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Finalizada em: 03/02/2020

Capítulo 21

- Rosas. Definitivamente rosas.
- Tem certeza? Elas são tão convencionais.
Socorro.
- Por isso combinam com um casamento.
- Acho que lírios são mais elegantes. Não acha? Ou talvez algo com um nome diferente, como gérberas.
Essa é a conversa mais entediante que já ouvi.
- O que são gérberas?
- O que você acha, ?
- Acho que se eu ouvir o nome de mais um tipo flor aquela janela não vai ser alta o suficiente pra eu pular – apontei para a sacada semiaberta e Ethan escondeu uma risada enquanto Bex me fuzilava com os olhos – Desculpe, não sou madura o suficiente pra isso.
- Piadas sobre o casamento não são permitidas, – Matt encenou uma voz afetada ao anunciar sua entrada no apartamento do casal, trazendo três caixas de pizza e em seu encalço.
Ainda que eu estivesse me acostumando novamente com aquele cenário, sorri pra e escorreguei no sofá para que ele sentasse ao meu lado. O gesso em seu braço insistia em ativar o sentimento de culpa em meu peito, e eu tinha certeza que não conseguia mirá-lo sem contrair minhas feições em uma expressão lastimosa.
Após acordar ele precisou passar apenas mais um dia em observação no hospital, e a alta havia sido obtida ontem. Naturalmente, a recuperação de era a desculpa perfeita para uma reunião entre amigos. Como nos velhos tempos.
- Bex tem te deixado louca? – ele indagou ao se ajeitar na almofada azulada, e o sorriso sucinto marcando seus lábios me dizia que ele estava se esforçando tanto quanto eu para que o clima não pesasse.
- É meio que nossa função como melhores amigas – levantei os ombros, observando minha amiga comparar as inúmeras fotos floridas em suas mãos - Ela me enlouquece um pouco e eu devolvo o favor.
apenas assentiu, acompanhando meu olhar no sorridente casal em nossa frente.
- Ainda bem que nos escolheram como padrinhos. Pelo menos vou poder te ver caminhar até o altar ao menos uma vez.
Ai. Talvez ele não tenha percebido o peso daquelas palavras até proclamá-las.
- – soltei um suspiro e deitei meu rosto no apoio no sofá, me inclinando em sua direção – Você vai me ver caminhar até o altar na única vez em que farei isso. De alguma forma estranha, é um privilegio.
Seus olhos piscaram lentos, como se ele estivesse tentando assimilar o teor de minha frase. Quando se voltaram em minha direção, as duas bolas que sempre me disseram tanto sem esforço algum eram apenas... Vazias.
Assim como o efêmero silêncio entre nós dois.
- Meus pais vêm para o casamento – recomecei a falar, um tanto incomodada com a nossa quietude - Ainda não contei sobre... Nós.
- É compreensível. Não tenho nem certeza se ainda consegui contar para mim mesmo – seus lábios se curvaram para cima, um sorriso mais individualista do que necessariamente para mim - Pode usar a minha frase se quiser.
E foi a minha vez de devolver o sorriso, ainda que minha expressão fosse obviamente triste. A leveza de sempre ainda não existia em nossa proximidade, mas eu sentia que ao menos estávamos caminhando de volta pra ela. Lentamente, mas ainda assim era um progresso.
O membro imobilizado e o pequeno corte aparente em sua sobrancelha esquerda, no entanto, eram um enfadonho lembrete que fora preciso uma tragédia pra tal progresso acontecer.
Aproveitei a reticência no ar para deslizar do sofá, ignorando o costume de me inclinar na direção de para plantar um beijo em seu rosto em despedida, e me levantei para ir até o banheiro. Pois já passava das onze horas. E , certamente, já devia estar me esperando.
Em sua casa. Onde combinamos de nos encontrar.
Exatamente como um... Casal?
Em frente ao espelho, estava tentando dar um jeito no meu cabelo e passando um pouco de blush pra tirar a palidez de meu rosto quando a voz de Bex distraiu minha atenção.
- Vai encontrar com ele?
Ela estava parada na porta, com as mãos de unhas compridas e bem feitas apoiadas na cintura. - Vou.
- É algo sério ou...?
Entre o hospital, o trabalho e o dia a dia, ainda não havia sobrado tempo para conversar com minha amiga sobre . Não que eu estivesse reclamando.
- Eu ainda não sei - respondi, sincera, e Bex me lançou o olhar de quem queria fazer muitas perguntas e não sabia por onde começar.
- Você sabe que ele passou dois dias em claro te esperando na rua, não sabe?
- Aonde quer chegar? – larguei os apetrechos na pia e virei em sua direção com um sorriso no rosto e os braços cruzados.
- Não é a primeira vez que vejo alguém fazer uma loucura por você. Mas essas coisas normalmente te repelem. Ainda assim aqui está você, retocando a maquiagem para encontrá-lo.
Soltei um suspiro, absorvendo suas palavras. E então admiti algo que meu cérebro ainda nem tinha sido capaz de associar.
- é... Diferente.
Seja lá o que diferente queria dizer.
Ela inclinou a cabeça, ajeitando os cabelos nos ombros e estudando meticulosamente a expressão que se formava em minhas feições. Quando apertou os lábios, tive a certeza do que estava pensando. “Estou preocupada. Não quero que se machuque mais uma vez”. Bex sempre teve essa postura maternal em relação a mim, e por mais que às vezes pudesse ser irritante, na maior parte do tempo fazia com que eu me sentisse extremamente protegida.
Passei os dedos mais uma vez pelos cabelos, dando uma última conferida na minha imagem antes de me virar pra ela.
-Bex? O que acha de Camélias?
Ela ergueu as sobrancelhas e seu rosto se iluminou com um sorriso, provavelmente absorta na ilustração de como ficaria seu casamento com as flores icônicas da Chanel e como se eu tivesse acabado de dar a ideia do século. E essa era a minha deixa para sair dali antes que outro interrogatório começasse.

-

O ruído oco de meu punho contra a madeira ecoou no corredor vazio.
Inexplicavelmente, ao me ver parada em frente à porta do apartamento de , a onda de nervosismo que sempre era uma garantia quando se tratava dele não me fez companhia dessa vez. Em seu lugar, um sentimento inédito corria por minhas veias; uma perfeita mistura de excitação e tranquilidade.
Quando a superfície esbranquiçada deu lugar à deliciosa visão de sem camisa, um sorriso genuíno fora a única reação que meu corpo fora capaz de esboçar.
Antes mesmo que eu pudesse admirar sua expressão fulgurante, suas mãos tocaram minha cintura e, em um movimento ágil, ele havia me puxado para perto de si e eu estava debruçada no seu deleitável tronco nu, sentindo seus lábios emoldurarem os meus.
Eu não estava preparada para isso. E a surpresa do seu toque fez com que o prazeroso calafrio tomasse conta do meu corpo de uma vez, como flamas cálidas e intensas. Sua boca moveu-se calma e terna como nunca. Como se, de alguma forma, estivesse matando a saudade do meu gosto. E eu, com as mãos envolvendo seus fios em uma carícia delicada, me inebriava ao degustar seu ilustre sabor mentolado.
- Nada de filmes hoje – com os lábios ainda a milímetros dos meus, sua voz ressoou em um doce suspiro.
- Por quê? – indaguei automaticamente, por mais que a sétima arte fosse literalmente a última coisa em minha mente nesse momento.
- Porque eu que olhar apenas para você.
Eu definitivamente não estava preparada para isso.
O sorriso em meu rosto era uma constante e eu não conseguia afrouxa-lo ao observar atentamente cada traço das feições de . Era decerto impossível olhar para esse homem sem pensar no quão estonteante ele era.
- Você não pode ter essa aparência... – meu indicador roçou de leve em seu rosto – E ainda falar coisas como essa.
- Porque não? – ergueu a sobrancelha de um jeito convencido, como se já previsse um elogio.
- Não é nada saudável pra minha sanidade.
- Talvez seja esse o propósito.
- O que mais eu poderia esperar de você?
Por mais que ali fosse o lugar mais confortável que eu podia me imaginar, me desvencilhei de seus braços para entrar no apartamento e, sem espera-lo, segui para o corredor.
- Onde está indo? – sua voz soou junto ao barulho da porta sendo fechada.
- Ainda não conheço seu quarto. Não acha que já está na hora?
Não esperei que ele respondesse; apenas apressei os passos até a última porta do corredor. Quando eu entrava no apartamento de , parecia que meus olhos demoravam a acostumar com a claridade e a ausência de cor. Era como se, de repente, eu tivesse perdido a capacidade de identificar qualquer tipo de pigmentação. Nos primeiros segundos era um tanto aflitivo, mas, depois que minha visão se habituava, a sensação de paz era uma garantia.
Mesmo seu quarto não era muito diferente do resto da casa. Pálido e impessoal. Apenas o necessário e nada que deixasse transparecer um traço sequer de sua personalidade. Seu cheiro, ali mais forte, invadiu depressa meus pulmões – e, mesmo que eu não quisesse, inspirar um pouco mais energicamente fora inevitável, como se meu corpo estivesse pedindo para guardar aquela essência na memória caso precisasse lembrar dela mais tarde.
Parada entre o pé da cama e uma cômoda extensa com apenas uma luminária adornando-a, eu me sentia em um quarto de hotel.
- Não tem muito o que conhecer, certo? - a voz de soou repentina, atraindo meu olhar exploratório para o armário ao lado da porta, onde ele debruçava os ombros com os braços cruzados. Seus músculos, tensos e flexionados, fizeram minha boca salivar e meus dentes apertarem meu lábio inferior. E, pelo seu sorriso provocante, ele tinha percebido.
- Não. Mas isso diz mais sobre você do que pensa – dei alguns passos para o lado e, sem esperar seu convite, afundei no edredom macio ao me sentar na beira da sua cama.
- Você sabe que não é verdade. Isso diz o que você já sabia sobre mim.
Ele prosseguiu em minha direção, não demorando a ocupar o lugar macio ao meu lado. De certa forma, tinha razão - sua casa era uma tela em branco, assim como a superfície de sua personalidade.
- Tenho uma pergunta – me livrei das botas em meus pés enquanto falava, apenas para cruzar as pernas em cima da cama e me virar de frente para ele.
- O que eu ganho se responder?
- Minha eterna gratidão?
- Sua eterna gratidão e sua companhia durante essa noite.
Seus olhos apertaram um pouco quando encontraram os meus, desafiadores como de costume.
Era um pedido e tanto.
Mas eu não estava mesmo pensando em ir a qualquer outro lugar.
- O que você pensava de mim quando me olhava naquela varanda? – indaguei de prontidão e esboçou um sorriso; provavelmente não pela pergunta, mas porque ela sinalizava que eu havia aceitado sua proposta.
Seus olhos correram por mim; por cada detalhe do meu rosto e do meu corpo. Por mais que ele tivesse levado apenas alguns segundos para fazer isso, parecia que eu havia passado horas sob seu olhar meticuloso, capaz de despir as mais secretas camadas da minha psique.
Sua língua umedeceu os lábios enquanto ele ponderava uma resposta. Um gesto simples, mas que, ao meu ver, parecia carregar todo teor sexual do universo.
- Você era linda. Mas parecia triste. E eu não sabia por que, mas queria levar essa tristeza embora - sua voz preencheu no silêncio do ambiente arrancando um espontâneo sorriso de mim. Fora a minha vez de estudar por um instante a beleza em seu semblante pacifico, piscando pacientemente enquanto esperava minhas próximas palavras.
- Acho que nada mudou. Continuo triste... – minha voz saiu em um murmúrio, logo sendo interrompida por outro, um pouco mais baixo.
- E linda.
Meus olhos, antes fitando a infinidade branca e aveludada, buscaram os seus. E eles me encaravam com nada além de sinceridade.
- Pra falar a verdade, algo mudou sim. Agora, às vezes, você realmente leva minha tristeza embora.
E então foi a sua vez de esboçar um sorriso honesto. Não vi o momento em que suas mãos deslizaram pela cama e alcançaram minha pele – só me dei conta quando uma delas apoiava minha cintura e a outra entrelaçava meus dedos. Não sabia o que estava prestes a fazer, mas meu corpo o obedecia como se dependesse do seu toque para se mover. Então ele me puxou levemente para cima, ficando de joelhos na cama e me guiando para fazer o mesmo.
- O que pensou de mim? – sua voz tangeu rouca e baixa, de um jeito provocante e curioso. A ponta de seus dedos tocou a lateral da minha coxa, me fazendo ofegar enquanto ele dedilhava levemente um carinho até minha cintura.
Meus olhos estavam hipnotizados pelos seus. Por mais que o instinto implorasse para que eu abaixasse o olhar para fitar seu peito nu, era como se um imã me atraísse em direção aos seus dois universos, e brilhantes. Minhas mãos, então, fizeram o trabalho libidinoso – tocaram suavemente seu abdômen; primeiro a ponta dos dedos em um calmo roçar, depois as palmas completamente entregues, sentindo seus músculos contraírem sob meu toque. Por mais que eu não pudesse enxergar, a textura de suas cicatrizes era evidente perante meus dedos – apenas mais um detalhe que o tornava único das mais diferentes formas, e que sintetizava bem ali, em seu corpo, o que rodeava meus pensamentos desde a primeira vez que o avistei.
- Pensei que você era um aviso ambulante de perigo eminente. E que você tinha os olhos mais lindos que eu já havia visto - a confissão escorregou com mais facilidade do que o previsto de meus lábios, terminando em um desajeitado sorriso tímido.
Eu não precisava desviar a atenção para o rosado de sua boca a fim de conferir se ele também estava sorrindo; os olhos em questão transbordavam satisfação, em uma singela e esplêndida demonstração de agrado que lábios nenhum poderiam jamais expressar.
Nesse momento, tudo o que eu queria era pular em cima de , rasgar o restante de suas roupas e sentir o prazer que ele, e somente ele, me proporcionava. Surpreendentemente, a combinação do alisar de suas mãos em meu corpo e nossa nostálgica conversa era quase tão prazerosa quanto.
Arfei quando seu toque foi um pouco mais longe, derrapando para as minhas costas, e seus dedos desenharam uma linha imaginária partindo de meu pescoço até o começo de minha bunda. Eu ainda tateava cada detalhe de seu tronco, como se quisesse todo e qualquer milímetro de sua pele tatuado em minhas digitais. Deslizei o corpo para frente, moldando cada curva minha em seus músculos, e aquele parecia apenas o encaixe perfeito. Certeiro. Um encontro não apenas físico, mas também intelectual em todos os níveis possíveis; talvez um mero reflexo de nossas conversas, sempre tão profundas. soltou um gemido gutural quando friccionei meus seios contra ele, dessa vez espalmando as mãos firmemente em minha lombar e nos pressionando ainda mais um contra o outro. Não sabia se a visão do meu curto vestido preto era tão fatal para ele quanto a do seu peitoral nu para mim, mas ele me fazia acreditar que sim toda vez que, para ceifar minha sanidade mental, ele corria os olhos lentamente pelo meu corpo e mordia o lábio inferior, deixando apenas para a minha imaginação todos os pensamentos mais depravados que podiam estar passando por sua mente.
E ficamos um tempo assim. Apenas existindo, um na presença do outro. As respirações se misturando, o toque exploratório e prazeroso. A cada segundo eu me sentia afogar cada vez mais fundo em seu oceano de águas gélidas e sinuosas. E não havia escapatória; apenas aceitar a condição de afundar-me e encher meus pulmões com cada gota salgada do seu ser. Sabia que, se eu tocasse fundo, nunca mais alcançaria a superfície – e isso podia ser muito bom ou muito ruim.
- Você já se sentiu assim? – a voz de ressurgiu em meio à reticência do silêncio, trazendo-me de volta dos costumeiros devaneios. Meu olhar, de soslaio, procurou seu rosto; mas, assim como eu, ele não tinha coragem de encarar minha alma ao tocar naquele assunto. Ao falar sobre a nossa individualidade. Sua concentração estava completamente inerte em cada pedaço da minha pele que ele lentamente acariciava e, consequentemente, se arrepiava.
Eu não sabia ao certo se ele estava se referindo ao meu coração acelerado. Ou se estava falando sobre a urgência do meu corpo em toca-lo. Talvez até pensasse na fabulosa conexão que eu sentia quando conversávamos sobre o tudo e sobre o nada.
De qualquer forma, só havia uma resposta possível:
- Nunca.
- Nem eu - suas breves palavras me arrancaram mais um sorriso. O que me levou a pensar que eu provavelmente tinha sorrido mais durante aquela noite do que nos últimos meses. Juntos.
E tal pensamento fora o necessário para que eu atendesse o ímpeto de levar meus lábios ao seu pescoço, depositando um beijo leve em sua pele ardente. Um gesto não apenas devasso, mas também uma rara demonstração de carinho. Então deslizei minha boca até seu ouvido, fechando os olhos antes que um sussurro oscilante saísse de minha garganta.
- Você está com medo?
Um instante de silêncio fez minha respiração agitada ficar ainda mais evidente. Suas mãos subiram pelo meu colo, ombro, pescoço, até chegar em minha nuca. fechou os dedos em um punho, puxando alguns fios de meu cabelo de forma delicada. Ele usou o controle para guiar meu rosto até o seu. Nossos narizes foram os primeiros a se encontrar, depois os lábios roçaram e por último o olhar correspondido. E seu olhar era nada menos que tórrido e envolvente, como duas pedras preciosas bem ao meu alcance.
- Apavorado – seu hálito quente atingiu meus lábios em cheio, causando os mais diferentes arrepios por todo meu corpo.
- Eu também - me limitei a balbuciar a única frase inteligível que eu podia formar.
E então mergulhei, mais uma vez, no encanto do seu beijo e na comodidade de seu abraço. Seus lábios me tomaram por inteira; um compartilhar de desejo intenso e abrasador. era ávido em me saborear, e sua língua sabia o que fazer com precisão para aflorar o mais violento desejo em mim. Fui pega de surpresa por suas mãos firmes em minhas coxas. Sem aviso prévio, ele me ergueu e levantou da cama, nos conduzindo até a sua cômoda e me posicionando na superfície de madeira com cuidado.
Talvez ele tenha pensado o mesmo que eu – a cama parecia um tanto convencional para nós dois.
Uma leve mordida em meu lábio inferior anunciou que nossos lábios se desgrudariam, e eu gemeria em protesto se no instante seguinte ele não tirasse meu vestido em uma velocidade impressionante e encarasse meus seios com um ar de admiração. A mesma expressão impressa em meu rosto ao ver seu membro apertar a calça. Pura fome.
Suas mãos alcançaram ágeis o fecho de meu sutiã, e ele projetou o corpo para frente antes de envolver um seio com a boca e encher a mão com o outro. Não sei o que me deixara mais delirante; a certeira sucção em meu mamilo ou sua ereção, que agora pressionava contra meu sexo. Eu queria mais. Minhas mãos procuraram o fecho de sua calça e a puxaram para baixo junto com sua cueca, e logo tudo o que havia entre nós era o tecido fino e molhado de minha calcinha.
desceu a boca pelo meu corpo em beijos suaves e morosos, adiando ao máximo a glória prometida; sua boca tocando minha intimidade. Seus dedos afastaram minha calcinha e sua língua me atingiu precisa, fazendo meu quadril se levantar e o prazer se inflamar dentro de mim. Me controlei para não fechar os olhos e poder absorver cada detalhe delicioso da visão de me chupando. Com a visão turva, posso ver o brilho de desejo inconfundível de seu olhar ao encontrar o meu, e seus lábios se movendo em meu clitóris é o mesmo que o paraíso na terra. Os dedos dos meus pés se retorcem e uma dor aguda irradia em meu ventre – o aviso claro de que eu não estava muito longe de gozar.
Mas eu queria fazer isso com ele dentro de mim.
Então apertei seus ombros com as mãos, puxando-o para cima de maneira urgente. me sugou pela ultima vez, dessa vez intenso e punitivo, antes de ficar de pé e eu sentir a deliciosa sensação de seu pau roçando mais uma vez em minha entrada.
- Não me provoca – murmurei ao cravar as unhas em sua pele, querendo senti-lo com certa iminência.
- Acha que isso é provocar? – a luxúria escureceu seu olhar e, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, suas mãos apertaram meus quadris e ele me deslizou de uma vez pelo seu pau, arrancando um grito de prazer descontrolado de minha garganta com suas estocadas lentas e firmes. Seus dedos tocaram minha barriga e escorregam entre nós dois, o polegar tocando meu clitóris em um movimento circular e magistral. Quando um grito exultante ameaçou subir por minha garganta e eu arqueei meus quadris, afastou a mão. O som lascivo tornou-se um gemido de decepção, arrancando um irônico sorriso do garoto ao sibilar – Isso seria te provocar.
- ... – seu nome saiu de meus lábios como um alerta, da forma mais chorosa o possível.
Talvez o som tenha chegado aos seus ouvidos de forma sexual, pois pude ver um lampejo de aprovação em seus olhos, juntamente com uma dose de necessidade pura. E então ele me segurou pela bunda e me ergueu no ar, mudando o ângulo de nossos corpos e me fazendo cavalgar em seu membro. A nova posição o fazia roçar em meu clitóris a cada rebolada que eu dava em seu pau, e a pressão dentro de mim se tornara quase insuportável. Seus olhos estavam fixos em meus seios, balançando infindavelmente bem na altura de seu rosto, e sua expressão desejosa fazia apenas meu prazer aumentar. Gemidos arfados e suspiros roucos ecoavam pelo quarto, e cada ruído sexual que reverberava de seu peito provocava um efeito lancinante no meu sexo. Seus dedos me tocaram mais uma vez, e dessa, o mínimo contato desencadeia o clímax do meu corpo. Minha boca procurou a sua em um ato desesperado, mas consegui apenas morder seu lábio inferior ao sentir o orgasmo se espalhando pelo meu corpo em ondas quentes e pulsantes, o prazer borrando minha visão e nublando meu cérebro. Com os olhos fechados, podia jurar que estava vendo estrelas cintilando dentro de minhas pálpebras fechadas. Reagindo ao deleite, minha intimidade se contraiu em volta do seu pau, apertando-o no abraço mais erótico do mundo. Um urro alucinado subiu por sua garganta, e os braços apertando minha cintura com uma força descomunal eram o anuncio que ele também tinha gozado.
Com o corpo trêmulo, deu alguns passos para trás e desabou na cama, me levando junto consigo e me fazendo cair deitada em cima dele. Fiz uma careta ao sentir um gosto metalizado na boca. Levantei um pouco o tronco para observá-lo; as faces coradas, os olhos semicerrados e os cabelos bagunçados formavam a imagem mais sensual que já vi na vida. E então algo me chamou atenção em seus lábios entreabertos.
- Ai! – minha voz saiu em um esguicho quando levei os dedos ao seu rosto – Eu te machuquei. Tá doendo?
Ele franziu o cenho, como se não entendesse sobre o que eu estava falando. Seus dedos tocaram a boca e voltaram manchados de vermelho
. Com sangue.
Pois eu havia o mordido tão forte a ponto de cortá-lo.
Mas encarava as gotas avermelhadas em seus dedos com um amplo sorriso. Talvez tivesse achado a selvageria um tanto erótica. E era, de certa forma.
Mesmo assim eu estava procurando um lugar para enfiar a minha cara. Que vergonha.

