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Última atualização: 27/07/2019

Capítulo 01


Ouvi um suspiro escapar dos seus lábios. Olhando para qualquer ponto fixo a minha frente, quase não percebi quando ele levantou do meio-fio. A proximidade de seu corpo cortou o vento que insistia em bagunçar meu cabelo incessantemente. Noah curvou-se em minha direção, segurando minha nuca e depositando um beijo um tanto demorado em minha testa. Não correspondi. Não olhei pra ele. E nem precisava para ter a certeza de que um sorriso triste se formava em seu rosto. Ele passou a mão pelos cabelos castanhos e colocou as mãos nos bolsos de sua calça jeans surrada - como sempre fazia quando algo o incomodava - e atravessou a rua, caminhando até a calçada onde um grupo de oito pessoas lançava olhares apreensivos, distribuídos entre nós dois, vez ou outra entornando um copo de cerveja.
Bex escondeu o rosto no pescoço de Ethan. Eu sabia o quanto minha amiga odiava términos, e provavelmente estava sofrendo mais do que eu. Pude perceber que Noah sussurrou algo no ouvido de , que me olhou um tanto preocupado de imediato.
Não ia dar certo e não era necessária clarividência alguma para perceber isso. Ele queria casar. Queria ter filhos e morar em um sobrado no subúrbio da cidade. Eu não queria só Londres. Queria a energia constante de Nova York, as praias da Califórnia, os perigos da Austrália, o ar rústico de Verona e a beleza clássica da Torre Eiffel. Ficar muito tempo no mesmo lugar me causava uma enorme sensação claustrofóbica. E eu não era uma garota pra casar. Nunca fui um exemplo de namorada, quem dirá de esposa. Perdi-o de vista assim que ele entrou na enorme casa de praia à minha frente, sendo engolido pela multidão embriagada que se encontrava lá dentro. Lancei um olhar significativo pra , que ainda me observava. Por ora, eu não queria um interrogatório ou sermão sobre a situação - só queria passar por aquela porta e encher a cara. Talvez dançar um pouco. Levantei do chão e caminhei até , que passou o braço direito por meu ombro enquanto me guiava pelo mesmo caminho que Noah acabara de fazer sem dizer uma só palavra. O agradeci intrinsecamente por isso. sempre me entendia e não era necessário que eu dissesse nada para isso – e essa era uma das coisas que eu mais amava em meu melhor amigo.


Senti o perfume amadeirado de invadir minhas vias respiratórias e afastar o gosto amargo daquela lembrança ruim no instante em que ele passou os dois braços em volta de minha cintura e prensou seu corpo no meu, apoiando o rosto na curva de meu pescoço e depositando um beijo carinhoso por ali, como costumava fazer ao me pegar de surpresa com suas carícias. Aquela varanda era o meu local preferido da casa – talvez exatamente pelo fato de ficar do lado de fora dela. O vento batia forte e gelado em meu rosto, impulsionado pela falta de construções altas naquela região. A vista dali era exata e absolutamente o nada. Algumas árvores se espalhavam por uma imensa extensão de grama, morrendo ao chegar às montanhas bem ao longe. Era outono, então, os galhos secos e carentes de folhagem davam àquele lugar um ar completamente fantasmagórico. Entre eles, podia ver a ponta de um lago reluzente, que se misturava com o branco acinzentado das nuvens e se perdia ao longe. Quem olhasse de fora, podia jurar que eu levava a vida perfeita, que toda mulher sonhava em ter e que eu não podia ser mais feliz – quando a verdade é que eu só queria gritar e sair correndo dali. Eu tinha me entregado à vida que eu sempre me neguei a ter. Aquela que eu sempre jurei não combinar comigo e repudiei por tanto e tanto tempo. Deixei-me iludir, pensando que por escolher estar ao lado da pessoa que mais me entendia, conhecia e protegia, ia me acostumar e passar a gostar daquilo tudo – exatamente como a maioria das garotas que ali residiam. Mas eu não era como elas. E agora eu simplesmente não conseguia magoar o meu melhor amigo e dizer que não era mais ali, ao seu lado, onde eu queria estar. Eu podia ser a filha da puta mais sem coração do mundo, mas quando o assunto era , toda essa pose parecia se esvair em um estalar de dedos.
- Tô indo pro trabalho. Até mais tarde – sua voz extremamente calma me despertou dos meus devaneios e eu me limitei a sorrir, por mais que soubesse que ele não podia ver. desvencilhou o corpo do meu e em poucos segundos eu já não sentia mais o seu calor. Debrucei-me sob o parapeito branco de madeira, pegando a enorme xícara de café que repousava um pouco mais ao canto e dando um pequeno gole no conteúdo quente e amargo. O último mês ali estava sendo ainda mais difícil, já que eu estava em período de férias do trabalho. Não que eu fosse apaixonada por marketing nem nada do tipo, mas era uma boa distração para a minha cabeça e uma ótima desculpa para ir ao centro da cidade todos os dias. O ronco do motor do Prius prata de chamou minha atenção, e eu olhei atentamente enquanto o veículo deixava a garagem e seguia pela vazia e pequena estrada que passava logo em frente da nossa casa.
Eu não tinha dúvidas de que o amava. O problema era que esse amor era muito mais fraternal do que romântico – quando com ele, as coisas eram o exato oposto. Não conseguia deixar de, consequentemente, pensar em Noah e o rumo que as coisas tomaram. Perdi muito mais um amigo do que um namorado quando decidi colocar um fim em nosso relacionamento, e isso parecia um ciclo vicioso pra mim. Eu era assumidamente viciada em términos e despedidas.
Me perguntava incansavelmente o que um homem como via em uma menina como eu. Ele era o tipo de cara que podia ter quem quisesse, com sua pinta de galã dos anos 50 e charme à la James Dean.
Eu tinha apenas dezessete anos quando o conheci - ele já vivia o auge dos vinte e seis. Era fácil perceber que até hoje ele ainda me via como a garota frágil e infantil que eu certamente não era – e eu meio que gostava disso. Tinha impressão de que seu olhar tirava, ao menos, vinte centímetros dos meus 1,70 de altura e uns bons quatro anos dos meus 23.
Não éramos casados nem nada do tipo. Eu gostava de dizer que éramos melhores amigos morando juntos, e que, por ventura, nos tornamos namorados. dizia o contrário: namorados que tinham a sorte de ser melhores amigos.
Fechei os olhos com um pouco de força, sendo pega de surpresa pela memória do dia em que tudo aquilo começou.

Londres, 7 meses atrás

Uma generosa taça de vinho tinto repousava no braço do sofá, sendo apoiada quase que superficialmente por meus dedos. Deixar a cerveja de lado e amadurecer meu paladar fora uma resolução no começo do ano – mas eu voltaria atrás se soubesse o quanto uva fermentada era viciante.
Eu já devia estar no fim da segunda garrafa e, na TV, o terceiro filme de terror daquela noite passava. Eu simplesmente amava filmes de terror - o único problema é que meu medo era total e completamente proporcional à minha paixão ao gênero: descomunal. O nível de álcool no meu sangue não era o suficiente para me deixar bêbada; apenas um pouco mais desinibida. As madrugadas em claro com o melhor de Stephen King, Roman Polanski, Edgar Allan Poe e diversos outros na TV, um copo de qualquer bebida que tivesse na geladeira e meu pijama mais confortável eram rotina pra mim. Mas o medo, concomitante ao teor alcoólico, faziam-me imaginar, ver e ouvir coisas inexistentes - o que me dava absoluta certeza de que seria privada de uma boa noite de sono. A menos que subisse as escadas e batesse na porta do apartamento de . Toquei no celular ao meu lado, a fim de checar o horário. Quatro e quarenta e três da manhã. Era certo que ele estaria dormindo. Mas eu abandonaria até os mais doces dos meus sonhos se ele precisasse de mim - então, podia fazer o mesmo, certo? Ok, talvez eu pudesse apenas deitar ao seu lado e usufruir de sua companhia para dormir. Eu realmente odiava dormir sozinha. Virei o resto do conteúdo da minha taça de uma só vez e caminhei sem hesitar até o balcão da cozinha, pegando o molho de chaves que ali repousava. A TV dava ao ambiente uma iluminação um tanto sinistra, oscilando entre o claro e o escuro conforme as cenas na tela mudavam - mas eu nem me incomodei em desliga-la, uma vez que o breu me parecia ainda mais assustador. Em poucos segundos havia deixado o apartamento, subido um lance de escada e já estava destrancando a porta da casa de . A primeira coisa que fiz ao abrir a porta fora alcançar o interruptor da sala para ligar as luzes. O apartamento estava completamente em silêncio e eu lutava para desligar de minha mente todo pensamento mórbido que ousava se aproximar. Caminhei energicamente até a última porta do corredor, onde ficava o quarto de . Abri a porta com cuidado, tentando não acordar o garoto que se encontrava em um sono profundo, espalhado em sua cama de casal, em meio aos lençóis brancos. Com o mesmo cuidado, me ajeitei ao seu lado, tentando me mover o mínimo possível para não acordá-lo. Assim que o fiz, soltei um longo suspiro e fechei os olhos, a fim de relaxar o corpo e tentar cair no sono.
- ? - um voz exatamente rouca e ligeiramente baixa preencheu o silêncio do ambiente, fazendo-me abrir os olhos subitamente e me causando um mini ataque cardíaco.
- Você quer me matar de susto? - praticamente gritei, virando pra . Eu mal podia enxerga-lo. A única luz que adentrava o ambiente era proveniente das frestas da persiana na janela, que falhavam ao isolar a luz dos postes e da lua por completo.
- Eu? - sua voz saiu um pouco mais nítida, acompanha de um riso baixo - Você invade minha casa no meio da madrugada, deita ao meu lado em silêncio como uma psicopata prestes a me assassinar e sou eu quem quer te matar de susto?
Soltei uma gargalhada, dando um tapa de leve no ombro nu de diante de sua piada, tendo a certeza de que estava um pouco alta – caso contrário, apenas teria fechado a cara para o comentário. Demonstrações espalhafatosas de afeto realmente não combinavam comigo.
- Estou sem sono. O que acha de acordar pra me entreter? - soprei e, mesmo sem ver, tinha certeza que um sorriso de desaprovação havia surgido em seu rosto.
- Essa é a pior ideia que você já teve. E olha que você tem muitas ideias ruins - provocou, me fazendo bufar - Você tá fedendo a álcool.
- Uma bela fragrância pra se acordar, não? - disse divertida, assoprando fraco em seu rosto e sendo repreendida por uma mão espalmada em meus lábios.
- Deixa eu adivinhar. Filmes de terror? - ele indagou e fora impossível não sorrir. me conhecia melhor até do que eu mesma.
- The Conjuring. É a milésima vez que assisto essa merda e mesmo assim morro de medo - rolei os olhos enquanto ouvia a risada de - Eu tô com fome. O que acha de assaltarmos sua geladeira e irmos até o telhado ver o sol nascer?
- Você realmente não vai me deixar dormir, né? - neguei com a cabeça, mesmo sabendo que havia sido uma pergunta retórica - Vamos assaltar a geladeira e assistir algo na TV. Muito frio pro telhado.
- Eu escolho o filme! - levantei em um pulo, dando-me por vencida diante de sua proposta. Sabia que não ia conseguir nada melhor vindo de um sonolento .
Caminhei até o outro lado da cama e comecei a puxar pelos braços, com a certeza de que ele enrolaria ao menos uma hora ali se eu não o fizesse. Consegui fazê-lo levantar após algumas tentativas e caminhei saltitante até a sala, determinada a escolher algo que não envolvesse ocultismo, espíritos ou serial killers para assistir, enquanto vasculhava a geladeira em busca de algo pra comermos. Alguns minutos e vários canais depois, finalmente consegui achar algo que despertasse meu interesse
- The Seven Year Itch? De novo? - a voz de me despertou de minha concentração na tela. O garoto entrou em meu campo de visão; apenas de boxers, com os cabelos castanhos desgrenhados e os olhos um tanto avermelhados, carregados de sono. Ainda assim, extremamente charmoso. E gostoso. Sentou-se ao meu lado e me entregou um prato onde um pedaço de pizza requentada de mozarela repousava, fazendo meu estômago saltar de alegria.
Entre risadas e conversas, não demoramos muito a devorar a pizza e abrir uma garrafa de vinho - a minha terceira da noite, no caso. A esse ponto o sono de já tinha se esvaído, enquanto meus olhos já quase se fechavam. Minha cabeça repousava em seu peito e ele fazia um carinho gostoso em meus ombros com a ponta dos dedos.
- O que você faria se fosse o Richard? - indaguei, levantando a cabeça para encara-lo.
- Até parece que você não me conhece - respondeu, fazendo a sua maior cara de cafajeste, me arrancando uma risada - É a Marilyn Monroe. Ela estaria na minha cama no mesmo dia em que batesse pela primeira vez na porta do meu apartamento.
Soltei uma risada e voltei minha atenção pra TV. Na tela, passava a icônica cena em que Marilyn tem seu vestido branco levantando pela tubulação de ar do metrô.
- É... Ela é realmente maravilhosa - comentei, com certo deslumbre na voz.
- Nada comparada a você - respondeu e eu não tive como conter uma gargalhada.
- Suas cantadas já estão ficando exagera... - parei de falar assim que voltei a olhar pra . Levei um susto ao encontrar seu rosto tão próximo ao meu, obrigando-me a encara-lo nos olhos – ? O que você...
- Shhh - ele sussurrou e levou uma mão até meu rosto, afastando uma mecha de cabelo que insistia em cair ali. Logo suas mãos escorregaram de meu cabelo por toda a lateral de meu corpo e só pararam ao atingir meus quadris. Pude sentir-me arrepiar dos pés à cabeça com seu toque, tão conhecido pelo meu corpo, e ao mesmo tempo tão inédito. Era como descobrir o interior de uma casa da qual você conhecesse a faixada como a palma de sua mão. Seus dedos fizeram o caminho inverso de segundos atrás, parando em meu ombro e logo trazendo consigo a manga da camiseta de pijama que eu vestia. Me encarando quase que corrosivamente, se inclinou e grudou suavemente os lábios no pedaço de pele que havia acabado de descobrir, fazendo-me fechar os olhos, como se aquele gesto fosse me ajudar a sentir mais profunda e precisamente o seu toque. Embriagada com o momento e com os seus lábios que agora deslizavam sob minha pele, depositando beijos languidos por meu ombro e descendo gradativamente para meu colo, minhas mãos foram de encontro a sua nuca, onde iniciaram um carinho estimulante para seus beijos. Seus lábios trilharam o caminho por todo meu decote, passando pelo alto-relevo de meus seios, pescoço e rosto. parou as carícias subitamente ao alcançar o canto dos meus lábios, o que me fez abrir os olhos e o encarar, um tanto confusa. Foi quando eu entendi que ele parecia esperar algum tipo de aprovação da minha parte para levar aquilo adiante. Sem pensar muito, levantei meu corpo, passando uma perna por cada lado de suas coxas e sentando em seu colo. O sorriso um tanto tarado que surgiu nos lábios de pareceu mostrar satisfação com a situação, e o apertão que suas mãos deram em minhas coxas confirmaram minhas dúvidas. Em uma velocidade impressionante, ele deslizou uma das mãos pelas minhas costas e parou ao chegar em minha nuca, agarrando a maior quantidade possível de cabelos que conseguia e puxando-os sem delicadeza alguma, de forma que nossos rostos ficassem exatamente da mesma altura. Um turbilhão de sensações tomou conta do meu corpo assim que seus lábios entraram em contato com os meus, e nossas línguas começaram a se acariciar como se conhecessem e já fizessem aquilo há tempos. O beijo era acelerado, intenso e carregado de desejo. Era como se eu tivesse esperado por aquilo há décadas sem ao menos saber. Pressionei meu corpo contra o dele com força, a fim de selar qualquer distância ainda existente entre nós, e pareceu tremer com o gesto. Sua mão livre repousou em meu quadril, e enquanto acelerava o movimento de nossos lábios, apertou a minha bunda com força. Partimos o beijo de maneira contraditória ao sentirmos a necessidade de respirar um pouco. Abri os olhos, dando de cara com a imensidão dos olhos de já me encarando. Nos fitamos por algum segundos, e eu me perguntei se ele estava, assim como eu, tentando encontrar algum tipo de resistência por ali.
- Eu quero você... – soprei fraco, fechando meus olhos e quase encostando meus lábios nos seus, deixando de lado qualquer vestígio de sanidade ainda presente em mim. Em um movimento rápido e com um sorriso pervertido nos lábios, me colocou deitada no sofá e trouxe seu corpo para cima do meu. Sem quebrar o contato visual, colocou as mãos por baixo da minha camiseta que ia até metade das minhas coxas, trazendo o tecido lentamente para cima. Seus olhos pareciam se carregar cada vez mais de luxuria a cada novo centímetro de pele descoberto e seu sorriso se identificou ao me ver apenas de calcinha embaixo de si. levou a boca até um de meus seios e uma de suas mãos deslizou por minha barriga até atingir minha intimidade por baixo do tecido da única peça que ainda restava em mim. Soltei um gemido alto só sentir seus dedos me invadirem sem aviso prévio, cravando as unhas em suas costas sem medir minha força, com a certeza de que deixaria algumas marcas por ali. Com a concentração desafiada pelos movimentos de , levei atrapalhadamente as mãos até o cós de sua calça de moletom, puxando-a pra baixo junto com sua boxer, revelando sua excitação já mais que aparente. cessou as carícias e se concentrou em roçar o pênis em minha entrada de uma forma torturante. Meu rosto já começava a se contorcer de prazer e eu podia afirmar que ele estava se deliciando com isso. Se pôs dentro de mim com cuidado, parecendo ter medo de me machucar, e fazendo o prazer crescer dentro de mim. começou a investir de maneira lenta e forte, arrancando-me gemidos arrastados e me fazendo prender as pernas ao redor de seu corpo para estimular seus movimentos. Ele tirava seu membro inteiro de dentro de mim e voltava a estoca-lo por inteiro forte e de uma só vez, até o talo, fazendo-me revirar os olhos toda vez que o fazia. Seus urros de prazer me levavam a loucura! Soltei um gemido um tanto desesperado, desejando que ele fosse mais rápido, e o garoto pareceu entender o recado. Segurou minha cintura com as duas mãos e começou a investir com mais velocidade, porém com a mesma força de antes. Meu ponto máximo não demoraria a chegar e eu podia perceber que o dele também não. Comecei a movimentar meu quadril contra o seu, intensificando o movimento e sentindo-o atingir ainda mais fundo em mim. pareceu aprovar, já que apertou as mãos em minha pele e deixou um gemido grave e alto escapar. Senti meu corpo estremecer e contrair por inteiro enquanto aquela conhecida onda de prazer passava por toda sua extensão. mordeu o lábio inferior de um jeito extremamente sexy ao me ver atingir o orgasmo. Ele investiu mais algumas vezes e logo senti seu membro pulsar mais forte dentro de mim, me fazendo concluir que ele havia gozado. Soltou pesadamente o ar preso em seus pulmões e deixou o corpo cair por cima do meu, passando os braços em volta de mim e acariciando suavemente meus cabelos.
- Porque nunca fizemos isso antes? - sua voz, entrecortada pela respiração ofegante, me fez sorrir. Eu sabia que logo travaria uma luta interna sobre o que acabara de acontecer, mas, por hora, tinha me convencido a deixar a razão de lado e aproveitar o momento.
- É uma ótima pergunta - soprei e escorreguei meu corpo para o lado, de modo que eu pudesse apoiar a cabeça no peito de - E você ainda diz que eu tenho péssimas ideias...
- Eu que levo o crédito por essa aqui - ele disse um tanto indignado, me fazendo achar graça.
- Quem veio até aqui te acordar, mesmo? - provoquei e olhei pra ele, a tempo de vê-lo rolar os olhos.
- Detalhes técnicos. Está com sono? - indagou e eu apenas assenti com a cabeça, logo fechando os olhos e me aconchegando na curva de seu pescoço. A última coisa que senti após adormecer fora jogando a manta do sofá por cima de nós dois, cobrindo nossos corpos nus.

xx


Abri os olhos e passei-os lenta e preguiçosamente pela sala de decoração preta e branca que, com certeza, não era a minha. O peito em que minha cabeça estava apoiada subia e descia calmamente, e a proximidade que estávamos permitia que eu ouvisse nitidamente seu coração bater com tranquilidade embaixo de mim. Ergui a cabeça para olhar . Ele dormia serenamente, e pude perceber que seus lábios rosados - e extremamente convidativos - estavam curvados para cima em um breve sorriso. Seu cabelo, geralmente bagunçado propositalmente em um topete descontraído, estava desgrenhado e caía um pouco sob seu rosto. E ele continuava simplesmente adorável.
Levantei-me com cuidado para não acorda-lo e logo percebi que estava sem roupa. Mordi o lábio e pus-me a procurar minha camiseta pelo chão, colocando-a logo em seguida. Assim que o fiz, deixei meu corpo cair pesadamente na poltrona localizada ao lado do sofá, ainda observando . A sensação angustiante de que eu havia feito algo errado começava a me tomar por completo e eu tive que controlar bravamente o impulso de sair correndo dali antes que acordasse. Eu não podia me permitir ser tão imatura e fria desse jeito. Não com . Levei as mãos à cabeça e comecei a massagear as têmporas, numa tentativa falha de aliviar a tensão ali formada. se remexeu um pouco no sofá e eu pedi mentalmente para que ele não acordasse. Queria um pouco mais de tempo para poder raciocinar como agir. Minhas preces não foram atendidas, já que alguns segundos depois, abria os olhos lentamente e olhava em minha direção.
- O que está fazendo aí? - sua voz arrastada atingiu meus ouvidos e eu me limitei a suspirar. Levantei da poltrona e caminhei novamente até o sofá, deitando ao seu lado, como estava há alguns minutos atrás.
- ... - minha voz saiu alarmante, e eu não precisei continuar para que ele tivesse certeza do que eu ia falar.
- Não pense demais sobre isso assim como você faz com todas as outras coisas. Só uma vez, deixa acontecer. Se der certo, deu. Se não, vou entender.
Tentei procurar alguma falha em seu discurso, mas era o tipo de cara que tinha extrema segurança em tudo o que dizia. Suspirei, assimilando suas palavras e tentando dar-me por vencida.
- Eu não quero machucar você - sibilei, baixinho, com toda a sinceridade existente em mim.
- Você não vai - ele parecia ter certeza demais disso pra me deixar tranquila. Fechei os olhos com força e apenas assenti veemente com a cabeça. O problema é que o “e se...” com que estava contando não existia. Eu me conhecia bem o suficiente para ter a absoluta certeza de que eu faria algo para sabotar aquilo, assim como havia feito em todos os meus relacionamentos anteriores. Eu simplesmente não sabia me manter em um – sempre gostei de coisas passageiras, com data de validade e que durassem apenas uma noite. A diferença era que, se fizesse isso com , iria perder um grande amigo. O melhor deles. Assim como havia acontecido com Noah. O segundo problema é que eu mentiria para mim mesma se dissesse que não havia gostado do que acontecera e que cada pedacinho de mim não estava implorando pelo seu toque novamente. E eu sempre deixava meu corpo falar mais alto do que minha razão.


Um barulho de folhas secas sendo esmagadas me tirou repentinamente dos meus devaneios e assim que abri os olhos, uma figura tão familiar e ao mesmo tempo tão desconhecida entrou em meu campo de visão. Eu não sabia quem ele era, mas nas últimas duas semanas, o via passar aqui em frente ao menos quatro vezes ao dia. O emaranhado de cabelos que passava dois andares abaixo de mim deu lugar a um par de olhos quando o garoto levantou a cabeça e cravou o olhar em mim, da mesma forma que sempre fazia ao passar naquela quadra, logo abaixo de minha janela. Ele me olhava como se quisesse ver além do que eu estava disposta a mostrar. E eu, sem entender o porque, simplesmente não conseguia quebrar o contato visual. O que atraía minha curiosidade era que, assim como eu, ele não parecia se encaixar ali.
Voltava todo dia pra casa com uma garota diferente e estava visivelmente embriagado na maioria das noites – enquanto o resto das pessoas que preenchiam aquelas casas eram famílias engomadas, que forjavam descaradamente um nível inalcançável de felicidade e faziam de tudo pelas boas aparências.
O tipo de gente que eu detestava.
O garoto tinha um olhar calculista e parecia se envolver em algum tipo de atmosfera mórbida – o que contrastava muito bem com seu tom de pele cadavérico e os cabelos que revelavam alguns fios acobreados à medida que o sol batia em cheio em suas mechas. Tinha certeza que o combo de suas características o faziam parecer o garoto mais misterioso e problemático de qualquer lugar em que pisava. E todos os átomos do meu corpo pareciam ferver em êxtase ao ouvir a palavra “problema”.
A contraditória falta de um agasalho em uma tarde fria como aquela me permitia ver seus ombros largos e músculos bem desenhados por baixo da fina camiseta branca. Aparentava ter cerca de trinta anos muitíssimo bem conservados - o que não era de se espantar; homens mais velhos sempre foram os primeiros a me chamar atenção.
Em passos lentos, o garoto fazia questão de não disfarçar que acompanhava cada movimento meu com o olhar, e continuou a me encarar até alcançar o quintal de sua casa – um grande sobrado cinza com detalhes em madeira escura - que ficava apenas duas moradias depois da minha.


Capítulo 02


Meus pés se moviam mais rápido do que meus pensamentos, e eu mantinha os braços juntos ao corpo, abraçando meu tronco em uma tentativa falha de me proteger do frio. Algumas gotas de chuva despencavam do céu, me obrigando a cerrar os olhos durante a caminhada que, nesse momento, me parecia interminável. Eu já podia ver a luz da minha varanda brilhar no segundo andar de minha casa, e meu corpo parecia aclamar pela ideia de calefação interna do ambiente. O que eu estava pensando quando decidi voltar a pé da cafeteria, uma vez que, claramente, iria cair um temporal? Minha cabeça estava a mil e eu tinha certeza de que me esperava impaciente. Ele havia sido promovido há pouco tempo no escritório de advocacia em que trabalhava e aquela era a primeira grande festa para a qual era convidado. Pensei em inventar qualquer desculpa para ficar em casa, como alegar que não estava me sentindo bem – mas sabia que ele insistiria em me fazer companhia e eu realmente não queria estragar a sua noite. Por sorte, altruísmo sempre fora o meu forte.
Concentrada em apressar meus passos e em meio a uma cambaleada e outra, senti uma superfície dura chocar contra meus ombros molhados, fazendo-me desequilibrar para trás com a força e deixar um grito esganiçado escapar involuntariamente pela minha garganta.
- Caralho - uma voz rouca, acompanha de um tom áspero cuspiu o xingamento.
Senti meu coração dar um leve e repentino sobressalto assim que minha visão entrou em foco.
Um garoto me encarava.
Meu cérebro precisou de alguns segundos para conectar os pontos. Não era um garoto qualquer. Era aquele que meus olhos acompanhavam, religiosamente, todos os dias, ao passar bem embaixo da minha varanda.
O cheiro de nicotina invadiu rapidamente minhas vias respiratórias e reparei que segurava um cigarro entre os dedos trêmulos. Os cabelos se apresentavam mais escuros que o habitual e um pouco grudados na testa devido à chuva. Percebi um pequeno corte em seu rosto, bem no alto das maçãs. E ele parecia recente. Mantinha o maxilar trincado, formando um desenho simétrico em seu rosto perfeitamente esculpido, acompanhado do cenho franzido. Se eu pudesse chutar, diria que estava puto. E o motivo ia muito além da pequena trombada que havia dado em mim.
Com os olhos apertados e uma expressão nada amigável no rosto, ele parou para me encarar por um instante, contemplando cada detalhe de mim, sem pudor algum. Sob sua atenção, senti que ele podia invadir o mais íntimos dos seus segredos apenas com a intensidade cortante dos seu olhar, se assim desejasse. Antes que pudesse raciocinar para manda-lo a merda pela grosseria, o garoto me deu as costas, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta de couro preta e seguindo seu caminho, como se eu nem existisse.
-Babaca – xinguei em alto e bom som, fazendo questão de que ele ouvisse. Um murmúrio ininteligível reverberou de seu peito, embora ele não tivesse se dado ao trabalho de virar para trás.
O desagradável episódio pareceu triplicar o já péssimo estado de humor em que me encontrava. Respirei fundo uma, duas, três vezes antes de voltar a percorrer meu caminho no máximo de velocidade que meu corpo permitia.
Uns quarenta passos me fizeram alcançar minha tão amada porta de madeira branca e eu já entrei em casa me desfazendo de meus tênis e casaco, jogando-os de qualquer jeito no cabideiro ao lado da porta. Me direcionei diretamente à escada e a subi em passos rápidos. Sabia que já estava atrasada para me arrumar e ficaria me apressando nos últimos minutos de minha maquiagem – o que me estressava profundamente e fazia-me borrar a máscara de cílios diversas vezes.
Ouvi o barulho do chuveiro no instante em que adentrei meu quarto, o que denunciava que já estava se aprontando. Peguei uma toalha e corri para o banheiro social, tomando um banho quente e demorado. Cerca de meia hora depois, estava e sentada em frente à minha penteadeira, pronta para me maquiar. Aquilo era um tipo de ritual calmante pra mim – eu simplesmente adorava ficar em frente ao espelho, desenhando meu rosto e experimentando os mais diversos produtos do mundo da beleza; aquele era o meu momento de paz.
Muitos produtos e alguns minutos para escolher a roupa depois, me encontrei em frente ao meu grande espelho de ferro, mordendo o lábio inferior e pendendo a cabeça para o lado, enquanto observava minha imagem pelo que parecia ser a milésima vez em poucos minutos. Só faltava o perfume para que eu estivesse inteiramente pronta. Bem, isso e a vontade de ir àquela festa.
Suspirei, dando-me por vencida e borrifando um pouco da minha fragrância preferida em meus pulsos e colo. Ouvi a porta do banheiro abrir e um extremamente cheiroso e arrumado entrou no meu campo de visão, fazendo com que um sorriso sincero brotasse em meu rosto. Vestia um terno preto perfeitamente alinhado, camisa branca e uma gravata rosa bebê – que eu tinha certeza que ele havia colocado por ser a minha preferida.
- Acho que vou causar inveja em alguns colegas de trabalho – disse em um tom brincalhão, pegando minha mão e me obrigando a dar uma voltinha – Você está linda.
- Você também não está nada mal – fingi uma careta, arrancando uma risada dele. Ele estava gostoso e sabia disso. Senti meu desânimo se esvair por um instante ao lembrar por que gostava tanto de . Aquele breve momento havia sido o mais gostoso que tive no dia inteiro. Ele tinha o poder de me fazer sorrir mesmo quando eu estava no pior de meus humores e nos mais profundos de meus lamentos – mesmo que ele não soubesse disso.
- Podemos ir? – ele indagou e eu apenas acenei positivamente com a cabeça.

Todos ali eram muito corretos e educados. A maioria dos homens, que agora conversavam em uma roda e bebendo um champanhe caro e amargo demais pro meu gosto, traziam consigo mulheres irretocáveis e as carregavam pela cintura como se fossem troféus. Eu estava sentada em um dos enormes sofás, rodeada por longos cabelos dourados e muito bem hidratos, combinando com a conversa extremamente fútil que aquelas mulheres insistiam em manter.
- Mas então, – a mulher esguia à minha frente me chamou atenção, com um sorriso simpático no rosto enquanto colocava uma mecha de cabelo atrás das orelhas – Você e estão casados há quanto tempo?
- Não somos casados – dei um sorriso amarelo – Namoramos há alguns meses. Apenas moramos juntos – tentei ser o mais simpática o possível, mas sabia que aquele tom forçado era o máximo que conseguia. Ela soltou um barulho engraçado com a boca, como se reprovasse a situação. Entediada e tentando fugir da conversa, beberiquei a minha taça de Martini e varri o lugar com o olhar, fixando-o nas enormes portas de vidro que revelavam a praia do outro lado. Largar aquela festa e sujar meus pés na areia me parecia uma ideia tão atrativa...
Suspirei fundo algumas vezes antes de procurar com os olhos no meio de tantos homens engravatados, e não demorou muito para que eu fosse atraída por sia silhueta, um pouco mais à frente, segurando uma taça de champanhe e conversando com dois homens de cabelos grisalhos e barrigas salientes. Pedi licença e levantei do sofá, apertando meu passo em sua direção e parei ao seu lado, passando o braço em volta de seu corpo em um abraço de lado meio desajeitado. Assim que me viu me aninhando ao seu corpo, me abraçou pela cintura e sorriu, como se me agradecesse por tira-lo de uma conversa entediante.
- Gary, Bill... Essa é , minha namorada – falou com uma entonação que transbordava empolgação. Eu ainda achava engraçado ser apresentada assim por ele. Os dois homens olharam pra mim, sorrindo da forma mais simpática que eu já havia visto.
- Prazer – ensaiei uma voz doce, tentando me igualar ao nível de educação deles.
- Com licença – disse aos dois assim que eu dei um pequeno apertão em sua cintura, fazendo-o entender que queria sair dali - Obrigado por me salvar – ele sussurrou em meu ouvido e depositou um beijo em meu rosto.
- Sua cara de interessado não me engana – sorri enquanto entrelaçava minha mão na sua e roubava um gole da sua taça.
- Essa festa é bem diferente das que a gente costumava ir, não é? Parece que estamos crescendo – o garoto disse, me arrancando uma risada silenciosa.
- Eu gostava mais delas – mordi o lábio, constatando o que ele já sabia.
- Não só você. Já viu a bebida ruim e cara que servem aqui? – fez uma careta pra taça entre seus dedos.
- Pois é! Cerveja quente e vinho barato all the way, baby! – brinquei, erguendo a mão em um discreto e desajeitado hi-five com ele, que soltava uma risada alta.
- Você sempre disse que não queria crescer...
- Ainda não quero – fiz uma careta - Pelo menos eu tenho você ao meu lado pra realçar minha juventude, não é vovô? Mas, quando eu chegar aos trinta pode se preparar pra uma puta crise! – completei e ele gargalhou, mexendo a cabeça negativamente.
- Tenho certeza que você vai continuar com a carinha de vinte e o bumbum de vinte e dois – soltou minha mão e apoiou a sua em minha cintura, logo escorregando-a discretamente até o topo do meu quadril e dando um leve apertão ali.
- ! – um homem de cabelos grisalhos e um terno que, provavelmente, valia tanto quanto um carro, surgiu em nossa frente. Sua cara me era familiar e eu tinha quase certeza que era o chefe de – Vamos estender os coquetéis para minha casa. Conto com sua presença – ele estendeu a mão para , que a apertou de prontidão enquanto dava um leve aceno de cabeça.
- Nós não precisamos ir... – ele disse, assim que o senhor se afastou.
- Eu não preciso ir – dei um sorrisinho – Vai você, não deixa de aproveitar a noite. Eu posso ir pra casa de táxi.
- Mas...
- Sem “mas”, . O tópico não está aberto para discussão.
suspirou e um sorriso triste apareceu em seu rosto. Não era preciso me conhecer muito à fundo para saber que eu não estava à vontade ali, e duas festas como aquela em uma só noite era overdose pra mim. E ele, é claro, sabia disso sem eu precisar me pronunciar.

xx


Já deviam passar das duas da manhã e eu estava cansada de ensaiar por tanto tempo com os olhos fechados sem obter sucesso algum. ainda não tinha voltado e estar sozinha na cama certamente me impedia de dormir tranquilamente. Era assim desde os meus cinco anos de idade. Suspirei e me esgueirei da cama, decidida a descer até a cozinha para preparar um chocolate quente. Leite morno sempre me ajudava a dormir mais rápido. Misturei os dois ingredientes na panela e peguei minha xícara para que eu pudesse beber lá fora, encarando a escuridão que se formava entre as árvores e ouvindo o vento bater entre as suas folhas. Era o típico cenário amedrontador de um filme de terror – mas que, surpreendentemente, parecia ter um efeito relaxante em mim.
Sentei-me no último degrau da entrada e me pus a encarar o nada enquanto dava um gole no achocolatado, distraída demais com pensamentos aleatórios para realmente prestar atenção no que estava vendo. Apalpei uma pequena rachadura no topo do corrimão da pequena escada de quatro degraus em que me sentava e alcancei meu maço de cigarros – eu sempre o mantinha ali de reserva para noites como essa, em que relaxar era impossível. Senti-me extremamente desanimada ao abrir a caixinha e constatar que não havia restado um só ali dentro. Suspirei, fechando meus olhos com força. Talvez estivesse tão concentrada em me lamentar internamente que nem percebi quando alguém se aproximou. Como se meus pensamentos fossem magicamente atendidos, ao abri-los, um cigarro apareceu em meu campo de visão e conhecido cheiro de nicotina prestes a ser queimada invadiu as minhas vias respiratórias. Meus lábios quase se curvaram em um sorriso, mas ele logo se desfez no momento em que levantei o rosto e vi quem segurava o objeto entre os dedos.
- Pode pegar. Não vou morder – sua voz carregada de ironia pareceu perturbar minha cabeça. Mesmo que hesitante, arranquei o cigarro de seus dedos, e o garoto logo me estendeu um isqueiro prateado com a outra mão. Acendi e levei-o à boca em questão de segundos, sentindo uma enorme sensação de alívio preencher meu corpo ao dar a primeira tragada. Ele ainda estava parado à minha frente, me encarando. Perguntei-me há quanto tempo estava me observando; o que era, nó mínimo, assustador.
- Valeu pelo cigarro. Você já pode ir agora – fingi um sorriso simpático. O garoto não respondeu nada, e meu cérebro só conseguiu raciocinar a situação alguns segundos depois, me fazendo travar – Espera. O que está fazendo na minha casa?
- Estou em seu jardim, teoricamente – ele disse em meio a um sorrisinho esperto, me fazendo rolar os olhos. Eu odiava tecnicalidades.
Pela primeira vez pude perceber que seu sorriso fazia com que charmosas covinhas aparecessem discretamente em seu rosto.
- Eu aceitei seu cigarro, mas isso não foi um convite pra você ficar, sabia? Eu continuo te achando detestável – falei, calmamente, e ele não pode conter um riso completa e totalmente ausente de humor; o que me fez ter a certeza de que ele se lembrava da sua falta de educação ao trombar em mim naquele dia de chuva.
- Estamos quites, então – ele sacou outro cigarro do maço e dessa vez o levou à boca, ascendendo logo em seguida. Indaguei-me o que tinha feito para ele me achar detestável.
- Você veio até aqui só pra me encher? Sério? – fechei a mão livre em um punho, de forma que minhas unhas cravassem superficialmente em minha palma. A dor fraca do ato sempre parecia me acalmar um pouco.
- Vim te oferecer um cigarro. Achei que quisesse um – avançou alguns passos e tomou o lugar vazio ao meu lado, encarando meu rosto sem hesitar. Seus olhos adotaram um tom de azul marinho no escuro da noite e, por mais que não quisesse admitir, era inegável: encarar a intensidade de sua íris tão de perto me causava uma sensação estranha em todo o corpo. Eu só preferia acreditar que ela não era boa.
- Você é engraçado – ironizei, após uma risada de desdém.
- É uma das minhas maiores qualidades.
Optei por não dizer nada. Deixei um breve sorriso tomar conta do canto dos meus lábios e virei meu rosto, determinada a ignorar a presença dele ali.
- Você gosta de viver aqui? – ele indagou alguns longos segundos depois, apontando para minha casa com a cabeça. Franzi o cenho, fazendo mil cálculos sobre o porquê aquilo seria relevante para ele.
O garoto que nem ao menos me conhecia havia me perguntado exatamente o que eu queria que eu alguém me questionasse em todo esse tempo. Sem superestimar minha vida ou qualquer coisa do tipo. Por mais que eu soubesse que aquela era só uma forma de cortar o silêncio entre nós dois, ele havia feito a pergunta para qual eu tinha a resposta entalada na garganta há tanto tempo. Aquela que eu respondia negativamente pra mim mesma todos os dias. A pergunta que , mesmo me conhecendo como a palma de sua mão, nunca me fizera em todo esse tempo.
- E-eu... – gaguejei um pouco e quase deixei a frase morrer em um suspiro – Gosto.
- Não acredito no que diz - sua expressão era extremamente séria. O jeito que suas palavras foram proferidas, concomitante ao olhar sinistro em seus olhos, fizeram com que meu corpo se arrepiasse até nos mais impossíveis lugares.
- Eu não preciso que você acredite – usei a minha melhor voz de desdém e ele sorriu, como se não acreditasse em minhas palavras.
- É difícil conversar com você.
- Eu que o diga.
- Você é irritante, sabia? – pude perceber seu maxilar ficar tenso, denunciando que estava ficando nervoso.
- Não me comparo a você, pode ter certeza – meu tom era frio. Um leve pânico percorreu o meu corpo. Eu estava o deixando estressado e podia perceber isso. Eu não sabia quem era o cara direito e estava sozinha com ele àquela hora da manhã em um lugar sem testemunhas em potencial. E se o garoto me matasse ali?
Pude ouvi-lo suspirar pesadamente e logo em seguida se levantar, jogando o cigarro no chão e batendo as mãos na calça preta, tirando qualquer vestígio de terra que tivesse por ali.
- , prazer – ele disse enquanto enfiava as mãos nos bolsos e fitava a escuridão à nossa frente – Foi um prazer falar com você, . Mal posso esperar pra te ver na varanda amanhã. Então ele começou a andar – tranquilamente e como se não tivesse sido o maior babaca do mundo há dois minutos. E, é claro, me deixando completamente atordoada.
- Ei! – uma espécie de grunhido escapou quando um estralo atingiu minha mente, e por pouco não me assustei com a altura da minha voz – Como sabe meu nome?
me olhou por cima do ombro e um sorriso surgiu em seu perfil por um breve segundo. Ele não demorou a continuar seguir seu caminho, me fazendo entender que ficaria sem uma resposta.
Reprimi a vontade quase incontrolável que percorria meu corpo de agarrar seu braço e só o deixar sair quando me esclarecesse aquilo. Eu realmente odiava ficar curiosa e era meio sinistro ele saber algo de mim.
Eu o conhecia? Como não conseguia lembrar dele? Como me atreveria a não lembrar dele, aliás? O adorável tom de seus olhos não era algo que podia ser esquecido facilmente.
Acompanhei o garoto com o olhar enquanto ele se afastava, sem fazer menção alguma de virar pra trás. Aos poucos, a distância fez com que sua figura começasse a embaçar diante de meus olhos, logo sumindo completamente do meu campo de visão. Relaxei o corpo e levei o olhar até a imensidão azul-escura em cima de mim. Pela primeira vez observei o quanto o céu estava bonito hoje e tão cheio de estrelas. Tentei me distrair com isso, mas meus pensamentos insistiram em ir à direção contrária. Meus olhos ameaçaram marejar, mas me obriguei a segurar as lágrimas antes que elas ousassem sair de meu canal lacrimal. Eu nem sabia ao certo porque estava chorando. Talvez por me sentir tão... sozinha.
- Certo... chega! - disse a mim mesma, piscando os olhos com força e diversas vezes, afastando dali qualquer vestígio de lágrimas teimosas que pudessem insistir em cair. Levantei, batendo as mãos com um pouco de força em meu quadril para tirar qualquer sujeira imaginária que pudesse ter ficado ali.
Olhei o relógio antes de deitar. Três e quarenta e um da manhã e ainda não tinha voltado. Eu, realmente, teria eu dormir sozinha. Deitei e procurei relaxar o corpo, prometendo a mim mesma que não abriria os olhos até conseguir finalmente dormir.
E eu consegui. Mas, não sem antes me repreender pelo inquietante e proibido pensamento que minha mente insistia em não conseguir cessar.
e seus malditos olhos .


