Capítulo 14 - Princesa?
esperou sentado na cadeira enquanto eu me trocava no banheiro. O príncipe parecia ter pensado em tudo, havia, inclusive, chamado uma criada para me ajudar a colocar o vestido e prender meus cabelos em um coque rápido. tinha escolhido o vestido em meu armário, optando por uma peça digna de um baile, azul escuro como a noite.
- Precisamos mostrar poder. - ele deu de ombros, justificando a roupa, quando me viu sair do banheiro, claramente confusa. - E eu gosto de você nele.
Assenti, tentando sorrir. Eu ainda não havia absorvido tudo o que estava acontecendo, meu corpo trabalhava no automático, agindo rápido para não ser um problema para todas as pessoas que pareciam esperar pelo príncipe e por mim.
- … - me chamou, me fazendo tirar os olhos do espelho para encará-lo. Com uma expressão engraçada de culpa, ele me mostrava o colar azul que Serena tinha pedido para usar. - Eu sei que não é exatamente a melhor escolha, mas vamos ver Serena e…
Respirei fundo. Ele tinha razão, aquele colocar indicava nossa aliança com os rebeldes do norte e nada mais correto do que eu ir encontrá-los usando-o.
- Espero que entenda, Alteza, que faço isso pelo meu país e não por você. - falei, pegando o colar de sua mão e colocando-o no pescoço.
- Eu sei. Eu realmente sinto muito pelo colar, . E agradeço imensamente em nome do país seu sacrifício.
Sacrifício. Era isso que eu estava fazendo então? Eu estava me sacrificando. Não sabia dizer o porquê, mas aquela palavra me incomodou. Calcei os sapatos altos sozinha, vendo a criada sair discretamente.
Logo eu andava pelo corredor de braços dados com o príncipe herdeiro enquanto três guardas marchavam a nosso encalço. Nunca tinha passado por aquilo na vida. Nossos passos sobre o piso eram firmes, amedrontadores. Não sabia como as outras Selecionadas ainda estavam dormindo com todo aquele barulho.
me guiou pelas escadarias até a porta do castelo, onde mais guardas apareceram para nos proteger com seus corpos. Percebi que tremia levemente, chocada com tudo o que estava acontecendo. Ali, entrando na limusine real, com o príncipe ao meu lado e meia dúzia de guardas para nos proteger, eu percebi o que queria dizer com “sacrifício”. Eu não era princesa, talvez jamais me casasse com , mas eu era um alvo, eu era importante. Decidindo me aliar aos rebeldes nortistas, aos sulistas e a , eu me tornei poderosa e, consequentemente, perigosa.
Notei, já dentro do carro e com a porta fechada, que do lado de fora, aparecendo através da janela fosca pela película, o rei olhava para nós. Seu rosto era sério e sua postura digna de um soberano, ele parecia pensar, enquanto três homens cochichavam em seus ouvidos. O que será que Vossa Majestade Real pensava sobre mim?
- Está com frio? - o príncipe perguntou, me fazendo largar a paisagem para encará-lo. - Você está tremendo.
O carro arrancou, seguindo outros dois carros e sendo seguido por alguns mais. Eu sabia que os carros estavam lotados de homens armados prontos para algo que eu não estava. Onde íamos mesmo?
- Não. - respondi sem jeito, deixando ele tirar suas próprias conclusões.
O príncipe me olhou curioso, mas logo percebeu do que se tratava minha leve tremedeira. Ele assentiu e, depois de alguns segundos, segurou minha mão forte.
- Desculpe, . Nada do que eu pensei para nós se assemelhava a isso. Eu realmente não cogitei essa hipótese em momento algum. - ele comentou, mantendo os olhos fixos no banco à frente. tinha razão, mesmo que ficássemos juntos, eu não podia nos imaginar em um carro, na calada da noite, indo encontrar a líder de uma organização gigantesca para pedir apoio em uma guerra.
Concordei lentamente, sentindo meu corpo relaxar com a mão de ainda sobre a minha. Pelo menos, ali, ele parecia estar ao meu lado. Continuei a fitar a janela, vendo a paisagem da capital passar escura pelo outro lado do vidro, até a vegetação da região mais distante do centro substituir as edificações. Estávamos indo longe.
- ?
- Sim?
- Você pode me explicar exatamente o que está acontecendo? Por que vamos dar início a guerra? Por que de repente ficamos sem tempo?
Ele me olhou e sorriu. Um sorriso discreto, que, por um segundo, me mostrou que tudo poderia ficar bem.
- Descobrimos, graças a sua ajuda, que os rebeldes sulistas estão se preparando para nos atingir. Destruir tudo e todos, sem olhar o que está no caminho. Eles não estão mais preocupados em apenas nos desacreditar, eles têm novos planos. - ele olhou para frente, como se quisesse evitar contato comigo, apesar de ainda manter a mão sobre a minha. - Aquele homem, , admitiu que tinha permissão para fazer tantas coisas com você. - os olhos do príncipe perderam o foco por um segundo, escurecendo com a raiva.
- Ele queria me matar? - fiquei confusa, enquanto estava naquele quarto eu tinha certeza que não iria morrer.
- Não. O chefe deles queria você viva. Mas ele tinha permissão para machucá-la o quanto quisesse para saber tudo sobre os rebeldes nortistas. Você não entende… Sua mentira a salvou.
Fiquei em silêncio.
- Quando descobrimos sobre os futuros ataques, precisei contar para meu pai e para os assessores sobre Serena, precisei contar tudo o que vínhamos fazendo. Como sabíamos que o prisioneiro acabaria morrendo...
- Vocês me usaram como isca. - senti minha voz fraquejar.
- Fomos obrigados. Eu sinto muito mesmo, mas isso nos dará tempo para reagir, os rebeldes sulistas não sabem que descobrimos seus planos. Justificamos o sumiço do homem e, bem, o fato de você não ter sido torturada. Então, contando com a nossa vantagem, decidimos acabar de vez com os rebeldes sulistas. Não será uma guerra limpa, .
queria uma resposta, mas eu não tinha. Apesar de concordar que era uma estratégia justificável, não conseguia acreditar no problema que tinha em mãos. Não tinha noção do perigo que corria. E, apesar de não gostar dos rebeldes do sul e tê-los, pelo menos em segredo, como inimigos, eu não sabia se queria aniquilá-los.
- Dito isso, conversei com Serena. Contei para ela sobre nossos planos e decisões, mas é perigoso falar demais, até mesmo por carta. Por isso, marcamos um encontro para discutir estratégias, se ela decidir ser nossa aliada.
- E onde eu entro nisso?
- Serena gosta de você. Eu tenho medo por você. E sinceramente? Os assessores querem você por perto, acho que eles perceberam o tamanho do poder que lhe deram. Afinal você tem os rebeldes nortistas e sulistas como possíveis aliados, sabe muitos dos segredos da coroa e é uma plebeia. Apesar de ser uma Três, você ainda é mais do povo do que qualquer um no poder.
- Eles têm medo que eu faça um golpe de estado.
- Se eles soubessem que seu sonho é fugir por essa porta e nunca mais olhar para mim ou minha coroa… - riu amargo.
- Se eles me conhecessem, saberiam que eu jamais faria algo para prejudicar o governo. - disse, esperando ser o suficiente. Sabia que queria que eu negasse suas palavras, mas era impossível.
Olhei para fora, evitando encarar o homem ao meu lado. Respirei fundo, várias vezes. Eu não conseguia pensar em como tinha parado ali, qual foi a sequência de acontecimentos que me deixaram naquela situação? Será que minha mãe tinha noção no que havia me metido? E Vic? Minha irmã sentiria medo por mim?
Logo estávamos reduzindo a velocidade, entrando em uma fazenda remota, longe de qualquer civilização. Uma casa grande, com as luzes apagadas e cinco homens de guarda, foram o suficiente para atrair toda a minha atenção. Principalmente porque os homens usavam terno.
- Senhorita. - um guarda me cumprimentou formalmente, abrindo a porta do carro e me oferecendo a mão para sair.
Aceitei, sentindo a brisa da noite balançar levemente meus cabelos. Respirei fundo, aproveitando por poucos segundos o ar da fazenda. Toda aquela situação era estranha demais para mim, por que tinha me feito usar aquela roupa se estávamos indo para aquele lugar tão vazio?
- Está pronta? - o príncipe deu a volta no veículo e parou ao meu lado.
Era claro que eu não estava pronta. Estávamos indo para uma jaula de leões e eu realmente tinha dúvida se eles estavam com fome ou queriam brincar. Como eu podia digerir toda aquela história em alguns minutos?
- Estou. - respondi, vendo os guardas se organizarem, nos cercando. Caminhamos até a entrada da casa.
- O casal real aí - um dos guardas apontou para mim e . - e mais cinco homens. Apenas. - apesar do escuro, eu podia jurar que reconhecia o homem do esconderijo. - O resto pode ficar aqui fora.
- Tudo bem. - avisou, antes que qualquer um de seus homens pudesse protestar.
Começamos a subir os poucos degraus da entrada da casa lentamente, a tensão me fazia apertar o braço de involuntariamente, tentando transmitir ali o que eu sentia. Eu estava com medo. Serena era legal comigo e, apesar de já ter me causado problemas, nunca a considerei como uma inimiga, mas ali, eu chegava a duvidar de minha teoria.
- Serena pode não aceitar nosso acordo, mas ela jamais nos machucaria. - ele sussurrou em meu ouvido, querendo passar confiança. E assim que a porta foi aberta pelos homens, entramos.
A casa era simples e harmoniosa por dentro, não parecia nada com o esconderijo que eu havia visitado antes. Era decorada e aconchegante, beirando a tons pastéis, com sofás grandes e almofadas decoradas. As velas acesas davam uma impressão ainda mais acolhedora, deixando a luz fraca do fogo amenizar o clima.
- Boa noite! - Serena estava sentada em um dos sofás da sala de estar e se levantou quando nos viu, deixando um copo vazio em cima da mesinha de centro. - Que bom finalmente conhecê-lo, Alteza.
Caminhamos até ela, e, apesar do título, Serena não se curvou ao futuro rei, apenas lhe estendeu a mão. A qual aceitou sem parecer ofendido.
- É um prazer. Pena que aconteceu com tanta urgência.
- Nem me diga. Foi difícil vir até aqui em segredo. Mas tenho que admitir que foi uma ótima ideia! Jamais pensaria em idealizar um encontro entre os pombinhos. Por favor, sintam-se em casa. - ela apontou o sofá, rindo. Eu fiquei confusa no começo, mas então entendi. havia me usado de novo, ele não se preocupou em se esconder para ir até a fazenda, pois, para quem perguntasse, estávamos em um encontro fora do castelo. O que também explicava porque aquilo não parecia um esconderijo dos rebeldes, devia ser propriedade do príncipe.
- Você sabe que eu não conseguiria sair do castelo sem ser visto. Aqui foi um bom lugar.
- Claro. Tirando que estamos obedecendo tudo o que seus assessores querem.
- Eles estão do nosso lado.
- Eles podem ter sacrificado sua princesa, Alteza.
E a palavra de novo.
- não vai morrer.
Senti minha cabeça girar. Princesa?
- Você é ingênuo, sem ofensas.
- Eu armei minha própria armadilha. - afirmei. - Eu que fiz o sulista pensar que era uma de vocês.
- Mas não foi você que espalhou para todos, foi?
- Não tínhamos escolha. - rapidamente se defendeu.
- Admita, príncipe, que os assessores não estão do seu lado. Nobres, sedentos por poder que aceitam as ordens de seu pai, mas, no momento em que o rei cansar de governar um país em caos, você terá urubus em cima de sua coroa. Se você acha que seu plano será tão fácil assim, é ingênuo.
- Não sou ingênuo. Entendo o que quer dizer, mas não vejo outra opção para nenhum de nós, Serena. - o príncipe arrumou a postura. - Eu e meu pai iremos atrás de tropas e caçaremos os rebeldes sulistas. Seremos muitos para sermos enfrentados, inclusive se você se unir a eles; se os rebeldes não se curvarem a nós, serão aniquilados. Não temos mais condições de avaliar.
- Eu não me unirei a eles, porque acredito que você e eu buscamos as mesmas coisas. - ela me olhou rapidamente e depois voltou-se para o príncipe. - Entretanto, não acho que seus nobres concordem conosco. Eles veem um homem à beira do colapso em seu pai e, assim, uma chance de roubar a coroa. Ou você acha que toda a população vai aceitar essa ideia? Substituir o rei enquanto ele ainda está vivo é arriscado.
não respondeu, parecia que Serena tinha dito exatamente o que lhe incomodava.
- Nós não temos escolha. Se guardamos segredo da sociedade, seremos dedurados e perderá o amor do povo.
- Eu concordo com você, . Mas vamos admitir: não podemos acreditar totalmente naqueles homens. Principalmente você, já que eles foram muito bons provando que são capazes de usá-la.
- Eu.. - tentou falar.
- Agora não, príncipe. Vocês dois sabem que eu estou certa. corre risco de vida, tenho certeza que se algo der errado, vão matá-la, incluindo seus nobres, Alteza.
foi incapaz de negar.
- Por isso, eu tenho uma proposta. - Serena concluiu.
- Qual?
- Você será nossa princesa.
- O quê? - senti minha voz ficar mais aguda.
- Eu aceito lutar ao lado de vocês. Aceito seguir as estratégias de combate escolhidas pelo seu governo, considerando a segurança dos meus. Entretanto, com a condição de escolhê-la como princesa. Se é que já não escolheu.
Olhei para o príncipe sentado ao meu lado, mas ele apenas encarava a rebelde.
- Feito.
Prendi a respiração.
- Eu não me preocupo com sua parte nesse acordo, príncipe. Me preocupo com a dela.
Percebi que os dois me encaravam. Princesa. Princesa. Princesa. Olhei para , tentando realmente compreender se aquilo era um pedido de casamento. Se ele realmente tinha decidido. O príncipe apenas me encarava curioso, esperando para ouvir minha resposta.
- Eu tenho minhas condições. Se eu vou aceitar, preciso ter algumas certezas. - senti-me dizendo. Era como se parte de mim estivesse pensando naquilo o tempo todo, enquanto outra parecia apenas ocupada em entrar em desespero.
pareceu surpreso, mas Serena esboçou um enorme sorriso orgulhoso. Como nenhum dos dois expressou alguma opinião, decidi que deveria continuar.
- Eu quero sua proteção. Não quero de seus homens ou de guardas reais. Claro que mais homens são necessários, mas enquanto não estiver, eu e você vamos ter uma ligação direta. Vamos decidir juntas como lidar com os rebeldes sulistas.
- Tudo bem. - a rebelde nem precisou pensar.
- E mais uma coisa. - me virei diretamente para o príncipe. - Se você, seu pai ou qualquer nobre me usar mais uma única vez sem meu consentimento, eu vou fazer tudo o que vocês temem que eu faça. E a única opção para a salvação da monarquia será um tiro em meu peito.
ficou chocado e eu não podia culpá-lo. Mas eu já estava cansada daquilo. Cansada de usar um colar como símbolo sem saber, cansada de ser levada para a fazenda como se fosse um encontro romântico e, principalmente, cansada de ser moeda de troca.
- , eu… - ele parecia ferido.
- Eu sei que parece absurdo e é completamente imprudente, . Mas você não pode fazer mais nada sem me contar. Primeiro o colar, depois a carta e, como se não bastasse, me traz aqui para um encontro falso. Você está usando minha imagem como se estivesse tudo bem. Mas foi você quem decidiu que eu seria um símbolo de união com os rebeldes, foi você que decidiu que eu era capaz de ser uma espiã e foi você que decidiu que tudo bem contar para o país inteiro que eu aceito passeios noturnos. Não foi eu. E a partir de agora, eu só participo de coisas que eu decidir.
não respondeu, era como se minhas palavras lhe dessem um soco no estômago. Ele olhou para Serena, como se esperasse a palavra final.
- Então temos um acordo. Levando em conta isso, temos mais assuntos que eu gostaria de discutir.
E apesar de aérea, precisei prestar atenção nas estratégias de segurança entre e Serena, além de alguns detalhes sobre a guerra e o número de homens, mas o mais importante, precisei ficar atenta quando ela contou que Aurora, a garota de , era uma rebelde nortista e era oficialmente minha aliada na Seleção.
- Precisamos ir. - terminou o assunto. - precisa descansar.
Ah, então agora ele se preocupava comigo?
- Boa noite, Altezas. - Serena se levantou junto de , eu demorei um pouco mais para perceber o que deveria fazer. - E bem-vindos ao time.
apertou a mão da rebelde e esperou enquanto Serena me estendia os braços, me pedindo um abraço, apenas para cochichar em meu ouvido: “Eu sinto muito. Mas era o único jeito de manter o acordo pelo meu povo.”
- Não se preocupe. - sorri fraco pra ela. - Eu entendo.
Ela sorriu sem jeito. Saímos da casa pela mesma porta que entramos, mas não encostou em mim ou falou comigo. Eu sentia meu coração pesar a cada passo, atordoada por tudo o que eu assimilava. Mas foi apenas na metade do caminho que eu perdi a batalha interna que travava. As lágrimas caíram silenciosas pelo meu rosto, descendo até meu vestido. E apesar de eu tentar disfarçar, meu corpo tremia tentando segurar o choro, alertando sentado na outra janela.
- , você está chorando?
Neguei com a cabeça, mas era óbvio que eu estava.
- Eu ficarei bem. - afirmei. Secando as lágrimas que ainda escorriam.
- Eu concordo com o que você disse lá dentro, sobre tomar decisões por você. Prometo não fazer mais isso.
- Mas você ia fazer, não ia? Se não fosse por Serena, você ia decidir casar comigo sozinho.
- Achei que já tínhamos falado sobre isso. Você disse que aceitaria se eu lhe escolhesse.
As lágrimas voltaram.
- Você tem razão, mas eu jamais achei que seria assim. Jamais achei que nosso casamento pudesse custar uma aliança, um acordo.
- Achei que você pudesse gostar, pelo menos não é apenas pelas pesquisas.
Sorri irônica.
- Claro, ver meu futuro sendo decidido no meio da madrugada por uma rebelde é realmente gratificante.
- Nós vamos dar um jeito nisso, . Não precisamos nos casar agora, podemos esperar a guerra…
- Você pretende manter a Seleção e a guerra ao mesmo tempo?
- Eu não sei. Eu não posso decidir tudo, . E mesmo se eu quisesse, não sou capaz. Eu sei que você não merece isso, nada do que passou é culpa sua e eu pretendo gratifica-la por isso pelo resto das nossas vidas. Mas, por favor, não espere que eu resolva tudo ao mesmo tempo, porque eu não vou conseguir.
Ele tinha razão. Eu não podia esquecer que também não queria passar por tudo aquilo. A raiva dos rebeldes sulistas não era culpa dele, na realidade, Serena estar ali para me proteger era uma dádiva, uma dádiva que ele conquistou.
- Sabe… Veja pelo lado positivo, você não precisa mais se preocupar em achar uma noiva. - sorri sem jeito.
***
Quando acordei na manhã seguinte, o sol brilhava atrás das cortinas fechadas e Elise silenciosamente arrumava alguns vestidos recém lavados em meu armário.
- Bom dia, Elise. - falei, vendo-a sorrir.
- Bom dia, senhorita . Dormiu bem?
- Dormi. Mas que horas são? Por que não me acordou? - perguntava apenas curiosa, não havia nenhuma reclamação em minha voz.
- O príncipe mandou um recado para nós, avisando que você tinha permissão para dormir até quando fosse necessário. Já passamos do almoço, senhorita. Parece que você colocou o sono em dia. - ela sorriu, fechando a porta do móvel.
- Passamos do almoço? Então as meninas já foram?
- Sim. Saíram logo após o café da manhã.
- Entendo. - não sabia como me sentia por não ter me despedido.
- Se me permite dizer, senhorita. A rainha também já partiu. O rei sai em minutos com alguns assessores. E os príncipes saem na hora do café da tarde.
Assenti para Elise que claramente me avisava que se eu quisesse me despedir do príncipe teria que me apressar. Mas a questão era que eu não queria, não estava brava com , apenas não queria enfrentar a realidade que custei a esquecer chorando naquela cama sozinha na noite anterior.
Entretanto, eu sabia que era meu dever. Eu deveria me despedir do príncipe como Selecionada, mas o mais importante, como a futura noiva que eu sabia que era.
- Vou tomar um banho rápido, Elise. Pode, por favor, preparar para mim?
- Claro, senhorita. Chamarei Meri para ajudar a arrumá-la, Cleo ainda precisa de descanso. O que acha?
- Seria incrível.
Elise assentiu e foi preparar o banho antes de sair atrás da outra. Enquanto esperava pude me olhar no espelho, assustando-me com o reflexo; meus olhos inchados por causa do choro eram impossíveis de serem ignorados.
- Obrigada, Elise. - falei enquanto entrava na banheira e a via sair corredor a fora.
Como eu não tinha muito tempo, saí do banho assim que as meninas chegaram, tentando dar mais tempo para a maquiagem. Precisava disfarçar as bolsas em volta dos olhos. Cleo resolveu se juntar a nós, e apesar de não poder trabalhar, insistiu para colocar bolsa de água quente em meus olhos enquanto Meri secava meu cabelo.
***
Depois da maquiagem e do cabelo, eu estava pronta. O vestido leve escolhido para aparecer na despedida do príncipe - que seria televisionada para o público - deixava-me graciosa, sua saia parecia voar a cada passo meu. Saí do quarto sem contar a novidade para minhas amigas, temendo pelo momento em que tudo se tornasse realidade. Não estava pronta para lidar com aquilo no momento e não sabia até que ponto podia compartilhar sobre a guerra com elas.
Fui a última a chegar no heliporto do palácio, apesar dos passos rápidos, eu estava claramente atrasada. Entretanto, não estava lá, apenas as Selecionadas restantes conversavam em uma roda ao lado do helicóptero.
- O que aconteceu? – perguntei, me aproximando das mesmas, estranhando o movimento. As meninas estavam todas em volta de Aurora, conversando agitadas. - Vocês estão bem?
- Ele me pediu em namoro! - Aurora estava incrivelmente sorridente quando saiu do meio das meninas, mostrando uma aliança fininha, rodeada de pequenos e verdadeiros cristais no dedo.
- Mas como? - eu não consegui entender de imediato, até que estranhamente a menina me abraçou.
- Obrigada, . Agora que a escolheu, pode oficializar. - Aurora cochichou em meu ouvido, sua voz estava tão baixa que cheguei a duvidar do que eu tinha ouvido.
- Eu…
Aurora me encarou, soltando nosso abraço, como se me avisasse para cuidar com as palavras. Entendia o que ela queria dizer, ninguém, além dela, sabia sobre a decisão do herdeiro.
- Parabéns, Aurora, estou muito feliz por vocês! - preferi dizer, deixando as dúvidas de lado no momento.
- Muito obrigada! Eu estou nas nuvens!
E logo as meninas voltaram a comentar sobre o novo casal, curiosas para saber como aquilo tinha acontecido. Eu também estava confusa, sabia sobre os sentimentos de , mas como aquilo tinha se tornado real tão rapidamente? Como ele descobriu sobre os sentimentos da Selecionada?
- Está pronto, irmão? - escutamos mais ao fundo, sua voz vinda de dentro do castelo.
As Selecionadas prontamente se arrumaram lado a lado, me fazendo ficar por último na fila que esperava ansiosa pelo príncipe. Anne ficou ao meu lado e me encarava pelo canto do olho, apesar de discreta, eu sabia que estava sendo observada.
- O que foi? - perguntei baixo para Anne, antes que o príncipe chegasse até nós, já que o mesmo havia parado para falar com o responsável pelas câmeras.
- Nada. Desculpe.
Havia algo errado com Anne, será que ela estava preocupada com meu sumiço durante a manhã? havia dado alguma desculpa por mim? Ou eu teria que inventar algo quando perguntassem? Bem, logo eu descobriria.
finalmente parou, olhando em nossa direção e dando um sorriso discreto. Ao lado do irmão e usando o terno mais bonito e cheio de medalhas que eu já tinha visto, parecia realmente um príncipe. Eu podia jurar que um ar nobre e elegante rodeava aqueles dois. O terno azul, engomado e preso ao corpo, parecia ter sido costurado naquela manhã, após medir precisamente todos os seus músculos depois do último treino de academia, para garantir que nada estaria fora do lugar. Se eu não estivesse ali e sim vendo pela TV diria que era tudo edição de imagem.
- Boa tarde, senhoritas. Como vão? Quero agradecer a presença de todas nesse momento e dizer mais uma vez que lamento deixá-las agora, mas o país precisa de mim. Acredito que voltarei em poucos dias e sei que vocês estarão em ótimas mãos aqui no castelo. - parecia tranquilo, como se tudo aquilo fosse muito normal para ele. Não sabia quantas vezes o príncipe havia viajado planejando uma guerra, mas acreditava que não muitas. - Sem mais delongas, gostaria de dar a palavra ao meu irmão, o príncipe . Ele tem boas notícias para todos. - olhou para , o qual parecia incrivelmente calmo. Apesar de nunca ter visto o príncipe mais novo falando diretamente para as câmeras, tirando em alguma entrevista casual, ele parecia pronto para os holofotes.
- Obrigado, irmão. - ele disse, dando um passo à frente em direção a câmera mais próxima. - Boa tarde a todos que estão nos assistindo e boa tarde às Selecionadas. Sei que isso não é típico, mas claramente nada nessa Seleção parece ser. - ele deu um risinho, sendo acompanhado por e por nós. - Estou aqui para anunciar, com a bênção de meu irmão, o início de meu namoro com a Selecionada Aurora Stlander.
Eu não esperava por aquilo. Era óbvio que falaria se fosse algo que dizia apenas ao seu respeito, mas jamais havia passado pela minha cabeça um anúncio oficial como aquele, pelo menos não tão cedo. Será que sabia que Aurora era uma rebelde? Uma aliada, mas ainda sim, rebelde.
Aurora sorria de orelha a orelha quando caminhou até o lado do namorado, saindo do seu lugar na fila, para aparecer junto na filmagem. Seus dedos se entrelaçaram nos do príncipe e apesar do salto alto, a menina pode descansar discretamente sua cabeça no ombro do rapaz.
- Sei que é contra as regras, mas foi muito claro em sua liberdade. Ele já tem uma Selecionada escolhida, já sabe para quem seu coração segue. Sendo assim, eu não podia deixar de seguir o meu. Espero que todos estejam felizes por nós e entendam as circunstâncias. Devido a viagem, Aurora continuará como uma Selecionada e passará os dias ao lado das amigas, mas não concorre mais pelo coração do meu irmão. Acredito que ela, na verdade, tenha encontrado o que procurava. - olhou para Aurora, beijando sua testa e deixando a menina incrivelmente feliz, dava para ver que ela estava apaixonada. - Muito obrigado pela atenção.
Todas nós aplaudimos e demos gritinhos de felicidade por Aurora. Apesar de ter falado muito pouco com a Selecionada Stlander, eu estava genuinamente feliz por ela e .
- Ótimo discurso, irmão. - lhe deu um tapinha nas costas. - Agora, senhoritas, lamento dizer que chegamos na parte de dar adeus.
foi de Selecionada em Selecionada, beijando mãos e dando pequenos abraços, despedindo-se de suas mulheres. Apesar de ele ser breve com todas e apenas trocar poucas palavras, cheguei a cogitar a ideia de ele estar apaixonado por alguma delas. Será que realmente não tinha encontrado sua preferida entre nós? Será que ele estava me escolhendo por causa da guerra e deixando um possível amor para trás? Será mesmo que ele não tinha se apaixonado igual o irmão?
ficou ao lado de Aurora, aproveitando seus últimos minutos com a moça. Estava claro que os dois se gostavam, eu só me perguntava o quanto aquilo duraria e como aconteceu tão rápido.
- … Que bom que veio. - disse quando chegou minha vez de se despedir.
- Obrigada por me deixar dormir.
- Você merecia. - ele sorriu sem jeito, ficando sério em seguida. - Eu sei que não estamos na melhor situação e que eu não deveria sair agora, mas…
- Não se preocupe. Nós sabemos nos virar sem você. - sorri tímida, tentando descontrair ao máximo o clima. As meninas não podiam nos ouvir, mas eu ainda não estava pronta para aquele tipo de conversa.
- Claro que sabem. Mesmo assim, sinto muito por deixá-la justamente agora. Eu gostaria de conversar e…
- Nós teremos tempo, Alteza. Acredito que o povo já tenha um casal para se animar.
- Tudo bem. - ele assentiu, parecendo aceitar minha relutância em falar no assunto. - Estou feliz por eles.
- Eu também. Parecem felizes.
- Então… Até mais, .
me envolveu em seus braços, seu cheiro era incrível e eu percebi que não queria soltá-lo quando o príncipe se afastou. Nada naquele abraço fazia sentido, como eu não havia sentido seu cheiro antes? Ou notado como meu rosto se encaixava certinho em seu peito? E os braços fortes que podiam ser tão delicados… Eu já o havia abraçado pelo menos uma vez, não?
- , por favor, se cuide.
- Eu vou. Mas só se você prometer fazer o mesmo.
- Eu prometo. Estarei aqui quando voltar. Boa sorte!
***
O resto do dia seria sem aulas devido à preparação de Mariee para tomar conta de parte do castelo. Por isso, após a decolagem dos helicópteros, as Selecionadas resolveram se unir no Salão das Mulheres para ver o que falariam sobre e Aurora na TV.
Eu estava com medo de ver aquela reportagem, estava com medo de ver como a mídia podia fantasiar e opinar sobre um casal real.
- Boa tarde a todos os telespectadores, como vão? - apesar de ser um programa aprovado pelo governo, não era Cornelius que apresentava, e sim um homem de cabelos no ombro e barba bem feita. - Hoje será um dia quente por aqui! Como lembram, ainda estamos em votação para tentar adivinhar quem é a escolhida do príncipe , entretanto posso afirmar para vocês que a senhorita Aurora Stlander não é essa mulher. Querem entender o que eu estou dizendo? Então assistam o programa!
As várias tomadas no castelo mostravam a saída do rei e da rainha, que pareciam orgulhosos e felizes subindo em seus helicópteros. Eu diria que ambos estavam indo para um evento de gala beneficente e não indo negociar uma guerra, ficava imaginando o que as pessoas em casa pensariam. O que será que minha familia pensaria?
Mas foi quando e apareceram na tela que nossas respirações falharam, todas ansiosas pelo que estava por vir. O discurso foi lindo, Aurora estava magnífica na televisão e eu realmente acreditava que aqueles dois estavam apaixonados apenas pela forma que sorriam. , ao lado do irmão, sorria verdadeiramente satisfeito, dava para ver que ele estava feliz pelo irmão e isso só o deixava mais bonito no seu terno cheio de medalhas, ali ele parecia mais nobre e ou mesmo tempo mais humano.
Eu me casarei com aquele homem. Apesar de saber que a cena estava sendo reprisada inúmeras vezes para o apresentador fazer seus comentários sobre o novo casal real, eu só conseguia prestar atenção em . e sua postura elegante, seu sorriso doce, seus músculos… Eu conseguia até lembrar de seu cheiro e da sensação que era estar em seus braços. Ali, pela primeira vez desde a Seleção, eu tinha parado para observar o príncipe como um pretendente. Talvez, porque naquele momento era exatamente aquilo que ele era.
Percebi que havia tentado evitar sequer a gostar de , pois eu estava com medo de realmente amá-lo. Mas o que eu faria agora que amá-lo seria uma salvação para mim?
Naquele momento, enquanto via todas as Selecionadas remanescentes empolgadas com o programa, me perguntei se realmente tinha prestado atenção na Seleção, prestado atenção nas meninas ali presentes. O quanto eu conhecia Aurora? Ou Samantha? Ou até mesmo Anne? Até que ponto eu vivi a Seleção? Será que o fato de lidar com os rebeldes e conhecer o príncipe de maneira nada romântica me fez fugir do que aquela competição realmente significava?
- , você está bem? - Anne chamou minha atenção.
- Eu… - parei para pensar. - Eu acho que não participei de Seleção.
- Como? O que quer dizer?
- Quero dizer que eu acabei de perceber que vou me casar com um homem que nem cheguei a tentar conhecer. Eu nunca sequer tentei, Anne.
Percebi que havia falado demais, mas minha cara assustada só fez Anne sorrir. Ela não parecia surpresa ou chocada, ela parecia contente. Mas o que isso significava? O que Anne sabia que eu não? Como podia? Ela era uma rebelde?
- Vem, vamos conversar.
- Como você soube?
- Gostaria de dar uma volta pelo jardim?
Concordei com o convite e saí do Salão das Mulheres acompanhada da minha melhor amiga dentro do castelo. As outras garotas nos encaravam brevemente, nada era mais interessante que a televisão naquele momento.
- Como você soube? - repeti a pergunta no momento em que os guardas fecharam a porta do castelo atrás de nós.
- O Príncipe me contou.
- ?
- Sim, .
- Mas como…?
- Deixe-me explicar… - e então Anne me contou que só estava na Seleção porque tinha criado uma amizade com o príncipe. , perdido e sem saber o que fazer, encontrou em Anne um apoio dentro da Seleção e, o mais importante, alguém próximo de mim. Sendo assim, Anne sabia sobre tudo. Sabia sobre os rebeldes nortistas e sulistas; sabia sobre Serena, sobre o casamento e sobre o atentado devido ao colar. Sabia que eu tinha tido uma crise de pânico e descobriu tudo sobre o ataque. Basicamente, ela e conversavam sobre tudo relacionado a Seleção e, consequentemente, relacionado a mim. - Por favor, não fique chateada comigo. Eu juro que não contei nada do que você já dividiu comigo. Foram apenas minhas opiniões. - ela parecia realmente com medo.
E então eu fiz o comentário mais surpreendente de todos.
- O príncipe fala francês afinal.
Fiz Anne gargalhar. Seu riso me fez rir também, apesar de estranho, estava feliz em ter uma amiga com quem falar sobre tudo o que estava acontecendo.
- Ele é muito bom, na realidade. - ela falou entre as risadas. - Não está brava?
- Acho que não. Quero dizer, vocês podem conversar sobre o que quiserem.
- Obrigada. Eu realmente não queria magoar você.
Sorri.
- Você quer me explicar o que disse lá dentro? - ela perguntou.
- Eu não sei bem como explicar. Eu estava tão ocupada entre os rebeldes que não cheguei a tentar algo com o príncipe.
- Todos nós percebemos isso, . Qualquer menina aqui sabe que se você se esforçasse, já seria princesa.
- Isso não é verdade.
- É sim, as pessoas comentam, . E leem revista, algo que acho que você não chegou a prestar muita atenção. As meninas estão se divertindo aqui e tentando conseguir o amor do príncipe, porque no resto não tem competição. Você precisa ver o que Aurora escuta, ou bem, escutava… As pessoas acabam se abrindo com ela.
- Aurora? Você e Aurora são amigas?
- Somos. Quero dizer, a gente conversa… Ela é bem boa em francês, aprendeu para ser uma Selecionada… Sabe, ela precisava passar porquê…
- É uma rebelde. Isso ainda é estranho para mim. Tudo isso é, não fazia ideia que você sabia de tantas coisas. Por que nunca me contou?
- Eu não achava certo. Você parecia querer seu espaço.
- Eu acho que queria mesmo… Acho que estava com tanto medo de chegar onde eu estou agora. - ri fraco.
- E agora que chegou, é assustador?
- Sinceramente? Muito assustador! Mas, eu não sei, vi com outros olhos essa manhã.
- Quer dizer que você decidiu “participar” da Seleção exatamente quando o príncipe não está aqui?
Não consegui responder, porque, de repente, ouvimos Aurora nos chamando na entrada do castelo. Ela balançava os braços querendo chamar nossa atenção. Seu grito era abafado pela distância.
- O que será que aconteceu?
Voltamos para o castelo andando o mais rápido que era permitido fazer com elegância, para descobrir que Aurora estava empolgada porque haviam anunciado a ganhadora da votação que se iniciou no Jornal Oficial. Mal eu sabia, que aquela votação mudaria tudo.
- A ganhou a votação. Com mais de 80% dos votos! - ela parecia muito feliz, mas era a única que havia saído do Salão das Mulheres para nos dar a notícia.
- E as outras? - perguntei, temendo, talvez pela primeira vez, o que aquela competição podia fazer comigo.
- Elas vão sobreviver.
- Precisamos mostrar poder. - ele deu de ombros, justificando a roupa, quando me viu sair do banheiro, claramente confusa. - E eu gosto de você nele.
Assenti, tentando sorrir. Eu ainda não havia absorvido tudo o que estava acontecendo, meu corpo trabalhava no automático, agindo rápido para não ser um problema para todas as pessoas que pareciam esperar pelo príncipe e por mim.
- … - me chamou, me fazendo tirar os olhos do espelho para encará-lo. Com uma expressão engraçada de culpa, ele me mostrava o colar azul que Serena tinha pedido para usar. - Eu sei que não é exatamente a melhor escolha, mas vamos ver Serena e…
Respirei fundo. Ele tinha razão, aquele colocar indicava nossa aliança com os rebeldes do norte e nada mais correto do que eu ir encontrá-los usando-o.
- Espero que entenda, Alteza, que faço isso pelo meu país e não por você. - falei, pegando o colar de sua mão e colocando-o no pescoço.
- Eu sei. Eu realmente sinto muito pelo colar, . E agradeço imensamente em nome do país seu sacrifício.
Sacrifício. Era isso que eu estava fazendo então? Eu estava me sacrificando. Não sabia dizer o porquê, mas aquela palavra me incomodou. Calcei os sapatos altos sozinha, vendo a criada sair discretamente.
Logo eu andava pelo corredor de braços dados com o príncipe herdeiro enquanto três guardas marchavam a nosso encalço. Nunca tinha passado por aquilo na vida. Nossos passos sobre o piso eram firmes, amedrontadores. Não sabia como as outras Selecionadas ainda estavam dormindo com todo aquele barulho.
me guiou pelas escadarias até a porta do castelo, onde mais guardas apareceram para nos proteger com seus corpos. Percebi que tremia levemente, chocada com tudo o que estava acontecendo. Ali, entrando na limusine real, com o príncipe ao meu lado e meia dúzia de guardas para nos proteger, eu percebi o que queria dizer com “sacrifício”. Eu não era princesa, talvez jamais me casasse com , mas eu era um alvo, eu era importante. Decidindo me aliar aos rebeldes nortistas, aos sulistas e a , eu me tornei poderosa e, consequentemente, perigosa.
Notei, já dentro do carro e com a porta fechada, que do lado de fora, aparecendo através da janela fosca pela película, o rei olhava para nós. Seu rosto era sério e sua postura digna de um soberano, ele parecia pensar, enquanto três homens cochichavam em seus ouvidos. O que será que Vossa Majestade Real pensava sobre mim?
- Está com frio? - o príncipe perguntou, me fazendo largar a paisagem para encará-lo. - Você está tremendo.
O carro arrancou, seguindo outros dois carros e sendo seguido por alguns mais. Eu sabia que os carros estavam lotados de homens armados prontos para algo que eu não estava. Onde íamos mesmo?
- Não. - respondi sem jeito, deixando ele tirar suas próprias conclusões.
O príncipe me olhou curioso, mas logo percebeu do que se tratava minha leve tremedeira. Ele assentiu e, depois de alguns segundos, segurou minha mão forte.
- Desculpe, . Nada do que eu pensei para nós se assemelhava a isso. Eu realmente não cogitei essa hipótese em momento algum. - ele comentou, mantendo os olhos fixos no banco à frente. tinha razão, mesmo que ficássemos juntos, eu não podia nos imaginar em um carro, na calada da noite, indo encontrar a líder de uma organização gigantesca para pedir apoio em uma guerra.
Concordei lentamente, sentindo meu corpo relaxar com a mão de ainda sobre a minha. Pelo menos, ali, ele parecia estar ao meu lado. Continuei a fitar a janela, vendo a paisagem da capital passar escura pelo outro lado do vidro, até a vegetação da região mais distante do centro substituir as edificações. Estávamos indo longe.
- ?
- Sim?
- Você pode me explicar exatamente o que está acontecendo? Por que vamos dar início a guerra? Por que de repente ficamos sem tempo?
Ele me olhou e sorriu. Um sorriso discreto, que, por um segundo, me mostrou que tudo poderia ficar bem.
- Descobrimos, graças a sua ajuda, que os rebeldes sulistas estão se preparando para nos atingir. Destruir tudo e todos, sem olhar o que está no caminho. Eles não estão mais preocupados em apenas nos desacreditar, eles têm novos planos. - ele olhou para frente, como se quisesse evitar contato comigo, apesar de ainda manter a mão sobre a minha. - Aquele homem, , admitiu que tinha permissão para fazer tantas coisas com você. - os olhos do príncipe perderam o foco por um segundo, escurecendo com a raiva.
- Ele queria me matar? - fiquei confusa, enquanto estava naquele quarto eu tinha certeza que não iria morrer.
- Não. O chefe deles queria você viva. Mas ele tinha permissão para machucá-la o quanto quisesse para saber tudo sobre os rebeldes nortistas. Você não entende… Sua mentira a salvou.
Fiquei em silêncio.
- Quando descobrimos sobre os futuros ataques, precisei contar para meu pai e para os assessores sobre Serena, precisei contar tudo o que vínhamos fazendo. Como sabíamos que o prisioneiro acabaria morrendo...
- Vocês me usaram como isca. - senti minha voz fraquejar.
- Fomos obrigados. Eu sinto muito mesmo, mas isso nos dará tempo para reagir, os rebeldes sulistas não sabem que descobrimos seus planos. Justificamos o sumiço do homem e, bem, o fato de você não ter sido torturada. Então, contando com a nossa vantagem, decidimos acabar de vez com os rebeldes sulistas. Não será uma guerra limpa, .
queria uma resposta, mas eu não tinha. Apesar de concordar que era uma estratégia justificável, não conseguia acreditar no problema que tinha em mãos. Não tinha noção do perigo que corria. E, apesar de não gostar dos rebeldes do sul e tê-los, pelo menos em segredo, como inimigos, eu não sabia se queria aniquilá-los.
- Dito isso, conversei com Serena. Contei para ela sobre nossos planos e decisões, mas é perigoso falar demais, até mesmo por carta. Por isso, marcamos um encontro para discutir estratégias, se ela decidir ser nossa aliada.
- E onde eu entro nisso?
- Serena gosta de você. Eu tenho medo por você. E sinceramente? Os assessores querem você por perto, acho que eles perceberam o tamanho do poder que lhe deram. Afinal você tem os rebeldes nortistas e sulistas como possíveis aliados, sabe muitos dos segredos da coroa e é uma plebeia. Apesar de ser uma Três, você ainda é mais do povo do que qualquer um no poder.
- Eles têm medo que eu faça um golpe de estado.
- Se eles soubessem que seu sonho é fugir por essa porta e nunca mais olhar para mim ou minha coroa… - riu amargo.
- Se eles me conhecessem, saberiam que eu jamais faria algo para prejudicar o governo. - disse, esperando ser o suficiente. Sabia que queria que eu negasse suas palavras, mas era impossível.
Olhei para fora, evitando encarar o homem ao meu lado. Respirei fundo, várias vezes. Eu não conseguia pensar em como tinha parado ali, qual foi a sequência de acontecimentos que me deixaram naquela situação? Será que minha mãe tinha noção no que havia me metido? E Vic? Minha irmã sentiria medo por mim?
Logo estávamos reduzindo a velocidade, entrando em uma fazenda remota, longe de qualquer civilização. Uma casa grande, com as luzes apagadas e cinco homens de guarda, foram o suficiente para atrair toda a minha atenção. Principalmente porque os homens usavam terno.
- Senhorita. - um guarda me cumprimentou formalmente, abrindo a porta do carro e me oferecendo a mão para sair.
Aceitei, sentindo a brisa da noite balançar levemente meus cabelos. Respirei fundo, aproveitando por poucos segundos o ar da fazenda. Toda aquela situação era estranha demais para mim, por que tinha me feito usar aquela roupa se estávamos indo para aquele lugar tão vazio?
- Está pronta? - o príncipe deu a volta no veículo e parou ao meu lado.
Era claro que eu não estava pronta. Estávamos indo para uma jaula de leões e eu realmente tinha dúvida se eles estavam com fome ou queriam brincar. Como eu podia digerir toda aquela história em alguns minutos?
- Estou. - respondi, vendo os guardas se organizarem, nos cercando. Caminhamos até a entrada da casa.
- O casal real aí - um dos guardas apontou para mim e . - e mais cinco homens. Apenas. - apesar do escuro, eu podia jurar que reconhecia o homem do esconderijo. - O resto pode ficar aqui fora.
- Tudo bem. - avisou, antes que qualquer um de seus homens pudesse protestar.
Começamos a subir os poucos degraus da entrada da casa lentamente, a tensão me fazia apertar o braço de involuntariamente, tentando transmitir ali o que eu sentia. Eu estava com medo. Serena era legal comigo e, apesar de já ter me causado problemas, nunca a considerei como uma inimiga, mas ali, eu chegava a duvidar de minha teoria.
- Serena pode não aceitar nosso acordo, mas ela jamais nos machucaria. - ele sussurrou em meu ouvido, querendo passar confiança. E assim que a porta foi aberta pelos homens, entramos.
A casa era simples e harmoniosa por dentro, não parecia nada com o esconderijo que eu havia visitado antes. Era decorada e aconchegante, beirando a tons pastéis, com sofás grandes e almofadas decoradas. As velas acesas davam uma impressão ainda mais acolhedora, deixando a luz fraca do fogo amenizar o clima.
- Boa noite! - Serena estava sentada em um dos sofás da sala de estar e se levantou quando nos viu, deixando um copo vazio em cima da mesinha de centro. - Que bom finalmente conhecê-lo, Alteza.
Caminhamos até ela, e, apesar do título, Serena não se curvou ao futuro rei, apenas lhe estendeu a mão. A qual aceitou sem parecer ofendido.
- É um prazer. Pena que aconteceu com tanta urgência.
- Nem me diga. Foi difícil vir até aqui em segredo. Mas tenho que admitir que foi uma ótima ideia! Jamais pensaria em idealizar um encontro entre os pombinhos. Por favor, sintam-se em casa. - ela apontou o sofá, rindo. Eu fiquei confusa no começo, mas então entendi. havia me usado de novo, ele não se preocupou em se esconder para ir até a fazenda, pois, para quem perguntasse, estávamos em um encontro fora do castelo. O que também explicava porque aquilo não parecia um esconderijo dos rebeldes, devia ser propriedade do príncipe.
- Você sabe que eu não conseguiria sair do castelo sem ser visto. Aqui foi um bom lugar.
- Claro. Tirando que estamos obedecendo tudo o que seus assessores querem.
- Eles estão do nosso lado.
- Eles podem ter sacrificado sua princesa, Alteza.
E a palavra de novo.
- não vai morrer.
Senti minha cabeça girar. Princesa?
- Você é ingênuo, sem ofensas.
- Eu armei minha própria armadilha. - afirmei. - Eu que fiz o sulista pensar que era uma de vocês.
- Mas não foi você que espalhou para todos, foi?
- Não tínhamos escolha. - rapidamente se defendeu.
- Admita, príncipe, que os assessores não estão do seu lado. Nobres, sedentos por poder que aceitam as ordens de seu pai, mas, no momento em que o rei cansar de governar um país em caos, você terá urubus em cima de sua coroa. Se você acha que seu plano será tão fácil assim, é ingênuo.
- Não sou ingênuo. Entendo o que quer dizer, mas não vejo outra opção para nenhum de nós, Serena. - o príncipe arrumou a postura. - Eu e meu pai iremos atrás de tropas e caçaremos os rebeldes sulistas. Seremos muitos para sermos enfrentados, inclusive se você se unir a eles; se os rebeldes não se curvarem a nós, serão aniquilados. Não temos mais condições de avaliar.
- Eu não me unirei a eles, porque acredito que você e eu buscamos as mesmas coisas. - ela me olhou rapidamente e depois voltou-se para o príncipe. - Entretanto, não acho que seus nobres concordem conosco. Eles veem um homem à beira do colapso em seu pai e, assim, uma chance de roubar a coroa. Ou você acha que toda a população vai aceitar essa ideia? Substituir o rei enquanto ele ainda está vivo é arriscado.
não respondeu, parecia que Serena tinha dito exatamente o que lhe incomodava.
- Nós não temos escolha. Se guardamos segredo da sociedade, seremos dedurados e perderá o amor do povo.
- Eu concordo com você, . Mas vamos admitir: não podemos acreditar totalmente naqueles homens. Principalmente você, já que eles foram muito bons provando que são capazes de usá-la.
- Eu.. - tentou falar.
- Agora não, príncipe. Vocês dois sabem que eu estou certa. corre risco de vida, tenho certeza que se algo der errado, vão matá-la, incluindo seus nobres, Alteza.
foi incapaz de negar.
- Por isso, eu tenho uma proposta. - Serena concluiu.
- Qual?
- Você será nossa princesa.
- O quê? - senti minha voz ficar mais aguda.
- Eu aceito lutar ao lado de vocês. Aceito seguir as estratégias de combate escolhidas pelo seu governo, considerando a segurança dos meus. Entretanto, com a condição de escolhê-la como princesa. Se é que já não escolheu.
Olhei para o príncipe sentado ao meu lado, mas ele apenas encarava a rebelde.
- Feito.
Prendi a respiração.
- Eu não me preocupo com sua parte nesse acordo, príncipe. Me preocupo com a dela.
Percebi que os dois me encaravam. Princesa. Princesa. Princesa. Olhei para , tentando realmente compreender se aquilo era um pedido de casamento. Se ele realmente tinha decidido. O príncipe apenas me encarava curioso, esperando para ouvir minha resposta.
- Eu tenho minhas condições. Se eu vou aceitar, preciso ter algumas certezas. - senti-me dizendo. Era como se parte de mim estivesse pensando naquilo o tempo todo, enquanto outra parecia apenas ocupada em entrar em desespero.
pareceu surpreso, mas Serena esboçou um enorme sorriso orgulhoso. Como nenhum dos dois expressou alguma opinião, decidi que deveria continuar.
- Eu quero sua proteção. Não quero de seus homens ou de guardas reais. Claro que mais homens são necessários, mas enquanto não estiver, eu e você vamos ter uma ligação direta. Vamos decidir juntas como lidar com os rebeldes sulistas.
- Tudo bem. - a rebelde nem precisou pensar.
- E mais uma coisa. - me virei diretamente para o príncipe. - Se você, seu pai ou qualquer nobre me usar mais uma única vez sem meu consentimento, eu vou fazer tudo o que vocês temem que eu faça. E a única opção para a salvação da monarquia será um tiro em meu peito.
ficou chocado e eu não podia culpá-lo. Mas eu já estava cansada daquilo. Cansada de usar um colar como símbolo sem saber, cansada de ser levada para a fazenda como se fosse um encontro romântico e, principalmente, cansada de ser moeda de troca.
- , eu… - ele parecia ferido.
- Eu sei que parece absurdo e é completamente imprudente, . Mas você não pode fazer mais nada sem me contar. Primeiro o colar, depois a carta e, como se não bastasse, me traz aqui para um encontro falso. Você está usando minha imagem como se estivesse tudo bem. Mas foi você quem decidiu que eu seria um símbolo de união com os rebeldes, foi você que decidiu que eu era capaz de ser uma espiã e foi você que decidiu que tudo bem contar para o país inteiro que eu aceito passeios noturnos. Não foi eu. E a partir de agora, eu só participo de coisas que eu decidir.
não respondeu, era como se minhas palavras lhe dessem um soco no estômago. Ele olhou para Serena, como se esperasse a palavra final.
- Então temos um acordo. Levando em conta isso, temos mais assuntos que eu gostaria de discutir.
E apesar de aérea, precisei prestar atenção nas estratégias de segurança entre e Serena, além de alguns detalhes sobre a guerra e o número de homens, mas o mais importante, precisei ficar atenta quando ela contou que Aurora, a garota de , era uma rebelde nortista e era oficialmente minha aliada na Seleção.
- Precisamos ir. - terminou o assunto. - precisa descansar.
Ah, então agora ele se preocupava comigo?
- Boa noite, Altezas. - Serena se levantou junto de , eu demorei um pouco mais para perceber o que deveria fazer. - E bem-vindos ao time.
apertou a mão da rebelde e esperou enquanto Serena me estendia os braços, me pedindo um abraço, apenas para cochichar em meu ouvido: “Eu sinto muito. Mas era o único jeito de manter o acordo pelo meu povo.”
- Não se preocupe. - sorri fraco pra ela. - Eu entendo.
Ela sorriu sem jeito. Saímos da casa pela mesma porta que entramos, mas não encostou em mim ou falou comigo. Eu sentia meu coração pesar a cada passo, atordoada por tudo o que eu assimilava. Mas foi apenas na metade do caminho que eu perdi a batalha interna que travava. As lágrimas caíram silenciosas pelo meu rosto, descendo até meu vestido. E apesar de eu tentar disfarçar, meu corpo tremia tentando segurar o choro, alertando sentado na outra janela.
- , você está chorando?
Neguei com a cabeça, mas era óbvio que eu estava.
- Eu ficarei bem. - afirmei. Secando as lágrimas que ainda escorriam.
- Eu concordo com o que você disse lá dentro, sobre tomar decisões por você. Prometo não fazer mais isso.
- Mas você ia fazer, não ia? Se não fosse por Serena, você ia decidir casar comigo sozinho.
- Achei que já tínhamos falado sobre isso. Você disse que aceitaria se eu lhe escolhesse.
As lágrimas voltaram.
- Você tem razão, mas eu jamais achei que seria assim. Jamais achei que nosso casamento pudesse custar uma aliança, um acordo.
- Achei que você pudesse gostar, pelo menos não é apenas pelas pesquisas.
Sorri irônica.
- Claro, ver meu futuro sendo decidido no meio da madrugada por uma rebelde é realmente gratificante.
- Nós vamos dar um jeito nisso, . Não precisamos nos casar agora, podemos esperar a guerra…
- Você pretende manter a Seleção e a guerra ao mesmo tempo?
- Eu não sei. Eu não posso decidir tudo, . E mesmo se eu quisesse, não sou capaz. Eu sei que você não merece isso, nada do que passou é culpa sua e eu pretendo gratifica-la por isso pelo resto das nossas vidas. Mas, por favor, não espere que eu resolva tudo ao mesmo tempo, porque eu não vou conseguir.
Ele tinha razão. Eu não podia esquecer que também não queria passar por tudo aquilo. A raiva dos rebeldes sulistas não era culpa dele, na realidade, Serena estar ali para me proteger era uma dádiva, uma dádiva que ele conquistou.
- Sabe… Veja pelo lado positivo, você não precisa mais se preocupar em achar uma noiva. - sorri sem jeito.
Quando acordei na manhã seguinte, o sol brilhava atrás das cortinas fechadas e Elise silenciosamente arrumava alguns vestidos recém lavados em meu armário.
- Bom dia, Elise. - falei, vendo-a sorrir.
- Bom dia, senhorita . Dormiu bem?
- Dormi. Mas que horas são? Por que não me acordou? - perguntava apenas curiosa, não havia nenhuma reclamação em minha voz.
- O príncipe mandou um recado para nós, avisando que você tinha permissão para dormir até quando fosse necessário. Já passamos do almoço, senhorita. Parece que você colocou o sono em dia. - ela sorriu, fechando a porta do móvel.
- Passamos do almoço? Então as meninas já foram?
- Sim. Saíram logo após o café da manhã.
- Entendo. - não sabia como me sentia por não ter me despedido.
- Se me permite dizer, senhorita. A rainha também já partiu. O rei sai em minutos com alguns assessores. E os príncipes saem na hora do café da tarde.
Assenti para Elise que claramente me avisava que se eu quisesse me despedir do príncipe teria que me apressar. Mas a questão era que eu não queria, não estava brava com , apenas não queria enfrentar a realidade que custei a esquecer chorando naquela cama sozinha na noite anterior.
Entretanto, eu sabia que era meu dever. Eu deveria me despedir do príncipe como Selecionada, mas o mais importante, como a futura noiva que eu sabia que era.
- Vou tomar um banho rápido, Elise. Pode, por favor, preparar para mim?
- Claro, senhorita. Chamarei Meri para ajudar a arrumá-la, Cleo ainda precisa de descanso. O que acha?
- Seria incrível.
Elise assentiu e foi preparar o banho antes de sair atrás da outra. Enquanto esperava pude me olhar no espelho, assustando-me com o reflexo; meus olhos inchados por causa do choro eram impossíveis de serem ignorados.
- Obrigada, Elise. - falei enquanto entrava na banheira e a via sair corredor a fora.
Como eu não tinha muito tempo, saí do banho assim que as meninas chegaram, tentando dar mais tempo para a maquiagem. Precisava disfarçar as bolsas em volta dos olhos. Cleo resolveu se juntar a nós, e apesar de não poder trabalhar, insistiu para colocar bolsa de água quente em meus olhos enquanto Meri secava meu cabelo.
Depois da maquiagem e do cabelo, eu estava pronta. O vestido leve escolhido para aparecer na despedida do príncipe - que seria televisionada para o público - deixava-me graciosa, sua saia parecia voar a cada passo meu. Saí do quarto sem contar a novidade para minhas amigas, temendo pelo momento em que tudo se tornasse realidade. Não estava pronta para lidar com aquilo no momento e não sabia até que ponto podia compartilhar sobre a guerra com elas.
Fui a última a chegar no heliporto do palácio, apesar dos passos rápidos, eu estava claramente atrasada. Entretanto, não estava lá, apenas as Selecionadas restantes conversavam em uma roda ao lado do helicóptero.
- O que aconteceu? – perguntei, me aproximando das mesmas, estranhando o movimento. As meninas estavam todas em volta de Aurora, conversando agitadas. - Vocês estão bem?
- Ele me pediu em namoro! - Aurora estava incrivelmente sorridente quando saiu do meio das meninas, mostrando uma aliança fininha, rodeada de pequenos e verdadeiros cristais no dedo.
- Mas como? - eu não consegui entender de imediato, até que estranhamente a menina me abraçou.
- Obrigada, . Agora que a escolheu, pode oficializar. - Aurora cochichou em meu ouvido, sua voz estava tão baixa que cheguei a duvidar do que eu tinha ouvido.
- Eu…
Aurora me encarou, soltando nosso abraço, como se me avisasse para cuidar com as palavras. Entendia o que ela queria dizer, ninguém, além dela, sabia sobre a decisão do herdeiro.
- Parabéns, Aurora, estou muito feliz por vocês! - preferi dizer, deixando as dúvidas de lado no momento.
- Muito obrigada! Eu estou nas nuvens!
E logo as meninas voltaram a comentar sobre o novo casal, curiosas para saber como aquilo tinha acontecido. Eu também estava confusa, sabia sobre os sentimentos de , mas como aquilo tinha se tornado real tão rapidamente? Como ele descobriu sobre os sentimentos da Selecionada?
- Está pronto, irmão? - escutamos mais ao fundo, sua voz vinda de dentro do castelo.
As Selecionadas prontamente se arrumaram lado a lado, me fazendo ficar por último na fila que esperava ansiosa pelo príncipe. Anne ficou ao meu lado e me encarava pelo canto do olho, apesar de discreta, eu sabia que estava sendo observada.
- O que foi? - perguntei baixo para Anne, antes que o príncipe chegasse até nós, já que o mesmo havia parado para falar com o responsável pelas câmeras.
- Nada. Desculpe.
Havia algo errado com Anne, será que ela estava preocupada com meu sumiço durante a manhã? havia dado alguma desculpa por mim? Ou eu teria que inventar algo quando perguntassem? Bem, logo eu descobriria.
finalmente parou, olhando em nossa direção e dando um sorriso discreto. Ao lado do irmão e usando o terno mais bonito e cheio de medalhas que eu já tinha visto, parecia realmente um príncipe. Eu podia jurar que um ar nobre e elegante rodeava aqueles dois. O terno azul, engomado e preso ao corpo, parecia ter sido costurado naquela manhã, após medir precisamente todos os seus músculos depois do último treino de academia, para garantir que nada estaria fora do lugar. Se eu não estivesse ali e sim vendo pela TV diria que era tudo edição de imagem.
- Boa tarde, senhoritas. Como vão? Quero agradecer a presença de todas nesse momento e dizer mais uma vez que lamento deixá-las agora, mas o país precisa de mim. Acredito que voltarei em poucos dias e sei que vocês estarão em ótimas mãos aqui no castelo. - parecia tranquilo, como se tudo aquilo fosse muito normal para ele. Não sabia quantas vezes o príncipe havia viajado planejando uma guerra, mas acreditava que não muitas. - Sem mais delongas, gostaria de dar a palavra ao meu irmão, o príncipe . Ele tem boas notícias para todos. - olhou para , o qual parecia incrivelmente calmo. Apesar de nunca ter visto o príncipe mais novo falando diretamente para as câmeras, tirando em alguma entrevista casual, ele parecia pronto para os holofotes.
- Obrigado, irmão. - ele disse, dando um passo à frente em direção a câmera mais próxima. - Boa tarde a todos que estão nos assistindo e boa tarde às Selecionadas. Sei que isso não é típico, mas claramente nada nessa Seleção parece ser. - ele deu um risinho, sendo acompanhado por e por nós. - Estou aqui para anunciar, com a bênção de meu irmão, o início de meu namoro com a Selecionada Aurora Stlander.
Eu não esperava por aquilo. Era óbvio que falaria se fosse algo que dizia apenas ao seu respeito, mas jamais havia passado pela minha cabeça um anúncio oficial como aquele, pelo menos não tão cedo. Será que sabia que Aurora era uma rebelde? Uma aliada, mas ainda sim, rebelde.
Aurora sorria de orelha a orelha quando caminhou até o lado do namorado, saindo do seu lugar na fila, para aparecer junto na filmagem. Seus dedos se entrelaçaram nos do príncipe e apesar do salto alto, a menina pode descansar discretamente sua cabeça no ombro do rapaz.
- Sei que é contra as regras, mas foi muito claro em sua liberdade. Ele já tem uma Selecionada escolhida, já sabe para quem seu coração segue. Sendo assim, eu não podia deixar de seguir o meu. Espero que todos estejam felizes por nós e entendam as circunstâncias. Devido a viagem, Aurora continuará como uma Selecionada e passará os dias ao lado das amigas, mas não concorre mais pelo coração do meu irmão. Acredito que ela, na verdade, tenha encontrado o que procurava. - olhou para Aurora, beijando sua testa e deixando a menina incrivelmente feliz, dava para ver que ela estava apaixonada. - Muito obrigado pela atenção.
Todas nós aplaudimos e demos gritinhos de felicidade por Aurora. Apesar de ter falado muito pouco com a Selecionada Stlander, eu estava genuinamente feliz por ela e .
- Ótimo discurso, irmão. - lhe deu um tapinha nas costas. - Agora, senhoritas, lamento dizer que chegamos na parte de dar adeus.
foi de Selecionada em Selecionada, beijando mãos e dando pequenos abraços, despedindo-se de suas mulheres. Apesar de ele ser breve com todas e apenas trocar poucas palavras, cheguei a cogitar a ideia de ele estar apaixonado por alguma delas. Será que realmente não tinha encontrado sua preferida entre nós? Será que ele estava me escolhendo por causa da guerra e deixando um possível amor para trás? Será mesmo que ele não tinha se apaixonado igual o irmão?
ficou ao lado de Aurora, aproveitando seus últimos minutos com a moça. Estava claro que os dois se gostavam, eu só me perguntava o quanto aquilo duraria e como aconteceu tão rápido.
- … Que bom que veio. - disse quando chegou minha vez de se despedir.
- Obrigada por me deixar dormir.
- Você merecia. - ele sorriu sem jeito, ficando sério em seguida. - Eu sei que não estamos na melhor situação e que eu não deveria sair agora, mas…
- Não se preocupe. Nós sabemos nos virar sem você. - sorri tímida, tentando descontrair ao máximo o clima. As meninas não podiam nos ouvir, mas eu ainda não estava pronta para aquele tipo de conversa.
- Claro que sabem. Mesmo assim, sinto muito por deixá-la justamente agora. Eu gostaria de conversar e…
- Nós teremos tempo, Alteza. Acredito que o povo já tenha um casal para se animar.
- Tudo bem. - ele assentiu, parecendo aceitar minha relutância em falar no assunto. - Estou feliz por eles.
- Eu também. Parecem felizes.
- Então… Até mais, .
me envolveu em seus braços, seu cheiro era incrível e eu percebi que não queria soltá-lo quando o príncipe se afastou. Nada naquele abraço fazia sentido, como eu não havia sentido seu cheiro antes? Ou notado como meu rosto se encaixava certinho em seu peito? E os braços fortes que podiam ser tão delicados… Eu já o havia abraçado pelo menos uma vez, não?
- , por favor, se cuide.
- Eu vou. Mas só se você prometer fazer o mesmo.
- Eu prometo. Estarei aqui quando voltar. Boa sorte!
O resto do dia seria sem aulas devido à preparação de Mariee para tomar conta de parte do castelo. Por isso, após a decolagem dos helicópteros, as Selecionadas resolveram se unir no Salão das Mulheres para ver o que falariam sobre e Aurora na TV.
Eu estava com medo de ver aquela reportagem, estava com medo de ver como a mídia podia fantasiar e opinar sobre um casal real.
- Boa tarde a todos os telespectadores, como vão? - apesar de ser um programa aprovado pelo governo, não era Cornelius que apresentava, e sim um homem de cabelos no ombro e barba bem feita. - Hoje será um dia quente por aqui! Como lembram, ainda estamos em votação para tentar adivinhar quem é a escolhida do príncipe , entretanto posso afirmar para vocês que a senhorita Aurora Stlander não é essa mulher. Querem entender o que eu estou dizendo? Então assistam o programa!
As várias tomadas no castelo mostravam a saída do rei e da rainha, que pareciam orgulhosos e felizes subindo em seus helicópteros. Eu diria que ambos estavam indo para um evento de gala beneficente e não indo negociar uma guerra, ficava imaginando o que as pessoas em casa pensariam. O que será que minha familia pensaria?
Mas foi quando e apareceram na tela que nossas respirações falharam, todas ansiosas pelo que estava por vir. O discurso foi lindo, Aurora estava magnífica na televisão e eu realmente acreditava que aqueles dois estavam apaixonados apenas pela forma que sorriam. , ao lado do irmão, sorria verdadeiramente satisfeito, dava para ver que ele estava feliz pelo irmão e isso só o deixava mais bonito no seu terno cheio de medalhas, ali ele parecia mais nobre e ou mesmo tempo mais humano.
Eu me casarei com aquele homem. Apesar de saber que a cena estava sendo reprisada inúmeras vezes para o apresentador fazer seus comentários sobre o novo casal real, eu só conseguia prestar atenção em . e sua postura elegante, seu sorriso doce, seus músculos… Eu conseguia até lembrar de seu cheiro e da sensação que era estar em seus braços. Ali, pela primeira vez desde a Seleção, eu tinha parado para observar o príncipe como um pretendente. Talvez, porque naquele momento era exatamente aquilo que ele era.
Percebi que havia tentado evitar sequer a gostar de , pois eu estava com medo de realmente amá-lo. Mas o que eu faria agora que amá-lo seria uma salvação para mim?
Naquele momento, enquanto via todas as Selecionadas remanescentes empolgadas com o programa, me perguntei se realmente tinha prestado atenção na Seleção, prestado atenção nas meninas ali presentes. O quanto eu conhecia Aurora? Ou Samantha? Ou até mesmo Anne? Até que ponto eu vivi a Seleção? Será que o fato de lidar com os rebeldes e conhecer o príncipe de maneira nada romântica me fez fugir do que aquela competição realmente significava?
- , você está bem? - Anne chamou minha atenção.
- Eu… - parei para pensar. - Eu acho que não participei de Seleção.
- Como? O que quer dizer?
- Quero dizer que eu acabei de perceber que vou me casar com um homem que nem cheguei a tentar conhecer. Eu nunca sequer tentei, Anne.
Percebi que havia falado demais, mas minha cara assustada só fez Anne sorrir. Ela não parecia surpresa ou chocada, ela parecia contente. Mas o que isso significava? O que Anne sabia que eu não? Como podia? Ela era uma rebelde?
- Vem, vamos conversar.
- Como você soube?
- Gostaria de dar uma volta pelo jardim?
Concordei com o convite e saí do Salão das Mulheres acompanhada da minha melhor amiga dentro do castelo. As outras garotas nos encaravam brevemente, nada era mais interessante que a televisão naquele momento.
- Como você soube? - repeti a pergunta no momento em que os guardas fecharam a porta do castelo atrás de nós.
- O Príncipe me contou.
- ?
- Sim, .
- Mas como…?
- Deixe-me explicar… - e então Anne me contou que só estava na Seleção porque tinha criado uma amizade com o príncipe. , perdido e sem saber o que fazer, encontrou em Anne um apoio dentro da Seleção e, o mais importante, alguém próximo de mim. Sendo assim, Anne sabia sobre tudo. Sabia sobre os rebeldes nortistas e sulistas; sabia sobre Serena, sobre o casamento e sobre o atentado devido ao colar. Sabia que eu tinha tido uma crise de pânico e descobriu tudo sobre o ataque. Basicamente, ela e conversavam sobre tudo relacionado a Seleção e, consequentemente, relacionado a mim. - Por favor, não fique chateada comigo. Eu juro que não contei nada do que você já dividiu comigo. Foram apenas minhas opiniões. - ela parecia realmente com medo.
E então eu fiz o comentário mais surpreendente de todos.
- O príncipe fala francês afinal.
Fiz Anne gargalhar. Seu riso me fez rir também, apesar de estranho, estava feliz em ter uma amiga com quem falar sobre tudo o que estava acontecendo.
- Ele é muito bom, na realidade. - ela falou entre as risadas. - Não está brava?
- Acho que não. Quero dizer, vocês podem conversar sobre o que quiserem.
- Obrigada. Eu realmente não queria magoar você.
Sorri.
- Você quer me explicar o que disse lá dentro? - ela perguntou.
- Eu não sei bem como explicar. Eu estava tão ocupada entre os rebeldes que não cheguei a tentar algo com o príncipe.
- Todos nós percebemos isso, . Qualquer menina aqui sabe que se você se esforçasse, já seria princesa.
- Isso não é verdade.
- É sim, as pessoas comentam, . E leem revista, algo que acho que você não chegou a prestar muita atenção. As meninas estão se divertindo aqui e tentando conseguir o amor do príncipe, porque no resto não tem competição. Você precisa ver o que Aurora escuta, ou bem, escutava… As pessoas acabam se abrindo com ela.
- Aurora? Você e Aurora são amigas?
- Somos. Quero dizer, a gente conversa… Ela é bem boa em francês, aprendeu para ser uma Selecionada… Sabe, ela precisava passar porquê…
- É uma rebelde. Isso ainda é estranho para mim. Tudo isso é, não fazia ideia que você sabia de tantas coisas. Por que nunca me contou?
- Eu não achava certo. Você parecia querer seu espaço.
- Eu acho que queria mesmo… Acho que estava com tanto medo de chegar onde eu estou agora. - ri fraco.
- E agora que chegou, é assustador?
- Sinceramente? Muito assustador! Mas, eu não sei, vi com outros olhos essa manhã.
- Quer dizer que você decidiu “participar” da Seleção exatamente quando o príncipe não está aqui?
Não consegui responder, porque, de repente, ouvimos Aurora nos chamando na entrada do castelo. Ela balançava os braços querendo chamar nossa atenção. Seu grito era abafado pela distância.
- O que será que aconteceu?
Voltamos para o castelo andando o mais rápido que era permitido fazer com elegância, para descobrir que Aurora estava empolgada porque haviam anunciado a ganhadora da votação que se iniciou no Jornal Oficial. Mal eu sabia, que aquela votação mudaria tudo.
- A ganhou a votação. Com mais de 80% dos votos! - ela parecia muito feliz, mas era a única que havia saído do Salão das Mulheres para nos dar a notícia.
- E as outras? - perguntei, temendo, talvez pela primeira vez, o que aquela competição podia fazer comigo.
- Elas vão sobreviver.
Capítulo 15 - Elite
Assim que entrei no Salão das Mulheres acompanhada de Anne e Aurora pude sentir a tensão no ar. Apesar de nenhuma das outras meninas realmente se dirigir a mim, eu conseguia sentir seus olhares me seguindo enquanto eu sentava em uma poltrona mais próxima, querendo ouvir o que estava passando na TV. O apresentador parecia alegre ao dizer quem havia sido a escolhida do público e eu sentia meu estômago revirar ao ver várias fotos minhas e do príncipe na tela.
- Parabéns, . - foi Samantha a primeira a falar, assim que o apresentador encerrou o programa. - São muitos votos mesmo.
Samantha tinha razão. Apesar de ser evidente que suas felicitações não eram totalmente verdadeiras, eu não podia negar que 80% dos votos era impressionante.
- Acho que depois dessa, não há muito o que discutir… Sabemos quem será a próxima princesa. - Estava claro que Natalie havia perdido a esperança.
Eu simplesmente não sabia o que fazer. As Selecionadas olhavam para mim e viam uma coroa presa em meu cabelo e mesmo eu sabendo que ainda não havia nada oficial, como eu poderia negar tais acusações? Olhei para Anne em busca de algum conforto, mas ela parecia tão chocada com os números quanto qualquer uma de nós. O que aquilo significava?
- Eu não concordo. Acho que não importa o que o público acha, quem escolhe ainda é o príncipe. E como eu não vi o príncipe decidindo nada, eu me mantenho firme na competição. - Lauren falou decidida, levantando-se do sofá. - Me desculpe, , mas eu realmente não vou ficar achando que já perdi. Eu, assim como você, faço parte da Elite da Seleção e isso deve significar algo.
- Eu… - tentei me justificar, tentei dizer a Lauren que ela estava certa. Afinal, eu não queria aqueles votos, só precisava achar uma forma de consertar aquilo.
- Sabe, Lauren tem razão. - Samantha também ficou de pé. - Me desculpe, , me desculpe todas vocês, mas acho que agora a competição realmente começou.
- Perfeito. - Lauren retrucou, claramente se sentindo ameaçada com as palavras da outra. Andando firme e decididas, Lauren e Samantha saíram do salão seguindo direções diferentes após passarem pela porta.
Olhei para Natalie esperando sua próxima ação. Sabia que nenhuma das outras meninas se voltariam contra mim. Aurora já tinha seu príncipe e Anne era minha amiga, já havia deixado isso claro.
- Vocês querem ser princesas? - ela perguntou, me espantando completamente.
- Como?
- Aurora será uma princesa, sabe, se ela se casar com . E vocês viram o que significou apenas um pedido de namoro? Aurora estará em todos os programas, revistas e jornais. Isso não deixou vocês em dúvida?
- Eu já sabia que seria assim. me alertou. - Aurora deu de ombros, mostrando que aquilo não a incomodava tanto quanto parecia incomodar Natalie.
- Eu entendo… E você, ?
Prendi a respiração, tentando raciocinar o que aquilo significava. Eu concordava com Natalie, concordava que toda aquela atenção era assustadora e não sabia se ia conseguir lidar com tudo aquilo. Mas ao mesmo tempo eu poderia ser sincera com ela e dizer que não queria ser princesa? Mesmo sabendo que um dia eu me tornaria?
- Eu não sei, Natalie. Tenho dificuldade em pensar tão para a frente, mas acho que o príncipe estará do lado de sua princesa em qualquer momento. Você não precisa se preocupar.
- Eu não estou preocupada, . Nunca estive. A maioria das garotas sempre soube do seu potencial, elas só não querem aceitar. Apesar de você ser fechada e eu não lhe conhecer bem o suficiente para chamar de amiga, sempre achei que você seria a princesa e aprendi a conviver com isso. Você pode não acreditar em mim, mas eu torço por você.
Aquilo realmente me surpreendeu. Natalie estava me falando que havia desistido da Seleção? O que aquilo significava? Como ela podia ainda estar ali sabendo de tudo isso?
- Por que você ainda faz parte da Seleção? - Aurora parecia ter tirado as palavras da minha boca.
- Minha província está estrategicamente posicionada na fronteira… Estou ajudando o príncipe a conseguir aliados para a guerra.
- Você sabe. - Anne sussurrou.
- Todas sabem. - ela sorriu. - O príncipe contou a todas sobre a guerra, ele apenas não quer que a notícia se espalhe, então ele pediu segredo.
Senti um aperto no peito. Todas sabiam?
- É uma boa estratégia. - Aurora deu de ombros.
- É sim. Só espero que funcione. Porque ele vai ter dificuldades em manter a Elite e, bem, uma guerra. - Natalie ficou de pé - Só queria dizer que não vou entrar nessa história de Samantha e Lauren de competição. Boa tarde, garotas. - Natalie sorriu e saiu, desfilando em seu vestido de nobre, como se nada estivesse acontecendo.
Natalie me assustou um pouco, precisava admitir, e me deixou com infinitas dúvidas. O que mais as Selecionadas sabiam que eu não fazia ideia? Quem era o príncipe ? Até que ponto eu o conhecia? Até que ponto haviam segredos que ele só compartilhava comigo? Com quem eu iria me casar, afinal?
- Só eu não esperava por isso? - Anne parecia perplexa.
- Não. Eu realmente não esperava que Natalie não quisesse ganhar. Mas ela tem razão sobre a atenção do público e acho que você pode ter problemas com toda essa aceitação, .
- Por quê? É apenas estatístico.
- Mas mostra poder. Tanto para os rebeldes do sul, quanto para nós. - ela disse, me deixando em dúvida se estava se referindo aos rebeldes nortistas ou a monarquia ao dizer “nós”. Talvez fossem ambos.
- Aurora, eu posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.
- Você contou para sobre ser uma rebelde?
- Contei para no mesmo dia em que contei para . Serena pediu.
sabia sobre Aurora antes de Serena nos contar na noite anterior? Apesar de parecer óbvio que o príncipe deveria saber algo como aquilo; eu ficava, mais uma vez, me perguntando o que sabia que eu não.
***
Aurora não podia estar mais certa. Os 80% de votos do povo deixou todos agitados, mas claramente ninguém foi capaz de me contar até ser extremamente necessário. Ou seja, só percebi o quanto aquela votação me afetava quando Mariee entrou no salão, acompanhada de Serena.
- Boa tarde a todas. - A rebelde tinha o cabelo preso em um coque alto e usava um vestido digno de um castelo. Aquilo realmente me surpreendeu.
- Finalmente! - Aurora levantou da poltrona e foi dar um breve abraço na rebelde. - Temos alguma novidade?
- Vamos conversar logo. Não se preocupe.
- Tudo bem.
Percebi que Mariee encarava as duas com a mesma suspeita que eu, me fazendo sentir que novamente estava por fora de todos os detalhes. Como Serena havia chego no castelo tão cedo? Eu sabia que ela estaria ali, era parte dos planos, mas não achei que ela fosse capaz de se passar por uma nobre tão rapidamente.
- . - Serena me cumprimentou, fazendo, por incrível que pareça, uma breve e discreta reverência.
- Serena. - sorri sem graça. - Como está?
- Bem. Você deve ser Anne, imagino. - Serena falou, mas fiquei em dúvida se Anne entenderia.
- Sou eu mesma, prazer. - Anne sorriu, mas sua resposta foi em francês.
- Ótimo. Enquanto conversam, gostaria de falar com você, . Podemos ir na minha sala? - Mariee interrompeu.
- Claro. - Mariee tinha uma sala?
Acompanhei a mais velha pelas escadas do castelo, até chegarmos ao andar que sabia ficar o escritório do rei. Mariee tinha uma sala mais à frente no corredor, organizada perfeitamente em tons de branco, madeira e verde. A mesma se sentou na cadeira atrás da mesa e me ofereceu uma do outro lado.
- Obrigada. - falei, sentando-me na poltrona e olhando confusa para tudo aquilo.
- Eu sou uma assessora.
- Como?
- Eu sou uma das assessoras do rei.
Fiquei surpresa, Mariee não era apenas uma tutora contratada para a Seleção, ela era uma assessora do rei. Suas opiniões contavam em todos os assuntos reais, incluindo a guerra.
- Eu não sabia.
- Eu imaginava. Acho que nenhuma das Selecionadas pensa algo assim, digamos que não há muitas mulheres no meu cargo. - ela sorriu, mas eu só conseguia pensar que, como assessora, Mariee tinha concordado em enviar a carta aos rebeldes sulistas. A carta que havia me deixado a mercê deles. - Mas eu queria conversar com você sobre outras coisas. Principalmente sobre a escolha do príncipe.
Engoli em seco. Apesar de saber o que havia sido decidido entre mim e , eu achava que nada me atingiria tão rapidamente. nem estava no castelo, por que alguém queria levar o assunto adiante no momento? O que Mariee queria discutir? Será que os votos do povo podiam ser tão significativos?
- Existe uma preparação extra para se tornar princesa, . Existem livros que você precisa conhecer, histórias que você necessita saber e situações do castelo que serão responsabilidade sua e da rainha. Acredito que você tenha noção que ser princesa é mais do que se casar com o príncipe . Você terá deveres reais e metas a cumprir. Apesar de ser uma união, será um trabalho. Um trabalho para toda a vida.
- Eu suspeitava. - foi tudo o que eu consegui dizer.
- Ótimo. Você terá um horário especial de estudos e precisarei de relatórios além dos que as outras Selecionadas farão. Ainda, , você terá conhecimento de coisas que ninguém além da família real tem, por isso, quando a rainha retornar de sua viagem, você deverá arranjar tempo para se reunir com ela. Por isso indico que você se dedique aos seus estudos.
- Mas as outras não vão perceber?
- Não exatamente. Não se preocupe com isso. O resto você entendeu? Compreende que é completamente sigiloso o que você vai ler e aprender? Ninguém pode saber. Não tenho conhecimento de outra princesa que teve acesso a tais informações antes do casamento, mas acredito que não estamos em uma Seleção comum.
- Acho que não temos tanta pressa, Mariee. O príncipe só decidiu se casar comigo por conta de Serena.
- Sei o que quer dizer, . Mas não vejo como uma Seleção pode prosseguir junto à guerra. Além do mais, foi que decidiu compartilhar tudo com a senhorita agora. Você compreende isso?
- Compreendo, mas disse que...
- Ótimo. - Mariee me cortou. - Gostaria de falar com você sobre a rebelde também. Já que ela está aqui e faz parte da minha responsabilidade.
- Serena? - não pude deixar de perceber um pouco de desgosto na voz da mulher sentada à minha frente. Sempre imaginei Mariee como uma especialista em bons modos e nunca como uma política. Apesar de admirar o fato de uma mulher ter um cargo tão importante, não podia deixar de me perguntar se Mariee estava realmente do meu lado.
- Sim. A rebelde. Espero que você cuide com o que compartilha com ela e me conte tudo o que vocês conversarem. Ou pelo menos tudo o que você pensar que eu deveria saber.
- Você quer que eu espione Serena para você?
- Não. O Rei gostaria de informações privilegiadas, caso você as tenha.
Respirei fundo.
- Claro. Eu posso fazer isso.
- Além disso, preciso saber quando os rebeldes do sul a procurarem. Você compreende que sem o príncipe aqui, é a mim que você deve pedir ajuda?
Como podia ter feito aquilo comigo? Eu não tinha percebido o quanto precisaria dele até aquele momento. Todos queriam algo de mim. Serena queria informações dos rebeldes e do governo (só não tinha coragem de pedir pelo segundo), o governo, isto é, Mariee, queria saber tudo sobre Serena e os rebeldes do sul e os rebeldes do sul, bem, eu não fazia ideia do que eles poderiam querer. E além de tudo isso, existia os 80% dos votos. O que será que minha família pensava sobre isso? Sentia minha cabeça girar.
- Eu compreendo e agradeço, Mariee. - sentia minha garganta seca. Sabia que a assessora só estava fazendo seu trabalho, mas… Será mesmo que eu podia contar com ela?
- Ótimo, querida. - ela conferiu o relógio. - As outras Selecionadas ainda devem estar em seus quartos, peço que faça o mesmo. Logo mandarei os guardas levarem alguns dos seus livros. Pode começar a folheá-los até a hora do jantar se lhe interessar.
- Certo. Obrigada, Mariee. - me levantei, sabendo que havíamos terminado por ali.
- Não se esqueça, . É confidencial. - ela disse, me vendo assentir antes de fechar a porta atrás de mim. Respirei fundo. O que eu estava fazendo?
Segui até o meu quarto decidida a não pensar naquilo. Mas a cada degrau, eu achava algo com o que me preocupar. Como eu podia enganar tanta gente ao mesmo tempo? Como eu poderia esconder tantos segredos assim? Como eu conseguiria ser uma rebelde nortista, uma rebelde sulista e uma nobre ao mesmo tempo? O que ia acontecer se eu cometesse um único deslize?
Não havia percebido que estava chorando até um dos guardas me parar para perguntar se eu estava bem. Eu não estava. Nem com todo o esforço do mundo eu conseguiria me sentir bem.
- Vou ficar. Obrigada.
Forcei-me a seguir a passos lentos até meu quarto, agradecida quando consegui fechar a porta atrás de mim. As lágrimas já escorriam mais grossas e não havia nada que eu pudesse fazer para disfarçar.
- Alguém poderia me preparar um banho, por favor? E abrir a porta quando alguém vier trazer livros?
- Sim, senhorita. - uma das minhas criadas me respondeu, fazendo a enorme gentileza de não perguntar o que estava acontecendo.
Apesar de eu saber que minha maquiagem estava manchada e que as lágrimas escorriam sem parar pelo meu rosto, eu estava chorando silenciosamente. Deixei que me ajudassem a tirar o vestido e soltar meu cabelo, esperando calmamente pela banheira quente.
Não sei dizer quanto tempo depois, mas quando saí do banho, já com os olhos secos de tanto chorar, encontrei uma pilha de livros em cima da mesa e apenas Meri no recinto. Ela me deu um sorriso triste quando me viu enrolada no roupão, querendo me confortar apesar de não saber o motivo. Eu estava extremamente agradecida por ter criadas tão gentis e verdadeiras amigas.
- Sente-se, . Vou pentear seu cabelo. - sentei em uma das cadeiras deixando com que Meri penteasse e secasse meus fios. - Você tem pouco tempo até o jantar. Gostaria de ir?
- Sim. Eu preciso.
Sabia que Serena seria apresentada a todas as Selecionadas no jantar e, por isso, eu deveria estar lá. Além disso, não podia deixar as outras pensando que haviam me amedrontado depois de decidirem competir, só me traria mais problemas.
- Tudo bem. Vamos trabalhar e você estará pronta.
E eu estava. Menos de uma hora depois, eu estava arrumada sentada no Salão de Refeições esperando por Mariee e Serena. Aurora e Anne conversavam empolgadas ao meu lado, enquanto Samantha, Natalie e Lauren sentadas do outro lado da mesa, pareciam entretidas com os próprios talheres. Eu conseguia sentir a tensão no ar e ficava me perguntando se aquilo havia sido causado pela votação.
- Boa noite à todas. - Mariee falou entrando majestosamente no salão acompanhada de Serena. Não sabia dizer se minhas descobertas sobre a mulher haviam aberto meus olhos ou me deixado com suspeitas infundadas sobre a mesma, mas ali, caminhando até nós, eu sentia que Mariee estava brincando de ser rainha. - Gostaria de parabenizá-las mais uma vez pela posição que tomaram. Espero que sabiam que como parte da Elite vocês possuem mais deveres e mais responsabilidades. Eu serei mais crítica a partir de agora, ainda mais por que vocês são parte da casta dos favorecidos, senhoritas Dois.
Senti as meninas empolgadas, os ânimos mudaram nem que um pouquinho entre nós. Senti que ser uma Dois era quase um conforto por não ser princesa.
- Enfim, para me ajudar nessa árdua tarefa de auxiliá-las daqui para frente e cuidar do castelo, eu receio dizer que tive que pedir ajuda. Por isso quero apresentá-las a senhora Serena. Uma importante nobre que conhece muito sobre os nossos costumes e será rígida na formação de vocês.
- Boa noite senhoritas. - Serena sorriu, olhando para cada uma de nós. Dava para ver que a rebelde parecia feliz e confortável com o momento. - Fico realmente feliz pela oportunidade de auxiliá-las nessa difícil tarefa. Mas temo dizer que estou aqui mais para avaliá-las do que ser realmente uma professora.
Percebi que Mariee havia armado para Serena, afinal a mesma não devia conhecer tão bem as boas maneiras para se passar por uma brilhante especialista capaz de tirar qualquer dúvida das Selecionadas. Serena estava fingindo ser nobre, ela não havia tido a educação perfeita para isso.
- Boa noite, senhora Serena. - respondemos quase em uníssono, fazendo Serena só alargar mais o sorriso.
- Ótimo. Por favor, sente-se. - Mariee indicou a cadeira na outra ponta da mesa para Serena e foi se sentar na cadeira onde normalmente estava o príncipe. Não sabia se ia se importar com aquilo, mas eu podia ver a estranheza no olhar de todas as outras mulheres ali presentes, menos Serena.
O jantar poderia ter sido ótimo ou desastroso, jamais saberei, pois ele nunca aconteceu. Assim que o garçom serviu o primeiro copo de vinho, já que estávamos comemorando a chegada de Serena, o alarme soou. Todos olharam para Mariee, esperando algum sinal dela, mas ela apenas me encarou. E aquilo não fez sentido para mim.
- Senhoras! - senti um guarda, que nem tinha percebido entrar no salão, colocar seus braços em meu ombro, me pedindo para levantar da cadeira. - Vamos levá-las para um abrigo, como são poucas, achamos melhor do que fortalecer o salão. Por favor, nos acompanhem.
Levantei da cadeira, sentindo Serena se colocar ao meu lado, em completo sinal de alerta. Ela não estava com medo ou preocupação, estava pronta para lutar. Ali soube quais rebeldes estavam nos atacando. Anne e Aurora também se aproximaram, deixando as outras três Selecionadas juntas no lado oposto da mesa, já de pé. Mariee conversava com um dos guardas e todas esperavam sinais do que fazer.
- Certo, senhoritas, ouviram o guarda! - Mariee falou. - Vamos segui-los em grupo! Ninguém fica para trás, ninguém vai na frente! Quero todas juntas! Se alguém sair do grupo, será expulsa da Seleção!
- Senhoritas. Vamos! - o guarda que antes falava com Mariee colocou a arma a postos e indicou para os outros dois que abrissem a porta. Estava tudo normal no castelo, estava claro que nenhum rebelde havia passado por ali ainda. Serena permanecia ao meu lado, enquanto Aurora ia no outro. Anne estava um passo atrás de mim e Mariee na frente, se nós não estivéssemos tão preocupadas, diria que todas estavam me protegendo.
Seguimos os guardas por corredores que eu não conhecia, mas tinha certeza serem dos criados. O que me fez pensar em como estaria Elise, Meri e Cleo.
- Você está bem? - Serena cochichou em meu ouvido.
- Sim. - deixei-a ler meus lábios.
- Está fechado! E AGORA? - ouvi um dos guardas dizer.
- O que está fechado? - Mariee perguntou.
- O abrigo! Já há alguém aqui dentro.
- Como?
- Eles sabem dos nossos abrigos. - um dos guardas concluiu.
- O que faremos agora?
- Vamos voltar para o Salão de Refeições, é o local mais perto. - o guarda chefe falou. - Vocês vão na frente, comecem a fechar as janelas. Quando eu chegar com as senhoras, quero tudo pronto!
- Sim, senhor. - os dois homens falaram e saíram correndo por onde viemos.
- Senhoras, creio que ainda estamos seguros. Mas preciso que sejam mais rápidas dessa vez. Vamos voltar exatamente por onde viemos.
- Tudo bem. Vamos! - Mariee disse e apressamos o passo.
O guarda estava certo e não tivemos muita dificuldade para voltar ao Salão de Refeições, além do provável rebelde que estava no abrigo, não encontramos mais nenhum. Ouvimos apenas uma troca de tiros, que apesar de nos assustar, não nos fez parar de seguir em frente. Logo, estávamos de volta no salão, com todas as janelas e portas fechadas com persianas de aço e a mesa de jantar exatamente como estava.
- Estão seguras, senhoras. Mas peço que não toquem na comida, alguém pode ter passado por aqui antes de nós.
Eu não sabia o que fazer. Nunca havia passado por um ataque como aquele. Eu não havia sido levada intacta e segura para o abrigo nenhuma vez e ficava me perguntando o que ainda podia acontecer.
- Vocês estão bem? - Mariee perguntou para o grupo. Recebendo acenos amedrontados em resposta. - Todas estão aqui, isso é bom! Bem, fiquem à vontade, pois não sairemos daqui tão cedo.
Olhei para todos a minha volta, esperando qual seria o próximo passo. Eu me sentia segura no enorme salão, mas ao mesmo tempo me perguntava como os rebeldes que se tornaram meus aliados poderiam estar atacando o castelo?
- Você sabe porque eles estão aqui? - Serena cochichou em meu ouvido, algo visto pelos olhos atentos de Mariee.
- Não sei. Achei que eles estariam mais calmos agora.
- Eu também achei. Estávamos enganadas, pelo visto.
- Será que eles achavam que iriam me encontrar?
- Difícil, era claro que você estaria protegida.
- Eu estou com medo. - admiti, sentindo os olhos lacrimejarem. Mas eu não iria chorar, não podia fazer isso ali. Não com os olhos atentos das Selecionadas, que haviam declarado competição contra mim; de Mariee, pronta para contar ao rei qualquer deslize meu, e de Serena, que apesar de parecer estar ao meu lado, deixava claro a quem era fiel.
- Eu nem imagino o quanto, . Eu sei que você se sente sozinha, mas acho que se você pensar bem, tem pessoas em quem confiar.
Respirei fundo. Eu tinha? Em quem eu podia realmente confiar? Quem eu conhecia que não estava nem um pouco metida no meio de tudo? Até Anne parecia ter seu lado da balança.
- Acho que todos querem um pouco de mim, Serena. - falei, olhando fixamente para Mariee.
- Acho que já percebeu que deve tomar cuidado com ela.
- Acho que eu devo tomar cuidado com todos, Serena. - falei, olhando-a nos olhos. Serena podia ser o mais querida comigo, mas eu não podia me deixar esquecer a que lado ela pertencia. E isso incluía Aurora. - Com licença.
Me afastei da mais velha, decidida a não confiar em ninguém. Eu estava sozinha nessa empreitada, pelo menos até voltar, e precisava agir como tal. Vi a mais velha seguir em direção a Natalie, parecendo querer manter seu disfarce e conhecer mais as Selecionadas.
- Posso me sentar? - perguntei a Anne e Aurora, que permaneciam sentadas no chão no canto perto de uma das janelas.
- Claro.
- Como você está? - Anne perguntou, segurando minha mão em forma de apoio.
- Aqui é melhor do que lá fora, com certeza. - brinquei, mas sentia meus nervos à flor da pele. Mesmo com toda a situação em que eu estava metida, jamais tinha cogitado uma invasão ao castelo.
- Vamos ficar bem. Somos a prioridade na proteção sem a família real aqui. - Aurora comentou.
- Somos o principal alvo também. - sussurrei.
- Acho que precisamos nos acostumar com isso, .
Não respondi Aurora, na realidade, acredito que não tenha dito mais nada até escutar um estrondo do lado de fora no castelo. Estávamos em relativo silêncio até a explosão assustar a todas.
- Estamos seguras aqui, senhoritas. - um dos guardas disse. - Acredito que esse armamento é nosso.
Armamento nosso? Estávamos bombardeando os rebeldes?
- Eu não queria estar do lado de lá. - Anne soltou, olhando arrependida para Aurora imediatamente. - Desculpe.
- Não se preocupe, eu nunca fui esse tipo de rebelde.
- Esse tipo?
- Até entre nós temos os mais rebeldes, . Eu acredito no fim das Castas e só. Acho que é bem óbvio que nunca quis prejudicar a família real, por isso estou aqui.
- Como você sabia que ia entrar?
- Eu não tinha certeza, mas os rebeldes me escolheram por um motivo… Se eu fizesse parte da sua Província, jamais conseguiria, por exemplo. Eu tenho um bom currículo, sabe, comparado com as outras de onde eu venho.
- Você queria ser princesa?
- Sim. Se não fosse por você, provavelmente jamais teriam me deixado ficar com . Eu entrei aqui para seduzir e me casar com … Nós acharíamos um jeito disso acontecer.
- Mesmo que você não o amasse. - afirmei, mas Aurora entendeu mais como uma pergunta.
- Sim. Acho que teria que ficar com mesmo amando seu irmão.
Aquilo foi um choque para mim. Pela primeira vez pensei o que seria de mim se eu já amasse alguém. O que eu faria se meu coração já fosse de outro? Me senti aliviada por um momento.
- Seria um fim trágico. - Anne comentou.
- Seria horrível. Por isso eu agradeço, .
- Claro, tudo bem. - dei de ombros, mas neste momento eu já estava com os pensamentos distantes. Será que eu seria capaz de amar alguém em algum dia?
***
Já passava da hora de dormir quando o castelo parecia finalmente livre de rebeldes sulistas. As horas presa ao Salão de Refeição deixaram todas doloridas e cansadas, apesar de no final termos decidido fazer uma roda com todas e conversar sobre assuntos banais. Chegamos até a dar risadas descontraídas, enquanto os guardas conferiam a segurança dos corredores.
- Estamos livres para ir aos dormitórios! Boa noite, senhoritas. Terão a manhã livre amanhã, devido ao incômodo de hoje. Mas não se acostumem! Almoçaremos mais cedo para compensar as horas perdidas. - Mariee anunciou. - Caso estejam com fome, suas criadas poderão providenciar jantar. Sinto muito pela situação. - E então passou pela porta.
Seguimos juntas até o andar das Selecionadas, onde Serena foi estrategicamente posicionada no quarto ao lado do meu.
- Boa noite, . - ela anunciou cansada, entrando no seu quarto.
- Boa noite. - falei, fazendo o mesmo, aliviada por encontrá-lo intacto, mas vazio. Onde minhas criadas estavam? Será que havia algo errado com elas?
Preocupada e sem ligar para o horário, me dirigi até a campainha presente do lado de minha cama para convocá-las, precisava saber se elas haviam sobrevivido ao ataque.
- Por favor, não faça isso, .
Levei um susto enorme que por muito pouco não resultou em um grito, quando vi ninguém menos que Drew aparecendo por trás da cortina. Não demorei nem um segundo para reconhecê-lo, apesar da barba por fazer e o uniforme da guarda real.
- Drew? O que você está fazendo aqui?
- Não recebo nem um abraço de oi? - ele brincou, estendendo os braços.
- Claro! Quanto tempo! Você não respondeu minha carta. - falei, seguindo para abraçá-lo forte. Drew estava mais forte do que eu lembrava, mesmo tendo visto há alguns dias.
Ele me abraçou firme. Não lembrava de ter tido um abraço tão íntimo com ele. Nós éramos amigos, mas nos víamos todos os dias, então eu só o abraçava nos aniversários e, sei lá, natal.
- Desculpe pelas cartas, mas saí de casa assim que você veio para cá.
- Como é?
- Sente-se, vamos conversar. Tenho alguns minutos ainda.
Drew pegou minha mão e indicou que eu sentasse em minha cama, eles fez o mesmo, olhando para mim.
- Você está linda. Essas roupas fazem bem para você - ele brincou.
- Linda? Estou acabada, ficamos um tempão presa no salão por causa do ataque dos rebeldes… - e então eu entendi. Era como se a lâmpada mágica do pensamento se acendesse naquele momento. Drew estava ali porque era um rebelde sulista.
- Imagino que já saiba porque eu estou aqui.
- Como isso aconteceu?
- Fiquei muito sozinho depois que você veio para cá, . Sua família estava tão feliz e esbanjando seu nome para todos os cantos. E eu sabia que você não estava feliz. Me arrependi de deixá-la vir para esse castelo já na primeira noite.
- Não havia nada que você pudesse fazer, Drew.
- Havia. Eu podia ter me casado com você. Podia tê-la pedido em casamento, . Eu sei que não seria o marido ideal e que você não me ama, mas eu te amo . Eu devia ter lhe dado essa opção.
- Minha mãe jamais permitiria. Além disso, acho que você merece amar alguém do jeito certo, Drew. Você não tinha a obrigação de acabar com o seu futuro para mudar o meu.
- Eu tinha essa obrigação. Ou pelo menos tinha a oportunidade! Mas isso não importa mais. A questão é que na mesma semana eu conheci pessoas que pensavam como eu. Pessoas que tinham raiva da monarquia e estavam cansadas desse tipo de tradição. Eu encontrei pessoas disposta a me ajudar a te tirar daqui.
- Me tirar daqui?
- Sim. É por isso que eu estou aqui, . O Chefe quer falar com você. Ele quer fazer planos e traçar metas. Fiquei tão feliz quando você se uniu a nós!
- Eu… Mas e sua família Drew? O que você disse para sua mãe?
- Que ia fazer um curso fora. Mando lembranças sempre que consigo.
- Eu ainda não consigo acreditar nisso tudo. Por que você não continuou em casa?
- Acho que foi o destino.
O que eu ia fazer? Como dizer para Drew que ele corria risco de vida estando ao lado dos sulistas? Como eu podia salvar meu amigo sem colocar a vida de milhares de pessoas em risco?
- Espero que você esteja certo, Drew. Mas se vocês já sabem que eu vou ajudá-los, por que invadir o castelo hoje?
- Para eu estar aqui. Precisávamos achar uma forma de entrar. Além disso, criamos estratégias para podermos nos comunicar mais vezes.
- Há mais rebeldes sulistas dentro do castelo?
- Não. Bem, há alguns na criadagem. Mas sempre estiveram lá, é assim que conseguimos algumas das informações. Mas eu não ficarei aqui dentro, por exemplo. Estamos acampados aqui perto e virei buscá-la amanhã à noite para nossa reunião. Será na floresta, então esteja agasalhada.
- Amanhã à noite?
- Sim, depois do jantar. - ele conferiu o relógio e ficou de pé. - Eu realmente preciso ir, . Mas fiquei realmente feliz em vê-la. - ele disse, beijando minha testa e saindo pela porta, provavelmente do mesmo jeito que entrou.
Respirei fundo, tentando inutilmente entender tudo aquilo. O que estava acontecendo com a minha vida?
- Parabéns, . - foi Samantha a primeira a falar, assim que o apresentador encerrou o programa. - São muitos votos mesmo.
Samantha tinha razão. Apesar de ser evidente que suas felicitações não eram totalmente verdadeiras, eu não podia negar que 80% dos votos era impressionante.
- Acho que depois dessa, não há muito o que discutir… Sabemos quem será a próxima princesa. - Estava claro que Natalie havia perdido a esperança.
Eu simplesmente não sabia o que fazer. As Selecionadas olhavam para mim e viam uma coroa presa em meu cabelo e mesmo eu sabendo que ainda não havia nada oficial, como eu poderia negar tais acusações? Olhei para Anne em busca de algum conforto, mas ela parecia tão chocada com os números quanto qualquer uma de nós. O que aquilo significava?
- Eu não concordo. Acho que não importa o que o público acha, quem escolhe ainda é o príncipe. E como eu não vi o príncipe decidindo nada, eu me mantenho firme na competição. - Lauren falou decidida, levantando-se do sofá. - Me desculpe, , mas eu realmente não vou ficar achando que já perdi. Eu, assim como você, faço parte da Elite da Seleção e isso deve significar algo.
- Eu… - tentei me justificar, tentei dizer a Lauren que ela estava certa. Afinal, eu não queria aqueles votos, só precisava achar uma forma de consertar aquilo.
- Sabe, Lauren tem razão. - Samantha também ficou de pé. - Me desculpe, , me desculpe todas vocês, mas acho que agora a competição realmente começou.
- Perfeito. - Lauren retrucou, claramente se sentindo ameaçada com as palavras da outra. Andando firme e decididas, Lauren e Samantha saíram do salão seguindo direções diferentes após passarem pela porta.
Olhei para Natalie esperando sua próxima ação. Sabia que nenhuma das outras meninas se voltariam contra mim. Aurora já tinha seu príncipe e Anne era minha amiga, já havia deixado isso claro.
- Vocês querem ser princesas? - ela perguntou, me espantando completamente.
- Como?
- Aurora será uma princesa, sabe, se ela se casar com . E vocês viram o que significou apenas um pedido de namoro? Aurora estará em todos os programas, revistas e jornais. Isso não deixou vocês em dúvida?
- Eu já sabia que seria assim. me alertou. - Aurora deu de ombros, mostrando que aquilo não a incomodava tanto quanto parecia incomodar Natalie.
- Eu entendo… E você, ?
Prendi a respiração, tentando raciocinar o que aquilo significava. Eu concordava com Natalie, concordava que toda aquela atenção era assustadora e não sabia se ia conseguir lidar com tudo aquilo. Mas ao mesmo tempo eu poderia ser sincera com ela e dizer que não queria ser princesa? Mesmo sabendo que um dia eu me tornaria?
- Eu não sei, Natalie. Tenho dificuldade em pensar tão para a frente, mas acho que o príncipe estará do lado de sua princesa em qualquer momento. Você não precisa se preocupar.
- Eu não estou preocupada, . Nunca estive. A maioria das garotas sempre soube do seu potencial, elas só não querem aceitar. Apesar de você ser fechada e eu não lhe conhecer bem o suficiente para chamar de amiga, sempre achei que você seria a princesa e aprendi a conviver com isso. Você pode não acreditar em mim, mas eu torço por você.
Aquilo realmente me surpreendeu. Natalie estava me falando que havia desistido da Seleção? O que aquilo significava? Como ela podia ainda estar ali sabendo de tudo isso?
- Por que você ainda faz parte da Seleção? - Aurora parecia ter tirado as palavras da minha boca.
- Minha província está estrategicamente posicionada na fronteira… Estou ajudando o príncipe a conseguir aliados para a guerra.
- Você sabe. - Anne sussurrou.
- Todas sabem. - ela sorriu. - O príncipe contou a todas sobre a guerra, ele apenas não quer que a notícia se espalhe, então ele pediu segredo.
Senti um aperto no peito. Todas sabiam?
- É uma boa estratégia. - Aurora deu de ombros.
