– Até o fim da noite, você vai se apaixonar por mim.
Era ridículo o quão presunçoso ele era. A segurança em sua voz ao insinuar que eu cairia em seu encanto me deixava enojada. Suas palavras chegaram até mim como um sopro, devido à proximidade do seu rosto. Pega de surpresa, eu mal pude reagir quando ele adentrou meu espaço pessoal, deixando seu torso tão próximo que era impossível respirar sem sentir seu perfume. E esse mesmo perfume foi o que me impediu de pensar em uma resposta imediata, deixando-me estática enquanto tentava não aceitar que ele de alguma forma era agradável. Houve também um toque suave em meu ombro, coberto apenas pela manga de chifon por conta da temperatura amena do fim da tarde. Sua mão cheia daqueles horríveis dedos de pontas tortas se encaixou sobre o tecido fino, e eu apostava que o calor deixado ali era pela raiva que senti por não conseguir o impedir. Ele ainda se atreveu a piscar, um princípio de sorriso em seus lábios enquanto se afastava.
A frustração tomou conta de mim quando notei que ele já estava longe demais para ouvir qualquer objeção. Tudo havia durado apenas alguns segundos, no entanto, minha mente repetira a cena por tantas vezes seguidas que parecia ter levado uma eternidade. Fechei os olhos e respirei com firmeza, recuperando meu bom senso. Ainda havia um casamento para acontecer, eu não tinha tempo para pensar em Kim Seokjin. Mesmo ele sendo o irmão do noivo.
Alisei a frente do vestido, ajeitando minha postura para voltar à cerimônia prestes a começar. Aquele era um evento pelo qual eu havia me esforçado 110%, e eu não deixaria que qualquer um tentasse estragar isso. Seokjung, o noivo, era um amigo de infância, crescemos na mesma vizinhança em Gwacheon-si, e apesar de ele ser de 90, éramos bastante próximos e apegados. Eu via nele um irmão mais velho, sempre a postos para me ajudar quando eu estava com problemas – o que era constante na minha família, pois éramos somente mamãe e eu. Ainda que os Kim fossem mais abastados, não tratavam os demais como inferiores, o que me fazia realmente me sentir acolhida quando eu era convidada em sua casa. Seokjin, no entanto, preferia fingir não saber que eu existia, trancando-se em seu quarto tão pouco soubesse que eu estava no mesmo recinto. Sua mãe me dizia que ele era tímido, mas eu nunca acreditei. Fosse o caso, ele não seria um idol hoje.
Inclusive, o maior problema para planejar o casamento de Jungie era justamente o fato de ele e Jin serem parentes. A segurança tinha que ser reforçada e o ambiente, isolado. Os fotógrafos oficiais precisaram ser credenciados, e do início ao fim da cerimônia seria reforçado que celulares e câmeras pessoais deveriam ser evitados, não só para não atrapalhar as fotos oficiais com flashes indesejados, mas também para preservar a privacidade do convidado ilustre. Não fosse meu extremo profissionalismo como planejadora, talvez eu repensasse todo aquele empenho para alguém tão... Argh, até me faltava o que dizer.
– Estão todos prontos, ? – passei um rádio para minha assistente, que estava próxima do altar, organizando onde os convidados deveriam se sentar.
– Prontos e aguardando, -unnie – ouvi sua voz com o chiado típico da transmissão, então dei um dos vários tiques da lista que eu segurava em uma prancheta.
– Perfeito. Sinalize aos cantores para começar em vinte segundos.
Eu a vi olhar o relógio e se encaminhar para os tenores à frente dos convidados, enquanto eu acompanhava os familiares e padrinhos na fila de entrada. Trabalhava com há três anos, confiava plenamente em sua capacidade de seguir o planejamento, por isso nos dávamos tão bem como parceiras de trabalho. Eu havia oferecido meu melhor serviço a Seokjung, pois ele merecia nada menos que o mundo. Vê-lo a poucos metros de mim, de terno e gravata, pronto para um dos dias mais marcantes de sua vida, enchia-me de orgulho. Aos meus olhos, ele parecia heroico.
Logo atrás, Jin ria provavelmente de uma de suas piadas toscas, contada à mãe da noiva, e eu revirei os olhos em um instinto natural. Encarei-o até que notasse meu ar de reprovação, e em resposta ele sustentou meu olhar de forma travessa, sorrindo de lado. Eu não queria, mas perdi a batalha no momento que me senti estranha por ser vista daquela forma. Para a minha sorte, a música começou a soar no salão, captando a atenção de todos.
Estendi minha mão em um sinal de “pare”, coordenando os convidados de honra até que eles pudessem prosseguir. Pouco depois, senti meus dedos serem segurados pelas pontas, levando-me a virar e ver Jin beijar rapidamente as costas da minha mão e reerguer sua máscara.
– Ei! – reagi de supetão, recolhendo-me. – Não é hora pra brincadeiras, Seokjin.
– Quem tá brincando?
De novo aquela expressão atrevida. E irritante. Bufei em resposta, apenas sinalizando para que ele se apressasse e sumisse da minha frente. Quantas vezes ele tentaria me atrasar naquela noite? Somente após vê-lo a metros da entrada, voltei-me para Seokjung com entusiasmo.
– Chegou a hora – cochichei para o noivo, dando pequenas palmas de animação. – Pode ir, Jung-oppa.
Ele acenou com a cabeça, sem conseguir conter o sorriso. A senhora Kim parecia nervosa ao seu lado, mas tentava se concentrar nos primeiros passos.
Os padrinhos e as madrinhas entraram depois, sendo guiados cuidadosamente por enquanto a canção de entrada encerrava e dava lugar a Für Elise no piano. Memórias da infância me atingiram imediatamente, de quando caixinhas de música eram populares e eu ganhei uma de natal da minha mãe, com aquela mesma música e uma bailarina rodopiando ao centro. De fato, a futura esposa de Seokjung, Ahreum, parecia uma daquelas bailarinas, com sua pele pálida e o cabelo preso em um coque baixo. Seu vestido, no entanto, era digno de uma princesa; a saia volumosa e muitas camadas de tule e lantejoulas compunham sua imagem. A sutileza do brilho de suas vestes ficava evidente em meio às luzes de velas dispostas em corredor, e a pureza do branco harmonizava com os enormes arranjos do altar.
Pesquei um pequeno lenço que estava no meu bolso, já pronto para esse momento. Por mais que eu trabalhasse há anos no ramo, a entrada da noiva sempre me emocionava. Eram segundos em que absolutamente todas as atenções se voltavam para uma única pessoa, e a felicidade dela era suficiente para se espalhar por todo o ambiente. Especialmente naquela noite, desviei meu olhar alguns segundos antes para o noivo, podendo ver mesmo de longe a emoção brilhando em seus olhos. E por curiosidade, observei mais à esquerda, onde o mestre de cerimônias já se encontrava – era meu trabalho, afinal, checar se tudo estava no lugar certo.
