I

Senti o vento gélido golpear o corpo assim que abri a porta de vidro do prédio. De certo, meu conjunto de moletom, que recobria minha legging de dança, não seria páreo para o frio que indicava o início do outono em Nova York. Caminhei pela 5th avenue como se fosse a primeira vez que eu pisava naquele asfalto gasto, desviando de pessoas atarefadas. Sorri, aquela cidade era o combustível para a animação das minhas manhãs.
Parei em frente ao estúdio de Dança e olhei no relógio, desfazendo o sorriso ao perceber que minha Agente, Aylle, me mataria pelo atraso. Talvez, essa fosse a pior parte de ser famosa. Perder a liberdade tirava o brilho de tudo, até mesmo daquilo que eu nasci para fazer, dançar.
Revirei os olhos ao deixar minha bolsa no chão de madeira, Aylle já me encarava com fogo nas ventas, enquanto meu professor sorria abertamente para mim. Sr. Cattaneo era um talismã da minha carreira artística. Fora ele que me lapidara e mostrara ao mundo, o diamante bruto que eu era.
— Bom dia, queridos! — Falei animadamente, recebendo como resposta um bufar da minha Agente.
Sr. Cattaneo me abraçou, bondoso, como o típico pai que representava em minha vida. Sorri, me afastando para alongar os músculos e retirar as peças do moletom que escondiam meu top e calça de dança. Quando terminei, virei para meu professor, ansiosa para o início da dinâmica e só então, percebi que faltava alguém.
Eu era dançarina profissional e a pouco mais de um ano tinha sido convidada para um desafio de duplas. Eu repensei, mas no final, concordei que seria uma experiência nova e que dividir o palco com outra pessoa serviria para o meu crescimento pessoal, já que, minha estrela poderia brilhar sozinha, mas seria ofuscante acompanhada.
Desde lá, eu e meu parceiro, Dante, treinávamos exaustivamente para a competição que seria daqui a cinco meses. Eu achava que poderia conseguir alguém melhor, mas ambos estavam saindo de carreiras solos e nossos agentes achavam que aquilo era sinal para o match perfeito.
— Quase me esqueci! Dante também perdeu o horário como eu? — ri sem humor. — Você deveria estar empalando ele também, Aylle.
Percebi Sr. Cattaneo franzir o cenho, variando entre olhar para mim e para minha agente. O que eu perdi? Aylle puxou a cadeira em minha frente e indicou a que ficava do outro lado da mesa para que eu fizesse o mesmo. Caminhei até lá, ignorando o clima de tensão que se formava. Com certeza, ambos queriam me pregar uma peça pelos atrasos que eu estava cometendo esses dias. Ninguém pode me culpar se eu resolvi maratonar Game of Thrones né? Pelo amor de Deus.
— É sobre isso que precisamos conversar, . — Aylle pigarreou, como se estivesse indecisa do que falar — Temos más notícias.
Então foi minha vez de variar entre minha agente e meu professor, encarando o olhar tenso de ambos. O que diabos tinha acontecido com Dante? Aquele idiota quebrou a perna? Um braço? Jesus. Arqueei a sobrancelha, estimulando ela a desembuchar sobre o que quer que fosse. Daríamos um jeito, eu sempre dou.
— Ele desistiu, ! Eu sinto muito — soltou Aylle, afagando o meu ombro como se tentasse um consolo desajeitado.
Dante desistiu? Comecei a rir. Que tipo de pegadinha era aquela? Isso era ridículo. Apesar da desarmonia pela qual passamos, nós estávamos começando a nos entender. Ele não era um mini Mikhail Baryshnikov, mas dava pro gasto quando somado uma ao seu lado.
— Ok, Aylle, pode parar. Eu prometo que nunca mais vou atrasar, agora pode tirar o Dante de onde quer que ele se meteu para fazer essa pegadinha tosca.
, ele saiu, não é brincadeira! Desirrée Giordano convidou-o para ser sua dupla na competição e Dante aceitou, me informando que além de pirralha, você é frígida — ela suspirou — Me disse que você tem amor pela dança, mas que acompanhada, você é uma lástima em inspirar os outros ao romantismo.
Encarei-a boquiaberta. Como assim aquele palerma tinha dito isso? Eu, frígida? Todos os meus críticos mencionaram, não só uma, mas pelo menos dez vezes, o quanto eu emocionava através dos meus movimentos. Dante era um esnobe que não conseguiu lidar com a genialidade que tinha nas mãos. Balancei a cabeça, apertando as temporas para aliviar a súbita dor de cabeça que tinha me acometido.
— Isso só pode ser brincadeira, Aylle. Não temos um contrato? Eu sou a melhor dançarina que vocês conhecem, por que cargas d'água ele me trocaria? — soltei exasperada.
— Eu concordo, . Você é incrível, mas precisa ter pulso para lidar com seu gênio. Dante conseguiu uma brecha no contrato e jogou essa bomba em nós. — minha agente completou, dando de ombros.
— Você vai precisar de um tempo para digerir a notícia, pequena ragazza, mas nosso maior problema não é esse. — Sr. Cattaneo se pronunciou pela primeira vez, acariciando meus cabelos numa tentativa de me acalmar — Precisamos de um novo parceiro e também, saber se continua com vontade de participar do concurso.
Vontade? Comprimi os lábios inundada de raiva. Talvez, no início, eu não estivesse motivada o suficiente para valorizar esse evento, mas agora, não só tinha sido abastecida, como via a vingança correr pelas minhas veias, bombeando cada pulso em direção a um objetivo: acabar com Dante e vencer Desirrée.
— Nós vamos competir e vamos achar um par — murmurei, irritada — Eu vou rir quando esse estrume estiver chorando bem longe do troféu de campeão e então, ele vai descobrir quem é frígida.
Levantei, jogando o cabelo pelo ombro, enquanto recolhia minhas roupas e deixava que Aylle arranjasse tudo sobre seleção de dançarinos. Eu precisava gritar, socar a parede, dançar até meus dedos sangrarem. Precisava que aquela raiva se transformasse em determinação e assim, eu seguia em direção ao lugar que poderia me proporcionar tudo isso: a Artes&Lutas , uma academia misturada com estúdio de dança que era administrada pela minha amiga . O lugar era a união de duas paixões de seus donos, a dança de e o boxe de , seu marido. Eu amava ambos e por isso sabia, além de um espaço para relaxar, eu teria dois ombros amigos para escutarem meus lamentos. Assim, eu não aguentei muito até correr pela multidão nova-iorquina e encontrar, sorrindo, o prédio de tijolinhos com letreiro clássico. Adentrei o ambiente, ainda sentindo a adrenalina polvilhar no meu corpo, e procurei pela minha amiga. Caminhei distraída, atraindo olhares dos homens suados em cima do ringue. Rolei os olhos, qual é, uma mulher de legging colada não era novidade por aqui, segurem os hormônios, rapazes.
Dei de cara com um deles que conversava animadamente com e quase terminei no chão, salva pelos braços que foram ágeis em consertar o desequilíbrio que o encontro me causara. Ruborizei. desastrada da porra.
— Quem é vivo sempre aparece ein, mocinha — falou , abraçando meus ombros como se fosse me esmagar. Ele sempre foi assim. O tipo de irmão urso que toda menina adora.
Balancei a cabeça me lembrando de quando sussurrou estar apaixonada pelo tatuado e misterioso lutador, ri mentalmente de quando nossas colegas de dança torceram o nariz para esse romance, desacreditando da frágil bailarina. Olhando agora, o amor que invadia o ar quando eles se encaravam, a cumplicidade que compartilhavam, eu sabia que minha amiga não poderia ter escolhido melhor.
— Hey! Faz o que? 5 dias que não venho aqui? Não exagere. — respondi, revirando os olhos, divertida.
— Fazem, no mínimo, 2 meses, . Sua sorte é que eu te amo e não conseguiria substituta melhor para o papel de mala nesse período — reclamou , bagunçando meus cabelos.
Mandei um cotoco para ele. Se não fosse o dobro de mim, com certeza aplicaria um dos golpes, que o próprio me ensinara, para mostrar que não sou substituível. Que porra. Todo mundo quer me trocar hoje? Senti os ombros descerem e um pequeno soluço de choro me escapar. Eu estava prestes a chorar no meio da academia e o teria feito se não tivesse me puxado para seu escritório, deduzindo que algo estava errado. Afinal, desde quando chorava?
Desabei na poltrona, curvando o corpo e me debulhando em lágrimas. Observei um pequeno lenço ser estendido e senti as mãos leves de afagando as minhas costas. Meu Deus, será que dava pra ouvir da sala de dança e por isso minha amiga tinha aparecido? A que ponto chegamos, .
— Oi bebê! — pronunciou, me abraçando apertado — O que aconteceu? Vim correndo quando me disseram que você estava aqui, só não imaginei que te encontraria nesse estado. Fala comigo, .
— Ele desistiu, amiga. — falei, entre soluços.
Por mais que eu tentasse, o choro simplesmente corria fácil e eu não conseguia frear cada lágrima de cair. Talvez, eu estivesse lavando da alma os 7 meses que fiquei presa a um parceiro que não valorizava meu talento. Eu precisava desabafar e foi isso que meus amigos me permitiram fazer. escutou atentamente, variando entre perguntas curtas e fechar o punho para o fato de Dante ter me abandonado, enquanto permutava entre caretas e exclamações, por vezes, mais raivosas que as minhas.
— E agora o que você vai fazer, ? — sussurrou , como se estivesse com medo da resposta.
Levantei os olhos, analisando o casal na minha frente. Fora que me apoiou em todas as audições, mesmo quando a própria tinha desistido do balé profissional. Fora que me abrigou em sua casa, mesmo comigo sendo a vela oficial e pessoa mais empata foda, apenas porque eu não tinha onde ficar quando sai da casa dos pais. Eles eram a minha família, eles iam me ajudar, independente do que eu pedisse.
— Preciso de um novo parceiro — respondi fazendo uma careta nada feliz. — Tenho pouco tempo. 5 meses para ser exata. Vocês tem alguma ideia de como me ajudar? — sorri mufina.
Observei coçar o queixo e me encarar, pensativa. Daqui dava pra ouvir as engrenagens na mente de cada um trabalhando em alguma ideia.
— Podemos fazer uma seleção. Colocar aqui pela A&L uns cartazes que atraia interessados. — falou , sendo acompanhado em positivo pela esposa.
— Mas e se não aparecer ninguém? Quem quer dançar com alguém abandonada? — senti as lágrimas ameaçando cair, enquanto eu pronunciava, com a voz embargada, as palavras.
— Meu amor, eu danço com você — falou , pegando minhas mãos e unindo as suas — E, com certeza, outros também gostariam dessa honra. Você é a bailaria prodígio, . Não só isso, mas também, é uma pessoa encantadora.
Balancei a cabeça, concordando com e me livrando os pensamentos de inferioridade que me habitavam desde que o embuste desistiu da nossa parceria.
Eu era , a dançarina mais nova a ser aceita no Balé de Moscou, a ser a personagem principal de Lago dos Cisnes e não seria um pequeno amador que iria ofuscar meu brilho latente de estrela.
's POV:

Estacionei em frente a academia que James se enfornava todos os dias e buzinei impaciente. Era minha missão pegar aquele encosto todos os dias, enquanto ele se preparava pra qualquer luta que tivesse de fazer. Sorri, pensando em quão distintos os irmãos eram. Eu tinha me formado em Engenharia e estava atrás de um emprego desde que a NYU tinha me fornecido o canudo. Ele, o caçula rebelde, tinha decidido que preferia apanhar igual um saco de pancadas e voltar roxo para casa desde que tivesse um cinturão ao redor do corpo.
Ambos, tinham saído da casa dos pais buscando alçar voos maiores do que aqueles que a pequena cidade de Auburn poderia nos oferecer. Ali na Big apple, a realidade tinha nos abatido em primeiro momento. As contas se acumulavam por debaixo da porta e sobrevivíamos de pequenos bicos somados ao cachê que James recebia em algumas lutas. Aos trancos e barrancos era uma boa definição.
Encarei emburrado meu irmão, sorridente, entrar no carro com um papel nas mãos. Olhei-o pelo canto de olho e bufei diante de toda a sua animação para me contar algo. Com certeza, de duas uma: ou James tinha sido cotado para o próximo card do UFC ou ele tinha descolado o número de uma mina muito gostosa nesse papel que segurava agarrado ao coração. Eu chutaria a opção 2.
— Maninho! Você não vai acreditar! Tô segurando a salvação da nossa conta bancária. — falou James, eufórico.
Dei a partida no carro, respondendo um "aham" debochado. A menos que ele segurasse o bilhete premiado da loteria, seria preciso um milagre para pagar o aluguel atrasado. Balancei a cabeça, avaliando o tempo restante até termos que colocar o rabo entre as pernas e pedir auxílio aos nossos pais. Seria algo estúpido, afinal, eles iriam rir da nossa cara e nos mandar limpar o esterco dos cavalos da fazenda, porque nascemos para a vida de cowboy, nada de cosmopolita. Mas, atualmente, seria necessário.
— É sério! , porra! Me ouve.
Desviei o olhar para ele assim que o sinal fechou, 4 tempos seriam suficientes para que James me dissesse o que quer que tinha achado no bendito do papel.
— Sou todo ouvidos. Desembucha, pirralho.
Meu irmão revirou os olhos, levantando a folha amassada em direção aos meus olhos. Comecei a ler "PROCURA-SE DANÇARINO PARA PAR". Bufei.
— Nem pensar.
James abaixou o papel, dobrando-o com cuidado. Balancei a cabeça. Ele estava louco. Totalmente.
... — começou, como se estivesse com medo do que tinha a dizer — Eu sei que você nunca abandonou a dança. Sei que parou por um tempo, quando papai disse que era coisa de menina e te proibiu. Mas sei que todo esse corpo definido não veio da academia, você voltou a dançar desde o primeiro dia em NY, se duvidar.
Continuei balançando a cabeça em descrença. Jamais faria aquilo. Sem chances. Por mais que eu tivesse dado meus primeiros passos dançantes aos três anos e não conseguisse evitar de bater os pés ritmados ao som de qualquer melodia, isso não significava que eu estaria disposto a mostrar ao mundo meu hobby. Dançar era isso, um passatempo, eu tentava convencer a mim mesmo todos os dias disso.
— James, você pirou. Quem te garante que eu seria escolhido nesse negócio? Apenas faria nós dois pagarmos mico. Além do mais, precisamos de dinheiro pra já.
— Eu sei! Por isso é perfeito. Eles irão pagar um salário, H. Você não vai dançar de graça. E, de qualquer forma, não temos nada a perder — soltou James, com olhos esperançosos.
Encarei o sinal, implorando pela cor verde, para que eu tivesse algum tempo antes de responder ao meu irmão. Fechei os olhos, agradecido, quando vi os carros andarem. Eu não poderia jogar para o alto meu diploma e calculadora né? Não fazia sentido desistir da estabilidade para tentar uma vida de dançarino.
Eu amava dançar. Talvez tenha sido uma das primeira coisas que fiz em NY. Procurei um lugar calmo para praticar aquilo que eu fazia escondido a anos e encontrei ali, um refúgio para quando meus dias estavam insuportáveis. Mas, dançar com alguém, para alguém, era diferente. A dança era algo meu, algo que eu não estava preparado para dividir, estava?
James continuara falando pelo percurso inteiro até em casa, tentando me convencer de todos os jeitos. Desde apelando para o financeiro até a beleza da minha futura parceira.
— Se ela é tão boa assim, porque diabos está colocando cartazes atrás de parceiros? Alguém assim devia estar sendo ovacionada, não? — indaguei enquanto acompanhava James pelas escadas do prédio.
Nós morávamos em um pequeno edifício de 5 andares, sendo que os dois últimos eram o nosso duplex. Aquele apartamento tinha sido um capricho de quando achávamos muito o pouco dinheiro que nossos pais nos forneceram.
— Parece que o parceiro dela escolheu trocá-la por outra — comentou James, dando de ombros — Mas, isso não quer dizer nada, H. Você é um homem ou um rato?
Sorri, dando-lhe um tapa atrás da cabeça. Os pirralhos cresciam achando que poderiam falar assim com os mais velhos, onde já se viu.
Abri a porta, me abaixando para recolher a correspondência que jazia no piso. Folheei os papeis, prendendo o ar quando encontrei um aviso do banco. Desembrulhei o papel, cruzando os dedos para que fosse o alerta de um depósito milionário ou que uma ONG tivesse se compadecido das nossas dívidas e quitado todas. Ri com amargura ao ler as primeiras linhas.
Trinta dias. Tinhamos 30 fucking dias para pagar o aluguel ou então seriamos despejados. Pisquei sem reação.
James me encarou, percebendo a mudança de postura e assim, puxou o papel das minhas mãos para também folhea-lo. Percebi uma careta sendo formada a medida que ele lia o aviso. Aquilo não era fácil para nenhum dos dois.
, você sabe o que precisa fazer para continuarmos aqui, cara. Você sabe — sussurrou ele, encarando meu rosto como se estivesse prestes a suplicar.
Balancei a cabeça, incerto sobre o que tinha decidido. Era dançar ou pedir ajuda aos meus pais e de certo, a última opção seria mais dolorosa.
— Tudo bem. Eu faço o teste, mas não garanto nada, ok? — soltei mais como um sussuro para mim mesmo.
— Ainda bem, porque hoje é o último dia de seleção! — falou James, pulando feliz, enquanto me empurrava pelo caminho que tínhamos acabado de percorrer.

II

's POV:

Deixei o rosto cair nas mãos, exausta. Tinham sido exatos 168 candidatos, em quatro dias de seleção e nossa peneira tinha crivado 3. Os demais eram ou inaptos, ou só estavam ali pela chancela de fama, ou de alguma forma não preenchiam os critérios pré-estabelecidos por mim, por Aylle e por Sr. Cattaneo.
Massageei as temporas, refletindo o quão difícil era encontrar alguém perfeito para o cargo. Desistir já tinha passado pela minha mente tantas vezes que eu perdi a conta, mas meu orgulho ferido me fazia persistir nessa missão suicida.
Levantei da bancada, avisando que eu precisava de uma pausa e iria comprar um café. Estiquei o corpo, sentindo os efeitos de ficar tanto tempo sentada, analisando os garotos que se prestavam a fazer o teste. Se duvidar, no final, nem sorrir eu conseguiria, de tanto que minhas bochechas estavam doloridas pelo excesso de trabalho.
Caminhei pelo estúdio distraidamente, sabendo decorado o trajeto até a maquina de café. Sorri ao ouvir o tilintar das moedas e me permiti escolher um capuccino cremoso. Suspirei de felicidade só de sentir o cheiro característico dominar o ar, enquanto observava o líquido marrom derramar no copo. Quando minha língua encostou na espuma, perfeitamente formada em cima do néctar, soltei um gemido de satisfação.
— Quem diria que um capuccino poderia ser tão gostoso!
Dei um pulo ao ouvir aquela voz e recuei uns três passos ao encarar o homem que se apoiava na máquina de café. Coloquei a mão no peito para me recuperar do susto e franzi o cenho ao absorver aquela cantada descarada. Não era possível ter paz nem no ambiente de trabalho, Jesus.
— Quem é você? — perguntei, seca.
O garoto agora sorria convencido, jogando o cabelo para trás e me dando um ângulo apropriado para avaliar seus músculos que salteavam pela camisa. Me permiti correr os olhos pelo seu comprimento, prendendo o ar ao encarar o V que se formava indicando o caminho para o paraíso no cós da sua calça. Ele era quente. Com o maxilar marcado por uma barba por fazer e olhar inquisitório, como se quisesse me desafiar a descobrir quem ele era. Arqueei a sobrancelha, instigando a resposta.
— Talvez possamos descobrir mais sobre o outro... — falou, caminhando em minha direção e me deixando encurralada entre seu corpo e a máquina de café —... a sós. — Soltou o estranho, piscando para mim.
Exasperei, sentindo o corpo do estranho tão próximo ao meu que estava prestes a desafiar as leis de Newton. Dois corpos ocupam sim o mesmo lugar. O cara passou o nariz na curvatura da minha bochecha, ofegando como se adorasse a maciez da minha pele e então, tocou com o polegar o caminho que tinha percorrido. Encarei seu rosto, esquecendo do porque não saia dali, e desenhei com os olhos o seu sorriso, uma fileira de perfeitos dentes brancos que se abria para mim sedutoramente. Suas mãos subiram pela minha cintura, fazendo pressão no meu quadril. Eu sentia meu corpo formigar ao seu toque. Fechei os olhos, deixando minha mente divagar sobre aquele toque que gerava arrepios pelo meu corpo, de repente me perguntando qual seria a sensação daquela barba tocando minha pele. Mas ao invés disso, uma voz me sobressaltou, fazendo com que eu desse um pulo para longe daquele desconhecido.
, caralho, onde você se meteu? — perguntou um segundo garoto, exasperado.
Observei o meu estranho se afastar, dando de ombros, como se não estivesse prestes a me destruir ali. Caminhei apressada, como se aquele encontro tivesse sido um lapso momentâneo. Aliás. FOI um lapso, certo? Balancei a cabeça, o que diabos eu estava pensando? Beijando estranhos na máquina de café? Tudo bem que já faziam alguns meses desde o último cara que povoou meus lençóis, mas eu tenho reputação a zelar, pelo amor de Deus.
Sentei no meu lugar na bancada e agradeci mentalmente por ninguém notar meu estado de agitação, qualquer coisa eu culparia a cafeína. Batuquei o lápis durante a apresentação de mais cinco garotos, congelando um sorriso louvável no rosto enquanto eu não conseguia focar em algo diferente do toque que me despertou eletricidade. Abaixei a cabeça, fechando os olhos em busca de concentração.
— Esse é o último, . — sussurrou Aylle no meu ouvido — Não se esqueça, sorria e acene.
Comecei a gargalhar e levantei a cabeça para encarar o garoto parado na minha frente.
Só podia ser brincadeira. O estranho da máquina de café tinha um sorriso convencido nos lábios e respondia à todas as perguntas da minha agente olhando diretamente pra mim. Desviei o rosto, achando o teto descascado uma gracinha nesse momento.
— Então, Sr. , por que acha que é apto ao papel? — questionou Cattaneo, rabiscando suas anotações.
Observei a postura de mudar, ele transformou o sorriso galante em puro contentamento e foi olhando em meus olhos que ele argumentou.
— Você sabe quando somos crianças e queremos prender a água nas mãos e ela ainda assim teima em fugir de nós? Persistimos naquela tarefa impossível, sem deixar que nada nos abale, mesmo que cada um que observe a cena ria e diga o quão é patético tentar — ele sorriu, mordendo os lábios distraído — Dançar é o mesmo pra mim. Quando a melodia toca meu corpo, eu não sou mais eu, sou algo maior, mais poderoso. Sou o que me propuser a ser, mesmo que digam o contrário, mesmo que as coisas fujam das minhas mãos como água. Eu sou a criança que sempre tenta o impossível e por isso estou aqui.
Ficamos em silêncio por alguns momentos, digerindo as palavras que lançara. Eu não estava pensando em aceitá-lo como par, estava? Seria no mínimo, infernal, ter que manter nossa relação no âmbito profissional. Pelo amor, ele me queria na sua cama e não no seu encalço durante meses. Balancei a cabeça, determinada a fazer com que nosso crivo passasse longe de escolher aquele garoto em especial.
— Boas palavras, Sr. — comentei, ríspida. — Mas, sua boca não nos garantirá o prêmio do concurso, então, faça me o favor.
Aylle e Cattaneo me lançaram olhares desconfiados e eu dispersei sua atenção com a mão, totalmente indiferente ao que eles pudessem pensar. Dei play na música e rezei para que fosse péssimo no improviso. Eu não precisava de tensão sexual para piorar meu estado de estresse rotineiro.

[N/A:*Coloque essa música pra tocar*]


Quando escutei os primeiros acordes da melodia, quis socar a pessoa que tinha selecionado as músicas daquela playlist. Que merda era aquela. Apoiei as mãos no rosto, xingando o mundo, enquanto Aylle ria baixinho ao meu lado.
Levantei os olhos para encontrar um sorrindo de canto de boca. Observei seus passos destemidos ao meu encontro, enquanto ele balançava o corpo ritmado e fazia meus pensamentos se perderem no seu corpo. Senti sua mão envolver a minha, puxando-me ao seu encontro e me arrastando até a cadeira que estava no meio do palco. Jesus. Alguém me tira daqui.
Cai sentada como uma pata, escutando a risada rouca de ecoar ao meu redor, fazendo com que os pelos da minha nuca se eriçassem de excitação. Ele estava brincando comigo. Balancei a cabeça com desdém, irritada pela posição desfavorável ali. se afastou para que eu pudesse contemplar sua coreografia e deu as costas para seus avaliadores, como se estivéssemos em um show privativo à lá Magic Mike*. Cruzei os braços sobre o peito e lhe lancei meu melhor olhar de depreciação. Ele realmente achava que seu charminho ia me convencer de que ele poderia ser melhor que Dante?
continuou balançando o corpo no ritmo da música e começou a passar as mãos pelo abdome trincado, fazendo meus olhos percorrerem, talvez um pouco sedentos, o caminho desenhado pelos seus dedos. Senti o coração pular quando a barra da camisa subiu, indicando sua intenção de tirá-la. Aquilo era proibido, certo? Atentado aos pudores, socorro. arqueou as sobrancelhas em desafio e sentou em meu colo, fazendo com que a minha respiração ficasse ainda mais ofegante com a proximidade. Seu rosto ficou a centímetros do meu e eu pude captar o brilho de divertimento em seus olhos. Tentei desviar minha atenção para o teto novamente, mas dessa vez, seus dedos estavam próximos o suficiente para reivindicar meu olhar para si. tocou meu queixo suavemente, deixando claro que minha apreciação deveria ser só dele enquanto ele guiava as minhas mãos com as suas, fazendo com que eu subisse cada centímetro da camisa observando o divertimento ganhar toques de luxúria.
Meus dedos sentiam uma corrente elétrica que passava por nós e se alojava direto no meio das minhas pernas. Aquilo não era possível. Quando contemplei o tronco de desnudo, ele levantou e atirou sua camisa em mim, como se eu fosse a sua vadia. Ruborizei, em dúvida entre a raiva e a vergonha. era um idiota.
Arrisquei um olhar para Aylle e Sr. Cattaneo e ambos demonstravam risinhos, no misto entre incredulidade e diversão. Me ajudem, seus merdinhas.
Fechei os olhos, me negando a ver o espetáculo de horror a minha frente, eu não merecia aquilo. Erro meu, pois sem a visão, eu não poderia prever os movimentos de naquela dança maluca que ele inventara. Arqueei surpresa quando senti sua mão se fechar nos meus fios de cabelo da nuca, enquanto ele acariciava minha pele com a boca rosada, trilhando um caminho de beijos até mordiscar o lóbulo da orelha. Tremi com o arrepio e abri os olhos para encarar seu rosto, a intimidade era palpável ali, como se de alguma forma, ele conhecesse cada pedaço do meu corpo, como se eu pertencesse a ele desde muito tempo, mesmo antes de conhecê-lo.
Ficamos nos encarando pelo que pareceu uma eternidade e foi como se estivesse tentado a descobrir todos meus segredos através de um olhar, ele queria me invadir, me transbordar, conhecer cada canto da minha alma. Desviei o olhar, incerta sobre a conexão profunda que despertávamos no outro.