- É sim. Só espero que funcione. Porque ele vai ter dificuldades em manter a Elite e, bem, uma guerra. - Natalie ficou de pé - Só queria dizer que não vou entrar nessa história de Samantha e Lauren de competição. Boa tarde, garotas. - Natalie sorriu e saiu, desfilando em seu vestido de nobre, como se nada estivesse acontecendo.
Natalie me assustou um pouco, precisava admitir, e me deixou com infinitas dúvidas. O que mais as Selecionadas sabiam que eu não fazia ideia? Quem era o príncipe ? Até que ponto eu o conhecia? Até que ponto haviam segredos que ele só compartilhava comigo? Com quem eu iria me casar, afinal?
- Só eu não esperava por isso? - Anne parecia perplexa.
- Não. Eu realmente não esperava que Natalie não quisesse ganhar. Mas ela tem razão sobre a atenção do público e acho que você pode ter problemas com toda essa aceitação, .
- Por quê? É apenas estatístico.
- Mas mostra poder. Tanto para os rebeldes do sul, quanto para nós. - ela disse, me deixando em dúvida se estava se referindo aos rebeldes nortistas ou a monarquia ao dizer “nós”. Talvez fossem ambos.
- Aurora, eu posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.
- Você contou para sobre ser uma rebelde?
- Contei para no mesmo dia em que contei para . Serena pediu.
sabia sobre Aurora antes de Serena nos contar na noite anterior? Apesar de parecer óbvio que o príncipe deveria saber algo como aquilo; eu ficava, mais uma vez, me perguntando o que sabia que eu não.
Aurora não podia estar mais certa. Os 80% de votos do povo deixou todos agitados, mas claramente ninguém foi capaz de me contar até ser extremamente necessário. Ou seja, só percebi o quanto aquela votação me afetava quando Mariee entrou no salão, acompanhada de Serena.
- Boa tarde a todas. - A rebelde tinha o cabelo preso em um coque alto e usava um vestido digno de um castelo. Aquilo realmente me surpreendeu.
- Finalmente! - Aurora levantou da poltrona e foi dar um breve abraço na rebelde. - Temos alguma novidade?
- Vamos conversar logo. Não se preocupe.
- Tudo bem.
Percebi que Mariee encarava as duas com a mesma suspeita que eu, me fazendo sentir que novamente estava por fora de todos os detalhes. Como Serena havia chego no castelo tão cedo? Eu sabia que ela estaria ali, era parte dos planos, mas não achei que ela fosse capaz de se passar por uma nobre tão rapidamente.
- . - Serena me cumprimentou, fazendo, por incrível que pareça, uma breve e discreta reverência.
- Serena. - sorri sem graça. - Como está?
- Bem. Você deve ser Anne, imagino. - Serena falou, mas fiquei em dúvida se Anne entenderia.
- Sou eu mesma, prazer. - Anne sorriu, mas sua resposta foi em francês.
- Ótimo. Enquanto conversam, gostaria de falar com você, . Podemos ir na minha sala? - Mariee interrompeu.
- Claro. - Mariee tinha uma sala?
Acompanhei a mais velha pelas escadas do castelo, até chegarmos ao andar que sabia ficar o escritório do rei. Mariee tinha uma sala mais à frente no corredor, organizada perfeitamente em tons de branco, madeira e verde. A mesma se sentou na cadeira atrás da mesa e me ofereceu uma do outro lado.
- Obrigada. - falei, sentando-me na poltrona e olhando confusa para tudo aquilo.
- Eu sou uma assessora.
- Como?
- Eu sou uma das assessoras do rei.
Fiquei surpresa, Mariee não era apenas uma tutora contratada para a Seleção, ela era uma assessora do rei. Suas opiniões contavam em todos os assuntos reais, incluindo a guerra.
- Eu não sabia.
- Eu imaginava. Acho que nenhuma das Selecionadas pensa algo assim, digamos que não há muitas mulheres no meu cargo. - ela sorriu, mas eu só conseguia pensar que, como assessora, Mariee tinha concordado em enviar a carta aos rebeldes sulistas. A carta que havia me deixado a mercê deles. - Mas eu queria conversar com você sobre outras coisas. Principalmente sobre a escolha do príncipe.
Engoli em seco. Apesar de saber o que havia sido decidido entre mim e , eu achava que nada me atingiria tão rapidamente. nem estava no castelo, por que alguém queria levar o assunto adiante no momento? O que Mariee queria discutir? Será que os votos do povo podiam ser tão significativos?
- Existe uma preparação extra para se tornar princesa, . Existem livros que você precisa conhecer, histórias que você necessita saber e situações do castelo que serão responsabilidade sua e da rainha. Acredito que você tenha noção que ser princesa é mais do que se casar com o príncipe . Você terá deveres reais e metas a cumprir. Apesar de ser uma união, será um trabalho. Um trabalho para toda a vida.
- Eu suspeitava. - foi tudo o que eu consegui dizer.
- Ótimo. Você terá um horário especial de estudos e precisarei de relatórios além dos que as outras Selecionadas farão. Ainda, , você terá conhecimento de coisas que ninguém além da família real tem, por isso, quando a rainha retornar de sua viagem, você deverá arranjar tempo para se reunir com ela. Por isso indico que você se dedique aos seus estudos.
- Mas as outras não vão perceber?
- Não exatamente. Não se preocupe com isso. O resto você entendeu? Compreende que é completamente sigiloso o que você vai ler e aprender? Ninguém pode saber. Não tenho conhecimento de outra princesa que teve acesso a tais informações antes do casamento, mas acredito que não estamos em uma Seleção comum.
- Acho que não temos tanta pressa, Mariee. O príncipe só decidiu se casar comigo por conta de Serena.
- Sei o que quer dizer, . Mas não vejo como uma Seleção pode prosseguir junto à guerra. Além do mais, foi que decidiu compartilhar tudo com a senhorita agora. Você compreende isso?
- Compreendo, mas disse que...
- Ótimo. - Mariee me cortou. - Gostaria de falar com você sobre a rebelde também. Já que ela está aqui e faz parte da minha responsabilidade.
- Serena? - não pude deixar de perceber um pouco de desgosto na voz da mulher sentada à minha frente. Sempre imaginei Mariee como uma especialista em bons modos e nunca como uma política. Apesar de admirar o fato de uma mulher ter um cargo tão importante, não podia deixar de me perguntar se Mariee estava realmente do meu lado.
- Sim. A rebelde. Espero que você cuide com o que compartilha com ela e me conte tudo o que vocês conversarem. Ou pelo menos tudo o que você pensar que eu deveria saber.
- Você quer que eu espione Serena para você?
- Não. O Rei gostaria de informações privilegiadas, caso você as tenha.
Respirei fundo.
- Claro. Eu posso fazer isso.
- Além disso, preciso saber quando os rebeldes do sul a procurarem. Você compreende que sem o príncipe aqui, é a mim que você deve pedir ajuda?
Como podia ter feito aquilo comigo? Eu não tinha percebido o quanto precisaria dele até aquele momento. Todos queriam algo de mim. Serena queria informações dos rebeldes e do governo (só não tinha coragem de pedir pelo segundo), o governo, isto é, Mariee, queria saber tudo sobre Serena e os rebeldes do sul e os rebeldes do sul, bem, eu não fazia ideia do que eles poderiam querer. E além de tudo isso, existia os 80% dos votos. O que será que minha família pensava sobre isso? Sentia minha cabeça girar.
- Eu compreendo e agradeço, Mariee. - sentia minha garganta seca. Sabia que a assessora só estava fazendo seu trabalho, mas… Será mesmo que eu podia contar com ela?
- Ótimo, querida. - ela conferiu o relógio. - As outras Selecionadas ainda devem estar em seus quartos, peço que faça o mesmo. Logo mandarei os guardas levarem alguns dos seus livros. Pode começar a folheá-los até a hora do jantar se lhe interessar.
- Certo. Obrigada, Mariee. - me levantei, sabendo que havíamos terminado por ali.
- Não se esqueça, . É confidencial. - ela disse, me vendo assentir antes de fechar a porta atrás de mim. Respirei fundo. O que eu estava fazendo?
Segui até o meu quarto decidida a não pensar naquilo. Mas a cada degrau, eu achava algo com o que me preocupar. Como eu podia enganar tanta gente ao mesmo tempo? Como eu poderia esconder tantos segredos assim? Como eu conseguiria ser uma rebelde nortista, uma rebelde sulista e uma nobre ao mesmo tempo? O que ia acontecer se eu cometesse um único deslize?
Não havia percebido que estava chorando até um dos guardas me parar para perguntar se eu estava bem. Eu não estava. Nem com todo o esforço do mundo eu conseguiria me sentir bem.
- Vou ficar. Obrigada.
Forcei-me a seguir a passos lentos até meu quarto, agradecida quando consegui fechar a porta atrás de mim. As lágrimas já escorriam mais grossas e não havia nada que eu pudesse fazer para disfarçar.
- Alguém poderia me preparar um banho, por favor? E abrir a porta quando alguém vier trazer livros?
- Sim, senhorita. - uma das minhas criadas me respondeu, fazendo a enorme gentileza de não perguntar o que estava acontecendo.
Apesar de eu saber que minha maquiagem estava manchada e que as lágrimas escorriam sem parar pelo meu rosto, eu estava chorando silenciosamente. Deixei que me ajudassem a tirar o vestido e soltar meu cabelo, esperando calmamente pela banheira quente.
Não sei dizer quanto tempo depois, mas quando saí do banho, já com os olhos secos de tanto chorar, encontrei uma pilha de livros em cima da mesa e apenas Meri no recinto. Ela me deu um sorriso triste quando me viu enrolada no roupão, querendo me confortar apesar de não saber o motivo. Eu estava extremamente agradecida por ter criadas tão gentis e verdadeiras amigas.
- Sente-se, . Vou pentear seu cabelo. - sentei em uma das cadeiras deixando com que Meri penteasse e secasse meus fios. - Você tem pouco tempo até o jantar. Gostaria de ir?
- Sim. Eu preciso.
Sabia que Serena seria apresentada a todas as Selecionadas no jantar e, por isso, eu deveria estar lá. Além disso, não podia deixar as outras pensando que haviam me amedrontado depois de decidirem competir, só me traria mais problemas.
- Tudo bem. Vamos trabalhar e você estará pronta.
E eu estava. Menos de uma hora depois, eu estava arrumada sentada no Salão de Refeições esperando por Mariee e Serena. Aurora e Anne conversavam empolgadas ao meu lado, enquanto Samantha, Natalie e Lauren sentadas do outro lado da mesa, pareciam entretidas com os próprios talheres. Eu conseguia sentir a tensão no ar e ficava me perguntando se aquilo havia sido causado pela votação.
- Boa noite à todas. - Mariee falou entrando majestosamente no salão acompanhada de Serena. Não sabia dizer se minhas descobertas sobre a mulher haviam aberto meus olhos ou me deixado com suspeitas infundadas sobre a mesma, mas ali, caminhando até nós, eu sentia que Mariee estava brincando de ser rainha. - Gostaria de parabenizá-las mais uma vez pela posição que tomaram. Espero que sabiam que como parte da Elite vocês possuem mais deveres e mais responsabilidades. Eu serei mais crítica a partir de agora, ainda mais por que vocês são parte da casta dos favorecidos, senhoritas Dois.
Senti as meninas empolgadas, os ânimos mudaram nem que um pouquinho entre nós. Senti que ser uma Dois era quase um conforto por não ser princesa.
- Enfim, para me ajudar nessa árdua tarefa de auxiliá-las daqui para frente e cuidar do castelo, eu receio dizer que tive que pedir ajuda. Por isso quero apresentá-las a senhora Serena. Uma importante nobre que conhece muito sobre os nossos costumes e será rígida na formação de vocês.
- Boa noite senhoritas. - Serena sorriu, olhando para cada uma de nós. Dava para ver que a rebelde parecia feliz e confortável com o momento. - Fico realmente feliz pela oportunidade de auxiliá-las nessa difícil tarefa. Mas temo dizer que estou aqui mais para avaliá-las do que ser realmente uma professora.
Percebi que Mariee havia armado para Serena, afinal a mesma não devia conhecer tão bem as boas maneiras para se passar por uma brilhante especialista capaz de tirar qualquer dúvida das Selecionadas. Serena estava fingindo ser nobre, ela não havia tido a educação perfeita para isso.
- Boa noite, senhora Serena. - respondemos quase em uníssono, fazendo Serena só alargar mais o sorriso.
- Ótimo. Por favor, sente-se. - Mariee indicou a cadeira na outra ponta da mesa para Serena e foi se sentar na cadeira onde normalmente estava o príncipe. Não sabia se ia se importar com aquilo, mas eu podia ver a estranheza no olhar de todas as outras mulheres ali presentes, menos Serena.
O jantar poderia ter sido ótimo ou desastroso, jamais saberei, pois ele nunca aconteceu. Assim que o garçom serviu o primeiro copo de vinho, já que estávamos comemorando a chegada de Serena, o alarme soou. Todos olharam para Mariee, esperando algum sinal dela, mas ela apenas me encarou. E aquilo não fez sentido para mim.
- Senhoras! - senti um guarda, que nem tinha percebido entrar no salão, colocar seus braços em meu ombro, me pedindo para levantar da cadeira. - Vamos levá-las para um abrigo, como são poucas, achamos melhor do que fortalecer o salão. Por favor, nos acompanhem.
Levantei da cadeira, sentindo Serena se colocar ao meu lado, em completo sinal de alerta. Ela não estava com medo ou preocupação, estava pronta para lutar. Ali soube quais rebeldes estavam nos atacando. Anne e Aurora também se aproximaram, deixando as outras três Selecionadas juntas no lado oposto da mesa, já de pé. Mariee conversava com um dos guardas e todas esperavam sinais do que fazer.
- Certo, senhoritas, ouviram o guarda! - Mariee falou. - Vamos segui-los em grupo! Ninguém fica para trás, ninguém vai na frente! Quero todas juntas! Se alguém sair do grupo, será expulsa da Seleção!
- Senhoritas. Vamos! - o guarda que antes falava com Mariee colocou a arma a postos e indicou para os outros dois que abrissem a porta. Estava tudo normal no castelo, estava claro que nenhum rebelde havia passado por ali ainda. Serena permanecia ao meu lado, enquanto Aurora ia no outro. Anne estava um passo atrás de mim e Mariee na frente, se nós não estivéssemos tão preocupadas, diria que todas estavam me protegendo.
Seguimos os guardas por corredores que eu não conhecia, mas tinha certeza serem dos criados. O que me fez pensar em como estaria Elise, Meri e Cleo.
- Você está bem? - Serena cochichou em meu ouvido.
- Sim. - deixei-a ler meus lábios.
- Está fechado! E AGORA? - ouvi um dos guardas dizer.
- O que está fechado? - Mariee perguntou.
- O abrigo! Já há alguém aqui dentro.
- Como?
- Eles sabem dos nossos abrigos. - um dos guardas concluiu.
- O que faremos agora?
- Vamos voltar para o Salão de Refeições, é o local mais perto. - o guarda chefe falou. - Vocês vão na frente, comecem a fechar as janelas. Quando eu chegar com as senhoras, quero tudo pronto!
- Sim, senhor. - os dois homens falaram e saíram correndo por onde viemos.
- Senhoras, creio que ainda estamos seguros. Mas preciso que sejam mais rápidas dessa vez. Vamos voltar exatamente por onde viemos.
- Tudo bem. Vamos! - Mariee disse e apressamos o passo.
O guarda estava certo e não tivemos muita dificuldade para voltar ao Salão de Refeições, além do provável rebelde que estava no abrigo, não encontramos mais nenhum. Ouvimos apenas uma troca de tiros, que apesar de nos assustar, não nos fez parar de seguir em frente. Logo, estávamos de volta no salão, com todas as janelas e portas fechadas com persianas de aço e a mesa de jantar exatamente como estava.
- Estão seguras, senhoras. Mas peço que não toquem na comida, alguém pode ter passado por aqui antes de nós.
Eu não sabia o que fazer. Nunca havia passado por um ataque como aquele. Eu não havia sido levada intacta e segura para o abrigo nenhuma vez e ficava me perguntando o que ainda podia acontecer.
- Vocês estão bem? - Mariee perguntou para o grupo. Recebendo acenos amedrontados em resposta. - Todas estão aqui, isso é bom! Bem, fiquem à vontade, pois não sairemos daqui tão cedo.
Olhei para todos a minha volta, esperando qual seria o próximo passo. Eu me sentia segura no enorme salão, mas ao mesmo tempo me perguntava como os rebeldes que se tornaram meus aliados poderiam estar atacando o castelo?
- Você sabe porque eles estão aqui? - Serena cochichou em meu ouvido, algo visto pelos olhos atentos de Mariee.
- Não sei. Achei que eles estariam mais calmos agora.
- Eu também achei. Estávamos enganadas, pelo visto.
- Será que eles achavam que iriam me encontrar?
- Difícil, era claro que você estaria protegida.
- Eu estou com medo. - admiti, sentindo os olhos lacrimejarem. Mas eu não iria chorar, não podia fazer isso ali. Não com os olhos atentos das Selecionadas, que haviam declarado competição contra mim; de Mariee, pronta para contar ao rei qualquer deslize meu, e de Serena, que apesar de parecer estar ao meu lado, deixava claro a quem era fiel.
- Eu nem imagino o quanto, . Eu sei que você se sente sozinha, mas acho que se você pensar bem, tem pessoas em quem confiar.
Respirei fundo. Eu tinha? Em quem eu podia realmente confiar? Quem eu conhecia que não estava nem um pouco metida no meio de tudo? Até Anne parecia ter seu lado da balança.
- Acho que todos querem um pouco de mim, Serena. - falei, olhando fixamente para Mariee.
- Acho que já percebeu que deve tomar cuidado com ela.
- Acho que eu devo tomar cuidado com todos, Serena. - falei, olhando-a nos olhos. Serena podia ser o mais querida comigo, mas eu não podia me deixar esquecer a que lado ela pertencia. E isso incluía Aurora. - Com licença.
Me afastei da mais velha, decidida a não confiar em ninguém. Eu estava sozinha nessa empreitada, pelo menos até voltar, e precisava agir como tal. Vi a mais velha seguir em direção a Natalie, parecendo querer manter seu disfarce e conhecer mais as Selecionadas.
- Posso me sentar? - perguntei a Anne e Aurora, que permaneciam sentadas no chão no canto perto de uma das janelas.
- Claro.
- Como você está? - Anne perguntou, segurando minha mão em forma de apoio.
- Aqui é melhor do que lá fora, com certeza. - brinquei, mas sentia meus nervos à flor da pele. Mesmo com toda a situação em que eu estava metida, jamais tinha cogitado uma invasão ao castelo.
- Vamos ficar bem. Somos a prioridade na proteção sem a família real aqui. - Aurora comentou.
- Somos o principal alvo também. - sussurrei.
- Acho que precisamos nos acostumar com isso, .
Não respondi Aurora, na realidade, acredito que não tenha dito mais nada até escutar um estrondo do lado de fora no castelo. Estávamos em relativo silêncio até a explosão assustar a todas.
- Estamos seguras aqui, senhoritas. - um dos guardas disse. - Acredito que esse armamento é nosso.
Armamento nosso? Estávamos bombardeando os rebeldes?
- Eu não queria estar do lado de lá. - Anne soltou, olhando arrependida para Aurora imediatamente. - Desculpe.
- Não se preocupe, eu nunca fui esse tipo de rebelde.
- Esse tipo?
- Até entre nós temos os mais rebeldes, . Eu acredito no fim das Castas e só. Acho que é bem óbvio que nunca quis prejudicar a família real, por isso estou aqui.
- Como você sabia que ia entrar?
- Eu não tinha certeza, mas os rebeldes me escolheram por um motivo… Se eu fizesse parte da sua Província, jamais conseguiria, por exemplo. Eu tenho um bom currículo, sabe, comparado com as outras de onde eu venho.
- Você queria ser princesa?
- Sim. Se não fosse por você, provavelmente jamais teriam me deixado ficar com . Eu entrei aqui para seduzir e me casar com … Nós acharíamos um jeito disso acontecer.
- Mesmo que você não o amasse. - afirmei, mas Aurora entendeu mais como uma pergunta.
- Sim. Acho que teria que ficar com mesmo amando seu irmão.
Aquilo foi um choque para mim. Pela primeira vez pensei o que seria de mim se eu já amasse alguém. O que eu faria se meu coração já fosse de outro? Me senti aliviada por um momento.
- Seria um fim trágico. - Anne comentou.
- Seria horrível. Por isso eu agradeço, .
- Claro, tudo bem. - dei de ombros, mas neste momento eu já estava com os pensamentos distantes. Será que eu seria capaz de amar alguém em algum dia?
Já passava da hora de dormir quando o castelo parecia finalmente livre de rebeldes sulistas. As horas presa ao Salão de Refeição deixaram todas doloridas e cansadas, apesar de no final termos decidido fazer uma roda com todas e conversar sobre assuntos banais. Chegamos até a dar risadas descontraídas, enquanto os guardas conferiam a segurança dos corredores.
- Estamos livres para ir aos dormitórios! Boa noite, senhoritas. Terão a manhã livre amanhã, devido ao incômodo de hoje. Mas não se acostumem! Almoçaremos mais cedo para compensar as horas perdidas. - Mariee anunciou. - Caso estejam com fome, suas criadas poderão providenciar jantar. Sinto muito pela situação. - E então passou pela porta.
Seguimos juntas até o andar das Selecionadas, onde Serena foi estrategicamente posicionada no quarto ao lado do meu.
- Boa noite, . - ela anunciou cansada, entrando no seu quarto.
- Boa noite. - falei, fazendo o mesmo, aliviada por encontrá-lo intacto, mas vazio. Onde minhas criadas estavam? Será que havia algo errado com elas?
Preocupada e sem ligar para o horário, me dirigi até a campainha presente do lado de minha cama para convocá-las, precisava saber se elas haviam sobrevivido ao ataque.
- Por favor, não faça isso, .
Levei um susto enorme que por muito pouco não resultou em um grito, quando vi ninguém menos que Drew aparecendo por trás da cortina. Não demorei nem um segundo para reconhecê-lo, apesar da barba por fazer e o uniforme da guarda real.
- Drew? O que você está fazendo aqui?
- Não recebo nem um abraço de oi? - ele brincou, estendendo os braços.
- Claro! Quanto tempo! Você não respondeu minha carta. - falei, seguindo para abraçá-lo forte. Drew estava mais forte do que eu lembrava, mesmo tendo visto há alguns dias.
Ele me abraçou firme. Não lembrava de ter tido um abraço tão íntimo com ele. Nós éramos amigos, mas nos víamos todos os dias, então eu só o abraçava nos aniversários e, sei lá, natal.
- Desculpe pelas cartas, mas saí de casa assim que você veio para cá.
- Como é?
- Sente-se, vamos conversar. Tenho alguns minutos ainda.
Drew pegou minha mão e indicou que eu sentasse em minha cama, eles fez o mesmo, olhando para mim.
- Você está linda. Essas roupas fazem bem para você - ele brincou.
- Linda? Estou acabada, ficamos um tempão presa no salão por causa do ataque dos rebeldes… - e então eu entendi. Era como se a lâmpada mágica do pensamento se acendesse naquele momento. Drew estava ali porque era um rebelde sulista.
- Imagino que já saiba porque eu estou aqui.
- Como isso aconteceu?
- Fiquei muito sozinho depois que você veio para cá, . Sua família estava tão feliz e esbanjando seu nome para todos os cantos. E eu sabia que você não estava feliz. Me arrependi de deixá-la vir para esse castelo já na primeira noite.
- Não havia nada que você pudesse fazer, Drew.
- Havia. Eu podia ter me casado com você. Podia tê-la pedido em casamento, . Eu sei que não seria o marido ideal e que você não me ama, mas eu te amo . Eu devia ter lhe dado essa opção.
- Minha mãe jamais permitiria. Além disso, acho que você merece amar alguém do jeito certo, Drew. Você não tinha a obrigação de acabar com o seu futuro para mudar o meu.
- Eu tinha essa obrigação. Ou pelo menos tinha a oportunidade! Mas isso não importa mais. A questão é que na mesma semana eu conheci pessoas que pensavam como eu. Pessoas que tinham raiva da monarquia e estavam cansadas desse tipo de tradição. Eu encontrei pessoas disposta a me ajudar a te tirar daqui.
- Me tirar daqui?
- Sim. É por isso que eu estou aqui, . O Chefe quer falar com você. Ele quer fazer planos e traçar metas. Fiquei tão feliz quando você se uniu a nós!
- Eu… Mas e sua família Drew? O que você disse para sua mãe?
- Que ia fazer um curso fora. Mando lembranças sempre que consigo.
- Eu ainda não consigo acreditar nisso tudo. Por que você não continuou em casa?
- Acho que foi o destino.
O que eu ia fazer? Como dizer para Drew que ele corria risco de vida estando ao lado dos sulistas? Como eu podia salvar meu amigo sem colocar a vida de milhares de pessoas em risco?
- Espero que você esteja certo, Drew. Mas se vocês já sabem que eu vou ajudá-los, por que invadir o castelo hoje?
- Para eu estar aqui. Precisávamos achar uma forma de entrar. Além disso, criamos estratégias para podermos nos comunicar mais vezes.
- Há mais rebeldes sulistas dentro do castelo?
- Não. Bem, há alguns na criadagem. Mas sempre estiveram lá, é assim que conseguimos algumas das informações. Mas eu não ficarei aqui dentro, por exemplo. Estamos acampados aqui perto e virei buscá-la amanhã à noite para nossa reunião. Será na floresta, então esteja agasalhada.
- Amanhã à noite?
- Sim, depois do jantar. - ele conferiu o relógio e ficou de pé. - Eu realmente preciso ir, . Mas fiquei realmente feliz em vê-la. - ele disse, beijando minha testa e saindo pela porta, provavelmente do mesmo jeito que entrou.
Respirei fundo, tentando inutilmente entender tudo aquilo. O que estava acontecendo com a minha vida?
Capítulo 16 - Lute Como uma Garota
- Ele realmente se aliou aos sulistas? - Serena falava baixo, mas era claro seu tom de indignação.
- Sim.
- Preciso admitir que não esperava por isso. - ela se ajeitou na poltrona da biblioteca, parecia intrigada, como se tentasse encaixar isso em seus planos. - Acho que eu não investiguei seu amigo o suficiente. - ela deixou escapar.
Apesar de saber que Serena e os rebeldes nortistas haviam passado um bom tempo me analisando e me seguindo, não pude deixar de repreendê-la com o olhar. Só porque estava no mesmo lado que ela, não significava que achava aquilo aceitável. Precisava deixar claro para Serena minha indignação.
- Certo, me desculpe por isso. - ela disse e apesar de eu acreditar em suas palavras, tinha certeza que ela faria novamente se necessário.
- Eu jamais achei que ele pudesse fazer algo assim. - comentei, voltando para o assunto que mais me preocupava. - É ridiculamente imprudente. Eu realmente não sei o que ele acha que os rebeldes sulistas tem a oferecer.
- Os sulistas nem sempre são sinceros, . Não sabemos o que eles podem ter prometido para ele. - Serena mantinha a voz baixa, mas eu queria simplesmente gritar. Mas que droga Drew!
- Não importa! Eles querem morte, Serena! M-O-R-T-E.
- Mas será que Drew sabe disso?
A pergunta de Serena era retórica. Não havia como responder aquilo, não tivera tempo o suficiente para conversar com meu amigo. Eu sabia o que Drew esperava que acontecesse, mas eu tinha minhas dúvidas sobre seu conhecimento sobre os métodos de seus novos aliados. Encarei o grupo de meninas disperso pelo grande cômodo, será que elas sabiam parte do que estava acontecendo? Será que até mesmo Aurora sabia?
- Você já contou para ela? - Serena indicou Mariee, que circulava pela biblioteca checando as garotas, com a cabeça.
- Não. Mas irei. - conclui. - Preciso sair do castelo a noite e não quero ser pega fazendo algo que Mariee não saiba.
- Vai falar sobre seu amigo?
Hesitei. O que foi uma resposta boa o suficiente para Serena, mas eu não ligava. Eu não confiava em Mariee e Serena sabia disso, não podia arriscar expor Drew para o governo. Não sabendo que talvez eu decidisse ajudá-lo no final. Mariee era uma aliada até certo ponto, como todos ali.
- Acho uma escolha inteligente. - Serena se levantou da poltrona. - Não se preocupe, , se ele vai com você estará mais segura do que pensa.
- Acho que nós dois estamos encrencados. - resmunguei, ainda incrédula com tudo aquilo.
- Não quero ser dura com você, . Mas acho que se os sulistas quisessem matá-la, já teriam feito. - Serena me olhava com certa ternura. - Entretanto, um conselho, lembre-se de sempre ser necessária. Sempre tenha algum motivo para eles precisarem de você. E, o mais importante, guarde seu segredo acima de tudo. - apesar de estarmos longe das outras, Serena sussurrava. - Eu preciso falar com as outras garotas. Converse com Mariee sobre isso, mais tarde irei ao seu quarto para conversarmos mais.
- Obrigada, senhora Serena. - falei alto, sorrindo cúmplice para a rebelde.
Olhei a mais velha andar em direção a Anne e voltei a encarar o livro em minhas mãos. Para aquele dia, eu havia recebido o livro que relatava toda a linhagem real desde os primórdios. Eram páginas e mais páginas de famílias que em algum momento da história tiveram seus filhos ou filhas adicionadas à família real. Cada capítulo mostrava uma geração, sendo o último responsável por apresentar os pais, avós, tios, primos e irmãos da atual rainha e mãe de , Ariele.
Apesar de eu realmente achar o livro interessante, nada me fazia concentrar-me completamente naqueles rostos. Às vezes eu me pegava pensando em minha família estampada ali, unindo-se por meio do matrimônio a família real, mas grande parte do tempo eu só conseguia pensar em Drew morto por um soldado em meio a guerra.
- Senhorita , como está? - só percebi que Mariee estava próxima quando ela se sentou na cadeira a minha frente, onde antes estava Serena. Fechei o livro, eu não havia decorado nem dez nomes a mais dos que eu já conhecia desde que chegamos à biblioteca.
- Precisamos conversar. - falei sem decoro, sentindo-me irritada com tudo aquilo.
Mariee arqueou uma das sobrancelhas, mas indicou que eu deveria continuar.
- Um rebelde sulista estava no meu quarto ontem à noite, encontrei-o quando saímos do salão. - falei o mais baixo que achei possível. - Parece que o ataque foi uma distração para ele conseguir entrar no castelo.
- Ele estava nos seus aposentos? Mas foram todos revistados. Como ele conseguiu?
- Eu não sei. - resolvi responder, apesar de saber que Mariee estava mais perguntando para si mesma. - Mas ele estava lá, Mariee, vestido com o uniforme real.
- Eles nos enganaram. Como pude ser tão inocente? Eles estão com pessoal reduzido, estão atacando algumas vilas. É claro que não teriam coragem de ir atrás de nós.
Concordei com a cabeça, engolindo em seco enquanto a mulher parecia colocar os fatos em ordem. Não sei se concordava com Mariee, afinal eles estavam atrás de uma de nós, não?
- E o que ele queria? Me conte tudo, .
- Ontem foi apenas um aviso, parece que o chefe quer falar comigo. Devo sair do castelo hoje à noite para encontrá-los na floresta.
- Você o quê? - Mariee estava claramente chocada, ela não parecia estar pronta para aquilo. - Eles estão dentro dos muros?
- Se não estão, hoje à noite estarão. - conclui.
- Você está me dizendo que um rebelde sulista virá aos seus aposentos novamente hoje à noite para levá-la para uma reunião no meio da floresta?
- Sim. - senti minha voz falhar. Apesar de confiar em Drew, ouvir Mariee ser tão clara com os acontecimentos me assustou. Pois era exatamente aquilo que eu iria fazer e parecia uma péssima ideia.
- O príncipe jamais vai me perdoar se acontecer alguma coisa com você, . - Mariee percebeu o que havia falado no mesmo momento que eu. O príncipe não vai perdoá-la? Aquilo foi um absurdo, estava claro que Mariee não ligava para o que poderia ou não acontecer comigo, apenas no que isso resultava na vida dela.
- Não se preocupe, Mariee. Pretendo voltar viva pelo menos dessa vez. - falei seca. Eu não ligava se ela estava mandando no castelo, não ligava se era uma assessora ou até a própria rainha. Eu não ia tratar bem alguém que era capaz de me negociar para os rebeldes e sequer se preocupar realmente comigo. Mariee havia mostrado seu real caráter, eu estava certa em desconfiar dela afinal.
Mariee me encarou por um segundo, pensando em como deveria lidar comigo. Eu havia sido imprudente e um pouco desrespeitosa, mas não significava que ela estava certa. Como a pessoa responsável por me proteger estava nem ligando realmente para mim?
- Eu não sou sua inimiga, . - ela disse, ficando de pé. - Não queira me tornar uma. - e então saiu, me deixando sentada na poltrona sem resposta. Senti meu sangue ferver, ela me ameaçava também?
***
Apesar de me sentir revoltada e perdida, decidi que o melhor que podia fazer era me dedicar ao livro que tinha em mãos. Não havia nada que eu pudesse fazer, ainda mais com os olhos atentos de Mariee em cima de mim. Depois de sua atitude chegava a me perguntar se Mariee seria capaz de agir contra mim. Será que no lugar de me ajudar, como pedido por , ela podia me prejudicar?
Abri mais uma vez o livro, deparando-me com o retrato de página inteira da rainha Ariele. Ela usava um vestido bonito e parecia confortável com sua coroa, no rosto tinha um discreto sorriso, como se estivesse feliz demais para ficar séria. Foi impossível não me imaginar ali, posando para a foto com a coroa em minha cabeça. Será que eu estaria feliz igual a ela?
Senti meus olhos ameaçarem a lacrimejar. Eu estava exausta. Estava com tanto medo por mim e Drew que me sentia completamente perdida. Lutando contra meu próprio instinto de desistir. O que eu tinha feito para merecer tudo aquilo? Onde eu havia errado que tinha acabado ali, no meio de toda aquela artimanha política?
Me levantei calmamente e caminhei até a janela mais próxima, a qual parecia longe o suficiente de qualquer outra pessoa ali. As lágrimas escorreram silenciosas enquanto eu encarava o enorme jardim do castelo e a floresta que seguia até onde meus olhos podiam ver. Eu estava chorando e não podia deixar que ninguém ali percebesse.
***
Não sei quanto tempo fiquei na janela, fingindo ler meu livro, mas ainda estava lá quando Mariee pediu para que fossemos almoçar em nossos aposentos. Encarei Mariee e percebi que ela estava com medo. O castelo era responsabilidade dela e havia invasores ali. Fiquei me perguntando se ela não faria nada imprudente que me denunciaria para os sulistas.
- Levem os livros com vocês. - Mariee disse - Ao anoitecer eu quero relatórios sobre o que aprenderam. Amanhã vocês já terão outra lição. Podem passar a tarde no Salão das Mulheres ou em seus aposentos. Mas saibam que terão guardas em todos os lugares após o último ataque.
Aquilo significava que teriam homens no Salão das Mulheres. Será que ela podia permitir aquilo? Sem a rainha Ariele no local? Escutei discretos resmungos. Ninguém estava a fim de passar o dia todo focada em um livro, mas eu incrivelmente estava. Qualquer coisa que prendesse minha atenção naquele momento era melhor do que pensar em Drew e naquela noite.
- . - Mariee chamou, antes que eu passasse pela porta. As outras Selecionadas já seguiam conversando escada acima até seus aposentos.
- Sim?
- Obrigada pela informação. Saiba que todas as medidas de segurança que tomei são prudentes devido ao ataque, segui todos os protocolos. Seu segredo está seguro. - aquilo me tranquilizou. Assenti, sentindo um nó no estômago. - Se possível, também use seu dia para estudar os outros livros que lhe entreguei.
- Claro, senhora. - respondi o mais formal que pude, fazendo Mariee notar que eu estava distante. Ela precisava saber que nossa conversa havia sim afetado nossa proximidade.
- Pode ir para seus aposentos agora. - a mulher não parecia querer reforçar nossos laços.
Serena me esperava do lado de fora da Biblioteca. Seu sorriso era cúmplice e demonstrava até mesmo afeto. Ela sentia-se mal por mim, talvez até um pouco receosa por ter deixado meu mundo ainda mais de cabeça para baixo.
- Podemos almoçar juntas?
- Claro. Acho que precisamos resolver como vou lidar com tudo hoje. - falei, sentindo o desânimo em minha voz.
- Percebi que brigou com Mariee. - ela disse baixo, pedindo para seguirmos até nossos aposentos. A encarei confusa. Era impossível que ela tivesse escutado algo. - Eu sei ler as pessoas. Principalmente você.
- Ah, ótimo.
- Deixe de ser emburrada e me conte o que aconteceu. - ela brincou comigo, batendo de leve seu ombro no meu.
- Podemos pedir vinho para o almoço? - brinquei de volta. Deixando claro que uma bebida cairia bem para o assunto.
***
O almoço com Serena foi muito melhor do que eu esperava. Apesar da rebelde ser alguns anos mais velha que eu, conversava comigo como se fôssemos velhas amigas. Para descontrair, Serena brincou e me deixou brincar. Rindo e concordando comigo quando conversamos sobre Mariee, Drew, Anne e até Aurora.
Quando chegamos na parte realmente importante, eu havia dado poucas garfadas no almoço e tomado alguns goles de suco, afinal vinho não era uma boa ideia considerando a noite que eu teria. Serena foi realmente muito útil e eu estava grata por ter tido a ideia de chamá-la para o castelo comigo. Conseguimos pensar em perguntas e respostas, formas de correr e ela até me ensinou alguns poucos golpes, já que decidimos que o mais seguro era eu não levar armas.
- Vou deixá-la estudar e descansar um pouco, . Provavelmente não vou aparecer de novo, mas vou estar acordada de noite, caso precise de mim.
- Obrigada. Mesmo. - A rebelde saiu do quarto com um sorriso. Assim que Serena saiu, apertei a campainha para avisar Elise, como prometido. Não demorou nem cinco minutos para as três voltarem para o quarto, carregadas de vestidos limpos.
- Como está, senhorita? - Elise perguntou, guardando um dos vários vestidos que as três trouxeram. - Percebemos que um dos pratos estava praticamente intocável. Achamos que a senhorita não almoçou bem, não estava do seu agrado?
- Como é? - eu ri. Achando graça da repentina curiosidade e atenção das três. - Desde quando vocês analisam meu prato?
Percebi que havia tocado em um ponto estratégico quando as três se entreolharam em dúvida do que fazer.
- Desde que o príncipe saiu, senhorita. Mariee pediu para todas as criadas prestarem atenção. Faz parte do nosso dever garantir a sua saúde.
- Não se preocupem, só estava sem fome. Com certeza vou acabar comendo mais de tarde. - sorri, aceitando a explicação delas. - Souberam que vamos passar a tarde aqui?
- Sim, fomos avisadas. A senhorita não irá ao Salão das Mulheres então?
- Estava pensando em ficar, se não for atrapalhá-las.
As três deram risada, parecendo achar graça.
- Você sabe que são seus aposentos, não sabe? - Meri brincou.
- Eu sei. Mas também sei que vocês têm muito o que fazer aqui. Pretendo ficar nessa mesa estudando a tarde toda. Sem incomodar. Prometo.
***
Eu não sabia que horas exatamente Drew apareceria e andava de um lado para o outro fazia um tempo. Mariee já havia passado para recolher pessoalmente nosso relatório e conferir comigo se eu havia lido mais algum dos livros que ela mandou. E eu havia. Passei a tarde toda me dividindo entre os livros, algumas bolachas e litros de água. Fazia muito tempo que não rendia tão bem em algo. Era como se eu tivesse esquecido de tudo que viria a seguir.
Entretanto, toda calma havia passado após o jantar. Quando liberei as meninas para dormir e me aprontei para a reunião. Era claro que eu estava nervosa e o salto alto, ora batendo no assoalho, ora abafado pelo tapete, parecia me acalmar. Estava ficando cansada de esperar quando escutei a maçaneta abrir. Prendi a respiração involuntariamente. Mas Drew sorria, usando o uniforme dos soldados mais uma vez.
- Boa noite, senhorita. - ele zombava de mim, fechando a porta atrás de si.
- Boa noite. – sorri, esperando-o para dar-lhe um abraço. Era estranho como nos cumprimentávamos com abraços agora.
- Você está bonita.
- Obrigada. Precisei tomar banho e colocar a roupa de dormir para as meninas não desconfiarem, então coloquei um vestido limpo.
- Mangas compridas. Escolha inteligente.
Assenti. Encarando-o e tentando descobrir o que havia de tão diferente em Drew. Em que momento meu amigo tranquilo havia virado um rebelde com roupas de soldado que lhe caiam tão bem?
- ?
- Sim? – percebi que havia me perdido em pensamentos.
- Está pronta?
- Sim. Desculpe. Vamos?
- Preciso que vá descalça, pelo menos até o jardim. – ele disse, apontando para meus saltos.
- Claro. – tirei os saltos com facilidade, agradecendo por não escolher um modelo preso ao pé por alguma fivela.
- Não podemos fazer barulho. – ele comentou, abrindo a porta.
Segui Drew sem emitir qualquer som, será que Serena estava percebendo que estávamos saindo naquele momento? Esperava que sim. Percebi que estava menos nervosa do que antes. Drew, que andava olhando todos os cantos a minha frente, parecia realmente querer me proteger. Saímos para o jardim por outra porta. Na realidade, entramos em um corredor parecido com o dia do ataque assim que chegamos ao andar principal, passando por corredores vazios de funcionários até sentir o sopro da brisa.
- Pode calçar os sapatos, se não quiser pisar na grama.
Eu não queria. Coloquei os saltos antes de sair pela porta, vendo Drew pela luz da lua. Apesar de saber que era real, tudo aquilo parecia um sonho que eu logo iria acordar. Eu e Drew estávamos mesmo saindo “escondido” do castelo real para encontrar talvez a pessoa mais perigosa do reino.
- Está com medo? - ele me olhava curioso.
- Deveria estar?
- Depende, . O que você sabe?
- O que eu sei?
- Nunca cheguei a realmente falar com o Chefe, mas pelos rumores você pode nos contar coisas dos nortistas. Os quais não parecem atacar o castelo há algum tempo.
- Eles não confiam muito em mim. Então não sei muito.
- Como você os encontrou?
- Eles me encontraram. Não sei se deixei transparecer, mas eles sabem que eu não estou exatamente feliz no castelo. Então pediram informações do príncipe.
- E você deu?
- Falei o que eu sabia, Drew. Eles não me falam basicamente nada. Estive com poucas vezes e nunca falamos sobre ele ou o castelo. O príncipe sempre pergunta sobre minha família ou nossa Província. Ele inclusive me perguntou sobre você.
- Sobre mim?
- Sim. Ele viu o vídeo em que me despedia de você lá em casa.
- Entendi. E aquele dia em que vocês saíram de noite? – senti os músculos de Drew se tensionarem, ele estava nervoso com a resposta.
- Falei para o príncipe que o castelo podia sufocar às vezes. Ele me levou naquela casa de campo para me agradar, dizendo que era o máximo que podia fazer para me ajudar.
- Gentil.
- Ele sabe ser legal. Se bem que com o dinheiro e poder que ele tem.... Qualquer um.
Drew não respondeu, então seguimos em silêncio por mais algumas árvores. Senti que ele não fez o caminho mais curto e sim o mais seguro. Aquele que não me faria achar o esconderijo novamente se tentasse. Mas pior, não me deixaria sair correndo se precisa-se.
- Estamos chegando. – ele comentou, abrindo caminho por algumas folhagens até um pequeno acampamento. Onde cerca de 20 homens nos encaravam em pé, em frente a uma lareira. O homem da foto estava parado no centro deles, usando roupas pretas ele era exatamente como eu me lembrava. Engoli em seco.
- Você a revistou? – um dos homens mais fortes, parado bem a minha frente, perguntou, antes que qualquer um falasse qualquer coisa.
- Sim. – Drew mentiu.
- Ótimo. – ele deu um passo para o lado, se afastando e dando espaço para que prosseguíssemos.
- Boa noite, senhorita . – o Chefe me cumprimentou, enquanto Drew gentilmente me empurrava para eu me aproximar.
Respirei fundo e criei uma coragem que não tinha.
- , por favor. – falei, caminhando para apertar sua mão. – Boa noite.
- , então. – ele assentiu, sua mão era cheia de calos apertando a minha. – Linda noite, não?
- Não acho que dê para ver muito entre tantas árvores. – comentei. Eu precisava ser a pessoa que eles pensavam. Precisava ser a nobre que aceitou ser espiã para os nortistas e espiã dupla para os sulistas.
O Chefe riu, olhando para cima, encontrando apenas a copa das árvores nos cobrindo.
- Faz parte do charme.
Foi minha vez de rir.
- Temos noções diferentes do que é charme, senhor... – esperei que completasse para eu descobrir seu nome.
- Chefe. Pode me chamar de Chefe, .
- Me desculpe, mas não acho que o senhor seja meu chefe.
Drew pigarreou atrás de mim. Ele não conhecia aquela pessoa que eu estava demonstrando ser, eu sabia. Aquela mulher não era eu. Atrevida, sem educação e, bem, corajosa.
- Podemos mudar isso.
- Você me fez uma proposta perigosa.
- Não fiz. Um dos meus homens fez. Tenho uma proposta diferente para você.
Engoli em seco. Uma proposta diferente?
- Como? - senti minha voz praguejar.
- Primeiro me conte o que sabe.
- O que eu sei? Você quer que eu lhe dê informações de graça?
Então o Chefe, pois não sabia mais como chamá-lo, riu de um jeito completamente assustador. Ele não estava mais brincando comigo, ele não estava mais a fim de trocar farpas e grosserias.
- Vamos lhe dar motivos, então. – ele comentou e, como se fosse combinado, um de seus homens levantou uma arma diretamente para a cabeça de Drew.
Os olhos do meu amigo mostravam a mesma surpresa que os meus. Os rebeldes sulistas não eram nossos aliados? Drew não estava no mesmo lado que eles?
- As informações? – o Chefe falou, me fazendo encará-lo novamente.
- Não tenho muitas informações. Não sei o que seu homem lhe passou, mas eu ainda estou começando a entrar no grupo dos nortistas.
- Como acabou lá? Para começo de conversa.
- Eu nunca quis ir para o castelo. E acho que minhas atitudes me denunciaram. Um dos rebeldes, um homem que não conheço, também vestido de soldado – olhei para Drew por um momento, a arma continuava em sua cabeça – foi me procurar. Queria que eu passasse informações para eles.
- Que informações?
- Tudo o que eu descobrisse. Mas não é como se o príncipe falasse muito. Consegui detalhar o Salão das Mulheres, pois parece que ninguém conseguiu uma planta atualizada. Algumas informações sobre como funcionam as refeições e pouco sobre as outras Selecionadas, a maioria já não está mais no castelo. - a maioria das coisas eu já havia pensado com Serena, imaginando algumas das perguntas, outras apenas surgiam na minha mente.
- Certo. Então você diz que os nortistas não confiam em você?
- Ainda não, pelo menos.
- Conversou com eles depois do seu resultado?
- Resultado?
- Sim. Você é a favorita com 80% dos votos. É um recorde admirável, nenhuma Selecionada chegou perto de 50%.
- Ainda não.
- Estranho.
- Estranho?
- Não fomos nós que fizemos esse resultado. Pelo menos não de propósito. Poucos dos meus homens votaram. E eu não acho que o povo seja capaz de tanto, apesar de saber que o número de votantes não foi tão significativo.
- Você acha que foram os nortistas.
- Sim. Acho que eles têm outros planos para você, .
Parei para pensar. Não estava pronta para aquele tipo de insinuação. Assim como não estava pronta para dar tanta informação assim, sem nada em troca. Drew parecia irritado já, com a arma mirando no meio de seu crânio. O que será que ele estava pensando?
- Acho que eles querem te transformar em princesa e usar isso para conseguir o fim das castas. – o Chefe disse, entediado com meu silêncio.
Não fingi surpresa. Apenas encarei-o firme.
- Se o senhor estiver certo, é um objetivo esperançoso. É o príncipe que escolhe, ninguém mais.
- Está errada. Conheço essa família real o suficiente para obrigá-los a escolhê-la.
- Você quer me transformar em princesa? – aquilo me surpreendeu de verdade. Em momento algum achava que os sulistas tinham pensado nisso. – Achei que vocês queriam acabar com a família real.
- Nós queremos desacreditá-los. Queremos que o povo perceba os privilegiados filhos da puta que eles são. E nada melhor que alguém de dentro para fazer isso.
- O senhor quer que eu consiga virar princesa para então acabar com a família real da qual farei parte? - estava claro em meu tom o quanto achava aquilo impossível.
- Vamos protegê-la.
- Eu não sei se consigo.
- Acho que você não entendeu, . Não tem muitas opções aqui. Fomos tolos ao pensar que o príncipe podia estar conversando com Serena, admito. Ele não seria tão rebelde assim, cresceu acreditando nas castas e amando tudo o que o velho faz. Já você não é assim. Sei que pode não querer acabar com a família real, mas descobrimos seu segredo. O que você acha que a família real faria com você se também descobrisse?
Fingi engolir em seco. Pelo menos achei que estava fingindo. Aquele caminho era muito diferente do que tinha imaginado.
- Acredito que tenha uma pequena noção. Então você está nas nossas mãos agora, senhorita. Recomendo que se una a nós de boa vontade.
- Como quer que eu confie em você? Acredite que vai me proteger se consegue ameaçar até meu amigo. Aquele que no caso já confia em vocês? Como sei que não vai me matar na primeira oportunidade?
- É simples. Não me faça querer matá-la. Ou melhor, se torne a arma que eu espero que seja, . Sei que não começamos bem, mas você não tem ideia de como poderia ser bem vista aqui se fizer o que eu penso. Do poder e benefícios que pode encontrar se unindo a mim. - estava ridiculamente claro que aquele homem estava se insinuando para mim.
- Tudo bem. Mas se eu serei tão importante e necessária assim, preciso também de algo em troca. - não sabia como havia pensado naquilo, mas já me sentia armando formas de sobreviver. - Preciso que vocês cuidem de mais do que meu futuro como princesa, preciso que cuidem do meu presente. As ameaças que você me fez também podem ser feitas pelos nortistas, ainda preciso ganhar a confiança deles e assim terei mais informações. Elas não serão gratuitas, não vou deixar o senhor me ameaçar sempre com a mesma coisa, Chefe.
Ele sorriu satisfeito, concordando com a cabeça antes de continuar: - O que você propõe?
- Primeiro: chega de ameaças. - ergui um dedo, indicando o número um. - Vamos fingir que eu estou aqui unicamente porque eu quero. Nada de querer me matar ou a Drew. Estou aqui porque confio nele e isso precisa ser valorizado. Quero vê-lo em todas as reuniões que teremos, para ter certeza que está bem. Nem um arranhão, senão eu acharei uma maneira de denunciá-los a guarda real.
O Chefe assentiu e indicou que a arma focada em Drew fosse guardada. Sorri para ele, que parecia irritado.
- Segundo: preciso de proteção contra os nortistas. - ergui mais um dedo. - Eles não podem sonhar que estou do lado de vocês, logo, não usaremos correio ou mensageiro. Nada de assinar cartas ou algo assim, já passei por isso. Irei escrever cartas para meu amigo de infância, o qual tenho saudades e receberei cartas dele. Achem uma maneira de isso virar uma fonte de informações e me avisem.
O Chefe olhou para um dos homens, como se quisesse saber se o que eu pedia era possível.
- Preciso de três dias. – o homem com barba feita e porte quase comum respondeu.
- Temos um acordo, .
Sorri para ele e aceitei sua mão estendida.
- Já que aceitei chamá-lo de Chefe, meu nome agora é senhorita para o senhor. – brinquei, esperando que ele aceitasse a deixa para descontrair.
- Quem sabe um dia. – ele riu um pouco. Acho que a liberdade não era tão grande com seus homens.
- Tenho mais uma dúvida antes de ir.
- E qual seria?
- Não há mulheres no seu exército?
- Nem sempre temos esse prazer. – ele sorria malicioso.
- Ótimo. – soei irônica. – Algo mais?
- Por hoje é só. Drew a encontrará em três dias. Sua primeira prova de lealdade será não contar que estamos aqui. - ele pediu tarde demais.
- Boa noite. – falei, já me virando para voltar por onde vim.
- No fim das contas foi útil você ter fugido. – um dos homens ali em volta comentou, me fazendo olhar para ele e reconhecê-lo como aquele que havia sumido no dia do ataque. – Você com certeza não serviria para ser princesa caso eu tivesse colocado as mãos em você.
Eu tremi. Não sabia se era possível ver só com a luz da fogueira mais ao canto, mas aquelas palavras me atingiram em cheio. Não respondi, não tinha resposta para aquilo. Olhei para Drew, me aproximando mais dele, rezando para ele ser o responsável para me levar de volta. Eu havia perdido totalmente qualquer sensação de confiança que eu tinha.
- Vamos. – ele disse baixo, sem coragem de me encarar.
Drew me guiou por mais caminhos desconhecidos, sendo alguns pedaços diferentes do que usamos para ir. Ele estava em silêncio, andando alguns metros à minha frente. Eu sentia frio, mas não sabia dizer se era por causa do tempo ou se de repente havia perdido as forças. Por que ele não falava comigo? Estava bravo por eu aceitar ser princesa? Afinal ele não sabia sobre tudo. Será que ele estava com medo dos sulistas depois daquela reunião? Como eu podia contar para ele que meu destino estava traçado muito antes dele resolver vir me salvar?
De repente ele parou. Drew se virou devagar, me olhando com os olhos brilhando pela luz da lua. Seu rosto era sério, mas ao me encarar ele relaxou.
- Eu não sabia, . – ele disse baixo, desviando o olhar. – Eu não fazia ideia. Eles me usaram para chegar até você e mentiram para mim. Eu estava aqui para te tirar do castelo e não o contrário. Me desculpe.
- Não se preocupe. – me aproximei dele, pegando sua mão e pedindo para que me encarasse. – Você não consegue ir para casa?
- Ir para casa? Você está louca? E te deixar na mão deles?
Parte de mim ficou aliviada, não posso mentir. Mas eu precisava insistir, precisava de alguma forma dizer para Drew que era melhor para ele voltar para nossa Província.
- Eles são perigosos Drew. Muito mais do que eu pensava. - deixei escapar. - Queria lhe explicar como é estar no castelo, mas… Eu não sei como me meti nisso tudo. Como fizemos isso? Por que os rebeldes vieram atrás de mim?
- Eu não sei. Mas vamos passar por isso juntos. Eles têm razão quanto a sua aprovação e eu sei que está preocupada comigo, . Obrigada por me salvar, por sinal. - ele deu um sorriso de canto. - Mas acho que eles precisam mais de você do que pensa. Nossos exércitos estão enfraquecendo, muitos estão morrendo nas vilas. Essa história do príncipe viajar… Você acha que ele seria capaz de nos atacar?
Senti minha respiração falhar, mas obriguei-me a disfarçar. Não podia entregar daquela maneira, Drew não podia desconfiar.
- Um ataque? No meio da Seleção? Olha, eu não conheço o príncipe o suficiente, mas acho que ninguém seria louco a esse ponto. A população não ia perdoá-lo, ia?
- Eu não sei. Acho que os sulistas estão com medo. A família real nunca fez nenhum tipo de retaliação, mas…
- Eu te direi se ouvir algo, Drew. Mas acho que a família real não seria capaz de fazer isso com tantas Selecionadas, é absurdamente imprudente. - menti. Não era a primeira vez e provavelmente não seria a última, mas aquilo doeu. Drew parecia estar realmente preocupado com a ideia de se meter em uma guerra e como eu poderia culpá-lo?
- Certo. Mas você precisa se cuidar. Se os rebeldes nortistas desconfiarem ou o rei…
- Eu estou morta. - concluí. Aquilo já parecia menos absurdo depois de pensar tanto na ideia. - Eu tenho medo disso. Mas tenho medo dos sulistas também. - admiti.
- Eu vou tentar cuidar deles. Agora temos que ir, está ficando tarde. - Drew voltou a caminhar silenciosamente comigo até deixar-me em meus aposentos. Eu me sentia confusa e preocupada, não imaginava que os sulistas podiam querer exatamente a mesma coisa de mim. E que história era aquela deles acharem que minha votação tinha parte significativa de nortistas?
Eu me sentia cada vez mais presa naquela intriga política e cada vez mais perto de errar algo. Além disso, agora eu tinha informações para que não queria entregar para Mariee e não tinha certeza até que ponto Serena me defenderia, ainda mais se a votação fosse culpa dela. Precisava muito pensar.
***
- Senhorita? Tudo bem? - Meri, Cleo e Elise entraram em meus aposentos na mesma hora que faziam todas as manhãs, entretanto naquele dia eu já estava acordada, sentada em minha mesinha focada nos livros.
- Sim. Tudo certo. Só não consegui dormir muito bem. - comentei, sendo o mais sincera possível. A realidade é que não havia conseguido dormir por nem um minuto, minha mente inquieta vagava entre Serena, Mariee, o Chefe, Drew e . E apesar de aquilo parecer insignificante, eu me pegava pensando em mim e e se aquilo podia dar certo.
Eu me lembrava de ter afirmado para que me casaria com ele naquele baile, me lembrava de dizer que o que eu sentia não seria prioridade e que se ele me escolhesse eu estaria ali por ele. Mas naquela noite aquilo me assombrou, eu estava preparada para ter uma vida no meio de toda aquela confusão? Eu estava preparada para viver uma vida com alguém que eu mal conhecia?
- A senhorita gostaria de um chá? - Cleo perguntou, aproximando-se com um sorriso amigável, o trio parecia um pouco preocupado comigo.
- Na verdade, eu gostaria sim, mas de um que me mantivesse acordada pelo resto do dia. - brinquei, fazendo-as rir.
- Pode deixar comigo. - a morena brincou, saindo pela porta que entrará.
- Vou preparar seu banho. - Elise comentou, partindo para o banheiro.
- A senhorita está realmente bem? - Meri perguntou, abrindo o armário atrás de algo para eu vestir.
- Sim. Pareço tanto não ter dormido? - perguntei, fazendo Meri rir um pouco.
- Não, nada que uma maquiagem não ajude.
Alguns minutos depois eu já estava vestida para o dia e tinha os cabelos secos e penteados por Mariee. Apesar de ser um pouco mais cedo que o costume, arrumei meus livros, guardando-os junto as minhas anotações em um lugar seguro.
***
Bati levemente na porta de Serena como o combinado, tínhamos poucos minutos até o horário do café da manhã, mas achava que aquela seria uma das poucas oportunidades que teria para falar com ela.
- Estou quase pronta, pode entrar. - ela disse, abrindo a porta. - Já liberei as meninas, estamos sozinhas. Me conte tudo.
Sentei na cama de Serena e respirei fundo, estava em dúvida de como me sentia com tudo aquilo. Até que ponto podia confiar nela?
- Foi você que fez meus números chegarem a 80%? - resolvi ser direta, esperando uma reação um pouco mais arrependida da mulher.
- Sim e não.
- Pode explicar? - encarava a mulher pelo espelho, Serena arrumava o próprio cabelo em um penteado simples, prendendo-o em um rabo de cavalo.
- Todos os nortistas sabem da nossa relação com o príncipe e nosso conselho concordou em te aceitar no lugar de Aurora. Os votos dela foram automaticamente para você, mas eu não pedi para que votassem em você, eles simplesmente quiseram.
- Isso entregou o seu plano para os rebeldes sulistas. Quero dizer… Em vez de me usar como Selecionada para acabar com a Seleção, eles querem me usar como princesa.
- Os rebeldes sulistas também a querem no trono? - Serena também estava surpresa. - Achei que seu amigo tinha dito que ele queria te tirar daqui.
- Ele queria, mas os planos mudaram quando apontaram uma arma para a testa dele. Nada, absolutamente nada saiu como o planejado, Serena. Os sulistas acham que estão no comando. O Chefe disse que sabe como fazer me escolher como princesa e que depois disso, me protegerá e nós acabaremos com a monarquia. - o desespero era evidente na minha voz. Eu simplesmente precisava dividir aquilo com alguém.
- Eles mudaram completamente os planos. Completamente. Como será que pretendem fazer a escolher? - Serena parecia nervosa. - Não consigo entender. Eles andam muito voláteis.
- Agora Drew sabe que eles não são sinceros e ele me contou que os sulistas estão com medo de uma retaliação do príncipe. Você precisa conversar com , Serena. Não sei se posso confiar em Mariee depois de ontem.
- Sim.
- Preciso admitir que não esperava por isso. - ela se ajeitou na poltrona da biblioteca, parecia intrigada, como se tentasse encaixar isso em seus planos. - Acho que eu não investiguei seu amigo o suficiente. - ela deixou escapar.
Apesar de saber que Serena e os rebeldes nortistas haviam passado um bom tempo me analisando e me seguindo, não pude deixar de repreendê-la com o olhar. Só porque estava no mesmo lado que ela, não significava que achava aquilo aceitável. Precisava deixar claro para Serena minha indignação.
- Certo, me desculpe por isso. - ela disse e apesar de eu acreditar em suas palavras, tinha certeza que ela faria novamente se necessário.
- Eu jamais achei que ele pudesse fazer algo assim. - comentei, voltando para o assunto que mais me preocupava. - É ridiculamente imprudente. Eu realmente não sei o que ele acha que os rebeldes sulistas tem a oferecer.
- Os sulistas nem sempre são sinceros, . Não sabemos o que eles podem ter prometido para ele. - Serena mantinha a voz baixa, mas eu queria simplesmente gritar. Mas que droga Drew!
- Não importa! Eles querem morte, Serena! M-O-R-T-E.
- Mas será que Drew sabe disso?
A pergunta de Serena era retórica. Não havia como responder aquilo, não tivera tempo o suficiente para conversar com meu amigo. Eu sabia o que Drew esperava que acontecesse, mas eu tinha minhas dúvidas sobre seu conhecimento sobre os métodos de seus novos aliados. Encarei o grupo de meninas disperso pelo grande cômodo, será que elas sabiam parte do que estava acontecendo? Será que até mesmo Aurora sabia?
- Você já contou para ela? - Serena indicou Mariee, que circulava pela biblioteca checando as garotas, com a cabeça.
- Não. Mas irei. - conclui. - Preciso sair do castelo a noite e não quero ser pega fazendo algo que Mariee não saiba.
- Vai falar sobre seu amigo?
Hesitei. O que foi uma resposta boa o suficiente para Serena, mas eu não ligava. Eu não confiava em Mariee e Serena sabia disso, não podia arriscar expor Drew para o governo. Não sabendo que talvez eu decidisse ajudá-lo no final. Mariee era uma aliada até certo ponto, como todos ali.
- Acho uma escolha inteligente. - Serena se levantou da poltrona. - Não se preocupe, , se ele vai com você estará mais segura do que pensa.
- Acho que nós dois estamos encrencados. - resmunguei, ainda incrédula com tudo aquilo.
- Não quero ser dura com você, . Mas acho que se os sulistas quisessem matá-la, já teriam feito. - Serena me olhava com certa ternura. - Entretanto, um conselho, lembre-se de sempre ser necessária. Sempre tenha algum motivo para eles precisarem de você. E, o mais importante, guarde seu segredo acima de tudo. - apesar de estarmos longe das outras, Serena sussurrava. - Eu preciso falar com as outras garotas. Converse com Mariee sobre isso, mais tarde irei ao seu quarto para conversarmos mais.
- Obrigada, senhora Serena. - falei alto, sorrindo cúmplice para a rebelde.
Olhei a mais velha andar em direção a Anne e voltei a encarar o livro em minhas mãos. Para aquele dia, eu havia recebido o livro que relatava toda a linhagem real desde os primórdios. Eram páginas e mais páginas de famílias que em algum momento da história tiveram seus filhos ou filhas adicionadas à família real. Cada capítulo mostrava uma geração, sendo o último responsável por apresentar os pais, avós, tios, primos e irmãos da atual rainha e mãe de , Ariele.
Apesar de eu realmente achar o livro interessante, nada me fazia concentrar-me completamente naqueles rostos. Às vezes eu me pegava pensando em minha família estampada ali, unindo-se por meio do matrimônio a família real, mas grande parte do tempo eu só conseguia pensar em Drew morto por um soldado em meio a guerra.
- Senhorita , como está? - só percebi que Mariee estava próxima quando ela se sentou na cadeira a minha frente, onde antes estava Serena. Fechei o livro, eu não havia decorado nem dez nomes a mais dos que eu já conhecia desde que chegamos à biblioteca.
- Precisamos conversar. - falei sem decoro, sentindo-me irritada com tudo aquilo.
Mariee arqueou uma das sobrancelhas, mas indicou que eu deveria continuar.
- Um rebelde sulista estava no meu quarto ontem à noite, encontrei-o quando saímos do salão. - falei o mais baixo que achei possível. - Parece que o ataque foi uma distração para ele conseguir entrar no castelo.
- Ele estava nos seus aposentos? Mas foram todos revistados. Como ele conseguiu?
- Eu não sei. - resolvi responder, apesar de saber que Mariee estava mais perguntando para si mesma. - Mas ele estava lá, Mariee, vestido com o uniforme real.
- Eles nos enganaram. Como pude ser tão inocente? Eles estão com pessoal reduzido, estão atacando algumas vilas. É claro que não teriam coragem de ir atrás de nós.
Concordei com a cabeça, engolindo em seco enquanto a mulher parecia colocar os fatos em ordem. Não sei se concordava com Mariee, afinal eles estavam atrás de uma de nós, não?
- E o que ele queria? Me conte tudo, .
- Ontem foi apenas um aviso, parece que o chefe quer falar comigo. Devo sair do castelo hoje à noite para encontrá-los na floresta.
- Você o quê? - Mariee estava claramente chocada, ela não parecia estar pronta para aquilo. - Eles estão dentro dos muros?
- Se não estão, hoje à noite estarão. - conclui.
- Você está me dizendo que um rebelde sulista virá aos seus aposentos novamente hoje à noite para levá-la para uma reunião no meio da floresta?
- Sim. - senti minha voz falhar. Apesar de confiar em Drew, ouvir Mariee ser tão clara com os acontecimentos me assustou. Pois era exatamente aquilo que eu iria fazer e parecia uma péssima ideia.
- O príncipe jamais vai me perdoar se acontecer alguma coisa com você, . - Mariee percebeu o que havia falado no mesmo momento que eu. O príncipe não vai perdoá-la? Aquilo foi um absurdo, estava claro que Mariee não ligava para o que poderia ou não acontecer comigo, apenas no que isso resultava na vida dela.
- Não se preocupe, Mariee. Pretendo voltar viva pelo menos dessa vez. - falei seca. Eu não ligava se ela estava mandando no castelo, não ligava se era uma assessora ou até a própria rainha. Eu não ia tratar bem alguém que era capaz de me negociar para os rebeldes e sequer se preocupar realmente comigo. Mariee havia mostrado seu real caráter, eu estava certa em desconfiar dela afinal.
Mariee me encarou por um segundo, pensando em como deveria lidar comigo. Eu havia sido imprudente e um pouco desrespeitosa, mas não significava que ela estava certa. Como a pessoa responsável por me proteger estava nem ligando realmente para mim?
- Eu não sou sua inimiga, . - ela disse, ficando de pé. - Não queira me tornar uma. - e então saiu, me deixando sentada na poltrona sem resposta. Senti meu sangue ferver, ela me ameaçava também?
Apesar de me sentir revoltada e perdida, decidi que o melhor que podia fazer era me dedicar ao livro que tinha em mãos. Não havia nada que eu pudesse fazer, ainda mais com os olhos atentos de Mariee em cima de mim. Depois de sua atitude chegava a me perguntar se Mariee seria capaz de agir contra mim. Será que no lugar de me ajudar, como pedido por , ela podia me prejudicar?
Abri mais uma vez o livro, deparando-me com o retrato de página inteira da rainha Ariele. Ela usava um vestido bonito e parecia confortável com sua coroa, no rosto tinha um discreto sorriso, como se estivesse feliz demais para ficar séria. Foi impossível não me imaginar ali, posando para a foto com a coroa em minha cabeça. Será que eu estaria feliz igual a ela?
Senti meus olhos ameaçarem a lacrimejar. Eu estava exausta. Estava com tanto medo por mim e Drew que me sentia completamente perdida. Lutando contra meu próprio instinto de desistir. O que eu tinha feito para merecer tudo aquilo? Onde eu havia errado que tinha acabado ali, no meio de toda aquela artimanha política?
Me levantei calmamente e caminhei até a janela mais próxima, a qual parecia longe o suficiente de qualquer outra pessoa ali. As lágrimas escorreram silenciosas enquanto eu encarava o enorme jardim do castelo e a floresta que seguia até onde meus olhos podiam ver. Eu estava chorando e não podia deixar que ninguém ali percebesse.
Não sei quanto tempo fiquei na janela, fingindo ler meu livro, mas ainda estava lá quando Mariee pediu para que fossemos almoçar em nossos aposentos. Encarei Mariee e percebi que ela estava com medo. O castelo era responsabilidade dela e havia invasores ali. Fiquei me perguntando se ela não faria nada imprudente que me denunciaria para os sulistas.
- Levem os livros com vocês. - Mariee disse - Ao anoitecer eu quero relatórios sobre o que aprenderam. Amanhã vocês já terão outra lição. Podem passar a tarde no Salão das Mulheres ou em seus aposentos. Mas saibam que terão guardas em todos os lugares após o último ataque.
Aquilo significava que teriam homens no Salão das Mulheres. Será que ela podia permitir aquilo? Sem a rainha Ariele no local? Escutei discretos resmungos. Ninguém estava a fim de passar o dia todo focada em um livro, mas eu incrivelmente estava. Qualquer coisa que prendesse minha atenção naquele momento era melhor do que pensar em Drew e naquela noite.
- . - Mariee chamou, antes que eu passasse pela porta. As outras Selecionadas já seguiam conversando escada acima até seus aposentos.
- Sim?
- Obrigada pela informação. Saiba que todas as medidas de segurança que tomei são prudentes devido ao ataque, segui todos os protocolos. Seu segredo está seguro. - aquilo me tranquilizou. Assenti, sentindo um nó no estômago. - Se possível, também use seu dia para estudar os outros livros que lhe entreguei.
- Claro, senhora. - respondi o mais formal que pude, fazendo Mariee notar que eu estava distante. Ela precisava saber que nossa conversa havia sim afetado nossa proximidade.
- Pode ir para seus aposentos agora. - a mulher não parecia querer reforçar nossos laços.
Serena me esperava do lado de fora da Biblioteca. Seu sorriso era cúmplice e demonstrava até mesmo afeto. Ela sentia-se mal por mim, talvez até um pouco receosa por ter deixado meu mundo ainda mais de cabeça para baixo.
- Podemos almoçar juntas?
- Claro. Acho que precisamos resolver como vou lidar com tudo hoje. - falei, sentindo o desânimo em minha voz.
- Percebi que brigou com Mariee. - ela disse baixo, pedindo para seguirmos até nossos aposentos. A encarei confusa. Era impossível que ela tivesse escutado algo. - Eu sei ler as pessoas. Principalmente você.
- Ah, ótimo.
- Deixe de ser emburrada e me conte o que aconteceu. - ela brincou comigo, batendo de leve seu ombro no meu.
- Podemos pedir vinho para o almoço? - brinquei de volta. Deixando claro que uma bebida cairia bem para o assunto.
O almoço com Serena foi muito melhor do que eu esperava. Apesar da rebelde ser alguns anos mais velha que eu, conversava comigo como se fôssemos velhas amigas. Para descontrair, Serena brincou e me deixou brincar. Rindo e concordando comigo quando conversamos sobre Mariee, Drew, Anne e até Aurora.
Quando chegamos na parte realmente importante, eu havia dado poucas garfadas no almoço e tomado alguns goles de suco, afinal vinho não era uma boa ideia considerando a noite que eu teria. Serena foi realmente muito útil e eu estava grata por ter tido a ideia de chamá-la para o castelo comigo. Conseguimos pensar em perguntas e respostas, formas de correr e ela até me ensinou alguns poucos golpes, já que decidimos que o mais seguro era eu não levar armas.
- Vou deixá-la estudar e descansar um pouco, . Provavelmente não vou aparecer de novo, mas vou estar acordada de noite, caso precise de mim.
- Obrigada. Mesmo. - A rebelde saiu do quarto com um sorriso. Assim que Serena saiu, apertei a campainha para avisar Elise, como prometido. Não demorou nem cinco minutos para as três voltarem para o quarto, carregadas de vestidos limpos.
- Como está, senhorita? - Elise perguntou, guardando um dos vários vestidos que as três trouxeram. - Percebemos que um dos pratos estava praticamente intocável. Achamos que a senhorita não almoçou bem, não estava do seu agrado?
- Como é? - eu ri. Achando graça da repentina curiosidade e atenção das três. - Desde quando vocês analisam meu prato?
Percebi que havia tocado em um ponto estratégico quando as três se entreolharam em dúvida do que fazer.
- Desde que o príncipe saiu, senhorita. Mariee pediu para todas as criadas prestarem atenção. Faz parte do nosso dever garantir a sua saúde.
- Não se preocupem, só estava sem fome. Com certeza vou acabar comendo mais de tarde. - sorri, aceitando a explicação delas. - Souberam que vamos passar a tarde aqui?
- Sim, fomos avisadas. A senhorita não irá ao Salão das Mulheres então?
- Estava pensando em ficar, se não for atrapalhá-las.
As três deram risada, parecendo achar graça.
- Você sabe que são seus aposentos, não sabe? - Meri brincou.
- Eu sei. Mas também sei que vocês têm muito o que fazer aqui. Pretendo ficar nessa mesa estudando a tarde toda. Sem incomodar. Prometo.
Eu não sabia que horas exatamente Drew apareceria e andava de um lado para o outro fazia um tempo. Mariee já havia passado para recolher pessoalmente nosso relatório e conferir comigo se eu havia lido mais algum dos livros que ela mandou. E eu havia. Passei a tarde toda me dividindo entre os livros, algumas bolachas e litros de água. Fazia muito tempo que não rendia tão bem em algo. Era como se eu tivesse esquecido de tudo que viria a seguir.
Entretanto, toda calma havia passado após o jantar. Quando liberei as meninas para dormir e me aprontei para a reunião. Era claro que eu estava nervosa e o salto alto, ora batendo no assoalho, ora abafado pelo tapete, parecia me acalmar. Estava ficando cansada de esperar quando escutei a maçaneta abrir. Prendi a respiração involuntariamente. Mas Drew sorria, usando o uniforme dos soldados mais uma vez.
- Boa noite, senhorita. - ele zombava de mim, fechando a porta atrás de si.
- Boa noite. – sorri, esperando-o para dar-lhe um abraço. Era estranho como nos cumprimentávamos com abraços agora.
- Você está bonita.
- Obrigada. Precisei tomar banho e colocar a roupa de dormir para as meninas não desconfiarem, então coloquei um vestido limpo.
- Mangas compridas. Escolha inteligente.
Assenti. Encarando-o e tentando descobrir o que havia de tão diferente em Drew. Em que momento meu amigo tranquilo havia virado um rebelde com roupas de soldado que lhe caiam tão bem?
- ?
- Sim? – percebi que havia me perdido em pensamentos.
- Está pronta?
- Sim. Desculpe. Vamos?
- Preciso que vá descalça, pelo menos até o jardim. – ele disse, apontando para meus saltos.
- Claro. – tirei os saltos com facilidade, agradecendo por não escolher um modelo preso ao pé por alguma fivela.
- Não podemos fazer barulho. – ele comentou, abrindo a porta.
Segui Drew sem emitir qualquer som, será que Serena estava percebendo que estávamos saindo naquele momento? Esperava que sim. Percebi que estava menos nervosa do que antes. Drew, que andava olhando todos os cantos a minha frente, parecia realmente querer me proteger. Saímos para o jardim por outra porta. Na realidade, entramos em um corredor parecido com o dia do ataque assim que chegamos ao andar principal, passando por corredores vazios de funcionários até sentir o sopro da brisa.
- Pode calçar os sapatos, se não quiser pisar na grama.
Eu não queria. Coloquei os saltos antes de sair pela porta, vendo Drew pela luz da lua. Apesar de saber que era real, tudo aquilo parecia um sonho que eu logo iria acordar. Eu e Drew estávamos mesmo saindo “escondido” do castelo real para encontrar talvez a pessoa mais perigosa do reino.
- Está com medo? - ele me olhava curioso.
- Deveria estar?
- Depende, . O que você sabe?
- O que eu sei?
- Nunca cheguei a realmente falar com o Chefe, mas pelos rumores você pode nos contar coisas dos nortistas. Os quais não parecem atacar o castelo há algum tempo.
- Eles não confiam muito em mim. Então não sei muito.
- Como você os encontrou?
- Eles me encontraram. Não sei se deixei transparecer, mas eles sabem que eu não estou exatamente feliz no castelo. Então pediram informações do príncipe.
- E você deu?
- Falei o que eu sabia, Drew. Eles não me falam basicamente nada. Estive com poucas vezes e nunca falamos sobre ele ou o castelo. O príncipe sempre pergunta sobre minha família ou nossa Província. Ele inclusive me perguntou sobre você.
- Sobre mim?
- Sim. Ele viu o vídeo em que me despedia de você lá em casa.
- Entendi. E aquele dia em que vocês saíram de noite? – senti os músculos de Drew se tensionarem, ele estava nervoso com a resposta.
- Falei para o príncipe que o castelo podia sufocar às vezes. Ele me levou naquela casa de campo para me agradar, dizendo que era o máximo que podia fazer para me ajudar.
- Gentil.
- Ele sabe ser legal. Se bem que com o dinheiro e poder que ele tem.... Qualquer um.
Drew não respondeu, então seguimos em silêncio por mais algumas árvores. Senti que ele não fez o caminho mais curto e sim o mais seguro. Aquele que não me faria achar o esconderijo novamente se tentasse. Mas pior, não me deixaria sair correndo se precisa-se.
- Estamos chegando. – ele comentou, abrindo caminho por algumas folhagens até um pequeno acampamento. Onde cerca de 20 homens nos encaravam em pé, em frente a uma lareira. O homem da foto estava parado no centro deles, usando roupas pretas ele era exatamente como eu me lembrava. Engoli em seco.
- Você a revistou? – um dos homens mais fortes, parado bem a minha frente, perguntou, antes que qualquer um falasse qualquer coisa.
- Sim. – Drew mentiu.
- Ótimo. – ele deu um passo para o lado, se afastando e dando espaço para que prosseguíssemos.
- Boa noite, senhorita . – o Chefe me cumprimentou, enquanto Drew gentilmente me empurrava para eu me aproximar.
Respirei fundo e criei uma coragem que não tinha.
- , por favor. – falei, caminhando para apertar sua mão. – Boa noite.
- , então. – ele assentiu, sua mão era cheia de calos apertando a minha. – Linda noite, não?
- Não acho que dê para ver muito entre tantas árvores. – comentei. Eu precisava ser a pessoa que eles pensavam. Precisava ser a nobre que aceitou ser espiã para os nortistas e espiã dupla para os sulistas.
O Chefe riu, olhando para cima, encontrando apenas a copa das árvores nos cobrindo.
- Faz parte do charme.
Foi minha vez de rir.
- Temos noções diferentes do que é charme, senhor... – esperei que completasse para eu descobrir seu nome.
- Chefe. Pode me chamar de Chefe, .
- Me desculpe, mas não acho que o senhor seja meu chefe.
Drew pigarreou atrás de mim. Ele não conhecia aquela pessoa que eu estava demonstrando ser, eu sabia. Aquela mulher não era eu. Atrevida, sem educação e, bem, corajosa.
- Podemos mudar isso.
- Você me fez uma proposta perigosa.
- Não fiz. Um dos meus homens fez. Tenho uma proposta diferente para você.
Engoli em seco. Uma proposta diferente?
- Como? - senti minha voz praguejar.
- Primeiro me conte o que sabe.
- O que eu sei? Você quer que eu lhe dê informações de graça?
Então o Chefe, pois não sabia mais como chamá-lo, riu de um jeito completamente assustador. Ele não estava mais brincando comigo, ele não estava mais a fim de trocar farpas e grosserias.
- Vamos lhe dar motivos, então. – ele comentou e, como se fosse combinado, um de seus homens levantou uma arma diretamente para a cabeça de Drew.
Os olhos do meu amigo mostravam a mesma surpresa que os meus. Os rebeldes sulistas não eram nossos aliados? Drew não estava no mesmo lado que eles?
- As informações? – o Chefe falou, me fazendo encará-lo novamente.
- Não tenho muitas informações. Não sei o que seu homem lhe passou, mas eu ainda estou começando a entrar no grupo dos nortistas.
- Como acabou lá? Para começo de conversa.
- Eu nunca quis ir para o castelo. E acho que minhas atitudes me denunciaram. Um dos rebeldes, um homem que não conheço, também vestido de soldado – olhei para Drew por um momento, a arma continuava em sua cabeça – foi me procurar. Queria que eu passasse informações para eles.
- Que informações?
- Tudo o que eu descobrisse. Mas não é como se o príncipe falasse muito. Consegui detalhar o Salão das Mulheres, pois parece que ninguém conseguiu uma planta atualizada. Algumas informações sobre como funcionam as refeições e pouco sobre as outras Selecionadas, a maioria já não está mais no castelo. - a maioria das coisas eu já havia pensado com Serena, imaginando algumas das perguntas, outras apenas surgiam na minha mente.
- Certo. Então você diz que os nortistas não confiam em você?
- Ainda não, pelo menos.
- Conversou com eles depois do seu resultado?
- Resultado?
- Sim. Você é a favorita com 80% dos votos. É um recorde admirável, nenhuma Selecionada chegou perto de 50%.
- Ainda não.
- Estranho.
- Estranho?
- Não fomos nós que fizemos esse resultado. Pelo menos não de propósito. Poucos dos meus homens votaram. E eu não acho que o povo seja capaz de tanto, apesar de saber que o número de votantes não foi tão significativo.
- Você acha que foram os nortistas.
- Sim. Acho que eles têm outros planos para você, .
Parei para pensar. Não estava pronta para aquele tipo de insinuação. Assim como não estava pronta para dar tanta informação assim, sem nada em troca. Drew parecia irritado já, com a arma mirando no meio de seu crânio. O que será que ele estava pensando?
- Acho que eles querem te transformar em princesa e usar isso para conseguir o fim das castas. – o Chefe disse, entediado com meu silêncio.
Não fingi surpresa. Apenas encarei-o firme.
- Se o senhor estiver certo, é um objetivo esperançoso. É o príncipe que escolhe, ninguém mais.
- Está errada. Conheço essa família real o suficiente para obrigá-los a escolhê-la.
- Você quer me transformar em princesa? – aquilo me surpreendeu de verdade. Em momento algum achava que os sulistas tinham pensado nisso. – Achei que vocês queriam acabar com a família real.
- Nós queremos desacreditá-los. Queremos que o povo perceba os privilegiados filhos da puta que eles são. E nada melhor que alguém de dentro para fazer isso.
- O senhor quer que eu consiga virar princesa para então acabar com a família real da qual farei parte? - estava claro em meu tom o quanto achava aquilo impossível.
- Vamos protegê-la.
- Eu não sei se consigo.
- Acho que você não entendeu, . Não tem muitas opções aqui. Fomos tolos ao pensar que o príncipe podia estar conversando com Serena, admito. Ele não seria tão rebelde assim, cresceu acreditando nas castas e amando tudo o que o velho faz. Já você não é assim. Sei que pode não querer acabar com a família real, mas descobrimos seu segredo. O que você acha que a família real faria com você se também descobrisse?
Fingi engolir em seco. Pelo menos achei que estava fingindo. Aquele caminho era muito diferente do que tinha imaginado.
- Acredito que tenha uma pequena noção. Então você está nas nossas mãos agora, senhorita. Recomendo que se una a nós de boa vontade.
- Como quer que eu confie em você? Acredite que vai me proteger se consegue ameaçar até meu amigo. Aquele que no caso já confia em vocês? Como sei que não vai me matar na primeira oportunidade?
- É simples. Não me faça querer matá-la. Ou melhor, se torne a arma que eu espero que seja, . Sei que não começamos bem, mas você não tem ideia de como poderia ser bem vista aqui se fizer o que eu penso. Do poder e benefícios que pode encontrar se unindo a mim. - estava ridiculamente claro que aquele homem estava se insinuando para mim.
- Tudo bem. Mas se eu serei tão importante e necessária assim, preciso também de algo em troca. - não sabia como havia pensado naquilo, mas já me sentia armando formas de sobreviver. - Preciso que vocês cuidem de mais do que meu futuro como princesa, preciso que cuidem do meu presente. As ameaças que você me fez também podem ser feitas pelos nortistas, ainda preciso ganhar a confiança deles e assim terei mais informações. Elas não serão gratuitas, não vou deixar o senhor me ameaçar sempre com a mesma coisa, Chefe.
Ele sorriu satisfeito, concordando com a cabeça antes de continuar: - O que você propõe?
- Primeiro: chega de ameaças. - ergui um dedo, indicando o número um. - Vamos fingir que eu estou aqui unicamente porque eu quero. Nada de querer me matar ou a Drew. Estou aqui porque confio nele e isso precisa ser valorizado. Quero vê-lo em todas as reuniões que teremos, para ter certeza que está bem. Nem um arranhão, senão eu acharei uma maneira de denunciá-los a guarda real.
O Chefe assentiu e indicou que a arma focada em Drew fosse guardada. Sorri para ele, que parecia irritado.
- Segundo: preciso de proteção contra os nortistas. - ergui mais um dedo. - Eles não podem sonhar que estou do lado de vocês, logo, não usaremos correio ou mensageiro. Nada de assinar cartas ou algo assim, já passei por isso. Irei escrever cartas para meu amigo de infância, o qual tenho saudades e receberei cartas dele. Achem uma maneira de isso virar uma fonte de informações e me avisem.
O Chefe olhou para um dos homens, como se quisesse saber se o que eu pedia era possível.
- Preciso de três dias. – o homem com barba feita e porte quase comum respondeu.
- Temos um acordo, .
Sorri para ele e aceitei sua mão estendida.
- Já que aceitei chamá-lo de Chefe, meu nome agora é senhorita para o senhor. – brinquei, esperando que ele aceitasse a deixa para descontrair.
- Quem sabe um dia. – ele riu um pouco. Acho que a liberdade não era tão grande com seus homens.
- Tenho mais uma dúvida antes de ir.
- E qual seria?
- Não há mulheres no seu exército?
- Nem sempre temos esse prazer. – ele sorria malicioso.
- Ótimo. – soei irônica. – Algo mais?
- Por hoje é só. Drew a encontrará em três dias. Sua primeira prova de lealdade será não contar que estamos aqui. - ele pediu tarde demais.
- Boa noite. – falei, já me virando para voltar por onde vim.
- No fim das contas foi útil você ter fugido. – um dos homens ali em volta comentou, me fazendo olhar para ele e reconhecê-lo como aquele que havia sumido no dia do ataque. – Você com certeza não serviria para ser princesa caso eu tivesse colocado as mãos em você.
Eu tremi. Não sabia se era possível ver só com a luz da fogueira mais ao canto, mas aquelas palavras me atingiram em cheio. Não respondi, não tinha resposta para aquilo. Olhei para Drew, me aproximando mais dele, rezando para ele ser o responsável para me levar de volta. Eu havia perdido totalmente qualquer sensação de confiança que eu tinha.
- Vamos. – ele disse baixo, sem coragem de me encarar.
Drew me guiou por mais caminhos desconhecidos, sendo alguns pedaços diferentes do que usamos para ir. Ele estava em silêncio, andando alguns metros à minha frente. Eu sentia frio, mas não sabia dizer se era por causa do tempo ou se de repente havia perdido as forças. Por que ele não falava comigo? Estava bravo por eu aceitar ser princesa? Afinal ele não sabia sobre tudo. Será que ele estava com medo dos sulistas depois daquela reunião? Como eu podia contar para ele que meu destino estava traçado muito antes dele resolver vir me salvar?
De repente ele parou. Drew se virou devagar, me olhando com os olhos brilhando pela luz da lua. Seu rosto era sério, mas ao me encarar ele relaxou.
- Eu não sabia, . – ele disse baixo, desviando o olhar. – Eu não fazia ideia. Eles me usaram para chegar até você e mentiram para mim. Eu estava aqui para te tirar do castelo e não o contrário. Me desculpe.
- Não se preocupe. – me aproximei dele, pegando sua mão e pedindo para que me encarasse. – Você não consegue ir para casa?
- Ir para casa? Você está louca? E te deixar na mão deles?
Parte de mim ficou aliviada, não posso mentir. Mas eu precisava insistir, precisava de alguma forma dizer para Drew que era melhor para ele voltar para nossa Província.
- Eles são perigosos Drew. Muito mais do que eu pensava. - deixei escapar. - Queria lhe explicar como é estar no castelo, mas… Eu não sei como me meti nisso tudo. Como fizemos isso? Por que os rebeldes vieram atrás de mim?
- Eu não sei. Mas vamos passar por isso juntos. Eles têm razão quanto a sua aprovação e eu sei que está preocupada comigo, . Obrigada por me salvar, por sinal. - ele deu um sorriso de canto. - Mas acho que eles precisam mais de você do que pensa. Nossos exércitos estão enfraquecendo, muitos estão morrendo nas vilas. Essa história do príncipe viajar… Você acha que ele seria capaz de nos atacar?
Senti minha respiração falhar, mas obriguei-me a disfarçar. Não podia entregar daquela maneira, Drew não podia desconfiar.
- Um ataque? No meio da Seleção? Olha, eu não conheço o príncipe o suficiente, mas acho que ninguém seria louco a esse ponto. A população não ia perdoá-lo, ia?
- Eu não sei. Acho que os sulistas estão com medo. A família real nunca fez nenhum tipo de retaliação, mas…
- Eu te direi se ouvir algo, Drew. Mas acho que a família real não seria capaz de fazer isso com tantas Selecionadas, é absurdamente imprudente. - menti. Não era a primeira vez e provavelmente não seria a última, mas aquilo doeu. Drew parecia estar realmente preocupado com a ideia de se meter em uma guerra e como eu poderia culpá-lo?
- Certo. Mas você precisa se cuidar. Se os rebeldes nortistas desconfiarem ou o rei…
- Eu estou morta. - concluí. Aquilo já parecia menos absurdo depois de pensar tanto na ideia. - Eu tenho medo disso. Mas tenho medo dos sulistas também. - admiti.
- Eu vou tentar cuidar deles. Agora temos que ir, está ficando tarde. - Drew voltou a caminhar silenciosamente comigo até deixar-me em meus aposentos. Eu me sentia confusa e preocupada, não imaginava que os sulistas podiam querer exatamente a mesma coisa de mim. E que história era aquela deles acharem que minha votação tinha parte significativa de nortistas?
Eu me sentia cada vez mais presa naquela intriga política e cada vez mais perto de errar algo. Além disso, agora eu tinha informações para que não queria entregar para Mariee e não tinha certeza até que ponto Serena me defenderia, ainda mais se a votação fosse culpa dela. Precisava muito pensar.
- Senhorita? Tudo bem? - Meri, Cleo e Elise entraram em meus aposentos na mesma hora que faziam todas as manhãs, entretanto naquele dia eu já estava acordada, sentada em minha mesinha focada nos livros.
- Sim. Tudo certo. Só não consegui dormir muito bem. - comentei, sendo o mais sincera possível. A realidade é que não havia conseguido dormir por nem um minuto, minha mente inquieta vagava entre Serena, Mariee, o Chefe, Drew e . E apesar de aquilo parecer insignificante, eu me pegava pensando em mim e e se aquilo podia dar certo.
Eu me lembrava de ter afirmado para que me casaria com ele naquele baile, me lembrava de dizer que o que eu sentia não seria prioridade e que se ele me escolhesse eu estaria ali por ele. Mas naquela noite aquilo me assombrou, eu estava preparada para ter uma vida no meio de toda aquela confusão? Eu estava preparada para viver uma vida com alguém que eu mal conhecia?
- A senhorita gostaria de um chá? - Cleo perguntou, aproximando-se com um sorriso amigável, o trio parecia um pouco preocupado comigo.
- Na verdade, eu gostaria sim, mas de um que me mantivesse acordada pelo resto do dia. - brinquei, fazendo-as rir.
- Pode deixar comigo. - a morena brincou, saindo pela porta que entrará.
- Vou preparar seu banho. - Elise comentou, partindo para o banheiro.
- A senhorita está realmente bem? - Meri perguntou, abrindo o armário atrás de algo para eu vestir.
- Sim. Pareço tanto não ter dormido? - perguntei, fazendo Meri rir um pouco.
- Não, nada que uma maquiagem não ajude.
Alguns minutos depois eu já estava vestida para o dia e tinha os cabelos secos e penteados por Mariee. Apesar de ser um pouco mais cedo que o costume, arrumei meus livros, guardando-os junto as minhas anotações em um lugar seguro.
Bati levemente na porta de Serena como o combinado, tínhamos poucos minutos até o horário do café da manhã, mas achava que aquela seria uma das poucas oportunidades que teria para falar com ela.
- Estou quase pronta, pode entrar. - ela disse, abrindo a porta. - Já liberei as meninas, estamos sozinhas. Me conte tudo.
Sentei na cama de Serena e respirei fundo, estava em dúvida de como me sentia com tudo aquilo. Até que ponto podia confiar nela?
- Foi você que fez meus números chegarem a 80%? - resolvi ser direta, esperando uma reação um pouco mais arrependida da mulher.
- Sim e não.
- Pode explicar? - encarava a mulher pelo espelho, Serena arrumava o próprio cabelo em um penteado simples, prendendo-o em um rabo de cavalo.
- Todos os nortistas sabem da nossa relação com o príncipe e nosso conselho concordou em te aceitar no lugar de Aurora. Os votos dela foram automaticamente para você, mas eu não pedi para que votassem em você, eles simplesmente quiseram.
- Isso entregou o seu plano para os rebeldes sulistas. Quero dizer… Em vez de me usar como Selecionada para acabar com a Seleção, eles querem me usar como princesa.
- Os rebeldes sulistas também a querem no trono? - Serena também estava surpresa. - Achei que seu amigo tinha dito que ele queria te tirar daqui.
- Ele queria, mas os planos mudaram quando apontaram uma arma para a testa dele. Nada, absolutamente nada saiu como o planejado, Serena. Os sulistas acham que estão no comando. O Chefe disse que sabe como fazer me escolher como princesa e que depois disso, me protegerá e nós acabaremos com a monarquia. - o desespero era evidente na minha voz. Eu simplesmente precisava dividir aquilo com alguém.
- Eles mudaram completamente os planos. Completamente. Como será que pretendem fazer a escolher? - Serena parecia nervosa. - Não consigo entender. Eles andam muito voláteis.
- Agora Drew sabe que eles não são sinceros e ele me contou que os sulistas estão com medo de uma retaliação do príncipe. Você precisa conversar com , Serena. Não sei se posso confiar em Mariee depois de ontem.
Capítulo 17 - A Assessora
Mariee passou o café da manhã inteiro falando sobre a programação para os próximos dias. Ela disse que teríamos muito o que aprender até o príncipe voltar e que tinha tido uma ideia brilhante na noite anterior. Pela fala de Mariee, o Salão das Mulheres seria transformado em praticamente uma escola, onde ela nos passaria tarefas e lições para realizarmos durante os dias e apresentar para ela. Seja sobre a família real, sobre a história do país, ou sobre costumes e festas.
- Vocês poderão trabalhar juntas, delegar funções e ao mesmo tempo trabalhar diplomacia. Poderão conversar em diferentes línguas e criar laços entre si, afinal todas vocês são parte da elite da sociedade agora. - ela falava empolgada. - Além disso, é mais seguro todas juntas.
Não sabia o que pensar da ideia de Mariee, apenas concordamos e seguimos juntas até o Salão das Mulheres que já parecia organizado do jeito da assessora. Havia cerca de oito cadeiras posicionadas em círculo, uma mesa enorme com diferentes livros, papéis e canetas e alguns pufes a mais.
- Hoje vamos começar com a história do nosso país, como chegamos até aqui e quem nos salvou. Temos esse livro. - Mariee indicou um livro antigo e relativamente grosso. - Vocês podem ler, fazer anotações e encontrar, em conjunto, a melhor forma de resumir a história. Se o trabalho for bem feito, falarei com o rei para divulgarmos no Jornal Oficial.
Após dar as ordens, Mariee saiu do salão, conversando com Serena antes de passar pela porta. A segunda ficaria responsável por cuidar de nós, enquanto Mariee parecia brincar de ser rainha com os outros assessores reais.
- Vocês sabem algo da história? - Anne perguntou, enquanto encarava o livro que Mariee parecia estrategicamente ter entregue em sua mão.
- Um pouco. - Natalie comentou, me fazendo concordar com ela.
- Digamos que o básico. - disse, analisando as outras garotas. Eu sabia que Anne e Aurora eram Quatro e provavelmente não tinham tanto acesso à informação, apesar da última ter estudado com os nortistas. Mas eu não tinha certeza do acesso à informação das outras meninas. Pelo que eu lembrava Lauren era uma Dois, pois seu pai era um dos importantes em sua Província, mas eu não conseguia nem imaginar a casta de Samantha e Natalie.
A ideia de Mariee foi muito mais eficiente do que eu pensava e a história do nosso país era muito mais complexa do que eu conhecia. Passamos o dia inteiro no Salão das Mulheres, incluindo na hora do almoço, que comemos juntas sentadas a mesa e trocando não só informações, mas como risadas.
- Eu não acredito que nos saímos tão bem nas guerras. - Samantha comentou, entre uma garfada e outra de sua massa.
- Sim! Acredito que fomos o reino mais inteligente. - Natalie continuou.
Eu concordava com as meninas. Durante a Terceira e Quarta Guerra Mundial, quando os países antigos conhecidos como Estados Unidos, China e Rússia pareciam se atacar por causa de dinheiro e poder, nosso país prosperou. Formado por alguns países da antiga América do Sul, fomos os responsáveis por exportar grande parte dos mantimentos para os países em guerra, principalmente devido ao extenso território e diversidade do Brasil, onde hoje está a maior parte do nosso reino.
Entretanto, quando George Illéa se uniu a outros países e se rebelou contra seus atacantes, nós também o apoiamos. Não apenas com mantimentos, mas com espaço e homens. A aliança formada entre Illéa e Waldo Ynter foi um dos principais motivos para George ganhar a guerra e uma enorme forma de conseguirmos dinheiro e alianças. Quando o primeiro se nomeou rei de suas terras, Waldo resolveu seguir o caminho, unindo os países prósperos e agora desenvolvidos em seu próprio reino.
Sem guerra em suas terras, nosso reino cresceu de forma calma e próspera. Entretanto, algo mudou quando os novos reinos começaram a se reinventar e crescer. Eles já não precisavam tanto de nós e nossa principal fonte de renda acabou. Com a crise financeira, Waldo Ynter encontrou na organização da sociedade em castas uma forma de estabilizar e reerguer o país. Apesar de não ser uma trajetória completamente em paz, Ynter não parecia ter sofrido nada como a situação atual. E aquilo me assustava.
- Mas deve ter sido difícil sair daquela prosperidade e declarar as castas. As pessoas mais pobres tiveram dinheiro algum dia. - Samantha estava certa. Apesar do sistema ter sido adotado aos poucos, era óbvio que algumas pessoas saíram prejudicadas.
- Eu concordo. Outra coisa, como vocês acham que devemos resumir isso? Contaremos uma história? Faremos uma árvore genealógica? Acho que um mapa seria legal. - Aurora era definitivamente a mais ouvida do grupo, o que estava diretamente relacionado ao fato de ela não disputar pelo coração de .
- Eu acho que podemos usar mais imagens. - Samantha comentou, mas minha atenção saiu da conversa quando vi Serena me chamar silenciosamente da porta. Ela queria que eu fosse ao seu encontro sem nenhuma suspeita das demais.
- Por mim pode ser o que vocês decidirem. - avisei levantando-me para ir ao banheiro.
- Estava difícil conseguir falar com você. - Serena reclamou. - Mariee quer falar com você na sala dela. Acabei de escrever uma carta para o príncipe, mas ele está longe, mesmo com urgência pode demorar um pouco.
- Certo. Vou atrás de Mariee.
***
Apesar de esconder sobre Drew para Mariee, tive que ser clara quanto a intenção dos rebeldes sulistas para os próximos dias. A assessora ficou desconfiada e preocupada quando disse que os sulistas queriam exatamente o mesmo que Serena, eu senti que ela estava com medo de ser traída pela nortista.
Mesmo detalhando o máximo que achava seguro, minha conversa com a assessora não foi longa, ela parecia ocupada demais para me dar muita atenção. Pouco tempo depois eu já estava de volta ao Salão das Mulheres ajudando as meninas com a sua ideia de livro infantil para contar a história do nosso país.
O resto da tarde passou rápido e depois do jantar decidi gastar mais algumas horas presa aos livros que Mariee havia me enviado. Eu gostava daquela sensação de ser útil e ter com o que ocupar a mente. Me sentia incrivelmente melhor e mais motivada. Decidida a não sofrer e surtar com tudo o que estava acontecendo, mantinha-me revezando entre estudar sozinha, estudar com as meninas da Seleção e passar um tempo dormindo com os remédios receitados pelo médico.
Serena era a única que insistia em tocar no assunto, sendo breve ao me passar retornos do príncipe. parecia trocar diversas informações e cartas com a rebelde, mas não tinha nada que realmente era destinado a mim. Ambos apenas discutiam as possíveis ações dos sulistas e a melhor forma de me manter segura. Mas aquilo me incomodava, não me dava nenhum sinal de vida há dois dias. Apesar de eu estar feliz conhecendo mais as garotas, eu precisava de alguém com quem eu pudesse ser totalmente sincera.
- Eu tenho muita dificuldade em gravar tantos nomes e rostos. - Lauren reclamou, tirando-me dos meus pensamentos. não estava ali e parecia ocupado demais para falar comigo, eu precisava aceitar que estava sozinha.
- Como pode ter tantas pessoas na nobreza? - Samantha também parecia frustrada. Naquele dia tínhamos decidido sentar nos pufes em torno das revistas e livros que Mariee tinha nos entregado para conhecermos o nome de todos os nobres e aliados da família real. Eram muitas pessoas, de muitos reinos e famílias. Aquilo realmente era complicado.
- E se fizermos fichas? - perguntei, fazendo-as me encarar curiosas. - Podemos colocar o nome na frente, e atrás escrevemos o reino e a relação com Ynter, depois procuramos o rosto correspondente. Como se fosse um jogo.
A ideia foi bem aceita e logo já estávamos cortando os papéis e montando as fichas dos nobres e amigos da família real. Apesar de termos declarado uma competição, ninguém ali estava em clima de disputa. Eu estava começando a realmente gostar das garotas, a me sentir bem com elas e confortável. No tempo que passávamos no Salão das Mulheres, conversávamos sobre tudo, incluindo nossa vida em casa. Havia descoberto que Anne tinha uma irmã mais nova que ela e tinha muitas saudades e que era muito melhor falando inglês que ela. Descobri que Aurora era filha única e tinha um número considerável de cursos também. Lauren era uma Dois desde sempre, seu pai tinha um cargo político importante na sua Província. Assim como Natalie que parecia sonhar com a ideia de fazer os próprios filmes, ela já estava pronta para seguir carreira quando saísse da Seleção, isso se não fosse princesa, é claro. Samantha era a mais tímida, ela falava muito sobre o governo e nossa atividade, mas eu sabia muito pouco sobre sua vida.
- Quando vocês acham que o príncipe volta? - Lauren perguntou enquanto organizava as diversas fotos que tínhamos das pessoas em nossas fichas.
- Acho que pode demorar um pouco. - Natalie deu de ombros, como se aquilo não lhe importasse.
- Vocês sabem por que ele foi viajar? - a forma que Lauren perguntou me deixou em dúvida se ela sabia ou não. Ela olhou para Natalie, que olhou para mim, eu, involuntariamente encarei Aurora. Natalie disse que o príncipe havia sido sincero com todas, mas será que era verdade?
- Pelo que eu sei, e o príncipe foram atrás de apoio político. - Aurora comentou, sendo cuidadosa em sua resposta.
- Para uma guerra civil. - Samantha soltou, deixando todas nervosas, mas ninguém surpresa. havia sido sincero com todas ali. Mas o que isso significava? Será que elas faziam ideia da minha participação naquilo tudo?
- Vocês sabem, então. - Lauren concluiu. - E o que vocês acham sobre isso?
- Os príncipes foram até Sangel. - Natalie contou. - Minha Província tem uma ótima relação com Illéa e acredito que eles querem esse tipo de apoio também.
- Eu sei que o príncipe já falou com os prefeitos de cada Província, estamos recrutando mais. - Lauren parecia realmente ter contatos em sua Província.
- Eu acho que o príncipe está certo! Esses rebeldes são bárbaros, é inadmissível deixarmos o povo se rebelar assim. - Samantha parecia a mais assustada entre nós.
- Eu entendo as pessoas não aceitarem tudo. Mas concordo que a violência não é a melhor forma de pedir por algo. - Aurora falou, claramente defendendo seus princípios.
- Eu não consigo entender. As castas são difíceis para as pessoas, mas é para o bem delas. Assim você tem certeza do que pode gastar, do que pode ser. As castas facilitam a vida. - Samantha me deixou chocada, eu não conseguia imaginar como alguém da nossa geração podia achar as castas algo bom.
- Eu até concordo com você. Mas essa parte de não poder crescer socialmente é uma droga. - Natalie comentou, me deixando em dúvida como ela queria crescer. Ela era uma Dois, acima dela, bem, só a realeza.
- Eu acho que as castas nos limitam demais. Limitam nossos sonhos, nossas habilidades e as pessoas que amamos. - Anne conseguia acompanhar a conversa perfeitamente bem. Ela nem precisava mais usar sua tradutora, apesar do sotaque, era possível entender o que a mesma dizia.
