Capítulo 1 - O Anúncio
Escutei minha mãe comemorando na cozinha, tirando minha atenção do livro de imediato. O que estava acontecendo? Antes mesmo de me levantar e seguir até ela, a senhora , isto é, minha mãe, adentrou na sala em êxtase, seu sorriso vitorioso ia de orelha a orelha. Na mão, ela carregava um envelope já aberto, claramente vindo com a correspondência.
- O que aconteceu?
- Você não vai acreditar. Sua carta finalmente chegou. Isso é incrível, filha! – minha mãe parecia querer dar pulos de alegria, me deixando um pouco perplexa. Do que ela estava falando? – Precisamos comemorar agora mesmo!
Antes de me explicar ou de entregar o papel que estava em suas mãos, minha mãe partiu de volta para a cozinha. Fui atrás dela querendo respostas, encontrando-a a procura de uma taça nos armários, com uma garrafa de champanhe aberta em cima da bancada.
- Eu não estou entendendo. – reclamei, finalmente alcançando o papel deixado ao lado da garrafa e pegando-o para ler. Queria muito não ter feito aquilo. O papel parecia queimar meus dedos como se pegasse fogo, aquela carta me deixava com uma vontade imensa de vomitar todo o banquete que havia comido no almoço. Com as mãos sob o estômago fui obrigada a me sentar em uma das cadeiras junto da ilha da cozinha, tentando manter a compostura. Respirei fundo, segurando qualquer lágrima que pensasse em cair. Eu não ia chorar.
- Está vendo minha filha? Seu dia finalmente chegou! Sua glória.
Eu queria rir de suas palavras. Glória?
- Eu achei que ele não aceitaria... Achei que a família real não ia seguir com a tradição. O rei e a rainha são tão inovadores. - eu só podia lamentar a verdade das palavras que saíram de minha boca. Apesar da vida que tive durante todos aqueles anos, eu tinha uma pequena esperança de ficar livre. Aquele papel só servia para destroçar qualquer chance que eu achava ter, deixando apenas um vazio no peito.
- É claro que eles iam fazer! É tradição! Sempre lhe disse isso, . - Candice revirou os olhos, pegando o papel da minha mão. Como minha mãe não conseguia perceber? - Eu sabia! Vai ser incrível. Você vai aproveitar cada momento, verá como é maravilhoso.
- Como pode dizer que é maravilhoso? Nunca participou! Você sempre fica falando da maravilha que é ir para a Seleção, mas você nunca entrou lá! – deixei a raiva e a decepção transparecer em minha voz.
- Não fale assim comigo, mocinha. Você sabe muito bem porque não entrei, era muito nova. Infelizmente sua avó teve filhos muito tarde, mas eu sei bem como é! Está na história da nossa família a gerações. Você também deveria saber.
Suspirei. Não podia continuar lidando assim com minha mãe, se não seria castigada e obrigada a andar com saltos altos e livros na cabeça ou treinar reverências mais um milhão de vezes. Como se não tivesse feito o suficiente por uma vida. Já tinha aprendido a concordar com Candice ao longo dos anos e segurar minha língua em momentos como aquele.
- Eu sei de tudo isso, mãe. Só que entrar para a Seleção nunca foi meu sonho, eu quero ser engenheira ou médica como meu pai. Quero fazer algo de útil com a minha vida.
- Pode querer, entretanto você não será. - ela falava firme, me olhando nos olhos. - A não ser que você consiga convencer seu marido a deixá-la estudar depois da Seleção. O que eu duvido muito, pois você será uma Selecionada, não uma parteira. - o desgosto na voz da senhora era evidente e eu me perguntava o motivo dela ter se casado com meu pai se ela achava medicina uma profissão tão ruim. - Já discutimos isso, ! Pela milionésima vez, você foi criada para participar desse concurso. Não pode negar ser quem é!
Claro que o problema não era a profissão, era eu. Uma filha sua jamais seria algo além de uma dama, uma perfeita marionete do marido.
- Eu não sou assim! Meu nome não resume quem eu sou. – insisti revoltada. Minha mãe estava vitoriosa, ela finalmente conseguira o que sempre sonhou, e não ligava o quanto podia ser um problema para mim.
- Você que se engana. No momento que virem seu nome entre todas aquelas cartas, você será chamada. - ela terminou a taça que já tinha sido cheia em um só gole. - E não ligo se quer se inscrever ou não, eu vou enviar essa carta agora mesmo. - ela avisou, saindo da cozinha sem olhar para trás, levando a carta consigo.
Minha mãe tinha razão. A carta da Seleção havia chego, provando que a família real decidira usar os métodos tradicionais para escolher a futura rainha, a mulher de seu primogênito, o herdeiro do trono. Como acontecia há anos, pelo menos desde que me lembro, assim que o príncipe atingia a maioridade deveria escolher uma esposa, dando início a Seleção.
35 jovens escolhidas a dedo pelos reis para irem ao castelo em uma espécie de concurso televisionado, onde, entre elas, estaria a próxima rainha. O que não seria um problema, se eu não fosse uma . Afinal, qual a chance de uma menina ser a escolhida entre tantas de uma Província?
Apesar de ser um método extremamente criterioso, para algumas era quase sorte. Já vi Selecionadas que foram chamadas por serem de castas menores, por serem muito ricas ou apenas pela beleza incomparável. Entretanto, assim como a Seleção, haver uma entre as escolhidas era uma tradição. Uma tradição criada por um motivo que eu nunca entendi.
Uma vez ouvi minha mãe dizer que minha tataravó, ou alguém tão antigo quanto, tinha o sonho de entrar para a Seleção e por esse motivo passou a estudar costumes, normas, leis e etiqueta, para se tornar a mais fortes das candidatas. E funcionou. Seu nome foi chamado e apesar de não ter sido rainha, foi muito bem elogiada pelo povo, dando orgulho por ser uma dama tão completa.
E foi desse jeito que começou a maldita tradição na minha família. Após sair da Seleção, minha ancestral criou sua filha com tamanho afinco e critério. Que por sua vez, criou a filha do mesmo jeito. Sendo assim, a cada Seleção lá estava o currículo impecável das entre as escolhidas. E isso seguiu até mim. O que eu não entendo, é porque alguém resolveu continuar fazendo isso por tantos anos. Exatamente como a Seleção! Por que ninguém deixa o príncipe escolher sua princesa em paz?
Demorei para perceber que chorava silenciosamente, as lágrimas escorriam uma a uma pelas minhas bochechas. Eu havia perdido e isso me deixava acabada, mas eu precisava superar. Respirei fundo, sequei as lágrimas e, me sentindo sufocada só com a ideia de continuar ali e encontrar minha mãe saindo com a carta completamente preenchida, decidi dar uma volta.
- Vou sair e logo volto. - avisei, pegando minha bolsa e saindo pela porta sem esperar por respostas.
Eu estava com a esperança de pelo menos passear para clarear a mente, dar uma olhada nas lojas ou parar em algum lugar para comer uma quantidade enorme de açúcar que aliviaria a tristeza que eu estava sentindo, mas depois de andar menos de uma quadra eu percebi que a minha certeza também era a certeza dos outros. As pessoas da Província tinham conhecimento da minha elevada chance de entrar na Seleção e lembravam que isso significava a baixa chance delas, de suas filhas ou irmãs.
Meus vizinhos estavam com raiva de mim. Não pena, mas raiva. Era claro que eles queriam ir para aquele lugar. Para as pessoas do meu bairro, de maioria Três, ir para o castelo significava mais fama e dinheiro, no mínimo. Meu estômago se contorceu novamente, obrigando-me a parar por um instante. Decidi seguir para a direção oposta do centro, precisava de conforto e sabia onde encontrar. Bati na porta da residência dos Samek esperançosa.
- , minha querida! – foi a Senhora Samek que atendeu, deixando-me levemente decepcionada. Ela, entretanto, estava sorridente. - Parabéns! Soube que finalmente a Seleção foi anunciada.
- Olá. Ah, muito obrigada.
A família Samek era composta apenas de filhos homens, por isso, para a matriarca eu já ser praticamente a escolhida não era um problema. Acreditava, inclusive, que pela proximidade que tinha com eles que a senhora Samek estava torcendo por mim.
- Espero que tenha sorte. - ela piscou, como se fizesse uma piada comigo.
- Desculpe atrapalhar a senhora. Só queria convidar Drew para dar uma volta?
- Drew não está em casa, querida. Ele saiu faz pouco tempo e disse que ia ao bosque. Sabe como ele é.
Claro que eu sabia, Drew era meu melhor amigo e ele não podia ter escolhido melhor lugar para ir.
- Ao bosque? Acho que sei onde encontrá-lo. Obrigada, senhora Samek.
- De nada, querida. Boa sorte no concurso! - as últimas palavras da mãe de Drew foram quase inaudíveis, pois eu já andava apressada em direção ao bosque.
***
- Drew? Onde foi que você se enfiou? - gritei com as mãos em volta da boca para ampliar o som. Eu estava no bosque há pouco tempo e procurava-o no lugar que costumávamos ir para apreciar o silêncio e a companhia um do outro. Além de ser o melhor esconderijo dos olhos atentos e curiosos das pessoas do nosso bairro. - Drew?
- Estou aqui! - Drew gritou de volta, me fazendo encontrá-lo em cima de uma das árvores.
- Que bom que te encontrei. Preciso tanto conversar.
- O que aconteceu? - o garoto ameaçou descer, mas o interrompi.
- Não venha! Já vou subir, só feche os olhos. – pedi, lembrando que, infelizmente, estava mais uma vez de saia.
- Não acredito que você ainda usa isso. Acho que faz uns sete anos que eu escuto você reclamando das saias que sua mãe te manda usar.
- Faz uns sete anos que você me escuta reclamando da vida que minha mãe me manda ter. Você sabe que eu não tenho muita escolha. Agora feche os olhos, Drew. Vou subir!
Subi na árvore sem nenhum problema. Minha mãe me mataria se soubesse que tenho essa habilidade em especial, ela com certeza não acharia algo digno de adicionar no meu currículo para a Seleção.
Ao chegar no topo, dei um beijo na bochecha de Drew, aproveitando seus olhos fechados. Ele imediatamente os abriu com um sorriso meigo nos lábios.
- E aí? O que foi que aconteceu?
- Como o que foi que aconteceu? Vai me dizer que não sabe. É só o dia mais comentado de todos.
- Está perguntando se eu não sei que a carta da Seleção chegou? Eu sei sim, mas achei que pudesse ser outra coisa. - ele deu de ombros.
- Minha mãe está praticamente pulando de alegria pela casa e me ignora quando reclamo de qualquer coisa sobre esse assunto. Quase todas as meninas me odeiam, porque todas elas querem ir para aquele maldito lugar. E você ainda acha que podia ser outra coisa? – revirei os olhos irritada – Todo mundo parece achar legal ir para o castelo e ser uma marionete da realeza. O que eu claramente não entendo.
- Eu já ofereci para você se casar comigo, , você que não aceitou. - Drew falou brincalhão, apesar de ser verdade. Uma vez, enquanto eu chorava desesperada em seus braços, triste pela vida regrada que tinha, Drew se ofereceu para casar comigo, ofereceu me deixar livre para seguir meus sonhos.
- Por que eu não aceitei mesmo?
- Porque você não me ama. - ele respondeu, descontraído como sempre, dando de ombros.
- Claro que eu te amo! - brinquei com ele, lhe dando um empurrão com o ombro.
- Não para se casar comigo.
- E você também não me ama. - fui óbvia, esperando que ele concordasse comigo, mas Drew ficou em silêncio pensando em algo. - Eu deveria ter nascido primeiro. – resmunguei, tentando restaurar a conversa depois de alguns longos segundos. - Victoria deveria ser a segunda filha. Ela estaria super feliz agora.
- Sabe de uma coisa? Eu não sei porque você odeia tanto a ideia. Digo, sei que você odeia ter sido criada para ser uma exposição. Mas tirando isso, o que a Seleção tem de tão ruim? Você vai finalmente fazer sua mãe feliz.
- Eu quero ser feliz! Não quero ser só mais uma Três, a garota superficial. E daria certo se a família real não tivesse resolvido criar mais uma tradição dentro da Seleção, ou se minha mãe fosse legal o suficiente para ter desistido da ideia na primeira vez que eu contei-lhe que não queria! Eles vão me chamar, Drew. Eu sei que vão.
- Será que as outras garotas vão chegar a se inscrever? Ou elas meio que já aceitaram a derrota?
- Eu não sei. Acho que vão. De acordo com minha mãe, todas as meninas ainda se inscrevem. Porque não é regra, certo?
- Eu nunca entendi o que acontece com a sua família. Eu sei que vocês são conhecidos, ricos e tudo mais. Mas eu sou da mesma casta que você e não tenho nenhuma preferência estranha da família real. Como pode eles sempre terem chamado vocês? Tipo, e as outras pessoas da Província?
- Eu não tenho certeza. Pelo que eu sei, não existe um pacto entre nossas famílias. Acho que é apenas por currículo mesmo, já olhou a quantidade de cursos que eu tenho? A quantidade de idiomas que eu falo? A quantidade de normas que eu conheço? É quase injusto. Minha família treina suas filhas a vida inteira para participar dessa droga de concurso e a família real acha um máximo. É algo de comum acordo entre todos, imagino eu.
- Na verdade, é bem injusto. Porque você ainda é linda. Tipo, muito linda. Acho que é por isso que você não tem amigas. - ele riu, tentando descontrair o ambiente, mas me deixou um tanto tensa. Linda?
- Não sei porque você acha engraçado eu não ter amigas. – fingi não ter escutado seu comentário sobre minha aparência.
Drew não respondeu, apenas me abraçou de lado e deu um beijo em minha testa. Era reconfortante e seguro. Eu me sentia bem no abraço de Drew, me sentia em casa e longe de qualquer problema que o sobrenome trazia consigo. Apesar de não gostar de Drew daquele jeito, eu gostaria de ter o sobrenome Samek, até porque, talvez, morar com ele não fosse tão difícil assim, com certeza era mais fácil do que com minha mãe.
- No que você está pensando? – perguntei, um pouco envergonhada por me imaginar casada com ele.
- No castelo. Como será que é a vida lá?
- Me de algumas semanas que eu mando uma carta contando.
***
- ! Por onde andou? Eu já estava ficando preocupada. – minha mãe foi muito categórica e preocupada em suas palavras. Eu estava prestes a perguntar o que tinha acontecido com ela quando percebi o movimento extra na casa. Victoria, minha irmã, estava sentada na sala de visitas acompanhada de seu marido, o prefeito.
- Desculpe, mãe. Encontrei Drew e acabamos conversando. - respondi educadamente, querendo, na realidade, mandá-la parar de fingir ser uma mãe melhor do que era.
- Você está atrasada! Estamos te esperando para jantar, o Jornal Oficial de Ynter já vai começar. - ela disse, checando o forno. - Até sua irmã veio para a comemoração, parece que eles vão falar um pouco sobre a Seleção hoje.
- Estou extremamente ansiosa. – fui irônica, levando um olhar atravessado de minha mãe.
- Oi, pai. – lhe dei um beijo no rosto assim que passei por sua poltrona, ele estava ocupado lendo algum artigo, que eu também acharia interessante, e apenas abriu um sorriso. - Oi, Vic. Tudo bem?
Vic, por sua vez, pelo menos se levantou para me dar um abraço apertado, sorrindo quando percebeu minha presença.
- Tudo maravilhoso. Estou tão feliz por você! - estava claro que ela brincava com a minha cara. Essa era minha irmã: linda, inteligente e nada discreta. Como parte de seu dever de mais velha, ela fazia questão de me importunar.
- Parabéns, . - o marido de Victoria me estendeu a mão, assim que fui solta do abraço de urso. Apesar de casado com minha irmã há alguns anos, ele era sempre formal com nossa família. Um pouco estranho, na minha opinião.
- Obrigada, aos dois. – falei, olhando feio para Victoria.
- Vamos jantar! - Candice chamou da cozinha, antes mesmo de eu me sentar. Dava para sentir o cheiro da comida recém saída do forno enquanto íamos até a sala de jantar.
O resto da noite foi tranquilo. Apesar de todos falarem animados sobre a Seleção, ninguém chegou a me irritar. Na verdade, ninguém chegou a se dirigir a mim por muito tempo. Quando o Jornal Oficial começou, já estávamos todos sentados na frente da TV com um prato de bolo para comemorar.
- Eu tenho uma pergunta. - falei no momento em que o intervalo começou, eles já tinham falado tudo o que podiam da Seleção. - Como sabemos que vou entrar? Como temos tanta certeza?
- Como assim? - foi Vic que se manifestou primeiro.
- Eu sei como funciona a tradição, sei que somos as melhores das melhores. Sei de toda a história. O que eu não entendo é porque a família real não tenta uma abordagem diferente às vezes.
- O que seria uma abordagem diferente?
- Sei lá. Eles precisam escolher uma menina de casta menor, certo? Eles sempre fazem isso, porque não escolhem uma da nossa Província, em vez de mim?
- Porque as pessoas esperam por nós lá. Eles querem a gente. – Candice comentou, me deixando com uma cara enorme de dúvida. Ela devia ter saído comigo, perceberia que ninguém da nossa vizinhança me quer no castelo. - Eu vou tentar explicar melhor. - ela parou para pensar por um momento. - Lembra o que conversamos sobre futebol quando vocês eram crianças?
A matriarca da família , ou seja, minha mãe, além de passar boa parte da vida focada em fama e aparência, era extremamente inteligente. Trabalhava em uma biblioteca gigante e por isso passava horas lendo. Apesar de eu acreditar que a maioria dos livros eram sobre costumes e etiqueta, sei que minha mãe também se aprofundava em história e literatura. Tanto, que uma vez, quando eu e Vic éramos pequenas, ela trouxe um livro antigo, um livro sobre esportes. Entre eles havia o futebol, um jogo não mais jogado por nós.
- Aquele jogo com uma bola que era jogado antigamente? Que as pessoas tinham que fazer gol? – Vic perguntou.
- Sim, esse jogo mesmo. - minha mãe baixou o volume da TV. - Todos os estados tinham seus próprios times, que competiam entre si pela vitória, entretanto havia um campeonato mundial. Isto é, havia a Copa do Mundo, onde cada país escolhia seus melhores jogadores entre todos para participar do time. Lembram?
- Sim.
- E cada país tinha os seus melhores jogadores, sendo assim, sempre tinha um jogador, ou mais, que era chamado várias vezes. Entendem?
- Mas isso não era ruim?
- Não, era maravilhoso! As pessoas amavam aqueles jogadores, esperavam que eles fossem para a Copa. Queriam muito que eles representassem seu país. Ir mais de uma vez não era ruim, afinal eles queriam ganhar.
- Mas não é nosso caso aqui. - Vic estava tão concentrada na conversa quanto eu. Já nosso pai e o marido de Vic pareciam entretidos em outro assunto.
- Talvez não seja no geral, afinal aqui não é um jogo em grupo. Onde um bom faz todos ganharem. Aqui o bom ganha, mas ganha sozinho. Isso pode gerar inveja nas pessoas, mas também traz alegria, esperança. As pessoas querem uma boa rainha.
- Isso não parece certo. Digo, as pessoas deviam torcer por elas.
- Não tem nada de errado por torcer por alguém que não é da sua Província, filha. Aqui, você se sente assim por causa da inveja dos outros, porque eles acham que nós pagamos a realeza ou qualquer coisa do gênero. Mas lá fora é diferente. Somos educadas para sermos as melhores. Olhe sua irmã e Arnold, por exemplo. - Ela se virou para os dois, sem se importar de usá-los como exemplo na frente deles. - Arnold é o prefeito da nossa Província, ele fala diretamente com o rei. É um Dois. Casou-se com sua irmã, porque ela é uma dama perfeita.
- Quer dizer que eu ainda tenho chances de não entrar? Digo, já que vocês não pagaram, nem nada.
- Caso exista alguém nessa Província mais preparada que você. Sim, imagino que você não entre. – minha mãe concluiu. Porém, sabíamos que não havia ninguém tão treinado, era quase impossível. - Ou caso essa geração da família real tenha algo contra a nossa família.
- Mas mamãe tem razão, . As pessoas gostariam de uma de nós na Seleção, elas esperam por isso.
Concordei com a cabeça, sentido uma dor leve na lateral da testa. Eu realmente não queria entrar para a Seleção, mas naquele momento percebi que se não entrasse seria uma vergonha para minha família.
***
O resto dos dias daquela semana foram quase uma tortura, todos os dias tinham exatamente a mesma rotina. Minha mãe havia cancelado minhas aulas para gastar todas as horas da minha manhã relembrando tudo o que eu já sabia sobre etiqueta - pois ela queria ter certeza que eu estava pronta -, o almoço era focado na Seleção, ela e papai só sabiam comentar e especular coisas.
A tarde era exatamente igual a manhã, porém dedicada à história e línguas; o jantar, às vezes, contava com Vic e seu marido - já que minha irmã afirmou que ficaria com saudades quando eu fosse para o castelo, apesar de durante o ano raramente vir nos visitar. Depois do jantar, todos da casa se sentavam em frente a TV para o Jornal Oficial, que sempre contava com algum comentário sobre a Seleção, para deixar minha mãe ainda mais ansiosa. Apenas bem de noite eu podia relaxar e ver um filme.
Além disso, ainda haviam os momentos em que minha mente me traía e eu me pegava pensando sozinha, com medo de não entrar naquele concurso e decepcionar minha família inteira. Eu seria a primeira a não entrar para a Seleção, pelo menos a primeira que tinha idade o suficiente.
- O que aconteceu?
- Você não vai acreditar. Sua carta finalmente chegou. Isso é incrível, filha! – minha mãe parecia querer dar pulos de alegria, me deixando um pouco perplexa. Do que ela estava falando? – Precisamos comemorar agora mesmo!
Antes de me explicar ou de entregar o papel que estava em suas mãos, minha mãe partiu de volta para a cozinha. Fui atrás dela querendo respostas, encontrando-a a procura de uma taça nos armários, com uma garrafa de champanhe aberta em cima da bancada.
- Eu não estou entendendo. – reclamei, finalmente alcançando o papel deixado ao lado da garrafa e pegando-o para ler. Queria muito não ter feito aquilo. O papel parecia queimar meus dedos como se pegasse fogo, aquela carta me deixava com uma vontade imensa de vomitar todo o banquete que havia comido no almoço. Com as mãos sob o estômago fui obrigada a me sentar em uma das cadeiras junto da ilha da cozinha, tentando manter a compostura. Respirei fundo, segurando qualquer lágrima que pensasse em cair. Eu não ia chorar.
- Está vendo minha filha? Seu dia finalmente chegou! Sua glória.
Eu queria rir de suas palavras. Glória?
- Eu achei que ele não aceitaria... Achei que a família real não ia seguir com a tradição. O rei e a rainha são tão inovadores. - eu só podia lamentar a verdade das palavras que saíram de minha boca. Apesar da vida que tive durante todos aqueles anos, eu tinha uma pequena esperança de ficar livre. Aquele papel só servia para destroçar qualquer chance que eu achava ter, deixando apenas um vazio no peito.
- É claro que eles iam fazer! É tradição! Sempre lhe disse isso, . - Candice revirou os olhos, pegando o papel da minha mão. Como minha mãe não conseguia perceber? - Eu sabia! Vai ser incrível. Você vai aproveitar cada momento, verá como é maravilhoso.
- Como pode dizer que é maravilhoso? Nunca participou! Você sempre fica falando da maravilha que é ir para a Seleção, mas você nunca entrou lá! – deixei a raiva e a decepção transparecer em minha voz.
- Não fale assim comigo, mocinha. Você sabe muito bem porque não entrei, era muito nova. Infelizmente sua avó teve filhos muito tarde, mas eu sei bem como é! Está na história da nossa família a gerações. Você também deveria saber.
Suspirei. Não podia continuar lidando assim com minha mãe, se não seria castigada e obrigada a andar com saltos altos e livros na cabeça ou treinar reverências mais um milhão de vezes. Como se não tivesse feito o suficiente por uma vida. Já tinha aprendido a concordar com Candice ao longo dos anos e segurar minha língua em momentos como aquele.
- Eu sei de tudo isso, mãe. Só que entrar para a Seleção nunca foi meu sonho, eu quero ser engenheira ou médica como meu pai. Quero fazer algo de útil com a minha vida.
- Pode querer, entretanto você não será. - ela falava firme, me olhando nos olhos. - A não ser que você consiga convencer seu marido a deixá-la estudar depois da Seleção. O que eu duvido muito, pois você será uma Selecionada, não uma parteira. - o desgosto na voz da senhora era evidente e eu me perguntava o motivo dela ter se casado com meu pai se ela achava medicina uma profissão tão ruim. - Já discutimos isso, ! Pela milionésima vez, você foi criada para participar desse concurso. Não pode negar ser quem é!
Claro que o problema não era a profissão, era eu. Uma filha sua jamais seria algo além de uma dama, uma perfeita marionete do marido.
- Eu não sou assim! Meu nome não resume quem eu sou. – insisti revoltada. Minha mãe estava vitoriosa, ela finalmente conseguira o que sempre sonhou, e não ligava o quanto podia ser um problema para mim.
- Você que se engana. No momento que virem seu nome entre todas aquelas cartas, você será chamada. - ela terminou a taça que já tinha sido cheia em um só gole. - E não ligo se quer se inscrever ou não, eu vou enviar essa carta agora mesmo. - ela avisou, saindo da cozinha sem olhar para trás, levando a carta consigo.
Minha mãe tinha razão. A carta da Seleção havia chego, provando que a família real decidira usar os métodos tradicionais para escolher a futura rainha, a mulher de seu primogênito, o herdeiro do trono. Como acontecia há anos, pelo menos desde que me lembro, assim que o príncipe atingia a maioridade deveria escolher uma esposa, dando início a Seleção.
35 jovens escolhidas a dedo pelos reis para irem ao castelo em uma espécie de concurso televisionado, onde, entre elas, estaria a próxima rainha. O que não seria um problema, se eu não fosse uma . Afinal, qual a chance de uma menina ser a escolhida entre tantas de uma Província?
Apesar de ser um método extremamente criterioso, para algumas era quase sorte. Já vi Selecionadas que foram chamadas por serem de castas menores, por serem muito ricas ou apenas pela beleza incomparável. Entretanto, assim como a Seleção, haver uma entre as escolhidas era uma tradição. Uma tradição criada por um motivo que eu nunca entendi.
Uma vez ouvi minha mãe dizer que minha tataravó, ou alguém tão antigo quanto, tinha o sonho de entrar para a Seleção e por esse motivo passou a estudar costumes, normas, leis e etiqueta, para se tornar a mais fortes das candidatas. E funcionou. Seu nome foi chamado e apesar de não ter sido rainha, foi muito bem elogiada pelo povo, dando orgulho por ser uma dama tão completa.
E foi desse jeito que começou a maldita tradição na minha família. Após sair da Seleção, minha ancestral criou sua filha com tamanho afinco e critério. Que por sua vez, criou a filha do mesmo jeito. Sendo assim, a cada Seleção lá estava o currículo impecável das entre as escolhidas. E isso seguiu até mim. O que eu não entendo, é porque alguém resolveu continuar fazendo isso por tantos anos. Exatamente como a Seleção! Por que ninguém deixa o príncipe escolher sua princesa em paz?
Demorei para perceber que chorava silenciosamente, as lágrimas escorriam uma a uma pelas minhas bochechas. Eu havia perdido e isso me deixava acabada, mas eu precisava superar. Respirei fundo, sequei as lágrimas e, me sentindo sufocada só com a ideia de continuar ali e encontrar minha mãe saindo com a carta completamente preenchida, decidi dar uma volta.
- Vou sair e logo volto. - avisei, pegando minha bolsa e saindo pela porta sem esperar por respostas.
Eu estava com a esperança de pelo menos passear para clarear a mente, dar uma olhada nas lojas ou parar em algum lugar para comer uma quantidade enorme de açúcar que aliviaria a tristeza que eu estava sentindo, mas depois de andar menos de uma quadra eu percebi que a minha certeza também era a certeza dos outros. As pessoas da Província tinham conhecimento da minha elevada chance de entrar na Seleção e lembravam que isso significava a baixa chance delas, de suas filhas ou irmãs.
Meus vizinhos estavam com raiva de mim. Não pena, mas raiva. Era claro que eles queriam ir para aquele lugar. Para as pessoas do meu bairro, de maioria Três, ir para o castelo significava mais fama e dinheiro, no mínimo. Meu estômago se contorceu novamente, obrigando-me a parar por um instante. Decidi seguir para a direção oposta do centro, precisava de conforto e sabia onde encontrar. Bati na porta da residência dos Samek esperançosa.
- , minha querida! – foi a Senhora Samek que atendeu, deixando-me levemente decepcionada. Ela, entretanto, estava sorridente. - Parabéns! Soube que finalmente a Seleção foi anunciada.
- Olá. Ah, muito obrigada.
A família Samek era composta apenas de filhos homens, por isso, para a matriarca eu já ser praticamente a escolhida não era um problema. Acreditava, inclusive, que pela proximidade que tinha com eles que a senhora Samek estava torcendo por mim.
- Espero que tenha sorte. - ela piscou, como se fizesse uma piada comigo.
- Desculpe atrapalhar a senhora. Só queria convidar Drew para dar uma volta?
- Drew não está em casa, querida. Ele saiu faz pouco tempo e disse que ia ao bosque. Sabe como ele é.
Claro que eu sabia, Drew era meu melhor amigo e ele não podia ter escolhido melhor lugar para ir.
- Ao bosque? Acho que sei onde encontrá-lo. Obrigada, senhora Samek.
- De nada, querida. Boa sorte no concurso! - as últimas palavras da mãe de Drew foram quase inaudíveis, pois eu já andava apressada em direção ao bosque.
- Drew? Onde foi que você se enfiou? - gritei com as mãos em volta da boca para ampliar o som. Eu estava no bosque há pouco tempo e procurava-o no lugar que costumávamos ir para apreciar o silêncio e a companhia um do outro. Além de ser o melhor esconderijo dos olhos atentos e curiosos das pessoas do nosso bairro. - Drew?
- Estou aqui! - Drew gritou de volta, me fazendo encontrá-lo em cima de uma das árvores.
- Que bom que te encontrei. Preciso tanto conversar.
- O que aconteceu? - o garoto ameaçou descer, mas o interrompi.
- Não venha! Já vou subir, só feche os olhos. – pedi, lembrando que, infelizmente, estava mais uma vez de saia.
- Não acredito que você ainda usa isso. Acho que faz uns sete anos que eu escuto você reclamando das saias que sua mãe te manda usar.
- Faz uns sete anos que você me escuta reclamando da vida que minha mãe me manda ter. Você sabe que eu não tenho muita escolha. Agora feche os olhos, Drew. Vou subir!
Subi na árvore sem nenhum problema. Minha mãe me mataria se soubesse que tenho essa habilidade em especial, ela com certeza não acharia algo digno de adicionar no meu currículo para a Seleção.
Ao chegar no topo, dei um beijo na bochecha de Drew, aproveitando seus olhos fechados. Ele imediatamente os abriu com um sorriso meigo nos lábios.
- E aí? O que foi que aconteceu?
- Como o que foi que aconteceu? Vai me dizer que não sabe. É só o dia mais comentado de todos.
- Está perguntando se eu não sei que a carta da Seleção chegou? Eu sei sim, mas achei que pudesse ser outra coisa. - ele deu de ombros.
- Minha mãe está praticamente pulando de alegria pela casa e me ignora quando reclamo de qualquer coisa sobre esse assunto. Quase todas as meninas me odeiam, porque todas elas querem ir para aquele maldito lugar. E você ainda acha que podia ser outra coisa? – revirei os olhos irritada – Todo mundo parece achar legal ir para o castelo e ser uma marionete da realeza. O que eu claramente não entendo.
- Eu já ofereci para você se casar comigo, , você que não aceitou. - Drew falou brincalhão, apesar de ser verdade. Uma vez, enquanto eu chorava desesperada em seus braços, triste pela vida regrada que tinha, Drew se ofereceu para casar comigo, ofereceu me deixar livre para seguir meus sonhos.
- Por que eu não aceitei mesmo?
- Porque você não me ama. - ele respondeu, descontraído como sempre, dando de ombros.
- Claro que eu te amo! - brinquei com ele, lhe dando um empurrão com o ombro.
- Não para se casar comigo.
- E você também não me ama. - fui óbvia, esperando que ele concordasse comigo, mas Drew ficou em silêncio pensando em algo. - Eu deveria ter nascido primeiro. – resmunguei, tentando restaurar a conversa depois de alguns longos segundos. - Victoria deveria ser a segunda filha. Ela estaria super feliz agora.
- Sabe de uma coisa? Eu não sei porque você odeia tanto a ideia. Digo, sei que você odeia ter sido criada para ser uma exposição. Mas tirando isso, o que a Seleção tem de tão ruim? Você vai finalmente fazer sua mãe feliz.
- Eu quero ser feliz! Não quero ser só mais uma Três, a garota superficial. E daria certo se a família real não tivesse resolvido criar mais uma tradição dentro da Seleção, ou se minha mãe fosse legal o suficiente para ter desistido da ideia na primeira vez que eu contei-lhe que não queria! Eles vão me chamar, Drew. Eu sei que vão.
- Será que as outras garotas vão chegar a se inscrever? Ou elas meio que já aceitaram a derrota?
- Eu não sei. Acho que vão. De acordo com minha mãe, todas as meninas ainda se inscrevem. Porque não é regra, certo?
- Eu nunca entendi o que acontece com a sua família. Eu sei que vocês são conhecidos, ricos e tudo mais. Mas eu sou da mesma casta que você e não tenho nenhuma preferência estranha da família real. Como pode eles sempre terem chamado vocês? Tipo, e as outras pessoas da Província?
- Eu não tenho certeza. Pelo que eu sei, não existe um pacto entre nossas famílias. Acho que é apenas por currículo mesmo, já olhou a quantidade de cursos que eu tenho? A quantidade de idiomas que eu falo? A quantidade de normas que eu conheço? É quase injusto. Minha família treina suas filhas a vida inteira para participar dessa droga de concurso e a família real acha um máximo. É algo de comum acordo entre todos, imagino eu.
- Na verdade, é bem injusto. Porque você ainda é linda. Tipo, muito linda. Acho que é por isso que você não tem amigas. - ele riu, tentando descontrair o ambiente, mas me deixou um tanto tensa. Linda?
- Não sei porque você acha engraçado eu não ter amigas. – fingi não ter escutado seu comentário sobre minha aparência.
Drew não respondeu, apenas me abraçou de lado e deu um beijo em minha testa. Era reconfortante e seguro. Eu me sentia bem no abraço de Drew, me sentia em casa e longe de qualquer problema que o sobrenome trazia consigo. Apesar de não gostar de Drew daquele jeito, eu gostaria de ter o sobrenome Samek, até porque, talvez, morar com ele não fosse tão difícil assim, com certeza era mais fácil do que com minha mãe.
- No que você está pensando? – perguntei, um pouco envergonhada por me imaginar casada com ele.
- No castelo. Como será que é a vida lá?
- Me de algumas semanas que eu mando uma carta contando.
- ! Por onde andou? Eu já estava ficando preocupada. – minha mãe foi muito categórica e preocupada em suas palavras. Eu estava prestes a perguntar o que tinha acontecido com ela quando percebi o movimento extra na casa. Victoria, minha irmã, estava sentada na sala de visitas acompanhada de seu marido, o prefeito.
- Desculpe, mãe. Encontrei Drew e acabamos conversando. - respondi educadamente, querendo, na realidade, mandá-la parar de fingir ser uma mãe melhor do que era.
- Você está atrasada! Estamos te esperando para jantar, o Jornal Oficial de Ynter já vai começar. - ela disse, checando o forno. - Até sua irmã veio para a comemoração, parece que eles vão falar um pouco sobre a Seleção hoje.
- Estou extremamente ansiosa. – fui irônica, levando um olhar atravessado de minha mãe.
- Oi, pai. – lhe dei um beijo no rosto assim que passei por sua poltrona, ele estava ocupado lendo algum artigo, que eu também acharia interessante, e apenas abriu um sorriso. - Oi, Vic. Tudo bem?
Vic, por sua vez, pelo menos se levantou para me dar um abraço apertado, sorrindo quando percebeu minha presença.
- Tudo maravilhoso. Estou tão feliz por você! - estava claro que ela brincava com a minha cara. Essa era minha irmã: linda, inteligente e nada discreta. Como parte de seu dever de mais velha, ela fazia questão de me importunar.
- Parabéns, . - o marido de Victoria me estendeu a mão, assim que fui solta do abraço de urso. Apesar de casado com minha irmã há alguns anos, ele era sempre formal com nossa família. Um pouco estranho, na minha opinião.
- Obrigada, aos dois. – falei, olhando feio para Victoria.
- Vamos jantar! - Candice chamou da cozinha, antes mesmo de eu me sentar. Dava para sentir o cheiro da comida recém saída do forno enquanto íamos até a sala de jantar.
O resto da noite foi tranquilo. Apesar de todos falarem animados sobre a Seleção, ninguém chegou a me irritar. Na verdade, ninguém chegou a se dirigir a mim por muito tempo. Quando o Jornal Oficial começou, já estávamos todos sentados na frente da TV com um prato de bolo para comemorar.
- Eu tenho uma pergunta. - falei no momento em que o intervalo começou, eles já tinham falado tudo o que podiam da Seleção. - Como sabemos que vou entrar? Como temos tanta certeza?
- Como assim? - foi Vic que se manifestou primeiro.
- Eu sei como funciona a tradição, sei que somos as melhores das melhores. Sei de toda a história. O que eu não entendo é porque a família real não tenta uma abordagem diferente às vezes.
- O que seria uma abordagem diferente?
- Sei lá. Eles precisam escolher uma menina de casta menor, certo? Eles sempre fazem isso, porque não escolhem uma da nossa Província, em vez de mim?
- Porque as pessoas esperam por nós lá. Eles querem a gente. – Candice comentou, me deixando com uma cara enorme de dúvida. Ela devia ter saído comigo, perceberia que ninguém da nossa vizinhança me quer no castelo. - Eu vou tentar explicar melhor. - ela parou para pensar por um momento. - Lembra o que conversamos sobre futebol quando vocês eram crianças?
A matriarca da família , ou seja, minha mãe, além de passar boa parte da vida focada em fama e aparência, era extremamente inteligente. Trabalhava em uma biblioteca gigante e por isso passava horas lendo. Apesar de eu acreditar que a maioria dos livros eram sobre costumes e etiqueta, sei que minha mãe também se aprofundava em história e literatura. Tanto, que uma vez, quando eu e Vic éramos pequenas, ela trouxe um livro antigo, um livro sobre esportes. Entre eles havia o futebol, um jogo não mais jogado por nós.
- Aquele jogo com uma bola que era jogado antigamente? Que as pessoas tinham que fazer gol? – Vic perguntou.
- Sim, esse jogo mesmo. - minha mãe baixou o volume da TV. - Todos os estados tinham seus próprios times, que competiam entre si pela vitória, entretanto havia um campeonato mundial. Isto é, havia a Copa do Mundo, onde cada país escolhia seus melhores jogadores entre todos para participar do time. Lembram?
- Sim.
- E cada país tinha os seus melhores jogadores, sendo assim, sempre tinha um jogador, ou mais, que era chamado várias vezes. Entendem?
- Mas isso não era ruim?
- Não, era maravilhoso! As pessoas amavam aqueles jogadores, esperavam que eles fossem para a Copa. Queriam muito que eles representassem seu país. Ir mais de uma vez não era ruim, afinal eles queriam ganhar.
- Mas não é nosso caso aqui. - Vic estava tão concentrada na conversa quanto eu. Já nosso pai e o marido de Vic pareciam entretidos em outro assunto.
- Talvez não seja no geral, afinal aqui não é um jogo em grupo. Onde um bom faz todos ganharem. Aqui o bom ganha, mas ganha sozinho. Isso pode gerar inveja nas pessoas, mas também traz alegria, esperança. As pessoas querem uma boa rainha.
- Isso não parece certo. Digo, as pessoas deviam torcer por elas.
- Não tem nada de errado por torcer por alguém que não é da sua Província, filha. Aqui, você se sente assim por causa da inveja dos outros, porque eles acham que nós pagamos a realeza ou qualquer coisa do gênero. Mas lá fora é diferente. Somos educadas para sermos as melhores. Olhe sua irmã e Arnold, por exemplo. - Ela se virou para os dois, sem se importar de usá-los como exemplo na frente deles. - Arnold é o prefeito da nossa Província, ele fala diretamente com o rei. É um Dois. Casou-se com sua irmã, porque ela é uma dama perfeita.
- Quer dizer que eu ainda tenho chances de não entrar? Digo, já que vocês não pagaram, nem nada.
- Caso exista alguém nessa Província mais preparada que você. Sim, imagino que você não entre. – minha mãe concluiu. Porém, sabíamos que não havia ninguém tão treinado, era quase impossível. - Ou caso essa geração da família real tenha algo contra a nossa família.
- Mas mamãe tem razão, . As pessoas gostariam de uma de nós na Seleção, elas esperam por isso.
Concordei com a cabeça, sentido uma dor leve na lateral da testa. Eu realmente não queria entrar para a Seleção, mas naquele momento percebi que se não entrasse seria uma vergonha para minha família.
O resto dos dias daquela semana foram quase uma tortura, todos os dias tinham exatamente a mesma rotina. Minha mãe havia cancelado minhas aulas para gastar todas as horas da minha manhã relembrando tudo o que eu já sabia sobre etiqueta - pois ela queria ter certeza que eu estava pronta -, o almoço era focado na Seleção, ela e papai só sabiam comentar e especular coisas.
A tarde era exatamente igual a manhã, porém dedicada à história e línguas; o jantar, às vezes, contava com Vic e seu marido - já que minha irmã afirmou que ficaria com saudades quando eu fosse para o castelo, apesar de durante o ano raramente vir nos visitar. Depois do jantar, todos da casa se sentavam em frente a TV para o Jornal Oficial, que sempre contava com algum comentário sobre a Seleção, para deixar minha mãe ainda mais ansiosa. Apenas bem de noite eu podia relaxar e ver um filme.
Além disso, ainda haviam os momentos em que minha mente me traía e eu me pegava pensando sozinha, com medo de não entrar naquele concurso e decepcionar minha família inteira. Eu seria a primeira a não entrar para a Seleção, pelo menos a primeira que tinha idade o suficiente.
Capítulo 2 - As Selecionadas
O grande dia enfim chegou. Já fazia duas semanas desde que meu rosto foi mostrado no Jornal Oficial de Ynter, junto com outras 34 jovens, cada uma representando uma Província de nosso país. Quando vi meu rosto, lembro de ter soltado a respiração e ficado aliviada por alguns segundos, o medo de decepcionar a todos era muito maior do que eu tinha percebido. Mas assim que minha família gritou alegre, meu pai estourou o champanhe e Arnold, o marido de minha irmã, pareceu satisfeito com a Selecionada de sua Província, me senti triste.
Naquela noite não consegui pregar os olhos, me sentindo zonza com tanta informação. Eu deveria ter me preparado para aquilo. Porém, era igual a morte de um parente doente: esperado, mas muito difícil quando chega. Eu sabia que nada seria igual dali para frente.
As duas semanas por si só já tinham sido turbulentas, pois eu não conseguia raciocinar direito no meio de tantas visitas e ligações. Várias pessoas do círculo social de minha mãe - que era muita gente mesmo - foram até nossa casa me dar os parabéns, algumas até levaram presentes. E apesar de eu acreditar que boa parte das felicitações eram falsas e de puro interesse, eu precisava sorrir e agradecer imensamente a todos.
Não tive folga nem nos dias que Drew passou para ver como eu estava, pois sua mãe sempre o acompanhava e às vezes até seus irmãos apareciam, deixando-nos pouco à vontade. Eu acreditava que até a família de Drew queria um pouco do gostinho do castelo para si. Por mim, podiam ficar com tudo. Eu já estava farta e com saudades das tardes de treino, as quais eram infinitamente melhores do que cafés de comemoração.
Quatro dias antes de eu partir, começaram as verdadeiras preparações do governo. Minhas medidas foram tiradas logo depois do anúncio oficial, os guardas já me protegiam desde aquela noite, mas ainda faltava muita coisa. Eles queriam saber até como eu preferia meu quarto, se eu necessitava de algo mais peculiar - tive medo de perguntar o que aquilo significava exatamente, então apenas neguei educadamente. Eles inclusive tiveram que verificar se todas as coisas escritas no relatório eram verdadeiras, fazendo-me conversar em francês, holandês, português e alemão com algumas pessoas, minha mãe se encarregou de mostrar meus certificados também.
Entretanto, o momento mais vergonhoso foi na hora de confirmar minha virgindade. Fazia parte do contrato do concurso e das leis do país que as mulheres permanecessem virgens até o casamento. Apesar de eu saber que grande parte das meninas da minha escola não levaram exatamente à risca essa parte da Constituição, eu havia seguido as regras. Minha mãe me deserdaria se eu tivesse me tornado imprópria para o futuro rei.
A melhor parte de todas aconteceu no último dia, quando o regulamento foi lido uma última vez, para enfim dar início à Seleção. Naquele dia eu tive uma ideia realmente brilhante.
- Com licença. - pedi, interrompendo a mulher enviada pelo governo que começava a citar todas as regras, Meredith, se me lembrava bem. - Eu gostaria de fazer um pedido.
- Sim, Senhorita ?
- O dinheiro. Quero que pelo menos metade seja doado para as castas inferiores. Quero que sirva de alimento para essas pessoas. Além do mais, se possível, gostaria de relatórios semanais. Imagino que um dos guardas possa fazer esse trabalho.
- Claro. Como quiser. – apesar de Meredith não me julgar com o olhar, como minha mãe, senti que ela ficou surpresa. Ela não esperava ter esse tipo de trabalho.
- Realmente gostaria de saber como vão as coisas. Talvez eles precisem de mais dinheiro… - tentei me justificar. Não queria atrapalhar Meredith ou um guarda, mas realmente queria fazer aquilo.
- Você quer dar tudo a eles? – minha mãe finalmente interveio, um pouco chocada. Estava óbvio que ela não queria perder sua pose em frente a Meredith, mas acho que não queria perder o dinheiro também. Apesar de não precisar dele.
- Se for necessário, sim. Quero que minha participação na Seleção seja benéfica para a nossa Província. – pelo menos para ter algo de bom nessa situação, quis acrescentar.
- Vou arranjar tudo, senhorita.
- Muito obrigada, de verdade. Acredito que o restaurante social gostaria de mais verbas também. – sorri. O restaurante social servia comida barata para as castas inferiores, mas alguns não conseguiam nem pagar por aquela refeição.
- Algo mais?
- Não, acho que só tenho isso a pedir.
- Então, continuando, a senhorita não poderá deixar a Seleção sem a permissão do príncipe e como não há um cronograma predeterminado para a Seleção, ela poderá durar dias ou anos, desse modo, a senhorita terá que permanecer no castelo enquanto o príncipe julgar necessário para tomar sua decisão. - ela continuava analisando o papel, para garantir que não deixaria nenhuma regra para trás. - A senhorita não determina seus horários com o príncipe, ele que deverá procurá-la para um encontro a sós. Os grandes eventos sociais são outra história, mas a senhorita não pode se aproximar dele sem ser convidada.
- Certo. - confirmei quando Meredith olhou para mim para checar se eu estava prestando atenção.
- São proibidas brigas e sabotagens entre as candidatas. Caso a senhorita seja flagrada agredindo ou fazendo qualquer coisa que possa prejudicar outra candidata, poderá ser expulsa. Todos os seus pensamentos românticos devem ser dirigidos ao príncipe, caso contrário será considerada culpada de traição e pode ser punida com a pena de morte. É óbvio que sua condição de Selecionada não a põe acima da lei, então ainda deve seguir a Constituição. A senhorita não poderá usar roupas ou consumir alimentos que não lhe tenham sido oferecidos diretamente pelo pessoal do palácio, por segurança.
- Tudo bem.
- Como já sabe, sua família será recompensada por cada semana que passar no palácio e caso a senhorita for dispensada, haverão assistentes para lhe ajudar a se adaptar à vida após a Seleção. Caso a senhorita fique entre as 10 melhores candidatas, será considerada da Elite e então lhe informaremos os deveres e as funções de uma princesa. A senhorita não tem autorização para perguntar os detalhes antes da hora. Todas as Selecionadas são, agora, consideradas Três, algo que não lhe fará diferença. Por último, caso permaneça até o final da Seleção, a senhorita vai se casar com o príncipe Maxon e ser coroada princesa, assumindo todos os direitos e responsabilidades desse título. Compreende?
- Compreendo.
- Pode assinar aqui, por favor, Senhorita .
Concordei, pegando a caneta direcionada a mim e assinando por fim o contrato. A partir daquele momento eu era oficialmente propriedade de meu país.
- Agora, acredito eu, que podemos ir para a despedida. – Meredith anunciou recolhendo os documentos e entregando para um guarda que nos acompanhava de perto.
Nos levantamos dos sofás partindo em direção a porta da saída. Eu já usava o uniforme específico para a ocasião, o qual todas as Selecionadas usariam em sua despedida, por algum motivo que eu não fazia questão de descobrir. Entretanto, antes de Meredith nos acompanhar até a saída da casa, minha mãe pediu para ir ao banheiro, retocar a maquiagem.
Revirei os olhos discretamente, mas aproveitei o momento para olhar para a minha casa pela última vez. Eu com certeza não voltaria a morar ali, após a Seleção, eu não voltaria sozinha para casa, minha mãe não ia permitir. Eu saia solteira dali, mas voltaria casada e me mudaria para o lugar que fosse de escolha de meu marido.
- Pronta. - minha mãe voltou mexendo nos cabelos penteadas para trás e usando um batom vermelho forte que parecia ser novo, me afastando dos pensamentos. Apesar de me parecer muito próximo, eu tinha que enfrentar um castelo antes de enfrentar um marido.
- Ótimo. Por favor, por aqui. – Meredith não pareceu se incomodar com minha mãe, acho que a aparência extravagante era aceitável para agentes do governo. O que só me deixava mais aflita para chegar naquele castelo.
Para minha sorte, o protocolo indicava que eu deveria seguir em um carro sozinha no meio do comboio que nos levaria até a festa de despedida. Minha mãe, meu pai e Vic iriam me acompanhar, por isso estavam no carro de trás, enquanto Arnold nos esperava no palco em frente à prefeitura. Era óbvio que como Prefeito o marido de minha irmã faria o discurso final. O que me lembrava que a despedida da Província se resumia a um palco, um discurso bonito e várias pessoas fingindo torcer pela sua Selecionada.
Já perto da prefeitura dava para perceber a movimentação de pessoas. Os gritos e conversas mostravam que era um grupo considerável, as pessoas berravam de empolgação enquanto nosso carro passava por entre elas. A Seleção estava começando e eu só queria me esconder. A atenção não era um problema para mim. Andar, sorrir, acenar e até dar algumas piscadinhas para as crianças empolgadas fazia parte do meu papel e da minha educação, mas meu coração parecia ser esmagado por uma sensação que eu não reconhecia. O que eu estava fazendo?
Subi no palco e fiquei chocada com quantidade de pessoas que sorriam para mim, eles pareciam realmente felizes. Não conseguia acreditar que tudo aquilo podia ser fingimento. Olhando ali de cima dava para ter uma noção muito maior da multidão, a maioria dos habitantes da minha Província estavam ali, o que resultava em todo tipo de casta me encarando. Isso me empolgava um pouco, pelo menos para algumas pessoas a Seleção era sinônimo de diversão, de esperança. Inclusive pessoas que eu acreditava estarem revoltadas por eu ser a escolhida pareciam ansiosas. Drew estava bem na frente e acenava freneticamente com um sorriso grande nos lábios, ele parecia orgulhoso. Sorri de volta, acenando única e exclusivamente para ele.
Arnold conduziu toda a cerimônia, falando sobre mim, sobre a Província e sobre a Seleção. Apesar de achar que ele havia ensaiado aquilo várias vezes nos últimos dias, ele estava natural. Não precisei falar nada, o que foi extremamente maravilhoso. Na realidade, só fiz algo além de sorrir e acenar quando ele disse que minha família podia subir para a despedida.
Como esperado, Victoria foi a única a chorar. Nosso pai parecia muito orgulhoso de mim, mas nada o faria derramar uma lágrima, já minha mãe só sabia falar o quanto estava feliz pela filha estar na Seleção, saudades não pareciam fazer parte do sentimento no momento. Talvez depois ela se arrependesse disso. Talvez não.
- Boa sorte, minha irmãzinha. Espero que lá não seja tão torturante como você imagina. - Vic deu um sorriso culpado, antes de me dar um último abraço.
Sorri e acenei um tchau para o público, seguindo para trás do palco com Meredith. Uma última olhada para Drew e depois minha família, foi o suficiente para pequenas lágrimas escorrerem. Sequei-as. Entrei no carro firme, pronta a guerra.
- Senhorita , devo me despedir da senhorita agora. Lhe desejo muita sorte. - Meredith falou pela janela do carro. Naquele momento, percebi que ela deveria morar na Província, como eu. Talvez até trabalhasse com Arnold. - O segurança lhe guiará até a estação de trem. Lá você já vai se encontrar com sua assistente.
- Certo, muito obrigada.
- Boa viagem. Logo você receberá notícias sobre o combinado. – a mulher se afastou do carro, piscando. Deixando com que o automóvel partisse para seu próximo destino. Nosso combinado, ela realmente tentaria fazer uma boa ação com meu dinheiro. Dinheiro dado pelo governo por nossos serviços a nação. Até parece. Um monte de mulher atrás do solteiro mais rico de todos era serviço agora? Eu queria era fazer algo de verdade.
A viagem até a estação de trem foi rápida, o segurança permaneceu em silêncio enquanto dirigia por todo o caminho, ocupado em seguir o comboio de carros. Era incrível a quantidade de proteção que eu de repente precisava.
- A estação de trem está logo à frente. - ele disse, sem olhar para mim. - A senhorita, ao contrário das outras Selecionadas, irá de trem até a Capital. Devido a nossa proximidade.
- As outras irão de avião? – perguntei para confirmar minhas suspeitas. Já havia viajado várias vezes pelo país, sabia o quanto estava próxima da Capital e sabia, também, o quanto outras Províncias podiam ser longe.
- Sim. Mas não se preocupe, a Senhorita terá ainda mais conforto. Separamos uma parte do trem só para a Senhorita e sua equipe.
- Ah, claro. Não é um problema para mim. – falei baixo, sentindo-me envergonhada por ter parecido ser tão fútil. Eu sabia que o guarda não tinha culpa de agir assim, se minha mãe estivesse no meu lugar, talvez achasse ruim não usar um avião.
- Chegamos, senhorita. – ele pareceu não escutar minhas explicações ou apenas não ligou. Assenti, mesmo sabendo que ele não me via, e baixei o vidro da janela.
A estação de trem estava bem cheia, me fazendo acreditar que uma parte da Província escolheu ir à estação em vez da prefeitura. Achei um gesto bonito, um último adeus. Os seguranças haviam cuidado de tudo deixando um longo corredor entre as pessoas para eu passar ao sair do carro. Apenas uma pequena fita me separava da multidão, que apesar de meio caótica seguia a ordem de restrição. Saí do carro já sorrindo, aquelas pessoas mereciam o mínimo de carinho, por isso acenei e apertei algumas mãos, mas nada muito próximo, seguindo as regras.
Entretanto, quando uma pequena menina passou por entre as pernas do segurança e só não me alcançou porque tropeçou nos próprios pés, tive que me aproximar. Pedi para o segurança se afastar quando ele ameaçou tirá-la dali, afinal, era apenas uma criança.
- Tudo bem, querida? Você se machucou? – perguntei, me abaixando para ficar na altura da menina que já estava em pé. Ela deveria ter uns seis anos de idade, devido suas roupas era uma Quatro ou Cinco.
- Uhum. - Ela respondeu, sorrindo envergonhada.
- Do que você precisa, pequena?
- Ah, eu queria te dar isso! - ela pareceu lembrar o motivo de sua fuga, mostrando uma pequena caixinha que segurava com uma das mãos.
- Sério? Muito obrigada! – sorri instantaneamente, ela queria me dar um presente. - O que tem aqui?
- Um colar. Eu e minha família compramos. Não precisa abrir agora.
- Senhorita, precisamos ir. - um dos seguranças avisou, interrompendo.
- Claro. Já vou. Só preciso abrir isso aqui antes. – falei, olhando para o segurança e depois para a menina, piscando para ela. - Qual é seu nome, linda?
- Mel. Melissa.
O colar que havia dentro da caixinha era lindo. Uma corrente fininha de prata com uma pedra azul brilhante no meio. Provavelmente era falsa, pois a menina não parecia ter dinheiro para tanto, mas era incrível e muito especial.
- Oh, é lindo Mel! Achei maravilhoso. Muito obrigada. – a abracei, tinha certeza que abraçar era contra as regras do governo, mas aquela menina era extremamente fofa. Resolvi que ela merecia algo em troca e naquele momento tirei o colar de pérolas que tinha no pescoço para completar meu visual e entreguei em sua mãozinha.
- Nossa, é lindo! Obrigada.
- De nada.
Melissa voltou correndo para seu lugar, deslumbrada com o presente que havia ganhado. Eu não a culpava, aquele colar de pérolas era bem bonito também.
- A senhorita não pode aceitar presente das pessoas assim, precisamos conferir se é seguro antes. - o chefe dos seguranças alertou, aproximando-se de mim enquanto eu voltava a ficar em pé.
- Desculpe. Achei que por ser uma criança não teria problemas. – expliquei, colocando meu novo colar no pescoço enquanto caminhava junto ao chefe até dentro da estação. O colar era simples, lindo e meu único presente de uma fã.
- Só não faça de novo senhorita, para sua proteção.
- Sim, soldado. - concordei, apesar de achar que não teria muitas oportunidades de fazer algo do tipo novamente.
O trem que me esperava na estação era menor do que eu imaginava e com certeza não era o de sempre. Ninguém fazia fila para entrar e não haviam várias portas para o mesmo vagão, na realidade, as únicas pessoas ali eram soldados e funcionários da estação.
- É o trem da família real. – o homem ao meu lado explicou, percebendo minha curiosidade. Mas se eu já estava surpresa antes, imagine ao perceber que a família real tinha um trem só para si.
- Entendi. - eu estava realmente admirada. Os vagões eram todos da mesma cor, e se resumiam a quatro ou cinco. Não havia nada ali que mostrasse o símbolo real, mas agora eu conseguia enxergar um ar nobre em torno dele.
Caminhamos até a entrada do último vagão, o único aberto no momento e, ao contrário do que eu imaginava, encontrei uma sala de estar lá dentro. Em vez dos vários assentos para as pessoas que usariam o meio de transporte para viajar entre Províncias, o último vagão parecia mais uma parte da minha casa. Era confortável, bonito e limpo.
Assim que entrei, consegui reparar nos sofás no centro do vagão, brancos e posicionados frente a frente, separados pela pequena distância de um tapete felpudo verde e uma mesa de centro toda de vidro, deixavam o ambiente extremamente chique. O responsável pela decoração havia pensando muito bem nos móveis. No fundo do vagão, onde localizava-se o final do trem, havia uma grande janela com um banco grudado nela, com o estofado também verde. No outro lado, isto é, na frente do vagão, havia uma mesa de jantar pequena com quatro cadeiras de vidro, junto com um bar. Além disso, o resto era apenas decoração para cobrir o máximo das paredes metalizadas, resultando em um ambiente mais acolhedor.
Sentada em um dos sofás estava uma elegante mulher que sorriu ao nos ver e levantou-se para se aproximar. Atrás dela, apoiadas no encosto do móvel branco, três mulheres permaneciam paradas em pé vestidas com o mesmo vestido simples preto.
- Senhora Lemma. – o soldado ao meu lado a cumprimentou com aceno de cabeça.
- Obrigada, soldado. Eu assumo daqui. – mais próxima da Senhora Lemma pude notar sua fisionomia alta e magra. A mulher tinha uma postura impecável, poucas rugas de idade e uma maquiagem perfeita lhe davam um ar sério, forte e sereno. Ela faria minha mãe ficar de boca aberta.
O soldado concordou e partiu do vagão, deixando-me parada encarando a Senhora Lemma, tentando captar todos os seus traços marcantes. Ela tinha um ar nobre que me deixava admirada, mas não intimidada.
- Olá, sou Susane Lemma. - a mulher me estendeu a mão, chamando minha atenção. - Sua nova auxiliar de apresentações.
- Prazer. Sou . – aceitei seu cumprimento.
- Obviamente. - Susane sorriu, mostrando um ar divertido. - Já essas são suas criadas: Elise, Cleo e Meri. – Ela disse apontando para as três mulheres paradas em posição atrás do sofá, em ordem.
- Prazer, garotas.
- Prazer, senhorita. - elas responderam em uníssono junto com uma devota reverência. Parecia muito que tinham ensaiado para tal.
- Então, senhorita , temos muito o que conversar. Venha aqui. – Susane chamou, voltando para o lugar no sofá que havia abandonado. – Sente-se, por gentileza.
Acompanhei Susane, sentando-me no mesmo sofá que ela, porém no outro canto do móvel, me posicionando de frente para encará-la. As meninas continuaram em pé atrás do sofá, estrategicamente posicionadas de um jeito que podíamos participar da conversa, apesar de eu acreditar que não ouviria suas vozes tão cedo. Senti Elise, Cleo e Meri me analisando discretamente, mas não consegui distinguir se gostavam do que viam.
- O que precisamos discutir? – perguntei, voltando-me para Susane Lemma afim de começar logo com o assunto.
- Bem. Muitas coisas, meu bem. Estou tão empolgada... Vi seu currículo e corri logo para te pegar como minha Selecionada! Foi bem competitivo.
- Competitivo?
- Sim! Todas nós, auxiliares de apresentações, como gosto de me considerar, queríamos você! A senhorita é uma dama já formada.
Ri por sua reação, parecia que as responsáveis por nós estavam competindo pelo trabalho mais fácil, já que provavelmente seria mais difícil para uma casta inferior se adaptar a tudo aquilo. Claro que não seria culpa da menina, longe disso, mas sua auxiliar de apresentações teria um pouco mais de trabalho.
- Digamos que eu vivi com uma auxiliar de apresentações a vida inteira.
- Que maravilha! Mas ainda sim temos que decidir que tipo de garota você vai ser. Você tem opções de mudar o cabelo, o estilo, a maquiagem… Qualquer coisa. Apesar da foto que apareceu no Jornal Oficial de Ynter, você será apresentada formalmente ao país depois do começo da Seleção.
- Entendo. – pensei, considerando as opções. Eu obviamente não fazia ideia de como queria aparecer, pois eu simplesmente queria não aparecer. – A única coisa que afirmo é que meu cabelo fica exatamente como está. A única coisa que faço questão de manter. Eu sei que são bem compridos, mas não tenho coragem de cortá-los.
- Compridos? – Susane parecia curiosa - Acho que nunca vimos seus cabelos soltos. Quer dizer. Não apareceu na TV nem nada. Mas tudo bem, cabelos ficam!
Ela tinha razão, na realidade, poucas pessoas além da minha família e Drew já tinham visto meus cabelos soltos. Eu normalmente saia de casa com eles presos, no mínimo, em um rabo de cavalo alto. Naquele dia estavam presos em um coque volumoso.
- Muito obrigada! Meus cabelos são realmente importantes para mim.
- Claro, meu bem. O que mais? O que gosta de vestir?
- Sinceramente? Não tenho muitas preferências. Qualquer coisa está ótima. – para falar a verdade, eu nunca parei para pensar no meu gosto realmente. Digo, eu ia com minha mãe fazer compras, mas tínhamos uma rigorosa regra do que era permitido vestir. Tipo saias, saias eram permitidas. Entretanto, imaginei que no castelo as regras eram ainda mais criteriosas.
- Nossa, você é melhor do que eu imaginava! Vamos te deixar parecendo uma princesa desde o começo!
- Eu devo dizer que sou relativamente simples. – comentei, sem graça.
- Certo. Uma princesa simples. - ela sorriu concordando. - Tenho mais umas perguntas para fazer, se a senhorita não se importar.
- Claro, fique à vontade.
Me arrependi de ter aceitado no momento em que vi Susane Lemma pedir pra Elise, uma das criadas, pegar sua bolsa. De lá saíram uma dúzia de revistas e vários papéis.
- Gosto de ter exemplos. – comentou, ao notar meus olhos arregalados.
***
Susane foi inteligente e agradeci por seus métodos depois de conhecê-los; analisando as revistas de moda descobri que não gosto de alguns modelos de vestidos e aprendi quais deveriam se encaixar melhor em meu corpo. Já os papéis se resumiam a pequenos testes de múltipla escolha, traçando minha personalidade e meus gostos, ali haviam perguntas referentes a minhas preferências, como escolher entre dia ou noite e quente ou frio.
Responder aquelas perguntas foi divertido; eu, Susane e até Elise, Cleo e Meri caímos em gargalhadas várias vezes durante os testes, afinal, eu não sabia responder algumas questões. No fim, já tínhamos completado quase toda a viagem e eu me sentia muito mais próxima da minha equipe, que tinha arriscado opinar sobre alguns vestidos. Susane contou que não apareceria muito durante a Seleção, ela estava ali para me poupar trabalho, analisar as revistas de fofoca e ajudar a família real. Ela ainda garantiu que eu tinha grandes chances de vencer e que se precisasse de algo deveria chamá-la. As minhas criadas, por outro lado, viveriam comigo, me arrumando, criando minhas roupas e me auxiliando em todos os meus passos no castelo.
Faltando poucos minutos para o fim da viagem resolvi ir na janela no final do vagão apreciar a vista. Cheio de árvores, o caminho até a Capital era lindo e reconfortante. Percebi, que ocultos pelas paredes do vagão, dois guardas bem armados permaneciam parados no pequeno espaço que ficava ali, no fim do trem. Eu estava bem protegida novamente.
- Querida? – Susane me chamou. – Vamos passar pela cidade agora, temo ser melhor ficar fora de vista.
Susane tinha razão, eu conseguia ver mais à frente, por trás das árvores, o começo das construções. Imaginei que ela não queria nenhum tipo de notícia minha por aí, por isso concordei em sair do banquinho. A senhora Lemma estava sentada na pequena mesa de refeições ali presente, ocupada tomando alguma bebida com gelo que eu não sabia se era alcoólica ou não. Me juntei a ela, sentando na outra cadeira transparente.
- Quer algo para comer?
- Não, obrigada. – neguei sem pensar muito. Passamos os poucos minutos restantes sentadas ali, enquanto eu bebia um copo de água e Susane falava mais sobre o castelo. Pela janela no final do vagão eu conseguia ver parte da cidade, onde poucas pessoas caminhavam pelas ruas e ninguém realmente prestava atenção em nós.
Finalmente o trem chegou na estação da Capital, fazendo com que os homens de guarda atrás do vagão saíssem para a área de embarque. Logo depois a porta foi aberta, mostrando uma estação vazia e repleta de seguranças. Desci do trem junto com Susane e minhas criadas, mas bastou um movimento de guardas para eu perceber que apenas eu seguiria por aquele caminho. Andei para a saída com um guarda ao meu encalço e assim que fui para o lado de fora me deparei com uma considerável multidão, me deixando surpresa.
- Apenas a senhorita veio por aqui. – o soldado que me acompanhava comentou, me fazendo notar que haviam apenas cartazes com meu nome por ali, apenas meus fãs.
- Todos eles torcem por mim?
Não consegui ver a reação do homem, mas imagino que tenha concordado, pois assim que cheguei no meio do caminho as pessoas começaram a gritar meu nome, todas juntas! Como uma torcida organizada. Haviam tantos cartazes que eu não consegui contar! Distraída apertei o colar em meu pescoço.
Eu tinha fãs. Entretanto, eu não queria ganhar. Comecei a me senti horrível, aquelas pessoas torciam por mim, me queriam como sua rainha e eu só pensava em partir no primeiro segundo possível. Entrei no carro dando um último aceno nada empolgado, dando a entender que era porque eu tinha que sair dali rápido, mas na verdade era pelo meu repentino novo estado de humor. Eu me sentia uma bruxa.
- Boa tarde, senhorita. – o soldado sentado no banco do carona cumprimentou.
- Boa tarde. – respondi sem ânimo.
Já havíamos saído da estação quando eu percebi que era a primeira vez no dia que haviam duas pessoas no carro comigo. Digo, quando sai de casa para ir a despedida e quando fui para a estação na minha Província apenas um soldado me acompanhava dentro do veículo, o motorista.
Parecendo perceber minha agitação, o homem sentado no passageiro virou-se para me encarar e estendeu uma arma em minha direção. UMA ARMA. Tranquei minha respiração imediatamente, com medo de fazer qualquer coisa que incentivasse o homem a apertar o gatilho, porque eu definitivamente estava na mira. Um tiro no estômago, ou peito, dependendo da escolha dele.
- Fique quieta. - ele disse, enquanto eu apenas assenti. - Não estamos aqui para machucá-la, madame. Só preciso que me escute calmamente. Certo?
Apesar de não acreditar nem um pouco em suas palavras, eu assenti novamente. Incapaz de fazer qualquer barulho.
- Preciso que entregue isso ao príncipe. – ele usou a outra mão para me entregar um papel dobrado em quatro, me impedindo de ler qualquer coisa escrita ali. - Ninguém além do príncipe pode ver isso. Então trate de esconder.
Aceitando suas ordens, guardei o papel no bolso do vestido, junto com a caixinha que tinha ganho de presente horas antes. Eram objetos tão estranhos um ao outro.
- Sinto muito que tenha que passar por isso. Mas preciso que diga que foi ameaçada aqui, que você sabe que a família real corre um risco. Preciso que diga para o príncipe que se ele não fizer o que eu quero, você morre. Todas vocês morrem.
Morrer. Não era assim que eu pretendia deixar a Seleção. Engoli em seco e assenti mais uma vez.
- As Selecionadas devem encontrar o príncipe para uma conversa casual em frente às câmeras, quero que entregue o bilhete ali. Precisamos ver que ele recebeu. Depois, ele deve procurá-la e é nesse momento você dirá que foi ameaçada.
Anotei mentalmente todas as ordens, não podia esquecer de nenhum detalhe, para meu bem.
- Agora nós vamos sair do comboio e andar bem rápido. Você precisa se segurar e assim que eu mandar você sair do carro, você sai. Talvez eles te encontrem, talvez você tenha que andar até o castelo, mas você não pode dizer nada sobre nós até encontrar o príncipe. Nem uma palavra.
- Eu não sei chegar ao castelo. – anunciei o mais baixo que pude, com medo de ofender aquele homem armado.
- Então é melhor torcer para ser achada. Ou pergunte por aí, todos sabem chegar ao castelo. Lembre-se de dizer que você não sabe nada sobre nós, apenas conte algo quando encontrar o príncipe. Se ele vier vê-la antes, ótimo. Se não... Apenas no encontro que vocês fizerem. Prometa!
- Eu prometo.
- Pode ir, cara.
Foi aí que o motorista fez uma curva absurda e acelerou o máximo que o carro aguentava. Agora eu entendia porque tinha que me segurar, o motorista era maluco, com certeza eu morreria se ele batesse o carro, ainda mais sem o cinto de segurança. Burra.
Quando escutei o primeiro barulho soube que um dos carros do comboio tinha batido, era óbvio que eles iam nos seguir. Queria olhar para trás para verificar quantos carros ainda restavam, mas não tinha coragem.
- Isso, agora falta só um. - o motorista falou para seu parceiro, acidentalmente respondendo minha pergunta. Ótimo.
O carro virou na contramão e depois fez uma série de curvas que me deixaram tonta e apesar de não ouvir um barulho de batida, presumi que o último carro já era, pois reduzimos a velocidade.
- Agora sim. – o motorista estava satisfeito. - Seja legal com ela e faça um mapa. Ela não gritou nem uma vez. - ele zombou com a minha cara. Obviamente eu não havia gritado, sequer achava que naquele momento tinha alguma voz.
- Eu vou baixar a arma, mas você não pode se mexer. - o carona avisou, mas eu nem havia percebido que a arma continuava apontada para mim até aquele momento.
O mapa foi feito rapidamente e era composto apenas de desenhos que deveriam me indicar o caminho mais perto até o palácio. Teria que adivinhar o que aqueles rabiscos significavam, pois nada era muito claro para mim.
- Livre-se dele antes de entrar no castelo. Se não se livrar, saberemos. - o homem que fez o mapa entregou-o. - Agora saia.
O carro parou em uma calçada qualquer me fazendo saltar do automóvel o mais rápido que achei possível. Bati a porta ao sair, vendo o carro arrancar no mesmo segundo. Eu estava sozinha e o sol da tarde brilhava sob minha cabeça, sentia minhas mãos e pernas tremerem desesperadamente. Não sabia nem como ainda conseguia ficar em pé; com a visão embaçada de lágrimas analisei o mapa.
Desde que entrara naquele carro, era a primeira vez que estava chorando. Olhei em volta, esperando encontrar alguém que pudesse me ajudar, já que eu usava o uniforme de Selecionada que seria reconhecido por qualquer um. Contudo, não havia ninguém por ali, as casas estavam todas trancadas e vazias e até os estabelecimentos mostravam a placa vermelha: “Fechado”.
Lembrei do pronunciamento que o rei faria sobre o começo da Seleção e previ que todos estavam lá. Sem escolha, comecei a caminhar no que imaginava ser a direção certa.
Só quando atravessei a ponte desenhada no mapa que soube que realmente estava no caminho certo. Nessa altura minhas lágrimas já haviam cessado e meus pés imploravam por uma pausa devido aos sapatos altos. O sol já dava o ar de querer partir, mas eu não iria parar.
Mais uma hora de caminhada foi o suficiente para avistar a torre do castelo. Pelo tempo e direção que andei, provavelmente fui deixada em um bairro distante, a leste dali. Assim que fiquei perto o suficiente para identificar o caminho sozinha joguei o mapa fora rasgando-o em vários pedaços, caso alguém estivesse me vigiando, saberia que fui obediente.
Naquela noite não consegui pregar os olhos, me sentindo zonza com tanta informação. Eu deveria ter me preparado para aquilo. Porém, era igual a morte de um parente doente: esperado, mas muito difícil quando chega. Eu sabia que nada seria igual dali para frente.
As duas semanas por si só já tinham sido turbulentas, pois eu não conseguia raciocinar direito no meio de tantas visitas e ligações. Várias pessoas do círculo social de minha mãe - que era muita gente mesmo - foram até nossa casa me dar os parabéns, algumas até levaram presentes. E apesar de eu acreditar que boa parte das felicitações eram falsas e de puro interesse, eu precisava sorrir e agradecer imensamente a todos.
Não tive folga nem nos dias que Drew passou para ver como eu estava, pois sua mãe sempre o acompanhava e às vezes até seus irmãos apareciam, deixando-nos pouco à vontade. Eu acreditava que até a família de Drew queria um pouco do gostinho do castelo para si. Por mim, podiam ficar com tudo. Eu já estava farta e com saudades das tardes de treino, as quais eram infinitamente melhores do que cafés de comemoração.
Quatro dias antes de eu partir, começaram as verdadeiras preparações do governo. Minhas medidas foram tiradas logo depois do anúncio oficial, os guardas já me protegiam desde aquela noite, mas ainda faltava muita coisa. Eles queriam saber até como eu preferia meu quarto, se eu necessitava de algo mais peculiar - tive medo de perguntar o que aquilo significava exatamente, então apenas neguei educadamente. Eles inclusive tiveram que verificar se todas as coisas escritas no relatório eram verdadeiras, fazendo-me conversar em francês, holandês, português e alemão com algumas pessoas, minha mãe se encarregou de mostrar meus certificados também.
Entretanto, o momento mais vergonhoso foi na hora de confirmar minha virgindade. Fazia parte do contrato do concurso e das leis do país que as mulheres permanecessem virgens até o casamento. Apesar de eu saber que grande parte das meninas da minha escola não levaram exatamente à risca essa parte da Constituição, eu havia seguido as regras. Minha mãe me deserdaria se eu tivesse me tornado imprópria para o futuro rei.
A melhor parte de todas aconteceu no último dia, quando o regulamento foi lido uma última vez, para enfim dar início à Seleção. Naquele dia eu tive uma ideia realmente brilhante.
- Com licença. - pedi, interrompendo a mulher enviada pelo governo que começava a citar todas as regras, Meredith, se me lembrava bem. - Eu gostaria de fazer um pedido.
- Sim, Senhorita ?
- O dinheiro. Quero que pelo menos metade seja doado para as castas inferiores. Quero que sirva de alimento para essas pessoas. Além do mais, se possível, gostaria de relatórios semanais. Imagino que um dos guardas possa fazer esse trabalho.
- Claro. Como quiser. – apesar de Meredith não me julgar com o olhar, como minha mãe, senti que ela ficou surpresa. Ela não esperava ter esse tipo de trabalho.
- Realmente gostaria de saber como vão as coisas. Talvez eles precisem de mais dinheiro… - tentei me justificar. Não queria atrapalhar Meredith ou um guarda, mas realmente queria fazer aquilo.
- Você quer dar tudo a eles? – minha mãe finalmente interveio, um pouco chocada. Estava óbvio que ela não queria perder sua pose em frente a Meredith, mas acho que não queria perder o dinheiro também. Apesar de não precisar dele.
- Se for necessário, sim. Quero que minha participação na Seleção seja benéfica para a nossa Província. – pelo menos para ter algo de bom nessa situação, quis acrescentar.
- Vou arranjar tudo, senhorita.
- Muito obrigada, de verdade. Acredito que o restaurante social gostaria de mais verbas também. – sorri. O restaurante social servia comida barata para as castas inferiores, mas alguns não conseguiam nem pagar por aquela refeição.
- Algo mais?
- Não, acho que só tenho isso a pedir.
- Então, continuando, a senhorita não poderá deixar a Seleção sem a permissão do príncipe e como não há um cronograma predeterminado para a Seleção, ela poderá durar dias ou anos, desse modo, a senhorita terá que permanecer no castelo enquanto o príncipe julgar necessário para tomar sua decisão. - ela continuava analisando o papel, para garantir que não deixaria nenhuma regra para trás. - A senhorita não determina seus horários com o príncipe, ele que deverá procurá-la para um encontro a sós. Os grandes eventos sociais são outra história, mas a senhorita não pode se aproximar dele sem ser convidada.
- Certo. - confirmei quando Meredith olhou para mim para checar se eu estava prestando atenção.
- São proibidas brigas e sabotagens entre as candidatas. Caso a senhorita seja flagrada agredindo ou fazendo qualquer coisa que possa prejudicar outra candidata, poderá ser expulsa. Todos os seus pensamentos românticos devem ser dirigidos ao príncipe, caso contrário será considerada culpada de traição e pode ser punida com a pena de morte. É óbvio que sua condição de Selecionada não a põe acima da lei, então ainda deve seguir a Constituição. A senhorita não poderá usar roupas ou consumir alimentos que não lhe tenham sido oferecidos diretamente pelo pessoal do palácio, por segurança.
- Tudo bem.
- Como já sabe, sua família será recompensada por cada semana que passar no palácio e caso a senhorita for dispensada, haverão assistentes para lhe ajudar a se adaptar à vida após a Seleção. Caso a senhorita fique entre as 10 melhores candidatas, será considerada da Elite e então lhe informaremos os deveres e as funções de uma princesa. A senhorita não tem autorização para perguntar os detalhes antes da hora. Todas as Selecionadas são, agora, consideradas Três, algo que não lhe fará diferença. Por último, caso permaneça até o final da Seleção, a senhorita vai se casar com o príncipe Maxon e ser coroada princesa, assumindo todos os direitos e responsabilidades desse título. Compreende?
- Compreendo.
- Pode assinar aqui, por favor, Senhorita .
Concordei, pegando a caneta direcionada a mim e assinando por fim o contrato. A partir daquele momento eu era oficialmente propriedade de meu país.
- Agora, acredito eu, que podemos ir para a despedida. – Meredith anunciou recolhendo os documentos e entregando para um guarda que nos acompanhava de perto.
Nos levantamos dos sofás partindo em direção a porta da saída. Eu já usava o uniforme específico para a ocasião, o qual todas as Selecionadas usariam em sua despedida, por algum motivo que eu não fazia questão de descobrir. Entretanto, antes de Meredith nos acompanhar até a saída da casa, minha mãe pediu para ir ao banheiro, retocar a maquiagem.
Revirei os olhos discretamente, mas aproveitei o momento para olhar para a minha casa pela última vez. Eu com certeza não voltaria a morar ali, após a Seleção, eu não voltaria sozinha para casa, minha mãe não ia permitir. Eu saia solteira dali, mas voltaria casada e me mudaria para o lugar que fosse de escolha de meu marido.
- Pronta. - minha mãe voltou mexendo nos cabelos penteadas para trás e usando um batom vermelho forte que parecia ser novo, me afastando dos pensamentos. Apesar de me parecer muito próximo, eu tinha que enfrentar um castelo antes de enfrentar um marido.
- Ótimo. Por favor, por aqui. – Meredith não pareceu se incomodar com minha mãe, acho que a aparência extravagante era aceitável para agentes do governo. O que só me deixava mais aflita para chegar naquele castelo.
Para minha sorte, o protocolo indicava que eu deveria seguir em um carro sozinha no meio do comboio que nos levaria até a festa de despedida. Minha mãe, meu pai e Vic iriam me acompanhar, por isso estavam no carro de trás, enquanto Arnold nos esperava no palco em frente à prefeitura. Era óbvio que como Prefeito o marido de minha irmã faria o discurso final. O que me lembrava que a despedida da Província se resumia a um palco, um discurso bonito e várias pessoas fingindo torcer pela sua Selecionada.
Já perto da prefeitura dava para perceber a movimentação de pessoas. Os gritos e conversas mostravam que era um grupo considerável, as pessoas berravam de empolgação enquanto nosso carro passava por entre elas. A Seleção estava começando e eu só queria me esconder. A atenção não era um problema para mim. Andar, sorrir, acenar e até dar algumas piscadinhas para as crianças empolgadas fazia parte do meu papel e da minha educação, mas meu coração parecia ser esmagado por uma sensação que eu não reconhecia. O que eu estava fazendo?
Subi no palco e fiquei chocada com quantidade de pessoas que sorriam para mim, eles pareciam realmente felizes. Não conseguia acreditar que tudo aquilo podia ser fingimento. Olhando ali de cima dava para ter uma noção muito maior da multidão, a maioria dos habitantes da minha Província estavam ali, o que resultava em todo tipo de casta me encarando. Isso me empolgava um pouco, pelo menos para algumas pessoas a Seleção era sinônimo de diversão, de esperança. Inclusive pessoas que eu acreditava estarem revoltadas por eu ser a escolhida pareciam ansiosas. Drew estava bem na frente e acenava freneticamente com um sorriso grande nos lábios, ele parecia orgulhoso. Sorri de volta, acenando única e exclusivamente para ele.
Arnold conduziu toda a cerimônia, falando sobre mim, sobre a Província e sobre a Seleção. Apesar de achar que ele havia ensaiado aquilo várias vezes nos últimos dias, ele estava natural. Não precisei falar nada, o que foi extremamente maravilhoso. Na realidade, só fiz algo além de sorrir e acenar quando ele disse que minha família podia subir para a despedida.
Como esperado, Victoria foi a única a chorar. Nosso pai parecia muito orgulhoso de mim, mas nada o faria derramar uma lágrima, já minha mãe só sabia falar o quanto estava feliz pela filha estar na Seleção, saudades não pareciam fazer parte do sentimento no momento. Talvez depois ela se arrependesse disso. Talvez não.
- Boa sorte, minha irmãzinha. Espero que lá não seja tão torturante como você imagina. - Vic deu um sorriso culpado, antes de me dar um último abraço.
Sorri e acenei um tchau para o público, seguindo para trás do palco com Meredith. Uma última olhada para Drew e depois minha família, foi o suficiente para pequenas lágrimas escorrerem. Sequei-as. Entrei no carro firme, pronta a guerra.
- Senhorita , devo me despedir da senhorita agora. Lhe desejo muita sorte. - Meredith falou pela janela do carro. Naquele momento, percebi que ela deveria morar na Província, como eu. Talvez até trabalhasse com Arnold. - O segurança lhe guiará até a estação de trem. Lá você já vai se encontrar com sua assistente.
- Certo, muito obrigada.
- Boa viagem. Logo você receberá notícias sobre o combinado. – a mulher se afastou do carro, piscando. Deixando com que o automóvel partisse para seu próximo destino. Nosso combinado, ela realmente tentaria fazer uma boa ação com meu dinheiro. Dinheiro dado pelo governo por nossos serviços a nação. Até parece. Um monte de mulher atrás do solteiro mais rico de todos era serviço agora? Eu queria era fazer algo de verdade.
A viagem até a estação de trem foi rápida, o segurança permaneceu em silêncio enquanto dirigia por todo o caminho, ocupado em seguir o comboio de carros. Era incrível a quantidade de proteção que eu de repente precisava.
- A estação de trem está logo à frente. - ele disse, sem olhar para mim. - A senhorita, ao contrário das outras Selecionadas, irá de trem até a Capital. Devido a nossa proximidade.
- As outras irão de avião? – perguntei para confirmar minhas suspeitas. Já havia viajado várias vezes pelo país, sabia o quanto estava próxima da Capital e sabia, também, o quanto outras Províncias podiam ser longe.
- Sim. Mas não se preocupe, a Senhorita terá ainda mais conforto. Separamos uma parte do trem só para a Senhorita e sua equipe.
- Ah, claro. Não é um problema para mim. – falei baixo, sentindo-me envergonhada por ter parecido ser tão fútil. Eu sabia que o guarda não tinha culpa de agir assim, se minha mãe estivesse no meu lugar, talvez achasse ruim não usar um avião.
- Chegamos, senhorita. – ele pareceu não escutar minhas explicações ou apenas não ligou. Assenti, mesmo sabendo que ele não me via, e baixei o vidro da janela.
A estação de trem estava bem cheia, me fazendo acreditar que uma parte da Província escolheu ir à estação em vez da prefeitura. Achei um gesto bonito, um último adeus. Os seguranças haviam cuidado de tudo deixando um longo corredor entre as pessoas para eu passar ao sair do carro. Apenas uma pequena fita me separava da multidão, que apesar de meio caótica seguia a ordem de restrição. Saí do carro já sorrindo, aquelas pessoas mereciam o mínimo de carinho, por isso acenei e apertei algumas mãos, mas nada muito próximo, seguindo as regras.
Entretanto, quando uma pequena menina passou por entre as pernas do segurança e só não me alcançou porque tropeçou nos próprios pés, tive que me aproximar. Pedi para o segurança se afastar quando ele ameaçou tirá-la dali, afinal, era apenas uma criança.
- Tudo bem, querida? Você se machucou? – perguntei, me abaixando para ficar na altura da menina que já estava em pé. Ela deveria ter uns seis anos de idade, devido suas roupas era uma Quatro ou Cinco.
- Uhum. - Ela respondeu, sorrindo envergonhada.
- Do que você precisa, pequena?
- Ah, eu queria te dar isso! - ela pareceu lembrar o motivo de sua fuga, mostrando uma pequena caixinha que segurava com uma das mãos.
- Sério? Muito obrigada! – sorri instantaneamente, ela queria me dar um presente. - O que tem aqui?
- Um colar. Eu e minha família compramos. Não precisa abrir agora.
- Senhorita, precisamos ir. - um dos seguranças avisou, interrompendo.
- Claro. Já vou. Só preciso abrir isso aqui antes. – falei, olhando para o segurança e depois para a menina, piscando para ela. - Qual é seu nome, linda?
- Mel. Melissa.
O colar que havia dentro da caixinha era lindo. Uma corrente fininha de prata com uma pedra azul brilhante no meio. Provavelmente era falsa, pois a menina não parecia ter dinheiro para tanto, mas era incrível e muito especial.
- Oh, é lindo Mel! Achei maravilhoso. Muito obrigada. – a abracei, tinha certeza que abraçar era contra as regras do governo, mas aquela menina era extremamente fofa. Resolvi que ela merecia algo em troca e naquele momento tirei o colar de pérolas que tinha no pescoço para completar meu visual e entreguei em sua mãozinha.
- Nossa, é lindo! Obrigada.
- De nada.
Melissa voltou correndo para seu lugar, deslumbrada com o presente que havia ganhado. Eu não a culpava, aquele colar de pérolas era bem bonito também.
- A senhorita não pode aceitar presente das pessoas assim, precisamos conferir se é seguro antes. - o chefe dos seguranças alertou, aproximando-se de mim enquanto eu voltava a ficar em pé.
- Desculpe. Achei que por ser uma criança não teria problemas. – expliquei, colocando meu novo colar no pescoço enquanto caminhava junto ao chefe até dentro da estação. O colar era simples, lindo e meu único presente de uma fã.
- Só não faça de novo senhorita, para sua proteção.
- Sim, soldado. - concordei, apesar de achar que não teria muitas oportunidades de fazer algo do tipo novamente.
O trem que me esperava na estação era menor do que eu imaginava e com certeza não era o de sempre. Ninguém fazia fila para entrar e não haviam várias portas para o mesmo vagão, na realidade, as únicas pessoas ali eram soldados e funcionários da estação.
- É o trem da família real. – o homem ao meu lado explicou, percebendo minha curiosidade. Mas se eu já estava surpresa antes, imagine ao perceber que a família real tinha um trem só para si.
- Entendi. - eu estava realmente admirada. Os vagões eram todos da mesma cor, e se resumiam a quatro ou cinco. Não havia nada ali que mostrasse o símbolo real, mas agora eu conseguia enxergar um ar nobre em torno dele.
Caminhamos até a entrada do último vagão, o único aberto no momento e, ao contrário do que eu imaginava, encontrei uma sala de estar lá dentro. Em vez dos vários assentos para as pessoas que usariam o meio de transporte para viajar entre Províncias, o último vagão parecia mais uma parte da minha casa. Era confortável, bonito e limpo.
Assim que entrei, consegui reparar nos sofás no centro do vagão, brancos e posicionados frente a frente, separados pela pequena distância de um tapete felpudo verde e uma mesa de centro toda de vidro, deixavam o ambiente extremamente chique. O responsável pela decoração havia pensando muito bem nos móveis. No fundo do vagão, onde localizava-se o final do trem, havia uma grande janela com um banco grudado nela, com o estofado também verde. No outro lado, isto é, na frente do vagão, havia uma mesa de jantar pequena com quatro cadeiras de vidro, junto com um bar. Além disso, o resto era apenas decoração para cobrir o máximo das paredes metalizadas, resultando em um ambiente mais acolhedor.
Sentada em um dos sofás estava uma elegante mulher que sorriu ao nos ver e levantou-se para se aproximar. Atrás dela, apoiadas no encosto do móvel branco, três mulheres permaneciam paradas em pé vestidas com o mesmo vestido simples preto.
- Senhora Lemma. – o soldado ao meu lado a cumprimentou com aceno de cabeça.
- Obrigada, soldado. Eu assumo daqui. – mais próxima da Senhora Lemma pude notar sua fisionomia alta e magra. A mulher tinha uma postura impecável, poucas rugas de idade e uma maquiagem perfeita lhe davam um ar sério, forte e sereno. Ela faria minha mãe ficar de boca aberta.
O soldado concordou e partiu do vagão, deixando-me parada encarando a Senhora Lemma, tentando captar todos os seus traços marcantes. Ela tinha um ar nobre que me deixava admirada, mas não intimidada.
- Olá, sou Susane Lemma. - a mulher me estendeu a mão, chamando minha atenção. - Sua nova auxiliar de apresentações.
- Prazer. Sou . – aceitei seu cumprimento.
- Obviamente. - Susane sorriu, mostrando um ar divertido. - Já essas são suas criadas: Elise, Cleo e Meri. – Ela disse apontando para as três mulheres paradas em posição atrás do sofá, em ordem.
- Prazer, garotas.
- Prazer, senhorita. - elas responderam em uníssono junto com uma devota reverência. Parecia muito que tinham ensaiado para tal.
- Então, senhorita , temos muito o que conversar. Venha aqui. – Susane chamou, voltando para o lugar no sofá que havia abandonado. – Sente-se, por gentileza.
Acompanhei Susane, sentando-me no mesmo sofá que ela, porém no outro canto do móvel, me posicionando de frente para encará-la. As meninas continuaram em pé atrás do sofá, estrategicamente posicionadas de um jeito que podíamos participar da conversa, apesar de eu acreditar que não ouviria suas vozes tão cedo. Senti Elise, Cleo e Meri me analisando discretamente, mas não consegui distinguir se gostavam do que viam.
- O que precisamos discutir? – perguntei, voltando-me para Susane Lemma afim de começar logo com o assunto.
- Bem. Muitas coisas, meu bem. Estou tão empolgada... Vi seu currículo e corri logo para te pegar como minha Selecionada! Foi bem competitivo.
- Competitivo?
- Sim! Todas nós, auxiliares de apresentações, como gosto de me considerar, queríamos você! A senhorita é uma dama já formada.
Ri por sua reação, parecia que as responsáveis por nós estavam competindo pelo trabalho mais fácil, já que provavelmente seria mais difícil para uma casta inferior se adaptar a tudo aquilo. Claro que não seria culpa da menina, longe disso, mas sua auxiliar de apresentações teria um pouco mais de trabalho.
- Digamos que eu vivi com uma auxiliar de apresentações a vida inteira.
- Que maravilha! Mas ainda sim temos que decidir que tipo de garota você vai ser. Você tem opções de mudar o cabelo, o estilo, a maquiagem… Qualquer coisa. Apesar da foto que apareceu no Jornal Oficial de Ynter, você será apresentada formalmente ao país depois do começo da Seleção.
- Entendo. – pensei, considerando as opções. Eu obviamente não fazia ideia de como queria aparecer, pois eu simplesmente queria não aparecer. – A única coisa que afirmo é que meu cabelo fica exatamente como está. A única coisa que faço questão de manter. Eu sei que são bem compridos, mas não tenho coragem de cortá-los.
- Compridos? – Susane parecia curiosa - Acho que nunca vimos seus cabelos soltos. Quer dizer. Não apareceu na TV nem nada. Mas tudo bem, cabelos ficam!
Ela tinha razão, na realidade, poucas pessoas além da minha família e Drew já tinham visto meus cabelos soltos. Eu normalmente saia de casa com eles presos, no mínimo, em um rabo de cavalo alto. Naquele dia estavam presos em um coque volumoso.
- Muito obrigada! Meus cabelos são realmente importantes para mim.
- Claro, meu bem. O que mais? O que gosta de vestir?
- Sinceramente? Não tenho muitas preferências. Qualquer coisa está ótima. – para falar a verdade, eu nunca parei para pensar no meu gosto realmente. Digo, eu ia com minha mãe fazer compras, mas tínhamos uma rigorosa regra do que era permitido vestir. Tipo saias, saias eram permitidas. Entretanto, imaginei que no castelo as regras eram ainda mais criteriosas.
- Nossa, você é melhor do que eu imaginava! Vamos te deixar parecendo uma princesa desde o começo!
- Eu devo dizer que sou relativamente simples. – comentei, sem graça.
- Certo. Uma princesa simples. - ela sorriu concordando. - Tenho mais umas perguntas para fazer, se a senhorita não se importar.
- Claro, fique à vontade.
Me arrependi de ter aceitado no momento em que vi Susane Lemma pedir pra Elise, uma das criadas, pegar sua bolsa. De lá saíram uma dúzia de revistas e vários papéis.
- Gosto de ter exemplos. – comentou, ao notar meus olhos arregalados.
Susane foi inteligente e agradeci por seus métodos depois de conhecê-los; analisando as revistas de moda descobri que não gosto de alguns modelos de vestidos e aprendi quais deveriam se encaixar melhor em meu corpo. Já os papéis se resumiam a pequenos testes de múltipla escolha, traçando minha personalidade e meus gostos, ali haviam perguntas referentes a minhas preferências, como escolher entre dia ou noite e quente ou frio.
Responder aquelas perguntas foi divertido; eu, Susane e até Elise, Cleo e Meri caímos em gargalhadas várias vezes durante os testes, afinal, eu não sabia responder algumas questões. No fim, já tínhamos completado quase toda a viagem e eu me sentia muito mais próxima da minha equipe, que tinha arriscado opinar sobre alguns vestidos. Susane contou que não apareceria muito durante a Seleção, ela estava ali para me poupar trabalho, analisar as revistas de fofoca e ajudar a família real. Ela ainda garantiu que eu tinha grandes chances de vencer e que se precisasse de algo deveria chamá-la. As minhas criadas, por outro lado, viveriam comigo, me arrumando, criando minhas roupas e me auxiliando em todos os meus passos no castelo.
Faltando poucos minutos para o fim da viagem resolvi ir na janela no final do vagão apreciar a vista. Cheio de árvores, o caminho até a Capital era lindo e reconfortante. Percebi, que ocultos pelas paredes do vagão, dois guardas bem armados permaneciam parados no pequeno espaço que ficava ali, no fim do trem. Eu estava bem protegida novamente.
- Querida? – Susane me chamou. – Vamos passar pela cidade agora, temo ser melhor ficar fora de vista.
Susane tinha razão, eu conseguia ver mais à frente, por trás das árvores, o começo das construções. Imaginei que ela não queria nenhum tipo de notícia minha por aí, por isso concordei em sair do banquinho. A senhora Lemma estava sentada na pequena mesa de refeições ali presente, ocupada tomando alguma bebida com gelo que eu não sabia se era alcoólica ou não. Me juntei a ela, sentando na outra cadeira transparente.
- Quer algo para comer?
- Não, obrigada. – neguei sem pensar muito. Passamos os poucos minutos restantes sentadas ali, enquanto eu bebia um copo de água e Susane falava mais sobre o castelo. Pela janela no final do vagão eu conseguia ver parte da cidade, onde poucas pessoas caminhavam pelas ruas e ninguém realmente prestava atenção em nós.
Finalmente o trem chegou na estação da Capital, fazendo com que os homens de guarda atrás do vagão saíssem para a área de embarque. Logo depois a porta foi aberta, mostrando uma estação vazia e repleta de seguranças. Desci do trem junto com Susane e minhas criadas, mas bastou um movimento de guardas para eu perceber que apenas eu seguiria por aquele caminho. Andei para a saída com um guarda ao meu encalço e assim que fui para o lado de fora me deparei com uma considerável multidão, me deixando surpresa.
- Apenas a senhorita veio por aqui. – o soldado que me acompanhava comentou, me fazendo notar que haviam apenas cartazes com meu nome por ali, apenas meus fãs.
- Todos eles torcem por mim?
Não consegui ver a reação do homem, mas imagino que tenha concordado, pois assim que cheguei no meio do caminho as pessoas começaram a gritar meu nome, todas juntas! Como uma torcida organizada. Haviam tantos cartazes que eu não consegui contar! Distraída apertei o colar em meu pescoço.
Eu tinha fãs. Entretanto, eu não queria ganhar. Comecei a me senti horrível, aquelas pessoas torciam por mim, me queriam como sua rainha e eu só pensava em partir no primeiro segundo possível. Entrei no carro dando um último aceno nada empolgado, dando a entender que era porque eu tinha que sair dali rápido, mas na verdade era pelo meu repentino novo estado de humor. Eu me sentia uma bruxa.
- Boa tarde, senhorita. – o soldado sentado no banco do carona cumprimentou.
- Boa tarde. – respondi sem ânimo.
Já havíamos saído da estação quando eu percebi que era a primeira vez no dia que haviam duas pessoas no carro comigo. Digo, quando sai de casa para ir a despedida e quando fui para a estação na minha Província apenas um soldado me acompanhava dentro do veículo, o motorista.
Parecendo perceber minha agitação, o homem sentado no passageiro virou-se para me encarar e estendeu uma arma em minha direção. UMA ARMA. Tranquei minha respiração imediatamente, com medo de fazer qualquer coisa que incentivasse o homem a apertar o gatilho, porque eu definitivamente estava na mira. Um tiro no estômago, ou peito, dependendo da escolha dele.
- Fique quieta. - ele disse, enquanto eu apenas assenti. - Não estamos aqui para machucá-la, madame. Só preciso que me escute calmamente. Certo?
Apesar de não acreditar nem um pouco em suas palavras, eu assenti novamente. Incapaz de fazer qualquer barulho.
- Preciso que entregue isso ao príncipe. – ele usou a outra mão para me entregar um papel dobrado em quatro, me impedindo de ler qualquer coisa escrita ali. - Ninguém além do príncipe pode ver isso. Então trate de esconder.
Aceitando suas ordens, guardei o papel no bolso do vestido, junto com a caixinha que tinha ganho de presente horas antes. Eram objetos tão estranhos um ao outro.
- Sinto muito que tenha que passar por isso. Mas preciso que diga que foi ameaçada aqui, que você sabe que a família real corre um risco. Preciso que diga para o príncipe que se ele não fizer o que eu quero, você morre. Todas vocês morrem.
Morrer. Não era assim que eu pretendia deixar a Seleção. Engoli em seco e assenti mais uma vez.
- As Selecionadas devem encontrar o príncipe para uma conversa casual em frente às câmeras, quero que entregue o bilhete ali. Precisamos ver que ele recebeu. Depois, ele deve procurá-la e é nesse momento você dirá que foi ameaçada.
Anotei mentalmente todas as ordens, não podia esquecer de nenhum detalhe, para meu bem.
- Agora nós vamos sair do comboio e andar bem rápido. Você precisa se segurar e assim que eu mandar você sair do carro, você sai. Talvez eles te encontrem, talvez você tenha que andar até o castelo, mas você não pode dizer nada sobre nós até encontrar o príncipe. Nem uma palavra.
- Eu não sei chegar ao castelo. – anunciei o mais baixo que pude, com medo de ofender aquele homem armado.
- Então é melhor torcer para ser achada. Ou pergunte por aí, todos sabem chegar ao castelo. Lembre-se de dizer que você não sabe nada sobre nós, apenas conte algo quando encontrar o príncipe. Se ele vier vê-la antes, ótimo. Se não... Apenas no encontro que vocês fizerem. Prometa!
- Eu prometo.
- Pode ir, cara.
Foi aí que o motorista fez uma curva absurda e acelerou o máximo que o carro aguentava. Agora eu entendia porque tinha que me segurar, o motorista era maluco, com certeza eu morreria se ele batesse o carro, ainda mais sem o cinto de segurança. Burra.
Quando escutei o primeiro barulho soube que um dos carros do comboio tinha batido, era óbvio que eles iam nos seguir. Queria olhar para trás para verificar quantos carros ainda restavam, mas não tinha coragem.
- Isso, agora falta só um. - o motorista falou para seu parceiro, acidentalmente respondendo minha pergunta. Ótimo.
O carro virou na contramão e depois fez uma série de curvas que me deixaram tonta e apesar de não ouvir um barulho de batida, presumi que o último carro já era, pois reduzimos a velocidade.
- Agora sim. – o motorista estava satisfeito. - Seja legal com ela e faça um mapa. Ela não gritou nem uma vez. - ele zombou com a minha cara. Obviamente eu não havia gritado, sequer achava que naquele momento tinha alguma voz.
- Eu vou baixar a arma, mas você não pode se mexer. - o carona avisou, mas eu nem havia percebido que a arma continuava apontada para mim até aquele momento.
O mapa foi feito rapidamente e era composto apenas de desenhos que deveriam me indicar o caminho mais perto até o palácio. Teria que adivinhar o que aqueles rabiscos significavam, pois nada era muito claro para mim.
- Livre-se dele antes de entrar no castelo. Se não se livrar, saberemos. - o homem que fez o mapa entregou-o. - Agora saia.
O carro parou em uma calçada qualquer me fazendo saltar do automóvel o mais rápido que achei possível. Bati a porta ao sair, vendo o carro arrancar no mesmo segundo. Eu estava sozinha e o sol da tarde brilhava sob minha cabeça, sentia minhas mãos e pernas tremerem desesperadamente. Não sabia nem como ainda conseguia ficar em pé; com a visão embaçada de lágrimas analisei o mapa.
Desde que entrara naquele carro, era a primeira vez que estava chorando. Olhei em volta, esperando encontrar alguém que pudesse me ajudar, já que eu usava o uniforme de Selecionada que seria reconhecido por qualquer um. Contudo, não havia ninguém por ali, as casas estavam todas trancadas e vazias e até os estabelecimentos mostravam a placa vermelha: “Fechado”.
Lembrei do pronunciamento que o rei faria sobre o começo da Seleção e previ que todos estavam lá. Sem escolha, comecei a caminhar no que imaginava ser a direção certa.
Só quando atravessei a ponte desenhada no mapa que soube que realmente estava no caminho certo. Nessa altura minhas lágrimas já haviam cessado e meus pés imploravam por uma pausa devido aos sapatos altos. O sol já dava o ar de querer partir, mas eu não iria parar.
Mais uma hora de caminhada foi o suficiente para avistar a torre do castelo. Pelo tempo e direção que andei, provavelmente fui deixada em um bairro distante, a leste dali. Assim que fiquei perto o suficiente para identificar o caminho sozinha joguei o mapa fora rasgando-o em vários pedaços, caso alguém estivesse me vigiando, saberia que fui obediente.
Capítulo 3 - O Castelo
- Boa tarde. Sou a Selecionada . Imagino que estejam a minha procura. – avisei, assim que encontrei o portão do castelo, aos dois guardas que permaneciam parados de sentinela.
Os guardas me reconheceram, ou no mínimo acreditaram no uniforme de Selecionada que eu vestia, porque logo chamaram reforços por um rádio. Do caminho do portão até a entrada do castelo, uniram-se a mim mais de uma dúzia de guardas, todos armados. Eu conseguia ouvir uma multidão por ali, mas não via uma pessoa sequer além da guarda real. O discurso do rei estava acontecendo, mas ainda não entendia porque precisava da proteção de tantos homens.
- Sou o guarda Armstrong. A senhorita está bem? – um dos guardas perguntou, analisando-me clinicamente de cima a baixo. – Não tem noção de quantos de nós estão à sua procura.
- Estou bem. Não se preocupe.
- Como a senhorita nos achou?
- É uma longa história.
O guarda assentiu, mas não saiu do meu lado até chegarmos à entrada do castelo. Subimos a escadaria juntos e a porta dupla se abriu no instante em que pisamos no último degrau, revelando uma estranha comitiva: Susane Lemma, mais meia dúzia de guardas e a rainha. A RAINHA.
- Majestade. – fiz minha melhor reverência quando me aproximei, agradecendo a força de vontade que me manteve com os sapatos. Podia estar suada, suja, fedida e horrorosa, mas eu ainda era uma dama, minha mãe ficaria orgulhosa.
- Senhorita . Que bom que retornou. Temo muito por sua segurança e saúde, então, por favor, seja sincera em me responder: a senhorita está bem?
- Sim, Majestade. Nada que um bom banho e outras roupas não resolvam. – fui o mais sincera e educada que pude, afinal não ia falar para a rainha sobre minha saúde mental, a qual não estava tão calma quanto eu gostaria, nem sobre minhas mãos trêmulas que eu escondia atrás do corpo.
- Entendo. - ela deu um sorriso fraco, aceitando minhas palavras. - Eu gostaria que a senhorita aceitasse as minhas mais sinceras desculpas, algo assim jamais deveria ter acontecido. Vamos descobrir exatamente o que aconteceu o mais rápido possível.
- Obrigada, Majestade. – eu não sabia mais o que dizer.
- Sendo assim, acredito que a senhorita esteja ansiosa para ir aos seus aposentos. Vou lhe permitir dispensa do jantar se lhe for mais agradável. – ela sorriu fraco, cúmplice. – Dito isso, senhora Lemma poderia, por favor, acompanhar a senhorita até seus aposentos e garantir que ela tenha tudo que lhe é necessário?
- Com toda certeza, Majestade. – Susane fez uma reverência.
- Majestade, gostaria de lhe pedir um favor. – lembrei-me de repente, a rainha apenas indicou que eu prosseguisse com um aceno de cabeça. – Imagino que o incidente não seja de conhecimento de todos, por esse motivo, peço que não conte a minha família.