Now that you are out them clothes
(Agora que você está sem roupas)
I just wanna see you dance in slow
(Eu só quero ver você dançar em câmera lenta)
Slow motion
(Câmera lenta)
We can take, we can take
(Nós podemos, nós podemos)
We can take our time, baby
(Nós podemos ter nosso tempo, baby)
In slow motion
(Em câmera lenta)

Ele se afastou, pela primeira vez desconcertado com o que estava ali. Ele sentira o clima. Observei seu corpo realizar uns passos bem coordenados, um misto de break com sensualidade e agradeci mentalmente quando a música terminou, livrando-nos do feitiço que estávamos imersos.
Levantei de supetão, ansiosa para voltar a um lugar seguro que não tivesse a influência dos feromônios vindos de . Joguei a camisa de volta nele, quase como se ela queimasse em minhas mãos e bem ansiosa para devolver ao seu corpo uma cobertura que me ajudasse a recuperar o juízo.
— Bem, isso foi, no mínimo, um espetáculo interessante, Sr. — comentou Aylle, segurando o riso, enquanto direcionava um olhar intrigado para mim.
— Nós entraremos em contato até o próximo domingo. Obrigado pela apresentação — falou Cattaneo, simpático.
Sorri amarelo, tentando recuperar meus batimentos cardíacos normais e vendo acenar e se retirar do cômodo, me deixando sozinha com meus pensamentos eróticos sobre seu corpo.
— UAU! Vocês tem uma química do caralho, ! — soltou Aylle, sem conseguir se controlar. — Você já foi um voyeur, Cattaneo? Tenho a leve impressão de que fomos iniciados nesse mundo agora.
Revirei os olhos contrariada.
— Discordo completamente, sou a favor de ficarmos com aquele do segundo dia, aquele dos passinhos de robô — solicitei, indignada, escolhendo ignorar seu comentário sexual.
— Com certeza não! Fala sério, ninguém te chamaria de frígida se visse o efeito que esse tal de te causa. Pelo amor de Deus, , ele é quente. — argumentou minha agente.
Desviei os olhos para o Sr. Cattaneo, ele com certeza ficaria do meu lado e ignoraria os apelos da louca presente ali. Mas, quando encarei seu semblante, me arrependi amargamente de ter contratado ambos para fazerem parte da minha equipe. Será que ele podia tirar o sorrisinho convencido do rosto?
— Minha ragazza, esse garoto é a solução dos problemas. Vocês são incríveis juntos, deu, como vocês dizem? Match.
— Vocês não podem estar falando sério! — murmurei.
, queremos ganhar aquele idiota do Dante e agora você tem o parceiro perfeito para isso. Não dificulte as coisas, pelo menos uma vez na vida, sim? — pediu Aylle, franzindo o cenho pra mim — Me diga que vai pelo menos tentar, ok? Se não der certo, procuramos outro. De novo.
Balancei a cabeça avaliando a situação. Doeria tanto ficar perto de ? Aquela birra era apenas porque ele me fez sentir alguma coisa? Não qualquer coisa, eu sei, mas talvez aquilo fosse apenas falta de bons homens na minha cama. Eu precisaria administrar para que a química ficasse apenas nos termos profissionais, mas de qualquer forma, eu concordava que seriamos bons juntos. Fechei os olhos, sabendo o lado que precisava tomar, apenas indecisa se eu realmente queria-o.
"Querer e precisar são coisas diferentes, " ouvi minha sábia interior mencionar. Merda. Eu precisava de para aquele concurso, não seria como pedi-lo em casamento, poxa. Eu só teria contato no trabalho e nada mais. Seria fácil. Fácil, sussurrei para mim mesma enquanto dizia um "sim" para os dois que aguardavam, ansiosos, o meu veredito.
Puxei o celular, enviando uma mensagem para , de certo, a presença de “louca” e “parceiro escolhido” no texto chamaria atenção da minha melhor amiga e eu precisaria de alguém para me dizer que aquilo era insano. era insano. Mas, talvez, de alguma forma, desse certo e então, minha estrela alçaria voo com a supernova que tinha balançado meu mundo.



*Magic Mike é um filme, maravilhoso, que retrata a vida de dançarinos stripers.

III

'S POV:


Encarei o celular em cima da mesa, batucando os dedos na madeira, apreensivo. Desde o teste, eu tinha provado do senso de humor da vida, já que recebi ligações até da operadora e nem sinal da produção de . Eu estava prestes a roer todas as minhas unhas.
Quando sai da sala, sem camisa e descabelado, James me olhou torto como se eu tivesse jogado fora a nossa única oportunidade de sair da fossa e então, eu realmente me perguntei se não tinha feito isso. Não sei o que me deu. A música bombeou poder no meu corpo e eu fui seguindo seu ritmo até me ver próximo demais dela. , a garota do café.
Sorri com a lembrança. Eu conseguiria reviver com tenacidade o momento em que ela sorveu o capuccino, fechando os olhos como se degustasse o melhor vinho chileno. Não pude deixar de observa-lá ali, tão sensual sem ter consciência disso. Foi inevitável não me aproximar, meus dedos suplicavam por tocar sua pele e conhecer seu cheiro, aquela mistura suave de baunilha e sândalo que povoava o seu redor.
Senti uma fisgada só de imaginar seu corpo deitado nos meus lençóis, derramando os fios de cabelo no meu travesseiro. Ela seria uma pintura que eu gostaria de apreciar.
Despertei dos meus devaneios com a vibração do aparelho em cima da mesa, eu precisava atendê-lo mas não sabia se aguentaria mais uma ligação inútil. Segurei-o, encarando no visor um número desconhecido. Por favor, não seja trote.
— Bom dia, Sr. ! Aqui é Aylle Hayes, agente de . Você está disponível para uma conversa? — perguntou a voz carismática do outro lado da linha.
Suspirei aliviado, pelo menos, eu teria o retorno para as minhas dúvidas. Restava apenas acreditar que minha química com tivesse sido forte o suficiente para convencer meus avaliadores.
— Olá, Sra. Hayes! Claro. Ao que devo a honra? — respondi, tentando manter meu tom de voz neutro, sem deixar escapar o quanto eu estava ansioso por aquele diálogo.
— Podemos nos encontrar no Café Morceau d' Sucre na 5th avenue? Tenho uma proposta para debatermos.
Balancei a cabeça como se a agente pudesse me ver e só depois me toquei de que precisava responder. Combinamos o prazo de 20 minutos que era o tempo até eu chegar ao local marcado. Sai correndo, pedindo que a resposta viesse o quanto antes para confortar meu coração, e bolso, ansiosos.



*



Parei em frente ao pequeno bistrô que se escondia em meio aos grandes painéis de LED que se estendiam pela avenida. Abri a porta de vidro e varri o ambiente com o olhar, até encontrar os cachos ruivos característicos da agente de . Caminhei até lá e pedi licença ao me sentar na mesa à dois que ela tinha escolhido próximo a vidraça.
— Senhor — Aylle estendeu a mão, formal. — Fico feliz que tenha vindo o quanto antes.
Sorri, apertando sua mão de forma firme.
— É um prazer revê-la.
— Então, posso dizer que seu prazer vai aumentar quando souber que foi selecionado na nossa peneira — piscou Aylle — Você ainda tem interesse, né?
— Me diga onde eu assino e quando posso começar — sorri, divertido.
Parte de mim estava desapontado de não encontrar minha querida parceira naquela reunião, mas talvez, fosse melhor manter tudo nos termos profissionais, né? Eu tinha conseguido o que precisava, um trabalho. E faria isso envolvendo o que mais gosto na vida, a dança.
Puxei o celular disfarçadamente, clicando no contato de James:
Eu: ei trouxa, acho que você tinha razão sobre o teste.

James: mano, aquela parte de tirar a camisa ferrou tudo, né? Eu te disse, seu idiota.
Eu: talvez eles não tivessem ninguém melhor então, porque estou prestes a assinar meu contrato.

James: WTF! Você passou???????? Temos que comemorar, fdp sortudo.
Sorri, guardando o aparelho no bolso, enquanto ouvia Aylle me explicar os termos da relação que estávamos estabelecendo. Seria um contrato pelo período de 1 (um) ano, podendo se estender caso os contratantes entrassem em acordo; iríamos participar de vários eventos, incluindo apresentações especiais em programas de TV e eu teria que cumprir a carga horária de 8h por dia, variando entre ensaios e condicionamento físico.
Acenei em concordância, puxando a caneta para rabiscar meu nome ao lado, do já preenchido, espaço de . Não pude deixar de notar o arrepio que me percorreu ao ver pela primeira vez a associação de nossos nomes juntos. Ali era o início de algo novo, algo que eu torcia para que desse certo, porque eu estava entrando de cabeça.

'S POV:


Tirei os óculos escuros e ergui os ombros de forma imponente diante da visão de conversando animadamente com Sr. Cattaneo. Ambos sorriam, ignorando a impossibilidade deles serem amigos, aquilo não era bom. Caminhei lentamente, ruminando todos os possíveis desfechos para esse primeiro dia de parceiros. Ele iria pisar no meu pé? Ridículo. Iria desistir quando provasse do meu gênio difícil? Sorri com a possibilidade. Balancei a cabeça, sentindo a repentina amargura de pensar no quanto eu precisava dele ali.
Depois que concordei em aceitá-lo como minha dupla, Aylle repassou o contrato comigo, deixando claro que apesar de ser uma relação mútua, eu perderia muito mais que ele se aquilo desse errado. Afinal, dois parceiros escorraçados seriam uma baque enorme para a minha imagem de queridinha da América. Perder um tinha sido difícil, mas eu sobreviveria, perder dois seria mais próximo da comparação de Viúva Negra e não no sentido heroico da palavra.
— Bom dia, princepezza — Sr. Catteneo deu um sorriso aberto em minha direção. Fui acolhida pelos seus braços, sentindo o leve aroma de hortelã que exalava do meu professor. Ali, eu fora transportada para o mais próximo que eu poderia chamar de “casa”, abraçando o homem que eu escolhi chamar de pai. Levantei o rosto para encarar os olhos curiosos de nos observando, enquanto seu sorriso preenchia o rosto como se quisesse iluminar todo o ambiente. Porra de homem bonito. Suspirei, estendendo a mão para um comprimento formal, mantendo-me fiel a promessa de colocar na estande profissional, bem longe dos casos de uma noite.
analisou, divertido, minha palma aberta em sua direção e puxou-a com cuidado, levando o dorso em direção aos seus lábios. O beijo foi o suficiente para excitar uma onda de eletricidade que caminhou por todo o meu corpo e assim, não pude deixar de encarar os olhos brincalhões do meu parceiro, como se ele soubesse exatamente o que estava fazendo comigo. Sorri indiferente, eu não seria afetada por cordialidade barata.
Me desvencilhei do seu toque, ignorando a sensação de perda que a falta do seu calor me dava. Aquilo era idiotice. Período fértil, é você? Busquei um ponto distante dos dois para iniciar meu aquecimento e tirei, distraidamente, as roupas que me protegiam do frio nova-iorquino, ficando só com os habituais top e calça. Arrisquei um olhar para , recebendo sua atenção compenetrada de volta. Bufei. Homens.
— Que tal começar a se aquecer também, queridinho? — murmurei, Rolando os olhos.
— Ansiosa para colocar as mãos em mim, amor? — respondeu , arqueando as sobrancelhas divinamente.
— Você fala como se eu não tivesse alguém melhor para apalpar — respondi, levantando o queixo em desafio. Quem ele pensava que era pra ficar dizendo que eu quero tocá-lo?
— Uma pena, porque eu com certeza estou muito satisfeito de apalpar você. — sorriu zombeteiro.
— Muito bem! — Cattaneo bateu palmas, suprimindo um sorriso — Pelo visto vocês estão mais interessados em aquecer a língua ein! Mas eu tenho um campeonato para ganhar, senhores. Vamos lá!
Ignorei , voltando aos meus exercícios enquanto Sr. cattaneo dava início numa playlist dançante. Soltei o corpo, sentindo a batida rítmica entrar em mim. Era inevitável sentir o sorriso transbordar os lábios quando a melodia dançava sobre minha pele, arrepiando de felicidade cada pelo no meu corpo.
Ao meu lado, parecia contagiado também, arriscando rodopios até chegar em mim, piscando. Alcancei a mão que estendia pra mim e gargalhei, contrariada, quando ele colou nossos corpos para que pudéssemos girar juntos.
No final da primeira musica estávamos ofegantes, rindo igual dois idiotas dos passos à lá dançando na chuva.
— Tenho certeza que caso o campeonato não dê certo, você ficaria ótimo de Mary Poppins, ! — soltou Sr. cattaneo, fazendo-me rir.
— Acho que consigo imagina-ló voando com o guarda-chuva — sussurrei enquanto dava um soquinho em meu ombro, descontraído.
— Vocês vão ficar me zoando o ensaio inteiro? — rolou os olhos — Eu vim aqui pra dançar, não pra ficar fazendo stand up comedy.
Ri da sua careta antes de tomar minha posição para que pudéssemos começar a coreografia. Sr. Cattaneo mostrava os passos marcados por “un, duo, tré, quatro” e eu o seguia, sabendo aquela dança de olhos fechados. Era estranho estar ali, no mesmo lugar, na mesma melodia, porém com alguém diferente. Ao contrário de Dante, sorria entre as musicas e conferia alegria aos movimentos. Sua presença trazia um contentamento que nunca tive com meu antigo parceiro.
Tínhamos repassado a coreografia três vezes até que começasse a sugerir alterações, Cattaneo auxiliava os ajustes e eu palpitava sobre a harmonia do que estávamos criando. Alguns trechos do nosso duo continuavam inalterados, mas outros pareciam ter ganhado um toque de salsa e paixão. Temperos que me fizeram estar sorrindo nos braços de quando Sr. Cattaneo anunciou o fim dos trabalhos. Pisquei, assustada ao constatar o quanto o tempo passou rápido. E assim, sem pisão no pé e sem desistências, o primeiro contato tinha acabado junto com qualquer receio que eu tivesse sobre aquilo dar certo. Eu era perfeita para , ao menos na dança. Caminhei em direção a minha mochila, consciente do ronco que vinha da minha barriga. Eu poderia comer um boi aquela altura. Avaliei a possibilidade de chamar para o almoço, mas então lembrei que ela provavelmente já teria saído com , afinal ninguém passa 3 horas do horário comum só para ter o prazer de comer comigo. Revirei os olhos, malditos horários de ensaio. Olhei para , trocando o peso nos pés, em dúvida se deveria convida-lo para o almoço. Seria pratico, já que ambos estávamos esfomeados depois de tanta dança, mas talvez soasse como ultrapassar o limite tênue que eu havia delimitado ao assinar o contrato em minha mente. Eu não podia deixá-lo interpretar errado aquilo, precisava estar segura e um romance nos levaria a uma montanha de sentimentos que nesse momento, bufei, seria tudo menos conveniente.
— Você quer me falar algo, ? — perguntou , me lançando um olhar compenetrado como se quisesse invadir meus pensamentos.
— Ãhn? Eu? Ah, por que a pergunta? — respondi, tentando dissipar a surpresa.
, faz cinco minutos que você tá me olhando. Pare de me encarar como se fosse uma psicopata — sibilou , rindo ao final.
— Eu não to te encarando, idiota! — resmunguei — Apenas ia te convidar para almoçar, mas você é uma companhia muito irritante.
Peguei minhas coisas, ignorando a risada que escapou de . Por que eu pensei em convida-lo mesmo? Aquilo era ridículo.
Cheguei até o portão do estúdio e me virei para seguir o caminho de casa. Eu estaria muito bem servida com miojo e Coca-Cola. Uma delicia.
Agarrei a mochila nos ombros e apressei o passo, até sentir uma mão recobrir a minha e me puxar para o lado contrário. Pulei de susto e encarei que sorria convencido, me arrastando para onde quer que fosse.
— Pra onde você pensa que tá me levando? — perguntei, séria.
— Eu sei o lugar perfeito 'pra gente almoçar! — respondeu, ainda me guiando por entre as pessoas.
Desviei o olhar do seu sorriso para as nossas mãos unidas e só então me dei conta do quanto seu calor era bem vindo. Eu não gostava de luvas, me faziam perder a sensação tátil e isso era horrível, então eu precisava lidar com o frio, normalmente, escondendo-as dentro da jaqueta, mas a mão de , entrelaçando nossos dedos, e fornecendo ondas de prazer pelo meu corpo, era uma boa solução também. Pelo calor, apenas pelo calor.
Seguimos pelas ruas frenéticas e paramos num restaurante mais afastado da confusão nova-iorquina. Encarei a fachada, pintada em salmão claro e decorada com ornamentos de flores brancas e vermelhas. Parecia aconchegante.
me puxou em direção à porta e escutei um sino alertar nossa entrada. O ambiente tinha o mesmo padrão do lado de fora, com arranjos florais espalhados pelas mesas, dando um ar de jardim encantado. Quase esperava ser servida com uma maçã envenenada ali.
Tive tempo de passar o olhar rápido até uma cabeça loira sair da cozinha:
— Estamos fechando, senhor... - começou a falar — ah! !!!!!! É você! Por que não me avisou que viria?
A loira gritou correndo para abraçar , que por sua vez, largou a minha mão para envolver a mulher em seus braços. Ah, ótimo, ele tinha namorada. Ótimo mesmo, né? Zero preocupação sobre mal entendido, né? Né?
Tranquei o maxilar, avaliando o porquê do súbito aborrecimento. Aquela criatura loira animada era a solução pra todos os meus questionamentos sobre manter o nível profissional com . Era a resposta de Afrodite aos meus pensamentos. Eu diria obrigado a Deusa?
Plantei um sorriso amarelo no rosto enquanto eu esperava os dois terminarem de se abraçar. Meu bem, procurem um quarto. Deixei escapar uma bufada, fazendo com que virasse em minha direção, como se acabasse de lembrar da minha existência ali.
— Morg, essa é , a minha parceira de dança, eu te falei dela né? — comentou , afrouxando o abraço na garota.
— Ah sim, claro! A famosa — respondeu a loira, dando-me um sorriso brilhante. — Não sabia que vocês já tinham começado os ensaios, precisamos comemorar, !
Meu Deus, eu poderia sair dali correndo para não ter que ver eles “comemorando” nossa parceria. Estendi a mão para Morg e recebi em troca um aceno, Despensando meu gesto enquanto ela se aproximava para me dar um abraço. Olhei para por cima da cabeça de Morg e ele sorriu, dando de ombros. Eu precisava ser amiga da namorada dele também? Que porra.
— Prazer em te conhecer, ! Eu sou a Morgana, mas pode me chamar de Morg — falou a menina.
Sorri, soltando-me do seu abraço o mais rápido possível sem que parecesse mal educação.
— Prazer também, Morgana! Você é a dona do lugar? — questionei, com curiosidade.
— Sim! Eu amo cozinhar, vai ser uma honra servir a queridinha da América! — suspirou, encantada. — Eu realmente gostaria de ter te visto dançar o Lago dos Cisnes, li algumas resenhas que diziam coisas incríveis.
Corei momentaneamente. Eu realmente não esperava ser conhecida por aí e não poderia me dizer tão confortável com a fama. Talvez gritaria e flash’s não fossem o sonho de todo mundo.
— Eu gosto de Lago dos Cisnes, mas acho que a interpretação de Quebra Nozes foi a melhor até agora — comentou sorrindo e eu agradeci com um aceno tímido.
Morgana indicou uma mesa a dois e fez os nossos pedidos, escolhendo aquilo que achava que eu gostaria, já que, cismou em me fazer uma supresa. Revirei os olhos, imaginando a manchete do The New York Times dizendo “Bailarina prodígio morre envenenada por parceiro” Sensacionalista, eu diria.
— Então, o que achou do nosso primeiro dia? — perguntei para , me distraindo com as tiras do guardanapo em meu colo.
— Sabe, acho que poderiam arranjar uma dançarina melhor, mas né — respondeu.
Levantei os olhos, repentinamente, irritada com a colocação e encontrei rindo abertamente de mim.
— Você é ridículo, ! — bufei.
— Adoro quando você fala isso. Fica tão excitante saindo da sua boca — sussurrou, próximo o bastante para que só eu ouvisse.
— Você é um cachorro! Sua namorada bem ali e nem assim você deixa de flertar comigo, por favor, !
Revirei os olhos diante da risada de . Ele apoiou os braços na barriga, gargalhando até ficar vermelho enquanto eu fazia a minha melhor cara de incógnita. Aquele menino era perturbado.
— Você não acha que a Morg é minha namorada né? — perguntou entre risadas — Pelo amor de Deus, ! Morg é minha prima.
Franzi o cenho diante da informação. Prima? Ué. Se primos se abraçam daquele jeito, podem muito bem se beijar, não?
— Dizem que primo não é parente, é presente — respondi arqueando as sobrancelhas.
— Concordo — sorriu — Mas, Ivina me mataria se eu colocasse algum dedo na sua mulher.
— Ivina? Quem?
— Morg é lésbica, . Ela e a mulher dividem a propriedade do restaurante. Morgana cozinha e Ivina administra. Elas são tipo o melhor conceito de alma gêmea que eu já vi.
— Ah! — deixei escapar, envergonhada pelas minhas suposições.
— Relaxa, . Não tem ninguém competindo com você pelo meu coração — piscou.
— Quem disse que eu quero seu coração, ? Eu vou fazer picadinho dele na primeira oportunidade — rebati.
— Nossa! Que selvagem. Eu acho que gostei - suspirou ele, me deixando ainda mais irritada.
! Vamos ser apenas amigos, ok? Eu preciso vencer a competição, nós precisamos! E essa tensão sexual não vai nos levar a lugar nenhum...
— À minha cama talvez? — me interrompeu.
— E isso não seria algo bom, seria? — revirei os olhos.
— Eu acho que não seria bom, seria melhor do que isso — soltou ele, rindo. Para logo fechar a cara enquanto observava minha carranca — Tudo bem, . Depois dos primeiros três orgasmos eu deixo você voltar a argumentar.
Bufei.
— Eu posso muito bem tê-los em casa... com meus dedos. Deixe de ser um babaca presunçoso — resmunguei, tentando não pensar muito na possibilidade que ele me indicou — Eu quero seu corpo apenas na pista de dança, fora dela, vou te tratar como portador de uma doença infecciosa.
— Eu sei que você não me quer, não precisa me tratar como a serpente do seu Jardim do Éden — revirou os olhos, antes de fazer um biquinho tristonho — Mas te irritar é algo tão divertido.
Suspirei. Eu não queria ele, né?
— Não vamos complicar as coisas. Precisamos estar cientes de que não temos nada além de trabalho, ok?
— Tudo bem! — disse simplesmente.
Desviei o olhar, ouvindo minha voz interna gritar que eu estava fazendo uma confusão num copo d’água. Era óbvio que dois adultos conseguiriam manter uma relação de negócios sendo apenas aquilo que o nome diz: um negócio. Mas, nem por isso, eu conseguia acalmar os ânimos no meu interior. Algo me dizia que aquela discussão toda deveria estar sendo travada não com , mas sim, com meu coração. Afinal, ouvir de que ele não se apaixonaria por mim era fácil, restava agora... eu fazer o mesmo por ele.

IV

Cinco dias de ensaio, inúmeras alterações na coreografia e muitas oscilações de humor resumiam meus dias com . Estávamos ali, parados, com seus braços envolvendo meu tronco e minhas mãos levemente pousadas em seus ombros, encarando-nos na posição inicial da nossa dança, pela quinquagésima vez. Eu tinha gravado cada vinco do seu corpo, cada reentrância dos músculos. Tinha gravado a sensação do seu calor me preenchendo, do arrepio que sua pele gerava na minha. A voz rouca que sussurrava em meu ouvido toda vez que errávamos um passo e isso tinha acontecido várias vezes já que era difícil se concentrar com tão próximo de mim.
Estávamos ali, com os olhos grudados um no outro, como tantas vezes antes, mas agora, os dele brilhavam de divertimento, como se repetir a coreografia fosse algo que ele gostava de fazer.
— Pare de me olhar assim, ! Você pediu para sermos apenas amigos — sussurrou , soltando uma risadinha.
— Nós somos apenas amigos! Não seja ridículo — resmunguei, sentindo sua mão deslizar pelas minhas costas até parar na curvatura da bunda, espalmando-a ali.
— Não é o que o seu corpo me diz, amor — ele respondeu, flertando deliberadamente comigo.
Nosso conceito de "apenas amigos" se definia ali, entre cantadas e brigas que faziam do nosso cotidiano uma pequena zona de campo minado. permanecia no morde e assopra como quem adora me ver corada e quente, mesmo sabendo que o caminho da sedução levaria diretamente ao nosso fracasso como dupla.
Desviei minhas mãos da posição inicial e me apossei da dele, guiando-a até o meio da minha costa novamente, lançando-lhe um olhar sério para que ele a mantivesse ali. Suspirei, preparada para discorrer o sermão que estava na ponta da língua sobre provocações, mas ouvi a melodia começar e agradeci à Sr. Cattaneo pelo, sempre perfeito, timing.
sorriu com o canto da boca, levando-me por cada canto do salão. Era incrível como, mesmo com passos iguais, a dança se aprimorava a cada tentativa. Deslizei no nosso "pra lá e pra cá" tenro, sentindo os corpos se moldarem a cada movimento. girou meu próprio eixo, me deixando de costa em seu peito, dando-lhe livre acesso ao meu ombro, enquanto seus braços rodeavam minha cintura e me puxavam para mais perto. Dali, eu conseguia sentir a respiração quente de em meu pescoço, deixando-me ciente da proximidade e dos efeitos que seu toque me despertava. Era como se meu corpo vibrasse em busca de sua atenção. Pelo menos ali, eu me permitia ser viciada no seu contato, buscando qualquer pedaço de pele que me enviasse ondas de eletricidade.
Nós tínhamos um tipo de encaixe perfeito, uma conexão que me fazia acompanhá-lo por toda a dança sabendo exatamente o que ele planejava fazer a seguir.
Ao final da melodia, palmas me despertaram daquele mundo onde só existia eu e . Pela primeira vez, acertamos a coreografia sem dispersar e por isso, Aylle nos observava emocionada. Sorri, me afastando de para fazer uma reverência irônica, gerando risadas em Cattaneo. acompanhou meu gesto, sorrindo feliz com o reconhecimento da pequena plateia.
— Vocês são maravilhosos juntos! Acho que vou chorar — comentou Aylle, fingindo limpar uma lágrima.
— Fala sério, Aylle, eu sou maravilhoso! A é só OK! — respondeu , esbarrando o ombro no meu e arqueando a sobrancelha em divertimento.
— Ha Ha, ! Não sei o que você faria sem mim, afinal, precisamos de dois para dançar, não? — revirei os olhos. Idiota.
— Crianças... Prefiro quando estão calados — murmurou Catteno, nos fazendo rir.
— Cattaneo sempre pertinente nos comentários. Mas de qualquer forma, não vim aqui para aplaudi-los — falou a Agente — Tenho ó-ti-mas notícias!
Peguei minha garrafa de água e comecei a beber o líquido translúcido enquanto esperava Aylle continuar. Provavelmente, ela teria fechado mais um patrocínio para nós e eu iria matá-la se eu tivesse que fazer mais um Publipost sobre Tenispé, pelo amor de Deus, da onde tiraram a ideia de que toda bailarina tem chulé?
— Vocês não vão acreditar quem convidou-os para o seu programa! — exclamou ela, animada — Você tem três tentativas, !
Uau, essa era difícil.
— Me dê uma dica! Programa de Tv? Rádio? Internet? — murmurei, colocando os neurônios para pensar — Jimmy Fallon? — "não" — Oprah? — "talvez no próximo" — Larry King?
— Meu deus, ! Errou todas — Aylle riu, enquanto eu bufava de curiosidade — Ellen, maravilhosa, DeGeneres!! Você já pode gritar.
— O QUÊ? Não acredito, Ayllie! Como você conseguiu? — pulei animada.
Eu era, simplesmente, apaixonada pelo trabalho daquela mulher. Passava algumas das minhas horas de folga rindo dos programas que eu tinha gravado na TV e estava realmente animada com a possibilidade de conhecê-la pessoalmente. Ellen era uma inspiração de mulher.
— A produção dela me procurou, disse que seria muito interessante saber os planos da nossa dançarina favorita e que eles queriam conhecer melhor o seu novo parceiro misterioso.
— Ah sim — murmurei — : aonde vive? do que se alimenta? como se reproduz? Sexta feira no The Ellen DeGeneres Show — falei em tom de brincadeira.
revirou os olhos, lançando-me um cotoco pelo fato de ter me referido a ele como um bixinho de estimação. Hm, provocações são jogos que dois podem jogar, amor.
— Preciso que vocês estejam no estúdio amanhã às 9horas, não se atrasem, tem todas aquelas etapas de maquiagem antes de enfim começarmos a gravar e quanto antes terminarmos, mais cedo vocês ensaiam — pontuou Aylle.
Dei de ombros, já acostumada com todo o processo, plantando um sorriso de orelha a orelha no rosto. Seria incrível aparecer no programa, não só pela oportunidade de conhecer Ellen, como também pela visibilidade que nossa parceria ganharia. Era o momento certo para começar a cativar o público sobre a nossa relação.
Eu não adquiri muitos fãs com Dante, talvez eles realmente sentissem que não havia paixão naquilo, eram mais clubes dispersos de seguidores antigos e pelo fato de ser um New Face, eu acreditava que as pessoas, pelo menos as garotas, ficariam tentadas a fazer um shipp. Sorri com a possibilidade. Seria o início de # por ai?