- As castas podem destruir vidas. - Aurora estava inconformada.
- O que você acha, ? - Lauren perguntou, me fazendo pensar.
- Eu acho que o sistema de castas foi uma boa forma de fazer nosso país sair da falência e dar, de alguma forma, estabilidade para as pessoas. Respeito a história do nosso país e respeito às pessoas que passaram por esse período difícil, mas acho que não estamos mais nessa época. As pessoas precisam ter mais direitos. Se você quer trabalhar no que sua casta permite, casar com alguém da mesma classe e viver no mesmo bairro, você pode. Inclusive com o fim das mesmas. As pessoas não precisam necessariamente ter vontade de crescer, elas só precisam desse direito. - respirei fundo. - Acho que as pessoas misturam muito o direito de igualdade com a necessidade dela. Só porque com o fim das castas todo mundo poderá trabalhar com o que quiser, não significa que você precisa fazer isso, sabe? O direito de fazer não elimina o direito de não fazer.
Aurora me olhava sorridente, estava estampado em seu semblante que ela concordava comigo. Era isso então, no fim eu talvez realmente fosse um pouco rebelde nortista, assim como . Talvez me juntar a Serena não tenha sido unicamente por causa da minha história, talvez a mulher tenha visto em mim alguém com o mesmo pensamento que ela. As castas foram muito úteis no passado, apesar de cruéis. Só que não estávamos mais no passado, os jovens querem liberdade, querem direitos, querem simplesmente fazer escolhas.
***
- Senhorita . - escutei Serena chamando da porta. - Tem uma correspondência para a senhorita de sua Província.
Aquilo me assustou, os rebeldes seriam capazes de enviar uma carta de forma tão descarada? Encarei Serena enquanto caminhava lentamente até a entrada do Salão das Mulheres, ela claramente estava com as mesmas suspeitas que eu.
- Obrigada. - sorri para o soldado que trazia o envelope, pegando-o e abrindo sem cerimônia. Se fosse dos rebeldes nortistas estaria assinado por Drew, mas era Meredith que havia colocado seu nome ao final da carta.
- E então? - Serena estava curiosa.
- É de Meredith. Ela é da minha Província, conseguimos doar bastante para o pessoal. - Serena ficou decepcionada por um momento.
- Doar? Do que você está falando? - pelo jeito a mulher não sabia de tudo o que acontecia na minha vida.
- O dinheiro que o governo paga para as Selecionadas por estar aqui, eu pedi para doar uma parte. - contei, terminando de ler a carta escrita pela mulher, grata. Estávamos na terceira semana de Seleção e Meredith disse que estava conseguindo ajudar muitas pessoas com o meu dinheiro, ela havia feito cadastros das famílias mais necessitadas da Província e conseguia ajudá-los com itens essenciais dos mais variados tipos.
- É sério? - a rebelde parecia realmente impressionada.
- Minha mãe não permitiu todo o dinheiro, é óbvio. Mas mais da metade está indo para ajudar as pessoas. - contei, feliz com as notícias que a mulher trazia. Meredith merecia um prêmio por todo o seu trabalho, ela estava gastando muito bem o meu dinheiro.
- Entendi. E como anda com as garotas? - Serena voltou-se para o grupo que continuava ocupado em sua tarefa.
- Estou me adaptando melhor do que eu pensava. Até que um grupo de garotas não é tão ruim assim quando você aprende a conviver com cada uma. - dei de ombro. - E você? Alguma notícia do príncipe?
- Não fique brava com ele, . O príncipe está tentando dar conta de muita coisa, o rei não parece estar facilitando muito. - Serena falava baixo, apesar de depois da saída do guarda, não haver ninguém perto de nós.
- Eu não estou brava.
- Claro que está. Eu te conheço, . Eu entendo, mas é complicado para ele também.
- Pode ser complicado o quanto quiser, mas aqui também não está sendo fácil. - comentei irritada. Era claro que Serena tinha razão, havia me deixado para trás com os rebeldes nortistas e sulistas para lidar, além da assessora de seu pai que parecia mais querer acabar comigo do que realmente me salvar, eu estava chateada com o príncipe. Ainda, para piorar, eu precisava estudar coisas que eu nem sempre entendia; nos livros de Mariee haviam coisas sobre finanças, história dos outros reinos e, acredite se quiser, estratégias de guerra.
- Falando nisso estou preocupada com os sulistas, alguma comunicação?
Neguei, respirando fundo. O Chefe havia me dito que precisaria de três dias para entrar em contato, mas já estávamos no terceiro dia e ainda não tinha recebido nenhum sinal de Drew, o que ao mesmo tempo me deixava aliviada e assustada. Será que meu amigo estava bem?
***
Pouco antes de dormir, enquanto eu me entretinha com os livros de Mariee, já de camisola e sem companhia no quarto, escutei duas batidas na porta seguidas pela passagem de um envelope pela mesma. Me levantei escutando passos apressados, claramente a pessoa que passou o papel por baixo da porta já não estava no corredor.
Peguei o envelope pardo curiosa, abrindo-o para encontrar a primeira mensagem dos rebeldes sulistas assinada por Drew. Aquela mensagem não tinha absolutamente nada de suspeita, além do papel anexado por um clipe que indicava todo o código criado por eles. Palavras que mudavam de significado ou letras que unindo-se formavam palavras e frases completas. Era um sistema complicado de se criar, mas fácil de se entender.
A informação ali escondida me passava ordens claras para a próxima reunião que teríamos na floresta e quais informações eu deveria levar para lá. O Chefe queria um relatório sobre as Selecionadas restantes e suas relações com o príncipe, além de toda a comunicação que eu tive com os rebeldes nortistas. Aquilo era um absurdo. Como eu poderia mentir tantas coisas? E como eu faria um relatório sobre as Selecionadas sem colocá-las em perigo?
Respirei fundo. Relendo a carta e vendo se eu havia entendido errado ou deixado passar alguma informação. Mas não. Eu precisava preparar uma série de informações para a noite seguinte, quando Drew me buscaria no mesmo horário. Aquilo era um desastre.
Depois de muito tempo andando de um lado para o outro pensando em alguma alternativa para não ir até aquela reunião, decidi começar os relatórios, colocando informações que eram públicas ou que eu já havia passado para os sulistas. Coloquei inclusive o quarto em que cada Selecionada estava, algo que claramente eles já sabiam se tinham encontrado o meu.
Eu sabia que toda aquela informação não era o suficiente, os rebeldes queriam coisas que eu não podia oferecer, queriam informações que seria imprudente demais revelar. Eu precisaria mentir ou simplesmente falar que não conhecia aquelas mulheres o suficiente.
Depois passei para as informações sobre os nortistas, escrevendo de forma longa e cheia de detalhes a história que inventei para os homens. Foi demorado, mas logo eu tinha uma série de informações inúteis e inventadas sobre uma troca de cartas com os nortistas que nunca ocorreu. Inclusive, para a proteção de Serena, coloquei outra pessoa responsável para se comunicar comigo. Só precisava mostrar tudo aquilo para a mulher e garantir que não tinha esquecido de nada.
Apesar de ter resolvido uma grande parte da minha tarefa, eu não sentia sono. A adrenalina e a angústia me faziam ficar acordada e ativa, pensei na hipótese de usar o remédio indicado pelo médico, mas se o tomasse tão tarde teria dificuldades para acordar no dia seguinte. Resolvi usar o resto da noite para terminar de estudar o último livro da primeira remessa que recebi de Mariee. Aquele livro era o mais interessante até então, ele era praticamente um guia financeiro. Eu tinha certeza que havia aprendido o que sabia sobre o dinheiro de seu governo e país com aquele livro. Ele explicava como funcionavam transações, importações, exportações e a garantia de dinheiro do reino. Apesar de ser mais teórico e não falar especificamente de Ynter, eu sabia que muito do que tinha ali acontecia no país.
Eu terminava meu último resumo quando minhas criadas chegaram, suspeitando novamente ao me encontrar acordada.
- A senhorita está bem? Estamos preocupada, senhorita . - Meri comentou, enquanto escolhia o vestido que eu usaria naquele dia. Elise e Cleo se ocupavam com meu banho.
- Estou. Por que a dúvida? - perguntei. Fechando os livros e empilhando-os. Podia devolvê-los para Mariee já naquela manhã.
- É a segunda vez que a senhorita está acordada. Eu sinto muito em me meter, , mas nossas ordens são claras. Sem o príncipe aqui precisamos conversar com a senhora Mariee sobre qualquer coisa que aconteça com a senhorita. - ela dizia, tirando um vestido azul claro lindo e estendendo-o na cama.
- Eu entendo. Não se preocupe. Eu só estou ocupada. - comentei, organizando meus papéis em uma das pastas que havia pego na Biblioteca. - Mas você tem razão Meri, acho que devo explicações para vocês.
A morena estranhou minha colocação, mas nada se comparava ao misto de expressões que pude ver na cara do trio enquanto contava para elas sobre o acordo que eu havia feito com os rebeldes. Bem, eu e o herdeiro do trono. Dizer aquilo em voz alta mexeu comigo, preciso admitir.
- Você está feliz? - Elise perguntou preocupada, sendo a primeira a sair do êxtase com a ideia.
- Eu não sei. - contei, dando de ombros, tentando ao máximo parecer conformada com aquilo. - Eu havia dito para o príncipe que aceitaria se ele precisasse.
- Como assim? - Meri, que agora secava meus cabelos úmidos, perguntou.
- No baile disse ao príncipe que se ele tivesse que se casar comigo eu aceitaria, mesmo que não o amasse. Acabou que aconteceu mesmo.
- Você não o ama, não é? - Cleo limpava a banheira, deixando a água descer pelo ralo.
- Não. Eu mal o conheço, na realidade. É estranho, estamos há pouco tempo aqui, mas ainda sim sinto que as outras Selecionadas conhecem muito melhor. Todo o tempo que passamos juntos parecia… Foi tumultuado.
- Mas eu não entendo, se ele escolheu a senhorita, por que ainda tem Seleção?
- Ele só escolheu para mim e para a rebelde. São poucas pessoas que sabem. Muita coisa está acontecendo, meninas. Eu não quero assustá-las… Digamos que eu e temos que resolver algumas coisas antes de firmar nosso compromisso.
- A senhorita será mesmo princesa?
- Ao que tudo indica. - dei de ombros. Eu sabia que não estava feliz, mas aquela ideia parecia ser menos aterrorizante. Eu estava confiante após ler os livros de Mariee e aprender sobre os costumes dos países com as Selecionadas. Além disso, estar casada com parecia muito melhor do que ser deixada no castelo para enfrentar tudo sozinha.
***
Serena concordou com tudo o que eu escrevi sobre nossa suposta interação e, com uma reunião na sala de Mariee, conseguimos juntas decidir o que era seguro falar sobre as Selecionadas ou não. Decidimos por não mentir, seria fácil demais descobrir a verdade de tudo aquilo.
A tarde foi exatamente como as outras, eu estava mais feliz por passar um tempo com as meninas. Natalie se mostrava cada vez mais minha amiga, enquanto Anne e Aurora ficavam do meu lado simplesmente em tudo. Entretanto, aquilo só parecia deixar Lauren mais ríspida, apesar de ela parecer se divertir conosco, sempre que possível achava alguma forma de atacar. Estava claro que Lauren sentia falta de ser o centro das atenções, de ser um ser superior e uma das poucas Dois do local. Ser da Elite havia mexido com ela, ser "mais uma" não parecia muito do seu feitio. Já Samantha ainda era a tímida. Era fácil nos definir como grupo. Tínhamos a tímida (Samantha), a estrangeira (Anne), a namorada de (Aurora), a inteligente (Natalie), a celebridade (Lauren) e eu.
Fazer parte de um time, de um grupo de garotas era completamente inédito para mim. Por isso fiquei completamente confusa quando Mariee disse que teríamos a manhã livre no dia seguinte, para aproveitarmos um tempo mais divertido juntas. Eu não fazia ideia do que poderíamos fazer. Será que alguma delas gostaria de ir até a floresta e subir em uma árvore comigo, como Drew faria?
- O que vocês acham que um café da manhã como piquenique? - Aurora parecia ter muito mais experiência com grupo, pois logo todas estavam sorrindo e empolgadas com a ideia. Passamos o jantar inteiro decidindo que tipo de brincadeiras poderíamos fazer no jardim.
- Acho melhor encerrarmos por hoje. - Serena disse no jantar, claramente insinuando que eu deveria subir para descansar antes de Drew aparecer. - Amanhã encontro todas no jardim.
***
Drew apareceu pontualmente, escolhendo a falha da segurança dos guardas com precisão. Dessa vez eu já lhe esperava com os sapatos na mão junto com os papéis que o Chefe havia pedido. Eu ainda me sentia nervosa, mas não pude deixar de sorrir quando meu amigo apareceu em minha porta, lhe dando um caloroso abraço.
- Que bom que você está bem! - sussurrei em seu ouvido, vendo-o sorrir para mim e indicar silenciosamente que seguíssemos corredor a fora.
Fizemos exatamente o mesmo caminho da última vez, entretanto Drew ficou em completo silêncio até começarmos a adentrar a floresta.
- Vejo que trouxe os relatórios. - ele disse, quando já parecíamos seguros por entre as árvores, indicando os papéis que eu segurava.
- Eu tinha escolha? - brinquei, mas concordei com a cabeça.
- Não, acho que não. - Drew não parecia no clima para brincar, ele seguia ao meu lado, mas parecia completamente distante.
- Como andam as coisas, Drew? Eles falaram algo? - perguntei, notando que Drew continuava seguindo por caminhos estranhos pela floresta, ele fazia questão de não andar reto.
- Só falaram que os planos mudaram desde que haviam falado comigo. O que eu claramente percebi quando colocaram uma arma na minha cabeça. - ele estava irritado. - Eu fui muito idiota. Você não pode confiar nessas pessoas, . O Chefe é indeciso demais.
- Eu não confio, percebi isso na última vez. Na realidade só estou aqui porque eles me descobriram. - contei, lembrando-me do homem que me prendera no quarto, homem que estava morto. - Não sei se tenho outra escolha.
- Você realmente concorda com os rebeldes nortistas? - Drew me encarou por um segundo, sua expressão séria o deixava mais velho, mais responsável. Cheguei a me perguntar se Drew havia enfrentado mais coisas do que eu imaginava, pois estava claro para mim que algo nele havia mudado.
- Eu acho que o que eles querem faz mais sentido, mas não totalmente. É complicado quando se trata de violência, não acho que seja a melhor forma de resolver. - tentei seguir o personagem, para Drew eu tinha me aliado aos nortistas por vontade própria.
- E sua mãe? Falou com ela sobre estar aqui? - ele perguntou mudando completamente de assunto.
- Eu não falei com ela ainda, o que é estranho e compreensível, afinal não estou no castelo nem há um mês. - encarei Drew tentando entender o que era tudo aquilo, por que de repente estávamos falando tanto sobre mim?
- Você acha que o príncipe a tornará princesa? - ele praticamente cuspiu as palavras, me fazendo respirar fundo. Drew sempre soube que eu não queria ir para a Seleção e sempre soube que eu não planejava me tornar princesa, por isso ele estava metido naquilo tudo. Como eu diria para Drew que ele estava se arriscando em vão e que já havia me comunicado que me escolheria?
- Acho que o príncipe só fará isso se não gostar de ninguém lá dentro, mas como ele anunciou que já tem uma escolhida, é meio difícil… - conclui, lamentando por mentir mais uma vez.
- O pessoal está criando estratégias para obrigá-lo a escolhê-la. - o homem contou, parando para me olhar e segurar minha mão. - E eu não duvido que eles consigam, . Eu sinto muito mesmo, mas você precisa começar a pensar nessa hipótese.
- Eu… Parece algo muito absurdo, eu não quero acabar com a família real, Drew. Eu não quero ser tão fiel assim ao Chefe. - sussurrei, com a voz trêmula. Aquilo estava me atormentando há dias. O que eu faria quando me escolhesse e os rebeldes do sul quisessem o que eu prometi dar? É claro que tem uma guerra para acontecer, mas então os sulistas vão perceber que eu os trai?
- Eu vou tentar ajudá-la. Eu prometo, . Mas agora temos que ir. - ele disse, pegando minha mão e me guiando mais rapidamente por entre as folhagens.
Chegamos na mesma fogueira, a qual agora parecia mais organizada. Eles estavam tão longe do castelo e em uma parte tão cercada de árvores que eu duvidava que algum guarda poderia encontrá-los.
- Boa noite, . - o Chefe caminhou até mim, me estendendo a mão para um cumprimento que eu aceitei. Mas dessa vez em vez de apertá-la, o homem a beijou. Sua barba por fazer contra minha mão me fez tremer de uma forma nada boa. Ele me dava nojo quase tanto quanto medo.
- Boa noite. - disse, retirando a mão delicadamente. - Trouxe o que o senhor pediu. - lhe estendi os papéis, querendo entender porque eu tinha que ir até o meio da floresta apenas para entregar alguns relatórios
- Estou feliz com seu comprometimento. - ele disse zombando de mim, enquanto pegava os papéis e entregava para um de seus homens, o qual começou a lê-los ali mesmo. - Temos que esperar ele terminar, que tal se sentar?
O Chefe indicou uma série de troncos cortados posicionados de forma a criar um círculo de bancos. Pareceria muito um acampamento animado com músicas e histórias em volta de uma fogueira se não fosse tão o oposto.
- Por que estou aqui, Chefe? - perguntei, aceitando o convite para me sentar. Eu precisava parecer amigável e confiável, até contente por estar ali. Caminhei até o tronco indicado olhando para Drew, que parecia acompanhar cada movimento meu. Estava com medo por ele, mas não podia negar o quanto estava feliz por tê-lo ali comigo. O Chefe me acompanhou, sentando-se no troco diretamente a minha frente, enquanto o resto dos homens permaneceu de pé.
- Como eu disse, estamos planejando uma forma de torná-la princesa. Para isso precisamos de mais informações. - ele comentou, encarando-me a espera de qualquer sinal que me entregasse.
- Eu coloquei tudo o que sabia nos relatórios. Ainda não entendo porque preciso estar aqui.
- Talvez tenhamos algumas dúvidas. - ele deu de ombros, como se fosse muito fácil me tirar do castelo e levar até ali. - O que você está achando da Seleção?
- Preciso admitir que ela fica mais legal sem o príncipe. - zombei, eles odiavam a família real, não é?
- Engraçado você não gostar dele, sendo que ele claramente gosta de você.
- O público gosta de mim. - eu corrigi. - Não o príncipe.
- Você tem razão. Mas ainda sim temos que fazê-lo escolhê-la. - ele concordou, dando um sorriso suspeito. - Estamos tentando encontrar uma forma de lhe tornar princesa o mais breve possível. Alguma ideia?
- O príncipe nem está na cidade. Como você pretende fazer ele acabar com a Seleção sem estar aqui? - perguntei incrédula, até que pela expressão do rebelde eu entendi. Ele estava pensando em uma forma de trazer o príncipe de volta, seu plano era muito maior do que eu imaginava. - Até parece, o príncipe está fazendo boas ações, está por aí salvando crianças… Por que ele voltaria?
- Tenho que concordar que será uma tarefa complicada. Temos que pensar sobre isso, mas acredite que em alguns dias traremos o príncipe de volta.
- Tudo bem então. - concordei, deixando evidente que não acreditava tanto assim na capacidade dele. - Se precisar de ajuda me avise. Sem me entregar, é claro.
- Não se preocupe, . Você estará por dentro de tudo. - ele garantiu, sorrindo confiante. Apesar de não saber muito sobre homens e ter sido beijada poucas vezes, eu realmente acreditava que o Chefe estava dando em cima de mim.
- Com licença. - um dos homens interrompeu-nos. - Acredito que temos o suficiente, senhor.
- Ótimo. - ele ficou de pé, me fazendo acompanhá-lo. - Entraremos em contato logo, senhorita. Agradeço sua compreensão. Com sua ajuda traremos o príncipe de volta, acredite.
Me despedi do homem, grata por ter parecido mais confiante. Consegui sobreviver a mais uma reunião com os rebeldes sulistas sem ameaças ou desconfianças. Talvez eu estivesse ficando boa naquilo. Drew me acompanhou por todo o caminho, sem realmente querer conversar. Ele parecia perdido nos próprios pensamentos.
- Você deveria ir para casa. - soltei, sem conseguir aguentar aquele clima entre nós. - Logo eles farão o príncipe voltar e, se o Chefe tiver razão, acharão alguma forma de me tornar princesa. Não tem porque você ficar aqui, Drew. Você sabe que não tem.
Ele parou, virando-se para me encarar. Seus olhos brilhavam na luz da lua e eu conseguia sentir o seu conflito interno. O que Drew não estava me contando?
- Você ainda pode fugir.
- O quê?
- Nós podemos fugir, juntos. Podemos morar juntos, . Eu posso deixá-la seguir seu caminho… Eu posso ser um bom marido.
Aquilo foi realmente surpreendente. Como é que Drew podia achar que aquilo daria certo? E mesmo se fosse uma opção viável, ele realmente estava querendo se casar comigo?
- É impossível, Drew. Se fugirmos seremos caçados, além de que viraremos Oito. Que tipo de vida nós teríamos?
- Mas é melhor do que ser princesa. E é muito melhor do que acabar nas mãos do Chefe.
- O que você quer dizer?
- Qual foi, ? É impossível não ver como ele olha para você! O cara é um completo babaca egocêntrico e, mesmo assim, olha para você como se você o impressionasse. Você realmente acha que ele vai perder a chance de ficar com você?
- Que chance? Ele quer me casar com o príncipe!
- E depois matar o homem. Você acha que depois que o príncipe estiver morto, vai restar o que para você?
Engoli em seco. Drew só podia estar brincando.
- Só a ideia me consome, . Imaginá-la com o príncipe já quebra meu coração, mas eu perdi a chance de evitar. Agora com ele? Não posso deixá-la seguir esse caminho.
- Eu jamais vou me envolver com aquele homem. - aquilo eu tinha certeza. - Nem que eu tenha que morrer.
- Nem se a arma apontada na minha cabeça estivesse na da sua irmã? - Drew me conhecia demais, ele sabia meus pontos fortes e fracos.
- Eu… - não sabia como responder aquilo.
- Deixe-me tirá-la daqui, . Eu não ligo se você não me ama. A gente pode ir para outro país, usar o dinheiro das nossas famílias para comprar uma casta, mesmo que menor. Você não será uma Dois, mas também não precisamos ser Oito.
- A ideia é absurda demais. Além disso Drew, você não precisa estragar a sua vida por minha causa. Você ainda pode seguir seus sonhos.
- Você ainda não entendeu, não é? - ele disse, sua respiração cada vez mais pesada. - Você deveria ser meu futuro, . Eu demorei demais para perceber, precisei lhe ver sair por aquele palco como Selecionada para disputar o coração de outro homem para perceber que você já tinha o meu. Eu te amo, . Te amo tanto que saí de casa para te resgatar, te amo tanto que estaria feliz ao seu lado sem importar as circunstâncias. Eu te amo mais do que achei que poderia.
Drew tinha os olhos fixos nos meus, enquanto suas palavras me atingiram como flechas. Drew me amava? Mas… Eu iria me casar com , não ia? Drew aproveitou-se do meu silêncio para se aproximar, suas mãos mexendo levemente em meus cabelos que balançavam com a brisa da noite. Seu rosto de aproximando do meu, ele iria me beijar?
- Espere. - recuei, recuperando a consciência. - Você não pode Drew. Você não pode gostar de mim. Você… - sentia-me desesperada, pensando na melhor forma de explicar para ele que ele não me amava. - Você precisa sair daqui, voltar para nossa Província e encontrar um trabalho, uma esposa e depois ter filhos. E seguir com a sua vida monótona. Talvez você ensine seus filhos a escalar árvores e conte da sua melhor amiga de infância. O que você não pode é largar tudo isso por mim.
- … - sua voz era doce e gentil. - Eu não quero largar tudo isso por você, eu quero fazer tudo isso com você.
- Mas eu não posso. Olha onde eu estou metida Drew! - aquilo era muito absurdo. - Os rebeldes do norte querem algo de mim, os rebeldes do sul me querem como princesa, eu ainda faço parte da Seleção e tem aqueles malditos 80% dos votos. Todos querem algo de mim, Drew. Eu… Eu simplesmente não consigo suprir todos os desejos. Por favor, não espere de mim algo que eu sou incapaz de lhe dar. - as lágrimas caíram sem permissão. Era isso, eu estava chorando. Eu não podia me culpar… Drew ser rebelde sulista já era demais, mas eu decepcioná-lo, eu ter sido capaz de fazê-lo suprir algum sentimento que não devia… Aquilo era inaceitável.
- Ei… - ele se aproximou, me aninhando em seu abraço. - Nós podemos consertar isso. Você não precisa chorar… Nós vamos dar um jeito.
- Que jeito, Drew? Se me escolher como princesa eu preciso aceitar. Eu assinei um contrato que me obriga a aceitar. Você compreende isso? - soltei-me de seus braços. - Você precisa desistir de mim. Você precisa esquecer essa ideia maluca de estar apaixonado por mim. O seu sentimento que precisa de conserto.
***
Acordei no dia seguinte com a cabeça latejando, grata pelos comprimidos que me fizeram adormecer. Não ia aguentar mais uma noite chorando. Eu simplesmente não conseguia pensar em Drew e sua revelação. Eu havia insistido que ele partisse, que deixasse eu e os rebeldes para trás. Mas eu havia descoberto que ele não poderia fazer isso. Drew estava vinculado ao Chefe de uma forma que eu não achava possível. Ninguém podia deixar o grupo, ninguém.
Deixei-me ser arrumada para o piquenique enquanto permanecia com os pensamentos longe. Eu estava confusa demais, perdida demais e completamente sem vontade de contar para Serena ou Mariee sobre a noite anterior. Eu queria apagá-la da minha vida e simplesmente fingir que nunca aconteceu. E foi com esse pensamento que desci até o jardim para encontrar uma mesa bonita e bem decorada organizada para o nosso café da manhã.
A maioria das meninas já estava lá quando cheguei, inclusive Serena que me analisou assim que me sentei ao seu lado. Ela queria alguma pista do que havia acontecido na reunião, mas eu não tinha. O Chefe não tinha me contado nada de seu plano, apenas garantido que me avisaria quando o mesmo fosse acontecer. Mas era mentira. Descobri que o Chefe claramente havia me enganado quando, entre uma garfada e outra do meu bolo, a sirene soou. Estávamos sendo atacados.
Serena foi a primeira a se levantar, mas nós já estávamos acostumadas com aquele som, por isso saímos da mesa em segundos, correndo em direção a escadaria do castelo. Com Mariee nos guiando, seguíamos correndo para o abrigo principal, onde a família real costumava ficar em momentos como aquele. Mas o que Mariee não considerou naquele ataque foi a proximidade dos sulistas. Eles estavam dentro dos portões, seu ataque não era para passar pelos muros, pois eles já estavam lá.
Estávamos correndo apressadas quando nos deparamos com ele. O homem usava uma roupa toda preta e um pouco suja, acusando o lado a qual pertencia. E, por consequência, tornando previsível sua próxima ação. Sem pestanejar o rebelde ergueu sua arma e atirou, acertando Mariee no peito. O tiro foi certeiro, fazendo a mulher dar um passo para trás antes de cair no chão. Mariee estava morta a pouco centímetros de mim, seu sangue começando a escorrer pelo piso do castelo.
Escutei mais um tiro e apesar de não conseguir me concentrar em mais nada, eu simplesmente sabia que o rebelde estava morto. Caído no chão assim como a mulher ao meu lado. Por instinto me abaixei ao lado de Mariee, usando as mãos para estancar a sangue que manchava o chão e seu vestido. Ela não podia morrer. Nós estávamos quase no abrigo.
- Vamos, . Precisamos continuar. - Serena tinha seus braços me puxando e obrigando-me a voltar a realidade. - Ela está morta. Temos que ir.
- Vocês poderão trabalhar juntas, delegar funções e ao mesmo tempo trabalhar diplomacia. Poderão conversar em diferentes línguas e criar laços entre si, afinal todas vocês são parte da elite da sociedade agora. - ela falava empolgada. - Além disso, é mais seguro todas juntas.
Não sabia o que pensar da ideia de Mariee, apenas concordamos e seguimos juntas até o Salão das Mulheres que já parecia organizado do jeito da assessora. Havia cerca de oito cadeiras posicionadas em círculo, uma mesa enorme com diferentes livros, papéis e canetas e alguns pufes a mais.
- Hoje vamos começar com a história do nosso país, como chegamos até aqui e quem nos salvou. Temos esse livro. - Mariee indicou um livro antigo e relativamente grosso. - Vocês podem ler, fazer anotações e encontrar, em conjunto, a melhor forma de resumir a história. Se o trabalho for bem feito, falarei com o rei para divulgarmos no Jornal Oficial.
Após dar as ordens, Mariee saiu do salão, conversando com Serena antes de passar pela porta. A segunda ficaria responsável por cuidar de nós, enquanto Mariee parecia brincar de ser rainha com os outros assessores reais.
- Vocês sabem algo da história? - Anne perguntou, enquanto encarava o livro que Mariee parecia estrategicamente ter entregue em sua mão.
- Um pouco. - Natalie comentou, me fazendo concordar com ela.
- Digamos que o básico. - disse, analisando as outras garotas. Eu sabia que Anne e Aurora eram Quatro e provavelmente não tinham tanto acesso à informação, apesar da última ter estudado com os nortistas. Mas eu não tinha certeza do acesso à informação das outras meninas. Pelo que eu lembrava Lauren era uma Dois, pois seu pai era um dos importantes em sua Província, mas eu não conseguia nem imaginar a casta de Samantha e Natalie.
A ideia de Mariee foi muito mais eficiente do que eu pensava e a história do nosso país era muito mais complexa do que eu conhecia. Passamos o dia inteiro no Salão das Mulheres, incluindo na hora do almoço, que comemos juntas sentadas a mesa e trocando não só informações, mas como risadas.
- Eu não acredito que nos saímos tão bem nas guerras. - Samantha comentou, entre uma garfada e outra de sua massa.
- Sim! Acredito que fomos o reino mais inteligente. - Natalie continuou.
Eu concordava com as meninas. Durante a Terceira e Quarta Guerra Mundial, quando os países antigos conhecidos como Estados Unidos, China e Rússia pareciam se atacar por causa de dinheiro e poder, nosso país prosperou. Formado por alguns países da antiga América do Sul, fomos os responsáveis por exportar grande parte dos mantimentos para os países em guerra, principalmente devido ao extenso território e diversidade do Brasil, onde hoje está a maior parte do nosso reino.
Entretanto, quando George Illéa se uniu a outros países e se rebelou contra seus atacantes, nós também o apoiamos. Não apenas com mantimentos, mas com espaço e homens. A aliança formada entre Illéa e Waldo Ynter foi um dos principais motivos para George ganhar a guerra e uma enorme forma de conseguirmos dinheiro e alianças. Quando o primeiro se nomeou rei de suas terras, Waldo resolveu seguir o caminho, unindo os países prósperos e agora desenvolvidos em seu próprio reino.
Sem guerra em suas terras, nosso reino cresceu de forma calma e próspera. Entretanto, algo mudou quando os novos reinos começaram a se reinventar e crescer. Eles já não precisavam tanto de nós e nossa principal fonte de renda acabou. Com a crise financeira, Waldo Ynter encontrou na organização da sociedade em castas uma forma de estabilizar e reerguer o país. Apesar de não ser uma trajetória completamente em paz, Ynter não parecia ter sofrido nada como a situação atual. E aquilo me assustava.
- Mas deve ter sido difícil sair daquela prosperidade e declarar as castas. As pessoas mais pobres tiveram dinheiro algum dia. - Samantha estava certa. Apesar do sistema ter sido adotado aos poucos, era óbvio que algumas pessoas saíram prejudicadas.
- Eu concordo. Outra coisa, como vocês acham que devemos resumir isso? Contaremos uma história? Faremos uma árvore genealógica? Acho que um mapa seria legal. - Aurora era definitivamente a mais ouvida do grupo, o que estava diretamente relacionado ao fato de ela não disputar pelo coração de .
- Eu acho que podemos usar mais imagens. - Samantha comentou, mas minha atenção saiu da conversa quando vi Serena me chamar silenciosamente da porta. Ela queria que eu fosse ao seu encontro sem nenhuma suspeita das demais.
- Por mim pode ser o que vocês decidirem. - avisei levantando-me para ir ao banheiro.
- Estava difícil conseguir falar com você. - Serena reclamou. - Mariee quer falar com você na sala dela. Acabei de escrever uma carta para o príncipe, mas ele está longe, mesmo com urgência pode demorar um pouco.
- Certo. Vou atrás de Mariee.
Apesar de esconder sobre Drew para Mariee, tive que ser clara quanto a intenção dos rebeldes sulistas para os próximos dias. A assessora ficou desconfiada e preocupada quando disse que os sulistas queriam exatamente o mesmo que Serena, eu senti que ela estava com medo de ser traída pela nortista.
Mesmo detalhando o máximo que achava seguro, minha conversa com a assessora não foi longa, ela parecia ocupada demais para me dar muita atenção. Pouco tempo depois eu já estava de volta ao Salão das Mulheres ajudando as meninas com a sua ideia de livro infantil para contar a história do nosso país.
O resto da tarde passou rápido e depois do jantar decidi gastar mais algumas horas presa aos livros que Mariee havia me enviado. Eu gostava daquela sensação de ser útil e ter com o que ocupar a mente. Me sentia incrivelmente melhor e mais motivada. Decidida a não sofrer e surtar com tudo o que estava acontecendo, mantinha-me revezando entre estudar sozinha, estudar com as meninas da Seleção e passar um tempo dormindo com os remédios receitados pelo médico.
Serena era a única que insistia em tocar no assunto, sendo breve ao me passar retornos do príncipe. parecia trocar diversas informações e cartas com a rebelde, mas não tinha nada que realmente era destinado a mim. Ambos apenas discutiam as possíveis ações dos sulistas e a melhor forma de me manter segura. Mas aquilo me incomodava, não me dava nenhum sinal de vida há dois dias. Apesar de eu estar feliz conhecendo mais as garotas, eu precisava de alguém com quem eu pudesse ser totalmente sincera.
- Eu tenho muita dificuldade em gravar tantos nomes e rostos. - Lauren reclamou, tirando-me dos meus pensamentos. não estava ali e parecia ocupado demais para falar comigo, eu precisava aceitar que estava sozinha.
- Como pode ter tantas pessoas na nobreza? - Samantha também parecia frustrada. Naquele dia tínhamos decidido sentar nos pufes em torno das revistas e livros que Mariee tinha nos entregado para conhecermos o nome de todos os nobres e aliados da família real. Eram muitas pessoas, de muitos reinos e famílias. Aquilo realmente era complicado.
- E se fizermos fichas? - perguntei, fazendo-as me encarar curiosas. - Podemos colocar o nome na frente, e atrás escrevemos o reino e a relação com Ynter, depois procuramos o rosto correspondente. Como se fosse um jogo.
A ideia foi bem aceita e logo já estávamos cortando os papéis e montando as fichas dos nobres e amigos da família real. Apesar de termos declarado uma competição, ninguém ali estava em clima de disputa. Eu estava começando a realmente gostar das garotas, a me sentir bem com elas e confortável. No tempo que passávamos no Salão das Mulheres, conversávamos sobre tudo, incluindo nossa vida em casa. Havia descoberto que Anne tinha uma irmã mais nova que ela e tinha muitas saudades e que era muito melhor falando inglês que ela. Descobri que Aurora era filha única e tinha um número considerável de cursos também. Lauren era uma Dois desde sempre, seu pai tinha um cargo político importante na sua Província. Assim como Natalie que parecia sonhar com a ideia de fazer os próprios filmes, ela já estava pronta para seguir carreira quando saísse da Seleção, isso se não fosse princesa, é claro. Samantha era a mais tímida, ela falava muito sobre o governo e nossa atividade, mas eu sabia muito pouco sobre sua vida.
- Quando vocês acham que o príncipe volta? - Lauren perguntou enquanto organizava as diversas fotos que tínhamos das pessoas em nossas fichas.
- Acho que pode demorar um pouco. - Natalie deu de ombros, como se aquilo não lhe importasse.
- Vocês sabem por que ele foi viajar? - a forma que Lauren perguntou me deixou em dúvida se ela sabia ou não. Ela olhou para Natalie, que olhou para mim, eu, involuntariamente encarei Aurora. Natalie disse que o príncipe havia sido sincero com todas, mas será que era verdade?
- Pelo que eu sei, e o príncipe foram atrás de apoio político. - Aurora comentou, sendo cuidadosa em sua resposta.
- Para uma guerra civil. - Samantha soltou, deixando todas nervosas, mas ninguém surpresa. havia sido sincero com todas ali. Mas o que isso significava? Será que elas faziam ideia da minha participação naquilo tudo?
- Vocês sabem, então. - Lauren concluiu. - E o que vocês acham sobre isso?
- Os príncipes foram até Sangel. - Natalie contou. - Minha Província tem uma ótima relação com Illéa e acredito que eles querem esse tipo de apoio também.
- Eu sei que o príncipe já falou com os prefeitos de cada Província, estamos recrutando mais. - Lauren parecia realmente ter contatos em sua Província.
- Eu acho que o príncipe está certo! Esses rebeldes são bárbaros, é inadmissível deixarmos o povo se rebelar assim. - Samantha parecia a mais assustada entre nós.
- Eu entendo as pessoas não aceitarem tudo. Mas concordo que a violência não é a melhor forma de pedir por algo. - Aurora falou, claramente defendendo seus princípios.
- Eu não consigo entender. As castas são difíceis para as pessoas, mas é para o bem delas. Assim você tem certeza do que pode gastar, do que pode ser. As castas facilitam a vida. - Samantha me deixou chocada, eu não conseguia imaginar como alguém da nossa geração podia achar as castas algo bom.
- Eu até concordo com você. Mas essa parte de não poder crescer socialmente é uma droga. - Natalie comentou, me deixando em dúvida como ela queria crescer. Ela era uma Dois, acima dela, bem, só a realeza.
- Eu acho que as castas nos limitam demais. Limitam nossos sonhos, nossas habilidades e as pessoas que amamos. - Anne conseguia acompanhar a conversa perfeitamente bem. Ela nem precisava mais usar sua tradutora, apesar do sotaque, era possível entender o que a mesma dizia.
- As castas podem destruir vidas. - Aurora estava inconformada.
- O que você acha, ? - Lauren perguntou, me fazendo pensar.
- Eu acho que o sistema de castas foi uma boa forma de fazer nosso país sair da falência e dar, de alguma forma, estabilidade para as pessoas. Respeito a história do nosso país e respeito às pessoas que passaram por esse período difícil, mas acho que não estamos mais nessa época. As pessoas precisam ter mais direitos. Se você quer trabalhar no que sua casta permite, casar com alguém da mesma classe e viver no mesmo bairro, você pode. Inclusive com o fim das mesmas. As pessoas não precisam necessariamente ter vontade de crescer, elas só precisam desse direito. - respirei fundo. - Acho que as pessoas misturam muito o direito de igualdade com a necessidade dela. Só porque com o fim das castas todo mundo poderá trabalhar com o que quiser, não significa que você precisa fazer isso, sabe? O direito de fazer não elimina o direito de não fazer.
Aurora me olhava sorridente, estava estampado em seu semblante que ela concordava comigo. Era isso então, no fim eu talvez realmente fosse um pouco rebelde nortista, assim como . Talvez me juntar a Serena não tenha sido unicamente por causa da minha história, talvez a mulher tenha visto em mim alguém com o mesmo pensamento que ela. As castas foram muito úteis no passado, apesar de cruéis. Só que não estávamos mais no passado, os jovens querem liberdade, querem direitos, querem simplesmente fazer escolhas.
- Senhorita . - escutei Serena chamando da porta. - Tem uma correspondência para a senhorita de sua Província.
Aquilo me assustou, os rebeldes seriam capazes de enviar uma carta de forma tão descarada? Encarei Serena enquanto caminhava lentamente até a entrada do Salão das Mulheres, ela claramente estava com as mesmas suspeitas que eu.
- Obrigada. - sorri para o soldado que trazia o envelope, pegando-o e abrindo sem cerimônia. Se fosse dos rebeldes nortistas estaria assinado por Drew, mas era Meredith que havia colocado seu nome ao final da carta.
- E então? - Serena estava curiosa.
- É de Meredith. Ela é da minha Província, conseguimos doar bastante para o pessoal. - Serena ficou decepcionada por um momento.
- Doar? Do que você está falando? - pelo jeito a mulher não sabia de tudo o que acontecia na minha vida.
- O dinheiro que o governo paga para as Selecionadas por estar aqui, eu pedi para doar uma parte. - contei, terminando de ler a carta escrita pela mulher, grata. Estávamos na terceira semana de Seleção e Meredith disse que estava conseguindo ajudar muitas pessoas com o meu dinheiro, ela havia feito cadastros das famílias mais necessitadas da Província e conseguia ajudá-los com itens essenciais dos mais variados tipos.
- É sério? - a rebelde parecia realmente impressionada.
- Minha mãe não permitiu todo o dinheiro, é óbvio. Mas mais da metade está indo para ajudar as pessoas. - contei, feliz com as notícias que a mulher trazia. Meredith merecia um prêmio por todo o seu trabalho, ela estava gastando muito bem o meu dinheiro.
- Entendi. E como anda com as garotas? - Serena voltou-se para o grupo que continuava ocupado em sua tarefa.
- Estou me adaptando melhor do que eu pensava. Até que um grupo de garotas não é tão ruim assim quando você aprende a conviver com cada uma. - dei de ombro. - E você? Alguma notícia do príncipe?
- Não fique brava com ele, . O príncipe está tentando dar conta de muita coisa, o rei não parece estar facilitando muito. - Serena falava baixo, apesar de depois da saída do guarda, não haver ninguém perto de nós.
- Eu não estou brava.
- Claro que está. Eu te conheço, . Eu entendo, mas é complicado para ele também.
- Pode ser complicado o quanto quiser, mas aqui também não está sendo fácil. - comentei irritada. Era claro que Serena tinha razão, havia me deixado para trás com os rebeldes nortistas e sulistas para lidar, além da assessora de seu pai que parecia mais querer acabar comigo do que realmente me salvar, eu estava chateada com o príncipe. Ainda, para piorar, eu precisava estudar coisas que eu nem sempre entendia; nos livros de Mariee haviam coisas sobre finanças, história dos outros reinos e, acredite se quiser, estratégias de guerra.
- Falando nisso estou preocupada com os sulistas, alguma comunicação?
Neguei, respirando fundo. O Chefe havia me dito que precisaria de três dias para entrar em contato, mas já estávamos no terceiro dia e ainda não tinha recebido nenhum sinal de Drew, o que ao mesmo tempo me deixava aliviada e assustada. Será que meu amigo estava bem?
Pouco antes de dormir, enquanto eu me entretinha com os livros de Mariee, já de camisola e sem companhia no quarto, escutei duas batidas na porta seguidas pela passagem de um envelope pela mesma. Me levantei escutando passos apressados, claramente a pessoa que passou o papel por baixo da porta já não estava no corredor.
Peguei o envelope pardo curiosa, abrindo-o para encontrar a primeira mensagem dos rebeldes sulistas assinada por Drew. Aquela mensagem não tinha absolutamente nada de suspeita, além do papel anexado por um clipe que indicava todo o código criado por eles. Palavras que mudavam de significado ou letras que unindo-se formavam palavras e frases completas. Era um sistema complicado de se criar, mas fácil de se entender.
A informação ali escondida me passava ordens claras para a próxima reunião que teríamos na floresta e quais informações eu deveria levar para lá. O Chefe queria um relatório sobre as Selecionadas restantes e suas relações com o príncipe, além de toda a comunicação que eu tive com os rebeldes nortistas. Aquilo era um absurdo. Como eu poderia mentir tantas coisas? E como eu faria um relatório sobre as Selecionadas sem colocá-las em perigo?
Respirei fundo. Relendo a carta e vendo se eu havia entendido errado ou deixado passar alguma informação. Mas não. Eu precisava preparar uma série de informações para a noite seguinte, quando Drew me buscaria no mesmo horário. Aquilo era um desastre.
Depois de muito tempo andando de um lado para o outro pensando em alguma alternativa para não ir até aquela reunião, decidi começar os relatórios, colocando informações que eram públicas ou que eu já havia passado para os sulistas. Coloquei inclusive o quarto em que cada Selecionada estava, algo que claramente eles já sabiam se tinham encontrado o meu.
Eu sabia que toda aquela informação não era o suficiente, os rebeldes queriam coisas que eu não podia oferecer, queriam informações que seria imprudente demais revelar. Eu precisaria mentir ou simplesmente falar que não conhecia aquelas mulheres o suficiente.
Depois passei para as informações sobre os nortistas, escrevendo de forma longa e cheia de detalhes a história que inventei para os homens. Foi demorado, mas logo eu tinha uma série de informações inúteis e inventadas sobre uma troca de cartas com os nortistas que nunca ocorreu. Inclusive, para a proteção de Serena, coloquei outra pessoa responsável para se comunicar comigo. Só precisava mostrar tudo aquilo para a mulher e garantir que não tinha esquecido de nada.
Apesar de ter resolvido uma grande parte da minha tarefa, eu não sentia sono. A adrenalina e a angústia me faziam ficar acordada e ativa, pensei na hipótese de usar o remédio indicado pelo médico, mas se o tomasse tão tarde teria dificuldades para acordar no dia seguinte. Resolvi usar o resto da noite para terminar de estudar o último livro da primeira remessa que recebi de Mariee. Aquele livro era o mais interessante até então, ele era praticamente um guia financeiro. Eu tinha certeza que havia aprendido o que sabia sobre o dinheiro de seu governo e país com aquele livro. Ele explicava como funcionavam transações, importações, exportações e a garantia de dinheiro do reino. Apesar de ser mais teórico e não falar especificamente de Ynter, eu sabia que muito do que tinha ali acontecia no país.
Eu terminava meu último resumo quando minhas criadas chegaram, suspeitando novamente ao me encontrar acordada.
- A senhorita está bem? Estamos preocupada, senhorita . - Meri comentou, enquanto escolhia o vestido que eu usaria naquele dia. Elise e Cleo se ocupavam com meu banho.
- Estou. Por que a dúvida? - perguntei. Fechando os livros e empilhando-os. Podia devolvê-los para Mariee já naquela manhã.
- É a segunda vez que a senhorita está acordada. Eu sinto muito em me meter, , mas nossas ordens são claras. Sem o príncipe aqui precisamos conversar com a senhora Mariee sobre qualquer coisa que aconteça com a senhorita. - ela dizia, tirando um vestido azul claro lindo e estendendo-o na cama.
- Eu entendo. Não se preocupe. Eu só estou ocupada. - comentei, organizando meus papéis em uma das pastas que havia pego na Biblioteca. - Mas você tem razão Meri, acho que devo explicações para vocês.
A morena estranhou minha colocação, mas nada se comparava ao misto de expressões que pude ver na cara do trio enquanto contava para elas sobre o acordo que eu havia feito com os rebeldes. Bem, eu e o herdeiro do trono. Dizer aquilo em voz alta mexeu comigo, preciso admitir.
- Você está feliz? - Elise perguntou preocupada, sendo a primeira a sair do êxtase com a ideia.
- Eu não sei. - contei, dando de ombros, tentando ao máximo parecer conformada com aquilo. - Eu havia dito para o príncipe que aceitaria se ele precisasse.
- Como assim? - Meri, que agora secava meus cabelos úmidos, perguntou.
- No baile disse ao príncipe que se ele tivesse que se casar comigo eu aceitaria, mesmo que não o amasse. Acabou que aconteceu mesmo.
- Você não o ama, não é? - Cleo limpava a banheira, deixando a água descer pelo ralo.
- Não. Eu mal o conheço, na realidade. É estranho, estamos há pouco tempo aqui, mas ainda sim sinto que as outras Selecionadas conhecem muito melhor. Todo o tempo que passamos juntos parecia… Foi tumultuado.
- Mas eu não entendo, se ele escolheu a senhorita, por que ainda tem Seleção?
- Ele só escolheu para mim e para a rebelde. São poucas pessoas que sabem. Muita coisa está acontecendo, meninas. Eu não quero assustá-las… Digamos que eu e temos que resolver algumas coisas antes de firmar nosso compromisso.
- A senhorita será mesmo princesa?
- Ao que tudo indica. - dei de ombros. Eu sabia que não estava feliz, mas aquela ideia parecia ser menos aterrorizante. Eu estava confiante após ler os livros de Mariee e aprender sobre os costumes dos países com as Selecionadas. Além disso, estar casada com parecia muito melhor do que ser deixada no castelo para enfrentar tudo sozinha.
Serena concordou com tudo o que eu escrevi sobre nossa suposta interação e, com uma reunião na sala de Mariee, conseguimos juntas decidir o que era seguro falar sobre as Selecionadas ou não. Decidimos por não mentir, seria fácil demais descobrir a verdade de tudo aquilo.
A tarde foi exatamente como as outras, eu estava mais feliz por passar um tempo com as meninas. Natalie se mostrava cada vez mais minha amiga, enquanto Anne e Aurora ficavam do meu lado simplesmente em tudo. Entretanto, aquilo só parecia deixar Lauren mais ríspida, apesar de ela parecer se divertir conosco, sempre que possível achava alguma forma de atacar. Estava claro que Lauren sentia falta de ser o centro das atenções, de ser um ser superior e uma das poucas Dois do local. Ser da Elite havia mexido com ela, ser "mais uma" não parecia muito do seu feitio. Já Samantha ainda era a tímida. Era fácil nos definir como grupo. Tínhamos a tímida (Samantha), a estrangeira (Anne), a namorada de (Aurora), a inteligente (Natalie), a celebridade (Lauren) e eu.
Fazer parte de um time, de um grupo de garotas era completamente inédito para mim. Por isso fiquei completamente confusa quando Mariee disse que teríamos a manhã livre no dia seguinte, para aproveitarmos um tempo mais divertido juntas. Eu não fazia ideia do que poderíamos fazer. Será que alguma delas gostaria de ir até a floresta e subir em uma árvore comigo, como Drew faria?
- O que vocês acham que um café da manhã como piquenique? - Aurora parecia ter muito mais experiência com grupo, pois logo todas estavam sorrindo e empolgadas com a ideia. Passamos o jantar inteiro decidindo que tipo de brincadeiras poderíamos fazer no jardim.
- Acho melhor encerrarmos por hoje. - Serena disse no jantar, claramente insinuando que eu deveria subir para descansar antes de Drew aparecer. - Amanhã encontro todas no jardim.
Drew apareceu pontualmente, escolhendo a falha da segurança dos guardas com precisão. Dessa vez eu já lhe esperava com os sapatos na mão junto com os papéis que o Chefe havia pedido. Eu ainda me sentia nervosa, mas não pude deixar de sorrir quando meu amigo apareceu em minha porta, lhe dando um caloroso abraço.
- Que bom que você está bem! - sussurrei em seu ouvido, vendo-o sorrir para mim e indicar silenciosamente que seguíssemos corredor a fora.
Fizemos exatamente o mesmo caminho da última vez, entretanto Drew ficou em completo silêncio até começarmos a adentrar a floresta.
- Vejo que trouxe os relatórios. - ele disse, quando já parecíamos seguros por entre as árvores, indicando os papéis que eu segurava.
- Eu tinha escolha? - brinquei, mas concordei com a cabeça.
- Não, acho que não. - Drew não parecia no clima para brincar, ele seguia ao meu lado, mas parecia completamente distante.
- Como andam as coisas, Drew? Eles falaram algo? - perguntei, notando que Drew continuava seguindo por caminhos estranhos pela floresta, ele fazia questão de não andar reto.
- Só falaram que os planos mudaram desde que haviam falado comigo. O que eu claramente percebi quando colocaram uma arma na minha cabeça. - ele estava irritado. - Eu fui muito idiota. Você não pode confiar nessas pessoas, . O Chefe é indeciso demais.
- Eu não confio, percebi isso na última vez. Na realidade só estou aqui porque eles me descobriram. - contei, lembrando-me do homem que me prendera no quarto, homem que estava morto. - Não sei se tenho outra escolha.
- Você realmente concorda com os rebeldes nortistas? - Drew me encarou por um segundo, sua expressão séria o deixava mais velho, mais responsável. Cheguei a me perguntar se Drew havia enfrentado mais coisas do que eu imaginava, pois estava claro para mim que algo nele havia mudado.
- Eu acho que o que eles querem faz mais sentido, mas não totalmente. É complicado quando se trata de violência, não acho que seja a melhor forma de resolver. - tentei seguir o personagem, para Drew eu tinha me aliado aos nortistas por vontade própria.
- E sua mãe? Falou com ela sobre estar aqui? - ele perguntou mudando completamente de assunto.
- Eu não falei com ela ainda, o que é estranho e compreensível, afinal não estou no castelo nem há um mês. - encarei Drew tentando entender o que era tudo aquilo, por que de repente estávamos falando tanto sobre mim?
- Você acha que o príncipe a tornará princesa? - ele praticamente cuspiu as palavras, me fazendo respirar fundo. Drew sempre soube que eu não queria ir para a Seleção e sempre soube que eu não planejava me tornar princesa, por isso ele estava metido naquilo tudo. Como eu diria para Drew que ele estava se arriscando em vão e que já havia me comunicado que me escolheria?
- Acho que o príncipe só fará isso se não gostar de ninguém lá dentro, mas como ele anunciou que já tem uma escolhida, é meio difícil… - conclui, lamentando por mentir mais uma vez.
- O pessoal está criando estratégias para obrigá-lo a escolhê-la. - o homem contou, parando para me olhar e segurar minha mão. - E eu não duvido que eles consigam, . Eu sinto muito mesmo, mas você precisa começar a pensar nessa hipótese.
- Eu… Parece algo muito absurdo, eu não quero acabar com a família real, Drew. Eu não quero ser tão fiel assim ao Chefe. - sussurrei, com a voz trêmula. Aquilo estava me atormentando há dias. O que eu faria quando me escolhesse e os rebeldes do sul quisessem o que eu prometi dar? É claro que tem uma guerra para acontecer, mas então os sulistas vão perceber que eu os trai?
- Eu vou tentar ajudá-la. Eu prometo, . Mas agora temos que ir. - ele disse, pegando minha mão e me guiando mais rapidamente por entre as folhagens.
Chegamos na mesma fogueira, a qual agora parecia mais organizada. Eles estavam tão longe do castelo e em uma parte tão cercada de árvores que eu duvidava que algum guarda poderia encontrá-los.
- Boa noite, . - o Chefe caminhou até mim, me estendendo a mão para um cumprimento que eu aceitei. Mas dessa vez em vez de apertá-la, o homem a beijou. Sua barba por fazer contra minha mão me fez tremer de uma forma nada boa. Ele me dava nojo quase tanto quanto medo.
- Boa noite. - disse, retirando a mão delicadamente. - Trouxe o que o senhor pediu. - lhe estendi os papéis, querendo entender porque eu tinha que ir até o meio da floresta apenas para entregar alguns relatórios
- Estou feliz com seu comprometimento. - ele disse zombando de mim, enquanto pegava os papéis e entregava para um de seus homens, o qual começou a lê-los ali mesmo. - Temos que esperar ele terminar, que tal se sentar?
O Chefe indicou uma série de troncos cortados posicionados de forma a criar um círculo de bancos. Pareceria muito um acampamento animado com músicas e histórias em volta de uma fogueira se não fosse tão o oposto.
- Por que estou aqui, Chefe? - perguntei, aceitando o convite para me sentar. Eu precisava parecer amigável e confiável, até contente por estar ali. Caminhei até o tronco indicado olhando para Drew, que parecia acompanhar cada movimento meu. Estava com medo por ele, mas não podia negar o quanto estava feliz por tê-lo ali comigo. O Chefe me acompanhou, sentando-se no troco diretamente a minha frente, enquanto o resto dos homens permaneceu de pé.
- Como eu disse, estamos planejando uma forma de torná-la princesa. Para isso precisamos de mais informações. - ele comentou, encarando-me a espera de qualquer sinal que me entregasse.
- Eu coloquei tudo o que sabia nos relatórios. Ainda não entendo porque preciso estar aqui.
- Talvez tenhamos algumas dúvidas. - ele deu de ombros, como se fosse muito fácil me tirar do castelo e levar até ali. - O que você está achando da Seleção?
- Preciso admitir que ela fica mais legal sem o príncipe. - zombei, eles odiavam a família real, não é?
- Engraçado você não gostar dele, sendo que ele claramente gosta de você.
- O público gosta de mim. - eu corrigi. - Não o príncipe.
- Você tem razão. Mas ainda sim temos que fazê-lo escolhê-la. - ele concordou, dando um sorriso suspeito. - Estamos tentando encontrar uma forma de lhe tornar princesa o mais breve possível. Alguma ideia?
- O príncipe nem está na cidade. Como você pretende fazer ele acabar com a Seleção sem estar aqui? - perguntei incrédula, até que pela expressão do rebelde eu entendi. Ele estava pensando em uma forma de trazer o príncipe de volta, seu plano era muito maior do que eu imaginava. - Até parece, o príncipe está fazendo boas ações, está por aí salvando crianças… Por que ele voltaria?
- Tenho que concordar que será uma tarefa complicada. Temos que pensar sobre isso, mas acredite que em alguns dias traremos o príncipe de volta.
- Tudo bem então. - concordei, deixando evidente que não acreditava tanto assim na capacidade dele. - Se precisar de ajuda me avise. Sem me entregar, é claro.
- Não se preocupe, . Você estará por dentro de tudo. - ele garantiu, sorrindo confiante. Apesar de não saber muito sobre homens e ter sido beijada poucas vezes, eu realmente acreditava que o Chefe estava dando em cima de mim.
- Com licença. - um dos homens interrompeu-nos. - Acredito que temos o suficiente, senhor.
- Ótimo. - ele ficou de pé, me fazendo acompanhá-lo. - Entraremos em contato logo, senhorita. Agradeço sua compreensão. Com sua ajuda traremos o príncipe de volta, acredite.
Me despedi do homem, grata por ter parecido mais confiante. Consegui sobreviver a mais uma reunião com os rebeldes sulistas sem ameaças ou desconfianças. Talvez eu estivesse ficando boa naquilo. Drew me acompanhou por todo o caminho, sem realmente querer conversar. Ele parecia perdido nos próprios pensamentos.
- Você deveria ir para casa. - soltei, sem conseguir aguentar aquele clima entre nós. - Logo eles farão o príncipe voltar e, se o Chefe tiver razão, acharão alguma forma de me tornar princesa. Não tem porque você ficar aqui, Drew. Você sabe que não tem.
Ele parou, virando-se para me encarar. Seus olhos brilhavam na luz da lua e eu conseguia sentir o seu conflito interno. O que Drew não estava me contando?
- Você ainda pode fugir.
- O quê?
- Nós podemos fugir, juntos. Podemos morar juntos, . Eu posso deixá-la seguir seu caminho… Eu posso ser um bom marido.
Aquilo foi realmente surpreendente. Como é que Drew podia achar que aquilo daria certo? E mesmo se fosse uma opção viável, ele realmente estava querendo se casar comigo?
- É impossível, Drew. Se fugirmos seremos caçados, além de que viraremos Oito. Que tipo de vida nós teríamos?
- Mas é melhor do que ser princesa. E é muito melhor do que acabar nas mãos do Chefe.
- O que você quer dizer?
- Qual foi, ? É impossível não ver como ele olha para você! O cara é um completo babaca egocêntrico e, mesmo assim, olha para você como se você o impressionasse. Você realmente acha que ele vai perder a chance de ficar com você?
- Que chance? Ele quer me casar com o príncipe!
- E depois matar o homem. Você acha que depois que o príncipe estiver morto, vai restar o que para você?
Engoli em seco. Drew só podia estar brincando.
- Só a ideia me consome, . Imaginá-la com o príncipe já quebra meu coração, mas eu perdi a chance de evitar. Agora com ele? Não posso deixá-la seguir esse caminho.
- Eu jamais vou me envolver com aquele homem. - aquilo eu tinha certeza. - Nem que eu tenha que morrer.
- Nem se a arma apontada na minha cabeça estivesse na da sua irmã? - Drew me conhecia demais, ele sabia meus pontos fortes e fracos.
- Eu… - não sabia como responder aquilo.
- Deixe-me tirá-la daqui, . Eu não ligo se você não me ama. A gente pode ir para outro país, usar o dinheiro das nossas famílias para comprar uma casta, mesmo que menor. Você não será uma Dois, mas também não precisamos ser Oito.
- A ideia é absurda demais. Além disso Drew, você não precisa estragar a sua vida por minha causa. Você ainda pode seguir seus sonhos.
- Você ainda não entendeu, não é? - ele disse, sua respiração cada vez mais pesada. - Você deveria ser meu futuro, . Eu demorei demais para perceber, precisei lhe ver sair por aquele palco como Selecionada para disputar o coração de outro homem para perceber que você já tinha o meu. Eu te amo, . Te amo tanto que saí de casa para te resgatar, te amo tanto que estaria feliz ao seu lado sem importar as circunstâncias. Eu te amo mais do que achei que poderia.
Drew tinha os olhos fixos nos meus, enquanto suas palavras me atingiram como flechas. Drew me amava? Mas… Eu iria me casar com , não ia? Drew aproveitou-se do meu silêncio para se aproximar, suas mãos mexendo levemente em meus cabelos que balançavam com a brisa da noite. Seu rosto de aproximando do meu, ele iria me beijar?
- Espere. - recuei, recuperando a consciência. - Você não pode Drew. Você não pode gostar de mim. Você… - sentia-me desesperada, pensando na melhor forma de explicar para ele que ele não me amava. - Você precisa sair daqui, voltar para nossa Província e encontrar um trabalho, uma esposa e depois ter filhos. E seguir com a sua vida monótona. Talvez você ensine seus filhos a escalar árvores e conte da sua melhor amiga de infância. O que você não pode é largar tudo isso por mim.
- … - sua voz era doce e gentil. - Eu não quero largar tudo isso por você, eu quero fazer tudo isso com você.
- Mas eu não posso. Olha onde eu estou metida Drew! - aquilo era muito absurdo. - Os rebeldes do norte querem algo de mim, os rebeldes do sul me querem como princesa, eu ainda faço parte da Seleção e tem aqueles malditos 80% dos votos. Todos querem algo de mim, Drew. Eu… Eu simplesmente não consigo suprir todos os desejos. Por favor, não espere de mim algo que eu sou incapaz de lhe dar. - as lágrimas caíram sem permissão. Era isso, eu estava chorando. Eu não podia me culpar… Drew ser rebelde sulista já era demais, mas eu decepcioná-lo, eu ter sido capaz de fazê-lo suprir algum sentimento que não devia… Aquilo era inaceitável.
- Ei… - ele se aproximou, me aninhando em seu abraço. - Nós podemos consertar isso. Você não precisa chorar… Nós vamos dar um jeito.
- Que jeito, Drew? Se me escolher como princesa eu preciso aceitar. Eu assinei um contrato que me obriga a aceitar. Você compreende isso? - soltei-me de seus braços. - Você precisa desistir de mim. Você precisa esquecer essa ideia maluca de estar apaixonado por mim. O seu sentimento que precisa de conserto.
Acordei no dia seguinte com a cabeça latejando, grata pelos comprimidos que me fizeram adormecer. Não ia aguentar mais uma noite chorando. Eu simplesmente não conseguia pensar em Drew e sua revelação. Eu havia insistido que ele partisse, que deixasse eu e os rebeldes para trás. Mas eu havia descoberto que ele não poderia fazer isso. Drew estava vinculado ao Chefe de uma forma que eu não achava possível. Ninguém podia deixar o grupo, ninguém.
Deixei-me ser arrumada para o piquenique enquanto permanecia com os pensamentos longe. Eu estava confusa demais, perdida demais e completamente sem vontade de contar para Serena ou Mariee sobre a noite anterior. Eu queria apagá-la da minha vida e simplesmente fingir que nunca aconteceu. E foi com esse pensamento que desci até o jardim para encontrar uma mesa bonita e bem decorada organizada para o nosso café da manhã.
A maioria das meninas já estava lá quando cheguei, inclusive Serena que me analisou assim que me sentei ao seu lado. Ela queria alguma pista do que havia acontecido na reunião, mas eu não tinha. O Chefe não tinha me contado nada de seu plano, apenas garantido que me avisaria quando o mesmo fosse acontecer. Mas era mentira. Descobri que o Chefe claramente havia me enganado quando, entre uma garfada e outra do meu bolo, a sirene soou. Estávamos sendo atacados.
Serena foi a primeira a se levantar, mas nós já estávamos acostumadas com aquele som, por isso saímos da mesa em segundos, correndo em direção a escadaria do castelo. Com Mariee nos guiando, seguíamos correndo para o abrigo principal, onde a família real costumava ficar em momentos como aquele. Mas o que Mariee não considerou naquele ataque foi a proximidade dos sulistas. Eles estavam dentro dos portões, seu ataque não era para passar pelos muros, pois eles já estavam lá.
Estávamos correndo apressadas quando nos deparamos com ele. O homem usava uma roupa toda preta e um pouco suja, acusando o lado a qual pertencia. E, por consequência, tornando previsível sua próxima ação. Sem pestanejar o rebelde ergueu sua arma e atirou, acertando Mariee no peito. O tiro foi certeiro, fazendo a mulher dar um passo para trás antes de cair no chão. Mariee estava morta a pouco centímetros de mim, seu sangue começando a escorrer pelo piso do castelo.
Escutei mais um tiro e apesar de não conseguir me concentrar em mais nada, eu simplesmente sabia que o rebelde estava morto. Caído no chão assim como a mulher ao meu lado. Por instinto me abaixei ao lado de Mariee, usando as mãos para estancar a sangue que manchava o chão e seu vestido. Ela não podia morrer. Nós estávamos quase no abrigo.
- Vamos, . Precisamos continuar. - Serena tinha seus braços me puxando e obrigando-me a voltar a realidade. - Ela está morta. Temos que ir.
Capítulo 18 - A União Faz a Força
Estávamos seguras dentro do abrigo real, com a porta já fechada e dois soldados dentro por garantia, mas eu ainda me sentia nervosa. Apesar de ser imperceptível, eu sabia que minhas pernas tremiam levemente, o que tinha sido aquilo? A imagem de Mariee caída no chão, seu sangue escorrendo lentamente pelo piso e seus olhos ainda abertos… Era difícil demais de esquecer. Eu conseguia rever lentamente a cena, conseguia ver a arma sendo erguida e o tiro acertando Mariee em cheio, era evidente que ela era o alvo. Mariee estava morta. Os rebeldes sulistas haviam atacado o castelo e matado Mariee. Como isso tinha acontecido? O que eu havia deixado passar? E foi então que eu entendi. Era como se com um repentino clique tudo fizesse sentido. E a realidade era horrível.
Eu havia sido enganada. O Chefe havia me usado e me testado. Ele já tinha pensando em como atrair o príncipe, ele já sabia como fazer e sua família voltarem, ele só queria saber se eu ainda estava do lado dele. Os rebeldes tinham conseguido exatamente o que queriam e eu fui tola ao achar que teríamos tempo.
- Estão todas bem, senhoritas? - Serena foi a primeira a falar, me fazendo encará-la. O que será que ela estava pensando? Será que ela havia percebido o mesmo que eu?
- Ela realmente morreu? - Samantha perguntou, seus olhos cheios d'água demonstravam o medo que a fazia abraçar o próprio corpo, tentando inutilmente se proteger.
- Como eles chegaram aqui tão rápido? - Aurora perguntou, ignorando propositalmente a pergunta da outra, afinal ninguém estava pronta para falar sobre aquilo. Entretanto a pergunta da rebelde me surpreendeu. Aurora não sabia? Serena não havia dito sobre o acampamento sulista nos terrenos do castelo? Por quê?
- É verdade. Como eles passaram pelos guardas nos portões tão rápido? - Lauren comentou parecendo nervosa, mas ainda mantendo seu semblante superior e firme.
- Não precisamos nos preocupar com isso agora, garotas. - Serena era com certeza a mais calma entre todas nós, me fazendo agradecer a mim mesma por ter exigido sua presença.
- A senhora tem razão. Afinal quem se importa? Mariee morreu, fim. Ninguém da família real está aqui. O que faremos? Quem está no comando do castelo agora? E se essas pessoas tomarem o controle? - Natalie falava tão rápido que tropeçava nas próprias palavras, seu nervosismo a deixava insensível, pelo jeito. Mas seu pensamento realmente me assustou, tinha alguma chance de os rebeldes conseguirem o controle do castelo? Nos restando ficar trancadas naquele abrigo até alguém recuperá-lo?
- Isso é possível? - Anne estava assustada.
- Não. - respondi com uma certeza que nem sabia existir. - Mesmo se for possível, estamos seguras aqui e precisamos respirar fundo. Mariee está morta. - engoli em seco. - Mas ela nos ensinou muito bem, precisamos permanecer calmas. Pelo que eu sei esse abrigo só pode ser aberto externamente por um membro da família real, então mesmo que o castelo esteja repleto de rebeldes sulistas, só sairemos daqui se quisermos.
- Precisamos nos preparar para passar muito tempo por aqui, então. - Aurora lamentou.
- Não sabemos ainda, certo? Pode ser que os guardas os derrotem rapidamente. - Samantha até que tinha razão.
- Ainda sim, acho que precisamos ver o que temos de mantimentos. - Natalie continuou.
- Concordo com vocês, garotas. Mas acho que precisamos fazer um pouco de cada vez. - Serena assumiu o controle. - Por que vocês não pegam o que temos nos armários de cobertores e travesseiros? Acredito que alguma coisa vocês devem encontrar. E você, , acho que precisa lavar as mãos. - Serena usou um tom suave para falar conosco. E assim que olhei para minhas mãos, tentando entender o motivo de ser necessário eu me limpar, entendi o porquê. Minhas mãos estavam repletas do sangue de Mariee.
- Eu… - como não tinha percebido aquilo?
- Eu vou lhe ajudar. - Aurora anunciou, percebendo meu desconforto, prontamente colocando suas mãos delicadamente em meus ombros e me guiando até a pia. Percebi que aquilo foi o suficiente para fazer todas as garotas se moverem, Serena partiu em direção aos guardas.
- Eu não tinha visto. - consegui dizer, enquanto Aurora ligava a água da pia e gentilmente me indicava a colocar as mão ali.
- Pense que é apenas sangue, seu pai é médico, não é? - Aurora prestou atenção quando assenti para ela enquanto ainda encarava o vermelho vivo nas mãos. - Além disso, vai ficar tudo bem, .
Olhei para a loira, por seu sorriso triste eu sabia que Aurora não estava falando apenas da falta de Mariee. Ela falava sobre nós, sobre o futuro, sobre e . Aurora tentava não apenas me convencer, mas convencer a si mesma.
- É uma armadilha, você sabe, não é? - falei o mais baixo que pude, sabendo que era impossível que as outras meninas escutassem.
- O quê?
- Os rebeldes sulistas fizeram isso para voltar, eles querem forçá-lo a me tornar sua princesa. Eu não sei exatamente como podem forçar o príncipe a escolher, mas matar Mariee com toda certa o trará de volta. - soltei. Não sabia o motivo de Serena não contar para Aurora sobre a presença dos sulistas, mas se ela estaria na mesma família que eu, precisava confiar nela.
- Você acha que os rebeldes sulistas também a querem como princesa? - Aurora não conseguia entender, sua confusão era exatamente a mesma que a minha quando descobri.
- Eles mudaram os planos, eles acham que eu estou do lado deles.
- E você está?
Neguei com a cabeça.
- É uma longa história.
Aurora sabia que seria impossível explicar tudo para ela naquele momento, então apenas concordou. Depois me estendeu uma toalha completamente branca, me deixando secar as mãos ali. Não havia mais nenhum sinal do sangue de Mariee em mim, era como se ela finalmente tivesse partido.
- Como eu disse: tudo vai ficar bem.
Concordei com Aurora, apesar de não estar realmente certa daquilo. O que faríamos presas ali? E se os rebeldes sulistas realmente tomassem conta do castelo? O que Elise, Meri e Cleo poderiam estar enfrentando? Será que Drew estava entre eles? Será que ele estava morto? E o príncipe? saberia do ataque a tempo de voltar e não nos matar de fome?
***
Apesar das tentativas, ninguém estava no clima de socializar. Estávamos a mais e uma hora sentadas juntas nos esforçando para manter uma conversa calma e constante, quando Lauren pediu licença e foi tentar dormir em outro canto. Nenhuma de nós teve coragem de sentar-se nas cadeiras reservadas a família real, aceitando o chão metalizado como única opção.
Depois de Lauren, não demorou muito para Samantha e Natalie se dividirem, cada uma seguindo para um canto do grande abrigo. Estávamos exatamente no mesmo abrigo que usamos no outro ataque, mas sem a família real e com menos da metade das Selecionadas aquele lugar estava extremamente vazio.
- Vocês acham que os príncipes já sabem que estamos presas aqui? - Aurora perguntou assim que ficamos sozinhas. Estava claro para a namorada de que eu, Anne e Serena estávamos no mesmo time e eu até que concordava com ela. Serena e Aurora eram rebeldes e amigas e, pelo que eu sabia, era sincero com a namorada. Anne era muito amiga de , o qual também era completamente aberto com a mesma. Ou seja, elas podiam saber até mais que eu mesma.
- Sim. Os guardas tem um aparelho de comunicação entre si, assim que fui falar com eles, eles receberam um código dizendo que o rei foi avisado. - Serena contou.
- Por que não avisamos a todas? - eu estava confusa.
- Ainda estamos com problemas, não sabemos como está lá fora. Preferi não dar esperança demais a ninguém. - a mais velha deu de ombros.
- Eu não sei se concordo, mas a escolha é sua. - dei de ombros, apesar de eu achar a verdade realmente importante e não achar que Lauren, Samantha ou Natalie seriam capazes de criar expectativas irreais, estava mais do que óbvio que não estávamos exatamente bem.
- É minha? Você sabe que só assumi o controle porque as meninas esperavam por isso. Mas se sairmos daqui antes de alguém da família real voltar, jamais me aceitariam no controle, .
- Serena tem razão. - Aurora parecia insinuar que eu deveria tomar a frente.
- Mas ainda assim não pode ser eu. Eu não sou mais que ninguém aqui, não podemos esquecer isso. Eu sou apenas uma Selecionada. - relembrei-as.
- Você é nossa futura rainha, . - Anne falou baixo, com medo de ser ouvida.
- Muito futura. Ainda temos uma guerra, um casamento e um velório pela frente. - falei, sabendo que só assumiria o trono após a morte do rei.
- O príncipe quer assumir o trono com permissão do pai. - Serena lembrou-me.
- Mesmo que isso seja possível, você sabe que é perigoso demais. Ninguém pode desconfiar, se não usarão algo contra mim. - afinal eu tinha certeza que o Chefe não hesitaria em usar Drew para me ameaçar novamente. Eu estava completamente ferrada com a situação dos sulistas, não sabia nem como agir depois do desastre que eles causaram.
- Como podem lhe ameaçar? - apesar de Anne também não entender, foi Aurora que perguntou.
- É perigoso e imprudente vocês saberem demais, meninas. está trabalhando com os sulistas disfarçada, eles realmente acham que ela está do mesmo lado que eles. Entretanto essa “aliança” não os impede de ameaça-la. - Serena foi rápida ao responder, claramente cuidando com o que eu podia deixar escapar.
- Você realmente se aliou a eles? - Aurora estava chocada.
- Eu não tive escolha. Eles descobriram que alguém do castelo estava em contato com vocês.
- Oi? - Aurora ficou totalmente chocada.
- Como eu disse: é uma longa história.
- Mas por que você aceitou se envolver com eles? Não tinha apenas como fugir? - Anne parecia não só perplexa, como assustada.
- E ser morta? Não tem como, Anne.
- E como foi ontem à noite? - Serena estava extremamente curiosa.
Respirei fundo, não uma, mas duas vezes.
- O Chefe leu os relatórios lá e disse que precisava da minha ajuda para trazer o príncipe de volta. O que claramente era mentira. Ele vai achar alguma forma de obrigar a se casar comigo.
- Qual será o plano dele?
- Não sei. Só sei que Mariee está morta e a culpa é toda minha. - sussurrei, lamentando a verdade daquelas palavras. - Eu devia ter imaginado…
- Pare com isso, . - Serena negou ao mesmo tempo que as outras. - Os únicos culpados são aqueles bárbaros. Não tinha como você saber.
Apesar de sequer ter imaginado aquilo, fiquei me perguntando se não havia perdido nada, deixado passar algum sinal claro de ataque iminente. Os rebeldes sulistas não estavam brincando, eles realmente não mediam esforços para ter resultados. Respirei fundo. A imagem de Mariee atirada no chão se misturava com a expressão de Drew ao me deixar no meu quarto na noite anterior, ao mesmo tempo que Serena me encarava sentada no abrigo e a ideia de voltando para o castelo me embrulhava o estômago. Como eu seria princesa no meio de tudo aquilo?
- Eu não sei. Não sei como me meti no meio de tudo isso. O que você viu em mim, Serena? - encarei a mulher - Por que decidiu que eu era uma boa opção para ajudar seu exército?
A mulher suspirou. Senti que a rebelde esperava pelo momento no qual eu tomaria coragem para fazer aquela pergunta.
- Eu não tinha certeza, . A verdade é que o príncipe e eu começamos a nos comunicar quase dois anos antes da Seleção. Meu objetivo sempre foi fortalecer nossa relação, eu esperava que até o início da competição estaríamos completamente de acordo e que eu precisaria agir. Sendo assim, eu sabia que a família real não abandonaria a competição, muito menos a tradição de aceitar uma , decidi que você seria uma boa opção.
- Não tinha como você ter certeza, nem eu sabia que eles me aceitariam.
- Certo. Mas eu suspeitava, . Não havia motivos para acreditar que o rei seria o primeiro a desrespeitar a tradição. Decidimos lhe espionar há quase um ano. Conhecer você, conhecer seus sonhos... Imaginava que você amaria a ideia de ser princesa, nós só precisávamos te convencer a concordar com o fim das castas. - ela tomou fôlego. - Imagine nossa surpresa ao perceber que o problema seria outro. Quase desistimos dos planos, mas achamos que tínhamos que tentar. Entretanto ao mesmo tempo fomos atrás de um plano B.
Olhei para a mulher ao meu lado, entendendo que o plano B era basicamente Aurora.
- Comecei a treinar para a Seleção naquela época.
- E não foi a única. Nós tentamos em todas as Províncias, menos a sua. Tivemos quase sorte quando Aurora foi aceita, mas ficamos realmente contentes ao ver seu nome. E aí começamos o plano. Aumentamos o contato com o príncipe, preparamos o pessoal para lhe seguir ainda mais de perto… O resto você já sabe.
- Então é realmente apenas porque eu sou uma . – conclui.
- Começou devido a esse fato, . Não vou mentir para você. Mas quem você é e no que você acredita, faz toda a diferença. Você tem virtudes e apesar de não aceitar, acho que será uma rainha incrível. Eu sei que você também é a favor do fim das castas.
- Sabe?
- Faz parte do seu ser. Você não sabe o quanto é possível aprender de alguém a partir de seus hábitos. O que você está aceitando passar… Não é qualquer um que faria.
- Acho que ninguém é tão burro a esse ponto.
- Não é burrice, . É coragem. - Aurora interveio. - Você não percebe o quanto as pessoas lhe admiram e o quanto elas se espelham em você? Até às Selecionadas fazem isso e estão competindo com você. Não teve uma escolha sua que não foi copiada, . Você não percebe?
- Que escolhas?
- Seus vestidos, seu cabelo, seu colar… Cada hora era alguém tentando ser um pouquinho como você.
- Acho que vocês estão exagerando.
- Aurora tem razão, . - Anne também resolveu falar, ela parecia acompanhar a conversa muito bem, precisava me acostumar com a nova habilidade de minha amiga. - Você realmente não estava muito presente na competição… As meninas comentavam sobre você. Todas percebem a tendência do príncipe com você, só que ninguém conseguia entender porque você não se esforçava.
- Eu nunca quis ser princesa. Eu ainda não quero, para ser sincera. Eu tenho tanto medo. - as lágrimas começaram a escorrer silenciosas. - Como eu vou ajudar em uma guerra, lutar com vocês pelo fim das castas e ser uma traidora dos sulistas? Eu não consigo.
Apesar de eu estar chorando, Serena sorriu.
- Você não percebe a força que tem, . Nós, nortistas, a queremos como princesa. Não obriguei absolutamente ninguém a votar naquela competição, as pessoas sabiam que você estava ao nosso lado, mas elas decidiram votar por vontade própria.
- Além disso, estamos aqui para ajudá-la, . - Aurora também tinha um sorriso discreto.
- Você vai conseguir lidar com tudo. - Anne colocou a mão gentilmente sobre meu joelho.
Respirei fundo, voltando lentamente minha respiração ao normal. Aquilo era um absurdo, aquelas mulheres achavam que eu era muito mais do que eu podia ser. Eu não tinha essa coragem toda. Eu havia tomado aquelas decisões pelo país, mas estava morrendo de medo de continuar com aquilo tudo. Não fazia ideia de como sobreviver agradando aos sulistas, aos nortistas e ao rei. Muito menos como salvar Drew no meio dessa confusão. Eu esperava o dia em que tudo desmoronaria.
***
Ficou claro para mim, Serena, Aurora e Anne que o ataque dos sulistas tinha sido exclusivamente para matar Mariee e obrigar a família real e seus assessores a voltar. Pois em menos de quatro horas já estávamos autorizadas a sair da caixa metalizada. Assim que as portas de proteção se abriram, encontramos o soldado Hitt e cerca de mais dez homens nos esperando do lado de fora, além disso não havia mais nenhum sinal do ataque.
- Senhoritas. - o soldado cumprimentou-nos. - Vejo que estão todas bem. Fico realmente muito feliz com a notícia. Gostaria de anunciar que o castelo já está seguro e nossa única, mas trágica, perda foi a senhora Mariee.
Não pude deixar de ficar feliz com a notícia, pois significava que Elise, Meri e Cleo estavam bem. Ou, pelo menos, vivas.
- Devido ao ataque, devo avisá-las que a família real já está se preparando para voltar ao castelo. O príncipe me pediu para lhes dar um recado. - ele disse, pegando um papel no bolso e desenrolando-o.
- Prezadas senhoritas. - ele começou, claramente lendo algo que havia lhe passado. - Primeiramente gostaria de expressar minha felicidade ao saber que todas estão seguras e bem no abrigo. Ainda, deixo aqui meus pêsames pela tutora e companheira de vocês, senhora Mariee. - os suspiros lamentosos eram discretos, mas existentes. - Como é de conhecimento de todas, minha família está distribuída pelo nosso reino e por esse motivo não consigo estar presente imediatamente, mas garanto que dentro de algumas horas estarei de volta. Sem nenhum membro da corte real no castelo, peço a todas que escutem com atenção as indicações do soldado Hitt, responsável pela sua proteção, e permaneçam seguras em seus aposentos ou no Salão das Mulheres, que estará por tempo indeterminado com a proteção ativada. Ainda ressalvo a todas que caso necessário, dirijam-se para ele como abrigo. Agradeço a colaboração e comprometimento. Príncipe .
***
- Você tem certeza de que está bem? Não precisa ser forte sempre, . - Serena tentava inutilmente me convencer a revelar mais sobre a reunião com os sulistas, era como se seu sexto sentido lhe avisasse que eu escondia algo.
- Por que você não contou a Aurora sobre os sulistas? - sussurrei em resposta, ignorando completamente sua pergunta enquanto caminhávamos, já no final da fila, saindo do abrigo em direção aos nossos aposentos.
- Achei que seria mais seguro. - Serena não precisou sequer pensar, mas sua resposta me fez suspirar.
Era claro que Serena não colocaria Aurora em risco sem motivos e eu ficava realmente feliz pela mais nova, mas… Sinceramente, aquilo me fazia pensar no risco que eu estava correndo. Não queria ser mal agradecida pelos esforços de Serena ou do príncipe, mas será que era o suficiente?
- Certo. Foi uma boa ideia. - respondi, sabendo que Serena esperava por algo.
- … - ela começou, me fazendo perceber que havia transparecido pelo menos parte dos meus pensamentos na resposta. - Você sabe que os sulistas nunca foram parte do nosso plano.
- Desculpe, Serena. Eu agradeço muito por estar aqui e eu sei que você tem razão, mas eu realmente preciso descansar. - disse sorrindo sem jeito ao deixá-la na porta de seus aposentos.
***
Fiquei extremamente aliviada quando, minutos depois, Cleo, Elise e Meri apareceram. Elas estavam completamente bem, era como se tivessem passado o dia todo trabalhando em seus afazeres. Mas eu sabia que não tinham, assim como nós, minhas criadas passaram horas em um abrigo, preparado para ataques como aquele. Respirei fundo, sentindo meus olhos encherem de água.
- ? - Elise parecia preocupada. - Você está bem?
- Sim, desculpe. Eu só preciso descansar. - respondi respirando fundo e secando a única lágrima que teimava em escorrer. - Acho que vou tomar um banho.
- Claro, podemos preparar para você.
- Na verdade, eu posso fazer isso. - respirei fundo mais uma vez. - Vocês poderiam me deixar sozinha?
Meu trio de criadas se entreolhou, claramente não entendendo o que estava acontecendo. Mas eu não queria explicar, não queria contar sobre Drew e seus sentimentos. Não queria falar que Mariee estava morta por minha culpa e nem queria explicar porque, de repente, eu me sentia tão frágil e indefesa. Eu só queria ficar sozinha.
- Tudo bem, senhorita. - Elise fez uma leve reverência e saiu, acompanhada das outras duas. Eu sabia que elas estavam decepcionadas, mas eu simplesmente não podia lidar com aquilo naquele momento. Eu só precisava ficar sozinha.
Enchi minha banheira em silêncio, apenas encarando a água quente subir aos poucos. Naquele momento eu nem sabia onde meus pensamentos estavam, eu me sentia completamente vazia. Era como se a antiga , aquela menina que odiava a Seleção e queria apenas seguir uma carreira “útil”, tivesse ido embora. Apesar de fazer menos de um mês, eu não conseguia sequer lembrar como era em cima da árvore com Drew. Não conseguia lembrar como ele era antes dos novos músculos, novo grupo e novos sentimentos.
Entrei na banheira já cheia pela metade. Eu sabia que minha mente bloqueava aquelas memórias como uma forma de proteção. Aquilo não me pertencia mais, não tinha qualquer sentido me agarrar as memórias. Entretanto as palavras de Drew eram claras como o sol:
“Você deveria ser meu futuro, . Eu demorei demais para perceber, precisei lhe ver sair por aquele palco como Selecionada para disputar o coração de outro homem para perceber que você já tinha o meu. Eu te amo, . Te amo tanto que saí de casa para te resgatar, te amo tanto que estaria feliz ao seu lado sem importar as circunstâncias. Eu te amo mais do que achei que poderia.”
Drew precisava voltar para casa seguro. Eu tinha que encontrar uma forma daquilo acontecer. Eu simplesmente não podia acabar com mais uma vida. Ainda mais sendo a vida de uma das pessoas mais importantes para mim. Não importava que fim eu teria, não importava mais.
***
- Você o quê? - Natalie parecia surpresa.
- Sou tão ingênua assim? - perguntei baixo, sabendo que não deveria estar no quarto dela naquele momento.
- As meninas estão com medo e todas estão meio em uma disputa agora. Você acha mesmo que elas vão topar um jantar no Salão das Mulheres?
- Lá é praticamente o lugar mais seguro de todos e, convenhamos, não teremos absolutamente nenhum guarda. É a melhor ideia que eu tive para passar o tempo.
- Certo. Até que pensando por esse lado a ideia é boa. Mas por que você quer que eu faça o convite?
- Qual é, Natalie, você sabe que Samantha e Lauren jamais iriam se eu convidasse. E Aurora e Anne meio que ficaram do meu lado. Você é a única que elas talvez escutem. - pedi mais uma vez. Natalie precisava aceitar e convencer as meninas a participarem do jantar. Só assim meu plano funcionaria. - Eu não sei você, mas não quero ficar sozinha a noite toda.
- Tudo bem. Vou mandar recado para elas. - ela se deu por vencida.
- Obrigada, Natalie.
Voltei para meus aposentos ainda mais decidida, a primeira parte do meu plano estava completa. Pelo menos eu confiava na capacidade de Natalie de convencer duas garotas a jantarem em grupo em vez de sozinhas em seus aposentos.
Assim que voltei para o quarto, grata por Elise, Cleo e Meri terem aceitado meu pedido, dei início a parte dois. Peguei um dos papéis que mantinha no quarto desde que Mariee havia me passado lição de casa dobrada e escrevi bem grande: “JANTAR - AQUI”. Depois com ajuda de alguns adesivos colei no alto da janela da minha sacada, para o lado de fora. Esperava que os sulistas me vigiassem o suficiente para receber o recado. Por fim, escrevi um bilhete pedindo uma reunião para a madrugada daquela noite.
Minutos depois recebi por uma criada, a confirmação de Natalie, Samantha e Lauren no nosso jantar. Garantindo, assim, a presença de todas as Selecionadas e, consequentemente, guardas no andar principal. Esperava que fosse o suficiente para os sulistas pegarem meu bilhete.
Um pouco antes da hora do jantar, minhas criadas voltaram para me arrumar, obrigando-me a retirar o papel da janela e rasgá-lo em pedacinhos. Eu esperava muito que as coisas dessem certo.
Eu havia sido enganada. O Chefe havia me usado e me testado. Ele já tinha pensando em como atrair o príncipe, ele já sabia como fazer e sua família voltarem, ele só queria saber se eu ainda estava do lado dele. Os rebeldes tinham conseguido exatamente o que queriam e eu fui tola ao achar que teríamos tempo.
- Estão todas bem, senhoritas? - Serena foi a primeira a falar, me fazendo encará-la. O que será que ela estava pensando? Será que ela havia percebido o mesmo que eu?
- Ela realmente morreu? - Samantha perguntou, seus olhos cheios d'água demonstravam o medo que a fazia abraçar o próprio corpo, tentando inutilmente se proteger.
- Como eles chegaram aqui tão rápido? - Aurora perguntou, ignorando propositalmente a pergunta da outra, afinal ninguém estava pronta para falar sobre aquilo. Entretanto a pergunta da rebelde me surpreendeu. Aurora não sabia? Serena não havia dito sobre o acampamento sulista nos terrenos do castelo? Por quê?
- É verdade. Como eles passaram pelos guardas nos portões tão rápido? - Lauren comentou parecendo nervosa, mas ainda mantendo seu semblante superior e firme.
- Não precisamos nos preocupar com isso agora, garotas. - Serena era com certeza a mais calma entre todas nós, me fazendo agradecer a mim mesma por ter exigido sua presença.
- A senhora tem razão. Afinal quem se importa? Mariee morreu, fim. Ninguém da família real está aqui. O que faremos? Quem está no comando do castelo agora? E se essas pessoas tomarem o controle? - Natalie falava tão rápido que tropeçava nas próprias palavras, seu nervosismo a deixava insensível, pelo jeito. Mas seu pensamento realmente me assustou, tinha alguma chance de os rebeldes conseguirem o controle do castelo? Nos restando ficar trancadas naquele abrigo até alguém recuperá-lo?
- Isso é possível? - Anne estava assustada.
- Não. - respondi com uma certeza que nem sabia existir. - Mesmo se for possível, estamos seguras aqui e precisamos respirar fundo. Mariee está morta. - engoli em seco. - Mas ela nos ensinou muito bem, precisamos permanecer calmas. Pelo que eu sei esse abrigo só pode ser aberto externamente por um membro da família real, então mesmo que o castelo esteja repleto de rebeldes sulistas, só sairemos daqui se quisermos.
- Precisamos nos preparar para passar muito tempo por aqui, então. - Aurora lamentou.
- Não sabemos ainda, certo? Pode ser que os guardas os derrotem rapidamente. - Samantha até que tinha razão.
- Ainda sim, acho que precisamos ver o que temos de mantimentos. - Natalie continuou.
- Concordo com vocês, garotas. Mas acho que precisamos fazer um pouco de cada vez. - Serena assumiu o controle. - Por que vocês não pegam o que temos nos armários de cobertores e travesseiros? Acredito que alguma coisa vocês devem encontrar. E você, , acho que precisa lavar as mãos. - Serena usou um tom suave para falar conosco. E assim que olhei para minhas mãos, tentando entender o motivo de ser necessário eu me limpar, entendi o porquê. Minhas mãos estavam repletas do sangue de Mariee.
- Eu… - como não tinha percebido aquilo?
- Eu vou lhe ajudar. - Aurora anunciou, percebendo meu desconforto, prontamente colocando suas mãos delicadamente em meus ombros e me guiando até a pia. Percebi que aquilo foi o suficiente para fazer todas as garotas se moverem, Serena partiu em direção aos guardas.
- Eu não tinha visto. - consegui dizer, enquanto Aurora ligava a água da pia e gentilmente me indicava a colocar as mão ali.
- Pense que é apenas sangue, seu pai é médico, não é? - Aurora prestou atenção quando assenti para ela enquanto ainda encarava o vermelho vivo nas mãos. - Além disso, vai ficar tudo bem, .
Olhei para a loira, por seu sorriso triste eu sabia que Aurora não estava falando apenas da falta de Mariee. Ela falava sobre nós, sobre o futuro, sobre e . Aurora tentava não apenas me convencer, mas convencer a si mesma.
- É uma armadilha, você sabe, não é? - falei o mais baixo que pude, sabendo que era impossível que as outras meninas escutassem.
- O quê?
- Os rebeldes sulistas fizeram isso para voltar, eles querem forçá-lo a me tornar sua princesa. Eu não sei exatamente como podem forçar o príncipe a escolher, mas matar Mariee com toda certa o trará de volta. - soltei. Não sabia o motivo de Serena não contar para Aurora sobre a presença dos sulistas, mas se ela estaria na mesma família que eu, precisava confiar nela.
- Você acha que os rebeldes sulistas também a querem como princesa? - Aurora não conseguia entender, sua confusão era exatamente a mesma que a minha quando descobri.
- Eles mudaram os planos, eles acham que eu estou do lado deles.
- E você está?
Neguei com a cabeça.
- É uma longa história.
Aurora sabia que seria impossível explicar tudo para ela naquele momento, então apenas concordou. Depois me estendeu uma toalha completamente branca, me deixando secar as mãos ali. Não havia mais nenhum sinal do sangue de Mariee em mim, era como se ela finalmente tivesse partido.
- Como eu disse: tudo vai ficar bem.
Concordei com Aurora, apesar de não estar realmente certa daquilo. O que faríamos presas ali? E se os rebeldes sulistas realmente tomassem conta do castelo? O que Elise, Meri e Cleo poderiam estar enfrentando? Será que Drew estava entre eles? Será que ele estava morto? E o príncipe? saberia do ataque a tempo de voltar e não nos matar de fome?
Apesar das tentativas, ninguém estava no clima de socializar. Estávamos a mais e uma hora sentadas juntas nos esforçando para manter uma conversa calma e constante, quando Lauren pediu licença e foi tentar dormir em outro canto. Nenhuma de nós teve coragem de sentar-se nas cadeiras reservadas a família real, aceitando o chão metalizado como única opção.
Depois de Lauren, não demorou muito para Samantha e Natalie se dividirem, cada uma seguindo para um canto do grande abrigo. Estávamos exatamente no mesmo abrigo que usamos no outro ataque, mas sem a família real e com menos da metade das Selecionadas aquele lugar estava extremamente vazio.
- Vocês acham que os príncipes já sabem que estamos presas aqui? - Aurora perguntou assim que ficamos sozinhas. Estava claro para a namorada de que eu, Anne e Serena estávamos no mesmo time e eu até que concordava com ela. Serena e Aurora eram rebeldes e amigas e, pelo que eu sabia, era sincero com a namorada. Anne era muito amiga de , o qual também era completamente aberto com a mesma. Ou seja, elas podiam saber até mais que eu mesma.
- Sim. Os guardas tem um aparelho de comunicação entre si, assim que fui falar com eles, eles receberam um código dizendo que o rei foi avisado. - Serena contou.
- Por que não avisamos a todas? - eu estava confusa.
- Ainda estamos com problemas, não sabemos como está lá fora. Preferi não dar esperança demais a ninguém. - a mais velha deu de ombros.
- Eu não sei se concordo, mas a escolha é sua. - dei de ombros, apesar de eu achar a verdade realmente importante e não achar que Lauren, Samantha ou Natalie seriam capazes de criar expectativas irreais, estava mais do que óbvio que não estávamos exatamente bem.
- É minha? Você sabe que só assumi o controle porque as meninas esperavam por isso. Mas se sairmos daqui antes de alguém da família real voltar, jamais me aceitariam no controle, .
- Serena tem razão. - Aurora parecia insinuar que eu deveria tomar a frente.
- Mas ainda assim não pode ser eu. Eu não sou mais que ninguém aqui, não podemos esquecer isso. Eu sou apenas uma Selecionada. - relembrei-as.
- Você é nossa futura rainha, . - Anne falou baixo, com medo de ser ouvida.
- Muito futura. Ainda temos uma guerra, um casamento e um velório pela frente. - falei, sabendo que só assumiria o trono após a morte do rei.
- O príncipe quer assumir o trono com permissão do pai. - Serena lembrou-me.
- Mesmo que isso seja possível, você sabe que é perigoso demais. Ninguém pode desconfiar, se não usarão algo contra mim. - afinal eu tinha certeza que o Chefe não hesitaria em usar Drew para me ameaçar novamente. Eu estava completamente ferrada com a situação dos sulistas, não sabia nem como agir depois do desastre que eles causaram.
- Como podem lhe ameaçar? - apesar de Anne também não entender, foi Aurora que perguntou.
- É perigoso e imprudente vocês saberem demais, meninas. está trabalhando com os sulistas disfarçada, eles realmente acham que ela está do mesmo lado que eles. Entretanto essa “aliança” não os impede de ameaça-la. - Serena foi rápida ao responder, claramente cuidando com o que eu podia deixar escapar.
- Você realmente se aliou a eles? - Aurora estava chocada.
- Eu não tive escolha. Eles descobriram que alguém do castelo estava em contato com vocês.
- Oi? - Aurora ficou totalmente chocada.
- Como eu disse: é uma longa história.
- Mas por que você aceitou se envolver com eles? Não tinha apenas como fugir? - Anne parecia não só perplexa, como assustada.
- E ser morta? Não tem como, Anne.
- E como foi ontem à noite? - Serena estava extremamente curiosa.
Respirei fundo, não uma, mas duas vezes.
- O Chefe leu os relatórios lá e disse que precisava da minha ajuda para trazer o príncipe de volta. O que claramente era mentira. Ele vai achar alguma forma de obrigar a se casar comigo.
- Qual será o plano dele?
- Não sei. Só sei que Mariee está morta e a culpa é toda minha. - sussurrei, lamentando a verdade daquelas palavras. - Eu devia ter imaginado…
- Pare com isso, . - Serena negou ao mesmo tempo que as outras. - Os únicos culpados são aqueles bárbaros. Não tinha como você saber.
Apesar de sequer ter imaginado aquilo, fiquei me perguntando se não havia perdido nada, deixado passar algum sinal claro de ataque iminente. Os rebeldes sulistas não estavam brincando, eles realmente não mediam esforços para ter resultados. Respirei fundo. A imagem de Mariee atirada no chão se misturava com a expressão de Drew ao me deixar no meu quarto na noite anterior, ao mesmo tempo que Serena me encarava sentada no abrigo e a ideia de voltando para o castelo me embrulhava o estômago. Como eu seria princesa no meio de tudo aquilo?
- Eu não sei. Não sei como me meti no meio de tudo isso. O que você viu em mim, Serena? - encarei a mulher - Por que decidiu que eu era uma boa opção para ajudar seu exército?
A mulher suspirou. Senti que a rebelde esperava pelo momento no qual eu tomaria coragem para fazer aquela pergunta.
- Eu não tinha certeza, . A verdade é que o príncipe e eu começamos a nos comunicar quase dois anos antes da Seleção. Meu objetivo sempre foi fortalecer nossa relação, eu esperava que até o início da competição estaríamos completamente de acordo e que eu precisaria agir. Sendo assim, eu sabia que a família real não abandonaria a competição, muito menos a tradição de aceitar uma , decidi que você seria uma boa opção.
- Não tinha como você ter certeza, nem eu sabia que eles me aceitariam.
- Certo. Mas eu suspeitava, . Não havia motivos para acreditar que o rei seria o primeiro a desrespeitar a tradição. Decidimos lhe espionar há quase um ano. Conhecer você, conhecer seus sonhos... Imaginava que você amaria a ideia de ser princesa, nós só precisávamos te convencer a concordar com o fim das castas. - ela tomou fôlego. - Imagine nossa surpresa ao perceber que o problema seria outro. Quase desistimos dos planos, mas achamos que tínhamos que tentar. Entretanto ao mesmo tempo fomos atrás de um plano B.
Olhei para a mulher ao meu lado, entendendo que o plano B era basicamente Aurora.
- Comecei a treinar para a Seleção naquela época.
- E não foi a única. Nós tentamos em todas as Províncias, menos a sua. Tivemos quase sorte quando Aurora foi aceita, mas ficamos realmente contentes ao ver seu nome. E aí começamos o plano. Aumentamos o contato com o príncipe, preparamos o pessoal para lhe seguir ainda mais de perto… O resto você já sabe.
- Então é realmente apenas porque eu sou uma . – conclui.
- Começou devido a esse fato, . Não vou mentir para você. Mas quem você é e no que você acredita, faz toda a diferença. Você tem virtudes e apesar de não aceitar, acho que será uma rainha incrível. Eu sei que você também é a favor do fim das castas.
- Sabe?
- Faz parte do seu ser. Você não sabe o quanto é possível aprender de alguém a partir de seus hábitos. O que você está aceitando passar… Não é qualquer um que faria.
- Acho que ninguém é tão burro a esse ponto.
- Não é burrice, . É coragem. - Aurora interveio. - Você não percebe o quanto as pessoas lhe admiram e o quanto elas se espelham em você? Até às Selecionadas fazem isso e estão competindo com você. Não teve uma escolha sua que não foi copiada, . Você não percebe?
- Que escolhas?
- Seus vestidos, seu cabelo, seu colar… Cada hora era alguém tentando ser um pouquinho como você.
- Acho que vocês estão exagerando.
- Aurora tem razão, . - Anne também resolveu falar, ela parecia acompanhar a conversa muito bem, precisava me acostumar com a nova habilidade de minha amiga. - Você realmente não estava muito presente na competição… As meninas comentavam sobre você. Todas percebem a tendência do príncipe com você, só que ninguém conseguia entender porque você não se esforçava.
- Eu nunca quis ser princesa. Eu ainda não quero, para ser sincera. Eu tenho tanto medo. - as lágrimas começaram a escorrer silenciosas. - Como eu vou ajudar em uma guerra, lutar com vocês pelo fim das castas e ser uma traidora dos sulistas? Eu não consigo.
Apesar de eu estar chorando, Serena sorriu.
- Você não percebe a força que tem, . Nós, nortistas, a queremos como princesa. Não obriguei absolutamente ninguém a votar naquela competição, as pessoas sabiam que você estava ao nosso lado, mas elas decidiram votar por vontade própria.
- Além disso, estamos aqui para ajudá-la, . - Aurora também tinha um sorriso discreto.
- Você vai conseguir lidar com tudo. - Anne colocou a mão gentilmente sobre meu joelho.
Respirei fundo, voltando lentamente minha respiração ao normal. Aquilo era um absurdo, aquelas mulheres achavam que eu era muito mais do que eu podia ser. Eu não tinha essa coragem toda. Eu havia tomado aquelas decisões pelo país, mas estava morrendo de medo de continuar com aquilo tudo. Não fazia ideia de como sobreviver agradando aos sulistas, aos nortistas e ao rei. Muito menos como salvar Drew no meio dessa confusão. Eu esperava o dia em que tudo desmoronaria.
Ficou claro para mim, Serena, Aurora e Anne que o ataque dos sulistas tinha sido exclusivamente para matar Mariee e obrigar a família real e seus assessores a voltar. Pois em menos de quatro horas já estávamos autorizadas a sair da caixa metalizada. Assim que as portas de proteção se abriram, encontramos o soldado Hitt e cerca de mais dez homens nos esperando do lado de fora, além disso não havia mais nenhum sinal do ataque.
- Senhoritas. - o soldado cumprimentou-nos. - Vejo que estão todas bem. Fico realmente muito feliz com a notícia. Gostaria de anunciar que o castelo já está seguro e nossa única, mas trágica, perda foi a senhora Mariee.
Não pude deixar de ficar feliz com a notícia, pois significava que Elise, Meri e Cleo estavam bem. Ou, pelo menos, vivas.
- Devido ao ataque, devo avisá-las que a família real já está se preparando para voltar ao castelo. O príncipe me pediu para lhes dar um recado. - ele disse, pegando um papel no bolso e desenrolando-o.
- Prezadas senhoritas. - ele começou, claramente lendo algo que havia lhe passado. - Primeiramente gostaria de expressar minha felicidade ao saber que todas estão seguras e bem no abrigo. Ainda, deixo aqui meus pêsames pela tutora e companheira de vocês, senhora Mariee. - os suspiros lamentosos eram discretos, mas existentes. - Como é de conhecimento de todas, minha família está distribuída pelo nosso reino e por esse motivo não consigo estar presente imediatamente, mas garanto que dentro de algumas horas estarei de volta. Sem nenhum membro da corte real no castelo, peço a todas que escutem com atenção as indicações do soldado Hitt, responsável pela sua proteção, e permaneçam seguras em seus aposentos ou no Salão das Mulheres, que estará por tempo indeterminado com a proteção ativada. Ainda ressalvo a todas que caso necessário, dirijam-se para ele como abrigo. Agradeço a colaboração e comprometimento. Príncipe .
- Você tem certeza de que está bem? Não precisa ser forte sempre, . - Serena tentava inutilmente me convencer a revelar mais sobre a reunião com os sulistas, era como se seu sexto sentido lhe avisasse que eu escondia algo.