-

Meu celular já tinha três chamadas perdidas e quatro mensagens não respondidas de Matt.
A madrugada já havia caído lá fora, trazendo consigo a brisa ímpia do outono.
Não que eu estivesse na rua para testemunhar a beleza da estação. Estava no banheiro de após um banho quente, encarando meu reflexo no espelho há alguns minutos.
Meus cabelos caiam molhados pela camiseta cinza que eu vestia. A camiseta que cobria metade de minhas coxas e, claramente, não era minha. O tecido emanava meu novo aroma preferido: menta.
Minha mão estava amparada pela bancada de mármore branco e entre meus dedos pendia uma pequena fotografia.
Eu não estava procurando por nada quando a encontrei. Ao menos por nada desse tipo. Antes de entrar no banho, quando ainda estávamos na cozinha, havia pedido que eu pegasse uma camiseta qualquer em seu armário para eu dormir, na última gaveta do lado direito. Escolhi uma que estivesse mais ao fundo – me pareceu mais educado dessa forma – e, quando tirei a roupa do lugar, alguns papéis e algumas fotos forravam a madeira do guarda-roupa. Essa, em especial, me chamou atenção.
Uma garota sorria para câmera. Tinha cabelos claros, compridos e traços delicadas. Embora aparentasse ser um pouco mais velha, ela meio que se parecia comigo; exceto pela expressão – a sua era radiante, enquanto a minha irradiava melancolia.
Não faça disso uma grande coisa como sempre, – minha consciência insistia em me alertar. Devia ser apenas a irmã dele. E, de qualquer forma, eu não tinha o menor direito de tirar satisfações. Certo?
Com um suspiro, escondi a foto no meio do meu vestido, dobrado em uma prateleira no canto do banheiro. provavelmente já estaria no quarto e eu teria que esperar até o dia seguinte para devolvê-la.
Quando abri a porta, fui recebida por uma cena quase poética; o quarto estava parcialmente escuro, apenas com a luz fraca da luminária atingindo pontos estratégicos. , trajando uma calça de moletom preta e uma desgastada camiseta do Blink estava sentado superficialmente na janela com um cigarro na mão. Enquanto me aproximava, o isqueiro iluminou um pouco mais o ambiente e ele deixou a fumaça escapar pelo nariz. Quando eu estava perto o suficiente para tocá-lo, se adiantou e me puxou pela barra da camiseta, posicionando-me delicadamente sentada em seu colo. Claro. Porque aquela noite não estava romântica o suficiente. Mordi o lábio inferior ao sentir um célere frio passar por minha barriga quando apoiei os braços em seu ombro e virei o rosto para encontrar o seu.
- Você gosta de fazer isso, né? Tudo bem, gosto desse lugar – as palavras escorregaram sinceras e despreocupadas. Incomuns, porém adocicadas.
deu mais uma tragada e, segurando o cigarro entre o indicador e o polegar, posicionou-o em minha boca. Puxei o branquinho e soltei a fumaça. Vendo-a se dissipar no ar, pensei em como aquela cena podia ser mais terna pra nós dois do que um beijo ou até mesmo afetuosas palavras.
- O que está pensando? – apagou o cigarro no parapeito e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
Encarei a escuridão à minha frente antes de replicar. Era mais fácil conversar dessa forma; sem ser obrigada a encarar seus olhos. Podia até fingir que eu estava falando sozinha.
- Que eu estou feliz. Faz tempo que não em sinto assim. E geralmente, quando isso acontece, não dura muito.
- Porque ser tão pessimista?
- Eu gosto de ser pessimista. É mais fácil de lidar com as inevitáveis falhas no meio do caminho.
O silêncio pairou no ar por alguns segundos. escorregou as mãos até minha cintura, passando os braços envolta do meu corpo e me puxando um pouco mais para perto de si.
- Você sempre me pareceu tão inalcançável. Não apenas seu corpo, mas seu coração e tudo o que guarda ai dentro. E quando achei que estava perto de te conhecer por inteira, vejo que ainda tem mais pra descobrir.
Sorri ao fitar os meus pés e apoiei minhas mãos em cima das suas. Sincronia ou não, era exatamente assim como eu me sentia em relação a ele.
- E você se arrepende de ter começado a tentar?
- Não. Me arrependo te não ter tentado antes. Talvez naquela noite na sua casa, quatro anos atrás – não precisava olhá-lo para saber que um sorriso começava a brincar em seu rosto - Bom, em minha defesa, você ainda era um bebê.
- Não exagera, – rolei os olhos, ainda que estivesse rindo da sua nada engraçada piada.
E aquela noite terminara da única forma plausível: nós dois dividindo sua cama. Aquela era a terceira vez que dormia ao seu lado? Quarta? Ainda assim, meu cérebro ainda moldava a situação para que eu a enxergasse com normalidade.
Perto das três da manhã já tinha adormecido e eu ainda me privava do sono ao mergulhar de cabeça em minhas divagações.
“Você já assistiu Irréversible?” Minutos mais cedo, quando eu contemplava seus traços irretocáveis e seus olhos ainda me encaravam de volta, a pergunta estava pronta, na ponta de minha língua. Mas ele mesmo havia declarado: nada de filmes hoje. Ou talvez eu tivesse apenas me agarrado nesse pretexto pois não queria mais incomoda-lo com minha angústia existencial declarada. Ainda assim, afundada nos seus lençóis, com seu cheiro em permanente minhas vias respiratórias e sua mão em minha cintura, criei nosso diálogo em minha cabeça.
Vai me fazer assistir outro filme insuportável?
Não ouse a se referir à Breakfast At Tiffany’s assim. Como eu estava dizendo, Irréversible é um filme que conta os fatos na ordem cronológica inversa. Ele começa da cena final, e vai contando a história ao contrário. Primeiro um crime, depois a vingança, depois a busca pelas respostas. É apenas uma forma de dizer que, não importa o que façamos, o final foi decretado. É como me sinto aqui, com você.
E como é o nosso final?
Trágico, como todos os outros.

Meu olhar, mais uma vez, dançou livre por seu rosto sereno.
Evite o amor a todo custo. Esse sempre fora o meu lema. O que havia mudado?
Ah, eu sabia muito bem.
Eu sempre estive no controle. O poder dos relacionamentos sempre esteve em minhas mãos.
E aí estava o problema.
Eu nunca senti algo que eu não pudesse controlar. Com , era como se minha única escolha fosse me entregar. Meu corpo não era capaz do contrario. Os sentimentos vinham rápidos demais, abrasivos demais, irascíveis demais.
Podia ouvir sua voz ecoando em minha cabeça: Se é como se sente, abrace a realidade. Mesmo que ela te queime como uma flama.
Pela primeira vez, percebi que eu dividia o controle com ele. Pela primeira vez, alguém tinha poder o suficiente para partir meu coração.
Talvez isso, enfim, significasse diferente.


Capítulo 22

- Você não pode estar falando sério! – meu irmão jogou as mãos para o alto e escorregou na cadeira, na cena mais falsamente dramática que eu já havia visto na vida.
- Você não pode estar falando sério. Como alguém, em sã consciência, nega a genialidade de Chandler Bing? – Bex rangeu os dentes e apertou os olhos para Matthew, como fazia apenas quando estava realmente indignada com alguém.
- Genialidade e Walter White são praticamente sinônimos – ele soou impiedoso. Matt odiava ser contrariado. Talvez fosse genético - Ethan, sua mulher é impossível. Me ajuda aqui, cara!
- Não, não, não! – Bex levantou um dedo e posicionou bem em frente aos olhos verdes de Matt – Ethan está do meu lado nessa.
- Eu me nego a me juntar à essa discussão – Ethan rolou os olhos, praticamente lendo meus pensamentos – Mas, se querem saber, os dois estão errados. The Office é a única resposta possível.
E então Matt e Bex se entreolharam e pareceram unir forças ao explodirem em uma uníssona e ruidosa gargalhada irônica.
Por mais que meus olhos estivessem focados no dispensável diálogo entre os três, minha atenção certamente não estava ali.
Ela estava completamente voltada ao disfarce de minha respiração falha, causada pelos dedos de que passeavam pela pele exposta em minhas coxas. E em minhas unhas, que devolviam o agrado ao deslizar pelo tecido apertado de sua calça.
Meu corpo havia incendiado em desejo desde que havia atravessado as portas daquele bar, vestindo uma calça social preta e uma camisa de botões da mesma cor. Eu nem sabia que palavra luxuriosa minha libido usaria para descrevê-lo naquele momento. Só conseguia pensar em agarrá-lo ali mesmo.
Com a consciência – quase – restabelecida, meu primeiro instinto fora pensar em surpreendê-lo no trabalho em um dia qualquer. Talvez minha imaginação até tenha se permitido fantasiar por alguns instantes sobre como seria transar com ele em cima de alguns projetos espalhados por sua mesa. Mas, aparentemente, o decote em meu vestido havia feito um excelente trabalho em provocá-lo de volta, pois eu nem tive tempo de arquitetar meu plano por completo - no instante que sentou-se no lugar estrategicamente vago ao meu lado, suas mãos pareceram magnetizadas por minhas pernas e se apressaram em agarrar e deslizar por minhas coxas freneticamente.
Era inegável a dose extra de excitação ao compartilhar nossa tentação secreta debaixo da mesa, sabendo que as três pessoas em nossa frente conversavam despreocupadas e nem imaginavam o que estava acontecendo ali.
É claro que Bex havia lançado alguns olhares indiscretos em nossa direção, um pouco mais atenta à absurda proximidade dos nossos corpos quando havia um banco imenso por onde podíamos claramente nos espalhar. Mas meu irmão parecia não desconfiar, e Ethan provavelmente não havia associado aquilo à noite que havia me buscado na casa de .
- Você está me fazendo gostar desse lance de lugares públicos – coloquei a mão disfarçadamente em frente à minha boca e sussurrei.
- Tá dizendo que quer transar aqui mesmo? – a rouquidão de seu murmúrio obsceno fez eu me sentir ainda mais molhada.
É, eu queria.
Coloquei um pouco mais de pressão em meu toque ao subir pelo delicioso volume entre as pernas de , e um grunhido contido reverberou em seu peitoral.
- Tô dizendo que a gente pode sumir por alguns minutos.
Ele não precisou verbalizar a resposta; seus dedos, torturantes, pararam de alisar a parte interna das minhas coxas apenas para apertar minha intimidade; e fora minha vez de reprimir um gemido exasperado.
levantou primeiro, levando consigo o copo de cerveja pela metade. E eu esperei noventa segundos minuciosamente contados para levantar também e, sem coragem de verificar se algum dos três tinha percebido nossa ausência, segui na mesma direção que ele havia acabado de ir.
Algumas pessoas se amontoavam nas bancadas do bar, fervorosos por mais uma dose de álcool ao fim de um dia cansativo de trabalho. Outras apenas se espalhavam pelo único espaço sem mesas do lugar, balançando o corpo ao ritmo de uma música melodiosa que entoava pelas caixas de som. E eu precisava me esgueirar entre todas elas para chegar à única em que meus olhos conseguiam realmente focar em meio à multidão. Era como se todos outros fossem sombras e borrões e existisse algum tipo de fulgor celestial bem acima de , que devolvia meu olhar com um sorriso no rosto ao apoiar-se em uma parede. Uma parede com uma placa acoplada indicando os banheiros. Ri sozinha, balançando a cabeça negativamente. Estávamos mesmo prestes a fazer isso.
- Posso te oferecer uma bebida? – tive que piscar algumas vezes para que meus olhos desgrudassem de e se atentassem ao homem musculoso à minha frente. Ele segurou meu braço superficialmente e estendeu um copo enfeitado com uma rodela de laranja em minha direção.
Eu era naturalmente antipática com qualquer um que tomasse a liberdade de encostar em mim sem a minha permissão, mesmo que fosse um gesto automático e talvez inofensivo. Mas o fato de ele atrasar em mínimos segundos meu encontro com fez meu sangue ferver ainda mais.
- Estou acompanhada – afastei meu braço sem delicadeza alguma e dei um passo para o lado, a fim de continuar meu caminho. Mas o filho da puta foi para a mesma direção, parando em minha frente como um armário. Bufei e cruzei os braços, lançando o olhar mais colérico que eu era capaz de simular.
- Eu adoro as esquentadinhas – ele apertou os olhos castanhos em um sorriso sujo e, mais uma vez, tocou meu braço. Mas agora seus dedos faziam a volta em meu pulso, quase apertando minha pele.
Certo, não era nada inofensivo.
- Dá pra me soltar? – por mais que eu estivesse em desespero pra sair dali, minha voz permanecia calma. Fiquei na ponta dos pés para poder ver por cima dos ombros da podridão em pessoa, mas antes que eu pudesse tentar chamá-lo, ele estava bem ao meu lado.
Senhor Asqueroso fez menção de dizer alguma coisa, mas foi mais rápido ao se colocar em minha frente, o rosto a poucos centímetros do idiota com seu sorriso presunçoso.
- Acho que ela pediu pra soltar – ele rosnou e segurou meu braço, empurrando-o delicadamente para trás, fazendo-o deslizar pelos dedos nojentos daquele idiota.
- Ah, cara, vamos lá. O que você acha que ela quer vestida assim?
Ai.
Ele mexeu com a pessoa errada.

Pude ver a íris de cintilar em faíscas ferinas para, instantes depois, se tornar opaca. De repente ele não era mais o que estava prestes a verter desejo e brandura em meu corpo. De repente ele era o mesmo nefasto e impiedoso das primeiras vezes que o vi.
Um músculo pulsou em sua mandíbula e eu tentei apoiar as mãos em seus ombros para que se acalmasse; mas elas apenas se desequilibraram no ar, pois foi veloz em voar em cima do homem e desferir um soco em seu nariz. E depois outro. E mais um. Mesmo quando o cara já havia encontrando o chão, apenas se ajoelhou e o segurou pela gola da camiseta antes de cerrar os punhos no rosto ensanguentado mais algumas vezes.
De onde eu estava a cena parecia acontecer em câmera lenta. Os violentos segundos mascararam-se em sôfregos minutos e o burburinho de vozes assustadas à nossa volta parecia apenas um chiado distante. Quando a realidade se chocou com meu corpo e pensei em pará-lo antes que o idiota jogado ao chão perdesse a consciência, dois seguranças o seguraram pelos ombros e tiraram de cima dele. Senti uma mão em minhas costas e encontrei os rostos incrédulos de Matt, Bex e Ethan, soltando inúmeras indagações que se misturavam em um zunido em minha cabeça. O que aconteceu? O que fez dessa vez? Aconteceu alguma coisa com você?
Não me preocupei em responder nenhuma delas. Meu corpo apenas avisava que eu precisava ir atrás de . E mesmo sob o olhar intrigado de meu irmão, apenas disparei na direção da porta pela qual os seguranças tinham acabado de arrastá-lo.
Do lado de fora, se ainda possível, a cena era ainda mais caótica do que a que eu acabara de presenciar lá dentro. Não apenas pela imagem aflitiva de passando as mãos compulsivamente pelos cabelos ao carregar uma expressão furiosa, mas também pelas nuvens que escolheram o momento perfeito para descarregar toda sua fúria em uma chuva torrencial.
Uma vez Matt me contou que havia aprendido que as cenas tristes dos filmes eram constantemente acompanhadas por um cenário chuvoso. Algum tipo de metáfora – como se o céu, assim como os protagonistas, estivessem chorando.
Hoje, a vida real imitava a arte da maneira mais improvável. Era inviável não relacionar os trovões estrondosos e as gotas estralando ferozes no chão com ; a personificação da ira bem à minha frente.
Abracei meu corpo e corri até o outro lado da rua, parando atrás de e observando sua silhueta por alguns segundos. Ele sabia que eu estava ali, mas não havia se incomodado em virar. Meus olhos foram atraídos pelos nós em seus dedos, visivelmente avermelhados. Mais algumas cicatrizes; dessa vez, por minha causa. Por algum motivo ininteligível, minha única vontade era explodir em um gesto afetuoso e abraçá-lo. Mas a cautela sempre fora minha amiga mais fiel, e era ela a quem eu devia ouvir nesse instante.
- – minha voz saiu em um fio, abafada pelo barulho da chuva – ! – tentei um pouco mais alto, mas tudo o que consegui em resposta fora um suspiro impaciente – Esse jogo de fingir que não me ouve não funciona mais comigo. Eu não vou sair daqui até a gente conversar.
O contornei e firmei os pés ao parar em sua frente, cruzando os braços e aguardando alguma resposta. levantou o rosto lentamente, me encarando com os traços mais inexpressivos que eu já havia visto. Mas eu já sabia onde procurar os indícios em seu semblante; os olhos , que resplandeciam e apertavam-se ao me encarar, contando uma história secreta que só ele conhecia.
- Não sei o que quer que eu diga. Que sinto muito?
Inspirei profundamente ao notar a acidez em sua voz e dei um passo em sua direção. Encostei delicadamente em seus pulsos, tirando suas mãos, tensas, de seu pescoço e trazendo-as para perto de mim, em uma tentativa de reconforto.
- Porque não começa me contando algo que você realmente queira? Sei que opções não faltam – arrisquei um sorriso, ainda que triste, enquanto observava a chuva fazendo os fios de seus cabelos grudarem ao rosto. me fitou por alguns segundos. Os trovões praticamente ininterruptos pareciam tornar o silêncio ainda mais ensurdecedor. Quando eu achei que fosse dizer algo, apenas tencionou o maxilar e balançou a cabeça negativamente ao encarar os pés.
- Minha irmã é a melhor pessoa que eu já conheci. Do tipo que se faz de durona mas tem o coração maior do que o mundo, sabe? Você me lembra um pouco ela – seus lábios se curvaram levemente e os olhos continuavam fixos no chão. Os meus, não desgrudavam por nem uma fração de segundo dele; com medo de perder qualquer detalhe de sua sinceridade e ainda incrédula de que ele realmente estava me contando algo íntimo sobre ele – Ela tinha dezessete anos quando conheceu um cara em Oxford no primeiro ano da faculdade. Devon. Eles ficaram juntos por um tempo, acho que era algo sério. Bom, o mais sério que um relacionamento aos dezessete anos pode ser. Eu nunca gostei do cara e isso nada tinha a ver com o fato de eu querer sempre protegê-la. Só achava tinha algo de estranho nele.
Sua voz fora interrompida por um suspiro castigado. escorregou o pulso dos meus dedos e, ainda sem me olhar, deu dois passos para trás. Eu já imaginava o que ele ia dizer, e aquilo era o suficiente para os meus olhos começarem a marejar.
- Qual o nome dela? – insisti, ponderando se ele precisava de algum incentivo pra botar aquilo pra fora.
- Ivy – e mais um sorriso lastimoso – Não gosto nem de pensar quanto tempo ela passou por aquilo. Quando percebi o corpo dela já estava coberto de hematomas. É claro que ela tentou arrumar uma desculpa pra todos eles, mas eu sabia que não era verdade. Todos nós sabíamos, na real. Levamos praticamente um dia inteiro para que ela confessasse.
- Tinha sido ele... – minha voz escapou em um soluço, ainda digerindo tal informação. Eu não conseguia nem imaginar como era passar por aquilo.
- Céus, eu senti vontade de matar o filho da puta, . Meus pais queriam chamar a polícia, mas de que merda adiantaria? Os dois eram menores de idade – a melancolia na voz de deu lugar a uma assustadora agressividade – Então eu fui atrás dele no dia seguinte, na faculdade. Nem sei dizer o tamanho da raiva que senti quando o vi na minha frente. Só lembro de voar em cima do palerma e bater nele sem parar. Eu literalmente não conseguia parar. Precisaram de quatro caras pra me tirar de cima dele.
Era a primeira vez que eu via os olhos de se encherem de lágrimas, e aquilo fora o suficiente para apertar meu coração. Eu não sabia o que dizer. Passei alguns segundos estudando seu rosto, pensando se eu devia ou não me aproximar. Mas então seus olhos resolveram me dar um golpe fatal ao procurarem os meus.
- Ele entrou em coma. E eu fui pra cadeia – soltou uma risada de desdém – Eu tive sorte, meus pais fizeram qualquer tipo de mágica que as pessoas com grana fazer e eu passei só uma noite lá. Um ano de serviço comunitário e estava tudo certo. O garoto acordou alguns dias depois, acho que isso ajudou um pouco.
Pisquei algumas vezes, tentando absorver a quantidade absurda de informação dos últimos dez minutos.
- Suas cicatrizes... – mordi o lábio inferior, dando um passo pra perto dele – Tem algo a ver com isso?
- Mais ou menos – ele passou as mãos pelos cabelos mais uma vez – Achei que se eu não pagasse por aquela agressão, alguma outra podia me dar o que eu merecia. É claro que me meti em algumas encrencas, apostas e todo o tipo de merda que pudesse gerar uma briga. Mas nunca consegui bater em ninguém como naquele idiota. Nunca senti tanta raiva como senti dele.
E só então entendi porque era tão difícil pra falar sobre aquilo; não era apenas o sofrimento de sua irmã que o incomodava. Mas também a culpa de sair praticamente ileso do que havia feito. E eu havia convivido com a culpa muito tempo pra saber de cor o quão destrutivo aquele sentimento podia ser.
- ... – reduzi a nossa distância a praticamente nada e espalmei as duas mãos em seu peito, posicionando meu rosto bem em frente ao seu e obrigando-o a encarar meus olhos – Eu entendo. E não culpo você por isso. - O quê?
Seus olhos chorosos esmagaram meu peito com um pouco mais de força. Eu não sabia o que faria se uma lágrima apenas escorregasse dali – era um desespero e uma vulnerabilidade que eu nunca havia sentido antes.
Nem com . Não com a mesma intensidade.
- Eu compreendo o que você fez. Talvez isso diga mais sobre mim do que sobre você, mas... – parei para deixar uma lágrima escorrer por meu rosto acompanhada de um suspiro – Não acho que bater em alguém seja a solução pra nada, mas eu entendo. É o que Matt faria por mim. É o que eu faria por ele. Você não devia se castigar tanto assim.
Atrás da chuva, seus olhos ainda imploravam por perdão ao gritar “eu coloquei um menor em coma”. E aquilo era altamente destrutivo de assistir.
Minha mente tentou, em poucos segundos, juntar todas as peças do quebra-cabeça. Pensei se era sobre aquilo que Brandon havia falado. Se aquela era a resposta por ele ser tão fechado e impassível. Perguntei-me, novamente, se a garota na foto era sua irmã. Mas a sua áurea de mistério ainda me parecia ir mais além.
- Você não está me contando tudo, né? – disse ao deslizar os braços por seu pescoço, encarando sua intensidade ainda mais de perto.
- Não.
E eu estava certa.
- E quando vai?
- Um dia.