's POV:

Quando cheguei ao set de gravação fui engolido por uma equipe de maquiadores e cabeleireiros, me deixando sem a oportunidade de procurar por . Balancei a cabeça, me distraindo com a pequena cabine que tinha meu nome na porta. Sorri, eu precisava mandar aquilo para James, afinal, não era todo mundo que tinha uma estrela com seu nome né? Fala sério.
Me acomodei na poltrona que fui indicado e quase cochilei quando uma mulher veio ajeitar meu cabelo, fazendo cafuné e me lançando um olhar paquerador. Sorri contido, decidindo não dar muitas esperanças já que eu não estava em busca de romance. Cumprimentei o maquiador que falava loucamente, algo sobre minha pele ser incrível e que eu seria o próximo queridinho da América com aquele rosto. Puff, minha beleza era nada demais, não sei porque todo mundo ficava cativado com ela.
Fechei os olhos enquanto Luigi, o maquiador, tascava algum pó desconhecido na minha cara e me perguntei quanto tempo aquilo ainda ia demorar. Apesar de muito divertido, Luigi estava me cansando com toda aquela parafernália que passava em mim.
Suspirei aliviado quando Aylle apareceu, me chamando para ir ao encontro de e eu levantei de bom agrado, ansioso para o começo do programa. Era a primeira vez que eu me encontrava em frente às câmeras e os produtores se encarregavam de fazer milhares de testes até ajustar a luz em meu rosto.
Desviei o olhar quando o holofote me cegou e observei entrar no meu campo de visão, ela estava sentada em frente a um espelho camarim enquanto a maquiadora dava os últimos retoques no seu rosto. Segui o pincel pelas suas bochechas, admirando o tom bronzeado que ela ganhara e suguei o ar com força quando abria um pouco do roupão para que seu colo ganhasse cor. Perdi o olhar na curva suntuosa que indicava os seus seios. Eu realmente estava sentindo vontade de ser o pincel agora.
Balancei a cabeça, um estúdio lotado era o último lugar para ficar de pau duro. Recuperei o equilíbrio um pouco antes de caminhar na minha direção, ostentando um sorriso de dois milhões de dólares. Sorri também, afinal, era impossível ver aquela criatura irritantemente gostosa rindo para você e não partilhar do seu espírito.
— Me disseram que maquiadores fazem milagres, mas você continua o mesmo, comentou zombeteira.
Levantei a sobrancelha em desdém, enquanto seguíamos juntos até nossos lugares marcados.
— Não podem melhorar o que já está perfeito, . Sinto muito — pisquei, lançando meu melhor sorriso.
revirou os olhos e abriu a boca para rebater meu comentário, mas foi impedida pela entrada de Ellen. A mulher loira nos lançava um sorriso cativante enquanto andava rapidamente em nossa direção, arrisquei um olhar para e eu poderia palpitar de que seu coração de fã estava a mil em conhecer a apresentadora. Limpei o suor das mãos na calça jeans, afinal, era impossível não estar nervoso diante da minha primeira vez na televisão... Quem diria que eu deixaria de lado os cálculos e estaria prestes a ser notícia nacional pela dança.
! É um prazer finalmente conhecê-la. — falou Ellen, aproximando-se para cumprimentar .
— Oh! Eu que o digo. Ficamos muito felizes com o seu convite — minha parceira sorriu e se virou para mim — Deixe eu te apresentar o ! Ele é meu novo parceiro de Dança e nem tente... não vou contar como fiz para achá-lo.
Nós sorrimos enquanto Ellen fazia um choque fingido diante da declaração de , estendi minha mão para cumprimenta-la e recebi seu abraço em troca.
— Não se preocupe, Ellen. A é estraga prazeres, eu conto a você como ela conseguiu conquistar um parceiro tão bom.
Ellen piscou para mim e a produção assinalou que iriamos começar o programa assim que todos estivessem prontos. Ficamos aguardando nos bastidores, esperando a plateia reagir aos nossos nomes.
— Boa noite! — Ellen sorriu carismática — Vocês pediram fervorosamente, então recebam os dançarinos queridinhos da América: e .
puxou minha mão em direção ao palco e eu sorri ao entrar no estúdio que agora, ensurdecia em gritos. Por favor, não me deixe tropeçar, @Deus. Sentei ao lado de , na poltrona que ficava em frente a apresentadora e senti o nervosismo subir a tona como uma dose de whisky puro no estômago. Com certeza, se eu falasse algo errado, iria me matar.
— Oi pessoal — sorriu, simpática.
— E aí, galera? — acenei em direção à plateia que me retribuía com suspiros e gritinhos. Sorri.
Senti apertar minha mão como se quisesse me confortar, de certo, para ela, aquilo não era nada demais, só mais uma de suas mil aparições em programas nacionais. Devolvi seu aperto afirmando que ficaria bem.
— Quer dizer que finalmente vocês encontraram uma brecha na agenda para visitar meu programa, ein? — Ellen instigou, enquanto soltava uma gargalhada.
— Você sabe que não estaríamos entre os melhores se não treinássemos, né? — pigarreou, distraída.
— O que aconteceu com o "nascemos perfeitos" que você me diz todos os dias? — falei, levantando a sobrancelha em desafio, sendo acompanhado por risos da plateia.
— Oh, , não derrube sua parceira em rede nacional — Ellen sorriu — Imagino que isso vai colocá-lo em apuros depois.
— Com certeza depois de alguns pisões no pé ele irá aprender, não se preocupe — frisou, lançando-me um olhar frio.
Direcionei minha cara triste para a plateia que, compadecida, começara a gritar "ele só merece beijos", "não faz isso com ele, ". Ellen sorriu, antes de continuar.
— Parece que você está desfavorecida aqui, . Mas, não se preocupe, vamos desfazer a imagem de bom moço de jogando "Eu nunca".
Dito isso, Ellen puxou três plaquinhas que tinham escrito "eu já" de um lado e "eu nunca" do outro, enquanto a plateia levantava empolgada e assobiava gritos animados. Me debrucei na cadeira para alcançar minha plaquinha e me preparei para responder perguntas supérfluas enquanto a apresentadora explicava a brincadeira. Com certeza, aquilo não chegaria nem perto do nível de baixaria que encontrávamos quando vodka era adicionada a brincadeira.
— O.K. Vamos começar com algo básico, vocês sabem, condizente com o horário — Ellen riu — "Eu nunca stalkeei o crush e curti a foto sem querer".
Puxei minha plaquinha e virei prontamente o lado do "eu nunca", observando Ellen e mostrarem o lado oposto do meu e reclamarem em protesto.
— Qual é ! Essa pergunta nem era válida pra você, aff! Você é O crush das pessoas. — argumentou, fazendo Ellen balançar a cabeça em concordância.
— Talvez eu só não seja desastrado igual vocês duas — ri, divertido.
— "Eu nunca mandei nudes" — a apresentadora sentenciou, olhando curiosa para a plaquinha dos seus convidados. ergueu o seu "eu nunca" e maneou a cabeça para esperar minha resposta. Senti o rosto esquentar ao pensar que meu uso pouco puritano do snapchat estaria prestes a ser revelado. Aquilo só poderia ser castigo por eu ter julgado a brincadeira antes de começar.
— Eu achei que esse programa tinha faixa etária livre — franzi o cenho.
— Faremos uma edição especial +18 com o teor das perguntas nesses cartões — Ellen respondeu, piscando.
Girei a plaquinha pro "eu já" escutando a plateia pirar e alguns gritarem "manda pra mim", fazendo com que o sorriso, antes tímido, em meus lábios virasse um riso frouxo.
— Preciso adicionar você nessas redes sociais — comentou com falsa inocência, deixando os espectadores ainda mais empolgados.
— Só eu estou achando um pouco quente aqui? — Ellen perguntou, se abanando e gerando mais risadas — Próxima: "Eu nunca fiquei com um famoso".
— Ei, essa é golpe baixo. — assobiou, mostrando a plaquinha do "eu já" acompanhada por Ellen que, sendo casada com uma famosa, nem poderia mentir.
Gargalhei levantando o lado "eu nunca", afinal, se eu mesmo não era famoso até semanas atrás, como esperava-se que eu ficasse com alguém assim?
, não minta! Você bombou na última semana, não acredito que suas fãs de Hollywood não quiseram estreitar as relações — Ellen questionou.
não me deu tempo de folga para sequer descobrir minhas fãs — sorri — Mas, você pode ser a primeira, Ellen.
Observei a apresentadora colocar uma mão no coração, como se tivesse chocada e pisquei, na tentativa de ser sedutor.
— Desculpe , mas eu não gosto dessa fruta — a apresentadora respondeu, sorrindo. — Eu estaria mais perto de apaixonada por , do que por você, sem ofensas.
— Difícil não se apaixonar por essa mulher, né? — questionei, direcionando meu olhar para , que ruborizava e balançava a cabeça em descrença, como se fosse idiotice falar algo do tipo. Mas, sentado tão próximo dela, vendo o cabelo cair em ondas ao redor dos seus ombros, o batom vermelho marcar seus lábios e o decote inebriante mostrar parte do seu colo, eu sabia o quanto estava próximo da verdade. era apaixonante, um combo de inteligência, beleza e diversão. Tudo o que preenchia meus dias, me deixando rendido ao seu efeito. Desviei o olhar para a apresentadora, antes que eu começasse a babar em cima da minha parceira.
— Por fim, "Eu nunca fiz sexo em local público" — Ellen soltou, girando sua placa para o lado "eu nunca", fazendo com que eu a acompanhasse e direcionássemos nosso olhar para , que ficava um pimentão a cada minuto.
— Fala sério! Vocês estão mentindo — pigarreou, virando sua placa pro lado "eu já".
Não consegui esconder a surpresa ao imaginar o lado exibicionista e ousado de , talvez pelo seu autocontrole durante os ensaios, aquela informação me pegara desprevenido.
— Ah, eu preciso saber mais! — Ellen se aproximou, interessada, enquanto revirava os olhos, dando de ombros.
— Digamos que eu sou membro do "Mile High Club"* — pontuou , corando.
Observei o rubor subir pelas suas bochechas e suguei o ar com força, evitando imaginar rendida ao prazer no banheiro de um avião. Só de pensar em outro cara tocando aquelas curvas, meu sangue fervia com irritação. Malditos sejam todos que chegaram antes de mim. E maldito seja aquele acordo verbal que mantinha nossa relação apenas na amizade.
— Então você é uma garota que gosta de ser levada as alturas? — questionou Ellen com ironia, deixando ainda mais vermelha.
— Sabe como é, Ellen. Toda garota quer estar nas nuvens, não? — piscou, antes de colocar as mãos no rosto e sorrir envergonhada.
— Sem dúvidas você consegue deixá-las lá, né ? — Ellen instigou, como semeadora da discórdia. Assenti, dando de ombros confiante. — Então, gostaria que vocês nos brindassem com uma dança para nos colocar nas alturas.

[N/A:*Coloque essa música pra tocar*]


Sorri, olhando para enquanto escutávamos o auditório cheio ensurdecer em gritos apoiadores com o começo da música. Levantei e estendi minha mão, aguardando o toque de para preencher o espaço entre nós. O ritmo da Bachata** não era desconhecido para nós, mas não tínhamos nenhuma coreografia preparada para esse momento, então pedi aos céus que fossemos bons no improviso. Guiei para o meio do palco e tirei um segundo para aproveitar a sensação de tê-la em meus braços.
Olhei em seus olhos e sorri diante do arrepio que dominava meu corpo, era sempre assim com , como se estivéssemos conectados, destinados à compreensão que o calor do outro gerava. Era como encontrar o lar depois de anos exilado, eu me sentia completo.
Subi a mão pelo seu braço, sentindo a pele macia sob meu toque, enquanto ancorava a outra em sua cintura, buscando apoio para começar a deslizar sobre a pista. Puxei-a de encontro ao meu corpo, deslizando minha perna entre as suas, fazendo com que resvalasse o corpo esguio na minha coxa. Girei-nos, descendo o tronco de e trazendo-a de volta para entrelaçar nossos braços e virá-la de costas para mim.
roçou seu quadril na minha pelve, fazendo com que eu soltasse um suspiro pesado em seu ouvido e desconfiasse das suas intenções pelo sorriso cínico que habitava seu rosto.
— Me deixar excitado no meio do programa não é uma boa opção — sussurrei em sua direção, antes de afastá-la para fazê-la rodopiar.
— Você é muito fácil, — respondeu ao voltar para meus braços.
Levantei a sobrancelha em desafio e desci as mãos pelo seu tronco, passando pela cintura e puxando sua perna para cima, dando-me um ângulo perfeito para que o cós da calça entrasse em contato com seu âmago. fechou os olhos, desfrutando da união dos nossos corpos e quase resmungou quando tivemos que mudar de posição para continuar a dança.
— Acho que posso dizer o mesmo de você, aeromoça — zombei, evitando fazer careta ao lembrar do fato.
apoiou os braços no meu ombro, puxando meu pescoço em sua direção e colando nossas testas, fixando seu olhar no meu enquanto eu guiava nossos passos pelo estúdio. Peguei sua mão e beijei a palma, roçando meus lábios entre seus dedos, sem deixar que seu olhar escapasse do meu. Ali, eu disseminava todo carinho que sentia por ela, todo o desejo que seu toque despertava em mim, toda eletricidade que percorria meu corpo quando estávamos naquela bolha que criávamos ao nosso redor durante as danças.
orientou minha mão pelo seu corpo, segundo o ritmo dos passos que pareciam tão nossos e ao pousá-la em seu tronco, me permiti explorar a curvatura da sua coluna como se quisesse desvendar cada pedacinho de para mim. Aproximei nossos corpos, colando seu rosto no meu e aproveitando para capturar o aroma doce que exalava dela.

¿Quién puede hablar del amor y defenderlo?
(Quem pode falar do amor e defendê-lo?)
Que levante la mano por favor
(Que levante a mão, por favor)


Ditei nossos passos, marcados pelo ritmo dançante e aproveitei o desfecho da música para manter-nos unidos repetindo o "pra lá e pra cá". Apreciei a proximidade de, dali ela era ainda mais bonita e quando sorria para mim, fazia meu coração dar um salto empolgado. Fechei os olhos ao sentir seus dedos passando pela minha barba e não resisti em retribuir o carinho, acariciando seu rosto. Comecei deslizando meus dedos pelos seus olhos que, assim como os meus, estavam fechados em sinal de contemplação; desci até as maçãs do rosto, sentindo-as se elevarem, indicando o sorriso que eu encontraria ao tocar-lhes os lábios. Me mantive ali, sobrevivendo à vontade de beijá-la e estremecendo com a nossa ligação até que os últimos acordes da melodia soassem e fossemos brindados com uma chuva de aplausos pela plateia.
Nós paramos, abraçados, ainda sob o efeito que o contato gerava. Olhei para Ellen que nos direcionava um sorriso aberto e segurei a mão de para puxá-la até nossas cadeiras.
— Eu estou muito grata e... talvez um pouco excitada de ter recebido vocês aqui — comentou Ellen, sendo apoiada pela plateia — Tenho certeza que vocês irão encantar muita gente com sua dança e eu já posso me considerar fã de #. O que vocês me dizem, pessoal? — ela olhou para o auditório, esperando os aplausos que eles lançaram à ela.
— Oh, nós nem tínhamos ensaiado — resmungou , temendo que a apresentação tivesse sido um desastre.
— Então posso deduzir que o improviso foi fruto da química de vocês? — questionou Ellen, piscando com sagacidade. — E que química, ein!
Mantive um sorriso tranquilo nos lábios, observando minha parceira agradecer à Ellen pelo convite e acenar simpática enquanto finalizávamos nossa participação no programa. Passei meu braço sob sua cintura e caminhei junto para os bastidores, refletindo no quão divertido poderia ser minha vida com , afinal, a presença dela trazia um misto de emoções que eu precisaria de uma eternidade para explicar. E outra eternidade para entender.


*Mile High Club é uma zoação para denominar o grupo de pessoas que já fizeram sexo em aviões.
**Bachata é um ritmo dançante e sensual, vocês podem ter uma ideia melhor assistindo esse vídeo.



V

'S POV:

Deslizei pelo acolchoado do carro e suspirei aliviada por estar a uma distância segura de . Algo naquele menino me deixava sem fôlego, embasbacada, parecia que eu estava prestes a esquecer meu próprio nome só porque ele estava me lançando um daqueles muitos sorrisos incríveis. Ou talvez, porque esse era o efeito de qualquer coisa que ele fazia perto de mim.
Permiti que um pequeno sorriso contemplasse meu rosto, eu ainda conseguia sentir meu corpo vibrando ao lembrar da nossa dança no programa da Ellen, meus dedos coçavam para deslizar por sua pele, compartilhando da eletricidade que o contato nos provocava. Balancei a cabeça, refletindo como poderia adicionar novos significados a algo que já existia em minha vida a tanto tempo. Por mais que a dança fosse antiga, enraizada desde meus primeiros passos, lá estava adicionando sentidos antes inexistentes. Meu celular despertou em meu colo e eu pulei de susto, decidida a tirar do meu sistema naquele fim de tarde, mas, ao me deparar com as milhares de notificações, pude tomar consciência do quanto aquilo seria difícil. O aplicativo do twitter apitava novas menções e eu abri, comprimindo os lábios em uma curiosidade genuína.
"@amamos: liguem a tv agoraaaa! nossa musa @ tá me matando de rir no #TheEllenShow" comentou um dos meus fã-clubes, fazendo com que o rubor subisse para as minhas bochechas assim que eu comecei a lembrar das respostas do "Eu nunca".
"@dadepressão: namore alguém que te olhe assim como olha para Ellen ahahahah @ aquela loira baixinha vai roubar nosso boy amiga, corre" Gargalhei imaginando o casal peculiar que o meu parceiro e a apresentadora fariam. Com certeza, a queimação no estômago que eu tive ao visualizar eles juntos não tinha nada a ver com ciúmes de . Puft, seria mais como pena da Ellen por ter que aguentá-lo.
Encarei o telefone, num misto de riso e susto ao encontrar o próximo tweet: "@oficial: QUE DANÇA FOI ESSA, MEUS AMORES! CASALZÃO DA PORRA. Chorei, só não digo por onde." Nossa parceria já tinha uma conta "oficial" no twitter que eu duvidava que Aylle tinha criado, sinalizando que o carisma de tinha ganhado meus fãs e agora, eles nos viam como um provável OTP*, mesmo que só nas pistas de dança.
Deslizei o dedo pela tela, quase surpresa pelas menções a povoarem metade do meu feed. A maioria se dedicava a alcunha-lo de "sapão" e aquelas mais ousadas mandavam até indiretas, bem diretas, dizendo que ele poderia me trocar por elas num piscar de olhos. Era só o que me faltava, outro parceiro roubado, agora pelos fãs.
Decidi retwittar algumas menções que elogiavam a dança de hoje e a nossa parceria, gerando mais uma chuva de tweets que agora se referiam diretamente a mim, aproveitando que eu estava on-line para perguntar tudo, desde a saída de Dante, até mesmo o número do celular de , algo que eu estava me coçando para enviar e vê-lo pirar com inúmeras ligações desesperadas de fãs.
Abri um sorriso saudoso ao ver o nome de subir na tela e parei para lembrar da última vez que tínhamos nos visto. Fazia quase 2 semanas desde que ela me ajudara na seletiva do novo parceiro e com certeza, daqui a algum tempo eu já demonstraria os primeiros sinais de abstinência daqueles dois lesos. Toquei na sua mensagem, decidida a marcar um encontro para vê-los, e como se lesse minha mente, acabava de dizer que estaria fora para uma noite de futebol com os meninos e ela precisava de uma companhia para maratonar qualquer série policial que estivesse passando.
De certo, aquilo era uma das coisas peculiares da minha melhor amiga, ela adorava acompanhar cada passo: desde esconder o corpo até cavar as provas, de uma série policial, mas, ao mesmo tempo ficava desconfiada até da sombra que parecia um serial-killer que queria matá-la. Sorri, afirmando que estaria em seu apartamento em menos de meia hora.
E era ali, em frente ao prédio, mistura de bucólico com moderno, que eu me despedia do motorista contratado por Aylle, correndo até chegar a portaria, onde o Sr. Mills já me conhecia e nem se espantava ao me ver passar por ele com um aceno.
Bati ritmado em frente a porta de madeira clara até encarar o sorriso aberto de . Me confortei naquele abraço que mais parecia o meu lar naquela cidade grande.
me puxou pra dentro, não sem antes olhar ao meu redor e sorrir zombeteira.
— Ué, cadê aquele boy magia que você chama de parceiro? Você não pode achar que vai dançar com ele sem me apresentá-lo — murmurou, recebendo meu revirar de olhos em troca.
— Não seja ridícula, , acabou de aparecer no programa da Ellen comigo e deve estar farto da minha presença por hora — sorri, certa de que aquilo poderia ser bem verdade.
Caminhei até a sala, me jogando no sofá e pegando o controle para zapear os canais da TV. Se tinha uma coisa que eu amava naquele lugar, era aquela TV. Parecia quase do tamanho do meu quarto inteiro e eu agradecia todo dia por ser viciado em esportes e querer vê-los em alta qualidade. seguiu para a cozinha conjugada, resmungando algo sobre a necessidade de apresentações, que ela precisava saber se não era o próximo Ted Bundy da atualidade.
Fiz uma careta quando minha imagem foi ampliada na Tv, devido a reprise do programa da Ellen que passava naquele momento.
— Eu definitivamente deveria recusar aparecer nesses programas de novo — murmurei, enquanto se aproximava com um balde de pipoca — Eu pareço enorme, olha isso!
— Cala boca, , você usa esses vestidos e parece linda, bunda maravilhosa. Quando eu uso isso, só me dizem que meu culote aumentou e que eu pareço carregar o Junior.
Comecei a rir diante da sua declaração, aquilo era uma baboseira enorme. Afinal, , como a bailarina exemplo que era, não tinha nem percentual de gordura que não fosse magra. Enquanto eu precisava fechar a boca para os doces que amava, comia dois bois e estava plena, sem nenhuma sombra de Junior como ela citara. Ridícula.
— Você mente que nem sente, ! E por falar em Junior... quero saber quando meu afilhado vem por aí — sorri divertida, sabendo que o assunto "filhos" era algo que o casal estava postergando para depois da sua viagem pelo mundo, o que Mamãe não aceitava, já que desejava a presença dos netos para ontem. De certo, a família de ambos estava extasiada na espera de um herdeiro dos dois e eu, só poderia acompanhar de camarote esse entrave.
— Ah não! De novo não, . Como você é baixa! — me jogou uma pipoca, acertando em cheio meu nariz — Mas agora cale sua boca e deixe eu assistir esse joguinho que vocês fizeram em rede nacional.
Ergui a sobrancelha, me dando conta que a reprise mostrava o momento em que Ellen nos dava as plaquinhas. Senti o sangue do rosto desviar para as bochechas, num misto de pânico corado. Jesus, aquilo foi mais revelador do que eu poderia prever. Quem diria que a produção do programa poderia fazer perguntas tão ousadas, né?
Despertei do meu monólogo pessoal ao ouvir a gargalhada de quando afirmou que nunca tinha curtido sem querer a foto de ninguém, ela estava se divertindo com minha cara de descrença na TV. E eu realmente não tinha acreditado naquilo, ele era um E.T. por acaso? Quem nunca stalkeoou o boy e curtiu a foto alheia? Já tinha até perdido a conta de quantas vezes cometi esse deslize, algumas até me geraram curtidas de volta e uns bons beijos.
! COMO ASSIM VOCÊ NÃO TEM ELE NO SNAPCHAT? — Tomei um susto com o grito de e quase derramei metade da pipoca que jazia no pote.
— O QUE? — Respondi, levando a mão no peito para superar o coração acelerado — Por que eu teria no snap?
— Não seja idiota! Vai que ele manda um nude sem querer. — Minha melhor amiga piscou e eu então fiquei ciente ao que ela referia — Não conte pro , mas acho que preciso adicionar .
!!!! Nem ouse — Ameacei, revirando os olhos. — Você sabe que NÃO precisamos de fotos comprometedoras que se destroem em 3 segundos.
— Ah, você sabe até quanto tempo ele coloca nas fotos? Amiga, você tá me escondendo algo?
Fechei a cara numa carranca, enquanto chorava de rir da minha reação. Quem precisava de inimiga tendo alguém assim?
— Qual é, todo mundo sabe que 3 segundos é o tempo proibido do snap, não se finja de sonsa Luzia !
— Mesmo assim! Desconfio que você esteja mais interessada em do que demonstra por ai, pode começar a contar, mocinha. Ou você acha que eu acredito que essa química toda esteja enclausurada só na dança?
— Ela está, ! Nós fizemos um acordo. Nada de ultrapassar a linha profissional, somos apenas bons parceiros e amigos, nada além. NADA! — suspirei, repetindo as palavras até me convencer.
, eu achei que nunca ia precisar dizer isso pra você, mas pelo visto me enganei né — ela bufou antes de continuar — A dança é mais do que alguns toques, você sabe disso, envolve mais do que corpo, envolve alma, paixão.
Fechei os olhos, imaginando o sermão que estava se formando nos lábios de e quase desejei me teletransportar para outro lugar. Eu sabia de tudo que ela estava prestes a recitar, de como com música e embalo, pele deixava de ser só pele, se transformava em um receptáculo de emoções que percorriam cada caminho exposto até eriçar todos os pelos. Eu sabia. Eu vivia isso com todos os dias, em cada ensaio, em cada olhar.
— Mesmo que você negue para si, no fundo, você sabe que dança atrai envolvimento, aliás é isso que nós vendemos. Cada espectador paga por um pouquinho de envolvimento em um mundo que está cada vez mais frio, desprovido de sentimentos. Eles querem sentir, , eles querem que vocês façam isso por eles. E para sentir, basta o primeiro passo.
Abri os olhos, quase certa de que o discurso de queimava como brasa minha pele. Talvez, minha amiga tivesse usado frases de efeito só para me fazer encarar o casal na TV. Eles estavam abraçados e de fora, parecia quase palpável o clima entre ambos. O parceiro encarava a dama com intensidade, enquanto o foco seguia pelo caminho entre o pescoço e o ombro dela, trazendo um brilho de desejo ao olhar dele. O meu subconsciente apostaria 100 dólares que eles se amavam, mas, eu sendo a dama da dupla, preferia acreditar que eles transmitiam muito bem os personagens que estavam dispostos a interpretar.
Era isso. e eram isso. Personagens.
— Por favor, — sussurrei, sentindo a voz como um fiapo — Já é difícil pra mim lidar com isso, não torne tudo tão pior — Encarei ela, suplicante.
Senti o olhar de pesar sobre mim, eu sabia que ela queria continuar a debater o assunto, mas ali, eu me vi sem forças para argumentar algo que nem mesmo tinha certeza. Suspirei aliviada quando a vi se resignar e encerrar o assunto trocando o canal da televisão.
Quase nem percebi o tempo passar até que estivéssemos iniciando a sexta temporada de Criminal Minds e estivesse preparada para encarnar a Agente Prentiss ou o Dr. Reed. Maneei a cabeça, distraída, procurando o celular para saber o horário. Senti o coração virar escola de samba no peito ao encarar o ícone com uma foto de sorridente. Ele tinha me enviado uma mensagem, mas eu não conseguia desviar a atenção daquele brilho divertido no olhar combinado com a fileira de dentes perfeitos que faziam eu constatar o quanto meu parceiro era bonito. Apertei na conversa, incerta sobre as borboletas que decidiram povoar minha barriga de repente.
: Você vai me dizer quando a gente se acostuma com todas essas notificações no instagram?
Eu: Só quando você me contar como conseguiu meu número... Você tá me perseguindo, ?