Capítulo 03


- O que você tá fazendo? – indagou ao entrar na cozinha, usando apenas uma calça verde musgo de moletom e com a cara amassada de sono, indo direto em direção à geladeira.
- Panquecas – sorri, feliz com a minha obra, enquanto despejava a massa na frigideira.
- Você? Cozinhando? – ele soltou uma risada alta e eu apenas o fuzilei com os olhos.
- Ai de você se comer e dizer que ficou ruim.
- Não preciso nem comer pra afirmar isso, pirralha – ele se apoiou na bancada ao lado do fogão e bagunçou meus cabelos, me arrancando uma risada sincera. Eu realmente era uma péssima cozinheira. Conseguia queimar pipoca e deixar até macarrão instantâneo com um gosto ruim.
plantou um beijo suave em meus lábios e depois voltou a sua posição anterior, sacando um copo cheio de suco de laranja da bancada e se deliciando com ele. Olhei pra e me perdi um pouco em seu rosto. Uma vontade imensa de ser sincera e dizer o quanto eu sentia falta de quando nossa relação se limitava a isso – ele me dizia alguma gracinha, mexia no meu cabelo ou fazia cócegas na minha barriga e parávamos por aí. Mas a possibilidade de machuca-lo minimamente levava pra longe de mim toda essa falsa coragem da mesma forma frenética que chegara.
Quase que em piloto automático, tirei uma panqueca do fogo e coloquei em um prato, apoiado em uma das bocas desligadas do fogão. Cortei um pedaço generoso e levei-o aos lábios, soprando-o forte e incessantemente.
- Prova – disse, erguendo o garfo na direção de , que me encarou com a feição mais engraçada do mundo.
- Tá tentando me envenenar? – ele fez um biquinho, como se negasse a panqueca.
- Preciso de uma cobaia. Anda, come! – aproximei ainda mais o garfo e ele riu de meu desespero enquanto abria a boca para abocanhar a fatia. Assim que deu a primeira mordida fez uma careta, entortando os lábios como se tivesse detestado.
- Socorro... – sussurrou, enquanto levava as duas mãos até o pescoço e fazia um barulho estranho com a garganta, forjando um engasgamento e me arrancando uma gargalhada alta.
- Para, seu idiota! – exclamei enquanto descarregava um tapa em seu ombro.
- Eu não sei como... – encenou uma pausa dramática - Mas ficou gostoso, ! – ele concluiu, em meio a risadas provindas de minha cara emburrada. Ia despejar um pouco mais de massa na panela quando senti seus dedos envolverem o meu pulso e me puxarem pra perto de si, posicionando meu corpo em frente ao seu e escorregando as mãos para o meu quadril – Assim como você.
O encarei e pude perceber que um ar de indecência tinha tomado conta de seu rosto. O respondi brevemente com um sorriso de canto e me apressei em passar os braços por seu pescoço, juntando nossos lábios e mergulhando em um beijo profundo e cheio de vontade. Esse era um ponto que eu não podia reclamar: o sexo era maravilhoso e , insaciável.
Sem descolar nossos lábios, ele me pegou pela cintura e me ergueu do chão, colocando-me sentada na bancada e se posicionando entre minhas pernas, que não demoraram a se enrolar em volta dele. colocou as mãos por baixo da enorme camiseta – dele – que vestia meu corpo e deixou-as correr livremente por ali, me causando diferentes sensações a cada centímetro de pele que alcançavam. Não demorou muito e a peça já estava no chão para que ele conseguisse realizar a tarefa com mais agilidade.
Suas mãos escorregaram de minha cintura para o meu pescoço, e quando seus dedos repousaram ali, ele fez um carinho gostoso em meu rosto enquanto me observava atentamente. Sua boa estava vermelha da pressão contra a minha, os cabelos ainda mais bagunçados e seu olhar brilhavam de um jeito adorável.
- Seus olhos estão com aquelas pintinhas verdes que eu tanto amo – disse e ele sorriu, antes de grudar seus lábios nos meus mais uma vez.
Era a verdade. A cor de seus olhos mudava constantemente de acordo com a luz, e eu não conseguia resistir quando eles adotavam aquele tom de azul esverdeado. Me lembrava o oceano.
Dedilhei o cós de sua calça e senti seu abdômen contrair sob meus dedos. Sua excitação, pulsante contra meu corpo, era óbvia – e o tecido fino de sua roupa colaborava pra isso. Estava prestes a passar minhas mãos pelo elástico quando o celular de vibrou na bancada. Ele fechou os olhos e xingou baixo, enquanto alcançava o aparelho com uma mão e apertava meu quadril com a outra. Concentrei-me em beijar seu pescoço enquanto meus dedos ainda provocavam o seu volume, e ele bufou antes de atender a ligação.
Era do trabalho, tinha certeza.
- – ele tentou firmar a voz, provavelmente amaldiçoando seu chefe de todos os palavrões possíveis – Claro. Entendo. Estarei ai em dez minutos.
desligou o celular e me olhou, com pesar.
- Precisa mesmo ir? – minha voz soou mais chorosa do que o planejado e meu namorado sorriu, dando um beijo em minha testa. Não era sempre que me mostrava vulnerável e ele sabia disso.
- Infelizmente. Mas prometo que não demoro a voltar pra você - ele suspirou, como se estivesse terminantemente culpado de ter que correr para o escritório – Quer sair pra jantar hoje?
- Está me convidando pra um encontro? – estreitei os olhos e disse em um tom de brincadeira. riu e apoiou um braço em cada lado no meu corpo, me prensando contra a bancada.
- Me daria a honra? - sibilou, em um falso tom galanteador.
- Me pegue às oito. Vamos ao meu restaurante preferido. E é melhor você saber qual é.
Um sorriso esperto iluminou o seu rosto.
É claro que ele sabia.

xx

Ainda faltava pouco mais de uma hora para o horário que havia combinado de sair com , mas eu já quase terminava de me arrumar. Sombras neutras e um delineado caprichado evidenciavam ainda mais meus olhos grandes e eu utilizava um babyliss para cachear as pontas dos meus compridos cabelos. Ele estava mais claro que o normal, com as mechas cor de caramelo ficando quase douradas.
Estava ponderando se devia voltar minhas madeixas ao castanho natural e a última mecha esquentava na barrinha de ferro quando meu celular tocou em cima da penteadeira. Soltei meus fios de qualquer jeito e apoiei o modelador no móvel, alcançando meu celular logo em seguida.
- Oi, ! – meu tom de voz denunciava meu estado: animada. O que era raro se ver recentemente.
- ... – sua voz soou alarmante e eu já sabia que coisa boa não vinha dai – Estou preso no trabalho, um processo está dando mais trabalho que o previsto. Não acho que eu consiga chegar a tempo de sairmos...
- Hm... – murmurei e esperei alguns segundos para não parecer tão desapontada com a notícia - Tudo bem.
- Me desculpe...
- Não tem problema, de verdade – o interrompi e dessa vez soei mais convincente – Bom trabalho. Até mais tarde.
Desliguei antes mesmo que ele pudesse responder. Toda a euforia de segundos atrás havia se esvaído. Eu entendia perfeitamente que ele precisava trabalhar, mas isso não me impedia de ficar chateada com a situação.
Larguei os apetrechos que utilizava em cima da penteadeira de qualquer jeito e peguei o vestido preto rendado que estava estendido em cima da cama, guardando-o novamente no armário e vestindo uma camiseta vinho comprida e um shorts cinza de moletom em seu lugar.
Droga. Eu só queria me distrair e, em vez disso, ganhava ainda mais horas sozinha em casa com muito tempo livre para pensar e criar crises existenciais em minha cabeça. Calcei um par de chinelos e andei até a varanda do quarto, com a certeza de que o vento gelado e a paisagem, que parecia tão sombria quanto eu, seriam uma boa companhia. O céu estava no crepúsculo do fim da tarde, e não havia hora no dia que eu achava mais bonita do que aquela. As cores oscilavam entre azul claro e escuro, com algumas poucas nuvens rosadas espalhadas. Estava escuro o suficiente para que os postes de luz na rua começassem a acender, mas não tanto para que fosse impossível enxergar sem eles. Peguei uma revista qualquer que repousava na mesinha de madeira branca ao meu lado e arrastei uma das cadeiras, da mesma cor e material, para perto do parapeito, sentando e começando a folhear as páginas.
- ! – estava tão absorta na leitura que levei um pequeno susto ao ouvir meu nome ser chamado. Olhei pra trás rapidamente, procurando por no quarto com os olhos, pensando na improvável possibilidade de ele ter conseguido sair mais cedo, mas sem achar vestígio algum de sua presença por ali.
- Está procurando no lugar errado – a voz pronunciou mais uma vez e então eu pude perceber que ela vinha lá de baixo. E que era, na verdade, a voz de .


Capítulo 04


- O que você pensa que está fazendo? – me debrucei na pequena mureta e vociferei, olhando pra baixo.
- Chamando você. O que parece que estou fazendo? – ele rolou os olhos, impaciente.
- Certo – cruzei os braços - Pode não fazer isso, então? – ele soltou uma risadinha de desdém.
- Não – o seu habitual sorriso irônico, que tanto me perturbava, apareceu.
Bufei.
- O que você quer comigo?
- Sua cara não me parece muito boa – disse, ignorando minha pergunta - O namoradinho perfeito não está dando conta do recado?
Senti o sangue subir à cabeça diante de suas palavras. Quem ele pensava que era pra falar comigo daquele jeito? Vire-me em meus calcanhares e caminhei em passos firmes e rápidos até o andar de baixo, abrindo a porta sem a menor delicadeza e me deparando com a figura extremamente serena de a alguns passos de mim.
- Não fale o que você não sabe, seu idiota. Quem te deu o direito de me tratar assim? – disse enquanto parava a poucos centímetros do seu corpo e o encarava com a feição mais detestável que eu era capaz de adotar.
- Já te disseram que você está linda hoje? - a calma em seu tom de voz me irritava ainda mais e eu tinha certeza que quase o fiz rir quando soltei um grunhido frustrado.
- Não ouse – rosnei entre dentes, fechando a mão em um punho. Se eu ouvisse mais um de seus charmes baratos, provavelmente voaria em seu pescoço – Vamos deixar algo bem claro. Eu não sou uma dessas mil garotas que você leva pra cama todos os dias, pra comer e depois jogar fora. Então, não perca seu tempo comigo.
- Engraçado você não citar o fato de ser comprometida nesse discurso fajuto – um sorriso convencido se formou em seus lábios.
- Você não teria chance mesmo se eu não fosse.
Uma penumbra sinistra tomou conta de sua íris assim que eu terminei de falar. O tom de seus olhos variou de ciano para petróleo, parecendo escurecer diante de mim no momento que ele os apertou, e eu estaria mentindo se dissesse que não senti um arrepio na espinha ao perceber isso. deu um passo pra frente, ficando perigosamente perto e eu, instintivamente, recuei.
- Garota... – ele começou a andar em minha direção enquanto falava, e a cada passo que ele dava pra frente, era um que eu dava pra trás – Você estaria na minha cama, de quatro, implorando pra eu te comer em um estalar de dedos se eu quisesse – dei um último passo e senti minhas costas se chocarem com a madeira da varanda de minha casa, sentindo um breve desespero tomar conta de mim ao perceber que não tinha para onde fugir. , por sua vez, parecia se deliciar com a situação, e não hesitou em apoiar um braço de cada lado do meu corpo bem na altura de meu rosto, me encurralando de vez.
- Preferia ter meus olhos arrancados agora mesmo do que ir pra cama com você – fingi um tom firme. Eu não sabia o que ele era capaz de fazer, mas mesmo assim, esse não era um motivo para que eu vacilasse em demonstrar que estava sob seu controle.
- Já disse que não acredito em você. E você vai se arrepender do que disse – era sinistro o quanto seu tom de voz permanecia calmo enquanto sua postura fazia-me acreditar que ele ia me matar a qualquer momento.
- Sai da minha frente. Agora – pronunciei pausadamente, tentando soar tão controlada quanto ele.
A diferença é que minhas palavras pareciam surtir efeito nenhum sob ele. aproximou o rosto ainda mais do meu, e quando o desespero tomou conta de meu corpo por achar que ele ia encostar os lábios em mim, ele desviou o caminho e foi parar em meu pescoço, bem perto de minha orelha.
- Você não quer que eu saia – as palavras deslizaram de sua boca para meu ouvido. Seu lábio macio roçou em meu lóbulo e era como se aquele centímetro de pele tivesse pegado fogo e incendiado cada parte de meu corpo junto. Seu tom era firme e seguro, como se o que estava falando tivesse sido estudado meticulosamente e comprovado por uma equipe de cientistas extremamente competentes.
- Não quero você perto de mim, porra. É difícil entender isso? – não soei tão calma dessa vez ao espalmar minhas duas mãos em seu peito, empurrando-o sem sucesso algum. Senti meus olhos marejarem de raiva e, em meio a um grito agudo que insistiu em escapar de minha garganta em sinal de frustração, disparei vários tapas e socos em seu peitoral e ombro, tentando, inutilmente, tirar ele da minha frente. Por mais que meus golpes não estivessem fazendo nem cosquinhas na parede de músculos em minha frente, pareceu se irritar com a situação e me segurou pelos pulsos, prendendo-os na parede bem acima de minha cabeça. Ele aproximou seu rosto perigosamente do meu, a ponto que nossos narizes roçassem.
Minha respiração foi interrompida. Por um momento, tudo o que eu conseguia sentir era o frescor da novidade que as sensações de sua pele de encontro com a minha me causava.
Achei que ele me beijaria. E eu me assustei por sentir que não tinha forças para interrompê-lo.
Mas seus lábios nunca encontraram os meus.
O garoto apenas fixou os olhos nos meus, de uma maneira irrevogavelmente intensa e talvez assustadora. Eu conseguia ver cada detalhe de sua pupila, emoldurada pelos seus cílios grossos que se encontravam em câmera lenta vez ou outra – e seus olhos nunca me pareceram tão familiares e ameaçadores como naquele momento.
Ele estava perto demais. Meu corpo estava ao seu dispor e fora de meu controle – meu estado estático denunciava isso. Ele sabia. Podia me controlar em um estralar de dedos.
E fora exatamente o que ele fez. O ar só voltou aos meus pulmões no momento em que ele balançou a cabeça, parecendo sair de algum tipo de transe e desviando, finalmente, de meus olhos. Ele soltou meus pulsos sem cautela e deu um passo pra trás. Meus olhos, no entanto, ainda pairavam nos dele, tentando buscar qualquer vacilo em sua expressão. Mas ela era vazia, como sempre.
Quando pensei em abrir a boca para dizer algo, simplesmente me deu as costas e começou a se afastar – provavelmente fazendo o caminho de sua casa. Simples assim, como se nada tivesse acontecido.
Senti meus joelhos fraquejarem e uma sensação ruim encher meu corpo inteiro. A lágrima que dançava em meus olhos desceu por minha bochecha e o gosto salgado atingiu em cheio a minha boca. Não pude deixar de imaginar o que aconteceria se chegasse e se deparasse com aquela cena. Ele nunca foi do tipo ciumento, mas o que se deve pensar ao chegar em casa e ver um cara qualquer em cima de sua namorada no meio da noite, perto o suficiente para um beijo estar acontecendo?
Recobrando a estabilidade de minhas pernas, me forcei a caminhar lentamente até o interior de minha casa e ir diretamente até o quarto, me jogando na cama e enterrando o rosto em meu travesseiro.
Ao mesmo tempo em que minha cabeça estava há mil, eu não sabia direito o que pensar. Eu não sabia quem era – mas ele me intrigava de uma forma inexplicável. E, nesse momento, me perturbava também. Era fácil colocar na minha cabeça que evita-lo era o mais sensato a se fazer, mas não era algo tão simples quando ele morava há menos de quarenta passos da minha casa.
Menos simples ainda porque, mesmo que inconscientemente, eu adorava problemas.
E , definitivamente, era um problema e tanto.

xx


- Eu juro que estou bem, mãe - rolei os olhos, afirmando pela milésima vez em cinco minutos que não havia nada de errado.
- Tem certeza de que não está precisando de nada? - ela insistiu, me arrancando uma risada por sua teimosia. Tive a quem puxar.
- Juro que não.
- Como está ? Estou com saudades de vocês! Venham me visitar os dois - o tom maternal com que ela se referia a fez meu estômago dar algumas voltas. Assim como eu o considerava um irmão, ela havia o adotado como um filho.
- Prometo que assim que tivermos um tempinho aqui vamos ver você - disse, sincera, mesmo sabendo das diversas vezes que essa visita não saiu apenas dos planos - E você sabe que pode vir quando quiser. Mande um beijo pro papai, sim?
- Claro, filha. Amo você.
- Eu também, mãe. Beijo.
- ! – sua voz soou mais alta no momento em que me preparava para apertar o botão. Ela sempre esquecia de dizer algo.
- Eu? – respondi, rindo.
- Matthew chega aí no fim de semana. Você bem que podia tentar colocar um pouco de juízo na cabeça do seu irmão.
- Me parece uma missão impossível – rolei os olhos enquanto ela ria.
Desliguei o celular e olhei pra , que sorria distraído enquanto guiava o carro. Mamãe e papai moravam do outro lado do oceano – Boston, para ser mais exata. Quando eles anunciaram que precisávamos ir pra lá por conta do trabalho do meu pai eu não pude fazer nada além de me negar a acompanhar. Aquele lugar não combinava em nada comigo e, há quatro anos, deixar a vida que eu levava em Londres para trás estava fora de cogitação. Mamãe ficara extremamente preocupada em me deixar morando sozinha aos dezoito – o que era compreensível, com a cabeça e o talento para me meter em confusões que eu tinha – então, saber que hoje eu morava com certamente a acalmava bastante.
Matthew era oito anos mais velho que eu – e faziam, pelo menos, dois que eu não o via. Quando fui visitar nossos pais no penúltimo natal, ele estava ocupado demais em uma temporada revigorante em Barcelona – citando suas próprias palavras. Provavelmente apenas um eufemismo para comer todas as espanholas. No último, tinha arrumado uma namorada no Canadá e jurara que não voltaria de lá sem uma aliança no dedo da tal menina. Acho que seu nome era Ashley e não durou mais de três meses.
Esse era Matt. Uma paixão a cada esquina. Ou país, em seu caso. O que não era muito difícil, já que seus cabelos castanhos, olhos verdes e corpo musculado o faziam parecer a personificação perfeita de um modelo da Abercrombie. Ao que parecia, ele estava decidido a voltar pra Londres por um tempo – o que eu achava ótimo! Adorava meu irmão e realmente sentia sua falta. De quebra, ele era conhecido por dar as melhores festas da região em seu casarão no centro da cidade.
Está aí outra coisa que eu sentia falta.
A manhã parecia um pouco mais ensolarada naquela segunda-feira. Estava voltando para o trabalho após 15 logos dias de férias. Não que eu amasse passar a tarde presa no escritório, mas ter algo para ocupar minha mente me parecia uma ideia muito atrativa no momento. Plantei um beijo leve nos lábios de assim que ele estacionou na porta do majestoso bloco cinza que levava um letreiro dourado com a palavra Triumph. Saltei do carro em um instante, atravessando o portão distribuindo alguns “bom dia” enquanto me dirigia para a minha sala, no quarto andar.
Eu trabalhava na parte de visual de uma conceituada empresa de marketing de Londres. Nunca achei que essa fosse a minha vocação, embora estética sempre fora algo a me chamar atenção. Sempre me imaginei em uma redação de revista de moda ou cuidando de organizações de eventos, mas eu até gostava do que fazia. Não era apaixonada e nem achava que havia nascido praquilo, mas gostava.
- ! – fui recebida por uma eufórica Bexley no instante em que apoiei minha bolsa na mesa vidro. A garota baixinha de curtos cabelos loiros apareceu na porta e veio em minha direção, me recebendo com um abraço apertado e demorado.
Antes de trabalharmos juntas, Bex e eu já éramos amigas na época da faculdade. Ela era uma ótima companhia para festas e não demorou muito a conhecer e toda a nossa turma que saia junta naquele tempo. Entre eles, Ethan. Um dos melhores amigos de e atual namorado de Bex.
- Bex, senti sua falta! – respondi, no mesmo tom animado, mesmo que estivesse incomodada com o PDA em excesso – Como foi na Itália? E como o Ethan está?
- Melhor do que eu imaginava! – minha amiga disse e ergueu a mão na altura do rosto enquanto soltava um grunhido animado. Demorei alguns segundos para perceber o que a menina me mostrava: a enorme pedra que brilhava em seu dedo anelar.
- Meu. Deus. Ele propôs? – perguntei, ainda extasiada com a informação, e ela acenou incessantemente com a cabeça – Bex, parabéns! Estou mais do que feliz por vocês, de verdade.
- Não preciso nem dizer que a vaga de madrinha é sua, né? – disse enquanto ainda admirava o anel em seu dedo.
- Ai de você se não fosse!
Não precisava de muito para perceber que eles eram perfeitos juntos e eu sentia um orgulho enorme em dizer que eu e havíamos formado o casal. Apresentamos os dois e, pouco mais de um mês depois, estavam com um relacionamento assumido. Bex era uma daquelas garotas que tinha a ideia de casar e ter filhos como um dos maiores sonhos e objetivos de vida, então, eu realmente não podia estar mais feliz por ela.
- E você e , como estão? – a garota indagou e eu não pude conter um suspiro discreto. Eu não compartilhava meus sentimentos e pensamentos facilmente com as pessoas, e até mesmo Bex não era exceção. Até onde ela sabia, eu era a garota mais feliz do mundo por estar ao lado dele.
- Estamos bem. Você sabe, nada de novo – fingi um sorriso.
A manhã passou mais rápido do que eu gostaria. Perdi-me no tempo ao tentar colocar em ordem tudo o que precisava fazer e entrar em dia com várias apresentações de diferentes clientes. Achei até que havia desaprendido a mexer no PhotoShop, mas em alguns minutos já éramos melhores amigos novamente.
Sem ao menos perceber, já eram cinco da tarde e eu estava entrando no Prius de , tomando o lugar vago no banco de carona.
- Como foi o dia? – perguntou enquanto me recebia com um selinho, em seu habitual bom humor. Eu estava pra conhecer alguém que andasse por aí todos os dias em um humor melhor que o dele.
- Igual a todos os outros... – fiz uma pausa, ansiosa pra dar a notícia - Bom, exceto pelo fato de que Ethan e Bexley estão noivos – tive que me segurar para não dar uma gargalhada da cara de surpreso que fez.
- Você tá brincando com a minha cara, né? – ele perguntou e eu fiz que não com a cabeça, achando graça de sua reação – Não acredito que aquele frouxo realmente a pediu!
- Pois é... Aparentemente o Ethan não é tão crianção assim.
- Digamos que eu o ensinei bem – ele fez um cara de convencido, me fazendo rolar os olhos – Agora podemos falar sobre o casal mais quente do pedaço?
- Blake Lively e Ryan Reynolds? Mila Kunis e Ashton Kutcher? Principe William e a Kate? – disparei, arrancando uma gargalhada alta dele.
- Você sabe que a gente deixa qualquer um desses no chinelo.
- Direto ao ponto, – gesticulei com as mãos para que ele falasse logo.
- O que acha de almoçarmos juntos amanhã? Sei que não é a mesma coisa que o jantar que te prometi outro dia, mas... É alguma coisa – ele disse e desviou o olhar da rua por um instante para me encarar.
- Eu adoraria, mas... Vai conseguir fugir do trabalho pra isso?
- Ele fez você esperar no outro dia. É a sua vez de fazê-lo esperar.
Não pude deixar de sorrir diante de suas palavras. Aquela necessidade que tinha em me fazer bem e me transmitir um carinho inexplicável em cada um de seus gestos e palavras era o que eu mais amava nele.
- Certo. Quero hambúrguer! – grunhi, realmente animada com a ideia de almoçar meu prato preferido e arrancando uma risada de .
- Você quem manda, patroa.


Capítulo 05


Destino e coincidência são duas coisas distintas. Eu defendia a ideia de que tudo era coincidência e que a ideia utópica aplicada ao destino não existia. Acreditava que as coisas aconteciam por acaso e que tudo era questão de estar no lugar certo na hora certa. Ou no lugar errado na hora errada. Alguns chamariam de destino, mas eu afirmaria veemente que fora uma extrema e infeliz coincidência ver entrando pela porta daquela pequena cafeteria em Clerkenwell naquele fim de tarde de terça-feira.
O observei tirar os óculos escuros e se direcionar diametralmente ao balcão, parecendo tão mal humorado quanto sempre. Vestia uma calça preta e uma camisa social da mesma cor. As mangas dobradas até a metade do braço revelando seus músculos era o que quebrava o ar de homem de negócios que nada tinha a ver com ele - ao menos na minha percepção. Devia estar voltando do trabalho. Peguei-me curiosa, pensando o que ele fazia da vida.
Encolhi meu corpo instintivamente, como se o gesto, concomitante a minha escolha estratégica da mesa em que estava sentada - bem ao canto da cafeteira, reduzindo ao máximo qualquer chance de contato com qualquer pessoa por ali - fosse me manter fora do seu campo de visão. Fixei o olhar na xícara de café que ainda esfriava apoiada na mesa à minha frente e me pus a mexer o seu conteúdo com a colherzinha plástica que ainda aguardava o descarte dentro do recipiente.
Em um momento de falha no meu plano de parecer invisível ergui o rosto e encontrei os olhos de ao longe, fixos em mim.
Boa, .
Para minha surpresa, ele sorriu. Não um sorriso simpático, de quem esbarra casualmente com uma amiga por aí. Era aquele sorriso que só ele sabia dar e que causaria arrepios em qualquer um que tivesse o prazer de vê-lo. Aquele, que vinha acompanhado e suas palavras amargas e seu tom de desdém.
O hambúrguer de mais cedo pareceu revirar no meu estômago. tinha que trabalhar até mais tarde justo hoje?
O observei pegar o seu copo térmico e o saquinho pardo do balcão e agradecer a atendente, provavelmente soltando uma gracinha pra moça, julgando pela risada envergonhada que ela não conseguiu conter. Quando eu estava quase suspirando aliviada pelo seu pedido conter todos indícios que indicavam ser "para viagem", desviou do caminho para a porta e andou em minha direção. Sem hesitar, puxou a cadeira que se encontrava vazia ao meu lado, apoiou seu lanche na mesa e deu um longo gole em seu copo, que trazia àquele pedacinho do local um cheiro adocicado de chocolate quente.
- É incrível como você impõe sua presença diante de mim e se faz à vontade mesmo sem qualquer convite, não é? – resolvi me pronunciar, devido a sua falta de palavras.
- Quer uma carona pra casa? - indagou, ignorando meu comentário anterior, e eu estreitei a sobrancelha. Ele estava me oferecendo uma carona?
- Não precisa - forcei um sorriso - Sei me virar sozinha – “e quanto mais tempo eu demorar pra chegar, melhor”, pensei em completar, mas realmente não estava afim de estender aquela conversa e muito menos dar a ele detalhes sobre a minha vida.
- Você é sempre tão receptiva assim com as pessoas? – ele se debruçou um pouco sobre a mesa, me encarando mais de perto e me obrigando a recuar.
- Não sei se percebeu, mas o meu problema é com você – disse, entre dentes. Como ele podia ser tão cara de pau em conversar comigo naquela normalidade depois da cena de duas noites atrás?
O garoto soltou uma risada ausente de humor.
- A carona ainda está de pé - ele disse com um meio sorriso no rosto e, em um movimento rápido, se levantou da cadeira. Como de costume, me deixando atônita e sem palavras enquanto observava a sua silhueta se afastar e deixar a cafeteria.
Normalmente eu rolaria os olhos e bufaria por alguns minutos tentando me acalmar. Mas nem eu mesma estava pronta para a decisão que meu corpo tomou a seguir. Como se algum tipo de anestésico em alta dosagem estivesse correndo em minhas veias e os controles do meu corpo estivessem debilitados, me vi levantando e seguindo, cautelosamente, o caminho que fazia poucos metros a minha frente.
O vento acertou em cheio o meu rosto assim que coloquei os pés fora da cafeteria e senti a ponta do meu nariz ficar gélida. A noite caia suavemente e o céu começava a dar espaço para novos tons de azul, que dessa vez apareciam mais escuros.
O céu quase tirou a minha concentração do garoto à minha frente, e quando dei por mim, ele diminuía os passos enquanto sacava uma chave do bolso e desativava o alarme do Lamborghini preto, que tomava uma vaga a poucos metros de distância da cafeteria. Uma irônica e completamente audível risada escapou de minha garganta enquanto cruzava os braços para observar a cena.
- Acho que perdi a parte engraçada – ele não precisou virar para ver quem era e nem parecia surpreso por eu estar ali. Avancei alguns passos e encostei o dedo na lataria perfeitamente limpa e polida, enquanto escorava meu corpo na porta do banco traseiro.
- Você é mais previsível do que achei que fosse – sorri falsamente ao ver sua sobrancelha esquerda se erguer. Ele sabia que eu estava falando do carro.
- Você também – o mesmo sorriso brotou em seus lábios. E eu sabia que ele estava falando do fato de eu estar ali, mesmo depois de negar a carona.
- O caminho pra casa deve dar uns vinte e cinco minutos... – comecei, enquanto desencostava da lataria e ia até o banco de carona – Isso dá a oportunidade de você me encher, pelo menos, umas trinta vezes. E eu tô chutando baixo. Eu aceito a carona se você prometer passar o caminho inteiro em silêncio. Essa é a garantia de eu não voar no seu pescoço.
Coloquei a mão na maçaneta e levantei meu olhar até , que me encarava com um irritante meio sorriso nos lábios.
- É meio excitante você tentar mandar em mim – sua voz grossa encheu meus ouvidos com um alto teor de provocação e eu apenas abri a porta e entrei no carro, batendo-a um pouco mais forte que o recomendado e disposta a encarar a janela pelo resto do caminho.
As casas e prédios do centro da cidade foram, gradualmente, dando espaços para árvores secas - o que indicava que estávamos perto de casa. estava seguindo perfeitamente a minha exigência de permanecer calado e eu estava agradecendo mentalmente por isso a cada cinco segundos. Talvez estivesse tão absorta em pensamentos e em observar as cores do céu brincando entre as árvores. Só percebi que o velocímetro do carro tinha atingido o 0 quando o baque da porta do motorista se fechando quebrou o silêncio. Minha expressão era claramente confusa e eu só tinha uma certeza: aquela não era a rua da minha casa. Com a visão dificultada pela falta de iluminação elétrica naquele local, vi a silhueta de se afastando do carro em direção a um muro de pedras escuras que se situava poucos metros à minha frente. Que merda ele estava fazendo? Me levando pra alguma espécie de matadouro? Soltei-me do cinto e abri a porta em menos de um segundo, batendo-a atrás de mim com dez vezes menos cuidado do que quando entrei.
- Você me ofereceu uma carona pra casa! Ca-sa! – gritei enquanto andava um tanto rápido atrás do garoto – Onde a gente tá? – silêncio – ! Me responde, porra!
Ele parou de súbito. Pude ver, pelo movimento de seus ombros, que tinha deixado um suspiro escapar.
- Achei que você voaria em meu pescoço se eu dissesse algo – ele se pronunciou após um tempo de silêncio, ironizando minha frase de alguns minutos atrás.
Ele era mesmo um belo idiota.
Quando achei que ele iria se virar e explicaria que merda estávamos fazendo ali, fui pega de surpresa pelo movimento de seus pés indo mais adiante, e mais surpresa ainda para onde eles o guiaram: uma espécie de escada de ferro acoplada ao muro, que só seria perceptível para alguém que realmente conhecesse o local, uma vez que ela se perdia atrás das árvores e ficava mais discreta pelas plantas que cresciam à sua volta, cobrindo-a parcialmente.
apoiou um pé. E outro. Segurou-se com as mãos. Quando dei por mim, ele estava subindo a escada, rumo ao outro lado do muro.
- Que merda você está fazendo? – minha voz foi mais baixa dessa vez enquanto me aproximava, com a certeza de que íamos morrer assim que os proprietários daquele lugar aparecessem - Não ouse me deixar sozinha aqui!
- A única forma disso não acontecer é você vir comigo.
Um enorme idiota.
Ele não fez menção de parar e eu me vi sem outra escolha a não ser seguir seus passos. A primeira visão que tive quando ultrapassei o muro fora a dele caminhando calmamente até uma espreguiçadeira de madeira escura, sacando um cigarro do bolso e sentando confortavelmente, como se aquela casa fosse dele.
A segunda foi de uma casa moderna, com cortes retos e paredes envidraçadas. As luzes estavam apagadas, exceto pelas lanternas que iluminavam uma funda e convidativa piscina bem à nossa frente.
- Vamos sair daqui. Agora - sibilei, um tanto nervosa com a situação. Não é como se eu invadisse a casa de alguém todos os dias.
- Fique calma - ele revirou os olhos enquanto brincava com o cigarro, ainda apagado, entre os dedos - Não tem ninguém em casa.
- Como você pode ter tanta certeza?
Ele sorriu.
- Não sei se percebeu, mas não é a minha primeira vez aqui.
- Isso quer dizer que é de costume que você invada casas no meio da noite? – maneei a cabeça negativamente mais rápido que o habitual - Isso era pra fazer eu me sentir melhor?
Mais um sorriso, dessa vez sem resposta.
Respirei fundo uma, duas, três vezes. Uma coisa era certa: conseguia ser mais teimoso que eu.
Pensei por um segundo e cheguei à conclusão de que irritar o garoto não ia fazê-lo me tirar dali mais rápido – e sim o contrário. Tomei o lugar na espreguiçadeira ao lado da sua, sentando de frente para ele, ainda hesitante de estar ali.
- Não sabia que gostava de mentolado - mirei o objeto entre seus dedos - Coisas sutis não me parecem combinar com você.
- Tô tentando parar – respondeu vagamente e continuei o encarando com um óbvio ponto de interrogação na testa - Se você quer deixar de fazer algo que gosta, é só transformar isso algo não prazeroso - ele pegou um isqueiro e acendeu.
- Isso faz mais sentido que eu gostaria - ri - Não daria certo comigo. Eu gosto de menta.
travou seu olhar em mim, mas sem olhar diretamente em meus olhos. Trocou o objeto de mão e o estendeu em minha direção, na altura de minha boca. Fiquei hesitante e talvez tenha demorado mais tempo que o necessário pra reagir, mas quando dei por mim, estava dando uma tragada no cigarro que seus dedos compridos seguravam. Um sorriso de enviesado apareceu enquanto ele recolhia o braço e voltava a olhar para o nada e tragar.
- O que você acha de me entreter com um jogo? – sua voz me pegou de surpresa e eu soltei uma gargalhada, pois jurava que ele estava brincando... Até ser censurada por seu olhar.
A palavra jogo parecia extremamente suja saindo de sua boca.
- Está falando sério? Claro que não!
- Você podia ser mais simpática.
- Essa sou eu sendo simpática - rolei os olhos, me controlando para não implorar por mais uma tragada. Ele me deixava nervosa.
- Você nem ouviu minha proposta - apagou o cigarro no chão e guardou o restante em seu bolso, provavelmente para ninguém encontrar uma bituca por ali.
- Não preciso ouvir.
- Três perguntas - disse, de prontidão, enquanto encostava na cadeira com os braços flexionados atrás da cabeça - Eu te faço três perguntas. Você pode escolher não responder uma delas.
- E qual a minha vantagem nesse jogo?
- Se você cooperar, eu te deixo voltar pra casa ilesa. Se não... Vai ter que explicar pro seu namorado porque chegou toda molhada.
Segui seu olhar. Ele mirava fixamente a piscina em nossa frente.
- Você não teria coragem - disse, tentando convencer mais a mim mesma do que ele.
- Tem certeza que quer me testar?
Eu, certamente, não queria. Mordi o lábio inferior, pensando nas chances que tinha de me dar mal. Duas perguntas. Ok, eu podia lidar com isso.
- O que quer saber? – falei rápido e um sorriso iluminou seu rosto, apertando seus olhos de um jeito quase... fofo. Talvez fosse aquele o único sorriso sincero que já vira ele dar.
O garoto ponderou por alguns segundos, provavelmente escolhendo com cuidado o que diria?
- Porque resolveu morar justamente aqui, quando claramente não gosta desse lugar? – seu olhar pairava o nada e eu implorava internamente para que ele não o direcionasse para mim – Qual a sua história com aquele cara? E... Qual o seu problema comigo?
Pisquei algumas vezes, tentando raciocinar o turbilhão de palavras que pareciam ter o peso de uma manada de elefantes na minha cabeça e fazendo uma careta por ele ter chamado de aquele cara. Apesar de ter que pensar em respostas para suas perguntas, tudo o que se formou em minha mente foi mais uma indagação: Porque ele se importava?
- Eu não escolhi morar aqui. Digamos que foi apenas conveniente – entortei os lábios. Sabia que não era aquela resposta genérica que eu queria ouvir, e eu nem sabia por onde começar a replicar as outras duas.
Foi aí que uma bela ideia se formou em minha mente. Ou idiota, dependendo do ponto de vista.
Levantei e livrei-me da jaqueta jeans que me aquecia e dos par de tênis branco, percebendo que a temperatura estava mais baixa do que eu imaginava. Antes que pudesse dizer algo e antes mesmo que eu pudesse estudar aquela ideia direito, percorri rapidamente o pequeno caminho até a piscina e pulei.
Impulsividade era uma palavra que não existia em meu vocabulário, mas parecia me obrigar a levá-la como um objetivo de vida.
A água estava gelada. Muito gelada. Gelada pra cacete. Meu corpo tornou-se inverno ao voltar para a superfície e senti meu lábio inferior tremer levemente, tamanho o frio que sentia. Quando fui capaz de focar o olhar, notei uma expressão que nunca tinha visto ontem no rosto dele: surpresa.
- Teoricamente, a parte divertida era eu te empurrar – ele disse enquanto levantava e caminhava lentamente até a borda.
- Achei que o ponto fosse eu voltar pra casa molhada e não como isso ia acontecer – o frio deixava minha voz mais arrastada e eu movia minhas pernas embaixo d’água freneticamente. Isso não ajudava a esquentar o corpo?
Meu olhar acompanhava os movimentos do garoto a minha frente. E eu, certamente, não estava preparada para vê-lo tirar seus sapatos e a camisa social preta antes de pular na piscina, bem ao lado de onde eu estava. Torci para que ele não percebesse que meus olhos viajaram tempo demais nas formas perfeitamente esculpidas de seu corpo; os braços torneados e a barrigada deliciosamente desenhada.
- Talvez o ponto fosse te deixar molhada... – sua voz soou suave assim que ele emergiu. Senti a atmosfera entre nós pesar, dado ao duplo sentido de sua frase.
- Uma hipotermia estava em seus planos? – envolvi meu corpo com os braços trêmulos, em uma tentativa falha de me aquecer e desviar o rumo que aquela conversa estava tomando.
- Não está tão frio assim.
É, se eu tivesse aqueles músculos talvez não estivesse tremendo tanto.
- Mal consigo me lembrar da última vez que estive em uma piscina – divaguei, mais pensando alto do que querendo falar isso pra ele. O observei de soslaio e vi que seus dedos brincavam com a superfície da água.
- Quando foi a última vez?
- Na piscina da casa dos meus pais, provavelmente – sorri, sendo atingida por lembranças carregadas de felicidade – , Bex, Ethan e mais alguns amigos costumavam ir lá sempre. Era nosso ponto de festa particular – divaguei, como se ele conhecesse toda a turma.
- E o que mudou? – ele indagou de prontidão, provavelmente sentindo o tom nostálgico da minha voz.
- O que sempre acontece. A vida, o tempo – dei de ombros. Tombei a cabeça pra trás, constatando que as estrelas já brilhavam mais fortes em meio àquela imensidão escura. Eu adorava observar o céu – Ei! Você nunca me disse como sabia o meu nome – praticamente gritei quando esse estralo atingiu a minha mente.
riu.
- Não preciso dizer algo que você já sabe.
Sei? Me esforcei para tentar lembrar de qualquer cenário em que pudesse ter dito meu nome a ele e absolutamente nada me ocorreu.
- Eu não sei nada sobre você.
- Você também sabe meu nome. Não é o suficiente?
Mas eu tenho certeza que você me contou ele, pensei em rebater. Mas talvez fosse mais inteligente ir por outro caminho.
- Tô falando sério. Esse lugar não é exatamente onde trintões solteiros e atraentes costumam morar.
- Saiba que aquela casa é um belo imã para mulheres – seu olhar procurou o meu, acompanhado de um charmoso sorrisinho de canto – Não que o meu incrível magnetismo sexual não seja.
- Quem te deixou tão convencido assim?
- A vida, o tempo – percebi a provocação na sua voz e não pude deixar de rir; um dos poucos risos sinceros que havia dado em sua frente.
pareceu congelar por um segundo enquanto encarava meu rosto com atenção. Seu semblante adotou uma feição séria de súbito que, com a iluminação falha daquela piscina, muito se assemelhava a de um psicopata.
Eu realmente precisava parar de assistir filmes de terror.
Meus braços ainda envolviam meu tronco em uma tentativa falha de conter a temperatura e meu corpo pareceu tremer quatro vezes mais quanto o garoto deu dois passos em minha direção, ficando a uma distância mínima de mim. Meu rosto estava na altura exata de seu peitoral, e eu fazia um esforço enorme para encarar seu rosto e não me perder ali.
- O que...
- Seus lábios estão roxos – sua voz, firme, sobressaiu a minha.
- Eu disse que tá frio – me encolhi um pouco mais, como se aquilo fosse me afastar, ao menos um pouco, dele. E ele fez exatamente o contrário. Dando mais um passo em minha direção, ergueu as duas mãos até meus ombros, tocando-os suavemente. Com o mesmo cuidado, virou meu corpo de costas pra si. Meu corpo ficou estático, ansiando seu próximo toque.
E aquilo estava errado.
Muito errado.
Com um último passo ele chegou ainda mais perto – não o suficiente para que nossos corpos se colassem, mas o bastante para que nossas peles, vez ou outra, roçassem uma na outra; o que certamente era o motivo dos leves arrepios que sentia nesse momento. começou a deslizar as mãos lentamente pelos meus braços, em movimentos de vai e vem, que iam do meu ombro, até meus pulsos – o que parecia uma tentativa de me aquecer.
- Melhor assim? – sua voz rouca atingiu meus ouvidos e hálito bateu em cheio em o meu pescoço, fazendo meu coração acelerar repentinamente.
- E-eu... – mordi os lábios e me encolhi um pouco - Eu quero ir embora – senti o desespero tomar conta de mim quando me veio à cabeça. O jeito com que falava, se movimentava, me olhava e me tocava fazia com que até o menor e mais inocente de seus gestos parecessem provocativos e beiravam o sexual.
E isso seria, de fato, extremamente sexy e irresistível se eu não tivesse um namorado me esperando em casa.