A rainha pareceu confusa.
- Não quero causar preocupações desnecessárias. – expliquei, mas era mentira. Talvez meu pai e Vic ficasse preocupados, mas minha mãe com certeza acharia que era um motivo para eu odiar o castelo. E assim que saísse, mais cedo do que ela gostaria, ela diria simplesmente que foi por falta de vontade.
- Como quiser. Está dispensada, senhorita . Peço, apenas, que se julgar necessário, passe por nossa ala hospitalar.
Concordei e, junto com todos no ambiente, fiz uma reverência ao ver a rainha partir subindo as escadas. Assim que a barra ficou limpa, Susane me abraçou apertado.
- Senhorita! Ah Céus! Que bom que você está aqui! Estava tão preocupada.
Seu ato me surpreendeu, apesar de saber que a pose elegante dela escondia seu lado amoroso e divertido, jamais pensei que Susane me abraçaria.
- Não se preocupe, eu estou bem. Nenhum arranhão.
Era verdade, apesar da longa caminhada pela cidade, conheci apenas a parte urbana da Capital - não que eu tenha alguma certeza de haver uma rural - e por isso tive menos problemas. Andei a passos tropeços por ruas e calçadas, nada que fosse perigoso ou muito aventureiro.
- Senhorita , olá. Sou o Soldado Hitt e estou aqui para conversar com a senhorita sobre tudo o que aconteceu. - um homem forte e alto de repente surgiu em meu campo de visão. Seu rosto era sério e tinha uma pequena cicatriz na sobrancelha esquerda, algo que imagino ter surgido devido a um confronto anos antes.
- Não se preocupe, Soldado Hitt. Acho que os homens só queriam assustar a família real. Imagino que precise de informações, mas infelizmente eu não tenho muito o que oferecer. Eram apenas dois homens, não vi direito nenhum dos rostos. Eles não falaram nada, apenas mandaram eu sair quando chegamos a uma área residencial que temo não conhecer. Algumas horas de viagem a pé até aqui, passei por uma ponte. Só isso que sei dizer. Agora eu realmente preciso de um banho. Precisa de algo mais?
Meu tom era levemente grosseiro. Não queria desrespeitar o soldado, sabia que ele estava fazendo apenas o seu trabalho, mas naquele momento eu precisava de privacidade. Precisava respirar.
- Podemos conversar mais tarde, se for melhor para a senhorita.
- Seria perfeito. Obrigada. - sorri e voltei a encarar minha assistente: - Susane, meu quarto, por favor.
Precisei subir dois lances de escada até o andar das Selecionadas, meus pés gritavam a cada degrau. Teve um momento que precisei me apoiar em Susane, mas ela não pareceu se importar com o peso extra.
- Já estamos chegando. - ela avisou, querendo me confortar.
- O que eu perdi? – Perguntei, tentando descontrair e tirar minha atenção das dores nos pés.
Susane riu e foi breve em suas explicações. Parecia que a família real tinha sido avisada assim que o carro foi perdido, Susane já estava no castelo naquele momento. O que me fez ter certeza que os homens foram para o lado contrário do castelo quando começaram a fugir. Os guardas partiram como loucos para procurar pela Seleciona desaparecida, Susane comentou que nunca tinha visto nada igual. Sobre a Seleção por si só, ela contou sobre o momento de transformação e beleza das Selecionadas e deixou claro que meu sumiço era segredo, principalmente para minhas concorrentes. O discurso do Rei ocorreu, mas nenhuma Selecionada participou, não era para ser notado a minha falta entre elas.
- Fui instruída para te dar o tempo necessário. Elise, Cleo e Meri estão à sua espera. - Susane disse por fim, quando parou em frente à última porta do corredor. - Eu sei que não nos conhecemos muito, senhorita, mas fico feliz que esteja bem.
- Obrigada, Susane. – Agradeci, dando um leve abraço nela. Ela realmente estava preocupada comigo, meu desaparecimento a assustara.
O quarto que seria meu durante a estadia no castelo era gracioso e enorme. As paredes eram cobertas por um tecido estampado de um azul bem claro - cor que disse ser a minha preferida. A cama ficava no centro de todo o ambiente, encostada em uma cabeceira enorme estofada com o mesmo tom da parede, mas sem estampa.
A parede à esquerda era ocupada por armários do começo ao fim, enquanto na frente da porta, do outro lado do quarto, estava uma porta de vidro - a saída para a sacada- ao lado de uma mesa com cadeiras confortáveis, além de uma poltrona combinando. Por fim, bem no canto, uma porta que devia levar ao banheiro.
- Senhorita, bem-vinda aos seus aposentos. - Elise, que claramente era a chefe entre meu trio de criadas fez uma reverência. Ela permanecia parada na frente da porta do banheiro, ao lado das outras, e usava seu tom mais formal. - Soubemos da sua chegada e tomamos liberdade de lhe preparar um banho. Trouxemos água e petiscos. Posso lhe oferecer algo a mais? Uma massagem talvez?
- Um banho é perfeito. Muito obrigada, Elise. Acho que por enquanto eu só preciso me limpar.
As meninas me deram passagem até o banheiro, que também era enorme. Havia estantes com toalhas e uma banheira, que era quase uma piscina, bem no centro. As meninas começaram a soltar os botões do meu vestido com agilidade, me ajudando a terminar de me livrar dele quando se soltou no chão.
Em casa, eu tinha criadas para me ajudar a me preparar para todas as festas, por isso me despir na frente delas não era mais um problema para mim. Meri começou a soltar meu cabelo do coque, quando sentei em uma cadeira trazida para o banheiro por Elise. Não cheguei a me olhar no espelho, mas sabia que meu cabelo já não estava mais perfeito, o que não era nada comparado aos meus pés. Assim que os sapatos foram tirados pude perceber que meus pés estavam assustadores, cada um tinha no mínimo três bolhas grandes para contar história.
- Deveria ter escolhido um par mais confortável. – Brinquei, notando que meu pé chamava a atenção de todas. Apesar de não haver risadas, senti o ar ficar menos tenso. Ninguém falaria sobre aquilo e pronto, me fazendo agradecer mentalmente a discrição.
Assim que estava completamente nua entrei na banheira, o calor da água cobriu cada centímetro do meu corpo e o fez relaxar.
- Muito obrigada, meninas. Mas por hoje é só. Por favor deixem minha roupa aqui, preciso pegar algo nela. Posso me vestir sozinha mais tarde. Gostaria, apenas, que separassem uma camisola para mim, pois não faço ideia de onde encontrar. Depois podem partir.
- Senhorita. - Mais reverências.
- E seu jantar, senhorita? – Elise perguntou, deixando Cleo e Meri voltarem para o quarto atrás das minhas roupas de dormir.
- Claro. Acho que realmente devo comer. Pode voltar com a comida daqui a uma hora, por favor, Elise?
- Sim, senhorita.
Depois disso, eu estava finalmente só. Deixei meu corpo relaxar por completo na banheira, usando a esponja para massagear cada parte dele. Eu estava chocada com a situação, sentia que ainda não tinha percebido a gravidade de tudo. Eu tinha sido sequestrada. Meu primeiro dia na Capital, meu primeiro dia como Selecionada, meu primeiro dia como marionete do príncipe e já havia sido sequestrada. Mas eu estava bem, o pior não aconteceu, aquelas homens só precisavam de uma garota dos recados e era exatamente o que eu seria. Passaria o recado para o príncipe, mentiria para o Soldado Hitt e não teria mais nada a ver com essa história.
- Senhorita? Com licença, voltamos com seu jantar.
- Já?
- Já se passou uma hora, Senhorita. - Meri falou envergonhada.
- Ah, claro. Desculpem por isso. Alguém poderia me passar a toalha?
Foi Cleo que pegou a toalha e esperou que eu saísse da banheira para me cobrir. Pedi para me secar sozinha, mais deixei que colocassem a camisola em meu corpo.
Ficamos o tempo todo em silêncio, mas não era desconfortável. Meu cabelo longo, que alcançava até a cintura foi seco com outra toalha por Meri.
- Entendo porque não queria corta-lo, senhorita. É lindo.
- Obrigada. É a única coisa que eu realmente tenho controle em minha vida. – Comentei meio amarga, mas Meri fingiu não notar a dor em minha voz.
- Dá para fazer excelentes penteados com ele.
- Sua refeição, senhorita. – Elise nos interrompeu, me convidando a ir até o quarto. Ela havia arrumado uma pequena mesa de jantar na única mesa que havia no cômodo. - Precisa de algo mais, senhorita? - Perguntou assim que me sentei para comer.
- Vocês já comeram? Eu não faço ideia de que horas são.
- Já comemos sim. Devo dizer que o jantar deve estar terminando agora, senhorita. Você sumiu por um tempo.
- Ah, claro. - Dei a primeira garfada no que parecia ser um frango com molho de ervas, estava delicioso. Naquele momento percebi o quanto estava com fome. - Vocês podem, por favor, se sentar? Eu sei que não é o mais correto, mas é muito errado vocês em pé me olhando comer.
As três riram e se sentaram em volta da mesa.
- E então? Como é a vida de vocês? Você, Elise, qual é sua história?
- Minha história? Não entendi, senhorita.
- Sim. Sua história. Eu, por exemplo, sou uma Três que passou a vida toda treinando para estar aqui. No primeiro momento que começo meu dever com meu país, sou simplesmente sequestrada. Tenho uma irmã maravilhosa, ela que deveria estar aqui. Daria uma ótima princesa. No meu tempo livre gosto de ler história e biologia, além de aprender sobre doenças com meu pai, um médico.
As meninas ficaram sem jeito. Não foi uma história muito feliz.
- Desculpem. Acho que estou um pouco cansada, mas realmente quero saber mais sobre vocês. Preciso de um pouco de distração e imagino que vamos passar muito tempo juntas, devemos nos conhecer.
Elise concordou, parecendo entender meu desespero por algo para ocupar a mente. Talvez, mas só talvez, eu estivesse com medo de ficar sozinha com meus pensamentos naquele momento.
- Eu sou casada. Casada com um homem maravilhoso que trabalha na cozinha. Nasci no castelo, assim como ele. Um dia quero ter filhos. Não tenho tempo livre, mas gosto muito de costurar vestido para a senhorita.
- Um marido? Meus parabéns! Estão casados há quanto tempo? Qual é o nome dele?
Olhei mais atentamente para Elise, percebendo o quanto ela era bela. Seus cabelos pretos estavam presos em um coque firme, realçando seu rosto e sua pele branca jovial bem cuidada. Claro que não era uma pele como a minha, que cresceu sob os cuidados dos produtos caros que minha mãe comprava, mas era uma pele real e naturalmente sedosa.
- Faz quase um ano, senhorita. Seu nome é Robson.
- Que maravilha! E você, Cleo?
- Bem... Eu sou solteira. - Ela disse, fazendo todas nós soltarmos uma risadinha. - Sou a primeira da minha família a trabalhar aqui, mas já estou faz uns bons cinco anos. É meu primeiro trabalho como criada de alguém. Comecei limpando as janelas.
- As janelas? Digo, apenas as janelas?
- Sim, senhorita. Aqui no castelo há uma equipe que limpa apenas as janelas.
Cleo era um pouco parecida com Elise, ambas tinham quase a mesma idade, um pouco mais velhas que eu, e o mesmo tom de cabelo. Mas Cleo parecia mais vibrante, com a pele mais morena e os olhos verdes.
- Nossa, não fazia ideia. E voc,ê Meri?
Meri pareceu ficar envergonhada olhando para as mãos.
- Eu tenho um namorado.
A notícia chocou todas no ressinto.
- Um namorado? Como não nos contou? - Cleo parecia surpresa. - Nós estamos trabalhando juntas fazem semanas.
- Eu sei. Desculpe. Ele não é bem meu namorado. É amigo do meu irmão. Ele é um dos entregadores, então passa pouco tempo aqui. Sabem como é.
- Você tem um irmão?
- Sim, trabalhamos aqui desde sempre. Fomos criados aqui, igual Elise.
- E como eles são? Seu irmão e seu namorado?
Meri, por sua vez, era a mais diferente entre elas. Seu cabelo castanho parecia crespo em baixo do coque cheio de gel e seu corpo era magro e minúsculo perto das curvas das outras duas. Todas elas eram adoráveis da sua maneira e com certeza se dariam bem na alta sociedade devido a beleza.
A conversa foi longa e divertida. Eu me abri totalmente para elas, senti que tinha que ser franca. Afinal, em quem mais podia confiar? Contei tudo o que eu lembrava, falei sobre minha mãe, enquanto Meri penteava e secava definitivamente meus cabelos com um secador, falei sobre Drew, Victoria e o prefeito da Província. Até comentei que não acreditava muito que ia ganhar e aceitava a derrota desde o começo já. Era o mais perto que eu podia chegar da verdade sem me meter em confusão.
Falamos tanto que ficou tarde. Eu estava morta de sono e a massagem que recebi nos pés de Cleo, que insistiu muito, foi um perfeito calmante. Era comum que as criadas dormissem no quarto da Selecionada, mas preferi deixá-las saírem. Elise agradeceu e foi dormir com seu marido. Meri e Cleo pareceram achar meio triste, mas aceitaram logo. Eu sentia que finalmente tinha algo perto de amigas, algo essencial naquele castelo. Antes de deitar na cama, lembrei de meu vestido sujo que pendia em um cabide no banheiro. Peguei a caixinha do meu presente e o bilhete no bolso, escondi no primeiro lugar que achei justo e dormi.
***
- O que foi? O que você tem?
Acordei assustada com as vozes que pareciam ser na porta do meu quarto. O que estava acontecendo? Apesar da repentina tontura por levantar apressada continuei até calçar minhas pantufas que trouxe de casa, pegar o robe e partir para o corredor. Haviam três Selecionadas paradas perto da minha porta, uma delas estava em pé olhando para as outras duas agachadas no chão.
- Acho que ela está passando mal. - a outra voz era mais baixa, rouca e parecia preocupada. Caminhei um pouco mais devagar, tentando entender aquela cena.
- Eu não sei! Não entendo nada do que ela fala. Que língua é essa? - a menina, que estava abaixada na altura da terceira, falava apressada e um pouco eufórica.
- Francês, acho. Li no formulário dela. - resolvi intervir, chamando a atenção delas para mim. Admito que não foi intencional causar um susto, mas achei um pouco de graça a cara de espanto das duas. - Boa noite.
Reconheci seus rostos imediatamente apesar do escuro, entretanto não tinha muita certeza de seus nomes. Caminhei mais rapidamente até a terceira menina sentada no chão do corredor com as costas na parede e a cabeça entre os joelhos dobrados. Imaginei ser a Selecionada que falava apenas francês, já que as meninas diziam não entender suas palavras.
- Sabem o que aconteceu?
- Não exatamente. Ela parece estar passando mal, mas não entendemos nada do que ela fala. - a Selecionadas que estava abaixada explicou, se levantando para abrir espaço para mim.
- Querida, você me entende? - perguntei para a menina sentada no meu melhor francês. Sorte que era uma das línguas obrigatórias para estudo de minha mãe.
A menina, chamada Anne Marie - nome que lembro devido a sua marcante característica de não falar nossa língua - me encarou surpresa. Seu rosto havia perdido totalmente a cor, mas ela conseguiu assentir. Anne Marie era uma francesa, nascida e educada entre os solos internacionais, o que significava que seu único meio de se comunicação era o francês.
- Anne, o que você sente? Fale comigo, por favor. - perguntei ainda em francês, me abaixando para encará-la de frente.
- Me sinto mal. Sinto que vou vomitar a qualquer segundo! Esse lugar é assustador. Acho que preciso de um ar fresco. - ela parecia nervosa, falando rápido e um pouco embolado, mas eu havia captado sua mensagem.
- Certo, vamos atrás disso. Eu te ajudo. Respire fundo e devagar.
Dei suporte e ajudei-a a levantar percebendo a dificuldade de Anne as outras meninas, que nos analisavam surpresas, também ajudaram ela a sair do chão. Era evidente que Anne Marie estava um pouco tonta e fraca, sua respiração era descontínua e acelerada.
- Vou levá-la para tomar um ar, depois para a ala hospitalar. Caso perguntem. - falei para as outras duas, usando nosso idioma habitual.
- Tudo bem. Espero que ela fique bem.
- Eu também. - olhei preocupada para a menina em meus braços. - Acho melhor vocês entrarem, não é correto ficar nos corredores.
As duas concordaram, voltando para seus aposentos e fechando a porta atrás de si imediatamente. Pelos cochichos vindo dos quartos, eu era a única que dormia sozinha. Eu e Anne Marie, porque se ela tivesse com as criadas já estaria na ala hospitalar há tempos. Tentei entender porque as criadas não saíram no corredor para ajudar Anne, mas provavelmente foi apenas alguma ordem ridícula das duas Selecionadas.
Descer as escadas foi bem difícil, ainda mais porque, por incrível que pareça, não tinha qualquer guarda para ajudar. Carreguei quase o peso todo de Anne até o andar térreo, agradecendo por ela ainda estar consciente. Consciente era bom.
- Você vai ficar bem. Não se preocupe. Tem ideia para que lado fica o jardim? - perguntei, lamentando ter perdido as apresentações iniciais do castelo que Anne certamente tivera.
Apenas indicando com os dedos, Anne nos levou as imensas portas de celeiro que levavam para o lado de fora. Era evidente que ali era uma passassem para longe da segurança do castelo, pois dois guardas permaneciam parados de vigia. Cheguei e achar que eles apenas impediriam as pessoas de entrarem, mas estava errada. Estávamos presas, o jardim não era permitido para nenhuma de nós naquele horário.
- Por favor. Ela está passando mal! Pelo amor! Vocês não tem coração, não? - eu estava quase perdendo o controle. Eu já tinha pedido, implorado, quase mostrado lágrimas falsas e usado meu melhor charme, mas nada tirava os guardas da frente da porta.
- São ordens, senhorita. Sinto muito. - ele repetia.
- Deixar uma das Selecionadas passando mal é ordem? Vocês querem nos matar, é isso?
- Não, senhorita. Só que... - o guarda parou de falar. Seus olhos, de repente, estavam focados em algo atrás de mim e Anne, me fazendo virar e olhar na mesma direção. Lá estava um deles, atrás de nós vinha o filho mais novo do rei e da rainha. O filho que não fazia parte da Seleção, o príncipe .
- Podem deixá-las sair. - o príncipe anunciou, indicando com as mãos que as portas deveriam ser abertas.
- Viu, Anne? Falei que íamos conseguir. - soei o mais protetora e calma possível, ajudando uma Anne, já cansada de ficar em pé na frente daquela porta, a caminhar até o imenso jardim. - Vamos nos sentar ali. Tá vendo? Tem um banco.
Anne concordou, e caminhou comigo até o banco mais próximo da saída. Assim que Anne sentou, baixou a cabeça e vomitou. Parecia que todos tinham experimentado o maravilhoso frango com ervas no jantar. Foi Anne vomitar que os três homens se aproximaram para verificar se estava tudo bem. Ótimo! Agora eles acreditavam em mim. Ela estava passando mal há tempo, amigos. Me segurei para não revirar os olhos.
- Não toquem nela. - pedi, prevendo a movimentação dos guardas. O príncipe parecia querer ajudar, mas ficou mais atrás, sem muita reação. Voltei-me para Anne. - Não se preocupe, cuidamos da sujeira depois. Respire. Precisa estar melhor para ir até a enfermaria.
- Obrigada. De verdade. - Anne disse antes de vomitar novamente.
Após alguns minutos, Anne parecia bem o suficiente para ir até a enfermaria. Um dos guardas a ajudou, fazendo um trabalho bem melhor que o meu. Eu estava pronta para acompanhar Anne, mas o príncipe pediu gentilmente que eu ficasse. Concordei, apesar de achar que eu não podia dizer não a qualquer coisa que ele falasse.
- Pedi pra que ficasse porque não tinha motivos para a senhorita acompanhá-la, afinal, acompanhantes não são permitidos na enfermaria. Entretanto, não se preocupe, já convoquei um dos tradutores para ajudar a senhorita…
- Anne. O nome dela é Anne Marie.
- Senhorita Anne. - o príncipe concluiu, parecendo fazer uma nota mental. - Você poderia me explicar o que aconteceu? Por gentileza.
O príncipe começou a andar pelo jardim, fugindo do banco e indicando que eu o seguisse. Eu o acompanhei lentamente, dando passos pequenos na grama fofa e seca, enquanto o guarda restante se limitou a ficar na porta, agora aberta, nos observando.
- Bem... Eu acordei e ela estava sentada no corredor passando mal. Quer dizer, duas meninas tinham visto e tentavam ajudar, mas não entendiam nada do que Anne falava. O barulho chamou minha atenção e fui ajudar.
- Muito gentil da sua parte. Não sabia que falava francês.
- Qualquer um teria feito isso. Pelo menos alguém que falasse francês. - comentei, lembrando de como Anne estava encolhida no corredor. - Eu gostaria de… Obrigada por nos deixar passar, acho que ela realmente precisava disso.
- Claro. Eu sinto muito pelos guardas, mas eles realmente não tem permissão para deixá-las sair. É perigoso.
Dei uma risada fraca. Pelo jeito tudo era perigoso naquele lugar, pelo menos andar de carro podia ser.
- Seus guardas são… Obedientes.
Foi a vez o príncipe rir.
- Claro que são. Eles têm medo.
- O que acontece se não forem obedientes? - perguntei curiosa, fazendo o príncipe me olhar estranho. Não sei dizer se ele me achou uma burra, uma ingênua ou uma metida naquele momento. - Desculpe, eu não queria me intrometer.
- Não precisa se desculpar. Eu só não sei se você pode saber dessas coisas. Se for princesa você saberá, é claro, mas por enquanto é melhor manter a dúvida.
- Se eu me tornar princesa, vou dar uma ordem clara para os guardas abrirem a porta para pessoas passando mal. - foquei na primeira palavra, deixando claro para mim mesma que aquilo não aconteceria.
- E a senhorita? Como está? O ocorrido não a deixou mal?
- Não se preocupe, eu estou bem. Meu pai é médico, ele já teve que atender pessoas em casa. - falei, como se fosse uma justificativa o suficiente para provar ao príncipe que não vomitaria. - Estou acostumada.
- Então, você é uma Três?
- Sim. Sou uma Três. - dei de ombros.
- Você não parece ter orgulho da sua Casta. - o príncipe constatou.
Gelei. Meu desgosto com minha vida não se baseava somente em minha Casta, mas principalmente na parte que ela se tornava superficial e regrada, e era esse o problema. Entretanto não podia falar nada disso para o príncipe . Admitir que não queria estar ali estava fora de questão.
- Eu sei, me desculpe. Sou uma Três sim. Nascida e criada entre os favorecidos. - melhorei minha voz, mostrando pelo menos uma gratidão.
- Uma Três então. Deixe me pensar. Você só pode ser Trace, ou Megan. - o príncipe disse, contando nos dedos. - Desculpe, eu ainda não consegui decorar todos os rostos. Mas revisei seus currículos ao máximo, até porque meus pais me obrigaram a isso, eu devo parecer o mais cavalheiro possível. - ele arregalou os olhos. - Ops, acho que eu não deveria ter lhe contado isso. Não é muito cavalheirismo da minha parte. - ele terminou bagunçando os cabelos envergonhado, o que me fez rir.
- Não se preocupe, Alteza, seu segredo está a salvo comigo.
- Obrigado.
- Mas se quisesse saber meu nome, podia apenas ter perguntado. - comentei, tentando deixá-lo mais à vontade.
- Sério? Simples assim?
- Você não tem ideia de como as coisas podem acontecer se seguirmos o caminho mais fácil.
- Talvez eu goste do caminho mais difícil. - ele voltou a me olhar, soltando um sorriso de lado.
- Talvez isso seja um problema, se me permite dizer.
- Por quê? - o príncipe estava curioso.
- Acho que você ficará entediado fácil ao longo da vida.
- Entediado?
- Sim.
- Por que acha isso?
- Você é um príncipe. A função das pessoas é facilitar sua vida.
- Talvez você tenha razão. - Príncipe pareceu pensar um pouco, depois deu de ombros e continuou: - Vamos tentar do seu jeito então. Qual é o seu nome?
Sorri. Até que o príncipe era um cara legal, ele era descontraído e bem menos mesquinho do que eu imaginava. Talvez, já que não passaria tanto tempo com seu irmão, eu poderia ter uma amizade com ele, gastar o tempo livre durante a Seleção ao seu lado. Até eu ir, pelo menos.
- Meu nome é , Alteza. - Parei de andar para apenas para fazer uma leve reverência.
- ? Então, foi você que foi sequestrada hoje de tarde?
Respirei fundo. Claro que ele saberia, é um dos príncipes. Voltei a caminhar pelo jardim, me sentindo um pouco cansada de repente.
- Sim. Fui eu.
- Eu fiquei tão chocado. Meus pais e … Era ruim de ver. Acho que além de temer por sua segurança, eles estavam com medo do que poderia acontecer caso…
O príncipe arregalou os olhos, estava claro que nem sempre ele era capaz de controlar sua língua.
- Caso eu morresse. - Completei. Não estava brava com ele, afinal era verdade. O que o país pensaria se uma Selecionada fosse morta? Nada bom.
- Desculpe.
- Não precisa se desculpar. Você tem razão.
- Foi muito inesperado. Ninguém chegou a pensar que os rebeldes teriam coragem de fazer algo assim.
- Você acha que foram os rebeldes?
- Acho. Todos acham. Achei que já tinha falando com o Soldado Hitt. Ele teria te contado nossas suspeitas.
- Eu me encontrei com ele, mas estava tão cansada... Devo admitir que fugi um pouco. - Naquele momento eu corei, admitir minha imprudência era um tanto vergonhoso.
Entretanto, em vez de se mostrar irritado, ele riu. Um riso gostoso e alto.
- Desculpe. - Ele falou, se esforçando para parar de rir. - Imaginei a cara do Soldado Hitt quando você o dispensou.
- Como assim?
- O Soldado Hitt é responsável pela segurança do castelo desde que sou pequeno. Então quando eu fugia pelos portões… - O príncipe riu de novo. - Posso dizer que não era fácil voltar e encontrar com ele. Não imaginei que ele pudesse se amedrontar por uma menina.
- Uma menina? - Devo ter feito uma cara relativamente feia para o príncipe, pois ele parecia não entender nada.
- A senhorita é uma menina, não?
- Claro que eu sou uma menina. A questão não é essa.
- Então, qual é a questão, senhorita?
- Acha que é melhor que eu porque é um menino? Se for porque é um príncipe, eu até aceito. Afinal, sou apenas uma pessoa comum. Mas ser uma mulher não me torna inferior. - Dei meu melhor discurso. Foram anos até provar para Drew que ele não era melhor que eu, homens às vezes eram mais fortes ou até mais rápidos - como no caso de Drew - mas minha leveza me davam muitas outras capacidades. Eu, por exemplo, era muito mais rápida subindo em árvores que Drew e sempre ganhava quando brincávamos de esconde-esconde na infância.
- Não quis dizer isso, desculpe. - Ele pareceu envergonhado. Ótimo. - Eu não acho a senhorita inferior ou fraca. Na realidade, admiro o jeito que tratou seu sequestro hoje à tarde. Minha mãe me contou sobre a conversa de vocês.
- Não entendo…
- Achamos que você pediria para sair da Seleção. Assim que retornasse para cá, quer dizer, assim que fosse encontrada. Mas nada disso aconteceu, você chegou aqui sozinha, não derramou nenhuma lágrima e foi firme falando com minha mãe. Quer dizer, ela é a rainha, poxa!
- Ela acha que eu a tratei mal? Se fiz, foi completamente sem intenção.
- Não, . Ela acha que você a tratou como deveria, a tratou com prioridade e respeito, quando a atenção devia ser para você. Eu não sei o que faria no seu lugar. Imagine! Ser sequestrado!
- Você nunca foi? Sequestrado?
- Não, é claro que não! Você acha que é algo comum?
Dei de ombros. Nada era comum em um castelo, na minha concepção. Então, quem sabe, sequestro dos rebeldes fosse parte da programação anual.
- Como foi? Eles não falaram nada para a senhorita?
Tive que pensar no que responder, era um príncipe, mas eu sabia que não era desse príncipe que os homens do carro se referiam. Eu confiava nele, quer dizer, ele é da família real! Não ia espalhar segredos do país por ai, mas ainda assim preferi continuar na minha.
- Não muito. Nada importante.
Eu não devo ter parecido muito confiante, pois o príncipe suspirou antes de falar.
- Olha… Eu sei que não sou meu irmão, que não serei o próximo rei e também sei que não exalo confiança e poder. Entretanto, talvez, eu possa te ajudar. Digo, se tiver acontecido algo, ou esteja com vergonha…
Vergonha? Do que eu teria vergonha? De ter chorado? Do estado que cheguei? Procurei respostas no rosto do príncipe e encontrei. Fiquei confusa no começo, mas logo entendi as insinuações do homem.
- Não. Não. Nossa, não aconteceu nada desse tipo. Eles nem encostaram em mim. Foi apenas uma conversa. - Não podia permitir que pensassem que um homem qualquer havia tirado minha pureza.
- Então, teve conversa.
Foi aí que eu percebi: o príncipe havia me usado! Ele já imaginava que os sequestradores não eram sujos aquele ponto. Ele só queria arrancar algo de mim.
- Ei! Eu entendi seus joguinhos. Você me enganou! Você insinuou coisas horríveis para que me fazer abrir minha boca. Que coisa feia, Alteza!
Eu queria ter ficado brava, mas não podia culpá-lo. Apesar de um pouco errado, havia sido uma jogada bem inteligente. No lugar dele, se tivesse tido a ideia, faria a mesma coisa.
- Você tem razão, eu talvez tenha te enganado um pouco. Me desculpe por isso. - Ele riu baixo, percebendo que eu não tinha realmente ficado ofendida. - Mas eu realmente queria saber o que aconteceu, porque quando a senhorita conversar com Hitt, ele vai contar para o meu irmão, que vai contar para meu pai, que vai contar para minha mãe. Eu só vou saber pedaços da história. - Ele pareceu frustrado, uma criança deixada de lado.
- Eu... Eu não sei se posso contar. Se eles souberem...
- Não tem como alguém saber. Estamos apenas nós dois aqui. - O príncipe disse mostrando que nós já tínhamos caminhado bastante pelo jardim e que dali só era possível ver os guardas - agora dois novamente - lá longe na porta de entrada. Era impossível que ouvissem algo, devido à distância.
- Mesmo assim. Sinto muito, Alteza. Depois de contar ao outro príncipe, eu contarei ao senhor. Pode vir me procurar. Eu prometo.
- Senhor? - Ele riu. - Alteza eu até consigo aguentar, mas “senhor” é demais para mim. Você é mais velha que eu!
- Tem razão. Só Alteza a partir de agora. Prometo.
- Na verdade, , como foi oficialmente a primeira Selecionada que eu conheci. Acho que pode me chamar de .
Sorri. Cheguei a cogitar a ideia do príncipe ficar bravo comigo e me obrigar, usando seu poder real, a abrir a boca. Mas é claro que ele era legal demais para fazer aquilo.
- Será então. Espere, você disse que não conheceu nenhuma Selecionada ainda?
- Disse. As apresentações formais só serão amanhã de manhã. Quer dizer, hoje. - disse, olhando para o relógio que tinha no pulso. Claro, mais tarde quando o encontro passasse na TV, no momento eu que eu deveria entregar o bilhete. - Passamos um bom tempo conversando, . Receio dizer que temos que voltar.
- Certo. Sem problemas. Eu só queria perguntar uma coisa, .
- Claro, qualquer coisa.
- Mas é hipoteticamente. E dependendo da resposta, eu talvez precise de ajuda.
pareceu pensar.
- Que tipo de ajuda?
- Eu prometo concordar com a sua opinião a respeito, seja qual for. Então imagino que o tipo de ajuda que eu precisar será de sua vontade.
- Você está me deixando muito curioso! Aceito te ajudar se necessário. Caso não seja nada vergonhoso ou ilegal. - Ele completou rapidamente.
- Obrigada. - Fui obrigada a sorrir. - Prometo seguir suas regras.
Escolhi parar de andar para conversar com o príncipe, afinal não havia motivos para continuar seguindo para longe, mas com certeza eu não queria ir para mais perto. Procurei seus olhos, esperando encontrar ali qualquer reação as minhas palavras.
- Digamos que, hipoteticamente, os rebeldes tenham me deixado uma mensagem única e exclusivamente para seu irmão. Uma mensagem que, imagino, não ser nada boa e as instruções são claras: só devo falar isso quando estiver a sós com o príncipe. Isto é. Depois de entregar o papel no encontro oficial, ele deve vir me procurar. Eu deveria adiar ao máximo meu contato com o príncipe? Evitando que algo ruim aconteça.
estava atento às minhas palavras, entendendo que de hipotético a situação não tinha nada.
- Você estava pensando em evitar o príncipe? Como pretendia fazer isso? - Foi nisso que ele reparou?
- Não sei. Talvez fingir estar doente. Ou dormir. Me perder no castelo no horário de algum encontro. Coisas do tipo.
achou graça das minhas ideias.
- Entendi. Talvez funcionasse. Pensando bem, acho que realmente daria certo. Só acho estranho você arriscar sua relação com o príncipe logo no começo. Ele poderia te mandar embora rapidamente.
Eu estava começando a dar bandeira demais, sempre me pegava quase contando a verdade para as pessoas do castelo.
- Pensei nisso. Mas achei que valeria à pena. Ir embora no começo, seria como não entregar a carta. - tentei soar o mais natural possível.
- O papel é uma carta?
- Não sei, não cheguei a ler. Achei que seria errado.
concordou.
- Pois bem. Se quer minha opinião, vou falar. Eu acho que gostaria de saber imediatamente para tomar as providências necessárias. Acho que em vez de fugir do príncipe, você deveria correr direto ao seu encontro.
- Mas...
- Não tem “mas”, . Eles podem estar ameaçando todos nós. Quanto mais tempo a família real tiver para se preparar, melhor. Acho que você não entende a gravidade da situação.
- Eu entendo. Talvez só esteja com... Medo.
ficou nervoso por um segundo.
- É normal ter medo. Só acho que você e deveriam conversar. Na realidade, acho que deveriam conversar imediatamente. Se for longe das câmeras, os rebeldes não saberão que lemos a carta antes. Teríamos mais tempo. Seria perfeito.
- Agora? Eu nem estou com as coisas aqui. E acho que seria bem suspeito encontrar o príncipe agora. As meninas viram que eu saí. - Além do mais eu estava de camisola e robe. Não tinha percebido o meu estado até o momento. Usei os braços para cobrir o corpo e senti meu rosto queimar de vergonha. percebeu e o mais discreto possível virou o rosto, me dando mais privacidade com meu recém descoberto desconforto.
- Tem razão. - ele pareceu pensar. - E se eu lhe acompanhar até seu quarto agora, para saber qual é, e amanhã, antes do café eu passar para te buscar? Então eu e você podemos encontrar meu irmão em um lugar mais seguro. - Ele perguntou, já caminhando comigo para dentro do castelo.
- Tudo bem. Estarei pronta.
Subimos as escadas em silêncio e eu acenei antes de adentrar em meu quarto e fechar a porta atrás de mim. Estava infinitamente grata por estar de volta, ali a camisola era apropriada. Onde eu estava com a cabeça de aceitar conversar com o príncipe vestida daquele jeito? Ou pior, o que eu estava pensando quando contei a verdade para ele?
Respirei fundo, livrando-me das pantufas agora sujas de terra e deixando o robe no exato lugar de antes. O que eu faria se contasse para alguém? Se ele fosse um rebelde escondido? Será que eles me matariam?
Não sei quanto tempo fiquei deitada na cama imaginando maneiras de dizer para os rebeldes que pensei que o príncipe, era qualquer príncipe; ou nas notícias do Jornal Oficial quando meu corpo fosse encontrado. Algumas vezes eu me encontrava lúcida o suficiente para perceber que eu havia escolhido certo, mas quase sempre me imaginava com um destino ruim. Não notei quando adormeci e sonhei com espalhando a todos sobre o segredo que eu lhe contara.
Os guardas me reconheceram, ou no mínimo acreditaram no uniforme de Selecionada que eu vestia, porque logo chamaram reforços por um rádio. Do caminho do portão até a entrada do castelo, uniram-se a mim mais de uma dúzia de guardas, todos armados. Eu conseguia ouvir uma multidão por ali, mas não via uma pessoa sequer além da guarda real. O discurso do rei estava acontecendo, mas ainda não entendia porque precisava da proteção de tantos homens.
- Sou o guarda Armstrong. A senhorita está bem? – um dos guardas perguntou, analisando-me clinicamente de cima a baixo. – Não tem noção de quantos de nós estão à sua procura.
- Estou bem. Não se preocupe.
- Como a senhorita nos achou?
- É uma longa história.
O guarda assentiu, mas não saiu do meu lado até chegarmos à entrada do castelo. Subimos a escadaria juntos e a porta dupla se abriu no instante em que pisamos no último degrau, revelando uma estranha comitiva: Susane Lemma, mais meia dúzia de guardas e a rainha. A RAINHA.
- Majestade. – fiz minha melhor reverência quando me aproximei, agradecendo a força de vontade que me manteve com os sapatos. Podia estar suada, suja, fedida e horrorosa, mas eu ainda era uma dama, minha mãe ficaria orgulhosa.
- Senhorita . Que bom que retornou. Temo muito por sua segurança e saúde, então, por favor, seja sincera em me responder: a senhorita está bem?
- Sim, Majestade. Nada que um bom banho e outras roupas não resolvam. – fui o mais sincera e educada que pude, afinal não ia falar para a rainha sobre minha saúde mental, a qual não estava tão calma quanto eu gostaria, nem sobre minhas mãos trêmulas que eu escondia atrás do corpo.
- Entendo. - ela deu um sorriso fraco, aceitando minhas palavras. - Eu gostaria que a senhorita aceitasse as minhas mais sinceras desculpas, algo assim jamais deveria ter acontecido. Vamos descobrir exatamente o que aconteceu o mais rápido possível.
- Obrigada, Majestade. – eu não sabia mais o que dizer.
- Sendo assim, acredito que a senhorita esteja ansiosa para ir aos seus aposentos. Vou lhe permitir dispensa do jantar se lhe for mais agradável. – ela sorriu fraco, cúmplice. – Dito isso, senhora Lemma poderia, por favor, acompanhar a senhorita até seus aposentos e garantir que ela tenha tudo que lhe é necessário?
- Com toda certeza, Majestade. – Susane fez uma reverência.
- Majestade, gostaria de lhe pedir um favor. – lembrei-me de repente, a rainha apenas indicou que eu prosseguisse com um aceno de cabeça. – Imagino que o incidente não seja de conhecimento de todos, por esse motivo, peço que não conte a minha família.
A rainha pareceu confusa.
- Não quero causar preocupações desnecessárias. – expliquei, mas era mentira. Talvez meu pai e Vic ficasse preocupados, mas minha mãe com certeza acharia que era um motivo para eu odiar o castelo. E assim que saísse, mais cedo do que ela gostaria, ela diria simplesmente que foi por falta de vontade.
- Como quiser. Está dispensada, senhorita . Peço, apenas, que se julgar necessário, passe por nossa ala hospitalar.
Concordei e, junto com todos no ambiente, fiz uma reverência ao ver a rainha partir subindo as escadas. Assim que a barra ficou limpa, Susane me abraçou apertado.
- Senhorita! Ah Céus! Que bom que você está aqui! Estava tão preocupada.
Seu ato me surpreendeu, apesar de saber que a pose elegante dela escondia seu lado amoroso e divertido, jamais pensei que Susane me abraçaria.
- Não se preocupe, eu estou bem. Nenhum arranhão.
Era verdade, apesar da longa caminhada pela cidade, conheci apenas a parte urbana da Capital - não que eu tenha alguma certeza de haver uma rural - e por isso tive menos problemas. Andei a passos tropeços por ruas e calçadas, nada que fosse perigoso ou muito aventureiro.
- Senhorita , olá. Sou o Soldado Hitt e estou aqui para conversar com a senhorita sobre tudo o que aconteceu. - um homem forte e alto de repente surgiu em meu campo de visão. Seu rosto era sério e tinha uma pequena cicatriz na sobrancelha esquerda, algo que imagino ter surgido devido a um confronto anos antes.
- Não se preocupe, Soldado Hitt. Acho que os homens só queriam assustar a família real. Imagino que precise de informações, mas infelizmente eu não tenho muito o que oferecer. Eram apenas dois homens, não vi direito nenhum dos rostos. Eles não falaram nada, apenas mandaram eu sair quando chegamos a uma área residencial que temo não conhecer. Algumas horas de viagem a pé até aqui, passei por uma ponte. Só isso que sei dizer. Agora eu realmente preciso de um banho. Precisa de algo mais?
Meu tom era levemente grosseiro. Não queria desrespeitar o soldado, sabia que ele estava fazendo apenas o seu trabalho, mas naquele momento eu precisava de privacidade. Precisava respirar.
- Podemos conversar mais tarde, se for melhor para a senhorita.
- Seria perfeito. Obrigada. - sorri e voltei a encarar minha assistente: - Susane, meu quarto, por favor.
Precisei subir dois lances de escada até o andar das Selecionadas, meus pés gritavam a cada degrau. Teve um momento que precisei me apoiar em Susane, mas ela não pareceu se importar com o peso extra.
- Já estamos chegando. - ela avisou, querendo me confortar.
- O que eu perdi? – Perguntei, tentando descontrair e tirar minha atenção das dores nos pés.
Susane riu e foi breve em suas explicações. Parecia que a família real tinha sido avisada assim que o carro foi perdido, Susane já estava no castelo naquele momento. O que me fez ter certeza que os homens foram para o lado contrário do castelo quando começaram a fugir. Os guardas partiram como loucos para procurar pela Seleciona desaparecida, Susane comentou que nunca tinha visto nada igual. Sobre a Seleção por si só, ela contou sobre o momento de transformação e beleza das Selecionadas e deixou claro que meu sumiço era segredo, principalmente para minhas concorrentes. O discurso do Rei ocorreu, mas nenhuma Selecionada participou, não era para ser notado a minha falta entre elas.
- Fui instruída para te dar o tempo necessário. Elise, Cleo e Meri estão à sua espera. - Susane disse por fim, quando parou em frente à última porta do corredor. - Eu sei que não nos conhecemos muito, senhorita, mas fico feliz que esteja bem.
- Obrigada, Susane. – Agradeci, dando um leve abraço nela. Ela realmente estava preocupada comigo, meu desaparecimento a assustara.
O quarto que seria meu durante a estadia no castelo era gracioso e enorme. As paredes eram cobertas por um tecido estampado de um azul bem claro - cor que disse ser a minha preferida. A cama ficava no centro de todo o ambiente, encostada em uma cabeceira enorme estofada com o mesmo tom da parede, mas sem estampa.
A parede à esquerda era ocupada por armários do começo ao fim, enquanto na frente da porta, do outro lado do quarto, estava uma porta de vidro - a saída para a sacada- ao lado de uma mesa com cadeiras confortáveis, além de uma poltrona combinando. Por fim, bem no canto, uma porta que devia levar ao banheiro.
- Senhorita, bem-vinda aos seus aposentos. - Elise, que claramente era a chefe entre meu trio de criadas fez uma reverência. Ela permanecia parada na frente da porta do banheiro, ao lado das outras, e usava seu tom mais formal. - Soubemos da sua chegada e tomamos liberdade de lhe preparar um banho. Trouxemos água e petiscos. Posso lhe oferecer algo a mais? Uma massagem talvez?
- Um banho é perfeito. Muito obrigada, Elise. Acho que por enquanto eu só preciso me limpar.
As meninas me deram passagem até o banheiro, que também era enorme. Havia estantes com toalhas e uma banheira, que era quase uma piscina, bem no centro. As meninas começaram a soltar os botões do meu vestido com agilidade, me ajudando a terminar de me livrar dele quando se soltou no chão.
Em casa, eu tinha criadas para me ajudar a me preparar para todas as festas, por isso me despir na frente delas não era mais um problema para mim. Meri começou a soltar meu cabelo do coque, quando sentei em uma cadeira trazida para o banheiro por Elise. Não cheguei a me olhar no espelho, mas sabia que meu cabelo já não estava mais perfeito, o que não era nada comparado aos meus pés. Assim que os sapatos foram tirados pude perceber que meus pés estavam assustadores, cada um tinha no mínimo três bolhas grandes para contar história.
- Deveria ter escolhido um par mais confortável. – Brinquei, notando que meu pé chamava a atenção de todas. Apesar de não haver risadas, senti o ar ficar menos tenso. Ninguém falaria sobre aquilo e pronto, me fazendo agradecer mentalmente a discrição.
Assim que estava completamente nua entrei na banheira, o calor da água cobriu cada centímetro do meu corpo e o fez relaxar.
- Muito obrigada, meninas. Mas por hoje é só. Por favor deixem minha roupa aqui, preciso pegar algo nela. Posso me vestir sozinha mais tarde. Gostaria, apenas, que separassem uma camisola para mim, pois não faço ideia de onde encontrar. Depois podem partir.
- Senhorita. - Mais reverências.
- E seu jantar, senhorita? – Elise perguntou, deixando Cleo e Meri voltarem para o quarto atrás das minhas roupas de dormir.
- Claro. Acho que realmente devo comer. Pode voltar com a comida daqui a uma hora, por favor, Elise?
- Sim, senhorita.
Depois disso, eu estava finalmente só. Deixei meu corpo relaxar por completo na banheira, usando a esponja para massagear cada parte dele. Eu estava chocada com a situação, sentia que ainda não tinha percebido a gravidade de tudo. Eu tinha sido sequestrada. Meu primeiro dia na Capital, meu primeiro dia como Selecionada, meu primeiro dia como marionete do príncipe e já havia sido sequestrada. Mas eu estava bem, o pior não aconteceu, aquelas homens só precisavam de uma garota dos recados e era exatamente o que eu seria. Passaria o recado para o príncipe, mentiria para o Soldado Hitt e não teria mais nada a ver com essa história.
- Senhorita? Com licença, voltamos com seu jantar.
- Já?
- Já se passou uma hora, Senhorita. - Meri falou envergonhada.
- Ah, claro. Desculpem por isso. Alguém poderia me passar a toalha?
Foi Cleo que pegou a toalha e esperou que eu saísse da banheira para me cobrir. Pedi para me secar sozinha, mais deixei que colocassem a camisola em meu corpo.
Ficamos o tempo todo em silêncio, mas não era desconfortável. Meu cabelo longo, que alcançava até a cintura foi seco com outra toalha por Meri.
- Entendo porque não queria corta-lo, senhorita. É lindo.
- Obrigada. É a única coisa que eu realmente tenho controle em minha vida. – Comentei meio amarga, mas Meri fingiu não notar a dor em minha voz.
- Dá para fazer excelentes penteados com ele.
- Sua refeição, senhorita. – Elise nos interrompeu, me convidando a ir até o quarto. Ela havia arrumado uma pequena mesa de jantar na única mesa que havia no cômodo. - Precisa de algo mais, senhorita? - Perguntou assim que me sentei para comer.
- Vocês já comeram? Eu não faço ideia de que horas são.
- Já comemos sim. Devo dizer que o jantar deve estar terminando agora, senhorita. Você sumiu por um tempo.
- Ah, claro. - Dei a primeira garfada no que parecia ser um frango com molho de ervas, estava delicioso. Naquele momento percebi o quanto estava com fome. - Vocês podem, por favor, se sentar? Eu sei que não é o mais correto, mas é muito errado vocês em pé me olhando comer.
As três riram e se sentaram em volta da mesa.
- E então? Como é a vida de vocês? Você, Elise, qual é sua história?
- Minha história? Não entendi, senhorita.
- Sim. Sua história. Eu, por exemplo, sou uma Três que passou a vida toda treinando para estar aqui. No primeiro momento que começo meu dever com meu país, sou simplesmente sequestrada. Tenho uma irmã maravilhosa, ela que deveria estar aqui. Daria uma ótima princesa. No meu tempo livre gosto de ler história e biologia, além de aprender sobre doenças com meu pai, um médico.
As meninas ficaram sem jeito. Não foi uma história muito feliz.
- Desculpem. Acho que estou um pouco cansada, mas realmente quero saber mais sobre vocês. Preciso de um pouco de distração e imagino que vamos passar muito tempo juntas, devemos nos conhecer.
Elise concordou, parecendo entender meu desespero por algo para ocupar a mente. Talvez, mas só talvez, eu estivesse com medo de ficar sozinha com meus pensamentos naquele momento.
- Eu sou casada. Casada com um homem maravilhoso que trabalha na cozinha. Nasci no castelo, assim como ele. Um dia quero ter filhos. Não tenho tempo livre, mas gosto muito de costurar vestido para a senhorita.
- Um marido? Meus parabéns! Estão casados há quanto tempo? Qual é o nome dele?
Olhei mais atentamente para Elise, percebendo o quanto ela era bela. Seus cabelos pretos estavam presos em um coque firme, realçando seu rosto e sua pele branca jovial bem cuidada. Claro que não era uma pele como a minha, que cresceu sob os cuidados dos produtos caros que minha mãe comprava, mas era uma pele real e naturalmente sedosa.
- Faz quase um ano, senhorita. Seu nome é Robson.
- Que maravilha! E você, Cleo?
- Bem... Eu sou solteira. - Ela disse, fazendo todas nós soltarmos uma risadinha. - Sou a primeira da minha família a trabalhar aqui, mas já estou faz uns bons cinco anos. É meu primeiro trabalho como criada de alguém. Comecei limpando as janelas.
- As janelas? Digo, apenas as janelas?
- Sim, senhorita. Aqui no castelo há uma equipe que limpa apenas as janelas.
Cleo era um pouco parecida com Elise, ambas tinham quase a mesma idade, um pouco mais velhas que eu, e o mesmo tom de cabelo. Mas Cleo parecia mais vibrante, com a pele mais morena e os olhos verdes.
- Nossa, não fazia ideia. E voc,ê Meri?
Meri pareceu ficar envergonhada olhando para as mãos.
- Eu tenho um namorado.
A notícia chocou todas no ressinto.
- Um namorado? Como não nos contou? - Cleo parecia surpresa. - Nós estamos trabalhando juntas fazem semanas.
- Eu sei. Desculpe. Ele não é bem meu namorado. É amigo do meu irmão. Ele é um dos entregadores, então passa pouco tempo aqui. Sabem como é.
- Você tem um irmão?
- Sim, trabalhamos aqui desde sempre. Fomos criados aqui, igual Elise.
- E como eles são? Seu irmão e seu namorado?
Meri, por sua vez, era a mais diferente entre elas. Seu cabelo castanho parecia crespo em baixo do coque cheio de gel e seu corpo era magro e minúsculo perto das curvas das outras duas. Todas elas eram adoráveis da sua maneira e com certeza se dariam bem na alta sociedade devido a beleza.
A conversa foi longa e divertida. Eu me abri totalmente para elas, senti que tinha que ser franca. Afinal, em quem mais podia confiar? Contei tudo o que eu lembrava, falei sobre minha mãe, enquanto Meri penteava e secava definitivamente meus cabelos com um secador, falei sobre Drew, Victoria e o prefeito da Província. Até comentei que não acreditava muito que ia ganhar e aceitava a derrota desde o começo já. Era o mais perto que eu podia chegar da verdade sem me meter em confusão.
Falamos tanto que ficou tarde. Eu estava morta de sono e a massagem que recebi nos pés de Cleo, que insistiu muito, foi um perfeito calmante. Era comum que as criadas dormissem no quarto da Selecionada, mas preferi deixá-las saírem. Elise agradeceu e foi dormir com seu marido. Meri e Cleo pareceram achar meio triste, mas aceitaram logo. Eu sentia que finalmente tinha algo perto de amigas, algo essencial naquele castelo. Antes de deitar na cama, lembrei de meu vestido sujo que pendia em um cabide no banheiro. Peguei a caixinha do meu presente e o bilhete no bolso, escondi no primeiro lugar que achei justo e dormi.
- O que foi? O que você tem?
Acordei assustada com as vozes que pareciam ser na porta do meu quarto. O que estava acontecendo? Apesar da repentina tontura por levantar apressada continuei até calçar minhas pantufas que trouxe de casa, pegar o robe e partir para o corredor. Haviam três Selecionadas paradas perto da minha porta, uma delas estava em pé olhando para as outras duas agachadas no chão.
- Acho que ela está passando mal. - a outra voz era mais baixa, rouca e parecia preocupada. Caminhei um pouco mais devagar, tentando entender aquela cena.
- Eu não sei! Não entendo nada do que ela fala. Que língua é essa? - a menina, que estava abaixada na altura da terceira, falava apressada e um pouco eufórica.
- Francês, acho. Li no formulário dela. - resolvi intervir, chamando a atenção delas para mim. Admito que não foi intencional causar um susto, mas achei um pouco de graça a cara de espanto das duas. - Boa noite.
Reconheci seus rostos imediatamente apesar do escuro, entretanto não tinha muita certeza de seus nomes. Caminhei mais rapidamente até a terceira menina sentada no chão do corredor com as costas na parede e a cabeça entre os joelhos dobrados. Imaginei ser a Selecionada que falava apenas francês, já que as meninas diziam não entender suas palavras.
- Sabem o que aconteceu?
- Não exatamente. Ela parece estar passando mal, mas não entendemos nada do que ela fala. - a Selecionadas que estava abaixada explicou, se levantando para abrir espaço para mim.
- Querida, você me entende? - perguntei para a menina sentada no meu melhor francês. Sorte que era uma das línguas obrigatórias para estudo de minha mãe.
A menina, chamada Anne Marie - nome que lembro devido a sua marcante característica de não falar nossa língua - me encarou surpresa. Seu rosto havia perdido totalmente a cor, mas ela conseguiu assentir. Anne Marie era uma francesa, nascida e educada entre os solos internacionais, o que significava que seu único meio de se comunicação era o francês.
- Anne, o que você sente? Fale comigo, por favor. - perguntei ainda em francês, me abaixando para encará-la de frente.
- Me sinto mal. Sinto que vou vomitar a qualquer segundo! Esse lugar é assustador. Acho que preciso de um ar fresco. - ela parecia nervosa, falando rápido e um pouco embolado, mas eu havia captado sua mensagem.
- Certo, vamos atrás disso. Eu te ajudo. Respire fundo e devagar.
Dei suporte e ajudei-a a levantar percebendo a dificuldade de Anne as outras meninas, que nos analisavam surpresas, também ajudaram ela a sair do chão. Era evidente que Anne Marie estava um pouco tonta e fraca, sua respiração era descontínua e acelerada.
- Vou levá-la para tomar um ar, depois para a ala hospitalar. Caso perguntem. - falei para as outras duas, usando nosso idioma habitual.
- Tudo bem. Espero que ela fique bem.
- Eu também. - olhei preocupada para a menina em meus braços. - Acho melhor vocês entrarem, não é correto ficar nos corredores.
As duas concordaram, voltando para seus aposentos e fechando a porta atrás de si imediatamente. Pelos cochichos vindo dos quartos, eu era a única que dormia sozinha. Eu e Anne Marie, porque se ela tivesse com as criadas já estaria na ala hospitalar há tempos. Tentei entender porque as criadas não saíram no corredor para ajudar Anne, mas provavelmente foi apenas alguma ordem ridícula das duas Selecionadas.
Descer as escadas foi bem difícil, ainda mais porque, por incrível que pareça, não tinha qualquer guarda para ajudar. Carreguei quase o peso todo de Anne até o andar térreo, agradecendo por ela ainda estar consciente. Consciente era bom.
- Você vai ficar bem. Não se preocupe. Tem ideia para que lado fica o jardim? - perguntei, lamentando ter perdido as apresentações iniciais do castelo que Anne certamente tivera.
Apenas indicando com os dedos, Anne nos levou as imensas portas de celeiro que levavam para o lado de fora. Era evidente que ali era uma passassem para longe da segurança do castelo, pois dois guardas permaneciam parados de vigia. Cheguei e achar que eles apenas impediriam as pessoas de entrarem, mas estava errada. Estávamos presas, o jardim não era permitido para nenhuma de nós naquele horário.
- Por favor. Ela está passando mal! Pelo amor! Vocês não tem coração, não? - eu estava quase perdendo o controle. Eu já tinha pedido, implorado, quase mostrado lágrimas falsas e usado meu melhor charme, mas nada tirava os guardas da frente da porta.
- São ordens, senhorita. Sinto muito. - ele repetia.
- Deixar uma das Selecionadas passando mal é ordem? Vocês querem nos matar, é isso?
- Não, senhorita. Só que... - o guarda parou de falar. Seus olhos, de repente, estavam focados em algo atrás de mim e Anne, me fazendo virar e olhar na mesma direção. Lá estava um deles, atrás de nós vinha o filho mais novo do rei e da rainha. O filho que não fazia parte da Seleção, o príncipe .
- Podem deixá-las sair. - o príncipe anunciou, indicando com as mãos que as portas deveriam ser abertas.
- Viu, Anne? Falei que íamos conseguir. - soei o mais protetora e calma possível, ajudando uma Anne, já cansada de ficar em pé na frente daquela porta, a caminhar até o imenso jardim. - Vamos nos sentar ali. Tá vendo? Tem um banco.
Anne concordou, e caminhou comigo até o banco mais próximo da saída. Assim que Anne sentou, baixou a cabeça e vomitou. Parecia que todos tinham experimentado o maravilhoso frango com ervas no jantar. Foi Anne vomitar que os três homens se aproximaram para verificar se estava tudo bem. Ótimo! Agora eles acreditavam em mim. Ela estava passando mal há tempo, amigos. Me segurei para não revirar os olhos.
- Não toquem nela. - pedi, prevendo a movimentação dos guardas. O príncipe parecia querer ajudar, mas ficou mais atrás, sem muita reação. Voltei-me para Anne. - Não se preocupe, cuidamos da sujeira depois. Respire. Precisa estar melhor para ir até a enfermaria.
- Obrigada. De verdade. - Anne disse antes de vomitar novamente.
Após alguns minutos, Anne parecia bem o suficiente para ir até a enfermaria. Um dos guardas a ajudou, fazendo um trabalho bem melhor que o meu. Eu estava pronta para acompanhar Anne, mas o príncipe pediu gentilmente que eu ficasse. Concordei, apesar de achar que eu não podia dizer não a qualquer coisa que ele falasse.
- Pedi pra que ficasse porque não tinha motivos para a senhorita acompanhá-la, afinal, acompanhantes não são permitidos na enfermaria. Entretanto, não se preocupe, já convoquei um dos tradutores para ajudar a senhorita…
- Anne. O nome dela é Anne Marie.
- Senhorita Anne. - o príncipe concluiu, parecendo fazer uma nota mental. - Você poderia me explicar o que aconteceu? Por gentileza.
O príncipe começou a andar pelo jardim, fugindo do banco e indicando que eu o seguisse. Eu o acompanhei lentamente, dando passos pequenos na grama fofa e seca, enquanto o guarda restante se limitou a ficar na porta, agora aberta, nos observando.
- Bem... Eu acordei e ela estava sentada no corredor passando mal. Quer dizer, duas meninas tinham visto e tentavam ajudar, mas não entendiam nada do que Anne falava. O barulho chamou minha atenção e fui ajudar.
- Muito gentil da sua parte. Não sabia que falava francês.
- Qualquer um teria feito isso. Pelo menos alguém que falasse francês. - comentei, lembrando de como Anne estava encolhida no corredor. - Eu gostaria de… Obrigada por nos deixar passar, acho que ela realmente precisava disso.
- Claro. Eu sinto muito pelos guardas, mas eles realmente não tem permissão para deixá-las sair. É perigoso.
Dei uma risada fraca. Pelo jeito tudo era perigoso naquele lugar, pelo menos andar de carro podia ser.
- Seus guardas são… Obedientes.
Foi a vez o príncipe rir.
- Claro que são. Eles têm medo.
- O que acontece se não forem obedientes? - perguntei curiosa, fazendo o príncipe me olhar estranho. Não sei dizer se ele me achou uma burra, uma ingênua ou uma metida naquele momento. - Desculpe, eu não queria me intrometer.
- Não precisa se desculpar. Eu só não sei se você pode saber dessas coisas. Se for princesa você saberá, é claro, mas por enquanto é melhor manter a dúvida.
- Se eu me tornar princesa, vou dar uma ordem clara para os guardas abrirem a porta para pessoas passando mal. - foquei na primeira palavra, deixando claro para mim mesma que aquilo não aconteceria.
- E a senhorita? Como está? O ocorrido não a deixou mal?
- Não se preocupe, eu estou bem. Meu pai é médico, ele já teve que atender pessoas em casa. - falei, como se fosse uma justificativa o suficiente para provar ao príncipe que não vomitaria. - Estou acostumada.
- Então, você é uma Três?
- Sim. Sou uma Três. - dei de ombros.
- Você não parece ter orgulho da sua Casta. - o príncipe constatou.
Gelei. Meu desgosto com minha vida não se baseava somente em minha Casta, mas principalmente na parte que ela se tornava superficial e regrada, e era esse o problema. Entretanto não podia falar nada disso para o príncipe . Admitir que não queria estar ali estava fora de questão.
- Eu sei, me desculpe. Sou uma Três sim. Nascida e criada entre os favorecidos. - melhorei minha voz, mostrando pelo menos uma gratidão.
- Uma Três então. Deixe me pensar. Você só pode ser Trace, ou Megan. - o príncipe disse, contando nos dedos. - Desculpe, eu ainda não consegui decorar todos os rostos. Mas revisei seus currículos ao máximo, até porque meus pais me obrigaram a isso, eu devo parecer o mais cavalheiro possível. - ele arregalou os olhos. - Ops, acho que eu não deveria ter lhe contado isso. Não é muito cavalheirismo da minha parte. - ele terminou bagunçando os cabelos envergonhado, o que me fez rir.
- Não se preocupe, Alteza, seu segredo está a salvo comigo.
- Obrigado.
- Mas se quisesse saber meu nome, podia apenas ter perguntado. - comentei, tentando deixá-lo mais à vontade.
- Sério? Simples assim?
- Você não tem ideia de como as coisas podem acontecer se seguirmos o caminho mais fácil.
- Talvez eu goste do caminho mais difícil. - ele voltou a me olhar, soltando um sorriso de lado.
- Talvez isso seja um problema, se me permite dizer.
- Por quê? - o príncipe estava curioso.
- Acho que você ficará entediado fácil ao longo da vida.
- Entediado?
- Sim.
- Por que acha isso?
- Você é um príncipe. A função das pessoas é facilitar sua vida.
- Talvez você tenha razão. - Príncipe pareceu pensar um pouco, depois deu de ombros e continuou: - Vamos tentar do seu jeito então. Qual é o seu nome?
Sorri. Até que o príncipe era um cara legal, ele era descontraído e bem menos mesquinho do que eu imaginava. Talvez, já que não passaria tanto tempo com seu irmão, eu poderia ter uma amizade com ele, gastar o tempo livre durante a Seleção ao seu lado. Até eu ir, pelo menos.
- Meu nome é , Alteza. - Parei de andar para apenas para fazer uma leve reverência.
- ? Então, foi você que foi sequestrada hoje de tarde?
Respirei fundo. Claro que ele saberia, é um dos príncipes. Voltei a caminhar pelo jardim, me sentindo um pouco cansada de repente.
- Sim. Fui eu.
- Eu fiquei tão chocado. Meus pais e … Era ruim de ver. Acho que além de temer por sua segurança, eles estavam com medo do que poderia acontecer caso…
O príncipe arregalou os olhos, estava claro que nem sempre ele era capaz de controlar sua língua.
- Caso eu morresse. - Completei. Não estava brava com ele, afinal era verdade. O que o país pensaria se uma Selecionada fosse morta? Nada bom.
- Desculpe.
- Não precisa se desculpar. Você tem razão.
- Foi muito inesperado. Ninguém chegou a pensar que os rebeldes teriam coragem de fazer algo assim.
- Você acha que foram os rebeldes?
- Acho. Todos acham. Achei que já tinha falando com o Soldado Hitt. Ele teria te contado nossas suspeitas.
- Eu me encontrei com ele, mas estava tão cansada... Devo admitir que fugi um pouco. - Naquele momento eu corei, admitir minha imprudência era um tanto vergonhoso.
Entretanto, em vez de se mostrar irritado, ele riu. Um riso gostoso e alto.
- Desculpe. - Ele falou, se esforçando para parar de rir. - Imaginei a cara do Soldado Hitt quando você o dispensou.
- Como assim?
- O Soldado Hitt é responsável pela segurança do castelo desde que sou pequeno. Então quando eu fugia pelos portões… - O príncipe riu de novo. - Posso dizer que não era fácil voltar e encontrar com ele. Não imaginei que ele pudesse se amedrontar por uma menina.
- Uma menina? - Devo ter feito uma cara relativamente feia para o príncipe, pois ele parecia não entender nada.
- A senhorita é uma menina, não?
- Claro que eu sou uma menina. A questão não é essa.
- Então, qual é a questão, senhorita?
- Acha que é melhor que eu porque é um menino? Se for porque é um príncipe, eu até aceito. Afinal, sou apenas uma pessoa comum. Mas ser uma mulher não me torna inferior. - Dei meu melhor discurso. Foram anos até provar para Drew que ele não era melhor que eu, homens às vezes eram mais fortes ou até mais rápidos - como no caso de Drew - mas minha leveza me davam muitas outras capacidades. Eu, por exemplo, era muito mais rápida subindo em árvores que Drew e sempre ganhava quando brincávamos de esconde-esconde na infância.
- Não quis dizer isso, desculpe. - Ele pareceu envergonhado. Ótimo. - Eu não acho a senhorita inferior ou fraca. Na realidade, admiro o jeito que tratou seu sequestro hoje à tarde. Minha mãe me contou sobre a conversa de vocês.
- Não entendo…
- Achamos que você pediria para sair da Seleção. Assim que retornasse para cá, quer dizer, assim que fosse encontrada. Mas nada disso aconteceu, você chegou aqui sozinha, não derramou nenhuma lágrima e foi firme falando com minha mãe. Quer dizer, ela é a rainha, poxa!
- Ela acha que eu a tratei mal? Se fiz, foi completamente sem intenção.
- Não, . Ela acha que você a tratou como deveria, a tratou com prioridade e respeito, quando a atenção devia ser para você. Eu não sei o que faria no seu lugar. Imagine! Ser sequestrado!
- Você nunca foi? Sequestrado?
- Não, é claro que não! Você acha que é algo comum?
Dei de ombros. Nada era comum em um castelo, na minha concepção. Então, quem sabe, sequestro dos rebeldes fosse parte da programação anual.
- Como foi? Eles não falaram nada para a senhorita?
Tive que pensar no que responder, era um príncipe, mas eu sabia que não era desse príncipe que os homens do carro se referiam. Eu confiava nele, quer dizer, ele é da família real! Não ia espalhar segredos do país por ai, mas ainda assim preferi continuar na minha.
- Não muito. Nada importante.
Eu não devo ter parecido muito confiante, pois o príncipe suspirou antes de falar.
- Olha… Eu sei que não sou meu irmão, que não serei o próximo rei e também sei que não exalo confiança e poder. Entretanto, talvez, eu possa te ajudar. Digo, se tiver acontecido algo, ou esteja com vergonha…
Vergonha? Do que eu teria vergonha? De ter chorado? Do estado que cheguei? Procurei respostas no rosto do príncipe e encontrei. Fiquei confusa no começo, mas logo entendi as insinuações do homem.
- Não. Não. Nossa, não aconteceu nada desse tipo. Eles nem encostaram em mim. Foi apenas uma conversa. - Não podia permitir que pensassem que um homem qualquer havia tirado minha pureza.
- Então, teve conversa.
Foi aí que eu percebi: o príncipe havia me usado! Ele já imaginava que os sequestradores não eram sujos aquele ponto. Ele só queria arrancar algo de mim.
- Ei! Eu entendi seus joguinhos. Você me enganou! Você insinuou coisas horríveis para que me fazer abrir minha boca. Que coisa feia, Alteza!
Eu queria ter ficado brava, mas não podia culpá-lo. Apesar de um pouco errado, havia sido uma jogada bem inteligente. No lugar dele, se tivesse tido a ideia, faria a mesma coisa.
- Você tem razão, eu talvez tenha te enganado um pouco. Me desculpe por isso. - Ele riu baixo, percebendo que eu não tinha realmente ficado ofendida. - Mas eu realmente queria saber o que aconteceu, porque quando a senhorita conversar com Hitt, ele vai contar para o meu irmão, que vai contar para meu pai, que vai contar para minha mãe. Eu só vou saber pedaços da história. - Ele pareceu frustrado, uma criança deixada de lado.
- Eu... Eu não sei se posso contar. Se eles souberem...
- Não tem como alguém saber. Estamos apenas nós dois aqui. - O príncipe disse mostrando que nós já tínhamos caminhado bastante pelo jardim e que dali só era possível ver os guardas - agora dois novamente - lá longe na porta de entrada. Era impossível que ouvissem algo, devido à distância.
- Mesmo assim. Sinto muito, Alteza. Depois de contar ao outro príncipe, eu contarei ao senhor. Pode vir me procurar. Eu prometo.
- Senhor? - Ele riu. - Alteza eu até consigo aguentar, mas “senhor” é demais para mim. Você é mais velha que eu!
- Tem razão. Só Alteza a partir de agora. Prometo.
- Na verdade, , como foi oficialmente a primeira Selecionada que eu conheci. Acho que pode me chamar de .
Sorri. Cheguei a cogitar a ideia do príncipe ficar bravo comigo e me obrigar, usando seu poder real, a abrir a boca. Mas é claro que ele era legal demais para fazer aquilo.
- Será então. Espere, você disse que não conheceu nenhuma Selecionada ainda?
- Disse. As apresentações formais só serão amanhã de manhã. Quer dizer, hoje. - disse, olhando para o relógio que tinha no pulso. Claro, mais tarde quando o encontro passasse na TV, no momento eu que eu deveria entregar o bilhete. - Passamos um bom tempo conversando, . Receio dizer que temos que voltar.
- Certo. Sem problemas. Eu só queria perguntar uma coisa, .
- Claro, qualquer coisa.
- Mas é hipoteticamente. E dependendo da resposta, eu talvez precise de ajuda.
pareceu pensar.
- Que tipo de ajuda?
- Eu prometo concordar com a sua opinião a respeito, seja qual for. Então imagino que o tipo de ajuda que eu precisar será de sua vontade.
- Você está me deixando muito curioso! Aceito te ajudar se necessário. Caso não seja nada vergonhoso ou ilegal. - Ele completou rapidamente.
- Obrigada. - Fui obrigada a sorrir. - Prometo seguir suas regras.
Escolhi parar de andar para conversar com o príncipe, afinal não havia motivos para continuar seguindo para longe, mas com certeza eu não queria ir para mais perto. Procurei seus olhos, esperando encontrar ali qualquer reação as minhas palavras.
- Digamos que, hipoteticamente, os rebeldes tenham me deixado uma mensagem única e exclusivamente para seu irmão. Uma mensagem que, imagino, não ser nada boa e as instruções são claras: só devo falar isso quando estiver a sós com o príncipe. Isto é. Depois de entregar o papel no encontro oficial, ele deve vir me procurar. Eu deveria adiar ao máximo meu contato com o príncipe? Evitando que algo ruim aconteça.
estava atento às minhas palavras, entendendo que de hipotético a situação não tinha nada.
- Você estava pensando em evitar o príncipe? Como pretendia fazer isso? - Foi nisso que ele reparou?
- Não sei. Talvez fingir estar doente. Ou dormir. Me perder no castelo no horário de algum encontro. Coisas do tipo.
achou graça das minhas ideias.
- Entendi. Talvez funcionasse. Pensando bem, acho que realmente daria certo. Só acho estranho você arriscar sua relação com o príncipe logo no começo. Ele poderia te mandar embora rapidamente.
Eu estava começando a dar bandeira demais, sempre me pegava quase contando a verdade para as pessoas do castelo.
- Pensei nisso. Mas achei que valeria à pena. Ir embora no começo, seria como não entregar a carta. - tentei soar o mais natural possível.
- O papel é uma carta?
- Não sei, não cheguei a ler. Achei que seria errado.
concordou.
- Pois bem. Se quer minha opinião, vou falar. Eu acho que gostaria de saber imediatamente para tomar as providências necessárias. Acho que em vez de fugir do príncipe, você deveria correr direto ao seu encontro.
- Mas...
- Não tem “mas”, . Eles podem estar ameaçando todos nós. Quanto mais tempo a família real tiver para se preparar, melhor. Acho que você não entende a gravidade da situação.
- Eu entendo. Talvez só esteja com... Medo.
ficou nervoso por um segundo.
- É normal ter medo. Só acho que você e deveriam conversar. Na realidade, acho que deveriam conversar imediatamente. Se for longe das câmeras, os rebeldes não saberão que lemos a carta antes. Teríamos mais tempo. Seria perfeito.
- Agora? Eu nem estou com as coisas aqui. E acho que seria bem suspeito encontrar o príncipe agora. As meninas viram que eu saí. - Além do mais eu estava de camisola e robe. Não tinha percebido o meu estado até o momento. Usei os braços para cobrir o corpo e senti meu rosto queimar de vergonha. percebeu e o mais discreto possível virou o rosto, me dando mais privacidade com meu recém descoberto desconforto.
- Tem razão. - ele pareceu pensar. - E se eu lhe acompanhar até seu quarto agora, para saber qual é, e amanhã, antes do café eu passar para te buscar? Então eu e você podemos encontrar meu irmão em um lugar mais seguro. - Ele perguntou, já caminhando comigo para dentro do castelo.
- Tudo bem. Estarei pronta.
Subimos as escadas em silêncio e eu acenei antes de adentrar em meu quarto e fechar a porta atrás de mim. Estava infinitamente grata por estar de volta, ali a camisola era apropriada. Onde eu estava com a cabeça de aceitar conversar com o príncipe vestida daquele jeito? Ou pior, o que eu estava pensando quando contei a verdade para ele?
Respirei fundo, livrando-me das pantufas agora sujas de terra e deixando o robe no exato lugar de antes. O que eu faria se contasse para alguém? Se ele fosse um rebelde escondido? Será que eles me matariam?
Não sei quanto tempo fiquei deitada na cama imaginando maneiras de dizer para os rebeldes que pensei que o príncipe, era qualquer príncipe; ou nas notícias do Jornal Oficial quando meu corpo fosse encontrado. Algumas vezes eu me encontrava lúcida o suficiente para perceber que eu havia escolhido certo, mas quase sempre me imaginava com um destino ruim. Não notei quando adormeci e sonhei com espalhando a todos sobre o segredo que eu lhe contara.
Capítulo 4 - Selecionada
Cumprimentei com uma reverência quando o mesmo me encontrou do lado de fora do meu quarto. Como havíamos combinado, eu acordara cedo para me arrumar para nosso encontro - nada romântico - pré café da manhã e, com a ajuda das minhas criadas, as quais chamei mais cedo que o habitual, eu estava pronta quando ele bateu a porta.
- Está linda, . - ele falou baixo, evitando acordar as outras. - Apesar de que uma camisola também combina bem com a senhorita.
Senti meu rosto queimar novamente, é claro que ele não ia deixar de fazer alguma brincadeira sobre meu desconforto na noite anterior.
- Obrigada.
- Trouxe tudo? - parecia tenso, referindo-se a carta que eu havia contado horas antes.
- Sim. Podemos ir.
Caminhamos em silêncio por todo o corredor, com medo de acordar qualquer Selecionada, já que não podíamos ser vistos juntos. Entretanto, foi só chegar ao pé da escada que ele voltou a falar.
- Como você já deve ter presumido, aquele é o andar das Selecionadas. Comporta apenas quartos e o usamos quando há festas grandes por aqui, para abrigar os visitantes. Vocês só preencheram parte do corredor, então acredito que no decorrer da Seleção terão mais companhia. O andar superior tem meu quarto, e o do resto da minha família. Além do escritório do meu pai e irmão. Aqui em baixo temos a maior parte das coisas. - o príncipe explicava, me conduzindo pelos corredores. - Ali é o jardim, como você já sabe. Aqui é a Salão das Refeições - ele indicou uma porta que ficava relativamente perto da escadaria. - No fundo do corredor o Salão das Mulheres, onde homens, incluindo guardas, só podem entrar com permissão da rainha.
Fiquei admirada.
- Um lugar único para mulheres?
- Sim. Isso te deixa feliz?
- Muito! Sua mãe pode fazer qualquer coisa ali.
- Às vezes acho que a senhorita é contra nós.
Eu ri.
- Não tenho nada contra homens, . Só não concordo com a ideia que as mulheres precisam de vocês para viver. Tenho muito medo de acabar como uma marionete do meu marido.
- Você acha que meu irmão a trataria como marionete?
Fiquei vermelha, eu e minha enorme boca de novo.
- Eu não conheço seu irmão para saber, . Mas sei que a sociedade nos educa assim e sei, também, que tem outras 34 garotas querendo seu irmão. As minhas chances são bem pequenas.
- Sinceramente, . Pelo pouco que conheço da senhorita, devo dizer que nenhum homem seria capaz de tratá-la como marionete, se você não permitisse.
- Obrigada, . De verdade. - não parecia saber o quanto aquilo significava para mim, mas suas palavras acalmaram um pouco um medo que eu tinha desde sempre. Pelo menos alguém, além de Drew, acreditava em mim.
Pelo resto dos corredores, o príncipe me mostrou onde ficava o Salão Principal e a biblioteca, na qual entramos. Era linda! Nunca tinha visto tantos livros juntos. As estantes cobriam todas as paredes até o teto, que era alto, o castelo tinha o pé direito mais alto que eu já tinha visto. Haviam escadas para alcançar os livros mais altos. Aquele lugar não chegava perto da biblioteca no qual minha mãe trabalhava, nada chegava perto daquela imensidão. Entretanto, eu não pude analisar mais, pois pigarreou para chamar minha atenção.
- , esse é meu irmão: o Príncipe .
O príncipe estava sentado em um dos sofás que se encontrava no meio da biblioteca, usava o mesmo terno azul marinho engomado do irmão, provavelmente algum uniforme formal de militar. Claramente escolhido para as apresentações que ocorreriam entre eles e as Selecionadas mais tarde, depois do café da manhã. Me aproximei do sofá, fazendo o príncipe se levantar para me cumprimentar.
- Alteza. - me limitei a dizer, fazendo uma bela reverência.
- O que? O que você faz com isso? - o príncipe herdeiro falou, me deixando desnorteada. Nada de cumprimentos e sorrisos, ele me olhava assustado com o dedo apontado para meu peito. Levei a mão ao meu colo na defensiva, sentindo o colar.
- O colar?
- Sim! O colar! Onde o encontrou? - ele falava alto, acusatório. Dei um passo para trás.
- Eu… Eu o ganhei. - me repreendi por gaguejar. O que aquele cara estava fazendo?
- , o que foi? - interveio aproximando-se mais do irmão.
- Aquele colar. - o príncipe nem olhou para o irmão, permanecia com os olhos fixos na pedra azul presa ao meu pescoço. - É meu!
- Seu? Mas eu… - foi então que a minha ficha caiu.
Eu havia ganhado aquele colar de presente de uma fã, o que significava que desde o começo eu havia sido alvo dos rebeldes. Desde o começo da Seleção. Corri os dedos para o fecho do colar e o tirei, de repente ele me parecia combinar muito com a carta que tinha no bolso.
- Desculpe, Alteza. Eu não sabia…- estendi o colar para o príncipe.
- , eu não estou entendendo nada. Como esse colar poderia ser seu?
- Comprei para dar de presente para nossa mãe… Dois anos atrás. Foi roubado em um dos ataques. - ele disse, olhando finalmente para o irmão. Depois resolveu aceitar o colar, recolhendo-o de minha mão, tomando todo o cuidado do mundo para não tocar em minha pele.
Ele tinha nojo de mim? Claro que tinha! Ele acha que eu roubei o colar de sua mãe.
- Eu o ganhei, Alteza. Saindo da minha Província, uma menina me deu.
- Na sua Província? - foi que falou. - Acho que temos problemas maiores do que pensávamos.
parecia acreditar em mim, mas o príncipe deixava claro suas suspeitas, será que ele pensava que eu era uma rebelde? Provavelmente sim. Mas como eu poderia provar ser algo que não era?
- Concordo com você, . - ele olhou para mim e depois para o irmão, suspirando e baixando um pouco a guarda, mas ainda me parecia assustador. - Vamos lhe dar o ar da dúvida, senhorita. Por favor, sente-se.
Quando ele se dirigiu a mim, senti minha respiração falhar. Não foi devido a sua beleza, seus músculos marcados por baixo da roupa ou os olhos brilhantes, foi seu tom. Dúvida. Se eu, sem querer, me provasse ser quem ele pensava. Se algo na carta em meu bolso me acusasse, eu estava morta. Corria risco de vida pelo segunda vez na Seleção.
Eu não sabia o que fazer, não tinha certeza sequer se poderia fazer algo, então a única coisa que fiz foi sentar em um dos sofás no recinto, de frente para o príncipe. sentou ao lado do irmão e apesar de eu saber que ele estava certo, pensei que teria um pouco mais de apoio naquele momento. Burra.
- Conte tudo, . - o príncipe mais novo pediu.
- Sobre o colar, eu não sei como explicar. Estava saindo do carro, indo para a estação de trem… - tentava ao máximo pensar nas minha palavras, buscando algo que pudesse me incriminar antes de dizer aos príncipes. - As pessoas estavam sendo barradas pelos seguranças e eu estava me comportando e falando com o menor número de pessoas possível. Mas então uma garotinha passou pelo seguranças, não sei exatamente como, acho que por baixo das suas pernas de um deles, porque ela era tão pequena que devia ter uns seis anos. Ela caiu no chão, sozinha! Eu só ajudei, daí ela me deu um presente. - respirei fundo. - Eu achei que a pedra era falsa, Alteza. Pois imaginei que ela não teria tanto dinheiro para comprar algo assim. Eu entreguei meu colar pra ela e coloquei esse na hora. Jamais pensei que pudesse ter algo errado. Eu… Me desculpe. - lamentei, sem saber se tinha sido convincente o suficiente. - Eu não sou uma deles, Alteza. Por favor, não me mate.
Minhas mãos tremiam em meu colo, eu me sentia mais ameaçada ali do que naquele carro. A arma era menos agressiva que os olhos desconfiados e superiores de . Envergonhada escondi as mãos trêmulas embaixo do vestido, reparando nele pela primeira vez.
A seda rosa clara da saia era sobreposta por um tule bordado perto da cintura, deixando-me com um ar nobre, já o corpete, justo até o máximo, seguia o bordado da saia até o alto do decote, o vestido era perfeito para ser apresentada ao príncipe, disseram Elise e Cleo. Lembro de Meri dizendo que o rosa combinava com meu colar azul, que eu havia escolhido usar naquele dia.
- Não vamos matá-la. Você é insana, garota. Tem cada ideia. Mesmo se fosse uma rebelde, precisaríamos de mais motivos para matá-la. - foi que reagiu às minhas palavras. - Conte o que você precisava contar.
Pelo olhar de , ele talvez concordasse mais comigo do que com o irmão. Se eu fosse uma rebelde, não seria tão difícil me matar assim. Engoli em seco.
- Eu estava saindo da estação, aqui na Capital, quando aconteceu… - e então eu contei. Cada parte. Cada mínimo detalhe e instrução que me foi dada. Contei do que lembrava da aparência dos homens, o que lembrava do lugar. As únicas coisas que deixei de fora foram minha decepção ao perceber o que fazia com meus fãs e minhas lágrimas e dores pelo trajeto.
Entreguei o bilhete ao príncipe, rezando que não tivesse nada que me incriminasse. Eu e ficamos em silêncio enquanto o príncipe se detinha nas palavras, não tive coragem de encarar o mais novo, por isso gastei o tempo brincando com os bordados da minha saia. Ao terminar de ler, respirou fundo e bagunçou os cabelos, olhando para e depois para mim.
- Temos um problema. - ele parecia preocupado, talvez triste e até um pouco menos ameaçador.
- Que problema?
- Eles querem ela. - o príncipe mais velho disse para o irmão, apontando com a cabeça em minha direção.
- Como? - imagino que minha confusão tenha sido claramente estampada na minha expressão. - Eles querem me sequestrar de novo?
fez que não com a cabeça, me deixando um pouco mais aliviada, mas eu ainda não conseguia entender.
- O que está escrito, ? - perguntou, para a sorte dele - pelo menos no quesito sobre minha opinião em seu caráter- ele parecia bem desconfiado.
se arrumou no sofá, sentando mais firme, mais parecido com um rei.
- Eu faço contato com os rebeldes há tempos. Eles, assim como eu, concordam que as Castas são duras e nem sempre necessárias. As pessoas precisam poder escolher sua profissão, precisam ter direito de ganhar mais dinheiro e tentar crescer na vida. - O príncipe parecia um pouco nervoso. - Os rebeldes nortistas aceitaram parar de fazer tanto estrago no castelo, concordam comigo que a mudança precisa ser aos poucos. Aceitam esperar até meu reinado.
parou para pensar. Processar tudo aquilo era muito para ele, mas para mim não, já havia pensando no sistema socioeconômico do nosso país. Eu entendia e concordava com o príncipe e, olhe só, com os rebeldes. Era estranho uma Três querer o fim de algo que beneficiava sua Casta, mas eu, talvez uma exceção, sofria com o cargo que uma nobre Três devia carregar. Eu queria ser mais comum que aquilo e queria poder escolher sozinha meu destino.
- O que não entendo, Alteza, é o que eu tenho haver com isso?
- Eu nunca realmente fiz contato com eles. Não pessoalmente, quero dizer. Nós trocamos cartas e relatórios, enviados pela criadagem do castelo. Isso nunca os satisfez, eles sempre acharam que eu estava pouco comprometido. Achavam que eu devia doar mais de mim, já que cessando os ataques eles davam tanto.
- E quando eles dizem doar mais de você, eles se referem a mim. - conclui, recebendo apenas um aceno de cabeça derrotado para confirmar minhas suspeitas.
- Eu entendo que não podemos fazer isso, colocar você em risco. Não se preocupe, eu vou pensar em um jeito. - ele disse bagunçando os cabelos mais uma vez, do mesmo jeito que o irmão. Ele estava nervoso. Eu sabia que talvez não houvesse outro jeito.
- Eles são perigosos?
- Eles podem ser. Mas depois que criamos o acordo, estão realmente bonzinhos.
- As criadas, elas voltam bem?
- Sempre.
- Então, eu vou.
- , o que você acha que está fazendo? - perguntou chocado.
- Eu já os vi, . Duas vezes, imagino. Aquela pequena menina era um rebelde, não era? A que me deu o colar. - fiz a pergunta ao futuro rei.
- Provavelmente sim.
- Os homens no carro também. - dessa vez eu afirmei. - Eles podiam ter me matado e não fizeram. Acho que eles buscam uma aliada… Eu só não entendo porque.
- Eu sinto muito sobre o ocorrido ontem, senhorita . Não tive tempo para me desculpar, mas nossa mãe disse que estava tudo certo.
- Tudo bem.
- Nossa segurança deveria estar preparada para isso, saiba que estamos investigando.
- Eu entendo.
- Eu acho que sei o motivo. - falou, chamando nossa atenção. - Digo, sobre eles talvez terem escolhido você como cúmplice.
- E qual seria esse motivo? - o príncipe parecia desconfiar da capacidade do irmão de chegar a alguma conclusão viável.
- Você deu bem mais tempo para eles se prepararem, por ser quem é. Imagino que eles a sigam bem antes da Seleção.
- Porque eles já sabiam que você entraria. - pareceu considerar, olhando curioso e atento para mim pela primeira vez. Agora eu era novamente uma pessoa em seus olhos, talvez tenha percebido que eu era a primeira Selecionada que conhecia.
- Por que sou uma .
A ideia me consumiu. Eu era mais que uma marionete do príncipe, eu era uma marionete dos rebeldes agora. Eu, a única menina que todos do reino sabiam que iria para o castelo assim que a Seleção fosse anunciada. Ri amarga. Quanto tempo eu tive uma vida que não era minha? Os rebeldes preparam meu futuro desde quando? Eu era observada, seguida até mesmo quando estava em casa.
- , você está bem? - queria saber, mas eu mesma não sabiam responder a essa pergunta.
- Eu preciso de um ar e me juntar as Selecionadas. - comentei, ficando de pé. - Farei o que for preciso, príncipe . Hoje, na nossa apresentação te entregarei esta carta. - avisei, pegando o papel de sua mão. - Prometo não ler nada do que está escrito.
- Senhorita… - ele queria falar, mas naquele momento eu não queria escutar.
- Desculpe, Alteza. Eu preciso de um tempo agora, quando quiser que eu vá me encontrar com os rebeldes, mande alguém me explicar tudo e eu irei. Qualquer hora. Qualquer momento. O senhor não terá problemas comigo.
Sai da biblioteca a passos largos, querendo ao máximo sair da presença daqueles dois homens. Precisava pensar. Agradeci a mim mesma por ter prestado atenção no tour de , sabia exatamente por onde seguir para ir até o jardim.
Entretanto minha jornada até o lado de fora foi interrompida por Anne. Ela descia as escadas sorrindo, como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Assim que me viu, seu sorriso só aumentou.
- Olá! - ela tinha um pouco de sotaque do interior em seu francês. - Eu gostaria muito de te agradecer por ontem, esperava mesmo encontrá-la!
- Não se preocupe, Anne. Não fiz nada demais. - dei de ombros sorrindo, aceitando que ela se aproximasse. Percebendo que uma mulher um pouco mais velha a acompanhava de perto.
- É minha tradutora. - ela explicou, notando meu olhar. - Eu preciso dela para falar com as outras Selecionadas.
- Ah, claro.
- Você já estava indo comer? Eu estou faminta! Espero que nossos lugares sejam lado a lado…
Não tinha muito o que responder, Anne era extremamente extrovertida quando não estava doente. No fim, me vi quase sendo puxada por Anne para o Salão das Mulheres. Ela falava algo sobre o quanto a enfermaria tinha feito milagres com ela, quando chegamos realmente ao lugar. O Salão era incrível, muito maior do que eu podia imaginar.
No centro de todo o espaço estavam uma série de mesas redondas gigantescas, que deveriam, por si só, ocupar todo o Salão, mas não. Além das mesas para todas as Selecionadas e convidadas para aquela refeição, existiam ali sofás, uma TV e móveis que pareciam mais aparadores do que qualquer outra coisa.
As mesas já estavam quase todas cheias por Selecionadas quando chegamos, deixando um espaço em uma mesa mais ao canto para mim e Anne, para sorte dela, havia três lugares lado a lado, deixando lugar para sua tradutora.
Assim que Anne viu o lugar, partiu em disparada. Um erro. A rainha estava no recinto, sentada com outras mulheres que eu não conhecia, em uma mesa especial, menor. Como ditava a regra, qualquer um que entrasse no mesmo recinto que a mesma deveria cumprimentá-la. Segui o caminho oposto de Anne.
- Majestade. - falei, assim que me vi em frente a rainha, fazendo uma longa reverência.
- , minha querida, bom dia. - ela abriu um breve e discreto sorriso, mas eu sabia que aquilo era bom. A rainha não demonstraria muito mais emoções.
- Bom dia a todas. - desejei, apenas para receber aceno de cabeça das demais.
Satisfeita com meu papel, parti para encontrar Anne. Sentamos em uma mesa com mais cinco Selecionadas e a tradutora, a qual precisaria perguntar o nome mais tarde.
- O que foi isso? Não sabia que era regra cumprimentar a rainha. - Anne perguntou assim que sentei na cadeira, falando alto o suficiente para todas as meninas da mesa escutarem.
Era engraçado ver as expressões das outras Selecionadas, elas realmente não faziam ideia do que Anne falava e estavam curiosas.
- Quando se entra em um lugar que há alguém da família real, deve-se complementá-los antes de tudo. A não ser que eles estejam fazendo algo mais importante, nesse caso, pode ser grosseiro se fazer presente para cumprimentos. - expliquei, lembrando claramente.
- Oh, eu não sabia! Vocês cumprimentaram a rainha também? - dessa vez Anne se dirigia às outras, sendo necessário que a tradutora intervisse.
A maioria das meninas apenas negou com a cabeça, uma ou duas me olharam estranho depois daquilo, mas ninguém teve coragem de dizer algo de ruim. Será que meus conhecimentos de bons modos seriam um problema? Será que Anne já gostava menos de mim depois daquilo?
Se gostava, não expressou. Pelo contrário, Anne era sempre quem começava a conversa na mesa e eu era sempre a primeira a respondê-la. O que era difícil para a tradutora, às vezes as meninas queriam saber o que eu dizia também. Tentei ajudar, servindo como auxiliar de tradução, pois Anne também não entendia o inglês perfeitamente. Fiquei pensando se o príncipe era fluente em várias línguas.
A comida estava maravilhosa e acabou antes de eu imaginar. Eu já havia comido o suficiente, é claro, mas na minha casa a comida ficava na mesa por muito tempo, inclusive depois que todos já terminaram de comer, afinal nós conversávamos e só depois que saímos da mesa o serviçal retirava as coisas, ou minha mãe, nos dias de folga da criadagem. Entregando, no castelo havia horário para terminar a refeição.
- Muito bem. - foi uma das companheiras de mesa da rainha que se levantou para dirigir-se a nós. - Agora vamos todas para o jardim para uma pequena lição antes de encontrar com o príncipe.
O entusiasmo preencheu o Salão das Mulheres, as meninas cochichavam umas com as outras, animadas e ansiosas para ver o príncipe. Até Anne soltou uma frase empolgada, parecendo entender o que estava acontecendo, mas eu não respondi. A mulher, que depois descobri se chamar Mariee, olhou para nós de forma repreendedora; logo o silêncio foi alcançado, enquanto as meninas iam avisando uma a outra para se calarem.
- Bem melhor assim. - ela disse superior. - Meu nome é Mariee e eu serei a professora sobre assuntos reais de vocês durante a Seleção. Comigo aprenderam bons modos, cultura, artes, história e tudo o que se espera de uma princesa. Começaremos pelo silêncio. - Mariee foi sugestiva, nossa primeira lição tinha sido dada. - Agora todas indo para o jardim em fila, calmamente. Antes de sair, uma reverência para a rainha, obviamente.
Fomos bem melhores depois das ordens e apesar de eu concordar com Mariee sobre o quanto aquilo era óbvio, eu entendia as outras garotas completamente, afinal cumprimentar uma rainha nunca esteve nos planos delas. Na longa fila pude olhar mais atentamente para as meninas, conseguindo até combinar rostos com alguns nomes, percebi, inclusive, que várias meninas haviam abusado do dia de transformação e tinham cabelos mais curtos, de outra cor ou até mais longos, provavelmente aumentados com algum acessório. Não fazia ideia de como havia sido aquele dia, mas claramente ninguém tinha sentindo minha falta.
Caminhamos até o jardim em passos lentos com Mariee logo atrás, dando ordens:
- Vamos sair pela entrada principal. - ela anunciou, fazendo com que a primeira da fila nos guiasse até as enormes portas.
Os guardas nem pestanejaram ao abrir as portas para as 35 Selecionadas mais Mariee, passarem para o enorme jardim. A mais velha parou em cima da escada, pedindo para que nós esperássemos no pé da mesma, assim todas podiam vê-la e ouvi-la.
- Hoje darei a vocês uma breve explicação da etiqueta requerida aqui no palácio, para ninguém passar vergonha em rede nacional, então todas prestem muita atenção.
Mariee ensinou a maneira certa de reverenciar o príncipe, explicou que “majestade” se aplicava apenas aos reis, sendo assim os príncipes eram chamados apenas - tive que rir - de “Alteza”. Ela também disse detalhadamente como a cerimônia funcionaria, indicando que seguiríamos a ordem alfabética de nossas Províncias na hora de ter nosso primeiro contato com o príncipe. Tudo seria televisionado ao vivo para os espectadores e pelo que me lembrava era o único dia assim, tinha que ser perfeito. Mariee terminou contando que o príncipe também estaria lá e que ele merecia a mesma atenção de , apesar de servir apenas como uma antecipação ao prêmio. Ela literalmente usou essas palavras.
Depois de 10 minutos de explicação e um pouco de treino de reverências, fomos encaminhadas ao Salão Principal - o maior Salão que eu já vi em toda a minha vida - para vermos o príncipe. O espaço era quase três vezes o Salão das Mulheres, tanto que era evidente que ali aconteciam todos os bailes e eventos reais, até o teto daquele lugar era decorado.
Naquele dia ele estava organizado de uma maneira nada convencional, pelo menos eu acreditava nisso, já que uma sequência de 35 cadeiras formavam um “U” envolta de uma grande aparelhagem de câmeras. Bem no centro do U haviam dois sofás, onde os príncipes encontravam-se sentados, um em cada. olhou para mim atentamente, tentando captar qualquer sinal do que eu demonstrará mais cedo; me senti culpada, afinal era apenas um grande azar meu ser quem era, a família real não tinha muito como resolver isso. Sorri discretamente de volta, mostrando que estava tudo bem.
Sentamos nas cadeiras em ordem, todas voltadas para os sofás no centro, prontas pra assistir as adversárias tendo uma maravilhosa conversa com o príncipe. Gelei. Eu teria que entregar o papel para ele na frente de tanta gente assim? Qual a chance de ser discreta?
Pensei que pelo menos teria a sorte do príncipe já esperar o papel, ele com certeza daria um jeito de pegá-lo. Eu era a quinta na fila, devido ao nome de minha Província, o que, eu achei, que me daria alguns minutos para pensar. Entretanto as coisas aconteceram extremamente rápido e organizadamente, haviam guardas dispostos a deixar tudo em seu devido lugar.
Anne, vinda de Arendelle, foi chamada, sentou-se com e sorriu para uma foto, mas como era a primeira passou logo para . Aurora, que imaginei ser de Baltimore, juntou-se no sofá com o príncipe mais novo. Naquele momento percebi que as câmeras foram ligadas. Assim que Anne terminou de falar com o príncipe , tirou uma foto e voltou para seu lugar, Aurora aproveitou a deixa e se despediu do seu acompanhante, parando para uma foto e seguindo para o príncipe herdeiro. Não demorou quase nada para eu estar de encontro com . Fiz uma reverência e me sentei.
- Como você está? Eu não fazia ideia de que hoje de manhã seria tão… Turbulento. - ele comentou, dando um sorriso culpado.
- Eu sei. Sinto muito. Eu não devia ter agido daquela maneira. Mas saber que ser uma traz ainda mais problemas… É muito mais turbulento do que você imagina.
- Mais problemas? - ele pareceu curioso, erguendo uma sobrancelha ao fazer a pergunta, entretanto neguei explicações apenas com um gesto de cabeça. Não teríamos tempo para falar disso ali. - Eu entendo. Mais tarde gostaria de vê-la para conversarmos melhor sobre isso. Se não for um problema.
- Claro. Se não causar problemas com as câmeras.
- Elas não vão estar sempre aqui. - ele disse, dando um sorrisinho cúmplice. - Está com a carta?
Assenti. Claro que estava, assim que saí da biblioteca com eles fui arrastada para o café da manhã, não tinha nem como eu estar sem ela. Eu estava, na realidade, sem meu colar. Aquilo não era importante, afinal, eu podia sair na TV com um acessório a menos. Assim que vi e Megan tirando a foto, coloquei a mão disfarçadamente no bolso, escondendo o papel entre os dedos, e sorri ao lado de , posando para nossa foto e sentindo sua proximidade e perfume. Eu poderia me acostumar com ele, estava feliz por ele querer passar um tempo comigo.
- Príncipe . - cumprimentei, fazendo a mais bela reverência que podia. Minha mãe estava vendo tudo e tinha que se orgulhar, se não ela daria um jeito de me ligar reclamando.
- Bem-vinda ao meu castelo, Senhorita . - ele cumprimentou, fingindo ler o broche que eu tinha no vestido, acrescentado a minha roupa ainda no jardim.
- Obrigada. É um lugar realmente magnífico. - comentei, aceitando seu convite para sentar. Como as câmeras captavam cada palavra nossa, precisávamos ser extremamente discretos.
- Fico feliz que tenha gostado. Imagino que saiba apreciar a decoração de um lugar, afinal é uma Três.
Me esforcei para não fazer uma cara feia e, aproveitando a deixa, me aproximei mais dele para contar um segredo. Aproveitei o gesto única e exclusivamente para aproximar minha mão da dele, minha mão com o bilhete que ele já tinha lido, mas que eu precisava entregar na frente de todo o país.
- Posso lhe contar um segredo, Alteza?
- Claro. - ele riu, ou fingiu rir, e se aproximou de mim, tocando nossas mãos.
- Eu achei tudo realmente bonito, mas acho que era bem possível dar uma… Modernizada.
Ele gargalhou no mesmo segundo que pegou o papel da minha mão. Foi rápido, perceptível para olhos atentos, mas nada óbvio. Respirei aliviada.
- Minha mãe conhece vários arquitetos bons nisso. Apesar de eu achar que minha casa é meio exagerada até para um castelo. - conclui, pensativa - Digamos que a Senhorita tem um gosto… Único.
Todos riram dessa vez, incluindo as Selecionadas atrás de nós.
- Acho que podemos conversar com o rei sobre isso.
Fiz uma cara surpresa.
- Ia ser legal. Menos o Salão das Mulheres, ele é realmente demais.
- Faz tempo que não entro lá.
- Sério? É bem legal, posso tirar uma foto e te mandar, se quiser! Quer dizer, se a rainha permitir, claro.
Mais risos e o fim da nossa conversa. Tiramos uma foto bem mais formal do que a minha com . Apesar das piadinhas, o príncipe não me deixava confortável o suficiente, não depois de ter basicamente me acusado de ser uma rebelde.
Sentei no meu lugar aliviada, foi realmente bom ser uma das primeiras a participar da entrevista, agora eu podia simplesmente prestar atenção nas outras, já que a carta havia sido entregue.
O desgaste no rosto de já era perceptível quando a vigésima segunda menina se sentou no sofá com ele, seu ar era de entediado, enquanto parecia apenas indiferente. Percebi, ao analisar melhor o mais velho, que ele sempre tinha aquela expressão. No Jornal Oficial, nos eventos e nas fotos, não importava a situação, o príncipe sempre aparentava igual. A única vez que vi uma reação dele foi na biblioteca e foi longe de ser uma reação amigável. Será que ele era uma pessoa ruim? Agressiva? Será que a próxima rainha teria problemas para lidar com o marido? Estremeci com a ideia.
No momento em que a última Selecionada sentou de volta em seu lugar a gravação parou. Tive certeza disso quando o cara da câmera fez um sinal com a mão e os dois príncipes se levantaram de seu lugar.
- Obrigada à todas, meninas. É um momento crucial para a Seleção e eu fico lisonjeado de conhecê-las. Agora vocês estão na mão de Mariee, até o almoço. - disse, dando um sorriso mecânico e partindo. deu um último aceno para nós e o acompanhou. Eles pareciam conversar sobre algo, mas eu era incapaz de decifrar sobre o que.
- Agora nós vamos para as aulas, garotas. Comecem a se acostumar com minha presença, pois terão muito da minha companhia. - Mariee comentou com um sorriso superior, mas eu entendia o motivo, as Selecionadas já demonstraram tristeza só por pensar na ideia. Eu não tinha nenhuma reação, Mariee era basicamente uma versão do governo para minha mãe. - De volta para o jardim.
No jardim Mariee começou a dar novas explicações:
- Vamos aproveitar o sol e clima ameno para estudar aqui do lado de fora. - ela começou, agora o jardim contava com quatro grandes tendas brancas posicionadas formando um gigante quadrado de sombra perto da saída do castelo. - Todos os dias estaremos aqui, de manhã e de tarde. Logo após o café da manhã e logo após o almoço. Sábados e domingos são dias livres para as senhoritas, caso não tenhamos eventos que precisem de nossa atenção. Hoje começaremos com dança, afinal logo chegaram visitantes e teremos um baile. Alguma pergunta?
Uma menina levantou a mão, corajosa.
- Sim?
- Com quem vamos dançar?
Mariee sorriu e fez um sinal para um dos guardas que nos acompanhava sair. Ele andou até a entrada do castelo e chamou mais gente. Na realidade, pude notar, que ele chamou exatos 34 guardas. Eles iriam dançar conosco.
- Certo meninas, prestem muita atenção. - Mariee avisou, chamando um dos guardas para acompanhá-la. Naquele momento parei de prestar a atenção, Mariee explicava cada movimento da dança, explicava onde deveriam ficar as mãos das mulheres, explicava o começo, o cumprimento, e os passos básicos, um a um. Mas eu já sabia tudo aquilo, sabia exatamente o que fazer e como deixar o guarda me guiar pelo salão.
Aproveitei esse tempo para apreciar mais o lugar, apesar de ter andado por ele um dia antes, eu não tive como notar todas as flores. O jardim era ainda mais bonito de dia, em um canto um pouco afastada de nós havia o jardim mais incrível e diferente que eu já tinha visto em toda a minha vida; as flores eram separadas em canteiros individuais, juntas apenas com suas semelhantes. Era estonteante de ver, o primeiro canteiro à direita era de rosas vermelhas, o segundo para girassóis e assim por diante, seguindo por flores que eu não saberia dizer o nome, todas da mesma cor no seu amontoado de terra. Entretanto, mais à frente, na direção que segui com no dia anterior, a história era diferente. As flores estavam todas juntas, ministrando um jardim completamente colorido em todos os cantos.
- Aqui é a plantação pessoal da rainha, ela a começou assim que se tornou princesa. Queria que cada flor tivesse seu espaço. - um dos soldados falou assim que se aproximou. - Ela ficou tão feliz, fez todos virem a sua inauguração.
Sorri para o homem um pouco mais velho, aproveitando a deixa para fazer perguntas.
- E lá na frente? - perguntei, apontando para o jardim multicolorido com a cabeça.
- Ali é quase outro jardim. - ele brincou. - Serve apenas para ser bonito.
- Ele realmente é bonito, mas nada se compara ao da rainha. Ela tem realmente muito bom gosto.
- Devo concordar com a senhorita. Entretanto, estamos aqui para apreciar outra arte agora, gostaria de dançar? - ele perguntou, me estendendo a mão com uma leve reverência. Sorri.
- Claro. Aceitarei dançar com o senhor por livre e espontânea vontade. - brinquei, aceitando sua mão e imitando sua reverência. O soldado riu, entendendo minha piadinha.
Percebi que Mariee havia parado de explicar e tinha nos colocado para aprender na prática, mas eu já sabia o que fazer e dançar com o soldado Gateway - nome que li em uma placa igual a minha presa ao uniforme - foi incrível. Ele era realmente bom e nós usávamos toda a área coberta pela sombra. Ele me girava, me largava para eu girar sozinha, me puxava de volta como um cavalheiro. E apesar de eu ter noção que as outras Selecionadas, de sua grande maioria tinham dificuldades, estava ocupada demais para notar. Mariee falava dicas para uma menina ou outra, mas na terceira música eu já sentia que mais gente conseguia realmente dançar.
- A senhorita não aprendeu isso hoje, estou certo? - o soldado resolveu falar, agora que dançávamos mais calmos para recuperar o fôlego.
- Não. - senti minha bochechas corarem. - Tive aulas ainda criança.
- Entendo. É uma dançarina realmente incrível, senhorita .
- Obrigada. Você também, soldado.
- Uma das artes do castelo, como disse. - ele sorriu, mostrando rugas no canto dos olhos.
Quando acabamos de dançar aquela música, se aproximou. Assim que viu o príncipe, o soldado Gateway soltou delicadamente minha mão e fez sua pose de continência, totalmente ereto e formal.
- Descansar, Soldado Gateway. - as palavras de foram o suficiente para Gateway afrouxar a pose. - Eu apenas gostaria de saber se podia participar da diversão.
Olhei pra ele confusa. Não tinha ninguém se divertindo naquela tenta. As meninas pareciam um pouco atrapalhadas e o suor começava aparentar em algumas, apesar do vento gostoso que passava por nós. Elas estavam nervosas e focadas, tanto que ninguém parecia ter percebido o príncipe, ocupadas demais com seu companheiro, buscando fazer algo decente. Porém, eu estava me divertindo e ele sabia disso.
