Prólogo
Não era um bom momento para o Brasil sediar uma Copa do Mundo FIFA.
Greve de servidores públicos federais, policiais militares, vigilantes bancários, professores, rodoviários, metroviários, profissionais da saúde. Metrópoles praticamente paradas, milhares de pessoas sem terem como se deslocar e outras milhares temendo pela própria segurança porque quem deveria cuidar dela cruzou os braços e exigiu reajuste salarial.
Os olhos do mundo inteiro voltados para o Brasil e tudo o que tínhamos para mostrar era o lado feio que tentávamos esconder de nós mesmos, tamanha nossa ignorância. Milhares de manifestações por dia, violência gratuita, ineficiência do Estado, corrupção governamental. Mas tudo o que a TV ressaltava eram as habilidades físicas de Neymar e a Claudia Leitte como a international superstar que todos sabiam que ela não era.
Não importava a quantidade de manifestações nas ruas ou se nem todos os estádios estivessem prontos. As repórteres da CNN que se machucaram logo ficariam curadas, os manifestantes uma hora acabariam indo pra casa e o fiasco da abertura logo seria abafado pelas rodadas de partidas de futebol. Tudo daria certo e nós ensinaríamos aos gringos o famoso jeitinho brasileiro e como conseguimos fazer milagres com ele.
Ia ter Copa sim e isso era inevitável.
Só que um fato incontestável sobre a vida que as pessoas insistem em não dar muita importância é que eventos muito grandes mascaram muitas coisas. Tudo bem, numa final entre Brasil e Argentina, por exemplo, ninguém quer saber quem acabou terminando um namoro na arquibancada ou quem começou um na fila de espera do lado de fora do estádio. Algumas coisas sobre os bastidores são eventualmente divulgadas, mas em sua maioria são detalhes técnicos, que no geral não fazem muito sentido nem são relevantes.
A Shakira encontrou o amor da vida dela na África do Sul em 2010, que por sua vez, foi o primeiro país do continente Africano a sediar uma Copa do Mundo FIFA. E no mesmo ano, o goleiro da Espanha, Iker Casillas, bateu um recorde ao conseguir ficar impressionantes 433 minutos sem tomar nenhum gol. Ninguém da muita atenção a detalhes pequenos.
Muitas vidas mudam em eventos desse porte, mas a gente nunca espera que seja a nossa.
Uma semana antes dos jogos começarem, eu tinha uma credencial da FIFA e uma missão: ir para onde estivessem as seleções italiana ou inglesa, não importando se fosse no Rio Grande do Sul ou no Amazonas. Deveria supervisionar, organizar e cuidar para que tudo estivesse lindo e impecável para ambas as seleções. Check ins e check outs feitos no prazo certo, academias com estrutura e aparelhos do agrado dos atletas, planos de voo, itinerários. Trabalhoso, não necessariamente difícil.
Mas a vida não teria graça se tudo que fizéssemos saísse exatamente como o planejado.
No dia 12 Junho ás 16:35, horário de Brasília, eu estava na Arena Corinthians assistindo o playback de Pitbull, Claudia Leitte e Jennifer Lopez e não fazia ideia do que me esperava durante aquele mês. Ainda não sabia que eu perderia o jogo da Espanha em Salvador no dia seguinte pra acompanhar o da Itália em Manaus no sábado. Ainda não sabia que a Suíça seria eliminada pela Argentina num jogo suado. Ainda não sabia que o Brasil seria eliminado na semi-final pela Alemanha de forma histórica e humilhante.
A ignorância, como muitos dizem, ás vezes é uma benção.
Greve de servidores públicos federais, policiais militares, vigilantes bancários, professores, rodoviários, metroviários, profissionais da saúde. Metrópoles praticamente paradas, milhares de pessoas sem terem como se deslocar e outras milhares temendo pela própria segurança porque quem deveria cuidar dela cruzou os braços e exigiu reajuste salarial.
Os olhos do mundo inteiro voltados para o Brasil e tudo o que tínhamos para mostrar era o lado feio que tentávamos esconder de nós mesmos, tamanha nossa ignorância. Milhares de manifestações por dia, violência gratuita, ineficiência do Estado, corrupção governamental. Mas tudo o que a TV ressaltava eram as habilidades físicas de Neymar e a Claudia Leitte como a international superstar que todos sabiam que ela não era.
Não importava a quantidade de manifestações nas ruas ou se nem todos os estádios estivessem prontos. As repórteres da CNN que se machucaram logo ficariam curadas, os manifestantes uma hora acabariam indo pra casa e o fiasco da abertura logo seria abafado pelas rodadas de partidas de futebol. Tudo daria certo e nós ensinaríamos aos gringos o famoso jeitinho brasileiro e como conseguimos fazer milagres com ele.
Ia ter Copa sim e isso era inevitável.
Só que um fato incontestável sobre a vida que as pessoas insistem em não dar muita importância é que eventos muito grandes mascaram muitas coisas. Tudo bem, numa final entre Brasil e Argentina, por exemplo, ninguém quer saber quem acabou terminando um namoro na arquibancada ou quem começou um na fila de espera do lado de fora do estádio. Algumas coisas sobre os bastidores são eventualmente divulgadas, mas em sua maioria são detalhes técnicos, que no geral não fazem muito sentido nem são relevantes.
A Shakira encontrou o amor da vida dela na África do Sul em 2010, que por sua vez, foi o primeiro país do continente Africano a sediar uma Copa do Mundo FIFA. E no mesmo ano, o goleiro da Espanha, Iker Casillas, bateu um recorde ao conseguir ficar impressionantes 433 minutos sem tomar nenhum gol. Ninguém da muita atenção a detalhes pequenos.
Muitas vidas mudam em eventos desse porte, mas a gente nunca espera que seja a nossa.
Uma semana antes dos jogos começarem, eu tinha uma credencial da FIFA e uma missão: ir para onde estivessem as seleções italiana ou inglesa, não importando se fosse no Rio Grande do Sul ou no Amazonas. Deveria supervisionar, organizar e cuidar para que tudo estivesse lindo e impecável para ambas as seleções. Check ins e check outs feitos no prazo certo, academias com estrutura e aparelhos do agrado dos atletas, planos de voo, itinerários. Trabalhoso, não necessariamente difícil.
Mas a vida não teria graça se tudo que fizéssemos saísse exatamente como o planejado.
No dia 12 Junho ás 16:35, horário de Brasília, eu estava na Arena Corinthians assistindo o playback de Pitbull, Claudia Leitte e Jennifer Lopez e não fazia ideia do que me esperava durante aquele mês. Ainda não sabia que eu perderia o jogo da Espanha em Salvador no dia seguinte pra acompanhar o da Itália em Manaus no sábado. Ainda não sabia que a Suíça seria eliminada pela Argentina num jogo suado. Ainda não sabia que o Brasil seria eliminado na semi-final pela Alemanha de forma histórica e humilhante.
A ignorância, como muitos dizem, ás vezes é uma benção.
Um
A voz grossa do piloto do avião anunciou em português, inglês e espanhol que estávamos há dez mil metros acima do solo e há quarenta e cinco minutos de aterrissar no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Era a primeira vez que eu ia a Manaus e, antes mesmo de sair de São Paulo, eu sabia que pelo menos durante o sábado eu não conheceria nenhuma reserva florestal. Cuidaria do jogo da Inglaterra contra a Itália e tentaria manter a Lia consciente de todas as possíveis merdas que poderiam acontecer naquele mês.
- Você nem gosta de futebol, Lia. Não sei por que está tão empolgada com isso.
- Como você pode não estar empolgada com isso depois de ter recebido cantadas de mais gringos do que eu posso contar com meus dedos?
- Você tem noção do quanto isso vai ser cansativo? No final disso tudo eu vou precisar de muito mais do que uma semana num spa para me recompor e eu não acredito que isso vá sair do bolso dos nossos chefes.
- É, vai sair do bolso do seu tio – o olhar que ela me direcionou indicava que ela estava verdadeiramente irritada, o que era raro, mas eu não liguei. Eu não precisava gostar de futebol só porque meu tio era Joseph Blatter. Não era coisa de sangue ou algo do tipo – Só aproveita, tá? Eu sei que você eventualmente vai conseguir ver todos os lados positivos disso.
Naquele momento, há dez mil metros do solo e tomando suco de laranja industrializado, eu tinha minhas dúvidas sobre a certeza de Lia quanto àquilo.
Não demorou muito mais tempo para que desembarcássemos e fôssemos direto para o hotel da seleção da Inglaterra, ver se eles estavam bem instalados e ter uma conversa séria com Joe Hart. No dia anterior, ao chegar em Manaus, ele deu uma declaração a imprensa de que estavam indo jogar no meio da selva. Claro que o comentário foi mal visto, principalmente pelo meu tio, e claro que o trabalho sujo sobrou para mim. Com 24 anos tendo que passar autoridade pra um marmanjo de 27 que não conseguia segurar a língua dentro da boca. Em alguns momentos eu era tomada pela realidade de que meu trabalho era meio surreal.
Eu sei que soa idiota que a sobrinha do presidente da FIFA não preferia assistir os jogos de camarote e viajar o país de jato particular. Era muito comum que o meu parentesco fosse constantemente jogado na minha cara quando eu me utilizava dele para algum propósito mesquinho. Família não era algo negociável ou da qual eu pudesse me livrar, então simplesmente cansei de todo aquele papo. Achei que, mesmo eventualmente aproveitando-me do sobrenome, deveria ser útil de alguma forma. Eu tinha dinheiro, mas heranças não duram para sempre e um extra não era nada mau, ainda mais um extra gordo como o que eu receberia. A pressão existia, principalmente pela minha idade, mas meu tio sabia que tudo o que eu fazia, dava o melhor de mim no processo. No fim das contas seria mesmo muito bom viajar pelo meu país de origem às custas dos meus chefes, com o adendo de ganhar muito bem para isso.
O carro estacionou em frente ao hotel na rua Humberto Candelaro, e eu coloquei o crachá antes de descer. Eu não gostava muito da hipótese de ser rudemente parada por um militar caso eu não estivesse identificada, e os arredores do hotel estavam cheios deles. Não era obrigação de ninguém conhecer meu rosto.
Conferi no iPad se tinha checado tudo para a estadia dos ingleses em Manaus e fui em direção à recepção. A plaquinha no bolso do uniforme me indicava que o nome da mulher que me dizia com uma voz nervosa que a seleção estava me aguardando na sala de reuniões do hotel, era Carmem. Eu não era nenhuma autoridade, apesar de chefiar uma equipe, mas gostava quando as pessoas agiam como se eu fosse. Talvez eu parecesse uma usando um vestido de corte reto e scarpin preto. Talvez eu parecesse mais velha também, e no momento era disso que eu precisava.
Ainda assim fiquei nervosa quando todos aqueles pares de olhos se viraram pra mim quando a porta foi aberta. Mais três pessoas me acompanhavam, incluindo Lia, mas todo mundo só tinha olhos pra mim, como se soubessem que a responsável ali fosse eu.
- Boa tarde a todos. Meu nome é Blatter e sou responsável por garantir que vocês sejam bem recebidos e tenham tudo o que precisarem enquanto estiverem em terras brasileiras. Peço desculpas por não ter conseguido chegar ontem, tive alguns contratempos com a abertura na quinta-feira.
- É um prazer conhecê-la, senhorita Blatter – o treinador da seleção, Roy Hodgson, se levantou e apertou minha mão. Ele não era muito alto, mas conseguia ser maior que eu, e percebi na forma como ele me olhou que tinha relacionado meu sobrenome à pessoa. Era o mesmo olhar que o caixa de alguma loja nos dá quando estendemos um Amex pra finalizar a compra – Agradecemos a hospitalidade dos brasileiros. A senhorita é brasileira?
- Metade de mim é – sorri, tentando soar simpática, mas sabendo que meu esforço era em vão. Não gostei nem um pouco dele. Ele parecia aquele tio que sempre queria que você sentasse no colo dele nas festas de Natal, mesmo você já sendo bem crescidinha – E tenho absoluta certeza de que vocês demonstrariam mais seu agradecimento sendo mais simpáticos com os locais – ele ergueu a sobrancelha para mim – Conheço mais britânicos do que poderia contar Sr. Hodgson, e sei bem que vocês são mesmo reservados, mas esse tipo de comportamento trás publicidade ruim. E sei que vocês concordam que ainda é muito cedo para publicidade ruim.
- Perfeitamente, senhorita – ele voltou a se sentar, sério. Era bom que eu não conquistasse a simpatia dele porque nunca fui boa em lidar com pessoas de quem não gosto.
- Sendo assim, meu número pessoal está a sua disposição, professor, e qualquer coisa que você, sua equipe ou qualquer um dos seus jogadores precise, não hesite em me chamar, estarei no Quality Inn – Roy balançou a cabeça e fez sinal para que ele e a equipe saíssem da sala – Mas já que falamos em publicidade ruim, gostaria de dar uma palavrinha com Joe Hart. A sós, se for possível.
- Comigo?
Se tinha algo que eu seria obrigada a admitir era que Joe Hart era a personificação do meu ponto fraco. Loiro, muito alto, de olhos verdes e, de acordo com as fotos que eu achei na internet ao pesquisar sobre ele, muito gostoso, com roupa ou sem.
As declarações que ele dera, entretanto, me faziam questionar se sua arrogância não teria o poder de estragar todo o resto.
- Se esse por acaso foi o nome que seus pais deram a você, Joe Hart, então sim, contigo.
- Não demore muito, sim, senhorita Blatter? Eles precisam treinar em trinta minutos – definitivamente Roy Hodgson perdeu qualquer simpatia que ele poderia ter comigo ao usar o tom que usou.
- Serei breve.
A equipe e o resto da seleção começaram a sair da sala e eu percebi o sorriso torto que Hart deu depois que Jack Wilshere sussurrou alguma coisa em seu ouvido. Fosse o que fosse aquilo me deixou de cabeça quente, porque algo de que eu não gostava nenhum pouco eram pessoas sussurrando coisas as quais não queriam que eu ouvisse e que talvez, por esse motivo, fossem sobre mim.
Quando a última pessoa fechou a porta e ficamos só eu e Hart dentro da sala, caminhei devagar até a janela, respirando fundo para tentar não perder a paciência com ele. Eu já imaginava que fosse uma missão meio impossível, mas não custava tentar.
- Você pode vir até aqui, por favor?
Demorou uns dez segundos para que ele levantasse suspirando e parasse ao meu lado. Aquela presença era intimidante; mesmo 12cm acima do meu tamanho normal, ele superava em muito a minha altura. E a minha estrutura física também; se por acaso parasse atrás de mim, qualquer pessoa que chegasse à sala não saberia que eu estava ali. Ele era grande e tinha um perfume delicioso que eu não achava que viesse de um vidro francês. Respirei fundo tentando me concentrar.
- Olhe bem pela janela e me diga se parece que estamos no meio da selva.
- Você deve saber que não foi isso o que eu quis dizer.
- Ah, claro que eu sei. Você se referiu ao clima, ao calor atípico, a alta umidade do ar. Mas ao se referir a essas coisas da forma que você fez, muita gente ignorante interpretou isso de outra forma. O twitter enlouqueceu com a sua declaração. Claro que metade da culpa por isso é da imprensa, mas você é uma pessoa pública, e infelizmente precisa prestar muita atenção nas coisas que fala.
Ele suspirou do meu lado, passando a mão nos cabelos curtos e apoiando os braços na janela. Se qualquer outra pessoa de qualquer outra parte do mundo fizesse o mesmo movimento, não teria o mesmo charme. As persianas deixavam que um pouquinho da paisagem de Manaus aparecesse e eu tinha que admitir que era uma cidade linda, mas um pouco sufocante, e o uniforme que eles usavam quase o tempo todo não deveria ajudar muito. Já havia sido uma mudança muito grande sair de UK pro Rio, eu entendia a situação deles. Sentia falta do meu apartamento em Zurique também. Não há nada como o lar da gente.
- Isso te trouxe muita dor de cabeça? – seu tom de voz não era o de alguém que parecia se importar.
- Poderia ter trago mais, não que você se importe – virei meu corpo pra ficar de frente pro dele e tentei me concentrar em outra coisa que não fosse o cheiro daquele homem ou como os olhos dele ficavam quando a luz do sol refletia neles - E se me permite um bom conselho, pose para uma foto ou duas, dê alguns autógrafos, por mais que eu ache isso tudo tanta besteira quanto você. Tente ser simpático, mesmo que isso seja uma missão difícil.
Ele deu o mesmo sorriso torto do sussurro de Jack Wilshere e aquela curiosidadezinha me incomodou outra vez. Eu não perguntaria; não vinha ao caso perguntar.
- Farei meu melhor.
- Obrigada – me encaminhei á saída da sala, mas antes de abrir a porta, voltei á olhar pra Joe, que me encarava insistentemente – Diga ao seu treinador que o hotel tem saunas ótimas para ajudarem vocês a terem maior resistência à temperatura. E diga também pra ele não dizer de novo que não gostaria de jogar em qualquer outro lugar do país ou eu pessoalmente darei meu jeito de fazer ele se arrepender disso. Ele não pareceu gostar muito de mim.
- Não vejo a razão.
Ele ainda sorria quando eu fechei a porta e soltei o ar preso em meus pulmões.
Eu tinha que comer e dormir, mas precisava encontrar a seleção da Itália. Ainda estava no segundo dia de Copa e a exaustão já tomava conta do meu corpo. Peguei um Red-Bull no restaurante do hotel e voltei para o carro.
- Você nem gosta de futebol, Lia. Não sei por que está tão empolgada com isso.
- Como você pode não estar empolgada com isso depois de ter recebido cantadas de mais gringos do que eu posso contar com meus dedos?
- Você tem noção do quanto isso vai ser cansativo? No final disso tudo eu vou precisar de muito mais do que uma semana num spa para me recompor e eu não acredito que isso vá sair do bolso dos nossos chefes.
- É, vai sair do bolso do seu tio – o olhar que ela me direcionou indicava que ela estava verdadeiramente irritada, o que era raro, mas eu não liguei. Eu não precisava gostar de futebol só porque meu tio era Joseph Blatter. Não era coisa de sangue ou algo do tipo – Só aproveita, tá? Eu sei que você eventualmente vai conseguir ver todos os lados positivos disso.
Naquele momento, há dez mil metros do solo e tomando suco de laranja industrializado, eu tinha minhas dúvidas sobre a certeza de Lia quanto àquilo.
Não demorou muito mais tempo para que desembarcássemos e fôssemos direto para o hotel da seleção da Inglaterra, ver se eles estavam bem instalados e ter uma conversa séria com Joe Hart. No dia anterior, ao chegar em Manaus, ele deu uma declaração a imprensa de que estavam indo jogar no meio da selva. Claro que o comentário foi mal visto, principalmente pelo meu tio, e claro que o trabalho sujo sobrou para mim. Com 24 anos tendo que passar autoridade pra um marmanjo de 27 que não conseguia segurar a língua dentro da boca. Em alguns momentos eu era tomada pela realidade de que meu trabalho era meio surreal.
Eu sei que soa idiota que a sobrinha do presidente da FIFA não preferia assistir os jogos de camarote e viajar o país de jato particular. Era muito comum que o meu parentesco fosse constantemente jogado na minha cara quando eu me utilizava dele para algum propósito mesquinho. Família não era algo negociável ou da qual eu pudesse me livrar, então simplesmente cansei de todo aquele papo. Achei que, mesmo eventualmente aproveitando-me do sobrenome, deveria ser útil de alguma forma. Eu tinha dinheiro, mas heranças não duram para sempre e um extra não era nada mau, ainda mais um extra gordo como o que eu receberia. A pressão existia, principalmente pela minha idade, mas meu tio sabia que tudo o que eu fazia, dava o melhor de mim no processo. No fim das contas seria mesmo muito bom viajar pelo meu país de origem às custas dos meus chefes, com o adendo de ganhar muito bem para isso.
O carro estacionou em frente ao hotel na rua Humberto Candelaro, e eu coloquei o crachá antes de descer. Eu não gostava muito da hipótese de ser rudemente parada por um militar caso eu não estivesse identificada, e os arredores do hotel estavam cheios deles. Não era obrigação de ninguém conhecer meu rosto.
Conferi no iPad se tinha checado tudo para a estadia dos ingleses em Manaus e fui em direção à recepção. A plaquinha no bolso do uniforme me indicava que o nome da mulher que me dizia com uma voz nervosa que a seleção estava me aguardando na sala de reuniões do hotel, era Carmem. Eu não era nenhuma autoridade, apesar de chefiar uma equipe, mas gostava quando as pessoas agiam como se eu fosse. Talvez eu parecesse uma usando um vestido de corte reto e scarpin preto. Talvez eu parecesse mais velha também, e no momento era disso que eu precisava.
Ainda assim fiquei nervosa quando todos aqueles pares de olhos se viraram pra mim quando a porta foi aberta. Mais três pessoas me acompanhavam, incluindo Lia, mas todo mundo só tinha olhos pra mim, como se soubessem que a responsável ali fosse eu.
- Boa tarde a todos. Meu nome é Blatter e sou responsável por garantir que vocês sejam bem recebidos e tenham tudo o que precisarem enquanto estiverem em terras brasileiras. Peço desculpas por não ter conseguido chegar ontem, tive alguns contratempos com a abertura na quinta-feira.
- É um prazer conhecê-la, senhorita Blatter – o treinador da seleção, Roy Hodgson, se levantou e apertou minha mão. Ele não era muito alto, mas conseguia ser maior que eu, e percebi na forma como ele me olhou que tinha relacionado meu sobrenome à pessoa. Era o mesmo olhar que o caixa de alguma loja nos dá quando estendemos um Amex pra finalizar a compra – Agradecemos a hospitalidade dos brasileiros. A senhorita é brasileira?
- Metade de mim é – sorri, tentando soar simpática, mas sabendo que meu esforço era em vão. Não gostei nem um pouco dele. Ele parecia aquele tio que sempre queria que você sentasse no colo dele nas festas de Natal, mesmo você já sendo bem crescidinha – E tenho absoluta certeza de que vocês demonstrariam mais seu agradecimento sendo mais simpáticos com os locais – ele ergueu a sobrancelha para mim – Conheço mais britânicos do que poderia contar Sr. Hodgson, e sei bem que vocês são mesmo reservados, mas esse tipo de comportamento trás publicidade ruim. E sei que vocês concordam que ainda é muito cedo para publicidade ruim.
- Perfeitamente, senhorita – ele voltou a se sentar, sério. Era bom que eu não conquistasse a simpatia dele porque nunca fui boa em lidar com pessoas de quem não gosto.
- Sendo assim, meu número pessoal está a sua disposição, professor, e qualquer coisa que você, sua equipe ou qualquer um dos seus jogadores precise, não hesite em me chamar, estarei no Quality Inn – Roy balançou a cabeça e fez sinal para que ele e a equipe saíssem da sala – Mas já que falamos em publicidade ruim, gostaria de dar uma palavrinha com Joe Hart. A sós, se for possível.
- Comigo?
Se tinha algo que eu seria obrigada a admitir era que Joe Hart era a personificação do meu ponto fraco. Loiro, muito alto, de olhos verdes e, de acordo com as fotos que eu achei na internet ao pesquisar sobre ele, muito gostoso, com roupa ou sem.
As declarações que ele dera, entretanto, me faziam questionar se sua arrogância não teria o poder de estragar todo o resto.
- Se esse por acaso foi o nome que seus pais deram a você, Joe Hart, então sim, contigo.
- Não demore muito, sim, senhorita Blatter? Eles precisam treinar em trinta minutos – definitivamente Roy Hodgson perdeu qualquer simpatia que ele poderia ter comigo ao usar o tom que usou.
- Serei breve.
A equipe e o resto da seleção começaram a sair da sala e eu percebi o sorriso torto que Hart deu depois que Jack Wilshere sussurrou alguma coisa em seu ouvido. Fosse o que fosse aquilo me deixou de cabeça quente, porque algo de que eu não gostava nenhum pouco eram pessoas sussurrando coisas as quais não queriam que eu ouvisse e que talvez, por esse motivo, fossem sobre mim.
Quando a última pessoa fechou a porta e ficamos só eu e Hart dentro da sala, caminhei devagar até a janela, respirando fundo para tentar não perder a paciência com ele. Eu já imaginava que fosse uma missão meio impossível, mas não custava tentar.
- Você pode vir até aqui, por favor?
Demorou uns dez segundos para que ele levantasse suspirando e parasse ao meu lado. Aquela presença era intimidante; mesmo 12cm acima do meu tamanho normal, ele superava em muito a minha altura. E a minha estrutura física também; se por acaso parasse atrás de mim, qualquer pessoa que chegasse à sala não saberia que eu estava ali. Ele era grande e tinha um perfume delicioso que eu não achava que viesse de um vidro francês. Respirei fundo tentando me concentrar.
- Olhe bem pela janela e me diga se parece que estamos no meio da selva.
- Você deve saber que não foi isso o que eu quis dizer.
- Ah, claro que eu sei. Você se referiu ao clima, ao calor atípico, a alta umidade do ar. Mas ao se referir a essas coisas da forma que você fez, muita gente ignorante interpretou isso de outra forma. O twitter enlouqueceu com a sua declaração. Claro que metade da culpa por isso é da imprensa, mas você é uma pessoa pública, e infelizmente precisa prestar muita atenção nas coisas que fala.
Ele suspirou do meu lado, passando a mão nos cabelos curtos e apoiando os braços na janela. Se qualquer outra pessoa de qualquer outra parte do mundo fizesse o mesmo movimento, não teria o mesmo charme. As persianas deixavam que um pouquinho da paisagem de Manaus aparecesse e eu tinha que admitir que era uma cidade linda, mas um pouco sufocante, e o uniforme que eles usavam quase o tempo todo não deveria ajudar muito. Já havia sido uma mudança muito grande sair de UK pro Rio, eu entendia a situação deles. Sentia falta do meu apartamento em Zurique também. Não há nada como o lar da gente.
- Isso te trouxe muita dor de cabeça? – seu tom de voz não era o de alguém que parecia se importar.
- Poderia ter trago mais, não que você se importe – virei meu corpo pra ficar de frente pro dele e tentei me concentrar em outra coisa que não fosse o cheiro daquele homem ou como os olhos dele ficavam quando a luz do sol refletia neles - E se me permite um bom conselho, pose para uma foto ou duas, dê alguns autógrafos, por mais que eu ache isso tudo tanta besteira quanto você. Tente ser simpático, mesmo que isso seja uma missão difícil.
Ele deu o mesmo sorriso torto do sussurro de Jack Wilshere e aquela curiosidadezinha me incomodou outra vez. Eu não perguntaria; não vinha ao caso perguntar.
- Farei meu melhor.
- Obrigada – me encaminhei á saída da sala, mas antes de abrir a porta, voltei á olhar pra Joe, que me encarava insistentemente – Diga ao seu treinador que o hotel tem saunas ótimas para ajudarem vocês a terem maior resistência à temperatura. E diga também pra ele não dizer de novo que não gostaria de jogar em qualquer outro lugar do país ou eu pessoalmente darei meu jeito de fazer ele se arrepender disso. Ele não pareceu gostar muito de mim.
- Não vejo a razão.
Ele ainda sorria quando eu fechei a porta e soltei o ar preso em meus pulmões.
Eu tinha que comer e dormir, mas precisava encontrar a seleção da Itália. Ainda estava no segundo dia de Copa e a exaustão já tomava conta do meu corpo. Peguei um Red-Bull no restaurante do hotel e voltei para o carro.
Dois
Ao chegar no Quality Inn Hotel, quis na hora em que pisei no saguão subir para o oitavo andar e ficar no meu quarto até a hora do jogo no dia seguinte. Mas a recepcionista do Quality, muito mais eficiente e segura que a do outro hotel, assim que ouviu meu nome disse que a seleção da Itália me esperava no restaurante. Ótimo, pelo menos eu almoçaria – com um delay de duas horas.
Eu deixei minha equipe ir na frente e fui até o quarto trocar de sapato e deixar minha bolsa. A mala de tamanho médio já estava aos pés da minha cama, que me parecia muito convidativa com um edredom branco. Peguei uma sapatilha azul escura e tirei o iPad e o celular da bolsa. Conferi se o treino da seleção estava marcado e se a academia do hotel estava reservada, então larguei o tablet em cima da cama e fui em direção aos elevadores.
Nesse meio tempo, eu podia sentir na base da nuca que já suava. Prendi meu cabelo em um coque e tentei concertar a maquiagem que lentamente derretia com um lenço umedecido, antes que minhas olheiras ficassem á mostra. Fazia um calor dos infernos ali, mesmo com a refrigeração do hotel. Eu teria que pedir pra manterem o ar condicionado do quarto dos jogadores um pouco abaixo da média. E recomendar sauna pra eles também.
O elevador parou no oitavo andar e, quando as portas se abriram, Claudio Marchisio estava lá dentro.
Eu tinha que parar de me deslumbrar com aqueles jogadores, mas era muito difícil. Esportistas em geral tem um tipo físico padrão. Nadadores têm costas e ombros largos e coxas grossas. Tenistas têm panturrilhas grossas e firmes. Jogadores de futebol, entretanto, são abençoados e tem todas as partes do corpo esculpidas por Michelangelo. Por causa dos treinos e da rotina que eles levam, e também os jogos em si, que exigem muito esforço físico. Claudio Marchisio era o exemplo perfeito das bênçãos do futebol na vida de um homem. Eu só faltava babar.
- Desculpe, mas você é Blatter? A sobrinha de Joseph?
- Por acaso venho a ser – sorri, surpresa. Não era muito comum que as pessoas me reconhecessem de cara, mesmo aqueles inseridos no meio futebolístico.
- Um prazer te conhecer, bella – concentrei toda a minha força pra não me derreter pelo pseudo elogio.
Ele era indecentemente bonito. Toda a composição, das tatuagens que eu conseguia ver no braço, passando pelo maxilar marcado com a barba rala e pelos olhos, que mesmo tão de perto, eu não conseguia decidir se eram verdes ou azuis. Só sabia que eu não conseguia parar de olhar pra eles; eram a cor do mar do Caribe que eu me lembrava de uma antiga viagem. Todo aquele pacote embrulhado em uma roupa casual e era ele quem me chamava de bella.
- O prazer é todo meu – apertei sua mão e sorri, contida. Não demonstrar interesse, , não demonstrar interesse.
- Está indo ao restaurante?
- Sim, tenho que conferir se está tudo certo pra vocês durante a estadia.
- Então você é responsável pelo nosso bem estar?
- Digamos que eu e mais algumas muitas mãos.
- Mas parece tão jovem!
- Como sabe? Eu posso ter trinta e tantos anos e várias aplicações de botox! – ele riu alto, as duas mãos no bolso.
- Você mente muito mal, bella.
Eu ainda sorria quando chegamos ao restaurante e fui recebida pelo técnico da seleção de forma mais calorosa do que podia prever – e com mais elogios que me custaram muito esforço pra que eu não ficasse encabulada. Talvez fosse verdade o que estavam dizendo no twitter, que os italianos estavam sendo todos muito simpáticos por onde passavam. Sempre achei uma rede social inútil, mas se até o Papa criara uma conta, revi meus conceitos e consegui achar utilidade. Deixei os números do meu celular e do meu quarto com Cesare, me prontificando a atender á qualquer dúvida ou necessidade de qualquer um deles - o mesmo discurso de sempre. Comentei da sauna, que era uma estratégia que eles já estavam usando na Itália e também falei da simpatia. Brasileiros prezam esse tipo de coisa e não seria nenhum sacrifício. Finalmente fui para minha mesa checar quais opções de carboidrato o restaurante do hotel oferecia; estava faminta.
Eu comi e subi pra dormir, super contente que teria um tempinho pra descansar antes de acompanhar os treinos – porque surpreendentemente, até isso era da minha conta. Eu precisaria ter certeza de que o gramado fora aprovado – já que rolaram algumas polêmicas sobre ele -, se o vestiário estava suficientemente refrigerado, se tinham bebidas e toalhas em número satisfatório...
Não demoraria muito tempo até que eu virasse uma neurótica com pequenos detalhes.
Tirei meu vestido, diminuí a temperatura do ar condicionado e soltei o cabelo, penteando com os dedos mesmo. Tomaria um banho e dormiria duas horas antes de ir pra Arena da Amazônia preparar tudo para o treino.
Ou era isso o que eu tinha planejado antes de colocar a cabeça no travesseiro e não conseguir pregar os olhos.
Era compreensível meus hormônios serem afetados pelo tanto de homem bonito que eu encontrei, levando em conta que minha vida sexual não estava muito movimentada á alguns meses. Eu não tivera tempo, no fim das contas, pra uma transa casual no meio de toda a preparação para a Copa. Até na minha maldita vida sexual esse evento conseguiu se meter. A maldita vida sexual que já era escassa.
Lia dizia que sessenta por cento do meu estresse era por conta da minha vida sexual escassa. Isso me estressava mais ainda. Eu não achava divertido o simples ato de se abrir as pernas e conseguir um orgasmo só porque achara um cara gostoso além do normal. Não que sexo devesse ser divertido, mas dessa forma mecânica não tinha graça. Não era demais pedir um pouco de química e um pouco mais de intensidade; sexo deveria ser sobre mais do que só tesão.
Eram essas coisas que eram difíceis de achar, ainda mais com tempo livre escasso. Esses pequenos detalhes com os quais eu me importava muito á muito tempo.
Talvez fosse culpa do atraso, mas eu não parava de sentir o perfume do Hart rodeando o ar ao meu redor, como se estivesse entranhado na minha pele, e aquilo causava efeitos na minha calcinha. Eu continuaria em negação constante, me recusando á acreditar que aquele ser causava algum tipo de efeito sobre mim. Sua arrogância ocuparia o espaço suficiente pra nós dois em um ambiente pequeno como um quarto.
E só de imaginá-lo no meu quarto meu sono foi embora de vez.
Eram oito horas da noite, horário de Manaus, e fazia 27oC na Arena da Amazônia – umidade relativa do ar de 76%. Antes mesmo que começasse, eu já sabia que não seria um treino fácil.
A seleção da Itália já estava se aquecendo – e as câmeras já disparavam flashes para eles. Era bom que aproveitassem, porque o treino só seria aberto para a imprensa durante 15 minutos. Como sempre isso renderia especulações e exageros. “O que os italianos estão preparando para a Inglaterra em sua estreia?”, seria o título de uma mini reportagem, provavelmente do Corriere dello Sport. Era o que todos queriam saber e só descobririam na tarde seguinte.
Eu estava parada em pé próxima aos bancos, outra lata de Red-Bull em uma das mãos e o iPad na outra. Horários, lembretes, alarmes, e-mail, sites de notícias abertos; tudo naquele tablet. Era necessário muito foco e controle absoluto em tudo pra fazer o que eu fazia. Teoricamente, estressada por natureza como sempre fui, não era o trabalho mais recomendado pra mim, mas eu vinha conseguindo lidar bem com ele. Se as muitas latas de Red-Bull não me fizessem ter um infarto aos 24 anos, eu sairia quase ilesa do evento.
Fisicamente falando.
O técnico da Itália, Cesare Prandelli, de quem eu gostava muito de repetir o nome por causa da pronúncia, sentou do meu lado e bebeu metade de uma garrafa de Gatorade de um gole, como se ficar em pé roubasse muito líquido de seu corpo. E talvez fosse assim que ele se sentisse, com aquela quentura inexplicável subindo do gramado. Ele não era muito bonito, mas aparentava ter sido, alguns anos antes. Ainda tinha aquele charme europeu intrínseco no jeito de falar e de gesticular – o que ele fazia muito e ao mesmo tempo.
- Você gosta de futebol, bella? – ele me perguntou, quando os seguranças começaram á acompanhar os repórteres pra fora do estádio.
A forma descontraída com a qual ele pronunciou a palavra bella me fez pensar na forma como Marchisio havia dito aquilo pra mim, algumas horas antes. Era a mesma palavra, mas parecia ter conotações diferentes. Como se pra Cesare não fosse um elogio, só um pronome, e Marchisio quisesse dizer que eu era linda de verdade. Claro que o mais provável era que eu estivesse ficando maluca e os italianos fossem assim mesmo, calorosos, e chamassem todas as mulheres de bella, como se fosse uma gíria para “senhorita”.
- Gostar não é bem o verbo, senhor – mesmo que gostasse de pronunciar seu nome, paguei de educada. Ele era mais simpático do que o técnico da Inglaterra, então merecia meu esforço – Ainda existem coisas que não fazem muito sentido pra mim, mas aprendi a apreciar.
- Bonita a forma como você colocou isso. Como apreciador, acima de técnico, vejo o futebol como uma arte.
Era claro que eu não via, assim como também não achava a pintura O Grito, uma obra de arte. Pra ser sincera, também não vi muita graça na Mona Lisa, ocupando sozinha uma parede inteira do museu do Louvre. O conceito de arte é variável, de pessoa pra pessoa, dependente de fatores externos como nível cultural e experiências de vida. Se o técnico da seleção italiana achava que futebol era arte, quem era eu pra falar que não era?
- Talvez o senhor esteja certo.
Ele gostou da minha resposta; ela dava espaço para que ele explicasse sua tese.
- Veja bem como funciona: eu pego esse monte de atletas e trabalho duro com eles – acredite quanto ao trabalho duro. É como uma escola: temos que dar regras e disciplinar e nenhum deles é suscetível á regras nessa fase da vida. Alguns dos mais jovens, talvez, mas não todos. Então eu trabalho duro com eles, estabeleço metas, cobro resultados. Vou moldando seu estilo de jogar até ficar do jeito que eu quero. Como um artesão faz com um vaso de cerâmica. E se o conceito de arte é estimular a mente humana, as emoções, ampliar perspectivas, o que mais o futebol poderia ser, se não arte?
Ele falava com paixão. Era inspirador. Era como um pastor tentando convencer céticos á entrarem em sua igreja, experimentarem uma dose de suas palavras e ficarem para mais, caso gostassem – e sendo muito bem sucedido nisso. Se palavras e confiança fossem o suficiente, ele ganharia a Copa do Mundo, igualando a quantidade de títulos da Itália á do Brasil. Mas era preciso demonstrar aquela visão de futebol no campo, e mesmo que ele jogasse, nenhum jogador sozinho faz uma seleção.
- Ela vai se cansar de seus discursos, Cesare.
E lá estava Marchisio, aquele que me chamara de bella no real sentido da palavra, aquele que estava á menos de dois metros de mim exalando um cheiro maravilhoso e ridículo de suor e perfume, que seria nojento vindo de outra pessoa, mas dele era delicioso. Tentei evitar sorrir, mas nenhum esforço teria contido meus lábios de se curvarem. Pela presença e pelo inglês com sotaque forte.
- Não se preocupe, seu professor aqui é coerente no que fala, estou suficientemente entretida.
- Não é entretenimento suficiente nos ver jogar?
- A graça é quando é pra valer! O jogo de vocês vai me entreter só amanhã.
Ele sorriu pra mim e despejou uma garrafa de água gelada na cabeça. Foi um clichê de merda naquela hora. Vi cada gotinha descer em câmera lenta pelo seu rosto, entrando pela camisa do uniforme, deixando o tecido azul ainda mais escuro. Quis lamber cada uma delas. Congelei. Era o tipo de pensamento condenável que eu não tinha desde os dezesseis anos, quando os hormônios estão impossíveis, se manifestando em horas e com pessoas erradas.
Em poucos segundos, me peguei pensando em sua estranha simpatia, seus elogios dirigidos á mim, aquele clima pesado que não parecia ser por culpa da alta umidade do ar. Fiquei procurando razões em tudo aquilo, motivos plausíveis para aquela aproximação. Logo me reprimi; não havia nada de estranho em frases inofensivas e muito menos em ser simpático. Se eu recebera educação, mesmo que uma mista, ele poderia ter recebido também.
- Esse é o espírito, bella! – Cesare apertou meu ombro, me trazendo de volta pro presente. Sorri, um sorriso automático, quase sem graça, como se tivesse sido pega no flagra. O olhar de Marchisio pra mim parecia o de alguém que tinha pego outra pessoa no flagra. Engoli seco e tentei me recompor; não demonstrar fraqueza, não demonstrar interesse – Agora volte para o campo e foque no ataque pela esquerda com o Matteo e o Pirlo.
Claudio assentiu, como um cachorro treinado recebendo ordens e pronto para executá-las. Ele respirava fundo, com calma, tentando adaptar o próprio corpo ao ambiente. Imaginava que deveria ser difícil, se eu sentada ás vezes me pegava com falta de ar.
- Sei que não sou especialista, senhor, mas estou curiosa: acha que estão prontos para amanhã, nessas condições, contra a Inglaterra?
- Nós não só estamos prontos, como vamos ganhar amanhã, mia cara! – e ele sorria, mas não um sorriso de quem era apenas prepotente, era um sorriso de quem falava sério.
Acreditei naquele sorriso e no que ele queria dizer.
Enquanto eu era arrastada para fora do meu quarto por uma Lia sorridente, o cansaço parecia se estabilizar sobre meus ombros. Eu não queria sair, não tinha estrutura para aquilo! Eram dez e quarenta e seis e tudo o que eu queria era me enrolar em um edredom e dormir as poucas horas que me restavam até o dia seguinte, como um adulto responsável faria. Dia de jogo era mais corrido; mesmo a partida só começando ás 18h e mesmo os jogadores só indo pra lá ás 16h, eu tinha que começar a cuidar de tudo bem cedo. Até da porcaria do café da manhã e do almoço. Nem da minha alimentação eu conseguia cuidar, e tinha que cuidar da deles!
Mas não, a Lia zen que conseguira tempo para fazer yoga durante as horas em que eu me estressava, a Lia que sabia canalizar suas energias pra ter pique de sobra, me tirara do quarto e me fizera colocar um sapato dela que espremia o meu pé e tudo aquilo supostamente uma hora ficaria divertido. Eu enxergava muitas possibilidades e nenhuma delas me parecia divertida. Eu já estava puta da vida antes de pisar na calçada.
- Você não vai me estressar, , eu saí da yoga há algumas horas e estou completamente imune á qualquer argumento que você venha a usar! – eu suspirei, entrando no carro – É só uma horinha, um drinque ou dois, música boa... E eu e você sabemos que algum gringo de passagem vai cruzar com você.
- Além de hispter virou vidente agora?
- Só fica quieta até a gente chegar! Depois da primeira dose você fica mais divertida.
Fiquei encarando a janela do carro, em silêncio, durante todo o caminho. Manaus era uma cidade bonita, histórica e rica em identidade cultural. Como uma cidade grande, escondia muitas coisas em vielas e ruas cujos nomes eu não sabia. Eu me interessava por esses aspectos, os que não eram revelados, os que tínhamos que correr atrás pra descobrir. A verdadeira história de Manaus que muitos de seus próprios moradores poderiam não conhecer. Eu poderia procurar essas histórias um dia, mas não naquele. Lia e o universo já tinham outros planos pra mim.
Eu poderia estar prestes á me tornar uma dessas histórias, paralelas ao caos da cidade grande, á atrasos de aviões e engarrafamentos no trânsito. Á placares de jogos de futebol e coletivas de imprensa. Não tinha como ter nenhuma noção disso. Chega a ser engraçada a inevitabilidade das coisas.
O carro parou na frente do hotel onde eu deixara o técnico da seleção inglesa nada satisfeito com minha falta de simpatia naquele mesmo dia mais cedo. Olhei pra Lia, a sobrancelha erguida, genuinamente surpresa com o rumo que aquela noite parecia estar tomando.
- O que a gente ta fazendo aqui? Achei que você tinha encerrado o trabalho por hoje – olhei para o meu vestido azul que terminava a quase dois palmos do meu joelho e tinha a cintura marcada por duas aberturas laterais; não era roupa pra trabalho.
- E encerramos, claro que encerramos! Só que um dos melhores bares da cidade, por acaso, é o desse hotel, e eu não poderia te levar á outro lugar que não aqui – eu já sabia antes que ela falasse, que aquela era a hora da frase de efeito clichê – O melhor para a melhor.
E ela sabia que eu sempre era vencida por suas frases de efeito clichês.
Descemos do carro, que não estaria á nossa disposição pelo resto da noite porque, tecnicamente, só deveríamos usá-lo como veículo oficial, e entramos no hotel. “Um dos melhores bares da cidade” ficava no canto esquerdo do hall de entrada, acessível por portas duplas de vidro. Eu conseguia ver por trás delas luzes nas mesmas cores do meu vestido, e me perguntei se Lia me arrastara para um bar ou para uma boate intimista. Ela abriu a porta e a música e a fumaça nos envolveram. Era tudo o que eu queria, ficar com o cabelo fedendo e sem tempo de lavá-lo.
A ironia me fez rir quando eu percebi que tocava a música da Shakira pra copa, aquela com uma participação do Carlinhos Brown tão pequena quanto a da Claudia Leitte na música oficial. E a ironia quase me fez chorar quando o refrão começou e eu encontrei os olhos de Joe Hart, sentado com Wilshere e Rooney em uma mesa no canto do bar, virados pra mim.
“Is it true that you want it? Then act like you mean it” nunca me pareceu de verdade uma expressão significativa, até aquele momento, inserida naquele contexto.
- Que porra eles estão fazendo aqui? – me esforçava para que o choque não chegasse ao meu rosto e se tornasse perceptível. Eles tinham um jogo difícil no dia seguinte, mas a julgar pelas caipirinhas na mesa do bar, discordavam de mim quanto ao nível de dificuldade a ser enfrentado - Parece que o trabalho vai sempre estar por perto – Lia percebeu no meu tom de voz que eu não estava feliz em constatar aquilo – Vou pegar uma mesa, me arranje uma dose dupla de tequila.
Eu não queria admitir, mas a verdade é que ele estava do outro lado do bar, acompanhando cada passo que eu dava pra longe dele e de seu campo de visão. Talvez fosse raiva o que ele sentia, por eu tê-lo feito parecer um adolescente inconsequente; mas talvez não. Consegui achar uma mesa bloqueada por uma pilastra que também me privava de um pedaço da mini pista, mas não era uma perda significativa. Não sei quanto tempo a Lia ia fazer aquilo durar, mas não queria ter que aguentá-lo olhando pra mim daquele jeito. Eu precisava daquilo - de uma pausa antes que as coisas entrassem no modo hard -, mas não sabia se conseguiria com ele tão perto. Até porque, os efeitos que ele causava em mim iam muito além de só estresse.
Talvez a Lia estivesse certa e eu só precisasse beber. E transar.
Por cinco minutos eu fiquei sentada na mesa, cantarolando e batendo as unhas na madeira, que não viam esmalte nenhum á semanas. No sexto minuto comecei á estranhar a demora da Lia. Era sexta-feira e até tinha uma quantidade razoável de pessoas por ali, mas não o suficiente pra que fosse assim tão difícil arranjar uma bebida. Ou algum gringo tinha chegado nela e ela se esquecera de mim ou ela se engraçara com o barman. No sétimo minuto eu já estava em um alto nível de impaciência, considerando muito a possibilidade de levantar e perder a mesa pra procurá-la pelo bar. No oitavo minuto começou a tocar Partition, o que fez com que eu pensasse em esquecer da Lia e fosse dançar sozinha. Que ela voltasse pro hotel sem mim também, com ou sem barman ou gringo charmoso. No nono minuto, quando resolvi levantar, assisti Joe Hart em câmera lenta contornar a pilastra que me servira de escudo e sentar no banco destinado a Lia. Ele tinha uma dose de tequila na mão que eu suspeitava que era a minha, mas não tive a chance de perguntar porque ele entornou o líquido pela garganta, sem sal nem limão, antes de sentar-se à minha frente.
- Abandonaram você? – ele fez a pergunta sorrindo, e o sorriso dele combinado com o olhar me fez ter certeza de que ele sabia o motivo de eu estar ali sozinha.
- Pois é, e você não perdeu tempo em vir me fazer companhia, não é? - ele riu e eu quis arrancar o sorriso da boca dele com minhas unhas sem esmalte. Vestido casualmente ele conseguia ser ainda mais gostoso. O cheiro ainda estava lá, junto com o cabelo bagunçado e as mãos enormes. Aquelas mãos... Nunca dei muita importância pra mãos, mas elas faziam muita diferença, como pagar mais caro por um quarto de hotel só pelo menu de travesseiros. As mãos dele pareciam valer o alto custo; não poderia esperar menos delas, por serem mãos de um goleiro. Eu comecei a gostar da ideia de investir para tê-las embaixo do meu vestido. Céus, nem ao menos poderia culpar o álcool por aquele tipo de pensamento, sóbria como estava – A tequila era minha?
- Acontece que a sua amiga é muito mais simpática do que você e parou pra falar com a gente.
- E ficou.
- E ficou – ele riu – Na verdade, Jack deu um bom motivo pra ela querer ficar.
- Se ofereceu pra uma partida de Twister?
- Digamos apenas que o banheiro vai ficar ocupado por um tempo – ele sorriu e malícia escorria por entre seus lábios.
- Você é um babaca.
- Já ouvi coisas piores.