Capítulo 06

Pedi pra que me deixasse duas quadras antes da minha casa. Não queria correr o risco de me ver saindo do Lamborghini e ter que inventar mil e uma explicações pra isso. Desejei que estivesse chovendo, para poder esclarecer o estado deplorável em que estava. Roupas molhadas, cabelos encharcados, com frio e a maquiagem potencialmente borrada.
Meu celular tinha duas ligações perdidas e uma mensagem de perguntando onde eu estava. Fiquei ainda mais nervosa no momento em que coloquei a mão na maçaneta da minha porta, já que não tinha ensaiado nenhuma desculpa plausível. Me deparei com a sala e, pra minha surpresa, ela estava vazia. Caminhei lentamente até a cozinha, que se encontrava na mesma: sem uma vivalma. Ele só podia estar no quarto. Ponderei correr até o banheiro e me enfiar embaixo o chuveiro, mas se ele escutasse a água, isso certamente pareceria suspeito. Eu nunca correria pro chuveiro sem ao menos dar um “oi” antes.
Subi as escadas rapidamente, talvez pela tensão, e alcancei a porta do nosso quarto. Uma onda de alívio inexplicável percorreu meu corpo. Eu não podia acreditar na minha sorte ao ver deitado e em um sono profundo, no meio de nossa cama.
O observei por alguns segundos antes de fechar a porta e correr para o banheiro. Assim que encostei-a silenciosamente atrás de mim, a angústia preencheu meu peito e senti meus olhos marejarem.
Não era aquilo que merecia. Uma namorada entrando em casa escondida no meio da noite, não atendendo suas ligações e sem poder dizer a ele onde ou com quem ela estava. Céus, ele era a última pessoa no mundo que merecia isso!
Joguei as roupas molhadas no cesto de roupa suja, entrando no chuveiro e deixando a água quente percorrer minha pele, aquecendo-a. Tentei colocar na minha cabeça a falsa imagem de que a água levava consigo pelo ralo todos meus pensamentos ruins e atitudes indevidas. Assim como o toque de . E a culpa de mentir pra .
Quando desliguei o chuveiro e coloquei o pé para fora do box, percebi que meu celular vibrava em cima da pedra de mármore do balcão da pia, e nome de Bex brilhava na tela.
Em cima dele, o horário.
7:14.
Droga. Como fui esquecer? Eu tinha combinado de encontrá-la em menos de vinte minutos.
Respondi sua ligação perdida com uma mensagem rápida, confirmando que logo estaria lá, e sai do banheiro me secando desajeitadamente enquanto andava em passos rápidos até meu quarto.
ainda dormia, e sair sem acordá-lo estava fora de cogitação. Aproximei-me da cama e sentei em seu lado esquerdo, levando a mão até seus cabelos e fazendo um carinho levemente ali.
- ? ...
Ele se mexeu e suas pálpebras gradualmente deram lugar aos seus olhos . Ele piscou algumas vezes, parecendo tentar se situar no que estava acontecendo.
- Estava com saudades – tinha certeza que o sorriso fofo que apareceu em seus lábios logo refletiu em meu rosto – Deita comigo.
- Preciso encontrar Bex e já estou atrasada. Ela deve estar surtando com a cor das toalhas de mesa do casamento ou algo do tipo – rolei os olhos enquanto ria.
- Se comporte, mocinha – fingiu um tom ameaçador, dessa vez, me fazendo rir – Porque voltou tão tarde?
- Eu passei no shopping – falei a primeira coisa que passou pela minha cabeça, me amaldiçoando por não ter bolado algo mais convincente no banho. Ele, por sua vez, pareceu acreditar, já que depositou um beijo em meus lábios, e voltou se aconchegar confortavelmente entre os lençóis.

xx


Havia duas coisas incontestáveis sobre Bexley.
Primeiro: ela era uma romântica incurável.
Segundo: ela bebia muito quando estava ansiosa.
Por isso, não foi surpresa vê-la sentada no sofá, com uma garrafa de vinho branco pela metade e um copo cheio pendendo de sua mão enquanto observava minunciosamente os vários pedaços de tecido que a rodeavam.
- Não me diga que já está bêbada. Não acha que tomou o suficiente, mocinha? – despertei sua atenção enquanto caminhava até o balcão da cozinha acoplada à sala para pegar uma taça pra mim.
- Álcool nunca é o suficiente, mon amour - ela piscou, enquanto arrumava os cachos pretos com a ponta dos dedos.
- Acho que vou concordar com você pela primeira vez na vida – disse enquanto me acomodava ao seu lado e estendia a minha taça pra ela encher
- O que você acha? – Bex alinhou três quadradinhos de tecido no espaço do sofá entre a gente – Qual vai ficar melhor para as toalhas de mesa? O bege champanhe, creme ou argila? – ela apontou pra cada um respectivamente. E todos pareciam exatamente a mesma pra mim.
Eu sempre gostei de moda. Roupas, tendências e a Vogue era a minha bíblia.
Mas comparar tons parecidíssimos de uma toalha de mesa era demais pra minha cabeça.
- O champanhe, com certeza – respondi de prontidão e ela ergueu as sobrancelhas.
- Sério? – ela aproximou dos olhos o tecido que tinha indicado como champanhe poucos segundos atrás, examinando-o minuciosamente.
- Bex. Eles são iguais. Mas esse era o que tinha o nome de bebida alcoólica, então me pareceu a escolha certa – quando eu achei que ela fosse me dar um sermão ou voar em meu pescoço pela resposta, tudo o que minha amiga conseguiu fazer foi soltar uma gargalhada.
- Talvez você tenha razão. Destino ou não, essa estava inclinada a ser a minha primeira opção.
Bex pegou o pedacinho de tecido e prendeu em uma espécie de prancheta, que tinha recortes de flores e rendas. Até chegava a ser bonitinho o quanto ela estava preocupada e empolgada com a ideia do casamento. Por mais que eu não compartilhasse o mesmo pensamento a entendia completamente, e havia prometido a mim mesma ser menos cética quanto ao assunto – ao menos em sua frente.
- Já escolheu o lugar?
- Mais ou menos – Bex se endireitou no sofá, virando de frente para mim – Tem uma pousada aqui perto, no meio da estrada até Holloway. , é o meu lugar dos sonhos! Uma área externa com uma vista linda pra fazer a cerimônia, um casarão enorme para os convidados. Eu e Ethan vamos até lá em duas semanas e, bom... Se você e quiserem ir, seria incrível ouvir seus infames comentários sobre a cerimônia por lá.
Não tenho certeza se Ethan já havia o convidado, mas estava implícito que seria um dos padrinhos.
- É claro que vamos. Não perderia um fim de semana inteiro te estressando por nada! – dei um gole na taça, finalizando seu conteúdo, e logo alcancei a garrafa para me servir de um pouco mais – Quer ouvir uma boa notícia?
- Sempre! – ela se endireitou no sofá.
- Matt chega esse domingo – sorri – Vai rolar algum tipo de confraternização de boas vindas em sua casa no centro no fim da tarde.
- Matthew vai dar uma festa de boas vindas para ele mesmo? – ela disse em meio a um riso.
- A cara dele, não?
- Você está estranha – Bex estreitou os olhos, me observando atentamente, como se eu fosse um dos tecidos de alguns minutos atrás.
- Estranha... Como? – estreitei os olhos, decidindo se ficava ofendida ou não pelo seu comentário e despreparada para a mudança de assunto repentina.
- Você tá mexendo na borda do copo há uns bons minutos e tá fazendo aquilo de encarar o nada por tempo demais, o que nós duas sabemos que você só faz quando algo te incomoda – ela tinha um ar superior e me olhava como quem sabia demais - O que você tem?
Encarei minhas mãos e percebi que o dedo do meio se apoiava superficialmente na borda do copo que eu segurava.
- Nada?
- ... – repreendeu.
- Achei que o assunto hoje fosse você – coloquei a taça na mesa de centro à nossa frente, enquanto Bexley rolava os olhos. Nem parecia que estava surtando sobre tecidos há um minuto.
- Não precisamos ser monotemáticas – ela provocou, me arrancando uma risada. Teimosia era contagiosa?
Ponderei, por segundo, contar para Bex o caos em que minha mente se encontrava. No segundo seguinte, enumerei os fatos que me faziam guardar todos meus devaneios até o último instante. Como eu me sentia sobre era algo que eu não conseguia dizer em voz alta nem pra mim – quem dirá compartilhar com alguém. E ... Eu não sabia ao certo o que pensar dele, tampouco o porque de ele ocupar uma parte tão grande dos meus pensamentos. Os ruins, claro.
- Quando vamos ver o seu vestido? – minhas sobrancelhas dançaram em minha testa, desafiando-a e sabendo que eu tinha tocado no ponto fraco.

xx


As luzes estavam apagadas e a casa em total e completo silêncio. Depois de tanta conversa e alguns goles de vinho, eu estava exausta. Subi as escadas e fui até o quarto, constatando o previsível: já dormia.
Ele devia estar exausto do trabalho e eu não pude evitar me sentir um pouco mal por não ter ficado nada com ele durante o dia todo.
Tentando não fazer barulho, alcancei o closet do nosso quarto na ponta dos pés, a fim de vestir algo mais confortável. Pensei em pegar um pijama, mas vi uma camisa social azul de um tanto embolada em uma das prateleiras mais altas do lado dele do armário que me fez mudar de ideia.
Não havia nada no mundo mais confortável do que roubar as suas camisas de algodão. Primeiro, pelo tamanho. Segundo, pelo seu cheiro.
Fiquei na ponta dos pés para alcançar a peça, e assim que puxei, mais três vieram junto. Abaixei-me para juntar e colocar tudo no lugar – eu odiava bagunças. Assim que terminei de recolher a última peça, senti meus joelhos falharem e o ambiente ficar um tanto sufocante.
Embaixo dela uma pequena caixinha de veludo azul marinho refletia em meus olhos.
Uma pequena caixinha azul marinho com as letras “H” e “W” gravadas em dourado.
Mais precisamente, uma pequena caixinha azul da Harry Winston.
Não hesitei em, com as mãos trêmulas, pegá-la. E certamente não passou na minha cabeça não olhar o que tinha ali dentro.
Desejei, com todas as forças, para que encontrasse uma pulseira, um brinco, um colar, ou até um chaveiro - qualquer coisa, exceto o que realmente tinha ali. Um reluzente anel de diamantes.


Capítulo 07


Passei o mesmo discurso pela minha cabeça ao menos cem vezes, sentada naquele desconfortável sofá de madeira. Em meio a minha forjada confiança, toda vez que tentava pronunciá-lo em voz alta, as palavras simplesmente decidiam cravar em minha garganta, formando um nó ainda maior do que aquele que já me sufocava.
Era um anel. Era a porra de um anel de brilhantes. me conhecia perfeitamente para saber que um daqueles nunca se encaixaria em meu dedo.
Com os pensamentos e o coração acelerado, tudo o que eu sentia era medo. Medo de, diante de um pedido, mais uma vez não conseguir magoá-lo – e, consequentemente, acabar magoando a mim. Ainda mais.
Eu era fraca, a verdade era essa. O adjetivo que eu não deixava transparecer era o único que perfeitamente me definia.
Fechei os olhos com força e escondi o rosto em minhas mãos, a fim de relaxar. Senti o vento balançar meus cabelos com um pouco mais de força, mas meu corpo estava tão extasiado que, nem sentada na parte externa de minha casa, no meio da madrugada e em prováveis cinco graus, eu conseguia sentir frio.
Pensei estar enlouquecendo quando meu olfato detectou um suave cheiro de menta. Eu poderia dizer que fora o barulho das folhas sendo amassadas, gradualmente aumentando a sonoridade em meio ao silêncio das 3 horas da manhã – mas foi aquele tão conhecido aroma que me fez ter certeza que ele se aproximava de mim.
- Temos que parar de nos encontrar assim - fui a primeira a me pronunciar, logo após desenterrar o rosto de minhas mãos e ensaiar uma expressão serena.
- Problemas pra dormir? - enfiou as mãos nos bolsos da calça enquanto caminhava em minha direção. O cheiro de cigarro misturou-se ao de seu perfume em meus pulmões e aquilo encheu meu peito com uma estranha sensação de... Conforto?
- Nunca fui de dormir com facilidade. Mas eu gosto da noite - dei de ombros ao mesmo tempo em que encolhia minhas pernas em cima do sofá, abraçando-as contra meu peito – A que devo a honra de sua presença há essa hora?
Ele sorriu de canto e passou a mão pelos cabelos daquele jeito descontraidamente sexy, enquanto se adiantava a tomar o lugar ao meu lado.
- Acabei de chegar. Estava na rua – a poucos centímetros de distância, se tornara nítido que ele havia bebido. Não o suficiente para estar bêbado, mas o bastante para perder a inibição.
- Claro que estava - rolei os olhos - Não conseguiu arrastar nenhuma de suas conquistas pra casa hoje e veio tentar a mais improvável como um prêmio de consolação?
Ele sorriu e se inclinou para trás, apoiando-se no encosto do sofá, com as mãos atrás da cabeça.
- Seu cheiro está gostoso.
Estreitei minhas sobrancelhas, achando aquela frase, no mínimo, engraçada.
- E você está cheirando igual chão de boteco. O que bebeu hoje?
- Um pouco de tudo - ele soltou uma risada de leve - Mas as melhores lembranças são criadas regadas a álcool, certo?
- Você diz isso porque ainda não bebeu comigo – desviei o olhar do seu rosto – Sou divertida quando bebo.
- Isso me soou como um convite - provocou, inclinando brevemente o corpo em minha direção. Era estranho o que eu sentia quando me atrevia a mirar seu olhos. Como se uma faísca ali brilhasse e fizesse ascender qualquer átomo de excitação que eu jurava terem se esvaído de mim. E não apenas sexualmente.
Ele, sem palavras, me desafiava. E eu, fracamente, cedia.
Impulsividade nunca fora meu forte, e por isso eu nunca conseguiria explicar em qual ponto meu cérebro decidiu que era uma boa ideia levantar dali e sair correndo em direção à cozinha. não veio atrás de mim. Ele sabia que eu ia voltar. A casa estava em perfeito silêncio e absoluto escuro - o que só me fez ser mais rápida em meus movimentos. Tomei em punhos aleatoriamente duas garrafas de vinho tinto entre a minha coleção e, com a mesma velocidade, retornei para meu lugar inicial.
parecia despreocupado com a minha ausência, já que se deliciava em um de seus cigarros mentolados enquanto vagava seu olhar na escuridão à nossa frente.
- Essa porcaria começa a ficar gostosa - ele gesticulou, apontando para o cigarro, assim que percebeu que eu estava ali.
- Eu te avisei – sorri, convencida. Eu adorava ter razão, em qualquer que fosse o assunto - Dê mais duas semanas e você estará fumando um pacote por dia - roubei o cigarro de suas mãos e dei uma breve tragada.
Com um sorriso no canto dos lábios e um brilho diferente no olhar, ele se aproximou mais do que o necessário para tomar o cigarro de volta de meus dedos.
- Aposto que agora ele ficou ainda melhor – o garoto sussurrou antes de fechar os olhos e dar uma longa tragada, com o rosto quase colado ao meu e, antes que eu pudesse me controlar, estava mordendo levemente o lábio inferior ao observar a cena – O que é isso? – ele apontou para as duas garrafas de vinho ao meu lado.
- Vamos criarmos memórias – recobrei meus sentidos, sorri e peguei uma das garrafas, segurando a rolha e fazendo força até que a mesma estourasse em minha mão. Dei um longo gole no gargalo sentindo uma onda de prazer assim que minha língua reconheceu o conhecido sabor adocicado do vinho. Eu realmente precisava de álcool.
Passei a garrafa pra e, pela primeira vez desde que ele chegara, passou por minha mente. Não em vão – mas pelo fato de que noites a fora bebendo vinho e conversando em qualquer lugar no meio da madrugada eram rotina para nós dois algum tempo atrás.
Não pude evitar um sorriso - que passara despercebido pelo garoto graças à garrafa que era entornada. Não por minhas lembranças. Mas por ter conseguido me distrair da tempestade em minha mente, mesmo que por alguns segundos.
- Vem! – disse enquanto levantava, pegando a garrafa ainda fechada ao meu lado e seguindo para o caminho que adentrava a floresta bem a nossa frente. Não precisei olhar pra trás para saber que caminhava em meu encalço – Você deve confiar demais em mim pra me seguir até o meio das árvores sem ao menos perguntar onde estamos indo.
- Sabemos que você é quem deveria ter medo.
- Não tenho medo de você – apesar do arrepio na espinha diante de sua quase-ameaça, forjei uma voz firme com a certeza de que não havia o convencido.
Andamos alguns poucos minutos em completo silêncio, exceto pelos nossos passos esmagando as folhas e as bebericadas que, vez ou outra, dávamos na garrafa.
- Certo. Aqui está bom – parei repentinamente e sorri.
- Você sabe que continuamos no meio do nada, né? – ele arqueou as sobrancelhas e passou a o vinho aberto para eu dar mais um gole.
- Claro que não! Presta atenção – apoiei as duas garrafas no chão enquanto sentava no espaço de grama vazio, ao lado de uma das árvores mais altas por ali, e dei mais um gole antes de voltar a explicar – Estamos longe o suficiente das casas para que ninguém perceba que a gente está aqui, mas não longe o suficiente pra que a gente não possa aproveitar um pouquinho da iluminação delas. E, se a gente ficar em silêncio... – pausei a fala por um segundo – dá pra ouvir o som de correnteza de algum lago por aí.
fez uma cara engraçada, como se quisesse rir do que eu acabara de falar.
- Tem um lago por aqui? – ele indagou ao sentar e tomar a garrafa da minha mão novamente para um gole.
- Não sei. Nunca cheguei até lá – soltei uma breve risada – Pode ser um rio também. Mas lago soa mais bonito, não acha?
Ele observou meu rosto por alguns segundos sem dizer nada. Tinha uma expressão serena – aquela que não me deixava adivinhar nem um por cento do que se passava ali dentro.
- Vai me contar porque estava aqui fora de madrugada? – disse, depois de um tempo, arrancando-me um olhar repreensivo.
- Eu já te disse. Não conseguia dormir.
- E eu já te disse que não acredito em você – o tão perturbador sorriso apareceu em seus lábios. Mas, dessa fez, eu não consegui detestá-lo. Não conseguir ficar irritada ou qualquer coisa do tipo. Talvez fosse o álcool começando a fazer efeito, ou as tantas horas sem dormir, mas eu só conseguia... rir.
- Qual a sua história? – peguei emprestado o seu hábito de mudar de assunto e não responder perguntas.
- O que quer dizer?
- O que faz da vida? Porque está aqui? Me conte algo sobre o enigma – e mais um gole.
- Bom... Eu sou incrível – ele estufou o peito em um meio sorriso e eu estreitei as sobrancelhas – O que quer saber?
- O que quiser me contar – abracei as pernas contra meu corpo enquanto observava ele dar mais um gole.
- Quer saber como vim parar aqui? – parecia uma pergunta retórica, uma vez que ele mirava o céu enquanto eu assentia – Não sou uma ótima pessoa, mas isso você já sabe – deu um sorriso fúnebre – Me meti em algumas brigas em Oxford. Por diferentes motivos, e com diferentes pessoas. Não queira saber muito.
Ele parou um segundo e pensei que aquilo era uma deixa pra eu me pronunciar.
- Por isso veio pra cá? – indaguei, sem saber bem o que dizer.
- Em parte – ele suspirou e passou as mãos pelos cabelos – As coisas foram ficando mais sérias, até chegar ao ponto de eu machucar mais as pessoas à minha volta do que a mim. Então eu deixei tudo pra trás e voltei pra cá, pra realizar o sonho do meu pai de assumir a empresa da família. Essa casa... Era algo temporário até eu achar algo mais perto do centro. Mas as coisas ficaram interessantes por aqui.
Eu sabia que ele estava falando de mim.
- O que quis dizer com “ficando mais sérias?” – perguntei e, pela primeira vez em longos minutos, ele me olhou. levou a mão até a gola da jaqueta e a puxou pra baixo junto com a camiseta, revelando uma cicatriz que ia do ombro até o começo do seu peito, que fora, claramente, deixada ali por uma faca.
Senti o ar sair dos meus pulmões enquanto um silêncio incômodo se instalou entre a gente. Tinha certeza que uma expressão de pânico dominava meu rosto.
- Não faça parecer pior do que é – o garoto deu de ombros, voltando seu olhar pro nada.
Aquele não parecia ser um assunto muito agradável pra ele.
- O que você faz na empresa?
- Tomo decisões – ele entortou os lábios – É uma empresa de construções. Aprovo projetos de arquitetura, sendo mais especifico.
Parecia algo interessante a se fazer. Sabe como é, olhar para aquelas obras de quarenta andares e saber que elas só estão ali porque você permitiu. Esse era o tipo de controle que eu gostaria de ter.
- Ele deve ter ficado orgulhoso – sorri, sem que ele pudesse ver – Seu pai.
- Ele sofreu um acidente de carro há alguns meses. Mas tenho certeza de que ficaria.
- ... – seu nome deslizou a forma mais compassiva de meus lábios e só então percebi que havia tomado a liberdade de lhe chamar pelo nome pela primeira vez – Eu sinto muito.
Ele assentiu, com uma expressão melancólica no rosto. A embriaguez, combinada com suas palavras tristes, me tomaram em uma vontade imensa de abraça-lo. Todo o desprezo que eu jurava sentir pelo garoto à minha frente pareceu dar lugar a um sentimento profundo de clemência.
- vai me pedir em casamento – as palavras escaparam de minha garganta e a situação pareceu mais real que nunca. Não sabia ao certo porque estava dividindo aquilo, mas me pareceu o certo a fazer depois do que ele me contara.
Ele direcionou o olhar calmamente em minha direção, com uma expressão totalmente vazia.
- E como você pretende recusar?
- Como sabe que vou recusar? – meneei a cabeça negativamente ao soar um tanto estridente
- Você não acredita em relacionamentos. Lembra?
Era verdade.
Alcancei a garrafa em suas mãos e virei o que restava de vinho ali em um só gole.
- Eu só não entendo – suspirei, deixando meus ombros caírem – Relacionamentos são complicados e as pessoas sempre se machucam. Todo mundo parece estar atrás da pessoa certa, mas fala sério, você já não esteve em relacionamentos o suficiente pra descobrir que a pessoa certa não existe? – respirei fundo – Eu queria ser tão corajosa quanto a Holly Golightly.
Ele arqueou as sobrancelhas ao inclinar o corpo um pouco para trás.
- Acho ela superestimada.
Abri a boca, exagerando o quanto ficara chocada com a sua constatação.
- Acho que você não assistiu o filme direito – passei o vinho pra ele – Vou te obrigar a ver Breakfast At Tiffany’s quantas vezes forem necessárias para você entender a complexidade dela e admitir que é o melhor filme já feito.
- Isso significa que você vai assistir comigo? – me limitei a ficar em silêncio ao desviar o olhar sob a sua expressão provocativa.
Tyler Durden. Era ele quem me lembrava, sem sombra de dúvidas. O icônico personagem de Brad Pitt em Fight Club. O típico bad boy, mulherengo, caótico e – como agora eu sabia – com uma queda por uma boa briga.
Era a primeira vez em um longo espaço de tempo que não me sentia mal, ou, de certa forma, ameaçada por estar com ele. Acabara de ter a maior crise até os meus vinte e poucos anos e minha mente estava incrivelmente relaxada enquanto conversávamos sobre um dos meus assuntos preferidos: filmes.


Capítulo 08


- Você comeu tão pouco – a voz de era preocupada ao desligar o carro na garagem de nossa casa.
Minha cabeça doía absurdamente e eu não conseguia nem raciocinar para responder. havia aproveitado o sábado para me levar pra jantar. Passei a noite inteira me preparando para vê-lo se ajoelhar ao lado da mesa, mas pra minha sorte, esse momento não chegou.
Quando ele me convidou para sair eu tinha certeza de que ele ia propor, e então a minha coragem me deixou na mão mais uma vez. Não consegui falar nada.
Mas estávamos aqui, de volta a nossa casa, e o nó que se formara em minha garganta só parecia mais apertado, me sufocando lentamente.
sabia que algo estava errado. Eu não estava agindo naturalmente e tinha consciência disso.
Abri a porta do carro e a tontura me atingiu assim que firmei os pés no chão. Caminhei em passos rápidos até a porta de nossa casa, destranquei e parei logo na sala.
Observei o tapete branco felpudo, que eu tinha encontrado em uma super promoção na Ikea e que me fez passar dois dias sem falar com quando ele derrubou uma taça de vinho tinto em sua borda. O sofá preto, que já fora o palco de tantas conversas jogadas fora no meio da madrugada e presenciara algumas noites de sexo incrível. A singela bancada que dividia o ambiente com a cozinha, onde se apoiava todas as manhãs para me desejar um bom dia, acompanhado de um beijo carinhoso.
O pânico súbito tomou conta de meu corpo. Eu não podia fazer isso com ele. Não podia entrar naquela casa mais uma vez, fingindo estar tudo bem. Não era justo comigo. Mais do que isso, não era nada justo com ele.
- ... – chamei, com a voz fraca.
- ? Está tudo bem? – ele andou rápido e parou em minha frente, arregalando os olhos ao perceber que os meus estavam marejados.
Senti meu peito apertar. Depois minha garganta e meus olhos.
Vamos lá, . 4 palavras. Eu encontrei o anel. Não pode ser tão difícil assim.
- E-eu ...
Fraca.
- Está me deixando preocupado – seu olhar era suplicante e só então percebi que ele me segurava pelos ombros, como se tivesse medo que eu desabasse em sua frente.
- Pode me levar até o píer?

xx


O vento forte fazia o cabelo chicotear quase que violentamente o meu rosto, mas eu não me importava. Aquele lugar me trazia tantas lembranças...
Tantas noites foram viradas por ali. Costumava ser nosso lugar preferido.
O píer não ficava na cidade, e sim em Brighton. Há pouco tempo atrás, fronteiras e limites não existiam pra gente e uma viagem de quase duas horas era resolvida com alguns minutos, muita velocidade e alguns copos de bebida.
Nada prudente, admito. Mas a diversão e a adrenalina costumavam compensar.
- Faz quanto tempo que não a gente não vem aqui? – se debruçou no deck de madeira ao meu lado.
- Cinco meses – tinha a resposta na ponta da língua e a lembrança fresca na memória – Desde que você resolveu que seria uma boa ideia nadar ate Portsmouth.
Ele riu e eu não pude deixar de acompanhar.
- Era uma ótima ideia. Se Ethan fosse um pouco mais rápido, teria dado certo.
Me virei pra ele, um tanto indignada.
- Você desistiu antes de mim, !
- Isso não é justo. Eu senti algo passando por mim e podia perfeitamente ser um tubarão. Era questão de vida ou morte – e caímos na gargalhada.
Por alguns segundos.
E então os risos cessaram e nossos olhares, cumplices, se cruzaram.
- Vai me contar aconteceu?
Respirei fundo e ponderei o que de pior podia acontecer. Lembrei de Noah e de como ele fazia parte das primeiras memórias por ali - mas não das últimas, quando resolvi, mais uma vez, estragar tudo.
E então me lembrei de algo muito importante, que tinha esquecido de colocar na balança esse tempo todo.
não era Noah.
não era como nenhum outro cara.
- – mordi o lábio e desviei o olhar para o chão - Porque quis ficar comigo? Ou melhor, porque ainda quer?
Não era necessário olhá-lo para saber que aquilo tinha o pego de surpresa. Suas mãos se movimentaram, inquietas, e ele deu um passo em minha direção.
- Acho que... – ele suspirou antes de recomeçar – Acho que é só uma daquelas coisas que não tem explicação. Uma namorada nunca fez parte dos meus planos, mas se tinha que ser alguém, não tinha dúvidas de que esse alguém era você.
- Porque, ? – minha voz era esganiçada e meu coração parecia estar sendo esmagado.
- É difícil ficar ao seu lado por uma hora e não te querer por mais cinco. É difícil experimentar a sua boca e não querer mergulhar nela mais um pouco. É difícil não te ter por perto – ele sorriu, de uma forma quase triste – É difícil não se apaixonar por você. Te conhecendo da forma que eu conheço? Encare os fatos, . Era impossível.
O gosto salgado atingiu meus lábios uma, duas, três vezes. Meu choro era silencioso, mas um grito ensurdecedor parecia percorrer meu corpo e ecoar em minha cabeça.
Ele só havia confirmado o que eu sabia há muito tempo: eu não o merecia.
- Preciso de um tempo, . As palavras cortantes subiram pela minha garganta, fracas e secas. Seu olhar procurou o meu, mas ele não parecia surpreso. Apenas... triste.
- Tempo? – seus lábios tremiam. Céus, eu era um monstro.
- Eu achei o anel – disparei de uma vez, antes que perdesse a coragem de falar, e escondi meu rosto com as mãos – Você me conhece, . Pra mim grandes decisões não são tomadas da noite pro dia. Essa vida... Essa vida não é minha. Essa não sou eu.
Meu rosto foi invadido de vez pelas lágrimas e um soluço escapou de minha garganta. já não me olhava mais – seus olhos fixavam o chão, pensativo.
- O que está tentando me dizer? – seu tom de voz era duro, machucado como eu nunca havia visto antes. E isso fisgou o meu coração, em um aperto dolorosamente triste.
- Eu não posso ser ruim o suficiente pra aceitar ficar com você se não posso oferecer qualquer tipo de evolução em nosso relacionamento. Não posso ser egoísta e ficar com você pelo simples medo de perder sua amizade.
Uma lágrima solitária fez com que seus olhos brilhassem e ela logo molhou o lado direito de seu rosto. Eu me sentia, definitivamente, a pior pessoa do mundo. Como deixei as coisas chegarem a esse ponto pra dizer algo?
- Você sabe como penso sobre esse lance de tempo.
Sim, eu sabia. Era o mesmo que um término, pra ele. Mas eu não conseguia colocar nesses termos.
- Me desculpe – era sincero e suplico.
- Você me amou? – um sorriso fraco iluminou meu rosto, em meio a uma chuva intensa de lágrimas ao ouvir suas palavras.
- Eu te amo. No presente. Mas... Não do jeito que você quer.
O problema não era com ele. E sabia disso. Eu não sabia se era capaz de amar alguém dessa forma. O que era o amor, afinal? Como eu podia afirmar sentir algo sendo que nem sabia o seu real significado?
- Há quanto tempo sabe disso?
- Tempo demais – mordi o lábio, a culpa tomando conta de mim - Não quero te perder, . Você é a melhor pessoa que já conheci.
Ele soltou um suspiro pesado enquanto passava as mãos pelos cabelos. A ausência de resposta para minha pergunta fez-me sufocar. Eu não conseguia me imaginar em um mundo sem meu melhor amigo.
Ouvi-o fungar baixinho entre os dedos que agora escondiam parcialmente seu rosto. Ele precisava ficar sozinho. E eu entendia isso.
Fiquei na ponta dos pés e dei um beijo demorado em seu rosto. Seu cabelo tinha o cheiro do shampoo de hortelã que eu tanto gostava. Eu precisava de um pouco de ar, e me sentia na obrigação de um pouco de espaço pra .
Fui pega de surpresa pela mão de segurando o meu pulso assim que tentei dar um passo para trás. O encarei, sem entender direito, e com o coração apertado ao ver sua expressão. Só havia dor ali, mais nada.
escorregou seus dedos até o meu ombro e só parou ao alcançar meu rosto, fazendo um carinho gostoso ali com o polegar.
- Você tinha que colocar meu vestido preferido pra isso? Sorri fraquinho, e foi a deixa para que mais algumas lágrimas caíssem. Eu odiava chorar em frente de qualquer pessoa, mas no momento isso não importava. Estava usando um vestido vermelho com várias camadas de tecido fluido, que ficavam transparentes à medida que chegavam aos meus pés. O decote da frente singelo, mas pequenas pedrinhas brilhantes o enfeitavam. Tinha comprado pra um aniversário de , alguns anos atrás – e é claro que ele se lembrava disso.