: Não é crime pegar uma cópia do contrato para descobrir o número da sua parceira, é? Você sabe que sempre quis fazer sext comigo.
Eu: Claro! Porque minha primeira vez trocando mensagens picantes precisa ser com você, né.
Eu: E além disso, sinto te informar... As menções nunca param, só pioram. Lide com isso, querido!

— Sério, , a quem você quer enganar? Sorrindo assim, eu aposto que você tá recebendo um nude do ! Se um paparazzi batesse uma foto sua agora, as revistas de fofoca iam compartilhar minha opinião — resmungou, fazendo eu desviar o olhar que encarava " está digitando..."
— Não consigo imaginar morte mais lenta do que receber um nude do , . Aliás, por que você tá tão obcecada por uma foto dele? Meu deus — resmunguei, não sem antes desfazer o sorriso que habitava meu rosto.
— Morte por tesão acumulado você quer dizer? — falou erguendo a sobrancelha em desafio.
Revirei os olhos, prestes a respondê-la, mas antes disso, ela pulou para o meu lado e alcançou o celular antes que eu pudesse protestar. Em segundos, corria pelo apartamento comigo ao seu encalço, revirando minhas conversas a procura da foto de .
— Hm, quem diria, ein senhorita . "Você sabe que essa primeira vez vai ser inesquecível comigo" — falou, imitando um tom de voz mais grave.
— O QUÊ? — Senti o rosto perder a cor, rezando para aquilo ser invenção da , mas ela continuou aos risos.
— "Hoje você tava incrível com aquele vestido, ele se apegava nas suas curvas e me deixava louco só de te olhar"
Engasguei com a imitação da e quase tropecei na quina do sofá, ai meu deus, ele não podia tá falando aquilo exatamente no momento em que minha melhor amiga tinha confiscado o celular.
— "Mas, desconfio que o vestido ficaria melhor no chão do meu quarto, quando eu pudesse ter você nua só pra mim" — soltou, rindo, enquanto eu arrancava o celular das suas mãos, digitando um rápido "Vai se foder, ".
— Sua vaca! Você não pode sair por ai lendo a conversa alheia, mal educada! — resmunguei, desviando o olhar para a conversa com , bem na hora em que ele acabava de me responder.
: ué, porque?
E aí eu percebi a merda que tinha feito. desgraçada. não tinha mandado nem metade das coisas que ela havia recitado, ali continha um simples "não me culpe por tentar" em resposta ao convite de sext que ele tinha me mandado e agora, provavelmente, meu parceiro me achava grosseira e louca por mandá-lo para longe por uma simples insinuação.
, eu acho melhor você correr, porque eu vou te matar, diaba!
, você precisava ver sua cara! — gargalhou, se jogando no sofá com as mãos na barriga — Você tá muito na dele, cara! Ficou toda vermelha, parecia uma virgem.
— EU VOU TE MATAR — Avancei pra cima dela, enquanto ela tentava se defender em meio aos risos.
No final, estávamos ambas rindo da confusão, até eu tomar coragem para explicar o tumulto para que, com certeza, não tinha entendido nada.
Eu: Desculpa! roubou meu celular

: Tudo bem, mas por que essa mandaria eu me foder?
Eu: nah! Isso foi eu mesmo hihi.

: Agora eu quero saber mais ainda o por quê.
Eu: Não seja ridículo, você não quer saber nada!

: Você quer manter o parceiro? Então me conta, !
Eu:Image and video hosting by TinyPic
Eu: Que golpe baixo, ein, !

: Ninguém disse que eu ia jogar limpo, amor! Então pode começar a contar, !
Eu: Sem vergonha! disse que você queria meu corpo, por isso mandei você se foder.

: E quem disse que eu não quero? Posso foder com você?
E naquele momento, eu estaria mentindo se dissesse não. Aliás, com suas piadas e flertes, já estava fodendo minha mente antes de chegar no corpo. Era incrível como cada gracinha dele me deixava ao mesmo tempo irritada e excitada, uma dualidade que dominava quase todo o meu corpo quando se tratava de . Mas, mentir para era bem mais seguro do que me render a uma boa noite de sexo com ele, então, foi fácil digitar um "NÃO" e enviar pelo campo de mensagem.
Sorri aliviada, orgulhosa do meu auto controle quando se tratava de resistir aquele homem. Uma pena que ele não funcionasse tão bem quando eu estava frente a frente com o pecado em pessoa. E talvez, o funcionamento dele estivesse comprometido desde o momento em que eu observei a chegada de novas mensagens de .
: Acho tão bonito quando você mente pra si mesma...
Eu: Você ainda vai morrer sufocado pelo próprio ego, e eu vou estar nesse velório.

: Claro, chorando em cima do meu caixão, provavelmente.
Eu: , vou ficar tão agradecida por te mandar pra de baixo de sete palmos!

: Sempre querendo me ver embaixo de você né, ! Gosto dessa posição, tem uma bela vista.
Eu: ARGH! Como você é idiota, . Pegue sua posição e vá pastar, praga.

: Você fica tão linda quando tá puta , vou te deixar em paz assim que pedir desculpas por ter mandado eu me foder sem motivo.
Eu: Você merece se foder só de ter nascido pra me atentar...

: Nossa, coração, quanto carinho!
: Falando assim até deixo você pagar o nosso jantar de reconciliação...
Eu: Que jantar, ? Tá louco? E não venha me chamar de coração.

: 20 horas, no Royal 35, já reservei, te encontro lá, amor.
Encarei a tela do celular confusa, primeiro eu tinha ido de um convite de sext, para palavras de baixo calão, depois para uma discussão infundada sobre velório e terminara com um encontro marcado sem nem entender. Ergui a cabeça e encontrei concentrada, tentando adivinhar o turbilhão que passava em minha cabeça. Sorri amarelo, se nem eu sabia, imagine minha melhor amiga. Olhei de novo para a tela que, agora assinalava a última visualização de e ponderei sobre dar um bolo nele apenas para machucar seu ego, afinal, onde já se viu chegar tão cheio de marra assim.
— Você vai me contar ou eu terei que te chantagear para obter informação? — questionou, no melhor ar de detetive policial.
— Acho que meu parceiro é totalmente louco, uma hora estávamos discutindo sua possível morte sufocado pelo ego e na outra ele afirmava me esperar no Royal 35 para o nosso jantar de reconciliação, já que eu mandei ele se foder por todas as baboseiras que você inventou.
— Oh! Você tem um encontro!!! — se empolgou — Meu deus, , precisamos dar um jeito nessa sua cara.
Revirei os olhos.
— Você me ouviu? Ele me intimou a ir, . Desde quando eu sou intimada a algo? Não vou mesmo.
— O QUÊ? se você não for tomar banho agora, eu não respondo por mim.
— Sem drama, — resmunguei — Você não pode tá falando sério! Royal 35 é mais caro que meu salário do mês e ninguém conseguiria uma reserva tão rápida.
— Ah — riu debochada — Claro que conseguiria, vocês são publicidade gratuita pro restaurante e deixe de ser mesquinha, seu salário paga um apartamento desse aqui todo mês, ridícula.
Bufei, sabendo que seria impossível argumentar contra , ela estava decidida a me atentar hoje. Levantei do sofá, ignorando os protestos da minha melhor amiga, já que ela pretendia me fazer de boneca ali e me "preparar" toda para o jantar com . Mas, se eu tinha que passar por essa tortura, que fosse em casa, confortável. Joguei um beijo no ar para , enquanto pegava minha bolsa e seguia para fora do apartamento.
Depois de achar um táxi, foi questão de minutos até estar em casa, afinal, nem pra morar longe de mim e serviam. Meu apartamento era apenas quatro quarteirões de diferença do deles, o que poderia ser bom e ruim, dependendo do momento.
Olhei para o relógio e resmunguei ao ver que já passavam das seis da tarde, só podia estar brincando com a minha cara ao marcar um jantar em cima da hora assim. Caminhei pelo apartamento, até entrar no quarto, subitamente mais calma só por estar no meu habitat natural. Aquele cômodo, lembrei, tinha sido decisivo para eu escolher o apartamento.
A parede na frente da porta era toda de vidro, o que era uma visão privilegiada de Nova York iluminada, se eu me esforçasse um pouquinho, conseguia enxergar até o Central Park, mas o que realmente me agradava era o momento em que o sol dourado descia sob os prédios, refletindo uma luz amarelada por cada canto do quarto. Minha cama ficava do outro lado e acima dela, eu coloquei quadros em preto e branco de apresentações minhas. Era ali que eu me reconfortava quando o dia estava um merda e tudo parecia conspirar para me fazer desistir.
Entrei no banheiro e abri a torneira de água quente, eu precisava de um banho relaxante depois de umas horinhas em cima dos saltos. Ali, no meio de sais e espuma, eu me permiti refletir sobre o quanto minha vida tinha mudado em um mês. Toda a estabilidade, a comodidade que eu tinha com Dante, dera lugar a uma adrenalina cotidiana na presença de . Esse fato me fazia vasculhar cada cantinho da mente a procura de algum arrependimento, mas, por mais que eu tentasse, cada célula do meu corpo estava agradecida pela chance de recomeçar com .
Lembrei do primeiro dia de seleção, do quanto eu me senti incapaz, diminuída. Da certeza de que desistir do concurso seria tão mais fácil do que erguer a cabeça e procurar um novo parceiro, afinal, se começar do zero é difícil, que dirá saindo da zona de conforto? Balancei a cabeça, consciente de que tinha decidido o caminho certo, por mais que fosse irritante, que me fizesse repetir a coreografia dez vezes porque me distraia com seu sorriso. No final, estava valendo a pena justamente por causa dele. Dos sorrisos, das piadas, do flerte.
E, ao caminhar em direção ao closet com um roupão enrolado no corpo, eu tinha certeza que estava louca por pensar nele assim. A promessa era não se apaixonar, certo? E claramente, eu não estava apaixonada por aquele sorriso, por aquela voz rouca que sussurrava besteiras em meu ouvido, pelas mãos que percorriam meu corpo como se conhecessem melhor que ninguém, pelos olhos que me encaravam com um desejo sagaz refletido. Não, não era paixão. Tanto que eu estava ali a meia hora jogando as roupas para fora das cruzetas, totalmente indecisa sobre o que vestir para alguém por quem eu, não, estava apaixonada.
Quando o relógio mostrou 19h30, eu ainda estava de calcinha e sutiã encarando a pilha de roupas no chão do quarto. Eu iria de vermelho matador, pretinho básico ou branco pureza? Talvez um verde tomara que caia ou aquele azul só de um ombro? Bufei, irritada. Pelo menos, àquela altura, eu já tinha deixado o cabelo solto em ondas e passado um pouco de rímel e gloss, para dar uma cor sem exagero ao meu rosto.
Fechei os olhos, decidida, se eu não conseguia escolher conscientemente, o "uni dune tê" ia resolver e eu não poderia reclamar. Respirei e comecei a cantar, ouvindo meu eu interior murmurar como aquilo era ridículo. Quando meu dedo parou, abri os olhos para encarar a direção da parede sendo apontada, aff, nem assim a vida me ajudava. Recolhi o tecido de seda preta que jazia no piso e decidi que aquele deveria servir, eu não estava indo casar, pelo amor de Deus. Deslizei o vestido pelo corpo e o senti, acomodando-se a minha pele.
O modelo possuía um decote em V na frente e alcinhas nos ombros, que desciam até as costas se entrelaçando. Combinei com um scarpin de veludo molhado, já que aquela era uma tendência que eu amava. Meu reflexo no espelho me dizia duas coisas: eu estava satisfeita com o resultado e também, estava atrasada.
Corri, listando no caminho até a porta se não tinha esquecido nada. Chaves, carteira, celular. Tudo estava lá. Então, segui em direção ao restaurante que mencionou. "É apenas um jantar, " eu repetia pra mim, enquanto colocava uma música qualquer para tocar no som do carro.
Quando cheguei no Royal 35 faltava um pouco mais do que quinze pras nove. Joguei o cabelo sobre os ombros, enquanto sorria para o manobrista, afinal, uma dama nunca se atrasa né? Os outros que estão adiantados e isso inclui . Sorri mais ainda quando me deparei com um amontoado de paparazzis, era claro que eles estariam ali também.
", , " era tudo o que eu conseguia escutar, enquanto desfilava entre os flashs. Eu ia matar por todas as suposições amorosas que aqueles jornalistas fariam assim que soubessem que estávamos ali juntos. Matar de beijos provavelmente, porque era a única coisa que eu conseguia pensar ao vê-lo de terno preto, sentado numa mesa para dois, olhando o relógio com semblante preocupado. Não pude deixar de rir ao me aproximar. Certamente, estava com medo de levar um bolo e isso era tão fofinho.
— Esperando alguém, amor? — sussurrei, próximo ao seu ouvido, deslizando delicadamente a mão por seu ombro.
O semblante de se iluminou em um sorriso largo que subiu até seus olhos que brilhavam ao me ver. Balancei a cabeça, descrente do porque aquele sorriso me fazia querer rir também. Puxei a cadeira que estava do seu lado oposto da mesa e coloquei o cardápio na cara para evitar que ele visse minhas bochechas coradas com o olhar que ele me lançava.
— Qual parte de ser pontual você não entendeu, mulher? — murmurou ele com falsa irritação — Com certeza achavam que eu tava mentindo sobre ser o " da televisão" e que a minha "" nunca viria — falou, fazendo aspas com as mãos enquanto revirava os olhos.
— Mas a "sua" não veio mesmo — ri, piscando um olho em sua direção.
— Engraçadinha. Isso aqui era pra você se desculpar e não continuar pisando na bola. — resmungou.
— Na verdade, isso sou eu te dando o prazer da minha companhia, né! — falei, arqueando as sobrancelhas em desafio.
— Senta lá, . — esnobou ele — Ou melhor, senta aqui, coração.
— Você é tão idiota, que nem vou te responder. Agora, para de falar e vamos fazer os pedidos, eu tô morta de fome — respondi, evitando pensar na possibilidade de sentar nele. Não, . Sentar nele não era bom. "Era muito bom" dizia meu eu interior. Não, nada bom.
Observei sorrir de canto, como se soubesse do meu dilema sobre sentar, e levantar o braço para sinalizar ao garçom. Foca nos pedidos, , não é pra ficar olhando o contorno do braço dele , não.
?
— Eu? Quê? Que foi?
— O garçom perguntou o que vais pedir, você se distraiu? — questionou, rindo ironicamente. Filho da puta.
— Não, tava só pensando no que vou comer. — revirei os olhos para a insinuação dele — Eu gostaria de um Risotto de camarão e um Moscatel para acompanhar, por favor — pedi gentilmente ao garçom que me retribuiu com um sorriso.
Voltei a direcionar o olhar para quando o garçom deixou nossa mesa, e não foi surpresa saber que ele também estava me observando. Balancei a cabeça, sabendo que poderia ficar assim por horas, brincando de quem pisca primeiro, só para poder apreciar mais um pouquinho da beleza que disseminava no mundo. Ali, ele estava particularmente incrível com o visual all black e o cabelo num misto de elegantemente bagunçado, que me fazia querer enfiar as mãos e acariciar todo o couro cabeludo, só para ver um suspiro escapar daqueles lábios rosados. Frente a frente, estava bem difícil de não querer fazer qualquer coisa com aquela boca que sorria pra mim.
— Eu deixo você escolher.... Minha casa ou sua? — perguntou, galante.
— Pelo amor de deus, — não contive a risada — Nós somos apenas amigos, já disse.
— Amigos... coloridos? — ele piscou.
— Você consegue sobreviver dez minutos sem flertar comigo? Eu quero paz! — brinquei, levantando as mãos como se suplicasse.
— Você não pode me pedir isso, é algo muito difícil. — deu de ombros.
— Talvez eu te dê um prêmio caso você consiga — sussurrei, sorrindo.
— Agora é você que está flertando comigo, , seja mais discreta, mulher — disse, chegando próximo de mim, como se contasse um segredo.
Perto o suficiente para me fazer sentir o perfume almíscar que exalava dele e me deixar desejando poder cheirar mais de perto. Como se tivéssemos sincronizados, chegou mais perto e eu poderia beijá-lo me inclinando um pouco pra frente. Beijá-lo, era uma opção tão tentadora que me fez desviar o olhar para sua boca, decidindo se seu gosto valia o risco. Quando criei coragem para avançar e acabar com todo aquele martírio, o garçom pigarreou com nossos pratos na bandeja.
sorriu amarelo para ele, caindo na cadeira, exasperado. Juízo, . Foco. Nada de beijos. Agradeci mentalmente ao garçom pela interrupção, afinal, onde eu estava com a cabeça ao pensar em beijar ali, no meio do restaurante? Com certeza, bem longe da sanidade.
Comecei a comer em silêncio, observando fazer o mesmo, enquanto o clima das frases não ditas, das coisas não feitas, caia sobre nós como um manto fúnebre. Suspirei, porque a vida não podia ser fácil e cômoda? Tudo ali parecia o flashback de quando eu tentava dançar mas não sabia nem engatinhar ainda, me fazendo tropeçar a cada batida da música. Minha parceria com era assim, uma hora eu estava confiante, deslizando com destreza sobre o piso encerado de dança, mas na outra, eu escorregava em cada curva desconhecida que meu coração insistia em fazer.
— Como você se sentiu em seu primeiro programa de TV? — questionei, no desespero de quebrar o silêncio nada confortável entre nós.
— Ah, você sabe. Um pouco nervoso, um pouco estranho — ele riu — Acho que o ponto auge disso tudo foi a zoação que recebi de James e Morg.
— Uh, achei que era ter ganhado muitos seguidores no Instagram — ri descontraída — Mas, peraí. Você me disse que Morgana namorava Ivina! Quem é James?
levantou os olhos do prato, como se eu tivesse duas cabeças por perguntar aquilo.
— James é meu irmão, ! E Morg é mais como uma irmã pra gente — ele deu de ombros.
— Oh! Por que nunca me disse que tinha uma irmão? Ele deve ser tão mais charmoso que você — pisquei, rezando para entrar no clima comigo, era meio que horrível quando ele agia como um estranho.
— Ha Ha, bonitinha. Achei que você já o conhecesse, afinal, ele vive enfurnado na academia dos seus amigos. e , né?
Franzi o cenho tentando lembrar de alguém que pudesse se encaixar na discrição de , mas em minha mente só vinha uma pessoa. Jamie, o garotinho aprendiz de , que andava pra lá e pra cá, como se fosse o primeiro e único herdeiro da A&L .
— Você não é irmão do Jamie, é? O do boxe? Que é quase a sombra de ? — questionei.
— Achei desnecessário saber que você usa um apelido carinhoso pro meu irmão e pra mim, é no máximo o sobrenome. Se você já o viu pelado, não me conte, pelo amor de Deus — tampou os ouvidos, reinterando seu comentário.
— Não seja ridículo! Eu tenho mais o que fazer da vida — dei língua pra ele — Mas, me conta, foi por ele que você soube da seleção?.
— Aham! Ele me pediu para salvar a vida de uma dançarina desesperada e eu, príncipe como sou, não resisti né? — piscou, galante.
Revirei os olhos. Por mais que eu quisesse rebater aquele comentário, chamando-o de esnobe, eu sabia o tanto que aquilo era verdade. não tinha me salvado, mas tinha dado um empurrãozinho para que eu saísse do estado melancólico que me encontrava depois do abandono de Dante. Ele tinha preenchido os meus dias com risos e brincadeiras, tornando-o tão leve quanto poderia ser às vésperas de um campeonato. Então, me resignei a ignorá-lo porque, realmente, eu não teria como mentir sobre isso.
Continuamos conversando amenidades, como pessoas comuns. Alternamos entre falar do clima, das apostas sobre a neve, do campeonato, até mesmo sobre o quanto a família de ambos era difícil. contou que recebeu um ultimato dos pais sobre a faculdade, ele riu dizendo que no meio de cálculo três fugia para frequentar algumas aulas de dança. Fui um pouco mais contida, quase ninguém sabia minha verdadeira origem e eu preferia que meu passado fosse escrito a partir do momento em que encontrei Sr. Cattaneo. Ninguém precisava ter pena da menina sonhadora que fugiu para ter a chance de mostrar sua dança pro mundo.
tinha acabado de contar do dia em que seu pai o chamou de "menininha" ao pegá-lo dançando e estávamos rindo imaginando a reação do Sr. ao ver nossa apresentação em rede nacional, quando fomos interrompidos, de novo, pelo garçom. O mocinho sorriu envergonhado, trazendo um prato de Petit Gateau para dividirmos, dizendo que era as felicitações da casa para a dupla. Sorri, sentindo os olhos brilharem ao ver todo aquele chocolate escorrendo deliciosamente.
— Ai meu deus, isso é tão bom! — comentei, sentindo a mistura de sorvete de creme e bolo quente derreter no céu da boca.
— Acho incrível como você torna a culinária tão erótica pra mim, ! — sorriu de canto, observando minha bochechas adquirirem uma tonalidade o mais próximo ao pimentão.
— Mentira! — tentei falar com a boca cheia, o que despertou mais risadas em .
— Claro, quando fala com a boca cheia assim, é realmente muito sedutor. Agora me dá a colher pra cá antes que você acabe com tudo.
Ficamos alguns minutos numa guerra para saber quem ia comer mais da sobremesa e eu não sabia porque mas não conseguia tirar o sorriso do rosto, talvez, tudo aquilo fosse só o efeito do chocolate no meu corpo, afinal ele é quase uma bomba de endorfina, né? Sorri satisfeita ao roubar o último pedaço da colher de , que agora me encarava ferozmente.
, você não fez isso! — ele resmungou, passando o dedo no prato e depois sujando minha bochecha de chocolate.
! Aceite a sua derrota com dignidade, para de ser criança — respondi, sujando seu queixo, enquanto ele tentava fugir da minha vingança.
Depois da bochecha, ele sujou meu braço, eu sujei a sobrancelha dele, ele sujou minha boca, eu sujei a sua também. E então, quando demos conta, o restaurante inteiro estava ligado no que parecia ser a briga culinária do século, muito melhor do que Master Chef, já que metade das pessoas estavam nos filmando e a outra metade se dividia em soltar suspiros românticos e risadinhas divertidas. Desviei o olhar para , que sorria tímido pela primeira vez e puxava seu guardanapo no colo para limpar delicadamente a minha bochecha. Aí mesmo que os suspiros aumentaram e eu queria matar aquele que eu chamava de parceiro.
— Eu vou te matar, vou pisar tanto no seu pé que você vai se arrepender de ter aceitado aquele contrato — resmunguei, morta de vergonha.
— Acho que posso sobreviver a isso se você deixar eu limpar seu chocolate — sussurrou, se aproximando de mim.
— Você não faz mais do que sua obrigação em limpar essa lambança — revirei os olhos.
Parecia que eu tinha falado a coisa certa, porque de repente sorria como uma criança que ganhou o melhor presente de natal. Franzi o cenho ao observar ele se aproximando ainda mais, com um olhar de desejo estampado. Quase paralisei na cadeira quando seu nariz encostou no meu e ele fez carinho no meu rosto, passando a língua pelo canto da boca que estava sujo. Respirar, , você sabe como é. Respira.
Senti a corrente elétrica, já conhecida, irromper por meu corpo, enquanto finalizava sua "limpeza" com um selinho no canto da minha boca. Fechei os olhos, odiando todos os sentimentos que ele me fazia sentir. Quando os abri, me encarava intensamente, como se quisesse saber se eu tinha sido tão afetada quanto ele aparentava.
— Eu. Vou. Te. Matar — falei entre dentes, observando a fisionomia dele recuperar o aspecto arrogante esnobe de sempre, com o seu sorriso clássico de tubarão. estava me zoando e eu caíra como sempre.
— Você sabe que gostou, eu poderia fazer muito mais se você deixasse.
Ignorei seu comentário, rolando os olhos, irritada com ele e comigo mesma. Sinalizei ao garçom para pedir a conta e fuzilei com o olhar aqueles que deram um suspiro triste pelo fim do show. Com certeza, Aylle ia me matar quando todos aqueles vídeos vazassem, o que provavelmente já teria acontecido, uma vez que meu celular vibrava loucamente dentro da bolsa.
Levantei, seguida por e caminhamos em direção à porta, onde uma legião de fotógrafos nos esperava. Como eu gostaria de ser anônima agora. Rezei para conseguir caminhar tranquilamente assim como fiz na entrada, mas, dessa vez, os paparazzis se fecharam ao nosso redor gritando perguntas.
"Vocês são um casal?" ", é seu passaporte pra fama?" "Ei! Um sorriso para a NY news" "Vocês ficam lindos juntos, deem um beijo". Me contorci para não revirar os olhos e continuar sorrindo diante dos flashs, aquilo não era nada bom. Quando vi que não conseguiríamos sair dali sem responder a no mínimo uma pergunta, me virei em direção aos jornalistas e suspirei irritada.
— Nós somos um casal na dança e apenas bons amigos fora dela. Tenham uma boa noite — falei, agradecendo ao fato de ter se irritado também e começado a abrir caminho por entre o túnel de fotógrafos ao nosso redor.
Observei seu rosto antes de entrar no carro que o manobrista já tinha deixado na entrada, ele ostentava uma carranca, como se a frase que proferi fosse novidade naquela relação. Balancei a cabeça, sabendo que o mais fácil daquela noite seria terminá-la ali, sem mais questionamentos, seja dos paparazzis ou do próprio .
O que não foi fácil, foi deitar nos meus travesseiros e tirar do meu sistema naquela noite. Cada vez que eu fechava os olhos, seu rosto preenchia minha mente. Seu sorriso minava todas as minhas defesas e eu passei a noite imaginando ter sua boca pra mim, com algo mais que um selinho. Foi uma noite cheia de insônia e beijos platônicos, num , que em minha cabeça, não tinha impedimentos.