- Por que você não contou a Aurora sobre os sulistas? - sussurrei em resposta, ignorando completamente sua pergunta enquanto caminhávamos, já no final da fila, saindo do abrigo em direção aos nossos aposentos.
- Achei que seria mais seguro. - Serena não precisou sequer pensar, mas sua resposta me fez suspirar.
Era claro que Serena não colocaria Aurora em risco sem motivos e eu ficava realmente feliz pela mais nova, mas… Sinceramente, aquilo me fazia pensar no risco que eu estava correndo. Não queria ser mal agradecida pelos esforços de Serena ou do príncipe, mas será que era o suficiente?
- Certo. Foi uma boa ideia. - respondi, sabendo que Serena esperava por algo.
- … - ela começou, me fazendo perceber que havia transparecido pelo menos parte dos meus pensamentos na resposta. - Você sabe que os sulistas nunca foram parte do nosso plano.
- Desculpe, Serena. Eu agradeço muito por estar aqui e eu sei que você tem razão, mas eu realmente preciso descansar. - disse sorrindo sem jeito ao deixá-la na porta de seus aposentos.
Fiquei extremamente aliviada quando, minutos depois, Cleo, Elise e Meri apareceram. Elas estavam completamente bem, era como se tivessem passado o dia todo trabalhando em seus afazeres. Mas eu sabia que não tinham, assim como nós, minhas criadas passaram horas em um abrigo, preparado para ataques como aquele. Respirei fundo, sentindo meus olhos encherem de água.
- ? - Elise parecia preocupada. - Você está bem?
- Sim, desculpe. Eu só preciso descansar. - respondi respirando fundo e secando a única lágrima que teimava em escorrer. - Acho que vou tomar um banho.
- Claro, podemos preparar para você.
- Na verdade, eu posso fazer isso. - respirei fundo mais uma vez. - Vocês poderiam me deixar sozinha?
Meu trio de criadas se entreolhou, claramente não entendendo o que estava acontecendo. Mas eu não queria explicar, não queria contar sobre Drew e seus sentimentos. Não queria falar que Mariee estava morta por minha culpa e nem queria explicar porque, de repente, eu me sentia tão frágil e indefesa. Eu só queria ficar sozinha.
- Tudo bem, senhorita. - Elise fez uma leve reverência e saiu, acompanhada das outras duas. Eu sabia que elas estavam decepcionadas, mas eu simplesmente não podia lidar com aquilo naquele momento. Eu só precisava ficar sozinha.
Enchi minha banheira em silêncio, apenas encarando a água quente subir aos poucos. Naquele momento eu nem sabia onde meus pensamentos estavam, eu me sentia completamente vazia. Era como se a antiga , aquela menina que odiava a Seleção e queria apenas seguir uma carreira “útil”, tivesse ido embora. Apesar de fazer menos de um mês, eu não conseguia sequer lembrar como era em cima da árvore com Drew. Não conseguia lembrar como ele era antes dos novos músculos, novo grupo e novos sentimentos.
Entrei na banheira já cheia pela metade. Eu sabia que minha mente bloqueava aquelas memórias como uma forma de proteção. Aquilo não me pertencia mais, não tinha qualquer sentido me agarrar as memórias. Entretanto as palavras de Drew eram claras como o sol:
“Você deveria ser meu futuro, . Eu demorei demais para perceber, precisei lhe ver sair por aquele palco como Selecionada para disputar o coração de outro homem para perceber que você já tinha o meu. Eu te amo, . Te amo tanto que saí de casa para te resgatar, te amo tanto que estaria feliz ao seu lado sem importar as circunstâncias. Eu te amo mais do que achei que poderia.”
Drew precisava voltar para casa seguro. Eu tinha que encontrar uma forma daquilo acontecer. Eu simplesmente não podia acabar com mais uma vida. Ainda mais sendo a vida de uma das pessoas mais importantes para mim. Não importava que fim eu teria, não importava mais.
- Você o quê? - Natalie parecia surpresa.
- Sou tão ingênua assim? - perguntei baixo, sabendo que não deveria estar no quarto dela naquele momento.
- As meninas estão com medo e todas estão meio em uma disputa agora. Você acha mesmo que elas vão topar um jantar no Salão das Mulheres?
- Lá é praticamente o lugar mais seguro de todos e, convenhamos, não teremos absolutamente nenhum guarda. É a melhor ideia que eu tive para passar o tempo.
- Certo. Até que pensando por esse lado a ideia é boa. Mas por que você quer que eu faça o convite?
- Qual é, Natalie, você sabe que Samantha e Lauren jamais iriam se eu convidasse. E Aurora e Anne meio que ficaram do meu lado. Você é a única que elas talvez escutem. - pedi mais uma vez. Natalie precisava aceitar e convencer as meninas a participarem do jantar. Só assim meu plano funcionaria. - Eu não sei você, mas não quero ficar sozinha a noite toda.
- Tudo bem. Vou mandar recado para elas. - ela se deu por vencida.
- Obrigada, Natalie.
Voltei para meus aposentos ainda mais decidida, a primeira parte do meu plano estava completa. Pelo menos eu confiava na capacidade de Natalie de convencer duas garotas a jantarem em grupo em vez de sozinhas em seus aposentos.
Assim que voltei para o quarto, grata por Elise, Cleo e Meri terem aceitado meu pedido, dei início a parte dois. Peguei um dos papéis que mantinha no quarto desde que Mariee havia me passado lição de casa dobrada e escrevi bem grande: “JANTAR - AQUI”. Depois com ajuda de alguns adesivos colei no alto da janela da minha sacada, para o lado de fora. Esperava que os sulistas me vigiassem o suficiente para receber o recado. Por fim, escrevi um bilhete pedindo uma reunião para a madrugada daquela noite.
Minutos depois recebi por uma criada, a confirmação de Natalie, Samantha e Lauren no nosso jantar. Garantindo, assim, a presença de todas as Selecionadas e, consequentemente, guardas no andar principal. Esperava que fosse o suficiente para os sulistas pegarem meu bilhete.
Um pouco antes da hora do jantar, minhas criadas voltaram para me arrumar, obrigando-me a retirar o papel da janela e rasgá-lo em pedacinhos. Eu esperava muito que as coisas dessem certo.
Capítulo 19 - Uma Vida de Cada Vez
Meu plano simplesmente funcionou. Eu não sabia como, mas tinha dado certo. Após um jantar até que tranquilo, apesar dos olhos desconfiados de Serena sobre mim e de uma pequena troca de cartas, eu estava novamente andando com Drew pela floresta escura. Apesar do corpo levemente trêmulo eu me sentia confiante, me sentia com um propósito.
- O que você quer, ? - Drew perguntou quando entramos na parte em que a mata começava a realmente nos camuflar.
- O Chefe invadiu o castelo e matou nossa professora sem me consultar, Drew. Não posso permitir que as coisas sigam assim.
- Ah, certo. E o que você pensa em fazer? - apesar do escuro me impedir de ver, eu conseguia imaginar os olhos de Drew revirando levemente. Era difícil lembrar que aquele Drew era o mesmo que subia árvores comigo na nossa Província, mas no fim das contas eu o conhecia muito bem.
- Eu vou apenas conversar. - engoli em seco, sentindo a mentira queimar minha garganta.
- Sobre conversar… Eu queria falar sobre nossa última conversa.
- A única coisa que importa é: você vai embora? - encarei seu rosto, esperando que ele me conhecesse bem o suficiente para saber que eu o encarava irritada.
- Eu não posso, . Eu já entendi que você não me ama, mas eu não posso te deixar para trás. Eu sei que eles me enganaram, mas mesmo assim… Além disso, é proibido deixar os sulistas. Eu teria que fugir para sempre. Achei que você soubesse.
- Entendo. - comentei, eu já sabia que seria difícil tirar Drew daquela situação, por isso estava ali, afinal.
- , você não pode ficar brava. Por favor.
Fechei os olhos e respirei fundo. Eu precisava fazer aquilo.
- É claro que eu posso! - falei grossa, sabendo que ajudaria depois. - Você não pode colocar a sua vida nas minhas costas, Drew! - queria gritar. - É completamente injusto. Eu não te pedi para me salvar, não te pedi para me socorrer e muito menos te pedi para gostar de mim! Você sempre foi meu melhor amigo. A - M - I - G - O. Se quer fazer burrada por aí, tudo bem! Mas não coloca a sua vida em risco e depois diz que é por mim. EU NÃO QUERO UM HERÓI, ok? Se acha que colocar sua vida em risco por minha causa é algo positivo, pois bem, sinto lhe avisar que você está sendo um babaca egoísta.
Eu sabia que aquelas palavras haviam lhe magoado. Eu podia ver no escuro Drew recuando e cruzando os braços, claramente irritado. Perfeito, era o que eu precisava. Passamos os próximos minutos em completo silêncio, o que me permitiu repassar o meu plano mentalmente uma última vez.
- Chegamos. - ele anunciou, me indicando a comitiva de sempre.
- Boa noite, senhorita . A que devo a honra? - o Chefe parecia contente, como se estivesse comemorando. Naquele momento eu queria ser capaz de atirar nele da mesma forma que um dos seus homens fez com Mariee. Não importava o quanto eu desconfiasse da assessora, ela não devia morrer.
- Precisamos conversar. - disse sem cerimônia, vendo uma sobrancelha do Chefe levantar-se em sinal de surpresa.
- Por favor, comece. - ele deu uma risada leve, claramente zombando do meu tom autoritário.
- Não. Precisamos conversar a sós. - afirmei.
- Como? - ele parecia estranhar meu tom, era como se me desse uma segunda chance de parecer menos atrevida, menos desafiadora de seu comando.
- Você me enganou, me usou e fez uma armadilha. Precisamos conversar a sós. - eu continuava tentando soar firme.
- Eu disse que traria o príncipe de volta. Pelo que eu sei, ele estará aqui amanhã de manhã. Não vejo problema nisso. – apesar de ainda soar divertido, eu conseguia ver a paciência e felicidade do homem se esvaindo aos poucos.
- E é por isso que eu quero conversar a sós. - tentei mais uma vez.
- Como mulheres podem ser teimosas. - suas palavras arrancaram boas risadas de seus homens.
- Aonde podemos ir? - perguntei, entendendo sua frase como minha vitória.
- Vou te levar aos meus aposentos, querida. - seu tom era provocante, arrancando assobios dos outros enquanto eu caminhava decidida atrás do Chefe até o que parecia ser seu quarto. - Primeiro as damas. - ele indicou.
Respirei fundo ao passar pela entrada da tenda primeiro, ali parecia basicamente uma mistura de escritório com quarto. Era organizado e até mesmo limpo, um pouco diferente do que eu imaginava para um acampamento de rebeldes. Não que os móveis fossem incríveis ou bem cuidados, ou que a tenda impedisse de a terra da floresta infiltrar ali, mas era muito melhor que o amontoado de sacos de dormir que eu havia imaginado.
- Apesar da cama me agradar, acredito que esteja aqui para negócios. - ele disse, puxando a cadeira em frente a sua mesa para mim. Seu tom era bem menos desrespeitoso e brincalhão sem seus homens como plateia, apesar de suas palavras.
- Obrigada. - respondi, vendo-o se dirigir para sua cadeira, do outro lado da mesa. Se é que uma tábua apoiada em tocos de madeira fosse considerada uma mesa, mesmo assim, a cadeira era comum, me fazendo imaginar como eles conseguiram trazer tantos móveis para dentro dos muros do castelo.
- Então, . O que realmente lhe traz aqui? - ele perguntou, cruzando suas mãos grossas e com alguns calos sobre a mesa.
- Acredito que ainda não tenha um plano para me tornar princesa. - comecei.
- Devo admitir que ainda não chegamos nessa parte.
- Isso é verdade ou mais uma de suas histórias?
- Sobre hoje…
- Por favor, apenas me responda.
- É verdade, por enquanto…
- Certo. - respirei fundo, debruçando-me levemente sobre a mesa. - O que aconteceu com Mariee é um erro. Você precisa confiar em mim, para eu confiar em você. Dessa forma nossa relação nunca irá para frente e é melhor o senhor me entregar para o príncipe de uma vez.
- Eu entendo seu ponto. - ele pareceu pensar. - Mas duvido muito que tenha vindo até aqui apenas para reclamar. O que você pretende?
- Quero que compense o ataque de hoje.
- Compensar? - ele riu em deboche - E como pretende que eu faça isso? - o fato de ele não ter negado de primeira, me deu um pouco de esperança.
- Quero que expulse Drew Samek de seu grupo e não o aceite de volta de forma alguma. Além de garantir que seus homens jamais farão algum mal a ele. Quero que ele tenha sua vida normal de volta.
O Chefe riu. Gargalhou alto, como se eu lhe contasse uma piada.
- Ninguém deixa de ser um de nós. Ou melhor, ninguém vivo, pelo menos.
- Bem. Terá que fazer uma concessão. - falei simplesmente, me arrumando na cadeira. - Estou disposta a negociar.
- Você gosta mesmo dele, não é? - eu sabia que ele estava interessado em minha negociação.
- Drew é parte da minha família. Eu preciso dele em casa para garantir a segurança dos meus. Além disso, preciso admitir que quando nós vencermos, sua presença aqui pode ser um problema. - dei de ombros, insinuando que ele poderia se meter entre eu e meus objetivos.
- Certo. - estava evidente que o homem à minha frente parecia cada vez mais intrigado e, claramente, curioso. - E o que você tem em mente para me convencer a deixá-lo ir?
- Você já pensou em ser rei? - perguntei na forma mais natural que pude.
- Ser rei? - ele se remexeu na cadeira - Isso é impossível.
- Não se você se casar com a rainha.
- Com a morte do rei, é o príncipe que assumi, com a morte dele, temos e uma linhagem inteira antes de você. - ele argumentou, entendendo que quando disse “rainha”, era sobre mim que eu falava.
- Não disse que seria fácil. Mas com a amada rainha do povo… Não sei se seria impossível desacreditar todos eles. Você poderia ser rei, ainda mais se a rainha estivesse em luto após matarem todos no poder e precisasse de alguém que ela confiasse…
O Chefe parecia cogitar a ideia. Eu estava torcendo muito para que ele aceitasse o risco. Eu precisava que ele concordasse com aquilo. Se Drew estivesse certo sobre ele me imaginar ao seu lado depois da morte de , eu realmente esperava que fosse um incentivo. Pela primeira vez eu torcia para aquele homem repugnante me desejar.
- Preciso admitir que a ideia é tentadora e que pode sim funcionar. Mas como eu posso saber que cumprirá o trato?
- Não pode. Precisará confiar em mim. - disse simplesmente.
Ao contrário do que eu pensava, o Chefe deu um sorriso de canto.
- Você é esperta. Gosto disso. Digamos que eu aceite sua proposta, você concorda em me ajudar a matar e desacreditar toda a linhagem real e não apenas se tornar a rainha mais amada do povo, como também minha mulher?
- Eu concordo, se você deixar Drew partir imediatamente e nunca mais encostar em um fio de cabelo sequer dele ou da minha família. Pois acredite que eu acharei alguma forma de entrar em contato com eles e garantir que todos estejam bem. Caso eu descubra que um de vocês o atingiu de alguma forma, acredite que me sacrificarei pela morte de todos os sulistas existentes. - eu não conseguia acreditar que estava realmente fazendo aquilo.
- Então, senhorita ... - o Chefe se levantou, aproximando-se de mim por volta da mesa e me estendendo a mão, não para apertar a minha, mas apenas para me ajudar a levantar da cadeira, me deixando com o corpo a centímetros do seu. - Concorda em selar nosso acordo com um beijo?
- Eu lhe ofereci um casamento para você se tornar rei. Não lhe ofereci nada mais, Chefe. - recuei um passo, encostando na cadeira atrás de mim. Eu não iria, de forma alguma, aceitar ser beijada por ele. - Não misture as coisas. Aceite seus limites.
- Veremos, . Veremos. - ele sorriu de forma maliciosa, mas me estendeu a mão para firmarmos nosso acordo.
- Não me engane. Se o fizer, me vingarei. - afirmei, aceitando sua mão firme.
- Vamos. - ele me indicou a saída da tenda. Caminhei a passos lentos em direção ao ar livre. O Chefe me seguiu, mas logo passou por mim, caminhando de volta ao centro da fogueira, resolvi seguir em sua direção.
- Caro senhores! - ele disse em alto e bom som, para que todos os homens pudessem ouvir. - Tenho ótimas notícias! - sua empolgação arrancou alguns aplausos e gritos contidos de empolgação. - A senhorita aqui tem um plano pretensioso! - ele dizia cada frase como se estivesse contando uma história. - Ela nos levará ao trono. me prometeu o título de REI!
Eu via a cara de dúvida dos homens, ninguém ali poderia achar isso sequer possível. Mas eu sabia que se não começasse a guerra logo e vencesse os sulistas, meu plano podia se concretizar.
- Acreditem, é possível! - ele continuou. - Mas em troca, me pediu algo difícil. Algo que jurei para mim mesmo que nunca faria. - o silêncio era ensurdecedor. - A partir de hoje Drew Samek está liberado de seus deveres comigo e não pode, de forma alguma, ser atingido por nenhum de nós.
O choque foi enorme. Drew me olhava assustado, perguntando-se como eu podia ter feito aquilo. Bem, nem eu sabia.
- Na frente de todos vocês, testemunhas. A senhorita sela o acordo com seu sangue.
Como? Meu o quê? Isso não estava combinado.
- Vamos, . Todos os sulistas que fazem algum acordo comigo tem um corte na mão para lembrar. Agora é sua vez. - ele disse mais baixo, estendendo a mão pedindo a minha enquanto tirava uma faca de algum lugar em suas calças.
Eu não podia recuar, podia?
- . Não! - Drew ameaçou a se aproximar.
- Segurem-no! - o Chefe gritou, fazendo dois homens apontarem uma arma para Drew. - Ainda não selamos nosso acordo. - o Chefe deu de ombros, respondendo minha expressão revoltada, ainda com a mão estendida para mim.
- Assim que o selarmos, ele vai embora comigo. - avisei.
- Feito. - o Chefe parecia contente demais com sua barganha. - Agora a mão.
O corte feito por uma faca daquelas doía muito mais do que eu pensava. A lâmina bem afiada fez um risco reto e superficial em minha palma da mão esquerda. O sangue pingou diversas vezes na fogueira.
- Saúdem, senhores, sua futura rainha! - ele gritou. Depois, pedindo para um de seus homens um tecido branco, ele gentilmente o apertou em minha mão. Antes mesmo dele terminar o nó, o tecido já estava manchado de sangue. Os homens riram e aplaudiram. - Alguém me arrume uma bebida!
- Não se atreva a me enganar. - avisei para o homem. Ele parecia empolgado demais, feliz demais. Era como se tivesse tirado a sorte grande.
- Hoje não é dia de se preocupar com isso, . Estamos em festa! - ele riu. - Mas se quiser ir, você e seu amigo estão livres. Ele pode pegar até as coisas dele, se quiser.
- Obrigada. - disse ao mais velho, olhando para Drew que me encarava assustado. Caminhei até ele lentamente, sentindo o peso de tudo o que eu havia feito em minhas costas.
- O que você fez? - ele sussurrou. Os homens que haviam o ameaçado, já estavam perto da fogueira enchendo o próprio copo. Ninguém poderia nos ouvir.
- Podemos conversar sobre isso depois? Pegue suas coisas, você pode dormir no castelo hoje. - disse baixo, deixando claro que tinha um plano.
Esperei menos de cinco minutos apoiada em uma árvore enquanto os homens riam e enchiam a cara. Eu sabia que estávamos bem longe do castelo, mas não conseguia entender como os guardas não os localizaram com toda aquela bagunça. Foi aí que percebi: eles estavam liberando Drew que sabia da localização do acampamento. Era mais do que óbvio que antes do amanhecer eles já não estariam no mesmo lugar, ficava me perguntando se isso seria um problema.
***
- ? - Drew parecia confuso com a situação, já estávamos na metade do caminho da volta e não tínhamos trocado uma frase sequer.
- Sim?
- O que foi que você fez? - ele perguntou parecendo completamente confuso, mas eu sabia que no fundo Drew estava aliviado.
- Espero que eu tenha salvado sua vida.
- Mas como? Isso não faz sentido. Como você pode prometer algo assim? Você vai mesmo se casar com ele?
- Eu tenho muito o que lhe explicar, Drew. Mas agora temos que ir, estão nos esperando.
- Quem?
- Vamos.
***
Eu não sabia se Drew conseguia ouvir, mas minha respiração estava começando a ficar descompassada. Era como se a cada passo em direção ao castelo eu tivesse mais certeza do que tinha feito e do que isso poderia custar. Eu queria chorar. Queria sentar entre a folhagem, embaixo de uma árvore qualquer e chorar desesperada. Mas eu não podia. Eu, talvez pela primeira vez, tinha tomado uma decisão completamente por vontade própria. Uma decisão pensada e com os riscos contabilizados. Precisava me lembrar disso.
Drew ficou o resto do caminho em silêncio, aceitando minhas indicações de entrar pela cozinha quando chegamos ao castelo. Doroth tinha deixado a porta aberta para nós, como o combinado, e esperava ao lado do forno para nos indicar o quarto que havia escolhido para Drew. Eu me sentia mal por não ter sido sincera com Doroth e mentir sobre exatamente que tipo de rebelde Drew era, mas eu sabia que era a única forma de fazê-la me ajudar.
- Vou deixá-los a sós, senhorita. - Doroth avisou, saindo do quarto com uma discreta reverência.
- Obrigada, Doroth. Sem aqui… Nós dois precisávamos muito da senhora. Boa noite. - agradeci, me sentindo mal por deixá-la acordada até aquela hora. Além de engana-lá, é claro.
Olhei em volta. O quarto que Doroth havia escolhido para Drew era exatamente igual ao que o rebelde sulista me levou na última vez, onde toda aquela história começou. Respirei fundo. Estava feliz pelo castelo estar com os funcionários tão reduzidos, só assim para haver uma ala inteira de quartos vazios para escondermos Drew por uma única noite.
- O príncipe sabe que eu estou aqui? Você o chama de ? , o que você não está me contando?
- Me deixe explicar, não tenho muito tempo. E acho que precisarei passar na enfermaria. - avisei, encostando-me na porta agora fechada, vendo Drew olhar para o tecido agora praticamente vermelho em minha mão.
- Por que você fez isso?
- Eu serei princesa, Drew. Isso está decidido antes dos rebeldes sulistas pedirem. - falei, vendo-o ficar surpreso. - Porque os rebeldes nortistas já pediram. O príncipe está em contato com eles, assim como eu, e já negociamos o casamento.
- Mas por quê?
- Você não precisa saber demais. Você só precisa entender que eu não posso ser salva. É impossível. Eu serei princesa de Ynter, não importando o que o Chefe faça. A única coisa que eu preciso fazer agora, é não matar meu futuro marido e rezar para ele ser capaz de me proteger. Assim jamais precisarei me casar com o Chefe. Eu acredito, nesse caso, que o príncipe está do meu lado, Drew. O risco vale a pena.
Encarei-o, esperando que minha explicação fosse o suficiente. Que ele entendesse que sua luta não tinha motivo, que ele precisava seguir em frente. Esperava que aquilo fosse o suficiente para Drew me esquecer. Mas Drew parecia não me entender, porque em um único movimento, ele se aproximou de mim e com as mãos em meus cabelos selou nossos lábios.
Aquilo me assustou. Senti meu coração dar um salto. Drew estava realmente me beijando?
Drew estava. Drew que era meu amigo, o Drew que estava apaixonado por mim. O Drew que eu precisava que fosse para casa e seguisse uma vida normal. Tentei empurrá-lo, já que era impossível ir para trás. Mas ele mal se mexeu. Aquilo não era justo, eu não podia deixá-lo criar esperanças irreais. Empurrei-o mais forte, irritada. Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Por que ele estava fazendo aquilo com ele mesmo? Drew precisava parar de me amar.
- Você ficou maluco? Você não pode fazer isso. Simplesmente não tem esse direito. - eu falava apressada, atordoada com tudo aquilo. Enquanto o homem permanecia parado, me encarando, chocado. Era como se Drew não acreditasse no que tinha feito. Pois bem, eu também não acreditava. Ele estava sendo completamente irresponsável. Se alguém descobrisse, seria traição. - Tome. - falei, tirando um dos meus conjuntos de joia do bolso, estava carregando-o para aquele momento desde que havia saído do quarto. - É o suficiente para comprar uma passagem para casa. Amanhã cedo Doroth vem lhe buscar. Pegue um trem para casa. Você tem 24 horas para falar com minha irmã, amanhã ligarei para ela e se você não passar a mensagem, saberei que o Chefe mentiu para mim e acharei uma forma de aniquilá-los.
- …
- Não. Você perdeu esse direito. Apenas diga para minha irmã que você voltou do curso e adotou um cachorro chamado Eric. Seja bem claro, ela precisa me passar essa mensagem. - me virei para abrir a porta. - Boa noite, Drew. Espero que tenha uma boa vida.
Abri a porta, saí e fechei-a atrás de mim. O corredor escuro seria até um pouco assustador, se eu não estivesse tão alheia a tudo aquilo. Será que eu nunca mais veria Drew? Será que eu morreria antes de sequer ver minha família novamente?
***
- Com licença? Boa noite. Tem alguém aqui? - assim que cheguei à enfermaria, caminho que só havia decorado depois de visitar Cleo tantas vezes, encontrei o lugar praticamente vazio. Apesar do ataque ser recente, nenhuma das macas que podiam ser vistas da porta estavam ocupadas. Aquilo me surpreendeu, mas de uma maneira boa.
- Sim? - uma enfermeira apareceu saindo por uma das portas laterais. - Senhorita, tudo bem?
- Sim. Digo, não é nada demais. Desculpe vir aqui nessa hora, sei que é reservado para funcionários, mas… - eu não tinha uma explicação muito boa, eu havia escolhido a enfermaria dos funcionários, pois acreditava que tinha menos chance de alguém descobrir.
- Não se preocupe, senhorita . - ela sorriu, estranhamente conhecendo meu nome. - Do que a senhorita precisa?
- Eu… - ergui minha mão que permanecia com o tecido entregue pelo Chefe, mas agora o mesmo já estava bem manchado de sangue. - Me cortei com uma tesoura.
Eu não tive coragem de encarar a enfermeira e descobrir se ela acreditava em mim, apenas respirei fundo e continuei encarando minha mão enfaixada. Esperando que ela não perguntasse coisas que eu simplesmente não saberia como responder.
- Certo, vamos dar uma olhada. - ela disse depois de alguns segundos, usando seus dedos ágeis para soltar o tecido. O corte não era muito extenso, mas eu sabia que deixaria uma cicatriz, acreditava que esse era o principal motivo para ele existir. Eu sempre me lembraria daquele dia.
- Foi uma tesoura bem afiada. - ela comentou, encarando-me de forma sugestiva. - Precisaremos dar alguns pontos.
Assenti, me sentindo envergonhada. Ela sabia que eu escondia algo, não teria qualquer outro motivo para eu estar na enfermaria dos funcionários naquela hora da madrugada. Respirei fundo, precisava de uma ideia melhor.
- Eu estou fazendo um cartão para o príncipe. - soltei, enquanto acompanhava-a até uma das macas, como pedido.
- Como?
- Eu sei que é um pouco ridículo e que são três horas da madrugada, mas como ele chega amanhã de manhã… Pensei que seria legal. - apesar de ser uma ideia bem ridícula, o romantismo da minha história foi o suficiente para fazer a enfermeira dar um sorriso. Qualquer desconfiança que ela tinha, parecia ter sumido - E eu queria que fosse uma surpresa, então…
- Não se preocupe, senhorita, não contarei nada para ninguém. - ela sorriu, já caminhando em direção a bancada, parecendo pegar tudo o que precisava para higienizar e costurar minha palma. - Mas lamento dizer que esse corte provavelmente deixará uma pequena cicatriz.
- Tudo bem, imaginei. No começo pensei em nem vir, mas achei que seria muita imprudência.
- Fez bem em vir. Agora me dê sua mão, primeiro vamos limpar isso.
***
A enfermeira foi muito cuidadosa e delicada ao fechar meu corte, teria sido uma ideia de êxito e completamente discreta se eu não tivesse me deparado com assim que cheguei ao pé da escada do primeiro andar.
O príncipe estava distraído, descendo os degraus lentamente enquanto lia os papéis que tinha em mãos. Tranquei a respiração ao vê-lo, eu definitivamente não estava pronta para aquilo. usava uma roupa um pouco mais descontraída que o normal, apesar da calça social, sua blusa gola polo era quase casual comparada aos seus diversos ternos e uniformes engomados, mas o que tornava mais diferente era sua barba um pouco crescida, como se ele estivesse ocupado demais para fazê-la nos últimos dias. Apesar de estar claramente cansado, o príncipe ficava muito bonito daquele jeito.
- Boa noite, . - falei, depois do mesmo descer três degraus sem me notar. Ele ainda estava muito mais em cima da escada que eu, mas eu sabia que ele acabaria notando minha presença de qualquer maneira.
- ? - ele parecia completamente surpreso em me ver. - O que você está fazendo aqui?
- Bem, eu sei que pode ser uma surpresa, mas eu meio que moro aqui. - brinquei, tentando não ficar chateada pela reação de , afinal ele não parecia exatamente feliz em me ver, ainda mais depois de alguns dias longe. - E você? Achei que voltaria só amanhã de manhã.
- Fizemos de propósito, depois que Mariee… Achamos mais inteligente. - o príncipe amoleceu um pouco o tom, descendo os degraus faltantes para me alcançar no primeiro andar. - Mas você não me explicou o que faz aqui, nesse horário.
- Estava com os sulistas. - sussurrei, feliz por não estar exatamente mentindo.
- Você o quê?
- Serena não te contou? Ela me disse que tinha falado com você… Eu contei para Mariee também.
- Serena me falou que você estava se reunindo com eles na floresta, mas eu não achei que fosse no meio da madrugada. É muito perigoso, ! No que você estava pensando?
- É brincadeira, não é? - eu não conseguia acreditar. - No que você acha que eu estava pensando, ? Vamos, eu te dou uma única chance. - o príncipe realmente sumiu durante dias, foi sei lá eu para onde, e me deixou ali para lidar com toda aquela loucura e ainda tinha a coragem de falar comigo daquele jeito?
- Eu não quis…
- O que você não quis, ? Não quis me deixar aqui, não quis me entregar de bandeja para os sulistas, não quis me negociar com os nortistas? Não quis ser grosseiro? Qual dessas partes você “não quis”? Ou melhor, deixe-me adivinhar, você não quis praticamente colocar uma coroa na minha cabeça e sumir pelo mundo. Ou você não quis me fazer guardar segredo de uma guerra que todas as pessoas desse castelo sabem? - eu falava tudo apressado, uma palavra seguindo a outra, sem sequer pensar. - Ou você não quis falar sobre mim com a minha única amiga nesse concurso? Qual dessas coisas, alteza, você não quis?
Apesar de saber que eu guardava tudo aquilo há muito tempo, me arrependi de falar no mesmo instante em que terminei. Eu sabia que não era justo, sabia que apesar de em momento nenhum sonhar com tudo o que estava acontecendo, não podia jogar tudo no colo de . A culpa não era totalmente dele. Não foi ele que mentiu para o rebelde sulista durante o sequestro, não foi ele que realmente aceitou se aliar aos nortistas, não foi ele que nasceu na família errada e, com toda certeza, não foi culpa dele, Drew ter se metido entre os sulistas.
- Esquece. Me desculpe. Não é justo com você. - falei, vendo que o príncipe só me encarava surpreso. - Eu realmente sinto muito, . Que bom que você está bem e de volta ao castelo. Espero que tenha dado tudo certo na sua viagem. Eu… - percebi que falava demais. - Eu vou ficar quieta e ir para meu quarto.
- , espere. - ele disse, segurando gentilmente no meu braço, me impedindo de subir mais um degrau. - Eu acho que precisamos conversar. O que você acha?
Sorri, sem graça.
- Não precisamos fazer isso agora. Imagino que você esteja ocupado. - comentei, indicando os papéis que ele ainda mantinha na outra mão.
- Percebi que eu estive ocupado por muito tempo e a deixei com mais dúvidas do que eu imaginava. - ele deu um sorriso sem graça, que me fez sorrir também.
- , eu… - fechei os olhos e respirei fundo - Eu realmente sinto muito. Não quero ser mais um trabalho para você ou um peso. Eu vou conseguir, não se preocupe.
- Eu não estou preocupado, . Bem, talvez agora eu esteja preocupado achando que você me odeia. - ele riu fraco, parecia incrivelmente tranquilo. - Mas eu tive sucesso na minha viagem. voltou mais cedo para Aurora. Meu pai está mais calmo e confiante, feliz em ver minha mãe. Acho que fui tolo em achar que poderíamos conversar depois e o destino me deixou isso claro.
- Você ainda vai continuar com a guerra, certo?
- Sim, . Voltamos antes de acertar tudo, preciso admitir, mas estamos avançando muito nesse quesito.
Respirei aliviada. Eu precisava que acabasse com os sulistas, era minha única esperança.
- Por que a dúvida?
- Por nada.
- Certo. - o príncipe pareceu não acreditar totalmente. - Então, aceita, deixa eu pensar, uma ida à Biblioteca às três horas da manhã? - ele conferiu o relógio.
- Claro. Por que não? - respondi sem escolha. Na verdade, eu queria ir para meus aposentos e me esconder lá até tudo passar. Eu estava realmente feliz com a volta de , mas não estava pronta para lidar com ele ainda. Não com Drew em um dos quartos daquele castelo, não com a promessa feita ao Chefe e muito menos depois do beijo.
- Gostaria de beber algo? - perguntou, enquanto caminhávamos até a Biblioteca.
- Você vai pedir para alguém nos trazer algo nesse horário? - perguntei incrédula.
- A cozinha nunca para, . - ele justificou.
- Mesmo assim, não acho que seja necessário.
- Você é inacreditável. - ele comentou, me deixando em dúvida se aquilo era um elogio.
- Então, alteza, me conte mais sobre seus dias longe. - pedi, ignorando completamente seu comentário anterior.
- Certo, deixe-me ver… - ele olhou para cima, como se organizasse as palavras na sua mente. - e eu conversamos com todos os prefeitos de todas as Províncias, inclusive conversei com seu cunhado. - o príncipe começou. - Todos estão se organizando para fazer novos recrutamentos de soldados até o mês que vem. Usamos um dinheiro guardado para isso. Minha mãe foi atrás de investidores e ela é realmente muito boa nisso, temos vários nobres e associações dispostas a acabar com os ataques sulistas. Já meu pai foi conversar com o rei de Illéa, ali está nosso maior obstáculo hoje, mas pelo que eu sei ele está disposto a conversar mais.
- Isso é incrível. Vocês fizeram tudo isso em tão poucos dias. - eu estava realmente admirada, sorrindo ao entrar na Biblioteca após abrir a porta para mim.
- Sim, fazia muito tempo que não visitávamos tantas Províncias de uma única vez. Acho que na última vez foi após o nascimento de . - ele comentou, indicando-me o sofá. O mesmo que sentamos no dia que o conheci. - Mas e aqui? Gostaria de conversar sobre tudo o que me disse antes?
- Eu… - eu estava completamente envergonhada. - Me desculpe mesmo, alteza. Eu realmente não deveria ter falado tudo desse jeito. Foi injusto da minha parte.
- , - se ajeitou no sofá, parecendo tentar ficar menos desconfortável. - eu sei que ainda não conseguimos conversar sobre nós, sobre os nortistas, sobre os sulistas e nem sobre a Seleção no geral. Eu não achei que isso pudesse lhe incomodar tanto, na realidade estava tentando lhe dar menos informações possíveis para não, bem, incomodá-la. - ele sorriu sem jeito. - Mas eu quero que a gente fale sobre essas coisas, eu quero que a gente fale sobre tudo. Afinal vamos nos casar, não é?
O príncipe parecia diferente, mais alegre, mais calmo e descontraído. Era como se de alguma forma parte da tensão houvesse saído de seu corpo, como se o peso que ele carregasse estivesse um pouco menor. Como eu poderia ser capaz de jogar todos os meus problemas em cima dele?
- Acho que vamos, se você não me trocar. - brinquei.
- Você tem alguma dúvida sobre isso? - ele perguntou um pouco sério.
Respirei fundo. Eu tinha, na realidade.
- Você gosta de alguma delas? - perguntei sem jeito. - Eu sei que você não gosta de mim, mas seria completamente trágico se você casasse comigo gostando de outra pessoa.
- Não. - ele nem precisou pensar. - Mas eu nem tentei, . O que é ridículo, eu sei. Mas as coisas aconteceram tão rápido, as meninas foram embora uma atrás da outra e eu tinha tanta coisa para lidar. Anne foi a Selecionada que eu mais conversei.
- Ela comentou. E eu não fiquei chateada, nem nada. Vocês podem conversar sobre o que quiserem… Eu só não achei que seria sobre mim. - falei antes que ele comentasse algo.
- Anne realmente se tornou uma amiga. - ele deu de ombros. - E ela era quem mais parecia lhe entender e entender tudo isso. Eu sinceramente cheguei a falar com minha mãe, mas ela disse que tudo foi muito diferente na época dela.
- Você falou com sua mãe sobre mim? - ergui uma sobrancelha.
- Eu falei sobre você com todo mundo que eu podia, . Acho que você não percebeu que todo mundo nesse castelo fala sobre você em algum momento. Você quebrou recordes… A televisão só fala de você.
- Como?
- Você não acompanha as notícias?
- Faz muito tempo que não. - comentei, percebendo aquilo só naquele momento. Eu não havia parado em frente à televisão para ver as notícias, com exceção da vez em que todas nós fomos entrevistadas e quando Aurora assumiu seu relacionamento com .
- Digamos que você está na boca do povo. - ele riu, mas aquilo me preocupou. Talvez fosse por causa disso que o Chefe havia aceitado minha proposta.
- … Eu preciso lhe contar uma coisa. - falei antes que desistisse.
- O quê? Você pode me contar qualquer coisa.
- Eu… - eu estava prestes a contar sobre Drew e sobre a minha promessa ao Chefe. Eu estava pronta para ser sincera com e simplesmente parar de esconder coisas de todo mundo, mas a ideia de podendo expulsar Drew ou torná-lo um prisioneiro sulista me fez mudar de ideia. Eu não podia arriscar tudo salvando Drew para deixar o príncipe matá-lo. - Eu acho que Mariee morreu por minha causa.
Vi ficar completamente confuso com minha afirmação. Era como se a informação que eu lhe dava não fizesse sentido.
- Eles fizeram isso para te trazer de volta e de alguma forma te obrigar a me tornar princesa.
- Serena me passou essa informação. Mas como pode ser culpa sua a morte de Mariee?
- Eu não sei. Eu devo ter deixado passar algo, de alguma forma eles foram capazes de invadir o castelo só para atingi-la. - eu estava prestes a chorar. Eu não odiava Mariee, na realidade, agora que ela estava morta, eu lamentava muito por tê-la enfrentado. Mariee só queria o melhor para o povo.
- , - havia mudado o tom, ele falava calmo, sereno e quase de forma diplomática. - quando estamos no poder muitas situações fogem do nosso controle e não podemos nos culpar de tudo. Pelo que Serena me contou, você não tinha como saber a pretensão dos sulistas, então não se culpe se a situação saiu do seu controle, porque quando você for princesa e depois rainha, acredite que isso vai acontecer mais vezes.
- Eu estou com medo. - falei, encarando-o nos olhos. - Estou com medo de não ser o suficiente, .
- Isso só prova que você será. Eu não quero parecer um homem tolo e romântico, . - ele disse estendendo sua mão para segurar a minha. - Eu acho que nem tenho esse direito com você. Mas você é uma mulher maravilhosa, . Você percebe que tem todos aos seus pés? Você conquistou Serena, conquistou o Chefe dos sulistas, conquistou meus pais, conquistou suas criadas e boa parte dos funcionários do castelo e o mais importante, conquistou o povo. Ninguém jamais pensou em uma Selecionada com tantos votos. E foi assim que você me conquistou. Você tem minha confiança, . Você se provou, para mim, alguém digno da minha confiança e respeito. Você é forte, corajosa, respeitosa e bonita. Você é simpática e agradável, fala sobre política e flores como se fossem capítulos do mesmo livro.
Aquilo me fez prender a respiração, ninguém, jamais, havia falado comigo daquele jeito.
- Eu…
- Não se preocupe, . Eu não estou completamente apaixonado por você e nem espero que você esteja por mim. - o príncipe se apressou em dizer. - Eu só quero que perceba quem você é e tudo o que você é capaz de fazer. Quero que você entenda o porquê de eu estar lhe escolhendo. Não é só por causa dos números ou só por causa de Serena e muito menos devido aos sulistas ou às opiniões de meus pais. É por tudo isso e mais um pouco. Eu lhe admiro, senhorita . E pode acreditar que eu estarei contente em tê-la ao meu lado no trono.
Eu não sabia responder aquilo. Eu, pelo jeito, sabia enganar o Chefe da organização rebelde mais perigosa do nosso país, mas não sabia responder a elogios vindo de um homem. Se bem que não era um homem, era o homem. Mas ainda assim não sabia como responder aquilo.
- Obrigada. Eu realmente não fazia ideia. - fui sincera, olhando para o príncipe que me encarava com os olhos atentos. - Eu até que fiz tudo isso. - falei dando uma risada fraca. - Mas eu não me sinto assim, . Eu me sinto no meio de uma confusão de coisas, com todo mundo querendo um pouco de mim e eu não sei se consigo. Além disso, eu não sei do que você fala com Serena, nem com as outras meninas daqui. É um pouco confuso e solitário. Você confia totalmente em Serena?
Minha pergunta deixou desconfortável, ele soltou minha mão, assumindo uma pose mais profissional.
- Eu sei que Serena fará o melhor para ela e seu pessoal. Confio nela enquanto o melhor para ela for o melhor para mim. - ele deu de ombros. - Eu realmente acredito que ela está do nosso lado, . Foi por isso que deixei-a aqui. Sobre as outras Selecionadas… Eu não posso abandoná-las, não posso deixá-las pensarem que já perderam. Você entende, não é?
- Sim. Claro que eu entendo. - e eu entendia mesmo. Mas ao mesmo tempo parte de mim sentia ciúmes. seria meu marido, por que estava saindo com outras garotas? Mas eu podia culpá-lo? Eu havia acabado de beijar Drew.
- Você tem mais alguma dúvida?
Eu tinha tanta coisa em mente. Eu tinha dúvidas de como seria ser princesa, como seria nosso relacionamento, como seria nossa posição sobre as castas para o público… Quando e como seria nosso casamento... Ele realmente assumiria o trono antes de seu pai morrer? Percebi que eu tinha infinitas dúvidas sobre mim e , sobre "nós", mas nenhuma que eu quisesse falar naquele momento.
- Acho que eu nunca tive tantas dúvidas na vida. - comentei sem graça. - Mas nenhuma sobre agora. - dei de ombros, esperando que entendesse ao que eu me referia.
- Teremos que descobrir tudo isso juntos, . - ele sorriu sem graça. Era muito estranho conversar sobre nosso casamento daquele jeito, precisava admitir.
- Acho que a gente consegue. - brinquei. - Temos uma guerra no meio do caminho ainda.
- Temos sim. Conversei com meu pai sobre isso, vamos reduzir ainda mais as garotas, mas precisaremos da Seleção durante a guerra. Alguma coisa alegre no meio de tudo.
As palavras de me fizeram relaxar. No fundo eu estava com medo que o nosso casamento chegasse. Talvez nem tão no fundo assim.
- ?
- Sim?
- Eu gostaria de pedir desculpas. Desculpa mesmo ter lhe negociado com os nortistas. - parecia usar exatamente as palavras que eu lhe lançara antes, na escada. Mas ele parecia sincero e até se sentia culpado. - Eu sei que já me desculpei por isso, mas pelo jeito eu continuo fazendo as coisas sem conversar com você antes. Então me desculpe mais uma vez. Me desculpe ter lhe pedido em casamento e depois ter sumido pelo país. Eu sei que antes de eu sair você disse que teríamos tempo e eu realmente acho que temos, mas eu sei que não foi o ideal te deixar aqui sozinha. Me perdoe mesmo pelo que aconteceu com os sulistas, gostaria de conversar com você sobre isso quando possível, eu jamais imaginei que teríamos esse resultado. Eu sinto muito por ser grosseiro e por não ter te contado que todas as garotas sabiam sobre a guerra.
- Não se preocupe , eu fui tola em lhe falar tudo aquilo. Me desculpa mesmo. Eu só estou um pouco sobrecarregada nos últimos dias, eu realmente não quis ofender.
sorriu.
- Você é engraçada. - ele disse por fim.
- Engraçada? Como assim?
- É difícil explicar, mas eu gosto. Você briga comigo, depois pede desculpas, daí me chama de e depois de alteza. É confuso, mas ao mesmo tempo genuíno.
- Ótimo. Então eu sou engraçada. - não achei que aquilo fosse um elogio.
- Isso é bom. Você pensa diferente de mim, eu gosto. Abre meus olhos.
- Sobre pensar diferente… Percebi enquanto você estava fora que eu realmente acredito no fim das castas. - joguei no ar, trocando de assunto completamente.
- Sério? Achei que você já tivesse certeza de que acreditava.
- Eu conseguia entender seu ponto, agora sinto que acredito nele. No fim, eu sou um pouco nortista.
- Um pouco rebelde. - ele sorriu, brincando comigo.
- Acho que rebelde eu sou bastante. - retruquei a brincadeira, arrancando risadas fracas de ambos.
- O que você quer, ? - Drew perguntou quando entramos na parte em que a mata começava a realmente nos camuflar.
- O Chefe invadiu o castelo e matou nossa professora sem me consultar, Drew. Não posso permitir que as coisas sigam assim.
- Ah, certo. E o que você pensa em fazer? - apesar do escuro me impedir de ver, eu conseguia imaginar os olhos de Drew revirando levemente. Era difícil lembrar que aquele Drew era o mesmo que subia árvores comigo na nossa Província, mas no fim das contas eu o conhecia muito bem.
- Eu vou apenas conversar. - engoli em seco, sentindo a mentira queimar minha garganta.
- Sobre conversar… Eu queria falar sobre nossa última conversa.
- A única coisa que importa é: você vai embora? - encarei seu rosto, esperando que ele me conhecesse bem o suficiente para saber que eu o encarava irritada.
- Eu não posso, . Eu já entendi que você não me ama, mas eu não posso te deixar para trás. Eu sei que eles me enganaram, mas mesmo assim… Além disso, é proibido deixar os sulistas. Eu teria que fugir para sempre. Achei que você soubesse.
- Entendo. - comentei, eu já sabia que seria difícil tirar Drew daquela situação, por isso estava ali, afinal.
- , você não pode ficar brava. Por favor.
Fechei os olhos e respirei fundo. Eu precisava fazer aquilo.
- É claro que eu posso! - falei grossa, sabendo que ajudaria depois. - Você não pode colocar a sua vida nas minhas costas, Drew! - queria gritar. - É completamente injusto. Eu não te pedi para me salvar, não te pedi para me socorrer e muito menos te pedi para gostar de mim! Você sempre foi meu melhor amigo. A - M - I - G - O. Se quer fazer burrada por aí, tudo bem! Mas não coloca a sua vida em risco e depois diz que é por mim. EU NÃO QUERO UM HERÓI, ok? Se acha que colocar sua vida em risco por minha causa é algo positivo, pois bem, sinto lhe avisar que você está sendo um babaca egoísta.
Eu sabia que aquelas palavras haviam lhe magoado. Eu podia ver no escuro Drew recuando e cruzando os braços, claramente irritado. Perfeito, era o que eu precisava. Passamos os próximos minutos em completo silêncio, o que me permitiu repassar o meu plano mentalmente uma última vez.
- Chegamos. - ele anunciou, me indicando a comitiva de sempre.
- Boa noite, senhorita . A que devo a honra? - o Chefe parecia contente, como se estivesse comemorando. Naquele momento eu queria ser capaz de atirar nele da mesma forma que um dos seus homens fez com Mariee. Não importava o quanto eu desconfiasse da assessora, ela não devia morrer.
- Precisamos conversar. - disse sem cerimônia, vendo uma sobrancelha do Chefe levantar-se em sinal de surpresa.
- Por favor, comece. - ele deu uma risada leve, claramente zombando do meu tom autoritário.
- Não. Precisamos conversar a sós. - afirmei.
- Como? - ele parecia estranhar meu tom, era como se me desse uma segunda chance de parecer menos atrevida, menos desafiadora de seu comando.
- Você me enganou, me usou e fez uma armadilha. Precisamos conversar a sós. - eu continuava tentando soar firme.
- Eu disse que traria o príncipe de volta. Pelo que eu sei, ele estará aqui amanhã de manhã. Não vejo problema nisso. – apesar de ainda soar divertido, eu conseguia ver a paciência e felicidade do homem se esvaindo aos poucos.
- E é por isso que eu quero conversar a sós. - tentei mais uma vez.
- Como mulheres podem ser teimosas. - suas palavras arrancaram boas risadas de seus homens.
- Aonde podemos ir? - perguntei, entendendo sua frase como minha vitória.
- Vou te levar aos meus aposentos, querida. - seu tom era provocante, arrancando assobios dos outros enquanto eu caminhava decidida atrás do Chefe até o que parecia ser seu quarto. - Primeiro as damas. - ele indicou.
Respirei fundo ao passar pela entrada da tenda primeiro, ali parecia basicamente uma mistura de escritório com quarto. Era organizado e até mesmo limpo, um pouco diferente do que eu imaginava para um acampamento de rebeldes. Não que os móveis fossem incríveis ou bem cuidados, ou que a tenda impedisse de a terra da floresta infiltrar ali, mas era muito melhor que o amontoado de sacos de dormir que eu havia imaginado.
- Apesar da cama me agradar, acredito que esteja aqui para negócios. - ele disse, puxando a cadeira em frente a sua mesa para mim. Seu tom era bem menos desrespeitoso e brincalhão sem seus homens como plateia, apesar de suas palavras.
- Obrigada. - respondi, vendo-o se dirigir para sua cadeira, do outro lado da mesa. Se é que uma tábua apoiada em tocos de madeira fosse considerada uma mesa, mesmo assim, a cadeira era comum, me fazendo imaginar como eles conseguiram trazer tantos móveis para dentro dos muros do castelo.
- Então, . O que realmente lhe traz aqui? - ele perguntou, cruzando suas mãos grossas e com alguns calos sobre a mesa.
- Acredito que ainda não tenha um plano para me tornar princesa. - comecei.
- Devo admitir que ainda não chegamos nessa parte.
- Isso é verdade ou mais uma de suas histórias?
- Sobre hoje…
- Por favor, apenas me responda.
- É verdade, por enquanto…
- Certo. - respirei fundo, debruçando-me levemente sobre a mesa. - O que aconteceu com Mariee é um erro. Você precisa confiar em mim, para eu confiar em você. Dessa forma nossa relação nunca irá para frente e é melhor o senhor me entregar para o príncipe de uma vez.
- Eu entendo seu ponto. - ele pareceu pensar. - Mas duvido muito que tenha vindo até aqui apenas para reclamar. O que você pretende?
- Quero que compense o ataque de hoje.
- Compensar? - ele riu em deboche - E como pretende que eu faça isso? - o fato de ele não ter negado de primeira, me deu um pouco de esperança.
- Quero que expulse Drew Samek de seu grupo e não o aceite de volta de forma alguma. Além de garantir que seus homens jamais farão algum mal a ele. Quero que ele tenha sua vida normal de volta.
O Chefe riu. Gargalhou alto, como se eu lhe contasse uma piada.
- Ninguém deixa de ser um de nós. Ou melhor, ninguém vivo, pelo menos.
- Bem. Terá que fazer uma concessão. - falei simplesmente, me arrumando na cadeira. - Estou disposta a negociar.
- Você gosta mesmo dele, não é? - eu sabia que ele estava interessado em minha negociação.
- Drew é parte da minha família. Eu preciso dele em casa para garantir a segurança dos meus. Além disso, preciso admitir que quando nós vencermos, sua presença aqui pode ser um problema. - dei de ombros, insinuando que ele poderia se meter entre eu e meus objetivos.
- Certo. - estava evidente que o homem à minha frente parecia cada vez mais intrigado e, claramente, curioso. - E o que você tem em mente para me convencer a deixá-lo ir?
- Você já pensou em ser rei? - perguntei na forma mais natural que pude.
- Ser rei? - ele se remexeu na cadeira - Isso é impossível.
- Não se você se casar com a rainha.
- Com a morte do rei, é o príncipe que assumi, com a morte dele, temos e uma linhagem inteira antes de você. - ele argumentou, entendendo que quando disse “rainha”, era sobre mim que eu falava.
- Não disse que seria fácil. Mas com a amada rainha do povo… Não sei se seria impossível desacreditar todos eles. Você poderia ser rei, ainda mais se a rainha estivesse em luto após matarem todos no poder e precisasse de alguém que ela confiasse…
O Chefe parecia cogitar a ideia. Eu estava torcendo muito para que ele aceitasse o risco. Eu precisava que ele concordasse com aquilo. Se Drew estivesse certo sobre ele me imaginar ao seu lado depois da morte de , eu realmente esperava que fosse um incentivo. Pela primeira vez eu torcia para aquele homem repugnante me desejar.
- Preciso admitir que a ideia é tentadora e que pode sim funcionar. Mas como eu posso saber que cumprirá o trato?
- Não pode. Precisará confiar em mim. - disse simplesmente.
Ao contrário do que eu pensava, o Chefe deu um sorriso de canto.
- Você é esperta. Gosto disso. Digamos que eu aceite sua proposta, você concorda em me ajudar a matar e desacreditar toda a linhagem real e não apenas se tornar a rainha mais amada do povo, como também minha mulher?
- Eu concordo, se você deixar Drew partir imediatamente e nunca mais encostar em um fio de cabelo sequer dele ou da minha família. Pois acredite que eu acharei alguma forma de entrar em contato com eles e garantir que todos estejam bem. Caso eu descubra que um de vocês o atingiu de alguma forma, acredite que me sacrificarei pela morte de todos os sulistas existentes. - eu não conseguia acreditar que estava realmente fazendo aquilo.
- Então, senhorita ... - o Chefe se levantou, aproximando-se de mim por volta da mesa e me estendendo a mão, não para apertar a minha, mas apenas para me ajudar a levantar da cadeira, me deixando com o corpo a centímetros do seu. - Concorda em selar nosso acordo com um beijo?
- Eu lhe ofereci um casamento para você se tornar rei. Não lhe ofereci nada mais, Chefe. - recuei um passo, encostando na cadeira atrás de mim. Eu não iria, de forma alguma, aceitar ser beijada por ele. - Não misture as coisas. Aceite seus limites.
- Veremos, . Veremos. - ele sorriu de forma maliciosa, mas me estendeu a mão para firmarmos nosso acordo.
- Não me engane. Se o fizer, me vingarei. - afirmei, aceitando sua mão firme.
- Vamos. - ele me indicou a saída da tenda. Caminhei a passos lentos em direção ao ar livre. O Chefe me seguiu, mas logo passou por mim, caminhando de volta ao centro da fogueira, resolvi seguir em sua direção.
- Caro senhores! - ele disse em alto e bom som, para que todos os homens pudessem ouvir. - Tenho ótimas notícias! - sua empolgação arrancou alguns aplausos e gritos contidos de empolgação. - A senhorita aqui tem um plano pretensioso! - ele dizia cada frase como se estivesse contando uma história. - Ela nos levará ao trono. me prometeu o título de REI!
Eu via a cara de dúvida dos homens, ninguém ali poderia achar isso sequer possível. Mas eu sabia que se não começasse a guerra logo e vencesse os sulistas, meu plano podia se concretizar.
- Acreditem, é possível! - ele continuou. - Mas em troca, me pediu algo difícil. Algo que jurei para mim mesmo que nunca faria. - o silêncio era ensurdecedor. - A partir de hoje Drew Samek está liberado de seus deveres comigo e não pode, de forma alguma, ser atingido por nenhum de nós.
O choque foi enorme. Drew me olhava assustado, perguntando-se como eu podia ter feito aquilo. Bem, nem eu sabia.
- Na frente de todos vocês, testemunhas. A senhorita sela o acordo com seu sangue.
Como? Meu o quê? Isso não estava combinado.
- Vamos, . Todos os sulistas que fazem algum acordo comigo tem um corte na mão para lembrar. Agora é sua vez. - ele disse mais baixo, estendendo a mão pedindo a minha enquanto tirava uma faca de algum lugar em suas calças.
Eu não podia recuar, podia?
- . Não! - Drew ameaçou a se aproximar.
- Segurem-no! - o Chefe gritou, fazendo dois homens apontarem uma arma para Drew. - Ainda não selamos nosso acordo. - o Chefe deu de ombros, respondendo minha expressão revoltada, ainda com a mão estendida para mim.
- Assim que o selarmos, ele vai embora comigo. - avisei.
- Feito. - o Chefe parecia contente demais com sua barganha. - Agora a mão.
O corte feito por uma faca daquelas doía muito mais do que eu pensava. A lâmina bem afiada fez um risco reto e superficial em minha palma da mão esquerda. O sangue pingou diversas vezes na fogueira.
- Saúdem, senhores, sua futura rainha! - ele gritou. Depois, pedindo para um de seus homens um tecido branco, ele gentilmente o apertou em minha mão. Antes mesmo dele terminar o nó, o tecido já estava manchado de sangue. Os homens riram e aplaudiram. - Alguém me arrume uma bebida!
- Não se atreva a me enganar. - avisei para o homem. Ele parecia empolgado demais, feliz demais. Era como se tivesse tirado a sorte grande.
- Hoje não é dia de se preocupar com isso, . Estamos em festa! - ele riu. - Mas se quiser ir, você e seu amigo estão livres. Ele pode pegar até as coisas dele, se quiser.
- Obrigada. - disse ao mais velho, olhando para Drew que me encarava assustado. Caminhei até ele lentamente, sentindo o peso de tudo o que eu havia feito em minhas costas.
- O que você fez? - ele sussurrou. Os homens que haviam o ameaçado, já estavam perto da fogueira enchendo o próprio copo. Ninguém poderia nos ouvir.
- Podemos conversar sobre isso depois? Pegue suas coisas, você pode dormir no castelo hoje. - disse baixo, deixando claro que tinha um plano.
Esperei menos de cinco minutos apoiada em uma árvore enquanto os homens riam e enchiam a cara. Eu sabia que estávamos bem longe do castelo, mas não conseguia entender como os guardas não os localizaram com toda aquela bagunça. Foi aí que percebi: eles estavam liberando Drew que sabia da localização do acampamento. Era mais do que óbvio que antes do amanhecer eles já não estariam no mesmo lugar, ficava me perguntando se isso seria um problema.
- ? - Drew parecia confuso com a situação, já estávamos na metade do caminho da volta e não tínhamos trocado uma frase sequer.
- Sim?
- O que foi que você fez? - ele perguntou parecendo completamente confuso, mas eu sabia que no fundo Drew estava aliviado.
- Espero que eu tenha salvado sua vida.
- Mas como? Isso não faz sentido. Como você pode prometer algo assim? Você vai mesmo se casar com ele?
- Eu tenho muito o que lhe explicar, Drew. Mas agora temos que ir, estão nos esperando.
- Quem?
- Vamos.
Eu não sabia se Drew conseguia ouvir, mas minha respiração estava começando a ficar descompassada. Era como se a cada passo em direção ao castelo eu tivesse mais certeza do que tinha feito e do que isso poderia custar. Eu queria chorar. Queria sentar entre a folhagem, embaixo de uma árvore qualquer e chorar desesperada. Mas eu não podia. Eu, talvez pela primeira vez, tinha tomado uma decisão completamente por vontade própria. Uma decisão pensada e com os riscos contabilizados. Precisava me lembrar disso.
Drew ficou o resto do caminho em silêncio, aceitando minhas indicações de entrar pela cozinha quando chegamos ao castelo. Doroth tinha deixado a porta aberta para nós, como o combinado, e esperava ao lado do forno para nos indicar o quarto que havia escolhido para Drew. Eu me sentia mal por não ter sido sincera com Doroth e mentir sobre exatamente que tipo de rebelde Drew era, mas eu sabia que era a única forma de fazê-la me ajudar.
- Vou deixá-los a sós, senhorita. - Doroth avisou, saindo do quarto com uma discreta reverência.
- Obrigada, Doroth. Sem aqui… Nós dois precisávamos muito da senhora. Boa noite. - agradeci, me sentindo mal por deixá-la acordada até aquela hora. Além de engana-lá, é claro.
Olhei em volta. O quarto que Doroth havia escolhido para Drew era exatamente igual ao que o rebelde sulista me levou na última vez, onde toda aquela história começou. Respirei fundo. Estava feliz pelo castelo estar com os funcionários tão reduzidos, só assim para haver uma ala inteira de quartos vazios para escondermos Drew por uma única noite.
- O príncipe sabe que eu estou aqui? Você o chama de ? , o que você não está me contando?
- Me deixe explicar, não tenho muito tempo. E acho que precisarei passar na enfermaria. - avisei, encostando-me na porta agora fechada, vendo Drew olhar para o tecido agora praticamente vermelho em minha mão.
- Por que você fez isso?
- Eu serei princesa, Drew. Isso está decidido antes dos rebeldes sulistas pedirem. - falei, vendo-o ficar surpreso. - Porque os rebeldes nortistas já pediram. O príncipe está em contato com eles, assim como eu, e já negociamos o casamento.
- Mas por quê?
- Você não precisa saber demais. Você só precisa entender que eu não posso ser salva. É impossível. Eu serei princesa de Ynter, não importando o que o Chefe faça. A única coisa que eu preciso fazer agora, é não matar meu futuro marido e rezar para ele ser capaz de me proteger. Assim jamais precisarei me casar com o Chefe. Eu acredito, nesse caso, que o príncipe está do meu lado, Drew. O risco vale a pena.
Encarei-o, esperando que minha explicação fosse o suficiente. Que ele entendesse que sua luta não tinha motivo, que ele precisava seguir em frente. Esperava que aquilo fosse o suficiente para Drew me esquecer. Mas Drew parecia não me entender, porque em um único movimento, ele se aproximou de mim e com as mãos em meus cabelos selou nossos lábios.
Aquilo me assustou. Senti meu coração dar um salto. Drew estava realmente me beijando?
Drew estava. Drew que era meu amigo, o Drew que estava apaixonado por mim. O Drew que eu precisava que fosse para casa e seguisse uma vida normal. Tentei empurrá-lo, já que era impossível ir para trás. Mas ele mal se mexeu. Aquilo não era justo, eu não podia deixá-lo criar esperanças irreais. Empurrei-o mais forte, irritada. Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Por que ele estava fazendo aquilo com ele mesmo? Drew precisava parar de me amar.
- Você ficou maluco? Você não pode fazer isso. Simplesmente não tem esse direito. - eu falava apressada, atordoada com tudo aquilo. Enquanto o homem permanecia parado, me encarando, chocado. Era como se Drew não acreditasse no que tinha feito. Pois bem, eu também não acreditava. Ele estava sendo completamente irresponsável. Se alguém descobrisse, seria traição. - Tome. - falei, tirando um dos meus conjuntos de joia do bolso, estava carregando-o para aquele momento desde que havia saído do quarto. - É o suficiente para comprar uma passagem para casa. Amanhã cedo Doroth vem lhe buscar. Pegue um trem para casa. Você tem 24 horas para falar com minha irmã, amanhã ligarei para ela e se você não passar a mensagem, saberei que o Chefe mentiu para mim e acharei uma forma de aniquilá-los.
- …
- Não. Você perdeu esse direito. Apenas diga para minha irmã que você voltou do curso e adotou um cachorro chamado Eric. Seja bem claro, ela precisa me passar essa mensagem. - me virei para abrir a porta. - Boa noite, Drew. Espero que tenha uma boa vida.
Abri a porta, saí e fechei-a atrás de mim. O corredor escuro seria até um pouco assustador, se eu não estivesse tão alheia a tudo aquilo. Será que eu nunca mais veria Drew? Será que eu morreria antes de sequer ver minha família novamente?
- Com licença? Boa noite. Tem alguém aqui? - assim que cheguei à enfermaria, caminho que só havia decorado depois de visitar Cleo tantas vezes, encontrei o lugar praticamente vazio. Apesar do ataque ser recente, nenhuma das macas que podiam ser vistas da porta estavam ocupadas. Aquilo me surpreendeu, mas de uma maneira boa.
- Sim? - uma enfermeira apareceu saindo por uma das portas laterais. - Senhorita, tudo bem?
- Sim. Digo, não é nada demais. Desculpe vir aqui nessa hora, sei que é reservado para funcionários, mas… - eu não tinha uma explicação muito boa, eu havia escolhido a enfermaria dos funcionários, pois acreditava que tinha menos chance de alguém descobrir.
- Não se preocupe, senhorita . - ela sorriu, estranhamente conhecendo meu nome. - Do que a senhorita precisa?
- Eu… - ergui minha mão que permanecia com o tecido entregue pelo Chefe, mas agora o mesmo já estava bem manchado de sangue. - Me cortei com uma tesoura.
Eu não tive coragem de encarar a enfermeira e descobrir se ela acreditava em mim, apenas respirei fundo e continuei encarando minha mão enfaixada. Esperando que ela não perguntasse coisas que eu simplesmente não saberia como responder.
- Certo, vamos dar uma olhada. - ela disse depois de alguns segundos, usando seus dedos ágeis para soltar o tecido. O corte não era muito extenso, mas eu sabia que deixaria uma cicatriz, acreditava que esse era o principal motivo para ele existir. Eu sempre me lembraria daquele dia.
- Foi uma tesoura bem afiada. - ela comentou, encarando-me de forma sugestiva. - Precisaremos dar alguns pontos.
Assenti, me sentindo envergonhada. Ela sabia que eu escondia algo, não teria qualquer outro motivo para eu estar na enfermaria dos funcionários naquela hora da madrugada. Respirei fundo, precisava de uma ideia melhor.
- Eu estou fazendo um cartão para o príncipe. - soltei, enquanto acompanhava-a até uma das macas, como pedido.
- Como?
- Eu sei que é um pouco ridículo e que são três horas da madrugada, mas como ele chega amanhã de manhã… Pensei que seria legal. - apesar de ser uma ideia bem ridícula, o romantismo da minha história foi o suficiente para fazer a enfermeira dar um sorriso. Qualquer desconfiança que ela tinha, parecia ter sumido - E eu queria que fosse uma surpresa, então…
- Não se preocupe, senhorita, não contarei nada para ninguém. - ela sorriu, já caminhando em direção a bancada, parecendo pegar tudo o que precisava para higienizar e costurar minha palma. - Mas lamento dizer que esse corte provavelmente deixará uma pequena cicatriz.
- Tudo bem, imaginei. No começo pensei em nem vir, mas achei que seria muita imprudência.
- Fez bem em vir. Agora me dê sua mão, primeiro vamos limpar isso.
A enfermeira foi muito cuidadosa e delicada ao fechar meu corte, teria sido uma ideia de êxito e completamente discreta se eu não tivesse me deparado com assim que cheguei ao pé da escada do primeiro andar.
O príncipe estava distraído, descendo os degraus lentamente enquanto lia os papéis que tinha em mãos. Tranquei a respiração ao vê-lo, eu definitivamente não estava pronta para aquilo. usava uma roupa um pouco mais descontraída que o normal, apesar da calça social, sua blusa gola polo era quase casual comparada aos seus diversos ternos e uniformes engomados, mas o que tornava mais diferente era sua barba um pouco crescida, como se ele estivesse ocupado demais para fazê-la nos últimos dias. Apesar de estar claramente cansado, o príncipe ficava muito bonito daquele jeito.
- Boa noite, . - falei, depois do mesmo descer três degraus sem me notar. Ele ainda estava muito mais em cima da escada que eu, mas eu sabia que ele acabaria notando minha presença de qualquer maneira.
- ? - ele parecia completamente surpreso em me ver. - O que você está fazendo aqui?
- Bem, eu sei que pode ser uma surpresa, mas eu meio que moro aqui. - brinquei, tentando não ficar chateada pela reação de , afinal ele não parecia exatamente feliz em me ver, ainda mais depois de alguns dias longe. - E você? Achei que voltaria só amanhã de manhã.
- Fizemos de propósito, depois que Mariee… Achamos mais inteligente. - o príncipe amoleceu um pouco o tom, descendo os degraus faltantes para me alcançar no primeiro andar. - Mas você não me explicou o que faz aqui, nesse horário.
- Estava com os sulistas. - sussurrei, feliz por não estar exatamente mentindo.
- Você o quê?
- Serena não te contou? Ela me disse que tinha falado com você… Eu contei para Mariee também.
- Serena me falou que você estava se reunindo com eles na floresta, mas eu não achei que fosse no meio da madrugada. É muito perigoso, ! No que você estava pensando?
- É brincadeira, não é? - eu não conseguia acreditar. - No que você acha que eu estava pensando, ? Vamos, eu te dou uma única chance. - o príncipe realmente sumiu durante dias, foi sei lá eu para onde, e me deixou ali para lidar com toda aquela loucura e ainda tinha a coragem de falar comigo daquele jeito?
- Eu não quis…
- O que você não quis, ? Não quis me deixar aqui, não quis me entregar de bandeja para os sulistas, não quis me negociar com os nortistas? Não quis ser grosseiro? Qual dessas partes você “não quis”? Ou melhor, deixe-me adivinhar, você não quis praticamente colocar uma coroa na minha cabeça e sumir pelo mundo. Ou você não quis me fazer guardar segredo de uma guerra que todas as pessoas desse castelo sabem? - eu falava tudo apressado, uma palavra seguindo a outra, sem sequer pensar. - Ou você não quis falar sobre mim com a minha única amiga nesse concurso? Qual dessas coisas, alteza, você não quis?
Apesar de saber que eu guardava tudo aquilo há muito tempo, me arrependi de falar no mesmo instante em que terminei. Eu sabia que não era justo, sabia que apesar de em momento nenhum sonhar com tudo o que estava acontecendo, não podia jogar tudo no colo de . A culpa não era totalmente dele. Não foi ele que mentiu para o rebelde sulista durante o sequestro, não foi ele que realmente aceitou se aliar aos nortistas, não foi ele que nasceu na família errada e, com toda certeza, não foi culpa dele, Drew ter se metido entre os sulistas.
- Esquece. Me desculpe. Não é justo com você. - falei, vendo que o príncipe só me encarava surpreso. - Eu realmente sinto muito, . Que bom que você está bem e de volta ao castelo. Espero que tenha dado tudo certo na sua viagem. Eu… - percebi que falava demais. - Eu vou ficar quieta e ir para meu quarto.
- , espere. - ele disse, segurando gentilmente no meu braço, me impedindo de subir mais um degrau. - Eu acho que precisamos conversar. O que você acha?
Sorri, sem graça.
- Não precisamos fazer isso agora. Imagino que você esteja ocupado. - comentei, indicando os papéis que ele ainda mantinha na outra mão.
- Percebi que eu estive ocupado por muito tempo e a deixei com mais dúvidas do que eu imaginava. - ele deu um sorriso sem graça, que me fez sorrir também.
- , eu… - fechei os olhos e respirei fundo - Eu realmente sinto muito. Não quero ser mais um trabalho para você ou um peso. Eu vou conseguir, não se preocupe.
- Eu não estou preocupado, . Bem, talvez agora eu esteja preocupado achando que você me odeia. - ele riu fraco, parecia incrivelmente tranquilo. - Mas eu tive sucesso na minha viagem. voltou mais cedo para Aurora. Meu pai está mais calmo e confiante, feliz em ver minha mãe. Acho que fui tolo em achar que poderíamos conversar depois e o destino me deixou isso claro.
- Você ainda vai continuar com a guerra, certo?
- Sim, . Voltamos antes de acertar tudo, preciso admitir, mas estamos avançando muito nesse quesito.
Respirei aliviada. Eu precisava que acabasse com os sulistas, era minha única esperança.
- Por que a dúvida?
- Por nada.
- Certo. - o príncipe pareceu não acreditar totalmente. - Então, aceita, deixa eu pensar, uma ida à Biblioteca às três horas da manhã? - ele conferiu o relógio.
- Claro. Por que não? - respondi sem escolha. Na verdade, eu queria ir para meus aposentos e me esconder lá até tudo passar. Eu estava realmente feliz com a volta de , mas não estava pronta para lidar com ele ainda. Não com Drew em um dos quartos daquele castelo, não com a promessa feita ao Chefe e muito menos depois do beijo.
- Gostaria de beber algo? - perguntou, enquanto caminhávamos até a Biblioteca.
- Você vai pedir para alguém nos trazer algo nesse horário? - perguntei incrédula.
- A cozinha nunca para, . - ele justificou.
- Mesmo assim, não acho que seja necessário.
- Você é inacreditável. - ele comentou, me deixando em dúvida se aquilo era um elogio.
- Então, alteza, me conte mais sobre seus dias longe. - pedi, ignorando completamente seu comentário anterior.
- Certo, deixe-me ver… - ele olhou para cima, como se organizasse as palavras na sua mente. - e eu conversamos com todos os prefeitos de todas as Províncias, inclusive conversei com seu cunhado. - o príncipe começou. - Todos estão se organizando para fazer novos recrutamentos de soldados até o mês que vem. Usamos um dinheiro guardado para isso. Minha mãe foi atrás de investidores e ela é realmente muito boa nisso, temos vários nobres e associações dispostas a acabar com os ataques sulistas. Já meu pai foi conversar com o rei de Illéa, ali está nosso maior obstáculo hoje, mas pelo que eu sei ele está disposto a conversar mais.
- Isso é incrível. Vocês fizeram tudo isso em tão poucos dias. - eu estava realmente admirada, sorrindo ao entrar na Biblioteca após abrir a porta para mim.
- Sim, fazia muito tempo que não visitávamos tantas Províncias de uma única vez. Acho que na última vez foi após o nascimento de . - ele comentou, indicando-me o sofá. O mesmo que sentamos no dia que o conheci. - Mas e aqui? Gostaria de conversar sobre tudo o que me disse antes?
- Eu… - eu estava completamente envergonhada. - Me desculpe mesmo, alteza. Eu realmente não deveria ter falado tudo desse jeito. Foi injusto da minha parte.
- , - se ajeitou no sofá, parecendo tentar ficar menos desconfortável. - eu sei que ainda não conseguimos conversar sobre nós, sobre os nortistas, sobre os sulistas e nem sobre a Seleção no geral. Eu não achei que isso pudesse lhe incomodar tanto, na realidade estava tentando lhe dar menos informações possíveis para não, bem, incomodá-la. - ele sorriu sem jeito. - Mas eu quero que a gente fale sobre essas coisas, eu quero que a gente fale sobre tudo. Afinal vamos nos casar, não é?
O príncipe parecia diferente, mais alegre, mais calmo e descontraído. Era como se de alguma forma parte da tensão houvesse saído de seu corpo, como se o peso que ele carregasse estivesse um pouco menor. Como eu poderia ser capaz de jogar todos os meus problemas em cima dele?
- Acho que vamos, se você não me trocar. - brinquei.
- Você tem alguma dúvida sobre isso? - ele perguntou um pouco sério.
Respirei fundo. Eu tinha, na realidade.
- Você gosta de alguma delas? - perguntei sem jeito. - Eu sei que você não gosta de mim, mas seria completamente trágico se você casasse comigo gostando de outra pessoa.
- Não. - ele nem precisou pensar. - Mas eu nem tentei, . O que é ridículo, eu sei. Mas as coisas aconteceram tão rápido, as meninas foram embora uma atrás da outra e eu tinha tanta coisa para lidar. Anne foi a Selecionada que eu mais conversei.
- Ela comentou. E eu não fiquei chateada, nem nada. Vocês podem conversar sobre o que quiserem… Eu só não achei que seria sobre mim. - falei antes que ele comentasse algo.
- Anne realmente se tornou uma amiga. - ele deu de ombros. - E ela era quem mais parecia lhe entender e entender tudo isso. Eu sinceramente cheguei a falar com minha mãe, mas ela disse que tudo foi muito diferente na época dela.
- Você falou com sua mãe sobre mim? - ergui uma sobrancelha.
- Eu falei sobre você com todo mundo que eu podia, . Acho que você não percebeu que todo mundo nesse castelo fala sobre você em algum momento. Você quebrou recordes… A televisão só fala de você.
- Como?
- Você não acompanha as notícias?
- Faz muito tempo que não. - comentei, percebendo aquilo só naquele momento. Eu não havia parado em frente à televisão para ver as notícias, com exceção da vez em que todas nós fomos entrevistadas e quando Aurora assumiu seu relacionamento com .
- Digamos que você está na boca do povo. - ele riu, mas aquilo me preocupou. Talvez fosse por causa disso que o Chefe havia aceitado minha proposta.
- … Eu preciso lhe contar uma coisa. - falei antes que desistisse.
- O quê? Você pode me contar qualquer coisa.
- Eu… - eu estava prestes a contar sobre Drew e sobre a minha promessa ao Chefe. Eu estava pronta para ser sincera com e simplesmente parar de esconder coisas de todo mundo, mas a ideia de podendo expulsar Drew ou torná-lo um prisioneiro sulista me fez mudar de ideia. Eu não podia arriscar tudo salvando Drew para deixar o príncipe matá-lo. - Eu acho que Mariee morreu por minha causa.
Vi ficar completamente confuso com minha afirmação. Era como se a informação que eu lhe dava não fizesse sentido.
- Eles fizeram isso para te trazer de volta e de alguma forma te obrigar a me tornar princesa.
- Serena me passou essa informação. Mas como pode ser culpa sua a morte de Mariee?
- Eu não sei. Eu devo ter deixado passar algo, de alguma forma eles foram capazes de invadir o castelo só para atingi-la. - eu estava prestes a chorar. Eu não odiava Mariee, na realidade, agora que ela estava morta, eu lamentava muito por tê-la enfrentado. Mariee só queria o melhor para o povo.
- , - havia mudado o tom, ele falava calmo, sereno e quase de forma diplomática. - quando estamos no poder muitas situações fogem do nosso controle e não podemos nos culpar de tudo. Pelo que Serena me contou, você não tinha como saber a pretensão dos sulistas, então não se culpe se a situação saiu do seu controle, porque quando você for princesa e depois rainha, acredite que isso vai acontecer mais vezes.
- Eu estou com medo. - falei, encarando-o nos olhos. - Estou com medo de não ser o suficiente, .
- Isso só prova que você será. Eu não quero parecer um homem tolo e romântico, . - ele disse estendendo sua mão para segurar a minha. - Eu acho que nem tenho esse direito com você. Mas você é uma mulher maravilhosa, . Você percebe que tem todos aos seus pés? Você conquistou Serena, conquistou o Chefe dos sulistas, conquistou meus pais, conquistou suas criadas e boa parte dos funcionários do castelo e o mais importante, conquistou o povo. Ninguém jamais pensou em uma Selecionada com tantos votos. E foi assim que você me conquistou. Você tem minha confiança, . Você se provou, para mim, alguém digno da minha confiança e respeito. Você é forte, corajosa, respeitosa e bonita. Você é simpática e agradável, fala sobre política e flores como se fossem capítulos do mesmo livro.
Aquilo me fez prender a respiração, ninguém, jamais, havia falado comigo daquele jeito.
- Eu…
- Não se preocupe, . Eu não estou completamente apaixonado por você e nem espero que você esteja por mim. - o príncipe se apressou em dizer. - Eu só quero que perceba quem você é e tudo o que você é capaz de fazer. Quero que você entenda o porquê de eu estar lhe escolhendo. Não é só por causa dos números ou só por causa de Serena e muito menos devido aos sulistas ou às opiniões de meus pais. É por tudo isso e mais um pouco. Eu lhe admiro, senhorita . E pode acreditar que eu estarei contente em tê-la ao meu lado no trono.
Eu não sabia responder aquilo. Eu, pelo jeito, sabia enganar o Chefe da organização rebelde mais perigosa do nosso país, mas não sabia responder a elogios vindo de um homem. Se bem que não era um homem, era o homem. Mas ainda assim não sabia como responder aquilo.
- Obrigada. Eu realmente não fazia ideia. - fui sincera, olhando para o príncipe que me encarava com os olhos atentos. - Eu até que fiz tudo isso. - falei dando uma risada fraca. - Mas eu não me sinto assim, . Eu me sinto no meio de uma confusão de coisas, com todo mundo querendo um pouco de mim e eu não sei se consigo. Além disso, eu não sei do que você fala com Serena, nem com as outras meninas daqui. É um pouco confuso e solitário. Você confia totalmente em Serena?
Minha pergunta deixou desconfortável, ele soltou minha mão, assumindo uma pose mais profissional.
- Eu sei que Serena fará o melhor para ela e seu pessoal. Confio nela enquanto o melhor para ela for o melhor para mim. - ele deu de ombros. - Eu realmente acredito que ela está do nosso lado, . Foi por isso que deixei-a aqui. Sobre as outras Selecionadas… Eu não posso abandoná-las, não posso deixá-las pensarem que já perderam. Você entende, não é?
- Sim. Claro que eu entendo. - e eu entendia mesmo. Mas ao mesmo tempo parte de mim sentia ciúmes. seria meu marido, por que estava saindo com outras garotas? Mas eu podia culpá-lo? Eu havia acabado de beijar Drew.
- Você tem mais alguma dúvida?
Eu tinha tanta coisa em mente. Eu tinha dúvidas de como seria ser princesa, como seria nosso relacionamento, como seria nossa posição sobre as castas para o público… Quando e como seria nosso casamento... Ele realmente assumiria o trono antes de seu pai morrer? Percebi que eu tinha infinitas dúvidas sobre mim e , sobre "nós", mas nenhuma que eu quisesse falar naquele momento.
- Acho que eu nunca tive tantas dúvidas na vida. - comentei sem graça. - Mas nenhuma sobre agora. - dei de ombros, esperando que entendesse ao que eu me referia.
- Teremos que descobrir tudo isso juntos, . - ele sorriu sem graça. Era muito estranho conversar sobre nosso casamento daquele jeito, precisava admitir.
- Acho que a gente consegue. - brinquei. - Temos uma guerra no meio do caminho ainda.
- Temos sim. Conversei com meu pai sobre isso, vamos reduzir ainda mais as garotas, mas precisaremos da Seleção durante a guerra. Alguma coisa alegre no meio de tudo.
As palavras de me fizeram relaxar. No fundo eu estava com medo que o nosso casamento chegasse. Talvez nem tão no fundo assim.
- ?
- Sim?
- Eu gostaria de pedir desculpas. Desculpa mesmo ter lhe negociado com os nortistas. - parecia usar exatamente as palavras que eu lhe lançara antes, na escada. Mas ele parecia sincero e até se sentia culpado. - Eu sei que já me desculpei por isso, mas pelo jeito eu continuo fazendo as coisas sem conversar com você antes. Então me desculpe mais uma vez. Me desculpe ter lhe pedido em casamento e depois ter sumido pelo país. Eu sei que antes de eu sair você disse que teríamos tempo e eu realmente acho que temos, mas eu sei que não foi o ideal te deixar aqui sozinha. Me perdoe mesmo pelo que aconteceu com os sulistas, gostaria de conversar com você sobre isso quando possível, eu jamais imaginei que teríamos esse resultado. Eu sinto muito por ser grosseiro e por não ter te contado que todas as garotas sabiam sobre a guerra.
- Não se preocupe , eu fui tola em lhe falar tudo aquilo. Me desculpa mesmo. Eu só estou um pouco sobrecarregada nos últimos dias, eu realmente não quis ofender.
sorriu.
- Você é engraçada. - ele disse por fim.
- Engraçada? Como assim?
- É difícil explicar, mas eu gosto. Você briga comigo, depois pede desculpas, daí me chama de e depois de alteza. É confuso, mas ao mesmo tempo genuíno.
- Ótimo. Então eu sou engraçada. - não achei que aquilo fosse um elogio.
- Isso é bom. Você pensa diferente de mim, eu gosto. Abre meus olhos.
- Sobre pensar diferente… Percebi enquanto você estava fora que eu realmente acredito no fim das castas. - joguei no ar, trocando de assunto completamente.
- Sério? Achei que você já tivesse certeza de que acreditava.
- Eu conseguia entender seu ponto, agora sinto que acredito nele. No fim, eu sou um pouco nortista.
- Um pouco rebelde. - ele sorriu, brincando comigo.
- Acho que rebelde eu sou bastante. - retruquei a brincadeira, arrancando risadas fracas de ambos.
Capítulo 20 - Um Adeus
Era a primeira vez que dava um dia tão gelado, era como se o tempo quisesse combinar com nosso estado de espírito. Eu não conseguia acreditar que tudo aquilo estava realmente acontecendo, era como se a morte de Mariee fosse mais um evento do que uma perda. A homenagem já estava sendo organizada, provavelmente os familiares mais próximos já estavam em algum lugar do castelo recebendo todos os pertences da mulher, enquanto toda uma cena fúnebre era organizada no jardim.
A família real já havia perdido um assessor nos últimos anos e, apesar da morte ter sido por doença, o protocolo era o mesmo: uma cerimônia linda e televisionada para todos do país sofrerem por alguém que nem conheciam. A questão era que a família real estava em luto e por esse motivo todos deveriam ficar também.
Aquilo fazia meu coração pesar. Será que a família de Mariee não poderia se despedir em paz? Era mesmo necessário todo aquele circo em volta, bem, do corpo? Me incomodava o fato da família dela precisar participar da homenagem e ainda levar seu corpo de volta a sua terra natal, pois não havia lugar para uma assessora no cemitério real. Suspirei.
- Está tudo bem, senhorita? - Meri, que penteava meus cabelos recém lavados, perguntou.
- Estou. Quero dizer, acho tudo isso um absurdo, mas estou.
- Tudo isso o que? - Cleo interveio, voltando do banheiro com minhas toalhas sujas para lavar.
Eu gostava disso. Gostava da intimidade que eu e minhas criadas tínhamos conquistado. Elas me tratavam como sua amiga, apesar de algumas cordialidades incrustadas em sua criação.
- Esse evento todo. Vocês acham que a família de Mariee vai gostar de estar na televisão em um momento tão íntimo?
- Mas, senhorita, é uma homenagem. Serve para mostrar o quanto a senhora Mariee era importante para os reis. - Meri explicou.
- Tudo bem. Mas precisa passar para o país inteiro? Eu acho absurdo tamanha exposição de algo tão trágico. - eu sabia que falava de forma irritada, mas fazer o quê? Eu estava mesmo irritada. Eu achava que pelo menos na morte as pessoas podiam ter paz, os entes queridos deveriam passar por tudo aquilo sem uma plateia.
- Eu acho bonito. Receber algo assim é para poucos. - Meri deu de ombros, mas aquilo me surpreendeu.
- Você gostaria do país todo assistindo seus familiares chorando por você? - perguntei surpresa, talvez até indignada.
- É melhor do que uma cerimônia triste, sem nem flores, na vala comum. - ela disse sem graça. Me fazendo respirar fundo.
- Talvez realmente seja. Não me levem a mal, eu sou a favor de demonstrações de amor, admiração, respeito, carinho, condolências e tudo mais. Só acho completamente invasivo televisionar algo tão íntimo. - respirei fundo mais uma vez. - Vou estar mais arrumada para essa homenagem do que estava, sei lá, no baile.
- A senhorita usará um vestido realmente bonito. - Elise comentou, claramente me provocando. Esse era seu jeito de mudar a conversa, nos levar em outra direção. Aquela era a principal habilidade de Elise, ela sabia muito bem lidar com nós três.
- Eu sei. - resmunguei, um pouco menos irritada. Afinal, eu sabia que meu humor estava um pouco ligado às minhas horas de sono, ou no caso, a falta delas. e eu ficamos conversando até a hora do café da manhã, quando ele gentilmente me dispensou porque tinha outros afazeres.
Depois disso eu havia tomado café no meu quarto e passado quase uma hora na banheira até ser obrigada a sair para começar minha preparação completa para a homenagem de Mariee que seria logo após o almoço, para a família da mesma ter tempo de voltar para casa.
- Anime-se , pelo menos está de volta. - Meri tentou, agora secando meus fios. - Ele já está no castelo, pelo que ouvimos falar.
Sorri, mas não sei se fui convincente. Eu até estava feliz pela volta do príncipe, nossas horas conversando foram muito melhores do que eu pensava, apesar dos dois estrategicamente evitarem assuntos sérios sobre a vida a dois, nos divertimos falando de nosso passado e de nossas famílias. O que me incomodava era que Mariee estava morta exatamente para ter de volta e a culpa era minha. Assim como a ideia de Drew vagando pela Capital com um conjunto de joias me assombrava, eu confiava mesmo nos sulistas? Involuntariamente levei os dedos ao meu corte. Como havia acabado de sair do banho, ele ainda permanecia sem um curativo, apenas os pontos bem firmes e bem feitos deixavam um leve relevo.
- ? - Meri me chamou.
- Sim?
- Desculpe perguntar, mas como você fez isso? - ela perguntou delicadamente, era como se soubesse que significava algo importante. Eu não tinha sequer tentado esconder o corte das três, já tinha tido muita sorte pelo príncipe não ter notado, estava realmente grata pela enfermeira optar por um curativo discreto, do tamanho exato do corte e da cor da minha pele.
- Eu disse para a enfermeira que estava fazendo uma carta de boas-vindas para . - respondi rindo fraco, triste. Afinal aquilo não era exatamente engraçado. - Eu… Não acho que seja seguro compartilhar com vocês. - respondi por fim, sentindo-me cansada.
- Claro, não tem problema. Me desculpe perguntar. - Meri tratou logo de responder.
- Não. Quero dizer… - passei a mão na testa. - Não tem nenhum problema perguntar, eu só… É complicado, assim como a morte de Mariee e a volta de , tudo é complicado.
- Você sabe que estamos aqui por você, . - Elise comentou, ela e Cleo terminavam de arrumar o quarto e separar minhas roupas para aquela tarde. - Faremos o que a senhorita quiser.
- Na verdade… Vocês sabem como posso conseguir fazer uma ligação por aqui?
***
Algumas horas depois o almoço foi servido em nossos aposentos, o que resultou em uma inesperada, mas incrível, visita de Anne.
- Posso almoçar com você? - ela perguntou, aparecendo na minha porta com uma das criadas segurando seu almoço e bobes no cabelo.
- Claro. - falei, já deixando-as entrar e organizando melhor minha mesinha. Assim que a criada de Anne arrumou a mesa saiu, junto com as minhas três. Teríamos um almoço a sós.
- Como você está? - Anne perguntou, parecendo desinteressada. Apesar de Anne estar se virando perfeitamente bem na nova língua aprendida, ela falava comigo em francês.
- Acho que eu estou meio alheia a tudo. - admiti, rindo um pouco de mim mesma. - E você?
- Eu não sei como me sinto. - Anne deu de ombros. - Mariee e eu nunca fomos próximas, ela claramente não gostava de mim. Acho que ela não acreditava na minha capacidade de ser princesa. Mas ao mesmo tempo é assustador… Você… - minha amiga pareceu pensar em suas palavras. - Você tem certeza de que é uma boa ideia se envolver com os sulistas?
- Eu não tive muita escolha, Anne. - lamentei. - Eu sei que é muito sincero com você e eu realmente confio em você, mas…
- Mas você não gosta de falar. - ela brincou, rindo um pouco. - Eu sei.
- Não é isso. Mas é que, sei lá, fica pior quando a gente admite. - soltei. - Sabe? É bem mais assustador me ouvir dizer: então, Mariee está morta porque os sulistas querem me tornar princesa para depois, sei lá, matar a família real inteira.
Anne me encarou um pouco sem reação. Ela piscou duas vezes antes de respirar fundo.
- Eu sinto muito, . Acho que você já escutou isso algumas vezes, mas eu realmente sinto muito.
- Esquece, Anne. - comentei, tomando um gole do meu suco, eu percebi naquele momento que não queria almoçar. - Eu só estava na hora certa no lugar certo. Isso tudo vai acabar uma hora ou outra.
Anne assentiu, cortando um pedaço da sua carne e levando a boca.
- Então, - comecei. - o que você queria me dizer?
- Lhe dizer?
- Qual é, Anne? Sabe quantas vezes você apareceu no meu quarto do nada assim?
- Deixa para lá. Não era nada importante, eu só não queria ficar sozinha.
- Talvez você seja tão ruim contando as coisas quanto eu. - provoquei.
Ela revirou os olhos.
- Você conversou com o príncipe sobre a cerimônia de juramento à bandeira? - ela se deu por vencida.
- Um pouco. Eu já sabia o que era, mas ele comentou, quando nos encontramos, que com sua volta a cerimônia deverá acontecer logo. - realmente tinha deixado escapar algo na nossa conversa mais cedo, mas precisava admitir que não havia dado muita atenção ao assunto.
- Vocês se viram? - Anne abriu um sorriso sincero, que logo disfarçou ao ver minha expressão.
- Acabamos nos esbarrando. - expliquei, o que só deixou minha amiga mais confusa.
- Tudo bem... - estava feliz por ela ter decidido não perguntar mais. - Acho que vai acontecer em menos de duas semanas, conversamos sobre isso antes dele partir.
- Certo. E? - encarei Anne, indicando que ela deveria continuar. Ignorando suas insinuações.
- O príncipe me eliminará depois da cerimônia.
Engasguei-me com minha bebida, tossindo algumas vezes antes de recuperar o fôlego. Anne e eu nunca conversamos sobre ela sair, mas era evidente para nós duas que a presença uma da outra era essencial, pelo menos eu tinha certeza desde o primeiro ataque. Apesar de não ser eu a pessoa que deixava Anne a par de tudo, saber que ela estava ali para viver aquilo comigo fazia muita diferença. Não estava pronta para perdê-la.
- Por quê? - foi a única coisa que consegui dizer.
- Você sabe o porquê, . Ele precisa manter poucas garotas por aqui, quanto menos, mais segurança ele consegue fornecer. O público já não está contente por ele ter mantido uma estrangeira por tanto tempo… Eu realmente preciso ir. Não posso ficar entre as três finalistas.
- Três? Mas…
- Ele não pode escolhê-la, pode?
Neguei com a cabeça. Eu não estava pronta. Nem ele estava, eu sabia. e eu não nos conhecíamos o suficiente, não estávamos prontos para o próximo passo. Primeiro precisávamos lidar com os sulistas, depois nos casar e aí lidar com Serena. Apesar de nunca ter compartilhado com o príncipe, aquela definitivamente era a minha cronologia: Guerra. Casamento. Fim das castas. Depois disso só precisava rezar para e eu gostarmos o suficiente um do outro para convivermos no mesmo castelo.
- Ele não pode eliminar Natalie, por causa da guerra. Ele vai deixar Aurora ir, voltar para a família, e depois retornar ao castelo oficialmente como namorada de .
- Com quem mais ele vai ficar?
- Samantha, eu acho.
- Ah. - não consegui fingir empolgação, Samantha era a menina que eu menos conhecia e menos me identificava, não falávamos de nada além dos estudos da Seleção. Se bem que sua timidez era melhor que a rispidez de Lauren.
Anne riu.
- Você não parece se importar com estar saindo. - comentei triste.
- Eu não achava que ia ficar tanto. Eu sou uma Dois, . Vou sair da Seleção como alguém digna, conseguirei um bom marido e ajudarei minha família pelo resto da vida.
- Eu sei, mas…
- Também vou sentir saudades, futura princesa. Espero que me convide para seu casamento. - ela brincou.
- Eu não acredito que você vai embora em menos de duas semanas. - decidi ignorar seu último comentário. - poderia muito bem manter quatro garotas aqui.
- Mesmo que mantivesse, nenhuma delas seria eu. - Anne garantiu. Me senti ainda mais triste, ainda mais sozinha. Drew havia ido embora, Anne ia embora, até Aurora deixaria o castelo por alguns dias. Eu ia ficar completamente sozinha. Respirei fundo. Precisava parar de ser egoísta.
- Eu estou feliz por você. - comentei, encarando seus olhos. - Eu espero que você encontre um nobre incrível e bondoso, que queira visitar seu país natal com você e que ame sua família, mesmo eles não sendo da mesma casta que vocês. Eu realmente torço, Anne.
- Obrigada. - ela disse, me estendendo a mão por cima da mesa. - Eu prometo lhe convidar para meu casamento. - ela brincou, piscando um dos olhos. Aquilo me fez rir e deixou a conversa muito mais leve. Era isso, Anne me deixava mais leve.
***
O vestido preto escolhido para a ocasião seria incrivelmente belo se não fosse tão fúnebre, como mandava a tradição. Não havia nada em mim que não fosse completamente preto. A saia volumosa era preta e pesada, assim como o corpete do meu vestido que era coberto por renda e pequenos cristais também pretos que seguiam pelo corpete e manga até meu pulso. Meu cabelo foi preso em um coque alto, alinhado e emoldurado por uma pequena faixa preta. Nos pés um salto preto fosco tão fino que seu barulho soava de forma diferente no piso.
- Você está linda. - Elise comentou com um sorriso triste, apesar de eu saber que ela não tinha contato com Mariee era meio impossível não se sentir mal.
- Obrigada, Elise. - comentei, encarando-me no espelho apenas para concordar. Eu sabia que estava incrível para aparecer na TV. Eu estava confiante, respeitosa, feminina e, bem, majestosa. - Vocês são maravilhosas.
- Você precisa ir, senhorita. - Cleo comentou, preocupada com o horário.
- Certo, me desejem sorte. - brinquei, pegando minha saia longa com as duas mãos para caminhar de forma apressada para fora do quarto. Assim que desci todos os degraus até o piso inferior soltei a saia e respirei fundo. Eu não podia chorar. Seria hipocrisia da minha parte, afinal eu tinha praticamente assinado a morte de Mariee. Me sentindo horrível, passei pela porta em direção ao jardim.
Eu não estava atrasada, mas dava para notar que fui a última Selecionada a chegar. Desci as escadas lentamente, era como se tivesse que me obrigar a seguir em frente. Eu não queria estar ali. Apesar dos pais de Mariee, assim como a família real, ainda não estarem presentes, o caixão no centro da tenda era impossível de se ignorar. Preparada para a ocasião, a tenda contava com cadeiras em dois dos seus lados, opostos, deixando espaço para o padre em um dos lados vazios. Já no outro, havia um caminho para o caixão ser carregado até o helicóptero. Apesar do frio, nenhuma das Selecionadas ou nobres presentes estava embaixo da tenda, as pessoas conversavam em seus pequenos grupos segurando suas taças o mais longe que podiam do caixão.
Cheguei ao último degrau da escada ainda escarrando a caixa de madeira. Eu sinto muito. Pensei.
- Senhorita , como está? - Serena foi a primeira a se aproximar, apesar do tom cordial para que todos ali escutassem, sua expressão me dizia que algo estava errado.
- Estou bem. E a senhora? - continuei seguindo o papel, sabíamos que havia pessoas demais à nossa volta.
- Estou bem. Mas recebi algumas notícias interessantes. - ela comentou, erguendo uma das sobrancelhas, mas antes que eu pudesse perguntar do que se tratava, um guarda parou no topo da escada, anunciando a chegada da família real.
Como mandava o protocolo, todos nós caminhamos delicadamente para as cadeiras separadas em torno do caixão de Mariee. Os nobres ficaram de um lado, enquanto nós, Selecionadas, de outro. Todos permaneceram de pé em frente de seus assentos à espera da entrada dos soberanos. Serena pareceu escolher estrategicamente a cadeira ao meu lado, vez ou outra ela parecia me encarar. O que tinha de errado?
O primeiro a aparecer foi , ele usava um terno bonito, preto. Parecia um uniforme militar, mas ao mesmo tempo não, já que não tinha o azul de nossa bandeira. O príncipe parecia sério, triste e não fez muito enquanto caminhava para uma cadeira ao lado dos nobres, a qual claramente estava reservada para ele. veio logo depois e, ao contrário do irmão, trazia uma única flor consigo. O príncipe herdeiro seguiu o mesmo caminho que , parando apenas para colocar a única flor em cima do caixão de Mariee. Era um gesto bonito para a TV. Não consegui evitar a careta.
Logo depois vieram os pais de Mariee, acompanhados de perto pelo rei e a rainha. Todos os quatro estavam vestidos de preto das cabeças aos pés, era uma cena marcante. A rainha, ainda, contava com um véu curto e estiloso lhe cobrindo parcialmente o rosto, preso de forma estratégica ao seu enfeite e cabelo. Suspirei, não havia como negar, aquilo tudo era realmente respeitoso.
Os pais de Mariee caminharam até os príncipes e se sentaram ali, com o rei e a rainha ao lado. Assim que o casal real se sentou, todos nós fizemos o mesmo, o silêncio foi interrompido apenas por alguns empurrões de cadeira. Olhar para a mãe de Mariee me fez estremecer, ela não era muito mais velha que minha mãe, mas sua expressão triste a deixava completamente frágil. Parecia que ela iria quebrar a qualquer toque. Talvez fosse por isso que ninguém a tocava, nem mesmo o marido que parecia perdido nos próprios pensamentos.
Parei de encarar o casal quando o padre entrou. Todos nós nos levantamos novamente, enquanto o mesmo sorria e parava em pé, próximo ao caixão de Mariee com suas vestes sagradas.
- Boa tarde a todos. - e então ele começou. Era um discurso lindo e inspirador, eu sabia, mas estava com os pensamentos tão longe que mal ouvi uma frase inteira. Mariee estava morta. Seu caixão estava a alguns passos de mim. Ela foi uma vítima dos sulistas, uma das várias que existiram e uma das várias que viriam. Mariee estava morta porque eu precisava me casar com o príncipe.
Nesse momento desviei os olhos do caixão para encarar . Ele parecia sério, com sua pose indecifrável, que eu já havia aprendido a aceitar, e olhar fixo no chão. Diria que estava rezando. Eu talvez também devesse. Talvez devesse rezar por todas as vidas que poderiam acabar como Mariee. Talvez devesse rezar por Drew, que, àquela altura, eu esperava que já estivesse em casa. Talvez precisasse rezar por minha família e pela família de . Talvez eu devesse rezar por mim. Mas não conseguia. Rezar me faria chorar e chorar me faria roubar o espaço de tristeza dos pais de Mariee. Além disso, eu não podia chorar por alguém que tinha ajudado a matar. Podia?
- Amém. - o padre disse, fazendo todos os convidados, inclusive eu, repetir em couro.
- Agora, senhoras e senhores. Aproveitem para celebrar a vida de Mariee Descarts.
E então todos erguemos nossas taças em um brinde silencioso.
- A Mariee Descarts. - sussurrei. - Eu sinto muito. - e depois tomei um gole do líquido gelado, sentindo o álcool descer ardente pela minha garganta.
Após o brinde, alguns nobres se levantaram e seguiram até o caixão, aqueles provavelmente eram os assessores reais, ou no caso, antigos colegas de trabalho de Mariee. Depois de fazer sua prece, o grupo se reuniu fora da tenda. Vi que Aurora discretamente se encontrou com e ambos caminharam para mais longe no jardim. O resto da família real parecia entretida em um assunto particular, enquanto o senhor e a senhora Descarts ficavam em silêncio olhando para as mãos, sozinhos.
- . - Serena me chamou, colocando sua mão em meu ombro. - Precisamos conversar.
- Desculpe, Serena. Agora não posso, sinto muito. - falei, levantando-me decidida.
Respirei fundo e caminhei a passos lentos até os pais de Mariee, querendo me aproximar de forma gentil.
- Com licença, senhora Descarts. - falei, me aproximando da senhora sentada. - Gostaria de expressar meus sentimentos a senhora e seu esposo. - continuei, vendo o casal me olhar surpreso. - Meu nome é…
- . - a senhora Descarts falou, como se saísse do transe. - Claro, querida. Por favor, sente. - sua voz estava falha, mas ela sorria discretamente quando me indicou a cadeira ao seu lado. Que agora estava vazia.
- Obrigada. Eu não quero atrapalhar, apenas queria dizer que lamento… Mariee foi uma professora realmente incrível para nós e o que aconteceu foi…
E então a mulher me abraçou, assim, do nada. No começo me assustei, mas logo tinha meus braços em volta de suas costas. Não era exatamente confortável abraçar alguém enquanto ambas as pessoas estavam sentadas, mas a senhora Descarts me apertava forte, como se precisasse daquele abraço o dia todo.
- A senhora vai ficar bem. - falei baixinho em seu ouvido, o que foi o suficiente para ela começar a soluçar. Provavelmente as lágrimas escorriam aos montes em seu rosto apoiado em meu ombro.
- Eu.. Me desculpe. - ela disse sem jeito, soltando-me.
- A senhora não tem motivos para se desculpar. - sorri, segurando suas mãos com as minhas. - Não é errado se sentir triste.
- É que… Esse trabalho era tudo para ela, não era, Toni? - ela disse, olhando para o marido que assentiu, ainda quieto. - Não a víamos desde o Natal. E agora… Ela se foi, tão jovem. Não sei como conseguiremos superar isso. - ela lamentava, segurando as lágrimas.
- Mariee era uma mulher incrível. A única entre os homens. - indiquei o grupo de assessores que ainda se reunia. - Acredito que Mariee vivia para o trabalho porque o amava. Ela fez história aqui. Os senhores deviam se orgulhar dela. - respirei fundo. Apesar de no final eu e Mariee não estarmos exatamente no mesmo barco, eu só falava verdades. Ficou claro para mim que seu cargo era sua prioridade.
- A senhorita tem razão.
- Sabe, senhora Descarts, eu nunca perdi alguém tão próximo, mas preciso admitir que cheguei a pensar na minha própria morte no meio desses ataques. - sorri sem jeito, esperando que ela entendesse. - E consequentemente pensei em minha família e percebi que o que eu mais queria era que meus pais se lembrassem de mim do jeito mais feliz que me viram. A senhora tem essa memória? Qual é a época de Mariee que a senhora mais a viu feliz?