xx

me deixou na porta de casa após um longo caminho em desagradável silêncio. Sua voz só saiu, trêmula, ao me avisar que precisava dar uma volta para esfriar a cabeça. Ele sabia que eu não estaria ali quando ele voltasse - e eu sabia que ele não queria presenciar essa cena.
Por mais que soubesse que não devia, eu me sentia inescrupulosa. Uma vadia sem coração. Qual fora meu erro, afinal? Não conseguir retribuir o amor que em sentia por mim? Não era o tipo de coisa que eu podia controlar... E céus, só eu sabia o quanto havia tentado me obrigar àquilo. Sempre pensei que, ao descarregar toda a dose de sinceridade em , eu me sentiria aliviada. Triste, preocupada, e todas essas merdas também, é claro, mas... O alívio sempre fora uma certeza incontestável. Estaria contando a verdade para o meu melhor amigo após tanto tempo, afinal. Mas sensação de alívio nunca chegou ao meu corpo. Na verdade, em seu lugar, um nó se formara em minha garganta e o sentimento de angústia era o que me dominava.
Respirei fundo, tentando inutilmente conter as minhas lágrimas. Sabia que o estado de , um tanto longe dali, não era muito diferente do meu. Eu devia ser a ultima pessoa a fazê-lo sofrer e saber que fui eu quem colocou as lágrimas em seu rosto era devastador. Meu corpo parecia entorpecido. A impressão que tinha era de que se eu levasse um tiro, nem sentiria a dor.
Meu ritmo era lento, letárgico. Demorei muito mais tempo do que o necessário para subir as escadas e fazer uma mala com algumas de minhas roupas e outras coisas.
Agora, estava estática.
Ao me ver parada novamente em frente à minha antiga casa e com uma mala em mãos, percebi que eu não sabia pra onde ir. A casa de Bex e Ethan era longe dali – não que isso fosse um problema, mas eu certamente não queria ter que explicar tudo a minha amiga nesse instante – é claro que ela me confortaria, mas não sem antes me crucificar.
A casa de meu irmão era meu único destino garantido. Mas Matt só chegaria amanhã.
Matt. Pensei em como daria a notícia ao encontra-lo no aeroporto. Ele sempre fora extremamente protetor comigo e era um verdadeiro milagre o jeito que gostava de .
Ir à um lugar cheiro como o shopping ou uma cafeteria estava fora de cogitação.
E bater na porta quase ao lado de minha casa também deveria ser. Mas eu não podia pensar demais, certo? Deixei-me ser impulsiva noite passada e até que ela foi bem... Agradável, na falta de palavra melhor.
Passos lentos e incertos me levaram à porta cinza clara de e meu corpo congelou diante dela, sem saber o que fazer. Senti minhas mãos temerem e os nós dos meus dedos endurecerem enquanto tomava coragem para apertar a sua campainha.
Olhei a minha volta, certificando-me de que não havia ninguém por perto. Já devia passar da meia noite e a falta de movimento por ali era perfeitamente comum nesse horário. Bem... e em quase todos os outros.
Não que eu estivesse fazendo algo errado – embora me sentisse assim – mas a última coisa que eu precisava era que pensasse que eu o deixara por outra pessoa. A situação, claramente, não era essa. E magoá-lo mais do que o necessário estava fora de cogitação.
Dei três batidas firmes na porta, que foram sucedidas de um silêncio um tanto constrangedor.
Mais três batidas.
E nenhuma resposta.
Ótimo, .
Ele não estava em casa.
Talvez fosse melhor assim.
Não tinha nem pensado no que dizer. Contaria que terminei com meu namorado e pediria para chorar em seu ombro? Isso, definitivamente, não era a minha cara. E muito menos a dele.
E não éramos tão próximos assim. Nem éramos ao menos próximos, na verdade. Ele só era o tipo de pessoa que eu precisava agora: que não me julgasse, não fizesse tantas perguntas e não se importasse comigo ao ponto de se preocupar.
Ok, o quão depressiva estou soando agora?
Pisquei algumas vezes, na falsa ilusão de que as lágrimas se amenizaram. Ainda sem um lugar em mente para ficar, comecei a andar sem uma direção certa. O jardim da casa de era completamente aberto – apenas uma cercada de madeira branca e baixa marcava o perímetro que dividia a sua casa das outras duas vizinhas.
Da minha janela de trás eu já havia observado os fundos de seu jardim – não tinha muita coisa lá, apenas algumas árvores e um conjunto de mesas e cadeiras de madeira escura. Seria considerado invasão se eu me escondesse lá por alguns segundos?
Com a minha mala em mãos, contornei sua residência pela lateral, e não demorei a me aconchegar em uma das prometidas cadeira - que, não pude deixar de reparar, eram ainda mais bonitas de perto com toda a sua pompa moderna.
Estava bem escuro por ali. As luzes que escapavam das janelas eram toda a iluminação que o ambiente tinha. O cenário perfeito pra um dos filmes de terror que eu tanto gostava. Apesar de minha vida parecer mais assustadora do que todos eles juntos no momento.
Recolhi minhas pernas e abracei-as junto ao corpo. O meu choro tinha cessado um pouco, mas eu não podia me atrever a pensar muito na cena de poucas horas atrás, pois tinha certeza que ele voltaria de uma só vez. Concentrei-me em manter a mente limpa, mirando a floresta por entre a fresta que as duas casas à minha frente deixavam.
Um gosto amargo encheu minha boca assim que ponderei que teria que mudar dali. Era bastante irônico: passei tanto tempo torcendo pra me ver livre da atmosfera vazia daqui, e agora me sentia mal por ter que deixa-la.
Típico de mim, na verdade. Nunca estar satisfeita era algo constante em minha vida. Triste, mas real.
Remexi-me na cadeira, abraçando meu corpo um pouco mais – tarefa que parecia difícil com todos os tecidos de meu vestido se embolando. Estava me sentindo um tanto... Observada. Percorri os olhos vagamente pelos arredores, mas não achei ninguém. Era sábado à noite, dificilmente veria alguém por ali.
Troquei de posição na cadeira mais uma vez, desconfortável, pois a sensação não havia passado. E quando eu vasculhei o local com olhos mais uma vez, achei que havia abandonado toda e qualquer sanidade mental existente em mim.
estava me encarando fixamente.
Sua expressão não era das mais amigáveis e seus olhos brilhavam de um jeito diferente.
Mas, pela primeira vez, não foram eles me chamaram mais atenção. Eu podia vê-lo pelo espaço deixado pela cortina branca, que caía semiaberta e esvoaçante por trás das amplas portas de vidro que davam acesso ao jardim. O garoto estava sem camisa e um par de mãos com unhas perfeitamente pintadas de vermelho sangue deslizavam em seu peitoral. Uma menina beijava seu pescoço. Estava de costas para mim e tudo que eu podia ver era seu cabelo negro caindo em uma cascata perfeita pelos seus ombros. Ela também não vestia uma camisa - apenas uma saia azul e um sutiã preto.
Merda. Merda. Merda.
Meu estomago embrulhou. Eu estava atônita, estática. Queria sair correndo dali, mas meu corpo era incapaz de se mexer.
Sem quebrar o contato visual comigo, segurou a menina pelos ombros e a afastou delicadamente. Seu cenho estava franzido e seu maxilar, tenso, se mostrava ainda mais proeminente.
Fui pega de surpresa quando a garota virou-se pra mim. Ela era muito bonita. Parecia uma modelo com traços latinos e pinta de atriz pornô. Aparentava ser um pouco mais velha que eu – chutaria uns 28 anos.
Sua expressão era tão surpresa quanto a minha, mas algo parecido com raiva também brilhava em seus olhos. Talvez pelo fato de simplesmente ignorá-la, mesmo seminua e oferecida do jeito que estava.
Ele, por sua vez, parecia desconcertantemente calmo para aquela situação.
E então, pra minha surpresa, pegou uma blusa branca no chão, depositou na mão da menina e abriu a porta de vidro que nos separava.
Ele não ia fazer isso.
- Mas o que...? - a voz estridente da garota ecoou em meus ouvidos. Fiz menção de dar meia volta e sair correndo, pois não sabia onde enfiar a cara após atrapalhar o que obviamente estava acontecendo ali.
- Nem pense nisso – ele apontou pra mim e o tom grave de sua voz provocou um sobressalto em meu peito, me fazendo parar subitamente - Acho que está na hora de você ir - ele falou pra garota-do-sutiã, sem ao menos olhá-la direito.
- Está falando sério? – ela colocou a mão no peito e sua boca se abriu em um perfeito O. Claramente não parecia o tipo de menina a ser dispensada - Vai me trocar por... Isso? – ela apontou com a cabeça pra mim, a expressão de desdém dominando seu rosto.
Qualquer piedade que eu pudesse sentir por ela havia se esgotado em sua última frase. Eu sabia que devia estar deplorável, com a maquiagem borrada e os cabelos bagunçados, mas não era óbvio que estava chorando segundos atrás?
- Saia. Agora – ele rosnou.
A garota soltou um palavrão, visivelmente puta e constrangida. Esticou a blusa que ele havia a entregado em frente ao corpo e adentrou a casa bufante e em passos duros, se direcionando ao que me parecia ser a porta da frente.
- Você não precisava ter feito isso - minha voz saiu mais fraca enquanto eu levantava e andava em sua direção.
Parecendo mais calmo do que nunca, ele alcançou uma blusa cinza no chão e vestiu-a rapidamente. Depois parou por alguns segundos, enquanto revezava o olhar entre eu e a pequena mala rosa ao meu lado.
Com certeza ele havia entendido.
- Vem – sua voz parecia uma ordem e, no estado frágil em que me encontrava, eu nem conseguia pensar em não obedecê-lo.
Sua casa era tão... Branca. Os móveis eram modernos, bonitos e bem cuidados. E todos brancos. Poucos objetos enfeitavam as superfícies e uma enorme TV pendurada à parede em frente ao sofá – pasmem – branco me fez pensar se ele gostava tanto de filmes quanto eu.
pegou um moletom azul marinho de cima de uma espécie de cômoda e jogou em meu colo assim que sentei no sofá.
- Está frio – disse simplesmente, dando a entender que era pra eu vestir. Fiquei um pouco tonta quando encaixei a peça no corpo e seu cheiro tomou conta de meus pulmões.
- Obrigada.
Ele estava diferente. Sério, quase antipático. Não parecia nada com o cara de noite passada.
- Está arrependida?
Balancei a cabeça lenta e negativamente.
- Não sou muito bom com conselhos amorosos – parecia tão desconfortável quanto eu ao sentar no outro extremo do sofá.
- Não sou muito boa falando sobre meus sentimentos.
- Dizem que tomar um porre é bom nessas horas – em qualquer outro momento seu tom me pareceria extremamente provocativo ao dizer isso, mas hoje não – Não que eu saiba.
Não sabia julgar se era uma piada ou se ele realmente nunca estivera em relacionamento sério ou duradouro.
- Quem te deixou assim? – não me importei em ser curiosa. Jogaria a culpa em meu péssimo estado mais tarde.
- O que quer dizer?
- Cético sobre relacionamentos. Sabe como é, todo mundo diz que alguém ou algo nos causa algum tipo de trauma e isso justifica todas as merdas que fazemos.
Ele sorriu um pouco.
- Foi você quem acabou de recusar um pedido de casamento. Quem te deixou assim?
Sua voz tinha recuperado o ar de provocação.
Ninguém e todo mundo. Seria essa uma resposta complexa o suficiente? Eu realmente não queria falar sobre isso.
- Acho que vou aceitar a bebida.


Capítulo 09

- Tem certeza que ele disse às 15h? – Ethan perguntou pela milésima vez e eu quase voei em seu pescoço. Que tipo de irmã de merda eu seria se me esquecesse do horário de chegada do avião do meu irmão que eu não via há anos?
- Bex, dá pra pedir pro seu namorado calar a boca? – minha voz era estridente e nervosa, assim como o meu atual humor.
Estávamos há pelo menos 1 hora esperando Matt chegar. O voo provavelmente tinha atrasado e meu estomago já estava dando cambalhotas de ansiedade.
Não apenas por ver meu irmão, mas estava tomando coragem de contar a ele tudo o que tinha acontecido e, de quebra, perguntar se eu podia morar com ele por um tempo. Não acho que ele ia negar, mas era uma situação desconfortável. A presença diária de sua irmã certamente teria algum efeito em sua vida de solteirão-que-pega-todas que ele tanto gostava.
Eu estava sem um teto, oficialmente. Não que tivesse me expulsado, mas eu não era cara de pau o suficiente para dar um pé na bunda do cara e ainda pedir um quarto em sua casa. Além disso, o clima entre nós dois certamente estaria estranho – o que apertava meu peito só de pensar. Seria pra sempre assim? Era a pergunta que insistia em bater em minha cabeça, mas eu lutava com todas as forças para afastá-la e jurava a mim mesma que o tempo curaria tudo.
Embora não tivesse tanta certeza assim.
até me convidara a passar a noite passada em sua casa após um copo de cerveja, mas a oferta parecia simples educação pelos rastros de lágrimas em meu rosto. Então liguei pra Ethan, que veio me buscar com a promessa de que não contaria pra Bex de que eu estava na casa de . Ele foi extremamente compreensível e até se ofereceu pra pegar mais algumas roupas pra mim. Ethan sabia a namorada que tinha e essa era uma notícia complicada de dar a ela, que com certeza viria acompanhada de alguns julgamentos se ela soubesse que tinha corrido pra casa de outro cara assim que terminei com .
É claro que contei toda a situação do anel de noivado e do término pra ela, e arriscaria dizer que ela ficou quase tão triste quanto eu.
Mas todo o resto tinha que ser dito aos poucos.
- É o Matt! – voltei à realidade assim que Bex gritou, dando alguns pulinhos e apontando pra frente.
A sensação aconchegante que tomou conta do meu peito no instante em que botei os olhos em meu irmão era inexplicável. Ele carregava uma mala de rodinhas pequena e eu ri, com a certeza de que toda a bagagem estava ali.
Não consegui me conter. Corri em sua direção e voei em seu pescoço, sendo recebida por seus braços firmes e apertados em minha volta.
- Caralho, que saudade de você! – me desvencilhei para olhar pra ele. Seus cabelos estavam um pouco mais compridos e a barba estava por fazer. Fora isso, Matt não tinha mudado nada.
- Como conseguiu ficar ainda mais linda? – ele sorriu ao fazer um carinho engraçado no topo da minha cabeça.
- Quer dizer que a lenda está de volta – Ethan brincou, se aproximando pra cumprimentar meu irmão.
- Ouvi dizer que vocês dois estão noivos – ele apontou para o casal - O que aconteceu, Ethan? Perdi um soldado? Espero que ainda não tenha planejado a despedida de solteiro. Ninguém faz isso melhor do que o mestre aqui – a cara de Bex era impagável, mas ela logo amenizou quando Matt a puxou para um abraço apertado.
Esse era meu irmão.
Alegre, comunicativo, e capaz de fazer todos o amarem em cinco minutos de conversa.
O exato oposto de mim.

xx


Matthew ficara um pouco mais abalado do que eu pensei quando contei tudo sobre . Eles não eram exatamente melhores amigos, mas sempre se deram muito bem. Embora eu achasse que isso tinha muito mais a ver com Matt odiar ver a sua irmãzinha solteira e ele saber que era simplesmente o melhor cara do mundo quando o assunto era eu.
E isso ficou bem claro quando fui obrigada a ouvir um discurso sobre como todos os amigos dele não prestavam e que, para o “meu bem”, era melhor ficar longe deles na festa que havia acabado de começar em sua casa.
Correção: nossa casa.
Aproveitei o exato momento em que ele estava extasiado demais ao colocar as bebidas no freezer para a sua “incrível festa de boas vindas” e perguntei se podia passar um tempo com ele. Talvez fosse a saudade, mas ele pareceu extremamente feliz com a ideia.
Com os olhos fechados, um copo de vodka na mão, a música explodindo na caixas de som e o corpo mexendo em um ritmo quase frenético, aquele fora o primeiro momento em que me senti completamente bem desde a noite passada.
Seria uma mentira e tanto se eu dissesse que não estava em clima de festa. Eu sempre estava no clima para uma festa como aquela.
- É estranho ver você sem . Principalmente em um lugar como esse - Ethan fez uma careta ao roubar o copo da minha mão e dar um gole enquanto Bex o repreendia com o olhar e dava um beliscão em seu braço. Tinha certeza que na cabeça dela aquilo tinha parecido discreto.
- Eu posso ouvir o nome dele - rolei os olhos pra minha amiga enquanto parava de dançar – Tudo tem sido estranho, Ethan. E eu preciso de mais bebida.
Puxei o copo da mão dele para roubar o último gole e dei as costas para ir até a cozinha. Eu não estava tão desesperada por álcool assim, mas era visível que meus amigos estavam preocupados comigo e eu não queria estragar a noite – eles mereciam aproveitar.
Era impressionante a quantidade de gente que se amontava e se espalhava naquele antigo casarão. Algumas bebiam, outras dançavam e outras apenas conversavam alto demais para estarem sóbrias.
Era o tipo de lugar que tinha a cara de Matthew. Uma típica festa de fraternidade, com o ressalto de que ele e todos seus amigos já passavam dos trinta.
Se você já assistiu American Pie – O Reencontro, sabe exatamente do que eu estou falando. E aquele não era o tipo de filme que eu me orgulhava em dizer que assisti para poder fazer essa comparação em alto e bom som.
Não pude deixar de me perguntar como meu irmão conseguiu convidar tanta gente assim em um domingo, ainda mais fazendo alguns bons anos que não pisava em Londres.
Deixei os copos de lado assim que cheguei à cozinha e vi uma garrafa de cerveja no freezer, sem nem pensar o estrago que a mistura me causaria mais tarde - eu merecia um porre hoje.
Um pouco mais adiante, as duas portas de madeira que davam para o quintal de trás estavam abertas e algumas pessoas já pulavam na piscina de roupa e completamente alcoolizadas. E nem eram oito horas da noite. Matthew estava ali, em meio a uma roda de amigos e com os braços em volta de duas garotas: uma loira meio sem sal e uma garota de cabelo curto e muitos piercings no rosto.
Andei em sua direção, meio sem intenção de parar ali, mas fui obrigada a deter o passo assim que alguém gritou ao meu lado.
- Caraca. , é você?! – minha expressão de espanto foi nítida ao me virar para um dos caras que conversavam com Matt.
Ele era alto, bronzeado, tinha o cabelo castanho claro e ondulado caindo um pouco em seu rosto e um sorriso de arrasar quarteirões.
- Brandon? – mal falei seu nome e o garoto me puxou pra um abraço apertado. Quer dizer, seus braços envolveram meu corpo e eu continuei segurando a minha bebida enquanto ria da cena.
Brandon era um dos amigos mais antigos de Matt – e um dos mais legais também. Não o conhecia direito, mas ele sempre fazia questão de me cumprimentar e perguntar como andava minha vida. E ele nunca dava em cima de mim, o que era certa raridade entre os amigos babacas do meu irmão que mal sabiam o meu nome.
- Limites, por favor! – a voz de Matt saiu arrastada enquanto ele apontava pro amigo e eu rolava os olhos.
- Ela já não é mais criança, Matthew – um ruivo com músculos demais retrucou, com a voz claramente maliciosa. Esse eu não conhecia, ou ao menos não me lembrava.
- Obrigada, mas sei me defender sozinha – olhei com desprezo ao dar mais um gole em minha bebida em meio a alguns gritos de zombeteiros, todos direcionados ao garoto que tinha acabado de falar.
- Muito bem, maninha – Matt brincou quase sem tirar a boca do pescoço da loira.
- Olha só quem resolveu aparecer!
Eu estava prestes a sair dali quando a voz de Brandon me chamou atenção novamente, obrigando-me a seguir o seu olhar.
Me belisquei. Literalmente me belisquei.
O que ele estava fazendo ali?
E abraçado com uma peituda que, claramente, não era a mesma garota da noite passada?
- , mal chegou e já está deixando todos pra trás. Esse é o meu garoto!
E porque meu irmão estava falando com ele como se o conhecesse?
E porque ele não parecia nada surpreso em me ver ali?
Minha mente ainda tentava processar o turbilhão de perguntas que surgiam quando e seu cheiro de cigarro mentolado passaram por mim.
Mas foi quando eu o vi cumprimentar Matthew com um toque de mão e um abraço meio desajeitado que percebi.
Porra.
Eu realmente sei como ele sabia meu nome.
Eu já conhecia .
Mais que isso.
Eu já tinha beijado .


Capítulo 10

Londres, 4 anos atrás

Entre as milhares de coisas boas que Matthew me ensinara, o gosto por grandes clássicos do cinema era a melhor delas. Eu era encantada pelo cinema antigo; as roupas, os cenários, a paleta de cores que parecia mais suave pelo falta de qualidade da imagem e o ritmo mais lento das cenas.
E, em especial, pela Audrey Hepburn.
Os filmes da Audrey se tornaram uma espécie de válvula de escape pra mim: quando as coisas não estavam muito bem, assistir Sabrina ou Funny Face certamente faria eu me sentir melhor.
E em casos extremos eu sempre recorria à Breakfast At Tiffany’s, é claro.
Pode até parecer ridículo, mas era reconfortante assistir um filme pela milésima vez e saber como ele terminava. Eu sentia como se estivesse no controle – e eu realmente amava estar no controle do que quer que fosse.
Naquela sexta-feira à noite em particular, tudo estava uma merda.
Eu tinha brigado com Matt por qualquer besteira aleatória.
Pela primeira vez, tinha me sentido infeliz com a minha escolha de carreira. O último ano da faculdade estava cada vez mais próximo e publicidade não me parecia a opção mais atrativa. Quem disse que tínhamos que escolher o que fazer para o resto da vida aos 17?
E tinha acabado de descobrir que meu então pseudo-namorado, Heath, estava pegando a minha melhor amiga, Calla.
Não que eu me importasse com ele. Era com ela que eu estava puta.
Quando o letreiro de My Fair Lady apareceu na TV eu estava decidida a descer e atacar um pote de sorvete de flocos com direito a calda de chocolate e tudo, mas vozes que ouvi ao chegar no corredor e bater a porta do meu quarto atrás de mim quase acabaram com meu plano. Matt e seus amigos provavelmente estavam bebendo e sendo idiotas como de costume na sala, mas a minha necessidade de açúcar no momento era grande demais pra eu me importar.
Desci as escadas e passei rápido pelo pequeno corredor que separava a sala e a cozinha - por sorte, ninguém me viu. Tudo o que eu não queria eram olhares de piedade para os meus olhos inchados e os amigos insuportáveis de Matt pegando no meu pé. Tirando as garotas nojentas com quem ele fazia questão de andar e me bajulavam apenas para conseguir uma chance com ele. Era tão patético que chegava a dar pena.
A cozinha estava um caos: vários pacotes de salgadinhos abertos e latinhas de cerveja vazias jogadas por toda a parte. Matt tinha sorte por nossos pais viajarem tanto. E ter uma irmã com sérios princípios de TOC, que certamente limparia tudo pela manhã.
Peguei o pote de sorvete e dispensei a taça. Com uma colher gigante em uma mão e o pote na outra, estava pronta para sentar no jardim e curtir meu sad mood.
- Preciso de gelo.
Uma voz rouca deteve meus passos e por pouco eu não bufei de raiva. Quem era a criatura que ousava interromper a primeira colherada do meu tão prometido e potencialmente delicioso sorvete?
Meus joelhos fraquejaram por um milésimo de segundo quando virei. O garoto com os olhos mais lindos que já tinha visto me encarava, estendendo um copo de plástico vermelho em minha direção. Sua expressão era tão apática quanto a minha e eu tinha certeza que nunca tinha o visto com Matt antes.
- Já tentou procurar no freezer? – estreitei as sobrancelhas e dei as costas de novo, fazendo questão de não esperar ele responder.
Caminhei até a parte externa de casa rezando para que ele não tivesse reparado nas bolsas embaixo dos meus olhos ou a ponta avermelhada de meu nariz.
Mas, principalmente, para que não tivesse visto minha calcinha azul bebê com corações cor de rosa, já que tudo que eu vestia era uma camiseta um pouco mais comprida que mal chegava até a metade das minhas coxas.
Escolhi a beira da piscina para sentar e aproveitei para molhar meus pés. A sensação relaxante da temperatura fresca da água pareceu massagear meu corpo, aliviando superficialmente a minha tensão. Mergulhei a colher no sorvete e caramba, talvez fosse verdade que aquilo levasse todas as mágoas embora. Quem precisava de Calla? Sorvete de flocos era, oficialmente, o meu mais novo melhor amigo.
- Você não está bem – foi necessário um segundo para que eu processasse as palavras e o mesmo garoto de minutos atrás surgir ao meu lado, sentando-se e mergulhando os pés na água como eu fazia.
E aquilo não era uma pergunta.
- Desculpe, mas acho que perdi a parte em que te convidei para ficar aqui.
O canto de seus lábios se curvou em um sorriso pouco amigável. Ele insistia em fixar o olhar em meu rosto e isso me incomodava. Eu não era de encarar as pessoas nos olhos o tempo inteiro; parecia-me íntimo e revelador demais. E o seu olhar, em particular, me intimidava.
Em alguns relances, consegui perceber que seus cabelos saíam de uma touca cinza puída e caíam levemente em seu rosto, vez ou outra escondendo seus olhos. Ele era bem mais velho que eu e isso era óbvio. Um barba por fazer emoldurava seu rosto perfeitamente esculpido e o dava um ar de malandro que eu certamente gostava.
Ele era lindo.
Lindo pra caralho.
- Vamos tentar novamente – ele suspirou – O que aconteceu com você?
- Eu não faço esse tipo de coisa. É sério – coloquei o sorvete de lado e me virei pra ele, quase sem paciência com a situação.
- Conversar? – ele parecia se divertir ao tentar me decifrar. O garoto apoiou os cotovelos nas pernas, ficando com o rosto um pouco mais perto do meu.
- Falar sobre a minha vida, contar o que estou sentindo. É profilático.
Ele riu.
- Não me parece saudável. Mas veja por esse lado – roubando minha colher, ele pegou uma quantidade enorme de sorvete sob a reprovação do meu olhar – Você não me conhece e eu não conheço você. Talvez a gente nunca mais se veja. Então é como se tivesse contando pra ninguém.
Pensei um pouco enquanto observava a adorável forma que ele ajeitava os fios displicentes de maneira despreocupada.
Eu tinha ingerido açúcar demais ou aquilo fazia sentido?
Recolhi minhas pernas da água e abracei-as, me virando de frente pra ele. Ele endireitou a postura, como se aquilo fosse necessário para me ouvir claramente.
- Você já surtou por pensar que a sua vida está toda planejada e você simplesmente não se encaixa nela? Sabe como é, como alguém pode querer fazer a mesma coisa pro resto da vida? É desesperador – parei por um segundo pra respirar – Resolvi ir na casa da minha melhor amiga no meio dessa minha crise existencial e peguei ela na cama com o cara que supostamente estava comigo. E agora estou aqui, contando minhas fraquezas pra um completo estranho porque, aparentemente, sou alérgica a qualquer tipo de sentimento, mesmo que a piedade das outras pessoas.
O garoto ouvia atentamente e demorou um pouco com o olhar em meu rosto antes de se pronunciar novamente, com a cautela de que já havia terminado meu discurso.
- Você é linda demais pra ser traída.
Soltei uma risada irônica, visto que eu estava um caco com os cabelos desarrumados e sem maquiagem, mas não pude deixar de achar graça ao ver que fora isso que ele tinha extraído do meu desabafo.
- Também não faço isso. Você sabe, namorar... – mordi o lábio inferior e ponderei antes de continuar - Não estou com raiva dele. O Heath que se foda. Mas Calla não podia fazer isso comigo.
- Posso fazê-la se apaixonar por mim e quebrar o coração dela depois se você quiser se vingar – ele tinha um sorriso provocativo no rosto ao se inclinar em minha direção.
- Porque está se importando tanto? – repeti seu movimento, dessa vez, ficando perigosamente perto de seu rosto.
- Acho que me apaixonei pelos corações em sua calcinha – seus olhos apontaram pra baixo.
- Você é um idiota – ri e juro que senti meu coração acelerar quando sua respiração entrecortada bateu fraco em meus lábios.
- E você é linda – a ponta de seus dedos tocaram suavemente meu rosto.
- Você já disse isso.
- Pra você ter ideia do quanto é verdade.
Desviei o olhar de seus lábios e tomei coragem de mirar seus olhos. Eles estavam opacos, intensos, e também miravam os meus. Aquele friozinho na barriga que antecipava um beijo nunca antes provado me atingiu.
- Você disse que não namora – sua voz era um sopro fraco em meu rosto – Mas beija desconhecidos que aparecem procurando gelo em sua casa?
- O tempo todo – ironizei.
Com um sorriso, o garoto se aproximou um pouco mais. Seus lábios tocaram os meus suavemente. Eram macios, úmidos e quentes. Deliciosos como eu nunca havia provado antes. Uma mordida leve em meu lábio inferior antecipou sua língua escorregando pra minha boca e a gente se encaixando perfeitamente. Enquanto suas mãos escorregaram para minha cintura, as minhas deslizaram até a sua nuca. Ele puxou meu corpo para mais perto e senti o calor tomar conta de mim. Aos poucos, o beijo ganhava um ritmo frenético, quase violento – assim como as suas mãos, distribuindo apertões por minha cintura e quadril. E eu gostava disso, o que ficava evidente pelos pesados suspiros que não conseguia conter. Meus dedos emaranhavam-se em seus cabelos e eu distribuía fortes puxões a cada sensação nova que suas mãos, exploratórias, me faziam sentir. Fui pega de surpresa pelo seu polegar brincando na pele exposta de minha barriga – ele ia e voltava, de minhas coxas até meu umbigo, e brincava no elástico de minha calcinha. O garoto partiu o beijo, mas seus lábios não desgrudaram de mim. Ele beijou milimetricamente cada pedacinho de pele até atingir o meu pescoço e arrancar um gemido desejoso de mim. Uma dor aguda se apoderou de meu sexo e senti-me molhar. Experimentava um daqueles beijos extremamente excitantes, dos quais a gente pensa só existir em filmes e livros de romance; e sinceramente não me lembrava de já ter ficado tão excitada assim apenas com um beijo.
- ! – a voz de Matt pareceu distante ao ecoar em meus ouvidos.
O garoto não pareceu se importar muito, já que continuava o seu – muito bem feito – serviço. Claramente não conhecia o meu irmão quando o assunto era eu. Com muita dificuldade e altas doses de resistência, espalmei as mãos em seu peitoral – e que peitoral! – empurrando-o para trás.
- Corre – sibilei baixinho e ele me encarou, confuso – Essa certamente não é uma briga que você queira comprar com meu irmão.
Ele riu.
- Me parece que vale a pena – meneou a cabeça para baixo e percebi que estava, claramente, excitado.
- Cadê você, maninha? – a voz de Matthew preencheu o ar mais uma vez, e ele soava claramente alcoolizado, o que só me parecia pior.
- Se ainda quer que ele funcione, é melhor sair daqui.
Com o olhar cravado em mim, ele suspirou e passou as mãos pelos cabelos, ajeitando os fios na touca. Não que eu não estivesse afim de levar aquilo adiante, mas não tinha dúvidas de que Matthew voaria em seu pescoço se visse a cena.
Continuei sentada enquanto o garoto se recompunha e levantava, voltando o caminho para a cozinha que havíamos feito minutos atrás.
- Você ainda não me disse seu nome – falei um pouco mais alto, enquanto ele se afastava.
- E importa? A gente nunca mais vai se ver, certo?

A lembrança passou como um flash em minha mente, mas o sabor adocicado que a acompanhava permaneceu à medida que minha visão voltava a ganhar foco. ainda cumprimentava os colegas bêbados quando murmurei um imperceptível “licença” e sai praticamente correndo dali.
Porra. Como pude me esquecer? Pior ainda – como ele pôde não me contar? Os detalhes daquele dia me pareciam vivos e, ao mesmo tempo, distantes. não tinha mudado muito e o tempo fora extremamente generoso com ele, tinha de admitir. Seus fios dourados, antes, eram mais curtos e mais indisciplinados; Suas feições, mais suaves.
Apesar das imagens embaçadas pelo tempo em minha mente, minhas lembranças materializavam apenas um coisa com extrema facilidade e precisão: os malditos olhos que nada tinham mudado. Em minha defesa, sempre os achei estranhamente familiares – e potencialmente ameaçadores.
Ao virar de uma só vez a cerveja e caminhar inconscientemente até a sala, eu só conseguia pensar em uma: eu precisava falar com ele. Entrei novamente pela casa e corri os olhos pelo lugar. Onde Bex e Ethan tinham se metido? Estavam transando em algum quarto aleatório, aposto. Só espero que não seja o meu.
Alguns minutos depois, estava sentada no sofá com a loira que acompanhava Matt. Ele sempre fazia isso: paquerava mais de uma garota e levava a mais fácil pra cama. E então a que sobrava geralmente vinha conversar comigo, achando que viraria minha melhor amiga e formaríamos um tipo de laço eterno que a ligaria, também, com meu irmão.
A garota, que descobri se chamar Violet, me contava animadamente o rumo que sua vida tinha tomado. Não que eu tenha ouvido detalhadamente - aparentemente ela exercia um cargo chato em um banco qualquer, mas as horas de trabalho eram poucas e o salário generoso. Talvez Matt tivesse a dispensado por ser tão entediante.
Com o olhar perdido no salão improvisado, bebericava a mistura de rum e coca que tinha preparado há pouco, quando fui desperta pela figura de de mãos dadas com sua personificação de Linda Lovelace passando em minha frente, em direção ao banheiro no andar de cima.
O último gole na minha cuba libre improvisada fora a dose necessária que faltava para a minha coragem aparecer. O timing era perfeito, mas a fraqueza em minhas pernas me atrasava um pouco. Pude ver alcançar o topo da escada e entrar no banheiro, enquanto a garota esperava ao lado da porta, mascando chiclete de boca aberta enquanto olhava com desprezo para as pessoas em volta. Eca.
- Ei! – ignorei completamente Violet, que ainda tagarelava, e cutuquei o ombro musculoso de Brandon ao meu lado - Consegue distrair aquela garota pra mim?
- A garota de ? - ele seguiu com o olhar a direção para qual meu dedo apontava e não pude evitar uma careta por sua escolha de palavras.
- Não estou pedindo para agarrar a menina, só distrair ela - rolei os olhos - Vamos lá. Te pago uma bebida.
- A festa é meio que open bar - ele riu e meus pensamentos se confundiram por um instante, o dando razão - Está bêbada?
Eu estava?
- Certo. Uma pizza, então.
Brandon sorriu e me deu um peteleco no nariz. Tentei dar um tapa em sua mão, mas com meus reflexos comprometidos acabei estapeando o ar, o que arrancou uma gargalhada sua. Ele estufou o peito e caminhou determinado em direção às escadas.
Bingo.
Segui seu caminho, poucos passos atrás. Não foram necessários muitos segundos para a garota desfazer a pose de vadia-superior e cair no papo de Brandon, tocando seu bíceps e soltando uma risada escandalosa a cada cinco segundos. Balancei a cabeça negativamente ao ver a cena. O sorriso de Brandon era certamente irresistível, mas tinha deixado ela sozinha por apenas um minuto e ela mudava o alvo tão facilmente...
Eca, mais uma vez.
O timing realmente fora perfeito: parei em frente à porta do banheiro no instante em que a maçaneta começou a girar e colocou a ponta de seu Vans preto para fora do banheiro.
Certo. Eu não tinha exatamente planejado o que faria a seguir.
Inconscientemente, joguei meu corpo para frente e esbarrei no dele, em um encontro desajeitado. O copo em minha mão foi ao chão e um grito assustado arranhou minha garganta ao sentir os respingos em minha perna. Os reflexos de foram rápidos ao sentir o peso do meu corpo sobre si: me segurou pela cintura e, como não estava esperando por aquilo, foi fácil empurra-lo para trás e fechar a porta logo em seguida. Desvencilhei-me de suas mãos e cruzei os braços, encarando-o de cima a baixo.
Ele estava bêbado. Talvez menos do que eu, mas estava. Suas bochechas coradas e um sorriso confuso e permanente em seu rosto denunciavam isso claramente.
- Mas o que...
- Como você não me contou? - meu tom era nada amigável.
- Então você lembrou - o sorriso ganhou humor - Finalmente.
- Está de brincadeira comigo, né? – rosnei, incrédula por ele achar graça da situação – Estou me sentindo uma idiota. Melhor, você me fez de idiota! Eu entrei na sua casa, , na merda da sua casa e você não teve a decência de me contar que sabia meu nome porque já tinha enfiado a língua na minha garganta. Porque eu era a irmãzinha do seu amigo e um alvo fácil em uma noite qualquer. Como acha que estou me sentindo? Uma vadia que sai por ai beijando qualquer um e não tem consideração o suficiente nem para lembrar da cara do sujeito.
As palavras saíram rápido demais da minha boca, e quando percebi, estava exasperada de raiva. Bêbada, com certeza. Exagerando a reação necessária pra situação, talvez. Suspirei pesada e longamente, sentindo minha cabeça girar e ficando ligeiramente tonta. Encostei-me à porta e deixei meus joelhos fraquejarem até meu corpo encostar-se ao chão.
suspirou – provavelmente de pena ao me ver naquele estado de merda. Ele abaixou na minha frente, deixando o rosto na altura do meu. Fez-se silêncio por alguns segundos, exceto pela música do andar de baixo que invadia o banheiro timidamente.
- Tem noção de quantas garotas sonham com um beijo de ? Não é algo tão fácil assim de esquecer – sua voz era calma e eu quase pude sentir uma pitada de humor em seu tom.
- Vai mesmo botar a culpa no seu ego facilmente afetado? – rolei os olhos.
- Me conta, quantas vezes você imaginou a gente se pegando para lembrar? Acredite, isso pode ser bem efetivo – ele continuou, o tom malicioso acompanhando sua voz.
- Já disse que é um babaca?
- Achei que tínhamos decidido que meu ego era frágil demais pra aguentar isso.
- Você sabe que não me importo – minha voz já soava mais leve e um sorriso se atrevia a tomar conta de meus lábios.
Ele aproximou lentamente a mão de mim e encostou os dedos em minha perna com cuidado enquanto suspirava. Acompanhei seu toque com o olhar e logo entendi o porquê: pequenos cortes faziam meu sangue escorrer pela pele. Provavelmente foram os estilhaços de vidro do copo que eu tinha quebrado.
- Dói? – ele passou a ponta do indicador por cima de um dos machucados e eu meneei a cabeça negativamente. Não sentia nada.
fez menção de levantar e em um súbito e impensado desespero, segurei seu braço com as mãos e murmurei um quase inaudível “fica”. Talvez ele não tivesse ouvido se seus olhos não estivessem tão fixos em meus lábios. E talvez eu morresse de vergonha e negasse veemente esse momento de fraqueza se não estivesse tão compenetrada no momento.
Ele sorriu. Um sorriso puro e ausente de qualquer mensagem subliminar; sorriso esse que eu jurava nunca ter visto em seus lábios.
- Não vou a lugar algum – ele assegurou e estendeu o braço para pegar a pequena toalha branca que pendia de um gancho prateado, bem ao lado da torneira e em cima de nós dois. Sem desvencilhar o braço de minhas mãos, ele levantou o corpo apenas o suficiente para abrir a torneira e umedecer o pano.
- Não precisa...
- Você tem mania de dizer isso, não? – um riso rouco e baixo reverberou de sua garganta – Eu não faço nada porque preciso. E sim porque eu quero – o observava e ouvia atentamente enquanto ele tirava o excesso de água da toalha e a dobrava com cuidado – Me avise se doer, certo?
Apenas assenti com a cabeça. Ele pressionou levemente a toalha sobre os mínimos cortes com a precisão cirúrgica necessária para qualquer operação de alto risco.
Senti a pele arder um pouco, mas não liguei. Quem diria que podia ser cuidadoso?
Por um momento, esqueci onde estava. Ao encarar tão fixamente seus olhos , compenetrados e ternos, tudo parecia distante; a música, nosso drama e meus problemas. Éramos só eu ele e, certamente, nessa utopia de meus pensamentos, não estávamos no banheiro que fedia a álcool de meu irmão.
Envolta pela tensão crescente entre nós dois e a proximidade relutante de seu corpo, duas palavras saborearam minha boca antes que eu pudesse conter.
- Me beija.