- Aposto que ouviu - eu ri, coisa que ele não esperava que eu fizesse, pois ergueu as sobrancelhas, surpreso. Talvez eu tivesse um adversário à altura e aquele jogo fosse divertido de se jogar - Eu ainda quero minha bebida.
Ele se inclinou na mesa quando o refrão começou, e por ter mais ou menos uns cinquenta centímetros de diâmetro, conseguiu, com isso, ficar bem próximo.
- Pode pegar da minha língua, se quiser.
Não me permiti demonstrar minha surpresa. Meu Deus, ele estava flertando comigo! As palavras, só a malícia nelas, foram o suficiente pra fazer minhas coxas apertarem-se uma contra a outra. Como eu queria me inclinar e sentir a acidez da tequila de sua língua! E eu podia fazer isso, não existia nenhum impedimento físico! Minha autoestima, entretanto, seria esmagada como se fosse uma barata assim que eu o beijasse naquelas circunstâncias, e estava gritando em meu cérebro pra eu não deixá-la ser quase exterminada. Seria o mesmo que dizer que eu estava disponível pra uma rapidinha no banheiro mais próximo em qualquer momento que ele quisesse. Cair de forma explícita numa cantada barata, mesmo que a queda já tivesse ocorrido, seria provar que ele me tinha nas mãos. Homens gostam dessa coisa de ter controle sobre algo e eu não daria aquele gostinho á ele.
- Você adoraria, não é? Que eu fizesse isso – venci a distância que nos afastava e respirei fundo, meu hálito batendo no lábio entreaberto dele. O ar estava denso e eu estava me segurando muito pra conter os avanços dele e a minha vontade de beijá-lo – Nem se fosse a última dose de tequila do mundo.
Levantei da mesa com mais pressa do que eu previa e pensei que fosse escorregar, mas andei fina e plena até a porta do bar. Não encontrei Lia no meio do caminho e nem meu bom senso; que saída mais clichê, por Deus! Mas eu me conhecia bem o suficiente pra saber que era melhor ir embora antes que eu fizesse uma cena, feito uma criança birrenta. E o Hart ficaria sentado, rindo do meu descontrole, esperando o momento certo pra apertar o botão que me relaxaria – que era o equivalente á ele me agarrar pela cintura e me fazer sentir o gosto da tequila á força.
Nada mais de saidinhas casuais durante aquele mês.
Eu deixei minha equipe ir na frente e fui até o quarto trocar de sapato e deixar minha bolsa. A mala de tamanho médio já estava aos pés da minha cama, que me parecia muito convidativa com um edredom branco. Peguei uma sapatilha azul escura e tirei o iPad e o celular da bolsa. Conferi se o treino da seleção estava marcado e se a academia do hotel estava reservada, então larguei o tablet em cima da cama e fui em direção aos elevadores.
Nesse meio tempo, eu podia sentir na base da nuca que já suava. Prendi meu cabelo em um coque e tentei concertar a maquiagem que lentamente derretia com um lenço umedecido, antes que minhas olheiras ficassem á mostra. Fazia um calor dos infernos ali, mesmo com a refrigeração do hotel. Eu teria que pedir pra manterem o ar condicionado do quarto dos jogadores um pouco abaixo da média. E recomendar sauna pra eles também.
O elevador parou no oitavo andar e, quando as portas se abriram, Claudio Marchisio estava lá dentro.
Eu tinha que parar de me deslumbrar com aqueles jogadores, mas era muito difícil. Esportistas em geral tem um tipo físico padrão. Nadadores têm costas e ombros largos e coxas grossas. Tenistas têm panturrilhas grossas e firmes. Jogadores de futebol, entretanto, são abençoados e tem todas as partes do corpo esculpidas por Michelangelo. Por causa dos treinos e da rotina que eles levam, e também os jogos em si, que exigem muito esforço físico. Claudio Marchisio era o exemplo perfeito das bênçãos do futebol na vida de um homem. Eu só faltava babar.
- Desculpe, mas você é Blatter? A sobrinha de Joseph?
- Por acaso venho a ser – sorri, surpresa. Não era muito comum que as pessoas me reconhecessem de cara, mesmo aqueles inseridos no meio futebolístico.
- Um prazer te conhecer, bella – concentrei toda a minha força pra não me derreter pelo pseudo elogio.
Ele era indecentemente bonito. Toda a composição, das tatuagens que eu conseguia ver no braço, passando pelo maxilar marcado com a barba rala e pelos olhos, que mesmo tão de perto, eu não conseguia decidir se eram verdes ou azuis. Só sabia que eu não conseguia parar de olhar pra eles; eram a cor do mar do Caribe que eu me lembrava de uma antiga viagem. Todo aquele pacote embrulhado em uma roupa casual e era ele quem me chamava de bella.
- O prazer é todo meu – apertei sua mão e sorri, contida. Não demonstrar interesse, , não demonstrar interesse.
- Está indo ao restaurante?
- Sim, tenho que conferir se está tudo certo pra vocês durante a estadia.
- Então você é responsável pelo nosso bem estar?
- Digamos que eu e mais algumas muitas mãos.
- Mas parece tão jovem!
- Como sabe? Eu posso ter trinta e tantos anos e várias aplicações de botox! – ele riu alto, as duas mãos no bolso.
- Você mente muito mal, bella.
Eu ainda sorria quando chegamos ao restaurante e fui recebida pelo técnico da seleção de forma mais calorosa do que podia prever – e com mais elogios que me custaram muito esforço pra que eu não ficasse encabulada. Talvez fosse verdade o que estavam dizendo no twitter, que os italianos estavam sendo todos muito simpáticos por onde passavam. Sempre achei uma rede social inútil, mas se até o Papa criara uma conta, revi meus conceitos e consegui achar utilidade. Deixei os números do meu celular e do meu quarto com Cesare, me prontificando a atender á qualquer dúvida ou necessidade de qualquer um deles - o mesmo discurso de sempre. Comentei da sauna, que era uma estratégia que eles já estavam usando na Itália e também falei da simpatia. Brasileiros prezam esse tipo de coisa e não seria nenhum sacrifício. Finalmente fui para minha mesa checar quais opções de carboidrato o restaurante do hotel oferecia; estava faminta.
Eu comi e subi pra dormir, super contente que teria um tempinho pra descansar antes de acompanhar os treinos – porque surpreendentemente, até isso era da minha conta. Eu precisaria ter certeza de que o gramado fora aprovado – já que rolaram algumas polêmicas sobre ele -, se o vestiário estava suficientemente refrigerado, se tinham bebidas e toalhas em número satisfatório...
Não demoraria muito tempo até que eu virasse uma neurótica com pequenos detalhes.
Tirei meu vestido, diminuí a temperatura do ar condicionado e soltei o cabelo, penteando com os dedos mesmo. Tomaria um banho e dormiria duas horas antes de ir pra Arena da Amazônia preparar tudo para o treino.
Ou era isso o que eu tinha planejado antes de colocar a cabeça no travesseiro e não conseguir pregar os olhos.
Era compreensível meus hormônios serem afetados pelo tanto de homem bonito que eu encontrei, levando em conta que minha vida sexual não estava muito movimentada á alguns meses. Eu não tivera tempo, no fim das contas, pra uma transa casual no meio de toda a preparação para a Copa. Até na minha maldita vida sexual esse evento conseguiu se meter. A maldita vida sexual que já era escassa.
Lia dizia que sessenta por cento do meu estresse era por conta da minha vida sexual escassa. Isso me estressava mais ainda. Eu não achava divertido o simples ato de se abrir as pernas e conseguir um orgasmo só porque achara um cara gostoso além do normal. Não que sexo devesse ser divertido, mas dessa forma mecânica não tinha graça. Não era demais pedir um pouco de química e um pouco mais de intensidade; sexo deveria ser sobre mais do que só tesão.
Eram essas coisas que eram difíceis de achar, ainda mais com tempo livre escasso. Esses pequenos detalhes com os quais eu me importava muito á muito tempo.
Talvez fosse culpa do atraso, mas eu não parava de sentir o perfume do Hart rodeando o ar ao meu redor, como se estivesse entranhado na minha pele, e aquilo causava efeitos na minha calcinha. Eu continuaria em negação constante, me recusando á acreditar que aquele ser causava algum tipo de efeito sobre mim. Sua arrogância ocuparia o espaço suficiente pra nós dois em um ambiente pequeno como um quarto.
E só de imaginá-lo no meu quarto meu sono foi embora de vez.
Eram oito horas da noite, horário de Manaus, e fazia 27oC na Arena da Amazônia – umidade relativa do ar de 76%. Antes mesmo que começasse, eu já sabia que não seria um treino fácil.
A seleção da Itália já estava se aquecendo – e as câmeras já disparavam flashes para eles. Era bom que aproveitassem, porque o treino só seria aberto para a imprensa durante 15 minutos. Como sempre isso renderia especulações e exageros. “O que os italianos estão preparando para a Inglaterra em sua estreia?”, seria o título de uma mini reportagem, provavelmente do Corriere dello Sport. Era o que todos queriam saber e só descobririam na tarde seguinte.
Eu estava parada em pé próxima aos bancos, outra lata de Red-Bull em uma das mãos e o iPad na outra. Horários, lembretes, alarmes, e-mail, sites de notícias abertos; tudo naquele tablet. Era necessário muito foco e controle absoluto em tudo pra fazer o que eu fazia. Teoricamente, estressada por natureza como sempre fui, não era o trabalho mais recomendado pra mim, mas eu vinha conseguindo lidar bem com ele. Se as muitas latas de Red-Bull não me fizessem ter um infarto aos 24 anos, eu sairia quase ilesa do evento.
Fisicamente falando.
O técnico da Itália, Cesare Prandelli, de quem eu gostava muito de repetir o nome por causa da pronúncia, sentou do meu lado e bebeu metade de uma garrafa de Gatorade de um gole, como se ficar em pé roubasse muito líquido de seu corpo. E talvez fosse assim que ele se sentisse, com aquela quentura inexplicável subindo do gramado. Ele não era muito bonito, mas aparentava ter sido, alguns anos antes. Ainda tinha aquele charme europeu intrínseco no jeito de falar e de gesticular – o que ele fazia muito e ao mesmo tempo.
- Você gosta de futebol, bella? – ele me perguntou, quando os seguranças começaram á acompanhar os repórteres pra fora do estádio.
A forma descontraída com a qual ele pronunciou a palavra bella me fez pensar na forma como Marchisio havia dito aquilo pra mim, algumas horas antes. Era a mesma palavra, mas parecia ter conotações diferentes. Como se pra Cesare não fosse um elogio, só um pronome, e Marchisio quisesse dizer que eu era linda de verdade. Claro que o mais provável era que eu estivesse ficando maluca e os italianos fossem assim mesmo, calorosos, e chamassem todas as mulheres de bella, como se fosse uma gíria para “senhorita”.
- Gostar não é bem o verbo, senhor – mesmo que gostasse de pronunciar seu nome, paguei de educada. Ele era mais simpático do que o técnico da Inglaterra, então merecia meu esforço – Ainda existem coisas que não fazem muito sentido pra mim, mas aprendi a apreciar.
- Bonita a forma como você colocou isso. Como apreciador, acima de técnico, vejo o futebol como uma arte.
Era claro que eu não via, assim como também não achava a pintura O Grito, uma obra de arte. Pra ser sincera, também não vi muita graça na Mona Lisa, ocupando sozinha uma parede inteira do museu do Louvre. O conceito de arte é variável, de pessoa pra pessoa, dependente de fatores externos como nível cultural e experiências de vida. Se o técnico da seleção italiana achava que futebol era arte, quem era eu pra falar que não era?
- Talvez o senhor esteja certo.
Ele gostou da minha resposta; ela dava espaço para que ele explicasse sua tese.
- Veja bem como funciona: eu pego esse monte de atletas e trabalho duro com eles – acredite quanto ao trabalho duro. É como uma escola: temos que dar regras e disciplinar e nenhum deles é suscetível á regras nessa fase da vida. Alguns dos mais jovens, talvez, mas não todos. Então eu trabalho duro com eles, estabeleço metas, cobro resultados. Vou moldando seu estilo de jogar até ficar do jeito que eu quero. Como um artesão faz com um vaso de cerâmica. E se o conceito de arte é estimular a mente humana, as emoções, ampliar perspectivas, o que mais o futebol poderia ser, se não arte?
Ele falava com paixão. Era inspirador. Era como um pastor tentando convencer céticos á entrarem em sua igreja, experimentarem uma dose de suas palavras e ficarem para mais, caso gostassem – e sendo muito bem sucedido nisso. Se palavras e confiança fossem o suficiente, ele ganharia a Copa do Mundo, igualando a quantidade de títulos da Itália á do Brasil. Mas era preciso demonstrar aquela visão de futebol no campo, e mesmo que ele jogasse, nenhum jogador sozinho faz uma seleção.
- Ela vai se cansar de seus discursos, Cesare.
E lá estava Marchisio, aquele que me chamara de bella no real sentido da palavra, aquele que estava á menos de dois metros de mim exalando um cheiro maravilhoso e ridículo de suor e perfume, que seria nojento vindo de outra pessoa, mas dele era delicioso. Tentei evitar sorrir, mas nenhum esforço teria contido meus lábios de se curvarem. Pela presença e pelo inglês com sotaque forte.
- Não se preocupe, seu professor aqui é coerente no que fala, estou suficientemente entretida.
- Não é entretenimento suficiente nos ver jogar?
- A graça é quando é pra valer! O jogo de vocês vai me entreter só amanhã.
Ele sorriu pra mim e despejou uma garrafa de água gelada na cabeça. Foi um clichê de merda naquela hora. Vi cada gotinha descer em câmera lenta pelo seu rosto, entrando pela camisa do uniforme, deixando o tecido azul ainda mais escuro. Quis lamber cada uma delas. Congelei. Era o tipo de pensamento condenável que eu não tinha desde os dezesseis anos, quando os hormônios estão impossíveis, se manifestando em horas e com pessoas erradas.
Em poucos segundos, me peguei pensando em sua estranha simpatia, seus elogios dirigidos á mim, aquele clima pesado que não parecia ser por culpa da alta umidade do ar. Fiquei procurando razões em tudo aquilo, motivos plausíveis para aquela aproximação. Logo me reprimi; não havia nada de estranho em frases inofensivas e muito menos em ser simpático. Se eu recebera educação, mesmo que uma mista, ele poderia ter recebido também.
- Esse é o espírito, bella! – Cesare apertou meu ombro, me trazendo de volta pro presente. Sorri, um sorriso automático, quase sem graça, como se tivesse sido pega no flagra. O olhar de Marchisio pra mim parecia o de alguém que tinha pego outra pessoa no flagra. Engoli seco e tentei me recompor; não demonstrar fraqueza, não demonstrar interesse – Agora volte para o campo e foque no ataque pela esquerda com o Matteo e o Pirlo.
Claudio assentiu, como um cachorro treinado recebendo ordens e pronto para executá-las. Ele respirava fundo, com calma, tentando adaptar o próprio corpo ao ambiente. Imaginava que deveria ser difícil, se eu sentada ás vezes me pegava com falta de ar.
- Sei que não sou especialista, senhor, mas estou curiosa: acha que estão prontos para amanhã, nessas condições, contra a Inglaterra?
- Nós não só estamos prontos, como vamos ganhar amanhã, mia cara! – e ele sorria, mas não um sorriso de quem era apenas prepotente, era um sorriso de quem falava sério.
Acreditei naquele sorriso e no que ele queria dizer.
Enquanto eu era arrastada para fora do meu quarto por uma Lia sorridente, o cansaço parecia se estabilizar sobre meus ombros. Eu não queria sair, não tinha estrutura para aquilo! Eram dez e quarenta e seis e tudo o que eu queria era me enrolar em um edredom e dormir as poucas horas que me restavam até o dia seguinte, como um adulto responsável faria. Dia de jogo era mais corrido; mesmo a partida só começando ás 18h e mesmo os jogadores só indo pra lá ás 16h, eu tinha que começar a cuidar de tudo bem cedo. Até da porcaria do café da manhã e do almoço. Nem da minha alimentação eu conseguia cuidar, e tinha que cuidar da deles!
Mas não, a Lia zen que conseguira tempo para fazer yoga durante as horas em que eu me estressava, a Lia que sabia canalizar suas energias pra ter pique de sobra, me tirara do quarto e me fizera colocar um sapato dela que espremia o meu pé e tudo aquilo supostamente uma hora ficaria divertido. Eu enxergava muitas possibilidades e nenhuma delas me parecia divertida. Eu já estava puta da vida antes de pisar na calçada.
- Você não vai me estressar, , eu saí da yoga há algumas horas e estou completamente imune á qualquer argumento que você venha a usar! – eu suspirei, entrando no carro – É só uma horinha, um drinque ou dois, música boa... E eu e você sabemos que algum gringo de passagem vai cruzar com você.
- Além de hispter virou vidente agora?
- Só fica quieta até a gente chegar! Depois da primeira dose você fica mais divertida.
Fiquei encarando a janela do carro, em silêncio, durante todo o caminho. Manaus era uma cidade bonita, histórica e rica em identidade cultural. Como uma cidade grande, escondia muitas coisas em vielas e ruas cujos nomes eu não sabia. Eu me interessava por esses aspectos, os que não eram revelados, os que tínhamos que correr atrás pra descobrir. A verdadeira história de Manaus que muitos de seus próprios moradores poderiam não conhecer. Eu poderia procurar essas histórias um dia, mas não naquele. Lia e o universo já tinham outros planos pra mim.
Eu poderia estar prestes á me tornar uma dessas histórias, paralelas ao caos da cidade grande, á atrasos de aviões e engarrafamentos no trânsito. Á placares de jogos de futebol e coletivas de imprensa. Não tinha como ter nenhuma noção disso. Chega a ser engraçada a inevitabilidade das coisas.
O carro parou na frente do hotel onde eu deixara o técnico da seleção inglesa nada satisfeito com minha falta de simpatia naquele mesmo dia mais cedo. Olhei pra Lia, a sobrancelha erguida, genuinamente surpresa com o rumo que aquela noite parecia estar tomando.
- O que a gente ta fazendo aqui? Achei que você tinha encerrado o trabalho por hoje – olhei para o meu vestido azul que terminava a quase dois palmos do meu joelho e tinha a cintura marcada por duas aberturas laterais; não era roupa pra trabalho.
- E encerramos, claro que encerramos! Só que um dos melhores bares da cidade, por acaso, é o desse hotel, e eu não poderia te levar á outro lugar que não aqui – eu já sabia antes que ela falasse, que aquela era a hora da frase de efeito clichê – O melhor para a melhor.
E ela sabia que eu sempre era vencida por suas frases de efeito clichês.
Descemos do carro, que não estaria á nossa disposição pelo resto da noite porque, tecnicamente, só deveríamos usá-lo como veículo oficial, e entramos no hotel. “Um dos melhores bares da cidade” ficava no canto esquerdo do hall de entrada, acessível por portas duplas de vidro. Eu conseguia ver por trás delas luzes nas mesmas cores do meu vestido, e me perguntei se Lia me arrastara para um bar ou para uma boate intimista. Ela abriu a porta e a música e a fumaça nos envolveram. Era tudo o que eu queria, ficar com o cabelo fedendo e sem tempo de lavá-lo.
A ironia me fez rir quando eu percebi que tocava a música da Shakira pra copa, aquela com uma participação do Carlinhos Brown tão pequena quanto a da Claudia Leitte na música oficial. E a ironia quase me fez chorar quando o refrão começou e eu encontrei os olhos de Joe Hart, sentado com Wilshere e Rooney em uma mesa no canto do bar, virados pra mim.
“Is it true that you want it? Then act like you mean it” nunca me pareceu de verdade uma expressão significativa, até aquele momento, inserida naquele contexto.
- Que porra eles estão fazendo aqui? – me esforçava para que o choque não chegasse ao meu rosto e se tornasse perceptível. Eles tinham um jogo difícil no dia seguinte, mas a julgar pelas caipirinhas na mesa do bar, discordavam de mim quanto ao nível de dificuldade a ser enfrentado - Parece que o trabalho vai sempre estar por perto – Lia percebeu no meu tom de voz que eu não estava feliz em constatar aquilo – Vou pegar uma mesa, me arranje uma dose dupla de tequila.
Eu não queria admitir, mas a verdade é que ele estava do outro lado do bar, acompanhando cada passo que eu dava pra longe dele e de seu campo de visão. Talvez fosse raiva o que ele sentia, por eu tê-lo feito parecer um adolescente inconsequente; mas talvez não. Consegui achar uma mesa bloqueada por uma pilastra que também me privava de um pedaço da mini pista, mas não era uma perda significativa. Não sei quanto tempo a Lia ia fazer aquilo durar, mas não queria ter que aguentá-lo olhando pra mim daquele jeito. Eu precisava daquilo - de uma pausa antes que as coisas entrassem no modo hard -, mas não sabia se conseguiria com ele tão perto. Até porque, os efeitos que ele causava em mim iam muito além de só estresse.
Talvez a Lia estivesse certa e eu só precisasse beber. E transar.
Por cinco minutos eu fiquei sentada na mesa, cantarolando e batendo as unhas na madeira, que não viam esmalte nenhum á semanas. No sexto minuto comecei á estranhar a demora da Lia. Era sexta-feira e até tinha uma quantidade razoável de pessoas por ali, mas não o suficiente pra que fosse assim tão difícil arranjar uma bebida. Ou algum gringo tinha chegado nela e ela se esquecera de mim ou ela se engraçara com o barman. No sétimo minuto eu já estava em um alto nível de impaciência, considerando muito a possibilidade de levantar e perder a mesa pra procurá-la pelo bar. No oitavo minuto começou a tocar Partition, o que fez com que eu pensasse em esquecer da Lia e fosse dançar sozinha. Que ela voltasse pro hotel sem mim também, com ou sem barman ou gringo charmoso. No nono minuto, quando resolvi levantar, assisti Joe Hart em câmera lenta contornar a pilastra que me servira de escudo e sentar no banco destinado a Lia. Ele tinha uma dose de tequila na mão que eu suspeitava que era a minha, mas não tive a chance de perguntar porque ele entornou o líquido pela garganta, sem sal nem limão, antes de sentar-se à minha frente.
- Abandonaram você? – ele fez a pergunta sorrindo, e o sorriso dele combinado com o olhar me fez ter certeza de que ele sabia o motivo de eu estar ali sozinha.
- Pois é, e você não perdeu tempo em vir me fazer companhia, não é? - ele riu e eu quis arrancar o sorriso da boca dele com minhas unhas sem esmalte. Vestido casualmente ele conseguia ser ainda mais gostoso. O cheiro ainda estava lá, junto com o cabelo bagunçado e as mãos enormes. Aquelas mãos... Nunca dei muita importância pra mãos, mas elas faziam muita diferença, como pagar mais caro por um quarto de hotel só pelo menu de travesseiros. As mãos dele pareciam valer o alto custo; não poderia esperar menos delas, por serem mãos de um goleiro. Eu comecei a gostar da ideia de investir para tê-las embaixo do meu vestido. Céus, nem ao menos poderia culpar o álcool por aquele tipo de pensamento, sóbria como estava – A tequila era minha?
- Acontece que a sua amiga é muito mais simpática do que você e parou pra falar com a gente.
- E ficou.
- E ficou – ele riu – Na verdade, Jack deu um bom motivo pra ela querer ficar.
- Se ofereceu pra uma partida de Twister?
- Digamos apenas que o banheiro vai ficar ocupado por um tempo – ele sorriu e malícia escorria por entre seus lábios.
- Você é um babaca.
- Já ouvi coisas piores.
- Aposto que ouviu - eu ri, coisa que ele não esperava que eu fizesse, pois ergueu as sobrancelhas, surpreso. Talvez eu tivesse um adversário à altura e aquele jogo fosse divertido de se jogar - Eu ainda quero minha bebida.
Ele se inclinou na mesa quando o refrão começou, e por ter mais ou menos uns cinquenta centímetros de diâmetro, conseguiu, com isso, ficar bem próximo.
- Pode pegar da minha língua, se quiser.
Não me permiti demonstrar minha surpresa. Meu Deus, ele estava flertando comigo! As palavras, só a malícia nelas, foram o suficiente pra fazer minhas coxas apertarem-se uma contra a outra. Como eu queria me inclinar e sentir a acidez da tequila de sua língua! E eu podia fazer isso, não existia nenhum impedimento físico! Minha autoestima, entretanto, seria esmagada como se fosse uma barata assim que eu o beijasse naquelas circunstâncias, e estava gritando em meu cérebro pra eu não deixá-la ser quase exterminada. Seria o mesmo que dizer que eu estava disponível pra uma rapidinha no banheiro mais próximo em qualquer momento que ele quisesse. Cair de forma explícita numa cantada barata, mesmo que a queda já tivesse ocorrido, seria provar que ele me tinha nas mãos. Homens gostam dessa coisa de ter controle sobre algo e eu não daria aquele gostinho á ele.
- Você adoraria, não é? Que eu fizesse isso – venci a distância que nos afastava e respirei fundo, meu hálito batendo no lábio entreaberto dele. O ar estava denso e eu estava me segurando muito pra conter os avanços dele e a minha vontade de beijá-lo – Nem se fosse a última dose de tequila do mundo.
Levantei da mesa com mais pressa do que eu previa e pensei que fosse escorregar, mas andei fina e plena até a porta do bar. Não encontrei Lia no meio do caminho e nem meu bom senso; que saída mais clichê, por Deus! Mas eu me conhecia bem o suficiente pra saber que era melhor ir embora antes que eu fizesse uma cena, feito uma criança birrenta. E o Hart ficaria sentado, rindo do meu descontrole, esperando o momento certo pra apertar o botão que me relaxaria – que era o equivalente á ele me agarrar pela cintura e me fazer sentir o gosto da tequila á força.
Nada mais de saidinhas casuais durante aquele mês.
Três
Quando o juiz deu o apito e a bola rolou, sentei no banco vazio mais próximo e respirei fundo.
Desde o início dos preparativos para o evento e do evento em si, eu não me lembrava de um dia tão cansativo. Levantara da cama ás seis e meia e, depois de um banho super rápido, desci pro restaurante pra checar junto às equipes o cardápio do café da manhã e almoço dos jogadores. Eles não comeriam nada com alto teor de gordura, como bacon, chocolate e massas folhadas. Predominavam os carboidratos, com muitos tipos de macarrão e arroz, além de carne branca e saladas. O resto da equipe tinha todo o menu do restaurante do hotel á disposição. Senti pena deles, mas enquanto comia minha torrada com Nutella sem saber quando seria minha próxima refeição, percebi que eles é que eram os sortudos, com os horários regulados e os check-ups frequentes. Antes de ir pro hotel da seleção inglesa ainda chequei o ônibus que levaria a seleção italiana pro estádio no estacionamento do Quality.
O técnico da seleção inglesa me esperava no saguão quando cheguei ao outro hotel. Ver sua silhueta pelas portas de vidro não me agradou muito, mas forcei simpatia do mesmo jeito que havia feito no dia anterior e perguntei se ele precisava de alguma coisa. Meu desagrado aumentou quando tudo o que ouvi foi ele tentando me ensinar á fazer meu trabalho, listando tudo o que seus meninos não poderiam comer em hipótese nenhuma. E me lembrando de que eu deveria ter certeza de que o ônibus estava em boas condições assim como se o vestiário tinha tudo o que os jogadores poderiam precisar, e se eu estava preparada para eventuais situações de pânico. Foi difícil segurar a língua e meu temperamento; eu merecia um bônus por ter que lidar com aquele tipo de pessoa prepotente.
A parte mais estressante nem fora essa; os hotéis eram paraísos comparados com o estádio e seus arredores. Demorou muito mais do que os quinze minutos habituais entre o hotel e o estádio, já que algumas das ruas de acesso foram fechadas e o restante estava lentamente se transformando em um estacionamento a céu aberto. E uma vez no estádio, com a segurança já reforçada, mesmo com as credenciais foi um parto entrar lá. A maratona pela infinidade de corredores e salas cansou minhas pernas e causou minha fome, então tratei de comer um salgadinho enquanto ainda não precisava ir para perto do gramado.
Toalhas, bebidas e segurança verificadas e eu finalmente sentei pra respirar, com a quarta latinha de Red-Bull do dia. A probabilidade de que eu tivesse um ataque cardíaco só aumentava. Se eu de fato chegasse a ter um naquele dia a culpa poderia ser de inúmeras outras coisas, o energético era apenas mais um adendo às probabilidades.
Nos primeiros quinze minutos de jogo eu só tentei recuperar as forças. Mandei mensagem pra Lia, querendo saber aonde ela se enfiara, já que as dez mil tarefas que ela tinha pra fazer eram, aparentemente, longe de mim. Não a via desde a noite anterior, e mesmo não levando ao pé da letra o que o Hart dissera sobre ela e o Wilshere, queria muito saber o que a fizera me abandonar sozinha numa mesa de bar. Que fosse, de fato, um motivo muito bom.
Ao deixar o celular de lado, comecei á prestar atenção no pé de quem a bola estava. A posse de bola era predominantemente da Itália, mas isso não estava parecendo fazer muita diferença. Imaginei como Cesare estava do coração, mas não pude ir perguntar. Não era muito ético os funcionários se relacionarem de forma além da profissional com as equipes, muito menos em meio público. Na maioria dos empregos, relacionamentos desse tipo eram desencorajados. Ali, na beira do gramado, pensei que esse tipo de regra estava dentro da lista das regras mais quebradas da humanidade.
A quinze minutos de acabar o primeiro tempo, a posse de bola quase invicta começou a trazer resultados. Pirlo fez uma jogada incrível e aos trinta e quatro minutos Marchisio marcou o primeiro gol. Não pude deixar de sorrir e de ficar feliz por eles, principalmente por Cesare, que tinha tanta confiança em seus meninos e deveria sentir naquele gol algo parecido com o gosto do chocolate que eles não puderam comer no café da manhã.
A comemoração italiana não durou muito porque logo Sturridge fez o primeiro gol da Inglaterra, empatando o jogo.
Pouco tempo depois veio o intervalo – e uma ligação da Lia.
No fim das contas eu não a vira mais durante a noite anterior e nem antes do jogo. Se ela de fato tivesse sumido com o Wilshere, me devia muitas explicações.
- Eu sei que você quer me matar.
- Que bom que você desenvolveu mais uma habilidade além da calma excessiva. Agora já consegue ler mentes!
- Não venha reclamar comigo! Se você tivesse um pouquinho de inteligência teria feito o mesmo que eu, só que com o Hart.
- Então você realmente deu pro Wilshere no banheiro do bar. Quanta classe, Lia!
- No banheiro do bar, no quarto dele, no banheiro dele... Classe é o que me falta e o que menos me importa.
- Sua safada!
- Me poupe, )! – a vi saindo dos bastidores e caminhando em minha direção, acenei enquanto ela desligava o celular e continuava o diálogo pessoalmente – Só porque você está numa seca eterna por vontade própria, não desconte na minha pessoa. Seja minha amiga e pergunte se ele é bom de cama.
- Ninguém com quem você transe necessariamente precisa ser bom de cama, com toda a sua elasticidade.
- Idiota – ela me deu um tapinha, mas sorriu. Não conseguiria ficar com raiva dela por muito tempo, eu sabia, mas ela me deixara sozinha numa mesa de bar a qual nem devíamos ter ido, em primeiro lugar, sem nenhuma justificativa plausível.
- Onde você estava, afinal?
- Atrás da imprensa. Depois das vaias da torcida no começo do jogo estão todos preocupados. Precisei sondar o que eles estavam falando sobre isso.
- Bem, ninguém pode culpá-los.
Da comissão técnica italiana, Marcos, o outro brasileiro da minha equipe, acenou pra mim. Mandei Lia checar a Inglaterra e fui em direção aos uniformes azuis. Aparentemente, as garrafas que separei no cooler para eles não eram suficientes. Quando dei meia volta para mandar trazer mais, percebi Marchisio vindo em minha direção com um puta sorriso no rosto. Enchi meu pulmão de ar para não ter que sentir o cheiro dele de novo.
- Bella!
- Não que eu entenda muito de futebol, mas foi um belo gol!
- Grazie – ele sorriu, aparentemente achando fofa a minha falta de jeito – Eu acho que foi sorte.
- Eu chamaria de habilidade – eu meio que andava em ovos enquanto conversava com ele e pensei ter quebrado um deles ao dizer o que disse sorrindo, mas não dava para engolir as palavras – Bem, eu vou buscar mais água e isotônicos pra vocês. Boa sorte no segundo tempo!
- Achei que era habilidade! – ele piscou e sorriu e eu ri, me achando meio estúpida, com raiva dele e de mim mesma.
Não sabia quanto tempo mais eu conseguiria continuar ignorante ao efeito inexplicável que ele tinha sobre mim. Tinha a impressão de que seria muito pouco.
Quando o juiz apitou o final da partida, respirei aliviada e levantei do banco em que estava indevidamente sentada, organizando minhas coisas para ir em direção aos vestiários. Quase um dia a menos naquele mês que mal começara e parecia que não ia acabar nunca.
A Itália ganhou de dois a um e eu conseguia ver o enorme sorriso de Cesare de onde estava. O técnico inglês não parecia nada contente, mas não consegui ficar chateada por isso. Enquanto os jogadores se cumprimentavam e os repórteres quase saíam no tapa por uma entrevista rápida na zona mista, fui em direção aos vestiários para um check up final.
Quando entrei no vestiário da Inglaterra, me deparei com as costas do Hart.
Soltei um riso nasalado. Não porque achei engraçada a imagem dele com a cabeça entre as mãos, a pele das costas vermelha e a respiração pesada. Mas porque parecia um complô do universo colocá-lo sozinho na minha frente, sem camisa, com as costas brilhando de suor e aparentemente com raiva. Os mestres da psicologia tinham teorias interessantes acerca dos comportamentos impulsionados pela raiva. Balancei a cabeça e entrei.
- Veio rir?
Eu fazia a contagem das toalhas quando ouvi sua voz. Estava carregada, mas não com tom de choro. Ele realmente se esforçara no campo, mas não fora o seu dia; eu entendia totalmente ele estar com raiva. Sendo goleiro, não existia muito que o ele poderia fazer além de defender o gol e contar com a eficiência da zaga. Era frustrante, de fato. Portanto, me irritou profundamente ele julgar que eu fora até ali apenas para rir de algo que não era nada engraçado. Futebol poderia não significar grandes coisas para mim, mas era só olhar ao redor pra perceber que significa pra muita gente.
- Não sei porquê diabos eu faria isso. E me ofende você apresentar essa possibilidade – virei em sua direção, uma veia pulsando no meu pescoço – Sinceramente, Hart, pare de achar que me conhece. Se pelo menos sua implicância fosse justificada!
- O que tem pra conhecer? Provavelmente você é igual à sua amiga, interditando banheiros de bares com estranhos.
- Você não fala sobre a Lia – eu não conseguia ver, mas sabia que estava vermelha. Mais um pouquinho e eu enfiaria minha mão na cara dele. Não que eu achasse que fosse causar o menor dos efeitos – E não seja estúpido porque nós dois sabemos que você gostaria de ter interditado banheiros também.
Ele levantou rápido e sua altura, agora que eu me encontrava de tênis, me intimidou. Dei alguns passos cegos pra trás, mas não abaixei a cabeça; nunca fui do tipo que faria isso. Seus olhos verdes faiscavam e sua boca formava uma linha rígida. Eu respirava pesado e rápido e a respiração dele se misturava com a minha, tão próximos estávamos. Pensei que, se eu fosse um objeto, ele já teria me jogado do outro lado do aposento.
- Não se superestime, Blatter, você não é tudo isso.
- Quem disse que eu estava falando de mim?
Minhas costas bateram na estante onde as toalhas estavam. Ele avançava como um predador querendo estraçalhar sua presa, e embora eu não estivesse exatamente com medo, comecei a temer pela minha integridade física. Deveria ter pensado que era óbvio que ele não me faria mal, mas a última coisa que passava pela minha cabeça era a possibilidade de que ele me empurrasse ainda mais contra a estante e apertasse meu quadril. O ar ficou preso em meus pulmões.
- Nem se você fosse a última garota do mundo.
- Então por que você está com a mão na minha bunda?
Talvez eu não devesse ter sorrido. Meu sorriso não era uma demonstração de incômodo, era sarcasmo puro. E eu não sei se foi impulsionado pelo meu sarcasmo ou por seus próprios instintos e motivos que ele me beijou.
Foi bruto e inesperado e eu levei alguns segundos para me situar. Mas aqueles lábios finos nos meus e aquelas mãos enormes apertando meu corpo não me deixaram muito espaço pra nada que não fosse arranhar sua nuca e respirar com força, retribuindo. A língua dele era macia e o cheiro da pele dele... O cheiro me deixava meio tonta e completamente fora de mim.
Talvez a forma como meu corpo respondia ao dele fosse apenas a falta que eu sentia daquele tipo de contato. Mas em menos de um minuto eu tive que afastá-lo para respirar. Sua presença me entorpecia e eu perdia o controle sobre minhas funções. Não eram só hormônios, era aquele mais que condicionava minhas raras transas casuais.
Fiquei esperando que ele dissesse alguma coisa. Encostei a cabeça na estante e o encarei. Meu peito subia e descia e o dele me acompanhava. Desci os olhos pelos seus lábios, seu pescoço, sua clavícula. Acompanhei seus traços e engoli seco. Era sede o que eu sentia, mas não era de algo trivial como água.
Senti suas mãos subindo pelas minhas costas, as unhas curtas arranhando minha pele e entreabri os lábios. Seus dentes marcaram a curva do meu pescoço e eu sentia meu interior pegando fogo. Meu coração começou a bater mais forte quando ouvimos exclamações entrando no vestiário, vindas do corredor. Ele me encarou e eu não soube o que dizer; deixei-me ser arrastada para um dos boxes.
O espaço era pequeno demais para a forma como conduzíamos a situação. Ele não era carinhoso e eu não esperava nem queria que fosse; já estava com tanta raiva por ele me afetar daquela forma e ser um ser humano tão egocêntrico que a última coisa que passava na minha cabeça era carinho. Eu arranhava suas costas, mordia seu pescoço e arrancaria sangue dele se conseguisse, mas ele passeava pelo meu corpo com sua língua e suas mãos enormes e era difícil até respirar. Minhas reações eram atos involuntários; ele me entorpecia de verdade.
- Você poderia ter vindo de vestido – o ouvi dizer, meio ofegante, enquanto tentava tirar minha calça, ajoelhado na minha frente.
- Estou aqui a trabalho, existe um dress code! Além disso, eu não saí de casa com a pretensão de abrir as pernas pra você.
- Está aqui a trabalho? Então o que isso diz sobre você?
Levei mais tempo do que o normal pra entender as palavras dele. Quando as compreendi, foi como um tapa. O ergui pelos cabelos e o empurrei em direção à parede de ladrilhos azuis. Ele sorria e seus olhos brilhavam, mais bonito impossível, mas eu só conseguia sentir raiva.
- Por que você tem que ser tão filho da puta? – liguei o chuveiro.
Quando abri a porta, de sutiã e fechando o botão da calça, lá estava metade da seleção inglesa encarando meus peitos e aquele chupão horroroso perto do quadril. Peguei o primeiro casaco que vi na frente e corri pra fora do vestiário, tentando encontrar minha dignidade pelo caminho.
Se dependesse de Joe Hart, entretanto, eu passaria a vida procurando-a, frustrada.
Ele me alcançou depois de míseros dois corredores de distância, perto dos piores lugares possíveis: o hall da imprensa e a sala da administração geral do estádio. Segurou meu pulso e me virou com força. Seus olhos me diziam que ele estava puto por eu ter saído correndo, quando na verdade eu queria que ele estivesse sentindo muito pela escolha infeliz de palavras.
- Eu sou um merda, desculpa. Não quis dizer aquilo.
Ou talvez eu fosse muito ruim em interpretá-lo.
- Você quis dizer exatamente o que disse, Hart. Agora, larga meu braço.
- Eu vim te pedir desculpas, ), por que você tem que ser tão cabeça dura?
- Acho que estou em pleno direito de ser cabeça dura diante da situação em que você me colocou. Agora larga a porcaria do meu braço!
Tentei me desvencilhar do aperto, mas ele segurava meu pulso com facilidade, de forma firme. Apesar de ter conseguido fechar o casaco até o momento em que ele me encontrou, me sentia nua, deveras exposta com toda aquela situação. Minha blusa e minha credencial jaziam no vestiário da seleção inglesa, e não havia forma de eu voltar a entrar lá depois que parte dos titulares e dos reservas me viram sair de um box de sutiã, com o Hart à tiracolo.
Como ele não soltava meu pulso, resolvi tentar uma abordagem menos agressiva.
- Eu não posso ficar aqui parada o resto da noite – respirei fundo, olhando para os dois lados do corredor, ignorando os olhares aleatórios e desconfiados que recebíamos – Quanto mais cedo você soltar meu pulso, mais cedo a gente pode ir embora e esquecer que isso aconteceu.
- Não quero esquecer, cacete – sua resposta foi rápida e me pegou de surpresa - Quantos anos você acha que eu tenho?
- A julgar pelo seu comportamento, uns quinze.
Ele olhou feio pra mim, mas eu não estava mais com saco para aquilo. Meu tesão tinha escorrido pelo ralo junto com o suor dele quando abri o registro do chuveiro no box do vestiário. Apesar de o cheiro dele não ter ido junto, o desconforto era maior que qualquer fator externo que pudesse nublar meus sentidos. Mas ele ainda segurava meu pulso com firmeza, não parecendo que me deixaria ir. E ele, de fato, não o fez.
Me arrastou pelo corredor até encontrar um dos banheiros, se postando entre mim e a porta, uma muralha maciça. Esfreguei meu pulso, controlando a respiração tal qual Lia me ensinara, para não matá-lo, porque eu queria muito por minhas mãos em volta daquele pescoço e apertá-las ao redor dele até que lhe faltasse ar.
- Com certeza, Joe Hart, quinze anos pra menos.
Demorei um tempo pra processar e quando percebi que ele de fato estava me beijando, mordi seu lábio inferior com força. Joe se afastou instantaneamente, a mão no lábio, checando se eu não tinha lhe tirado sangue, que era mesmo a minha intenção original. Tentei contorná-lo, pensando que minha mordida fora distração o suficiente. Quase consegui. Antes que eu alcançasse a porta, sua mão envolveu meu pulso novamente e seu corpo, graças a deus coberto, na medida do possível, imprensou-me na parede. Ele era resiliente demais e eu era paciente de menos para aquele tipo de situação. Minha próxima ideia era chutá-lo bem no meio das pernas, mas ou essa era a atitude mais lógica ou ele leu meus pensamentos, porque antes que eu o fizesse, ele encaixou seu joelho entre as minhas pernas e a mão sobre meu peito, me imobilizando por completo.
- Qual é o teu problema? - o lábio inferior dele estava levemente inchado e eu me orgulhei pelo dano causado, pensando que poderia ter sido um pouco mais de estrago.
- Qual é o teu problema? De quantas formas diferentes eu preciso falar que é pra você me soltar até que você entenda? Seu cognitivo por acaso está afetado pelo seu ego gigante?
Ele me analisou por um tempinho, ignorando minha observação, fazendo meu plano de tirá-lo do sério e me deixar ir falhar. Eu tentava decifrar o que ele queria através de seus olhos, mas já tinha percebido que ou eu era muito ruim nisso ou ele conseguia contornar minhas habilidades de interpretação pessoal. Então ele tirou a mão do meu peito, apesar de seu joelho permanecer firme entre minhas pernas, não tão encaixado quanto eu gostaria - infelizmente, tinha que admitir minha fraqueza. Seus dedos compridos desenharam a curva do meu pescoço e se postaram em minha nuca, alguns fios de cabelo se embolando entre eles. Ergui a sobrancelha quando percebi a mudança na abordagem. E engoli seco quando me dei conta de que provavelmente funcionaria.
Éramos animais, no fim das contas, não éramos? Com consciência e controle sobre os próprios atos, na maioria das vezes. Na maioria das vezes, não sempre.
- Meu cognitivo está bem, mas talvez tanta negação esteja afetando o seu.
Hart não me beijou de imediato; não, ele brincou com meu psicológico primeiro. Ele amassou minha dignidade entre seus dedos junto com meus cabelos, que ele puxava de maneira a passear entre delicado demais e forte o suficiente pra me fazer querer reclamar, mas não chegar a tanto. Ele me fez pagar língua e deixar meu corpo transparecer que queria aquilo sim, mesmo inconscientemente, enquanto mordia a base do meu pescoço e ameaçava descer pelo fecho aberto do casaco, nunca indo longe o suficiente. Ele me fez ansiar para que aquele maldito joelho se encaixasse direito entre as minhas pernas. Ele me matou de raiva enquanto eu quase implorava por mais contato, que me era negado - e eu queria sentir mais, já que, fora seus lábios, sua mão em meu cabelo e seu joelho, mais nenhuma parte dele me tocava.
Pra tentar disfarçar o estado deplorável em que me encontrava, eu ri, apelando para o sarcasmo.
- Você não é tudo isso, Hart.
Ele não pareceu convencido e eu senti o sorriso na minha pele, sobre a minha clavícula, logo antes de sentir seus dentes. Talvez eu não quisesse de fato convencê-lo; talvez só estivesse buscando tempo pra tentar entender o que eu estava sentindo e arranjar um jeito decente de lidar com aquilo. Era muita coisa acontecendo muito rápido.
- Sabe, Blatter - ele ergueu a cabeça e olhou dentro dos meus olhos ao mesmo tempo em que seu joelho subia, pressionando no lugar certo com força suficiente pra me fazer estremecer. De novo, eu quis matá-lo -, eu acho que sou sim.
Sempre achei desculpa esfarrapada usar Aristóteles e sua teoria acerca da racionalidade do homem pra glorificar celibatários de sucesso ou pessoas que fazem voto de silêncio por toda a vida. Até mesmo a infidelidade possuía justificativas biológicas embasadas pelo comportamento de nossos ancestrais supostamente irracionais. Sempre se esqueciam do mais importante dos agravantes quando usavam esses discursos: a vontade, que a tal racionalidade deveria filtrar, mas não filtrava, porque no fim das contas éramos todos animais esperando o melhor momento para nos saciarmos.
- Vai se foder, Joe Hart - eu disse, antes de jogar qualquer ínfimo resquício de dignidade para o espaço e beijá-lo com vontade. Ele não pareceu surpreso e tal detalhe só me encheu de ainda mais raiva, que eu tentei descontar em seus lábios. Mas ele queria me provar que eu não tinha nenhum controle sobre o que estava acontecendo e o beijo se tornou uma briga silenciosa de egos, apesar de não perder sua intensidade.
- Uh, adoro dirty talking - ele mordeu meu lábio inferior com a pressão certa e de forma deliciosa - Por que não vamos juntos?
- Você age estupidamente como se me conhecesse - levei o dobro de tempo que levaria normalmente pra emitir a frase porque ele não tirava os lábios dos meus. Tirei as mãos de sua nuca, segurando sua cabeça e tentando mantê-lo parado.
- Talvez eu conheça.
Porra nenhuma!
O absurdo de toda aquela situação me tomou de repente. Estávamos em um banheiro público do estádio e era um tremendo milagre que ninguém tivesse aparecido por ali ainda. Os contornos daquele cenário indicavam um único caminho, e por mais que eu já tivesse deixado de lado todo o meu orgulho ao admitir que eu queria mesmo ir pra onde quer que ele quisesse me levar, ali não era lugar e aquela não era a hora. Éramos dois adultos e deveríamos agir como tal.
- Meu quarto é o 806 - achei que ele fosse perguntar algo, mas enquanto olhava nos meus olhos, a compreensão alcançou os dele - Eu realmente tenho coisas a fazer agora.
A mão que estava no quadril subiu até minha cintura, por baixo do casaco. Ele fez um carinho leve na minha pele, me beijando uma última vez e me deixando ir.
Desde o início dos preparativos para o evento e do evento em si, eu não me lembrava de um dia tão cansativo. Levantara da cama ás seis e meia e, depois de um banho super rápido, desci pro restaurante pra checar junto às equipes o cardápio do café da manhã e almoço dos jogadores. Eles não comeriam nada com alto teor de gordura, como bacon, chocolate e massas folhadas. Predominavam os carboidratos, com muitos tipos de macarrão e arroz, além de carne branca e saladas. O resto da equipe tinha todo o menu do restaurante do hotel á disposição. Senti pena deles, mas enquanto comia minha torrada com Nutella sem saber quando seria minha próxima refeição, percebi que eles é que eram os sortudos, com os horários regulados e os check-ups frequentes. Antes de ir pro hotel da seleção inglesa ainda chequei o ônibus que levaria a seleção italiana pro estádio no estacionamento do Quality.
O técnico da seleção inglesa me esperava no saguão quando cheguei ao outro hotel. Ver sua silhueta pelas portas de vidro não me agradou muito, mas forcei simpatia do mesmo jeito que havia feito no dia anterior e perguntei se ele precisava de alguma coisa. Meu desagrado aumentou quando tudo o que ouvi foi ele tentando me ensinar á fazer meu trabalho, listando tudo o que seus meninos não poderiam comer em hipótese nenhuma. E me lembrando de que eu deveria ter certeza de que o ônibus estava em boas condições assim como se o vestiário tinha tudo o que os jogadores poderiam precisar, e se eu estava preparada para eventuais situações de pânico. Foi difícil segurar a língua e meu temperamento; eu merecia um bônus por ter que lidar com aquele tipo de pessoa prepotente.