– Boa noite a todos – ele iniciou após Ahreum e Seokjung estarem lado a lado. Aproveitei para ir à frente do auditório pela lateral direita. – Eu sou Kim Seokjin, irmão mais novo do noivo, e serei o cerimonialista essa noite. Por favor, deem uma salva de palmas aos noivos.
Em meio ao som das palmas, vi Jin examinar os arredores, enfim parando quando me encontrou. Acenei com a cabeça, assegurando-lhe que tudo estava correndo bem. Sua postura estava diferente para o público, era possível notar o ar profissional e polido dele. Ele só precisava sustentar isso por mais trinta minutos, então a principal parte do evento estaria encerrada. Se ele não inventasse mais nenhuma peripécia, quem sabe eu o cumprimentasse pelo bom trabalho antes de seguir para o buffet.
🌘🌑🌒
– , oriente os garçons sobre a ordem das mesas a servir, por favor – passei um rádio para minha colega e senti uma leve cutucada em meu ombro.
– Pode deixar – ela disse com bom humor, fazendo-me rir também. Tínhamos nos adiantado ao início do buffet, correndo o máximo que dava usando sapatos sociais. Eu, com a mente cheia demais, esquecera brevemente que ela estava ao meu lado o tempo todo. – Quer tirar seus cinco minutos agora? Você precisa refrescar a cabeça um pouco, tá muito pilhada.
– Não consigo – respondi de forma sofrida. – Não posso tirar os olhos de nada, hoje.
– Eu sei que é um dia extremamente importante, como você me disse várias vezes, mas até você precisa recarregar as energias, senão vai começar a errar coisas simples. Você não quer passar vergonha justo hoje, né? – Por mais que eu odiasse admitir, o sermão da minha amiga fazia sentido. – Eu posso ser seus olhos, são só cinco minutos.
– Ok, você venceu – deixei minha cabeça pender para trás, rendida. Comecei a me encaminhar para a saída de serviço, checando o relógio de pulso.
– Ei!
Parei imediatamente, alarmada. deu uma corridinha até mim, retirando das minhas mãos a prancheta e o rádio.
– Mas eu preciso disso – reclamei, confusa.
– Não vai precisar agora – ela riu. – Vá respirar um pouco, é um intervalo.
Com um leve impulso nas minhas costas, ela me direcionou novamente à saída. Vaguei um tanto sem rumo pelo jardim, retirando minha máscara, numa luta interna para desacelerar enquanto os pensamentos estavam a mil. Era verdade que em determinado momento entre a pré e a adolescência eu vi Jungie com outros olhos, afinal ele havia herdado os bons genes da família. Difícil seria não se encantar pelo jeito atencioso, principalmente quando vinha de um garoto bonito, mais velho e de classe social superior. Seokjung era o sonho adolescente, mas eu não era a pessoa que podia viver de sonhos, tinha de manter os pés no chão. Por essa razão, com o passar do tempo, deixei aqueles sentimentos idealizados se transformarem, passando de admiração romântica para admiração fraterna. O destino se encarregou do restante, criando suas distâncias naturais entre nossos caminhos.
Eu era muito grata por tudo que havia vivido em Gwacheon porque me fez ser quem eu era agora, e claramente os Kim tinham sua parcela nisso. Inclusive, por causa desse laço que eu estava responsável pelo planejamento do casamento que acontecia atrás de mim. A senhora Kim e mamãe continuaram mantendo contato, e assim que minha mãe soube do noivado de Jungie, já me ofereceu como planejadora e cerimonialista sem eu sequer saber. O que não era exatamente ruim, é claro.
A única surpresa ao longo do planejamento havia sido a escolha do cerimonialista: Seokjin havia se oferecido. Quando éramos mais novos, além de ele não suportar estar no mesmo ambiente que eu, também brigava muito com seu irmão. Ou melhor, Jungie implicava muito com Jin por este ser o caçula. O carinho e cuidado comigo eram proporcionais à perturbação que ele causava ao irmão, provavelmente eu havia perdido o momento em que os dois se tornaram aliados. Fora isso, a ausência constante de Jin nas decisões do casamento devido a sua agenda cheia, mesmo durante a pandemia, incomodava bastante. Quando eu me comprometia com algo, estava ali por completo; era frustrante fazer uma reunião e não ter a opinião de quem conduziria toda a cerimônia. Feliz e infelizmente, tudo tinha dado certo e ele levaria todo o crédito só por ser o astro.
Suspirei, apreciando o céu aberto e estrelado. Para uma noite de verão, estava incrivelmente fresco. A lua estava cheia, enorme e brilhante. Fácil imaginar por que ela inspirava tanto, apenas a olhar era suficiente para eu me sentir mais tranquila. Ela estava toda noite ali, distante e admirável. Mesmo que vez ou outra ficasse escondida entre as nuvens, era sempre reconfortante saber de sua existência.
– Não imaginei que fosse te encontrar aqui – eu já sabia a quem aquela voz pertencia antes mesmo de ver seu rosto. Mantive-me na mesma posição, abraçada a mim mesma e encarando o céu.
– Precisa de alguma coisa?
– Só falar com você – olhei para Jin com uma sobrancelha arqueada, ele tinha o rosto desprotegido. – Obrigado por tudo, você não sabe o quanto meu irmão é importante pra mim.
Fui pega de surpresa, visto que esperava uma piadinha.
– Não vou dizer que é só meu trabalho, porque estaria mentindo – ele sorriu brevemente em reação, e eu fui levada a fazer o mesmo. – Jungie também é muito querido por mim. Toda a sua família, na verdade.
– Eu incluso?
E lá estava ela, a bendita piadinha.
– Bem... – desviei o olhar, ponderando se lhe dizia a verdade nua e crua ou amenizada.
– É difícil competir com Seokjung, eu sei – seu tom era bem humorado ainda. – Na época da escola era pior, pelo menos agora eu tenho alguma vantagem.
– Agora você é o worldwide handsome, sabia?
Pude ouvir sua gargalhada ecoar pelo jardim, enquanto eu mesma me segurava para não rir tão alto. Finalmente me virei para ele, encarando-o de frente.
– Às vezes acho que eu deveria parar de falar isso em público – ele confessou, e eu concordei em provocação. – Enfim, acho que te devo desculpas também.
– Por se atrasar e quase me matar de ansiedade mais cedo?
– Também, apesar de ser culpa do Namjoon – Jin soprou um riso, fazendo-me rolar os olhos. – E por não ter te tratado tão bem quando éramos mais novos... Você devia achar que eu te odiava, não é?