Capítulo 11



Preciso deixar uma coisa clara sobre : ela podia levar qualquer homem à loucura sem mesmo a intenção de fazê-lo. Aposto que não sabia o quanto estava sexy com seus cabelos compridos levemente bagunçados e os olhos grandes e cintilantes me encarando da forma mais simples e excitante do mundo.
E aquelas duas palavras, cara... Foram o suficiente pra fazer o meu pau pulsar, implorando para que eu a obedecesse. Cheguei a apertar impulsivamente a toalha sobre a sua pele por um segundo, mas percebi a tempo de não machucá-la.
Era óbvio que eu queria beijá-la. Eu queria beijá-la pra caralho e fazer muito mais que isso com ela.
Mas não ali. Não no chão do banheiro de Matt.
Certifiquei-me de que os cortes em sua perna estavam limpos e mais nenhuma gota de sangue escorria por ali antes de arremessar a toalha no cesto de roupas sujas.
- Vem comigo.
Não esperei ela responder. Apenas envolvi sua mão e a levantei. cambaleou um pouco, mas logo dei suporte ao seu corpo frágil, passando os braços em volta de sua cintura.
Brooke não estava mais ali quando abri a porta – o que não era nenhuma surpresa devido ao tempo que havia demorado. Mas não me importei; estava ocupado torcendo para que Matthew não visse enquanto eu saia sorrateiramente de sua casa com sua irmã entre os braços.
Quando saímos da casa e chegamos ao outro lado da calçada, ela desvencilhou o pulso de meus dedos e parou.
- Espera aí, onde estamos indo? – ela cruzou os braços – Não vou deixar você me obrigar a invadir uma casa novamente.
Embora aquela não fosse a melhor hora para ela fazer birra, tive que rir.
Sem responder, dei as costas e continuei o caminho por mais meio quarteirão com a certeza de que ela me acompanhava.
- O que é isso? – seu tom era desdenhoso ao me ver parar ao lado da Ducati vermelha e pegar o capacete.
- Nunca viu uma moto? – estendi o capacete pra ela.
- Não. Não, não, não! Você não me parece cauteloso o suficiente pra pilotar uma dessas sem matar nós dois. Ainda mais bêbado!
Ela afastou minha mão ao fazer uma careta engraçada. Revirei os olhos apesar de estar pensando em como ela conseguia continuar gata com os lábios estreitos e os olhos apertados daquele jeito.
- Não estou bêbado. Mas ajuda se eu disser que dirijo melhor alcoolizado?
- Não.
- Confie em mim, – estendi o capacete em sua direção mais uma vez.
- Não confio e você sabe disso – seu tom era desdenhoso. Como fomos de “me beija” para essa discussão, mesmo?
- Você realmente precisa relaxar mais...
Sem esperar sua resposta, coloquei o capacete em sua cabeça e tomei meu lugar no banco. bufou e levou apenas alguns segundos para que ela ajeitasse o apetrecho e estar sentada atrás de mim.
Se tinha aprendido algo sobre a garota nos últimos dias era que ela preferia se arriscar de qualquer forma do que admitir que não tinha coragem de algo. Era admirável, mas um tanto perigoso.
Bom, e altamente intrigante.
- É melhor se segurar.
- Estou segura – a voz irritada certamente não era a mesma que havia me pedido um beijo minutos atrás.
Sorri antes de virar a chave e dar partida. Nunca admitiria em voz alta, mas eu meio que gostava de seus resmungos irritados. Arranquei sem cautela, com a certeza de que, no momento em que o fizesse, sentiria os braços de em mim.
E foi exatamente o que aconteceu.
Com um gritinho agudo, ela envolveu desajeitadamente meu corpo e cravou as unhas em meu peitoral – mas minha atenção estava totalmente em seus seios, roçando em minhas costas initerruptamente. Cara, a minha vontade era parar em qualquer acostamento e foder a garota ali, no meio da rua. O estranho era que, com qualquer outra, era exatamente o que eu faria sem pensar duas vezes. Mas ela despertava um senso de proteção em mim nunca antes provado. Era, mais uma vez, intrigante.
Não tinha exatamente planejado aonde a levaria, o único fato é que queria distrai-la do sentimento angustiante que deixara transparecer a pouco.
Então, um estralo pareceu ocorrer em minha mente. Mas é claro! Como não tinha pensado nisso antes?
Alguns minutos e muitos protestos de sobre a minha velocidade depois, tínhamos parado em frente a um prédio de cinco andares no centro da cidade. Era uma construção antiga, com tijolos vermelhos aparentes e - o que ela ainda não sabia - meu futuro apartamento.
Mas não iríamos pra lá – não ainda. Estaríamos apenas um andar acima.
- Já disse que você sempre me leva pra os lugares mais estranhos? – ela se pronunciou ao chegarmos a uma porta de incêndio vermelha ao final do último lance de escadas.
- E mesmo assim você gosta de todos eles.
- Eu não...
Ela estava prestes a rebater quando viu o que tinha atrás daquela porta.
Era um terraço.
Veja bem, eu não sou o tipo de cara sensível o suficiente para ver a beleza nos pequenos detalhes. Mas aquele lugar era, realmente, incrível.
Aquela parte da cidade carecia de construções muito altas - o que fazia com que, mesmo a apenas seis andares do chão, a vista para o céu fosse livre e límpida. Uma área comum fora improvisada ali. Um sofá e algumas poltronas ficavam espalhados à disposição de uma TV e algumas luzes e flores enfeitavam o redor.
Era simples, pacifico e aconchegante na medida certa.
- Foi esse terraço que me fez comprar um apartamento aqui – comentei enquanto a observava desvendar cada detalhe daquele lugar.
- Você vai ser mudar? – deu meia volta para olhar pra mim.
- Te disse que era você quem tornava as coisas interessantes por lá – dei um sorriso atravessado ao vê-la rolar os olhos. Em partes, era verdade; nunca havia planejado passar muito tempo naquela casa. Era afastada e grande demais pra mim.
- Gostei daqui – ela sorriu – Quem imaginaria que no meio disso tudo tem um lugar como esse? – ele apontou pra cidade à nossa volta.
- Agora feche os olhos.
- Tava demorando... – ela ironizou e riu da própria piada, mas fez o que eu pedi – Não vai me jogar daqui de cima, né?
- Porque você sempre espera o pior de mim?
- Preciso mesmo responder? – mesmo estando de olhos fechados, ela arqueou a sobrancelha.
Alcancei o controle remoto em cima de uma das almofadas do sofá e comecei a vasculhar o serviço de streaming.
A única possível falha no meu plano era não ter o filme que eu procurava.
Mas, alguns segundos depois, lá estava – o seu preferido.
- Pronto. Pode abrir – soprei, dando um passo pra frente para ficar mais próximo a ela.
Ela abriu os olhos lentamente, como se estivesse em dúvida de conferir o que a esperava. Mas sua expressão suavizou no instante em que sua visão entrou em foco.
- Breakfast af Tiffany’s? – sua voz soou do jeito mais doce que eu já ouvira – Achei que odiasse esse filme.
- Ainda odeio – sorri ao vê-la virar pra mim – Mas disse que assistiria com você.
- Normalmente eu recusaria, mas quando vou ter outra oportunidade de assistir essa obra prima em cima de um telhado no meio da madrugada? – ela deu um pulo no lugar com um sorriso que ia de orelha a orelha, parecendo a exata personificação de uma criança em um parque de diversões.
A observei sentar no sofá em mais um pulo e balancei a cabeça negativamente, rindo ao ver a cena.
era diferente de qualquer garota que eu já tinha conhecido – e foram muitas. Exalava sensualidade, mas poucos minutos eram necessários para conhecer seu lado divertido. Divertidamente sombrio na maioria das vezes, tinha que admitir.
Ela até me lembrava de... Ah, há quanto tempo não me permitia ao menos pensar em seu nome!
- Você não vem? – sua voz me chamou atenção e eu praticamente a agradeci por me tirar daquele transe.
- Quanto tempo de tortura? – ironizei e ela rolou os olhos, mesmo sem desgrudá-los da tela.
- Serão as duas melhores horas da sua vida – ela sorriu, me olhando de relance.
- O seu decote fica ainda mais provocativo daqui – estreitei as sobrancelhas ao olhar o contorno do seu seio, que o vestido deixava parcialmente a mostra.
- Você realmente diz esse tipo de coisa pras garotas? – ela tirou os olhos da tela durante alguns segundos. Assenti com a cabeça e para a minha surpresa, sua expressão era divertida – E funciona?
Talvez aquele filme realmente mexesse com seu humor.
- Toda vez – sorri presunçoso.
voltou sua atenção à tela e eu revezava o meu olhar entre o filme e seu rosto. Eu tinha a certeza de que ela sabia todas as falas – sua boca até mexia um pouco em algumas vezes que Audrey falava – mas ela estava completamente imersa no que passava na tela. Acompanhei o desenho delicado de seu perfil. Tinha os olhos expressivos, os lábios carnudos e o nariz pequeno levemente arrebitado. Não pude deixar de lembrar quando a vi na varanda de sua casa – opa, antiga casa – pela primeira vez. Primeiro, pensei em como era linda. Alguns passos depois, a lembrança me atingiu em cheio: eu já tinha a achado linda antes. Eu já conhecia seu gosto.
E estava completamente louco para prova-lo novamente.
- Eu fico realmente sem graça quando alguém me olha assim – ela se virou de frente para mim, cruzando as pernas em cima do sofá – O que estava pensando?
- Estava me perguntando se você está bem – pensei rápido, me virando enquanto ajeitava o cabelo.
Ok, era uma meia verdade já que tinha pensado isso praticamente a noite inteira.
- Porque você é assim?
- O que quer dizer com isso?
- Como o mesmo cara que esbarrou em mim e só distribuiu grossuras desde então é o mesmo que coloca Breakfast At Tiffany’s e se preocupa em como eu estou?
Estrei os lábios e desviei o olhar, sem saber ao certo o que responder. Ela não deixava de estar certa. E o pior? Também não sabia explicar – sabia, apenas, que ela era capaz de me levar aos extremos em poucos segundos.
suspirou ao notar que eu não ia responder. Com um sorriso, ela olhou pra tela e alcançou o controle, aumentando o volume. A garota levantou estendendo a mão pra mim e, mesmo sem saber o que esperar, a segurei e levantei com ela.
Uma música começou a tocar na TV. Era nesse filme em que ela cantava La Vie En Rose? Não pude olhar para tela e conferir; ela segurou as minhas duas mãos e apoiou em sua cintura. No mesmo instante, passou seus braços por meu pescoço.
Estávamos... dançando? Quase isso – com os olhos fechados e um breve sorriso nos lábios, ela movia o corpo lentamente de um lado para o outro e eu a observava atento.
O pior? Eu estava gostando.
Moon river wider than a mile, I'm crossing you in style some day. Oh, dream maker, you heart breaker, wherever you're goin' I'm goin' your way
Ela cantarolou baixinho, com a voz suave e delicada. Era quase um sussurro – um lindo sussurro. E a droga de um sorriso involuntário tomou conta dos meus lábios. A música não era La Vie Em Rose, mas era tão bonita quanto.
Eu estava parecendo um adolescente entrando na puberdade e babando pela garota mais linda da escola. E, novamente, o pior? Eu estava gostando!
Two drifters off to see the world, there's such a lot of world to see. We're after the same rainbow's end, waitin' 'round the bend, my huckleberry friend. Moon river and me
Quando a última palavra deslizou de sua boca, seus olhos encontraram os meus. Deslizei minha mão de sua cintura por seu colo, pescoço, até alcançar seus lábios. Meu dedo indicador desenhou o contorno de sua boca avermelhada.
Minha espinha congelou.
O desejo era evidente. A tensão era palpável.
Céus, como eu queria beijá-la!
Meus dedos foram de seus lábios para sua nuca e eu entrelacei-os em seu cabelo. entreabriu a boca e fechou os olhos, parecendo se deliciar com o meu mínimo toque. E tenho que ressaltar – aquela cena era sexy pra caramba. Minha outra mão apertou sua cintura e a trouxe pra perto de mim, reduzindo o espaço entre nós a zero.
E então minha boca procurou a sua. Com a mesma urgência, seus lábios se encaixaram nos meus e eles eram tão doces quanto eu me lembrava. E ainda mais deliciosos do que minha memória me permitia reproduzir. mordiscou meu lábio inferior e, pra minha loucura, suas unhas compridas fincaram-se em minhas costas, me roubando um gemido rouco. O encontro de nossas bocas voraz – o toque de nossas peles, urgente. Ela poderia me levar ao delírio se quisesse; e estava quase conseguindo. Minhas mãos desenhavam o contorno de seu corpo, conhecendo e explorando cada curva. partiu o beijo e me encarou por alguns segundos, com os lábios completamente inchados e ainda mais avermelhados do que antes. Quando eu ia puxá-la novamente em um ato desesperado de prova-la mais uma vez, a sua mão que agarrava meu colarinho me empurrou para trás. Mal caí sentado no sofá e a garota sentou em meu colo, colocando uma perna de cada lado do meu corpo e me permitindo voltar a me perder em seu gosto. Seu quadril pressionava o evidente volume em minha calça e eu a apertava ao trazê-la ainda mais pra perto, como se quisesse fundir nossos corpos.
Aí estava.
Delírio. Loucura.
Eram as únicas palavras cabíveis para descrever as ondas quentes que sentia em meu corpo.
Dei mais um puxão em seu cabelo – o que, pelos suspiros, ela gostava bastante – e a garota sugou os meus lábios, separando-o do meu mais uma vez. Quando abri os olhos, ela me encarava com um sorriso travesso, talvez até tímido.
Eu queria mais. Eu sabia que ela queria mais.
Mas em vez de me agarrar novamente, tirou as pernas de minha volta e caiu ao meu lado no sofá.
- Você beijava melhor nas minhas memórias, – brincou ao voltar o olhar pra mim.
Então, em vez de ficar frustrado por ela não estar mais em cima de mim, tudo o que consegui fazer foi rir.
Porque isso era tão a cara dela.
E ela, como acabara de descobrir, causava esse tipo de reação inesperada em mim.
E o pior?
Caralho.
Eu estava gostando.


Capítulo 12

- Aonde você se meteu ontem? – a voz de Bexley parecia dez vezes mais estridente que o normal ao interromper minha tentativa de um momento de paz acompanhada de uma gigante e terapêutica xícara de café.
- Passei mal e fui pro meu quarto. Acabei dormindo – levantei os olhos do computador e dei um sorriso conforme tinha ensaiado durante toda manhã.
Eu conhecia minha amiga. Era óbvio que ela daria uma de mãe e bateria o pé pra saber porquê eu havia sumido a noite inteira
- .
Ah, não. Eu conheço esse tom e esse tom definitivamente não é meu amigo.
Ela apoiou as duas mãos na tampa de vidro da minha mesa e me encarou da forma mais intimidadora que conseguia.
- Bex, estou tentando trabalhar – rebati e ela rolou os olhos, impaciente.
- Você mal conversou comigo desde que terminou com o e, por mais que você não admita, eu sei que isso tá te afetando. Então se eu preciso parar a merda do seu trabalho pra você parar de fingir que não tem um coração, que assim seja.
As palavras saíram agudas e rápidas demais de sua boca; era seu típico e autoritário tom de irritação. E a merda é que eu não tinha a mínima chance contra ele.
Meu celular vibrou na mesa e o nome de brilhou na tela.
É, ele tinha meu número agora.
Só não sabia que me mandaria uma mensagem no dia seguinte. E que eu estaria me coçando pra saber o que ele tinha escrito ali.
- Vamos até a cafeteria – falei rápido ao implorar mentalmente para que a atenção de Bex não caísse no meu celular; eu sabia que aquilo desencadearia uma série de perguntas desnecessárias para as quais eu não estava nem um pouco preparada.
A cafeteria da empresa ficava no último andar e, sem dúvidas, era o meu lugar preferido dali. As mesas eram poucas, ligeiramente afastadas e o cheiro de café que tomava o ambiente era delicioso. Poucas cadeiras estavam ocupadas, mas ainda assim escolhemos a habitual mesa de dois lugares ao lado da última janela – a probabilidade de alguém nos incomodar ali era sempre menor.
- Como você está? – sua voz saiu em meio a um suspiro pesaroso, o que quase me fez rir; ela adorava mesmo dar uma dose extra de drama para o que quer que fosse.
- Bem? – indaguei e recebi um olhar de repreensão – É claro que eu estou triste. Como não estaria? Quer dizer, é o ...
- Exatamente – ela me interrompeu - Vocês eram... e , pelo amor de deus! Como isso foi acontecer?
- Ele é meu melhor amigo... – senti o lábio tremer – Antes de qualquer coisa, Bex. Eu sempre pensei nele dessa forma. Não estou triste porque terminei um relacionamento, e sim porque perdi o melhor amigo que qualquer pessoa poderia pensar em encontrar.
Era isso. Tinha colocado em alto e bom som o que estava sentindo e a sensação não era nada boa. Aquela história de que conversar sobre as dores pode aliviar aquilo que te incomoda? Tudo besteira – meu coração parecia ter acabado de ser esmagado por um trator. Aliás, olha só – eu realmente tinha a droga de um coração.
- Porque você nunca me falou nada? Quer dizer, como nunca percebi? – a expressão triste em seu rosto parecia refletir a minha.
- Porque eu nunca achei que teria que bater de frente com os fatos. Nunca achei que seria capaz de fazer ele sofrer - dei um sorriso fraco, piscando algumas vezes para conter as lágrimas.
Bex suspirou mais um vez e pegou a minha mão que repousava sob a mesa.
- O pessoal vai no Connaught hoje.
- É segunda-feira – resmunguei como uma senhora antiquada, embora soubesse de quem tinha sido a ideia de se embebedar no inicio da semana logo após um dia inteiro de festa. Uma dica? Dividíamos o mesmo sobrenome – Acho que vou passar.
- Tarde demais. Já mandei uma mensagem pro Matt e ele vai te obrigar a ir – ela sorriu – Se não vai me deixar te ajudar se abrindo comigo vou só mudar a abordagem, . Conversar um pouco vai ser bom pra se distrair.
- Eu não vou – sorri de volta, decidida.
- Eu e Ethan vamos chegar às nove...
- Eu não vou, Bex – rolei os olhos, irritada por sua insistência.
- Vou te esperar com uma taça de Perrier-Jouët, o que nós duas sabemos que você não resiste – ela deu uma sarcástica piscadela.
- Bexley...
- Preciso voltar pra minha sala. Nos vemos mais tarde?
Bufei em alto e bom som, cruzando os braços e me afundando na cadeira enquanto a minha “amiga” se levantava.
- Eu te odeio – murmurei, mesmo com a certeza de que ela ouviria.
- E, ? – ela parou após alguns passos, chamando novamente minha atenção - O está bem. Quer dizer, na medida do possível. Ethan passou lá hoje cedo e aparentemente não fez nenhuma loucura. Só não parava de perguntar sobre você.
E então ela sorriu antes de voltar a andar, me deixando com a maior cara de tacho da história.
Droga. Ela sabia que agora era eu quem estava cheia de perguntas.

xx

“Estou assistindo Charade. Não é tão ruim assim”
Era o que dizia a mensagem de que ainda estava sem resposta em meu celular. É claro que eu poderia escrever uma tese sobre o porquê aquele era, na verdade, o pior filme estrelado pela Audrey e como seu gosto pela sétima arte podia ser péssimo, mas optei pelo silêncio. Não estava tentando dar um gelo ou fazer qualquer tipo de jogo de sedução – aquela história toda só me parecia errada.
O assunto “ e ” estava recente demais pra mim e eu não podia deixar de sentir como se estivesse fazendo algo errado ao me deixar envolver por .
A quem eu estava tentando enganar? Ele simplesmente era errado. Se não havia dado certo com alguém que claramente gostava de mim e estava disposto a assumir o mais sério dos relacionamentos, como eu podia sequer pensar em me envolver com uma pessoa que tinha os mesmos princípios distorcidos que eu?
Estava terminando de guardar algumas roupas no meu novo armário quando Matt entrou pela porta. O lugar estava um caos e eu estava fazendo o que podia pra ajeitar tudo o quanto antes – eu realmente odiava qualquer tipo de bagunça, principalmente quando envolvia as minhas coisas.
- Ainda não está pronta? – Matthew se jogou na cama em cima dos meus vestidos perfeitamente estendidos.
- Sai daí agora! – praticamente gritei ao correr em sua direção e estapeá-lo repetidamente – Você tá amassando meu Tom Ford!
- Seu o que? – Matt ria ao tentar parar meus tapas, mas levantou o corpo do colchão o suficiente para eu tirar o vestido preto de linho em questão.
- Tá tudo bem. Mamãe tá aqui e nada de ruim vai acontecer com você – abracei meu vestido enquanto meu irmão me encarava como se eu fosse algum tipo de aberração – Nunca. Mais. Toque. Nas. Minhas. Roupas.
Com um sorriso sapeca, ele levantou o indicador e encostou no vestido vermelho ao seu lado, me fazendo bufar de raiva. Ok, até que era engraçado – estávamos parecendo duas crianças de sete anos - e eu meio que sentia falta disso.
- O você quer?
- Estamos saindo para o Connaught. Bexley me fez prometer que você ia, e você sabe como tenho medo da sua amiga – ele fez uma careta e eu ri – Então é melhor se trocar pois pretendo voltar pra casa com o mini Matt no lugar.
Mini Matt? Ai meu deus, o quão brega era meu irmão?
- Eu estou pronta – sorri, parando em sua frente.
Ele me olhou de cima abaixo, com um visível ponto de interrogação na testa.
- Você está de pijama.
- É meu protesto contra vocês. Eu queria ficar em casa, mas já que a teimosia é tanta, resolvi ir com a roupa que eu usaria em casa e fazê-los passar vergonha em um bar elegante. Como eu estou? – dei uma voltinha, quase saltitante.
- Você é inacreditável, maninha – Matthew riu ao se levantar da minha cama e bagunçar meus cabelos – Mas se quer saber o que eu acho, isso tá muito curto – ele deu uma pequena puxada no tecido de cetim ao passar por mim e sair pela porta.
Bom, ele não estava errado. Eu vestia uma camisola de cetim branca com alguns detalhes em renda lilás no decote, um robe rendado também branco e pantufas de pompom lilás para completar. Um pouco mais arrumada do que eu ficava em casa, devo admitir, mas ainda reforçava meu ponto e eu estava meio que me sentindo a Cher em Clueless. O que era incrível, não?
Alguns minutos e muitas implicâncias depois chegamos no bar e eu estava quase arrependida da escolha do meu “look de protesto” – para uma segunda-feira o Connaught estava bem cheio e eu não sabia dizer quantos olhares tinha atraído no caminho até a mesa.
Como esperado, Bex e Ethan já estavam lá e alguns dos amigos de Matthew também – incluindo Brandon e a garota tagarela da noite passada. Qual era seu nome? Rose? Eu sei que tinha algo a ver com uma flor!
E , é claro.
- O que é... – Bex começou a falar assim que me viu, mas a interrompi de prontidão.
- Slip Dress voltou à moda, não sabia? – sorri amarelo – Oi Ethan – dei um soquinho em seu ombro e ele apenas riu ao ver a noiva rolar os olhos.
- Eu gostei, – Brandon levantou a bebida e piscou pra mim, e eu podia jurar que a expressão de havia endurecido ao seu lado.
Sorri em agradecimento, ocupando o lugar ao lado de Ethan; e, ironicamente, em frente aos olhos em questão.
- Cadê a minha taça? – gritei pra Bex que riu ao arrastar o champanhe que ela mesma bebia e eu aceitei sem hesitar.
- Ei, vocês – meu irmão gritou, apontando pro casal ao meu lado – Despedida de solteiro. Não quero saber, um homem merece isso – ele piscou os cintilantes olhos verdes.
- Não vai rolar, Matthew – Bexley já o fuzilava com o olhar e mexia compulsivamente nas pontas de seus cabelos dourados, enquanto Ethan só conseguia rir ao seu lado.
- Eu não vou desistir até você concordar – Matt sorriu da forma mais teimosa e convencida, como só ele sabia fazer, e sentou, passando o braço pelos ombros da garota-com-nome-de-flor. Daisy?
- Faz parte da tradição – um garoto loiro ao lado do meu irmão argumentou, mas tenho certeza que se arrependeu no instante que o olhar repreensivo de minha amiga caiu sobre ele. Ela conseguia ser realmente assustadora quando queria; e quando o assunto era Ethan e defender o relacionamento dos dois, suas unhas e dentes apareciam com facilidade.
Em um instante, todos estavam falando alto entre argumentos elaborados em uma discussão calorosa sobre o casamento dos dois. Como uma boa madrinha, assentia em silencio, dando razão pra tudo o que minha amiga dizia - embora eu estivesse morrendo de vontade de organizar uma despedida de solteira pra Bex. Apoiei o rosto em uma das mãos, observando a cena. Aquilo era novo pra mim. Quando Matt ainda morava aqui, me achava nova demais para sair com os amigos dele – ou eles velhos demais para a minha graciosa presença -, mas até que não eram tão ruins assim. E Bex tinha razão: aquilo havia me distraído um pouco.
Fui rapidamente desperta de meus devaneios por meu celular vibrando em meu colo.
“Quem diria que você fica ainda mais gostosa de pijama?”
Levantei o olhar assim que li a frase e lá estava , me encarando com um sorriso enviesado e com as duas mãos embaixo da mesa – obviamente, segurando seu celular. Ele estava vestindo uma camisa social branca que desenhava perfeitamente seus ombros e peitoral, e o colarinho meio aberto proporcionava um breve deslumbre de seu físico maravilhoso – parecia um homem de negócios bem sucedido e extremamente sexy. Ele parecia querer compensar a seriedade da roupa nos cabelos , que estavam ligeiramente mais bagunçados do que de costume, em um visual que parecia querer gritar ao mundo “olha o quanto eu sou gostoso”.
E o problema é que ele realmente era.
E isso seria tão mais fácil se ele não fosse tão irresistível assim.
O aparelho vibrou mais uma vez e não pude conter uma mordida no lábio inferior ao ler sua próxima provocação.
“Também passou a noite pensando em como teria sido terminar o que começamos ontem?”
Foi tudo o que consegui pensar antes de dormir – era o que eu deveria responder se quisesse ser sincera. Mas, em vez disso, enviei um curto e grosso “Você sonha alto”, seguido de um sorriso amarelo em sua direção.
“E você não mente muito bem” foi a resposta que recebi poucos segundos depois.
- O que acha, ? – quando meus dedos se preparavam para a réplica, a voz de Ethan me chamou atenção e todos os olhares caíram sobre mim.
- Eu... uh... sim? – respondi na dúvida e todos na mesa começaram a rir e gritar de um jeito meio bizarro.
- Eu disse! Ela para de escutar quando o assunto é casamento – Bex acusou ao apontar pra mim em meio aos risos, e isso só podia indicar uma coisa: ela estava muito bêbada pra fazer qualquer piada envolvendo seu casamento.
- ! My man!
Os gritos cessaram quando um rapaz alto e barbudo gritou ao apontar para um ponto bem atrás de mim. Matt e Bex me encararam prontamente e, em um instante, senti o ar fugir de meus pulmões. Ele estava ali?
- Matthew, cara! Quanto tempo – a voz habitualmente tranquila de atingiu meus ouvidos como um objeto cortante. Abaixei meu olhar instintivamente enquanto tentava não olhá-lo ao andar em direção ao meu irmão. Após algumas palavras e muitos apertos de mão e tapinhas nas costas entre os dois, foi cumprimentando as outras pessoas pela mesa. Todas elas. Inclusive . Exceto eu.
Bem, o que eu queria? Que ele me tratasse como se nada tivesse acontecido? O fato é que qualquer coisa teria sido melhor do que a forma que me senti – invisível. Como se eu não existisse pra ele. Logo pra ele. Na outra ponta da mesa, ele tomava o lugar ao lado do meu irmão, que não parava de tagarelar um segundo sobre o quanto era bom estar de volta.
Eu conhecia , e seus olhos estavam claramente aéreos; ele podia estar ouvindo o que Matt dizia, mas seus pensamentos não estavam ali. Em um breve momento, ao tentar decifrar a expressão em seu rosto, nossos olhares anteciparam um encontro inevitável, mas meu coração apertou mais uma vez ao vê-lo desviar no mesmo instante.
Era como se apenas o fato de me olhar o magoasse demais pra ele ser capaz de ao menos tentar fazer isso. E isso era simplesmente esmagador pra mim.
Uma coisa era certa: estava tão surpreso quanto eu ao me ver aqui. E foi quando eu percebi isso que me ocorreu o que estava realmente acontecendo ali – aquilo era algum tipo de armadilha, não era? Passei os olhos por meus amigos que pareciam apreensivos, mas nem de longe atônitos.
Bingo. Aquela era, claramente, uma tentativa forçada de fazermos as pazes, ou ao menos darmos um passo na direção certa e trocarmos algumas palavras.
E cara, eu não podia acreditar. Eu estava puta da vida. Lancei um olhar significativo para , que mantinha os olhos um tanto vidrados em cima de mim, como esperasse qualquer tipo de reação. “Varanda em 5 minutos.” Digitei e enviei pra ele, levantando logo em seguida ao murmurar um praticamente inaudível “licença”.
- – poucos passos depois, a voz a de Matt e sua mão em meu pulso me fizeram parar.
- Não. Vocês não tinham o menor direito de se meterem nisso. É entre mim e e – vociferei ao me virar pra ele – Você não esteve aqui nos últimos anos, mas não tenho mais quinze, Matthew. Sei tomar minhas decisões sozinha. Agora, por favor, me deixa em paz.
Dei meia volta, deixando meu irmão visivelmente triste pra trás. Eu sabia que tinha tocado em um assunto delicado. Seu ponto fraco – sua ausência em minha vida.
A varanda nada mais era do que uma pequena área para fumantes que ficava do outro lado do extenso salão que abrigava o bar, um pouco depois dos banheiros. Sentei no parapeito de concreto com as pernas pendendo pra fora – era apenas o segundo andar e altura era uma das poucas coisas que eu não tinha medo – e fiquei apenas observando a rua até ouvir um barulho na porta de vidro que isolava o local.
- Você não sabia de nada disso, né? – falei ao espiar por cima dos ombros e ver sacando o maço de cigarros do bolso ao entrar, fechando a porta atrás de si.
- Claro que não – ele caminhou até meu lado e se debruçou em meu banco improvisado, ficando ligeiramente de frente pra mim – Acha mesmo que eu não te contaria?
- Não achei que Matthew me conhecesse tão pouco assim – suspirei e estendi a mão em sua direção – Me dá um, tô precisando.
O garoto pegou o cigarro e colocou em minha boca, ascendendo-o ali logo em seguida. Traguei uma, duas, três vezes de forma quase compulsiva.
- Quer ir embora? – ele apoiou as mãos no parapeito e subiu, sentando-se ao meu lado, mas com as pernas pendendo para dentro.
- Não. Já fugi demais dos meus problemas. E o quão estranho seria se nós dois sumíssemos? - virei em sua direção – Tem medo de altura?
- Um pouco – ele sorriu ao confessar.
- tem medo de alguma coisa?
- É um trauma de criança – deu uma tragada e virou pra mim – Caí da escada de casa quando era criança, bem em cima da mesa de vidro da sala de jantar. Ainda tenho a cicatriz.
desabotoou o segundo botão da camisa e puxou o colarinho pra baixo, deixando seu ombro a mostra. E estava lá – uma cicatriz bem no ponto alto de sua clavícula. Involuntariamente, fiz menção de levantar a mão para tocar, mas travei no meio do caminho.
- Pode chegar mais perto. Eu não mordo – ele soprou, o tom divertido começando a aparecer.
- Morde sim – rebati, umedecendo os lábios em meio a um sorriso que logo refletiu em seu rosto para acompanhar o brilho luxurioso de seu olhar – Mas acho que vou arriscar.
Levei minha mão ao seu braço e deslizei suavemente a ponta dos dedos por sua pele até chegar à cicatriz. Ele, por sua vez, fechou os olhos e soltou o ar pesarosamente dos pulmões sob meu toque. Sempre ouvi que cicatrizes eram histórias escritas em nosso corpo, então eu meio que gostava delas.
- Deve ter doído – levantei o olhar e encontrei sua íris nebulosa.
- Pra cacete.
- Eu tenho medo de escuro, insetos, tempestade, lugares fechados e roupas de neoprene. Mas eu gosto de altura.
- Isso não é nada normal – ele arqueou a sobrancelha de um jeito engraçado.
- Acredite em mim, a sensação de estar na beira de um penhasco onde tudo o que te sustenta são seus pés e um passo em falso pode estragar tudo é extasiante – virei um pouco mais em sua direção – Mas o engraçado é que, se eu estiver nesse mesmo penhasco e tudo que amparar meu corpo forem cabos de segurança controlados por uma pessoa aleatória, eu simplesmente surto. Acho que tem a ver com a sensação de não estar no controle, sabe? E não estar no controle é meio aterrorizante pra mim.
- Mesmo se for eu controlando os cabos?
- Especialmente se for você – rolei os olhos, o tom de obviedade transbordando em minha voz.
- Sabe, eu não estava brincando. Você está gostosa com essa roupa – sorriu e o seu olhar caiu brevemente em meu corpo – Embora tenha certeza que fique mais ainda com a falta dela.
Soltei uma risada ao dar uma última tragada antes de jogar o cigarro fora e virar um pouco mais em sua direção.
- Lembra quando disse que seu charme funcionava todas as vezes?
Seu sorriso alargou um pouco mais. Com uma longa tragada, ele também se desfez de seu cigarro, mas se aproximou de meu rosto antes de soltar.
- Mas é claro que sim – praticamente grudou os lábios aos meus, proferindo as palavras baixa e lentamente ao deixar a fumaça atingir minha boca.
- Bom, acho que existe uma primeira vez pra tudo, lindinho – toquei a ponta do seu nariz e por mais que quisesse afastar meu rosto, permaneci ali.
- Porque você insiste em dificultar o que está claramente acontecendo aqui? – ele gesticulou com as mãos entre nós dois.
- Porque se eu facilitasse você já nem estaria mais aqui.
- É o que pensa de mim? – sua expressão endureceu e ele se afastou alguns milímetros de meu rosto.
- Eu tenho certeza – disse com firmeza.
E eu tinha. Conhecia bem aquele jogo e não fugia do tipo que o fazia. Seria extremamente fácil não me importar, seguir o seu roteiro, saciar as evidentes vontades entre nós e depois tocar a vida – mas eu tinha que pensar mais a frente. Tinha que, ao menos uma vez, ouvir minha consciência. estava a poucos metros de distância. não era mais um cara aleatório e, se algo de fato acontecesse, eu dava ao máximo dois meses para estarmos na mesma situação de merda que me encontrava com . O que eu não queria que acontecesse porque, por mais que eu não admitisse, eu meio que gostava de conversar com ele. Vamos encarar os fatos: em uma mesa cheia de rostos conhecidos, foi a ele quem eu recorri quando me senti mal, pois eu sabia que ele era tão ausente de sentimentos quanto eu e talvez fosse a única pessoa ali a não me julgar por qualquer merda. E eu sabia o quão raro era encontrar alguém que dividisse os mesmos pensamentos disturbados que eu.
E agora, como de costume, eu tinha dito besteira e seu rosto não apresentava sequer resquícios de tranquilidade.
- Acho melhor a gente voltar. Alguém pode desconfiar – girei meu corpo e desci do parapeito em um pulo.
- Porque se importa com o que eles vão pensar?
- Não me importo – me virei para encará-lo ainda sentado à varanda.
- Você tá mentindo. Você sempre pisca demais quando mente – ele acusou com um sorriso esperto no rosto.
- Não pisco! – eu fazia isso?
- Você tá piscando agora! – ele estava se divertindo com a expressão genuinamente emburrada que se formara em meu rosto.
- Para, !
- Encare os fatos, ...
- Eu não pisco, porra!
Meu tom era extremamente irritado – aliás, era extremamente fácil me irritar. Mas continuava calmo como uma aula de yoga ao me encarar com um sorriso no rosto e os braços cruzados no peito.
Já disse o quanto ele era gostoso?
Então, em um movimento rápido, ele estava de pé e suas mãos envolviam meus pulsos e me traziam pra perto de seu corpo.
Sem aviso prévio, uma de suas mãos foi à minha nuca e sua boca grudou em meu pescoço, distribuindo beijos languidos e demorados. O breve roçar de nossas peles me fazia sentir extasiada, quase febril. Com uma mordida certeira no lóbulo de minha orelha e um leve puxão em meus cabelos, ele sussurrou:
- Confessa – ele ordenou.
- Não, – minha voz saíra trêmula.
- Agora – ratificou em meio a um roçar de lábios inebriante em meu pescoço.
- Por quê? – gemi.
- Fala...
- Você tem razão – fechei os olhos, sentindo-me completamente entregue ao seu toque - Eu pisco.
- E o que mais? – seus dentes deslizaram lentamente até minha clavícula.
- Não para, por favor. Eu quero você. Eu preciso sentir você.
Céus, eu era mesmo uma hipócrita.



