Psicologia do Amor

Última atualização: 17/03/2019

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Capítulo 23

Havia levado mais de meia hora para chegar ao local estipulado. Eu havia marcado o endereço no Uber, mas o trânsito não colaborou para que eu chegasse no horário previsto. Mais cedo o havia me perguntado se podíamos ter a nossa última consulta em outro lugar e disse que mais tarde mandaria o local por GPS. Respondi que tudo bem e por isso estava ali agora a caminho, o coração na mão para encontrá-lo depois do nosso intenso embate.
Era estranho pensar que aquela era a nossa última consulta, a despedida entre e eu. Havia uma sensação bem esquisita no peito porque deveria ficar feliz por liberá-lo, mas entristecia-me saber que isso significava que eu estava deixando-o partir.
Desde o dia que eu marquei a data da última sessão, uma dor se alastrou no meu peito. Preparei-me mentalmente durante esses dias para não demonstrar que eu estava afetada por isso, ainda mais depois da mensagem que havia me mandado após a festa.
Aquelas três palavras fizeram que eu até hoje virasse de um lado para outro na cama. Nunca respondi e nem ele me mandou mais nada. E também, não houve coincidência que me fizesse deparar com ele durante a semana, contudo, ainda assim, eu não consegui tirá-lo da minha cabeça.
Tanto tempo e, ao mesmo tempo, passou tão rápido. Era a última sessão, embora isso não significasse que poderíamos ficar juntos.
Meu corpo tremia de nervoso por ter que encará-lo, eu nunca havia passado por uma situação assim e não sabia o que esperar. Se a nossa conversa fosse somente sobre a sessão, seria fácil lidar, no entanto, ao terminar, se ele se declarasse novamente ou dissesse qualquer outra coisa, juro que não sei se conseguiria falar tudo o que precisávamos para que cada um pudesse seguir o seu próprio caminho.
A conversa com o Denis trouxe um pouco de alívio para mim. Agora eu só precisava deixar partir, ainda que ele levasse com ele o meu coração.
Havia ensaiado o meu discurso várias vezes, recitado palavra por palavra na minha cabeça. Eu estava pronta para deixá-lo. Era o certo a se fazer.
O carro estacionou na entrada do local, agradeci ao motorista e saí, deparando-me com me esperando na calçada. Ele estava com a sua roupa habitual, jeans e camiseta, os cabelos úmidos e suas mãos nos bolsos, enquanto depositava o peso do seu corpo sobre uma perna.
Respirei fundo para criar coragem de encará-lo, tinha tanta coisa não dita entre nós, coisas que eu queria dizer, mas não poderia; coisas que eu deveria dizer, mas não queria.
foi o primeiro a elevar a ponta do lábio em um sorriso sutil, e eu agradeci internamente a ele por fazer isso e tornar as coisas mais fáceis entre nós. Dei um pequeno sorriso também, fingindo que a última vez que eu o havia encontrado não tinha acontecido, ignorando que a última coisa que havia me dito era que me esperaria.
— Você tem certeza disso? – foi a primeira coisa que perguntei, apontando com a cabeça para o cemitério atrás de nós.
— Eu sinto que estou pronto – respondeu-me e ergueu a mão, um gesto mudo para que desse a minha para ele, no entanto, assim que meus olhos pousaram-se nele, a recolheu.
— Então vamos – adiantei e passei caminhando por ele, antes que acontecesse alguma outra coisa constrangedora.
havia me dito por mensagem que queria ir até o cemitério para se despedir da mãe, já que ele não conseguiu fazer isso na época em que ela faleceu. Ele não participou do velório, muito menos do enterro, e agora ele sentia que precisava enfrentar isso frente a frente. Como uma última etapa para fechar as feridas abertas que haviam ficado.
Claro que um gesto não faz as coisas mudarem de uma hora para a outra, mas é um passo, um grande passo para que ele pudesse seguir adiante com a sua vida.
Caminhamos lado a lado, procurando a lápide que pertencia à mãe dele. Como havia chegado antes, já havia conversado com o coveiro que trabalhava ali e ele tinha indicado o local onde encontraríamos o que estávamos buscando. Cada vez que chegávamos mais perto, eu sentia o corpo dele retesar ao meu lado, porém ele não parou, não até finalmente chegarmos ao lugar.
Quando seus olhos depararam com a lápide que tinha a inscrição do nome da sua mãe, ficou tenso e instintivamente segurou a minha mão e a apertou. Não puxei-a no momento, pois não senti como se fosse um gesto sentimental, aquilo não tinha a ver comigo, é tanto que logo que ele respirou fundo, ele mesmo soltou-a e deu um passo a frente.
— Eu vou deixar você ir até lá sozinho, tudo bem? Você precisa desse tempo, mas eu ficarei logo aqui atrás, tudo bem? Não precisa ter pressa, vou esperar, e quando estiver pronto, é só me chamar. – Virei-me para falar com ele e toquei em seu braço.
Vi o pomo de adão dele subir e descer, mordeu a sua bochecha interna e balançou a cabeça, dando meia volta e caminhando até a lápide. Em seguida, ajoelhou-se em frente a ela e eu me afastei um pouco, andando até uma árvore que tinha ali perto e escorando-me nela, a fim de deixá-lo mais à vontade.
Enquanto esperava, passei os olhos pelo lugar, vendo as inúmeras lápides espalhadas pelo cemitério. Quantas pessoas outrora estiveram aqui chorando as suas perdas? A morte é algo que não prepara ninguém e é a única certeza de que vamos passar nessa vida. Engraçado como, algo tão concreto, é tão inaceitável e doloroso para nós. Ainda que saibamos que todos a nossa volta vão passar por isso, quando de fato acontece, nunca estamos preparados.
Voltei a olhar para e vi suas costas se moverem, tremendo, e o som de um choro baixo chegou aos meus ouvidos. Observei-o passar a mão por seu rosto diversas vezes até tampá-lo de vez e reclinar a cabeça.
Senti-me constrangida por olhá-lo e preferi desviar a atenção. Além disso, cortava-me por dentro ver o daquela forma, saber que ele estava chorando e sentindo dor. No entanto, sabia que era bom colocar a dor para fora e tinha certeza que no final seria um alívio para ele enfrentar algo que tanto temeu.
O tempo foi passando e minhas pernas doíam de tanto ficar em pé, por isso resolvi sentar-me no chão enquanto aguardava, aproveitando a sombra de uma árvore por ali. Sentei-me no chão, escorei minhas costas no tronco e ajeitei-me confortavelmente. Fechei os olhos e senti o vento balançar os meus cachos, a brisa trazia uma calmaria estranha para o local que estávamos e o tempo ameno aquecia a minha pele. Não sei quantos minutos fiquei por ali apreciando aquelas sensações até sentir um calor perto do meu corpo e um farfalhar de folhas ao meu lado.
— Espero não interromper o seu momento de meditação – a voz de soou fraca, mas divertida, e eu forcei-me a não abrir os olhos e olhá-lo de imediato, apenas sorri em resposta.
— Você está interrompendo meu sono de beleza – gracejei.
— Menos mal, você não precisa dele mesmo.
Minhas bochechas ruborizaram, sem dúvida alguma, mas eu ignorei o comentário e parti para o que era importante e o foco que deveríamos fazer ali. Não havia marcado aquela sessão para trocarmos flertes, eu precisava fazer o meu trabalho.
— Como foi?
— Difícil, doloroso, agoniante… Aliviador e libertador. – Abraçou seus joelhos e deitou sua cabeça sobre eles, o rosto voltado para mim. — O início foi mais difícil, encarar que realmente ela estava ali, a palmos adentro no chão, alguém que um dia foi cheia de vida e alegria e agora é apenas um osso seco qualquer. Por um momento me senti um merda por não ter ficado ao lado dela no enterro, que tipo de filho eu sou? – Seus olhos encheram-se de água, mas eu não respondi nada, sabia que era uma pergunta retórica, apenas esperei que ele concluísse. — Mas aí também me lembrei que ela me perdoaria, minha mãe entenderia a minha dor, ela jamais me julgaria por isso.
— Claro que não.
— Eu… – Respirou fundo. — Eu sei que ela deve ter ficado triste com a forma que eu lidei com as coisas, mas acima de tudo, eu sei que ela iria querer que eu seguisse em frente e deixasse essa fase para trás. Eu não posso mudar o que aconteceu, a vida tem dessas merdas e eu vou sempre sentir essa dor no peito a cada lembrança, cada vez que eu estiver sozinho, cada vez que eu ver algo que eu relacione a ela… No entanto, eu não quero que isso me impeça mais de prosseguir.
— Isso só depende de você, . – Inclinei um pouco a cabeça para olhá-lo melhor. — Você passou as fases do luto e agora finalmente chegou a última, a aceitação, o que não quer dizer que tudo será um mar de rosa, mas é um sinal que finalmente você encontrou a sua paz, mesmo em meio ao tormento que passou.
— Acho que paz é exatamente o que eu sinto aqui e é estranho porque ainda dói, mas eu me sinto mais leve.
— As coisas vão se tornar mais fáceis dia após dia, como eu sempre digo, um passo de cada vez. Superar não significa esquecer, mas sim saber conviver com esse fato sem ficarmos destruídos como antes. É continuar ter as lembranças e até mesmo chorar de saudades, mas continuar caminhando.
Ainda que a forma como ligou com as coisas não fossem boas, era compreensível. Quando perdemos alguém querido repentinamente, uma parte de nós não consegue acreditar, você não teve o tempo para dizer o adeus e nem se preparar, tudo estava bem em um instante e logo em seguida, o mundo desmoronou.
— Você não precisa ignorar o que você sente, . O fato de você estar dando adeus agora não quer dizer que vai ser o único dia a fazer isso. Você pode tirar um tempo para pensar na sua mãe, lembrar do tempo que passaram juntos, e logo em seguida dar adeus novamente, todos os dias, até realmente a aceitação que ela se foi seja completa em sua vida.
— Vou me lembrar disso – respondeu-me baixinho e com os olhos cintilantes.
… – Inspirei o ar e mantive um olhar centrado nele. — Eu sei que nossas sessões acabam hoje e para o meu trabalho foi o suficiente esses dias de acompanhamento, no entanto, ainda que eu esteja orgulhosa do tanto que você evoluiu, eu quero te aconselhar a continuar o tratamento.
Da mesma forma que ele havia evoluído, poderia decair, um acompanhamento por um tempo maior era importantíssimo. As pessoas têm um engano muito grande e acabam parando o tratamento quando as coisas melhoram relativamente, o que acaba desencadeando uma nova crise posterior. Isso acontece muito principalmente quando se trata de um tratamento medicamentoso, muitos pacientes acham que já estão bem e que não precisam mais tomar o remédio, o que é um erro.
— Você… – iniciou, mas eu o interrompi.
— Não comigo. E-eu… Eu não posso continuar a te atender mais, além disso, eu ainda não estou formada, não posso fazer um atendimento oficial. A nossa relação… – Engoli em seco, sentindo uma trava em minha garganta. — Você estava certo, o que temos não é mais eticamente profissional como deveria. Você precisa de alguém que seja imparcial.
— Entendo.
Eu virei e puxei minha bolsa para o meu colo, abri-a e retirei de dentro um cartão.
— Aí tem o nome, endereço e telefone de um psicólogo muito bom, foi o meu próprio professor que me recomendou. É muito importante que você prossiga com o acompanhamento, até realmente ter certeza que está melhor.
estendeu a mão, pegou o cartão e olhou-o, guardando-o no bolso em seguida.
— Obrigado, eu havia mesmo pensado nisso. Não quero parar o tratamento, na verdade, minha visão mudou bastante em relação a isso desde que comecei, hoje eu acho que todo mundo deveria ir ao psicólogo pelo menos alguma vez na vida. – Sorriu para mim, seus olhos fechando-se e marcando com linhas os seus cantinhos.
Não consegui contrarrespondê-lo, pois eu ainda tinha algo para dizer a ele, não aliviaria a minha consciência, mas precisava saber que o que houve entre a gente não era uma atitude normal e nem bem-vinda entre psicólogo-paciente.
— Eu tenho duas coisas para te falar antes de encerrarmos aqui e eu queria muito que você me escutasse, sem nenhuma complicação mais – pedi com súplica e arqueou a sobrancelha, mas acenou em confirmação. — Primeiro eu queria agradecer por ter aceitado participar desse projeto. Você aceitou e acreditou em mim, além de ser muito cooperativo, o que ajudou bastante. Eu estava prestes a entrar em desespero até você cair do céu na minha porta aquele dia. – Acabei sorrindo com a lembrança.
Quem diria que aquele garoto iria me conquistar e o mundo giraria tanto? Parece que foi ontem que eu estava desesperada atrás de um caso, que eu havia escutado cantar Pablo da forma mais desafinada possível, ou mesmo que suas mãos estivessem agarradas as minhas pernas enquanto ele estava bêbado.
Que nostalgia!
— Tava mais pra ‘saído do inferno’, isso sim – gargalhou, causando-me aquela famosa comichão no meu estômago e eu sorri com ele. — E eu que tenho que agradecer, . Você me ajudou, hoje eu voltei a viver e isso foi graças a você.
Piscou e manteve em seu rosto um largo sorriso. Tão diferente dos primeiros dias, tão distante daquele menino melancólico que eu havia conhecido.
Como estava lindo, não com uma beleza exterior, era a sua alma que reluzia a paz que agora estava em seu coração, era a alegria e a leveza de espírito que despertava um novo olhar nele, um brilho que comovia o meu ser.
Isso fazia ainda piorar a sensação no meu estômago, minha bile retorcia-se e minhas mãos suavam. Aquilo levaria muito de mim, mas eu não seria quem eu era se não reconhecesse meus erros diante dele. Acho que seria o mínimo que eu poderia fazer, depois de ter quase estragado tudo.
— A segunda coisa… – E a mais difícil. — Eu preciso te pedir desculpas. Eu nunca devia ter deixado a nossa situação chegar ao ponto que chegou. Eu errei como profissional com você e isso poderia ter tido consequências inimagináveis. Eu poderia ter destruído todo o seu processo e piorado a situação – confessei, engolindo qualquer ego que eu tivesse e expondo as minhas falhas a ele.
, você não tem que pedir desculpas por nada do que aconteceu. Não foi sua culpa. As coisas simplesmente aconteceram entre nós, não foi como se conseguíssemos evitar.
— Ainda assim, a partir do momento que as coisas evoluíram para a forma pessoal, eu não poderia continuar atuando com você. Eu fui egoísta, terminei o trabalho ainda assim. Graças a Deus você evoluiu e melhorou, mesmo com essa interferência. – Mordi o lábio inferior, sendo completamente franca e aberta com ele, eu me sentiria uma farsa se o deixasse pensar que eu havia agido como uma profissional excelente, sendo que eu havia errado tanto. — Só queria deixar claro que esse tipo de atitude não é certa e nem deve ser aceita.
… – chamou o meu nome com um tom doce. — Eu entendo isso tudo e compreendo a sua preocupação. Não digo que está errada ao querer falar isso pra mim, eu compreendo o que toda a coisa ética quer dizer. Mas … Não é como se a gente conseguisse controlar o nosso coração. As pessoas surgem em nossas vidas quando menos imaginamos e eu jamais conseguiria simplesmente deixar esse momento passar. Eu acho que na vida vale a pena tentar, mesmo que a gente quebre a cara e erre. Um momento é um momento. E se você for o amor da minha vida? Eu iria me afastar simplesmente porque a ética me diz que é isso que devo fazer?
Meu coração deu um pulo e eu senti o meu sangue gelar, ao mesmo tempo que a minha garganta secou.
Eu havia feito essa mesma pergunta para mim mesma diversas vezes. Ele não era o único a se questionar.
E se eu não gostasse de mais ninguém como eu gostasse do ?
E se nós pudéssemos ter uma história de amor incrível e eu estava abdicando dela?
E se fosse o único cara decente que eu encontrasse na minha vida?
E se… E se... E se…
Eu não podia permitir que esses questionamentos me assombrassem novamente. Eu sabia porquê tinha tomado aquela decisão. Era para o bem do próprio , eu devia isso a ele, eu tinha que agir corretamente pelo menos uma única vez.
— Eu não sou o amor da sua vida, – repliquei, sentindo a minha carne tremer.
— Como você sabe? Talvez seja um dia. Se você se permitir a nós, talvez façamos uma dupla incrível. – Elevou o lábio, dando-me um pequeno sorriso.
A sua esperança me matava, a forma como ele sorria doce, como seus longos cílios negros batiam e como ele não se importava nem em retirar os cabelos dos olhos, apenas para não ter que deixar de olhar para mim.
Por que nessas horas não poderia ser um embuste? Seria tão mais fácil escorraçar alguém que fosse idiota, babaca e abusivo. Mas não… eu precisava abrir mão logo de um cara bacana e que sem forçar a barra, era altamente apaixonante.
! – chamei a sua atenção, querendo que ele parasse de dizer aquelas coisas e tornasse tudo mais difícil para nós.
— Eu estou mentindo? – Arqueou a sobrancelha. — Não é possível que eu esteja sentindo isso sozinho. Aquele dia na praia… – Abaixou o tom de voz, compartilhando aquilo comigo como se fosse o nosso segredo íntimo. E de fato era. — … Foi especial. Uma prova do que eu já sabia e do que eu sentia. E eu sei que eu mexo com você de alguma forma também, ainda que você não queira me dizer o mesmo.
Minha língua pesou querendo extravasar tudo o que eu sentia para ele. Eu não era adepta a mentiras, eu costumava ser sempre ser sincera, seja com quem fosse. Mas eu não podia ser com ele e isso me doía.
Eu não podia dizer para ele que por ironia do destino, ele havia sido o primeiro cara a mexer comigo de verdade. Que eu havia tentando não ver ele dessa forma por muitas vezes porque ele era meu paciente, mas nada adiantou. Que por mais que eu já tivesse visto mil caras, nenhum conseguiu adentrar no meu coração como ele. Que ainda que eu estivesse gostando muito dele, eu não podia dar uma chance para nós.
, você está passando por um momento muito intenso na sua vida. Sua cabeça pode estar confusa ainda. Olha o que você está dizendo? – exclamei, perdendo um pouco a noção de mim. Eu não sabia o que fazer para que ele pudesse entender que a gente não podia. viu que eu havia ficado um pouco alterada, ele ergueu a cabeça e arqueou as sobrancelhas, franzindo levemente a boca.
— Por favor, não comece de novo com… – tentou interpelar, mas eu o interrompi.
— É verdade, . Você saiu recente de um relacionamento, eu te ajudei a passar pelo processo, é natural você se apegar a mim. Uma transferência.
levantou-se e bateu a mão em sua roupa para tirar a terra e as folhas que ficaram agarradas no seu jeans. Em seguida seu rosto virou em minha direção e seus braços se abriram quando começou a falar.
— Por que você simplesmente não pode acreditar em mim? – Olhou-me com mágoa.
Eu queria ter desviado o meu olhar nesse instante, gostaria de ter fugido para a colina mais distante, menos ter visto o que eu havia causado a ele.
Por que eu não poderia ter conhecido em outra situação?
A vida tinha umas ironias malditas que me faziam pensar que alguém muito sádico gostava de brincar com o meu coração. Tanta coisa podia ser diferente, tantos outros meios e formas que poderiam ter acontecido…
Nessas horas eu queria só que minha vida fosse um clichê, gostaria que eu tivesse me esbarrado com pela rua, ele derrubaria meus livros e me ajudaria a catá-los. Aí ambos olharíamos nos olhos um do outro e uma inquietação surgiria dentro de nós. Iríamos nos apresentar e ele me chamaria para fazer um lanche ou, pelo menos, pegaria o meu telefone. Começaríamos a conversar, veríamos as coisas que tínhamos em comum, aos poucos nos apaixonaríamos, depois o flerte viraria namoro e quem sabe futuramente algo mais sério.
Por que não podia ser simples assim?
Por que eu tinha que ser uma futura psicóloga e um cara quebrado, meu paciente?
Ao mesmo tempo que eu pensava nisso, eu o olhava e entendia que se fosse de outro jeito, talvez ainda estivesse preso dentro de si e das suas próprias dores. Se minha vida não tivesse encontrado com a dele da forma que foi, talvez nunca tivesse a oportunidade de olhar para mim, porque ainda estaria dentro do seu luto reprimido e refletido dentro de um namoro enganoso.
Talvez se não fosse dessa forma, nós nunca teríamos a mínima chance.
No entanto, ainda que não pudéssemos ficar juntos do jeito atual, eu, pelo menos, poderia me sentir bem em saber que agora era alguém melhor, que eu havia o ajudado de alguma forma. E pelo menos isso valia a pena.
Mesmo que talvez estivesse em início de transferência emocional de novo, mesmo que talvez depois de alguns dias ele visse que, na verdade, ele não gostava dessa que ele achava. Mesmo que eu fosse sofrer durante o processo desse romance não concretizado.
Ainda assim eu ficaria feliz por vê-lo melhor.
— Eu gostaria muito de acreditar nisso – confessei, sentindo romper a última ponta que eu ainda segurava do meu coração. Um silêncio se fez entre nós, antes que eu dissesse as próximas palavras, aquelas que findariam tudo. — Mas eu não posso.
Era óbvio que o meu coração traiçoeiro queria pegar cada frase que havia dito e acatá-las, mas a minha razão não me permitiria acreditar e cair em uma cilada. Era difícil, mas precisava saber que essa decisão era para o nosso próprio bem.
— As nossas sessões acabaram – sussurrou com os olhos vacilantes.
Soou como um aviso, uma última interpelação de esperança saída da sua voz.
— Teoricamente ainda é o meu paciente até o final do semestre, quando eu apresentarei o trabalho – retruquei com a voz tão fraca quanto a dele.
Cada mísero pedaço de força que eu encontrava para nos afastar, era uma cravada a mais dentro do meu coração. Meus olhos encheram-se de água quando, após a minha fala, ele deu um passo para trás, ergueu a cabeça e olhou para cima, dando um longo e profundo suspiro.
— Então é isso? – perguntou assim que voltou a me encarar, seus olhos sérios e me intimando a dar a minha última palavra.
— As coisas apenas são como são.
enfiou as mãos no bolso e mordeu o lábio inferior com um semblante ferido. Ele fechou os olhos brevemente e apertou-os, em seguida, olhou-me novamente e deu um passo para mais perto de mim.
— Então por que está chorando? – questionou-me, erguendo a mão para apontar para o meu rosto e eu levei a minha até a bochecha, sentindo o líquido que percorria ali sem ao menos eu perceber.
Passei os dedos para enxugar os meus olhos e depois fechei-os em punho, vendo desviar o olhar, como se não pudesse olhar para mim dessa forma, aparentando estar se segurando para não vir até mim e respeitar o meu espaço.
Ele balançou a cabeça e sua testa franziu. Não sabia o que ele estava pensando, nem mesmo eu conseguia raciocinar nesse momento. Precisávamos nos despedir, eu não aguentava mais essa tortura.
— Lembra daquele professor que eu te contei uma vez? – mudou de assunto bruscamente, deixando-me aturdida. — O do curso no exterior que eu não fui – explicou.
— Sim – respondi, sem compreender o que tinha a ver com a conversa, mas agradecendo internamente para o assunto se mover para qualquer coisa que não fosse “nós”.
— Ele me ligou esses dias e me fez uma nova proposta. Eu tenho um protótipo de um aplicativo que ele ficou interessado, meu professor enviou sem eu saber e, pelo que parece, eu fui aprovado. Se eu for, poderei aprimorar o projeto, além de aprender técnicas novas, vai ser muito bom para o meu currículo.
— Uau, , isso é… – comecei, tentando processar a informação. — Fantástico. Parabéns!
Meu coração deu pulo de felicidade por ele, mas logo a consciência veio do que isso significava. estaria partindo para a sua nova vida, uma vida nova que não me incluía e era exatamente aquilo que ele precisava no momento.
— Se eu aceitar, devo partir no mês que vem – prosseguiu e me encarou, analisando até o mísero farfalhar da minha respiração.
Não sei o que ele viu em mim, mas seus olhos, que estavam um pouco duros, caíram em tristeza, assim como os seus ombros. Talvez eu não conseguisse disfarçar muito bem como eu sentia que o meu coração estava sendo destruído naquele momento, ou mesmo as lágrimas que voltaram a jorrar ainda mais intensamente que antes.
Eu queria parar, eu queria apenas sorrir, mostrar que estava bem com tudo isso e empurrá-lo para a sua nova vida sem dificuldade. Mas eu não conseguia, era mais forte que eu. As lágrimas deslizavam pelas minhas bochechas e faziam com que eu sentisse o seu gosto, não consegui impedi-las, eu havia segurando tanto, nem mesmo havia verbalizado uma única vez os meus sentimentos para , mas o meu corpo transbordou tudo o que eu guardava.
. – Os olhos de encheram-se e ele deu um passo incerto para frente, e depois parou. — Não precisa ser assim – suplicou.
— Não, ! – Ergui a mão e comecei a passar pelos meus olhos, tentando fazer com que o choro parasse, sentindo-me estúpida por ter quebrado ali na frente dele depois de tanto tentar manter a minha postura firme. — Agora mais do que nunca as coisas estão como devem ser. Você deve ir, é uma oportunidade incrível. Não cometa os mesmos erros novamente.
Era o destino mostrando o caminho para nós, dando uma segunda oportunidade para . A gente podia sofrer agora, mas logo ele estaria estudando e focando a sua mente em outras coisas e eu apenas passaria a ser uma lembrança legal na sua vida, alguém que o ajudou em um momento de dor.
havia abdicado uma vez por um namoro de sete anos, jamais o deixaria fazer isso novamente por uma pessoa que ele conhecia há três meses. Eu era a pessoa errada, no momento errado da vida dele.
Qualquer coisa que eu fizesse nesse instante, nem que fosse um fiapo de esperança, poderia dificultar a sua partida. Melhor ele ir de coração aberto, pronto para as novas experiências do que com o coração dele ainda aqui.
Olhei no fundo dos seus olhos e algo diferente estava ali. Uma compreensão.
Ele sabia. Não sei se ele havia conseguido ler por minha expressão o que eu pensava, ou se o entendimento havia caído por si próprio. Mas seja o que fosse, finalmente tinha entendido, eu poderia perceber pelo semblante de derrota que se apossou do seu rosto, pelos olhos que lacrimejaram mais e ainda por cima pelo fato daquele pequeno brilho de esperança ter se esvaído.
Havíamos finalmente chegado a um consenso. não me procuraria mais.
Uma a uma, as lágrimas começaram a descer também pelo seu rosto, andou lentamente até mim e parou em minha frente. As suas duas mãos se ergueram e pousaram ao lado do meu rosto, ele afagou a minha bochecha com o polegar e me encarou nos olhos, um silêncio cheio de declarações não expressadas.
Eu sou perdidamente apaixonada por você.
Você é o cara mais incrível que eu já conheci.
Eu não queria te deixar.
Mas eu preciso…
— Tudo bem – sussurrou, acariciou-me e mordeu o lábio, nossas respirações tornando-se uma só. — Adeus, – soprou e, diferente das outras vezes que nos despedimos, não beijou a minha bochecha, mas selou nossos lábios, sem aprofundar, em um beijo que durou tempo o suficiente para que pudéssemos sentir agora o gostinho salgado, não do mar, mas das nossas lágrimas e tristezas. — Adeus…