-

Estar na casa de já estava se tornando tão confortável quanto ficar em casa. Eu estava sentada no sofá, vestindo uma de suas camisetas brancas enquanto ele secava meu cabelo com uma toalha. Em uma cena delicada como nunca fomos, mas que trazia uma sensação pacífica e agradável como tantas outras.
Eu o espiava pelo canto dos olhos em silêncio. A camisa social, aberta e molhada esculpindo seu corpo parecia o caminho da perdição. Em outra situação, eu estaria agora mesmo me jogando em seu colo e beijando seu pescoço. Mas algum tipo de desconforto ainda pairava no ar.
No caminho até aqui tudo o que consegui pensar fora no que ele ainda escondia de mim. O que ele podia pensar ser pior que aquilo?
Agora, tudo o que eu pensava era em como seu cheiro estava em todo lugar.
Penetrando em minha pele coberta por sua camiseta.
Tomando conta de cada centímetro dos meus cabelos pela toalha.
- Foi por isso que veio pra Londres? Sua irmã? - quebrei nosso interminável silêncio me virando de frente para ele.
- Também.
- E ainda quer ficar aqui? – tentei esconder a ansiedade em minha pergunta ao olhar pra ele.
apoiou a toalha no colo, deixando apenas os dedos passarem livres pelos meus cabelos e me encarou por alguns segundos antes de me responder.
- Eu tenho um ótimo motivo pra ficar aqui.
Porque minhas bochechas estão ardendo? Esse tipo de coisa não acontece comigo.
Tentando calar a faísca cálida em meu corpo, dei um sorriso e escorreguei meu corpo no sofá, deitando e ajeitando a cabeça no colo de . Suas mãos se tornaram hesitantes por alguns segundos – não em dúvida sobre o que fazer, e sim tomadas pela surpresa do meu gesto inesperado.
Assim como eu estava.
- Obrigada por ter me contado – meus olhos procuraram os seus, e eles estavam mais brandos do que nunca. Gostava de pensar que eu causava tal sensação nele.
- Posso confessar uma coisa? – ele disse ao enterrar os dedos nas minhas mechas, em um carinho agradável e reconfortante.
- O que?
- Sonhei com você quase todas as noites essa semana.
O sorriso sincero irradiou em meus lábios.
- Eu penso em você toda vez que olho pras estrelas. Às vezes até converso com elas. É péssimo, sabia?
- Por quê? - ele estreitou as sobrancelhas, embora o mesmo sorriso que eu usava refletisse em seu rosto.
- Porque nunca me senti tão atraída por alguém assim, e isso é intimidante. Brigar com você era minha proteção, e agora... Bom, agora estou aqui, deitada no seu colo, sabendo dos seus segredos enquanto você recita frases românticas pra mim. Talvez devêssemos voltar a brigar, era mais divertido.
soltou uma risada e seus dedos deslizaram dos meus cabelos para o meu colo. E ficaram por ali, desenhando figuras abstratas em minha pele e causando os já tão conhecidos arrepios em minha nuca.
- Acho poder te tocar assim mais divertido.
E mais um sorriso desnorteado em meu rosto.
- Talvez você tenha razão.
- Quer saber? Acho que sei o pode ser ainda mais divertido que isso.
Ele não falou mais nada antes de se levantar e segurar em minha mão.
Não disse uma palavra ao sair pela porta do apartamento e descer correndo pelas escadas, ignorando todas as minhas perguntas desesperadas.
Não se pronunciou quando irrompeu pela porta do prédio noite afora.
Nem quando a chuva, agora mais calma, voltou a umedecer nossos corpos.
Com nossas mãos entrelaçadas, me puxou pela calçada até chegarmos ao meio da rua. Então ele parou, com um sorriso no rosto, os cabelos desgrenhados e o rosto avermelhado. Céus, como ele estava lindo. me puxou pra perto, grudando nossos corpos e passando os braços em volta de minha cintura. Nossos olhares dançaram por alguns segundos; um absorto no outro. E então seus lábios finalmente emolduraram-se aos meus, intensos, macios e perfeitos. Ele sabia como atiçar cada um dos meus pontos fracos, e não economizava nisso ao fazer-me desestabilizar a cada toque – das nossas línguas e dos nossos corpos.
Não era mais um “talvez“. Ele realmente tinha razão. Aquilo era infinitamente mais divertido. A imprudência aventureira de, repentinamente, sair correndo apenas porque queria me beijar na chuva.
Era por isso que as estrelas me lembravam ele. Porque, pra mim, era como o céu estrelado em uma noite cheia de nuvens. Era preciso conhecê-lo, conquista-lo e olha-lo com cautela para saber de toda a opulência que existia por baixo de sua insígnia opaca.
Ele me levava aos extremos. Fazia-me experimentar a melancolia e o entusiasmo por nossa intimidade em um estralar de dedos.
E eu mal sabia explicar o quanto gostava daquilo. E tentar entender era tão intenso como um jorro súbito de adrenalina e insanidade passando pelas minhas veias e disparando algum sentimento que eu ainda não conhecia.


Capítulo 23

Eu adorava o fim de ano.
Dezembro anunciava sua chegada com os inúmeros enfeites de Natal espalhados por toda a cidade. A neve, cobrindo o chão e marcando o início do inverno, criava um contraste perfeito com todas as luzes meticulosamente colocadas nas ruas, janelas, lojas e casas. Eu quase podia sentir no ar o cheiro fresco de torta de maçã que minha mãe fazia questão de preparar todo dia vinte cinco, já que era a minha preferida.
Passar o último mês do ano assistindo filmes natalinos com os pijamas mais ridículos possíveis era um tipo de ritual para mim e para Bex. Ela estava vestindo um conjunto com várias bengalas de açúcar felpudas pregadas no tecido vermelho que havia me causado quatro minutos de risada ininterrupta assim que cheguei em seu apartamento. O meu, com uma simpática rena pulando do tricô branco, era tão vergonhoso quanto.
It’s a Wonderful Life brilhava na televisão e eu Bex estávamos deitadas no sofá da sala, comendo pipoca e mais preocupadas em colocar a conversa em dia do que prestar atenção no filme que já tínhamos visto nos últimos cinco dezembros, pelo menos.
Faltavam três semanas para o Natal.
Quatro para o ano novo.
E quatro semanas mais dois dias para o casamento.
Minha amiga dizia que três de dezembro era a data perfeita - dava a todo mundo o intervalo necessário para curar a ressaca, e ainda era cedo o suficiente para ser um dos primeiros do ano. Seria, portanto, inesquecível.
- Eu só tenho falado disso, né? – minha amiga fez um biquinho após fazer um relatório completo de tudo o que ainda faltava resolver para a cerimônia.
- Bex, estar noiva é ser monotemática – sorri e peguei mais um punhado de pipoca do balde em meu colo.
- Tem certeza que não se incomoda de entrar com ?
Meu celular vibrou na almofada entre nós duas pela terceira vez na última meia hora.
- Claro que sim. É seu dia, não se preocupe comigo.
E mais uma vez.
- Dá pra falar pro Matthew te deixar em paz? – ela bufou, me arrancando uma risada.
- Não é ele. É o . Ele quer saber se estou livre amanhã depois do trabalho.
- O que vocês vão fazer? – Bex abriu um largo sorriso e apoiou o rosto nas mãos. Eu sabia que ela acreditava que eu e fomos feitos um pro outro, mas a verdade é que qualquer assunto envolvendo encontros e romance animava ela.
- Ainda não sei. Ele não quer me contar. Ele sempre faz isso e... Até que eu gosto.
Quem diria. Eu costumava odiar surpresas.
- Então você arrumou um namorado tão misterioso quanto você? – o sorriso se alargou ainda mais.
- Ele não é meu namorado! – fiz uma careta, parecendo uma menininha de quatro anos que acha errado gostar de garotos - E eu não sou misteriosa.
- Você gosta dele?
- Defina gostar.
- Você não negou.
- E nem afirmei.
- Mas você gosta, né?
- Bex! – falei um pouco mais alto e ri, puxando uma das bengalinhas do pijama dela para que ela parasse – Me deixa respirar!
E meu celular vibrou mais uma vez. Olhei pra tela e, inconscientemente, dei um pequeno sorriso.
Droga.
Quando voltei a atenção pra minha amiga, seus olhos estavam fixos em mim e seu sua expressão ardilosa gritava claramente as palavras que ela mais gostava de dizer: eu sabia.

-

e eu tínhamos feito um acordo – na noite de ano novo, contaríamos para todo mundo o que estava acontecendo entre a gente.
Certo, contar não era bem a palavra. E nem nós mesmo sabíamos exatamente o que tínhamos. O plano era apenas agir como um... Casal. Na frente de todo mundo. Incluindo Matt. E .
A verdade é que sabíamos as consequências que isso traria. As perguntas, os olhares, as brigas, as mágoas e, principalmente, a pressão para colocar um rótulo no que quer que aquilo fosse. Mas, recobrando a sensatez e a maturidade, era o certo a se fazer.
Principalmente com o casamento se aproximando. Eu não confiava na minha força de vontade para manter-me longe de por muito tempo após alguns copos de álcool. Nele, menos ainda. E a última coisa que eu queria era causar uma cena no meio do dia mais importante da vida de minha amiga.
Se eu havia aprendido algo sobre nos últimos tempos era que o sentimentalismo corria por suas veias com muito mais vigor do que eu já ousara imaginar. Não era a primeira vez que eu o seguia às cegas para terminar em um momento inesquecível e carregado de afeição.
Mas nada havia me preparado para o atual momento. Acho que nem mesmo se ele tivesse me dito, antes de entrarmos no carro e pegarmos a infinidade de ruas que nos trouxeram até aqui, eu acreditaria.
Os mais diferentes sentimentos brigavam ao decidir quem tomaria meu corpo primeiro. O pesar, a nostalgia, o marasmo, a excitação, a surpresa.
Era meu antigo bairro. Nosso antigo bairro.
Fazia tão pouco tempo desde a última vez que eu estive ali e, ainda assim, tudo parecia completamente diferente. As árvores pareciam mais verdes, o céu parecia mais azulado, a atmosfera parecia mais leve e, principalmente, o lago à minha frente parecia ainda mais reluzente.
Eu havia comentado com de ter visto a água cristalina da janela algumas vezes. Ouvimos, juntos, o barulho suave de seu movimento.
- Você disse que nunca chegou até aqui... Então eu encontrei pra você.
A voz de despertou-me das minhas lembranças, e o sorriso chegou aos meus lábios genuinamente. Olhei para o lado, onde ele parecia um pouco desajeitado ao coçar a nuca e me observar de soslaio.
Não sabia como eu não havia percebido antes.
O lugar não estava diferente. Eu estava. E o motivo disso tinha lindos olhos e estava parado bem ao meu lado.
- É mais bonito do que eu imaginava.
E era. Azul, pacífico e encantador. A floresta rodeando todos os cantos. O céu, anunciando o fim de mais um dia ao colorir-se de laranja e púrpura. E o detalhe que eu nunca imaginei que pudesse completar tão bem aquele lugar; minha mão, se aproximando tímida e hesitante da de . O tamborilar do coração ao entrelaçar nossos dedos. E a explosão de euforia ao deitar minha cabeça em seu ombro.
me puxou para a árvore mais próxima do lago. Sentou apoiando as costas no tronco e me colocou entre as suas pernas. Suas mãos foram à minha cintura e eu me perguntei se algum dia eu não sentiria mais arrepios com seu toque. As minhas apalparam o bolso de sua calça jeans à procura de seu maço, pois eu não podia imaginar algo mais apropriado para nós dois do que dividirmos um cigarro ali.
- Vou sentir falta de ter que me esconder com você - sibilei ao segurar o branquinho entre os dedos, esperando ele ascender.
- Vou sentir falta dos meus ossos inteiros depois que Matt descobrir que andei agarrando a irmã mais nova dele por aí – ele riu e tirou o cigarro já aceso dos meus dedos, fazendo as honras ao posicioná-lo entre meus lábios para que eu tragasse.
- A gente não precisa...
- Tudo bem. Posso aguentar alguns socos por você – ele soltou a fumaça e eu sorri, envolvida pela beleza mórbida de suas palavras.
Deixei meu corpo relaxar por inteiro, as costas se encaixando perfeitamente com o tronco teso de .
- Quando eu era pequena meus pais sempre levavam a gente no parque de diversão em Surrey. Matt adorava e costumava violar as leis de segurança de todos os brinquedos – sorri e, mesmo sem olhá-lo, sabia que estava sorrindo comigo – Eu sempre tentava acompanhar ele, mas saía chorando todas as vezes. Eu não conseguia entender como as crianças se divertiam sendo chacoalhadas no ar por estruturas de ferro desengonçadas. Mas acho que entendo agora.
- O que quer dizer?
- Você me faz sentir tudo que eu sempre tive medo, tudo que eu sempre fui contra. Mas ainda assim eu gosto de estar aqui.
Pela primeira vez o medo não me parecia ameaçador, e sim aprazível.
Atrás de mim, apagou o cigarro e apoiou o rosto na curva do meu pescoço. Sua respiração batendo na minha pele me causava um frescor eletrizante.
- Eu não entendo meus sentimentos. Nunca entendi. Mas eu estou aqui com você e de repente esse momento pequeno vira algo especial - suas mãos deslizaram por minha cintura e encontraram as minhas em meu colo - A gente é obrigado a acreditar que a vida não vai ser sempre uma constante aventura, mas sentado aqui com você, no lugar mais pacífico que eu posso imaginar, ainda é como se estivéssemos correndo em um penhasco a mil quilômetros por hora.
Agradeci por estar encarando o lago e não seus olhos. Aposto que minhas bochechas haviam ficado rosas, vermelhas e até roxas com o seu repentino discurso afetuoso.
Eu o entendia perfeitamente. Era aquela incomparável e incessante sensação de perigo iminente entre nós dois que, de alguma forma, parecia necessária.
- Preciso te pedir uma coisa.
- Qualquer coisa.
- Você não sabe o que vou dizer - ri ao me virar brevemente para ele - Preciso escolher um vestido pro casamento. Me acompanha?
- Achei que ia me mandar matar alguém, seria mais fácil - ele ironizou e eu rolei os olhos - É claro que sim.
- E quando voltarmos pra sua casa assiste Breakfast At Tiffany’s comigo?
- Agora você exagerou - riu ao dar um apertão de leve em minha cintura - É a minha vez de escolher o filme.
- Não sabia que estávamos revezando. Achei que meu gosto superior me dava o direito de escolher todas as vezes.
- Você é muito teimosa.
- E você é insuportável.
Diferente de tempos atrás, quando eu estaria espumando de raiva, dessa vez eu só conseguia sorrir.
Buscávamos o ponto fraco um do outro desde que nos esbarramos pela primeira vez. O meu era a insegurança. O dele era a recém-descoberta verdade.
E por baixo disso tudo, existia o desejo.
Correspondido, mútuo e recíproco.
Sua mão tocou levemente meu rosto, me virando em sua direção e fora impossível não me perder na beleza dos seus traços por alguns instantes. era irretocável. Eu adorava seus cabelos e o modo que eles caíam despreocupados em seu rosto. Adorava seus olhos e a maneira que eles apertavam ao deixar transparecer um sorriso. Adorava seus lábios, finos, intrigantes e deleitáveis. Adorava o resquício de barba em seu queixo, deixando ainda mais evidente sua mandíbula angulosa.
Adorava cada detalhe daquele homem muito mais do que eu podia suportar e muito além do que eu jamais admitiria a alguém.
- É raro encontrar alguém com uma mente tão bonita quanto à aparência, sabia? - ele sussurrou, parecendo tão compenetrado no instante quanto eu.
- Ainda assim eu encontrei você.
E dois sorrisos simultâneos tornaram aquele fim de tarde ainda mais singular. Na urgência de sentir seu toque, apenas encostei os dedos em seu rosto e o beijei. Nossos lábios se encontraram e meus olhos se fecharam, deixando o alento do momento apenas para o tato. E mesmo quando tudo que eu enxergava era escuridão, seus olhos se fizeram presentes em meio ao infinito fosco, perigosamente belos.
E eu mergulhei de cabeça - não somente naquele beijo, mas em em si. Meus medos ficaram para trás. As más experiências também. A hesitação deu lugar à comodidade. A incerteza deu lugar à esperança.
Éramos apenas os dois, ali e agora. Eternos como contos de fadas, sinceros como desejos. Cheios de dores como as mágoas, ferventes como a volúpia, calmos como a noite. Tristes como as duas da manhã, profundos como as três e belos como as seis.
Eu estava entregue. Eu, que sempre acreditei pertencer a ninguém. Eu, que sempre fui tão obcecada pela liberdade que mal conseguia falar sobre isso.
Eu, que personificava o altruísmo e, mesmo mergulhada naquele momento, só conseguia ser vítima de um pensamento: como Matt e iriam encarar aquilo.


Capítulo 24

Quando a esperança é um recurso cada vez menor costumamos fazer algum tipo de retrospectiva melancólica que nos faz pensar como chegamos até esse ponto.
É o mesmo que acontece quando podemos prever o fim de algo; a vontade de relembrar os momentos é incontrolável como as nevascas dos invernos mais severos em Londres.
Há exatos trezentos e sessenta e cinco dias, eu esperava a chegada de um novo ano com a certeza de uma esperança escassa.
Hoje, o caleidoscópio de minhas lembranças parecia buscar graça até nas tragédias do último ano.
E por mais que eu ainda não entendesse direito o que se passava dentro de mim, a esperança estava ali. Ela gritava no meu peito em uma flama tão quente eu quase podia vê-lo cintilar entre o alaranjado e um azul atraente.
Sempre fui cética sobre o poder de um dia automaticamente determinado pelo sistema solar ser responsável por recomeços. Promessas. Expectativas.
Ainda assim, aqui eu estava.
No dia trinta e um de dezembro.
Os dedos hesitantes sob a maçaneta de bronze da porta que me separava de encarar a verdade.
A porta do 'meu' quarto na casa de St. Ives para ser mais específica.
A mesma que fora o palco de uma cena dramática entre eu e alguns meses atrás.
O frio cruel do fim de dezembro estava impiedoso como sempre; mas nada nos tiraria da cabeça a ideia de aproveitar a virada em uma casa de praia.
Pois o mar era o cenário de fundo perfeito para os fogos de artifícios.
E a areia era o lugar mais apropriado para assistir o primeiro nascer do sol do ano.
E, quando estivéssemos embriagados o suficiente, o mar nem pareceria tão gelado assim.
O girar da maçaneta acompanhou um suspiro aflito. foi a primeira coisa que vi quando cheguei no último degrau da escada.
Não apenas a primeira.
A única.
Como se ele fosse luz e todo o resto escuridão.
E o seu olhar vidrado na exata direção pela qual eu havia acabado de descer me dizia que ele estava apenas me esperando - tão ansioso quanto eu.
A cumplicidade na nossa troca de olhares era palpável. Certamente não passaria despercebida pelos mais atentos.
E, ao encarar o fundo dos seus olhos , minha alma gritava para eu ser egoísta. Dar meia volta e caminhar em outra direção. Pois ela sabia que não teria volta.
Mas foram os mesmos olhos me encorajaram a silenciar a ameaça. Os mesmos olhos que me causavam tantos sentimentos inexplicáveis desde a primeira vez que os vi. Nem sempre bons, mas sempre intensos. E intensidade era a faísca que eu sempre usara como combustível.
Segurei a barra comprida e esvoaçante do meu vestido lilás para poder caminhar mais rápido. E então tudo pareceu se mover em câmera lenta.
Meu estômago revirou.
Meus lábios se contorceram em um sorriso sincero.
Minhas maçãs ficaram quentes e pintaram-se de escarlate.
Exatamente como todos os clichês românticos que eu jurava não passarem de utopia.
Não pude deixar de pensar o quanto estava lindo com uma jaqueta de couro e uma calça jeans rasgada.
Eu não me lembrava da roupa que ele usava na primeira vez que o vi – então, talvez a de hoje fosse a escolhida para ficar guardada em algum lugar da minha memória.
Fui recebida pelo toque gentil de suas mãos em minha cintura e podia jurar que o brilho dos seus olhos havia se intensificado com a nossa proximidade.
- Uau. Você está...
- Eu sei - o interrompi com um sorriso nervoso, com a certeza de que eu não aguentaria mais romantismo do que aquela cena em si já havia me obrigado a sentir - Você também está.
E sorrimos. Cúmplices, mais uma vez. Do nosso jeito torto e singular.
Os seus olhos, ligeiramente apertados pela demonstração de alegria eram mais profundos do que as estrelas, galáxias e universos.
Céus.
Que esperança eu tinha? É claro que, cedo ou tarde, aqueles olhos me ganhariam.
- Vamos mesmo fazer isso? – o murmúrio veio acompanhado de um carinho aconchegante em minha nuca.
Não respondi. Não queria que qualquer vestígio de hesitação acidental fizesse parte daquele momento. Apenas deslizei as mãos apoiadas em seu tórax para as suas e entrelacei nossos dedos. De olhos fechados, me inclinei e sorri quando nossos narizes roçaram. A ânsia do toque de seus lábios aqueceram meu corpo, milímetro por milímetro. E quando eles se encaixaram, a conhecida sensação de estar em casa fez morada em meu peito.
Não sei dizer quantos segundos fiquei sentindo seu gosto. Estava inerte apenas em , e alheia a qualquer acontecimento externo.
Como o tempo, sempre tão valioso.
Se em um instante nossos lábios estavam grudados, no outro o meu corpo implorava para ter seu calor de volta.
Se em um instante nossos corpos se sustentavam, agora o havia encontrado o chão.
Pois Matt havia o acertado em cheio bem no alto do nariz.
E mesmo com meu irmão em cima dele, não revidou. Apenas apertou os olhos e esperou Brandon segurar meu irmão com dificuldade pelos ombros.
E isso dizia mais sobre e sua sede imaginária por brigas do que ele podia pensar.