- Claro, Alteza. - Gateway sorriu pra mim antes de se retirar.
- Pronta? - me estendeu a mão, fazendo a mesma reverência de meu antigo companheiro. Aceitei sua mão sorridente.
- Eu estou. Só não sei se você está. - brinquei.
- Mariee, minha música por favor. - ele disse alto, assustando a todas as Selecionadas. Menos Mariee, ela já tinha percebido sua presença há tempos.
- Claro, Alteza.
A música começou a tocar e me conduziu para o meio da tenda. Eu não conhecia a música, mas percebi seu ritmo logo. Era quase um tango, dança latina que eu também conhecia. Era uma dança difícil e estava me desafiando. Eu gostava do estilo e de suas origens, ainda mais porque dançávamos um pouco diferente de antigamente, tirando toda a sexualidade da dança latina, deixando-a mais confortável. Apenas o ritmo mais rápido e os passos mais complicados que seguíamos à risca.
ficou sorridente quando percebeu que eu era capaz de acompanhá-lo naquele ritmo também. Dançamos fixos em nossos passos, sem pronunciar uma palavra sequer. Usávamos todo o espaço e, em um momento, pude notar que todos haviam parado de dançar para olhar para nós. Quis parar, eu não era uma dançarina de shows, não era tão boa assim, mas não deixou, me puxando e conduzindo novamente.
- Já vai acabar. - ele disse, me fazendo girar e ficar de costas para ele.
Dançamos assim poucos passos até a música se finalizar.
- Viu? - senti o sopro de suas palavras na orelha.
Concordei, me soltando dele e o cumprimentando com uma reverência entre aplausos dos espectadores. As meninas estavam felizes e os soldados aplaudiam seu príncipe com enorme admiração.
- Pelo visto já temos uma vencedora. - Mariee anunciou, também batendo palmas.
Fiquei confusa. Uma vencedora? Aquilo era um concurso e eu não sabia? Assim que suas palavras foram ouvidas por todos os aplausos cessaram, algumas meninas foram mais discretas que outras, mas com certeza ninguém estava feliz. Os guardas, por sua vez, seguiram o caminho para não parecerem idiotas batendo palmas sozinhos. Eu havia ganhado algo que elas não, mas não fazia ideia do que. teve o bom senso de me tirar do meio do Salão.
- Quer dar uma volta?
- Não sei se posso, Mariee tem cara de ser severa.
- Não se preocupe, se sair comigo ela não vai brigar. Até porque você não tem escolha se eu ordenar que me siga.
Fiz careta. Ordenar?
- Eu estou brincando, .
- Ah, claro.
Ele riu.
- Acho que nem se eu quisesse te obrigar a sair comigo você iria. Daria um jeito de escapar. Já me contou que seria capaz disso. - ele brincou, agora me tirando da tenda e lentamente me guiando pelo jardim. Percebi que estávamos de mãos dadas e soltei lentamente. Aquilo não era muito certo. pareceu não se importar.
- O que eu ganhei? - perguntei.
- Você não sabe?
- Não faço ideia, se Mariee falou, eu não ouvi.
- Você ganhou a primeira dança. No próximo baile abrirá a pista com . Vocês dançarão junto de meus pais.
- Na frente de todo mundo?
- Não se preocupe, nas próximas aulas as meninas escolhidas vão treinar principalmente a música de abertura.
- Meninas?
- Sim, . Eu preciso de um par também.
Sorri. Era óbvio que ele também ia participar.
- Eu podia ser seu par. Talvez fosse melhor.
- Por que acha isso?
- Acho que seu irmão vê uma rebelde em mim. - deixei escapar. Talvez conversar sobre isso com não fosse o mais certo, mas essa era uma preocupação que eu tinha desde manhã cedo e ele era o único com quem eu podia tocar no assunto, além de seu irmão.
- Acho que você está enganada. Meu irmão não tem medo que você seja um rebelde, ele tem medo do que os rebeldes esperam de você. Caso aconteça alguma coisa com você a culpa é dele, porque você é…
- Dele? Você vai dizer o que todos dizem: “A partir do momento que você entrar na Seleção é uma propriedade do príncipe, do país, da família real.” - retruquei.
- Não, . Meu irmão não é uma pessoa horrível assim. Mas vocês são responsabilidade dele, se algo acontecer a alguma de vocês a culpa é dele. O país vai culpá-lo e talvez a Seleção acabe.
- Como assim?
- Ninguém vai querer deixar suas Selecionadas aqui para morrer.
- Você acha que os rebeldes vão me matar? - fiquei chocada. Eles não podiam ser tão ruins assim, e além disso, eles já tiveram a chance.
- Não acho. Não se você continuar fazendo o que eles querem.
Assenti. Era isso. Se eu não era propriedade do príncipe, no mínimo era dos rebeldes.
- Eu sinto muito. - ele disse, parando e me segurando para me conter. - Eu realmente sinto muito, .
- A culpa não é sua, . O que os rebeldes fazem não está ao nosso alcance. - respirei fundo, baixando a cabeça. - Podemos não falar disso agora?
concordou e mudou de assunto rapidamente, querendo saber mais sobre o assunto que começamos no sofá. Expliquei para ele, sem muito detalhes, o que me incomodava em ser uma . Eu tinha que cuidar pra deixar claro que não gostava do exagero da minha mãe, mas que treinar para participar da Seleção era aceitável.
- Está linda, . - ele falou baixo, evitando acordar as outras. - Apesar de que uma camisola também combina bem com a senhorita.
Senti meu rosto queimar novamente, é claro que ele não ia deixar de fazer alguma brincadeira sobre meu desconforto na noite anterior.
- Obrigada.
- Trouxe tudo? - parecia tenso, referindo-se a carta que eu havia contado horas antes.
- Sim. Podemos ir.
Caminhamos em silêncio por todo o corredor, com medo de acordar qualquer Selecionada, já que não podíamos ser vistos juntos. Entretanto, foi só chegar ao pé da escada que ele voltou a falar.
- Como você já deve ter presumido, aquele é o andar das Selecionadas. Comporta apenas quartos e o usamos quando há festas grandes por aqui, para abrigar os visitantes. Vocês só preencheram parte do corredor, então acredito que no decorrer da Seleção terão mais companhia. O andar superior tem meu quarto, e o do resto da minha família. Além do escritório do meu pai e irmão. Aqui em baixo temos a maior parte das coisas. - o príncipe explicava, me conduzindo pelos corredores. - Ali é o jardim, como você já sabe. Aqui é a Salão das Refeições - ele indicou uma porta que ficava relativamente perto da escadaria. - No fundo do corredor o Salão das Mulheres, onde homens, incluindo guardas, só podem entrar com permissão da rainha.
Fiquei admirada.
- Um lugar único para mulheres?
- Sim. Isso te deixa feliz?
- Muito! Sua mãe pode fazer qualquer coisa ali.
- Às vezes acho que a senhorita é contra nós.
Eu ri.
- Não tenho nada contra homens, . Só não concordo com a ideia que as mulheres precisam de vocês para viver. Tenho muito medo de acabar como uma marionete do meu marido.
- Você acha que meu irmão a trataria como marionete?
Fiquei vermelha, eu e minha enorme boca de novo.
- Eu não conheço seu irmão para saber, . Mas sei que a sociedade nos educa assim e sei, também, que tem outras 34 garotas querendo seu irmão. As minhas chances são bem pequenas.
- Sinceramente, . Pelo pouco que conheço da senhorita, devo dizer que nenhum homem seria capaz de tratá-la como marionete, se você não permitisse.
- Obrigada, . De verdade. - não parecia saber o quanto aquilo significava para mim, mas suas palavras acalmaram um pouco um medo que eu tinha desde sempre. Pelo menos alguém, além de Drew, acreditava em mim.
Pelo resto dos corredores, o príncipe me mostrou onde ficava o Salão Principal e a biblioteca, na qual entramos. Era linda! Nunca tinha visto tantos livros juntos. As estantes cobriam todas as paredes até o teto, que era alto, o castelo tinha o pé direito mais alto que eu já tinha visto. Haviam escadas para alcançar os livros mais altos. Aquele lugar não chegava perto da biblioteca no qual minha mãe trabalhava, nada chegava perto daquela imensidão. Entretanto, eu não pude analisar mais, pois pigarreou para chamar minha atenção.
- , esse é meu irmão: o Príncipe .
O príncipe estava sentado em um dos sofás que se encontrava no meio da biblioteca, usava o mesmo terno azul marinho engomado do irmão, provavelmente algum uniforme formal de militar. Claramente escolhido para as apresentações que ocorreriam entre eles e as Selecionadas mais tarde, depois do café da manhã. Me aproximei do sofá, fazendo o príncipe se levantar para me cumprimentar.
- Alteza. - me limitei a dizer, fazendo uma bela reverência.
- O que? O que você faz com isso? - o príncipe herdeiro falou, me deixando desnorteada. Nada de cumprimentos e sorrisos, ele me olhava assustado com o dedo apontado para meu peito. Levei a mão ao meu colo na defensiva, sentindo o colar.
- O colar?
- Sim! O colar! Onde o encontrou? - ele falava alto, acusatório. Dei um passo para trás.
- Eu… Eu o ganhei. - me repreendi por gaguejar. O que aquele cara estava fazendo?
- , o que foi? - interveio aproximando-se mais do irmão.
- Aquele colar. - o príncipe nem olhou para o irmão, permanecia com os olhos fixos na pedra azul presa ao meu pescoço. - É meu!
- Seu? Mas eu… - foi então que a minha ficha caiu.
Eu havia ganhado aquele colar de presente de uma fã, o que significava que desde o começo eu havia sido alvo dos rebeldes. Desde o começo da Seleção. Corri os dedos para o fecho do colar e o tirei, de repente ele me parecia combinar muito com a carta que tinha no bolso.
- Desculpe, Alteza. Eu não sabia…- estendi o colar para o príncipe.
- , eu não estou entendendo nada. Como esse colar poderia ser seu?
- Comprei para dar de presente para nossa mãe… Dois anos atrás. Foi roubado em um dos ataques. - ele disse, olhando finalmente para o irmão. Depois resolveu aceitar o colar, recolhendo-o de minha mão, tomando todo o cuidado do mundo para não tocar em minha pele.
Ele tinha nojo de mim? Claro que tinha! Ele acha que eu roubei o colar de sua mãe.
- Eu o ganhei, Alteza. Saindo da minha Província, uma menina me deu.
- Na sua Província? - foi que falou. - Acho que temos problemas maiores do que pensávamos.
parecia acreditar em mim, mas o príncipe deixava claro suas suspeitas, será que ele pensava que eu era uma rebelde? Provavelmente sim. Mas como eu poderia provar ser algo que não era?
- Concordo com você, . - ele olhou para mim e depois para o irmão, suspirando e baixando um pouco a guarda, mas ainda me parecia assustador. - Vamos lhe dar o ar da dúvida, senhorita. Por favor, sente-se.
Quando ele se dirigiu a mim, senti minha respiração falhar. Não foi devido a sua beleza, seus músculos marcados por baixo da roupa ou os olhos brilhantes, foi seu tom. Dúvida. Se eu, sem querer, me provasse ser quem ele pensava. Se algo na carta em meu bolso me acusasse, eu estava morta. Corria risco de vida pelo segunda vez na Seleção.
Eu não sabia o que fazer, não tinha certeza sequer se poderia fazer algo, então a única coisa que fiz foi sentar em um dos sofás no recinto, de frente para o príncipe. sentou ao lado do irmão e apesar de eu saber que ele estava certo, pensei que teria um pouco mais de apoio naquele momento. Burra.
- Conte tudo, . - o príncipe mais novo pediu.
- Sobre o colar, eu não sei como explicar. Estava saindo do carro, indo para a estação de trem… - tentava ao máximo pensar nas minha palavras, buscando algo que pudesse me incriminar antes de dizer aos príncipes. - As pessoas estavam sendo barradas pelos seguranças e eu estava me comportando e falando com o menor número de pessoas possível. Mas então uma garotinha passou pelo seguranças, não sei exatamente como, acho que por baixo das suas pernas de um deles, porque ela era tão pequena que devia ter uns seis anos. Ela caiu no chão, sozinha! Eu só ajudei, daí ela me deu um presente. - respirei fundo. - Eu achei que a pedra era falsa, Alteza. Pois imaginei que ela não teria tanto dinheiro para comprar algo assim. Eu entreguei meu colar pra ela e coloquei esse na hora. Jamais pensei que pudesse ter algo errado. Eu… Me desculpe. - lamentei, sem saber se tinha sido convincente o suficiente. - Eu não sou uma deles, Alteza. Por favor, não me mate.
Minhas mãos tremiam em meu colo, eu me sentia mais ameaçada ali do que naquele carro. A arma era menos agressiva que os olhos desconfiados e superiores de . Envergonhada escondi as mãos trêmulas embaixo do vestido, reparando nele pela primeira vez.
A seda rosa clara da saia era sobreposta por um tule bordado perto da cintura, deixando-me com um ar nobre, já o corpete, justo até o máximo, seguia o bordado da saia até o alto do decote, o vestido era perfeito para ser apresentada ao príncipe, disseram Elise e Cleo. Lembro de Meri dizendo que o rosa combinava com meu colar azul, que eu havia escolhido usar naquele dia.
- Não vamos matá-la. Você é insana, garota. Tem cada ideia. Mesmo se fosse uma rebelde, precisaríamos de mais motivos para matá-la. - foi que reagiu às minhas palavras. - Conte o que você precisava contar.
Pelo olhar de , ele talvez concordasse mais comigo do que com o irmão. Se eu fosse uma rebelde, não seria tão difícil me matar assim. Engoli em seco.
- Eu estava saindo da estação, aqui na Capital, quando aconteceu… - e então eu contei. Cada parte. Cada mínimo detalhe e instrução que me foi dada. Contei do que lembrava da aparência dos homens, o que lembrava do lugar. As únicas coisas que deixei de fora foram minha decepção ao perceber o que fazia com meus fãs e minhas lágrimas e dores pelo trajeto.
Entreguei o bilhete ao príncipe, rezando que não tivesse nada que me incriminasse. Eu e ficamos em silêncio enquanto o príncipe se detinha nas palavras, não tive coragem de encarar o mais novo, por isso gastei o tempo brincando com os bordados da minha saia. Ao terminar de ler, respirou fundo e bagunçou os cabelos, olhando para e depois para mim.
- Temos um problema. - ele parecia preocupado, talvez triste e até um pouco menos ameaçador.
- Que problema?
- Eles querem ela. - o príncipe mais velho disse para o irmão, apontando com a cabeça em minha direção.
- Como? - imagino que minha confusão tenha sido claramente estampada na minha expressão. - Eles querem me sequestrar de novo?
fez que não com a cabeça, me deixando um pouco mais aliviada, mas eu ainda não conseguia entender.
- O que está escrito, ? - perguntou, para a sorte dele - pelo menos no quesito sobre minha opinião em seu caráter- ele parecia bem desconfiado.
se arrumou no sofá, sentando mais firme, mais parecido com um rei.
- Eu faço contato com os rebeldes há tempos. Eles, assim como eu, concordam que as Castas são duras e nem sempre necessárias. As pessoas precisam poder escolher sua profissão, precisam ter direito de ganhar mais dinheiro e tentar crescer na vida. - O príncipe parecia um pouco nervoso. - Os rebeldes nortistas aceitaram parar de fazer tanto estrago no castelo, concordam comigo que a mudança precisa ser aos poucos. Aceitam esperar até meu reinado.
parou para pensar. Processar tudo aquilo era muito para ele, mas para mim não, já havia pensando no sistema socioeconômico do nosso país. Eu entendia e concordava com o príncipe e, olhe só, com os rebeldes. Era estranho uma Três querer o fim de algo que beneficiava sua Casta, mas eu, talvez uma exceção, sofria com o cargo que uma nobre Três devia carregar. Eu queria ser mais comum que aquilo e queria poder escolher sozinha meu destino.
- O que não entendo, Alteza, é o que eu tenho haver com isso?
- Eu nunca realmente fiz contato com eles. Não pessoalmente, quero dizer. Nós trocamos cartas e relatórios, enviados pela criadagem do castelo. Isso nunca os satisfez, eles sempre acharam que eu estava pouco comprometido. Achavam que eu devia doar mais de mim, já que cessando os ataques eles davam tanto.
- E quando eles dizem doar mais de você, eles se referem a mim. - conclui, recebendo apenas um aceno de cabeça derrotado para confirmar minhas suspeitas.
- Eu entendo que não podemos fazer isso, colocar você em risco. Não se preocupe, eu vou pensar em um jeito. - ele disse bagunçando os cabelos mais uma vez, do mesmo jeito que o irmão. Ele estava nervoso. Eu sabia que talvez não houvesse outro jeito.
- Eles são perigosos?
- Eles podem ser. Mas depois que criamos o acordo, estão realmente bonzinhos.
- As criadas, elas voltam bem?
- Sempre.
- Então, eu vou.
- , o que você acha que está fazendo? - perguntou chocado.
- Eu já os vi, . Duas vezes, imagino. Aquela pequena menina era um rebelde, não era? A que me deu o colar. - fiz a pergunta ao futuro rei.
- Provavelmente sim.
- Os homens no carro também. - dessa vez eu afirmei. - Eles podiam ter me matado e não fizeram. Acho que eles buscam uma aliada… Eu só não entendo porque.
- Eu sinto muito sobre o ocorrido ontem, senhorita . Não tive tempo para me desculpar, mas nossa mãe disse que estava tudo certo.
- Tudo bem.
- Nossa segurança deveria estar preparada para isso, saiba que estamos investigando.
- Eu entendo.
- Eu acho que sei o motivo. - falou, chamando nossa atenção. - Digo, sobre eles talvez terem escolhido você como cúmplice.
- E qual seria esse motivo? - o príncipe parecia desconfiar da capacidade do irmão de chegar a alguma conclusão viável.
- Você deu bem mais tempo para eles se prepararem, por ser quem é. Imagino que eles a sigam bem antes da Seleção.
- Porque eles já sabiam que você entraria. - pareceu considerar, olhando curioso e atento para mim pela primeira vez. Agora eu era novamente uma pessoa em seus olhos, talvez tenha percebido que eu era a primeira Selecionada que conhecia.
- Por que sou uma .
A ideia me consumiu. Eu era mais que uma marionete do príncipe, eu era uma marionete dos rebeldes agora. Eu, a única menina que todos do reino sabiam que iria para o castelo assim que a Seleção fosse anunciada. Ri amarga. Quanto tempo eu tive uma vida que não era minha? Os rebeldes preparam meu futuro desde quando? Eu era observada, seguida até mesmo quando estava em casa.
- , você está bem? - queria saber, mas eu mesma não sabiam responder a essa pergunta.
- Eu preciso de um ar e me juntar as Selecionadas. - comentei, ficando de pé. - Farei o que for preciso, príncipe . Hoje, na nossa apresentação te entregarei esta carta. - avisei, pegando o papel de sua mão. - Prometo não ler nada do que está escrito.
- Senhorita… - ele queria falar, mas naquele momento eu não queria escutar.
- Desculpe, Alteza. Eu preciso de um tempo agora, quando quiser que eu vá me encontrar com os rebeldes, mande alguém me explicar tudo e eu irei. Qualquer hora. Qualquer momento. O senhor não terá problemas comigo.
Sai da biblioteca a passos largos, querendo ao máximo sair da presença daqueles dois homens. Precisava pensar. Agradeci a mim mesma por ter prestado atenção no tour de , sabia exatamente por onde seguir para ir até o jardim.
Entretanto minha jornada até o lado de fora foi interrompida por Anne. Ela descia as escadas sorrindo, como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Assim que me viu, seu sorriso só aumentou.
- Olá! - ela tinha um pouco de sotaque do interior em seu francês. - Eu gostaria muito de te agradecer por ontem, esperava mesmo encontrá-la!
- Não se preocupe, Anne. Não fiz nada demais. - dei de ombros sorrindo, aceitando que ela se aproximasse. Percebendo que uma mulher um pouco mais velha a acompanhava de perto.
- É minha tradutora. - ela explicou, notando meu olhar. - Eu preciso dela para falar com as outras Selecionadas.
- Ah, claro.
- Você já estava indo comer? Eu estou faminta! Espero que nossos lugares sejam lado a lado…
Não tinha muito o que responder, Anne era extremamente extrovertida quando não estava doente. No fim, me vi quase sendo puxada por Anne para o Salão das Mulheres. Ela falava algo sobre o quanto a enfermaria tinha feito milagres com ela, quando chegamos realmente ao lugar. O Salão era incrível, muito maior do que eu podia imaginar.
No centro de todo o espaço estavam uma série de mesas redondas gigantescas, que deveriam, por si só, ocupar todo o Salão, mas não. Além das mesas para todas as Selecionadas e convidadas para aquela refeição, existiam ali sofás, uma TV e móveis que pareciam mais aparadores do que qualquer outra coisa.
As mesas já estavam quase todas cheias por Selecionadas quando chegamos, deixando um espaço em uma mesa mais ao canto para mim e Anne, para sorte dela, havia três lugares lado a lado, deixando lugar para sua tradutora.
Assim que Anne viu o lugar, partiu em disparada. Um erro. A rainha estava no recinto, sentada com outras mulheres que eu não conhecia, em uma mesa especial, menor. Como ditava a regra, qualquer um que entrasse no mesmo recinto que a mesma deveria cumprimentá-la. Segui o caminho oposto de Anne.
- Majestade. - falei, assim que me vi em frente a rainha, fazendo uma longa reverência.
- , minha querida, bom dia. - ela abriu um breve e discreto sorriso, mas eu sabia que aquilo era bom. A rainha não demonstraria muito mais emoções.
- Bom dia a todas. - desejei, apenas para receber aceno de cabeça das demais.
Satisfeita com meu papel, parti para encontrar Anne. Sentamos em uma mesa com mais cinco Selecionadas e a tradutora, a qual precisaria perguntar o nome mais tarde.
- O que foi isso? Não sabia que era regra cumprimentar a rainha. - Anne perguntou assim que sentei na cadeira, falando alto o suficiente para todas as meninas da mesa escutarem.
Era engraçado ver as expressões das outras Selecionadas, elas realmente não faziam ideia do que Anne falava e estavam curiosas.
- Quando se entra em um lugar que há alguém da família real, deve-se complementá-los antes de tudo. A não ser que eles estejam fazendo algo mais importante, nesse caso, pode ser grosseiro se fazer presente para cumprimentos. - expliquei, lembrando claramente.
- Oh, eu não sabia! Vocês cumprimentaram a rainha também? - dessa vez Anne se dirigia às outras, sendo necessário que a tradutora intervisse.
A maioria das meninas apenas negou com a cabeça, uma ou duas me olharam estranho depois daquilo, mas ninguém teve coragem de dizer algo de ruim. Será que meus conhecimentos de bons modos seriam um problema? Será que Anne já gostava menos de mim depois daquilo?
Se gostava, não expressou. Pelo contrário, Anne era sempre quem começava a conversa na mesa e eu era sempre a primeira a respondê-la. O que era difícil para a tradutora, às vezes as meninas queriam saber o que eu dizia também. Tentei ajudar, servindo como auxiliar de tradução, pois Anne também não entendia o inglês perfeitamente. Fiquei pensando se o príncipe era fluente em várias línguas.
A comida estava maravilhosa e acabou antes de eu imaginar. Eu já havia comido o suficiente, é claro, mas na minha casa a comida ficava na mesa por muito tempo, inclusive depois que todos já terminaram de comer, afinal nós conversávamos e só depois que saímos da mesa o serviçal retirava as coisas, ou minha mãe, nos dias de folga da criadagem. Entregando, no castelo havia horário para terminar a refeição.
- Muito bem. - foi uma das companheiras de mesa da rainha que se levantou para dirigir-se a nós. - Agora vamos todas para o jardim para uma pequena lição antes de encontrar com o príncipe.
O entusiasmo preencheu o Salão das Mulheres, as meninas cochichavam umas com as outras, animadas e ansiosas para ver o príncipe. Até Anne soltou uma frase empolgada, parecendo entender o que estava acontecendo, mas eu não respondi. A mulher, que depois descobri se chamar Mariee, olhou para nós de forma repreendedora; logo o silêncio foi alcançado, enquanto as meninas iam avisando uma a outra para se calarem.
- Bem melhor assim. - ela disse superior. - Meu nome é Mariee e eu serei a professora sobre assuntos reais de vocês durante a Seleção. Comigo aprenderam bons modos, cultura, artes, história e tudo o que se espera de uma princesa. Começaremos pelo silêncio. - Mariee foi sugestiva, nossa primeira lição tinha sido dada. - Agora todas indo para o jardim em fila, calmamente. Antes de sair, uma reverência para a rainha, obviamente.
Fomos bem melhores depois das ordens e apesar de eu concordar com Mariee sobre o quanto aquilo era óbvio, eu entendia as outras garotas completamente, afinal cumprimentar uma rainha nunca esteve nos planos delas. Na longa fila pude olhar mais atentamente para as meninas, conseguindo até combinar rostos com alguns nomes, percebi, inclusive, que várias meninas haviam abusado do dia de transformação e tinham cabelos mais curtos, de outra cor ou até mais longos, provavelmente aumentados com algum acessório. Não fazia ideia de como havia sido aquele dia, mas claramente ninguém tinha sentindo minha falta.
Caminhamos até o jardim em passos lentos com Mariee logo atrás, dando ordens:
- Vamos sair pela entrada principal. - ela anunciou, fazendo com que a primeira da fila nos guiasse até as enormes portas.
Os guardas nem pestanejaram ao abrir as portas para as 35 Selecionadas mais Mariee, passarem para o enorme jardim. A mais velha parou em cima da escada, pedindo para que nós esperássemos no pé da mesma, assim todas podiam vê-la e ouvi-la.
- Hoje darei a vocês uma breve explicação da etiqueta requerida aqui no palácio, para ninguém passar vergonha em rede nacional, então todas prestem muita atenção.
Mariee ensinou a maneira certa de reverenciar o príncipe, explicou que “majestade” se aplicava apenas aos reis, sendo assim os príncipes eram chamados apenas - tive que rir - de “Alteza”. Ela também disse detalhadamente como a cerimônia funcionaria, indicando que seguiríamos a ordem alfabética de nossas Províncias na hora de ter nosso primeiro contato com o príncipe. Tudo seria televisionado ao vivo para os espectadores e pelo que me lembrava era o único dia assim, tinha que ser perfeito. Mariee terminou contando que o príncipe também estaria lá e que ele merecia a mesma atenção de , apesar de servir apenas como uma antecipação ao prêmio. Ela literalmente usou essas palavras.
Depois de 10 minutos de explicação e um pouco de treino de reverências, fomos encaminhadas ao Salão Principal - o maior Salão que eu já vi em toda a minha vida - para vermos o príncipe. O espaço era quase três vezes o Salão das Mulheres, tanto que era evidente que ali aconteciam todos os bailes e eventos reais, até o teto daquele lugar era decorado.
Naquele dia ele estava organizado de uma maneira nada convencional, pelo menos eu acreditava nisso, já que uma sequência de 35 cadeiras formavam um “U” envolta de uma grande aparelhagem de câmeras. Bem no centro do U haviam dois sofás, onde os príncipes encontravam-se sentados, um em cada. olhou para mim atentamente, tentando captar qualquer sinal do que eu demonstrará mais cedo; me senti culpada, afinal era apenas um grande azar meu ser quem era, a família real não tinha muito como resolver isso. Sorri discretamente de volta, mostrando que estava tudo bem.
Sentamos nas cadeiras em ordem, todas voltadas para os sofás no centro, prontas pra assistir as adversárias tendo uma maravilhosa conversa com o príncipe. Gelei. Eu teria que entregar o papel para ele na frente de tanta gente assim? Qual a chance de ser discreta?
Pensei que pelo menos teria a sorte do príncipe já esperar o papel, ele com certeza daria um jeito de pegá-lo. Eu era a quinta na fila, devido ao nome de minha Província, o que, eu achei, que me daria alguns minutos para pensar. Entretanto as coisas aconteceram extremamente rápido e organizadamente, haviam guardas dispostos a deixar tudo em seu devido lugar.
Anne, vinda de Arendelle, foi chamada, sentou-se com e sorriu para uma foto, mas como era a primeira passou logo para . Aurora, que imaginei ser de Baltimore, juntou-se no sofá com o príncipe mais novo. Naquele momento percebi que as câmeras foram ligadas. Assim que Anne terminou de falar com o príncipe , tirou uma foto e voltou para seu lugar, Aurora aproveitou a deixa e se despediu do seu acompanhante, parando para uma foto e seguindo para o príncipe herdeiro. Não demorou quase nada para eu estar de encontro com . Fiz uma reverência e me sentei.
- Como você está? Eu não fazia ideia de que hoje de manhã seria tão… Turbulento. - ele comentou, dando um sorriso culpado.
- Eu sei. Sinto muito. Eu não devia ter agido daquela maneira. Mas saber que ser uma traz ainda mais problemas… É muito mais turbulento do que você imagina.
- Mais problemas? - ele pareceu curioso, erguendo uma sobrancelha ao fazer a pergunta, entretanto neguei explicações apenas com um gesto de cabeça. Não teríamos tempo para falar disso ali. - Eu entendo. Mais tarde gostaria de vê-la para conversarmos melhor sobre isso. Se não for um problema.
- Claro. Se não causar problemas com as câmeras.
- Elas não vão estar sempre aqui. - ele disse, dando um sorrisinho cúmplice. - Está com a carta?
Assenti. Claro que estava, assim que saí da biblioteca com eles fui arrastada para o café da manhã, não tinha nem como eu estar sem ela. Eu estava, na realidade, sem meu colar. Aquilo não era importante, afinal, eu podia sair na TV com um acessório a menos. Assim que vi e Megan tirando a foto, coloquei a mão disfarçadamente no bolso, escondendo o papel entre os dedos, e sorri ao lado de , posando para nossa foto e sentindo sua proximidade e perfume. Eu poderia me acostumar com ele, estava feliz por ele querer passar um tempo comigo.
- Príncipe . - cumprimentei, fazendo a mais bela reverência que podia. Minha mãe estava vendo tudo e tinha que se orgulhar, se não ela daria um jeito de me ligar reclamando.
- Bem-vinda ao meu castelo, Senhorita . - ele cumprimentou, fingindo ler o broche que eu tinha no vestido, acrescentado a minha roupa ainda no jardim.
- Obrigada. É um lugar realmente magnífico. - comentei, aceitando seu convite para sentar. Como as câmeras captavam cada palavra nossa, precisávamos ser extremamente discretos.
- Fico feliz que tenha gostado. Imagino que saiba apreciar a decoração de um lugar, afinal é uma Três.
Me esforcei para não fazer uma cara feia e, aproveitando a deixa, me aproximei mais dele para contar um segredo. Aproveitei o gesto única e exclusivamente para aproximar minha mão da dele, minha mão com o bilhete que ele já tinha lido, mas que eu precisava entregar na frente de todo o país.
- Posso lhe contar um segredo, Alteza?
- Claro. - ele riu, ou fingiu rir, e se aproximou de mim, tocando nossas mãos.
- Eu achei tudo realmente bonito, mas acho que era bem possível dar uma… Modernizada.
Ele gargalhou no mesmo segundo que pegou o papel da minha mão. Foi rápido, perceptível para olhos atentos, mas nada óbvio. Respirei aliviada.
- Minha mãe conhece vários arquitetos bons nisso. Apesar de eu achar que minha casa é meio exagerada até para um castelo. - conclui, pensativa - Digamos que a Senhorita tem um gosto… Único.
Todos riram dessa vez, incluindo as Selecionadas atrás de nós.
- Acho que podemos conversar com o rei sobre isso.
Fiz uma cara surpresa.
- Ia ser legal. Menos o Salão das Mulheres, ele é realmente demais.
- Faz tempo que não entro lá.
- Sério? É bem legal, posso tirar uma foto e te mandar, se quiser! Quer dizer, se a rainha permitir, claro.
Mais risos e o fim da nossa conversa. Tiramos uma foto bem mais formal do que a minha com . Apesar das piadinhas, o príncipe não me deixava confortável o suficiente, não depois de ter basicamente me acusado de ser uma rebelde.
Sentei no meu lugar aliviada, foi realmente bom ser uma das primeiras a participar da entrevista, agora eu podia simplesmente prestar atenção nas outras, já que a carta havia sido entregue.
O desgaste no rosto de já era perceptível quando a vigésima segunda menina se sentou no sofá com ele, seu ar era de entediado, enquanto parecia apenas indiferente. Percebi, ao analisar melhor o mais velho, que ele sempre tinha aquela expressão. No Jornal Oficial, nos eventos e nas fotos, não importava a situação, o príncipe sempre aparentava igual. A única vez que vi uma reação dele foi na biblioteca e foi longe de ser uma reação amigável. Será que ele era uma pessoa ruim? Agressiva? Será que a próxima rainha teria problemas para lidar com o marido? Estremeci com a ideia.
No momento em que a última Selecionada sentou de volta em seu lugar a gravação parou. Tive certeza disso quando o cara da câmera fez um sinal com a mão e os dois príncipes se levantaram de seu lugar.
- Obrigada à todas, meninas. É um momento crucial para a Seleção e eu fico lisonjeado de conhecê-las. Agora vocês estão na mão de Mariee, até o almoço. - disse, dando um sorriso mecânico e partindo. deu um último aceno para nós e o acompanhou. Eles pareciam conversar sobre algo, mas eu era incapaz de decifrar sobre o que.
- Agora nós vamos para as aulas, garotas. Comecem a se acostumar com minha presença, pois terão muito da minha companhia. - Mariee comentou com um sorriso superior, mas eu entendia o motivo, as Selecionadas já demonstraram tristeza só por pensar na ideia. Eu não tinha nenhuma reação, Mariee era basicamente uma versão do governo para minha mãe. - De volta para o jardim.
No jardim Mariee começou a dar novas explicações:
- Vamos aproveitar o sol e clima ameno para estudar aqui do lado de fora. - ela começou, agora o jardim contava com quatro grandes tendas brancas posicionadas formando um gigante quadrado de sombra perto da saída do castelo. - Todos os dias estaremos aqui, de manhã e de tarde. Logo após o café da manhã e logo após o almoço. Sábados e domingos são dias livres para as senhoritas, caso não tenhamos eventos que precisem de nossa atenção. Hoje começaremos com dança, afinal logo chegaram visitantes e teremos um baile. Alguma pergunta?
Uma menina levantou a mão, corajosa.
- Sim?
- Com quem vamos dançar?
Mariee sorriu e fez um sinal para um dos guardas que nos acompanhava sair. Ele andou até a entrada do castelo e chamou mais gente. Na realidade, pude notar, que ele chamou exatos 34 guardas. Eles iriam dançar conosco.
- Certo meninas, prestem muita atenção. - Mariee avisou, chamando um dos guardas para acompanhá-la. Naquele momento parei de prestar a atenção, Mariee explicava cada movimento da dança, explicava onde deveriam ficar as mãos das mulheres, explicava o começo, o cumprimento, e os passos básicos, um a um. Mas eu já sabia tudo aquilo, sabia exatamente o que fazer e como deixar o guarda me guiar pelo salão.
Aproveitei esse tempo para apreciar mais o lugar, apesar de ter andado por ele um dia antes, eu não tive como notar todas as flores. O jardim era ainda mais bonito de dia, em um canto um pouco afastada de nós havia o jardim mais incrível e diferente que eu já tinha visto em toda a minha vida; as flores eram separadas em canteiros individuais, juntas apenas com suas semelhantes. Era estonteante de ver, o primeiro canteiro à direita era de rosas vermelhas, o segundo para girassóis e assim por diante, seguindo por flores que eu não saberia dizer o nome, todas da mesma cor no seu amontoado de terra. Entretanto, mais à frente, na direção que segui com no dia anterior, a história era diferente. As flores estavam todas juntas, ministrando um jardim completamente colorido em todos os cantos.
- Aqui é a plantação pessoal da rainha, ela a começou assim que se tornou princesa. Queria que cada flor tivesse seu espaço. - um dos soldados falou assim que se aproximou. - Ela ficou tão feliz, fez todos virem a sua inauguração.
Sorri para o homem um pouco mais velho, aproveitando a deixa para fazer perguntas.
- E lá na frente? - perguntei, apontando para o jardim multicolorido com a cabeça.
- Ali é quase outro jardim. - ele brincou. - Serve apenas para ser bonito.
- Ele realmente é bonito, mas nada se compara ao da rainha. Ela tem realmente muito bom gosto.
- Devo concordar com a senhorita. Entretanto, estamos aqui para apreciar outra arte agora, gostaria de dançar? - ele perguntou, me estendendo a mão com uma leve reverência. Sorri.
- Claro. Aceitarei dançar com o senhor por livre e espontânea vontade. - brinquei, aceitando sua mão e imitando sua reverência. O soldado riu, entendendo minha piadinha.
Percebi que Mariee havia parado de explicar e tinha nos colocado para aprender na prática, mas eu já sabia o que fazer e dançar com o soldado Gateway - nome que li em uma placa igual a minha presa ao uniforme - foi incrível. Ele era realmente bom e nós usávamos toda a área coberta pela sombra. Ele me girava, me largava para eu girar sozinha, me puxava de volta como um cavalheiro. E apesar de eu ter noção que as outras Selecionadas, de sua grande maioria tinham dificuldades, estava ocupada demais para notar. Mariee falava dicas para uma menina ou outra, mas na terceira música eu já sentia que mais gente conseguia realmente dançar.
- A senhorita não aprendeu isso hoje, estou certo? - o soldado resolveu falar, agora que dançávamos mais calmos para recuperar o fôlego.
- Não. - senti minha bochechas corarem. - Tive aulas ainda criança.
- Entendo. É uma dançarina realmente incrível, senhorita .
- Obrigada. Você também, soldado.
- Uma das artes do castelo, como disse. - ele sorriu, mostrando rugas no canto dos olhos.
Quando acabamos de dançar aquela música, se aproximou. Assim que viu o príncipe, o soldado Gateway soltou delicadamente minha mão e fez sua pose de continência, totalmente ereto e formal.
- Descansar, Soldado Gateway. - as palavras de foram o suficiente para Gateway afrouxar a pose. - Eu apenas gostaria de saber se podia participar da diversão.
Olhei pra ele confusa. Não tinha ninguém se divertindo naquela tenta. As meninas pareciam um pouco atrapalhadas e o suor começava aparentar em algumas, apesar do vento gostoso que passava por nós. Elas estavam nervosas e focadas, tanto que ninguém parecia ter percebido o príncipe, ocupadas demais com seu companheiro, buscando fazer algo decente. Porém, eu estava me divertindo e ele sabia disso.
- Claro, Alteza. - Gateway sorriu pra mim antes de se retirar.
- Pronta? - me estendeu a mão, fazendo a mesma reverência de meu antigo companheiro. Aceitei sua mão sorridente.
- Eu estou. Só não sei se você está. - brinquei.
- Mariee, minha música por favor. - ele disse alto, assustando a todas as Selecionadas. Menos Mariee, ela já tinha percebido sua presença há tempos.
- Claro, Alteza.
A música começou a tocar e me conduziu para o meio da tenda. Eu não conhecia a música, mas percebi seu ritmo logo. Era quase um tango, dança latina que eu também conhecia. Era uma dança difícil e estava me desafiando. Eu gostava do estilo e de suas origens, ainda mais porque dançávamos um pouco diferente de antigamente, tirando toda a sexualidade da dança latina, deixando-a mais confortável. Apenas o ritmo mais rápido e os passos mais complicados que seguíamos à risca.
ficou sorridente quando percebeu que eu era capaz de acompanhá-lo naquele ritmo também. Dançamos fixos em nossos passos, sem pronunciar uma palavra sequer. Usávamos todo o espaço e, em um momento, pude notar que todos haviam parado de dançar para olhar para nós. Quis parar, eu não era uma dançarina de shows, não era tão boa assim, mas não deixou, me puxando e conduzindo novamente.
- Já vai acabar. - ele disse, me fazendo girar e ficar de costas para ele.
Dançamos assim poucos passos até a música se finalizar.
- Viu? - senti o sopro de suas palavras na orelha.
Concordei, me soltando dele e o cumprimentando com uma reverência entre aplausos dos espectadores. As meninas estavam felizes e os soldados aplaudiam seu príncipe com enorme admiração.
- Pelo visto já temos uma vencedora. - Mariee anunciou, também batendo palmas.
Fiquei confusa. Uma vencedora? Aquilo era um concurso e eu não sabia? Assim que suas palavras foram ouvidas por todos os aplausos cessaram, algumas meninas foram mais discretas que outras, mas com certeza ninguém estava feliz. Os guardas, por sua vez, seguiram o caminho para não parecerem idiotas batendo palmas sozinhos. Eu havia ganhado algo que elas não, mas não fazia ideia do que. teve o bom senso de me tirar do meio do Salão.
- Quer dar uma volta?
- Não sei se posso, Mariee tem cara de ser severa.
- Não se preocupe, se sair comigo ela não vai brigar. Até porque você não tem escolha se eu ordenar que me siga.
Fiz careta. Ordenar?
- Eu estou brincando, .
- Ah, claro.
Ele riu.
- Acho que nem se eu quisesse te obrigar a sair comigo você iria. Daria um jeito de escapar. Já me contou que seria capaz disso. - ele brincou, agora me tirando da tenda e lentamente me guiando pelo jardim. Percebi que estávamos de mãos dadas e soltei lentamente. Aquilo não era muito certo. pareceu não se importar.
- O que eu ganhei? - perguntei.
- Você não sabe?
- Não faço ideia, se Mariee falou, eu não ouvi.
- Você ganhou a primeira dança. No próximo baile abrirá a pista com . Vocês dançarão junto de meus pais.
- Na frente de todo mundo?
- Não se preocupe, nas próximas aulas as meninas escolhidas vão treinar principalmente a música de abertura.
- Meninas?
- Sim, . Eu preciso de um par também.
Sorri. Era óbvio que ele também ia participar.
- Eu podia ser seu par. Talvez fosse melhor.
- Por que acha isso?
- Acho que seu irmão vê uma rebelde em mim. - deixei escapar. Talvez conversar sobre isso com não fosse o mais certo, mas essa era uma preocupação que eu tinha desde manhã cedo e ele era o único com quem eu podia tocar no assunto, além de seu irmão.
- Acho que você está enganada. Meu irmão não tem medo que você seja um rebelde, ele tem medo do que os rebeldes esperam de você. Caso aconteça alguma coisa com você a culpa é dele, porque você é…
- Dele? Você vai dizer o que todos dizem: “A partir do momento que você entrar na Seleção é uma propriedade do príncipe, do país, da família real.” - retruquei.
- Não, . Meu irmão não é uma pessoa horrível assim. Mas vocês são responsabilidade dele, se algo acontecer a alguma de vocês a culpa é dele. O país vai culpá-lo e talvez a Seleção acabe.
- Como assim?
- Ninguém vai querer deixar suas Selecionadas aqui para morrer.
- Você acha que os rebeldes vão me matar? - fiquei chocada. Eles não podiam ser tão ruins assim, e além disso, eles já tiveram a chance.
- Não acho. Não se você continuar fazendo o que eles querem.
Assenti. Era isso. Se eu não era propriedade do príncipe, no mínimo era dos rebeldes.
- Eu sinto muito. - ele disse, parando e me segurando para me conter. - Eu realmente sinto muito, .
- A culpa não é sua, . O que os rebeldes fazem não está ao nosso alcance. - respirei fundo, baixando a cabeça. - Podemos não falar disso agora?
concordou e mudou de assunto rapidamente, querendo saber mais sobre o assunto que começamos no sofá. Expliquei para ele, sem muito detalhes, o que me incomodava em ser uma . Eu tinha que cuidar pra deixar claro que não gostava do exagero da minha mãe, mas que treinar para participar da Seleção era aceitável.
Capítulo 5 - Rebeldes Nortistas
Como orientado no bilhete, eu já havia pedido para minhas criadas saírem, alegando estar indisposta e afim de tomar banho apenas mais tarde. Entretanto, eu estava ali, ainda usando a roupa do jantar, deitada na cama esperando o príncipe. Fiquei surpresa quando recebi o cartão antes do jantar, pedindo para eu esperar uma visita após a refeição. assinou com o próprio nome. Fiquei confusa no começo, até que lembrei que ele devia fingir que ainda não tinha recebido o papel e precisava, no mínimo, ir até mim para tocarmos no assunto do bilhete. Pelo menos para olhos curiosos saberem que tudo seguiu como o planejado.
Apesar de esperar por ele, meu coração deu um pulo de susto quando ele bateu na porta, na melhor parte do livro. Queria pedir para que ele esperasse pelo menos a página chegar ao fim, mas eu sabia que não era correto fazer algo parecido com um príncipe.
- Boa noite, senhorita. - ele cumprimentou quando abri a porta.
- Boa noite, Alteza.
- Gostaria de dar uma volta?
- Achei que ficaríamos aqui. Pedi que as criadas deixassem um chá. - comentei, me sentindo um pouco envergonhada, mas o príncipe apenas sorriu. Fiquei me perguntando se já tinha visto aquele sorriso, mesmo que breve, antes.
- Claro. Com licença.
adentrou o cômodo e o analisou calmamente e sem pudor. Ele olhava cada parte, esperando algo que não fosse familiar, algo que eu tivesse trazido comigo, porém não tinha nada. Deixei tudo na mala, ainda mais quando ele avisou mais cedo que logo de manhã algumas meninas seriam mandadas de volta. Eu fechei a porta e me apoiei nela, deixando ele se demorar em cada parte de seu quarto - porque, vamos combinar, aquele quarto nunca seria meu - emprestado a mim.
- Você não tem pertences?
- Estão na mala. - dei de ombros, agora caminhando em direção a mesinha, pronta para servir o chá. - Você disse que era melhor assim.
- Você acha que vai embora?
- Eu não sei… Ninguém sabe. Não é verdade?
- Acho que você tem razão. Mas muitas estão confiantes de que vão ficar, várias malas foram desfeitas.
- Como você sabe disso?
Ele corou. Pela primeira vez vi algo em sua expressão inabalável que não parecesse falso.
- Os criados me contaram.
- Você tem espiões então? Isso não é contra as regras?
- Eu faço as regras. - ele deu de ombros, seguindo até a mesa para pegar a xícara de chá que lhe estendi. Bebi um gole da minha, deixando claro que não responderia aquilo. - Disse algo errado?
- Não, Alteza. Apenas verdades. - comentei amarga.
Ele concordou com a cabeça e pareceu pensar.
- Você não gosta de mim. - concluiu, sem rodeios.
- Eu não conheço você.
- Não me conhece e ainda assim parece não gostar de mim.
- Desculpe por isso, Alteza. - queria ser ríspida, queria dizer que achava ele uma pessoa ruim mesmo, queria soar irônica, mas não podia. Fui o mais serena possível, sempre deve-se lidar assim com castas superiores. Fiz até uma pequena reverência, baixando apenas a cabeça.
- Pare, por favor.
- Eu… Não entendi.
- Pare de ser assim. Já vi o bastante para saber que tem mais personalidade que isso.
Engoli em seco. Ele estava me xingando? Muito educado.
- Educação e bons modos não significam falta de personalidade, Alteza. - arrumei o tom, agora falava como uma igual. - Pelo contrário, se você tem controle o suficiente sobre si para saber quando suas opiniões são bem-vindas e quando não são, significa que tem muita personalidade. Não tenho medo de me esconder, sei quem sou.
pareceu sem palavras por alguns segundos, mas por fim concluiu:
- Suas opiniões serão sempre bem-vindas para mim.
- Entendo sua posição, mas não precisa mentir para me agradar, Alteza.
- Não estou mentindo. Viu o que eu digo? Você espera o pior de mim.
Tomei o maior gole de chá de todos os tempos. Ele não estava enganado.
- Se não está mentindo… Gostaria de saber minha opinião sobre o quê?
- Várias coisas.
Ergui uma sobrancelha com cara de incógnita. Ele deveria ser mais específico. Me sentei na cadeira, deixando claro que ele poderia fazer o mesmo, mas o príncipe decidiu ficar de pé.
- Vamos começar com as opiniões que me atingirão menos: rebeldes.
- O quer saber exatamente?
- O que acha deles? O que acha de eu concordar com eles? O que acha de seu futuro rei querer acabar com as castas?
Respirei fundo.
- A primeira vez que tive contato com os rebeldes foi naquele carro. Apesar de me tratarem bem o suficiente, o homem tinha uma arma apontada para meu estômago. Entendo o que os rebeldes querem, mas não entendo o suficiente para saber se estão agindo certo. Não acredito em violência, apesar de entender que ela pode ser necessária. - peguei mais ar. - Sua opinião sobre isso me é curiosa, Alteza.
- Por que?
- Porque eu acho que o senhor é indiferente a tudo. Sei que é uma pose que escolheu mostrar ao mundo, mas é uma pose que me deixa possessa. As pessoas morrem e você não mexe um músculo, as pessoas brindam e você só dá um sorriso quando estão olhando diretamente para você. Você não tem expressão, então me é muito curioso que o senhor pense alguma coisa sobre algo.
- Você me acha… - ele não sabia dizer, mas eu conseguia entender a mensagem subliminar.
- Acho. Você parece alheio às coisas. Agora percebo que posso estar errada, mas sua falta de interesse me assusta. E sobre o fim das castas: espero que planeje isso muito bem, se não teremos guerra.
Ele concordou com a cabeça, quieto.
- Palavras podem doer, Alteza. Mas acredite em mim, sua indiferença é pior.
- Eu não estou indiferente.
- Então, o que você está sentindo? Porque nada em sua expressão demonstra qualquer sinal.
- Estou triste.
- Triste? - aquilo foi chocante
- Não imaginava causar isso nas pessoas.
- Talvez você não cause. - dei de ombros - Criei essa opinião depois que entrei no castelo, antes não tinha parado para pensar no assunto.
Ele riu irônico.
- Você não melhorou as coisas, . - ele mexeu na cabeça, começando a andar pelo meu quarto. Meu pai fazia o mesmo quando estava pensando, inquieto.
- Sinto muito.
- Você quer ir embora?
- Você quer que eu vá embora?
- Não.
- Então não irei. Estou aqui como uma Selecionada, Alteza. Conheço meus deveres e obrigações. Além do mais, acho que tenho novas responsabilidades.
- Não quero que se sinta presa aqui.
- Por incrível que pareça, Alteza. Nunca me senti menos observada do que me sinto aqui.
- Não parece. Pelo menos não quando está na presença de todos. me contou algumas coisas.
- ? O que ele tem a ver com isso?
- Ele só fala de você desde ontem. - concordei com a cabeça - Parece que você se dão muito bem. Até demais, lembre-se que você está aqui para se apaixonar por mim, não por ele.
Eu ri.
- Não estou apaixonada pelo seu irmão, Alteza. Como eu disse antes, conheço minhas responsabilidades. - voltei ao tom formal. - Além disso, sei que é uma pessoa maravilhosa, só pelo pouco que vi, mas é como um amigo para mim.
- Me desculpe. - o príncipe finalmente se sentou à mesa.
Ele parecia derrotado, fazendo minha guarda baixar um pouco.
- Gostaria de mais chá, Alteza?
- Por favor. - ele me estendeu a xícara.
- E quais são suas opiniões? Sobre os rebeldes e as castas?
- Acho que eles estão certos, e agora que não são mais violentos, admiro sua forma de agir. Temos uma boa chance de conseguir mexer com nosso sistema social.
- Eles realmente não são mais violentos? - perguntei como não quer nada, mas identificou logo minha estratégia.
- Se eu achasse que eles fossem machucá-la, jamais pediria que fosse até lá.
- Por que acha que eles me querem lá? Digo, eu entendi sobre a parte de você correr seu risco e até entendo porque você mesmo não vai lá. Mas porque eu?
- Eu realmente acredito que você ser quem é deu a eles mais tempo e mais organização. Eles devem saber muito sobre você.
Concordei, mesmo achando que aquilo não parecia o suficiente, era a mesma história de mais cedo, mas eu não aceitava aquilo totalmente. Os rebeldes me espionaram para me conhecer melhor, tudo bem, mas eles queriam me usar para o quê? Não tem nada sobre mim que ajude, saber o que eu faço no meu tempo livre não me torna uma melhor porta voz. Eles, provavelmente, descobriram que não sou capaz de matá-los, mas eles realmente acharam que alguém entre nós era? As meninas aqui tem dificuldade até para dançar, imagine lutar contra rebeldes.
- Eu acho que devo ir.
- Claro. - me levantei, prontificando a acompanhá-lo. levantou depois de mim.
- Depois de amanhã você irá falar com os rebeldes. Será logo cedo. Irá como uma criada, é mais seguro. Mais tarde você receberá todas as informações.
- Sim, senhor. Quem sabe sobre isso, Alteza?
- Eu, meia dúzia de criados. Agora, você e .
- Tudo bem. Boa noite, Alteza.
foi embora, me deixando sozinha para voltar ao meu livro. Não queria pensar sobre minha vida, então foquei nas páginas até terminar de ler o capítulo, feliz por aquilo estar interessante o suficiente para prender minha atenção. Obriguei-me a largar as páginas, tomar um banho rápido e me preparar para dormir. Peguei no sono mais rápido do que pensava, mas pela primeira vez de muitas tive o sonho perturbado por rebeldes e pelos príncipes.
***
Naquela manhã, o café foi servido no Salão Principal, acompanhando-nos estavam a família real e nossas auxiliares de apresentações. Susane sorria e acenava para mim enquanto comíamos, dando piscadinha discretas; no dia anterior não tínhamos nos visto, o que me fazia pensar no que era baseado seu trabalho quando nós, bem, não estávamos nos olhos do público.
Antes de qualquer um terminar de comer, levantou-se para fazer um pronunciamento:
- Bom dia, meninas. Antes de alguma das senhoritas ter a chance de sair do Salão, peço para Stacie, Sophie, Diana, Evangeline, Katherine, Geovana, Sarah, Vivian, Janet e Yara permanecerem aqui após o fim da refeição. Sei que devem logo partir para o jardim, mas gostaria de conversar. Obrigado.
Novamente estava lá, o ar indiferente. Apesar de todas temerem ser algo ruim e algumas até deixarem caretas e palavras desagradáveis escaparem, o príncipe não deixou claro se realmente estava infeliz. Mas foi olhar para e ver sua careta disfarçada que eu tive certeza, aquelas meninas não chegariam ao jardim naquele dia.
Saí para o jardim acompanhada de Susane, a qual parecia entusiasmada com suas pesquisas recentes de moda e comunicação, ela só me deixou seguir para a tenda quando Marine finalmente ameaçou começar seu discurso.
Como previ, o jardim estava realmente mais vazio. Já no segundo dia nos tornamos 25 garotas, e eu ainda não conseguia identificar o nome nem de meia dúzia. Eu tinha gastado um tempo analisando as outras competidoras quando estava em casa, mas como eu não ligava mesmo para a competição e realmente não queria ganhar, não tive muito empenho em decorar a feição de trinta e quatro garotas. Sorte a minha que nem um dos integrantes do castelo era capaz de reconhecer todas as garotas, pois estávamos novamente com os broches presos aos vestidos.
A primeira lição do dia era sobre etiqueta à mesa e que tipo de talher deveria ser usado para cada tipo de ocasião. Eram regras das quais eu já tinha conhecimento, entretanto, dessa vez, não deixei que nada me sobressaísse. não apareceu e eu passei a manhã e tarde inteiras ouvindo dicas de como se comportar em uma refeição.
Ajudei as mais próximas a entender as regras e dava cutucões quando elas erravam o tamanho do garfo, mas logo todas pareciam entender o que estava acontecendo. Era ridículo, eu concordava, mas tínhamos talheres para salada, entrada, prato principal - um se fosse alguma proteína ou outro tipo para massas - e sobremesa, fazendo-se necessário saber qual escolher quando participássemos de jantares formais.
Apesar da aula, o dia foi agradável e logo o sol se pôs, nos deixando livres para o jantar. Foi avisado que visitantes chegaram no castelo naquela tarde, nos deixando a opção de jantar no quarto ou Salão das Mulheres, pois a família real estava ocupada. Vi a maioria das meninas subir para o quarto e resolvi segui-las. No dia seguinte eu iria ver os rebeldes, precisava descansar.
***
Foi uma sequência de três batidas na porta que me fez levantar da cama. Eu havia acordado mais cedo, mas não tinha saído da cama para mais nada além de uma ida rápida até o banheiro. Andei até a porta, lembrando-me de um dos motivos dos quais as criadas deveriam dormir conosco. Entretanto, minha privacidade e a das meninas valia o esforço de uma caminhada extra, além do mais, o príncipe herdeiro provavelmente não iria reclamar da minha cordialidade de recebê-lo na porta.
- Alteza. - cumprimentei o príncipe assim que abri a porta para recebê-lo. Ele estava radiante, me deixando surpresa, pois para alguém em pé antes das seis da manhã, ele parecia impecável. Seus cabelos escuros estavam penteados e seu terno se alinhava aos músculos, ele era realmente nobre.
- Bom dia, . - ele disse um pouco debochado, me fazendo perceber que não tinha nem colocado o robe por cima da camisola para abrir a porta, um erro.
- Ah, não. - soltei baixo e parti a procura de mais proteção, a porta aberta foi o suficiente para adentrar o cômodo.
- Desculpe se lhe acordei. E desculpe entrar no seu quarto sem ser convidado, mas ficar nos corredores poderia ser perigoso.
- Claro. Fique à vontade, a casa é sua, Alteza. - comentei meio irritada. Eu estava começando a cogitar a hipótese de dormir com vestidos mesmo, aquela família gostava de me pegar desprevenida.
- Mau humor matinal?
- Não, nada disso. Meu mau humor tem algo a ver com sua família sempre acabar me vendo de camisola. - resmunguei, grosseira. Me sentiria mal depois, sabendo que não deveria tratar um príncipe daquela maneira, mas na hora era aquilo ou o silêncio. - Com licença.
Me retirei para o banheiro, e apesar de já ter os dentes escovados e o rosto limpo, me demorei tentando acalmar meus nervos. Aproveitei para arrumar meus cabelos calmamente e passar mais uma água no rosto. Minhas bochechas já não estavam mais vermelhas de vergonha. Foco, , você tem trabalho a fazer.
- Quem mais da minha família te viu de camisola? - perguntou um tanto curioso, assim que saí do banheiro para voltar ao meu quarto. Sua expressão era indecifrável, não sabia dizer se ele estava brincando ou realmente incomodado.
Fingi não ouvir suas palavras e parti para a única mesa do quarto.
- Gostaria de água, Alteza?
- Me responda quando lhe faço perguntas, Senhorita .
Aquele tom me assustou. O príncipe me encarava sério, arrogante e superior. Percebi que ele falava realmente sério, algo o incomodava. Ele sempre acabava fazendo aquilo quando não ganhava o que queria, era ridículo. O futuro rei não passava de um mimado metido a besta.
- .
- Você o chama de ?
- É o nome dele, não? Ou eu estou enganada, Alteza?
- Sabe que não está enganada, mas ele é seu príncipe.
- E como meu príncipe pediu para que eu me dirigisse a ele pelo nome, Alteza, devo obedecer. Acho que eu não tenho direito de negar o pedido de um príncipe, não é mesmo? - falei afetada, deixando que ele percebesse minhas segundas intenções em cada palavra.
não respondeu, deixando-me tomar um longo gole de água antes de continuar.
- Imagino que isso seja pra mim. - indiquei a sacola que ele tinha em mãos.
Como parte do nosso plano, eu iria até a residência dos rebeldes, entregar um relatório semanal. Entretanto, não podia sair do castelo e andar por aí como uma Selecionada, o que significava que me passaria por criada. Isto é, precisava do uniforme que o príncipe carregava dentro da sacola desde que chegara.
- Claro. Está aqui. - ele me estendeu a sacola, ainda meio afetado com nossa discussão. Decidi que não podia fazer nada a respeito, então parti para o banheiro sem mais palavras. Sabia que o príncipe iria me esperar antes de sair, se não ele não teria vindo até mim. Estava claro que ele não confiava em ninguém para me levar até onde deveria, ou não confiava em mim o suficiente para saber que eu seguiria as regras.
Não foi difícil vestir o vestido preto usado por todas as criadas, nem o sapato baixo que me servia perfeitamente o pé, ele era muito mais confortável que os sapatos que eu usava, incluindo os de casa. Usei o véu que o príncipe resolveu adicionar ao modelo para esconder, como um grande capuz, minha identidade.
- Estou pronta, Alteza. - destranquei a porta do banheiro para encontrar sentado à mesa tomando um copo de água.
- Está perfeita. - ele assentiu. - Decidi que era mais seguro se lhe enviasse com uma escuta, se não for problema para a senhorita.
- O que o senhor quiser, Alteza. - respondi com a cabeça baixa, praticamente como uma criada o faria.
- Desculpe por ter agido daquele jeito. Eu só… - o príncipe se levantou, tirando um objeto do bolso e se aproximando de mim.
- Você só é possessivo com o que é seu, Alteza. E apesar de eu não ter escolha, sei que sou sua propriedade.
pareceu sentir a dor daquelas palavras lhe atravessando como flechas, mas ele não podia se defender, eu apenas falava verdades. O príncipe se aproximou e me entregou um pequeno objeto preto, e apesar de eu saber o que era uma escuta, nunca tinha visto uma de verdade.
- Coloque isso escondido em seu vestido. Eu e estaremos ouvindo tudo do outro lado.
Concordei, aceitando o objeto e enfiando em algum lugar preso no meu decote. teve a delicadeza de se entreter em outra parte do cômodo enquanto eu fazia isso.
- O que eu preciso fazer exatamente?
O príncipe me explicou tudo detalhadamente enquanto caminhávamos para a cozinha. Usamos corredores que eu não conhecia, os quais imaginei serem os usados pelos guardas e criados para ir e vir pelo castelo. Entretanto, ao contrário do que eu pensava, eles não eram estreitos ou subterrâneos, eram apenas corredores escondidos atrás de portas e paredes, largos o suficiente para carregar vários mantimentos.
Exatamente como a criada que fazia o serviço antes de mim, eu iria acompanhar o caminhão de compras do palácio pelas ruas da Capital, o qual, naquele dia, saía única e exclusivamente para me levar até os rebeldes. O motorista saberia onde parar e eu deveria entrar carregando uma cesta de frutas, onde embaixo haviam os relatórios do príncipe para os rebeldes. Lá dentro eu seria recebida por uma mulher, que me daria outra cesta de frutas para levar embora. Nada mais. Simples fácil e rápido.
tentou me garantir que eu estaria segura, mas eu só me sentia indo para uma jaula de leões, na esperança de ser uma presa divertida demais para ser devorada.
Já na entrada da cozinha fui obrigada a colocar o véu e me despedir do príncipe, nenhum de nós dois poderia ser reconhecido entre as pessoas que ali trabalhavam. A criada que antes ia no meu lugar era uma das poucas pessoas que sabia do plano, por isso nos encontrou no corredor, dando um sorriso singelo para , que respondeu tão feliz quanto.
- Doroth. - ele cumprimentou.
- Vejo que anda mais forte, meu querido. - Doroth, uma senhora de mais de 60 anos, rechonchuda e baixinha, parecia realmente feliz em vê-lo. Seus cabelos brancos estavam presos em um coque alto, sério, mas nada a deixava menos fofa e agradável, era óbvio que não nascera para ser uma mulher elegante e cheia de cortejo. - Espero que seja a comida!
- É claro que é. Sua comida é incrível! - ele piscou para ela, deixando suas bochechas vermelhas. - Doroth, por favor, leve até o caminhão.
- Claro, Alteza. - a senhora fez uma leve reverência e olhou para mim sorridente. - Venha, minha querida.
Senti Doroth colocar seus braços em meus ombros, me envolvendo protetoramente. Sua altura acabou me fazendo curvar para frente, o que facilitou para usar o véu, escondendo completamente meu rosto e cabelo.
Mantive os olhos no chão, já na cozinha, enquanto Doroth me guiava por um caminho desconhecido. Eu queria parar para analisar cada parte dali, mas não podia, a cozinha já parecia cheia, ocupada com a preparação do café da manhã, que seria horas depois. Eu ouvia passos, talheres e panelas, conversas e uma música animada no fundo. O cheiro era incrivelmente bom, algo como torrada amanteigada.
- Agora vamos pro lado de fora. - Doroth cochichou em meu ouvido, caminhando por algo que eu imaginei ser outro corredor. O som sumia atrás de mim e o frio da manhã, ainda sem sol, começava a surtir efeito mais à frente. - Pode se levantar, querida. - ela disse depois que fizemos uma curva.
Assim que Doroth me soltou, pude caminhar ereta. Eu estava certa e seguíamos por um longo corredor, mais à frente havia uma porta aberta revelando uma paisagem quase noturna. O sol deveria nascer em alguns minutos.
- Não se preocupe, querida. Ela é uma pessoa tranquila até, só os guardas que são meio mau humorados. - Doroth queria me acalmar, mas a vi fazendo uma pequena careta.
- A senhora faz isso a quanto tempo?
- Bastante, querida. Quase um ano. Sempre saí intacta… Mas entendo o príncipe não me querer mais, estou ficando velha. - ela comentou, um pouco triste.
- Doroth, posso lhe contar um segredo?
- Claro que sim! Eu sou confiável, por isso o príncipe me colocou nisso.
Era claro que escutaria, afinal eu tinha uma escuta bem perto de nós, mas queria que Doroth se sentisse importante.
- Foram os rebeldes que pediram que eu fosse, não o príncipe. e ninguém acha a senhora velha ou inapropriada, os rebeldes só queriam algo que chamasse mais a atenção do reino, se desse errado… Se é que a senhora me entende.
- O príncipe ainda acredita em mim?
- Claro, Doroth. Pelo que vejo, o príncipe acredita muito na senhora.
- Oh. Obrigada querida. Fiquei com tanto medo… - Doroth estava realmente aliviada e fiquei feliz por decidir compartilhar algo com ela que o príncipe resolverá não. Talvez me encrencasse por isso, mas Doroth merecia a autoconfiança de novo.
- Se quer saber, vou torcer pela senhorita!
Eu ri de sua reação, pareceu, naquele momento, que torcer por mim era algo extremamente importante para ela. Agradeci a Doroth como se realmente quisesse o trono, sentindo o orgulho que ela transpassou em suas palavras. Entrei no caminhão com ajuda, sentando na parte da frente, mais especificamente no carona.
- Você não vem Doroth? - o motorista parecia surpreso.
- Não, querido. Hoje você vai com ela. - Doroth respondeu, indicando que eu deveria fechar a porta. Obedeci, fazendo com que a pequena mulher sumisse de vista.
- Sou sua nova companhia, senhor. - disse sem esperar muito.
- Não sabia da mudança.
- Não se preocupe, o resto continua como está. As mudanças ocorreram apenas porque Doroth teve que cumprir outras tarefas. - anunciei, me perguntando se aquele homem fazia alguma ideia de que eu era uma Selecionada. Com certeza ele não andava pelo palácio, mas provavelmente via TV o suficiente para me reconhecer.
- Não é algo que eu vá reclamar. - ele disse galanteador me olhando com olhos significativos.
Idiota. As pessoas estão escutando seu exemplo trabalho.
- Então por favor faça o seu trabalho direito para não ser eu a reclamar. - anunciei, nada amistosa, mas sem querer ser malvada.
O motorista concordou, sem parecer ofendido, para meu alívio. Fazendo o motor roncar, ele nos tirou dali e, em questão de minutos, já estávamos em uma parte mais isolada da cidade. Queria tentar ao máximo identificar algo, para saber se foi naquela região que eu tinha andado ainda naquela semana quando o carro parou para me deixar, mas nada me remetia aquele dia, talvez eu não tivesse prestado tanta atenção quanto eu pensava.
- Já sabe o que fazer? - o motorista falou novamente.
- Sim. Entrar, pegar outra dessa, sair.
- Ótimo. - ele concordou, fazendo a curva para entrar em um portão já aberto. - Seja rápida.
Percebi que aquilo significava: chegamos, saia logo. Concordei e peguei a cesta de frutas vermelhas que eu tinha no colo, dei um salto para sair caminhão. Estávamos dentro de uma garagem vazia, a única coisa que me indicava um caminho era uma porta de metal. Bati, torcendo para estar fazendo a coisa certa.
Não demorou muito para um grandão com uma cicatriz no pescoço abrir o porta. Sua cara era de poucos amigos e ele me analisava de cima a baixo. Não sabia o que dizer.
- Acho que é ela. - ele anunciou, não pra mim.
- Deixe-a entrar. - uma voz gritou atrás da porta.
- Certo. Entre logo, lady. - seu tom era provocativo.
Obedeci o homem com cicatriz no pescoço e passei pela porta, encontrando-me em um corredor meio escuro e de tijolos, dentro dele havia vários homens armados, de guarda.
- Ela é bem mais gata do que eu pensava. - um deles comentou, abrindo espaço para mim enquanto eu passava. Agradeci pelo corredor ser largo o suficiente para os homens se apoiarem nas paredes, abrindo lugar para mim. Sentia seus olhos me analisando e podia ouvir até alguns assobios e risadas, eles estavam me provocando. Queria mostrar que eu era uma donzela indefesa no seu território. Devo admitir que nervosa do jeito que eu estava, os comentários dos homens eram o que menos me preocupava. Eu só não queria morrer.
- Gata? Ela é gostosa! - outro respondeu.
- Parem com isso! Parece que nunca viram uma mulher na vida! - uma mulher, um pouco mais velha que eu, loira e alta, apareceu no final do corredor, fazendo com que todos os seis homens - eu contei - calassem a boca. - Venha por aqui, . Ignore esses mal-educados.
Sorri fraco. Ela sabia meu nome, obviamente. Eu já me sentia em desvantagem. Andei mais rápido até encontrá-la, deixando com que me guiasse até outra porta de metal, agora aberta. O escritório da mulher era pequeno e se resumia a uma mesa de trabalho com papéis e duas poltronas, uma para o visitante, outra para ela.
- Sente-se. - ela pediu, dirigindo-se para atrás da mesa. - O que temos hoje?
Obedeci e ao mesmo tempo que sentei, estendi a cesta para ela. A mulher não se demorou nas frutas e partiu logo para os papéis que haviam ali, me deixando esperando enquanto lia.
- O príncipe já te falou sobre isso? - ela perguntou, sem tirar os olhos dos papéis.
- Não. Acho que é um assunto que não me deve respeito.
- Nem se for a próxima princesa?
Respirei fundo.
- Acredito que se isso acontecer, terei tempo até lá. - respondi formal.
Mas a mulher riu, ela simplesmente gargalhou na minha cara e voltou os olhos para me encarar.
- Sabe, , nós a encontramos há muito tempo atrás. Diria que faz um ano que resolvemos te incluir no grupo. Conheço tanto você quanto imagina. Sei suas opiniões sobre a Seleção e seus sonhos de não ser uma princesa.
Gelei. Fiquei tão chocada que devo ter arregalados olhos, ela havia dito para os dois príncipes do outro lado da escuta que eu não queria ser princesa. Ela havia me entregado, na lata. O que eu ia fazer?
- Não fique tão chocada, não é difícil ouvir suas conversas com Drew. Vocês não são muito discretos.
- Você conhece Drew?
- Não desse jeito, querida. Apesar de não ligar para ter uma intimidade maior com ele. Não sei como você aguentou tantos anos, ele é realmente lindo. - ela fingiu suspirar. - Mas só o via quando você o encontrava no bosque e chorava com a ideia de vir pra cá.
Ótimo. Se os príncipes não tinham escutado antes, agora com certeza sim. Respirei fundo. Já era.
- Se você sabe da minha intenção com a Seleção, por que decidiu me usar? Se eu vou ser uma das primeiras a sair? - arrisquei.
- Você querer sair, não significa que você vai sair. O príncipe não vai deixar. E caso ele deixe, os reis não permitiriam.
- Do que você está falando?
- Ah, coitadinha de você. Não faz ideia de nada, não é mesmo? Acho que vou deixar pros príncipes te explicarem, caso você tenha coragem de perguntar algum dia.
- Se eu fosse uma coitadinha, não estaria aqui. - afirmei revoltada. - Precisa de mim para mais alguma coisa? - mudei o foco.
- Você é boa nisso, tenho que admitir. Se eu pudesse escolher alguém para ser o rosto da nossa nação, escolheria você. - ela disse, me deixando em dúvida se falava de todo o país ou apenas do seu grupo de rebeldes.
- Você já escolheu. - respondi, escolhendo a segunda opção. - Escolheu quando me deu o colar e quando me fez dar a carta ao príncipe na frente de todos. Escolheu quando me fez vir aqui e correr riscos.
- Você descobriu sobre o colar, então…
- É claro! Eu não sou estúpida!
- Eu sei que não. Mas é ingênua ao pensar que corre perigo aqui. Nós queremos ser seus aliados, .
- Pretende conquistar minha confiança me sequestrando? Ou fazendo o príncipe me obrigar a servi-los?
- Desculpe por isso, mas era o único jeito. Além disso, pelo que me falaram, você se saiu muito bem.
Não íamos falar sobre aquilo, ainda mais com a escuta perto de mim. Já tinha exposto mais do que pretendia por uma vida, naquela conversa. Falar sobre como me senti, sobre o que os soldados fariam ou não comigo, não fazia parte de uma conversa que eu queria incluir a família real.
- Acho que terminamos por aqui. - conclui.
- Claro, você que sabe Alteza.
- Não sou nada perto de alguém da família real.
- Por enquanto. - ela deu de ombros e, ao contrário do que eu imaginava, escondeu outros papéis na mesma cesta. Era apenas uma então. - Pode sair por onde entrou.
- Obrigada. - levantei-me, segurando a cesta de volta e partindo para o corredor. Estava bem no começo quando a ouvi falar:
- Se não podem controlar os olhos, pelo menos controlem a boca.
Não era comigo que ela falava e apesar de eu odiar a ideia de ter que ser defendida por uma rebelde, gostei de sua liderança. Ela era a chefe e era uma mulher, entendia o que eu estava passando.
O mesmo homem de antes, com a cicatriz, abriu a porta para eu sair, fechando-a atrás de mim, sem falar qualquer coisa. Entrei no caminhão em silêncio, preocupada com o que vinha a seguir. “...você o encontrava no bosque e chorava com a ideia de vir pra cá.”. O motorista teve a decência de permanecer calado, sem querer saber o que houve lá dentro, então tive um tempo para pensar no que dizer no caminho e também para entender o que ela queria dizer quando comentava que ninguém me deixaria sair. Depois de ter contato a todos meu segredo, imaginei que ela estava errada sobre a segunda parte.
Apesar de esperar por ele, meu coração deu um pulo de susto quando ele bateu na porta, na melhor parte do livro. Queria pedir para que ele esperasse pelo menos a página chegar ao fim, mas eu sabia que não era correto fazer algo parecido com um príncipe.
- Boa noite, senhorita. - ele cumprimentou quando abri a porta.
- Boa noite, Alteza.
- Gostaria de dar uma volta?
- Achei que ficaríamos aqui. Pedi que as criadas deixassem um chá. - comentei, me sentindo um pouco envergonhada, mas o príncipe apenas sorriu. Fiquei me perguntando se já tinha visto aquele sorriso, mesmo que breve, antes.
- Claro. Com licença.
adentrou o cômodo e o analisou calmamente e sem pudor. Ele olhava cada parte, esperando algo que não fosse familiar, algo que eu tivesse trazido comigo, porém não tinha nada. Deixei tudo na mala, ainda mais quando ele avisou mais cedo que logo de manhã algumas meninas seriam mandadas de volta. Eu fechei a porta e me apoiei nela, deixando ele se demorar em cada parte de seu quarto - porque, vamos combinar, aquele quarto nunca seria meu - emprestado a mim.
- Você não tem pertences?
- Estão na mala. - dei de ombros, agora caminhando em direção a mesinha, pronta para servir o chá. - Você disse que era melhor assim.
- Você acha que vai embora?
- Eu não sei… Ninguém sabe. Não é verdade?
- Acho que você tem razão. Mas muitas estão confiantes de que vão ficar, várias malas foram desfeitas.
- Como você sabe disso?
Ele corou. Pela primeira vez vi algo em sua expressão inabalável que não parecesse falso.
- Os criados me contaram.
- Você tem espiões então? Isso não é contra as regras?
- Eu faço as regras. - ele deu de ombros, seguindo até a mesa para pegar a xícara de chá que lhe estendi. Bebi um gole da minha, deixando claro que não responderia aquilo. - Disse algo errado?
- Não, Alteza. Apenas verdades. - comentei amarga.
Ele concordou com a cabeça e pareceu pensar.
- Você não gosta de mim. - concluiu, sem rodeios.
- Eu não conheço você.
- Não me conhece e ainda assim parece não gostar de mim.
- Desculpe por isso, Alteza. - queria ser ríspida, queria dizer que achava ele uma pessoa ruim mesmo, queria soar irônica, mas não podia. Fui o mais serena possível, sempre deve-se lidar assim com castas superiores. Fiz até uma pequena reverência, baixando apenas a cabeça.
- Pare, por favor.
- Eu… Não entendi.
- Pare de ser assim. Já vi o bastante para saber que tem mais personalidade que isso.
Engoli em seco. Ele estava me xingando? Muito educado.
- Educação e bons modos não significam falta de personalidade, Alteza. - arrumei o tom, agora falava como uma igual. - Pelo contrário, se você tem controle o suficiente sobre si para saber quando suas opiniões são bem-vindas e quando não são, significa que tem muita personalidade. Não tenho medo de me esconder, sei quem sou.
pareceu sem palavras por alguns segundos, mas por fim concluiu:
- Suas opiniões serão sempre bem-vindas para mim.
- Entendo sua posição, mas não precisa mentir para me agradar, Alteza.
- Não estou mentindo. Viu o que eu digo? Você espera o pior de mim.
Tomei o maior gole de chá de todos os tempos. Ele não estava enganado.
- Se não está mentindo… Gostaria de saber minha opinião sobre o quê?
- Várias coisas.
Ergui uma sobrancelha com cara de incógnita. Ele deveria ser mais específico. Me sentei na cadeira, deixando claro que ele poderia fazer o mesmo, mas o príncipe decidiu ficar de pé.
- Vamos começar com as opiniões que me atingirão menos: rebeldes.
- O quer saber exatamente?
- O que acha deles? O que acha de eu concordar com eles? O que acha de seu futuro rei querer acabar com as castas?
Respirei fundo.
- A primeira vez que tive contato com os rebeldes foi naquele carro. Apesar de me tratarem bem o suficiente, o homem tinha uma arma apontada para meu estômago. Entendo o que os rebeldes querem, mas não entendo o suficiente para saber se estão agindo certo. Não acredito em violência, apesar de entender que ela pode ser necessária. - peguei mais ar. - Sua opinião sobre isso me é curiosa, Alteza.
- Por que?
- Porque eu acho que o senhor é indiferente a tudo. Sei que é uma pose que escolheu mostrar ao mundo, mas é uma pose que me deixa possessa. As pessoas morrem e você não mexe um músculo, as pessoas brindam e você só dá um sorriso quando estão olhando diretamente para você. Você não tem expressão, então me é muito curioso que o senhor pense alguma coisa sobre algo.
- Você me acha… - ele não sabia dizer, mas eu conseguia entender a mensagem subliminar.
- Acho. Você parece alheio às coisas. Agora percebo que posso estar errada, mas sua falta de interesse me assusta. E sobre o fim das castas: espero que planeje isso muito bem, se não teremos guerra.
Ele concordou com a cabeça, quieto.
- Palavras podem doer, Alteza. Mas acredite em mim, sua indiferença é pior.
- Eu não estou indiferente.
- Então, o que você está sentindo? Porque nada em sua expressão demonstra qualquer sinal.
- Estou triste.
- Triste? - aquilo foi chocante
- Não imaginava causar isso nas pessoas.
- Talvez você não cause. - dei de ombros - Criei essa opinião depois que entrei no castelo, antes não tinha parado para pensar no assunto.
Ele riu irônico.
- Você não melhorou as coisas, . - ele mexeu na cabeça, começando a andar pelo meu quarto. Meu pai fazia o mesmo quando estava pensando, inquieto.
- Sinto muito.
- Você quer ir embora?
- Você quer que eu vá embora?
- Não.
- Então não irei. Estou aqui como uma Selecionada, Alteza. Conheço meus deveres e obrigações. Além do mais, acho que tenho novas responsabilidades.
- Não quero que se sinta presa aqui.
- Por incrível que pareça, Alteza. Nunca me senti menos observada do que me sinto aqui.
- Não parece. Pelo menos não quando está na presença de todos. me contou algumas coisas.
- ? O que ele tem a ver com isso?
- Ele só fala de você desde ontem. - concordei com a cabeça - Parece que você se dão muito bem. Até demais, lembre-se que você está aqui para se apaixonar por mim, não por ele.
Eu ri.
- Não estou apaixonada pelo seu irmão, Alteza. Como eu disse antes, conheço minhas responsabilidades. - voltei ao tom formal. - Além disso, sei que é uma pessoa maravilhosa, só pelo pouco que vi, mas é como um amigo para mim.
- Me desculpe. - o príncipe finalmente se sentou à mesa.
Ele parecia derrotado, fazendo minha guarda baixar um pouco.
- Gostaria de mais chá, Alteza?
- Por favor. - ele me estendeu a xícara.
- E quais são suas opiniões? Sobre os rebeldes e as castas?
- Acho que eles estão certos, e agora que não são mais violentos, admiro sua forma de agir. Temos uma boa chance de conseguir mexer com nosso sistema social.
- Eles realmente não são mais violentos? - perguntei como não quer nada, mas identificou logo minha estratégia.
- Se eu achasse que eles fossem machucá-la, jamais pediria que fosse até lá.
- Por que acha que eles me querem lá? Digo, eu entendi sobre a parte de você correr seu risco e até entendo porque você mesmo não vai lá. Mas porque eu?
- Eu realmente acredito que você ser quem é deu a eles mais tempo e mais organização. Eles devem saber muito sobre você.
Concordei, mesmo achando que aquilo não parecia o suficiente, era a mesma história de mais cedo, mas eu não aceitava aquilo totalmente. Os rebeldes me espionaram para me conhecer melhor, tudo bem, mas eles queriam me usar para o quê? Não tem nada sobre mim que ajude, saber o que eu faço no meu tempo livre não me torna uma melhor porta voz. Eles, provavelmente, descobriram que não sou capaz de matá-los, mas eles realmente acharam que alguém entre nós era? As meninas aqui tem dificuldade até para dançar, imagine lutar contra rebeldes.
- Eu acho que devo ir.
- Claro. - me levantei, prontificando a acompanhá-lo. levantou depois de mim.
- Depois de amanhã você irá falar com os rebeldes. Será logo cedo. Irá como uma criada, é mais seguro. Mais tarde você receberá todas as informações.
- Sim, senhor. Quem sabe sobre isso, Alteza?
- Eu, meia dúzia de criados. Agora, você e .
- Tudo bem. Boa noite, Alteza.
foi embora, me deixando sozinha para voltar ao meu livro. Não queria pensar sobre minha vida, então foquei nas páginas até terminar de ler o capítulo, feliz por aquilo estar interessante o suficiente para prender minha atenção. Obriguei-me a largar as páginas, tomar um banho rápido e me preparar para dormir. Peguei no sono mais rápido do que pensava, mas pela primeira vez de muitas tive o sonho perturbado por rebeldes e pelos príncipes.
Naquela manhã, o café foi servido no Salão Principal, acompanhando-nos estavam a família real e nossas auxiliares de apresentações. Susane sorria e acenava para mim enquanto comíamos, dando piscadinha discretas; no dia anterior não tínhamos nos visto, o que me fazia pensar no que era baseado seu trabalho quando nós, bem, não estávamos nos olhos do público.
Antes de qualquer um terminar de comer, levantou-se para fazer um pronunciamento:
- Bom dia, meninas. Antes de alguma das senhoritas ter a chance de sair do Salão, peço para Stacie, Sophie, Diana, Evangeline, Katherine, Geovana, Sarah, Vivian, Janet e Yara permanecerem aqui após o fim da refeição. Sei que devem logo partir para o jardim, mas gostaria de conversar. Obrigado.
Novamente estava lá, o ar indiferente. Apesar de todas temerem ser algo ruim e algumas até deixarem caretas e palavras desagradáveis escaparem, o príncipe não deixou claro se realmente estava infeliz. Mas foi olhar para e ver sua careta disfarçada que eu tive certeza, aquelas meninas não chegariam ao jardim naquele dia.
Saí para o jardim acompanhada de Susane, a qual parecia entusiasmada com suas pesquisas recentes de moda e comunicação, ela só me deixou seguir para a tenda quando Marine finalmente ameaçou começar seu discurso.
Como previ, o jardim estava realmente mais vazio. Já no segundo dia nos tornamos 25 garotas, e eu ainda não conseguia identificar o nome nem de meia dúzia. Eu tinha gastado um tempo analisando as outras competidoras quando estava em casa, mas como eu não ligava mesmo para a competição e realmente não queria ganhar, não tive muito empenho em decorar a feição de trinta e quatro garotas. Sorte a minha que nem um dos integrantes do castelo era capaz de reconhecer todas as garotas, pois estávamos novamente com os broches presos aos vestidos.
A primeira lição do dia era sobre etiqueta à mesa e que tipo de talher deveria ser usado para cada tipo de ocasião. Eram regras das quais eu já tinha conhecimento, entretanto, dessa vez, não deixei que nada me sobressaísse. não apareceu e eu passei a manhã e tarde inteiras ouvindo dicas de como se comportar em uma refeição.
Ajudei as mais próximas a entender as regras e dava cutucões quando elas erravam o tamanho do garfo, mas logo todas pareciam entender o que estava acontecendo. Era ridículo, eu concordava, mas tínhamos talheres para salada, entrada, prato principal - um se fosse alguma proteína ou outro tipo para massas - e sobremesa, fazendo-se necessário saber qual escolher quando participássemos de jantares formais.
Apesar da aula, o dia foi agradável e logo o sol se pôs, nos deixando livres para o jantar. Foi avisado que visitantes chegaram no castelo naquela tarde, nos deixando a opção de jantar no quarto ou Salão das Mulheres, pois a família real estava ocupada. Vi a maioria das meninas subir para o quarto e resolvi segui-las. No dia seguinte eu iria ver os rebeldes, precisava descansar.
Foi uma sequência de três batidas na porta que me fez levantar da cama. Eu havia acordado mais cedo, mas não tinha saído da cama para mais nada além de uma ida rápida até o banheiro. Andei até a porta, lembrando-me de um dos motivos dos quais as criadas deveriam dormir conosco. Entretanto, minha privacidade e a das meninas valia o esforço de uma caminhada extra, além do mais, o príncipe herdeiro provavelmente não iria reclamar da minha cordialidade de recebê-lo na porta.
- Alteza. - cumprimentei o príncipe assim que abri a porta para recebê-lo. Ele estava radiante, me deixando surpresa, pois para alguém em pé antes das seis da manhã, ele parecia impecável. Seus cabelos escuros estavam penteados e seu terno se alinhava aos músculos, ele era realmente nobre.
- Bom dia, . - ele disse um pouco debochado, me fazendo perceber que não tinha nem colocado o robe por cima da camisola para abrir a porta, um erro.
- Ah, não. - soltei baixo e parti a procura de mais proteção, a porta aberta foi o suficiente para adentrar o cômodo.
- Desculpe se lhe acordei. E desculpe entrar no seu quarto sem ser convidado, mas ficar nos corredores poderia ser perigoso.
- Claro. Fique à vontade, a casa é sua, Alteza. - comentei meio irritada. Eu estava começando a cogitar a hipótese de dormir com vestidos mesmo, aquela família gostava de me pegar desprevenida.
- Mau humor matinal?
- Não, nada disso. Meu mau humor tem algo a ver com sua família sempre acabar me vendo de camisola. - resmunguei, grosseira. Me sentiria mal depois, sabendo que não deveria tratar um príncipe daquela maneira, mas na hora era aquilo ou o silêncio. - Com licença.
Me retirei para o banheiro, e apesar de já ter os dentes escovados e o rosto limpo, me demorei tentando acalmar meus nervos. Aproveitei para arrumar meus cabelos calmamente e passar mais uma água no rosto. Minhas bochechas já não estavam mais vermelhas de vergonha. Foco, , você tem trabalho a fazer.
- Quem mais da minha família te viu de camisola? - perguntou um tanto curioso, assim que saí do banheiro para voltar ao meu quarto. Sua expressão era indecifrável, não sabia dizer se ele estava brincando ou realmente incomodado.
Fingi não ouvir suas palavras e parti para a única mesa do quarto.
- Gostaria de água, Alteza?
- Me responda quando lhe faço perguntas, Senhorita .
Aquele tom me assustou. O príncipe me encarava sério, arrogante e superior. Percebi que ele falava realmente sério, algo o incomodava. Ele sempre acabava fazendo aquilo quando não ganhava o que queria, era ridículo. O futuro rei não passava de um mimado metido a besta.
- .
- Você o chama de ?
- É o nome dele, não? Ou eu estou enganada, Alteza?
- Sabe que não está enganada, mas ele é seu príncipe.
- E como meu príncipe pediu para que eu me dirigisse a ele pelo nome, Alteza, devo obedecer. Acho que eu não tenho direito de negar o pedido de um príncipe, não é mesmo? - falei afetada, deixando que ele percebesse minhas segundas intenções em cada palavra.
não respondeu, deixando-me tomar um longo gole de água antes de continuar.
- Imagino que isso seja pra mim. - indiquei a sacola que ele tinha em mãos.
Como parte do nosso plano, eu iria até a residência dos rebeldes, entregar um relatório semanal. Entretanto, não podia sair do castelo e andar por aí como uma Selecionada, o que significava que me passaria por criada. Isto é, precisava do uniforme que o príncipe carregava dentro da sacola desde que chegara.
- Claro. Está aqui. - ele me estendeu a sacola, ainda meio afetado com nossa discussão. Decidi que não podia fazer nada a respeito, então parti para o banheiro sem mais palavras. Sabia que o príncipe iria me esperar antes de sair, se não ele não teria vindo até mim. Estava claro que ele não confiava em ninguém para me levar até onde deveria, ou não confiava em mim o suficiente para saber que eu seguiria as regras.
Não foi difícil vestir o vestido preto usado por todas as criadas, nem o sapato baixo que me servia perfeitamente o pé, ele era muito mais confortável que os sapatos que eu usava, incluindo os de casa. Usei o véu que o príncipe resolveu adicionar ao modelo para esconder, como um grande capuz, minha identidade.
- Estou pronta, Alteza. - destranquei a porta do banheiro para encontrar sentado à mesa tomando um copo de água.
- Está perfeita. - ele assentiu. - Decidi que era mais seguro se lhe enviasse com uma escuta, se não for problema para a senhorita.
- O que o senhor quiser, Alteza. - respondi com a cabeça baixa, praticamente como uma criada o faria.
- Desculpe por ter agido daquele jeito. Eu só… - o príncipe se levantou, tirando um objeto do bolso e se aproximando de mim.
- Você só é possessivo com o que é seu, Alteza. E apesar de eu não ter escolha, sei que sou sua propriedade.
pareceu sentir a dor daquelas palavras lhe atravessando como flechas, mas ele não podia se defender, eu apenas falava verdades. O príncipe se aproximou e me entregou um pequeno objeto preto, e apesar de eu saber o que era uma escuta, nunca tinha visto uma de verdade.
- Coloque isso escondido em seu vestido. Eu e estaremos ouvindo tudo do outro lado.
Concordei, aceitando o objeto e enfiando em algum lugar preso no meu decote. teve a delicadeza de se entreter em outra parte do cômodo enquanto eu fazia isso.
- O que eu preciso fazer exatamente?
O príncipe me explicou tudo detalhadamente enquanto caminhávamos para a cozinha. Usamos corredores que eu não conhecia, os quais imaginei serem os usados pelos guardas e criados para ir e vir pelo castelo. Entretanto, ao contrário do que eu pensava, eles não eram estreitos ou subterrâneos, eram apenas corredores escondidos atrás de portas e paredes, largos o suficiente para carregar vários mantimentos.
Exatamente como a criada que fazia o serviço antes de mim, eu iria acompanhar o caminhão de compras do palácio pelas ruas da Capital, o qual, naquele dia, saía única e exclusivamente para me levar até os rebeldes. O motorista saberia onde parar e eu deveria entrar carregando uma cesta de frutas, onde embaixo haviam os relatórios do príncipe para os rebeldes. Lá dentro eu seria recebida por uma mulher, que me daria outra cesta de frutas para levar embora. Nada mais. Simples fácil e rápido.
tentou me garantir que eu estaria segura, mas eu só me sentia indo para uma jaula de leões, na esperança de ser uma presa divertida demais para ser devorada.
Já na entrada da cozinha fui obrigada a colocar o véu e me despedir do príncipe, nenhum de nós dois poderia ser reconhecido entre as pessoas que ali trabalhavam. A criada que antes ia no meu lugar era uma das poucas pessoas que sabia do plano, por isso nos encontrou no corredor, dando um sorriso singelo para , que respondeu tão feliz quanto.
- Doroth. - ele cumprimentou.
- Vejo que anda mais forte, meu querido. - Doroth, uma senhora de mais de 60 anos, rechonchuda e baixinha, parecia realmente feliz em vê-lo. Seus cabelos brancos estavam presos em um coque alto, sério, mas nada a deixava menos fofa e agradável, era óbvio que não nascera para ser uma mulher elegante e cheia de cortejo. - Espero que seja a comida!
- É claro que é. Sua comida é incrível! - ele piscou para ela, deixando suas bochechas vermelhas. - Doroth, por favor, leve até o caminhão.
- Claro, Alteza. - a senhora fez uma leve reverência e olhou para mim sorridente. - Venha, minha querida.
Senti Doroth colocar seus braços em meus ombros, me envolvendo protetoramente. Sua altura acabou me fazendo curvar para frente, o que facilitou para usar o véu, escondendo completamente meu rosto e cabelo.
Mantive os olhos no chão, já na cozinha, enquanto Doroth me guiava por um caminho desconhecido. Eu queria parar para analisar cada parte dali, mas não podia, a cozinha já parecia cheia, ocupada com a preparação do café da manhã, que seria horas depois. Eu ouvia passos, talheres e panelas, conversas e uma música animada no fundo. O cheiro era incrivelmente bom, algo como torrada amanteigada.
- Agora vamos pro lado de fora. - Doroth cochichou em meu ouvido, caminhando por algo que eu imaginei ser outro corredor. O som sumia atrás de mim e o frio da manhã, ainda sem sol, começava a surtir efeito mais à frente. - Pode se levantar, querida. - ela disse depois que fizemos uma curva.
Assim que Doroth me soltou, pude caminhar ereta. Eu estava certa e seguíamos por um longo corredor, mais à frente havia uma porta aberta revelando uma paisagem quase noturna. O sol deveria nascer em alguns minutos.
- Não se preocupe, querida. Ela é uma pessoa tranquila até, só os guardas que são meio mau humorados. - Doroth queria me acalmar, mas a vi fazendo uma pequena careta.
- A senhora faz isso a quanto tempo?
- Bastante, querida. Quase um ano. Sempre saí intacta… Mas entendo o príncipe não me querer mais, estou ficando velha. - ela comentou, um pouco triste.
- Doroth, posso lhe contar um segredo?
- Claro que sim! Eu sou confiável, por isso o príncipe me colocou nisso.
Era claro que escutaria, afinal eu tinha uma escuta bem perto de nós, mas queria que Doroth se sentisse importante.
- Foram os rebeldes que pediram que eu fosse, não o príncipe. e ninguém acha a senhora velha ou inapropriada, os rebeldes só queriam algo que chamasse mais a atenção do reino, se desse errado… Se é que a senhora me entende.
- O príncipe ainda acredita em mim?
- Claro, Doroth. Pelo que vejo, o príncipe acredita muito na senhora.
- Oh. Obrigada querida. Fiquei com tanto medo… - Doroth estava realmente aliviada e fiquei feliz por decidir compartilhar algo com ela que o príncipe resolverá não. Talvez me encrencasse por isso, mas Doroth merecia a autoconfiança de novo.
- Se quer saber, vou torcer pela senhorita!
Eu ri de sua reação, pareceu, naquele momento, que torcer por mim era algo extremamente importante para ela. Agradeci a Doroth como se realmente quisesse o trono, sentindo o orgulho que ela transpassou em suas palavras. Entrei no caminhão com ajuda, sentando na parte da frente, mais especificamente no carona.
- Você não vem Doroth? - o motorista parecia surpreso.
- Não, querido. Hoje você vai com ela. - Doroth respondeu, indicando que eu deveria fechar a porta. Obedeci, fazendo com que a pequena mulher sumisse de vista.
- Sou sua nova companhia, senhor. - disse sem esperar muito.
- Não sabia da mudança.
- Não se preocupe, o resto continua como está. As mudanças ocorreram apenas porque Doroth teve que cumprir outras tarefas. - anunciei, me perguntando se aquele homem fazia alguma ideia de que eu era uma Selecionada. Com certeza ele não andava pelo palácio, mas provavelmente via TV o suficiente para me reconhecer.
- Não é algo que eu vá reclamar. - ele disse galanteador me olhando com olhos significativos.
Idiota. As pessoas estão escutando seu exemplo trabalho.
- Então por favor faça o seu trabalho direito para não ser eu a reclamar. - anunciei, nada amistosa, mas sem querer ser malvada.
O motorista concordou, sem parecer ofendido, para meu alívio. Fazendo o motor roncar, ele nos tirou dali e, em questão de minutos, já estávamos em uma parte mais isolada da cidade. Queria tentar ao máximo identificar algo, para saber se foi naquela região que eu tinha andado ainda naquela semana quando o carro parou para me deixar, mas nada me remetia aquele dia, talvez eu não tivesse prestado tanta atenção quanto eu pensava.
- Já sabe o que fazer? - o motorista falou novamente.
- Sim. Entrar, pegar outra dessa, sair.
- Ótimo. - ele concordou, fazendo a curva para entrar em um portão já aberto. - Seja rápida.
Percebi que aquilo significava: chegamos, saia logo. Concordei e peguei a cesta de frutas vermelhas que eu tinha no colo, dei um salto para sair caminhão. Estávamos dentro de uma garagem vazia, a única coisa que me indicava um caminho era uma porta de metal. Bati, torcendo para estar fazendo a coisa certa.
Não demorou muito para um grandão com uma cicatriz no pescoço abrir o porta. Sua cara era de poucos amigos e ele me analisava de cima a baixo. Não sabia o que dizer.
- Acho que é ela. - ele anunciou, não pra mim.
- Deixe-a entrar. - uma voz gritou atrás da porta.
- Certo. Entre logo, lady. - seu tom era provocativo.
Obedeci o homem com cicatriz no pescoço e passei pela porta, encontrando-me em um corredor meio escuro e de tijolos, dentro dele havia vários homens armados, de guarda.
- Ela é bem mais gata do que eu pensava. - um deles comentou, abrindo espaço para mim enquanto eu passava. Agradeci pelo corredor ser largo o suficiente para os homens se apoiarem nas paredes, abrindo lugar para mim. Sentia seus olhos me analisando e podia ouvir até alguns assobios e risadas, eles estavam me provocando. Queria mostrar que eu era uma donzela indefesa no seu território. Devo admitir que nervosa do jeito que eu estava, os comentários dos homens eram o que menos me preocupava. Eu só não queria morrer.
- Gata? Ela é gostosa! - outro respondeu.
- Parem com isso! Parece que nunca viram uma mulher na vida! - uma mulher, um pouco mais velha que eu, loira e alta, apareceu no final do corredor, fazendo com que todos os seis homens - eu contei - calassem a boca. - Venha por aqui, . Ignore esses mal-educados.
Sorri fraco. Ela sabia meu nome, obviamente. Eu já me sentia em desvantagem. Andei mais rápido até encontrá-la, deixando com que me guiasse até outra porta de metal, agora aberta. O escritório da mulher era pequeno e se resumia a uma mesa de trabalho com papéis e duas poltronas, uma para o visitante, outra para ela.
- Sente-se. - ela pediu, dirigindo-se para atrás da mesa. - O que temos hoje?
Obedeci e ao mesmo tempo que sentei, estendi a cesta para ela. A mulher não se demorou nas frutas e partiu logo para os papéis que haviam ali, me deixando esperando enquanto lia.
- O príncipe já te falou sobre isso? - ela perguntou, sem tirar os olhos dos papéis.
- Não. Acho que é um assunto que não me deve respeito.
- Nem se for a próxima princesa?
Respirei fundo.
- Acredito que se isso acontecer, terei tempo até lá. - respondi formal.
Mas a mulher riu, ela simplesmente gargalhou na minha cara e voltou os olhos para me encarar.
- Sabe, , nós a encontramos há muito tempo atrás. Diria que faz um ano que resolvemos te incluir no grupo. Conheço tanto você quanto imagina. Sei suas opiniões sobre a Seleção e seus sonhos de não ser uma princesa.
Gelei. Fiquei tão chocada que devo ter arregalados olhos, ela havia dito para os dois príncipes do outro lado da escuta que eu não queria ser princesa. Ela havia me entregado, na lata. O que eu ia fazer?
- Não fique tão chocada, não é difícil ouvir suas conversas com Drew. Vocês não são muito discretos.
- Você conhece Drew?
- Não desse jeito, querida. Apesar de não ligar para ter uma intimidade maior com ele. Não sei como você aguentou tantos anos, ele é realmente lindo. - ela fingiu suspirar. - Mas só o via quando você o encontrava no bosque e chorava com a ideia de vir pra cá.
Ótimo. Se os príncipes não tinham escutado antes, agora com certeza sim. Respirei fundo. Já era.
- Se você sabe da minha intenção com a Seleção, por que decidiu me usar? Se eu vou ser uma das primeiras a sair? - arrisquei.
- Você querer sair, não significa que você vai sair. O príncipe não vai deixar. E caso ele deixe, os reis não permitiriam.
- Do que você está falando?
- Ah, coitadinha de você. Não faz ideia de nada, não é mesmo? Acho que vou deixar pros príncipes te explicarem, caso você tenha coragem de perguntar algum dia.
- Se eu fosse uma coitadinha, não estaria aqui. - afirmei revoltada. - Precisa de mim para mais alguma coisa? - mudei o foco.
- Você é boa nisso, tenho que admitir. Se eu pudesse escolher alguém para ser o rosto da nossa nação, escolheria você. - ela disse, me deixando em dúvida se falava de todo o país ou apenas do seu grupo de rebeldes.
- Você já escolheu. - respondi, escolhendo a segunda opção. - Escolheu quando me deu o colar e quando me fez dar a carta ao príncipe na frente de todos. Escolheu quando me fez vir aqui e correr riscos.
- Você descobriu sobre o colar, então…
- É claro! Eu não sou estúpida!
- Eu sei que não. Mas é ingênua ao pensar que corre perigo aqui. Nós queremos ser seus aliados, .
- Pretende conquistar minha confiança me sequestrando? Ou fazendo o príncipe me obrigar a servi-los?
- Desculpe por isso, mas era o único jeito. Além disso, pelo que me falaram, você se saiu muito bem.
Não íamos falar sobre aquilo, ainda mais com a escuta perto de mim. Já tinha exposto mais do que pretendia por uma vida, naquela conversa. Falar sobre como me senti, sobre o que os soldados fariam ou não comigo, não fazia parte de uma conversa que eu queria incluir a família real.
- Acho que terminamos por aqui. - conclui.
- Claro, você que sabe Alteza.
- Não sou nada perto de alguém da família real.
- Por enquanto. - ela deu de ombros e, ao contrário do que eu imaginava, escondeu outros papéis na mesma cesta. Era apenas uma então. - Pode sair por onde entrou.
- Obrigada. - levantei-me, segurando a cesta de volta e partindo para o corredor. Estava bem no começo quando a ouvi falar:
- Se não podem controlar os olhos, pelo menos controlem a boca.
Não era comigo que ela falava e apesar de eu odiar a ideia de ter que ser defendida por uma rebelde, gostei de sua liderança. Ela era a chefe e era uma mulher, entendia o que eu estava passando.
O mesmo homem de antes, com a cicatriz, abriu a porta para eu sair, fechando-a atrás de mim, sem falar qualquer coisa. Entrei no caminhão em silêncio, preocupada com o que vinha a seguir. “...você o encontrava no bosque e chorava com a ideia de vir pra cá.”. O motorista teve a decência de permanecer calado, sem querer saber o que houve lá dentro, então tive um tempo para pensar no que dizer no caminho e também para entender o que ela queria dizer quando comentava que ninguém me deixaria sair. Depois de ter contato a todos meu segredo, imaginei que ela estava errada sobre a segunda parte.
Capítulo 6 - Depois do Encontro
Assim que voltei para a cozinha do castelo, fui recebida por Doroth. A mulher pediu para que eu deixasse a cesta com ela e fosse para meu quarto descansar, pois ainda havia um tempo para o café da manhã ser servido. Concordei, já que não havia outra escolha e continuei sozinha até meus aposentos, usando os mesmos corredores de antes.
Algo estava errado, eu sabia. O príncipe não queria me ver? Ele me mandaria embora? Me castigaria por me inscrever sem querer estar ali? Eram tantas questões que eu não sabia o que fazer. Eu me sentia uma traidora do reino, uma mentirosa. Respirei fundo. Não tinha mais o que fazer, eu pediria desculpas para o príncipe e aceitaria qual fosse meu castigo.
Passei àquela hora no quarto agoniada, as criadas estavam lá me esperando quando cheguei, curiosas pelo meu sumiço, ainda mais quando me viram vestidas com suas roupas. Não falei muito, apesar de poder contar para elas sobre minhas saídas matinais e, agora, sobre meu segredo, o qual nem era mais um segredo.
Eu podia ser completamente honesta com elas, mas a verdade era que eu não queria falar naquele momento. Então, concordando com meu estranho silêncio, elas se ocuparam em tirar minhas roupas e prender melhor meu cabelo, sem fazer nenhuma pergunta. Prometi que depois explicaria, afinal quando eu fosse embora precisava pelo menos contar o porquê.
No café da manhã fiquei ainda mais quieta, sentindo o olhar de sobre mim. Ele queria que eu olhasse para ele, mas eu não conseguia, estava humilhada. Eu esperava o momento em que o príncipe levantaria e anunciaria na frente de todos minha saída. Eu deveria estar feliz, tinha encontrado um jeito de sair, mas algo me deixava mal, até mesmo triste. Talvez eu me sentisse um fracasso.
O café da manhã terminou sem nenhum anúncio, todos comiam animados em suas conversas paralelas, deixando as coisas ainda mais complicadas pra mim. Eu não queria conversar, eu só queria sair daquele salão.
Senti meus ombros relaxarem quando fomos chamadas para seguir ao jardim, esperando uma manhã tranquila de normas e etiqueta que eu bem conhecia. Algo que me deixaria vagar a mente buscando a melhor maneira de me desculpar. A manhã seria de dança novamente, teríamos um baile logo e precisávamos aprender o máximo sobre aquilo. Dessa vez, Mariee ordenou que eu fosse a demonstração, quando um guarda pediu para eu acompanhá-lo em uma dança. Aceitei, sem ter realmente escolha, e me concentrei ao máximo para dar um bom exemplo. Foi uma dança calma, simples e tranquila. Estava mais do que claro pra mim que todos os guardas sabiam dançar, pelo menos os que estavam ali para ajudar as Selecionadas.
- Senhorita. - ele cumprimentou quando acabamos, me puxando para o canto, deixando com que as outras meninas se ocupassem com os passos. - O príncipe pediu para a senhorita encontrá-lo na biblioteca, imediatamente.
Gelei. Sentindo minhas mãos suarem naquele segundo. Eu estava ferrada.
- Claro, tudo bem. - foi tudo o que eu disse, antes de olhar para Mariee, precisava pedir permissão.
- A Senhora Mariee já foi avisada. - ele comentou, deixando claro que eu deveria acompanhá-lo imediatamente.