Capítulo 24

— Então é isso? Acabou mesmo? - Denis me perguntou depois que eu terminei de contar que as minhas sessões com haviam terminado.
O restante da semana anterior havia sido tão corrido que meu amigo e eu não tivemos tempo para poder colocar o papo em dia. Ou talvez eu tenha dado um jeito de desviar a atenção desse assunto porque não queria falar sobre.
Eu não sabia explicar como estava me sentindo nesse momento, só poderia dizer que era horrível. Por muitas vezes durante os dias eu quis ser egoísta, jogar tudo para o alto e correr de volta para os braços de . Mas eu não era essa pessoa e eu não faria isso com ele.
Seria o caminho mais fácil e menos doloroso. Porém, nem sempre os caminhos mais belos são os que nos levam para o destino certo.
Por isso, justamente por gostar de , eu precisava deixá-lo ir sem mim.
Parece contraditório, contudo, era uma dolorosa verdade.
— Sim… – murmurei, encostando minhas costas no banquinho em que estávamos sentados e que ficava perto da nossa próxima aula.
Denis tinha seus antebraços apoiados em suas coxas e as costas reclinadas para frente enquanto olhava-me de soslaio, seus cachinhos caindo por sobre os olhos.
— Eu não gosto de te ver triste, . – Tentou dar-me um sorrisinho, mas nem consegui retribuir.
Ele respirou fundo, girou o pescoço para a direita e para a esquerda, estalando-o, e depois voltou a olhar para mim.
— Então, como é?
— Como é o quê? – lancei a pergunta de volta sem entender o seu questionamento.
— Esse negócio de sofrer por amor.
Encarei-o e franzi um pouco o cenho, tentando descobrir por sua expressão se ele estava zoando com a minha cara ou querendo saber isso de verdade. Seus dedos estavam entrelaçados e seu rosto sério, porém, não fechado, apenas… curioso.
— É uma droga – confessei.
— Imaginei. – Sorriu e relaxou a sua postura, lançando suas costas para o banco e jogando o seu braço por cima do meu ombro. — Por isso que eu me mantenho fora de relações. — Piscou e alargou o seu sorriso, gabando-se sobre mim.
— Como se pudéssemos controlar isso, né?
sinha, o tolo cai no erro e o repete, o inteligente erra, aprende, e não o comente mais, mas os verdadeiros sábios aprendem vendo o erro dos outros. E eu já tenho lições suficientes à minha volta para erguer uma tese completa sobre os benefícios da solteirice.
Denis gargalhou e eu tive que rir com o idiota. Bem que eu queria trocar de lugar com ele hoje, seria melhor do que sentir esse coração destroçado no meu peito. Queria ver até quando ele conseguiria blindar esse coração dele.
— Alguém falou sobre solteirisse aí?
Hellen chegou e jogou-se do meu lado, na parte oposta do banco onde Denis estava, e lançou suas coisas todas no chão sem dó.
— Eu já disse que odeio homens?! Pois é, eu odeio! – Resmungou e passou a mão sobre o seu rosto enquanto jogava a cabeça para trás no banco e olhava para o céu, cruzando os braços sobre o peito.
— Mas esses dias você não estava apaixonada?! O que houve? – indaguei-a com curiosidade.
— É justamente esse o problema. Eu nunca consigo encontrar o boy, toda vez que a gente marca de se ver, alguma coisa acontece e dá errado.
— Tá namorando, Hellen? – Denis inclinou-se sobre mim um pouco para falar com a minha amiga do outro lado.
— Não exatamente… – Ela se encolheu um pouco e desviou o olhar, provavelmente sabendo que se Denis soubesse, ela seria zoada eternamente.
— A Hellen tá com um contatinho virtual, eles estão meio que se relacionando, mas nunca se viram pessoalmente – entreguei-a, descontando todas as vezes que ela me colocou em apuros.
Hellen resmungou ao meu lado e tampou o rosto com as duas mãos, enquanto Denis gargalhava no meu ouvido. Meu amigo jogou os braços sobre o meu colo para chegar perto de Hellen e arqueou o lábio de forma travessa em sua direção.
— Isso é falta de um homem de verdade na sua vida, Hellenzinha? Não precisava buscar tão longe, se o problema era esse, você podia apenas ter me falado. – Denis usou de uma voz mais grave e sensual e deu uma piscadela, endireitando-se em seguida e cruzando os braços atrás da cabeça ao se recostar novamente no banco.
— Idiota – minha amiga sussurrou.
— Não liga para ele, Hellen, Denis é mesmo um idiota. – Apertei a mão dela em consolo e depois virei-me para o meu amigo e dei um tapa na cabeça dele. — E você pare de dar em cima dela na minha frente. Meu Deus, isso é nojento! Não preciso ver suas peripécias em ação.
O Pimentinha estendeu as mãos em sinal de rendição, gargalhando, enquanto Hellen fechava a cara para ele.
— Para você saber, Denis, o que não me falta são opções – ela retrucou para ele, inflando o peito e jogando o seu cabelo para o lado, movimento este que foi acompanhado pelos olhos de Denis lentamente.
Ele era impossível, sim, ele era.
— Tudo bem, mas a sugestão ainda tá de pé – respondeu com a cara mais lavada do mundo.
Revirei os olhos e balancei a cabeça com a briga de gato e rato, mas uma coisa pelo menos eu percebi, eu estava rindo, e por um momento eu havia me esquecido do meu próprio drama.
Ficamos ali jogando conversa fora para esperar dar a hora da próxima aula. Já era metade do semestre e graças a Deus minhas notas estavam sob controle, então eu podia me forçar a me dar uma folga. O único problema era que, quanto mais folga eu tinha, mais tempo minha mente ficava livre para pensar em , aspirar , sonhar com ...
Meu coração vagueava até ele a cada segundo de intervalo do meu tempo e não ajudava o fato de saber que a partida não era tão simples. Eu não conseguia iludir o meu coração achando que a gente poderia se topar por aí ou mesmo se encontrar por acaso um tempo depois quando essa confusão passasse. estava indo fazer um curso no exterior, sabe-se Deus quando voltaria ou o quanto ele poderia mudar depois desse tempo fora.
Essa realidade me bateu profundamente quando eu resolvi abrir o meu Instagram e vi a nova postagem dele. Era a foto da sua mão segurando um passaporte e a seguinte legenda: “Finalmente! Feliz por essa nova etapa!”
Eu deveria ficar feliz por ele, eu deveria sorrir por saber que estaria voando por novos ares em sua vida. Mas eu sou de carne e osso, humana e falha, por isso confesso que meu coração se dilacerou naquele momento.
Não é que eu não queria vê-lo bem. Por Deus! Eu queria muito. Mas era pecado se, no fundinho da minha alma, um ladinho egoísta quisesse que ele também estivesse sentindo no coração a dor dessa escolha, assim como eu estava?
Acho que não.
, vamos? – Nesse momento estávamos indo para a aula e Denis, vendo que eu havia parado de repente, virou -se para trás em nossa caminhada e me chamou.
Engoli em seco e pisquei, sentindo meus olhos começarem arder. Eu não queria contar porque eu estava daquele jeito, Denis sabia que eu estava mal, não tinha porquê reafirmar isso para ele.
— Só um instante – respondi com a voz trêmula e tentei dar um sorriso tranquilizador. — Eu só preciso ir no banheiro fazer xixi antes, te encontro lá – informei-o e virei-me, dando tempo apenas de vê-lo franzir o cenho em minha direção.
Andei depressa até o banheiro, passando direto pelas pessoas e me adentrando em uma cabine do sanitário, trancando a porta atrás de mim. Foi o tempo suficiente para que as lágrimas começassem a jorrar e eu pudesse sentir o gosto salgado delas em minha boca.
Como eu podia sentir algo tão profundo por alguém assim?
Meu peito ardia e eu tentava respirar e controlar o meu choro para que pelo menos fosse silencioso. Aquilo doía demais, só lembrar do nosso adeus era horrível.
A teoria sobre deixar a pessoa partir é linda, mas a prática é dilacerante.
Eu segurava o celular forte em minhas mãos e tentava evitar olhá-lo novamente, com medo de que eu pudesse fazer alguma coisa tola e impulsiva como ligar para . Por essa razão, joguei-o dentro da minha bolsa e tratei de deixar minhas lágrimas saírem até que eu pudesse me acalmar novamente. Quando essa hora chegou, eu saí e fui lavar o rosto na pia, aproveitando-me do banheiro vazio para tentar me recompor.
Meu rosto estava inchado e meus olhos vermelhos, a única coisa que mantinha-se intacta eram os meus cachinhos bem arrumados, fora isso, eu estava um desastre. No entanto, eu não podia mais ficar ali, olhei para o meu relógio e vi que já havia passado meia hora, ou seja, já tinha perdido uma aula e não podia perder a próxima.
Respirei fundo, endireitei a bolsa no meu ombro e caminhei para fora do banheiro, fingindo que nada tinha acontecido e procurando uma desculpa para explicar o meu estado. Acho que fingir uma crise alérgica daria certo.
— Melhor? – A voz de Denis me pegou de surpresa e eu dei um pulo com o susto assim que pisei para fora.
Meu amigo estava com as costas encostadas na parede ao lado da porta do banheiro e com os braços cruzados, seus olhos cravaram-se no meu rosto, me analisando, e eu apoiei meu peso em uma só perna e mordi o lábio, desconcertada por ter sido pega em flagrante.
— Alergia. – Apontei para o meu próprio rosto e dei um sorriso sem graça. — O que faz aqui?
Denis rolou os olhos, descruzou os braços e andou até mim, pegando na minha bochecha e virando meu rosto delicadamente de um lado para outro.
— Mente para outro, . Foi a foto, não foi? – perguntou, acertando em cheio, e eu não pude mentir, apenas acenei com a cabeça, sentindo meus olhos arderem de novo. Denis respirou fundo e deixou o ar sair lentamente dos seus pulmões. — Ajudaria se eu dissesse que eu realmente acho que ele gosta de você e que isso também não está sendo fácil para ele?
Balancei a cabeça negativamente, enquanto percebia as minhas bochechas ficarem molhadas novamente. Denis me puxou para os seus braços e me abraçou, deixando o meu rosto se esconder em seu peito, as lágrimas molhando a sua camisa durante o meu choro silencioso.
Eu achei que eu poderia ficar melhor se eu soubesse de tal coisa, mas a verdade é que pensar que realmente pudesse gostar de mim ou que estivesse sofrendo, me deixava mais mal ainda. Era um grande engano pensar diferente.
— Talvez você devesse contar a ele como se sente ou pelo menos se despedir direito. Não sou bom com essas coisas, , mas sei lá… Acho que vocês merecem mais do que isso – murmurou baixinho em meu ouvido.
— Eu não posso – retruquei com a voz abafada pela sua camiseta.
— Ele tá indo embora, . As passagens estão compradas, já tá tudo certo, ele não vai mudar de ideia. Só acho que vocês merecem um tempo para vocês, uma conversa sincera antes de despedir. Se for para dar um adeus, que seja épico. – Riu no meu ouvido e eu apertei meus braços ainda mais nele.
— Você está assistindo muito The Vampires Diaries. – Dei uma risada engasgada em meio ao choro.
— Mas não deixa de ser verdade. O é o único cara que você já gostou de verdade, primeiro amor e essas coisas… Você vai querer contar para os seus filhos um dia que sua despedida foi um selinho mixuruca em um cemitério? Que coisa mais mórbida! – Pelo tom de voz de Denis, eu sabia que ele estava sorrindo. — Você vai querer contar que nunca teve coragem nem de expor o que realmente sente pra ele? Que deixou ele partir sem ouvir de volta a declaração que ele te fez?
— Eu não quero piorar as coisas para ele, não posso fazer ele sofrer mais – sussurrei.
Denis apertou-me contra ele e deslizou os dedos com cuidado entre meus cachos em um terno carinho.
— Talvez ele seja mais forte do que você pensa. Já parou para pensar nisso? Talvez a única coisa que ele precise agora antes de ir, seja você.
Afastei-me um pouco dele e olhei para o seu rosto, intrigada.
— Eu acho que você está sabendo demais sobre o – comentei e vi o sorriso dele crescer, seus olhos brilhando como eu sabia quando ele escondia algo de mim.
— Pode ser que eu tenha um novo amigo… – cantarolou e eu ri, apesar da minha tristeza.
Ficava feliz que independente de qualquer coisa, essas duas pessoas maravilhosas finalmente tinham se aproximado. Denis podia ser sem noção e tudo mais, mas ele sempre foi um bom amigo, e ter ele dentro do seu círculo de amizade, era um privilégio.
— Eu acho que não consigo… – endossei, respondendo a sugestão que Denis tinha feito anteriormente para mim.
— Tudo bem. – Ele passou o braço pelo meu ombro e começamos caminhar de volta para a sala. — Só pensa nisso, você tem algumas semanas ainda antes de decidir.
Balancei a cabeça e ficamos em silêncio enquanto voltávamos, analisando o que ele tinha me dito, contudo, não sei um dia eu estaria pronta para isso.
Ver para deixá-lo partir novamente? Parecia muito masoquismo para mim.