A parte mais estressante nem fora essa; os hotéis eram paraísos comparados com o estádio e seus arredores. Demorou muito mais do que os quinze minutos habituais entre o hotel e o estádio, já que algumas das ruas de acesso foram fechadas e o restante estava lentamente se transformando em um estacionamento a céu aberto. E uma vez no estádio, com a segurança já reforçada, mesmo com as credenciais foi um parto entrar lá. A maratona pela infinidade de corredores e salas cansou minhas pernas e causou minha fome, então tratei de comer um salgadinho enquanto ainda não precisava ir para perto do gramado.
Toalhas, bebidas e segurança verificadas e eu finalmente sentei pra respirar, com a quarta latinha de Red-Bull do dia. A probabilidade de que eu tivesse um ataque cardíaco só aumentava. Se eu de fato chegasse a ter um naquele dia a culpa poderia ser de inúmeras outras coisas, o energético era apenas mais um adendo às probabilidades.
Nos primeiros quinze minutos de jogo eu só tentei recuperar as forças. Mandei mensagem pra Lia, querendo saber aonde ela se enfiara, já que as dez mil tarefas que ela tinha pra fazer eram, aparentemente, longe de mim. Não a via desde a noite anterior, e mesmo não levando ao pé da letra o que o Hart dissera sobre ela e o Wilshere, queria muito saber o que a fizera me abandonar sozinha numa mesa de bar. Que fosse, de fato, um motivo muito bom.
Ao deixar o celular de lado, comecei á prestar atenção no pé de quem a bola estava. A posse de bola era predominantemente da Itália, mas isso não estava parecendo fazer muita diferença. Imaginei como Cesare estava do coração, mas não pude ir perguntar. Não era muito ético os funcionários se relacionarem de forma além da profissional com as equipes, muito menos em meio público. Na maioria dos empregos, relacionamentos desse tipo eram desencorajados. Ali, na beira do gramado, pensei que esse tipo de regra estava dentro da lista das regras mais quebradas da humanidade.
A quinze minutos de acabar o primeiro tempo, a posse de bola quase invicta começou a trazer resultados. Pirlo fez uma jogada incrível e aos trinta e quatro minutos Marchisio marcou o primeiro gol. Não pude deixar de sorrir e de ficar feliz por eles, principalmente por Cesare, que tinha tanta confiança em seus meninos e deveria sentir naquele gol algo parecido com o gosto do chocolate que eles não puderam comer no café da manhã.
A comemoração italiana não durou muito porque logo Sturridge fez o primeiro gol da Inglaterra, empatando o jogo.
Pouco tempo depois veio o intervalo – e uma ligação da Lia.
No fim das contas eu não a vira mais durante a noite anterior e nem antes do jogo. Se ela de fato tivesse sumido com o Wilshere, me devia muitas explicações.
- Eu sei que você quer me matar.
- Que bom que você desenvolveu mais uma habilidade além da calma excessiva. Agora já consegue ler mentes!
- Não venha reclamar comigo! Se você tivesse um pouquinho de inteligência teria feito o mesmo que eu, só que com o Hart.
- Então você realmente deu pro Wilshere no banheiro do bar. Quanta classe, Lia!
- No banheiro do bar, no quarto dele, no banheiro dele... Classe é o que me falta e o que menos me importa.
- Sua safada!
- Me poupe, )! – a vi saindo dos bastidores e caminhando em minha direção, acenei enquanto ela desligava o celular e continuava o diálogo pessoalmente – Só porque você está numa seca eterna por vontade própria, não desconte na minha pessoa. Seja minha amiga e pergunte se ele é bom de cama.
- Ninguém com quem você transe necessariamente precisa ser bom de cama, com toda a sua elasticidade.
- Idiota – ela me deu um tapinha, mas sorriu. Não conseguiria ficar com raiva dela por muito tempo, eu sabia, mas ela me deixara sozinha numa mesa de bar a qual nem devíamos ter ido, em primeiro lugar, sem nenhuma justificativa plausível.
- Onde você estava, afinal?
- Atrás da imprensa. Depois das vaias da torcida no começo do jogo estão todos preocupados. Precisei sondar o que eles estavam falando sobre isso.
- Bem, ninguém pode culpá-los.
Da comissão técnica italiana, Marcos, o outro brasileiro da minha equipe, acenou pra mim. Mandei Lia checar a Inglaterra e fui em direção aos uniformes azuis. Aparentemente, as garrafas que separei no cooler para eles não eram suficientes. Quando dei meia volta para mandar trazer mais, percebi Marchisio vindo em minha direção com um puta sorriso no rosto. Enchi meu pulmão de ar para não ter que sentir o cheiro dele de novo.
- Bella!
- Não que eu entenda muito de futebol, mas foi um belo gol!
- Grazie – ele sorriu, aparentemente achando fofa a minha falta de jeito – Eu acho que foi sorte.
- Eu chamaria de habilidade – eu meio que andava em ovos enquanto conversava com ele e pensei ter quebrado um deles ao dizer o que disse sorrindo, mas não dava para engolir as palavras – Bem, eu vou buscar mais água e isotônicos pra vocês. Boa sorte no segundo tempo!
- Achei que era habilidade! – ele piscou e sorriu e eu ri, me achando meio estúpida, com raiva dele e de mim mesma.
Não sabia quanto tempo mais eu conseguiria continuar ignorante ao efeito inexplicável que ele tinha sobre mim. Tinha a impressão de que seria muito pouco.
Quando o juiz apitou o final da partida, respirei aliviada e levantei do banco em que estava indevidamente sentada, organizando minhas coisas para ir em direção aos vestiários. Quase um dia a menos naquele mês que mal começara e parecia que não ia acabar nunca.
A Itália ganhou de dois a um e eu conseguia ver o enorme sorriso de Cesare de onde estava. O técnico inglês não parecia nada contente, mas não consegui ficar chateada por isso. Enquanto os jogadores se cumprimentavam e os repórteres quase saíam no tapa por uma entrevista rápida na zona mista, fui em direção aos vestiários para um check up final.
Quando entrei no vestiário da Inglaterra, me deparei com as costas do Hart.
Soltei um riso nasalado. Não porque achei engraçada a imagem dele com a cabeça entre as mãos, a pele das costas vermelha e a respiração pesada. Mas porque parecia um complô do universo colocá-lo sozinho na minha frente, sem camisa, com as costas brilhando de suor e aparentemente com raiva. Os mestres da psicologia tinham teorias interessantes acerca dos comportamentos impulsionados pela raiva. Balancei a cabeça e entrei.
- Veio rir?
Eu fazia a contagem das toalhas quando ouvi sua voz. Estava carregada, mas não com tom de choro. Ele realmente se esforçara no campo, mas não fora o seu dia; eu entendia totalmente ele estar com raiva. Sendo goleiro, não existia muito que o ele poderia fazer além de defender o gol e contar com a eficiência da zaga. Era frustrante, de fato. Portanto, me irritou profundamente ele julgar que eu fora até ali apenas para rir de algo que não era nada engraçado. Futebol poderia não significar grandes coisas para mim, mas era só olhar ao redor pra perceber que significa pra muita gente.
- Não sei porquê diabos eu faria isso. E me ofende você apresentar essa possibilidade – virei em sua direção, uma veia pulsando no meu pescoço – Sinceramente, Hart, pare de achar que me conhece. Se pelo menos sua implicância fosse justificada!
- O que tem pra conhecer? Provavelmente você é igual à sua amiga, interditando banheiros de bares com estranhos.
- Você não fala sobre a Lia – eu não conseguia ver, mas sabia que estava vermelha. Mais um pouquinho e eu enfiaria minha mão na cara dele. Não que eu achasse que fosse causar o menor dos efeitos – E não seja estúpido porque nós dois sabemos que você gostaria de ter interditado banheiros também.
Ele levantou rápido e sua altura, agora que eu me encontrava de tênis, me intimidou. Dei alguns passos cegos pra trás, mas não abaixei a cabeça; nunca fui do tipo que faria isso. Seus olhos verdes faiscavam e sua boca formava uma linha rígida. Eu respirava pesado e rápido e a respiração dele se misturava com a minha, tão próximos estávamos. Pensei que, se eu fosse um objeto, ele já teria me jogado do outro lado do aposento.
- Não se superestime, Blatter, você não é tudo isso.
- Quem disse que eu estava falando de mim?
Minhas costas bateram na estante onde as toalhas estavam. Ele avançava como um predador querendo estraçalhar sua presa, e embora eu não estivesse exatamente com medo, comecei a temer pela minha integridade física. Deveria ter pensado que era óbvio que ele não me faria mal, mas a última coisa que passava pela minha cabeça era a possibilidade de que ele me empurrasse ainda mais contra a estante e apertasse meu quadril. O ar ficou preso em meus pulmões.
- Nem se você fosse a última garota do mundo.
- Então por que você está com a mão na minha bunda?
Talvez eu não devesse ter sorrido. Meu sorriso não era uma demonstração de incômodo, era sarcasmo puro. E eu não sei se foi impulsionado pelo meu sarcasmo ou por seus próprios instintos e motivos que ele me beijou.
Foi bruto e inesperado e eu levei alguns segundos para me situar. Mas aqueles lábios finos nos meus e aquelas mãos enormes apertando meu corpo não me deixaram muito espaço pra nada que não fosse arranhar sua nuca e respirar com força, retribuindo. A língua dele era macia e o cheiro da pele dele... O cheiro me deixava meio tonta e completamente fora de mim.
Talvez a forma como meu corpo respondia ao dele fosse apenas a falta que eu sentia daquele tipo de contato. Mas em menos de um minuto eu tive que afastá-lo para respirar. Sua presença me entorpecia e eu perdia o controle sobre minhas funções. Não eram só hormônios, era aquele mais que condicionava minhas raras transas casuais.
Fiquei esperando que ele dissesse alguma coisa. Encostei a cabeça na estante e o encarei. Meu peito subia e descia e o dele me acompanhava. Desci os olhos pelos seus lábios, seu pescoço, sua clavícula. Acompanhei seus traços e engoli seco. Era sede o que eu sentia, mas não era de algo trivial como água.
Senti suas mãos subindo pelas minhas costas, as unhas curtas arranhando minha pele e entreabri os lábios. Seus dentes marcaram a curva do meu pescoço e eu sentia meu interior pegando fogo. Meu coração começou a bater mais forte quando ouvimos exclamações entrando no vestiário, vindas do corredor. Ele me encarou e eu não soube o que dizer; deixei-me ser arrastada para um dos boxes.
O espaço era pequeno demais para a forma como conduzíamos a situação. Ele não era carinhoso e eu não esperava nem queria que fosse; já estava com tanta raiva por ele me afetar daquela forma e ser um ser humano tão egocêntrico que a última coisa que passava na minha cabeça era carinho. Eu arranhava suas costas, mordia seu pescoço e arrancaria sangue dele se conseguisse, mas ele passeava pelo meu corpo com sua língua e suas mãos enormes e era difícil até respirar. Minhas reações eram atos involuntários; ele me entorpecia de verdade.
- Você poderia ter vindo de vestido – o ouvi dizer, meio ofegante, enquanto tentava tirar minha calça, ajoelhado na minha frente.
- Estou aqui a trabalho, existe um dress code! Além disso, eu não saí de casa com a pretensão de abrir as pernas pra você.
- Está aqui a trabalho? Então o que isso diz sobre você?
Levei mais tempo do que o normal pra entender as palavras dele. Quando as compreendi, foi como um tapa. O ergui pelos cabelos e o empurrei em direção à parede de ladrilhos azuis. Ele sorria e seus olhos brilhavam, mais bonito impossível, mas eu só conseguia sentir raiva.
- Por que você tem que ser tão filho da puta? – liguei o chuveiro.
Quando abri a porta, de sutiã e fechando o botão da calça, lá estava metade da seleção inglesa encarando meus peitos e aquele chupão horroroso perto do quadril. Peguei o primeiro casaco que vi na frente e corri pra fora do vestiário, tentando encontrar minha dignidade pelo caminho.
Se dependesse de Joe Hart, entretanto, eu passaria a vida procurando-a, frustrada.
Ele me alcançou depois de míseros dois corredores de distância, perto dos piores lugares possíveis: o hall da imprensa e a sala da administração geral do estádio. Segurou meu pulso e me virou com força. Seus olhos me diziam que ele estava puto por eu ter saído correndo, quando na verdade eu queria que ele estivesse sentindo muito pela escolha infeliz de palavras.
- Eu sou um merda, desculpa. Não quis dizer aquilo.
Ou talvez eu fosse muito ruim em interpretá-lo.
- Você quis dizer exatamente o que disse, Hart. Agora, larga meu braço.
- Eu vim te pedir desculpas, ), por que você tem que ser tão cabeça dura?
- Acho que estou em pleno direito de ser cabeça dura diante da situação em que você me colocou. Agora larga a porcaria do meu braço!
Tentei me desvencilhar do aperto, mas ele segurava meu pulso com facilidade, de forma firme. Apesar de ter conseguido fechar o casaco até o momento em que ele me encontrou, me sentia nua, deveras exposta com toda aquela situação. Minha blusa e minha credencial jaziam no vestiário da seleção inglesa, e não havia forma de eu voltar a entrar lá depois que parte dos titulares e dos reservas me viram sair de um box de sutiã, com o Hart à tiracolo.
Como ele não soltava meu pulso, resolvi tentar uma abordagem menos agressiva.
- Eu não posso ficar aqui parada o resto da noite – respirei fundo, olhando para os dois lados do corredor, ignorando os olhares aleatórios e desconfiados que recebíamos – Quanto mais cedo você soltar meu pulso, mais cedo a gente pode ir embora e esquecer que isso aconteceu.
- Não quero esquecer, cacete – sua resposta foi rápida e me pegou de surpresa - Quantos anos você acha que eu tenho?
- A julgar pelo seu comportamento, uns quinze.
Ele olhou feio pra mim, mas eu não estava mais com saco para aquilo. Meu tesão tinha escorrido pelo ralo junto com o suor dele quando abri o registro do chuveiro no box do vestiário. Apesar de o cheiro dele não ter ido junto, o desconforto era maior que qualquer fator externo que pudesse nublar meus sentidos. Mas ele ainda segurava meu pulso com firmeza, não parecendo que me deixaria ir. E ele, de fato, não o fez.
Me arrastou pelo corredor até encontrar um dos banheiros, se postando entre mim e a porta, uma muralha maciça. Esfreguei meu pulso, controlando a respiração tal qual Lia me ensinara, para não matá-lo, porque eu queria muito por minhas mãos em volta daquele pescoço e apertá-las ao redor dele até que lhe faltasse ar.
- Com certeza, Joe Hart, quinze anos pra menos.
Demorei um tempo pra processar e quando percebi que ele de fato estava me beijando, mordi seu lábio inferior com força. Joe se afastou instantaneamente, a mão no lábio, checando se eu não tinha lhe tirado sangue, que era mesmo a minha intenção original. Tentei contorná-lo, pensando que minha mordida fora distração o suficiente. Quase consegui. Antes que eu alcançasse a porta, sua mão envolveu meu pulso novamente e seu corpo, graças a deus coberto, na medida do possível, imprensou-me na parede. Ele era resiliente demais e eu era paciente de menos para aquele tipo de situação. Minha próxima ideia era chutá-lo bem no meio das pernas, mas ou essa era a atitude mais lógica ou ele leu meus pensamentos, porque antes que eu o fizesse, ele encaixou seu joelho entre as minhas pernas e a mão sobre meu peito, me imobilizando por completo.
- Qual é o teu problema? - o lábio inferior dele estava levemente inchado e eu me orgulhei pelo dano causado, pensando que poderia ter sido um pouco mais de estrago.
- Qual é o teu problema? De quantas formas diferentes eu preciso falar que é pra você me soltar até que você entenda? Seu cognitivo por acaso está afetado pelo seu ego gigante?
Ele me analisou por um tempinho, ignorando minha observação, fazendo meu plano de tirá-lo do sério e me deixar ir falhar. Eu tentava decifrar o que ele queria através de seus olhos, mas já tinha percebido que ou eu era muito ruim nisso ou ele conseguia contornar minhas habilidades de interpretação pessoal. Então ele tirou a mão do meu peito, apesar de seu joelho permanecer firme entre minhas pernas, não tão encaixado quanto eu gostaria - infelizmente, tinha que admitir minha fraqueza. Seus dedos compridos desenharam a curva do meu pescoço e se postaram em minha nuca, alguns fios de cabelo se embolando entre eles. Ergui a sobrancelha quando percebi a mudança na abordagem. E engoli seco quando me dei conta de que provavelmente funcionaria.
Éramos animais, no fim das contas, não éramos? Com consciência e controle sobre os próprios atos, na maioria das vezes. Na maioria das vezes, não sempre.
- Meu cognitivo está bem, mas talvez tanta negação esteja afetando o seu.
Hart não me beijou de imediato; não, ele brincou com meu psicológico primeiro. Ele amassou minha dignidade entre seus dedos junto com meus cabelos, que ele puxava de maneira a passear entre delicado demais e forte o suficiente pra me fazer querer reclamar, mas não chegar a tanto. Ele me fez pagar língua e deixar meu corpo transparecer que queria aquilo sim, mesmo inconscientemente, enquanto mordia a base do meu pescoço e ameaçava descer pelo fecho aberto do casaco, nunca indo longe o suficiente. Ele me fez ansiar para que aquele maldito joelho se encaixasse direito entre as minhas pernas. Ele me matou de raiva enquanto eu quase implorava por mais contato, que me era negado - e eu queria sentir mais, já que, fora seus lábios, sua mão em meu cabelo e seu joelho, mais nenhuma parte dele me tocava.
Pra tentar disfarçar o estado deplorável em que me encontrava, eu ri, apelando para o sarcasmo.
- Você não é tudo isso, Hart.
Ele não pareceu convencido e eu senti o sorriso na minha pele, sobre a minha clavícula, logo antes de sentir seus dentes. Talvez eu não quisesse de fato convencê-lo; talvez só estivesse buscando tempo pra tentar entender o que eu estava sentindo e arranjar um jeito decente de lidar com aquilo. Era muita coisa acontecendo muito rápido.
- Sabe, Blatter - ele ergueu a cabeça e olhou dentro dos meus olhos ao mesmo tempo em que seu joelho subia, pressionando no lugar certo com força suficiente pra me fazer estremecer. De novo, eu quis matá-lo -, eu acho que sou sim.
Sempre achei desculpa esfarrapada usar Aristóteles e sua teoria acerca da racionalidade do homem pra glorificar celibatários de sucesso ou pessoas que fazem voto de silêncio por toda a vida. Até mesmo a infidelidade possuía justificativas biológicas embasadas pelo comportamento de nossos ancestrais supostamente irracionais. Sempre se esqueciam do mais importante dos agravantes quando usavam esses discursos: a vontade, que a tal racionalidade deveria filtrar, mas não filtrava, porque no fim das contas éramos todos animais esperando o melhor momento para nos saciarmos.
- Vai se foder, Joe Hart - eu disse, antes de jogar qualquer ínfimo resquício de dignidade para o espaço e beijá-lo com vontade. Ele não pareceu surpreso e tal detalhe só me encheu de ainda mais raiva, que eu tentei descontar em seus lábios. Mas ele queria me provar que eu não tinha nenhum controle sobre o que estava acontecendo e o beijo se tornou uma briga silenciosa de egos, apesar de não perder sua intensidade.
- Uh, adoro dirty talking - ele mordeu meu lábio inferior com a pressão certa e de forma deliciosa - Por que não vamos juntos?
- Você age estupidamente como se me conhecesse - levei o dobro de tempo que levaria normalmente pra emitir a frase porque ele não tirava os lábios dos meus. Tirei as mãos de sua nuca, segurando sua cabeça e tentando mantê-lo parado.
- Talvez eu conheça.
Porra nenhuma!
O absurdo de toda aquela situação me tomou de repente. Estávamos em um banheiro público do estádio e era um tremendo milagre que ninguém tivesse aparecido por ali ainda. Os contornos daquele cenário indicavam um único caminho, e por mais que eu já tivesse deixado de lado todo o meu orgulho ao admitir que eu queria mesmo ir pra onde quer que ele quisesse me levar, ali não era lugar e aquela não era a hora. Éramos dois adultos e deveríamos agir como tal.
- Meu quarto é o 806 - achei que ele fosse perguntar algo, mas enquanto olhava nos meus olhos, a compreensão alcançou os dele - Eu realmente tenho coisas a fazer agora.
A mão que estava no quadril subiu até minha cintura, por baixo do casaco. Ele fez um carinho leve na minha pele, me beijando uma última vez e me deixando ir.
Quatro
Eu odiava barcos.
Também não gostava muito de aviões ou qualquer meio de transporte dotado de certa instabilidade, mas diferente dos voos, passeios de barco eram para ser supostamente recreativos, e não teria lógica eu me dopar de calmantes para suportá-los - ainda mais considerando que, naquele passeio específico, eu era a convidada da seleção italiana.
Depois da dificuldade que fora reservar tudo às pressas, me convidar era mesmo o mínimo que eles podiam fazer.
O sentimento entre os italianos após a vitória sobre a Inglaterra era de extremo otimismo acerca do penta campeonato. Iniciar a copa já com três pontos contabilizados após um jogo de grande qualidade técnica era de fato motivo suficiente para otimismo e comemoração. Mas então os italianos chegaram à conclusão de que apenas um jantar regado a muito vinho sul-americano não era celebração suficiente. Eles queriam uma experiência diferente, exótica como Manaus aparentava ser para os estrangeiros.
Então, Blatter teve que se virar nos 30 pra conseguir uma experiência suficientemente exótica para os italianos. Ao menos a proposta de nadar com os botos fora aceita com entusiasmo pelos jogadores e por Cesare – tanto entusiasmo que o convite se estendeu a mim.
E lá estávamos, no meio do Rio Amazonas, às 13 horas e alguns minutos, num calor infernal, a caminho de uma reserva em um barco alugado e que balançava demais para o meu gosto.
- Você me parece nervosa, bella.
Sob a proteção do óculos de sol, admirei Claudio Marchisio, sentado ao meu lado sem camisa e com uma garrafa de água nas mãos. Soava como uma brincadeira fodida do universo o quão gostoso, cheiroso e atencioso ele era. Depois da confusão em que o Hart deixara os meus hormônios na noite anterior, estava sendo muito difícil ignorar aquela presença ali tão próxima.
- Barcos não são meu meio de transporte favorito.
- E mesmo assim aceitou vir conosco?
- Eu não ousaria recusar nada ao Sr. Prandelli. – sorri, enquanto virava a cabeça em direção ao técnico, que conversava empolgado com Balotelli.
Claudio sorriu, um sorriso de um milhão de euros, como se aprovasse em demasia meu apreço por seu professor.
- Você pode segurar minha mão, se quiser.
Eu ri e empurrei de leve seu braço, agradecendo e dizendo que não era pra tanto, no mesmo minuto em que um solavanco me fazia pular no banco e morder o lábio pra conter um grito. Ele riu ao meu lado, provavelmente me achando estúpida, mas passou o braço por meus ombros, despretensiosamente, me trazendo pra perto de seu corpo.
Fiquei completamente sem reação, até mesmo pra me afastar. Mas Claudio deu segmento à conversa como se nada de extraordinário estivesse acontecendo; como se a calcinha do meu biquíni não estivesse umedecendo naquele exato minuto, só por causa daquele maldito cheiro e dos estranhos efeitos que seu toque causava em mim.
Aqueles homens... Eles iam me enlouquecer até o fim do mês.
Tentando não soar como um robô, fui respondendo suas perguntas. Ele parecia muito interessado nos caminhos que eu percorrera, apesar da pouca idade e do parentesco, que ele ignorava, o que me agradava muito. Desconversava quando o assunto era si próprio. Observando a marca de uma aliança em seu anelar esquerdo, aquilo não me cheirava nada bem. O espaço vazio naquele dedo por si só já dizia muito.
O barco gradativamente foi diminuindo enquanto nos aproximávamos da margem e o guia avisou, animado e num inglês bem carregado no sotaque, que estávamos chegando.
Respirei fundo, aliviada pelo fim momentâneo da viagem e de toda aquela proximidade.
- Você não vai me deixar aqui sozinho, vai?
O sol forte das três da tarde combinado ao olhar que ele me dirigia com certeza me faziam querer entrar na água. Por deus, a cada minuto que passava era uma luta interna pra que eu não mergulhasse de cabeça e fosse nadando em sua direção. Eu já estava com vergonha da forma com que ele me fitava! Seria mais prudente manter distância e só ficar olhando-o da plataforma na popa do barco.
Mas prudência era um padrão de comportamento que eu não vinha mantendo já há alguns dias.
Eu também estava um caco, era preciso dizer. Devia ter alguns roxos pelo corpo - que eu poderia culpar a academia, se minha frequência fosse suficiente para tanto -, além de olheiras que eu inutilmente tentei disfarçar. Dormira quase nada e acordara muito cedo. Os motivos para o meu estado, entretanto, não eram bons de se lembrar naquele momento.
Era tentador só ficar ali fora, admirando-o, mantendo uma distância saudável. Mas naquela altura, eu já sabia que não tinha mais forças. Lia passara tanto tempo me dizendo que eu só precisava de sexo e depois que essa questão fora resolvida, eu só conseguia pensar que meu corpo queria muito mais – sem exigências quanto ao provedor. Provavelmente eram as tatuagens, a barba rala, os olhos, o jeito de me chamar de bella – ele não parecia querer facilitar minha vida.
Ou era nada, coisas que não faziam sentido nenhum, sensações desprovidas de sentido e razão de ser. Apenas a forma como meus hormônios respondiam aos dele era gritante demais pra se ignorar. Que mania feia a minha de ficar procurando motivos e justificativas.
Passava pela minha cabeça a possibilidade de tudo aquilo ser só uma interpretação minha, uma versão errada dos fatos. Eu olhava sua figura e absorvia sua simpatia, somatizava tudo e sentia coisas que na verdade não estavam ali. Mas acreditava que existia um limite pra até onde a mente de uma pessoa pode ir antes que ela fosse considerada louca. De certa forma, sentia que estávamos presos em uma bolha de ignorância, apenas esperando que subisse muito alto e implodisse. Dois tolos.
- Moço, você tem certeza que não tem piranhas aqui? - o guia riu pra mim.
- Absoluta, dona.
Suspirei e fiquei em pé, tirando meu vestido, sentindo meu corpo arrepiar pela forma com a qual ele me olhava, mesmo que eu não visse. Sabia não ter um pingo de malícia e aquilo me irritou, como muitas coisas bonitas costumavam me irritar. Seria tão mais fácil se ele agisse de forma idiota como o Hart! Ou pelo menos não parecesse demonstrar tanto interesse. Mas idiota era a comparação que eu fazia entre os dois; eram outras pessoas, outros conceitos, outras intensidades. Eu já sabia, antes de entrar no rio de águas quentes, que a única escolha inteligente era não escolher ninguém e sair correndo daquela confusão - se houvesse uma escolha como ele inconscientemente ou não fazia parecer.
- Se eu sentir alguma coisa que não seja um boto roçando em mim, vou sair daqui correndo.
Ele estava a uma distância segura e isso era bom; era assim que deveria continuar. Na verdade, eu precisaria de mais um metro e meio de distância pra me sentir segura de verdade do meu autocontrole. Eu estava tão fraca quanto ele me parecia estar, talvez até mais, e tudo aquilo estava piorando minha situação. Se tivesse a opção, voltaria ao dia anterior e não aceitaria convite pra passeio nenhum. Sem saber, contribuí para minha decadência.
- E vai me deixar aqui pra ser comido por peixes famintos? – ele se aproximava a cada palavra e eu não tinha iniciativa de contorná-lo. Não tinha como aquilo ser uma via de mão única.
- Você também tem pernas, Marchisio, é só me seguir.
- E pra onde nós iríamos? - Ele está muito perto agora, minha mente me avisava, mas a informação não chegava ao meu sistema locomotor, o que em parte era bom, porque eu sabia que tudo o que eu faria seria chegar ainda mais perto.
Era uma pergunta sem nexo considerando onde estávamos, mas ele não era bobo. Assim como o Hart, ele disse exatamente o que queria dizer, dando à frase uma conotação diferente. Eu tinha uma trilha sonora mental para aquele momento, e era o hino clichê italiano - porque era sexy e porque a intensidade na música era real, como a que nos rodeava.
Tudo se encaixava perfeitamente numa harmonia ilógica: a temperatura da água, o sol se preparando para se pôr, o fato de que todo o resto da equipe estava na proa do outro lado do barco, nos dando uma privacidade não solicitada, porém bem-vinda. Só ouvia o barulho da água denunciando nossa aproximação e um ou outro pássaro perdido pelas árvores ao redor.
Eu mergulhei a cabeça na água, pra não ver a distância entre nós diminuindo e pra molhar o cabelo, já afetado pela umidade. Quando levantei e a luz fez meus olhos arderem, fui recepcionada por seus olhos claros e seus lábios entreabertos, a centímetros. Quis uma foto daquele instante, pra congelar a devoção que eu via nos olhos dele, toda direcionada a mim.
Sabia que nada daquilo fazia sentido e toda aquela irrealidade, bem lá no fundo, estava sim me incomodando, mas eu não conseguia ser racional.
- Quero te beijar, bella mia.
Queria poder dizer que as palavras dele me deixaram perplexa e que a surpresa foi positiva e me afastou de tudo aquilo, mas não foi o que aconteceu. Meu cérebro recebeu e absorveu sua declaração e aquela sensação de “estou certa, porra!” me tomou por inteiro.
Nós dançávamos embaixo d’água, indo e vindo, testando o terreno pra ver se era seguro. Ambos sabíamos que não era uma boa ideia, mas parecíamos cegos demais para fazer algo quanto a isso.
- Eu sei.
Embaixo da água escura, ele pegou minha mão. Naquele inocente gesto eu percebi duas coisas: nada era criação da minha cabeça e, diferente de mim, ele não fazia esforços pra tentar se conter.
Levantei minha mão e o toquei com a ponta dos dedos no pescoço, como se estivesse com medo de tomar um choque ou de gostar do toque e querer mais dele. A barba dele me arranhava de leve e era a sensação mais deliciosa do mundo. Existia uma linha tênue que dividia minha parte racional da impulsiva, e ele estava lentamente atravessando essa barreira, tocando minha tatuagem na parte interna do pulso, uma veia pulsante se destacando na minha pele, da cor dos olhos dele. Presos naquele momento, não tínhamos noção do quanto tudo aquilo era feio e errado.
- Mas não podemos – me doía dizer aquilo porque doía muito querer algo com aquela intensidade e não poder ter. A consciência acerca daquilo agravava mais a vontade e a culpa.
Desenhei seus músculos com a ponta dos dedos até parar em cima do coração, que parecia ditar as batidas do meu. Espalmei a mão e só aquele pedacinho de pele a mais me fez fechar os olhos. Queria continuar olhando para aquele mar que eram os olhos dele, mas eu não conseguia mais fingir que nada daquilo não me afetava. Tudo me parecia muito lindo e muito errado. E doía também.
- Eu sei. - abri meus olhos.
- Então por que faz isso?
Ele ergueu meu pulso, tirando-o da água, escura demais pra deixar qualquer coisa aparecer. Love is easy marcava a minha pele, e ele levou meu pulso até seus lábios, frios como gelo. Mas não foi a mudança de temperatura que me fez arrepiar.
- Sua pele conta uma mentira.
- Não conta não. – apoiei minha palma em sua bochecha e ele fechou os olhos, sentindo meu calor – Amar é fácil, nós que complicamos tudo.
Talvez se eu usasse um discurso suficientemente moralista, apesar de falso, eu conseguiria tentar fazê-lo parar de nos levar para aquele lugar escuro que ele queria ir.
- Nós? – foi uma overdose de sensações quando ele enlaçou minha cintura com o braço livre e nossos troncos se encostaram – Ti sei innamorato di me, bella?
Seu leve sorriso me denotava que ele não falava sério. Até porque, como eu poderia? Fazia pouco mais de dois dias desde que encostara os olhos nele pela primeira vez. Aquilo não era ficção, as coisas não funcionavam daquela forma macarrão instantâneo. Uma história não poderia ser escrita em três minutos. Nem lembrava se nosso primeiro diálogo chegou a durar tudo isso. A lembrança daquela sexta-feira, contudo, não era propícia para aquele momento; o ar que nos rodeava parecia tão ou mais sufocante quanto o do elevador.
- Não. – os olhos dele me mostravam que ele sabia que minha resposta não terminava ali – Mas sei que posso chegar a tanto. - e não quero arriscar, acrescentei mentalmente. Não lhe devia justificativas e dá-las não ajudaria ninguém.
Sua mão envolveu o meu rosto e a marca da aliança em seu anelar esquerdo, que eu não conseguia ver mas sabia e sentia estar ali, evidenciava que aquele lugarzinho tinha dono. E me dei conta de que a pele dele contava uma mentira. A pele dele dizia que ele pertencia a alguém, mas ele se entregaria a outra pessoa, ignorando esse sinal. Mas eu via sinceridade demais naqueles olhos azuis da cor do mar, ás vezes da cor do céu, pra acreditar que ele tinha maldade em si pra fazer tudo isso de propósito.
A gente não tem controle sobre as coisas que sente e aquela era uma verdade que a vida parecia estar esfregando na minha cara durante aqueles dias.
- Não seria fácil amarmi?
Aquele mash up entre inglês e italiano não me ajudava a criar respostas coerentes. Era muito fácil me perder no charme de sua voz grossa e de seu sotaque, fora os olhos dele, que já eram uma distração e tanto. Eu nunca pensei que ligasse muito pra eles até olhar bastante pros de Marchisio. Não que eu acreditasse que isso fosse uma regra, mas eu sentia que poderia enxergar sua alma.
Também existia a possibilidade daquilo ser manipulação muito da bem feita, e ele me fazer pensar que eu poderia enxergar sua alma, não a revelando para mim de fato. Quão bom manipulador ele se mostraria ser, então, visto que eu caía como um patinho.
- Amar você seria doce como sorvete de creme com mel. – ele sorriu pra mim, um sorriso pequenininho e quase imperceptível, mas eu estava tão perto que consegui perceber. Levei minha mão até a dele, ainda presa em meu rosto – Mas você tem bagagem. – raspei as unhas na marca da aliança e o sorrisinho dele sumiu -, e eu não me sinto obrigada a ter que lidar com ela.
Minhas palavras foram cuidadosamente pensadas para que ele recuasse e nós seguíssemos o resto do campeonato trabalhando juntos, mas resumindo nosso relacionamento só até aí. Era pra ele tirar as mãos de mim e me deixar respirar sem culpa. Era a chance de ele voltar para o hotel, colocar a aliança de volta no dedo e se comprometer a levar a taça para a esposa na Itália. Deixar que eu resolvesse com Hart o que já era complicado e estranho sem que uma terceira pessoa fosse envolvida.
Eu deveria ter previsto que ele não faria isso.
- Você é tão especial quanto eu achei que fosse.
- Não sou não.
Minha teimosia o fez rir e sua risada me estressou. O sol já começando a descer significava que deveríamos nos apressar, mas ele não parecia ter pressa. Por que deveria ter, não é? Eu estava prestes a cair em tentação, ceder aos seus encantos. Um pouco mais de insistência, um pouco menos de distância, e eu sentiria seu gosto. Ele já havia me ganhado desde sexta, com o sorriso fácil e a simpatia. Mas eu tinha que fingir que era forte; tinha que fingir ter alguma espécie de vantagem.
Aquilo não era um jogo, eu perceberia eventualmente, mas as coisas não parecem tão complicadas quando a tratamos de forma estratégica.
- Você não é esse tipo de pessoa.
Eu queria acreditar que ele era uma boa pessoa, do tipo que honrava os votos de casamento e qualquer outro tipo de promessa. Mentiroso ele não conseguiria ser, com olhos como aqueles; pelo menos não um bom mentiroso, porque mentir, todos sabemos. Eu mentia pra mim mesma, tentando fingir que tinha princípios. Se ele não os tivesse, eu precisava ter por nós dois.
- Você não me conhece, bella. – e então eu vi, no meio de toda aquela transparência, tons mais escuros, ali onde a pupila se dilata. Vi tempestades naquele céu e percebi que ele tinha razão, eu não o conhecia, mas estava morrendo de vontade de conhecer e ali morava toda a porra do problema.
A ponta do meu nariz tocou a ponta do nariz dele e eu senti seus dedos fazendo carinho na base das minhas costas. Ele queria que eu quisesse conhecê-lo, apesar das promessas, do perigo e da sinceridade em seus olhos. Talvez eu estivesse enganada e ele soubesse mentir muito bem. Ou talvez ele só quisesse experimentar a sobrinha do presidente da FIFA, como muitos outros antes dele. Era mais fácil imaginar que ele era um canalha.
Teria que fazê-lo me convencer do contrário.
Teria que tomar as rédeas de toda aquela confusão que tomou conta de mim e, bem... Pagar pra ver.
- Viajo pra Salvador hoje de madrugada, mas vou pra Mangaratiba na quarta de manhã. Você tem até lá pra me convencer de que isso, apesar dos pesares, vale à pena.
- Você sabe porque está fazendo isso. – seus dedos longos traçaram a cordinha do meu biquíni, chegando até a lateral e me fazendo tremer. Se eu tivesse meus pés fixos em alguma coisa, nenhum dos dois aguentaria meu peso – Você já sabe se vale à pena ou não, só quer saber se eu acho o mesmo, se não vou mudar de ideia – eu estava impassível, como uma jogadora de poker com um full house nas mãos e não querendo entregar o jogo – Você me subestima, ragazza.
- O Hart chegou antes de você.
Levou um breve momento para a dúvida e logo depois a compreensão alcançarem o rosto dele. Talvez eu não devesse ter contado, mas não seria justo que ele não soubesse onde estava se metendo. Ele não pareceu gostar muito da notícia e eu o compreendia. Como no jogo no dia anterior, de repente eles eram adversários novamente. Ou assim eu pensava. No fim das contas, por querer demais, poderia ficar sem nenhum deles. Apenas a hipótese me desagradou e eu me senti uma criança mimada.
- Eu não sabia que isso era uma competição. – olhei pra ele, ainda com a expressão de jogadora de poker, mas já fragilizada. Eu não era o troféu da copa e nenhum dos dois precisava agir como se eu fosse um prêmio por um bom trabalho realizado. Eu queria e causaria muito mais do que um impacto superficial. – Eu ganhei ontem, bella. Vou ganhar você também.
- Eu não sou uma partida de futebol, Marchisio, eu sou uma pessoa. É importante que você aprenda a diferença.
Foi mais difícil do que pensei que seria conseguir tirar as mãos dele de mim. Também não foi fácil ignorar a vontade de prová-lo e sair da água. Mas a dificuldade diminuiria quando eu me afastasse o suficiente pra conseguir respirar, e pra digerir tudo o que tinha acontecido. Pra entender que eu tinha mentido quanto aos meus princípios. Tentei me convencer de que foi por uma boa causa.
Eram 10 horas e 42 minutos quando o telefone do quarto tocou.
Fazia quase 34 graus celsius do lado de fora do quarto e eu havia acabado de ajustar o ar condicionado para 22 graus enquanto secava o cabelo com uma toalha. Não achava que ele fosse aparecer, então pedi uma massa pelo serviço de quarto, lavei o cabelo e coloquei meu pijama. Mas lá estava ele na recepção, se anunciando para subir.
Não havia nada que eu pudesse fazer além de ser honesta e explícita e dizer sim.
Ele tinha minha camisa e minha credencial nas mãos quando abri a porta. Dei passagem para que ele entrasse, agradecendo por ter trago meus pertences de volta. O deixei sozinho no quarto enquanto levava a toalha molhada para o banheiro e fechava a porta do mesmo. Da janela panorâmica de vidro eu tinha uma vista muito bonita da cidade, que foi o assunto do primeiro comentário dele, sentado na poltrona de frente para a cama, antes de dizer que meu pijama era "legal".
- Você parece menos inofensivo sem raiva. - ele ergueu a sobrancelha, a sombra de um sorriso nos lábios. Com exceção das pequenas luzes da cidade iluminando o quarto pela janela, estávamos no escuro - Não foi uma crítica, só um comentário. - falei, erguendo as mãos.
- Aliás, desculpe por aquilo tudo.
- Não desculpo.
Não dei muito tempo nem espaço para que ele reagisse. Me aproximei, sentando em seu colo no sofá, cada perna de um lado de seu quadril.
Ele pareceu surpreso, e por mais que não fôssemos mais levar aquilo como um jogo, contabilizei um ponto a mais pra mim. Eu estava nervosa e quanto menos demonstrasse isso, melhor.
- O que eu posso fazer para que me perdoe? - suas mãos estavam em minhas coxas de forma comportada, e era engraçado que ele estivesse calmo e contido depois do furacão que se mostrara anteriormente.
O beijei, ignorando em absoluto que algumas horas antes eu estava completamente avessa à ideia, com raiva daquele ego gigantesco e por ele estar inteiramente certo sobre como me fazia sentir. Era absolutamente antiético além de uma loucura completa levar aquilo adiante, considerando que eu não era o tipo de pessoa "sexo casual" e as coisas estavam fluindo de forma mais rápida do que eu conseguia controlar. E era mais loucura ainda considerar a probabilidade de levarmos aquela insanidade até que a Inglaterra fosse desclassificada ou se consagrasse campeã.
Lia estava certa quando dizia que eu me preocupava demais com as coisas. Poderíamos discutir quaisquer termos existentes depois que houvesse de fato algo a ser discutido.
Aquelas mãos absurdas apertaram minhas coxas e me puxaram em sua direção quando me aproximei de seu pescoço.
- Você pode me fazer gritar.
Também não gostava muito de aviões ou qualquer meio de transporte dotado de certa instabilidade, mas diferente dos voos, passeios de barco eram para ser supostamente recreativos, e não teria lógica eu me dopar de calmantes para suportá-los - ainda mais considerando que, naquele passeio específico, eu era a convidada da seleção italiana.
Depois da dificuldade que fora reservar tudo às pressas, me convidar era mesmo o mínimo que eles podiam fazer.
O sentimento entre os italianos após a vitória sobre a Inglaterra era de extremo otimismo acerca do penta campeonato. Iniciar a copa já com três pontos contabilizados após um jogo de grande qualidade técnica era de fato motivo suficiente para otimismo e comemoração. Mas então os italianos chegaram à conclusão de que apenas um jantar regado a muito vinho sul-americano não era celebração suficiente. Eles queriam uma experiência diferente, exótica como Manaus aparentava ser para os estrangeiros.
Então, Blatter teve que se virar nos 30 pra conseguir uma experiência suficientemente exótica para os italianos. Ao menos a proposta de nadar com os botos fora aceita com entusiasmo pelos jogadores e por Cesare – tanto entusiasmo que o convite se estendeu a mim.
E lá estávamos, no meio do Rio Amazonas, às 13 horas e alguns minutos, num calor infernal, a caminho de uma reserva em um barco alugado e que balançava demais para o meu gosto.
- Você me parece nervosa, bella.
Sob a proteção do óculos de sol, admirei Claudio Marchisio, sentado ao meu lado sem camisa e com uma garrafa de água nas mãos. Soava como uma brincadeira fodida do universo o quão gostoso, cheiroso e atencioso ele era. Depois da confusão em que o Hart deixara os meus hormônios na noite anterior, estava sendo muito difícil ignorar aquela presença ali tão próxima.
- Barcos não são meu meio de transporte favorito.
- E mesmo assim aceitou vir conosco?
- Eu não ousaria recusar nada ao Sr. Prandelli. – sorri, enquanto virava a cabeça em direção ao técnico, que conversava empolgado com Balotelli.
Claudio sorriu, um sorriso de um milhão de euros, como se aprovasse em demasia meu apreço por seu professor.
- Você pode segurar minha mão, se quiser.
Eu ri e empurrei de leve seu braço, agradecendo e dizendo que não era pra tanto, no mesmo minuto em que um solavanco me fazia pular no banco e morder o lábio pra conter um grito. Ele riu ao meu lado, provavelmente me achando estúpida, mas passou o braço por meus ombros, despretensiosamente, me trazendo pra perto de seu corpo.
Fiquei completamente sem reação, até mesmo pra me afastar. Mas Claudio deu segmento à conversa como se nada de extraordinário estivesse acontecendo; como se a calcinha do meu biquíni não estivesse umedecendo naquele exato minuto, só por causa daquele maldito cheiro e dos estranhos efeitos que seu toque causava em mim.
Aqueles homens... Eles iam me enlouquecer até o fim do mês.
Tentando não soar como um robô, fui respondendo suas perguntas. Ele parecia muito interessado nos caminhos que eu percorrera, apesar da pouca idade e do parentesco, que ele ignorava, o que me agradava muito. Desconversava quando o assunto era si próprio. Observando a marca de uma aliança em seu anelar esquerdo, aquilo não me cheirava nada bem. O espaço vazio naquele dedo por si só já dizia muito.
O barco gradativamente foi diminuindo enquanto nos aproximávamos da margem e o guia avisou, animado e num inglês bem carregado no sotaque, que estávamos chegando.
Respirei fundo, aliviada pelo fim momentâneo da viagem e de toda aquela proximidade.
- Você não vai me deixar aqui sozinho, vai?
O sol forte das três da tarde combinado ao olhar que ele me dirigia com certeza me faziam querer entrar na água. Por deus, a cada minuto que passava era uma luta interna pra que eu não mergulhasse de cabeça e fosse nadando em sua direção. Eu já estava com vergonha da forma com que ele me fitava! Seria mais prudente manter distância e só ficar olhando-o da plataforma na popa do barco.
Mas prudência era um padrão de comportamento que eu não vinha mantendo já há alguns dias.
Eu também estava um caco, era preciso dizer. Devia ter alguns roxos pelo corpo - que eu poderia culpar a academia, se minha frequência fosse suficiente para tanto -, além de olheiras que eu inutilmente tentei disfarçar. Dormira quase nada e acordara muito cedo. Os motivos para o meu estado, entretanto, não eram bons de se lembrar naquele momento.
Era tentador só ficar ali fora, admirando-o, mantendo uma distância saudável. Mas naquela altura, eu já sabia que não tinha mais forças. Lia passara tanto tempo me dizendo que eu só precisava de sexo e depois que essa questão fora resolvida, eu só conseguia pensar que meu corpo queria muito mais – sem exigências quanto ao provedor. Provavelmente eram as tatuagens, a barba rala, os olhos, o jeito de me chamar de bella – ele não parecia querer facilitar minha vida.
Ou era nada, coisas que não faziam sentido nenhum, sensações desprovidas de sentido e razão de ser. Apenas a forma como meus hormônios respondiam aos dele era gritante demais pra se ignorar. Que mania feia a minha de ficar procurando motivos e justificativas.
Passava pela minha cabeça a possibilidade de tudo aquilo ser só uma interpretação minha, uma versão errada dos fatos. Eu olhava sua figura e absorvia sua simpatia, somatizava tudo e sentia coisas que na verdade não estavam ali. Mas acreditava que existia um limite pra até onde a mente de uma pessoa pode ir antes que ela fosse considerada louca. De certa forma, sentia que estávamos presos em uma bolha de ignorância, apenas esperando que subisse muito alto e implodisse. Dois tolos.
- Moço, você tem certeza que não tem piranhas aqui? - o guia riu pra mim.
- Absoluta, dona.
Suspirei e fiquei em pé, tirando meu vestido, sentindo meu corpo arrepiar pela forma com a qual ele me olhava, mesmo que eu não visse. Sabia não ter um pingo de malícia e aquilo me irritou, como muitas coisas bonitas costumavam me irritar. Seria tão mais fácil se ele agisse de forma idiota como o Hart! Ou pelo menos não parecesse demonstrar tanto interesse. Mas idiota era a comparação que eu fazia entre os dois; eram outras pessoas, outros conceitos, outras intensidades. Eu já sabia, antes de entrar no rio de águas quentes, que a única escolha inteligente era não escolher ninguém e sair correndo daquela confusão - se houvesse uma escolha como ele inconscientemente ou não fazia parecer.
- Se eu sentir alguma coisa que não seja um boto roçando em mim, vou sair daqui correndo.
Ele estava a uma distância segura e isso era bom; era assim que deveria continuar. Na verdade, eu precisaria de mais um metro e meio de distância pra me sentir segura de verdade do meu autocontrole. Eu estava tão fraca quanto ele me parecia estar, talvez até mais, e tudo aquilo estava piorando minha situação. Se tivesse a opção, voltaria ao dia anterior e não aceitaria convite pra passeio nenhum. Sem saber, contribuí para minha decadência.
- E vai me deixar aqui pra ser comido por peixes famintos? – ele se aproximava a cada palavra e eu não tinha iniciativa de contorná-lo. Não tinha como aquilo ser uma via de mão única.