VI

's POV:

sorriu para mim, acariciando meu rosto, enquanto eu fechava os olhos para apreciar seu toque. Estávamos tão próximos que para um observador à distância, poderíamos ser confundidos como um só. Eu gostaria que fossemos um só, para eu me perder por entre suas curvas e misturar nossas vidas num emaranhado único.
Abri os olhos, encarando-a como se todos os meus sentimentos pudessem fluir por aquele olhar. Todos os momentos em que a desejei indeterminadamente, que pedi coragem para dar fim aquele espaço que separava sua boca da minha. Eu precisava que ela soubesse daquilo, talvez mais, eu precisava que ela sentisse o mesmo.
Precisava que seu coração batesse no mesmo descompasso do meu, que o toque das minhas mãos por seu corpo despertasse a mesma eletricidade que percorria minha pele. Eu precisaria que ela fosse minha.
Aproximei meu rosto, puxando delicadamente seu pescoço. Nossos narizes se encostaram, fazendo um riso de ansiedade brotar do meu peito. Eu não acreditava que estava prestes a me afundar naqueles lábios, como se minha vida dependesse disso.
E então, alargou o sorriso e ao invés de me beijar, abriu sua boca para falar:
— Nós somos um casal na dança e apenas bons amigos fora dela. Não esqueça, .
Caí da cama, sentindo o chão dar um tapa na minha cara, despertando em confusão ao traçar o limiar deturpado entre sonho e realidade. Por um momento, eu ainda conseguia sentir a respiração descompassada, quase como se meu coração não tivesse entendido que aquilo era apenas um sonho... ou melhor, a reedição do pesadelo da noite passada. A frase que falara no dia anterior ecoava por todos os cantos da minha mente, como se quisesse me lembrar a todo custo que aquela mulher em especial estava longe de descansar nos meus braços no fim da noite.
Xinguei mentalmente as falhas que meu coração dava só de ouvir a menção do nome dela, insistentes mesmo que viessem acompanhadas de um sabor amargo de desgosto. Eu estava ficando louco. Na verdade, estava me deixando assim. Com todo esse negócio de contrato e profissionalismo, eu queria matá-la por relegar nossa relação a algo que ela nunca deveria ser.
Balancei a cabeça, refletindo em como conseguia fazer com que meus sentimentos fossem do desejo intenso para irritação profunda. Porém, o movimento me trouxe uma pontada dolorosa nas têmporas, quase como um lembrete de nunca mais me afogar na bebida depois de um jantar confuso com uma garota. Essa não era uma boa solução, ainda mais se você tivesse ensaio ás 8 da manhã e tivesse de ressaca as 7h30, sentado no piso frio do seu apartamento.
Já conseguia imaginar Aylle gritando comigo pelo atraso. Os cachinhos ruivos estariam balançando loucamente, jogando todas as cláusulas do contrato na minha cara e eu só conseguia rir disso.
Enquanto eu tentava me recuperar do súbito ataque de risos, James apareceu na porta, me olhando como se tentasse entender o contexto na qual eu estava inserido, porém, sem sucesso em imaginar.
— Cara! Levanta daí, já estamos atrasados e pela quantidade de paparazzis lá fora, vamos ficar mais ainda — James falou, fazendo uma carranca na menção aos fotógrafos.
Ah sim, eu quase tinha esquecido do show que demos no restaurante. Onde já se viu, não se pode mais nem levar a gata pra jantar sem ter mil pessoas filmando. Pelo menos, eu teria como dar replay quantas vezes fosse necessário para imortalizar a cara chocada de quando meus lábios tocaram o canto da sua boca. Eu precisava ver aquilo, afinal, no momento em que me arrisquei a dar-lhe um selinho, foi impossível não fechar os olhos e aproveitar a sensação.
Tinha sido uma ótima estratégia, admito. Se você não consegue tomar para si os lábios rosados e macios da sua parceira, vá comendo pelas beiradas, comece sujando-a de chocolate, que é um ótimo pretexto para limpá-la depois... com a língua. Claro, se você tiver mais sorte do que eu, provavelmente a parceira em questão estará seduzida após isso, não olhando-o como se quisesse mandá-lo para a forca.
— Me dá cinco minutos e a gente já sai — murmurei para James, correndo em direção ao banheiro para realizar minha higiene matinal e chegar o menos atrasado possível.
— E ... tira essa cara de otário apaixonado, por favor — ouvi James gritar, antes de fechar a porta do banheiro.
— Vai se foder! — respondi, ouvindo-o gargalhar.
Depois de tomar banho e me arrumar, só tive tempo de apanhar as chaves e correr na direção da porta, onde James já me esperava impaciente. Quando cheguei na entrada do prédio, entendi do que ele falava. Ali, simplesmente, tinha mais câmeras mirando a minha cara do que deveria ser humanamente possível. Assim que sai em busca do carro, flashs estouraram ao meu redor, acompanhados de efusivas perguntas sobre a noite anterior. Fechei a cara, sentindo a dor de cabeça martelar com aquele início de dia. Provavelmente, era daquela parte que os famosos reclamavam quando questionados sobre privacidade.
Quase sorri quando encontrei o estofado confortável do meu Mustang GT 350, carinhosamente apelidado de Ligeirinho. Lá, James me encarava como se quisesse rir daquilo tudo, desde o momento em que tivemos que correr desesperados até quando resmunguei palavrões pro caso de alguém chegar perto o suficiente pra por em risco a pintura do meu carro. Olhei de soslaio pra ele, observando-o fechar a cara, sabendo que eu ia socá-lo se viesse com gracinhas.
Dirigi irritado, sentindo o espírito de "Velozes e Furiosos" se apossar de mim, enquanto eu cortava por entre os carros no trânsito nova-iorquino, afinal, seria preciso dirigir um helicóptero para chegar no horário diante daquele turbilhão de buzinas no horário de pico. Presumi, olhando no relógio, que àquela altura, já deveria estar emburrada, no seu mau humor matinal, por causa do meu atraso, sabendo que a morte seria o menor dos seus desejos para comigo.
Isso, antes de eu vê-la se alongar com um shortinho colado rosa, deixando-me com a plena certeza de que ela queria me causar um infarto agudo. Fiquei apoiado no batente da sala de dança, me permitindo alguns segundos para apreciar esticando as pernas na barra de balé, sobressaltando os músculos da coxa e panturrilha, fazendo com que meus olhos percorressem todo o comprimento de suas pernas torneadas. Aquela mulher estava brincando com a minha cara.
Revirei os olhos ao sentir meu corpo reagir tão bem àquela visão, como se de repente, minha calça estivesse dois números mais apertada. Eu precisava de um banho frio e a má notícia era que eu não poderia tomá-lo sem antes suar a camisa ao lado de .
— Bom dia, flor do dia — cantarolou, descendo o tronco para tocar em seus pés. Desejei fechar os olhos e não estar babando diante daquela bunda, mas era impossível, impossível.
— Bom só se for pra você! — resmunguei, irritado.
sorriu angelical, como se desconhecesse os efeitos que causava em mim. Ignorei sua presença, iniciando meu aquecimento antes que eu estivesse a ponto de implorar tocar naquela bundinha redonda e arrebitada que sorria pra mim. Eu estava realmente muito fodido hoje.
Despertei dos meus pensamentos impróprios com assim que vi Aylle entrar portando uma expressão nada agradável. Ah, como a vida era boa. Você está de ressaca, excitado e vai levar sermão, tudo isso antes das 10, sem que você possa fazer nada contra.
— Vocês sabem pra que serve uma agente? — Aylle perguntou, num tom sério, quase deixando sua voz assumir a raiva que aparentava pela feição.
Eu e balançamos a cabeça em negativo, como duas crianças que são pegas tentando roubar o chocolate da prateleira mais alta da cozinha.
— Pois bem! Nós existimos pra evitar que vocês façam merda nas suas carreiras, exatamente como fizeram ontem — Aylle terminou, jogando duas revistas e um jornal no piso encerado da sala de dança.
Olhei a primeira capa que tinha caído quase próximo ao meu pé. Nela, uma foto em baixa resolução mostrava o momento em que dei um selinho na boca de e ao lado, vinha uma fileira de três fotos menores, a do meio era uma nossa sorrindo ainda no restaurante e as outras eram fotos de cada um sozinho, como se quisesse ratificar quem eram aqueles na foto principal.
“Ela dança, eu danço: parceiros dentro e fora das pistas?” Revirei os olhos para aquela manchete. Como se já não bastasse o trocadilho idiota, a frase só me fazia lembrar do que falou ao fotógrafo. Abaixei-me para pegar o jornal, franzindo o cenho ao ver que estava tensa ao meu lado. Na primeira página, o cantinho da fofoca era reservado para uma foto nossa saindo do restaurante sorrindo. Ali, e eu estávamos cercados pelos paparazzis, deixando-nos quase colados um no outro. Na foto, ela sorria abertamente para a lente e eu olhava para ela com um semblante divertido. É, com certeza foi antes do “apenas amigos” que ela soltou. Na legenda, o jornal especulava nosso envolvimento pessoal, mas alertava a possibilidade de estarmos fazendo marketing para o campeonato que começaria em 3 meses. Franzi o cenho, ridicularizando a ideia de meu sentimento ser embasado em atrair popularidade para nós.
Troquei o meu jornal pela revista que estava com , sentindo uma careta se formar ao ler o bordão destacado na capa. “Casal na dança. Apenas bons amigos fora dela. Será?” Era claro que meu fora ia estar estampado para o mundo ver. Sortudo pra caralho, .
As fotos eram compostas pela mesma na qual eu dava o selinho e por outra, inédita, onde me encarava antes de entrar no seu carro em frente ao restaurante. Minha cara estava fechada e eu sabia que estava puto pelo que tinha respondido ao paparazzi.
— Hm, parece que nossa popularidade vai aumentar — sussurrei, levantando a cabeça para encarar Aylle com um sorriso de quem pede desculpas.
— E você acha isso bom? — Foi quem me respondeu. Fazendo-me desviar o olhar para encontrar sua íris, ela estava irritada.
— Talvez seja, se soubermos lidar com isso — dei de ombros, sabendo que qualquer passo em falso faria me engolir vivo.
— Você é um idiota mesmo! — ela respondeu, respirando fundo — Eu te pedi mil vezes, ! Mil vezes. Para não confundirmos as coisas. E olha o que você fez!!!
— Eu fiz? Por acaso você não tava lá também? Te levei obrigada? Engraçado, achei que você já fosse bem grandinha pra escolher seus passos — respondi no mesmo tom, sentindo a raiva aquecer meu peito.
realmente queria me culpar pelo que os jornais diziam? Inacreditável.
— Você acha que tudo isso é uma brincadeira, não é? Que esse campeonato é mais uma briguinha de egos fútil. Mas, lamento te informar, parceiro, isso é minha vida e eu não vou deixar você jogá-la na sarjeta — falou, apontando o dedo no meu peito, enquanto eu encarava seu rosto adquirir uma tonalidade rosada de irritação.
Encarei seu rosto, sentindo o gosto amargo da decepção contemplar a boca. Eu queria gritar tantas coisas ali, dizer que eu nenhum momento achei que aquilo era futilidade, que era brincadeira. Dançar é minha vida, como eu poderia jogar sonhos na sarjeta? Trinquei o maxilar, sentindo as palavras queimarem no fundo da garganta, enquanto eu lutava para mantê-las dentro de mim. Ali, não era hora nem lugar para bater de frente com . A briga só nos levaria pelo caminho aposto do troféu e também, da minha cama, deixando-nos ranzinza e irritados com palavras que não poderiam ser apagadas quando proferidas.
A tensão com a qual nos olhávamos parecia preencher o ambiente, deixando claro que apesar de calados, nenhum dos dois iria ceder e mostrar que seu ponto de vista estava errado naquela discussão. Senti o peito arfar, querendo dez minutos na presença do saco de boxe que James tanto falava para descontar toda essa animosidade que entrara em ebulição dentro de mim. Eu precisava disso ou então mandaria e o campeonato pastarem, independente de tudo que eu sentia por ela.
— Bem, já que você acha isso de mim, parece que não irá sair nada produtivo de nós dois juntos hoje. Eu vou embora, depois conversamos Aylle — maneei a cabeça para acenar para nossa Agente, olhando de soslaio para que ainda me encarava com raiva. Garota difícil da porra.
Caminhei até a porta, para encontrar Sr. Cattaneo entrando exasperado, pelo visto, até ele atrasou hoje. O professor parou abruptamente ao sentir o clima pesado, pondo as mãos nos meus ombros, como se tentasse se recuperar da corrida que dera escada acima até ali, me deixando impedido de sair pela porta.
— Bom dia, garotos! Sinto muito pelo atraso, hoje estava impossível de lidar com aqueles fotógrafos, parecia até o dia em que anunciou sua carreira em dupla — ele sorriu, antes de passar os olhos pelos habitantes da sala e adotar um semblante confuso — O que aconteceu? Alguém morreu? Pequena ragazza, você está bem? , por que está indo embora? Você não pode desistir! — ele terminou, olhando para mim num misto de súplica e acusação.
Bufei, direcionando o olhar para , que por sua vez, passava os dedos pela testa, como se tentasse apaziguar uma dor de cabeça terrível.
— Ninguém morreu, Cattaneo! Apenas seus pequenos filhos que quase mataram essa pobre agente do coração — Aylle murmurou, enrolando um cacho vermelho com o dedo, como se tivesse se recuperando da raiva com a qual chegou no estúdio.
— Achei que você estaria feliz pela repercussão do programa da Ellen, Aylle. Até minha mama ligou para dizer que meus alunos eram che figo... como se diz, genial! — Cattaneo comentou, feliz, gesticulando com a mão.
Fechei os olhos, querendo rir daquela pessoa que eu chamava de treinador e nesse momento, estava ignorando todo o estresse do ambiente, falando suas gírias italianas como se o mundo estivesse pacífico.
— Acredite, eu estava! Até ter 500 mil ligações no meu celular, especulando porque jornal fulano e revista ciclana não foram os primeiros a saber do envolvimento amoroso desses dois — Aylle apontou para nós, incisiva.
— Oh! Vocês assumiram? Não acredito! — Cattaneo me abraçou, como se desse parabéns por aquela novidade — Eu soube desde o momento em que vocês se conheceram naquela seletiva, estou tão emocionado.
Observei ele limpar as lágrimas que caiam singelas e não consegui mais segurar o riso. Que merda era aquela? Em um momento eu estava prestes a mandar tudo aquilo para onde Judas perdeu as botas e no outro, Cattaneo conseguia fazer tanta confusão que eu só queria dobrar os joelhos e me mijar de rir bem ali.
— Senhor Cattaneo — toquei seu ombro, olhando-o entre risos — Não assumimos nada, não temos nada! — desviei o olhar sério para — Foi apenas um mau entendido que a imprensa interpretou do melhor jeito pra ela.
— Ahhhh — Cattaneo murmurou, subitamente triste — Sinto muito pela empolgação, não queria que vocês descobrissem assim que sou fã de #.
— Até você? Não, por favor! — resmungou, ainda emburrada com a situação.
Dei de ombros, talvez não fosse tão ruim ter fãs do casal. Quem sabe eles colocassem juízo na cabeça de , pra que ela visse o tempo que estamos perdendo com essas briguinhas bestas.
— Enfim, de qualquer forma, acho que hoje não estamos no clima para ficarmos perto um do outro, Sr. Cattaneo. Desculpe — falei, me movendo em direção a porta, prestes a sair.
! Espere — Cattaneo pediu — Talvez hoje seja o momento certo para fazermos uma dinâmica que eu já tinha planejado.
Franzi o cenho, tentando imaginar do que ele falava, afinal, se eu e tivéssemos que ficar mais tempo juntos, seria possível que a terceira guerra mundial explodisse. Esperei pacientemente que ele explicasse do que se tratava, mas ao contrário, Cattaneo apenas enrolou a pontinha do bigode e sorriu para Aylle como se tivesse o maior dos planos prestes a colocar em ação.
— Você vai fazer aquela dinâmica com eles? — Aylle questionou, sorrindo sorrateiramente.
— Sim, sim! Só preciso ajustar algumas coisas, mas... — Cattaneo murmurou, aproveitando o ar de mistério — Venham comigo, crianças! Vamos acabar com essa animosidade aqui — falou ele, mexendo a mão com o intuito de nos fazer segui-lo.
Olhei aquele complô, intrigado. Aylle parecia genuinamente mais feliz do que quando chegou, enquanto parecia estar no mesmo barco que eu, olhando confusa para os dois na nossa frente. Depois de alguns segundos de indecisão, decidi seguir o Sr. Cattaneo, porque por mais que eu estivesse puto com , no fundo, eu queria estar mais uma vez sentindo seu calor em meus braços, sem toda aquela sede de ódio. Idiota, eu sei. Meu subconsciente gritava o quanto eu estava sendo otário por mendigar cada contato que estivesse disposta a me dar, mas, não tinha nada o que eu pudesse fazer. Era como se fosse a minha droga, me deixando viciado em seu corpo, em suas curvas, em cada sorriso que ela me dava, e encará-la me lançando doses homeopáticas de indiferença, era a pior forma de abstinência.
Sr. Cattaneo nos direcionou dois andares acima, para uma sala onde tinha uma grande estrutura de camas elásticas montadas ao redor de uma armação que parecia um colchão que amortecia qualquer possível queda. Senti um vinco se formar entre minhas sobrancelhas, eu não estava entendendo o motivo pelo qual estávamos ali. Íamos superar as desavenças pulando como crianças?
— Ok! Só eu que não entendi o que vamos fazer aqui? — perguntou, verbalizando meus pensamentos.
— Ah, pequena jóia, você precisa ter um pouco de imaginação as vezes — Sr. Cattaneo respondeu, sorrindo, enquanto caminhava em direção a uma mulher que organizava algumas prateleiras próximo as camas.
Observei Cattaneo conversar com a mulher, que agora sorria em nossa direção, como se tivesse partilhando da empolgação do nosso professor. Após alguns minutos, ambos caminharam em nossa direção, ainda debatendo a tal dinâmica misteriosa que realizaríamos.
— Olá! Eu sou Geneveve, como vocês estão? Sou a responsável por ensinar Ginástica no Trampolim aqui no estúdio — ela falou, estendendo a mão para nos cumprimentar formalmente.
— Prazer, Geneveve — sorri, simpático — Você pode nos dizer o que dançarinos de salão fariam por aqui?
— Oh! Isso quem lhes explicará será Lorenzo, só estou cedendo o espaço pela perspectiva de vê-los dançar — Geneveve pontuou, antes de virar para Sr. Cattaneo e dizer — você está me devendo um lugar na primeira fileira quando eles se apresentarem, ein!
— Quem é Lorenzo? — questionei, recebendo a risada de Sr. Cattaneo como resposta.
, você é tão bobinho, as vezes. — Aylle murmurou, enquanto chegávamos mais próximo dos trampolins.
— Bem, eu sou Lorenzo, , prazer — Cattaneo riu, divertido — Mas, trouxe vocês aqui para colocar em prática um exercício de confiança. Vocês podem subir cada um em um trampolim diferente? — questionou, apontando para as camas elásticas que ficavam lado a lado, separadas por uma estrutura acolchoada.
Subi as escadas, observando fazer o mesmo do meu lado oposto. Fomos até o meio da lona e esperamos o próximo comando do nosso professor.
— Ótimo, agora vem a parte fácil... Pulem! — Cattaneo ordenou.
Olhei para , confuso, tentando entender como aquilo poderia ser uma exercício de confiança. Não fazia nenhum sentido. também me olhou por sob o ombro, mas quando percebeu que minha atenção estava nela, desviou o rosto e começou a saltar. Continuei observando-a por algum tempo, até começar a repetir seus movimentos.
Depois de alguns minutos, comecei a achar divertido os pulos e me atrevi a tentar algumas cambalhotas, sendo seguido por , que demonstrava habilidade ao executar piruetas no ar, como a grande bailarina que era. No meio de echappés e cabrioles, começamos uma disputa para saber quem conseguia fazer os melhores saltos. Ela, tendendo ao balé clássico, eu, inclinado aos esportes radicais, me apoiando nas paredes acolchoadas para pegar impulso e girar entre os pulos.
Quando estávamos ofegantes pelos esforços, Sr. Cattaneo pigarreou, atraindo nossa atenção para ele.
— Vejo que parecem se divertir aí — murmurou ele, levantando a sobrancelha em desafio, fazendo com que nós ajeitássemos a postura — Já posso começar a dinâmica?
— Achei que já tinha começado — comentou — aliás, achei uma ótima forma de dissipar a irritação, porém vou ter que comprar um trampolim pra casa se tiver que usar sempre que me irritar.
— Coitado do trampolim se tiver que aguentar seu mau humor sempre — revirei os olhos, sentindo a raiva voltar só de ouvir aquela vozinha irritante.
— Crianças, crianças... Sem brigas, tudo bem? Vamos começar — Cattaneo bateu palmas, se direcionando para a frente dos trampolins a fim de dar as coordenadas.
— Preciso que vá para o trampolim de — ele pediu, fazendo eu me mover em direção a que prontamente se encaminhava ao trampolim que eu estava antes. Escutei Cattaneo rir — Ok, , porque você saiu do seu?
— Ora, você mandou pra lá, achei que era pra eu vir pro dele — deu de ombros.
— Tudo bem, ragazza, mas agora volte para onde você estava — Cattaneo pediu, assumindo sua postura séria.
Observei voltar para a posição inicial, tomando cuidado para manter certo espaço entre nossos corpos. Bufei. Aquilo era ridículo. Toda aquela birra fazia parecer que tínhamos cinco anos e não sabíamos lidar com as consequências das nossas ações, o que provavelmente era verdade, pelo menos a última parte.
— Isso! Agora pulem de novo — Sr. Cattaneo pediu, olhando para Aylle que começava a sorrir em nossa direção.
Comecei a pular antes de tirar os pés da lona e isso resultou no impacto do meu corpo de volta ao trampolim puxando antes que ela conseguisse saltar, fazendo com que caíssemos desastrados cada um para um lado. Levantamos emburrados, sentindo faíscas saírem dos olhares que ambos lançavam. Tentamos de novo, e de novo e de novo. Caímos em todas.
Depois de xingamentos baixos, percebi que tanto Aylle como Sr. Cattaneo estavam rindo de nós. Franzi o cenho. Olhando-os em busca de explicação.
— Não funcionou, não é? — Sr. Cattaneo questionou, se recompondo — Vocês precisam estar em harmonia para pularem juntos. Deem as mãos, vamos.
Virei, contrariado, em direção a , que por sua vez me estendia as mãos encarando aquilo com irritação. Segurei a palma voltada pra mim e desejei estar inserido em outro contexto, para apenas apreciar o calor que sua pele, em contato com a minha, emanava. Arrisquei-me a olhar em seus olhos, sabendo o terrível erro que isso era, pois, no momento em que encontrei aquela íris, me perdi em seus pensamentos. Ali, era como se eu pudesse conhecer além do que mostrava para todo mundo, como se eu tivesse acesso a todos os cantos inabitados daquela alma que eu escolhi para caminhar junto com a minha.
Dei o primeiro impulso para fora do trampolim, sendo acompanhado por . Sorri, golpeado pela ironia que aquilo representava, já que não tínhamos caído em nenhum momento. Juntos, estávamos pulando harmonicamente, como se fossemos um só lá em cima. Pior que constatar isso, era o frio na barriga que eu sentia toda vez que sentia o corpo caindo no ar, algo tão parecido com o sentimento que se alastrava por mim quando sorria.
— Isso foi incrível, acho que vocês estão começando a entender a dinâmica — Aylle comentou, fazendo nós pararmos de pular para lhe encarar.
— Realmente, mas parece muito fácil vendo daqui, não concorda, Aylle? — Cattaneo ponderou, olhando de soslaio para a agente.
— É verdade! Podemos deixar isso melhor, né? — Aylle respondeu, entregando ao professor um tecido preto igual ao que ela segurava na mão.
Tentei imaginar o que eles pretendiam fazer com aquilo, observando-os caminhar em nossa direção e subir no trampolim conosco. Pelo sorriso divertido de Aylle, aquilo era a vingança dela por colocarmos nossos contratos publicitários em risco com o jantar da noite anterior.
— Eu sei que vocês acharam que essa era a dinâmica, mas na verdade, ela só começa agora — Cattaneo comentou, usando o tecido negro para vendar meus olhos.
— Mas... como é que vamos pular assim? — questionou, confusa, tendo a visão vendada por Aylle.
— Nós vamos cair, Sr. Cattaneo. Não faz sentido — murmurei, combatendo qualquer que seja o objetivo idiota daquela dinâmica, afinal, o máximo que conseguiríamos seria uma concussão.
— Aí está o verdadeiro exercício, minhas crianças. Vocês precisam confiar no parceiro, precisam sentir, tocar, ouvir, para que isso funcione. — Cattaneo explicou, recebendo nosso resmungar cético — Sei que vocês acham a visão primordial para realizar qualquer coisa, mas na realidade, o fundamental é sentir, nada mais do que isso.
[N/A:*Coloque essa música pra tocar*]

Senti a lona balançar indicando que Cattaneo e Aylle tinham nos deixado sozinhos e alguns segundos depois ouvi os estímulos do professor para que começássemos a pular, acompanhando o inicio singelo de uma melodia que preenchia o ambiente.
Dei uma passo inseguro para a direção de , incerto sobre o reconhecimento sensorial do ambiente a minha volta. Percebi que fazia o mesmo, já que suas mãos foram de encontro as minhas, tateando o espaço entre nós para torná-lo um lugar conhecido. Deslizei meus dedos livres pelo seu braço exposto na camiseta de manga curta, necessitando daquele contato para compor uma imagem simbólica em minha mente. Assim como que fechava sua mão ao redor da minha, entrelaçando nossos dedos, para fixar a conexão que tínhamos ali.

Say that you're the one who's taking me home
(Diga que você é quem está me levando para casa)
'Cause I want you on my skin and my bones
(Porque eu quero você na minha pele e meus ossos)
Knocking me off my feet
(Derrubando-me de meus pés)
Just say I'm the one that you need
(Apenas diga que eu sou a única que você precisa)

— Eu confio em você, sussurrou sob a música, me fazendo sentir seu hálito doce próximo demais do meu rosto.
— Então vamos fazer isso — murmurei, apertando suas mãos para apaziguar o nervosismo dela, que transparecia já que sua respiração acelerada fazia cócegas na minha bochecha. — Em 3, 2, 1...
Just wanna talk a little longer
(Só quero falar um pouco mais)
So baby won't you wanna stay a little later?
(Então querido, você não quer ficar um pouco depois?)
'Cause I could watch you watch me forever
(Porque eu poderia assistir você me observando para sempre)
'Cause I know you better
(Porque eu te conheço melhor)

Nosso primeiro pulo foi tímido, como uma criança que começa a explorar o mundo dos bípedes se apoiando em cada móvel da casa. Estávamos testando como nossos corpos trabalhavam juntos sem ter o precioso auxílio da visão. Repetimos duas vezes até termos certeza de que poderíamos dar saltos melhores e lá pela sexta tentativa, já sentia que exibia um sorriso. Era fácil deduzir isso. Quando sorria, seu corpo inteiro ficava leve, relaxado. Feliz.
Me concentrei em sentir, como Sr. Cattaneo tinha sugerido. Senti a essência de se misturar com meu perfume, em uma cacofonia de cheiros que, pra mim, parecia uma daquelas fragrâncias mais vendidas do mundo, porque me dava vontade de ter ela espalhada por todo o canto, desde o meu travesseiro até o banco do meu carro. Senti sua pele arrepiar ao meu contato, como se cada molécula de fosse um imã em busca do meu toque, daquele deslizar de dedos que me fazia agradecer aos céus por poder tocar a carne macia.

