dos maiores clichês, talvez uma das maiores verdades que carregava dentro de si. Nada permanecia, tudo era tão móvel, vulnerável, momentâneo, efêmero demais. Como uma flor que é plantada, brota, cresce e morre, a vida era nada mais senão a plantação. E restava aos segundos, de um tempo incerto e tão rápido, a responsabilidade de desenhá-la. Em seus traços finos, intensos, simples de preencherem o vazio, eternos, impossíveis de serem apagados. Bucky entendia aquilo agora. Entendia, porque, enfim, no tempo que se passou, soube muito mais sobre a vida do que sobre a ausência dela. E estava satisfeito com aquilo, pela primeira vez em décadas.
Ao longo de sua vida, ou, ao menos, das partes que se lembrava dela, Bucky nunca havia cogitado a ideia de estar onde estava. Nunca se imaginou viver tudo o que havia vivido, transformar-se no que era, ter a chance de começar outras vezes, ressignificar absolutamente tudo, não temer o nada. Nunca imaginou apaixonar-se, conhecer as cores do amor como conhecia, sentir-se só porque já tinha experimentado do compartilhar. Bucky nunca imaginou ter uma família ou construir um lar. Nunca se imaginou tendo um lugar para voltar todos os dias, tendo as responsabilidades e preocupações que tinha naquele momento ou vivendo em um cenário de segurança, calmaria e estabilidade. Não foi sequer uma opção dada a ele e estava muito longe de ser a realidade, ao menos, até os últimos anos. Parecia um sonho, mas sentia-se verdadeiro. Era verdadeiro.
Bucky se lembrava de ter tido aquela conversa com Everett, algumas semanas atrás, quando, entre uma garrafa e outra de cerveja, em um bar qualquer de Nova Iorque, ouviu ele contar-lhe como se sentiu quando foi deixar em Wakanda, tantos anos atrás. A mesma ansiedade em mudar-se, a mesma expectativa em saber o que ela acharia de tudo aquilo, a mesma noite sem dormir em uma viagem longa de avião, de um continente a outro, a mesma reflexão sobre ser, sobre ter, sobre pertencer. Bucky pertencia a algum lugar agora, como Everett percebeu pertencer naquele dia. E estava satisfeito em pensar que também tinha encontrado o seu lugar, também tinha feito as pazes com seu passado, também tinha reencontrado a si mesma, as suas próprias raízes, tão fortes e tão profundas, nunca a deixaram parar de florescer.
O tempo sempre soube de todas as coisas.
Para Everett, para Karl, para , para Bucky também.
E passava apressado, mas sábio, em sua vida, enquanto Bucky se dava conta de tudo o que havia acontecido nos últimos tempos, depois que voltou no mesmo piscar de olhos que sumiu por cinco longos anos.
Bucky tinha começado a fazer terapia, obrigado, de fato, e não assumiria, mas estava aprendendo a se sentir mais confortável com sua mente e com seu passado. Parecia mais conformado com o que havia acontecido, disposto a se livrar de tudo que carregava de ruim dentro de si. Queria virar a página e começar um novo livro, queria manter no museu o Sargento Barnes que desapareceu quando caiu do trem, manter na Sibéria o Soldado que se transformou em uma máquina controlada e manter naquela cabana de Wakanda o James inseguro e incerto que assistiu a liberdade tomar conta de si pouco a pouco, serena e tão cheia de um amor inesperado, bonito e caótico que, na paciência do tempo, o curava.
Tinha pago o que ainda devia ao governo dos Estados Unidos, tinha se libertado de absolutamente toda e qualquer prisão que um dia teve em sua vida e dava seus passos, como podia, para livrar seu presente e seu futuro de todos aqueles passados. Tinha se lembrado de sua mãe, de sua irmã, visitado a casa onde sua família viveu e seguia anotando em seus caderninhos tudo o mais o que se lembrava, tudo o que jamais poderia esquecer. Tinha buscado pelo perdão de quem tinha lembranças de algum dia ter feito algo ruim, cortando nomes de listas de reparação que havia feito, ajudando aqueles que um dia lhe causaram algum mal a ter o que mereciam. E, apesar de ainda ter pesadelos com tudo aquilo, com os rostos assustados, com as vozes que imploravam sua misericórdia, com os gritos de pavor e o barulho de uma arma em pleno funcionamento, Bucky ainda tentava.
Tentava seguir em frente, tentava se perdoar, tentava ser quem era, tentava manter-se o mais longe possível de quem um dia foi. E torcia para que o tempo levasse os pesadelos embora, para que continuasse o ajudando a se lembrar, a nunca mais esquecer de nada.
E sabia que não estava sozinho naquela jornada, não mais. Tinha se aproximado de Sam, tinha lutado ao seu lado pelo legado de Steve, e, apesar de ainda o achar bastante desnecessário e irritante, era alguém em que podia confiar, alguém cuja responsabilidade e integridade admirava e o inspirava a ser melhor. Tinha permitido que Sam entrasse em sua vida ao tempo que também permitia-se fazer parte da dele e, no final do dia, não tinha sido uma decisão tão ruim assim. Bucky tinha um amigo. Um amigo tão bom quanto Steve, tão teimoso e cabeça dura como ele também. Tinha conhecido sua família e tinha sido recebido por ela como se pertencesse ali e, justamente de lá retornava para casa naquela manhã.
Para casa.
Retornava para onde, dali em diante, retornaria todos os dias, retornava porque tinha agora para onde retornar. De todas as coisas que haviam mudado naqueles meses, havia aquilo também. Havia , havia Alpine, havia amor e consistência, permanência. Havia a casa onde ela viveu os poucos anos de sua vida com seus pais, a casa que foi reformada, a casa cuja chave tinha ganhado dela em Wakanda, anos atrás. A casa deles. A casa grande e confortável, no caloroso sul da França, que se abria em seu campo de visão, alguns passos de onde ele mantinha-se parado, em pé, segurando uma pequena mala de mão.
Não devia ser mais do que seis horas da manhã e o sol abria-se no céu, dando indícios de mais um dia quente e bonito por vir. O ar refrescante vinha com a brisa do mar alguns poucos metros da casa e o cheiro da maresia fez Bucky sorrir sozinho. A fachada tipicamente francesa da casa combinava com o jardim amplo e colorido, imensamente florido, ao seu redor. Pelo lado de fora, Bucky podia ver Alpine dormindo tranquilamente em cima de sua caminha, no batente de uma das janelas. Pelo horário, também devia estar dormindo, sem sequer saber que ele estava ali. Bucky não havia dito nada. E por isso estava ansioso.
Sua permissão para, finalmente, deixar os Estados Unidos tinha sido liberada no dia anterior e ele decidiu fazer uma surpresa para . Ela estava, naquele tempo, dividindo a vida entre a reforma da casa em Nice e ir vê-lo nos Estados Unidos mas, com os acontecimentos recentes demandando mais tempo e foco de Bucky e Sam para resolver, tinham acabado ficando longe por algumas semanas. Apesar de sempre se falarem, Bucky sentia falta de estar com ela e contava os dias para poder, finalmente, estar ali, para poder ver o lugar.
Estava ansioso em ver , em ver a casa, em sentir pela primeira vez, em décadas, que tinha uma família. Não havia dormido a viagem toda ansioso por aquele exato segundo e lá estava ele, enfim. Segurando o chaveiro minimalista com a letra B em metal e a pequena casinha gravada na chave pendurada nele, e sua mala de mão, na outra mão, parado em frente à casa, a admirando, a sentindo.
Naquele instante, tanto sobre seu passado percorria sua mente, com a onda feroz da liberdade, da libertação, tomando conta de si; tanto sobre seu presente e o pertencimento, a chance de viver o sonho que sonhou com , dali em diante; e tanto sobre o que o futuro os reservava, na incerteza e na sabedoria de viver o que tinha que viver em seu tempo, nem mais e nem menos.
Bucky não sabia o que pensar, não sabia por onde começar. Mas se ele tivesse que contar aquela história a alguém, algum dia, começaria pelo exato local onde estava, pelo ponto de partida. Começaria pela memória que ele jamais iria se esquecer.
Começaria pelo Projeto Neriine.