- Você também tem pernas, Marchisio, é só me seguir.
- E pra onde nós iríamos? - Ele está muito perto agora, minha mente me avisava, mas a informação não chegava ao meu sistema locomotor, o que em parte era bom, porque eu sabia que tudo o que eu faria seria chegar ainda mais perto.
Era uma pergunta sem nexo considerando onde estávamos, mas ele não era bobo. Assim como o Hart, ele disse exatamente o que queria dizer, dando à frase uma conotação diferente. Eu tinha uma trilha sonora mental para aquele momento, e era o hino clichê italiano - porque era sexy e porque a intensidade na música era real, como a que nos rodeava.
Tudo se encaixava perfeitamente numa harmonia ilógica: a temperatura da água, o sol se preparando para se pôr, o fato de que todo o resto da equipe estava na proa do outro lado do barco, nos dando uma privacidade não solicitada, porém bem-vinda. Só ouvia o barulho da água denunciando nossa aproximação e um ou outro pássaro perdido pelas árvores ao redor.
Eu mergulhei a cabeça na água, pra não ver a distância entre nós diminuindo e pra molhar o cabelo, já afetado pela umidade. Quando levantei e a luz fez meus olhos arderem, fui recepcionada por seus olhos claros e seus lábios entreabertos, a centímetros. Quis uma foto daquele instante, pra congelar a devoção que eu via nos olhos dele, toda direcionada a mim.
Sabia que nada daquilo fazia sentido e toda aquela irrealidade, bem lá no fundo, estava sim me incomodando, mas eu não conseguia ser racional.
- Quero te beijar, bella mia.
Queria poder dizer que as palavras dele me deixaram perplexa e que a surpresa foi positiva e me afastou de tudo aquilo, mas não foi o que aconteceu. Meu cérebro recebeu e absorveu sua declaração e aquela sensação de “estou certa, porra!” me tomou por inteiro.
Nós dançávamos embaixo d’água, indo e vindo, testando o terreno pra ver se era seguro. Ambos sabíamos que não era uma boa ideia, mas parecíamos cegos demais para fazer algo quanto a isso.
- Eu sei.
Embaixo da água escura, ele pegou minha mão. Naquele inocente gesto eu percebi duas coisas: nada era criação da minha cabeça e, diferente de mim, ele não fazia esforços pra tentar se conter.
Levantei minha mão e o toquei com a ponta dos dedos no pescoço, como se estivesse com medo de tomar um choque ou de gostar do toque e querer mais dele. A barba dele me arranhava de leve e era a sensação mais deliciosa do mundo. Existia uma linha tênue que dividia minha parte racional da impulsiva, e ele estava lentamente atravessando essa barreira, tocando minha tatuagem na parte interna do pulso, uma veia pulsante se destacando na minha pele, da cor dos olhos dele. Presos naquele momento, não tínhamos noção do quanto tudo aquilo era feio e errado.
- Mas não podemos – me doía dizer aquilo porque doía muito querer algo com aquela intensidade e não poder ter. A consciência acerca daquilo agravava mais a vontade e a culpa.
Desenhei seus músculos com a ponta dos dedos até parar em cima do coração, que parecia ditar as batidas do meu. Espalmei a mão e só aquele pedacinho de pele a mais me fez fechar os olhos. Queria continuar olhando para aquele mar que eram os olhos dele, mas eu não conseguia mais fingir que nada daquilo não me afetava. Tudo me parecia muito lindo e muito errado. E doía também.
- Eu sei. - abri meus olhos.
- Então por que faz isso?
Ele ergueu meu pulso, tirando-o da água, escura demais pra deixar qualquer coisa aparecer. Love is easy marcava a minha pele, e ele levou meu pulso até seus lábios, frios como gelo. Mas não foi a mudança de temperatura que me fez arrepiar.
- Sua pele conta uma mentira.
- Não conta não. – apoiei minha palma em sua bochecha e ele fechou os olhos, sentindo meu calor – Amar é fácil, nós que complicamos tudo.
Talvez se eu usasse um discurso suficientemente moralista, apesar de falso, eu conseguiria tentar fazê-lo parar de nos levar para aquele lugar escuro que ele queria ir.
- Nós? – foi uma overdose de sensações quando ele enlaçou minha cintura com o braço livre e nossos troncos se encostaram – Ti sei innamorato di me, bella?
Seu leve sorriso me denotava que ele não falava sério. Até porque, como eu poderia? Fazia pouco mais de dois dias desde que encostara os olhos nele pela primeira vez. Aquilo não era ficção, as coisas não funcionavam daquela forma macarrão instantâneo. Uma história não poderia ser escrita em três minutos. Nem lembrava se nosso primeiro diálogo chegou a durar tudo isso. A lembrança daquela sexta-feira, contudo, não era propícia para aquele momento; o ar que nos rodeava parecia tão ou mais sufocante quanto o do elevador.
- Não. – os olhos dele me mostravam que ele sabia que minha resposta não terminava ali – Mas sei que posso chegar a tanto. - e não quero arriscar, acrescentei mentalmente. Não lhe devia justificativas e dá-las não ajudaria ninguém.
Sua mão envolveu o meu rosto e a marca da aliança em seu anelar esquerdo, que eu não conseguia ver mas sabia e sentia estar ali, evidenciava que aquele lugarzinho tinha dono. E me dei conta de que a pele dele contava uma mentira. A pele dele dizia que ele pertencia a alguém, mas ele se entregaria a outra pessoa, ignorando esse sinal. Mas eu via sinceridade demais naqueles olhos azuis da cor do mar, ás vezes da cor do céu, pra acreditar que ele tinha maldade em si pra fazer tudo isso de propósito.
A gente não tem controle sobre as coisas que sente e aquela era uma verdade que a vida parecia estar esfregando na minha cara durante aqueles dias.
- Não seria fácil amarmi?
Aquele mash up entre inglês e italiano não me ajudava a criar respostas coerentes. Era muito fácil me perder no charme de sua voz grossa e de seu sotaque, fora os olhos dele, que já eram uma distração e tanto. Eu nunca pensei que ligasse muito pra eles até olhar bastante pros de Marchisio. Não que eu acreditasse que isso fosse uma regra, mas eu sentia que poderia enxergar sua alma.
Também existia a possibilidade daquilo ser manipulação muito da bem feita, e ele me fazer pensar que eu poderia enxergar sua alma, não a revelando para mim de fato. Quão bom manipulador ele se mostraria ser, então, visto que eu caía como um patinho.
- Amar você seria doce como sorvete de creme com mel. – ele sorriu pra mim, um sorriso pequenininho e quase imperceptível, mas eu estava tão perto que consegui perceber. Levei minha mão até a dele, ainda presa em meu rosto – Mas você tem bagagem. – raspei as unhas na marca da aliança e o sorrisinho dele sumiu -, e eu não me sinto obrigada a ter que lidar com ela.
Minhas palavras foram cuidadosamente pensadas para que ele recuasse e nós seguíssemos o resto do campeonato trabalhando juntos, mas resumindo nosso relacionamento só até aí. Era pra ele tirar as mãos de mim e me deixar respirar sem culpa. Era a chance de ele voltar para o hotel, colocar a aliança de volta no dedo e se comprometer a levar a taça para a esposa na Itália. Deixar que eu resolvesse com Hart o que já era complicado e estranho sem que uma terceira pessoa fosse envolvida.
Eu deveria ter previsto que ele não faria isso.
- Você é tão especial quanto eu achei que fosse.
- Não sou não.
Minha teimosia o fez rir e sua risada me estressou. O sol já começando a descer significava que deveríamos nos apressar, mas ele não parecia ter pressa. Por que deveria ter, não é? Eu estava prestes a cair em tentação, ceder aos seus encantos. Um pouco mais de insistência, um pouco menos de distância, e eu sentiria seu gosto. Ele já havia me ganhado desde sexta, com o sorriso fácil e a simpatia. Mas eu tinha que fingir que era forte; tinha que fingir ter alguma espécie de vantagem.
Aquilo não era um jogo, eu perceberia eventualmente, mas as coisas não parecem tão complicadas quando a tratamos de forma estratégica.
- Você não é esse tipo de pessoa.
Eu queria acreditar que ele era uma boa pessoa, do tipo que honrava os votos de casamento e qualquer outro tipo de promessa. Mentiroso ele não conseguiria ser, com olhos como aqueles; pelo menos não um bom mentiroso, porque mentir, todos sabemos. Eu mentia pra mim mesma, tentando fingir que tinha princípios. Se ele não os tivesse, eu precisava ter por nós dois.
- Você não me conhece, bella. – e então eu vi, no meio de toda aquela transparência, tons mais escuros, ali onde a pupila se dilata. Vi tempestades naquele céu e percebi que ele tinha razão, eu não o conhecia, mas estava morrendo de vontade de conhecer e ali morava toda a porra do problema.
A ponta do meu nariz tocou a ponta do nariz dele e eu senti seus dedos fazendo carinho na base das minhas costas. Ele queria que eu quisesse conhecê-lo, apesar das promessas, do perigo e da sinceridade em seus olhos. Talvez eu estivesse enganada e ele soubesse mentir muito bem. Ou talvez ele só quisesse experimentar a sobrinha do presidente da FIFA, como muitos outros antes dele. Era mais fácil imaginar que ele era um canalha.
Teria que fazê-lo me convencer do contrário.
Teria que tomar as rédeas de toda aquela confusão que tomou conta de mim e, bem... Pagar pra ver.
- Viajo pra Salvador hoje de madrugada, mas vou pra Mangaratiba na quarta de manhã. Você tem até lá pra me convencer de que isso, apesar dos pesares, vale à pena.
- Você sabe porque está fazendo isso. – seus dedos longos traçaram a cordinha do meu biquíni, chegando até a lateral e me fazendo tremer. Se eu tivesse meus pés fixos em alguma coisa, nenhum dos dois aguentaria meu peso – Você já sabe se vale à pena ou não, só quer saber se eu acho o mesmo, se não vou mudar de ideia – eu estava impassível, como uma jogadora de poker com um full house nas mãos e não querendo entregar o jogo – Você me subestima, ragazza.
- O Hart chegou antes de você.
Levou um breve momento para a dúvida e logo depois a compreensão alcançarem o rosto dele. Talvez eu não devesse ter contado, mas não seria justo que ele não soubesse onde estava se metendo. Ele não pareceu gostar muito da notícia e eu o compreendia. Como no jogo no dia anterior, de repente eles eram adversários novamente. Ou assim eu pensava. No fim das contas, por querer demais, poderia ficar sem nenhum deles. Apenas a hipótese me desagradou e eu me senti uma criança mimada.
- Eu não sabia que isso era uma competição. – olhei pra ele, ainda com a expressão de jogadora de poker, mas já fragilizada. Eu não era o troféu da copa e nenhum dos dois precisava agir como se eu fosse um prêmio por um bom trabalho realizado. Eu queria e causaria muito mais do que um impacto superficial. – Eu ganhei ontem, bella. Vou ganhar você também.
- Eu não sou uma partida de futebol, Marchisio, eu sou uma pessoa. É importante que você aprenda a diferença.
Foi mais difícil do que pensei que seria conseguir tirar as mãos dele de mim. Também não foi fácil ignorar a vontade de prová-lo e sair da água. Mas a dificuldade diminuiria quando eu me afastasse o suficiente pra conseguir respirar, e pra digerir tudo o que tinha acontecido. Pra entender que eu tinha mentido quanto aos meus princípios. Tentei me convencer de que foi por uma boa causa.
Eram 10 horas e 42 minutos quando o telefone do quarto tocou.
Fazia quase 34 graus celsius do lado de fora do quarto e eu havia acabado de ajustar o ar condicionado para 22 graus enquanto secava o cabelo com uma toalha. Não achava que ele fosse aparecer, então pedi uma massa pelo serviço de quarto, lavei o cabelo e coloquei meu pijama. Mas lá estava ele na recepção, se anunciando para subir.
Não havia nada que eu pudesse fazer além de ser honesta e explícita e dizer sim.
Ele tinha minha camisa e minha credencial nas mãos quando abri a porta. Dei passagem para que ele entrasse, agradecendo por ter trago meus pertences de volta. O deixei sozinho no quarto enquanto levava a toalha molhada para o banheiro e fechava a porta do mesmo. Da janela panorâmica de vidro eu tinha uma vista muito bonita da cidade, que foi o assunto do primeiro comentário dele, sentado na poltrona de frente para a cama, antes de dizer que meu pijama era "legal".
- Você parece menos inofensivo sem raiva. - ele ergueu a sobrancelha, a sombra de um sorriso nos lábios. Com exceção das pequenas luzes da cidade iluminando o quarto pela janela, estávamos no escuro - Não foi uma crítica, só um comentário. - falei, erguendo as mãos.
- Aliás, desculpe por aquilo tudo.
- Não desculpo.
Não dei muito tempo nem espaço para que ele reagisse. Me aproximei, sentando em seu colo no sofá, cada perna de um lado de seu quadril.
Ele pareceu surpreso, e por mais que não fôssemos mais levar aquilo como um jogo, contabilizei um ponto a mais pra mim. Eu estava nervosa e quanto menos demonstrasse isso, melhor.
- O que eu posso fazer para que me perdoe? - suas mãos estavam em minhas coxas de forma comportada, e era engraçado que ele estivesse calmo e contido depois do furacão que se mostrara anteriormente.
O beijei, ignorando em absoluto que algumas horas antes eu estava completamente avessa à ideia, com raiva daquele ego gigantesco e por ele estar inteiramente certo sobre como me fazia sentir. Era absolutamente antiético além de uma loucura completa levar aquilo adiante, considerando que eu não era o tipo de pessoa "sexo casual" e as coisas estavam fluindo de forma mais rápida do que eu conseguia controlar. E era mais loucura ainda considerar a probabilidade de levarmos aquela insanidade até que a Inglaterra fosse desclassificada ou se consagrasse campeã.
Lia estava certa quando dizia que eu me preocupava demais com as coisas. Poderíamos discutir quaisquer termos existentes depois que houvesse de fato algo a ser discutido.
Aquelas mãos absurdas apertaram minhas coxas e me puxaram em sua direção quando me aproximei de seu pescoço.
- Você pode me fazer gritar.
Cinco
O apito encerrou a goleada da Alemanha contra Portugal e deu início às vaias contra Cristiano Ronaldo, que havia mesmo feito uma péssima partida.
A zona mista já estava fervendo e, apesar do semblante de decepção no rosto do CR7, eu não estava preocupada com eventuais declarações ambíguas que poderiam dar margem a matérias tendenciosas – e nem deveria, porque a seleção portuguesa não era problema meu, mas a alemã era.
Não fora, de fato, um jogo difícil para os alemães. Apesar da estranha decisão de Joachim Löw de deixar nomes proeminentes como Schurrle e Podolski no banco, a entrada de ambos como substituição de Özil e Müller foi de grande valorização do futebol alemão. Como Prandelli gostava de dizer, uma verdadeira obra de arte.
Convenhamos que com um goleiro como Manuel Neur, melhor do mundo pela FIFA no ano anterior, era de se esperar que tudo corresse bem.
Enquanto eu supervisionava os voluntários que orientavam as seleções e a imprensa, assisti Lia vir em minha direção, do vestiário. Parecia que ela lia minha mente, porque o sorriso que descansava em seus lábios era o de alguém que sabia em que goleiro de verdade eu estava pensando.
- Não olha assim pra mim, faz com que eu me sinta promíscua.
- Somos todos promíscuos nessa copa do mundo, não tenho dúvidas quanto a isso. – revirei os olhos, dando atenção ao tablet em minhas mãos – Mas vou ter que mudar meu olhar, porque na verdade eu queria dizer o quão hipócrita você é.
Das piores decisões que eu já tomei na vida – ter transado com o Hart, provavelmente, inclusa -, contar pra Lia o que tinha acontecido sábado à noite durante o nosso voo pra Salvador foi com certeza a pior delas. O voo decolou às 20h35min, depois de 25 minutos de atraso e, com a diferença de fuso horário, deveríamos chegar a Salvador mais ou menos às 11 horas. Eu pretendia cochilar durante aquelas três horinhas, pois o dia seguinte começaria cedo e meu corpo já demonstrava sinais de exaustão pelo fim de semana intenso, mas quando se deu início o interrogatório de Lia, ela não me deixou parar de falar e a trilha sonora do nosso voo foi um monólogo de três horas de Blatter.
Nenhum detalhe foi poupado e na metade do voo eu já estava completamente inquieta em meu assento, com minha calcinha dando sinais de que meu corpo reagia às lembranças - porque o Hart me fizera mesmo gritar, e a falta de isolamento acústico nos quartos fez com que a recepção ligasse perguntando se estava tudo bem. Duas vezes. Às quase quatro da manhã eu caí exausta na cama, depois da terceira vez e do quarto orgasmo, dizendo que era melhor ele ir embora, que eu precisava dormir. Ele eventualmente foi, pouco antes dos meus olhos fecharem e meu corpo momentaneamente ceder.
Passei todo o domingo após o passeio de barco esperando uma mensagem ou uma ligação do meu tio me retirando da comissão organizadora da copa, dizendo em um textão de palavras polidas e muito irritadas o quão irresponsável eu demonstrei ser com minhas atitudes insensatas. Quando uma mensagem dele de fato chegou, achei que fosse enfartar, mas contrariando minhas expectativas, ele apenas me demonstrou estar contente com meu trabalho até ali, ressaltando que o técnico italiano falara muito bem de mim.
- Vai à merda, Lia. Eu não devia ter te contado nada. – como não fiz com relação a Marchisio, pensei.
- Relaxa, ! Com mãos como aquelas não podem haver julgamentos.
Eu ri, prestes a dizer que ela não tinha ideia de nada, mas não tive tempo de responder, pois dois braços fortes rodearam minha cintura e tiraram meus pés do chão. Dei um grito, pelo susto, mas reconheci a risada alta ecoando em meus ouvidos.
- Bastian, seu idiota, me põe no chão!
Bastian Schweinsteiger solenemente ignorou minha ordem e me deu um beijo estalado na bochecha. Como fora poupado do jogo naquela tarde, estava com o colete de reserva e cheirando a sabonete de limão e desodorante masculino.
- Também estava com saudades, katze.
Minha história com Bastian não era complicada nem extensa. Nada de sexo envolvido, só uma noite bêbada numa boate em Munique cerca de uns dois anos antes durante as minhas férias que culminou num porre homérico e uma amizade improvável. Quase não nos víamos pessoalmente, mas se tinha algo que eu poderia dizer sobre aquele alemão era que ele guardava as pessoas que amava dentro de um coração enorme.
Ele me pôs no chão e eu pude virar para abraçá-lo decentemente.
- Você é empolgado demais.
- E você é empolgada de menos! – pude ouvir Lia rindo, uma concordância sutil - Aumente minha empolgação e diga que vai acompanhar a gente.
- Vou só supervisionar uma equipe enquanto cuido da Itália e da Inglaterra lá no Rio. - o sorriso aberto que brotou em seus lábios morreu em dois segundos e eu apertei suas bochechas.
- Malditos sortudos.
Ri, olhando pra trás para encontrar uma Lia analisando-nos milimetricamente. Ergui a sobrancelha e balancei a cabeça, descrente de que os pensamentos dela realmente estavam indo por aquele caminho. Daquela forma, ela me convenceria de que éramos mesmo todos promíscuos.
- Bastian, essa é a Lia, ela trabalha comigo na comissão.
O cinema retrata muito bem o momento em que o interesse numa pessoa é explicitado pela outra. Utilizam recursos como iluminação e câmera lenta e uma trilha sonora marcante. Eu não tinha nada daquilo ali e os alto-falantes do estádio tocavam Summer do Calvin Harris, mas eu percebi a forma como o olhar do Bastian mudou ao colocar os olhos em Lia. Que clichê fodido era aquele em que estávamos metidas!
- Prazer em conhecê-la, schön. – ele me empurrou com o quadril, de leve, e pegou a mão de Lia, a levando até os lábios. Prendi um riso, quieta no meu canto, assistindo enquanto ela ficava sem graça – É você que vai cuidar da gente?
Meu celular vibrou no bolso e era uma mensagem de Marcos, perguntando onde estávamos. Fui obrigada a interromper o momento dos dois, antes mesmo de conseguir soltar alguma piadinha.
- Não, não é ela, e eu sei o quão triste você está, mas não se preocupe que eu mando o número dela pra você, porque agora nós temos que ir.
Deixei um beijo na bochecha de um Bastian muito sorridente e puxei uma Lia muito puta em direção ao interior do estádio.
- Sua filha da puta! – dançava na minha língua aquele gostinho de vingança.
- Você vai querer me agradecer depois.
Ao entrar em meu quarto, no sétimo andar do Royal Tulip, no Rio, deixei a bolsa e os recados que recebera na recepção em cima da mesinha da antessala: um da Lia, avisando que estava a caminho de Mangaratiba e não tinha conseguido contato comigo via telefone, e um de Joe Hart, com dois números distintos, o de seu quarto e o respectivo ramal.
Fui tomada por um sentimento de incredulidade com o quão simples e conveniente era o fato de estarmos hospedados no mesmo hotel e ele já ter ciência desse fato.
O próximo jogo a que eu teria que comparecer seria em quatro dias e uma linda folga de 24 horas me esperava para o dia seguinte. Minhas intenções para ela eram dormir metade do dia e ficar na piscina do hotel durante a outra metade. A maratona que eu percorrera em quatro dias ultrapassava todos os limites aos quais eu já expusera meu corpo – a maratona de sexo inclusa. Mas eu não queria ter que pensar em sexo ou Joe Hart ou Claudio Marchisio no momento. Tinha a impressão de que poderia enlouquecer.
Quando saí do banho, lá para as nove e meia da noite, o papel timbrado do hotel com o número do ramal do quarto que ele com certeza dividia com outro jogador ainda jazia inerte no mesmo lugar em que eu o deixara, e pensar em tudo foi inevitável.
Meu celular tocou dentro da bolsa e apesar de saber que não poderia ser o Hart, visto que não trocáramos telefones, minha mente me traiu, deixando meu corpo alerta. Era a Lia.
- Estou muito impressionada negativamente com a dificuldade de conseguir sinal nesse lugar.
- Boa noite pra você também, Lia! Sim, fiz uma ótima viagem até o hotel, obrigada por perguntar.
- Será que liguei pra pessoa errada?
- Muito engraçada, você, nossa! – sentada no sofá cor de sorvete de creme, menos confortável do que parecia, eu encarava a mim mesma no espelho do armário, de roupão e cabelos presos no topo da cabeça – Como estão os italianos?
- Decepcionados que não foi você que os recebeu. – eu ri, mais alto do que pretendia – O que magoou um pouquinho meu ego, mas isso não durou muito porque, meu deus, como eles são maravilhosos!
Todos os átomos do meu corpo concordaram veementemente com ela.
- Eu sei – mas, de forma sensata, controlei qualquer tipo de reação que pudesse denunciar que eu sabia mesmo, bem mais do que superficialmente – Mas e a estrutura? Eles gostaram das acomodações, das instalações do CT?
- Algumas divergências sobre o gramado, mas acho que é só falta de ambientação, o clima anda meio seco por aqui. É amanhã que você vem?
- Amanhã eu vou experimentar o prazer de não precisar fazer nada. – meu coração se aqueceu com a perspectiva. Eu precisava muito descansar, mental e fisicamente.
- Vaca sortuda! – ri, levantando da poltrona e indo em direção a mala aberta em cima da minha cama, colocando o celular no viva voz ao lado da mesma – Vai aproveitar pra dar a noite inteira de novo?
- Lia, para de ser escrota! – a perspectiva não era ruim, mas eu não acreditava ter fôlego suficiente pra deixar que Hart entrasse em meus poros outra vez tão cedo. Ele me entorpecia de forma grave, inconscientemente derrubando barreiras invisíveis e me vendo, figurativamente, nua, vulnerável – Você mantém contato com o Wilshere?
- Nah, ele é um neném, mas está focado. Primeira Copa, eu entendo. A sede pela conquista é maior que pelo meu corpinho.
- Você é ridícula. – ela ria tanto quanto eu, e me bateu uma saudade de tê-la por perto. Lia fora a primeira com quem criei laços quando entrei efetivamente na FIFA, um arco-íris no meio da formalidade que o ambiente da sede em Zurique possuía. Tê-la em minha vida era maravilhoso não só pela amizade que criáramos, mas porque grande parte do motivo pelo qual eu ainda não precisava de terapia era a habilidade que ela tinha de conseguir manter meus dois pés no chão. Eu tinha em mente que, depois de tudo aquilo, talvez apenas ela não fosse o suficiente.
- O que não é o caso do seu homem, eu tenho certeza.
- Ele não é meu homem, é só um homem. – larguei o roupão em cima da cama e coloquei o pijama que, lá em Manaus, Joe achara legal antes de quase rasgá-lo – E a propósito, não sei muito bem o que fazer com ele.
- O que você quer dizer?
Abri meu peito pra Lia. Expliquei sobre o recado na recepção e a surpresa que me tomou ao recebê-lo, porque quando eu o deixara entrar lá em Manaus eu não esperava que ele fosse voltar, embora pouca coisa (quase nada) sem conotação sexual tenha sido dita depois que ele começou a arrancar minhas roupas. Mesmo que o sexo não saísse da minha cabeça. Nada ficou explícito além da vontade mútua e talvez aquele tenha sido meu erro, não expor em que pé não estávamos. Mas o que me causava mais angústia era justamente a vontade de admitir, nem que fosse apenas pra mim, que eu queria estar em algum pé com ele sim.
- Me sinto estúpida e infantil.
- Você está mesmo sendo estúpida e infantil! – era por aqueles tapas na cara que eu vivia. Precisava de alguém que os desse e os da Lia eram sempre certeiros – Onde dois querem a mesma coisa, não existe problema, então pare de inventar um!
- Tem muita coisa em jogo, Lia. Eu gosto muito do meu emprego, obrigada!
- Ninguém vai te demitir por se relacionar com um jogador, . Eu li as normas de conduta que nos regem mais vezes do que posso contar, porque sou a pessoa menos ética que eu conheço, e nada é dito sobre isso em lugar nenhum.
- Mas e se a Inglaterra for desclassificada e isso chegar a público? Se por falta de sorte ele fizer um desempenho ruim a mídia inteira vai cair matando em cima de mim! Já é suficiente tudo que eu leio sobre meu tio ser o motivo de eu estar onde estou.
- Foda-se a mídia, você já é uma pessoa pública, vai tirar de letra como sempre tirou!
A razão das palavras dela me tomou e eu me joguei na cama, respirando fundo, admitindo a derrota.
- Você tem razão.
- Lógico que eu tenho! – como sempre, eu tinha que admitir – Você é a pessoa mais bem resolvida que eu conheço, aja como tal.
- Obrigada.
- Não há de que! Agora vai ligar pro seu homem.
- Já disse que não é meu!
- Blábláblá – sorri. Ela era impossível – Ah, antes que eu me esqueça: nenhum contato de algum Bastian Schweinsteiger e eu espero que continue assim.
- Muito obrigada por me lembrar, vou providenciar um assim que possível!
Fechei minha mala, me despedindo enquanto ela desligava o telefone e me xingava em pelo menos duas línguas. Coloquei a mala em um banco na lateral do quarto, guardei o roupão úmido no banheiro e resgatei o recado de Joe da antessala. Deitei de lado na cama, olhando o telefone. Eu precisava respirar fundo, tomar vergonha na cara e parar com a insegurança.
Tirei o aparelho do gancho e disquei. Me atenderam no terceiro toque.
- Yes? – não era o Hart. Merda.
- Oi, posso falar com o Joe, por favor?
- Quem é?
- .
Houve uma leve exclamação de surpresa, depois uma risada antes que o dono da voz que me atendera chamasse o Hart pelo sobrenome. Me perguntei se ele já espalhara para metade do elenco inglês a forma como eu gemi desesperada o nome dele todas as quatro vezes antes de gozar e se por acaso ele não teria feito parecer que gostara menos do que na realidade. Fiquei com raiva por ele conseguir plantar dúvidas na minha cabeça sem dizer nada e pelos caminhos que a minha mente tomava quando se tratava dele.
Respirei fundo. Aquele não era o melhor caminho.
- Hey. – ele parecia contente. Mordi o lábio, segurando um sorriso.
- Oi, eu recebi seu recado. Precisa de alguma coisa?
- Não imaginei que você fosse ligar.
- É meu trabalho, cá estou. – ele riu, uma risada gostosa – E então?
- Posso ir até aí? Não quiseram me dizer o número do teu quarto. – o tom que ele usava era hesitante, como se imaginasse se eu por acaso não vetara o acesso dele àquela informação.
- É o procedimento padrão. – ele fez um som de concordância. Temi estar soando profissional demais - Escuta, eu preciso descansar. Não tenho o fôlego de vocês atletas e os últimos dias foram intensos pra caramba. Além do mais, você tem treino amanhã cedo.
- Que eu me lembre você tem bastante fôlego sim.
Não consegui não rir. Ele me acompanhou, ignorando meu alerta.
- Para de tentar me deixar sem graça.
- Não paro se estiver funcionando. – fui pega de surpresa pela leveza no tom que usávamos e de repente não me pareceu má ideia deixá-lo ir até lá – E então, o que me diz?
- Você vai ter que me deixar descansar. – vulgo nada de sexo - E nada de dormir aqui.
- Prometo que vou tentar.
- Tentar não é o suficiente pra me fazer dizer sim, Joe Hart.
- É tudo o que dá pra garantir! – eu ri, descrente, pensando que provavelmente falharíamos feio tentando cumprir essa meta. Pelo menos eu teria folga, problema dele se quisesse gastar parte de sua noite de sono comigo.
- Ok, então. Quarto 702.
Acordei com o telefone tocando ao lado da minha cabeça, a luz do sol escapando pelas cortinas e um braço pesado sobre minhas costas.
Que merda.
- Alô.
- , desculpe te acordar cedo na sua folga, mas ninguém consegue achar o goleiro titular da Inglaterra, eles saem daqui 15 minutos e o técnico está muito puto no restaurante do hotel.
Puta que pariu, que merda federal.
Se Roy Hodgson já não tinha adquirido uma boa impressão de mim quando me conheceu em Manaus, se ele soubesse que seu goleiro sumido estava sem camisa no meu quarto, a antipatia que ele nutria evoluiria e se tornaria um problema sério.
Avisei a Marcos que resolveria o problema e me virei na cama. Joe me olhava sonolento. Me puxou em sua direção e beijou meus lábios. Não me deixei ser consumida pela surpresa.
- Você precisa ir embora.
- Você tem que parar com essa mania de me expulsar.
- Isso é sério, Joe! – tentei levantar da cama, mas sua força subjugava em muitos graus a minha, e fui impedida – Sua comissão técnica está te procurando. Não sei como ninguém apareceu aqui ainda.
- Eu pedi ao Rooney pra não dizer nada. – ele esfregou o rosto com a mão livre e virou na cama, me arrastando junto, deixando-me em cima de seu corpo – Bom dia.
Durante diversos momentos na noite anterior ele me dirigira aquele olhar; quando ele me perguntava coisas pessoais e eu não hesitava em responder – quando as respostas o agradavam. Quando eu devolvi as perguntas, revelando minha curiosidade. Quando eu o fazia rir dublando o que o dublador do canal Animal Planet dizia em português. Depois que eu aceitei seu beijo. Quando fui de encontro às minhas próprias palavras, deixando que ele ficasse.
Me lembrava a fascinação de um palestrante ao ver que suas palavras estão alcançando a mente daqueles que o ouvem e despertando dúvidas sobre o tema. Era interesse genuíno e uma espécie de fascinação, ainda que tímida. Provavelmente eu devolvera o olhar em vários momentos com a mesma medida. Era um olhar perigoso, ainda mais acompanhado daquela cara de sono adorável que ele exibia pra mim.
- Bom dia. Agora para de flertar comigo e vai tomar um banho.
- Você me acompanha?
- Joe, você sabe que horas são? – me estiquei até a mesa de cabeceira e, meio torta, consegui pegar o celular – Sete e vinte da manhã.
- Fuck.
- Sugiro que você corra.
Saí de cima dele, sem resistência daquela vez. Assisti, deitada na cama, enquanto ele vestia a camisa com pressa. Era uma puta cena e eu tinha certeza de que estava explicitando meu interesse, deitada de lado, apoiando a cabeça na mão como estava. Mas durante a noite ele conseguira mudar muito o meu ponto de vista sobre si mesmo e sobre o que ele queria – ou descobriu querer -, então não me importei.
Antes de correr em direção à porta, inclinou-se sobre a cama, me dando um beijo intenso com gosto de plástico e um tapa na bunda.
Tombei o corpo sobre o colchão, rindo completamente descrente, sentindo-me ótima.
A zona mista já estava fervendo e, apesar do semblante de decepção no rosto do CR7, eu não estava preocupada com eventuais declarações ambíguas que poderiam dar margem a matérias tendenciosas – e nem deveria, porque a seleção portuguesa não era problema meu, mas a alemã era.
Não fora, de fato, um jogo difícil para os alemães. Apesar da estranha decisão de Joachim Löw de deixar nomes proeminentes como Schurrle e Podolski no banco, a entrada de ambos como substituição de Özil e Müller foi de grande valorização do futebol alemão. Como Prandelli gostava de dizer, uma verdadeira obra de arte.
Convenhamos que com um goleiro como Manuel Neur, melhor do mundo pela FIFA no ano anterior, era de se esperar que tudo corresse bem.
Enquanto eu supervisionava os voluntários que orientavam as seleções e a imprensa, assisti Lia vir em minha direção, do vestiário. Parecia que ela lia minha mente, porque o sorriso que descansava em seus lábios era o de alguém que sabia em que goleiro de verdade eu estava pensando.
- Não olha assim pra mim, faz com que eu me sinta promíscua.
- Somos todos promíscuos nessa copa do mundo, não tenho dúvidas quanto a isso. – revirei os olhos, dando atenção ao tablet em minhas mãos – Mas vou ter que mudar meu olhar, porque na verdade eu queria dizer o quão hipócrita você é.
Das piores decisões que eu já tomei na vida – ter transado com o Hart, provavelmente, inclusa -, contar pra Lia o que tinha acontecido sábado à noite durante o nosso voo pra Salvador foi com certeza a pior delas. O voo decolou às 20h35min, depois de 25 minutos de atraso e, com a diferença de fuso horário, deveríamos chegar a Salvador mais ou menos às 11 horas. Eu pretendia cochilar durante aquelas três horinhas, pois o dia seguinte começaria cedo e meu corpo já demonstrava sinais de exaustão pelo fim de semana intenso, mas quando se deu início o interrogatório de Lia, ela não me deixou parar de falar e a trilha sonora do nosso voo foi um monólogo de três horas de Blatter.
Nenhum detalhe foi poupado e na metade do voo eu já estava completamente inquieta em meu assento, com minha calcinha dando sinais de que meu corpo reagia às lembranças - porque o Hart me fizera mesmo gritar, e a falta de isolamento acústico nos quartos fez com que a recepção ligasse perguntando se estava tudo bem. Duas vezes. Às quase quatro da manhã eu caí exausta na cama, depois da terceira vez e do quarto orgasmo, dizendo que era melhor ele ir embora, que eu precisava dormir. Ele eventualmente foi, pouco antes dos meus olhos fecharem e meu corpo momentaneamente ceder.
Passei todo o domingo após o passeio de barco esperando uma mensagem ou uma ligação do meu tio me retirando da comissão organizadora da copa, dizendo em um textão de palavras polidas e muito irritadas o quão irresponsável eu demonstrei ser com minhas atitudes insensatas. Quando uma mensagem dele de fato chegou, achei que fosse enfartar, mas contrariando minhas expectativas, ele apenas me demonstrou estar contente com meu trabalho até ali, ressaltando que o técnico italiano falara muito bem de mim.
- Vai à merda, Lia. Eu não devia ter te contado nada. – como não fiz com relação a Marchisio, pensei.
- Relaxa, ! Com mãos como aquelas não podem haver julgamentos.
Eu ri, prestes a dizer que ela não tinha ideia de nada, mas não tive tempo de responder, pois dois braços fortes rodearam minha cintura e tiraram meus pés do chão. Dei um grito, pelo susto, mas reconheci a risada alta ecoando em meus ouvidos.
- Bastian, seu idiota, me põe no chão!
Bastian Schweinsteiger solenemente ignorou minha ordem e me deu um beijo estalado na bochecha. Como fora poupado do jogo naquela tarde, estava com o colete de reserva e cheirando a sabonete de limão e desodorante masculino.
- Também estava com saudades, katze.
Minha história com Bastian não era complicada nem extensa. Nada de sexo envolvido, só uma noite bêbada numa boate em Munique cerca de uns dois anos antes durante as minhas férias que culminou num porre homérico e uma amizade improvável. Quase não nos víamos pessoalmente, mas se tinha algo que eu poderia dizer sobre aquele alemão era que ele guardava as pessoas que amava dentro de um coração enorme.
Ele me pôs no chão e eu pude virar para abraçá-lo decentemente.
- Você é empolgado demais.
- E você é empolgada de menos! – pude ouvir Lia rindo, uma concordância sutil - Aumente minha empolgação e diga que vai acompanhar a gente.
- Vou só supervisionar uma equipe enquanto cuido da Itália e da Inglaterra lá no Rio. - o sorriso aberto que brotou em seus lábios morreu em dois segundos e eu apertei suas bochechas.
- Malditos sortudos.
Ri, olhando pra trás para encontrar uma Lia analisando-nos milimetricamente. Ergui a sobrancelha e balancei a cabeça, descrente de que os pensamentos dela realmente estavam indo por aquele caminho. Daquela forma, ela me convenceria de que éramos mesmo todos promíscuos.
- Bastian, essa é a Lia, ela trabalha comigo na comissão.
O cinema retrata muito bem o momento em que o interesse numa pessoa é explicitado pela outra. Utilizam recursos como iluminação e câmera lenta e uma trilha sonora marcante. Eu não tinha nada daquilo ali e os alto-falantes do estádio tocavam Summer do Calvin Harris, mas eu percebi a forma como o olhar do Bastian mudou ao colocar os olhos em Lia. Que clichê fodido era aquele em que estávamos metidas!
- Prazer em conhecê-la, schön. – ele me empurrou com o quadril, de leve, e pegou a mão de Lia, a levando até os lábios. Prendi um riso, quieta no meu canto, assistindo enquanto ela ficava sem graça – É você que vai cuidar da gente?
Meu celular vibrou no bolso e era uma mensagem de Marcos, perguntando onde estávamos. Fui obrigada a interromper o momento dos dois, antes mesmo de conseguir soltar alguma piadinha.
- Não, não é ela, e eu sei o quão triste você está, mas não se preocupe que eu mando o número dela pra você, porque agora nós temos que ir.
Deixei um beijo na bochecha de um Bastian muito sorridente e puxei uma Lia muito puta em direção ao interior do estádio.
- Sua filha da puta! – dançava na minha língua aquele gostinho de vingança.
- Você vai querer me agradecer depois.
Ao entrar em meu quarto, no sétimo andar do Royal Tulip, no Rio, deixei a bolsa e os recados que recebera na recepção em cima da mesinha da antessala: um da Lia, avisando que estava a caminho de Mangaratiba e não tinha conseguido contato comigo via telefone, e um de Joe Hart, com dois números distintos, o de seu quarto e o respectivo ramal.
Fui tomada por um sentimento de incredulidade com o quão simples e conveniente era o fato de estarmos hospedados no mesmo hotel e ele já ter ciência desse fato.
O próximo jogo a que eu teria que comparecer seria em quatro dias e uma linda folga de 24 horas me esperava para o dia seguinte. Minhas intenções para ela eram dormir metade do dia e ficar na piscina do hotel durante a outra metade. A maratona que eu percorrera em quatro dias ultrapassava todos os limites aos quais eu já expusera meu corpo – a maratona de sexo inclusa. Mas eu não queria ter que pensar em sexo ou Joe Hart ou Claudio Marchisio no momento. Tinha a impressão de que poderia enlouquecer.
Quando saí do banho, lá para as nove e meia da noite, o papel timbrado do hotel com o número do ramal do quarto que ele com certeza dividia com outro jogador ainda jazia inerte no mesmo lugar em que eu o deixara, e pensar em tudo foi inevitável.
Meu celular tocou dentro da bolsa e apesar de saber que não poderia ser o Hart, visto que não trocáramos telefones, minha mente me traiu, deixando meu corpo alerta. Era a Lia.
- Estou muito impressionada negativamente com a dificuldade de conseguir sinal nesse lugar.
- Boa noite pra você também, Lia! Sim, fiz uma ótima viagem até o hotel, obrigada por perguntar.
- Será que liguei pra pessoa errada?
- Muito engraçada, você, nossa! – sentada no sofá cor de sorvete de creme, menos confortável do que parecia, eu encarava a mim mesma no espelho do armário, de roupão e cabelos presos no topo da cabeça – Como estão os italianos?
- Decepcionados que não foi você que os recebeu. – eu ri, mais alto do que pretendia – O que magoou um pouquinho meu ego, mas isso não durou muito porque, meu deus, como eles são maravilhosos!
Todos os átomos do meu corpo concordaram veementemente com ela.
- Eu sei – mas, de forma sensata, controlei qualquer tipo de reação que pudesse denunciar que eu sabia mesmo, bem mais do que superficialmente – Mas e a estrutura? Eles gostaram das acomodações, das instalações do CT?
- Algumas divergências sobre o gramado, mas acho que é só falta de ambientação, o clima anda meio seco por aqui. É amanhã que você vem?
- Amanhã eu vou experimentar o prazer de não precisar fazer nada. – meu coração se aqueceu com a perspectiva. Eu precisava muito descansar, mental e fisicamente.
- Vaca sortuda! – ri, levantando da poltrona e indo em direção a mala aberta em cima da minha cama, colocando o celular no viva voz ao lado da mesma – Vai aproveitar pra dar a noite inteira de novo?
- Lia, para de ser escrota! – a perspectiva não era ruim, mas eu não acreditava ter fôlego suficiente pra deixar que Hart entrasse em meus poros outra vez tão cedo. Ele me entorpecia de forma grave, inconscientemente derrubando barreiras invisíveis e me vendo, figurativamente, nua, vulnerável – Você mantém contato com o Wilshere?
- Nah, ele é um neném, mas está focado. Primeira Copa, eu entendo. A sede pela conquista é maior que pelo meu corpinho.
- Você é ridícula. – ela ria tanto quanto eu, e me bateu uma saudade de tê-la por perto. Lia fora a primeira com quem criei laços quando entrei efetivamente na FIFA, um arco-íris no meio da formalidade que o ambiente da sede em Zurique possuía. Tê-la em minha vida era maravilhoso não só pela amizade que criáramos, mas porque grande parte do motivo pelo qual eu ainda não precisava de terapia era a habilidade que ela tinha de conseguir manter meus dois pés no chão. Eu tinha em mente que, depois de tudo aquilo, talvez apenas ela não fosse o suficiente.
- O que não é o caso do seu homem, eu tenho certeza.
- Ele não é meu homem, é só um homem. – larguei o roupão em cima da cama e coloquei o pijama que, lá em Manaus, Joe achara legal antes de quase rasgá-lo – E a propósito, não sei muito bem o que fazer com ele.
- O que você quer dizer?
Abri meu peito pra Lia. Expliquei sobre o recado na recepção e a surpresa que me tomou ao recebê-lo, porque quando eu o deixara entrar lá em Manaus eu não esperava que ele fosse voltar, embora pouca coisa (quase nada) sem conotação sexual tenha sido dita depois que ele começou a arrancar minhas roupas. Mesmo que o sexo não saísse da minha cabeça. Nada ficou explícito além da vontade mútua e talvez aquele tenha sido meu erro, não expor em que pé não estávamos. Mas o que me causava mais angústia era justamente a vontade de admitir, nem que fosse apenas pra mim, que eu queria estar em algum pé com ele sim.
- Me sinto estúpida e infantil.
- Você está mesmo sendo estúpida e infantil! – era por aqueles tapas na cara que eu vivia. Precisava de alguém que os desse e os da Lia eram sempre certeiros – Onde dois querem a mesma coisa, não existe problema, então pare de inventar um!
- Tem muita coisa em jogo, Lia. Eu gosto muito do meu emprego, obrigada!
- Ninguém vai te demitir por se relacionar com um jogador, . Eu li as normas de conduta que nos regem mais vezes do que posso contar, porque sou a pessoa menos ética que eu conheço, e nada é dito sobre isso em lugar nenhum.
- Mas e se a Inglaterra for desclassificada e isso chegar a público? Se por falta de sorte ele fizer um desempenho ruim a mídia inteira vai cair matando em cima de mim! Já é suficiente tudo que eu leio sobre meu tio ser o motivo de eu estar onde estou.
- Foda-se a mídia, você já é uma pessoa pública, vai tirar de letra como sempre tirou!
A razão das palavras dela me tomou e eu me joguei na cama, respirando fundo, admitindo a derrota.
- Você tem razão.
- Lógico que eu tenho! – como sempre, eu tinha que admitir – Você é a pessoa mais bem resolvida que eu conheço, aja como tal.
- Obrigada.
- Não há de que! Agora vai ligar pro seu homem.
- Já disse que não é meu!
- Blábláblá – sorri. Ela era impossível – Ah, antes que eu me esqueça: nenhum contato de algum Bastian Schweinsteiger e eu espero que continue assim.
- Muito obrigada por me lembrar, vou providenciar um assim que possível!
Fechei minha mala, me despedindo enquanto ela desligava o telefone e me xingava em pelo menos duas línguas. Coloquei a mala em um banco na lateral do quarto, guardei o roupão úmido no banheiro e resgatei o recado de Joe da antessala. Deitei de lado na cama, olhando o telefone. Eu precisava respirar fundo, tomar vergonha na cara e parar com a insegurança.
Tirei o aparelho do gancho e disquei. Me atenderam no terceiro toque.
- Yes? – não era o Hart. Merda.
- Oi, posso falar com o Joe, por favor?
- Quem é?
- .
Houve uma leve exclamação de surpresa, depois uma risada antes que o dono da voz que me atendera chamasse o Hart pelo sobrenome. Me perguntei se ele já espalhara para metade do elenco inglês a forma como eu gemi desesperada o nome dele todas as quatro vezes antes de gozar e se por acaso ele não teria feito parecer que gostara menos do que na realidade. Fiquei com raiva por ele conseguir plantar dúvidas na minha cabeça sem dizer nada e pelos caminhos que a minha mente tomava quando se tratava dele.
Respirei fundo. Aquele não era o melhor caminho.
- Hey. – ele parecia contente. Mordi o lábio, segurando um sorriso.
- Oi, eu recebi seu recado. Precisa de alguma coisa?
- Não imaginei que você fosse ligar.
- É meu trabalho, cá estou. – ele riu, uma risada gostosa – E então?
- Posso ir até aí? Não quiseram me dizer o número do teu quarto. – o tom que ele usava era hesitante, como se imaginasse se eu por acaso não vetara o acesso dele àquela informação.
- É o procedimento padrão. – ele fez um som de concordância. Temi estar soando profissional demais - Escuta, eu preciso descansar. Não tenho o fôlego de vocês atletas e os últimos dias foram intensos pra caramba. Além do mais, você tem treino amanhã cedo.
- Que eu me lembre você tem bastante fôlego sim.
Não consegui não rir. Ele me acompanhou, ignorando meu alerta.
- Para de tentar me deixar sem graça.
- Não paro se estiver funcionando. – fui pega de surpresa pela leveza no tom que usávamos e de repente não me pareceu má ideia deixá-lo ir até lá – E então, o que me diz?
- Você vai ter que me deixar descansar. – vulgo nada de sexo - E nada de dormir aqui.
- Prometo que vou tentar.
- Tentar não é o suficiente pra me fazer dizer sim, Joe Hart.
- É tudo o que dá pra garantir! – eu ri, descrente, pensando que provavelmente falharíamos feio tentando cumprir essa meta. Pelo menos eu teria folga, problema dele se quisesse gastar parte de sua noite de sono comigo.
- Ok, então. Quarto 702.
Acordei com o telefone tocando ao lado da minha cabeça, a luz do sol escapando pelas cortinas e um braço pesado sobre minhas costas.
Que merda.
- Alô.
- , desculpe te acordar cedo na sua folga, mas ninguém consegue achar o goleiro titular da Inglaterra, eles saem daqui 15 minutos e o técnico está muito puto no restaurante do hotel.
Puta que pariu, que merda federal.
Se Roy Hodgson já não tinha adquirido uma boa impressão de mim quando me conheceu em Manaus, se ele soubesse que seu goleiro sumido estava sem camisa no meu quarto, a antipatia que ele nutria evoluiria e se tornaria um problema sério.
Avisei a Marcos que resolveria o problema e me virei na cama. Joe me olhava sonolento. Me puxou em sua direção e beijou meus lábios. Não me deixei ser consumida pela surpresa.
- Você precisa ir embora.
- Você tem que parar com essa mania de me expulsar.
- Isso é sério, Joe! – tentei levantar da cama, mas sua força subjugava em muitos graus a minha, e fui impedida – Sua comissão técnica está te procurando. Não sei como ninguém apareceu aqui ainda.