Capítulo 25

Os dias passaram lentamente, cada dia uma tortura diferente. Tentei me esquivar, mas Denis estava sempre atento a cada passo que eu dava, porém, evitamos falar sobre o meu coração partido, preferi adotar a lei do silêncio, tentando fazer com que a não verbalização fizesse a minha mente esquecer .
Não funcionou, mas, pelo menos, não precisei mais do Denis me dando conselhos amorosos.
Era o fim da picada mesmo.
Contudo, quando faltava uma semana para a partida do , o meu semblante caiu. Eu não era feita de pedra, né? Estava sofrendo. E a única condição para que Denis não me enchesse mais sobre o assunto foi que eu tentasse ir em mais uma festa com ele.
Dessa vez eu nem reclamei, toparia qualquer coisa que ocupasse meu tempo e evitasse que minha mente voasse para o menino dos cílios longos e mais doce que conheci.
Como meu amigo havia me garantido que era, na verdade, uma social mais caseira, não fiz uma alta produção, preferi uma make mais natural, apenas destacando os meus olhos castanhos com uma boa camada de rímel e lápis. Meus cachos estavam bem enroladinhos e eu joguei o meu cabelo de lado, dando-me um ar mais sexy e despojado.
Era muito bom quando a gente se arrumava para nós mesmas, eu era muito desencanada com essas coisas. Tinha dia que eu queria vestir apenas um jeans e camiseta e ficar de cara lavada, outras eu fazia uma mega produção. Tudo dependia do meu humor, mas, em ambos os momentos, eu estava bem comigo mesma e não me preocupava com o que os outros pensariam, desde que eu me sentisse bem.
Até porque...
Por que eu tinha que seguir uma moda ou uma ditadura de beleza que alguém havia colocado para mim? Quem nomeou ciclano ou beltrano para comandar o que devo ou não vestir? Eu, hein! Eu tinha que usar o que me deixasse satisfeita e ponto.
Enfim, eu me sentia linda e estava satisfeita com o meu look da noite, usava uma jardineira com a borda da calça dobrada mais curta e mais justinha um pouco no corpo – mas não colada –, uma alça ficava caída e por baixo um top que ia até o início do meu umbigo.
Denis não ia passar aqui em casa dessa vez porque o local era mais perto da casa dele, por isso, apenas me passou o endereço pelo whatsapp e eu peguei o busão, tendo que fingir que não via os olhares de alguns caras nojentos e descarados para mim.
Assim que desci do ônibus no ponto, Denis já me esperava com um sorriso no rosto. Puxou-me para os seus braços, cheirou o meu cangote e sussurrou "linda" antes de beijar a minha bochecha.
— Esqueceu de dizer cheirosa – acrescentei e ri do seu ato descarado de sempre.
— Não quis subir muito o seu ego. – Piscou para mim e começamos a caminhar, eu seguindo-o para o tal local.
Ainda bem que estava de tênis, porque se tivesse de salto nesse paralelepípedo, meus pés já estariam mortos. Creio que fizemos uns dez minutos de caminhada até pararmos em frente a um edifício. Denis falou o nome dele na portaria e o homem nos deixou entrar, repetindo para nós o número do andar e do apartamento. Não demorou muito e o elevador que pegamos chegou ao local, meu amigo passou na minha frente e parou em frente a porta, encarando-a em vez de bater.
— As portas não costumam abrir sozinhas, sabe? Às vezes é bom rodar a maçaneta ou, pelo menos, tocar a campainha. – Fiz uma piadinha com ele, mas estranhei quando Denis não sorriu, apenas levou seu dedo à boca e roeu a unha.
, eu... – Denis começou a falar, mas parou quando eu estiquei a mão e toquei a campainha que ficava ao lado da porta, impaciente de ter que ficar ali esperando.
— O que você ia falar? – Virei-me para ele e o encontrei remexendo a mão e mordendo o lábio.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, a porta foi aberta com um grande "Oi" masculino, uma voz animada e receptiva. Antes mesmo que eu virasse, meu coração deu um solavanco. Eu reconheceria aquele som mesmo a eras de distância.
? – perguntei antes que o raciocínio me viesse, virei-me e vi aqueles cílios que tanto me encantaram piscarem diversas vezes e a boca dele ficar aberta em choque ao me ver.
? – falou meu nome desconcertado e balançou a cabeça para se recompor. Posso dizer até que ele tentou dar um sorriso, mas sua tentativa ficou tão falha que parecia mais algo sofrido. Era bem claro que ele não esperava me ver ali.
Ficamos nos encarando, sem graça, sem saber como agir ali. Eu não conseguia construir uma frase coerente em minha cabeça e a pergunta que não queria calar: o que estava acontecendo aqui?
Denis passou por nossa frente, puxando-me pela mão até que eu tivesse do lado de dentro do apartamento e fechasse a porta atrás dele. O garoto dos cílios longos piscou novamente para mim e me encarava, tão perdido quanto eu.
— Sim, sim, você é e você é a , vocês não precisam ficar repetindo o nome um do outro assim. – Denis balançava a mão em descaso, como se esse encontro fosse a coisa mais normal do mundo e não tivesse sido arquitetado por ele.
— Ah... Claro – gaguejou, apoiou o peso do seu corpo em uma perna e inclinou um pouco a cabeça, como se estudasse aquela equação.
Dentro da casa tinha algumas pessoas e uma música ambiente rolando. Aos poucos minha mente começava a trabalhar melhor na situação e compreendia que a tal festa que Denis tanto quis me levar, era na casa do .
Quem diria! O garoto que nem saía de casa agora era o dono da balada.
— Já que fiz a minha parte, o resto é com vocês. Vou ali conhecer umas gatinhas. – Denis inclinou-se, deu um beijo em meu rosto e me largou com ali. Simples assim.
acompanhou meu amigo com os olhos um pouco arregalados e eu vi o seu pomo de Adão subir e descer, logo depois sua visão focou-se em mim e ele respirou fundo antes de enfim se aproximar.
— Então... Seja bem-vinda ao meu lar. – Elevou um pouco os ombros e inclinou minimamente o lábio em um sorriso tímido.
... – Lambi meus lábios que haviam ressecado com a situação e engoli em seco. — Eu não sabia que estava vindo para cá – deixei claro.
Seus ombros caíram e ele mordeu sua bochecha interna, balançando a perna direita, seus olhos baixos e sua mão indo até o seu cabelo e remexendo-o, inquieto.
— Eu deveria imaginar... Eu convidei o Denis para vir, mas não imaginava que você viesse. Foi uma surpresa, não armei nada para que ele te trouxesse aqui – defendeu-se.
Eu sabia, a expressão de dizia muito sobre ele. Acho que, ainda que ele quisesse um dia mentir, todo o seu corpo o condenaria. Cada pequeno gesto e expressão desde o momento que pisei os pés ali, mostrava que ele era tão inocente quanto eu.
— Eu acredito em você. Isso é coisa do Denis, é bem a cara daquela pimenta fazer isso – tranquilizei-o e tentei soar tranquila, mostrando para ele que a culpa não era dele.
Parece que o fato de eu ter consciência disso era um alívio para ele, pois sua expressão ficou mais leve, seus olhos levantando-se um pouco e seus cílios diminuindo o ritmo das piscadas.
— Ann... Eu preciso dar atenção para o pessoal... – interrompeu meus pensamentos e apontou com o dedão para trás, onde algumas pessoas espalhavam-se pela sala.
Abri um pouco a boca com o choque, parecia até que ele estava correndo de mim. Mas também... Ele não me esperava ali, estava aparentemente bem junto com seus amigos, seguindo a sua vida sem mim, o que eu queria afinal, não é? Eu não podia ficar chateada por isso.
Mas por que meu coração doía com o descaso? Talvez porque, no fundo, quando se trata do amor, todos nós sejamos um pouco egoístas.
Ou apenas seja normal sentir isso, ainda que eu ficasse feliz pela sua evolução.
— Ah, t-tudo bem. Não quero atrapalhar os seus planos, e-eu vou... E-eu vou encontrar com o Denis – falei, mordendo o lábio e querendo fugir para qualquer cômodo da casa que me fizesse ficar longe do naquele momento e daquele sentimento ruim.
Virei-me para ir para algum lugar desconhecido, já que eu não conhecia a casa, mas o toque da mão de em meu pulso me parou, fazendo com que eu o olhasse novamente.
— Mas, ... Não vá embora! Eu queria muito te entregar algo antes que você fosse. Será que você poderia fazer isso por mim? Só dessa vez. Me espera? – pediu e eu acenei com a cabeça, qualquer coisa para poder fugir daquele toque que fumegava a minha pele.
Eu conseguiria fazer isso. Eu só precisava sobreviver a tortura de estar no mesmo ambiente que .
E também... Os olhos dele pareciam tão profundos e sinceros no pedido... Eu podia esperá-lo, eu podia pegar o que ele queria me entregar e ir embora depois. Não era errado fazer isso, era? De qualquer forma, daqui uma semana, ele estaria a milhas de distância e fora da minha vida, eu poderia me dar a esse luxo agora.
Eu precisava era beber alguma coisa para conseguir ficar ali. Mas nada de álcool ou eu poderia fazer alguma merda que me arrependesse depois. Álcool, coração partido e tristeza não são boas combinações, não mesmo. Eu ia procurar algum refrigerante naquele lugar, de preferência uma coca cola com muito gás.
Despedimo-nos e saí na saga da caça a coca até encontrar a cozinha e achar enfim o que procurava. No canto, lá no fundo do aposento, eu vi os cachinhos do Denis junto com uma garota, o que me lembrou de que amanhã aquele idiota ia me pagar muito caro.
Voltei para a sala e sentei-me no sofá, eu não conhecia ninguém, estava conversando com outras pessoas, Denis pegando uma garota sozinha e eu... Sozinha e deslocada.
Girei o líquido do meu copo e o encarei, cantarolando sozinha as músicas que rolavam e torcendo para que o tempo passasse logo ou eu não teria saco para esperar. Eu tinha pernas e poderia ir embora sozinha, então, nem o Denis eu precisava esperar para ir embora dali.
Quando fiz um movimento para me levantar, um rapaz negro muito bonito sentou-se ao meu lado e sorriu para mim, seus dentes lindamente alinhados, reluzindo junto aos seus olhos negros em minha direção.
— Você deve ser a , não é? – Abriu um pequeno sorriso e eu arqueei a sobrancelha, sem entender quem era o estranho que falava comigo.
— E você é...? – joguei de volta a pergunta.
— Marcos. – Estendeu a sua mão para mim e eu o encarei. Após alguns segundos, vendo que o seu sorriso permanecia no mesmo estado e o rapaz continuava com a sua mão ali, estendi a minha para ele e cumprimentei-o.
— Eu não sei o que você fez com o meu amigo, mas obrigado por trazê-lo de volta – disse, logo que nossas mãos se afastaram, seus olhos com um brilho enigmático.
— Você está falando sobre o ?
— Sim. Ele comentou algumas coisas comigo. Assim que te vi passar pela porta eu soube quem era.
Minha curiosidade subiu às alturas e a minha língua coçou para perguntar o que falava de mim para ele, porém, não o fiz. Seria muito constrangedor interrogar um cara que eu havia acabado de conhecer.
O garoto, que agora eu sabia que se chamava Marcos, mudou de assunto e começou a puxar papo comigo. Descobri que ele e eram velhos amigos e ele era veterano da sua turma de faculdade. Apesar de formado em outra área, atualmente ele trabalhava legendando filmes e séries do Netflix.
Vê se não era o melhor emprego do mundo?
Continuamos conversando e aos poucos aquela sensação ruim de estar ali perdida e sozinha foi se dissipando, fiquei mais à vontade e por várias vezes o Marcos conseguiu arrancar-me gargalhadas. Descobri que o garoto tinha as piadas mais idiotas da face da Terra, mas sabe quando a pessoa é engraçada por si só e você ri dele e não da piada? Então, o Marcos era um desse.
Enquanto eu ria mais uma vez, meus olhos passaram pela sala e eu pude ver no canto rindo e conversando com uma garota, a mesma que eu já tinha visto em várias fotos pelo seu Instagram. Sem sombra de dúvidas era a Vanessa.
Ambos conversavam e riam tranquilos, uma conversa que parecia amena e agradável. Pelo visto as coisas haviam melhorado entre eles, já que ela estava em uma festa na casa do seu amigo e ex-namorado.
Meu sorriso foi se desfazendo ao ver a cena, fazendo-me suspeitar que era ciúmes. Ver descontraído lembrava-me que ele estava curtindo com seus amigos enquanto eu estava sentada em um sofá com um rapaz que eu acabei de conhecer, mofando enquanto esperava sei lá o que ele queria comigo.
Aquilo era um grande erro. Eu nem deveria estar na casa de para começo de conversa. Nós havíamos nos despedido no final da última sessão, eu falei tudo que precisávamos para seguir em frente, não queria ter que encará-lo novamente. Eu deveria ir embora.
— Eles só estão conversando. É muito tempo de amizade, sempre vão ter esse elo, ainda mais que agora finalmente se entenderam. No entanto, é só isso. – A voz do garoto ao meu lado cortou o meu pensamento.
Olhei para ele, intrigada, pensando até onde ele sabia sobre e eu para fazer esse tipo de comentário ou se a minha expressão de incômodo era tão visível assim.
— Eu sei – disse a verdade. — Eu preciso ir. – Fiz que ia me levantar, porém o Marcos tocou o meu braço gentilmente.
— Espere só um pouco, ele não vai demorar a vir.
Abri a minha boca, pensando se esse cara por acaso era um leitor de mentes, mas rapidamente um outro pensamento me ocorreu.
— Por acaso o te colocou de babá? – Empunhei uma mão em cada lado da minha cintura e encarei o garoto, que sorriu com a minha indagação.
— O que te leva a pensar isso? – Arqueou a sobrancelha e, antes que eu o retrucasse, um toque gentil pousou no meu ombro, dedos suaves que fizeram a minha pele queimar, indicando a pessoa que estava agora atrás de mim.
— Posso agora sequestrar a um pouco, Marcos? – chegou sorrindo e o seu amigo levantou-se correspondendo a sua feição.
— Claro! Já estou de saída. – Bateu no ombro de e depois virou-se para mim. — Foi um prazer te conhecer, . – Piscou e caminhou em direção a porta.
Naquele instante eu percebi que a casa estava praticamente vazia, alguns poucos guardavam as suas coisas, mas também caminhavam em direção a saída.
— Por que está todo mundo indo? – Olhei de um lado para outro sem entender, não encontrando nem mesmo Denis.
— Eu disse a eles que surgiu um imprevisto e que ia ter que encerrar mais cedo. Tive que ir um por um conversar e dar atenção, afinal, eram meus convidados. Mas de qualquer forma, eles estavam aqui desde cedo, não tem problema algum – explicou-me e eu abri a boca, estupefata.
—Mas... ... Você não deveria ter encerrado a sua festa, eu poderia esperar.
— Duvido muito. – Rolou os olhos e riu. — Conhecendo você como conheço, na primeira oportunidade que eu piscasse, você iria sumir. E além do mais, eu não poderia perder essa chance. – Seu sorriso arqueou-se levemente e ele pousou as mãos nas minhas costas, guiando-me para fora da sala.
Assim que percebi para onde estávamos indo, meu corpo se retesou e eu empaquei no batente da porta. Estar com sempre era um sufoco; ficar sozinha com ele, sempre tentador, mas estar sozinha e ainda por cima no quarto dele, não achei que fosse algo muito prudente a se fazer.
— Só vou pegar uma coisa – explicou tranquilo, com certeza para contrapor a tensão que estava ali.
entrou sozinho, abriu uma gaveta do seu armário e tirou de lá uma chave. Em seguida, caminhou de volta e mostrou o objeto para mim.
— Venha comigo – chamou-me e passou na minha frente. Eu o acompanhei até uma outra porta, que ele destrancou, e estendeu o braço, indicando para que eu entrasse.
O quarto tinha uma cama de casal grande, mas estava sem lençol, algumas caixas lacradas estavam espalhadas pelo chão e algumas roupas dobradas sobre o colchão.
— Esse era o quarto da minha mãe – sussurrou atrás de mim, trazendo-me a compreensão. — Nos dois anos que se passaram, ele era intocável, eu nem ao menos conseguia entrar aqui, mas... Depois da nossa última conversa, eu finalmente consegui encará-lo.
passou por mim, seu ombro roçando-se no meu, e parou em uma penteadeira, pegando um porta-retrato que havia ali em cima.
— De início eu só sentei, observei e senti a nostalgia, era como ter ela um pouco perto de mim novamente. Mas com o passar dos dias eu consegui ir enfrentando tudo isso. Não vou te dizer que foi fácil, eu devo ter me quebrado em cada caixa que eu empacotei com as coisas dela. Provavelmente metade delas estão cheias de roupas e a outra metade de lágrimas. – Deu uma pequena risada de si mesmo, mas meu peito ardeu por ele. — Contudo, no final, consegui. Essa semana mesmo eu vou levar as roupas para doação. Fiquei apenas com algumas coisas, fotos e lembranças.
– sussurrei e caminhei um pouco mais para dentro do aposento. — Eu não sei nem o que te dizer... Apenas que eu tenho tanto orgulho de você. – Meus olhos encheram-se de água por ver o novo garoto diante de mim e eu sorri, satisfeita com toda a sua progressão.
— Eu acho que também estou sentindo orgulho de mim depois de tudo – gracejou e colocou o porta-retrato no lugar, fazendo-me rir com ele.
Olhamos um para o outro, sentindo todo o ar mudar, um misto de sentimentos que gostaria de despejar, mas que não podia.
— Eu queria que você soubesse disso, mas eu te pedi para ficar por outro motivo... – falou baixo, mas o suficiente para que eu pudesse escutar.
Ele caminhou em minha direção encarando-me nos olhos e fazendo o meu coração dar altos pulos cada vez que ele chegava mais perto.
Pensei que ele iria parar diante de mim, mas quando a distância tornou-se mísera, ele apenas desviou-se milimetricamente e passou direto, deixando-me estancada no mesmo lugar e com a minha respiração presa.
— Você vem? – Olhou para trás e arqueou a lateral direita do seu lábio de um jeito malicioso.
Safado! Ele estava brincando comigo e eu não estava preparada para esse novo .
Rolei os olhos e o segui, vendo-o entrar novamente em seu quarto. Dessa vez eu não parei, fui até ele, esperando-o dizer o que queria comigo. Assim que abri a minha boca para perguntar o que era, girou o seu corpo, colocou a mão na minha cintura e a outra em meu pescoço, empurrando-nos contra uma cômoda que ficava à esquerda no seu quarto.
— Desculpa, mas eu não resisti – sussurrou rapidamente, antes de tocar os nossos lábios, sua língua apoderando-se da minha e eu, correspondendo-o com todo o vigor e paixão que estavam adormecidos em mim.
Eu não sei se era o efeito do toque dele ou o fato de que estava indo embora e eu nunca mais poderia beijar esses lábios. Talvez fosse apenas meus hormônios incontroláveis tomando as rédeas das minhas reações. Seja o que fosse, havia tornado tudo aquilo um intenso, gostoso e inebriante beijo entre e eu.
Seu toque era firme em mim, seus dedos enfiando-se na minha nuca, puxando os meus cabelos levemente, seus lábios apossando-se dos meus em uma sintonia furiosa.
Foi diferente do nosso outro beijo, era intenso, tinha gosto de saudade. Provávamos um do outro a fim de guardar na memória cada pedaço, cada toque, cada cheiro, cada sabor.
Ambos sabíamos que no momento que nos afastássemos, a realidade voltaria.
Seu peitoral encostou no meu e pressionou-me mais contra o cômodo, fazendo que o calor irradiasse por todo o meu corpo.
Se eu soubesse que beijar proporcionava tantas sensações assim, eu tinha provado isso muito mais e por muito mais tempo.
Permitimo-nos desfrutar dessas sensações. Eu não conseguia raciocinar em nada, tudo era como uma nuvem e eu só conseguia pensar em , e . Isso até o momento que enfim nos apartamos, sem fôlego, nossos peitos subindo e descendo sem parar, arfantes.
— Essa foi a melhor festa de despedida de todas. – Os olhos de brilharam enquanto encaravam-me e seu sorriso se alargou.
Correspondi-o, inebriada com o momento, porém, aquela frase trouxe-me de volta a realidade, rápido o suficiente para o meu sorriso morrer e finalmente perceber o que estava acontecendo ali. Ele deu um passo para trás e deixou as suas mãos caírem ao lado do seu corpo, fazendo com que minha pele ficasse fria sem o seu toque.
— Era para isso que você queria que eu esperasse? – perguntei com a voz um pouco engasgada, não querendo acreditar que tivesse armado tudo aquilo apenas para ficar comigo de novo ou me convencer que estava errada sobre a minha decisão.
— An? – Seus olhos se arregalaram e seus cílios piscaram, dando as suas três batidinhas habituais. — Claro que não, . Eu te beijei porque não resisti, porque é difícil estar com você e me impedir de te tocar – defendeu-se, dando mais um passo para trás.
— Tudo bem, eu sei, é que... ... – tentei dizer algo coerente, mas a gente já tinha tido essa conversa tantas vezes, que era até cansativo voltar sempre no mesmo assunto.
— Eu também sei, , e eu vou respeitar a sua decisão. A gente conversou aquele dia, quando um não quer, dois não brigam. Eu compreendi a situação aqui. – Passou a mão pelo seu cabelo, tirando-o da testa. — Eu não esperava te ver de novo, eu achei que viajaria sem te encontrar. Não vou te dizer que foi fácil consentir com isso, mas se tem uma coisa que eu aprendi nesses dias todos, inclusive com você, é que se a gente gosta de alguém, não podemos forçá-la a ficar conosco. Não vou prender mais ninguém a mim. Eu já te disse como eu me sinto, ainda que eu saiba que você não acredita em mim.
Engoli em seco e fechei os punhos ao ouvir aquelas palavras. Acreditando ou não, elas sempre mexiam comigo.
— Eu quis todos os dias te procurar. – Ele voltou a caminhar e se aproximar de mim. — Eu pensei todos os dias em mil formas para que eu pudesse te provar o contrário, um jeito de fazer com que você levasse o que eu sinto a sério. – Seu rosto agora estava praticamente colado ao meu e eu fui obrigada a erguer um pouco o queixo para encarar os seus olhos, sentindo a lufada de ar quente saindo das suas narinas e indo diretamente em meu rosto. — Eu quis tudo isso e muito mais, no entanto... – Sua cabeça abaixou-se, ele inspirou o ar e depois voltou a olhar para mim. — No entanto, eu sei que preciso respeitar a sua decisão.
Deu dois passos para trás, afastando-se de mim novamente. Girou o corpo, ficando de costas para mim, e abaixou-se, sentando-se de cócoras enquanto remexia na gaveta da mesma cômoda que havia tirado a chave anteriormente.
— Eu viajo daqui alguns dias, a festa era para me despedir dos meus amigos. Chamei o Denis, mas não imaginei que ele ia armar isso tudo, me desculpe, não queria fazer isso difícil para nenhum de nós novamente.
— O Denis consegue ser bem inconveniente quando quer, não precisa assumir a culpa por ele – respondi de forma leve, para que ele soubesse que eu acreditava nele.
— Sim, mas há males que vem para bem. Eu ia pedir para que ele entregasse isso a você. – Tirou de dentro da gaveta um embrulho quadrado e o estendeu para mim.
— O que é isto? – Peguei da mão dele e encarei o presente.
— Era algo que eu queria que ficasse com você antes que eu partisse. Não precisa abrir agora, quando estiver em casa, quando eu estiver longe ou quando se sentir tranquila o suficiente para abrir, então o faça. – Ergueu o ombro e deu um pequeno sorriso.
— Obrigada, . E-eu... Não sei o que é, mas ainda assim agradeço. – Tentei forçar um sorriso sem graça, sentindo todas as minhas entranhas se torcerem.
— Não tem porque agradecer... – Caminhou até mim e pousou as mãos em minhas costas. — Vem, eu vou chamar um táxi para você – relatou, caminhando para fora do seu quarto.
— Está me expulsando daqui? – Olhei de lado para ele, vendo-o segurar um sorriso e colocar sua mão para trás do seu corpo.
— Apenas garantindo que eu não te beije novamente. – Seu sorriso acabou escapando e um frio percorreu a minha espinha.
Voltamos para sala e pegou o seu celular para chamar o transporte para mim, enquanto uma guerra entre razão e emoção travava-se no meu cérebro, uma voz me dizendo que isso era o certo a se fazer e eu deveria mesmo ir, e outra querendo jogar tudo para o ar, garantindo que todos os beijos que queria me dar fossem concretizados.
O problema?
A razão ganhou.