Apenas balancei a cabeça, intrigada com o rumo da conversa. Apesar da atitude oblíqua de Seokjin para comigo, no começo eu também procurava sua aprovação de alguma forma. A desistência foi gradativa, após diversas vezes em que fui evitada sem motivos aparentes. Eu não entendia o porque daquilo, mas com o tempo passei a não me importar, bastava não me esforçar para tentar agradar. Por essa razão me incomodava tanto a naturalidade com que ele me tratava naquela noite, a falta de respostas até então me deixava confusa e estranha.
– Eu geralmente não falo sobre coisas sérias, não sou muito bom com isso – suas expressões estavam menos divertidas, talvez tensas. – Mas na verdade, eu morria de vergonha de ficar perto de você, .
Arregalei os olhos, surpresa. O que diabos estava acontecendo?
– Pouco depois de você e sua mãe irem lá em casa a primeira vez, me perguntaram o que eu achava de você – ele começou a contar, vendo que eu não o interromperia. – Na inocência, falei que não conseguia parar de te olhar, porque eu nunca tinha recebido uma garota em casa que não fosse da família, queria saber como me comportar. Só que entenderam que eu estava apaixonado, e eu nunca mais tive paz quando você era o assunto.
– Oh – foi tudo que consegui dizer.
– Seokjung era terrível, ele fazia questão de me dizer que ia cuidar bem da cunhada dele – Jin continuou, meneando a cabeça. – Então quando você chegava, eu sabia o que viria depois, aí preferia me esconder. Eu era muito tímido e inseguro, e você sempre foi tão... você.
– Isso é um elogio? – indaguei, um tanto desconsertada.
– É claro que sim, você é incrível – ele respondeu com ansiedade, acelerando o ritmo das palavras de repente. – Não ria, eu já disse que não sou bom nisso. Na real, eu nem sei por que tô te contando tudo isso, mas senti que precisava falar alguma coisa. Desde que soube que você estaria aqui hoje, eu comecei a surtar, então entendi que não daria pra me esconder que nem antes.
– Você não parecia estar surtando quando chegou – rebati.
– Eu não podia estragar a minha imagem logo de cara – embora ele tivesse sorrido para mostrar que era uma piada, eu sentia que havia um fundo de verdade ali. – Tinha um casamento pra fazer, estava no modo superconfiante.
– Então eu posso ignorar o que você disse antes?
Seokjin fechou os olhos por breves segundos, negando com a cabeça. Senti um calafrio subir por toda a minha coluna quando ele os reabriu, fitando os meus diretamente.
– Eu adoraria que se tornasse verdade.
Da mesma forma que Jin parecia ter revisitado as memórias e sentimentos de anos atrás para se confessar a mim, eu também fui arrastada pela vontade de ser recebida por ele. Restava apenas um passo entre nós, dependia de mim avançá-lo e assim o fiz. Segurei a face de Jin com medo de que ele pudesse fugir de mim mais uma vez, porém ele não parecia querer estar em outro lugar quando capturou meus lábios com voracidade. Seu perfume já era familiar, mas não deixava de ser marcante; eu queria sorver o máximo que fosse capaz para o deixar preso em mim de alguma forma, se possível.
Eu não sabia que o desejava até provar de seu beijo. E claro, logo que o tive, quis mais. Com firmeza, ele deixara as mãos sobre meu quadril, aos poucos escorregando-as para me cercar com seus braços. Estávamos tão próximos que eu sentia sua pulsação acelerada contra o meu peito. O som dos tecidos de nossas roupas em atrito se mesclava às respirações pesadas, e honestamente aquela era a única música que eu gostaria de ouvir a partir dali. No entanto, um lampejo de sanidade me acertou algum tempo depois: nós não éramos os únicos ali, o casamento ainda não havia terminado.
– A sua missão hoje era me atrapalhar? – questionei ao romper o beijo, ainda sem abrir os olhos, e Jin riu baixo.
– Eu não vou me desculpar por isso – disse, dando-me mais um beijo breve.
– Nem deve – repeti sua ação, para então me distanciar alguns centímetros. – Mas eu preciso voltar. Você também, vão começar a sentir falta do MC mais bonito do mundo.
Ele gargalhou novamente, jogando a cabeça para trás. Seus olhos fechados enquanto ele sorria me deixavam com as faces aquecidas, um misto de alegria e vergonha por estar tão próxima a ele. Seokjin tinha um brilho que irradiava, era impossível não me sentir tocada por ele.
– Ah... – ele suspirou, encarando-me com um leve pesar no rosto. – Por que é tão difícil te deixar ir?
Não consegui conter um sorriso que cresceu em mim, então toquei seus lábios com os meus uma última vez naquele intervalo. Carinhosamente envolvi seu pescoço em meus braços à medida que os seus apertaram minha cintura. Era um pequeno impulso para que pudéssemos enfim nos afastar, lamentando por cada centímetro de pele que esfriava sem o calor um do outro. Antes que nossas mãos se soltassem, ele mais uma vez deu aquela piscada, recebendo como resposta uma imitação dos seus beijos no ar, então ambos rimos. Olhei para meu relógio, me dando conta de que havia passado muito mais que cinco minutos.
– Puta merda – murmurei, apressando-me para a área de serviço sem olhar para trás. Por um lado, o menor deles, estava surpresa com o quão fácil eu havia me desligado de um evento tão importante. Por outro, não conseguia entender como as coisas haviam galgado àquele ponto tão repentinamente com Jin.
Eu culpava minha admiração por Seokjung por gerar a inabilidade de perceber o que acontecia bem à minha frente, enquanto adolescente. Não havia sinais duplos ou desprezo por parte de Seokjin, mas sim timidez e reclusão, e agora eu entendia o porquê. No fundo, eu sabia que ele não me odiava, porém era impossível saber o que se passava entre os Kim depois que eu saía de lá. Eu notara, sim, que o tratamento de Jungie era muito mais respeitoso que romântico, tanto que consegui transformar meus próprios sentimentos por ele com base nisso. Contudo, eu jamais perceberia que ele me tratava como cunhada, em vez de irmã mais nova. A ausência consciente e voluntária de Jin na nossa relação era como uma incógnita matemática, a solução só havia surgido naquela noite de agosto.
Agora, inesperadamente, ele havia se confessado para mim na única noite em que nos víamos de novo. O que diabos eu faria com isso? Não havia a possibilidade de recuperar o tempo perdido e viver um romance; se antes tínhamos vidas diferentes, atualmente estávamos a anos-luz de distância um do outro. Por que ele tinha decidido mexer comigo daquela maneira, então?
Parei diante da porta de serviço fechada, cerrei meus olhos e respirei fundo algumas vezes. Eu me sentia fora de órbita, mas devia voltar ao meu lugar de sempre imediatamente. Ainda havia obrigações a cumprir, pessoas com expectativas sobre mim e tudo mais. Enquanto todos os holofotes estavam sobre os Kim, toda a movimentação por trás estava sob o meu comando. Definitivamente, aquela não era a hora de perder o foco.