- Eu pedi ao Rooney pra não dizer nada. – ele esfregou o rosto com a mão livre e virou na cama, me arrastando junto, deixando-me em cima de seu corpo – Bom dia.
Durante diversos momentos na noite anterior ele me dirigira aquele olhar; quando ele me perguntava coisas pessoais e eu não hesitava em responder – quando as respostas o agradavam. Quando eu devolvi as perguntas, revelando minha curiosidade. Quando eu o fazia rir dublando o que o dublador do canal Animal Planet dizia em português. Depois que eu aceitei seu beijo. Quando fui de encontro às minhas próprias palavras, deixando que ele ficasse.
Me lembrava a fascinação de um palestrante ao ver que suas palavras estão alcançando a mente daqueles que o ouvem e despertando dúvidas sobre o tema. Era interesse genuíno e uma espécie de fascinação, ainda que tímida. Provavelmente eu devolvera o olhar em vários momentos com a mesma medida. Era um olhar perigoso, ainda mais acompanhado daquela cara de sono adorável que ele exibia pra mim.
- Bom dia. Agora para de flertar comigo e vai tomar um banho.
- Você me acompanha?
- Joe, você sabe que horas são? – me estiquei até a mesa de cabeceira e, meio torta, consegui pegar o celular – Sete e vinte da manhã.
- Fuck.
- Sugiro que você corra.
Saí de cima dele, sem resistência daquela vez. Assisti, deitada na cama, enquanto ele vestia a camisa com pressa. Era uma puta cena e eu tinha certeza de que estava explicitando meu interesse, deitada de lado, apoiando a cabeça na mão como estava. Mas durante a noite ele conseguira mudar muito o meu ponto de vista sobre si mesmo e sobre o que ele queria – ou descobriu querer -, então não me importei.
Antes de correr em direção à porta, inclinou-se sobre a cama, me dando um beijo intenso com gosto de plástico e um tapa na bunda.
Tombei o corpo sobre o colchão, rindo completamente descrente, sentindo-me ótima.
Seis
Enquanto o micro-ônibus da comissão organizadora se aproximava da entrada do Portobello Resort, em Mangaratiba, eu pensava que não precisava me preocupar: estaria imune aos charmes de Marchisio, uma vez que colocara tudo em pratos limpos com o Hart e, o que quer que parecíamos estar tendo, se mostrava congruente.
Impossível detalhar o quão errado foi meu pré-julgamento.
A comissão técnica italiana me aguardava na entrada do resort, enquanto a equipe tomava café da manhã no restaurante principal. Eles embarcariam no fim do dia em um voo sem escalas do Rio para Recife, onde jogavam contra a Costa Rica na sexta-feira. Um dia extra para reconhecimento de gramado e uma melhor ambientação.
A fase de grupos era exaustiva para absolutamente todo mundo.
Acertei o check-out da seleção para o meio da tarde em conjunto com a comissão técnica e fui para o restaurante com a minha equipe, visto que nós não tivemos tempo de tomar café no Rio. Quando minha figura adentrou o espaço, várias coisas aconteceram num espaço muito curto de segundos: Matteo Darmian queimou levemente a língua ao dar um gole no café quente, a faca de Andrea Pirlo caiu quando ele esbarrou nela ao gesticular no meio de uma fala, Cesare Prandelli deu um sorriso imenso e se ergueu da cadeira para me receber, e os olhos de Claudio Marchisio brilharam enquanto ele mordia uma torrada com geleia e não piscava.
Eu engoli seco e tentei não parecer nervosa. Rezava internamente para que ele não fosse falar comigo, pois tinha medo de que nenhuma frase coerente saísse da minha boca. Me vi tomada pelo receio de que, sem dizer mais nada além de tudo o que fora dito no meio de um rio de águas quentes do outro lado do país há vários dias, eu já estivesse completamente convencida e pronta para atender a qualquer chamado que ele fizesse.
Hart? Quem era Hart?
Eu temia que o que sentira na noite anterior, completamente diferente do tesão que nublou meu discernimento, não fosse páreo para aquela intensidade e as faíscas que os olhos dele soltavam.
- Bella, que bom revê-la!
Cesare abriu os braços e eu não tive como não abraçá-lo, além dos dois beijinhos característicos na bochecha.
- Bom revê-lo também! Como vão as coisas? As instalações continuam agradando? O atendimento é suficientemente bom?
- Sì, sì, tudo na mais perfeita ordem, obrigado!
- E as previsões para sexta?
Quando dei corda para que ele falasse sobre o que fazia de melhor, ele a agarrou pelo máximo de tempo que pode. Convidou-me para sentar ao seu lado, puxando a cadeira para mim. Larguei a bolsa aos meus pés e sentei, pedindo uma xícara de café sem açúcar e duas torradas integrais ao garçom.
O otimismo que eu pude presenciar no domingo após o jogo em Manaus continuava. Ele não escondia o respeito pelo time costarriquenho nem os subestimava, ressaltando várias vezes as qualidades técnicas de Keylor Navas e Joel Campbell, eleito o melhor em campo no primeiro jogo do grupo. Mas a confiança em seus meninos era latente e eu achava muito bonita a forma como a empolgação dele contagiava toda a equipe.
Conversamos até o café acabar e a comissão técnica começar a chamar os jogadores para os treinos, divididos em diferentes seções pelo resort. Apesar da umidade relativa do ar em Recife não ser tão sufocante quanto em Manaus, uma parte deles ainda utilizava a sauna para adquirir maior resistência ao calor. Um terço iria nadar e o outro terço iria para a academia. Após o almoço todos eles se encontrariam no campo aberto do resort, antes de pegarem as malas e a estrada para o Rio.
O resort era lindo e eu gostaria de poder aproveitar o dia por lá, mas aquilo era trabalho e o tempo voava. Eu ainda tinha muitos detalhes de Recife para resolver em solos fluminenses com a comissão italiana, o que nos tomou o restante da manhã.
Eu consegui me esquivar até quase uma da tarde. Já estava me achando muito bem-sucedida.
- Não está fugindo de mim, está, srta. Blatter?
Paralisei sobre o piso antiderrapante que rodeava a piscina. Ao olhar para trás, meus olhos receosos miraram um Claudio Marchisio de toalha na mão, sem camisa e bochechas vermelhas.
Eu lembrava vividamente das palavras dele. As doces que bagunçaram meu discernimento e as amargas que me fizeram parecer um prêmio a ser disputado por dois egos. Foi àquilo que me agarrei para manter os hormônios e os efeitos que ele tinha sobre mim sob controle. Eu funcionava racionalmente com raiva.
- De forma nenhuma, sr. Marchisio – tentei não soar sarcástica ao ser formal, mas falhei miseravelmente – Meu trabalho apenas não esbarrou em você por enquanto.
- Já que sua pessoa esbarrou, – ele estava se aproximando. Por deus, por que precisava estar perto para manter um diálogo? - por que não me acompanha?
Além do medo que tinha de mim mesma perto dele, não havia nenhum motivo plausível para recusar, então aceitei.
Caminhamos lado a lado em direção à praia, mantendo silêncio - tranquilo da parte dele e tenso da minha.
- Parece nervosa, .
O som que o meu nome fazia ao deixar os lábios dele era delicioso. E eu estava mesmo nervosa e saber que ele percebera me fez respirar fundo e resolver acabar com meu teatro vergonhoso, visto que daquela forma eu não venderia nenhum ingresso.
- Você me deixa nervosa e sabe disso. Então pare de comer pelas beiradas - sua risada alta e melodiosa me irritou, o que era ótimo – Onde estamos indo?
- Preciso trocar de roupa antes de almoçar, acabei de sair da sauna.
Eu paralisei a meio caminho do início dos chalés.
- Você por acaso precisa de ajuda?
Marchisio olhou para trás, percebendo pelo meu tom que eu não insinuara nada. Seu rosto, entretanto, se mostrava divertido defronte minha irritabilidade.
- Não.
- Então o que eu estou fazendo aqui?
- Você não precisa entrar, bella, pode me esperar na varanda. – seus olhos pareciam gentis e compreensivos e sua fala foi mansa. Usar aquele tipo de artifício era golpe baixo e ele parecia saber, pela forma como me olhava, esperando uma reação. Eu me sentia em ponto de ebulição, me desfazendo lentamente sob aquele olhar – A não ser que você queira.
Senti que poderia chorar a qualquer momento.
- Isso é injusto pra caralho.
- Injusto é você estipular um prazo para que eu te convença e não me dar os meios para tal. – ele não parecia estar se divertindo às custas da minha relutância ou irritado por conta dela. Soava sincero, constatava um fato.
- O que você queria, meu telefone?
Claudio virou completamente o corpo e se aproximou de mim, mantendo menos de um palmo de distância. Seu semblante era tranquilo e me irritava profundamente o quão dono de si ele conseguia ser, como era fácil pra ele bancar o que sentia sem se importar com possíveis efeitos colaterais.
- Você pensou sobre nós? - Nós. Não existia nenhum nós para se pensar sobre – Não precisou, não é? Você sabe o que quer.
Balancei a cabeça, incrédula. Eu sabia sim o que eu queria, e não admitiria que ele me contornasse de forma a tentar fazer com que minha conclusão parecesse ser impulsionada por sua causa. Mas saber o que eu queria fazer e chegar às vias de fato eram duas coisas distintas e contra as quais eu lutaria fervorosamente, mesmo que isso causasse uma derrota ainda mais vergonhosa.
- E daí que eu sei o que eu quero? Isso não me obriga a externar minhas vontades! Somos perfeitamente capazes de controlar impulsos.
- Mas você não precisa controlar nada! - ele agarrou de forma firme a minha mão – Vem comigo – balancei a cabeça em negativa – Per favore, .
Suspirei, cansada de pagar de forte.
- Eu não vou te beijar, muito menos transar com você, Marchisio. Então, o que você quer?
- A chance de te convencer, que me foi negada.
Malditos olhos sinceros demais!
Deixei-me ser carregada até o quarto que lhe pertencia, me perguntando se seus métodos de convencimento seriam provas da infidelidade da sua própria esposa ou monólogos acerca da idoneidade de sua pessoa. Se fossem eu poderia respirar tranquila, pois não me soavam como justificativas suficientemente convincentes. Não tinha medo de que ele desrespeitasse os limites que eu implicitamente impusera.
O quarto que ele dividia com algum outro jogador era no térreo do primeiro grupo de chalés da praia. Ele abriu a porta de vidro pra mim e a fechou atrás de si, puxando as cortinas e nos deixando no escuro, não me dando suficiente tempo de analisar o ambiente.
- Achei que tivesse sido clara.
- Calma. – senti sua presença atrás de mim e permaneci parada. Suas mãos apertaram minha cintura e grudaram nossos corpos. O ar ficou preso em minha garganta – Se você quiser que eu pare, eu paro. – seus lábios contornaram meus ombros de forma sutil e eu mordi a língua, o interior da bochecha e os lábios, pra não deixar nenhum som escapar – Só quero te dar uma chance de entender o que faz comigo.
- Não houve tempo suficiente pra eu causar qualquer tipo de efeito.
- Eu não disse que faz sentido. – uma de suas mãos delineou a lateral do meu corpo até segurar meu cabelo e puxá-lo pela raiz, bagunçando o rabo de cavalo. Ele depositou gentilmente minha cabeça em seu ombro e desceu os lábios até o pescoço – È quello che è.
Por mais ar que eu desse aos meus pulmões, eles ardiam pedindo mais. Minha pulsação acelerava e eu torcia os dedos das mãos, sem saber o que fazer com eles, não querendo tocá-lo. Ele não tinha feito praticamente nada e eu já me encontrava descabelada, ofegante e quente.
Num movimento rápido, ele contornou meu corpo e sentou-se na cama à minha frente, sem tirar as mãos de mim. Com os olhos acostumados a pouca luz do ambiente, eu já conseguia ver seu rosto, com os olhos brilhando e os lábios úmidos. Eu me sustentava porcamente sobre saltos altos e um resquício de orgulho, as mãos dele segurando meus quadris me dando sustentação suficiente.
E então elas desceram até a barra do meu vestido e começaram a erguê-lo. Minha reação involuntária foi segurá-las.
- Calma. – com minhas mãos sobre as dele, como se fosse eu a guiá-lo (e talvez fosse mesmo), ele ergueu o tecido apenas até a barra da calcinha – Eu vou chupar você, bela. – ele olhava pra mim enquanto dizia palavras sujas em um tom baixinho e eu me perguntei se escutara direito – E só vou parar quando você gozar na minha boca. – a compreensão me atingiu e eu tremi nitidamente – Tudo bem?
Não fui capaz de expressar nenhum tipo de resposta e ele tomou meu silêncio como o sim que ele significava.
Minha perna esquerda foi erguida e posta sobre a cama. Devido ao salto alto, a cabeça dele estava posta no ângulo perfeito para fazer o que ele propunha. Eu, com toda certeza, estava hiperventilando.
Ele beijou a dobra interna do meu joelho e subiu os lábios pela coxa até chegar na lateral da calcinha branca que, eu tinha certeza, já demonstrava todo o estrago que a situação me causava. Então, me pegando de surpresa, encaixou a boca sobre a minha entrada, ainda em cima do tecido. Um gemido escapou.
Claudio lambeu todo o tecido, umedecendo-o ainda mais, enquanto minhas mãos se apoiavam em seu ombro, cravando as unhas na pele clara. Eu sentia o toque firme e quente de sua língua como se não houvesse barreira nenhuma entre ela e minha pele.
- Bella, eu preciso tirá-la, tudo bem?
Com o resquício de sanidade que eu ainda tinha, me perguntei se sua espera por confirmação era um recurso pra me fazer enxergar a fragilidade de meu suposto controle, porque eu não tinha nenhuma condição de responder qualquer coisa.
Minha perna voltou ao chão e os dedos rápidos dele arrancaram o tecido que me cobria, que escorregou pelas minhas pernas parecendo feliz em sair do caminho. Só tive tempo de desenroscar a calcinha dos meus pés antes que sua mão urgente erguesse minha perna outra vez e seus lábios voltassem pra minha pele.
O primeiro contato direto entre sua língua e minha carne úmida e inchada me fez perder a força nas pernas. Mas ele me manteve firme e de pé enquanto achava meu clitóris e novamente me fazia gemer. A posição não era das mais confortáveis e eu não duraria muito tempo de pé, ele deveria saber disso, se pretendia mesmo me fazer gozar. Engraçado cogitar a hipótese de que seria difícil; a cada movimento de sua língua eu me via mais e mais próxima de pular de um precipício – sorrindo.
Uma de minhas mãos puxou seu cabelo enquanto a outra, posta sobre seus ombros, enterrava as unhas em sua carne, com a mesma intensidade com a qual ele apertava minhas pernas. Eu estava prestes a cair quando ouvi um som rouco saindo de sua garganta e fui virada e jogada com violência sobre a cama, sem que ele jamais tirasse a cabeça do meio das minhas pernas.
Se fosse possível dizer que eu ainda tinha compostura com a calcinha perdida no escuro do quarto e a cabeça de Marchisio no meio das minhas pernas sem a menor intenção de ir embora antes de terminar, depois daquilo eu a perdera completamente.
Ele conseguia ler as reações do meu corpo como se eu fosse seu livro preferido. Nos breves instantes em que recobrava a consciência e me situava no tempo e espaço, a forma como ele se empenhava em me dar prazer me surpreendia e encantava, em níveis perigosos.
Foi fácil pra ele entender que eu estava às beiras do orgasmo, independente do que minha voz desconexa dizia ou da forma com que meu quadril subia e descia, querendo mais contato. Ele concentrou-se em meu clitóris, sem nenhuma piedade, e não parou até que meus espasmos tivessem fim e eu mordesse a língua pra suprimir um grito.
Num ato de veneração, beijou minhas coxas, as arranhando com a barba, e foi subindo o corpo devagar, continuando sua leitura de minhas reações - a meu ver, sendo infelizmente bem-sucedido nela.
Então, quando seu rosto estava na mesma altura do meu, de forma sutil e lenta ele tentou me beijar.
As coisas fluíram como que em câmera lenta, naquele momento, enquanto meu corpo voltava ao normal. Quando ele se aproximava, eu recuava a cabeça ou virava o rosto, sentindo seus lábios na minha bochecha, até mesmo seus dentes. Suas mãos me puxavam os cabelos e apertavam minha cintura. Num descuido, ele conseguiu prender meu lábio inferior entre seus dentes. Segurei a respiração, nervosa.
- Não; – consegui dizer, de forma quase inaudível.
Não sei precisar porque neguei seus lábios com resquícios meus quando ele se aproximou. Nunca fui do tipo fresca, então não era nojo. E em questão de níveis de intimidade, o que ele acabara de fazer era íntimo em muitos graus acima de um beijo.
Ele pareceu compreender minhas razões antes de mim, encaixando o rosto no meu pescoço e distribuindo beijos gelados e intensos pelo mesmo. Enquanto meu ritmo cardíaco e respiração se normalizavam, fui atingida pela compreensão de que negara seu beijo por medo.
Nada havia a se fazer quanto à forma com que ele interpretara cada gemido, puxão de cabelo, arranhão e palavra desconexa que eu deixara escapar enquanto ele cumpria a promessa de me fazer gozar. Mas eu estava apavorada com a possibilidade de conseguir lê-lo com a mesma facilidade; de o beijo encaixar de forma irreversível e eu me ver presa naquela situação complicada. Ainda existia um Joe Hart com quem eu teria eventualmente que ligar e eu não poderia deixar de lado a conexão que tivéramos por conta de uma inconsequência como aquela.
E a aliança dourada ainda estava em seu anelar esquerdo e eu precisava manter aquilo em mente.
- Precisamos ir.
- Você me entende agora, bella?
Ignorei a fraqueza nas pernas e no espírito, bem como a vontade de ficar e retribuir a forma com que ele me fez sentir. O empurrei de leve, tendo um pouco de resistência. Finalmente levantei da cama, tirando os sapatos, procurando minha calcinha no chão e vestindo-a. Ele me encarava, sentado, o peito subindo e descendo acelerado.
- Não dá tempo de falar sobre, Marchisio, nós precisamos ir. – ele suspirou, parecendo decepcionado, e aquilo me amoleceu um pouco – Isso não significa que eu estou fugindo da conversa. A gente se fala em Recife.
Esperei até ele assentir e saí do quarto, com os sapatos nas mãos e um nó na garganta.
Impossível detalhar o quão errado foi meu pré-julgamento.
A comissão técnica italiana me aguardava na entrada do resort, enquanto a equipe tomava café da manhã no restaurante principal. Eles embarcariam no fim do dia em um voo sem escalas do Rio para Recife, onde jogavam contra a Costa Rica na sexta-feira. Um dia extra para reconhecimento de gramado e uma melhor ambientação.
A fase de grupos era exaustiva para absolutamente todo mundo.
Acertei o check-out da seleção para o meio da tarde em conjunto com a comissão técnica e fui para o restaurante com a minha equipe, visto que nós não tivemos tempo de tomar café no Rio. Quando minha figura adentrou o espaço, várias coisas aconteceram num espaço muito curto de segundos: Matteo Darmian queimou levemente a língua ao dar um gole no café quente, a faca de Andrea Pirlo caiu quando ele esbarrou nela ao gesticular no meio de uma fala, Cesare Prandelli deu um sorriso imenso e se ergueu da cadeira para me receber, e os olhos de Claudio Marchisio brilharam enquanto ele mordia uma torrada com geleia e não piscava.
Eu engoli seco e tentei não parecer nervosa. Rezava internamente para que ele não fosse falar comigo, pois tinha medo de que nenhuma frase coerente saísse da minha boca. Me vi tomada pelo receio de que, sem dizer mais nada além de tudo o que fora dito no meio de um rio de águas quentes do outro lado do país há vários dias, eu já estivesse completamente convencida e pronta para atender a qualquer chamado que ele fizesse.
Hart? Quem era Hart?
Eu temia que o que sentira na noite anterior, completamente diferente do tesão que nublou meu discernimento, não fosse páreo para aquela intensidade e as faíscas que os olhos dele soltavam.
- Bella, que bom revê-la!
Cesare abriu os braços e eu não tive como não abraçá-lo, além dos dois beijinhos característicos na bochecha.
- Bom revê-lo também! Como vão as coisas? As instalações continuam agradando? O atendimento é suficientemente bom?
- Sì, sì, tudo na mais perfeita ordem, obrigado!
- E as previsões para sexta?
Quando dei corda para que ele falasse sobre o que fazia de melhor, ele a agarrou pelo máximo de tempo que pode. Convidou-me para sentar ao seu lado, puxando a cadeira para mim. Larguei a bolsa aos meus pés e sentei, pedindo uma xícara de café sem açúcar e duas torradas integrais ao garçom.
O otimismo que eu pude presenciar no domingo após o jogo em Manaus continuava. Ele não escondia o respeito pelo time costarriquenho nem os subestimava, ressaltando várias vezes as qualidades técnicas de Keylor Navas e Joel Campbell, eleito o melhor em campo no primeiro jogo do grupo. Mas a confiança em seus meninos era latente e eu achava muito bonita a forma como a empolgação dele contagiava toda a equipe.
Conversamos até o café acabar e a comissão técnica começar a chamar os jogadores para os treinos, divididos em diferentes seções pelo resort. Apesar da umidade relativa do ar em Recife não ser tão sufocante quanto em Manaus, uma parte deles ainda utilizava a sauna para adquirir maior resistência ao calor. Um terço iria nadar e o outro terço iria para a academia. Após o almoço todos eles se encontrariam no campo aberto do resort, antes de pegarem as malas e a estrada para o Rio.
O resort era lindo e eu gostaria de poder aproveitar o dia por lá, mas aquilo era trabalho e o tempo voava. Eu ainda tinha muitos detalhes de Recife para resolver em solos fluminenses com a comissão italiana, o que nos tomou o restante da manhã.
Eu consegui me esquivar até quase uma da tarde. Já estava me achando muito bem-sucedida.
- Não está fugindo de mim, está, srta. Blatter?
Paralisei sobre o piso antiderrapante que rodeava a piscina. Ao olhar para trás, meus olhos receosos miraram um Claudio Marchisio de toalha na mão, sem camisa e bochechas vermelhas.
Eu lembrava vividamente das palavras dele. As doces que bagunçaram meu discernimento e as amargas que me fizeram parecer um prêmio a ser disputado por dois egos. Foi àquilo que me agarrei para manter os hormônios e os efeitos que ele tinha sobre mim sob controle. Eu funcionava racionalmente com raiva.
- De forma nenhuma, sr. Marchisio – tentei não soar sarcástica ao ser formal, mas falhei miseravelmente – Meu trabalho apenas não esbarrou em você por enquanto.
- Já que sua pessoa esbarrou, – ele estava se aproximando. Por deus, por que precisava estar perto para manter um diálogo? - por que não me acompanha?
Além do medo que tinha de mim mesma perto dele, não havia nenhum motivo plausível para recusar, então aceitei.
Caminhamos lado a lado em direção à praia, mantendo silêncio - tranquilo da parte dele e tenso da minha.
- Parece nervosa, .
O som que o meu nome fazia ao deixar os lábios dele era delicioso. E eu estava mesmo nervosa e saber que ele percebera me fez respirar fundo e resolver acabar com meu teatro vergonhoso, visto que daquela forma eu não venderia nenhum ingresso.
- Você me deixa nervosa e sabe disso. Então pare de comer pelas beiradas - sua risada alta e melodiosa me irritou, o que era ótimo – Onde estamos indo?
- Preciso trocar de roupa antes de almoçar, acabei de sair da sauna.
Eu paralisei a meio caminho do início dos chalés.
- Você por acaso precisa de ajuda?
Marchisio olhou para trás, percebendo pelo meu tom que eu não insinuara nada. Seu rosto, entretanto, se mostrava divertido defronte minha irritabilidade.
- Não.
- Então o que eu estou fazendo aqui?
- Você não precisa entrar, bella, pode me esperar na varanda. – seus olhos pareciam gentis e compreensivos e sua fala foi mansa. Usar aquele tipo de artifício era golpe baixo e ele parecia saber, pela forma como me olhava, esperando uma reação. Eu me sentia em ponto de ebulição, me desfazendo lentamente sob aquele olhar – A não ser que você queira.
Senti que poderia chorar a qualquer momento.
- Isso é injusto pra caralho.
- Injusto é você estipular um prazo para que eu te convença e não me dar os meios para tal. – ele não parecia estar se divertindo às custas da minha relutância ou irritado por conta dela. Soava sincero, constatava um fato.
- O que você queria, meu telefone?
Claudio virou completamente o corpo e se aproximou de mim, mantendo menos de um palmo de distância. Seu semblante era tranquilo e me irritava profundamente o quão dono de si ele conseguia ser, como era fácil pra ele bancar o que sentia sem se importar com possíveis efeitos colaterais.
- Você pensou sobre nós? - Nós. Não existia nenhum nós para se pensar sobre – Não precisou, não é? Você sabe o que quer.
Balancei a cabeça, incrédula. Eu sabia sim o que eu queria, e não admitiria que ele me contornasse de forma a tentar fazer com que minha conclusão parecesse ser impulsionada por sua causa. Mas saber o que eu queria fazer e chegar às vias de fato eram duas coisas distintas e contra as quais eu lutaria fervorosamente, mesmo que isso causasse uma derrota ainda mais vergonhosa.
- E daí que eu sei o que eu quero? Isso não me obriga a externar minhas vontades! Somos perfeitamente capazes de controlar impulsos.
- Mas você não precisa controlar nada! - ele agarrou de forma firme a minha mão – Vem comigo – balancei a cabeça em negativa – Per favore, .
Suspirei, cansada de pagar de forte.
- Eu não vou te beijar, muito menos transar com você, Marchisio. Então, o que você quer?
- A chance de te convencer, que me foi negada.
Malditos olhos sinceros demais!
Deixei-me ser carregada até o quarto que lhe pertencia, me perguntando se seus métodos de convencimento seriam provas da infidelidade da sua própria esposa ou monólogos acerca da idoneidade de sua pessoa. Se fossem eu poderia respirar tranquila, pois não me soavam como justificativas suficientemente convincentes. Não tinha medo de que ele desrespeitasse os limites que eu implicitamente impusera.
O quarto que ele dividia com algum outro jogador era no térreo do primeiro grupo de chalés da praia. Ele abriu a porta de vidro pra mim e a fechou atrás de si, puxando as cortinas e nos deixando no escuro, não me dando suficiente tempo de analisar o ambiente.
- Achei que tivesse sido clara.
- Calma. – senti sua presença atrás de mim e permaneci parada. Suas mãos apertaram minha cintura e grudaram nossos corpos. O ar ficou preso em minha garganta – Se você quiser que eu pare, eu paro. – seus lábios contornaram meus ombros de forma sutil e eu mordi a língua, o interior da bochecha e os lábios, pra não deixar nenhum som escapar – Só quero te dar uma chance de entender o que faz comigo.
- Não houve tempo suficiente pra eu causar qualquer tipo de efeito.
- Eu não disse que faz sentido. – uma de suas mãos delineou a lateral do meu corpo até segurar meu cabelo e puxá-lo pela raiz, bagunçando o rabo de cavalo. Ele depositou gentilmente minha cabeça em seu ombro e desceu os lábios até o pescoço – È quello che è.
Por mais ar que eu desse aos meus pulmões, eles ardiam pedindo mais. Minha pulsação acelerava e eu torcia os dedos das mãos, sem saber o que fazer com eles, não querendo tocá-lo. Ele não tinha feito praticamente nada e eu já me encontrava descabelada, ofegante e quente.
Num movimento rápido, ele contornou meu corpo e sentou-se na cama à minha frente, sem tirar as mãos de mim. Com os olhos acostumados a pouca luz do ambiente, eu já conseguia ver seu rosto, com os olhos brilhando e os lábios úmidos. Eu me sustentava porcamente sobre saltos altos e um resquício de orgulho, as mãos dele segurando meus quadris me dando sustentação suficiente.
E então elas desceram até a barra do meu vestido e começaram a erguê-lo. Minha reação involuntária foi segurá-las.
- Calma. – com minhas mãos sobre as dele, como se fosse eu a guiá-lo (e talvez fosse mesmo), ele ergueu o tecido apenas até a barra da calcinha – Eu vou chupar você, bela. – ele olhava pra mim enquanto dizia palavras sujas em um tom baixinho e eu me perguntei se escutara direito – E só vou parar quando você gozar na minha boca. – a compreensão me atingiu e eu tremi nitidamente – Tudo bem?
Não fui capaz de expressar nenhum tipo de resposta e ele tomou meu silêncio como o sim que ele significava.
Minha perna esquerda foi erguida e posta sobre a cama. Devido ao salto alto, a cabeça dele estava posta no ângulo perfeito para fazer o que ele propunha. Eu, com toda certeza, estava hiperventilando.
Ele beijou a dobra interna do meu joelho e subiu os lábios pela coxa até chegar na lateral da calcinha branca que, eu tinha certeza, já demonstrava todo o estrago que a situação me causava. Então, me pegando de surpresa, encaixou a boca sobre a minha entrada, ainda em cima do tecido. Um gemido escapou.
Claudio lambeu todo o tecido, umedecendo-o ainda mais, enquanto minhas mãos se apoiavam em seu ombro, cravando as unhas na pele clara. Eu sentia o toque firme e quente de sua língua como se não houvesse barreira nenhuma entre ela e minha pele.
- Bella, eu preciso tirá-la, tudo bem?
Com o resquício de sanidade que eu ainda tinha, me perguntei se sua espera por confirmação era um recurso pra me fazer enxergar a fragilidade de meu suposto controle, porque eu não tinha nenhuma condição de responder qualquer coisa.
Minha perna voltou ao chão e os dedos rápidos dele arrancaram o tecido que me cobria, que escorregou pelas minhas pernas parecendo feliz em sair do caminho. Só tive tempo de desenroscar a calcinha dos meus pés antes que sua mão urgente erguesse minha perna outra vez e seus lábios voltassem pra minha pele.
O primeiro contato direto entre sua língua e minha carne úmida e inchada me fez perder a força nas pernas. Mas ele me manteve firme e de pé enquanto achava meu clitóris e novamente me fazia gemer. A posição não era das mais confortáveis e eu não duraria muito tempo de pé, ele deveria saber disso, se pretendia mesmo me fazer gozar. Engraçado cogitar a hipótese de que seria difícil; a cada movimento de sua língua eu me via mais e mais próxima de pular de um precipício – sorrindo.
Uma de minhas mãos puxou seu cabelo enquanto a outra, posta sobre seus ombros, enterrava as unhas em sua carne, com a mesma intensidade com a qual ele apertava minhas pernas. Eu estava prestes a cair quando ouvi um som rouco saindo de sua garganta e fui virada e jogada com violência sobre a cama, sem que ele jamais tirasse a cabeça do meio das minhas pernas.
Se fosse possível dizer que eu ainda tinha compostura com a calcinha perdida no escuro do quarto e a cabeça de Marchisio no meio das minhas pernas sem a menor intenção de ir embora antes de terminar, depois daquilo eu a perdera completamente.
Ele conseguia ler as reações do meu corpo como se eu fosse seu livro preferido. Nos breves instantes em que recobrava a consciência e me situava no tempo e espaço, a forma como ele se empenhava em me dar prazer me surpreendia e encantava, em níveis perigosos.
Foi fácil pra ele entender que eu estava às beiras do orgasmo, independente do que minha voz desconexa dizia ou da forma com que meu quadril subia e descia, querendo mais contato. Ele concentrou-se em meu clitóris, sem nenhuma piedade, e não parou até que meus espasmos tivessem fim e eu mordesse a língua pra suprimir um grito.
Num ato de veneração, beijou minhas coxas, as arranhando com a barba, e foi subindo o corpo devagar, continuando sua leitura de minhas reações - a meu ver, sendo infelizmente bem-sucedido nela.
Então, quando seu rosto estava na mesma altura do meu, de forma sutil e lenta ele tentou me beijar.
As coisas fluíram como que em câmera lenta, naquele momento, enquanto meu corpo voltava ao normal. Quando ele se aproximava, eu recuava a cabeça ou virava o rosto, sentindo seus lábios na minha bochecha, até mesmo seus dentes. Suas mãos me puxavam os cabelos e apertavam minha cintura. Num descuido, ele conseguiu prender meu lábio inferior entre seus dentes. Segurei a respiração, nervosa.
- Não; – consegui dizer, de forma quase inaudível.
Não sei precisar porque neguei seus lábios com resquícios meus quando ele se aproximou. Nunca fui do tipo fresca, então não era nojo. E em questão de níveis de intimidade, o que ele acabara de fazer era íntimo em muitos graus acima de um beijo.
Ele pareceu compreender minhas razões antes de mim, encaixando o rosto no meu pescoço e distribuindo beijos gelados e intensos pelo mesmo. Enquanto meu ritmo cardíaco e respiração se normalizavam, fui atingida pela compreensão de que negara seu beijo por medo.
Nada havia a se fazer quanto à forma com que ele interpretara cada gemido, puxão de cabelo, arranhão e palavra desconexa que eu deixara escapar enquanto ele cumpria a promessa de me fazer gozar. Mas eu estava apavorada com a possibilidade de conseguir lê-lo com a mesma facilidade; de o beijo encaixar de forma irreversível e eu me ver presa naquela situação complicada. Ainda existia um Joe Hart com quem eu teria eventualmente que ligar e eu não poderia deixar de lado a conexão que tivéramos por conta de uma inconsequência como aquela.
E a aliança dourada ainda estava em seu anelar esquerdo e eu precisava manter aquilo em mente.
- Precisamos ir.
- Você me entende agora, bella?
Ignorei a fraqueza nas pernas e no espírito, bem como a vontade de ficar e retribuir a forma com que ele me fez sentir. O empurrei de leve, tendo um pouco de resistência. Finalmente levantei da cama, tirando os sapatos, procurando minha calcinha no chão e vestindo-a. Ele me encarava, sentado, o peito subindo e descendo acelerado.
- Não dá tempo de falar sobre, Marchisio, nós precisamos ir. – ele suspirou, parecendo decepcionado, e aquilo me amoleceu um pouco – Isso não significa que eu estou fugindo da conversa. A gente se fala em Recife.
Esperei até ele assentir e saí do quarto, com os sapatos nas mãos e um nó na garganta.
Sete
Às 18 horas e 13 minutos, quando o avião carregando a comissão técnica, a seleção italiana e um pequeno grupo do staff da FIFA decolou do Aeroporto Internacional Guararapes, o clima era, predominantemente e sem eufemismos, de enterro.
Eu não estava surpresa de nenhuma forma. Perder por um gol pra Costa Rica colocava a Itália em uma situação delicada, dependendo de um empate com o Uruguai, que vinha fazendo uma campanha sólida, e de uma boa performance inglesa no próximo jogo deles, dali a quatro dias. Lia me mandara uma mensagem no dia anterior; “Suárez arrebentou no jogo. Seu homem está conformado, mas chateado. Recomendo sexo”, então eu sabia que as perspectivas para ambos eram ruins. Claro, ignorei a parte engraçadinha; meu senso de humor ficara em solos pernambucanos, junto à empolgação italiana.
Era muito gritante, entretanto, a discrepância entre o voo de ida e o de volta, bem como o clima pós-primeiro jogo e aquele, pós-segundo. Mesmo sentada junto à minha equipe, numa parte separada do avião, eu sentia o desânimo se espalhando pelo ar feito uma virose. Ficava triste pela equipe italiana, principalmente por Cesare. Em Marchisio, desde a noite anterior, eu evitava pensar.
Durante o dia tivera suficientes distrações, mas enquanto o aleatório do iPod judiava de mim, as coisas que dissemos e fizemos iam e viam arbitrariamente em minha cabeça, como um flashback bagunçado e sádico.
Minha própria consciência zombava de mim, dizendo-me que eu abusara do livre arbítrio e agora teria consequências trabalhosas com que lidar.
O arrependimento me batia por não ter aceitado o dramin que Marcos me oferecera, porque parecia que eu passaria quase três horas evitando pensamentos inevitáveis.
Eu deveria ter enrolado mais um pouco, ou me perdido no caminho, ou usado a merda das escadas quando ele disse que aproveitaria para subir também quando me retirei.
Era uma missão difícil se desvencilhar da conversa de Cesare uma vez que ele se empolgava. E a garrafa vazia de vinho que jazia em cima da mesa, do lado de outra pela metade, era uma garantia certa de que ele já estava empolgado em demasia. E ainda eram 21h. Ele deveria estar bebendo? Provavelmente não, visto que seus jogadores ficaram na água e no isotônico. Mas eu já começara a perceber o sutil desprezo que os italianos têm por regras, etiqueta e convenções sociais.
Às 21h15 eu pedi licença, justificando-me, mesmo sem precisar, que acordaria mais cedo do que eles no dia seguinte. Marchisio simplesmente alegou sono e cortesia, e como naquele primeiro contato no elevador do hotel de Manaus, as portas se fecharam e, com apenas nós dois lá dentro, me senti sufocada. Tudo parecia voltar a Manaus; sentia que nunca mais conseguiria visitar aquele lugar sem que aquelas lembranças me viessem.
Ele apertou o botão do 14º andar. Meu quarto era no 11º, mas ele não sabia, não perguntou e eu não questionei. Eu tinha certeza que não conseguiria fugir naquele hotel vertical, visto que não obtivera sucesso tentando fugir no resort, onde o espaço disponível para isso era muito mais favorável.
Quando as portas do elevador se abriram no andar dele, não o segui quando seu corpo esguio e determinado fez menção de sair. Ele logo percebeu, o que eu sabia que aconteceria, e sem dizer nada, mas me olhando como quem diz tudo, me puxou levemente pela mão.
- Vem – disse, impedindo as portas de se fecharem.
Até mesmo em minha cabeça pareciam escusos os motivos que me faziam ceder a ele daquela maneira. Colocando as coisas em uma linha do tempo, desde o flerte sutil no primeiro treino italiano em solos manauenses, passando por toda aquela cena surreal do rio Amazonas e culminando na minha desgraça naquele quarto de hotel em Mangaratiba no dia anterior, as coisas foram sendo construídas aparentemente por uma força superior, de forma super-rápida e congruente. Embora eu não acreditasse em predestinação, parecia que eu haveria de me conformar que tudo simplesmente era para ser da forma com que estava se desenrolando.
Ele fazia parecer ser recíproco, mas eu não conseguia interpretar cegamente desse jeito. O ceticismo sempre fora uma característica que eu gostava de manter e aquela era uma situação onde ele se fazia necessário. Talvez me ajudasse a manter os dois pés no chão.
Porque ele me dizendo “vem”, levemente impaciente e com a plena convicção de que eu iria sem muita insistência e por isso demonstrar receio não tinha razão de ser, não ajudavam nessa questão.
Como eu sabia que aconteceria, cedi, e fui seguindo-o pelo corredor até chegarmos frente a porta do quarto número 1114, que ele abriu com o cartão e me deu passagem para entrar.
Sabendo o que poderia acontecer se eu não tivesse firmeza suficiente no que precisava dizer, tal como eu fizera no dia anterior, entrei no quarto com um nó na garganta e zero certezas.
- Relaxa. – ele me disse, enquanto a única coisa que eu conseguia pensar quando as luzes foram acesas era que eu precisaria passar pela cama para chegar à poltrona.
- Fácil para você dizer isso.
- Eu estou nervoso, tenho um jogo amanhã. Você não, então pode relaxar.
- Fácil para você dizer isso quando vai comer todas as palavras que eu disser e sorrir enquanto faz uma ótima digestão dos meus argumentos.
Ele sorriu e eu não soube dizer se ele me achava engraçada ou patética.
- Você usa as palavras muito bem, senhorita Blatter, mas falei sério quando disse que pode relaxar. Só quero conversar.
Foi minha vez de sorrir (e respirar fundo por ter conseguido atravessar o quarto e me sentar na poltrona sem maiores transtornos).
- Eu já ouvi isso antes e não consigo ter fé de que é verdade.
- Não te julgo. – ele afastou o descanso para pés e sentou-se na minha frente, mantendo uma distância adequada, mas não suficiente -, mas falo sério. Então relaxa.
Respirei fundo, inserindo uma grande quantidade de oxigênio em meu corpo e esperando que a coragem fosse junto. Torci os dedos das mãos, estalei o pescoço, forcei meu corpo a relaxar. Minha mente, em contradição, não parava um segundo.
- Não sei o que você quer que eu diga.
Demonstrando toda a paciência que eu mesma nunca possuí, ele passou a mão pelo rosto e juntou os dedos da mão entre os joelhos, as pernas abertas, o corpo inclinado; a posição de quem se prepara para explicar algo complexo de forma muito simples.
- Vamos devagar, tudo bem? – antes que ele terminasse a pergunta, eu sabia que nada estaria bem – Como eu a fiz sentir ontem?
Corei como uma adolescente – e o odiei por isso.
- Você sabe como me fez sentir, Marchisio.
- Eu sei que fiz você gozar, como disse que faria, mas não é isso que quero saber. Você me deixou uma bagunça, . Quero saber se foi recíproco.
Ele falava aquelas coisas com uma naturalidade que me incomodava, porque era mesmo tudo natural e não havia motivo para que eu tratasse o que ocorrera de forma diferente. Mas eu não conseguia desatrelar meu raciocínio ao fato de que ele me dera um orgasmo violento, que eu jamais esqueceria ou voltaria a sentir, e aquilo nunca tinha me acontecido. Eu tinha tal fato como base de todo o meu receio e era meu único motivo para lhe dizer não. Por si só deveria ser suficiente, mas já se mostrava fraco.
- Bagunçada é uma boa definição para como eu me encontro no momento.
Sempre fora impulsiva em situações daquele tipo, e pesar as palavras daquela maneira, com medo de usar a errada e fazê-lo me entender de outra forma, estava sendo uma missão muito difícil.
- Bom. – ele parecia realmente satisfeito – Não quero que pense que sou um canalha, que não ligo para os sentimentos de terceiros. Tenho mais a perder do que você e pensei muito antes de me deixar levar daquela forma.
- Se deixar levar? Você parecia ter absoluto controle da situação.
- O único controle que afirmo com certeza que tive foi o de manter minha cabeça no meio das suas pernas e ficar lá. O que te garanto, Blatter, foi extremamente difícil.
Eu tinha aquele homem de olhos azuis e honestos dizendo barbaridades para mim casualmente, como quem conversa sobre o clima durante a hora do chá, e as palavras dele tinham um impacto mais real em mim do que eu jamais admitiria. Sabia que aquela história de conversa era uma ideia péssima e agora eu via nitidamente o porquê: ele falava tudo o que eu gostaria de ter coragem de falar, mas não tinha.
Juntei todos os anos de experiência lidando com pessoas de diferentes nacionalidades e costumes, pedindo forças a todos os deuses de que já ouvira falar, quem quer que estivesse me ouvindo, para que fosse suficiente pra eu sair ilesa daquela situação.
- Ok, tudo bem. Você quer que eu diga que não entendo o porquê e não tenho controle do coração disparado, do desconforto entre as pernas e da forma como você me deixa sem saber o que dizer quando sou tão certa de mim, sendo que te conheço há apenas seis dias. Tudo isso é verdade e tudo isso não faz a menor diferença.
- Como pode dizer isso? – ele deu um tapa no próprio joelho, parecendo menos alterado do que eu pretendia que estivesse com as palavras que escolhera usar.
- Você é casado!
- Eu não estou aqui para enganar você, até porque minha vida é pública. Também não estou dizendo que vamos começar a fazer promessas vazias e viagens aleatórias ou escalas nos países um do outro.
Se minha vasta experiência lidando com pessoas e com palavras se fez presente naquele momento, foi pra me dizer o óbvio: que ele me queria por uma noite ou quantas noites o desempenho da Itália na Copa nos desse. Escondidos em quartos de hotéis pelo Brasil e presos na ignorância de que nada jamais daria errado, quando tudo aquilo tinha todos os aspectos do mundo pra virar um desastre.
- Então, para que se dar todo esse trabalho?
- Porque faz muitos anos que eu não me sinto da forma como você me faz sentir.
Eu não queria, mas entendia o ponto dele.
Apesar de estar presa num turbilhão de sensações malucas e conflitantes com ele e o Hart inseridos de repente na minha vida, eram coisas diferentes. O Hart vinha me beliscando pelas bordas, estudando a forma com que eu reagia à intimidade que ele queria que tivéssemos. Apesar de o começo ter sido feio e das personalidades darem choque, era gostoso de um jeito simples. Eu já me sentia confortável com ele. Claudio Marchisio realmente me bagunçava inteira com coisas que eu não entendia como podiam me sufocar e encher meu peito de forma tão repentina e eficaz. Era como a curiosidade que eu tive antes de fumar o primeiro e último cigarro da minha vida; precisava saber como era, mesmo que o resultado da descoberta não me agradasse tanto assim. Precisava conhecer o sabor da experiência.
Eu entendia quando ele dizia sem usar palavras que precisava me ter mesmo que só uma vez, pondo em risco seu próprio casamento e nossas reputações, porque eu me sentia da mesma forma. Mas lutávamos aquela batalha de formas diferentes, e por mais que na minha cabeça aquilo tudo fosse moralmente errado e eu estivesse inclinada a permanecer firme dizendo não, fiel ao meu próprio código moral e ética, a lógica dele tinha muito mais sentido pra forma como meu corpo gritava pra eu deixar de palhaçada e descobrir que sabor ele teria.
- Lá atrás você jurou coisas que têm significado, Claudio. E pode parecer que se perdeu, agora, porque você me conheceu e as coisas parecem fazer sentido. Mas foi só um delírio. Essa não é uma decisão que você pode tomar sozinho. – usei um dos meus últimos resquícios de sanidade, esperando que desse certo e lhe trouxesse luz.
- Por isso você está aqui, para tomar essa decisão comigo.
O silêncio se fez presente por um tempo.
Desviei o olhar, analisando cada detalhe da Recife que a janela do quarto dele me mostrava. Cada luz em cada poste, cada pessoa que passeava pelo calçadão – algumas segurando a coleira de um ou vários cachorros, outras andando de bicicleta ou patins. Várias tomando sorvete. Todas alheias a aura sufocante que nos envolvia no quarto 1114 do Hotel Gran Marquise.
Seria possível, tal qual se corta um pedaço de bolo, fatiar a tensão ao redor do quarto e servi-la em um prato de sobremesa com chantilly por cima.
Estávamos nos aproximando daquela parte dos filmes em que uma música sensacional começa a tocar e a parte que falta ceder finalmente cede. Senti a ponta de seus dedos em meu joelho, diretamente sobre o rasgo da calça jeans, e tremi. As mãos foram se acostumando ao terreno aos poucos e, quando ele chegou nos ganchos da calça, me puxou em sua direção, encaixando-me entre suas pernas abertas. Como na tarde anterior, quando ele roubara minha sanidade doses suficientes pra me fazer estar ali, há mais de 1.800 quilômetros de distância e prestes a dizer o sim que eu lhe negara, seus lábios passearam pelo meu rosto e ameaçaram tocar os meus, atrapalhando ainda mais o meu discernimento.
De forma brusca e inesperada, ele quebrou o silêncio.
- Faz amor comigo.
Levei alguns segundos além do normal para digerir o que ele dissera, para entender as implicações do que ele me pedia, procurando esclarecimento em seus olhos.
Fazer amor, no meu dicionário, significava que ele queria arrancar um pedaço meu para ter com ele permanentemente. Significava que ele queria tatuar minha alma com aquela lembrança, com seu gosto e seu cheiro e a bagunça ainda maior em que ele me tornaria. Significava que dali há quatro, cinco, 10 anos, no meio de uma transa genérica, lembraríamos do gosto e do cheiro e da bagunça que fizéramos de nós e morderíamos os lábios e a língua para evitar gritar outro nome quando o êxtase chegasse – se ele chegasse.
Fazer amor, no dicionário de Claudio Marchisio, poderia significar algo completamente diferente, mas eu jamais perguntaria.
- Você está fora de si! Não absorveu nada do que eu disse?
- Bella – novamente seus dentes prenderam meu lábio e eu não fui capaz nem de respirar, evitando maior contato. Suas mãos seguravam minha cabeça e eu considerei ter ouvido errado -, por favor.
Ele soltou meu lábio, dando-me a chance de responder.
- Isso é justamente o que eu vim evitar de acontecer. – custava muito de mim ignorar sua proximidade o bastante para formar frases coerentes, que eram soltas num fio de voz.
- Não acho que nós já fomos, em algum momento, algo evitável.
Ignorando o resquício de minha sensatez, ele puxou-me até que eu me encaixasse entre seus braços. Sussurrou “por favor, por favor, faz amor comigo” em italiano no meu ouvido repetidas vezes, arrastando-me até o seu colo e até o segundo círculo do inferno. Até que eu parasse de tentar empurrá-lo e a certeza me abandonasse, deixando-me fraca.
- Eu não posso fazer isso! – minha voz soou tão falsa e débil quanto a própria sentença.
- Sinto que “não” é a única palavra que você conhece. – seus braços rodeavam meu tronco e seus lábios tocavam a pele de meu pescoço suavemente a cada palavra que ele dizia.