Capítulo 26

— Então… Vai ficar aí olhando ou o quê? – Estava no meu quarto com Denis quando ele me questionou.
Nós não havíamos conversado no final de semana, eu deixei claro por telefone que estava injuriada por ele ter feito aquilo comigo, então, ele esperou eu me acalmar e veio hoje na minha casa saber o que de fato tinha acontecido na festa. Contei para ele brevemente o relato, ressaltando que não havia ficado muito tempo após eles terem ido embora, apenas o suficiente para que entregasse aquele embrulho para mim.
Eu ainda não tinha tido coragem de abri-lo, o pacote estava intacto sobre a minha cama enquanto Denis encarava-o, tão curioso quanto eu.
— Quer que eu abra? Você sabe que não é a Jean Gray do X-Men para que o pacote se revele pela força do pensamento, né? – Denis ofereceu-se, louco para colocar os dedinhos no meu embrulho.
— Eu vou abrir, calma – ralhei e respirei fundo, estalando os dedos e pegando o pacote.
Rasguei o papel que o cobria, as mãos levemente trêmulas e o coração batendo forte em meu peito. Fui retirando as tiras e jogando-as por sobre a cama até o objeto se revelar. Denis franziu o cenho e puxou-o da minha mão, girando-o para lá e para cá.
— Quem é que tenta conquistar uma garota dando um caderno usado para ela? – Denis fez um barulho com a boca de decepção e balançou a cabeça.
Puxei-o da sua mão e trouxe-o para o meu peito, meu coração agora batendo terrivelmente mais forte e um bolo áspero na garganta ao compreender perfeitamente o que havia me dado.
— Esse não é um caderno qualquer, Denis. Fui eu que dei para como atividade das sessões – murmurei, enquanto pensava o motivo dele ter me entregue aquilo.
— E ele te devolveu isso por quê…?
— Eu não sei – sussurrei, agarrando ainda mais o caderno contra o meu peito.
Eu não sabia o que continha ali, mas era um pedaço do que havia ficado comigo. Seus pensamentos, medos, temores, angústias... Eu poderia encontrar de tudo ali… E ele havia me entregado.
— Por que me levou lá? – Encarei Denis, sentindo o meu peito comprimir.
A gente já tinha se despedido, as coisas deveriam ser mais fáceis, no entanto, quando eu achava que tínhamos dado um passo para frente na superação, acontecia algo que nos fazia retroceder dez.
Eu queria ler o que tinha ali, mas não sabia se suportaria. Estava lutando contra esse sentimento por e Denis havia feito com que as coisas fossem jogadas na minha cara novamente. Por causa dele e eu havíamos nos beijado, quando já estávamos lutando para nos desapegar.
Meu amigo passou a mão pelo seu cabelo, pela primeira vez em sinal de nervosismo, seus cachos tornaram-se uma zona e sua mão deslizou lentamente por seu rosto.
— Eu só queria evitar que você se arrependesse, . O cara vai embora, independente se você se jogar nos pés dele declarando amor eterno ou não. Vai por mim, eu sei disso. Se eu soubesse que poderia mudar de ideia, eu jamais faria isso. Eu queria que você tivesse a chance de se abrir com ele, que pudessem ter uma conversa franca agora que o projeto acabou, sem essa capa de “eu não posso por causa das sessões”. Não queria que prendesse aquilo que sente. Você tá aí com toda a dor sozinha, tentando levar o mundo nas costas, sempre pensando em todo mundo. Quando vai pensar em você?
Estendi a minha mão para ele e apertei-a, dando-lhe um sorriso triste.
— Eu sei que você teve as melhores das intenções, mas não ajudou – suspirei, pensando em como eu faria para recolar os pedaços do meu coração.
Soltei a mão dele e voltei a olhar o caderno, agora querendo mais do que nunca abri-lo e desvendar um pouco do garoto no qual eu me apaixonei.
— Denis… Você poderia me deixar sozinha um pouco. Eu preciso… de um tempinho – pedi, encarando o caderno.
Eu não poderia ler com ele ali, aquilo era o mais íntimo ser do , algo que ele escolheu me compartilhar. Além disso, eu queria o meu próprio tempo para chorar, rir e sentir todas as emoções que essa leitura poderia me proporcionar.
Denis acenou com a cabeça em concordância, levantou-se da cama e inclinou-se para depositar um beijo em minha testa. Despediu-se e saiu, fechando a porta do meu quarto e deixando-me sozinha com o pedacinho do em minhas mãos.
Abri a capa e um papel caiu em cima do meu colo. Peguei a pequena folha e vi uma caligrafia que correspondia a do caderno. Uma letra masculina não muito bonita, mas legível, a assinatura de embaixo comprovando a sua autoria.

Palavras ditas verbalmente talvez não possam comprovar tudo o que se passa dentro de mim, mas, talvez, ao terminar de ler parte da alma que eu depositei neste caderno, você passe a me conhecer melhor. Deixei um pedaço do meu coração em cada página, fiz do papel o meu melhor companheiro e deixo contigo o meu ser.
Com carinho, .

Meus olhos embargaram com aquele recado e eu imaginei o que seria de mim ao terminar toda a leitura. Deslizei meus dedos pela sua letra corrida no pequeno pedaço de papel e levei-o até o meu rosto, inspirando o cheiro de tinta da caneta e o leve perfume, que eu reconhecia ser do garoto que havia roubado os meus pensamentos.
Deixei um beijo sobre a folha, fechando os olhos e imaginando estar agradecendo-o por esse gesto tão especial. Abaixei-a e coloquei ao meu lado, pegando o caderno novamente e abrindo a primeira página. Ela não tinha muita coisa escrita, na verdade, as frases não faziam nem muito sentido e a página estava enrugada, como quando uma folha de papel acaba se molhando.
Imaginei ali, debruçado sobre o caderno, chorando enquanto tentava despir a sua alma pela primeira vez.

10 de agosto
Dói.
Às vezes eu acho que não vou conseguir mais respirar.
Sozinho.
Acabado.

Essas foram algumas coisas que eu consegui decifrar das letras emboladas, recheadas de tristeza sobre as linhas.
Não seria uma leitura fácil, respirei fundo, tentando controlar os meus próprios sentimentos durante o tempo que meus olhos corriam pelas folhas do caderno. Aos poucos foi conseguindo transformar em letras toda a tormenta do seu coração. Haviam coisas pesadas e tristes, uma dor tão grande que eu não consegui deixar de me comover. Um determinado momento eu precisei dar uma pausa e ir até a cozinha beber um copo de água antes de retomar a leitura.
Passei algumas páginas até me deparar com algo fora do contexto que ele vinha escrevendo. Era como se precisasse compartilhar aquilo, mesmo em meio a tempestade que ele passava.

25 de Agosto

Não sei se deveria escrever isso aqui, ou se só deveria escrever sobre o que está sendo tratado nas minhas sessões. O negócio é...
A minha “psicóloga” é muito linda.
É isso.
Parece volúvel dizer essa coisa tão ‘nada a ver’ depois de tudo o que escrevi anteriormente aqui, mas isso me perturba, porque por mais que eu saiba que existem milhares de mulheres bonitas no mundo, depois da Vanessa eu nunca fiquei embasbacado com nenhuma delas. Mas essa em especial…

Talvez se eu escrever a história sobre isso, essa coisa incômoda que eu estou sentido passe e esse tesão que vem quando eu a vejo possa sumir. Então, vamos lá…
Imagine você na pior ressaca possível, acordando de um porre e encontrando uma das garotas mais bonitas que já havia visto? Eu juro que achei que tinha morrido, tomei um susto, mas… naquela mesma noite, eu me vi relembrando aqueles cachos escuros e sua pele morena, o sorriso leve e sincero que me deu, o humor que ela me retribuiu quando eu estava jogado na pior e, acima de tudo, fiquei intrigado com a boa alma que aquele coração tinha. Quem abrigaria um bêbado desconhecido em sua casa como ela fez?
Depois desse dia, às vezes me pegava pensando nela sem querer. Hoje foi um desses, eu a encontrei na rua, fora da nossa sessão. Olhando para ela, em um momento eu quis fazê-la rir, mesmo sem saber como, pois nem mesmo eu sorria mais. Quis esticar minha mão e tocar em um dos seus cachos, passar meus dedos em sua pele morena. O que é uma loucura e não faz sentido nenhum.
Eu não consigo entender esse sentimento carnal conflitante, pois, se eu amo a Vanessa, não poderia ter esse tipo de pensamento com outra mulher. Eu não deveria ter esses pensamentos com a .
No entanto, é isso.
Eu acho ela linda e uma pessoa maravilhosa, mas espero que seja só.


Foi impossível não me pegar sorrindo com o seu relato. se sentiu atraído por mim tanto quanto eu havia me sentido por ele, era bom saber que não fiquei nesse barco sozinha.
Folheei mais algumas coisas até achar um trecho que falava sobre Vanessa, engoli em seco com um pouco de medo de ler, contudo, já havia passado por tanta coisa acompanhando nesse processo, que acho que não me surpreenderia comnada mais que ele pudesse escrever.

Não sinto falta dos seus beijos, nem do calor do seu corpo. Não sinto falta de nós como casal, mas sinto uma dor entorpecente quando me vejo aqui sozinho, quando levanto da cama e não tem ninguém ao meu lado, quando olho para a porta do quarto ao lado do meu e lembro que está trancada.  
Sinto falta da presença da Vanessa e de como ela preenchia o meu dia, mas não sinto falta de tocá-la. Isso é estranho.

Recordei-me do antigo , o que ainda não se entendia, que achava que o mundo girava em torno da antiga namorada, aquele que fazia de tudo para camuflar a sua verdadeira dor. Através das suas palavras, percebi a sua preocupação, as suas indagações quanto aos seus próprios sentimentos e como aos poucos ele foi percebendo que aquilo que ele sentia era um engano.
Continuei a folhear e parei quando meu estômago gelou. Meus olhos paralisaram no relato de um dia que eu jamais conseguiria esquecer.
Eu quase a beijei.– Era assim que o texto começava e foi impossível não querer continuar a lê-lo.

Eu não sei o que está acontecendo comigo, só sei que eu tive uma vontade absurda de beijá-la e por pouco não me contive.

Era só uma ajuda inocente, ela me ligou desesperada e eu consegui saber disso pelo tom da sua voz. Não pensei duas vezes antes de ir até ela. Não sei em que momento da noite que as coisas viraram dessa forma. Ela é minha psicóloga e já me recitou todos os detalhes éticos que por vezes eu nem mesmo entendia, por isso, beijá-la não era uma opção. Contudo, ela estava ali do meu lado, seu braço roçando o meu, seus cachos caindo sobre o seu rosto. De repente, eu não queria ver filme nenhum, apenas virá-la contra o sofá e sentir como seria o gosto do seu beijo.
Pode ser loucura minha, mas acho que por algum segundo ela se sentiu tão atraída por mim como eu por ela, porém, foi mais esperta e se levantou, fugindo de mim. Um bom ponto, já que eu não sei o que poderia fazer dali em diante.
Eu tenho me pegado pensando nela, espontaneamente o seu sorriso aparece na minha mente. Às vezes durante o almoço, às vezes antes de dormir, desejando que a gente pudesse se encontrar de alguma forma em situações que não fossem tão profissionais. E isso é uma loucura!
Se ela sonhar que isso passa na minha mente, é capaz de me dar um pontapé. Eu preciso ser cuidadoso e me controlar. Eu tenho dificuldade de ficar segurando aquilo que eu sinto. Se eu quero chorar, eu choro, se eu tô com raiva, então extravaso, e se eu amo, eu amo. Essas são minhas qualidades e minhas maldições. Eu vivi cada gota da minha vida até estar enfiado num inferno.

De uns tempos para cá esse buraco negro começou a ver luz, por isso não posso estragar tudo porque estou tendo pensamentos pecaminosos com a minha psicóloga.
Quando ela se levantou e fugiu de mim, eu me forcei a pensar em Vanessa e em tudo o que tínhamos vivido juntos. Recordei-me das nossas diferenças e como parecíamos polos opostos de um ímã. Minha mente acabou voando para , na sua doçura e alegria, sua forma de abraçar as causas e as pessoas, além das palavras sempre prontas para aconselhar –bem parecida com a pessoa que eu era antes. Foi assim que eu acabei soltando a pergunta logo que ela voltou.
“Semelhante atrai semelhante ou os opostos se atraem?”
Que retardado eu sou!
Ela não deve ter entendido nada. Na verdade, nem mesmo eu. De alguma forma a minha mente comparou as duas garotas e, quando a respondeu, meu Deus! Eu senti meu coração dar um salto estranho no peito e eu precisei me parar. Aquilo estava muito, muito errado. Eu estava indo por um caminho perigoso. Por isso fui embora, fugindo como um covarde, mas, pelo menos, um covarde que queria respeitar aquela garota e o trabalho dela, a fim de facilitar o caminho para nós.

Dei uma risada com a lembrança daquela noite maluca. Saber tudo pelo olhar de era engraçado, mas também doía. Parecia que ele também tinha entrado no mesmo dilema que eu. Duas almas sofrendo da mesma coisa sozinhos, sem poderem compartilhar ou agir somente pela emoção.
No decorrer da leitura, os relatos sobre mim iam aumentando, a medida que o nome de Vanessa era cada vez menos citado. O não dizia que gostava de mim, mas relatava que estava lutando para tentar me tirar da cabeça dele, em como se esforçava para não transparecer nada, mesmo achando que estava mais do que na cara que eu estava mexendo com ele de uma forma diferente. Ele dizia que não queria que eu descobrisse e tratasse-o de maneira diferenciada, pois presava muito pelo meu serviço e não queria me prejudicar.
Além disso, em alguns trechos, reparei em como conseguia me analisar. Ele citou várias vezes como me via cansada e sobrecarregada com a faculdade, que queria fazer alguma coisa, mas não podia, que por vezes ele acabava soltando alguma sugestão, mas logo se regulava, sabendo que não poderia sair comigo além do nosso contrato.
Em uma das páginas eu encontrei o nome do Denis, então parei, tentando me recordar de quando era aquilo. Lembrei da nossa briga na Tia da Cantina e escancarei um sorriso, sabendo que finalmente ia descobrir o que aqueles dois haviam conversado.

Há um ditado que diz: diga-me com quem tu andas e te direi quem tu és, mas acho que isso não vale para a e o Denis, porque esse amigo dela é definitivamente louco.

A essa altura do campeonato eu já sabia que eles eram apenas amigos, mas o cara me parou na rua, me obrigou a sentar com ele e começou a me interrogar como se eu fosse um bandido preste a roubar o coração da . Meu Deus! A menina sequer me dava bola e vivia me cortando em todas as oportunidades que havia, por que ele estava tão preocupado?
O garoto perguntou desde se eu já tinha matado algum gatinho na infância até se eu roncava à noite. Questionou qual lado da cama que eu dormia e até chegou a dizer que se apaixonaria por mim. Se eu não soubesse da sua fama na universidade e se ele não tivesse perguntado com todas as letras se eu era afim da amiga dele, com certeza, eu acharia que era gay. Porém, não era o caso.

Meu Jesus, Denis era louco! Eu ia matar ele! Como ele teve coragem de fazer isso com o ?
Balancei a minha cabeça, ainda desacreditada com a situação constrangedora, e continuei lendo até chegar numa parte interessante.

Vazio.

Acho que essa é a palavra que pode resumir tudo ao final.
Talvez eu possa adicionar uma sensação esquisita no peito, mas não de forma boa.
Eu não a beijei e só agora eu via como aquele pequeno gesto fazia tanta falta pra mim.
Dar um beijo no rosto em saudação e despedida, para mim, era normal. Mas eu só fui entender e perceber como era diferente com a quando eu não o fiz mais. Acho que, no fundo, eu usava esse pequeno gesto por ser o mais perto que eu poderia chegar da sua boca.
Eu não precisava dessa formalidade mais com ela, mas eu queria. Queria poder tocar os meus lábios em sua pele macia, queria poder aspirar o cheiro dos seus perfumes e as vezes sentir cosquinha no nariz com os cachinhos que esbarravam nele.
Um beijo na bochecha de era sempre a única coisa que eu poderia ter, então, eu não abria mão de nenhum deles, não até hoje, quando me chateei.

Ergui o canto da boca, nostálgica, e fechei os olhos, lembrando das mesmas sensações que havia inserido no caderno.
Queria eu agora no mínimo poder desfrutar de apena mais um beijo na bochecha.
Uma saudade dominou o meu peito e meus olhos encheram-se de água com as lembranças pequenas, mas tão profundas dos nossos momentos. Levei a mão até a minha bochecha, querendo sentir aquilo mais uma vez. Abri os meus olhos embargados e esfreguei-os, querendo impedir que as lágrimas pudessem cair. Em seguida, voltei para o que estava fazendo, querendo acompanhar o progresso de aos olhos dele.

16 de setembro

Burro! Cego! Idiota!
Como eu não pude perceber o que acontecia comigo?
Eu me sinto tão mal, dois anos da minha vida perdida, dois anos que me afundei, dois anos que levei Vanessa comigo nesse carma ruim. Dois anos de enganos e desilusões.

19 de setembro.

Engraçado como comecei escrevendo aqui sobre o vazio que sentia por Vanessa, mas como vejo agora que Vanessa nunca teve nada a ver com isso.
Estou confuso.

22 de setembro

O vazio e a tristeza são enganosos. É triste pensar que passei dois anos com alguém que eu não gostava mais como namorada apenas para suprir algo que eu não queria ver. Eu queria tanto pedir perdão para Vanessa, acho que enquanto eu não fizer isso, nunca vou me perdoar.

23 de setembro

Hoje eu tô sentindo tanta falta da minha mãe, que até dói. Ela saberia me aconselhar em um momento como esse.

25 de setembro

Hoje dói menos do que ontem. Há momentos que a dor vem mais esmagadora e em outras eu entendo que minha mãe se foi e eu preciso seguir. Foi bom sair de novo e ver o nascer do sol. Me senti vivo. Estou bem melhor.

27 de setembro

É normal sentir vontade de ver todas as fotos de alguém e querer atravessar a tela do celular para beijá-la?
Eu tenho tentado evitar pensar nela, mas quando eu fecho os olhos, é como se eu sentisse o seu perfume, visse o seu sorriso e sentisse a pele da sua bochecha na minha boca.
Eu não sei mais o que fazer para impedir isso. Não sei se eu deveria sentir todas essas coisas quando acabei de entender o que realmente houve entre Vanessa e eu, contudo, não é como se eu pudesse evitar.

30 de setembro
Eu a beijei. Droga.

Eu deveria estar arrependido, mas eu não consigo fazer isso e nem vou.
Não havia planejado isso, eu só queria fazê-la se sentir bem. Eu fiquei assustado até a morte quando a vi dando uma crise na universidade. A gente conversava com a e era como se ela não nos ouvisse. Denis pediu para que eu pudesse sair com sua amiga enquanto ele resolvia as coisas e eu não pensei duas vezes, já sabia até onde eu a levaria.
Tudo era tão perfeito, meu lugar preferido no mundo junto com a garota que também agora era a minha preferida.
Eu deveria saber que algo assim poderia acontecer, eu não ia conseguir me controlar. No último mês eu já usava uma força sobre humana para me conter e não tocar nos seus cachos. E eu nunca me imaginei um cara que fazia tanta questão por cabelos, isso até conhecer os seus cachos marrons. Eu queria enrolar um por um, passar a mão pelo seu rosto, poder tocar na sua cintura e tomá-la para mim. Na verdade, eu fiz. Droga, sim eu fiz. E eu ainda consigo sentir a adrenalina tocar cada poro dos meus dedos enquanto escrevo isso aqui e relembro cada momento que passamos.
Todas as dúvidas que eu tinha sobre essas sensações quando pensava nela se esvaíram. Eu estava ferrado, muito ferrado. Isso não pode acontecer mais e eu sei que se eu forçasse a barra, ela fugiria de mim.
Eu não quero ser mais um peso para ela, eu quero fazer fácil, eu quero ajudá-la, por isso vou precisar me controlar.
No entanto, quando tudo isso acabar, se tudo que a gente sentiu naquele espaço de tempo ainda estiver de pé, que Deus me ajude, mas eu vou beijar aqueles lábios novamente.

Uma lágrima minha caiu sobre o papel. Eu ri triste, amarga e chorosa. Aquele havia sido o dia mais especial da minha vida e também foi o dia que me fez ver de vez como tinha tomado conta dos meus sentimentos.
Era engraçado perceber como eu também ocupei a mente dele. Ao contrário do que eu achava, em momento algum ele tentou ou buscou sentir isso por mim. Ele evitava, preferia passar o dia refletindo no que havia acontecido na própria vida, compreender como havia passado dois anos preso no relacionamento com Vanessa e também usava do tempo para tentar se permitir prantear a sua mãe.
Em cada palavra que eu lia, notava como ele fazia de tudo para seguir as minhas recomendações das sessões. Vi vibrar quando percebeu que sorria sinceramente pela primeira vez, o vi relatar como havia sido bom reencontrar com os amigos e observei ele evoluir de uma escrita triste e melancólica para algo mais divertido e sereno.
Era como vivenciar a evolução de novamente, sentir o orgulho e a queimação no peito tudo de novo. E para minha tristeza, era se apaixonar mais uma vez por esse garoto.

Eu contei para ela.

Agora eu tô me sentindo ridículo, mas eu contei. Não consegui me conter.
Eu só queria uma chance de mostrar para que depois nós poderíamos tentar.
Ela diz que eu estou confuso, mas eu nunca estive tão lúcido. Durante dois anos da minha vida eu fiz questão de me sabotar e confundir meus pensamentos, eu me forçava a pensar em Vanessa, eu me forçava a enfiar qualquer coisa na minha cabeça para ocupar a mente e não lembrar da minha mãe. Mas agora não é assim. Eu penso nela, eu me permito chorar, deixo doer, mas depois respiro e levanto.

Eu não queria gostar da porque sabia que, caso me envolvesse com ela, poderia sofrer novamente. Desde o início ela tinha me dito sobre a questão ética. Mas fazer o que quando você começa a transpirar pela menina proibida?
Eu só queria que ela acreditasse que eu realmente gosto dela. E ainda que ela não diga, eu sei que mexo no seu coração também. Ela jamais me retribuiria e faria algo tão contra ao que ela prega se não fosse assim.
Eu queria entender o que ela está pensando. Na verdade, eu até tento entender, mas acho a vida tão prática para ficarmos pensando demais... 1+1 é dois, por que e não podem ser par?

Ah, se soubesse como eu queria...
Passei a mão pelos meus olhos, nesse momento minhas lágrimas já deslizavam e eu fungava, vendo todo o carinho e amor através das palavras descritas naquele papel. Eu me sentia quente e era impossível não se ficar tonta com tudo que eu estava lendo.