Silenciosamente adentrei a cozinha, escaneando o recinto à procura de . No mesmo instante me arrependi de ter entregado meus pertences a ela, ter de caçá-la em meio a uma festa era mais estressante que não ter tirado intervalo algum. Usávamos os rádios exatamente para facilitar a comunicação, sem a distração das notificações dos celulares, no entanto eu teria que optar por ligar ou mandar uma mensagem, o que demoraria de qualquer forma por sempre mantermos os aparelhos no silencioso – e pessoalmente, ela era péssima com celular no geral. Busquei meu celular no bolso, dando-me conta de que minha amiga sequer havia dado a minha falta, nenhuma das notificações de mensagens eram dela. Contudo, entre elas havia uma inesperada.
Olhei para os lados rapidamente, apenas para me certificar de que ninguém prestava atenção em mim. Obviamente era verdade, pois eu só seria chamada para resolver problemas, o que para minha sorte não havia ocorrido em momento algum. Pressionei os lábios por ansiedade, abrindo a mensagem. Ao longo dos últimos meses, mesmo tendo que trabalhar com colaboração de Seokjin, não houve sequer uma linha trocada entre nós dois em privado. Eu sabia o que aquilo significava.
“Eu não sei se consegui hoje, mas gostaria de uma segunda chance. Quer se apaixonar por mim amanhã à noite? 😘”
Senti os músculos do meu rosto tremerem em resistência ao sorriso que eu reprimia. Meneei a cabeça, tentando me lembrar do motivo de eu estar ali, apesar da dificuldade. Eu era uma planejadora de casamentos, estava no meio do trabalho, o cliente era um grande amigo – e seu irmão era um idol mundialmente famoso, que queria marcar um encontro comigo. Mentalizei as primeiras três orações mais algumas vezes, na esperança de afastar o que me desconcentrava.
– Ah, te achei! – ouvi a voz de mais alta do que o costume, o que me fez dar um microssalto de susto. – O que foi?
– Nada – balancei a mão no ar, espantando meus pensamentos como se fossem uma nuvem sobre minha cabeça. Minha parceira franziu o cenho, estranhando minha atitude, mas não disse nada. – Como estão as coisas?
– O buffet já começou a ser servido, distribuíram as bebidas e petiscos – ela me respondeu. – Em mais ou menos trinta minutos vamos servir o jantar, por último vem os agradecimentos dos noivos e eles vão cortar o bolo. Tudo seguindo o cronograma.
– Ótimo! Brigada por segurar as pontas, – sorri, satisfeita. – Agora me dá o meu rádio, que eu já tava ficando doida sem ele.
– Aqui, unnie – ela me passou o rádio e a prancheta, diminuindo consideravelmente o volume sobre seus braços, e eu imediatamente guardei meu celular para voltar 100% ao modo profissional. – Vai voltar pro salão ou prefere ficar aqui?
– Acho que vou ficar aqui, por enquanto – respondi sem pensar, então uma exclamação surgiu no fundo da minha mente. – Só pra saber, amanhã não temos nada muito demorado na agenda, né?
– Tem a devolução dos materiais de hoje, mas isso é só durante a tarde. Por quê?
– Não, nada – tentei soar natural, embora soubesse que minha atitude estivesse fora do comum. – Tenho um compromisso amanhã à noite, achei que tinha esquecido alguma coisa.
– Compromisso? Mas você não me disse nada.
Pelo amor de Deus, , seja menos curiosa!
– Depois a gente conversa, agora não é a melhor hora – foi a primeira desculpa que consegui pensar. Havia verdade nela, no entanto, eu só não podia explicar os pormenores. – Vai lá pro salão e me avise quando Seokjung for discursar, não quero perder isso, ok?
– Oki doki – ela prontamente acatou, girando sobre os saltos baixos dos próprios sapatos para retornar ao salão. Eu tinha muita sorte de ter uma amiga tão compenetrada e competente quanto ela, porque eu mesma tinha deixado minha concentração ir para o espaço.
No decorrer da última hora, meu maior esforço foi em não pensar em nada que não envolvesse diretamente Seokjung e Ahreum, o que definitivamente demandou muito mais que eu esperava no começo da cerimônia. Era absurdamente difícil estar aérea e acompanhar todos os detalhes do evento. Se antes eu não odiava Jin por me ignorar, agora eu o odiava – da boca pra fora – por prender minha atenção. Eu sabia que responder sua mensagem não me ajudaria, pois ficaria ainda mais ansiosa para que ele visse o que eu teria para lhe dizer e reagisse, iniciando uma sequência que sabe lá quando eu conseguiria me livrar.
Ao fim do discurso dos noivos e corte do bolo, marquei mais um tique na lista, notando que ela finalmente estava acabando. Havia um espaço em branco propositalmente deixado abaixo, onde em outras ocasiões eu costumava anotar ideias ou informações para os próximos trabalhos. Dessa vez não havia nada escrito, eu preferia acreditar que por ter usado todas as minhas boas ideias sem precisar de correções posteriores. Aproveitei então para desenhar mais um quadradinho embaixo da linha em que se via “Encerramento” impresso. Com um sorriso breve, usei minha melhor caligrafia antes de cortar a folha à mão, dobrar em várias partes e pedir ao primeiro garçom que passou ao meu lado para entregar, com toda discrição do mundo, ao cerimonialista.
Afastei-me dos convidados, atentamente observando o caminho que o rapaz fazia enquanto meu mensageiro. Mais adiante, Seokjin voltava à sua mesa após seu último anúncio, comentando alguma coisa com seus amigos. Antes que Namjoon e Hoseok – como respeitosamente conferi na lista de convidados – se levantassem para sair à francesa, o garçom alcançou o destinatário, deixando-me enfim soltar o ar que eu não sabia ter segurado por tanto tempo. Vi o mais alto prestar atenção no acontecido, então senti meu rosto esquentar de uma só vez. Imediatamente quis que Jin guardasse o bilhete no bolso para afastar perguntas, mas ele parecia divertido com a situação, abrindo com cuidado todas as dobras e lendo o que eu ainda não tinha apagado da memória:
“Eu adoraria. Amanhã à noite está ótimo. ♥”
Pela última vez naquela noite, ele me procurou em meio à multidão, encontrando-me com um sorriso discreto e um aceno. Eu esperava que ele entendesse por que não o respondi por mensagem, embora não o deixasse sem resposta alguma. Era uma situação atípica, acabei optando pela saída igualmente não usual. Por mais que eu o tentasse evitar pela minha prioridade naquele momento ser seu irmão, queria que ele percebesse que não era por acaso que nossos olhares se cruzaram tantas vezes. Era difícil, principalmente naquela noite, não o olhar. Eu não fazia ideia do que poderia surgir dali, mas adoraria arriscar para sentir seu brilho de novo sobre mim.