Capítulo 13

Minhas mãos estavam trêmulas ao abrir a porta do meu quarto, e as mãos de , que passeavam livremente por meu corpo, certamente não tornavam aquela tarefa a mais fácil do mundo. Diferente da outra noite, dessa vez seu beijo era lento e intenso, como se estivesse disposto a explorar e decorar todos os gostos e texturas possíveis de minha boca. Puro desejo.
Quando achei que ele fosse me guiar até a cama, fui surpreendida por minhas costas se chocando contra a superfície dura da porta e meu corpo sendo prensado pelo seu.
- Olha só o que faz comigo – ele rosnou, puxando meu lábio entre dentes e movendo o quadril pra frente. Ofeguei ao senti-lo roçar duro entre minhas pernas, a urgência de senti-lo dentro de mim tomando conta de minha espinha gradualmente. Finquei minhas unhas em seu ombro e seu sorriso mostrou compreender o meu pedido frenético e silencioso por mais. Seus lábios encontram novamente os meus, dessa vez mais urgentes e famintos que a última. Escorreguei as mãos por seu corpo, aproveitando para arranha-lo com as unhas, e desabotoei os botões de sua camisa. Com a tarefa concluída, tamborilei a ponta dos dedos por seu corpo rijo, sentindo o calor visceral emanar de sua pele à medida que ele se contraía, com a respiração cada vez mais acelerada.
Suas mãos procuravam por mais contato com minha pele, e ele encontra o que queria na parte interna de minhas coxas. Seus dedos deslizam suaves ao trazer minha camisola pra cima e param no tecido de minha calcinha, dedilhando o local de uma maneira altamente provocante. Eu estava molhada e ele soltou um gemido abafado ao sentir isso.
- Olha só o que você faz comigo – repeti sua frase, ainda com os nossos lábios selados e, ao abrir os olhos, posso ver sua íris brilhar carregada de luxúria.
Não estava esperando os dois dedos que ele enfiou dentro de mim ao puxar minha calcinha para o lado, e a onda de prazer que envolve meu corpo me faz cambalear. Com os olhos fechados e a língua umedecendo os lábios, parece se deliciar ao brincar com dentro de mim.
- Você tá molhada pra caralho – sua voz sai em rouca e baixa antes de começar a devorar meu pescoço entre beijos e mordidas sedentas. Seu polegar alcança meu clitóris e um gemido ressoante escapa de minha garganta.
Mas o próximo som que preenche o quarto não vem de mim e nem dele.
- ? - A voz de Matthew ecoa e os movimentos de cessam subitamente ao mesmo tempo que nossos olhares surpresos se encontram.
“Fica quieto” movo os lábios sem emitir som algum ao tentar normalizar minha respiração.
- Eu sei que está aí, tô ouvindo você – a voz de Matt fica mais próxima e meu desespero só aumenta.
Meu olhar cai em , buscando algum tipo de conforto que me afastem do desespero – mas encontro exatamente o contrário. Seus olhos brilham e um sorriso sapeca está começando a se formar em seus lábios. Quando penso no que pode estar planejando, ele é rápido ao abaixar o corpo e deslizar sua boca por minha barriga, puxando minha calcinha pra baixo antes de encostar a língua em mim.
Meu Deus. Talvez eu tenha esquecido todas as palavras do dicionário, pois tudo o que consigo fazer é soltar um grunhido ininteligível.
- ? – Matthew insiste enquanto me leva à loucura com os beijos ávidos em minha abertura que me fazem revirar os olhos.
- Ah, eu... – gaguejo, a voz saindo em um fio. não contém um riso abafado que reverbera em meu sexo, me causando uma sensação prazerosa inédita e que quase me rende outro gemido – Quero ficar sozinha. Depois conversamos.
- Me desculpe, ...
- Matt. Depois.
Forcei uma voz mais firme que pareceu surtir efeito; podia ouvir seus passos se distanciando de minha porta. Olhando pra baixo, encontro me encarando divertido ao morder os lábios e apertar minhas coxas.
- Eu juro que vou matar você – meu coração ainda está disparado quando ele levanta e coloca as mãos em minha cintura, dessa vez me levando até a cama.
Incapazes de desgrudar nossos lábios, tropeçamos em algumas caixas pelo caminho. Os vestidos em minha cama, que antes necessitavam de tanto cuidado, agora eram jogados sem dó ao chão para dar espaço aos nossos corpos, quentes e apressados.
me jogou no colchão e parou um segundo para me observar, o olhar percorrendo cada curva de meu corpo sem pudor. Eu não estava em desvantagem: a visão de seu peito nu e o pau estourando de excitação no tecido da calça social era enlouquecedora por si só. O garoto se livrou da camisa antes de se deitar por cima de mim, levando mais uma vez sua boca para minha intimidade. A onda de prazer arrepiou meu corpo quando sua boca me envolveu, certeira. Colocando uma leve pressão em meu ponto de prazer, sua língua se movimentava para cima e para baixo em um ritmo perfeito para levar embora toda a sanidade de meu corpo. Arqueei as costas quando seus dedos levantaram ainda mais minha camisola e alcançaram o bico duro e sensível de meu seio, apertando-os sem cuidado algum. Com a outra mão, ele deslizou um dedo para dentro de mim, me tomando em movimentos ágeis de vai e vem.
- ...
Foram necessários mais alguns segundos do toque de sua língua hábil para que seu nome saísse em um sopro de meus lábios, meu corpo estremecesse e meu sexo se contraísse, completamente entregue ao prazer entorpecente do clímax.
Ainda me recompondo, abri os olhos só para ser recebida pelo seu olhar perceptivelmente excitado.
Eu queria mais. Ele nem tinha começado. E eu precisava fazê-lo senti o mesmo prazer que eu havia acabado de experimentar.
Apoiei-me em seu ombro para levantar e logo estávamos frente a frente, os dois de joelhos na cama. Suas mãos alcançaram a barra da minha roupa e em uma fração de segundo a peça estava no chão do quarto. Os olhos estavam mais escuros e turvos do que o normal; lindos e misteriosos de uma forma reconfortante que eu jamais havia visto. Passei a mão pelo volume de sua calça, dando um leve apertão que o fez esvaziar todo o ar que mantinha nos pulmões. Abri os botões e a puxei pra baixo junto com a cueca, envolvendo-o entre meus dedos logo em seguida. Sua excitação era literalmente palpável; sentia seu pau pulsar em minha mão à medida que o masturbava lentamente e seus grunhidos sensuais contribuíam para minha libido aumentar ainda mais.
Depositei um beijo em seu pescoço e escorreguei meus lábios pelo seu colo e abdômen, sentindo sua pele quente sob meus lábios. Parei quando fiquei a poucos sentimentos de seu membro; minha boca salivou só de pensar em chupá-lo e, com um olhar provocativo na direção de , abri os lábios e umedeci-os com a língua, sabendo que tinha sua total atenção para meus movimentos estimulantes.
- Não me provoca assim... – alertou ao segurar meus cabelos com força e puxar minha cabeça pra baixo, apenas o suficiente para que ele pudesse reclinar e selar meus lábios – Agora me chupa gostoso.
Se na vida eu odiava ser controlada, na cama, ouvir ordens me levava ao delírio. Então o obedeci, começando com uma lambida em sua glande e logo deslizando seu pau, centímetro por centímetro, pra dentro de minha boca. urrou de prazer no momento que o forcei um pouco mais e pude senti-lo encostar em minha garganta, engolindo tudo o que eu conseguia e sentindo meus olhos lacrimejarem. Chupei com a vontade que ele pedira, com movimentos lentos e colocando a leve pressão necessária em meus lábios em volta de seu pau; o gemido que escapou de sua garganta demostrava sua aprovação. Meus olhos procuraram seu rosto e minha excitação triplicou ao ver sua expressão de prazer – estava delicioso ao morder o lábio inferior, com o cenho franzido e completamente inerte em meus movimentos. Acelerei o ritmo do boquete e jogou a cabeça pra trás, guiando meus movimentos com a mão emaranhada em meus cabelos. Logo meus dedos envolveram a base de seu pau e o masturbaram também, seguindo o ritmo acelerado da sucção.
- Caralho, murmurou a voz trêmula e aproveitou minha pequena pausa para me trazer para perto de si e sussurrar em tom sentencial: - Quero você de quatro.
O garoto me segurou pela cintura e girou meu corpo. Com a bunda na altura de seu pau, ele apertou o membro contra mim e eu esfreguei o quadril em sua ereção resposta. Sentia meu clitóris doer de tão inchado que estava – a prova de que eu realmente precisava senti-lo dentro de mim. Como se lesse meus pensamentos, ele apoiou a mão na base de minha bunda e deslizou por minhas costas, abaixando meu corpo à medida que o fazia e me colocando na posição desejada. Sua mão segurou meu cabelo com força mais uma vez, me puxando um pouco pra trás e me obrigando a empinar a bunda.
entrou em mim de uma só vez, deslizando facilmente porque, vamos ser honestos, eu estava encharcada de prazer. O grito esganiçado que saiu de minha garganta ao senti-lo me preencher encontrou seu gemido rouco em meio ao silêncio do meu quarto. Suas investidas eram tão fortes e profundas que eu podia jurar estar vendo estrelas ao morder meu lábio com força para abafar um gemido mais alto. Ele tirava o membro inteiro de dentro de mim e voltava a estocar sem piedade. Minha respiração se torna ofegante e minha mente, entorpecida.
Seus movimentos eram fortes, bruscos – ele não me tratava como um objeto frágil que podia se quebrar a qualquer minuto, puxava meus cabelos e apertava forte minha bunda para empinar ainda mais o meu quadril entrar mais fundo.
não fazia amor. Ele fodia. E eu estava simplesmente adorando isso.
Ele investe mais uma, duas, três e meu corpo explode em prazer pelo segunda vez, a onda inebriante pulsando em cada pedacinho de mim. Sinto-me contrair no seu membro rígido e os estímulos físicos do meu orgasmo parecem desencadear o seu próprio - os urros de prazer e suas mãos, trêmulas em minha cintura, eram a prova de que ele havia acabado de gozar em mim.
Deixo meu corpo cair sob a cama, implorando para relaxar e logo ele se junta à mim. Seus dedos tocam meu braço em um carinho reconfortante e, antes da completa escuridão, a última coisa que lembro de ver são seus olhos extasiados, piscando lentamente ao adormecer.


Capítulo 14

Eu queria dar um soco na minha cara.
Ou talvez um tapa em minha cabeça fosse mais efetivo para fazer meus neurônios funcionarem direito.
Uma noite de diversão com uma boa dose de sexo incrível? Pra mim estava tudo bem até então. Mas os alarmes de “intimidade demais” soaram forte em minha cabeça ao acordar e ver em um sono tranquilo ao meu lado. Ele estava deitado de bruços e seu braço envolvia minha cintura - e eu devia estar há uns bons dez minutos calculando a melhor forma de sair dali sem acorda-lo.
Senti ódio de mim; primeiro, por deixar isso acontecer. Depois por estar, mais uma vez, com medo precoce de um relacionamento inexistente.
Eu não tinha muitas certezas do que eu queria pra minha vida, mas uma convicção que eu tinha mente desde cedo era que eu estava fadada a ficar sozinha; e até que tudo bem, eu abraçava a solidão com extrema facilidade. O problema era que eu não conseguia aceitar a sucessão de pessoas que eu era capaz de magoar nesse caminho. Altruísta era meu nome do meio.
devia ter sido o estopim. Depois dele, eu deveria fazer uma promessa de não me envolver com mais ninguém por quem eu tivesse o mínimo de consideração.
Não que fosse meu melhor amigo ou algo sequer perto disso - mas ele certamente era alguém. Alguém que me ouvia, alguém pra quem ultimamente eu podia correr pra contar meus dramas existenciais e que, aparentemente, agora estaria sempre por perto, nos mesmos círculos de amizade que eu. Obrigada por isso, irmãozinho. Era a mesma história se repetindo mais uma vez – a história que já eu conhecia o fim e não era nada bonito.
- Não acredito que olhar para o teto seja mais interessante do que admirar isso aqui - sua voz sonolenta se fez presente repentinamente, desviando minha atenção pra ele, que tinha um sorriso convencido ao apontar pro seu peitoral nu e puta que pariu, esqueci como ele era lindo. E certamente não sabia como estava gostoso com sua expressão letárgica e sem camisa ao meu lado.
- Ah, mas é sim - forcei um sorriso ao silenciar meus pensamentos e puxei o cobertor até cobrir meus seios. Estávamos pelados e, por mais que os ângulos vistos de nossos corpos ontem fossem bem menos ortodoxos, estava achando aquilo um tanto constrangedor.
- Posso atestar novamente que você é uma péssima mentirosa, mas acho que lembra como chegamos aqui.
Sorri mais uma vez, sem saber bem o que dizer. Como ele podia estar tão confortável com isso? Eu queria cavar um buraco no chão apenas para enfiar minha cara e não sair pelo próximo século.
Com a ponta dos dedos, alcancei minha camisola no chão e me esgueirei mais um pouco para pegar também sua camisa.
- Certo. O que está acontecendo? - indagou ao observar meus movimentos apressados para vestir a roupa.
Ponderei por alguns segundos antes de responder, escolhendo minhas palavras.
- Isso foi algo aleatório, certo? - murmurei baixinho.
- O que quer dizer? - sua voz ficou ligeiramente mais séria. Eu e minha adorável mania de estragar qualquer momento.
- Nós dois – gesticulei com as mãos entre a gente - Quer dizer, ainda vamos nos ver, mas isso aqui não vai se tornar algo recorrente. Certo?
Ele soltou um riso de escárnio, balançando a cabeça negativamente ao olhar pra baixo.
- Acho que você devia aproveitar mais o agora, .
- Eu estou falando sério, . Acredite, eu já passei por isso antes. Mais de uma vez. E as coisas não funcionam desse jeito pra mim. Se eu não tiver tudo planejado eu simplesmente enlouqueço.
- Se continuar vivendo com tudo milimetricamente planejado, vai enlouquecer mais rápido – ele esbravejou e o tom raivoso na sua voz se tornara perceptível.
- Vivi vinte e três anos assim e estou bem, obrigada.
- Não é o que parece.
Respirei fundo e esperei alguns segundos a fim de evitar mais uma resposta atravessada.
Mas é claro que não funcionou.
- Sai com cuidado pro Matt não te ver, por favor.
Seu riso irônico preencheu o silêncio mais uma vez.
- Você sabe mesmo estragar um momento - sua voz, literalmente, leu meus pensamentos.
Em silencio, levantou da minha cama e levou todo o tempo do mundo para vestir sua camisa e o resto de sua roupa espalhada pelo chão; parecia querer me torturar com seu físico que parecia ser esculpido em mármore se movimentando lentamente bem na minha frente e seu cheiro, um misto de perfume e menta, cada vez mais tomando o ambiente e, consequentemente, enchendo meus pulmões.
Eu sabia que ele tinha ficado puto. E eu nem podia culpá-lo - afinal, após uma foda deliciosa eu estava falando que não queria de novo e, como se não fosse o suficiente, meio que o expulsei daqui. Isso não passa a melhor das impressões.
Mas eu também estava irritada, principalmente porque ele tinha razão – eu precisava mesmo parar de medir meus passos e não aproveitar o agora por estar sempre preocupada com que supostamente poderia acontecer. Mas eu simplesmente não conseguia levar aquele modo de vida prático que me parecia tão leve e despreocupado. Tão não eu.
bateu a porta com um pouco mais de força do que o necessário ao sair do meu quarto. O estrondo não foi tão alto, mas o suficiente para fazer Matt surgir no batente alguns segundos depois.
- Que porra foi essa? Eu estava dormindo – ele esfregou os olhos sonolentos ao colocar a cabeça pra dentro do meu quarto.
Meu coração bateu aliviado ao perceber que ele não tinha visto .
Como eu sabia? Porque ele provavelmente teria entrado com a cabeça decapitada de e a jogaria em cima de mim.
Mas Matt com sono era tão lesado que eu desconfiava que, mesmo se um astronauta montado em um cavalo furta-cor passasse em sua frente após ele acordar, ele mal perceberia.
- Sai pra ir ao banheiro e a porta escapou da minha mão quando voltei. Desculpe - disse da forma mais convincente que podia e fiquei pensando se estava piscando demais ao falar.
Droga, .
- Podemos conversar agora?
- Só se você fizer café pra mim.
- Aproveitadora – ele cerrou os olhos e eu sorri.
- Sabe, se eu ficasse com a suíte, situações como essa não iam acontecer e você ainda estaria no mais profundo sono nesse momento – pisquei os cílios da forma mais angelical que conseguia ao levantar da cama e andar em sua direção.
- Não vai acontecer, pirralha – Matt deu um peteleco em meu nariz quando passei ao seu lado pela porta.
É, eu sabia que não ia. Pelo simples e traumático fato de saber que meu irmão curtia transar na banheira. Peguei ele com duas garotas na banheira de nossa casa uma vez e foi uma cena no mínimo traumática para uma garota de onze anos.
O segui até a cozinha e sentei na bancada de mármore que marcava a divisão com a sala, aguardando pela minha xícara. Há quem diga que café é tudo igual, mas eu adorava o que Matt fazia – era forte na medida certa.
Estava tentando me distrair sobre meus pensamentos mutiladores entre e quando Matthew sentou a minha frente com um verdadeiro balde de café para nós dois.
- Desculpe por ontem – ele começou estrategicamente enquanto eu dava meu primeiro gole – Pensei sobre isso e você tem razão maninha, devíamos ter falado com você antes de qualquer coisa.
- Eu esperava isso da Bex, ela é um tanto desesperada quando o assunto é relacionamento, mais especificamente meus relacionamentos – ri e larguei minha xícara na bancada, fixando o olhar em meu irmão – Mas você, Matt? Não esperava isso de você. De todas as pessoas no mundo você é quem menos tinha direito de fazer isso comigo.
- O quer dizer com isso? – seus olhos se estreitaram e ele se debruçou um pouco mais na bancada.
- Está falando sério que não sabe?
Ele negou com a cabeça e eu não pude conter um suspiro pesaroso. Levantei e dei meia volta na bancada, pegando em sua mão e o guiando até o sofá. Nunca tinha falado sobre isso abertamente com ele; na verdade com ninguém. Mas eu sempre achei que Matt simplesmente sabia disso. E por esse motivo meu coração estava disparado em meu peito e minha garganta parecia propensa a fechar a qualquer momento.
Dizer para alguém “olha, você é a razão pela qual sou emocionalmente estragada” é, no mínimo, arrasador.
- Você sempre foi o cara que eu mais amei no mundo inteiro. Desde pequena, sempre foi tudo o que eu tinha. Você me ensinou praticamente tudo o que sei sobre música e bons filmes e acredite, sou muito grata por isso.
- Porque seu gosto era uma merda e eu não aguentava assistir Barbie e mundo dos cacetes encantados duzentas vezes ao dia – ele me interrompeu e uma gargalhada sincera me escapou.
- Você sempre foi o melhor irmão do mundo, Matt. Mas você sempre ia embora – meu peito deu uma pequena fisgada ao lembrar – Eu era criança e não entendia bem porque você ficava meses e meses fora de casa. Só sentia raiva por não ter você ali, por não poder te contar como foi meu dia e te pedir conselhos para os meus dramas da adolescência. E então você voltava e demorava alguns dias pra me ganhar de novo. E em poucas semanas, quando tudo estava bem novamente, você simplesmente partia novamente. Sem me avisar antes e sem me dizer o porquê.
- , eu não...
- Hoje eu entendo que você tinha que viver sua vida. Oito anos é uma grande diferença, né? Você era o único cara que eu tinha como exemplo e aquilo me fez acreditar que todos seriam assim. Que todos iriam embora em algum momento, não importando o quão bem as coisas estivessem, era só questão de tempo – senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto, que logo foi enxuta pela manga do moletom de Matt – Então eu escolhi me fechar. Se eu não deixasse ninguém entrar, não teria que ver ninguém ir embora. Na teoria parece a melhor ideia do mundo, mas na prática é uma merda.
- , eu não fazia ideia - sua voz estava embargada ao me puxar para perto e envolver meu corpo em um abraço – Eu sou um babaca, eu sempre fui um babaca. Mas você é a garota mais maravilhosa que existe e não devia tomar suas decisões baseadas em mim.
- Você é mesmo um babaca – sussurrei, a voz abafada pelo seu peito.
- Eu não teria ido embora se soubesse que você se sentia assim. Aparentemente eu era insensível demais para perceber sozinho – ele deu uma risada ausente de humor – Mas ei, eu estou aqui agora, não estou? E não pretendo ir embora tão cedo. Sabe o que isso quer dizer?
- O que? – me desvencilhei de seus braços para olhá-lo. Seus olhos estavam marejados e isso fez o nó em minha garganta aumentar. Nunca tinha visto Matt chorar.
- Que eu te amo e, apesar de tudo, sempre vou voltar pro seu lado. Sei que aqui é o meu lugar e ainda não terminei de cuidar de você. E o mesmo vale pra qualquer um que te ame de verdade.
Suas palavras me arrancaram um sorriso sincero e eu me joguei mais uma vez em seus braços para um abraço apertado. Tinha sido difícil colocar pra fora o que havia me sufocado por tanto tempo e Matt não poderia ter sido mais gracioso em sua reação. Eu sabia que, eventualmente, voltaríamos a falar sobre aquilo. Sabia que ele estava magoado e não admitiria.
Mas naquele momento, eu estava apenas grata por tê-lo comigo.
Havia me dado folga do trabalho naquela terça-feira. Aquele era o lado bom de trabalhar com marketing: contanto que os projetos estivessem adiantados e os clientes satisfeitos, podia me dar o luxo de fingir que eu tinha “horários flexíveis”.
Matthew era mais despreocupado. Ele havia largado um bom emprego no Canadá e ainda não tinha se incomodado em procurar outra coisa por aqui. Mas era como ele levava a vida; tinha certeza que em uma semana ele chegaria em casa anunciando que o amigo de um amigo o ofereceu um cargo de confiança em qualquer empresa monótona de contabilidade. Então ele ficaria lá por cinco meses e decidiria abrir um bar no estilo Anos 80 com seus melhores amigos. E isso só duraria até a próxima ideia genial aparecer em sua mente.
Mais cedo ele havia decidido preparar o almoço pra me agradar. Acho que estava tentando se redimir pelo o que eu havia acabado de contar pra ele. Esperei três horas vendo-o se debater na cozinha para ele servir algum tipo de peixe cozido.
Eu não comia peixe.
Quando eu tinha seis anos, Matt perguntou se podia lavar meu aquário. Era meu pai que sempre o fazia, mas, como eu não conseguia dizer não para o meu irmão, simplesmente deixei. E então ele não tirou o sabão dos vidros direito e, três dias depois, meus dois peixinhos dourados estavam mortos.
Desde então, risquei peixes ou qualquer tipo de fruto do mar do meu cardápio. E, obviamente nunca perdoei Matt pelo ocorrido.
Hoje, quase joguei a travessa com cheiro de maresia em sua cabeça. Como ele podia se esquecer daquilo? Ele riu em minha cara e disse que compraria outros dois peixinhos para me compensar. E então eu saí para almoçar em qualquer lugar pelo centro e esperava fielmente que meus peixinhos estivessem me esperando ao voltar pra casa.
Encontrei um restaurante com uma singela área externa coberta por flores e mobiliado com mesas e cadeiras provençais e não tive duvidas em entrar e escolher o maior prato do cardápio. Era o meio da tarde de um dia de semana então, além de mim, apenas um casal estava almoçando em uma mesa mais afastada, bem ao lado do jardim vertical coberto por lírios brancos.
- Estava pensando em você! - havia acabado de pedir uma torta de framboesa de sobremesa quando a voz nada discreta de Brandon Simmons ecoou em meus ouvidos e me fez dar um pequeno pulo na cadeira.
- Você quase me mata do coração, Simmons – disse ao puxar a cadeira ao meu lado e dar dois tapinhas pra ele sentar – Estava pensando em mim tipo “estou apaixonado”? Devo me preocupar?
Ele deu uma gargalhada e jogou os cabelos para trás ao aceitar o lugar ao meu lado. Estava bonito em uma calça de moletom cinza e uma camisa branca propositalmente apertada.
- Acho que sua vida amorosa já tem drama demais por enquanto – disse e logo foi dando um gole no meu suco de laranja. Ser folgado era um pré-requisito para ser amigo de Matthew?
- Argh, precisava me lembrar? – resmunguei ao tomar meu copo de volta de suas mãos.
- Na verdade estava pensando no porque foi embora ontem. Sentimos falta do seu bom humor – ironizou.
Claro. Bex certamente tinha o convencido a entrar em um complô contra mim. Parecia exatamente o tipo de pergunta que ela faria.
- Preciso mesmo responder? Todos sabem o porquê – tentei desconversar, já que não havia montado uma desculpa plausível.
- Sei que não foi apenas porque apareceu por lá. E então eu percebi que mais uma pessoa não voltou pra mesa... – ele disse e eu engasguei com a merda do meu suco, tossindo descontroladamente.
Brandon estava com a sobrancelha arqueada e um sorrisinho no rosto de quem sabia demais.
- Não sei aonde quer chegar – minha voz saiu quase em um sussurro.
- E então eu juntei as peças. É claro que eu não tinha me tocado no começo, mas você também me pediu para distrair Brooke na festa de Matthew. E ela estava com...
- Fala baixo! – dei um pulo e tampei a boca de Brandon com as mãos e ele me olhou com os olhos arregalados em surpresa. Ele segurou em meu pulso para tirar minha mão de sua boca. Estava segurando uma risada.
- Você sabe que não tem mais ninguém aqui que nos conheça, certo?
Eu sabia. Mas me parecia errado mesmo falar em voz alta. E as pessoas sussurravam quando algo era segredo.
- Eu sei, mas...
- Tem razão. Entendo que esteja confusa. pode ser uma distração e tanto.
Ele não estava blefando. Ele realmente tinha ligado os pontos.
E eu estava nada menos do que chocada. Tinha transado ontem com o cara e hoje já tinha alguém sabendo? Éramos mesmo péssimos em fazer algo às escondidas.
- Brandon, por favor...
- Ok, já me diverti com você. Parei de agir como um vilão de novela mexicana que descobriu o plano de fuga dos mocinhos – ele sorriu e se debruçou na mesa, ficando mais perto de mim.
- Você sabe que não pode contar pra ninguém, certo? Muito menos...
- Pro seu irmão, eu sei. Não se preocupe com isso.
- Obrigada – sorri sincera e ele apenas assentiu.
A garçonete se aproximou e serviu minha torta, mas a esse ponto eu já nem estava com fome. O assunto tinha me trazido as lembranças nada agradáveis dessa manhã.
Brandon analisou meu rosto e ficou alguns segundos em silêncio. Abriu a boca como se fosse dizer algo e depois fechou. Estralou os lábios e soltou um suspiro pesaroso antes de, finalmente, decidir se pronunciar.
- Você sabe da história toda?
- Que história? – arqueei a sobrancelha enquanto mil possibilidades bombardeavam a minha cabeça.
- . É mais complicado do que parece – ele parecia receoso ao escolher cada uma de suas palavras.
- O que quer dizer?
Ele balançou a cabeça e ajeitou a postura.
- Eu gosto de você, . E realmente odiaria ver qualquer coisa acontecer com você. Mas não sou eu quem tem que te contar isso.
Minha vontade era colocar a faca em meu prato na garganta de Brandon até fazê-lo confessar a tal história. Mas eu entendia seu lado. era seu amigo e se realmente havia uma história, ele certamente não era o tipo de cara que passaria por cima disso para me contar.
E ele tinha razão; se tinha algo sobre para saber, ninguém além do próprio devia me contar.
Eu sabia. Desde o início eu sabia que ele escondia alguma coisa. era a porra de um mistério ambulante.
Eu estava me corroendo para desvendá-lo.


Capítulo 15

Eu estava me sentindo na porcaria de uma comédia romântica.
Com uma garrafa de champanhe em uma mão e meu celular na outra, as janelas do quinto andar daquele pequeno prédio de tijolos aparentes pareciam me desafiar.
Não sabia ao certo porque tinha ido até ali.
Ok, eu sabia.
Estava me sentindo um lixo por ter expulsado da minha casa na outra manhã.
Os dois últimos dias foram turbulentos; turbulentos no sentindo mais dramático da palavra. Revezei entre o trabalho e organizar as minhas coisas no meu novo quarto.
Se eu era o cúmulo do desapego quando o assunto eram pessoas, minha sensibilidade estava a todo vapor quando o assunto eram minhas roupas, sapatos e maquiagens. Eu sempre arrumava uma desculpa para não me desfazer daquele casaco que eu não usava há anos – então, colocar tudo no lugar levou mais tempo e esforço do que eu imaginava.
Tinha espalhado alguns quadros floridos e os mais diferentes tipos de adornos pela casa, o que tinha deixado meu irmão nada feliz. Mas mesmo assim ele se ofereceu para buscar mais algumas malas cheias na minha antiga casa, e minha garganta coçou para não perguntar como estava quando Matt voltou de lá.
Aliás, toda essa arrumação podia ser uma ótima distração pra minha mente sádica, mas é claro que tinha um porém: era um verdadeiro desafio mexer em minhas coisas e não ver algo que me lembrasse . Isso porque ele sempre estivera presente em cada fragmento de minha vida. O par de brincos que ele me deu de aniversário, o vestido que compramos juntos para alguma festa de sua empresa, os saltos de camurça que ele tanto gostava. Sem contar as duas ou três camisetas dele que me serviam de pijama e ainda tinham seu cheiro.
Saudade. Vazio. Era tudo que eu sentia ao pensar nele e isso doía mais do que eu podia lidar. Foram incontáveis as vezes que ponderei lhe escrever uma mensagem, mas o que eu diria? “Sinto sua falta”? Ah, não. Eu me sentiria ainda pior em dizer algo do tipo - pois a culpa era única e exclusivamente minha.
Como se não bastasse, quando tentava fugir dos pensamentos sobre , insistia em tomar o seu lugar em meus devaneios. Nas últimas quarenta e oito horas, travei uma luta interna sobre o que fazer: deixar essa história toda entre nós dois de lado - afinal, teoricamente seria melhor assim - ou meio que tentar pedir desculpas. E eu estava indo muito bem no meu plano de deixar de lado.
Até não estar mais. Afinal, não era assim que as coisas funcionavam? Quando saí do trabalho e resolvi pegar um táxi ao invés de ir andando pra casa como tinha feito nos últimos dias, eu já sabia o que estava planejando inconscientemente. Passei em casa, tomei um banho, me troquei, roubei um Perrier Jouet da coleção de Matt – pelo qual ele me mataria mais tarde – e cheguei até aqui.
Mas agora as faíscas da tal indecisão resolveram dar as caras novamente, e meus dedos estavam hesitantes sob a tela de meu celular onde o nome de brilhava.
Ah, a quem eu estava tentando enganar? Eu estava na porta de seu apartamento. É claro que eu não desistiria bem agora.
Toquei em seu nome e respirei fundo ao levar o celular ao ouvido. Foram necessários três toques para sua voz reverberar do outro lado da linha.
- Oi - foi o que ele disse; simples, seco e nada receptivo.
- Hm, oi? - respondi, ainda incerta sobre como abordá-lo.
Alguns segundos de silêncio se passaram.
- Me ligou pra dizer isso?
- Talvez... - mirei a única janela com a luz acesa no quinto andar e estralei os lábios antes de continuar - E se eu disser que você pode ver a oitava maravilha do mundo sem sair de casa?
- Eu diria que você está maluca. Mas isso não é bem uma novidade - ele soltou uma leve risadinha e eu rolei os olhos.
- Apenas vá até a janela, .
Ouvi alguns barulhos pela linha que pareciam ser o som dele se movimentando. Outra luz se acendeu em seu andar, bem ao lado da primeira. Segundos depois, a lua refletiu em seus fios . olhou primeiro pra cima. E então pros lados e depois pra baixo, examinando minuciosamente cada detalhe ao procurar algo incomum por ali. Podia ouvir sua respiração calma através do celular. Alguns segundos se passaram até seu olhar focar em cheio em mim. Estava escuro e ele estava um tanto longe, mas eu podia jurar que ele tinha dado um quase imperceptível sorriso.
- Prometo que vim em paz - sussurrei pela linha e levantei a garrafa de champanhe envolta em um papel pardo.
tinha aberto a entrada principal pelo interfone e eu estava subindo sozinha pelo elevador, então ainda não sabia se ele realmente queria me ver ou me chutar dali. Minhas unhas cumpridas e esmaltadas em preto tamborilavam a garrafa em um tilintar irritante, mas eu não conseguia parar.
Quando a porta do elevador se abriu ele já me esperava no fim do corredor. Com os braços cruzados, estava apoiado no batente, usando nada além de uma samba-canção azul petróleo e uma camiseta preta.
A perdição escancarada bem a minha frente.
Não era um visual que eu acharia atraente no geral, mas estávamos falando de . E o que não caía bem naquele homem?
- O que está fazendo aqui? - a pergunta não era delicada, mas seu tom era amigável, assim como o início de um sorriso em seu rosto.
- Não sei - respondi com sinceridade - Mas trouxe champanhe - depositei a garrafa em suas mãos e passei pela porta sem esperar seu convite.
O apartamento estava perfeitamente organizado e certamente era maior do que a fachada do prédio deixava transparecer. Havia algumas caixas em um canto da sala, mas era difícil de acreditar que ele tinha acabado de se mudar.
Tudo continuava branco. Entediante e friamente branco.
Meu vestido, curto e esvoaçante, também era branco, e eu meio que estava me sentindo parte da mobília.
Tirei a bolsa que pendia em meu ombro e a coloquei em um aparador ao lado da ponta. Andei da sala para a cozinha, que era demarcada apenas por uma ilha de mármore branco, e sem hesitar, comecei a abrir os armários suspensos, em busca de duas taças.
- Claro, fique à vontade - ironizou ao apoiar a garrafa na ilha se debruçar sobre ela, acompanhando meus movimentos.
- Obrigada, mas eu já estava - sorri e conclui minha busca no terceiro par de portas que abri.
- Já encontrou? Estava me divertindo vendo você se esticar toda para abrir esses armários - seu tom sujo e os olhos famintos em minha pernas me fizeram rolar os olhos.
Peguei duas taças altas e apoiei na superfície à sua frente.
- Você sabe o que, exatamente, é um champanhe? - indaguei ao tirar a bebida do saquinho para abri-la.
- Poderia dizer que sim, mas a sua expressão de intelectual me diz que vocês está louca para me dar uma aula sobre isso - ele riu e cruzou os braços, o olhar fixo em meus movimentos.
- Legalmente, uma bebida só pode ser chamada de champanhe se ela foi produzida na região de Champagne na França pelo método champenoise - segurei a rolha firme com uma mão e usei a outra para girar a garrafa até ouvir o barulho dela se soltando - Isso nada mais é do que fermentar a bebida já dentro da garrafa pra dar cremosidade e o aroma característico do champanhe - depositei o líquido com cuidado nas duas taças - Essas bolhas são chamadas de perlage.
- Pérola em francês? - ele me interrompeu e eu sorri, assentindo com a cabeça.
- Exatamente. Quanto mais finas e mais quantidade em uma garrafa, melhor o champanhe - peguei as duas taças e estendi uma em sua direção - Saúde.
- Saúde - pegou a bebida e demos um gole ao mesmo tempo. Ah, Perrier, porque tão gostoso? - Acho que nunca mais vou tomar um champanhe da mesma forma. Onde aprendeu isso?
- Gostaria que a história fosse mais sofisticada – troquei a taça de mãos e me apoiei no mármore - Mas em um verão, Matt tinha decidido se tornar sommelier de vinho e até fez uma viagem a uma vila na Itália para um tour pelas vinícolas ou algo do tipo. E, como uma boa irmã mais nova, eu não podia vê-lo fazer nada sem querer imitar. Mas eu sempre odiei vinhos e então, tive a brilhante ideia de pedir pros meus pais me inscreverem em um curso sobre degustação de champanhes e espumantes. Acredite, isso existe.
- Isso me parece um porre. Exceto pela bebida de graça.
- E era! - ri ao lembrar do professor francês carrancudo - Fui na primeira aula e desisti. O que acabei de te contar é tudo que sei.
riu ao dar outro gole. E então conversamos por mais algum tempo apoiados à ilha. Contei que tinha encontrado Brandon e que ele sabia o que tinha acontecido entre a gente. ficou tão surpreso quanto eu, mas ele não parecia se importar muito. É claro que deixei a parte da tal história sobre ele de lado. É claro que eu queria saber do que Brandon estava falando, mas achei pressioná-lo um tanto fora do meu alcance. Ele iria me contar em algum momento.
De uma coisa eu tive certeza: perdoou minhas palavras atravessadas no instante em que entrei pela sua porta. Assim como eu, ele não precisava verbalizar um acordo e de todos esses protocolos patéticos para um simples pedido de desculpa – e eu não podia estar mais grata por isso. Toda aquela amolação realmente não era a minha cara. A nossa cara. Ele apenas havia entendido, silenciosamente, que eu estava arrependida.
Bom, em partes. Estava arrependida da maneira que falei com ele e não do que eu falei. Era simples e preventivo: continuava querendo apenas sua amizade.
Agora estávamos em seu sofá, com a difícil missão de escolher um filme que agradasse nós dois. Porque, aparentemente, era o que fazíamos agora: assistir filmes como bons e velhos amigos. O sofá tinha o formato de L e ele estava jogado em uma das pontas, quase deitado, enquanto eu estava sentada no meio, com as pernas cruzadas e uma manta sobre o corpo.
- Me da uma almofada - estendi a mão em sua direção. Queria ficar mais confortável.
- É pra já, gata - ele jogou-a em minha direção e eu bufei.
- Não me chama assim.
sorriu com o canto dos lábios.
- Assim como, gata?
- ... - alertei ao arquear a sobrancelha pra ele, com a melhor expressão de poucos amigos que eu tinha.
- Você podia ser mais simpática às vezes.
- Eu não sou simpática.
- Eu sei - ele riu - É meio bonitinho.
- “Bonitinho” faz eu parecer um filhote de cachorro mastigando meias.
- A semelhança é mesmo incrível.
- Você é um idiota - ri e voltei minha atenção pra tela enquanto ele zapeava pelos filmes de terror.
- ? - o chamei depois de alguns instantes de silêncio.
- Gata? - o garoto respondeu e uma risada escapou de minha garganta acompanhada de um rolar de olhos.
- Porque você agia como um babaca quando pode ser tão... - procurei a palavra certa antes de completar - Quase decente?
Ele levou um tempo para se endireitar no sofá e se virar pra mim.
- Porque eu também não sou simpático – disse e hesitou um pouco antes de prosseguir – E, embora isso seja verdade, você não me deu abertura pra qualquer coisa que não fosse implicância. Não que não seja divertido, implicar com você é um dos meus hobbies preferidos - ele sorriu e eu apertei os olhos.
Poderia rebater, mas o que eu diria? Ele tinha razão. Eu não havia dado abertura pra ele - assim como eu não dava pra ninguém.
- Isso tá ficando profundo demais. Vamos escolher um filme logo. Que tal o exorcista? - apontei pra tela ao ver a capa um tanto macabra do título aparecer.
- O exorcista é péssimo - ele fez uma careta, passando pra a próxima opção.
- Ganhou um Oscar. Um não, dois – dei de ombros.
- Não deixa de ser péssimo.
- , não podemos ser amigos se seu gosto por cinema é uma porcaria.
- Então somos amigos? - ele deu um pequeno sorriso, me encarando com uma expressão de “te peguei”.
Sorri e balancei a cabeça antes de replicar:
- Algo assim.
Alguns longos minutos foram necessários até concordamos em algo: The Witch. Ok, eu quase voei em seu pescoço para colocar o filme quando ele me contou que nunca tinha assistido. Não era o filme mais assustador, mas o terror era psicológico. Na minha opinião, era a trilha o que deixava tudo mais sinistro e eu quase o assistia em fendas ao colocar as mãos nos olhos quando a música aumentava gradativa e assustadoramente. Embora tivesse protestado que “se fosse para tapar os olhos, era melhor não assistirmos” ele parecia ter gostado da escolha, já que estava visivelmente compenetrado na tela.
O garoto se mexeu pela milésima vez ao meu lado e seu cabelo roçou em meu braço, já ele que estava meio jogado de lado no sofá. Olhei para o lado e me perguntei como tinha parado aqui. Ele não estava na outra ponta instantes atrás? Sua camiseta estava um pouco levantada na barra, me dando um breve vislumbre de seu corpo. Observei mais atentamente. Era inevitável. Aquilo era...
- Outra? – meus dedos tocaram sua pele exposta sem pensar e ele retesou os músculos, surpreso com o toque.
- O que? – ele olhou pra baixo enquanto eu sentia a textura sob a palma de minha mão – Tenho algumas.
segurou a barra da camiseta e a puxou pra cima. Ele realmente tinha algumas cicatrizes aqui e ali. Nenhuma muito grande, mas estavam perceptivelmente ali. Me perguntei como eu não havia percebido antes; talvez o êxtase dos prévios momentos em que o vi sem camisa.
- O que foi essa? – indaguei ao passar os dedos levemente pelo desenho fino que a cicatriz desenhava em sua pele.
- Uma briga no colégio. Levei alguns pontos – disse simplesmente. Deslizei os dedos um pouco mais pra cima sobre seu olhar atento e sua respiração entrecortada. A tensão entre nós dois era palpável e por mais que eu soubesse que aquilo só deixava as coisas mais difíceis, eu não conseguia parar. Estava curiosa por suas marcas, sua história. Por seu corpo.
- E essa? – apontei mais uma bem em sua cintura, um pouco menor.
- Ganhei defendendo minha irmã de um babaca – ele sorriu, um sorriso distante. Ele tinha uma irmã? Disso eu não sabia. Meus dedos passearam um pouco mais, dedilhando seu corpo e parando em seu peitoral.
- Essa?
- Nem me lembro – admitiu ao olhar pra pequena marca que parecia uma meia lua abstrata. Não entendi bem o porque, mas senti meu coração apertar e fiz uma careta ao apertar o lábio inferior com força entre os dentes.
- Tudo bem – percebeu minha expressão um tanto receosa e me lançou um sorriso reconfortante – Não dói mais.
“Doem em mim”, era o que eu queria responder, pois era exatamente o que eu havia sentido.
Era irônico.
Logo eu, que não queria sentir nada, resolvi sentir sua dor em mim. Era como se meu corpo estivesse rindo na minha cara ao dizer que eu não mandava tanto nele quanto eu acreditava. E isso me deixava nada menos do que apavorada.