FIM.



Nota da autora: Nunca começamos uma jornada esperando pelo o dia em que ela termina. Mas o que é o fim senão parte de um novo começo?
Hoje me despeço de Project Neriine, história que, com tanto amor, dedicação e carinho fez parte dos meus dias nos últimos seis anos. E só tenho a agradecer a vida pelas pessoas que essa história me presenteou, pelos momentos divertidos, pelas horas refletindo, mergulhando nesse universo, que tanto me serviram para mergulhar em mim mesma.
Os desafios da vida não me permitiram escrever tudo o que eu gostaria nesta história, até FATWS, mas queria que PN tivesse um final digno da jornada que ela trilhou todo esse tempo e que honrasse cada pessoa que esperou pelo final dessa história. Espero que tenham gostado!
Me despeço hoje, desejando que cada pessoa que passe por PN carregue no coração, e pela vida, nada mais senão a permissão de florescer.
Obrigada a quem me deu uma chance, a quem leu PN e a quem chegou, junto comigo, até o final do caminho. Obrigada a Lu, por ter sido a melhor beta-amiga fanfiqueira, pelo apoio e incentivos com PN até o final! Você arrasa.
Nos vemos por ai! E, se quiser me mandar um oi, venha pelo twitter ou pelo grupinho do whatsapp!
Super beijinhos, Ju S. 😊 x




Nota da beta: A gente sempre sabe que esse dia vai chegar, mas é impossível aceitar que já chegamos ao fim! Não poderíamos ter pedido um desfecho melhor para o nosso casalzão, com muita calmaria depois das tempestades hahahaha
Tenho (e sempre terei) um carinho enorme por PN e fico muito feliz por ter acompanhado e te auxiliado nessa etapa final, obrigada por me permitir fazer parte disso tudo, você fez um trabalho incrível aqui ❤


Outras Fanfics:

➽ Care Bears (Avengers - Finalizada)
➽ Vingt-Cinq (Spin-off de Project Neriine - Shortfic)
➽ Taste The Feeling (Originais - Em andamento)
➽ 11:11 (Spin-off de Taste The Feeling - Shortfic)


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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