- Quando estudava para o cargo. - ela respondeu abrindo um sorriso verdadeiro. - Mariee sempre foi decidida, mas nunca deixou seu futuro atrapalhar seu presente. Ela vivia estudando para entrar aqui, mas também saía com os amigos, namorava escondido, amava música… Essas coisas de jovens. Ela tinha um propósito, mas também tinha um presente. Se é que a senhorita me entende.
- Eu acho que é assim que a senhora deve se lembrar de Mariee. Uma mulher que lutou pelo que queria, conquistou seus sonhos e mesmo assim nunca deixou de viver o momento.
- Eu… Obrigada. - a senhora Descarts chorava quando me levantei da cadeira e me despedi, mas senti que era de orgulho, de amor e carinho. Ela estava contente pela filha que tinha.
Respirei fundo. Pelo menos alguém naquela homenagem ridícula tinha manifestado algum tipo de compaixão com os pais de Mariee. Estava feliz por ter ido, afinal.
- , é sério. - Serena me abordou assim que fiquei longe o suficiente do que restou da família Descarts. - Precisamos conversar.
- O que aconteceu? - perguntei preocupada, aceitando caminhar com ela para longe da tenda, passando um pouco das escadarias do castelo e ficando longe dos ouvidos de todos ali.
- Você que precisa me dizer o que aconteceu. - seu tom mudou um pouco. - Recebi notícias de que Drew Samek chegou em casa. Digo, na casa da mãe dele.
- Sério? Ah, céus. Que bom. - falei me sentindo aliviada por um momento, ignorando qualquer sinal de preocupação, já que Serena não deveria saber daquilo.
- Como isso é possível, ? - Serena claramente não estava feliz, ela parecia brava, como se soubesse que eu havia feito algo ruim. Instintivamente levei meus dedos ao curativo que tinha na palma esquerda, atitude que não passou despercebida pela rebelde que segurou meu pulso e virou. Encarando o curativo discreto, mas grande, no meio da minha palma. - O que foi que você fez?
E então tudo saiu do meu controle, pois naquele momento, como se estivesse nos analisando há alguns minutos, se aproximou.
- Senhoritas? Tudo bem? - ele perguntou, claramente pedindo uma explicação. Puxei minha mão rapidamente, mas era tarde demais. - O que você tem na mão, ?
- Nada demais. - respondi automaticamente.
- Um corte. - Serena nem ficou vermelha ao me desmentir.
- Um corte? Mas como? - não conseguia entender como era possível uma de suas Selecionadas ter um corte e ele não saber. Tinha certeza de que ele seria avisado até se uma de nós quebrasse a unha.
- Acredito que tenha algo relacionado aos sulistas. - Serena sussurrou, mas não olhou para o príncipe em momento algum. Seus olhos me analisavam, acusatória.
- Com os sulistas? O que ela quer dizer, ? - usava um tom mais calmo, me dando pelo menos o benefício da dúvida. - Me mostre. - ele pediu.
Virei minha palma para ele, mas não havia muito o que ver. Nada além de um curativo fino, discreto e totalmente da cor da minha pele. Era tão discreto que ele não havia notado enquanto conversávamos horas antes.
- Eles machucaram você? Por que não me disse? - ele perguntou, passando os dedos de forma delicada sobre o adesivo, parecendo cuidar para não tocar a minha pele.
- Não. Não exatamente. Olha, não podemos falar disso agora, não é? - perguntei, encarando-os de forma sugestiva, tentando me livrar de toda aquela situação.
- Senhora Serena, por favor leve a senhorita até seus aposentos, acredito que ela não esteja se sentindo bem. Assim que possível irei encontrá-las. - anunciou, assim, do nada. Serena sorriu, parecendo surpresa, mas feliz com a atitude do príncipe. Eu, entretanto, só conseguia ficar chocada. Ele estava realmente me expulsando da homenagem de Mariee por causa de um corte idiota? Olhei para ele incrédula antes de me virar e seguir em direção ao castelo, me segurando ao máximo para não bater com mais força meu pé a cada degrau que subia, como uma criança birrenta. Aquilo era inacreditável.
***
- Você o que? - Serena falou um tom mais alto, me fazendo agradecer por não ter absolutamente mais ninguém no andar inteiro. - Como você? Ninguém mais… É um absurdo.
A rebelde não parecia mais tão brava comigo, na realidade, em vez de me olhar de forma acusatória ela me encarava como se tivesse certeza de que eu estava com os pensamentos fora do lugar. Ela simplesmente não conseguia acreditar.
- Ninguém nunca conseguiu negociar algo assim com o Chefe, . - ela parou de andar pelo tapete do meu quarto e me encarou, sentada na cama eu ficava bem mais baixa que ela. - Apesar de sua promessa ser boa, ainda é apenas uma promessa. Eu não teria aceitado no lugar dele.
- Eu pensei sobre isso também. - admiti.
- Existe alguma chance de você ter prometido algo a mais?
- O que eu poderia ter prometido a mais, Serena? Eu prometi me casar com ele. - suspirei, cansada. - Torná-lo rei.
- Certo. Tem razão. - ela voltou a caminhar, como se aquilo a ajudasse a pensar mais rapidamente. - E se ele realmente gostar de você?
- Você acha que ele pode estar apaixonado por mim? - aquilo era absurdo demais.
- Explicaria algumas coisas. - ela comentou, dando de ombros.
- Só o que me faltava. - suspirei, apesar dos comentários de Drew sobre a afeição do Chefe dos sulistas por mim, eu não achava que era nada além de um leão analisando sua presa. Apesar de na hora de negociar ter cogitado a hipótese, a luz do dia ela me era completamente estúpida.
Serena não me respondeu, pois nesse momento bateu na porta. Levantei-me para atender, lhe dando a chance de me encarar de cima a baixo quando apareci em seu campo de visão. Sua atitude me deixou em dúvida se ele estava apreciando a vista ou apenas procurando algum osso quebrado.
- Por favor, Alteza, entre. - abri espaço.
- Então. Por gentileza. Me expliquem o que está acontecendo aqui. - apesar de ser educado, estava claramente exigindo. Eu realmente achava que tínhamos passado dessa fase, mas pelo jeito ele sempre usaria sua soberania para conseguir o que queria.
Serena olhou para mim, depois para .
- Eu vou deixar vocês a sós. Preciso conversar com algumas pessoas. Vou descobrir se minhas suspeitas são verdadeiras. - ela disse, me encarando ao dizer a última frase e depois saiu do meu quarto, me deixando parada olhando perplexa para , que parecia aguardar alguma reação.
- Eu… Eu acho melhor você se sentar. - pedi, puxando uma cadeira para ele e caminhando até minha cama. - Tem algo sobre os sulistas que você não sabe, . - suspirei.
E então eu contei sobre Drew. Falei quem ele era e expliquei que ele era o responsável pelo intermédio entre o Chefe e eu. Expliquei, inclusive, que Drew queria me tirar do castelo, afinal ele sabia que eu não queria ir para lá. Nesse momento, senti desviar o olhar e suspirar um pouco. Contei tudo sobre Drew para , menos seus sentimentos. E claro, nosso beijo. Algo que eu fazia questão de esquecer.
- Então, ontem à noite eu tive uma ideia. Depois da morte de Mariee. - continuei. - Sabia que o Chefe poderia querer consertar as coisas, então resolvi usar isso ao meu favor e negociar a saída de Drew. - soltei.
- A saída? Você diz do grupo? É impossível, ninguém deixa de ser um sulista. Só se morrer. Foi uma ideia incrivelmente estúpida. - parecia que o príncipe também estava por dentro das tradições dos sulistas.
- Eu consegui. Drew está em casa, seguro. Foi assim que Serena me descobriu. - contei, vendo quando os olhos do príncipe se arregalaram.
- Você conseguiu?
- Mas eu prometi a eles tudo, . - falei, sentindo minha voz falhar. - E eu vou entender se você não me quiser mais, se quiser me chamar de traidora, do que for, eu só peço, por favor, que continue com a guerra.
- Do que você está falando? Prometeu o quê?
- Prometi ao Chefe que se eu virasse rainha concordaria em acabar com a família real, sair como indefesa e me casar com ele, tornando-o rei. - falei tudo da forma mais rápida que pude, sentindo a reação nervosa de que viria logo depois.
Mas o príncipe me encarava perplexo, muito mais do que Serena.
- Isso é impossível. - ele disse. - Temos muitos descendentes. Mesmo que conseguisse matar todos nós aqui no castelo, você não seria a primeira da lista.
- Eu sei. Quero dizer. Não é exatamente impossível, mas muito, muito difícil. Mesmo assim funcionou. Selamos nosso acordo com sangue. - comentei, levantando a mão com o curativo. Tentei soar calma, indiferente, como se fosse apenas um detalhe, mas aquilo me assustava.
- Você fez o que? - aquela era uma reação mais parecida com a que eu esperava. ficou de pé, bagunçando os cabelos de forma quase frenética.
- , eu espero que você entenda o porquê fiz o que fiz. Afinal você pretende matá-lo e se a guerra der certo será uma promessa em vão. Mas quero que saiba que eu prefiro morrer ao fazer o que prometi a ele. - contei, encarando-o com os olhos cheios de água.
- Eu sei. Quero dizer. Eu sei que você não me ama, mas não é exatamente uma assassina e não acho que seja capaz de gostar de alguém como ele. - o príncipe disse tão rápido quanto eu.
Antes que eu pudesse perceber, as lágrimas começaram a descer pelo meu rosto. Eu sabia que nada do que havia prometido aos sulistas era novidade, estava evidente que eles queriam aquilo de mim, pelo menos eu estava ganhando algo em troca. Entretanto, aquilo me assustava mais do que tudo.
Além disso, eu tinha muito medo de que ficasse tão bravo comigo que desistisse de me proteger. Eu precisava dele. Bem, pelo menos do seu exército. O príncipe tinha razão, eu não o amava, mas me casaria com um milhão de vezes antes de chegar perto do Chefe. Respirei fundo, enquanto encarava sua alteza real decidir, mais uma vez, meu destino. Eu já tinha feito tanto pelo príncipe, que esperava que ele entendesse que não podia deixar minha família na mão. Porque era isso que Drew era, parte da minha família.
- , você está bem? - ele perguntou assim que viu minhas lágrimas, mas depois percebeu que era uma pergunta meio estúpida, muito mais estúpida que minha ideia de soltar Drew. - Quero dizer, você não precisa se preocupar… Eu vou continuar com a guerra, realmente pretendo no mínimo prender esse homem e eu entendo o que você fez, mas é perigoso, . Acho que é muito mais perigoso do que você imagina.
- Você entende? - perguntei surpresa. Eu queria que ele entendesse, só não achei que ele faria.
- Claro que entendo. - o príncipe estava mais calmo, resolvendo sentar-se ao meu lado dessa vez. - Ele é como um irmão para você, não é?
Assenti. Eu não estava exatamente mentindo, Drew era como um irmão para mim. Eu talvez só não fosse como uma irmã para ele.
- Então, é por isso que eu entendo. Acho que você não percebe, . Mas você se doa muito pelos outros, você coloca a prioridade dos outros acima das suas. Isso foi o que me fez te achar mais incrível, jamais a deixaria por isso. Como você diz. - ele riu fraco. - E não posso reclamar de você fazer isso por sua família. Não sou burro.
Eu sorri, secando as últimas lágrimas.
- Me desculpe, eu deveria ter contado. Mas…
- Mas você achou que eu ia considerá-la traidora e matá-la?
- Não. Quero dizer, talvez. - falei, sem jeito.
- Você realmente acha que eu saio matando as pessoas por aí, não é? - já estava mais relaxado, bem parecido com a pessoa que eu passei a noite conversando. O que me lembrava o quanto eu estava cansada.
- Não. Mas você já fez, não é? Não pode me culpar. - falei, calma, encarando-o nos olhos. - Você matou o sulista que veio aqui.
- Sim. Apesar de ser meu pai quem ordenou, tirando a parte de te entregar para os sulistas, não teria feito diferente. É de praxe torturar esse tipo de prisioneiro.
- Eu sei. - falei baixo, me imaginando sendo responsável por aquilo.
- Você jamais vai precisar fazer.
- O quê?
- Torturar alguém. - ele afirmou, seus olhos brilhando contra a luz do pôr do sol que vinha pela minha janela.
- Ah. Isso é ótimo. - comentei, encarando o corte na mão. Se aquilo já havia doido, imagina tortura.
- Eu sei que você evita falar sobre isso, . Mas você precisa entender o que significa ser princesa e, você sabe, rainha.
Assenti, quieta.
- Eu sei o que significa no geral. - dei de ombros. - Mas não sei o que significa durante a guerra, por exemplo.
- Essa é fácil. - ele brincou. - Você ficaria aqui com minha mãe e provavelmente com a senhorita Aurora, se realmente oficializar a relação deles. Como Selecionada não há absolutamente nada para fazer, como princesa existiriam alguns eventos ou convidados, no máximo.
- pode oficializar seu relacionamento com Aurora? - perguntei surpresa. - Eu achei que você precisava se casar primeiro.
- Preciso. Mas ele pode noivar antes. - deu de ombros. - É o que eu faria no lugar dele. Seria melhor para a senhorita Aurora, caso ele não volte.
- Por quê?
- Ela seria bem vista na sociedade. A ex-noiva do príncipe é muito mais importante do que um caso que ele teve antes de morrer.
falou aquilo como se não fosse nada. Mas engoli em seco.
- E a Seleção? Como vai acontecer, já que você vai manter, digo, se você...
- Sobre isso, …
- Você vai manter, não vai? Anne me falou que você vai mandá-la embora, o que eu acho bem errado, mas entendo. Só que ela disse que Samantha vai ficar. - falei rápido, nervosa.
- Eu quero… Eu lhe prometi isso. Mas meu pai ainda é o rei… E agora ele parece estar mudando de ideia. Estou tentando convencê-lo. O que não está sendo fácil, já que ele e minha mãe já sabem de tudo… Achávamos que seria algo positivo para o povo, mas pode nos custar muitos guardas...
- Você contou para seus pais que vai me escolher? - falei baixo, chocada.
- Claramente. Depois que contei sobre os nortistas, bem, meu pai nos viu indo até Serena naquela noite… - quase achou graça da minha pergunta.
- Eu sei, mas… É estranho pensar que eles podem, bem, me odiar.
nesse caso gargalhou. Foi por pouco tempo, mas sua risada foi alta.
- Você é fenomenal. - ele disse, mas não de uma forma completamente admirada, foi mais de uma forma irônica.
- Como assim? - fiquei na defensiva. Não gostava muito que rissem de mim.
- Você sabe que tem uma guerra, um país, uma coroa, uma Seleção, um casamento, rebeldes e tudo mais né? São meus pais que lhe preocupam?
- Não quero passar a vida morando na mesma casa que eles com ambos pensando: “como meu filho é sem noção”. Seria péssimo.
- Eu nunca pensei nisso.
- No que? Eles acham você um sem noção?
- Não, . Meus pais torcem por você desde o início, apesar de isso ser meio errado. O que eu nunca pensei é que sou aquele tipo de cara que nunca sai da casa dos pais.
Foi minha vez de gargalhar.
- Acho que isso não é um problema para as garotas, considerando onde seus pais moram. - brinquei.
- Garotas? Larga disso, . Preciso saber se isso é um problema para você.
A família real já havia perdido um assessor nos últimos anos e, apesar da morte ter sido por doença, o protocolo era o mesmo: uma cerimônia linda e televisionada para todos do país sofrerem por alguém que nem conheciam. A questão era que a família real estava em luto e por esse motivo todos deveriam ficar também.
Aquilo fazia meu coração pesar. Será que a família de Mariee não poderia se despedir em paz? Era mesmo necessário todo aquele circo em volta, bem, do corpo? Me incomodava o fato da família dela precisar participar da homenagem e ainda levar seu corpo de volta a sua terra natal, pois não havia lugar para uma assessora no cemitério real. Suspirei.
- Está tudo bem, senhorita? - Meri, que penteava meus cabelos recém lavados, perguntou.
- Estou. Quero dizer, acho tudo isso um absurdo, mas estou.
- Tudo isso o que? - Cleo interveio, voltando do banheiro com minhas toalhas sujas para lavar.
Eu gostava disso. Gostava da intimidade que eu e minhas criadas tínhamos conquistado. Elas me tratavam como sua amiga, apesar de algumas cordialidades incrustadas em sua criação.
- Esse evento todo. Vocês acham que a família de Mariee vai gostar de estar na televisão em um momento tão íntimo?
- Mas, senhorita, é uma homenagem. Serve para mostrar o quanto a senhora Mariee era importante para os reis. - Meri explicou.
- Tudo bem. Mas precisa passar para o país inteiro? Eu acho absurdo tamanha exposição de algo tão trágico. - eu sabia que falava de forma irritada, mas fazer o quê? Eu estava mesmo irritada. Eu achava que pelo menos na morte as pessoas podiam ter paz, os entes queridos deveriam passar por tudo aquilo sem uma plateia.
- Eu acho bonito. Receber algo assim é para poucos. - Meri deu de ombros, mas aquilo me surpreendeu.
- Você gostaria do país todo assistindo seus familiares chorando por você? - perguntei surpresa, talvez até indignada.
- É melhor do que uma cerimônia triste, sem nem flores, na vala comum. - ela disse sem graça. Me fazendo respirar fundo.
- Talvez realmente seja. Não me levem a mal, eu sou a favor de demonstrações de amor, admiração, respeito, carinho, condolências e tudo mais. Só acho completamente invasivo televisionar algo tão íntimo. - respirei fundo mais uma vez. - Vou estar mais arrumada para essa homenagem do que estava, sei lá, no baile.
- A senhorita usará um vestido realmente bonito. - Elise comentou, claramente me provocando. Esse era seu jeito de mudar a conversa, nos levar em outra direção. Aquela era a principal habilidade de Elise, ela sabia muito bem lidar com nós três.
- Eu sei. - resmunguei, um pouco menos irritada. Afinal, eu sabia que meu humor estava um pouco ligado às minhas horas de sono, ou no caso, a falta delas. e eu ficamos conversando até a hora do café da manhã, quando ele gentilmente me dispensou porque tinha outros afazeres.
Depois disso eu havia tomado café no meu quarto e passado quase uma hora na banheira até ser obrigada a sair para começar minha preparação completa para a homenagem de Mariee que seria logo após o almoço, para a família da mesma ter tempo de voltar para casa.
- Anime-se , pelo menos está de volta. - Meri tentou, agora secando meus fios. - Ele já está no castelo, pelo que ouvimos falar.
Sorri, mas não sei se fui convincente. Eu até estava feliz pela volta do príncipe, nossas horas conversando foram muito melhores do que eu pensava, apesar dos dois estrategicamente evitarem assuntos sérios sobre a vida a dois, nos divertimos falando de nosso passado e de nossas famílias. O que me incomodava era que Mariee estava morta exatamente para ter de volta e a culpa era minha. Assim como a ideia de Drew vagando pela Capital com um conjunto de joias me assombrava, eu confiava mesmo nos sulistas? Involuntariamente levei os dedos ao meu corte. Como havia acabado de sair do banho, ele ainda permanecia sem um curativo, apenas os pontos bem firmes e bem feitos deixavam um leve relevo.
- ? - Meri me chamou.
- Sim?
- Desculpe perguntar, mas como você fez isso? - ela perguntou delicadamente, era como se soubesse que significava algo importante. Eu não tinha sequer tentado esconder o corte das três, já tinha tido muita sorte pelo príncipe não ter notado, estava realmente grata pela enfermeira optar por um curativo discreto, do tamanho exato do corte e da cor da minha pele.
- Eu disse para a enfermeira que estava fazendo uma carta de boas-vindas para . - respondi rindo fraco, triste. Afinal aquilo não era exatamente engraçado. - Eu… Não acho que seja seguro compartilhar com vocês. - respondi por fim, sentindo-me cansada.
- Claro, não tem problema. Me desculpe perguntar. - Meri tratou logo de responder.
- Não. Quero dizer… - passei a mão na testa. - Não tem nenhum problema perguntar, eu só… É complicado, assim como a morte de Mariee e a volta de , tudo é complicado.
- Você sabe que estamos aqui por você, . - Elise comentou, ela e Cleo terminavam de arrumar o quarto e separar minhas roupas para aquela tarde. - Faremos o que a senhorita quiser.
- Na verdade… Vocês sabem como posso conseguir fazer uma ligação por aqui?
Algumas horas depois o almoço foi servido em nossos aposentos, o que resultou em uma inesperada, mas incrível, visita de Anne.
- Posso almoçar com você? - ela perguntou, aparecendo na minha porta com uma das criadas segurando seu almoço e bobes no cabelo.
- Claro. - falei, já deixando-as entrar e organizando melhor minha mesinha. Assim que a criada de Anne arrumou a mesa saiu, junto com as minhas três. Teríamos um almoço a sós.
- Como você está? - Anne perguntou, parecendo desinteressada. Apesar de Anne estar se virando perfeitamente bem na nova língua aprendida, ela falava comigo em francês.
- Acho que eu estou meio alheia a tudo. - admiti, rindo um pouco de mim mesma. - E você?
- Eu não sei como me sinto. - Anne deu de ombros. - Mariee e eu nunca fomos próximas, ela claramente não gostava de mim. Acho que ela não acreditava na minha capacidade de ser princesa. Mas ao mesmo tempo é assustador… Você… - minha amiga pareceu pensar em suas palavras. - Você tem certeza de que é uma boa ideia se envolver com os sulistas?
- Eu não tive muita escolha, Anne. - lamentei. - Eu sei que é muito sincero com você e eu realmente confio em você, mas…
- Mas você não gosta de falar. - ela brincou, rindo um pouco. - Eu sei.
- Não é isso. Mas é que, sei lá, fica pior quando a gente admite. - soltei. - Sabe? É bem mais assustador me ouvir dizer: então, Mariee está morta porque os sulistas querem me tornar princesa para depois, sei lá, matar a família real inteira.
Anne me encarou um pouco sem reação. Ela piscou duas vezes antes de respirar fundo.
- Eu sinto muito, . Acho que você já escutou isso algumas vezes, mas eu realmente sinto muito.
- Esquece, Anne. - comentei, tomando um gole do meu suco, eu percebi naquele momento que não queria almoçar. - Eu só estava na hora certa no lugar certo. Isso tudo vai acabar uma hora ou outra.
Anne assentiu, cortando um pedaço da sua carne e levando a boca.
- Então, - comecei. - o que você queria me dizer?
- Lhe dizer?
- Qual é, Anne? Sabe quantas vezes você apareceu no meu quarto do nada assim?
- Deixa para lá. Não era nada importante, eu só não queria ficar sozinha.
- Talvez você seja tão ruim contando as coisas quanto eu. - provoquei.
Ela revirou os olhos.
- Você conversou com o príncipe sobre a cerimônia de juramento à bandeira? - ela se deu por vencida.
- Um pouco. Eu já sabia o que era, mas ele comentou, quando nos encontramos, que com sua volta a cerimônia deverá acontecer logo. - realmente tinha deixado escapar algo na nossa conversa mais cedo, mas precisava admitir que não havia dado muita atenção ao assunto.
- Vocês se viram? - Anne abriu um sorriso sincero, que logo disfarçou ao ver minha expressão.
- Acabamos nos esbarrando. - expliquei, o que só deixou minha amiga mais confusa.
- Tudo bem... - estava feliz por ela ter decidido não perguntar mais. - Acho que vai acontecer em menos de duas semanas, conversamos sobre isso antes dele partir.
- Certo. E? - encarei Anne, indicando que ela deveria continuar. Ignorando suas insinuações.
- O príncipe me eliminará depois da cerimônia.
Engasguei-me com minha bebida, tossindo algumas vezes antes de recuperar o fôlego. Anne e eu nunca conversamos sobre ela sair, mas era evidente para nós duas que a presença uma da outra era essencial, pelo menos eu tinha certeza desde o primeiro ataque. Apesar de não ser eu a pessoa que deixava Anne a par de tudo, saber que ela estava ali para viver aquilo comigo fazia muita diferença. Não estava pronta para perdê-la.
- Por quê? - foi a única coisa que consegui dizer.
- Você sabe o porquê, . Ele precisa manter poucas garotas por aqui, quanto menos, mais segurança ele consegue fornecer. O público já não está contente por ele ter mantido uma estrangeira por tanto tempo… Eu realmente preciso ir. Não posso ficar entre as três finalistas.
- Três? Mas…
- Ele não pode escolhê-la, pode?
Neguei com a cabeça. Eu não estava pronta. Nem ele estava, eu sabia. e eu não nos conhecíamos o suficiente, não estávamos prontos para o próximo passo. Primeiro precisávamos lidar com os sulistas, depois nos casar e aí lidar com Serena. Apesar de nunca ter compartilhado com o príncipe, aquela definitivamente era a minha cronologia: Guerra. Casamento. Fim das castas. Depois disso só precisava rezar para e eu gostarmos o suficiente um do outro para convivermos no mesmo castelo.
- Ele não pode eliminar Natalie, por causa da guerra. Ele vai deixar Aurora ir, voltar para a família, e depois retornar ao castelo oficialmente como namorada de .
- Com quem mais ele vai ficar?
- Samantha, eu acho.
- Ah. - não consegui fingir empolgação, Samantha era a menina que eu menos conhecia e menos me identificava, não falávamos de nada além dos estudos da Seleção. Se bem que sua timidez era melhor que a rispidez de Lauren.
Anne riu.
- Você não parece se importar com estar saindo. - comentei triste.
- Eu não achava que ia ficar tanto. Eu sou uma Dois, . Vou sair da Seleção como alguém digna, conseguirei um bom marido e ajudarei minha família pelo resto da vida.
- Eu sei, mas…
- Também vou sentir saudades, futura princesa. Espero que me convide para seu casamento. - ela brincou.
- Eu não acredito que você vai embora em menos de duas semanas. - decidi ignorar seu último comentário. - poderia muito bem manter quatro garotas aqui.
- Mesmo que mantivesse, nenhuma delas seria eu. - Anne garantiu. Me senti ainda mais triste, ainda mais sozinha. Drew havia ido embora, Anne ia embora, até Aurora deixaria o castelo por alguns dias. Eu ia ficar completamente sozinha. Respirei fundo. Precisava parar de ser egoísta.
- Eu estou feliz por você. - comentei, encarando seus olhos. - Eu espero que você encontre um nobre incrível e bondoso, que queira visitar seu país natal com você e que ame sua família, mesmo eles não sendo da mesma casta que vocês. Eu realmente torço, Anne.
- Obrigada. - ela disse, me estendendo a mão por cima da mesa. - Eu prometo lhe convidar para meu casamento. - ela brincou, piscando um dos olhos. Aquilo me fez rir e deixou a conversa muito mais leve. Era isso, Anne me deixava mais leve.
O vestido preto escolhido para a ocasião seria incrivelmente belo se não fosse tão fúnebre, como mandava a tradição. Não havia nada em mim que não fosse completamente preto. A saia volumosa era preta e pesada, assim como o corpete do meu vestido que era coberto por renda e pequenos cristais também pretos que seguiam pelo corpete e manga até meu pulso. Meu cabelo foi preso em um coque alto, alinhado e emoldurado por uma pequena faixa preta. Nos pés um salto preto fosco tão fino que seu barulho soava de forma diferente no piso.
- Você está linda. - Elise comentou com um sorriso triste, apesar de eu saber que ela não tinha contato com Mariee era meio impossível não se sentir mal.
- Obrigada, Elise. - comentei, encarando-me no espelho apenas para concordar. Eu sabia que estava incrível para aparecer na TV. Eu estava confiante, respeitosa, feminina e, bem, majestosa. - Vocês são maravilhosas.
- Você precisa ir, senhorita. - Cleo comentou, preocupada com o horário.
- Certo, me desejem sorte. - brinquei, pegando minha saia longa com as duas mãos para caminhar de forma apressada para fora do quarto. Assim que desci todos os degraus até o piso inferior soltei a saia e respirei fundo. Eu não podia chorar. Seria hipocrisia da minha parte, afinal eu tinha praticamente assinado a morte de Mariee. Me sentindo horrível, passei pela porta em direção ao jardim.
Eu não estava atrasada, mas dava para notar que fui a última Selecionada a chegar. Desci as escadas lentamente, era como se tivesse que me obrigar a seguir em frente. Eu não queria estar ali. Apesar dos pais de Mariee, assim como a família real, ainda não estarem presentes, o caixão no centro da tenda era impossível de se ignorar. Preparada para a ocasião, a tenda contava com cadeiras em dois dos seus lados, opostos, deixando espaço para o padre em um dos lados vazios. Já no outro, havia um caminho para o caixão ser carregado até o helicóptero. Apesar do frio, nenhuma das Selecionadas ou nobres presentes estava embaixo da tenda, as pessoas conversavam em seus pequenos grupos segurando suas taças o mais longe que podiam do caixão.
Cheguei ao último degrau da escada ainda escarrando a caixa de madeira. Eu sinto muito. Pensei.
- Senhorita , como está? - Serena foi a primeira a se aproximar, apesar do tom cordial para que todos ali escutassem, sua expressão me dizia que algo estava errado.
- Estou bem. E a senhora? - continuei seguindo o papel, sabíamos que havia pessoas demais à nossa volta.
- Estou bem. Mas recebi algumas notícias interessantes. - ela comentou, erguendo uma das sobrancelhas, mas antes que eu pudesse perguntar do que se tratava, um guarda parou no topo da escada, anunciando a chegada da família real.
Como mandava o protocolo, todos nós caminhamos delicadamente para as cadeiras separadas em torno do caixão de Mariee. Os nobres ficaram de um lado, enquanto nós, Selecionadas, de outro. Todos permaneceram de pé em frente de seus assentos à espera da entrada dos soberanos. Serena pareceu escolher estrategicamente a cadeira ao meu lado, vez ou outra ela parecia me encarar. O que tinha de errado?
O primeiro a aparecer foi , ele usava um terno bonito, preto. Parecia um uniforme militar, mas ao mesmo tempo não, já que não tinha o azul de nossa bandeira. O príncipe parecia sério, triste e não fez muito enquanto caminhava para uma cadeira ao lado dos nobres, a qual claramente estava reservada para ele. veio logo depois e, ao contrário do irmão, trazia uma única flor consigo. O príncipe herdeiro seguiu o mesmo caminho que , parando apenas para colocar a única flor em cima do caixão de Mariee. Era um gesto bonito para a TV. Não consegui evitar a careta.
Logo depois vieram os pais de Mariee, acompanhados de perto pelo rei e a rainha. Todos os quatro estavam vestidos de preto das cabeças aos pés, era uma cena marcante. A rainha, ainda, contava com um véu curto e estiloso lhe cobrindo parcialmente o rosto, preso de forma estratégica ao seu enfeite e cabelo. Suspirei, não havia como negar, aquilo tudo era realmente respeitoso.
Os pais de Mariee caminharam até os príncipes e se sentaram ali, com o rei e a rainha ao lado. Assim que o casal real se sentou, todos nós fizemos o mesmo, o silêncio foi interrompido apenas por alguns empurrões de cadeira. Olhar para a mãe de Mariee me fez estremecer, ela não era muito mais velha que minha mãe, mas sua expressão triste a deixava completamente frágil. Parecia que ela iria quebrar a qualquer toque. Talvez fosse por isso que ninguém a tocava, nem mesmo o marido que parecia perdido nos próprios pensamentos.
Parei de encarar o casal quando o padre entrou. Todos nós nos levantamos novamente, enquanto o mesmo sorria e parava em pé, próximo ao caixão de Mariee com suas vestes sagradas.
- Boa tarde a todos. - e então ele começou. Era um discurso lindo e inspirador, eu sabia, mas estava com os pensamentos tão longe que mal ouvi uma frase inteira. Mariee estava morta. Seu caixão estava a alguns passos de mim. Ela foi uma vítima dos sulistas, uma das várias que existiram e uma das várias que viriam. Mariee estava morta porque eu precisava me casar com o príncipe.
Nesse momento desviei os olhos do caixão para encarar . Ele parecia sério, com sua pose indecifrável, que eu já havia aprendido a aceitar, e olhar fixo no chão. Diria que estava rezando. Eu talvez também devesse. Talvez devesse rezar por todas as vidas que poderiam acabar como Mariee. Talvez devesse rezar por Drew, que, àquela altura, eu esperava que já estivesse em casa. Talvez precisasse rezar por minha família e pela família de . Talvez eu devesse rezar por mim. Mas não conseguia. Rezar me faria chorar e chorar me faria roubar o espaço de tristeza dos pais de Mariee. Além disso, eu não podia chorar por alguém que tinha ajudado a matar. Podia?
- Amém. - o padre disse, fazendo todos os convidados, inclusive eu, repetir em couro.
- Agora, senhoras e senhores. Aproveitem para celebrar a vida de Mariee Descarts.
E então todos erguemos nossas taças em um brinde silencioso.
- A Mariee Descarts. - sussurrei. - Eu sinto muito. - e depois tomei um gole do líquido gelado, sentindo o álcool descer ardente pela minha garganta.
Após o brinde, alguns nobres se levantaram e seguiram até o caixão, aqueles provavelmente eram os assessores reais, ou no caso, antigos colegas de trabalho de Mariee. Depois de fazer sua prece, o grupo se reuniu fora da tenda. Vi que Aurora discretamente se encontrou com e ambos caminharam para mais longe no jardim. O resto da família real parecia entretida em um assunto particular, enquanto o senhor e a senhora Descarts ficavam em silêncio olhando para as mãos, sozinhos.
- . - Serena me chamou, colocando sua mão em meu ombro. - Precisamos conversar.
- Desculpe, Serena. Agora não posso, sinto muito. - falei, levantando-me decidida.
Respirei fundo e caminhei a passos lentos até os pais de Mariee, querendo me aproximar de forma gentil.
- Com licença, senhora Descarts. - falei, me aproximando da senhora sentada. - Gostaria de expressar meus sentimentos a senhora e seu esposo. - continuei, vendo o casal me olhar surpreso. - Meu nome é…
- . - a senhora Descarts falou, como se saísse do transe. - Claro, querida. Por favor, sente. - sua voz estava falha, mas ela sorria discretamente quando me indicou a cadeira ao seu lado. Que agora estava vazia.
- Obrigada. Eu não quero atrapalhar, apenas queria dizer que lamento… Mariee foi uma professora realmente incrível para nós e o que aconteceu foi…
E então a mulher me abraçou, assim, do nada. No começo me assustei, mas logo tinha meus braços em volta de suas costas. Não era exatamente confortável abraçar alguém enquanto ambas as pessoas estavam sentadas, mas a senhora Descarts me apertava forte, como se precisasse daquele abraço o dia todo.
- A senhora vai ficar bem. - falei baixinho em seu ouvido, o que foi o suficiente para ela começar a soluçar. Provavelmente as lágrimas escorriam aos montes em seu rosto apoiado em meu ombro.
- Eu.. Me desculpe. - ela disse sem jeito, soltando-me.
- A senhora não tem motivos para se desculpar. - sorri, segurando suas mãos com as minhas. - Não é errado se sentir triste.
- É que… Esse trabalho era tudo para ela, não era, Toni? - ela disse, olhando para o marido que assentiu, ainda quieto. - Não a víamos desde o Natal. E agora… Ela se foi, tão jovem. Não sei como conseguiremos superar isso. - ela lamentava, segurando as lágrimas.
- Mariee era uma mulher incrível. A única entre os homens. - indiquei o grupo de assessores que ainda se reunia. - Acredito que Mariee vivia para o trabalho porque o amava. Ela fez história aqui. Os senhores deviam se orgulhar dela. - respirei fundo. Apesar de no final eu e Mariee não estarmos exatamente no mesmo barco, eu só falava verdades. Ficou claro para mim que seu cargo era sua prioridade.
- A senhorita tem razão.
- Sabe, senhora Descarts, eu nunca perdi alguém tão próximo, mas preciso admitir que cheguei a pensar na minha própria morte no meio desses ataques. - sorri sem jeito, esperando que ela entendesse. - E consequentemente pensei em minha família e percebi que o que eu mais queria era que meus pais se lembrassem de mim do jeito mais feliz que me viram. A senhora tem essa memória? Qual é a época de Mariee que a senhora mais a viu feliz?
- Quando estudava para o cargo. - ela respondeu abrindo um sorriso verdadeiro. - Mariee sempre foi decidida, mas nunca deixou seu futuro atrapalhar seu presente. Ela vivia estudando para entrar aqui, mas também saía com os amigos, namorava escondido, amava música… Essas coisas de jovens. Ela tinha um propósito, mas também tinha um presente. Se é que a senhorita me entende.
- Eu acho que é assim que a senhora deve se lembrar de Mariee. Uma mulher que lutou pelo que queria, conquistou seus sonhos e mesmo assim nunca deixou de viver o momento.
- Eu… Obrigada. - a senhora Descarts chorava quando me levantei da cadeira e me despedi, mas senti que era de orgulho, de amor e carinho. Ela estava contente pela filha que tinha.
Respirei fundo. Pelo menos alguém naquela homenagem ridícula tinha manifestado algum tipo de compaixão com os pais de Mariee. Estava feliz por ter ido, afinal.
- , é sério. - Serena me abordou assim que fiquei longe o suficiente do que restou da família Descarts. - Precisamos conversar.
- O que aconteceu? - perguntei preocupada, aceitando caminhar com ela para longe da tenda, passando um pouco das escadarias do castelo e ficando longe dos ouvidos de todos ali.
- Você que precisa me dizer o que aconteceu. - seu tom mudou um pouco. - Recebi notícias de que Drew Samek chegou em casa. Digo, na casa da mãe dele.
- Sério? Ah, céus. Que bom. - falei me sentindo aliviada por um momento, ignorando qualquer sinal de preocupação, já que Serena não deveria saber daquilo.
- Como isso é possível, ? - Serena claramente não estava feliz, ela parecia brava, como se soubesse que eu havia feito algo ruim. Instintivamente levei meus dedos ao curativo que tinha na palma esquerda, atitude que não passou despercebida pela rebelde que segurou meu pulso e virou. Encarando o curativo discreto, mas grande, no meio da minha palma. - O que foi que você fez?
E então tudo saiu do meu controle, pois naquele momento, como se estivesse nos analisando há alguns minutos, se aproximou.
- Senhoritas? Tudo bem? - ele perguntou, claramente pedindo uma explicação. Puxei minha mão rapidamente, mas era tarde demais. - O que você tem na mão, ?
- Nada demais. - respondi automaticamente.
- Um corte. - Serena nem ficou vermelha ao me desmentir.
- Um corte? Mas como? - não conseguia entender como era possível uma de suas Selecionadas ter um corte e ele não saber. Tinha certeza de que ele seria avisado até se uma de nós quebrasse a unha.
- Acredito que tenha algo relacionado aos sulistas. - Serena sussurrou, mas não olhou para o príncipe em momento algum. Seus olhos me analisavam, acusatória.
- Com os sulistas? O que ela quer dizer, ? - usava um tom mais calmo, me dando pelo menos o benefício da dúvida. - Me mostre. - ele pediu.
Virei minha palma para ele, mas não havia muito o que ver. Nada além de um curativo fino, discreto e totalmente da cor da minha pele. Era tão discreto que ele não havia notado enquanto conversávamos horas antes.
- Eles machucaram você? Por que não me disse? - ele perguntou, passando os dedos de forma delicada sobre o adesivo, parecendo cuidar para não tocar a minha pele.
- Não. Não exatamente. Olha, não podemos falar disso agora, não é? - perguntei, encarando-os de forma sugestiva, tentando me livrar de toda aquela situação.
- Senhora Serena, por favor leve a senhorita até seus aposentos, acredito que ela não esteja se sentindo bem. Assim que possível irei encontrá-las. - anunciou, assim, do nada. Serena sorriu, parecendo surpresa, mas feliz com a atitude do príncipe. Eu, entretanto, só conseguia ficar chocada. Ele estava realmente me expulsando da homenagem de Mariee por causa de um corte idiota? Olhei para ele incrédula antes de me virar e seguir em direção ao castelo, me segurando ao máximo para não bater com mais força meu pé a cada degrau que subia, como uma criança birrenta. Aquilo era inacreditável.
- Você o que? - Serena falou um tom mais alto, me fazendo agradecer por não ter absolutamente mais ninguém no andar inteiro. - Como você? Ninguém mais… É um absurdo.
A rebelde não parecia mais tão brava comigo, na realidade, em vez de me olhar de forma acusatória ela me encarava como se tivesse certeza de que eu estava com os pensamentos fora do lugar. Ela simplesmente não conseguia acreditar.
- Ninguém nunca conseguiu negociar algo assim com o Chefe, . - ela parou de andar pelo tapete do meu quarto e me encarou, sentada na cama eu ficava bem mais baixa que ela. - Apesar de sua promessa ser boa, ainda é apenas uma promessa. Eu não teria aceitado no lugar dele.
- Eu pensei sobre isso também. - admiti.
- Existe alguma chance de você ter prometido algo a mais?
- O que eu poderia ter prometido a mais, Serena? Eu prometi me casar com ele. - suspirei, cansada. - Torná-lo rei.
- Certo. Tem razão. - ela voltou a caminhar, como se aquilo a ajudasse a pensar mais rapidamente. - E se ele realmente gostar de você?
- Você acha que ele pode estar apaixonado por mim? - aquilo era absurdo demais.
- Explicaria algumas coisas. - ela comentou, dando de ombros.
- Só o que me faltava. - suspirei, apesar dos comentários de Drew sobre a afeição do Chefe dos sulistas por mim, eu não achava que era nada além de um leão analisando sua presa. Apesar de na hora de negociar ter cogitado a hipótese, a luz do dia ela me era completamente estúpida.
Serena não me respondeu, pois nesse momento bateu na porta. Levantei-me para atender, lhe dando a chance de me encarar de cima a baixo quando apareci em seu campo de visão. Sua atitude me deixou em dúvida se ele estava apreciando a vista ou apenas procurando algum osso quebrado.
- Por favor, Alteza, entre. - abri espaço.
- Então. Por gentileza. Me expliquem o que está acontecendo aqui. - apesar de ser educado, estava claramente exigindo. Eu realmente achava que tínhamos passado dessa fase, mas pelo jeito ele sempre usaria sua soberania para conseguir o que queria.
Serena olhou para mim, depois para .
- Eu vou deixar vocês a sós. Preciso conversar com algumas pessoas. Vou descobrir se minhas suspeitas são verdadeiras. - ela disse, me encarando ao dizer a última frase e depois saiu do meu quarto, me deixando parada olhando perplexa para , que parecia aguardar alguma reação.
- Eu… Eu acho melhor você se sentar. - pedi, puxando uma cadeira para ele e caminhando até minha cama. - Tem algo sobre os sulistas que você não sabe, . - suspirei.
E então eu contei sobre Drew. Falei quem ele era e expliquei que ele era o responsável pelo intermédio entre o Chefe e eu. Expliquei, inclusive, que Drew queria me tirar do castelo, afinal ele sabia que eu não queria ir para lá. Nesse momento, senti desviar o olhar e suspirar um pouco. Contei tudo sobre Drew para , menos seus sentimentos. E claro, nosso beijo. Algo que eu fazia questão de esquecer.
- Então, ontem à noite eu tive uma ideia. Depois da morte de Mariee. - continuei. - Sabia que o Chefe poderia querer consertar as coisas, então resolvi usar isso ao meu favor e negociar a saída de Drew. - soltei.
- A saída? Você diz do grupo? É impossível, ninguém deixa de ser um sulista. Só se morrer. Foi uma ideia incrivelmente estúpida. - parecia que o príncipe também estava por dentro das tradições dos sulistas.
- Eu consegui. Drew está em casa, seguro. Foi assim que Serena me descobriu. - contei, vendo quando os olhos do príncipe se arregalaram.
- Você conseguiu?
- Mas eu prometi a eles tudo, . - falei, sentindo minha voz falhar. - E eu vou entender se você não me quiser mais, se quiser me chamar de traidora, do que for, eu só peço, por favor, que continue com a guerra.
- Do que você está falando? Prometeu o quê?
- Prometi ao Chefe que se eu virasse rainha concordaria em acabar com a família real, sair como indefesa e me casar com ele, tornando-o rei. - falei tudo da forma mais rápida que pude, sentindo a reação nervosa de que viria logo depois.
Mas o príncipe me encarava perplexo, muito mais do que Serena.
- Isso é impossível. - ele disse. - Temos muitos descendentes. Mesmo que conseguisse matar todos nós aqui no castelo, você não seria a primeira da lista.
- Eu sei. Quero dizer. Não é exatamente impossível, mas muito, muito difícil. Mesmo assim funcionou. Selamos nosso acordo com sangue. - comentei, levantando a mão com o curativo. Tentei soar calma, indiferente, como se fosse apenas um detalhe, mas aquilo me assustava.
- Você fez o que? - aquela era uma reação mais parecida com a que eu esperava. ficou de pé, bagunçando os cabelos de forma quase frenética.
- , eu espero que você entenda o porquê fiz o que fiz. Afinal você pretende matá-lo e se a guerra der certo será uma promessa em vão. Mas quero que saiba que eu prefiro morrer ao fazer o que prometi a ele. - contei, encarando-o com os olhos cheios de água.
- Eu sei. Quero dizer. Eu sei que você não me ama, mas não é exatamente uma assassina e não acho que seja capaz de gostar de alguém como ele. - o príncipe disse tão rápido quanto eu.
Antes que eu pudesse perceber, as lágrimas começaram a descer pelo meu rosto. Eu sabia que nada do que havia prometido aos sulistas era novidade, estava evidente que eles queriam aquilo de mim, pelo menos eu estava ganhando algo em troca. Entretanto, aquilo me assustava mais do que tudo.
Além disso, eu tinha muito medo de que ficasse tão bravo comigo que desistisse de me proteger. Eu precisava dele. Bem, pelo menos do seu exército. O príncipe tinha razão, eu não o amava, mas me casaria com um milhão de vezes antes de chegar perto do Chefe. Respirei fundo, enquanto encarava sua alteza real decidir, mais uma vez, meu destino. Eu já tinha feito tanto pelo príncipe, que esperava que ele entendesse que não podia deixar minha família na mão. Porque era isso que Drew era, parte da minha família.
- , você está bem? - ele perguntou assim que viu minhas lágrimas, mas depois percebeu que era uma pergunta meio estúpida, muito mais estúpida que minha ideia de soltar Drew. - Quero dizer, você não precisa se preocupar… Eu vou continuar com a guerra, realmente pretendo no mínimo prender esse homem e eu entendo o que você fez, mas é perigoso, . Acho que é muito mais perigoso do que você imagina.
- Você entende? - perguntei surpresa. Eu queria que ele entendesse, só não achei que ele faria.
- Claro que entendo. - o príncipe estava mais calmo, resolvendo sentar-se ao meu lado dessa vez. - Ele é como um irmão para você, não é?
Assenti. Eu não estava exatamente mentindo, Drew era como um irmão para mim. Eu talvez só não fosse como uma irmã para ele.
- Então, é por isso que eu entendo. Acho que você não percebe, . Mas você se doa muito pelos outros, você coloca a prioridade dos outros acima das suas. Isso foi o que me fez te achar mais incrível, jamais a deixaria por isso. Como você diz. - ele riu fraco. - E não posso reclamar de você fazer isso por sua família. Não sou burro.
Eu sorri, secando as últimas lágrimas.
- Me desculpe, eu deveria ter contado. Mas…
- Mas você achou que eu ia considerá-la traidora e matá-la?
- Não. Quero dizer, talvez. - falei, sem jeito.
- Você realmente acha que eu saio matando as pessoas por aí, não é? - já estava mais relaxado, bem parecido com a pessoa que eu passei a noite conversando. O que me lembrava o quanto eu estava cansada.
- Não. Mas você já fez, não é? Não pode me culpar. - falei, calma, encarando-o nos olhos. - Você matou o sulista que veio aqui.
- Sim. Apesar de ser meu pai quem ordenou, tirando a parte de te entregar para os sulistas, não teria feito diferente. É de praxe torturar esse tipo de prisioneiro.
- Eu sei. - falei baixo, me imaginando sendo responsável por aquilo.
- Você jamais vai precisar fazer.
- O quê?
- Torturar alguém. - ele afirmou, seus olhos brilhando contra a luz do pôr do sol que vinha pela minha janela.
- Ah. Isso é ótimo. - comentei, encarando o corte na mão. Se aquilo já havia doido, imagina tortura.
- Eu sei que você evita falar sobre isso, . Mas você precisa entender o que significa ser princesa e, você sabe, rainha.
Assenti, quieta.
- Eu sei o que significa no geral. - dei de ombros. - Mas não sei o que significa durante a guerra, por exemplo.
- Essa é fácil. - ele brincou. - Você ficaria aqui com minha mãe e provavelmente com a senhorita Aurora, se realmente oficializar a relação deles. Como Selecionada não há absolutamente nada para fazer, como princesa existiriam alguns eventos ou convidados, no máximo.
- pode oficializar seu relacionamento com Aurora? - perguntei surpresa. - Eu achei que você precisava se casar primeiro.
- Preciso. Mas ele pode noivar antes. - deu de ombros. - É o que eu faria no lugar dele. Seria melhor para a senhorita Aurora, caso ele não volte.
- Por quê?
- Ela seria bem vista na sociedade. A ex-noiva do príncipe é muito mais importante do que um caso que ele teve antes de morrer.
falou aquilo como se não fosse nada. Mas engoli em seco.
- E a Seleção? Como vai acontecer, já que você vai manter, digo, se você...
- Sobre isso, …
- Você vai manter, não vai? Anne me falou que você vai mandá-la embora, o que eu acho bem errado, mas entendo. Só que ela disse que Samantha vai ficar. - falei rápido, nervosa.
- Eu quero… Eu lhe prometi isso. Mas meu pai ainda é o rei… E agora ele parece estar mudando de ideia. Estou tentando convencê-lo. O que não está sendo fácil, já que ele e minha mãe já sabem de tudo… Achávamos que seria algo positivo para o povo, mas pode nos custar muitos guardas...
- Você contou para seus pais que vai me escolher? - falei baixo, chocada.
- Claramente. Depois que contei sobre os nortistas, bem, meu pai nos viu indo até Serena naquela noite… - quase achou graça da minha pergunta.
- Eu sei, mas… É estranho pensar que eles podem, bem, me odiar.
nesse caso gargalhou. Foi por pouco tempo, mas sua risada foi alta.
- Você é fenomenal. - ele disse, mas não de uma forma completamente admirada, foi mais de uma forma irônica.
- Como assim? - fiquei na defensiva. Não gostava muito que rissem de mim.
- Você sabe que tem uma guerra, um país, uma coroa, uma Seleção, um casamento, rebeldes e tudo mais né? São meus pais que lhe preocupam?
- Não quero passar a vida morando na mesma casa que eles com ambos pensando: “como meu filho é sem noção”. Seria péssimo.
- Eu nunca pensei nisso.
- No que? Eles acham você um sem noção?
- Não, . Meus pais torcem por você desde o início, apesar de isso ser meio errado. O que eu nunca pensei é que sou aquele tipo de cara que nunca sai da casa dos pais.
Foi minha vez de gargalhar.
- Acho que isso não é um problema para as garotas, considerando onde seus pais moram. - brinquei.
- Garotas? Larga disso, . Preciso saber se isso é um problema para você.
Capítulo 21 - A Reunião
Eu estava nervosa, muito mais do que pensei que ficaria. Eu não estava acostumada com aquele andar, nós, Selecionadas, simplesmente fingíamos que não existia nada acima do pavimento das Selecionadas, bem, eu pelo menos fingia. Subi as escadas lentamente, na dúvida se havia escolhido a vestimenta correta. Quero dizer, quando um guarda bateu em minha porta e avisou que eu deveria encontrar o rei e seus assessores em uma reunião em menos de uma hora, eu não fazia ideia do que fazer. Decidi manter a roupa que havia usado no almoço, para não parecer que me arrumaria para uma reunião como aquela, mas estava na dúvida se havia feito o melhor.
Respirei fundo, já estava no segundo lance de escadas, dali conseguia ver um guarda me esperando no final da mesma. Achei que estaria pelo menos me esperando ali, mas não. Apesar do príncipe ter dito no dia anterior que eu precisaria me encontrar com seu pai e seus assessores para explicar tudo que acontecia com os sulistas, já que Mariee não havia passado todas as informações, ele não me ajudou muito. Talvez fosse sua forma de se revoltar contra minha ação a favor de Drew.
Drew para quem eu havia ligado. Bem, na verdade havia ligado para minha irmã, que com seu telefone chique, já que o marido era o Prefeito, conseguiu transferir para a casa de Drew. Meu amigo estava meio bravo, estranho e distante, mas estava bem. Estava salvo e vivo em casa. Pelo menos por enquanto.
- Boa tarde, senhorita. - o guarda cumprimentou-me, fazendo um aceno de cabeça. - O rei está lhe esperando.
- Boa tarde. - sorri. Me esperando? Será que eu estava atrasada? - Poderia me dizer onde exatamente, por favor? - brinquei, afinal eu não sabia onde o rei estava me esperando.
- Por aqui. - ele disse baixo, sorrindo devido as minhas palavras. E então o guarda seguiu corredor adentro, me fazendo acompanhá-lo de perto. Passamos por algumas portas fechadas, mas o que realmente chamou minha atenção foi a escada, de poucos degraus, localizada no final do corredor, a qual levava até uma porta dupla, que também permanecia fechada. Eu não conseguia entender o sentido de uma escada que levava a uma porta, era algo sem lógica para mim. Pensei em perguntar para o guarda o que havia atrás daquela porta, mas no mesmo instante ele me indicou outra, ao meu lado, batendo nela levemente.
- Entre. - ouvimos uma voz lá dentro, provavelmente do rei.
O guarda me olhou e sorriu, acho que estava claro na minha expressão meu nervosismo, pois ele parecia querer me encorajar. Sorri de volta, encarando a porta fechada e respirando fundo duas vezes. Não podia ser tão ruim, podia? Após verificar que eu estava pronta, o homem ao meu lado abriu a porta devagar, revelando-me uma sala muito diferente do que eu esperava. Quero dizer, eu sabia que era uma sala de reuniões, mas poxa, era uma sala de reuniões em um castelo, eu esperava, sei lá, um quadro do rei, madeira em todos os cantos, um lustre de perder o fôlego, mas aquele lugar parecia mais aquelas salas secretas tipo bunkers que apareciam nos filmes antigos, era tudo feito de metal.
Até que percebi o motivo, aquilo estava praticamente pronto para se tornar um abrigo, o que era bastante inteligente, se pensássemos bem. Apesar da enorme mesa no centro, eu sabia que ali caberiam muitas pessoas de forma confortável caso necessário e como não havia nenhuma janela, estava claro que o único ponto sensível era a porta pela qual passei, tornando, pelo menos na minha mente, muito rápido fortificar o lugar.
E então eu dei atenção para as pessoas sentadas ali, na enorme mesa. Me olhando sem nenhum disfarce, estavam a família real e cerca de dez homens bem vestidos. E absolutamente nenhum guarda. A rainha sorriu para mim, confortando, mesmo que pouco, aquela visão amedrontante. Escutei quando o guarda atrás de mim fechou a porta.
- Senhorita . - o rei me cumprimentou, sorrindo. Assim como os demais, ele estava em frente a sua cadeira, de pé, na ponta da mesa, alguns metros longe de mim. - Por favor sente-se. - ele pediu, me indicando a única cadeira vazia na longa mesa, estrategicamente posicionada no extremo oposto a sua, na ponta de mesa oval.
- Boa tarde. - falei, fazendo uma reverência para ele e sua família. estava em um dos lados do pai e sorria para mim, já estava ao seu lado, também sorrindo, enquanto a rainha permanência do outro lado do rei, segurando sua mão. - Obrigada pelo convite. - falei, dando poucos passos até a cadeira indicada, o assessor que sentaria ao meu lado fez a gentileza de puxá-la para mim. Assim que me sentei, todos o fizeram, menos o homem atrás de mim, claro. Ele ajeitou a poltrona de forma confortável para mim e foi em direção a sua, ao meu lado direito.
- Eu que agradeço sua disponibilidade, senhorita. - ele disse formal, mas simpático. O rei estava sendo realmente legal comigo, dentro de seus poderes. - Sabemos que os últimos dias não foram fáceis para a senhorita, mas sem a senhora Descarts por aqui… Imagino que saiba por que está aqui.
- Sim, eu sei, Majestade. - assenti ao mesmo tempo que respondi, arrumando minha postura e cruzando os dedos das mãos em cima do colo. Precisava parar de tremer. Apesar de ser levemente, a tremedeira me deixava ainda mais nervosa.
- Antes de começarmos, gostaria de agradecer a senhorita por tudo. - olhei surpresa para o rei. - A senhorita está realmente sendo uma peça chave na comunicação e organização da nossa ação contra os sulistas. - apesar de o rei ainda manter o tom positivo e as palavras suaves, senti uma pequena irritação em suas palavras. Mas eu entendia. Eu realmente estava no meio de tudo aquilo e, bem, ele não confiava em mim.
- Não se preocupe, Majestade. Estou aqui para servi-lo. - respondi com a voz doce, baixando os olhos e a cabeça levemente em sinal de submissão. Apesar de jamais me imaginar naquela situação, minha mãe havia me deixado preparada para aquilo. Era óbvio que o único motivo para eu estar naquele lugar era a educação de minha mãe, mas mesmo assim estava feliz por saber como me portar.
- Certo. Ótimo. - o rei disse, claramente satisfeito. Respirei. Estava indo bem. - Então acredito que podemos começar, espero que a senhorita entenda que temos algumas perguntas.
- Sim, claro.
- Frederico, por favor. - o rei foi mais firme, mais real ao dar a voz ao homem sentando bem no centro da mesa, do lado direito.
- Boa tarde, senhorita . - ele começou, apesar de seu tom menos cordial que o do rei, eu sabia que ele estava se esforçando para ser formal e, quem sabe, legal com sua possível futura princesa. - Tivemos acesso a algumas das anotações de Mariee, - percebi sua intimidade com ela. - mas ainda temos algumas dúvidas. Poderia, por favor, me explicar como os sulistas são responsáveis pela morte dela?
Engoli em seco. Direto ao ponto, não é?
- Bem. Quando fui me encontrar com os sulistas no meio da floresta descobri que eles não tinham exatamente o plano que imaginamos. O Chefe, como ele se intitula, não queria uma espiã para, bem, dedurar o que os senhores faziam, eles queriam… - parei ali, como eu poderia contar aquilo. Era completamente estranho.
- Torná-la princesa. - Frederico falou como se me apressasse. - Isso já sabemos. Continue, por gentileza.
- Usei, como argumento, que seria impossível. Falei que o príncipe nem estava no castelo, devido a viagem. Não tinha nada que eles fizessem que, bem, me tornaria princesa. Saí da reunião com a promessa de que eles pensariam em algo e me deixariam a par. Eu, inclusive, falei que estava disposta a ajudar em sua ideia, achei que assim eles seriam sinceros comigo, mas não foram. - falei, sentindo a voz pesar. Achei que já tinha superado o fato de Mariee estar morta por minha causa, mas claramente ainda era um assunto delicado. - Na manhã seguinte houve o ataque.
Parei, eu não podia chorar na frente de todos aqueles homens. Sério. Eles já deviam me achar patética o suficiente, eu precisava mostrar o mínimo de dignidade, já que possivelmente seria sua princesa e, um dia, rainha.
- Entendemos. Então a senhorita não fazia ideia do que aconteceria? - Frederico perguntou, todos ali pareciam me encarar para pegar qualquer reação minha.
- Não. - falei firme. - É claro que eu não fazia ideia, eu teria avisado imediatamente. Eu sinto realmente muito por não ter percebido nada. - senti uma pequena lágrima escorrer pelo meu rosto, mas eu estava bem. Minha voz não falhava. - Acredito que o relatório que fizemos sobre as Selecionadas foi o que lhes deu a ideia. Ou, no mínimo, a oportunidade.
- Relatório feito por Mariee. - o príncipe acrescentou, me fazendo encara-lo. Por um momento esqueci que ele estava ali. sorria de forma discreta, incentivando-me e de alguma forma querendo dizer que eu estava indo bem, que estava tudo bem. Mas eu não tinha tanta certeza assim. Quero dizer, eu esperava por aquilo, mas ainda assim era assustador. Provavelmente nenhum dos assessores acreditava em mim e, pelo que eu sabia, todos eles haviam me enviado de bandeja para os sulistas.
- Certo. - Frederico anotou algo em um papel que estava em cima da mesa. Percebi, naquele momento, que todos tinham os seus. Digo, seus papéis em cima da mesa. - E sobre o local das reuniões, pelas anotações, eles estavam dentro dos muros do castelo. Poderia ser mais precisa?
- Infelizmente não. Nós caminhamos cerca de 20 minutos, mas nunca pelo mesmo caminho ou de forma reta. Eu acredito que seja dentro do castelo, pois não passamos por nenhum portão ou muro. Mas a parte que eu estava… A mata é muito fechada, mesmo. Eles tinham móveis, uma fogueira… Nunca vi um acampamento, mas não acredito que tenham levado tantas coisas em um único dia.
- Compreendo. Mariee anotou a quantidade de homens, comentou sobre reuniões e os relatórios. - Frederico ainda repassava os vários papéis que tinha em mãos. - E quem levava a senhorita para a reunião? Mariee disse que era alguém vestido de soldado.
- Sim. - falei, temendo meu próximo passo. Eu falaria a verdade sobre Drew? Bem, não poderia mentir, não é?
- Não é ninguém que conhecemos. - interveio, parecendo, para mim pelo menos, um pouco suspeito. Mas ele sabia que eu diria a verdade. Algo que provavelmente não queria. – Desculpe, senhores, mas acho que precisa de uma pausa.
Sabia que todos os olhos estavam na direção do príncipe. Ninguém ali parecia concordar com suas palavras, mas e daí? Eu era uma Selecionada e na Seleção a palavra de sobressaia.
- Na realidade... - ele arrumou a postura. - Acredito que finalizamos com ela hoje. Gostaria de tratar outro assunto com vocês. - ele estava firme, real, sério e nem um pouco nervoso. Aquilo claramente lhe era natural.
Passei os olhos pelas outras pessoas no salão. encarava o irmão impressionado, surpreso e um tanto orgulhoso. Assim como a rainha, parecendo admirada pela atitude do filho. Já os assessores pareciam menos felizes com a interrupção, mas incapazes de falar algo contra seu príncipe. O rei tinha a expressão completamente neutra, era como se ele analisasse , como se tentasse descobrir o que estava havendo. Percebi, que talvez aquela atitude que parecia-me tão natural ao príncipe, fosse, na realidade, uma novidade para as pessoas sentadas à mesa.
- Tudo bem. - o rei pareceu dar-se por vencido e aceitar as escolhas do príncipe. - Acredito que você tenha razão quanto a senhorita e compreendo que ainda temos muito o que discutir.
- Obrigado. - o príncipe agradeceu ao pai, parecendo satisfeito e feliz pela escolha do rei. - Mãe, - ele olhou para a rainha, que ainda sorria para ele. - poderia levar para dar uma volta, por gentileza?
- Será um prazer. - a rainha disse, ficando de pé. O que fez com que todos os homens da mesa fizessem o mesmo. Se a rainha se levantava, todos se levantavam. O que me deixou sendo a única pessoa sentada. Fiquei de pé.
- Obrigada, senhores. Tenham uma boa reunião. - ela anunciou, apertando a mão do marido, que permanecia apoiada sobre a mesa, em sinal de afeto e despedida e então olhou para mim. - Vamos, querida?
- Claro. - sorri, confusa com tudo o que estava acontecendo. Já havíamos mesmo acabado? Eu estava ali para apenas responder que não sabia sobre o ataque? Era um teste? Me afastei da mesa assim que a rainha se aproximou, fazendo uma reverência para o rei e os príncipes antes de sair acompanhada da mulher mais poderosa do reino.
- Obrigado, senhorita . Acredito que ainda teremos muito o que conversar. - o rei disse enquanto eu passava pela porta. Não pude responder, pois a mesma foi fechada atrás de mim e da rainha, mas fiquei feliz por aquilo. Afinal estava na dúvida se o rei estava sendo gentil ou ameaçador.
***
- Aqui é incrível. - eu estava realmente admirada, jamais cheguei a pensar que aquela escadinha no final do corredor, com a porta enorme, levava para um jardim externo protegido. Nunca tinha visto nada igual. Ali, em cima de uma das lajes do castelo, havia um jardim praticamente completo, com direito a chafariz, mesinhas e flores lindas, tudo isso com uma espécie de doma completamente feita de espelhos, algo que descobri depois. Olhando de fora, aquele lugar era quase inexistente, escondido com espelhos blindados de última geração. Aquele lugar que parecia frágil era quase uma fortaleza.
- É lindo, não é? Pedi para Jad de presente em um dos nossos aniversários. - a rainha estava completamente descontraída, sorria olhando para a mesma direção que eu olhava antes de encará-la, o céu. O sol estava quase se pondo, mas o céu ainda estava tão azul quanto brilhante. Jad. Era engraçado escutar alguém chamando o rei Jadson pelo apelido, mesmo que a pessoa em questão fosse a rainha.
- É realmente um presente maravilhoso, Majestade. - comentei, vendo-a olhar para mim sorrindo. Eu não conseguia entender como aquilo era possível. Eu e a rainha em um lugar como aquele, eu ainda era como qualquer outra Selecionada, afinal.
- Gostaria de um chá? - a rainha indicou uma das mesas do enorme terraço, onde uma mesa posta esperava por nós.
- Adoraria, obrigada, Majestade. - falei verdadeiramente. Quero dizer, não podia recusar um pedido como aquele, mas, na realidade, estava contente por ele ter existido. Estava contente por não estar mais naquela fria e assustadora sala. Ali, no jardim do terraço, era infinitamente melhor.
- Fico realmente feliz que tenha se saído tão bem na reunião, . - a rainha falou, sentando-se na cadeira à minha frente e nos servindo chá ela mesma. Aquilo me surpreendeu um pouco, achava que membros da realeza não eram capazes nem de servir o próprio chá.
- Eu não sei se fui tão bem assim, mas muito obrigada Majestade. - falei brincando um pouco, eu estava em dúvida se a rainha aceitaria minha leve intimidade, mas querendo ou não ela havia me levado sozinha para aquele lugar incrível. Parecia que ela confiava em mim, não?
- Acredite em mim, você foi. Minha primeira reunião com os assessores do senhor Henry - esse, pelo que eu lembrava dos estudos, era Henrique Francisco, o pai de Jadson, e obviamente o rei anterior a Vossa Majestade o rei Jadson. - foi muito mais desastrosa. Eles falavam de países que eu nem conhecia.
A rainha não parecia mais envergonhada, mas eu sabia que na época ela havia ficado. Mesmo que não fosse sua obrigação saber de algo que não lhe foi ensinado, pelo menos não as castas menores, eu tinha certeza que ela, na época, faria de tudo para saber o que eu sei. Esse era motivo de os reis gostarem tanto de mim, meus estudos, minha casta.
- Preciso admitir que graças a minha mãe, em geografia eu sou relativamente boa. - meio que resmunguei, vendo a rainha rir de leve.
- , realmente quero ser sincera com você. - a rainha começou mais informal. - me contou que foi a única coisa que pediu para ele e considerando a quantidade inimaginável de coisas que minha família tende a pedir para você, acredito que a senhorita realmente mereça minha sinceridade. O que a senhorita acha? - a rainha me olhava de forma graciosa, queria eu ser capaz de encarar alguém assim. Ela era formal e delicada, sincera e misteriosa. Não sabia explicar, mas era admirável.
- Eu apreciaria, Majestade. - comentei, sorrindo levemente.
- Fico feliz. - ela retribuiu e depois voltou a ficar séria. - Escolhemos você pelo que você sabe, então não tente menosprezar isso. Mesmo antes de lhe conhecer, eu e o rei já a tínhamos como favorita. Seus cursos, seus conhecimentos, sua educação e classe são extremamente necessários na atual situação do país. Você tem um vasto conhecimento em vários dos assuntos requeridos para uma princesa e rainha, é por esse motivo que teve seus estudos avançados. - ela sorriu, me vendo concordar. - É óbvio que meu filho não escolherá sua esposa devido a nossa opinião. , apesar de um filho muito obediente, não faria sua escolha apenas com base na opinião dos pais. - ela riu um pouco, parecendo surpresa com minha expressão que inevitavelmente mostrava uma discordância. - Não concorda?
- Desculpe. Não quero ofender a senhora, mas me escolheu porque foi obrigado, eu sei disso. Vossa Majestade não precisa fingir que não, eu estou ciente.
A rainha riu.
- Eu sei que a minha opinião, de Jad, do povo e dos rebeldes influenciou muito na opinião de . Mas eu conheço meus filhos, , e nenhum dos dois se casaria sem amor.
Pisquei algumas vezes. não me amava, eu sabia. Ele mesmo já tinha dito para mim.
- Eu… - eu ia responder, mas a imagem de aparecendo no jardim, vindo pela mesma escada que usamos, me interrompeu.
- Me desculpem. - ele disse assim percebeu que foi notado, fazendo com seu sua mãe virasse o rosto levemente em sua direção, já sorrindo. - Mas o pai precisa de você, mãe. - o príncipe sorriu, parecendo lamentar a interrupção, mas ao mesmo tempo achando a cena divertida.
- Claro. - a rainha assentiu e voltou-se para mim. - Me desculpe, , nosso tempo foi mais curto do que eu esperava. Mas eu gostaria que refletisse minhas palavras, às vezes as pessoas podem ter medo de assumir os sentimentos. - ela sorriu, cúmplice. - No mais, gostaria apenas de avisá-la, antes de me retirar, que eu cuidarei da educação de vocês pelos próximos dias, sem Mariee por aqui. Sendo assim, poderemos aprofundar ainda mais seus ensinamentos. Espero que esteja pronta para dias lotados. Lhe prometo que até amanhã já terei lido todos os relatórios que entregou a Mariee.
- Claro, Majestade. - eu ainda não conseguia entender exatamente o que ela queria insinuar. Será que não tinha sido sincero com a mãe? Será que ele havia tentado iludi-la, talvez para a mesma se sentir melhor? - Muito obrigada.
- Não se preocupe, querida. Obrigada pela companhia, a vejo pelos corredores. Com licença. - e se levantou. Eu fiz o mesmo, como mandava a etiqueta. - , por favor, faça companhia para a senhorita , ela mal teve tempo de tomar seu chá.
- Sim, senhora. - o príncipe parecia estar brincando com a mãe, arrancando um sorriso e um aperto no ombro carinhoso da rainha assim que a mesma passou por ele. Segui a rainha com os olhos, vendo-a seguir em direção às escadas, pois a enorme porta do corredor ficava, de forma estratégica, localizada no meio dos degraus.
- E então? Como foi? Você está bem? - ele perguntou, sentando-se na cadeira que antes estava a mãe.
- Sim. Quero dizer, acho que sim.
- Você foi muito bem. Parabéns.
- Não sei. Foi bem mais rápido do que eu imaginava.
- ajudou nisso, não é? Mas sinceramente, os relatórios de Mariee eram bem claros, aquilo foi mais para ver como você reagia a tudo.
- Eu suspeitei. - dei um sorriso cúmplice. - Mas e você? Como você está? Parece que não nos falamos há séculos. - falei, deixando para lá minhas suspeitas sobre os dizeres da rainha e encarando minha nova companhia. parecia o mesmo, talvez um pouco mais bronzeado, mas ainda o mesmo. E eu precisava admitir que apreciava essa familiaridade.
- Eu estou bem. - ele se ajeitou na cadeira, que mesmo sendo ideal para o lado externo, apesar de eu ter quase certeza que ali não chovia nunca, pois acreditava que a proteção espelhada não era móvel, era bem confortável. - E você? Não conversamos desde que, ah você sabe, a escolheu.
Ele tinha razão, eu não parava para conversar com o príncipe desde antes de ele viajar. Isto é, antes de ele oficializar seu namoro com Aurora, antes de , eu e Serena oficializarmos de vez a escolha do mais velho, até mesmo antes de eu e Aurora nos tornarmos mais próximas. Antes dos sulistas, do Chefe, do acordo que basicamente me prometia em casamento após a morte de todos eles e, claro, da morte de Mariee.
- ? Você está chorando? - ele perguntou, parecendo chocado com a ideia.
- Não, desculpe. - mas eu estava, talvez não chorando, mas com os olhos enchendo de água.
- O que aconteceu? Eu falei algo errado? Achei que você e estavam de acordo com isso. - eu sabia que continuaria falando sem parar, ele sempre fazia isso quando estava nervoso, por isso o interrompi.
- Nós estamos. Não é nada. - limpei os olhos, tirando quaisquer resquícios de lágrimas. - Os últimos dias foram turbulentos.
- Você quer conversar? - ele perguntou, tranquilo. Encarei o príncipe sentado de forma descontraída à minha frente. O príncipe que havia sido meu amigo desde o princípio, que havia me salvado no jardim no início da Seleção, aquele que me ajudou com os nortistas e que fingiu não me reconhecer. Sorri. era realmente meu amigo e eu estava feliz por isso.
- Você quer? - perguntei, erguendo a sobrancelha. - Você também não me contou sobre Aurora.
- Não tem o que contar. Segui seu conselho, falei com ela. Descobri que seus sentimentos por mim se igualavam aos meus por ela, ou quase. - ele riu da própria brincadeira. - Falei sobre a viagem e decidimos que o mais correto era oficializar. Ainda mais depois do seu combinado com meu irmão.
- Eu realmente fico muito feliz por vocês.
- Agradeço, . Eu literalmente agradeço por você existir, não sei como seria minha vida se Aurora fosse a escolhida. - olhou para longe por um instante, provavelmente pensando em como seria viver apaixonado pela mulher do irmão, já que se eu não me aliasse aos nortistas, eles dariam um jeito de colocar Aurora no meu lugar.
- Você não precisa se preocupar. - comentei. - Se tudo seguir os planos, eu e seremos um casal. Você só vai precisar me aturar na família. - eu sabia que não havia empolgação na minha voz, mas fiquei surpresa ao ver que também não havia sofrimento. Eu me casaria com e tudo bem.
- Como se eu já não estivesse pronto, não é? As chances eram bem altas.
- Você realmente achava que ele ia me escolher, certo? Desde o início, desde aquele primeiro dia no jardim. - encarei-o curiosa.
- Sim e não. Bem... É difícil. poderia realmente se apaixonar por outra mulher, claro. Mas depois que eu a conheci, eu soube. É como se você fosse, é difícil explicar, perfeita para isso.
- Você quer dizer que sempre soube que eu ia ser uma moeda política para a guerra civil e claramente isso faria seu irmão ser obrigado a se casar comigo? E que claro, eu seria perfeita com tantos aliados e algumas pessoas querendo me matar.
- … Você sabe o que eu quis dizer. Mas você realmente acha que a escolheu por isso?
- Você não acha?
- Não. Quero dizer. Sim. Mas…
Eu ri levemente.
- , eu não espero um conto de fadas. Não se preocupe. Se eu e conseguirmos conviver no mesmo espaço, já será o suficiente.
- Mentira.
- Como? - ergui uma sobrancelha, levemente chocada.
- Eu conheço você, . Pouco, mas conheço. Apesar de você não se abrir comigo, como eu fiz com você, o que é bem injusto, por sinal. Eu sei que você se importa. Eu sei que você veio para cá achando que seria uma propriedade do país e que temia por isso. Você mesma me contou.
- Bem, eu estava certa, não é? - senti minha voz trêmula. estava certo, eu temia me tornar exatamente o que havia me tornado. Uma propriedade. ficou quieto por um momento, ele parecia pensar.
- Você não deveria pensar assim…
- Como não? Eu sou, . Eu sou propriedade dos nortistas, dos sulistas, do seu irmão, pelo jeito até um pouco do seu pai e, adivinhe só, consegui me tornar propriedade do Chefe. - meus olhos se encheram de água novamente... Respirei fundo.
- Do Chefe? Do que você está falando? Não entendi, . O que aconteceu que eu não sei?
- Nada. Não aconteceu nada. Me desculpe, não quis soar tão insensível. Apesar de tudo, eu sei que vocês querem fazer o melhor por mim. - claro se isso não significar o pior para vocês, quis acrescentar.
- Você pode me contar, . Eu sou seu amigo, você sabe.
- Eu sei que é, mas é irmão de . Eu não posso lhe fazer escolher. E você também não pode me fazer escolher. Acho que precisa decidir o quanto compartilhar. - comentei, sentindo-me derrotada. - Eu agradeço, mas não faria isso com você. Conheço e entendo sua lealdade.
- Você tem um pouco de razão, mas ao mesmo tempo, , você precisa de alguém. Um confidente. Um amigo.
- Agradeço, mas eu estou bem. - ou pelo menos ficaria. - O que mais você pode me contar sobre Aurora? - sorri.
- Você é inacreditável. - ele comentou, revirando os olhos e cedendo a minha teimosia. Eu sorri, sabendo que já havia escutado aquela frase antes. Talvez eu fosse mesmo inacreditável. - Nós estamos bem mesmo, você não tem ideia de como senti saudades dela. Vamos esperar o juramento à bandeira antes de oficializar o noivado, mas quero fazer isso o quanto antes. Claro que o casamento precisa ser depois do de vocês, mas mesmo assim…
- Eu lamento que tenhamos que esperar a guerra... Digo, por vocês. - porque por mim eu não lamentava. Eu estava presa aquela esperança de ter tempo, de me acostumar com a ideia de ser princesa.
- Não se preocupe, nós estamos felizes o suficiente assim. Apesar de que ainda não tenho ideia de como pretende manter a Seleção e a guerra.
Respirei fundo.
- Eu não sei também. - comentei, mas pelo menos se ele morresse eu não seria rainha e meu trato com o Chefe não existiria. Eu seria apenas uma Selecionada qualquer de uma Seleção que não teria fim. E foi então que eu percebi. Como um estalo. Eu tive certeza que no instante em que anunciasse a guerra aos sulistas, meu trato teria fim e Drew poderia correr perigo novamente. Ou, talvez, eles achassem uma forma de me tornar rainha mesmo no meio do caos.
Eu estava ferrada.
- Os sulistas não vão deixar. - a frase escapou, percebi, enquanto encarava , que havia apenas verdades em minhas palavras. - Os sulistas não vão deixar a guerra acontecer sem o casamento. Eu garanti isso. Como sou estúpida.
- Do que você está falando?
- Acho que você finalmente vai ficar por dentro de tudo, . Precisamos conversar com Serena e . Eu vou atrás dela imediatamente. Você pode pedir para seu irmão te atualizar e depois nos encontrar?
- Por quê? Por que você não atualiza?
- Porque eu preciso falar com Serena agora. - falei, ficando de pé. - Você pode falar com para mim, ? Precisamos de uma reunião o mais rápido possível. Com Serena. Pode ser nos meus aposentos, caso seja mais discreto.
- O que está acontecendo, ? - ele ficou de pé.
- Eu vou explicar. Eu e . Mas você pode fazer isso?
- Claro. Ele deve sair da reunião com meus pais em poucos minutos.
- Perfeito. Estarei no meu quarto. - e então sai andando, mas na metade do caminho virei-me para , que permanecia em pé em frente a sua cadeira, me olhando sem entender nada. - Obrigada. - e então acelerei o passo.
***
Eu estava torcendo para Serena estar no seu quarto quando bati. E ela estava, ainda por cima, para minha sorte, sozinha, pois ela mesma abriu a porta.
- ? Tudo bem?
- Não. Quero dizer, por enquanto sim, mas preciso de um favor seu.
- Entre.
Entrei. Parando no centro do quarto de Serena, que tinha a distribuição dos móveis idêntica ao meu, e a encarando enquanto a mesma fechava a porta. Eu estava impaciente. Serena, por outro lado, parecia curiosa, me analisando friamente por alguns segundos, eu sabia que ela estava tentando entender o motivo de eu estar ali antes mesmo de eu externa-lo.
- Antes que você comece, preciso te dizer que eu tinha razão. Parece que o Chefe realmente gosta de você.
Fiquei chocada. Por um segundo esqueci de tudo o que tinha ido fazer. Não podia ser verdade. Podia? Eu…
- Como você pode ter certeza?
- Sinceramente? Tenho um homem infiltrado. As informações são que ele só fala sobre você e que todas as estratégias são sobre você
- Mas isso não significa nada. Ele pode só querer o trono.
- Isso acontece desde antes da sua ideia. Acredite, . Se aquele homem é capaz de algo do tipo amar, eu diria que você é a pessoa que chegou mais próximo disso.
- Eu… Isso não importa - falei por fim, sabendo que meu cérebro queria ignorar aquela informação porque não sabia o que fazer com ela. - O que isso muda afinal?
- Temos duas opções: você pode manipulá-lo ou ele pode se "insinuar" para você. - Serena realmente fez aspas com os dedos. Eu entendi. Insinuar estava mais para o tipo me agarrar à força, mas ele não faria isso. Não fez até aquele momento, nem mesmo quando estávamos sozinhos. Ele sabia que não me ganharia assim. Foi o que eu me fiz acreditar, pelo menos
- Não vai acontecer nenhum dos dois. Sério. - Serena claramente não concordava comigo. - Mas não foi por isso que eu vim. Eu preciso de um favor.
- Certo, comece.
E então eu lhe contei o que havia me ocorrido minutos antes. Sobre como eu finalmente tinha certeza que de alguma forma meu trato com os sulistas seria desfeito.
- Eu concordo com você. Eu também acho que eles vão acabar com o acordo e matar Drew em resposta ou simplesmente achar uma forma de fazer um casamento em meio a guerra, caso eles pensem que a guerra não tem nada a ver com você. - ela parecia pensar - Mas qual seria o favor?
- Quero que proteja Drew.
Ela sorriu, deixando claro que já esperava por aquilo.
- E o que eu ganharia em troca?
Aquilo me surpreendeu por um instante, mas era claro que Serena não faria de graça. Mesmo eu estando ao seu lado, mesmo ela sendo alguém em quem eu confiava, pelo menos parcialmente, ela não saia distribuindo favores.
- Ganha um homem de confiança. Um homem que você não pode colocar no campo de batalha, mas que pode usar para diversos outros fins. Alguém que conhece, pelo menos um pouco, os sulistas. - tentei. - Drew não é exatamente inútil, é?
- Concordo. Mas não é o suficiente.
- O que você quer? Não tem nada que eu possa oferecer, Serena.
- Quero que me torne uma confidente sua. Dama de companhia. Ou sei lá que nome você prefere usar. Quero que me mantenha próxima quando for rainha. Parte da corte.
- Você vai largar a chefia dos nortistas? - eu não consegui esconder a surpresa.
- Não. Vou continuar. Mas serei bem-vinda no castelo sempre. Claro que terei que me ausentar por alguns dias, mas quem liga? Você pode ter várias damas de companhia.
- Tudo bem. Combinado.
- Sério?
- Eu gosto e até confio em você, Serena. Não tenho motivos para não querê-la por perto. Além disso, como você disse, posso ter várias damas de companhia.
- Parece bom. E você tem razão, Drew pode ser útil. Acho que será um acordo bom para as duas. - ela sorriu, estendendo a mão. Que eu apertei. Sem nem hesitar.
- Obrigada. - sorri, me sentindo bem por fazer meu segundo acordo com os rebeldes, bem, pelo menos o segundo que era totalmente responsabilidade minha. Esperava que pelo menos esse fosse mais bem sucedido. Percebi, poucos minutos depois, já nos meus aposentos à espera dos príncipes, que era o segundo acordo que fazia com os rebeldes por causa de Drew. Esperava que não se preocupasse com isso.
***
- Eu não consigo acreditar que ela fez isso. - escutamos a voz de por trás da porta. Serena me encarou sugestiva, claramente ninguém conseguia acreditar no meu acordo. A mulher, entretanto, era a que parecia mais desacreditada com tamanha burrice. Serena já esteve nas mãos dos sulistas e eu sabia que ela tinha medo por mim, mas eu estava incrivelmente mais confiante nesse assunto. Estava tão certa quanto do que me ocorreu mais cedo. A Seleção não sobreviveria à guerra.
Abri a porta quase no instante em que bateu na mesma, fazendo-o sorrir levemente ao cumprimentar-me.
- , como está?
- Bem, obrigada. Por favor, entrem.
- Altezas. - Serena cumprimentou, fazendo, mesmo que discretamente, uma reverência. O que eu sabia que era muito para ela. Pelo jeito Serena estava mais feliz com sua monarquia no momento.
- Senhora Serena, lhe apresento meu irmão, príncipe . - apresentou-os, me fazendo notar só naquele momento que nunca havia visto Serena, com exceção do enterro de Mariee e, pelo que eu sabia, essa era a terceira vez que e a rebelde estavam no mesmo cômodo. Afinal Serena, desde que a família real voltou, estava estrategicamente fora durante a maior parte do dia.
- Por favor, sentem-se. - indiquei a mesa, que apesar de pequena, era o suficiente para quatro pessoas.
- Então, , por que estamos aqui? - perguntou enquanto se sentava, sendo completamente direto.
- Percebi que a guerra e a Seleção não acontecerão ao mesmo tempo. - resolvi ser direta também.
- Por que você acha isso? - parecia ter sido atualizado, mas as coisas ainda lhe eram confusas.
- Por causa do trato. - respondi, vendo que parecia pensar e, assim como Serena, concordar comigo. - Assim que a guerra for anunciada os sulistas terão duas opções: me declarar uma traidora ou aceitar que eu não tenho nenhuma escolha nisso e se apressar para me tornar rainha.
- Eu voto na segunda opção. - Serena comentou, encarando a xícara de chá que eu havia entregue a todos.
- Algum motivo específico, Serena? - parecia realmente um homem de negócios sentado à mesa, assim que fez a pergunta levou sua xícara a boca, encarando de forma analítica a rebelde.
- Eu acredito, e tenho fontes, - Serena acrescentou, encarando-me. - que o Chefe dos sulistas tenha um interesse a mais em sua princesa.
- Como? - era o mais surpreso, o que me deixou um pouco confusa.
- Não acho que seja bem assim… - tentei.
- O Chefe só fala sobre desde o primeiro contato. Agora, então… - ela deixou no ar. encarava a mesa, pensativo. parecia chocado, olhando ora para mim, ora para o irmão, enquanto eu apenas esperava reagir.
- Eu também acredito que seja a segunda opção. - ele disse, olhando para Serena e então para mim. - Na realidade, eu torço para que seja ela. Mas não podemos negar que existe a possibilidade de os sulistas considerarem você uma inimiga assim que anunciarmos a guerra, .
- Eu sei. - suspirei.
- Mas nós vamos trancar as Selecionadas aqui em meio a guerra, não acho que eles terão forças para invadir o castelo apenas para atacar . - argumentou. - Agora se for a segunda opção… Vocês realmente acham que aquele homem seria capaz de gostar da ?
- Sim. - Serena respondeu ao mesmo tempo que eu disse não, o que fez rir fraco.
- Vamos nos ater aos fatos: - o príncipe herdeiro respondeu o irmão - temos que oficializar com o pai como faremos a segurança das meninas aqui, incluindo Aurora. E teremos que achar uma forma de deixar incomunicável caso eles resolvam tramar com ela uma forma de se casar.
- Incomunicável? - suspirei, já prevendo o que aquilo significava.
Respirei fundo, já estava no segundo lance de escadas, dali conseguia ver um guarda me esperando no final da mesma. Achei que estaria pelo menos me esperando ali, mas não. Apesar do príncipe ter dito no dia anterior que eu precisaria me encontrar com seu pai e seus assessores para explicar tudo que acontecia com os sulistas, já que Mariee não havia passado todas as informações, ele não me ajudou muito. Talvez fosse sua forma de se revoltar contra minha ação a favor de Drew.
Drew para quem eu havia ligado. Bem, na verdade havia ligado para minha irmã, que com seu telefone chique, já que o marido era o Prefeito, conseguiu transferir para a casa de Drew. Meu amigo estava meio bravo, estranho e distante, mas estava bem. Estava salvo e vivo em casa. Pelo menos por enquanto.
- Boa tarde, senhorita. - o guarda cumprimentou-me, fazendo um aceno de cabeça. - O rei está lhe esperando.
- Boa tarde. - sorri. Me esperando? Será que eu estava atrasada? - Poderia me dizer onde exatamente, por favor? - brinquei, afinal eu não sabia onde o rei estava me esperando.
- Por aqui. - ele disse baixo, sorrindo devido as minhas palavras. E então o guarda seguiu corredor adentro, me fazendo acompanhá-lo de perto. Passamos por algumas portas fechadas, mas o que realmente chamou minha atenção foi a escada, de poucos degraus, localizada no final do corredor, a qual levava até uma porta dupla, que também permanecia fechada. Eu não conseguia entender o sentido de uma escada que levava a uma porta, era algo sem lógica para mim. Pensei em perguntar para o guarda o que havia atrás daquela porta, mas no mesmo instante ele me indicou outra, ao meu lado, batendo nela levemente.
- Entre. - ouvimos uma voz lá dentro, provavelmente do rei.
O guarda me olhou e sorriu, acho que estava claro na minha expressão meu nervosismo, pois ele parecia querer me encorajar. Sorri de volta, encarando a porta fechada e respirando fundo duas vezes. Não podia ser tão ruim, podia? Após verificar que eu estava pronta, o homem ao meu lado abriu a porta devagar, revelando-me uma sala muito diferente do que eu esperava. Quero dizer, eu sabia que era uma sala de reuniões, mas poxa, era uma sala de reuniões em um castelo, eu esperava, sei lá, um quadro do rei, madeira em todos os cantos, um lustre de perder o fôlego, mas aquele lugar parecia mais aquelas salas secretas tipo bunkers que apareciam nos filmes antigos, era tudo feito de metal.
Até que percebi o motivo, aquilo estava praticamente pronto para se tornar um abrigo, o que era bastante inteligente, se pensássemos bem. Apesar da enorme mesa no centro, eu sabia que ali caberiam muitas pessoas de forma confortável caso necessário e como não havia nenhuma janela, estava claro que o único ponto sensível era a porta pela qual passei, tornando, pelo menos na minha mente, muito rápido fortificar o lugar.
E então eu dei atenção para as pessoas sentadas ali, na enorme mesa. Me olhando sem nenhum disfarce, estavam a família real e cerca de dez homens bem vestidos. E absolutamente nenhum guarda. A rainha sorriu para mim, confortando, mesmo que pouco, aquela visão amedrontante. Escutei quando o guarda atrás de mim fechou a porta.
- Senhorita . - o rei me cumprimentou, sorrindo. Assim como os demais, ele estava em frente a sua cadeira, de pé, na ponta da mesa, alguns metros longe de mim. - Por favor sente-se. - ele pediu, me indicando a única cadeira vazia na longa mesa, estrategicamente posicionada no extremo oposto a sua, na ponta de mesa oval.
- Boa tarde. - falei, fazendo uma reverência para ele e sua família. estava em um dos lados do pai e sorria para mim, já estava ao seu lado, também sorrindo, enquanto a rainha permanência do outro lado do rei, segurando sua mão. - Obrigada pelo convite. - falei, dando poucos passos até a cadeira indicada, o assessor que sentaria ao meu lado fez a gentileza de puxá-la para mim. Assim que me sentei, todos o fizeram, menos o homem atrás de mim, claro. Ele ajeitou a poltrona de forma confortável para mim e foi em direção a sua, ao meu lado direito.
- Eu que agradeço sua disponibilidade, senhorita. - ele disse formal, mas simpático. O rei estava sendo realmente legal comigo, dentro de seus poderes. - Sabemos que os últimos dias não foram fáceis para a senhorita, mas sem a senhora Descarts por aqui… Imagino que saiba por que está aqui.
- Sim, eu sei, Majestade. - assenti ao mesmo tempo que respondi, arrumando minha postura e cruzando os dedos das mãos em cima do colo. Precisava parar de tremer. Apesar de ser levemente, a tremedeira me deixava ainda mais nervosa.
- Antes de começarmos, gostaria de agradecer a senhorita por tudo. - olhei surpresa para o rei. - A senhorita está realmente sendo uma peça chave na comunicação e organização da nossa ação contra os sulistas. - apesar de o rei ainda manter o tom positivo e as palavras suaves, senti uma pequena irritação em suas palavras. Mas eu entendia. Eu realmente estava no meio de tudo aquilo e, bem, ele não confiava em mim.
- Não se preocupe, Majestade. Estou aqui para servi-lo. - respondi com a voz doce, baixando os olhos e a cabeça levemente em sinal de submissão. Apesar de jamais me imaginar naquela situação, minha mãe havia me deixado preparada para aquilo. Era óbvio que o único motivo para eu estar naquele lugar era a educação de minha mãe, mas mesmo assim estava feliz por saber como me portar.
- Certo. Ótimo. - o rei disse, claramente satisfeito. Respirei. Estava indo bem. - Então acredito que podemos começar, espero que a senhorita entenda que temos algumas perguntas.
- Sim, claro.
- Frederico, por favor. - o rei foi mais firme, mais real ao dar a voz ao homem sentando bem no centro da mesa, do lado direito.
- Boa tarde, senhorita . - ele começou, apesar de seu tom menos cordial que o do rei, eu sabia que ele estava se esforçando para ser formal e, quem sabe, legal com sua possível futura princesa. - Tivemos acesso a algumas das anotações de Mariee, - percebi sua intimidade com ela. - mas ainda temos algumas dúvidas. Poderia, por favor, me explicar como os sulistas são responsáveis pela morte dela?
Engoli em seco. Direto ao ponto, não é?
- Bem. Quando fui me encontrar com os sulistas no meio da floresta descobri que eles não tinham exatamente o plano que imaginamos. O Chefe, como ele se intitula, não queria uma espiã para, bem, dedurar o que os senhores faziam, eles queriam… - parei ali, como eu poderia contar aquilo. Era completamente estranho.
- Torná-la princesa. - Frederico falou como se me apressasse. - Isso já sabemos. Continue, por gentileza.
- Usei, como argumento, que seria impossível. Falei que o príncipe nem estava no castelo, devido a viagem. Não tinha nada que eles fizessem que, bem, me tornaria princesa. Saí da reunião com a promessa de que eles pensariam em algo e me deixariam a par. Eu, inclusive, falei que estava disposta a ajudar em sua ideia, achei que assim eles seriam sinceros comigo, mas não foram. - falei, sentindo a voz pesar. Achei que já tinha superado o fato de Mariee estar morta por minha causa, mas claramente ainda era um assunto delicado. - Na manhã seguinte houve o ataque.
Parei, eu não podia chorar na frente de todos aqueles homens. Sério. Eles já deviam me achar patética o suficiente, eu precisava mostrar o mínimo de dignidade, já que possivelmente seria sua princesa e, um dia, rainha.
- Entendemos. Então a senhorita não fazia ideia do que aconteceria? - Frederico perguntou, todos ali pareciam me encarar para pegar qualquer reação minha.
- Não. - falei firme. - É claro que eu não fazia ideia, eu teria avisado imediatamente. Eu sinto realmente muito por não ter percebido nada. - senti uma pequena lágrima escorrer pelo meu rosto, mas eu estava bem. Minha voz não falhava. - Acredito que o relatório que fizemos sobre as Selecionadas foi o que lhes deu a ideia. Ou, no mínimo, a oportunidade.
- Relatório feito por Mariee. - o príncipe acrescentou, me fazendo encara-lo. Por um momento esqueci que ele estava ali. sorria de forma discreta, incentivando-me e de alguma forma querendo dizer que eu estava indo bem, que estava tudo bem. Mas eu não tinha tanta certeza assim. Quero dizer, eu esperava por aquilo, mas ainda assim era assustador. Provavelmente nenhum dos assessores acreditava em mim e, pelo que eu sabia, todos eles haviam me enviado de bandeja para os sulistas.
- Certo. - Frederico anotou algo em um papel que estava em cima da mesa. Percebi, naquele momento, que todos tinham os seus. Digo, seus papéis em cima da mesa. - E sobre o local das reuniões, pelas anotações, eles estavam dentro dos muros do castelo. Poderia ser mais precisa?
- Infelizmente não. Nós caminhamos cerca de 20 minutos, mas nunca pelo mesmo caminho ou de forma reta. Eu acredito que seja dentro do castelo, pois não passamos por nenhum portão ou muro. Mas a parte que eu estava… A mata é muito fechada, mesmo. Eles tinham móveis, uma fogueira… Nunca vi um acampamento, mas não acredito que tenham levado tantas coisas em um único dia.
- Compreendo. Mariee anotou a quantidade de homens, comentou sobre reuniões e os relatórios. - Frederico ainda repassava os vários papéis que tinha em mãos. - E quem levava a senhorita para a reunião? Mariee disse que era alguém vestido de soldado.
- Sim. - falei, temendo meu próximo passo. Eu falaria a verdade sobre Drew? Bem, não poderia mentir, não é?
- Não é ninguém que conhecemos. - interveio, parecendo, para mim pelo menos, um pouco suspeito. Mas ele sabia que eu diria a verdade. Algo que provavelmente não queria. – Desculpe, senhores, mas acho que precisa de uma pausa.
Sabia que todos os olhos estavam na direção do príncipe. Ninguém ali parecia concordar com suas palavras, mas e daí? Eu era uma Selecionada e na Seleção a palavra de sobressaia.
- Na realidade... - ele arrumou a postura. - Acredito que finalizamos com ela hoje. Gostaria de tratar outro assunto com vocês. - ele estava firme, real, sério e nem um pouco nervoso. Aquilo claramente lhe era natural.
Passei os olhos pelas outras pessoas no salão. encarava o irmão impressionado, surpreso e um tanto orgulhoso. Assim como a rainha, parecendo admirada pela atitude do filho. Já os assessores pareciam menos felizes com a interrupção, mas incapazes de falar algo contra seu príncipe. O rei tinha a expressão completamente neutra, era como se ele analisasse , como se tentasse descobrir o que estava havendo. Percebi, que talvez aquela atitude que parecia-me tão natural ao príncipe, fosse, na realidade, uma novidade para as pessoas sentadas à mesa.
- Tudo bem. - o rei pareceu dar-se por vencido e aceitar as escolhas do príncipe. - Acredito que você tenha razão quanto a senhorita e compreendo que ainda temos muito o que discutir.
- Obrigado. - o príncipe agradeceu ao pai, parecendo satisfeito e feliz pela escolha do rei. - Mãe, - ele olhou para a rainha, que ainda sorria para ele. - poderia levar para dar uma volta, por gentileza?
- Será um prazer. - a rainha disse, ficando de pé. O que fez com que todos os homens da mesa fizessem o mesmo. Se a rainha se levantava, todos se levantavam. O que me deixou sendo a única pessoa sentada. Fiquei de pé.
- Obrigada, senhores. Tenham uma boa reunião. - ela anunciou, apertando a mão do marido, que permanecia apoiada sobre a mesa, em sinal de afeto e despedida e então olhou para mim. - Vamos, querida?
- Claro. - sorri, confusa com tudo o que estava acontecendo. Já havíamos mesmo acabado? Eu estava ali para apenas responder que não sabia sobre o ataque? Era um teste? Me afastei da mesa assim que a rainha se aproximou, fazendo uma reverência para o rei e os príncipes antes de sair acompanhada da mulher mais poderosa do reino.
- Obrigado, senhorita . Acredito que ainda teremos muito o que conversar. - o rei disse enquanto eu passava pela porta. Não pude responder, pois a mesma foi fechada atrás de mim e da rainha, mas fiquei feliz por aquilo. Afinal estava na dúvida se o rei estava sendo gentil ou ameaçador.
- Aqui é incrível. - eu estava realmente admirada, jamais cheguei a pensar que aquela escadinha no final do corredor, com a porta enorme, levava para um jardim externo protegido. Nunca tinha visto nada igual. Ali, em cima de uma das lajes do castelo, havia um jardim praticamente completo, com direito a chafariz, mesinhas e flores lindas, tudo isso com uma espécie de doma completamente feita de espelhos, algo que descobri depois. Olhando de fora, aquele lugar era quase inexistente, escondido com espelhos blindados de última geração. Aquele lugar que parecia frágil era quase uma fortaleza.
- É lindo, não é? Pedi para Jad de presente em um dos nossos aniversários. - a rainha estava completamente descontraída, sorria olhando para a mesma direção que eu olhava antes de encará-la, o céu. O sol estava quase se pondo, mas o céu ainda estava tão azul quanto brilhante. Jad. Era engraçado escutar alguém chamando o rei Jadson pelo apelido, mesmo que a pessoa em questão fosse a rainha.
- É realmente um presente maravilhoso, Majestade. - comentei, vendo-a olhar para mim sorrindo. Eu não conseguia entender como aquilo era possível. Eu e a rainha em um lugar como aquele, eu ainda era como qualquer outra Selecionada, afinal.
- Gostaria de um chá? - a rainha indicou uma das mesas do enorme terraço, onde uma mesa posta esperava por nós.
- Adoraria, obrigada, Majestade. - falei verdadeiramente. Quero dizer, não podia recusar um pedido como aquele, mas, na realidade, estava contente por ele ter existido. Estava contente por não estar mais naquela fria e assustadora sala. Ali, no jardim do terraço, era infinitamente melhor.
- Fico realmente feliz que tenha se saído tão bem na reunião, . - a rainha falou, sentando-se na cadeira à minha frente e nos servindo chá ela mesma. Aquilo me surpreendeu um pouco, achava que membros da realeza não eram capazes nem de servir o próprio chá.
- Eu não sei se fui tão bem assim, mas muito obrigada Majestade. - falei brincando um pouco, eu estava em dúvida se a rainha aceitaria minha leve intimidade, mas querendo ou não ela havia me levado sozinha para aquele lugar incrível. Parecia que ela confiava em mim, não?
- Acredite em mim, você foi. Minha primeira reunião com os assessores do senhor Henry - esse, pelo que eu lembrava dos estudos, era Henrique Francisco, o pai de Jadson, e obviamente o rei anterior a Vossa Majestade o rei Jadson. - foi muito mais desastrosa. Eles falavam de países que eu nem conhecia.
A rainha não parecia mais envergonhada, mas eu sabia que na época ela havia ficado. Mesmo que não fosse sua obrigação saber de algo que não lhe foi ensinado, pelo menos não as castas menores, eu tinha certeza que ela, na época, faria de tudo para saber o que eu sei. Esse era motivo de os reis gostarem tanto de mim, meus estudos, minha casta.
- Preciso admitir que graças a minha mãe, em geografia eu sou relativamente boa. - meio que resmunguei, vendo a rainha rir de leve.
- , realmente quero ser sincera com você. - a rainha começou mais informal. - me contou que foi a única coisa que pediu para ele e considerando a quantidade inimaginável de coisas que minha família tende a pedir para você, acredito que a senhorita realmente mereça minha sinceridade. O que a senhorita acha? - a rainha me olhava de forma graciosa, queria eu ser capaz de encarar alguém assim. Ela era formal e delicada, sincera e misteriosa. Não sabia explicar, mas era admirável.
- Eu apreciaria, Majestade. - comentei, sorrindo levemente.
- Fico feliz. - ela retribuiu e depois voltou a ficar séria. - Escolhemos você pelo que você sabe, então não tente menosprezar isso. Mesmo antes de lhe conhecer, eu e o rei já a tínhamos como favorita. Seus cursos, seus conhecimentos, sua educação e classe são extremamente necessários na atual situação do país. Você tem um vasto conhecimento em vários dos assuntos requeridos para uma princesa e rainha, é por esse motivo que teve seus estudos avançados. - ela sorriu, me vendo concordar. - É óbvio que meu filho não escolherá sua esposa devido a nossa opinião. , apesar de um filho muito obediente, não faria sua escolha apenas com base na opinião dos pais. - ela riu um pouco, parecendo surpresa com minha expressão que inevitavelmente mostrava uma discordância. - Não concorda?
- Desculpe. Não quero ofender a senhora, mas me escolheu porque foi obrigado, eu sei disso. Vossa Majestade não precisa fingir que não, eu estou ciente.
A rainha riu.
- Eu sei que a minha opinião, de Jad, do povo e dos rebeldes influenciou muito na opinião de . Mas eu conheço meus filhos, , e nenhum dos dois se casaria sem amor.
Pisquei algumas vezes. não me amava, eu sabia. Ele mesmo já tinha dito para mim.
- Eu… - eu ia responder, mas a imagem de aparecendo no jardim, vindo pela mesma escada que usamos, me interrompeu.
- Me desculpem. - ele disse assim percebeu que foi notado, fazendo com seu sua mãe virasse o rosto levemente em sua direção, já sorrindo. - Mas o pai precisa de você, mãe. - o príncipe sorriu, parecendo lamentar a interrupção, mas ao mesmo tempo achando a cena divertida.
- Claro. - a rainha assentiu e voltou-se para mim. - Me desculpe, , nosso tempo foi mais curto do que eu esperava. Mas eu gostaria que refletisse minhas palavras, às vezes as pessoas podem ter medo de assumir os sentimentos. - ela sorriu, cúmplice. - No mais, gostaria apenas de avisá-la, antes de me retirar, que eu cuidarei da educação de vocês pelos próximos dias, sem Mariee por aqui. Sendo assim, poderemos aprofundar ainda mais seus ensinamentos. Espero que esteja pronta para dias lotados. Lhe prometo que até amanhã já terei lido todos os relatórios que entregou a Mariee.
- Claro, Majestade. - eu ainda não conseguia entender exatamente o que ela queria insinuar. Será que não tinha sido sincero com a mãe? Será que ele havia tentado iludi-la, talvez para a mesma se sentir melhor? - Muito obrigada.
- Não se preocupe, querida. Obrigada pela companhia, a vejo pelos corredores. Com licença. - e se levantou. Eu fiz o mesmo, como mandava a etiqueta. - , por favor, faça companhia para a senhorita , ela mal teve tempo de tomar seu chá.
- Sim, senhora. - o príncipe parecia estar brincando com a mãe, arrancando um sorriso e um aperto no ombro carinhoso da rainha assim que a mesma passou por ele. Segui a rainha com os olhos, vendo-a seguir em direção às escadas, pois a enorme porta do corredor ficava, de forma estratégica, localizada no meio dos degraus.
- E então? Como foi? Você está bem? - ele perguntou, sentando-se na cadeira que antes estava a mãe.
- Sim. Quero dizer, acho que sim.
- Você foi muito bem. Parabéns.