I don't need somebody else to call my name
(Não preciso de mais ninguém para chamar meu nome)
No, I don't need somebody else to make me stay
(Não, eu não preciso de mais ninguém para me fazer ficar)
I don't never need to walk away
(Eu nunca preciso ir embora)

Quando dei por mim, já tínhamos parado de pular e estávamos no meio do trampolim, abraçados. Aproveitando a companhia um do outro, como se pudéssemos dissipar toda a irritação do começo do dia. apoiou o rosto na curvatura do meu pescoço, enquanto enrolava os braços ao redor da minha cintura e eu, percorria os dedos por sua costa como se tivesse lendo um poema em suas linhas.
Puxei a venda pra cima e sorri ao deslizar o tecido preto dos olhos de . Depois de algumas piscadas para se acostumar com a luminosidade ambiente, me encarou com um daqueles olhares cheios de significados que eu nunca poderia decifrar. Balancei a cabeça, decidindo que questionamentos não cabiam ali e por isso, deslizei meu polegar pela sua bochecha, aproximando nossas testas para continuar usufruindo daquele sentimento que bombeava em meu peito devido a nossa proximidade. Fechei os olhos por um momento, querendo que aquele tempo em nossa bolha fosse infinito, sem nada que pudesse nos atrapalhar ali.
Quando abri os olhos, sorria genuinamente pra mim e como no meu sonho, estávamos tão perto que bastava um suspiro para nos tornarmos um.
— Por favor, pare de dizer isso não significa nada, que somos apenas amigos.... — gemi, sentindo as palavras arrancarem pedaços vivos do meu peito.
— Você sabe, cariño... — murmurou, acariciando meu rosto — Nós somos mais que amigos.
E assim, antes que eu morresse de angústia, tinha selado nossos lábios, catalisando o espaço que antes havia entre nós. Passei por um momento de torpor, variando entre acreditar na impetuosidade com que se jogara em mim ou me beliscar para acordar de mais um sonho. Porém, quando senti sorrir por entre o beijo, quase como se risse dos meus pensamentos, acordei do estado inerte para puxar seu pescoço para mais próximo, ao mesmo tempo que deslizava minha língua por entre seus lábios, me deliciando com seu gosto. Todo o tempo que imaginei aquilo, tinha sido em vão, porque a realidade superava mil vezes.
mordeu meu lábio inferior, aguçando todos os sentidos possíveis em meu corpo. Eu queria despi-la bem ali e fazê-la minha, antes que eu caísse da cama outra vez, em mais um dos meus sonhos platônicos. Mas, antes que eu pudesse colocar em prática todos os planos que fiz desde o dia que a conheci, nosso beijo se partia diante de um pigarro.
— Parece que a animosidade ruim se transformou em algo bom, não é mesmo? — Aylle murmurou, indicando nossos corpos unidos como se quiséssemos quebrar todas as leis da Física.
Sorri convencido, observando o rubor tomar conta das bochechas de , como se ela se desse conta pela primeira vez do que tinha acontecido. Ao imaginar os possíveis pensamentos de , franzi o cenho, temeroso sobre os passos que ela escolheria dar a partir de agora e por isso, me mantive acariciando sua nuca, aproveitando o momento caso não existissem outras oportunidades.
— Desculpem! É que o 'tá me devendo um beijo desde o dia em que nos conhecemos — ela deu de ombros, me privando do calor bom de seu corpo enquanto se afastava.
— Se tivesse me dito, eu teria quitado a dívida bem antes — respondi, observando o sorriso sincero que deslizava pelos lábios de .
— Bem, vejo que a dinâmica foi melhor do que esperávamos, não? — Sr. Cattaneo comentou, lançando-nos um olhar de "eu disse".
— Discordo plenamente, Cattaneo! Estou totalmente decepcionada, estive esperando a dinâmica toda para gravar algumas cenas de quedas que me fariam rir a vida toda — Aylle resmungou, irritada — Mas não, venho e me deparo com esse romance não titulado de vocês.
revirou os olhos ao meu lado e eu quase fiquei ofendido com o comentário. Parece que tínhamos alguém rancorosa por ali.
— Uau, Aylle. Você precisa trabalhar menos — assinalei, acompanhando enquanto descíamos dos trampolins. Aylle bufou, dando de ombros.
— Falando em trabalho... , preciso que você me mande seus documentos — Aylle solicitou, antes que fossemos em direção à nossa sala de dança oficial.
— Tudo bem, de quais exatamente? — perguntei, indiferente, arrumando minha mochila para finalizar o ensaio.
— Você precisa estar com o passaporte em dia e algumas vacinas também — Aylle respondeu, mexendo distraída no celular, fazendo-me franzir o cenho. Passaporte? Vacinas?
— Por que preciso disso? — questionei, olhando os três outros membros do cômodo.
— Ué, como você espera competir sem viajar? — se pronunciou, me olhando como se eu fosse bobão.
— Viajar? Quê? — perguntei, alheio à situação.
, a competição de duplas é internacional — Sr. Cattaneo começou a explicar — Vamos passar por vários lugares, apresentando os estilos de dança nativos, entende?
— O coquetel inicial vai acontecer no Marrocos, por causa do patrocínio do Rei Mohammed IV, lá passaremos 3 dias até seguir para a Espanha que será a primeira etapa da competição, ao ritmo do Bolero — Aylle começou a descrever o cronograma enquanto eu digeria a notícia — Quem passar dessa fase, irá para Alemanha, dançar Valsa, depois para Cuba com a Salsa e as semifinais e finais serão no Brasil e Argentina, com Forró e Tango, respectivamente.
Engoli em seco, imaginando como o menino do interior de Auburn, que nunca tinha saído dos Estados Unidos, ia viajar pelo mundo em 3 meses. Aquilo era, no mínimo, surreal. Oriente médio? Europa? América do Sul? Eu não sabia nem se tinha visto todos esses nas aulas de Geografia. Eu precisava contar aquilo para Morg e James, eles iam ter um surto.
... você tá meio pálido — sussurrou, tocando em meu rosto e finalizando meu monólogo interior — Eu sei que parece muita coisa, mas vamos conseguir, prometo!
Sorri, observando fazer o mesmo.
— Como iremos aprender tantos ritmos em pouco tempo? — questionei Cattaneo, um pouco relutante em desviar meus olhos de .
— Ah, a pequena ragazza já sabe a maioria desses, mas podemos lhe dar um intensivo enquanto criamos as coreografias. Não vai ser difícil, porque, por exemplo, Bolero e Salsa têm raízes próximas do Forró e assim, conseguimos explorar as raízes deles de uma só vez.
Balancei a cabeça em concordância, já planejando pesquisar sobre cada ritmo quando chegasse em casa, afinal, eu não poderia decepcionar naquele campeonato. Não depois de como ela ficou ao ser abandonada pelo antigo parceiro, do sentimento de raiva que tive ao hipotetizar como alguém poderia ter coragem de trocar uma pessoa como ela. Tínhamos nossas desavenças, claro, mas toda vez que eu estava ensaiando com , o seu amor pela dança transparecia em tudo. No modo que os olhos brilhavam de divertimento, em como seu corpo parecia leve entre o deslizar de passos. Era impossível dizer que aquela mulher não passava emoção em suas apresentações, afinal, ela tinha tocado meu coração desde o Balé de Moscou.
Desviei meu olhar até encontrá-la sorrindo para alguma besteira que saia da boca de Aylle e como se fosse automático, sorri também, sabendo que mesmo se eu tivesse pânico de avião, mesmo se não soubesse dançar metade dos ritmos daquele concurso, eu faria, por ela, e assim só restava uma única opção naquele campeonato... vencer.

VII

's POV:

Desde o beijo, o clima entre eu e estava, no mínimo, estranho. No mesmo dia, decidimos que a discussão sobre os jornais foi um mal entendido, acabamos pedindo desculpas um pro outro e tudo se resolveu com um aceno e um sorriso. Esse era o problema, um aceno? Um sorriso? Fala sério, depois do beijo, eu esperava muito mais dele. Mas, na realidade, parecia que estávamos pisando em ovos, temerosos sobre o que passos em falso poderiam desencadear na nossa relação. Na parte profissional, quero dizer. Porque na pessoal, ambos sabíamos onde os beijos iriam nos levar.
Por saber o caminho trilhado até a cama, meus pensamentos corriam feito loucos dentro da minha cabeça, fazendo questão de relembrar a sensação dos lábios de de dois em dois minutos. Na fila do banco; durante o almoço; na hora do banho, todos momentos oportunos para eu me perder nas sensações que despertara. O inicial toque sutil nos lábios, o gosto da surpresa que ele estampava diante do meu gesto, os dedos que percorriam minha pele até pousar a mão na nunca. Mais perto, mais perto. Era tudo o que eu queria, antes de Aylle interromper nosso momento.
Quase uma semana depois do fatídico encontro de salivas, os ensaios estavam divididos em uma maré de profunda técnica, quando Sr. Cattaneo ensinava os trejeitos de cada ritmo para , e numa paz armada entre nós dois, deixando o clima do ambiente como algo que eu tinha definido "desconfiança amistosa", na medida que sabíamos de tudo que estava errado, porém, sorríamos como se nada pudesse estar mais certo.
O que, aliás, estávamos fazendo no exato momento desse monólogo. estava a uma distância de dois palmos, bebendo água tranquilamente, como se não tivesse tentando me matar com todas aquelas gotículas de suor percorrendo o corpo de forma irritantemente tentadora, enquanto se fazia de rogado e mantinha nossa relação aos níveis estritamente profissionais. De quem foi a ideia de colocar aquela cláusula no contrato mesmo? Ah, sim. Minha. Argh. Comprimi os lábios num sorriso contido, mentalizando todo o autocontrole que existia dentro de mim para não passar a língua pelo pescoço dele, percorrendo o mesmo caminho da gota que descia lentamente em direção ao seu tórax. Jesus, eu queria ser A gota.
— Tudo bem, acho que podemos finalizar por hoje — murmurou Cattaneo distraído, me fazendo tomar um susto, sendo arrancada dos meus pensamentos sobre , pele e suor.
— Ah, tem certeza? Não temos mais nenhum passo para treinar? — questionei, um pouco sedenta de prolongar meu tempo com , por mais que eu nunca fosse realmente admitir isso.
Oddío, ragazza, você sempre foi a primeira a querer ir embora. Que insetto te mordeu? — falou Cattaneo, me lançando um olhar desconfiado enquanto eu sorria inocentemente como a jovem proletária que era.
— A mim? Nenhum, só estou tentando otimizar o pouco tempo que nos resta até o campeonato, sabe... — dei de ombros, focando no sorriso ingênuo que nascia em meu treinador, já que se eu olhasse para , meus planos escorreriam por debaixo d'água.
— Eu sei que bicho te mordeu — sussurrou, colocando em ênfase seu corpo atrás do meu, totalmente ciente da proximidade da sua boca.
— Desconheço em que momento isso aconteceu — respondi, proibindo meu corpo de arrepiar diante da respiração compassada em meu pescoço.
— Ele pode morder de novo, ... é só você pedir — falou, rindo rouco em meu ouvido.
Caminhei a passos longos para o canto oposto da sala, ouvindo e Sr. Cattaneo rirem como se partilhassem um segredo as minhas custas. Que ridículo. Tudo bem que eu realmente queria que ele mordesse de novo, ou fizesse qualquer coisa desde que envolvesse sua boca e a minha dividindo nenhum espaço, mas, gritar isso pro mundo era algo impossível de acontecer.
— Acho que já deu por hoje mesmo, o ego do é muito grande para conviver na mesma sala — revirei os olhos.
Observei meu protótipo de parceiro dar de ombros, ainda possuindo um sorriso convencido nos lábios, acompanhando com o olhar os passos determinados que eu dava até o local onde depositara minha bolsa de treino. Arrumei tudo sentindo sua atenção queimar minhas costas e constatei que precisava correr se não quisesse ficar sozinha no mesmo cômodo que ele e lhe dar o prazer de realmente pedir por algo, já que Sr. Cattaneo se preparava para dar adeus.
Fui salva no momento em que irrompeu pela porta, me procurando como uma rainha que analisa seus súditos. Soltei uma risada baixa, atraindo a mira da minha melhor amiga que, ao me enxergar, lançou-me um sorriso enorme e saltitou em minha direção. Certamente, sua empolgação matinal devia ter um motivo muito forte ou então eu estaria diante do olhar entediado e meticuloso de . Comecei a hipotetizar sobre, indo de um possível cruzeiro pelo mundo até mesmo alguma proposta de contrato com o UFC, o que faria muito feliz (e por consequinte, sua esposa também), mas fui interrompida pelo grito estridente acompanhado de abraço apertado que a menor deu em mim.
— Achei que não ia te encontrar, sua vaca! — pulou feliz — Tive que perturbar Aylle trinta vezes até ela me contar que você estava ensaiando. Pelo amor de Deus, , hoje é sábado!
Sorri, cruzando os braços na frente do peito, balançando a cabeça em descrença, afinal, era até bem óbvio que mesmo no fim de semana eu estaria treinando. Aquilo se tornou hábito desde quando comecei a trilhar o caminho pela dança, era muito importante estar sempre aprimorando os passos, fortalecendo o corpo e por isso, minha agenda se tornou uma confusão com mais horários de trabalho do que de descanso.
— Aonde mais eu deveria estar, ? — questionei, ainda rindo da criatura que agora se colocava com mãos na cintura e um olhar de "não acredito que ouvi isso".
— Talvez na cama do ? — respondeu, num tom que provavelmente achava que só eu poderia ouvir, porém, a risada sutil de indicou que ele estava prestando mais atenção do que o apropriado na conversa, fazendo o sangue correr pelas minhas bochechas. Quem precisava de uma amiga sincera?
— Com certeza, lá não! — cerrei os olhos, desafiando ela a continuar — Mas, me conta o motivo dessa ilustre visita.
— Na verdade, é até bom você estar aqui, porque prova um argumento muito pertinente para você aceitar o que vou te propor — sorriu maliciosa — Hoje, minha casa, 21h, festinha entre amigos. Você 'tá convidado também, !
— Hoje é seu aniversário? Caramba, esqueci — abracei , revirando os olhos.
— Engraçadinha! Não me venha com desculpas, você vai! — ela bateu o pé, como se aquela visão pudesse me intimidar de alguma forma.
— Tenho um encontro hoje — murmurei, observando um pequeno choque passar pelos olhos dela e uma certa irritação pelos de .
— E eu posso saber com quem, queridinha? Melhores amigas deveriam saber de tudo! — bufou.
— Com meu sofá e o netflix, ora. — sorri vitoriosa, rindo por dentro da reação que os dois na minha frente apresentaram.
— Af, ! Desde quando você nega boca livre e cerveja gelada? — vi indagar, revoltada.
— Ué, desde quando você convida o para as suas festinhas? — dei de ombros, com um fio de sorriso nos lábios. Muito madura mesmo.
— Ah, o problema sou eu? — perguntou ele — Achei que você só não fosse páreo para festas boas.
— Eu... o quê? Como assim não sou páreo? — desviei a atenção para ele, um pouco confusa.
— Você sabe... não consegue aguentar uma curtição foda... minha avó têm mais disposição que você, .
Encarei-o indignada, eu tinha disposição de uma pilha Duracell, querido. Quem achava que era para tentar dizer o contrário? Observei o olhar esperançoso de se combinar com o semblante malicioso de , ambos se unindo num combo desafiador que, eu sabia, me faria ir até a bendita festa mesmo que fosse com o único intuito de prová-los que estavam errados. Amargamente errados.
— Como vocês jogam sujo... — murmurei a contra-gosto — Quando eu colocar abaixo sua casa, , não me mande a conta do prejuízo.
Deslizei pela porta, com a mochila nos ombros, dando um aceno rápido para os traidores que riam da minha saída dramática.
Drama, drama, drama, meu subconsciente gritava acompanhando os risos que ficavam para trás. Ele, cutucava meu ombro, numa fantasia de mini eu diabólico, balançando o rabinho na minha cara como quem diz que sabia toda a verdade. Eu desejava mais tempo com , uma festa fora do ambiente de ensaio era uma oportunidade única para isso. Balancei a cabeça, expulsando fervorosamente a Mini diabinha, olhando por sob o ombro a versão angelical tomar o seu lugar. Ótimo, eu estava bem louca a ponto de confraternizar com meu inconsciente fantasiado.
Diferente daquela vestida de vermelho sangue, anjo representava todo os caracteres dos seres divinais. Se minha imaginação fértil permitisse, ainda colocaria asas e auréolas naquela miniatura que sussurra a diversão como único motivo para frequentar a casa de . Sim, apesar de distintas, ambas as metades da minha moeda concordavam, eu deveria ir até a festa do mais tardar.
A diabinha, jogava ao vento todo o desejo e luxúria por qual passei todas as noites desde o beijo, materializando em minha cabeça um botão que piscava "ativar modo femme fatale", enquanto o anjinho percorria caminhos mais tênues, apontando a garrafa de cerveja gelada e a música boa como pontos positivos da minha presença.
Caminhei pela calçada, ignorando os apelos e propostas que cada metade fazia, aproveitando para apreciar o horário da tarde no qual as ruas ficavam menos movimentadas e era, quase, possível andar sem esbarrar em alguém tagarelando ao telefone. Suspirei, deixando o clima nova-iorquino me contaminar, sentindo cada vibração da cidade adentrar meus poros, invadir a barreira da pele e se alojar diretamente no coração. Eu amava aquela cidade.
Amor não do jeito idealizado. Não, eu lembrava da primeira vez que coloquei os pés na Times Square, dos telões que brilhavam chamativos com propagandas provocativas, me dando a certeza de que em algum momento daquele passeio pela avenida, grupos de Flash mob apareceriam para completar o imaginário perfeito de uma turista empolgada. Nada disso aconteceu. Manhattan era um ilha cheia de gente correndo, pulsos e ritmos misturados, metrô tremendo o piso em meus pés, uma confusão resumida em cidade grande e mesmo assim... ali estava eu, completamente apaixonada.
A cidade parecia ter vida própria e em tudo eu enxergava o que eu mais gostava: a dança. No fluxo contínuo de pessoas, movimentando-se em passos de certa sincronia, com acordes que misturavam buzinas, vocabulários, gritos e sussurros, numa realidade que transformava a Big Apple em um grande palco para o mundo e, aos 17 anos, eu queria estrear o piso encerado daquele novo continente.
Encontrar tornou esse objetivo ainda mais fácil, afinal, dentro da American Ballet Theatre as coisas nem sempre foram lindas e resolutivas como as cores brilhantes do céu noturno nova-iorquino. Nossa amizade começou numa manhã de balé clássico, sobreviveu aos timbres dissonantes do sapateado e ganhou gingado no beatbox do rap. Crescemos juntas, aprendendo a lidar com os obstáculos e as desavenças, até que ao final da nossa formação, descobriu que existia algo bem melhor do que o convite intacto do Ballet Bolshoi e ele se resumia em uma sala cheia de alunos que reafirmavam sua vocação em passar as técnicas adiante, por isso, eu segui sozinha até voltar ao ponto onde nos reencontramos.
O reencontro, aliás, eu devia ao campeonato que se aproximava. Sem ele, eu nunca abriria mão do posto de Primeira bailarina para aspirar novos ares em um concurso de duplas. A ele e claro, ao Sr. Cattaneo, que nunca deixou de acreditar naquela menina de olhos sonhadores que contemplou a Times Square anos atrás.
Sorri diante da lembrança que aquecia meu peito em nostalgia. Era bom, talvez acolhedor, um pouco estranho, notar que tudo conquistado se resumia em um período de 10 anos. 10 anos. Passavam como filme em P&B, digno de um cinema mudo criado por Chaplin. Cada chapa piscava uma cena vitoriosa, desde à primeira crítica positiva, na qual os jornalistas especializados diziam que eu era a próxima Anna Pavlova, perpassando por todos os momentos de exaustão que acompanhavam um sorriso de realização, até o dia em que encontrei . Era um filme inacabado, sem roteiro e ensaio prévio, coisa que para mim, só trazia mais excitação ao produzi-lo, afinal, que graça teria saber do final antes do tempo? Poderia ser muito bom, ganhador de Oscar, mas também, poderia ser uma daquelas peças onde as cortinas se fecham cedo demais... sem aplausos.
Ignorei a melancolia que empurrava a nostalgia para longe, parando em frente a minha loja favorita na quinta avenida. A Norat's se erguia esplendorosa, com tons de lilás e dourado, subjulgando todos os pedestres a olharem as maravilhosas criações de sua dona pela vitrine. Hoje, Ottavia escolhera exibir um vestido longo em tom turquesa, com rendas e fendas. Sorri, imaginando minha amiga avaliando os prós e contras da fenda dupla, paparicando ambos os lados do limite entre sensual e vulgar.
Entrei na loja, reconhecendo o cheiro de alecrim suave que era tão característico quanto a etiqueta dourada da marca. Sorri para as garotas da recepção, sabendo que alguma delas se encarregaria de chamar Ottavia até ali e aproveitei o momento para dedicar devida atenção as cruzetas que ostentavam modelos de todas as categorias: do básico passeio com o cachorro até festa de gala com a rainha.
— Quão clichê eu seria ao dizer que fazem anos que não nos vemos? — ouvi a voz melódica da Norat percorrer o ambiente em minha direção, um pouco antes do seus braços estarem ao meu redor, brindando com carinho suas palavras.
— Juro que seria mais fácil se você não tivesse que ir em todas as Fashion Weeks mundiais. Semana passada você estava aonde? Milão? — murmurei, recebendo um acenar positivo em resposta.
Ottavia fora uma das componentes do nosso grupo seleto na faculdade, ela fazia todos os figurinos possíveis e imagináveis para as peças e estava sempre em ebulição diante de novas ideias. Prova disso, eram os cabelos tingidos em um platinado gelo que dava um tom colorido a cada reflexo de sol, do roxo ao rosa, como mandava o figurino. Observei sua vestimenta, resumida num terninho nude, com a lapela em um decote profundo que deixava amostra o body rendado branco, dando um ar casual ao uniforme de trabalho. Tudo a cara de Ottavia.
— Mas, não pense que estou por fora das fofocas, mocinha! Quando você ia me contar que está pegando aquele boy magia? — murmurou em minha direção, encaixando o braço no meu de forma que pudéssemos conversar enquanto ela mostrava as obras de sua nova coleção.
Revirei os olhos, até quando eu tentava fazer compras em paz, se tornava assunto na conversa. Afrodite só poderia estar brincando com a minha cara.
— Ele é só meu parceiro, Norat! Se você quiser, posso até te apresentar — comentei, usando toda minha ínfima paciência para sufocar a pontada no meu coração ao pensar naquela possibilidade.
enlouqueceria Ottavia, isso era certo, porém, o que era mais certo ainda era que ela gostaria de ser enlouquecida por ele. Afinal, quem não gostaria?
— Ah, não, obrigada. Meu único romance atual é o trabalho e estou satisfeita com ele — ela me sorriu, afetuosa — Deixe eu te mostrar alguns itens da coleção nova! Você irá amar.
Agradeci mentalmente pela sensibilidade de Norat não prolongar o assunto, já bastava a noite longa que eu teria ao digladiar entre os argumentos do lado diabólico e do angelical, tendo certeza de que a versão vermelha se juntaria ao meu interior em chamas suplicando por mais beijos de .
Adentrei o espaço privativo das clientes, esperando que Ottavia começasse o desfile de tons sóbrios como ditava a tendência, sabendo que entre o cinza frio e o preto espacial, minha amiga imprimia sua criatividade em cada arranjo, me deixando curiosa para saber o que ela tinha aprontado dessa vez.
Fui brindada com cada detalhe da nova coleção, vendo os croquis ganharem forma e textura diante dos meus olhos, afirmando que desejava pelo menos metade daquelas roupas em minha casa antes do fim do dia. O que provavelmente aconteceria, já que, não existia propaganda melhor do que uma famosa usando suas fabricações.
Estávamos nos divertindo e eu sabia que poderia passar o fim de tarde todo ali, atrapalhando a agenda lotada de Ottavia só para poder ouvir suas peripécias em outros continentes, já que, quem eu sã consciência pede sushi na China? Entre risos e roupas, aprumei o tronco ao escutar um coçar de garganta audível, sinalizando de que alguém tinha adentrado o cômodo e rompido o momento amigável no qual nos encontrávamos.
— Oh! Ottavia você está ocupada? Sinto muito — ouvi a voz fina destruir o sorriso moldado em meu rosto.
— Desirée! Por que não me avisou que viria? — questionou Norat, correndo para recepcionar a mulher prostrada no solado da porta, enquanto eu puxava a pele do braço tentando acordar daquele pesadelo.
Desirée Giordano, uma mulher de estatura mediana, alguns palmos mais baixa do que eu, que era conhecida pelo seu sorriso de quem consegue tudo o que quer. Até mesmo roubar meu antigo parceiro para si. Forcei os músculos do meu rosto a formarem algo próximo de um sorriso, enquanto via Ottavia, ingênua, trazer o inimigo mais perto. Maldito seja o comediante que escreve as páginas da minha vida, nunca se pode ter paz.
, meu bem, você já conhece Desirée? Ela também é dançarina, suspeito que talvez vocês estejam se preparando para a mesma competição — murmurou Norat sorridente, achando que estava criando um novo vínculo de amizade. Bullshit.
— Oh, sim! Já ouvi falar dela — levantei do estofado confortável, arqueando as sobrancelhas com confiança.
Desirée apoiou as mãos em meus ombros, dando dois beijos em cada bochecha. Alguém têm um alcóol em gel por aí? Era tudo o que eu queria para limpar qualquer tipo de veneno que tivesse escorrido naquele contato.
— A jovem ... todos conhecem. Fico feliz que você tenha resolvido sair do... hm, berço — a mais velha fez um gesto irrelevante com a mão, indicando gentilmente minha inexperiência. Sorri mais forte ainda, sentindo o maxilar travar diante da raiva. Eu ia quebrar a cara daquela diaba.
— Sim! Temos que aproveitar enquanto temos vigor, né? Fico feliz que você não se aposentou... ainda — dei de ombros, jogando no ventilador os 35 anos que Desirée afirmavam ser 28.
— Nossa! Meus críticos enfartariam se eu cometesse tal erro — murmurou inocente, porém, com os olhos azuis queimando em ira diante do meu comentário — Panela velha que faz comida boa, não? Meu parceiro Dante tira muito proveito da minha experiência.
Desejei fechar os olhos na menção àquele embuste, mas, me mantive sorrindo e complacente, usando uma máscara digna para ocultar os sentimentos que pipocavam em meu interior. Da irritação ao ódio, meu corpo ameaçava tremer e esbofetear, por impulso, a vaca em minha frente, desejando extravasar todo conflito que ela gerava.
— Dante é maravilhoso — Ottavia se pronunciou, me olhando como uma mãe que pede para a filha se comportar — também! Você conhece o novo parceiro de ?
Senti meu coração falhar, em alerta ao ouvir tal referência, colocando-me em posição de uma fêmea que protege seu macho da cobiça alheia. Estudei a mudança no semblante de Desirée, a ira dava lugar a um pequeno brilho de divertimento, ela sabia que eu estava tomando todo o cuidado em manter bem longe daquelas garras vermelhas que ela chamava de unha.
— Claro! Fiquei encantada com ele desde a participação no programa da Ellen. Vocês pareciam tão apaixonados, — reconheci o tom de falso encantamento, segurando minha vontade de vomitar diante de tanta meiguice forçada.
— Fico feliz que nosso objetivo tenha sido alcançado — comprimi os lábios, deixando que Desirée acessasse apenas a superfície indiferente que eu demonstrava ali. De todas as pessoas do mundo, ela seria a última a saber que eu estava realmente perto de ultrapassar as barreiras com .
Ottavia deslizou para fora do cômodo, pedindo licença ao ser chamada por uma de suas atendentes. Deixando duas mulheres sorrindo perigosamente na direção da outra. Ergui os ombros, imponente, deixando bem claro que Desirée poderia ter dado um golpe baixo cativando Dante por trás dos panos, mas eu não iria recuar e me dar por vencida. Ora, eu, , tinha muito mais determinação do que os cabelos brancos que ameaçavam aparecer na cabeça daquela em minha frente.
— Sabe, ... — começou Desirée, andando em círculos ao meu redor, como se pudesse intimidar com a forma que me avaliava — Se eu soubesse que te transformaria de uma cadela frígida em uma... ainda cadela, só que com fogo. Não sei, eu teria esperado para roubar ele.
Senti o choque me assombrar enquanto eu refletia se ela tinha tido mesmo coragem de pronunciar tais palavras. Cadela? Frígida? Quê? Abri a boca para rebater o comentário ácido, fechando as mãos em punhos para evitar deixar que meu corpo falasse por si. Porém, fui interrompida pelo riso seco de Desirée, que agora deslizava o dedo pelo meu ombro, como um gavião que cerca sua presa.
— Afinal, é mais bonito que Dante. Com certeza ele procura mulheres mais experientes do que uma fedelha metida a dançarin...
Não esperei a conclusão das baboseiras que ela falava e espalmei meus cinco dedos em seu rosto. Observando Desirée virar a cabeça com o impacto e levar a mão ao local, deixando escapar a vermelhidão que já ameaçava aparecer por ali. Eu até poderia continuar escutando aquilo, mas, no meu interior, eu sabia que meus tímpanos perfurariam diante daquela voz esganiçada e irritante. Quando vi, já tinha calado a boca de Desirée com um tapa merecido e... eu não me arrependia.
— É extremamente realizador pensar que você sonha com meu parceiro, enquanto eu o tenho ao meu lado — sorri, confiante, na medida que Desirée esboçava sua fúria mal contida — Não se esqueça, a fruta mais madura apodrece primeiro e pelo que vi... sua validade já venceu faz tempo — terminei, próxima o suficiente para sentir a respiração esbaforida da mais velha, dando a chance para que ela revidasse o tapa, já que, se ela quisesse briga, eu trataria de deixar orgulhoso praticando todos os seus golpes.
— Oh, você é tão bobinha — Desirée pontuou, recuperando a compostura, ainda massageando o local onde minha mão estava marcada — Parece que têm garras, por fim.
Sorri com o melhor semblante de ingenuidade. Se ela achava que aquilo era minha demonstração, coitada.
— Claro — dei de ombros, caminhando para a porta antes de parar e olhá-la por sob o ombro — E pode esperar, você vai ter uma prova maior disso na dança.
Sai, escutando um bufar irritado e quase parabenizando meu eu interior pelo dia cheio de saídas dramáticas. Quando foi que ficamos bons naquilo?
Segui para meu apartamento, ainda sentindo o peso das palavras de Desirée se alojarem em meu peito. Na hora, o choque foi sobreposto pela raiva, o que levou ao ato impensado de chocar minha mão naquela cara idiota, mas agora, minhas inseguranças vinham à tona como corpos jogados no mar, aproveitando o pior momento para emergir e cutucar meu interior com questionamentos.
Será que realmente me achava uma cadela? Eu estava fazendo-o tão infeliz quanto fiz a Dante? O pior de tudo, eu realmente era a pessoa que descreviam? Egoísta, individualista, mimada, frígida? Senti a primeira lágrima cair quente, desbravando minhas bochechas como um sinal de que outras mais estariam por vir. Limpei seu caminho, irritada. Eu não ia chorar por aquilo. Eu. não. ia. Solucei.
O caminho até meu prédio estava preenchido pela multidão louca apressada e isso significava que minhas lágrimas pouco seriam notadas, suspirei, eu poderia chorar desde que isso fosse trazer alguma leveza ao meu peito. Alguma sensação de que Desirée estava completamente errada e não, eu não era uma cadela desalmada pior do que a pessoa que falara tudo isso para mim.
Percorri o saguão central do edifício, dando um sorriso languido para meu porteiro e correndo antes que ele pudesse, bondoso, me oferecer algum tipo de ajuda. Afinal, a visão do senhorzinho de cabelos brancos e semblante simpático ia me fazer chorar mais ainda. Adentrei meu apartamento refletindo sobre o que realmente tiraria o peso dos meus ombros e então, vi a solução brilhando em minha frente.
Vodka.
Uma garrafa de Grey Goose sorriu para mim, prometendo ser o fim de todos os questionamentos que feriam meu interior como flagelos de fogo, queimando aos poucos. Deslizei os dedos pelo vidro transparente, agradecendo aos céus por ter esquecido aquela preciosidade em minha casa. Agora, tudo o que eu precisava era de um copo, gelo e tempo, para calar os gritos em minha mente.