-

Eu segurava um saquinho de gelo no nariz ensanguentado de , que insistia em manter as mãos firmes envolta de minha cintura enquanto estávamos sentados lado a lado na cama de um dos quartos.
A expressão de Matthew era pura raiva. Suas narinas estavam infladas e seus olhos cintilavam freneticamente entre eu e .
Brandon me olhava como se quisesse dizer que tudo ficaria bem.
Bex apoiava a mão adornada pela anel de brilhantes na boca, com o olhar vagando pelos quatro cantos do cômodo. Eu tinha certeza do que ela estava pensando: “Não sabia que as coisas entre vocês estavam tão sérias assim”.
Ethan parecia um tanto perdido e atônito, como se eu e fôssemos o casal mais improvável da face da terra.
Assim como . Mas o seu semblante também carregava um dose extra de mágoa. Ele estava mais afastado que os demais, encostado na porta. Os olhos fixos em um ponto aleatório no tapete felpudo do chão. E, pra ser sincera, ele era a única pessoa ali com quem eu queria conversar.
- Alguém pretende dizer alguma coisa? – meu irmão soltou um rosnada.
- Cara...
- Você não! - ele vociferou e levantou um dedo na direção de . Precisei me conter para não avançar em seu pescoço.
- Não seja infantil, Matthew. Eu não sou uma criança – rolei os olhos e entreguei o saquinho de gelo nas mãos de .
- Perto dele você é sim! – Matt cruzou os braços e deu um passo em minha direção.
- Eu não acredito que estou ouvindo isso! – fiz um gesto expansivo com as mãos e me levantei para ficar cara a cara com ele.
- Eu nem comecei!
- Isso não era um problema quando eu estava com - o nome saiu como cacos de vidro pontiagudo de minha garganta, junto com a péssima sensação de usá-lo naquela discussão.
- é um cara descente. Você só menos tem ideia de quantas garotas já...
- Matt, por favor, para! A gente não está... – senti o gosto salgado de lágrimas raivosas subindo por minha garganta e lancei um rápido olhar para sob o ombro de meu irmão antes de continuar – Não estamos apenas nos divertindo ou qualquer merda do tipo. Eu gosto dele.
O silêncio caiu pesado no ambiente por alguns instantes. Quem me conhecesse bem, tal como as seis pessoas naquele quarto, saberia o quanto aquelas simples palavras tinham significado para mim.
se levantou e se colocou ao meu lado, segurando minha mão antes de quebrar a quietude.
- Eu gosto dela também.
Meus olhos procuraram os seus, em busca da garantia de conforto. E o conforto estava lá, pronto para emprestar um sorriso para meus lábios.
- Esse é o problema, . Já vi você gostar de tantas e jogá-las fora.
O maxilar de pulsou e ele apertou minha mão com um pouco mais de força.
- não é como as outras. Nada nela é como as outras.
E o frio na barriga me desestabilizou mais uma vez. Ele estava ali, na frente de nossos amigos, dizendo aquelas coisas que ainda nem tinha dito pra mim. E se fosse outro cara eu provavelmente sairia correndo dali. Mas era ótimo em manter meus pés no chão e mandar a conhecida insegurança embora com um simples segurar de mãos.
O barulho da porta se fechando chamou minha atenção. não estava mais ali.
É claro que não estava. A culpa por fazê-lo assistir aquela cena invadiu minhas veias e tudo o que eu precisava era sair dali e conversar com ele.
- Matt – soltei um suspiro - Eu sei que está tentando me proteger, mas você só está piorando a situação. Porque não consegue me apoiar?
Ele piscou algumas vezes e apertou os lábios. Seus olhos pairaram sob antes da réplica injusta.
- Porque não o acho bom o suficiente pra você.
Um músculo pulsou na mandíbula de e ele soltou um suspiro pesaroso ao encarar os pés.
Pois ele pensava o mesmo.
Isso era o meu limite.
- Matthew. Vai a merda e saia do meu quarto – usei o tom mais indócil que eu conseguia.
Meu irmão me encarou por um segundo antes de finalmente fazer o que pedi, batendo a porta com força atrás de si. Brandon nos lançou um olhar compadecido e eu apenas assenti com a cabeça para que ele fosse atrás de Matt.
- ... – foi a vez de Bex dar um passo em minha direção.
- Tá tudo bem. Eu só... - me virei pra , meu coração apertando no peito ao ver o corte em seu nariz. Era a segunda vez que ele se machucava por minha causa e isso machucava até o canto mais intrínseco da minha alma.
- Precisa falar com ? – ele completou e eu suspirei, inclinando a cabeça para contemplá-lo por alguns segundos. Como ele conseguia ser tão compreensivo e paciente com essa situação? Eu nem conseguia imaginar ter tamanha força de vontade e clemência.
- Obrigada.
- Você vale a pena.
Sorri e passei levemente a ponta dos dedos pela área avermelhada em seu rosto, depositando um beijo gracioso perto do machucado logo em seguida.
Bex e Ethan sorriram quando passei por eles, testemunhas da cena afetuosa.
Acho que isso significava que eles aprovavam o novo casal.

-

Estar naquela casa parecia viver um eterno déjà-vu.
O primeiro lugar que procurei quando saí do quarto foi a areia. Simplesmente porque o mar costumava tornar as pessoas contemplativas.
E lá estava ele. Sentado, com os pés na beira das ondas e o olhar pedido no horizonte.
Algumas pessoas já se aglomeravam por ali, ansiando o estourar dos fogos.
Abracei meu corpo, tentando inutilmente me proteger do frio. Ele mal me olhou quando tomei o espaço vago ao seu lado. Acho até que estava esperando que eu aparecesse por ali.
Lembrei-me da noite em que sentamos naquela mesma praia e conversamos sobre a falta que sentíamos um do outro. Parecia fazer tanto tempo, e ainda assim, nossa relação ainda parecia afundada em melancolia.
Mas agora parecia ainda pior.
- Eu devia ter percebido - sua voz quebrou o silêncio, misturando-se ao chiar das águas agitadas – Tenho revivido todo nosso tempo juntos, por mais que todo mundo me diga é melhor não pensar. E eu devia ter percebido que havia algo errado quando eu dizia que te amava você só me beijava de volta como se isso significasse a mesma coisa. E eu fingia que acreditava.
Seus olhos se voltaram para mim, e opacos. Eu praticamente via a de tempos atrás refletida neles e isso quebrava alguma coisa dentro de mim.
- ...
- Tudo bem. Você não me deve explicações.
- Essa não é a questão – enxuguei uma lágrima teimosa que rolou por meu rosto – Eu não quero que a gente passe o resto da vida desse jeito. Não quero que me trate como sua ex namorada, e sim como sua amiga. Como sua melhor amiga, do jeito que sempre fui.
deu um sorriso triste, os olhos marejados como facas pontiagudas em meu coração.
- Eu não consigo mais te ver assim.
Ai.
Meu corpo pareceu anestesiar por um instante. E depois a dor mais dilacerante do mundo irradiou do meu peito para cada átomo de mim.
O choro subiu de uma vez pela garganta, as lágrimas escorrendo copiosamente, sem censura alguma.
- Essa é a pior coisa que você poderia me dizer.
- Você não sabe o quanto machuca ver outro cara conseguir te fazer sentir o que eu sempre quis. E sabe o que é pior? Alguma coisa lá no fundo de mim quer ficar feliz por você.
E mais um golpe em meu peito.
- Não faça eu me sentir pior – sussurrei, encolhendo os ombros e me virando para ele – Você sabe que se eu pudesse escolher seria você, não sabe? Seria tudo tão mais simples...
- Você nunca gostou das coisas simples – ele me interrompeu.
Era a mais pura verdade.

-

O relógio marcava onze e cinquenta e cinco quando voltei para casa. Os ânimos de todos por ali já estavam mais agitados; eram tantas pessoas que eu jurava nunca ter visto na vida. E aposto que meu irmão sabia dizer o nome de cada uma delas.
Pra minha surpresa, ele estava conversando com e Brandon. Parecia um pouco mais calmo. Bex e Ethan apenas observavam, um pouco mais distante.
Me aproximei com cautela e encostei a mão no ombro de , atraindo sua atenção para mim.
- Faltam cinco minutos.
Entrelacei nossos dedos e comecei a puxa-lo para o lado de fora.
Com os pés na areia, o olhar de todos se voltava para a escuridão celestial.
E assim foi pelos minutos que antecederam a meia noite.
E pelos dez últimos segundos, marcados pela animada contagem regressiva.
Exceto eu e , que, em vez do céu, procurávamos a beleza um no outro.
E o admirando sob a fraca luz do luar, eu poderia descrever mil metáforas sobre como ele fazia eu me sentir.
Era como se ele fosse o oceano, e eu, uma garota que amava as ondas mas tinha medo de nadar.
Como se ele fosse os versos desconexos de uma linda poesia, e eu, uma mera aspirante a poetisa tentando entendê-lo.
era o tipo de pessoa que eu nunca tinha conhecido. Aquelas que chegam como se já nos conhecesse. De quem não era preciso esconder nada, nem ter medo de qualquer tipo de julgamentos.
Tem pessoas com quem passamos anos e não conseguem nos fazer sentir o que outras pessoa nos transmitem em apenas uma noite. E essas são as mesmas que transformam qualquer momento em intensidade. Que, naturalmente fazem-nos sentir como se estivéssemos fazendo as coisas mais banais pela primeira vez.
Talvez seja esse o sinal que o corpo e alma combinam para avisar que encontramos alguém importante. E a gente não entende bem o porque.
Mas parece apenas certo.
Assim como parecia irretocável estar ali, debaixo da luminescência dos fogos de artificio, mergulhando na maciez dos lábios de .
E, mesmo com todos os acontecimentos caóticos do dia, era como se tudo estivesse bem.
E ficou ainda melhor quando Bex veio em minha direção para um abraço e, em meu ouvido, sussurrou:
- Quer saber como sei que ele realmente gosta de você? Ele te olha do mesmo jeito encantado que as pessoas olham pra estrelas cadentes. Ou para os fogos de artificio. É o mesmo jeito que eu olho pra Ethan. É amor.


Capítulo 25

Londres, 14 dias atrás

O tecido rosa e fluido que caía em meu corpo podia muito bem ser a coisa mais brilhante daquela sala coberta de araras lotadas de vestidos.
E seria.
Se não existisse o reflexo dos olhos contemplativos de no espelho em que eu observava meticulosamente cada detalhe da peça escolhida.
- Estou me sentindo como um marshmallow gigante. Mas acho que é um senso comum as madrinhas não poderem usar um vestido realmente bonito, não é mesmo? Quer dizer, a atenção é toda da noiva – suspirei e segurei a barra da roupa, girando nos saltos altíssimos e parando de frente pra ele - Você está me olhando faz tempo. Me diz o que achou.
deu alguns passos pra frente e, quando parou, me olhou de cima a baixo pela milésima vez. Eu já estava ficando sem graça com a sua minuciosa análise, quase correndo para esconder minhas bochechas avermelhadas no provador.
- Acho que é a garota mais linda que eu já vi.
- E agora eu sei que está mentindo.
E agora eu havia virado praticamente um pimentão.



O sorriso permanente em meus lábios era uma demonstração escancarada de como fazia eu me sentir.
E eu não costumava me sentir assim com facilidade.
Mais que isso, eu não costumava demonstrar como me sentia com facilidade. Não depois de tudo o que tinha acontecido.
Mas era como se ela destrancasse todas as portas que eu havia levado tempos para erguer apenas com um olhar.
Era difícil esconder que meu coração havia batido mais rápido ao vê-la caminhando até o altar. Mesmo que estivesse ao seu lado, meu corpo ativara algum tipo de proteção sensorial que fazia-me enxergar ela e somente ela.
E era impossível ofuscar o brilho evidente em meu olhar ao vê-la parada ao lado da amiga, observando a troca de alianças com os olhos marejados. Era um cena bonita de assistir, e dizia mais sobre ela do que qualquer um ali podia sequer imaginar; a singela alegria em testemunhar a felicidade de alguém que ela amava. Um breve lembrete de uma das qualidades que eu mais admirava naquela garota - o genuíno altruísmo.
Enquanto todos os olhares no salão se voltavam para o casal, o meu se negava a desgrudar dela e seu vestido rosa claro. Estava celestial. E eu pensava em como ela era, ao mesmo tempo, tudo o que eu queria e tudo o que eu sempre tive medo.
Quando a cerimônia acabou, caminhou imediatamente em minha direção. Ainda enxugando as lágrimas e com um lindo sorriso distraído no rosto, ela parecia uma visão ao entrelaçar os braços em meu pescoço e selar meus lábios suavemente.
- Minha opinião continua a mesma - sorri, recebendo-a em meus braços - Você é a garota mais linda que já vi.
- A minha também. Ainda acho que está mentindo – ela piscou e eu rolei os olhos antes de darmos as mãos para caminhar até uma porta ampla que levava ao jardim onde havia uma tenda coberta de luzes preparada para segunda parte do casamento – Entendi porque Bex fez tanto mistério sobre o lugar. É realmente lindo.
- É... Eu consigo me ver morando aqui.
A Hedsor House era mesmo incrível - uma mansão de estilo italiano debruçada na margem do Tâmisa em meio a charmosa vila de Taplow. Se os gigantescos salões de arquitetura antiga e detalhes dourados eram incríveis do lado de dentro, o imenso jardim do lado de fora só podia ser descrito como magnífico; e havia ficado ainda mais belo com as mesas enfeitadas, os arranjos de flores e as luzes que se fundiam com um tecido transparente bem acima de tudo isso.
- O que acha de passar a noite? - o tom sugestivo de e a leve esbarrada em meus ombros foram o suficiente para fazer todos os pensamentos pervertidos possíveis dançarem em minha mente.
- Era o que estava pensando o tempo inteiro ao ver você rebolando esse traseiro lindo até o altar.
Eu não estava brincando. A bunda dela estava incrível naquele vestido.
Magnífica, na verdade.
- Não é justo você dizer essas coisas quando não posso arrancar sua roupa imediatamente – ela mordeu o lábio inferior e minha libido fez com que aquela parecesse a cena mais sensual do mundo – Mas se quer saber um segredo – ela se esticou brevemente até meu ouvido para sussurrar – Estou sem calcinha.
- E agora eu não posso mais andar – parei repentinamente, curvando o corpo para frente e ela soltou uma gargalhada ruidosa, conferindo o início de uma ereção no meio das minhas pernas.
- É melhor se recompor. Ainda preciso te apresentar a algumas pessoas – ela sorriu feito uma criança.
Respirei fundo.
- Ótimo banho de água fria.
segurou um pouco mais firme em minha mão e começou a me guiar até uma das mesas, onde um casal pegava duas taças de champagne da bandeja de um garçom.
- Mãe, pai... – ela atraiu a atenção dos dois, que viraram os rostos sorridentes ao ouvir a voz da filha - Esse é . , Eleanor e Landon.
Eleanor era uma mulher esguia, de cabelos loiros e lisos batendo em seus ombros. Os olhos grandes e expressivos, os traços delicados e o jeito gracioso de se mover faziam ela parecer, indubitavelmente, a versão mais velha de . Landon era um homem de ombros largos e porte atlético; os olhos esverdeados e os cabelos pretos começando a ficar grisalhos. Sem dúvida alguma fora algum tipo de galã quando mais novo.
Os olhos dos dois pareceram fazer uma coreografia sincronizada. Analisaram o rosto de e depois o meu. E então se voltaram para nossas mãos unidas. Era como se eu pudesse ver engrenagens no lugar de suas cabeças, soltando fumaça ao tentar raciocinar o que estava acontecendo.
Mas é claro. Ela ainda não tinha contado para os pais sobre . E nem sobre nós. Era mesmo a cara de soltar a notícia da maneira mais inapropriada o possível; e eu devia ter previsto isso. Não a imaginava sentada na sala de casa, tomando café enquanto conversava com os pais sobre a vida amorosa.
- É um prazer – cortei o silêncio incômodo, estendendo a mão para Landon e cumprimentando Eleanor com um beijo no rosto.
- Bom trabalho, – a mulher me olhou da cabeça aos pés, com um sorriso bem-humorado e dando uma piscadinha para filha.
- Mãe... - ela protestou, rolando os olhos com a voz tediosa e eu apenas mantive meu sorriso, achando a situação um tanto engraçada.
- Eu te admiro, filho. Ela pode dar trabalho – foi a vez do pai dela me fazer rir, arrancando outro resmungo da filha.
- Acredite, eu sei.
Acho que eu já tinha gostado deles. Eleanor e Landon me perguntaram sobre o trabalho, minha família e ficaram curiosos para saber como nos conhecemos. Eles conversavam como se nos conhecêssemos há anos e tinham toda a receptividade ausente na personalidade da filha.
Enquanto aceitava o convite vindo de Landon para um jantar em família em algumas semanas, pude ouvir Eleanor perguntar baixo sobre para , e o tom saudoso escolhido por ambas fazia algo que eu não conseguia entender direito revirar dentro de mim.
Alguns copos de champagne e muitas risadas depois, pediu licença e me puxou em direção a uma cabine dourada com um letreiro luminoso onde se lia fotos acoplado.
- Acabei de perceber que essa vai ser a nossa primeira foto juntos – ela sorriu ao se ajeitar do meu lado em um banco apertado.
Pensando bem, eu nunca havia a visto sorrir tanto assim. E isso me deixava inexplicavelmente feliz.
- É um vestígio de sentimentalismo que ouvi na sua voz? Achei que isso não combinasse com você – brinquei ao passar os braços em volta de sua cintura.
- Isso meio que não conta quando tem álcool correndo em minhas veias – ela deu de ombros de um jeito engraçado - Pronto?
Apenas assenti com a cabeça e ela apertou um enorme botão vermelho no meio de um painel em nossa frente. A imagem de nós dois absurdamente sorridentes apareceu em uma tela e eu me perdi por alguns segundos. Me perdi tanto no sorriso de quanto na sensação aprazível de felicidade sincera ao estar com ela. E então nos olhamos, o sorriso agora refletindo perfeitamente no rosto do outro. E como se lesse meus pensamentos, ela grudou nossos lábios e me fez mergulhar no tão conhecido sabor adocicado de seu beijo.
Era um daqueles momentos que, por mais simplórios que fossem, mereciam ser guardados na eternidade.

-

Não sabia dizer quantas taças havíamos virado ao longo do dia. Até Bex, que eu jurava querer permanecer intacta até o final da cerimônia, já estava enrolando um pouco as palavras.
A noite havia caído e os convidados já tinham ido embora; com exceção de eu, , Brandon, uma garota ruiva entrelaçada em seu pescoço que eu ainda não conhecia, e os noivos.
Tinha visto Matt algumas vezes - mas ele parecia sem graça demais para se aproximar. O que era uma merda.
Eu meio que o entendia; se fosse minha irmã, também a defenderia com garras e dentes. Não acharia que ninguém era capaz de estar à sua altura.
Mas meu orgulho falava mais alto e eu continuava aguardando que o primeiro passo viesse dele.
- Vocês vão ficar? – Bex chamou minha atenção, a voz ligeiramente mole – Tem quarto pra todo mundo.
Eu e nos entreolhamos, o sorriso de quem estava planejando algo brincando nos lábios dos dois.
- Vamos – declarei abraçando-a pela cintura e ela colou a boca na minha por alguns instantes.
- Você tem gosto de pôr do sol - ela sorriu abertamente, as bochechas avermelhadas e os cabelos longos levemente bagunçados. Algumas risadas ecoaram em nossa volta.
Céus, eu era louco por essa garota.
- E você já provou o pôr do sol? - passei o dedo levemente na ponta de seu nariz.
- Acabei de provar! - ela soltou um grunhido animado e apontou para os meus lábios, fazendo-me rir mais ainda.
- Você só está bêbada. E eu devo estar apenas com gosto de álcool.
- É… Gostoso - ela deu um suspiro, apoiando a cabeça em meu peito. Em alguns minutos todos já haviam entrado. Deviam passar das três da manhã; o que devia ser algum tipo de recorde para uma festa que havia começado às cinco da tarde. Algumas pessoas uniformizadas desmontavam a decoração e carregavam mesas e cadeiras para o lado de dentro da casa. Da caixa de um ainda escapava uma suave seleção romântica.
Nós dois estávamos um pouco mais à frente - sentados na grama e abraçados, apenas sentindo a presença um do outro. E era indescritivelmente bom.
- Ei! Eu amo essa música! - me despertou de meus devaneios quando uma melodia ainda mais suave do que as outras invadiu a noite - É sério, precisamos dançar!
Ela ficou de pé em um pulo e estendeu a mão para que eu fizesse o mesmo. Talvez eu me negasse a vivenciar aquela cena clichê com qualquer outra pessoa, mas se eu havia aprendido algo com era que, ao seu lado, até as piores coisas podiam se tornar afáveis.

Escute a música aqui.

Cinnamon in my teeth
Canela nos meus dentes
From your kiss, you're touching me
Do seu beijo, você está me tocando
All the pills that you did
Todas os comprimidos que você toma
Violet, blue, green, red
Violeta, azul, verde, vermelho
To keep me at arm's length don't work
Para me manter à distância não funcionam
You try to push me out, but I just find my way back in
Você tenta me afastar, mas eu encontro meu caminho de volta
Violet, blue, green, red to keep me out, I win
Violeta, azul, verde, vermelho para me manter longe, eu venço

Minhas mãos encontraram sua cintura e as dela envolveram meu pescoço. Por um instante, não havia mais nada - apenas seus olhos, fixos no meu, absorvendo cada instante daquele momento. E mirar aqueles olhos, que pareciam ter tanto a me dizer, fazia meu corpo inteiro vibrar em uma curiosidade sentimental que eu nunca havia provado antes.
A quem eu estava tentando enganar? Eu não havia provado nada como ela antes.

There's things I wanna say to you
Há coisas que quero dizer a você
But I'll just let you leave
Mas deixarei você partir
Like if you hold me without hurting me
Como que se você me abraçar sem me machucar
You'll be the first who ever did
Você será o primeiro a fazer isso

Eu nunca tinha ouvido a canção, mas era como se meu coração conhecesse a melodia de cor ao acompanhar a batida e traduzir em palavras o que eu sentia. O que nós sentíamos.
A letra não era apenas romântica, mas principalmente melancólica. E a mistura desses dois extremos traduziam perfeitamente o que havia entre a gente.