- Não sei. Foi bem mais rápido do que eu imaginava.
- ajudou nisso, não é? Mas sinceramente, os relatórios de Mariee eram bem claros, aquilo foi mais para ver como você reagia a tudo.
- Eu suspeitei. - dei um sorriso cúmplice. - Mas e você? Como você está? Parece que não nos falamos há séculos. - falei, deixando para lá minhas suspeitas sobre os dizeres da rainha e encarando minha nova companhia. parecia o mesmo, talvez um pouco mais bronzeado, mas ainda o mesmo. E eu precisava admitir que apreciava essa familiaridade.
- Eu estou bem. - ele se ajeitou na cadeira, que mesmo sendo ideal para o lado externo, apesar de eu ter quase certeza que ali não chovia nunca, pois acreditava que a proteção espelhada não era móvel, era bem confortável. - E você? Não conversamos desde que, ah você sabe, a escolheu.
Ele tinha razão, eu não parava para conversar com o príncipe desde antes de ele viajar. Isto é, antes de ele oficializar seu namoro com Aurora, antes de , eu e Serena oficializarmos de vez a escolha do mais velho, até mesmo antes de eu e Aurora nos tornarmos mais próximas. Antes dos sulistas, do Chefe, do acordo que basicamente me prometia em casamento após a morte de todos eles e, claro, da morte de Mariee.
- ? Você está chorando? - ele perguntou, parecendo chocado com a ideia.
- Não, desculpe. - mas eu estava, talvez não chorando, mas com os olhos enchendo de água.
- O que aconteceu? Eu falei algo errado? Achei que você e estavam de acordo com isso. - eu sabia que continuaria falando sem parar, ele sempre fazia isso quando estava nervoso, por isso o interrompi.
- Nós estamos. Não é nada. - limpei os olhos, tirando quaisquer resquícios de lágrimas. - Os últimos dias foram turbulentos.
- Você quer conversar? - ele perguntou, tranquilo. Encarei o príncipe sentado de forma descontraída à minha frente. O príncipe que havia sido meu amigo desde o princípio, que havia me salvado no jardim no início da Seleção, aquele que me ajudou com os nortistas e que fingiu não me reconhecer. Sorri. era realmente meu amigo e eu estava feliz por isso.
- Você quer? - perguntei, erguendo a sobrancelha. - Você também não me contou sobre Aurora.
- Não tem o que contar. Segui seu conselho, falei com ela. Descobri que seus sentimentos por mim se igualavam aos meus por ela, ou quase. - ele riu da própria brincadeira. - Falei sobre a viagem e decidimos que o mais correto era oficializar. Ainda mais depois do seu combinado com meu irmão.
- Eu realmente fico muito feliz por vocês.
- Agradeço, . Eu literalmente agradeço por você existir, não sei como seria minha vida se Aurora fosse a escolhida. - olhou para longe por um instante, provavelmente pensando em como seria viver apaixonado pela mulher do irmão, já que se eu não me aliasse aos nortistas, eles dariam um jeito de colocar Aurora no meu lugar.
- Você não precisa se preocupar. - comentei. - Se tudo seguir os planos, eu e seremos um casal. Você só vai precisar me aturar na família. - eu sabia que não havia empolgação na minha voz, mas fiquei surpresa ao ver que também não havia sofrimento. Eu me casaria com e tudo bem.
- Como se eu já não estivesse pronto, não é? As chances eram bem altas.
- Você realmente achava que ele ia me escolher, certo? Desde o início, desde aquele primeiro dia no jardim. - encarei-o curiosa.
- Sim e não. Bem... É difícil. poderia realmente se apaixonar por outra mulher, claro. Mas depois que eu a conheci, eu soube. É como se você fosse, é difícil explicar, perfeita para isso.
- Você quer dizer que sempre soube que eu ia ser uma moeda política para a guerra civil e claramente isso faria seu irmão ser obrigado a se casar comigo? E que claro, eu seria perfeita com tantos aliados e algumas pessoas querendo me matar.
- … Você sabe o que eu quis dizer. Mas você realmente acha que a escolheu por isso?
- Você não acha?
- Não. Quero dizer. Sim. Mas…
Eu ri levemente.
- , eu não espero um conto de fadas. Não se preocupe. Se eu e conseguirmos conviver no mesmo espaço, já será o suficiente.
- Mentira.
- Como? - ergui uma sobrancelha, levemente chocada.
- Eu conheço você, . Pouco, mas conheço. Apesar de você não se abrir comigo, como eu fiz com você, o que é bem injusto, por sinal. Eu sei que você se importa. Eu sei que você veio para cá achando que seria uma propriedade do país e que temia por isso. Você mesma me contou.
- Bem, eu estava certa, não é? - senti minha voz trêmula. estava certo, eu temia me tornar exatamente o que havia me tornado. Uma propriedade. ficou quieto por um momento, ele parecia pensar.
- Você não deveria pensar assim…
- Como não? Eu sou, . Eu sou propriedade dos nortistas, dos sulistas, do seu irmão, pelo jeito até um pouco do seu pai e, adivinhe só, consegui me tornar propriedade do Chefe. - meus olhos se encheram de água novamente... Respirei fundo.
- Do Chefe? Do que você está falando? Não entendi, . O que aconteceu que eu não sei?
- Nada. Não aconteceu nada. Me desculpe, não quis soar tão insensível. Apesar de tudo, eu sei que vocês querem fazer o melhor por mim. - claro se isso não significar o pior para vocês, quis acrescentar.
- Você pode me contar, . Eu sou seu amigo, você sabe.
- Eu sei que é, mas é irmão de . Eu não posso lhe fazer escolher. E você também não pode me fazer escolher. Acho que precisa decidir o quanto compartilhar. - comentei, sentindo-me derrotada. - Eu agradeço, mas não faria isso com você. Conheço e entendo sua lealdade.
- Você tem um pouco de razão, mas ao mesmo tempo, , você precisa de alguém. Um confidente. Um amigo.
- Agradeço, mas eu estou bem. - ou pelo menos ficaria. - O que mais você pode me contar sobre Aurora? - sorri.
- Você é inacreditável. - ele comentou, revirando os olhos e cedendo a minha teimosia. Eu sorri, sabendo que já havia escutado aquela frase antes. Talvez eu fosse mesmo inacreditável. - Nós estamos bem mesmo, você não tem ideia de como senti saudades dela. Vamos esperar o juramento à bandeira antes de oficializar o noivado, mas quero fazer isso o quanto antes. Claro que o casamento precisa ser depois do de vocês, mas mesmo assim…
- Eu lamento que tenhamos que esperar a guerra... Digo, por vocês. - porque por mim eu não lamentava. Eu estava presa aquela esperança de ter tempo, de me acostumar com a ideia de ser princesa.
- Não se preocupe, nós estamos felizes o suficiente assim. Apesar de que ainda não tenho ideia de como pretende manter a Seleção e a guerra.
Respirei fundo.
- Eu não sei também. - comentei, mas pelo menos se ele morresse eu não seria rainha e meu trato com o Chefe não existiria. Eu seria apenas uma Selecionada qualquer de uma Seleção que não teria fim. E foi então que eu percebi. Como um estalo. Eu tive certeza que no instante em que anunciasse a guerra aos sulistas, meu trato teria fim e Drew poderia correr perigo novamente. Ou, talvez, eles achassem uma forma de me tornar rainha mesmo no meio do caos.
Eu estava ferrada.
- Os sulistas não vão deixar. - a frase escapou, percebi, enquanto encarava , que havia apenas verdades em minhas palavras. - Os sulistas não vão deixar a guerra acontecer sem o casamento. Eu garanti isso. Como sou estúpida.
- Do que você está falando?
- Acho que você finalmente vai ficar por dentro de tudo, . Precisamos conversar com Serena e . Eu vou atrás dela imediatamente. Você pode pedir para seu irmão te atualizar e depois nos encontrar?
- Por quê? Por que você não atualiza?
- Porque eu preciso falar com Serena agora. - falei, ficando de pé. - Você pode falar com para mim, ? Precisamos de uma reunião o mais rápido possível. Com Serena. Pode ser nos meus aposentos, caso seja mais discreto.
- O que está acontecendo, ? - ele ficou de pé.
- Eu vou explicar. Eu e . Mas você pode fazer isso?
- Claro. Ele deve sair da reunião com meus pais em poucos minutos.
- Perfeito. Estarei no meu quarto. - e então sai andando, mas na metade do caminho virei-me para , que permanecia em pé em frente a sua cadeira, me olhando sem entender nada. - Obrigada. - e então acelerei o passo.
Eu estava torcendo para Serena estar no seu quarto quando bati. E ela estava, ainda por cima, para minha sorte, sozinha, pois ela mesma abriu a porta.
- ? Tudo bem?
- Não. Quero dizer, por enquanto sim, mas preciso de um favor seu.
- Entre.
Entrei. Parando no centro do quarto de Serena, que tinha a distribuição dos móveis idêntica ao meu, e a encarando enquanto a mesma fechava a porta. Eu estava impaciente. Serena, por outro lado, parecia curiosa, me analisando friamente por alguns segundos, eu sabia que ela estava tentando entender o motivo de eu estar ali antes mesmo de eu externa-lo.
- Antes que você comece, preciso te dizer que eu tinha razão. Parece que o Chefe realmente gosta de você.
Fiquei chocada. Por um segundo esqueci de tudo o que tinha ido fazer. Não podia ser verdade. Podia? Eu…
- Como você pode ter certeza?
- Sinceramente? Tenho um homem infiltrado. As informações são que ele só fala sobre você e que todas as estratégias são sobre você
- Mas isso não significa nada. Ele pode só querer o trono.
- Isso acontece desde antes da sua ideia. Acredite, . Se aquele homem é capaz de algo do tipo amar, eu diria que você é a pessoa que chegou mais próximo disso.
- Eu… Isso não importa - falei por fim, sabendo que meu cérebro queria ignorar aquela informação porque não sabia o que fazer com ela. - O que isso muda afinal?
- Temos duas opções: você pode manipulá-lo ou ele pode se "insinuar" para você. - Serena realmente fez aspas com os dedos. Eu entendi. Insinuar estava mais para o tipo me agarrar à força, mas ele não faria isso. Não fez até aquele momento, nem mesmo quando estávamos sozinhos. Ele sabia que não me ganharia assim. Foi o que eu me fiz acreditar, pelo menos
- Não vai acontecer nenhum dos dois. Sério. - Serena claramente não concordava comigo. - Mas não foi por isso que eu vim. Eu preciso de um favor.
- Certo, comece.
E então eu lhe contei o que havia me ocorrido minutos antes. Sobre como eu finalmente tinha certeza que de alguma forma meu trato com os sulistas seria desfeito.
- Eu concordo com você. Eu também acho que eles vão acabar com o acordo e matar Drew em resposta ou simplesmente achar uma forma de fazer um casamento em meio a guerra, caso eles pensem que a guerra não tem nada a ver com você. - ela parecia pensar - Mas qual seria o favor?
- Quero que proteja Drew.
Ela sorriu, deixando claro que já esperava por aquilo.
- E o que eu ganharia em troca?
Aquilo me surpreendeu por um instante, mas era claro que Serena não faria de graça. Mesmo eu estando ao seu lado, mesmo ela sendo alguém em quem eu confiava, pelo menos parcialmente, ela não saia distribuindo favores.
- Ganha um homem de confiança. Um homem que você não pode colocar no campo de batalha, mas que pode usar para diversos outros fins. Alguém que conhece, pelo menos um pouco, os sulistas. - tentei. - Drew não é exatamente inútil, é?
- Concordo. Mas não é o suficiente.
- O que você quer? Não tem nada que eu possa oferecer, Serena.
- Quero que me torne uma confidente sua. Dama de companhia. Ou sei lá que nome você prefere usar. Quero que me mantenha próxima quando for rainha. Parte da corte.
- Você vai largar a chefia dos nortistas? - eu não consegui esconder a surpresa.
- Não. Vou continuar. Mas serei bem-vinda no castelo sempre. Claro que terei que me ausentar por alguns dias, mas quem liga? Você pode ter várias damas de companhia.
- Tudo bem. Combinado.
- Sério?
- Eu gosto e até confio em você, Serena. Não tenho motivos para não querê-la por perto. Além disso, como você disse, posso ter várias damas de companhia.
- Parece bom. E você tem razão, Drew pode ser útil. Acho que será um acordo bom para as duas. - ela sorriu, estendendo a mão. Que eu apertei. Sem nem hesitar.
- Obrigada. - sorri, me sentindo bem por fazer meu segundo acordo com os rebeldes, bem, pelo menos o segundo que era totalmente responsabilidade minha. Esperava que pelo menos esse fosse mais bem sucedido. Percebi, poucos minutos depois, já nos meus aposentos à espera dos príncipes, que era o segundo acordo que fazia com os rebeldes por causa de Drew. Esperava que não se preocupasse com isso.
- Eu não consigo acreditar que ela fez isso. - escutamos a voz de por trás da porta. Serena me encarou sugestiva, claramente ninguém conseguia acreditar no meu acordo. A mulher, entretanto, era a que parecia mais desacreditada com tamanha burrice. Serena já esteve nas mãos dos sulistas e eu sabia que ela tinha medo por mim, mas eu estava incrivelmente mais confiante nesse assunto. Estava tão certa quanto do que me ocorreu mais cedo. A Seleção não sobreviveria à guerra.
Abri a porta quase no instante em que bateu na mesma, fazendo-o sorrir levemente ao cumprimentar-me.
- , como está?
- Bem, obrigada. Por favor, entrem.
- Altezas. - Serena cumprimentou, fazendo, mesmo que discretamente, uma reverência. O que eu sabia que era muito para ela. Pelo jeito Serena estava mais feliz com sua monarquia no momento.
- Senhora Serena, lhe apresento meu irmão, príncipe . - apresentou-os, me fazendo notar só naquele momento que nunca havia visto Serena, com exceção do enterro de Mariee e, pelo que eu sabia, essa era a terceira vez que e a rebelde estavam no mesmo cômodo. Afinal Serena, desde que a família real voltou, estava estrategicamente fora durante a maior parte do dia.
- Por favor, sentem-se. - indiquei a mesa, que apesar de pequena, era o suficiente para quatro pessoas.
- Então, , por que estamos aqui? - perguntou enquanto se sentava, sendo completamente direto.
- Percebi que a guerra e a Seleção não acontecerão ao mesmo tempo. - resolvi ser direta também.
- Por que você acha isso? - parecia ter sido atualizado, mas as coisas ainda lhe eram confusas.
- Por causa do trato. - respondi, vendo que parecia pensar e, assim como Serena, concordar comigo. - Assim que a guerra for anunciada os sulistas terão duas opções: me declarar uma traidora ou aceitar que eu não tenho nenhuma escolha nisso e se apressar para me tornar rainha.
- Eu voto na segunda opção. - Serena comentou, encarando a xícara de chá que eu havia entregue a todos.
- Algum motivo específico, Serena? - parecia realmente um homem de negócios sentado à mesa, assim que fez a pergunta levou sua xícara a boca, encarando de forma analítica a rebelde.
- Eu acredito, e tenho fontes, - Serena acrescentou, encarando-me. - que o Chefe dos sulistas tenha um interesse a mais em sua princesa.
- Como? - era o mais surpreso, o que me deixou um pouco confusa.
- Não acho que seja bem assim… - tentei.
- O Chefe só fala sobre desde o primeiro contato. Agora, então… - ela deixou no ar. encarava a mesa, pensativo. parecia chocado, olhando ora para mim, ora para o irmão, enquanto eu apenas esperava reagir.
- Eu também acredito que seja a segunda opção. - ele disse, olhando para Serena e então para mim. - Na realidade, eu torço para que seja ela. Mas não podemos negar que existe a possibilidade de os sulistas considerarem você uma inimiga assim que anunciarmos a guerra, .
- Eu sei. - suspirei.
- Mas nós vamos trancar as Selecionadas aqui em meio a guerra, não acho que eles terão forças para invadir o castelo apenas para atacar . - argumentou. - Agora se for a segunda opção… Vocês realmente acham que aquele homem seria capaz de gostar da ?
- Sim. - Serena respondeu ao mesmo tempo que eu disse não, o que fez rir fraco.
- Vamos nos ater aos fatos: - o príncipe herdeiro respondeu o irmão - temos que oficializar com o pai como faremos a segurança das meninas aqui, incluindo Aurora. E teremos que achar uma forma de deixar incomunicável caso eles resolvam tramar com ela uma forma de se casar.
- Incomunicável? - suspirei, já prevendo o que aquilo significava.
Capítulo 22 - O Plano
- O que nós vamos fazer? - perguntei para . Eu estava feliz por ele ter me convidado para caminhar pelo jardim depois da nossa reunião com Serena e . Nós não tínhamos passado muito tempo juntos, afinal.
- Eu não sei, . - ele disse, passando a mão nos cabelos sem bagunçá-los dessa vez. - Você concorda com o que Serena disse?
- Não sei. Apesar de não imaginar outra forma, não consigo achar que os sulistas poderiam lhe chantagear para escolher alguém.
- Não essa parte. A outra coisa. - andávamos lado a lado, pelo imenso jardim, longe o suficiente do castelo e até mesmo dos vários guardas que nos vigiavam. Já estava escuro, o que significava que o jantar seria servido em poucos minutos - Sobre o Chefe dos sulistas nutrir sentimentos por você.
- Ah, isso. - encarei a floresta à nossa frente. A floresta na qual eu me encontrava com os rebeldes. Suspirei. - Eu não concordo. - disse por fim, dando de ombros.
- Por quê?
- Não acho que aquele homem seja capaz de nutrir sentimentos por qualquer pessoa do planeta, muito menos por mim. - respirei fundo. Não era exatamente mentira. Eu achava que ele me via como um desafio e um agrado, mas nada de sentimentos reais. - Acho que ele ama poder e é isso que eu ofereci a ele.
- Não foi só isso que você ofereceu a ele. - comentou, olhando-me sugestivo.
- Acredite: foi. - falei firme.
- Eu tenho certeza de que você acredita que foi, mas eu tenho medo por você, . Você se encontra com eles no meio da madrugada, na floresta. Isso é inconcebível. - ele respirou fundo. - Eu não consigo acreditar que Serena ou até mesmo Mariee permitiu isso. Você se lembra do primeiro encontro com os nortistas? Se eles já faziam comentários como aqueles… Eu não gostaria nem de pensar.
Sorri.
- Cuidado, Alteza, assim vão começar a achar que você está com ciúmes.
- Quem me dera fosse apenas ciúmes, . Às vezes eu acho que você não tem noção do perigo que corre.
- Acho que ninguém tem. - falei, vendo a expressão confusa de , o que me fez me arrepender imediatamente de ter dito algo.
- O que você quer dizer?
- Me desculpe. Eu não quis... - respirei fundo, sabia que teria que continuar. Eu e meus comentários desnecessários. - É só que… De quantas guerras você participou? Quantas vezes você esteve em contato direto com os sulistas, ? Bem, tirando a parte que eles atacavam sua casa.
parecia me encarar, pensando em minhas palavras. Seus olhos perderam o foco, de repente ele estava encarando a floresta mais à frente.
- Você está certa. - ele suspirou. - Infelizmente você não poderia estar mais correta, mas não sei como concertar isso.
- Concertar?
- Eu simplesmente não sei como te tirar disso tudo, . - parecia derrotado, exausto e perdido. Seus olhos… Era como se tivessem perdido todo o rumo, por um instante.
- Você não precisa. Eu não estou pedindo que o faça. - apressei-me em dizer. - , por favor, eu…
- Você não quer ser mais um peso para mim? - ele riu fraco, triste, sentando-se em um dos bancos do jardim. Estávamos em um lugar quase escondido, reservado. Sentei-me na ponta oposta do banco, virando-me de forma a ficarmos quase frente a frente. Por poucos centímetros nossos joelhos não se tocavam.
- Você ri, mas é verdade. Como eu disse, eu estou aqui para lhe ajudar. Jamais me imaginei nessa situação, mas eu quero ajudar. Eu estou disposta a me sacrificar pelo país. - aquela maldita palavra, precisava admitir que ela já não me parecia tão irreal. Depois de Mariee, eu já tinha aceitado que o sacrifício era iminente.
- Mas talvez eu não esteja. - o príncipe disse baixo, olhando-me nos olhos. - Eu não sei se posso perdê-la.
O que aquilo significava?
- …
- Me deixe terminar, , por favor. - assenti, ficando em silêncio. - Eu sei que nosso casamento será arranjado, que eu sequer fiz o pedido direito. Sei que você não me conhece o bastante e que eu não lhe agradei como um noivo deveria. Eu tenho completa consciência que a deixei sozinha e que ainda sou obrigado a dar atenção às outras garotas.
As palavras pareciam pesar para . Sua postura ereta e real estava um pouco curvada, sinais de cansaço que raramente se via no príncipe. Ainda mais depois de sua volta. Eu tinha feito algo que temia, tinha passado para o peso de meus problemas. Era como se minhas palavras tivessem lhe feito perceber a realidade.
- Eu tenho consciência de que de alguma forma desde que você entrou na Seleção você já foi sequestrada, duas vezes, que teve que ir até encontro de rebeldes, muitas vezes, que precisou mentir e me proteger. Eu sei que lhe coloquei em risco mais vezes do que posso contar. E você está certa, ninguém nunca na história lidou com algo assim, e eu não acho certo ou justo que seja você a fazê-lo. Mas eu não sei como te livrar dessa, . Você não faz ideia de tudo o que eu faria para trocar de lugar com você.
Segurei a mão dele. Ele estava certo. Eu estava atolada até o fundo naquilo e ninguém era capaz de me tirar. E aquilo me assustava. Todas as mentiras, enganações, segredos e fingimento. Tinha dias que eu sentia que aquilo era muito distante, tratava-se de acontecimentos da vida de outra pessoa. Mas tinha momentos, como aquele, que tudo aquilo me sufocava.
- Eu… - senti minha voz falhar.
- Eu sinto muito mesmo, . - eu sabia que ele sentia, parecia ter o coração se despedaçando só pela forma que ele me olhava. Assenti. Eu também sentia.
- Você voltaria no tempo e mudaria alguma escolha? - perguntei, vendo o príncipe estranhar minha pergunta e parar para refletir.
- Depende para quem você está perguntando. Para o príncipe ou para o homem?
- , os dois são a mesma pessoa.
- São, mas ao mesmo tempo não. - ele suspirou - Serei completamente sincero com você… O príncipe não tem do que reclamar. Nós resolvemos nossos problemas com os nortistas por sua causa, . Eles vão nos apoiar, eles não estão apenas quietos, eles estão do nosso lado. Os ataques dos sulistas diminuíram relativamente, pelo menos os destrutivos, e agora nós temos reais condições de vencê-los na guerra. E eles não querem mais nos aniquilar, não antes de você se casar, pelo menos. - ele sorriu sem graça. - Eu tenho uma esposa que agrada meus pais, os assessores e o público. A minha Seleção vai ficar marcada para todo o sempre, acho que ninguém jamais conseguirá bater seus números. Apesar do caos, você, antes mesmo de virar princesa, melhorou nosso país em todos os aspectos.
Sorri, era exatamente disso que eu precisava. Era por isso que eu estava fazendo tudo aquilo, não era? Pelo bem do meu país. Era aquela afirmação que me faria continuar, me sacrificar e seguir em frente.
- E é isso que importa. - afirmei, ameaçando me levantar.
- , espere. - segurou minha mão, pedindo para que eu ficasse. - Mas o homem, , lamenta de formas que nunca achou possível tudo o que lhe causou. Nada deveria justificar. Eu coloquei sua vida em risco e acho que jamais conseguirei me perdoar ou me redimir por isso. Eu vou ser seu marido, meu dever é protegê-la, mimá-la e poxa, eu tenho todos os modos de fazer isso e ainda não parece o suficiente. Mas não vou desistir de tentar, espero que entenda, e é por esse motivo que eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para torná-la a mulher mais feliz do mundo. Dentro dos limites dos seus sentimentos por mim, claramente. Que eu realmente espero, mesmo que de forma levemente vergonhosa, que um dia se torne real. Eu não quero, , que você se arrependa nem por um segundo de ser rainha.
Respirei fundo.
- Não é vergonhoso. - eu ri fraco. - Talvez um pouco inocente, eu estou torcendo apenas para você não se cansar de mim.
- Não acho que isso seja possível.
Olhei para o príncipe, a luz dos postes do jardim misturadas a fraca claridade causada pela lua davam um brilho diferente para seus olhos, estava sendo sincero comigo, estava falando sobre seus sentimentos, sobre nós, sobre o futuro… Apesar daquilo me ser muito estranho, eu estava grata por sermos capazes de pelo menos começar a falar sobre aquilo. E apesar de eu ter certeza absoluta de que tinha zero sentimentos por mim, assim como eu por ele, eu não conseguia deixar de pensar na frase de sua mãe. Pelo menos por um segundo, eu desconfiei que estava mentindo para mim, em vez de para a rainha.
***
A batida na porta realmente me assustou, encarei Meri que penteava meus cabelos em dúvida. Não estávamos esperando ninguém, ainda mais tão cedo assim, antes da hora do café. Como de costume minha criada levantou-se da cadeira e foi até a porta.
- Alteza. - seu tom de admiração era óbvio.
- Olá, senhorita. - reconheci a voz de pela fresta da porta, automaticamente sorrindo. - A senhorita está?
- Está sim, Alteza. - Meri apenas abriu a porta enquanto eu me levantava para cumprimentar o príncipe.
- Bom dia, . - sorri, lhe fazendo uma pequena reverência. - Como está?
- Bom dia, . - ele também sorriu, limitando-se a permanecer na porta. - Você gostaria de dar uma volta?
- Claro. Temos alguns minutos antes do café da manhã. - comentei, vendo Meri se afastar discretamente, nos deixando mais à vontade para conversar.
- Na verdade… Você sabe andar a cavalo? - o príncipe tinha um sorriso travesso.
***
- Deixe-me adivinhar: aulas de hipismo? - perguntou enquanto me encarava subir no cavalo com ajuda de um dos cuidadores dos animais.
- Na verdade, minha família tinha um cavalo, mas como ele já tinha mais idade, montei poucas vezes nele. Depois que o perdemos não tivemos coragem de ter outro, agora quando necessário alugamos um carro com motorista. - dei de ombros, lembrando-me dos passeios pela minha Província com meu pai e nosso cavalo.
- Eu não esperava por essa. - ele comentou baixo, me deixando em dúvida do que aquilo significava.
- Mas e você? - brinquei, vendo-o me olhar com uma cara surpresa. - Teve aulas de hipismo?
riu. Era meio óbvio que como príncipe ele havia aprendido a cavalgar com um professor especialista na área, mas que graça teria se ele me fizesse um milhão de perguntas e eu só adivinhasse seu estilo de vida?
- Era algo que eu amava fazer, mas com o tempo se tornou um pouco de tempo perdido. - ele deu de ombros, montando incrivelmente bem em sua égua.
- E por que estamos aqui hoje? - perguntei, vendo-o andar com seu animal enquanto o meu automaticamente acompanhava. - Você está com tempo sobrando?
- Na verdade, pretendo ter mais tempo sobrando para você nos próximos dias. O que acha? - apesar de não conseguir ver o rosto do príncipe, eu conseguia entender do que ele estava falando. queria, de alguma forma, nos aproximar.
- Seria uma honra, mas o que Vossa Alteza poderia querer comigo? - brinquei. Eu precisava admitir que estava nervosa, mas eu sabia que também estava. Nenhum dos dois parecia realmente pronto para aquilo. Quantas vezes duas pessoas conversaram sobre viver juntas para sempre, bem, no segundo encontro? Mas o príncipe não parecia muito acostumado com as pessoas brincando com ele, pois o mesmo virou o rosto rapidamente, me olhando como se realmente acreditasse que eu não fazia ideia. - Eu estou brincando. Sabe, para descontrair.
- Ah, quer dizer que você na verdade lembra que combinamos de passar a vida juntos e sequer nos beijamos? - me olhava de forma engraçada, claramente brincando também.
- Está insinuando que quer me beijar, príncipe? - falei, vendo ficar vermelho com a insinuação. Eu o estava provocando, brincando com ele e vendo até que ponto o inexpressivo poderia se divertir.
- Não, eu não quis dizer isso. - ele respondeu rápido.
- É mesmo? - teatralmente me fingi ofendida. - Então quer dizer que eu não sou o suficiente para o senhor, Alteza?
- Pare com isso, . - ele disse, puxando levemente as rédeas de sua égua, nos fazendo parar. Ficava imaginando quão bem treinados aqueles animais podiam ser, pois o meu cavalo parecia imitar o outro sem nem pestanejar. - Nós precisamos resolver isso tudo. Você sabe. Mas como eu já disse, quero fazer meu máximo para isso ser menos complicado. É meu dever me sacrificar pelo país, não o seu.
- Você acha que se casar comigo será um sacrifício? - não consegui evitar, era uma pergunta que me incomodava.
Me surpreendendo, riu fraco, parecendo não exatamente achar graça de minhas palavras, mas sim achá-las icônicas, talvez até absurdas.
- , achei que eu havia lhe explicado isso. Estamos na Seleção há exatos 25 dias, sendo que desses passei sete fora. Não existe absolutamente nenhuma outra Selecionada ou mulher que eu preferia que estivesse no seu lugar. Então respondendo a sua pergunta, é claro que não será um sacrifício. - ele respirou fundo, recuperando o ar. - Mas seria realmente mais fácil se você já me amasse ou estivesse sonhando com a coroa. Eu sinto que você, pelo menos, estaria feliz.
O príncipe me encarava de forma penetrante, analisando cada mínima reação minha. Senti meu coração palpitar, não somente pelo peso do seu olhar, mas pelo peso de suas palavras.
- Eu não sei se concordo com você. - me escutei dizer, externando as palavras ao mesmo tempo que a ideia surgia em minha mente. - Talvez você se sentisse menos culpado, . Mas não seria mais fácil. - o príncipe parecia curioso. - Você não precisa de alguém que esteja mais preocupada com a coroa do que com você e, se me permite dizer, estaria completamente perdido se fosse para a guerra e deixasse alguém que é apaixonada por você para trás, ou alguém por quem você é apaixonado. - eu suspirei, triste, imaginando Aurora andando de um lado para o outro nos corredores do castelo enquanto está desaparecido.
- Você se preocupa mais comigo do que com a coroa? - estava claramente rindo de mim, insinuando-se. Mas eu sabia, pelo seu olhar, que minhas palavras haviam o afetado, nenhuma brincadeira disfarçaria aquilo.
- Considerando que eu tenho vontade de fugir com a ideia de governar o país. - respondi rindo, entrando na brincadeira com ele. Mas fechou a cara imediatamente, minhas palavras não foram engraçadas para ele, elas foram tristes. Eu sabia que aquilo o preocupava, sabia que não queria me obrigar a fazer algo que eu claramente odiava. Eu sabia que ele queria me agradar, facilitar as coisas e não havia nada que ele pudesse fazer naquele quesito.
- Eu… - ele começou, bagunçando o cabelo na dúvida de como responder aquilo.
- Esquece. Me desculpe. - eu queria voltar alguns segundos e recolher aquelas palavras antes que saíssem da minha boca. - Nós viemos aqui cavalgar ou ficar conversando em cima dos pobres coitados. Eles não são cadeiras, sabe?
- Eu sei. Na verdade, eu tenho uma surpresa para você, vamos. - ele disse, aceitando minha mudança de assunto e indicando a sua égua a continuar. me perguntou se podíamos ir mais rápido e eu assenti, sentindo meus cabelos parcialmente soltos voarem com a nossa nova velocidade.
Eu não sabia comandar um cavalo o suficiente para fazê-lo saltar ou, por exemplo, andar para trás. Mas eu sabia muito bem como ganhar velocidade e me manter firme em cima do mesmo. Pela primeira vez agradeci minha mãe por me obrigar a fazer aquilo de vestido, a saia volumosa nem me incomodava tanto. Logo eu e chegamos a uma pequena e completamente escondida cabana no meio da floresta, perto do lago, mas relativamente longe do castelo.
- Mas como? - estranhei, como era possível esconder um imóvel em uma floresta nos terrenos do castelo? Talvez da mesma maneira que os sulistas esconderam um acampamento.
- É para ser um abrigo em casos extremos. Mas normalmente não usamos, só deixamos sempre limpo e com mantimentos para caso seja necessário. - ele deu de ombros, descendo de seu cavalo. - Hoje tem um café da manhã incrível nos esperando e vários guardas para garantir nossa segurança.
- Isso é demais! - e realmente era, a cabana estava mais para um chalé, com uma escada e deck na entrada, levando para uma porta antiga e uma janela não muito grande. O telhado escuro e as paredes de madeira davam um ar ainda mais aconchegante para ali.
- Você não quer entrar? - brincou, me fazendo notar que ele estava ao meu lado, em pé, me oferecendo ajuda para descer no animal. Nem havia percebido sua aproximação, estava ocupada demais apreciando a arquitetura à minha frente.
- Eu quero muito. - brinquei, aceitando sua ajuda, enquanto ele me segurava para descer do cavalo. Sorri ao aterrissar no chão, com suas mãos firmes em minha cintura e o rosto do homem a centímetros do meu. O príncipe encarava meus lábios e eu sabia o que aquilo significava.
Apesar da regra de pureza ser muito valorizada, ser beijada não tinha absolutamente nada a ver com aquilo. Por esse motivo, eu já tinha apreciado alguns lábios nos meus, precisava admitir. Eu sabia que queria beijar quando o percebi se aproximar lentamente, com seus lábios prestes a se encostar nos meus, mas eu não podia. Não era certo e não era justo. Não iria beijar pela primeira vez com guardas reais nos vigiando e sem ter certeza absoluta do que aquilo podia significar. Engolindo em seco, recuei suavemente, fazendo delicadamente me soltar. Ele tentava não demonstrar sua decepção, mas estava claro que eu havia fugido dele.
- Me desculpe, eu… - eu queria me explicar. Queria dizer para que eu não o repugnava, eu só não estava pronta. Não queria que ele pensasse que teríamos um romance. Eu sabia que iríamos nos casar e que aquilo significava muita intimidade, mas ao mesmo tempo eu não queria confundir nossa relação. Podia ser estranho, mas eu queria ser beijada por alguém que gostasse pelo menos um pouco de mim e não porque era cômodo. Eu beijaria porque gostava dele, não porque simplesmente me casaria com ele.
- Você não precisa se desculpar. - ele deu um sorriso sem jeito. - Agora vamos entrar, antes que nossa comida fique toda gelada.
Concordei, aceitando seu braço para seguirmos até o interior da cabana.
- Aqui dentro é ainda mais bonito.
E era mesmo. A cabana, apesar de estar no terreno real, era muito mais simples que o castelo. Os móveis rústicos, amadeirados, em volta da lareira davam um ar de casa para aquele lugar, de lar. Os tons terrosos misturados com o branco e o azul real, deixavam o ambiente decorado, mas não engessado. Havia quadros nas paredes, mas nada perto dos magníficos retratos do castelo. Havia luxo, mas apenas o necessário para o conforto dos visitantes ilustres. Adentrando mais ao cômodo, consegui ver a mesa de jantar que comportava de oito a dez pessoas tranquilamente e a cozinha, que nesse caso, era estranhamente integrada a tudo. No castelo só havia visto a cozinha porque precisava visitar os rebeldes, mas duvidava que as outras Selecionadas ou convidados tinham essa visão, mas o que chamava atenção mesmo, era a mesa posta com diversas opções e apenas dois jogos de pratos.
- Você gostou? - estava parado na porta e parecia olhar para mim. Seu sorriso me fez rir, envergonhada.
- Eu adorei. Aqui é quase normal. - ri, ainda encarando o local, tentando analisar tudo.
- Fico feliz, porque eu gostaria de lhe dar. - encarei o príncipe, completamente confusa com suas palavras.
- Me dar?
- Sim. Eu queria lhe dar a cabana, .
- Mas… Você não pode, ela é um abrigo.
- É, e gostaria de lhe pedir para ainda ser. Mas em todos os anos em que eu estou vivo, nunca usamos esse lugar. Então pensei em além de ser um abrigo, se tornar um refúgio.
E então eu entendi. O príncipe estava me oferecendo um lugar tranquilo, calmo, seguro e menos real. , meu futuro marido, me oferecia não só um abrigo contra-ataques, mas um refúgio contra a vida no castelo. E aquilo era incrivelmente lindo. Percebi que fora completamente sincero quando disse que iria se esforçar por nós, por mim.
- , é perfeito. - comentei, instintivamente e completamente empolgada correndo para lhe dar um abraço. O príncipe deu um passo para trás com o peso do meu corpo no seu.
- Que bom que gostou. - ele riu, abraçando-me de volta.
- Desculpe, isso não foi muito majestoso. - mas eu também estava rindo. Aquele lugar era incrível, maravilhoso e, bem, meu.
- Eu achei. - ele sorriu verdadeiramente, me fazendo retribuir enquanto me soltava de seus braços. Às vezes eu esquecia o quanto podia ser cheiroso e claramente não me lembrava mais dos seus músculos em volta de mim. Apesar de eu não amar , certamente gostava dos seus braços.
- E então, Alteza… Não vai me mostrar o resto da casa?
***
Eu não conseguia acreditar que estava mesmo fazendo aquilo comigo. Precisava admitir que a cada página estudada de meu livro, eu olhava para ele, sentado na enorme poltrona, para garantir que era real.
- Eu podia me acostumar com isso. - o príncipe disse, sem tirar os olhos de seus papéis. Eu sabia disso, pois estava olhando-o mais uma vez.
- Com o quê? - fingi indiferença.
- Com isso tudo. - ele deu de ombros, ainda sem mudar o olhar, seus papéis deviam mesmo ser interessantes. - Com alguém para trabalhar comigo, com uma companhia. Com a sua companhia.
Sorri. Precisava admitir que estava achando aquela manhã bem agradável. Depois do nosso delicioso café da manhã, servido por uma das criadas reais, perguntou se eu queria estudar ali com ele. No caso, eu estudaria e ele analisaria uns papéis que precisava. Apesar do medo de sermos descobertos passando tanto tempo juntos, não pude negar passar mais tempo naquela cabana. Agora, estávamos cada um em sua poltrona, com suas tarefas, curtindo apenas a companhia um do outro. Os guardas circulavam pelo lado de fora, mas nenhum deles podia realmente nos ver, estávamos sozinhos.
- Eu também. Tem uma paz inimaginável.
- Será assim até termos filhos, é claro. - disse aquilo muito casualmente, mas eu sabia que havia sido uma jogada estratégica quando ele finalmente olhou para mim. Não havíamos falado sobre aquela parte do acordo ainda. Era óbvio que o rei precisaria de herdeiros e eu me assustava com a ideia não só de ter filhos com , mas de ter filhos reais, no sentido de filhos na linhagem do trono. Eu lembrava que havia me perguntado se eu aceitaria aquele destino para meus filhos, se me casasse com ele. Na época achava que não, agora não tinha muita escolha.
- Eu… Como funciona? Quero dizer, - ri, porque era óbvio que eu sabia como as pessoas tinham filhos. - se for uma menina?
- Ela será a herdeira. - se ajeitou na poltrona, largando os papéis e voltando sua atenção toda para mim. - E se casará com um príncipe de outro reino, provavelmente não um herdeiro, já que não existem muitas uniões de nações atualmente. E quase todos os países adotaram a Seleção para seus herdeiros.
- Quer dizer que se tivermos um filho ele terá sua Seleção e se tivermos uma filha ela terá um casamento arranjado? - falei sem muita motivação na voz.
- Se as leis não mudarem até lá. - comentou, me fazendo olhá-lo esperançosa.
- Isso seria possível?
- Eu te diria que não, assim como o fim das castas. - ele sorriu de forma travessa.
- Entendi. Acho que você tem razão, até tudo acontecer e nossos filhos chegarem à idade de se casarem… Não deve ser uma preocupação atual. - ri, percebendo o quanto estava sendo tola. Talvez eu nem vivesse para isso. Talvez nem vivesse. Tínhamos uma guerra e uma traição pela frente.
- Quantos filhos você gostaria de ter? - ele perguntou, parecendo concordar com as insinuações sobre o casamento dos nossos filhos, mas não sobre a existência deles.
- Nunca pensei nisso. Era como se tivesse que passar pela Seleção para pensar depois… Não tinha nem uma faculdade em mente. - dei de ombros. - E você?
- Dois, no mínimo. foi minha salvação vezes demais. Não sei o que faria sem ter alguém que entendesse um pouquinho para compartilhar as coisas. - , ao contrário de mim, parecia ter pensado muito naquilo.
- Você já disse isso a ele? - eu sabia que se sentia excluído da parte de governar o país muitas vezes, era engraçado pensar que lhe contava várias coisas.
- Não sei, por quê?
- às vezes se sente de fora dos assuntos governamentais. - tentei explicar de forma a não expor o mais novo. - Acho que ele sente que você não compartilha mais tanto.
- Ele lhe disse isso?
- Não… Quero dizer… Indiretamente ele disse sim. Disse tanto quando nos vimos na primeira noite da Seleção, como ontem antes da nossa reunião.
- Entendo… Eu não sabia. Achava que eram assuntos chatos para compartilhar.
- Acho que Vossa Alteza tem a tendência a esconder coisas das pessoas sem perceber. - falei, esperando que ele entendesse que eu me incluía nessa. havia feito coisas demais na Seleção que não me contou.
- Então… Sobre isso…
- O quê?
- Eu e minha família precisamos viajar novamente em duas semanas. Faremos o juramento à bandeira daqui há dez dias. Minha mãe vai anunciar hoje à tarde.
- Dez dias? Daqui a dez dias Anne e Aurora vão embora? Céus. Isso vai virar um caos.
- O que você quer dizer? - apesar da pergunta, eu achava que sabia muito bem o que aquilo queria dizer, sua risada presunçosa o entregava.
- Não finja que não sabe, . Você vai tirar minhas únicas amigas nesse lugar. Vai me deixar com Natalie e Samantha, sendo que com a segunda eu nem converso.
- Você não conversa com a Samantha? Mas ela é tão gentil.
- Com você, príncipe. Apesar de ela ser realmente melhor que a Lauren, ela está longe de ser simpática.
- E você?
- O que tem eu?
- É simpática?
- Bem…
riu. Ele realmente gargalhou. O príncipe estava certo, eu não era simpática. Nunca quis ser grossa ou mal-educada com as Selecionadas, eu apenas não estava no mesmo mundo que elas. Enquanto elas lutavam por um príncipe, eu lutava (mesmo que indiretamente) por aliados, por paz e informações. Enquanto elas estudavam etiqueta e bons modos, eu treinava reuniões com sulistas e fazia juramentos de sangue. Enquanto elas viam ataques, eu via estratégicas e segundas intenções.
- Elas devem me achar péssima. Todas as meninas que saíram... Eu não devo ser tão popular assim. - apesar de tudo, a ideia daquelas mulheres acharem que uma mal-educada ganhou no lugar delas, a ideia delas odiarem sua rainha me incomodava.
- Eu não acho que elas te achem péssima, . Acho que elas têm inveja. Você era, de acordo com Anne, considerada misteriosa, quieta e até tímida. Ah, se elas soubessem… - ele riu e preciso admitir que eu também. Nenhuma das três características parecia caber em mim. Mistério? Estava mais para atolada de segredos. Quieta e tímida? Não era muito meu perfil, não é?
- Qual delas você gostou mais? Alguém que saiu durante os ataques, talvez?
- É tão difícil você acreditar que não existe? Que eu não me afeiçoei por nenhuma delas?
- Na verdade é sim. - ri de sua expressão de reprovação.
- Você gostou de alguém na sua Província?
- Durante toda a minha vida? É claro! Vai dizer que você não?
- Não estou falando de diversão, . Quando você olha para uma pessoa sabendo que não tem futuro é diferente. Mas quando você começa a ter olhos críticos, quando os defeitos importam mais… É completamente diferente.
- Compreendo, eu acho. Então a resposta é não.
- Se sua resposta é não, por que é tão surpreendente que a minha também seja?
- Por que você tinha 35 mulheres aos seus pés? - falei óbvia.
- Sabe de uma coisa, ? Eu nunca tive 35 garotas aos meus pés, porque você nunca esteve. E apesar de eu não poder ter certeza absoluta, acho que eu a escolheria de qualquer jeito, mesmo se os rebeldes não estivessem envolvidos.
- Você acha?
- Provavelmente. Sua personalidade me encanta e sua educação encanta meu governo… Você provavelmente só teria mais chances de recusar. - ele lamentou.
- Minha família jamais permitiria. - afirmei e então eu percebi. Eu seria rainha. A família finalmente pararia de participar da Seleção. Só se meus primos continuassem a tradição com suas filhas, mas eu duvidava muito. Era uma tradição das mulheres da família e minha irmã não poderia colocar a filha dela para se casar com um filho meu, nenhuma de nós duas aceitaria.
- No que você está pensando? - me encarava de forma levemente engraçada, parecendo curioso e entretido.
- Na minha família. Acho que eles vão ficar orgulhosos, afinal.
- Por ganhar a Seleção?
Ganhar. Não tinha pensado nisso. Eu não seria somente a noiva de , eu seria a ganhadora de um concurso que nem participei. Seria hilário se não fosse trágico.
- É. - eu ri. - Terei que escutar da minha mãe que ela estava certa para sempre.
também riu.
- Você não vai contar a verdade para eles?
- Eu posso?
- Claro. Quero dizer… Você acha que eles contariam para alguém?
- Na verdade, não. Não acho.
- Então por mim, pode ser sincera.
Respirei fundo, encarando o nada por um minuto. O que será que minha família pensaria disso tudo? Dos rebeldes, do fim das castas, do casamento sem amor, da morte de Mariee… Eles ainda teriam orgulho de mim? Não importava. Eu precisava contar, para a segurança deles.
- O que faremos com minha família durante a guerra?
- Bem, eu estava esperando você perguntar… - então colocou os papéis na mesinha de centro da sala, em frente à sua poltrona, e se levantou. Caminhou até mim, enquanto eu o acompanhava com os olhos, abaixando-se para ficar na minha altura, já que eu continuava sentada. - Eu quero fazer de tudo para protegê-los, se me permitir. Eu sei que quando iniciarmos a guerra, você pode ser acusada de traição entre os sulistas e isso pode afetar sua família.
Fechei os olhos por um segundo, voltando a encará-lo. Era claro que afetaria, eu tinha certeza. Assim que não me encontrassem, o Chefe seguiria para Drew e depois minha família.
- Nós podemos protegê-los, . - ele afirmou, segurando minha mão. - Nós temos propriedades por todo o reino, com abrigos, criadas e guardas. Propriedades secretas, escondidas e seguras. Se me permitir, durante a guerra, gostaria de escondê-los lá.
- Eu… - era claro que eu queria, mas será que eles aceitariam? - Diríamos que você fez isso com todas as Selecionadas?
- Podemos. Mas acho que devíamos ser sinceros. Se me permite dizer, sua família merece a verdade. Não acha?
- Acho. Só não sei se estou disposta a contar. Ainda mais antes de oficializar as coisas. - falei envergonhada pela verdade, encarando o príncipe abaixado a minha frente, sua mão segurando a minha, ambas apoiadas no meu colo. Eu estava feliz. Apesar de tudo eu estava feliz por ser tão gentil. Por ser legal, engraçado e bonito. A única coisa que eu errei na previsão do meu futuro, quando entrei na Seleção, foi sobre a personalidade do príncipe.
- Ainda temos tempo para você se preparar. - ele brincou, apertando levemente minha mão e ficando de pé. - Depois do evento de juramento à bandeira, viajarei até Ilea com meu pai, devemos passar uma semana fora. Só depois voltaremos para terminar de organizar tudo e finalizar as estratégias.
***
Senti os olhos fixos em mim quando passamos pela porta. Estava tão entretida na minha conversa com o príncipe, que não percebi que chegamos ao Salão de Refeições levemente atrasados e, o pior, juntos. Fiz uma leve reverência ao rei e à rainha, que me olhavam com um leve sorriso nos lábios e me sentei o mais quieta possível ao lado de Anne. Eu gostava muito mais dos nossos novos lugares à mesa.
- E então? - ela perguntou em francês, mas eu sabia que não seria o suficiente para enganar todos os ouvidos atentos em nossa direção. - Onde vocês estavam?
- Fomos só andar a cavalo, depois acabamos conversando no jardim. Nada demais. - respondi em francês, deixando claro para quem ouvisse que eu não falaria mais nenhum detalhe. Anne compreendeu e não perguntou mais, o que foi o suficiente para ninguém mais perguntar. Elas estavam certas, se eu não falaria para Anne, não contaria para mais ninguém.
Claro que esse episódio não ajudou nada na minha popularidade entre as Selecionadas, por isso, enquanto esperávamos pela rainha no Salão das Mulheres após o almoço, éramos claramente um grupo novamente desunido. Eu, Anne e Aurora formávamos um trio em um dos sofás, enquanto Natalie analisava as unhas em uma poltrona e Lauren e Samantha ocupavam cantos opostos do outro móvel, ficando bem longe uma da outra. Parabéns para mim.
- Boa tarde, senhoritas. - a rainha entrou já sorridente, nos fazendo levantar apressadas para uma reverência. Todas nós já havíamos aprendido a etiqueta. - Desculpem a demora, tive dificuldades de encontrar isso aqui.
Eu percebi que a rainha estava brincando quando dois guardas trouxeram quatro livros grossos, antigos, mas bem cuidados. Eram livros bem maiores que os comuns, livros que só eram possíveis de serem folheados quando apoiados em uma mesa. Ninguém seria capaz de ler aquilo na cama, por exemplo. Eram aqueles livros que apareciam em filmes de fantasia, que precisavam de um pedestal.
- Quero apresentar-lhes o catálogo real.
Que?
- Temos aqui documentado todos os itens de valor histórico e material que a família real possui. - ela continuou, vendo nossas expressões de dúvida. - Estão catalogados quadros, louças, joias, móveis, tapeçarias e diversos outros itens que mantemos há gerações. - ela respirou fundo, encarando-os sobre a mesa. - Não é responsabilidade de uma princesa ou rainha catalogar os objetos, mas é de sua responsabilidade definir seu local entre todas as propriedades da família real. Compreendem?
- Sim, Majestade. - respondemos em um coro perfeito.
- Ótimo. - ela parecia mesmo empolgada. - Sei que a senhora Mariee mostrou para as senhoritas as louças que temos, os nobres e seus retratos e eu não espero que vocês decorem todos os itens em um dia, claramente. Mas preciso que saibam usá-los e tenham boas estratégias para isso.
A rainha nos olhava com carinho, ela era como uma professora, mas ao mesmo tempo sentia que era mãe. Ela era diferente de Mariee, era como se sua energia fosse mais receptiva e feliz. Parecia, de verdade, que a rainha estava apreciando estar ali.
- Antes de deixá-las com a tarefa, gostaria de fazer um comunicado: acredito que todas conheçam a tradição entre os membros da Elite da Seleção, de participar do juramento a bandeira do nosso país, mostrando respeito e de forma apenas simbólica a transformação de vocês como nobres mulheres. - ela esperou um sinal de concordância de nós, eu apenas sorri. - Esse evento ocorrerá em cerca de dez dias e teremos diversos convidados no castelo para tal. É de praxe algumas alterações na decoração, para mostrarmos aos nossos visitantes que sempre estamos exaltando nossas belezas, principalmente de itens dados por eles. - ela riu, e todas nós rimos junto. A rainha estava realmente feliz. - Logo, além de conhecer o catálogo, será responsabilidade de vocês, por hoje, como grupo, decidir a organização do castelo para receber nossos visitantes. Temos itens mais distantes que precisam ser transportados, então preciso da definição até amanhã de manhã.
A rainha virou-se para um dos guardas, que inicialmente trouxeram os catálogos, o qual lhe entregou um papel.
- Aqui temos a lista dos convidados. - ela indicou o papel - Resolvi usar os métodos de Mariee para essa tarefa, pois tenho algumas coisas pendentes para resolver ainda. Por favor, Aurora, fique com a lista. - a rainha pediu, fazendo uma Aurora sorridente caminhar até a mesma e pegar o papel. Pelo jeito a rainha gostava de sua nora. - Espero a decisão de vocês documentada até amanhã de manhã. Tenham uma boa tarde.
***
Acredito que a principal coisa que aprendi a apreciar com a Seleção foi o trabalho em grupo. Eu achava incrível, e realmente agradecia, pela capacidade que tínhamos de nos unir em situações como aquela. Pela minha pouca experiência com mulheres, eu sabia que a competição podia resultar em diversas intrigas e até trapaças, mas conosco não era assim. Mesmo não sendo exatamente minhas amigas, Lauren, Samantha e Natalie foram completamente profissionais no nosso trabalho, era como se o príncipe não existisse quando se tratava das nossas aulas, o que me fazia gostar muito daquele momento.
Era infinitamente melhor passar a tarde trocando ideias e aprendendo com aquelas meninas, do que nas refeições que o silêncio tomava conta, unido aos olhares disfarçados. Quando estava no ressinto nós éramos rivais, quando se tratava de estudar, éramos parceiras.
- O que vocês acham de perguntarmos para quem são as pessoas que não conhecemos? - Aurora ofereceu. Nós já estávamos terminando de analisar e agrupar toda a lista de convidados, afinal quase oitenta pessoas iriam para o castelo nos assistir jurar amor à bandeira do nosso país. Isso considerando apenas os convidados nobres, ainda haveria as pessoas da Capital sorteadas para participar.
- Ia ser demais. - comentei, encarando aqueles papéis. Já havíamos anotado tudo das pessoas que conhecíamos, de onde eram e a afinidade com a família real, já que precisávamos daqueles dados para selecionar a decoração no catálogo. Algo que demoraria um pouco ainda.
- Você pode falar com ele enquanto nós olhamos no catálogo. - Lauren comentou, parecendo pouco empolgada com a ideia de ver . Será que ele era simplesmente insignificante para ela? Será que Lauren estava ali mais pela coroa do que por ?
- Eu acho uma ideia boa, para adiantarmos o serviço. - Samantha concordou.
Eu não estava exatamente entendendo, porque aquelas mulheres não queriam ir até o príncipe. Afinal ainda era um príncipe, não?
- Vocês sabem que a rainha não vai nos dar notas igual Mariee, não é? - Natalie comentou, me fazendo entender absolutamente tudo.
- Você não tem certeza. - Samantha afirmou.
- Ela vai contar para o príncipe de quem gostar mais. - Lauren tinha certeza, e permanecia grudada a um dos livros, estava claro que ninguém a impediria de analisá-lo de cima a baixo.
- Eu acho que precisaremos saber de todos os convidados. - afirmei.
- Tudo bem. Eu vou enviar um bilhete a , ele virá quando possível. - Aurora parecia não querer discutir. Mas sua ideia foi bem eficaz, em menos de dez minutos o príncipe havia vindo até sua amada.
Não era a primeira vez que via os dois juntos, mas em nenhuma havia realmente reparado neles, a forma como se olhavam, como ficavam próximos e tinham intimidade. Era especial. Talvez comum, para quem conhecia muitos casais apaixonados, mas no meu caso, era especial. Eu não tinha aquilo com e talvez nunca fosse ter. Apesar de eu gostar do príncipe, eu não sabia se um dia o amaria. E foi então que percebi: eu poderia nunca ser realmente feliz.
Não importava quanto dinheiro, luxo e conforto me cercavam. Eu sabia que um dia sentiria falta daquilo. Das mãos próximas involuntariamente, dos pés se tocando embaixo da mesa. Do sorriso bobo, da conexão, da química. tinha razão, afinal, a química era importante. Suspirei. Você precisa viver sem isso, . Aceite.
E eu viveria. Viveria porque prometi a no baile, viveria porque meu país precisava disso e viveria porque era o que todos queriam. Além de mim, não conhecia uma pessoa sequer que não me desejava no trono. Senti as lágrimas vindo. Grata pelas Selecionadas estarem apreciando a presença do príncipe mais novo, consegui disfarçadamente sair do salão, pronta para seguir ao banheiro. Não podia chorar na frente daquelas mulheres, nem de .
***
- Senhorita ? - a criada entrou no banheiro, me assustando. Olhei-a confusa, secando as mãos na toalha real. Sentia-me mais calma, afinal eu tinha muito mais problemas do que um casamento de sucesso, precisava me preocupar com uma coisa de cada vez. Não iria deixar aquilo me derrubar. - Desculpe incomodá-la, mas temo ser urgente. - ela me entregou um bilhete dobrado e sem esperar qualquer sinal meu, saiu.
“Volte ao salão, diga que não se sente bem e que vai aos seus aposentos. Esteja na Biblioteca em cinco minutos.”
Tranquei a respiração. Ninguém havia assinado aquilo. O que me levou a crer que os sulistas queriam uma visita, mas na Biblioteca? Nunca havíamos nos encontrado no castelo daquela maneira. Será que estava tentando ser misterioso? Sem muita escolha, segui o indicado no bilhete.
***
- ? Achei que estaria no Salão das Mulheres. - por destino (ou não) encontrei no corredor principal, em frente a Biblioteca. Ele estava com seu terno bem alinhado e claramente surpreso em me ver. Então era um bilhete dos sulistas.
- Alteza. - um dos guardas se aproximou, com sinal de urgência, antes mesmo que eu pudesse responder. - Estamos sendo atacados.
- Estamos? Mas e o alarme? - o príncipe perguntou, estranhando o silêncio do local. Eu sabia o que ele queria dizer, o alarme era impossível de ser ignorado durante os ataques.
- Os rebeldes estragaram novamente, Alteza, não sabemos como chegaram tão rápido. Parecia que já estavam dentro dos muros do castelo. - o soldado dizia rápido. - Mas todos foram alertados, as Selecionadas estão no Salão das Mulheres, que já está lacrado. O rei e a rainha estão se dirigindo ao abrigo real. Temo dizer que para os senhores seja melhor usar esse aqui mesmo.
Eu não conseguia acreditar que estávamos sendo atacados novamente. Apesar do estranho silêncio, sem o alarme, eu conseguia sentir a adrenalina tomando conta do meu corpo. O príncipe concordou e o guarda nos conduziu por uma das portas do corredor, que levava em direção a um corredor estreito. Ali havia uma única porta, um pequeno abrigo, mais comprido do que largo, todo metalizado, com apenas dois bancos compridos fixos nas laterais. Um em cada parede.
- Preciso avisar os criados. Mas o senhor e a senhorita estarão seguros aqui. - ele disse. Fechando a porta e deixando eu e presos na pequena caixa metalizada. Aquele era o menor abrigo que eu havia conhecido, cabiam cerca de dez pessoas de forma apertada ali. Mas no momento estavam apenas eu e
- Por que eles estão nos atacando? Não faz nenhum sentido! - estava irritado, nervoso, andando de um lado ao outro do abrigo, o que lhe permitia dar cerca de quatro passos antes de se separar com a parede. Resolvi me sentar em um dos bancos, sentindo a parede gelada em minhas costas.
- Eu não sei. - era verdade, nada daquilo fazia sentido. Por que os sulistas estavam atacando novamente? O objetivo deles não era fazer o príncipe me escolher? O que eles podiam ganhar nos atacando? Foi então que eu entendi, pelo menos achava que sim. - , aonde você estava indo?
- Desculpe?
- Agora. Aonde você ia?
- Eu estava saindo de uma reunião e indo para a Biblioteca, gosto de passar esse tempo sozinho.
- Você faz isso sempre?
- Não estou entendendo,
- Faz ou não?
- Sim, sempre que possível peço esse tempo em minha agenda.
Concordei com a cabeça, eu estava certa então.
- Mas por que a pergunta?
- Eu acho que não há um ataque. - encarei-o. finalmente resolveu sentar-se no banco à minha frente, nossos joelhos quase se encontravam. O abrigo era realmente estreito.
- Não? Por que você acha isso?
- Eu recebi um bilhete em menos de dez minutos me mandando ir para a Biblioteca. Acho que isso é uma armadilha para nos prender aqui.
- Uma armadilha? Por quê?
- Acho que isso é uma forma de lhe incentivar a me escolher. - resmunguei. - Bem idiota, por sinal. Não é como se ficar trancado em uma caixa de metal fosse algo romântico.
O príncipe riu, o que me fez rir também. Não sei se foi a forma como eu disse, ou se simplesmente concordava comigo, mas ele realmente achou engraçado.
- Acho que eles esperam que você use seu charme. - ele continuava rindo.
- Então você acha que eu não tenho charme? - perguntei, sem realmente estar ofendida. Afinal eu sabia que charme estava longe de ser meu forte.
- Eu não disse isso. - forçou-se a parar de rir. - Mas o que você faria comigo nesse momento se nossa situação fosse outra?
- Provavelmente ficaria entediada ao fingir que estamos realmente sendo atacados. Você talvez tentasse me acalmar, o que seria engraçado. Porque no fundo você estaria muito mais preocupado que eu.
- Eu te acalmar? Talvez você tenha razão. - ele pareceu refletir. - Mas tenho que admitir que aqui não é o melhor dos climas mesmo. Eu estaria pensando no que estaria acontecendo lá fora. O que me leva a pensar quanto tempo será que vão demorar para nos encontrar.
- Vai demorar. - afirmei. - Quero dizer, eu disse que estava passando mal e iria para meus aposentos. Minhas criadas acham que eu estou no Salão das Mulheres e Serena nem está no castelo hoje... Espero que você seja mais requisitado. - ri fraco.
- Não muito. Realmente liberei a agenda do resto da tarde. Só virão atrás de mim se algo acontecer.
- Ótimo. - resmunguei. - Nós podemos fingir que eu tenho claustrofobia e só sair daqui?
- …
- Eu sei. É como entregar que eu lhe disse a verdade. - preciso admitir que não estava apreciando nem um pouco aquele momento. - Mas o que vamos fazer aqui até alguém conseguir nos achar?
- Bem. Podemos fazer exatamente o que os sulistas querem.
- Que?
- Podemos nos aproximar. - ele sorriu sem jeito, meio brincando, meio envergonhado.
- Certo. - me arrumei no banco de forma involuntária. - Alguma ideia?
- Uma brincadeira: cada um pergunta uma vez, a resposta deve ser totalmente sincera.
- Sério? - aquilo era um pouco assustador, mas ao mesmo tempo interessante. Além disso, eu queria ter algum segredo com ? Com certeza queria que ele não tivesse comigo. - Tudo bem. Comece.
- Você está gostando mais de morar aqui?
- Até que estou. O castelo é muito melhor do que eu pensava.
- Fico feliz. - o príncipe sorriu. - Sua vez.
- O que você mais gosta de fazer?
- Sinceramente?
- Essa é a ideia, não?
- Acho que o que mais gosto de fazer agora, é ficar com você.
Ergui a sobrancelha, eu não acreditava naquilo. Parecia mais uma jogada barata de , para eu me sentir especial.
- É sério. - ele parecia indiferente. - Eu vivo para meu trabalho, . Meus dias mais divertidos eram com ou nas nossas viagens, mas agora... Eu gosto da sua companhia, talvez eu tenha simplesmente me convencido que estar com você por perto é melhor.
- Tudo bem, tudo bem. Vou fingir que acredito que o senhor morador de um castelo com todos ao seu dispor simplesmente fica maravilhado com uma simples companhia. Agora é sua vez.
- Se você pudesse voltar no tempo e não se inscrever na Seleção, ignorando sua família, o faria?
- Não sei. - vi a expressão de . - Eu não qero fugir da pergunta, mas é complicado escolher entre o agora e o incerto. Eu sempre tive medo do meu futuro, . Sempre temi o que seria o casamento para mim. Se eu não viesse para a Seleção, me casaria por amor? Ou seria uma marionete de um homem infinitamente pior que você? Então não sei responder isso.
- Você já sonhou em casar-se por amor?
- Nem vem. Minha vez de perguntar.
- Desculpe. - ele riu.
- Você tem medo da guerra?
- Tenho. Mas acho que não é o medo de morrer, e sim o de fracassar. - ele deu de ombros. - Gostaria de repetir minha pergunta: você já sonhou em casar-se por amor?
- Não. - ri de mim mesma. - Mas acho que seria um benefício, você não?
- É claro. - ele deu de ombros.
- Qual é a melhor parte de ser príncipe?
- Ei, é minha vez de perguntar. Você já gastou sua vez.
- Não foi exatamente uma pergunta, era mais… Curiosidade. - ri. - Ok, sua vez.
- Quem é a pessoa que você mais ama nesse mundo?
Respirei fundo. Aquela era uma pergunta difícil. O certo seria responder um dos meus pais, não? Ou talvez até mesmo Victoria, mas seria mentira.
- Drew.
engasgou, surpreso.
- O cara que se aliou aos sulistas?
- Está gastando suas perguntas, . Mas sim, ele.
- Ele é quem você mais ama no mundo todo?
- Ele é como da família para mim, . Ele é meu melhor amigo, eu sempre contei com ele para tudo no mundo. Minha família, apesar de eu amá-los, não estava exatamente sempre lá para mim. Além disso, ele se uniu aos rebeldes por minha causa, você percebeu isso, não?
- Eu imaginei, mas… - o príncipe parou por um segundo. - Você está apaixonada por ele?
- Espero que me recompense todas essas perguntas. - brinquei, tentando descontrair. - E a resposta é não. Nunca amei Drew de outra forma.
- Sinto que há um “mas” por aí…
- Posso fazer minhas perguntas? Acredito que você tenha pulado minha vez - revi nossa conversa na mente - três vezes.
- Sim, desculpe.
- Quem é a pessoa que você mais ama o mundo?
- Essa é fácil: minha mãe.
Concordei. Era realmente de se esperar.
- Seu pai vai deixar de ser rei ainda em vida?
- Sim, mas ele quer que eu me case antes.
- Certo. Isso é novidade. E por último: o que mais te assusta hoje?
precisou pensar.
- Estragar tudo. Com todos, mas acho que principalmente com você. As pessoas esperam muitas coisas de nós e eu temo não ser o suficiente para lhe ajudar nisso.
- O que isso quer dizer?
- O governo está pressionando o casamento, . Isso que eu quero dizer. Eu quero lhe dar tempo, nos dar tempo. Mas é por isso que você teve os estudos adiantados. Eu serei um rei de muitas mudanças e ninguém espera que isso parta somente de mim.
Suspirei.
- Minha pergunta: há algo com seu amigo Drew que você não tenha me dito?
Droga.
- Sim. Você perguntou dos meus sentimentos por ele, não dos sentimentos dele por mim.
- Entendo.
Não pergunte mais, não quero ser tão sincera.
- Você quer que eu me envolva com assuntos políticos quando nos casarmos?
- Você quer se envolver?
- Quero. Na verdade, , eu só não quero ficar no escuro. Eu quero ajudar, mas também não quero atrapalhar. Só tenho medo de estar em perigo e não saber, ou… Sabe, se um dia tivermos filhos…
- Eu adoraria ter sua opinião em todos os assuntos. - ele concordou. - Mas temo lhe sobrecarregar, uma rainha tem vários deveres também.
- Eu entendo.
- Você tem medo de ser rainha?
- Menos do que eu achei que teria, mas ainda é aterrorizante. - ri. - Tenho medo de simplesmente não ser o suficiente, do povo não gostar de mim, de decepcionar. Algo do tipo. - respirei fundo. - Você não tem medo das pessoas lhe reprovarem pela escolha?
- Eu tinha. Muito. Tinha medo de amar alguém que todos odiassem, alguém que traria mais problemas para o país do que ajuda. Hoje não tenho mais.
- Você não sente que as pessoas esperam muito de nós?
- Eu sei que elas esperam, mas nada da realeza é de agrado de todos. Nunca foi e nunca será. Então não tenho medo das críticas nesse caso.
- , por que você é tão sério com as pessoas? - eu tive medo de ofendê-lo com aquela pergunta, então estrategicamente deitei as costas no banco, com as pernas dobradas sobre o mesmo, assim, a única coisa que eu podia ver era o teto metalizado.
- Acho que eu não sabia que era. Pelo menos até você me chamar de indiferente. - ele riu, me fazendo lembrar do dia que lhe disse exatamente aquilo, parecia que fazia muito tempo, mas eu sabia que não.
- Desculpe por isso. - pedi, ainda encarando o teto. Sabia que o príncipe ainda estava sentado, encarando-me como única opção ali, mas eu simplesmente não queria olhar para ele.
- Você não precisa se desculpar, . Você abriu meus olhos. Eu sempre achei que a realeza devia estar distante do país, não demonstrar o que sente, o que preocupa. É nosso dever deixar as pessoas tranquilas e nos últimos anos eu sabia que as pessoas prestavam mais atenção em mim, então eu simplesmente não quis deixar escapar nada.
- Mas hoje você não pensa mais assim?
- Não totalmente. Percebi que as pessoas merecem nos conhecer, pelo menos dentro do limite. É claro…
- Mas você não é assim somente com as câmeras. Você gosta de esconder as coisas de mim. Por quê? - agradeci imensamente pela minha nova posição, eu queria que pensasse que aquela era uma pergunta simples, despretensiosa e eu sabia que se ele visse minha expressão nervosa, ele entenderia que aquela era uma pergunta que eu estava louca para fazer.
- Não é de propósito… - ele deixou a resposta no ar, ajeitando-se para deitar-se assim como eu. O banco era quase pequeno para mim, mas eu sabia que não ficaria confortável ali por muito tempo, seus ombros largos deixavam no mínimo um braço para fora do apoio. - Na realidade, é porque eu tenho medo de que você fuja.
- Como? - aquilo me surpreendeu, me fazendo sentar novamente para encarar o príncipe. Eu estava certa, suas costas não cabiam naquele banco.
sentou-se também.
- Eu tenho medo de te contar tudo o que acontece e você decidir fugir. Que desista de continuar.
- Nossa. - falei mais para mim mesma do que para o príncipe. - Depois de tudo, você ainda acha que eu desistiria? - eu não queria ser grosseira, mas era um pouco inacreditável. Não conseguia acreditar que realmente pensava que eu desistiria naquela altura, acho que já o teria feito, se fosse o caso, não?
- Não sei, . Eu confio em você, não é isso.
- Então o que é? O que te faz pensar que eu fugiria?
- Eu tenho medo de te sobrecarregar demais, de chegar a um ponto que você simplesmente não aguenta. Eu… Eu perderia tudo se você desistisse. - ele praticamente sussurrou as últimas palavras.
- O quê?
- É, . - o príncipe ficou de pé novamente, encarando-me com sua altura bem superior à minha sentada. - Você entende que eu perderia o apoio dos nortistas, perderia minha rainha, a confiança do governo em mim, talvez até a dos meus pais? Eu perderia a chance com os sulistas. Talvez eu até perdesse o amor do povo… É ridículo, , mas eu sei que serei um rei melhor por sua causa. E eu não estou pronto para ser um rei medíocre. Acredite. - então ele começou a caminhar pelo abrigo novamente. - Eu aceito completamente que minhas armas na verdade são suas, eu aceito ser até um rei menos popular que você. Mas as pessoas vão me admirar se você estiver comigo. E me assombra o que elas pensariam de mim se eu deixasse você escapar. Até os rebeldes sulistas me achariam um otário.
- Acho que você está exagerando.
- É disso que eu estou falando, . Você não acredita no seu potencial e eu não quero bombardear você em situações que as pessoas acreditam. Eu sei que guardo segredos, mas é por você. Ou, talvez, de forma bem egoísta, por mim. Mas eu negocio nosso futuro desde a primeira semana, . Acredite em mim quando eu digo que estou 100% com você.
Respirei fundo, encarando a saia do meu vestido.
- Eu não vou fugir. - falei para ainda sem encará-lo, talvez baixo demais.
- O que você disse?
- Eu disse que não vou fugir. - olhei para ele. estava nervoso, pelo menos estava antes. Suas bochechas estavam levemente avermelhadas e eu sabia que eram sinais de sua breve irritação.
- Você não tem certeza.
Sorri.
- Eu tenho. - afirmei. - Eu tenho certeza, porque tive a chance e recusei.
- Chance? - se sentou no banco. Resolvi me aproximar dele, pegando suas mãos.
- Sim. Me ofereceram uma fuga, . Me ofereceram uma chance de sair daqui. E apesar de eu saber que perderia muito, era uma chance real. Minha família tem dinheiro o suficiente para eu ser uma Cinco, em Iléa. Então eu acho que eu poderia ter ido, sim. Mas não fui.
Suspirei.
- Eu tenho muito medo de ser rainha. Tenho medo do que me casar com você significa. Tenho pavor do dia em que oficialmente serei uma traidora do Chefe, mas eu quero ficar, . Eu quero te ajudar a conquistar tudo o que você sonha. Eu quero que as pessoas vivam sem castas, eu quero que os ataques rebeldes acabem. Eu quero ajudar você e meu país. Eu nunca quis ser um acessório para meu marido e, apesar de oficialmente eu me tornar o maior deles, acho que internamente eu poderia fazer a diferença que eu sempre quis. E é isso que eu não vou desperdiçar.
Eu não sabia dizer quem estava mais surpreso, se era ou eu. Eu não tinha percebido o quanto aquilo era verdade, o quanto, talvez bem no fundo, eu queria ficar. Eu sabia que ia responder, eu sabia que ele teria algo que me dissesse que de uma vez por todas ele me contaria tudo, que nós falaríamos não somente sobre viagens e sonhos, mas sobre o estado real do nosso país. Mas antes que qualquer som saísse dos lábios do príncipe, ouvimos outra voz.
- Alteza? O senhor está aí? - o som era cortado pela porta metalizada, mas ele claramente vinha do outro lado da mesma.
- Eles nos acharam. - foi tudo que o príncipe disse antes de ficar de pé. Soltando de forma delicada minha mão. - Sim, estamos aqui. Obviamente. O ataque já terminou?
- Ataque? - a voz feminina indicava que a rainha estava do outro lado. Fiquei de pé, arrumando meu vestido e meu cabelo. Soltei-o, refazendo o coque rapidamente. Não estaria perfeito, mas muito melhor do que estava, tinha certeza.
A porta metálica se abriu, revelando , a rainha e o soldado Hitt.
- O que está acontecendo? - perguntou, fingindo ignorância.
- Nós que perguntamos, . Vocês estão aqui há quanto tempo? E de que ataque você estava falando? - perguntou, com os olhos passando de mim para seu irmão.
- Mais alguém sabe que estão aqui? - perguntou.
- Não contamos para seu pai. - a rainha comentou. - Assim que não lhe achei, falei com seu irmão. Depois decidimos usar o rastreador.
involuntariamente olhou para seu braço direito.
- Ótimo. Porque temos muito o que conversar. Senhor Hitt, caso perguntem, diga como se fosse um segredo que eu e a senhorita achamos que havia um ataque. Precisamos que esse boato se espalhe.
- Certo, Alteza. - então o soldado fez uma reverência e saiu.
- O que está acontecendo? - a rainha parecia não ter entendido.
- Os sulistas estão agindo. - suspirou. - E nós teremos que fazer algo sobre isso.
olhou para mim pela primeira vez desde que sua família apareceu. Eu tentava não parecer encolhida ali, mas me sentia humilhada por ter dito tudo aquilo a ele. Não sabia se estava feliz ou assustado comigo. Não sabia se de alguma forma tinha o decepcionado. Eu tentava lembrar de tudo o que eu havia dito, mas não conseguia. Não achava o ponto em que ele podia ter se tornado mais distante, o momento em que eu havia feito besteira.
- Agindo? - o príncipe mais novo também parecia confuso.
- , você pode acompanhar até seus aposentos e depois nos encontrar no escritório do rei?
- Claro. - o príncipe mais novo concordou, eu gostaria de dizer que não precisava de companhia, podia ir sozinha sem problemas, mas não queria interromper .
- Mãe, consegue encontrar o pai e levá-lo ao escritório? Preciso fazer uma coisa antes.
- Sim, tudo bem.
- Então vamos, por favor. Acredito que a senhorita queira uma cama confortável.
Sorri, mas não estava exatamente olhando para mim. O que eu havia feito?
Segui com até a escada em silêncio, a rainha e haviam seguido caminhos opostos assim que chegamos ao hall principal. foi em direção ao jardim e a rainha ao Salão das Mulheres.
- Você está bem? - o mais novo perguntou assim que paramos em frente a minha porta.
- Sim. Estou. Obrigada pela companhia, . - sorri, sentindo-me fraca. Na realidade me sentia envergonhada, humilhada e, de alguma forma bem ridícula, rejeitada. Me despedi e entrei no meu quarto, encontrando-o vazio.
Estava feliz por aquilo, não queria explicar nada. Queria apenas um banho quente e trocar de roupa. Eu não estava arrasada, mas não conseguia entender por que me sentia tão mal. Era como se eu esperasse que minhas palavras dessem confiança a , que ele percebesse de uma vez por todas que eu queria estar ali e parasse de achar que tudo era um problema para mim. Eu havia descoberto um lado meu que eu não imaginava existir. E em vez de gostar dele, parecia que ele havia odiado-o.
***
Quando minhas criadas apareceram para me arrumar para o jantar, eu já estava de banho tomado. O que me deixou pronta alguns minutos mais cedo do que precisava. Mas eu já me sentia melhor, mais protegida dentro da roupa nova e novo sorriso. Eu acreditava que tudo ia ficar bem. não precisava me amar mesmo, não é?
- A senhorita não abriu seu presente? - Elise perguntou, segurando uma pequena caixa bem embrulhada com um laço bem feito.
- Presente?
- Sim, um guarda trouxe para nós essa tarde, enquanto você estava no Salão das Mulheres.
Tranquei a respiração. No caso, trouxe enquanto eu estava presa no abrigo com .
- Não havia visto. - segurei a caixinha, sentindo as mãos um pouco trêmulas. Não achava que fosse de , ele teria comentado algo. Serena também não era do tipo de dar presentes, então só sobrava uma pessoa. Embaixo do laço e embrulho havia uma pequena caixa de madeira, entalhada com a inicial do meu nome bem no meio. Era bonita. Mas então eu abri a caixa.
- Senhorita? - escutei Meri dizer, parecendo preocupada com minha reação. Mas eu não conseguia disfarçar. Eu estava chocada, surpresa e, bem, assustada. - Você está bem?
- Eu… Eu… - era como se meu cérebro não fosse capaz de formar a sentença. Eu só conseguia encarar, com as mãos trêmulas, aquele pequeno anel em cima da mesa.
- É um presente do príncipe? Ele a escolheu? - Cleo perguntou.
- Não. - aquilo me acordou do transe. - É muito pior. - encarei meu trio de criadas, amigas e confidentes com as lágrimas prestes a cair. Eu estava apavorada.
- ? - Elise que tentava não se intrometer, começou a parecer preocupada.
- Vocês podem me deixar sozinha? - pedi, ignorando as perguntas.
- A senhorita tem certeza?
- Sim. Me desculpem. Eu só preciso pensar.
Aquilo foi o suficiente, mas pensar era a última coisa que eu queria fazer. Como se não fossem mais capazes de segurar, as lágrimas caíam uma a uma assim que me vi sozinha no quarto. Eu estava apavorada. O que aquilo significava?
Percebi, então, embaixo do anel, na caixinha aveludada um pequeno pedaço de papel. Segurei, abrindo-o lentamente.
"Acredito que não há forma melhor de simbolizar nossa união."
Era isso. Não havia assinatura, mas eu sabia de quem era. Não importava o quanto eu tentasse negar para mim mesma, o Chefe havia me enviado um anel. Não era exatamente uma aliança, eu sabia, mas ainda assim não era igual ao colar dos nortistas. Era?
Na realidade, poderia ser. Eu poderia ignorar o terror que crescia dentro de mim com a hipótese daquele homem realmente achar que seríamos um casal de verdade. Ou da ideia de aquele animal ser capaz de nutrir quaisquer sentimentos por mim, e de alguma forma externá-los. E então aquele pequeno anel, tornava-se apenas uma joia qualquer, uma joia como o colar.
Segurei o anel novamente. Era bonito. Fino, com uma delicada pedra em cima, azul. Não era o azul escuro do brasão real, mas um azul claro, quase branco. Era caro, eu sabia. Era quase digno de uma princesa. E com certeza era digno de uma noiva. Todo meu corpo repugnou a ideia. Era apenas um símbolo de uma união com um grupo, não com um homem.
Mesmo assim coloquei o anel na caixa e a escondi embaixo da cama. Ainda tinha alguns minutos até o jantar, estava torcendo para Serena já ter voltado.
- Boa noite, senhorita . - uma das criadas de Serena atendeu.
- Boa noite. Desculpe interromper. Mas a senhora Serena está?
- Sim. Pode entrar. - a mulher abriu a porta, fazendo uma leve reverência para mim.
- Na verdade. Eu estou com dúvida sobre um vestido importante. Gostaria de saber se a senhora Serena poderia me ajudar no meu quarto.
Serena, que olhava o próprio reflexo no espelho, virou para mim preocupada, ela sabia que não havia vestido nenhum. Sabendo que todas as três criadas da mesma me encaravam, eu podia apenas sorrir.
- Claro. - Serena não esperou nem um segundo. - Doris, poderia pegar meu sapato, por favor, querida?
Doris, que parecia ser a mais nova das criadas de Serena, lhe trouxe os saltos, ajudando a mulher a colocá-los no pé. No instante seguinte Serena já estava caminhando comigo pelo corredor.
- O que aconteceu? Você estava chorando? - Serena não era do tipo delicada.
Mas eu não respondi, apenas indiquei que ela entrasse no meu quarto. Serena deve ter percebido o embrulho e laço sobre a mesa, por isso nem notou quando me abaixei e peguei a caixinha embaixo da cama.
- Eu recebi isso. - falei, entregando o objeto para ela, temendo segurá-lo por muito mais tempo.
Serena estranhou, analisando a caixa com cuidado, passando seu dedo indicador pela delicada e bem feita inicial do meu nome talhada ali.
- É linda. O príncipe que lhe deu?
- Você acha que estaria aqui se fosse de ? - não conseguia acreditar que ela não havia pensado no Chefe de primeira.
- Não. Você tem razão. - ela disse, enfim abrindo a caixa. A expressão de Serena se assemelhou à minha. A descrença e o choque a atingiram em cheio. - Não é possível. Isso é um pedido de casamento?
- Claro que não é. - falei, seca. A verdade é que eu tinha exatamente a mesma suspeita. - Tem um bilhete.
Serena pegou o bilhete, abrindo-o sem soltar a caixa. Não deixei de notar que ela não tocou no anel.
- Acredito que não há forma melhor de simbolizar nossa união. - ela leu em voz alta. - , isso é…
- Assustador, eu sei. Mas é como o colar que você fez aquela garota me dar, certo? Um símbolo dos rebeldes sobre sua possível rainha. - eu estava esperançosa.
- Sim. Eu acho que seja. Mas ao mesmo tempo é um anel, . Um lindo e maravilhoso anel. Do tipo que se usa para pedir alguém em casamento.
- Eu sei. - estava derrotada. - O que eu devo fazer?
- Você precisa perguntar isso para .
- Eu não sei, . - ele disse, passando a mão nos cabelos sem bagunçá-los dessa vez. - Você concorda com o que Serena disse?
- Não sei. Apesar de não imaginar outra forma, não consigo achar que os sulistas poderiam lhe chantagear para escolher alguém.
- Não essa parte. A outra coisa. - andávamos lado a lado, pelo imenso jardim, longe o suficiente do castelo e até mesmo dos vários guardas que nos vigiavam. Já estava escuro, o que significava que o jantar seria servido em poucos minutos - Sobre o Chefe dos sulistas nutrir sentimentos por você.
- Ah, isso. - encarei a floresta à nossa frente. A floresta na qual eu me encontrava com os rebeldes. Suspirei. - Eu não concordo. - disse por fim, dando de ombros.
- Por quê?
- Não acho que aquele homem seja capaz de nutrir sentimentos por qualquer pessoa do planeta, muito menos por mim. - respirei fundo. Não era exatamente mentira. Eu achava que ele me via como um desafio e um agrado, mas nada de sentimentos reais. - Acho que ele ama poder e é isso que eu ofereci a ele.
- Não foi só isso que você ofereceu a ele. - comentou, olhando-me sugestivo.
- Acredite: foi. - falei firme.
- Eu tenho certeza de que você acredita que foi, mas eu tenho medo por você, . Você se encontra com eles no meio da madrugada, na floresta. Isso é inconcebível. - ele respirou fundo. - Eu não consigo acreditar que Serena ou até mesmo Mariee permitiu isso. Você se lembra do primeiro encontro com os nortistas? Se eles já faziam comentários como aqueles… Eu não gostaria nem de pensar.
Sorri.
- Cuidado, Alteza, assim vão começar a achar que você está com ciúmes.
- Quem me dera fosse apenas ciúmes, . Às vezes eu acho que você não tem noção do perigo que corre.
- Acho que ninguém tem. - falei, vendo a expressão confusa de , o que me fez me arrepender imediatamente de ter dito algo.
- O que você quer dizer?
- Me desculpe. Eu não quis... - respirei fundo, sabia que teria que continuar. Eu e meus comentários desnecessários. - É só que… De quantas guerras você participou? Quantas vezes você esteve em contato direto com os sulistas, ? Bem, tirando a parte que eles atacavam sua casa.
parecia me encarar, pensando em minhas palavras. Seus olhos perderam o foco, de repente ele estava encarando a floresta mais à frente.
- Você está certa. - ele suspirou. - Infelizmente você não poderia estar mais correta, mas não sei como concertar isso.
- Concertar?
- Eu simplesmente não sei como te tirar disso tudo, . - parecia derrotado, exausto e perdido. Seus olhos… Era como se tivessem perdido todo o rumo, por um instante.
- Você não precisa. Eu não estou pedindo que o faça. - apressei-me em dizer. - , por favor, eu…
- Você não quer ser mais um peso para mim? - ele riu fraco, triste, sentando-se em um dos bancos do jardim. Estávamos em um lugar quase escondido, reservado. Sentei-me na ponta oposta do banco, virando-me de forma a ficarmos quase frente a frente. Por poucos centímetros nossos joelhos não se tocavam.
- Você ri, mas é verdade. Como eu disse, eu estou aqui para lhe ajudar. Jamais me imaginei nessa situação, mas eu quero ajudar. Eu estou disposta a me sacrificar pelo país. - aquela maldita palavra, precisava admitir que ela já não me parecia tão irreal. Depois de Mariee, eu já tinha aceitado que o sacrifício era iminente.
- Mas talvez eu não esteja. - o príncipe disse baixo, olhando-me nos olhos. - Eu não sei se posso perdê-la.
O que aquilo significava?
- …
- Me deixe terminar, , por favor. - assenti, ficando em silêncio. - Eu sei que nosso casamento será arranjado, que eu sequer fiz o pedido direito. Sei que você não me conhece o bastante e que eu não lhe agradei como um noivo deveria. Eu tenho completa consciência que a deixei sozinha e que ainda sou obrigado a dar atenção às outras garotas.
As palavras pareciam pesar para . Sua postura ereta e real estava um pouco curvada, sinais de cansaço que raramente se via no príncipe. Ainda mais depois de sua volta. Eu tinha feito algo que temia, tinha passado para o peso de meus problemas. Era como se minhas palavras tivessem lhe feito perceber a realidade.
- Eu tenho consciência de que de alguma forma desde que você entrou na Seleção você já foi sequestrada, duas vezes, que teve que ir até encontro de rebeldes, muitas vezes, que precisou mentir e me proteger. Eu sei que lhe coloquei em risco mais vezes do que posso contar. E você está certa, ninguém nunca na história lidou com algo assim, e eu não acho certo ou justo que seja você a fazê-lo. Mas eu não sei como te livrar dessa, . Você não faz ideia de tudo o que eu faria para trocar de lugar com você.
Segurei a mão dele. Ele estava certo. Eu estava atolada até o fundo naquilo e ninguém era capaz de me tirar. E aquilo me assustava. Todas as mentiras, enganações, segredos e fingimento. Tinha dias que eu sentia que aquilo era muito distante, tratava-se de acontecimentos da vida de outra pessoa. Mas tinha momentos, como aquele, que tudo aquilo me sufocava.
- Eu… - senti minha voz falhar.
- Eu sinto muito mesmo, . - eu sabia que ele sentia, parecia ter o coração se despedaçando só pela forma que ele me olhava. Assenti. Eu também sentia.
- Você voltaria no tempo e mudaria alguma escolha? - perguntei, vendo o príncipe estranhar minha pergunta e parar para refletir.
- Depende para quem você está perguntando. Para o príncipe ou para o homem?
- , os dois são a mesma pessoa.
- São, mas ao mesmo tempo não. - ele suspirou - Serei completamente sincero com você… O príncipe não tem do que reclamar. Nós resolvemos nossos problemas com os nortistas por sua causa, . Eles vão nos apoiar, eles não estão apenas quietos, eles estão do nosso lado. Os ataques dos sulistas diminuíram relativamente, pelo menos os destrutivos, e agora nós temos reais condições de vencê-los na guerra. E eles não querem mais nos aniquilar, não antes de você se casar, pelo menos. - ele sorriu sem graça. - Eu tenho uma esposa que agrada meus pais, os assessores e o público. A minha Seleção vai ficar marcada para todo o sempre, acho que ninguém jamais conseguirá bater seus números. Apesar do caos, você, antes mesmo de virar princesa, melhorou nosso país em todos os aspectos.
Sorri, era exatamente disso que eu precisava. Era por isso que eu estava fazendo tudo aquilo, não era? Pelo bem do meu país. Era aquela afirmação que me faria continuar, me sacrificar e seguir em frente.
- E é isso que importa. - afirmei, ameaçando me levantar.
- , espere. - segurou minha mão, pedindo para que eu ficasse. - Mas o homem, , lamenta de formas que nunca achou possível tudo o que lhe causou. Nada deveria justificar. Eu coloquei sua vida em risco e acho que jamais conseguirei me perdoar ou me redimir por isso. Eu vou ser seu marido, meu dever é protegê-la, mimá-la e poxa, eu tenho todos os modos de fazer isso e ainda não parece o suficiente. Mas não vou desistir de tentar, espero que entenda, e é por esse motivo que eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para torná-la a mulher mais feliz do mundo. Dentro dos limites dos seus sentimentos por mim, claramente. Que eu realmente espero, mesmo que de forma levemente vergonhosa, que um dia se torne real. Eu não quero, , que você se arrependa nem por um segundo de ser rainha.
Respirei fundo.
- Não é vergonhoso. - eu ri fraco. - Talvez um pouco inocente, eu estou torcendo apenas para você não se cansar de mim.
- Não acho que isso seja possível.
Olhei para o príncipe, a luz dos postes do jardim misturadas a fraca claridade causada pela lua davam um brilho diferente para seus olhos, estava sendo sincero comigo, estava falando sobre seus sentimentos, sobre nós, sobre o futuro… Apesar daquilo me ser muito estranho, eu estava grata por sermos capazes de pelo menos começar a falar sobre aquilo. E apesar de eu ter certeza absoluta de que tinha zero sentimentos por mim, assim como eu por ele, eu não conseguia deixar de pensar na frase de sua mãe. Pelo menos por um segundo, eu desconfiei que estava mentindo para mim, em vez de para a rainha.
A batida na porta realmente me assustou, encarei Meri que penteava meus cabelos em dúvida. Não estávamos esperando ninguém, ainda mais tão cedo assim, antes da hora do café. Como de costume minha criada levantou-se da cadeira e foi até a porta.
- Alteza. - seu tom de admiração era óbvio.
- Olá, senhorita. - reconheci a voz de pela fresta da porta, automaticamente sorrindo. - A senhorita está?
- Está sim, Alteza. - Meri apenas abriu a porta enquanto eu me levantava para cumprimentar o príncipe.
- Bom dia, . - sorri, lhe fazendo uma pequena reverência. - Como está?
- Bom dia, . - ele também sorriu, limitando-se a permanecer na porta. - Você gostaria de dar uma volta?
- Claro. Temos alguns minutos antes do café da manhã. - comentei, vendo Meri se afastar discretamente, nos deixando mais à vontade para conversar.
- Na verdade… Você sabe andar a cavalo? - o príncipe tinha um sorriso travesso.
- Deixe-me adivinhar: aulas de hipismo? - perguntou enquanto me encarava subir no cavalo com ajuda de um dos cuidadores dos animais.
- Na verdade, minha família tinha um cavalo, mas como ele já tinha mais idade, montei poucas vezes nele. Depois que o perdemos não tivemos coragem de ter outro, agora quando necessário alugamos um carro com motorista. - dei de ombros, lembrando-me dos passeios pela minha Província com meu pai e nosso cavalo.
- Eu não esperava por essa. - ele comentou baixo, me deixando em dúvida do que aquilo significava.
- Mas e você? - brinquei, vendo-o me olhar com uma cara surpresa. - Teve aulas de hipismo?
riu. Era meio óbvio que como príncipe ele havia aprendido a cavalgar com um professor especialista na área, mas que graça teria se ele me fizesse um milhão de perguntas e eu só adivinhasse seu estilo de vida?
- Era algo que eu amava fazer, mas com o tempo se tornou um pouco de tempo perdido. - ele deu de ombros, montando incrivelmente bem em sua égua.
- E por que estamos aqui hoje? - perguntei, vendo-o andar com seu animal enquanto o meu automaticamente acompanhava. - Você está com tempo sobrando?
- Na verdade, pretendo ter mais tempo sobrando para você nos próximos dias. O que acha? - apesar de não conseguir ver o rosto do príncipe, eu conseguia entender do que ele estava falando. queria, de alguma forma, nos aproximar.
- Seria uma honra, mas o que Vossa Alteza poderia querer comigo? - brinquei. Eu precisava admitir que estava nervosa, mas eu sabia que também estava. Nenhum dos dois parecia realmente pronto para aquilo. Quantas vezes duas pessoas conversaram sobre viver juntas para sempre, bem, no segundo encontro? Mas o príncipe não parecia muito acostumado com as pessoas brincando com ele, pois o mesmo virou o rosto rapidamente, me olhando como se realmente acreditasse que eu não fazia ideia. - Eu estou brincando. Sabe, para descontrair.
- Ah, quer dizer que você na verdade lembra que combinamos de passar a vida juntos e sequer nos beijamos? - me olhava de forma engraçada, claramente brincando também.
- Está insinuando que quer me beijar, príncipe? - falei, vendo ficar vermelho com a insinuação. Eu o estava provocando, brincando com ele e vendo até que ponto o inexpressivo poderia se divertir.
- Não, eu não quis dizer isso. - ele respondeu rápido.
- É mesmo? - teatralmente me fingi ofendida. - Então quer dizer que eu não sou o suficiente para o senhor, Alteza?
- Pare com isso, . - ele disse, puxando levemente as rédeas de sua égua, nos fazendo parar. Ficava imaginando quão bem treinados aqueles animais podiam ser, pois o meu cavalo parecia imitar o outro sem nem pestanejar. - Nós precisamos resolver isso tudo. Você sabe. Mas como eu já disse, quero fazer meu máximo para isso ser menos complicado. É meu dever me sacrificar pelo país, não o seu.
- Você acha que se casar comigo será um sacrifício? - não consegui evitar, era uma pergunta que me incomodava.
Me surpreendendo, riu fraco, parecendo não exatamente achar graça de minhas palavras, mas sim achá-las icônicas, talvez até absurdas.
- , achei que eu havia lhe explicado isso. Estamos na Seleção há exatos 25 dias, sendo que desses passei sete fora. Não existe absolutamente nenhuma outra Selecionada ou mulher que eu preferia que estivesse no seu lugar. Então respondendo a sua pergunta, é claro que não será um sacrifício. - ele respirou fundo, recuperando o ar. - Mas seria realmente mais fácil se você já me amasse ou estivesse sonhando com a coroa. Eu sinto que você, pelo menos, estaria feliz.
O príncipe me encarava de forma penetrante, analisando cada mínima reação minha. Senti meu coração palpitar, não somente pelo peso do seu olhar, mas pelo peso de suas palavras.
- Eu não sei se concordo com você. - me escutei dizer, externando as palavras ao mesmo tempo que a ideia surgia em minha mente. - Talvez você se sentisse menos culpado, . Mas não seria mais fácil. - o príncipe parecia curioso. - Você não precisa de alguém que esteja mais preocupada com a coroa do que com você e, se me permite dizer, estaria completamente perdido se fosse para a guerra e deixasse alguém que é apaixonada por você para trás, ou alguém por quem você é apaixonado. - eu suspirei, triste, imaginando Aurora andando de um lado para o outro nos corredores do castelo enquanto está desaparecido.
- Você se preocupa mais comigo do que com a coroa? - estava claramente rindo de mim, insinuando-se. Mas eu sabia, pelo seu olhar, que minhas palavras haviam o afetado, nenhuma brincadeira disfarçaria aquilo.
- Considerando que eu tenho vontade de fugir com a ideia de governar o país. - respondi rindo, entrando na brincadeira com ele. Mas fechou a cara imediatamente, minhas palavras não foram engraçadas para ele, elas foram tristes. Eu sabia que aquilo o preocupava, sabia que não queria me obrigar a fazer algo que eu claramente odiava. Eu sabia que ele queria me agradar, facilitar as coisas e não havia nada que ele pudesse fazer naquele quesito.
- Eu… - ele começou, bagunçando o cabelo na dúvida de como responder aquilo.
- Esquece. Me desculpe. - eu queria voltar alguns segundos e recolher aquelas palavras antes que saíssem da minha boca. - Nós viemos aqui cavalgar ou ficar conversando em cima dos pobres coitados. Eles não são cadeiras, sabe?
- Eu sei. Na verdade, eu tenho uma surpresa para você, vamos. - ele disse, aceitando minha mudança de assunto e indicando a sua égua a continuar. me perguntou se podíamos ir mais rápido e eu assenti, sentindo meus cabelos parcialmente soltos voarem com a nossa nova velocidade.
Eu não sabia comandar um cavalo o suficiente para fazê-lo saltar ou, por exemplo, andar para trás. Mas eu sabia muito bem como ganhar velocidade e me manter firme em cima do mesmo. Pela primeira vez agradeci minha mãe por me obrigar a fazer aquilo de vestido, a saia volumosa nem me incomodava tanto. Logo eu e chegamos a uma pequena e completamente escondida cabana no meio da floresta, perto do lago, mas relativamente longe do castelo.
- Mas como? - estranhei, como era possível esconder um imóvel em uma floresta nos terrenos do castelo? Talvez da mesma maneira que os sulistas esconderam um acampamento.
- É para ser um abrigo em casos extremos. Mas normalmente não usamos, só deixamos sempre limpo e com mantimentos para caso seja necessário. - ele deu de ombros, descendo de seu cavalo. - Hoje tem um café da manhã incrível nos esperando e vários guardas para garantir nossa segurança.
- Isso é demais! - e realmente era, a cabana estava mais para um chalé, com uma escada e deck na entrada, levando para uma porta antiga e uma janela não muito grande. O telhado escuro e as paredes de madeira davam um ar ainda mais aconchegante para ali.
- Você não quer entrar? - brincou, me fazendo notar que ele estava ao meu lado, em pé, me oferecendo ajuda para descer no animal. Nem havia percebido sua aproximação, estava ocupada demais apreciando a arquitetura à minha frente.
- Eu quero muito. - brinquei, aceitando sua ajuda, enquanto ele me segurava para descer do cavalo. Sorri ao aterrissar no chão, com suas mãos firmes em minha cintura e o rosto do homem a centímetros do meu. O príncipe encarava meus lábios e eu sabia o que aquilo significava.
Apesar da regra de pureza ser muito valorizada, ser beijada não tinha absolutamente nada a ver com aquilo. Por esse motivo, eu já tinha apreciado alguns lábios nos meus, precisava admitir. Eu sabia que queria beijar quando o percebi se aproximar lentamente, com seus lábios prestes a se encostar nos meus, mas eu não podia. Não era certo e não era justo. Não iria beijar pela primeira vez com guardas reais nos vigiando e sem ter certeza absoluta do que aquilo podia significar. Engolindo em seco, recuei suavemente, fazendo delicadamente me soltar. Ele tentava não demonstrar sua decepção, mas estava claro que eu havia fugido dele.
- Me desculpe, eu… - eu queria me explicar. Queria dizer para que eu não o repugnava, eu só não estava pronta. Não queria que ele pensasse que teríamos um romance. Eu sabia que iríamos nos casar e que aquilo significava muita intimidade, mas ao mesmo tempo eu não queria confundir nossa relação. Podia ser estranho, mas eu queria ser beijada por alguém que gostasse pelo menos um pouco de mim e não porque era cômodo. Eu beijaria porque gostava dele, não porque simplesmente me casaria com ele.
- Você não precisa se desculpar. - ele deu um sorriso sem jeito. - Agora vamos entrar, antes que nossa comida fique toda gelada.
Concordei, aceitando seu braço para seguirmos até o interior da cabana.
- Aqui dentro é ainda mais bonito.
E era mesmo. A cabana, apesar de estar no terreno real, era muito mais simples que o castelo. Os móveis rústicos, amadeirados, em volta da lareira davam um ar de casa para aquele lugar, de lar. Os tons terrosos misturados com o branco e o azul real, deixavam o ambiente decorado, mas não engessado. Havia quadros nas paredes, mas nada perto dos magníficos retratos do castelo. Havia luxo, mas apenas o necessário para o conforto dos visitantes ilustres. Adentrando mais ao cômodo, consegui ver a mesa de jantar que comportava de oito a dez pessoas tranquilamente e a cozinha, que nesse caso, era estranhamente integrada a tudo. No castelo só havia visto a cozinha porque precisava visitar os rebeldes, mas duvidava que as outras Selecionadas ou convidados tinham essa visão, mas o que chamava atenção mesmo, era a mesa posta com diversas opções e apenas dois jogos de pratos.
- Você gostou? - estava parado na porta e parecia olhar para mim. Seu sorriso me fez rir, envergonhada.
- Eu adorei. Aqui é quase normal. - ri, ainda encarando o local, tentando analisar tudo.
- Fico feliz, porque eu gostaria de lhe dar. - encarei o príncipe, completamente confusa com suas palavras.
- Me dar?
- Sim. Eu queria lhe dar a cabana, .
- Mas… Você não pode, ela é um abrigo.
- É, e gostaria de lhe pedir para ainda ser. Mas em todos os anos em que eu estou vivo, nunca usamos esse lugar. Então pensei em além de ser um abrigo, se tornar um refúgio.
E então eu entendi. O príncipe estava me oferecendo um lugar tranquilo, calmo, seguro e menos real. , meu futuro marido, me oferecia não só um abrigo contra-ataques, mas um refúgio contra a vida no castelo. E aquilo era incrivelmente lindo. Percebi que fora completamente sincero quando disse que iria se esforçar por nós, por mim.
- , é perfeito. - comentei, instintivamente e completamente empolgada correndo para lhe dar um abraço. O príncipe deu um passo para trás com o peso do meu corpo no seu.
- Que bom que gostou. - ele riu, abraçando-me de volta.
- Desculpe, isso não foi muito majestoso. - mas eu também estava rindo. Aquele lugar era incrível, maravilhoso e, bem, meu.
- Eu achei. - ele sorriu verdadeiramente, me fazendo retribuir enquanto me soltava de seus braços. Às vezes eu esquecia o quanto podia ser cheiroso e claramente não me lembrava mais dos seus músculos em volta de mim. Apesar de eu não amar , certamente gostava dos seus braços.
- E então, Alteza… Não vai me mostrar o resto da casa?
Eu não conseguia acreditar que estava mesmo fazendo aquilo comigo. Precisava admitir que a cada página estudada de meu livro, eu olhava para ele, sentado na enorme poltrona, para garantir que era real.
- Eu podia me acostumar com isso. - o príncipe disse, sem tirar os olhos de seus papéis. Eu sabia disso, pois estava olhando-o mais uma vez.
- Com o quê? - fingi indiferença.
- Com isso tudo. - ele deu de ombros, ainda sem mudar o olhar, seus papéis deviam mesmo ser interessantes. - Com alguém para trabalhar comigo, com uma companhia. Com a sua companhia.
Sorri. Precisava admitir que estava achando aquela manhã bem agradável. Depois do nosso delicioso café da manhã, servido por uma das criadas reais, perguntou se eu queria estudar ali com ele. No caso, eu estudaria e ele analisaria uns papéis que precisava. Apesar do medo de sermos descobertos passando tanto tempo juntos, não pude negar passar mais tempo naquela cabana. Agora, estávamos cada um em sua poltrona, com suas tarefas, curtindo apenas a companhia um do outro. Os guardas circulavam pelo lado de fora, mas nenhum deles podia realmente nos ver, estávamos sozinhos.
- Eu também. Tem uma paz inimaginável.
- Será assim até termos filhos, é claro. - disse aquilo muito casualmente, mas eu sabia que havia sido uma jogada estratégica quando ele finalmente olhou para mim. Não havíamos falado sobre aquela parte do acordo ainda. Era óbvio que o rei precisaria de herdeiros e eu me assustava com a ideia não só de ter filhos com , mas de ter filhos reais, no sentido de filhos na linhagem do trono. Eu lembrava que havia me perguntado se eu aceitaria aquele destino para meus filhos, se me casasse com ele. Na época achava que não, agora não tinha muita escolha.
- Eu… Como funciona? Quero dizer, - ri, porque era óbvio que eu sabia como as pessoas tinham filhos. - se for uma menina?
- Ela será a herdeira. - se ajeitou na poltrona, largando os papéis e voltando sua atenção toda para mim. - E se casará com um príncipe de outro reino, provavelmente não um herdeiro, já que não existem muitas uniões de nações atualmente. E quase todos os países adotaram a Seleção para seus herdeiros.
- Quer dizer que se tivermos um filho ele terá sua Seleção e se tivermos uma filha ela terá um casamento arranjado? - falei sem muita motivação na voz.
- Se as leis não mudarem até lá. - comentou, me fazendo olhá-lo esperançosa.
- Isso seria possível?
- Eu te diria que não, assim como o fim das castas. - ele sorriu de forma travessa.
- Entendi. Acho que você tem razão, até tudo acontecer e nossos filhos chegarem à idade de se casarem… Não deve ser uma preocupação atual. - ri, percebendo o quanto estava sendo tola. Talvez eu nem vivesse para isso. Talvez nem vivesse. Tínhamos uma guerra e uma traição pela frente.