10 de outubro.
Alívio, aceitação, perdão.
Acho que esses são os três sentimentos que batem em mim nesse momento.
Tive medo de um confronto com Vanessa, tinha medo de encontrá-la e descobrir que gostava dela sim, ou que tudo voltasse, sei lá... Mas quando o destino resolveu nos colocar frente a frente, eu só consegui ter mais certeza que o nosso tempo passou.
Não haviam borboletas no estômago, mãos suadas, lábios secando... Não havia uma vontade imensa de beijá-la, nem de estar com ela, muito menos abraçá-la. Eu poderia viver muito bem sem Vanessa, ainda que tivesse saudades da nossa amizade. Mas eu não me derretia mais com o sorriso dela, nem queria sorrir e vê-la corar. Tudo isso agora pertencia a , ela era a única que despertava todas essas coisas em mim.

20 de outubro.

Eu fiz merda.
Mas dessa vez eu sou inocente.
Não tenho culpa de ter me apaixonado por uma garota que não iria me querer.
Aliás, corrigindo, eu acho que ela até quer, mas é uma droga tentar provar para alguém que você gosta dela quando ela está convencida de que tudo não passa de uma sabotagem do seu cérebro para esquecer a dor da sua mãe.
O que não consegue entender é que eu não estou fugindo dessa vez. Eu sinto a dor, eu sinto o luto, eu sinto a saudade.
Todo. Santo. Dia.

Mas eu tenho aprendido conviver com essa dor no peito, eu tenho ficado triste, mas eu também tenho aprendido a sorrir de novo. Eu tenho encontrado algum conforto na solidão, mas, ao mesmo tempo, eu percebo que não estou sozinho. Eu tenho a minha própria força, eu tenho antigos amigos, tenho novos amigos, tenho as lembranças da minha mãe e tenho Deus que me conforta todos os dias.
Não vou dizer que tô bem. Mas também não tô usando de nada para tentar me fazer sorrir como uma válvula de escape. Até porque, se fosse assim, eu tenho mais é sofrido na bunda com essa situação do que vivido uma maravilha. Com exceção do dia que nos beijamos pela primeira vez, esse foi o único dia que era como se estivéssemos em uma bolha única. Fora isso, eu só levei chute na bunda.
Ou seja. Ela está muito enganada.
Mas não vou insistir. Vou esperar terminar tudo para poder conversar com ela novamente.


25 de outubro
Hoje eu tô tão feliz que não sei o que escrever. Uma oportunidade única surgiu.


30 de outubro

Não sei como escrever o meu dia de hoje. Acho que vou começar dividindo-o em dois.
Vou iniciar dizendo sobre como é estranho sentir uma paz sendo que eu tinha feito algo tão doloroso. Finalmente eu tive a minha despedida. Dei um adeus a minha mãe, ainda que eu sempre vá me lembrar dela. Porém, eu precisava disso, ver com meus próprios olhos e entender que ela se foi.
Foi cruel, foi doloroso, foi horrível. Mas também foi libertador.
Era como tirar um peso do meu coração, uma última lasca que faltava e riscava toda vez que eu triscava na ferida.

Eu pude conversar com ela, botar para fora coisas que eu queria ter dito, palavras que poderia ter professado se eu soubesse que quando eu a vi, era a última vez.
Me sinto mais leve e sei que preciso continuar andando.
Vai dar certo!


Agora a outra parte e o que está me deixando triste, o que confesso que me fez chorar quando ninguém mais via: Não haverá um ‘nós’ entre e eu.

Eu devia ter esperado isso já que ela nunca havia respondido a minha mensagem, mas a gente sempre tem esperança, né? Eu achei que agora que havíamos chegado a última sessão, poderíamos ter uma chance.
Não digo que precisávamos começar a namorar de cara... Mas a gente podia se conhecer. Eu a levaria a um encontro, talvez até a praia novamente. A gente poderia se entender melhor e ela poderia ver o que ela ainda não presenciou, não só esse cara melancólico e chorão.
Eu tentei reverter essa situação, mas estava tudo nos olhos dela. não era uma pessoa difícil de ler e chegou um certo momento que eu sabia, só de olhá-la, que ela não voltaria atrás. Ela já havia decidido por nós dois. O que eu poderia fazer?
Eu não era do estilo homem das cavernas que ia partir para cima dela e agarrá-la, arrastando-a até que a convencesse que era comigo que ela deveria ficar - apesar de que vontade não faltava.
No entanto, eu achava meio baixo esse jogo de ter que apelar para a sedução e sexualidade para manter ou convencer uma mulher.
Se a quisesse ficar comigo, ela teria que fazer essa escolha consciente, livre de tudo que a sua carne e suas sensações poderiam manipular.
E eu soube, no momento que ela olhou para mim, que eu não tinha chances, então me conformei.
Foi o beijo mais especial e mais triste que eu dei na minha vida. E nem teve língua. Apenas nossas lágrimas.
Um grande, belo e amargo adeus.


Oh Deus! Quem era esse garoto?
As lágrimas que antes eram tímidas, aumentaram drasticamente, a tristeza tomou conta de mim.
Era difícil de acreditar, mas finalmente havia entendido que realmente gostava de mim.
Como pensar que não, sendo que ele havia me respeitado tanto e aberto mão de nós por mim, assim como eu abri por ele?
Estava tudo ali, claro e transparente. E eu me permiti sentir cada gota de amor derramada por pela minha pessoa. Eu aceitei que era amada, que um garoto especial tinha me notado e que o meu primeiro amor tinha sido por uma pessoa tão incrível!
Quantas pessoas têm a sorte de entregar o seu coração para alguém que realmente vale a pena?
Levei o caderno até o meu rosto e inspirei-o profundamente, deixei que o perfume de enchesse as minhas narinas, meus olhos agora fechados e o coração batendo forte no peito. Beijei aquelas palavras, querendo que de alguma forma ele soubesse que eu acreditava em cada pedacinho escrito ali, que eu me sentia lisonjeada por ter conquistado uma parte do coração dele e que ainda que não fosse o tempo para nós, eu ficava feliz por isso.
Meus olhos estavam tão embaçados pelas lágrimas que achei que não conseguiria mais ler, mas ao passar as páginas e ver o nome do Denis nelas, tive que retomar meu fôlego para continuar, não faltava muito, então precisava ser forte.

Se o universo dissesse que o louco do Denis um dia seria meu amigo, jamais acreditaria. Mas, pois é. Quem diria, hein?

Acho que de início ele se aproximou para saber o que eu queria com a amiga dele, mas aquele garoto era tão peculiar que quando percebi, estávamos conversando mil coisas diferentes. No começo eram coisas banais, ele adorava jogos de videogame, e eu construía alguns, ou seja, foi fácil achar uma afinidade. Chamei-o para vir aqui em casa conhecer alguns dos meus protótipos e agora ele não saía mais daqui. Eu desconfio que ele fica alternando entre a minha casa e a da , apesar dele não falar dela para mim. Acho que é aquele tipo de limite de amizade que você não precisa dizer que tem, mas ela vai existir. Da mesma forma que eu sei que ele não conta as minhas coisas para ela.
Foi um desses dias dele aqui que eu acabei confessando tudo o que eu sentia pela sua amiga. Eu estava indo embora, fazia semanas que nem a via mais, no entanto, isso não me fazia sentir menos, o sentimento ainda estava ali e batia forte.
Eu nem mesmo a ouvi dizer que sentia o mesmo por mim. Talvez ela gostasse, mas nada que valesse o risco dela se envolver com uma pessoa complicada que nem eu, sei lá. E também, eu não poderia pedir que ela me esperasse agora que eu iria viajar.

Seria muita burrice da minha parte começar um relacionamento dias antes de ir embora do país. Mas uma burrice que eu até aceitaria entrar se ela me dissesse sim.
Contudo, ela não falou.
nunca disse nada a não ser não.
Não podemos
Não devemos
...
Uma parte de mim estava muito triste, mas eu ainda tinha aquela parte alegre, porque eu não sentia mais o peso e a tristeza que eu acordava pela manhã todos os dias. Alegre porque eu tinha tomado as rédeas da minha vida. Alegre pela nova oportunidade que eu tive e pelo curso que eu faria no exterior.
Eu não podia ficar deitado na tristeza, talvez uma hora esse sentimento passasse.
Se até Vanessa que eu amei por cinco anos passou, porque não superaria um sentimento de três meses?
Não sei.
Eu gostei da por motivos diferentes que gostei da Vanessa. Vanessa sempre esteve na minha vida, foi fácil amá-la porque sempre a amei como amiga. Foi tão natural como respirar.
Com a é algo novo, um sentimento de descoberta, de querer decifrá-la a cada dia, de querer mais do que uma amizade, uma companheira, uma mulher.
Uma luta, uma conquista, um sentimento de camadas que cada vez que eu desvendava uma, tinha outra parte para revelar.
Mas era isso... Eu ia embora, ela ficaria, e sabe-se Deus o que seria da gente agora.
No entanto, que fique registrado, mesmo que tudo mude futuramente, eu amei a garota morena dos cabelos cacheados, minha doce .

Fechei o caderno em um baque, assim que ele chegou ao fim. Apertei-o contra o peito e joguei-me contra a cama em posição fetal, as lágrimas deslizando e caindo no lençol e meus soluços tornando-se cada vez mais altos.
Ainda bem que eu estava tão baqueada pelas palavras de que havia ficado sem forças, caso contrário, eu teria unido toda a impulsividade para correr até ele.
Graças a Deus quando eu recuperasse as forças, já estaria com a mente mais sensata.
Ser compreensiva e não egoísta era uma droga.
Eu só queria estar nos braços do garoto que eu gostava e que gostava de mim, porém é um péssimo time quando você descobre que o garoto que te ama também está indo embora e que isso é o melhor que ele deve fazer.
Só me restava ficar, chorar e sofrer pela dor do coração partido.
Talvez eu abrisse aquele site de depoimentos e deixasse a minha história, finalmente poderia contar como a garota que nunca teve o coração partido agora tinha um destronado.
Peguei o meu celular e liguei para a única pessoa que poderia me ajudar nesse momento. Ouvi o som da discagem e em seguida o toque da chamada, três vezes até atender.
— Fala, ! – a voz atendeu animada, porém eu não consegui responder, eu ainda chorava, minha voz não saía. — ?
... – falei engasgada e soluçando. — Você ainda sabe fazer brigadeiro?
Ouvi um suspiro do outro lado da linha e um segundo de silêncio antes dela retomar com uma voz doce e carinhosa.
— O melhor de todos. Eu vou até aí!
— Obrigada – murmurei contra o celular.
— Não me agradeça ainda, somente depois. Não há nada melhor para um coração partido do que um bom brigadeiro. Você vai ficar bem, ... – brincou e depois tentou me animar, terminando a frase com uma voz segura e melodiosa.
— Assim espero, ... Assim espero.



Capítulo 27

Eu me sentia perdida.
estava indo embora, eu tinha um bolo de sentimentos na garganta e acabava de ter certeza que tudo o que passamos havia sido genuíno.
Pensei em todas as vezes que eu rechacei-o e cada momento que eu disse não quando queria dizer sim.
Eu chorava, mas não me arrependia dos passos que havia tomado. Eu tinha convicção que não tinha errado em ter afastado , até porque, não é porque ele não havia transferido os sentimentos para mim ou me usado como uma válvula de escape, que significava que isso não poderia acontecer nesse estado do processo.
O espaço colocado foi certo, tudo o que eu disse para ele era verdade.
No entanto, eu estava sofrendo porque gostava de um rapaz que eu não poderia me relacionar e que o destino estava enviando para longe de mim.
Engraçado como o nosso coração é enganoso. Quando eu afastei , ainda que eu soubesse que não poderíamos ficar juntos, era como se eu pudesse ainda sentir a presença dele. Havia um fio de esperança que dizia que ainda toparíamos por aí ou qualquer coisa parecida.
Agora não. Era como se tudo estivesse sendo arrancado.
Eu estava feliz por ele e queria o melhor para a sua vida, contudo, não queria deixá-lo. Eu tinha vontade de abraçá-lo e pedir para que ficasse. Mas só vontade, pois eu jamais faria isso com ele.
Olhei-me no espelho, assustando-me com a minha imagem horrorosa. Bem que dizem que o coração partido acaba com a gente. Eu nunca tinha visto o meu rosto tão inchado, os olhos vermelhos como sangue e as narinas roseados. Meus cachos pareciam mais uma juba, de tanto que eu havia me revirado na cama.
Por mais que eu lavasse o meu rosto, nada conseguia melhorar o meu aspecto. Peguei uma presilha qualquer que tinha no banheiro, juntei o meu cabelo e fiz uma trouxinha, apenas para dar uma amenizada e não assustar quando ela chegasse.
Após alguns minutos, a campainha tocou e eu fui atender. A morena abriu um largo sorriso assim que me viu, ergueu as duas mãos e balançou-as, mostrando-me uma vasilha de vidro em uma e um pote de sorvete em outra.
— Cheguei com o Kit Coração Partido! – Inclinou-se sobre mim e me deu um beijo na bochecha, em seguida entrou na minha casa e foi direto para a cozinha.
Abriu a geladeira e colocou o pote de sorvete lá dentro, depois foi até a gaveta para pegar duas colheres de chá e trouxe a travessa – cheia de chocolate – até a sala. Sentou-se no sofá e colocou a vasilha na mesinha em frente, deu dois tapinhas no assento, chamando-me, e eu fui em sua direção, sentando ao seu lado.
— Agora sim, tudo pronto. O que aconteceu? Você está horrível! – fez uma careta e tocou o meu rosto.
— Obrigada por me informar sobre isso – resmunguei e rolei os olhos.
pegou sua colher e enfiou-a no brigadeiro, depois encostou as costas no sofá, esperando que eu falasse alguma coisa enquanto ela lambia o chocolate.
— Gostar de alguém é uma droga! – iniciei, semicerrando os lábios em seguida e mordendo a minha bochecha.
— Por isso eu sempre preguei o contrário, mas ninguém me ouve. – Abriu um pequeno sorriso e enfiou outra colherada no brigadeiro, enquanto eu não tinha nem começado a comer.
— Inclusive nem você mesmo se ouviu, né?
— É o que dizem... Faço o que eu falo e não o que eu faço. – Gargalhou e cruzou as pernas sobre o sofá. — Mas então, vai ou não vai me contar o que aconteceu? É sobre o caso que me disse aquele dia?
— Sim. Vou tentar resumir para você: eu tentei fazer de tudo para não gostar dele, mas não teve jeito. Ele também gosta de mim, nós acabamos ficando, eu afastei a gente porque era errado, mas, talvez, quem sabe com mais tempo nós poderíamos ter alguma chance. O problema é que agora não tem jeito mais porque ele vai embora e eu vou ficar aqui – falei depressa e gesticulando muito, enquanto apoiava o cotovelo direito em sua coxa e o queixo em sua mão.
— Deixa eu ver se entendi... Vocês tinham uma chance de ficar juntos agora que seu negócio acabou, mas aí o menino vai embora e melou o pique. É isso? Mas como assim embora?
— Exatamente. Ele vai fazer um intercâmbio, ganhou uma bolsa para um curso no exterior.
fez uma careta com a boca antes de pegar mais outra colherada do brigadeiro e olhar para mim em seguida.
— Garota, você está muito ferrada.
, você não está ajudando – murmurei, mordendo o lábio.
— Ok... Mas é que... É difícil. Eu não sei muito como te ajudar. O que posso dizer é que vai doer, mas você vai precisar seguir em frente. Você não pode pegar um jatinho e correr atrás dele, sua vida é aqui, você tá prestes a se formar, precisa focar nos seus estudos e no que vai fazer daqui pra frente. Vai doer, vai dar saudade, você vai passar por momentos de tristeza, mas o que não pode é deixar isso tomar conta de você. Chore o que tiver que chorar, sofra, mas erga a cabeça.
— Eu queria tanto que a gente desse certo...
— Todo mundo quer que os amores da sua vida deem certo, mas nem sempre é o que acontece. Há amores que vão passar por nós apenas para nos deixar um aprendizado legal, uma mensagem bacana, uma marca que te fará lembrar para sempre. Não era você ano passado que dizia que nunca tinha gostado ninguém?
Acenei com a cabeça, deixando uma lágrima escapar.
— Então... Talvez o tenha entrado na sua vida para quebrar esse coraçãozinho de pedra que nunca tinha sido tocado por ninguém. Ele pode ter vindo para te ensinar a conhecer o amor. Agora você sabe como é maravilhoso sentir toda essa emoção compartilhada com alguém.
— Eu não estou achando nada maravilhoso agora – sussurrei.
— Agora não, porque você está sofrendo. Mas tenho certeza que os breves momentos que vocês passaram juntos devem ter sido especiais, não?
— Sim – soprei.
— Então! – inclinou-se e comeu mais um pouco do brigadeiro — São esses pequenos momentos que ficam na lembrança, que vão te dar uma sensação de nostalgia gostosa e que vão te fazer querer sentir tudo novamente, mesmo que seja com outra pessoa no futuro. Você trocaria isso? Preferiria apagar o da sua memória?
Parei para pensar nisso. Seria muito mais fácil nunca ter conhecido ele, não ter me apaixonado e nunca ter desfrutado do seu beijo. Mas, por outro lado, será mesmo que eu preferiria isso?
havia sido uma pessoa tão especial e que havia mexido comigo de tal forma... Mesmo com os breves momentos que desfrutamos um do outro, cada toque, cada ternura, cada palavra afável, tudo isso foi muito especial. Eu jamais ia querer desmanchá-lo da minha mente. Eu preferiria mil vezes sofrer agora e ter uma lembrança bonita no final do que passar uma borracha e nunca ter vivenciado tudo isso.
— Eu não mudaria nada – respondi com certeza, tendo em mente que um dia, mesmo demorasse anos, mas eu lembraria do com carinho e contaria a nossa história com amor e ternura.
— É esse o espírito da coisa! – exclamou, levantando a colher do brigadeiro, a boca com o canto sujo de chocolate e um sorriso de orelha a orelha.
— Você tá percebendo que comeu mais da metade do brigadeiro sozinha enquanto eu não comi nada, né? – falei quando olhei para a travessa e vi que já estava no final.
— Ninguém mandou você ficar aí dando bobeira. – Sorriu. — Mas eu deixei um potinho pequeno para você na geladeira. disse que sempre acontece isso e eu acabo comendo quase tudo sozinha, então preferi prevenir.
Foi impossível não rir da , ela era uma verdadeira viciada em chocolate.
Peguei um pouco, antes que acabasse, ao passo que fiquei pensando eu tudo o que tínhamos conversado. Olhando para a mulher na minha frente, aquela que era toda avessa ao amor espontâneo e acabou laçada justamente sobre ele. Analisando isso... uma curiosidade me bateu.
— O que você fez quando descobriu que realmente amava o ?
estendeu a mão, pedindo que eu esperasse para ela engolir o brigadeiro, e depois colocou a colherzinha de volta na travessa, deixando um pequeno elevar de lábios sair da sua boca.
— Eu corri atrás dele, literalmente. – Riu e piscou, parecendo se afundar em suas memórias.
— Eu gostaria de ter visto essa cena. – Acabei rindo com ela, sem conseguir imaginar a durona fazendo tal coisa.
— Graças a Deus não viu, você ia me gozar pelo resto da vida. Já basta a vergonha que eu passo toda vez que eu vejo a madrasta do . Meu Newton do céu, gosto nem de lembrar! – colocou a mão sobre o rosto e gargalhou. — Mas na vida se a gente quer alguma coisa, nós temos que ir atrás.
— Você é louca, .
— E quem não é? Somos todos loucos, afinal. – Piscou para mim e fomos interrompidas com o som da campainha.
— Deixa eu ver quem é. – Levantei-me e andei até a porta, destrancando-a.
— É o , eu disse a ele para me encontrar aqui – gritou e ela estava certa.
Na minha frente estava aquele projeto fantástico de homem, seu cabelo loiro despojado e seus olhos reluzindo o seu sorriso assim que me viu.
— Para de babar no meu namorado, ! – exclamou da sala com a boca cheia de brigadeiro e eu olhei por cima do ombro para ela, sorrindo.
— Então manda ele parar de ser tão lindo! – gritei de volta.
— Vocês poderiam parar de falar de mim como se eu não tivesse aqui e me deixar entrar, que tal? – sorriu e ergueu as sobrancelhas.
Sorri de volta e abri espaço para ele passar, o loiro foi direto para a namorada e jogou-se em cima dela, dando um abraço apertado, enquanto ela gritava que estava ficando sem ar.
— Oh Deus! Sabia que não ajuda uma pessoa com o coração partido ver a melosidade de vocês dois? – ralhei para eles e puxei os pés do para o chão, a fim de que eu pudesse me sentar.
empurrou-o e endireitou-se no sofá, gargalhando, depois passou os braços pelo pescoço de e deu um beijo na sua bochecha.
— Desculpa, , não consigo evitar. – olhou para mim sorrindo e falou, passando um rabo de olho caloroso na namorada. — Você é realmente uma oncinha, né? Tenho certeza que comeu o chocolate quase todo e não deixou nada para a – observou, assim que viu a travessa, que agora estava vazia.
— Culpada! – ergueu a mão direita. — Mas, para a minha defesa, eu separei um pouco para ela na geladeira, e aquele eu não vou tocar.
riu, pegou a tigela de vidro da mesinha e levantou-se para levar até a pia. Encheu-a de água para ajudar depois a tirar o chocolate na lavagem e voltou a sentar-se entre nós duas.
— E aí, prontas para a programação da noite? – esticou os dois braços no sofá e colocou um nas minhas costas e outro nas da .
— Que programação? – Franzi o cenho e olhei para eles, que se entreolharam e seguraram o riso.
Não precisou me responderem nada, antes que o fizesse a campainha tocou novamente e eu fiquei ainda mais encabulada.
— O que vocês estão armando? – lancei a pergunta e caminhei até a porta novamente, abrindo-a de uma vez.
— Oláááá! – duas vozes gritaram e eu dei um pulo para trás com o susto.
Hellen e Denis estavam ali na minha frente com as mãos cheias de sacolas; para completar, o meu amigo tinha uma caixa de ovo debaixo dos braços, ambos com sorrisos no rosto.
— Processo de intervenção. Você chorou o que tinha para chorar, agora é a hora de extravasar – Denis explicou-me, entrando com Hellen em seu encalço, enquanto eu fiquei ali na porta boquiaberta.
Hellen foi até e a cumprimentou e depois ergueu uma mão trêmula para , que dispensou e deu um abraço e um beijo em sua bochecha. Pela primeira vez eu vi a minha amiga ficar com vergonha e sem graça, sua pele estava vermelha e a garota não conseguia nem disfarçar a boca a aberta diante do namorado da .
Denis deu um aperto de mão maluco masculino com e depois pegou a mão da e beijou-a, fazendo-a rir. Ambos meus amigos interagiam enquanto eu estava ali perdida, sem saber o que estava acontecendo.
— Desde quando vocês se conhecem? – Coloquei a minha mão na cintura e virei-me para eles.
— Desde agora – respondeu tranquila, como se tudo aquilo fosse normal.
— E eu deveria acreditar que todo mundo está aqui no meu apartamento no mesmo horário coincidentemente? – indaguei-os.
— Puff – meu amigo fez um som com a boca. — Claro que não, ssinha, seria subestimar demais a sua inteligência. A gente aqui porque sabia que hoje estava sendo um dia difícil para você, então eu consegui através de uns contatos o telefone da e ia chamá-la para vir. Você sempre me disse como ficava bem quando conversava com a tal Doutora do Amor. A única coincidência foi que, quando liguei, ela me disse que já estava vindo para cá, então só precisei falar com a Hellen, comprar uns quitutes e aqui estamos nós!
Todos agora olhavam para mim, esperando a minha reação. Meus olhos se encheram de água ao ver cada um deles ali por mim, um sentimento de gratidão se apossou no meu peito, tendo certeza que Deus tinha me agraciado com as melhores pessoas que eu poderia ter na minha vida.
— Vocês são os inacreditáveis! – exclamei e caminhei direto para eles, sendo amparada pelos braços do Pimentinha, que me abraçou e me deu um beijo na bochecha.
— Não diga isso agora, espere eu fazer aquele X-Egg-Burger que você ama, então aí pode declarar o seu amor – argumentou e todos riram.
Levantamos todos e fomos a cozinha, levando as coisas e começando a preparar os hambúrgueres. Vez ou outra Hellen ficava atrás do babando pelas costas dele e passando um rabo de olho, só para não perder o costume e para colocar um pouquinho de medinho na minha amiga. E, em contrapartida, a cada um minuto Denis cantava , fazendo rir, já que ele não se importava nem um pouco, até porque, era claro que esse OTP se amava demais.
Quatro pessoas completamente diferentes, mas cada um deles com um significado importantíssimo na minha vida. Amigos que estavam ali para mim quando eu mais precisava, prontos para me fazer rir a cada segundo. com a sua leveza e alegria de viver, sempre deixando o ambiente mais aconchegante. com seu jeito divertido de ser, dando-nos a cada momento uma explicação científica para as coisas, mas, ao mesmo tempo, uma mãezona, cheia de sabedoria para dar. Hellen com suas histórias hilárias e seus contatinhos, mostrando-me como era bom viver a vida como a gente quer que ela seja vivida. E Denis, o melhor amigo que uma pessoa poderia ter, o garoto mais companheiro de todos, sem noção, palhaço e amoroso. Meu verdadeiro irmão.
E foi assim que eu terminei a minha noite, junto com as melhores pessoas do universo, o coração ainda sentindo o latejar da dor, mas com a consciência que eu também poderia sorrir e que, com eles, seguir em frente poderia ser muito mais fácil.