There's things I wanna talk about
Há coisas que quero dizer a você
But better not to keep
Mas é melhor não ceder
But if you hold me without hurting me
Mas se você me abraçar sem me machucar
You'll be the first who ever did
Você será o primeiro a fazer isso

Os olhos dela ficaram ainda mais brilhantes, mas meu coração se contorceu um pouco ao entender o motivo; eles estavam cheios d'água. Então eu apenas deslizei os dedos pela suas costas e empurrei sua cabeça em direção ao meu ombro, fazendo-a deitar ali. O cheiro refrescante de seus cabelos preencheram meus pulmões. O calor do seu corpo no meu era como uma manhã de sol após uma nevasca. Ali, com a menina mais incrível que eu já conheci em meus braços, eu me sentia simplesmente completo.
Completo e feliz. Como eu havia quase esquecido que eu podia ser.

Hold me, love me, touch me, honey
Me abrace, me ame, me toque, amor
Be the first who ever did
Seja o primeiro a fazer isso

-

O quarto que seria nosso por uma noite era imenso.
Imenso e antigo.
Antigo e colorido demais.
Exatamente como uma construção preservada de mil cento e dezesseis deveria ser.
Ainda assim, aquele quarto parecia o melhor lugar que já estive em toda minha vida. E o crédito disso era total e completamente de , que havia jogado seu vestido no chão e agora estava apenas de sutiã sentada em meu colo.
Sem calcinha.
Exatamente ela havia dito.
E, por mais que suas curvas fossem um caminho sem volta e seu perfume doce enchessem meus pulmões para me seduzir, estava tentando lembrar o quão bêbada ela estava.
- Você é tão lindo. Porquê não te conheci antes? – suas mãos alisaram meu peito por cima da camisa e depois procuraram uma abertura para entrar em contato com a minha pele. No instante que conseguiu, suas unhas me arranharam levemente até a barriga, fazendo com que todos os milímetros de minha pele se arrepiassem.
- Antes...? - murmurei, incapaz de formar qualquer frase inteligível.
- Antes. Inteira. Íntegra. Quando eu ainda era boa o suficiente para o amor. Ou algo parecido com isso.
Um suspiro pesaroso reverberou em meu peito. Gostaria de entender como ela conseguia discutir as profundidades da existência enquanto estava seminua em meu colo.
- Você é boa o suficiente por amor. O amor que não é bom o suficiente pra você.
Sua expressão foi suavizando lentamente. Um sorriso tomando conta de seus lábios gradualmente.
- Como você sempre sabe o que dizer?
- Só estou dizendo o que eu estou sentindo. Você podia tentar também.
inclinou a cabeça pra um lado. Depois pro outro. Apertou os lábios e encarou meus olhos por alguns longos instantes.
- There's things I wanna talk about, but better not to keep like if you hold me without hurting me you'll be the first who ever did – ela cantarolou baixinho e a melodia suave da música de mais cedo quase ecoou em meus ouvidos. As palavras, mais uma vez, se fundindo perfeitamente com a realidade.
- Pode dizer… - murmurei e deslizei meus dedos por suas costas, parando em sua nuca e emaranhando-os em seus cabelos. Com a tentativa de um carinho reconfortante, a trouxe para mais perto.
fechou os olhos e enterrou a cabeça na curva de meu pescoço antes de sussurrar:
- Como isso aconteceu? Acho que estou me apaixonando por você – as palavras saíram extremamente sutis e em meio a um suspiro. E então o corpo dela amoleceu sob o meu.
Meu coração estava em flamas.
E, em meio a minha busca por um ímpeto de coragem, ela havia adormecido.
Sem eu poder dizer que sentia o mesmo.


Capítulo 26

Acho que estou me apaixonando por você.
Acho que estou me apaixonando por você.
Acho que estou me apaixonando por você.

Que merda tinha acontecido?
Esse era exatamente o tipo de pensamento que eu havia passado a vida inteira ensaiando guardar apenas para mim.
Três dias se passaram desde o casamento. E eu não tive coragem de falar com sobre a infame declaração.
Declaração? Argh, desde quando palavras melosas tinham começado a fazer parte do meu vocabulário mesmo?
, por sua vez, também não tinha tocado no assunto. E eu não sabia se era porque ele pensava que eu não lembrava ou porque ele simplesmente não sentia o mesmo.
Ainda assim, aqui estava eu - fim de tarde de uma segunda feira, direto do meu escritório para o dele. Usando uma lingerie minúscula por baixo da roupa e com inúmeros pensamentos pervertidos bombardeando minha cabeça.
Pensamentos esses que apenas se intensificaram ao abrir a porta de vidro escuro de sua sala. Porque de roupa social atrás de uma mesa e com a mais linda cara de concentração era inesperadamente a cena mais erótica que eu já havia visto em minha vida.
Ou minhas incessantes fantasias criadas durante o dia me faziam pensar assim.
- Veio me buscar? - ele deu um sorrisinho maroto ao notar minha presença, suavizando o semblante e abaixando a pilha de papéis que antes observava com atenção.
Balancei a cabeça negativamente e o barulho da chave girando na fechadura ecoou na sala.
estreitou as sobrancelhas.
E então eu soltei a minha bolsa no chão e, sem dizer nada, apenas puxei meu vestido branco pra cima, tirando-o e revelando a lingerie vermelha e rendada que mal cobria os pontos estratégicos de meu corpo.
- Na verdade a ideia era te atrasar um pouco mais.
Pude ver sua íris cintilando apenas para escurecer um pouco. Quando achei que ele levantaria e me agarraria prontamente, apenas exibiu um sorriso safado de canto e relaxou as costas na cadeira, cruzando os braços em frente ao corpo.
- E como pretende fazer isso? - a voz carregada de sexo enviou um estímulo direto para o meu ventre, lembrando que, se eu gostava de provocar, gostava ainda mais.
Caminhei em sua direção com a certeza de que minha bunda rebolava mais que o normal, e seu olhar faminto pairando em meu corpo parecia aprovar o pequeno show. Parei bem em sua frente e apoiei o quadril na mesa, pegando impulso com mãos para sentar sob ela e, sem deixar de mirar os olhos pegando fogo de , cruzei as pernas da maneira mais sensual que eu conseguia.
- Ainda estou decidindo se quero sua boca ou esse volume maravilhoso em mim - mordi o lábio inferior ao encarar a ereção evidente apertando a calça social.
soltou uma risada rouca e levantou. Suas mãos apoiaram em meus joelhos e deslizaram por minhas coxas, abrindo minhas pernas para que ele se encaixasse ali. Então ele dedilhou o caminho até minha nuca, segurando meu cabelo e puxando-o para baixo. Encostou a boca em meu pescoço e escorregou os dentes levemente em minha pele, arrepiando-me antes de sussurrar:
- Porque não me deixa tomar as decisões?
Mal absorvi suas palavras e sua mão livre correu pela minha barriga, seguindo o caminho até dentro da minha calcinha. Um frio estremeceu minha espinha quando ele roçou a ponta dos dedos na minha abertura.
- … - seu nome saiu como um gemido, implorando por mais contato.
- Você está molhada? - sua voz rouca era provocante, e meu corpo estava tão absorto em prazer que consegui emitir apenas um murmúrio ininteligível, arrancando um riso baixo dele - Acho que vou ter que descobrir sozinho.
Então ele enfiou um dedo em mim e um grunhindo exasperado arranhou minha garganta. O deleite invadiu meu corpo e eu apertei seus ombros, desesperada por mais contato ao sentir o prazer inflamar dentro de mim. E ele pareceu entender o recado ao pressionar meu clitóris com delicados movimentos circulares que me faziam revirar os olhos e fincar as unhas em seus ombros.
- Você está pingando, linda - ele grunhiu, os dedos mostrando conhecer exatamente cada pedacinho estimulante de meu corpo. O prazer fazia uma pressão quase insuportável em minha intimidade, e meus quadris ondulavam para tentar aumentar ainda mais a fricção contra sua mão.
Precisei reunir toda força de vontade existente em meu corpo para espalmar minhas mãos em seu peitoral e afastá-lo um pouco. Seus olhos me encararam, confusos. Se aquilo era um jogo de provocação, eu não estava disposta a perder tão cedo. Desci da mesa em um pulo e o encarei com a expressão mais suja que eu era capaz de exibir, abrindo os botões de sua camisa e deslizando as mãos em seus braços para jogá-la no chão. Dei um sorriso antes de ajoelhar e passar a mão sob o tecido apertado. emitiu um som gutural ao soltar todo o ar dos pulmões, ansiando pelo meu toque.
Abri a calça e envolvi seu pau com meus dedos, masturbando-o lentamente antes de envolvê-lo com a boca. Um rosnado sensual escapou de sua boca e seus olhos, fixos nos meus, estavam cintilantes, quase selvagens. Eu aproveitava para encenar a expressão mais devassa que podia ao colocá-lo por inteiro na boca e deslizar de volta.
Quando meus movimentos aceleraram, soltou um gemido estremecido e puxou-me para cima com certa urgência.
- Não estrague a brincadeira tão cedo - ele sorriu e aproximou o rosto do meu apenas para dar uma mordida de leve em meu queixo - Adoro foder sua boca, mas quero gozar na sua boceta.
Suas palavras pareceram fazer ondas insanas de luxúria eletrizarem meu corpo.
- Está esperando o que pra meter em mim?
Minhas palavras pareceram ser a carta branca para ele deixar de lado toda e qualquer sanidade ainda existente. Ele apertou minha cintura com força, me posicionando em frente a mesa e fazendo-me debruçar sob a bagunça de papéis e pastas. desabotoou meu sutiã em um movimento veloz, envolvendo meus seios com as mãos e apertando o mamilo sem delicadeza alguma; exatamente do jeito que eu gostava e fazia eles endurecerem de uma forma deliciosa. Ele se posicionou atrás de mim e minha respiração tornou-se descontrolada ao senti-lo roçar provocante o pênis em minha entrada.
Eu não só queria ele dentro de mim - meu corpo praticamente gritava que precisava senti-lo.
E, como se estivesse ciente disso, ele me invadiu do jeito que sabia que eu adorava - inteiro e de uma só vez. O grito preso em minha garganta ecoou no vazio da sala e eu me esqueci por um momento onde estávamos.
Mas, a esse ponto, nada além de nossos corpos se movendo juntos em busca do prazer me importava. Cada estocada forte, rápida e precisa envolvia meu corpo em quantidades ideais de dor e prazer. E, céus, como eu gostava daquilo. Suas mãos apertaram minha bunda, me puxando para trás apenas para que ele conseguisse entrar mais fundo. deslizou a mão para meu ponto de prazer, inchado com tamanho estímulo, e foi preciso apenas um toque para que ele levasse meu corpo a algo maravilhoso.
Os jatos de prazer pareceram ser bombardeados direto para meu âmago. O orgasmo varou meu corpo, deixando-me sem fôlego. Minha visão ficou turva. O corpo mole. O barulho sensual da respiração de ficou distante - assim como seu gemido rouco e contínuo que reverberou em meu corpo.
Ele me abraçou pela cintura e me puxou para trás, fazendo-me cair sentada em seu colo na cadeira. Me aninhei em seu peito, deitando a cabeça em seu ombro e observando a expressão relaxada em seu rosto enquanto tentávamos fazer as respirações normalizarem. Sorri com os olhos fechados ao sentir um beijo carinhoso em minha testa e tudo o que eu conseguia pensar era… Merda.

-

Ainda era uma sensação estranha andar por aí de mãos dadas com .
Saindo do prédio de seu trabalho, eu podia jurar que havíamos atraído alguns olhares curiosos. E eu apostava que nada tinha a ver com nossos rostos corados e os cabelos levemente mais bagunçados que o habitual, denunciando que havíamos nos divertido em sua sala.
Se eu fosse adivinhar, diria que eles estavam se perguntando quem era a garota que tinha conquistado .
E como.
Nada além do mesmo que eu me perguntava todos os dias.
O Lamborghini preto estava estacionado do outro lado da rua e, enquanto atravessamos, uma memória nublada se formou em meus pensamentos.
- O que aconteceu com a moto?
soltou uma risada enquanto pegava a chave no bolso.
- Está na garagem. Sabe como é, só a uso em ocasiões especiais.
- Está dizendo que eu não sou uma ocasião especial?
Ele estava prestes a retrucar com uma resposta engraçadinha quando pisamos na calçada e uma mulher baixinha de cabelos negros e compridos se aproximou. Devia ter uns trinta anos e usava um vestido laranja fosforescente.
- ?
Um segundo de silêncio pairou no ar enquanto meu olhar corria os olhos entre ele e ela, aguardando algum tipo de reação. Se eu não conhecesse os olhos de tão bem a pequena fagulha enfadonha no fundo de sua íris teria passado despercebida.
E então eu sabia que havia algo de errado ali.
- Uh, Ava… - ele murmurou, hesitante - Quanto tempo.
- Três anos - ela respondeu de prontidão, os olhos amendoados fixos em - E você é…?
Ela se virou pra mim, o olhar beirando o desprezo. se remexeu nervoso ao meu lado.
- . Sou… Uma amiga - tentei sorrir, mas tinha certeza que havia parecido completamente desconfortável.
Bom, aquela situação toda parecia completamente desconfortável.
- Precisamos ir - apertou minha mão, praticamente me empurrado pra dentro do carro - Ava, foi… Foi um prazer vê-la.
A mulher apenas sorriu, parecendo ainda mais apática que antes. abriu a porta pra mim e, pelo retrovisor, pude vê-la nos olhar mais uma vez por cima dos ombros enquanto se afastava.
- Isso foi estranho - comentei quando tomou o lugar ao meu lado. Ele, sem silêncio, apenas ligou o carro e virou o volante para sair da vaga - Porque isso foi estranho? - insisti e mais uma vez o silêncio perfurou meus ouvidos - … Pretende me responder?
- Não foi nada.
Sua voz soou afiada, aborrecida e fria como eu estava quase desacostumada a ouvir.
- Quem é ela?
- Ninguém.
Suspirei, fixando os olhos na rua através do vidro frontal. Era um tanto cansativo nunca ter as respostas.
- Você sabe que…
- Não era ninguém importante - seu tom aumentou - Podemos não falar sobre isso?
Apertei os lábios, me controlando para não insistir mais um pouco enquanto meu cérebro trabalhava nas teorias. Eu podia ser teimosa, mas invasiva não era uma das minhas características mais fortes. Simplesmente porque eu sabia o quanto era difícil trazer alguns assuntos à tona.

-

Quando entrei na casa de meu olhar fora prontamente atraído para um ponto azul na cômoda ao lado da porta.
Azul.
E não branco.
Apertei os olhos para ter a certeza de que estava enxergando direito. Era um lindo porta retrato e, dentro dele, estava uma das fotos que tiramos na cabine do casamento. A imagem mostrava nós dois nos encarando com sorrisos únicos no rosto. Dois sorrisos sinceros e com muita história pra contar. Era impossível não se contagiar com a alegria que a cena transmitia.
- Isso é… Você colocou a nossa foto aqui - constatei o óbvio tentando não soar boba, mas meu sorriso provavelmente entregava que havia achado aquilo... Fofo.
Ele trancou a porta e parou ao meu lado sorrindo.
- Sim.
- Você colocou nossa foto em um porta retrato… Azul - dei ênfase na última palavra e ele quase riu.
- Sim…
Ri, nervosa. Ele sabia onde eu queria chegar e estava me torturando. Me torturando e se divertindo com isso.
Por mais que fosse evidente eu nunca havia falado em alto e bom som sobre a… palidez de sua casa. Me parecia algo pessoal demais para ser debatido.
- É que é tudo tão branco e…
- Tudo bem, pode parar - ele riu, provavelmente se solidarizando com meu tom atrapalhado - É uma metáfora. Era pra ser engraçado, mas acho que acabou ficando sentimental demais.
Encarando os pés, ele coçou a nuca, agora parecendo mais desajeitado que eu.
- Metáfora…?
- É um ponto de cor em meio a essa imensidão branca. Meio que condiz com... Bom, com você. Minha vida era completamente cinzenta e você meio que se tornou um ponto de cor nela.
Aquela era a coisa mais cafona que eu já tinha ouvido.
Brega.
Clichê.
E um pouco adorável.
Mas não era assim que a gente agia quando estava… Apaixonado?
Meu coração bateu lento, por mais que meu corpo parecesse quente e agitado. Eu estava sem reação e encantada. Confusa e feliz. Surpresa e assustada.
E, nesse misto incontrolável de sentimentos, uma peça antes inexistente pareceu se encaixar dentro de mim. Se antes tudo em meu peito era uma bagunça, agora havia inesperadamente acabado de instalar a calmaria. Logo ele, que sempre me prometera ser apenas confusão.
Sorri abertamente pra ele e me aproximei, selando nossos lábios em um beijo extremamente carinhoso. Quase um agradecimento. De olhos fechados, com nossos corpos unidos, percebi que aquele beijo era completamente diferente do que qualquer um que tínhamos compartilhado antes.
Porque agora nós éramos diferentes. Nosso relacionamento tinha mudado. Havíamos nos tornado íntimos. Não no sentido sujo da palavra - mas sim significado mais puro que ela poderia ter.
Um lampejo de felicidade percorreu meu corpo quando me afastei e encarei o sorriso que transbordava nos olhos dele.
Talvez eu devesse estar apavorada com o tanto que eu era louca por .
Mais que isso. Apaixonada.
Mas, de repente, tudo estava bem.
Pela primeira vez a possibilidade de me apaixonar por alguém não me assustou. Porque seus olhos me davam a certeza reconfortante que ele estava igualmente apaixonado por mim.


Capítulo 27

Havia algo tão belo e singular na forma que a neve caía através da janela naquele sábado de manhã.
Não era nada extraordinariamente incomum. Ano após ano, na verdade, o mês de janeiro trazia a certeza de dias congelantes e esbranquiçados. E meus olhos sempre foram atraídos pela camada fofa que se formava no chão e pelos flocos que insistiram em acumular no vidro.
Hoje, sentada na poltrona de madeira branca do quarto de , meu olhar não conseguia se decidir entre o clima lá fora e o homem, de peito nu e rosto sereno, deitado no emaranhado de lençóis e travesseiros atrás de mim.
A parte de mim viciada em filmes com uma fotografia deslumbrante e narrações profundas insistia em compará-los. Lindos, de tirar o fôlego, gentis e impetuosos.
Eu já tinha perdido a conta de quantas noites havia dormido na casa de nos últimos dias. A convivência com Matt não estava exatamente fácil e, se eu quisesse ser sincera, era extremamente difícil me manter longe dos braços tão aconchegantes e dos olhos profundamente e magnéticos de .
- Porque não está do meu lado? – a voz sonolenta do garoto em questão fez um sorriso irradiar em meus lábios.
- Tá nevando – apontei pra janela ao sair da cadeira e caminhar em sua direção – Não apenas uma geada, nevando de verdade. Eu não conheço nada mais bonito do que Londres na neve.
- Enfim concordamos em algo – ele deu um meio sorriso com a expressão ainda letárgica; e por algum motivo aquilo pareceu imensamente atrativo pra mim – Acha que sonhos podem também podem ser lembranças?
Estreitei as sobrancelhas ao tomar o lugar confortável ao seu lado, aninhando nossos corpos em instantes.
- Acho que os sonhos são muito mais complicados do que a gente pode tentar entender. Então, sim – sorri e ergui meu olhar até seu rosto – Porquê? O que você sonhou?
- Lembra daquela noite na piscina? Em que você entrou por livre e espontânea vontade? – ele riu e eu dei um leve beliscão em seu braço. Eu me lembrava perfeitamente - Talvez tenha sido apenas um desejo inconsciente de estar lá com você novamente. Já pensou quantas vezes mais aproveitaríamos a situação hoje?
O sorriso transbordando volúpia de despertou, mais uma vez, a minha antes desconhecida impulsividade.
Ou ao menos o desejo de ser impulsiva.
- E porque não vamos agora?
Ele riu, os braços me trazendo para um pouco mais perto.
- Está nevando, lembra?
Mordi o lábio inferior, me negando a desapegar da ideia.
Bom, não era exatamente a mesma coisa, mas...
- Você não tem uma banheira?