VIII

O fim do líquido transparente chegou junto com a constatação de que a noite já tinha recaído sobre mim, afinal, eu estava jogada no sofá embebida por uma total escuridão. O breu só era quebrado por algumas luzes da cidade e os alertas que o meu celular piscava. Droga, minha cabeça doía só de olhar. Na primeira dose, algumas lágrimas se mantiveram resistentes, recusando o alívio que o álcool trazia. Na terceira, eu já tinha os olhos brilhando com algo além da queimação na garganta. Durante a quinta, eu senti meu corpo entrar numa breve sonolência de espírito e então, sabe Deus como terminei a garrafa inteira.
Sentei no estofado com alguma dificuldade, dando tempo para as atividades normais do meu cérebro serem retomadas, empurrando vagarosamente a neblina alcoólica que recobria os pensamentos sãos. Apertei a têmpora, observando um pensamento incompleto se formar. Eu estava esquecendo de algo? Caramba, o que era? Questionei meu interior, revirando todos os cantos da mente em busca da resposta. Porra, eu odiava esquecer as coisas. Mas, se fosse algo importante eu certamente teria lembrado né?
Dei de ombros, andando em direção a um banho gelado. Era isso e eu estaria livre do tumulto interno que as palavras de Desirée causaram. Aproveitei que meus olhos começavam a se adaptar a escuridão local e liguei apenas uma das luzes indiretas do banheiro, deixando uma luz amarela fraca brindando o ambiente. Deslizei para o box, sentindo o choque dos pingos frios em minha pele, varrendo qualquer resquício de vodka que se mantinha no meu corpo, ou, quase todo. Eu ainda notava um riso solto brotar espontaneamente do peito e uma certa perda de motricidade, mas aos poucos a cortina de ferro em meus pensamentos começava a dar lugar a um raciocínio normal.
Vesti minha confortável calça de moletom, acompanhada de uma camisa de pijama, seguindo para a sala em busca do meu celular. Antes de chegar ao destino, parei em frente ao relógio de parede que piscava 23h. Nossa, estava tarde... Tarde pra quê? Me forcei a pensar. Foi quando peguei o celular que obtive a resposta. Merda. 11 chamadas não atendidas, 40 mensagens de e uma série de menções no twitter, com certeza estaria me xingando por lá também. Era a festa. Eu tinha esquecido completamente.
Abri, temerosa o whatsapp, selecionando a carinha sorridente do meu irmão-urso. Como previra, todas as mensagens se resumiam em um lembrete-questionamento-ultimato para a festa. Decidi tomar coragem e ler uma a uma.

(21h): OIII! VOCÊ VEM NÉ?
Desculpa a empolgação, você sabe que está aqui do lado me obrigando a fazer iss..
Ai! Ela me bateu.
(21h30): Nossa, sua última visualização é às 17h40. Você morreu, ? Não me diga que jogou o celular fora só para não vir na festa.
(22h): Olha, sua pestinha, se você quiser fazer uma entrada triunfal para o , aproveita, ele acabou de chegar.
(22h05): ! Se eu não fosse a anfitriã, eu ia te arrastar até aqui. Tá tudo acabado na nossa amizade by

Sorri, descendo rapidamente as mensagens que se seguiam em mesmo tom, sabendo que as ameaças seriam mais constantes já que aparentemente tinha tomado o celular do . Verifiquei a última visualização deles e ela tinha sido a pouco mais de 15 minutos, me fazendo questionar se eu deveria ou não arrumar uma desculpa para faltar esse compromisso. O que foi por água a baixo no momento em que apareceu on-line, percebendo que eu visualizei todas as suas mensagens. Merda. Fechei a conversa no momento em que vi o "digitando..." aparecer, precisando de algum tempo para criar um plano de escape.
" : caso você ainda esteja na dúvida..."
" te enviou uma foto "
Mordi os lábios, indecisa sobre abrir a bomba que me mandara. Fechei os olhos, hipotetizando todo e qualquer conteúdo da imagem. se agarrando com uma mulher qualquer, dançando com uma mulher qualquer, flertando com uma mulher qualquer.... AI MEU DEUS! Decidi que era melhor morrer sabendo a causa, do que levar uma bala perdida com meus pensamentos, por isso, rezei três preces antes de finalmente clicar na conversa. Senti uma fenda se abrir na linha espaço e tempo enquanto eu esperava a maldita foto carregar, parecia que naquele curto período de segundos, minha vida passava mais rápido do que eu poderia imaginar.
Céus, era lindo. Constatação que eu tive ao ver que a foto nada mais era do que uma selfie entre ele, e . Três pessoas sorridentes, mas, eu só conseguia prender minha atenção em uma delas. tinha os cabelos caracteristicamente bagunçados, com alguns fios caindo na testa como se quisessem ficar mais próximos do semblante incrível que agraciava seu rosto. Os lábios se abriam em um sorriso cheio de dentes perfeitos, estimulando em mim, um desejo súbito de beijá-lo, ah, beijá-lo todo.
Parei, refletindo minhas palavras e cheguei a conclusão de que toda aquela sandice era o álcool. Claro, o álcool. Por ele, parecia tão mais bonito naquela foto, despertando todas as terminações nervosas que levavam diretamente ao meu centro do prazer. Ah, eu precisava vê-lo mais de perto.
Quando cheguei a essa conclusão, meu corpo já corria em direção ao quarto, deixando a calça e a blusa no caminho, enquanto eu trabalhava mentalizando qual roupa vestir. Provavelmente, eu precisaria vestir a cara de pau também, ao dizer para que apenas queria criar uma comoção ao redor da minha chegada e não que me atrasei porque apaguei bebendo vodka depois que encontrei a vaca da Desirée. Com certeza, além de ficar do meu lado, procuraria assassinos de aluguel para esganar aquela ladra de parceiros.
Joguei metade das roupas para fora das cruzetas e sorri ao encarar uma saia aveludada azul escura e uma blusa de alcinha com decote nas costas. Completei o visual com uma bota alta de cano curto, dedicando algum tempo a ajeitar o cabelo e maquiar levemente o rosto. Quando me dei por convencida de que estava aceitável, saí, agradecendo pela primeira vez ao fato da casa de ser tão próxima da minha.
O que, certamente, me poupou de andar muito em cima daqueles saltos. Não que a bota fosse desconfortável, não, mas ninguém merecia estar plena e produzida para chegar com a cara oleosa depois de uma caminhada extensa. Sorri ao cumprimentar Sr. Mills na portaria, refletindo se o pobre homem nunca tinha algumas horas de folga, afinal, todas as vezes que eu aparecia, seu sorriso meigo estava ali para me receber.
Antes que eu chegasse na porta de e , o som das tendências latinas que tanto amava preenchia o ambiente, deixando claro que ou eles tinham comprado o silêncio dos vizinhos ou Sr. Mills estava de prontidão para impedir a entrada da polícia no local. Sorri mais ainda, girando a maçaneta da porta com confiança, ignorando a ansiedade que tomava conta do meu corpo, refletindo os batimentos cardíacos acelerados.
O fim da música coincidiu com minha imagem parada na soleira da porta, dando-me mais atenção do que a desejada. De repente, todos os olhares estavam na mulher que tinha acabado de chegar e eu quis impedir minhas bochechas de ruborizarem. Divaguei o olhar por todos os rostos que me encaravam, encontrando o sorriso debochado de que contrastava com a leve surpresa em seus olhos. A-há, então você não me esperava aqui, querido? Caminhei em direção à que conversava tranquilamente com James, agradecendo mentalmente ao início de uma nova música que distraísse a atenção de todos.
— Então quer dizer que você decidiu salvar sua amizade com ? — murmurou risonho, me dando um abraço apertado que me fazia sumir em seu porte.
— Ela me ameaçou de ir para forca! — assinalei, com a melhor cara de indignação — Vocês já imaginaram esse pescoço lindo com uma corda ao redor? Nã.
James foi o próximo a me abraçar, ainda rindo do jeito exagerado que lidava com as coisas.
— Ei ! Trouxe alguém que quer muito te ver — Jamie sussurrou misterioso e eu já senti as mãos começarem a suar, sendo puxada por ele na direção oposta de , que acenava um tchau indiferente.
Eu estava pronta para encontrar ? Minha cabeça dava voltas infinitas questionando todos os finais possíveis para aquela noite, assim como todas as desculpas que acompanhariam. Se eu terminasse em sua cama, eu culparia o álcool e afirmaria não lembrar de nada. Sim, a versão covarde de mim mesma estava tomando todo o controle aqui.
Sorri aliviada quando constatei que a pessoa misteriosa a quem James se referia era Morgana, que estava conversando com e outra mulher que eu desconhecia. Comprimi o riso quando destinou o olhar pra mim e quase correu até completar o caminho que faltava percorrer. Certamente, não era o único que estava cético sobre minha presença na festa.
— Vaca, vaca, vaca! — apontou , emburrada, antes de rir e me abraçar — Se você não viesse, eu ia fazer questão de jogar pra cima de qualquer uma daquelas primas do argh.
Revirei os olhos, caminhando até Morgana, que sorria diante da situação, comentando tudo com a mulher ao seu lado. Observei o toque das mãos, a proximidade e também sorri ao constatar que aquela só poderia ser Ivina. Percorri o olhar pela pele cor de ébano, os olhos âmbar e os cachos sedosos arrumados em uma trança solta e entendi o por quê de Morgana ter se apaixonado, Ivina era linda.
! Fez todo mundo te esperar como uma rainha, ein? — recebi o abraço de Morg, sem notar nenhum tipo de mágoa na voz. Ela não estava irritada como os demais pelo meu desaparecimento.
— Ei! Vocês que chegaram cedo demais — me defendi erguendo as mãos, inocente.
— Sem dúvidas, estava ansioso demais para esperar em casa — James sussurrou, como se contasse um segredo e eu tentei não pensar nas motivações para estar aguardando aquela festa — Mas, deixa eu te apresentar Ivina, já que Morgana é mal educada e não faz as honras.
Sorri, me aproximando da mulher que retribuía meu gesto com um aspecto amigável.
— Preciso dizer que não fez jus da sua beleza quando te descreveu — Ivina comentou, me deixando surpreendentemente tímida — Mas, também, quero te agradecer porque vocês juntos trouxeram mais clientes pro restaurante do que todas as propagandas pagas que já tivemos.
— Oh! Sério? Só por aquele almoço? Não acredito! — respondi, chocada.
Ainda lembrava do dia em que achei que Morgana fosse namorada de e quase enfartei de ciúmes. O restaurante que ele me apresentou, não só era de propriedade do casal na minha frente, como também tinha uma das comidas caseiras mais deliciosas de Nova Iorque e por isso, eu fiz questão de postá-lo no meu Instagram. Uma preciosidade daquelas não poderia ficar desconhecida. Claro que o fato de eu ter ido com deve ter atraído alguns fãs da nossa dupla só pelo fato de termos ido juntos.
— Sim! Imagine nossa surpresa ao encontrar uma fila na porta quando fomos abrir no outro dia. Eu quase chorei — Morgana comentou, divertida.
Continuei jogando conversa fora com as duas, rindo o suficiente para esquecer da sensação borbulhosa que dominava meu estômago só de saber que estava a uma distância de 10 passos. Esqueci tanto que entre uma risada e outra eu me pegava procurando aquele que fazia meu coração martelar, variando entre encontrá-lo em uma rodinha de meninos; cercado por e James; algumas vezes até com . Porém, enquanto eu o procurava pela última vez, constatei uma aproximação perigosa entre e uma ruiva desconhecida. Olhei 3 vezes para saber se eu estava enxergando direito, o que despertou curiosidade suficiente de Ivina e Morg, que agora também encaravam a paquera descarada entre meu parceiro e a ruiva.
Diante de três pares de olhares analíticos, desviou o olhar da mulher para a nossa direção e então, como se não tivesse culpa no cartório, levantou a longneck que jazia em suas mãos, sorrindo em cumprimento a nós. SORRINDO. Sem vergonha. Bufei de raiva.
— É por isso que eu escolhi amar mulheres — Morg comentou, revirando os olhos para a atitude do primo.
— Por isso que eu escolhi não amar o — dei de ombros, indiferente, sabendo que aquela frase não convencia nem a mim mesma, por mais que eu julgasse tudo aquilo como uma atração boba.
— Bem sensato, uma pena que ninguém escolhe quem ama — Ivina pontuou, rebatendo o comentário de ambas.
Desviei o olhar, antes que eu estivesse prestes a queimar as costas da ruiva com toda a atenção que estava direcionando ao local. Se pretendia flertar com alguém, quem eu era para impedir? Eu só podia... fazer o mesmo? Sorri, diante da ideia que começava a surgir na minha cabeça. Olhei ao redor, averiguando se eu tinha tudo o que era preciso para colocá-la em prática. Sim, home-theater ligado, homens sorrindo para mim e... uma mesinha de centro. Senti o olhar de chamar minha atenção, como quem questiona o que diabos eu iria aprontar. Mandei um beijinho inocente na direção dela, afinal, eu avisei que poderia colocar sua casa abaixo mas ela nem quis escutar.
Pedi licença para Ivina e Morgana que me olharam curiosas, observando meus passos determinados até o aparelho de som. Procurei a lista de músicas do spotify e sorri mais ainda ao encontrar o hino que eu precisava. Esperei até o fim da música que tocava e deixei a excitação da adrenalina me dominar quando eu apertei o botão do play.
[N/A: *Coloque essa música para tocar*]

Caminhei para o centro da sala, onde as pessoas que estavam dançando começavam a abrir espaço para eu passar. Sorri, balançando os quadris no ritmo da música, ciente de que não só os olhos de estavam em mim naquele momento. Lentamente, deslizei as mãos pelo corpo, com um sorriso lascivo tomando conta dos lábios, experimentando a luxúria que os incentivos da plateia formada me despertava.
Delante de la gente
(Na frente das pessoas)
Me pones indecente
(Me deixa indecente)
Lo rico que se siente
(Você se sente tão gostoso)
Que nadie te lo cuente
(Que ninguém te conte)

Desci rebolando, dando não só um show de sensualidade como também a oportunidade, não planejada, de verem um lapso da minha calcinha preta. Sorri, empurrando a vergonha de lado, afinal, se era para interpretar a música, eu faria de acordo com a letra. Sendo má de verdade. Queria sentindo na pele como era irritante ter outros cobiçando o que era seu. Virei de costa para a plateia, o que me deixava de frente para e então, sorri mais ainda, puxando o cabelo para o lado, com meu pescoço livre para receber beijos do vento.
Meu olhar se prendeu no dele, com um simples aviso: se você quer flertar com uma, eu posso flertar com todos. Mordi o lábio, provocativa, deixando que a ruiva soubesse para quem eu estava dançando, afinal, não conseguia manter a conversa desde que eu tinha me direcionado ao centro da sala. Eu estava me divertindo com aquilo, com os olhos que queimavam minha pele de desejo, com os gritos empolgados que eram tão altos quanto o volume do som, mais ainda, com a cara de desprazer de ao ver o tanto de gente que se formava em uma roda para me ver dançar.
Voltei ao centro, empurrando as decorações de cima da mesa com a ponta da bota, dando ao público uma visão privilegiada da minha perna torneada. Subi na mesa, dançando dali de cima do jeito que tinha visto a cantora Anitta fazer. Algo que não era muito difícil, se levar em consideração que sou dançarina e que a música é contagiante por si só.
Fechei os olhos, imaginando o corpo de colado ao meu, desfrutando do calor que ambos gerávamos juntos. Percorri o corpo, desejando que fossem suas mãos em mim, que fosse sua boca na minha pele, que fosse seu cheiro me deixando embriagada. Desejei um mundo onde eu não vivesse 99% do tempo irritada com ele e então, sorri sabendo o quanto era impossível, já que, ambos sendo forjados pelo fogo, o único resultado da união era a combustão.
Quente.
Ay yo soy mala de verdad
(Ah, eu sou má de verdade)
Mala de verdad
(Má de verdade)
Y a ti te gusta la maldad
(E você gosta da maldade)
Se te nota
(Dá para perceber)

Com o final da música próximo, cansei de fazer show sozinha e puxei para o centro, que por sua vez puxou Morgana e Ivina e então, a maioria daqueles que só assistia resolveu participar também. Terminando por gerar um amontoado de pessoas pulando, rindo e se divertindo com o gingado brasileiro.
Um amontoado de suor e corpo humano que me deu a chance de sair de fininho enquanto os últimos acordes ainda se pronunciavam, em busca de alguma bebida que acalmasse meus ânimos. Me esgueirei pela cozinha, bufando ao me dar conta de que tudo com teor alcoólico já tinha sido consumido, o que me fez optar pela despensa onde com certeza mantinha guardado alguma coisa.
Abri as gavetas superiores, me inclinando o suficiente para achar uma garrafa do bom e velho Jose Cuervo. Sorri, na ponta do pé para alcançar a bebida escondida por de trás dos potes de arroz, somente poderia colocar algo ali mesmo. Estive tão compenetrada em conseguir lutar contra todos os potes que estavam na minha frente que só percebi a presença de quando ele se pôs atrás de mim para roubar, com tranquilidade, a garrafa.
Prendi a respiração, notando o arrepio que percorria meu corpo ao receber o seu. Colado. Em. Mim.
— Parece que guarda o melhor para o final — sussurrou em meu ouvido, segurando a garrafa em uma das mãos enquanto a outra apertava minha cintura.
— Uma pena que nós achamos — respondi, com um fio de voz, antes de virar para ele e notar que estávamos muito perto, muito perto.
Dalí, eu conseguiria definir exatamente a cor dos olhos de , aquele tom entre o castanho mel e o carvalho escuro, que ficava como uma noite de verão sem estrelas quando ele me olhava daquele jeito. É, daquele jeito. O jeito que fazia meu coração dar um pulo descompassado, bombeando excitação por cada artéria do meu corpo. Desejo. Era a tradução de todos os meus pensamentos quando eu olhava a boca de se abrir em um sorriso convencido. Ah, ele sabia o que eu queria e para o azar dele, eu sabia o quanto ele queria também.
— Se você me disser onde tem sal e limão, podemos fazer as honras da casa — ouvi sua voz rouca me tirar da realidade onde só envolvia eu, ele e nada de roupas.
— Claro! — respondi rápido, tratando de me distanciar procurando os itens que compunham uma boa tequila. Antes de sair da bancada completamente, testei se minhas pernas ainda estavam vivas, porque se duvidar, tinha me deixado mais embriagada do que a garrafa de Grey Goose inteira.
Garimpei tudo o que tinha pedido, colocando em cima da bancada o saleiro de e os limões da fruteira. Observando pegar dois copos e servir nossas doses. Os braços flexionados se mostrando na camisa social preta, entalhando os músculos da forma mais sexy que eu conhecia. Porra. Ele só estava me servindo tequila e eu já estava a ponto de implorar tocá-lo.
levantou os olhos em minha direção e com um meio-sorriso sedutor, alcançou minha palma para trilhar o dedo embebido de álcool, completando o rastro com uma carreira de sal, que eu bem sabia, precisaria lamber depois. Fechei os olhos, evitando imaginar lambendo minha mão, meu corpo. Encarei atenta ele fazer o mesmo na sua palma e então, ofereci um dos limões partidos.
Virei minha dose, sentindo o líquido descer quente em minha garganta, formigando por onde passava. Acompanhei, um pouco sedenta, lamber o sal e chupar o limão. Não que eu nunca tivesse visto alguém fazer isso, na verdade, era bem comum acompanhar o ritual durante as festas de faculdade, mas o jeito que fazia... Tinha algo nos olhos fechados para receber a bebida âmbar, nos lábios enrolados em torno do limão e na língua habilidosa ao percorrer o sal. Tinha algo que tirava meu fôlego.
Na terceira dose, eu me dei conta de que se meu corpo tinha esquentado na dança, ali ele estava como um vulcão em ebulição. Provavelmente, sentia o mesmo, porque uma gota de suor descia pelo seu pescoço, indo de encontro aos primeiros botões abertos da camisa. E eu, percorri aquele caminho com os olhos, desejando ter controle o suficiente para não pedir que meus dedos fossem em direção ao tecido que separava sua pele da minha.
Na quinta, meus olhos não focavam tão bem quanto no início e a bancada começava a dar sinais de uso embriagado, com alguns limões jogados, sal espalhado e bebida derramada. ria toda vez que alguma coisa caia e eu só sentia vontade de rir junto com ele. Estávamos ali, num silêncio confortável, bebendo tequila como amigos e se desejando como amantes.
A sétima dose chegou e com ela, uma sensação que queimava meu corpo. Eu queria tocá-lo. Acompanhei sua boca se fechar no limão e eu tive o súbito desejo de chupar com ele. Ou, chupar ele. Mas, tudo que minha mente nebulosa pensava era numa ideia que tomava forma. Sorri, no melhor aspecto de sedução bêbada. Sete era meu número da sorte.
Assim que levantou a mão, puxei-a delicadamente até a minha boca, lambendo a pele macia e tirando o sal com o contato. Dizem que sal e limão cura tudo, mas, sal, limão e era uma mistura realmente abençoada. Seu gosto combinado com o da tequila me deixava num delírio de desejo. Encarei sua expressão surpresa, enquanto eu tomava a dose da bebida e puxava o limão para os lábios. Surpresa que aumentou no momento em que coloquei minha boca na sua, chupando metade do limão para que ele fizesse o mesmo. Senti a eletricidade conhecida eriçar meus pelos no momento em que ele correspondeu meu meio beijo, adorando a forma como se moldava de forma tão certa a mim.
Voltei ao meu lugar lentamente, pousando o limão na bancada, ouvindo nossas respirações ruidosas tomarem conta do ambiente. me olhou, não com um desejo comum, não da mesma forma de todos os ensaios. Ele me olhou como se tivesse consumido, como se tudo o que ele enxergasse a sua frente fosse um objetivo e ele se aproximou como se fosse sua ordem de vida conquistá-lo.
afundou os lábios nos meus, resvalando a língua na minha, ao mesmo tempo que suas mãos percorriam meu corpo, depositando uma delas na nuca e a outra na cintura, me puxando em encontro ao seu corpo. Fechei os olhos com um gemido. Diferente do carinho do primeiro beijo, esse era selvagem, quente, como uma fogueira que crepitava num incêndio. Não era ruim, era ácido e me corroia de dentro pra fora, derretendo todas as barreiras que um dia eu coloquei diante daquela relação.
Puxei seus cabelos da nuca, me rendendo a maciez da sua boca na minha, do toque na pele que chamuscava. Escutei o baque surdo do meu corpo na bancada, sentindo limpar desajeitado todas as provas que deixamos ali, me puxando para cima de modo a ficar encaixado entre minhas pernas. Dessa vez, foi ele quem gemeu.
Senti o cós da sua calça estimular a região, já sensível, da minha calcinha, na medida que suas mãos subiam pelas minhas coxas, apertando e apreciando. Enrolei minhas pernas em seu quadril, puxando-o mais perto do que a física acharia possível ou provável. Eu queria restabelecer todos os princípios desde que e eu estivéssemos juntos. Mordi sua boca, quebrando o beijo para provar a pele do seu pescoço, explorando com dedos ágeis os botões da sua camisa, abrindo um por um com certa pressa. Eu queria vê-lo, queria tocá-lo, queria como um todo.
Analisei, com um sorriso malicioso, seu abdome assim que consegui livrar seu tronco daquela cobertura inútil. Ah, eu amava cada pedaço daquele traste. riu da minha reação, deslizando a alça fina da minha blusa, enquanto depositava beijos no meu pescoço e colo, marcando a pele com mordidas e chupões. Senti o mundo vibrar, achei que fosse morrer, mas não, era só usando sua boca para algo bem melhor do que falar. Xinguei mentalmente aquela língua habilidosa que se apossava do meu seio, sincronizado com a mão que brincava com o outro.
Pressionei meu corpo no dele, aumentando a fricção no ponto que nos unia, imaginando que aquela altura, minha calcinha já estava tão molhada quanto Veneza. Desci as mãos pelo tronco desnudo até me apossar do volume significante que marcava os jeans de , sorrindo grata por encontrá-lo pronto pra mim. Duro. Ameacei começar a abrir a braguilha, mas se afastou de mim, olhando-me com um sorriso brincalhão no rosto. Bufei, até ali ele me irritava. Eu queria seu corpo, não sua personalidade.
— Com pressa, ? — questionou em meus lábios, ainda sorrindo.
— Pra quê perder tempo? — dei de ombros, decidida.
sorriu mais ainda, me puxando para ficar em pé e me virando de frente para a bancada de forma que eu só tivesse a alternativa de me apoiar nela. Senti, ansiosa, suas mãos descerem pela minha costa, apalpando a bunda e deslizando os dedos em um toque gentil pelas pernas. Um toque que eu julguei poder me levar nas nuvens, até o momento em que ele trocou os dedos pela boca e refez seu caminho. Beijando minhas panturrilhas tencionadas pelo salto, lambendo minhas coxas e dando mordidinhas na minha bunda. Talvez, eu pudesse quebrar a bancada devido a força com a qual estava segurando-a.
subiu minha saia e eu quis gritar em aprovação. "Sim! Eu quero você dentro de mim!". Desejei deixar que a festa inteira ouvisse meus protestos. Tudo o que eu queria era uma rapidinha, o suficiente para livrar meu âmago daquele desejo insolente por , mas não, ele estava disposto a me dar uma amostra grátis das suas habilidades fenomenais de amante.
Antes que eu pudesse continuar minha dispersão mental, estalou a mão na minha bunda. Arqueei surpresa, sentindo arder na região onde agora ele fazia massagem. Quis protestar, quem ele pensava que era para me bater como uma menininha mal criada? Mas, o segundo tapa veio no momento em que seu dedo deslizou para dentro de mim, empurrando a calcinha de lado, sentindo as pernas fraquejarem de prazer. Algo misturado com dor e excitação tomava conta do meu interior pedindo por mais.
— Você é tão gostosa, tão pronta pra mim — sussurrou rouco, deixando claro que a expectativa não era restrita.
Murmurei uma resposta incoerente, empurrando o quadril em sua direção como quem suplica por mais. Sorri, quando senti outro dedo abrir caminho por mim. Ah, tudo se resumia a mais, mais e mais. Reclamei quando se afastou subitamente, quase choramingando até ouvir o som do preservativo ser aberto, para então sentir o membro duro e quente se alojar entre as minhas pernas.
conduziu seu mastro até minha entrada, já bem lubrificada, deixando-me na expectativa dos seus próximos passos. Divaguei sobre o perfil de numa foda: ele seria do tipo que mete rápido, do tipo que empurra suave aproveitando o momento ou do que varia de acordo com o fôlego? Sorri, sabendo que pouco importava desde que no final, eu estivesse tão satisfeita quanto possível.
No momento em que a cabeça começou a abrir caminho pelo meu ventre, não pude deixar de escapar um suspiro. Porra de homem gostoso. Ouvi o riso seco de atrás de mim, sabendo que ele faria tudo lentamente só para me torturar no caminho. Ele iria prolongar cada estocada, vibrando meu mundo em sua frequência de um jeito que nunca mais fosse possível me acostumar com outras.
fechou a mão nos meus cabelos, puxando-me para si e direcionando meu olhar para o seu rosto, enquanto terminava de se estabelecer dentro de mim. Eu gozaria só com aquele olhar. Ali, ele deixava bem claro que não estava tomando só meu corpo, não, ele queria mais. Queria meus pensamentos, meus sentimentos, minha vida junto com a sua e, naquele momento, olhando em seus olhos quando me preenchia completamente, eu não poderia desejar outra coisa.
Quebramos o contato visual quando ele abaixou a cabeça para morder meu ombro, retirando ao mesmo tempo, seu pau, antes de voltar com mais força, mais vontade. Permanecemos assim até encontrar uma perfeita sincronia, um baque de corpos que se traduzia em prazer eloquente, reverberando por todo meu corpo em forma de gemido, suor e gozo.
Um gozo cru, duro e selvagem.
apertou minha bunda, usando a cintura como timão para definir o destino daquele viagem. Poderíamos ir ao céu pelo prazer e ao inferno pelo meio sujo com o qual o objetivemos. Ambos preferimos o purgatório, deliciando-nos com o limiar entre a perversão do prazer. Rebolei naquele pau como se minha vida dependesse disso, como se pudesse me dar o último gole de água do deserto e quando me senti próxima de explodir, fui surpreendida por um abraço.
mantinha suas estocadas a um ritmo perigosamente rápido, mas, mesmo assim, passou os braços pelos meus ombros, até colar minhas costas ao seu peito, me deixando repousar a cabeça em seu ombro enquanto sentia meu mundo se partir em dois. Tremi, achando, por alguns segundos, que a tensão era demais para aguentar e então, com força e um toque de brutalidade, rompeu minhas barreiras, espatifando minha vida com um orgasmo incrível.
Senti as pernas fraquejarem e me mantive em pé apenas pelo auxílio que me dava, antes de ambos se apoiarem na bancada, na medida que o próprio se desfazia entre as minhas pernas. Sorri, sentindo-me de repente sóbria demais sobre os fatos que se desenrolaram dentro daquela despensa. O suor, o cabelo bagunçado, o cheiro de sexo, a boca inchada e os chupões deixados no caminho dos beijos nunca deixariam que mentíssemos sobre o que exatamente tinha acontecido ali. Corei, ao me dar conta de que tinha batizado a Despensa da minha melhor amiga e pior... eu nem me arrependia disso.
Tentei não murmurar descontentamento quando saiu de mim. Algo no calor que emanava quando estávamos juntos, no sentimento de... totalidade? Completude? Perfeição? Eu nem sabia denominar o que acontecia quando estávamos ali, sendo só os dois. Bem, algo existia e eu não podia negar, por isso, me mostrei despida das barreiras que carregava no dia a dia, baixando a guarda enquanto observava descartar a camisinha e se vestir com um certo receio no olhar.
Ele tinha medo de que voltássemos a estaca zero e eu tinha medo de que as coisas evoluíssem rápido demais ao ponto de trocarmos os pés pelas mãos, algo que na dança, é imperdoável. Por isso, ficamos nos encarando pelo que parecia ser horas, até que ele... sorriu. Riu. Gargalhou e eu não tive outra opção além de gargalhar com ele, depositando um beijo em seus lábios como uma oferta de paz.
! ! — tomei um susto ao escutar batidas na porta que só então questionei se tinha trancado — Se vocês tiverem fazendo besteiras na minha Despensa, eu vou matar os dois — terminou , gritando irritada para sobrepor o volume alto da música lá fora.
Olhei para e eu soube, era tarde demais. Para o pedido da e talvez... para um pobre coração que não negava uma oportunidade de se apaixonar.