- Acredito que podemos ir então.
Segui o soldado, o qual não me lembro o nome, até a biblioteca, deixando que ele abrisse a porta do gigante cômodo para mim.
- Alteza. - cumprimentei com uma reverência, assim que me vi sozinha na biblioteca com o príncipe. estava em pé e fingia estar ocupado demais com os livros para prestar atenção em mim.
- Senhorita . - ele virou-se, me encarando nos olhos, buscando qualquer sinal dos meus sentimentos ali. - Por favor, sente-se.
Aproximei-me com cautela, sentindo o medo de ser atacada por seus momentos de fúria a qualquer segundo. Sentei em um sofá de frente para ele, exatamente igual ao dia antes de nossa apresentação, quando o conheci.
- Eu sinto muito, Alteza. Não queria causar problemas. - soltei, jogando toda a minha culpa no ar.
Ele respirou fundo, passou as mãos nos cabelos perfeitamente arrumados desde cedo e começou:
- Gostaria que me ouvisse antes de tirar suas próprias conclusões. - eu assenti, deixando-o prosseguir. - Primeiro eu quero agradecer por seus serviços, foi de extrema importância sua presença. Como agradecimento, os rebeldes dobraram o número de informações em seus relatórios, tenho muito mais conhecimento do que ocorre em meu país. Segundo, gostaria de me desculpar pela situação que foi submetida entre os homens desde o momento que entrou em nosso caminhão. Não cheguei a imaginar que algo assim poderia acontecer, realmente não estava preparado para lhe poupar de algo do tipo.
Senti minhas bochechas corarem, tinha esquecido que os príncipes tinham sentido na pele o que era ser uma mulher por um momento, tinha vergonha de imaginá-los ali na biblioteca ouvindo os comentários dos rebeldes sobre minha aparência. Mas não falei nada.
- Terceiro, devo pedir desculpas por não poder deixá-la sair. - fiquei chocada. - Tentei imaginar vários meios de lhe deixar livre daqui, agora que descobri sua aversão por esse lugar. Eu e conversamos e temos nossas suspeitas sobre sua opinião de nós, principalmente de mim. Mas, para seu lamento, , estamos presos um ao outro.
- Eu…
- Espere, ainda não terminei… Sei que já lhe perguntei se queria sair antes, mas foi algo que fiz sem ter todos os dados e foi imprudente. O que me leva a quarta coisa, o que Serena falou sobre você não poder sair. Se quiser saber, concordo em lhe explicar nossa atual situação.
Percebi que agora sabia o nome da rebelde com quem me comuniquei. Serena. Mas aquilo não importava no momento e o príncipe precisava de uma resposta. Respirei fundo. Nada daquilo estava seguindo como o planejado.
- Eu aceito ouvir.
- Pelo que percebo, , você não faz ideia do seu poder. Não faz ideia do que sua presença significa para todos e principalmente para mim. Já sabe que foi escolhida para a Seleção devido ao seu inigualável currículo, mas tem algo a mais em você. Desde que chegou aqui, seus números com o país só sobem, imagino que seja devido a votação dos rebeldes. Meus pais só falam de você desde que as cartas chegaram, até eles ficaram impressionados. Ainda mais depois do sequestro, como você lidou com as coisas. Você tem ideia que até gosta de você? E nem se passou uma semana aqui?
- Eu não sei se entendo.
- Eu não posso deixá-la sair, , mesmo querendo muito fazê-la feliz, pois as pessoas esperam que eu me case com você. O povo, meus pais, os conselheiros… Todos querem que você seja a próxima princesa de Ynter. E eu não posso decepcioná-los, não assim, não agora.
Eu fiquei chocada, abalada, transtornada e tantas coisas juntas. Eu princesa? Como era possível? Eu ia embora logo, eu ia voltar para minha cidade e ia torcer para encontrar alguém que entendesse no mínimo minhas paixões. Eu voltaria para minha Província e lutaria pelos meus direitos perante ao meu futuro marido, mas eu jamais teria uma coroa.
- Eu… Você quer se casar comigo? - foi tudo o que eu disse. Me senti uma idiota, uma boba, uma menina que se importa mais com amor do que com responsabilidades. Me senti expondo meus sentimentos para alguém que não queria, me senti insegura ao dizer aquilo, se pudesse pegaria cada palavra de volta. Mas não riu, ele apenas suspirou.
- Eu não sei. É tanta pressão em cima de mim. Eu preciso agradá-la, conquistá-la, descobrir se tem alguma chance de você me aceitar e de eu aceitá-la, mas você torna tudo tão impossível. Não quero ofendê-la, . Você é linda, fascinante e seu currículo também me surpreendeu. Mas você é enigmática, se esconde de mim, me trata com desgosto enquanto todas as outras com admiração. Você me enfrenta, me machuca com suas palavras e me acusa de tratá-la como se fosse minha propriedade. Quando o que eu mais quero é que você veja que eu não sou assim, que tem um homem por trás do príncipe. Mas no momento que eu posso provar que você tem suas escolhas, eu descubro que a única coisa que você realmente quer é a única que eu não posso lhe dar. E então você me tira do sério e eu a trato errado, eu faço algo que a ofende e você vira a dama recatada de novo, arma sua barreira. Eu não sei o que fazer.
- Eu não sei o que dizer, Alteza. Eu simplesmente não fazia ideia. - era tudo o que eu conseguia dar para ele naquele momento. Me sentia mal por não poder corresponder suas expectativas ou dizer que estava pronta para fazer o que fosse necessário, mas eu não podia mentir. Eu precisava pensar, entender o que aquelas palavras significavam para mim.
- Não se preocupe, . Eu não quero respostas agora, eu não posso obrigá-la a fazer algo do tipo sem querer. Eu não quero uma princesa que não me queira. Eu também não sei se estou pronto para escolhê-la como princesa. Só precisava deixar claro a situação, precisava explicar meus motivos para prendê-la aqui.
- Eu concordo em lhe dar esse tempo, Alteza. - fiquei de pé. - Concordo em continuar aqui e fazer o que me for designado, concordo com continuar falando com os rebeldes, se assim quiser. Eu só não posso prometer coisas que nem sei se sou capaz de cumprir.
- É tudo o que eu preciso no momento, obrigado, . - o príncipe também se levantou me olhando nos olhos por alguns segundos, eram olhos realmente bonitos.
- Eu gostaria de permissão para ir aos meus aposentos, Alteza. - pedi, deixando a entender que não gostaria de voltar para o jardim naquele momento, não estava pronta para enfrentar todas aquelas mulheres.
- Claro, vou mandar que avisem Mariee.
- Obrigada. Tenha um bom dia, príncipe . - falei, lhe dando um sorriso breve e fazendo uma reverência antes de sair. Eu queria correr até meu quarto, mas me limitei a apressar o passo, subindo os degraus de dois em dois.
Meus aposentos estavam vazios quando cheguei e agradeci imensamente por isso, precisava ficar um momento a sós. Decidi fechar as cortinas e as portas da sacada, evitando qualquer som que pudesse vir do jardim. Não precisava lembrar que estava treinando para ser uma princesa naquele momento.
Demorei um pouco para decidir realmente escrever algo para Drew, sabia que não podia contar nada para ele, e não queria encher o papel de mentiras. Entretanto eu precisava de um ombro amigo naquele momento e havia prometido escrever logo.
“ Oi, Drew, aqui é a - obviamente-.
Acabei de perceber que é a primeira vez na vida que escrevo uma carta para você. Quer dizer… Nós somos vizinhos e temos telefone fixo! Algo que eu não sei se o castelo tem (provavelmente sim, porque tem coisas bem caras aqui). Enfim, estou com saudades do nosso tempo na floresta, não conversamos direito desde que me escolheram, o que parece que faz séculos...
A vida no castelo é mais normal do que eu pensava. Não tem nada de muito estranho ainda, acho que o mais bizarro são as refeições! Elas tem horário para começar e acabar!
Sobre a Seleção, - caso alguém (minha mãe) pergunte algo - ainda não conheço muito as garotas, é difícil conversar no meio de tantas aulas. Mas fiz uma amiga! \o/ Incrível, não? Talvez ela goste de mim apenas porque sou a única que fala a língua dela, mas são apenas detalhes. Além dela, eu tenho três criadas incríveis e uma assessora muito elegante, minha mãe morreria de inveja.
Algumas coisas são difíceis aqui, gostaria de poder contar mais. O bom é que estou me saindo bem nas aulas, obrigada mamãe (ou nem tanto)! Mande lembranças para minha família, se der, e para a sua. Sinto muita falta das nossas conversas.
Um beijo, .”
Fechei o papel, escrevi o endereço em um envelope e deixei na mesinha, pediria para Elise enviar para mim depois.
***
Eu não sei exatamente quando dormi, mas lembro que sentia as lágrimas inundando o travesseiro quando perdi para o cansaço, escrever uma carta para Drew não tinha nem de perto diminuindo a sensação ruim que eu tinha. Princesa. Rainha. Coroa. Noiva do príncipe . Eram tantas coisas que vinham com apenas aquela conversa. Em nenhum momento eu achei que ia ganhar, eu não queria. Eu não ia lutar e uma hora seria descartada, mas os rebeldes apareceram.
Os rebeldes que fizeram minha aprovação subir, os rebeldes que querem alguém controlável como futura rainha. Eu me sentia uma ninguém, uma pessoa que era de todo mundo, menos de si mesma. Eu queria mandar em mim, fazer minhas próprias escolhas. Foi por isso que quando Cleo me acordou pedi para que avisasse que eu não iria para o almoço, dizendo que me sentia indisposta.
- Pode enviar isso também? - pedi, indicando a carta. - Depois, gostariam que todas vocês se juntassem na refeição comigo. Acho que preciso ser sincera com vocês.
- Claro, senhorita, volto em instantes.
Deixei Cleo partir para seus afazeres e fui me ajeitar no banheiro, apesar de comer no quarto, eu precisava pelo menos estar com a cara limpa. Lavei o rosto e arrumei os cabelos, resolvendo deixá-los soltos no momento. Acho que me enrolei muito nas tarefas, pois assim que saí do banheiro encontrei meu trio de criadas ali. Elise terminava de arrumar a mesa para minha refeição.
- Olá, garotas. Obrigarem por virem. - cumprimentei, partindo para a mesa. - Já comeram?
- Sim, senhorita.
- Mas imagino que um suco não faça mal para ninguém. - dei de ombros, vendo que as três aceitariam. - Temos copos?
Não sei se era normal, ou elas tinham imaginado que eu ofereceria algo, pois havia quatro copos para nós.
- Eu quero que saibam que eu nunca fui de ter amigas. A única menina que eu realmente falo é minha irmã, mas ainda sim cuido com o que compartilho com ela. - respirei fundo. - Na minha Província eu tenho um amigo, mas acho que ele não saberia me ajudar agora, mesmo se minha carta chegasse lá instantaneamente. Mas essa não é a questão: temo estar sendo precipitada quando as considero minhas amigas. Afinal nos conhecemos há poucos dias. Estou?
As três meninas se entreolharam, mas foi Meri que respondeu, sentando-se confortavelmente em uma cadeira perto de mim. Apesar de elas tomarem suco, tinham decidido ficar em pé.
- Não, , você está certa. Nós somos suas amigas e vamos ajudá-la no que pudermos.
- Obrigada, Meri. - sorri verdadeiramente para ela. - Eu sei que vocês têm a obrigação de não contar nada pra ninguém, mas eu gostaria de pedir segredo. Por mim.
- Com certeza. - Cleo anunciou e, junto com Elise, se aconchegou em volta da minha mesa. Lá estávamos nós, quatro mulheres sentadas em volta de uma mesa. Eu conseguia facilmente nos considerar iguais, me fazendo acreditar um pouco mais no sonho de de acabar com aquilo que nos tornava diferentes.
- Tenho tanta coisa para contar a todas vocês que até sinto dor de cabeça. - comecei, vendo as três atentas. - Primeiro de tudo, vocês me viram de uniforme aquele dia porque comecei a fazer o contato com os rebeldes para o príncipe.
Vi a confusão e surpresa em seus semblantes, mas elas não falariam nada. Não sem que eu pedisse.
- O príncipe está em contato com eles buscando uma paz, querendo encontrar um acordo entre os grupos. - expliquei, sem querer dar tantos detalhes. - Assim que começou a Seleção, os rebeldes insistiram que a comunicação entre eles fosse feita por mim. Eu aceitei. E como antes era feito por uma criada, eu me visto como tal para passar despercebida. - esperei que elas mostrassem estar entendendo antes de continuar. - O contato deve acontecer uma vez por semana, quando devo ir encontrá-los antes do café. Eu realmente acredito que não corro perigo indo lá. É complicado e um pouco assustador, devo admitir, mas me sinto segura. No entanto, esse não é meu maior problema.
“Nesse encontro, a rebelde líder deixou escapar que acompanha minha vida muito antes de eu entrar na Seleção, antes até mesmo de existir a chance de haver uma. Isto é, ela conhece minhas opiniões sobre esse lugar e sabe que eu não queria vir. Quando me contou que sabia meu segredo deixou os príncipes cientes da história, pois ambos ouviram tudo por meio de uma escuta.
As três concordaram com a cabeça, ansiosas por mais.
- Acabei de conversar com o príncipe , certa que de ele me mandaria embora como uma mentirosa e traidora por ter me inscrito sem realmente querer. Mas ele disse que não podia. Disse que eu era muito popular entre todos e que existe uma pressão para que ele me escolha como sua noiva. - encarei-as buscando qualquer tipo de reação, mas Elise apenas sorriu. - Vocês não parecem surpresas.
- Não estamos, senhorita. - Elise que falou. - A preferência da família real pela senhorita é evidente desde o começo. As criadas comentam entre si e todas sabem que para a rainha, você realmente tem potencial. Ela era de uma casta inferior e teve muitos problemas com diplomacia e aceitação da corte de outros países, ela quer evitar isso agora. O país não precisa de mais problemas.
- Os rebeldes são surpresa. - Cleo contou dando de ombros - Mas acho que eles também devem ter a mesma noção que a rainha.
- Vocês deviam ter me contado.
- Achamos que não era certo. Até porque achamos que a senhorita poderia não acreditar. - Meri não parecia muito envergonhada pelo seu segredo. - Mas a senhorita quer ser princesa?
- É difícil. Eu fui educada pra fazer exatamente o que é esperado de mim. Eu nunca realmente tomei uma decisão grande em minha vida. Minha consciência diz que se esperam que eu seja uma princesa, eu deveria ser.
- Igual a nós. - Meri deduz e eu apenas concordei com a cabeça.
Ficamos um pouco em silêncio, pensando no que aquilo significava. Aproveitei para comer mais da comida em meu prato, pouco tocada devido a conversa.
- Eu não entendo. O príncipe quer que você escolha agora? - Elise se manifestou. - A Seleção acabou de começar.
- Ele não quer. Ele só quer que eu entenda que não posso sair, ele decepcionaria muitas pessoas se fizesse isso tão cedo.
- Qual é o problema então? - ela continuou - Quero dizer, ele não pediu a senhorita em casamento. Ainda tem tempo, talvez você goste dele.
Talvez. Eu queria gostar do príncipe? Eu queria as consequências desse ato? Eu podia me permitir amar um homem que trazia uma coroa consigo?
- Talvez Elise tenha razão. - Meri parecia pensar. - Você não pode sair daqui mesmo, talvez devesse aproveitar e conhecer o príncipe. Ele vai se apaixonar por alguém e se não for para ser você, simplesmente não será.
Eu não queria dizer sobre minha incerteza de sequer tentar me aproximar de , talvez fosse perigoso. Emocionalmente perigoso.
- Obrigada, meninas. Eu não sei o que faria sem vocês pra me acalmar.
A conversa foi mudando de tema lentamente e logo já estávamos dando risadas como velhas amigas. Eu estava feliz pela sorte que tivera, as meninas da minha equipe eram fantásticas no trabalho e fora dele. Elas me contaram que apesar de eu não ver Susane, as quatro tinham reuniões sobre meu vestiário do próximo baile regularmente, algo relacionado a cor dele. Paramos de conversar apenas quando fomos interrompidas por alguém batendo na porta.
- É o príncipe , senhorita. - Elise, que abriu a porta, anunciou.
Concordei e parti em direção a entrada do meu quarto, sabendo que não tinha escolha sobre recebê-lo.
- Eu vim ver como você estava. - falou assim que entrei em seu campo de visão. Claro que ele viria, provavelmente tinha conversado com sobre minha reação mais cedo.
- Eu… Vou ficar bem.
- Você quer conversar?
Sorri e olhei para dentro do quarto, minhas criadas arrumavam a mesa ouvindo nossa conversa.
- Eu tive boas companhias no almoço. - comentei, sorrindo culpada para . - Mas acho que podemos dar uma volta, se você concordar.
- Claro. Eu adoraria!
- Certo. Preciso de alguns minutos para me arrumar. Podemos nos encontrar em algum lugar?
- Eu tenho uma ideia, me espere que eu voltarei logo. - ele disse sorrindo sapeca. Concordei, deixando-o partir enquanto pedia ajuda para trocar o vestido e prender o cabelo. Eu precisava me renovar para acompanhar aquele dia.
me levou para uma sala de cinema, onde poltronas confortáveis voltavam-se para uma enorme tela. Eu achei incrível o castelo ter um cinema particular, isso era muito luxo até para mim, uma Três. Cinema era algo caro na minha Província, mas eu e Drew já tínhamos ido várias vezes no de lá, entretanto nunca estava sozinha vendo o filme na tela gigante. Naquele momento tive certeza que o castelo tinha um telefone.
Conversamos pouco antes do filme começar e eu deixei claro que não queria discutir com minhas dúvidas sobre ser princesa, precisava esquecer aquilo. Ele concordou, meio ressentido e talvez curioso, mas eu sabia que apoiaria o irmão. E eu não estava pronta para ouvir represálias no momento. Escolhemos um filme de comédia e trocamos poucas palavras durante toda a história, em compensação rimos muito.
- Eu adorei esse filme! - comentei, vendo os créditos na grande tela.
- Sabia que ia gostar, é a sua cara.
- Um filme onde uma mulher começa a ver fantasmas e faz de tudo para se tratar é minha cara? - fiquei indignada, o que ele pensava de mim? Sério, a mulher no filme era uma trouxa, só fez burrada desde o primeiro minuto e no final, ainda, se apaixona pelo maldito fantasma.
- Ela é teimosa e temperamental.
- Eu sou temperamental?
- Com toda a certeza do mundo! - ele disse rindo, mas eu não achei tanta graça.
- Só porque não te trato como meu chefe? Como um ser superior? Só porque me importo mais com o seu conteúdo do que com o terno engomado? Eu seleciono meus amigos, . Jamais gostarei de você por causa de um título. - eu fiquei em pé, pronta pra marchar para fora dali.
- Ei! Espera! Eu estava só brincando. Eu sei de tudo isso, é por isso que eu gosto de falar com você. Você é a única que não dá em cima de mim, esperando que eu me apaixone caso meu irmão não o faça. - ele também se levantou, tentando me conter.
- Também gosta do fato de eu não babar por você igual as outras? - tentei feri-lo, mas ele apenas negou com a cabeça.
- Eu não sei dizer se gostaria que você sentisse algo por mim, é a única que não me permito pensar a respeito. Você é de .
Queria gritar, socar aquele rostinho bonito e corpo engomado de . Mas eu não tive tempo de dizer qualquer palavra, antes de ele notar minha expressão, deve ter sido bem feia.
- Não desse jeito, ! Mas nós somos irmãos, poxa. Nós conversamos sobre mulheres e deixamos nosso território amostra de vez em quando. Achei que já tinha percebido isso.
- Percebido o que? Que seu irmão e você acham que eu sou um prêmio? - a pergunta foi retórica, pois além de não esperar uma resposta, eu não a queria. Olhei para chocada e irritada, saindo do cinema logo após soltar meu último comentário: - Você e seu irmão se merecem.
Talvez minhas palavras não tenham sido uma ofensa para , mas foram para mim. No começo sempre achei que era a salvação, ele não era tão estressado, pois não precisava se preocupar tanto com o país. Ele não era rígido, fingido ou indiferente. Ele brincava, sorria e gostava de me fazer rir. Ele era meu amigo. Entretanto sempre seria do time do seu irmão, era óbvio. Não sei porque eu esperava algo diferente.
Gastei as poucas horas restantes na biblioteca, esperando o horário para jantar. Apesar de meu lugar ser próximo da família real, eu consegui me limitar a conversar com as meninas, preocupadas com meu desaparecimento no dia. Talvez tenha sido o primeiro jantar em que me senti despreocupada e decidida, era claro para mim que não me encaixava na família real e que ficaria naquele castelo apenas por causa dos rebeldes. notaria que não gosto dele, assim como ele não gosta de mim. E continuaria a viver sua vida de príncipe em seu perfeito castelo com as damas do irmão lhe abanando o rabo. Que se dane.
Depois do jantar e pela segunda vez desde que eu estava oficialmente na Seleção, Susane apareceu para conversarmos. Nos limitamos a um chá no meu quarto, acompanhadas de minhas criadas que estavam a cada encontro mais à vontade comigo. Susane queria saber se eu estava bem e dizer que o baile foi anunciado para dali a três dias. Eu precisava ensaiar a dança de abertura, então se estava doente deveria correr para a enfermaria, pois os próximos dias seriam importantes e repletos de ensaios.
***
Susane estava certa em me mandar ensaiar, apesar de eu ser muito boa dançando quando conduzida, não fazia ideia do que fazer quando estava sozinha. A família real tinha realmente uma coreografia de abertura. Nela haviam passos ritmados, momentos de interação apenas entre as mulheres e giros em tempos específicos, tudo extremamente incomum para uma dança qualquer a dois.
Passei os três dias seguintes ensaiando a dança junto com Samantha, a escolhida para dançar com o príncipe , além de dois guardas e um casal de dançarinos, os quais representavam o rei e a rainha. Gostei muito da coreografia e imaginava o quanto era bonito ver tudo de fora: três casais superarrumados dançando a passos idênticos pelo salão, soltando-se apenas para as mulheres se juntarem no meio da pista e girarem juntas, com as mãos estendidas no ar sem tocar uma a outra, exatamente como nos tempos antigos, parecia como um show para mim.
Eu, Samantha e a rainha de Ynter estaríamos no meio do Salão Principal de um baile fazendo uma rodinha com as mãos estendidas entre nós. Sim. Eu dançaria com a rainha. Obviamente me sentia nervosa.
O fato da competição de dança ter chegado ao fim e todas as meninas se esforçarem ao máximo apenas para não fazer feio, nos uniu. E eu consegui realmente conversar com elas, já até identificava todos os seus nomes e rostos. Acho que nunca cheguei a conversar com 24 meninas na vida, não todas juntas. Até porque nem na minha classe da escola haviam tantas garotas.
Nossa repentina amizade deixava as refeições mais alegres e movimentadas, tornando fácil evitar a presença da família real, mais precisamente dos filhos. Passei os três dias inteiros sem falar com nenhum dos dois, mas o baile seria dali há algumas horas e eu não teria muita opção quando fosse dançar com .
Devido ao baile, tivemos nossas tarefas canceladas à tarde, deixando tempo livre para as meninas se arrumarem, o que me pareceu um exagero, mas deixou Elise, Cleo e Meri felizes. Eu pedi, antes de começarmos todos os preparativos, pelo menos uma hora de sono, querendo relaxar ao máximo. As três concordaram, mas não saíram do quarto nenhum minuto, tinham coisas para fazer.
Uma hora depois eu fui acordada e enviada para o banho o mais rápido possível. Cleo insistiu para me ajudar e esfregou meus pés, mãos e costas com um esfoliante cheiroso. Meri lavou meu cabelo com três tipos diferentes de cosméticos e eu só esperava que ela soubesse o que estava fazendo.
Assim que fiquei seca e me cobri com um robe, tive as unhas das mãos refeitas por Elise, as unhas do pé por Cleo e Meri se ocupou no meu cabelo. As três conversavam alegres entre si, discutindo o que era melhor para meu visual aquela noite.
- Você vai dançar com o príncipe . Todos os olhos estarão em você, precisa estar perfeita. - Elise dizia.
- Suas unhas já estão incríveis! - Cleo apreciava o trabalho que tinha feito e o esmalte claro e reluzente que eu tinha nas unhas das mãos e dos pés. - Vamos cuidar da sua pele.
Ela literalmente quis dizer pele, pois passou um creme a cada centímetro do meu corpo exposto pelo robe. Depois que eu estava cheirando a rosas e baunilha da cabeça aos pés, tive a maquiagem feita. Elise e Meri cuidaram disso, enquanto Cleo arrumava a bagunça que elas haviam feito.
- Só posso terminar o cabelo quando você colocar o vestido. Quero ter certeza que vai ficar perfeito. - Meri disse, me conduzindo até o quarto.
O vestido era a coisa mais linda que eu já tinha visto feita de tecido. A cintura bem marcada me deixava com seios maravilhosos, mas nada vulgares. Eu me sentia a pessoa mais magra do planeta, de um jeito bom, não do tipo passando fome. A cor azul celeste do vestido, junto com a maquiagem, realçava meus lábios rosados pelo batom. Deixando-me maravilhosa, misteriosa e desejável . Além disso, eu nunca tinha usado uma saia tão cheia na vida, às vezes tinha dúvida se conseguiria me aproximar do príncipe para dançar, apesar de saber que estava exagerando. Por fim, a bainha da saia era forrada com uma renda fina e elegante.
- Vai ficar perfeito. - Meri anunciou admirada.
- Eu já me sinto perfeita.
- Então não vai ficar brava comigo se deixar seu cabelo solto?
- Solto? Tem certeza?
- Absoluta. Confie em mim.
Aceitei. Se tinha alguém que eu confiava para mexer no meu cabelo, esse alguém era Meri. E ela estava absolutamente certa. Quando estava finalmente pronta, sentia cachos perfeitamente modelados caindo em minhas costas, deixando meu cabelo super longo em um comprimento ainda aceitável. A parte de cima do meu cabelo foi presa para trás, deixando meu rosto com a maquiagem impecável bem a mostra.
- Ela parece uma princesa. - Cleo anunciou rindo.
- Se eu for princesa algum dia, vou chamá-las para me arrumar. Se quiserem, é claro.
- Seria uma honra. - Elise estava plenamente sorridente.
- Obrigada a todas. Eu me sinto linda.
Algo estava errado, eu sabia. O príncipe não queria me ver? Ele me mandaria embora? Me castigaria por me inscrever sem querer estar ali? Eram tantas questões que eu não sabia o que fazer. Eu me sentia uma traidora do reino, uma mentirosa. Respirei fundo. Não tinha mais o que fazer, eu pediria desculpas para o príncipe e aceitaria qual fosse meu castigo.
Passei àquela hora no quarto agoniada, as criadas estavam lá me esperando quando cheguei, curiosas pelo meu sumiço, ainda mais quando me viram vestidas com suas roupas. Não falei muito, apesar de poder contar para elas sobre minhas saídas matinais e, agora, sobre meu segredo, o qual nem era mais um segredo.
Eu podia ser completamente honesta com elas, mas a verdade era que eu não queria falar naquele momento. Então, concordando com meu estranho silêncio, elas se ocuparam em tirar minhas roupas e prender melhor meu cabelo, sem fazer nenhuma pergunta. Prometi que depois explicaria, afinal quando eu fosse embora precisava pelo menos contar o porquê.
No café da manhã fiquei ainda mais quieta, sentindo o olhar de sobre mim. Ele queria que eu olhasse para ele, mas eu não conseguia, estava humilhada. Eu esperava o momento em que o príncipe levantaria e anunciaria na frente de todos minha saída. Eu deveria estar feliz, tinha encontrado um jeito de sair, mas algo me deixava mal, até mesmo triste. Talvez eu me sentisse um fracasso.
O café da manhã terminou sem nenhum anúncio, todos comiam animados em suas conversas paralelas, deixando as coisas ainda mais complicadas pra mim. Eu não queria conversar, eu só queria sair daquele salão.
Senti meus ombros relaxarem quando fomos chamadas para seguir ao jardim, esperando uma manhã tranquila de normas e etiqueta que eu bem conhecia. Algo que me deixaria vagar a mente buscando a melhor maneira de me desculpar. A manhã seria de dança novamente, teríamos um baile logo e precisávamos aprender o máximo sobre aquilo. Dessa vez, Mariee ordenou que eu fosse a demonstração, quando um guarda pediu para eu acompanhá-lo em uma dança. Aceitei, sem ter realmente escolha, e me concentrei ao máximo para dar um bom exemplo. Foi uma dança calma, simples e tranquila. Estava mais do que claro pra mim que todos os guardas sabiam dançar, pelo menos os que estavam ali para ajudar as Selecionadas.
- Senhorita. - ele cumprimentou quando acabamos, me puxando para o canto, deixando com que as outras meninas se ocupassem com os passos. - O príncipe pediu para a senhorita encontrá-lo na biblioteca, imediatamente.
Gelei. Sentindo minhas mãos suarem naquele segundo. Eu estava ferrada.
- Claro, tudo bem. - foi tudo o que eu disse, antes de olhar para Mariee, precisava pedir permissão.
- A Senhora Mariee já foi avisada. - ele comentou, deixando claro que eu deveria acompanhá-lo imediatamente.
- Acredito que podemos ir então.
Segui o soldado, o qual não me lembro o nome, até a biblioteca, deixando que ele abrisse a porta do gigante cômodo para mim.
- Alteza. - cumprimentei com uma reverência, assim que me vi sozinha na biblioteca com o príncipe. estava em pé e fingia estar ocupado demais com os livros para prestar atenção em mim.
- Senhorita . - ele virou-se, me encarando nos olhos, buscando qualquer sinal dos meus sentimentos ali. - Por favor, sente-se.
Aproximei-me com cautela, sentindo o medo de ser atacada por seus momentos de fúria a qualquer segundo. Sentei em um sofá de frente para ele, exatamente igual ao dia antes de nossa apresentação, quando o conheci.
- Eu sinto muito, Alteza. Não queria causar problemas. - soltei, jogando toda a minha culpa no ar.
Ele respirou fundo, passou as mãos nos cabelos perfeitamente arrumados desde cedo e começou:
- Gostaria que me ouvisse antes de tirar suas próprias conclusões. - eu assenti, deixando-o prosseguir. - Primeiro eu quero agradecer por seus serviços, foi de extrema importância sua presença. Como agradecimento, os rebeldes dobraram o número de informações em seus relatórios, tenho muito mais conhecimento do que ocorre em meu país. Segundo, gostaria de me desculpar pela situação que foi submetida entre os homens desde o momento que entrou em nosso caminhão. Não cheguei a imaginar que algo assim poderia acontecer, realmente não estava preparado para lhe poupar de algo do tipo.
Senti minhas bochechas corarem, tinha esquecido que os príncipes tinham sentido na pele o que era ser uma mulher por um momento, tinha vergonha de imaginá-los ali na biblioteca ouvindo os comentários dos rebeldes sobre minha aparência. Mas não falei nada.
- Terceiro, devo pedir desculpas por não poder deixá-la sair. - fiquei chocada. - Tentei imaginar vários meios de lhe deixar livre daqui, agora que descobri sua aversão por esse lugar. Eu e conversamos e temos nossas suspeitas sobre sua opinião de nós, principalmente de mim. Mas, para seu lamento, , estamos presos um ao outro.
- Eu…
- Espere, ainda não terminei… Sei que já lhe perguntei se queria sair antes, mas foi algo que fiz sem ter todos os dados e foi imprudente. O que me leva a quarta coisa, o que Serena falou sobre você não poder sair. Se quiser saber, concordo em lhe explicar nossa atual situação.
Percebi que agora sabia o nome da rebelde com quem me comuniquei. Serena. Mas aquilo não importava no momento e o príncipe precisava de uma resposta. Respirei fundo. Nada daquilo estava seguindo como o planejado.
- Eu aceito ouvir.
- Pelo que percebo, , você não faz ideia do seu poder. Não faz ideia do que sua presença significa para todos e principalmente para mim. Já sabe que foi escolhida para a Seleção devido ao seu inigualável currículo, mas tem algo a mais em você. Desde que chegou aqui, seus números com o país só sobem, imagino que seja devido a votação dos rebeldes. Meus pais só falam de você desde que as cartas chegaram, até eles ficaram impressionados. Ainda mais depois do sequestro, como você lidou com as coisas. Você tem ideia que até gosta de você? E nem se passou uma semana aqui?
- Eu não sei se entendo.
- Eu não posso deixá-la sair, , mesmo querendo muito fazê-la feliz, pois as pessoas esperam que eu me case com você. O povo, meus pais, os conselheiros… Todos querem que você seja a próxima princesa de Ynter. E eu não posso decepcioná-los, não assim, não agora.
Eu fiquei chocada, abalada, transtornada e tantas coisas juntas. Eu princesa? Como era possível? Eu ia embora logo, eu ia voltar para minha cidade e ia torcer para encontrar alguém que entendesse no mínimo minhas paixões. Eu voltaria para minha Província e lutaria pelos meus direitos perante ao meu futuro marido, mas eu jamais teria uma coroa.
- Eu… Você quer se casar comigo? - foi tudo o que eu disse. Me senti uma idiota, uma boba, uma menina que se importa mais com amor do que com responsabilidades. Me senti expondo meus sentimentos para alguém que não queria, me senti insegura ao dizer aquilo, se pudesse pegaria cada palavra de volta. Mas não riu, ele apenas suspirou.
- Eu não sei. É tanta pressão em cima de mim. Eu preciso agradá-la, conquistá-la, descobrir se tem alguma chance de você me aceitar e de eu aceitá-la, mas você torna tudo tão impossível. Não quero ofendê-la, . Você é linda, fascinante e seu currículo também me surpreendeu. Mas você é enigmática, se esconde de mim, me trata com desgosto enquanto todas as outras com admiração. Você me enfrenta, me machuca com suas palavras e me acusa de tratá-la como se fosse minha propriedade. Quando o que eu mais quero é que você veja que eu não sou assim, que tem um homem por trás do príncipe. Mas no momento que eu posso provar que você tem suas escolhas, eu descubro que a única coisa que você realmente quer é a única que eu não posso lhe dar. E então você me tira do sério e eu a trato errado, eu faço algo que a ofende e você vira a dama recatada de novo, arma sua barreira. Eu não sei o que fazer.
- Eu não sei o que dizer, Alteza. Eu simplesmente não fazia ideia. - era tudo o que eu conseguia dar para ele naquele momento. Me sentia mal por não poder corresponder suas expectativas ou dizer que estava pronta para fazer o que fosse necessário, mas eu não podia mentir. Eu precisava pensar, entender o que aquelas palavras significavam para mim.
- Não se preocupe, . Eu não quero respostas agora, eu não posso obrigá-la a fazer algo do tipo sem querer. Eu não quero uma princesa que não me queira. Eu também não sei se estou pronto para escolhê-la como princesa. Só precisava deixar claro a situação, precisava explicar meus motivos para prendê-la aqui.
- Eu concordo em lhe dar esse tempo, Alteza. - fiquei de pé. - Concordo em continuar aqui e fazer o que me for designado, concordo com continuar falando com os rebeldes, se assim quiser. Eu só não posso prometer coisas que nem sei se sou capaz de cumprir.
- É tudo o que eu preciso no momento, obrigado, . - o príncipe também se levantou me olhando nos olhos por alguns segundos, eram olhos realmente bonitos.
- Eu gostaria de permissão para ir aos meus aposentos, Alteza. - pedi, deixando a entender que não gostaria de voltar para o jardim naquele momento, não estava pronta para enfrentar todas aquelas mulheres.
- Claro, vou mandar que avisem Mariee.
- Obrigada. Tenha um bom dia, príncipe . - falei, lhe dando um sorriso breve e fazendo uma reverência antes de sair. Eu queria correr até meu quarto, mas me limitei a apressar o passo, subindo os degraus de dois em dois.
Meus aposentos estavam vazios quando cheguei e agradeci imensamente por isso, precisava ficar um momento a sós. Decidi fechar as cortinas e as portas da sacada, evitando qualquer som que pudesse vir do jardim. Não precisava lembrar que estava treinando para ser uma princesa naquele momento.
Demorei um pouco para decidir realmente escrever algo para Drew, sabia que não podia contar nada para ele, e não queria encher o papel de mentiras. Entretanto eu precisava de um ombro amigo naquele momento e havia prometido escrever logo.
“ Oi, Drew, aqui é a - obviamente-.
Acabei de perceber que é a primeira vez na vida que escrevo uma carta para você. Quer dizer… Nós somos vizinhos e temos telefone fixo! Algo que eu não sei se o castelo tem (provavelmente sim, porque tem coisas bem caras aqui). Enfim, estou com saudades do nosso tempo na floresta, não conversamos direito desde que me escolheram, o que parece que faz séculos...
A vida no castelo é mais normal do que eu pensava. Não tem nada de muito estranho ainda, acho que o mais bizarro são as refeições! Elas tem horário para começar e acabar!
Sobre a Seleção, - caso alguém (minha mãe) pergunte algo - ainda não conheço muito as garotas, é difícil conversar no meio de tantas aulas. Mas fiz uma amiga! \o/ Incrível, não? Talvez ela goste de mim apenas porque sou a única que fala a língua dela, mas são apenas detalhes. Além dela, eu tenho três criadas incríveis e uma assessora muito elegante, minha mãe morreria de inveja.
Algumas coisas são difíceis aqui, gostaria de poder contar mais. O bom é que estou me saindo bem nas aulas, obrigada mamãe (ou nem tanto)! Mande lembranças para minha família, se der, e para a sua. Sinto muita falta das nossas conversas.
Um beijo, .”
Fechei o papel, escrevi o endereço em um envelope e deixei na mesinha, pediria para Elise enviar para mim depois.
Eu não sei exatamente quando dormi, mas lembro que sentia as lágrimas inundando o travesseiro quando perdi para o cansaço, escrever uma carta para Drew não tinha nem de perto diminuindo a sensação ruim que eu tinha. Princesa. Rainha. Coroa. Noiva do príncipe . Eram tantas coisas que vinham com apenas aquela conversa. Em nenhum momento eu achei que ia ganhar, eu não queria. Eu não ia lutar e uma hora seria descartada, mas os rebeldes apareceram.
Os rebeldes que fizeram minha aprovação subir, os rebeldes que querem alguém controlável como futura rainha. Eu me sentia uma ninguém, uma pessoa que era de todo mundo, menos de si mesma. Eu queria mandar em mim, fazer minhas próprias escolhas. Foi por isso que quando Cleo me acordou pedi para que avisasse que eu não iria para o almoço, dizendo que me sentia indisposta.
- Pode enviar isso também? - pedi, indicando a carta. - Depois, gostariam que todas vocês se juntassem na refeição comigo. Acho que preciso ser sincera com vocês.
- Claro, senhorita, volto em instantes.
Deixei Cleo partir para seus afazeres e fui me ajeitar no banheiro, apesar de comer no quarto, eu precisava pelo menos estar com a cara limpa. Lavei o rosto e arrumei os cabelos, resolvendo deixá-los soltos no momento. Acho que me enrolei muito nas tarefas, pois assim que saí do banheiro encontrei meu trio de criadas ali. Elise terminava de arrumar a mesa para minha refeição.
- Olá, garotas. Obrigarem por virem. - cumprimentei, partindo para a mesa. - Já comeram?
- Sim, senhorita.
- Mas imagino que um suco não faça mal para ninguém. - dei de ombros, vendo que as três aceitariam. - Temos copos?
Não sei se era normal, ou elas tinham imaginado que eu ofereceria algo, pois havia quatro copos para nós.
- Eu quero que saibam que eu nunca fui de ter amigas. A única menina que eu realmente falo é minha irmã, mas ainda sim cuido com o que compartilho com ela. - respirei fundo. - Na minha Província eu tenho um amigo, mas acho que ele não saberia me ajudar agora, mesmo se minha carta chegasse lá instantaneamente. Mas essa não é a questão: temo estar sendo precipitada quando as considero minhas amigas. Afinal nos conhecemos há poucos dias. Estou?
As três meninas se entreolharam, mas foi Meri que respondeu, sentando-se confortavelmente em uma cadeira perto de mim. Apesar de elas tomarem suco, tinham decidido ficar em pé.
- Não, , você está certa. Nós somos suas amigas e vamos ajudá-la no que pudermos.
- Obrigada, Meri. - sorri verdadeiramente para ela. - Eu sei que vocês têm a obrigação de não contar nada pra ninguém, mas eu gostaria de pedir segredo. Por mim.
- Com certeza. - Cleo anunciou e, junto com Elise, se aconchegou em volta da minha mesa. Lá estávamos nós, quatro mulheres sentadas em volta de uma mesa. Eu conseguia facilmente nos considerar iguais, me fazendo acreditar um pouco mais no sonho de de acabar com aquilo que nos tornava diferentes.
- Tenho tanta coisa para contar a todas vocês que até sinto dor de cabeça. - comecei, vendo as três atentas. - Primeiro de tudo, vocês me viram de uniforme aquele dia porque comecei a fazer o contato com os rebeldes para o príncipe.
Vi a confusão e surpresa em seus semblantes, mas elas não falariam nada. Não sem que eu pedisse.
- O príncipe está em contato com eles buscando uma paz, querendo encontrar um acordo entre os grupos. - expliquei, sem querer dar tantos detalhes. - Assim que começou a Seleção, os rebeldes insistiram que a comunicação entre eles fosse feita por mim. Eu aceitei. E como antes era feito por uma criada, eu me visto como tal para passar despercebida. - esperei que elas mostrassem estar entendendo antes de continuar. - O contato deve acontecer uma vez por semana, quando devo ir encontrá-los antes do café. Eu realmente acredito que não corro perigo indo lá. É complicado e um pouco assustador, devo admitir, mas me sinto segura. No entanto, esse não é meu maior problema.
“Nesse encontro, a rebelde líder deixou escapar que acompanha minha vida muito antes de eu entrar na Seleção, antes até mesmo de existir a chance de haver uma. Isto é, ela conhece minhas opiniões sobre esse lugar e sabe que eu não queria vir. Quando me contou que sabia meu segredo deixou os príncipes cientes da história, pois ambos ouviram tudo por meio de uma escuta.
As três concordaram com a cabeça, ansiosas por mais.
- Acabei de conversar com o príncipe , certa que de ele me mandaria embora como uma mentirosa e traidora por ter me inscrito sem realmente querer. Mas ele disse que não podia. Disse que eu era muito popular entre todos e que existe uma pressão para que ele me escolha como sua noiva. - encarei-as buscando qualquer tipo de reação, mas Elise apenas sorriu. - Vocês não parecem surpresas.
- Não estamos, senhorita. - Elise que falou. - A preferência da família real pela senhorita é evidente desde o começo. As criadas comentam entre si e todas sabem que para a rainha, você realmente tem potencial. Ela era de uma casta inferior e teve muitos problemas com diplomacia e aceitação da corte de outros países, ela quer evitar isso agora. O país não precisa de mais problemas.
- Os rebeldes são surpresa. - Cleo contou dando de ombros - Mas acho que eles também devem ter a mesma noção que a rainha.
- Vocês deviam ter me contado.
- Achamos que não era certo. Até porque achamos que a senhorita poderia não acreditar. - Meri não parecia muito envergonhada pelo seu segredo. - Mas a senhorita quer ser princesa?
- É difícil. Eu fui educada pra fazer exatamente o que é esperado de mim. Eu nunca realmente tomei uma decisão grande em minha vida. Minha consciência diz que se esperam que eu seja uma princesa, eu deveria ser.
- Igual a nós. - Meri deduz e eu apenas concordei com a cabeça.
Ficamos um pouco em silêncio, pensando no que aquilo significava. Aproveitei para comer mais da comida em meu prato, pouco tocada devido a conversa.
- Eu não entendo. O príncipe quer que você escolha agora? - Elise se manifestou. - A Seleção acabou de começar.
- Ele não quer. Ele só quer que eu entenda que não posso sair, ele decepcionaria muitas pessoas se fizesse isso tão cedo.
- Qual é o problema então? - ela continuou - Quero dizer, ele não pediu a senhorita em casamento. Ainda tem tempo, talvez você goste dele.
Talvez. Eu queria gostar do príncipe? Eu queria as consequências desse ato? Eu podia me permitir amar um homem que trazia uma coroa consigo?
- Talvez Elise tenha razão. - Meri parecia pensar. - Você não pode sair daqui mesmo, talvez devesse aproveitar e conhecer o príncipe. Ele vai se apaixonar por alguém e se não for para ser você, simplesmente não será.
Eu não queria dizer sobre minha incerteza de sequer tentar me aproximar de , talvez fosse perigoso. Emocionalmente perigoso.
- Obrigada, meninas. Eu não sei o que faria sem vocês pra me acalmar.
A conversa foi mudando de tema lentamente e logo já estávamos dando risadas como velhas amigas. Eu estava feliz pela sorte que tivera, as meninas da minha equipe eram fantásticas no trabalho e fora dele. Elas me contaram que apesar de eu não ver Susane, as quatro tinham reuniões sobre meu vestiário do próximo baile regularmente, algo relacionado a cor dele. Paramos de conversar apenas quando fomos interrompidas por alguém batendo na porta.
- É o príncipe , senhorita. - Elise, que abriu a porta, anunciou.
Concordei e parti em direção a entrada do meu quarto, sabendo que não tinha escolha sobre recebê-lo.
- Eu vim ver como você estava. - falou assim que entrei em seu campo de visão. Claro que ele viria, provavelmente tinha conversado com sobre minha reação mais cedo.
- Eu… Vou ficar bem.
- Você quer conversar?
Sorri e olhei para dentro do quarto, minhas criadas arrumavam a mesa ouvindo nossa conversa.
- Eu tive boas companhias no almoço. - comentei, sorrindo culpada para . - Mas acho que podemos dar uma volta, se você concordar.
- Claro. Eu adoraria!
- Certo. Preciso de alguns minutos para me arrumar. Podemos nos encontrar em algum lugar?
- Eu tenho uma ideia, me espere que eu voltarei logo. - ele disse sorrindo sapeca. Concordei, deixando-o partir enquanto pedia ajuda para trocar o vestido e prender o cabelo. Eu precisava me renovar para acompanhar aquele dia.
me levou para uma sala de cinema, onde poltronas confortáveis voltavam-se para uma enorme tela. Eu achei incrível o castelo ter um cinema particular, isso era muito luxo até para mim, uma Três. Cinema era algo caro na minha Província, mas eu e Drew já tínhamos ido várias vezes no de lá, entretanto nunca estava sozinha vendo o filme na tela gigante. Naquele momento tive certeza que o castelo tinha um telefone.
Conversamos pouco antes do filme começar e eu deixei claro que não queria discutir com minhas dúvidas sobre ser princesa, precisava esquecer aquilo. Ele concordou, meio ressentido e talvez curioso, mas eu sabia que apoiaria o irmão. E eu não estava pronta para ouvir represálias no momento. Escolhemos um filme de comédia e trocamos poucas palavras durante toda a história, em compensação rimos muito.
- Eu adorei esse filme! - comentei, vendo os créditos na grande tela.
- Sabia que ia gostar, é a sua cara.
- Um filme onde uma mulher começa a ver fantasmas e faz de tudo para se tratar é minha cara? - fiquei indignada, o que ele pensava de mim? Sério, a mulher no filme era uma trouxa, só fez burrada desde o primeiro minuto e no final, ainda, se apaixona pelo maldito fantasma.
- Ela é teimosa e temperamental.
- Eu sou temperamental?
- Com toda a certeza do mundo! - ele disse rindo, mas eu não achei tanta graça.
- Só porque não te trato como meu chefe? Como um ser superior? Só porque me importo mais com o seu conteúdo do que com o terno engomado? Eu seleciono meus amigos, . Jamais gostarei de você por causa de um título. - eu fiquei em pé, pronta pra marchar para fora dali.
- Ei! Espera! Eu estava só brincando. Eu sei de tudo isso, é por isso que eu gosto de falar com você. Você é a única que não dá em cima de mim, esperando que eu me apaixone caso meu irmão não o faça. - ele também se levantou, tentando me conter.
- Também gosta do fato de eu não babar por você igual as outras? - tentei feri-lo, mas ele apenas negou com a cabeça.
- Eu não sei dizer se gostaria que você sentisse algo por mim, é a única que não me permito pensar a respeito. Você é de .
Queria gritar, socar aquele rostinho bonito e corpo engomado de . Mas eu não tive tempo de dizer qualquer palavra, antes de ele notar minha expressão, deve ter sido bem feia.
- Não desse jeito, ! Mas nós somos irmãos, poxa. Nós conversamos sobre mulheres e deixamos nosso território amostra de vez em quando. Achei que já tinha percebido isso.
- Percebido o que? Que seu irmão e você acham que eu sou um prêmio? - a pergunta foi retórica, pois além de não esperar uma resposta, eu não a queria. Olhei para chocada e irritada, saindo do cinema logo após soltar meu último comentário: - Você e seu irmão se merecem.
Talvez minhas palavras não tenham sido uma ofensa para , mas foram para mim. No começo sempre achei que era a salvação, ele não era tão estressado, pois não precisava se preocupar tanto com o país. Ele não era rígido, fingido ou indiferente. Ele brincava, sorria e gostava de me fazer rir. Ele era meu amigo. Entretanto sempre seria do time do seu irmão, era óbvio. Não sei porque eu esperava algo diferente.
Gastei as poucas horas restantes na biblioteca, esperando o horário para jantar. Apesar de meu lugar ser próximo da família real, eu consegui me limitar a conversar com as meninas, preocupadas com meu desaparecimento no dia. Talvez tenha sido o primeiro jantar em que me senti despreocupada e decidida, era claro para mim que não me encaixava na família real e que ficaria naquele castelo apenas por causa dos rebeldes. notaria que não gosto dele, assim como ele não gosta de mim. E continuaria a viver sua vida de príncipe em seu perfeito castelo com as damas do irmão lhe abanando o rabo. Que se dane.
Depois do jantar e pela segunda vez desde que eu estava oficialmente na Seleção, Susane apareceu para conversarmos. Nos limitamos a um chá no meu quarto, acompanhadas de minhas criadas que estavam a cada encontro mais à vontade comigo. Susane queria saber se eu estava bem e dizer que o baile foi anunciado para dali a três dias. Eu precisava ensaiar a dança de abertura, então se estava doente deveria correr para a enfermaria, pois os próximos dias seriam importantes e repletos de ensaios.
Susane estava certa em me mandar ensaiar, apesar de eu ser muito boa dançando quando conduzida, não fazia ideia do que fazer quando estava sozinha. A família real tinha realmente uma coreografia de abertura. Nela haviam passos ritmados, momentos de interação apenas entre as mulheres e giros em tempos específicos, tudo extremamente incomum para uma dança qualquer a dois.
Passei os três dias seguintes ensaiando a dança junto com Samantha, a escolhida para dançar com o príncipe , além de dois guardas e um casal de dançarinos, os quais representavam o rei e a rainha. Gostei muito da coreografia e imaginava o quanto era bonito ver tudo de fora: três casais superarrumados dançando a passos idênticos pelo salão, soltando-se apenas para as mulheres se juntarem no meio da pista e girarem juntas, com as mãos estendidas no ar sem tocar uma a outra, exatamente como nos tempos antigos, parecia como um show para mim.
Eu, Samantha e a rainha de Ynter estaríamos no meio do Salão Principal de um baile fazendo uma rodinha com as mãos estendidas entre nós. Sim. Eu dançaria com a rainha. Obviamente me sentia nervosa.
O fato da competição de dança ter chegado ao fim e todas as meninas se esforçarem ao máximo apenas para não fazer feio, nos uniu. E eu consegui realmente conversar com elas, já até identificava todos os seus nomes e rostos. Acho que nunca cheguei a conversar com 24 meninas na vida, não todas juntas. Até porque nem na minha classe da escola haviam tantas garotas.
Nossa repentina amizade deixava as refeições mais alegres e movimentadas, tornando fácil evitar a presença da família real, mais precisamente dos filhos. Passei os três dias inteiros sem falar com nenhum dos dois, mas o baile seria dali há algumas horas e eu não teria muita opção quando fosse dançar com .
Devido ao baile, tivemos nossas tarefas canceladas à tarde, deixando tempo livre para as meninas se arrumarem, o que me pareceu um exagero, mas deixou Elise, Cleo e Meri felizes. Eu pedi, antes de começarmos todos os preparativos, pelo menos uma hora de sono, querendo relaxar ao máximo. As três concordaram, mas não saíram do quarto nenhum minuto, tinham coisas para fazer.
Uma hora depois eu fui acordada e enviada para o banho o mais rápido possível. Cleo insistiu para me ajudar e esfregou meus pés, mãos e costas com um esfoliante cheiroso. Meri lavou meu cabelo com três tipos diferentes de cosméticos e eu só esperava que ela soubesse o que estava fazendo.
Assim que fiquei seca e me cobri com um robe, tive as unhas das mãos refeitas por Elise, as unhas do pé por Cleo e Meri se ocupou no meu cabelo. As três conversavam alegres entre si, discutindo o que era melhor para meu visual aquela noite.
- Você vai dançar com o príncipe . Todos os olhos estarão em você, precisa estar perfeita. - Elise dizia.
- Suas unhas já estão incríveis! - Cleo apreciava o trabalho que tinha feito e o esmalte claro e reluzente que eu tinha nas unhas das mãos e dos pés. - Vamos cuidar da sua pele.
Ela literalmente quis dizer pele, pois passou um creme a cada centímetro do meu corpo exposto pelo robe. Depois que eu estava cheirando a rosas e baunilha da cabeça aos pés, tive a maquiagem feita. Elise e Meri cuidaram disso, enquanto Cleo arrumava a bagunça que elas haviam feito.
- Só posso terminar o cabelo quando você colocar o vestido. Quero ter certeza que vai ficar perfeito. - Meri disse, me conduzindo até o quarto.
O vestido era a coisa mais linda que eu já tinha visto feita de tecido. A cintura bem marcada me deixava com seios maravilhosos, mas nada vulgares. Eu me sentia a pessoa mais magra do planeta, de um jeito bom, não do tipo passando fome. A cor azul celeste do vestido, junto com a maquiagem, realçava meus lábios rosados pelo batom. Deixando-me maravilhosa, misteriosa e desejável . Além disso, eu nunca tinha usado uma saia tão cheia na vida, às vezes tinha dúvida se conseguiria me aproximar do príncipe para dançar, apesar de saber que estava exagerando. Por fim, a bainha da saia era forrada com uma renda fina e elegante.
- Vai ficar perfeito. - Meri anunciou admirada.
- Eu já me sinto perfeita.
- Então não vai ficar brava comigo se deixar seu cabelo solto?
- Solto? Tem certeza?
- Absoluta. Confie em mim.
Aceitei. Se tinha alguém que eu confiava para mexer no meu cabelo, esse alguém era Meri. E ela estava absolutamente certa. Quando estava finalmente pronta, sentia cachos perfeitamente modelados caindo em minhas costas, deixando meu cabelo super longo em um comprimento ainda aceitável. A parte de cima do meu cabelo foi presa para trás, deixando meu rosto com a maquiagem impecável bem a mostra.
- Ela parece uma princesa. - Cleo anunciou rindo.
- Se eu for princesa algum dia, vou chamá-las para me arrumar. Se quiserem, é claro.
- Seria uma honra. - Elise estava plenamente sorridente.
- Obrigada a todas. Eu me sinto linda.
Capítulo 7 - Rebeldes Sulistas
Anne bateu na minha porta exatamente como tínhamos combinado mais cedo. Nenhuma das duas queria chegar sozinha no primeiro baile da Seleção. Ela usava um vestido nude com alças, no estilo sereia, realmente incrível, destacando ainda mais sua pele clara francesa e os cabelos escuros.
- Você está maravilhosa! - ela disse no seu francês afetado.
- Não mais bonita que você. - sorri, deixando ela girar para mostrar o vestido com uma cara risonha.
Caminhamos até o Salão Principal com Anne contando como nunca tinha usado um vestido tão esplêndido antes, o que me deixou em dúvida de que casta ela era, afinal nunca cheguei a prestar atenção nisso ou perguntar, e obviamente não seria naquele momento que o faria. Ao passarmos pela porta majestosa do Salão senti meus olhos brilharem, o ambiente estava surpreendente, cada detalhe brilhava em ouro e luxo.
Era evidente que até para um baile, aquele era grande. Vários conhecidos da região foram chamados para conhecer pessoalmente as Selecionadas, mulheres que seriam damas da alta sociedade e talvez sua futura rainha. Eu sabia que não haveria ninguém importante internacional, afinal não estávamos prontas ainda, mas, em compensação, nenhum nobre perdeu a chance de conhecer as meninas. Cheguei a pensar que acabaria encontrando algum conhecido entre aquelas várias pessoas.
Logo após nossa entrada percebi que a tradutora de Anne se uniu a nós, pelo jeito ela havia usado a entrada de funcionários, querendo chamar menos a atenção. De vestido cinza, ela parecia mais uma sombra de Anne do que realmente alguém com opiniões, sua voz só era ouvida quando Anne abria a boca, diferente do que acontecia nas nossas refeições. Exatamente porque a tradutora de Anne não era uma concorrente das meninas, ela era adorada.
Conversamos com várias pessoas no baile, todas querendo cumprimentar e conhecer as Selecionadas, as vezes formávamos grupos entre nós, buscando conforto no meio de tantos cumprimentos e conversas forçadas. Apesar de tudo, eu me sentia bem.
foi formal ao me cumprimentar, apesar do olhar perceptível de culpa e reprovação. Ele já estava começando a ficar bravo comigo, depois de tanto tempo sendo evitado. Algo que me fez pensar sobre minhas ações em relação a ele, e o quanto ignorar sua presença podia ser benéfico. Estava começando a pensar que era apenas criancice da minha parte.
- Gostaria de dançar, senhorita? - me estendeu a mão quando chegou a hora de abrirmos a pista de dança para todos.
- Eu posso dizer não? - me arrisquei a brincar, mas aceitei sua mão e parti com ele para o centro da festa.
- Está nervosa? - ele quis saber, assim que nos posicionamos para esperar a orquestra começar.
- Incrivelmente não.
- Não estou surpreso. - ele deu de ombros. - Está claro que nasceu para isso, diferente de Samantha.
Arrisquei olhar para a menina, percebendo as mãos trêmulas.
- Ela está inquieta, mas vai acertar tudo. Ela é inclusive melhor que eu na coreografia. - dei de ombros, torcendo muito para estar certa.
O príncipe não me respondeu, pois a música começou a tocar. Durante a dança ficamos quietos, concentrados, respeitosos. Eu adorei dançar aquilo, adorei quando eu, Samantha e a rainha dançamos juntas, trocando olhares significativos. Adorei quando me fez rodar - como parte da dança, claro - e voltar ao seu encontro. Adorei cada passo e me sentia uma estrela, talvez até uma princesa. Terminamos exatamente no momento certo, quando a orquestra deu por fim a melodia.
- Gostaria de dançar comigo a próxima música, ? - perguntou, antes que eu pudesse deixá-lo.
- Claro, mas e as outras?
- Preciso dançar com todas vocês, mas elas podem esperar uma música. Ninguém vai ter problemas. - ele comentou me estendendo de novo a mão.
- Ninguém é? Isso porque você não teve 24 garotas pegando no seu pé. - comentei rindo, aceitando ser conduzida. Agora não estávamos mais participando de um espetáculo, não tínhamos problemas em conversar.
- Você já teve? - ele ergueu uma sobrancelha.
- Digamos que não fui muito aceita no começo.
- Por quê?
- Nada demais. Já resolvi.
- Me conte, , por favor. Eu posso perguntar para qualquer outra menina que elas vão me dizer. - ele respondeu. - Mas quero saber de você, quero saber o que acontece na sua vida.
- Eu me destaquei muito nas primeiras aulas, principalmente dançando.
- Com ?
- Com seu irmão, com os guardas. A questão não é essa, a questão é que eu já sabia fazer tudo o que foi ensinado até agora. E isso foi um problema no começo.
- Se você não quer ser princesa, não deve me contar tanto suas conquistas. - ele brincou.
- Eu pensei sobre isso. Sobre ser princesa.
- Sério?
- Sim.
- Chegou a alguma conclusão?
- Eu não quero ser princesa, . Não acho que eu sou boa o suficiente, não acho que mereço ganhar. Então não vou me esforçar para isso.
- Eu… - ele pareceu decepcionado.
- Mas eu também não vou negar. Vou ser quem sou. Vou ser verdadeira com você e com os rebeldes. Sempre fui criada para fazer o que esperam de mim e é contra minha natureza fugir de um problema, de um cargo. E, nesse momento, é o que um casamento significa para mim, um cargo.
- Um casamento comigo.
- Também. Me casar com você significa o maior cargo de todos, você sabe. Mas nesses dias percebi que me casar com qualquer um significa isso. Poucas pessoas vão querer casar com quando eu sair daqui. A maioria delas vai querer casar com a Selecionada , vai me exibir pelos cantos, exatamente como você faria.
- Eu não vou exibir você, .
- Não? Então se todas as pessoas me escolhessem como a próxima princesa e você não me amasse, você diria que não?
Ele pareceu pensar, o que lhe deu créditos. Ele poderia ter apenas mentido.
- Porque eu não diria, príncipe . Se você me escolher depois de tudo, eu jamais negaria.
- Mesmo se não me amasse?
- Mesmo se não lhe amasse.
- Por que? Isso é meio triste.
- Pelo mesmo motivo que você o faria.
A música acabou naquele instante, o que me fez agradecer mentalmente aos músicos, eu não queria mais falar sobre a realeza. Sorri sem jeito para pela conversa e fiz uma longa reverência.
- Obrigada pela atenção, príncipe .
- Obrigado, senhorita . E obrigado por me chamar de “”.
Eu havia dito apenas seu nome em voz alta? Era a primeira vez? Sorri envergonhada e sai da pista de dança, deixando que os deveres de , ou seu desejo, o levassem para longe de mim.
Eu fui a última menina que chamou para dançar, o que significava que havia ido para a pista de dança com várias pessoas desconhecidas por toda a noite, o que era bom, pois evitava longas conversas, já que o silêncio na pista era aceitável, mas também era estranhamente diplomático. Todos queriam falar e dançar com as Selecionadas e eu me sentia trabalhando quando aceitava cada pedido, dançava cada música e passava horas falando sobre assuntos que nem sempre eram do meu interesse. Reconheci várias pessoas ali, mas nenhuma delas era próxima de minha família o suficiente para me preocupar.
- Se eu não fosse obrigado, não lhe incomodaria, . - disse, assim que se posicionou no meio do salão, com uma mão em minha cintura e outra presa a minha.
- Eu entendo.
- Eu não. Não sei como ainda pode estar brava comigo. - ele resmungou, começando a me conduzir no ritmo da música. - Até porque você não parece brava com . E diz que eu sou exatamente igual a ele, o que deixa a situação estranha.
- Eu não esperava nada de . - esclareci, dando de ombros.
- O que você esperava de mim, ?
Não sabia se queria responder àquilo, mas tinha consciência que precisava de se ia ficar na Seleção.
- Sua amizade. Esperava que lá no fundo você não fosse tão parte da realeza. Erro meu, claramente.
- Você fala como se fosse uma doença.
- Não acho que seja uma doença, acho que seja um estilo de vida, uma cultura. Cheguei a pensar que você não tinha sido afetado por ele.
- Eu moro em um castelo, . Meu pai é o rei, você queria exatamente o quê?
- Fui tola, reconheço.
- Não sei se você foi tola. Nós chegamos a ser amigos, não chegamos? E eu jamais menti para você. Você gostou de mim em algum momento.
- Jamais mentiu para mim? Então quando nos encontramos pela primeira vez, você realmente não me reconheceu?
Ele pareceu tenso por um segundo, me lembrando porque esperava mais de do que do irmão. parecia mais verdadeiro, mais humano.
- Não menti exatamente, só não fui totalmente sincero. Não sabia como seria nosso encontro, eu não podia… Bem…
- Não podia dizer que havia passado muito tempo falando sobre mim?
- Exatamente. Mas nós falamos sobre todas vocês, . Eu teria feito o mesmo com qualquer menina aqui.
- Então você já sabia meu nome, sabia minha casta e claramente sabia que eu tinha sido sequestrada.
- Sim, eu sabia.
- Obrigada por ser sincero. - não tinha motivos para eu ficar brava com o príncipe de novo, eu já tinha deduzido aquilo, aprendido a conviver.
- Voltando ao assunto anterior. É impossível gostar de mim agora?
- Não. Eu entendo você, conversei com e resolvemos as coisas.
Estamos bem.
- Eu e você? Ou você e ?
- Todos nós. Por mim, todos nós estamos bem.
- Finalmente! - ele deu um sorriso sincero que realçou suas bochechas de tão grande. Terminamos a dança rindo e seguimos na pista pelas próximas três músicas, conversando sobre tudo o que aconteceu naqueles três dias. tinha novidades para contar inclusive sobre as outras Selecionadas.
***
Queria ter continuado a dormir por muito mais tempo, depois que Elise me acordou naquela manhã, eu estava acabada. Apesar de não ter consumido uma gota de álcool sequer, as poucas horas de sono e o tempo em pé deixavam meu corpo dolorido. Entretanto, minha mente estava tranquila, quase feliz e realmente orgulhosa. Eu havia feito uma escolha no dia anterior, decidirá meu futuro com , ou quase, pelo menos minha posição a respeito dele.
Além disso, com as Selecionadas o clima parecia ainda melhor, nós estávamos quase amigas depois de alguns dias de convívio. Depois de uma semana no palácio, eu já me sentia melhor do que achei que ficaria, não era tão torturante afinal. Uma única semana. Pouco tempo, muitas coisas.
- Senhorita? - Meri me chamou, tocando em meu ombro.
- Sim?
- Meri lhe fez uma pergunta, senhorita. - Cleo esclareceu.
- Me desculpe. Eu estava perdida em meus pensamentos.
- Pensei em fazer uma trança em seu cabelo. - ela estava envergonhada.
- O que você quiser. - avisei brincalhona. Já tinha aprendido a confiar meu cabelo a Meri, na realidade, tinha confiado muitas coisas aquelas meninas ultimamente. - Vocês perceberam como tudo está mais calmo agora?
- Como assim, senhorita?
- Eu não sei. Estou de acordo com o príncipe e . As meninas não me odeiam tanto. Eu me sinto estranhamente bem! - exclamei, sorrindo para elas pelo espelho.
- Estamos felizes por você ter resolvido seus problemas, senhorita. - Elise, que estava ocupada no banheiro com a limpeza do meu banho, apareceu. Ela tinha um sorriso genuíno no rosto.
- Obrigada, meninas. De verdade.
Logo depois fui acompanhada de Anne para o café da manhã e como sempre acontecia, depois da refeição fomos todas levadas para o jardim. Mariee tinha muito o que dizer.
- Bom dia, meninas! Estou realmente feliz com o desempenho da maioria de vocês no baile ontem. Ótimos passos de dança, algumas boas conversas. Como vocês já deveriam saber, estavam sendo analisadas criteriosamente em cada momento daquela festa.
Houve murmúrios entre as meninas, algumas parecendo chocadas pela informação. Elas esqueceram que estavam em uma competição? Ninguém percebeu os olhos atentos de Mariee e das outras mulheres, todas com a mesma função que Susane, sobre todas nós? Eu realmente estava abismada com a falta de noção de algumas meninas ali.
- Os relatórios foram enviados para a família real hoje de manhã. - Mariee voltou a falar, trazendo o silêncio consigo. Ninguém jamais falaria ao mesmo tempo que ela. - Hoje nós vamos…
Naquele momento Mariee foi bruscamente interrompida por um estrondo alto, um grito e logo em seguida a sirene de um alarme.
- O que está acontecendo? - Anne, que estava perto de mim, perguntou em francês.
- ATAQUE! - Mariee gritou, olhando em volta, os poucos guardas que permaneciam no jardim se uniram a nós. - Corram, garotas! Corram!
Mariee começou a correr e empurrar garotas consigo no mesmo instante que os homens apareceram. Seis, talvez sete, homens carregando armas começaram a correr em nossa direção. Sai do choque quando eles já estavam perto o suficiente para eu ver seus rostos. Puxei Anne.
- Corra, Anne. É um ataque! - avisei, forçando-a a apressar os passos. Éramos as últimas da fila, porque eu gastei tempo demais analisando a situação e Anne ficou perdida quando todos correram, inclusive sua tradutora, e a deixaram para trás.
Eu estava pronta para seguir todas em direção a parte de trás do castelo, para a segurança do local que os guardas nos conduziam, quando eu ouvi em alto e bom som:
- É ela. Temos que pegar aquela menina. A está fugindo.
Prendi a respiração, eles estavam atrás de mim! Como aquilo era possível?
- Anne, corra o mais rápido que puder. Faça o que todas estiverem fazendo! - gritei para ela, tomando a decisão mais burra e corajosa da minha vida: corri para a outra direção.
- O que ela está fazendo? - um dos homens gritou atrás de mim.
Para a minha sorte, depois do jardim super organizado da rainha havia um bosque que ocupava boa parte dos terrenos do castelo e era para lá que eu seguia a toda velocidade. Devido à proximidade territorial da Capital com a minha Província, eu sabia que aquela mata era do mesmo tipo que estava acostumada, conseguia reconhecer a folhagem das árvores. Eu iria me esconder ali, fazer com que os homens viessem em minha direção e depois despistá-los subindo em uma árvore. Não tinha escolha, eles pegariam todas nós se eu não fizesse isso. Precisava salvar Anne, precisava salvar todas.
Corri como nunca havia feito antes pelo meio do bosque, desviando as árvores e pulando os maiores arbustos. Conseguia ouvir os passos pesados atrás de mim, eu estava certa, eles escolheram me seguir. Me sentia repleta de adrenalina, com o sangue pulsando em meus pés, me obrigando a seguir, meus reflexos estavam bons, eu ia conseguir, os homens não eram tão astutos quanto eu e tinham maiores dificuldades de andar por entre a vegetação.
- Parada! - um homem alto, forte, com a barba por fazer e os olhos ardendo de raiva gritou. Não fazia ideia de onde ele tinha saído, mas a sua arma apontada pra mim, me fez frear imediatamente. Tinha sido pega.
- Finalmente! - enfim todos eles haviam me alcançado, apontando suas diferentes armas em minha direção. Eu estava cercada e, provavelmente, morta. - Amarre-a e amordace, não quero ninguém gritando.
Eu queria fugir, queria correr e recuar. Eu queria voltar no tempo e seguir as meninas, deixando os homens para os guardas, mas agora era tarde demais e eles eram muitos. Qualquer passo em falso e eu levaria meia dúzia de tiros, no mínimo.
- Olá, boneca. Achou mesmo que ia escapar de nós? - um deles se aproximou, puxando meus braços para trás. Seu toque me causava nojo e desespero.
- O que vocês querem comigo? - queria parecer áspera, perigosa e confiante, mas tinha quase certeza que não parecia assim.
O homem atrás de mim riu.
- Várias coisas, boneca. Você não faz nem ideia. - ele disse malicioso, ocupando-se em amarrar meus pulsos com uma corda. Seu nó era forte e machucava minha pele.
- Você é nojento!
- Por que ela não está de mordaça ainda? - o mesmo homem de antes falou, ele claramente era o líder ali. Queria virar para encarar seu rosto, mostrar a raiva que eu sentia, mas mãos firmes me prendiam no lugar. Eu havia sido capturada.
Foi outro homem do grupo que se aproximou para colocar um tecido em minha boca, seus olhos me causaram ainda mais medo. Ele era jovem como eu, talvez até mais, apesar de ser muito mais alto e forte, e enquanto ele arrumava o tecido entre meus lábios, seus olhos mostravam pura preocupação. Ele estava com medo por mim. Eu, com certeza, estava morta. Ou pior. Me debati, lutando ao máximo para sair daquele aperto. Não podia ficar ali, tinha que correr, fugir e me esconder entre as árvores.
- QUIETA! Ou vamos tirar suas roupas aqui mesmo. - o homem apertou ainda mais meus pulsos, deixando claro suas intenções. Parei. Fiquei quieta. E deixei com que o tecido já em minha boca fosse preso entre minha trança. Estavam arruinando meu penteado, Meri ficaria decepcionada. Quis rir. Ela me encontraria morta e com o cabelo bagunçado.
- E agora chefe? - eu já nem sabia mais quem falava, eram tantos.
- Vamos levá-la daqui logo. Eu tenho mais coisas para fazer. Imagino que vocês três possam cuidar de uma garota!
- Claro.
- Não se atrevam a se atrasar por caprichos agora. Vocês vão ter muito tempo depois, exatamente como combinamos.
Caprichos. Eu queria morrer antes de fazer parte de qualquer capricho daqueles caras. Eu tinha que fugir, quando eles fossem apenas três, eu fugiria. Daria um jeito, iria lutar para sobreviver.
Os homens se organizaram rapidamente, se separando em dois grupos: o que seguiria o chefe e o que levaria a garota. Vi quatro homens partirem novamente em direção ao castelo, enquanto eu era empurrada para o lado, seguiríamos até a saída pelo bosque. Acho que aquilo me dava algum tipo de proteção, as árvores poderiam me salvar.
- Foi mais fácil do que eu imaginava. - o homem que me empurrava anunciou, mas não para mim. - Ela foi direto para a armadilha, fugiu da segurança sozinha.
- Isso foi loucura mesmo. O que você estava pensando, madame?
Eu não podia responder, obviamente. O tecido que já rasgava o canto dos meus lábios e deixava um leve gosto de sangue me atrapalhava até para respirar. Fingi ignorar por rebeldia, querendo me sentir mais poderosa e menos incapaz.
- Acho que ela estava protegendo as outras. - o garoto comentou, ele andava na frente do nosso grupo, parecendo despreocupado. Quando vi que ele fazia parte do meu grupo, fiquei um pouco aliviada, pois ele parecia o menos assustador do grupo, talvez ele me deixasse fugir. Ele parecia não querer me matar, pelo menos não agora.
- Eu acho que ela queria ser pega. O príncipe não pode dar atenção para tantas garotas juntas, ela estava solitária. - senti sua mão áspera se soltar do meu pulso para seguir em direção do meu cabelo e bochecha, eu queria vomitar.
- Ela é a favorita do príncipe, seu idiota. Deve ser a única que ganha atenção aí dentro.
- Se ele já fez algo com ela, não será tão divertido. - ele lamentou.
Queria gritar por socorro. Eu precisava fugir. Olhei atentamente para meu entorno, tinha uma leve noção da onde o castelo estava. Pelo menos esperava acertar o lado que ia correr, se conseguisse me livrar daqueles homens. Três contra uma. Era uma desvantagem. Mas o homem atrás de mim estava tão perto que eu conseguia esmagar suas partes íntimas com as mãos, se tivesse sorte. Chutaria o segundo no mesmo lugar, aproveitando de sua fragilidade. Mas o menino estava muito longe para eu acertar-lhe um golpe, ele me alcançaria logo na corrida. Eu teria que ser muito, muito rápida.
Pensei por longos segundos, chegando à conclusão que nada podia ser pior do que estava. Eu ia lutar! Esperei que um arbusto no chão aproximasse o cara de mim e o ataque com meus dedos e unhas. Torcendo para sua calça marrom não fosse tão grossa quanto parecia.
- AÍ! SUA VADIA! - Ele gritou, mas me soltou por reflexo, colocando as mãos onde doía.
- O que? - o garoto se virou para nós a tempo de me ver chutar o segundo homem, que ainda estava meio surpreso com tudo. Meu salto alto deve ter lhe ferido mais que o normal, pois homem se curvou até o chão, sem fôlego. Olhei para o garoto e corri, esperando que ele demorasse para ir atrás de mim. Entretanto eu estava errada, muito errada.
- Você acha que é uma atleta? - ele perguntou no instante que sua mão encontrou meu braço, deixando muito fácil para ele e seus músculos me puxarem. Com um breve mexer de mãos me vi de frente para ele, com seu punho batendo forte contra meu estômago. Ele me socou na barriga duas vezes seguidas antes de me empurrar contra uma árvore, me prendendo ali.
A dor era alucinante, me curvei na hora, parecia que todos os meus órgãos internos tinham sido esmagados até se chocarem contra os ossos, provavelmente o que realmente aconteceu. Apesar da dor do empurrão, agradeci a presença da árvore para me equilibrar. Eu não queria chorar, estava me mantendo racional até aquele momento, mas a dor foi maior. As lágrimas saíram sem permissão, encharcando o pano em meu rosto. Pelo menos eu ainda chorava silenciosa, um pouco de orgulho havia em mim.
- Coitadinha. - o garoto brincou. - Você achou que eu não ia atrás de você, não é?
Não respondi.
- Quem você pensa que é? - o homem que antes me segurava, o qual eu atingi com as mãos, se aproximou, apertando meu braço com força. O mais novo deixou espaço para ele, suas unhas não aparadas cortavam minha pele. - Você não faz ideia do que eu vou fazer com você, garota. Vai desejar estar morta no momento em que te tirarmos daqui.
Solucei. As lágrimas corriam ainda mais forte. Naquele momento eu sabia que tinha perdido e concordava com o homem: a morte era minha melhor opção. Achei que meu pedido tinha sido ouvido, cheguei a pensar que de alguma forma consegui dizer aquelas palavras em voz alta. Pois o tiro foi exato e senti meu vestido se encher de sangue imediatamente. Só percebi que não era meu sangue, quando senti a mão em meu braço afrouxar e o corpo pesado daquele homem cair no chão. Ele estava morto.
- Não se atreva a atirar nela. - a voz era firme, uma evidente ameaça.
Entretanto, o garoto levantou a arma em minha direção, seria um tiro certeiro no meio da minha testa. Mas seus olhos eram claros, ele sabia que não teria tempo para atirar, ele queria era ser morto. Eu olhava nos seus olhos quando a vida se esvaiu de seu corpo. Outro tiro, vindo de trás, em seu peito.
- O outro fugiu. - um segundo soldado apareceu em meu campo de visão.
Eu estava salva, eles me encontraram. Senti meus joelhos vacilarem, enquanto meu peito se sacudia com as lágrimas, só não senti o baque do chão de terra, pois um dos homens chegou a tempo para me segurar.
- Você está bem, senhorita . Nós a achamos. - ele dizia suavemente, prendendo seus braços em minha cintura e segurando meu peso. Eu estava tão grata.
- Vou soltá-la. - o outro avisou, me fazendo assentir. Eu estava viva. Primeiro foi a tecido em meu rosto, depois minhas mãos. Eu fiquei livre rapidamente, apesar disso ainda sentia meus pulsos ardendo e o gosto de sangue.
- Nós precisamos ir, senhorita. Aqui ainda não é seguro. - o homem parecia envergonhado em me tirar de seus braços ou envergonhado por eu estar ali. Talvez contato entre um soldado e uma Selecionada fosse estritamente proibido até naquele momento.
- Me desculpe. - senti-me envergonhada. Ajeitei minha postura, respirei fundo várias vezes e sequei minhas lágrimas. Tinha que me recompor, não estava completamente segura.
- A senhorita consegue caminhar?
- Sim. - minha voz era baixa, vacilante.
- Vá na frente, Fred. - o homem do meu lado mandou, fazendo Fred erguer a arma e caminhar, pronto para dar um tiro no primeiro homem que aparecesse, exatamente como antes. Olhei em volta, dois homens mortos caídos no chão. Aquilo me dava vontade de vomitar, nunca tinha visto tanto sangue na vida, nem meu pai tinha cuidado de algo assim. Pelo menos não na minha frente.
- Precisamos ir agora.
- Certo. Obrigada por me salvarem.
O soldado sorriu para mim e mandou que eu seguisse adiante, senti sua movimentação atrás de mim. Agora ele estava como Fred, arma a postos. Por sorte, não encontramos ninguém até chegarmos ao final do bosque, parte que dava para o jardim.
Era claro que a situação no jardim era mais perturbada, a falta de árvores como esconderijo deixavam todos expostos. Haviam corpos ali, não quis contar quantos, mas provavelmente mais de cinco homens encontravam-se caídos no chão, imóveis. Eu sabia dizer que pelo menos um dos homens usava o uniforme do castelo. Senti as lágrimas voltarem, mas lutei para me manter firme. Tínhamos coisas para fazer.
- Precisamos correr para o castelo, senhorita. Não há abrigos por aqui.
- Eu não sei se consigo. - eu me sentia fraca, caminhar já era complicado. Eu sabia que os soldados teriam feito o mesmo caminho em um terço do tempo, em um dia normal.
- Vou levá-la. Se me permitir.
- Ah. Tudo bem.
O soldado que não se chamava Fred ajeitou sua arma nas costas e me pegou no colo, foi tão fácil que me senti uma criança. Com uma mão em minhas costas e outra embaixo de meus joelhos, ele não conseguiria atirar. - Não se preocupe, senhorita. Vou protegê-la com minha vida - .
- Não, por favor. Não morram. - implorei, me sentia uma boba, fraca e prestes a partir em duas. Se aqueles homens morressem, eu não saberia o que fazer. Além disso, já era responsável por duas mortes.
- Não vamos morrer. - Fred anunciou, olhando firme para o amigo.
- Pronta?
- Pronta. - concordei, segurando forte no pescoço do soldado. Precisaria perguntar seu nome depois.
- AGORA! - Fred gritou, e todos nós corremos. Quer dizer, eles correram e eu fui carregada junto. Ouvi tiros, poucos, e eu não sabia da onde vinham. Mas Fred deve ter sido capaz de matar o agressor, pois eles logo cessaram.
- Onde vamos levá-la?
- Até o abrigo real. Ordens do príncipe . - Fred respondeu, me deixando confusa, o abrigo real ainda estava aberto? Eu não perguntei, apenas deixei-me ser levada para dentro do castelo. Haviam várias coisas destruídas lá dentro, mas não tinha ninguém. Absolutamente ninguém.
- Tiramos eles de dentro do castelo rapidamente. - o homem que me segurava anunciou. - Não chegaram a causar tanto estrago dessa vez.
Dessa vez? Aquele tipo de ataque era comum? Minha mãe sabia disso antes de se dedicar a vida inteira para me colocar ali? Não respondi o soldado, nem conseguiria falar se quisesse, meu estômago estava remexido só com a ideia de aquilo ser comum e ninguém pensar na segurança de trinta e cinco garotas. Apenas continuei olhando para os vasos quebrados no chão. Fiquei tão perdida que não percebi que havíamos chegado no abrigo até ouvir as exclamações.
- Ela está viva!
- O que aconteceu? Ela está horrível.
- Isso é sangue?
- Finalmente, ! - essa chamou mais atenção, pois o dono da voz apareceu no meu campo de visão. me olhava assustado. - O que aconteceu lá fora?
- Encontramos ela presa, Alteza. Haviam homens com ela, ela seria levada. - o guarda anunciou, finalmente colocando-me em pé. A repercussão de suas palavras foi grande, todos no lugar trancaram a respiração com a ideia.
- Como? - falou, mas não pude mais prestar atenção, pois chegou perto de mim, pegando meu rosto pelas mãos. De repente só conseguia ver seus olhos.
- Jesus, . O que fizeram com você? - ele parecia preocupado, seu rosto estava até mesmo um pouco contorcido. - Venha, vamos sentar.
Aceitei ser conduzida por até um canto do abrigo, que percebi ser o mais perto da família real e o mais longe da porta. Queria cumprimentar o rei e a rainha, mas quando cheguei perto o suficiente o casal falava entre si aos cochichos sentados em suas cadeiras reais. Eles não estavam realmente preocupados com as regras de etiqueta no momento. Sentei-me no chão, ou melhor, deixei meu peso cair sobre o piso, sentindo-me exausta. Baixei a cabeça o suficiente para encontrar sangue em minha roupa. Céus, onde eu fui me meter?
- , você foi ferida? - me olhava, agora sentado em minha frente, querendo respostas. Se eu fui ferida? Não conseguia lembrar. Aquele sangue não era meu, isso eu sabia.
- Não, acho que não. - meu corpo inteiro doía, sentia o peso da adrenalina. Quando ela chega, te salva, mas quando ela sai, deixa vestígios. Algo que eu prendi em um dos livros de meu pai, mas nunca tinha sentido de verdade. - Eles morreram, . Estão mortos.
Solucei, chorando desesperadamente de novo. O alívio me consumia, deixando meu coração apertado pelo desespero e culpa. Eu havia matado alguém.
- Quem, querida? Os rebeldes?
- Todos eles. E eu também podia estar, ou pior, se não tivesse sido salva. - cada palavra era acompanhada de um soluço e um mar de lágrimas.
- Eu sinto muito, . - sentou-se ao meu lado, puxando-me para perto dele. Seus braços permaneciam protetoramente em volta de mim. Deixei-me me encostar ali por alguns minutos, minhas lágrimas molhando suas roupas reais.
Respirei fundo, eu não queria mais chorar, precisava me recompor para o bem de todos ali, incluindo o meu. Chorar não adiantava nada. Eu estava salva. Eu estava bem. Percebi que sem em minha frente para tampar meu campo de visão, eu podia enxergar melhor a situação do abrigo e das pessoas nele: o lugar era grande, coberto de metal do chão ao teto, mas não estava equipado o suficiente para tantas pessoas. Haviam cadeiras apenas para a família real, por isso todas as Selecionadas permaneciam no chão, encostadas na parede. Grande parte delas me olhava assustada e preocupada. Eu queria ajudar, mas sabia que olhar para mim só as aterrorizava mais. Podia ter sido elas. E era claro em todas que esse era seu maior medo.
caminhou lentamente em minha direção quando nossos olhares se encontraram, parecia que ele tinha medo de se aproximar, pois cada passo demorava uma eternidade. Perdi a visão do resto das meninas quando ele se abaixou para falar comigo. não se mexeu, deixando-me presa a ele.
- O que aconteceu, ? Você está bem? Os guardas não sabem tanto quanto eu gostaria. - eu não sabia distinguir o tom em sua voz.
- Não tem como eles saberem, chegaram um pouco depois. Mas eles salvaram minha vida, , e minha sanidade. Eu nem sei como agradecer.
- Eles terão o agradecimento que merecem, eu prometo.
- Obrigada.
- Eu preciso saber como você está. Por favor, nos conte tudo.
Senti se mexer, ele também queria saber.
- Eu não me lembro de muita coisa. - admiti.
- Deve ser o choque. - anunciou. - Você está tremendo desde que chegou aqui.
Eu estava tremendo? Não tinha percebido.
- Você foi para o bosque. Por quê? Mariee disse que todas vocês estavam com ela, mas quando chegaram no abrigo você estava desaparecida.
De repente a imagem veio: Mariee gritando, os homens se aproximando, Anne confusa, nós correndo e o grito. Meu nome em alto e bom som.
- Oh, céus. - deixei escapar, atordoada. - Eles estavam atrás de mim. Eles gritaram meu nome.
Até pareceu surpreso. Sua expressão foi de preocupação, para espanto, passando por algo que eu imagino que seja ele pensando, chegando na raiva.
- Eles sabem. Eu não acredito. - sua voz era áspera, raivosa.
- Cuidado com o que diz, irmão. - advertiu.
- O que?
- Continue, . Depois discutiremos isso. - pediu, mas seu tom era autoritário.
- Eu percebi que eles chegariam até nós, eram muitas e estávamos devagar. Corri para o bosque, imaginando que eles viriam atrás de mim.
- Eles foram. - anuncia. - Quando as Selecionadas chegaram, eu já estava aqui. Os guardas ficaram surpresos por não ter ninguém atrás deles.
assentiu lentamente com a cabeça, deixando-me continuar:
- Eu corri. Corri muito e estava mais rápida que eles. Eu ia me esconder, subir em uma árvore… mas um deles apareceu do nada. E apontou uma arma em minha direção, tive que parar. Sendo assim, fiquei cercada.
- Quantos deles? - perguntou.
- Isso importa?
- Queremos saber o quanto era importante… Pegar você. - ele foi cauteloso em responder.
- Seis. Não, sete.
- E depois? - me olhava de um jeito que eu não consegui identificar. Provavelmente ele tinha pena de mim.
- Eles me agarraram. - engoli em seco - E me ameaçaram. Depois se dividiram em dois grupos. Tive sorte por ficar com o menor. Eu quase consegui escapar.
- Você tentou fugir? - estava surpreso.
- Sim. Foi assim que os guardas a ouviram. - comunicou. - Você salvou sua própria vida, . Se não tivesse feito aquilo, eu não sei o que teria acontecido.
Eu sabia. Eles tinham deixado bem claro que o que teriam feito comigo. Não disse nada para os príncipes, apenas concordei com a cabeça.
- Eles fizeram mais alguma coisa, ? - parecia saber que havia mais.
- Eu não tenho certeza. - menti.
- Você disse que eles te ameaçaram. O que eles falaram?
Engoli em seco.
- Eles iam abusar de mim. - admiti.
O rosto de ficou escuro de repente, vi seus punhos se apertarem, seus olhos fecharam em esforço para se controlar. Sua respiração estava pesada. me apertou mais forte, seu corpo contra o meu fazia eu sentir dor em lugares estranhos. Eu lembrava dos socos no estômago, mas não tinha ideia do motivo das minhas costas gritar por socorro contra o terno de .
- Eles fizeram algo, . Eles tocaram em você de algum jeito?
Céus. Eu não ia responder àquilo. Mesmo se tivesse acontecido algo mais sério, mesmo se eu lembrasse de todos os detalhes. Jamais admitiria algo para eles. Neguei.
- Não minta para mim, . - era duro e grosseiro.
- Não aconteceu nada, Alteza. - eu queria gritar para ele. Ele estava brincando com minha cara, não é?
- , por favor… - também não acreditava em mim, eu podia culpá-los? Não, claro que não.
- Prestem atenção em mim. - eu me soltei gentilmente de . - Eu fugi, fui sequestrada, agredida, ameaçada de estupro e tortura, tudo porque nasci na família errada. Ninguém precisa lidar com isso além de mim, ninguém. Não ligo o quanto vocês se importam, o quanto tem medo pelo seu reinado. Foi uma coisa minha e apenas eu preciso saber o que aconteceu.
- , você sabe que… - tentou.
- Não, . Eu não vou contar nada para vocês, eu vou chorar, eu vou sofrer, eu vou sentir dores horríveis pelo corpo, mas eu vou passar por isso sozinha. Sem negociações.
Eu não esperava ter reagido daquela maneira, foi chocante até para mim ouvir minha voz ainda ferida sair confiante, cheia de verdades. Provavelmente e acharam que era por causa do choque, deixando meu momento de fúria passar despercebido, pois assim que as palavras saíram da minha boca, assentiu.
- Vamos, . Temos que conversar. - ele voltou a ficar de pé, seu jeito era estranho para mim, não sabia dizer se estava me odiando. Se tivesse também, eu não ligava. - precisa descansar.
saiu do meu lado, me lançando um último olhar preocupado. não estava bravo comigo, ele parecia, na realidade, relutante em sair do meu lado. Entretanto, os príncipes acabaram seguindo para perto da porta do abrigo, me deixando para trás, sentada no chão frio.
Violência. Essa era a definição daquele dia, daqueles momentos antes do abrigo, dos pensamentos dentro da caixa lotada de mulher em prantos. O que tinha de errado com aquelas pessoas? Quem eles eram? O que eles queriam de mim?
- ? Podemos nos sentar? - Anne apareceu no meu campo de visão, não tinha percebido que alguém tinha se aproximado. Ela tinha os olhos inchados e os cabelos presos, parecia assustada, mas não chorava mais. Ao lado dela estava Samantha e Lindsay. As duas eram parecidas, seus cabelos loiros destacavam os olhos claros, suas expressões eram um pouco mais confiantes do que a de minha amiga.
- Ah. Claro. - queria parecer feliz pela presença delas, mas naquele momento eu não conseguia me animar com qualquer coisa. Me arrumei, deixando que elas se sentassem para me encarar.
- Estávamos preocupadas com você. - Anne disse, me fazendo perceber que sua tradutora não estava com ela, nem saberia dizer se ela estava dentro do abrigo. Percebi que Samantha e Lindsay não estavam tão confusas com o assunto.
- Obrigada, meninas. - resolvi responder em inglês, colocando a mão na perna de Anne para mostrar que eu agradecia. Entretanto Anne assentiu.
- Tive aulas de inglês, eu ainda não consigo falar. Mas é mais fácil para mim entender. - ela deu de ombros.
- Nós entendemos o básico de francês, conseguimos ter algumas conversas. - Samantha explicou também, parecendo saber do que Anne dizia.
- Certo. - concordei, apesar de não fazer ideia de como aquilo tinha acontecido, nunca tinha percebido que Anne estava criando novos laços.
- Nós queríamos saber o que aconteceu, . Não queremos te magoar mais, nem nada. Mas as meninas estão preocupadas, acho que temos direito de saber a verdade. - Lindsay parecia uma professora que tive na infância, ela sempre tinha medo de ferir meu “direito de Três”, mas queria me disciplinar. Achava que Lindsay não se importava com minha casta, ela queria mais era me obrigar a falar sem parecer rude.
- Por favor, . Você acha que devemos ir embora? - Anne falou, percebendo que as atitudes de Lindsay não foram o suficiente para me fazer falar.
Engoli em seco. Elas queriam que eu decidisse se era seguro no palácio? Elas queriam que eu mandasse elas ficarem? Mas e se aquilo acontecesse de novo? Eu não podia me responsabilizar por isso.
- Eu não sei, Anne. Eu não posso dizer para vocês irem ou ficarem, meninas. Além do mais, essa é uma decisão do príncipe.
- Ele já disse que nós podíamos sair. Quando você estava desaparecida e, bem, eles pensaram que você talvez não voltasse. - Lindsay pelo menos pareceu envergonhada.
- Lindsay! - Samantha brigou com ela. - Não foi bem assim, . Quando chegamos sentiu sua falta imediatamente, e então começou toda a movimentação. Nós já estávamos desesperadas quando chegamos aqui, imagine quando descobrimos que uma de nós tinha se perdido? Foi horrível, . Ao mesmo tempo que éramos ajudadas por Mariee, os príncipes andavam de um lado para o outro, falando com guardas. E você simplesmente não chegava!
- O príncipe ameaçou a ir atrás de você, mas o rei não deixou. O que foi bem sensato, se me permite dizer. O homem estava louco, seus olhos estavam de matar, . E não digo isso como um elogio. - Lindsay continuou a amiga.
- Ficamos muito felizes quando você voltou, de verdade. - Anne sorriu para mim com ternura. - Mas é óbvio que você enfrentou coisas lá fora. Queremos saber o que os rebeldes do sul fizeram.
- Rebeldes sulistas? Eles existem?
- Sim. nos contou que é um ataque deles, que ele assegurava que estávamos todas seguras dentro do abrigo e que todos estavam procurando por você. E garantiu que se alguém quisesse voltar para casa depois de tudo isso, ele só podia lamentar. Podemos ir pra casa se quisermos.
Rebeldes sulistas. Até que fazia sentido, afinal quem mais atacaria o castelo? Ainda mais com o pacto entre e os outros rebeldes.
- Você quer ir pra casa, Anne? Alguém quer ir pra casa? - perguntei chocada.
- Você não quer ir, ? Eu não sei o que aconteceu lá fora, mas você não parece nada bem. - Samantha não estava querendo me ofender, mas de repente me senti horrível, fraca e indefesa. Eu provavelmente parecia que tinha sofrido muito lá fora e assustei todas as garotas naquela sala. Não que elas estivessem erradas em estar com medo, mas ir embora?
- Olha, eu não vou embora. Entretanto não posso falar para ninguém ficar. Eu fui pega, eles iam me sequestrar e me levar com eles. Eu estava aterrorizada, não posso mentir, mas os guardas me acharam, eles me salvaram. - era o máximo de explicação que eu podia dar. Não ia falar das ameaças, não ia falar sobre meu nome, não ia falar dos socos e das mãos firmes em mim.
- Sequestrada? - Anne ficou chocada, me perguntei se ela tinha escutado meu nome.
- Por que você não vai embora? - Lindsay me olhava suspeita. Droga.
- Eles me feriram, Lindsay. Eles ganharam a primeira batalha, mas não vou sair daqui como uma garotinha amedrontada. Eles não vão ganhar a guerra. No próximo Jornal Oficial eu vou estar lá, com um sorriso no rosto e nem um pingo do medo que estou sentindo.
- Você é corajosa. - Samantha disse. - Acredito nisso. Vou ficar. Nós vamos passar essa mensagem para as outras meninas.
- Concordo. Perdemos a batalha, mas não a guerra!
- Obrigada, meninas. - respondi envergonhada, não queria inspirar ninguém. A real verdade de eu continuar no castelo, é porque era meu nome que eles gritaram. Em casa eu estaria menos segura e ainda deixaria minha família em perigo. A quantidade de guardas no castelo não se comparava a segurança de uma Província.
Samantha e Lindsay apertaram minha mão em sinal de apoio e compreensão, depois se levantaram e partiram de volta para seu grupo. O papel de diplomacia havia acabado, já que pelo jeito nem todas tinham coragem de vir falar comigo. Anne continuou ao meu lado.
- Você foi pro outro lado de propósito. - Anne afirmou, me deixando assustada. Ela sabia?
- Isso foi uma pergunta?
- Não. Você me mandou continuar e saiu correndo pro bosque, eu vi.
Assenti, sem coragem de olhar em seus olhos. Encarei o chão.
- Eles estavam atrás de você?
- Isso foi uma pergunta?
- Isso foi. - ela deu um risinho fraco. - Não consigo lembrar bem o que aconteceu, mas é a única lógica pra mim. Eles desistiram de 20 e poucas chances para ir atrás de uma.
- Eu acho que sim. Acho que eles estavam.
- Por quê? Só porque é a preferida?
- O que quer dizer, Anne?
- Todas nós sabemos, . Todas nós lemos as revistas, todas nós vemos as opiniões do público… Sabemos quem está ganhando.
- Você não está brava?
- Tá brincando? Eu não tenho nenhuma chance de ganhar esse concurso, . Eu não falo a língua do meu país! Estou aqui porque a família real quer mostrar apoio aos estrangeiros.
- Eu entendo… E as outras?
- Bem, é meio difícil ficar brava com você, . Ainda mais agora. - ela deu de ombros. - A gente consegue ver que você não tá se esforçando, por enquanto, pelo menos.
- Como assim?
- Você poderia ser princesa a qualquer momento, na minha opinião. Um charme pro príncipe, um pouco mais de exibicionismo para Mariee… Estaria feito. Mas acho que você é humilde e honesta demais para algo do tipo.
Soltei a respiração que nem percebi ter trancado. Anne não desconfiava de mim, ela achava que eu era boa demais e não uma mentirosa.
- Eu… Desculpe, Anne.
- Desculpa? Pelo que?
- Não sei. Por ter te deixado, por você não conseguir falar com ninguém, por eu saber mais coisas do que devia, por você achar que eu já ganhei um concurso que deveria ser sobre amor. Pelos ataques, por tudo! - percebi que estava chorando, todas aquelas coisas me sufocavam. E tantas outras que eu não podia dizer. Eu sentia dor, sentia medo, sentia enjoo de lembrar das coisas que ouvi… Eu nem era princesa ainda! Se o príncipe me escolhesse, o que eu faria?
- Ah, . - Anne me abraçou, mas seu abraço não era nada como o de . Ela não estava querendo me esconder em seu corpo e me proteger com a força de seus músculos. Anne queria simplesmente dividir a dor e o medo comigo, ela quase me entendia. Ela não queria me esconder, ela queria me apoiar. - Estou muito orgulhosa de você. Sabe, por não desistir. Eu gostaria de ter uma princesa como você.
Chorei ainda mais. Não respondi Anne, apenas deixei que nosso abraço me consolasse. Não lembrava de um dia precisar tanto de uma amiga, eu não sabia como era, na realidade, não sabia a força que um real apoio podia fazer com a gente. Anne estava quebrando meu coração, mas apenas para reconstruí-lo. Talvez ela não soubesse o quanto seu conforto era necessário para mim, mas eu mentalmente a agradeci imensamente naquele momento. Eu tinha Drew quando estava em casa, mas ele parecia mais . E Victoria… Mas nós nunca tivemos um momento como aquele.
- Você vai ficar bem, . Você é mais corajosa do que acredita.
- Você está maravilhosa! - ela disse no seu francês afetado.
- Não mais bonita que você. - sorri, deixando ela girar para mostrar o vestido com uma cara risonha.
Caminhamos até o Salão Principal com Anne contando como nunca tinha usado um vestido tão esplêndido antes, o que me deixou em dúvida de que casta ela era, afinal nunca cheguei a prestar atenção nisso ou perguntar, e obviamente não seria naquele momento que o faria. Ao passarmos pela porta majestosa do Salão senti meus olhos brilharem, o ambiente estava surpreendente, cada detalhe brilhava em ouro e luxo.
Era evidente que até para um baile, aquele era grande. Vários conhecidos da região foram chamados para conhecer pessoalmente as Selecionadas, mulheres que seriam damas da alta sociedade e talvez sua futura rainha. Eu sabia que não haveria ninguém importante internacional, afinal não estávamos prontas ainda, mas, em compensação, nenhum nobre perdeu a chance de conhecer as meninas. Cheguei a pensar que acabaria encontrando algum conhecido entre aquelas várias pessoas.
Logo após nossa entrada percebi que a tradutora de Anne se uniu a nós, pelo jeito ela havia usado a entrada de funcionários, querendo chamar menos a atenção. De vestido cinza, ela parecia mais uma sombra de Anne do que realmente alguém com opiniões, sua voz só era ouvida quando Anne abria a boca, diferente do que acontecia nas nossas refeições. Exatamente porque a tradutora de Anne não era uma concorrente das meninas, ela era adorada.
Conversamos com várias pessoas no baile, todas querendo cumprimentar e conhecer as Selecionadas, as vezes formávamos grupos entre nós, buscando conforto no meio de tantos cumprimentos e conversas forçadas. Apesar de tudo, eu me sentia bem.
foi formal ao me cumprimentar, apesar do olhar perceptível de culpa e reprovação. Ele já estava começando a ficar bravo comigo, depois de tanto tempo sendo evitado. Algo que me fez pensar sobre minhas ações em relação a ele, e o quanto ignorar sua presença podia ser benéfico. Estava começando a pensar que era apenas criancice da minha parte.
- Gostaria de dançar, senhorita? - me estendeu a mão quando chegou a hora de abrirmos a pista de dança para todos.
- Eu posso dizer não? - me arrisquei a brincar, mas aceitei sua mão e parti com ele para o centro da festa.
- Está nervosa? - ele quis saber, assim que nos posicionamos para esperar a orquestra começar.
- Incrivelmente não.
- Não estou surpreso. - ele deu de ombros. - Está claro que nasceu para isso, diferente de Samantha.
Arrisquei olhar para a menina, percebendo as mãos trêmulas.
- Ela está inquieta, mas vai acertar tudo. Ela é inclusive melhor que eu na coreografia. - dei de ombros, torcendo muito para estar certa.
O príncipe não me respondeu, pois a música começou a tocar. Durante a dança ficamos quietos, concentrados, respeitosos. Eu adorei dançar aquilo, adorei quando eu, Samantha e a rainha dançamos juntas, trocando olhares significativos. Adorei quando me fez rodar - como parte da dança, claro - e voltar ao seu encontro. Adorei cada passo e me sentia uma estrela, talvez até uma princesa. Terminamos exatamente no momento certo, quando a orquestra deu por fim a melodia.
- Gostaria de dançar comigo a próxima música, ? - perguntou, antes que eu pudesse deixá-lo.
- Claro, mas e as outras?
- Preciso dançar com todas vocês, mas elas podem esperar uma música. Ninguém vai ter problemas. - ele comentou me estendendo de novo a mão.
- Ninguém é? Isso porque você não teve 24 garotas pegando no seu pé. - comentei rindo, aceitando ser conduzida. Agora não estávamos mais participando de um espetáculo, não tínhamos problemas em conversar.
- Você já teve? - ele ergueu uma sobrancelha.
- Digamos que não fui muito aceita no começo.
- Por quê?
- Nada demais. Já resolvi.
- Me conte, , por favor. Eu posso perguntar para qualquer outra menina que elas vão me dizer. - ele respondeu. - Mas quero saber de você, quero saber o que acontece na sua vida.
- Eu me destaquei muito nas primeiras aulas, principalmente dançando.
- Com ?
- Com seu irmão, com os guardas. A questão não é essa, a questão é que eu já sabia fazer tudo o que foi ensinado até agora. E isso foi um problema no começo.
- Se você não quer ser princesa, não deve me contar tanto suas conquistas. - ele brincou.
- Eu pensei sobre isso. Sobre ser princesa.
- Sério?
- Sim.
- Chegou a alguma conclusão?
- Eu não quero ser princesa, . Não acho que eu sou boa o suficiente, não acho que mereço ganhar. Então não vou me esforçar para isso.
- Eu… - ele pareceu decepcionado.
- Mas eu também não vou negar. Vou ser quem sou. Vou ser verdadeira com você e com os rebeldes. Sempre fui criada para fazer o que esperam de mim e é contra minha natureza fugir de um problema, de um cargo. E, nesse momento, é o que um casamento significa para mim, um cargo.
- Um casamento comigo.
- Também. Me casar com você significa o maior cargo de todos, você sabe. Mas nesses dias percebi que me casar com qualquer um significa isso. Poucas pessoas vão querer casar com quando eu sair daqui. A maioria delas vai querer casar com a Selecionada , vai me exibir pelos cantos, exatamente como você faria.
- Eu não vou exibir você, .
- Não? Então se todas as pessoas me escolhessem como a próxima princesa e você não me amasse, você diria que não?
Ele pareceu pensar, o que lhe deu créditos. Ele poderia ter apenas mentido.
- Porque eu não diria, príncipe . Se você me escolher depois de tudo, eu jamais negaria.
- Mesmo se não me amasse?
- Mesmo se não lhe amasse.
- Por que? Isso é meio triste.
- Pelo mesmo motivo que você o faria.
A música acabou naquele instante, o que me fez agradecer mentalmente aos músicos, eu não queria mais falar sobre a realeza. Sorri sem jeito para pela conversa e fiz uma longa reverência.
- Obrigada pela atenção, príncipe .
- Obrigado, senhorita . E obrigado por me chamar de “”.
Eu havia dito apenas seu nome em voz alta? Era a primeira vez? Sorri envergonhada e sai da pista de dança, deixando que os deveres de , ou seu desejo, o levassem para longe de mim.
Eu fui a última menina que chamou para dançar, o que significava que havia ido para a pista de dança com várias pessoas desconhecidas por toda a noite, o que era bom, pois evitava longas conversas, já que o silêncio na pista era aceitável, mas também era estranhamente diplomático. Todos queriam falar e dançar com as Selecionadas e eu me sentia trabalhando quando aceitava cada pedido, dançava cada música e passava horas falando sobre assuntos que nem sempre eram do meu interesse. Reconheci várias pessoas ali, mas nenhuma delas era próxima de minha família o suficiente para me preocupar.
- Se eu não fosse obrigado, não lhe incomodaria, . - disse, assim que se posicionou no meio do salão, com uma mão em minha cintura e outra presa a minha.
- Eu entendo.
- Eu não. Não sei como ainda pode estar brava comigo. - ele resmungou, começando a me conduzir no ritmo da música. - Até porque você não parece brava com . E diz que eu sou exatamente igual a ele, o que deixa a situação estranha.
- Eu não esperava nada de . - esclareci, dando de ombros.
- O que você esperava de mim, ?
Não sabia se queria responder àquilo, mas tinha consciência que precisava de se ia ficar na Seleção.
- Sua amizade. Esperava que lá no fundo você não fosse tão parte da realeza. Erro meu, claramente.
- Você fala como se fosse uma doença.
- Não acho que seja uma doença, acho que seja um estilo de vida, uma cultura. Cheguei a pensar que você não tinha sido afetado por ele.
- Eu moro em um castelo, . Meu pai é o rei, você queria exatamente o quê?
- Fui tola, reconheço.
- Não sei se você foi tola. Nós chegamos a ser amigos, não chegamos? E eu jamais menti para você. Você gostou de mim em algum momento.
- Jamais mentiu para mim? Então quando nos encontramos pela primeira vez, você realmente não me reconheceu?