Capítulo 28

Os dias que se passaram foram um pouco melhores do que os anteriores, mas isso não significava que não doía. A contagem regressiva do tempo de no país havia sido soado e meu coração ia ficando cada vez mais pequenininho.
A intervenção dos meus amigos havia me ajudado, mas era quando eu estava sozinha que minha mente trabalhava, peguei-me folheando o caderno dele várias e várias vezes, quase podendo ouvir o próprio recitando cada uma daquelas palavras para mim.
Eu refleti em como o sentimento que batia por ele era forte – mesmo sem vê-lo –, como eu me pegava olhando para suas fotos por grandes minutos, ou como eu assistia os seus vídeos antigos só para poder matar a saudade da sua risada.
Durante esses dias, peguei um papel e transcrevi tudo aquilo que ardia no meu peito. Escrevi uma carta como se estivesse falando com , onde eu pude desabafar tudo o que eu nunca disse e nem tinha me permitido sentir. Falei de como era forte isso que eu experimentava no meu peito e como tantas vezes eu quis dizer para ele como era especial e não podia. Quantas vezes eu quis apenas segurar a sua mão e sentir o seu toque, mas o nosso limite não permitia.
Queria dizer que amava quando ele piscava aqueles cílios longos e negros repetidamente quando estava sem graça, ou como eu ansiava por cada beijo na bochecha que ele me dava nas despedidas. Queria contar para ele que o meu sonho desde o início era ouvir o som da sua risada e quando ele o fez, algo se desintegrou dentro de mim.
Narrei que aquele dia que saímos juntos para a praia foi o dia mais maravilhoso e especial da minha vida e que eu não podia ter escolhido um primeiro beijo mais especial ou com alguém mais incrível do que ele.
Falei também por meio das palavras que nunca tinha sequer gostado de alguém, mas que agora que eu sabia como era ser apaixonada por ele, todos os outros homens estavam estragados para mim.
Que ainda que eu nos afastasse todas as vezes, eu sentia, eu vivia, eu me apaixonava...
E que quando ele finalmente confessou os seus sentimentos por mim, eu queria ter pulado, exultado e retribuído como qualquer outra garota normal.
Desabafei também que era muito azar nosso gostar logo de pessoas destinadas a estar tão longe uma da outra, um tempo e momento errado, mas, ainda assim, mesmo com tudo indo contra nós, eu não me arrependia de gostar dele, porque me apaixonar por um cara como , era um privilégio.
Falei que não sabia como faria para esquecê-lo e nem sabia se isso era possível, mas que eu o guardaria em um espaço imensurável no meu coração.
Que apesar da dor, da saudade e de não podermos ficar juntos, eu era grata por, com ele, ter conhecido o que era o amor.
Discorri que eu nunca havia sentido tanto orgulho de alguém e que apesar de doer, eu desejava que ele pudesse desfrutar tudo de melhor que o curso dele e o tempo que ele passaria ali pudessem proporcionar.
E na última frase escrita, fiz um último pedido. Que ele aproveitasse tudo sem amarras e que encontrasse quem ele era. Quem era o sem a Vanessa? Quem era o longe do luto? Quem era o sem a ? Pedi que ele seguisse o caminho que a vida desse para ele. Mas, se, por acaso, nossos caminhos se cruzassem de novo, e se em algum lugar houvesse chance para nós, eu esperava então que pudéssemos concretizar tudo aquilo que sentimos e sonhamos.
Terminei de escrever a carta em lágrimas, sentindo-me mais leve de ter colocado tudo para fora. Enfiei a folha em um envelope e coloquei-o em cima da escrivaninha do meu criado. O nome dele manuscrito em dourado do lado de fora.
No entanto, quando o fatídico dia chegou, nem o desabafo fazia a angústia esvaziar o meu peito.
ia embora hoje, daqui a duas horas para ser mais exata. Por isso eu estava embrulhada debaixo do meu cobertor no quarto escuro, curtindo a minha própria bad.
Meu celular tocou, mas eu não queria atender, só percebi porque ele estava vibrando embaixo do meu travesseiro. Ignorei-o até onde deu, mas aquela vibração chata já estava me dando agonia.
Será que uma pessoa não podia curtir a sua própria fossa pelo menos uma vez na vida sem ser interrompida?
Tirei o celular de debaixo do travesseiro e olhei o visor para ver quem era, o nome do Pimentinha apareceu na tela e eu rolei os olhos, sem um pingo de vontade de atender.
— O que você quer? – atendi sem um pingo de paciência. Mas pudera, o amor da minha vida estava embarcando em um avião, eu tinha o direito de estar de mal humor.
— Olá para você também! Dá para abrir a porta? Você ficou surda, é? Tô aqui tocando a campainha tem um tempão – resmungou com impaciência.
Joguei a minha coberta para o lado da cama com raiva, caminhei até o notebook e pausei a música de sofrência que havia colocado.
— O som estava ligado, tô indo aí.
Desliguei o celular e fui até a porta, sem me importar como eu estava, abri-a e coloquei a mão na cintura, fechando a cara para o meu amigo. Denis ignorou o meu semblante feio e entrou na casa, indo direto para o meu quarto.
— Eu não acredito no que eu tô vendo! – Denis foi até o meu notebook e deu uma gargalhada.
— Não é da sua conta. Sai, Denis, me deixa! Eu quero ficar sozinha hoje! – Fechei o meu notebook com força e coloquei-o em cima da cama.
— Sério, ? Pablo? Eu sabia que você tava mal, mas escutar "Porque homem não chora" é demais até para você – continuou e eu fechei as mãos em punho querendo socá-lo.
— Essa música me lembra o , tá legal?! – tentei me defender, sabendo que não teria explicação que eu desse que me faria escapar da zoeira do Denis.
— Claro que lembra, por que você acha que eu chamo ele de Pablo? – Piscou e jogou-se sobre a minha cama.
Coloquei a mão sobre o rosto e suspirei. Eu amava o meu amigo, mas há momentos que a gente só quer ficar só, e eu já havia falado isso com ele hoje.
— O que você quer, Denis? – perguntei, frustrada.
— Ficar com você!
— Você não tinha que ir lá despedir do no aeroporto ou qualquer merda do tipo?
— O Pablo é meu amigo agora, mas você é mais. Eu imaginei que você ia precisar de mim aqui, então já passei na casa dele antes.
Denis falou aquilo numa boa, mas meu coração acabou se comprimindo ainda mais. Até o Pimentinha havia visto e despedido dele, e eu estava ali.
— O que é isso? – Denis perguntou quando levantou-se e viu o envelope branco sobre a minha escrivaninha.
— Não é nada! – Corri para tomar o objeto de suas mãos.
Puxei-o com força e agilidade, fui até o guarda-roupa e enfiei-o debaixo das roupas da última gaveta, depois voltei o meu olhar para o meu amigo, que continha o cenho franzido para mim.
— Deu para guardar segredo de mim agora? – Cruzou os braços e me encarou.
Suspirei em frustração, sabendo que era difícil não contar as coisas quando Denis incorporava o aspecto sério dele. No final das contas, eu acabava sendo um livro aberto e o único entre nós dois que era ótimo em ocultar tudo, era o próprio menino do cabelo encaracolado a minha frente.
— É só uma coisa que eu escrevi... – comecei a falar, mas parei. Denis, vendo a minha hesitação, fez um sinalzinho com o dedo para que eu continuasse. — Eu precisava desabafar de alguma forma o que eu sentia e o que queria falar com , então usei da escrita para isso. Ali é uma carta que ele nunca vai ler, mas que eu me senti bem em escrever.
Denis deixou o ar sair dos seus pulmões e sentou-se na cama, coçando a cabeça em seguida.
— Por que você só não vai lá e fala com ele?
— Porque... – iniciei a minha resposta, mas a essa altura do campeonato a minha mente nem funcionava mais apropriadamente. Até para formular frases coerentes estava difícil, piorou ter que montar algum discurso para dizer porquê eu não havia ido atrás de depois de ver tudo o que ele disse de mim no caderno dele.
— Você poderia inspirar um pouco na sua amiga . Eu chorei de rir aquele dia dela contando como foi atrás do lá na empresa. – Seus olhos se apertaram quando ele riu com a lembrança e seus cachinhos balançaram com a gargalhada. — Olha... – Virou o relógio que havia no seu pulso e mirou-o. — Ainda tem um pouco mais de uma hora e meia até embarcar. Ele deve entrar na sala de embarque quase uma meia hora antes, então isso nos dá um tempinho para chegar no aeroporto e você poder se despedir dele de uma forma mais fenomenal.
Minha mente deu um estalo na hora. Aquilo era uma loucura!
Mas uma loucura que repentinamente eu queria muito fazer.
Não sei o que me deu na hora, uma adrenalina percorreu a minha pele e um impulso enlouquecedor de ver novamente me moveu.
Não foi como se naquele momento eu conseguisse pensar racionalmente, eu me segurava muito, mas até mesmo eu às vezes poderia ser movida por uma onda de impulsos desesperados.
— É isso! Me leve lá! Agora! – Corri até a cômoda e peguei a chave da minha casa. Saí correndo até a porta, mas senti o meu corpo ser içado no ar enquanto eu tentava me desvencilhar.
— Me larga, Denis, a gente precisa ir antes que eu perca o voo do ! – ralhei pra ele quando percebi que ele me segurava e me debati, tentando me soltar.
Meu amigo me jogou em cima do sofá de uma vez e eu bati minhas costas nele, dando graças a Deus que o móvel era macio.
— Sua louca! Espera! Você vai sair com esse cabelo todo pra cima, esses olhos de panda com rímel escorrido, apenas um blusão e descalça?! Não vão deixar você passar nem do portão!
Denis tinha os olhos arregalados como se eu estivesse maluca, mas talvez eu estivesse já que eu nem tinha lembrado do estado que eu me encontrava.
Corri para o banheiro e constatei que minha aparência era péssima. Peguei o algodão dentro do armarinho que ficava na pia do banheiro e o demaquilante. Passei afobada pelo rosto e peguei uma borrachinha para enrolar o cabelo para cima e amarrá-lo em um rabo de cavalo muito louco. No chão do banheiro tinha um short que eu havia largado, peguei-o e o vesti, empurrando as bordas da blusa por dentro dele e sem se importar que ela estava toda amarrotada.
— Estou pronta. – Voltei para a sala correndo, tendo a certeza que não tinha gasto nem cinco minutos para fazer isso tudo.
Denis tinha os olhos arregalados ainda, mas eu o ignorei porque nem por uma reza brava eu voltaria para mudar nada o jeito que eu estava. Seria uma perda de tempo.
— Meu Deus, onde eu amarrei o meu jegue?! – Denis sussurrou, mas pegou a minha mão e saímos correndo pelas escadas até chegar no pátio do prédio.
Chegando lá, Denis me puxou até um carro e me enfiou dentro dele, dando a volta e assumindo o lugar do motorista.
— De quem é esse carro? – perguntei enquanto colocávamos o cinto.
— O Marcos me emprestou – respondeu enquanto ligava a ignição e dava a partida aceleradamente, ao ponto das minhas costas serem impulsionadas na poltrona do carro.
Marcos, Marcos, Marcos... Tentei buscar na minha mente de onde que eu conhecia esse nome, até cair a ficha que era o nome do amigo do , o que me lembrava também que quase não tínhamos tempo.
— Bota pra quebrar! – ordenei e segurei na alcinha que ficava no teto do carro.
Cinco minutos depois eu me arrependi amargamente de ter dito isso, porque de nada adiantava essa correria toda se não chegássemos vivos no aeroporto. Perdi as contas de quantas vezes eu achei que fosse morrer e o quanto eu gritei no ouvido do Denis. O garoto era louco e mais louco era quem havia confiado um carro em suas mãos.
O tempo estava passando, o trânsito caótico e agora só tínhamos uns vinte minutos, sendo que Denis ainda tinha que arranjar um lugar para estacionar naquele aeroporto enorme.
— Não vai dar, vou te deixar no portão da frente e você vai lá sozinha, te encontro depois. Toma. – Me deu um papel, onde tinha escrito o portão de embarque que estaria.— Vai lá, garota! Vai despedir do seu homem! – Piscou e parou o carro desajeitadamente para que eu pudesse descer.
Inclinei-me rapidamente e agarrei o seu rosto, dando-lhe um beijo enorme em sua bochecha e saí correndo, desesperada.
Quando entrei, passei pelos corredores enlouquecida, procurando o local que estava no bilhete. As pessoas olhavam para mim como se eu fosse alguma maluca, enquanto eu corria de um lado para o outro. Meus olhos já estavam enchendo-se de água, peguei o meu celular para olhar e já tinha dado a hora esperada que entraria na sala de embarque. Mordi o lábio que tremia e bati meus cílios tentando espantar as lágrimas que encheram os meus olhos.
O que eu esperava que fosse acontecer? Uma cena épica de filme onde os amantes desafortunados se encontravam e trocavam juras de amor no aeroporto? Clichê demais. A realidade não era bonita assim.
Meu peito arfava cansada, encurvei-me e pousei minhas mãos no joelho, tentando descansar. Meus olhos subiram e olhei de um lado para outro, até ver, ao longe, um cabelo familiar em uma fila.
...
Ele estava longe, mas eu poderia vê-lo, eu o reconheceria em qualquer lugar.
A fila que ele estava andava e entrava para o portal que levava para o outro lado do saguão, do lado dele tinha um garoto que eu lembrava da festa e o outro eu sabia que era o Marcos. Os três sorriram e se abraçaram antes de virar-se para frente, já que, pelo que parecia, era o próximo da fila.
Meu sorriso se alargou ao vê-lo e ao perceber que a sua jornada estava apenas começando. Dei um passo à frente por instinto, louca para tentar correr e chegar até ele a tempo, no entanto, quando ergui o primeiro pé, algo se remexeu dentro de mim, fazendo-me parar. já era o próximo a embarcar, estava feliz com os amigos e o seu semblante mostrava o quanto estava pronto e decidido para essa viagem. Será que era justo eu chegar lá correndo, sem ter tempo de trocar meras palavras e poder explicar tudo o que sinto e o que houve nesse tempo?
Não daria para dizer nada, não poderíamos colocar os pingos nos is. Seria um misto de emoções e discursos travados, precisando embarcar, mas querendo ficar ali para ouvir o que tinha a dizer.
E o que esperaríamos depois disso tudo? Um relacionamento à distância? Depois de finalmente saber a profundidade dos sentimentos, conseguiríamos virar as costas e deixar que cada um seguisse o seu caminho por tempo indeterminado? Isso é, se desse tempo de conseguir verbalizar tudo em um minuto, o que era certo que não dava. Com certeza a primeira coisa que faria em solo estrangeiro era entrar em contato comigo para que conseguíssemos terminar de ter a nossa conversa.
Hoje eu tinha plena certeza que gostava de mim assim como eu gostava dele, mas ele não sabia a profundidade dos meus sentimentos e se eu contasse agora... Eu tinha certeza que não iria para a sua viagem completo. Um pedaço dele ficaria comigo, um pedaço do seu tempo tentando fazer com que a gente desse certo, um pedaço da sua esperança pensando em mim, um pedaço da sua vontade para tentar voltar em todos os intervalos que tivesse do curso, sendo que ele não precisava fazer esse esforço, precisava apenas... Viver!
Eu estava longe, mas eu poderia garantir que o sorriso que emitia ali onde estava era genuíno e seus olhos, determinados. E eu poderia falar aquilo com propriedade porque conheci cada nuance dele durante as nossas sessões.
ficou sete anos dentro de um relacionamento e agora ele era livre. Ele precisava desse tempo para ele, sem amarras, sem nós, sem que um pedaço dele estivesse preso a mim. precisava aprender como era estar só.
E foi por isso que quando o vi ali, feliz, despedindo dos seus amigos e contente pela sua nova etapa, que eu finalmente compreendi que amar também era deixar ir.
Eu já havia feito isso várias outras vezes quando se dizia em relação a nós, mas nunca de uma forma que me deixasse tão tranquila.
Eu queria contar tudo o que sinto a ? Sim. Eu queria ter um relacionamento com ele? Com certeza.
Mas não assim e não daquela forma.
Ele merecia saber que tinha tomado todo o meu coração? Claro!
Mas mais do que isso, merecia voar!
não precisava agora de um amor, precisava apenas dele mesmo. Ele precisava caminhar com as próprias pernas e encontrar a força dentro de si.
Ali eu entendi que, mais do que paixão, havia brotado dentro de mim um amor inegável pelo moreno. E o amor é algo tão genuíno que me fazia lembrar de uma passagem da Bíblia que dizia que o verdadeiro amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. E por , eu faria isso tudo.
— Finalmente te encontrei! – Denis chegou afobado ao meu lado, sua respiração tão entrecortada como a minha quando eu parei de correr. — Uai... Não é o ali? Você não... – começou a perguntar, mas interrompeu o questionamento ao ver que eu sorria com lágrimas nos olhos enquanto olhava para o garoto dos meus sonhos partir.
— Não, eu não fui – respondi simplesmente, observando recolher seus documentos e colocar em sua mochila. — Você lembra de uma história que eu te contei quando as minhas cachorras na minha cidade natal fugiram?
... O que isso tem a ver? – indagou-me confuso e impaciente, olhando para mim e olhando depois para , que agora havia parado na entrada do portão para despedir-se dos amigos de novo, ao que parecia.
— Eu não passeava com elas, eu não as deixava sair, elas mal viam a rua. Então, o dia que eu deixei o portão aberto, elas fugiram e eu passei dias e dias procurando-as e não as encontrava. Deixei o portão aberto, anunciei em todos os lugares e nada. No entanto, dias depois, eu encontrei-as juntas voltando para mim. Elas marcaram o caminho de casa e, quando me viram, festejaram tanto, latindo, pulando e abanando o rabo. Eu nem mesmo precisei colocar a coleira para fazê-las voltar para casa, porque elas sentiam a minha falta, elas queriam voltar.
— Ótima história para me relembrar agora, , mas...
– Eu não posso prendê-lo, Denis. – Virei para o meu amigo, sentindo as lágrimas nos meus olhos. — precisa ir. Ele precisa conhecer outros lugares, viver uma vida independente, caminhar só. Ele pode achar um próprio caminho e outros lares, mas ele também pode voltar. Mas uma coisa eu não posso fazer, não posso enjaulá-lo, tentando mantê-lo para mim, caso contrário, um dia, quando uma fresta aparecer na sua vida, ele vai embora de qualquer forma.
Denis ficou calado, parecendo pensar no que eu havia dito e eu me permiti ver os últimos vislumbres de . Ele afastou-se dos amigos assim que a mulher do aeroporto tocou em seu ombro, indicando-o que deveria entrar. acenou com a cabeça e deu tchau para eles, em seguida, girou o seu corpo para a saída, passando seus olhos em volta do local com o cenho um pouco franzido.
Não era a intenção, mas, de repente, seus olhos se arregalaram e eu tinha certeza que ele havia me visto. Seu semblante era puro espanto, seu passo cessou e ele parecia por um segundo petrificado com as mãos apertando a mochila.
Inesperadamente, seu lábio foi subindo vagarosamente até tornar-se um longo e grande sorriso, como o primeiro sorriso verdadeiro que ele havia me dado. Abri o meu próprio em sua direção e sem palavras, de alguma forma, eu acho que ele entendeu, e eu ter ido ali, mesmo de longe, era o suficiente.
Não deve ter durado dez segundos, já que logo ele precisou virar-se para ir embora, mas em algum lugar daquele semblante de paz, e eu havíamos encerrado a nossa história.
Meus olhos estavam repletos de lágrimas, mas eu estava feliz e não sentia peso algum no meu peito pela decisão que eu havia tomado.
Não que fosse fácil. Eu tinha certeza que ia ter que comer muito brigadeiro, chorar bastante e precisar do kit do coração partido da novamente. Mas a vida era assim. Uns amores vêm e outros vãos. O meu agora estava indo... Como um belo pássaro desengradado, louco para tomar o ar e voar.
Pelo canto da minha visão, observei Denis esfregar os olhos e fungar o nariz.
— Está chorando? – Sorri para ele enquanto notava o seu olho vermelho.
— Claro que não! – Meneou a cabeça, mas ele não me enganava.
— Não acha que eu que deveria estar aqui desaguando em lágrimas? – Mordi a minha bochecha, segurando uma risada que eu nem sabia que conseguiria ter depois de tudo.
— Ahhh. – Balançou a mão em descaso. — Você é muito altruísta. Se eu encontrasse o amor da minha vida, eu ia querer agarrá-lo para nunca mais soltar.
— Por isso que o destino deixou você solteiro até hoje – brinquei, virando em direção a saída. — Vamos?
Denis passou o braço pelos meus ombros enquanto íamos embora e eu ouvi o som de um avião decolar.
Meu coração se apertou, mas eu virei-me para trás a fim de ver o veículo subir e sorri com a sensação de paz e plenitude que cobriu a minha alma.
Voa, meu amor! Deixe as suas asas te guiar...