- É a palavra mais segura para ser usada com você.
- Não cansa de negar a si mesma?
- Sim, me canso! Estou exausta pra caralho de negar você a mim mesma!
A fagulha de raiva que ele plantara em meu peito ao demonstrar seu egoísmo não era consistente o suficiente, não cresceria o bastante para se tornar um impedimento sólido. Eu estava mesmo cansada e faltava muito pouco para que ele vencesse minhas resistências.
- Não podem os dois discernimentos estarem errados com tamanha intensidade, ! – engoli seco, cada célula do meu corpo querendo negar que ele tinha razão – Por favor, faça amor comigo.
Mas o homem foi descrito através dos séculos como um animal racional carente de mecanismos eficazes de contenção de impulsos. E todos aqueles que o descreveram dessa forma tinham uma parcela de razão. A moral era algo abstrato demais, mesmo naqueles que diziam possuí-la desde sempre. Então eu cedi.
- Uma vez, Claudio. Só uma vez.
Jamais direi que me arrependi assim que disse o que disse; mas se pudesse voltar no tempo, não diria sim novamente.
Das centenas de livros que li em minha vida, não me recordo de nenhum cuja descrição de um beijo tenha sido fidedigna. A intimidade do ato é difícil de ser descrita, e naquele momento eu tive certeza quanto à minha hesitação anterior. Aquele em específico é difícil de se comparar com qualquer coisa, visto que ele me pedira para fazer amor com ele e eu tentava de todas as maneiras fingir, de forma suficientemente convincente para que ele não percebesse, sem me doar de fato. Apesar de boa mentirosa, nunca fui boa atriz, então aquela abordagem, eu sabia, estava fadada ao fracasso. Também não sabia fazer as coisas pela metade.
Quando senti sua língua na minha, qualquer plano de encenar algo caiu por terra.
Fechei os olhos e mergulhei de cabeça na piscina de sensações que ele me proporcionava, absolutamente inconformada pelo beijo encaixar da forma que eu sabia que encaixaria. Era um daqueles raros momentos em que eu odiava estar certa. Sentia os efeitos de nossa conexão reverberando pelo meu corpo, além das zonas onde mantínhamos contato direto. Suas mãos entraram em minha camiseta, tocando minha pele, tingindo minha cintura de vermelho.
Ele ergueu minha blusa e eu o ajudei a tirá-la, sem que ele precisasse pedir por isso. Seus lábios relutantemente abandonaram os meus e desceram pelo meu pescoço. Não me preocupei, embora devesse, se ele sem querer deixava vestígios de sua presença em mim.
Abri o fecho do sutiã, dando a ele livre acesso aos meus seios. Ele os lambeu e mordiscou como se fosse a melhor sobremesa que ele já experimentara. Suas mãos desceram pela minha barriga até encontrarem o botão da calça, que ele jamais conseguiria tirar na posição em que nos encontrávamos. Respirei fundo, tirando suas mãos de mim e saindo de seu colo. Entretanto, ele não parecia querer cortar o contato por muito tempo. Puxou-me de volta e espalhou beijos pela minha barriga, que me fizeram arfar e enfiar os dedos por entre seus cabelos.
Enquanto abria e descia meus jeans, não tirava os olhos dos meus, com uma intensidade e intimidade que não eram bem-vindas, mas das quais eu não conseguia desviar o olhar. Então me vi em pé apenas de calcinha na frente dele, sentado no apoio para pés de cor púrpura como a poltrona, completamente vestido, e só conseguia pensar que aquilo era injusto.
Não conseguia, entretanto, emitir qualquer tipo de comentário sobre a situação. Me sentia extasiada, como se estivesse bêbada, completamente focada em não deixar que minha mente fosse passear pelo caminho cheio de placas que me diziam que estávamos fazendo merda. Eu não teria tempo para me afundar em comiseração, mas sabia que não teria como fugir de lidar com aquilo.
Me inclinei para tirar sua blusa, mas ele pegou-me pela mão e se levantou. Fez com que eu me deitasse na cama e eu encolhi os braços sobre o peito, sentindo-me ainda mais exposta. Olhou para mim enquanto tirava a camisa, da mesma forma que os animais olham uns para os outros na natureza selvagem na época do cio. Eu não conseguia piscar ou manter a respiração constante.
Tirou também a calça esportiva e tocou em meus joelhos, no que eu automaticamente abri as pernas para recebê-lo. Puxei seu tronco em direção ao meu, beijando-o com raiva e desespero por me fazer sentir daquela forma. Talvez eu apenas estivesse tentando fazer com que, no fim das contas, aquilo fosse apenas sexo. Mas ele controlou meus impulsos, minha cabeça e minha língua, ditando um ritmo ao beijo que era muito mais lento do que eu pretendia.
Mordi seu lábio e respirei fundo, percebendo, finalmente, que era inútil e hipócrita lutar contra aquilo que eu me dispus a deixar acontecer.
Senti quando ele puxou a calcinha pelas minhas pernas e assisti enquanto ele se despia do resto de suas roupas, ajoelhado entre meus joelhos. Tombei a cabeça com força sobre a cama, engolindo em seco ao vê-lo e realizar que, dentro de segundos, ele estaria dentro de mim e não haveria volta. Eu era uma sem vergonha que mal podia esperar.
O tesão, mais uma vez, nublara completamente meu discernimento.
- Olha para mim. – ele pediu, os dois braços ao redor da minha cabeça, sua expressão um misto de expectativa e certeza. Uma de suas mãos segurou a minha e ele a guiou para o ponto onde nossos corpos se conectariam. Segurei seu membro, não conseguindo fechar a mão sem apertá-lo. Ele fechou os olhos e eu levantei o pescoço, mordendo seu lábio, exigindo a mesma atenção que ele me solicitava. Ele abriu os olhos, sorrindo, e eu lentamente o trouxe até minha entrada, ajeitando o corpo para recebê-lo.
A primeira estocada foi lenta e me fez revirar os olhos. Ele era grande e eu tive que me concentrar em relaxar para acostumar meu interior à sua presença. Mas ele novamente reivindicou minha atenção pelos olhos, enquanto saía e voltava, erguendo uma de minhas pernas para se acomodar melhor.
Ele me beijava e prendia o meu olhar entre o seu, e meus pensamentos desconexos passeavam por como aquela conexão parecia sólida e como ele era indecentemente bonito e o quanto aquilo era insano. Como as extremidades do meu corpo pareciam estar adormecendo e uma vontade de chorar que tomava conta do meu peito, de arrependimento por ter dito só uma vez sabendo bem que eu já não saberia lidar com aquilo.
Frequentemente sexo e romance são confundidos como sinônimos, impulsionados por ideais literários e estudados a fundo em artigos científicos que versam sobre o comportamento humano. Os considero, entretanto, componentes individuais que, eventualmente, se chocam e tornam-se um.
Enquanto Claudio Marchisio invadia meus poros e fixava morada permanente em minhas lembranças, não conseguia deixar de me perguntar se quando eu não conseguisse parar de pensar naquela transa, seria a minha vez de confundir sexo com romance e não saber precisar qual a carga emocional que nós dois depositáramos no ato.
Quando seus dedos longos e frios desceram meu tronco e encontraram meu clitóris, não consegui mais evitar que o nome dele deixasse os meus lábios.
- Não quero que acabe, mas não consigo segurar. – ele me disse, de peito aberto, e eu gemi perante sua honestidade.
Com as pernas presas em seu quadril, impulsionei o corpo para cima e o fiz virar, sentando sobre ele, as mãos em seu peito, os cabelos bagunçados escondendo minha cara de satisfação e culpa. Seus dedos marcaram minha pele e ditaram onde queriam que eu fosse; seus olhos jamais deixando de procurar pelos meus. Quando ele ergueu o quadril de encontro ao meu, atingindo lugares dentro de mim que eu desconhecia, abaixei o tronco e procurei um pedaço de pele para morder e não passar pelo constrangimento de justificar para qualquer atendente que os gritos eram só prazer sendo exteriorizado.
E ele me deu mais um orgasmo violento enquanto eu quase gritava “Claudio!” com a voz mais rouca do que pretendia e meu interior se contraía e o apertava e ele gemia no meu pescoço, a respiração falhando.
Levou alguns minutos até que eu erguesse o tronco e saísse de cima dele, tirando-o de dentro de mim. Rolei o corpo e deitei ao seu lado. Ele mantinha o braço sobre o peito, que subia e descia tão esbaforido quanto o meu. Queria me levantar e sair correndo, antes que ele me pedisse para dizer algo e eu tivesse que mentir - ou pior, ser honesta -, mas ainda não tinha completa certeza sobre ter suficiente força nas pernas.
Senti que ele me olhava, mas eu só conseguia encarar as luzes embutidas no gesso no teto. Fizéramos amor, eu sabia, dado o buraco alojado em meu peito. Fizéramos amor com a luz acesa. Ele me vira nua de corpo e alma e eu deixara e o arrependimento já me comia viva antes mesmo que eu estivesse recuperada.
Apoiei-me nos cotovelos e levantei o tronco, me sentando na beirada da cama, cruzando as pernas. Prendi o cabelo em um nó no topo da cabeça e senti a ponta dos dedos dele de forma firme desenhando as tatuagens em minha coluna. Estalei o pescoço, virando-o de um lado para o outro. Seu toque tinha um gosto amargo de despedida. Varri meus olhos pelo tapete felpudo aos pés da cama, localizando minhas roupas. Criei coragem, então, para me levantar e me vestir.
Ele sentou quando o fiz, e assistiu meus esforços medíocres de tentar agir com naturalidade quando nem ao menos eu conseguia olhá-lo. Vesti a calcinha, o sutiã, a calça jeans e a camisa. Quando virei, ele estava sentado, ainda nu, me mostrando o corpo, as tatuagens e a alma. Segurou minha mão. Seus olhos me sugaram.
- Fica.
Ficar implicaria em mais vezes de romance travestido de apenas sexo e de tatuagens sob a pele, invisíveis a olho nu. Ficar traria a acentuação daquele gosto amargo no fundo da língua que já caracterizava saudade. Eu não podia ficar.
- Uma vez, Claudio.
Ele assentiu, soltou minha mão e me deixou ir.
Eu não estava surpresa de nenhuma forma. Perder por um gol pra Costa Rica colocava a Itália em uma situação delicada, dependendo de um empate com o Uruguai, que vinha fazendo uma campanha sólida, e de uma boa performance inglesa no próximo jogo deles, dali a quatro dias. Lia me mandara uma mensagem no dia anterior; “Suárez arrebentou no jogo. Seu homem está conformado, mas chateado. Recomendo sexo”, então eu sabia que as perspectivas para ambos eram ruins. Claro, ignorei a parte engraçadinha; meu senso de humor ficara em solos pernambucanos, junto à empolgação italiana.
Era muito gritante, entretanto, a discrepância entre o voo de ida e o de volta, bem como o clima pós-primeiro jogo e aquele, pós-segundo. Mesmo sentada junto à minha equipe, numa parte separada do avião, eu sentia o desânimo se espalhando pelo ar feito uma virose. Ficava triste pela equipe italiana, principalmente por Cesare. Em Marchisio, desde a noite anterior, eu evitava pensar.
Durante o dia tivera suficientes distrações, mas enquanto o aleatório do iPod judiava de mim, as coisas que dissemos e fizemos iam e viam arbitrariamente em minha cabeça, como um flashback bagunçado e sádico.
Minha própria consciência zombava de mim, dizendo-me que eu abusara do livre arbítrio e agora teria consequências trabalhosas com que lidar.
O arrependimento me batia por não ter aceitado o dramin que Marcos me oferecera, porque parecia que eu passaria quase três horas evitando pensamentos inevitáveis.
Eu deveria ter enrolado mais um pouco, ou me perdido no caminho, ou usado a merda das escadas quando ele disse que aproveitaria para subir também quando me retirei.
Era uma missão difícil se desvencilhar da conversa de Cesare uma vez que ele se empolgava. E a garrafa vazia de vinho que jazia em cima da mesa, do lado de outra pela metade, era uma garantia certa de que ele já estava empolgado em demasia. E ainda eram 21h. Ele deveria estar bebendo? Provavelmente não, visto que seus jogadores ficaram na água e no isotônico. Mas eu já começara a perceber o sutil desprezo que os italianos têm por regras, etiqueta e convenções sociais.
Às 21h15 eu pedi licença, justificando-me, mesmo sem precisar, que acordaria mais cedo do que eles no dia seguinte. Marchisio simplesmente alegou sono e cortesia, e como naquele primeiro contato no elevador do hotel de Manaus, as portas se fecharam e, com apenas nós dois lá dentro, me senti sufocada. Tudo parecia voltar a Manaus; sentia que nunca mais conseguiria visitar aquele lugar sem que aquelas lembranças me viessem.
Ele apertou o botão do 14º andar. Meu quarto era no 11º, mas ele não sabia, não perguntou e eu não questionei. Eu tinha certeza que não conseguiria fugir naquele hotel vertical, visto que não obtivera sucesso tentando fugir no resort, onde o espaço disponível para isso era muito mais favorável.
Quando as portas do elevador se abriram no andar dele, não o segui quando seu corpo esguio e determinado fez menção de sair. Ele logo percebeu, o que eu sabia que aconteceria, e sem dizer nada, mas me olhando como quem diz tudo, me puxou levemente pela mão.
- Vem – disse, impedindo as portas de se fecharem.
Até mesmo em minha cabeça pareciam escusos os motivos que me faziam ceder a ele daquela maneira. Colocando as coisas em uma linha do tempo, desde o flerte sutil no primeiro treino italiano em solos manauenses, passando por toda aquela cena surreal do rio Amazonas e culminando na minha desgraça naquele quarto de hotel em Mangaratiba no dia anterior, as coisas foram sendo construídas aparentemente por uma força superior, de forma super-rápida e congruente. Embora eu não acreditasse em predestinação, parecia que eu haveria de me conformar que tudo simplesmente era para ser da forma com que estava se desenrolando.
Ele fazia parecer ser recíproco, mas eu não conseguia interpretar cegamente desse jeito. O ceticismo sempre fora uma característica que eu gostava de manter e aquela era uma situação onde ele se fazia necessário. Talvez me ajudasse a manter os dois pés no chão.
Porque ele me dizendo “vem”, levemente impaciente e com a plena convicção de que eu iria sem muita insistência e por isso demonstrar receio não tinha razão de ser, não ajudavam nessa questão.
Como eu sabia que aconteceria, cedi, e fui seguindo-o pelo corredor até chegarmos frente a porta do quarto número 1114, que ele abriu com o cartão e me deu passagem para entrar.
Sabendo o que poderia acontecer se eu não tivesse firmeza suficiente no que precisava dizer, tal como eu fizera no dia anterior, entrei no quarto com um nó na garganta e zero certezas.
- Relaxa. – ele me disse, enquanto a única coisa que eu conseguia pensar quando as luzes foram acesas era que eu precisaria passar pela cama para chegar à poltrona.
- Fácil para você dizer isso.
- Eu estou nervoso, tenho um jogo amanhã. Você não, então pode relaxar.
- Fácil para você dizer isso quando vai comer todas as palavras que eu disser e sorrir enquanto faz uma ótima digestão dos meus argumentos.
Ele sorriu e eu não soube dizer se ele me achava engraçada ou patética.
- Você usa as palavras muito bem, senhorita Blatter, mas falei sério quando disse que pode relaxar. Só quero conversar.
Foi minha vez de sorrir (e respirar fundo por ter conseguido atravessar o quarto e me sentar na poltrona sem maiores transtornos).
- Eu já ouvi isso antes e não consigo ter fé de que é verdade.
- Não te julgo. – ele afastou o descanso para pés e sentou-se na minha frente, mantendo uma distância adequada, mas não suficiente -, mas falo sério. Então relaxa.
Respirei fundo, inserindo uma grande quantidade de oxigênio em meu corpo e esperando que a coragem fosse junto. Torci os dedos das mãos, estalei o pescoço, forcei meu corpo a relaxar. Minha mente, em contradição, não parava um segundo.
- Não sei o que você quer que eu diga.
Demonstrando toda a paciência que eu mesma nunca possuí, ele passou a mão pelo rosto e juntou os dedos da mão entre os joelhos, as pernas abertas, o corpo inclinado; a posição de quem se prepara para explicar algo complexo de forma muito simples.
- Vamos devagar, tudo bem? – antes que ele terminasse a pergunta, eu sabia que nada estaria bem – Como eu a fiz sentir ontem?
Corei como uma adolescente – e o odiei por isso.
- Você sabe como me fez sentir, Marchisio.
- Eu sei que fiz você gozar, como disse que faria, mas não é isso que quero saber. Você me deixou uma bagunça, . Quero saber se foi recíproco.
Ele falava aquelas coisas com uma naturalidade que me incomodava, porque era mesmo tudo natural e não havia motivo para que eu tratasse o que ocorrera de forma diferente. Mas eu não conseguia desatrelar meu raciocínio ao fato de que ele me dera um orgasmo violento, que eu jamais esqueceria ou voltaria a sentir, e aquilo nunca tinha me acontecido. Eu tinha tal fato como base de todo o meu receio e era meu único motivo para lhe dizer não. Por si só deveria ser suficiente, mas já se mostrava fraco.
- Bagunçada é uma boa definição para como eu me encontro no momento.
Sempre fora impulsiva em situações daquele tipo, e pesar as palavras daquela maneira, com medo de usar a errada e fazê-lo me entender de outra forma, estava sendo uma missão muito difícil.
- Bom. – ele parecia realmente satisfeito – Não quero que pense que sou um canalha, que não ligo para os sentimentos de terceiros. Tenho mais a perder do que você e pensei muito antes de me deixar levar daquela forma.
- Se deixar levar? Você parecia ter absoluto controle da situação.
- O único controle que afirmo com certeza que tive foi o de manter minha cabeça no meio das suas pernas e ficar lá. O que te garanto, Blatter, foi extremamente difícil.
Eu tinha aquele homem de olhos azuis e honestos dizendo barbaridades para mim casualmente, como quem conversa sobre o clima durante a hora do chá, e as palavras dele tinham um impacto mais real em mim do que eu jamais admitiria. Sabia que aquela história de conversa era uma ideia péssima e agora eu via nitidamente o porquê: ele falava tudo o que eu gostaria de ter coragem de falar, mas não tinha.
Juntei todos os anos de experiência lidando com pessoas de diferentes nacionalidades e costumes, pedindo forças a todos os deuses de que já ouvira falar, quem quer que estivesse me ouvindo, para que fosse suficiente pra eu sair ilesa daquela situação.
- Ok, tudo bem. Você quer que eu diga que não entendo o porquê e não tenho controle do coração disparado, do desconforto entre as pernas e da forma como você me deixa sem saber o que dizer quando sou tão certa de mim, sendo que te conheço há apenas seis dias. Tudo isso é verdade e tudo isso não faz a menor diferença.
- Como pode dizer isso? – ele deu um tapa no próprio joelho, parecendo menos alterado do que eu pretendia que estivesse com as palavras que escolhera usar.
- Você é casado!
- Eu não estou aqui para enganar você, até porque minha vida é pública. Também não estou dizendo que vamos começar a fazer promessas vazias e viagens aleatórias ou escalas nos países um do outro.
Se minha vasta experiência lidando com pessoas e com palavras se fez presente naquele momento, foi pra me dizer o óbvio: que ele me queria por uma noite ou quantas noites o desempenho da Itália na Copa nos desse. Escondidos em quartos de hotéis pelo Brasil e presos na ignorância de que nada jamais daria errado, quando tudo aquilo tinha todos os aspectos do mundo pra virar um desastre.
- Então, para que se dar todo esse trabalho?
- Porque faz muitos anos que eu não me sinto da forma como você me faz sentir.
Eu não queria, mas entendia o ponto dele.
Apesar de estar presa num turbilhão de sensações malucas e conflitantes com ele e o Hart inseridos de repente na minha vida, eram coisas diferentes. O Hart vinha me beliscando pelas bordas, estudando a forma com que eu reagia à intimidade que ele queria que tivéssemos. Apesar de o começo ter sido feio e das personalidades darem choque, era gostoso de um jeito simples. Eu já me sentia confortável com ele. Claudio Marchisio realmente me bagunçava inteira com coisas que eu não entendia como podiam me sufocar e encher meu peito de forma tão repentina e eficaz. Era como a curiosidade que eu tive antes de fumar o primeiro e último cigarro da minha vida; precisava saber como era, mesmo que o resultado da descoberta não me agradasse tanto assim. Precisava conhecer o sabor da experiência.
Eu entendia quando ele dizia sem usar palavras que precisava me ter mesmo que só uma vez, pondo em risco seu próprio casamento e nossas reputações, porque eu me sentia da mesma forma. Mas lutávamos aquela batalha de formas diferentes, e por mais que na minha cabeça aquilo tudo fosse moralmente errado e eu estivesse inclinada a permanecer firme dizendo não, fiel ao meu próprio código moral e ética, a lógica dele tinha muito mais sentido pra forma como meu corpo gritava pra eu deixar de palhaçada e descobrir que sabor ele teria.
- Lá atrás você jurou coisas que têm significado, Claudio. E pode parecer que se perdeu, agora, porque você me conheceu e as coisas parecem fazer sentido. Mas foi só um delírio. Essa não é uma decisão que você pode tomar sozinho. – usei um dos meus últimos resquícios de sanidade, esperando que desse certo e lhe trouxesse luz.
- Por isso você está aqui, para tomar essa decisão comigo.
O silêncio se fez presente por um tempo.
Desviei o olhar, analisando cada detalhe da Recife que a janela do quarto dele me mostrava. Cada luz em cada poste, cada pessoa que passeava pelo calçadão – algumas segurando a coleira de um ou vários cachorros, outras andando de bicicleta ou patins. Várias tomando sorvete. Todas alheias a aura sufocante que nos envolvia no quarto 1114 do Hotel Gran Marquise.
Seria possível, tal qual se corta um pedaço de bolo, fatiar a tensão ao redor do quarto e servi-la em um prato de sobremesa com chantilly por cima.
Estávamos nos aproximando daquela parte dos filmes em que uma música sensacional começa a tocar e a parte que falta ceder finalmente cede. Senti a ponta de seus dedos em meu joelho, diretamente sobre o rasgo da calça jeans, e tremi. As mãos foram se acostumando ao terreno aos poucos e, quando ele chegou nos ganchos da calça, me puxou em sua direção, encaixando-me entre suas pernas abertas. Como na tarde anterior, quando ele roubara minha sanidade doses suficientes pra me fazer estar ali, há mais de 1.800 quilômetros de distância e prestes a dizer o sim que eu lhe negara, seus lábios passearam pelo meu rosto e ameaçaram tocar os meus, atrapalhando ainda mais o meu discernimento.
De forma brusca e inesperada, ele quebrou o silêncio.
- Faz amor comigo.
Levei alguns segundos além do normal para digerir o que ele dissera, para entender as implicações do que ele me pedia, procurando esclarecimento em seus olhos.
Fazer amor, no meu dicionário, significava que ele queria arrancar um pedaço meu para ter com ele permanentemente. Significava que ele queria tatuar minha alma com aquela lembrança, com seu gosto e seu cheiro e a bagunça ainda maior em que ele me tornaria. Significava que dali há quatro, cinco, 10 anos, no meio de uma transa genérica, lembraríamos do gosto e do cheiro e da bagunça que fizéramos de nós e morderíamos os lábios e a língua para evitar gritar outro nome quando o êxtase chegasse – se ele chegasse.
Fazer amor, no dicionário de Claudio Marchisio, poderia significar algo completamente diferente, mas eu jamais perguntaria.
- Você está fora de si! Não absorveu nada do que eu disse?
- Bella – novamente seus dentes prenderam meu lábio e eu não fui capaz nem de respirar, evitando maior contato. Suas mãos seguravam minha cabeça e eu considerei ter ouvido errado -, por favor.
Ele soltou meu lábio, dando-me a chance de responder.
- Isso é justamente o que eu vim evitar de acontecer. – custava muito de mim ignorar sua proximidade o bastante para formar frases coerentes, que eram soltas num fio de voz.
- Não acho que nós já fomos, em algum momento, algo evitável.
Ignorando o resquício de minha sensatez, ele puxou-me até que eu me encaixasse entre seus braços. Sussurrou “por favor, por favor, faz amor comigo” em italiano no meu ouvido repetidas vezes, arrastando-me até o seu colo e até o segundo círculo do inferno. Até que eu parasse de tentar empurrá-lo e a certeza me abandonasse, deixando-me fraca.
- Eu não posso fazer isso! – minha voz soou tão falsa e débil quanto a própria sentença.
- Sinto que “não” é a única palavra que você conhece. – seus braços rodeavam meu tronco e seus lábios tocavam a pele de meu pescoço suavemente a cada palavra que ele dizia.
- É a palavra mais segura para ser usada com você.
- Não cansa de negar a si mesma?
- Sim, me canso! Estou exausta pra caralho de negar você a mim mesma!
A fagulha de raiva que ele plantara em meu peito ao demonstrar seu egoísmo não era consistente o suficiente, não cresceria o bastante para se tornar um impedimento sólido. Eu estava mesmo cansada e faltava muito pouco para que ele vencesse minhas resistências.
- Não podem os dois discernimentos estarem errados com tamanha intensidade, ! – engoli seco, cada célula do meu corpo querendo negar que ele tinha razão – Por favor, faça amor comigo.
Mas o homem foi descrito através dos séculos como um animal racional carente de mecanismos eficazes de contenção de impulsos. E todos aqueles que o descreveram dessa forma tinham uma parcela de razão. A moral era algo abstrato demais, mesmo naqueles que diziam possuí-la desde sempre. Então eu cedi.
- Uma vez, Claudio. Só uma vez.
Jamais direi que me arrependi assim que disse o que disse; mas se pudesse voltar no tempo, não diria sim novamente.
Das centenas de livros que li em minha vida, não me recordo de nenhum cuja descrição de um beijo tenha sido fidedigna. A intimidade do ato é difícil de ser descrita, e naquele momento eu tive certeza quanto à minha hesitação anterior. Aquele em específico é difícil de se comparar com qualquer coisa, visto que ele me pedira para fazer amor com ele e eu tentava de todas as maneiras fingir, de forma suficientemente convincente para que ele não percebesse, sem me doar de fato. Apesar de boa mentirosa, nunca fui boa atriz, então aquela abordagem, eu sabia, estava fadada ao fracasso. Também não sabia fazer as coisas pela metade.
Quando senti sua língua na minha, qualquer plano de encenar algo caiu por terra.
Fechei os olhos e mergulhei de cabeça na piscina de sensações que ele me proporcionava, absolutamente inconformada pelo beijo encaixar da forma que eu sabia que encaixaria. Era um daqueles raros momentos em que eu odiava estar certa. Sentia os efeitos de nossa conexão reverberando pelo meu corpo, além das zonas onde mantínhamos contato direto. Suas mãos entraram em minha camiseta, tocando minha pele, tingindo minha cintura de vermelho.
Ele ergueu minha blusa e eu o ajudei a tirá-la, sem que ele precisasse pedir por isso. Seus lábios relutantemente abandonaram os meus e desceram pelo meu pescoço. Não me preocupei, embora devesse, se ele sem querer deixava vestígios de sua presença em mim.
Abri o fecho do sutiã, dando a ele livre acesso aos meus seios. Ele os lambeu e mordiscou como se fosse a melhor sobremesa que ele já experimentara. Suas mãos desceram pela minha barriga até encontrarem o botão da calça, que ele jamais conseguiria tirar na posição em que nos encontrávamos. Respirei fundo, tirando suas mãos de mim e saindo de seu colo. Entretanto, ele não parecia querer cortar o contato por muito tempo. Puxou-me de volta e espalhou beijos pela minha barriga, que me fizeram arfar e enfiar os dedos por entre seus cabelos.
Enquanto abria e descia meus jeans, não tirava os olhos dos meus, com uma intensidade e intimidade que não eram bem-vindas, mas das quais eu não conseguia desviar o olhar. Então me vi em pé apenas de calcinha na frente dele, sentado no apoio para pés de cor púrpura como a poltrona, completamente vestido, e só conseguia pensar que aquilo era injusto.
Não conseguia, entretanto, emitir qualquer tipo de comentário sobre a situação. Me sentia extasiada, como se estivesse bêbada, completamente focada em não deixar que minha mente fosse passear pelo caminho cheio de placas que me diziam que estávamos fazendo merda. Eu não teria tempo para me afundar em comiseração, mas sabia que não teria como fugir de lidar com aquilo.
Me inclinei para tirar sua blusa, mas ele pegou-me pela mão e se levantou. Fez com que eu me deitasse na cama e eu encolhi os braços sobre o peito, sentindo-me ainda mais exposta. Olhou para mim enquanto tirava a camisa, da mesma forma que os animais olham uns para os outros na natureza selvagem na época do cio. Eu não conseguia piscar ou manter a respiração constante.
Tirou também a calça esportiva e tocou em meus joelhos, no que eu automaticamente abri as pernas para recebê-lo. Puxei seu tronco em direção ao meu, beijando-o com raiva e desespero por me fazer sentir daquela forma. Talvez eu apenas estivesse tentando fazer com que, no fim das contas, aquilo fosse apenas sexo. Mas ele controlou meus impulsos, minha cabeça e minha língua, ditando um ritmo ao beijo que era muito mais lento do que eu pretendia.
Mordi seu lábio e respirei fundo, percebendo, finalmente, que era inútil e hipócrita lutar contra aquilo que eu me dispus a deixar acontecer.
Senti quando ele puxou a calcinha pelas minhas pernas e assisti enquanto ele se despia do resto de suas roupas, ajoelhado entre meus joelhos. Tombei a cabeça com força sobre a cama, engolindo em seco ao vê-lo e realizar que, dentro de segundos, ele estaria dentro de mim e não haveria volta. Eu era uma sem vergonha que mal podia esperar.
O tesão, mais uma vez, nublara completamente meu discernimento.
- Olha para mim. – ele pediu, os dois braços ao redor da minha cabeça, sua expressão um misto de expectativa e certeza. Uma de suas mãos segurou a minha e ele a guiou para o ponto onde nossos corpos se conectariam. Segurei seu membro, não conseguindo fechar a mão sem apertá-lo. Ele fechou os olhos e eu levantei o pescoço, mordendo seu lábio, exigindo a mesma atenção que ele me solicitava. Ele abriu os olhos, sorrindo, e eu lentamente o trouxe até minha entrada, ajeitando o corpo para recebê-lo.
A primeira estocada foi lenta e me fez revirar os olhos. Ele era grande e eu tive que me concentrar em relaxar para acostumar meu interior à sua presença. Mas ele novamente reivindicou minha atenção pelos olhos, enquanto saía e voltava, erguendo uma de minhas pernas para se acomodar melhor.
Ele me beijava e prendia o meu olhar entre o seu, e meus pensamentos desconexos passeavam por como aquela conexão parecia sólida e como ele era indecentemente bonito e o quanto aquilo era insano. Como as extremidades do meu corpo pareciam estar adormecendo e uma vontade de chorar que tomava conta do meu peito, de arrependimento por ter dito só uma vez sabendo bem que eu já não saberia lidar com aquilo.
Frequentemente sexo e romance são confundidos como sinônimos, impulsionados por ideais literários e estudados a fundo em artigos científicos que versam sobre o comportamento humano. Os considero, entretanto, componentes individuais que, eventualmente, se chocam e tornam-se um.
Enquanto Claudio Marchisio invadia meus poros e fixava morada permanente em minhas lembranças, não conseguia deixar de me perguntar se quando eu não conseguisse parar de pensar naquela transa, seria a minha vez de confundir sexo com romance e não saber precisar qual a carga emocional que nós dois depositáramos no ato.
Quando seus dedos longos e frios desceram meu tronco e encontraram meu clitóris, não consegui mais evitar que o nome dele deixasse os meus lábios.
- Não quero que acabe, mas não consigo segurar. – ele me disse, de peito aberto, e eu gemi perante sua honestidade.
Com as pernas presas em seu quadril, impulsionei o corpo para cima e o fiz virar, sentando sobre ele, as mãos em seu peito, os cabelos bagunçados escondendo minha cara de satisfação e culpa. Seus dedos marcaram minha pele e ditaram onde queriam que eu fosse; seus olhos jamais deixando de procurar pelos meus. Quando ele ergueu o quadril de encontro ao meu, atingindo lugares dentro de mim que eu desconhecia, abaixei o tronco e procurei um pedaço de pele para morder e não passar pelo constrangimento de justificar para qualquer atendente que os gritos eram só prazer sendo exteriorizado.
E ele me deu mais um orgasmo violento enquanto eu quase gritava “Claudio!” com a voz mais rouca do que pretendia e meu interior se contraía e o apertava e ele gemia no meu pescoço, a respiração falhando.
Levou alguns minutos até que eu erguesse o tronco e saísse de cima dele, tirando-o de dentro de mim. Rolei o corpo e deitei ao seu lado. Ele mantinha o braço sobre o peito, que subia e descia tão esbaforido quanto o meu. Queria me levantar e sair correndo, antes que ele me pedisse para dizer algo e eu tivesse que mentir - ou pior, ser honesta -, mas ainda não tinha completa certeza sobre ter suficiente força nas pernas.
Senti que ele me olhava, mas eu só conseguia encarar as luzes embutidas no gesso no teto. Fizéramos amor, eu sabia, dado o buraco alojado em meu peito. Fizéramos amor com a luz acesa. Ele me vira nua de corpo e alma e eu deixara e o arrependimento já me comia viva antes mesmo que eu estivesse recuperada.
Apoiei-me nos cotovelos e levantei o tronco, me sentando na beirada da cama, cruzando as pernas. Prendi o cabelo em um nó no topo da cabeça e senti a ponta dos dedos dele de forma firme desenhando as tatuagens em minha coluna. Estalei o pescoço, virando-o de um lado para o outro. Seu toque tinha um gosto amargo de despedida. Varri meus olhos pelo tapete felpudo aos pés da cama, localizando minhas roupas. Criei coragem, então, para me levantar e me vestir.
Ele sentou quando o fiz, e assistiu meus esforços medíocres de tentar agir com naturalidade quando nem ao menos eu conseguia olhá-lo. Vesti a calcinha, o sutiã, a calça jeans e a camisa. Quando virei, ele estava sentado, ainda nu, me mostrando o corpo, as tatuagens e a alma. Segurou minha mão. Seus olhos me sugaram.
- Fica.
Ficar implicaria em mais vezes de romance travestido de apenas sexo e de tatuagens sob a pele, invisíveis a olho nu. Ficar traria a acentuação daquele gosto amargo no fundo da língua que já caracterizava saudade. Eu não podia ficar.
- Uma vez, Claudio.
Ele assentiu, soltou minha mão e me deixou ir.
Oito
A manhã estava bonita e atipicamente fresca na cidade do Rio de Janeiro quando eu desci o elevador do hotel para tomar café no restaurante, completamente grogue e apenas porque Lia não me deixou outra escolha. Como condição para tal, estipulei que chegaríamos assim que o café fosse servido e não sairíamos depois das nove. Não queria correr o risco de dar de cara com os ingleses – ou um inglês em especial.
Eu o vinha ignorando desde que chegara de Recife, na noite anterior.
Sabia que aquilo aconteceria.
Como na minha primeira noite no Rio, ele deixara um recado pra mim na recepção, pedindo para avisar quando chegasse ou ele esperaria sentado no corredor em frente à minha porta. Nunca pedi tanto por alguma coisa quanto para não encontrá-lo lá, enquanto subia o elevador. Cada passo que eu dava antes de ter certeza era como entrar em uma piscina de lava e culpa, consumindo-me depressa, levando-me à combustão.
Não era em absoluto o caso – e não era eu a detentora de tal título naquela situação -, mas eu me sentia a mais desleal das criaturas, mesmo que tal palavra ou promessa não tenha ocorrido em nenhuma de nossas conversas. Morava em meu peito o ímpeto de contar-lhe tudo, mas eu sabia que tal decisão não teria razão de ser; provavelmente serviria apenas para afastá-lo, antes mesmo que sua permanência fosse consolidada.
Permaneci acordada grande parte da noite. Cada hora que avançava noite à dentro trazendo-me novos questionamentos: eu queria mesmo contar ao Hart? Deveria contar? Se ele visse minha atitude como desleal, me perdoaria? Eu fazia questão de seu perdão? Saberia lidar com apenas aquela transa? Tal experiência me consumiria viva a ponto de não ter valido a pena ser isolada?
As perguntas batiam nas paredes do meu cérebro, sem me deixar dormir e sem encontrar respostas.
Eu nunca saberia se ele me perdoaria ou se eu necessitava de seu perdão se não abrisse o peito e contasse. Eu nunca saberia se fazer amor – porque eu aceitara que fora de fato aquilo que fizemos, amor - uma única vez com Marchisio seria o suficiente se não corresse o risco de derreter em seu membro, seus braços e sua língua novamente.
Eram riscos que eu, honestamente, tinha medo de correr.
Eram 22h quando o telefone tocou três vezes seguidas. Não atendi nenhuma ligação. Eram dez pra meia noite quando Joe bateu em minha porta.
Parei até mesmo de respirar, com medo de que ele me ouvisse. Entrei em desespero, na dúvida se era melhor que ele não soubesse que eu estava ali ou imaginasse que eu chegara cansada demais e já estava mergulhada no sono dos exaustos.
Eu queria dormir um sono gostoso e pesado encolhida em seus braços, coisa que eu não merecia, ao mesmo tempo em que queria me encolher no canto do quarto amaldiçoando meus hormônios, minha burrice e minha impulsividade.
O que me pareceram horas correram até que ele desistisse e fosse embora, mas isso não acalmou meus nervos.
Sete horas depois eu descia o elevador do hotel, pateticamente de óculos escuros no rosto, casaco com capuz na cabeça e muito cansaço, pra tentar colocar alguma coisa no estômago, mesmo sem nenhuma fome.
Lia enchera meu WhatsApp de mensagens depois que esbarrara comigo no saguão. Perguntava o que diabos tinha acontecido em Recife pra que eu chegasse ao Rio tão abalada e inventou mil teorias ao não obter nenhuma resposta. Perguntei-me se ela me conhecia assim tão bem ou se eu estava visivelmente consumida por culpa e arrependimento pra que ela percebesse algo. Seu desespero cessou quando me comprometi a tomar café da manhã com ela, nos meus termos. E ela, obviamente, já me esperava sentada numa mesa convenientemente reservada quando eu cheguei ao restaurante.
- Muito boa sua tentativa de disfarce, se isso aqui fosse um roteiro de filme meia boca – ela falou, assim que me sentei à sua frente, com uma xícara de café puro e alguns pedaços de mamão com granola. – Mas a pergunta que não quer calar é: tá tentando fugir de quem?
- Do Hart. – de mim mesma, pensei.
- Achei que você já estivesse em bons termos com ele, senhorita bem resolvida.
- Tecnicamente estou – disse, mastigando um quadrado da fruta -, mas transei com Claudio Marchisio em Recife.
A boca de Lia formou um perfeito “o” enquanto seu cérebro processava minhas palavras e associava o nome à pessoa. Depois ela começou a rir, descrente.
Não era minha intenção contar pra ninguém, mas eu já não conseguia mais esconder da Lia algo que vinha me perturbando em nível tão grave. E eu também tinha que admitir que, talvez, como já acontecera com inúmeras outras questões, ela pudesse me ajudar a esclarecer o que fazer a partir dali. Esperava desesperadamente que sim.
- Não preciso de sermão, vou logo avisando.
- E eu jamais te daria um! – ela ainda ria e o desespero começava a querer tomar meu peito – Mas estou chocada.
- Não te julgo, também estou.
- Como isso aconteceu?
Gemi, desanimada, largando o corpo sobre a cadeira chique e confortável do restaurante e a xícara sobre o pires. Tirei o capuz e pus os óculos sobre a cabeça, passando as mãos no rosto e pensando no quão péssimo seria ter que narrar tudo o que acontecera paralelamente a mim e Hart durante aqueles oito dias. A pior parte de tudo seria lembrar, porque eu sabia que, à medida que eu fosse narrando, os detalhes que sutilmente vão escapando da mente retornariam todos.
- Honestamente, Lia, eu não quero narrar minha imprudência em voz alta. Já está sendo difícil lidar com o fato de que aconteceu.
- Desculpa, mas eu estou tentando entender! Ele não é casado?
- Justamente aí mora grande parte do problema.
Ela teve outra crise de riso e eu a encarei, puta. Não era em absoluto a reação que eu esperava.
- Vou soar convincente se disser que estou rindo de nervoso?
- Não, mas foda-se.
- O Hart sabe? Por isso está fugindo dele?
Tenho absoluta certeza de que fiquei pálida como a tapioca servida no bufê, enquanto balançava a cabeça freneticamente, negando.
- Não quero que ele saiba e não sei se consigo manter segredo. – tomei mais um gole do café, nervosa e cansada – Acha que eu devia falar?
Havia um sorriso específico que a Lia estampava no rosto quando se dava conta de algo que o resto do mundo ainda ignorava. Fazia com que ela se achasse o ser humano mais perceptivo do planeta e era dado em pouquíssimas ocasiões. Naquele momento, ela dirigia um daquele pra mim.
- Tua pergunta já é resposta suficiente.
Puta merda, como ela tinha razão!
Eu queria bater minha cabeça repetidamente na mesa, com raiva da minha própria estupidez e insipiência. Custava muito pra minha cabecinha dura admitir que eu desenvolvera algo pelo Hart naqueles poucos dias de morangos e champanhe mas também de fogos de artifício, simplesmente porque era ridículo! E porque Marchisio me afetara tanto quanto, e era difícil mensurar quem causara mais estrago. Mas também era uma realidade e eu chegara num ponto onde não dava mais pra fugir dela sem causar efeitos colaterais.
Me confortava o peito, pelo menos, saber que qualquer erro ou acerto que eu cometesse com o Hart afetaria apenas nós dois – diferente do panorama envolvendo Claudio. Mas mantendo os dois pés firmes na decisão de deixar aquela única vez permanecer no singular e no pretérito, eu jamais teria que lidar com isso.
- Eu sou uma teimosa, né?
- Nenhuma novidade, . – ela diluía o açúcar em sua xícara de café, rodando a colher com ar de quem tinha todas as respostas para qualquer problema mundano e banal como aquele.
- Ele foi ao meu quarto ontem, tarde de noite. Fingi demência.
- Não serei eu a pessoa a dizer que isso foi errado. Talvez você precisasse dessa noite de sono sozinha pra pôr a cabeça e os hormônios no lugar.
- Quem te disse que eu dormi?
- Isso explica essa cara de destruída.
- Idiota. – terminei minha xícara de café, pensando em pegar mais uma apesar de cafeína não ser a melhor ideia enquanto em meu organismo ainda existiam traços de calmante.
- Ok, respeito você não me contar como a coisa se deu, mas pode ao menos explicar se isso é uma constante, agora?
- Jamais, Lia! Já me sinto culpada o suficiente por ter deixado acontecer uma vez!
- E foi ruim? – lhe dei um tapa no braço – Ai! Desculpa, mas precisava perguntar!
- Foi incrível. – não pude evitar, ao afirmar aquilo em voz alta, bater a cabeça na mesa. Senti sua mão fazendo um carinho suave em minhas costas, como quem dizia “entendo sua dor” – Acho que não quero contar pro Hart porque parte de mim não ligaria de pagar língua e fazer de novo. Graças aos céus é você quem vai pra Natal amanhã. Eu preciso manter distância.
- Independente disso, você não tem porque contar, mesmo que queira tornar essa putaria em algo sólido. – levantei a cabeça, olhando pra ela com as sobrancelhas erguidas – Ele pelo visto quer e contar pode fazê-lo mudar de ideia, então você vai sofrer as consequências pela sua ganância e ficar sem ninguém. E eu vou dizer um “bem feito, sua trouxa”. – ela encerrou seu monólogo junto com o suco de laranja.
Terminei de comer meu mamão em silêncio, que apesar de ser uma situação incômoda para a Lia, ela soube manter, em respeito ao meu desespero e cansaço. Contar pra alguém o que me afligia ajudou a aliviar o peso no peito, mas eu ainda tinha que arranjar uma maneira de lidar com o Hart sem que eu parecesse ter assassinado a rainha da Inglaterra.
- Sei que é feio pensar assim – os olhos grandes e brilhantes de Lia olharam curiosos pra mim -, mas se ele nunca souber de nada, isso não pode magoá-lo.
- Certo. Então...
- Vou ficar quieta, seguir meu baile. – ela apertou minha mão sobre a mesa e sorriu pra mim. Senti sua empatia – Mas ainda não sei se vou conseguir agir naturalmente com ele.
- Para de ignorar o homem e descobre!
Das melhores características que o Rio de Janeiro tinha, eu poderia falar com propriedade que a forma como o sol brilhava em cima daquela porção de terra era especial.
Pelo menos ali, na zona sul da cidade, de frente pro mar, protegida por seguranças e pelo meu privilégio.
Eu sabia que as coisas no geral não eram assim tão favoráveis, e que nem todo mundo podia gozar daquela paz diariamente no Rio. Mas todo mundo envolvido na organização do evento, incluindo o governo, estavam se saindo muito bem-sucedidos em camuflar as partes feias para os turistas e convidados de honra.
Em 2010 eu ainda não fazia parte do quadro de funcionários da FIFA, nem acompanhara presencialmente o campeonato na África do Sul, mas lembrava das notícias de manifestações anteriores à Copa em todo o país, como também ocorreram no Brasil, meses antes de estarmos ali. Não conseguia evitar pensar que, embora economicamente vantajosa para os países sede (pelo menos em se tratando de turismo), a competição trazia consigo mais ônus que bônus, e a FIFA, alheia aos transtornos que causava e pensando objetivamente em lucro, era só mais uma organização de aparência idônea e alma podre.
Eu já abandonara o casaco há horas, quando o calor apertou, e aproveitava meu dia de folga deitada com um biquíni estampado em uma das espreguiçadeiras ao lado da piscina do Royal Tulip. A fase de grupos estava às vésperas de seu final e eu não queria nem começar a pensar na correria que seria no dia seguinte, com as duas seleções viajando no mesmo horário. Sabia que não poderia de fato utilizar as 24 horas de folga que eu possuía se quisesse me blindar de imprevistos. Mas ainda era cedo e um bronzeado cairia bem.
Tinha o semblante tranquilo e um drink colorido na mesinha ao lado, mas meu estômago se revirava de nervoso e eu não parava de olhar para a porta do hotel, analisando todo mundo que entrava ou saía.
Após o café esclarecedor com a Lia, deixei um recado para o Hart na recepção. Não queria aparecer de surpresa em sua porta como quem, menos de 12 horas antes, não estava agindo estranho e sendo escrota. Subi, troquei de roupa e tentei ficar tranquila, esperando que, mais uma vez, ele viesse até mim. Repeti mentalmente que meu egoísmo, daquela vez, era justificado.
Quando pedi o drink, mesmo ainda não sendo nem meio-dia, foi pra camuflar o medo que eu sentia de que ele me desse um troco merecido, não aparecendo.
Meu celular tocou ao lado do drink e eu virei a cabeça. Lia, óbvio.
- Cadê você? Se escondendo do Hart?
- Na verdade, eu estou o mais exposta possível. Tá livre?
- Não, mas consigo fugir. – ri.
- Estou na piscina, irresponsável.
- 15 minutos!
- Se eu soubesse que te encontraria assim, teria vindo mais rápido.
Fui tomada por um frio na barriga quando reconheci a voz. Sorri. E sorri mais ainda ao encará-lo e encontrá-lo sem camisa.
- Se eu soubesse que você ia demorar, teria ido eu mesma, sem nada.
Minha tática era suja, mas em minha cabeça soava como a melhor possível. Fazê-lo pensar com a cabeça de baixo para suprimir qualquer desconfiança. Um pouco machista sim, eu reconhecia, mas não era um método do qual eu me orgulhava, de qualquer forma.
Ele abriu um sorriso enorme e safado pra mim e empurrou de leve minhas pernas, sentando na beirada da espreguiçadeira e se inclinando. Beijou meus lábios besuntados em hidratante, ao ar livre, no meio da piscina do hotel, me deixando surpresa, feliz e atordoada.
- Deus, não! Um perigo pra sanidade coletiva – me sentei, aproximando-me, observando o sol refletindo naquele sorriso de um milhão de euros, vendo a mim mesma em seus óculos de sol – Estive em seu quarto ontem à noite.
- Jura? Eu não dormi nada no voo, apaguei quando cheguei. – mentira.
Ele assentiu e ficamos alguns minutos num silêncio estranho, não necessariamente desconfortável. Queria saber o que ele estava pensando, mas os óculos escuros me impediam de tentar ler seus olhos, e eu não perguntaria.
- Achei que estivesse fugindo de mim.
Engoli seco. Tentei disfarçar.
- Por que eu faria isso? – porque transei com outra pessoa que me afeta tanto quanto você e não sei lidar com essa porra?
Joe Hart passou a mão sobre os cabelos curtos e eu senti na base da coluna que ele media as palavras com muito cuidado. Seriam aqueles lábios portadores de más notícias? Minha mente começou a pensar em coisas duras e difíceis que ele poderia me dizer, sendo a pior delas a concretização da praga de Lia, sobre minha ganância me deixar sem nada.