Ele pareceu tenso por um segundo, me lembrando porque esperava mais de do que do irmão. parecia mais verdadeiro, mais humano.
- Não menti exatamente, só não fui totalmente sincero. Não sabia como seria nosso encontro, eu não podia… Bem…
- Não podia dizer que havia passado muito tempo falando sobre mim?
- Exatamente. Mas nós falamos sobre todas vocês, . Eu teria feito o mesmo com qualquer menina aqui.
- Então você já sabia meu nome, sabia minha casta e claramente sabia que eu tinha sido sequestrada.
- Sim, eu sabia.
- Obrigada por ser sincero. - não tinha motivos para eu ficar brava com o príncipe de novo, eu já tinha deduzido aquilo, aprendido a conviver.
- Voltando ao assunto anterior. É impossível gostar de mim agora?
- Não. Eu entendo você, conversei com e resolvemos as coisas.
Estamos bem.
- Eu e você? Ou você e ?
- Todos nós. Por mim, todos nós estamos bem.
- Finalmente! - ele deu um sorriso sincero que realçou suas bochechas de tão grande. Terminamos a dança rindo e seguimos na pista pelas próximas três músicas, conversando sobre tudo o que aconteceu naqueles três dias. tinha novidades para contar inclusive sobre as outras Selecionadas.
Queria ter continuado a dormir por muito mais tempo, depois que Elise me acordou naquela manhã, eu estava acabada. Apesar de não ter consumido uma gota de álcool sequer, as poucas horas de sono e o tempo em pé deixavam meu corpo dolorido. Entretanto, minha mente estava tranquila, quase feliz e realmente orgulhosa. Eu havia feito uma escolha no dia anterior, decidirá meu futuro com , ou quase, pelo menos minha posição a respeito dele.
Além disso, com as Selecionadas o clima parecia ainda melhor, nós estávamos quase amigas depois de alguns dias de convívio. Depois de uma semana no palácio, eu já me sentia melhor do que achei que ficaria, não era tão torturante afinal. Uma única semana. Pouco tempo, muitas coisas.
- Senhorita? - Meri me chamou, tocando em meu ombro.
- Sim?
- Meri lhe fez uma pergunta, senhorita. - Cleo esclareceu.
- Me desculpe. Eu estava perdida em meus pensamentos.
- Pensei em fazer uma trança em seu cabelo. - ela estava envergonhada.
- O que você quiser. - avisei brincalhona. Já tinha aprendido a confiar meu cabelo a Meri, na realidade, tinha confiado muitas coisas aquelas meninas ultimamente. - Vocês perceberam como tudo está mais calmo agora?
- Como assim, senhorita?
- Eu não sei. Estou de acordo com o príncipe e . As meninas não me odeiam tanto. Eu me sinto estranhamente bem! - exclamei, sorrindo para elas pelo espelho.
- Estamos felizes por você ter resolvido seus problemas, senhorita. - Elise, que estava ocupada no banheiro com a limpeza do meu banho, apareceu. Ela tinha um sorriso genuíno no rosto.
- Obrigada, meninas. De verdade.
Logo depois fui acompanhada de Anne para o café da manhã e como sempre acontecia, depois da refeição fomos todas levadas para o jardim. Mariee tinha muito o que dizer.
- Bom dia, meninas! Estou realmente feliz com o desempenho da maioria de vocês no baile ontem. Ótimos passos de dança, algumas boas conversas. Como vocês já deveriam saber, estavam sendo analisadas criteriosamente em cada momento daquela festa.
Houve murmúrios entre as meninas, algumas parecendo chocadas pela informação. Elas esqueceram que estavam em uma competição? Ninguém percebeu os olhos atentos de Mariee e das outras mulheres, todas com a mesma função que Susane, sobre todas nós? Eu realmente estava abismada com a falta de noção de algumas meninas ali.
- Os relatórios foram enviados para a família real hoje de manhã. - Mariee voltou a falar, trazendo o silêncio consigo. Ninguém jamais falaria ao mesmo tempo que ela. - Hoje nós vamos…
Naquele momento Mariee foi bruscamente interrompida por um estrondo alto, um grito e logo em seguida a sirene de um alarme.
- O que está acontecendo? - Anne, que estava perto de mim, perguntou em francês.
- ATAQUE! - Mariee gritou, olhando em volta, os poucos guardas que permaneciam no jardim se uniram a nós. - Corram, garotas! Corram!
Mariee começou a correr e empurrar garotas consigo no mesmo instante que os homens apareceram. Seis, talvez sete, homens carregando armas começaram a correr em nossa direção. Sai do choque quando eles já estavam perto o suficiente para eu ver seus rostos. Puxei Anne.
- Corra, Anne. É um ataque! - avisei, forçando-a a apressar os passos. Éramos as últimas da fila, porque eu gastei tempo demais analisando a situação e Anne ficou perdida quando todos correram, inclusive sua tradutora, e a deixaram para trás.
Eu estava pronta para seguir todas em direção a parte de trás do castelo, para a segurança do local que os guardas nos conduziam, quando eu ouvi em alto e bom som:
- É ela. Temos que pegar aquela menina. A está fugindo.
Prendi a respiração, eles estavam atrás de mim! Como aquilo era possível?
- Anne, corra o mais rápido que puder. Faça o que todas estiverem fazendo! - gritei para ela, tomando a decisão mais burra e corajosa da minha vida: corri para a outra direção.
- O que ela está fazendo? - um dos homens gritou atrás de mim.
Para a minha sorte, depois do jardim super organizado da rainha havia um bosque que ocupava boa parte dos terrenos do castelo e era para lá que eu seguia a toda velocidade. Devido à proximidade territorial da Capital com a minha Província, eu sabia que aquela mata era do mesmo tipo que estava acostumada, conseguia reconhecer a folhagem das árvores. Eu iria me esconder ali, fazer com que os homens viessem em minha direção e depois despistá-los subindo em uma árvore. Não tinha escolha, eles pegariam todas nós se eu não fizesse isso. Precisava salvar Anne, precisava salvar todas.
Corri como nunca havia feito antes pelo meio do bosque, desviando as árvores e pulando os maiores arbustos. Conseguia ouvir os passos pesados atrás de mim, eu estava certa, eles escolheram me seguir. Me sentia repleta de adrenalina, com o sangue pulsando em meus pés, me obrigando a seguir, meus reflexos estavam bons, eu ia conseguir, os homens não eram tão astutos quanto eu e tinham maiores dificuldades de andar por entre a vegetação.
- Parada! - um homem alto, forte, com a barba por fazer e os olhos ardendo de raiva gritou. Não fazia ideia de onde ele tinha saído, mas a sua arma apontada pra mim, me fez frear imediatamente. Tinha sido pega.
- Finalmente! - enfim todos eles haviam me alcançado, apontando suas diferentes armas em minha direção. Eu estava cercada e, provavelmente, morta. - Amarre-a e amordace, não quero ninguém gritando.
Eu queria fugir, queria correr e recuar. Eu queria voltar no tempo e seguir as meninas, deixando os homens para os guardas, mas agora era tarde demais e eles eram muitos. Qualquer passo em falso e eu levaria meia dúzia de tiros, no mínimo.
- Olá, boneca. Achou mesmo que ia escapar de nós? - um deles se aproximou, puxando meus braços para trás. Seu toque me causava nojo e desespero.
- O que vocês querem comigo? - queria parecer áspera, perigosa e confiante, mas tinha quase certeza que não parecia assim.
O homem atrás de mim riu.
- Várias coisas, boneca. Você não faz nem ideia. - ele disse malicioso, ocupando-se em amarrar meus pulsos com uma corda. Seu nó era forte e machucava minha pele.
- Você é nojento!
- Por que ela não está de mordaça ainda? - o mesmo homem de antes falou, ele claramente era o líder ali. Queria virar para encarar seu rosto, mostrar a raiva que eu sentia, mas mãos firmes me prendiam no lugar. Eu havia sido capturada.
Foi outro homem do grupo que se aproximou para colocar um tecido em minha boca, seus olhos me causaram ainda mais medo. Ele era jovem como eu, talvez até mais, apesar de ser muito mais alto e forte, e enquanto ele arrumava o tecido entre meus lábios, seus olhos mostravam pura preocupação. Ele estava com medo por mim. Eu, com certeza, estava morta. Ou pior. Me debati, lutando ao máximo para sair daquele aperto. Não podia ficar ali, tinha que correr, fugir e me esconder entre as árvores.
- QUIETA! Ou vamos tirar suas roupas aqui mesmo. - o homem apertou ainda mais meus pulsos, deixando claro suas intenções. Parei. Fiquei quieta. E deixei com que o tecido já em minha boca fosse preso entre minha trança. Estavam arruinando meu penteado, Meri ficaria decepcionada. Quis rir. Ela me encontraria morta e com o cabelo bagunçado.
- E agora chefe? - eu já nem sabia mais quem falava, eram tantos.
- Vamos levá-la daqui logo. Eu tenho mais coisas para fazer. Imagino que vocês três possam cuidar de uma garota!
- Claro.
- Não se atrevam a se atrasar por caprichos agora. Vocês vão ter muito tempo depois, exatamente como combinamos.
Caprichos. Eu queria morrer antes de fazer parte de qualquer capricho daqueles caras. Eu tinha que fugir, quando eles fossem apenas três, eu fugiria. Daria um jeito, iria lutar para sobreviver.
Os homens se organizaram rapidamente, se separando em dois grupos: o que seguiria o chefe e o que levaria a garota. Vi quatro homens partirem novamente em direção ao castelo, enquanto eu era empurrada para o lado, seguiríamos até a saída pelo bosque. Acho que aquilo me dava algum tipo de proteção, as árvores poderiam me salvar.
- Foi mais fácil do que eu imaginava. - o homem que me empurrava anunciou, mas não para mim. - Ela foi direto para a armadilha, fugiu da segurança sozinha.
- Isso foi loucura mesmo. O que você estava pensando, madame?
Eu não podia responder, obviamente. O tecido que já rasgava o canto dos meus lábios e deixava um leve gosto de sangue me atrapalhava até para respirar. Fingi ignorar por rebeldia, querendo me sentir mais poderosa e menos incapaz.
- Acho que ela estava protegendo as outras. - o garoto comentou, ele andava na frente do nosso grupo, parecendo despreocupado. Quando vi que ele fazia parte do meu grupo, fiquei um pouco aliviada, pois ele parecia o menos assustador do grupo, talvez ele me deixasse fugir. Ele parecia não querer me matar, pelo menos não agora.
- Eu acho que ela queria ser pega. O príncipe não pode dar atenção para tantas garotas juntas, ela estava solitária. - senti sua mão áspera se soltar do meu pulso para seguir em direção do meu cabelo e bochecha, eu queria vomitar.
- Ela é a favorita do príncipe, seu idiota. Deve ser a única que ganha atenção aí dentro.
- Se ele já fez algo com ela, não será tão divertido. - ele lamentou.
Queria gritar por socorro. Eu precisava fugir. Olhei atentamente para meu entorno, tinha uma leve noção da onde o castelo estava. Pelo menos esperava acertar o lado que ia correr, se conseguisse me livrar daqueles homens. Três contra uma. Era uma desvantagem. Mas o homem atrás de mim estava tão perto que eu conseguia esmagar suas partes íntimas com as mãos, se tivesse sorte. Chutaria o segundo no mesmo lugar, aproveitando de sua fragilidade. Mas o menino estava muito longe para eu acertar-lhe um golpe, ele me alcançaria logo na corrida. Eu teria que ser muito, muito rápida.
Pensei por longos segundos, chegando à conclusão que nada podia ser pior do que estava. Eu ia lutar! Esperei que um arbusto no chão aproximasse o cara de mim e o ataque com meus dedos e unhas. Torcendo para sua calça marrom não fosse tão grossa quanto parecia.
- AÍ! SUA VADIA! - Ele gritou, mas me soltou por reflexo, colocando as mãos onde doía.
- O que? - o garoto se virou para nós a tempo de me ver chutar o segundo homem, que ainda estava meio surpreso com tudo. Meu salto alto deve ter lhe ferido mais que o normal, pois homem se curvou até o chão, sem fôlego. Olhei para o garoto e corri, esperando que ele demorasse para ir atrás de mim. Entretanto eu estava errada, muito errada.
- Você acha que é uma atleta? - ele perguntou no instante que sua mão encontrou meu braço, deixando muito fácil para ele e seus músculos me puxarem. Com um breve mexer de mãos me vi de frente para ele, com seu punho batendo forte contra meu estômago. Ele me socou na barriga duas vezes seguidas antes de me empurrar contra uma árvore, me prendendo ali.
A dor era alucinante, me curvei na hora, parecia que todos os meus órgãos internos tinham sido esmagados até se chocarem contra os ossos, provavelmente o que realmente aconteceu. Apesar da dor do empurrão, agradeci a presença da árvore para me equilibrar. Eu não queria chorar, estava me mantendo racional até aquele momento, mas a dor foi maior. As lágrimas saíram sem permissão, encharcando o pano em meu rosto. Pelo menos eu ainda chorava silenciosa, um pouco de orgulho havia em mim.
- Coitadinha. - o garoto brincou. - Você achou que eu não ia atrás de você, não é?
Não respondi.
- Quem você pensa que é? - o homem que antes me segurava, o qual eu atingi com as mãos, se aproximou, apertando meu braço com força. O mais novo deixou espaço para ele, suas unhas não aparadas cortavam minha pele. - Você não faz ideia do que eu vou fazer com você, garota. Vai desejar estar morta no momento em que te tirarmos daqui.
Solucei. As lágrimas corriam ainda mais forte. Naquele momento eu sabia que tinha perdido e concordava com o homem: a morte era minha melhor opção. Achei que meu pedido tinha sido ouvido, cheguei a pensar que de alguma forma consegui dizer aquelas palavras em voz alta. Pois o tiro foi exato e senti meu vestido se encher de sangue imediatamente. Só percebi que não era meu sangue, quando senti a mão em meu braço afrouxar e o corpo pesado daquele homem cair no chão. Ele estava morto.
- Não se atreva a atirar nela. - a voz era firme, uma evidente ameaça.
Entretanto, o garoto levantou a arma em minha direção, seria um tiro certeiro no meio da minha testa. Mas seus olhos eram claros, ele sabia que não teria tempo para atirar, ele queria era ser morto. Eu olhava nos seus olhos quando a vida se esvaiu de seu corpo. Outro tiro, vindo de trás, em seu peito.
- O outro fugiu. - um segundo soldado apareceu em meu campo de visão.
Eu estava salva, eles me encontraram. Senti meus joelhos vacilarem, enquanto meu peito se sacudia com as lágrimas, só não senti o baque do chão de terra, pois um dos homens chegou a tempo para me segurar.
- Você está bem, senhorita . Nós a achamos. - ele dizia suavemente, prendendo seus braços em minha cintura e segurando meu peso. Eu estava tão grata.
- Vou soltá-la. - o outro avisou, me fazendo assentir. Eu estava viva. Primeiro foi a tecido em meu rosto, depois minhas mãos. Eu fiquei livre rapidamente, apesar disso ainda sentia meus pulsos ardendo e o gosto de sangue.
- Nós precisamos ir, senhorita. Aqui ainda não é seguro. - o homem parecia envergonhado em me tirar de seus braços ou envergonhado por eu estar ali. Talvez contato entre um soldado e uma Selecionada fosse estritamente proibido até naquele momento.
- Me desculpe. - senti-me envergonhada. Ajeitei minha postura, respirei fundo várias vezes e sequei minhas lágrimas. Tinha que me recompor, não estava completamente segura.
- A senhorita consegue caminhar?
- Sim. - minha voz era baixa, vacilante.
- Vá na frente, Fred. - o homem do meu lado mandou, fazendo Fred erguer a arma e caminhar, pronto para dar um tiro no primeiro homem que aparecesse, exatamente como antes. Olhei em volta, dois homens mortos caídos no chão. Aquilo me dava vontade de vomitar, nunca tinha visto tanto sangue na vida, nem meu pai tinha cuidado de algo assim. Pelo menos não na minha frente.
- Precisamos ir agora.
- Certo. Obrigada por me salvarem.
O soldado sorriu para mim e mandou que eu seguisse adiante, senti sua movimentação atrás de mim. Agora ele estava como Fred, arma a postos. Por sorte, não encontramos ninguém até chegarmos ao final do bosque, parte que dava para o jardim.
Era claro que a situação no jardim era mais perturbada, a falta de árvores como esconderijo deixavam todos expostos. Haviam corpos ali, não quis contar quantos, mas provavelmente mais de cinco homens encontravam-se caídos no chão, imóveis. Eu sabia dizer que pelo menos um dos homens usava o uniforme do castelo. Senti as lágrimas voltarem, mas lutei para me manter firme. Tínhamos coisas para fazer.
- Precisamos correr para o castelo, senhorita. Não há abrigos por aqui.
- Eu não sei se consigo. - eu me sentia fraca, caminhar já era complicado. Eu sabia que os soldados teriam feito o mesmo caminho em um terço do tempo, em um dia normal.
- Vou levá-la. Se me permitir.
- Ah. Tudo bem.
O soldado que não se chamava Fred ajeitou sua arma nas costas e me pegou no colo, foi tão fácil que me senti uma criança. Com uma mão em minhas costas e outra embaixo de meus joelhos, ele não conseguiria atirar. - Não se preocupe, senhorita. Vou protegê-la com minha vida - .
- Não, por favor. Não morram. - implorei, me sentia uma boba, fraca e prestes a partir em duas. Se aqueles homens morressem, eu não saberia o que fazer. Além disso, já era responsável por duas mortes.
- Não vamos morrer. - Fred anunciou, olhando firme para o amigo.
- Pronta?
- Pronta. - concordei, segurando forte no pescoço do soldado. Precisaria perguntar seu nome depois.
- AGORA! - Fred gritou, e todos nós corremos. Quer dizer, eles correram e eu fui carregada junto. Ouvi tiros, poucos, e eu não sabia da onde vinham. Mas Fred deve ter sido capaz de matar o agressor, pois eles logo cessaram.
- Onde vamos levá-la?
- Até o abrigo real. Ordens do príncipe . - Fred respondeu, me deixando confusa, o abrigo real ainda estava aberto? Eu não perguntei, apenas deixei-me ser levada para dentro do castelo. Haviam várias coisas destruídas lá dentro, mas não tinha ninguém. Absolutamente ninguém.
- Tiramos eles de dentro do castelo rapidamente. - o homem que me segurava anunciou. - Não chegaram a causar tanto estrago dessa vez.
Dessa vez? Aquele tipo de ataque era comum? Minha mãe sabia disso antes de se dedicar a vida inteira para me colocar ali? Não respondi o soldado, nem conseguiria falar se quisesse, meu estômago estava remexido só com a ideia de aquilo ser comum e ninguém pensar na segurança de trinta e cinco garotas. Apenas continuei olhando para os vasos quebrados no chão. Fiquei tão perdida que não percebi que havíamos chegado no abrigo até ouvir as exclamações.
- Ela está viva!
- O que aconteceu? Ela está horrível.
- Isso é sangue?
- Finalmente, ! - essa chamou mais atenção, pois o dono da voz apareceu no meu campo de visão. me olhava assustado. - O que aconteceu lá fora?
- Encontramos ela presa, Alteza. Haviam homens com ela, ela seria levada. - o guarda anunciou, finalmente colocando-me em pé. A repercussão de suas palavras foi grande, todos no lugar trancaram a respiração com a ideia.
- Como? - falou, mas não pude mais prestar atenção, pois chegou perto de mim, pegando meu rosto pelas mãos. De repente só conseguia ver seus olhos.
- Jesus, . O que fizeram com você? - ele parecia preocupado, seu rosto estava até mesmo um pouco contorcido. - Venha, vamos sentar.
Aceitei ser conduzida por até um canto do abrigo, que percebi ser o mais perto da família real e o mais longe da porta. Queria cumprimentar o rei e a rainha, mas quando cheguei perto o suficiente o casal falava entre si aos cochichos sentados em suas cadeiras reais. Eles não estavam realmente preocupados com as regras de etiqueta no momento. Sentei-me no chão, ou melhor, deixei meu peso cair sobre o piso, sentindo-me exausta. Baixei a cabeça o suficiente para encontrar sangue em minha roupa. Céus, onde eu fui me meter?
- , você foi ferida? - me olhava, agora sentado em minha frente, querendo respostas. Se eu fui ferida? Não conseguia lembrar. Aquele sangue não era meu, isso eu sabia.
- Não, acho que não. - meu corpo inteiro doía, sentia o peso da adrenalina. Quando ela chega, te salva, mas quando ela sai, deixa vestígios. Algo que eu prendi em um dos livros de meu pai, mas nunca tinha sentido de verdade. - Eles morreram, . Estão mortos.
Solucei, chorando desesperadamente de novo. O alívio me consumia, deixando meu coração apertado pelo desespero e culpa. Eu havia matado alguém.
- Quem, querida? Os rebeldes?
- Todos eles. E eu também podia estar, ou pior, se não tivesse sido salva. - cada palavra era acompanhada de um soluço e um mar de lágrimas.
- Eu sinto muito, . - sentou-se ao meu lado, puxando-me para perto dele. Seus braços permaneciam protetoramente em volta de mim. Deixei-me me encostar ali por alguns minutos, minhas lágrimas molhando suas roupas reais.
Respirei fundo, eu não queria mais chorar, precisava me recompor para o bem de todos ali, incluindo o meu. Chorar não adiantava nada. Eu estava salva. Eu estava bem. Percebi que sem em minha frente para tampar meu campo de visão, eu podia enxergar melhor a situação do abrigo e das pessoas nele: o lugar era grande, coberto de metal do chão ao teto, mas não estava equipado o suficiente para tantas pessoas. Haviam cadeiras apenas para a família real, por isso todas as Selecionadas permaneciam no chão, encostadas na parede. Grande parte delas me olhava assustada e preocupada. Eu queria ajudar, mas sabia que olhar para mim só as aterrorizava mais. Podia ter sido elas. E era claro em todas que esse era seu maior medo.
caminhou lentamente em minha direção quando nossos olhares se encontraram, parecia que ele tinha medo de se aproximar, pois cada passo demorava uma eternidade. Perdi a visão do resto das meninas quando ele se abaixou para falar comigo. não se mexeu, deixando-me presa a ele.
- O que aconteceu, ? Você está bem? Os guardas não sabem tanto quanto eu gostaria. - eu não sabia distinguir o tom em sua voz.
- Não tem como eles saberem, chegaram um pouco depois. Mas eles salvaram minha vida, , e minha sanidade. Eu nem sei como agradecer.
- Eles terão o agradecimento que merecem, eu prometo.
- Obrigada.
- Eu preciso saber como você está. Por favor, nos conte tudo.
Senti se mexer, ele também queria saber.
- Eu não me lembro de muita coisa. - admiti.
- Deve ser o choque. - anunciou. - Você está tremendo desde que chegou aqui.
Eu estava tremendo? Não tinha percebido.
- Você foi para o bosque. Por quê? Mariee disse que todas vocês estavam com ela, mas quando chegaram no abrigo você estava desaparecida.
De repente a imagem veio: Mariee gritando, os homens se aproximando, Anne confusa, nós correndo e o grito. Meu nome em alto e bom som.
- Oh, céus. - deixei escapar, atordoada. - Eles estavam atrás de mim. Eles gritaram meu nome.
Até pareceu surpreso. Sua expressão foi de preocupação, para espanto, passando por algo que eu imagino que seja ele pensando, chegando na raiva.
- Eles sabem. Eu não acredito. - sua voz era áspera, raivosa.
- Cuidado com o que diz, irmão. - advertiu.
- O que?
- Continue, . Depois discutiremos isso. - pediu, mas seu tom era autoritário.
- Eu percebi que eles chegariam até nós, eram muitas e estávamos devagar. Corri para o bosque, imaginando que eles viriam atrás de mim.
- Eles foram. - anuncia. - Quando as Selecionadas chegaram, eu já estava aqui. Os guardas ficaram surpresos por não ter ninguém atrás deles.
assentiu lentamente com a cabeça, deixando-me continuar:
- Eu corri. Corri muito e estava mais rápida que eles. Eu ia me esconder, subir em uma árvore… mas um deles apareceu do nada. E apontou uma arma em minha direção, tive que parar. Sendo assim, fiquei cercada.
- Quantos deles? - perguntou.
- Isso importa?
- Queremos saber o quanto era importante… Pegar você. - ele foi cauteloso em responder.
- Seis. Não, sete.
- E depois? - me olhava de um jeito que eu não consegui identificar. Provavelmente ele tinha pena de mim.
- Eles me agarraram. - engoli em seco - E me ameaçaram. Depois se dividiram em dois grupos. Tive sorte por ficar com o menor. Eu quase consegui escapar.
- Você tentou fugir? - estava surpreso.
- Sim. Foi assim que os guardas a ouviram. - comunicou. - Você salvou sua própria vida, . Se não tivesse feito aquilo, eu não sei o que teria acontecido.
Eu sabia. Eles tinham deixado bem claro que o que teriam feito comigo. Não disse nada para os príncipes, apenas concordei com a cabeça.
- Eles fizeram mais alguma coisa, ? - parecia saber que havia mais.
- Eu não tenho certeza. - menti.
- Você disse que eles te ameaçaram. O que eles falaram?
Engoli em seco.
- Eles iam abusar de mim. - admiti.
O rosto de ficou escuro de repente, vi seus punhos se apertarem, seus olhos fecharam em esforço para se controlar. Sua respiração estava pesada. me apertou mais forte, seu corpo contra o meu fazia eu sentir dor em lugares estranhos. Eu lembrava dos socos no estômago, mas não tinha ideia do motivo das minhas costas gritar por socorro contra o terno de .
- Eles fizeram algo, . Eles tocaram em você de algum jeito?
Céus. Eu não ia responder àquilo. Mesmo se tivesse acontecido algo mais sério, mesmo se eu lembrasse de todos os detalhes. Jamais admitiria algo para eles. Neguei.
- Não minta para mim, . - era duro e grosseiro.
- Não aconteceu nada, Alteza. - eu queria gritar para ele. Ele estava brincando com minha cara, não é?
- , por favor… - também não acreditava em mim, eu podia culpá-los? Não, claro que não.
- Prestem atenção em mim. - eu me soltei gentilmente de . - Eu fugi, fui sequestrada, agredida, ameaçada de estupro e tortura, tudo porque nasci na família errada. Ninguém precisa lidar com isso além de mim, ninguém. Não ligo o quanto vocês se importam, o quanto tem medo pelo seu reinado. Foi uma coisa minha e apenas eu preciso saber o que aconteceu.
- , você sabe que… - tentou.
- Não, . Eu não vou contar nada para vocês, eu vou chorar, eu vou sofrer, eu vou sentir dores horríveis pelo corpo, mas eu vou passar por isso sozinha. Sem negociações.
Eu não esperava ter reagido daquela maneira, foi chocante até para mim ouvir minha voz ainda ferida sair confiante, cheia de verdades. Provavelmente e acharam que era por causa do choque, deixando meu momento de fúria passar despercebido, pois assim que as palavras saíram da minha boca, assentiu.
- Vamos, . Temos que conversar. - ele voltou a ficar de pé, seu jeito era estranho para mim, não sabia dizer se estava me odiando. Se tivesse também, eu não ligava. - precisa descansar.
saiu do meu lado, me lançando um último olhar preocupado. não estava bravo comigo, ele parecia, na realidade, relutante em sair do meu lado. Entretanto, os príncipes acabaram seguindo para perto da porta do abrigo, me deixando para trás, sentada no chão frio.
Violência. Essa era a definição daquele dia, daqueles momentos antes do abrigo, dos pensamentos dentro da caixa lotada de mulher em prantos. O que tinha de errado com aquelas pessoas? Quem eles eram? O que eles queriam de mim?
- ? Podemos nos sentar? - Anne apareceu no meu campo de visão, não tinha percebido que alguém tinha se aproximado. Ela tinha os olhos inchados e os cabelos presos, parecia assustada, mas não chorava mais. Ao lado dela estava Samantha e Lindsay. As duas eram parecidas, seus cabelos loiros destacavam os olhos claros, suas expressões eram um pouco mais confiantes do que a de minha amiga.
- Ah. Claro. - queria parecer feliz pela presença delas, mas naquele momento eu não conseguia me animar com qualquer coisa. Me arrumei, deixando que elas se sentassem para me encarar.
- Estávamos preocupadas com você. - Anne disse, me fazendo perceber que sua tradutora não estava com ela, nem saberia dizer se ela estava dentro do abrigo. Percebi que Samantha e Lindsay não estavam tão confusas com o assunto.
- Obrigada, meninas. - resolvi responder em inglês, colocando a mão na perna de Anne para mostrar que eu agradecia. Entretanto Anne assentiu.
- Tive aulas de inglês, eu ainda não consigo falar. Mas é mais fácil para mim entender. - ela deu de ombros.
- Nós entendemos o básico de francês, conseguimos ter algumas conversas. - Samantha explicou também, parecendo saber do que Anne dizia.
- Certo. - concordei, apesar de não fazer ideia de como aquilo tinha acontecido, nunca tinha percebido que Anne estava criando novos laços.
- Nós queríamos saber o que aconteceu, . Não queremos te magoar mais, nem nada. Mas as meninas estão preocupadas, acho que temos direito de saber a verdade. - Lindsay parecia uma professora que tive na infância, ela sempre tinha medo de ferir meu “direito de Três”, mas queria me disciplinar. Achava que Lindsay não se importava com minha casta, ela queria mais era me obrigar a falar sem parecer rude.
- Por favor, . Você acha que devemos ir embora? - Anne falou, percebendo que as atitudes de Lindsay não foram o suficiente para me fazer falar.
Engoli em seco. Elas queriam que eu decidisse se era seguro no palácio? Elas queriam que eu mandasse elas ficarem? Mas e se aquilo acontecesse de novo? Eu não podia me responsabilizar por isso.
- Eu não sei, Anne. Eu não posso dizer para vocês irem ou ficarem, meninas. Além do mais, essa é uma decisão do príncipe.
- Ele já disse que nós podíamos sair. Quando você estava desaparecida e, bem, eles pensaram que você talvez não voltasse. - Lindsay pelo menos pareceu envergonhada.
- Lindsay! - Samantha brigou com ela. - Não foi bem assim, . Quando chegamos sentiu sua falta imediatamente, e então começou toda a movimentação. Nós já estávamos desesperadas quando chegamos aqui, imagine quando descobrimos que uma de nós tinha se perdido? Foi horrível, . Ao mesmo tempo que éramos ajudadas por Mariee, os príncipes andavam de um lado para o outro, falando com guardas. E você simplesmente não chegava!
- O príncipe ameaçou a ir atrás de você, mas o rei não deixou. O que foi bem sensato, se me permite dizer. O homem estava louco, seus olhos estavam de matar, . E não digo isso como um elogio. - Lindsay continuou a amiga.
- Ficamos muito felizes quando você voltou, de verdade. - Anne sorriu para mim com ternura. - Mas é óbvio que você enfrentou coisas lá fora. Queremos saber o que os rebeldes do sul fizeram.
- Rebeldes sulistas? Eles existem?
- Sim. nos contou que é um ataque deles, que ele assegurava que estávamos todas seguras dentro do abrigo e que todos estavam procurando por você. E garantiu que se alguém quisesse voltar para casa depois de tudo isso, ele só podia lamentar. Podemos ir pra casa se quisermos.
Rebeldes sulistas. Até que fazia sentido, afinal quem mais atacaria o castelo? Ainda mais com o pacto entre e os outros rebeldes.
- Você quer ir pra casa, Anne? Alguém quer ir pra casa? - perguntei chocada.
- Você não quer ir, ? Eu não sei o que aconteceu lá fora, mas você não parece nada bem. - Samantha não estava querendo me ofender, mas de repente me senti horrível, fraca e indefesa. Eu provavelmente parecia que tinha sofrido muito lá fora e assustei todas as garotas naquela sala. Não que elas estivessem erradas em estar com medo, mas ir embora?
- Olha, eu não vou embora. Entretanto não posso falar para ninguém ficar. Eu fui pega, eles iam me sequestrar e me levar com eles. Eu estava aterrorizada, não posso mentir, mas os guardas me acharam, eles me salvaram. - era o máximo de explicação que eu podia dar. Não ia falar das ameaças, não ia falar sobre meu nome, não ia falar dos socos e das mãos firmes em mim.
- Sequestrada? - Anne ficou chocada, me perguntei se ela tinha escutado meu nome.
- Por que você não vai embora? - Lindsay me olhava suspeita. Droga.
- Eles me feriram, Lindsay. Eles ganharam a primeira batalha, mas não vou sair daqui como uma garotinha amedrontada. Eles não vão ganhar a guerra. No próximo Jornal Oficial eu vou estar lá, com um sorriso no rosto e nem um pingo do medo que estou sentindo.
- Você é corajosa. - Samantha disse. - Acredito nisso. Vou ficar. Nós vamos passar essa mensagem para as outras meninas.
- Concordo. Perdemos a batalha, mas não a guerra!
- Obrigada, meninas. - respondi envergonhada, não queria inspirar ninguém. A real verdade de eu continuar no castelo, é porque era meu nome que eles gritaram. Em casa eu estaria menos segura e ainda deixaria minha família em perigo. A quantidade de guardas no castelo não se comparava a segurança de uma Província.
Samantha e Lindsay apertaram minha mão em sinal de apoio e compreensão, depois se levantaram e partiram de volta para seu grupo. O papel de diplomacia havia acabado, já que pelo jeito nem todas tinham coragem de vir falar comigo. Anne continuou ao meu lado.
- Você foi pro outro lado de propósito. - Anne afirmou, me deixando assustada. Ela sabia?
- Isso foi uma pergunta?
- Não. Você me mandou continuar e saiu correndo pro bosque, eu vi.
Assenti, sem coragem de olhar em seus olhos. Encarei o chão.
- Eles estavam atrás de você?
- Isso foi uma pergunta?
- Isso foi. - ela deu um risinho fraco. - Não consigo lembrar bem o que aconteceu, mas é a única lógica pra mim. Eles desistiram de 20 e poucas chances para ir atrás de uma.
- Eu acho que sim. Acho que eles estavam.
- Por quê? Só porque é a preferida?
- O que quer dizer, Anne?
- Todas nós sabemos, . Todas nós lemos as revistas, todas nós vemos as opiniões do público… Sabemos quem está ganhando.
- Você não está brava?
- Tá brincando? Eu não tenho nenhuma chance de ganhar esse concurso, . Eu não falo a língua do meu país! Estou aqui porque a família real quer mostrar apoio aos estrangeiros.
- Eu entendo… E as outras?
- Bem, é meio difícil ficar brava com você, . Ainda mais agora. - ela deu de ombros. - A gente consegue ver que você não tá se esforçando, por enquanto, pelo menos.
- Como assim?
- Você poderia ser princesa a qualquer momento, na minha opinião. Um charme pro príncipe, um pouco mais de exibicionismo para Mariee… Estaria feito. Mas acho que você é humilde e honesta demais para algo do tipo.
Soltei a respiração que nem percebi ter trancado. Anne não desconfiava de mim, ela achava que eu era boa demais e não uma mentirosa.
- Eu… Desculpe, Anne.
- Desculpa? Pelo que?
- Não sei. Por ter te deixado, por você não conseguir falar com ninguém, por eu saber mais coisas do que devia, por você achar que eu já ganhei um concurso que deveria ser sobre amor. Pelos ataques, por tudo! - percebi que estava chorando, todas aquelas coisas me sufocavam. E tantas outras que eu não podia dizer. Eu sentia dor, sentia medo, sentia enjoo de lembrar das coisas que ouvi… Eu nem era princesa ainda! Se o príncipe me escolhesse, o que eu faria?
- Ah, . - Anne me abraçou, mas seu abraço não era nada como o de . Ela não estava querendo me esconder em seu corpo e me proteger com a força de seus músculos. Anne queria simplesmente dividir a dor e o medo comigo, ela quase me entendia. Ela não queria me esconder, ela queria me apoiar. - Estou muito orgulhosa de você. Sabe, por não desistir. Eu gostaria de ter uma princesa como você.
Chorei ainda mais. Não respondi Anne, apenas deixei que nosso abraço me consolasse. Não lembrava de um dia precisar tanto de uma amiga, eu não sabia como era, na realidade, não sabia a força que um real apoio podia fazer com a gente. Anne estava quebrando meu coração, mas apenas para reconstruí-lo. Talvez ela não soubesse o quanto seu conforto era necessário para mim, mas eu mentalmente a agradeci imensamente naquele momento. Eu tinha Drew quando estava em casa, mas ele parecia mais . E Victoria… Mas nós nunca tivemos um momento como aquele.
- Você vai ficar bem, . Você é mais corajosa do que acredita.
Capítulo 8 - Enfim Segura
Exatas quatro horas depois, os guardas vieram nos avisar que estava tudo livre. Várias meninas estavam dormindo quando isso aconteceu, mas ninguém realmente reclamou de acordar para sair daquele cubo de metal. Anne dormia relativamente tranquila ao meu lado, deitada no chão, mas ela sorriu quando eu avisei que podíamos partir. Os príncipes queriam garantir a segurança de todas, por isso ficaram conosco enquanto o rei e a rainha sorriram lamentosos para nós e saíam apressados para controlar a situação.
- Meninas, o almoço será servido no quarto de vocês. Suas criadas estão à sua espera. Eu passarei lá dentro de uma hora para garantir a segurança de todas e permitir-lhes ir pra casa, se for o seu desejo.
- Obrigada, alteza. - respondemos o príncipe em uníssono, exatamente como ensinado. Depois, em uma fila, partimos para fora do abrigo.
Eu não sabia como estava o jardim ou os outros cômodos do palácio, mas o caminho que usamos para os quartos estava impecável. Não tinha mais nenhum vestígio dos vasos quebrados pelo corredor, apenas a falta de alguns deles. Eu tinha quase certeza que quatro horas não eram o suficiente para vencer os rebeldes e arrumar todo o castelo, mas os guardas queriam manter a aparência pelo menos para nós. O que eu acreditei ser importante para muitas meninas ali, várias delas pareciam abaladas e ver o castelo destruído não iria ajudar.
- Você não vai mesmo me deixar, certo? - Anne perguntou, parada na porta do próprio quarto.
- Não. Eu vou ficar. E você?
- Vejo você amanhã. - ela piscou, passando pela porta. Anne havia me deixado bem mais calma e eu ficava realmente feliz em ter sua amizade.
Meu quarto parecia exatamente como eu havia deixado naquela manhã, o que mostrava que os rebeldes não tinham chegado naquele andar. Talvez os guardas tenham sido sinceros ao dizer que os rebeldes foram controlados antes de realmente invadir o castelo.
- Senhorita? - Meri foi a primeira a notar minha presença.
- Que bom que vocês estão bem! Fiquei tão preocupada. - entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim.
- Senhorita, o que houve com você? - foi Meri que perguntou, ignorando meu ataque de felicidade. Seus olhos chocados e assustados permaneceram focados em mim, me fazendo caminhar até o espelho para analisar o que ela via.
O vestido que eu escolhera para usar depois do baile estava com a saia toda rasgada e suja, devido a corrida pela floresta. O sangue em meu corpete já estava seco, entretanto não tinha perdido seu tom escuro perto do tecido claro. Nada daquilo era novo para mim, percebi cada detalhe quando gastei tempo olhando para baixo no abrigo, enquanto tentava controlar minhas lágrimas.
Minha bochecha estava vermelha, meus olhos estavam inchados de chorar e minha maquiagem estava borrada. Meu cabelo estava medonho, a trança estava toda despedaçada, solta e emaranhada, parecendo que eu tinha acabado de sair de um ringue. Meus braços desnudos deixavam claro os arranhões causados pelos galhos das árvores, os quais começavam nos ombros e seguiam até a ponta dos dedos. Meus pulsos estavam machucados devido a corda, e eu tinha alguns roxos pelos braços que eu sabia serem das mãos fortes daqueles homens. Eu realmente parecia péssima.
- Eu acabei sendo pega. - falei, encarando-as pelo espelho, com medo de suas reações. - Mas os guardas me acharam a tempo.
- Oh, . Eu sinto muito! - Cleo ficou realmente chocada, percebi a mão na boca e os olhos marejados antes de ela tentar disfarçar.
- Como...?
- Meninas, está claro que precisa de um tempo. - Elise interrompeu e se aproximou de mim, colocando a mão tão lentamente em minhas costas que seu toque nem doeu. - Eu vou lhe preparar um banho.
- Obrigada, Elise. - falei baixo, me sentindo envergonhada por causar tudo aquilo.
- Venha.
Segui Elise até o banheiro, mas fiquei parada em silêncio enquanto a observava se movimentar. Logo a banheira estava cheia de água quente e sais de banho, pronta para mim. Percebi que Cleo e Meri não estavam mais no quarto, devido ao silêncio no cômodo ao lado. Eu estava surpreendente grata pela reação de Elise, ela realmente sabia o que estava fazendo, permanecia confiante, não deixava nenhuma preocupação transparecer. Eu me sentia bem ao lado dela, nada perto da garota machucada que me deparei no espelho.
- Precisa de ajuda com as roupas?
Assenti para Elise, virando-me de costas para ela. Eu conseguia sentir cada botão sendo desabotoado, pois, apesar de Elise cuidar dos movimentos, eu sentia seus dedos batendo em minha pele sensível.
- É um belo hematoma. Você deveria ir a enfermaria.
- Eu não sei se é necessário. - comentei, saindo de vez do vestido e me virando para ela.
- Esse aí é pior. - ela apontou para meu estômago, onde o roxo preenchia quase todo o espaço entre meus seios e meu umbigo. Era isso que dois socos causavam então?
- , você não precisa me explicar absolutamente nada. Eu não falarei para ninguém, se me prometer ir até a enfermaria. Mas saiba que pode contar comigo.
- Obrigada, Elise. Eu vou dar um jeito nisso. - afirmei, cuidando para não prometer coisas que eu talvez não cumprisse. Sabia que a enfermaria estaria cheia de pessoas realmente feridas, meus roxos não eram o suficiente para atrapalhar. Além disso, eu não queria que ninguém soubesse, essa era a verdade.
Elise concordou e me ajudou a entrar na banheira, o movimento era doloroso, mas a água quente era de se apreciar. Os cortes em meu braço ardiam em contato com os produtos na água antes de relaxar, o sangue sendo varrido pela água. Cada um daqueles machucados criava uma ferida ainda maior em meu coração. Eu tinha tentando ao máximo não pensar naquilo, mas conseguia lembrar, naquele momento, sobre como tinha feito cada um deles.
Eu decidi correr para longe da segurança. Parecia lógico naquele momento, os guardas eram poucos contra os atacantes, mas eu provavelmente teria me dado melhor ficando na segurança do castelo. A maioria dos cortes em meus braços eram da corrida na floresta, inclusive meus pés estavam machucados por isso também, os saltos altos não eram a escolha ideal para aquela atividade. Depois eu fui pega, o que é bem evidente no meu pulso e nas marcas roxas em meus braços. Eu teria sido morta e várias outras coisas se não tivesse tentado fugir. O que resultou em um roxo no abdômen, devido aos socos, e um nas costas, ao trombar com uma árvore.
- Senhorita, gostaria que eu saísse?
Foi apenas quando Elise perguntou envergonhada que eu percebi que estava chorando. Eu precisava daquelas lágrimas, precisava limpar minha mente e deixar minha dor sair de verdade, pelo menos uma vez. Pedi para que ela se retirasse.
A primeira coisa em que pensei foi em minha família, será que eles também corriam perigo? Eu imaginava que não, mas pediria a que cuidasse deles, por precaução.
A segunda foi uma avalanche de medos que eu não sabia que ainda me perturbavam. Eu já tinha escolhido meu destino como princesa, por que estava duvidando de novo?
Porque eu fui atacada, sequestrada e ia ser morta! Ao mesmo tempo que os rebeldes nortistas gostavam de mim, os sulistas queriam minha cabeça rolando. Solucei. O que isso significava? Eu não tinha feito absolutamente nada para nenhum deles.
Eu passei minha vida inteira trancada em casa estudando, eu não tinha nem amigas de verdade antes de entrar na Seleção. Eu não queria nem fazer parte da Seleção. Como eu podia ser um problema para alguém?
Eu sentia meu corpo se contorcer a cada soluço alto e desesperado. O que tinha acontecido comigo? O que eu tinha feito de errado? Absolutamente nada parecia justificar tamanho ódio e violência.
Eu cheguei ao ponto de simplesmente não querer mais entender, eu não queria mais pensar! Deixei as lágrimas encherem meu cérebro e passei apenas a aceitar o desespero. Eu estava com sérios problemas.
***
- , acorde. Você realmente precisa se alimentar.
Elise apareceu no meu campo de visão, me surpreendendo na hora. Onde eu estava?
- Eu... - percebi a água antes mesmo de senti-la, eu estava dormindo na banheira. - Estou aqui faz muito tempo?
- Não muito, não se preocupe.
Concordei, olhando em volta e percebendo que apenas Elise estava ali no banheiro comigo. Sabia que ela queria dar privacidade ao meu corpo machucado, só não tinha certeza se era para o meu bem ou para o bem de Meri e Cleo. Aceitei a toalha e me sequei com muito cuidado, tentando inutilmente não sentir dor.
- Você pode almoçar de robe hoje. - Elise falou sorridente, como se dividisse uma piada triste comigo, me estendendo o tecido fino. O robe era escuro o suficiente para esconder qualquer marca que eu podia ter no corpo e seu comprimento me tampava os pés e o pulso. Eu parecia inteiramente bem.
- Meri vai cuidar do seu cabelo enquanto come.
- Seria ótimo.
Acompanhei Elise até o quarto, encontrando Cleo e Meri paradas, encarando a mesa já arrumada. Era óbvio o esforço das duas para parecerem relaxadas, mas eu conseguia perceber que estavam tensas.
- Onde vocês foram? Durante o ataque? - decidi que valia mais falar sobre o assunto do que fingir que ele não tinha ocorrido.
- As criadas tem um abrigo. Como não tínhamos o que fazer aqui, estávamos perto dele quando o alarme soou. - Cleo respondeu, meio cautelosa.
- E os feridos? São muitos?
- Algumas criadas e muitos guardas. Nada fora do normal para um ataque.
O que eu imaginava, afinal eu tive uma noção do que aconteceu antes de entrar no abrigo.
- É comum?
- O quê, senhorita? - Elise perguntou, me servindo o almoço. Era incrível como elas deveriam até preparar meu prato.
- Os ataques.
- Ultimamente eles diminuíram consideravelmente, mas parece que todo ataque recente é feito pelos rebeldes sulistas. Provavelmente porque você anda falando com os nortistas.
- Como vocês sabem diferenciar?
- Os sulistas são muito mais mortais. E faz tempo que não temos uma invasão pacífica.
- ? - Meri me chamou, interrompendo Cleo, ela já estava ocupada com meu cabelo, por isso não conseguia ver sua expressão. - Você vai embora?
Era por isso que elas estavam estranhas? Estavam com medo que eu fosse sair do castelo? Será que elas temiam que eu desistisse?
- Não vou.
Até Elise deixou um sorriso sair, Meri respirou aliviada atrás de mim e Cleo estampou um sorriso gigante.
- Eu sabia!
- Não sabia coisa nenhuma, Cleo. Você estava preocupada igual eu.
- O importante é que ficamos felizes. - Elise interrompeu, olhando feio para as duas.
- Ficamos mesmo.
O resto da refeição foi muito mais tranquilo, meu estado mental não foi comentado nenhuma vez e meus machucados foram ignorados, eu não sabia até que ponto Elise tinha se envolvido nisso, mas eu estava grata de qualquer maneira. Nós conversamos bastante, tornando-se mais fácil me distrair sobre tudo o que tinha acontecido. Percebi que não tinha fome, então comi muito pouco, sentindo meu estômago reclamar enquanto minhas criadas se esforçavam para me entreter. Apesar de tudo, me sentia tensa, inquieta e assustada, algo que não mudou até o príncipe aparecer em minha porta, poucas horas depois. Eu já estava lendo sozinha na cama, quando ouvi sua batida.
Eu tinha trocado o robe por um vestido simples, leve, de mangas compridas e botões laterais, me deixando muito mais confortável. Eu só tinha um vestido daquele tipo, o que gerou uma enorme ocupação para minhas criadas naquela tarde. Eu teria vários vestidos modificados, por ordem de Elise e nenhuma pergunta das outras. Abri a porta após a primeira batida, eu sabia que em algum momento apareceria no meu quarto. Ele, na realidade, demorou mais tempo do que eu previa para aparecer.
- Alteza.
- . Como você está? - parecia estranhamente cauteloso quando me viu, seus olhos clínicos me analisavam. Ele parecia calcular até que ponto eu sobreviveria sem me despedaçar na sua frente.
- Aconteceu algo?
- Como assim?
- Você está estranho. Você não me olhou assim nem no abrigo. Parece que alguém... Morreu! , alguém morreu? O ataque? Minha família?
Apesar de tudo, o príncipe abriu um sorriso discreto.
- Sua família está bem. - ele disse, me fazendo soltar o fôlego em alívio. - Mas tivemos algumas mortes, infelizmente. Perdemos três homens.
- Ah. Isso é horrível.
- É sim, mas acho que não é disso que você está falando.
Olhei para ele surpresa, não estava entendo. Do que eu estava falando?
- Estou preocupado com você, . Muito preocupado. Eu posso entrar?
Não respondi, apenas afastei meu corpo para que passasse e então fechei a porta atrás de mim. Já estávamos no meio da tarde, por isso uma luz maravilhosa preenchia o quarto pela porta da sacada, deixando lindo. Ele realmente parecia nobre daquele jeito, imaginei que qualquer fotógrafo adoraria vê-lo naquela luz.
- Eu já sei que você não vai embora, as outras garotas me falaram. Você realmente as inspirou, . As meninas que estão indo embora se sentem até culpadas.
- Eu não tive a intenção de culpar ninguém. Na realidade, eu também não quis fazer ninguém ficar. - confessei envergonhada - Eu só precisava explicar para Samantha e Lindsay porque eu tinha que ficar, não podia falar sobre… você sabe.
- Eu imaginei que não era sua intenção. - ele riu fraco - Mas eu fico realmente grato, . Eu não saberia o que fazer se perdesse todas as garotas.
- Tinha alguma chance disso acontecer?
- 10 meninas escolheram partir hoje, mesmo depois de seu discurso.
- 10? - eu fiquei surpresa. Aquelas meninas não queriam estar ali? Por que elas estavam desistindo de um sonho?
- Sim. E acredite, eu não fiquei tão surpreso.
- Não? E como você está com isso?
- Conformado. Os ataques à família real existem, , qualquer princesa precisa estar ciente disso. - ele sentou-se em uma das cadeiras da mesa. - Mas nenhuma delas enfrentou algo como o que você enfrentou. Eu sinto muito, . Eu realmente lamento.
- Não se preocupe, . Eu estou bem. - respirei fundo, tentando evitar que meus olhos se enchessem de água.
- Você não parecia nada bem quando chegou nos braços de um dos guardas, . - o príncipe me olhava com ternura, apesar de sério. - Você tem sorte de estar viva. Eu ouvi o que você disse no abrigo, sei que você não quer me contar a verdade, . Mas eu imploro para que me diga o que aconteceu.
- Você sabe o que aconteceu, . - aproveitei para sentar em minha cama, mantendo uma distância respeitosa entre nós. - Eu fui sincera, não aconteceu nada daquele tipo.
Esperava que ele entendesse, esperava que ele não forçasse um assunto que eu não estava pronta para conversar. Sua expressão ainda era suspeita, ele não parecia pronto para aceitar meu silêncio.
- Você precisa proteger minha família, príncipe. - lembrei-me, achando um ótimo jeito de mudar o assunto. - Caso as coisas sejam ainda mais complicadas do que parecem.
- Já mandei guardas na sua casa e de sua irmã. Eles estão seguros, lhe prometo. Foi a primeira coisa que fiz ao sair do abrigo.
- Obrigada, de verdade. Eu não sei o que seria de mim sem eles. - respirei fundo, analisando pensar, focado nas próprias mãos.
O príncipe parecia ocupado com os próprios pensamentos, duvidando sobre as próximas palavras.
- O que os rebeldes sulistas querem, alteza? - eu tentava a todo custo mudar de assunto, levar para um lado da conversa que eu estivesse confortável em seguir.
- Guerra. O fim da monarquia. - ele deu de ombros, voltando a atenção pra mim. - Mas não é isso que importa agora, . Nós precisamos conversar sobre sua segurança.
- Achei que era apenas lenda, sabe, a parte da guerra civil. - falei, ignorando completamente suas últimas palavras.
- , por favor!
- . - me levantei, caminhando até a sacada, secando algumas teimosas lágrimas, quando senti ele se aproximando continuei: - Eu estou segura. Eu estou no seu castelo. Mas eu preciso de um tempo.
- Eu…
- . Eu vou ficar bem, eu prometo. - apesar de não ter certeza sobre aquelas palavras, precisava que o príncipe acreditasse nelas. Precisava que alguém acreditasse.
Ele assentiu, voltando seu olhar para o jardim. A parte que era possível ver da minha sacada, à essa altura do dia, estava impecável.
- Foi nosso objetivo. A parte da lenda.
- Esconder as coisas do povo?
- Proteger as pessoas do medo, do caos.
- A dádiva da ignorância. - conclui.
me olhou surpreso naquele momento, seu olhar clínico parecia me analisar. Ele claramente não esperava que eu entendesse, mas eu tinha plena noção de que ignorância podia ser uma dádiva.
- Você concorda?
- Eu entendo. É diferente. - dei de ombros. - Talvez, se as pessoas soubessem, viveriam com medo.
- Eu concordo com você.
- Eles atacaram o povo alguma vez?
- Sim.
- Por quê?
- Eu não sei ao certo, acho que nem eles sabem. Os rebeldes nortistas me procuraram, eles querem uma mudança real, uma mudança saudável. Os rebeldes sulistas querem destruição.
- Eles já sequestraram alguém antes? - deixei a pergunta escapar, me arrependendo logo em seguida. - Esquece, não preciso saber.
- . - se virou para mim, pegando minhas mãos. - Você não sabe o quanto me dói dizer isso, mas se, de algum jeito, você quer tratar como se fosse comum, como se fosse um acaso, como se fosse nada aqueles homens atrás de você. Esqueça. Eles sabem. Todos sabem. Você ainda não é a princesa de Ynter, mas provavelmente será.
Ele tinha tanta certeza, olhei para ele assustada.
- Nós ainda temos tempo. Eu talvez me apaixone por outra, talvez as coisas realmente mudem. Mas vocês são em 15 garotas agora. E eu realmente me esforço, mas… Vocês estão aqui a poucos dias e nunca teve uma Selecionada com tanta aprovação. Você está quebrando recordes! Eu tento...
- Não diga. - soltei minhas mãos, sentia as lágrimas novamente querendo sair. - Não diga que me quer, . Eu não posso, não estou pronta.
- Eu vou fazer você me amar, .
Amor. Maldita palavra de quatro letras. Eu não sabia o que era amor, eu não fazia ideia! Será que eu teria a mesma sensação que tive com Anne? Ao descobrir o que era o real apoio. Será que eu perceberia que sentia falta de algo que nunca realmente tinha provado? E se o amor fosse assim? E se no fim eu descobrisse que preciso dele? Eu me casaria sem amor?
- ?
Eu me sentia tonta, sentia calor, sentia-me exausta. Eu não podia surtar, não ali, não com . Respirei fundo. Percebi que estava de costas para o príncipe, querendo ao máximo esconder como me sentia. Eu precisava respirar fundo, tinha que ser firme. Não podia chorar.
- Eu não sei. Eu simplesmente não sei.
- Você vai descobrir, . Um dia você vai ter certeza se está pronta ou não. Mas eu preciso que entenda, nada vai ser como antes. Nunca mais.
Assenti. Claro que não seria, eu sempre soube. Selecionada era o mais perto de normal que eu tinha. Rainha era o mais longe dele. Entretanto, qualquer coisa no meio termo também não me agradava. Senti as lágrimas caírem silenciosamente.
- , por favor, olhe para mim.
Me virei, deixando o príncipe perceber que eu chorava e apesar de parecer calma perto dos soluços de antes, eu não me sentia confortável em me expor daquele jeito.
- Você está chorando?
- Me desculpe.
- , eu… - parecia não saber o que dizer, apenas senti seus braços me envolvendo e me levando de encontro ao seu peito. Logo minhas lágrimas molhavam seu terno.
- Eu prometo não te decepcionar, .
- Você não me decepciona, . Acho que nada que você faz seria capaz de me decepcionar… Eu só fico cada vez mais surpreso. - ele me abraçou um pouco mais forte. - O problema é que você surpreende todos, ganha admiração de todos. Você terá um guarda na sua porta sempre, à partir de hoje.
- Um guarda? Mas ele não vai fazer falta em outro lugar? As outras garotas não vão estranhar? - me soltei de seu abraço, secando as lágrimas.
- Ele estará aqui por todas vocês, elas se sentiram mais seguras também. Além disso, estamos providenciando novos alistamentos.
- Claro, tudo bem então.
me olhava carinhoso.
- Eu realmente lamento. Não sei como concertar isso, mas vou descobrir.
***
O jantar, ao contrário do que eu pensava, foi servido no salão como se tudo estivesse normal no castelo. Parecia que a única diferença era o número de garotas, a falta de 10 meninas deixava a mesa, antes abarrotada de mulheres, vazia, mostrando que éramos cada vez um grupo mais seleto. Provavelmente para o café da manhã do dia seguinte a mesa grande seria novamente distribuída, deixando-nos mais próximas umas das outras, evitando as cadeiras vazias entre nós. Mas, por enquanto, o espaço não ocupado era apenas mais um lembrete que a Selecionada que antes ali sentava, havia desistido, que estava partindo segura para sua casa, ao contrário de todas ali presentes.
Respirei fundo. Eu sabia que apesar de estar lá, não fazia realmente parte daquele jantar, era como se ninguém estivesse pronto para lidar com a garota que quase morreu. Seria algo incômodo se eu não estivesse tão dispersa, presa em minha mente ainda confusa e em choque. Lembro, claramente, de ter que me concentrar para manter a postura ereta, pois a dor tornava a posição desconfortável; manter uma conversa longa seria muito para mim.
Além da dor, eu tinha um desconforto constante no estômago, como se a náusea do toque daqueles homens sobre minha pele ou a visão do sangue em meu vestido, causado por um tiro dado a palmos de mim, ainda fosse sentida. Não me recordo de ter feito algo além de bagunçar a pouca comida no prato e dar pequenos goles em minha bebida durante toda a refeição.
Reparei que as meninas conversavam aos cochichos, nervosas com a situação. E apesar de eu estar visivelmente melhor naquela noite com o vestido de mangas cobrindo as marcas em meus braços, eu sabia que a imagem do abrigo não tinha sido apagada da mente de ninguém. Nem mesmo da família real que conversava entre si, olhando para as Selecionadas algumas vezes.
- Senhoritas. - o rei se levantou de repente, fazendo-me encará-lo surpresa. O rei quase não falava conosco, deixava os pronunciamentos para seu filho e sempre parecia ocupado demais para nos ver. - Quero primeiro pedir desculpas à todas vocês, por mim e minha família. Agradecemos imensamente por ainda confiarem em nós para protegê-las.
Lentamente todos os rostos viraram em minha direção, como se a culpa de todas estarem lá fosse minha. Senti a responsabilidade cair em meus ombros. Talvez tivesse razão, talvez eu tenha inspirado algumas meninas.
- Sabemos que muitas de vocês nunca enfrentaram situações parecidas, mas saibam que os ataques à família real acontecem há anos. Nós estamos preparados para isso. Os rebeldes do sul, como todas já devem saber, buscam acabar com a monarquia. - ele pegou fôlego. - E dar um fim à Seleção teria uma repercussão significativa, por esse motivo os ataques brutais. Mas nós não vamos permitir isso, vamos protegê-las como se já fossem parte de nossa família.
Olhei para e , buscando ali algum tipo de reação às palavras do pai, mas ambos pareciam prestar muita atenção no homem para me notar encarando-os.
- Saibam que todas poderão falar com suas famílias amanhã de manhã; Mariee terá um telefone especialmente para vocês. Peço que continuem normalmente sua rotina, queremos deixar o passado para trás. Se qualquer uma de vocês precisar de atendimento médico, seja físico ou psicológico, nossa enfermaria está equipada para atendê-las. Dito isso. Boa noite à todas.
Depois do pronunciamento do rei, eu fui incapaz de fazer qualquer coisa. Fiquei sentada, quieta, sem mexer no prato ou copo, esperando ser aceitável me levantar. Anne parecia entender minha vontade, pois fez um sinal com a cabeça para irmos. Concordei e, juntas, cada uma de seu lugar da mesa, pedimos licença para sair.
- Como você está? - ela perguntou, quando resolvemos ir para o salão das mulheres para sentar em um dos sofás. - Sua expressão está péssima.
- Eu estou bem. Eu me sinto melhor agora que minha aparência melhorou. - tentei brincar, mas Anne não sorriu.
- Você se machucou? Porque esse vestido comprido não engana ninguém, .
Lamentei. Era claro que as pessoas iam perceber as mangas compridas, afinal o clima era bem quente naquela época do ano.
- Eu tenho alguns cortes no braço. - falei, como se fosse explicação o suficiente.
- Só isso? Você precisa contar para alguém, .
- Eu tentei fugir, Anne. Eles iam me levar embora para sempre, se eu saísse por aquele portão, eu jamais voltaria.
- Eles iam matar você?
- Eles iam fazer tanta coisa. - senti meus olhos se encherem de água. Respirei fundo.
- E o que aconteceu?
- Não consegui ir muito longe, quando tentei fugir. Eles me pegaram e me bateram, mas fui salva a tempo. - As lágrimas simplesmente voltaram.
- Eu sinto muito, . Você me salvou, você sabe, não é? - Anne me olhou nos olhos, colocando a mão em meu joelho. - Você realmente me salvou. Eu fiquei pensando no que aconteceu e eu não sei o que teria sido de mim sem você.
Sorri para ela, mas não cheguei a responder, pois a porta do salão das mulheres foi aberta, chamando nossa atenção. A rainha e uma de suas criadas caminhavam em nossa direção.
- Boa noite, meninas. Espero não estar atrapalhando.
- Majestade. - Eu e Anne levantamos imediatamente, fazendo uma reverência. Sequei o resto de lágrimas no rosto, fingindo estar tudo bem.
- Por favor, gostaria de me unir à vocês para um chá. Acho que precisamos conversar. - ela comentou, se sentindo um pouco culpada. Ela não queria soar rude, mas estava claro que ela precisava muito falar comigo sobre assuntos nada legais.
- Na realidade, eu já estava indo dormir. Eu preciso me retirar, se não se importam. - Anne, que de boba não tinha nada, fez uma rápida reverência e saiu. Não sei se ela chegou a entender cada palavra da rainha, mas ela entendeu o suficiente para saber que a rainha queria privacidade.
Olhei em volta, evitando os olhos da mulher a minha frente. Eu ainda não havia me acostumando com os móveis originais do salão: dois conjuntos de sofás, uma tv e duas mesas pequenas separadas por um pequeno espaço.
A rainha decidiu sentar-se no sofá em frente ao qual eu e Anne estávamos, me fazendo sentar novamente e encará-la. A criada que a acompanhou, entregou uma xícara de chá para ela, da bandeja que estava segurando e depois para mim, levando a terceira embora. A rainha tinha sido delicada o suficiente para pedir uma xícara para Anne, caso a mesma acabasse se unindo a nós.
- Por favor, não deixe ninguém entrar aqui até eu chamar. - a rainha falou, antes da criada sair pela porta.
Respirei fundo.
- , como você está?
- Eu estou bem, majestade.
Ela assentiu e pareceu pensar.
- Querida, preciso ser sincera com você, acho que é a melhor solução. - ela disse por fim. - Meu filho veio falar comigo, ele realmente teme pelo que você passou hoje mais cedo. Ele acha que você se abriria com alguém como eu, no caso, uma mulher, uma mãe. Porém não quero que você se sinta obrigada a falar porque sou sua rainha, quero que você se sinta confortável para falar comigo se quiser. - ela tomou um gole de chá, me dando liberdade para digerir as palavras. - Meu filho pode estar louco de preocupação, mas eu ainda acredito no seu direito de escolha na hora de se abrir com alguém.
- Obrigada. - encarei minhas mãos, eu realmente não estava esperando por aquilo.
- Entretanto, eu me sinto tão preocupada quanto ele. Temo por sua segurança, . Inclusive porque já estive em sua posição e não passei por nada parecido. Digo, quando era uma Selecionada. Os rebeldes de ambos os lados estão diferentes agora, mais ardilosos, mais inteligentes. Eles querem mais e parecem mais preparados. Então, eu preciso que você fale, pelo menos, com o Soldado Hitt.
- Eu…
- Eu sei que pode ser complicado, querida. Mas trata-se da segurança nacional, você não pode guardar os acontecimentos apenas para si. Sei que quando chegou aqui, não conversou com o soldado sobre o ocorrido na saída da estação de trem e te livrou dessa. Mas dessa vez, se não falar com o príncipe, terá que falar com o soldado.
Assenti, me sentindo triste e tonta de repente. Cheguei a achar que a rainha me deixaria sair sem maiores problemas, mas era apenas a diplomacia falando. Ela estava sendo gentil, mas ainda teria o que queria.
- Claro. - foi tudo o que eu disse. Sempre pronta para fazer o que esperavam de mim.
- Eu acredito que falar com o soldado será mais fácil, afinal ele não quer saber sobre seus sentimentos. - ela disse culpada, sabendo que ela ou qualquer um dos seus filhos, acabaria perguntando mais. - Eu posso ficar, se quiser. Posso estar aqui do seu lado, . Se você for se sentir mais confortável.
- Eu tenho que falar com o soldado Hitt agora?
- Lamento dizer que sim.
- Eu… - respirei fundo, fechei os olhos. Relaxe, , você vai sobreviver. - Os príncipes vão acabar sabendo?
- Não se você não quiser. O soldado Hitt responde ao rei, . E se você quiser que isso seja um segredo, consigo fazer ficar apenas entre nós.
- Entre nós e o rei?
- Sim. O rei precisa saber.
- Tudo bem.
A rainha confirmou e chamou por sua criada, pedindo que a mesma trouxesse o soldado Hitt, pois naquele momento e apenas naquele momento ele tinha permissão para adentrar ao salão das mulheres
- Você quer que eu fique, ?
- Por favor. - pedi, notando que, dessa vez, a rainha sentou-se no sofá ao meu lado. Ela estaria ali por mim.
- Majestade. Senhorita . - o soldado cumprimentou com uma reverência assim que adentrou o cômodo. - Agradeço a permissão, majestade.
- Seja bem-vindo, soldado. Sente-se. - ela apontou para o sofá a nossa frente. - Imagino que tenha perguntas para a senhorita . Por favor, comece.
O soldado assentiu, sentando-se onde lhe foi designado, começando a mexer em alguns papéis que tinha em mãos. Ele anotaria minhas palavras, pelo visto.
- Sinto muito pelo ocorrido, senhorita . É perceptível o perigo que a senhorita corre e por isso já foram selecionados diferentes guardas para sua segurança e das outras Selecionadas. - ele disse formal. - Mas para entendermos melhor o ocorrido, temo ser necessário certas perguntas.
- Tudo bem.
- Primeiro, como a senhorita foi parar no bosque?
Fiquei feliz pelo soldado ter decidido começar pelos fatos, por detalhes pequenos que eu facilmente lembrava.
- Nós estávamos debaixo das tendas, no jardim, quando os rebeldes chegaram. O alarme logo soou e todas começaram a correr. Eu acabei ficando chocada e analisando exatamente o que estava acontecendo, percebendo segundos depois. Anne, outra Selecionada, não fala nossa língua, por isso ela acabou se atrasando na hora de correr. Foram poucos segundos, mas nós já estávamos no final de fila. - comecei a contar. - Foi então que um dos homens berrou, berrou dizendo que a garota estava fugindo e eles deveriam correr para pegar a “Selecionada ”.
- Ele falou seu nome?
- Sim. O homem estava atrás de mim.
- E então você correu?
- Nós estávamos lentas, eram poucos guardas. Achei que não daria tempo. Achei que eles poderiam pegar todas nós. Então resolvi que seria mais seguro ir para o bosque. Eu conheço aquele tipo de vegetação, soldado Hitt. Eu ia conseguir fugir e me esconder por entre as árvores.
- O que aconteceu?
- Um homem apareceu na minha frente. Eu realmente estava em vantagem do grupo atrás de mim, mas aquele homem surgiu do nada. Acredito que ele conhecia outra trilha. Ele estava armado, me obrigando a parar.
- Sendo assim, todos lhe alcançaram. Sete, de acordo com o príncipe.
- Sim. Fiquei cercada.
- E o que eles disseram, senhorita? Cada palavra que se lembrar é importante.
- O líder mandou me amarrar e amordaçar. Então um homem foi responsável por isso. Ele me chamou de boneca, ele disse que queria fazer várias coisas comigo. - senti quando as lágrimas silenciosas começaram a surgir. Eu estava chorando. A rainha gentilmente me deu a mão, apertando-a, demonstrando força. - Depois um garoto veio me amordaçar, eu tentei fugir, mas o homem me apertou ainda mais forte. Ele disse que ia tirar minha roupa ali mesmo. Eu tive que ficar quieta. - soltei um soluço.
- Certo. E o que aconteceu então?
- Eles se dividiram em dois grupos. O menor seria responsável por me levar. O líder mandou eles serem rápidos, sem caprichos. Ele disse que os caprichos seriam para fora do portão.
-O que o segundo grupo foi fazer?
- Ele não disse. Ele disse apenas que tinha coisas para resolver.
- Certo. Então vocês se separaram.
- Sim. Começamos a caminhar em direção à saída do castelo, ainda pelo bosque.
- Que saída?
- Eu não sei, sinto muito.
- Tudo bem. E o que aconteceu durante o caminho?
- Eles ficavam conversando sobre mim. Discutindo o quanto eu era importante para o príncipe.
- O que eles falaram exatamente?
- O homem que me segurava queria muito saber porque eu corri para o bosque, ele disse que eu me sentia sozinha e precisava de atenção. Então, o mais novo entre eles disse que eu era a favorita, que deveria ganhar atenção. - solucei. - Um deles disse que se o príncipe já tivesse tocado em mim, não seria tão divertido.
A rainha apertou minha mão ainda mais forte, já o soldado pareceu desconfortável e coçou a bochecha. Enquanto eu só queria controlar minhas lágrimas, eu ainda precisava falar.
- Depois disso decidi que precisava fugir. Não podia ficar pior do que estava. Montei um plano.
- Que plano?
- O homem atrás mim estava tão perto que esbarrava suas partes em meu corpo. Então eu decidi machucá-lo ali, com as unhas. Apertei o suficiente para fazê-lo gritar e me soltar. O segundo homem virou-se para mim e eu o chutei, no mesmo lugar. - fiquei meio envergonhada. Não era exatamente comum ficar falando sobre as partes íntimas dos homens. - O terceiro estava muito longe, eu não o ganharia na luta. Então, eu corri. Mas ainda não foi o suficiente. Eu pensei que talvez ele não viesse atrás de mim. Eu achei que ele teria pena.
Percebi que naquele momento eu não estava mais chorando. Eu estava com raiva, eu estava me sentindo forte e corajosa.
- Ele não teve?
- Não. Ele conseguiu me alcançar, me puxou pelo braço e deu dois socos no meu estômago antes de me jogar com força contra uma árvore. Dando tempo para o homem que eu acertei primeiro se aproximar e me ameaçar. Ali eu achei que tinha perdido, ali eu decidi que era melhor morrer. Foi então que um dos guardas disparou o primeiro tiro.
- Esse seria o soldado Gabe.
Gabe. Agora eu sabia seu nome.
- Gabe acertou o homem, fazendo-o cair. Ele estava tão perto de mim que seu sangue encharcou meu vestido.
- Certo. E o segundo homem? Ele a ameaçou com a arma?
- Ele sabia que não teria tempo de me matar, eu vi em seus olhos. Ele apenas não queria ser capturado. - contei, lembrando da vida saindo dele.
- Certo. Tudo bem. Eu sei o que aconteceu depois. - ele anotou mais algumas coisas em seus papéis. - Eu tenho mais uma pergunta, senhorita: você viu o rosto do líder?
- Sim. Antes de nós sairmos, consegui ver de relance.
- Seria esse? - o soldado Hitt ergueu um dos papéis em minha direção. Mostrando uma foto que parecia um documento oficial. O homem no papel estava mais novo e talvez mais magro, mas com certeza era o homem que mandava nos outros. Percebi que até a rainha estava ansiosa pela minha resposta.
- Sim. Era ele. Tenho quase certeza.
O soldado soltou um suspiro nada discreto, a rainha se mexeu no sofá.
- Por quê? Quem é ele?
O soldado olhou para a rainha ao invés de mim.
- Acredito que ela mereça saber.
- Esse homem, senhorita , é o líder de todos os rebeldes sulistas. Depois que assumiu seu lugar no topo, nunca tínhamos visto em um ataque.
- O que isso quer dizer?
- Quer dizer, , que eles a queriam tanto que o próprio líder veio buscá-la. - a rainha respondeu, me olhando triste.
Eu não sabia o que fazer, nem sequer o que sentir. Como assim? Me matar era a missão maior de todas?
- Ele saiu vivo? Do castelo?
- Sim. - o soldado Hitt respondeu.
Assenti. Incapaz de falar qualquer coisa.
- Obrigada, soldado. Gostaríamos de um tempo a sós agora.
Não prestei atenção no soldado saindo, mas eu sabia que ele não estava mais lá quando senti os braços da rainha em volta de mim. Ela não disse nada, eu não disse nada. Apenas fiquei ali, por alguns segundos, soltando lágrimas silenciosas no ombro da vossa majestade real.
- Ninguém mais saberá disso, querida. - ela disse, secando minhas lágrimas teimosas com os dedos. - Eu realmente sinto muito.
- O que eu fiz? O que eu fiz de errado? - perguntei, sabendo que não teria uma resposta.
- Chegará um dia, , que seu rosto significará bravura e esperança. Pense nisso. - a rainha disse entre sorrisos, como se fosse algum motivo para eu me sentir melhor. - Você foi para a enfermaria?
- Eu… Não posso.
- Vou mandar entregar um remédio para seus roxos. Passe ainda hoje depois do banho. Acredito que pelo menos uma de suas criadas já viu.
- Sim, majestade.
- Você pode ir para o quarto, . Agradeço pelo esforço.
Dei o melhor sorriso sem vida que era capaz, sabendo que meus olhos estavam inchados pelo choro e que eu não pareceria feliz nem se quisessem. Fiz uma reverência e me retirei do salão a passos lentos; do lado de fora estava a mesma criada e dois guardas. Quando comecei a caminhar pelos corredores senti um deles atrás de mim, mas não tinha ânimo para perguntar seu nome ou se ele seria o encarregado de me manter segura pelos próximos dias, apenas deixei que fosse minha sombra.
Assim que cheguei ao pé da escada que me levaria para o andar das Selecionadas pude ver no final do corredor, parado e segurando alguns papéis. Não saberia dizer se ele estava ali por coincidência ou apenas achou um lugar estratégico para me ver saindo da conversa com sua mãe. Olhei para ele, sentindo novamente as lágrimas, e subi as escadas, sem sorriso, sem reverência, sem olá. Naquele momento, pelo menos, eu tinha direito de ficar sozinha.
A pomada que a rainha mandou entregar em meu quarto era realmente milagrosa, eu consegui dormir muito melhor depois de Elise fazer seu trabalho. Naquela noite, ela tinha sido a única a aparecer em meus aposentos. Algo relacionado aos vestidos que ainda precisavam de ajustes.
Apesar de tudo, foi impossível evitar as lágrimas que encharcaram meu travesseiro antes de dormir.
- Meninas, o almoço será servido no quarto de vocês. Suas criadas estão à sua espera. Eu passarei lá dentro de uma hora para garantir a segurança de todas e permitir-lhes ir pra casa, se for o seu desejo.
- Obrigada, alteza. - respondemos o príncipe em uníssono, exatamente como ensinado. Depois, em uma fila, partimos para fora do abrigo.
Eu não sabia como estava o jardim ou os outros cômodos do palácio, mas o caminho que usamos para os quartos estava impecável. Não tinha mais nenhum vestígio dos vasos quebrados pelo corredor, apenas a falta de alguns deles. Eu tinha quase certeza que quatro horas não eram o suficiente para vencer os rebeldes e arrumar todo o castelo, mas os guardas queriam manter a aparência pelo menos para nós. O que eu acreditei ser importante para muitas meninas ali, várias delas pareciam abaladas e ver o castelo destruído não iria ajudar.
- Você não vai mesmo me deixar, certo? - Anne perguntou, parada na porta do próprio quarto.
- Não. Eu vou ficar. E você?
- Vejo você amanhã. - ela piscou, passando pela porta. Anne havia me deixado bem mais calma e eu ficava realmente feliz em ter sua amizade.
Meu quarto parecia exatamente como eu havia deixado naquela manhã, o que mostrava que os rebeldes não tinham chegado naquele andar. Talvez os guardas tenham sido sinceros ao dizer que os rebeldes foram controlados antes de realmente invadir o castelo.
- Senhorita? - Meri foi a primeira a notar minha presença.
- Que bom que vocês estão bem! Fiquei tão preocupada. - entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim.
- Senhorita, o que houve com você? - foi Meri que perguntou, ignorando meu ataque de felicidade. Seus olhos chocados e assustados permaneceram focados em mim, me fazendo caminhar até o espelho para analisar o que ela via.
O vestido que eu escolhera para usar depois do baile estava com a saia toda rasgada e suja, devido a corrida pela floresta. O sangue em meu corpete já estava seco, entretanto não tinha perdido seu tom escuro perto do tecido claro. Nada daquilo era novo para mim, percebi cada detalhe quando gastei tempo olhando para baixo no abrigo, enquanto tentava controlar minhas lágrimas.
Minha bochecha estava vermelha, meus olhos estavam inchados de chorar e minha maquiagem estava borrada. Meu cabelo estava medonho, a trança estava toda despedaçada, solta e emaranhada, parecendo que eu tinha acabado de sair de um ringue. Meus braços desnudos deixavam claro os arranhões causados pelos galhos das árvores, os quais começavam nos ombros e seguiam até a ponta dos dedos. Meus pulsos estavam machucados devido a corda, e eu tinha alguns roxos pelos braços que eu sabia serem das mãos fortes daqueles homens. Eu realmente parecia péssima.
- Eu acabei sendo pega. - falei, encarando-as pelo espelho, com medo de suas reações. - Mas os guardas me acharam a tempo.
- Oh, . Eu sinto muito! - Cleo ficou realmente chocada, percebi a mão na boca e os olhos marejados antes de ela tentar disfarçar.
- Como...?
- Meninas, está claro que precisa de um tempo. - Elise interrompeu e se aproximou de mim, colocando a mão tão lentamente em minhas costas que seu toque nem doeu. - Eu vou lhe preparar um banho.
- Obrigada, Elise. - falei baixo, me sentindo envergonhada por causar tudo aquilo.
- Venha.
Segui Elise até o banheiro, mas fiquei parada em silêncio enquanto a observava se movimentar. Logo a banheira estava cheia de água quente e sais de banho, pronta para mim. Percebi que Cleo e Meri não estavam mais no quarto, devido ao silêncio no cômodo ao lado. Eu estava surpreendente grata pela reação de Elise, ela realmente sabia o que estava fazendo, permanecia confiante, não deixava nenhuma preocupação transparecer. Eu me sentia bem ao lado dela, nada perto da garota machucada que me deparei no espelho.
- Precisa de ajuda com as roupas?
Assenti para Elise, virando-me de costas para ela. Eu conseguia sentir cada botão sendo desabotoado, pois, apesar de Elise cuidar dos movimentos, eu sentia seus dedos batendo em minha pele sensível.
- É um belo hematoma. Você deveria ir a enfermaria.
- Eu não sei se é necessário. - comentei, saindo de vez do vestido e me virando para ela.
- Esse aí é pior. - ela apontou para meu estômago, onde o roxo preenchia quase todo o espaço entre meus seios e meu umbigo. Era isso que dois socos causavam então?
- , você não precisa me explicar absolutamente nada. Eu não falarei para ninguém, se me prometer ir até a enfermaria. Mas saiba que pode contar comigo.
- Obrigada, Elise. Eu vou dar um jeito nisso. - afirmei, cuidando para não prometer coisas que eu talvez não cumprisse. Sabia que a enfermaria estaria cheia de pessoas realmente feridas, meus roxos não eram o suficiente para atrapalhar. Além disso, eu não queria que ninguém soubesse, essa era a verdade.
Elise concordou e me ajudou a entrar na banheira, o movimento era doloroso, mas a água quente era de se apreciar. Os cortes em meu braço ardiam em contato com os produtos na água antes de relaxar, o sangue sendo varrido pela água. Cada um daqueles machucados criava uma ferida ainda maior em meu coração. Eu tinha tentando ao máximo não pensar naquilo, mas conseguia lembrar, naquele momento, sobre como tinha feito cada um deles.
Eu decidi correr para longe da segurança. Parecia lógico naquele momento, os guardas eram poucos contra os atacantes, mas eu provavelmente teria me dado melhor ficando na segurança do castelo. A maioria dos cortes em meus braços eram da corrida na floresta, inclusive meus pés estavam machucados por isso também, os saltos altos não eram a escolha ideal para aquela atividade. Depois eu fui pega, o que é bem evidente no meu pulso e nas marcas roxas em meus braços. Eu teria sido morta e várias outras coisas se não tivesse tentado fugir. O que resultou em um roxo no abdômen, devido aos socos, e um nas costas, ao trombar com uma árvore.
- Senhorita, gostaria que eu saísse?
Foi apenas quando Elise perguntou envergonhada que eu percebi que estava chorando. Eu precisava daquelas lágrimas, precisava limpar minha mente e deixar minha dor sair de verdade, pelo menos uma vez. Pedi para que ela se retirasse.
A primeira coisa em que pensei foi em minha família, será que eles também corriam perigo? Eu imaginava que não, mas pediria a que cuidasse deles, por precaução.
A segunda foi uma avalanche de medos que eu não sabia que ainda me perturbavam. Eu já tinha escolhido meu destino como princesa, por que estava duvidando de novo?
Porque eu fui atacada, sequestrada e ia ser morta! Ao mesmo tempo que os rebeldes nortistas gostavam de mim, os sulistas queriam minha cabeça rolando. Solucei. O que isso significava? Eu não tinha feito absolutamente nada para nenhum deles.
Eu passei minha vida inteira trancada em casa estudando, eu não tinha nem amigas de verdade antes de entrar na Seleção. Eu não queria nem fazer parte da Seleção. Como eu podia ser um problema para alguém?
Eu sentia meu corpo se contorcer a cada soluço alto e desesperado. O que tinha acontecido comigo? O que eu tinha feito de errado? Absolutamente nada parecia justificar tamanho ódio e violência.
Eu cheguei ao ponto de simplesmente não querer mais entender, eu não queria mais pensar! Deixei as lágrimas encherem meu cérebro e passei apenas a aceitar o desespero. Eu estava com sérios problemas.
- , acorde. Você realmente precisa se alimentar.
Elise apareceu no meu campo de visão, me surpreendendo na hora. Onde eu estava?
- Eu... - percebi a água antes mesmo de senti-la, eu estava dormindo na banheira. - Estou aqui faz muito tempo?
- Não muito, não se preocupe.
Concordei, olhando em volta e percebendo que apenas Elise estava ali no banheiro comigo. Sabia que ela queria dar privacidade ao meu corpo machucado, só não tinha certeza se era para o meu bem ou para o bem de Meri e Cleo. Aceitei a toalha e me sequei com muito cuidado, tentando inutilmente não sentir dor.
- Você pode almoçar de robe hoje. - Elise falou sorridente, como se dividisse uma piada triste comigo, me estendendo o tecido fino. O robe era escuro o suficiente para esconder qualquer marca que eu podia ter no corpo e seu comprimento me tampava os pés e o pulso. Eu parecia inteiramente bem.
- Meri vai cuidar do seu cabelo enquanto come.
- Seria ótimo.
Acompanhei Elise até o quarto, encontrando Cleo e Meri paradas, encarando a mesa já arrumada. Era óbvio o esforço das duas para parecerem relaxadas, mas eu conseguia perceber que estavam tensas.
- Onde vocês foram? Durante o ataque? - decidi que valia mais falar sobre o assunto do que fingir que ele não tinha ocorrido.
- As criadas tem um abrigo. Como não tínhamos o que fazer aqui, estávamos perto dele quando o alarme soou. - Cleo respondeu, meio cautelosa.
- E os feridos? São muitos?
- Algumas criadas e muitos guardas. Nada fora do normal para um ataque.
O que eu imaginava, afinal eu tive uma noção do que aconteceu antes de entrar no abrigo.
- É comum?
- O quê, senhorita? - Elise perguntou, me servindo o almoço. Era incrível como elas deveriam até preparar meu prato.
- Os ataques.
- Ultimamente eles diminuíram consideravelmente, mas parece que todo ataque recente é feito pelos rebeldes sulistas. Provavelmente porque você anda falando com os nortistas.
- Como vocês sabem diferenciar?
- Os sulistas são muito mais mortais. E faz tempo que não temos uma invasão pacífica.
- ? - Meri me chamou, interrompendo Cleo, ela já estava ocupada com meu cabelo, por isso não conseguia ver sua expressão. - Você vai embora?
Era por isso que elas estavam estranhas? Estavam com medo que eu fosse sair do castelo? Será que elas temiam que eu desistisse?
- Não vou.
Até Elise deixou um sorriso sair, Meri respirou aliviada atrás de mim e Cleo estampou um sorriso gigante.
- Eu sabia!
- Não sabia coisa nenhuma, Cleo. Você estava preocupada igual eu.
- O importante é que ficamos felizes. - Elise interrompeu, olhando feio para as duas.
- Ficamos mesmo.
O resto da refeição foi muito mais tranquilo, meu estado mental não foi comentado nenhuma vez e meus machucados foram ignorados, eu não sabia até que ponto Elise tinha se envolvido nisso, mas eu estava grata de qualquer maneira. Nós conversamos bastante, tornando-se mais fácil me distrair sobre tudo o que tinha acontecido. Percebi que não tinha fome, então comi muito pouco, sentindo meu estômago reclamar enquanto minhas criadas se esforçavam para me entreter. Apesar de tudo, me sentia tensa, inquieta e assustada, algo que não mudou até o príncipe aparecer em minha porta, poucas horas depois. Eu já estava lendo sozinha na cama, quando ouvi sua batida.
Eu tinha trocado o robe por um vestido simples, leve, de mangas compridas e botões laterais, me deixando muito mais confortável. Eu só tinha um vestido daquele tipo, o que gerou uma enorme ocupação para minhas criadas naquela tarde. Eu teria vários vestidos modificados, por ordem de Elise e nenhuma pergunta das outras. Abri a porta após a primeira batida, eu sabia que em algum momento apareceria no meu quarto. Ele, na realidade, demorou mais tempo do que eu previa para aparecer.
- Alteza.
- . Como você está? - parecia estranhamente cauteloso quando me viu, seus olhos clínicos me analisavam. Ele parecia calcular até que ponto eu sobreviveria sem me despedaçar na sua frente.
- Aconteceu algo?
- Como assim?
- Você está estranho. Você não me olhou assim nem no abrigo. Parece que alguém... Morreu! , alguém morreu? O ataque? Minha família?
Apesar de tudo, o príncipe abriu um sorriso discreto.
- Sua família está bem. - ele disse, me fazendo soltar o fôlego em alívio. - Mas tivemos algumas mortes, infelizmente. Perdemos três homens.
- Ah. Isso é horrível.
- É sim, mas acho que não é disso que você está falando.
Olhei para ele surpresa, não estava entendo. Do que eu estava falando?
- Estou preocupado com você, . Muito preocupado. Eu posso entrar?
Não respondi, apenas afastei meu corpo para que passasse e então fechei a porta atrás de mim. Já estávamos no meio da tarde, por isso uma luz maravilhosa preenchia o quarto pela porta da sacada, deixando lindo. Ele realmente parecia nobre daquele jeito, imaginei que qualquer fotógrafo adoraria vê-lo naquela luz.
- Eu já sei que você não vai embora, as outras garotas me falaram. Você realmente as inspirou, . As meninas que estão indo embora se sentem até culpadas.
- Eu não tive a intenção de culpar ninguém. Na realidade, eu também não quis fazer ninguém ficar. - confessei envergonhada - Eu só precisava explicar para Samantha e Lindsay porque eu tinha que ficar, não podia falar sobre… você sabe.
- Eu imaginei que não era sua intenção. - ele riu fraco - Mas eu fico realmente grato, . Eu não saberia o que fazer se perdesse todas as garotas.
- Tinha alguma chance disso acontecer?
- 10 meninas escolheram partir hoje, mesmo depois de seu discurso.
- 10? - eu fiquei surpresa. Aquelas meninas não queriam estar ali? Por que elas estavam desistindo de um sonho?
- Sim. E acredite, eu não fiquei tão surpreso.
- Não? E como você está com isso?
- Conformado. Os ataques à família real existem, , qualquer princesa precisa estar ciente disso. - ele sentou-se em uma das cadeiras da mesa. - Mas nenhuma delas enfrentou algo como o que você enfrentou. Eu sinto muito, . Eu realmente lamento.
- Não se preocupe, . Eu estou bem. - respirei fundo, tentando evitar que meus olhos se enchessem de água.
- Você não parecia nada bem quando chegou nos braços de um dos guardas, . - o príncipe me olhava com ternura, apesar de sério. - Você tem sorte de estar viva. Eu ouvi o que você disse no abrigo, sei que você não quer me contar a verdade, . Mas eu imploro para que me diga o que aconteceu.
- Você sabe o que aconteceu, . - aproveitei para sentar em minha cama, mantendo uma distância respeitosa entre nós. - Eu fui sincera, não aconteceu nada daquele tipo.
Esperava que ele entendesse, esperava que ele não forçasse um assunto que eu não estava pronta para conversar. Sua expressão ainda era suspeita, ele não parecia pronto para aceitar meu silêncio.
- Você precisa proteger minha família, príncipe. - lembrei-me, achando um ótimo jeito de mudar o assunto. - Caso as coisas sejam ainda mais complicadas do que parecem.
- Já mandei guardas na sua casa e de sua irmã. Eles estão seguros, lhe prometo. Foi a primeira coisa que fiz ao sair do abrigo.
- Obrigada, de verdade. Eu não sei o que seria de mim sem eles. - respirei fundo, analisando pensar, focado nas próprias mãos.
O príncipe parecia ocupado com os próprios pensamentos, duvidando sobre as próximas palavras.
- O que os rebeldes sulistas querem, alteza? - eu tentava a todo custo mudar de assunto, levar para um lado da conversa que eu estivesse confortável em seguir.
- Guerra. O fim da monarquia. - ele deu de ombros, voltando a atenção pra mim. - Mas não é isso que importa agora, . Nós precisamos conversar sobre sua segurança.
- Achei que era apenas lenda, sabe, a parte da guerra civil. - falei, ignorando completamente suas últimas palavras.
- , por favor!
- . - me levantei, caminhando até a sacada, secando algumas teimosas lágrimas, quando senti ele se aproximando continuei: - Eu estou segura. Eu estou no seu castelo. Mas eu preciso de um tempo.
- Eu…
- . Eu vou ficar bem, eu prometo. - apesar de não ter certeza sobre aquelas palavras, precisava que o príncipe acreditasse nelas. Precisava que alguém acreditasse.
Ele assentiu, voltando seu olhar para o jardim. A parte que era possível ver da minha sacada, à essa altura do dia, estava impecável.
- Foi nosso objetivo. A parte da lenda.
- Esconder as coisas do povo?
- Proteger as pessoas do medo, do caos.
- A dádiva da ignorância. - conclui.
me olhou surpreso naquele momento, seu olhar clínico parecia me analisar. Ele claramente não esperava que eu entendesse, mas eu tinha plena noção de que ignorância podia ser uma dádiva.
- Você concorda?
- Eu entendo. É diferente. - dei de ombros. - Talvez, se as pessoas soubessem, viveriam com medo.
- Eu concordo com você.
- Eles atacaram o povo alguma vez?
- Sim.
- Por quê?
- Eu não sei ao certo, acho que nem eles sabem. Os rebeldes nortistas me procuraram, eles querem uma mudança real, uma mudança saudável. Os rebeldes sulistas querem destruição.
- Eles já sequestraram alguém antes? - deixei a pergunta escapar, me arrependendo logo em seguida. - Esquece, não preciso saber.
- . - se virou para mim, pegando minhas mãos. - Você não sabe o quanto me dói dizer isso, mas se, de algum jeito, você quer tratar como se fosse comum, como se fosse um acaso, como se fosse nada aqueles homens atrás de você. Esqueça. Eles sabem. Todos sabem. Você ainda não é a princesa de Ynter, mas provavelmente será.
Ele tinha tanta certeza, olhei para ele assustada.
- Nós ainda temos tempo. Eu talvez me apaixone por outra, talvez as coisas realmente mudem. Mas vocês são em 15 garotas agora. E eu realmente me esforço, mas… Vocês estão aqui a poucos dias e nunca teve uma Selecionada com tanta aprovação. Você está quebrando recordes! Eu tento...
- Não diga. - soltei minhas mãos, sentia as lágrimas novamente querendo sair. - Não diga que me quer, . Eu não posso, não estou pronta.
- Eu vou fazer você me amar, .
Amor. Maldita palavra de quatro letras. Eu não sabia o que era amor, eu não fazia ideia! Será que eu teria a mesma sensação que tive com Anne? Ao descobrir o que era o real apoio. Será que eu perceberia que sentia falta de algo que nunca realmente tinha provado? E se o amor fosse assim? E se no fim eu descobrisse que preciso dele? Eu me casaria sem amor?
- ?
Eu me sentia tonta, sentia calor, sentia-me exausta. Eu não podia surtar, não ali, não com . Respirei fundo. Percebi que estava de costas para o príncipe, querendo ao máximo esconder como me sentia. Eu precisava respirar fundo, tinha que ser firme. Não podia chorar.
- Eu não sei. Eu simplesmente não sei.
- Você vai descobrir, . Um dia você vai ter certeza se está pronta ou não. Mas eu preciso que entenda, nada vai ser como antes. Nunca mais.
Assenti. Claro que não seria, eu sempre soube. Selecionada era o mais perto de normal que eu tinha. Rainha era o mais longe dele. Entretanto, qualquer coisa no meio termo também não me agradava. Senti as lágrimas caírem silenciosamente.
- , por favor, olhe para mim.
Me virei, deixando o príncipe perceber que eu chorava e apesar de parecer calma perto dos soluços de antes, eu não me sentia confortável em me expor daquele jeito.
- Você está chorando?
- Me desculpe.
- , eu… - parecia não saber o que dizer, apenas senti seus braços me envolvendo e me levando de encontro ao seu peito. Logo minhas lágrimas molhavam seu terno.
- Eu prometo não te decepcionar, .
- Você não me decepciona, . Acho que nada que você faz seria capaz de me decepcionar… Eu só fico cada vez mais surpreso. - ele me abraçou um pouco mais forte. - O problema é que você surpreende todos, ganha admiração de todos. Você terá um guarda na sua porta sempre, à partir de hoje.
- Um guarda? Mas ele não vai fazer falta em outro lugar? As outras garotas não vão estranhar? - me soltei de seu abraço, secando as lágrimas.
- Ele estará aqui por todas vocês, elas se sentiram mais seguras também. Além disso, estamos providenciando novos alistamentos.
- Claro, tudo bem então.
me olhava carinhoso.
- Eu realmente lamento. Não sei como concertar isso, mas vou descobrir.
O jantar, ao contrário do que eu pensava, foi servido no salão como se tudo estivesse normal no castelo. Parecia que a única diferença era o número de garotas, a falta de 10 meninas deixava a mesa, antes abarrotada de mulheres, vazia, mostrando que éramos cada vez um grupo mais seleto. Provavelmente para o café da manhã do dia seguinte a mesa grande seria novamente distribuída, deixando-nos mais próximas umas das outras, evitando as cadeiras vazias entre nós. Mas, por enquanto, o espaço não ocupado era apenas mais um lembrete que a Selecionada que antes ali sentava, havia desistido, que estava partindo segura para sua casa, ao contrário de todas ali presentes.
Respirei fundo. Eu sabia que apesar de estar lá, não fazia realmente parte daquele jantar, era como se ninguém estivesse pronto para lidar com a garota que quase morreu. Seria algo incômodo se eu não estivesse tão dispersa, presa em minha mente ainda confusa e em choque. Lembro, claramente, de ter que me concentrar para manter a postura ereta, pois a dor tornava a posição desconfortável; manter uma conversa longa seria muito para mim.
Além da dor, eu tinha um desconforto constante no estômago, como se a náusea do toque daqueles homens sobre minha pele ou a visão do sangue em meu vestido, causado por um tiro dado a palmos de mim, ainda fosse sentida. Não me recordo de ter feito algo além de bagunçar a pouca comida no prato e dar pequenos goles em minha bebida durante toda a refeição.
Reparei que as meninas conversavam aos cochichos, nervosas com a situação. E apesar de eu estar visivelmente melhor naquela noite com o vestido de mangas cobrindo as marcas em meus braços, eu sabia que a imagem do abrigo não tinha sido apagada da mente de ninguém. Nem mesmo da família real que conversava entre si, olhando para as Selecionadas algumas vezes.
- Senhoritas. - o rei se levantou de repente, fazendo-me encará-lo surpresa. O rei quase não falava conosco, deixava os pronunciamentos para seu filho e sempre parecia ocupado demais para nos ver. - Quero primeiro pedir desculpas à todas vocês, por mim e minha família. Agradecemos imensamente por ainda confiarem em nós para protegê-las.
Lentamente todos os rostos viraram em minha direção, como se a culpa de todas estarem lá fosse minha. Senti a responsabilidade cair em meus ombros. Talvez tivesse razão, talvez eu tenha inspirado algumas meninas.
- Sabemos que muitas de vocês nunca enfrentaram situações parecidas, mas saibam que os ataques à família real acontecem há anos. Nós estamos preparados para isso. Os rebeldes do sul, como todas já devem saber, buscam acabar com a monarquia. - ele pegou fôlego. - E dar um fim à Seleção teria uma repercussão significativa, por esse motivo os ataques brutais. Mas nós não vamos permitir isso, vamos protegê-las como se já fossem parte de nossa família.
Olhei para e , buscando ali algum tipo de reação às palavras do pai, mas ambos pareciam prestar muita atenção no homem para me notar encarando-os.
- Saibam que todas poderão falar com suas famílias amanhã de manhã; Mariee terá um telefone especialmente para vocês. Peço que continuem normalmente sua rotina, queremos deixar o passado para trás. Se qualquer uma de vocês precisar de atendimento médico, seja físico ou psicológico, nossa enfermaria está equipada para atendê-las. Dito isso. Boa noite à todas.
Depois do pronunciamento do rei, eu fui incapaz de fazer qualquer coisa. Fiquei sentada, quieta, sem mexer no prato ou copo, esperando ser aceitável me levantar. Anne parecia entender minha vontade, pois fez um sinal com a cabeça para irmos. Concordei e, juntas, cada uma de seu lugar da mesa, pedimos licença para sair.
- Como você está? - ela perguntou, quando resolvemos ir para o salão das mulheres para sentar em um dos sofás. - Sua expressão está péssima.
- Eu estou bem. Eu me sinto melhor agora que minha aparência melhorou. - tentei brincar, mas Anne não sorriu.
- Você se machucou? Porque esse vestido comprido não engana ninguém, .
Lamentei. Era claro que as pessoas iam perceber as mangas compridas, afinal o clima era bem quente naquela época do ano.
- Eu tenho alguns cortes no braço. - falei, como se fosse explicação o suficiente.
- Só isso? Você precisa contar para alguém, .
- Eu tentei fugir, Anne. Eles iam me levar embora para sempre, se eu saísse por aquele portão, eu jamais voltaria.
- Eles iam matar você?
- Eles iam fazer tanta coisa. - senti meus olhos se encherem de água. Respirei fundo.
- E o que aconteceu?
- Não consegui ir muito longe, quando tentei fugir. Eles me pegaram e me bateram, mas fui salva a tempo. - As lágrimas simplesmente voltaram.
- Eu sinto muito, . Você me salvou, você sabe, não é? - Anne me olhou nos olhos, colocando a mão em meu joelho. - Você realmente me salvou. Eu fiquei pensando no que aconteceu e eu não sei o que teria sido de mim sem você.
Sorri para ela, mas não cheguei a responder, pois a porta do salão das mulheres foi aberta, chamando nossa atenção. A rainha e uma de suas criadas caminhavam em nossa direção.
- Boa noite, meninas. Espero não estar atrapalhando.
- Majestade. - Eu e Anne levantamos imediatamente, fazendo uma reverência. Sequei o resto de lágrimas no rosto, fingindo estar tudo bem.
- Por favor, gostaria de me unir à vocês para um chá. Acho que precisamos conversar. - ela comentou, se sentindo um pouco culpada. Ela não queria soar rude, mas estava claro que ela precisava muito falar comigo sobre assuntos nada legais.
- Na realidade, eu já estava indo dormir. Eu preciso me retirar, se não se importam. - Anne, que de boba não tinha nada, fez uma rápida reverência e saiu. Não sei se ela chegou a entender cada palavra da rainha, mas ela entendeu o suficiente para saber que a rainha queria privacidade.
Olhei em volta, evitando os olhos da mulher a minha frente. Eu ainda não havia me acostumando com os móveis originais do salão: dois conjuntos de sofás, uma tv e duas mesas pequenas separadas por um pequeno espaço.
A rainha decidiu sentar-se no sofá em frente ao qual eu e Anne estávamos, me fazendo sentar novamente e encará-la. A criada que a acompanhou, entregou uma xícara de chá para ela, da bandeja que estava segurando e depois para mim, levando a terceira embora. A rainha tinha sido delicada o suficiente para pedir uma xícara para Anne, caso a mesma acabasse se unindo a nós.
- Por favor, não deixe ninguém entrar aqui até eu chamar. - a rainha falou, antes da criada sair pela porta.
Respirei fundo.
- , como você está?
- Eu estou bem, majestade.
Ela assentiu e pareceu pensar.
- Querida, preciso ser sincera com você, acho que é a melhor solução. - ela disse por fim. - Meu filho veio falar comigo, ele realmente teme pelo que você passou hoje mais cedo. Ele acha que você se abriria com alguém como eu, no caso, uma mulher, uma mãe. Porém não quero que você se sinta obrigada a falar porque sou sua rainha, quero que você se sinta confortável para falar comigo se quiser. - ela tomou um gole de chá, me dando liberdade para digerir as palavras. - Meu filho pode estar louco de preocupação, mas eu ainda acredito no seu direito de escolha na hora de se abrir com alguém.
- Obrigada. - encarei minhas mãos, eu realmente não estava esperando por aquilo.
- Entretanto, eu me sinto tão preocupada quanto ele. Temo por sua segurança, . Inclusive porque já estive em sua posição e não passei por nada parecido. Digo, quando era uma Selecionada. Os rebeldes de ambos os lados estão diferentes agora, mais ardilosos, mais inteligentes. Eles querem mais e parecem mais preparados. Então, eu preciso que você fale, pelo menos, com o Soldado Hitt.
- Eu…
- Eu sei que pode ser complicado, querida. Mas trata-se da segurança nacional, você não pode guardar os acontecimentos apenas para si. Sei que quando chegou aqui, não conversou com o soldado sobre o ocorrido na saída da estação de trem e te livrou dessa. Mas dessa vez, se não falar com o príncipe, terá que falar com o soldado.
Assenti, me sentindo triste e tonta de repente. Cheguei a achar que a rainha me deixaria sair sem maiores problemas, mas era apenas a diplomacia falando. Ela estava sendo gentil, mas ainda teria o que queria.
- Claro. - foi tudo o que eu disse. Sempre pronta para fazer o que esperavam de mim.
- Eu acredito que falar com o soldado será mais fácil, afinal ele não quer saber sobre seus sentimentos. - ela disse culpada, sabendo que ela ou qualquer um dos seus filhos, acabaria perguntando mais. - Eu posso ficar, se quiser. Posso estar aqui do seu lado, . Se você for se sentir mais confortável.
- Eu tenho que falar com o soldado Hitt agora?
- Lamento dizer que sim.
- Eu… - respirei fundo, fechei os olhos. Relaxe, , você vai sobreviver. - Os príncipes vão acabar sabendo?
- Não se você não quiser. O soldado Hitt responde ao rei, . E se você quiser que isso seja um segredo, consigo fazer ficar apenas entre nós.
- Entre nós e o rei?
- Sim. O rei precisa saber.
- Tudo bem.
A rainha confirmou e chamou por sua criada, pedindo que a mesma trouxesse o soldado Hitt, pois naquele momento e apenas naquele momento ele tinha permissão para adentrar ao salão das mulheres
- Você quer que eu fique, ?
- Por favor. - pedi, notando que, dessa vez, a rainha sentou-se no sofá ao meu lado. Ela estaria ali por mim.
- Majestade. Senhorita . - o soldado cumprimentou com uma reverência assim que adentrou o cômodo. - Agradeço a permissão, majestade.
- Seja bem-vindo, soldado. Sente-se. - ela apontou para o sofá a nossa frente. - Imagino que tenha perguntas para a senhorita . Por favor, comece.
O soldado assentiu, sentando-se onde lhe foi designado, começando a mexer em alguns papéis que tinha em mãos. Ele anotaria minhas palavras, pelo visto.
- Sinto muito pelo ocorrido, senhorita . É perceptível o perigo que a senhorita corre e por isso já foram selecionados diferentes guardas para sua segurança e das outras Selecionadas. - ele disse formal. - Mas para entendermos melhor o ocorrido, temo ser necessário certas perguntas.
- Tudo bem.
- Primeiro, como a senhorita foi parar no bosque?
Fiquei feliz pelo soldado ter decidido começar pelos fatos, por detalhes pequenos que eu facilmente lembrava.
- Nós estávamos debaixo das tendas, no jardim, quando os rebeldes chegaram. O alarme logo soou e todas começaram a correr. Eu acabei ficando chocada e analisando exatamente o que estava acontecendo, percebendo segundos depois. Anne, outra Selecionada, não fala nossa língua, por isso ela acabou se atrasando na hora de correr. Foram poucos segundos, mas nós já estávamos no final de fila. - comecei a contar. - Foi então que um dos homens berrou, berrou dizendo que a garota estava fugindo e eles deveriam correr para pegar a “Selecionada ”.
- Ele falou seu nome?
- Sim. O homem estava atrás de mim.
- E então você correu?
- Nós estávamos lentas, eram poucos guardas. Achei que não daria tempo. Achei que eles poderiam pegar todas nós. Então resolvi que seria mais seguro ir para o bosque. Eu conheço aquele tipo de vegetação, soldado Hitt. Eu ia conseguir fugir e me esconder por entre as árvores.
- O que aconteceu?
- Um homem apareceu na minha frente. Eu realmente estava em vantagem do grupo atrás de mim, mas aquele homem surgiu do nada. Acredito que ele conhecia outra trilha. Ele estava armado, me obrigando a parar.
- Sendo assim, todos lhe alcançaram. Sete, de acordo com o príncipe.
- Sim. Fiquei cercada.
- E o que eles disseram, senhorita? Cada palavra que se lembrar é importante.
- O líder mandou me amarrar e amordaçar. Então um homem foi responsável por isso. Ele me chamou de boneca, ele disse que queria fazer várias coisas comigo. - senti quando as lágrimas silenciosas começaram a surgir. Eu estava chorando. A rainha gentilmente me deu a mão, apertando-a, demonstrando força. - Depois um garoto veio me amordaçar, eu tentei fugir, mas o homem me apertou ainda mais forte. Ele disse que ia tirar minha roupa ali mesmo. Eu tive que ficar quieta. - soltei um soluço.