Capítulo 16

Eu não tinha falado com Bex desde à noite no bar. Desde segunda-feira. Já era sexta e não fora a tarefa mais fácil evita-la no trabalho, onde tudo que ela precisava fazer era abrir a porta da minha sala e tagarelar sobre como não era justo eu ficar tão brava quando ela só queria ajudar. O que ela tinha feito ao menos quatro vezes todos os dias.
Eu não estava brava. Mas era divertido vê-la falar compulsivamente sobre meu defeito sentimental ao andar de um lado pro outro enquanto eu fingia não ouvir.
Mas hoje era diferente. Era a primeira prova de vestidos de noiva. E eu, claro, como uma boa madrinha, tinha que estar lá com o melhor sorriso possível para a minha melhor amiga.
Não que isso fosse um grande esforço. Era inegável: todo meu ceticismo sobre relacionamentos era deixado de lado quando o assunto era o vestido de noiva. Nunca parei pra pensar se preferia lírios ou peônias para um enfeite de mesa, se achava mais bonito uma cerimônia na praia ou em uma casa de campo ou se uma festa com DJ ou banda ao vivo era mais a minha cara.
Mas um vestido de noiva? Ah, por favor - isso mexe com qualquer mulher.
Até com as mais céticas.
Eu nunca tinha sonhado com meu casamento, mas simplesmente sabia que um Ellie Saab bordado e com a saia mais cheia de tules e vaporosa possível era minha única opção. Talvez eu o usasse para casar comigo mesma ou em uma festa à fantasia - o que fosse menos patético.
Bex era mais clássica; se casaria com um Vera Wang ou simplesmente não se casaria. Ela tinha um livro de recortes com tudo o que sonhava para o seu casamento desde, provavelmente, os cinco anos de idade. Ou até mais cedo. Por isso todos os quatro vestidos que ela havia provado seguiam a mesma linha: tomara que caia de cetim, uma fita na cintura que formava um laço na parte da frontal e uma saia extremamente rodada.
Eram bonitos e seu corpo baixo e franzino vestia impressionantemente bem cada um deles. Se eu entrasse em um vestido daqueles meus peitos certamente saltariam para fora e eu pareceria uma stripper.
Quando ela saiu da sala de provas com a quinta opção, tive que me conter para não chorar. Apoiei a taça de champanhe na mesa de vidro ao lado do sofá em que estava sentada e deslizei para ponta, para observa-la mais de perto. Dizem que a gente simplesmente sabe quando um vestido é o vestido, mas eu não havia acreditado nisso até aquele momento. Ele tinha as exatas mesmas características dos outros modelos, mas era inexplicavelmente diferente. Perfeito. Bex não parecia mais minha melhor amiga provando vestidos brancos e engomados. Ela parecia uma noiva.
Uma linda, luminosa e elegante noiva. É sério. Ela estava luminosa no sentido literal da palavra.
- O que acha? – ela perguntou ao me olhar sob os ombros no reflexo do espelho, colocando as mãos sobre a saia e mexendo no tecido branco.
- Acho melhor falar pro Ethan que quer cancelar o casamento e subir no altar comigo – brinquei e ela relaxou os ombros, com a certeza de que eu havia gostado tanto quanto ela – É esse?
Ela analisou a imagem minunciosamente no espelho mais uma vez com um sorriso que mal cabia em seu rosto.
- É esse – Bex deu um gritinho agudo e pulou no lugar, me puxando para um abraço apertado logo em seguida. Era inexplicavelmente bom vê-la assim, exalando felicidade – Agora, precisamos achar o seu.
- Nem pensar. Você não vai comigo. Sabe que vou querer um modelo branco e você vai me impedir de levar – ri ao me desvencilhar dos braços dela e o observar mais uma vez sua imagem, transbordando orgulho.
- Faça isso e eu te mato. A cor das madrinhas e padrinhos é lilás, assim como a minha fita – ela cerrou os dentes e apontou para o detalhe em sua cintura.
Rolei os olhos, dispensando o discurso com o gesto de mãos. Sem brincadeiras sobre o casamento. Como fui me esquecer de uma de suas regras?
- Vocês já encontraram o lugar?
Ela balançou a cabeça positivamente, visivelmente mais empolgada do que conseguia aguentar. Ainda faltavam quatro meses e a curiosidade e o todo o mistério me consumia. Essa fora a única parte que ela fez questão de me deixar de fora: o local da cerimônia. Ela queria que fosse surpresa para todos convidados, e mesmo que eu tivesse argumentado que o endereço estaria no convite e era só pesquisar na internet para ver como era o lugar, Bex insistia que preferia assim. E quem era eu para argumentar?
-

“Sonhos. Todos os têm. Alguns bons, outros ruins. Alguns tentam realizá-los, outros tentam esquecê-los, ou simplesmente fingem que eles não existem. Alguns de nós temos apenas pesadelos. Mas não importa o quanto você sonhe, de manhã, os sonhos são interrompidos...”
- Quer ir no...
A voz de Matt ecoou pelo quarto, abafando o som da minha que reverberava pelo alto-falante de meu celular. Deitada na cama, apenas levantei a mão para que ele esperasse.
“A realidade insiste em interrompê-los...” minha voz voltou a soar através do aparelho.
- O que está fazendo? - meu irmão insistiu, arrancando-me um rolar de olhos.
Quando apertei o pause na minha gravação – que, ok, tinha roubado de Gossip Girl – e me levantei para olhá-lo, vi que Matt não estava sozinho. Parados na porta, logo atrás do meu irmão, estavam Brandon e .
Senti meu rosto queimar instantaneamente, mas me negava a deixar transparecer. Limpei a garganta e endireitei a postura, sentada na beira da cama.
- Nunca assistiu The O.C?
Os três me olharam como se precisassem de mais explicação do que isso. Balancei a cabeça teatralmente, como se fosse óbvio.
- Segundo a Summer, todas as personagens principais de uma série tem a vida narrada. É uma forma de deixar tudo mais dramático. Resolvi experimentar. É sério, vocês deviam tentar – dei de ombros, olhando casualmente para as minhas unhas como se não estivesse falando uma absurdidade.
A essa altura, os três pares de olhos me avaliavam como se eu fosse louca. parecia prender o riso ao prender os lábios com os dentes. Apertei os olhos discretamente em sua direção.
- Você tem muito tempo livre - Brandon ironizou, provavelmente pra quebrar o silêncio. Disso ele tinha razão.
- O que vocês vieram fazer aqui mesmo?
- Viemos te convidar pra ir na Cargo... mas acho que mudei de ideia – Matt fez uma careta.
- Vocês não conseguem passar um dia sem arrumar uma desculpa pra sair pra beber? - indaguei mesmo já sabendo a resposta.
- Não - Matt e Brandon responderam em uníssono e levantou os ombros.
- Me deem vinte minutos.

-

- Qualquer um sabe que vinte minutos nunca são vinte minutos para uma mulher se arrumar – esbravejei ao sair do quarto. Uma hora, quatro ameaças de morte e incontáveis batidas na porta depois, eu estava pronta.
Eu podia ter me produzido menos, é claro. Mas eu queria ficar nada menos do que deslumbrante. E eu negaria se me perguntassem, mas o fato de estar lá meio que tinha a ver com a escolha do minúsculo, colado e decotado vestido preto de couro que eu estava usando. Jurava que tinha mais pano nas mangas compridas do que no resto da peça em si, e os saltos prateados chamavam tanta atenção quanto o resto do visual.
Algumas risadas ecoavam do andar de baixo enquanto descia as escadas. Os três estavam jogados no sofá, cada um com uma garrafa de cerveja na mão. O barulho do sapato no assoalho chamou atenção de , que foi o primeiro a virar a cabeça para me olhar. Seus olhos correram pelas minhas pernas, meu decote e meu rosto, e então fizeram o caminho inverso novamente e pude vê-lo engolir em seco antes de dar mais um gole na bebida.
Provocação. Era tudo o que eu queria.
- Vamos? – sorri ao parar no último degrau, atraindo os olhares de Matt e Brandon. Enquanto Brandon arregalou os olhos e tentou desviar o olhar, meu irmão me encarou como se quisesse me matar.
- O que é isso? – ele vociferou ao caminhar na minha direção, apontando pra minha roupa.
- Um vestido – coloquei as mãos na cintura e respondi como se estivéssemos tendo a conversa mais tediosa do mundo.
- Você não vai com isso – ele cruzou os braços, parando em minha frente.
- Continue nessa ladainha e eu puxo mais pra baixo - coloquei um dedo no decote. Por cima dos ombros do meu irmão, podia ver que os outros dois se divertiam com a situação.
- Sobe e troca – sua voz soou pausada e arrastada, como sempre soava quando ele estava puto.
- Você está parecendo uma plantação de alface e eu não disse nada – cruzei os braços também, olhando para sua escolha de camiseta que era de um verde tão aceso que parecia ter sido pintada com um marca-texto fosforescente.
- , não me faça...
- Argh, vocês parecem duas crianças! – Brandon gritou ao levantar do sofá e erguer os braços para cima – Vamos logo, você sabe que ela não vai se trocar. E nós cuidamos dela por lá.
Brandon passou por mim e segurou meu pulso, me arrastando em direção à porta. Tentando acompanhar seus passos apressados, dei um sorrisinho vitorioso para meu irmão, que ainda me fuzilava com os olhos ao pegar no ar as chaves que o garoto à minha frente tinha jogado em sua direção.
Sentei no banco de carona ao lado de Matt, que insistia em me censurar com o canto dos olhos. Mas minha atenção não estava nele.
Durante os vinte minutos que passamos no carro, meus olhos estavam fixos no retrovisor, por onde me encarava. Um sorriso atravessado estava estampado permanente em seu rosto e os intensos olhos pareciam queimar.
“Você está linda” identifiquei a frase pelo movimento lento de seus lábios no reflexo, que pronunciaram sem som algo.
Sorri antes de articular um “Eu sei” da mesma forma silenciosa que ele.
A Cargo era um tipo de casa de shows para bandas desconhecidas com um bar acoplado ao palco e a pista de dança. Não era muito grande, mas era um dos melhores lugares da cidade – e a quantidade surpreendente de gente que lotava o lugar comprovava isso.
Alguns amigos dos três já ocupavam uma mesa mais ao fundo, alguns rostos conhecidos e outros que eu não me lembrava. O grupo com o som na pegada de Arctic Monkeys que ocupava o palco fora a boa surpresa da noite; era agradável e nada muito barulhento.
- Eu disse para não vir com isso – Matt sussurrou em meu ouvido antes de dar a volta na mesa para cumprimentar os meninos. Ia perguntar do que estava falando, mas fora necessário apenas uma breve conferida em volta para perceber os olhares em mim – olhares de todos os tipos; furtivos, insolentes, perversos e cheios de julgamento. Dei de ombros ao sentar em uma das cadeiras vazias entre e Brandon.
Eu tinha acabado de receber o copo de Piña Colada quando meu corpo inteiro se arrepiou. A mão de , quente e repentina, pesou em cima das minhas coxas. Ele fez o mínimo movimento com os dedos e eu arfei, largando o copo na mesa com medo de derrubá-lo.
- Porque está fazendo isso comigo? – sua voz chegou em um sopro aos meus ouvidos enquanto eu tentava disfarçar a expressão desconcertada que tomava meu rosto.
- Do que está falando?
- Sua roupa – ele dedilhou a pele, escorregando os dedos para cima se aproximando de minha calcinha – Ou a falta dela.
- E porque acha que tem a ver com você? – minha voz, além de baixa, saia entrecortada.
Implorei por minha sanidade mental no momento em que a ponta de seus dedos tocou o tecido.
- Acho que faz bem pro meu ego.
- Esqueci o quanto ele é frágil – respondi e ele soltou uma risada rouca. Brandon se virou para nossa direção no mesmo instante e arqueou uma sobrancelha, quase indagando o que estava acontecendo ali.
A resposta de fora silenciosa: ele pressionou minha intimidade e a explosão de sentidos no meu corpo fora latente e devastadora. Ninguém nunca havia despertado tanto em mim com um simples toque; em segundos, eu estava molhada e pensando em montar nele ali mesmo.
Ou em afastar sua mão e dizer que fora uma péssima ideia.
Meu cérebro entrou em conflito no dilema que era mais do que comum quando assunto era : as oscilações entre o desejo e a precaução que me deixavam perturbada.
O observei com o canto dos olhos; o peito forte subia e descia um pouco mais rápido do que o normal. Seu maxilar trincado passava uma visão ainda mais dura do que ele realmente era. Tudo naquele homem exalava sexualidade.
Ele passou o indicador pelo elástico de minha calcinha e a puxou um pouco para o lado. Mordi o lábio inferior, controlando um gemido.
- ... – sussurrei e seus movimentos cessaram repentinamente. Ele fez menção de tirar a mão e o desespero por sentir seu toque me fez mandar para longe qualquer resquício sobre o discurso falho de sermos apenas amigos que eu tinha ensaiado tantas vezes. Deixei meu desejo superar minha consciência; o que era quase uma constante quando o assunto era .
- Acho que preciso de um cigarro – ele sussurrou e eu o encarei. Ele tinha parado para me falar isso?
Ele arqueou a sobrancelha e então eu entendi. Era uma espécie de código.
- Eu poderia fumar agora – respondi tão baixo quanto ele, com um sorriso discreto.
- Tem uma porta na lateral do palco. Me encontra lá.

-

me recebeu com um sorriso assim que o avistei parado com as mãos no bolso e encostado à parede pintada de preta bem ao lado do palco. Ele pegou minha mão e, antes que eu pudesse problematizar o ato afetuoso, me puxou por um corredor estreito e escuro que levava à uma porta de metal. Ele a empurrou e em um instante estávamos do lado de fora da Cargo; mais especificamente nos fundos, em uma minúscula rua sem saída quase isenta iluminação que podia muito bem ser o cenário de um film noir.
Não foi necessário uma só palavra; no momento em que meus pés deixaram o piso de cerâmica para encostar no chão da rua, desvencilhou nossas mãos e me lançou apenas um olhar aprazível antes de envolver minha cintura e colar os lábios aos meus.
Meu corpo foi tomado pelo desejo combinado ao efeito inebriante de seu beijo; uma réplica adequada ao seu toque urgente e voraz. Com cada milímetro do meu corpo sendo pressionado contra o seu, tive a certeza de que eu estava fadada a me entregar aos estímulos daquele homem e não importava o quanto lutasse contra isso. Ninguém nunca me fizera sentir metade do fervilhar que ele me proporcionava com um mínimo toque provocante.
Não tinha nada de carinhoso na maneira em que nos beijávamos: era puro erotismo. O familiar gosto mentolado se espalhou por minha língua e aquilo era mais gostoso do que eu podia explicar. Suas mãos foram rápidas em explorar minhas curvas e eu fiz questão de não ficar pra trás ao pressionar com os dedos o volume que apertava sua calça jeans. soltou um gemido rouco diante de meu toque, que ficou apenas mais sexy sendo abafado por meus lábios. Fincando os dentes em meu lábio inferior, ele separou nossas bocas e encostou a testa na minha apenas para sussurrar:
- Quero você. Aqui e a agora - nossas respirações ofegantes se misturavam da forma mais envolvente o possível e, antes mesmo que eu pudesse formar uma frase inteligível, me segurou pelo quadril e girou meu corpo, fazendo-me ficar de costas pra ele. Enquanto uma mão permaneceu firme em minha cintura, a outra alcançou meu cabelo para prender todos os fios em um punho, finalizando com um puxão. Seu toque ríspido e os movimentos firmes me deixavam excitada de uma forma enlouquecedora e tudo que eu podia pensar era em como eu o queria dentro de mim.
Alguma coisa entre o perigo de sermos pegos a qualquer momento no meio da rua e o fato de estarmos nos escondendo dos outros lá dentro provocava uma excitação inédita no meu corpo.
colou o corpo em minhas costas sem o menor cuidado e o tranco fez com que eu me chocasse com a parede em minha frente. Apoiei as mãos nos tijolos e empinei a bunda apenas para sentir seu pau duro roçar em mim. A dor lasciva em meu ventre se intensificou e senti-me ainda mais úmida; o que, há segundos, me parecia impossível. Ele apertou as mãos um pouco mais em meus fios e os puxou para o lado, fazendo com que meu rosto virasse para trás e eu conseguisse vê-lo por cima dos ombros.
Céus, eu devia mesmo estar no paraíso. Ele, com a expressão mais indócil do universo e o olhar cintilando de prazer era a cena mais deliciosa que já havia visto na vida.
aproximou a boca de meu ombro e desferiu uma leve mordida ali, me causando choques arrepiantes pelo corpo inteiro. Então ele apoiou o queixo no local e, após mais uma mordida no lóbulo de minha orelha, sua voz soou feroz:
- Gostosa... - seus dentes desceram por minha pele, arranhando o meu pescoço - Me diz o que quer que eu faça com você.
- Quero que você me foda. Aqui e agora - as palavras apenas jorraram de minha boca, sem censura e sem qualquer tipo de raciocino prévio, e ele soltou um urro em resposta; o som mais sensual e primitivo que já ouvi em toda minha vida.
deslizou a mão que segurava minha cintura para a minha bunda e deu um apertão forte antes de subir o tecido do meu vestido - não que precisasse de muito pra isso. Ouvi o barulho da fivela do cinto e, antes que eu pudesse piscar, seus dedos puxaram minha calcinha para o lado e ele deslizou o membro para dentro de mim de uma só vez. Um grito afiado escapou de minha garganta e ele se adiantou em tapar a minha boca com a mão que segurava meu cabelo. Dei uma mordida sútil em seu dedo e ele tirou a mão de minha boca, mas encostou o dedo nos meus lábios. Passei a língua suavemente pelo indicador e o chupei de uma só vez ao mesmo tempo em que tirou e estocou o pau em mim em um movimento forte e preciso. Meu gemido fora contido por seu dedo, assim como os próximos que eram puro reflexo de suas investidas vorazes. Ele saia e se colocava por inteiro com uma força impressionante, parecendo determinado a me rasgar cada vez que preenchia meu corpo, e a dor irradiava pelo meu ponto mais sensível da forma mais prazerosa possível. Ele escorregou a mão dos meus lábios, passando os dedos pelo meu colo, seios e barriga, até chegar na altura do meu quadril. A palma de sua mão estralou um forte e excitante tapa em minha bunda antes de segurar minha cintura para aceleram os movimentos.
Caralho.
Curvei meu corpo um pouco para frente apenas pra que ele pudesse entrar mais fundo e os gemidos tão descontrolados quanto os meus me diziam que ele havia aprovado. Seu quadril começou a se mover freneticamente contra mim e eu já estava me sentindo em outro mundo, tamanho era o prazer que me dominava por inteira. Meus seios estavam duros, meu clitóris inchado e dolorido, e eu implorava pelo alívio do orgasmo.
- Você me deixa louco - a voz rouca e entrecortada soou nos meus ouvidos, me estimulando um pouco mais e, com mais algumas investidas rápidas, meu corpo se contorceu e o prazer explodiu em minhas veias, provocando espasmos intensos em cada centímetro de mim. Meu corpo ficou mole, dormente e minha intimidade se apertou no pau de , uma sensação desmedida de prazer. Com as pernas bambas, a única coisa que me mantinha em pé eram suas mãos em minha cintura, cada vez me apertando mais. Então ele se colocou inteiro para fora e entrou de novo e, em meio a um urro exasperado, permaneceu ali.
Jurava que o sentia tocar minhas entranhas e, com ele completamente dentro de minha boceta até o talo, parecia que meu corpo era incapaz de aguentar seu tamanho, tal era a forma que me sentia apertada em volta dele. Os dedos que tremeram e afrouxaram em minha cintura denunciavam que ele havia gozado.
Nossas respirações altas e aceleradas tomavam conta do ar quando me virei de frente para ele. Arrumei a barra de meu vestido e tentei dar um jeito nos meus cabelos enquanto ele abotoava a calça. Nossos olhares, cúmplices, se encontraram e o sorriso fora inevitável.
Eu estava me sentindo uma adolescente transando escondida no banheiro da escola. despertava o pior em mim. Mas porque isso parecia tão certo?

-

Quando voltei pra mesa já estava lá e conversava distraído com o garoto alto e de cabelos arrepiados ao seu lado. Acho que o nome dele era Owen.
- A gente devia ficar mais perto do palco. O som está bem melhor por lá - falei alto ao sentar na mesa, tentando usar a veia de atriz inexistente em mim.
- Seu cabelo está meio bagunçado – fui recebida por um Brandon provocativo ao meu lado, arqueando uma sobrancelha com um sorriso irritante no rosto. É claro que ele sabia exatamente onde eu estava.
- Cala a boca - sussurrei entre dentes para ele, que apenas balançou a cabeça e deu um gole em sua cerveja.
- Então viajamos para praia amanhã - meu irmão gritou do outro lado da mesa, atraindo olhares de todos os cantos, com sua habitual indiscrição. Do que ele estava falando?
- Amanhã? O que está acontecendo?
- O fim de semana do Matt - ele exibiu os dentes em um sorriso perfeito, parecendo um garoto de fraternidade com músculos demais que está há dez anos tentando se formar - Chamem mais gente. Vamos lotar a casa.


Capítulo 17

O Fim de Semana do Matt nada mais era do que uma festa que se estendia por dois ou três dias seguidos - dependendo de quanto tempo tivéssemos - regada a muita bebida, boa música e péssimas decisões. Algo que soava extremamente idiota na teoria, mas na prática acabava sendo divertido. Bom, na maioria das vezes.
Quando cheguei em St. Ives à tarde com Matt fiquei impressionada com o tamanho da casa e a quantidade de bebida estocada na cozinha. Chegamos no sábado, então, o plano era ficar até segunda de manhã; era feriado e precisávamos pelo menos cinco horas na estrada para voltar pra Londres.
Matt tinha conseguido alugar uma casa de três andares que não apenas ficava na praia - a porta dos fundos dava diretamente na areia. Estávamos no Outono, então o frio perto do mar era intenso, mas, na minha opinião, o céu acinzentado e a brisa balançando algumas palmeiras só completava o cenário e deixava tudo mais bonito.
Eu moraria ali facilmente.
Brandon e alguns outros chegaram um pouco depois e em algumas horas tínhamos colocado tudo no lugar - as bebidas nos freezers, potes e mais potes de salgadinhos espalhados pela casa e uma playlist de bandas antigas de rock explodindo nas caixas de som presas ao teto.
Já era de noite e, pelo barulho que fazia lá embaixo, as pessoas já tinham começado a chegar. Eu tinha convidado Bex e Ethan, mas os dois já tinham planos; iam visitar os pais de Ethan em Liverpool para discutir alguns detalhes do casamento.
Eu estava em uma das suítes do segundo andar terminando de me arrumar. A roupa de hoje não tinha nada de provocante: era um vestido branco rendado, justo no busto e com uma saia esvoaçante, abrindo bem abaixo da marcação na cintura. O tecido era um pouco transparente, mas um forro mais grosso e curto cobria o necessário por baixo. As mangas eram compridas e o decote ombro a ombro; eu gostava de ser temática e aquela roupa definitivamente gritava praia.
Satisfeita com a produção, desci as escadas e me deparei com um lugar borbulhando de gente. Não era nem meia noite e eu já precisava desviar de algumas pessoas no caminho até a cozinha. Com um copo vermelho, uma garrafa de brandy e outra de licor de cacau em mãos, improvisei um Alexander e bebi quase tudo em um gole. Não ficava tão gostoso sem a canela e o creme de leite, mas ainda assim eu adorava. Enchi o copo novamente antes de caminhar até o lado de fora, conseguindo fazer o que havia planejado desde que estava me arrumando e decidi não calçar sapatos: sentir a areia nos meus pés.
Ela estava gelada, mas a sensação continuava sendo agradável. A situação era mais calma ali fora e a música estava consideravelmente mais baixa. Parando a alguns passos do mar, sentindo a brisa arrepiar meu corpo e beijar suavemente minha pele, peguei-me pensando se já havia chego.
O céu e o mar se encontravam no horizonte e a escuridão fazia tudo parecer uma coisa só. Apesar de sombria, aquele era um dos retratos mais tranquilizante que meus olhos já haviam presenciado.
Fiz questão de encher meus pulmões com a maresia antes de dar meia volta para retornar a casa. Mas, assim que o fiz, desejei voltar no tempo ao ver toda a calmaria se esvair em uma velocidade devastadora.
Ali, bem na minha frente e reais demais para fazerem parte de meus devaneios, estavam ) e .
estava encostado em uma das vigas de madeira que demarcavam os fundos da casa, com uma garrafa de cerveja na mão enquanto conversava com Matt e outros dois. Estava lindo com uma camiseta azul clara e uma calça de moletom preta. Como se meu olhar tivesse o atraído, ele virou o rosto e sua expressão mudou instantaneamente quando focou em mim. O sorriso despreocupado que antes estampava seus lábios se desfez, dando lugar àquela expressão angustiante que eu tanto odiava.
Senti meu coração apertar e a bebida revirar em meu estômago.
Apenas a alguns passos de distância, na outra extremidade da casa, tão lindo quanto o primeiro, exalava seu charme com uma roupa toda preta e uma touca cinza que o fazia parecer ter uns vinte e sete anos no máximo.
Mas um pequeno detalhe fez meu coração apertar mais uma vez e meu estômago revirar com mais força. Uma menina alta, de cabelos pretos e curtos e as pernas mais compridas que eu já havia visto na vida, se jogava em cima dele. Ela parecia ainda mais nova do que eu. Apesar das mãos furtivas em seu peitoral, o olhar de estava satisfatoriamente cravado em mim. O músculo em seu maxilar pulsou e ele deu um passo para o lado ao me ver, mas a menina o acompanhou, ficando ainda mais perto dele.
Argh.
Desejei que Bex estivesse aqui, e não no meio da loucura e maturidade de seu casamento. Queria poder contar pra ela tudo o que vinha acontecendo sem medo de qualquer tipo de julgamento; seus conselhos maternais viriam em uma ótima hora.
Sem o refúgio da minha melhor amiga, minha única escolha era virar mais um copo e deixar o álcool esterilizar qualquer tipo de culpa ou ciúmes em mim.
Ciúmes? Isso não soava certo.
Passei rápido e com os olhos fixou em meus pés entre os dois, quase correndo até a cozinha, onde enchi três copos de shot de tequila e virei um em seguida do outro, sem nem tempo pra respirar. Quando bati o último copo no mármore escuro da bancada, o vidro explodiu em minha mão e alguns gritos embriagados soaram ao meu lado.
Minha mão começou a sangrar e eu senti um leve ardor ao mesmo tempo em que tudo começou a girar e passar em câmera lenta diante dos meus olhos. Eu realmente não podia usar copos de vidro quando estava bêbada.
Liguei a torneira e deixei a água lavar a mancha vermelha que meus dedos tinham se tornado, sentindo a dor se dissipar aos poucos.
- Está tudo bem? – uma mão tocou meu ombro e eu desliguei a torneira antes de me virar. Eu não estava enxergando direito, mas tinha quase certeza que era Brandon.
- Brandon? - indaguei com uma careta e ele riu, me pegando pelos ombros.
- Você precisa sentar. Vem comigo.
O garoto me guiou até uma sala um pouco mais afastada onde não tinha tanto tumulto e me colocou em um sofá, se jogando ao meu lado.
- Todos esses assuntos do coração são uma merda, não acha? - minha voz saiu tão arrastada que eu fiquei surpresa por ele entender.
- O segredo é não se apaixonar. Matt me ensinou isso.
- É, ele me ensinou também - rolei os olhos - Pelo menos a teoria.
- De quem estamos falando? - ele cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.
- Já pode parar com a palhaçada - Matt chegou gritando e se jogou no espaço quase inexistente entre mim e Brandon, arrancando uma gargalhada de nós dois.
- A é praticamente minha irmã, porra – Brandon estendeu o braço por trás de Matt e deu um soquinho desajeitado em meu ombro.
- Ainda acho intimidade demais – meu irmão fez uma careta e eu rolei os olhos.
- Você é como meu irmão, e ela, por tabela...
Matt colocou a mão no peito, como se Brandon tivesse feito a maior declaração do universo.
Bêbados são mesmo patéticos...
-Argh, se peguem logo! - gritei ao me levantar em um movimento impulsivo. Eu estava completamente embriagada, mas de alguma forma meu corpo implorava por mais álcool.
Peguei uma garrafa de cerveja na cozinha e estava determinada a caminhar até o segundo andar para beber no “meu” quarto, mas algo me fez parar. Algo que vinha acompanhado de nome, sobrenome, lindos olhos e um sentimento intenso de culpa.
estava parado na minha frente, com as mãos no bolso e o olhar mais piedoso que alguém já havia lançado pra mim.
- ... - sua voz soou baixa, mas de alguma forma meus ouvidos conseguiram isolá-la de todo o barulho e correria que nos rondava.
Essa não era nem de longe a situação em que me imaginei conversando com ele pela primeira vez depois de tudo o que tinha acontecido.
Fiz um gesto com a cabeça, indicando a porta e ele assentiu, dando um passo para o lado para me deixar passar em sua frente. Caminhamos em silêncio até a parte externa, a situação mais desconfortável e o clima mais pesado o possível. Estava concentrada demais em não tropeçar em meus pés para reparar se ainda estava por ali.
Quando a música me parece baixa o suficiente para o tom da conversa, detive meus passos e sentei na areia, dando um tapinha ao meu lado para ele se juntar a mim.
Um segundo depois, estávamos lado a lado, com os olhares perdidos na imensidão escura à nossa frente.
- Como você está? - me ouvi perguntar, sem saber ao certo se era isso mesmo que queria dizer, enquanto apoiava a garrafa na areia.
- Na medida do possível – a voz suave de preencheu meu corpo e eu tive que fechar os olhos para absorver. Era a mesma sensação de ouvir novamente sua música preferida depois de um tempo sem tocá-la: reconfortante e altamente nostálgico.
-Você sabia que eu estaria aqui? - virei pra ele, procurando seus olhos, mas eles se negaram a me olhar de volta.
- Não - respondeu e, sob meu observar atento, pegou a minha garrafa para dar um gole.
- Teria vindo se soubesse?
Um sorriso triste ocupou seus lábios e, dessa vez, ele me olhou antes de responder.
- Não.
A resposta curta e precisa fora como alfinetes em meu coração. Não esperava que ele tivesse me perdoado completamente, mas saber que o simples fato de me ver ainda doía tanto assim... Era devastador.
Fechei os olhos e respirei fundo. Eu sabia o que queria perguntar, o que eu precisava perguntar.
- Você sente minha falta?
Um breve silêncio tomou conta do ar. se ajeitou no lugar, como se estivesse procrastinando aquela resposta.
- Todos os dias.
Soltei o ar preso nos pulmões e, apesar de triste, deu um dos mais sinceros sorrisos de minha vida.
- Eu também.
Atrevi-me a olhar para o lado, encontrando a lástima em suas íris diretamente em cima de mim. As minhas não deviam estar tão diferentes assim.
deu um sorriso discreto e não disse mais nada. Apoiou a garrafa novamente na areia e se levantou, seguindo o caminho que tínhamos feito há alguns instantes.
Com o coração pesado e a sensação de que o choro não demoraria muito a tomar conta de meu rosto, tudo o que eu conseguia pensar era que eu precisava ver . Seus braços eram a coisa mais reconfortante que podia passar por minha cabeça, e não importava se uma mulher que me intimidava com sua confiança ao se jogar em cima dele estivesse grudada em seu pescoço.
Quando virei e caminhei alguns passos de volta para casa, o vi parado no mesmo lugar de antes. A menina não estava mais lá, apenas Brandon e alguns outros garotos de quem eu me lembrava da festa de boas vindas de meu irmão.
Aproximei-me sorrateira, com a esperança de ninguém percebesse que eu estava ali e com o plano de chama-lo disfarçadamente, mas assim que pensei em fazer qualquer gesto de aviso, todos os olhos se voltaram para mim.
Abri e fechei a boca algumas vezes, incerta, observando os pares de olhos que me encaravam e pareciam ansiar para saber o que eu tinha pra dizer.
- Eu... Preciso de um cigarro – disse, olhando diretamente para . Seus lábios se curvaram em um breve sorriso e ele fez menção de colocar a mão no bolso.
- Não. Você deixou lá em cima - olhei Brandon de soslaio e ele estava rindo ao balançar a cabeça negativamente. Até ele entendeu e o tapado do não – Realmente preciso de um cigarro agora.
-

- Quer dizer que cigarro agora é nosso código pra sexo? – estava rindo ao entrar no quarto atrás de mim.
- Eu não te chamei pra transar – rolei os olhos, sendo obrigada a rir com ele.
- Você é uma péssima mentirosa.
- Cala a boca, você que é lerdo – falei enquanto sentava na cama – está aqui.
- Eu sei – ele tomou o lugar ao meu lado – Vi vocês dois.
Encarei seu rosto e a expressão dura que o dominava. A presença dele, antes caótica, agora parecia amortecer a agonia que se formara em minha garganta.
- Gostei do visual – puxei sua touca um pouco pra baixo, ajeitando-a – Você estava usando uma parecida no dia em que a gente se conheceu.
Ele olhou para cima e deu um sorriso ao mexer nos displicentes fios . Quando achei que ia fazer um comentário sarcástico, ele franziu o cenho e encarou minha mão.
- O que aconteceu? - acompanhei seu olhar e vi o estado de minha mão: vários cortes e algumas gotas de sangue faziam a situação parecer pior do que realmente era.
- Quebrei um copo mais cedo. Não se preocupe, já nem estou nem sentindo mais.
Dei de ombros, mas soltou um suspiro pesaroso. Sem dizer nada, ele sacou um canivete suíço do bolso e tirou sua touca, passando a mão pelos fios amassados de imediato e tentando coloca-los no lugar. Nem preciso dizer que ele continuava a personificação de um Deus grego mesmo assim.
- Espero que esses não sejam os instrumentos de minha morte – eu disse ao observar ele mexendo no canivete e abrindo seus mil e um apetrechos, já imaginando a touca cobrindo meu rosto e um daqueles trecos afiados em meu pescoço.
me respondeu apenas com um sorriso, concentrado no objeto em suas mãos. Pensei em perguntar por que ele andava com um canivete no bolso, e principalmente porque ele achou que aquela era uma boa hora para usá-lo, mas me contive em esperar.
- Vai lavar esses cortes – ele disse e eu apenas estreitei a sobrancelha ao vê-lo sacar a tesoura do objeto e começar a cortar o tecido da touca em seu colo – É sério, vai lavar isso.
Talvez eu estivesse muito embriagada para argumentar, mas como se sua voz fosse um comando pelo qual eu era programada para responder, levantei da cama e fui até o banheiro do quarto, fazendo exatamente o que ele havia indicado. O sabão fez os cortes arderem, mas nada muito insuportável.
Quando voltei, já tinha guardado o canivete e a touca repousava ao seu lado com alguns cortes circulares. O que ele estava tramando?
- Se isso é algum tipo de acessório sexual, fique sabendo que não vou usar – fiz uma careta ao apontar para a peça ao seu lado e ele riu, balançando a cabeça negativamente.
Ia voltar para o meu lugar na cama, mas assim que passei em sua frente, segurou a minha cintura e me colocou sentada de lado em seu colo. Senti meu coração apertar levemente – mas nada parecido com a dor aflitiva que tinha sentido mais cedo.
- Você precisa parar de quebrar copos por aí – ele pegou a minha mão machucada e a colocou em cima da sua com cuidado, passando levemente o polegar pela minha palma – E não devia ter ido na areia até dar um jeito nisso aqui.
pegou a touca ao seu lado e a deslizou cuidadosamente em minha mão, os dedos encaixando perfeitamente em cada um dos furos que ele tinha feito.
Com sua obra perfeita mente vestida em minha mão, ele passou os braços em volta de mim, me abraçando pela cintura enquanto apoiava o queijo em meus ombros. Suspirei e fechei os olhos, sem entender porque meu coração batia um pouco mais rápido.
Olhei para a luva improvisada e um sorriso iluminou meu rosto. Ignorei o medo que insistia em se aproximar e calei a minha consciência que me pedia para ir embora dali. Aquele gesto simples era uma das coisas mais bonitas e sinceras que alguém já tinha feito por mim.
Ali, em seu colo, com o calor do seu corpo emanando diretamente no meu da forma mais reconfortante o possível, eu esqueci o mundo lá fora. A festa não existia, as complicações não existiam; tudo o que estava além daquela porta era nulo para mim.
- Obrigada – sussurrei ao me virar para ele. escorregou uma das mãos para o meu rosto, primeiro colocando uma mecha de meus cabelos atrás da orelha. Depois, apoiou os dedos suavemente em meu queixo e trouxe meu rosto para perto de si, selando nossos lábios em um beijo diferente de todos os outros que já havíamos trocado. Era calmo, terno e sem segundas intenções.
Uma forma explicita de carinho que, até então, era inédita entre nós dois.
Quando abri os olhos, senti que podia encarar os seus por um bom tempo apenas para sustentar a sensação boa que explodia em cada canto do meu corpo.
Mas o momento não durou o quanto eu esperava. O barulho da porta se abrindo chamou nossa atenção e, antes que pudéssemos pensar em fazer qualquer coisa, a porta se escancarou e o barulho da música alta misturada com as vozes ecoou no quarto, me trazendo de volta para a realidade.
Eu achava que a pior hipótese seria ver Matthew parado no batente, encarando nós dois com a raiva borbulhando em seus olhos.
Mas era ainda pior que isso.
No lugar da raiva, havia a tristeza.
Os olhos de Matthew não estavam ali.
Eram os de que me encavaram, carregados de mágoa e confusão.