-

No banheiro social que quase nunca usávamos pela facilidade da suíte, havia mesmo uma banheira. Talvez ela fosse pequena demais para nós dois – mas a verdade é que eu me sentia completamente confortável ao dividir o espaço apertado com o corpo de embaixo da água quente e das bolhas com cheiro de lavanda.
Sentada em sua frente, podia sentir seu tronco roçando deliciosamente em minhas costas, assim como a ponta dos dedos dele que traçavam despreocupados a pele dos meus ombros.
- Ficamos bem juntos, não acha? – o olhei de relance por cima dos ombros apenas para, instantes depois, seguir seu olhar até o espelho em cima da pia que refletia metade do meu rosto e todo encanto de .
Era, de fato, amedrontador como seus olhos pareciam brilhar mais ao lado dos meus, mais escuros.
Era pavoroso como nossos lábios, brevemente curvados em um sorriso, pareciam querer gritar o que se passava em nossos corações.
Era horripilante que nossos corpos pareciam se moldar um ao outro a ponto de parecerem um só.
Era espantoso o quanto seus traços fortes pareciam combinar com os meus, extremamente delicados.
E mais assustador ainda era que eu sabia que só estava encarando as coisas daquela forma porque era capaz de me elevar para uma realidade utópica e fazer-me sentir vivendo uma eterna poesia.
Porque eu sabia, também, que quem olhasse de fora veria no reflexo apenas uma garota e um rapaz.
Não um encaixe perfeito.
Não um encontro de almas.
E o fato de enxergarmos isso singularmente era um tanto revelador.
E então eu estava ali, sentada, apenas esperando que um de nós fodesse com tudo. Porque eu sabia que ia acontecer.
E talvez tenha sentido a onda trêmula de insegurança que percorreu meu corpo, pois seus braços deslizaram por minha cintura e me apertaram com força.
Fechei meus olhos, só então percebendo que estavam marejados, e desejei que aquele sentimento de estar sempre à mercê de um desfecho desastroso fosse embora.
- Quando eu era criança, eu só queria que o tempo passasse mais rápido. Eu queria morar sozinha, tomar minhas próprias decisões, ficar acordada de madrugada e não dar satisfações pra ninguém – apoiei o queixo no meu ombro pra poder olhar pra – Agora eu tenho medo do futuro e do que ele pode trazer. Quero que tudo aconteça mais devagar. Às vezes desejo até que o tempo pare – apertei os lábios – Especialmente quando estou com você.
- Eu já me senti assim... – os lábios dele depositaram um beijo delicado em meu rosto – Com medo do que pode acontecer amanhã. Mas quando você percebe que isso tá fora do seu controle, fica mais fácil respirar – e mais um beijo, dessa vez em minhas têmporas – E o tempo às vezes para quando estou com você.
Soltei um suspiro, absorvendo suas palavras. Pra mim, sempre fora completamente inimaginável pensar que algo estava fora de meu controle.
- Desculpe. Eu queria ser menos complicada. Normal. Queria...
- Ser diferente do resto é exatamente uma das coisas que eu mais gosto sobre você.
Um sorriso espontâneo preencheu meus lábios; não sabia se pela doçura de suas palavras ou por ele saber sempre o que dizer. Se existia algo verdadeiramente mágico no mundo, eu diria que é a tentativa de entender alguém. E fazia isso desde o momento que nos conhecemos.
- , qual foi a coisa mais horrível que você já fez?
- Você muda de assunto impressionantemente rápido – ele riu, afastando-se um pouco para me olhar melhor – Da onde isso surgiu?
- Vi em um filme – sorri, brincando com a espuma que se formava nos braços dele.
- É claro que viu – rolou os olhos quase dramaticamente.
- Não fuja da minha pergunta...
Ele pareceu pensar por alguns instantes.
Seus lábios se moveram e se fecharam novamente.
E então ele hesitou mais uma vez até, finalmente, murmurar:
- Eu roubei um carro.
Franzi o cenho, tentando me virar de frente pra ele para checar se não estava brincando comigo.
- Realmente não consigo ver você como um ladrão de carros.
- Bom, era o carro do meu tio – ele riu e minha expressão provavelmente suavizou um pouco - E eu devia ter uns quinze anos. E talvez eu tenha batido no carro do vizinho assim que sai da garagem. Mas, no momento, me pareceu a coisa mais radical do mundo.
Dei um sorriso fraco, voltando o olhar para a espuma em minhas mãos. O conhecido sentimento de que ele não estava sendo completamente sincero me fez vacilar um pouco.
Se ele sabia que eu piscava demais quando mentia, eu tinha certeza que ele evitava meus olhos quando fazia o mesmo.
- Eu devia ter estipulado uma idade. O que a gente faz na adolescência, fica na adolescência.
- Não sabia que isso era uma regra – ele riu fraco, as mãos escorregando pelo meu corpo debaixo da água cálida – Sua vez.
Ele sabia qual a minha resposta. .
Por mais que eu tentasse fugir e não pensar, partir o coração do meu melhor amigo apertava meu peito cada dia mais.
- Quebrei alguns corações – minha voz saiu em um fio e meu corpo se contraiu levemente contra o seu por instinto.
- Alguns?
- Não me peça pra contar... – o apertei um pouco mais, dessa vez deitando a cabeça no peito dele. Ironia do destino ou não, ali eu conseguia sentir perfeitamente as batidas do seu coração, e me vi pedindo intrinsecamente para nunca fazer nada para magoá-lo.
- Pode não parecer, mas amar e ser amado significa muito pra mim. A gente pode até fingir que não se importa, talvez até rir de quem se diz apaixonado. Mas se formos sinceros, tudo que a gente faz na vida acaba sendo em busca de sermos amados um pouco mais.
Diante da sua voz suave e do beijo carinhoso que ele dera em minha testa, tudo o que consegui fazer foi sorrir. E concordar, em silêncio, com o que ele havia dito.
Ainda descansando em seu peito, pensei em tudo que me fizera descobrir. Sobre mim, sobre ele e sobre tudo o que eu achava que sabia sobre relacionamentos e sentimentos.
Eu nunca achei que a felicidade realmente morasse em momentos simples divididos com alguém.
Como um banho quente na banheira em um dia nevado.
Ainda assim, aqui eu estava. Sorrindo ao deitar no peito de e vivenciando nada além de paz ao sentir nossos corpos em harmonia.
A vida que antes me sufocava, hoje parecia o encaixe perfeito pra mim. E por mais que eu quisesse me convencer que hoje eu era uma pessoa diferente, a mudança de percepção tinha muito mais a ver com o efeito dele sob mim.
Não que hoje eu não mais gostasse de aventuras e poder experimentar o novo. Eu gostava.
Mas, em meio ao conforto do dia a dia, ainda me proporcionava o caos. Fosse com suas palavras inesperadas, com uma maneira diferente de me beijar, ou com alguma ideia surpreende.
Como sair correndo de casa apenas para me beijar na chuva.
Ou colocar infinitas camadas de roupa para assistir a neve cair no telhado. Abraçados. E tomando chocolate quente com uma generosa dose de whisky, é claro. disse ser delicioso - e eu não podia discordar.
- Eu juro que minha bunda está congelando – dei um gole na bebida na tentativa de parar de ranger os dentes.
- Posso dar um jeito nisso, se quiser – um sorriso de canto emoldurou o rosto de .
- Seus lábios arroxeados não me dão tanta certeza disso – ri ao passar levemente os dedos enluvados pelo seu rosto.
Alguns segundos passaram em silêncio. Apenas nós dois, mirando o horizonte e sentindo a presença um do outro.
Era bom. Quase etéreo.
E assim continuaria, se minha mente não insistisse me pregar peças. Em meio a quietude, meu subconsciente resolveu trazer para a superfície algo que eu havia decidido enterrar.
Apertei meu lábios para me manter quieta. Contei mentalmente até dez. Mas, quando os nossos olhares se encontraram de relance, tive a certeza que eu precisava de nada além da sinceridade do homem em minha frente.
- ... – chamei baixinho, ainda na incerteza de continuar.
- Linda?
Sorri em meio a um suspiro, lembrando da primeira vez que ele me chamara assim.
- Eu sei que tem coisas que você não quer me contar. Talvez coisas que você até não possa. Mas às vezes é difícil lutar contra a minha batalha interna para saber um pouco mais sobre você – parei por um segundo, escolhendo as palavras certas para continuar e me perguntando se eu ainda estava fazendo sentido – E eu posso fingir que não percebo algumas coisas, e deixar outras passarem, mas...
se mexeu atrás de mim, me segurando pelos ombros ao nos colocar de frente um para o outro.
Ótimo. Seria ainda mais difícil fazer isso olhando em seus olhos. Conversas sérias de relacionamento certamente não eram pra mim.
- Aonde você quer chegar?
Respirei fundo mais uma vez e, sem pensar novamente, me vi perguntando:
- Quem é Ava?
Pela maneira atenta que eu encarava o rosto de , fora impossível não perceber que ele havia empalidecido um pouco. Suas íris tornaram-se mais escuras e, em instantes, ele havia adotado a postura dura e misteriosa do garoto que uma vez fora apenas meu vizinho.
- Eu já te disse. Ninguém importante – as palavras que arranharam sua garganta eram robóticas, quase ensaiadas.
- – suspirei, aproximando brevemente nossos rostos – Você pode tentar não me deixar te conhecer, mas a esse ponto era impossível eu não saber algumas coisas sobre você. E eu sei quando algo está errado porque você simplesmente vira outra pessoa. Como agora.
- , eu não...
- Por favor – se sua voz acabara de soar triste, a minha era uma suplica – Não tente negar. Não estaríamos tendo essa conversa se não houvesse algo de errado.
me encarou por alguns segundos e a expressão em seu rosto era apenas... Vazia. E era inegável que seus olhos carregavam algum misto de dor e incerteza.
Quando pensei em me arrepender por trazer o assunto à tona, ele fixou o olhar em um ponto qualquer no chão. Tencionando o maxilar, ele fechou os olhos com força e massageou as têmporas. Quando os abriu de novo, a dor não estava mais lá. Eu podia sentir claramente o que suas feições carregavam.
Era pura raiva. Não sabia se de mim, de Ava, da situação, ou de algo que ainda fugia do meu conhecimento.
E nada, nada mesmo, havia me preparado para as palavras duras e frias que ele cuspiu no instante seguinte.
- Acho melhor você ir embora.
Me afastei dele instintivamente e procurei em seu rosto algum vestígio que me indicasse que ele estava vacilando. Ao invés disso, percebi que seus olhos fugiam dos meus. E então, finalmente, percebi o que estava acontecendo.
- É algo tão horrível que prefere me ver indo embora do que me contar?
esvaziou todo o ar de seus pulmões e cerrou as mãos em um punho.
- Por favor, não faça isso.
- E porque não deveria? – minha voz saiu um pouco mais alta – Estou apenas colocando a verdade em palavras claras.
- Eu não posso... – ele começou e então engoliu em seco antes de continuar – Eu não consigo lidar com isso agora.
- Quem é Ava, ? – ignorando suas palavras, insisti mais uma vez ao sentir algo parecido com fúria subir por minha garganta. A esse ponto eu já não sentia o frio que antes parecia cortar minha pele.
- Porque estamos fazendo isso? Foi só sexo. As pessoas transam o tempo todo. Já era mesmo a hora de acabar.
Idiota.
Filho. Da. Puta.

Por mais que eu soubesse que aquelas palavras não carregavam um pingo de verdade, elas se juntaram dentro de mim e atingiram meu coração em um martelar agonizante. Era como se incontáveis navalhas estivessem me mutilando por dentro ao mesmo tempo. estava me mostrando a sua face que eu não conhecia, apenas imaginava.
Ele não confiava em mim ao ponto de preferir me machucar com palavras terríveis e irreais?
Céus, era algo muito maior que isso. Desde quando alguém conseguia me machucar em um relacionamento?
- Por um momento eu esqueci porque eu evitava pessoas como você e sentimentos como esse. Mas não se preocupe, não vai acontecer de novo.
Não esperei sua resposta para me levantar e correr até a porta. E não fez menção de vir atrás de mim ou chamar meu nome uma só vez.
Enquanto eu descia as escadas e minha mente trabalhava em mil e uma possibilidades sobre o que ele não queria me contar, senti meus olhos arderem com as lágrimas. Eu não me sentia apenas triste; acima de tudo, assim como ele, eu sentia raiva.
Raiva de .
E, principalmente, raiva de mim. Por tê-lo deixado entrar a ponto de fazer eu me sentir assim. Por, pela primeira vez, me permitir perder o controle.
Dizem que as borboletas no estômago dizem quando você gosta de alguém. Mas, na verdade, é a dor. Quando alguém tem a capacidade de te magoar, é certo que aquela pessoa ocupa um espaço em seu coração.
E no final das contas, eu tinha razão. Toda aquela conversa de pessoa certa não existia. Todas são apenas uma desastrosa variação de coisas erradas.
Quando pisei na calçada esbranquiçada, me encontrei sem saber para onde ir.
A dolorosa verdade é que eu queria correr para . Ele sempre fora meu amparo nas piores situações imagináveis. Mas apenas pensar nessa possibilidade fazia eu me sentir a pior pessoa do mundo. Na primeira vez que as coisas com ficavam difíceis eu simplesmente corria para os braços dele?
Bex estava em algum lugar ao sul da Ásia aproveitando sua lua de mel.
O que me deixava com uma única opção.
Ir pra casa.

-

Quando entrei na sala de casa a imagem que preencheu meu campo de visão quase me fez cambalear para trás.
Matt, naturalmente, estava lá.
Com sentado ao seu lado.
Quando encostei a porta, o ruído fez os olhares dos dois se voltaram para mim. Cheguei a segurar a maçaneta novamente, pensando em sair correndo dali. Mas o quão patética seria essa cena?
Com a cabeça abaixada para esconder o rastro de lágrimas e sem dizer uma palavra, passei pela frente da televisão aonde um barulhento jogo de Críquete era transmitido, pronta para disparar em direção ao meu quarto.
- Você está bem?
Aquela não era a voz de Matt.
Inspirei uma, duas, três vezes antes de me virar para os dois.
- O que ele fez com você? – Matt se precipitou, apoiando a garrafa de cerveja que segurava na mesa de centro e escorregando pra ponta do sofá.
- não fez nada – respondi prontamente ao olhar para meu irmão – Estou bem – virei para , minha voz suavizando automaticamente.
Tinha me esquecido, por um momento, o quão bem aqueles dois garotos me conheciam.
- Vou falar com ele.
- Por favor, não - me coloquei na frente de Matt, que havia levantado do sofá em um pulo – Não agora.
Meu irmão respirou fundo ao passar a mão pelos cabelos, como sempre fazia ao ficar estressado.
- Aonde está indo? – a pergunta de Matt fez minha atenção voltar para , que começava a subir as escadas.
- Ela está precisando de um amigo – a rouquidão suave da voz de aliviou meu peito instantaneamente – Te espero lá em cima.
Torci para que ele não percebesse o sorriso terno que se formou em meu rosto. Principalmente pelo uso da palavra amigo.
- Eu sei que você vai acabar atrás de – virei-me para Matt mais uma vez – Mas, por favor, espere um pouco. Se você for agora, tudo o que vai conseguir é uma briga.
Ele suspirou ao dar um passo em minha direção e apoiar as mãos carinhosamente em meus ombros.
- Você sabe que não aguento ver ninguém te machucar, não sabe?
- Claro que sim – dei um pequeno sorriso – Mas, mesmo não querendo, eu me importo com vocês dois. Então não faça nada sem pensar.
A resposta de Matt veio em um abraço apertado. Um abraço apertado que eu estava desesperadamente precisando.
O que me levou a outra coisa que eu estava desesperadamente precisando.
.
Quando entrei em meu quarto, ele me esperava sentado na cama. Na TV, a introdução de um filme que eu conhecia de cor.
The Seven Year Itch.
Exatamente o mesmo filme que assistimos na nossa primeira noite juntos.
Mas assim como ele me conhecia, eu o conhecia perfeitamente também. E sabia que aquela era apenas uma tentativa de me distrair, e não uma forma aproveitar a situação para tentar algo a mais.
Porque não era assim. sempre fora e sempre seria a melhor pessoa que já conheci.
- Achei que ia fazer você se sentir melhor – ele apontou para a tela e escorregou para o lado na cama.
- Você estar aqui por mim faz eu me senti melhor – sorri ao tomar o lugar ao seu lado.
- Quer conversar sobre o que aconteceu? – ele indagou e eu apenas balancei a cabeça negativamente – Tudo bem.
apontou o ombro e se ajeitou na minha cama, encostando as costas na parede. Meu coração deve ter dado um salto de felicidade ao entender o que ele estava dizendo.
Deslizei pra perto dele e encostei a cabeça em seu ombro. Seus braços envolveram meus ombros e eu me senti perfeitamente confortável no abraço que parecia mais um lar do que minha própria casa.
- Você se lembra de quando assistiu A Summer’s Tale comigo?
- Você já me fez assistir tantos filmes com você... – ele respondeu em um sussurro, arrancando uma breve risada de mim.
- Aquele filme francês em que o cara fica apaixonado por três garotas e não sabe qual escolher. Lembro perfeitamente que você achou as três estonteantes na época e disse que também não saberia.
Foi a vez dele rir.
- Lembro que dormi em metade do filme.
Rolei os olhos ao dar um tapinha fraco em sua perna.
- Eu havia me esquecido, mas guardei uma frase dele há muito tempo e só lembrei agora, quando você disse que eu estava precisando de um amigo – levantei o rosto para conseguir olhar em seus olhos – A amizade é algo sério. Até mais sério que o amor.
me respondeu com um suspiro ao apertar os braços um pouco mais envolta do meu corpo. E eu fechei os olhos, para apenas sentir a presença que eu tanto sentia falta.
Eu não sabia se aquele momento significava que ele me perdoara. Não sabia se queria dizer que éramos, enfim, amigos de novo.
Mas havia um centelha de esperança em saber que ele ainda estava aqui por mim quando eu precisava.
Peguei-me pensando que, talvez, eu nunca fosse conseguir conciliar amor e amizade; pois sempre parecia que, cada vez que eu me aproximava de um, me afastava do outro.
Talvez eu não tivesse emoções o suficiente em meu corpo para lidar com os dois. Ou talvez eu devesse aceitar que a vida decidira tornar impossível ter sem perder .
Eu não podia negar que havia, de fato, mudado algo dentro de mim. Se há um tempo eu me sentiria inteiramente feliz ao estar envolta por um abraço do meu melhor amigo, hoje eu sentia que algo estava faltando. E cabia a mim, agora, aprender a seguir sem uma parte que eu errônea e antecipadamente havia considerado minha.


Capítulo 28

-

Eu sentia que podia observar eternamente a forma que os cabelos longos de bagunçavam com o vento e chicoteavam seu rosto. Suas bochechas estavam rosadas e os olhos quase fechados por conta do sol.
O vestido branco tornava-se gradualmente transparente com cada onda que beijava suavemente suas pernas. Ah, como ela ficava linda de branco.
Eu queria alcançá-la. Queria tocar seus lábios e provar o gosto adocicado de sua boca. E depois beijá-la novamente - dessa vez embaixo d’água, pois imaginava que nem o sal do mar era capaz de tirar a doçura da garota em minha frente.
Quando tentei dar um passo em sua direção, a areia cedeu levemente embaixo dos meus pés e, de repente, andar se tornara uma tarefa difícil. As ondas, que nela quebravam com delicadeza, em mim explodiam com força, impedindo meu corpo de se mover com agilidade.
Quanto mais eu tentava me aproximar, mais distante ela aparecia.
- Você não devia entregar seu coração para alguém que nasceu pra ser livre - a voz de soou calma enquanto seu olhar resplandecia em minha direção sob seus ombros - Quanto mais você se entrega, mais forte eu fico. Até que eu seja forte o suficiente para correr pela floresta ou voar para as árvores. E então para uma árvore mais alta. E depois para o céu.
Meu corpo, inconscientemente, parou de tentar se mover; deixando, dessa vez, o esforço apenas para minha mente ao tentar decifrar as palavras da menina.
Era uma bela forma de dizer que era impossível ficarmos juntos. Mais uma vez, era ela contestando que não foi feita para ficar com ninguém.
- Eu não vou deixar você me prender - sibilou mais uma vez, agora de frente pra mim - Sabe disso, não sabe?
- Eu não quero te prender - com as ondas mais fracas, consegui dar alguns passos em sua direção - Quero... Amar você.
Os olhos da menina tremeram, repentinamente assustados. Podia jurar que ela havia feito uma careta diante da minha escolha de palavras.
- É a mesma coisa.
As quatro palavras mal haviam cortado meu peito quando uma onda mais forte cobriu e, de repente, tudo o que eu via era branco.


Com a respiração acelerada, apertei os olhos com força ao perceber que eu estava no sofá de casa. E que aquele era apenas mais um dos sonhos caóticos com um pequeno toque de realidade que havia me proporcionado inconscientemente nos últimos dias.
Ótimo.
Quando pensei em me entregar ao atual estado de letargia e me arrastar para a cama, o som estridente e inesperado da campainha quase me causou um sobressalto ao invadir a sala.
No primeiro toque, apenas suspirei. E então dei um longo gole na quase intragável cerveja quente que descansava na mesa de centro.
Eu não fazia ideia de quantas garrafas estavam acumuladas na bancada da cozinha, provenientes dos meus cinco angustiantes dias de auto-piedade e crítica interna.
O irônico era que eu havia começado a beber para esquecer . E cada garrafa só me fazia pensar mais e mais nela.
Na primeira, lembrei de quando a vi na varanda pela primeira vez. Sua aura quase angelical estava fresca em minha memória.
Na segunda, a anamnese do dia em que a beijei pela primeira vez, na casa dos seus pais, quase cinco anos atrás.
Durante o saboreio do gosto amargo do gole ainda reminiscente em meus lábios, lembrei-me de uma das noites no telhado, quando o céu estava graciosamente estrelado e, ainda assim, eu só queria olhar para ela.
O ruído irritante irrompeu no silêncio do meu apartamento mais uma vez; agora um pouco mais duradouro.
- Merda - xinguei, fazendo questão de me levantar o mais lentamente o possível.
Eu sabia que não era . Seus dedos delicados não afundariam o botão com mais força apenas por desespero em falar comigo.
Se quisesse realmente me ver, ela nem tocaria a campainha.
Se. Um enorme e doloroso se.
Quando finalmente girei a maçaneta, dei de cara com a visita que eu estava esperando desde o dia em que ela saiu aborrecida daqui.
Eu não me surpreenderia se Matt me desse outro soco na cara. Dessa vez, eu realmente o mereceria. Mas tudo o que recebi fora um olhar visivelmente perplexo e pesaroso, oscilando entre as profundas olheiras arroxeadas sob meus olhos e a barba por fazer em meu rosto.
Está vendo o quanto gosto da sua irmã e toda a merda do efeito que ela tem sobre mim? Era o que eu queria gritar.
Em vez disso, apenas dei um passo para o lado e o deixei entrar.
Assim que passou pela porta, Matthew observou em silêncio as garrafadas jogadas pela ilha. Depois analisou a pilha de cigarros esmagados no cinzeiro na mesa de centro. Por último, suspirou ao perceber o porta retrato azul ao lado da porta.
- Brandon disse que eu devia vir ver você - o timbre calmo anunciou enquanto ele ocupava um dos lugares no sofá.
- Como ela está? - parei em sua frente, cruzando os braços e tentando não enrolar as palavras; tanto pelo álcool, quanto pela euforia em ter alguma notícia de .
- Pior do que ela deixa transparecer. Ela deve ter assistido Breakfast At Tiffany’s umas três vezes. Quer dizer, você sabe o que isso significa.
Em poucas palavras, significava que eu havia a machucado da forma que ela julgava a pior possível.
Breakfast At Tiffany’s era para casos extremos, como ela mesmo havia dito.
- Eu não queria magoar ela, cara - tentei esconder a súplica em minha voz ao me juntar a ele no sofá - Mas achei melhor que ela se decepcionasse com isso do que com a verdade.
Meu amigo respirou fundo, passando as mãos pelo rosto em exaustão. Eu sabia o quanto era custoso para ele ver a irmã exalando algo que não fosse felicidade. Matt tinha um senso protetor aguçado quando se tratava de ; e, bom, ninguém podia culpá-lo.
- , você realmente gosta dela?
Suas palavras me fizeram sorrir inconscientemente, desviando o olhar pro chão.
A verdade é que a palavra gostar já me parecia simplória demais para descrever como eu me sentia sobre ela.
- Você já ouviu uma música, olhou para o céu ou passou por um lugar e sentiu que algo dentro do seu corpo simplesmente parou de funcionar por um momento pro seu coração bater mais rápido? - murmei vagarosamente ao tentar explicar algo que nem eu entendia.
- Bem… Não.
- Eu também não. Até conhecer ela.
Ele cruzou os braços. Endireitou a postura no sofá. E então abriu e fechou a boca algumas vezes antes de, finalmente, dizer alguma coisa.
- Se quer saber, eu definitivamente nunca vi minha irmã assim por ninguém. Nem por ou nenhum outro. sempre disse que nunca havia conhecido alguém que ela gostasse o suficiente para partir o coração dela. Acho que isso mudou... - Matthew estalou os lábios e se inclinou em minha direção - Sinceramente, o que você tem a perder? Olhe só pra vocês dois agora. Pode ficar pior?
- Não consigo vê-la chorando, Matt. Não por algo que eu disse, muito menos por algo que fiz.
- Só porque não está a vendo, não significa que ela não esteja triste.
- Você não sabe quantas vezes esse pensamento sádico passou por minha cabeça nos últimos dias - dei uma risada ausente de humor ao respirar fundo - E quer saber o que mais? Tenho medo de você ter razão e eu não ser bom o suficiente pra ela
Foi a vez de Matt respirar com pesar, me dando quase certeza de que ele havia se arrependido de tais palavras.
- , ela se importa com você. pode ser mais compreensiva do que o resto do mundo, e você sabe disso. Ela tem tanto amor no coração, mas a possibilidade de deixar isso aparecer a assusta mais do que tudo. E se quer saber, eu vivo diariamente com uma boa porcentagem de culpa nesse medo dela de entregar seu coração. Sei que não quer se sentir assim também.
- Claro que não. Eu.. Ela... - parei por um instante, tentando colocar os pensamentos em ordem ao procurar as palavras certas - Ela parece mais com um lar do que qualquer lugar que eu já estive. Ela fala sobre as coisas que gosta de um jeito que me fascina e tem uma opinião formada sobre tudo. Ela é provavelmente a garota mais complicada que eu já conheci, mas ela consegue tornar isso uma qualidade - passei a mão pelos olhos, tentando esconder as lágrimas que os marejaram brevemente - Eu repeti mil vezes na minha cabeça a cena dela indo embora do terraço naquele dia. E eu a deixei ir embora pensando que ela é uma garota qualquer pra mim. Mas ela não é. É a minha garota.
Ou, ao menos, era o que eu queria que ela fosse.
- Certo. O irmão protetor e ciumento está querendo falar mais alto agora - Matt brincou e eu dei a primeira risada sincera em cinco dias - Acredite, tudo o que ela quer é alguém para olhá-la de verdade e ver a pessoa que ela sempre escondeu tão bem.
- E eu quero ser esse alguém.
- Então você sabe o que fazer.
Eu sabia, de fato. E não era fácil.
Era hora de contar a verdade.