Era ridículo o quão presunçoso ele era. A segurança em sua voz ao insinuar que eu cairia em seu encanto me deixava enojada. Suas palavras chegaram até mim como um sopro, devido à proximidade do seu rosto. Pega de surpresa, eu mal pude reagir quando ele adentrou meu espaço pessoal, deixando seu torso tão próximo que era impossível respirar sem sentir seu perfume. E esse mesmo perfume foi o que me impediu de pensar em uma resposta imediata, deixando-me estática enquanto tentava não aceitar que ele de alguma forma era agradável. Houve também um toque suave em meu ombro, coberto apenas pela manga de chifon por conta da temperatura amena do fim da tarde. Sua mão cheia daqueles horríveis dedos de pontas tortas se encaixou sobre o tecido fino, e eu apostava que o calor deixado ali era pela raiva que senti por não conseguir o impedir. Ele ainda se atreveu a piscar, um princípio de sorriso em seus lábios enquanto se afastava.
A frustração tomou conta de mim quando notei que ele já estava longe demais para ouvir qualquer objeção. Tudo havia durado apenas alguns segundos, no entanto, minha mente repetira a cena por tantas vezes seguidas que parecia ter levado uma eternidade. Fechei os olhos e respirei com firmeza, recuperando meu bom senso. Ainda havia um casamento para acontecer, eu não tinha tempo para pensar em Kim Seokjin. Mesmo ele sendo o irmão do noivo.
Alisei a frente do vestido, ajeitando minha postura para voltar à cerimônia prestes a começar. Aquele era um evento pelo qual eu havia me esforçado 110%, e eu não deixaria que qualquer um tentasse estragar isso. Seokjung, o noivo, era um amigo de infância, crescemos na mesma vizinhança em Gwacheon-si, e apesar de ele ser de 90, éramos bastante próximos e apegados. Eu via nele um irmão mais velho, sempre a postos para me ajudar quando eu estava com problemas – o que era constante na minha família, pois éramos somente mamãe e eu. Ainda que os Kim fossem mais abastados, não tratavam os demais como inferiores, o que me fazia realmente me sentir acolhida quando eu era convidada em sua casa. Seokjin, no entanto, preferia fingir não saber que eu existia, trancando-se em seu quarto tão pouco soubesse que eu estava no mesmo recinto. Sua mãe me dizia que ele era tímido, mas eu nunca acreditei. Fosse o caso, ele não seria um idol hoje.
Inclusive, o maior problema para planejar o casamento de Jungie era justamente o fato de ele e Jin serem parentes. A segurança tinha que ser reforçada e o ambiente, isolado. Os fotógrafos oficiais precisaram ser credenciados, e do início ao fim da cerimônia seria reforçado que celulares e câmeras pessoais deveriam ser evitados, não só para não atrapalhar as fotos oficiais com flashes indesejados, mas também para preservar a privacidade do convidado ilustre. Não fosse meu extremo profissionalismo como planejadora, talvez eu repensasse todo aquele empenho para alguém tão... Argh, até me faltava o que dizer.
– Estão todos prontos, ? – passei um rádio para minha assistente, que estava próxima do altar, organizando onde os convidados deveriam se sentar.
– Prontos e aguardando, -unnie – ouvi sua voz com o chiado típico da transmissão, então dei um dos vários tiques da lista que eu segurava em uma prancheta.
– Perfeito. Sinalize aos cantores para começar em vinte segundos.
Eu a vi olhar o relógio e se encaminhar para os tenores à frente dos convidados, enquanto eu acompanhava os familiares e padrinhos na fila de entrada. Trabalhava com há três anos, confiava plenamente em sua capacidade de seguir o planejamento, por isso nos dávamos tão bem como parceiras de trabalho. Eu havia oferecido meu melhor serviço a Seokjung, pois ele merecia nada menos que o mundo. Vê-lo a poucos metros de mim, de terno e gravata, pronto para um dos dias mais marcantes de sua vida, enchia-me de orgulho. Aos meus olhos, ele parecia heroico.
Logo atrás, Jin ria provavelmente de uma de suas piadas toscas, contada à mãe da noiva, e eu revirei os olhos em um instinto natural. Encarei-o até que notasse meu ar de reprovação, e em resposta ele sustentou meu olhar de forma travessa, sorrindo de lado. Eu não queria, mas perdi a batalha no momento que me senti estranha por ser vista daquela forma. Para a minha sorte, a música começou a soar no salão, captando a atenção de todos.
Estendi minha mão em um sinal de “pare”, coordenando os convidados de honra até que eles pudessem prosseguir. Pouco depois, senti meus dedos serem segurados pelas pontas, levando-me a virar e ver Jin beijar rapidamente as costas da minha mão e reerguer sua máscara.
– Ei! – reagi de supetão, recolhendo-me. – Não é hora pra brincadeiras, Seokjin.
– Quem tá brincando?
De novo aquela expressão atrevida. E irritante. Bufei em resposta, apenas sinalizando para que ele se apressasse e sumisse da minha frente. Quantas vezes ele tentaria me atrasar naquela noite? Somente após vê-lo a metros da entrada, voltei-me para Seokjung com entusiasmo.
– Chegou a hora – cochichei para o noivo, dando pequenas palmas de animação. – Pode ir, Jung-oppa.
Ele acenou com a cabeça, sem conseguir conter o sorriso. A senhora Kim parecia nervosa ao seu lado, mas tentava se concentrar nos primeiros passos.
Os padrinhos e as madrinhas entraram depois, sendo guiados cuidadosamente por enquanto a canção de entrada encerrava e dava lugar a Für Elise no piano. Memórias da infância me atingiram imediatamente, de quando caixinhas de música eram populares e eu ganhei uma de natal da minha mãe, com aquela mesma música e uma bailarina rodopiando ao centro. De fato, a futura esposa de Seokjung, Ahreum, parecia uma daquelas bailarinas, com sua pele pálida e o cabelo preso em um coque baixo. Seu vestido, no entanto, era digno de uma princesa; a saia volumosa e muitas camadas de tule e lantejoulas compunham sua imagem. A sutileza do brilho de suas vestes ficava evidente em meio às luzes de velas dispostas em corredor, e a pureza do branco harmonizava com os enormes arranjos do altar.
Pesquei um pequeno lenço que estava no meu bolso, já pronto para esse momento. Por mais que eu trabalhasse há anos no ramo, a entrada da noiva sempre me emocionava. Eram segundos em que absolutamente todas as atenções se voltavam para uma única pessoa, e a felicidade dela era suficiente para se espalhar por todo o ambiente. Especialmente naquela noite, desviei meu olhar alguns segundos antes para o noivo, podendo ver mesmo de longe a emoção brilhando em seus olhos. E por curiosidade, observei mais à esquerda, onde o mestre de cerimônias já se encontrava – era meu trabalho, afinal, checar se tudo estava no lugar certo.