- Certo. E o que aconteceu então?
- Eles se dividiram em dois grupos. O menor seria responsável por me levar. O líder mandou eles serem rápidos, sem caprichos. Ele disse que os caprichos seriam para fora do portão.
-O que o segundo grupo foi fazer?
- Ele não disse. Ele disse apenas que tinha coisas para resolver.
- Certo. Então vocês se separaram.
- Sim. Começamos a caminhar em direção à saída do castelo, ainda pelo bosque.
- Que saída?
- Eu não sei, sinto muito.
- Tudo bem. E o que aconteceu durante o caminho?
- Eles ficavam conversando sobre mim. Discutindo o quanto eu era importante para o príncipe.
- O que eles falaram exatamente?
- O homem que me segurava queria muito saber porque eu corri para o bosque, ele disse que eu me sentia sozinha e precisava de atenção. Então, o mais novo entre eles disse que eu era a favorita, que deveria ganhar atenção. - solucei. - Um deles disse que se o príncipe já tivesse tocado em mim, não seria tão divertido.
A rainha apertou minha mão ainda mais forte, já o soldado pareceu desconfortável e coçou a bochecha. Enquanto eu só queria controlar minhas lágrimas, eu ainda precisava falar.
- Depois disso decidi que precisava fugir. Não podia ficar pior do que estava. Montei um plano.
- Que plano?
- O homem atrás mim estava tão perto que esbarrava suas partes em meu corpo. Então eu decidi machucá-lo ali, com as unhas. Apertei o suficiente para fazê-lo gritar e me soltar. O segundo homem virou-se para mim e eu o chutei, no mesmo lugar. - fiquei meio envergonhada. Não era exatamente comum ficar falando sobre as partes íntimas dos homens. - O terceiro estava muito longe, eu não o ganharia na luta. Então, eu corri. Mas ainda não foi o suficiente. Eu pensei que talvez ele não viesse atrás de mim. Eu achei que ele teria pena.
Percebi que naquele momento eu não estava mais chorando. Eu estava com raiva, eu estava me sentindo forte e corajosa.
- Ele não teve?
- Não. Ele conseguiu me alcançar, me puxou pelo braço e deu dois socos no meu estômago antes de me jogar com força contra uma árvore. Dando tempo para o homem que eu acertei primeiro se aproximar e me ameaçar. Ali eu achei que tinha perdido, ali eu decidi que era melhor morrer. Foi então que um dos guardas disparou o primeiro tiro.
- Esse seria o soldado Gabe.
Gabe. Agora eu sabia seu nome.
- Gabe acertou o homem, fazendo-o cair. Ele estava tão perto de mim que seu sangue encharcou meu vestido.
- Certo. E o segundo homem? Ele a ameaçou com a arma?
- Ele sabia que não teria tempo de me matar, eu vi em seus olhos. Ele apenas não queria ser capturado. - contei, lembrando da vida saindo dele.
- Certo. Tudo bem. Eu sei o que aconteceu depois. - ele anotou mais algumas coisas em seus papéis. - Eu tenho mais uma pergunta, senhorita: você viu o rosto do líder?
- Sim. Antes de nós sairmos, consegui ver de relance.
- Seria esse? - o soldado Hitt ergueu um dos papéis em minha direção. Mostrando uma foto que parecia um documento oficial. O homem no papel estava mais novo e talvez mais magro, mas com certeza era o homem que mandava nos outros. Percebi que até a rainha estava ansiosa pela minha resposta.
- Sim. Era ele. Tenho quase certeza.
O soldado soltou um suspiro nada discreto, a rainha se mexeu no sofá.
- Por quê? Quem é ele?
O soldado olhou para a rainha ao invés de mim.
- Acredito que ela mereça saber.
- Esse homem, senhorita , é o líder de todos os rebeldes sulistas. Depois que assumiu seu lugar no topo, nunca tínhamos visto em um ataque.
- O que isso quer dizer?
- Quer dizer, , que eles a queriam tanto que o próprio líder veio buscá-la. - a rainha respondeu, me olhando triste.
Eu não sabia o que fazer, nem sequer o que sentir. Como assim? Me matar era a missão maior de todas?
- Ele saiu vivo? Do castelo?
- Sim. - o soldado Hitt respondeu.
Assenti. Incapaz de falar qualquer coisa.
- Obrigada, soldado. Gostaríamos de um tempo a sós agora.
Não prestei atenção no soldado saindo, mas eu sabia que ele não estava mais lá quando senti os braços da rainha em volta de mim. Ela não disse nada, eu não disse nada. Apenas fiquei ali, por alguns segundos, soltando lágrimas silenciosas no ombro da vossa majestade real.
- Ninguém mais saberá disso, querida. - ela disse, secando minhas lágrimas teimosas com os dedos. - Eu realmente sinto muito.
- O que eu fiz? O que eu fiz de errado? - perguntei, sabendo que não teria uma resposta.
- Chegará um dia, , que seu rosto significará bravura e esperança. Pense nisso. - a rainha disse entre sorrisos, como se fosse algum motivo para eu me sentir melhor. - Você foi para a enfermaria?
- Eu… Não posso.
- Vou mandar entregar um remédio para seus roxos. Passe ainda hoje depois do banho. Acredito que pelo menos uma de suas criadas já viu.
- Sim, majestade.
- Você pode ir para o quarto, . Agradeço pelo esforço.
Dei o melhor sorriso sem vida que era capaz, sabendo que meus olhos estavam inchados pelo choro e que eu não pareceria feliz nem se quisessem. Fiz uma reverência e me retirei do salão a passos lentos; do lado de fora estava a mesma criada e dois guardas. Quando comecei a caminhar pelos corredores senti um deles atrás de mim, mas não tinha ânimo para perguntar seu nome ou se ele seria o encarregado de me manter segura pelos próximos dias, apenas deixei que fosse minha sombra.
Assim que cheguei ao pé da escada que me levaria para o andar das Selecionadas pude ver no final do corredor, parado e segurando alguns papéis. Não saberia dizer se ele estava ali por coincidência ou apenas achou um lugar estratégico para me ver saindo da conversa com sua mãe. Olhei para ele, sentindo novamente as lágrimas, e subi as escadas, sem sorriso, sem reverência, sem olá. Naquele momento, pelo menos, eu tinha direito de ficar sozinha.
A pomada que a rainha mandou entregar em meu quarto era realmente milagrosa, eu consegui dormir muito melhor depois de Elise fazer seu trabalho. Naquela noite, ela tinha sido a única a aparecer em meus aposentos. Algo relacionado aos vestidos que ainda precisavam de ajustes.
Apesar de tudo, foi impossível evitar as lágrimas que encharcaram meu travesseiro antes de dormir.
Capítulo 9 - O Dia Seguinte
Acordei bem mais cedo do que o normal, sabia disso, pois não havia nenhuma luz por trás das cortinas. Apesar do horário, eu conseguia ouvir passos no corredor, que depois deduzi serem do guarda que havia subido ao meu encalço na noite anterior.
Como nada me faria voltar para aquele pesadelo e ainda faltava muito tempo até todos despertarem, optei por tomar um longo banho antes de começar o dia. Decidi não acender as luzes, ninguém precisava saber que eu estava acordada àquela hora. Após um tempo na banheira, comecei a me arrumar a passos lentos, demorando para decidir por qual vestido usar, provando o que melhor cobriria minhas marcas. Poucas horas depois eu estava pronta, mas ainda era cedo demais para Elise aparecer em meus aposentos. Não queria esperar por ela, então decidi deixar um bilhete lhe explicando meu sumiço.
- Bom dia, soldado. - cumprimentei-o quando abri a porta de meus aposentos.
- Senhorita. - ele arrumou a postura imediatamente e apesar de parecer surpreso, não se assustou com minha presença repentina.
- Eu sei que o horário não é dos mais apropriados, mas eu estava pensando em dar uma volta.
- Eu… O jardim é proibido tão cedo, senhorita. Ainda está escuro.
- Eu sei, mas imagino que a biblioteca não. Estou certa?
- Acredito que sim, senhorita .
- Ótimo.
Esperava muito não causar problemas para o guarda por andar sozinha pelo castelo, afinal, não tinha certeza se parte da sua função era me manter no quarto. Eu acreditava que nem ele tinha, pois ainda parecia receoso caminhando atrás de mim, até me deixar partir escada abaixo. O castelo estava incrivelmente vazio, encontrei apenas alguns guardas fazendo sua ronda. Os homens pareciam surpresos em me ver, mas nenhum teve coragem de me barrar, então cheguei à biblioteca sem qualquer problema. Abri a porta devagar.
- Altezas - cumprimentei com uma reverência quando me deparei com e no meio do grande salão lotados de livros.
- ? - foi que reagiu primeiro, sua expressão era de ainda mais surpresa do que as dos homens que trabalhavam para ele. - O que faz aqui?
- Perdi o sono. - menti. Horas depois de acordar eu já sentia o cansaço em cada parte do meu corpo fragilizado, mas não tinha coragem de dormir naquele momento, sabia que os homens do dia anterior perturbariam meus sonhos. ergueu uma das sobrancelhas, suspeitando.
- E então resolveu vir na biblioteca ler? Não há livros no seu quarto? - o mais novo não parecia crer na minha desculpa.
- Na realidade sim. - respondi a primeira pergunta o mais indiferente que pude, fingindo não ouvir a outra. - Mas vejo que estou atrapalhando, então, se me derem licença...
- Não. - falou, me parando no meio do caminho de volta. - Você pode ficar, se quiser.
Ponderei a ideia. Não estava afim de ter nenhum tipo de conversa com os príncipes no momento, mas não conhecia nenhum outro lugar para ir aquela da manhã, quando o sol ainda ameaçava a nascer. Decidi que a biblioteca era grande o suficiente para todos nós.
- Tudo bem. - falei querendo soar o mais distante possível e parti para o lado direito da biblioteca, esperando encontrar alguma coisa para fazer naquela seção.
- O que deu nela? - escutei dizer quando achou que eu já estava distante o suficiente, mas a resposta dada pelo seu irmão foi impossível de decifrar.
Decidi que nenhuma história me prenderia o suficiente para me tirar o sono, então optei pela sessão de fotografia, curiosa. Havia um livro sobre paisagens do nosso país, o escolhi. A ideia funcionou, pois logo depois estava procurando por outros livros de fotógrafos famosos.
***
- ? - ouvi antes de notá-lo se aproximando de mim. - Está na hora do café.
Olhei para ele, percebendo que seu sorriso era fraco, sem jeito. No fundo eu me sentia satisfeita por ele saber o que tinha me feito passar e ter um pouco de receio. Mas eu também sabia que aquelas eram as regras e não podia culpá-lo por segui-las.
- Você já viu esse livro? - perguntei, mostrando para ele o livro de fotografia com o tema “cores” que eu analisava.
- Na realidade não. - ele comentou, aceitando a deixa para começar uma conversa amigável. - Onde você o encontrou?
sentou-se no sofá ao meu lado e começou a analisar a foto de um céu azul claro, sem nuvens, emoldurando uma pipa de um azul tão escuro que parecia a noite.
- Tem um setor só de livros de fotografia aqui. - comentei. - Esse até agora é meu preferido, tem um capítulo inteiro para o azul.
- Imagino que seja esse. - ele brincou.
- Sim! Tem essa outra foto aqui, acho que é a mais bonita. - virei as páginas até a fotografia de página única, a qual mostrava uma menininha com um sorriso tímido usando um vestido rodado azul turquesa, o fundo era uma parede externa branca, de uma casa com cortinas também azuis.
- É realmente bonita.
- Ele é muito bom.
sorriu e me encarou por alguns segundos, ele parecia intrigado, talvez surpreso. Eu também estava, não conseguia imaginar que livros de fotografia podiam ser tão interessantes.
- Acho que você tem razão. - ele deu de ombros. - Podiamos vir aqui olhar os outros livros mais tarde.
Aquilo era um convite para um encontro?
- Vou ligar para minha família mais tarde.
- Depois disso, que tal?
- Claro, pode ser.
- Perfeito.
se levantou e me estendeu a mão, querendo que eu lhe acompanhasse. Aceitei, nenhuma dama podia recusar a mão de um nobre, não se ele fosse de uma casta superior à sua. Caminhamos de braços dados até o corredor em frente ao salão de refeições, ali preferi soltá-lo, fingindo que precisava arrumar algo em minha saia. Se notou, não comentou.
Sentei em meu lugar já lamentando estar ali, assim como no jantar do dia anterior, a comida me deixava enjoada, definitivamente ainda não estava pronta para uma refeição. Passei o tempo ali completamente como espectadora, fingindo comer e prestar atenção nas conversas que aconteciam a minha volta. Entretanto eu estava com a cabeça longe.
Percebi me olhando e dando uma piscadinha na hora, o que imaginei ser sua maneira de perguntar se estava tudo certo. Não tínhamos nos visto direito depois do ataque, mas deve ter dado todos os detalhes possíveis por mim. Sorri fraco, tentando dizer que as coisas iam se acertar.
***
- Bom dia, senhoritas! - Mariee tinha um sorriso e humor alegre quando se juntou a nós na tenda. Apesar do dia anterior e de não ter aparecido para o café, ela parecia relaxada. - Fico realmente feliz em ver todas vocês aqui, sinto que, apesar da perda de algumas companheiras, temos motivos para permanecermos firmes. - ela olhou para cada uma de nós sorrindo. - Como dito pelo rei, vamos passar as primeiras horas da manhã realizando ligações para casa, mas depois disso terão o primeiro dia oficial de folga.
O murmúrio foi inevitável, a ideia de não passar o dia todo treinando para ser princesa alegrava a maioria. Até a estranha felicidade de Mariee pareceu fazer sentido.
- Vamos fazer as ligações por ordem alfabética das Províncias, assim como no primeiro dia oficial aqui. Mas lembrem-se: ninguém tem conhecimento sobre o ataque dos rebeldes de ontem, então é a opção de vocês contar ou não aos seus familiares. A família real pede para as Selecionadas e seus parentes terem o máximo de discrição. Não queremos causar uma repercussão nacional! - ela olhou para a prancheta em mãos. - Sendo assim, vamos começar! Duas meninas por vez, na biblioteca.
Anne sorriu para mim antes de seguir Mariee até a biblioteca, logo eu seria chamada, mas enquanto isso fomos convidadas para uma xícara de chá no salão das mulheres. Segui as outras em silêncio, escolhendo sentar em um jogo de sofás mais distantes, quando chegamos à sala.
- Vocês vão contar para a família de vocês? - Trace perguntou, sentando-se comigo e outras quatro meninas. Parei para pensar, percebendo que aquela era uma ótima pergunta. Eu iria contar para minha família sobre a existência dos rebeldes sulistas? Na realidade, eu tinha como esconder? Haviam guardas em suas portas!
- Eu acho que sim, minha mãe é capaz de guardar segredo. - Lauren respondeu, ajeitando-se na cadeira e aceitando o chá oferecido por uma das criadas.
- Eu talvez não conte. Tenho medo que minha mãe me mande voltar para casa. - Natalie contou, pegando sua xícara.
- Eu acho que vou contar. - disse dando de ombros, negando o chá.
- É, eu também - Mary respondeu, fazendo Wendy e Belle concordarem.
- Vocês não tem medo de ir para casa por isso? - Natalie insistiu.
- Acho que se eu for mandada para casa pela minha mãe, é porque ela está certa. Não sei até que ponto ainda é seguro permanecer aqui. - Belle me surpreendeu com sua opinião, mas era evidente que ela tinha razão. Talvez, se eu tivesse dúvidas sobre ir embora ou não, eu preferisse falar com minha família antes.
Não houveram comentários, pois logo uma empregada chamou por mim e Belle, às próximas da lista, depois que Vivian se foi. Sorri para as meninas e me levantei junto com Belle, caminhamos lado a lado até a biblioteca
- Boa sorte com sua mãe. - desejei, quando nos separamos nos cantos opostos do cômodo para usarmos o telefone com mais privacidade.
Decidi ligar para a casa de Vic, na esperança que ela entendesse melhor o ocorrido e convencesse nossa mãe a manter segredo.
- Alô? - ouvir sua voz no outro lado da linha apertou meu peito, lembrando de como a distância entre nós tinha aumentado. Apesar de ela não morar comigo, antes eu tinha consciência que ela estava no bairro seguinte se eu realmente precisasse dela.
- Vic! Oi, sou eu.
- ! Que bom que você ligou! O que está acontecendo? Ninguém me explicou nada! Mamãe e papai estão surtando, querendo processar o palácio por invasão de privacidade.
Respirei fundo.
- Preciso que você me escute com muito cuidado, Vic. Tenho pouco tempo.
- Certo, prometo ficar quieta.
Então contei tudo para minha irmã, contei dos ataques, contei que eram rebeldes sulistas, contei que sem querer eles me capturaram, viram meu rosto de perto. Deixei claro que eu estava muito bem e, como os guardas haviam me salvado, poderia haver retaliação dos rebeldes, isto é, expliquei que devido a raiva eles poderiam querer atacar minha família. Expliquei também que eu estava compartilhando um segredo e que ela devia deixar bem claro pra nossa mãe.
Victoria ouviu tudo atentamente, agradeceu pelos guardas e perguntou se eu estava bem. De acordo com ela, não havia nenhuma novidade, todos só sabiam comentar sobre a Seleção. Ela perguntou sobre o príncipe, mas eu não sabia bem o que contar. Eu só podia dizer que ser a preferida nas enquetes de revista não me tornava a preferida do príncipe.
- Obrigada por ligar para mim em vez de para mamãe. Eu estou com saudades.
- Eu também! Prometo lhe mandar cartas se algo de novo acontecer. Se der, manda um abraço para o Drew quando passar lá em casa.
- Pode deixar. Se cuide, . E prometa ficar segura.
- Não se preocupe, foi tudo uma coincidência.
Desliguei o telefone mais tranquila, sentindo que pela primeira vez acreditava na segurança da minha família. Se algo tivesse acontecido, Vic teria me contado.
***
- O que você acha, ? - Lauren perguntou quando voltei ao meu lugar.
- O que eu acho sobre o que?
- Sobre a aparência do príncipe.
Era disso que elas estavam falando?
- Eu acho ele normal, bonito.
- Normal? - elas riram.
- Ele é forte, rico, tem uma coroa. - Belle, que chegou junto comigo, deu sua opinião.
- E é fofo, simpático. - essa foi Mary.
- Mas muito ocupado. Ainda não tivemos tempo para um encontro. - Wendy reclamou.
- Nós só estamos aqui há uma semana. - Natalie explicou, me deixando na dúvida se ela teve ou não um encontro com o príncipe.
- Mas já somos em 15. Acho que essa vai ser a Seleção mais rápida da história.
- Nós éramos em 25 até ontem. - comentei. - Não podemos culpar o príncipe.
Não sabia dizer exatamente porque estava defendendo-o, mas queria que as meninas percebessem que ele ainda às queria, ele ainda queria todas as 25 garotas.
- Você acha? - Wendy perguntou, ela realmente parecia insegura sobre si. Foi então que percebi: eu não tinha pensando exatamente no que o príncipe significava para cada uma daquelas meninas. Não tinha notado, entre meu conflito pessoal, que talvez uma delas já amasse o príncipe, já sonhasse com sua vida de princesa.
- não está dizendo que ele quer casar com todas nós, Wendy. Ela só quis dizer que ele não mandou ninguém embora por vontade própria. - Lauren me soou um pouco fria, mas ela não estava mentindo. Eu não tinha certeza sobre quem gostava entre elas, na realidade, acreditava que nem ele sabia.
A conversa continuou até um pouco antes da última menina voltar de sua ligação, pois, nesse momento, uma criada me entregou um bilhete. As meninas ficaram entusiasmada quando fui obrigada a dizer que havia me chamado para dar uma volta, mas eu só queria que tudo fosse considerado normal. Uma simples volta, nada romântico, nada oficial. Segui a criada até o lado de fora do salão das mulheres, encontrando o príncipe à minha espera do lado de fora.
- Senhorita . - ele cumprimentou, me estendendo o braço novamente.
- Alteza. - disse, fazendo uma breve reverência antes de aceitar ser conduzida.
- Sei que lhe prometi uma ida à biblioteca, mas os criados precisam de alguns minutos para desconectarem os telefones de lá. Sei que tínhamos tempo, mas eu estava ansioso. Pensei em dar uma volta pelo jardim antes.
- Claro. Por mim tudo bem.
- Como foi sua ligação para casa?
- Foi boa. Liguei para minha irmã, não tinha notado o quanto estava com saudades dela. Mas não consegui falar com minha mãe, então acho que vou ter que escrever para ela logo.
assentiu, me conduzindo em direção ao jardim feito por sua mãe, onde cada flor tinha seu próprio canteiro.
- Você contou a verdade a ela?
- Eu contei para minha irmã sobre o atentado de rebeldes sulistas, ela queria uma explicação sobre os guardas já que minha mãe parece estar um pouco irritada.
- E ela aceitou sua explicação? Estão com medo?
Hesitei apenas por um breve instante, mas foi o suficiente para notar.
- Você não disse que estavam atrás de você?
- Não exatamente.
- !
- Elas ficariam muito preocupadas. E ainda sim, minha mãe jamais gostaria que eu saísse daqui. E se eu tivesse que admitir que ficaria… Ela perguntaria o motivo… Não é como se eu pudesse falar sobre os rebeldes nortista, por exemplo. - falei baixo.
- Então, você não contou nada para eles?
- Contei que tinha sido pega sem querer, por isso os guardas. Se minha família pensar que estão atrás deles será ainda pior. Minha mãe acharia que eu já sou a princesa e meu pai viveria em paranoia. Minha irmã é casada com o prefeito, ela já tem seguranças para si. Eu só… Eu não posso fazer isso com eles.
- Eles vão ficar bem, . Eu prometo.
Eles tinham que ficar bem, eu jamais me perdoaria se algo acontecesse com minha família. Jamais conseguiria viver com o peso da morte de algum deles sobre mim, seria massacrante, seria pior que morrer. De repente tive que parar de andar, a dor em meu peito era alucinante, nunca tinha sentido algo assim.
- . - chamei-o, mas minha voz era fraca, quase inaudível. Apesar de ter percebido que eu não me movia mais, conseguia ver em sua expressão que ele não estava entendendo o que estava acontecendo.
- ? Você está bem?
Eu não me sentia bem. Respirar era cada vez mais difícil, a dor em meu peito parecia me sufocar por dentro. Eu já estava tonta de dor, perdida. não era mais tão nítido, mesmo estando a centímetros de mim. Eu sentia que ia perder a consciência em segundos, mas não podia, precisava ficar em pé.
- ? O que está acontecendo? - senti os braços de em volta de mim, senti meu corpo pender para o seu buscando suporte, mas nada parecia realmente acontecer comigo, era tão distante. - GUARDAS! ENFERMARIA AGORA.
Eu já não encostava mais no chão, parecia que estava me carregando, mas eu não conseguia afirmar. Ele se mexia rápido demais, o que me deixava zonza. Eu acreditava que não estávamos mais no jardim, pois as luminárias formavam pontos brancos em minha visão. Eu estava olhando para cima? Mas por quê?
Tentei mexer minha cabeça, mas ela estava pesada demais.
- Calma, . Estamos chegando, fique comigo.
Quis assentir, mas não sabia se tinha funcionado.
- Por favor. Fique acordada, . Se esforce.
Queria dizer para ele que eu estava acordada, bem, eu conseguia entender o que ele estava falando. E, poxa, eu não conseguia me esforçar mais do que aquilo. Era difícil, ainda mais com as luzes do teto me deixando cega.
- Alteza. - ouvi uma voz dizer. - Coloque-a aqui.
O que ela tem, doutor?
- Não sei. Preciso primeiro que o senhor me explique o que aconteceu.
Não sei exatamente o que o príncipe disse, porque nesse momento eu apaguei. As luzes cegantes escureceram, a voz de e do médico sumiram e tudo se tornou preto. Pelo menos eu não sentia mais dor.
***
- Como ela está? - ouvi dizer, eu sentia que ele estava perto de mim, mas não conseguia sequer abrir meus olhos para cumprimenta-lo.
- Eu não sei, irmão. O doutor levou os exames de sangue para o laboratório, disse que ela parecia estar desidratada, por isso o soro. O resultado do exame pode demorar mais um pouco. - essa voz era de .
- E quando ela vai acordar? Ele deu alguma previsão?
- Não, mas disse que dormir é bom. Ela apagou total, mas ele disse que ela já está consciente. Faz um tempo.
- Você vai ficar aqui? Quer que eu traga algo?
Depois disso não lembro de ter escutado mais nada.
***
segurava minha mão quando finalmente acordei.
- ! Que bom que você acordou. - sua voz era suave, mas seu rosto se contorcia em preocupação quando ele apareceu em meu campo de visão. - Como você se sente?
- Minha cabeça dói. - foi tudo o que eu consegui dizer, me sentia cansada.
- Vou chamar o médico. - ele disse e sumiu do meu campo de visão apenas o suficiente para eu ouvi-lo dizer “médico” em uma ordem e depois aparecer para mim. - O que mais você sente?
- Eu não sei. Quero me sentar. - anunciei já me mexendo na cama. A dor em minhas costas foi tão forte que reclamei.
- O que foi? O que você está sentindo?
- Apenas dor de cabeça.
Continuei na missão até finalmente me sentar ereta. Olhei em volta, eu estava em uma maca na enfermaria, um lugar totalmente limpo, branco e clínico, me lembrando muito um hospital. A única pessoa ali parecia ser , que estava em pé ao meu lado, deixando o ambiente vazio até para uma enfermaria.
- Você me trouxe aqui. - deduzi e afirmei ao mesmo tempo, lembrando-me de partes do ocorrido mais cedo.
- Trouxe. Carregada, . Você tem ideia do que aconteceu?
Neguei com a cabeça, sentindo uma pontada de dor novamente. queria conversar mais, mas foi interrompido por um homem mais velho, de óculos, barba por fazer e jaleco branco.
- Senhorita , vejo que resolveu voltar para nós. - ele disse, aproximando-se da maca. Ele parecia sério e brincalhão ao mesmo tempo, me deixando confusa. - Como se sente?
- Com um pouco de dor de cabeça.
- Certo. Gostaria de uma água?
- Por favor. - só percebi que estava com a boca seca quando tomei o líquido gelado.
- Há quanto tempo a senhorita não bebe algo?
- Eu não sei. - eu não tinha bebido algo no café? Nem no jantar?
- Tudo bem. Vamos com calma. A senhorita sabe o que aconteceu?
- Não.
- Você não se lembra de nada, ? - perguntou, me fazendo lembrar que ele ainda estava ali.
- Eu… Nós estávamos no jardim e eu comecei a sentir dores no peito.
- Dores no peito? - ficou surpreso.
- Certo. E o que mais?
- Acho que eu não conseguia respirar, doía bastante.
- Você começou a tremer como se estivesse em uma nevasca, .
- Você já sentiu algo parecido antes, senhorita?
- Não. Nunca.
- Tudo bem. Lembra-se de algo a mais?
- Eu lembro de ficar tonta, lembro de me esforçar para ficar em pé.
- Certo. Como eu já conversei com o príncipe, senhorita. Creio que a senhorita teve uma crise de pânico misturada com um princípio de uma desidratação.
- Pânico?
- A senhorita ficará bem, só é necessário que descanse pelo menos pelas próximas 24 horas para termos certeza de suas condições. É de suma importância alimentar-se e consumir líquido frequentemente. Além disso, só posso imaginar que os últimos acontecimentos mexeram um pouco com seu estado de espírito.
- Eu… Eu me sinto bem.
- Claro que sim. - ele sorriu. - O príncipe me alertou da sua capacidade de se sentir bem, mas é preciso que descanse, senhorita. Se sentir qualquer tipo de dor ou desconforto mande me chamar imediatamente. Além disso, posso recomendar um remédio para dormir caso a senhorita sinta dificuldades.
- Seria bom. - respondeu por mim. O que me fez pensar que ele levaria uma bronca do médico, mas o mais velho só assentiu e saiu em busca do que eu imaginava ser o tal remédio.
- Eu estou bem, . Não precisa se preocupar.
- Você não parece bem. E desidratação? Você está em um castelo com uma cozinha ao seu dispor 24 horas por dia. O que aconteceu?
- Eu não sei. Não me sentia bem para comer. Só isso.
- Como não me contou?
- Não era nada demais. Ainda não é, foi apenas algo momentâneo.
- Não vou discutir com você porque não está em condições, mas saiba que à partir de agora você terá que cuidar-se, sem opção.
Não ia argumentar com , estava cansada demais para isso. Meu corpo estava dolorido depois de tanto tempo deitada na mesma posição, principalmente minhas costas. Estava agradecida por ainda usar o vestido que escolhera para o dia, significava que ninguém tinha se dado ao trabalho de ver meus roxos.
- Que horas são?
- Estamos no começo da tarde, o almoço acabou há pouco tempo.
- Já?
- Sim, . Você está dormindo há horas.
- Eu acho que precisava dormir. - brinquei.
- Foi por isso que chegou à biblioteca tão cedo? O guarda disse que escutou movimentações no quarto muito antes de você aparecer.
- Eu tive um pesadelo na noite passada.
- Com os rebeldes sulistas?
- Sim.
fechou os olhos, respirou fundo e mexeu nos cabelos, como se estivesse tentando se recompor. Não sabia o que tinha feito para deixá-lo tão transtornado.
- Eu sinto muito pelo que passou, . Se eu pudesse fazer qualquer coisa para mudar...
- Pronto, alteza. - o médico voltou, trazendo uma cartela de comprimidos. - Senhorita, tome apenas um comprimido. Não é o remédio mais forte que temos, mas acho que lhe dará consideráveis horas de sono.
- Obrigada, doutor.
- Agora pode ir para o quarto, se a senhorita preferir.
Eu estava meio em dúvida do que fazer. Eu devia levantar e sair? Como se tivesse aparecido na enfermaria para um exame rotineiro?
Sentindo-me desconfortável com aqueles dois homens olhando para mim em busca de alguma movimentação, decidi que ficar em meu quarto, com Elise, Meri e Cleo, era a melhor opção, ainda mais se incluísse uma porta fechada e outra roupa.
- Claro, seria bom.
grudou seus braços em mim no momento em que meus pés tocaram o chão, suspeitando que eu cairia, mas eu me sentia bem, apesar de cansada. Era como se eu tivesse bebido muito vinho na noite anterior, algo que me dava dores no corpo e na cabeça, mas não me impedia de colocar um pé na frente do outro.
- Vamos, eu vou ajudar.
Não reclamei, apenas deixei que e seus braços fortes me dessem suporte até meu quarto, o último do corredor das Selecionadas. Havia um guarda diferente na minha porta, o qual abriu caminho para mim e .
- Senhorita , que bom que está bem! - Meri anunciou, depois virou-se para e fez uma reverência, lembrando de suas obrigações.
- Obrigada, Meri. - disse, me sentando na cama. me soltou depois de me avaliar por alguns segundos.
- Senhoras, imagino que a senhorita esteja com fome, já que pulou as últimas duas refeições. Por favor, providencie uma variedade de comidas para ela escolher a que melhor lhe apetece. Além de muita água. - começou as ordens.
- Sim, alteza. - foi Cleo quem saiu atrás de comida.
- Além disso, ela deve descansar pelas próximas horas, por isso peço que não a deixe sair desse quarto.
- Eu estou bem, alteza. - anunciei, trazendo os olhos de de volta para mim. - Agradeço de verdade por ter cuidado de mim, mas eu não tenho mais nada. Prometo.
assentiu.
- O guarda fica. Qualquer coisa mande-o atrás de mim ou do médico. Virei frequentemente garantir que a senhorita está bem.
- Tudo bem.
- Não se esqueça do remédio, se precisar.
sorriu fraco e saiu do quarto, parando uma última vez para me olhar. Logo após o guarda fechou a porta e eu finalmente senti privacidade.
- Preciso que tirem esse vestido de mim. Está me matando.
Elise e Meri deram uma risada fraca e me ajudaram a seguir até o banheiro. Onde começou todo o trabalho de me despir e preparar um banho relaxante. Meri arregalou os olhos quando se deparou com meu corpo machucado, mas teve a decência de se manter em silêncio, como se nada tivesse acontecido.
***
A primeira vez que consegui dormir depois do banho foi tranquila e sem qualquer sonho, o remédio dado pelo médico tinha seus efeitos em meu corpo. Eu havia comido um pouco da sopa trazida por Cleo, depois deixará que a presença de minhas criadas e o vento vindo da janela aberta me acalmasse durante algumas horas de sono, mas quando alguém bateu na porta lentamente, acordei.
- Alteza. - escutei Elise cumprimentar, antes de Meri chegar ao meu lado e cochichar que estava a porta. Neguei com a cabeça, dando o recado de que não queria falar com ele naquele momento. Na realidade, não estava afim de ouvir sermão de ninguém. - Sinto dizer que ela está dormindo, príncipe . Gostaria de entrar mesmo assim?
, como bem educado que era, negou e partiu. Entretanto sua chegada havia me acordado e eu não sabia se queria voltar a dormir. Optei por deixar minhas criadas cuidarem de mim com massagem e um chá que era para levantar os ânimos, de acordo com Cleo. Elas pareciam felizes por eu estar bem e gastar meu dia livre todo com elas, apesar de não ser exatamente minha escolha.
***
Anne apareceu em minha porta antes do jantar, querendo saber o que tinha acontecido e se eu iria participar da refeição. Respondi simplesmente que tive um mal estar enquanto passeava com o príncipe e ainda não estava pronta para tanto agito. Poderia ser mais específica mais tarde.
Entretanto, o que mais me surpreendeu foi quando apareceu junto com duas criadas e o jantar.
- Boa noite, senhoritas. - ele cumprimentou, quando não deu muitas opções para minhas criadas e partiu para dentro do quarto. - Acredito que a senhorita ainda não tenha jantado.
Era claro que não, o jantar havia acabado de começar e como eu estava comendo no quarto podia escolher o horário da refeição e não seria aquele.
- Imagino que o silêncio signifique que não. Por isso tomei a liberdade de preparar um jantar para nós. - aceitando a deixa de , as duas criadas partiram para minha mesa e arrumaram ali um ótimo jantar para dois.
- O que você está fazendo?
- Estou sendo persuasivo. - ele disse atrevido, brincalhão e cheio de si. parecia se sentir vitorioso e dono da melhor ideia do mundo.
- Eu ia jantar de qualquer jeito.
- Não ligo. Eu quero ter certeza que você está seguindo as recomendações médicas.
- E pretende fazer isso me empurrando comida? - brinquei, vendo que na mesa havia três diferentes pratos que pareciam bem apetitosos, mas eram demais para nós dois.
- Várias opções para você não poder dizer que não gosta. - ele deu de ombros. - Vamos, antes que esfrie.
Estava deitada na cama quando chegou e devido ao desconforto das roupas ao ficar deitada, eu me encontrava, obviamente, de camisola. Eu havia escolhido a mais bonita e recatada, imaginando que talvez o médico pudesse aparecer, mas com certeza não estava pronta para um jantar.
- Preciso de meu robe, Elise. - pedi para ela, já me tirando as cobertas. Elise prontamente me ajudou a vestir a peça, mas eu sabia que tinha tido tempo para ver mais uma de minhas roupas de dormir.
- Mais alguma coisa, senhorita?
- Não, obrigada pela companhia, meninas. - agradeci as três e as vi saindo com um sorriso maior que o rosto. Era claro que elas já estavam imaginando coisas ao ver o príncipe ali.
- Gostaríamos de ficar a sós. - o príncipe anunciou, fazendo com que as criadas que estavam ali para servir o nosso jantar fizessem uma reverência antes de sair.
Sentei-me na mesa com , analisando cuidadosamente todos os tipos de comidas que tínhamos a disposição.
- Vai querer tomar água ou suco? - perguntou.
- Nada de vinho para mim? - perguntei, encarando a garrafa já aberta.
- Obviamente não. Apesar de a ideia de te deixar mais falante tenha passado pela minha cabeça, preciso focar em sua saúde.
Não me lembrava de fazendo tantas brincadeiras, ele parecia mais real assim, mais relaxado e humano.
- Mas você vai tomar? - ergui uma sobrancelha.
- Alguém precisa se abrir. - ele deu de ombros. - E então?
- Água. Não acho que suco combina com molho funghi.
- Não é uma novidade para você então?
- Não comi muitas vezes, mas sei o sabor e a aparência de cogumelos. - brinquei, decidindo meu prato.
- Posso servi-la então, senhorita?
- Você já fez isso antes? - brinquei e ri da cara que ele fez.
- Você sabe que também não é pobre, não é?
- Perto de você, futura vossa majestade, garanto que sou.
- Com que expressão você ficaria se eu te chamasse da mesma maneira? - soltou enquanto colocava delicadamente a carne com o molho em meu prato. Ele disse aquilo tão descontraído, como “coloco o molho do lado ou em cima da carne?” que demorei para entender. - Esqueça, acabei de descobrir.
- Você está brincando comigo! - acusei, nem um pouco maldosa. - Achei que tínhamos decidido deixar essa parte de lado.
- Tudo bem. Podemos falar sobre outras coisas.
- Obrigada. - agradeci quando ele me entregou meu prato. - Eu tenho uma pergunta.
- Qual seria? - ele disse, se servindo de algo que parecia peixe.
- O que você e faziam na biblioteca hoje de manhã? Ou vai dizer que aquilo era antes de dormir?
Queria soar acusatória, mostrar que ele havia me julgado por ter feito algo que ele mesmo fez. Mas parecia escolher sozinho quando ia brincar ou não.
- Eu havia dormido, . Eu dormi logo depois do jantar, estava bem cansado por motivos óbvios. - ele disse sério. - Por isso acordei cedo para trabalhar, nada comparado com o que a senhorita fez.
- Tudo bem. - ergui os braços em rendição. - Então, você pode me dizer?
- Burocracia. Algo sobre viajantes que parecem muito querer nos visitar para negociar, e eu estávamos decidindo se era ideal.
- E o que decidiram?
- Você quer realmente falar sobre política?
- É claro. Você é a maior fonte do país! Queria o quê? Que eu falasse sobre seu porte físico? Quanto tempo fica na academia? Quem corta seu cabelo? Não, obrigada. Já tenho horas falando sobre esse assunto.
caiu na gargalhada. Sério, ele riu tanto que me fez rir também. Seus olhos se encheram de lágrimas, enquanto ele colocava a mão na barriga tentando se recompor. Eu não me sentia muito diferente, sua risada era contagiante.
- Isso é verdade? Por que vocês não perguntam para mim?
- Ah, claro. Boa tarde, alteza. Poderia, por favor, me dizer como fica tão bonito? Quem você acha que faria isso?
- Você. Bem, você acabou de fazer pelo menos.
- Quem disse que eu te acho bonito?
- Você não acha? Meus assessores ficariam em pedaços!
- É sério que você tem alguém para cuidar só da sua aparência? Vai dizer que é ele que corta seu cabelo.
- Eu sou o príncipe, . É claro que eu tenho uma pessoa para cuidar unicamente de como o mundo me vê. Ou você acha que as matérias de revista são simplesmente meu dia a dia?
- Eu não leio muita revista de fofoca.
- Você é inacreditável. Pois bem, o que faz nas horas livres então?
- Nas horas livres da escola? Ou nas horas livres de treinar para ser uma dama?
- As duas coisas. O que você mais gosta de fazer?
Tive que pensar.
- Eu gosto de ir para a floresta e conversar com Drew, meu melhor amigo. Eu gosto de ler livros interessantes, como os do meu pai ou aqueles de fotografia. Eles realmente eram incríveis.
- Nada de revistas sobre o solteiro mais cobiçado do país?
- Nada de revistas.
- Quer dizer que você não sabe minha cor preferida?
- Obviamente não.
- Nem minha altura ou qualquer coisa assim?
- , eu conheço você há uma semana. Como eu saberia sua altura?
- Todas as meninas sabiam, digo. Pelo menos todas elas estavam vestindo verde e usando saltos altíssimos no nosso primeiro encontro para me agradar.
- Sua cor preferida é verde?
- Sim.
- Que gosto horrível!
- Você não gosta de verde?
- É claro que não. Ele é mais bonito que marrom e, talvez, dependendo do tom, ganha do vermelho, mas não. Definitivamente verde não é a cor.
- Você tem uma sequência de cores preferidas?
- Basicamente.
- Qual é sua preferida?
- Azul turquesa, igual ao vestido daquela menina da foto, é o meu tom de azul preferido.
- E a segunda? - ele parecia impressionado.
- Rosa. Quer dizer, tirando todos os tons de azul. Azul realmente é a cor.
Vi tomar um gole do seu vinho, me encarando pensativo, e decidi continuar a comer. Percebi que o jantar seria bem mais divertido e menos estranho do que eu imaginava, tínhamos muita coisa para descobrir um do outro.
- O que você acha sobre tudo isso? - perguntei.
- Sobre a Seleção?
- Sim.
- Assustador. Quero dizer, eu estava empolgado no começo, parecia que ia ser tão divertido. Eu poderia fazer coisas divertidas em vez de trabalhar, eu poderia conhecer pessoas, meninas e talvez me apaixonar. Eu poderia ser por um tempo.
- Mas não foi assim?
- Foi, no início. Eu sabia o que eu estava fazendo, sabia o que fazer, com quem fazer. Eu tinha uma lista, antes mesmo de começar a Seleção, de quais encontros eu poderia fazer com certas meninas. E sabia também quem já não me agradava antes de conhecê-las. Foi por isso que dispensei as meninas no começo. Algumas foram imprudentes, outras só não eram boas o bastante.
- E qual é o problema?
- Eu sabia lidar com 25 meninas, . E isso me dava tanto tempo! Eu podia desclassificá-las uma por uma. Cada semana eu escolheria um grupo, sairia com ele e assim conseguiria decidir quem eu queria que fosse embora. Mas de repente BUM, vocês são em 15.
- A Seleção mais rápida da história. - falei, lembrando da conversa com as meninas. - Não se preocupe, as pessoas vão entender. As Selecionadas sim, pelo menos.
- Eu não consegui ter um encontro com todas ainda. A maioria que eu tive, foi embora. A mídia precisa de notícia e precisamos de matéria para o jornal. Vocês vão aparecer nessa semana.
Assenti.
- E depois tem toda a pressão. Cada pessoa espera que eu escolha a sua preferida, cada manhã que eu acordo eu vejo uma nova matéria, uma nova pesquisa e depois começam os ataques, a burocracia, os nobres querendo conhecê-las.
Percebi que já não estava mais tão sorridente e relaxado quanto antes, o que para ele seria só diversão havia se tornado mais um trabalho.
- A gente pode te ajudar, sabia?
- Como assim?
- Eu não entendo muito, . Mas acho que você precisa mostrar que a Seleção está dando certo, que as meninas interagem entre si e com você. Mostrar que apesar do que aconteceu, nós ainda estamos felizes aqui. Felizes e em busca da princesa perfeita.
- Talvez a busca não seja tão difícil. - ele falou baixo, dando mais uma garfada e me encarando. Resolvi que aquilo era uma deixa para eu continuar minha ideia.
- Sabe, nós podíamos fazer algo. Uma festa, por exemplo. Organizada pelas garotas da Seleção. Seria só nós, sua família e alguns nobres, se todos puderem comparecer. E jornalistas, muitos deles.
- Você acha que daria certo?
- Eu acho. Acho que Mariee poderia nos treinar para dar entrevistas. As criadas podem nos ajudar com as decorações, os mordomos cuidam da comida e das bebidas…
- Você parece ter tudo planejado.
- Bem, foi uma ideia momentânea, mas realmente acho que daria certo! E podia ser até divertido. Melhor que decidir qual é a mais correta maneira de cumprimentar um nobre dependendo da casta.
- Sorrir, apertar as mãos, cumprimentos de cabeça. Eu tive isso também.
- E reverências, alteza. - lembrei-o, porque ele não precisava se curvar perante alguém, mas todos nós precisávamos.
- Isso te incomoda? Eu ser um príncipe?
- Não exatamente. Eu só… Imagino que você também não gostava das aulas de etiqueta.
- Você realmente passou sua vida inteira estudando para ser uma dama, não é?
- Sim. Quero dizer, não quando era muito pequena. Eu aprendia línguas, artes, música ou algo assim. Mas quando fiquei velha o suficiente para entender, começaram os cursos e as aulas de minha mãe. Se não estava na escola ou estudando para uma prova, eu estava treinando comer, sentar, vestir, andar, falar… Tantas coisas. Não quero dizer que minha criação foi como a sua, mas ela realmente não foi igual a de qualquer Três.
- Se você pudesse escolher uma casta, escolheria outra?
- Não. Eu gosto da minha casta, gosto das profissões que ela permite, mas não funciona assim comigo. Eu sou uma Três e ainda não tenho uma profissão em mente. Não tenho ideias de faculdade. Nada. Eu sequer tenho um emprego.
- Você seria capaz de ser qualquer coisa, você sabe, não é?
- Eu não sei e talvez nunca consiga descobrir. - comentei. Lembrando do que me esperava no futuro. - E você?
- Eu?
- Escolheria outra casta?
- Sim e não. Eu gosto da ideia de ser rei, acho que sou capaz e deixarei meu país em paz e próspero um dia. Acredito que trarei mudanças. Mas tem tantas coisas que queria ser capaz de fazer que não sou.
- Por exemplo?
- Cozinhar. Eu nunca cozinhei na vida!
Quis rir, mas não podia. Eu entendia ele, entendia o que era ser criada para ser algo que você talvez não quisesse ser. Ele não tinha escolha, assim como eu. nasceu para ser rei e não teve tempo para pensar ao contrário. Acredito eu, que ele na realidade não quis ter. Pensar no impossível podia ser desgastante.
- Você fugiria? - ele perguntou de repente.
- E ser uma Oito?
- Não, se não existissem castas. Sabe, talvez, quando já tivermos filhos e eles não sejam os futuros herdeiros do país. Eu consiga acabar com as castas e então você poderia fugir.
Ri fraco, descrente do que ele estava falando.
- Você está perguntando se eu fugiria quando eu já tiver emprego, marido e filhos?
- É ridículo, eu sei.
Instintivamente levei minha mão a sua, que estava sobre a mesa.
- Não é ridículo querer fugir das responsabilidades, não é ridículo querer ser algo diferente do que pensaram para você, mas não. Eu não mudaria a vida das pessoas que eu mais amo por mim. Não faria igual fizeram comigo.
- E o que você faria se eles não tivessem opção? Digo, se eles fossem os futuros herdeiros do trono.
Eu nunca tinha pensado nisso. Pensar em me casar com o príncipe herdeiro de Yinter já era assustador demais para cogitar eu e tendo filhos. Meus filhos. Eu faria isso com eles? Eu lhes escolheria um destino antes mesmo deles nascerem?
- É uma pergunta difícil.
- Eu penso nisso, sabe? Os filhos de serão livres, mas os meus viverão presos nesse castelo.
- É absurdo, não é? Sua vida programada antes mesmo de você nascer.
- Eu não sei. Parece estranho, mas, apesar de tudo, eu sei que tenho um futuro, nunca tive medo dele. Nunca tive a incerteza. Em nenhum momento precisei pensar em como sobreviver, me sustentar ou em como ser feliz. Já tinha decidido como seria.
Tomei um gole de água enquanto pensava no que ele queria dizer. Acho que eu conseguia entender, era como se meu pai tivesse sua própria clínica médica e eu fosse estudar medicina. Eu teria um emprego, um futuro planejado. Não precisava passar pela dúvida.
- Você tomou o remédio para dormir? - de repente perguntou, me tirando completamente do assunto anterior.
- Tomei.
- Teve mais pesadelos?
- Não, dessa vez não.
- Eu realmente lamento, . Por tudo.
- Eu sei, . Obrigada, mas não se preocupe, eu realmente me sinto melhor.
- Nós tínhamos que ter pensado nisso antes. Contando com sua popularidade... Os rebeldes nortistas deveriam saber de algo também.
- , o que você sabe sobre o líder dos rebeldes sulistas? Aquele que eu vi.
Como nada me faria voltar para aquele pesadelo e ainda faltava muito tempo até todos despertarem, optei por tomar um longo banho antes de começar o dia. Decidi não acender as luzes, ninguém precisava saber que eu estava acordada àquela hora. Após um tempo na banheira, comecei a me arrumar a passos lentos, demorando para decidir por qual vestido usar, provando o que melhor cobriria minhas marcas. Poucas horas depois eu estava pronta, mas ainda era cedo demais para Elise aparecer em meus aposentos. Não queria esperar por ela, então decidi deixar um bilhete lhe explicando meu sumiço.
- Bom dia, soldado. - cumprimentei-o quando abri a porta de meus aposentos.
- Senhorita. - ele arrumou a postura imediatamente e apesar de parecer surpreso, não se assustou com minha presença repentina.
- Eu sei que o horário não é dos mais apropriados, mas eu estava pensando em dar uma volta.
- Eu… O jardim é proibido tão cedo, senhorita. Ainda está escuro.
- Eu sei, mas imagino que a biblioteca não. Estou certa?
- Acredito que sim, senhorita .
- Ótimo.
Esperava muito não causar problemas para o guarda por andar sozinha pelo castelo, afinal, não tinha certeza se parte da sua função era me manter no quarto. Eu acreditava que nem ele tinha, pois ainda parecia receoso caminhando atrás de mim, até me deixar partir escada abaixo. O castelo estava incrivelmente vazio, encontrei apenas alguns guardas fazendo sua ronda. Os homens pareciam surpresos em me ver, mas nenhum teve coragem de me barrar, então cheguei à biblioteca sem qualquer problema. Abri a porta devagar.
- Altezas - cumprimentei com uma reverência quando me deparei com e no meio do grande salão lotados de livros.
- ? - foi que reagiu primeiro, sua expressão era de ainda mais surpresa do que as dos homens que trabalhavam para ele. - O que faz aqui?
- Perdi o sono. - menti. Horas depois de acordar eu já sentia o cansaço em cada parte do meu corpo fragilizado, mas não tinha coragem de dormir naquele momento, sabia que os homens do dia anterior perturbariam meus sonhos. ergueu uma das sobrancelhas, suspeitando.
- E então resolveu vir na biblioteca ler? Não há livros no seu quarto? - o mais novo não parecia crer na minha desculpa.
- Na realidade sim. - respondi a primeira pergunta o mais indiferente que pude, fingindo não ouvir a outra. - Mas vejo que estou atrapalhando, então, se me derem licença...
- Não. - falou, me parando no meio do caminho de volta. - Você pode ficar, se quiser.
Ponderei a ideia. Não estava afim de ter nenhum tipo de conversa com os príncipes no momento, mas não conhecia nenhum outro lugar para ir aquela da manhã, quando o sol ainda ameaçava a nascer. Decidi que a biblioteca era grande o suficiente para todos nós.
- Tudo bem. - falei querendo soar o mais distante possível e parti para o lado direito da biblioteca, esperando encontrar alguma coisa para fazer naquela seção.
- O que deu nela? - escutei dizer quando achou que eu já estava distante o suficiente, mas a resposta dada pelo seu irmão foi impossível de decifrar.
Decidi que nenhuma história me prenderia o suficiente para me tirar o sono, então optei pela sessão de fotografia, curiosa. Havia um livro sobre paisagens do nosso país, o escolhi. A ideia funcionou, pois logo depois estava procurando por outros livros de fotógrafos famosos.
- ? - ouvi antes de notá-lo se aproximando de mim. - Está na hora do café.
Olhei para ele, percebendo que seu sorriso era fraco, sem jeito. No fundo eu me sentia satisfeita por ele saber o que tinha me feito passar e ter um pouco de receio. Mas eu também sabia que aquelas eram as regras e não podia culpá-lo por segui-las.
- Você já viu esse livro? - perguntei, mostrando para ele o livro de fotografia com o tema “cores” que eu analisava.
- Na realidade não. - ele comentou, aceitando a deixa para começar uma conversa amigável. - Onde você o encontrou?
sentou-se no sofá ao meu lado e começou a analisar a foto de um céu azul claro, sem nuvens, emoldurando uma pipa de um azul tão escuro que parecia a noite.
- Tem um setor só de livros de fotografia aqui. - comentei. - Esse até agora é meu preferido, tem um capítulo inteiro para o azul.
- Imagino que seja esse. - ele brincou.
- Sim! Tem essa outra foto aqui, acho que é a mais bonita. - virei as páginas até a fotografia de página única, a qual mostrava uma menininha com um sorriso tímido usando um vestido rodado azul turquesa, o fundo era uma parede externa branca, de uma casa com cortinas também azuis.
- É realmente bonita.
- Ele é muito bom.
sorriu e me encarou por alguns segundos, ele parecia intrigado, talvez surpreso. Eu também estava, não conseguia imaginar que livros de fotografia podiam ser tão interessantes.
- Acho que você tem razão. - ele deu de ombros. - Podiamos vir aqui olhar os outros livros mais tarde.
Aquilo era um convite para um encontro?
- Vou ligar para minha família mais tarde.
- Depois disso, que tal?
- Claro, pode ser.
- Perfeito.
se levantou e me estendeu a mão, querendo que eu lhe acompanhasse. Aceitei, nenhuma dama podia recusar a mão de um nobre, não se ele fosse de uma casta superior à sua. Caminhamos de braços dados até o corredor em frente ao salão de refeições, ali preferi soltá-lo, fingindo que precisava arrumar algo em minha saia. Se notou, não comentou.
Sentei em meu lugar já lamentando estar ali, assim como no jantar do dia anterior, a comida me deixava enjoada, definitivamente ainda não estava pronta para uma refeição. Passei o tempo ali completamente como espectadora, fingindo comer e prestar atenção nas conversas que aconteciam a minha volta. Entretanto eu estava com a cabeça longe.
Percebi me olhando e dando uma piscadinha na hora, o que imaginei ser sua maneira de perguntar se estava tudo certo. Não tínhamos nos visto direito depois do ataque, mas deve ter dado todos os detalhes possíveis por mim. Sorri fraco, tentando dizer que as coisas iam se acertar.
- Bom dia, senhoritas! - Mariee tinha um sorriso e humor alegre quando se juntou a nós na tenda. Apesar do dia anterior e de não ter aparecido para o café, ela parecia relaxada. - Fico realmente feliz em ver todas vocês aqui, sinto que, apesar da perda de algumas companheiras, temos motivos para permanecermos firmes. - ela olhou para cada uma de nós sorrindo. - Como dito pelo rei, vamos passar as primeiras horas da manhã realizando ligações para casa, mas depois disso terão o primeiro dia oficial de folga.
O murmúrio foi inevitável, a ideia de não passar o dia todo treinando para ser princesa alegrava a maioria. Até a estranha felicidade de Mariee pareceu fazer sentido.
- Vamos fazer as ligações por ordem alfabética das Províncias, assim como no primeiro dia oficial aqui. Mas lembrem-se: ninguém tem conhecimento sobre o ataque dos rebeldes de ontem, então é a opção de vocês contar ou não aos seus familiares. A família real pede para as Selecionadas e seus parentes terem o máximo de discrição. Não queremos causar uma repercussão nacional! - ela olhou para a prancheta em mãos. - Sendo assim, vamos começar! Duas meninas por vez, na biblioteca.
Anne sorriu para mim antes de seguir Mariee até a biblioteca, logo eu seria chamada, mas enquanto isso fomos convidadas para uma xícara de chá no salão das mulheres. Segui as outras em silêncio, escolhendo sentar em um jogo de sofás mais distantes, quando chegamos à sala.
- Vocês vão contar para a família de vocês? - Trace perguntou, sentando-se comigo e outras quatro meninas. Parei para pensar, percebendo que aquela era uma ótima pergunta. Eu iria contar para minha família sobre a existência dos rebeldes sulistas? Na realidade, eu tinha como esconder? Haviam guardas em suas portas!
- Eu acho que sim, minha mãe é capaz de guardar segredo. - Lauren respondeu, ajeitando-se na cadeira e aceitando o chá oferecido por uma das criadas.
- Eu talvez não conte. Tenho medo que minha mãe me mande voltar para casa. - Natalie contou, pegando sua xícara.
- Eu acho que vou contar. - disse dando de ombros, negando o chá.
- É, eu também - Mary respondeu, fazendo Wendy e Belle concordarem.
- Vocês não tem medo de ir para casa por isso? - Natalie insistiu.
- Acho que se eu for mandada para casa pela minha mãe, é porque ela está certa. Não sei até que ponto ainda é seguro permanecer aqui. - Belle me surpreendeu com sua opinião, mas era evidente que ela tinha razão. Talvez, se eu tivesse dúvidas sobre ir embora ou não, eu preferisse falar com minha família antes.
Não houveram comentários, pois logo uma empregada chamou por mim e Belle, às próximas da lista, depois que Vivian se foi. Sorri para as meninas e me levantei junto com Belle, caminhamos lado a lado até a biblioteca
- Boa sorte com sua mãe. - desejei, quando nos separamos nos cantos opostos do cômodo para usarmos o telefone com mais privacidade.
Decidi ligar para a casa de Vic, na esperança que ela entendesse melhor o ocorrido e convencesse nossa mãe a manter segredo.
- Alô? - ouvir sua voz no outro lado da linha apertou meu peito, lembrando de como a distância entre nós tinha aumentado. Apesar de ela não morar comigo, antes eu tinha consciência que ela estava no bairro seguinte se eu realmente precisasse dela.
- Vic! Oi, sou eu.
- ! Que bom que você ligou! O que está acontecendo? Ninguém me explicou nada! Mamãe e papai estão surtando, querendo processar o palácio por invasão de privacidade.
Respirei fundo.
- Preciso que você me escute com muito cuidado, Vic. Tenho pouco tempo.
- Certo, prometo ficar quieta.
Então contei tudo para minha irmã, contei dos ataques, contei que eram rebeldes sulistas, contei que sem querer eles me capturaram, viram meu rosto de perto. Deixei claro que eu estava muito bem e, como os guardas haviam me salvado, poderia haver retaliação dos rebeldes, isto é, expliquei que devido a raiva eles poderiam querer atacar minha família. Expliquei também que eu estava compartilhando um segredo e que ela devia deixar bem claro pra nossa mãe.
Victoria ouviu tudo atentamente, agradeceu pelos guardas e perguntou se eu estava bem. De acordo com ela, não havia nenhuma novidade, todos só sabiam comentar sobre a Seleção. Ela perguntou sobre o príncipe, mas eu não sabia bem o que contar. Eu só podia dizer que ser a preferida nas enquetes de revista não me tornava a preferida do príncipe.
- Obrigada por ligar para mim em vez de para mamãe. Eu estou com saudades.
- Eu também! Prometo lhe mandar cartas se algo de novo acontecer. Se der, manda um abraço para o Drew quando passar lá em casa.
- Pode deixar. Se cuide, . E prometa ficar segura.
- Não se preocupe, foi tudo uma coincidência.
Desliguei o telefone mais tranquila, sentindo que pela primeira vez acreditava na segurança da minha família. Se algo tivesse acontecido, Vic teria me contado.
- O que você acha, ? - Lauren perguntou quando voltei ao meu lugar.
- O que eu acho sobre o que?
- Sobre a aparência do príncipe.
Era disso que elas estavam falando?
- Eu acho ele normal, bonito.
- Normal? - elas riram.
- Ele é forte, rico, tem uma coroa. - Belle, que chegou junto comigo, deu sua opinião.
- E é fofo, simpático. - essa foi Mary.
- Mas muito ocupado. Ainda não tivemos tempo para um encontro. - Wendy reclamou.
- Nós só estamos aqui há uma semana. - Natalie explicou, me deixando na dúvida se ela teve ou não um encontro com o príncipe.
- Mas já somos em 15. Acho que essa vai ser a Seleção mais rápida da história.
- Nós éramos em 25 até ontem. - comentei. - Não podemos culpar o príncipe.
Não sabia dizer exatamente porque estava defendendo-o, mas queria que as meninas percebessem que ele ainda às queria, ele ainda queria todas as 25 garotas.
- Você acha? - Wendy perguntou, ela realmente parecia insegura sobre si. Foi então que percebi: eu não tinha pensando exatamente no que o príncipe significava para cada uma daquelas meninas. Não tinha notado, entre meu conflito pessoal, que talvez uma delas já amasse o príncipe, já sonhasse com sua vida de princesa.
- não está dizendo que ele quer casar com todas nós, Wendy. Ela só quis dizer que ele não mandou ninguém embora por vontade própria. - Lauren me soou um pouco fria, mas ela não estava mentindo. Eu não tinha certeza sobre quem gostava entre elas, na realidade, acreditava que nem ele sabia.
A conversa continuou até um pouco antes da última menina voltar de sua ligação, pois, nesse momento, uma criada me entregou um bilhete. As meninas ficaram entusiasmada quando fui obrigada a dizer que havia me chamado para dar uma volta, mas eu só queria que tudo fosse considerado normal. Uma simples volta, nada romântico, nada oficial. Segui a criada até o lado de fora do salão das mulheres, encontrando o príncipe à minha espera do lado de fora.
- Senhorita . - ele cumprimentou, me estendendo o braço novamente.
- Alteza. - disse, fazendo uma breve reverência antes de aceitar ser conduzida.
- Sei que lhe prometi uma ida à biblioteca, mas os criados precisam de alguns minutos para desconectarem os telefones de lá. Sei que tínhamos tempo, mas eu estava ansioso. Pensei em dar uma volta pelo jardim antes.
- Claro. Por mim tudo bem.
- Como foi sua ligação para casa?
- Foi boa. Liguei para minha irmã, não tinha notado o quanto estava com saudades dela. Mas não consegui falar com minha mãe, então acho que vou ter que escrever para ela logo.
assentiu, me conduzindo em direção ao jardim feito por sua mãe, onde cada flor tinha seu próprio canteiro.
- Você contou a verdade a ela?
- Eu contei para minha irmã sobre o atentado de rebeldes sulistas, ela queria uma explicação sobre os guardas já que minha mãe parece estar um pouco irritada.
- E ela aceitou sua explicação? Estão com medo?
Hesitei apenas por um breve instante, mas foi o suficiente para notar.
- Você não disse que estavam atrás de você?
- Não exatamente.
- !
- Elas ficariam muito preocupadas. E ainda sim, minha mãe jamais gostaria que eu saísse daqui. E se eu tivesse que admitir que ficaria… Ela perguntaria o motivo… Não é como se eu pudesse falar sobre os rebeldes nortista, por exemplo. - falei baixo.
- Então, você não contou nada para eles?
- Contei que tinha sido pega sem querer, por isso os guardas. Se minha família pensar que estão atrás deles será ainda pior. Minha mãe acharia que eu já sou a princesa e meu pai viveria em paranoia. Minha irmã é casada com o prefeito, ela já tem seguranças para si. Eu só… Eu não posso fazer isso com eles.
- Eles vão ficar bem, . Eu prometo.
Eles tinham que ficar bem, eu jamais me perdoaria se algo acontecesse com minha família. Jamais conseguiria viver com o peso da morte de algum deles sobre mim, seria massacrante, seria pior que morrer. De repente tive que parar de andar, a dor em meu peito era alucinante, nunca tinha sentido algo assim.
- . - chamei-o, mas minha voz era fraca, quase inaudível. Apesar de ter percebido que eu não me movia mais, conseguia ver em sua expressão que ele não estava entendendo o que estava acontecendo.
- ? Você está bem?
Eu não me sentia bem. Respirar era cada vez mais difícil, a dor em meu peito parecia me sufocar por dentro. Eu já estava tonta de dor, perdida. não era mais tão nítido, mesmo estando a centímetros de mim. Eu sentia que ia perder a consciência em segundos, mas não podia, precisava ficar em pé.
- ? O que está acontecendo? - senti os braços de em volta de mim, senti meu corpo pender para o seu buscando suporte, mas nada parecia realmente acontecer comigo, era tão distante. - GUARDAS! ENFERMARIA AGORA.
Eu já não encostava mais no chão, parecia que estava me carregando, mas eu não conseguia afirmar. Ele se mexia rápido demais, o que me deixava zonza. Eu acreditava que não estávamos mais no jardim, pois as luminárias formavam pontos brancos em minha visão. Eu estava olhando para cima? Mas por quê?
Tentei mexer minha cabeça, mas ela estava pesada demais.
- Calma, . Estamos chegando, fique comigo.
Quis assentir, mas não sabia se tinha funcionado.
- Por favor. Fique acordada, . Se esforce.
Queria dizer para ele que eu estava acordada, bem, eu conseguia entender o que ele estava falando. E, poxa, eu não conseguia me esforçar mais do que aquilo. Era difícil, ainda mais com as luzes do teto me deixando cega.
- Alteza. - ouvi uma voz dizer. - Coloque-a aqui.
O que ela tem, doutor?
- Não sei. Preciso primeiro que o senhor me explique o que aconteceu.
Não sei exatamente o que o príncipe disse, porque nesse momento eu apaguei. As luzes cegantes escureceram, a voz de e do médico sumiram e tudo se tornou preto. Pelo menos eu não sentia mais dor.
- Como ela está? - ouvi dizer, eu sentia que ele estava perto de mim, mas não conseguia sequer abrir meus olhos para cumprimenta-lo.
- Eu não sei, irmão. O doutor levou os exames de sangue para o laboratório, disse que ela parecia estar desidratada, por isso o soro. O resultado do exame pode demorar mais um pouco. - essa voz era de .
- E quando ela vai acordar? Ele deu alguma previsão?
- Não, mas disse que dormir é bom. Ela apagou total, mas ele disse que ela já está consciente. Faz um tempo.
- Você vai ficar aqui? Quer que eu traga algo?
Depois disso não lembro de ter escutado mais nada.
segurava minha mão quando finalmente acordei.
- ! Que bom que você acordou. - sua voz era suave, mas seu rosto se contorcia em preocupação quando ele apareceu em meu campo de visão. - Como você se sente?
- Minha cabeça dói. - foi tudo o que eu consegui dizer, me sentia cansada.
- Vou chamar o médico. - ele disse e sumiu do meu campo de visão apenas o suficiente para eu ouvi-lo dizer “médico” em uma ordem e depois aparecer para mim. - O que mais você sente?
- Eu não sei. Quero me sentar. - anunciei já me mexendo na cama. A dor em minhas costas foi tão forte que reclamei.
- O que foi? O que você está sentindo?
- Apenas dor de cabeça.
Continuei na missão até finalmente me sentar ereta. Olhei em volta, eu estava em uma maca na enfermaria, um lugar totalmente limpo, branco e clínico, me lembrando muito um hospital. A única pessoa ali parecia ser , que estava em pé ao meu lado, deixando o ambiente vazio até para uma enfermaria.
- Você me trouxe aqui. - deduzi e afirmei ao mesmo tempo, lembrando-me de partes do ocorrido mais cedo.
- Trouxe. Carregada, . Você tem ideia do que aconteceu?
Neguei com a cabeça, sentindo uma pontada de dor novamente. queria conversar mais, mas foi interrompido por um homem mais velho, de óculos, barba por fazer e jaleco branco.
- Senhorita , vejo que resolveu voltar para nós. - ele disse, aproximando-se da maca. Ele parecia sério e brincalhão ao mesmo tempo, me deixando confusa. - Como se sente?
- Com um pouco de dor de cabeça.
- Certo. Gostaria de uma água?
- Por favor. - só percebi que estava com a boca seca quando tomei o líquido gelado.
- Há quanto tempo a senhorita não bebe algo?
- Eu não sei. - eu não tinha bebido algo no café? Nem no jantar?
- Tudo bem. Vamos com calma. A senhorita sabe o que aconteceu?
- Não.
- Você não se lembra de nada, ? - perguntou, me fazendo lembrar que ele ainda estava ali.
- Eu… Nós estávamos no jardim e eu comecei a sentir dores no peito.
- Dores no peito? - ficou surpreso.
- Certo. E o que mais?
- Acho que eu não conseguia respirar, doía bastante.
- Você começou a tremer como se estivesse em uma nevasca, .
- Você já sentiu algo parecido antes, senhorita?
- Não. Nunca.
- Tudo bem. Lembra-se de algo a mais?
- Eu lembro de ficar tonta, lembro de me esforçar para ficar em pé.
- Certo. Como eu já conversei com o príncipe, senhorita. Creio que a senhorita teve uma crise de pânico misturada com um princípio de uma desidratação.
- Pânico?
- A senhorita ficará bem, só é necessário que descanse pelo menos pelas próximas 24 horas para termos certeza de suas condições. É de suma importância alimentar-se e consumir líquido frequentemente. Além disso, só posso imaginar que os últimos acontecimentos mexeram um pouco com seu estado de espírito.
- Eu… Eu me sinto bem.
- Claro que sim. - ele sorriu. - O príncipe me alertou da sua capacidade de se sentir bem, mas é preciso que descanse, senhorita. Se sentir qualquer tipo de dor ou desconforto mande me chamar imediatamente. Além disso, posso recomendar um remédio para dormir caso a senhorita sinta dificuldades.
- Seria bom. - respondeu por mim. O que me fez pensar que ele levaria uma bronca do médico, mas o mais velho só assentiu e saiu em busca do que eu imaginava ser o tal remédio.
- Eu estou bem, . Não precisa se preocupar.
- Você não parece bem. E desidratação? Você está em um castelo com uma cozinha ao seu dispor 24 horas por dia. O que aconteceu?
- Eu não sei. Não me sentia bem para comer. Só isso.
- Como não me contou?
- Não era nada demais. Ainda não é, foi apenas algo momentâneo.
- Não vou discutir com você porque não está em condições, mas saiba que à partir de agora você terá que cuidar-se, sem opção.
Não ia argumentar com , estava cansada demais para isso. Meu corpo estava dolorido depois de tanto tempo deitada na mesma posição, principalmente minhas costas. Estava agradecida por ainda usar o vestido que escolhera para o dia, significava que ninguém tinha se dado ao trabalho de ver meus roxos.
- Que horas são?
- Estamos no começo da tarde, o almoço acabou há pouco tempo.
- Já?
- Sim, . Você está dormindo há horas.
- Eu acho que precisava dormir. - brinquei.
- Foi por isso que chegou à biblioteca tão cedo? O guarda disse que escutou movimentações no quarto muito antes de você aparecer.
- Eu tive um pesadelo na noite passada.
- Com os rebeldes sulistas?
- Sim.
fechou os olhos, respirou fundo e mexeu nos cabelos, como se estivesse tentando se recompor. Não sabia o que tinha feito para deixá-lo tão transtornado.
- Eu sinto muito pelo que passou, . Se eu pudesse fazer qualquer coisa para mudar...
- Pronto, alteza. - o médico voltou, trazendo uma cartela de comprimidos. - Senhorita, tome apenas um comprimido. Não é o remédio mais forte que temos, mas acho que lhe dará consideráveis horas de sono.
- Obrigada, doutor.
- Agora pode ir para o quarto, se a senhorita preferir.
Eu estava meio em dúvida do que fazer. Eu devia levantar e sair? Como se tivesse aparecido na enfermaria para um exame rotineiro?
Sentindo-me desconfortável com aqueles dois homens olhando para mim em busca de alguma movimentação, decidi que ficar em meu quarto, com Elise, Meri e Cleo, era a melhor opção, ainda mais se incluísse uma porta fechada e outra roupa.
- Claro, seria bom.
grudou seus braços em mim no momento em que meus pés tocaram o chão, suspeitando que eu cairia, mas eu me sentia bem, apesar de cansada. Era como se eu tivesse bebido muito vinho na noite anterior, algo que me dava dores no corpo e na cabeça, mas não me impedia de colocar um pé na frente do outro.
- Vamos, eu vou ajudar.
Não reclamei, apenas deixei que e seus braços fortes me dessem suporte até meu quarto, o último do corredor das Selecionadas. Havia um guarda diferente na minha porta, o qual abriu caminho para mim e .
- Senhorita , que bom que está bem! - Meri anunciou, depois virou-se para e fez uma reverência, lembrando de suas obrigações.
- Obrigada, Meri. - disse, me sentando na cama. me soltou depois de me avaliar por alguns segundos.
- Senhoras, imagino que a senhorita esteja com fome, já que pulou as últimas duas refeições. Por favor, providencie uma variedade de comidas para ela escolher a que melhor lhe apetece. Além de muita água. - começou as ordens.
- Sim, alteza. - foi Cleo quem saiu atrás de comida.
- Além disso, ela deve descansar pelas próximas horas, por isso peço que não a deixe sair desse quarto.
- Eu estou bem, alteza. - anunciei, trazendo os olhos de de volta para mim. - Agradeço de verdade por ter cuidado de mim, mas eu não tenho mais nada. Prometo.
assentiu.
- O guarda fica. Qualquer coisa mande-o atrás de mim ou do médico. Virei frequentemente garantir que a senhorita está bem.
- Tudo bem.
- Não se esqueça do remédio, se precisar.
sorriu fraco e saiu do quarto, parando uma última vez para me olhar. Logo após o guarda fechou a porta e eu finalmente senti privacidade.
- Preciso que tirem esse vestido de mim. Está me matando.
Elise e Meri deram uma risada fraca e me ajudaram a seguir até o banheiro. Onde começou todo o trabalho de me despir e preparar um banho relaxante. Meri arregalou os olhos quando se deparou com meu corpo machucado, mas teve a decência de se manter em silêncio, como se nada tivesse acontecido.
A primeira vez que consegui dormir depois do banho foi tranquila e sem qualquer sonho, o remédio dado pelo médico tinha seus efeitos em meu corpo. Eu havia comido um pouco da sopa trazida por Cleo, depois deixará que a presença de minhas criadas e o vento vindo da janela aberta me acalmasse durante algumas horas de sono, mas quando alguém bateu na porta lentamente, acordei.
- Alteza. - escutei Elise cumprimentar, antes de Meri chegar ao meu lado e cochichar que estava a porta. Neguei com a cabeça, dando o recado de que não queria falar com ele naquele momento. Na realidade, não estava afim de ouvir sermão de ninguém. - Sinto dizer que ela está dormindo, príncipe . Gostaria de entrar mesmo assim?
, como bem educado que era, negou e partiu. Entretanto sua chegada havia me acordado e eu não sabia se queria voltar a dormir. Optei por deixar minhas criadas cuidarem de mim com massagem e um chá que era para levantar os ânimos, de acordo com Cleo. Elas pareciam felizes por eu estar bem e gastar meu dia livre todo com elas, apesar de não ser exatamente minha escolha.
Anne apareceu em minha porta antes do jantar, querendo saber o que tinha acontecido e se eu iria participar da refeição. Respondi simplesmente que tive um mal estar enquanto passeava com o príncipe e ainda não estava pronta para tanto agito. Poderia ser mais específica mais tarde.
Entretanto, o que mais me surpreendeu foi quando apareceu junto com duas criadas e o jantar.
- Boa noite, senhoritas. - ele cumprimentou, quando não deu muitas opções para minhas criadas e partiu para dentro do quarto. - Acredito que a senhorita ainda não tenha jantado.
Era claro que não, o jantar havia acabado de começar e como eu estava comendo no quarto podia escolher o horário da refeição e não seria aquele.
- Imagino que o silêncio signifique que não. Por isso tomei a liberdade de preparar um jantar para nós. - aceitando a deixa de , as duas criadas partiram para minha mesa e arrumaram ali um ótimo jantar para dois.
- O que você está fazendo?
- Estou sendo persuasivo. - ele disse atrevido, brincalhão e cheio de si. parecia se sentir vitorioso e dono da melhor ideia do mundo.
- Eu ia jantar de qualquer jeito.
- Não ligo. Eu quero ter certeza que você está seguindo as recomendações médicas.
- E pretende fazer isso me empurrando comida? - brinquei, vendo que na mesa havia três diferentes pratos que pareciam bem apetitosos, mas eram demais para nós dois.
- Várias opções para você não poder dizer que não gosta. - ele deu de ombros. - Vamos, antes que esfrie.
Estava deitada na cama quando chegou e devido ao desconforto das roupas ao ficar deitada, eu me encontrava, obviamente, de camisola. Eu havia escolhido a mais bonita e recatada, imaginando que talvez o médico pudesse aparecer, mas com certeza não estava pronta para um jantar.
- Preciso de meu robe, Elise. - pedi para ela, já me tirando as cobertas. Elise prontamente me ajudou a vestir a peça, mas eu sabia que tinha tido tempo para ver mais uma de minhas roupas de dormir.
- Mais alguma coisa, senhorita?
- Não, obrigada pela companhia, meninas. - agradeci as três e as vi saindo com um sorriso maior que o rosto. Era claro que elas já estavam imaginando coisas ao ver o príncipe ali.
- Gostaríamos de ficar a sós. - o príncipe anunciou, fazendo com que as criadas que estavam ali para servir o nosso jantar fizessem uma reverência antes de sair.
Sentei-me na mesa com , analisando cuidadosamente todos os tipos de comidas que tínhamos a disposição.
- Vai querer tomar água ou suco? - perguntou.
- Nada de vinho para mim? - perguntei, encarando a garrafa já aberta.
- Obviamente não. Apesar de a ideia de te deixar mais falante tenha passado pela minha cabeça, preciso focar em sua saúde.
Não me lembrava de fazendo tantas brincadeiras, ele parecia mais real assim, mais relaxado e humano.
- Mas você vai tomar? - ergui uma sobrancelha.
- Alguém precisa se abrir. - ele deu de ombros. - E então?
- Água. Não acho que suco combina com molho funghi.
- Não é uma novidade para você então?
- Não comi muitas vezes, mas sei o sabor e a aparência de cogumelos. - brinquei, decidindo meu prato.
- Posso servi-la então, senhorita?
- Você já fez isso antes? - brinquei e ri da cara que ele fez.
- Você sabe que também não é pobre, não é?
- Perto de você, futura vossa majestade, garanto que sou.
- Com que expressão você ficaria se eu te chamasse da mesma maneira? - soltou enquanto colocava delicadamente a carne com o molho em meu prato. Ele disse aquilo tão descontraído, como “coloco o molho do lado ou em cima da carne?” que demorei para entender. - Esqueça, acabei de descobrir.
- Você está brincando comigo! - acusei, nem um pouco maldosa. - Achei que tínhamos decidido deixar essa parte de lado.
- Tudo bem. Podemos falar sobre outras coisas.
- Obrigada. - agradeci quando ele me entregou meu prato. - Eu tenho uma pergunta.
- Qual seria? - ele disse, se servindo de algo que parecia peixe.
- O que você e faziam na biblioteca hoje de manhã? Ou vai dizer que aquilo era antes de dormir?
Queria soar acusatória, mostrar que ele havia me julgado por ter feito algo que ele mesmo fez. Mas parecia escolher sozinho quando ia brincar ou não.
- Eu havia dormido, . Eu dormi logo depois do jantar, estava bem cansado por motivos óbvios. - ele disse sério. - Por isso acordei cedo para trabalhar, nada comparado com o que a senhorita fez.
- Tudo bem. - ergui os braços em rendição. - Então, você pode me dizer?
- Burocracia. Algo sobre viajantes que parecem muito querer nos visitar para negociar, e eu estávamos decidindo se era ideal.
- E o que decidiram?
- Você quer realmente falar sobre política?
- É claro. Você é a maior fonte do país! Queria o quê? Que eu falasse sobre seu porte físico? Quanto tempo fica na academia? Quem corta seu cabelo? Não, obrigada. Já tenho horas falando sobre esse assunto.
caiu na gargalhada. Sério, ele riu tanto que me fez rir também. Seus olhos se encheram de lágrimas, enquanto ele colocava a mão na barriga tentando se recompor. Eu não me sentia muito diferente, sua risada era contagiante.
- Isso é verdade? Por que vocês não perguntam para mim?
- Ah, claro. Boa tarde, alteza. Poderia, por favor, me dizer como fica tão bonito? Quem você acha que faria isso?
- Você. Bem, você acabou de fazer pelo menos.
- Quem disse que eu te acho bonito?
- Você não acha? Meus assessores ficariam em pedaços!
- É sério que você tem alguém para cuidar só da sua aparência? Vai dizer que é ele que corta seu cabelo.
- Eu sou o príncipe, . É claro que eu tenho uma pessoa para cuidar unicamente de como o mundo me vê. Ou você acha que as matérias de revista são simplesmente meu dia a dia?
- Eu não leio muita revista de fofoca.
- Você é inacreditável. Pois bem, o que faz nas horas livres então?
- Nas horas livres da escola? Ou nas horas livres de treinar para ser uma dama?
- As duas coisas. O que você mais gosta de fazer?
Tive que pensar.
- Eu gosto de ir para a floresta e conversar com Drew, meu melhor amigo. Eu gosto de ler livros interessantes, como os do meu pai ou aqueles de fotografia. Eles realmente eram incríveis.
- Nada de revistas sobre o solteiro mais cobiçado do país?
- Nada de revistas.
- Quer dizer que você não sabe minha cor preferida?
- Obviamente não.
- Nem minha altura ou qualquer coisa assim?
- , eu conheço você há uma semana. Como eu saberia sua altura?
- Todas as meninas sabiam, digo. Pelo menos todas elas estavam vestindo verde e usando saltos altíssimos no nosso primeiro encontro para me agradar.
- Sua cor preferida é verde?
- Sim.
- Que gosto horrível!
- Você não gosta de verde?
- É claro que não. Ele é mais bonito que marrom e, talvez, dependendo do tom, ganha do vermelho, mas não. Definitivamente verde não é a cor.
- Você tem uma sequência de cores preferidas?
- Basicamente.
- Qual é sua preferida?
- Azul turquesa, igual ao vestido daquela menina da foto, é o meu tom de azul preferido.
- E a segunda? - ele parecia impressionado.
- Rosa. Quer dizer, tirando todos os tons de azul. Azul realmente é a cor.
Vi tomar um gole do seu vinho, me encarando pensativo, e decidi continuar a comer. Percebi que o jantar seria bem mais divertido e menos estranho do que eu imaginava, tínhamos muita coisa para descobrir um do outro.
- O que você acha sobre tudo isso? - perguntei.
- Sobre a Seleção?
- Sim.
- Assustador. Quero dizer, eu estava empolgado no começo, parecia que ia ser tão divertido. Eu poderia fazer coisas divertidas em vez de trabalhar, eu poderia conhecer pessoas, meninas e talvez me apaixonar. Eu poderia ser por um tempo.
- Mas não foi assim?
- Foi, no início. Eu sabia o que eu estava fazendo, sabia o que fazer, com quem fazer. Eu tinha uma lista, antes mesmo de começar a Seleção, de quais encontros eu poderia fazer com certas meninas. E sabia também quem já não me agradava antes de conhecê-las. Foi por isso que dispensei as meninas no começo. Algumas foram imprudentes, outras só não eram boas o bastante.
- E qual é o problema?
- Eu sabia lidar com 25 meninas, . E isso me dava tanto tempo! Eu podia desclassificá-las uma por uma. Cada semana eu escolheria um grupo, sairia com ele e assim conseguiria decidir quem eu queria que fosse embora. Mas de repente BUM, vocês são em 15.
- A Seleção mais rápida da história. - falei, lembrando da conversa com as meninas. - Não se preocupe, as pessoas vão entender. As Selecionadas sim, pelo menos.
- Eu não consegui ter um encontro com todas ainda. A maioria que eu tive, foi embora. A mídia precisa de notícia e precisamos de matéria para o jornal. Vocês vão aparecer nessa semana.
Assenti.
- E depois tem toda a pressão. Cada pessoa espera que eu escolha a sua preferida, cada manhã que eu acordo eu vejo uma nova matéria, uma nova pesquisa e depois começam os ataques, a burocracia, os nobres querendo conhecê-las.
Percebi que já não estava mais tão sorridente e relaxado quanto antes, o que para ele seria só diversão havia se tornado mais um trabalho.
- A gente pode te ajudar, sabia?
- Como assim?
- Eu não entendo muito, . Mas acho que você precisa mostrar que a Seleção está dando certo, que as meninas interagem entre si e com você. Mostrar que apesar do que aconteceu, nós ainda estamos felizes aqui. Felizes e em busca da princesa perfeita.
- Talvez a busca não seja tão difícil. - ele falou baixo, dando mais uma garfada e me encarando. Resolvi que aquilo era uma deixa para eu continuar minha ideia.
- Sabe, nós podíamos fazer algo. Uma festa, por exemplo. Organizada pelas garotas da Seleção. Seria só nós, sua família e alguns nobres, se todos puderem comparecer. E jornalistas, muitos deles.
- Você acha que daria certo?
- Eu acho. Acho que Mariee poderia nos treinar para dar entrevistas. As criadas podem nos ajudar com as decorações, os mordomos cuidam da comida e das bebidas…
- Você parece ter tudo planejado.
- Bem, foi uma ideia momentânea, mas realmente acho que daria certo! E podia ser até divertido. Melhor que decidir qual é a mais correta maneira de cumprimentar um nobre dependendo da casta.
- Sorrir, apertar as mãos, cumprimentos de cabeça. Eu tive isso também.
- E reverências, alteza. - lembrei-o, porque ele não precisava se curvar perante alguém, mas todos nós precisávamos.
- Isso te incomoda? Eu ser um príncipe?
- Não exatamente. Eu só… Imagino que você também não gostava das aulas de etiqueta.
- Você realmente passou sua vida inteira estudando para ser uma dama, não é?
- Sim. Quero dizer, não quando era muito pequena. Eu aprendia línguas, artes, música ou algo assim. Mas quando fiquei velha o suficiente para entender, começaram os cursos e as aulas de minha mãe. Se não estava na escola ou estudando para uma prova, eu estava treinando comer, sentar, vestir, andar, falar… Tantas coisas. Não quero dizer que minha criação foi como a sua, mas ela realmente não foi igual a de qualquer Três.
- Se você pudesse escolher uma casta, escolheria outra?
- Não. Eu gosto da minha casta, gosto das profissões que ela permite, mas não funciona assim comigo. Eu sou uma Três e ainda não tenho uma profissão em mente. Não tenho ideias de faculdade. Nada. Eu sequer tenho um emprego.
- Você seria capaz de ser qualquer coisa, você sabe, não é?
- Eu não sei e talvez nunca consiga descobrir. - comentei. Lembrando do que me esperava no futuro. - E você?
- Eu?
- Escolheria outra casta?
- Sim e não. Eu gosto da ideia de ser rei, acho que sou capaz e deixarei meu país em paz e próspero um dia. Acredito que trarei mudanças. Mas tem tantas coisas que queria ser capaz de fazer que não sou.
- Por exemplo?
- Cozinhar. Eu nunca cozinhei na vida!
Quis rir, mas não podia. Eu entendia ele, entendia o que era ser criada para ser algo que você talvez não quisesse ser. Ele não tinha escolha, assim como eu. nasceu para ser rei e não teve tempo para pensar ao contrário. Acredito eu, que ele na realidade não quis ter. Pensar no impossível podia ser desgastante.
- Você fugiria? - ele perguntou de repente.
- E ser uma Oito?
- Não, se não existissem castas. Sabe, talvez, quando já tivermos filhos e eles não sejam os futuros herdeiros do país. Eu consiga acabar com as castas e então você poderia fugir.
Ri fraco, descrente do que ele estava falando.
- Você está perguntando se eu fugiria quando eu já tiver emprego, marido e filhos?
- É ridículo, eu sei.
Instintivamente levei minha mão a sua, que estava sobre a mesa.
- Não é ridículo querer fugir das responsabilidades, não é ridículo querer ser algo diferente do que pensaram para você, mas não. Eu não mudaria a vida das pessoas que eu mais amo por mim. Não faria igual fizeram comigo.
- E o que você faria se eles não tivessem opção? Digo, se eles fossem os futuros herdeiros do trono.
Eu nunca tinha pensado nisso. Pensar em me casar com o príncipe herdeiro de Yinter já era assustador demais para cogitar eu e tendo filhos. Meus filhos. Eu faria isso com eles? Eu lhes escolheria um destino antes mesmo deles nascerem?
- É uma pergunta difícil.
- Eu penso nisso, sabe? Os filhos de serão livres, mas os meus viverão presos nesse castelo.
- É absurdo, não é? Sua vida programada antes mesmo de você nascer.
- Eu não sei. Parece estranho, mas, apesar de tudo, eu sei que tenho um futuro, nunca tive medo dele. Nunca tive a incerteza. Em nenhum momento precisei pensar em como sobreviver, me sustentar ou em como ser feliz. Já tinha decidido como seria.
Tomei um gole de água enquanto pensava no que ele queria dizer. Acho que eu conseguia entender, era como se meu pai tivesse sua própria clínica médica e eu fosse estudar medicina. Eu teria um emprego, um futuro planejado. Não precisava passar pela dúvida.
- Você tomou o remédio para dormir? - de repente perguntou, me tirando completamente do assunto anterior.
- Tomei.
- Teve mais pesadelos?
- Não, dessa vez não.
- Eu realmente lamento, . Por tudo.
- Eu sei, . Obrigada, mas não se preocupe, eu realmente me sinto melhor.
- Nós tínhamos que ter pensado nisso antes. Contando com sua popularidade... Os rebeldes nortistas deveriam saber de algo também.
- , o que você sabe sobre o líder dos rebeldes sulistas? Aquele que eu vi.
Capítulo 10 - Uma Nova Realidade
- Você tem certeza absoluta que está pronta? Nós podemos mandar outra pessoa hoje, não será um problema.
- Eu estou me sentindo bem, . Além disso, minhas horas de repouso já acabaram. Não acho que Serena ficará feliz se for outra pessoa e eu ainda não decidi se quero contar para ela, caso ela ainda não saiba.
concordou, abrindo a porta do meu quarto para juntos partirmos em direção à cozinha. Ele caminhava à minha frente enquanto eu me escondia no uniforme preto das criadas. Era terça-feira novamente e eu teria mais um encontro com os rebeldes nortistas do lado de fora dos muros do castelo.
- e eu estaremos na escuta. - ele disse, antes de me deixar seguir sozinha pelas passagens. Era menos suspeito do que o príncipe andando na área da criadagem.
Encontrei com Doroth no mesmo lugar da semana anterior e juntas fizemos o mesmo percurso, conversando sobre a semana que tinha passado. Ninguém tocou em qualquer assunto referente ao ataque dos rebeldes sulistas, era como se ele nem tivesse existido. O motorista já estava mais ciente da minha presença e nada comentou além de um educado “bom dia” quando sentei no banco do carona. Seguimos em silêncio até o esconderijo, o que me deixou com tempo para respirar longe daqueles muros e apreciar a vista da capital, me sentia livre.
A porta foi aberta pelo mesmo guarda grandalhão da semana anterior, mas ele já não me parecia tão ameaçador, afinal, eu tinha visto coisa pior. Passei pelo corredor cheio de homens com a cabeça levantada, me sentia mais forte naquele dia, me sentia pronta para tudo.
- , querida. - Serena cumprimentou-me na porta de seu escritório, pegando a cesta de minha mão, colocando sobre a mesa, e me dando um repentino e forte abraço.
Seu aperto foi tão certeiro em minhas costas e sua arma presa no cós da calça apertou tanto minha cintura que reclamei de dor, senti até meu corpo se contorcer involuntariamente. Foi imprudente, sem querer e nada discreto.
- O que foi, ?
- Nada.
- É verdade, não é? Estava esperançosa que fossem apenas boatos.
- O que é verdade?
- Eu não acredito que eles realmente pegaram você. Achei que era apenas mais um atentado.
Serena não estava perguntando, ela estava afirmando.
- Tire a roupa.
- Como? - ela só podia estar brincando comigo.
- Tire esse vestido, . - ela mandou, partindo em direção a porta e fechando-a, depois chaveando. Em seguida fechou bem as cortinas.
- Eu quero ver o que eles fizeram com você.
- Nada. Eles não me machucaram.
- Não minta para mim, . Eu sei o que é estar no braço daqueles homens.
Engoli em seco, o que ela queria dizer?
- Vire-se.
Sem ter muita opção, virei-me de costas para Serena, deixando-a abrir o zíper de meu uniforme. Logo senti suas mãos geladas passeando pelo meu hematoma.
- Céus, . O que é isso?
- Parece pior do que é. Agora que faz mais tempo está…
- Verde.
- Está começando a ficar verde. Eu estou passando uma pomada, acho que acelera o processo. Diminui a dor, pelo menos.
- Mais algum lugar? E não me esconda dessa vez.
Virei-me para ela, tirando as mangas do vestido e mostrando meu abdômen, agradecida pelo sutiã decente que usava e por ela ser uma mulher.
- Como você fez isso, ? - ela perguntou lamentosa. - O que exatamente eles fizeram com você? Eu não acredito que eles foram baixos a esse ponto! Se eles descobrirem que você vem para cá...
Voltei a me vestir, deixando Serena focar na cesta com os papéis enquanto divagava. Não entendia porque, de repente, ela resolveu ter uma intimidade comigo; era como se ela pensasse que, agora que eu a conhecia e tinha saído viva daquele lugar, confiava nela.
- O que você sabe exatamente? - perguntei.
- Agora, muita coisa. Achei que tudo o que ouvi era mentira, suspeita, planos mirabolantes. Mas ele estava lá, não estava? O chefe entrou no castelo dessa vez.
- Parece que sim. - lamentei. - Se o homem que vi for realmente ele.
- Isso é um absurdo. Eles estão impacientes, . Como você acabou machucada assim e não, bem, morta?
- Eu... - engoli em seco. Morta, ainda não era uma palavra aceitável para mim. - Eu tentei fugir. Não foi exatamente inteligente.
- Fugir? - vi Serena colocar novos papéis na cesta e depois se sentar na cadeira para me dar total atenção. Sentei também. - Foi corajoso.
- Não sei bem se foi uma boa ideia.
- Eu já tive em seu lugar uma vez e não tive a mesma coragem, . Te garanto que fez o melhor que podia.
Ela respirou fundo, como se as lembranças ainda fossem vívidas em sua mente, algo que não a agradava. A história que estava por vir não era fácil de ser contada.
- Antes de eu parar aqui, - ela indicou a sala. - eu era apenas uma adolescente revoltada com as castas. Eu queria crescer na vida, ganhar mais dinheiro e sustentar melhor minha família, mas não podia! Então eu era apenas mais uma invadindo o castelo, mais uma em busca de melhorias improváveis, querendo chamar a atenção. - ela tomou fôlego. - Mas teve um dia… Nós e eles…. Dois grupos invadindo o castelo ao mesmo tempo. Foi horrível, eram dois inimigos de uma só vez. Nesse dia, eu… - sua voz falhou e foi então que eu lembrei. Por um único momento de lucidez, eu lembrei da escuta presa em meu vestido. Lembrei de e do outro lado da linha.
- Espere. - avisei, colocando a mão no peito, tentando tapar qualquer som que a escuta pudesse captar. - Eu… Eu não quero ouvir isso. Desculpe, eu preciso ir.
Levantei-me rapidamente, pegando a cesta em cima da mesa e já partindo para destrancar a porta. Precisava sair dali antes que ela resolvesse colocar tudo para fora.
- , espere.
Olhei para Serena desesperada, tentando fazê-la entender. Não podia trair os príncipes e avisar da escuta, mas também não podia deixá-la compartilhar seus momentos de dor com eles. Se nem eu queria, não tinha como obrigá-la a fazer.
- Obrigada. - foi tudo o que ela disse antes de me deixar seguir até o caminhão.
Era isso, ela oficialmente sabia da escuta.
***
Passei o caminho inteiro de volta nervosa. Eu era muito burra! Toda vez que eu ia naquele lugar eu saía de lá com um segredo a menos. Eu tinha esquecido completamente da escuta, estava tão ocupada me sentindo confiante que acabei criando minha própria armadilha.
Queria fugir e me esconder no exato momento em que o motorista atravessou os portões do castelo, na certeza de que o príncipe estaria me esperando ali pronto para me expulsar, mas, para minha sorte, apenas Doroth esperava pela cesta. Fiquei aliviada, entretanto não podia negar que era estranho. Será que os príncipes fingiram não ter escutado?
Como eu precisava trocar de roupa para o café, parti logo para meu quarto cuidando para não encontrar ninguém pelos corredores. Sendo vista apenas pelo guarda responsável pelo corredor das Selecionadas, o qual já tinha presenciado minha saída com mais cedo. Quando cheguei aos meus aposentos esperava encontrar Elise, Cleo, ou Meri me esperando, afinal elas já tinham conhecimento das saídas nas terça de manhã, mas nenhuma delas estava lá.
- .
Levei o maior susto quando apareceu saindo da minha sacada. Eu não percebi nem que a porta estava aberta, muito menos que havia alguém ali.
- , que susto. - levei a mão ao peito, encarando-o. - O que você está fazendo aqui?
O príncipe não reagiu, ele não sorriu, pediu desculpas ou brincou. Ele ficou apenas ali, parado na porta da minha sacada. Sua expressão era autoritária e séria, mas seus olhos pareciam nervosos. Aquele príncipe não era nem perto o mesmo homem que tinha jantado comigo antes.
- Eu preciso ver, .
- Como? - não estava entendendo.
- Eu quero ver. - o príncipe corrigiu. - Eu quero que me mostre seus machucados.
Eu estava confusa, ele não estava preocupado com a escuta? Ele queria ver algo que já tinha passado? Nós já havíamos conversado sobre aquilo. Percebendo que eu não tinha resposta, continuou.
- Não aguento mais. Eu estava tentando ser compreensivo, mas ninguém me conta e eu não aguento isso. Depois da reação de Serena, então... - ele negou com a cabeça. - Como ela soube, como ela percebeu?
- Ela me abraçou.
- Ah. Então você deixa uma rebelde te tocar… Todos eles, pelo jeito. Mas foge até de me dar o braço. Ou você acha que eu não percebi que não queria entrar no café da manhã ao meu lado?
Aquilo doeu. Ele dizer que eu permitia que os rebeldes me tocassem. Ele dizer que aquilo era uma opção para mim foi totalmente egoísta. Como ele podia dizer aquilo?
- Desculpe. Eu não sei o que estava pensando. - ele bagunçou os cabelos, aproximando-se ainda mais de mim.
Recuei. Não fui muito longe, não estava fugindo dele. Eu só precisava deixar claro que ele estava errado e que eu jamais permitiria que qualquer pessoa me tocasse daquele jeito de novo, não se eu pudesse escolher, nem, inclusive, se ele fosse a futura vossa majestade real.
- Eu estou fora de controle, . Eu não sei o que está acontecendo comigo. As coisas estão uma bagunça, o reino está prestes a ceder e eu só consigo pensar em você. - ele de repente se sentou em minha cama, parecendo extremamente cansado. - Quando você desmaiou em meu braços, eu nunca me senti tão perdido na vida. E tudo acontece e você não me conta absolutamente nada! Todo mundo aceita seu silêncio, mas eu não posso, não posso te dar isso. Não quando sua saúde está em risco.
Ele parecia tão frágil naquele momento.
- … - me sentei ao seu lado, precisava cuidar com o que ia dizer. - Você sabe porque pensa em mim. Você está mais focado em achar alguém que seu país aceite, do que alguém que você ame.
- E isso é tão errado?
- Não. Mas você precisa ser feliz, . Precisa pensar na sua felicidade também.
- Como eu posso saber se serei feliz? É uma escolha para a vida inteira, . Para a vida inteira.
- Eu não sei, . Só acho que uma hora você percebe. Percebe que encontrou a pessoa certa.
O príncipe me olhou surpreso e eu concordava com ele. Como eu poderia saber algo sobre encontrar a pessoa certa? Como eu podia dizer para ele escolher o amor logo depois de ter dito que eu não escolheria? Eu, a Selecionada , a mulher que casaria com a opção que me dessem, seja durante ou após a Seleção.
- É frustrante isso. Eu imaginava tudo tão diferente, eu imaginava alegria, sabia? Eu imaginava que todas vocês chegariam aqui encantadas com tudo, com o castelo, comigo e com as mordomias. Achei que vocês passariam todo o tempo aqui estudando e conhecendo coisas novas, até vocês, as mais ricas. Mas não é assim, muito menos com você, . - ele parecia derrotado. - Eu penso em tantas coisas para te agradar, mas nada parece bom o bastante. Não porque você poderia querer mais, mas devido a tudo o que acontece aqui. Você fala de felicidade, mas foi feliz em algum momento nesse castelo? Você passou algum dia sem dor ou traumas?
Não tinha certeza se ele queria uma resposta.
- Como pode ver, eu não podia estar mais enganado! Acho que até as mais inocentes sentem o clima desse castelo. É ingênuo da minha parte achar que alguém só tem alegrias aqui. - ele continuou - Então, eu decidi. Vou cuidar de sua segurança e saúde; afinal você não pode sair daqui pior que entrou, não importando o título que carregará. - ele olhava em meus olhos, firme, certo de si. Naquele momento o confuso tinha ido embora.
O príncipe me chocou mais do que eu podia imaginar, ele estava tão certo e decidido. O que tudo aquilo significava? Ele estava afirmando o que exatamente?
- Eu… Eu não preciso que cuide de mim. - foi tudo o que eu consegui dizer.
- Eu sei disso. Você não faz ideia de como eu sei disso. E é algo que me irrita, preciso admitir. Você é tão independente e dona de si. - ele se levantou, respirou fundo e amoleceu a voz: - Mas eu preciso saber que você está bem. E não é só pelo futuro do país ou pelo meu povo, ou por causa dos jornais e meus pais, é por mim e por você. Tem razão quanto a prioridade de quem escolherá minha futura esposa, . Talvez eu não encontre a felicidade aqui, entre as poucas mulheres que sobraram… Talvez eu e você estejamos fadados ao casamento unicamente devido às pesquisas.
Engoli em seco. Eu não sabia dizer da onde havia saído toda aquela declaração. Pela primeira vez senti os papéis invertidos, parecia ter desistido de encontrar uma parceira antes de uma rainha e eu me sentia na obrigação de ter esperanças por ele.
- …
- Não sou um príncipe iludido, . Tenho noção que metade das mulheres daqui pouco liga para mim, elas só querem dinheiro, luxo e poder.
Eu nunca imaginei que pudesse perder a esperança em seu futuro, apenas não queria que ele valorizasse demais o nosso. Entretanto, lá estava ele, sendo sincero comigo de uma maneira que eu jamais imaginei que alguém seria, mostrando seus medos, receios e talvez até fraquezas.
- Elas não te conhecem ainda, . Acho que nem eu conhecia… Até hoje. É hipocrisia da minha parte te dizer isso, mas talvez você devesse se abrir mais com as garotas.
- Tem razão, é meio hipócrita. - ele brincou, me arrancando um singelo sorriso.
- Quer saber? Eu já volto. - dei de ombros e me levantei, seguindo em direção ao meu armário.
- O que você está fazendo?
- Sendo um pouco menos hipócrita. - sorri. Peguei um shorts e uma regata, uma das roupas que tinha trazido de casa e fui para o banheiro me trocar. apenas me seguia com os olhos. - E talvez te incentivando a continuar sua busca.
estava se servindo de água quando eu saí do banheiro, já usando minhas roupas de casa. Seu olhar foi surpreso quando me encontrou apenas de shorts e blusa, me fazendo me sentir exposta demais.
- É melhor que uma camisola. - comentei, percebendo que, vivendo entre as maravilhas de seu castelo, o príncipe não estava muito acostumado com roupas informais.
- Eu gosto dos dois. - ele sorriu galanteador.
- Sei. - sorri, não me importando com sua brincadeira. Nós estávamos sendo sinceros um com o outro. - Qual você quer ver primeiro?
- Eu não sei. O que estiver pior, eu imagino.
Assenti e devagar levantei a barra da minha blusa, deixando-a parada embaixo de meus seios. Os olhos do príncipe se arregalaram ao encontrar o hematoma em minha barriga. Ele se aproximou de mim, estendendo a mão enquanto pedia com os olhos permissão para me tocar. Permiti. Ele negou com a cabeça, como se pensasse em algo ruim, mas não disse qualquer palavra enquanto passeava com os dedos delicadamente em minha barriga. Seu toque era arrepiante. Ele era sensível e eletrizante ao mesmo tempo.
- Parece pior do que realmente é. - falei, tentando quebrar o clima.
- O que aconteceu com você, ?
- Um deles me bateu. - falei, encarando minha mão sem coragem de ver seu rosto. - E aqui... - afastei suas mãos delicadamente e virei de costas.
entendeu a deixa e levantou minha blusa.
- Me empurraram em uma árvore para eu não fugir. - expliquei.
- Às vezes eu não sei como você consegue.
- Consigo o quê? - me virei para encará-lo, arrumando a blusa no lugar.
- Passar por tudo isso sozinha.
- É uma defesa. Acho que sempre foi assim, digo, nunca passei por algo parecido, mas quando você só pode contar seus problemas para uma pessoa… Eu não sei… Às vezes você só quer poupá-la de certos fardos.
- Foi por isso que não contou tudo para Anne?
- Como sabe sobre Anne?
- Sei que ela é provavelmente sua única amiga aqui. Perguntei se ela sabia de algo. Ela disse que não, apesar de afirmar que se soubesse, não me contaria.
- Ela sabe que estavam atrás de mim… Ela escutou.
- Eu imaginei. - ele sorriu cúmplice. - Obrigado por se abrir comigo, . Quero que saiba que pode confiar em mim. E além disso, jamais me sobrecarregará com seus problemas. Ainda mais porque eu sou o motivo da maioria deles.
- Eu vou tentar ser mais honesta com você, mas quero que prometa que vai tentar ser mais honesto também. E eu não digo comigo, digo com você mesmo. Se quer encontrar uma noiva, , precisa aceitar que será um caminho difícil.
Ele sorriu, um sorriso feliz e verdadeiro. Ali, depois de tudo o que o príncipe me contou, eu tinha certeza absoluta que o homem que aparecia nas telas inflexível, o homem que parecia só indiferente, era uma máscara. Ele não existia.
- Claro. Tudo bem. Eu prometo.
- , eu posso fazer uma pergunta?
- Qualquer uma.
- Você está bravo comigo por Serena saber da escuta?
- Não, . Ela já devia imaginar, eu não deixaria qualquer Selecionada sair por aí sem o mínimo de proteção. - concordei com a cabeça. - Assim como sei que Serena te abraçou porque tinha suspeitas.
- Agora faz sentido. Ela estava me testando.
- Estava. E não gostei da reação dela quando você não passou no teste, desculpe por aparecer aqui e assusta-la.
- Eu entendo… Ela tem razão, não tem? Se algum rebelde do sul descobrir da nossa ligação com ela, da minha ligação com ela…
- Ninguém vai descobrir.
- Se descobrirem. Você precisa se proteger, . O país te ama, ele aceitará qualquer mulher que lhe faça feliz e eu realmente acredito que você pode liderar esse país e tirá-lo do caos.
- Ela tem razão. - falou, aparecendo na porta do meu quarto. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, como ele havia parado ali?
- , o que você está fazendo aqui? - endireitou o corpo, voltou para a postura de superior.
- Me desculpe por atrapalhar o momento de vocês, mas é realmente importante. Precisamos conversar.
O que aconteceu depois foi muito confuso para mim, eu ainda estava tentando entender como estava em meu quarto quando os dois príncipes partiram em disparada, sem falar absolutamente nada.
- Não deixe ninguém entrar nesse cômodo além de suas criadas. - a ordem foi dada ao guarda de sentinela na porta, pelo príncipe mais novo.
- , o que você sabe? - foi a última coisa que escutei de naquele dia.
***
Quando saí para o café da manhã, depois de ser arrumada pelo meu grupo de criadas - que se juntou a mim após a ordem de retirada do príncipe -, percebi que haviam cinco novos guardas no corredor. Anne caminhou comigo assim que passei por sua porta, achando tudo tão suspeito quanto eu.
- Você sabe de algo? - ela perguntou em francês.
- Não tenho nem ideia.
Seguimos em silêncio até o salão de refeições, local onde se encontravam a maioria das Selecionadas, mas nenhum único membro da família real. Assim que Aurora, a última Selecionada, passou pela porta e se sentou à mesa, o mordomo que sempre nos servia se aproximou.
- Senhoritas, por favor, fiquem à vontade. Vossa majestade, o rei, pediu desculpas pelo inconveniente, mas acredita que vocês terão uma boa refeição.
Ninguém respondeu ou falou algo até ele sair para a cozinha, quando voltou com uma jarra de suco, as Selecionadas já estavam entretidas em seus próprios assuntos.