Capítulo 29

Os primeiros dias são sempre os piores.
Tudo ainda era muito recente. Em um momento eu gostava dele, depois estava afastando-o, em outro ele se declarava, em seguida encerrávamos a sessão, depois eu descobria que ele era apaixonado como eu era por ele e no outro segundo partia.
Foi difícil lidar com isso, ainda mais por ser a primeira vez que eu sentia isso por alguém.
Com o passar das semanas deveria ter ficado melhor. Um mês? Já não deveria doer tanto, deveria? Dois meses então... Era para estar tudo cauterizado.
No entanto, isso não foi possível, porque durante esses dois meses que havia partido, eu precisei terminar de revisar e escrever o projeto para a apresentação na aula do Dr. Benecke.
Ler e reler todas as coisas das sessões, muitas vezes escutar a sua voz novamente pelo som das gravações... Tudo isso era uma tortura.
O jeito mais fácil de se esquecer alguém é afastando-se da pessoa que você partilha o sentimento. Mas o que fazer quando essa opção é impossível? Ainda que o seu amado esteja milhas de distância de você.
No início eu nem mesmo queria pegar no meu trabalho, mas chegou um certo momento que foi necessário ou tudo seria em vão. Eu não poderia bombar nessa disciplina.
Lentamente eu me forçava a ler as minhas anotações, revisar algumas coisas que já tinha escrito... E agora no final, eu mesma me submetia à surra de ficar dando play no áudio só para escutar falar o meu nome.
O quão louco isso era?
A saudade apertava o meu coração, mas o que me acalentava era imaginar um sorridente no exterior, provando coisas novas, se aperfeiçoando e conhecendo novos lugares. A recordação do seu último sorriso e a satisfação que ele tinha nos olhos por estar indo por aquele caminho era aconchegante. Então, sim, apesar de sofrer, eu estava tranquila e feliz pelo rumo que havíamos tomado.
A minha esperança era que, depois de hoje, as coisas pudessem melhorar. Seria o fim desse ciclo com para mim. Eu apresentaria o trabalho e não teria que pensar nele 24 horas por dia. Pelo menos depois do trabalho, quando eu me lembrasse dele, seria espontâneo, e não porque eu precisava por conta de um relatório.
Eu já tinha tudo pronto há dias, no entanto, estava muito nervosa. Fiz a técnica que a minha psicóloga havia me ensinado para poder relaxar e até tinha tomado chá de maracujá, contudo, era difícil ficar tranquila quando você teria que expor um caso para o seu professor e para a turma inteira – sem revelar a identidade, claro – e, ao mesmo tempo, tentar bloquear qualquer resquício de sentimento para não quebrar na frente de todos e nem dar uma pista qualquer que eu me apaixonei pelo meu paciente.
Eu não sei se eu conseguiria, mas havia ensaiado várias vezes no espelho, a fim de saber se eu tinha conseguido adotar um olhar neutro e vazio durante o meu discurso.
— Vai dar tudo certo. – Denis chegou ao meu lado, puxou-me para um abraço e deu-me um beijo na bochecha.
— Espero que sim.
— Se eu ver que você vai vacilar, eu faço alguma gracinha no meio da apresentação para desviar a atenção e você se recompõe, combinado?
— Eu já disse que você é o melhor amigo do mundo inteiro? – Virei o meu rosto para meu amigo, sentindo meu coração aquecer com tamanho carinho.
— Hoje ainda não! Apesar de que eu já sei disso. – Piscou com convencimento e ajeitou a mochila em suas costas.
Denis olhou de um lado para o outro e franziu o cenho.
— Cadê a Hellen? – perguntou.
— Não sei, mais cedo ela estava no celular conversando com o boy dela – respondi e Denis fez uma careta.
— Merda de garota boba encantada por um homem imaginário. – Rolou os olhos. — Ela vai acabar se atrasando para aula.
— Liga pra ela. – Dei de ombros, olhando para porta da minha sala e inspirando para tomar coragem para entrar.
— Eu não. Deixa ela com o namoradinho. Vamos! – Passou a mão pelo meu braço e foi me arrastando para a sala, antes que eu pudesse dizer que eu ainda não estava preparada psicologicamente para entrar.
Sentamos em nossas cadeiras de costumes e nos ajeitamos ali, não passou cinco minutos e o Dr. Benecke entrou na sala com sua expressão sempre séria, os óculos pendurados em seu nariz gigante de Gru.
O professor nem mesmo olhou para gente, colocou as coisas sobre a mesa, empurrou os óculos com o dedo indicador e sentou-se em sua cadeira. Em seguida, abriu o seu notebook sobre a mesa e colocou o cabo no projetor, ligando-o.
— Eu espero que tenham trazido os trabalhos em CD, pois eu não sou obrigado a pegar pen drive cheio de vírus de vocês – foi a primeira coisa que saiu da sua boca desde que ele havia entrado.
Boa tarde para você também, professor!
Assim que ele terminou de ajeitar os aparelhos, pegou uma folha de papel e chamou o primeiro nome da listagem de alunos. A apresentação seria por ordem alfabética, oito alunos por dia, quinze minutos cada um. Para a minha sorte – ou azar –, eu faria parte da primeira remessa, era a última de hoje. Na minha turma de 25 alunos, tínhamos mais Marias, do que outras letras do alfabeto. O lado bom é que a sombra de pararia de me atormentar e, quanto antes eu encerrasse isso, mais cedo me livrava de estar obrigada a pensar tanto nele.
— Licença, professor! – Hellen apareceu na porta afobada, passou a mão por seu cabelo castanho que colava na testa e caminhou em nossa direção, sentando-se ao meu lado.
— O que houve com você? – sussurrei. — Sorte que a Alana ainda estava colocando o CD no notebook. — informei-a, vendo a aluna ainda arrumar a sua apresentação.
— Eu perdi a hora – murmurou de volta e eu rolei os olhos para ela, acompanhada de Denis que repetiu o gesto e bufou ao meu lado.
As apresentações começaram e ficamos prestando atenção. Alana foi a primeira, depois Bianca e o terceiro seria o Denis. Quando o meu amigo foi chamado, ele andou confiantemente até a frente da sala e foi até o professor, que tinha o nariz franzido para ele.
Bom, pelo menos alguém era imune ao charme do Pimentinha.
Ele começou a sua apresentação e não teve como não ficar de queixo caído com a eloquência que o menino tinha. Ainda que eu soubesse que seu trabalho tivesse sido uma grande fraude, eu poderia dizer que pelo seu discurso seria impossível desconfiar. Ele tinha uma apresentação impecável, citava referências bibliográficas confiáveis e articulava com o "caso" que ele havia feito. Eu poderia dizer que o trabalho dele estava mil vezes melhor do que o meu, isso é, se não soubesse do verdadeiro tratamento que Denis fazia no seu divã.
Ele terminou a sua fala ovacionada, principalmente pelas meninas, o que fez Hellen e eu rolarmos os olhos. No entanto, Sr. Benecke não parecia tão contente ou surpreso assim. Não que o homem emitisse algum sorriso ou algo do tipo, mas, pelo menos na vez da Alana e da Bianca, ele não tinha o vinco da sua testa tão proeminente e uma carranca tão feia no rosto.
Acho que Denis percebeu também porque quando ele parou de rir para as meninas e olhou para o nosso professor, seu sorriso vacilou. Não foi muito, Denis era ótimo para manter aquela cara lavada dele, mas eu o conhecia, por isso percebi quando sua pele ficou um pouco mais branca que o normal e quando seu pomo de adão subiu e desceu lentamente pelo seu pescoço.
— Foi um perfeito trabalho... Denis Louback – o professor Benecke iniciou, olhando a lista na sua mão para conferir o sobrenome dele e eu vi um pequeno suspiro de alívio sair da boca do meu amigo. — Tão perfeito que me admira você me apresentá-lo como real – completou, causando um murmúrio generalizado por toda sala.
— Como assim? – Denis retrucou, sua voz não soando mais tão confiante como deveria ser.
Meu coração parecia que batia quase fora de mim, eu sabia que meu amigo não havia feito as coisas direito, mas eu não queria também que ele se ferrasse.
— Pelo que li dos seus relatórios sua paciente foi... Perfeita demais. Sem um vacilo, sempre dentro do esperado. Você poderia explicar melhor para nós os processos? – O professor questionou e Denis deu um passo para trás.
Oh, Deus. Ele estava ferrado.
Denis começou a falar, mas o professor Benecke o interrompeu com outra pergunta. Uma inquisição foi aberta e eu me senti diante de um tribunal, onde meu amigo era o réu e estava sendo questionado até ser pego dentro da sua própria mentira.
Fato este que não demorou acontecer. Logo o nosso professor conseguiu amarrar o Denis pelos pés. Diga a verdade e ela será sempre uma verdade, agora conte uma mentira, e depois outra e outra... E você nem mesmo saberá o que falou.
Observei o semblante do meu amigo vacilar e eu nunca havia o visto tão transtornado. Seus punhos fecharam e eu pensei ter visto até um brilho no seu olhar quando o Dr. Benecke avisou que ele estava com zero.
Psicologia não era o curso para Denis, ele nem mesmo queria isso, mas agora que ele tinha se ferrado na disciplina, ele parecia derrotado. De qualquer forma, estávamos no último período, por mais que Denis não quisesse atuar na área, por algum motivo ele queria esse diploma.
Acompanhei-o voltar com os ombros derrotados e sentar ao meu lado, passando a mão pelo seu rosto e levando-a até os seus cachinhos.
— Me fu... – começou a xingar e eu tampei a boca dele, antes que ele levasse outra repreensão em sala.
Eu não sabia o que dizer para ele nesse momento, então apenas levei a minha mão até a dele e apertei-a, sentindo a tensão nela e uma leve umidade.
Agora faltavam mais quatro e logo chegaria a minha vez. Eu fiquei mais nervosa que eu já estava depois do que tinha acontecido com o Denis. O professor era o bicho. E se ele sacasse na hora que eu tinha me envolvido com o e me expusesse na frente de todo mundo?
Eu nem era de roer a unha, mas foi impossível não enfiar os dedos na boca e começar a comer o cantinho dos meus dedos. Depois do Denis, o Fael se apresentou, em seguida a Hellen, que arrasou e foi muito elogiada pelo professor. Depois a Jaqueline, José Antônio e enfim, era a minha vez.
? – O professor chamou-me e Denis me cutucou, mandando-me ir logo. Fechei os olhos rapidamente e inspirei profundamente todo o ar que eu poderia reter, soltando-o devagar.
Eu estava pronta, tinha que estar... Era agora ou nunca.
Tentei desligar a chave e controlar as minhas próprias emoções. Fui até o professor e coloquei o CD com a minha apresentação.
A partir do momento que falei boa tarde, assumi o meu lado profissional, não era o ali, era o meu paciente, a pessoa que eu acompanhei e ajudei no percurso. Ainda que houvesse brotado outras coisas depois, da mesma forma que lidei com ele nas sessões, agora estava li, séria, relatando o caso.
Comecei falando do perfil do paciente e apontando o caso que ele tinha. Mostrei o que foi trabalhado com ele durante as sessões, o que foi instruído e as suas evoluções durante o tempo. A partir do momento que fui mostrando o progresso, meu peito se encheu e eu fui falando com mais determinação, colocando cada ponto, as coisas que havia auxiliado e o que o próprio paciente havia conseguido sozinho, como enfrentar o seu próprio passado. Terminei falando de como estava a situação atual dele e apontando que havia sido indicado que ele continuasse com o tratamento, ainda que se sentisse melhor, mas agora com um profissional formado e já qualificado.
Assim que encerrei, pisquei, sem acreditar em como eu havia conseguido terminar isso tudo sem quebrar. Sorri para mim mesma internamente e talvez tenha emitido uma curvatura nos meus lábios cerrados. Estava satisfeita, só me faltava saber o que o professor acharia.
A expressão do Dr. Benecke era neutra, então eu não sabia o que ele pensava. O professor me fez algumas perguntas, mas nada que fosse muito difícil responder, afinal, foi o meu projeto, meu acompanhamento e o meu trabalho. Quem melhor do que eu para falar sobre ele?
Uma sensação de triunfo apoderou-se de mim ao ver o Dr. Benecke com um pequeno sorriso no canto da boca. Era pequeno e sutil, aberto por um segundo ou dois, mas estava ali e eu tinha captado ele.
Voltei para a minha carteira e Denis sussurrou um "Arrasou" para mim, fazendo-me sentir ainda mais plena. A hora da aula terminou e eu sentia-me feliz por ter menos uma coisa nas costas. Mais um mês e as aulas acabariam, e em janeiro eu teria a minha amada formatura. Uma nova etapa chegaria em minha vida.
Levantamos para sair, mas antes que eu passasse pela porta, o professor me chamou. Olhei para Denis e Hellen, um pouco perdida e fiz um sinal para que fossem sem mim, eu os encontraria depois. Esperei ao lado da mesa do Dr. Benecke enquanto ele permanecia em silêncio olhando para mim, a espera de que todos os outros alunos saíssem.
Assim que estávamos apenas ele e eu, sua postura deu uma leve relaxada e ele endireitou os óculos novamente, pousando o seu olhar sobre mim.
— Você fez um excelente trabalho, . Eu observei você durante o processo, analisei todos os relatórios parciais que me enviou e é inegável o avanço que o seu paciente teve. – Seus dedos se cruzaram em frente ao seu rosto e seu lábio inclinou-se um pouco, agora sim ele permitindo que eu o visse.
— Ahh... Obrigada, professor – falei, sem saber como lidar com o elogio.
— Você ama a profissão e você tem talento. Além de tudo é uma menina determinada. Eu adoraria ter você na equipe da minha clínica um dia. – soltou e eu paralisei, sem saber como reagir.
Ele estava oferecendo-me um emprego?
— Professor Benecke... Eu...
— Pense nisso, ok? Claro que você não começaria com casos grandes e teria que passar por um período de experiência, mas é uma grande chance de aprendizado. Temos um grupo de pesquisa onde também debatemos e podemos discutir estudos de casos, o que é ótimo para você adquirir experiência. O salário não seria alto de início e talvez você tenha empregos mais vantajosos nesse quesito, mas, ainda assim, a proposta está de pé.
Céus... Eu não conseguia acreditar.
A clínica do Dr. Benecke era conhecidíssima e altamente recomendada. Ter uma passagem lá no meu currículo seria ótimo.
No entanto... Eu não poderia aceitar o cargo assim.
Não quando o professor Benecke achava que eu tinha sido a merda de uma aluna perfeita e na verdade eu havia rompido todos os limites éticos do meu trabalho.
— Professor... A proposta é incrível, mas não sei se eu sou a pessoa certa para o que o senhor quer – confessei, vendo suas sobrancelhas franzirem.
— E pode me dizer por que não, menina?
Respirei fundo e abri a boca, desforrando o que tinha acontecido. Fui sincera com ele, mostrei o que tinha falhado e como eu havia acabado envolvida com o meu paciente no final das contas. Não omiti nada, contei até sobre o nosso final. Não queria ser hipócrita, se eu tivesse que ganhar um cargo um dia, não seria feito por cima de mentiras ou mostrando algo que eu não era.
Depois de terminar o meu relato, o professor Benecke tinha o rosto impassível sobre mim até finalmente quebrar o silêncio que havia perdurado por alguns minutos.
— Bom... Eu imaginava. – falou e recostou-se na cadeira.
— Ahn, como?
— Eu sou ótimo em ler as pessoas, . Eu sabia que você tinha se ligado ao garoto de alguma forma, só não tinha certeza que tinha concretizado as vias de fatos.
— Então você entende porque não posso aceitar o cargo. Não sou o que procura – respondi e ele franziu o cenho.
— Você errou e eu não vou passar a mão na sua cabeça por isso. Na verdade, estou até um pouco decepcionado, confesso. Os fins poderiam ser trágicos, mas não foram. Dê graças a Deus por esse livramento. Contudo, mesmo com o que aconteceu, o seu paciente evoluiu e os resultados são claros.
— Mas eu me envolvi com o meu paciente.
— Todos nós vacilamos em algum momento, . Talvez não da forma que você fez, mas a nossa área é uma linha difícil de lidar. Durante o nosso trabalho, nós vemos todos os tipos de casos, dos mais simples aos mais grotescos e assustadores. Não é fácil. Vocês podem me achar duro e sem coração, mas houve um tempo que era difícil para eu segurar as lágrimas ao ouvir histórias como estupro e violência infantil. Essa atrocidade fica na cabeça da gente, é complicado ficar impassível, ainda que nós tentemos.
Dr. Benecke respirou fundo e fechou os olhos por alguns segundos, como se sua memória estivesse indo para outro lugar, no entanto, logo voltou.
— Eu não te convidei para a minha equipe por conta de um trabalho isolado, . Seria muito estúpido da minha parte fazer isso. Eu olhei todo o seu histórico, analisei seu comportamento junto com outros professores – com exceção de uma, porque aquela mulher é louca e eu não dou a audácia de conversar com ela. Fui até seus supervisores de estágio, procurei saber sua relação com os pacientes de lá... Em outras palavras, eu fiz todo o seu histórico. Por isso, ainda que o amor tenha te encontrado no meio do caminho enquanto você atuava com um paciente, não é isso que anula todo o seu progresso até aqui. Eu quero te dar essa chance, mas você vai ter um período de experiência para se provar e provar a mim, a fim de saber se fiz a escolha certa, claro. Ainda mais depois do que aconteceu.
Meu coração se aqueceu e meus olhos inundaram-se de água. Eu não conseguia acreditar...
— Eu vou mostrar isso – afirmei com convicção, mordendo o lábio em seguida para não mostrar todo o meu sorriso eufórico.
— Eu espero mesmo por isso. – Levantou-se da sua cadeira e estendeu a sua mão para mim. — Assim que terminarem as aulas, passe na minha clínica para fecharmos um contrato, será um prazer poder te tutoriar.
Eu ergui o meu braço trêmulo e coloquei a minha mão na dele, selando a proposta feita pelo meu professor.
Em um mês as aulas terminariam, em dois meses eu colaria grau, e em seguida eu tinha uma chance de emprego incrível.
Sorri. Sorri como não sorria há dias e me permiti correr uma onda de felicidade no meu peito. As coisas finalmente voltavam ao seu curso e ainda que algumas ruins aparecessem pela frente, percebi que sempre teriam novas oportunidades.
Um novo começo, um novo objetivo, a minha grande e bela nova etapa de vida.



Capítulo 30

Eu tive meu coração partido quando me apaixonei pelo garoto mais maravilhoso que poderia conhecer, mas não podíamos ficar juntos. Tinha vários limites que nos separavam e quando eles terminaram, ele precisava ir embora e eu precisava deixá-lo partir.
Se eu posso deixar uma resolução para as meninas que vão ler esse depoimento, eu diria que, apesar de doer muito, o tempo é o melhor remédio para curar as nossas feridas. E sempre é tempo para levantar a cabeça e seguir em frente.