– Boa noite a todos – ele iniciou após Ahreum e Seokjung estarem lado a lado. Aproveitei para ir à frente do auditório pela lateral direita. – Eu sou Kim Seokjin, irmão mais novo do noivo, e serei o cerimonialista essa noite. Por favor, deem uma salva de palmas aos noivos.
Em meio ao som das palmas, vi Jin examinar os arredores, enfim parando quando me encontrou. Acenei com a cabeça, assegurando-lhe que tudo estava correndo bem. Sua postura estava diferente para o público, era possível notar o ar profissional e polido dele. Ele só precisava sustentar isso por mais trinta minutos, então a principal parte do evento estaria encerrada. Se ele não inventasse mais nenhuma peripécia, quem sabe eu o cumprimentasse pelo bom trabalho antes de seguir para o buffet.
– , oriente os garçons sobre a ordem das mesas a servir, por favor – passei um rádio para minha colega e senti uma leve cutucada em meu ombro.
– Pode deixar – ela disse com bom humor, fazendo-me rir também. Tínhamos nos adiantado ao início do buffet, correndo o máximo que dava usando sapatos sociais. Eu, com a mente cheia demais, esquecera brevemente que ela estava ao meu lado o tempo todo. – Quer tirar seus cinco minutos agora? Você precisa refrescar a cabeça um pouco, tá muito pilhada.
– Não consigo – respondi de forma sofrida. – Não posso tirar os olhos de nada, hoje.
– Eu sei que é um dia extremamente importante, como você me disse várias vezes, mas até você precisa recarregar as energias, senão vai começar a errar coisas simples. Você não quer passar vergonha justo hoje, né? – Por mais que eu odiasse admitir, o sermão da minha amiga fazia sentido. – Eu posso ser seus olhos, são só cinco minutos.
– Ok, você venceu – deixei minha cabeça pender para trás, rendida. Comecei a me encaminhar para a saída de serviço, checando o relógio de pulso.
– Ei!
Parei imediatamente, alarmada. deu uma corridinha até mim, retirando das minhas mãos a prancheta e o rádio.
– Mas eu preciso disso – reclamei, confusa.
– Não vai precisar agora – ela riu. – Vá respirar um pouco, é um intervalo.
Com um leve impulso nas minhas costas, ela me direcionou novamente à saída. Vaguei um tanto sem rumo pelo jardim, retirando minha máscara, numa luta interna para desacelerar enquanto os pensamentos estavam a mil. Era verdade que em determinado momento entre a pré e a adolescência eu vi Jungie com outros olhos, afinal ele havia herdado os bons genes da família. Difícil seria não se encantar pelo jeito atencioso, principalmente quando vinha de um garoto bonito, mais velho e de classe social superior. Seokjung era o sonho adolescente, mas eu não era a pessoa que podia viver de sonhos, tinha de manter os pés no chão. Por essa razão, com o passar do tempo, deixei aqueles sentimentos idealizados se transformarem, passando de admiração romântica para admiração fraterna. O destino se encarregou do restante, criando suas distâncias naturais entre nossos caminhos.
Eu era muito grata por tudo que havia vivido em Gwacheon porque me fez ser quem eu era agora, e claramente os Kim tinham sua parcela nisso. Inclusive, por causa desse laço que eu estava responsável pelo planejamento do casamento que acontecia atrás de mim. A senhora Kim e mamãe continuaram mantendo contato, e assim que minha mãe soube do noivado de Jungie, já me ofereceu como planejadora e cerimonialista sem eu sequer saber. O que não era exatamente ruim, é claro.
A única surpresa ao longo do planejamento havia sido a escolha do cerimonialista: Seokjin havia se oferecido. Quando éramos mais novos, além de ele não suportar estar no mesmo ambiente que eu, também brigava muito com seu irmão. Ou melhor, Jungie implicava muito com Jin por este ser o caçula. O carinho e cuidado comigo eram proporcionais à perturbação que ele causava ao irmão, provavelmente eu havia perdido o momento em que os dois se tornaram aliados. Fora isso, a ausência constante de Jin nas decisões do casamento devido a sua agenda cheia, mesmo durante a pandemia, incomodava bastante. Quando eu me comprometia com algo, estava ali por completo; era frustrante fazer uma reunião e não ter a opinião de quem conduziria toda a cerimônia. Feliz e infelizmente, tudo tinha dado certo e ele levaria todo o crédito só por ser o astro.
Suspirei, apreciando o céu aberto e estrelado. Para uma noite de verão, estava incrivelmente fresco. A lua estava cheia, enorme e brilhante. Fácil imaginar por que ela inspirava tanto, apenas a olhar era suficiente para eu me sentir mais tranquila. Ela estava toda noite ali, distante e admirável. Mesmo que vez ou outra ficasse escondida entre as nuvens, era sempre reconfortante saber de sua existência.
– Não imaginei que fosse te encontrar aqui – eu já sabia a quem aquela voz pertencia antes mesmo de ver seu rosto. Mantive-me na mesma posição, abraçada a mim mesma e encarando o céu.
– Precisa de alguma coisa?
– Só falar com você – olhei para Jin com uma sobrancelha arqueada, ele tinha o rosto desprotegido. – Obrigado por tudo, você não sabe o quanto meu irmão é importante pra mim.
Fui pega de surpresa, visto que esperava uma piadinha.
– Não vou dizer que é só meu trabalho, porque estaria mentindo – ele sorriu brevemente em reação, e eu fui levada a fazer o mesmo. – Jungie também é muito querido por mim. Toda a sua família, na verdade.
– Eu incluso?
E lá estava ela, a bendita piadinha.
– Bem... – desviei o olhar, ponderando se lhe dizia a verdade nua e crua ou amenizada.
– É difícil competir com Seokjung, eu sei – seu tom era bem humorado ainda. – Na época da escola era pior, pelo menos agora eu tenho alguma vantagem.
– Agora você é o worldwide handsome, sabia?
Pude ouvir sua gargalhada ecoar pelo jardim, enquanto eu mesma me segurava para não rir tão alto. Finalmente me virei para ele, encarando-o de frente.
– Às vezes acho que eu deveria parar de falar isso em público – ele confessou, e eu concordei em provocação. – Enfim, acho que te devo desculpas também.
– Por se atrasar e quase me matar de ansiedade mais cedo?
– Também, apesar de ser culpa do Namjoon – Jin soprou um riso, fazendo-me rolar os olhos. – E por não ter te tratado tão bem quando éramos mais novos... Você devia achar que eu te odiava, não é?
Apenas balancei a cabeça, intrigada com o rumo da conversa. Apesar da atitude oblíqua de Seokjin para comigo, no começo eu também procurava sua aprovação de alguma forma. A desistência foi gradativa, após diversas vezes em que fui evitada sem motivos aparentes. Eu não entendia o porque daquilo, mas com o tempo passei a não me importar, bastava não me esforçar para tentar agradar. Por essa razão me incomodava tanto a naturalidade com que ele me tratava naquela noite, a falta de respostas até então me deixava confusa e estranha.