Notei que além da falta de qualquer membro da família real, estava claro que tinha algo errado na cozinha. A variedade de pratos na mesa era menor que o habitual. Não faltava comida, longe disso, mas aquela evidentemente não era uma refeição comum no castelo. Não demorou para o assunto seguir para a recepção que todas estávamos organizando e entre brincadeiras, falas altas e risadas, eu consegui facilmente esquecer a sensação de que havia algo errado.
A tarde não foi nem um pouco diferente. A tenda estava organizada exatamente como no dia anterior, com mesas, papéis e amostras dos diversos fornecedores do castelo lado a lado. Nós tínhamos decidido dividir as tarefas de organizar uma recepção em setores e grupos, deixando cada uma responsável por um aspecto importante.
Juntas escolhemos fazer uma recepção no jardim, perto dos estábulos reais, onde um pequeno lago deixava o ambiente ainda mais acolhedor. Anne, eu e Megan éramos responsáveis pela decoração; nos dando a permissão de optar pelas cores branco pérola e lilás para as mesas e cadeiras, além de flores para os arranjos centrais e louças do século passado.
- A música está pronta. - Lauren anunciou, se juntando a mim, Megan e Anne.
- Estamos escolhendo os lugares para evitar o sol, caso os convidados resolvam demorar. Quer ajudar?
- Claro. Precisamos confirmar a apresentação mais tarde, os músicos darão uma passada aqui.
Quase na hora do jantar nós podíamos dizer que tínhamos tudo pronto e revisado, a recepção seria incrível. Eu podia ver que as meninas estavam cada vez mais tranquilas e acomodadas com o castelo, mesmo depois do ataque. Naquele dia, nós sentimos um pouco do que seria ser princesa, do que significava luxo, glamour e parte dos afazeres reais. Era uma tarefa boa e tranquila, um dia feliz no castelo.
- Senhoritas, tudo pronto para amanhã? - Mariee chamou nossa atenção. Ela estava tão animada com a ideia quanto nós.
- Sim! - respondemos juntas, rindo com Mariee. Aquilo não era muito silencioso e elegante, mas combinava bem com a tarde.
- Que maravilha! O jantar vai ser servido no quarto, mas não se preocupem. A cozinha estará preparada para nossa recepção amanhã. Boa noite à todas!
- Quer jantar comigo? - convidei Anne, assim que Mariee se retirou.
- Não posso, tenho que terminar de ajustar meu vestido para amanhã. Desculpe.
- Claro, até amanhã então. Boa noite.
Vi as garotas subirem uma a uma até seus aposentos, mas decidi que ainda podia dar uma volta pelo jardim. Estava me sentindo confiante, alegre e empolgada, queria que a recepção começasse ali mesmo. O dia havia me dado energia.
Comecei apreciando o jardim da rainha, achava aquilo tão incrível que esperava que fosse mantido por todas as futuras rainhas até o fim dos tempos. Quando cheguei perto das árvores mais densas, decidi seguir por outro caminho e fugir da floresta. Foi então que eu notei os dois guardas que me observavam de longe, me fazendo novamente perceber que a segurança do palácio havia aumentado consideravelmente. O que sabia quando apareceu no meu quarto?
Antes de voltar para o quarto, ainda querendo fazer algo, parti para o salão das mulheres na esperança de ficar segura e um pouco mais sozinha. Fazia alguns dias que eu não entrava ali, já que apesar de ser um lugar escolhido pelas meninas para passar as horas vagas, eu acabava em outro lugar com Anne ou minhas criadas. O salão estava vazio, a única coisa que encontrei foram várias revistas em cima de um dos aparadores, as quais logo se tornaram alvo da minha completa atenção.
Eu realmente tive pouco contato com revistas daquele gênero, pois nem Victoria e nem minha mãe gostavam daquele tipo de informação. Resolvi dar mais atenção à uma revista mais velha, publicada no dia posterior ao anúncio das Selecionadas, a qual dava uma ficha sobre cada uma de nós. Me senti culpada ao pular os rostos que já haviam sido eliminados, mas algo me dizia que nada ali me interessaria sobre meninas que talvez nunca mais viesse a ver.
Comecei por Anne, lendo sobre seu tempo na França, sua família e sua casta. Anne era uma Quatro. Percebi que o autor da matéria resolveu dar sua opinião nada parcial sobre as garotas também, ressaltando a beleza de Anne, mas criticando-a por não saber a língua do país. Pulei minha foto, vendo apenas por cima que nem metade dos meus cursos haviam sidos citados. Continuei, descobrindo a opinião do público baseada unicamente em uma ficha técnica sobre as garotas restantes.
A segunda revista já parecia mais completa, contando sobre as fofocas que haviam vazado durante a preparação para a Seleção, não li muito. Já a terceira revista chamou minha atenção, havia uma única matéria sobre mim. Apenas fotos minhas eram exibidas nas quatro páginas escolhidas para falar sobre a Seleção, havia, inclusive, uma foto que havia tirado recentemente em uma festa que fui com minha família. Resolvi ler a matéria inteira dessa vez.
Nada ali escrito era realmente mentira, mas sentia que tinha sido transformada em uma pessoa que não era. Todos os meus cursos e aprendizados foram citados, com opiniões exaltadas sobre como aquilo era necessário para uma futura princesa. O autor ainda citava a tradição da minha família e parecia surpreso por ainda não ter havido uma rainha com meus talentos. Conseguiu, inclusive, me comparar com a Selecionada anterior a mim, isto é, minha tia avó, que competiu pela mão do avô de , mostrando o quanto eu estava mais qualificada que ela. Respirei fundo. Até eu votaria em mim depois de uma reportagem como aquela.
A próxima revista era extremamente ridícula, eles haviam usado algum tipo de programa de computador para criar o rosto do que seria o futuro herdeiro, de acordo com cada opção do príncipe. Sim, haviam vários rostos de bebês feitos em computador, misturando traços de e de cada uma de nós. Não tive coragem de olhar qual seria o meu resultado, achava aquilo um absurdo. Decidi que já havia visto o suficiente. Então, deixando para trás outras diversas revistas, resolvi ir para o quarto me deitar, tomando mais um comprimido para dormir.
- Eu estou me sentindo bem, . Além disso, minhas horas de repouso já acabaram. Não acho que Serena ficará feliz se for outra pessoa e eu ainda não decidi se quero contar para ela, caso ela ainda não saiba.
concordou, abrindo a porta do meu quarto para juntos partirmos em direção à cozinha. Ele caminhava à minha frente enquanto eu me escondia no uniforme preto das criadas. Era terça-feira novamente e eu teria mais um encontro com os rebeldes nortistas do lado de fora dos muros do castelo.
- e eu estaremos na escuta. - ele disse, antes de me deixar seguir sozinha pelas passagens. Era menos suspeito do que o príncipe andando na área da criadagem.
Encontrei com Doroth no mesmo lugar da semana anterior e juntas fizemos o mesmo percurso, conversando sobre a semana que tinha passado. Ninguém tocou em qualquer assunto referente ao ataque dos rebeldes sulistas, era como se ele nem tivesse existido. O motorista já estava mais ciente da minha presença e nada comentou além de um educado “bom dia” quando sentei no banco do carona. Seguimos em silêncio até o esconderijo, o que me deixou com tempo para respirar longe daqueles muros e apreciar a vista da capital, me sentia livre.
A porta foi aberta pelo mesmo guarda grandalhão da semana anterior, mas ele já não me parecia tão ameaçador, afinal, eu tinha visto coisa pior. Passei pelo corredor cheio de homens com a cabeça levantada, me sentia mais forte naquele dia, me sentia pronta para tudo.
- , querida. - Serena cumprimentou-me na porta de seu escritório, pegando a cesta de minha mão, colocando sobre a mesa, e me dando um repentino e forte abraço.
Seu aperto foi tão certeiro em minhas costas e sua arma presa no cós da calça apertou tanto minha cintura que reclamei de dor, senti até meu corpo se contorcer involuntariamente. Foi imprudente, sem querer e nada discreto.
- O que foi, ?
- Nada.
- É verdade, não é? Estava esperançosa que fossem apenas boatos.
- O que é verdade?
- Eu não acredito que eles realmente pegaram você. Achei que era apenas mais um atentado.
Serena não estava perguntando, ela estava afirmando.
- Tire a roupa.
- Como? - ela só podia estar brincando comigo.
- Tire esse vestido, . - ela mandou, partindo em direção a porta e fechando-a, depois chaveando. Em seguida fechou bem as cortinas.
- Eu quero ver o que eles fizeram com você.
- Nada. Eles não me machucaram.
- Não minta para mim, . Eu sei o que é estar no braço daqueles homens.
Engoli em seco, o que ela queria dizer?
- Vire-se.
Sem ter muita opção, virei-me de costas para Serena, deixando-a abrir o zíper de meu uniforme. Logo senti suas mãos geladas passeando pelo meu hematoma.
- Céus, . O que é isso?
- Parece pior do que é. Agora que faz mais tempo está…
- Verde.
- Está começando a ficar verde. Eu estou passando uma pomada, acho que acelera o processo. Diminui a dor, pelo menos.
- Mais algum lugar? E não me esconda dessa vez.
Virei-me para ela, tirando as mangas do vestido e mostrando meu abdômen, agradecida pelo sutiã decente que usava e por ela ser uma mulher.
- Como você fez isso, ? - ela perguntou lamentosa. - O que exatamente eles fizeram com você? Eu não acredito que eles foram baixos a esse ponto! Se eles descobrirem que você vem para cá...
Voltei a me vestir, deixando Serena focar na cesta com os papéis enquanto divagava. Não entendia porque, de repente, ela resolveu ter uma intimidade comigo; era como se ela pensasse que, agora que eu a conhecia e tinha saído viva daquele lugar, confiava nela.
- O que você sabe exatamente? - perguntei.
- Agora, muita coisa. Achei que tudo o que ouvi era mentira, suspeita, planos mirabolantes. Mas ele estava lá, não estava? O chefe entrou no castelo dessa vez.
- Parece que sim. - lamentei. - Se o homem que vi for realmente ele.
- Isso é um absurdo. Eles estão impacientes, . Como você acabou machucada assim e não, bem, morta?
- Eu... - engoli em seco. Morta, ainda não era uma palavra aceitável para mim. - Eu tentei fugir. Não foi exatamente inteligente.
- Fugir? - vi Serena colocar novos papéis na cesta e depois se sentar na cadeira para me dar total atenção. Sentei também. - Foi corajoso.
- Não sei bem se foi uma boa ideia.
- Eu já tive em seu lugar uma vez e não tive a mesma coragem, . Te garanto que fez o melhor que podia.
Ela respirou fundo, como se as lembranças ainda fossem vívidas em sua mente, algo que não a agradava. A história que estava por vir não era fácil de ser contada.
- Antes de eu parar aqui, - ela indicou a sala. - eu era apenas uma adolescente revoltada com as castas. Eu queria crescer na vida, ganhar mais dinheiro e sustentar melhor minha família, mas não podia! Então eu era apenas mais uma invadindo o castelo, mais uma em busca de melhorias improváveis, querendo chamar a atenção. - ela tomou fôlego. - Mas teve um dia… Nós e eles…. Dois grupos invadindo o castelo ao mesmo tempo. Foi horrível, eram dois inimigos de uma só vez. Nesse dia, eu… - sua voz falhou e foi então que eu lembrei. Por um único momento de lucidez, eu lembrei da escuta presa em meu vestido. Lembrei de e do outro lado da linha.
- Espere. - avisei, colocando a mão no peito, tentando tapar qualquer som que a escuta pudesse captar. - Eu… Eu não quero ouvir isso. Desculpe, eu preciso ir.
Levantei-me rapidamente, pegando a cesta em cima da mesa e já partindo para destrancar a porta. Precisava sair dali antes que ela resolvesse colocar tudo para fora.
- , espere.
Olhei para Serena desesperada, tentando fazê-la entender. Não podia trair os príncipes e avisar da escuta, mas também não podia deixá-la compartilhar seus momentos de dor com eles. Se nem eu queria, não tinha como obrigá-la a fazer.
- Obrigada. - foi tudo o que ela disse antes de me deixar seguir até o caminhão.
Era isso, ela oficialmente sabia da escuta.
Passei o caminho inteiro de volta nervosa. Eu era muito burra! Toda vez que eu ia naquele lugar eu saía de lá com um segredo a menos. Eu tinha esquecido completamente da escuta, estava tão ocupada me sentindo confiante que acabei criando minha própria armadilha.
Queria fugir e me esconder no exato momento em que o motorista atravessou os portões do castelo, na certeza de que o príncipe estaria me esperando ali pronto para me expulsar, mas, para minha sorte, apenas Doroth esperava pela cesta. Fiquei aliviada, entretanto não podia negar que era estranho. Será que os príncipes fingiram não ter escutado?
Como eu precisava trocar de roupa para o café, parti logo para meu quarto cuidando para não encontrar ninguém pelos corredores. Sendo vista apenas pelo guarda responsável pelo corredor das Selecionadas, o qual já tinha presenciado minha saída com mais cedo. Quando cheguei aos meus aposentos esperava encontrar Elise, Cleo, ou Meri me esperando, afinal elas já tinham conhecimento das saídas nas terça de manhã, mas nenhuma delas estava lá.
- .
Levei o maior susto quando apareceu saindo da minha sacada. Eu não percebi nem que a porta estava aberta, muito menos que havia alguém ali.
- , que susto. - levei a mão ao peito, encarando-o. - O que você está fazendo aqui?
O príncipe não reagiu, ele não sorriu, pediu desculpas ou brincou. Ele ficou apenas ali, parado na porta da minha sacada. Sua expressão era autoritária e séria, mas seus olhos pareciam nervosos. Aquele príncipe não era nem perto o mesmo homem que tinha jantado comigo antes.
- Eu preciso ver, .
- Como? - não estava entendendo.
- Eu quero ver. - o príncipe corrigiu. - Eu quero que me mostre seus machucados.
Eu estava confusa, ele não estava preocupado com a escuta? Ele queria ver algo que já tinha passado? Nós já havíamos conversado sobre aquilo. Percebendo que eu não tinha resposta, continuou.
- Não aguento mais. Eu estava tentando ser compreensivo, mas ninguém me conta e eu não aguento isso. Depois da reação de Serena, então... - ele negou com a cabeça. - Como ela soube, como ela percebeu?
- Ela me abraçou.
- Ah. Então você deixa uma rebelde te tocar… Todos eles, pelo jeito. Mas foge até de me dar o braço. Ou você acha que eu não percebi que não queria entrar no café da manhã ao meu lado?
Aquilo doeu. Ele dizer que eu permitia que os rebeldes me tocassem. Ele dizer que aquilo era uma opção para mim foi totalmente egoísta. Como ele podia dizer aquilo?
- Desculpe. Eu não sei o que estava pensando. - ele bagunçou os cabelos, aproximando-se ainda mais de mim.
Recuei. Não fui muito longe, não estava fugindo dele. Eu só precisava deixar claro que ele estava errado e que eu jamais permitiria que qualquer pessoa me tocasse daquele jeito de novo, não se eu pudesse escolher, nem, inclusive, se ele fosse a futura vossa majestade real.
- Eu estou fora de controle, . Eu não sei o que está acontecendo comigo. As coisas estão uma bagunça, o reino está prestes a ceder e eu só consigo pensar em você. - ele de repente se sentou em minha cama, parecendo extremamente cansado. - Quando você desmaiou em meu braços, eu nunca me senti tão perdido na vida. E tudo acontece e você não me conta absolutamente nada! Todo mundo aceita seu silêncio, mas eu não posso, não posso te dar isso. Não quando sua saúde está em risco.
Ele parecia tão frágil naquele momento.
- … - me sentei ao seu lado, precisava cuidar com o que ia dizer. - Você sabe porque pensa em mim. Você está mais focado em achar alguém que seu país aceite, do que alguém que você ame.
- E isso é tão errado?
- Não. Mas você precisa ser feliz, . Precisa pensar na sua felicidade também.
- Como eu posso saber se serei feliz? É uma escolha para a vida inteira, . Para a vida inteira.
- Eu não sei, . Só acho que uma hora você percebe. Percebe que encontrou a pessoa certa.
O príncipe me olhou surpreso e eu concordava com ele. Como eu poderia saber algo sobre encontrar a pessoa certa? Como eu podia dizer para ele escolher o amor logo depois de ter dito que eu não escolheria? Eu, a Selecionada , a mulher que casaria com a opção que me dessem, seja durante ou após a Seleção.
- É frustrante isso. Eu imaginava tudo tão diferente, eu imaginava alegria, sabia? Eu imaginava que todas vocês chegariam aqui encantadas com tudo, com o castelo, comigo e com as mordomias. Achei que vocês passariam todo o tempo aqui estudando e conhecendo coisas novas, até vocês, as mais ricas. Mas não é assim, muito menos com você, . - ele parecia derrotado. - Eu penso em tantas coisas para te agradar, mas nada parece bom o bastante. Não porque você poderia querer mais, mas devido a tudo o que acontece aqui. Você fala de felicidade, mas foi feliz em algum momento nesse castelo? Você passou algum dia sem dor ou traumas?
Não tinha certeza se ele queria uma resposta.
- Como pode ver, eu não podia estar mais enganado! Acho que até as mais inocentes sentem o clima desse castelo. É ingênuo da minha parte achar que alguém só tem alegrias aqui. - ele continuou - Então, eu decidi. Vou cuidar de sua segurança e saúde; afinal você não pode sair daqui pior que entrou, não importando o título que carregará. - ele olhava em meus olhos, firme, certo de si. Naquele momento o confuso tinha ido embora.
O príncipe me chocou mais do que eu podia imaginar, ele estava tão certo e decidido. O que tudo aquilo significava? Ele estava afirmando o que exatamente?
- Eu… Eu não preciso que cuide de mim. - foi tudo o que eu consegui dizer.
- Eu sei disso. Você não faz ideia de como eu sei disso. E é algo que me irrita, preciso admitir. Você é tão independente e dona de si. - ele se levantou, respirou fundo e amoleceu a voz: - Mas eu preciso saber que você está bem. E não é só pelo futuro do país ou pelo meu povo, ou por causa dos jornais e meus pais, é por mim e por você. Tem razão quanto a prioridade de quem escolherá minha futura esposa, . Talvez eu não encontre a felicidade aqui, entre as poucas mulheres que sobraram… Talvez eu e você estejamos fadados ao casamento unicamente devido às pesquisas.
Engoli em seco. Eu não sabia dizer da onde havia saído toda aquela declaração. Pela primeira vez senti os papéis invertidos, parecia ter desistido de encontrar uma parceira antes de uma rainha e eu me sentia na obrigação de ter esperanças por ele.
- …
- Não sou um príncipe iludido, . Tenho noção que metade das mulheres daqui pouco liga para mim, elas só querem dinheiro, luxo e poder.
Eu nunca imaginei que pudesse perder a esperança em seu futuro, apenas não queria que ele valorizasse demais o nosso. Entretanto, lá estava ele, sendo sincero comigo de uma maneira que eu jamais imaginei que alguém seria, mostrando seus medos, receios e talvez até fraquezas.
- Elas não te conhecem ainda, . Acho que nem eu conhecia… Até hoje. É hipocrisia da minha parte te dizer isso, mas talvez você devesse se abrir mais com as garotas.
- Tem razão, é meio hipócrita. - ele brincou, me arrancando um singelo sorriso.
- Quer saber? Eu já volto. - dei de ombros e me levantei, seguindo em direção ao meu armário.
- O que você está fazendo?
- Sendo um pouco menos hipócrita. - sorri. Peguei um shorts e uma regata, uma das roupas que tinha trazido de casa e fui para o banheiro me trocar. apenas me seguia com os olhos. - E talvez te incentivando a continuar sua busca.
estava se servindo de água quando eu saí do banheiro, já usando minhas roupas de casa. Seu olhar foi surpreso quando me encontrou apenas de shorts e blusa, me fazendo me sentir exposta demais.
- É melhor que uma camisola. - comentei, percebendo que, vivendo entre as maravilhas de seu castelo, o príncipe não estava muito acostumado com roupas informais.
- Eu gosto dos dois. - ele sorriu galanteador.
- Sei. - sorri, não me importando com sua brincadeira. Nós estávamos sendo sinceros um com o outro. - Qual você quer ver primeiro?
- Eu não sei. O que estiver pior, eu imagino.
Assenti e devagar levantei a barra da minha blusa, deixando-a parada embaixo de meus seios. Os olhos do príncipe se arregalaram ao encontrar o hematoma em minha barriga. Ele se aproximou de mim, estendendo a mão enquanto pedia com os olhos permissão para me tocar. Permiti. Ele negou com a cabeça, como se pensasse em algo ruim, mas não disse qualquer palavra enquanto passeava com os dedos delicadamente em minha barriga. Seu toque era arrepiante. Ele era sensível e eletrizante ao mesmo tempo.
- Parece pior do que realmente é. - falei, tentando quebrar o clima.
- O que aconteceu com você, ?
- Um deles me bateu. - falei, encarando minha mão sem coragem de ver seu rosto. - E aqui... - afastei suas mãos delicadamente e virei de costas.
entendeu a deixa e levantou minha blusa.
- Me empurraram em uma árvore para eu não fugir. - expliquei.
- Às vezes eu não sei como você consegue.
- Consigo o quê? - me virei para encará-lo, arrumando a blusa no lugar.
- Passar por tudo isso sozinha.
- É uma defesa. Acho que sempre foi assim, digo, nunca passei por algo parecido, mas quando você só pode contar seus problemas para uma pessoa… Eu não sei… Às vezes você só quer poupá-la de certos fardos.
- Foi por isso que não contou tudo para Anne?
- Como sabe sobre Anne?
- Sei que ela é provavelmente sua única amiga aqui. Perguntei se ela sabia de algo. Ela disse que não, apesar de afirmar que se soubesse, não me contaria.
- Ela sabe que estavam atrás de mim… Ela escutou.
- Eu imaginei. - ele sorriu cúmplice. - Obrigado por se abrir comigo, . Quero que saiba que pode confiar em mim. E além disso, jamais me sobrecarregará com seus problemas. Ainda mais porque eu sou o motivo da maioria deles.
- Eu vou tentar ser mais honesta com você, mas quero que prometa que vai tentar ser mais honesto também. E eu não digo comigo, digo com você mesmo. Se quer encontrar uma noiva, , precisa aceitar que será um caminho difícil.
Ele sorriu, um sorriso feliz e verdadeiro. Ali, depois de tudo o que o príncipe me contou, eu tinha certeza absoluta que o homem que aparecia nas telas inflexível, o homem que parecia só indiferente, era uma máscara. Ele não existia.
- Claro. Tudo bem. Eu prometo.
- , eu posso fazer uma pergunta?
- Qualquer uma.
- Você está bravo comigo por Serena saber da escuta?
- Não, . Ela já devia imaginar, eu não deixaria qualquer Selecionada sair por aí sem o mínimo de proteção. - concordei com a cabeça. - Assim como sei que Serena te abraçou porque tinha suspeitas.
- Agora faz sentido. Ela estava me testando.
- Estava. E não gostei da reação dela quando você não passou no teste, desculpe por aparecer aqui e assusta-la.
- Eu entendo… Ela tem razão, não tem? Se algum rebelde do sul descobrir da nossa ligação com ela, da minha ligação com ela…
- Ninguém vai descobrir.
- Se descobrirem. Você precisa se proteger, . O país te ama, ele aceitará qualquer mulher que lhe faça feliz e eu realmente acredito que você pode liderar esse país e tirá-lo do caos.
- Ela tem razão. - falou, aparecendo na porta do meu quarto. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, como ele havia parado ali?
- , o que você está fazendo aqui? - endireitou o corpo, voltou para a postura de superior.
- Me desculpe por atrapalhar o momento de vocês, mas é realmente importante. Precisamos conversar.
O que aconteceu depois foi muito confuso para mim, eu ainda estava tentando entender como estava em meu quarto quando os dois príncipes partiram em disparada, sem falar absolutamente nada.
- Não deixe ninguém entrar nesse cômodo além de suas criadas. - a ordem foi dada ao guarda de sentinela na porta, pelo príncipe mais novo.
- , o que você sabe? - foi a última coisa que escutei de naquele dia.
Quando saí para o café da manhã, depois de ser arrumada pelo meu grupo de criadas - que se juntou a mim após a ordem de retirada do príncipe -, percebi que haviam cinco novos guardas no corredor. Anne caminhou comigo assim que passei por sua porta, achando tudo tão suspeito quanto eu.
- Você sabe de algo? - ela perguntou em francês.
- Não tenho nem ideia.
Seguimos em silêncio até o salão de refeições, local onde se encontravam a maioria das Selecionadas, mas nenhum único membro da família real. Assim que Aurora, a última Selecionada, passou pela porta e se sentou à mesa, o mordomo que sempre nos servia se aproximou.
- Senhoritas, por favor, fiquem à vontade. Vossa majestade, o rei, pediu desculpas pelo inconveniente, mas acredita que vocês terão uma boa refeição.
Ninguém respondeu ou falou algo até ele sair para a cozinha, quando voltou com uma jarra de suco, as Selecionadas já estavam entretidas em seus próprios assuntos.
Notei que além da falta de qualquer membro da família real, estava claro que tinha algo errado na cozinha. A variedade de pratos na mesa era menor que o habitual. Não faltava comida, longe disso, mas aquela evidentemente não era uma refeição comum no castelo. Não demorou para o assunto seguir para a recepção que todas estávamos organizando e entre brincadeiras, falas altas e risadas, eu consegui facilmente esquecer a sensação de que havia algo errado.
A tarde não foi nem um pouco diferente. A tenda estava organizada exatamente como no dia anterior, com mesas, papéis e amostras dos diversos fornecedores do castelo lado a lado. Nós tínhamos decidido dividir as tarefas de organizar uma recepção em setores e grupos, deixando cada uma responsável por um aspecto importante.
Juntas escolhemos fazer uma recepção no jardim, perto dos estábulos reais, onde um pequeno lago deixava o ambiente ainda mais acolhedor. Anne, eu e Megan éramos responsáveis pela decoração; nos dando a permissão de optar pelas cores branco pérola e lilás para as mesas e cadeiras, além de flores para os arranjos centrais e louças do século passado.
- A música está pronta. - Lauren anunciou, se juntando a mim, Megan e Anne.
- Estamos escolhendo os lugares para evitar o sol, caso os convidados resolvam demorar. Quer ajudar?
- Claro. Precisamos confirmar a apresentação mais tarde, os músicos darão uma passada aqui.
Quase na hora do jantar nós podíamos dizer que tínhamos tudo pronto e revisado, a recepção seria incrível. Eu podia ver que as meninas estavam cada vez mais tranquilas e acomodadas com o castelo, mesmo depois do ataque. Naquele dia, nós sentimos um pouco do que seria ser princesa, do que significava luxo, glamour e parte dos afazeres reais. Era uma tarefa boa e tranquila, um dia feliz no castelo.
- Senhoritas, tudo pronto para amanhã? - Mariee chamou nossa atenção. Ela estava tão animada com a ideia quanto nós.
- Sim! - respondemos juntas, rindo com Mariee. Aquilo não era muito silencioso e elegante, mas combinava bem com a tarde.
- Que maravilha! O jantar vai ser servido no quarto, mas não se preocupem. A cozinha estará preparada para nossa recepção amanhã. Boa noite à todas!
- Quer jantar comigo? - convidei Anne, assim que Mariee se retirou.
- Não posso, tenho que terminar de ajustar meu vestido para amanhã. Desculpe.
- Claro, até amanhã então. Boa noite.
Vi as garotas subirem uma a uma até seus aposentos, mas decidi que ainda podia dar uma volta pelo jardim. Estava me sentindo confiante, alegre e empolgada, queria que a recepção começasse ali mesmo. O dia havia me dado energia.
Comecei apreciando o jardim da rainha, achava aquilo tão incrível que esperava que fosse mantido por todas as futuras rainhas até o fim dos tempos. Quando cheguei perto das árvores mais densas, decidi seguir por outro caminho e fugir da floresta. Foi então que eu notei os dois guardas que me observavam de longe, me fazendo novamente perceber que a segurança do palácio havia aumentado consideravelmente. O que sabia quando apareceu no meu quarto?
Antes de voltar para o quarto, ainda querendo fazer algo, parti para o salão das mulheres na esperança de ficar segura e um pouco mais sozinha. Fazia alguns dias que eu não entrava ali, já que apesar de ser um lugar escolhido pelas meninas para passar as horas vagas, eu acabava em outro lugar com Anne ou minhas criadas. O salão estava vazio, a única coisa que encontrei foram várias revistas em cima de um dos aparadores, as quais logo se tornaram alvo da minha completa atenção.
Eu realmente tive pouco contato com revistas daquele gênero, pois nem Victoria e nem minha mãe gostavam daquele tipo de informação. Resolvi dar mais atenção à uma revista mais velha, publicada no dia posterior ao anúncio das Selecionadas, a qual dava uma ficha sobre cada uma de nós. Me senti culpada ao pular os rostos que já haviam sido eliminados, mas algo me dizia que nada ali me interessaria sobre meninas que talvez nunca mais viesse a ver.
Comecei por Anne, lendo sobre seu tempo na França, sua família e sua casta. Anne era uma Quatro. Percebi que o autor da matéria resolveu dar sua opinião nada parcial sobre as garotas também, ressaltando a beleza de Anne, mas criticando-a por não saber a língua do país. Pulei minha foto, vendo apenas por cima que nem metade dos meus cursos haviam sidos citados. Continuei, descobrindo a opinião do público baseada unicamente em uma ficha técnica sobre as garotas restantes.
A segunda revista já parecia mais completa, contando sobre as fofocas que haviam vazado durante a preparação para a Seleção, não li muito. Já a terceira revista chamou minha atenção, havia uma única matéria sobre mim. Apenas fotos minhas eram exibidas nas quatro páginas escolhidas para falar sobre a Seleção, havia, inclusive, uma foto que havia tirado recentemente em uma festa que fui com minha família. Resolvi ler a matéria inteira dessa vez.
Nada ali escrito era realmente mentira, mas sentia que tinha sido transformada em uma pessoa que não era. Todos os meus cursos e aprendizados foram citados, com opiniões exaltadas sobre como aquilo era necessário para uma futura princesa. O autor ainda citava a tradição da minha família e parecia surpreso por ainda não ter havido uma rainha com meus talentos. Conseguiu, inclusive, me comparar com a Selecionada anterior a mim, isto é, minha tia avó, que competiu pela mão do avô de , mostrando o quanto eu estava mais qualificada que ela. Respirei fundo. Até eu votaria em mim depois de uma reportagem como aquela.
A próxima revista era extremamente ridícula, eles haviam usado algum tipo de programa de computador para criar o rosto do que seria o futuro herdeiro, de acordo com cada opção do príncipe. Sim, haviam vários rostos de bebês feitos em computador, misturando traços de e de cada uma de nós. Não tive coragem de olhar qual seria o meu resultado, achava aquilo um absurdo. Decidi que já havia visto o suficiente. Então, deixando para trás outras diversas revistas, resolvi ir para o quarto me deitar, tomando mais um comprimido para dormir.
Capítulo 11 - A Recepção
Acordei me sentindo confiante, pronta para o longo dia que teria pela frente. Escolhi vestir uma roupa confortável e fresca para as tarefas do dia, feliz pela maquiagem ser o suficiente para esconder qualquer machucado que ainda pudesse aparecer em meus braços. E apesar das dúvidas e suspeitas que eu ainda tinha desde que e saíram do meu quarto e desapareceram nos corredores do castelo, eu prometi passar o maior tempo possível focada no meu trabalho.
A manhã foi uma correria total, pois com a falta de funcionários e as exigências de Mariee para que cuidássemos de todos os detalhes, ficamos indo de um lado ao outro para deixar tudo perfeito. O almoço foi servido mais tarde que o normal e novamente era uma refeição mais simples, ainda mais com a cozinha sobrecarregada com nossa recepção.
Quando finalmente estava tudo pronto e no devido lugar, com os músicos posicionados e ensaiando, fomos liberadas para nos arrumar. Elise, Cleo e Meri estavam cansadas e reclamando algo sobre o calor do fogo da cozinha enquanto me davam banho, mas eu só conseguia pensar no que podia ser tão absurdo a ponto de diminuir a produção do castelo.
Minhas criadas, apesar de cansadas, exigiram que eu passasse por todas as etapas de arrumação para um evento. Então fui massageada, hidratada, maquiada, penteada, vestida e tive uma nova cor de esmalte sobre as unhas. Depois de tudo, eu estava finalmente pronta para descer.
A recepção era simples e preferi me misturar, escolhendo um vestido longo azul claro, quase branco, que cobria até o meio dos meus sapatos. Meu cabelo foi preso em uma única trança, parecida com a que eu usei no dia do ataque, mas Meri fez algo diferente, deixando-a com um aspecto de espinha de peixe. Escolhi poucas joias, me sentindo leve e estonteante, pronta para recepcionar uma festa.
- Senhorita , que bom que você está aqui. Estou em dúvida de que lugar colocar as tortinhas. - Evelin, uma das criadas que mais se responsabilizou pela organização da recepção, se aproximou de mim no momento em que pisei embaixo da tenda no jardim. Percebi que eu havia sido a primeira Selecionada a chegar. Elas estavam quase atrasadas.
- Eu te ajudo. - disse e junto de Evelin e dois mordomos, ajustamos a mesa de petiscos do jeito que imaginei ser mais apropriado. Quando acabei haviam cerca de seis meninas espalhadas pela tenda.
Mariee logo apareceu, mandando um soldado chamar as meninas faltantes para uma espécie de teste surpresa. Repreendendo-as pelo atraso. Dava para ver na expressão do guarda que ele não estava preparado para apressar garotas em seu momento de beleza, mas não tinha opção. Me juntei as outras em uma rodinha em volta de Mariee, enquanto a mulher parecia tomar nota das presentes. Provavelmente a ideia de se atrasar para qualquer exercício avaliativo fez as Selecionadas se apressarem, pois logo estávamos todas lá.
Mariee começou a fazer perguntas aleatórias sobre a recepção, como o nome dos convidados, o nome da banda, o que teríamos para comer, que horas as coisas aconteceriam, o nome da louça real que escolhemos e outros detalhes. Ela perguntou tudo o que podia sobre a recepção, escolhendo estrategicamente áreas das quais não fomos responsáveis. Eu acertei todas as perguntas, mas várias meninas ficaram em dúvida sobre alguns aspectos.
- Certo. Respostas anotadas. Lembrem-se que se forem princesas vocês serão responsáveis por tudo, mas não serão as únicas a trabalharem na organização de qualquer evento. Outras pessoas tomarão decisões, mas vocês precisam estar 100% ciente delas.
Ficamos em silêncio, assentindo com a cabeça a nova lição ensinada.
- Já podem começar a música. - Mariee avisou para a banda, começando a circular pelas tendas em busca de alguma coisa importante para anotar.
Decidi socializar com as meninas, querendo deixar tudo mais parecido com uma festa para os convidados quando chegassem.
- O príncipe está vindo. - ouvi uma das garotas gritar, chamando a atenção. De repente todas estavam arrumando o vestido, levantando de suas cadeiras e querendo parecer mais apresentáveis. Eu apenas aceitei ser servida do meu primeiro copo daqueles drinks gelados que tínhamos escolhido para o final de uma tarde de sol. Imaginava como seria a reportagem sobre aquele momento.
- Boa tarde, senhoritas. Não as vejo faz tempo. Como estão? - falou assim que chegou mais perto, notando que todos os olhares estavam sobre si.
- Bem... - escutei algumas responderem, dando sorrisos de orelha a orelha.
também sorriu e então foi de garota em garota dar seu olá. Logo depois apareceu, anunciando a chegada de nossos convidados. O nobre Gerback foi o primeiro a entrar junto de sua filha, ele era conhecido por ser o melhor amigo do rei desde sempre. Apesar de não ser o homem mais rico entre os conselheiros reais, eu acreditava muito que era o mais influente. Depois chegou duas mulheres e seus respectivos maridos, as quais eu acreditava serem amigas da rainha. Outra família com dois filhos homens se juntou a nós minutos depois.
e estavam quase terminando seus momentos privados com cada menina quando seus pais chegaram ao jardim, fazendo com que os príncipes se unissem a eles para uma conversa que eu não conseguia ouvir. Era interessante ver a família real interagindo com seus amigos, eles pareciam apenas adultos curtindo um fim de semana, nada sobre paz mundial ou rebeldes parecia ser discutido ali.
Logo as crianças, isto é, os dois meninos e a pequena Gerback já corriam animados pelo jardim, brincando de algo que parecia ser extremamente divertido. Lady Ana estava sentada comigo e outras duas meninas da Seleção contando sobre seu cachorrinho, quando foi interrompida por seu marido.
- Com licença, garotas. - pediu, seguindo-o.
- Ela é engraçada. - Lauren comentou, me deixando na dúvida se aquilo era uma crítica ou elogio.
- Acho que todos da realeza são. - Natasha respondeu, deixando claro que não era exatamente um comentário bom.
Pedi licença e deixei-as opinarem sozinha sobre as pessoas que estavam ali como nossas convidadas. Sem saber para onde ir, resolvi arranjar algo para beber. Sem álcool dessa vez.
- Achei que não sairia daquela conversa nunca. - falou quando apareceu ao meu lado na mesa de petiscos, eu já tinha um copo em mãos. - Estava difícil encontrá-la.
- Estava legal, foi triste o marido de Lady Ana nos interromper. - falei sincera.
- É sério?
- Sim. O senhor Felds pode ser muito prestativo quando fala de seus futuros investimentos, mas o cachorrinho de Lady Ana parece ser maravilhoso. - comentei, lembrando-me da conversa que tivera antes com um dos homens sobre sua futura indústria de arroz.
- Deixe-me adivinhar! O senhor Felds falou sobre arroz?
Assenti, rindo do tiro certeiro do príncipe.
- Ele pode ser extremamente cansativo.
- Eu estava achando interessante. Se o que ele fala for verdade, seu pai deveria investir mais no comércio local. Talvez diminuir os impostos.
me olhou surpreso, achando realmente estranho meu comentário. Ele ainda não parecia acostumado com meus conhecimentos de política, apesar de eu já ter dito que estudei com minha mãe variados assuntos por anos. A senhora ligava muito para a aparência, mas nunca foi meramente superficial.
- Nosso comércio local é um assunto discutido entre nosso conselho. - comentou. - Mas isso não importa agora. Vim ver como você está.
- Estou bem. E você? Andou sumido nos últimos dias.
- Estive ocupado. Estamos tentando um acordo de paz com a Groenlândia.
- Foi isso que disse para todas as outras garotas?
- É claro.
- , a Groenlândia é um país pequeno que vive muito bem e em paz com todos os outros países do nosso planeta. Eles não exportam nada, porque eles não tem espaço para produzir qualquer coisa em quantidade o suficiente.
- Como sabe disso?
- Eu sei ler. E esse tipo de revista eu conheço. - brinquei.
- Entendi. Você realmente precisa mudar seu sinônimo de diversão.
- Vai me dar outra explicação? - ignorei suas palavras.
- Não posso, . Não por enquanto.
- Imagino que se eu perguntar para a resposta será a mesma?
- Espero muito que sim.
Apenas assenti.
- A recepção está incrível. Os jornalistas já tiraram várias fotos. Acho que conseguimos nosso objetivo. - ele comentou, mudando propositalmente de assunto.
- Uma jornalista pediu para nos entrevistar no final, depois que os convidados se retirarem. Acho que terá muito assunto para a mídia.
- Entrevista? Não sabia disso.
- É a primeira que vamos dar, espero que não seja vergonhoso.
- Não será, acredito em vocês. - ele sorriu sem jeito. - Pelo menos acho que a recepção não vai durar muito, meus pais devem voltar logo. Eles concordaram em vir apenas pela matéria.
- Claro. Com tudo que está acontecendo deve ser complicado mesmo. - falei, esperando uma reação de .
- Você tem razão, . É claro que aquela atitude de significa algo, mas não posso compartilhar nada com você.
- Eu sei. - respirei fundo, derrotada. - Estamos mesmo em perigo, não estamos? E quando digo nós, quero dizer o país.
- Sim. Infelizmente sim.
Peguei na mão dele apertando de leve.
- Nós vamos sobreviver, . Olhe para isso. - indiquei para a recepção, onde as meninas sorriam, conversando com os convidados e até o rei e a rainha pareciam felizes. - Isso é futuro. Você será um bom rei.
- Eu preciso ter um país para poder governar. Eu preciso de monarquia.
Eu sabia que ele estava certo e não tinha nada que eu podia dizer para confortá-lo.
- Então vamos salvá-la. - dei de ombros. Soltando a mão de , a qual percebi que segurava até aquele momento.
Ele assentiu, depois voltou seus olhos para mim.
- Eu acho que devíamos conversar sobre ontem… Eu… Obrigado, de novo, por me mostrar.
Sorri.
- Obrigada por não surtar. - respondi, dando de ombros. - Espero que saiba que ainda é um segredo.
- Claro. Você foi à enfermaria?
- Não. Sua mãe me indicou um remédio e eu já me sinto bem melhor. Não foi nada demais, sério.
- Você mostrou para minha mãe?
- Não. Eu contei para o soldado Hitt naquela noite.
- Entendo.
Ficamos em silêncio um pouco, apenas apreciando a presença um do outro. Notei que todas as meninas pareciam estar se divertindo, enquanto os garçons estavam ocupados servindo as pessoas com maestria. Era uma recepção pequena, devia ter um pouco menos de 30 pessoas, mas ainda conseguimos ser um evento agradável. Até memorável.
- Uma foto? - a fotógrafa apareceu do nada, olhando eu e o príncipe parados um ao lado do outro.
- Claro. - ele respondeu por mim. Colocando seu braço em volta da minha cintura. Sorri junto dele.
- Perfeito. Travada, mas perfeito.
- Ah, então tem algo que a senhorita não sabe fazer. - provocou, usando os dedos que estavam em minha cintura para fazer cócegas.
- Ei! - reclamei, mas logo estava rindo e me contorcendo.
- Assim é bem melhor. - a jornalista falou e foi então que eu percebi que aquele momento tinha rendido boas fotos. - Obrigada.
Foi a jornalista sair que me virei para , evidentemente repreendo-o.
- O que foi? Foram só cócegas.
- Foram cócegas em rede nacional!
- Qual é o problema? Achei que queríamos dar divertimento para as pessoas.
- Sim! Só que não queremos mais coisas para falarem sobre nós.
Como ele podia não entender? Como ele não percebia que qualquer coisa que me envolvesse com ele era um problema? Era munição para o povo, era munição para os rebeldes! Deixavam todos em ainda maior perigo.
- E qual é o problema?
- Espero que tenha fotos parecidas com outras garotas. Com licença, príncipe .
Voltei a caminhar pelo local, querendo ficar sozinha um pouco. Aquele momento havia me assustado, a ideia dos rebeldes acharem que eu estava ainda mais próxima do príncipe, como dito no dia do ataque… Eu só me tornava mais preciosa para eles.
- Papai, você é muito ruim com eles! - escutei uma voz fininha reclamando.
- Desculpe, querida. Eu vou conseguir.
Percebi, então, que um pouco mais ao canto, escondidos das pessoas, atrás de uma baixa vegetação, o lorde Granback mexia no penteado de sua filha. A menina loira como o pai, parecia ansiosa para poder voltar a brincar com os meninos, mas só podia fazê-lo com o cabelo perfeito.
- Com licença. - pedi, me aproximando e sendo notada pela primeira vez. Minha aproximação fez a garotinha sorrir, mas o lorde pareceu um pouco envergonhado. - Gostaria da minha ajuda?
- Sim, por favor. - a menina disse rápido.
- Claro, tudo bem! Obrigada pelo apoio, filha. - o homem disse, largando o cabelo da menina. O qual estava enfeitado com um laço feito de fita de cetim, que agora parecia torto e frouxo. Ri fraco, junto com os outros dois. Eles pareciam se dar muito bem.
- Deixe-me ver isso. - pedi, fazendo com que a criança caminhasse até mim.
- Sabe, eu já aprendi a fazer a maioria deles… Desde que minha mulher morreu. Mas essas fitas são realmente difíceis.
- Eu sinto muito, senhor Granback.
- Obrigado.
- Gostaria de aprender esse? - perguntei, soltando o laço mal feito.
- Por favor.
- Imagine que vai amarrar os seus sapatos, mas a fita é muito mais larga e delicada. Ela precisa de ajuda para ficar perfeita. Então, você arruma o laço aqui, depois passa por dentro sem torcer a fita. Termina o laço, aperta para não soltar e arruma se tiver torto. Perfeito.
- A senhorita faz parecer bem mais fácil. - ele disse brincalhão.
- Obrigada, senhorita . - a pequena disse, antes de voltar a correr por aí. - Espero que ganhe!
Senti minhas bochechas corarem com a torcida repentina da criança, ficando feliz com a aproximação de , fazendo com que os olhos do lorde não vissem minha repentina cor.
- Eu acabei de presenciar um resgate? - brincou.
- Acabou de me ver perdendo para um laço, . A senhorita me salvou de minha filha, claramente.
- Realmente. A pequena Granback sabe causar estragos. Eu entendo porque tem medo dela, tio.
- ! - o homem reclamou. - Já conversamos sobre isso. Quando me chama de tio, me faz parecer velho igual seu pai.
riu de uma piada que parecia ser de longa data entre os dois.
- Certo, obrigado por me salvar senhorita. Vou deixá-los a sós. Com licença.
- Não foi nada, senhor.
esperou o lorde estar longe para começar a caminhar comigo em direção ao lado oposto da recepção.
- Onde estamos indo?
- Lugar nenhum. Só quero mais silêncio. - ele disse dando de ombros.
- O que você quer me dizer, alteza?
- Eu… não me contou sobre seus machucados. Mas eu também ouvi a escuta, . Não preciso que me mostre nem nada do tipo, eu só queria que soubesse… - suspirou. - Você é minha amiga, . Foi a primeira que conversei aqui e parece ser a única que não me vê como segunda opção, a única que é sincera comigo. Eu gostaria que tivesse falado comigo. Naquele dia no abrigo… Eu a machuquei, não foi? Eu me lembro.
- Eu estou bem, .
- Não, . Eu sei que você não está morrendo, mas o bem parece bem distante também. E com tudo que está acontecendo… Precisa tomar cuidado.
- Tudo o que, ? Pode pelo menos me dar uma pista?
- Minha família está um caos, . Eles sorriem, mas meu pai está à beira de um colapso. Às vezes acho que ele vai ter um ataque cardíaco, ou algo assim. Não posso te dar detalhes, mas saiba que ele ameaçou casar ainda essa semana. Ameaçou acabar com a Seleção antes que seja tarde demais.
- O quê? Com menos de duas semanas?
- Meu pai precisa de uma solução rápida. Ele quer deixar o povo tranquilo, despreocupado. Mas de que adianta um povo feliz se no final não vai ter governo?
Aquilo mexeu comigo.
- Por que não aceitou?
- Ele não quer. Ele disse que não está pronto. Acho que nenhum de vocês dois está.
- O rei queria que ele se casasse comigo?
- Meu pai queria qualquer uma naquele momento. Mas você é a preferida da mídia, do conselho e do povo. Se fosse uma competição baseada em votos, você ganharia em todos os lados.
- Mas não é, certo?
- Não é, . Mas eu sei o que eu faria no lugar de , ainda mais se fosse para casar em poucos dias.
- … - respirei fundo - Você precisa abrir os olhos dele, sabe, sobre aquilo que conversávamos no meu quarto. Se existe um jeito da monarquia acabar, é matando todos vocês.
negou, olhou para baixo parecendo tomar coragem.
- Nós não podemos falar sobre isso, . Mas pense um pouco, sei que você tem mais conhecimento de política do que qualquer uma dessas garotas.
Concordei, sabendo que ele estava tentando ajudar.
- Eu… - precisei pensar. - Àquela hora que foi ao meu quarto, o que você descobriu, foi Serena que mandou, não foi?
- Sim.
- E você parece achar que apesar da monarquia estar em perigo, não corre risco de morrer, certo?
- Certo.
- Mas você quer que eu tome cuidado, então você acha que uma Selecionada pode morrer. - afirmei.
- Acho.
- Você acha que os rebeldes do sul estão mais preocupados em fazer o povo desacreditar na monarquia? Do que realmente acabar com ela?
- Exatamente. - sorriu fraco. - Claro que eu não contei absolutamente nada para você.
- Não, claro que não. - respondi, pensando no que exatamente minha descoberta significava. Eu não sabia se entendia bem o motivo da escolha dos rebeldes sulistas. - Foi por isso que o chefe dos rebeldes veio até aqui?
Senti um pouco tenso, mas foi rapidamente disfarçado.
- Eu não tenho certeza. Acho que precisamos voltar para a recepção, . Só queria, sabe, dizer que estou aqui se precisar.
- Obrigada, . - Sabia que não deveria insistir, ninguém da família real parecia gostar de falar sobre o chefe. Eu havia perguntado para e ele também não foi claro em suas respostas.
Percebi, enquanto caminhamos juntos até a tenda, que eu tinha conseguido conquistar várias pessoas no castelo. Apesar de saber as restrições, eu realmente considerava e até como amigos, além deles eu tinha Anne e minhas criadas. Para alguém que temia aquele lugar, eu quase me sentia melhor ali do que em casa.
Acabei parando para conversar com Anne e mais algumas garotas quando chegamos a tenda, o príncipe mais novo pediu licença e se uniu a seus pais. Logo depois, o rei e a rainha partiram. Seguidos, por minutos, pelos convidados que pareciam muito satisfeitos com o convite.
A recepção tinha sido realmente um sucesso. Durou pouco tempo, mas não a ponto de parecer uma farsa. E eu me sentia bem, não tivemos nenhum desastre ou imprevisto, tínhamos atingido nosso objetivo. Minutos depois, e acenaram e sumiram castelo adentro.
Mariee nos reuniu para uma breve orientação sobre as entrevistas, ela sabia que não estávamos exatamente prontas apesar dos ensaios. Contudo nos tranquilizou ao dizer que só seria exibido o que a família real permitisse.
Arrumados um em cada mesa, sem câmera e com bloquinhos de papéis, os jornalistas pareciam prontos para começar o trabalho de verdade. Dava para ver que aquelas entrevistas eram o mais importante, o furo de reportagem, o sucesso de . Precisávamos ir bem. Uma por uma, as Selecionadas foram chamadas para dar seu depoimento sobre os primeiros dias da Seleção e responder perguntas sobre sua vida antes dali.
- Senhorita . - a mulher encarregada de me fazer perguntas chamou, seu sorriso, apesar de bonito, me lembrava um predador. Parecia pronta para captar qualquer deslize meu e torná-lo um grande escândalo. Sentei-me à sua frente. - Nós gostaríamos de gravar o áudio da entrevista, se não for um problema.
- Claro, sem problemas. - sabia que aquilo era apenas cordialidade, eu não tinha qualquer escolha. Ela havia decidido isso com Mariee e eu tinha apenas que obedecer, grata por não ter vídeo junto com o áudio.
- Ótimo, vamos começar. - ela apertou um botão em seu gravador preto. - A primeira pergunta acredito ser a mais fácil de responder. Como se sente por ainda estar na Seleção, senhorita ?
Respirei fundo.
- Não é tão fácil assim, Kiara. - falei, usando meu melhor tom inocente e brincalhão, lendo seu nome no broche que usava. - Acredito que me sinto honrada. Honrada por ter tido a chance de continuar aqui e conhecer melhor o príncipe.
Ela assentiu.
- O que você acha das meninas que saíram depois dos problemas de segurança do castelo?
- O príncipe nos deu uma opção e elas decidiram a delas. Acho que foram corajosas, na realidade, Kiara.
- O que quer dizer?
- Acredito que para a maioria das meninas, assim como para mim, viver aqui no castelo é parte de um sonho. - menti, sabendo que era isso que ela precisava ouvir. - Então, acho que quando as garotas decidiram por partir agiram pela razão e não pelo coração. E abandonar o coração significa coragem para mim.
- A senhorita quer dizer que está aqui pelo coração? Já sente algo pelo príncipe? Vimos vocês bem íntimos hoje.
- O príncipe e eu estamos nos conhecendo, assim como todas aqui. Ele é um homem inteligente, educado, querido e se importa muito conosco. Acho muito difícil alguém não se dar bem com ele, Kiara.
- Isso não responde exatamente minha pergunta.
Ri com ela.
- Certo, tudo bem. Minha admiração por ele é enorme e ele é um cara bem mais legal do que eu imaginava. É isso que eu posso dizer.
- Sem declarações de amor, então?
- Por enquanto, pelo menos. - brinquei, dando uma piscadinha.
- Podemos conviver com isso. - ela brincou, rindo. - E como você se sente sendo a preferida nas pesquisas até agora?
- Impressionada! - fingi empolgação. - Fico feliz que as pessoas confiem e torçam tanto por mim. Espero estar à altura das expectativas no que for.
- Acredito que está, pelo menos por enquanto. Ainda não tivemos nada na Seleção que fosse um problema. O que pensa disso?
- Acho que é uma boa coisa. Quero dizer, apesar de já estarmos em um número reduzido de meninas, estamos curtindo o castelo. Como, por exemplo, nossa recepção hoje.
- Pois é. Tirando o baile que não foi televisionado, é o primeiro evento da Seleção.
- Sim! E esse foi organizado totalmente por nós, com ajuda, é claro. Espero que tenha sido a altura dos nossos convidados, nos esforçamos muito.
- Estava tudo muito bonito, senhorita.
- Obrigada.
- Voltando ao assunto que você citou: o que você acha de tantas eliminações em tão pouco tempo?
- Bem, acho que foi ordem do destino. O príncipe cumpriu seu papel no primeiro dia. Nada do que ele fez foi novidade, está na história e nós sabemos disso. Entretanto um elevado número de meninas saiu por escolha própria e acho isso extremamente admirável no príncipe. Nos dar a opção de escolher, quando ele poderia nos manter aqui se quisesse.
- Acho que o príncipe não quer uma princesa que não o queria. - ela brincou.
- Faz bastante sentido, não é mesmo? - rimos juntas.
- Uma última pergunta: na sua festa de despedida a senhorita pareceu dar tchau para um menino em especial na plateia. Algum amor de infância?
- Esse seria Drew, meu melhor amigo. - respondi sem pestanejar. - Se quer saber se eu o amo, Kiara. Sim. Ele é meu melhor amigo desde a infância, é como um irmão para mim. Sua família, seus irmãos e, principalmente sua mãe, são pessoas muito importantes para mim e minha família. Mas se está insinuando que me apaixonei por ele, está enganada. Me preparei para estar aqui, Kiara. E só terei olhos para outro homem no dia que o príncipe me mandar para casa.
- Se ele lhe mandar para casa.
- Sim. Pode acontecer de eu ser a escolhida. Mas ainda existem muitas garotas maravilhosas aqui, não posso ficar confiante. - pisquei.
- Ótimo! Obrigada senhorita. - ela disse, apertando o mesmo botão. - Obrigada, . Vou realmente conseguir trabalhar com isso. Você foi muito bem.
- Obrigada. - me levantei da mesa sorrindo, percebendo a má impressão que tinha de jornalista. Kiara havia sido muito legal comigo. - Até mais.
Quando todas as entrevistas acabaram, os criados já haviam terminado de limpar grande parte do jardim, nos dando espaço para tirar várias fotos em grupo com paisagens maravilhosas. Depois de diferentes poses fomos liberadas para o quarto. Agradeci imensamente pela ajuda aos criados remanescentes e parti louca por um banho quente. Aquele dia havia sido cansativo, só havia percebido naquele momento o quanto tinha consumido minhas energias.
Cheguei ao quarto, mas ele estava vazio, então decidi me deitar para aproveitar um cochilo. Elise, Cleo e Meri apareceriam logo para me ajudar com o vestido, podia aproveitar alguns momentos antes disso.
Pensei que iria dormir, mas passei o tempo todo pensando na recepção, em e nas coisas que tinha descoberto com . Eu conseguia entender a estratégia dos rebeldes, conseguia ver o quanto eles estavam sendo minuciosos e cautelosos. Eles não queriam ser odiados ou acusados de matar alguém da realeza, eles estavam em busca de uma revolução, do ódio e descrença do povo. Mas ainda faltava algo, e eu não tinha certeza de como a Seleção se encaixava nisso.
Um pouco antes do meu trio de criadas chegar, um soldado bateu à porta oferecendo uma pequena caixinha de presente enviada pelo príncipe. Agradeci, colocando a embalagem ainda fechada na mesa do quarto. Já que tinha levantado da cama, decidi por mim mesma tomar um banho. Estava enchendo a banheira quando minhas criadas chegaram, desculpando-se pelo atraso e tomando as tarefas para si. Logo eu já estava na banheira aproveitando dos sais de banho.
- Ganhou um presente? - Meri perguntou assim que voltou do quarto com uma camisola limpa.
- Parece que sim. Um guarda trouxe mais cedo. Nem sei o que é. - dei de ombros.
- Será que foi só para a senhorita? - ela perguntou, me ajudando a colocar a roupa de dormir.
- Não sei dizer, para ser sincera. Não estava prestando muita atenção. Podemos abrir para ver o que é.
Com Meri, Cleo e Elise me olhando curiosas, abri a caixinha entregue minutos antes. Primeiro soltei o laço e depois levantei a tampa.
- É um doce! - Cleo suspirou, encantada com o pequeno bolo decorado que havia ali. - Parece delicioso!
- E é lindo! - Elise tinha razão, a decoração do bolinho era espetacular, dava até pena de comer
- Vamos comer juntas?
- Não, senhoria, o presente é seu.
- Eu sei. Mas ficaria feliz em dividir com vocês. O que acham?
- Eu não quero, senhorita. - foi Elise a primeira a negar. Senti que aquilo não era exatamente porque ela não queria provar o doce. Ela só estava vendo o quanto Cleo, sua amiga, o queria.
- Nem eu. É bonito demais para comer. - Meri brincou.
- Ótimo, então todas concordam em dá-lo de presente para Cleo?
- O quê?
- Sim! - as outras duas responderam em uníssono.
- Perfeito. - respondi, entregando a caixa para a mulher. Seus olhos brilhavam de empolgação. - Cleo, eu ordeno que você aceite esse doce. - brinquei.
- Muito obrigada, senhorita. E vocês também, meninas. - Cleo pegou com muito cuidado o doce de minha mão, admirando-o. Fique feliz em ter dado para ela, apesar de ser um presente do príncipe, sabia que ela aproveitaria mais que eu.
- A senhorita gostaria de um chá agora? - Elise quis saber.
- Na verdade não. O dia foi cansativo para todas nós, acho que não servirão nem janta depois de toda aquela comida! - brinquei, indo para cama. - Vou me deitar. Podem ir, qualquer coisa chamo vocês.
- Vou deixar um copo de água para a senhorita, caso sinta sede. - Cleo ainda sorria agradecida, colocando um copo de água em minha mesinha sem soltar a caixa com o doce.
- Obrigada. - agradeci quando Elise apagou as luzes antes de sair. Em minutos eu estava dormindo.
***
A batida na porta não me acordou imediatamente, mas quando avisou que estava entrando de olhos fechados em meu quarto fiquei alerta o suficiente para me cobrir e sentar na cama.
- ? - a única luz vinha do corredor.
- , oi. - ele disse, ainda de olhos fechados. - Você está vestida?
- Espere. - pedi, me levantando da cama e passando por , em busca do meu robe. - Pronto.
- Desculpe invadir seu quarto. - ele disse, olhando para mim. - Mas tinha que chamá-la. Sua criada Cleo está doente, achei que gostaria de saber.
- Como? O que aconteceu? - meu coração disparou.
- Ela já está bem agora. Gostaria de ir até a enfermaria?
- Claro. E as outras garotas?
- Elas estão bem.
- O que Cleo tem?
-Sobre isso… Precisamos conversar.
passou o caminho todo até a enfermaria separada para os funcionários explicando o que aconteceu enquanto eu dormia. Cleo havia comido o doce que eu recebera de presente e passado mal com ele. No começo achei que poderia ser apenas indigestão, mas quando cuidadosamente explicou que o bolinho estava envenenado senti meu chão ceder.
Os rebeldes sulistas atacaram novamente, acharam uma maneira de invadir o castelo e entrar com um bolinho para cada Selecionada. De acordo com o príncipe, apenas a minha e mais três sobremesas estavam envenenadas, Cleo foi a única a comer uma delas.
- Ela… Oh, céus. Eu envenenei minha amiga. - percebi assim que chegamos na enfermaria.
A ala hospitalar para funcionários era muito maior do que a que eu tinha frequentado e não estava vazia, mas Cleo tinha uma cama cercada de cortinas só para si. Seu corpo desacordado estava ligado a diferentes aparelhos e sua aparência era pálida.
- Senhorita. - Meri e Elise falaram juntas, me abraçando forte por um momento, fazendo poucas lágrimas fugirem dos meus olhos.
- Eu sinto muito. Não fazia ideia… - queria me explicar, queria deixar claro que jamais quis colocar alguma delas em perigo. - Achei que era seguro, um presente.
- Não se preocupe, senhorita , ninguém a culpa. - Elise declarou, desfazendo nosso abraço triplo.
- E ela já está bem agora. Quando a achamos, foi bem pior. - Meri explicou tentando inutilmente me confortar.
- O que aconteceu com ela exatamente? - perguntei, secando as lágrimas.
- Só está desacordada. Ela já tomou o antídoto, estávamos preparados para isso senhorita, acredite. - a enfermeira, que eu não tinha visto até então, respondeu enquanto analisava Cleo e anotava algo em uma prancheta, ela parecia calma.
- Eu… - simplesmente não sabia o que dizer.
- Achamos que a senhorita gostaria de saber. - Elise anunciou, pegando em minha mão e encarando Cleo comigo. - Mas ela já está bem, o susto inicial passou.
- Claro que eu gostaria. Obrigada. - afirmei, ainda chocada com a visão de minha criada e amiga desacordada em uma maca.
- A Cleo precisa descansar. - a enfermeira avisou, tentando ser educada ao nos expulsar da enfermaria.
indicou que deveríamos seguir para uma sala grande de espera, reservada a parentes e amigos que estava totalmente vazia naquela hora da madrugada. decidiu se sentar mais longe, ocupado, mexendo em uns papéis e falando com soldados que às vezes apareciam em busca de ordens. Elise, Meri e eu sentamos perto uma da outra para conversar.
Depois de uma hora, Elise se rendeu e concordou em voltar para o quarto, onde seu marido a esperava. Meri teve mais dificuldades em partir, mas era evidente seu cansaço depois da recepção, então combinamos de revezar os turnos. , por outro lado, se recusou a deixar a sala de espera da enfermaria por mais tempo do que o necessário, saindo apenas para buscar cobertas e pedir um chá para nós dois quando ficamos a sós.
- Desculpe por fazê-las passarem por isso, não sabemos como tudo aconteceu. - falou, me entregando uma xícara de chá e olhando-me sério nos olhos. - Não conseguimos descobrir qual guarda foi, ainda. Falamos com as criadas e Selecionadas, mas ninguém sabia dizer nada sobre ele que ajudasse.
- Eu também não me lembro direito.
- Acho que ninguém realmente pensou que fosse uma ameaça.
- Eu não entendo… Por que nos ferir assim? Será que foi culpa da recepção? É uma estratégia tão estranha...
- Eu não tenho certeza. Nossa segurança está bem firme agora, está mais difícil para eles entrarem no castelo, só que ninguém se preparou para um entrega de bolinhos. - o príncipe disse, sem nenhuma piada na voz. Mas eu quis rir, a ideia de vários homens armados prontos para uma guerra deixando uma dúzia de bolinhos passarem despercebidos era ridícula. - Talvez tenha sido a única opção que encontraram.
- Cleo correu um grande risco, não foi? O objetivo do veneno era nos matar.
- Sim. Sorte que ela não comeu o doce inteiro, assim foi mais fácil de descobrir o veneno e encontrar um antídoto.
- Sorte… Aquele doce era para mim. Como eu fui tão tola, ?
- Ela já está bem, . Eu lhe prometo. Ficará alguns dias em observação, mas suas criadas foram rápidas ao trazê-la. A culpa não foi sua, você só quis ser gentil.
Não respondi, apenas peguei minha xícara de chá para mais um gole. O silêncio não me incomodava, me sentia bem em não estar sozinha naquela sala gigante.
- Eu queria dizer que a recepção foi um sucesso, apesar de talvez esse não ser exatamente o momento certo. - começou, chamando minha atenção. - Meus pais adoraram, todos os convidados pareciam satisfeitos. Liberamos algumas fotos já, as pessoas estão ansiosas pelo Jornal Oficial.
- Eu realmente fico feliz.
Não falamos mais nada, eu me sentia cheia de pensamentos confusos e estava apenas me dando espaço, então ficamos ali, sentados, sentindo o peso de tudo o que tinha acabado de acontecer.
***
- , como você está? - apareceu na sala um tempo depois, pouco antes de amanhecer.
e eu já tínhamos passado algumas poucas horas conversando sobre infinitas coisas, segurando risadas e choros muitas vezes. Pela primeira vez contei para ele tudo sobre minha vida lá fora morando com minha mãe e descobri maravilhas sobre sua infância regrada e aventureira ao redor do reino.
- Chocada, mas melhor. - falei, olhando para ele e depois para , o qual ainda estava sentado na cadeira. - Não sei bem o porquê de tudo isso.
- Nem nós. - disse. - Trouxe o que eu pedi?
- Está vindo.
- Ótimo. Obrigado.
- E aí? Contou para ela sobre a recepção?
- Algumas coisas. - comentou, sorrindo satisfeito pela nova conquista.
- Foi muito bom, ! Nossos pais estão maravilhados, os convidados agradeceram muito. Eles realmente precisavam relaxar em meio aos protestos.
percebeu que tinha falado demais no instante em que as palavras saíram de sua boca. olhou para ele contrariado, sem saber o que fazer.
- Ah, os protestos, claro. - me fingi de entendida, sabendo que era falta de educação perguntar. Entretanto, tinha certeza que eles haviam escondido tudo das Selecionadas de propósito, então era evidente que eu não fazia ideia.
- Agora você tem que contar, irmão. - avisou, ainda olhando feio para o mais novo.
- Desculpe, . É difícil guardar as coisas. - deu de ombros, pelo menos parecendo arrependido. - Os rebeldes sulistas estão cada vez mais mexidos, eles ainda não saíram da escuridão, mas já estão começando a movimentar vilas por aí.
- O que isso quer dizer?
- Fogo e barulho. Nós não sabemos se a vila é adepta à ideia ou se está controlada pelos rebeldes. Os rebeldes nortistas nos deram muita informação essa semana, eles parecem prontos para juntar forças. Temos guardas em várias vilas que talvez sofram ataques, estamos aumentando o treinamento, estamos nos preparando para uma possível guerra. - explicou.
- Mas… E a Seleção? As pessoas não estão felizes?
- Eu sabia que ela ia pensar nisso. Eu te disse, irmão.
olhou repreendedor para o mais novo, depois me olhou com o mais suave dos olhares que já recebi.
- Você tem razão, . A Seleção sempre serviu para acalmar os ânimos, deixar as pessoas felizes. Mas agora os rebeldes sulistas são em grande número e eles não ligam para isso, nós achamos que hoje a Seleção é mais uma fraqueza nossa do que um triunfo.
- É por isso que eles querem nos matar. - falei, olhando para , entendendo totalmente o que ele havia dito antes. Ninguém queria matar a realeza, afinal sempre tinha alguém na linha do trono. Se não fosse , seria , ou um de seus tios, primos ou até mesmo filhos de qualquer um deles. A família real era grande demais para acabar por completo. Mas se a Seleção fosse um fracasso, eles perderiam algo muito pior do que a vida. Eles perderiam o direito de governar e o amor do povo. Eles perderiam o trono. E então teríamos só caos. Os rebeldes sulistas não estavam preocupados com o que o povo pensaria deles, eles só queriam uma medida mais eficiente.
- Exatamente.
- Como você sabe sobre isso? Esqueça, melhor eu não saber. - concluiu.
- O que vocês pretendem fazer?
Ambos tomaram um gole de chá antes de responder, claramente adiando a resposta.
- Nós tínhamos duas opções, mas achamos que hoje nossa primeira acabou. - explicou.
- Por que?
- Mudamos o sistema de guardas, retiramos o número em excesso e colocamos nas ruas, entramos em uma nova distribuição, por assim dizer. Mais guardas em pontos estratégicos, menos guardas rondando por aí. Criamos esse sistema para ocasiões especiais, mas nada devia entrar aqui.
- Então depois de hoje… - continuou. - Talvez precisemos do plano B.
- E o que é o plano B?
O plano B se baseava apenas em especulação. iria eliminar ainda mais garotas para a segurança das mesmas e para aliviar o palácio, depois, no Jornal Oficial falaria para todos que já tinha uma escolhida.
- Você vai escolher alguém? Já? - perguntei chocada.
- Não. Não direi para ninguém quem é a minha escolhida, direi apenas que ela existe.
- Isso não vai deixar os rebeldes sulistas mais ansiosos, agressivos e desesperados?
- Esperamos que sim. Desespero e pressa fazem as pessoas errarem. - explicou.
- Parece perigoso.
- Vamos cuidar de vocês, . - garantiu.
Eu não sabia o que responder, na realidade ninguém ali estava perguntando minha opinião. Aquele era o plano B e ele seria executado, quer eu queira, quer não. já tinha tudo organizado na mente e só precisava colocar em prática. Antes que alguém falasse mais alguma coisa sobre o assunto, uma criada bateu à porta.
- É o que você pediu. - contou.
- Ah, certo. Obrigado. - o príncipe herdeiro levantou-se da poltrona e pegou uma caixa relativamente pequena de veludo preto da mão da mulher, deixando-a partir.
- Eu vou me arrumar para o café. - disse ficando de pé e saindo rapidamente.
- O que está acontecendo?
- Não se preocupe, está exagerando nas coisas. É apenas o seu colar, aquele que ganhou no começo da Seleção. - explicou, abrindo a caixinha e mostrando o colar azul que eu tinha ganho de uma pequena rebelde, o colar que havia sido roubado anos antes. - Acho que agora ele devia ser seu.
- Eu… Mas você comprou para sua mãe
- O que pode ser meio constrangedor, mas acho que representa bem você. Tudo o que passou. Só se você achar estranho ganhar um presente de um homem que no começo pensou na mãe.
Ri de leve. estava me dando um presente?
- Eu não me importo, afinal, sua mãe é a rainha. - brinquei.
- Pensando por esse lado… parece melhor - ele riu. - Quer usá-lo?
- Claro.
Virei-me de costas para , deixando-o prender o colar em meu pescoço. A joia combinava até com a camisola que eu usava.
- Você devia usá-lo sempre. Combina.
A manhã foi uma correria total, pois com a falta de funcionários e as exigências de Mariee para que cuidássemos de todos os detalhes, ficamos indo de um lado ao outro para deixar tudo perfeito. O almoço foi servido mais tarde que o normal e novamente era uma refeição mais simples, ainda mais com a cozinha sobrecarregada com nossa recepção.
Quando finalmente estava tudo pronto e no devido lugar, com os músicos posicionados e ensaiando, fomos liberadas para nos arrumar. Elise, Cleo e Meri estavam cansadas e reclamando algo sobre o calor do fogo da cozinha enquanto me davam banho, mas eu só conseguia pensar no que podia ser tão absurdo a ponto de diminuir a produção do castelo.
Minhas criadas, apesar de cansadas, exigiram que eu passasse por todas as etapas de arrumação para um evento. Então fui massageada, hidratada, maquiada, penteada, vestida e tive uma nova cor de esmalte sobre as unhas. Depois de tudo, eu estava finalmente pronta para descer.
A recepção era simples e preferi me misturar, escolhendo um vestido longo azul claro, quase branco, que cobria até o meio dos meus sapatos. Meu cabelo foi preso em uma única trança, parecida com a que eu usei no dia do ataque, mas Meri fez algo diferente, deixando-a com um aspecto de espinha de peixe. Escolhi poucas joias, me sentindo leve e estonteante, pronta para recepcionar uma festa.
- Senhorita , que bom que você está aqui. Estou em dúvida de que lugar colocar as tortinhas. - Evelin, uma das criadas que mais se responsabilizou pela organização da recepção, se aproximou de mim no momento em que pisei embaixo da tenda no jardim. Percebi que eu havia sido a primeira Selecionada a chegar. Elas estavam quase atrasadas.
- Eu te ajudo. - disse e junto de Evelin e dois mordomos, ajustamos a mesa de petiscos do jeito que imaginei ser mais apropriado. Quando acabei haviam cerca de seis meninas espalhadas pela tenda.
Mariee logo apareceu, mandando um soldado chamar as meninas faltantes para uma espécie de teste surpresa. Repreendendo-as pelo atraso. Dava para ver na expressão do guarda que ele não estava preparado para apressar garotas em seu momento de beleza, mas não tinha opção. Me juntei as outras em uma rodinha em volta de Mariee, enquanto a mulher parecia tomar nota das presentes. Provavelmente a ideia de se atrasar para qualquer exercício avaliativo fez as Selecionadas se apressarem, pois logo estávamos todas lá.
Mariee começou a fazer perguntas aleatórias sobre a recepção, como o nome dos convidados, o nome da banda, o que teríamos para comer, que horas as coisas aconteceriam, o nome da louça real que escolhemos e outros detalhes. Ela perguntou tudo o que podia sobre a recepção, escolhendo estrategicamente áreas das quais não fomos responsáveis. Eu acertei todas as perguntas, mas várias meninas ficaram em dúvida sobre alguns aspectos.
- Certo. Respostas anotadas. Lembrem-se que se forem princesas vocês serão responsáveis por tudo, mas não serão as únicas a trabalharem na organização de qualquer evento. Outras pessoas tomarão decisões, mas vocês precisam estar 100% ciente delas.
Ficamos em silêncio, assentindo com a cabeça a nova lição ensinada.
- Já podem começar a música. - Mariee avisou para a banda, começando a circular pelas tendas em busca de alguma coisa importante para anotar.
Decidi socializar com as meninas, querendo deixar tudo mais parecido com uma festa para os convidados quando chegassem.
- O príncipe está vindo. - ouvi uma das garotas gritar, chamando a atenção. De repente todas estavam arrumando o vestido, levantando de suas cadeiras e querendo parecer mais apresentáveis. Eu apenas aceitei ser servida do meu primeiro copo daqueles drinks gelados que tínhamos escolhido para o final de uma tarde de sol. Imaginava como seria a reportagem sobre aquele momento.
- Boa tarde, senhoritas. Não as vejo faz tempo. Como estão? - falou assim que chegou mais perto, notando que todos os olhares estavam sobre si.
- Bem... - escutei algumas responderem, dando sorrisos de orelha a orelha.
também sorriu e então foi de garota em garota dar seu olá. Logo depois apareceu, anunciando a chegada de nossos convidados. O nobre Gerback foi o primeiro a entrar junto de sua filha, ele era conhecido por ser o melhor amigo do rei desde sempre. Apesar de não ser o homem mais rico entre os conselheiros reais, eu acreditava muito que era o mais influente. Depois chegou duas mulheres e seus respectivos maridos, as quais eu acreditava serem amigas da rainha. Outra família com dois filhos homens se juntou a nós minutos depois.
e estavam quase terminando seus momentos privados com cada menina quando seus pais chegaram ao jardim, fazendo com que os príncipes se unissem a eles para uma conversa que eu não conseguia ouvir. Era interessante ver a família real interagindo com seus amigos, eles pareciam apenas adultos curtindo um fim de semana, nada sobre paz mundial ou rebeldes parecia ser discutido ali.
Logo as crianças, isto é, os dois meninos e a pequena Gerback já corriam animados pelo jardim, brincando de algo que parecia ser extremamente divertido. Lady Ana estava sentada comigo e outras duas meninas da Seleção contando sobre seu cachorrinho, quando foi interrompida por seu marido.
- Com licença, garotas. - pediu, seguindo-o.
- Ela é engraçada. - Lauren comentou, me deixando na dúvida se aquilo era uma crítica ou elogio.
- Acho que todos da realeza são. - Natasha respondeu, deixando claro que não era exatamente um comentário bom.
Pedi licença e deixei-as opinarem sozinha sobre as pessoas que estavam ali como nossas convidadas. Sem saber para onde ir, resolvi arranjar algo para beber. Sem álcool dessa vez.
- Achei que não sairia daquela conversa nunca. - falou quando apareceu ao meu lado na mesa de petiscos, eu já tinha um copo em mãos. - Estava difícil encontrá-la.
- Estava legal, foi triste o marido de Lady Ana nos interromper. - falei sincera.
- É sério?
- Sim. O senhor Felds pode ser muito prestativo quando fala de seus futuros investimentos, mas o cachorrinho de Lady Ana parece ser maravilhoso. - comentei, lembrando-me da conversa que tivera antes com um dos homens sobre sua futura indústria de arroz.
- Deixe-me adivinhar! O senhor Felds falou sobre arroz?
Assenti, rindo do tiro certeiro do príncipe.
- Ele pode ser extremamente cansativo.
- Eu estava achando interessante. Se o que ele fala for verdade, seu pai deveria investir mais no comércio local. Talvez diminuir os impostos.
me olhou surpreso, achando realmente estranho meu comentário. Ele ainda não parecia acostumado com meus conhecimentos de política, apesar de eu já ter dito que estudei com minha mãe variados assuntos por anos. A senhora ligava muito para a aparência, mas nunca foi meramente superficial.
- Nosso comércio local é um assunto discutido entre nosso conselho. - comentou. - Mas isso não importa agora. Vim ver como você está.
- Estou bem. E você? Andou sumido nos últimos dias.
- Estive ocupado. Estamos tentando um acordo de paz com a Groenlândia.
- Foi isso que disse para todas as outras garotas?
- É claro.
- , a Groenlândia é um país pequeno que vive muito bem e em paz com todos os outros países do nosso planeta. Eles não exportam nada, porque eles não tem espaço para produzir qualquer coisa em quantidade o suficiente.
- Como sabe disso?
- Eu sei ler. E esse tipo de revista eu conheço. - brinquei.
- Entendi. Você realmente precisa mudar seu sinônimo de diversão.
- Vai me dar outra explicação? - ignorei suas palavras.
- Não posso, . Não por enquanto.
- Imagino que se eu perguntar para a resposta será a mesma?
- Espero muito que sim.
Apenas assenti.
- A recepção está incrível. Os jornalistas já tiraram várias fotos. Acho que conseguimos nosso objetivo. - ele comentou, mudando propositalmente de assunto.
- Uma jornalista pediu para nos entrevistar no final, depois que os convidados se retirarem. Acho que terá muito assunto para a mídia.
- Entrevista? Não sabia disso.
- É a primeira que vamos dar, espero que não seja vergonhoso.
- Não será, acredito em vocês. - ele sorriu sem jeito. - Pelo menos acho que a recepção não vai durar muito, meus pais devem voltar logo. Eles concordaram em vir apenas pela matéria.
- Claro. Com tudo que está acontecendo deve ser complicado mesmo. - falei, esperando uma reação de .
- Você tem razão, . É claro que aquela atitude de significa algo, mas não posso compartilhar nada com você.
- Eu sei. - respirei fundo, derrotada. - Estamos mesmo em perigo, não estamos? E quando digo nós, quero dizer o país.
- Sim. Infelizmente sim.
Peguei na mão dele apertando de leve.
- Nós vamos sobreviver, . Olhe para isso. - indiquei para a recepção, onde as meninas sorriam, conversando com os convidados e até o rei e a rainha pareciam felizes. - Isso é futuro. Você será um bom rei.
- Eu preciso ter um país para poder governar. Eu preciso de monarquia.
Eu sabia que ele estava certo e não tinha nada que eu podia dizer para confortá-lo.
- Então vamos salvá-la. - dei de ombros. Soltando a mão de , a qual percebi que segurava até aquele momento.
Ele assentiu, depois voltou seus olhos para mim.
- Eu acho que devíamos conversar sobre ontem… Eu… Obrigado, de novo, por me mostrar.
Sorri.
- Obrigada por não surtar. - respondi, dando de ombros. - Espero que saiba que ainda é um segredo.
- Claro. Você foi à enfermaria?
- Não. Sua mãe me indicou um remédio e eu já me sinto bem melhor. Não foi nada demais, sério.
- Você mostrou para minha mãe?
- Não. Eu contei para o soldado Hitt naquela noite.
- Entendo.
Ficamos em silêncio um pouco, apenas apreciando a presença um do outro. Notei que todas as meninas pareciam estar se divertindo, enquanto os garçons estavam ocupados servindo as pessoas com maestria. Era uma recepção pequena, devia ter um pouco menos de 30 pessoas, mas ainda conseguimos ser um evento agradável. Até memorável.
- Uma foto? - a fotógrafa apareceu do nada, olhando eu e o príncipe parados um ao lado do outro.
- Claro. - ele respondeu por mim. Colocando seu braço em volta da minha cintura. Sorri junto dele.
- Perfeito. Travada, mas perfeito.
- Ah, então tem algo que a senhorita não sabe fazer. - provocou, usando os dedos que estavam em minha cintura para fazer cócegas.
- Ei! - reclamei, mas logo estava rindo e me contorcendo.
- Assim é bem melhor. - a jornalista falou e foi então que eu percebi que aquele momento tinha rendido boas fotos. - Obrigada.
Foi a jornalista sair que me virei para , evidentemente repreendo-o.
- O que foi? Foram só cócegas.
- Foram cócegas em rede nacional!
- Qual é o problema? Achei que queríamos dar divertimento para as pessoas.
- Sim! Só que não queremos mais coisas para falarem sobre nós.
Como ele podia não entender? Como ele não percebia que qualquer coisa que me envolvesse com ele era um problema? Era munição para o povo, era munição para os rebeldes! Deixavam todos em ainda maior perigo.
- E qual é o problema?
- Espero que tenha fotos parecidas com outras garotas. Com licença, príncipe .
Voltei a caminhar pelo local, querendo ficar sozinha um pouco. Aquele momento havia me assustado, a ideia dos rebeldes acharem que eu estava ainda mais próxima do príncipe, como dito no dia do ataque… Eu só me tornava mais preciosa para eles.
- Papai, você é muito ruim com eles! - escutei uma voz fininha reclamando.
- Desculpe, querida. Eu vou conseguir.
Percebi, então, que um pouco mais ao canto, escondidos das pessoas, atrás de uma baixa vegetação, o lorde Granback mexia no penteado de sua filha. A menina loira como o pai, parecia ansiosa para poder voltar a brincar com os meninos, mas só podia fazê-lo com o cabelo perfeito.
- Com licença. - pedi, me aproximando e sendo notada pela primeira vez. Minha aproximação fez a garotinha sorrir, mas o lorde pareceu um pouco envergonhado. - Gostaria da minha ajuda?
- Sim, por favor. - a menina disse rápido.
- Claro, tudo bem! Obrigada pelo apoio, filha. - o homem disse, largando o cabelo da menina. O qual estava enfeitado com um laço feito de fita de cetim, que agora parecia torto e frouxo. Ri fraco, junto com os outros dois. Eles pareciam se dar muito bem.
- Deixe-me ver isso. - pedi, fazendo com que a criança caminhasse até mim.
- Sabe, eu já aprendi a fazer a maioria deles… Desde que minha mulher morreu. Mas essas fitas são realmente difíceis.
- Eu sinto muito, senhor Granback.
- Obrigado.
- Gostaria de aprender esse? - perguntei, soltando o laço mal feito.
- Por favor.
- Imagine que vai amarrar os seus sapatos, mas a fita é muito mais larga e delicada. Ela precisa de ajuda para ficar perfeita. Então, você arruma o laço aqui, depois passa por dentro sem torcer a fita. Termina o laço, aperta para não soltar e arruma se tiver torto. Perfeito.
- A senhorita faz parecer bem mais fácil. - ele disse brincalhão.
- Obrigada, senhorita . - a pequena disse, antes de voltar a correr por aí. - Espero que ganhe!
Senti minhas bochechas corarem com a torcida repentina da criança, ficando feliz com a aproximação de , fazendo com que os olhos do lorde não vissem minha repentina cor.
- Eu acabei de presenciar um resgate? - brincou.
- Acabou de me ver perdendo para um laço, . A senhorita me salvou de minha filha, claramente.
- Realmente. A pequena Granback sabe causar estragos. Eu entendo porque tem medo dela, tio.
- ! - o homem reclamou. - Já conversamos sobre isso. Quando me chama de tio, me faz parecer velho igual seu pai.
riu de uma piada que parecia ser de longa data entre os dois.
- Certo, obrigado por me salvar senhorita. Vou deixá-los a sós. Com licença.
- Não foi nada, senhor.
esperou o lorde estar longe para começar a caminhar comigo em direção ao lado oposto da recepção.
- Onde estamos indo?
- Lugar nenhum. Só quero mais silêncio. - ele disse dando de ombros.
- O que você quer me dizer, alteza?
- Eu… não me contou sobre seus machucados. Mas eu também ouvi a escuta, . Não preciso que me mostre nem nada do tipo, eu só queria que soubesse… - suspirou. - Você é minha amiga, . Foi a primeira que conversei aqui e parece ser a única que não me vê como segunda opção, a única que é sincera comigo. Eu gostaria que tivesse falado comigo. Naquele dia no abrigo… Eu a machuquei, não foi? Eu me lembro.
- Eu estou bem, .
- Não, . Eu sei que você não está morrendo, mas o bem parece bem distante também. E com tudo que está acontecendo… Precisa tomar cuidado.
- Tudo o que, ? Pode pelo menos me dar uma pista?
- Minha família está um caos, . Eles sorriem, mas meu pai está à beira de um colapso. Às vezes acho que ele vai ter um ataque cardíaco, ou algo assim. Não posso te dar detalhes, mas saiba que ele ameaçou casar ainda essa semana. Ameaçou acabar com a Seleção antes que seja tarde demais.
- O quê? Com menos de duas semanas?
- Meu pai precisa de uma solução rápida. Ele quer deixar o povo tranquilo, despreocupado. Mas de que adianta um povo feliz se no final não vai ter governo?
Aquilo mexeu comigo.
- Por que não aceitou?
- Ele não quer. Ele disse que não está pronto. Acho que nenhum de vocês dois está.
- O rei queria que ele se casasse comigo?
- Meu pai queria qualquer uma naquele momento. Mas você é a preferida da mídia, do conselho e do povo. Se fosse uma competição baseada em votos, você ganharia em todos os lados.
- Mas não é, certo?
- Não é, . Mas eu sei o que eu faria no lugar de , ainda mais se fosse para casar em poucos dias.
- … - respirei fundo - Você precisa abrir os olhos dele, sabe, sobre aquilo que conversávamos no meu quarto. Se existe um jeito da monarquia acabar, é matando todos vocês.
negou, olhou para baixo parecendo tomar coragem.
- Nós não podemos falar sobre isso, . Mas pense um pouco, sei que você tem mais conhecimento de política do que qualquer uma dessas garotas.
Concordei, sabendo que ele estava tentando ajudar.
- Eu… - precisei pensar. - Àquela hora que foi ao meu quarto, o que você descobriu, foi Serena que mandou, não foi?
- Sim.
- E você parece achar que apesar da monarquia estar em perigo, não corre risco de morrer, certo?
- Certo.
- Mas você quer que eu tome cuidado, então você acha que uma Selecionada pode morrer. - afirmei.
- Acho.
- Você acha que os rebeldes do sul estão mais preocupados em fazer o povo desacreditar na monarquia? Do que realmente acabar com ela?
- Exatamente. - sorriu fraco. - Claro que eu não contei absolutamente nada para você.
- Não, claro que não. - respondi, pensando no que exatamente minha descoberta significava. Eu não sabia se entendia bem o motivo da escolha dos rebeldes sulistas. - Foi por isso que o chefe dos rebeldes veio até aqui?
Senti um pouco tenso, mas foi rapidamente disfarçado.
- Eu não tenho certeza. Acho que precisamos voltar para a recepção, . Só queria, sabe, dizer que estou aqui se precisar.
- Obrigada, . - Sabia que não deveria insistir, ninguém da família real parecia gostar de falar sobre o chefe. Eu havia perguntado para e ele também não foi claro em suas respostas.
Percebi, enquanto caminhamos juntos até a tenda, que eu tinha conseguido conquistar várias pessoas no castelo. Apesar de saber as restrições, eu realmente considerava e até como amigos, além deles eu tinha Anne e minhas criadas. Para alguém que temia aquele lugar, eu quase me sentia melhor ali do que em casa.
Acabei parando para conversar com Anne e mais algumas garotas quando chegamos a tenda, o príncipe mais novo pediu licença e se uniu a seus pais. Logo depois, o rei e a rainha partiram. Seguidos, por minutos, pelos convidados que pareciam muito satisfeitos com o convite.
A recepção tinha sido realmente um sucesso. Durou pouco tempo, mas não a ponto de parecer uma farsa. E eu me sentia bem, não tivemos nenhum desastre ou imprevisto, tínhamos atingido nosso objetivo. Minutos depois, e acenaram e sumiram castelo adentro.
Mariee nos reuniu para uma breve orientação sobre as entrevistas, ela sabia que não estávamos exatamente prontas apesar dos ensaios. Contudo nos tranquilizou ao dizer que só seria exibido o que a família real permitisse.
Arrumados um em cada mesa, sem câmera e com bloquinhos de papéis, os jornalistas pareciam prontos para começar o trabalho de verdade. Dava para ver que aquelas entrevistas eram o mais importante, o furo de reportagem, o sucesso de . Precisávamos ir bem. Uma por uma, as Selecionadas foram chamadas para dar seu depoimento sobre os primeiros dias da Seleção e responder perguntas sobre sua vida antes dali.
- Senhorita . - a mulher encarregada de me fazer perguntas chamou, seu sorriso, apesar de bonito, me lembrava um predador. Parecia pronta para captar qualquer deslize meu e torná-lo um grande escândalo. Sentei-me à sua frente. - Nós gostaríamos de gravar o áudio da entrevista, se não for um problema.
- Claro, sem problemas. - sabia que aquilo era apenas cordialidade, eu não tinha qualquer escolha. Ela havia decidido isso com Mariee e eu tinha apenas que obedecer, grata por não ter vídeo junto com o áudio.
- Ótimo, vamos começar. - ela apertou um botão em seu gravador preto. - A primeira pergunta acredito ser a mais fácil de responder. Como se sente por ainda estar na Seleção, senhorita ?
Respirei fundo.
- Não é tão fácil assim, Kiara. - falei, usando meu melhor tom inocente e brincalhão, lendo seu nome no broche que usava. - Acredito que me sinto honrada. Honrada por ter tido a chance de continuar aqui e conhecer melhor o príncipe.
Ela assentiu.
- O que você acha das meninas que saíram depois dos problemas de segurança do castelo?
- O príncipe nos deu uma opção e elas decidiram a delas. Acho que foram corajosas, na realidade, Kiara.
- O que quer dizer?
- Acredito que para a maioria das meninas, assim como para mim, viver aqui no castelo é parte de um sonho. - menti, sabendo que era isso que ela precisava ouvir. - Então, acho que quando as garotas decidiram por partir agiram pela razão e não pelo coração. E abandonar o coração significa coragem para mim.
- A senhorita quer dizer que está aqui pelo coração? Já sente algo pelo príncipe? Vimos vocês bem íntimos hoje.
- O príncipe e eu estamos nos conhecendo, assim como todas aqui. Ele é um homem inteligente, educado, querido e se importa muito conosco. Acho muito difícil alguém não se dar bem com ele, Kiara.
- Isso não responde exatamente minha pergunta.
Ri com ela.
- Certo, tudo bem. Minha admiração por ele é enorme e ele é um cara bem mais legal do que eu imaginava. É isso que eu posso dizer.
- Sem declarações de amor, então?
- Por enquanto, pelo menos. - brinquei, dando uma piscadinha.
- Podemos conviver com isso. - ela brincou, rindo. - E como você se sente sendo a preferida nas pesquisas até agora?
- Impressionada! - fingi empolgação. - Fico feliz que as pessoas confiem e torçam tanto por mim. Espero estar à altura das expectativas no que for.
- Acredito que está, pelo menos por enquanto. Ainda não tivemos nada na Seleção que fosse um problema. O que pensa disso?
- Acho que é uma boa coisa. Quero dizer, apesar de já estarmos em um número reduzido de meninas, estamos curtindo o castelo. Como, por exemplo, nossa recepção hoje.
- Pois é. Tirando o baile que não foi televisionado, é o primeiro evento da Seleção.
- Sim! E esse foi organizado totalmente por nós, com ajuda, é claro. Espero que tenha sido a altura dos nossos convidados, nos esforçamos muito.
- Estava tudo muito bonito, senhorita.
- Obrigada.
- Voltando ao assunto que você citou: o que você acha de tantas eliminações em tão pouco tempo?
- Bem, acho que foi ordem do destino. O príncipe cumpriu seu papel no primeiro dia. Nada do que ele fez foi novidade, está na história e nós sabemos disso. Entretanto um elevado número de meninas saiu por escolha própria e acho isso extremamente admirável no príncipe. Nos dar a opção de escolher, quando ele poderia nos manter aqui se quisesse.
- Acho que o príncipe não quer uma princesa que não o queria. - ela brincou.
- Faz bastante sentido, não é mesmo? - rimos juntas.
- Uma última pergunta: na sua festa de despedida a senhorita pareceu dar tchau para um menino em especial na plateia. Algum amor de infância?
- Esse seria Drew, meu melhor amigo. - respondi sem pestanejar. - Se quer saber se eu o amo, Kiara. Sim. Ele é meu melhor amigo desde a infância, é como um irmão para mim. Sua família, seus irmãos e, principalmente sua mãe, são pessoas muito importantes para mim e minha família. Mas se está insinuando que me apaixonei por ele, está enganada. Me preparei para estar aqui, Kiara. E só terei olhos para outro homem no dia que o príncipe me mandar para casa.
- Se ele lhe mandar para casa.
- Sim. Pode acontecer de eu ser a escolhida. Mas ainda existem muitas garotas maravilhosas aqui, não posso ficar confiante. - pisquei.
- Ótimo! Obrigada senhorita. - ela disse, apertando o mesmo botão. - Obrigada, . Vou realmente conseguir trabalhar com isso. Você foi muito bem.
- Obrigada. - me levantei da mesa sorrindo, percebendo a má impressão que tinha de jornalista. Kiara havia sido muito legal comigo. - Até mais.
Quando todas as entrevistas acabaram, os criados já haviam terminado de limpar grande parte do jardim, nos dando espaço para tirar várias fotos em grupo com paisagens maravilhosas. Depois de diferentes poses fomos liberadas para o quarto. Agradeci imensamente pela ajuda aos criados remanescentes e parti louca por um banho quente. Aquele dia havia sido cansativo, só havia percebido naquele momento o quanto tinha consumido minhas energias.
Cheguei ao quarto, mas ele estava vazio, então decidi me deitar para aproveitar um cochilo. Elise, Cleo e Meri apareceriam logo para me ajudar com o vestido, podia aproveitar alguns momentos antes disso.
Pensei que iria dormir, mas passei o tempo todo pensando na recepção, em e nas coisas que tinha descoberto com . Eu conseguia entender a estratégia dos rebeldes, conseguia ver o quanto eles estavam sendo minuciosos e cautelosos. Eles não queriam ser odiados ou acusados de matar alguém da realeza, eles estavam em busca de uma revolução, do ódio e descrença do povo. Mas ainda faltava algo, e eu não tinha certeza de como a Seleção se encaixava nisso.
Um pouco antes do meu trio de criadas chegar, um soldado bateu à porta oferecendo uma pequena caixinha de presente enviada pelo príncipe. Agradeci, colocando a embalagem ainda fechada na mesa do quarto. Já que tinha levantado da cama, decidi por mim mesma tomar um banho. Estava enchendo a banheira quando minhas criadas chegaram, desculpando-se pelo atraso e tomando as tarefas para si. Logo eu já estava na banheira aproveitando dos sais de banho.
- Ganhou um presente? - Meri perguntou assim que voltou do quarto com uma camisola limpa.
- Parece que sim. Um guarda trouxe mais cedo. Nem sei o que é. - dei de ombros.
- Será que foi só para a senhorita? - ela perguntou, me ajudando a colocar a roupa de dormir.
- Não sei dizer, para ser sincera. Não estava prestando muita atenção. Podemos abrir para ver o que é.
Com Meri, Cleo e Elise me olhando curiosas, abri a caixinha entregue minutos antes. Primeiro soltei o laço e depois levantei a tampa.
- É um doce! - Cleo suspirou, encantada com o pequeno bolo decorado que havia ali. - Parece delicioso!
- E é lindo! - Elise tinha razão, a decoração do bolinho era espetacular, dava até pena de comer
- Vamos comer juntas?
- Não, senhoria, o presente é seu.
- Eu sei. Mas ficaria feliz em dividir com vocês. O que acham?
- Eu não quero, senhorita. - foi Elise a primeira a negar. Senti que aquilo não era exatamente porque ela não queria provar o doce. Ela só estava vendo o quanto Cleo, sua amiga, o queria.
- Nem eu. É bonito demais para comer. - Meri brincou.
- Ótimo, então todas concordam em dá-lo de presente para Cleo?
- O quê?
- Sim! - as outras duas responderam em uníssono.
- Perfeito. - respondi, entregando a caixa para a mulher. Seus olhos brilhavam de empolgação. - Cleo, eu ordeno que você aceite esse doce. - brinquei.
- Muito obrigada, senhorita. E vocês também, meninas. - Cleo pegou com muito cuidado o doce de minha mão, admirando-o. Fique feliz em ter dado para ela, apesar de ser um presente do príncipe, sabia que ela aproveitaria mais que eu.
- A senhorita gostaria de um chá agora? - Elise quis saber.
- Na verdade não. O dia foi cansativo para todas nós, acho que não servirão nem janta depois de toda aquela comida! - brinquei, indo para cama. - Vou me deitar. Podem ir, qualquer coisa chamo vocês.
- Vou deixar um copo de água para a senhorita, caso sinta sede. - Cleo ainda sorria agradecida, colocando um copo de água em minha mesinha sem soltar a caixa com o doce.
- Obrigada. - agradeci quando Elise apagou as luzes antes de sair. Em minutos eu estava dormindo.
A batida na porta não me acordou imediatamente, mas quando avisou que estava entrando de olhos fechados em meu quarto fiquei alerta o suficiente para me cobrir e sentar na cama.
- ? - a única luz vinha do corredor.
- , oi. - ele disse, ainda de olhos fechados. - Você está vestida?
- Espere. - pedi, me levantando da cama e passando por , em busca do meu robe. - Pronto.
- Desculpe invadir seu quarto. - ele disse, olhando para mim. - Mas tinha que chamá-la. Sua criada Cleo está doente, achei que gostaria de saber.
- Como? O que aconteceu? - meu coração disparou.
- Ela já está bem agora. Gostaria de ir até a enfermaria?
- Claro. E as outras garotas?
- Elas estão bem.
- O que Cleo tem?
-Sobre isso… Precisamos conversar.
passou o caminho todo até a enfermaria separada para os funcionários explicando o que aconteceu enquanto eu dormia. Cleo havia comido o doce que eu recebera de presente e passado mal com ele. No começo achei que poderia ser apenas indigestão, mas quando cuidadosamente explicou que o bolinho estava envenenado senti meu chão ceder.
Os rebeldes sulistas atacaram novamente, acharam uma maneira de invadir o castelo e entrar com um bolinho para cada Selecionada. De acordo com o príncipe, apenas a minha e mais três sobremesas estavam envenenadas, Cleo foi a única a comer uma delas.
- Ela… Oh, céus. Eu envenenei minha amiga. - percebi assim que chegamos na enfermaria.
A ala hospitalar para funcionários era muito maior do que a que eu tinha frequentado e não estava vazia, mas Cleo tinha uma cama cercada de cortinas só para si. Seu corpo desacordado estava ligado a diferentes aparelhos e sua aparência era pálida.
- Senhorita. - Meri e Elise falaram juntas, me abraçando forte por um momento, fazendo poucas lágrimas fugirem dos meus olhos.
- Eu sinto muito. Não fazia ideia… - queria me explicar, queria deixar claro que jamais quis colocar alguma delas em perigo. - Achei que era seguro, um presente.
- Não se preocupe, senhorita , ninguém a culpa. - Elise declarou, desfazendo nosso abraço triplo.
- E ela já está bem agora. Quando a achamos, foi bem pior. - Meri explicou tentando inutilmente me confortar.
- O que aconteceu com ela exatamente? - perguntei, secando as lágrimas.
- Só está desacordada. Ela já tomou o antídoto, estávamos preparados para isso senhorita, acredite. - a enfermeira, que eu não tinha visto até então, respondeu enquanto analisava Cleo e anotava algo em uma prancheta, ela parecia calma.
- Eu… - simplesmente não sabia o que dizer.
- Achamos que a senhorita gostaria de saber. - Elise anunciou, pegando em minha mão e encarando Cleo comigo. - Mas ela já está bem, o susto inicial passou.
- Claro que eu gostaria. Obrigada. - afirmei, ainda chocada com a visão de minha criada e amiga desacordada em uma maca.
- A Cleo precisa descansar. - a enfermeira avisou, tentando ser educada ao nos expulsar da enfermaria.
indicou que deveríamos seguir para uma sala grande de espera, reservada a parentes e amigos que estava totalmente vazia naquela hora da madrugada. decidiu se sentar mais longe, ocupado, mexendo em uns papéis e falando com soldados que às vezes apareciam em busca de ordens. Elise, Meri e eu sentamos perto uma da outra para conversar.
Depois de uma hora, Elise se rendeu e concordou em voltar para o quarto, onde seu marido a esperava. Meri teve mais dificuldades em partir, mas era evidente seu cansaço depois da recepção, então combinamos de revezar os turnos. , por outro lado, se recusou a deixar a sala de espera da enfermaria por mais tempo do que o necessário, saindo apenas para buscar cobertas e pedir um chá para nós dois quando ficamos a sós.
- Desculpe por fazê-las passarem por isso, não sabemos como tudo aconteceu. - falou, me entregando uma xícara de chá e olhando-me sério nos olhos. - Não conseguimos descobrir qual guarda foi, ainda. Falamos com as criadas e Selecionadas, mas ninguém sabia dizer nada sobre ele que ajudasse.
- Eu também não me lembro direito.
- Acho que ninguém realmente pensou que fosse uma ameaça.
- Eu não entendo… Por que nos ferir assim? Será que foi culpa da recepção? É uma estratégia tão estranha...
- Eu não tenho certeza. Nossa segurança está bem firme agora, está mais difícil para eles entrarem no castelo, só que ninguém se preparou para um entrega de bolinhos. - o príncipe disse, sem nenhuma piada na voz. Mas eu quis rir, a ideia de vários homens armados prontos para uma guerra deixando uma dúzia de bolinhos passarem despercebidos era ridícula. - Talvez tenha sido a única opção que encontraram.
- Cleo correu um grande risco, não foi? O objetivo do veneno era nos matar.
- Sim. Sorte que ela não comeu o doce inteiro, assim foi mais fácil de descobrir o veneno e encontrar um antídoto.
- Sorte… Aquele doce era para mim. Como eu fui tão tola, ?
- Ela já está bem, . Eu lhe prometo. Ficará alguns dias em observação, mas suas criadas foram rápidas ao trazê-la. A culpa não foi sua, você só quis ser gentil.
Não respondi, apenas peguei minha xícara de chá para mais um gole. O silêncio não me incomodava, me sentia bem em não estar sozinha naquela sala gigante.
- Eu queria dizer que a recepção foi um sucesso, apesar de talvez esse não ser exatamente o momento certo. - começou, chamando minha atenção. - Meus pais adoraram, todos os convidados pareciam satisfeitos. Liberamos algumas fotos já, as pessoas estão ansiosas pelo Jornal Oficial.
- Eu realmente fico feliz.
Não falamos mais nada, eu me sentia cheia de pensamentos confusos e estava apenas me dando espaço, então ficamos ali, sentados, sentindo o peso de tudo o que tinha acabado de acontecer.
- , como você está? - apareceu na sala um tempo depois, pouco antes de amanhecer.
e eu já tínhamos passado algumas poucas horas conversando sobre infinitas coisas, segurando risadas e choros muitas vezes. Pela primeira vez contei para ele tudo sobre minha vida lá fora morando com minha mãe e descobri maravilhas sobre sua infância regrada e aventureira ao redor do reino.
- Chocada, mas melhor. - falei, olhando para ele e depois para , o qual ainda estava sentado na cadeira. - Não sei bem o porquê de tudo isso.
- Nem nós. - disse. - Trouxe o que eu pedi?
- Está vindo.
- Ótimo. Obrigado.
- E aí? Contou para ela sobre a recepção?
- Algumas coisas. - comentou, sorrindo satisfeito pela nova conquista.
- Foi muito bom, ! Nossos pais estão maravilhados, os convidados agradeceram muito. Eles realmente precisavam relaxar em meio aos protestos.
percebeu que tinha falado demais no instante em que as palavras saíram de sua boca. olhou para ele contrariado, sem saber o que fazer.
- Ah, os protestos, claro. - me fingi de entendida, sabendo que era falta de educação perguntar. Entretanto, tinha certeza que eles haviam escondido tudo das Selecionadas de propósito, então era evidente que eu não fazia ideia.
- Agora você tem que contar, irmão. - avisou, ainda olhando feio para o mais novo.
- Desculpe, . É difícil guardar as coisas. - deu de ombros, pelo menos parecendo arrependido. - Os rebeldes sulistas estão cada vez mais mexidos, eles ainda não saíram da escuridão, mas já estão começando a movimentar vilas por aí.
- O que isso quer dizer?
- Fogo e barulho. Nós não sabemos se a vila é adepta à ideia ou se está controlada pelos rebeldes. Os rebeldes nortistas nos deram muita informação essa semana, eles parecem prontos para juntar forças. Temos guardas em várias vilas que talvez sofram ataques, estamos aumentando o treinamento, estamos nos preparando para uma possível guerra. - explicou.
- Mas… E a Seleção? As pessoas não estão felizes?
- Eu sabia que ela ia pensar nisso. Eu te disse, irmão.
olhou repreendedor para o mais novo, depois me olhou com o mais suave dos olhares que já recebi.
- Você tem razão, . A Seleção sempre serviu para acalmar os ânimos, deixar as pessoas felizes. Mas agora os rebeldes sulistas são em grande número e eles não ligam para isso, nós achamos que hoje a Seleção é mais uma fraqueza nossa do que um triunfo.
- É por isso que eles querem nos matar. - falei, olhando para , entendendo totalmente o que ele havia dito antes. Ninguém queria matar a realeza, afinal sempre tinha alguém na linha do trono. Se não fosse , seria , ou um de seus tios, primos ou até mesmo filhos de qualquer um deles. A família real era grande demais para acabar por completo. Mas se a Seleção fosse um fracasso, eles perderiam algo muito pior do que a vida. Eles perderiam o direito de governar e o amor do povo. Eles perderiam o trono. E então teríamos só caos. Os rebeldes sulistas não estavam preocupados com o que o povo pensaria deles, eles só queriam uma medida mais eficiente.
- Exatamente.
- Como você sabe sobre isso? Esqueça, melhor eu não saber. - concluiu.
- O que vocês pretendem fazer?
Ambos tomaram um gole de chá antes de responder, claramente adiando a resposta.
- Nós tínhamos duas opções, mas achamos que hoje nossa primeira acabou. - explicou.
- Por que?
- Mudamos o sistema de guardas, retiramos o número em excesso e colocamos nas ruas, entramos em uma nova distribuição, por assim dizer. Mais guardas em pontos estratégicos, menos guardas rondando por aí. Criamos esse sistema para ocasiões especiais, mas nada devia entrar aqui.
- Então depois de hoje… - continuou. - Talvez precisemos do plano B.
- E o que é o plano B?
O plano B se baseava apenas em especulação. iria eliminar ainda mais garotas para a segurança das mesmas e para aliviar o palácio, depois, no Jornal Oficial falaria para todos que já tinha uma escolhida.
- Você vai escolher alguém? Já? - perguntei chocada.