Capítulo 18

Nunca achei que eu fosse o tipo de garota que correria atrás de alguém, não importando qual fosse a situação.
Mas como era possível eu ver um perceptivelmente amargurado se afastar e não fazer nada? Cada átomo do meu corpo implorou para que eu disparasse atrás dele e, incapaz de cobrar qualquer sensatez perante a situação, não questionei minha razão antes de seguir os meus sentidos.
Lancei um olhar rápido para e fui recebida por seu semblante surpreendentemente compreensivo. Levantando do acolhedor lugar em seu colo, saí em disparada atrás de sem me importar com quantas vezes cambaleei ao esbarrar em alguns bêbados pelo caminho.
- , por favor, espera – minha voz soou mais apelativa que o planejado ao rasgar minha garganta quando o vi atravessar a porta da frente da casa.
Para minha surpresa, ele deteve os passos. Existia algo que oscilava entre o reconforto e a lástima ao vê-lo dar ouvidos à minha súplica sem hesitar. E, claro, a culpa. Eu não merecia isso.
Lá fora a música era mais baixa e a atmosfera mais calma. Um pequeno grupo pessoas parado no jardim desviou a atenção para nós dois. estava parado a poucos metros de mim, no meio-fio da rua estreita e deserta. Ele girou nos calcanhares e não pude evitar o arrepio que percorreu minha espinha diante de seu olhar; meu peito subia e descia mais rápido do que o normal, denunciando o nervosismo de minha respiração descompassada. Eu o conhecia bem o suficiente para saber o que estava se passando por trás daqueles olhos - não era apenas tristeza. Ele também estava com raiva.
E, por mais inapropriado e inconivente que fosse, tudo o que senti foi uma violenta vontade de abraça-lo.
- Você já o conhecia? – a rouquidão de suas palavras reverberou entre nós e eu senti o incômodo crescente em meu peito apertar um pouco mais.
- O que quer dizer?
deu um passo à frente e cruzou os braços antes de continuar.
- Quando estávamos juntos – ele fez uma careta, provavelmente pela colocação no passado - Você já conhecia o cara?
Ai.
Um belo golpe em meu estômago. Abri e fechei a boca algumas vezes, sem saber ao certo o que dizer; ou sem querer dizer o que eu sabia. Seu olhar passeou lentamente por minhas feições e seguiu até minhas mãos, onde eu apertava compulsivamente o tecido do curativo improvisado de . Quando fora erguer o olhar novamente para mim, a atenção de se fixou repentinamente em um ponto bem acima dos meus ombros. Virando ligeiramente a cabeça para entender o que acontecia, avistei escorado no batente da casa ao nos observar cautelosamente. Não como se estivesse tentando impedir ou intervir em qualquer coisa. Ele só parecia querer... Cuidar de mim.
Os dois se encararam por alguns instantes que, em minha percepção, se transformaram em séculos. A expressão blasé de contrastando com o furor evidente na fisionomia de evidenciavam ainda mais o quanto eram diferentes; a ausência de sentimentos e o fervilhar de emoções.
Em meio a um suspiro pesaroso, balançou a cabeça e seu semblante se contraiu em um sorriso completamente ausente de graça. Ele nem ao menos me olhou antes de se virar e continuar a seguir o caminho que estava fazendo antes de eu chegar. Dessa vez, não tive coragem de pedi-lo para parar. Sentindo as lágrimas subirem pela garganta e queimarem meus olhos, observei sua silhueta se afastando e a determinação de seus passos, me dizendo que ele não hesitaria em olhar para trás.
Mas eu merecia isso; era o que minha consciência dizia, em uma tentava falha de me consolar da maneira mais sádica o possível.
Um toque suave em meus ombros nus e o aroma refrescante que eu tão bem conhecia me avisaram que estava bem atrás de mim. Naquele intervalo de tempo agradeci por poder me amparar nele e, sem pensar duas vezes, virei e enterrei meu rosto em seu peito, abraçando-o com força e deixando minhas lágrimas correrem livres, molhando sua camiseta. Inicialmente sem reação, soltou um suspiro antes de envolver meu corpo com seus braços firmes, em uma promessa silenciosa e necessária de que tudo ficaria bem. E, céus, eu só queria que ele tivesse razão.

-

Dormir era a melhor alternativa para acalmar meus pensamentos e forçar meu corpo a se anestesiar. Por isso passei o resto da noite e boa parte do dia seguinte adormecida em meu quarto temporário. Em imagens embaçadas, lembro-me de ter aberto os olhos algumas vezes durante o sono e ver ao meu lado; vezes dormindo, vezes apenas olhando para o teto e vezes me observando.
Mas, dessa vez, eu não pirei.
Para minha surpresa, quando finalmente acordei e vi que já eram quatro horas da tarde do dia seguinte, me senti melancólica quando ao meu lado restavam apenas alguns lençóis bagunçados, vestígios do seu cheiro e a pungência de sua ausência.
Pensei em fechar os olhos novamente, mas meu estômago protestou, lembrando-me que faziam pelo menos vinte horas que eu não ingeria nada. Eu tinha pelo menos cinco horas até as pessoas começarem a chegar para a segunda parte da festa, então o plano era tomar um banho, comer alguma coisa e convencer ou Matt de me levar de volta pra casa um pouco antes.
Tinha tomado uma decisão; eu iria até assim que chegasse em Londres. Uma conversa clara, com todos seus pontos e vírgulas, era tudo o que precisávamos. Era o mínimo que eu devia a ele. Além, é claro, de a falta que eu sentia do meu melhor amigo ter se dissipado para todos os cantos do meu corpo após vê-lo na noite passada – mesmo que não na melhor das circunstancias. Era frustrante pensar que havíamos dado um passo para frente ao conversar na areia e, minutos depois, dez para trás.
Quando desci para a sala no primeiro andar alguns minutos mais tarde, com os cabelos molhados, um moletom comprido e a cara mais extenuada o possível, dei de cara com Matt, , Brandon, dois garotos tão grandes que podiam ser jogadores de futebol americano e três meninas que pareciam ter passado a noite aqui, denunciadas pela maquiagem borrada e as roupas que não combinavam com o atual horário. Ainda assim, estavam muito melhor que eu.
- O que estão fazendo? – disse ao me jogar no sofá ao lado de Brandon, que me recebeu passando o braço por meu ombro em um meio abraço desajeitado.
e Matt, sentados lado a lado no outro sofá à nossa frente, fizeram uma careta ao mesmo tempo. Aposto que Brandon estava fazendo de proposito e, se meu humor não estivesse tão na merda, eu provavelmente estaria tendo um ataque de riso interno.
- Na verdade, estávamos falando mal de você – meu irmão deu uma risadinha e eu o respondi com um sincero dedo do meio.
- Estávamos decidindo quem vai sair pra comprar bebida – a menina alta, de cabelos escuros e olhos acinzentados se pronunciou – E eu estava argumentando que os homens deviam ir enquanto as mulheres aproveitam a casa.
- Concordo com você – dei uma piscadinha pra ela que sorriu em resposta.
- É simples: quem não for, não bebe – Brandon declarou ao meu lado e algumas vozes se misturaram no ar em uma discussão extremamente exagerada para a situação.
Era, definitivamente, como estar na faculdade novamente. Observando a calorosa argumentação instalada, meu olhar encontrou o de no meio do caminho, e ele era o único que permanecia em silêncio como eu.
“Você fica” articulei em sigilo pra ele, que sorriu e assentiu brevemente com a cabeça.
Quando minha atenção voltou aos adolescentes animalescos à minha frente, eles andavam em direção à saída em uma confusão de vozes e gestos expansivos, deixando apenas eu e para trás.
- ! – meu irmão gritou da porta, apontando em nossa direção – Eu te conheço. Fique longe dela.
- Vai se foder, Matthew – riu e atirou uma almofada na direção de Matt, enquanto eu negava veemente com a cabeça, como se aquilo nunca fosse acontecer.
Esperei alguns segundos depois de a porta se fechar e as vozes soarem mais distantes para levantar e sentar novamente ao lado de . Joguei-me no sofá, apoiando as costas em seu corpo e sendo recebida por seu queixo apoiado no topo de minha cabeça.
Respirando fundo, fechei ligeiramente os olhos. Porque meu corpo insistia em responder positivamente a isso? Era tão... Romântico. Tão tudo o que eu repudiava.
- Você está melhor?
- Não – respondi, sincera e sem disposição para tocar no assunto – Só tô morrendo de fome.

O apoio do meu corpo se moveu e percebi que estava levantando.
- Onde está indo? – perguntei, reprimindo a inexplicável vontade de segurar seu braço e pedir pra ele ficar ali.
- Você disse que está com fome. Vou arrumar algo pra você comer – ele deu as costas e começou a andar em direção à cozinha, que se revelava após um amplo arco de concreto situado bem atrás do sofá.
- Tudo bem, não... – fiz menção de levantar, mas fui interrompida por suas palavras apressadas e seu tom austero.
- Não diga que não precisa. Já conversamos sobre isso.
Com um sorriso plantado nos lábios, voltei a relaxar meu corpo no estofado e apoiei o rosto nas costas do móvel para observá-lo. Era uma cena extremamente fofa de se ver: ele vasculhando os armários e a geladeira e separando algumas coisas na bancada para preparar alguma coisa pra mim. A ironia era que “fofo” era um adjetivo que achei que eu nunca usaria para descrever qualquer coisa feita por .
Minutos depois, minha barriga parecia em festa pelo delicioso sanduiche de queijo que ele havia preparado acompanhado de um suco de laranja, e já estávamos do lado de fora da casa. Eu estava sentada em uma daquelas enormes mesas de quintal com os pés apoiados no colo de , sentado em uma cadeira bem à minha frente.
- Porque? - ele insistiu e eu rolei os olhos pela milésima vez em um curtíssimo intervalo de tempo.
- Porque eu gosto. Para de ser insistente, – minha voz era ímpia, mas eu estava claramente rindo.
- Preciso de uma resposta mais completa – ele apoiou as mãos em volta de minhas coxas e se debruçou na minha direção, encarando meu rosto efusivamente. Era um desafio enorme não me perder em seus olhos ao vê-los tão próximos de mim. Eram como dois pequenos universos dos quais eu não sabia muita coisa, mas sempre me desafiavam a fazer novas descobertas.
Suspirei, pensando mais uma vez em sua pergunta. Em sua quarta pergunta em menos de cinco minutos, pra falar a verdade – eu estava triste e ele estava tentando me distrair de toda obscuridade de minha mente. Ao menos estava sendo efetivo.
Porque eu gostava de sentir medo? Eu não sabia por onde começar.
- Pense em um universo paralelo. E se, em algum lugar desconhecido, os valores forem invertidos e os sentimentos bons forem considerados ruins, enquanto os ruins forem àqueles pelos quais as pessoas buscam? As coisas funcionam mais ou menos assim na minha mente.
- Não estou nem um pouco com medo de você agora – ele ironizou e eu ri ao jogar uma mecha de meu cabelo pra trás.
- Estou falando sério. As pessoas estão sempre correndo atrás dos bons sentimentos, fazendo loucuras e cometendo erros. O tempo inteiro. Mas nunca é o suficiente, porque os tais bons sentimentos normalmente dependem de outras pessoas. Outras pessoas nos decepcionam e na maioria das vezes acabam não correspondendo como esperamos. É um ciclo vicioso. Um péssimo e doloroso ciclo vicioso.
- E onde entra o medo nisso tudo?
Pisquei algumas vezes, admirando a forma curiosa que me encarava ao querer entender o que eu estava tentando dizer.
- Eu tento não buscar esses bons sentimentos, pelo menos não conscientemente. Bom ou ruim, o medo é então a única alternativa pra eu me sentir viva. Principalmente, a única que depende só de mim. Sem ele a vida seria apenas... Simples demais, amena demais.
- E simplicidade não tem nada a ver com você – sorriu e suas mãos escorregaram suavemente pela minha pele, fazendo-me sentir um leve arrepio – Você deve ser a garota mais complexa que já conheci. De um jeito bom.
- Não acredito que está falando isso de mim – ri e apoiei meus braços em minhas pernas, descansando o rosto em minhas mãos e ficando a poucos centímetros de distância dele – Você é um livro fechado. Nunca sei o que está pensando, o que vai fazer... Não tenho certeza ao menos se sei quem você é, .
Um sorriso intrigante puxou levemente o canto de seus lábios e ele aproximou o rosto ainda mais do meu, deixando que nossas testas se unissem e nossos narizes roçassem em um agradável carinho.
- Existe um motivo pra isso – sua voz soou baixa e cautelosa – Quanto mais você conhecer, menos vai gostar. Acredite em mim.
As palavras proferidas daquela forma pareciam uma ameaça. Uma doce e assustadora ameaça que fazia o meu corpo inteiro estremecer, envolto em desejo e curiosidade.
- Assim você me deixa com...
- Medo? – seu sorriso aumentou e seus dedos deslizaram graciosamente até minha cintura – Bom saber que faço você se sentir viva.
Mordi o lábio inferior, chamando a atenção do seu olhar para aquele ponto. A nossa proximidade sempre fazia com que a tensão parecesse palpável e o ar, que se misturava quente entre nossos corpos, ficava mais denso. Quase me desiquilibrei quando, sem aviso prévio, ficou em pé e puxou meu corpo pra si, fazendo-me deslizar da mesa e parar bem em sua frente, amparada apenas por suas mãos firmes envoltas em minha cintura.
- ? – procurei seus olhos e me permiti afundar no que quer que fosse que eles queriam me dizer.
- Linda?
Ri ao balançar a cabeça negativamente. Era uma boa evolução, de gata para linda.
Deixei o ar inflar meus pulmões e fechei os olhos com força antes de continuar.
- Eu tenho medo de partir seu coração. É isso o que eu faço, sabe? É o que eu fiz com e todos os outros que já conheci.
Para minha surpresa, ele sorriu. afastou um pouco o rosto do meu e analisou meus traços por alguns segundos antes de colocar uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
- Então saiba que eu não tenho um.
Meu coração, antes acelerado, bateu lento e mais forte. Era uma sensação estranha. Desconhecida. Suplicante.
Sem direito à resposta ou prolongar o pensamento sobre o que aquilo significava, mergulhou os lábios nos meus em um beijo terno e voraz; aguçando meus sentidos da maneira mais bagunçada e contrária que só ele sabia fazer.
Senti-me calma e nervosa.
Completa e assustada.
Com medo e desejosa.
E todos os outros sentimentos opostos que me prendiam em um infinito e prazeroso dilema. Mas, acima de tudo, ele tinha razão – sentindo seu gosto, o carinho de sua boca, suas mãos percorrendo meu corpo e seu cheiro tomando conta de meus pulmões, eu me sentia inexplicavelmente viva.
- ? - trazendo-me para a realidade, a voz de Matthew soou distante.
Praticamente voei pra longe de ao empurra-lo pelo peito, ouvindo a porta de entrada da casa ser destrancada. Tentei normalizar a respiração ao ver meu irmão se aproximar. Ele segurava o celular entre os dedos finos e trêmulos e sua expressão era indubitavelmente de choque. Estava pálido e os olhos vagavam entre eu e , notavelmente aéreos.
- O que aconteceu, Matt? – dei um passo para frente e ele fixou os olhos de mim, apertando os lábios e hesitando falar alguma coisa.
Isso não podia ser bom.
- está no hospital. Ele sofreu um acidente.


Capítulo 19

Carpenters Road, 2 anos atrás

- Você não confia em mim?
Com um sorriso nos lábios que transparecia em seus olhos, deu um trêmulo passo à frente e estendeu a mão pra mim.
- Confio minha vida a você – ele disse e, com mais um passo, nossos dedos se entrelaçaram – Mas você tem o juízo de uma criança de dez anos.
Rolei os olhos, embora o sorriso ainda estampasse meu rosto. Jones tinha razão: a imprudência sempre fora parte de mim.
- Apenas feche os olhos – reiterei e ele soltou um suspiro antes de fazer o que eu pedi. Apertei seus dedos com um pouco mais de força e o puxei calmamente. Com passos indolentes e hesitantes, Jones parou ao meu lado e hesitou antes de abrir os olhos.
Bem diante de nossos pés, um penhasco rochoso terminava em um oceano de águas agitadas e cristalinas. Era a visão de serenidade pra mim; o barulho das ondas batendo nas pedras, o vento chicoteando meu rosto com força e as cores dançando no céu à nossa frente, me lembrando de que ali eu, e somente eu, estava no controle de tudo.
Olhei de relance para Jones e seu peito subia e descia frenético, enquanto seus olhos apertavam ao mirar o infinito sob nossos pés, da exata maneira que ele só fazia quando estava com medo.
Desvencilhei-me de seus dedos e dei mais um passo curto à frente, deixando a ponta de meu tênis branco pender para fora do precipício.
- Não faz isso, caralho – sua voz esganiçada e seus dedos em meu pulso, me puxando para trás e me fazendo cair no chão junto consigo em um ato desesperado, desencadearam uma longa e ruidosa gargalhada em mim.
- Para de ser medroso – disse ao desferir um tapa de leve em sua perna e me sentar, sendo acompanhada por ele.
- Agora temos um acordo? – sua voz soprou suave, e os olhos que pareciam soletrar a palavra ‘lar’ procuraram os meus.
- Eu te odeio, .


Meus olhos se perderam, desfocados na frieza de paredes brancas. As lágrimas, densas e insistentes, se negavam a deixar meu rosto, e minha cabeça trabalhava a mil por hora, me transportando ininterruptamente entre as incontáveis lembranças que tinha com .
Àquela, em especial, era uma branda prova do amigo inigualável que ele era.
Não. Não apenas amigo. era a melhor pessoa do universo.
Quando a faculdade chegou ao fim, estava com a inabalável decisão de apenas dar as costas aos quatro anos acadêmicos, sem qualquer tipo de momento célebre ao término de mais um ciclo.
Em outras palavras, eu não queria ir à porcaria do baile de formatura; era uma noite regada à nostalgia e sentimentalismo que eu simplesmente preferia não viver. Mas insistia que, mais tarde, eu me arrependeria daquela decisão.
“Você só vai me convencer a entrar em um vestido brilhante e brindar ao fim dos melhores anos de minha vida se caminhar comigo na beira do penhasco mais alto que eu encontrar” foram minhas exatas palavras, achando que o medo faria o trabalho difícil por mim.
Mas Jones não desistia fácil quando o assunto era fazer o que achava ser melhor pra mim. Então ele pegou o carro e caímos na estrada entre Londres e Stratford até realmente acharmos um penhasco alto o suficiente para o meu gosto.
Talvez porque ele soubesse que era mais fácil caminhar à beira de um precipício do que tirar uma ideia de minha cabeça. Ou porque arriscar sua vida era uma ideia mais aprazível do que me ver desperdiçando a minha.
Assim era . A criatura sublime que, agora, estava desacordado bem à minha frente.
Eu era resumida em culpa.
Todas as entranhas de meu corpo gritavam “culpa” exasperadamente.
Era o que estava escrito na minha testa.
O que você veria se abrisse minha mente ou tentasse ler a palma de minha mão.
Mas não era a culpa que estava me prendendo aqui há dois dias. Era todo o carinho que eu sentia por Jones. Carinho esse que não me deixara largar sua mão ou pregar os olhos durante as últimas quarenta e oito horas nesse sufocante quarto de hospital.
A palidez em seu rosto, o braço imobilizado pelo gesso e os aparelhos conectados ao seu corpo eram como facas em meu peito. Ele não estaria aí se não fosse por você, era o que minha consciência insistia em repetir.
Os médicos asseguraram que a situação dele era estável e que ele poderia acordar a qualquer momento. Não havia complicações mais severas do que o braço esquerdo quebrado e algumas lesões superficiais em sua pele.
Mas eu não me importava – só sairia daqui ao vê-lo desperto e, esperançosamente, bem.
- . Acorda, por favor – minha própria voz soprou baixa, chorosa e suplicante – Eu sou tão covarde que só consigo te pedir desculpa com a certeza de que não ouvir – em meio a um riso de escárnio, meus olhos estudaram seu rosto escultural e pacífico – Mas eu sinto muito por tudo. Você não sabe o quanto é difícil me obrigar a não pensar em você às vezes e em como eu estraguei tudo. Eu sinto tanto, tanto, tanto...
Meu coração bateu mais forte quando suas pálpebras se tremeram brevemente.
A sua falta.
Apertei mais forte sua mão na minha e prendi a respiração, atenta a qualquer mínimo movimento. E, antes mesmo de abrir os olhos, devolveu meu gesto e a rouquidão de sua voz preencheu o quarto em um falho sussurro:
- ?
Fora o impulso necessário para que as lágrimas voltassem a molhar meu rosto compulsivamente e eu me sentar em um pulo ao seu lado na cama a fim de observá-lo mais de perto.
- , eu tô aqui – soprei, controlando minha vontade de envolvê-lo em um abraço apertado.
O alívio encheu meu corpo quando suas pálpebras cintilaram, dando lugar lentamente aos olhos e foscos, que passaram minunciosamente por cada detalhe branco daquele quarto e terminaram o percurso focando em mim. E, para o meu espanto, os cantos de seus lábios se curvaram levemente pra cima, encorajando-me a fazer o mesmo.
- Estou em um hospital?
Respirei fundo, perdendo-me momentaneamente na intensidade do seu olhar em mim. Tinha tanto a explicar...
- A gente estava em St. Ives. Você lembra? – comecei cautelosamente e ele assentiu com a cabeça devagar – Você foi embora mais cedo e sofreu um acidente. Disseram que outro carro bateu na sua traseira quando você tentou ultrapassar - seus olhos desviaram de mim e eu os acompanhei, checando os curativos em toda a extensão do seu corpo – Como você está se sentindo?
- Eu não sinto meu braço – ele fez uma careta.
- Você quebrou ele – anunciei, embora o gesso imobilizando-o tornasse aquilo óbvio – O médico disse que vai levar cerca de um mês pra tirar.
O olhar de pairou no teto, estático. Algo me dizia que estava tentando recordar os acontecimentos que antecederam ao acidente e, por mais que fosse insuportável imaginar aquelas imagens passando pela cabeça dele, pior ainda seria eu ter que lembra-lo dos dramáticos episódios daquela noite. A mão de Jones, que há tanto tempo reconfortava a minha, escorregou por entre meus dedos.
- Acho que não estou conseguindo distinguir o que foi sonho e o que aconteceu de verdade. Quanto tempo eu dormi?
- Dois dias.
- Você está aqui há dois dias? – ele estreitou as sobrancelhas, finalmente votando a corresponder o meu olhar.
- Não faça soar como se fosse uma grande coisa. Eu não poderia estar em qualquer outro lugar, principalmente quando eu sou...
- Não se atreva a dizer culpada – sua voz me interrompeu, firme, como se voltássemos aos velhos tempos e ele pudesse ler meus pensamentos.
- , não seja tão bom comigo – apertei os lábios ao procurar qualquer vestígio de um bom sentimento em suas feições – Você se lembra de me ver...
- Lembro.
A firmeza me cortou novamente, mas dessa vez, sua voz era apática. De me ver sentada no colo de .
Céus.
Fechei os olhos, respirando fundo e reunindo em minha toda a exagerada coragem necessária para proferir as três palavras entaladas em minha garganta – agora, com toda a atenção de em mim.
- Eu sinto muito.
E então o sorriso triste tomou, mais uma vez, conta de seus lábios. E meu coração, mais uma vez, respondeu com um aperto contundente e merecido.
- Não tem pelo que sentir. Você não pode se obrigar a me amar de volta da forma que eu gostaria.
- Ainda assim eu fiz tudo errado e te afastei ainda mais tentando não perder você – uma lágrima escorreu solitária pelo meu rosto e , com os olhos marejados, se apressou a enxuga-la – Você sabe que eu te amo, não sabe? Não importa o quanto as coisas fiquem complicadas, não importa que você me odeie, não importa quanto tempo passe... Você sempre teve e sempre vai ter um lugar dentro de mim.
- É bom ouvir isso – em uma piscada, as lágrimas presas em seus olhos desceram por suas maçãs, dilacerando meu coração - Porque você ainda ocupa tudo o que eu tenho aqui dentro.

- Três pares de olhos aflitos me encararam quando saí daquele quarto, com as mãos trêmulas tentando limpar inutilmente as lágrimas que caíam ágeis de meus olhos.
Bex foi a primeira a levantar, voando em minha direção em um abraço tão apertado quanto eu precisava. Seus olhos estavam inchados e os cabelos curtos extremamente bagunçados, denunciando que havia passado a noite no hospital em claro, assim como eu. Matt e Ethan não estavam tão diferentes, sentados ao sofá com enormes copos de café nas mãos.
Uma pequena amostra do quão importante era para todos nós.
- Como ele está? - Matt se levantou, dando um passo em minha direção e aproveitando que havia me desvencilhado de Bex para me abraçar pelos ombros.
- Ele acabou de acordar. Está bem, só o braço incomodando um pouco – forcei um sorriso - Acho que vai gostar de ver vocês.
- Quer que eu te leve pra casa? – Ethan indagou, mas eu neguei com a cabeça.
- Obrigada, mas agora precisa muito mais de vocês do que eu.
- Vão entrando – Bex interviu, se dirigindo aos dois e apontando para a porta atrás de nós – Vou acompanhar a até lá fora e já entro também.
Minha amiga agarrou meu braço e começou a me guiar em direção ao extenso corredor que nos levaria à saída. Quando chegamos em frente à porta de vidro, Bex deteve os passos e me segurou com um pouco mais de força.
- Ele esta aí desde que chegamos, e isso foi ontem de manhã – ia perguntar do que ela estava falando, mas meus olhos foram atraídos para um ponto específico do outro lado da rua – Eu poderia até pensar que é uma grande coincidência, mas aquele copo de café na mão dele tem seu nome e me lembro de vê-lo algumas vezes com Matt, então...
Ele não estava ali desde ontem de manhã – e sim desde o dia anterior, quando tinha me trazido até aqui. Sabia que não havia sequer ido para casa, pois estava com a exata mesma roupa que usava da última vez que o vi; o moletom borgonha e a calça jeans escura.
Lancei um olhar suplicante para Bex, mas, para minha surpresa, ela não me encarava pedindo qualquer tipo de explicação; ao menos não agora. Bex apenas sorriu, me encorajando a andar ao encontro de .
E foi o que eu fiz. Dei um abraço apertado em minha amiga e a agradeci em silêncio, seguindo adiante da porta transparente.
A noite já havia caído em Londres, e o asfalto úmido denunciava que havia chovido durante uma boa parte do dia. Assim como os cabelos de , molhados e caindo adoravelmente sob seus olhos. Ele estava sentado no meio-fio do outro lado da rua, com um cigarro entre os lábios e um copo de café em mãos que, realmente, tinha meu nome rabiscado. Seu olhar se perdia em algum ponto randômico no chão mas, como se sentisse que eu estava parada do outro lado da calçada o observando, ele ergueu o rosto.
Sem dizer nada, deu um sorriso de canto e estendeu o cigarro em minha direção. Seu sorriso refletiu inevitável e sincero em meus lábios. Olhei para os lados e atravessei a rua correndo, tomando o cigarro de seus dedos e dando uma demorada tragada antes de me jogar ao seu lado. A nicotina fez seu trabalho, abrandando imediatamente a tensão de meus músculos e fazendo-me sentir superficialmente mais calma.
- Não acredito que ainda está aqui – disse e ele sorriu um pouco mais diante de minhas palavras.
- Não acredito que pensou que eu não estaria.


Capítulo 20

- Como tá se sentindo?
- Eu não sinto – as palavras escorregaram com facilidade pelos meus lábios, por mais que tivessem gosto de mentira.
E as sobrancelhas arqueadas de me desafiavam, dizendo-me que ele sabia disso.
- ...
- Tô na merda, – a risada irônica fez meus ombros tremerem – Fodi com tudo, como sempre faço. Por isso eu não queria que você chegasse perto – apontei para os meus lábios – Daqui.
Com uma breve risada, ele tomou o cigarro dos meus dedos e deu uma tragada.
- Pode foder comigo quantas vezes quiser – as palavras provocantes combinaram com seu olhar luxurioso. Os olhos de sempre foram sua maior arma contra mim, e a evidência era o arrepio que percorria minha pele toda vez que eu ousava encará-los tão de perto e tão arduamente.
O azul e vermelho das sirenes dos carros de emergência dançavam no rosto de a todo momento. Ainda estávamos sentados no meio-fio em frente ao hospital e dividíamos o segundo cigarro da noite. O copo de café em minha mão já estava vazio – o quinto que ele havia pegado pra mim enquanto ansiava que eu passasse por aquelas portas, como fez questão de esclarecer.
- Fui audaz o suficiente pra pedir desculpa pra ele, e ... – respirei fundo, sentindo as lágrimas encherem meus olhos novamente – foi piedoso como sempre, da exata forma que eu não mereço.
Jogando o cigarro fora, apoiou uma mão em minha coxa e deu um apertão de leve; um ato sem malicia, transparecendo apenas reconforto.
- Você não pode controlar o que sente, . E isso não faz de você uma pessoa ruim.
- Certo, isso faz total sentido na minha cabeça também. Mas aqui... – coloquei minha mão em cima do peito – Tente convencer meu coração disso.
passou os olhos pelo meu rosto, então seu olhar desceu para mirar minha mão sob o peito, e depois fez novamente o caminho inverso até minhas feições. Com um suspiro pesaroso, ele colocou a mão em cima da minha.
Então meu coração bateu mais rápido.
E eu apenas torci para que ele não percebesse isso.
- Nunca conheci ninguém com tanta profundidade emocional como você - sua voz soprou em um fio – Você sempre fala que não gosta de sentimentos, mas eu nunca vi ninguém falar com tanta paixão sobre o que sente e o que acredita. E sabe o que eu acho? – seus olhos, sinceros, procuraram os meus, completamente entregues – É lindo. Você fica linda quando deixa os sentimentos tomarem conta de você. E seria um erro enorme você deixar de sentir qualquer coisa por causa de outra pessoa.
E então as lágrimas invadiram meu rosto pela milésima vez aquela noite. Incapaz de olhar por mais algum segundo em seus olhos sem me sentir completamente indefesa, escorreguei meu dedos por baixo dos seus e escondi o rosto com as mãos ao abaixar a cabeça – embora aquilo fosse inútil devido aos soluços ressoando de minha garganta. Eu sabia que aquilo era resultado não apenas dos últimos dias, nem somente de suas palavras, e sim do que eu havia tentado reprimir incessantemente nos últimos meses.
A diferença era que, dessa vez, eu estava me permitindo chorar na frente de alguém. E, talvez, se fosse outra pessoa, eu tentaria sair correndo dali e esconderia minhas lágrimas energicamente. Mas eu não queria me afastar.
Pelo contrário.
Senti-me serenar quando afastou meus dedos e insistiu em encarar meus olhos. Não tão diferentes, os seus tinham uma dose intensa de tristeza. Suas mãos escorregaram levemente por minha bochecha, enxugando minha pele o quanto podiam. E, no instante seguinte, eu estava aconchegada no abraço mais reconfortante protetor que já havia experimentado em toda a minha vida.

-

- Já reparou que o tempo só voa quando a gente não quer?
- Está dizendo que queria parar o tempo agora e ficar pra sempre aqui comigo?
- Eu realmente não estava falando de você - sorri ao rolar os olhos.
apertou os lábios de um jeito convencido antes de dar mais um gole em sua garrafa.
- Seus olhos estão transbordando de dor, e ainda assim seu sorriso é tão angelical. Como isso é possível? – suas pálpebras dançavam em um piscar lento e ele inclinou a cabeça para o lado ao me observar, como se aquilo fosse ajuda-lo a me enxergar melhor.
- Não é. Você está bêbado, .
- E você não está. Não acha injusto, linda? – ele estendeu o vinho em minha direção.
Estávamos no terraço do prédio de há algum tempo, sentados no chão e conversando sobre as coisas mais aleatórias o possível. Os dois dias seguidos sem pregar os olhos estavam surtindo efeito, e a garrafa de vinho que ele tinha ingerido praticamente sozinho ajudava a resultar nos diálogos mais desconexos que eu já tive. No bom sentido.
Matt passaria a noite com no hospital, mas eu estaria lá logo pela manhã. Eu realmente não queria ficar sozinha em casa, por isso, pedi pra para dormir aqui, no apartamento dele.
Como bons amigos.
Talvez um pouco mais.
Era uma situação nova.
Uma sensação diferente, porém, surpreendentemente afável.
Por um segundo, meu olhar se perdeu na linha de estrelas cintilantes sob nossas cabeças. No outro, quando voltei minha atenção para , ele estava deitado no chão, os olhos desenhando o contorno do infinito reluzente em meio ao véu da escuridão.
Naquele instante, percebi que eu podia passar um bom tempo observando a forma que o reflexo das estrelas cintilava naqueles olhos tão fascinantes.
Mas aquilo era perigoso.
E, tentando fugir deles, deite-me ao seu lado.
Mas eu não havia pensado que isso podia ser ainda mais perigoso.
O aviso só veio quando senti os dedos de tocando os meus, em um gesto terno e delicado – quase tímido.
Não tive reação. Deixei meus músculos relaxados, permitindo que apenas a mão dele guiasse a minha e as entrelaçassem. Como uma menina de doze anos prestes a dar seu primeiro beijo, senti meu corpo inteiro vibrar e minha boca secar. Meu coração não batia mais forte. Ele estava inesperadamente calmo. Aconchegado.
O tipo de sensação que meu corpo repelia, ou sequer acreditava ser possível sentir.
O tipo de sensação singular que a guerra em minha mente e o congelar no peito não me permitia sentir desde sempre.
Eu sentia seu olhar incendiário sob mim. Mesmo assim, eu era incapaz de olhar de volta – os infinitos me desarmariam em instantes. Com a atenção presa nos ásteres oscilantes e o corpo inefavelmente entregue aos meus sentidos, ouvi-me sussurrar:
- Às vezes eu gostaria de poder ler seus pensamentos.
Eu não precisava olhar para saber que o trivial sorriso atravessado e misterioso tinha tomado conta de seus lábios.
- Pensamentos em geral ou apenas os meus? – ele indagou e eu sorri discretamente. Convencido.
- Apenas os seus.
- Não queira – seus dedos acariciaram a palma da minha mão e, pelo canto dos olhos, pude ver que ele voltou a atenção para o céu – É tudo uma bagunça aqui.
Que coincidência.
- Maior que a minha?
- Diferente da sua.
Como se nossos pensamentos estivessem conectados, nossos rostos se inclinaram na mesma direção e os olhares se cruzaram. E então um sorriso cúmplice espelhou nossos lábios simultaneamente. Afinal, o que unia mais duas almas do que dividir as dores e as angústias?
- O que nós somos, linda? – sua voz rouca chegou aos meus ouvidos em surpresa.
Talvez fossem as horas em claro. Talvez a embriaguez de me desse a certeza que no dia seguinte ele não se lembraria de todos os detalhes dessa noite.
Talvez não tivesse desculpa alguma e eu quisesse, ao menos uma vez, ser fiel ao que eu sentia.
As palavras que florearam da minha boca, pela primeira vez ao falar sobre meus sentimentos amorosos, foram sinceras e nada calculadas.
- Amigos não se olham como a gente se olha.
O sorriso em sua íris me dizia que ele concordava.
- Um pouco mais que amigos e um pouco menos que amantes? – sua sugestão fez uma pequena risada escapar entre meus lábios.
- Isso não é uma musica? – indaguei e ele apenas assentiu com a cabeça – É perfeito.
Assim como esse momento, meus pensamentos completaram.
O silêncio preencheu a atmosfera por alguns instantes quando a beleza celestial pediu atenção mais uma vez – não um silêncio desconfortável, talvez uma quietude até necessária para absorver os últimos segundos.
- ? – minha voz ecoou sutil ao cortar a calmaria, e a ausência de resposta me pareceu um sinal para continuar - Brandon me falou de uma história envolvendo você. Algo complicado... – respirei fundo antes de concluir – Pode me contar que ele quis dizer? – senti o coração trepidar em meu peito ao esperar uma resposta, mas tudo o que recebi fora mais silêncio – ?
Quando chamei seu nome e ergui o rosto para encará-lo, tinha os olhos fechados e a respiração tranquila. É claro. Isso o que acontece quando se demora para ser corajosa, .
Soltei um suspiro profundo. Talvez ainda não fosse a hora de eu saber. Nossas mãos se fundiam em uma só entre nós dois e eu não estava disposta a separá-las.
Com os pensamentos zunindo em alta velocidade na minha mente, fiz a única coisa que qualquer garota na minha situação seria capaz de fazer.
Porque aparentemente, ao menos por hoje, eu era esse tipo de garota.
Segurei mais firme em sua mão e trouxe nosso embrenhado de dedos para o seu peito. Então deslizei meu corpo para mais perto do de e encaixei nossas curvas, repousando o rosto ao lado de nossas mãos. O bálsamo mentolado que emanava de invadiu meus pulmões, e as lembranças das noites turbulentas nos entornos de nossas antigas casas preencheram minha mente como um golpe repentino e certeiro.
Céus, quanta coisa havia mudado. Se, naquela época, alguém me dissesse que eu estaria hoje deitada no peito de , com um sorriso no rosto e o agradável sentimento de aconchego percorrendo minhas veias, eu teria um ataque de riso interminável.
Se me dissessem que o amigo do meu irmão, que beijei em uma noite aleatória no jardim de casa e sequer fui capaz de lembrar-me de suas feições ao vê-lo quatro anos depois, estaria segurando minha mão após um dia difícil, eu indicaria a porta do hospício.
Mas talvez os melhores sentimentos chegassem assim – sorrateiros e inesperados. Nada feito sob medida ou pressionado diante de qualquer pretensão. Absolutamente diferente de todas as linhas permanentes entre as quais eu costumava guiar minha vida.
Era apenas puro e sincero.
Etéreo e benevolente, como eu nunca esperei que e toda sua pompa enigmática pudesse ser.
E o sorriso em meu rosto ao adormecer, testemunhado apenas pelas estrelas que nos fizeram companhia durante aquela noite, era a maior evidência do meu encanto por tudo aquilo.




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