Estendi a mão e peguei minha bebida, dando um longo gole, sentindo os diferentes sabores em áreas distintas da língua, mantendo a plenitude como se não estivesse com medo.
- Não conversamos depois daquela noite e foi tudo muito íntimo.
Sorri, com todos os dentes da minha boca. Ele estava abrindo o peito pra mim?
Sabia o que ele queria dizer com a intimidade que compartilhamos. Maior do que quando envolveu sexo, teve a ver com a conexão que tivemos durante a conversa, a compatibilidade de pontos de vista, a apreciação mútua do senso de humor, o afeto que nascera entre os lençóis confortáveis de sei lá quantos fios do hotel. Era maior do que o tesão, embora servisse de complemento. Era onde morava o perigo, e eu achei extraordinário que ele parecia se sentir um pouco perdido, como eu.
Inclinei o corpo em sua direção e o beijei, a mão apoiada em sua nuca. Parte de minha consciência estava ciente dos riscos que corríamos com aquela imprudência, mas eu não conseguia me importar o suficiente para não fazê-lo – e ele, aparentemente, também não.
- Achei que estava tentando mudar minha primeira impressão de você. – falei, os lábios bem próximos dos seus, os olhos fechados escondidos pelos óculos, o gosto dele se misturando ao da bebida em minha língua.
Eu não queria evitar uma conversa séria, só não queria tê-la naquele momento. Sabia que não poderia esquecer que depois de duas derrotas consecutivas a Inglaterra tinha um total de zero pontos na tabela do Grupo D, e um saldo de dois gols negativos. Nem mesmo se eles ganhassem o próximo jogo contra a Costa Rica, que de início era a seleção mais inofensiva naquele que era considerado o grupo da morte, seguiriam para as oitavas. Evitei pensar que ele provavelmente iria embora em dois dias e isso poderia significar que não haveria um depois.
- Não foi minha intenção, mas se funcionou, eu retiro o que disse.
Rimos em sintonia, enquanto sua mão se posicionava em minha cintura e eu erguia a sobrancelha, sugestiva.
- Você não tem treino agora?
Mesmo sob os óculos escuros, assisti sua expressão despencar, e vi novamente aquele Joe frustrado pós jogo contra a Itália que eu encontrei no vestiário. Parecia, entretanto, conformado.
- Só depois das 14, não há muito mais o que ser feito.
Sem saber muito bem como agir, usei o método universal de conforto: um abraço.
- Sinto muito.
- Está tudo bem. – ele disse, me soltando, mas ainda mantendo a mão em minha cintura e o sorriso no rosto - Agora você pode fingir que torce pra Suíça.
- Tenho duas seleções no páreo, Hart, sem gracinhas.
Seguimos conversando sobre minha nacionalidade dupla e as raízes escocesas que ele provavelmente tinha no sangue. Meu drink acabou e ele se ofereceu para pedir outro pra mim, no bar da piscina. Fiquei admirando sua figura se afastar e provavelmente estava com a maior cara de idiota quando Lia me viu ao entrar na área de lazer do hotel, passando por ele no caminho até minha espreguiçadeira.
- Tudo bem no paraíso?
- Não mais, já que você chegou. – ela riu e me mostrou a língua, sentando-se na espreguiçadeira ao lado – Se você está foragida, a piscina não é o melhor lugar pra se esconder.
- Marcos disse que segura as pontas pra mim até depois do almoço. Ele está com uma equipe de voluntários muito proativa.
- Amém por isso. – Joe voltou com minha bebida e sentou-se no mesmo lugar de antes, cumprimentando a Lia.
- Não quero atrapalhar o casal, vou dar um mergulho.
Balancei a cabeça, ignorando o rubor que tomou minhas bochechas e esperando que meus óculos ou o sol ou meus cabelos disfarçassem tal acontecimento. Joe sorriu, aparentemente menos sem graça do que eu.
- Nem perguntei ao Jack sobre isso, mas acho que os dois não tiveram mais nada, não é?
- Então os boatos de que vocês fofocam feito velhas no salão de beleza são reais! – ele empurrou minha perna, sorrindo, permanecendo com a mão em minha canela fazendo um carinho gostoso – As palavras de Lia foram “ele é um neném, mas está focado”. Não conte que te contei!
Ele gargalhou com a informação e prometeu não falar nada. Provavelmente eu não deveria contar, mesmo com a Lia não sendo do tipo que ligava pra essas coisas, mas minha língua parecia solta perto dele.
O que, considerando os acontecimentos envolvendo minha pessoa e Claudio Marchisio, era um perigo.
- Você não vai entrar? – ele perguntou, apontando pra piscina. Neguei com a cabeça – Vou dar um mergulho e depois a gente almoça junto, pode ser?
Tive certeza de que meu sorriso morreu em meus lábios, mas tentei disfarçar, trazendo o drink de volta até minha boca.
Um almoço era apenas um almoço, duas ou mais pessoas compartilhando uma refeição e também uma conversa; uma entre tantas convenções sociais a que estávamos condicionados, uma vez inseridos na coletividade. Eu não tinha motivos concretos para temer um simples almoço, mas eu tinha bastante medo de perpetuar a famigerada intimidade que deixamos sutilmente fluir entre nós naquela noite em meu quarto.
Ele se despediria da Copa, do Brasil e de mim em dois dias. Eu não poderia alimentar aquilo que estava começando a querer nascer em meu peito.
- Você não acha – testei minhas palavras na ponta da língua, não querendo ser má interpretada – que só de estarmos aqui fora, juntos, já rolarão boatos?
Joe Hart ergueu as sobrancelhas pra mim e eu assisti de camarote o seu sorriso morrer.
- Boatos é um puta eufemismo pro que vai rolar, .
Reconheci em seu tom de voz que eu não fora má interpretada; eu fora interpretada em minha totalidade.
- Hart, eu não quis...
- Porra, você tá descaradamente me evitando! E por quê? Mídia? Eu não ligo pra essa merda, e você não deveria ligar tampouco! – ele tirou os óculos e apertou os olhos, a outra mão em seus joelhos, longe de mim – Se você não queria que isso continuasse poderia simplesmente ter dito.
- Você não me perguntou nada. – falei, estranhamente acuada.
- Você me deixou entrar, cacete! – seu tom de voz subiu um pouco e ele me olhou, sem óculos, com tristeza e raiva nos olhos e eu me senti um lixo. Ele tinha razão, eu o deixara entrar de mais formas do que seria capaz de admitir – E nem deu chance de que eu dissesse qualquer coisa, muito focada em rebolar no meu pau.
Meu primeiro ímpeto foi erguer a mão e levá-la com toda força à sua bochecha, mas o reprimi. O temperamento daquele homem era volátil demais e muito parecido com o meu para o bem-estar de nós dois. Naquele caso específico, entretanto, eu não poderia culpá-lo, embora ser um escroto comigo não fosse nem um pouco justo. Dar-lhe um tapa no rosto apenas nos levaria a um lugar ainda mais feio.
- Honestamente, Hart, eu não te ouvi reclamando, então vai se foder.
Tentando cada um sair por cima do outro, perdíamos gradativamente a razão.
Como que pedindo forças, ele levantou a cabeça para o céu. Recolocou os óculos e trouxe de volta ao rosto a mesma expressão de quem é gostoso, sabe disso e espera que todos saibam que ele é dono da razão naquilo e em muitas outras coisas. Ele estava fazendo exatamente o que eu fazia: forçando distância, vestindo uma capa de frieza.
- Deixa pra lá – se levantou, afastando-se de mim literal e figurativamente no processo -, eu almoço sozinho.
Enquanto ele entrava no hotel, desistindo de seu mergulho, virei o restante do meu drink.
É muito impressionante a celeridade com que perdemos o controle das coisas e de nós mesmos.
Eu o vinha ignorando desde que chegara de Recife, na noite anterior.
Sabia que aquilo aconteceria.
Como na minha primeira noite no Rio, ele deixara um recado pra mim na recepção, pedindo para avisar quando chegasse ou ele esperaria sentado no corredor em frente à minha porta. Nunca pedi tanto por alguma coisa quanto para não encontrá-lo lá, enquanto subia o elevador. Cada passo que eu dava antes de ter certeza era como entrar em uma piscina de lava e culpa, consumindo-me depressa, levando-me à combustão.
Não era em absoluto o caso – e não era eu a detentora de tal título naquela situação -, mas eu me sentia a mais desleal das criaturas, mesmo que tal palavra ou promessa não tenha ocorrido em nenhuma de nossas conversas. Morava em meu peito o ímpeto de contar-lhe tudo, mas eu sabia que tal decisão não teria razão de ser; provavelmente serviria apenas para afastá-lo, antes mesmo que sua permanência fosse consolidada.
Permaneci acordada grande parte da noite. Cada hora que avançava noite à dentro trazendo-me novos questionamentos: eu queria mesmo contar ao Hart? Deveria contar? Se ele visse minha atitude como desleal, me perdoaria? Eu fazia questão de seu perdão? Saberia lidar com apenas aquela transa? Tal experiência me consumiria viva a ponto de não ter valido a pena ser isolada?
As perguntas batiam nas paredes do meu cérebro, sem me deixar dormir e sem encontrar respostas.
Eu nunca saberia se ele me perdoaria ou se eu necessitava de seu perdão se não abrisse o peito e contasse. Eu nunca saberia se fazer amor – porque eu aceitara que fora de fato aquilo que fizemos, amor - uma única vez com Marchisio seria o suficiente se não corresse o risco de derreter em seu membro, seus braços e sua língua novamente.
Eram riscos que eu, honestamente, tinha medo de correr.
Eram 22h quando o telefone tocou três vezes seguidas. Não atendi nenhuma ligação. Eram dez pra meia noite quando Joe bateu em minha porta.
Parei até mesmo de respirar, com medo de que ele me ouvisse. Entrei em desespero, na dúvida se era melhor que ele não soubesse que eu estava ali ou imaginasse que eu chegara cansada demais e já estava mergulhada no sono dos exaustos.
Eu queria dormir um sono gostoso e pesado encolhida em seus braços, coisa que eu não merecia, ao mesmo tempo em que queria me encolher no canto do quarto amaldiçoando meus hormônios, minha burrice e minha impulsividade.
O que me pareceram horas correram até que ele desistisse e fosse embora, mas isso não acalmou meus nervos.
Sete horas depois eu descia o elevador do hotel, pateticamente de óculos escuros no rosto, casaco com capuz na cabeça e muito cansaço, pra tentar colocar alguma coisa no estômago, mesmo sem nenhuma fome.
Lia enchera meu WhatsApp de mensagens depois que esbarrara comigo no saguão. Perguntava o que diabos tinha acontecido em Recife pra que eu chegasse ao Rio tão abalada e inventou mil teorias ao não obter nenhuma resposta. Perguntei-me se ela me conhecia assim tão bem ou se eu estava visivelmente consumida por culpa e arrependimento pra que ela percebesse algo. Seu desespero cessou quando me comprometi a tomar café da manhã com ela, nos meus termos. E ela, obviamente, já me esperava sentada numa mesa convenientemente reservada quando eu cheguei ao restaurante.
- Muito boa sua tentativa de disfarce, se isso aqui fosse um roteiro de filme meia boca – ela falou, assim que me sentei à sua frente, com uma xícara de café puro e alguns pedaços de mamão com granola. – Mas a pergunta que não quer calar é: tá tentando fugir de quem?
- Do Hart. – de mim mesma, pensei.
- Achei que você já estivesse em bons termos com ele, senhorita bem resolvida.
- Tecnicamente estou – disse, mastigando um quadrado da fruta -, mas transei com Claudio Marchisio em Recife.
A boca de Lia formou um perfeito “o” enquanto seu cérebro processava minhas palavras e associava o nome à pessoa. Depois ela começou a rir, descrente.
Não era minha intenção contar pra ninguém, mas eu já não conseguia mais esconder da Lia algo que vinha me perturbando em nível tão grave. E eu também tinha que admitir que, talvez, como já acontecera com inúmeras outras questões, ela pudesse me ajudar a esclarecer o que fazer a partir dali. Esperava desesperadamente que sim.
- Não preciso de sermão, vou logo avisando.
- E eu jamais te daria um! – ela ainda ria e o desespero começava a querer tomar meu peito – Mas estou chocada.
- Não te julgo, também estou.
- Como isso aconteceu?
Gemi, desanimada, largando o corpo sobre a cadeira chique e confortável do restaurante e a xícara sobre o pires. Tirei o capuz e pus os óculos sobre a cabeça, passando as mãos no rosto e pensando no quão péssimo seria ter que narrar tudo o que acontecera paralelamente a mim e Hart durante aqueles oito dias. A pior parte de tudo seria lembrar, porque eu sabia que, à medida que eu fosse narrando, os detalhes que sutilmente vão escapando da mente retornariam todos.
- Honestamente, Lia, eu não quero narrar minha imprudência em voz alta. Já está sendo difícil lidar com o fato de que aconteceu.
- Desculpa, mas eu estou tentando entender! Ele não é casado?
- Justamente aí mora grande parte do problema.
Ela teve outra crise de riso e eu a encarei, puta. Não era em absoluto a reação que eu esperava.
- Vou soar convincente se disser que estou rindo de nervoso?
- Não, mas foda-se.
- O Hart sabe? Por isso está fugindo dele?
Tenho absoluta certeza de que fiquei pálida como a tapioca servida no bufê, enquanto balançava a cabeça freneticamente, negando.
- Não quero que ele saiba e não sei se consigo manter segredo. – tomei mais um gole do café, nervosa e cansada – Acha que eu devia falar?
Havia um sorriso específico que a Lia estampava no rosto quando se dava conta de algo que o resto do mundo ainda ignorava. Fazia com que ela se achasse o ser humano mais perceptivo do planeta e era dado em pouquíssimas ocasiões. Naquele momento, ela dirigia um daquele pra mim.
- Tua pergunta já é resposta suficiente.
Puta merda, como ela tinha razão!
Eu queria bater minha cabeça repetidamente na mesa, com raiva da minha própria estupidez e insipiência. Custava muito pra minha cabecinha dura admitir que eu desenvolvera algo pelo Hart naqueles poucos dias de morangos e champanhe mas também de fogos de artifício, simplesmente porque era ridículo! E porque Marchisio me afetara tanto quanto, e era difícil mensurar quem causara mais estrago. Mas também era uma realidade e eu chegara num ponto onde não dava mais pra fugir dela sem causar efeitos colaterais.
Me confortava o peito, pelo menos, saber que qualquer erro ou acerto que eu cometesse com o Hart afetaria apenas nós dois – diferente do panorama envolvendo Claudio. Mas mantendo os dois pés firmes na decisão de deixar aquela única vez permanecer no singular e no pretérito, eu jamais teria que lidar com isso.
- Eu sou uma teimosa, né?
- Nenhuma novidade, . – ela diluía o açúcar em sua xícara de café, rodando a colher com ar de quem tinha todas as respostas para qualquer problema mundano e banal como aquele.
- Ele foi ao meu quarto ontem, tarde de noite. Fingi demência.
- Não serei eu a pessoa a dizer que isso foi errado. Talvez você precisasse dessa noite de sono sozinha pra pôr a cabeça e os hormônios no lugar.
- Quem te disse que eu dormi?
- Isso explica essa cara de destruída.
- Idiota. – terminei minha xícara de café, pensando em pegar mais uma apesar de cafeína não ser a melhor ideia enquanto em meu organismo ainda existiam traços de calmante.
- Ok, respeito você não me contar como a coisa se deu, mas pode ao menos explicar se isso é uma constante, agora?
- Jamais, Lia! Já me sinto culpada o suficiente por ter deixado acontecer uma vez!
- E foi ruim? – lhe dei um tapa no braço – Ai! Desculpa, mas precisava perguntar!
- Foi incrível. – não pude evitar, ao afirmar aquilo em voz alta, bater a cabeça na mesa. Senti sua mão fazendo um carinho suave em minhas costas, como quem dizia “entendo sua dor” – Acho que não quero contar pro Hart porque parte de mim não ligaria de pagar língua e fazer de novo. Graças aos céus é você quem vai pra Natal amanhã. Eu preciso manter distância.
- Independente disso, você não tem porque contar, mesmo que queira tornar essa putaria em algo sólido. – levantei a cabeça, olhando pra ela com as sobrancelhas erguidas – Ele pelo visto quer e contar pode fazê-lo mudar de ideia, então você vai sofrer as consequências pela sua ganância e ficar sem ninguém. E eu vou dizer um “bem feito, sua trouxa”. – ela encerrou seu monólogo junto com o suco de laranja.
Terminei de comer meu mamão em silêncio, que apesar de ser uma situação incômoda para a Lia, ela soube manter, em respeito ao meu desespero e cansaço. Contar pra alguém o que me afligia ajudou a aliviar o peso no peito, mas eu ainda tinha que arranjar uma maneira de lidar com o Hart sem que eu parecesse ter assassinado a rainha da Inglaterra.
- Sei que é feio pensar assim – os olhos grandes e brilhantes de Lia olharam curiosos pra mim -, mas se ele nunca souber de nada, isso não pode magoá-lo.
- Certo. Então...
- Vou ficar quieta, seguir meu baile. – ela apertou minha mão sobre a mesa e sorriu pra mim. Senti sua empatia – Mas ainda não sei se vou conseguir agir naturalmente com ele.
- Para de ignorar o homem e descobre!
Das melhores características que o Rio de Janeiro tinha, eu poderia falar com propriedade que a forma como o sol brilhava em cima daquela porção de terra era especial.
Pelo menos ali, na zona sul da cidade, de frente pro mar, protegida por seguranças e pelo meu privilégio.
Eu sabia que as coisas no geral não eram assim tão favoráveis, e que nem todo mundo podia gozar daquela paz diariamente no Rio. Mas todo mundo envolvido na organização do evento, incluindo o governo, estavam se saindo muito bem-sucedidos em camuflar as partes feias para os turistas e convidados de honra.
Em 2010 eu ainda não fazia parte do quadro de funcionários da FIFA, nem acompanhara presencialmente o campeonato na África do Sul, mas lembrava das notícias de manifestações anteriores à Copa em todo o país, como também ocorreram no Brasil, meses antes de estarmos ali. Não conseguia evitar pensar que, embora economicamente vantajosa para os países sede (pelo menos em se tratando de turismo), a competição trazia consigo mais ônus que bônus, e a FIFA, alheia aos transtornos que causava e pensando objetivamente em lucro, era só mais uma organização de aparência idônea e alma podre.
Eu já abandonara o casaco há horas, quando o calor apertou, e aproveitava meu dia de folga deitada com um biquíni estampado em uma das espreguiçadeiras ao lado da piscina do Royal Tulip. A fase de grupos estava às vésperas de seu final e eu não queria nem começar a pensar na correria que seria no dia seguinte, com as duas seleções viajando no mesmo horário. Sabia que não poderia de fato utilizar as 24 horas de folga que eu possuía se quisesse me blindar de imprevistos. Mas ainda era cedo e um bronzeado cairia bem.
Tinha o semblante tranquilo e um drink colorido na mesinha ao lado, mas meu estômago se revirava de nervoso e eu não parava de olhar para a porta do hotel, analisando todo mundo que entrava ou saía.
Após o café esclarecedor com a Lia, deixei um recado para o Hart na recepção. Não queria aparecer de surpresa em sua porta como quem, menos de 12 horas antes, não estava agindo estranho e sendo escrota. Subi, troquei de roupa e tentei ficar tranquila, esperando que, mais uma vez, ele viesse até mim. Repeti mentalmente que meu egoísmo, daquela vez, era justificado.
Quando pedi o drink, mesmo ainda não sendo nem meio-dia, foi pra camuflar o medo que eu sentia de que ele me desse um troco merecido, não aparecendo.
Meu celular tocou ao lado do drink e eu virei a cabeça. Lia, óbvio.
- Cadê você? Se escondendo do Hart?
- Na verdade, eu estou o mais exposta possível. Tá livre?
- Não, mas consigo fugir. – ri.
- Estou na piscina, irresponsável.
- 15 minutos!
- Se eu soubesse que te encontraria assim, teria vindo mais rápido.
Fui tomada por um frio na barriga quando reconheci a voz. Sorri. E sorri mais ainda ao encará-lo e encontrá-lo sem camisa.
- Se eu soubesse que você ia demorar, teria ido eu mesma, sem nada.
Minha tática era suja, mas em minha cabeça soava como a melhor possível. Fazê-lo pensar com a cabeça de baixo para suprimir qualquer desconfiança. Um pouco machista sim, eu reconhecia, mas não era um método do qual eu me orgulhava, de qualquer forma.
Ele abriu um sorriso enorme e safado pra mim e empurrou de leve minhas pernas, sentando na beirada da espreguiçadeira e se inclinando. Beijou meus lábios besuntados em hidratante, ao ar livre, no meio da piscina do hotel, me deixando surpresa, feliz e atordoada.
- Deus, não! Um perigo pra sanidade coletiva – me sentei, aproximando-me, observando o sol refletindo naquele sorriso de um milhão de euros, vendo a mim mesma em seus óculos de sol – Estive em seu quarto ontem à noite.
- Jura? Eu não dormi nada no voo, apaguei quando cheguei. – mentira.
Ele assentiu e ficamos alguns minutos num silêncio estranho, não necessariamente desconfortável. Queria saber o que ele estava pensando, mas os óculos escuros me impediam de tentar ler seus olhos, e eu não perguntaria.
- Achei que estivesse fugindo de mim.
Engoli seco. Tentei disfarçar.
- Por que eu faria isso? – porque transei com outra pessoa que me afeta tanto quanto você e não sei lidar com essa porra?
Joe Hart passou a mão sobre os cabelos curtos e eu senti na base da coluna que ele media as palavras com muito cuidado. Seriam aqueles lábios portadores de más notícias? Minha mente começou a pensar em coisas duras e difíceis que ele poderia me dizer, sendo a pior delas a concretização da praga de Lia, sobre minha ganância me deixar sem nada.
Estendi a mão e peguei minha bebida, dando um longo gole, sentindo os diferentes sabores em áreas distintas da língua, mantendo a plenitude como se não estivesse com medo.
- Não conversamos depois daquela noite e foi tudo muito íntimo.
Sorri, com todos os dentes da minha boca. Ele estava abrindo o peito pra mim?
Sabia o que ele queria dizer com a intimidade que compartilhamos. Maior do que quando envolveu sexo, teve a ver com a conexão que tivemos durante a conversa, a compatibilidade de pontos de vista, a apreciação mútua do senso de humor, o afeto que nascera entre os lençóis confortáveis de sei lá quantos fios do hotel. Era maior do que o tesão, embora servisse de complemento. Era onde morava o perigo, e eu achei extraordinário que ele parecia se sentir um pouco perdido, como eu.
Inclinei o corpo em sua direção e o beijei, a mão apoiada em sua nuca. Parte de minha consciência estava ciente dos riscos que corríamos com aquela imprudência, mas eu não conseguia me importar o suficiente para não fazê-lo – e ele, aparentemente, também não.
- Achei que estava tentando mudar minha primeira impressão de você. – falei, os lábios bem próximos dos seus, os olhos fechados escondidos pelos óculos, o gosto dele se misturando ao da bebida em minha língua.
Eu não queria evitar uma conversa séria, só não queria tê-la naquele momento. Sabia que não poderia esquecer que depois de duas derrotas consecutivas a Inglaterra tinha um total de zero pontos na tabela do Grupo D, e um saldo de dois gols negativos. Nem mesmo se eles ganhassem o próximo jogo contra a Costa Rica, que de início era a seleção mais inofensiva naquele que era considerado o grupo da morte, seguiriam para as oitavas. Evitei pensar que ele provavelmente iria embora em dois dias e isso poderia significar que não haveria um depois.
- Não foi minha intenção, mas se funcionou, eu retiro o que disse.
Rimos em sintonia, enquanto sua mão se posicionava em minha cintura e eu erguia a sobrancelha, sugestiva.
- Você não tem treino agora?
Mesmo sob os óculos escuros, assisti sua expressão despencar, e vi novamente aquele Joe frustrado pós jogo contra a Itália que eu encontrei no vestiário. Parecia, entretanto, conformado.
- Só depois das 14, não há muito mais o que ser feito.
Sem saber muito bem como agir, usei o método universal de conforto: um abraço.
- Sinto muito.
- Está tudo bem. – ele disse, me soltando, mas ainda mantendo a mão em minha cintura e o sorriso no rosto - Agora você pode fingir que torce pra Suíça.
- Tenho duas seleções no páreo, Hart, sem gracinhas.
Seguimos conversando sobre minha nacionalidade dupla e as raízes escocesas que ele provavelmente tinha no sangue. Meu drink acabou e ele se ofereceu para pedir outro pra mim, no bar da piscina. Fiquei admirando sua figura se afastar e provavelmente estava com a maior cara de idiota quando Lia me viu ao entrar na área de lazer do hotel, passando por ele no caminho até minha espreguiçadeira.
- Tudo bem no paraíso?
- Não mais, já que você chegou. – ela riu e me mostrou a língua, sentando-se na espreguiçadeira ao lado – Se você está foragida, a piscina não é o melhor lugar pra se esconder.
- Marcos disse que segura as pontas pra mim até depois do almoço. Ele está com uma equipe de voluntários muito proativa.
- Amém por isso. – Joe voltou com minha bebida e sentou-se no mesmo lugar de antes, cumprimentando a Lia.
- Não quero atrapalhar o casal, vou dar um mergulho.
Balancei a cabeça, ignorando o rubor que tomou minhas bochechas e esperando que meus óculos ou o sol ou meus cabelos disfarçassem tal acontecimento. Joe sorriu, aparentemente menos sem graça do que eu.
- Nem perguntei ao Jack sobre isso, mas acho que os dois não tiveram mais nada, não é?
- Então os boatos de que vocês fofocam feito velhas no salão de beleza são reais! – ele empurrou minha perna, sorrindo, permanecendo com a mão em minha canela fazendo um carinho gostoso – As palavras de Lia foram “ele é um neném, mas está focado”. Não conte que te contei!
Ele gargalhou com a informação e prometeu não falar nada. Provavelmente eu não deveria contar, mesmo com a Lia não sendo do tipo que ligava pra essas coisas, mas minha língua parecia solta perto dele.
O que, considerando os acontecimentos envolvendo minha pessoa e Claudio Marchisio, era um perigo.
- Você não vai entrar? – ele perguntou, apontando pra piscina. Neguei com a cabeça – Vou dar um mergulho e depois a gente almoça junto, pode ser?
Tive certeza de que meu sorriso morreu em meus lábios, mas tentei disfarçar, trazendo o drink de volta até minha boca.
Um almoço era apenas um almoço, duas ou mais pessoas compartilhando uma refeição e também uma conversa; uma entre tantas convenções sociais a que estávamos condicionados, uma vez inseridos na coletividade. Eu não tinha motivos concretos para temer um simples almoço, mas eu tinha bastante medo de perpetuar a famigerada intimidade que deixamos sutilmente fluir entre nós naquela noite em meu quarto.
Ele se despediria da Copa, do Brasil e de mim em dois dias. Eu não poderia alimentar aquilo que estava começando a querer nascer em meu peito.
- Você não acha – testei minhas palavras na ponta da língua, não querendo ser má interpretada – que só de estarmos aqui fora, juntos, já rolarão boatos?
Joe Hart ergueu as sobrancelhas pra mim e eu assisti de camarote o seu sorriso morrer.
- Boatos é um puta eufemismo pro que vai rolar, .
Reconheci em seu tom de voz que eu não fora má interpretada; eu fora interpretada em minha totalidade.
- Hart, eu não quis...
- Porra, você tá descaradamente me evitando! E por quê? Mídia? Eu não ligo pra essa merda, e você não deveria ligar tampouco! – ele tirou os óculos e apertou os olhos, a outra mão em seus joelhos, longe de mim – Se você não queria que isso continuasse poderia simplesmente ter dito.
- Você não me perguntou nada. – falei, estranhamente acuada.
- Você me deixou entrar, cacete! – seu tom de voz subiu um pouco e ele me olhou, sem óculos, com tristeza e raiva nos olhos e eu me senti um lixo. Ele tinha razão, eu o deixara entrar de mais formas do que seria capaz de admitir – E nem deu chance de que eu dissesse qualquer coisa, muito focada em rebolar no meu pau.
Meu primeiro ímpeto foi erguer a mão e levá-la com toda força à sua bochecha, mas o reprimi. O temperamento daquele homem era volátil demais e muito parecido com o meu para o bem-estar de nós dois. Naquele caso específico, entretanto, eu não poderia culpá-lo, embora ser um escroto comigo não fosse nem um pouco justo. Dar-lhe um tapa no rosto apenas nos levaria a um lugar ainda mais feio.
- Honestamente, Hart, eu não te ouvi reclamando, então vai se foder.
Tentando cada um sair por cima do outro, perdíamos gradativamente a razão.
Como que pedindo forças, ele levantou a cabeça para o céu. Recolocou os óculos e trouxe de volta ao rosto a mesma expressão de quem é gostoso, sabe disso e espera que todos saibam que ele é dono da razão naquilo e em muitas outras coisas. Ele estava fazendo exatamente o que eu fazia: forçando distância, vestindo uma capa de frieza.
- Deixa pra lá – se levantou, afastando-se de mim literal e figurativamente no processo -, eu almoço sozinho.
Enquanto ele entrava no hotel, desistindo de seu mergulho, virei o restante do meu drink.
É muito impressionante a celeridade com que perdemos o controle das coisas e de nós mesmos.
Nove
Joe Hart
O árbitro apitou o início da partida à uma da tarde, horário de uma cidade bonita e grande que me fez lembrar São Paulo, mas se chamava Belo Horizonte. O pontapé inicial foi dado pela Costa Rica. O dia estava quente como se estivéssemos no meio do verão, todos consumindo mais garrafinhas de água e isotônico do que o normal. A arquibancada, pintada por eventuais pontos amarelos, refletia a empolgação que era latente em todos os jogos, sem destinatário certo.
Eu destoava da animação coletiva enquanto assistia à nossa despedida da Copa do Mundo sentado na porra do banco de reservas.
Não fora uma escolha minha, embora eu soubesse que apesar de todo o patriotismo em meu corpo, o orgulho de representar minha seleção e a leve pressão causada pela presença da realeza na arquibancada, minha mente não estaria cem por cento focada em consertar eventuais erros da zaga inglesa.
Eu estava puto pelo calor, por estar na reserva, por não estar em condições de ser titular e porque, em apenas 10 dias, Blatter conseguira me causar uma série de efeitos inéditos que desestabilizaram completamente o meu psicológico e sistema nervoso.
Dividíramos o avião na viagem do Rio até lá no domingo à noite, e ela estava hospedada no mesmo hotel que eu e em contato direto com a comissão técnica e meu treinador. Nenhuma palavra fora trocada entre nós dois; todas substituídas por olhares indecifráveis que eu não conseguia deixar de considerar pensar que era rancor.
E enquanto o jogo rolava e eu não conseguia me concentrar nele, ela estava há poucos metros de mim, um iPad na mão, a pose de profissional que eu deveria exibir, nenhum semblante de arrependimento pelas atitudes estúpidas que tivera comigo e nenhum sinal de que sequer cogitava me pedir desculpas. Eu me perguntava onde aquela mulher cujo primeiro contato comigo fora um esporro dos muito bem dados estava; se ela se perdera nos lençóis de hotéis cinco estrelas junto comigo e meu amor próprio. Se a culpa de seu orgulho se fazer presente era minha, tanto quanto a culpa pelo meu era dela.
Porque eu sentia que não tinha nada pelo que me desculpar, mas queria ela de volta, então estava considerando a possibilidade de me dispor a isso.
Passei as mãos pelo rosto e respirei fundo, tentando focar no jogo.
O Wilshere vacilara feio nos primeiros 15 minutos, dando margem pra um pênalti que eu sabia com certeza que o Foster não conseguiria pegar. Mas a arbitragem não viu, ou fingiu não ver, então o jogo seguiu sem maiores contratempos.
Estávamos indo bem, mostrando serviço, com maior posse de bola que a Costa Rica e mais vontade de sair daquela com pelo menos três pontos, apesar da desclassificação. Sabia que não tínhamos chances de chegar às oitavas, mas me aliviava o fato de que pelo menos não era eu levando aquela negatividade para o campo.
A bola, entretanto, por nada fazia a curva em direção ao gol, de nenhum dos lados. Perdi a conta de quantos gols achei que o Sturridge ia marcar e de quantos achei que o Foster iria perder.
Um empate, ainda mais um em zero a zero, não era o melhor resultado, mas quebrar a hegemonia da Costa Rica na fase de grupos seria bom pro ego inglês; aquela sensação de pelo menos isso, não é?
Quando os primeiros 45 minutos acabaram, os jogadores de ambos os times vieram em direção aos bancos para se dirigirem aos vestiários, e Blatter caminhou até meu treinador, tocando em seu braço, disfarçando sua antipatia. Me ignorando completamente.
Levantei do banco, ainda mais puto, alcançando o Rooney e o Wilshere no caminho para o vestiário.
- Que cara é essa? Ontem você estava ok com a derrota. – o Rooney era um filho da puta, e sorria enquanto secava o rosto, sabendo muito bem o motivo do meu mau humor e querendo difundi-lo por todo o vestiário.
- Não é a perspectiva de um voo de quase 12 horas pra casa que tá deixando ele puto – Daniel Sturridge sorria perversamente pra mim, o celular nas mãos.
Eu sabia o que tinha na tela acesa.
Na noite anterior, assim que eu e o Rooney nos estabelecemos no quarto do Radisson Blu, uma representante da FA responsável pela imagem dos jogadores batera na minha porta, sem graça, perguntando se eu gostaria de emitir algum comunicado sobre as recentes notícias.
Não tinha a mínima ideia do que ela estava falando.
- Sobre a nossa desclassificação? Por que alguém quer uma declaração minha? Não sou o capitão, nem fui escalado para amanhã!
- Não é sobre a Copa, exatamente – ela ergueu as sobrancelhas pra mim e eu estava começando a ficar muito confuso – Você não tem Twitter? – balancei a cabeça, negando.
Então ela me mostrou a tela do próprio celular, uma página de um site de notícias inglês qualquer aberta no navegador. Assim que li a manchete (“Goleiro da Inglaterra é visto em clima de intimidade com Blatter em hotel cinco estrelas no Rio de Janeiro”), peguei o aparelho da mão dela.
Ele foi visto na área externa do hotel Royal Tullip na manhã do último domingo em companhia de Blatter, 24, sobrinha do presidente da FIFA, Joseph Blatter, 78.
Apesar de ambos estarem aparentemente em bons termos, o camisa 1 da Inglaterra não se demorou na piscina, protagonizando uma saída dramática e deixando uma bastante contrariada para trás.
Será que essa bola é mais uma das que o nosso goleiro não conseguiu agarrar?
Seguem fotos do momento!
A Seleção Inglesa tem seu último jogo da fase de grupos amanhã às 5PM, e deve voltar para casa, independente do resultado, até o dia 25.”
Defato o restante da matéria era um pequeno compilado de quatro fotos nossas, incluindo um beijo e a minha saída de fato dramática – e vergonhosa – ao extremo.
Tive certeza de que vomitaria meu jantar.
Rooney pegou o celular da minha mão e, uma vez terminada sua leitura, começou a rir da minha cara.
Não emiti declaração nenhuma, achando que aquela era de fato a decisão mais sensata. Com isso, dei margem para que a notícia se propagasse pelos bastidores do campeonato feito doença viral. Claro que, quando o Sturridge ergueu o celular no meio do vestiário lotado foi apenas para me atingir, visto que toda a seleção já estava ciente do fato, bem como o Roy e a comissão técnica. Provavelmente até a minha mãe, decepcionada, do outro lado do Atlântico.
- Vai tomar no cu, Daniel.
Sua risada ecoou pelo aposento e eu parti pra cima dele – não como uma ameaça à sua integridade, apesar da minha superioridade física, mas para fazê-lo parar de agir como se estivéssemos no colegial. Ele jogou o celular em cima de mim e correu, continuando a rir, e eu peguei o aparelho por reflexo no mesmo instante em que um assistente técnico gritava que tínhamos 10 minutos.
Era outra notícia, em outro portal.
Uma declaração dada pela .
Bem, não uma declaração propriamente dita. Qualquer coisa que disséssemos, até um aparentemente inofensivo “sem comentários”, seria difundida pela imprensa das mais variadas formas. Não se manifestar já soava como uma bela manifestação. Sabendo bem disso, fora extremamente inteligente ao dizer um simples “eu e o Hart somos dois adultos e estamos focados em nossas carreiras no momento. Nos esbarramos enquanto exercíamos nossas funções, apenas. Acontece”, porque aquilo expunha o assunto de forma sutil, encerrava o mesmo, e não dava pano pra manga de mais matérias querendo explorar até onde nosso “esbarrão” foi.
Ela estava certíssima em sua colocação, mas o acontece no fim da frase me incomodou mais do que eu admitiria em voz alta. Instantaneamente me perguntei se ela resumira nós dois daquela forma trivial propositalmente, se era mesmo aquilo que ela pensava que éramos.
Mas meus questionamentos não tinham razão de ser, porque, naquele momento não éramos coisa alguma.
O restante da matéria dizia que nenhum outro comentário fora emitido pela , por mim ou por algum representante da FIFA ou da FA. E então eles teceram dois parágrafos extremamente tendenciosos e que fizeram meu sangue ferver: o primeiro era sobre meu desempenho mediano e se, talvez, meu envolvimento com a Blatter não tenha sido o catalisador do mesmo. E o segundo era sobre como era conveniente que alguém tão jovem como ela fazia parte de uma associação do porte da FIFA, principalmente em um cargo de alto grau de importância e considerando seu parentesco, deixando no ar se os meios pelos quais ela conseguira chegar lá não seriam, por acaso, escusos. O veículo prometia, no fim de todo aquele absurdo, ficar de olho.
Ela não era conhecida fora do mundo restrito de clubes de futebol milionários e seleções de elite, mas graças ao meu showzinho escroto e zero sensibilidade, não estávamos em bons termos quando a notícia vazou, não lidamos com aquilo de forma consignada, e agora tínhamos, ambos, nossa eficiência posta em cheque para toda a internet ver.
Parecia que eu tinha algo pelo que me desculpar, afinal.
Eu tinha completa noção do quanto aquilo era absurdo, mas estava há 10 minutos parado em frente a porta do quarto dela, com o ouvido grudado na madeira, escutando sua conversa no telefone.
O jogo terminara empatado em zero a zero, como eu previra, e ainda nas dependências do estádio nos fora dada a opção de ir direto para o Rio ou pernoitar em Belo Horizonte, e pegar um voo na manhã seguinte, já que o jato estava no aeroporto pronto para partir assim que quiséssemos. Foi de comum acordo com todos os jogadores que o professor decidira ficar; estávamos mentalmente esgotados e sabíamos que o que enfrentaríamos no Rio seria um furor muito maior do que o que enfrentávamos ali.
Me decidi, então, por aproveitar a chance que a vida me deu de consertar a merda que eu tinha feito. Fora de uma dificuldade surreal conseguir o número do quarto dela; estive prestes a desistir de minha tentativa de redenção.
Eu passara quase duas horas perguntando inconvenientemente a uma série de pessoas da equipe dela e todas, sem exceção, me disseram que sentiam muito, mas não poderiam dizer. Apelei, então, pra minha última opção de fato, a única que eu não queria ter que utilizar: meu treinador. O olhar de reprovação que recebi fora a confirmação do meu desespero.
- Que merda você tem na cabeça, Hart?
- Todas as que eu falei pra ela e preciso retirar, professor.
Hodgson não parecia ser ou ter sido do tipo romântico – eu ainda tinha sérias dúvidas se eu era! E nossa campanha em busca do bicampeonato estava, enfim, encerrada. Não existiam empecilhos reais para sua negativa, além, é claro, de um pingo de ética e respeito pela privacidade alheia que eu sabia que ele tinha – bem como o fato de que, eu também sabia, ele não gostava muito de .
Ele me olhou por um minuto inteiro em silêncio, reprovação escorrendo pelos seus poros. Com um suspiro, cedeu.
Eventualmente todo mundo cede.
E então ali eu estava, há 10 minutos ouvindo a conversa dos outros por trás da porta, como um adolescente inconveniente, e criando coragem de bater e pedir as desculpas que eu fora postular. Implorar, talvez, se fosse necessário e eu me visse em desespero. Esperando – mas já sabendo que não era esse o caso – que ela fosse como todos e cedesse, eventualmente.
Não fora minha intenção xeretar; ao descer os três andares que nos separavam, meu objetivo era bater em sua porta, respeitar a decisão dela de não me deixar entrar, ser conciso sobre minhas desculpas, esperar que ela dissesse algo – ansiar para que ela dissesse algo – e ir embora, se assim ela decidisse. Eu colocaria as coisas em pratos limpos nas mãos dela e esperaria misericórdia. Mas então eu ouvira, antes de tocar a campainha, que a interlocutora de sua conversa era a Lia, e achei que eu poderia esperar um pouquinho antes de me anunciar porque talvez algo que ela dissesse pudesse acrescentar minhas desculpas.
Nada ético, eu sabia. Mas não tinha completa certeza se as palavras que eu repassara em loop mental durante as últimas horas seriam suficientes, e eu tinha que usar todas as armas disponíveis porque a ignorância vinda dela durante todo o dia me quebrara. Eu estava afundado naquilo até o pescoço e nem tinha me dado conta de como aquilo acontecera.
- Você costumava me dar bons conselhos, Lia! – era difícil entender uma conversa ouvindo apenas um lado. Mas eu não tinha do que reclamar, pois seria ainda mais difícil entendê-la se a não estivesse falando alto como estava – Aconteceu tudo do jeito que eu disse que aconteceria e agora eu tenho uma mensagem do meu tio que eu não tenho coragem de abrir e alguém que eu quero matar!
Esperava que a vítima de seu homicídio fosse o jornalista responsável pela matéria, mas julgava que era eu.
- Eu só quero que esse mês acabe. – engoli seco, sentindo vontade de ir embora e não causar mais estrago. Seguiu-se um silêncio e então o barulho de algo caindo, mas aparentemente não quebrando – Você disse alguma coisa? – mais silêncio – Ótimo. Não quero ter que lidar com mais isso.
Respirei fundo e bati na porta. Nada do que eu ouvira ou pudesse vir a ouvir me ajudaria naquele momento, tinha certeza. Mas ou eu fazia aquilo logo, como quem tira um curativo grudado na pele, ou voltaria para a Inglaterra com aquele arrependimento alojado no peito.
Ela abriu a porta ainda com o celular no ouvido e pareceu extremamente surpresa com minha presença. Me encarou por alguns segundos antes de avisar à Lia que não era o serviço de quarto e que precisava desligar.
Uma vez que eu tinha toda a sua atenção, fiquei sem saber por onde começar.
Meu silêncio não colaboraria no projeto de fazê-la me perdoar, mas eu tinha plena certeza de que uma palavra dita no tom ou contexto errados e minha única chance seria aniquilada sob a sola de seus pés descalços. Junto com qualquer chance de fazer-nos dar certo.
- Posso entrar?
Sua sobrancelha estava erguida, como quem perguntava se eu falava sério.
- O que você quer, Hart?
Seu tom foi curto e grosso, e eu jamais poderia culpá-la por isso. Mas esperava um pouquinho mais de amabilidade. Eu estava sendo mal dito pela internet tanto quanto ela, e junto da seleção, decepcionara, além dos meus dirigentes, uma nação inteira.
- A gente precisa conversar.
Sabendo que eu estava certo e demonstrando a pessoa sensata que eu sabia que ela era, respirou fundo e virou o corpo de lado, me dando passagem.
Avistei um divã do outro lado do quarto e, como se fosse dono do mesmo, mas completamente receoso por dentro, atravessei o ambiente e me sentei, mesmo sem convite.
Enquanto ela fazia o mesmo caminho que eu e sentava-se à minha frente na cama, as pernas cruzadas sob o corpo, observei sua figura. Não usava o pijama que eu já tirara algumas vezes, o que fez com que eu riscasse de minha lista mental a possibilidade de começar a conversa com uma piadinha sobre o mesmo, para amenizar o clima. Ela possuía o semblante cansado, os cabelos enrolados no topo da cabeça e um short de moletom e camiseta branca, ambos folgados, que não realçavam o corpo maravilhoso que ela tinha.
- Você sempre fica em bons quartos – já que meu plano inicial falhara, iniciei a conversa com amenidades.
- São bons quartos porque não preciso dividi-los. Vá direto ao ponto.
Eu deveria saber que ela não facilitaria minha vida.
- Ok – passei as mãos no rosto, respirando fundo. Não era hora de ser covarde – Eu vim me desculpar.
Tinha algo que eu gostava nos olhos dela, algo que nem sempre era perceptível. Naquela manhã no Rio, quando acordáramos confusos e maravilhados um com o outro e com a noite que tivéramos, a luz do sol bateu em seu rosto e eu pude ver que os olhos tinham nuances verdes. Em geral eles eram castanhos, bem escuros quando a pupila dilatava durante um orgasmo. A forma como eles conseguiam mudar de tom tão sutilmente se assemelhava á volatilidade de seu humor e talvez estivesse ligado a ela.
Enquanto ela me olhava, eu analisava seus olhos, ansiando para que, mesmo sem luz do sol, as nuances verdes aparecessem, corroborando aquilo como um bom sinal. Mas eu só via castanho feito chocolate derretido, e aquilo não poderia ser bom.
- Estou esperando, Hart, as suas desculpas – ela se inclinou para a direita e resgatou uma xícara de chá da mesinha de cabeceira – Não temos a noite toda, seja breve.
- Você pode parar com o escárnio?
Antes de me responder, ela tomou um longo gole do chá, devolvendo a xícara para a mesa de cabeceira de forma calma e contida, destoando da pessoa que eu ouvira ao telefone minutos antes. Em que momento ela vestira aquela fantasia? Eu gostaria de ver raiva e objetos voando pelo quarto e o interfone tocando insistentemente porque alguém estava preocupado com o barulho, porque com aquelas reações eu saberia lidar.
Com frieza não.
- As coisas que você não me deixou explicar naquela piscina aconteceram como eu sabia que aconteceriam. E eu tive que lidar com tudo sozinha porque você deu uma de drama king e saiu andando trajando arrogância e um Ray-Ban. Então sinto muito se firo seus sentimentos sendo debochada, mas você feriu os meus sendo um escroto, então sinto que estou no direito.
- Desculpa! – minha voz saiu um pouco acima do que eu planejara, e eu respirei fundo antes de continuar. Ela estava absolutamente certa em sua sentença e eu não poderia nos levar de volta àquela piscina e às escolhas infelizes que fiz – Desculpa ser um escroto, desculpa não te deixar se explicar e desculpa te deixar lidar com aquilo sozinha. Sinto muito sobre as besteiras que disseram sobre você também.
Eu omiti o que sentia sobre as besteiras que falaram sobre mim, porque naquele momento não poderia haver tópico mais irrelevante.
Alguns minutos correram enquanto ela me analisava, os olhos esquadrinhando minha feição, minha postura, o intervalo que compreendia a entrada de oxigênio e a saída de gás carbônico do meu corpo, como eu começava a bater o pé no chão de impaciência. Por mais difícil que fosse para eu tentar manter a calma e a sensatez, fiquei quieto esperando que ela se manifestasse, sem saber o que dizer diante da antecipação do ato que eu preparara para ser o grande final.
- Aceito suas desculpas, Joe Hart.
- Obrigada.
- Mas estou bastante saturada de você ter que continuar a pedi-las.
Eu ri, descrente, passando as mãos pelo rosto mais uma vez e deitando de lado sobre o divã, encarando o teto de gesso, igual ao do meu próprio quarto.
Se houvesse uma brecha nas leis da física que nos permitisse voltar no tempo de forma a corrigir aqueles estragos, seriam necessários apenas 10 dias para evitar que o que vivemos causasse os danos nítidos que causara. Apenas 10 dias nos afastavam da minha insipiência entre o controle que eu sabia ter de minhas próprias vontades e o sentimento de não dar a mínima para eles.
Dez dias não eram porra nenhuma, mas ainda assim ali estávamos nós, de frente um pro outro vestindo armaduras pesadas depois de termos nos vistos nus, como se a nudez tivesse sido apenas física e agora experimentávamos a vergonha.
- Não falo isso querendo ser rude – comecei, comendo pelas beiradas e esperando, tanto quanto ela, não ser mal interpretado -, mas acho que se tivéssemos conversado sobre nós, isso tudo seria evitável.
- Acho que você encontrou o ponto. – ela resgatou a xícara de chá e tomou um longo gole, enquanto me olhava. Tinha a impressão de que ela prolongava suas frases de propósito, para me deixar ainda mais ansioso, pra me fazer sofrer um pouco mais – Existe um nós sobre o qual se conversar?
Realmente eu chegara no ponto. E era uma resposta muito difícil de dar.