-

Naquela noite, quando Matt foi embora e eu me deitei na cama, o silêncio fez-me mergulhar em lembranças.
Nãos as ruins. Estava farto delas.
Em meio a escuridão, fechei os olhos e fiz questão de reviver em pensamentos o último ano.
Pensei, inúmeras vezes, se faria algo diferente. Se era melhor ter sido sincero desde o início.
O que me levou a uma das melhores recordações que eu havia guardado com carinho e nem podia imaginar estar tão vívida em minha memória.

Londres, 1 ano atrás

Eu não imaginava, a esse ponto, que algum lugar no mundo poderia ser pior que Oxford.
Londres era a minha chance de recomeçar. De deixar o passado em seu lugar e tentar ser alguém melhor. Mas deixar a melancolia de lado parecia uma tarefa extremamente difícil em meio ao nada.
Dizer que eu odiava meu novo bairro era ser leviano. A falsa felicidade irradiava por todos os lados e a sensação de estar no meio de uma floresta afastada de qualquer tipo de civilização era o suficiente para me causar náuseas.
Claro que a vista era belíssima. E eu não estava falando apenas da infinidade de árvores se perdendo no horizonte. Nem das montanhas, que, vez ou outra, apareciam por trás das nuvens.
A apenas duas casas de distância, residia uma das garotas mais bonitas que eu já havia visto. Todas as vezes que eu passava embaixo de sua varanda, seu olhar curioso me acompanhava com cautela.
Na primeira vez que a vi, a experiência quase celestial de observar o sol reluzindo em seus cabelos e em sua pele envolta por um vestido vermelho, fez-me desligar da realidade. Não pensei em nada. Apenas a admirei.
Na segunda, ao olhar com mais calma, descobri porque a garota havia me intrigado tanto. Era a irmã mais nova de Matt, um velho amigo da cidade. A irmã mais nova de Matt que eu havia beijado em uma noite qualquer, quatro anos atrás. Ela usava uma calcinha azul de corações e tinha respostas rápidas para tudo; eu me lembrava bem. O ar levemente infantil já havia deixado seus traços; ainda assim, eu reconheceria seus olhos, seus lábios - e, pra ser sincero, o belo contorno dos seus seios - com facilidade.
Mas não era apenas a sua beleza ou o fato de eu conhecer o gosto nectário de sua boca que faziam-me ansiar por vê-la naquela varanda todos os dias e procurar incansavelmente uma chance de falar com ela.
Era a certeza de que seu olhar estava, quase sempre, triste. E a reminiscência vaga de algumas das coisas que ela havia me dito naquela noite na casa de seus pais.
“Eu não faço esse tipo de coisa. Falar sobre a minha vida, contar o que estou sentindo. É profilático.”
“Também não faço isso. Você sabe, namorar…”
- seu nome, como bem me lembrava - estava longe de ser uma garota normal. E não pude deixar de observar o quão contraditório era tudo o que ela havia dito com a sua nova vida.
E então, todos os dias, eu a acompanhava por alguns breves segundos. E tinha a certeza que seu olhar também me correspondia. Não sabia se ela também se lembrava de mim ou se estava apenas curiosa. Mas me convenci que seus olhos imploravam por, pelo menos, alguém pra conversar. Pelo pouco que conhecia sobre seu temperamento, sabia que não seria fácil me aproximar. Mas ela, mesmo sem saber, se tornou um grande motivo para que eu permanecesse ali. Tentar conhecê-la melhor e talvez ajudá-la havia se tornado meu novo objetivo na busca de ser uma pessoa melhor.
Mal sabia que, na verdade, era eu quem estava prestes a conhecer a melhor pessoa que havia passado pela minha vida e, principalmente, pelo meu coração.


Capítulo 29

É engraçado como nosso corpo insiste em lembrar das coisas que tentamos dizer a ele para esquecer.
Por mais que eu tentasse me convencer que estava sentindo raiva de e que o melhor a se fazer no momento era me manter longe, meu corpo insistia em memorar a sensação do seu toque em minha pele. Implorava para que eu sentisse seu gosto. Me induzia a pensar em correr para os seus braços.
Meus sentimentos, mais uma vez, eram confusos. Já não estava mais triste com ele. Era um misto de raiva, decepção e… Saudade. E, céus, como eu me sentia tola por isso.
Eu havia passado os últimos dias em casa, sem vontade de fazer algo além de assistir os filmes da Audrey e me entupir de sorvete. Clássico. E embora eu tivesse assistido Breakfast At Tiffany’s três vezes, não consegui chegar ao final em nenhuma delas. Era torturante assistir Holly e Paul terem seu final feliz e encarar todo aquele discurso sobre eles pertencerem ou não um ao outro.
O que me fizera, inúmeras vezes, pensar que até Holly Golightly tinha cedido ao amor. Quem era eu para resistir?
Depois de cinco dias acometida em um estado profundo de inércia, Brandon havia me convencido a sair pra tomar um café. Ele estava mostrando ser um ótimo amigo.
E não apenas para mim.
Sabia que ele havia visitado todos os dias.
Não que meu orgulho tenha me permitido perguntar, mas Matt fazia questão de me manter atualizada. Ainda não sabia qual a motivação do interesse repentino de meu irmão em meu relacionamento com . Talvez ele tivesse finalmente percebido o quanto eu gostava de seu amigo ao ver meu atual estado deplorável.
- Eu não sei se essa é uma pergunta válida… Mas não acha que vocês estão levando isso ao extremo? Quer dizer, casais brigam o tempo inteiro e não ficam uma semana sem se falar - Brandon argumentou ao colocar dois copos de cappuccino na pequena mesa de madeira.
- É claro que estamos exagerando - fiz uma careta ao rolar os olhos - Mas sabe, eu tenho direito de estar. Eu nunca estive tão vulnerável a alguém e sabe disso. Ele não tinha o direito de me dizer aquilo.
- E o orgulho não te deixa dar o primeiro passo?
- Exatamente - dei um pequeno sorriso culpado ao dar um gole na bebida quente.
Além disso, eu certamente usaria qualquer desculpa para fugir da pressão do início de um relacionamento. Mesmo inconscientemente. Mesmo com . Era apenas instintivo.
- Eu acho melhor…
- , certo? - a voz até então desconhecida de uma mulher chamou nossa atenção. Quando ergui a cabeça para olhá-la, senti meu coração dar um salto no peito ao reconhecer os cabelos escuros e o sorriso quase irônico em seus lábios.
- Isso mesmo. Como você está, Ava? - dei um sorriso amarelo ao tentar esconder o espanto por vê-la ali e, mais ainda, de estar falando comigo. Brandon devia ter percebido meu desconforto, pois me encarava absolutamente confuso do outro lado da mesa.
- Vejo que é rápida. Bom pra você - a mulher deu uma piscadinha ao apontar para Brandon. E a cada palavra que ela dizia, minha antipatia só aumentava.
- Ele não… - tentei começar a explicar, um pouco retraída, e então balancei a cabeça ao perceber o que eu estava fazendo - Quer saber? A gente mal se conhece.
- Verdade - e mais um sorriso debochado - Mas, acredite, você vai querer ouvir meu conselho. É melhor de .
E mais uma vez meu coração dançava em meu peito. O nó em minha garganta competia com a minha vontade de gritar O que diabos há entre vocês dois?
Mas, recobrando o meu bom senso, apenas respirei fundo.
Por mais que Ava me desse nos nervos, era quem me devia aquela explicação. Não ela.
- Como já disse, eu mal conheço você. E isso é só entre mim e . Então, se puder nos dar licença…
Ava se limitou a um aceno negativo com a cabeça para acompanhar a expressão sarcástica, e então, apenas nos deu as costas e rebolou seu traseiro apertado em um vestido verde quase lustroso, deixando Brandon e eu com expressões perplexas para trás.
Nos encaramos por alguns segundos, ainda extasiados demais para dizer alguma coisa.
Se antes eu estava curiosa, agora eu estava praticamente obcecada para saber quem era aquela mulher e o que ela sabia sobre .

-

Quando Brandon me deixou em casa, a expressão que Matt esboçava ao me receber na sala me alertava que algo não estava certo. Ele só sorria diabolicamente quando estava planejando alguma coisa ou quando algo que ele realmente queria estava dando certo. Quando perguntei o que tinha acontecido ele fora categórico em afirmar que não havia feito nada que eu não aprovasse.
O que, na língua do meu irmão, significava que ele havia feito exatamente algo que eu não aprovaria.
Subi as escadas pensando em… . Argh, eu estava tão previsível. Ponderei se era uma boa ideia ir até a sua casa e confrontá-lo mais uma vez, mas a ponta de orgulho ainda existente em meu ser insistia para que eu esperasse.
Quase conformada com a ideia de passar mais uma noite perdida em devaneios sádicos, pensei estar sonhando acordada quando abri a porta do meu quarto.
Ele estava lá.
Sentado em minha cama, com a expressão melancólica, os cabelos bagunçados e aparência quase efêmera.
Meu corpo paralisou por alguns instantes. Não sabia se seguia em sua direção ou se me mantinha longe. A fragilidade de sua aparência fazia-me querer abraçá-lo e saber como ele estava.
E ele parecia tão indeciso quanto eu. Como se a minha imagem não passasse de uma ilusão extremamente real.
Respirei fundo antes de dar alguns passos trêmulos. Ainda atônita com sua presença, ocupei o lugar ao seu lado e, só então, tive coragem de encarar seus rosto mais de perto.
Os tristes olhos azuis me encararam de volta e, mesmo sem dizer nada, sabia que estavam me pedindo perdão. tinha olheiras escuras sob seus olhos, a aparência cadavérica ainda mais acentuada. Impressionantemente, continuava lindo.
- Estava em Clerkenwell com Brandon e acabei encontrando Ava - quando tomei a coragem para dizer algo, minha voz não era mais alta do que um sopro - Ela disse pra eu ficar longe de você.
Uma risada ausente de humor reverberou de seu peito.
- Talvez não seja uma má ideia.
Fechei os olhos ao ouvir sua voz. Tinha sentido falta dela.
- Isso eu que tenho que decidir - dei um pequeno sorriso - Preciso saber se está aqui apenas para pedir desculpas ou para me contar tudo. Porque já adianto que só quero conversar com você se me disser a verdade. Toda a verdade.
Em silêncio, nossos olhares permaneceram conectados por alguns longos instantes. Havia me esquecido como era fácil ser atraída pela intensidade absurda de seu olhar e me perder ali.
soltou um suspiro. Cerrou os dentes, tensionando o maxilar. E então desviou os olhos dos meus, mantendo a atenção fixa em algum ponto aleatório do chão.
- , eu… - durante sua pausa para respirar fundo mais uma vez, pude vê-lo cerrando sua mão em um punho - Eu matei alguém.
O que?

Me vi subitamente sem chão. A verdade inesperada era tão avassaladora e chegara tão depressa que fiquei imóvel. Minha cabeça pesou e minha visão não era nada além de um borrão. Por instinto, me vi deslizando brevemente para longe de .
Eu quase podia ouvir o barulho de algo dentro de mim se despedaçando ao pensar que ele era capaz de algo tão cruel. Pelo canto dos olhos, podia ver escondendo o rosto com as mãos. Já havia visto ele furioso, com raiva e cheio de remorso, mas o que eu estava testemunhando naquele instante ia muito além de vulnerabilidade. Era um desamparo aflitivo e culposo.
Talvez eu devesse sair correndo dali. Talvez a verdade era, realmente, muito mais do que eu podia suportar.
Mas então me lembrei de todos os detalhes que havia coletado sobre até agora e, tão célere quanto havia atingido meu peito, a verdade me pareceu duvidosa. Eu precisava ouvi-lo. Precisava conhecer a história por inteiro.
Puxando todo o ar possível para dentro dos meus pulmões e lutando contra as lágrimas involuntárias em meus olhos, reuni toda a minha força de vontade para me recompor e murmurar:
- Co-como assim?
- Eu tinha uma namorada em Oxford, três anos atrás. Stacy - ele começou a sussurrar e meu coração bateu mais rápido em resposta, ansiando para saber o que ele estava prestes a me contar - Não sei dizer se a amava, mas eu certamente era louco por ela. A gente não brigava muito, apenas o mesmo tanto que todo casal. Mas quando brigávamos era pra valer. E foi em uma dessas brigas que eu saí da casa dela pra voltar pra minha e ela, como eu soube mais tarde, foi pra um bar no centro da cidade - lágrimas pesadas se acumulavam em meus olhos enquanto as de já corriam livremente pelo seu rosto - Era uma sexta-feira à noite de novembro, eu me lembro bem. Já tinha passado das onze horas quando ela me ligou. E eu não atendi. Imaginei que ela queria pedir desculpas ou conversar, e eu realmente não estava afim, então apenas ignorei. Tirei o som do celular e fui dormir. Lembro que tive um pesadelo e acordei no meio da madrugada com a irmã dela batendo na minha porta.
- Ava? - arrisquei.
- Ava. Ela estava gritando e chorando sem parar, repetindo o nome de Stacy. Demorei pra entender o que tinha acontecido - ele parou para limpar a garganta e afastar as lágrimas - Stacy tinha falecido em um acidente de carro. Ela bateu em uma árvore e a pancada foi tão forte que seu corpo foi arremessado pelo vidro - seu choro doloroso se misturou com as palavras emboladas.
- , eu… - a esse ponto, meu choro era quase tão compulsivo quanto o dele.
- Quando peguei meu celular e vi as mensagens descobri que tinha me ligado apenas pra buscar ela. Ela dizia que não se sentia bem pra dirigir porque tinha bebido demais. E eu ignorei, … - um soluço cortou sua voz lastimosa - Eu podia ter impedido essa merda de acontecer. Era só eu ter deixado o orgulho de lado e ter atendido a merda do celular.
- . Porque você se sente culpado, não significa que você é. Não tinha como você saber que…
- Então porque eu sinto o sangue em minhas mãos todos os dias? Porque a culpa aperta meu peito todas as noites? Porque Ava e toda sua família me culpam? Ela estava bebendo por causa da nossa briga estúpida, afinal.
mal terminou de falar e o choro copioso fez seu corpo tremer. E eu não estava muito diferente. Sem pensar, avancei em sua direção e abracei seu corpo frágil, desejando tomar para mim toda a dor que ele sentia. Queria, de alguma forma, anestesiar seu corpo e fazê-lo esquecer tudo aquilo.
Eu sempre achei que problemas não são comparáveis. Cada um conhece sua dor e seus limites o suficiente para saber o que lhe faz sofrer. Ainda assim, achei todos meus dramas tão pequenos perto de tudo o que havia passado.
Seu pai.
Sua irmã.
As brigas.
E agora Stacy.
E mesmo com todas essas feridas ainda a curar, ele havia conseguido abrir um espaço e obter coragem para se arriscar por mim.
Eu, obviamente, não o considerava culpado. Mas culpa era um assunto que eu entendia bem, e tinha a plena consciência que ninguém além dele mesmo conseguiria o livrar daquele sentimento ácido.
Mesmo assim, me vi querendo, ao menos, ser seu amparo.
- Eu me fechei pro mundo depois disso - em meio aos soluços, sua voz ressurgiu levemente mais calma - Pra tudo o que era bom, ruim, pra dor, pro amor… Até não sobrar nada. Então você apareceu e foi o mais perto que cheguei de sentir algo quando tudo dentro de mim parecia deserto. Você me fez sentir alguma coisa. Eu não sabia o que era. Talvez um senso de proteção, um jeito de compensar o heroísmo que havia me faltado antes. E eu não queria me apaixonar. Mas então você sorriu pra mim e… Porra. Já não tinha mais o que fazer.
O sorriso citado por ele quase se arriscou a desenhar meus lábios levemente.
- Era sim uma má ideia. Eu não devo ficar longe de você - apoiei os dedos levemente em seu queixo, erguendo o rosto molhado pelas lágrimas em minha direção - Você não teve culpa. Pode não adiantar nada eu dizer isso, mas você não teve, . E você se culpar por isso diz muito mais sobre você do que o que aconteceu. Eu sei que é difícil não se torturar quando a gente passa uma vida inteira ensaiando para isso, mas… Eu estou aqui pra tentar aliviar sua dor e te lembrar o quão incrível você é. Diariamente.
Embora seus olhos ainda estivessem carregados de dor, um sorriso tímido tomou conta de seus lábios.
- Você não se acha boa o suficiente pro amor, mas eu insisto em dizer que todo o amor do mundo que não é bom o suficiente pra você - suas palavras calmas e gentis atingiram diretamente meu coração indefeso - Eu sei que não sou a pessoa mais fácil de lidar, e que toda a bagagem que eu carrego pode ser demais, mas… Obrigado. Acho que eu nunca disse isso, mas sou grato por ter conhecido você.
Senti algo parecido com cócegas na boca do meu estômago. Estar sob o efeito das palavras de era o mesmo que tomar três taças de vinho. Minhas bochechas se coloriam de rosa e eu podia quase sentir o gosto das palavras que meu coração insistia em bombardear para o fundo de minha garganta.
Respirei fundo antes de me desvencilhar do abraço apertado que dividiamos há alguns minutos, tomando o aconchegante e conhecido lugar em seu colo. Minhas mãos passaram por seu pescoço, enquanto as dele esculpiam minha cintura.
Não tinha caminho de volta. havia me acertado em cheio, como uma tempestade; rápida e brutalmente. Eu mal sabia que era capaz de sentir todas as coisas que ele me proporcionava.
Eu estava atraída demais pelo seu toque, fascinada demais pelos seus olhos e apaixonada demais pelo seu ser.
Isso mesmo. Apaixonada.
E, dessa vez, quando meu coração deu o comando, eu não sufoquei minha garganta. E nem aguardei a desculpa da embriaguez.
Era apenas eu, crua e vulnerável, dizendo ao garoto em minha frente o que eu sentia de verdade.
- , eu estou apaixonada por você.
Um sorriso sincero iluminou seu rosto. Suas mãos deslizaram pelo meu corpo até chegar em minhas bochechas, apenas para me cativar com uma carícia delicada.
- Eu estou apaixonado por você desde o dia em que te vi de calcinha azul de corações pela primeira vez.
Soltei uma gargalhada alta com a lembrança vergonhosa.
- Isso é deprimente. Eu queria poder voltar no tempo e fazer com que nosso primeiro beijo acontecesse de outra forma - praguejei ao limpar os rastros de lágrimas no rosto de .
- Eu também - ele sussurrou ao aproximar lentamente nossos lábios. Nossas respirações quentes e quase ofegantes se misturaram e me vi refém da saudade que estava do toque de sua boca, ansiando para sentir seu sabor - Eu queria ter sido capaz de prever o futuro para saber quem você se tornaria pra mim, pra aproveitar o pequeno espaço de tempo entre o momento que olhei em seus olhos e te beijei pela primeira vez - ele se aproximou um pouco mais, dessa vez o suficiente para que nossos lábios roçassem ao menor movimento - Queria sentir que a única coisa entre nós é a antecipação de descobrir seu gosto e revelar seu toque. Queria saber que aquele momento seria tão intenso e tão perfeito. E que, quando chegou ao fim, nem nos demos conta de que era só o começo…
E então mergulhei em seus lábios. Pela milésima vez, mas com a sensação de que era a primeira. Senti a maciez de seu toque pela primeira vez após conhecer todo o mistério que o envolvia. Nossas línguas se acariciaram pela primeira vez após eu ser sincera sobre o que sentia.
Era um beijo de saudade, perdão, descobertas e recomeços.
As mãos de , firmes em minha cintura, me fizeram esquecer de todo medo que eu já senti de me entregar.
Eu não estava assustada. Estava, finalmente, entregue a algo incrível.
Quando nossos lábios se separam, encostei a testa na dele e encarei seus olhos. Sua íris cintilava ao me olhar de volta, me dizendo que ele estava tão envolto em nosso novo pequeno universo de felicidade e sinceridade quanto eu, e me proporcionando a coragem necessária para sussurrar:
- Eu sei que você não se vê como eu vejo, e que provavelmente vai discutir pra sempre quando eu disser que você é muito mais do que pensa. Mas só quero que você saiba que todas essas coisas que você não gosta sobre si mesmo são as mesmas coisas que me fazem gostar imensamente de você. Quer dizer, olha por tudo que você passou. Você é incrivelmente forte, . Eu não poderia admirar mais quem você se tornou depois de tudo o que aconteceu na sua vida.