- Quantos filhos você gostaria de ter? - ele perguntou, parecendo concordar com as insinuações sobre o casamento dos nossos filhos, mas não sobre a existência deles.
- Nunca pensei nisso. Era como se tivesse que passar pela Seleção para pensar depois… Não tinha nem uma faculdade em mente. - dei de ombros. - E você?
- Dois, no mínimo. foi minha salvação vezes demais. Não sei o que faria sem ter alguém que entendesse um pouquinho para compartilhar as coisas. - , ao contrário de mim, parecia ter pensado muito naquilo.
- Você já disse isso a ele? - eu sabia que se sentia excluído da parte de governar o país muitas vezes, era engraçado pensar que lhe contava várias coisas.
- Não sei, por quê?
- às vezes se sente de fora dos assuntos governamentais. - tentei explicar de forma a não expor o mais novo. - Acho que ele sente que você não compartilha mais tanto.
- Ele lhe disse isso?
- Não… Quero dizer… Indiretamente ele disse sim. Disse tanto quando nos vimos na primeira noite da Seleção, como ontem antes da nossa reunião.
- Entendo… Eu não sabia. Achava que eram assuntos chatos para compartilhar.
- Acho que Vossa Alteza tem a tendência a esconder coisas das pessoas sem perceber. - falei, esperando que ele entendesse que eu me incluía nessa. havia feito coisas demais na Seleção que não me contou.
- Então… Sobre isso…
- O quê?
- Eu e minha família precisamos viajar novamente em duas semanas. Faremos o juramento à bandeira daqui há dez dias. Minha mãe vai anunciar hoje à tarde.
- Dez dias? Daqui a dez dias Anne e Aurora vão embora? Céus. Isso vai virar um caos.
- O que você quer dizer? - apesar da pergunta, eu achava que sabia muito bem o que aquilo queria dizer, sua risada presunçosa o entregava.
- Não finja que não sabe, . Você vai tirar minhas únicas amigas nesse lugar. Vai me deixar com Natalie e Samantha, sendo que com a segunda eu nem converso.
- Você não conversa com a Samantha? Mas ela é tão gentil.
- Com você, príncipe. Apesar de ela ser realmente melhor que a Lauren, ela está longe de ser simpática.
- E você?
- O que tem eu?
- É simpática?
- Bem…
riu. Ele realmente gargalhou. O príncipe estava certo, eu não era simpática. Nunca quis ser grossa ou mal-educada com as Selecionadas, eu apenas não estava no mesmo mundo que elas. Enquanto elas lutavam por um príncipe, eu lutava (mesmo que indiretamente) por aliados, por paz e informações. Enquanto elas estudavam etiqueta e bons modos, eu treinava reuniões com sulistas e fazia juramentos de sangue. Enquanto elas viam ataques, eu via estratégicas e segundas intenções.
- Elas devem me achar péssima. Todas as meninas que saíram... Eu não devo ser tão popular assim. - apesar de tudo, a ideia daquelas mulheres acharem que uma mal-educada ganhou no lugar delas, a ideia delas odiarem sua rainha me incomodava.
- Eu não acho que elas te achem péssima, . Acho que elas têm inveja. Você era, de acordo com Anne, considerada misteriosa, quieta e até tímida. Ah, se elas soubessem… - ele riu e preciso admitir que eu também. Nenhuma das três características parecia caber em mim. Mistério? Estava mais para atolada de segredos. Quieta e tímida? Não era muito meu perfil, não é?
- Qual delas você gostou mais? Alguém que saiu durante os ataques, talvez?
- É tão difícil você acreditar que não existe? Que eu não me afeiçoei por nenhuma delas?
- Na verdade é sim. - ri de sua expressão de reprovação.
- Você gostou de alguém na sua Província?
- Durante toda a minha vida? É claro! Vai dizer que você não?
- Não estou falando de diversão, . Quando você olha para uma pessoa sabendo que não tem futuro é diferente. Mas quando você começa a ter olhos críticos, quando os defeitos importam mais… É completamente diferente.
- Compreendo, eu acho. Então a resposta é não.
- Se sua resposta é não, por que é tão surpreendente que a minha também seja?
- Por que você tinha 35 mulheres aos seus pés? - falei óbvia.
- Sabe de uma coisa, ? Eu nunca tive 35 garotas aos meus pés, porque você nunca esteve. E apesar de eu não poder ter certeza absoluta, acho que eu a escolheria de qualquer jeito, mesmo se os rebeldes não estivessem envolvidos.
- Você acha?
- Provavelmente. Sua personalidade me encanta e sua educação encanta meu governo… Você provavelmente só teria mais chances de recusar. - ele lamentou.
- Minha família jamais permitiria. - afirmei e então eu percebi. Eu seria rainha. A família finalmente pararia de participar da Seleção. Só se meus primos continuassem a tradição com suas filhas, mas eu duvidava muito. Era uma tradição das mulheres da família e minha irmã não poderia colocar a filha dela para se casar com um filho meu, nenhuma de nós duas aceitaria.
- No que você está pensando? - me encarava de forma levemente engraçada, parecendo curioso e entretido.
- Na minha família. Acho que eles vão ficar orgulhosos, afinal.
- Por ganhar a Seleção?
Ganhar. Não tinha pensado nisso. Eu não seria somente a noiva de , eu seria a ganhadora de um concurso que nem participei. Seria hilário se não fosse trágico.
- É. - eu ri. - Terei que escutar da minha mãe que ela estava certa para sempre.
também riu.
- Você não vai contar a verdade para eles?
- Eu posso?
- Claro. Quero dizer… Você acha que eles contariam para alguém?
- Na verdade, não. Não acho.
- Então por mim, pode ser sincera.
Respirei fundo, encarando o nada por um minuto. O que será que minha família pensaria disso tudo? Dos rebeldes, do fim das castas, do casamento sem amor, da morte de Mariee… Eles ainda teriam orgulho de mim? Não importava. Eu precisava contar, para a segurança deles.
- O que faremos com minha família durante a guerra?
- Bem, eu estava esperando você perguntar… - então colocou os papéis na mesinha de centro da sala, em frente à sua poltrona, e se levantou. Caminhou até mim, enquanto eu o acompanhava com os olhos, abaixando-se para ficar na minha altura, já que eu continuava sentada. - Eu quero fazer de tudo para protegê-los, se me permitir. Eu sei que quando iniciarmos a guerra, você pode ser acusada de traição entre os sulistas e isso pode afetar sua família.
Fechei os olhos por um segundo, voltando a encará-lo. Era claro que afetaria, eu tinha certeza. Assim que não me encontrassem, o Chefe seguiria para Drew e depois minha família.
- Nós podemos protegê-los, . - ele afirmou, segurando minha mão. - Nós temos propriedades por todo o reino, com abrigos, criadas e guardas. Propriedades secretas, escondidas e seguras. Se me permitir, durante a guerra, gostaria de escondê-los lá.
- Eu… - era claro que eu queria, mas será que eles aceitariam? - Diríamos que você fez isso com todas as Selecionadas?
- Podemos. Mas acho que devíamos ser sinceros. Se me permite dizer, sua família merece a verdade. Não acha?
- Acho. Só não sei se estou disposta a contar. Ainda mais antes de oficializar as coisas. - falei envergonhada pela verdade, encarando o príncipe abaixado a minha frente, sua mão segurando a minha, ambas apoiadas no meu colo. Eu estava feliz. Apesar de tudo eu estava feliz por ser tão gentil. Por ser legal, engraçado e bonito. A única coisa que eu errei na previsão do meu futuro, quando entrei na Seleção, foi sobre a personalidade do príncipe.
- Ainda temos tempo para você se preparar. - ele brincou, apertando levemente minha mão e ficando de pé. - Depois do evento de juramento à bandeira, viajarei até Ilea com meu pai, devemos passar uma semana fora. Só depois voltaremos para terminar de organizar tudo e finalizar as estratégias.
Senti os olhos fixos em mim quando passamos pela porta. Estava tão entretida na minha conversa com o príncipe, que não percebi que chegamos ao Salão de Refeições levemente atrasados e, o pior, juntos. Fiz uma leve reverência ao rei e à rainha, que me olhavam com um leve sorriso nos lábios e me sentei o mais quieta possível ao lado de Anne. Eu gostava muito mais dos nossos novos lugares à mesa.
- E então? - ela perguntou em francês, mas eu sabia que não seria o suficiente para enganar todos os ouvidos atentos em nossa direção. - Onde vocês estavam?
- Fomos só andar a cavalo, depois acabamos conversando no jardim. Nada demais. - respondi em francês, deixando claro para quem ouvisse que eu não falaria mais nenhum detalhe. Anne compreendeu e não perguntou mais, o que foi o suficiente para ninguém mais perguntar. Elas estavam certas, se eu não falaria para Anne, não contaria para mais ninguém.
Claro que esse episódio não ajudou nada na minha popularidade entre as Selecionadas, por isso, enquanto esperávamos pela rainha no Salão das Mulheres após o almoço, éramos claramente um grupo novamente desunido. Eu, Anne e Aurora formávamos um trio em um dos sofás, enquanto Natalie analisava as unhas em uma poltrona e Lauren e Samantha ocupavam cantos opostos do outro móvel, ficando bem longe uma da outra. Parabéns para mim.
- Boa tarde, senhoritas. - a rainha entrou já sorridente, nos fazendo levantar apressadas para uma reverência. Todas nós já havíamos aprendido a etiqueta. - Desculpem a demora, tive dificuldades de encontrar isso aqui.
Eu percebi que a rainha estava brincando quando dois guardas trouxeram quatro livros grossos, antigos, mas bem cuidados. Eram livros bem maiores que os comuns, livros que só eram possíveis de serem folheados quando apoiados em uma mesa. Ninguém seria capaz de ler aquilo na cama, por exemplo. Eram aqueles livros que apareciam em filmes de fantasia, que precisavam de um pedestal.
- Quero apresentar-lhes o catálogo real.
Que?
- Temos aqui documentado todos os itens de valor histórico e material que a família real possui. - ela continuou, vendo nossas expressões de dúvida. - Estão catalogados quadros, louças, joias, móveis, tapeçarias e diversos outros itens que mantemos há gerações. - ela respirou fundo, encarando-os sobre a mesa. - Não é responsabilidade de uma princesa ou rainha catalogar os objetos, mas é de sua responsabilidade definir seu local entre todas as propriedades da família real. Compreendem?
- Sim, Majestade. - respondemos em um coro perfeito.
- Ótimo. - ela parecia mesmo empolgada. - Sei que a senhora Mariee mostrou para as senhoritas as louças que temos, os nobres e seus retratos e eu não espero que vocês decorem todos os itens em um dia, claramente. Mas preciso que saibam usá-los e tenham boas estratégias para isso.
A rainha nos olhava com carinho, ela era como uma professora, mas ao mesmo tempo sentia que era mãe. Ela era diferente de Mariee, era como se sua energia fosse mais receptiva e feliz. Parecia, de verdade, que a rainha estava apreciando estar ali.
- Antes de deixá-las com a tarefa, gostaria de fazer um comunicado: acredito que todas conheçam a tradição entre os membros da Elite da Seleção, de participar do juramento a bandeira do nosso país, mostrando respeito e de forma apenas simbólica a transformação de vocês como nobres mulheres. - ela esperou um sinal de concordância de nós, eu apenas sorri. - Esse evento ocorrerá em cerca de dez dias e teremos diversos convidados no castelo para tal. É de praxe algumas alterações na decoração, para mostrarmos aos nossos visitantes que sempre estamos exaltando nossas belezas, principalmente de itens dados por eles. - ela riu, e todas nós rimos junto. A rainha estava realmente feliz. - Logo, além de conhecer o catálogo, será responsabilidade de vocês, por hoje, como grupo, decidir a organização do castelo para receber nossos visitantes. Temos itens mais distantes que precisam ser transportados, então preciso da definição até amanhã de manhã.
A rainha virou-se para um dos guardas, que inicialmente trouxeram os catálogos, o qual lhe entregou um papel.
- Aqui temos a lista dos convidados. - ela indicou o papel - Resolvi usar os métodos de Mariee para essa tarefa, pois tenho algumas coisas pendentes para resolver ainda. Por favor, Aurora, fique com a lista. - a rainha pediu, fazendo uma Aurora sorridente caminhar até a mesma e pegar o papel. Pelo jeito a rainha gostava de sua nora. - Espero a decisão de vocês documentada até amanhã de manhã. Tenham uma boa tarde.
Acredito que a principal coisa que aprendi a apreciar com a Seleção foi o trabalho em grupo. Eu achava incrível, e realmente agradecia, pela capacidade que tínhamos de nos unir em situações como aquela. Pela minha pouca experiência com mulheres, eu sabia que a competição podia resultar em diversas intrigas e até trapaças, mas conosco não era assim. Mesmo não sendo exatamente minhas amigas, Lauren, Samantha e Natalie foram completamente profissionais no nosso trabalho, era como se o príncipe não existisse quando se tratava das nossas aulas, o que me fazia gostar muito daquele momento.
Era infinitamente melhor passar a tarde trocando ideias e aprendendo com aquelas meninas, do que nas refeições que o silêncio tomava conta, unido aos olhares disfarçados. Quando estava no ressinto nós éramos rivais, quando se tratava de estudar, éramos parceiras.
- O que vocês acham de perguntarmos para quem são as pessoas que não conhecemos? - Aurora ofereceu. Nós já estávamos terminando de analisar e agrupar toda a lista de convidados, afinal quase oitenta pessoas iriam para o castelo nos assistir jurar amor à bandeira do nosso país. Isso considerando apenas os convidados nobres, ainda haveria as pessoas da Capital sorteadas para participar.
- Ia ser demais. - comentei, encarando aqueles papéis. Já havíamos anotado tudo das pessoas que conhecíamos, de onde eram e a afinidade com a família real, já que precisávamos daqueles dados para selecionar a decoração no catálogo. Algo que demoraria um pouco ainda.
- Você pode falar com ele enquanto nós olhamos no catálogo. - Lauren comentou, parecendo pouco empolgada com a ideia de ver . Será que ele era simplesmente insignificante para ela? Será que Lauren estava ali mais pela coroa do que por ?
- Eu acho uma ideia boa, para adiantarmos o serviço. - Samantha concordou.
Eu não estava exatamente entendendo, porque aquelas mulheres não queriam ir até o príncipe. Afinal ainda era um príncipe, não?
- Vocês sabem que a rainha não vai nos dar notas igual Mariee, não é? - Natalie comentou, me fazendo entender absolutamente tudo.
- Você não tem certeza. - Samantha afirmou.
- Ela vai contar para o príncipe de quem gostar mais. - Lauren tinha certeza, e permanecia grudada a um dos livros, estava claro que ninguém a impediria de analisá-lo de cima a baixo.
- Eu acho que precisaremos saber de todos os convidados. - afirmei.
- Tudo bem. Eu vou enviar um bilhete a , ele virá quando possível. - Aurora parecia não querer discutir. Mas sua ideia foi bem eficaz, em menos de dez minutos o príncipe havia vindo até sua amada.
Não era a primeira vez que via os dois juntos, mas em nenhuma havia realmente reparado neles, a forma como se olhavam, como ficavam próximos e tinham intimidade. Era especial. Talvez comum, para quem conhecia muitos casais apaixonados, mas no meu caso, era especial. Eu não tinha aquilo com e talvez nunca fosse ter. Apesar de eu gostar do príncipe, eu não sabia se um dia o amaria. E foi então que percebi: eu poderia nunca ser realmente feliz.
Não importava quanto dinheiro, luxo e conforto me cercavam. Eu sabia que um dia sentiria falta daquilo. Das mãos próximas involuntariamente, dos pés se tocando embaixo da mesa. Do sorriso bobo, da conexão, da química. tinha razão, afinal, a química era importante. Suspirei. Você precisa viver sem isso, . Aceite.
E eu viveria. Viveria porque prometi a no baile, viveria porque meu país precisava disso e viveria porque era o que todos queriam. Além de mim, não conhecia uma pessoa sequer que não me desejava no trono. Senti as lágrimas vindo. Grata pelas Selecionadas estarem apreciando a presença do príncipe mais novo, consegui disfarçadamente sair do salão, pronta para seguir ao banheiro. Não podia chorar na frente daquelas mulheres, nem de .
- Senhorita ? - a criada entrou no banheiro, me assustando. Olhei-a confusa, secando as mãos na toalha real. Sentia-me mais calma, afinal eu tinha muito mais problemas do que um casamento de sucesso, precisava me preocupar com uma coisa de cada vez. Não iria deixar aquilo me derrubar. - Desculpe incomodá-la, mas temo ser urgente. - ela me entregou um bilhete dobrado e sem esperar qualquer sinal meu, saiu.
“Volte ao salão, diga que não se sente bem e que vai aos seus aposentos. Esteja na Biblioteca em cinco minutos.”
Tranquei a respiração. Ninguém havia assinado aquilo. O que me levou a crer que os sulistas queriam uma visita, mas na Biblioteca? Nunca havíamos nos encontrado no castelo daquela maneira. Será que estava tentando ser misterioso? Sem muita escolha, segui o indicado no bilhete.
- ? Achei que estaria no Salão das Mulheres. - por destino (ou não) encontrei no corredor principal, em frente a Biblioteca. Ele estava com seu terno bem alinhado e claramente surpreso em me ver. Então era um bilhete dos sulistas.
- Alteza. - um dos guardas se aproximou, com sinal de urgência, antes mesmo que eu pudesse responder. - Estamos sendo atacados.
- Estamos? Mas e o alarme? - o príncipe perguntou, estranhando o silêncio do local. Eu sabia o que ele queria dizer, o alarme era impossível de ser ignorado durante os ataques.
- Os rebeldes estragaram novamente, Alteza, não sabemos como chegaram tão rápido. Parecia que já estavam dentro dos muros do castelo. - o soldado dizia rápido. - Mas todos foram alertados, as Selecionadas estão no Salão das Mulheres, que já está lacrado. O rei e a rainha estão se dirigindo ao abrigo real. Temo dizer que para os senhores seja melhor usar esse aqui mesmo.
Eu não conseguia acreditar que estávamos sendo atacados novamente. Apesar do estranho silêncio, sem o alarme, eu conseguia sentir a adrenalina tomando conta do meu corpo. O príncipe concordou e o guarda nos conduziu por uma das portas do corredor, que levava em direção a um corredor estreito. Ali havia uma única porta, um pequeno abrigo, mais comprido do que largo, todo metalizado, com apenas dois bancos compridos fixos nas laterais. Um em cada parede.
- Preciso avisar os criados. Mas o senhor e a senhorita estarão seguros aqui. - ele disse. Fechando a porta e deixando eu e presos na pequena caixa metalizada. Aquele era o menor abrigo que eu havia conhecido, cabiam cerca de dez pessoas de forma apertada ali. Mas no momento estavam apenas eu e
- Por que eles estão nos atacando? Não faz nenhum sentido! - estava irritado, nervoso, andando de um lado ao outro do abrigo, o que lhe permitia dar cerca de quatro passos antes de se separar com a parede. Resolvi me sentar em um dos bancos, sentindo a parede gelada em minhas costas.
- Eu não sei. - era verdade, nada daquilo fazia sentido. Por que os sulistas estavam atacando novamente? O objetivo deles não era fazer o príncipe me escolher? O que eles podiam ganhar nos atacando? Foi então que eu entendi, pelo menos achava que sim. - , aonde você estava indo?
- Desculpe?
- Agora. Aonde você ia?
- Eu estava saindo de uma reunião e indo para a Biblioteca, gosto de passar esse tempo sozinho.
- Você faz isso sempre?
- Não estou entendendo,
- Faz ou não?
- Sim, sempre que possível peço esse tempo em minha agenda.
Concordei com a cabeça, eu estava certa então.
- Mas por que a pergunta?
- Eu acho que não há um ataque. - encarei-o. finalmente resolveu sentar-se no banco à minha frente, nossos joelhos quase se encontravam. O abrigo era realmente estreito.
- Não? Por que você acha isso?
- Eu recebi um bilhete em menos de dez minutos me mandando ir para a Biblioteca. Acho que isso é uma armadilha para nos prender aqui.
- Uma armadilha? Por quê?
- Acho que isso é uma forma de lhe incentivar a me escolher. - resmunguei. - Bem idiota, por sinal. Não é como se ficar trancado em uma caixa de metal fosse algo romântico.
O príncipe riu, o que me fez rir também. Não sei se foi a forma como eu disse, ou se simplesmente concordava comigo, mas ele realmente achou engraçado.
- Acho que eles esperam que você use seu charme. - ele continuava rindo.
- Então você acha que eu não tenho charme? - perguntei, sem realmente estar ofendida. Afinal eu sabia que charme estava longe de ser meu forte.
- Eu não disse isso. - forçou-se a parar de rir. - Mas o que você faria comigo nesse momento se nossa situação fosse outra?
- Provavelmente ficaria entediada ao fingir que estamos realmente sendo atacados. Você talvez tentasse me acalmar, o que seria engraçado. Porque no fundo você estaria muito mais preocupado que eu.
- Eu te acalmar? Talvez você tenha razão. - ele pareceu refletir. - Mas tenho que admitir que aqui não é o melhor dos climas mesmo. Eu estaria pensando no que estaria acontecendo lá fora. O que me leva a pensar quanto tempo será que vão demorar para nos encontrar.
- Vai demorar. - afirmei. - Quero dizer, eu disse que estava passando mal e iria para meus aposentos. Minhas criadas acham que eu estou no Salão das Mulheres e Serena nem está no castelo hoje... Espero que você seja mais requisitado. - ri fraco.
- Não muito. Realmente liberei a agenda do resto da tarde. Só virão atrás de mim se algo acontecer.
- Ótimo. - resmunguei. - Nós podemos fingir que eu tenho claustrofobia e só sair daqui?
- …
- Eu sei. É como entregar que eu lhe disse a verdade. - preciso admitir que não estava apreciando nem um pouco aquele momento. - Mas o que vamos fazer aqui até alguém conseguir nos achar?
- Bem. Podemos fazer exatamente o que os sulistas querem.
- Que?
- Podemos nos aproximar. - ele sorriu sem jeito, meio brincando, meio envergonhado.
- Certo. - me arrumei no banco de forma involuntária. - Alguma ideia?
- Uma brincadeira: cada um pergunta uma vez, a resposta deve ser totalmente sincera.
- Sério? - aquilo era um pouco assustador, mas ao mesmo tempo interessante. Além disso, eu queria ter algum segredo com ? Com certeza queria que ele não tivesse comigo. - Tudo bem. Comece.
- Você está gostando mais de morar aqui?
- Até que estou. O castelo é muito melhor do que eu pensava.
- Fico feliz. - o príncipe sorriu. - Sua vez.
- O que você mais gosta de fazer?
- Sinceramente?
- Essa é a ideia, não?
- Acho que o que mais gosto de fazer agora, é ficar com você.
Ergui a sobrancelha, eu não acreditava naquilo. Parecia mais uma jogada barata de , para eu me sentir especial.
- É sério. - ele parecia indiferente. - Eu vivo para meu trabalho, . Meus dias mais divertidos eram com ou nas nossas viagens, mas agora... Eu gosto da sua companhia, talvez eu tenha simplesmente me convencido que estar com você por perto é melhor.
- Tudo bem, tudo bem. Vou fingir que acredito que o senhor morador de um castelo com todos ao seu dispor simplesmente fica maravilhado com uma simples companhia. Agora é sua vez.
- Se você pudesse voltar no tempo e não se inscrever na Seleção, ignorando sua família, o faria?
- Não sei. - vi a expressão de . - Eu não qero fugir da pergunta, mas é complicado escolher entre o agora e o incerto. Eu sempre tive medo do meu futuro, . Sempre temi o que seria o casamento para mim. Se eu não viesse para a Seleção, me casaria por amor? Ou seria uma marionete de um homem infinitamente pior que você? Então não sei responder isso.
- Você já sonhou em casar-se por amor?
- Nem vem. Minha vez de perguntar.
- Desculpe. - ele riu.
- Você tem medo da guerra?
- Tenho. Mas acho que não é o medo de morrer, e sim o de fracassar. - ele deu de ombros. - Gostaria de repetir minha pergunta: você já sonhou em casar-se por amor?
- Não. - ri de mim mesma. - Mas acho que seria um benefício, você não?
- É claro. - ele deu de ombros.
- Qual é a melhor parte de ser príncipe?
- Ei, é minha vez de perguntar. Você já gastou sua vez.
- Não foi exatamente uma pergunta, era mais… Curiosidade. - ri. - Ok, sua vez.
- Quem é a pessoa que você mais ama nesse mundo?
Respirei fundo. Aquela era uma pergunta difícil. O certo seria responder um dos meus pais, não? Ou talvez até mesmo Victoria, mas seria mentira.
- Drew.
engasgou, surpreso.
- O cara que se aliou aos sulistas?
- Está gastando suas perguntas, . Mas sim, ele.
- Ele é quem você mais ama no mundo todo?
- Ele é como da família para mim, . Ele é meu melhor amigo, eu sempre contei com ele para tudo no mundo. Minha família, apesar de eu amá-los, não estava exatamente sempre lá para mim. Além disso, ele se uniu aos rebeldes por minha causa, você percebeu isso, não?
- Eu imaginei, mas… - o príncipe parou por um segundo. - Você está apaixonada por ele?
- Espero que me recompense todas essas perguntas. - brinquei, tentando descontrair. - E a resposta é não. Nunca amei Drew de outra forma.
- Sinto que há um “mas” por aí…
- Posso fazer minhas perguntas? Acredito que você tenha pulado minha vez - revi nossa conversa na mente - três vezes.
- Sim, desculpe.
- Quem é a pessoa que você mais ama o mundo?
- Essa é fácil: minha mãe.
Concordei. Era realmente de se esperar.
- Seu pai vai deixar de ser rei ainda em vida?
- Sim, mas ele quer que eu me case antes.
- Certo. Isso é novidade. E por último: o que mais te assusta hoje?
precisou pensar.
- Estragar tudo. Com todos, mas acho que principalmente com você. As pessoas esperam muitas coisas de nós e eu temo não ser o suficiente para lhe ajudar nisso.
- O que isso quer dizer?
- O governo está pressionando o casamento, . Isso que eu quero dizer. Eu quero lhe dar tempo, nos dar tempo. Mas é por isso que você teve os estudos adiantados. Eu serei um rei de muitas mudanças e ninguém espera que isso parta somente de mim.
Suspirei.
- Minha pergunta: há algo com seu amigo Drew que você não tenha me dito?
Droga.
- Sim. Você perguntou dos meus sentimentos por ele, não dos sentimentos dele por mim.
- Entendo.
Não pergunte mais, não quero ser tão sincera.
- Você quer que eu me envolva com assuntos políticos quando nos casarmos?
- Você quer se envolver?
- Quero. Na verdade, , eu só não quero ficar no escuro. Eu quero ajudar, mas também não quero atrapalhar. Só tenho medo de estar em perigo e não saber, ou… Sabe, se um dia tivermos filhos…
- Eu adoraria ter sua opinião em todos os assuntos. - ele concordou. - Mas temo lhe sobrecarregar, uma rainha tem vários deveres também.
- Eu entendo.
- Você tem medo de ser rainha?
- Menos do que eu achei que teria, mas ainda é aterrorizante. - ri. - Tenho medo de simplesmente não ser o suficiente, do povo não gostar de mim, de decepcionar. Algo do tipo. - respirei fundo. - Você não tem medo das pessoas lhe reprovarem pela escolha?
- Eu tinha. Muito. Tinha medo de amar alguém que todos odiassem, alguém que traria mais problemas para o país do que ajuda. Hoje não tenho mais.
- Você não sente que as pessoas esperam muito de nós?
- Eu sei que elas esperam, mas nada da realeza é de agrado de todos. Nunca foi e nunca será. Então não tenho medo das críticas nesse caso.
- , por que você é tão sério com as pessoas? - eu tive medo de ofendê-lo com aquela pergunta, então estrategicamente deitei as costas no banco, com as pernas dobradas sobre o mesmo, assim, a única coisa que eu podia ver era o teto metalizado.
- Acho que eu não sabia que era. Pelo menos até você me chamar de indiferente. - ele riu, me fazendo lembrar do dia que lhe disse exatamente aquilo, parecia que fazia muito tempo, mas eu sabia que não.
- Desculpe por isso. - pedi, ainda encarando o teto. Sabia que o príncipe ainda estava sentado, encarando-me como única opção ali, mas eu simplesmente não queria olhar para ele.
- Você não precisa se desculpar, . Você abriu meus olhos. Eu sempre achei que a realeza devia estar distante do país, não demonstrar o que sente, o que preocupa. É nosso dever deixar as pessoas tranquilas e nos últimos anos eu sabia que as pessoas prestavam mais atenção em mim, então eu simplesmente não quis deixar escapar nada.
- Mas hoje você não pensa mais assim?
- Não totalmente. Percebi que as pessoas merecem nos conhecer, pelo menos dentro do limite. É claro…
- Mas você não é assim somente com as câmeras. Você gosta de esconder as coisas de mim. Por quê? - agradeci imensamente pela minha nova posição, eu queria que pensasse que aquela era uma pergunta simples, despretensiosa e eu sabia que se ele visse minha expressão nervosa, ele entenderia que aquela era uma pergunta que eu estava louca para fazer.
- Não é de propósito… - ele deixou a resposta no ar, ajeitando-se para deitar-se assim como eu. O banco era quase pequeno para mim, mas eu sabia que não ficaria confortável ali por muito tempo, seus ombros largos deixavam no mínimo um braço para fora do apoio. - Na realidade, é porque eu tenho medo de que você fuja.
- Como? - aquilo me surpreendeu, me fazendo sentar novamente para encarar o príncipe. Eu estava certa, suas costas não cabiam naquele banco.
sentou-se também.
- Eu tenho medo de te contar tudo o que acontece e você decidir fugir. Que desista de continuar.
- Nossa. - falei mais para mim mesma do que para o príncipe. - Depois de tudo, você ainda acha que eu desistiria? - eu não queria ser grosseira, mas era um pouco inacreditável. Não conseguia acreditar que realmente pensava que eu desistiria naquela altura, acho que já o teria feito, se fosse o caso, não?
- Não sei, . Eu confio em você, não é isso.
- Então o que é? O que te faz pensar que eu fugiria?
- Eu tenho medo de te sobrecarregar demais, de chegar a um ponto que você simplesmente não aguenta. Eu… Eu perderia tudo se você desistisse. - ele praticamente sussurrou as últimas palavras.
- O quê?
- É, . - o príncipe ficou de pé novamente, encarando-me com sua altura bem superior à minha sentada. - Você entende que eu perderia o apoio dos nortistas, perderia minha rainha, a confiança do governo em mim, talvez até a dos meus pais? Eu perderia a chance com os sulistas. Talvez eu até perdesse o amor do povo… É ridículo, , mas eu sei que serei um rei melhor por sua causa. E eu não estou pronto para ser um rei medíocre. Acredite. - então ele começou a caminhar pelo abrigo novamente. - Eu aceito completamente que minhas armas na verdade são suas, eu aceito ser até um rei menos popular que você. Mas as pessoas vão me admirar se você estiver comigo. E me assombra o que elas pensariam de mim se eu deixasse você escapar. Até os rebeldes sulistas me achariam um otário.
- Acho que você está exagerando.
- É disso que eu estou falando, . Você não acredita no seu potencial e eu não quero bombardear você em situações que as pessoas acreditam. Eu sei que guardo segredos, mas é por você. Ou, talvez, de forma bem egoísta, por mim. Mas eu negocio nosso futuro desde a primeira semana, . Acredite em mim quando eu digo que estou 100% com você.
Respirei fundo, encarando a saia do meu vestido.
- Eu não vou fugir. - falei para ainda sem encará-lo, talvez baixo demais.
- O que você disse?
- Eu disse que não vou fugir. - olhei para ele. estava nervoso, pelo menos estava antes. Suas bochechas estavam levemente avermelhadas e eu sabia que eram sinais de sua breve irritação.
- Você não tem certeza.
Sorri.
- Eu tenho. - afirmei. - Eu tenho certeza, porque tive a chance e recusei.
- Chance? - se sentou no banco. Resolvi me aproximar dele, pegando suas mãos.
- Sim. Me ofereceram uma fuga, . Me ofereceram uma chance de sair daqui. E apesar de eu saber que perderia muito, era uma chance real. Minha família tem dinheiro o suficiente para eu ser uma Cinco, em Iléa. Então eu acho que eu poderia ter ido, sim. Mas não fui.
Suspirei.
- Eu tenho muito medo de ser rainha. Tenho medo do que me casar com você significa. Tenho pavor do dia em que oficialmente serei uma traidora do Chefe, mas eu quero ficar, . Eu quero te ajudar a conquistar tudo o que você sonha. Eu quero que as pessoas vivam sem castas, eu quero que os ataques rebeldes acabem. Eu quero ajudar você e meu país. Eu nunca quis ser um acessório para meu marido e, apesar de oficialmente eu me tornar o maior deles, acho que internamente eu poderia fazer a diferença que eu sempre quis. E é isso que eu não vou desperdiçar.
Eu não sabia dizer quem estava mais surpreso, se era ou eu. Eu não tinha percebido o quanto aquilo era verdade, o quanto, talvez bem no fundo, eu queria ficar. Eu sabia que ia responder, eu sabia que ele teria algo que me dissesse que de uma vez por todas ele me contaria tudo, que nós falaríamos não somente sobre viagens e sonhos, mas sobre o estado real do nosso país. Mas antes que qualquer som saísse dos lábios do príncipe, ouvimos outra voz.
- Alteza? O senhor está aí? - o som era cortado pela porta metalizada, mas ele claramente vinha do outro lado da mesma.
- Eles nos acharam. - foi tudo que o príncipe disse antes de ficar de pé. Soltando de forma delicada minha mão. - Sim, estamos aqui. Obviamente. O ataque já terminou?
- Ataque? - a voz feminina indicava que a rainha estava do outro lado. Fiquei de pé, arrumando meu vestido e meu cabelo. Soltei-o, refazendo o coque rapidamente. Não estaria perfeito, mas muito melhor do que estava, tinha certeza.
A porta metálica se abriu, revelando , a rainha e o soldado Hitt.
- O que está acontecendo? - perguntou, fingindo ignorância.
- Nós que perguntamos, . Vocês estão aqui há quanto tempo? E de que ataque você estava falando? - perguntou, com os olhos passando de mim para seu irmão.
- Mais alguém sabe que estão aqui? - perguntou.
- Não contamos para seu pai. - a rainha comentou. - Assim que não lhe achei, falei com seu irmão. Depois decidimos usar o rastreador.
involuntariamente olhou para seu braço direito.
- Ótimo. Porque temos muito o que conversar. Senhor Hitt, caso perguntem, diga como se fosse um segredo que eu e a senhorita achamos que havia um ataque. Precisamos que esse boato se espalhe.
- Certo, Alteza. - então o soldado fez uma reverência e saiu.
- O que está acontecendo? - a rainha parecia não ter entendido.
- Os sulistas estão agindo. - suspirou. - E nós teremos que fazer algo sobre isso.
olhou para mim pela primeira vez desde que sua família apareceu. Eu tentava não parecer encolhida ali, mas me sentia humilhada por ter dito tudo aquilo a ele. Não sabia se estava feliz ou assustado comigo. Não sabia se de alguma forma tinha o decepcionado. Eu tentava lembrar de tudo o que eu havia dito, mas não conseguia. Não achava o ponto em que ele podia ter se tornado mais distante, o momento em que eu havia feito besteira.
- Agindo? - o príncipe mais novo também parecia confuso.
- , você pode acompanhar até seus aposentos e depois nos encontrar no escritório do rei?
- Claro. - o príncipe mais novo concordou, eu gostaria de dizer que não precisava de companhia, podia ir sozinha sem problemas, mas não queria interromper .
- Mãe, consegue encontrar o pai e levá-lo ao escritório? Preciso fazer uma coisa antes.
- Sim, tudo bem.
- Então vamos, por favor. Acredito que a senhorita queira uma cama confortável.
Sorri, mas não estava exatamente olhando para mim. O que eu havia feito?
Segui com até a escada em silêncio, a rainha e haviam seguido caminhos opostos assim que chegamos ao hall principal. foi em direção ao jardim e a rainha ao Salão das Mulheres.
- Você está bem? - o mais novo perguntou assim que paramos em frente a minha porta.
- Sim. Estou. Obrigada pela companhia, . - sorri, sentindo-me fraca. Na realidade me sentia envergonhada, humilhada e, de alguma forma bem ridícula, rejeitada. Me despedi e entrei no meu quarto, encontrando-o vazio.
Estava feliz por aquilo, não queria explicar nada. Queria apenas um banho quente e trocar de roupa. Eu não estava arrasada, mas não conseguia entender por que me sentia tão mal. Era como se eu esperasse que minhas palavras dessem confiança a , que ele percebesse de uma vez por todas que eu queria estar ali e parasse de achar que tudo era um problema para mim. Eu havia descoberto um lado meu que eu não imaginava existir. E em vez de gostar dele, parecia que ele havia odiado-o.
Quando minhas criadas apareceram para me arrumar para o jantar, eu já estava de banho tomado. O que me deixou pronta alguns minutos mais cedo do que precisava. Mas eu já me sentia melhor, mais protegida dentro da roupa nova e novo sorriso. Eu acreditava que tudo ia ficar bem. não precisava me amar mesmo, não é?
- A senhorita não abriu seu presente? - Elise perguntou, segurando uma pequena caixa bem embrulhada com um laço bem feito.
- Presente?
- Sim, um guarda trouxe para nós essa tarde, enquanto você estava no Salão das Mulheres.
Tranquei a respiração. No caso, trouxe enquanto eu estava presa no abrigo com .
- Não havia visto. - segurei a caixinha, sentindo as mãos um pouco trêmulas. Não achava que fosse de , ele teria comentado algo. Serena também não era do tipo de dar presentes, então só sobrava uma pessoa. Embaixo do laço e embrulho havia uma pequena caixa de madeira, entalhada com a inicial do meu nome bem no meio. Era bonita. Mas então eu abri a caixa.
- Senhorita? - escutei Meri dizer, parecendo preocupada com minha reação. Mas eu não conseguia disfarçar. Eu estava chocada, surpresa e, bem, assustada. - Você está bem?
- Eu… Eu… - era como se meu cérebro não fosse capaz de formar a sentença. Eu só conseguia encarar, com as mãos trêmulas, aquele pequeno anel em cima da mesa.
- É um presente do príncipe? Ele a escolheu? - Cleo perguntou.
- Não. - aquilo me acordou do transe. - É muito pior. - encarei meu trio de criadas, amigas e confidentes com as lágrimas prestes a cair. Eu estava apavorada.
- ? - Elise que tentava não se intrometer, começou a parecer preocupada.
- Vocês podem me deixar sozinha? - pedi, ignorando as perguntas.
- A senhorita tem certeza?
- Sim. Me desculpem. Eu só preciso pensar.
Aquilo foi o suficiente, mas pensar era a última coisa que eu queria fazer. Como se não fossem mais capazes de segurar, as lágrimas caíam uma a uma assim que me vi sozinha no quarto. Eu estava apavorada. O que aquilo significava?
Percebi, então, embaixo do anel, na caixinha aveludada um pequeno pedaço de papel. Segurei, abrindo-o lentamente.
"Acredito que não há forma melhor de simbolizar nossa união."
Era isso. Não havia assinatura, mas eu sabia de quem era. Não importava o quanto eu tentasse negar para mim mesma, o Chefe havia me enviado um anel. Não era exatamente uma aliança, eu sabia, mas ainda assim não era igual ao colar dos nortistas. Era?
Na realidade, poderia ser. Eu poderia ignorar o terror que crescia dentro de mim com a hipótese daquele homem realmente achar que seríamos um casal de verdade. Ou da ideia de aquele animal ser capaz de nutrir quaisquer sentimentos por mim, e de alguma forma externá-los. E então aquele pequeno anel, tornava-se apenas uma joia qualquer, uma joia como o colar.
Segurei o anel novamente. Era bonito. Fino, com uma delicada pedra em cima, azul. Não era o azul escuro do brasão real, mas um azul claro, quase branco. Era caro, eu sabia. Era quase digno de uma princesa. E com certeza era digno de uma noiva. Todo meu corpo repugnou a ideia. Era apenas um símbolo de uma união com um grupo, não com um homem.
Mesmo assim coloquei o anel na caixa e a escondi embaixo da cama. Ainda tinha alguns minutos até o jantar, estava torcendo para Serena já ter voltado.
- Boa noite, senhorita . - uma das criadas de Serena atendeu.
- Boa noite. Desculpe interromper. Mas a senhora Serena está?
- Sim. Pode entrar. - a mulher abriu a porta, fazendo uma leve reverência para mim.
- Na verdade. Eu estou com dúvida sobre um vestido importante. Gostaria de saber se a senhora Serena poderia me ajudar no meu quarto.
Serena, que olhava o próprio reflexo no espelho, virou para mim preocupada, ela sabia que não havia vestido nenhum. Sabendo que todas as três criadas da mesma me encaravam, eu podia apenas sorrir.
- Claro. - Serena não esperou nem um segundo. - Doris, poderia pegar meu sapato, por favor, querida?
Doris, que parecia ser a mais nova das criadas de Serena, lhe trouxe os saltos, ajudando a mulher a colocá-los no pé. No instante seguinte Serena já estava caminhando comigo pelo corredor.
- O que aconteceu? Você estava chorando? - Serena não era do tipo delicada.
Mas eu não respondi, apenas indiquei que ela entrasse no meu quarto. Serena deve ter percebido o embrulho e laço sobre a mesa, por isso nem notou quando me abaixei e peguei a caixinha embaixo da cama.
- Eu recebi isso. - falei, entregando o objeto para ela, temendo segurá-lo por muito mais tempo.
Serena estranhou, analisando a caixa com cuidado, passando seu dedo indicador pela delicada e bem feita inicial do meu nome talhada ali.
- É linda. O príncipe que lhe deu?
- Você acha que estaria aqui se fosse de ? - não conseguia acreditar que ela não havia pensado no Chefe de primeira.
- Não. Você tem razão. - ela disse, enfim abrindo a caixa. A expressão de Serena se assemelhou à minha. A descrença e o choque a atingiram em cheio. - Não é possível. Isso é um pedido de casamento?
- Claro que não é. - falei, seca. A verdade é que eu tinha exatamente a mesma suspeita. - Tem um bilhete.
Serena pegou o bilhete, abrindo-o sem soltar a caixa. Não deixei de notar que ela não tocou no anel.
- Acredito que não há forma melhor de simbolizar nossa união. - ela leu em voz alta. - , isso é…
- Assustador, eu sei. Mas é como o colar que você fez aquela garota me dar, certo? Um símbolo dos rebeldes sobre sua possível rainha. - eu estava esperançosa.
- Sim. Eu acho que seja. Mas ao mesmo tempo é um anel, . Um lindo e maravilhoso anel. Do tipo que se usa para pedir alguém em casamento.
- Eu sei. - estava derrotada. - O que eu devo fazer?
- Você precisa perguntar isso para .
Capítulo 23 - O Anel
Eu estava esperando completamente nervosa. Andava de um lado para o outro, atrapalhando inclusive Meri e Cleo que tentavam organizar o quarto. Eu estava pronta mais cedo que o normal, pois, como disse as três, teria um encontro com o príncipe. Era o plano de Serena para eu falar para ele sobre o anel, ela havia mandado uma mensagem para ele na noite anterior, pedindo para ele me convidar para um passeio de manhã. Era nossa maneira de não deixar os sulistas suspeitarem de algo, se estivessem me vigiando. Entretanto, eu não fazia ideia do que estava pensando da mensagem da nortista e muito menos do que ele havia feito ontem, depois do abrigo. Principalmente, porque a rainha foi o único membro da família real que apareceu para o jantar. Um jantar só de mulheres foi incrivelmente agradável e percebi que a rainha Ariele estava até confortável com a presença de Serena, mas aquilo só me fazia ter mais certeza de que eu havia feito algo errado.
Coloquei o anel novamente no dedo. Era estranho e desconfortável olhar para ele ali. Eu já havia usado o anel na noite anterior e, apesar de obviamente ninguém reparar na minha nova joia, afinal o castelo tinha uma infinidade de modelos para oferecer, eu sempre me pegava olhando para ele. Ele me servia perfeitamente e era realmente bonito, mas nada me embrulhava mais o estômago do que a ideia de aquilo significar mais do que apenas um símbolo sulista.
- Podem deixar comigo. - pedi às meninas, caminhando até a porta quando escutamos a batida.
- , bom dia. - pareceu surpreso ao me ver, ele ainda não estava acostumado comigo abrindo a porta. - Está sozinha?
- Não, as meninas estão aqui. - falei, abrindo um pouco mais a porta, mostrando minhas três companheiras de quarto, que faziam uma bela reverência em sintonia.
- Bom dia, senhoritas. - o príncipe cumprimentou.
- Bom dia, Alteza.
- Então, senhorita . Gostaria de dar uma volta pelo jardim?
- Claro. - afirmei, olhando para as meninas para me despedir antes de sair, as três tinham um belo sorriso no rosto, mal elas sabiam o que me esperava.
e eu andamos em silêncio até o jardim. O que era estranho, pois normalmente passamos boa parte do nosso tempo juntos conversando, me deixando com ainda mais certeza de que havia algo errado.
- Me desculpe. - falei, já no final da escada, enquanto caminhávamos em direção ao jardim.
- Pelo que? - ele parecia confuso.
- Bem, não sei ao certo. - eu ri fraco. - Pelo que eu disse ontem, eu acho. Sabe, antes de sermos resgatados.
- Você se arrepende do que disse? Não era verdade?
- Óbvio que era verdade. E não, sinceramente, eu não me arrependo. Mas sinto muito se disse algo que lhe preocupou e, bem, lhe fez ficar assim.
- Assim?
- É, assim. - afirmei, em dúvida se estava falando sério ou brincando com a minha cara. - Quieto, pensativo, bravo. Distante.
- … Eu que sinto muito. - ele suspirou. - Acho que eu sou péssimo em compartilhar coisas, você tem razão. Eu não queria que você pensasse que eu estou bravo, na realidade estou completamente oposto disso. Eu estou aliviado e, acredite, feliz.
- Feliz? Mesmo?
- Mas é claro. Eu sei que ser rainha ainda não é seu sonho e eu acredito que terão muitas dificuldades, mas saber que pelo menos você quer arriscar, quer tentar e passar por tudo isso comigo, é incrivelmente bom.
- E por que você não me disse?
- Não sei. Achei que era óbvio, depois minha família chegou e eu queria organizar algumas coisas. Precisava de um tempo sozinho para pensar também.
- Pensar?
- Sim. Não esperava chegar nesse ponto tão rapidamente, mas eu gostaria de lhe oferecer algo, .
- Me oferecer o quê?
- Vem, sente-se aqui. - pediu, já estávamos no jardim, o que significava que os guardas que nos protegiam podiam nos ver, mas não ouvir. indicou um dos lindos bancos que haviam por ali, aquele ficava de frente para o jardim da rainha e, sinceramente, tinha uma vista impressionante.
- Você está me assustando.
- Não se assuste. Eu… - ele parou para pensar em suas palavras. - Você ouviu sobre o meu rastreador ontem, certo?
- Sim. Não tenho certeza se entendi o que significa, mas ouvi. E sei para que um rastreador serve. - completei no final.
- Todos os membros da realeza possuem um rastreador no corpo, instalado com uma cirurgia. - o príncipe explicou. - Ele manda sinais por satélite para o castelo todos os segundos do dia, o que significa que podemos nos encontrar em qualquer lugar com um apertar de botões.
- Em qualquer lugar?
- Sim. Claro que há algumas interferências, como por exemplo a caixa metalizada do abrigo. Não há sinal de lá. Hitt soube que estávamos ali pelo meu último sinal, que foi exatamente antes de entrarmos. O rastreador pode quebrar também, é muito difícil, mas pode acontecer.
- Isso é incrível.
- Eu gostaria de lhe oferecer um.
- Você quer colocar um rastreador em mim?
- Sim. Todos os membros da realeza têm. Quando nos casarmos você terá que colocar de qualquer maneira, é essencial. Eu nunca lhe ofereci antes, pois não queria que se sentisse pressionada a nada. Mas já que você disse que quer ficar… E com a atitude dos sulistas… Achei que podia ser uma boa ideia.
- É um pouco estranho pensar que poderiam me rastrear em qualquer lugar.
- Eu entendo, mas poucas pessoas têm acesso. Além disso, como você disse, sem o seu amigo Drew com os sulistas… Acredito que seria uma boa ideia. - tentei captar qualquer reação de em relação a Drew, mas ele era indecifrável.
- Sobre isso… Preciso lhe contar uma coisa.
- Claro. Serena me mandou um bilhete ontem. Disse que não era urgente. O que vocês descobriram?
- Não é o que descobrimos, na verdade eu gostaria de lhe mostrar. Podemos ir para um lugar mais discreto? - involuntariamente mexi no anel, mas o príncipe sequer pensou naquilo.
- Podemos, mas você se machucou de novo? É isso? Os sulistas vieram e eu não sei?
- Não. Eu estou bem. - afirmei, sem saber se era realmente verdade.
- Podemos ir até seus aposentos, se quiser.
- Acho que minhas criadas estão lá. - falei, sem mencionar que achava que dependendo da reação dele, poderíamos ser ouvidos. - Tem algum outro lugar?
O príncipe sorriu. Era claro que havia outro lugar, era um castelo, um enorme castelo.
- Vamos. - ficou de pé, me oferecendo a mão. Aceitei, apesar de não precisar, e juntos, de braços dados, voltamos até o castelo. resolveu me levar no jardim secreto de sua mãe, no mesmo lugar que eu havia ido após a reunião com o rei e seus assessores. Aquele lugar era mesmo lindo, o sol da manhã brilhante ressaltava as cores de tudo, parecia uma pintura. - E então? O que aconteceu?
- Talvez você queira sentar.
estranhou, mas concordou comigo e sentamos em um dos bancos dali, os quais eram exatamente iguais aos do jardim lá embaixo.
- Acredito que você lembre desse colar. - comecei, pegando o colar que era símbolo dos nortistas do bolso do vestido, colocando na mão do príncipe.
- Mas é claro.
- Então você lembra que ele é um símbolo de meu apoio aos nortistas?
- Claro que eu lembro, . Por quê? Serena quer que você use outro símbolo?
- Não. A Serena não.
- A Serena não, mas alguém sim? Os sulistas?
- Sim. - respirei fundo, continuava com o colar na mão. Por isso, retirei o anel com brilhante do dedo e depositei ali, ao lado da joia. - Recebi isso ontem. Foi deixado no meu quarto enquanto estávamos no abrigo.
O príncipe piscou algumas vezes enquanto olhava para o anel que ficava pequeno em sua palma. Eu conseguia sentir processando tudo aquilo e tirando suas próprias conclusões.
- Você recebeu um anel de noivado do Chefe? - ele finalmente me perguntou, seu tom mais alto do que o habitual.
- Não. Quero dizer, não acho que seja de noivado. - falei, sentindo-me nervosa. - Você acha?
- É claro que eu acho, . Olhe para isso. Não é um anel qualquer, não é uma joia boba.
- Poderia ser. Talvez estejamos exagerando. Eu sei o que parece, … Mas e se não for? É meio absurdo, não é? Alguém como ele não faria isso. Certo? - eu sabia que minha voz estava frágil e eu sabia também que no fundo não acreditava em minhas palavras, eu queria acreditar, mas não conseguia.
O príncipe olhou para mim. Eu sabia que ele estava irritado, mas assim que seus olhos encontraram os meus, eu soube que ele finalmente entendeu. A irritação era o menor dos nossos problemas. Alguém que não fosse ele me dar um anel não significava nada. O problema era o terror que eu sentia e o que aquilo podia mesmo significar. O que eu faria assim que visse o Chefe? Ou pior, o que ele faria?
- Eu sinto muito, . - ele disse, o que não ajudou em nada. O fato de estar com medo por mim, me deixava apavorada. - Eu acho que precisamos aceitar o que isso significa.
- Ele disse que era para celebrar a união. - tentei mais uma vez.
- Ele disse?
- Havia um bilhete junto. - afirmei. - O bilhete e o anel vieram dentro de uma caixinha de madeira.
- Eu posso ver?
- Pode. Mas… Você quer?
riu.
- Eu estou aceitando que temos problemas maiores do que você praticamente ter sido pedida em casamento por outro homem. - ele estava tentando fazer piada. - E ele pelo menos te deu um anel, que é muito mais do que eu fiz.
Eu sabia que estava tentando descontrair, mas aquilo só me fazia sentir pior. Será que aquele anel era mesmo a oficialização do meu casamento com o Chefe? Casamento que eu prometi aceitar. O príncipe realmente achava que aquilo significava mais que o nosso acordo?
Segui com em silêncio até meus aposentos, grata pelo andar vazio. As Selecionadas estavam no café da manhã que eu e ignoramos. Entrei na porta sem bater, encontrando apenas Elise no quarto, guardando alguns vestidos no armário.
- Senhorita. Alteza. - ela fez uma reverência imediatamente.
- Desculpe atrapalhar, Elise. - pedi, vendo minha amiga negar, fechar o armário e sair com um sorriso no rosto e um pedido de licença para se retirar.
- Você realmente gosta delas, não é? - perguntou entrando no meu quarto.
- Muito. Eu realmente as considero minhas amigas. Amigas que felizmente trabalham comigo. - sorri, abaixando-me para pegar a caixinha embaixo da cama. Local que achei justo para deixá-la.
Entreguei para , que tinha as sobrancelhas arqueadas ao analisá-la.
- Ele mandou talhar sua inicial. - o príncipe estava surpreso. - Isso é feito aqui na Capital, mas não é muito fácil de conseguir.
- É, mandou. - foi tudo o que eu disse, sentando-me na cama, cansada. Isso porque o dia estava só começando.
- E… Nossa. - foi tudo o que ele disse, após olhar o bilhete.
- Você sabe que união pode ser literalmente sobre minha promessa de acabar com a monarquia. - respondi já na defensiva.
- Pode. Mas temos que admitir que é uma sentença interessante. A escolha das palavras foi complexa. - o príncipe ainda encarava o pequeno bilhete.
- Não sei com que cara vou vê-lo depois disso. - resmunguei, vendo o príncipe fechar a caixa com o papel dentro, colocá-la sobre minha mesinha e olhar para mim.
respirou fundo. Se eu não tivesse tão perdida em meus próprios pensamentos, conseguiria ver a batalha interna que ele travava. estava irritado, nervoso, bravo e muito preocupado, mas ao mesmo tempo ele queria ser forte, calmo e gentil comigo.
- Eu acho que você deveria considerar o rastreador, . - estava sério, percebi que ele estava tentando não mandar em mim. - Talvez seja a nossa única esperança. Quando o Chefe marcar algo, estaremos prontos, guardas a postos… Eu não vou deixá-lo tocar em você.
- Eu sei. Eu não acho que ele vá, para ser sincera… Mas eu entendo e concordo com o rastreador. Entretanto, é um pouco assustador imaginar um sinal de GPS dentro de mim. - ri fraco. O que eu podia fazer? Teria que aceitar o rastreador no fim das contas, se não naquele momento, quando fosse princesa.
- Você esquece que ele existe. Eu juro.
- E dói? Você sabe, para colocar…
- Não. Você precisa tomar um remédio para dormir e também usar anestesia local. Mas você fica bem em poucas horas, a cicatriz é minúscula e nem precisa de pontos. Fica menos perceptível que sua mão.
Concordei, olhando o corte já fechado, sem pontos e sem necessidade de curativo. Os remédios usados no castelo eram muito melhores que os da minha Província.
- Eu não lhe pediria se não fosse importante. - o príncipe tentou novamente.
- Certo, acho que é mesmo uma escolha segura.
- É sim. Conversei com minha família sobre isso ontem, . Foi isso que discutimos após o abrigo, passei o jantar organizando as coisas. Acredite em mim quando digo que estou certo disso.
- Eu… Foi por isso que você saiu de repente?
- Foi. - ele ficou um pouco envergonhado. - O que você disse realmente mudou as coisas, . Pelo menos para mim.
Sorri, será que finalmente tinha decidido nosso futuro? Naquele momento, a incerteza dele me escolher como sua princesa sumiu, pelo menos por um instante.
- Uma dúvida, você comeu algo hoje?
- Não. - respondi, à espera de um convite para mais um café da manhã, quem sabe, na cabana na floresta. Mas a ideia de era outra.
- Podemos colocar o rastreador agora, então?
- Agora?
- Você precisa estar em jejum para a anestesia.
- Eu… Acho que sim, então.
O príncipe concordou, satisfeito, me entregando o colar e o anel. Me vendo colocar ambos. Eu podia ver, apesar do silêncio, que estava incomodado com o anel que eu colocava no dedo.
- Vamos. - ele pediu, sem mais cerimônias.
***
Quando acordei no meu quarto, as minhas únicas companhias eram Elise, Cleo e Meri. O que era estranho, pois prometeu que ficaria comigo o tempo todo durante e após a cirurgia.
- Senhorita. - Cleo estava empolgada ao me ver abrir os olhos. - Como você está?
- Bem. - falei, sentando-me na cama, sentindo-me um pouco perdida, sonolenta e em dúvida se aquilo estava mesmo acontecendo. Aquela sensação de anestesia era estranha, era como se eu não tivesse certeza se estava mesmo acordada ou sonhando. - Que horas são?
- Vamos chamar o príncipe. Ele teve que sair, mas pediu para chamá-lo assim que a senhorita acordasse. - Cleo respondeu, sem responder minha pergunta. Me deixando em dúvida se eu havia mesmo a externado.
- Claro, tudo bem.
Fiquei feliz pelo príncipe ter demorado alguns minutos para aparecer, pois assim eu consegui recobrar toda a minha consciência. Além de me sentir bem, descansada e leve, eu me sentia completamente no controle do meu corpo novamente. Decidi lavar o rosto e trocar de roupa, enquanto esperava pelo príncipe, afinal ninguém merecia aquela espécie de camisola hospitalar que fui obrigada a vestir. Assim que me vi nua, consegui perceber o pequeno risco vermelho que tinha ao lado do corpo, um pouco mais alto que o umbigo, entre as costelas. Era isso, havia um rastreador em mim.
O corte era realmente pequeno, analisei-o de diversos ângulos na frente do espelho, me deixando em dúvida se eu precisava de tanta anestesia para aquilo. Era evidente que com os remédios do castelo aquilo sairia em menos de uma semana, me deixando sem nenhuma cicatriz. As garotas também olhavam impressionadas para aquilo, tomando todo o cuidado ao me vestir.
- Não dói, acreditem.
- Ele escolheu a senhorita, não foi? - Meri perguntou encarando-me pelo espelho, enquanto começava a secar meus cabelos.
- Por enquanto sim. - brinquei, vendo-a rir.
Aquilo foi o suficiente para acalmar as meninas, era uma resposta certa, mas ao mesmo tempo não, mas o mais importante: era a verdade. havia me escolhido, pelo menos por enquanto, apesar de difícil, ele ainda podia desistir e tirar aquele rastreador de mim. Nada estava completamente certo até eu ser coroada.
- Pode abrir. - avisei para Cleo ao escutarmos a batida na porta, fiquei sentada na cadeira enquanto Meri terminava de arrumar meu cabelo, deixando-o parcialmente solto, puxado para o lado. Assim que o príncipe apareceu na porta já aberta, pude ver seu sorriso. Ele estava apoiado no batente e nos olhava de forma engraçada, acho que ele estava se acostumando com nossa intimidade. Afinal, nem todas as garotas deixariam o príncipe vê-las enquanto não estavam perfeitas. Mas havia me visto de camisola, o que era um cabelo no meio do penteado?
- Boa tarde, . - cumprimentou, me fazendo notar o quanto eu gostava do seu sorriso, ali ele parecia mais relaxado e até normal. - Vejo que está bem.
- Eu estou mesmo, o que é meio incrível. Só estou faminta. - falei brincando. Mas era de se esperar, já que passava da hora do almoço e eu não havia comido o café da manhã.
- Já pedi para trazerem o almoço. - dava para ver no semblante de que ele estava contente e orgulhoso por ter pensado em tudo. - Além disso, todas as Selecionadas foram liberadas até a metade da tarde. Então nosso segredo está seguro. - ele disse, o que me fez perceber que era um discreto aviso às minhas criadas. - Você está realmente bem? Não sente nada?
- Eu deveria sentir?
- Na realidade não. - ele riu fraco. - Estava só checando, mas estou mesmo feliz que esteja bem.
- Podemos nos retirar, senhorita? - Elise perguntou, querendo me deixar a sós com o príncipe. Sabia que elas estavam tentando ficar invisíveis com a presença do príncipe ali.
Olhei para meu trio de amigas e olhei para o príncipe novamente.
- Depende. - falei para as garotas, as quais ficaram levemente surpresas. - Príncipe , você vai ficar para o almoço?
O príncipe ainda sorria, parecendo analisar a cena. Eu não conseguia explicar, mas depois dos últimos dias, eu sentia que eu e estávamos começando a realmente nos conhecer. Depois da manhã na cabana e da tarde no abrigo, não sei, eu, pelo menos, estava tentando conhecer o príncipe, entendê-lo, aprender sobre ele e seus gostos.
- Eu adoraria, mas tenho algumas coisas para confirmar com minha família. Talvez tenhamos surpresas em breve. - seu sorriso só se alargou mais. Será que alguma vez eu tinha visto o príncipe tão relaxado?
- Surpresa?
- Sim, senhorita. Algo que eu não posso compartilhar, se não deixaria de ser surpresa. - ele brincou, rindo, assim como Elise, Meri e Cleo, que riram fraco, tentando parecer que não estavam ali.
- Tudo bem. - falei, também achando graça. - Então a resposta é não, meninas. Gostaria que ficassem e se juntassem no almoço comigo.
Eu conseguia ver o desconforto delas com a presença de . Elas não conseguiam ser as mesmas amigas íntimas com o príncipe ali, mas exatamente por esse motivo que eu estava fazendo aquilo. Eu queria provar para elas que eram minhas amigas de verdade. E que o príncipe aprovaria isso.
- Nós não podemos… - Elise disse, ao mesmo tempo que sorriu.
- Eu preciso ir. Fico feliz que esteja bem, senhorita . - ele sorria verdadeiramente. - Pode deixar que pedirei mais pratos. Voltarei mais tarde. Com licença, senhoritas.
E então o príncipe cumprimentou-nos e saiu, fechando a porta atrás de si. Assim que a porta foi fechada, Elise, Cleo e Meri me olharam abismadas, ao mesmo tempo que estavam surpresas e acho que até felizes, elas me repreendiam pela atitude.
- Eu não acredito que você fez isso. - Meri foi a primeira a sair do choque, ela não estava exatamente me repreendendo, o que me fez rir fraco.
- Isso o que? Convidei vocês para almoçar? - perguntei, fingindo-me de desentendida, virando-me na cadeira para encará-la.
- Na frente do príncipe. - Cleo ressaltou.
- Vocês sabem que eu, bem, um dia serei uma… - não queria realmente dizer. Não queria externar que me casaria com aquele homem, que seria princesa. Mas eu sabia que não precisava, elas entenderam o que eu queria dizer. Elas tinham vergonha do príncipe, mas o que fariam quando eu fosse princesa?
- Não é a mesma coisa. - Meri tentou.
- Por quê?
- Porque você ainda não é. Quero dizer, - Cleo já se corrigiu. - você ainda é…
- Cleo está querendo dizer que a gente ainda é o suficiente para você. - Elise de repente falou. - Nós não falamos com a realeza.
Não fui a única a olhar em choque para a mulher, afinal Elise raramente se metia nesses assuntos. Ela era sempre a mais quieta, a que cortava o assunto ou, na maioria das vezes, ignorava.
- Vocês gostariam?
- Do que? - Elise estava confusa.
- De continuar do meu lado quando eu for princesa...
- Você está mesmo falando sério? - Meri foi a primeira a se empolgar.
- Você realmente falou sério naquele dia? Você quer que a gente continue como suas criadas? - Cleo parecia incrédula. Lembrando-se da vez que falei que ainda queria ser arrumada por elas se fosse princesa.
- Na verdade, não. - eu disse, fazendo-as automaticamente se retrair. - Eu gostaria que fossem minhas damas de companhia. Pelo menos, parte delas.
- Você o quê? - aquilo realmente as surpreendeu.
- Exatamente o que eu disse. Eu sei que ainda é cedo. - suspirei. - Mas toda princesa precisa de damas de companhia. Então, como as chances de me escolher parecem altas...
- Mas nós não podemos. Não somos nobres. - Meri que falou certa de si.
- Vocês seriam. - disse, com medo do que aquilo poderia significar.
- Como assim? As damas de companhia são sempre mulheres nobres. - Cleo afirmou.
- Mas não é lei. - dei de ombros. - A princesa tem direito de escolher quem quiser. Qualquer pessoa no país. Ou melhor, qualquer mulher.
- E você quer nos escolher?
- Sim. Quero dizer, eu entendo se vocês não quiserem. Eu acho que a mudança de casta não inclui o restante da família, por exemplo. Mas… - suspirei. - Vocês são minhas amigas. Eu confio em vocês, admiro e gosto de todas vocês. Não vejo motivo algum para não querê-las comigo. Além disso, vocês me conhecem muito bem. Entenderiam minhas crises, ajudariam na hora de organizar as coisas, escolheriam minhas roupas… Vocês conhecem o castelo como ninguém. Eu entendo se vocês não quiserem, mas eu ia adorar. Eu sei que posso ser difícil às vezes e que nem sempre pude contar tudo para vocês. Também sei que é um grande passo, uma mudança absurda… Mas…
- . - Elise me chamou, interrompendo meu falatório. Eu sabia que estava falando demais, por estar nervosa de ter feito o convite muito cedo, ou por não poder dar 100% de certeza que seria escolhida. Mas ao mesmo tempo eu queria garantir que elas entendessem, que se preparassem, que pensassem sobre o tema. Me senti como por um momento.
- Desculpe. - falei, ficando quieta.
- Seria uma honra. - ela disse por fim, com os olhos um pouco úmidos.
- Seria mesmo. - Meri sorriu.
- A maior de todas. - Cleo completou. E de repente nós três estávamos nos abraçando.
***
Aquele foi sem dúvida um dos melhores almoços da minha vida. Acho que pela primeira vez aquelas mulheres entenderam o que estava mesmo acontecendo. Nós conversamos sobre tudo e eu fui o mais sincera que podia. Sim, eu me tornaria princesa. Eu ia sim me casar com o príncipe . Sim, tinha um motivo. Não, eu não o amava. Sim, eu fiquei feliz com a ideia. Não, eu não sabia quando seria. Sim, eu tinha tempo. E sim, eu estava falando sério quando disse que as queria comigo, do meu lado, como nobres. Sim, o príncipe permitiria, mas não, ele ainda não sabia. Sim, eu tinha mais uma dama de companhia em mente, mas ainda não podia falar quem seria. Eu não estava empolgada para o casamento e não podia explicar por que o príncipe ainda não havia oficializado.
Eu fiquei realmente feliz por Cleo, Elise e Meri terem aceitado o convite. As damas de companhia da princesa, que ocasionalmente seriam da rainha, eram um grupo de mulheres selecionadas pela princesa, quando saía da Seleção, para ajudá-la em tudo o que a mudança de título significava. Eu havia estudado mais sobre isso depois da proposta de Serena e por isso sabia que por lei, qualquer casta podia ser convidada para se unir a “comitiva”, que eram, normalmente, seis mulheres. Eu sabia que, na história, a maioria das princesas acabavam escolhendo nobres para ajudá-las na difícil tarefa de ser um, mas eu não queria isso. Eu queria pessoas em que eu pudesse confiar, acreditava na opinião e, talvez o mais importante, melhorassem de vida no processo. Elise, Cleo, Meri e Serena, apesar de eu não saber exatamente a casta da última, pareciam se enquadrar muito bem nos meus critérios.
- Eu preciso que vocês guardem segredo de todos. Inclusive de seus familiares. - pedi, recebendo promessas em resposta antes de sair pela porta para a nossa primeira e, de acordo com os boatos, única aula para o dia do juramento. - Obrigada por aceitarem.
Fechei a porta dos meus aposentos escutando a empolgação e sabendo da felicidade daquelas mulheres. Eu tinha amigas, afinal. E, se elas não contassem para ninguém, eu teria certeza absoluta de que tinha confidentes, apesar das minhas dúvidas serem mínimas nesse quesito.
***
- Boa tarde, senhoritas. - a rainha cumprimentou-nos enquanto fazíamos nossas reverências, assim que a mesma entrou no Salão das Mulheres. - Como estão?
- Bem, Majestade. - respondemos quase em uníssono, algo que deixaria Mariee orgulhosa.
- Fico feliz. - ela disse, passando os olhos por todas nós e demorando-se alguns segundos a mais em mim. Será que a rainha estava contente por eu estar bem depois da cirurgia? - Pois hoje temos muito o que fazer. - ela sorriu. - Vocês tiveram muito tempo livre hoje, por isso espero que estejam com a energia renovada, porque vamos precisar.
Depois de explicar passo a passo como funcionava a cerimônia, Vossa Majestade Real nos levou a enorme capela situada na parte de trás do castelo. Uma parte do andar térreo que eu não fazia ideia da existência, isto é, percebi, naquele momento, que o castelo era incrivelmente maior do que eu imaginava.
A capela era na realidade uma longa e alta sala que era praticamente uma igreja completa e usada. De acordo com a rainha, apenas para eventos muito importantes, como casamentos reais e de nobres, coroações e todos os juramentos à bandeira existentes até então. Preciso admitir que tranquei a respiração quando passamos pela enorme porta dupla, de estilo antigo e diversos detalhes talhados ali. Aquele lugar era magnífico, simplesmente magnífico.
Assim como qualquer capela, havia um corredor central, cercado por cadeiras e bancos voltados para um lindo altar, decorado com detalhes do azul real. Lá, além de símbolos sagrados, estavam quatro tronos. Quatro que logo seriam cinco e, pelo que eu sabia, mais rápido ainda, seis. Olhei para Aurora, ela encarava o mesmo lugar que eu. Aquilo era lindo e amedrontador. Imaginar-se sentada ali me embrulhava o estômago. Aquela sala era de outro mundo, o teto decorado, as janelas com vitrais que iluminavam o salão, os tronos esplêndidos, os bancos com estofados que pareciam bordados à mão… Não importava onde você olhasse, tudo era incrível.
- Então, senhoritas, podemos começar a treinar os passos da cerimônia, exatamente como expliquei antes. - a rainha falou, tirando-nos do transe que era admirar aquele lugar. - Vocês irão decorar o juramento depois, até porque ainda temos alguns dias pela frente. Hoje devemos treinar os movimentos, as poses e o sorriso.
E então, passamos as próximas três horas treinando nosso caminhar, o ritmo, a reverência, o sorriso, a girada, a posição de juramento, a volta. Apesar de tudo durar cerca de três minutos, repetimos diversas vezes até chegar à perfeição. E depois mais algumas, por garantia. Apesar do clima bom que aquela tarde trazia, da rainha nos instruindo, mas ao mesmo tempo conversando e brincando, eu estava cansada. Sempre havia algo para melhorar. O andar, a postura, o sorriso, as mãos, a reverência, a posição do juramento. Tudo.
- Perfeito. - a rainha disse quando finalmente terminamos. - Vocês foram muito bem.
Apesar de sentir meus pés doloridos, eu me sentia bem. Todas nós estávamos contentes com o resultado, com o elogio e companhia da rainha. Além disso, eu havia dormido a manhã toda, praticamente, então não podia reclamar. Minhas companheiras de Seleção não pareciam muito diferentes, todas sorriam e admiravam não só o lugar, como a mulher conosco.
- Aqui é mesmo lindo, não é? - a rainha comentou, encarando o teto todo pintado e o altar decorado. - No dia da cerimônia vai estar ainda mais deslumbrante. - ela comentou. - Mas fica especial mesmo em dias de casamento ou coroação. Esse lugar se transforma. - A rainha tinha um sorriso sonhador no rosto e eu sabia que ela estava lembrando dos bons momentos que tivera ali.
- É mesmo lindo, Majestade. - Aurora disse um pouco tímida. Acho que ela estava se acostumando com a ideia de ter a rainha como sogra.
A rainha sorriu. E então continuou: - Eu sei que foram muitas repetições, meninas. E que estão cansadas, mas esse é um momento realmente importante, é quando seu rei e os nobres as acolhem na nobreza. Uma tradição um pouco arcaica, preciso admitir. Mas, pelo menos na minha opinião, é admirável. Será nesse dia que vocês juraram seu amor, respeito, admiração e dever com nosso país. Espero que estejam preparadas, depois de hoje.
Suspirei. Não era tão difícil, certo? Eu só precisava caminhar pelo longo corredor lentamente, encarando de forma respeitosa o meu rei. Depois faria uma bela reverência para ele e sua família, viraria levemente para a esquerda, erguendo minha mão direita e dizendo as palavras que eu ainda não sabia. Depois viraria mais um pouco, voltando confiante, e até sorridente, ao encontro de minhas colegas. As quais me esperariam no final do corredor. Fácil. Nós podíamos fazer isso. Eu podia.
- Nós estaremos. - Samantha comentou, sorrindo para a rainha, que lhe retribuiu.
- Eu sei que sim, querida. Agora, podem ir para o quarto. Amanhã começam as preparações, vários funcionários voltarão para o castelo e, temo dizer, que eu e minha família estaremos com a agenda cheia. Mas não se preocupem, tudo correrá bem. - ela disse, pedindo licença para sair após dizer que a janta seria servida no quarto.
Fizemos uma reverência para a rainha e logo depois seguimos o mesmo caminho em direção aos nossos quartos.
- , quer jantar no meu quarto? - Aurora convidou-me, aproximando-se de mim enquanto subíamos as escadas. - Anne e Serena vão.
- Claro. Tudo bem. - concordei, percebendo que aquela era uma das primeiras vezes que iria ao quarto de outra Selecionada. A última vez foi quando convenci Natalie a marcar o jantar. - Vou sim.
Resolvi passar no meu quarto primeiro, para avisar as meninas que jantaria fora e trocar os sapatos, aqueles estavam me matando. Elise, Cleo e Meri estavam muito felizes e conversavam animadas sobre algo quando cheguei, todas levaram um susto quando abri a porta.
- Senhorita! - Elise cumprimentou, rindo levemente de algo que uma delas havia dito. Eu conseguia sentir a empolgação e felicidade das três. - Tudo bem?
- Olá, tudo certo por aqui? - falei, achando graça da alegria delas.
- Tudo em perfeita ordem. - Meri falou rindo. Elas estavam realmente conversando de algo engraçado.
- O que eu perdi?
- Nada, senhorita. - Cleo respondeu, um pouco rápido.
- Cleo teve um encontro. - Meri denunciou-a no mesmo instante.
- Meri! - Cleo reclamou.
- O que foi? Vai dizer que você quer guardar um segredo da ?
- Não, claro que não, mas é que…
- Tudo bem. - eu sorri. - Não precisa me contar, se não quiser.
- Não é isso. Na verdade, nem foi um encontro. Foi um jantar aqui mesmo no castelo, só que sem ser com todo mundo. - Cleo justificou.
- Isso é um encontro. - Elise afirmou, parecendo mais leve, talvez até mais feliz. - Pelo menos para nós no castelo. Acho que até para isso é um encontro. - ela brincou.
- Ela tem razão. - eu também tive que rir. - Meninas, eu gostaria muito de saber de todos os detalhes desse encontro, mas vim apenas trocar os sapatos. Vou tomar um chá e provavelmente jantar no quarto de Aurora, ela acabou de me convidar.
- É mesmo? - Meri perguntou, mostrando o quanto me conhecia bem.
- Meri! - Elise a repreendeu, o que me fez rir.
- Eu sei, você tem razão, é mesmo surpreendente. - confirmei. Claramente minhas criadas ficaram surpresas com a notícia, tanto quanto eu fiquei pelo convite. Não sabia o que esperar de um jantar como aquele. Decidi, simplesmente, que precisaria descobrir. Trocando os sapatos com ajuda de Cleo e soltando um pouco os cabelos com ajuda de Meri, me vi pronta para caminhar alguns passos no corredor até o quarto de Aurora.
- Boa noite, senhorita. - a criada de Aurora cumprimentou, fazendo um acenar de cabeça ao abrir a porta para mim. Ela devia ter a idade da minha mãe, mas as leves covinhas que apareciam com seu sorriso largo lhe davam um ar um pouco mais jovem.
- Boa noite. - sorri para a mulher, a qual era um pouco mais baixa que eu.
- ! Você veio! - Aurora se levantou, seu tom de surpresa me fez rir.
- Eu disse que vinha, não disse?
- Disse, claro. Só achei que pudesse desistir no caminho. - ela disse, também rindo. - Vamos, entre, quer beber algo?
Descobri que um jantar de garotas estava mais para vinho do que para chá e que Aurora havia pedido vários petiscos para nós. Então, logo eu estava sentada à mesa junto com Serena, Aurora e Anne com uma taça de vinho ouvindo sobre . Eu não conseguia imaginar Serena naquele círculo, mas ela se encaixava incrivelmente bem. Ela e Aurora pareciam amigas mesmo, o que deixava tudo ainda mais engraçado.
- Quando me disse que gostava de mim foi incrível. Sorte que já tínhamos conversado, Serena. Então eu pude ser sincera. Imagina o que eu diria se não tivesse falado com você antes?
- “Olha, eu até gosto de você, mas… Vou acabar me casando com seu irmão. Fazer o quê, né?” - Serena usou uma voz muito fina para imitar Aurora, o que foi muito engraçado.
- Vocês estão rindo, mas seria bem trágico. - a namorada de falou, mas ela também dava risada.
- Você poderia se casar só de fachada. - eu dei de ombros. - Ainda seria complicado, mas pelo menos os nortistas ficariam satisfeitos.
- Como se fosse permitir. - Anne falou irônica.
- Por que não? É o que ele vai fazer. - falei óbvia, mas minha fala quebrou o clima.
- … - Aurora começou.
- Calma, meninas. - interrompi-a. - Eu não me importo, ok? Eu já entendi, conversei com e aceitei. Não falei como se fosse algo ruim, apenas acho possível que o mesmo fosse acontecer com Aurora.
A loira involuntariamente fez uma careta.
- Não que eu ache algo bom. - acrescentei rápido. - Fico muito feliz por você e . Só quis dar uma hipótese.
Anne, que parecia ter entendido minha necessidade de mudar de assunto, voltou a falar dos pombinhos e, depois de várias perguntas, eu descobri quase tudo sobre Aurora e . Por exemplo, eles já haviam falado sobre casamento, mas o príncipe queria conhecer os pais de Aurora primeiro, antes de qualquer coisa. Eles já sabiam que ela moraria no castelo durante a guerra, a mesma estava até decorando a nova suíte, a qual estava bem desatualizada, já que gastaram mais tempo na suíte da princesa vencedora da Seleção. Sabia também que havia sido romântico depois de se declarar, mas que, quando o fez, ficou falando e falando, como eu podia imaginar.
Aurora parecia realmente feliz, realizada e sonhadora. Eu pude ver em seus olhos e sorriso bobo que ela estava apaixonada pelo príncipe mais novo e que acreditava que tudo ficaria bem. Eu queria que ela estivesse certa. Enquanto Aurora parecia ver a guerra como um tempo para se dedicar mais aos ensinamentos de princesa e se acostumar com o castelo antes de finalmente se tornar parte da família real, eu via como a minha chance de sobreviver, ou não. Enquanto ela imaginava seu futuro marido um herói vitorioso, eu imaginava como alguém que podia, ou não, acabar com os sulistas e voltar. O que significava que eu podia, ou não, ficar segura e bem longe do Chefe. Enquanto Aurora imaginava um casamento perfeito, eu só esperava não odiar meu marido. Enquanto a loira era pura esperança e amor, eu me sentia puro medo e conformismo. Estava muito feliz por Aurora, mas não conseguia evitar pensar no que aquilo tudo que ela sonhava significava para mim.
- E você, ? Já imaginou seu casamento? - Serena perguntou e apesar de soar descontraída, eu conseguia ver suas segundas intenções.
- Meu casamento?
- É… Seu vestido… A decoração, as flores… Seu casamento. - Aurora entrou na onda.
- Claro que não. - suspirei. - Temos uma guerra antes. Só depois teremos uma escolhida. E como vocês serão eliminadas depois do juramento, temo que passarei muitos dias com Lauren e Samantha. Depois que sobreviver a isso, eu me preocupo com a decoração do casamento.
- O príncipe vai deixar a Samantha? - Serena parecia surpresa.
- Pelo que ele me disse… - dei de ombros.
- Ela é simpática, até. - Aurora tentou.
- Um pouco tímida. - Anne comentou.
- Ela é uma sem graça. - Serena afirmou, o que nos fez rir.
- Não fale assim, ela só é quieta. - Aurora disse entre o riso.
- Na verdade ela é meio sem graça mesmo. - Anne deu de ombros.
- Eu não sei muito sobre ela, mas a realidade é que eu não sei muito sobre ninguém.
E então eu dei a deixa e começamos a falar sobre a nossa vida antes do castelo. Nossas famílias, nossos amigos, gostos e desgostos e nossas Províncias. Foi então que descobri que Serena era uma Cinco, antes de ser simplesmente uma rebelde. O que significava que sua família era de artistas e que ela deveria ganhar dinheiro fazendo algum tipo de arte, como música ou escultura. Conseguia imaginar porque ela se rebelou. Serena não tinha nenhum jeito para arte.
- Falando em Drew, entrei em contato com ele. - Serena falou, logo após eu contar sobre como passava meus dias com ele.
- Mas já?
- Claro, ou você acha que eu ia conseguir tirá-lo de casa com a guerra já declarada?
- Você tem razão. E como ele está?
- Está bem, ele veio para cá.
- Como assim?
- Ele está na Capital, no esconderijo. - Serena simplesmente disse, mas aquilo fez meu coração saltar. Drew estava na Capital? - Quando você ia me contar que ele se declarou?
- O que?
- Qual foi, ? Você acha que eu sou estúpida?
- Ele disse algo?
- Não, ele também não é estupido. - ela riu. - Mas ele fez perguntas, muitas.
E então eu entendi. Drew perguntou para Serena sobre mim, provavelmente sobre mim e .
- E você respondeu?
Serena me olhou com uma expressão engraçada, era como se ela estivesse em dúvida de qual era a resposta certa. Mas sinceramente, eu não sabia. Será que eu queria que ela tivesse mentido sobre minha relação com ? Para Drew achar que eu estava mais feliz do que estava? Ou para ele achar que estava tudo bem me esquecer? Até que sim. Mas, ao mesmo, tempo eu queria que ela fosse sincera, que Drew entendesse que não se tratava de amor. Esse luxo não me pertencia. Se tratava de acordo, política, paz e guerra. Só que o que ele faria quando soubesse da guerra? Seria capaz de arriscar a vida novamente?
- É claro que respondeu. - Aurora, que parecia completamente por dentro do ocorrido, comentou.
- Ele sabe sobre a guerra. - Serena concordou. - E o príncipe sabe que ele está no abrigo. Drew está ajudando, estamos tentando entender melhor como funcionam as estratégias deles. - Serena foi prática. - Mas não contei para o príncipe sobre os sentimentos de Drew.
- Eu contei.
- Você o quê? - a reação das três foi exatamente a mesma.
- Eu contei, sem detalhes, que Drew gostava de mim.
- Gosta. - Serena corrigiu. - Ele ainda gosta.
- Eu não creio que você fez isso, . - Aurora era a mais surpresa.
- O que disse? - Anne perguntou.
- Nada, na verdade. - dei de ombros. - Assim como não disse nada sobre o anel dos sulistas.
- Anel? - essa nem Anne sabia.
Não posso afirmar que foram as taças de vinho, mas, de repente, Serena estava menos preocupada com a segurança de Aurora e Anne, por isso, me deixou contar tudo a elas. Resolvi ser o mais sincera que pude, detalhando meu encontro com os sulistas desde o dia em que fui levada para um dos quartos da criadagem por causa de uma carta que não era nem minha. Ainda, tive que responder muitas perguntas sobre meus dias com o príncipe, o que fez Anne, que sabia da opinião de sobre quase tudo, rir várias vezes. Mas aquela garota era um túmulo e não falou nada do príncipe para nós.
Coloquei o anel novamente no dedo. Era estranho e desconfortável olhar para ele ali. Eu já havia usado o anel na noite anterior e, apesar de obviamente ninguém reparar na minha nova joia, afinal o castelo tinha uma infinidade de modelos para oferecer, eu sempre me pegava olhando para ele. Ele me servia perfeitamente e era realmente bonito, mas nada me embrulhava mais o estômago do que a ideia de aquilo significar mais do que apenas um símbolo sulista.
- Podem deixar comigo. - pedi às meninas, caminhando até a porta quando escutamos a batida.
- , bom dia. - pareceu surpreso ao me ver, ele ainda não estava acostumado comigo abrindo a porta. - Está sozinha?
- Não, as meninas estão aqui. - falei, abrindo um pouco mais a porta, mostrando minhas três companheiras de quarto, que faziam uma bela reverência em sintonia.
- Bom dia, senhoritas. - o príncipe cumprimentou.
- Bom dia, Alteza.
- Então, senhorita . Gostaria de dar uma volta pelo jardim?
- Claro. - afirmei, olhando para as meninas para me despedir antes de sair, as três tinham um belo sorriso no rosto, mal elas sabiam o que me esperava.
e eu andamos em silêncio até o jardim. O que era estranho, pois normalmente passamos boa parte do nosso tempo juntos conversando, me deixando com ainda mais certeza de que havia algo errado.
- Me desculpe. - falei, já no final da escada, enquanto caminhávamos em direção ao jardim.
- Pelo que? - ele parecia confuso.
- Bem, não sei ao certo. - eu ri fraco. - Pelo que eu disse ontem, eu acho. Sabe, antes de sermos resgatados.
- Você se arrepende do que disse? Não era verdade?
- Óbvio que era verdade. E não, sinceramente, eu não me arrependo. Mas sinto muito se disse algo que lhe preocupou e, bem, lhe fez ficar assim.
- Assim?
- É, assim. - afirmei, em dúvida se estava falando sério ou brincando com a minha cara. - Quieto, pensativo, bravo. Distante.
- … Eu que sinto muito. - ele suspirou. - Acho que eu sou péssimo em compartilhar coisas, você tem razão. Eu não queria que você pensasse que eu estou bravo, na realidade estou completamente oposto disso. Eu estou aliviado e, acredite, feliz.
- Feliz? Mesmo?
- Mas é claro. Eu sei que ser rainha ainda não é seu sonho e eu acredito que terão muitas dificuldades, mas saber que pelo menos você quer arriscar, quer tentar e passar por tudo isso comigo, é incrivelmente bom.
- E por que você não me disse?
- Não sei. Achei que era óbvio, depois minha família chegou e eu queria organizar algumas coisas. Precisava de um tempo sozinho para pensar também.
- Pensar?
- Sim. Não esperava chegar nesse ponto tão rapidamente, mas eu gostaria de lhe oferecer algo, .
- Me oferecer o quê?
- Vem, sente-se aqui. - pediu, já estávamos no jardim, o que significava que os guardas que nos protegiam podiam nos ver, mas não ouvir. indicou um dos lindos bancos que haviam por ali, aquele ficava de frente para o jardim da rainha e, sinceramente, tinha uma vista impressionante.
- Você está me assustando.
- Não se assuste. Eu… - ele parou para pensar em suas palavras. - Você ouviu sobre o meu rastreador ontem, certo?
- Sim. Não tenho certeza se entendi o que significa, mas ouvi. E sei para que um rastreador serve. - completei no final.
- Todos os membros da realeza possuem um rastreador no corpo, instalado com uma cirurgia. - o príncipe explicou. - Ele manda sinais por satélite para o castelo todos os segundos do dia, o que significa que podemos nos encontrar em qualquer lugar com um apertar de botões.
- Em qualquer lugar?
- Sim. Claro que há algumas interferências, como por exemplo a caixa metalizada do abrigo. Não há sinal de lá. Hitt soube que estávamos ali pelo meu último sinal, que foi exatamente antes de entrarmos. O rastreador pode quebrar também, é muito difícil, mas pode acontecer.
- Isso é incrível.
- Eu gostaria de lhe oferecer um.
- Você quer colocar um rastreador em mim?
- Sim. Todos os membros da realeza têm. Quando nos casarmos você terá que colocar de qualquer maneira, é essencial. Eu nunca lhe ofereci antes, pois não queria que se sentisse pressionada a nada. Mas já que você disse que quer ficar… E com a atitude dos sulistas… Achei que podia ser uma boa ideia.
- É um pouco estranho pensar que poderiam me rastrear em qualquer lugar.
- Eu entendo, mas poucas pessoas têm acesso. Além disso, como você disse, sem o seu amigo Drew com os sulistas… Acredito que seria uma boa ideia. - tentei captar qualquer reação de em relação a Drew, mas ele era indecifrável.
- Sobre isso… Preciso lhe contar uma coisa.
- Claro. Serena me mandou um bilhete ontem. Disse que não era urgente. O que vocês descobriram?
- Não é o que descobrimos, na verdade eu gostaria de lhe mostrar. Podemos ir para um lugar mais discreto? - involuntariamente mexi no anel, mas o príncipe sequer pensou naquilo.
- Podemos, mas você se machucou de novo? É isso? Os sulistas vieram e eu não sei?
- Não. Eu estou bem. - afirmei, sem saber se era realmente verdade.
- Podemos ir até seus aposentos, se quiser.
- Acho que minhas criadas estão lá. - falei, sem mencionar que achava que dependendo da reação dele, poderíamos ser ouvidos. - Tem algum outro lugar?
O príncipe sorriu. Era claro que havia outro lugar, era um castelo, um enorme castelo.
- Vamos. - ficou de pé, me oferecendo a mão. Aceitei, apesar de não precisar, e juntos, de braços dados, voltamos até o castelo. resolveu me levar no jardim secreto de sua mãe, no mesmo lugar que eu havia ido após a reunião com o rei e seus assessores. Aquele lugar era mesmo lindo, o sol da manhã brilhante ressaltava as cores de tudo, parecia uma pintura. - E então? O que aconteceu?
- Talvez você queira sentar.
estranhou, mas concordou comigo e sentamos em um dos bancos dali, os quais eram exatamente iguais aos do jardim lá embaixo.
- Acredito que você lembre desse colar. - comecei, pegando o colar que era símbolo dos nortistas do bolso do vestido, colocando na mão do príncipe.
- Mas é claro.
- Então você lembra que ele é um símbolo de meu apoio aos nortistas?
- Claro que eu lembro, . Por quê? Serena quer que você use outro símbolo?
- Não. A Serena não.
- A Serena não, mas alguém sim? Os sulistas?
- Sim. - respirei fundo, continuava com o colar na mão. Por isso, retirei o anel com brilhante do dedo e depositei ali, ao lado da joia. - Recebi isso ontem. Foi deixado no meu quarto enquanto estávamos no abrigo.
O príncipe piscou algumas vezes enquanto olhava para o anel que ficava pequeno em sua palma. Eu conseguia sentir processando tudo aquilo e tirando suas próprias conclusões.
- Você recebeu um anel de noivado do Chefe? - ele finalmente me perguntou, seu tom mais alto do que o habitual.
- Não. Quero dizer, não acho que seja de noivado. - falei, sentindo-me nervosa. - Você acha?
- É claro que eu acho, . Olhe para isso. Não é um anel qualquer, não é uma joia boba.
- Poderia ser. Talvez estejamos exagerando. Eu sei o que parece, … Mas e se não for? É meio absurdo, não é? Alguém como ele não faria isso. Certo? - eu sabia que minha voz estava frágil e eu sabia também que no fundo não acreditava em minhas palavras, eu queria acreditar, mas não conseguia.
O príncipe olhou para mim. Eu sabia que ele estava irritado, mas assim que seus olhos encontraram os meus, eu soube que ele finalmente entendeu. A irritação era o menor dos nossos problemas. Alguém que não fosse ele me dar um anel não significava nada. O problema era o terror que eu sentia e o que aquilo podia mesmo significar. O que eu faria assim que visse o Chefe? Ou pior, o que ele faria?
- Eu sinto muito, . - ele disse, o que não ajudou em nada. O fato de estar com medo por mim, me deixava apavorada. - Eu acho que precisamos aceitar o que isso significa.
- Ele disse que era para celebrar a união. - tentei mais uma vez.
- Ele disse?
- Havia um bilhete junto. - afirmei. - O bilhete e o anel vieram dentro de uma caixinha de madeira.
- Eu posso ver?
- Pode. Mas… Você quer?
riu.
- Eu estou aceitando que temos problemas maiores do que você praticamente ter sido pedida em casamento por outro homem. - ele estava tentando fazer piada. - E ele pelo menos te deu um anel, que é muito mais do que eu fiz.
Eu sabia que estava tentando descontrair, mas aquilo só me fazia sentir pior. Será que aquele anel era mesmo a oficialização do meu casamento com o Chefe? Casamento que eu prometi aceitar. O príncipe realmente achava que aquilo significava mais que o nosso acordo?
Segui com em silêncio até meus aposentos, grata pelo andar vazio. As Selecionadas estavam no café da manhã que eu e ignoramos. Entrei na porta sem bater, encontrando apenas Elise no quarto, guardando alguns vestidos no armário.
- Senhorita. Alteza. - ela fez uma reverência imediatamente.
- Desculpe atrapalhar, Elise. - pedi, vendo minha amiga negar, fechar o armário e sair com um sorriso no rosto e um pedido de licença para se retirar.
- Você realmente gosta delas, não é? - perguntou entrando no meu quarto.
- Muito. Eu realmente as considero minhas amigas. Amigas que felizmente trabalham comigo. - sorri, abaixando-me para pegar a caixinha embaixo da cama. Local que achei justo para deixá-la.
Entreguei para , que tinha as sobrancelhas arqueadas ao analisá-la.
- Ele mandou talhar sua inicial. - o príncipe estava surpreso. - Isso é feito aqui na Capital, mas não é muito fácil de conseguir.
- É, mandou. - foi tudo o que eu disse, sentando-me na cama, cansada. Isso porque o dia estava só começando.
- E… Nossa. - foi tudo o que ele disse, após olhar o bilhete.
- Você sabe que união pode ser literalmente sobre minha promessa de acabar com a monarquia. - respondi já na defensiva.
- Pode. Mas temos que admitir que é uma sentença interessante. A escolha das palavras foi complexa. - o príncipe ainda encarava o pequeno bilhete.
- Não sei com que cara vou vê-lo depois disso. - resmunguei, vendo o príncipe fechar a caixa com o papel dentro, colocá-la sobre minha mesinha e olhar para mim.
respirou fundo. Se eu não tivesse tão perdida em meus próprios pensamentos, conseguiria ver a batalha interna que ele travava. estava irritado, nervoso, bravo e muito preocupado, mas ao mesmo tempo ele queria ser forte, calmo e gentil comigo.
- Eu acho que você deveria considerar o rastreador, . - estava sério, percebi que ele estava tentando não mandar em mim. - Talvez seja a nossa única esperança. Quando o Chefe marcar algo, estaremos prontos, guardas a postos… Eu não vou deixá-lo tocar em você.
- Eu sei. Eu não acho que ele vá, para ser sincera… Mas eu entendo e concordo com o rastreador. Entretanto, é um pouco assustador imaginar um sinal de GPS dentro de mim. - ri fraco. O que eu podia fazer? Teria que aceitar o rastreador no fim das contas, se não naquele momento, quando fosse princesa.
- Você esquece que ele existe. Eu juro.
- E dói? Você sabe, para colocar…
- Não. Você precisa tomar um remédio para dormir e também usar anestesia local. Mas você fica bem em poucas horas, a cicatriz é minúscula e nem precisa de pontos. Fica menos perceptível que sua mão.
Concordei, olhando o corte já fechado, sem pontos e sem necessidade de curativo. Os remédios usados no castelo eram muito melhores que os da minha Província.
- Eu não lhe pediria se não fosse importante. - o príncipe tentou novamente.
- Certo, acho que é mesmo uma escolha segura.
- É sim. Conversei com minha família sobre isso ontem, . Foi isso que discutimos após o abrigo, passei o jantar organizando as coisas. Acredite em mim quando digo que estou certo disso.
- Eu… Foi por isso que você saiu de repente?
- Foi. - ele ficou um pouco envergonhado. - O que você disse realmente mudou as coisas, . Pelo menos para mim.
Sorri, será que finalmente tinha decidido nosso futuro? Naquele momento, a incerteza dele me escolher como sua princesa sumiu, pelo menos por um instante.
- Uma dúvida, você comeu algo hoje?
- Não. - respondi, à espera de um convite para mais um café da manhã, quem sabe, na cabana na floresta. Mas a ideia de era outra.
- Podemos colocar o rastreador agora, então?
- Agora?
- Você precisa estar em jejum para a anestesia.
- Eu… Acho que sim, então.
O príncipe concordou, satisfeito, me entregando o colar e o anel. Me vendo colocar ambos. Eu podia ver, apesar do silêncio, que estava incomodado com o anel que eu colocava no dedo.
- Vamos. - ele pediu, sem mais cerimônias.
Quando acordei no meu quarto, as minhas únicas companhias eram Elise, Cleo e Meri. O que era estranho, pois prometeu que ficaria comigo o tempo todo durante e após a cirurgia.
- Senhorita. - Cleo estava empolgada ao me ver abrir os olhos. - Como você está?
- Bem. - falei, sentando-me na cama, sentindo-me um pouco perdida, sonolenta e em dúvida se aquilo estava mesmo acontecendo. Aquela sensação de anestesia era estranha, era como se eu não tivesse certeza se estava mesmo acordada ou sonhando. - Que horas são?
- Vamos chamar o príncipe. Ele teve que sair, mas pediu para chamá-lo assim que a senhorita acordasse. - Cleo respondeu, sem responder minha pergunta. Me deixando em dúvida se eu havia mesmo a externado.
- Claro, tudo bem.
Fiquei feliz pelo príncipe ter demorado alguns minutos para aparecer, pois assim eu consegui recobrar toda a minha consciência. Além de me sentir bem, descansada e leve, eu me sentia completamente no controle do meu corpo novamente. Decidi lavar o rosto e trocar de roupa, enquanto esperava pelo príncipe, afinal ninguém merecia aquela espécie de camisola hospitalar que fui obrigada a vestir. Assim que me vi nua, consegui perceber o pequeno risco vermelho que tinha ao lado do corpo, um pouco mais alto que o umbigo, entre as costelas. Era isso, havia um rastreador em mim.
O corte era realmente pequeno, analisei-o de diversos ângulos na frente do espelho, me deixando em dúvida se eu precisava de tanta anestesia para aquilo. Era evidente que com os remédios do castelo aquilo sairia em menos de uma semana, me deixando sem nenhuma cicatriz. As garotas também olhavam impressionadas para aquilo, tomando todo o cuidado ao me vestir.
- Não dói, acreditem.
- Ele escolheu a senhorita, não foi? - Meri perguntou encarando-me pelo espelho, enquanto começava a secar meus cabelos.
- Por enquanto sim. - brinquei, vendo-a rir.
Aquilo foi o suficiente para acalmar as meninas, era uma resposta certa, mas ao mesmo tempo não, mas o mais importante: era a verdade. havia me escolhido, pelo menos por enquanto, apesar de difícil, ele ainda podia desistir e tirar aquele rastreador de mim. Nada estava completamente certo até eu ser coroada.
- Pode abrir. - avisei para Cleo ao escutarmos a batida na porta, fiquei sentada na cadeira enquanto Meri terminava de arrumar meu cabelo, deixando-o parcialmente solto, puxado para o lado. Assim que o príncipe apareceu na porta já aberta, pude ver seu sorriso. Ele estava apoiado no batente e nos olhava de forma engraçada, acho que ele estava se acostumando com nossa intimidade. Afinal, nem todas as garotas deixariam o príncipe vê-las enquanto não estavam perfeitas. Mas havia me visto de camisola, o que era um cabelo no meio do penteado?
- Boa tarde, . - cumprimentou, me fazendo notar o quanto eu gostava do seu sorriso, ali ele parecia mais relaxado e até normal. - Vejo que está bem.
- Eu estou mesmo, o que é meio incrível. Só estou faminta. - falei brincando. Mas era de se esperar, já que passava da hora do almoço e eu não havia comido o café da manhã.
- Já pedi para trazerem o almoço. - dava para ver no semblante de que ele estava contente e orgulhoso por ter pensado em tudo. - Além disso, todas as Selecionadas foram liberadas até a metade da tarde. Então nosso segredo está seguro. - ele disse, o que me fez perceber que era um discreto aviso às minhas criadas. - Você está realmente bem? Não sente nada?
- Eu deveria sentir?
- Na realidade não. - ele riu fraco. - Estava só checando, mas estou mesmo feliz que esteja bem.
- Podemos nos retirar, senhorita? - Elise perguntou, querendo me deixar a sós com o príncipe. Sabia que elas estavam tentando ficar invisíveis com a presença do príncipe ali.
Olhei para meu trio de amigas e olhei para o príncipe novamente.
- Depende. - falei para as garotas, as quais ficaram levemente surpresas. - Príncipe , você vai ficar para o almoço?
O príncipe ainda sorria, parecendo analisar a cena. Eu não conseguia explicar, mas depois dos últimos dias, eu sentia que eu e estávamos começando a realmente nos conhecer. Depois da manhã na cabana e da tarde no abrigo, não sei, eu, pelo menos, estava tentando conhecer o príncipe, entendê-lo, aprender sobre ele e seus gostos.
- Eu adoraria, mas tenho algumas coisas para confirmar com minha família. Talvez tenhamos surpresas em breve. - seu sorriso só se alargou mais. Será que alguma vez eu tinha visto o príncipe tão relaxado?
- Surpresa?
- Sim, senhorita. Algo que eu não posso compartilhar, se não deixaria de ser surpresa. - ele brincou, rindo, assim como Elise, Meri e Cleo, que riram fraco, tentando parecer que não estavam ali.
- Tudo bem. - falei, também achando graça. - Então a resposta é não, meninas. Gostaria que ficassem e se juntassem no almoço comigo.
Eu conseguia ver o desconforto delas com a presença de . Elas não conseguiam ser as mesmas amigas íntimas com o príncipe ali, mas exatamente por esse motivo que eu estava fazendo aquilo. Eu queria provar para elas que eram minhas amigas de verdade. E que o príncipe aprovaria isso.
- Nós não podemos… - Elise disse, ao mesmo tempo que sorriu.
- Eu preciso ir. Fico feliz que esteja bem, senhorita . - ele sorria verdadeiramente. - Pode deixar que pedirei mais pratos. Voltarei mais tarde. Com licença, senhoritas.
E então o príncipe cumprimentou-nos e saiu, fechando a porta atrás de si. Assim que a porta foi fechada, Elise, Cleo e Meri me olharam abismadas, ao mesmo tempo que estavam surpresas e acho que até felizes, elas me repreendiam pela atitude.
- Eu não acredito que você fez isso. - Meri foi a primeira a sair do choque, ela não estava exatamente me repreendendo, o que me fez rir fraco.
- Isso o que? Convidei vocês para almoçar? - perguntei, fingindo-me de desentendida, virando-me na cadeira para encará-la.
- Na frente do príncipe. - Cleo ressaltou.
- Vocês sabem que eu, bem, um dia serei uma… - não queria realmente dizer. Não queria externar que me casaria com aquele homem, que seria princesa. Mas eu sabia que não precisava, elas entenderam o que eu queria dizer. Elas tinham vergonha do príncipe, mas o que fariam quando eu fosse princesa?
- Não é a mesma coisa. - Meri tentou.
- Por quê?
- Porque você ainda não é. Quero dizer, - Cleo já se corrigiu. - você ainda é…
- Cleo está querendo dizer que a gente ainda é o suficiente para você. - Elise de repente falou. - Nós não falamos com a realeza.
Não fui a única a olhar em choque para a mulher, afinal Elise raramente se metia nesses assuntos. Ela era sempre a mais quieta, a que cortava o assunto ou, na maioria das vezes, ignorava.
- Vocês gostariam?
- Do que? - Elise estava confusa.
- De continuar do meu lado quando eu for princesa...
- Você está mesmo falando sério? - Meri foi a primeira a se empolgar.
- Você realmente falou sério naquele dia? Você quer que a gente continue como suas criadas? - Cleo parecia incrédula. Lembrando-se da vez que falei que ainda queria ser arrumada por elas se fosse princesa.
- Na verdade, não. - eu disse, fazendo-as automaticamente se retrair. - Eu gostaria que fossem minhas damas de companhia. Pelo menos, parte delas.
- Você o quê? - aquilo realmente as surpreendeu.
- Exatamente o que eu disse. Eu sei que ainda é cedo. - suspirei. - Mas toda princesa precisa de damas de companhia. Então, como as chances de me escolher parecem altas...
- Mas nós não podemos. Não somos nobres. - Meri que falou certa de si.
- Vocês seriam. - disse, com medo do que aquilo poderia significar.
- Como assim? As damas de companhia são sempre mulheres nobres. - Cleo afirmou.
- Mas não é lei. - dei de ombros. - A princesa tem direito de escolher quem quiser. Qualquer pessoa no país. Ou melhor, qualquer mulher.
- E você quer nos escolher?
- Sim. Quero dizer, eu entendo se vocês não quiserem. Eu acho que a mudança de casta não inclui o restante da família, por exemplo. Mas… - suspirei. - Vocês são minhas amigas. Eu confio em vocês, admiro e gosto de todas vocês. Não vejo motivo algum para não querê-las comigo. Além disso, vocês me conhecem muito bem. Entenderiam minhas crises, ajudariam na hora de organizar as coisas, escolheriam minhas roupas… Vocês conhecem o castelo como ninguém. Eu entendo se vocês não quiserem, mas eu ia adorar. Eu sei que posso ser difícil às vezes e que nem sempre pude contar tudo para vocês. Também sei que é um grande passo, uma mudança absurda… Mas…
- . - Elise me chamou, interrompendo meu falatório. Eu sabia que estava falando demais, por estar nervosa de ter feito o convite muito cedo, ou por não poder dar 100% de certeza que seria escolhida. Mas ao mesmo tempo eu queria garantir que elas entendessem, que se preparassem, que pensassem sobre o tema. Me senti como por um momento.