- Não. Não direi para ninguém quem é a minha escolhida, direi apenas que ela existe.
- Isso não vai deixar os rebeldes sulistas mais ansiosos, agressivos e desesperados?
- Esperamos que sim. Desespero e pressa fazem as pessoas errarem. - explicou.
- Parece perigoso.
- Vamos cuidar de vocês, . - garantiu.
Eu não sabia o que responder, na realidade ninguém ali estava perguntando minha opinião. Aquele era o plano B e ele seria executado, quer eu queira, quer não. já tinha tudo organizado na mente e só precisava colocar em prática. Antes que alguém falasse mais alguma coisa sobre o assunto, uma criada bateu à porta.
- É o que você pediu. - contou.
- Ah, certo. Obrigado. - o príncipe herdeiro levantou-se da poltrona e pegou uma caixa relativamente pequena de veludo preto da mão da mulher, deixando-a partir.
- Eu vou me arrumar para o café. - disse ficando de pé e saindo rapidamente.
- O que está acontecendo?
- Não se preocupe, está exagerando nas coisas. É apenas o seu colar, aquele que ganhou no começo da Seleção. - explicou, abrindo a caixinha e mostrando o colar azul que eu tinha ganho de uma pequena rebelde, o colar que havia sido roubado anos antes. - Acho que agora ele devia ser seu.
- Eu… Mas você comprou para sua mãe
- O que pode ser meio constrangedor, mas acho que representa bem você. Tudo o que passou. Só se você achar estranho ganhar um presente de um homem que no começo pensou na mãe.
Ri de leve. estava me dando um presente?
- Eu não me importo, afinal, sua mãe é a rainha. - brinquei.
- Pensando por esse lado… parece melhor - ele riu. - Quer usá-lo?
- Claro.
Virei-me de costas para , deixando-o prender o colar em meu pescoço. A joia combinava até com a camisola que eu usava.
- Você devia usá-lo sempre. Combina.
Capítulo 12 - Plano B
O tempo que antecedeu o Jornal Oficial de Ynter passou extremamente rápido e a única coisa que tirava meu foco da entrevista era Cleo e sua recuperação. Minha criada parecia realmente melhor, respondendo bem ao tratamento e sem lembrar do que tinha acontecido. Eu estava feliz por ela, ainda mais com Elise e Meri tão dedicadas a cuidar da amiga. Ambas, apesar de Cleo passar boa parte do tempo dormindo devido aos remédios, não a deixavam sozinha, intercalando entre a enfermaria e meu quarto. Entretanto, no dia do jornal, fomos obrigadas a deixar Cleo dormindo, acompanhada de outra criada amiga das meninas, pois Elise e Meri precisavam me ajudar com toda a arrumação para aparecer na TV.
Enquanto meu cabelo era escovado por Meri e as unhas feitas por Elise, eu permanecia focada na entrevista, revisando mentalmente cada resposta, das quais eu já havia memorizado a maior parte. O almoço daquele dia foi servido no quarto, dando-nos tempo para suprir a falta de uma terceira pessoa. Anne bateu na porta uma vez, pedindo minha opinião sobre seu cabelo, permitindo-nos ouvir a empolgação das garotas no corredor pela porta aberta.
- Eu achei maravilhoso assim. - comentei, vendo-a ainda de roupão.
- Obrigada, eu estava na dúvida.
- E lá fora? Como andam as coisas?
- Eu não sei, por incrível que pareça, o som é inaudível comparado a um secador. - ela brincou. - Acho que elas estão nervosas e empolgadas… Bem, eu estou!
- Vai dar tudo certo.
- Vai sim. Obrigada, .
Anne voltou aos seus aposentos, fechando a porta atrás de si e abafando o barulho. O nervosismo e empolgação das Selecionadas me lembrava do pronunciamento que o príncipe faria, deixando-me um pouco angustiada com a ideia. Achava que aquilo partiria alguns corações.
Poucas horas depois fomos chamadas para o andar inferior, onde, em um grande salão oval, era gravado o Jornal Oficial de Ynter. Todas as garotas estavam incrivelmente belas, com a maquiagem marcada e o vestido impecável, podíamos facilmente seguir para um baile depois daquilo.
- Vocês estão incríveis! - Mariee comentou. - Lembrem-se de fazer exatamente o que combinamos, será perfeito. Podem entrar.
Logo estávamos todas sentadas em cadeiras posicionadas lado a lado, servindo de fundo para o primeiro Jornal Oficial de Ynter com as Selecionadas. O palanque onde o rei normalmente ficava para as notícias matinais tinha saído de cena, dando lugar para poltronas confortáveis para a família real mais ao canto e um pequeno sofá de dois lugares onde aconteceriam as entrevistas. Eu sentia os nervos à flor da pele e a única coisa que conseguia fazer era mexer em meu colar. Me sentia feliz por ele estar ali, era um símbolo de cumplicidade, relação com os rebeldes e também de uma história entre mim e o príncipe.
Dei meu melhor sorriso quando a música de abertura do Jornal começou a ressoar e o jovem por trás da câmera indicou que estávamos no ar, fazendo o homem responsável por apresentar à Seleção dar início ao Jornal Oficial.
- Bom dia, caros moradores de Ynter e Países amigos. Eu, Cornelius, estou honrado em finalmente apresentá-los a algumas das nossas maravilhosas Selecionadas! Como todos sabem, hoje teremos nosso primeiro Jornal Oficial dedicado exclusivamente a Seleção.
Uma sonoplastia de palmas fez-se presente.
- Mas antes, gostaríamos de falar com o homem do momento! O príncipe !
A câmera focou em quando ele já estava se levantando, sua postura neutra tinha dado espaço para um discreto sorriso.
- Bom dia, Cornelius. Bom dia a todos!
- Querido príncipe, sente-se, temos muito o que conversar hoje.
riu.
- Claro que temos… E já sei até o que vai dizer, Cornelius.
O apresentador se fez ofendido, mas depois logo sorriu.
- Sabe? E o que seria, caro príncipe?
- Bem, que eu estou fazendo uma Seleção turbulenta e apressada!
- É… Você tem toda razão, Alteza! - o homem se deu por vencido, tornando teatral sua apresentação. Todos no salão riram.
- E o senhor pode me dizer por quê?
- Primeiro de tudo, “senhor” é meu pai! Com todo respeito à Vossa Majestade Real. - o príncipe olhou para o rei, que ria da brincadeira do filho. - Mas acho que tiveram vários motivos, Cornelius. E você quer mesmo saber?
- Queremos, todos queremos!
- No começo me preocupou, como sabem nem todas as meninas foram embora por minha escolha. Mas agora, meu caro, te garanto que não podia ter ficado com um grupo melhor.
- Quer dizer que está satisfeito?
- Não podia estar mais satisfeito! Respeito e admiro todas as mulheres que se candidataram ao fardo que será estar ao meu lado. Mas não vejo mulheres mais perfeitas para estarem aqui hoje do que algumas aqui presentes.
- Algumas, Alteza? Pretende eliminar mais candidatas?
- Você sempre me pega, Cornelius. Acho que desde que sou pequeno faz as perguntas certas!
- Bem… Faz parte do meu trabalho. Mas então, Alteza, conte-nos, haverá eliminações?
- Sim, Cornelius, pretendo fazer algumas eliminações.
A surpresa e a tensão se fez presente nas meninas em volta de mim, apenas eu tinha noção que aconteceriam eliminações depois do Jornal Oficial.
- Mais garotas? A Seleção vai durar menos de um mês?
- Não sei, meu caro. Mas acho que quando você encontra a garota certa, não há dúvidas. Já conversei com meu pai sobre isso e ele disse que demorou para realmente conhecer minha mãe, mas quando conheceu… Bem, vocês veem eu e , não é?
Eu jamais tinha visto tão sorridente e descontraído na TV. Ele sempre parecia tão sério e respeitoso, ele estava realmente mais solto? Ou era apenas outro teatro para o Jornal Oficial?
- Quer dizer que encontrou a garota certa?
olhou para trás, sem parar os olhos exclusivamente em nenhuma de nós.
- Talvez, Cornelius, talvez.
- Que maravilha! - ele olhou para a câmera, falando com o público - Estão todos registrando esse momento? Nosso príncipe pode estar apaixonado!
Voltou-se novamente para o príncipe.
- Imagino que não queria dividir conosco sua pretendente, se não, já não teríamos mais Seleção!
- Não… Sinda não tive coragem de dividir nem com ela. Não quero apressar tanto as coisas...
- Certo, certo. Mas alguma pista?
- Ah, Cornelius. O que eu posso dizer? Ela é linda, calma, mas ao mesmo tempo uma tempestade. Sabe o que quer, mas também sabe abrir mão dos seus desejos pelos outros. Arrisco a dizer, que ela vê mais do que um príncipe em mim.
- Isso seria magnífico! Então, o senhor já teve um encontro com todas essas garotas?
- Sim, pude conhecer todas melhor.
Fiquei surpresa com a resposta de , entendendo seu sumiço nos últimos dias; o príncipe não estava só ocupado tentando evitar uma guerra, ele estava tendo encontros.
- Então, vamos perguntar para as meninas o que elas acharam do nosso futuro rei! Muito obrigado, príncipe .
- Obrigado você, Cornelius. Trate bem minhas garotas. - ele piscou, sentando-se novamente ao lado do pai.
- Primeiro teremos um rápido intervalo, façam suas apostas! Queremos saber quem vocês acham que é a escolhida do príncipe !
- E corta! - o cara da câmera gritou. - Dois minutos! Fiquem em seus lugares!
Obedecemos, afinal o que dava para fazer em dois mínimos minutos? Decidi apertar a mão de Anne, sabia que ela estava nervosa, ainda mais porque sua entrevista seria feita em três pessoas, sua tradutora estaria lá.
Após Cornelius tomar um copo de água, a maquiagem da família real ser retocada por quatro maquiadores diferentes e uma assistente nos dar uma checada, estávamos prontos para voltar ao ar.
- Olá a todos! Vamos começar logo a falar com nossas Selecionadas! Chamaremos a primeira convidada, senhorita Belle!
Aplaudimos enquanto Belle sorria e se levantava de sua cadeira, caminhando de braços dados com Cornelius, que foi buscá-la.
- Senhorita Belle, como está?
- Bem. Um pouco nervosa. - ela disse baixo, me deixando em dúvida se os microfones tinham captado sua voz.
- Não se preocupe, só ignorar o fato de ter milhares de pessoas assistindo! - o homem brincou. - Sente-se, senhorita.
- Obrigada, Cornelius.
- Então, Belle, como dito pelo príncipe, vocês já tiveram um encontro?
- Sim. Saímos para um chá depois da recepção que tivemos. - ela respondeu como ensaiado.
- Que maravilha! E o que a senhorita achou? Seja verdadeira, queremos conhecer outro lado de nosso futuro soberano!
- O príncipe é o homem mais educado que já conheci. Ele pediu para a criada sair e me serviu o chá, achei tão cavalheiro.
- Então, vocês ficaram a sós?
- Sim! Quero dizer, tirando os guardas que faziam sua ronda.
- E o que aconteceu nesse tempo?
- Conversamos! É tão fácil de falar com ele… Acho que temos várias coisas em comum.
- Sério? Então a senhorita acha que é a escolhida?
- Não sei… Acho que é difícil dizer… Mas espero mesmo ser. Seria incrível conhecê-lo melhor!
- Acredito que muitas pessoas torcem pela senhorita! Obrigada pela atenção, mas temos pouco tempo hoje.
Belle agradeceu e voltou para seu lugar; Lindsay foi chamada em seguida. Sua entrevista foi mais superficial, ela parecia mais preocupada com sua imagem do que realmente responder Cornelius. Elogiou a aparência de e como ele ficava bonito vendo um filme, o qual ela fez questão de dizer que não viu porque estava ocupada demais observando o príncipe. ficou levemente envergonhado, mas suas bochechas só ficaram evidentemente vermelhas quando Lindsay disse que queria ser muito a escolhida, pois a genética de ambos resultaria em lindos herdeiros.
Entretanto, foi quando Lauren falava sobre seu encontro gastronômico com que tudo virou uma bagunça. Lauren estava se saindo bem falando sobre os gostos parecidos para frutos do mar dela e do príncipe quando um som alto começou a se espalhar por todo o salão.
“Cuidado Selecionadas, estamos atrás de vocês”
A voz mecanizada repetia a mesma frase seguidamente, fazendo com que os guardas protegessem a família real, claramente em dúvida de onde estava o inimigo.
- Achem de onde vem o som! - o rei mandou.
Os assistentes e pessoas da produção começaram a vasculhar em todos os cantos, fazendo com que nós, Selecionadas, nos mexêssemos em busca de algo perto de nossas cadeiras. E foi me virando para procurar que percebi que o som estava mais forte em um dos meus lados, analisando melhor, cheguei a desconfiar do broche de flor que brilhava no centro do decote de Megan.
Cheguei mais perto. O som estava alto demais para não ser dali, sem dúvidas arranquei o broche, fazendo-a soltar um gritinho de susto que chamou a atenção de todos no local. Joguei a flor no chão e estraçalhei-a com meu salto fino, deixando tudo em um repentino e agradável silêncio. Todos olhavam para mim, inclusive Megan. Eu não sabia como reagir.
- Isso foi um show! - Cornelius interveio, fazendo a câmera voltar-se para ele. - Precisaremos de um intervalo agora, mas voltaremos logo.
- Corta!
Foi então que eu percebi que tudo tinha sido filmado e que o homem por trás da câmera não tinha sido rápido ou esperto o suficiente. Ninguém sabia o que fazer, todos olhavam para o rei em busca de ordens. Eu me sentia apavorada, chocada e nervosa pelo o que tinha acabado de fazer em frente à todas aquelas pessoas. A rainha era a única que me olhava, estranhamente orgulhosa, mostrando um pequeno e discreto sorriso de aprovação. Você poderá inspirar pessoas.
- Tirem-na daqui. - o rei ordenou apontando para Megan.
- Eu acho que vou vomitar. - Megan disse ao meu lado, já ficando de pé para ser conduzida por dois guardas.
- O que eu faço, Majestade? - o apresentador parecia preocupado, perdido em frente a uma situação como aquela.
- Não podemos fingir que não aconteceu, pai. - se adiantou, prevendo a ideia do rei. - Apesar de não ser ao vivo, não teremos tempo para editar tudo. E se alguém vazar a informação...
- tem razão. Acho que nossa próxima entrevistada deve ser a senhorita , precisamos explicar o que houve.
- Como eu devo abordar o assunto? - Cornelius queria mais instruções.
- Foi um ocorrido, não podemos negar. A senhorita foi corajosa. Resolvemos o problema, podemos seguir em frente.
E pronto. A notícia foi decidida. A senhorita foi corajosa. Precisava decidir como responderia isso, porque eu não teria realmente uma entrevista como a ensaiada antes.
Passei todo o fim da entrevista de Lauren pensando nas palavras certas e só prestei novamente a atenção em Cornelius quando ele chamou meu nome.
- Bom dia, Cornelius. - disse lhe dando um aberto sorriso. - Bom dia a todos!
- Para a senhorita é um ótimo dia, vimos o que aconteceu ali, foi realmente muito corajosa! A senhorita mandou um recado.
Sorri, sentindo minhas bochechas avermelharem.
- Muito obrigada, Cornelius. - respirei fundo. - Mas acho que todas aqui somos, sabe, corajosas.
- Por que a senhorita acha isso?
- Nos largamos tudo e todos para conhecer um homem, não é mesmo? Um homem que víamos apenas pela TV e quase nunca sorria! Se isso não é coragem, eu não sei o que é.
Todos riram.
- Então, acho que esmagar um broche não é grande coisa. - continuei. - Talvez um atentado à moda.
- Acho que todos os estilistas a perdoarão. Mas a senhorita tem razão em relação ao nosso príncipe, ele tem um jeito meio reservado.
- Eu achava isso até você falar com ele. - brinquei. - Acho que você é especial, Cornelius.
- Fico lisonjeado! Mas e a senhorita, será que é especial?
Estávamos quase voltando para o roteiro, só precisavamos passar pela votação.
- Não sei dizer se eu sou a escolhida do príncipe, Cornelius, ninguém sabe! Sei que estamos nos conhecendo...
- Vocês tiveram encontros, não tiveram?
- Ah, claro. Mas no primeiro encontro com o príncipe eu desmaiei.
- O que? Tanta emoção assim?
Eu ri.
- Poxa, Cornelius. Assim você acaba com minha imagem! Não foi bem assim, era um dia quente, foi realmente complicado.
- Tudo bem, tudo bem. Mas houve outro encontro?
- Ele foi jantar comigo naquele dia, ver se estava tudo bem. Foi realmente encantador.
- Então você se sentiu especial?
- Ele riu comigo também! - falei, olhando pela primeira vez para . Ele sorria de orelha a orelha. - Não sei se isso quer dizer algo.
- Olhe para aquele sorriso! - Cornelius comentou, fazendo notar que a câmera estava em sua direção, fazendo-o minimizar o sorriso. - Acho que aquele sorriso quer dizer algo!
- Espero que sim. - fingi esperança.
- Todos nós esperamos, querida . Ainda mais depois da foto que tiramos na recepção.
E lá estava, no telão, eu e rindo juntos como se fôssemos extremamente íntimos. Respirei fundo, eu estava pronta para aquilo.
- Isso foi o príncipe tentando me deixar relaxada para a foto. Como todos podem ver, eu sou sensível a cócegas.
- Só isso?
- Infelizmente, Cornelius. Apenas um príncipe sendo gentil.
- Tudo bem. E por último, o que você sabe sobre o príncipe que nós não? Conte-nos algo sobre o príncipe.
- Eu tenho uma suspeita. - falei. - Mas se eu estiver enganada, mentirei em rede nacional!
- Ninguém te culpará por isso. Todos sabem que são só suspeitas.
- Tudo bem. Eu acho que o príncipe dorme de terno!
A cara de incógnita de Cornelius foi perfeita, eu ri na hora. Nem parecia que ele sabia minha resposta.
- Já tivemos encontros pelos corredores à noite, sem querer, é claro. E o príncipe sempre estava vestido assim. - indiquei para ele. - E eu de camisola e robe! Foi trágico.
- Será que ele não tem pijamas? Podemos perguntar.
- Não sei, talvez ele ache íntimo demais.
- Eu tenho pijamas, senhorita . - respondeu brincalhão, interrompendo propositalmente a entrevista.
- É claro que tem, mas você os usa? - perguntei, piscando para ele.
- Raramente. - ele deu de ombros, fazendo todos rirem.
- Descobrimos algo importante hoje, senhorita . Muito obrigado!
- Obrigada você, Cornelius. Me tirou uma dúvida enorme!
Levantei e voltei para meu lugar, passando os próximos minutos do jornal me sentindo estranha, pensando nos restos do broche no chão e na cadeira vazia ao meu lado, tentando ao máximo permanecer sorrindo para o público.
- Acabamos por aqui! Tenho certeza que poderemos falar ainda mais com as Selecionadas em outras entrevistas. Continuem nos acompanhando, teremos mais fotos mais tarde! Fiquem ligados nas notícias!
- E corta!
E como se fosse uma coreografia, todo mundo começou a ir de um lado para o outro naquele segundo. Os assessores foram falar com o rei, outros foram responsáveis por nos guiar até a saída, o pessoal do técnico começou a organizar a aparelhagem, enquanto Cornelius bebia mais uma água e saia pela mesma porta que a rainha, segundos antes. Depois éramos nós em fila seguindo para o salão das mulheres, com Mariee na liderança.
- Passaremos o resto da manhã aqui. Suas ajudantes pessoais logo chegarão, vamos ver juntas o Jornal Oficial. - Mariee disse assim que todas já estávamos sentadas no salão. - Estão liberadas enquanto as esperamos.
Vi Mariee sair pela porta, nos deixando sozinhas. As meninas que ainda estavam em pé se sentaram em volta dos sofás, puxando cadeiras ou se apertando entre as amigas. Percebi que não estávamos divididas em grupos naquele momento, mas sim juntas, prontas para discutir o que tinha acontecido no Jornal Oficial. Megan era a única que não estava entre nós.
- Que Jornal Oficial mais turbulento, não lembrava de nada assim.
- Quem será que colocou aquilo na Megan?
- Não foi ela mesma?
- Mas é claro que não!
- Como você pode pensar isso?
- Se não foi ela, quem foi?
- Será que foram os rebeldes sulistas?
- Mas é claro que sim!
- Será? Igual aos bolinhos?
- Sim! Aquilo dos bolinhos foi assustador.
- Sorte que o meu estava bom.
E então eu parei de escutar. Eu queria participar, ter amigas e também tentar entender o que estava acontecendo, mas eram muitas pessoas falando ao mesmo tempo e sobre assuntos delicados para mim. Era a minha criada que estava na ala hospitalar, por minha culpa. Um bando de meninas gratas por não serem elas, era demais para mim.
Fiquei feliz quando o assunto passou para e os encontros, todas dispostas a compartilhar momentos e comparar o amor do príncipe. Até Anne compartilhou sua experiência, enquanto eu fui sincera, mas vaga sobre nosso momento em meu quarto. Paramos de discutir sobre as qualidades e defeitos do príncipe apenas quando nossas ajudantes se uniram a nós, bem em cima da hora do começo do Jornal Oficial. Susane preferiu sentar em uma mesa mais distante das outras e da TV, mas a visão ainda era boa o suficiente.
- Que bom que finalmente podemos conversar. - ela cochichou, sorrindo para mim. - Precisamos pensar sobre o que acontecerá se você ganhar, seremos um alvo ainda maior.
- O que quer dizer? - perguntei, em dúvida se Susane estava realmente conversando sobre rebeldes comigo.
- As outras garotas vão tentar te copiar ou te sabotar, você já é a preferida nas pesquisas menores… Mas se ganhar essa, será oficial.
Claro que ela não estava.
- Pelo menos sabemos que você não será eliminada hoje, quer seja a escolhida, quer não.
- Por quê?
- O príncipe não faria isso. Vimos toda a gravação de outra sala, você foi incrível com aquele broche. Apesar de ser meio assustador a presença dele lá.
E Susane só parou de falar quando o Jornal finalmente começou, mostrando tudo o que eu já tinha visto de um ângulo diferente. Eu parecia sorridente e feliz por trás das câmeras. E Megan parecia brevemente no fundo uma única vez.
Senti todas atentas quando a entrevista de Lauren começou, mas estava enganado, os editores tiveram tempo de cortar qualquer sinal do broche ou do som estranho. Não tinha nada ali. A entrevista de Lauren sequer pareceu ter um intervalo. A minha foi igual, ficou muito mais curta e teve como foco principal a minha brincadeira sobre a roupa de dormir de e a foto da recepção. Não tinha nada sobre minha coragem ali.
- Achei que foi uma boa edição. Que bom que eles conseguiram cortar tudo. - Susane falou ainda mais baixo. - Apesar de você ter sido realmente incrível.
Susane saiu logo depois que o Jornal acabou, dizendo que avaliaria melhor as outras candidatas e que tinha passado na enfermaria mais cedo e estava tudo bem com Cleo, ela parecia até animada. Após a saída de todas as auxiliares de apresentações, Mariee pediu para irmos direto para nosso quarto e só saíssemos de lá se fossemos chamadas.
- Eu sei que as senhoritas podem ser teimosas, por isso vou ser clara. É uma medida de segurança e ficar no quarto é obrigatório até segunda ordem. Se precisarem de algo, mandem suas criadas. O almoço será servido em seus aposentos. - Mariee terminou, me deixando assustada. O que ela queria dizer com medida de segurança? - Agora, por favor senhoritas, por aqui. - ela indicou a saída.
Fizemos uma fila em silêncio, nenhuma Selecionada parecia querer comentar a atitude de Mariee, nenhuma sequer parecia tranquila com a ideia. Anne ficou atrás de mim na fila, apertando meu braço discretamente, com medo. Queria dar suporte a ela, mas me sentia igual. O que os príncipes sabiam que nós não?
***
Elise foi a única a ir ao meu quarto naquela hora, pediu desculpas por Meri que estava fazendo companhia a Cleo, que parecia ter acordado para comer. Obviamente não me importei, eu estava feliz com a melhora de minha amiga e queria muito ir logo visitá-la. O almoço foi servido rapidamente, até um pouco mais cedo do que o costume. Elise se sentou à mesa enquanto eu comia, bebericando seu copo de suco enquanto conversávamos sobre o Jornal, como ela não tinha acesso aos bastidores, compartilhei cada parte com ela. Era evidente sua surpresa.
Apesar da noite bem dormida, eu sentia que precisava descansar depois da turbulenta manhã. Eu ainda não sabia como me sentia com a omissão da realeza sobre os fatos, apesar de estar feliz por não ser capa de uma revista de fofoca, me sentia mal por mentir. Se o governo podia esconder algo como aquilo, algo como os rebeldes do sul, o que mais eu não sabia?
***
- Senhorita , desculpe por acordá-la. - Elise me sacudia lentamente, tentando me despertar. - Mas o príncipe gostaria de vê-la.
- Eu… - senti meu cérebro processando suas palavras, eu precisava acordar. - Claro. Ele está na porta? - me sentei na cama.
- Não, ele quer que você vá até a biblioteca. Tem um guarda lhe aguardando.
- Tudo bem, só preciso lavar meu rosto. Peça para o guarda esperar, por favor.
Ainda meio sonolenta pelo cochilo, levantei da cama e fui para o banheiro me ajeitar. Como estávamos presas ao quarto, jamais cheguei a pensar que o príncipe me chamaria. Eu estava sendo eliminada? Ia levar um sermão pelo que ocorreu no Jornal? Ou ele ia me explicar exatamente porque tinha escondido tudo?
Sem entender bem o que estava acontecendo lavei o rosto, escovei os dentes e arrumei o cabelo, desfazendo a desajeitada a trança que tinha desde de manhã para o Jornal e penteando os fios.
- Estou pronta, Elise. - anunciei do banheiro. - Devo voltar logo.
- Claro, senhorita. Vou continuar aqui, ainda tenho muito o que fazer.
Sorri para Elise, lamentando por vê-la trabalhar por três, mas sabendo que ela jamais admitiria alguém substituindo Cleo, não quando a amiga estava prestes a melhorar. O guarda apenas assentiu quando passei pela porta, me indicando o caminho com as mãos. Desci os degraus lentamente, sem conseguir decidir sobre o motivo do príncipe querer conversar… Estava tão perdida em pensamento que notei atrasada a repentina aproximação por trás do guarda, que agora tinha uma mão em meu ombro.
- Se você gritar, eu atiro. - ele cochichou em meu ouvido, me fazendo gelar e parar imediatamente. O que estava acontecendo? Aquilo em minhas costas era sua arma? Por que um guarda estava me ameaçando dentro do castelo? As perguntas vinham urgentes em minha mente, tentando entender exatamente o que estava acontecendo. Eu precisava entrar em alerta, mas a situação me deixava com medo demais.
- O que…?
- Quieta. Fique sabendo que príncipe nenhum te chamou, você vai comigo. Se gritar eu te mato aqui mesmo, se fizer tudo o que eu disser, todos sairemos vivos no final do dia.
Assenti com a cabeça, engolindo em seco. Já tinha passado por aquilo antes, deveria saber como era.
- Ótimo. Vire à esquerda. Agora reto. Nenhuma gracinha, ouviu? - as ordens estavam me levando por um caminho desconhecido dentro do castelo. Eu desci um lance de escadas, andei por lugares desertos devido ao número reduzido de funcionários e acabei em uma ala que parecia fechada. Paramos de andar quando finalmente chegamos à um quarto, o homem me mandou entrar, seguindo-me de perto.
- Pronto. Chegamos. Fique à vontade, senhorita. - ele disse, trancando a porta e parando na frente dela, de guarda. Me deixando livre para andar por todo o cômodo vazio. Havia uma única cadeira ali, além de uma cama grudada à parede e uma cômoda. - Passaremos um bom tempo aqui.
- O que você quer? - decidi ficar em pé, encarando-o do meio do pequeno quarto.
- Informações. Sei que você está do lado dos rebeldes nortistas, preciso saber o que você sabe!
- Eu o que? Você acha que sou uma rebelde?
- Não sei se você é. Mas sei que os apoia, está do lado deles. Esse colar lhe entrega. - ele disse, apontando a arma para meu pescoço. Apesar de ele querer apenas se expressar, me vi recuando. Ele sorriu com a minha demonstração de medo.
- Como? Esse colar foi presente de uma fã. - tentei soar óbvia.
- Não ache que eu sou idiota, . Assim como espionamos o castelo, espionamos os rebeldes nortistas. Eu já achava que você estava em contato com a chefe deles, seu colar provou que eu estava certo.
Engoli em seco.
- Ainda não sei do que você está falando.
- Sabe sim! - seu tom mudou, ele estava ficando irritado. - Sabe também de mais coisas. E eu vou descobrir o que você sabe, só resta a senhorita decidir como vai me contar.
- Quem é você?
- Não vou falar meu nome, porque acredito que a senhorita será inteligente o suficiente para sair daqui viva. Então, vamos logo começar a falar, não temos o dia inteiro.
- Não sei o que você quer que eu fale, senhor.
- Não sabe? Então vou facilitar. - ele disse, agora apontando a arma firme em minha direção. - Você já viu Serena quantas vezes?
- Não sei quem é Serena.
- Uma? Duas? Três? - ele me ignorou.
Não respondi.
- Sabe… Foi bem triste ver sua criada passando mal. - ele falava cada palavra sorrindo. - Passei lá mais cedo e ela estava dormindo bem. Imagine que triste seria se ela tivesse complicações.
- Foi você que nos entregou o doce envenenado! - acusei-o.
- Na verdade não, mas sei quem foi. Então vamos logo com isso. Quantas vezes?
- Duas. - respondi, sentindo-me derrotada. As lágrimas ameaçando sair por meus olhos.
- Boa menina. E o que Serena disse nesses encontros?
- Nada.
- Achei que estávamos progredindo.
- Estamos. Eu estou sendo sincera.
- Ela não diz absolutamente nada? Você vai lá só para olhar pra cara dela, então.
- Nós apenas conversamos. Eu ainda não sou confiável. Ela quer esperar antes de me contar algo. - menti.
- E o príncipe sabe que você vai lá?
- Óbvio que não. Eu já estaria morta se soubesse.
- Ah, não? Então porque ele mandou você usar o colar? Nós interceptamos uma mensagem, vimos que os rebeldes nortistas mandaram você usar esse colar em apoio a eles. Só não pensamos que você usaria.
Eu quis gritar. O QUE EVAN TINHA FEITO?
- A mensagem era para mim. - menti de novo, rezando para Serena não ter sido descuidada a ponto de escrever o nome do príncipe.
- Você é “Alteza” agora?
- Sim. É um apelido… Sabe, para me incentivar a conseguir o título.
- Os rebeldes te querem como princesa então.
- Parece que sim. Se eu me provar confiável. Algo que você não está ajudando. - a história se formava cada vez mais em minha mente e a mentira parecia mais verídica. - Eu preciso usar o banheiro.
- O que?
- Eu preciso usar o banheiro. Você me acordou, soldado. Acredito que saiba como o corpo funciona nesse sentido.
- Você não pode sair daqui até responder minhas perguntas.
- Eu já respondi suas perguntas. Falando nisso, onde estamos? Uma área de funcionário, imagino.
- Você está certa. Aqui é onde parte dos funcionários dorme, aquela parte que foi mandada para casa e não voltará tão cedo. Você está sozinha.
- Então, não vejo problema em ir ao banheiro.
Sabia que estava jogando um jogo arriscado, mas não tinha noção de quanto tempo alguém demoraria para me achar. E, pior, não sabia quanto tempo ainda ia conseguir mentir.
- Você tem dois minutos.
- É impossível ir no banheiro usando esse vestido em dois minutos. - falei, vendo-o abrir a porta.
- Cinco, então. Mas me diga, o que Serena quer que você faça para ela começar a confiar em você?
- Não sei ao certo. - falei, já de costas para ele, sabendo que ele me seguiria. - Virar princesa, provavelmente.
- Não sei se posso ajudar nesse caso. Algo mais?
- Ajudar? O que quer dizer? - caminhávamos pelo mesmo corredor de antes, eu tentava identificar uma saída, um jeito de fugir daquele homem, mas ele conhecia o castelo melhor do que eu e sempre cuidava das portas.
- Já pensou em ser uma agente dupla?
- Então, agora você não quer mais me matar? - perguntei acusatória, parando em frente à uma porta escrito “banheiro”.
- Não pretendo matar a senhorita hoje.
- Eu volto já. - entrei no banheiro público com o homem perto demais, pedi que ele esperasse do lado de fora da porta, porque apesar de ser um toalete dividido em cabines, eu precisava de privacidade.
- Tudo bem. Mas conversaremos sobre você trabalhar para nós quando seus cinco minutos acabarem.
Esperava que aqueles cinco minutos nunca acabassem. Primeiro procurei por uma arma, mas só encontraria algo para me proteger se eu quebrasse o espelho que havia em cima das pias. Depois tentei achar um jeito de fugir, só que a única janela era alta demais e estava coberta por grades, eu me sentia no porão do castelo. Entretanto, eu não podia desistir, usaria o máximo do tempo que eu tinha tentando escapar. E era em pé, em cima de um dos vasos sanitários, olhando pela janela, que eu estava quando ouvi um estrondo. O susto foi imediato.
- Pegamos ele. - um homem gritou.
- Ela está aí? - ouvi dizer, pelo menos achei que era.
- Sim, estou aqui! - gritei de volta, esperançosa por segurança.
- ? - abriu a porta do banheiro tão rápido quanto eu desci do vaso, correndo para seu abraço. - Céus, . Eu estava tão preocupado.
- Eu estou bem. Agora eu estou bem. - afirmei, percebendo que estava vergonhosamente aninhada em seus braços. Me soltei dele devagar. - Você me achou.
- Ele não fez nada com você? - o príncipe me analisava, procurando por algo que não veria.
- Nada. Ele não parecia querer me machucar. - contei, lembrando-me do motivo de ter sido levada até ali e ficando brava com o príncipe instantaneamente. - Queria saber sobre minha relação com os rebeldes nortistas.
- Como assim?
- Não se faça de desentendido, príncipe . Você me deu o colar para provar algo para os rebeldes, bem conseguiu! Parabéns! - sabia que meu tom era desrespeitoso e que todos os soldados no corredor estavam ouvindo nossa conversa, mas eu não ligava. tinha que ter falado comigo antes. Sempre aceitei ser sua garantia com os rebeldes, mas porque eu queria. Quando ele decidiu me usar sem me contar, ele quebrou qualquer confiança que eu tinha nele.
- … Eu não queria…
- Tudo bem, Alteza. Mas imagino que ele não seja mais útil. - soltei o colar do meu pescoço com uma agilidade que nem sabia que tinha e o entreguei à . Eu tinha consciência de que estava sendo dramática, mas era a única maneira de parecer sério. - Obrigada por me achar.
Passei por sem qualquer reação do mesmo, seguindo pelo corredor a passos pesados, claramente irritada. Nenhum guarda teve coragem de emitir qualquer som, apenas senti três deles me seguindo escada acima. Esperava que eles me ajudassem a chegar até meus aposentos, pois eu não tinha certeza do caminho.
Enquanto meu cabelo era escovado por Meri e as unhas feitas por Elise, eu permanecia focada na entrevista, revisando mentalmente cada resposta, das quais eu já havia memorizado a maior parte. O almoço daquele dia foi servido no quarto, dando-nos tempo para suprir a falta de uma terceira pessoa. Anne bateu na porta uma vez, pedindo minha opinião sobre seu cabelo, permitindo-nos ouvir a empolgação das garotas no corredor pela porta aberta.
- Eu achei maravilhoso assim. - comentei, vendo-a ainda de roupão.
- Obrigada, eu estava na dúvida.
- E lá fora? Como andam as coisas?
- Eu não sei, por incrível que pareça, o som é inaudível comparado a um secador. - ela brincou. - Acho que elas estão nervosas e empolgadas… Bem, eu estou!
- Vai dar tudo certo.
- Vai sim. Obrigada, .
Anne voltou aos seus aposentos, fechando a porta atrás de si e abafando o barulho. O nervosismo e empolgação das Selecionadas me lembrava do pronunciamento que o príncipe faria, deixando-me um pouco angustiada com a ideia. Achava que aquilo partiria alguns corações.
Poucas horas depois fomos chamadas para o andar inferior, onde, em um grande salão oval, era gravado o Jornal Oficial de Ynter. Todas as garotas estavam incrivelmente belas, com a maquiagem marcada e o vestido impecável, podíamos facilmente seguir para um baile depois daquilo.
- Vocês estão incríveis! - Mariee comentou. - Lembrem-se de fazer exatamente o que combinamos, será perfeito. Podem entrar.
Logo estávamos todas sentadas em cadeiras posicionadas lado a lado, servindo de fundo para o primeiro Jornal Oficial de Ynter com as Selecionadas. O palanque onde o rei normalmente ficava para as notícias matinais tinha saído de cena, dando lugar para poltronas confortáveis para a família real mais ao canto e um pequeno sofá de dois lugares onde aconteceriam as entrevistas. Eu sentia os nervos à flor da pele e a única coisa que conseguia fazer era mexer em meu colar. Me sentia feliz por ele estar ali, era um símbolo de cumplicidade, relação com os rebeldes e também de uma história entre mim e o príncipe.
Dei meu melhor sorriso quando a música de abertura do Jornal começou a ressoar e o jovem por trás da câmera indicou que estávamos no ar, fazendo o homem responsável por apresentar à Seleção dar início ao Jornal Oficial.
- Bom dia, caros moradores de Ynter e Países amigos. Eu, Cornelius, estou honrado em finalmente apresentá-los a algumas das nossas maravilhosas Selecionadas! Como todos sabem, hoje teremos nosso primeiro Jornal Oficial dedicado exclusivamente a Seleção.
Uma sonoplastia de palmas fez-se presente.
- Mas antes, gostaríamos de falar com o homem do momento! O príncipe !
A câmera focou em quando ele já estava se levantando, sua postura neutra tinha dado espaço para um discreto sorriso.
- Bom dia, Cornelius. Bom dia a todos!
- Querido príncipe, sente-se, temos muito o que conversar hoje.
riu.
- Claro que temos… E já sei até o que vai dizer, Cornelius.
O apresentador se fez ofendido, mas depois logo sorriu.
- Sabe? E o que seria, caro príncipe?
- Bem, que eu estou fazendo uma Seleção turbulenta e apressada!
- É… Você tem toda razão, Alteza! - o homem se deu por vencido, tornando teatral sua apresentação. Todos no salão riram.
- E o senhor pode me dizer por quê?
- Primeiro de tudo, “senhor” é meu pai! Com todo respeito à Vossa Majestade Real. - o príncipe olhou para o rei, que ria da brincadeira do filho. - Mas acho que tiveram vários motivos, Cornelius. E você quer mesmo saber?
- Queremos, todos queremos!
- No começo me preocupou, como sabem nem todas as meninas foram embora por minha escolha. Mas agora, meu caro, te garanto que não podia ter ficado com um grupo melhor.
- Quer dizer que está satisfeito?
- Não podia estar mais satisfeito! Respeito e admiro todas as mulheres que se candidataram ao fardo que será estar ao meu lado. Mas não vejo mulheres mais perfeitas para estarem aqui hoje do que algumas aqui presentes.
- Algumas, Alteza? Pretende eliminar mais candidatas?
- Você sempre me pega, Cornelius. Acho que desde que sou pequeno faz as perguntas certas!
- Bem… Faz parte do meu trabalho. Mas então, Alteza, conte-nos, haverá eliminações?
- Sim, Cornelius, pretendo fazer algumas eliminações.
A surpresa e a tensão se fez presente nas meninas em volta de mim, apenas eu tinha noção que aconteceriam eliminações depois do Jornal Oficial.
- Mais garotas? A Seleção vai durar menos de um mês?
- Não sei, meu caro. Mas acho que quando você encontra a garota certa, não há dúvidas. Já conversei com meu pai sobre isso e ele disse que demorou para realmente conhecer minha mãe, mas quando conheceu… Bem, vocês veem eu e , não é?
Eu jamais tinha visto tão sorridente e descontraído na TV. Ele sempre parecia tão sério e respeitoso, ele estava realmente mais solto? Ou era apenas outro teatro para o Jornal Oficial?
- Quer dizer que encontrou a garota certa?
olhou para trás, sem parar os olhos exclusivamente em nenhuma de nós.
- Talvez, Cornelius, talvez.
- Que maravilha! - ele olhou para a câmera, falando com o público - Estão todos registrando esse momento? Nosso príncipe pode estar apaixonado!
Voltou-se novamente para o príncipe.
- Imagino que não queria dividir conosco sua pretendente, se não, já não teríamos mais Seleção!
- Não… Sinda não tive coragem de dividir nem com ela. Não quero apressar tanto as coisas...
- Certo, certo. Mas alguma pista?
- Ah, Cornelius. O que eu posso dizer? Ela é linda, calma, mas ao mesmo tempo uma tempestade. Sabe o que quer, mas também sabe abrir mão dos seus desejos pelos outros. Arrisco a dizer, que ela vê mais do que um príncipe em mim.
- Isso seria magnífico! Então, o senhor já teve um encontro com todas essas garotas?
- Sim, pude conhecer todas melhor.
Fiquei surpresa com a resposta de , entendendo seu sumiço nos últimos dias; o príncipe não estava só ocupado tentando evitar uma guerra, ele estava tendo encontros.
- Então, vamos perguntar para as meninas o que elas acharam do nosso futuro rei! Muito obrigado, príncipe .
- Obrigado você, Cornelius. Trate bem minhas garotas. - ele piscou, sentando-se novamente ao lado do pai.
- Primeiro teremos um rápido intervalo, façam suas apostas! Queremos saber quem vocês acham que é a escolhida do príncipe !
- E corta! - o cara da câmera gritou. - Dois minutos! Fiquem em seus lugares!
Obedecemos, afinal o que dava para fazer em dois mínimos minutos? Decidi apertar a mão de Anne, sabia que ela estava nervosa, ainda mais porque sua entrevista seria feita em três pessoas, sua tradutora estaria lá.
Após Cornelius tomar um copo de água, a maquiagem da família real ser retocada por quatro maquiadores diferentes e uma assistente nos dar uma checada, estávamos prontos para voltar ao ar.
- Olá a todos! Vamos começar logo a falar com nossas Selecionadas! Chamaremos a primeira convidada, senhorita Belle!
Aplaudimos enquanto Belle sorria e se levantava de sua cadeira, caminhando de braços dados com Cornelius, que foi buscá-la.
- Senhorita Belle, como está?
- Bem. Um pouco nervosa. - ela disse baixo, me deixando em dúvida se os microfones tinham captado sua voz.
- Não se preocupe, só ignorar o fato de ter milhares de pessoas assistindo! - o homem brincou. - Sente-se, senhorita.
- Obrigada, Cornelius.
- Então, Belle, como dito pelo príncipe, vocês já tiveram um encontro?
- Sim. Saímos para um chá depois da recepção que tivemos. - ela respondeu como ensaiado.
- Que maravilha! E o que a senhorita achou? Seja verdadeira, queremos conhecer outro lado de nosso futuro soberano!
- O príncipe é o homem mais educado que já conheci. Ele pediu para a criada sair e me serviu o chá, achei tão cavalheiro.
- Então, vocês ficaram a sós?
- Sim! Quero dizer, tirando os guardas que faziam sua ronda.
- E o que aconteceu nesse tempo?
- Conversamos! É tão fácil de falar com ele… Acho que temos várias coisas em comum.
- Sério? Então a senhorita acha que é a escolhida?
- Não sei… Acho que é difícil dizer… Mas espero mesmo ser. Seria incrível conhecê-lo melhor!
- Acredito que muitas pessoas torcem pela senhorita! Obrigada pela atenção, mas temos pouco tempo hoje.
Belle agradeceu e voltou para seu lugar; Lindsay foi chamada em seguida. Sua entrevista foi mais superficial, ela parecia mais preocupada com sua imagem do que realmente responder Cornelius. Elogiou a aparência de e como ele ficava bonito vendo um filme, o qual ela fez questão de dizer que não viu porque estava ocupada demais observando o príncipe. ficou levemente envergonhado, mas suas bochechas só ficaram evidentemente vermelhas quando Lindsay disse que queria ser muito a escolhida, pois a genética de ambos resultaria em lindos herdeiros.
Entretanto, foi quando Lauren falava sobre seu encontro gastronômico com que tudo virou uma bagunça. Lauren estava se saindo bem falando sobre os gostos parecidos para frutos do mar dela e do príncipe quando um som alto começou a se espalhar por todo o salão.
“Cuidado Selecionadas, estamos atrás de vocês”
A voz mecanizada repetia a mesma frase seguidamente, fazendo com que os guardas protegessem a família real, claramente em dúvida de onde estava o inimigo.
- Achem de onde vem o som! - o rei mandou.
Os assistentes e pessoas da produção começaram a vasculhar em todos os cantos, fazendo com que nós, Selecionadas, nos mexêssemos em busca de algo perto de nossas cadeiras. E foi me virando para procurar que percebi que o som estava mais forte em um dos meus lados, analisando melhor, cheguei a desconfiar do broche de flor que brilhava no centro do decote de Megan.
Cheguei mais perto. O som estava alto demais para não ser dali, sem dúvidas arranquei o broche, fazendo-a soltar um gritinho de susto que chamou a atenção de todos no local. Joguei a flor no chão e estraçalhei-a com meu salto fino, deixando tudo em um repentino e agradável silêncio. Todos olhavam para mim, inclusive Megan. Eu não sabia como reagir.
- Isso foi um show! - Cornelius interveio, fazendo a câmera voltar-se para ele. - Precisaremos de um intervalo agora, mas voltaremos logo.
- Corta!
Foi então que eu percebi que tudo tinha sido filmado e que o homem por trás da câmera não tinha sido rápido ou esperto o suficiente. Ninguém sabia o que fazer, todos olhavam para o rei em busca de ordens. Eu me sentia apavorada, chocada e nervosa pelo o que tinha acabado de fazer em frente à todas aquelas pessoas. A rainha era a única que me olhava, estranhamente orgulhosa, mostrando um pequeno e discreto sorriso de aprovação. Você poderá inspirar pessoas.
- Tirem-na daqui. - o rei ordenou apontando para Megan.
- Eu acho que vou vomitar. - Megan disse ao meu lado, já ficando de pé para ser conduzida por dois guardas.
- O que eu faço, Majestade? - o apresentador parecia preocupado, perdido em frente a uma situação como aquela.
- Não podemos fingir que não aconteceu, pai. - se adiantou, prevendo a ideia do rei. - Apesar de não ser ao vivo, não teremos tempo para editar tudo. E se alguém vazar a informação...
- tem razão. Acho que nossa próxima entrevistada deve ser a senhorita , precisamos explicar o que houve.
- Como eu devo abordar o assunto? - Cornelius queria mais instruções.
- Foi um ocorrido, não podemos negar. A senhorita foi corajosa. Resolvemos o problema, podemos seguir em frente.
E pronto. A notícia foi decidida. A senhorita foi corajosa. Precisava decidir como responderia isso, porque eu não teria realmente uma entrevista como a ensaiada antes.
Passei todo o fim da entrevista de Lauren pensando nas palavras certas e só prestei novamente a atenção em Cornelius quando ele chamou meu nome.
- Bom dia, Cornelius. - disse lhe dando um aberto sorriso. - Bom dia a todos!
- Para a senhorita é um ótimo dia, vimos o que aconteceu ali, foi realmente muito corajosa! A senhorita mandou um recado.
Sorri, sentindo minhas bochechas avermelharem.
- Muito obrigada, Cornelius. - respirei fundo. - Mas acho que todas aqui somos, sabe, corajosas.
- Por que a senhorita acha isso?
- Nos largamos tudo e todos para conhecer um homem, não é mesmo? Um homem que víamos apenas pela TV e quase nunca sorria! Se isso não é coragem, eu não sei o que é.
Todos riram.
- Então, acho que esmagar um broche não é grande coisa. - continuei. - Talvez um atentado à moda.
- Acho que todos os estilistas a perdoarão. Mas a senhorita tem razão em relação ao nosso príncipe, ele tem um jeito meio reservado.
- Eu achava isso até você falar com ele. - brinquei. - Acho que você é especial, Cornelius.
- Fico lisonjeado! Mas e a senhorita, será que é especial?
Estávamos quase voltando para o roteiro, só precisavamos passar pela votação.
- Não sei dizer se eu sou a escolhida do príncipe, Cornelius, ninguém sabe! Sei que estamos nos conhecendo...
- Vocês tiveram encontros, não tiveram?
- Ah, claro. Mas no primeiro encontro com o príncipe eu desmaiei.
- O que? Tanta emoção assim?
Eu ri.
- Poxa, Cornelius. Assim você acaba com minha imagem! Não foi bem assim, era um dia quente, foi realmente complicado.
- Tudo bem, tudo bem. Mas houve outro encontro?
- Ele foi jantar comigo naquele dia, ver se estava tudo bem. Foi realmente encantador.
- Então você se sentiu especial?
- Ele riu comigo também! - falei, olhando pela primeira vez para . Ele sorria de orelha a orelha. - Não sei se isso quer dizer algo.
- Olhe para aquele sorriso! - Cornelius comentou, fazendo notar que a câmera estava em sua direção, fazendo-o minimizar o sorriso. - Acho que aquele sorriso quer dizer algo!
- Espero que sim. - fingi esperança.
- Todos nós esperamos, querida . Ainda mais depois da foto que tiramos na recepção.
E lá estava, no telão, eu e rindo juntos como se fôssemos extremamente íntimos. Respirei fundo, eu estava pronta para aquilo.
- Isso foi o príncipe tentando me deixar relaxada para a foto. Como todos podem ver, eu sou sensível a cócegas.
- Só isso?
- Infelizmente, Cornelius. Apenas um príncipe sendo gentil.
- Tudo bem. E por último, o que você sabe sobre o príncipe que nós não? Conte-nos algo sobre o príncipe.
- Eu tenho uma suspeita. - falei. - Mas se eu estiver enganada, mentirei em rede nacional!
- Ninguém te culpará por isso. Todos sabem que são só suspeitas.
- Tudo bem. Eu acho que o príncipe dorme de terno!
A cara de incógnita de Cornelius foi perfeita, eu ri na hora. Nem parecia que ele sabia minha resposta.
- Já tivemos encontros pelos corredores à noite, sem querer, é claro. E o príncipe sempre estava vestido assim. - indiquei para ele. - E eu de camisola e robe! Foi trágico.
- Será que ele não tem pijamas? Podemos perguntar.
- Não sei, talvez ele ache íntimo demais.
- Eu tenho pijamas, senhorita . - respondeu brincalhão, interrompendo propositalmente a entrevista.
- É claro que tem, mas você os usa? - perguntei, piscando para ele.
- Raramente. - ele deu de ombros, fazendo todos rirem.
- Descobrimos algo importante hoje, senhorita . Muito obrigado!
- Obrigada você, Cornelius. Me tirou uma dúvida enorme!
Levantei e voltei para meu lugar, passando os próximos minutos do jornal me sentindo estranha, pensando nos restos do broche no chão e na cadeira vazia ao meu lado, tentando ao máximo permanecer sorrindo para o público.
- Acabamos por aqui! Tenho certeza que poderemos falar ainda mais com as Selecionadas em outras entrevistas. Continuem nos acompanhando, teremos mais fotos mais tarde! Fiquem ligados nas notícias!
- E corta!
E como se fosse uma coreografia, todo mundo começou a ir de um lado para o outro naquele segundo. Os assessores foram falar com o rei, outros foram responsáveis por nos guiar até a saída, o pessoal do técnico começou a organizar a aparelhagem, enquanto Cornelius bebia mais uma água e saia pela mesma porta que a rainha, segundos antes. Depois éramos nós em fila seguindo para o salão das mulheres, com Mariee na liderança.
- Passaremos o resto da manhã aqui. Suas ajudantes pessoais logo chegarão, vamos ver juntas o Jornal Oficial. - Mariee disse assim que todas já estávamos sentadas no salão. - Estão liberadas enquanto as esperamos.
Vi Mariee sair pela porta, nos deixando sozinhas. As meninas que ainda estavam em pé se sentaram em volta dos sofás, puxando cadeiras ou se apertando entre as amigas. Percebi que não estávamos divididas em grupos naquele momento, mas sim juntas, prontas para discutir o que tinha acontecido no Jornal Oficial. Megan era a única que não estava entre nós.
- Que Jornal Oficial mais turbulento, não lembrava de nada assim.
- Quem será que colocou aquilo na Megan?
- Não foi ela mesma?
- Mas é claro que não!
- Como você pode pensar isso?
- Se não foi ela, quem foi?
- Será que foram os rebeldes sulistas?
- Mas é claro que sim!
- Será? Igual aos bolinhos?
- Sim! Aquilo dos bolinhos foi assustador.
- Sorte que o meu estava bom.
E então eu parei de escutar. Eu queria participar, ter amigas e também tentar entender o que estava acontecendo, mas eram muitas pessoas falando ao mesmo tempo e sobre assuntos delicados para mim. Era a minha criada que estava na ala hospitalar, por minha culpa. Um bando de meninas gratas por não serem elas, era demais para mim.
Fiquei feliz quando o assunto passou para e os encontros, todas dispostas a compartilhar momentos e comparar o amor do príncipe. Até Anne compartilhou sua experiência, enquanto eu fui sincera, mas vaga sobre nosso momento em meu quarto. Paramos de discutir sobre as qualidades e defeitos do príncipe apenas quando nossas ajudantes se uniram a nós, bem em cima da hora do começo do Jornal Oficial. Susane preferiu sentar em uma mesa mais distante das outras e da TV, mas a visão ainda era boa o suficiente.
- Que bom que finalmente podemos conversar. - ela cochichou, sorrindo para mim. - Precisamos pensar sobre o que acontecerá se você ganhar, seremos um alvo ainda maior.
- O que quer dizer? - perguntei, em dúvida se Susane estava realmente conversando sobre rebeldes comigo.
- As outras garotas vão tentar te copiar ou te sabotar, você já é a preferida nas pesquisas menores… Mas se ganhar essa, será oficial.
Claro que ela não estava.
- Pelo menos sabemos que você não será eliminada hoje, quer seja a escolhida, quer não.
- Por quê?
- O príncipe não faria isso. Vimos toda a gravação de outra sala, você foi incrível com aquele broche. Apesar de ser meio assustador a presença dele lá.
E Susane só parou de falar quando o Jornal finalmente começou, mostrando tudo o que eu já tinha visto de um ângulo diferente. Eu parecia sorridente e feliz por trás das câmeras. E Megan parecia brevemente no fundo uma única vez.
Senti todas atentas quando a entrevista de Lauren começou, mas estava enganado, os editores tiveram tempo de cortar qualquer sinal do broche ou do som estranho. Não tinha nada ali. A entrevista de Lauren sequer pareceu ter um intervalo. A minha foi igual, ficou muito mais curta e teve como foco principal a minha brincadeira sobre a roupa de dormir de e a foto da recepção. Não tinha nada sobre minha coragem ali.
- Achei que foi uma boa edição. Que bom que eles conseguiram cortar tudo. - Susane falou ainda mais baixo. - Apesar de você ter sido realmente incrível.
Susane saiu logo depois que o Jornal acabou, dizendo que avaliaria melhor as outras candidatas e que tinha passado na enfermaria mais cedo e estava tudo bem com Cleo, ela parecia até animada. Após a saída de todas as auxiliares de apresentações, Mariee pediu para irmos direto para nosso quarto e só saíssemos de lá se fossemos chamadas.
- Eu sei que as senhoritas podem ser teimosas, por isso vou ser clara. É uma medida de segurança e ficar no quarto é obrigatório até segunda ordem. Se precisarem de algo, mandem suas criadas. O almoço será servido em seus aposentos. - Mariee terminou, me deixando assustada. O que ela queria dizer com medida de segurança? - Agora, por favor senhoritas, por aqui. - ela indicou a saída.
Fizemos uma fila em silêncio, nenhuma Selecionada parecia querer comentar a atitude de Mariee, nenhuma sequer parecia tranquila com a ideia. Anne ficou atrás de mim na fila, apertando meu braço discretamente, com medo. Queria dar suporte a ela, mas me sentia igual. O que os príncipes sabiam que nós não?
Elise foi a única a ir ao meu quarto naquela hora, pediu desculpas por Meri que estava fazendo companhia a Cleo, que parecia ter acordado para comer. Obviamente não me importei, eu estava feliz com a melhora de minha amiga e queria muito ir logo visitá-la. O almoço foi servido rapidamente, até um pouco mais cedo do que o costume. Elise se sentou à mesa enquanto eu comia, bebericando seu copo de suco enquanto conversávamos sobre o Jornal, como ela não tinha acesso aos bastidores, compartilhei cada parte com ela. Era evidente sua surpresa.
Apesar da noite bem dormida, eu sentia que precisava descansar depois da turbulenta manhã. Eu ainda não sabia como me sentia com a omissão da realeza sobre os fatos, apesar de estar feliz por não ser capa de uma revista de fofoca, me sentia mal por mentir. Se o governo podia esconder algo como aquilo, algo como os rebeldes do sul, o que mais eu não sabia?
- Senhorita , desculpe por acordá-la. - Elise me sacudia lentamente, tentando me despertar. - Mas o príncipe gostaria de vê-la.
- Eu… - senti meu cérebro processando suas palavras, eu precisava acordar. - Claro. Ele está na porta? - me sentei na cama.
- Não, ele quer que você vá até a biblioteca. Tem um guarda lhe aguardando.
- Tudo bem, só preciso lavar meu rosto. Peça para o guarda esperar, por favor.
Ainda meio sonolenta pelo cochilo, levantei da cama e fui para o banheiro me ajeitar. Como estávamos presas ao quarto, jamais cheguei a pensar que o príncipe me chamaria. Eu estava sendo eliminada? Ia levar um sermão pelo que ocorreu no Jornal? Ou ele ia me explicar exatamente porque tinha escondido tudo?
Sem entender bem o que estava acontecendo lavei o rosto, escovei os dentes e arrumei o cabelo, desfazendo a desajeitada a trança que tinha desde de manhã para o Jornal e penteando os fios.
- Estou pronta, Elise. - anunciei do banheiro. - Devo voltar logo.
- Claro, senhorita. Vou continuar aqui, ainda tenho muito o que fazer.
Sorri para Elise, lamentando por vê-la trabalhar por três, mas sabendo que ela jamais admitiria alguém substituindo Cleo, não quando a amiga estava prestes a melhorar. O guarda apenas assentiu quando passei pela porta, me indicando o caminho com as mãos. Desci os degraus lentamente, sem conseguir decidir sobre o motivo do príncipe querer conversar… Estava tão perdida em pensamento que notei atrasada a repentina aproximação por trás do guarda, que agora tinha uma mão em meu ombro.
- Se você gritar, eu atiro. - ele cochichou em meu ouvido, me fazendo gelar e parar imediatamente. O que estava acontecendo? Aquilo em minhas costas era sua arma? Por que um guarda estava me ameaçando dentro do castelo? As perguntas vinham urgentes em minha mente, tentando entender exatamente o que estava acontecendo. Eu precisava entrar em alerta, mas a situação me deixava com medo demais.
- O que…?
- Quieta. Fique sabendo que príncipe nenhum te chamou, você vai comigo. Se gritar eu te mato aqui mesmo, se fizer tudo o que eu disser, todos sairemos vivos no final do dia.
Assenti com a cabeça, engolindo em seco. Já tinha passado por aquilo antes, deveria saber como era.
- Ótimo. Vire à esquerda. Agora reto. Nenhuma gracinha, ouviu? - as ordens estavam me levando por um caminho desconhecido dentro do castelo. Eu desci um lance de escadas, andei por lugares desertos devido ao número reduzido de funcionários e acabei em uma ala que parecia fechada. Paramos de andar quando finalmente chegamos à um quarto, o homem me mandou entrar, seguindo-me de perto.
- Pronto. Chegamos. Fique à vontade, senhorita. - ele disse, trancando a porta e parando na frente dela, de guarda. Me deixando livre para andar por todo o cômodo vazio. Havia uma única cadeira ali, além de uma cama grudada à parede e uma cômoda. - Passaremos um bom tempo aqui.
- O que você quer? - decidi ficar em pé, encarando-o do meio do pequeno quarto.
- Informações. Sei que você está do lado dos rebeldes nortistas, preciso saber o que você sabe!
- Eu o que? Você acha que sou uma rebelde?
- Não sei se você é. Mas sei que os apoia, está do lado deles. Esse colar lhe entrega. - ele disse, apontando a arma para meu pescoço. Apesar de ele querer apenas se expressar, me vi recuando. Ele sorriu com a minha demonstração de medo.
- Como? Esse colar foi presente de uma fã. - tentei soar óbvia.
- Não ache que eu sou idiota, . Assim como espionamos o castelo, espionamos os rebeldes nortistas. Eu já achava que você estava em contato com a chefe deles, seu colar provou que eu estava certo.
Engoli em seco.
- Ainda não sei do que você está falando.
- Sabe sim! - seu tom mudou, ele estava ficando irritado. - Sabe também de mais coisas. E eu vou descobrir o que você sabe, só resta a senhorita decidir como vai me contar.
- Quem é você?
- Não vou falar meu nome, porque acredito que a senhorita será inteligente o suficiente para sair daqui viva. Então, vamos logo começar a falar, não temos o dia inteiro.
- Não sei o que você quer que eu fale, senhor.
- Não sabe? Então vou facilitar. - ele disse, agora apontando a arma firme em minha direção. - Você já viu Serena quantas vezes?
- Não sei quem é Serena.
- Uma? Duas? Três? - ele me ignorou.
Não respondi.
- Sabe… Foi bem triste ver sua criada passando mal. - ele falava cada palavra sorrindo. - Passei lá mais cedo e ela estava dormindo bem. Imagine que triste seria se ela tivesse complicações.
- Foi você que nos entregou o doce envenenado! - acusei-o.
- Na verdade não, mas sei quem foi. Então vamos logo com isso. Quantas vezes?
- Duas. - respondi, sentindo-me derrotada. As lágrimas ameaçando sair por meus olhos.
- Boa menina. E o que Serena disse nesses encontros?
- Nada.
- Achei que estávamos progredindo.
- Estamos. Eu estou sendo sincera.
- Ela não diz absolutamente nada? Você vai lá só para olhar pra cara dela, então.
- Nós apenas conversamos. Eu ainda não sou confiável. Ela quer esperar antes de me contar algo. - menti.
- E o príncipe sabe que você vai lá?
- Óbvio que não. Eu já estaria morta se soubesse.
- Ah, não? Então porque ele mandou você usar o colar? Nós interceptamos uma mensagem, vimos que os rebeldes nortistas mandaram você usar esse colar em apoio a eles. Só não pensamos que você usaria.
Eu quis gritar. O QUE EVAN TINHA FEITO?
- A mensagem era para mim. - menti de novo, rezando para Serena não ter sido descuidada a ponto de escrever o nome do príncipe.
- Você é “Alteza” agora?
- Sim. É um apelido… Sabe, para me incentivar a conseguir o título.
- Os rebeldes te querem como princesa então.
- Parece que sim. Se eu me provar confiável. Algo que você não está ajudando. - a história se formava cada vez mais em minha mente e a mentira parecia mais verídica. - Eu preciso usar o banheiro.
- O que?
- Eu preciso usar o banheiro. Você me acordou, soldado. Acredito que saiba como o corpo funciona nesse sentido.
- Você não pode sair daqui até responder minhas perguntas.
- Eu já respondi suas perguntas. Falando nisso, onde estamos? Uma área de funcionário, imagino.
- Você está certa. Aqui é onde parte dos funcionários dorme, aquela parte que foi mandada para casa e não voltará tão cedo. Você está sozinha.
- Então, não vejo problema em ir ao banheiro.
Sabia que estava jogando um jogo arriscado, mas não tinha noção de quanto tempo alguém demoraria para me achar. E, pior, não sabia quanto tempo ainda ia conseguir mentir.
- Você tem dois minutos.
- É impossível ir no banheiro usando esse vestido em dois minutos. - falei, vendo-o abrir a porta.
- Cinco, então. Mas me diga, o que Serena quer que você faça para ela começar a confiar em você?
- Não sei ao certo. - falei, já de costas para ele, sabendo que ele me seguiria. - Virar princesa, provavelmente.
- Não sei se posso ajudar nesse caso. Algo mais?
- Ajudar? O que quer dizer? - caminhávamos pelo mesmo corredor de antes, eu tentava identificar uma saída, um jeito de fugir daquele homem, mas ele conhecia o castelo melhor do que eu e sempre cuidava das portas.
- Já pensou em ser uma agente dupla?
- Então, agora você não quer mais me matar? - perguntei acusatória, parando em frente à uma porta escrito “banheiro”.
- Não pretendo matar a senhorita hoje.
- Eu volto já. - entrei no banheiro público com o homem perto demais, pedi que ele esperasse do lado de fora da porta, porque apesar de ser um toalete dividido em cabines, eu precisava de privacidade.
- Tudo bem. Mas conversaremos sobre você trabalhar para nós quando seus cinco minutos acabarem.
Esperava que aqueles cinco minutos nunca acabassem. Primeiro procurei por uma arma, mas só encontraria algo para me proteger se eu quebrasse o espelho que havia em cima das pias. Depois tentei achar um jeito de fugir, só que a única janela era alta demais e estava coberta por grades, eu me sentia no porão do castelo. Entretanto, eu não podia desistir, usaria o máximo do tempo que eu tinha tentando escapar. E era em pé, em cima de um dos vasos sanitários, olhando pela janela, que eu estava quando ouvi um estrondo. O susto foi imediato.
- Pegamos ele. - um homem gritou.
- Ela está aí? - ouvi dizer, pelo menos achei que era.
- Sim, estou aqui! - gritei de volta, esperançosa por segurança.
- ? - abriu a porta do banheiro tão rápido quanto eu desci do vaso, correndo para seu abraço. - Céus, . Eu estava tão preocupado.
- Eu estou bem. Agora eu estou bem. - afirmei, percebendo que estava vergonhosamente aninhada em seus braços. Me soltei dele devagar. - Você me achou.
- Ele não fez nada com você? - o príncipe me analisava, procurando por algo que não veria.
- Nada. Ele não parecia querer me machucar. - contei, lembrando-me do motivo de ter sido levada até ali e ficando brava com o príncipe instantaneamente. - Queria saber sobre minha relação com os rebeldes nortistas.
- Como assim?
- Não se faça de desentendido, príncipe . Você me deu o colar para provar algo para os rebeldes, bem conseguiu! Parabéns! - sabia que meu tom era desrespeitoso e que todos os soldados no corredor estavam ouvindo nossa conversa, mas eu não ligava. tinha que ter falado comigo antes. Sempre aceitei ser sua garantia com os rebeldes, mas porque eu queria. Quando ele decidiu me usar sem me contar, ele quebrou qualquer confiança que eu tinha nele.
- … Eu não queria…
- Tudo bem, Alteza. Mas imagino que ele não seja mais útil. - soltei o colar do meu pescoço com uma agilidade que nem sabia que tinha e o entreguei à . Eu tinha consciência de que estava sendo dramática, mas era a única maneira de parecer sério. - Obrigada por me achar.
Passei por sem qualquer reação do mesmo, seguindo pelo corredor a passos pesados, claramente irritada. Nenhum guarda teve coragem de emitir qualquer som, apenas senti três deles me seguindo escada acima. Esperava que eles me ajudassem a chegar até meus aposentos, pois eu não tinha certeza do caminho.
Capítulo 13 - Uma Espiã
bateu em minha porta minutos depois de eu ter voltado ao meu quarto. Achei que fosse , então pedi para Elise atender e dizer que eu estava tomando um banho, mas quando soube que era deixei-o entrar imediatamente.
- Soube que estou bem por sua causa! - contei, indo lhe dar um breve abraço. - Obrigada.
- Foi sorte, . Sorte por eu ter um tempo livre e querer falar com você. Quando cheguei aqui e Elise disse que tinha ido falar com … Eu sabia que não podia ser verdade.
- Como soube?
- estava ocupado eliminando algumas garotas. Não tinha como você estar com ele. Fui confirmar mesmo assim e não podia estar mais certo. - ele me encarava com certa pena e carinho. - O que aconteceu?
- Elise, pode nos deixar a sós, por favor?
- Claro, senhorita.
- Quer sentar? - ofereci uma cadeira da mesa.
- Obrigado.
Decidi me sentar na cama, onde já estava quando chegou. Era mais distante do homem, mais respeitoso e também estranhamente confortável. Me sentia melhor ali, do que há três passos em uma cadeira.
- Um soldado veio me chamar, dizendo que o príncipe queria me ver na biblioteca. Seguimos juntos até o final do corredor, eu sempre na frente. Quando chegamos a entrada dos funcionários ele pegou a arma e me ameaçou. Fui com ele até um dos quartos do setor onde me encontraram.
- Ele realmente não a machucou?
- Não. Ele parecia só querer conversar. Ele interceptou uma mensagem de Serena, pedindo para que eu usasse o colar azul em sinal de apoio, ou algo assim.
- No Jornal Oficial. - ele concordou. - me contou que Serena tinha pedido e que falaria com você.
- Falar comigo? me deu um colar como um presente, nada mais. Ele não me disse que aquilo tinha um significado.
- Eu não sabia…
- Espero mesmo que não, . Se bem que não importa mais, apesar de eu achar que ele acreditou na minha história.
- Que história?
- Disse que a carta era para mim. Ele não pode achar que está envolvido com os rebeldes nortistas, pode?
- Você mentiu por ?
- Sim. O soldado achou que eu era uma simpatizante dos rebeldes secretamente, ele estava a ponto de me obrigar a ser uma agente dupla e trabalhar para ele.
- Você é incrível, .
- Eu sou é idiota. Sorte que vocês o capturaram, não sei como lidaria com os rebeldes sulistas.
- Como você saiu do quarto? Você disse que ele tinha te levado a um dos quartos da criadagem.
- Pedi para ir ao banheiro.
- E ele deixou?
- Era um favor para sua futura funcionária. - revirei os olhos, arrancando risadas do príncipe.
- Que bom que você está bem.
- Eu estou. Melhor do que achei que estaria, sinceramente.
- E sobre … Vou falar com ele.
- Não acho que seja necessário. - afirmei. Eu não queria que brigasse com o irmão ou criticasse suas escolhas. decidiu não confiar em mim quando entregou a joia, mostrando claramente para que eu servia. O príncipe que eu lembrava existir, e que tinha sido substituído por um homem melhor, havia voltado. - O que farão com o homem?
- Eu não tenho certeza. Acho que tem algumas ideias, mas será discutido melhor no conselho. Eu sei que após prender o homem, ele voltou a falar com as Selecionadas.
- Entendo. E você sabe quem vai embora? - de repente a ideia de Anne indo embora me veio em mente. Em momento nenhum tinha chegado a pensar que minha amiga podia estar entre as eliminadas.
- Não exatamente. Sei que eliminou 10 garotas.
- 10? Não é muito?
- Talvez seja, não sei. Não sou eu que decide. Entretanto, já que cancelaremos o plano A totalmente, que obviamente não funcionou, é melhor que vocês sejam em poucas aqui. Ainda precisamos deixar alguns guardas nas vilas.
- Ainda? Como anda lá fora? Seja sincero.
- Ser sincero? Então eu tenho que dizer que é segredo e que você não deve se envolver. - tinha um sorriso cúmplice, mostrando que não era exatamente aquilo que aconteceria. - Por outro lado, eu posso comentar que o que dissemos antes ainda acontece e em cada vez mais lugares.
- Sério? - não sei porquê, mas eu imaginava que as coisas estavam começando a ficar sob controle. O rebelde sulista de mais cedo… Ele não ia me matar, eu sabia.
- Infelizmente. - o príncipe respirou fundo. - Bem, eu tinha vindo convida-la para dar uma volta, mas não sei se ainda é uma opção.
- Na verdade, eu aceito. Se você ainda estiver disponível.
- Claro. Uma volta no jardim? Nosso tempo é um pouco curto, o jantar será servido logo.
***
parecia saber sobre o meu apreço pelo jardim de sua mãe, pois me conduziu direto para lá. Caminhávamos lado a lado, mas o príncipe mais novo não parecia prestar atenção, pois não respondeu a nenhuma das minhas duas tentativas de começar uma conversa com ele.
- ? - dessa vez encostei a mão em seu ombro. - Você está bem?
O gesto foi o suficiente para tirá-lo de seu transe.
- Sim. Me desculpe. Perdi algo?
- Nada sério. - dei de ombros, rindo um pouco. - No que você estava pensando?
- Várias coisas. Eu quero te contar algo, . Mas você precisa guardar segredo. É essencial.
- Claro.
- Eu acho que estou apaixonado.
Não consegui evitar ficar surpresa. Por um momento parei de respirar, tentando entender o que estava tentando dizer.
- Calma, . Não estou me declarando para você. - ele disse, rindo completamente do meu desespero. - Não precisa ficar com cara de quem vai vomitar.
- ! - reclamei, me sentindo envergonhada por ter cogitado que ele falava de mim. - Desculpe, eu realmente fui tola. Pode continuar.
- Você não foi tola. Você é uma mulher linda e uma maravilhosa amiga, eu conseguiria me apaixonar por você se, sabe, tivéssemos química.
- Química? - ergui uma sobrancelha.
- É, química. Não vai me dizer que nunca sentiu uma atração por alguém? Nunca achou que aquela pessoa podia se encaixar perfeitamente com você?
- Não, acho que não.
- Céus! E pensei que você poderia me ajudar. - ele estava novamente rindo de mim.
- Não subestime o poder de uma garota só porque ela nunca sentiu uma química. - revirei os olhos. - Quem é?
- Uma Selecionada.
Engasguei.
- , isso é tremendamente perigoso!
- Eu sei. Quer dizer, eu também achei que era, mas conversei com .
- Você contou para o seu irmão que acha que gosta de uma das Selecionadas dele?
- Quando ele me disse que ia eliminar mais 10 garotas, eu precisei. Eu não queria que ele a eliminasse.
- E como reagiu?
- Bem. Incrivelmente bem. Esse não é o meu problema. Não é para convencer meu irmão que eu preciso de sua ajuda.
- Por que você precisa de mim?
- Não tenho coragem de ser sincero com ela. Sabe, eu realmente passei um tempo com as Selecionadas. É permitido. me pedia para não deixá-las sozinhas o tempo inteiro, além disso ele queria saber como vocês agiriam perto de mim. E foi assim que aconteceu. Digo, eu acho que aconteceu. Nossos passeios são tão divertidos, eu quero estar sempre com ela, e acho que ela também gosta de estar comigo.
- Então qual é o problema?
- Eu não sei. Ela ainda está aqui pelo meu irmão. Ela pode realmente querer ser rainha e eu não posso oferecer isso a ela. E se ela estiver me usando?
- Você terá que perguntar. Não tem outra opção.
- Na verdade…
E foi então que eu percebi. já tinha pensado nisso e encontrado sua outra opção. Eu. Ele queria que eu descobrisse algo.
- Você quer que eu pergunte se ela gosta mais de você do que ?
- Não, claro que não. Você não precisa ser direta. Só quero que me diga se já ouviu algo… Ou se vier a ouvir.
Precisei pensar por alguns segundos.
- Não vou lhe contar nenhum segredo ou algo muito pessoal. Ainda acho que vocês deveriam conversar.
- Eu sei. Concordo com isso.
- Tudo bem. E de quem estamos falando?
- Aurora. - as bochechas de ficaram vermelhas.
Sorri para ele, percebendo que ele tinha feito uma ótima escolha. Aurora era uma garota legal, simpática e um pouco tímida, não tinha problemas com ninguém e vivia junto com Justine, sua melhor amiga na Seleção. Não lembrava de sua casta, mas sabia que ela tinha ido bem na maioria dos testes.
- Eu realmente nunca a ouvi falando sobre ou a coroa. - ele pareceu aliviado. - Não que isso signifique algo.
- Eu sei, mas é um começo.
sorriu e passou o caminho inteiro até o salão de refeições me contando das qualidades da menina. Do jeito que seus olhos brilhavam e sua bochecha corava, eu acreditava em seus sentimentos.
***
e foram os únicos da família real que apareceram para o jantar. Os príncipes passaram o tempo todo ocupados conversando entre si sobre algum assunto que parecia sério, era como se nenhuma Selecionada existisse. Pela expressão de ambos, eu acreditava que naquele momento a Seleção realmente não era uma preocupação, existiam assuntos mais importantes. Preciso admitir que queria saber sobre o que dialogavam.
A minha atenção saiu dos meninos no momento em que Anne entrou no salão, pelo seu sorriso soube que ela não havia sido eliminada. Fiquei extremamente aliviada. Ao contrário de várias meninas na mesa, Anne parecia satisfeita consigo mesma, sua alegria chegou até a me animar.
- Estou tão feliz que o príncipe foi me ver hoje para me dizer que eu ficaria. Ele me assustou quando bateu em minha porta, já estava pronta para ir.
- Ele foi te ver? - fiquei surpresa. Tinha quase certeza de que veria apenas as meninas que mandaria para casa. - Estranho não? Ele parecia nervoso com alguma coisa, disse que precisava relaxar e queria conversar comigo.
- Que legal! E vocês falaram sobre o que? - era importante que visse algo bom em Anne, deixava ela mais próxima de ser princesa.
- Nada demais.
Ficou claro para mim que ela não queria compartilhar sua conversa com e nada me faria forçá-la a se abrir, ainda mais quando eu estava tão feliz por ela continuar ali comigo pelos próximos dias. Então, apenas concordei.
- Espero que vocês se deem muito bem. - fui sincera, esperando que a educação de não tivesse segundas intenções, não conseguia considerá-lo um homem bom e confiável naquele momento.
- Obrigada. - ela sorriu, sem jeito.
Percebi, quando Anne se sentou ao meu lado, que devido ao elevado número de eliminadas, as garotas decidiram não seguir os lugares à risca naquele dia, sentando-se perto das mais próximas. Entretanto, achei estranho quando Samantha puxou a cadeira ao meu lado.
- ? Posso fazer uma pergunta?
- Claro.
- Você foi escolhida?
- O quê?
- As criadas falaram que saiu de um dos quartos para te ver. Ele a escolheu como princesa? - Samantha perguntou novamente.
- Não, claro que não.
- Que bom. Quero dizer…
- Não se preocupe, eu entendi. - sorri para ela, vendo-a um pouco envergonhada pelas palavras.
- É que não me eliminou, achei que isso podia significar algo.
- Com certeza pode significar.
Ela sorriu, voltando a atenção para seu prato. Quando fiquei em silêncio, pude notar o estranho clima entre nós. Muitas meninas pareciam segurar o choro, enquanto outras cochichavam coisas desagradáveis entre si, achando que ninguém conseguia escutar. O fato de os príncipes estarem ocupados demais em sua conversa interna não ajudava, os rostos tristes e as conversas paralelas tomavam conta de refeição.
Aurora, a menina de ouro de , tinha os cabelos presos em um coque elegante e conversava baixinho com Justine, seu sorriso era fraco e ela ficava incrivelmente bela quando aflita. Estava claro que Justine havia sido eliminada por e iria embora no dia seguinte, me fazendo considerar o medo de de que talvez Aurora fosse mandada para casa.
Levei um susto quando se levantou, arrastando levemente a cadeira e me acordando dos pensamentos. Não sabia quanto tempo ficará encarando Aurora.
- Com licença. - ele arrumou a postura. - Boa noite, senhoritas. Sei que esse dia foi um tanto tumultuado para todos. - ele olhou para mim de soslaio, mas não lhe retribui a atenção. Eu não seria usada de novo tão facilmente. - Principalmente após a notícia dada no Jornal Oficial. Acredito que encontrei minha princesa entre vocês e, por esse motivo, decidi deixar algumas meninas voltarem para suas províncias. Saibam que vocês são especiais e apesar do pouco tempo que passamos juntos, tenho consciência das mulheres incríveis que tive o privilégio de conhecer.
Wendy deixou um resmungo triste escapar, ela estava se segurando para não chorar.
- Todas sabem que nosso país está em um momento relativamente crítico. - elegantemente fingiu não ter escutado. - E apesar da Seleção ser minha prioridade, precisarei viajar em poucos dias. Mas não se preocupem, eu e garantimos que as eliminadas estarão seguras em casa quando isso acontecer. Para as remanescentes, posso dizer que vocês terão muito o que aprender enquanto eu estiver fora. Quero avisá-las também que e meu pai me acompanharão na viagem, enquanto minha mãe se encarregará de outros afazeres também fora do castelo. Mariee será responsável por vocês e o castelo estará a suas ordens. Dito isto, ótima refeição a todas.
Para o crédito de todas ali presentes, ninguém se pronunciou após o anúncio do príncipe. Continuamos comendo com classe, exatamente como nos era ensinado. O jantar foi relativamente calmo, a comida melhorou o ânimo das garotas, mas não o suficiente para haver muita conversa ou agitação.
***
Saí mais cedo do jantar, com permissão do príncipe, pois uma criada veio me avisar que Cleo teria alta naquele momento. Minha amiga estava realmente melhor e ninguém era capaz de dizer que ela tinha passado dias na ala hospitalar. Seu sorriso estava esplêndido e seu vestido lilás lhe dava um ar tranquilo e saudável. Antes da recém curada se retirar para os próprios aposentos, decidimos ir para meu quarto conversar e aproveitar a companhia uma da outra. Fazia um tempo que não conversávamos.
Após quase uma hora, Cleo resolveu se retirar, pois, de acordo com suas palavras, ela estava louca para voltar para o próprio quarto, dizendo já sentir saudades da cama. Elise ficou responsável de acompanhar Cleo, apesar da segunda relutar. Já Meri me preparou um banho antes de poder sair para dormir.
- Obrigada, Meri. Pode ir dormir. Já está ficando tarde, eu consigo me virar.
- Tem certeza, senhorita? Eu poderia ajudá-la.
- Tenho sim. Boa noite! E muito obrigada!
- De nada, senhorita. Tenha bons sonhos!
***
Eu já estava de camisola e ocupava a mente lendo, tentando não pensar no ocorrido do dia, quando alguém bateu na minha porta. Fiquei imediatamente em alerta, sentindo meu coração pulsar mais rápido, tentando descobrir quais armadilhas me esperavam do outro lado enquanto colocava o robe. Eu sabia que tinham guardas no corredor, muitos deles. Mas ainda assim não podia culpar-me pelas mãos levemente trêmulas.
- Quem é? - perguntei antes de girar a maçaneta, apesar de saber que a porta estava destrancada.
- Sou eu, . - sussurrou, mas eu já era capaz de reconhecer sua voz.
Abri a porta, sem entender muito bem o que estava acontecendo.
- Você está bem?
Ele deu um sorriso discreto.
- Claro que sim. Posso entrar?
Abri passagem, fechando a porta atrás do príncipe.
- Precisamos conversar, . Sinto muito aparecer essa hora da noite, mas é importante. Fico feliz que esteja acordada.
Olhei para ele intrigada, tentando entender o que aquilo tudo significava.
- Claro, sem problemas. Mas se for sobre o colar… Não precisamos falar disso agora, príncipe.
- Eu entendo que esteja brava comigo. Me desculpe por isso, eu cometi um terrível erro. Entretanto, esse não é o nosso maior problema agora.
Pela primeira vez desde que entrara no meu quarto, expressou o que estava sentindo. Eu sabia, olhando em seus olhos, que havia algo errado.
- E qual é o nosso maior problema? Você está me assustando um pouco, .
- O rebelde sulista que lhe sequestrou está morto. - o príncipe cuspiu as palavras como se fosse difícil demais pronúncia-las calmamente. Arregalei os olhos e segurei a respiração.
- Como…?
- E isso não é o pior. Eu acho melhor a gente sentar.
- O que realmente está acontecendo?
Perguntei, seguindo seu conselho e me sentando na cama, sem pedir permissão, o príncipe fez o mesmo, me encarando de frente.
- O homem está morto, , porque foi torturado até nos fornecer todas as informações que acreditamos serem possíveis.
- Eu… - não sabia o que dizer, nunca tinha sido tão direto antes.
- E foi assim que os assessores de meu pai descobriram a história que você inventou para o espião. Ele realmente acreditou que a carta interceptada foi direcionada para você, sua estratégia funcionou.
- Certo, que bom. - era possível ouvir o receio em minha voz.
- Eu realmente agradeço seu gesto, . - ele disse mais calmo, me chamando pelo apelido pela primeira vez. - Mas agora…
parou, receoso de contar o resto da história. Segurei sua mão.
- Você pode me contar.
- Foi enviada uma carta, . Uma carta escrita por ele para os rebeldes sulistas dizendo que você era a remetente da carta que encontraram, acusando-a de ser uma espiã.
- Mas ele não foi preso?
- Foi. Os assessores reais o obrigaram a escrever. Eu tentei impedir, eu juro. Mas…
- Mas seu pai é o rei e é ele quem decide. - concluí, sem saber como me sentia.
- Eu realmente sinto muito, . Eu tentei evitar de todas as maneiras, afinal aquela carta era para mim. Mas a verdade é que os rebeldes sulistas, hoje, acreditam que você possa ser convencida a trabalhar para eles, além de trabalhar para os rebeldes do norte. Você foi descoberta, .
Minha mente parou de repente, a realidade finalmente me atingiu. Eu não conseguia processar todas as informações, de uma forma inexplicável, eu não conseguia entender o que aquilo realmente significava. Apesar dos meus esforços em absorver aquelas palavras, elas não faziam sentido.
- Eu vou protegê-la. Eu prometo. - o príncipe disse, ansioso por alguma reação.
Eu queria gritar com ele, reclamar e dizer que tudo era culpa dele e sua coroa ridícula. Mas então eu lembrei do dia em que mostrei meus machucados para o príncipe, do dia que eu lhe disse que estava disposta a assumir a culpa por ele. Eu acreditava que nada podia fazer perder o respeito e a confiança de seu povo, precisava continuar focada nisso.
- Eu... - respirei fundo - Eu entendo a decisão de seu pai.
- Você o quê? Você não está brava?
Levantei a mão, pedindo para que ele esperasse eu terminar.
- Eu já lhe disse isso uma vez, Alteza. Você não pode pegar essa responsabilidade para si, apesar de tudo, entendo a decisão tomada. O que não compreendo é o motivo de você estar aqui agora. Você acha que eles virão atrás de mim?
estava ali, quase de madrugada, porque acreditava que eu corria risco de vida? Eu podia ser morta naquele momento?
- Não, . - ele respirou fundo, como se carregasse um peso gigante nas costas. Era como se aquilo fosse só o começo dos nossos problemas, ou melhor, dos meus problemas. - Obviamente os assessores do meu pai descobriram tudo sobre minha ligação com os rebeldes. Por isso, eu e você temos uma reunião com Serena imediatamente.
- Nós o que?
- . Eu preciso que você respire fundo e preste muita atenção no que eu vou te dizer.
Respirei. Não uma, mas duas vezes.
- Eu e você vamos decidir o rumo da história hoje. Nosso país vai se preparar para uma guerra civil, não podemos permitir que os rebeldes façam o que quiserem. Por esse motivo, meu pai, e eu vamos viajar em busca de tropas e apoio dos reinos vizinhos. - ele pegou fôlego. - Nós acabaremos com os rebeldes sulistas e, depois, eu assumirei o trono com permissão de meu pai. Os planos mudaram depois do que descobrimos hoje. Estamos preparados para recuperar de vez o amor do povo e seguir firme com a monarquia.
- E o que eu tenho a ver com isso?
- Agora? Tudo.
- Tudo? Mas eu…
- , você compreende o que aconteceu? Você é aliada dos rebeldes nortistas e sulistas. Você faz parte da Seleção e vive no castelo. Todos querem algo de você.
- Inclusive seu governo.
- Principalmente ele. - ele lamentou, mas fiquei contente por sua sinceridade.
- Soube que estou bem por sua causa! - contei, indo lhe dar um breve abraço. - Obrigada.
- Foi sorte, . Sorte por eu ter um tempo livre e querer falar com você. Quando cheguei aqui e Elise disse que tinha ido falar com … Eu sabia que não podia ser verdade.
- Como soube?
- estava ocupado eliminando algumas garotas. Não tinha como você estar com ele. Fui confirmar mesmo assim e não podia estar mais certo. - ele me encarava com certa pena e carinho. - O que aconteceu?
- Elise, pode nos deixar a sós, por favor?
- Claro, senhorita.
- Quer sentar? - ofereci uma cadeira da mesa.
- Obrigado.
Decidi me sentar na cama, onde já estava quando chegou. Era mais distante do homem, mais respeitoso e também estranhamente confortável. Me sentia melhor ali, do que há três passos em uma cadeira.
- Um soldado veio me chamar, dizendo que o príncipe queria me ver na biblioteca. Seguimos juntos até o final do corredor, eu sempre na frente. Quando chegamos a entrada dos funcionários ele pegou a arma e me ameaçou. Fui com ele até um dos quartos do setor onde me encontraram.
- Ele realmente não a machucou?
- Não. Ele parecia só querer conversar. Ele interceptou uma mensagem de Serena, pedindo para que eu usasse o colar azul em sinal de apoio, ou algo assim.
- No Jornal Oficial. - ele concordou. - me contou que Serena tinha pedido e que falaria com você.
- Falar comigo? me deu um colar como um presente, nada mais. Ele não me disse que aquilo tinha um significado.
- Eu não sabia…
- Espero mesmo que não, . Se bem que não importa mais, apesar de eu achar que ele acreditou na minha história.
- Que história?
- Disse que a carta era para mim. Ele não pode achar que está envolvido com os rebeldes nortistas, pode?
- Você mentiu por ?
- Sim. O soldado achou que eu era uma simpatizante dos rebeldes secretamente, ele estava a ponto de me obrigar a ser uma agente dupla e trabalhar para ele.
- Você é incrível, .
- Eu sou é idiota. Sorte que vocês o capturaram, não sei como lidaria com os rebeldes sulistas.
- Como você saiu do quarto? Você disse que ele tinha te levado a um dos quartos da criadagem.
- Pedi para ir ao banheiro.
- E ele deixou?
- Era um favor para sua futura funcionária. - revirei os olhos, arrancando risadas do príncipe.
- Que bom que você está bem.
- Eu estou. Melhor do que achei que estaria, sinceramente.
- E sobre … Vou falar com ele.
- Não acho que seja necessário. - afirmei. Eu não queria que brigasse com o irmão ou criticasse suas escolhas. decidiu não confiar em mim quando entregou a joia, mostrando claramente para que eu servia. O príncipe que eu lembrava existir, e que tinha sido substituído por um homem melhor, havia voltado. - O que farão com o homem?
- Eu não tenho certeza. Acho que tem algumas ideias, mas será discutido melhor no conselho. Eu sei que após prender o homem, ele voltou a falar com as Selecionadas.
- Entendo. E você sabe quem vai embora? - de repente a ideia de Anne indo embora me veio em mente. Em momento nenhum tinha chegado a pensar que minha amiga podia estar entre as eliminadas.
- Não exatamente. Sei que eliminou 10 garotas.
- 10? Não é muito?
- Talvez seja, não sei. Não sou eu que decide. Entretanto, já que cancelaremos o plano A totalmente, que obviamente não funcionou, é melhor que vocês sejam em poucas aqui. Ainda precisamos deixar alguns guardas nas vilas.
- Ainda? Como anda lá fora? Seja sincero.
- Ser sincero? Então eu tenho que dizer que é segredo e que você não deve se envolver. - tinha um sorriso cúmplice, mostrando que não era exatamente aquilo que aconteceria. - Por outro lado, eu posso comentar que o que dissemos antes ainda acontece e em cada vez mais lugares.
- Sério? - não sei porquê, mas eu imaginava que as coisas estavam começando a ficar sob controle. O rebelde sulista de mais cedo… Ele não ia me matar, eu sabia.
- Infelizmente. - o príncipe respirou fundo. - Bem, eu tinha vindo convida-la para dar uma volta, mas não sei se ainda é uma opção.
- Na verdade, eu aceito. Se você ainda estiver disponível.
- Claro. Uma volta no jardim? Nosso tempo é um pouco curto, o jantar será servido logo.
parecia saber sobre o meu apreço pelo jardim de sua mãe, pois me conduziu direto para lá. Caminhávamos lado a lado, mas o príncipe mais novo não parecia prestar atenção, pois não respondeu a nenhuma das minhas duas tentativas de começar uma conversa com ele.
- ? - dessa vez encostei a mão em seu ombro. - Você está bem?
O gesto foi o suficiente para tirá-lo de seu transe.
- Sim. Me desculpe. Perdi algo?
- Nada sério. - dei de ombros, rindo um pouco. - No que você estava pensando?
- Várias coisas. Eu quero te contar algo, . Mas você precisa guardar segredo. É essencial.
- Claro.
- Eu acho que estou apaixonado.
Não consegui evitar ficar surpresa. Por um momento parei de respirar, tentando entender o que estava tentando dizer.
- Calma, . Não estou me declarando para você. - ele disse, rindo completamente do meu desespero. - Não precisa ficar com cara de quem vai vomitar.
- ! - reclamei, me sentindo envergonhada por ter cogitado que ele falava de mim. - Desculpe, eu realmente fui tola. Pode continuar.
- Você não foi tola. Você é uma mulher linda e uma maravilhosa amiga, eu conseguiria me apaixonar por você se, sabe, tivéssemos química.
- Química? - ergui uma sobrancelha.
- É, química. Não vai me dizer que nunca sentiu uma atração por alguém? Nunca achou que aquela pessoa podia se encaixar perfeitamente com você?
- Não, acho que não.
- Céus! E pensei que você poderia me ajudar. - ele estava novamente rindo de mim.
- Não subestime o poder de uma garota só porque ela nunca sentiu uma química. - revirei os olhos. - Quem é?
- Uma Selecionada.
Engasguei.
- , isso é tremendamente perigoso!
- Eu sei. Quer dizer, eu também achei que era, mas conversei com .
- Você contou para o seu irmão que acha que gosta de uma das Selecionadas dele?
- Quando ele me disse que ia eliminar mais 10 garotas, eu precisei. Eu não queria que ele a eliminasse.
- E como reagiu?
- Bem. Incrivelmente bem. Esse não é o meu problema. Não é para convencer meu irmão que eu preciso de sua ajuda.
- Por que você precisa de mim?
- Não tenho coragem de ser sincero com ela. Sabe, eu realmente passei um tempo com as Selecionadas. É permitido. me pedia para não deixá-las sozinhas o tempo inteiro, além disso ele queria saber como vocês agiriam perto de mim. E foi assim que aconteceu. Digo, eu acho que aconteceu. Nossos passeios são tão divertidos, eu quero estar sempre com ela, e acho que ela também gosta de estar comigo.
- Então qual é o problema?
- Eu não sei. Ela ainda está aqui pelo meu irmão. Ela pode realmente querer ser rainha e eu não posso oferecer isso a ela. E se ela estiver me usando?
- Você terá que perguntar. Não tem outra opção.
- Na verdade…
E foi então que eu percebi. já tinha pensado nisso e encontrado sua outra opção. Eu. Ele queria que eu descobrisse algo.
- Você quer que eu pergunte se ela gosta mais de você do que ?
- Não, claro que não. Você não precisa ser direta. Só quero que me diga se já ouviu algo… Ou se vier a ouvir.
Precisei pensar por alguns segundos.
- Não vou lhe contar nenhum segredo ou algo muito pessoal. Ainda acho que vocês deveriam conversar.
- Eu sei. Concordo com isso.
- Tudo bem. E de quem estamos falando?
- Aurora. - as bochechas de ficaram vermelhas.
Sorri para ele, percebendo que ele tinha feito uma ótima escolha. Aurora era uma garota legal, simpática e um pouco tímida, não tinha problemas com ninguém e vivia junto com Justine, sua melhor amiga na Seleção. Não lembrava de sua casta, mas sabia que ela tinha ido bem na maioria dos testes.
- Eu realmente nunca a ouvi falando sobre ou a coroa. - ele pareceu aliviado. - Não que isso signifique algo.
- Eu sei, mas é um começo.
sorriu e passou o caminho inteiro até o salão de refeições me contando das qualidades da menina. Do jeito que seus olhos brilhavam e sua bochecha corava, eu acreditava em seus sentimentos.
e foram os únicos da família real que apareceram para o jantar. Os príncipes passaram o tempo todo ocupados conversando entre si sobre algum assunto que parecia sério, era como se nenhuma Selecionada existisse. Pela expressão de ambos, eu acreditava que naquele momento a Seleção realmente não era uma preocupação, existiam assuntos mais importantes. Preciso admitir que queria saber sobre o que dialogavam.
A minha atenção saiu dos meninos no momento em que Anne entrou no salão, pelo seu sorriso soube que ela não havia sido eliminada. Fiquei extremamente aliviada. Ao contrário de várias meninas na mesa, Anne parecia satisfeita consigo mesma, sua alegria chegou até a me animar.
- Estou tão feliz que o príncipe foi me ver hoje para me dizer que eu ficaria. Ele me assustou quando bateu em minha porta, já estava pronta para ir.
- Ele foi te ver? - fiquei surpresa. Tinha quase certeza de que veria apenas as meninas que mandaria para casa. - Estranho não? Ele parecia nervoso com alguma coisa, disse que precisava relaxar e queria conversar comigo.
- Que legal! E vocês falaram sobre o que? - era importante que visse algo bom em Anne, deixava ela mais próxima de ser princesa.
- Nada demais.
Ficou claro para mim que ela não queria compartilhar sua conversa com e nada me faria forçá-la a se abrir, ainda mais quando eu estava tão feliz por ela continuar ali comigo pelos próximos dias. Então, apenas concordei.
- Espero que vocês se deem muito bem. - fui sincera, esperando que a educação de não tivesse segundas intenções, não conseguia considerá-lo um homem bom e confiável naquele momento.
- Obrigada. - ela sorriu, sem jeito.
Percebi, quando Anne se sentou ao meu lado, que devido ao elevado número de eliminadas, as garotas decidiram não seguir os lugares à risca naquele dia, sentando-se perto das mais próximas. Entretanto, achei estranho quando Samantha puxou a cadeira ao meu lado.
- ? Posso fazer uma pergunta?
- Claro.
- Você foi escolhida?
- O quê?
- As criadas falaram que saiu de um dos quartos para te ver. Ele a escolheu como princesa? - Samantha perguntou novamente.
- Não, claro que não.
- Que bom. Quero dizer…
- Não se preocupe, eu entendi. - sorri para ela, vendo-a um pouco envergonhada pelas palavras.
- É que não me eliminou, achei que isso podia significar algo.
- Com certeza pode significar.
Ela sorriu, voltando a atenção para seu prato. Quando fiquei em silêncio, pude notar o estranho clima entre nós. Muitas meninas pareciam segurar o choro, enquanto outras cochichavam coisas desagradáveis entre si, achando que ninguém conseguia escutar. O fato de os príncipes estarem ocupados demais em sua conversa interna não ajudava, os rostos tristes e as conversas paralelas tomavam conta de refeição.
Aurora, a menina de ouro de , tinha os cabelos presos em um coque elegante e conversava baixinho com Justine, seu sorriso era fraco e ela ficava incrivelmente bela quando aflita. Estava claro que Justine havia sido eliminada por e iria embora no dia seguinte, me fazendo considerar o medo de de que talvez Aurora fosse mandada para casa.
Levei um susto quando se levantou, arrastando levemente a cadeira e me acordando dos pensamentos. Não sabia quanto tempo ficará encarando Aurora.
- Com licença. - ele arrumou a postura. - Boa noite, senhoritas. Sei que esse dia foi um tanto tumultuado para todos. - ele olhou para mim de soslaio, mas não lhe retribui a atenção. Eu não seria usada de novo tão facilmente. - Principalmente após a notícia dada no Jornal Oficial. Acredito que encontrei minha princesa entre vocês e, por esse motivo, decidi deixar algumas meninas voltarem para suas províncias. Saibam que vocês são especiais e apesar do pouco tempo que passamos juntos, tenho consciência das mulheres incríveis que tive o privilégio de conhecer.
Wendy deixou um resmungo triste escapar, ela estava se segurando para não chorar.
- Todas sabem que nosso país está em um momento relativamente crítico. - elegantemente fingiu não ter escutado. - E apesar da Seleção ser minha prioridade, precisarei viajar em poucos dias. Mas não se preocupem, eu e garantimos que as eliminadas estarão seguras em casa quando isso acontecer. Para as remanescentes, posso dizer que vocês terão muito o que aprender enquanto eu estiver fora. Quero avisá-las também que e meu pai me acompanharão na viagem, enquanto minha mãe se encarregará de outros afazeres também fora do castelo. Mariee será responsável por vocês e o castelo estará a suas ordens. Dito isto, ótima refeição a todas.
Para o crédito de todas ali presentes, ninguém se pronunciou após o anúncio do príncipe. Continuamos comendo com classe, exatamente como nos era ensinado. O jantar foi relativamente calmo, a comida melhorou o ânimo das garotas, mas não o suficiente para haver muita conversa ou agitação.
Saí mais cedo do jantar, com permissão do príncipe, pois uma criada veio me avisar que Cleo teria alta naquele momento. Minha amiga estava realmente melhor e ninguém era capaz de dizer que ela tinha passado dias na ala hospitalar. Seu sorriso estava esplêndido e seu vestido lilás lhe dava um ar tranquilo e saudável. Antes da recém curada se retirar para os próprios aposentos, decidimos ir para meu quarto conversar e aproveitar a companhia uma da outra. Fazia um tempo que não conversávamos.
Após quase uma hora, Cleo resolveu se retirar, pois, de acordo com suas palavras, ela estava louca para voltar para o próprio quarto, dizendo já sentir saudades da cama. Elise ficou responsável de acompanhar Cleo, apesar da segunda relutar. Já Meri me preparou um banho antes de poder sair para dormir.
- Obrigada, Meri. Pode ir dormir. Já está ficando tarde, eu consigo me virar.
- Tem certeza, senhorita? Eu poderia ajudá-la.
- Tenho sim. Boa noite! E muito obrigada!
- De nada, senhorita. Tenha bons sonhos!
Eu já estava de camisola e ocupava a mente lendo, tentando não pensar no ocorrido do dia, quando alguém bateu na minha porta. Fiquei imediatamente em alerta, sentindo meu coração pulsar mais rápido, tentando descobrir quais armadilhas me esperavam do outro lado enquanto colocava o robe. Eu sabia que tinham guardas no corredor, muitos deles. Mas ainda assim não podia culpar-me pelas mãos levemente trêmulas.
- Quem é? - perguntei antes de girar a maçaneta, apesar de saber que a porta estava destrancada.
- Sou eu, . - sussurrou, mas eu já era capaz de reconhecer sua voz.
Abri a porta, sem entender muito bem o que estava acontecendo.
- Você está bem?
Ele deu um sorriso discreto.
- Claro que sim. Posso entrar?
Abri passagem, fechando a porta atrás do príncipe.
- Precisamos conversar, . Sinto muito aparecer essa hora da noite, mas é importante. Fico feliz que esteja acordada.
Olhei para ele intrigada, tentando entender o que aquilo tudo significava.
- Claro, sem problemas. Mas se for sobre o colar… Não precisamos falar disso agora, príncipe.
- Eu entendo que esteja brava comigo. Me desculpe por isso, eu cometi um terrível erro. Entretanto, esse não é o nosso maior problema agora.
Pela primeira vez desde que entrara no meu quarto, expressou o que estava sentindo. Eu sabia, olhando em seus olhos, que havia algo errado.
- E qual é o nosso maior problema? Você está me assustando um pouco, .
- O rebelde sulista que lhe sequestrou está morto. - o príncipe cuspiu as palavras como se fosse difícil demais pronúncia-las calmamente. Arregalei os olhos e segurei a respiração.
- Como…?
- E isso não é o pior. Eu acho melhor a gente sentar.
- O que realmente está acontecendo?
Perguntei, seguindo seu conselho e me sentando na cama, sem pedir permissão, o príncipe fez o mesmo, me encarando de frente.
- O homem está morto, , porque foi torturado até nos fornecer todas as informações que acreditamos serem possíveis.
- Eu… - não sabia o que dizer, nunca tinha sido tão direto antes.
- E foi assim que os assessores de meu pai descobriram a história que você inventou para o espião. Ele realmente acreditou que a carta interceptada foi direcionada para você, sua estratégia funcionou.
- Certo, que bom. - era possível ouvir o receio em minha voz.
- Eu realmente agradeço seu gesto, . - ele disse mais calmo, me chamando pelo apelido pela primeira vez. - Mas agora…
parou, receoso de contar o resto da história. Segurei sua mão.
- Você pode me contar.
- Foi enviada uma carta, . Uma carta escrita por ele para os rebeldes sulistas dizendo que você era a remetente da carta que encontraram, acusando-a de ser uma espiã.
- Mas ele não foi preso?
- Foi. Os assessores reais o obrigaram a escrever. Eu tentei impedir, eu juro. Mas…
- Mas seu pai é o rei e é ele quem decide. - concluí, sem saber como me sentia.
- Eu realmente sinto muito, . Eu tentei evitar de todas as maneiras, afinal aquela carta era para mim. Mas a verdade é que os rebeldes sulistas, hoje, acreditam que você possa ser convencida a trabalhar para eles, além de trabalhar para os rebeldes do norte. Você foi descoberta, .
Minha mente parou de repente, a realidade finalmente me atingiu. Eu não conseguia processar todas as informações, de uma forma inexplicável, eu não conseguia entender o que aquilo realmente significava. Apesar dos meus esforços em absorver aquelas palavras, elas não faziam sentido.
- Eu vou protegê-la. Eu prometo. - o príncipe disse, ansioso por alguma reação.
Eu queria gritar com ele, reclamar e dizer que tudo era culpa dele e sua coroa ridícula. Mas então eu lembrei do dia em que mostrei meus machucados para o príncipe, do dia que eu lhe disse que estava disposta a assumir a culpa por ele. Eu acreditava que nada podia fazer perder o respeito e a confiança de seu povo, precisava continuar focada nisso.
- Eu... - respirei fundo - Eu entendo a decisão de seu pai.
- Você o quê? Você não está brava?
Levantei a mão, pedindo para que ele esperasse eu terminar.
- Eu já lhe disse isso uma vez, Alteza. Você não pode pegar essa responsabilidade para si, apesar de tudo, entendo a decisão tomada. O que não compreendo é o motivo de você estar aqui agora. Você acha que eles virão atrás de mim?
estava ali, quase de madrugada, porque acreditava que eu corria risco de vida? Eu podia ser morta naquele momento?
- Não, . - ele respirou fundo, como se carregasse um peso gigante nas costas. Era como se aquilo fosse só o começo dos nossos problemas, ou melhor, dos meus problemas. - Obviamente os assessores do meu pai descobriram tudo sobre minha ligação com os rebeldes. Por isso, eu e você temos uma reunião com Serena imediatamente.
- Nós o que?
- . Eu preciso que você respire fundo e preste muita atenção no que eu vou te dizer.
Respirei. Não uma, mas duas vezes.
- Eu e você vamos decidir o rumo da história hoje. Nosso país vai se preparar para uma guerra civil, não podemos permitir que os rebeldes façam o que quiserem. Por esse motivo, meu pai, e eu vamos viajar em busca de tropas e apoio dos reinos vizinhos. - ele pegou fôlego. - Nós acabaremos com os rebeldes sulistas e, depois, eu assumirei o trono com permissão de meu pai. Os planos mudaram depois do que descobrimos hoje. Estamos preparados para recuperar de vez o amor do povo e seguir firme com a monarquia.
- E o que eu tenho a ver com isso?
- Agora? Tudo.
- Tudo? Mas eu…
- , você compreende o que aconteceu? Você é aliada dos rebeldes nortistas e sulistas. Você faz parte da Seleção e vive no castelo. Todos querem algo de você.
- Inclusive seu governo.
- Principalmente ele. - ele lamentou, mas fiquei contente por sua sinceridade.
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Continua...
Nota da autora: Sem nota.
Nota da beta: As coisas estão ficando interessantes, hein?! Agora todo mundo quer um pedaço da Elena, não poderia ficar melhor!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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