Capítulo 30

- Está com ciúmes? – a voz de soou divertida no pé do meu ouvido e eu me perguntei mais uma vez como ele conseguia ficar tão sereno com aquilo.
Sendo sincera, vez ou outra até eu me incomodava com o senso de proteção absurdo que eu nutria por . - Claro que não – mordi o lábio e virei apenas meu rosto para , que mantinha os braços entrelaçados em minha cintura enquanto apoiava o queixo em meus ombros. Eu adorava quando ficávamos assim – Só estou preocupada. Não quero que ele se machuque. Apertei os lábios, lutando contra a minha vontade de dar mais uma conferida na morena que ria mais alto a cada frase que dizia.
- Sei o que está fazendo.
- O que estou fazendo? – murmurei em uma curiosidade genuína.
- Está tentando recuperar o posto de melhor amiga. Mesmo que a distância – ele concluiu com seu tom habitual de quem sabia um pouco sobre tudo e eu suspirei, encolhendo os ombros em resposta.
Eu estava mesmo tentando fazer isso. Embora soubesse que era impossível.
Entre os devaneios lastimosos que já eram parte do meu dia a dia, havia concluído que até poderia, com algum esforço, voltar a ser um bom amigo. Mas não mais o melhor.
Balancei a cabeça, dessa vez virando todo meu corpo para e apoiando meus braços em seu pescoço.
- Desculpe, eu não devia estar pensando nisso. E sim em nós dois.
- Nós dois soa muito bem – o sorriso afável veio seguido de um beijo leve em meus lábios.
podia me beijar centenas de vezes. Milhares, até. Em todas elas, eu sentia meus pés mais leves e uma vontade incontrolável de sorrir. Era difícil de explicar, mas eu estava tentando me ater apenas ao fato de aquilo ser tão gostoso de sentir.
- Modos, por favor – Matt chegou ao nosso lado e deu algo parecido com um soco amistoso no ombro de .
- Cara, deixa os dois se curtirem – um Brandon extremamente bêbado levantou uma garrafa de cerveja – O amor é lindo! Eu sabia que vocês dariam certo.
Escondi meu rosto no peito de ; tanto pela vergonha da cena embriagada, quanto por não ter coragem de olhar para o garoto que eu estava abraçada enquanto a palavra amor pairava no ar.
Acho que fiquei instantaneamente embriagada pelo perfume que emanava de . Com o rosto perto demais do corpo dele para pensar em qualquer coisa, me limitei a sorrir para o nada enquanto escutava a conversa tão leve e amigável entre ele, Matt e Brandon.
Era o cenário perfeito. Um cenário que eu julgava ser impossível até pouco tempo atrás.
Da mesma forma súbita que o familiar aroma mentolado relaxou meus sentidos, vi meu corpo ansiar para tê-lo ainda mais perto de mim.
- ... – fiquei na ponta dos pés para alcançar seu ouvido e chamei seu nome em um gemido manhoso – Quero sair daqui.
- Quer ir pra onde, linda? - o sussurro me fez sorrir.
Certo. Era oficial. Eu amava quando ele me chamava assim.
- Qualquer lugar em que eu posso ficar ainda mais perto de você.
A resposta consciente veio em um apertão em minha cintura. entrelaçou nossos dedos e, sem responder a última pergunta do meu irmão, me guiou em direção à porta do bar apinhado de gente.
O silêncio contrastante do estacionamento por pouco não pareceu ensurdecedor. Quando chegamos ao Lamborghini preto, estacionado em uma das vagas mais distantes do local, encostou-se à lataria e cruzou os braços, me observando com um discreto sorriso nos lábios.
- O que está fazendo? - parei em sua frente, tentando entender porque ele ainda não havia pego a chave.
- Olhando pra você - o sorriso abriu um pouco mais e eu senti as minhas bochechas esquentarem - Você disse que queria ficar mais perto de mim. Porque está tão longe?
me puxou pra perto de si, colando nossos corpos e deixando nossos rostos perto demais para qualquer outra coisa que não fosse um beijo.
- Aqui? - era para soar como uma advertência, mas meu tom fora quase divertido.
- Algum problema? - o murmúrio antecedeu o toque suave em minhas coxas. escorregou os dedos por minha pele, trazendo consigo a barra do meu vestido até encontrar o elástico da minha calcinha e enroscar o dedo ali.
Nenhum. Sabia que a resposta havia sido apenas um pensamento, mas meu suspiro profundo e os olhos fechados eram o suficiente para ele entender que podia seguir em frente.
Os dedos passaram por minha intimidade por cima da calcinha e então subiram para a minha barriga. Com a outra mão, puxava meu cabelo e mantinha seus lábios em meu pescoço, distribuindo beijos lânguidos por onde passava.
Meu corpo estremeceu e minha boca automaticamente procurou a sua. Quando nossos lábios iam se tocar, deixou que eles apenas roçarem e desviou, encostando a boca novamente em minha pele; dessa vez, nos meus seios.
Caralho.
Ele estava me provocando.
E isso só tornava aquilo mais gostoso. Os arrepios mais intensos. E minha respiração mais descompassada.
Suas mãos deslizaram para minha cintura. Me segurando firme, ele me virou e me grudou novamente a si. Pressionando minha bunda contra seu quadril, soltou um urro prazeroso enquanto me roçava sem delicadeza alguma contra sua ereção.
apoiou a boca em meu ombro e deu uma mordida de leve ali. Sua mão brincou com a barra do meu vestido mais uma vez, levantando-o apenas o suficiente para me acariciar por cima da renda da calcinha. Fui ao céu quando sua mão escorregou para dentro do tecido. Os dedos agéis foram direto para o meu clitoris, dando um apertão delicado que me fez querer gritar. Eu estava pulsando em seus dedos, louca para tê-lo dentro de mim. A dor conhecida em meu ventre tornava-se mais intensa a cada segundo de contato com a pele de . Deitei a cabeça para trás, apoiando-a em seus ombros. Entre as frestas dos meus olhos, podia vê-lo se deliciando com o meu prazer.
Ele franzia o cenho e deixava os lábios entreabertos quando estava sentindo tesão. E eu nem sabia dizendo o quanto aquilo era sensual. O quanto a visão me fazia querer rasgar suas roupas ali mesmo e pedir para ele me foder no capô do carro.
A possibilidade de alguém passar ali e assistir nós dois me enchia de tesão.
Dois dedos me invadiram e o gemido preso em minha garganta ecoou. Segurei com força em seus braços, rebolando em sua mão ao quase implorar para que ele fosse mais rápido.
- Adoro sentir o quanto eu te deixo molhada, linda - a voz rouca e baixa era só mais um componente para aumentar minha excitação. Eu não era capaz de formar uma frase inteligível nem se minha vida dependesse disso.
Enquanto ainda metia os dedos em mim, o terceiro foi para o meu clitoris, pressionando-o com força.
Gemi mais alto. Rebolei com mais afinco.
Ele sabia que eram os movimentos de vai e vem no meu ponto de prazer que me deixavam louca. Ele sabia como me deixar louca. Sabia que, se começasse devagar, eu resmungaria e quase me espremeria contra seus dedos. Sabia que, se fosse mais rápido, meus gemidos se tornariam incontroláveis e respirar seria uma tarefa impossível.
Ele sabia a intensidade que precisava colocar em seu toque para que meu corpo estremecesse contra o dele.
Um grito de satisfação escapou do fundo de minha garganta. O prazer entorpeceu todos meus sentidos, se espalhando por minhas veias com pequenos espasmos desesperados.
Meu corpo amoleceu contra o de , implorando para relaxar.
Mas não era o suficiente. E eu tive certeza disso quando me virei e encontrei os olhos ainda carregados de luxúria.
Enfiei as mãos desajeitadamente no bolso da jaqueta jeans de , tirando de lá a chave do carro. Mal destranquei a porta e ele a abriu, sentando-se no banco do passageiro e me trazendo consigo em seu colo. Levantei o corpo apenas para que ele abrisse a calça e, quando voltei, sentei de uma vez em seu pau, arrancando um grito rouco e sincronizado de nós dois.
Rebolei com vontade, me deliciando nos gemidos roucos que ele dava em meu ouvido.
gostava rápido. E forte.
E era exatamente o que eu estava dando a ele.
O prazer máximo irradiou do seu corpo com um urro gutural em meu ouvido, junto às suas mãos apertando toda a extensão possível e alcançável de mim.
Era delicioso vê-lo atingir o orgasmo.
Era delicioso simplesmente estar com ele.
Enquanto nossas respirações ainda se misturavam e meu corpo ainda relaxava sob o dele, umedeci meus lábios apenas para sussurrar em seu ouvido:
- Quero te levar em um lugar.

-

Aquele lugar me trazia tantas lembranças que eu mal podia organizá-las em minha mente.
A antiga casa dos meus pais.
Onde eu havia morado a maior parte da minha vida.
Onde ainda remanescia a maioria das lembranças dos meus pais e Matt.
Onde eu descobri que as pessoas têm uma enorme queda pelo abandono. Principalmente aquelas que mais amamos.
Onde eu havíamos dado o nosso primeiro beijo.
- Não se preocupe, não mora ninguém aqui. Não sou tão imprudente quando você - dei um sorriso provocativo enquanto andava até o muro lateral - Meus pais a mantém vazia. Acho que é uma forma patética de não deixar a esperança morrer e dizer que um dia, quem sabe, eles voltem a viver perto dos filhos.
Dei de ombros e subi o muro baixo com um pulo. Eu havia fugido de casa tantas vezes por ali…
- Você sente falta deles? - ele indagou quando já estávamos dentro do quintal, caminhando em direção a piscina. Senti algo parecido com um arrepio na espinha por estar ali e me perguntei se ele estava sentindo o mesmo.
- Vai ficando mais suportável com o tempo - dei um sorriso quando paramos na beira da piscina - Quando vou conhecer sua família, ?
- Nesse momento você é a minha família.
Ai. Meu coração martelou com força dentro do meu peito.
- Não fuja do assunto...
- Não se preocupe. Temos todo o tempo do mundo. E tenho certeza que Ivy amaria você.
Meu sorriso se alargou um pouco mais. Família provavelmente era um assunto complicado pra ele - e sabendo do que havia acontecido com seu pai e sua irmã, eu realmente o entendia. Sabia esperar. Realmente tínhamos a nossa eternidade.
Sentamos lado a lado na beira da piscina e trocamos um sorriso cúmplice. Eu quase podia voltar no tempo e vê-lo ali, um pouco mais novo, levemente embriagado, com uma touca escondendo os cabelos e cheio de gracejos para a irmã mais nova do seu amigo.
Quando dei por mim, estava tentando lembrar da sensação daquele beijo enquanto encarava o céu estrelado. O que, eventualmente, me fez lembrar de tantos outros momentos que havíamos dividido.
- É algo que fazemos muito, não acha? Olhar as estrelas? - falei baixinho, sem desviar a atenção da imensidão azul escura.
- Você olha as estrelas. Eu admiro você - ele disse eu voltei os olhos pra ele - Minha namorada é linda.
Meu coração oscilou entre batidas lentas e desesperadas. Prendi todo o ar em meus pulmões. Podia jurar que senti a Terra girando mais devagar e o ar ficando mais denso.
- Namorada?
- Sim, namorada - um sorriso confiante desenhou seus lábios e sua mão procurou a minha para entrelaçar os nossos dedos, terminando em um carinho gostoso.
Era a primeira vez que aquela palavra me causava apenas sensações boas. Nada de ansiedade ou incertezas. Apenas uma inexplicável e até então desconhecida felicidade autêntica.
- Acho que posso me acostumar com isso… Namorado - deixei o sorriso inevitavelmente estonteado aparecer, logo refletindo nos lábios dele - Eu quero um cigarro.
- Um cigarro? - ele estreitou as sobrancelhas, como se aquele fosse o momento mais inapropriado para aquele pedido.
- Estou tentando ser romântica do nosso jeito. É um pouco novo pra mim, então não faça graça com meus métodos - estendi a mão em sua direção - Apenas um pra nós dois, sim?
Ele balançou a cabeça antes de colocar a mão no bolso e tirar um cigarro do maço. Escorreguei para mais perto e ele colocou-o entre meus lábios. Pegou o isqueiro e, sem tirar os olhos dos meus da forma inacreditavelmente intensa que só ele sabia fazer, ascendeu o branquinho.
Me deliciei com o gosto mentolado na primeira tragada. Não era nada comparado a senti-lo nos lábios de , mas ainda assim era bom. Mais uma e então segurei o cigarro pra que ele tragasse.
- Você tem razão. De uma forma estranha, é um pouco romântico.
- Achei que já soubesse que eu sempre tenho razão - eu disse e estendi o cigarro para ele mais uma vez. Respirei um pouco mais fundo, reunindo dentro de mim a coragem em ser realmente romântica e finalmente dizer porque eu havia levado ele até ali - Você disse que queria ter a chance de voltar no tempo e reviver nosso primeiro beijo. Bom, aqui está nossa chance. Não é o mesmo, mas…
Os dedos de pousaram suavemente em meus lábios, interrompendo minha fala da maneira mais doce o possível.
A noite estava fria.
Se ficássemos em silêncio, talvez eu pudesse ouvir o som das batidas em nosso peito entrando em sincronia.
Era o tal momento que havia me dito. Os segundos que antecipam um beijo.
A ansiedade pelo toque. O misturar de respirações. A complacência no olhar.
Os dedos de escorregaram pela minha boca. Dedilharam meu rosto. Deslizaram pelo meu pescoço. Quando nossos lábios se tocaram, o sentimento de conforto irradiou inconfundível por minhas veias e pareceu me abraçar em uma nuvem de tranquilidade e… Amor.
E ali estava.
O motivo pelo qual era tão diferente de todos os outros. Pelo qual seu toque não se assemelhava a nenhum outro.
Quando seus lábios estavam nos meus, quando seus dedos percorriam a minha pele, quando nossos dedos se entrelaçavam e quando ele envolvia seus braços em minha cintura, ele não estava tocando apenas meu corpo. ia além. Eu o sentia muito além de minha pele. Ele tocava meu coração.
Separei nossos lábios apenas para olhar em seus olhos. Profundamente , como um oceano que me puxava cada vez mais fundo. Observei a forma que os cabelos emolduravam o rosto irretocável e o jeito incrivelmente sexy que ele contraía o maxilar ao oscilar o olhar entre meus olhos e minha boca. Suas mãos estavam em minha cintura, enquanto as minhas repousavam delicadas em um carinho discreto no seu rosto.
- Eu achei que você seria apenas uma aventura que eu precisava vivenciar. Achei que ia durar uma semana e eu fosse voltar pro martírio que me rodeava antes de conhecer você. Mas aqui estamos nós e é tão assustador… Mas também é a coisa mais incrível que eu já senti - a confissão saiu em um sussurro quase inaudível.
- Você é a coisa mais incrível que eu já senti.
Ai, céus…
- Talvez a gente precisasse se conhecer.
- Está dizendo que acredita em destino?
Dei um pequeno sorriso, tentando disfarçar o nervosismo e acalmar meu coração.
- Estou dizendo que talvez eu acredite no amor.
Foi a vez dele sorrir.
- Ótimo. Porque eu acho que amo você.
Meus dedos tremeram em sua pele. Minha respiração era quase frenética, assim como as batidas prestes a explodir em meu peito.
Eu estava com medo. Apavorada.
Mas eu tinha certeza do que meu coração queria responder.
- Acho que eu amo você também.


Epílogo

Abracei Bex sem acreditar que aquilo estava acontecendo. Quando finalmente a soltei, passei a mão por sua barriga ainda extasiada com a notícia.
Do outro lado da sala, Ethan era só sorrisos. , Matt e Brandon o cumprimentavam radiantes.
Eu estava inexplicavelmente feliz pelos dois. Assim como sabia que eles estavam por mim. Era vitórias particulares, cada um do seu jeito e no seu tempo.
sentou no sofá e pegou em minha mão, me puxando para que eu sentasse no colo dele.
Bex comentou algo sobre como ficávamos lindos juntos.
Matt soltou alguma piada sobre como deveríamos estar em um quarto.
Um ano de relacionamento. Eu mal podia acreditar que aquilo era real.
Quando entramos no carro para ir embora, a felicidade ainda irradiava por todos os meus sentidos.
- Bex está grávida! Eu vou ser tia! Bom, não oficialmente, mas… Você consegue acreditar nisso? Meu Deus! Estou mesmo ficando pra trás! - as palavras saíram rápidas demais, quase emboladas, de minha boca.
- Vontade de casar, Mattar?
- Não me faça sair correndo, - dei um tapinha em sua perna e ele gargalhou - Achei que estivéssemos indo pra sua casa - apontei para a rua que havíamos acabado de passar, onde ele devia ter virado para seguirmos até o seu apartamento.
- E estamos.
- Certo. É sexy quando você banca o namorado misterioso, mas você já deveria saber que eu sou ansiosa. Pra onde estamos indo?
E lá estava a velha mania de de não responder minhas perguntas.
- Sem perguntas até chegarmos lá, combinado?
- Mas…
- Quer mesmo estragar a surpresa?
Respirei fundo, cruzando os braços e me afundando no banco como como uma criança birrenta. Pelo canto dos olhos, pude jurar que vi soltando uma risadinha divertida.
A ansiedade em saber onde estávamos indo não demorou muito tempo. Ele dobrou algumas esquinas antes de entrar na via expressa e em dez minutos havíamos chegado em um prédio alto, branco e com janelas enormes.
- Onde…
- Não! - ele me interrompeu e abriu a porta do carro, indicando que eu fizesse o mesmo - Ainda não chegamos.
Ele segurou a minha mão para que caminhássemos até o espaçoso lobby de entrada, e então fomos até o elevador onde ele apertou o décimo quarto andar.
O corredor tinha duas portas; uma em cada extremidade. virou para a direita e sacou um molho com três chaves do bolso.
Quando abriu a porta pintada de cinza, tentei avaliar as opções do que estava acontecendo.
Estávamos em um loft. Em um loft vazio. Parada na porta, eu podia ver a sala e a escada que daria para o quarto. Não era tão pequeno e nem tão grande. Era…
- Já pode começar com as perguntas - ele colocou as mãos no bolso e passou pela porta, sem deixar de me olhar em instante algum.
- Você vai se mudar pra cá?
Ele sorriu e estendeu a mão pra mim. Enlacei nossos dedos, me aproximando do meu namorado e ele apoiou as mãos em minha cintura.
- Depende. Você viria comigo?
O que?
Tentei não parecer tão surpresa e respirar normalmente.
Eu sabia o que responder. Sabia o que eu queria responder.
- Isso é…
- Nada grita mais “apartamento de solteiro” do que um loft. Achei que diminuiria a pressão pra você. Eu sei que o pensamento de algo ser pra sempre assusta você. Me assustava também. Mas eu vou fazer de tudo para que você não sinta medo.
Eu podia ter hesitado por um instante. Mas ali, com as mãos espalmadas no peito de , sentindo as batidas de seu coração enquanto suas palavras diziam que ele havia pensado em tudo para nós dois, a única resposta possível era clara.
- Eu adoraria morar com você.
Ele soltou todo o ar dos pulmões e me puxou para um abraço apertado.
Ele estava nervoso com o que eu ia responder. E isso só o tornava ainda mais adorável.
E então ficamos apenas ali, observando o que em breve seria nossa casa; com um turbilhão de pensamentos em minha cabeça e apenas um sentimento em meu peito.
Amor.
Fora impossível não me transportar mentalmente para o ponto que nos conhecemos. Recordar a estrada que havíamos percorrido até chegar aqui.
Eu lembrava perfeitamente de como havia me sentido da primeira vez que acordei ao lado dele. Apesar do temor, estar com ele era como voltar a ser uma adolescente fugindo da casa dos pais em busca de novas aventuras. Fazia eu me sentir viva.
Eu nunca fui muito boa em gostar das coisas. Eu simplesmente deixava que elas me consumissem. E foi o que aconteceu com . Ele me consumiu por inteira; lenta e inesperadamente.
Apertei-o contra o meu corpo, desejando que aquilo durasse. Todos os clichês que eu sempre havia feito questão de repelir pareciam se juntar em mil e um desejos dentro de mim.
Eu não queria sair do seu abraço. Queria beijá-lo e me sentir plenamente feliz daquela forma pra sempre.
Talvez eu houvesse, finalmente, consertado as fissuras do meu coração.
Talvez fosse esse o sinal que o corpo dá ao coração quando encontramos a pessoa certa.
Talvez eu tivesse afastado todas as pessoas que se aproximaram de mim até hoje porque nenhuma delas era .


FIM



Nota da autora: Eu nem sei como começar essa nota. Eu comecei a escrever Shades Of Cool há três anos, e naquele tempo nem pensava em publicar. Há um ano, quando tomei coragem pra dividir com vocês, eu nem imaginava o retorno que eu teria.
Sempre achei essa história um pouco mais lenta do que a maioria; e entendo que isso pode não agradar todo mundo. Por isso foi uma surpresa gigantesca vê-la tendo um feedback maravilhoso de vocês e até sendo a fic do mês aqui no FFOBS.
Eu tenho um carinho gigantesco por SOC. Não é nada fácil dizer adeus a esses personagens; mas eu sou eternamente grata a tudo o que essa história me trouxe.
Sou muito grata a vocês, leitoras, pode todo o carinho que recebi durante esse tempo. Vocês sempre me mandaram mensagens incríveis, que muitas vezes alegraram meu dia e me deram o impulso necessário pra continuar escrevendo.
Kari, um obrigada muito especial pra você! Fico muito feliz de ter te conhecido, você é sempre maravilhosa e a pessoa mais solicita do mundo comigo. E, principalmente, minha companhia oficial pros shows do McFLY! hahahha
Já adianto que não penso em uma continuação pra essa história; mas já estou com alguns spin-offs planejados. Eu aviso pra vocês no grupo quando sair. Aliás, quem ainda não participa, vem cá! https://www.facebook.com/groups/historiasdajulia/
Um beijo, meninas. Obrigada por tudo!
Espero que vocês tenham gostado de acompanhar Shades Of Cool tanto quanto eu gostei de escrever.
Nos vemos em outras histórias! ♡

Outras Fanfics:
Chaos Theory [Restritas – Originais – Shortfics]
Me, My Teacher and Our Secrets [Restritas – Originais – Em Andamento] You Fucked Me So Good That I Almost Said I Love You [Restritas – Originais – Em Andamento]
The Beauty Of Being Broken [Originais – Shortfics]


Nota da scripter: Ju! Foi uma honra betar essa fanfic maravilhosa. E é uma honra maior ainda ter construído uma amizade com você, meu amor! Desejo muito sucesso, sempre! <3

Essa fanfic é de total responsabilidade da autora. Eu não a escrevo e não a corrijo, apenas faço o script. Qualquer erro nessa fanfic, somente no e-mail.


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