– Eu geralmente não falo sobre coisas sérias, não sou muito bom com isso – suas expressões estavam menos divertidas, talvez tensas. – Mas na verdade, eu morria de vergonha de ficar perto de você, .
Arregalei os olhos, surpresa. O que diabos estava acontecendo?
– Pouco depois de você e sua mãe irem lá em casa a primeira vez, me perguntaram o que eu achava de você – ele começou a contar, vendo que eu não o interromperia. – Na inocência, falei que não conseguia parar de te olhar, porque eu nunca tinha recebido uma garota em casa que não fosse da família, queria saber como me comportar. Só que entenderam que eu estava apaixonado, e eu nunca mais tive paz quando você era o assunto.
– Oh – foi tudo que consegui dizer.
– Seokjung era terrível, ele fazia questão de me dizer que ia cuidar bem da cunhada dele – Jin continuou, meneando a cabeça. – Então quando você chegava, eu sabia o que viria depois, aí preferia me esconder. Eu era muito tímido e inseguro, e você sempre foi tão... você.
– Isso é um elogio? – indaguei, um tanto desconsertada.
– É claro que sim, você é incrível – ele respondeu com ansiedade, acelerando o ritmo das palavras de repente. – Não ria, eu já disse que não sou bom nisso. Na real, eu nem sei por que tô te contando tudo isso, mas senti que precisava falar alguma coisa. Desde que soube que você estaria aqui hoje, eu comecei a surtar, então entendi que não daria pra me esconder que nem antes.
– Você não parecia estar surtando quando chegou – rebati.
– Eu não podia estragar a minha imagem logo de cara – embora ele tivesse sorrido para mostrar que era uma piada, eu sentia que havia um fundo de verdade ali. – Tinha um casamento pra fazer, estava no modo superconfiante.
– Então eu posso ignorar o que você disse antes?
Seokjin fechou os olhos por breves segundos, negando com a cabeça. Senti um calafrio subir por toda a minha coluna quando ele os reabriu, fitando os meus diretamente.
– Eu adoraria que se tornasse verdade.
Da mesma forma que Jin parecia ter revisitado as memórias e sentimentos de anos atrás para se confessar a mim, eu também fui arrastada pela vontade de ser recebida por ele. Restava apenas um passo entre nós, dependia de mim avançá-lo e assim o fiz. Segurei a face de Jin com medo de que ele pudesse fugir de mim mais uma vez, porém ele não parecia querer estar em outro lugar quando capturou meus lábios com voracidade. Seu perfume já era familiar, mas não deixava de ser marcante; eu queria sorver o máximo que fosse capaz para o deixar preso em mim de alguma forma, se possível.
Eu não sabia que o desejava até provar de seu beijo. E claro, logo que o tive, quis mais. Com firmeza, ele deixara as mãos sobre meu quadril, aos poucos escorregando-as para me cercar com seus braços. Estávamos tão próximos que eu sentia sua pulsação acelerada contra o meu peito. O som dos tecidos de nossas roupas em atrito se mesclava às respirações pesadas, e honestamente aquela era a única música que eu gostaria de ouvir a partir dali. No entanto, um lampejo de sanidade me acertou algum tempo depois: nós não éramos os únicos ali, o casamento ainda não havia terminado.
– A sua missão hoje era me atrapalhar? – questionei ao romper o beijo, ainda sem abrir os olhos, e Jin riu baixo.
– Eu não vou me desculpar por isso – disse, dando-me mais um beijo breve.
– Nem deve – repeti sua ação, para então me distanciar alguns centímetros. – Mas eu preciso voltar. Você também, vão começar a sentir falta do MC mais bonito do mundo.
Ele gargalhou novamente, jogando a cabeça para trás. Seus olhos fechados enquanto ele sorria me deixavam com as faces aquecidas, um misto de alegria e vergonha por estar tão próxima a ele. Seokjin tinha um brilho que irradiava, era impossível não me sentir tocada por ele.
– Ah... – ele suspirou, encarando-me com um leve pesar no rosto. – Por que é tão difícil te deixar ir?
Não consegui conter um sorriso que cresceu em mim, então toquei seus lábios com os meus uma última vez naquele intervalo. Carinhosamente envolvi seu pescoço em meus braços à medida que os seus apertaram minha cintura. Era um pequeno impulso para que pudéssemos enfim nos afastar, lamentando por cada centímetro de pele que esfriava sem o calor um do outro. Antes que nossas mãos se soltassem, ele mais uma vez deu aquela piscada, recebendo como resposta uma imitação dos seus beijos no ar, então ambos rimos. Olhei para meu relógio, me dando conta de que havia passado muito mais que cinco minutos.
– Puta merda – murmurei, apressando-me para a área de serviço sem olhar para trás. Por um lado, o menor deles, estava surpresa com o quão fácil eu havia me desligado de um evento tão importante. Por outro, não conseguia entender como as coisas haviam galgado àquele ponto tão repentinamente com Jin.
Eu culpava minha admiração por Seokjung por gerar a inabilidade de perceber o que acontecia bem à minha frente, enquanto adolescente. Não havia sinais duplos ou desprezo por parte de Seokjin, mas sim timidez e reclusão, e agora eu entendia o porquê. No fundo, eu sabia que ele não me odiava, porém era impossível saber o que se passava entre os Kim depois que eu saía de lá. Eu notara, sim, que o tratamento de Jungie era muito mais respeitoso que romântico, tanto que consegui transformar meus próprios sentimentos por ele com base nisso. Contudo, eu jamais perceberia que ele me tratava como cunhada, em vez de irmã mais nova. A ausência consciente e voluntária de Jin na nossa relação era como uma incógnita matemática, a solução só havia surgido naquela noite de agosto.
Agora, inesperadamente, ele havia se confessado para mim na única noite em que nos víamos de novo. O que diabos eu faria com isso? Não havia a possibilidade de recuperar o tempo perdido e viver um romance; se antes tínhamos vidas diferentes, atualmente estávamos a anos-luz de distância um do outro. Por que ele tinha decidido mexer comigo daquela maneira, então?
Parei diante da porta de serviço fechada, cerrei meus olhos e respirei fundo algumas vezes. Eu me sentia fora de órbita, mas devia voltar ao meu lugar de sempre imediatamente. Ainda havia obrigações a cumprir, pessoas com expectativas sobre mim e tudo mais. Enquanto todos os holofotes estavam sobre os Kim, toda a movimentação por trás estava sob o meu comando. Definitivamente, aquela não era a hora de perder o foco.