- Desculpe. - falei, ficando quieta.
- Seria uma honra. - ela disse por fim, com os olhos um pouco úmidos.
- Seria mesmo. - Meri sorriu.
- A maior de todas. - Cleo completou. E de repente nós três estávamos nos abraçando.
Aquele foi sem dúvida um dos melhores almoços da minha vida. Acho que pela primeira vez aquelas mulheres entenderam o que estava mesmo acontecendo. Nós conversamos sobre tudo e eu fui o mais sincera que podia. Sim, eu me tornaria princesa. Eu ia sim me casar com o príncipe . Sim, tinha um motivo. Não, eu não o amava. Sim, eu fiquei feliz com a ideia. Não, eu não sabia quando seria. Sim, eu tinha tempo. E sim, eu estava falando sério quando disse que as queria comigo, do meu lado, como nobres. Sim, o príncipe permitiria, mas não, ele ainda não sabia. Sim, eu tinha mais uma dama de companhia em mente, mas ainda não podia falar quem seria. Eu não estava empolgada para o casamento e não podia explicar por que o príncipe ainda não havia oficializado.
Eu fiquei realmente feliz por Cleo, Elise e Meri terem aceitado o convite. As damas de companhia da princesa, que ocasionalmente seriam da rainha, eram um grupo de mulheres selecionadas pela princesa, quando saía da Seleção, para ajudá-la em tudo o que a mudança de título significava. Eu havia estudado mais sobre isso depois da proposta de Serena e por isso sabia que por lei, qualquer casta podia ser convidada para se unir a “comitiva”, que eram, normalmente, seis mulheres. Eu sabia que, na história, a maioria das princesas acabavam escolhendo nobres para ajudá-las na difícil tarefa de ser um, mas eu não queria isso. Eu queria pessoas em que eu pudesse confiar, acreditava na opinião e, talvez o mais importante, melhorassem de vida no processo. Elise, Cleo, Meri e Serena, apesar de eu não saber exatamente a casta da última, pareciam se enquadrar muito bem nos meus critérios.
- Eu preciso que vocês guardem segredo de todos. Inclusive de seus familiares. - pedi, recebendo promessas em resposta antes de sair pela porta para a nossa primeira e, de acordo com os boatos, única aula para o dia do juramento. - Obrigada por aceitarem.
Fechei a porta dos meus aposentos escutando a empolgação e sabendo da felicidade daquelas mulheres. Eu tinha amigas, afinal. E, se elas não contassem para ninguém, eu teria certeza absoluta de que tinha confidentes, apesar das minhas dúvidas serem mínimas nesse quesito.
- Boa tarde, senhoritas. - a rainha cumprimentou-nos enquanto fazíamos nossas reverências, assim que a mesma entrou no Salão das Mulheres. - Como estão?
- Bem, Majestade. - respondemos quase em uníssono, algo que deixaria Mariee orgulhosa.
- Fico feliz. - ela disse, passando os olhos por todas nós e demorando-se alguns segundos a mais em mim. Será que a rainha estava contente por eu estar bem depois da cirurgia? - Pois hoje temos muito o que fazer. - ela sorriu. - Vocês tiveram muito tempo livre hoje, por isso espero que estejam com a energia renovada, porque vamos precisar.
Depois de explicar passo a passo como funcionava a cerimônia, Vossa Majestade Real nos levou a enorme capela situada na parte de trás do castelo. Uma parte do andar térreo que eu não fazia ideia da existência, isto é, percebi, naquele momento, que o castelo era incrivelmente maior do que eu imaginava.
A capela era na realidade uma longa e alta sala que era praticamente uma igreja completa e usada. De acordo com a rainha, apenas para eventos muito importantes, como casamentos reais e de nobres, coroações e todos os juramentos à bandeira existentes até então. Preciso admitir que tranquei a respiração quando passamos pela enorme porta dupla, de estilo antigo e diversos detalhes talhados ali. Aquele lugar era magnífico, simplesmente magnífico.
Assim como qualquer capela, havia um corredor central, cercado por cadeiras e bancos voltados para um lindo altar, decorado com detalhes do azul real. Lá, além de símbolos sagrados, estavam quatro tronos. Quatro que logo seriam cinco e, pelo que eu sabia, mais rápido ainda, seis. Olhei para Aurora, ela encarava o mesmo lugar que eu. Aquilo era lindo e amedrontador. Imaginar-se sentada ali me embrulhava o estômago. Aquela sala era de outro mundo, o teto decorado, as janelas com vitrais que iluminavam o salão, os tronos esplêndidos, os bancos com estofados que pareciam bordados à mão… Não importava onde você olhasse, tudo era incrível.
- Então, senhoritas, podemos começar a treinar os passos da cerimônia, exatamente como expliquei antes. - a rainha falou, tirando-nos do transe que era admirar aquele lugar. - Vocês irão decorar o juramento depois, até porque ainda temos alguns dias pela frente. Hoje devemos treinar os movimentos, as poses e o sorriso.
E então, passamos as próximas três horas treinando nosso caminhar, o ritmo, a reverência, o sorriso, a girada, a posição de juramento, a volta. Apesar de tudo durar cerca de três minutos, repetimos diversas vezes até chegar à perfeição. E depois mais algumas, por garantia. Apesar do clima bom que aquela tarde trazia, da rainha nos instruindo, mas ao mesmo tempo conversando e brincando, eu estava cansada. Sempre havia algo para melhorar. O andar, a postura, o sorriso, as mãos, a reverência, a posição do juramento. Tudo.
- Perfeito. - a rainha disse quando finalmente terminamos. - Vocês foram muito bem.
Apesar de sentir meus pés doloridos, eu me sentia bem. Todas nós estávamos contentes com o resultado, com o elogio e companhia da rainha. Além disso, eu havia dormido a manhã toda, praticamente, então não podia reclamar. Minhas companheiras de Seleção não pareciam muito diferentes, todas sorriam e admiravam não só o lugar, como a mulher conosco.
- Aqui é mesmo lindo, não é? - a rainha comentou, encarando o teto todo pintado e o altar decorado. - No dia da cerimônia vai estar ainda mais deslumbrante. - ela comentou. - Mas fica especial mesmo em dias de casamento ou coroação. Esse lugar se transforma. - A rainha tinha um sorriso sonhador no rosto e eu sabia que ela estava lembrando dos bons momentos que tivera ali.
- É mesmo lindo, Majestade. - Aurora disse um pouco tímida. Acho que ela estava se acostumando com a ideia de ter a rainha como sogra.
A rainha sorriu. E então continuou: - Eu sei que foram muitas repetições, meninas. E que estão cansadas, mas esse é um momento realmente importante, é quando seu rei e os nobres as acolhem na nobreza. Uma tradição um pouco arcaica, preciso admitir. Mas, pelo menos na minha opinião, é admirável. Será nesse dia que vocês juraram seu amor, respeito, admiração e dever com nosso país. Espero que estejam preparadas, depois de hoje.
Suspirei. Não era tão difícil, certo? Eu só precisava caminhar pelo longo corredor lentamente, encarando de forma respeitosa o meu rei. Depois faria uma bela reverência para ele e sua família, viraria levemente para a esquerda, erguendo minha mão direita e dizendo as palavras que eu ainda não sabia. Depois viraria mais um pouco, voltando confiante, e até sorridente, ao encontro de minhas colegas. As quais me esperariam no final do corredor. Fácil. Nós podíamos fazer isso. Eu podia.
- Nós estaremos. - Samantha comentou, sorrindo para a rainha, que lhe retribuiu.
- Eu sei que sim, querida. Agora, podem ir para o quarto. Amanhã começam as preparações, vários funcionários voltarão para o castelo e, temo dizer, que eu e minha família estaremos com a agenda cheia. Mas não se preocupem, tudo correrá bem. - ela disse, pedindo licença para sair após dizer que a janta seria servida no quarto.
Fizemos uma reverência para a rainha e logo depois seguimos o mesmo caminho em direção aos nossos quartos.
- , quer jantar no meu quarto? - Aurora convidou-me, aproximando-se de mim enquanto subíamos as escadas. - Anne e Serena vão.
- Claro. Tudo bem. - concordei, percebendo que aquela era uma das primeiras vezes que iria ao quarto de outra Selecionada. A última vez foi quando convenci Natalie a marcar o jantar. - Vou sim.
Resolvi passar no meu quarto primeiro, para avisar as meninas que jantaria fora e trocar os sapatos, aqueles estavam me matando. Elise, Cleo e Meri estavam muito felizes e conversavam animadas sobre algo quando cheguei, todas levaram um susto quando abri a porta.
- Senhorita! - Elise cumprimentou, rindo levemente de algo que uma delas havia dito. Eu conseguia sentir a empolgação e felicidade das três. - Tudo bem?
- Olá, tudo certo por aqui? - falei, achando graça da alegria delas.
- Tudo em perfeita ordem. - Meri falou rindo. Elas estavam realmente conversando de algo engraçado.
- O que eu perdi?
- Nada, senhorita. - Cleo respondeu, um pouco rápido.
- Cleo teve um encontro. - Meri denunciou-a no mesmo instante.
- Meri! - Cleo reclamou.
- O que foi? Vai dizer que você quer guardar um segredo da ?
- Não, claro que não, mas é que…
- Tudo bem. - eu sorri. - Não precisa me contar, se não quiser.
- Não é isso. Na verdade, nem foi um encontro. Foi um jantar aqui mesmo no castelo, só que sem ser com todo mundo. - Cleo justificou.
- Isso é um encontro. - Elise afirmou, parecendo mais leve, talvez até mais feliz. - Pelo menos para nós no castelo. Acho que até para isso é um encontro. - ela brincou.
- Ela tem razão. - eu também tive que rir. - Meninas, eu gostaria muito de saber de todos os detalhes desse encontro, mas vim apenas trocar os sapatos. Vou tomar um chá e provavelmente jantar no quarto de Aurora, ela acabou de me convidar.
- É mesmo? - Meri perguntou, mostrando o quanto me conhecia bem.
- Meri! - Elise a repreendeu, o que me fez rir.
- Eu sei, você tem razão, é mesmo surpreendente. - confirmei. Claramente minhas criadas ficaram surpresas com a notícia, tanto quanto eu fiquei pelo convite. Não sabia o que esperar de um jantar como aquele. Decidi, simplesmente, que precisaria descobrir. Trocando os sapatos com ajuda de Cleo e soltando um pouco os cabelos com ajuda de Meri, me vi pronta para caminhar alguns passos no corredor até o quarto de Aurora.
- Boa noite, senhorita. - a criada de Aurora cumprimentou, fazendo um acenar de cabeça ao abrir a porta para mim. Ela devia ter a idade da minha mãe, mas as leves covinhas que apareciam com seu sorriso largo lhe davam um ar um pouco mais jovem.
- Boa noite. - sorri para a mulher, a qual era um pouco mais baixa que eu.
- ! Você veio! - Aurora se levantou, seu tom de surpresa me fez rir.
- Eu disse que vinha, não disse?
- Disse, claro. Só achei que pudesse desistir no caminho. - ela disse, também rindo. - Vamos, entre, quer beber algo?
Descobri que um jantar de garotas estava mais para vinho do que para chá e que Aurora havia pedido vários petiscos para nós. Então, logo eu estava sentada à mesa junto com Serena, Aurora e Anne com uma taça de vinho ouvindo sobre . Eu não conseguia imaginar Serena naquele círculo, mas ela se encaixava incrivelmente bem. Ela e Aurora pareciam amigas mesmo, o que deixava tudo ainda mais engraçado.
- Quando me disse que gostava de mim foi incrível. Sorte que já tínhamos conversado, Serena. Então eu pude ser sincera. Imagina o que eu diria se não tivesse falado com você antes?
- “Olha, eu até gosto de você, mas… Vou acabar me casando com seu irmão. Fazer o quê, né?” - Serena usou uma voz muito fina para imitar Aurora, o que foi muito engraçado.
- Vocês estão rindo, mas seria bem trágico. - a namorada de falou, mas ela também dava risada.
- Você poderia se casar só de fachada. - eu dei de ombros. - Ainda seria complicado, mas pelo menos os nortistas ficariam satisfeitos.
- Como se fosse permitir. - Anne falou irônica.
- Por que não? É o que ele vai fazer. - falei óbvia, mas minha fala quebrou o clima.
- … - Aurora começou.
- Calma, meninas. - interrompi-a. - Eu não me importo, ok? Eu já entendi, conversei com e aceitei. Não falei como se fosse algo ruim, apenas acho possível que o mesmo fosse acontecer com Aurora.
A loira involuntariamente fez uma careta.
- Não que eu ache algo bom. - acrescentei rápido. - Fico muito feliz por você e . Só quis dar uma hipótese.
Anne, que parecia ter entendido minha necessidade de mudar de assunto, voltou a falar dos pombinhos e, depois de várias perguntas, eu descobri quase tudo sobre Aurora e . Por exemplo, eles já haviam falado sobre casamento, mas o príncipe queria conhecer os pais de Aurora primeiro, antes de qualquer coisa. Eles já sabiam que ela moraria no castelo durante a guerra, a mesma estava até decorando a nova suíte, a qual estava bem desatualizada, já que gastaram mais tempo na suíte da princesa vencedora da Seleção. Sabia também que havia sido romântico depois de se declarar, mas que, quando o fez, ficou falando e falando, como eu podia imaginar.
Aurora parecia realmente feliz, realizada e sonhadora. Eu pude ver em seus olhos e sorriso bobo que ela estava apaixonada pelo príncipe mais novo e que acreditava que tudo ficaria bem. Eu queria que ela estivesse certa. Enquanto Aurora parecia ver a guerra como um tempo para se dedicar mais aos ensinamentos de princesa e se acostumar com o castelo antes de finalmente se tornar parte da família real, eu via como a minha chance de sobreviver, ou não. Enquanto ela imaginava seu futuro marido um herói vitorioso, eu imaginava como alguém que podia, ou não, acabar com os sulistas e voltar. O que significava que eu podia, ou não, ficar segura e bem longe do Chefe. Enquanto Aurora imaginava um casamento perfeito, eu só esperava não odiar meu marido. Enquanto a loira era pura esperança e amor, eu me sentia puro medo e conformismo. Estava muito feliz por Aurora, mas não conseguia evitar pensar no que aquilo tudo que ela sonhava significava para mim.
- E você, ? Já imaginou seu casamento? - Serena perguntou e apesar de soar descontraída, eu conseguia ver suas segundas intenções.
- Meu casamento?
- É… Seu vestido… A decoração, as flores… Seu casamento. - Aurora entrou na onda.
- Claro que não. - suspirei. - Temos uma guerra antes. Só depois teremos uma escolhida. E como vocês serão eliminadas depois do juramento, temo que passarei muitos dias com Lauren e Samantha. Depois que sobreviver a isso, eu me preocupo com a decoração do casamento.
- O príncipe vai deixar a Samantha? - Serena parecia surpresa.
- Pelo que ele me disse… - dei de ombros.
- Ela é simpática, até. - Aurora tentou.
- Um pouco tímida. - Anne comentou.
- Ela é uma sem graça. - Serena afirmou, o que nos fez rir.
- Não fale assim, ela só é quieta. - Aurora disse entre o riso.
- Na verdade ela é meio sem graça mesmo. - Anne deu de ombros.
- Eu não sei muito sobre ela, mas a realidade é que eu não sei muito sobre ninguém.
E então eu dei a deixa e começamos a falar sobre a nossa vida antes do castelo. Nossas famílias, nossos amigos, gostos e desgostos e nossas Províncias. Foi então que descobri que Serena era uma Cinco, antes de ser simplesmente uma rebelde. O que significava que sua família era de artistas e que ela deveria ganhar dinheiro fazendo algum tipo de arte, como música ou escultura. Conseguia imaginar porque ela se rebelou. Serena não tinha nenhum jeito para arte.
- Falando em Drew, entrei em contato com ele. - Serena falou, logo após eu contar sobre como passava meus dias com ele.
- Mas já?
- Claro, ou você acha que eu ia conseguir tirá-lo de casa com a guerra já declarada?
- Você tem razão. E como ele está?
- Está bem, ele veio para cá.
- Como assim?
- Ele está na Capital, no esconderijo. - Serena simplesmente disse, mas aquilo fez meu coração saltar. Drew estava na Capital? - Quando você ia me contar que ele se declarou?
- O que?
- Qual foi, ? Você acha que eu sou estúpida?
- Ele disse algo?
- Não, ele também não é estupido. - ela riu. - Mas ele fez perguntas, muitas.
E então eu entendi. Drew perguntou para Serena sobre mim, provavelmente sobre mim e .
- E você respondeu?
Serena me olhou com uma expressão engraçada, era como se ela estivesse em dúvida de qual era a resposta certa. Mas sinceramente, eu não sabia. Será que eu queria que ela tivesse mentido sobre minha relação com ? Para Drew achar que eu estava mais feliz do que estava? Ou para ele achar que estava tudo bem me esquecer? Até que sim. Mas, ao mesmo, tempo eu queria que ela fosse sincera, que Drew entendesse que não se tratava de amor. Esse luxo não me pertencia. Se tratava de acordo, política, paz e guerra. Só que o que ele faria quando soubesse da guerra? Seria capaz de arriscar a vida novamente?
- É claro que respondeu. - Aurora, que parecia completamente por dentro do ocorrido, comentou.
- Ele sabe sobre a guerra. - Serena concordou. - E o príncipe sabe que ele está no abrigo. Drew está ajudando, estamos tentando entender melhor como funcionam as estratégias deles. - Serena foi prática. - Mas não contei para o príncipe sobre os sentimentos de Drew.
- Eu contei.
- Você o quê? - a reação das três foi exatamente a mesma.
- Eu contei, sem detalhes, que Drew gostava de mim.
- Gosta. - Serena corrigiu. - Ele ainda gosta.
- Eu não creio que você fez isso, . - Aurora era a mais surpresa.
- O que disse? - Anne perguntou.
- Nada, na verdade. - dei de ombros. - Assim como não disse nada sobre o anel dos sulistas.
- Anel? - essa nem Anne sabia.
Não posso afirmar que foram as taças de vinho, mas, de repente, Serena estava menos preocupada com a segurança de Aurora e Anne, por isso, me deixou contar tudo a elas. Resolvi ser o mais sincera que pude, detalhando meu encontro com os sulistas desde o dia em que fui levada para um dos quartos da criadagem por causa de uma carta que não era nem minha. Ainda, tive que responder muitas perguntas sobre meus dias com o príncipe, o que fez Anne, que sabia da opinião de sobre quase tudo, rir várias vezes. Mas aquela garota era um túmulo e não falou nada do príncipe para nós.
Capítulo 24 - O Último Encontro Nortista
- Mas é claro, Alteza. - respondi para , que me olhava curioso, com a empolgação que as outras Selecionadas esperavam de mim. Não que fosse falsa, digo, a empolgação, eu estava contente pelo convite do príncipe para dar uma volta pelo jardim, mas estava surpresa por ele ter feito o convite enquanto todas estavam olhando, aquilo era raro. Muito raro.
- Fico feliz. - ele disse cordial. - Então vamos? - se aproximou, me oferecendo o braço para caminharmos em direção ao jardim. Eu conseguia sentir os olhos de todas as Selecionadas restantes sobre nós. Afinal, tínhamos acabado de sair do café da manhã, que ocorreu sem nenhum membro da família real, e eu estava sendo chamada para um encontro com o príncipe. Suspirei.
- Você está bem? Aconteceu algo? - perguntei assim que saímos das paredes do castelo.
- Estou. Por que a pergunta? - o príncipe não parecia ter percebido sua atitude.
- Você me convidou na frente de todas as garotas, você nunca faz isso.
- Sempre tem uma primeira vez, não é? - ele riu.
- , é sério! Elas vão me odiar. Você viu como foi quando chegamos juntos da última vez?
- … - de repente ele parou de andar, soltando meu braço e encarando-me como se pedisse total atenção. - Você só foi chamada para uma caminhada no jardim, que é o que você sempre diz para as garotas que fazemos. Isso não significa nada.
Respirei fundo.
- Significa, ainda mais se você vai me deixar aqui com a Samantha. - resmunguei.
- Certo. - parecia impaciente. - Se for lhe fazer se sentir melhor, posso convidar uma delas para um passeio na frente das outras, como fiz com você.
- Isso seria perfeito.
Vi o príncipe erguer as sobrancelhas surpreso. Talvez ele não estivesse esperando aquela resposta, mas o que eu podia fazer? Considerando os sulistas e a guerra, o mínimo que podia fazer era deixar a minha relação com as Selecionadas mais fácil.
- Tudo bem então, se é isso que você quer. - então voltou a caminhar, o que me fez segui-lo em silêncio, lado a lado, até que ele resolvesse falar algo. - Fui aos seus aposentos ontem, mas você não estava.
- Ah sim. Fui jantar no quarto de Aurora com Serena e Anne. - falei, tentando decifrar por qual motivo estava estranho, distante. Ele estava realmente irritado por eu ter lhe dado a ideia de um encontro com outra Selecionada? Ele não estava fazendo isso pelas aparências de qualquer maneira? Por que quando ele fazia por vontade própria eu tinha que aceitar, mas quando era para facilitar minha vida eu devia achar um problema? - Mas o que você queria comigo?
- Conversar. Companhia. - ele deu de ombros. - Não conseguimos falar direito depois da sua cirurgia e nem depois do ensaio para o Juramento à Bandeira. Quero saber como você está...
- Desculpe por não estar no meu quarto. - falei, sorrindo fraco.
- Não se preocupe, você se divertiu?
- Muito, na realidade. Serena, Aurora e Anne são boas amigas. - falei, gostando da frase assim que a escutei sair da minha boca. - Por isso que aceitei quando Serena me pediu para ser minha dama de companhia.
- É sério? Ela pediu?
- Sim. Algum problema?
- Não, claro que não. Você pode escolher quem quiser, desde que não seja ninguém, sei lá, criminosa. - ele riu da ideia, afinal, talvez, no fundo, Serena fosse uma criminosa. - Só não pensei que Serena quisesse uma vida no castelo.
- Não acho que ela queira. - aquilo surpreendeu . - Ela quer os dois. Quer passar um tempo aqui e um tempo com os nortistas, pelo que eu entendi. Mas achei bom, pode ser útil para você quando quiser acabar com as castas.
- Mas não seria prejudicial ter alguém que não fique com você sempre?
- Acho que não. Tenho Elise, Meri e Cleo que moram aqui. Eu as convidei para serem minhas damas. - comentei de forma casual, tentando não demonstrar meu nervosismo com a reação do príncipe.
- Suas criadas?
- Sim.
pareceu pensar, estranhando a escolha, mas então sorriu.
- Apesar de você ter feito isso puramente pela amizade, acho que foi uma escolha inteligente. Elas moram aqui há anos, conhecem o castelo e as pessoas que nos visitam.
- Você está errado. - eu disse, fazendo me olhar surpreso. - Não foi só pela amizade, eu quero torná-las nobres. - dei de ombros, o que fez o príncipe rir.
- Certo, você tem razão. Isso é algo bom também.
- Mas e você? O que fez ontem?
- Como?
- Quando percebeu que eu não estava no quarto.
- Eu... - ele engoliu em seco. - Fui ver Samantha.
- Ah. Faz sentido. - eu não podia achar ruim, certo? Claro que entre todas as opções que ele tinha eu gostaria que ele não tivesse ido atrás de Samantha. Mas ao mesmo tempo eu sabia que era seu dever, afinal ele estava fazendo aquilo para disfarçar, para mostrar que a Seleção ainda existia. Além disso, mesmo que não fosse seu dever, era seu direito. não gostava de mim e eu não gostava dele, logo não tínhamos nenhuma obrigação um com o outro. - E onde você a levou?
- É sério que você quer saber? - o príncipe pareceu confuso.
- Sim, por que não gostaria? - perguntei da forma mais indiferente que pude, o que deixou um pouco incomodado.
- Ficamos no quarto dela. - ele respondeu, seu tom, não sabia explicar, deixava algo a mais no ar.
- Espero que tenha se divertido.
- Pode apostar que sim. - ele disse.
Fiquei em silêncio, não tinha como responder aquilo, não é? O que eu faria? As únicas opções que eu tinha eram a de reclamar ou a de fingir que estava tudo bem, mas eu não estava disposta a fazer nenhuma das duas.
Com toda certeza eu não iria reclamar, era um homem solteiro que podia fazer o que bem quisesse, literalmente. Inclusive porque eu tinha certeza de que a lei de pureza não era exatamente rígida para os homens, ainda mais da realeza… Só me perguntava se ele faria isso com Samantha sendo que praticamente estava de casamento marcado com outra pessoa… Eu esperava que não. Na verdade, olhando para quieto ao meu lado, eu tinha quase certeza de que ele não seria capaz de enganar Samantha a esse ponto, acabar com a reputação dela, sabendo que não se casaria com ela, era demais. Ele estava apenas tentando me fazer imaginar coisas.
Mas eu também não iria fingir que estava tudo bem, apesar de não querer dar uma de ciumenta sobre algo que não era meu, mesmo que em teoria um dia fosse ser, eu não iria dar brecha para ele achar que podia sair por aí fazendo tudo o que quisesse. Eu realmente esperava que não fosse o tipo de homem que traía a esposa.
- ?
- Sim?
- Eu posso lhe fazer uma pergunta um pouco íntima?
- Íntima? - ele ergueu uma das sobrancelhas.
- Se não quiser responder, tudo bem. Quero dizer, não responder meio que será uma resposta. Eu só quero que não minta para mim, se possível.
- Qual é a pergunta?
- Quando nos casarmos, considerando que isso vá mesmo acontecer, você pretende... - respirei fundo, sabendo o quanto aquilo ia soar ridículo - Ter outras mulheres?
- Como?
- Você me entendeu, . Quero saber se você vai deixar as outras pessoas saberem sobre a verdade do nosso casamento.
O príncipe parou, passou a mão nos cabelos e me olhou.
- , vou lhe responder isso da forma mais delicada que posso, porque eu sei que você está com medo de ser considerada, digamos, uma rainha que é traída pelo rei. Mas você precisa entender que eu preciso de herdeiros, herdeiros legítimos. Não precisamos apressar as coisas, mas vamos nos casar. - ele me olhava de forma serena, mas firme. Ali eu conseguia ver que seria um rei incrível. - Eu jamais trairia minha mulher, seja quem fosse. E eu espero o mesmo de você. A Seleção é algo fora do casamento, é apenas para conhecer garotas. O casamento é uma história completamente diferente.
- Eu… Eu fico feliz. - falei, sentindo-me envergonhada. - Me desculpe por perguntar, mas eu precisava me preparar psicologicamente se você fosse ter uma, ou várias, amantes.
riu. Sério, ele gargalhou de verdade.
- O que foi?
- É até um pouco ofensivo você pensar isso de mim, na realidade. Mas a sua cara com a ideia foi hilária.
- Ah, me desculpe. Mas não é como se eu fosse achar uma ideia legal. Ninguém sonha em ser traída.
- Acho que você tem razão. Quero que saiba, , que eu não fiz e não pretendo fazer nada com nenhuma das garotas daqui. Não depois daquela noite com Serena, quando oficializamos tudo.
***
- Obrigada por me trazer. - sorri para enquanto ele me deixava no meu quarto. - Peço desculpas por interromper nossa conversa.
- Não se preocupe. No fim, foi uma conversa interessante. - ele riu. - Valeu a pena.
- Você nunca vai esquecer isso, não é?
- Provavelmente não. - ele sorriu bobo, estava evidente que ele zombava de mim.
- Tudo bem. Até o almoço, Alteza. - fiz uma reverência e abri a porta do quarto.
- Senhorita! Que bom que voltou, estávamos quase pedindo para um guarda chamá-la, a senhora Lemma deve chegar logo.
Elise estava certa, mal tive tempo de explicar que estava com o príncipe quando escutamos a batida na porta. Elise abriu e Susane entrou sorridente.
- Bom dia! Como estão?
- Estamos ótimas. - eu respondi, vendo as garotas sorridentes.
- Que bom, pois temos muito o que decidir hoje.
E tínhamos mesmo, com o Juramento à Bandeira marcado para dali há oito dias, as meninas tinham muito o que fazer. Eu sabia que elas já haviam começado a fazer o forro do vestido, restando para eu decidir as cores e principais detalhes. A senhora Lemma colocou sua habitual maleta em cima da minha mesa e logo minhas criadas nos serviam chá.
- Então, eu na realidade já tenho um vestido em mente. - a mulher disse, tirando vários papéis, desenhos e recortes de sua maleta e distribuindo sobre a mesa. - Acho que precisamos manter o azul. É sua cor, as pessoas gostam e lhe atribuem a ela - Susane falava empolgada, organizando os croquis coloridos em cima da mesa. - Mas pensei em um tom um pouco diferente para esse dia, temos que inovar, tornar especial.... - e então Susane pegou um pequeno recorte de tecido.
A cor era realmente linda, um tule azul escuro quase como o céu da noite. O toque macio, misturado com a leveza do tecido, deixava uma sensação gostosa nos dedos. Susane tinha razão, eu gostava bastante de usar azul, combinava comigo, mas eu jamais havia usado um azul como aquele. Ele era mais escuro que o azul do país, era mais sério e até mais nobre.
- É incrível. - comentei, ainda sentindo o tecido entre os dedos.
- Que bom que gostou!
E então as quatro mulheres começaram a criar o vestido em um grande papel. Dava para ver que os desenhos que a senhora Lemma tinha na maleta não eram seus. Apesar da mulher ter um ótimo gosto, não era tão jeitosa na hora de transferi-lo para o papel. Mesmo assim, com ajuda de Elise e alguns lápis de cor, o vestido estava finalmente desenhado. E era incrível.
- Vocês têm certeza? - perguntei, analisando a fenda que subia um pouco acima do meu joelho, de acordo com a figura.
- Sim, vai ser divino. Você vai se destacar e é novidade. - Susane estava muito confiante. - Acho que mostrará que você está lá para vencer.
Olhei de soslaio para meu trio de amigas, mas eu sabia que elas não haviam dito nada para Susane, a mulher estava apenas muito confiante e empolgada.
- Tudo bem então. - me rendi. - Vou confiar em vocês.
Depois de oficializado o vestido, Susane resolveu me atualizar, pois descobriu que eu não havia lido nenhuma matéria sobre mim ou sobre qualquer parte da Seleção até então. Após o choque, a mais velha conseguiu citar todos os artigos, comentários relevantes, fotos marcantes, fofocas e especulações sobre mim. Eu estava realmente batendo recordes e as pessoas só falavam sobre isso.
O que me deixava um pouco mais aliviada, é que algumas pessoas achavam que não me escolheria, já que eu estava fazendo sucesso há um tempo e ele não havia oficializado nada. Mas era tudo especulação. De acordo com Susane, Aurora também estava sendo muito comentada, mas nem a namorada do príncipe conseguia ser mais interessante que a Selecionada com números exorbitantes.
- O príncipe está fazendo muito bem ao manter os repórteres longe. - a senhora Lemma me surpreendeu um pouco com aquilo, havia repórteres querendo falar comigo? - Eles lhe acham misteriosa, é bom para a audiência. Acho que sua mãe foi a única a falar um pouco sobre você.
- O quê?
- Sim, você também não sabia? Ela respondeu algumas perguntas. - minha cara de espanto deve ter preocupado a senhora Lemma. - Não se preocupe, querida, ela foi muito bem. Não disse nada demais e só a elogiou, disse que você era uma filha incrível que a enchia de orgulho.
Engoli em seco, chocada. Será que a minha mãe estava tão feliz com os números que havia esquecido das nossas brigas? Ou do fato de eu ter dito para ela, mais de uma vez, que eu não queria ir para a Seleção? Ou talvez ela estivesse feliz por finalmente ter tudo o que sempre quis.
- Que bom. - falei, percebendo que a senhora Lemma esperava uma resposta.
- A senhorita realmente não se importa muito com seu sucesso, não é?
- Não muito. - sorri, sem graça. - Quem escolhe é o príncipe, não é?
- Claro que sim. Mas pelos rumores do castelo e até da rainha, você está ganhando nesse quesito também. - Susane deu um sorriso cúmplice, que me fez engasgar.
- Desculpe. - tomei um gole de água, do copo que me foi oferecido por Cleo.
- Você realmente ficou tão chocada assim? Achei que você e o príncipe se davam bem.
- Nós nos damos. Somos amigos, na verdade. Só não achei que a rainha falasse de mim por aí.
- Querida, eu sou dama de companhia da rainha. Ela fala de tudo comigo. Ela não estava falando de você “por ai”, entende?
E então as coisas fizeram sentido. Eu nunca havia visto todas as damas de companhia da rainha, afinal sempre que eu a via ela estava em casa, tranquila, de folga, por assim dizer. E na única vez que vi a rainha acompanhada por várias mulheres, Susane estava lá.
- Então você vai ficar aqui pelos próximos dias?
- Sim, teremos visitas. É meu dever estar aqui para ajudar a rainha em tudo. - sorri, sentindo-me agradecida.
Então percebi que eu prestava pouca atenção no que acontecia à minha volta e talvez precisasse mesmo mudar isso. Eu não sabia o que o público pensava de mim, não sabia o que minha mãe havia dito sobre mim, não sabia quem eram as damas de companhia da rainha, ou as criadas de . Não havia me ligado que Mariee era uma assessora ou que Susane era mais que apenas uma auxiliar de apresentações. Demorei para identificar as castas das minhas amigas... Era incrível como eu gostava de política, mas não ligava para o que estava acontecendo ao meu redor. De repente comecei a me sentir completamente perdida.
- Então será que você pode me ajudar?
***
Susane podia. Cerca de trinta minutos depois que a mesma saiu do meu quarto, deixando para meu trio de criadas a difícil tarefa de criar meu vestido em menos de oito dias, ela conseguiu reunir todas as revistas e jornais relevantes dos últimos dias. Preciso admitir que a pilha era grande, já que diversas revistas gastaram algumas páginas para a Seleção. Mas eu estava feliz por ter todas ali para eu finalmente estudá-las.
As revistas mais antigas eu já havia visto, como aquela que tentava criar digitalmente os herdeiros do país, mas mais da metade era novidade para mim. O que me fez ler uma a uma com calma e atenção, muito mais do que eu já havia dado para qualquer revista na vida. Susane tinha comentado sobre a maioria dos artigos que li, mas vê-los na íntegra era outra coisa.
Descobri mais sobre Lauren, Samantha e Natalie lendo aquelas revistas do que nesse tempo todo conversando com elas no castelo, o que era realmente engraçado. Li muito sobre também, mas apenas coisas ou gostos superficiais, alguns, dos quais, eu até já sabia. O que realmente chamou minha atenção, e era impossível de ignorar, foi a quantidade de vezes que meu nome aparecia ali, quantas coisas as pessoas falavam sobre mim, minha Província, meus gostos e desgostos. Fotos antigas, em festas que fui com minha família, fotos da minha mãe, de mim com e até uma minha mais nova, o que me dava a certeza de que minha mãe havia ajudado os jornalistas. Era como se eu já fosse um pouco famosa. Engoli em seco. Como seria quando eu realmente fosse parte da realeza?
Continuei atolada naquelas revistas até a hora do almoço, que havia sido transferido para mais tarde naquele dia, ajeitando apenas o penteado para sair. Coincidentemente encontrei com Aurora no corredor e caminhamos juntas até o Salão de Refeições, descobri, com as informações privilegiadas da namorada de , que os primeiros convidados chegariam em dois dias, o que me deixava ansiosa para tudo o que tinha por vir.
Encontramos o salão praticamente vazio, apenas Natalie estava lá sentada à espera dos acompanhantes para o almoço, mas em menos de cinco minutos todos estavam sentados à mesa servindo-se da maravilhosa comida do castelo. O almoço foi tranquilo e o rei e a rainha até conversaram um pouco conosco, o que era incomum, mas ao mesmo tempo fazia sentido, afinal sem Serena éramos ainda menos pessoas na refeição.
- Com licença. - o príncipe se levantou, todos já havíamos terminado de comer, mas ainda conversávamos. - Preciso me retirar, mas antes de ir: senhorita Samantha, gostaria de me encontrar para uma cavalgada daqui há uma hora?
- Claro, Alteza. Seria um prazer. - o sorriso de Samantha era inegável.
Eu consegui ver os olhos de algumas pessoas em mim, mais precisamente de Aurora, Anne e da rainha. Natalie e Lauren estavam mais ocupadas em encarar Samantha, enquanto os homens olhavam para que já estava de pé.
- Perfeito. Buscarei a senhorita em seu dormitório. - e então ele saiu.
Suspirei. O mais discretamente que pude, mas não consegui segurar o ar que havia trancado. estava mesmo chamando outra Selecionada na frente de todos, mas novamente era Samantha e ele escolheu cavalgar com ela, que era muito mais do que apenas uma volta no jardim. Será que estava fazendo de propósito? Ou ele só gostava mais da companhia de Samantha do que da minha, afinal?
Não importava. Passei delicadamente a mão pela minha saia, querendo ajeitar algo que já estava bom, e ergui o queixo. Se se apaixonasse por Samantha, eu faria uma cirurgia para retirar o rastreador de mim e seguiria minha vida, me casaria com um nobre qualquer, que podia ser gentil também e seria tão feliz quanto. Não podia reclamar, não é?
- Obrigada pelo almoço, senhoritas. - a rainha ficou de pé, sua postura exemplar era impossível de se ignorar. - Gostaria de lhes dar um aviso.
Todas nós encaramos a rainha curiosas, enquanto e o rei pediam licença.
- Pelas anotações da nossa querida Mariee, os ensinamentos de vocês estão completos. Claro que alguns detalhes sempre faltam e uma princesa tem muito mais o que aprender, entretanto estou muito satisfeita com o que vi nos papéis até então. - ela fez uma pausa, mostrando-se um sorriso sincero. - Com nossos convidados quase chegando, temo ter muito o que fazer, então aproveitem os próximos dias para ajudar umas às outras e descansar, pois teremos dias agitados pela frente. O Salão das Mulheres estará disponível para vocês, fiquem a vontade para usá-lo. Boa tarde, senhoritas.
E então a rainha saiu, enquanto todas nós a reverenciamos respeitosamente.
- Bem, o almoço estava ótimo meninas. Mas preciso me arrumar para cavalgar, com licença. - Samantha falou assim que a porta se fechou atrás da rainha. Seu tom foi realmente uma surpresa. Samantha era uma mulher tímida, discreta, talvez até cautelosa… Algo que não combinava muito com aquela cena de exibicionismo.
- Cuidado para não cair do cavalo. - Lauren soltou baixo, tão baixo que Samantha fingiu não ouvir.
- Tenham uma boa tarde, senhoritas. - e então ela saiu pela porta, com uma pose que nunca vi antes.
- Nossa! Parece outra pessoa. - Natalie comentou, rindo.
Eu concordava plenamente com ela, por isso sorri quando ela me olhou, antes de sair do salão. Lauren fez o mesmo quase que imediatamente depois, me deixando a sós com Aurora e Anne.
- O que será que aconteceu? - Aurora perguntou. - Digo, ela está fingindo agora ou desde o começo?
- Não sei, mas definitivamente gostava mais dela antes. - Anne soltou.
- Esperamos que seja apenas um lapso devido a emoção de cavalgar com o príncipe. - falei segurando-me para não revirar os olhos.
- Sobre isso… - Aurora me olhava atenta e até um pouco chateada por mim. - Vocês não foram cavalgar há dois dias?
- Fomos. - dei de ombros. - Mas eu pedi para convidar alguém na frente de todo mundo…
- Você o quê? - Anne perguntou chocada.
Apesar de aprender nossa língua nos últimos dias, Anne parecia entender muito mais sobre os homens do nosso país do que eu. Na realidade, caminhando com ela e Aurora pelo jardim, aproveitando o sol da tarde para conversar, percebi que Anne sabia muito mais, inclusive, sobre .
Aurora, que evitava dar muita opinião sobre o príncipe em si, concordava com a francesa diversas vezes.
- Você tem certeza? - perguntei, sentando-me entre elas em um dos bancos do jardim.
- Mas é claro! - Anne deixava seu sotaque incrivelmente à mostra quando estava exaltada - O príncipe está tentando conquistá-la, , criar laços ou sei lá como você queira chamar. Ele lhe escolheu na nossa frente como um elogio a você… E você pede para ele chamar outra pessoa?
- Elogio? Eu tenho certeza absoluta de que no instante que eu saí com , as meninas falaram algo para vocês. E não foi bom.
- Ela tem um pouco de razão. - Aurora comentou para Anne, que revirou os olhos.
- Mas é claro que Lauren ia comentar algo… Só que você vai ganhar, . Você se lembra, não é?
- Lembro, claro que eu lembro. - suspirei. - Talvez eu realmente tivesse que ter sido mais gentil com , mas mesmo assim… Ele precisava chamar a Samantha para cavalgar? Por que não chamou você?
- Ele fez isso para provocá-la. - Aurora comentou, falando antes que Anne pudesse dizer algo. Eu sabia que jamais chamaria a namorada do irmão, mas ficaria bem feliz se chamasse sua amiga.
- O que me parece bem infantil. - resmunguei.
- Mas surtiu efeito. - Anne provocou.
- Eu… - eu ia negar, afinal eu não ligava para quem levasse para passear, ele era um homem solteiro, afinal. - Eu perguntei se ele teria amantes quando nos casássemos.
- Você perguntou? - o choque de Aurora só me lembrou o quanto aquela pergunta foi vergonhosa.
- E o que ele disse? - Anne parecia menos chocada com a pergunta do que a loira, me fazendo notar que ela talvez tivesse pensado no assunto tanto quanto eu.
- Disse que não. Ele inclusive disse que depois que selamos nosso acordo com Serena ele não fez e não pretendia fazer qualquer coisa com qualquer Selecionada.
- Inclusive você? - Aurora ergueu uma sobrancelha.
- Obviamente. Quero dizer… - senti minhas bochechas ficarem levemente vermelhas. - Eu não posso beijar sem gostar dele.
- Não?
- Não, isso seria indicar que teríamos um romance. Eu não quero ter um romance com alguém que eu não goste.
- Mas você gosta dele. - Anne afirmou.
- Sim. Mas não para me casar com ele!
- Mas você vai se casar com ele. - Aurora disse rindo. O que causou risadas em mim e Anne.
- Eu sei. Mas vocês me entenderam. - suspirei. - Nosso acordo é político e não amoroso. Sinto que se eu der essa liberdade ao príncipe, não sei… Não quero que ele pense que eu gosto dele mais do que eu realmente gosto...
- Acho que você está errada. - Aurora foi categórica. - Acho que você precisa gostar dele mais do que você gosta atualmente… Além disso, um beijo não mata ninguém. Talvez seja assim que vocês comecem a se ver de outra maneira…
- Aurora tem um pouco de razão, . está tentando se aproximar, não está? Ele está sendo legal, lhe dando presentes, passando um tempo com você… Não acho que você precise beijá-lo se não quiser, - vi ela olhar para Aurora nesse momento, o que nos fez dar uma leve risada. - mas não precisa afastá-lo quando ele faz algo para lhe priorizar.
Olhei para Anne por um instante, pensando no que aquilo significava. Eu me casaria com . E quando ele me escolhesse, as outras meninas da Seleção provavelmente ficariam infelizes comigo. Eu realmente não queria deixar as coisas mais complicadas no castelo, principalmente quando a família real sumisse pelo país em uma guerra, mas ao mesmo tempo não queria afastar quando ele era literalmente meu futuro.
- Talvez você tenha razão.
- Talvez? - Anne ergueu uma sobrancelha, brincando.
- Sim, talvez. Acho que eu posso me desculpar com o príncipe por tê-lo afastado um pouco.
***
Ficamos no jardim a tarde inteira, basicamente. Voltamos para o Salão das Mulheres apenas quase na hora do jantar, quando descobrimos que a janta seria ali mesmo. O que foi uma ideia excelente, pois logo estávamos todas nós sentadas em frente a TV com suas respectivas fatias de pizza vendo um filme.
- É um presente da rainha. - uma mulher nos contou, a qual eu supus ser uma das damas de companhia da mesma. - Para aproveitarem um tempo juntas.
A rainha tinha muita consciência de como divertir mulheres, pois todas nós estávamos entretidas no filme, literalmente apreciando a presença uma da outra. Entretanto, foi impossível não notar a falta de Samantha.
- ? - Serena sentou-se ao meu lado, cochichando em meu ouvido. - Podemos conversar?
A rebelde havia passado o dia todo fora, o que me fez ficar preocupada com sua repentina aparição. E foi exclusivamente porque podia ser algo sério que aceitei me afastar da tv e perder parte do filme para conversar com ela mais próxima da janela.
- Tudo bem? - perguntei assim que achei seguro.
- Sim, desculpe se a assustei. - respirei aliviada. - Só queria avisá-la que organizamos uma visita ao esconderijo amanhã.
- Como?
- Os sulistas precisam achar que você está se comunicando conosco. Então amanhã você irá de caminhão até o esconderijo, escolhemos um dia diferente para chamar mais atenção. concordou.
- Eu… - respirei fundo, irritada. - Claro, tudo bem.
- Algum problema?
- Não. Tudo bem. Algo mais?
- Não. - Serena obviamente não acreditava em mim, mas sinceramente eu não ligava. Estava irritada de verdade. Ela e haviam marcado algo sem me consultar mais uma vez. Eu realmente não ligava de ir até o esconderijo de novo, apesar de provavelmente me encontrar com Drew. Eu estava de acordo com a estratégia em relação aos sulistas, mas estava cansada de ser apenas informada das coisas. - Só não sei se o príncipe irá encontrá-la ou mandará alguém.
- Sem problemas. Já sei o que fazer. - sorri falsamente. - Obrigada pela informação, Serena. Com licença.
E sem esperar resposta voltei para meu lugar. Percebi Anne e Aurora me encarando, como se buscassem alguma informação minha, mas eu não tinha nada. Eu estava literalmente irritada. , que parecia estar querendo muito me agradar, estava falhando no que eu mais havia pedido, de novo. E Serena, que em teoria era minha amiga, e seria minha dama de companhia, estava achando normal apenas me informar algo, em vez de decidir comigo. Ótimo. Se o objetivo era apenas informar, não teriam qualquer tipo de opinião vinda de mim.
***
Acordei mais cedo, como estava acostumada a fazer em dias como aquele, e fui para o banho. Serena tinha razão, não se deu ao trabalho de aparecer para me levar roupas ou ajudar a sair escondida de seu castelo. Elise foi a responsável por essa parte, chegando de forma pontual no momento em que eu me secava. Eu estava feliz por vê-la, mas novamente o príncipe havia tomado uma decisão sem mim.
- Bom dia, senhorita. Vim lhe ajudar. - ela tinha um sorriso empolgado no rosto, claramente orgulhosa da nova responsabilidade.
- Bom dia! - retribui, obrigando-me a sorrir, afinal não iria cortar a empolgação de minha amiga reclamando. Pelo contrário, eu esperaria pacientemente pelo momento certo, para deixar bem claro para que daquele jeito não demoraria muito para chegar o instante em que ele me informaria algo e eu simplesmente me recusaria a fazer. Ali só tentaria ficar feliz por mais um segredo e função ter sido dado a minha amiga.
Elise me ajudou com maestria, e seguiu comigo até o corredor da cozinha onde encontrei-me com Doroth. As duas se cumprimentaram sorridentes. A mais velha parecia extremamente contente por ser útil mais uma vez, Elise, por sua vez, parecia incentivar a colega de trabalho.
Eu sorria pela empolgação de ambas quando me despedi de Elise, caminhando até o caminhão com Doroth. A cozinha ainda estava relativamente vazia e ninguém sequer olhou para mim. Suspirei aliviada, cumprimentando o mesmo motorista da última vez, o qual já me tratava de forma digna. Logo a paisagem do amanhecer da Capital passava por minha janela enquanto o homem dirigia até o habitual abrigo nortista. Eu estava feliz por pelo menos ali as coisas serem controladas, ou, no mínimo, previsíveis. Eu já conhecia o caminho, o motorista, o porteiro e os nortistas. Sabia tudo, sabia que Serena estaria me esperando assim que chegássemos e tudo ficaria bem. Uma sensação completamente diferente de encontrar os sulistas.
Entretanto, naquela visita em especial havia uma variável nova: Drew. Não sabia como ele agiria ao me encontrar, por isso não consegui evitar o nervosismo ao ver o caminhão estacionando no mesmo lugar de sempre. Respirei fundo algumas vezes antes de descer do automóvel e seguir em direção a porta metalizada.
- Bom dia, senhorita. - o homem alto que sempre me recebia no abrigo abriu a porta antes mesmo de eu bater, exibindo um sorriso gentil.
- Bom dia, senhor. - sorri, tentando não transparecer a surpresa enquanto passava pela porta. Eu estava mesmo no abrigo certo? Aquele homem era o mesmo que havia me insultado antes?
Os homens de sempre esperavam distribuídos pelo longo corredor, mas dessa vez todos me olhavam diferente. Eles pareciam contentes em me ver, era como se de repente eles gostassem de mim, provavelmente eles me consideravam uma dos seus, agora. Caminhei pelo corredor retribuindo os sorrisos ainda sem jeito, ficando em dúvida se aquilo era mesmo real.
- Senhorita . - um deles fez uma discreta reverência enquanto eu passava. Uma reverência. Aquilo sim me surpreendeu, não havia piadas, risadas ou comentários infelizes, apenas silêncio, sorrisos e cumprimentos respeitosos. Era como se o mundo estivesse do avesso.
- O que você fez com eles, Serena? - perguntei já abrindo a porta do seu escritório. - Algum tipo de lavagem cerebral? - falei sem conseguir evitar a risada, fechando a porta de seu escritório atrás de mim. Eu sabia que eles podiam me ouvir, mas o que eu podia fazer? Era a verdade.
- Eu não fiz nada. - ela comentou rindo da brincadeira. Ela estava sentada analisando alguns papéis de sua mesa, mas se levantou para me cumprimentar. - Foi você.
Eu ia negar, explicando que eu também não havia feito nada. Eu sequer havia falado com aquelas pessoas, como poderia ser eu? Mas antes que eu comentasse, a porta abriu atrás de mim.
- Serena, eu… - e então Drew ficou quieto. Ele simplesmente parou de falar, me olhando surpreso com os olhos até um pouco arregalados. - , oi, bom dia. Me desculpem, eu volto depois.
- Não. - Serena interrompeu-o antes que ele pudesse dar mais do que um passo para trás. - Eu preciso terminar de organizar o café da manhã. Por favor, Drew, faça companhia para e depois leve-a para a cozinha. O café da manhã estará pronto em alguns minutos. - e então Serena sorriu para mim, piscando um dos olhos antes de passar pela porta que foi mais aberta por Drew. Deixando-nos sozinhos em seu escritório.
Drew me olhou levemente envergonhado, eu conseguia ver o desconforto em seu rosto e postura, o que ficou ainda mais evidente quando ele bagunçou seus cabelos recém cortados enquanto fechava a porta atrás de si.
- Como você está? - ele perguntou, virando-se para me olhar novamente, entretanto seus olhos pareciam perdidos, confusos e buscando qualquer lugar para olhar que não fossem os meus.
- Estou bem. E você? Está gostando daqui? - eu, ao contrário dele, encarava-o firme. Na última vez que havia visto Drew, ele havia me beijado sem permissão. E quando nos falamos por telefone, o mesmo parecia bem evasivo, mas agora não teria muita opção. Não tinha como fugir de mim.
- Sim. Eu… Obrigado, . Serena me contou sobre a guerra e me contou que você pediu para ela me chamar. Queria agradecer… Não achei que você faria algo depois de…
- Depois de nada. - falei rápido, querendo calá-lo imediatamente. Suspirando depois. - Drew, você não pode falar nada sobre aquele dia. Você poderia ser acusado de traição e ser morto! Eu poderia ser acusada de traição. - apesar do sussurro, tentei soar o mais enfática que pude.
- Eu sei. - ele se aproximou, me fazendo recuar. - Calma. Eu só quero me desculpar, . Você fez tanto por mim. Eu não queria…
- Tudo bem. Eu sei que se arrepende.
- Eu não disse isso.
- Como?
- Eu não me arrependo, . - ele disse sério, arrumando a postura. - Serena me contou sobre sua situação com o príncipe, com os nortistas e eu sei sobre os sulistas… Eu entendi que não podemos ficar juntos, mas isso não significa que eu me arrependo.
- Mas…
- Não há "mas". Se você terá uma vida sem amor dedicada ao país, eu farei exatamente o mesmo, . Eu posso não estar junto com você, mas estarei ao seu lado. Eu vou fazer valer tudo o que você fez por mim. Mas eu jamais vou me arrepender daquele dia.
- Do que você está falando? Você não pode ir para a guerra. Eu fiz isso para proteger você, não para você levar um tiro por causa de um sulista idiota. - retruquei.
Drew riu.
- Você não mudou tanto, afinal.
- É sério?
- Sim. Quero dizer… Você assumiu bem o estilo que sua mãe gostava e parece que no fim vai ganhar a Seleção, mas continua com a mesma personalidade difícil. - apesar de no momento eu estar usando a roupa da criadagem do castelo, eu sabia do que Drew estava falando. Todas as vezes que fui me encontrar com o Chefe estava com minhas roupas de Selecionada, isto é, vestidos longos e rodados, exatamente como minha mãe gostava.
- Eu vou. Quero dizer, eu acho que vou ganhar a Seleção. Eu serei princesa, Drew. - falei de repente, sentindo o peso daquilo. - Eu serei princesa e traidora dos sulistas. Minha mãe… Céus, ela vai ficar feliz, mas… - e então eu comecei a chorar. Simples assim. Chorei como fazia em casa, em cima das árvores, com Drew. Ele era tão real, tão confortável, tão acolhedor. Drew era como um lar para mim. E pelo jeito sua proximidade me fazia chorar, porque apesar de controlar a respiração, as lágrimas escorriam sem permissão pelo meu rosto. O que eu estava fazendo?
- Ei, … - ele disse, de repente me envolvendo em seus braços.
- O que você está fazendo? - falei, já querendo me soltar dele. - Podemos…
- Não podemos nada. Eu estou apenas abraçando minha melhor amiga. Ninguém verá diferente. - ele disse, me mantendo firme ali. Funguei.
O abraço de Drew era quente, reconfortante e realmente amigo. Eu me sentia segura ali, acolhida e bem-vinda. Era diferente do que ser abraçada por . Apesar de ambos terem seus músculos, mesmo os de Drew serem recém adquiridos, a sensação era outra.
- Serena vai desconfiar. Porque você a encheu de perguntas, pelo jeito. - resmunguei, já me sentindo muito melhor. Secando as lágrimas ao me soltar de Drew. Eu não podia fazer aquilo, mesmo que fosse para meu melhor amigo, eu não podia demonstrar o terror que crescia dentro de mim com a ideia de ser uma traidora dos sulistas. Eu tinha que ser firme.
- Eu tinha muitas, . Você não pode me culpar. Você saiu para uma Seleção que não queria participar, odiando tudo que o castelo representava. Depois disso vieram me oferecer a chance de te tirar dali. O que foi meio suspeito, eu percebo agora, mas que me pareceu perfeito no momento.
- Muito suspeito, não é?
- Talvez, . Mas não para mim, não para nós que vivíamos naquela bolha que era nossa Província. Sem perigo. Sem rebeldes. Sem nada. Eu nem sabia que eles existiam. Me desculpe se por um momento vi a oportunidade de salvar tudo o que eu havia perdido. - Drew falava rápido, respirando só quando lhe faltava ar. - Depois da primeira reunião que eu percebi. Comecei a ver que o treinamento era para ter um soldado de verdade. Que eles não queriam salvar ninguém. Quando percebi era tarde demais. E então, do nada, você me tirou dali. Eu tinha planos para fugir, para lhe salvar, para coletar informações, não sei... Por um momento eu cheguei a realmente achar que você queria acabar com a família real. Foi tudo muito confuso. Eu não sabia em que lado estar, só sabia que seria o seu.
- Drew…
- Não. Me deixe explicar. Quando eu estava em casa e você me ligou... Não podíamos falar nada! Eu não sabia quem estava ouvindo e quem não estava. Além disso, eu fiquei muito envergonhado pelo que fiz. Foi errado, . E não por causa de príncipe ou traição, foi errado porque você não queria. Eu sinto muito mesmo por essa parte. E eu queria me desculpar, perguntar o que estava acontecendo de verdade... Eu tinha tantas perguntas. Até que pouco depois um nortista bateu na minha porta. Então sim, eu tinha muitas perguntas para Serena.
- Eu sinto muito. - foi tudo o que eu pude dizer.
- Não foi culpa sua. Nada disso é culpa sua, . Eu espero que aquele príncipe mimado não lhe deixe pensar nem por um segundo que a culpa é sua. Foi Serena, depois ele mesmo, pelo que eu entendi, e então o Chefe. Além de claro, minha participação com chave de ouro para você prometer se casar com aquele homem. - eu sabia que Drew realmente estava arrependido por aquilo.
- Eu estou bem. Nós vamos lidar com uma coisa de cada vez. - comentei. - Eu não vou me casar com ele. Primeiro teremos a guerra, prometeu esconder minha família em uma de suas residências e, se você permitir, podemos colocar a sua também. Depois disso, o Chefe estará morto e mesmo eu sendo uma traidora, nenhuma promessa terá valor, mesmo que eu acabe me casando durante a guerra. E então será rei e teremos o fim das castas. Deixando Serena e os nortistas felizes e então o país estará em paz.
- Você acha mesmo que será simples assim?
- Nada desde que anunciaram meu nome no Jornal Oficial é simples, Drew. Mas eu não consigo me preocupar com problemas futuros sem resolver os atuais.
- Eu entendo, mas não sei se quero um favor da família real.
- Espero mesmo que pense no assunto. Serena me prometeu lhe proteger e eu sei que podemos proteger sua família, é só você permitir. Em alguns dias teremos o Juramento à Bandeira e depois viajará, quando ele voltar eu quero realocar minha família. Você tem até lá para decidir. - falei firme. - Entendeu?
Drew me olhou curioso, eu achei que ele reclamaria do meu tom autoritário, mas não disse nada. Ele apenas assentiu e se dirigiu a porta, abrindo-a para mim.
- Vamos, vou te levar para o café da manhã.
Havia menos pessoas no corredor quando saímos da sala, mas o clima dos poucos que permaneceram de vigia ainda era amigável, as pessoas me olhavam diferente. Curiosas. Impressionadas. O que não foi muito diferente nos corredores seguintes. Percebi que apesar do lugar ser um dos esconderijos nortista, havia muitas pessoas ali. Os corredores que pareciam mais um labirinto de portas e curvas, eram sempre vigiados por um ou mais homens e, além disso, sempre tinha alguém de passagem. Me fazendo perder as contas de quantas pessoas vi até chegarmos na cozinha.
O lugar era simples, limpo e muito maior do que eu imaginava. Ficou claro para mim, naquele momento, que o prédio abandonado que Serena usava como abrigo era muito maior do que eu pensava e que a fachada decadente claramente escondia algo a mais. Era como se fosse um mini refeitório de escola, com direito a fila no buffet e três grandes mesas lado a lado, repletas de cadeiras de diferentes modelos.
Algumas pessoas já estavam sentadas quando aparecemos. O que causou uma cena quando as pessoas notaram a minha presença, pois o barulho simplesmente cessou. Assim que me viram, as pessoas simplesmente ficaram em silêncio, pararam de conversar, comer ou se servir no buffet, ficou apenas um silêncio extremo, enquanto os olhos estavam todos sobre mim.
- ! - Serena chamou, me fazendo notar sua presença só naquele instante. A mulher estava sentada na mesa mais longe da entrada, acompanhada de um casal de jovens, que também me olhavam. - Venha se sentar.
Agradeci à rebelde imensamente pelo ato, pois assim que me sentei na cadeira, com Drew ao meu lado, as pessoas voltaram a emitir sons. Provavelmente estavam falando sobre mim, mas até os cochichos eram melhores que o completo silêncio. Respirei fundo.
- , esses são George e Mykela. Responsáveis, respectivamente, por nossas tropas e mantimentos para a guerra.
- Bom dia, é um prazer conhecê-los. - falei sorridente, estendendo a mão por cima da mesa.
- O prazer é nosso, Alteza. - Mykela respondeu, apertando minha mão. George, ao seu lado, cumprimentou-me beijando o dorso da mesma.
- Obrigada, mas eu não sou princesa. - falei sorridente.
- Para nós você já é. - o homem afirmou, arrancando um sorriso de Serena e um remexer involuntário de Drew na cadeira.
***
Eu ainda estava atordoada com aquele café da manhã, enquanto o caminhão passava pelas ruas da Capital, eu só conseguia me lembrar da forma com que fui tratada. Aquelas pessoas realmente acreditavam que eu seria a escolhida. Digo, eu também tinha uma enorme suspeita, mas ali não havia nenhuma dúvida. E mais, as pessoas estavam contentes. Até os guardas me tratavam com respeito e admiração. Eles estavam felizes por me ver, cumprimentar e falar comigo, alguns foram até nossa mesa apenas para me conhecer e agradecer por eu ter me aliado a eles. Eu até conseguia entender os 80% dos votos depois daquilo. Suspirei, tão alheia ao meu redor que só percebi que estávamos de volta ao castelo quando Doroth abriu a porta do caminhão para mim.
- Vamos ter que fazer uma estratégia diferente dessa vez, querida. Temos muitas pessoas na cozinha.
- É sério?
- Sim. Mas não se preocupe, trouxe isso para você. - Doroth colocou o véu que eu já havia usado antes sobre meus cabelos, cobrindo parcialmente meu rosto. - Além disso, se a senhorita não se importar, podemos lhe esconder atrás de um pouco de verduras.
- Eu aceito qualquer coisa. - comentei, rindo junto com Doroth. Eu estava feliz por aquela senhora me tratar de forma normal. Sim, eu era uma Selecionada, mas sim, eu podia carregar verduras até a cozinha. E foi exatamente assim que fizemos. Eu e Doroth seguimos até a cozinha carregando uma cesta de folhas verdes cada. Ambas as cestas, organizadas de forma que me escondesse o máximo possível, o que preciso admitir que não foi tão difícil, afinal o castelo tinha muitas bocas para alimentar.
- Obrigada, Doroth. - sussurrei para a senhora antes de me esquivar e sumir pelos corredores, tirando o véu assim que cheguei ao corredor principal, o qual, diferente da área dos funcionários, permanecia vazio, com as pessoas começando a despertar em seus aposentos.
- Fico feliz. - ele disse cordial. - Então vamos? - se aproximou, me oferecendo o braço para caminharmos em direção ao jardim. Eu conseguia sentir os olhos de todas as Selecionadas restantes sobre nós. Afinal, tínhamos acabado de sair do café da manhã, que ocorreu sem nenhum membro da família real, e eu estava sendo chamada para um encontro com o príncipe. Suspirei.
- Você está bem? Aconteceu algo? - perguntei assim que saímos das paredes do castelo.
- Estou. Por que a pergunta? - o príncipe não parecia ter percebido sua atitude.
- Você me convidou na frente de todas as garotas, você nunca faz isso.
- Sempre tem uma primeira vez, não é? - ele riu.
- , é sério! Elas vão me odiar. Você viu como foi quando chegamos juntos da última vez?
- … - de repente ele parou de andar, soltando meu braço e encarando-me como se pedisse total atenção. - Você só foi chamada para uma caminhada no jardim, que é o que você sempre diz para as garotas que fazemos. Isso não significa nada.
Respirei fundo.
- Significa, ainda mais se você vai me deixar aqui com a Samantha. - resmunguei.
- Certo. - parecia impaciente. - Se for lhe fazer se sentir melhor, posso convidar uma delas para um passeio na frente das outras, como fiz com você.
- Isso seria perfeito.
Vi o príncipe erguer as sobrancelhas surpreso. Talvez ele não estivesse esperando aquela resposta, mas o que eu podia fazer? Considerando os sulistas e a guerra, o mínimo que podia fazer era deixar a minha relação com as Selecionadas mais fácil.
- Tudo bem então, se é isso que você quer. - então voltou a caminhar, o que me fez segui-lo em silêncio, lado a lado, até que ele resolvesse falar algo. - Fui aos seus aposentos ontem, mas você não estava.
- Ah sim. Fui jantar no quarto de Aurora com Serena e Anne. - falei, tentando decifrar por qual motivo estava estranho, distante. Ele estava realmente irritado por eu ter lhe dado a ideia de um encontro com outra Selecionada? Ele não estava fazendo isso pelas aparências de qualquer maneira? Por que quando ele fazia por vontade própria eu tinha que aceitar, mas quando era para facilitar minha vida eu devia achar um problema? - Mas o que você queria comigo?
- Conversar. Companhia. - ele deu de ombros. - Não conseguimos falar direito depois da sua cirurgia e nem depois do ensaio para o Juramento à Bandeira. Quero saber como você está...
- Desculpe por não estar no meu quarto. - falei, sorrindo fraco.
- Não se preocupe, você se divertiu?
- Muito, na realidade. Serena, Aurora e Anne são boas amigas. - falei, gostando da frase assim que a escutei sair da minha boca. - Por isso que aceitei quando Serena me pediu para ser minha dama de companhia.
- É sério? Ela pediu?
- Sim. Algum problema?
- Não, claro que não. Você pode escolher quem quiser, desde que não seja ninguém, sei lá, criminosa. - ele riu da ideia, afinal, talvez, no fundo, Serena fosse uma criminosa. - Só não pensei que Serena quisesse uma vida no castelo.
- Não acho que ela queira. - aquilo surpreendeu . - Ela quer os dois. Quer passar um tempo aqui e um tempo com os nortistas, pelo que eu entendi. Mas achei bom, pode ser útil para você quando quiser acabar com as castas.
- Mas não seria prejudicial ter alguém que não fique com você sempre?
- Acho que não. Tenho Elise, Meri e Cleo que moram aqui. Eu as convidei para serem minhas damas. - comentei de forma casual, tentando não demonstrar meu nervosismo com a reação do príncipe.
- Suas criadas?
- Sim.
pareceu pensar, estranhando a escolha, mas então sorriu.
- Apesar de você ter feito isso puramente pela amizade, acho que foi uma escolha inteligente. Elas moram aqui há anos, conhecem o castelo e as pessoas que nos visitam.
- Você está errado. - eu disse, fazendo me olhar surpreso. - Não foi só pela amizade, eu quero torná-las nobres. - dei de ombros, o que fez o príncipe rir.
- Certo, você tem razão. Isso é algo bom também.
- Mas e você? O que fez ontem?
- Como?
- Quando percebeu que eu não estava no quarto.
- Eu... - ele engoliu em seco. - Fui ver Samantha.
- Ah. Faz sentido. - eu não podia achar ruim, certo? Claro que entre todas as opções que ele tinha eu gostaria que ele não tivesse ido atrás de Samantha. Mas ao mesmo tempo eu sabia que era seu dever, afinal ele estava fazendo aquilo para disfarçar, para mostrar que a Seleção ainda existia. Além disso, mesmo que não fosse seu dever, era seu direito. não gostava de mim e eu não gostava dele, logo não tínhamos nenhuma obrigação um com o outro. - E onde você a levou?
- É sério que você quer saber? - o príncipe pareceu confuso.
- Sim, por que não gostaria? - perguntei da forma mais indiferente que pude, o que deixou um pouco incomodado.
- Ficamos no quarto dela. - ele respondeu, seu tom, não sabia explicar, deixava algo a mais no ar.
- Espero que tenha se divertido.
- Pode apostar que sim. - ele disse.
Fiquei em silêncio, não tinha como responder aquilo, não é? O que eu faria? As únicas opções que eu tinha eram a de reclamar ou a de fingir que estava tudo bem, mas eu não estava disposta a fazer nenhuma das duas.
Com toda certeza eu não iria reclamar, era um homem solteiro que podia fazer o que bem quisesse, literalmente. Inclusive porque eu tinha certeza de que a lei de pureza não era exatamente rígida para os homens, ainda mais da realeza… Só me perguntava se ele faria isso com Samantha sendo que praticamente estava de casamento marcado com outra pessoa… Eu esperava que não. Na verdade, olhando para quieto ao meu lado, eu tinha quase certeza de que ele não seria capaz de enganar Samantha a esse ponto, acabar com a reputação dela, sabendo que não se casaria com ela, era demais. Ele estava apenas tentando me fazer imaginar coisas.
Mas eu também não iria fingir que estava tudo bem, apesar de não querer dar uma de ciumenta sobre algo que não era meu, mesmo que em teoria um dia fosse ser, eu não iria dar brecha para ele achar que podia sair por aí fazendo tudo o que quisesse. Eu realmente esperava que não fosse o tipo de homem que traía a esposa.
- ?
- Sim?
- Eu posso lhe fazer uma pergunta um pouco íntima?
- Íntima? - ele ergueu uma das sobrancelhas.
- Se não quiser responder, tudo bem. Quero dizer, não responder meio que será uma resposta. Eu só quero que não minta para mim, se possível.
- Qual é a pergunta?
- Quando nos casarmos, considerando que isso vá mesmo acontecer, você pretende... - respirei fundo, sabendo o quanto aquilo ia soar ridículo - Ter outras mulheres?
- Como?
- Você me entendeu, . Quero saber se você vai deixar as outras pessoas saberem sobre a verdade do nosso casamento.
O príncipe parou, passou a mão nos cabelos e me olhou.
- , vou lhe responder isso da forma mais delicada que posso, porque eu sei que você está com medo de ser considerada, digamos, uma rainha que é traída pelo rei. Mas você precisa entender que eu preciso de herdeiros, herdeiros legítimos. Não precisamos apressar as coisas, mas vamos nos casar. - ele me olhava de forma serena, mas firme. Ali eu conseguia ver que seria um rei incrível. - Eu jamais trairia minha mulher, seja quem fosse. E eu espero o mesmo de você. A Seleção é algo fora do casamento, é apenas para conhecer garotas. O casamento é uma história completamente diferente.
- Eu… Eu fico feliz. - falei, sentindo-me envergonhada. - Me desculpe por perguntar, mas eu precisava me preparar psicologicamente se você fosse ter uma, ou várias, amantes.
riu. Sério, ele gargalhou de verdade.
- O que foi?
- É até um pouco ofensivo você pensar isso de mim, na realidade. Mas a sua cara com a ideia foi hilária.
- Ah, me desculpe. Mas não é como se eu fosse achar uma ideia legal. Ninguém sonha em ser traída.
- Acho que você tem razão. Quero que saiba, , que eu não fiz e não pretendo fazer nada com nenhuma das garotas daqui. Não depois daquela noite com Serena, quando oficializamos tudo.
- Obrigada por me trazer. - sorri para enquanto ele me deixava no meu quarto. - Peço desculpas por interromper nossa conversa.
- Não se preocupe. No fim, foi uma conversa interessante. - ele riu. - Valeu a pena.
- Você nunca vai esquecer isso, não é?
- Provavelmente não. - ele sorriu bobo, estava evidente que ele zombava de mim.
- Tudo bem. Até o almoço, Alteza. - fiz uma reverência e abri a porta do quarto.
- Senhorita! Que bom que voltou, estávamos quase pedindo para um guarda chamá-la, a senhora Lemma deve chegar logo.
Elise estava certa, mal tive tempo de explicar que estava com o príncipe quando escutamos a batida na porta. Elise abriu e Susane entrou sorridente.
- Bom dia! Como estão?
- Estamos ótimas. - eu respondi, vendo as garotas sorridentes.
- Que bom, pois temos muito o que decidir hoje.
E tínhamos mesmo, com o Juramento à Bandeira marcado para dali há oito dias, as meninas tinham muito o que fazer. Eu sabia que elas já haviam começado a fazer o forro do vestido, restando para eu decidir as cores e principais detalhes. A senhora Lemma colocou sua habitual maleta em cima da minha mesa e logo minhas criadas nos serviam chá.
- Então, eu na realidade já tenho um vestido em mente. - a mulher disse, tirando vários papéis, desenhos e recortes de sua maleta e distribuindo sobre a mesa. - Acho que precisamos manter o azul. É sua cor, as pessoas gostam e lhe atribuem a ela - Susane falava empolgada, organizando os croquis coloridos em cima da mesa. - Mas pensei em um tom um pouco diferente para esse dia, temos que inovar, tornar especial.... - e então Susane pegou um pequeno recorte de tecido.
A cor era realmente linda, um tule azul escuro quase como o céu da noite. O toque macio, misturado com a leveza do tecido, deixava uma sensação gostosa nos dedos. Susane tinha razão, eu gostava bastante de usar azul, combinava comigo, mas eu jamais havia usado um azul como aquele. Ele era mais escuro que o azul do país, era mais sério e até mais nobre.
- É incrível. - comentei, ainda sentindo o tecido entre os dedos.
- Que bom que gostou!
E então as quatro mulheres começaram a criar o vestido em um grande papel. Dava para ver que os desenhos que a senhora Lemma tinha na maleta não eram seus. Apesar da mulher ter um ótimo gosto, não era tão jeitosa na hora de transferi-lo para o papel. Mesmo assim, com ajuda de Elise e alguns lápis de cor, o vestido estava finalmente desenhado. E era incrível.
- Vocês têm certeza? - perguntei, analisando a fenda que subia um pouco acima do meu joelho, de acordo com a figura.
- Sim, vai ser divino. Você vai se destacar e é novidade. - Susane estava muito confiante. - Acho que mostrará que você está lá para vencer.
Olhei de soslaio para meu trio de amigas, mas eu sabia que elas não haviam dito nada para Susane, a mulher estava apenas muito confiante e empolgada.
- Tudo bem então. - me rendi. - Vou confiar em vocês.
Depois de oficializado o vestido, Susane resolveu me atualizar, pois descobriu que eu não havia lido nenhuma matéria sobre mim ou sobre qualquer parte da Seleção até então. Após o choque, a mais velha conseguiu citar todos os artigos, comentários relevantes, fotos marcantes, fofocas e especulações sobre mim. Eu estava realmente batendo recordes e as pessoas só falavam sobre isso.
O que me deixava um pouco mais aliviada, é que algumas pessoas achavam que não me escolheria, já que eu estava fazendo sucesso há um tempo e ele não havia oficializado nada. Mas era tudo especulação. De acordo com Susane, Aurora também estava sendo muito comentada, mas nem a namorada do príncipe conseguia ser mais interessante que a Selecionada com números exorbitantes.
- O príncipe está fazendo muito bem ao manter os repórteres longe. - a senhora Lemma me surpreendeu um pouco com aquilo, havia repórteres querendo falar comigo? - Eles lhe acham misteriosa, é bom para a audiência. Acho que sua mãe foi a única a falar um pouco sobre você.
- O quê?
- Sim, você também não sabia? Ela respondeu algumas perguntas. - minha cara de espanto deve ter preocupado a senhora Lemma. - Não se preocupe, querida, ela foi muito bem. Não disse nada demais e só a elogiou, disse que você era uma filha incrível que a enchia de orgulho.
Engoli em seco, chocada. Será que a minha mãe estava tão feliz com os números que havia esquecido das nossas brigas? Ou do fato de eu ter dito para ela, mais de uma vez, que eu não queria ir para a Seleção? Ou talvez ela estivesse feliz por finalmente ter tudo o que sempre quis.
- Que bom. - falei, percebendo que a senhora Lemma esperava uma resposta.
- A senhorita realmente não se importa muito com seu sucesso, não é?
- Não muito. - sorri, sem graça. - Quem escolhe é o príncipe, não é?
- Claro que sim. Mas pelos rumores do castelo e até da rainha, você está ganhando nesse quesito também. - Susane deu um sorriso cúmplice, que me fez engasgar.
- Desculpe. - tomei um gole de água, do copo que me foi oferecido por Cleo.
- Você realmente ficou tão chocada assim? Achei que você e o príncipe se davam bem.
- Nós nos damos. Somos amigos, na verdade. Só não achei que a rainha falasse de mim por aí.
- Querida, eu sou dama de companhia da rainha. Ela fala de tudo comigo. Ela não estava falando de você “por ai”, entende?
E então as coisas fizeram sentido. Eu nunca havia visto todas as damas de companhia da rainha, afinal sempre que eu a via ela estava em casa, tranquila, de folga, por assim dizer. E na única vez que vi a rainha acompanhada por várias mulheres, Susane estava lá.
- Então você vai ficar aqui pelos próximos dias?
- Sim, teremos visitas. É meu dever estar aqui para ajudar a rainha em tudo. - sorri, sentindo-me agradecida.
Então percebi que eu prestava pouca atenção no que acontecia à minha volta e talvez precisasse mesmo mudar isso. Eu não sabia o que o público pensava de mim, não sabia o que minha mãe havia dito sobre mim, não sabia quem eram as damas de companhia da rainha, ou as criadas de . Não havia me ligado que Mariee era uma assessora ou que Susane era mais que apenas uma auxiliar de apresentações. Demorei para identificar as castas das minhas amigas... Era incrível como eu gostava de política, mas não ligava para o que estava acontecendo ao meu redor. De repente comecei a me sentir completamente perdida.
- Então será que você pode me ajudar?
Susane podia. Cerca de trinta minutos depois que a mesma saiu do meu quarto, deixando para meu trio de criadas a difícil tarefa de criar meu vestido em menos de oito dias, ela conseguiu reunir todas as revistas e jornais relevantes dos últimos dias. Preciso admitir que a pilha era grande, já que diversas revistas gastaram algumas páginas para a Seleção. Mas eu estava feliz por ter todas ali para eu finalmente estudá-las.
As revistas mais antigas eu já havia visto, como aquela que tentava criar digitalmente os herdeiros do país, mas mais da metade era novidade para mim. O que me fez ler uma a uma com calma e atenção, muito mais do que eu já havia dado para qualquer revista na vida. Susane tinha comentado sobre a maioria dos artigos que li, mas vê-los na íntegra era outra coisa.
Descobri mais sobre Lauren, Samantha e Natalie lendo aquelas revistas do que nesse tempo todo conversando com elas no castelo, o que era realmente engraçado. Li muito sobre também, mas apenas coisas ou gostos superficiais, alguns, dos quais, eu até já sabia. O que realmente chamou minha atenção, e era impossível de ignorar, foi a quantidade de vezes que meu nome aparecia ali, quantas coisas as pessoas falavam sobre mim, minha Província, meus gostos e desgostos. Fotos antigas, em festas que fui com minha família, fotos da minha mãe, de mim com e até uma minha mais nova, o que me dava a certeza de que minha mãe havia ajudado os jornalistas. Era como se eu já fosse um pouco famosa. Engoli em seco. Como seria quando eu realmente fosse parte da realeza?
Continuei atolada naquelas revistas até a hora do almoço, que havia sido transferido para mais tarde naquele dia, ajeitando apenas o penteado para sair. Coincidentemente encontrei com Aurora no corredor e caminhamos juntas até o Salão de Refeições, descobri, com as informações privilegiadas da namorada de , que os primeiros convidados chegariam em dois dias, o que me deixava ansiosa para tudo o que tinha por vir.
Encontramos o salão praticamente vazio, apenas Natalie estava lá sentada à espera dos acompanhantes para o almoço, mas em menos de cinco minutos todos estavam sentados à mesa servindo-se da maravilhosa comida do castelo. O almoço foi tranquilo e o rei e a rainha até conversaram um pouco conosco, o que era incomum, mas ao mesmo tempo fazia sentido, afinal sem Serena éramos ainda menos pessoas na refeição.
- Com licença. - o príncipe se levantou, todos já havíamos terminado de comer, mas ainda conversávamos. - Preciso me retirar, mas antes de ir: senhorita Samantha, gostaria de me encontrar para uma cavalgada daqui há uma hora?
- Claro, Alteza. Seria um prazer. - o sorriso de Samantha era inegável.
Eu consegui ver os olhos de algumas pessoas em mim, mais precisamente de Aurora, Anne e da rainha. Natalie e Lauren estavam mais ocupadas em encarar Samantha, enquanto os homens olhavam para que já estava de pé.
- Perfeito. Buscarei a senhorita em seu dormitório. - e então ele saiu.
Suspirei. O mais discretamente que pude, mas não consegui segurar o ar que havia trancado. estava mesmo chamando outra Selecionada na frente de todos, mas novamente era Samantha e ele escolheu cavalgar com ela, que era muito mais do que apenas uma volta no jardim. Será que estava fazendo de propósito? Ou ele só gostava mais da companhia de Samantha do que da minha, afinal?
Não importava. Passei delicadamente a mão pela minha saia, querendo ajeitar algo que já estava bom, e ergui o queixo. Se se apaixonasse por Samantha, eu faria uma cirurgia para retirar o rastreador de mim e seguiria minha vida, me casaria com um nobre qualquer, que podia ser gentil também e seria tão feliz quanto. Não podia reclamar, não é?
- Obrigada pelo almoço, senhoritas. - a rainha ficou de pé, sua postura exemplar era impossível de se ignorar. - Gostaria de lhes dar um aviso.
Todas nós encaramos a rainha curiosas, enquanto e o rei pediam licença.
- Pelas anotações da nossa querida Mariee, os ensinamentos de vocês estão completos. Claro que alguns detalhes sempre faltam e uma princesa tem muito mais o que aprender, entretanto estou muito satisfeita com o que vi nos papéis até então. - ela fez uma pausa, mostrando-se um sorriso sincero. - Com nossos convidados quase chegando, temo ter muito o que fazer, então aproveitem os próximos dias para ajudar umas às outras e descansar, pois teremos dias agitados pela frente. O Salão das Mulheres estará disponível para vocês, fiquem a vontade para usá-lo. Boa tarde, senhoritas.
E então a rainha saiu, enquanto todas nós a reverenciamos respeitosamente.
- Bem, o almoço estava ótimo meninas. Mas preciso me arrumar para cavalgar, com licença. - Samantha falou assim que a porta se fechou atrás da rainha. Seu tom foi realmente uma surpresa. Samantha era uma mulher tímida, discreta, talvez até cautelosa… Algo que não combinava muito com aquela cena de exibicionismo.
- Cuidado para não cair do cavalo. - Lauren soltou baixo, tão baixo que Samantha fingiu não ouvir.
- Tenham uma boa tarde, senhoritas. - e então ela saiu pela porta, com uma pose que nunca vi antes.
- Nossa! Parece outra pessoa. - Natalie comentou, rindo.
Eu concordava plenamente com ela, por isso sorri quando ela me olhou, antes de sair do salão. Lauren fez o mesmo quase que imediatamente depois, me deixando a sós com Aurora e Anne.
- O que será que aconteceu? - Aurora perguntou. - Digo, ela está fingindo agora ou desde o começo?
- Não sei, mas definitivamente gostava mais dela antes. - Anne soltou.
- Esperamos que seja apenas um lapso devido a emoção de cavalgar com o príncipe. - falei segurando-me para não revirar os olhos.
- Sobre isso… - Aurora me olhava atenta e até um pouco chateada por mim. - Vocês não foram cavalgar há dois dias?
- Fomos. - dei de ombros. - Mas eu pedi para convidar alguém na frente de todo mundo…
- Você o quê? - Anne perguntou chocada.
Apesar de aprender nossa língua nos últimos dias, Anne parecia entender muito mais sobre os homens do nosso país do que eu. Na realidade, caminhando com ela e Aurora pelo jardim, aproveitando o sol da tarde para conversar, percebi que Anne sabia muito mais, inclusive, sobre .
Aurora, que evitava dar muita opinião sobre o príncipe em si, concordava com a francesa diversas vezes.
- Você tem certeza? - perguntei, sentando-me entre elas em um dos bancos do jardim.
- Mas é claro! - Anne deixava seu sotaque incrivelmente à mostra quando estava exaltada - O príncipe está tentando conquistá-la, , criar laços ou sei lá como você queira chamar. Ele lhe escolheu na nossa frente como um elogio a você… E você pede para ele chamar outra pessoa?
- Elogio? Eu tenho certeza absoluta de que no instante que eu saí com , as meninas falaram algo para vocês. E não foi bom.
- Ela tem um pouco de razão. - Aurora comentou para Anne, que revirou os olhos.
- Mas é claro que Lauren ia comentar algo… Só que você vai ganhar, . Você se lembra, não é?
- Lembro, claro que eu lembro. - suspirei. - Talvez eu realmente tivesse que ter sido mais gentil com , mas mesmo assim… Ele precisava chamar a Samantha para cavalgar? Por que não chamou você?
- Ele fez isso para provocá-la. - Aurora comentou, falando antes que Anne pudesse dizer algo. Eu sabia que jamais chamaria a namorada do irmão, mas ficaria bem feliz se chamasse sua amiga.
- O que me parece bem infantil. - resmunguei.
- Mas surtiu efeito. - Anne provocou.
- Eu… - eu ia negar, afinal eu não ligava para quem levasse para passear, ele era um homem solteiro, afinal. - Eu perguntei se ele teria amantes quando nos casássemos.
- Você perguntou? - o choque de Aurora só me lembrou o quanto aquela pergunta foi vergonhosa.
- E o que ele disse? - Anne parecia menos chocada com a pergunta do que a loira, me fazendo notar que ela talvez tivesse pensado no assunto tanto quanto eu.
- Disse que não. Ele inclusive disse que depois que selamos nosso acordo com Serena ele não fez e não pretendia fazer qualquer coisa com qualquer Selecionada.
- Inclusive você? - Aurora ergueu uma sobrancelha.
- Obviamente. Quero dizer… - senti minhas bochechas ficarem levemente vermelhas. - Eu não posso beijar sem gostar dele.
- Não?
- Não, isso seria indicar que teríamos um romance. Eu não quero ter um romance com alguém que eu não goste.
- Mas você gosta dele. - Anne afirmou.
- Sim. Mas não para me casar com ele!
- Mas você vai se casar com ele. - Aurora disse rindo. O que causou risadas em mim e Anne.
- Eu sei. Mas vocês me entenderam. - suspirei. - Nosso acordo é político e não amoroso. Sinto que se eu der essa liberdade ao príncipe, não sei… Não quero que ele pense que eu gosto dele mais do que eu realmente gosto...
- Acho que você está errada. - Aurora foi categórica. - Acho que você precisa gostar dele mais do que você gosta atualmente… Além disso, um beijo não mata ninguém. Talvez seja assim que vocês comecem a se ver de outra maneira…
- Aurora tem um pouco de razão, . está tentando se aproximar, não está? Ele está sendo legal, lhe dando presentes, passando um tempo com você… Não acho que você precise beijá-lo se não quiser, - vi ela olhar para Aurora nesse momento, o que nos fez dar uma leve risada. - mas não precisa afastá-lo quando ele faz algo para lhe priorizar.
Olhei para Anne por um instante, pensando no que aquilo significava. Eu me casaria com . E quando ele me escolhesse, as outras meninas da Seleção provavelmente ficariam infelizes comigo. Eu realmente não queria deixar as coisas mais complicadas no castelo, principalmente quando a família real sumisse pelo país em uma guerra, mas ao mesmo tempo não queria afastar quando ele era literalmente meu futuro.
- Talvez você tenha razão.
- Talvez? - Anne ergueu uma sobrancelha, brincando.
- Sim, talvez. Acho que eu posso me desculpar com o príncipe por tê-lo afastado um pouco.
Ficamos no jardim a tarde inteira, basicamente. Voltamos para o Salão das Mulheres apenas quase na hora do jantar, quando descobrimos que a janta seria ali mesmo. O que foi uma ideia excelente, pois logo estávamos todas nós sentadas em frente a TV com suas respectivas fatias de pizza vendo um filme.
- É um presente da rainha. - uma mulher nos contou, a qual eu supus ser uma das damas de companhia da mesma. - Para aproveitarem um tempo juntas.
A rainha tinha muita consciência de como divertir mulheres, pois todas nós estávamos entretidas no filme, literalmente apreciando a presença uma da outra. Entretanto, foi impossível não notar a falta de Samantha.
- ? - Serena sentou-se ao meu lado, cochichando em meu ouvido. - Podemos conversar?
A rebelde havia passado o dia todo fora, o que me fez ficar preocupada com sua repentina aparição. E foi exclusivamente porque podia ser algo sério que aceitei me afastar da tv e perder parte do filme para conversar com ela mais próxima da janela.
- Tudo bem? - perguntei assim que achei seguro.
- Sim, desculpe se a assustei. - respirei aliviada. - Só queria avisá-la que organizamos uma visita ao esconderijo amanhã.
- Como?
- Os sulistas precisam achar que você está se comunicando conosco. Então amanhã você irá de caminhão até o esconderijo, escolhemos um dia diferente para chamar mais atenção. concordou.
- Eu… - respirei fundo, irritada. - Claro, tudo bem.
- Algum problema?
- Não. Tudo bem. Algo mais?
- Não. - Serena obviamente não acreditava em mim, mas sinceramente eu não ligava. Estava irritada de verdade. Ela e haviam marcado algo sem me consultar mais uma vez. Eu realmente não ligava de ir até o esconderijo de novo, apesar de provavelmente me encontrar com Drew. Eu estava de acordo com a estratégia em relação aos sulistas, mas estava cansada de ser apenas informada das coisas. - Só não sei se o príncipe irá encontrá-la ou mandará alguém.
- Sem problemas. Já sei o que fazer. - sorri falsamente. - Obrigada pela informação, Serena. Com licença.
E sem esperar resposta voltei para meu lugar. Percebi Anne e Aurora me encarando, como se buscassem alguma informação minha, mas eu não tinha nada. Eu estava literalmente irritada. , que parecia estar querendo muito me agradar, estava falhando no que eu mais havia pedido, de novo. E Serena, que em teoria era minha amiga, e seria minha dama de companhia, estava achando normal apenas me informar algo, em vez de decidir comigo. Ótimo. Se o objetivo era apenas informar, não teriam qualquer tipo de opinião vinda de mim.
Acordei mais cedo, como estava acostumada a fazer em dias como aquele, e fui para o banho. Serena tinha razão, não se deu ao trabalho de aparecer para me levar roupas ou ajudar a sair escondida de seu castelo. Elise foi a responsável por essa parte, chegando de forma pontual no momento em que eu me secava. Eu estava feliz por vê-la, mas novamente o príncipe havia tomado uma decisão sem mim.
- Bom dia, senhorita. Vim lhe ajudar. - ela tinha um sorriso empolgado no rosto, claramente orgulhosa da nova responsabilidade.
- Bom dia! - retribui, obrigando-me a sorrir, afinal não iria cortar a empolgação de minha amiga reclamando. Pelo contrário, eu esperaria pacientemente pelo momento certo, para deixar bem claro para que daquele jeito não demoraria muito para chegar o instante em que ele me informaria algo e eu simplesmente me recusaria a fazer. Ali só tentaria ficar feliz por mais um segredo e função ter sido dado a minha amiga.
Elise me ajudou com maestria, e seguiu comigo até o corredor da cozinha onde encontrei-me com Doroth. As duas se cumprimentaram sorridentes. A mais velha parecia extremamente contente por ser útil mais uma vez, Elise, por sua vez, parecia incentivar a colega de trabalho.
Eu sorria pela empolgação de ambas quando me despedi de Elise, caminhando até o caminhão com Doroth. A cozinha ainda estava relativamente vazia e ninguém sequer olhou para mim. Suspirei aliviada, cumprimentando o mesmo motorista da última vez, o qual já me tratava de forma digna. Logo a paisagem do amanhecer da Capital passava por minha janela enquanto o homem dirigia até o habitual abrigo nortista. Eu estava feliz por pelo menos ali as coisas serem controladas, ou, no mínimo, previsíveis. Eu já conhecia o caminho, o motorista, o porteiro e os nortistas. Sabia tudo, sabia que Serena estaria me esperando assim que chegássemos e tudo ficaria bem. Uma sensação completamente diferente de encontrar os sulistas.
Entretanto, naquela visita em especial havia uma variável nova: Drew. Não sabia como ele agiria ao me encontrar, por isso não consegui evitar o nervosismo ao ver o caminhão estacionando no mesmo lugar de sempre. Respirei fundo algumas vezes antes de descer do automóvel e seguir em direção a porta metalizada.
- Bom dia, senhorita. - o homem alto que sempre me recebia no abrigo abriu a porta antes mesmo de eu bater, exibindo um sorriso gentil.
- Bom dia, senhor. - sorri, tentando não transparecer a surpresa enquanto passava pela porta. Eu estava mesmo no abrigo certo? Aquele homem era o mesmo que havia me insultado antes?
Os homens de sempre esperavam distribuídos pelo longo corredor, mas dessa vez todos me olhavam diferente. Eles pareciam contentes em me ver, era como se de repente eles gostassem de mim, provavelmente eles me consideravam uma dos seus, agora. Caminhei pelo corredor retribuindo os sorrisos ainda sem jeito, ficando em dúvida se aquilo era mesmo real.
- Senhorita . - um deles fez uma discreta reverência enquanto eu passava. Uma reverência. Aquilo sim me surpreendeu, não havia piadas, risadas ou comentários infelizes, apenas silêncio, sorrisos e cumprimentos respeitosos. Era como se o mundo estivesse do avesso.
- O que você fez com eles, Serena? - perguntei já abrindo a porta do seu escritório. - Algum tipo de lavagem cerebral? - falei sem conseguir evitar a risada, fechando a porta de seu escritório atrás de mim. Eu sabia que eles podiam me ouvir, mas o que eu podia fazer? Era a verdade.
- Eu não fiz nada. - ela comentou rindo da brincadeira. Ela estava sentada analisando alguns papéis de sua mesa, mas se levantou para me cumprimentar. - Foi você.
Eu ia negar, explicando que eu também não havia feito nada. Eu sequer havia falado com aquelas pessoas, como poderia ser eu? Mas antes que eu comentasse, a porta abriu atrás de mim.
- Serena, eu… - e então Drew ficou quieto. Ele simplesmente parou de falar, me olhando surpreso com os olhos até um pouco arregalados. - , oi, bom dia. Me desculpem, eu volto depois.
- Não. - Serena interrompeu-o antes que ele pudesse dar mais do que um passo para trás. - Eu preciso terminar de organizar o café da manhã. Por favor, Drew, faça companhia para e depois leve-a para a cozinha. O café da manhã estará pronto em alguns minutos. - e então Serena sorriu para mim, piscando um dos olhos antes de passar pela porta que foi mais aberta por Drew. Deixando-nos sozinhos em seu escritório.
Drew me olhou levemente envergonhado, eu conseguia ver o desconforto em seu rosto e postura, o que ficou ainda mais evidente quando ele bagunçou seus cabelos recém cortados enquanto fechava a porta atrás de si.
- Como você está? - ele perguntou, virando-se para me olhar novamente, entretanto seus olhos pareciam perdidos, confusos e buscando qualquer lugar para olhar que não fossem os meus.
- Estou bem. E você? Está gostando daqui? - eu, ao contrário dele, encarava-o firme. Na última vez que havia visto Drew, ele havia me beijado sem permissão. E quando nos falamos por telefone, o mesmo parecia bem evasivo, mas agora não teria muita opção. Não tinha como fugir de mim.
- Sim. Eu… Obrigado, . Serena me contou sobre a guerra e me contou que você pediu para ela me chamar. Queria agradecer… Não achei que você faria algo depois de…
- Depois de nada. - falei rápido, querendo calá-lo imediatamente. Suspirando depois. - Drew, você não pode falar nada sobre aquele dia. Você poderia ser acusado de traição e ser morto! Eu poderia ser acusada de traição. - apesar do sussurro, tentei soar o mais enfática que pude.
- Eu sei. - ele se aproximou, me fazendo recuar. - Calma. Eu só quero me desculpar, . Você fez tanto por mim. Eu não queria…
- Tudo bem. Eu sei que se arrepende.
- Eu não disse isso.
- Como?
- Eu não me arrependo, . - ele disse sério, arrumando a postura. - Serena me contou sobre sua situação com o príncipe, com os nortistas e eu sei sobre os sulistas… Eu entendi que não podemos ficar juntos, mas isso não significa que eu me arrependo.
- Mas…
- Não há "mas". Se você terá uma vida sem amor dedicada ao país, eu farei exatamente o mesmo, . Eu posso não estar junto com você, mas estarei ao seu lado. Eu vou fazer valer tudo o que você fez por mim. Mas eu jamais vou me arrepender daquele dia.
- Do que você está falando? Você não pode ir para a guerra. Eu fiz isso para proteger você, não para você levar um tiro por causa de um sulista idiota. - retruquei.
Drew riu.
- Você não mudou tanto, afinal.
- É sério?
- Sim. Quero dizer… Você assumiu bem o estilo que sua mãe gostava e parece que no fim vai ganhar a Seleção, mas continua com a mesma personalidade difícil. - apesar de no momento eu estar usando a roupa da criadagem do castelo, eu sabia do que Drew estava falando. Todas as vezes que fui me encontrar com o Chefe estava com minhas roupas de Selecionada, isto é, vestidos longos e rodados, exatamente como minha mãe gostava.
- Eu vou. Quero dizer, eu acho que vou ganhar a Seleção. Eu serei princesa, Drew. - falei de repente, sentindo o peso daquilo. - Eu serei princesa e traidora dos sulistas. Minha mãe… Céus, ela vai ficar feliz, mas… - e então eu comecei a chorar. Simples assim. Chorei como fazia em casa, em cima das árvores, com Drew. Ele era tão real, tão confortável, tão acolhedor. Drew era como um lar para mim. E pelo jeito sua proximidade me fazia chorar, porque apesar de controlar a respiração, as lágrimas escorriam sem permissão pelo meu rosto. O que eu estava fazendo?
- Ei, … - ele disse, de repente me envolvendo em seus braços.
- O que você está fazendo? - falei, já querendo me soltar dele. - Podemos…
- Não podemos nada. Eu estou apenas abraçando minha melhor amiga. Ninguém verá diferente. - ele disse, me mantendo firme ali. Funguei.
O abraço de Drew era quente, reconfortante e realmente amigo. Eu me sentia segura ali, acolhida e bem-vinda. Era diferente do que ser abraçada por . Apesar de ambos terem seus músculos, mesmo os de Drew serem recém adquiridos, a sensação era outra.
- Serena vai desconfiar. Porque você a encheu de perguntas, pelo jeito. - resmunguei, já me sentindo muito melhor. Secando as lágrimas ao me soltar de Drew. Eu não podia fazer aquilo, mesmo que fosse para meu melhor amigo, eu não podia demonstrar o terror que crescia dentro de mim com a ideia de ser uma traidora dos sulistas. Eu tinha que ser firme.
- Eu tinha muitas, . Você não pode me culpar. Você saiu para uma Seleção que não queria participar, odiando tudo que o castelo representava. Depois disso vieram me oferecer a chance de te tirar dali. O que foi meio suspeito, eu percebo agora, mas que me pareceu perfeito no momento.
- Muito suspeito, não é?
- Talvez, . Mas não para mim, não para nós que vivíamos naquela bolha que era nossa Província. Sem perigo. Sem rebeldes. Sem nada. Eu nem sabia que eles existiam. Me desculpe se por um momento vi a oportunidade de salvar tudo o que eu havia perdido. - Drew falava rápido, respirando só quando lhe faltava ar. - Depois da primeira reunião que eu percebi. Comecei a ver que o treinamento era para ter um soldado de verdade. Que eles não queriam salvar ninguém. Quando percebi era tarde demais. E então, do nada, você me tirou dali. Eu tinha planos para fugir, para lhe salvar, para coletar informações, não sei... Por um momento eu cheguei a realmente achar que você queria acabar com a família real. Foi tudo muito confuso. Eu não sabia em que lado estar, só sabia que seria o seu.
- Drew…
- Não. Me deixe explicar. Quando eu estava em casa e você me ligou... Não podíamos falar nada! Eu não sabia quem estava ouvindo e quem não estava. Além disso, eu fiquei muito envergonhado pelo que fiz. Foi errado, . E não por causa de príncipe ou traição, foi errado porque você não queria. Eu sinto muito mesmo por essa parte. E eu queria me desculpar, perguntar o que estava acontecendo de verdade... Eu tinha tantas perguntas. Até que pouco depois um nortista bateu na minha porta. Então sim, eu tinha muitas perguntas para Serena.
- Eu sinto muito. - foi tudo o que eu pude dizer.
- Não foi culpa sua. Nada disso é culpa sua, . Eu espero que aquele príncipe mimado não lhe deixe pensar nem por um segundo que a culpa é sua. Foi Serena, depois ele mesmo, pelo que eu entendi, e então o Chefe. Além de claro, minha participação com chave de ouro para você prometer se casar com aquele homem. - eu sabia que Drew realmente estava arrependido por aquilo.
- Eu estou bem. Nós vamos lidar com uma coisa de cada vez. - comentei. - Eu não vou me casar com ele. Primeiro teremos a guerra, prometeu esconder minha família em uma de suas residências e, se você permitir, podemos colocar a sua também. Depois disso, o Chefe estará morto e mesmo eu sendo uma traidora, nenhuma promessa terá valor, mesmo que eu acabe me casando durante a guerra. E então será rei e teremos o fim das castas. Deixando Serena e os nortistas felizes e então o país estará em paz.
- Você acha mesmo que será simples assim?
- Nada desde que anunciaram meu nome no Jornal Oficial é simples, Drew. Mas eu não consigo me preocupar com problemas futuros sem resolver os atuais.
- Eu entendo, mas não sei se quero um favor da família real.
- Espero mesmo que pense no assunto. Serena me prometeu lhe proteger e eu sei que podemos proteger sua família, é só você permitir. Em alguns dias teremos o Juramento à Bandeira e depois viajará, quando ele voltar eu quero realocar minha família. Você tem até lá para decidir. - falei firme. - Entendeu?
Drew me olhou curioso, eu achei que ele reclamaria do meu tom autoritário, mas não disse nada. Ele apenas assentiu e se dirigiu a porta, abrindo-a para mim.
- Vamos, vou te levar para o café da manhã.
Havia menos pessoas no corredor quando saímos da sala, mas o clima dos poucos que permaneceram de vigia ainda era amigável, as pessoas me olhavam diferente. Curiosas. Impressionadas. O que não foi muito diferente nos corredores seguintes. Percebi que apesar do lugar ser um dos esconderijos nortista, havia muitas pessoas ali. Os corredores que pareciam mais um labirinto de portas e curvas, eram sempre vigiados por um ou mais homens e, além disso, sempre tinha alguém de passagem. Me fazendo perder as contas de quantas pessoas vi até chegarmos na cozinha.
O lugar era simples, limpo e muito maior do que eu imaginava. Ficou claro para mim, naquele momento, que o prédio abandonado que Serena usava como abrigo era muito maior do que eu pensava e que a fachada decadente claramente escondia algo a mais. Era como se fosse um mini refeitório de escola, com direito a fila no buffet e três grandes mesas lado a lado, repletas de cadeiras de diferentes modelos.
Algumas pessoas já estavam sentadas quando aparecemos. O que causou uma cena quando as pessoas notaram a minha presença, pois o barulho simplesmente cessou. Assim que me viram, as pessoas simplesmente ficaram em silêncio, pararam de conversar, comer ou se servir no buffet, ficou apenas um silêncio extremo, enquanto os olhos estavam todos sobre mim.
- ! - Serena chamou, me fazendo notar sua presença só naquele instante. A mulher estava sentada na mesa mais longe da entrada, acompanhada de um casal de jovens, que também me olhavam. - Venha se sentar.
Agradeci à rebelde imensamente pelo ato, pois assim que me sentei na cadeira, com Drew ao meu lado, as pessoas voltaram a emitir sons. Provavelmente estavam falando sobre mim, mas até os cochichos eram melhores que o completo silêncio. Respirei fundo.
- , esses são George e Mykela. Responsáveis, respectivamente, por nossas tropas e mantimentos para a guerra.
- Bom dia, é um prazer conhecê-los. - falei sorridente, estendendo a mão por cima da mesa.
- O prazer é nosso, Alteza. - Mykela respondeu, apertando minha mão. George, ao seu lado, cumprimentou-me beijando o dorso da mesma.
- Obrigada, mas eu não sou princesa. - falei sorridente.
- Para nós você já é. - o homem afirmou, arrancando um sorriso de Serena e um remexer involuntário de Drew na cadeira.
Eu ainda estava atordoada com aquele café da manhã, enquanto o caminhão passava pelas ruas da Capital, eu só conseguia me lembrar da forma com que fui tratada. Aquelas pessoas realmente acreditavam que eu seria a escolhida. Digo, eu também tinha uma enorme suspeita, mas ali não havia nenhuma dúvida. E mais, as pessoas estavam contentes. Até os guardas me tratavam com respeito e admiração. Eles estavam felizes por me ver, cumprimentar e falar comigo, alguns foram até nossa mesa apenas para me conhecer e agradecer por eu ter me aliado a eles. Eu até conseguia entender os 80% dos votos depois daquilo. Suspirei, tão alheia ao meu redor que só percebi que estávamos de volta ao castelo quando Doroth abriu a porta do caminhão para mim.
- Vamos ter que fazer uma estratégia diferente dessa vez, querida. Temos muitas pessoas na cozinha.
- É sério?
- Sim. Mas não se preocupe, trouxe isso para você. - Doroth colocou o véu que eu já havia usado antes sobre meus cabelos, cobrindo parcialmente meu rosto. - Além disso, se a senhorita não se importar, podemos lhe esconder atrás de um pouco de verduras.
- Eu aceito qualquer coisa. - comentei, rindo junto com Doroth. Eu estava feliz por aquela senhora me tratar de forma normal. Sim, eu era uma Selecionada, mas sim, eu podia carregar verduras até a cozinha. E foi exatamente assim que fizemos. Eu e Doroth seguimos até a cozinha carregando uma cesta de folhas verdes cada. Ambas as cestas, organizadas de forma que me escondesse o máximo possível, o que preciso admitir que não foi tão difícil, afinal o castelo tinha muitas bocas para alimentar.
- Obrigada, Doroth. - sussurrei para a senhora antes de me esquivar e sumir pelos corredores, tirando o véu assim que cheguei ao corredor principal, o qual, diferente da área dos funcionários, permanecia vazio, com as pessoas começando a despertar em seus aposentos.
Continua...
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