Desabafos do coração

Resiliência.
Capacidade que o indivíduo possui de se adaptar aos dilemas da vida, mudanças, superar obstáculos ou resistir.
Foi assim que eu segui em frente.
E foi assim que seguiu em frente também.
Os primeiros meses foram os mais difíceis. Um tempo de ficar triste muitas vezes e chorar em outras. Momentos de sentir saudades e outros de querer esquecer de uma vez por todas. Mas nunca... Nunca um tempo de parar.
Pelo menos uma vez na vida você experimentará ter um coração partido e, quando isso acontecer, você precisará ser firme e saber que, apesar de poder se permitir sofrer, nunca pode deixar que isso tome conta de você.
A vida precisa ser seguida porque ela é muito mais do que um romance.
Na vida temos família, amigos, trabalho, aventuras, lazer, estudos... E seria péssimo se deixássemos tudo isso ruir por causa de uma única pessoa, mesmo que seja o amor da sua vida.
Dessa forma, eu me permiti sofrer por , mas também caminhei e cuidei de mim.
Três meses depois de ter visto o garoto dos cílios longos embarcar no aeroporto, eu terminei minha universidade. Concluí todas as disciplinas com louvor em dezembro e em janeiro, com orgulho, discursei na minha formatura, tendo todos os meus amigos ao meu redor e minha família, que havia saído da Bahia para vir festejar esse dia comigo.
— Eu estou tão orgulhosa de você. – Minha mãe me abraçou chorosa, dando um beijo na minha bochecha.
Meu pai e ela haviam juntado dinheiro o ano todo para conseguir pagar as passagens de avião e vir me prestigiar. Ter eles ali comigo, nesse instante, valia mais do que qualquer coisa.
— Minha pequena agora é oficialmente uma psicóloga! – Meu pai passou seus braços por mim e foi impossível uma lágrima não cair dos seus olhos, afinal, para um cara que passou a vida trabalhando de ajudante de pedreiro e que se matou para conseguir me enviar para cá estudar, era um sonho concretizado.
— E eu? – Denis se enfiou perto da minha família e meu pai franziu o nariz para ele, ao contrário da minha mãe, que puxou-o e deu-lhe um abraço.
Rimos e ficamos conversando um pouco ali até Denis pedir desculpa e nos informar que não ia poder comer pizza de comemoração conosco porque ele tinha assuntos familiares para tratar.
— Eu sei que você ouviu e ainda vai ouvir isso o dia todo, mas eu realmente estou muito orgulhoso de você, . Por tudo – Denis sussurrou no meu ouvido ao me abraçar na despedida.
— Obrigada. – murmurei de volta, encostando meu rosto em seu peitoral. — Eu estou preocupada com você – falei baixinho, querendo que apenas ele ouvisse.
— Não fique, vai dar tudo certo. – Segurou o meu rosto, afastando-o para que eu pudesse olhar em seus olhos.
Apesar de estar feliz por mim, eu tinha um resquício de melancolia por Denis não obter seu diploma comigo. Dr. Benecke foi bem duro com ele, então não teve como meu amigo escapar de ter que pagar uma disciplina no semestre que vem.
— Como será daqui para frente? – perguntei, mordendo a bochecha, sem saber como seria agora que não nos veríamos quase todos os dias.
— Ah, , – Abriu um sorriso fofo e tocou o seu indicador no meu nariz. — Não é porque não vamos estudar mais juntos que você vai se livrar de mim. – Balançou sua cabeça, remexendo os cachinhos. — A gente vai fazer muita omelete juntos ainda.
— Promete?
— Prometo. – afirmou e me abraçou novamente, antes de ir embora.
— Vamos? – minha mãe me chamou, tirando-me do meu torpor enquanto eu olhava meu amigo partir, e eu vire-me para ela sorrindo.
— Deixa só eu ligar para a e avisá-la que estamos indo. Agora ela é praticamente uma celebridade no campus, toda hora alguém a para e, se bobear, ela vai ficar presa aqui eternamente. – ri enquanto pegava o celular e o destravava.
Meu coração deu um solavanco quando eu, curiosa com as notificações do Whatsapp, abri o aplicativo e vi o nome de ali. Não sabia como seria lidar com isso depois de ficar sem conversar com ele tanto tempo, nem mesmo imaginava o que ele tinha a dizer.
Balancei a cabeça e saí do app, busquei o nome da na discagem rápida e liguei para ela, tentando tirar da cabeça temporariamente essa situação. Quando eu estivesse em casa, sozinha, eu verificaria isso.
Assim que encerrei a ligação, chamei um uber para meus pais e eu. Fomos direto para a pizzaria e não muito tempo depois, e chegaram e sentaram-se com a gente. Mais tarde, Hellen chegou com os seus pais e nos acompanhou também, formando uma mesa barulhenta e divertida.
Olhei para todos ali sorrindo, várias pessoas que eram especiais em minha vida e que estavam comigo nesse momento especial. Eu estava feliz, por isso, o sorriso largo e alegre que eu dei era o real reflexo da minha alma nesse dia.
Eu tinha passado por momentos ruins nos últimos meses, mas eu havia superado e eu estava bem.
Isso significava que eu tinha esquecido ?
Não.
Mas mostrava que não doía mais quando eu via as fotos dele pelo Instagram e que hoje eu podia reler as coisas bonitas que ele escreveu sobre mim sem chorar.
E o que deixava o meu coração mais tranquilo era ver que estava realmente feliz também. Era nítido pelos vídeos que ele postava, sempre explorando lugares novos, junto com outros amigos e amigas que ele havia feito por lá.
Eu não sabia ao certo como estava a sua vida e até que ponto ele tinha seguido em frente, mas ele estava bem e isso era o suficiente.
Talvez ele até mesmo tivesse conhecido outras garotas, e ele não estava errado por isso. era livre agora.
Eu sentia orgulho por nós dois, pois mesmo sendo ambos especiais um para o outro, nenhum de nós havia parado.
Como diz a canção: "A vida é trem-bala parceiro e a gente é só passageiro prestes a partir".
— Um brinde para as novas psicólogas! – Ceci exclamou, erguendo o seu copo de suco, e todos nós rimos, acompanhando o seu gesto.
Meus olhos encheram-se de água, mas não eram lágrimas de tristeza. Era satisfação, era ter o peito cheio de orgulho por ter conseguido concluir um processo tão pesado na minha vida. Era ter terminado essa etapa que eu havia urrado tanto para conseguir, quase acabando com a minha sanidade mental.
Hoje eu era uma melhor, que ainda se via às vezes sendo pega tentando colocar mais nas costas do que podia lidar, mas, pelo menos, estava se cuidando e evoluindo.
Eu podia dizer que era uma pessoa diferente também. De alguma forma havia mudado algo em mim. Acho que esse era o efeito que o amor fazia em nossas vidas, ainda que não durasse para sempre, a sua marca ficaria eternamente.
E eu havia percebido isso naquela mesma noite, depois de termos comemorado, quando já estava em casa e meus pais dormindo. Quando finalmente eu tive um tempo só para mim e resolvi abrir a mensagem do .
Era algo tão simples, mas, ao mesmo tempo, especial.
"Parabéns para a melhor psicóloga de todas. Nesse dia tão esplêndido para você, só queria deixar as minhas felicitações. Acredite sempre em você, , sua jornada está apenas começando. Beijo (na bochecha), ."
Aquilo de certa forma me fez rir e encheu o meu coração de calor. sempre seria essa pessoa inigualável. Esse menino tão simples e tão profundo, o cara que revirou a tranquilidade da minha alma e deixou as minhas estruturas em um mar revolto.
No entanto, agora era como uma brisa suave, aquele ventinho gostoso que a gente fecha o olho para apreciar e sonhar.
Um lugar para onde eu poderia ir sempre que quisesse me lembrar de um tempo sublime.
E quando eu digo sublime, posso afirmar com todas as letras, pois, um momento bom consegue transpor os momentos difíceis. Esse era o poder curativo do amor, de fazer me fechar os olhos e não pensar no quanto foi difícil ficar sem , mas sim, nos lábios dele, na sua doçura, nas palavras de ajuda, nas conversas fiadas, no seu sorriso, nas piscadelas quando ele ficava nervoso ou sem graça, no som da sua gargalhada e no toque da sua pele.
E foi isso que eu carreguei dia após dia, enquanto eu continuei vivendo a minha vida. E eu tinha certeza que me carregava de alguma forma na dele também.
Aproveitei a minha festa de formatura, despedi de colegas que provavelmente não veria tão cedo, partindo nossas vidas para a nova etapa... A minha nova jornada.
Um mês depois, e eu estava entrando no meu primeiro emprego, a clínica do Dr. Benecke. E era só o começo... Agarrando a oportunidade com as duas mãos e pés, se fosse possível.
Como eu esperava, estar ali com um profissional que eu admirava estava dando-me uma experiência incrível. Tínhamos reuniões de grupo e eu estava cercada de pessoas capacitadas que me ensinaram ainda mais.
Quando entramos na faculdade, achamos que vamos sair prontinhos para dominar o mundo, mas é quando formamos e vamos para prática que realmente evoluímos. Três meses com eles, e eu me sentia uma nova pessoa, uma muito mais madura, muito mais pronta para a vida profissional. Eu fazia atendimentos de casos mais simples ainda, mas, pelo menos, já havia passado pelo período de experiência, agora restava-me saber se o Dr. Benecke iria querer que eu continuasse com ele, ou não. Contudo, ainda que não ficasse ali, sei que o pouco tempo já havia valido muito para mim.
Hoje era um desses dias de muito trabalho, mas também de muita satisfação. Ainda que eu ficasse cansada, eu sempre me sentia exultante quando via a evolução dos meus pacientes. Ao final do expediente, tranquei a porta da minha sala e saí da clínica, finalizando assim o meu intenso dia.
Passei os dedos pelos meus cachos e dei um longo suspiro, sonhando em entrar em casa, poder colocar os pés para cima do sofá e assistir televisão. Pena que hoje era dia de academia, então eu não poderia descansar. Havia adotado exercícios físicos três vezes por semana durante as férias e notei como eles haviam me ajudado com o estresse. Por isso, mesmo que a preguiça tomasse conta de mim, eu sempre fazia um esforço para não faltar.
Abri a porta da clínica, joguei a bolsa sobre o ombro e, assim que pisei do lado de fora, uma voz me interrompeu, fazendo com que eu estancasse no lugar.
— Será que é tarde demais para uma última consulta?
Fechei meus olhos, sentindo uma vibração intensa no meu estômago. Temendo olhar para trás e descobrir que aquilo era apenas uma miragem da minha mente, que o som daquela voz era de qualquer um, menos dele.
Não poderia ser.
Virei meu corpo lentamente, minhas pernas tremendo e o coração saindo pela boca, apenas para comprovar que era ali, lindo e pleno, com um sorriso nos lábios, olhando para mim.
Era o mesmo , mas, ao mesmo tempo, era diferente.
Seu olhar era suave e seus olhos brilhavam com um aspecto incomum. Seus braços cruzados sobre o peito e o seu ar despojado mostravam um mais seguro, mais leve, um semblante tranquilo e feliz. As mudanças se davam até mesmo fisicamente, seus cabelos agora um pouco mais curtos e sua pele mais bronzeada. Seja o que fosse que ele tivesse feito no exterior, havia feito muito bem para ele.
— Depende do caso, talvez eu tenha que olhar na minha agenda para conferir... Mas, de qualquer modo, do que se trata a sua vinda aqui, senhor? – consegui respondê-lo em tom brincadeira, espelhando o sorriso que ele tinha em minha direção.
, que estava recostado na parede da clínica, endireitou-se e descruzou os braços, dando um passo em minha direção.
— Sabe... – Inclinou levemente a cabeça para o lado e mordeu a bochecha para comprimir um sorriso. — Tinha uma garota... E ela partiu o meu coração.
falou com um timbre mais baixo, como se quisesse compartilhar um segredo, no entanto, eu percebia a entonação divertida na voz dele, o que dizia que ele não estava mal com o que havia acontecido, apenas estava usando daquilo para gracejar.
— Ah é? E eu posso saber o que de fato aconteceu? – Cruzei os braços e arqueei a sobrancelha, o canto do meu lábio elevando-se.
— Em um momento que minha vida tinha virado de cabeça para baixo, eu descobri que gostava dessa garota. Mas ela não me quis, sabe? Mesmo depois de ter me declarado tantas e tantas vezes pra ela. Mas eu entendo, a gente tinha muita coisa para resolver, então eu precisei ir embora. Só que até aí, ainda que eu soubesse que o sentimento era recíproco, eu nunca tinha ouvido uma palavra sequer dela. Não até chegar isso aqui em minhas mãos... – Colocou a mão para trás do seu corpo e tirou do bolso da calça um envelope.
Eu reconheci aquilo, as letras do lado de fora em dourado. A minha letra.
Era a carta que eu tinha escrito para .
— Mas como...? – comecei a indagar, mas ele me interrompeu.
— Imagine a minha surpresa… E alegria, quando recebi isso aqui um tempo depois que parti? – deixou escapar o sorriso que segurava e deu mais um passo para frente.
— Denis... – sussurrei o nome da única pessoa que poderia ter feito algo do tipo.
— Foi o que eu imaginei. – piscou e levou a mão ao cabelo, esfregando-o enquanto ria da minha confusão.
Ele enfiou o envelope de volta para o bolso da calça e olhou para mim novamente. No entanto, agora seu semblante estava diferente, aparentava seriedade e encarava-me com os olhos um pouco cerrados.
— Continuando a minha história, doutora... Ainda que eu amasse essa garota, nós não podíamos ficar juntos naquele instante e eu entendi que precisava seguir a minha vida. Eu tentei, eu sobrevivi. Na verdade... É com muita sinceridade que eu te falo que realmente vivi tudo o que poderia viver no tempo que passei após ela, desfrutando de cada coisa que a vida colocou no meu caminho. – Inspirou, tomando fôlego para continuar. — Eu não preciso dessa garota, eu estou bem sem ela, eu vivi e posso continuar vivendo feliz ainda que ela não possa fazer parte da minha vida mais. A vida segue e eu aprendi como fazer isso. A diferença agora é o que eu quero.
— E o que você quer? – perguntei em um sussurro, podendo sentir o meu coração bater forte no peito.
Você. – respondeu-me, dando mais um passo à frente, apenas alguns centímetros separando nós dois. — Eu posso dar as costas agora e continuar a minha vida, eu não preciso e nem dependo de você, , mas eu quero, eu quero muito dar uma chance a nós dois. Você ajudou a me libertar e agora eu sou livre. Livre para ser feliz, livre para prosseguir e livre para fazer escolhas. E eu escolho você, , eu escolho nós. O que me diz?
Ficamos nos encarando, duas respirações aceleradas frente a frente, no entanto, quando olhei no fundo dos olhos verdes de , eu soube que ele iria só até ali.
Seja qual fosse a minha resposta, ele estava pronto para ela, e como ele disse, a vida seguiria, como já estava seguindo antes de nos reencontrarmos.
já havia dado todos os passos. Sempre foi ele que havia agido sem medo de sofrer o amargor da decepção novamente. Ainda que tivesse passado por vários desastres sentimentais, nunca temeu se jogar novamente comigo, porém, agora, ele não o selaria. Estava em minhas mãos decidir.
Eu libertei e agora ele havia voado para mim.
Foi por isso que, sem palavras, eu lancei meus braços por seu pescoço e beijei-o, deixando que minhas ações falassem mais do que mil discursos.
Levou um segundo para que o choque saísse de e eu sentisse o seu corpo amolecer, seus braços passaram pela minha cintura e ele trouxe-me para mais perto dele, abrindo a sua boca para que pudéssemos aprofundar um beijo recheado de amor, saudades e paixão.
Era tudo aquilo que eu havia sonhado, valendo a pena cada lágrima que havia derramado.
Ali era o meu inteiro e recomposto, em um beijo mais maduro e mais seguro do que queríamos. Pela primeira vez eu me jogava completamente às emoções que ele me proporcionava, sem medo de ser feliz, sem ter o pavor de sentir e sem rechaçar o que eu queria.
Estar com novamente era trazer à tona todos os sentimentos que estavam abafados, era suspirar novamente por ele e se encantar de novo pelo seu jeito especial.
Eu queria e dessa vez eu não o deixaria ir mais.
— Eu voltei. – ele sussurrou assim que nossos lábios se separaram e, mesmo que ainda estivéssemos com os olhos fechados, enquanto nossos narizes se tocavam, eu poderia ter certeza que ele estava rindo.
— Para o Rio?
— Para você. – respondeu enfaticamente e abri meus olhos, encontrando os verdes dele me encararem com tanta paixão que eu poderia derreter.
— Eu amo você. – confessei, erguendo a minha mão e tocando meus dedos pelo seu rosto, tentando acreditar que tudo isso era real. Meus olhos encheram-se de água, mas era um sinal de alegria, um êxtase que não caberia dentro de mim.
Os olhos de cintilaram ao me ouvir verbalizar essa frase tão especial pela primeira vez e, por breves segundos, ele os cerrou, absorvendo o impacto que isso tinha sobre nós até deixar a curva do seu lábio subir.
— Eu também amo você, , sempre amei. – murmurou, encostando sua testa na minha, e seu sorriso se alargou, selando em seguida nossos lábios novamente, construindo um pacto do nosso amor.
Eu não poderia dizer o que seria de nós dois. Se nosso amor era do tipo que duraria para sempre ou se seríamos apenas pessoas especiais que deixariam uma marca no coração da outra. O que eu sabia era que, nesse momento, eu amava e estava disposta a tentar.
Mas, acima de tudo, eu me sentia em plena felicidade porque eu sabia que, mais do que uma história de amor, e eu tivemos uma história de amizade, superação e amadurecimento. E que, independente do que viesse amanhã, eu poderia dizer que até aqui, o que poderia ser um simples romance, havia impactado a nossa vida.





Fim.



Nota da autora: Meu Deus, eu acho que nunca fiquei tanto tempo olhando para uma página em branco pensando no que escrever como fiquei para redigir essa nota final em Psicologia do amor.
Como vocês sabem (ou não), esse livro surgiu a partir de um personagem secundário de outra história, dando a ideia da série Ciências do Amor. Eu nunca imaginava que uma história que escrevi em um surto (Fisiologia do amor) fosse render tanto, mas ela tomou rumo, cresceu e hoje chegamos até aqui.
Psicologia do Amor foi uma história muito diferente para mim. Primeiro porque todo o seu enredo era muito mais sentimental do que de grandes eventos. Um estilo diferente do que eu escrevo, porque a dona Lud aqui não para de se meter em jeitos novos, escrita nova e estilos diversificados. hahaha
Psicologia do Amor não tem grandes reviravoltas ou mesmo vilões e grandes tragédias que reviram a história de cabeça para baixo. Na verdade, temos pessoas, Larissa e Miguel, que tem suas próprias lutas, e essas sim são suas maiores vilãs.
Psicologia do Amor mostra uma evolução, crescimento e amadurecimento de pessoas, uma mensagem de superação e amor.
Eu creio que nunca tive tanto prazer em escrever uma história como eu senti quando escrevia essa aqui. E isso eu devo a vocês. Sabe por quê? Vou explicar.
Psicologia começou de um jeito engraçadinho, mas começou a aprofundar nos sentimentos e terrores de cada personagem. Enquanto Larissa e Miguel precisavam encarar dilemas e fazer coisas que as vezes não queriam, mas precisavam, vocês também foram aprendendo.
É incrível como eu pude perceber a evolução dos comentários e da forma que vocês iam compreendendo a história. Ao ponto de, quase no fim, vocês estarem prontos para seja qual fosse o final, ainda que vocês shippassem muito o otp.
Isso para mim foi o meu maior presente. Fazer com que juntos, nós pudéssemos ter um novo olhar sobre as pessoas, sobre sentimentos e sobre a vida. Saber que as vezes precisamos tomar decisões difíceis, mas que serão melhor para nós, ver que apesar das dificuldades, o mundo não pode parar.Nós não podemos parar.
Por isso, independente de talvez não ser a melhor história ou conter erros, ou sei lá mais o quê, eu acredito que de algo tenha servido tudo isso. Por isso estou muito feliz.
Eu só tenho que agradecer a vocês por serem as melhores leitoras do mundo. Em um tempo de muita luta pessoal enquanto eu escrevia PDA, vocês foram a minha força. 
Agradeço por todas as pessoas que me acompanharam, que destilaram o seu amor e deixaram mensagens de carinho até aqui. Vocês não sabem o quanto as palavrinhas de vocês me animaram e deixaram meus dias mais felizes. Muitas vezes eu estava mal, mas vinha aqui e tinha uma mensagem de amor e eu conseguia sair do bloqueio ou ficar mais feliz.
Digo e repito: Eu tenho as melhores leitoras do mundo.
Não vou citar nomes porque não quero ser injusta esquecendo de alguém, mas vocês sabem quem são porque eu sempre respondo os comentários, então conheço uma por uma hahaha.
A cada um que eu não conheço também, mas que se sentiu tocado e inspirado pela história, o meu muito obrigada, eu amo vocês também.
Enfim, desculpa se em algum momento eu pequei enquanto escrevi. Me perdoem se de alguma forma não foi o que queriam. Eu não sou psicóloga, mas tentei ao máximo, mesmo talvez tendo erros, mostrar a importância desse profissional. Uma forma de honrar uma profissão que eu considero muito bonita.
Então, com essa enorme nota, eu fecho mais uma etapa da minha história de escrita. Com a sensação de dever cumprido, um coração mais cheio de amor e uma alma mais madura.
Espero que também tenha servido para vocês!
A gente se vê futuramente em Matemática do Amor - o terceiro livro da série Ciências do Amor - ou nos outros livros que eu posto (O Trono de Sangue e O Peso da Coroa). Para quem quiser acompanhar mais dos meus projetos, só entrar no meu grupo do facebook, vou amar ter vocês lá. 
Beijos e muito obrigada.




Nota da beta: História incrível, Lud, tenho só a agradecer por essa obra-prima ter parados nas minhas mãos para que eu pudesse betar, você arrasou na história, me identifiquei muito com a Lari, e creio que muitas leitoras suas puderam se enxergar nessa personagem tão gente como a gente. Parabéns, você é maravilhosa, super fofa e uma autora incrível! Ameei o final, ficou muito lindo! Apaixonada demais eu sou por Psicologia do Amor <3

Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa fic vai atualizar, acompanhe aqui.


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