Silenciosamente adentrei a cozinha, escaneando o recinto à procura de . No mesmo instante me arrependi de ter entregado meus pertences a ela, ter de caçá-la em meio a uma festa era mais estressante que não ter tirado intervalo algum. Usávamos os rádios exatamente para facilitar a comunicação, sem a distração das notificações dos celulares, no entanto eu teria que optar por ligar ou mandar uma mensagem, o que demoraria de qualquer forma por sempre mantermos os aparelhos no silencioso – e pessoalmente, ela era péssima com celular no geral. Busquei meu celular no bolso, dando-me conta de que minha amiga sequer havia dado a minha falta, nenhuma das notificações de mensagens eram dela. Contudo, entre elas havia uma inesperada.
Olhei para os lados rapidamente, apenas para me certificar de que ninguém prestava atenção em mim. Obviamente era verdade, pois eu só seria chamada para resolver problemas, o que para minha sorte não havia ocorrido em momento algum. Pressionei os lábios por ansiedade, abrindo a mensagem. Ao longo dos últimos meses, mesmo tendo que trabalhar com colaboração de Seokjin, não houve sequer uma linha trocada entre nós dois em privado. Eu sabia o que aquilo significava.
“Eu não sei se consegui hoje, mas gostaria de uma segunda chance. Quer se apaixonar por mim amanhã à noite? 😘”
Senti os músculos do meu rosto tremerem em resistência ao sorriso que eu reprimia. Meneei a cabeça, tentando me lembrar do motivo de eu estar ali, apesar da dificuldade. Eu era uma planejadora de casamentos, estava no meio do trabalho, o cliente era um grande amigo – e seu irmão era um idol mundialmente famoso, que queria marcar um encontro comigo. Mentalizei as primeiras três orações mais algumas vezes, na esperança de afastar o que me desconcentrava.
– Ah, te achei! – ouvi a voz de mais alta do que o costume, o que me fez dar um microssalto de susto. – O que foi?
– Nada – balancei a mão no ar, espantando meus pensamentos como se fossem uma nuvem sobre minha cabeça. Minha parceira franziu o cenho, estranhando minha atitude, mas não disse nada. – Como estão as coisas?
– O buffet já começou a ser servido, distribuíram as bebidas e petiscos – ela me respondeu. – Em mais ou menos trinta minutos vamos servir o jantar, por último vem os agradecimentos dos noivos e eles vão cortar o bolo. Tudo seguindo o cronograma.
– Ótimo! Brigada por segurar as pontas, – sorri, satisfeita. – Agora me dá o meu rádio, que eu já tava ficando doida sem ele.
– Aqui, unnie – ela me passou o rádio e a prancheta, diminuindo consideravelmente o volume sobre seus braços, e eu imediatamente guardei meu celular para voltar 100% ao modo profissional. – Vai voltar pro salão ou prefere ficar aqui?
– Acho que vou ficar aqui, por enquanto – respondi sem pensar, então uma exclamação surgiu no fundo da minha mente. – Só pra saber, amanhã não temos nada muito demorado na agenda, né?
– Tem a devolução dos materiais de hoje, mas isso é só durante a tarde. Por quê?
– Não, nada – tentei soar natural, embora soubesse que minha atitude estivesse fora do comum. – Tenho um compromisso amanhã à noite, achei que tinha esquecido alguma coisa.
– Compromisso? Mas você não me disse nada.
Pelo amor de Deus, , seja menos curiosa!
– Depois a gente conversa, agora não é a melhor hora – foi a primeira desculpa que consegui pensar. Havia verdade nela, no entanto, eu só não podia explicar os pormenores. – Vai lá pro salão e me avise quando Seokjung for discursar, não quero perder isso, ok?
– Oki doki – ela prontamente acatou, girando sobre os saltos baixos dos próprios sapatos para retornar ao salão. Eu tinha muita sorte de ter uma amiga tão compenetrada e competente quanto ela, porque eu mesma tinha deixado minha concentração ir para o espaço.
No decorrer da última hora, meu maior esforço foi em não pensar em nada que não envolvesse diretamente Seokjung e Ahreum, o que definitivamente demandou muito mais que eu esperava no começo da cerimônia. Era absurdamente difícil estar aérea e acompanhar todos os detalhes do evento. Se antes eu não odiava Jin por me ignorar, agora eu o odiava – da boca pra fora – por prender minha atenção. Eu sabia que responder sua mensagem não me ajudaria, pois ficaria ainda mais ansiosa para que ele visse o que eu teria para lhe dizer e reagisse, iniciando uma sequência que sabe lá quando eu conseguiria me livrar.
Ao fim do discurso dos noivos e corte do bolo, marquei mais um tique na lista, notando que ela finalmente estava acabando. Havia um espaço em branco propositalmente deixado abaixo, onde em outras ocasiões eu costumava anotar ideias ou informações para os próximos trabalhos. Dessa vez não havia nada escrito, eu preferia acreditar que por ter usado todas as minhas boas ideias sem precisar de correções posteriores. Aproveitei então para desenhar mais um quadradinho embaixo da linha em que se via “Encerramento” impresso. Com um sorriso breve, usei minha melhor caligrafia antes de cortar a folha à mão, dobrar em várias partes e pedir ao primeiro garçom que passou ao meu lado para entregar, com toda discrição do mundo, ao cerimonialista.
Afastei-me dos convidados, atentamente observando o caminho que o rapaz fazia enquanto meu mensageiro. Mais adiante, Seokjin voltava à sua mesa após seu último anúncio, comentando alguma coisa com seus amigos. Antes que Namjoon e Hoseok – como respeitosamente conferi na lista de convidados – se levantassem para sair à francesa, o garçom alcançou o destinatário, deixando-me enfim soltar o ar que eu não sabia ter segurado por tanto tempo. Vi o mais alto prestar atenção no acontecido, então senti meu rosto esquentar de uma só vez. Imediatamente quis que Jin guardasse o bilhete no bolso para afastar perguntas, mas ele parecia divertido com a situação, abrindo com cuidado todas as dobras e lendo o que eu ainda não tinha apagado da memória:
“Eu adoraria. Amanhã à noite está ótimo. ♥”
Pela última vez naquela noite, ele me procurou em meio à multidão, encontrando-me com um sorriso discreto e um aceno. Eu esperava que ele entendesse por que não o respondi por mensagem, embora não o deixasse sem resposta alguma. Era uma situação atípica, acabei optando pela saída igualmente não usual. Por mais que eu o tentasse evitar pela minha prioridade naquele momento ser seu irmão, queria que ele percebesse que não era por acaso que nossos olhares se cruzaram tantas vezes. Era difícil, principalmente naquela noite, não o olhar. Eu não fazia ideia do que poderia surgir dali, mas adoraria arriscar para sentir seu brilho de novo sobre mim.
Fim
Nota da autora (31/05/2021): Oie!
Faz alguns meses desde minha última short, tentei não me alongar muito nessa, hehe
Aliás, primeira fic com BTS, eu tava SOFRENDO atrás de um romancinho com Seokjin, não aguentava mais. 🥺🥺 Se você chegou até aqui e gostou, por favor, deixe um comentário! É muito importante saber sua opinião :)
xx Abby
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