As atitudes dela me faziam pensar se eu não queria depositar esforços naquilo sozinho. Se eu não lera a entrega de seu corpo a mim de forma abrangente e equivocada, e fora inconveniente em forçar uma aproximação que ela poderia ter aceitado só para não ser rude e porque os orgasmos valeram a pena. Ela usara meu corpo? Porque eu poderia mentir e dizer que fora só sexo, mesmo sabendo que quando eu bati na porta de seu quarto em Manaus, e me perdi no seu gosto e seu cheiro e nos gemidos deliciosos que ela dava no pé do meu ouvido, eu jamais quisera que fosse só sexo.
- Não me entenda mal, Joe – ela começou e minha língua afiada e impaciente quis intervir, mas permaneci em silêncio na mesma posição, não querendo estragar a chance de concertar as coisas, mesmo que não saísse da forma com que eu esperava -, mas você volta para a Inglaterra amanhã e eu ainda tenho 14 dias de trabalho aqui.
- Você não poderia saber que eu iria embora tão cedo quando isso começou. – arrisquei, sabendo bem que, tanto quanto eu, ela não tivera a intenção de inflamar coisa alguma.
- Eu sei, mas era uma probabilidade e é com elas que eu trabalho. – eu a olhei, percebendo uma mudança sutil em seu tom de voz – Admito que não quis me deixar levar além e você não tem culpa nisso.
- Mas sofro os efeitos colaterais da sua decisão isolada, e isso não é justo.
- Desculpe.
Admitirmos que estávamos errados nas questões reclamadas, em uma mesma conversa, que mantinha um tom civilizado e tendia à conciliação, era um lindo avanço e me deixava esperançoso de que o desfecho fosse mais próximo do que eu esperava ao ir até lá.
Voltei a olhá-la enquanto ela colocava a xícara, agora vazia, em seu lugar de origem. Sua postura parecia menos defensiva, mas eu poderia estar equivocado.
- Existe um nós, ? – talvez a pergunta certa fosse se existiria a possibilidade de, num futuro breve, haver um nós, mas eu não correria o risco de atirar no escuro. Se eu me encontrava naquela situação vergonhosa em 10 dias, não tinha como saber o que esperar de mais 14, ainda mais se os passássemos longe um do outro.
Ela me olhou menos surpresa do que eu gostaria e levantou-se, sentando ao meu lado, cruzando as pernas do mesmo jeito e apertando meu antebraço.
- É cedo pra dizer, Joe. Você não acha?
- Acho – balancei a cabeça, uma sensação estranha no peito –, mas se não for dito agora, que horas será? Como você mesma disse, eu vou embora amanhã.
- E te parece uma decisão sensata atravessar um oceano com a resposta que você quer escutar?
- É ela que você vai dar pra mim? – esperei ter soado menos ansioso do que pareci na minha própria cabeça.
Seus olhos se arregalaram pra mim e eu dei um sorrisinho, enquanto percebia as nuances verdes bem de leve. Blatter fora pega no pulo. E por ser o precursor de tal ato, talvez merecesse um prêmio.
Ela tirou os dedos da minha pele e os passou pela testa, levando-os até o cabelo, desfazendo o nó. Jogou os fios para um lado e para o outro, os olhos nervosos fugindo dos meus.
- Que ato falho fodido.
Não consegui conter uma risada, mas não me deixei empolgar pelo aparente clima de leveza que tentava se estabelecer entre nós. Do que eu podia dizer que conhecia sobre ela tendo como base apenas aqueles 10 dias, não era do tipo que perderia a chance de contornar uma situação e fazê-la favorável para si novamente.
Ficamos alguns minutos em um silêncio estranho, minha mente trabalhando em algo pra dizer que nos fizesse chegar em alguma conclusão – principalmente numa conclusão favorável.
E, então, uma ideia antes impensável me ocorreu.
Tentei não engasgar pela empolgação e escolher as palavras com calma – afinal de contas, ela poderia achar minha ideia brilhante absolutamente ridícula. O que, talvez, ela fosse de fato.
- Não seria impossível eu conseguir ficar. – apertei a pontinha de seu nariz.
- Ficar?
Ela me olhou com os olhos de cores amálgamas e eu não soube interpretar o que aquele olhar me dizia, mas não deixei que a dúvida fizesse minha perseverança morrer. Resolvi usar uma analogia pra me expressar, tentando fazer com que nossa conexão, já constatada que não era apenas física, mais uma vez se fizesse presente e sobrepujada.
- Orbitar ao redor do planeta Blatter como se eu fosse tua lua, até a Copa acabar e a gente ter tempo de fazer o nós acontecer.
O espaço entre suas sobrancelhas se enrugou e ela inclinou a cabeça, quase a encostando no ombro. Talvez a fim de que não houvesse interpretação inexata de minhas palavras, nem das que ela viesse a proferir.
- Orbitar sem nenhuma hipótese de colisão? – Penélope ergueu a sobrancelha esquerda pra mim e deu um pequeno sorriso - Honestamente, Hart, você tá mais pra meteoro do que lua. Não é do tipo que fica parado gastando a pouca paciência que tem.
Eu ri alto e peguei sua mão, porque ela tinha razão e também porque o tom depositado em suas palavras só poderia significar que, mesmo que minha ideia fosse absurda e ridícula, ela estava disposta a ouvir outras hipóteses que derivassem dela, me ajudando a descobrir uma forma de fazer com que funcionássemos. Querendo, tanto quanto eu queria, que funcionássemos.
- Ok, então, posso ser um meteoro com grandes riscos de adentrar tua atmosfera. – a puxei levemente em minha direção, apenas testando o terreno pra saber se ela estaria disposta a mais contato. Ela se encaixou no meio das minhas pernas, de lado, e deixou que eu depositasse minha mão em seu quadril, rodeando suas costas.
- Cuidado, Hart, é nessa parte que você derrete.
Afastei seu cabelo e beijei a lateral de seu pescoço, o pedaço de pele que o ligava a seu ombro. Pensei em dizer que eu já deixara de ser sólido há quase 10 dias, mas resolvi ir com a calma que ela parecia querer que eu usasse.
- Vou ser cuidadoso. – era uma outra forma de dizer irei com calma quanto a nós, e esperei que ela entendesse.
Virou seu rosto pra mim, aquele conjunto de traços absurdamente harmoniosos e com os quais eu já vinha me acostumando e salvando detalhes na memória. Antes que mudasse de ideia ou a bolha que nos envolvia estourasse, encostei nossos lábios, de leve, me surpreendendo a forma com que meu peito respondeu ao toque.
- Vai ter que ser mais que cuidadoso. – eu sabia que ela falava sério – Só poderemos nos ver nas minhas folgas e você vai ter que custear toda a sua estadia. Isso vai sair ridiculamente caro.
- Não ligue pra um detalhe trivial como dinheiro. – meus dedos passeavam pela sua nuca, uma paz enorme me atingindo por eu ter arriscado ir até ali e obtido o sucesso que eu não esperava obter – Não ligue pra detalhe trivial nenhum.
Eu me referia às notícias que se seguiriam a minha decisão, mais especificamente as presunções acerca de nossas posições, eficiência e idoneidade. Sabia que não poderia considerar aquela uma batalha vencida, devido à natureza delicada do assunto, mas o primeiro passo já havia sido dado: falar sobre, mesmo que sutilmente.
Penélope puxou meu rosto para o seu, me entregando sua decisão pela língua e aquele beijo tinha o melhor sabor do mundo: desejo e chá de camomila.
- Vai me expulsar se eu pedir pra dormir aqui?
- Vai adiantar se eu disser que você não pode?
Àquela pergunta eu não precisei responder.
Dez
Tudo estava bem.
As seleções inglesa e italiana encontravam-se em salas VIP’s do Aeroporto Internacional do Galeão aguardando seus respectivos voos, que atrasaram devido ao atípico mau tempo que pairara sobre a cidade do Rio.
(Joe não. Ele estava muito bem aconchegado no meu quarto no Royal tentando, em conjunto com sua assessoria, reservar um quarto para si no Deville Prime e um voo para Porto Alegre, local do próximo jogo da Alemanha pelas oitavas, dali a cinco dias.
Uma parte de mim queria que ele não conseguisse.
Um voo de última hora para Heathrow seria fácil de conseguir, mesmo um com muitas escalas devido ao nível de imprevisto. Se a ideia de nós estabelecermos algum tipo de relacionamento criasse morada na cabecinha dele, seria algo difícil de reverter. E eu ainda guardava no peito muito receio por toda aquela intimidade que construíamos; era sempre mais sensato não deixar que as histórias de amor começassem.
Como um desafio auto infligido, a fim de ultrapassar aquele limite ilógico e escroto que eu me impunha, pelo menos o deixava tentar.)
A mensagem de meu tio que eu tivera receio de abrir no dia anterior, no fim das contas não pedia nenhuma resposta. Um simples “tratamos do assunto posteriormente” vindo de Joseph Blatter, mesmo sem maiores detalhes, era o suficiente para fazer a entrega da mensagem bem-sucedida. Me confortava a concepção de que, se existia falta de urgência, ele não vira aquilo com a mesma problematização dos meus olhos. Me restava esperar para descobrir se eu estava certa ou se o final da Copa viria junto com a minha carta de demissão.
E além da nuvem negra do desemprego pairando sobre a minha cabeça, tinha Marchisio, preso com seus companheiros de time numa sala de frustração climatizada para onde, depois de enrolar por quase trinta minutos, eu finalmente me dirigia.
O último jogo da Itália pela fase de grupos da Copa fora contra o Uruguai, em Natal, e fora um verdadeiro desastre; a prova viva de que posse de bola e favoritismo não significam sucesso. Falhas sequenciais na zaga italiana, uma mordida de Suárez em Chiellini, a expulsão de Marchisio em uma decisão duvidosa da arbitragem e o gran finale: o pedido de demissão de Cesare Prandelli, que me fizera perder grande parte da admiração que eu adquirira naqueles 10 dias por aquele homem.
A seleção italiana deixava o Brasil para trás envolta a polêmicas que durariam bem mais do que o período que aquela Copa do Mundo durara para eles. E eu ia ao encontro deles esperando que ninguém me pedisse para fazer discursos motivacionais.
O maior escândalo de todos, caso fosse divulgado, afinal de contas fora de minha responsabilidade.
Lia me esperava na porta, óculos de sol esquecidos na cabeça, um iPad entre os braços e comiseração na face.
- Eu sinto muitíssimo, mas a comissão disse que tem alguns detalhes pra fechar especificamente com você.
- E eles provavelmente estão certos. – ela me abraçou, o que eu achei um pouco exagerado apesar de extremamente reconfortante. Eu retribuí o abraço e, ignorando meu estômago embrulhado, abri a porta da sala de espera.
Fui bem-sucedida na minha tentativa de ser discreta; poucas cabeças se viraram para a porta quando a abri. A maioria deles estava envolto no mundo de seus próprios celulares, fones nos ouvidos e a necessidade de voltar ao lar em busca de algum tipo de conforto alojada no peito.
Claudio não estava na sala. E era aquele assunto que a comissão queria tratar especificamente comigo.
Ele avisara que iria ao banheiro há 15 minutos e, como a decolagem poderia ser autorizada a qualquer momento, precisavam dele de volta. Todos concordaram que era desnecessário criar alarde, pois não havia dúvidas de que ele não saíra das dependências do aeroporto, então resolveram me chamar para resolver a questão de forma discreta.
Meus ouvidos receberam a informação como uma piada de mau gosto.
Saí da sala e fui de encontro a minha equipe, designando alguém para checar o banheiro masculino enquanto eu aguardava do lado de fora.
- Ele está lá, não parece ter saído, a propósito. – Marcos me falou, fechando a porta atrás de si enquanto eu endireitava a postura – Está ao telefone falando em italiano, aparentemente irritado, mas com eles é difícil ter certeza.
- Ótimo, avise à comissão italiana pra mim e entregue isso a Lia, por favor. Vou fazer xixi. - dei minha bolsa em suas mãos enquanto me dirigia ao banheiro feminino.
As luzes acima do espelho faziam meu rosto parecer branco demais – ou talvez eu estivesse mesmo pálida pela alimentação desregulada, excesso de energético, falta de exercícios físicos, poucas horas de sono e estresse. Passara o dia todo com o estômago irritado, preocupada com o momento em que eu colocaria os olhos sobre ele novamente, e não me tranquilizava que aquilo ainda não tivesse ocorrido. O estômago ainda não me dera paz e eu me mantinha alerta com aquele sinal do meu corpo de que, ao contrário do que parecia, não estava tudo bem.
Abri uma das torneiras e coloquei meus pulsos sob o fluxo da água gelada. Era bom, mas não era o alívio que eu precisava. Lavei o rosto, esquecendo por um segundo a maquiagem sobre a pele.
- Merda.
Uma ainda pálida me encarou de volta quando ergui o rosto, agora com o rímel levemente borrado sob os olhos. Peguei um lenço de papel e me inclinei sobre a pia para consertar o estrago. A porta do banheiro se abriu e eu assisti pelo espelho, como se fosse uma tela de cinema 6D, enquanto Claudio Marchisio adentrava o sanitário feminino sem convite.
O lenço de papel ficou a meio caminho do meu rosto, o corpo travado na posição que eu ensaiara.
(Hora de dar play)
Pensei em perguntar o que ele estava fazendo ali, mas era óbvio: ele sabia. Assim como todo mundo dentro e fora daquele campeonato que possuísse internet móvel e curiosidade pela vida alheia. E eu sabia que qualquer coisa que eu dissesse poderia ser usada contra mim – ele tinha esse poder -, então não disse nada. Apenas o fiquei encarando, esperando que ele dissesse algo ou fosse embora para que eu pudesse voltar a respirar.
Mas ele se aproximou – não muito, apenas o suficiente -, o que me fez descer a mão que segurava o lenço para me apoiar com mais firmeza sobre qualquer superfície que não me permitisse ir de encontro ao chão quando (não se) minhas pernas falhassem.
Nada disse. Só ficou parado, o reflexo dos seus olhos me encarando pelo espelho, a postura em alerta.
Talvez aquela tenha sido a decisão mais inteligente que ele já tomara me envolvendo; não dizer nada era seguro. Se nada houvesse sido dito lá atrás, não estaríamos confusos e cansados naquele momento.
Entretanto, eu esperava com o peito em chamas que ele fizesse alguma coisa.
Se estivéssemos sob a influência de um roteirista ordinário - ou até mesmo um bom, mas em início de carreira, ainda ingênuo -, as luzes piscariam sem motivo à medida em que ele se aproximasse, deixando-nos na escuridão parcial e na claridade. Escuridão parcial e claridade até que ele estivesse perto o suficiente para me tocar, mas não o faria de pronto. Quando o fizesse, contudo, perderíamos ambos o controle e transaríamos no balcão do banheiro do aeroporto. Ninguém entraria para nos interromper, e tocaria no fundo alguma música sexy e triste.
Mas não seguíamos roteiro algum; eu nem ao menos conseguia raciocinar sobre o que ele poderia querer que eu dissesse ou o que ele gostaria que eu ouvisse, para nos colocar naquele tipo de situação. Eu evitara tanto aquela merda, justamente por não saber se conseguiria lidar. Ali estava minha prova de fogo.
Tentei pensar racionalmente, tendo em mente que teria pouco tempo para reagir caso ele resolvesse colocar seu objetivo enigmático em prática. Ir embora sem falar nada era uma boa opção, bem como ser ríspida e encerrar qualquer chance de que ele pretendesse iniciar um diálogo. Mas melhor do que qualquer uma dessas coisas, sem dúvida, seria tirar a expressão de ansiedade pela iminência de algo do meu rosto.
A fim de agilizar esse processo, eu procurava razões místicas para aquela situação, justificativas para a maldita intensidade e os meus nervos congelados que resolveram desobedecer aos comandos mais simples ditados pelo meu cérebro. Mas quanto mais eu buscava simbiose em tudo aquilo, mais a parte de mim que sabia ser aquele show resumido a instinto e teimosia seria reduzida a um nada. Uma coceirinha atrás da orelha, apenas uma leve desconfiança.
Seria Claudio Marchisio uma criança mimada?
Também poderia ser que, a fim de não perder o controle, minha falta de reação fosse um mecanismo involuntário de defesa sobre o medo de que absolutamente qualquer coisa que eu fizesse lhe servisse de gatilho. Se ele resolvesse ser incisivo, eu estava fodida.
Enquanto a raiva não se fizesse presente, apatia.
Meus devaneios fizeram com que passasse despercebida sua aproximação – e talvez aquele fosse mesmo o objetivo inicial, se manter em silêncio e me deixar louca. Ele poderia tocar em mim a qualquer momento, e eu uma vez mais rezava pra qualquer entidade que escutasse minhas preces para que ele não o fizesse.
Mas não tinha ninguém me ouvindo.
Primeiro suas mãos postaram-se ao lado das minhas no balcão de mármore da pia, o corpo forte e maior do que o meu evidenciando minha pequenez. Quem eu era havia mesmo de ser insignificante perante aquela força da natureza que ele me aparentava ser.
Antes que eu reunisse forças suficientes para desviar o olhar, ele apoiou a testa na parte posterior da minha cabeça. O cabelo solto impedia que a respiração dele alcançasse diretamente minha nuca, mas isso caracterizava zero por cento de alívio. Não era a sutileza no agir que me embriagava, era ele.
Não havia mistério nenhum quanto a isso.
Achei que entupir meus poros dele por um breve momento faria aquela sensação ir embora, mas ele me provava estar imensamente errada.
O tempo corria alheio à toda aquela cena que protagonizávamos no banheiro, e eu sabia que eventualmente alguém viria me procurar. Mas não conseguia me mexer. E ele não parecia querer dizer seus motivos ou me deixar ir. Era um impasse.
Certa vez Lia me ensinara a controlar a respiração da mesma forma que ela fazia nas aulas de yoga, pretendendo, com isso, me fazer menos estressada. Apesar de não ter funcionado totalmente, eu ainda lembrava do método da respiração ujjayi. Parecia um bom momento para praticar.
Inspirei profundamente e prendi a respiração no fundo da garganta por cinco segundos antes de expirar. E mais uma vez. E mais uma. Seis respirações seguidas depois eu me sentia no controle dos meus nervos novamente, capaz de afastá-lo e ir embora sem me afundar mais ainda naquela lama.
Mas eu sabia que se ele fora até ali e ali ainda se mantinha, tinha algo pra dizer, e eu queria ouvir.
Continuei respirando com a mesma cadência e fiz menção de me virar.
Suas mãos foram rápidas até o meu quadril, impedindo-me.
Não sei o que ele achava que eu pretendia para agir com uma destreza que eu, com toda certeza, não tinha naquele momento. Sei que sua atitude me surpreendeu e que eu me perdi na respiração. Foi o suficiente pra me atordoar outra vez.
E então ele beijou minha cabeça, tirou as mãos de mim e foi em direção à porta do banheiro, sem me dizer palavra alguma.
- Espera! – eu disse, antes que pudesse evitar que a palavra deixasse meus lábios. Eu quis, mas não adiantaria de nada tentar pegá-la no ar e enfiá-la de volta em minha garganta.
Ele parou, e eu achei que não fosse se virar, mas o fez. Engoli seco e reuni coragem, já que a merda fora jogada no ventilador.
- Não vai me dizer nada? – senti-me estúpida, mas ignorei a própria vergonha e virei o corpo de frente para o dele, a lateral do quadril encostada no balcão. Não cruzei os braços, pois não queria parecer agressiva, mas deixar os braços pendendo do lado do corpo me fazia sentir estulta. Comecei a ficar com raiva pelo desconforto, e pelo silêncio que ele perpetuava.
Seu olhar parecia me desafiar, mas a quê? Eu só queria saber a necessidade de que ele fosse até ali atormentar minhas ideias quando estava prestes a embarcar num avião pra outro continente. Não queria que ele me fizesse voltar atrás em decisão nenhuma, esperava que ele soubesse.
- Só queria dizer que eu entendo. – sem querer soar incisiva, mas já extremamente irritada com toda a minha vulnerabilidade, fiquei em silêncio, esperando que ele fosse mais claro – Você não querer ficar, eu entendo.
- Olha, se está dizendo isso pelo Har...
- Não, estou dizendo isso por eu e por você, que é quem importa aqui e agora. – engoli seco com o corte que recebi.
Ele deu passos largos e se aproximou de mim novamente, retornando com as mãos ao meu quadril e fazendo com que meu peito pulasse de antecipação, porque eu era mesmo uma safada que estava pouco se fodendo para o Hart, movendo céus e terras para ficar ali comigo por mais quatorze dias.
O que aquele homem fazia comigo?
- Eu nunca mais vou conseguir tirar você da cabeça e isso seria muito pior se você tivesse cedido e ficado. Então eu entendo, porque eu sei que contigo vai ser tão ruim quanto. – ele estava todo próximo (sua pele, seus lábios, suas mãos, seu cheiro) e sua proximidade me ameaçava como fizera no Rio Amazonas. Ele tinha total razão em suas palavras - E nós merecemos conviver com isso pela escolha errada que fizemos. Soa claro pra você?
- Claro feito água. – falei num fio de voz, admitindo minha fraqueza, sem ligar para isso de fato.
- Bom. Não falo isso querendo ser mau, , falo porque é verdade.
- Não me magoa. – eu não sabia se falava sério.
- Eu sei que não. – sua mão de dedos longos encontrou a lateral do meu rosto e fez um carinho em minha bochecha – Você vai se sair melhor nisso do que eu.
Olhei bem pros seus olhos azuis feito mar, absorvendo a cor e a intensidade neles com todo o meu ser, porque até onde eu sabia, poderia ser a última vez, e eu gostaria de me lembrar pelo menos dos olhos.
- Espero que você esteja certo.
Ele sorriu de leve, quase como se não quisesse que eu percebesse, e beijou minha testa. E a ponta do meu nariz. E nossos lábios se tocaram tão de leve que parecia algodão doce ou mentira.
Saí de lá o mais depressa que pude.
x
Adultos não sabem lidar com o que sentem.
É por isso que terapia se tornou tão comum quanto academia.
Lógico que isso tem origem na infância, como todos os problemas e transtornos de socialização. Aí os pais depositam as crianças em escolas com mensalidades exorbitantes para transferir a responsabilidade de descobrir o que está acontecendo. E aquela criança, que só queria ter suas individualidades percebidas, se torna um adulto que não é honesto sobre o que sente, porque é mais fácil dizer que está tudo bem do que expor todos os problemas para pessoas que não se importam de verdade.
E os terapeutas enriquecem.
Eu com tranquilidade daria meu dinheiro ao primeiro terapeuta que percebesse que eu tinha um problema e se oferecesse para me ajudar a resolvê-lo – porque tinha certeza da claridade com que meu rosto demonstrava que tinha algo de errado comigo.
Toda a equipe italiana já estava acomodada dentro do avião da FIGC e, de acordo com as informações repassadas, eles deveriam decolar dentro dos próximos cinco minutos. Minha equipe estava se organizando para ir embora, mas eu tinha todo o peso do mundo sobre os quadris e não mudava de posição na cadeira desde que Claudio Marchisio virou o corredor de embarque depois de dar uma última olhada em mim.
Sabia que precisava levantar, me reorganizar, chamar o pessoal, pegar as coisas e voltar pro hotel. Sabia que, no hotel, Hart estaria me esperando com boas ou más notícias - e que eu não saberia avaliar se ele ficar ou ele partir era a boa notícia. Sabia de minhas obrigações e da postura que deveria manter, mas afinal de contas eu era uma adulta que não sabia lidar com a confusão que criara. Estava nitidamente em frangalhos.
Sem que eu dissesse nada, Lia reuniu a equipe e foi se encaminhando com eles para o lado de fora da sala. Agradeci com o olhar, sem condições de falar algo coerente.
Sabe quando uma parte do seu corpo fica dormente?
Geralmente o pé, dependendo da posição em que se dobra a perna; ou o dedo mindinho pelo jeito com que se segura o celular. Até mesmo um braço inteiro, se o sono é pesado e tranquilo.
E então, devagar, dá para ouvir e sentir o sangue voltando a circular, as extremidades latejando.
Foi desse jeito.
Houve o nada, tal qual o momento anterior à criação do mundo sob a ótica do livro Gênesis.
E depois várias coisas aconteceram num espaço muito curto de tempo, como uma avalanche, uma reação em cadeia.
Minha ruína.
Respirei fundo, tentando manter certa cadência, mas sem muito sucesso. Meus dedos formigavam, o coração batia descontrolado, meu peito doía e a respiração falhava. Um certo desespero me bateu ao olhar em volta e me perceber sozinha.
Ataque de pânico. Vê-lo ir embora, lembrar de seu gosto, saber que nunca fora e jamais seria meu me fez ter um ataque de pânico.
Soltei um soluço antes que pudesse evitá-lo, mas não chorei. Passei as mãos pelos cabelos, olhei para os lados, desolada. O tal buraco no peito que temi tanto que se alojasse em mim estava lá. Sólido, inabalável.
As seleções inglesa e italiana encontravam-se em salas VIP’s do Aeroporto Internacional do Galeão aguardando seus respectivos voos, que atrasaram devido ao atípico mau tempo que pairara sobre a cidade do Rio.
(Joe não. Ele estava muito bem aconchegado no meu quarto no Royal tentando, em conjunto com sua assessoria, reservar um quarto para si no Deville Prime e um voo para Porto Alegre, local do próximo jogo da Alemanha pelas oitavas, dali a cinco dias.
Uma parte de mim queria que ele não conseguisse.
Um voo de última hora para Heathrow seria fácil de conseguir, mesmo um com muitas escalas devido ao nível de imprevisto. Se a ideia de nós estabelecermos algum tipo de relacionamento criasse morada na cabecinha dele, seria algo difícil de reverter. E eu ainda guardava no peito muito receio por toda aquela intimidade que construíamos; era sempre mais sensato não deixar que as histórias de amor começassem.
Como um desafio auto infligido, a fim de ultrapassar aquele limite ilógico e escroto que eu me impunha, pelo menos o deixava tentar.)
A mensagem de meu tio que eu tivera receio de abrir no dia anterior, no fim das contas não pedia nenhuma resposta. Um simples “tratamos do assunto posteriormente” vindo de Joseph Blatter, mesmo sem maiores detalhes, era o suficiente para fazer a entrega da mensagem bem-sucedida. Me confortava a concepção de que, se existia falta de urgência, ele não vira aquilo com a mesma problematização dos meus olhos. Me restava esperar para descobrir se eu estava certa ou se o final da Copa viria junto com a minha carta de demissão.
E além da nuvem negra do desemprego pairando sobre a minha cabeça, tinha Marchisio, preso com seus companheiros de time numa sala de frustração climatizada para onde, depois de enrolar por quase trinta minutos, eu finalmente me dirigia.
O último jogo da Itália pela fase de grupos da Copa fora contra o Uruguai, em Natal, e fora um verdadeiro desastre; a prova viva de que posse de bola e favoritismo não significam sucesso. Falhas sequenciais na zaga italiana, uma mordida de Suárez em Chiellini, a expulsão de Marchisio em uma decisão duvidosa da arbitragem e o gran finale: o pedido de demissão de Cesare Prandelli, que me fizera perder grande parte da admiração que eu adquirira naqueles 10 dias por aquele homem.
A seleção italiana deixava o Brasil para trás envolta a polêmicas que durariam bem mais do que o período que aquela Copa do Mundo durara para eles. E eu ia ao encontro deles esperando que ninguém me pedisse para fazer discursos motivacionais.
O maior escândalo de todos, caso fosse divulgado, afinal de contas fora de minha responsabilidade.
Lia me esperava na porta, óculos de sol esquecidos na cabeça, um iPad entre os braços e comiseração na face.
- Eu sinto muitíssimo, mas a comissão disse que tem alguns detalhes pra fechar especificamente com você.
- E eles provavelmente estão certos. – ela me abraçou, o que eu achei um pouco exagerado apesar de extremamente reconfortante. Eu retribuí o abraço e, ignorando meu estômago embrulhado, abri a porta da sala de espera.
Fui bem-sucedida na minha tentativa de ser discreta; poucas cabeças se viraram para a porta quando a abri. A maioria deles estava envolto no mundo de seus próprios celulares, fones nos ouvidos e a necessidade de voltar ao lar em busca de algum tipo de conforto alojada no peito.
Claudio não estava na sala. E era aquele assunto que a comissão queria tratar especificamente comigo.
Ele avisara que iria ao banheiro há 15 minutos e, como a decolagem poderia ser autorizada a qualquer momento, precisavam dele de volta. Todos concordaram que era desnecessário criar alarde, pois não havia dúvidas de que ele não saíra das dependências do aeroporto, então resolveram me chamar para resolver a questão de forma discreta.
Meus ouvidos receberam a informação como uma piada de mau gosto.
Saí da sala e fui de encontro a minha equipe, designando alguém para checar o banheiro masculino enquanto eu aguardava do lado de fora.
- Ele está lá, não parece ter saído, a propósito. – Marcos me falou, fechando a porta atrás de si enquanto eu endireitava a postura – Está ao telefone falando em italiano, aparentemente irritado, mas com eles é difícil ter certeza.
- Ótimo, avise à comissão italiana pra mim e entregue isso a Lia, por favor. Vou fazer xixi. - dei minha bolsa em suas mãos enquanto me dirigia ao banheiro feminino.
As luzes acima do espelho faziam meu rosto parecer branco demais – ou talvez eu estivesse mesmo pálida pela alimentação desregulada, excesso de energético, falta de exercícios físicos, poucas horas de sono e estresse. Passara o dia todo com o estômago irritado, preocupada com o momento em que eu colocaria os olhos sobre ele novamente, e não me tranquilizava que aquilo ainda não tivesse ocorrido. O estômago ainda não me dera paz e eu me mantinha alerta com aquele sinal do meu corpo de que, ao contrário do que parecia, não estava tudo bem.
Abri uma das torneiras e coloquei meus pulsos sob o fluxo da água gelada. Era bom, mas não era o alívio que eu precisava. Lavei o rosto, esquecendo por um segundo a maquiagem sobre a pele.
- Merda.
Uma ainda pálida me encarou de volta quando ergui o rosto, agora com o rímel levemente borrado sob os olhos. Peguei um lenço de papel e me inclinei sobre a pia para consertar o estrago. A porta do banheiro se abriu e eu assisti pelo espelho, como se fosse uma tela de cinema 6D, enquanto Claudio Marchisio adentrava o sanitário feminino sem convite.
O lenço de papel ficou a meio caminho do meu rosto, o corpo travado na posição que eu ensaiara.
Pensei em perguntar o que ele estava fazendo ali, mas era óbvio: ele sabia. Assim como todo mundo dentro e fora daquele campeonato que possuísse internet móvel e curiosidade pela vida alheia. E eu sabia que qualquer coisa que eu dissesse poderia ser usada contra mim – ele tinha esse poder -, então não disse nada. Apenas o fiquei encarando, esperando que ele dissesse algo ou fosse embora para que eu pudesse voltar a respirar.
Mas ele se aproximou – não muito, apenas o suficiente -, o que me fez descer a mão que segurava o lenço para me apoiar com mais firmeza sobre qualquer superfície que não me permitisse ir de encontro ao chão quando (não se) minhas pernas falhassem.
Nada disse. Só ficou parado, o reflexo dos seus olhos me encarando pelo espelho, a postura em alerta.
Talvez aquela tenha sido a decisão mais inteligente que ele já tomara me envolvendo; não dizer nada era seguro. Se nada houvesse sido dito lá atrás, não estaríamos confusos e cansados naquele momento.
Entretanto, eu esperava com o peito em chamas que ele fizesse alguma coisa.
Se estivéssemos sob a influência de um roteirista ordinário - ou até mesmo um bom, mas em início de carreira, ainda ingênuo -, as luzes piscariam sem motivo à medida em que ele se aproximasse, deixando-nos na escuridão parcial e na claridade. Escuridão parcial e claridade até que ele estivesse perto o suficiente para me tocar, mas não o faria de pronto. Quando o fizesse, contudo, perderíamos ambos o controle e transaríamos no balcão do banheiro do aeroporto. Ninguém entraria para nos interromper, e tocaria no fundo alguma música sexy e triste.
Mas não seguíamos roteiro algum; eu nem ao menos conseguia raciocinar sobre o que ele poderia querer que eu dissesse ou o que ele gostaria que eu ouvisse, para nos colocar naquele tipo de situação. Eu evitara tanto aquela merda, justamente por não saber se conseguiria lidar. Ali estava minha prova de fogo.
Tentei pensar racionalmente, tendo em mente que teria pouco tempo para reagir caso ele resolvesse colocar seu objetivo enigmático em prática. Ir embora sem falar nada era uma boa opção, bem como ser ríspida e encerrar qualquer chance de que ele pretendesse iniciar um diálogo. Mas melhor do que qualquer uma dessas coisas, sem dúvida, seria tirar a expressão de ansiedade pela iminência de algo do meu rosto.
A fim de agilizar esse processo, eu procurava razões místicas para aquela situação, justificativas para a maldita intensidade e os meus nervos congelados que resolveram desobedecer aos comandos mais simples ditados pelo meu cérebro. Mas quanto mais eu buscava simbiose em tudo aquilo, mais a parte de mim que sabia ser aquele show resumido a instinto e teimosia seria reduzida a um nada. Uma coceirinha atrás da orelha, apenas uma leve desconfiança.
Seria Claudio Marchisio uma criança mimada?
Também poderia ser que, a fim de não perder o controle, minha falta de reação fosse um mecanismo involuntário de defesa sobre o medo de que absolutamente qualquer coisa que eu fizesse lhe servisse de gatilho. Se ele resolvesse ser incisivo, eu estava fodida.
Enquanto a raiva não se fizesse presente, apatia.
Meus devaneios fizeram com que passasse despercebida sua aproximação – e talvez aquele fosse mesmo o objetivo inicial, se manter em silêncio e me deixar louca. Ele poderia tocar em mim a qualquer momento, e eu uma vez mais rezava pra qualquer entidade que escutasse minhas preces para que ele não o fizesse.
Mas não tinha ninguém me ouvindo.
Primeiro suas mãos postaram-se ao lado das minhas no balcão de mármore da pia, o corpo forte e maior do que o meu evidenciando minha pequenez. Quem eu era havia mesmo de ser insignificante perante aquela força da natureza que ele me aparentava ser.
Antes que eu reunisse forças suficientes para desviar o olhar, ele apoiou a testa na parte posterior da minha cabeça. O cabelo solto impedia que a respiração dele alcançasse diretamente minha nuca, mas isso caracterizava zero por cento de alívio. Não era a sutileza no agir que me embriagava, era ele.
Não havia mistério nenhum quanto a isso.
Achei que entupir meus poros dele por um breve momento faria aquela sensação ir embora, mas ele me provava estar imensamente errada.
O tempo corria alheio à toda aquela cena que protagonizávamos no banheiro, e eu sabia que eventualmente alguém viria me procurar. Mas não conseguia me mexer. E ele não parecia querer dizer seus motivos ou me deixar ir. Era um impasse.
Certa vez Lia me ensinara a controlar a respiração da mesma forma que ela fazia nas aulas de yoga, pretendendo, com isso, me fazer menos estressada. Apesar de não ter funcionado totalmente, eu ainda lembrava do método da respiração ujjayi. Parecia um bom momento para praticar.
Inspirei profundamente e prendi a respiração no fundo da garganta por cinco segundos antes de expirar. E mais uma vez. E mais uma. Seis respirações seguidas depois eu me sentia no controle dos meus nervos novamente, capaz de afastá-lo e ir embora sem me afundar mais ainda naquela lama.
Mas eu sabia que se ele fora até ali e ali ainda se mantinha, tinha algo pra dizer, e eu queria ouvir.
Continuei respirando com a mesma cadência e fiz menção de me virar.
Suas mãos foram rápidas até o meu quadril, impedindo-me.
Não sei o que ele achava que eu pretendia para agir com uma destreza que eu, com toda certeza, não tinha naquele momento. Sei que sua atitude me surpreendeu e que eu me perdi na respiração. Foi o suficiente pra me atordoar outra vez.
E então ele beijou minha cabeça, tirou as mãos de mim e foi em direção à porta do banheiro, sem me dizer palavra alguma.
- Espera! – eu disse, antes que pudesse evitar que a palavra deixasse meus lábios. Eu quis, mas não adiantaria de nada tentar pegá-la no ar e enfiá-la de volta em minha garganta.
Ele parou, e eu achei que não fosse se virar, mas o fez. Engoli seco e reuni coragem, já que a merda fora jogada no ventilador.
- Não vai me dizer nada? – senti-me estúpida, mas ignorei a própria vergonha e virei o corpo de frente para o dele, a lateral do quadril encostada no balcão. Não cruzei os braços, pois não queria parecer agressiva, mas deixar os braços pendendo do lado do corpo me fazia sentir estulta. Comecei a ficar com raiva pelo desconforto, e pelo silêncio que ele perpetuava.
Seu olhar parecia me desafiar, mas a quê? Eu só queria saber a necessidade de que ele fosse até ali atormentar minhas ideias quando estava prestes a embarcar num avião pra outro continente. Não queria que ele me fizesse voltar atrás em decisão nenhuma, esperava que ele soubesse.
- Só queria dizer que eu entendo. – sem querer soar incisiva, mas já extremamente irritada com toda a minha vulnerabilidade, fiquei em silêncio, esperando que ele fosse mais claro – Você não querer ficar, eu entendo.
- Olha, se está dizendo isso pelo Har...
- Não, estou dizendo isso por eu e por você, que é quem importa aqui e agora. – engoli seco com o corte que recebi.
Ele deu passos largos e se aproximou de mim novamente, retornando com as mãos ao meu quadril e fazendo com que meu peito pulasse de antecipação, porque eu era mesmo uma safada que estava pouco se fodendo para o Hart, movendo céus e terras para ficar ali comigo por mais quatorze dias.
O que aquele homem fazia comigo?
- Eu nunca mais vou conseguir tirar você da cabeça e isso seria muito pior se você tivesse cedido e ficado. Então eu entendo, porque eu sei que contigo vai ser tão ruim quanto. – ele estava todo próximo (sua pele, seus lábios, suas mãos, seu cheiro) e sua proximidade me ameaçava como fizera no Rio Amazonas. Ele tinha total razão em suas palavras - E nós merecemos conviver com isso pela escolha errada que fizemos. Soa claro pra você?
- Claro feito água. – falei num fio de voz, admitindo minha fraqueza, sem ligar para isso de fato.
- Bom. Não falo isso querendo ser mau, , falo porque é verdade.
- Não me magoa. – eu não sabia se falava sério.
- Eu sei que não. – sua mão de dedos longos encontrou a lateral do meu rosto e fez um carinho em minha bochecha – Você vai se sair melhor nisso do que eu.
Olhei bem pros seus olhos azuis feito mar, absorvendo a cor e a intensidade neles com todo o meu ser, porque até onde eu sabia, poderia ser a última vez, e eu gostaria de me lembrar pelo menos dos olhos.
- Espero que você esteja certo.
Ele sorriu de leve, quase como se não quisesse que eu percebesse, e beijou minha testa. E a ponta do meu nariz. E nossos lábios se tocaram tão de leve que parecia algodão doce ou mentira.
Saí de lá o mais depressa que pude.
Adultos não sabem lidar com o que sentem.
É por isso que terapia se tornou tão comum quanto academia.
Lógico que isso tem origem na infância, como todos os problemas e transtornos de socialização. Aí os pais depositam as crianças em escolas com mensalidades exorbitantes para transferir a responsabilidade de descobrir o que está acontecendo. E aquela criança, que só queria ter suas individualidades percebidas, se torna um adulto que não é honesto sobre o que sente, porque é mais fácil dizer que está tudo bem do que expor todos os problemas para pessoas que não se importam de verdade.
E os terapeutas enriquecem.
Eu com tranquilidade daria meu dinheiro ao primeiro terapeuta que percebesse que eu tinha um problema e se oferecesse para me ajudar a resolvê-lo – porque tinha certeza da claridade com que meu rosto demonstrava que tinha algo de errado comigo.
Toda a equipe italiana já estava acomodada dentro do avião da FIGC e, de acordo com as informações repassadas, eles deveriam decolar dentro dos próximos cinco minutos. Minha equipe estava se organizando para ir embora, mas eu tinha todo o peso do mundo sobre os quadris e não mudava de posição na cadeira desde que Claudio Marchisio virou o corredor de embarque depois de dar uma última olhada em mim.
Sabia que precisava levantar, me reorganizar, chamar o pessoal, pegar as coisas e voltar pro hotel. Sabia que, no hotel, Hart estaria me esperando com boas ou más notícias - e que eu não saberia avaliar se ele ficar ou ele partir era a boa notícia. Sabia de minhas obrigações e da postura que deveria manter, mas afinal de contas eu era uma adulta que não sabia lidar com a confusão que criara. Estava nitidamente em frangalhos.
Sem que eu dissesse nada, Lia reuniu a equipe e foi se encaminhando com eles para o lado de fora da sala. Agradeci com o olhar, sem condições de falar algo coerente.
Sabe quando uma parte do seu corpo fica dormente?
Geralmente o pé, dependendo da posição em que se dobra a perna; ou o dedo mindinho pelo jeito com que se segura o celular. Até mesmo um braço inteiro, se o sono é pesado e tranquilo.
E então, devagar, dá para ouvir e sentir o sangue voltando a circular, as extremidades latejando.
Foi desse jeito.
Houve o nada, tal qual o momento anterior à criação do mundo sob a ótica do livro Gênesis.
E depois várias coisas aconteceram num espaço muito curto de tempo, como uma avalanche, uma reação em cadeia.
Minha ruína.
Respirei fundo, tentando manter certa cadência, mas sem muito sucesso. Meus dedos formigavam, o coração batia descontrolado, meu peito doía e a respiração falhava. Um certo desespero me bateu ao olhar em volta e me perceber sozinha.
Ataque de pânico. Vê-lo ir embora, lembrar de seu gosto, saber que nunca fora e jamais seria meu me fez ter um ataque de pânico.
Soltei um soluço antes que pudesse evitá-lo, mas não chorei. Passei as mãos pelos cabelos, olhei para os lados, desolada. O tal buraco no peito que temi tanto que se alojasse em mim estava lá. Sólido, inabalável.
Epílogo
Em 13 de Julho de 2014, no Estádio Jornalista Mário Filho, na cidade do Rio de Janeiro, as seleções da Alemanha e Argentina disputaram a final da Copa do Mundo de futebol daquele ano.
A Alemanha, que humilhara a seleção brasileira na semifinal marcando sete gols em sequência e sofrendo apenas um, ganhou da Argentina por um único gol, marcado por Mario Götze aos 113 minutos de jogo.
Joseph Hart assistira o tenso jogo de um dos camarotes do estádio, em companhia de outros jogadores cujas seleções também não sobreviveram até a final e resolveram ficar. Ele voltaria à Inglaterra no dia seguinte, na primeira classe de um voo marcado para às 18h25min, horário de Brasília.
Em 27 de Maio de 2015, quase um ano após a competição, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com base em uma investigação de três anos do FBI, indiciou 14 pessoas ligadas à FIFA pelos crimes de fraude eletrônica, extorsão e lavagem de dinheiro.
Com a eclosão do escândalo, a vida de Blatter virara uma bagunça burocrática que não era sua, mas que ela se via obrigada a ajudar a arrumar.
Aos dois dias do mês de Junho do mesmo ano, após se reeleger ao 5º mandato consecutivo, o presidente da FIFA Joseph Blatter anunciou a convocação de uma assembleia extraordinária para a eleição de um novo presidente, abdicando do cargo.
Em Agosto, Claudio Marchisio recebeu a notícia de que iria ser pai.
No final daquele ano, Joe levara até Shrewsbury, sua cidade natal, para apresentá-la à sua mãe. Eles ficaram hospedados num antigo castelo medieval no centro da cidade e, durante sua estadia, almoçaram cada dia em um restaurante diferente. Houve apenas uma ligação da recepção reclamando de barulhos atípicos vindos do quarto; àquele tempo, os dois, em geral, faziam amor, não sexo.
Na temporada 2015-16 da Champions League, Manchester City e Juventus compuseram o Grupo D em conjunto ao Sevilla e ao Borussia Mönchengladbach.
Joe ficara extremamente chateado quando não quis assistir ao vivo seu primeiro jogo na competição, mas disse a ela que entendia a demanda laboral, numa tentativa de se mostrar mais maduro e flexível.
Claudio Marchisio não esperava ter grandes dificuldades na busca pelo título junto ao Juventus, até descobrir Joe Hart escalado como titular no Manchester City. Ele olhava para o goleiro, imponente e ignorante em todos os seus quase dois metros de altura, e só via .
Contudo, fora o jogo de volta contra o Bayern München nas oitavas que extirpara suas chances de levantar a Taça dos Clubes. Ganhou as duas partidas que jogou contra o Manchester; aguentara bravamente não procurá-la entre os torcedores nos estádios.
Durante a viagem de réveillon que fizeram a Dubai no fim de 2016, Joe pediu em casamento na cobertura do Burj Al Arab enquanto os fogos que estouravam no céu em diferentes cores anunciavam a chegada de 2017.
Em um intervalo de dez segundos, ela pensou na relação dos dois, em como era intensa, apesar de recente, e no quanto eles amadureceram individual e conjuntamente enquanto aprendiam todo o processo de se estar junto do outro. Lembrou de Claudio, de como fora diferente e único, de como talvez não fosse a melhor ideia do mundo se comprometer tão profundamente com alguém. Entendeu que não tinha motivos concretos pra dizer não.
Disse sim.
A Alemanha, que humilhara a seleção brasileira na semifinal marcando sete gols em sequência e sofrendo apenas um, ganhou da Argentina por um único gol, marcado por Mario Götze aos 113 minutos de jogo.
Joseph Hart assistira o tenso jogo de um dos camarotes do estádio, em companhia de outros jogadores cujas seleções também não sobreviveram até a final e resolveram ficar. Ele voltaria à Inglaterra no dia seguinte, na primeira classe de um voo marcado para às 18h25min, horário de Brasília.
Em 27 de Maio de 2015, quase um ano após a competição, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com base em uma investigação de três anos do FBI, indiciou 14 pessoas ligadas à FIFA pelos crimes de fraude eletrônica, extorsão e lavagem de dinheiro.
Com a eclosão do escândalo, a vida de Blatter virara uma bagunça burocrática que não era sua, mas que ela se via obrigada a ajudar a arrumar.
Aos dois dias do mês de Junho do mesmo ano, após se reeleger ao 5º mandato consecutivo, o presidente da FIFA Joseph Blatter anunciou a convocação de uma assembleia extraordinária para a eleição de um novo presidente, abdicando do cargo.
Em Agosto, Claudio Marchisio recebeu a notícia de que iria ser pai.
No final daquele ano, Joe levara até Shrewsbury, sua cidade natal, para apresentá-la à sua mãe. Eles ficaram hospedados num antigo castelo medieval no centro da cidade e, durante sua estadia, almoçaram cada dia em um restaurante diferente. Houve apenas uma ligação da recepção reclamando de barulhos atípicos vindos do quarto; àquele tempo, os dois, em geral, faziam amor, não sexo.
Na temporada 2015-16 da Champions League, Manchester City e Juventus compuseram o Grupo D em conjunto ao Sevilla e ao Borussia Mönchengladbach.
Joe ficara extremamente chateado quando não quis assistir ao vivo seu primeiro jogo na competição, mas disse a ela que entendia a demanda laboral, numa tentativa de se mostrar mais maduro e flexível.
Claudio Marchisio não esperava ter grandes dificuldades na busca pelo título junto ao Juventus, até descobrir Joe Hart escalado como titular no Manchester City. Ele olhava para o goleiro, imponente e ignorante em todos os seus quase dois metros de altura, e só via .
Contudo, fora o jogo de volta contra o Bayern München nas oitavas que extirpara suas chances de levantar a Taça dos Clubes. Ganhou as duas partidas que jogou contra o Manchester; aguentara bravamente não procurá-la entre os torcedores nos estádios.
Durante a viagem de réveillon que fizeram a Dubai no fim de 2016, Joe pediu em casamento na cobertura do Burj Al Arab enquanto os fogos que estouravam no céu em diferentes cores anunciavam a chegada de 2017.
Em um intervalo de dez segundos, ela pensou na relação dos dois, em como era intensa, apesar de recente, e no quanto eles amadureceram individual e conjuntamente enquanto aprendiam todo o processo de se estar junto do outro. Lembrou de Claudio, de como fora diferente e único, de como talvez não fosse a melhor ideia do mundo se comprometer tão profundamente com alguém. Entendeu que não tinha motivos concretos pra dizer não.
Disse sim.
Fim.
Nota da autora: Muito obrigada à todas, vocês maravilhosas que andaram comentando teorias aqui embaixo! Eu também tenho um lado favorito, mas nem sob tortura conto qual é! Continuem comentando e deem uma olhada nas minhas outras histórias do site. Até a próxima! xoxo
Outras Fanfics:
Av. Pelinca, 263
Resiliência
Nota da Beta: Adorei, Yasmin! E fiquei feliz com a escolha dela, apesar de estar achando que você deixaria ela sozinha! Foi um prazer betar sua história, beijos!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Outras Fanfics:
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.