IX

POV:

Ereção prolongada. Era a definição do meu estado desde o dia em que provei um pedacinho do paraíso. Aliás, o conceito de paraíso poderia ser facilmente redefinido desde a noite em que estive com . Minha mente se enchia de lembranças que nem o embaraço do álcool conseguiria me fazer esquecer, eu revivia todo tempo minhas mãos pelo seu corpo, a forma como sua bunda se moldava em minha pegada, a maciez do seu interior recebendo meu membro. Eu queria mais e ele também.
Sorri, fechando os olhos ao memorizar a expressão assustada de quando bateu na porta, como se tivéssemos, literalmente, sido pegos no flagra. Meu corpo ainda evocava a sensação pós-gozo misturada com as risadas que não conseguíamos controlar, afinal, insistia em dar tropeços bêbados até a porta, me fazendo correr ainda mais desastrado atrás dela para roubar aqueles que seriam os últimos beijos da noite. Eu não poderia deixá-la escapar, por isso, colei nossos corpos na madeira da porta, beijando sua boca com pressa enquanto escutávamos as batidas insistentes de .
Tentei me livrar da cara de bobo antes de entrar no estúdio, mas, meus pensamentos do fim de semana tinham começo, meio e fim na mulher que agora conversava com Cattaneo. Brinquei com o peso nos pés, incerto sobre o caminho a seguir. Eu deveria ser o indiferente e seguir com aquela babaquice de profissionalismo ou deveria me vestir de coragem e obrigar a me dar chance naquele tribunal que ela chamava de coração? Esqueci dos planos assim que seu olhar se prendeu no meu e ao contrário do que tinha imaginado, ela sorriu ao me ver. Um sorriso tímido, porém, bem diferente da carranca matinal que ela costumava apresentar.
Caminhei na direção deles e fingi que aquele era mais um dia de trabalho como qualquer outro e não a primeira vez que eu reencontrava a mais nova dona da minha cama. Mesmo que, eventualmente, não tivéssemos usado uma cama. Questionei mentalmente as probabilidades de me matar por ter poluído sua bancada em um momento de desejo desenfreado. Talvez, eu pudesse recorrer ao bom senso masculino de se ao menos não estivesse certo de que ele também me mataria por me envolver com .
É, eu estava fodido com ambos os lados.
— Bom dia — murmurei, acompanhado de um sorriso sem dentes.
— Bom dia, . Como você está? — perguntou Cattaneo amistoso.
Afirmei positivamente com a cabeça, deslizando o olhar para a pessoa que se apoiava nos ombros do nosso técnico enquanto puxava a perna até a bunda em um alongamento. Encarei os cabelos presos em um coque alto, penteado característico para os dias em que estava esbanjando seu espírito de bailarina. Sorri, concluindo que eu provavelmente estava louco se em 2 meses tinha definido o humor da minha parceira de acordo com seus penteados. Rabo de cavalo para dias estressados, tranças para os de descontração, coques quando ela queria o máximo de concentração. Balancei a cabeça mentalmente, continuando meu percurso por seu rosto.
Percorri seus olhos, parando por ali como se quisesse desvendar o por quê deles estarem sorridentes hoje. Algo no brilho depositado na íris me dizia que estava disposta a deixar toda nossa irritação rotineira de lado por hoje. Senti meus próprios lábios se abrirem em um sorriso bobo assim que vi o dela necessitando de companhia. Desviei o olhar perdido, assim que ouvi sua voz reivindicar minha atenção.
— Mal começamos e você já está dormindo no batente? — o riso no tom de deixava claro sua intenção brincalhona.
— Sinto muito, não dormi bem esses dias — pisquei, observando o rubor tomar conta das bochechas dela indicando que tinha entendido o recado.
— É uma pena, meu querido. Porque o trabalho vai ser cada vez mais exaustivo com a chegada do campeonato — Sr. Cattaneo ponderou, dando de ombros para o meu cansaço.
— Realmente, , talvez seja bom você tomar um energético para aguentar o pique — sorriu, alongando a outra perna.
— Achei que você soubesse que eu aguento o tranco, . Dentro e fora das pistas — prendi o riso ao ver tossindo como se tivesse engasgado ao tentar engolir minhas palavras.
— Vocês deveriam parar de falar coisas ambíguas na minha presença — Sr. Cattaneo brigou, cruzando os braços — Meus ouvidos já não podem mais escutar certas coisas.
Antes que pudéssemos nos recompor do susto que Cattaneo tinha nos dados, ele começou a rir das nossas expressões e fez uma firula com a mão, como se fossemos os ingênuos da história. Olhei para sem entender o que tinha acontecido, mas ao invés de compactuar da minha opinião, ela me deu um soco no braço, demonstrando irritação diante das minhas insinuações.
— Eu deveria ter te matado quando tive oportunidade, — balançou a cabeça em negativo.
— E quem disse que você não matou? — instiguei, arqueando uma das sobrancelhas em sua direção.
— Claramente não fiz direito então — teve a face tomada por uma careta engraçada.
— Ah, não tenho certeza disso — cheguei mais próximo dela, aproveitando sua surpresa para percorrer a pele do seu pescoço com meus dedos, deslizando até massagear os ombros — Acho que você me matou tão bem que eu precisei reviver para que tivesse a oportunidade de morrer de prazer de novo — terminei, sussurrando em seu ouvido, percebendo sua respiração descompassar.
Ali estava o motivo da minha insônia. Só de tocar na curvatura do ombro de , observar seu peito subir e descer em dessincronia e lembrar de todas as mil formas em que eu poderia tê-la assim de baixo de mim, me deixava louco. Acordava todos os sentidos do meu corpo, como se eles ansiassem por estar com ela mais uma vez. Eu era a porra de um viciado e a má notícia era que nenhuma reabilitação poderia me livrar do desejo que bombeava em minhas veias toda vez que eu estava diante de .
Eu precisava me lembrar a todo instante os motivos pelos quais eu não poderia beijá-la até estarmos sem fôlego, mandar nossas roupas para longe e fazê-la minha bem ali mesmo. No piso encerado da sala de dança. Lembrar que a boca que sorria pra mim era um território proibido, pelo menos enquanto estávamos sóbrios e tudo o que eu poderia fazer era comer pelas beiradas esperando pacientemente pelo seu "sim".
Sim, eu precisava escutar da boca dela o quanto desejava estar comigo também. Precisava que aqueles lábios confessassem, num sussurro desesperado, que a febre no meu corpo era a mesma que dava calafrios no seu. Fritando nosso sistema nervoso.
— Vai ser rotineiro interromper os momentos sensuais de vocês? — Aylle pigarreou, nos fazendo pular para uma distância segura um do outro.
— Puta que pariu, Aylle! — praguejou com a mão no coração — Vai matar de susto a tua mãe, caramba.
— Não posso, mamãe voltaria para puxar meu pé e eu ficaria branca de medo — ela zombou, se aproximando para dar beijinhos simpáticos em nós dois.
revirou os olhos, voltando a se alongar, o que me lembrou que eu precisava fazer o mesmo.
— Aliás, estou extremamente orgulhosa que vocês estão sendo pontuais com os horários. Acho que tudo o que precisava era de um... er, estímulo — Aylle comprimiu o sorriso, recebendo um cotoco como resposta de .
— Aqui é regime militar, Ayllene! Vou pôr de castigo se ela pisar na bola — brinquei, piscando para nossa agente.
— Há-há, ! Se manca que você não manda em nada aqui não — revirou os olhos, formando um beiço de irritação.
— Ela diz isso na sua frente, Aylle, mas adora quando sou mandão — sussurrei para Aylle, que ria descontroladamente, antes de me ver fugindo dos tapas que mirava em mim.
— Ok ok! Chega! — Aylle se meteu entre nós, prevenindo que perdesse outro parceiro. Dessa vez por acusação de violência — Não vim aqui para ver vocês brincando de gato e rato.
— Ué, achei que te pagasse para isso — abrumou os ombros prepotente.
— Engraçadinha! Eu deveria receber um aumento só por te aturar. Mas, enfim, vim dizer que alterei a agenda de vocês hoje — Aylle pegou o planner em sua bolsa, folheando até chegar nas suas anotações para o dia — Substituí os últimos horários de ensaio porque conversei com Theodor, o agente dos campeões olímpicos Tessa e Scott.
— Tessa? Scott? Os patinadores no gelo? — questionei intrigado.
— Sim! Eles estão se apresentando aqui por causa da turnê de Campeões — Aylle continuou.
— Quer dizer que além de salto no trampolim, iremos nos arriscar no gelo agora? — brincou.
— Claro que não. Deus me livre lesionar vocês às vésperas da competição — Aylle balançou a cabeça como se espantasse o pensamento — Vocês vão ver a apresentação deles e combinei com Theodor um possível jantar depois. Sabe, bom para a mídia.
— Ah sim — balancei a cabeça como se entendesse tudo de marketing — O casal campeão olímpico junto com os futuros campeões mundiais, faz sentido pra mim.
— ISSO! Muito bem, — Aylle fechou a agenda — Espero que vocês se comportem, crianças.
Observei a agente percorrer o cômodo com seus cachinhos ruivos balançando cheios de pompa, cumprimentando Sr. Cattaneo que voltava com seu precioso café nas mãos. Arrisquei um olhar para , mas, ela estava agora bisbilhotando os patinadores pelo google e, cheio de curiosidade, me aproximei para fazer o mesmo. Aparentemente, eles estavam juntos a mais de 20 anos, sendo uma dupla desde a infância. Comecei a imaginar o quanto deve ter sido difícil passar por toda a loucura da puberdade com a pressão de um campeonato nos ombros.
— Meus bambinos, Ayllene me informou que não temos o dia todo como de costume — Sr. Cattaneo se pronunciou, fazendo com que desviássemos a atenção do celular — Se arrumem porque hoje vou fazer algo bem leve.
Acompanhei até o centro da sala, fechando os olhos ao escutar os primeiros acordes de uma música qualquer que Sr. Cattaneo tivesse colocado. Era sempre assim no início dos ensaios. Uma música ritmada, para acordar nossos músculos e prepará-los para a repetição extenuante da coreografia. Mantive os olhos fechados, esperando a já conhecida conexão que a melodia despertava. Sorri ligeiramente, sentindo o formigamento começar nos dedos do pé, subir pela panturrilha e percorrer meu corpo com uma intensidade que, eu sabia, seria impossível ficar parado.
Procurei o olhar de , apostando que seu corpo dava os mesmos sinais do meu, afinal, tínhamos nascido com algo próximo de uma maldição. Era uma batalha perdida ser indiferente diante das músicas. Do Jazz ao Funk, eu e encontraríamos os passos perfeitos para evocar aquele comichão em uma dança.
— Como temos pouco tempo, vou deixar que vocês interpretem uma música livre hoje! — comentou Sr. Cattaneo dando pause no aparelho de som.
— Música livre? Poderemos dançar qualquer coisa? — Questionou , provavelmente já pensando no ritmo que escolheria.
— Sim! Precisamos estimular a criatividade de vocês se quisermos estar prontos para improvisar diante dos imprevistos! — finalizou nosso técnico.
Refleti sobre o mundo de sons que eu poderia selecionar e senti a adrenalina injetar ânimo no meu peito assim que tive uma ideia. Parece que eu poderia mandar um recado para , não?
[N/A: *Coloque essa música para tocar*]

Caminhei até o home-theater que usávamos de DJ durante os ensaios e vasculhei no Spotify a música perfeita para minha performance. Antes de dar o play, eu já estava rindo da cara que faria diante daquele espetáculo. Olhei para o controle do aparelho e peguei sem pensar duas vezes, usando-o como microfone improvisado.
You don't have to be beautiful to turn me on — entoei na minha melhor imitação de Prince, apontando para que agora ria escondendo o rosto com as mãos. — I just need your body, baby, from dusk till dawn.
Mexi o corpo no embalo da música, me aproximando de e puxando-a em rodopios para os meus braços. Colei nossos corpos, dando nenhum espaço para a imaginação. Ninguém precisava saber onde terminava e começava , bastava verem que na dança nós éramos... únicos.

You don't have to be rich to be my girl
(Você não tem que ser rica, para ser minha garota)
You don't have to be cool to rule my world
(Você não tem que ser descolada para dominar meu mundo)
Ain't no particular sign I'm more compatible with
(Não há nenhum signo em particular com o qual eu seja mais compatível)
I just want your extra time and your
(Eu apenas quero seu tempo extra e seu)
Kiss
(Beijo)

Beijei seu rosto, fazendo um barulho estalado assim como na música, mantendo nossos passos animados em perfeita sincronia enquanto percorria meu olhar por seu rosto. ria da minha interpretação e isso iluminava todo seu semblante, me fazendo desejar ter cada vez mais oportunidades de provocar aquele riso. Eu queria ver feliz daquele jeito todos os dias, seja no ensaio, seja no jantar, seja na minha cama. Na minha cama principalmente.
Permiti que ela saísse dos meus braços, girando-a de volta para o seu lugar, entre risos. Aproveitando o ritmo para usar toda a habilidade que eu aprendi vendo os vídeos do Michael Jackson quando pequeno. Caminhei em um moonwalk improvisado até Sr. Cattaneo que estava vermelho de tanto gargalhar e iniciamos uma dança sincronizada, com direito a palmas e balançar de pescoço para os lados.
Distanciei-me de Sr. Cattaneo, ainda batendo palmas, como se tivéssemos sido transportados para uma grande discoteca dos anos 80, usando os dedos em V para passar pelos olhos, num passo típico de John Travolta em "Os embalos de Sábado a Noite". Virei a cabeça na direção de , que entendeu o recado e tentou controlar o riso enquanto formulava a melhor sequência de Flashdance já vista, mexendo os quadris de forma que Sandy de Grease teria inveja. Não resisti muito até puxá-la para o meu lado, completando seus movimentos na sincronia já conhecida para nós.
afastou nossos rostos e sorriu brilhantemente em minha direção, transformando sua expressão amigável em um semblante arrogante ao mesmo tempo em que eu erguia as sobrancelhas na tentativa de interpretar aquela reação. Senti nossos corpos se separarem e sua boca se abrir em um gracejo.
— Parece que não sou só eu que perco oportunidades, murmurou, balançando a cabeça em negativo, em uma decepção fingida.
— Qual oportunidade eu perdi? — questionei, franzindo o cenho diante do seu olhar risonho.
sorriu, deixando um mistério no ar, antes de caminhar em direção ao aparelho de som e interromper a música com certa rapidez, trocando-a por um hit conhecido dos tempos da brilhantina.
— Você perdeu a chance de me dizer: "Dance comigo?" — ela finalizou, estendendo a mão que eu aceitei em prontidão, ouvindo os acordes conhecidos darem ritmo aos nossos passos.
Puxei em direção ao meu peito, apoiando minha mão em sua cintura de forma em que estivéssemos tão juntos quanto era possível e iniciei uma dança lenta, como lembrava ter visto no filme Dirty Dancing, afinal, Morgana tinha me feito assistir o exemplar da locadora até que o mesmo estivesse arranhado de tantos replays regados a pipoca e choro. Sorri com a lembrança, enquanto Morg era cativada com a magia da paixão entre os protagonistas, eu me via também encantado com a magia, só que uma de outro tipo. Do tipo que vinha de cada passo que os dançarinos davam, me deixando ensandecido com a necessidade de aprender a coreografia.
Abaixei meu rosto até que o meu olhar e o de se encontrassem, fazendo com que meu peito ameaçasse explodir em emoção. Sorri, sem a timidez do início do ensaio, afinal, ali eu queria que soubesse de todo o sentimento que ela fazia desabrochar no meu interior. Queria que ela entendesse do desejo, da chama crepitante que alimentava com qualquer migalha de atenção que me direcionasse; entendesse o carinho, que me fazia querer abrigá-la no colo sempre que percebia seu cansaço durante os treinos; entendesse o respeito e a admiração que eu nutria pela mulher forte que se mostrava diante de mim, lutando pelo campeonato com unhas e dentes. Eu queria que ela soubesse tudo e, o sorriso que ela me lançou em resposta, demonstrava que existia um risco de que pelo menos alguns daqueles pontos ela desconfiava.
balançou a cabeça em descrença, como se pudesse ler os pensamentos em minha cabeça e além de lê-los, discordava de cada um. Dei de ombros, olhando-a como se ambas as músicas tivessem sido claras o suficiente. Eu, através dos sons divertidos de "Kiss", gritei ao mundo o quanto gostaria que fosse A minha garota, enquanto ela, assumia, mesmo que em tom de brincadeira, que gostava de passar seu tempo comigo. Assim, mesmo em proporções distintas, estávamos mais próximo do que nunca de declarações românticas.

I've had the time of my life
(Eu tive os melhores momentos da minha vida)
No I never felt this way before
(Não, eu nunca me senti assim)
Yes I swear it's the truth
(Sim, eu juro é verdade)
And I owe it all to you
(E devo tudo a você)

Estendi , com o braço esticado que ela usou para voltar para mim, se enrolando no meu corpo, encaixando suas curvas nos meus espaços vazios assim como fazia com minha vida. trazia luz para minhas camadas escuras, sobriedade para meus impulsos. Parei para observar sua essência responder a minha e refleti brevemente sobre o momento em que tinha me tornado aquele pensador, quase filosofo, diante dos sentimentos humanos e sorri, compreendendo o poder que tinha sobre os meus pensamentos.
Pensamentos que se tornavam um borrão a cada sorriso de , como se aquele vislumbre de dentes perfeitamente alinhados corroesse como ácido meu raciocínio coerente e eu me tornasse um simples admirador daquela em minha frente. Escorreguei os braços pelas costas de , ancorando as duas palmas em seus quadris, sentindo-os em um balanço sedutor debaixo dos meus dedos. Puxei seu corpo para mais próximo do meu e observei os olhos de relampejarem uma surpresa agradável ao ir de encontro a minha excitação, transformando o seu sorriso divertido em um semblante cúmplice. Ora, ela não podia me julgar, podia?

With my body and soul
(Com meu corpo e alma)
I want you more than you'll ever know
(Eu te quero mais do que você jamais saberá)
So we'll just let it go
(Por isso vamos nos soltar)
Don't be afraid to lose control, no
(Não tenha medo de perder o controle, não)
Yes I know it's on your mind
(Sim eu sei que está na sua mente)
When you say: Stay with me tonight
(Quando você diz: Fique comigo esta noite)

Stay with me — sussurrei no ouvido de , recebendo seu olhar risonho em troca e um beijo estalado nos lábios que, na minha opinião, foi rápido demais.
Antes que eu pudesse argumentar, virou de costas para mim, olhando-me por sob o ombro e seguindo para o canto oposto da sala segurando a saia invisível que balançava de acordo com seus passos. Comecei a rir, estalando os dedos ritmados e batucando os pés, esperando que ela virasse em minha direção como sabia que faria. Assim que me olhou, eu senti meu rosto dar sinais daquela expressão abobalhada que eu só tinha na presença dela. Eu sabia que estava parecendo um idiota apaixonado, mas, quem se importava afinal?
A uma distância segura, correu, rindo e saltou para os meus braços, ao mesmo tempo em que ergui seu tronco, deixando-a flutuando em cima da minha cabeça, da mesma forma que Johnny e Baby fizeram no filme. Cena que nos rendeu aplausos e assobios de Sr. Cattaneo que se tornou insignificante no momento em que desci deslizando-a pelo meu corpo. Ambos estávamos ofegantes pelo ritmo da música acompanhado dos risos involuntários que deixávamos escapar, mas, aquilo pouco importava porque era uma das primeiras vezes que eu tinha tido a oportunidade de ver tão relaxada, abdicando de sua postura centrada demais e deixando-se levar pelo simples espírito da dança.
Puxei sua nuca em direção a mim, tomando-lhe os lábios em um gemido de felicidade. poderia ser minha Sandy ou minha Baby, desde que no final, fosse minha e eu pudesse ter seus lábios assim, selados junto aos meus, num dos momentos em que nossa paixão falava mais alto e ficávamos rendidos aos delírios do amor. Mordi sua boca, desfrutando do sabor adocicado que sua língua deixava na minha. sorriu entre o beijo e eu afastei nossos corpos, dando um selinho rápido antes.
— Talvez você saiba aproveitar um pouquinho as oportunidades — zombou, dando um tapa simpático no meu ombro.
— Sabe, — falei, acariciando a pele macia de sua bochecha, que agora estava corada diante do esforço físico — Se minha oportunidade for você, eu vou ser a pessoa mais feliz em aproveitá-la.
Observei o rubor tomar ainda mais o rosto de e me fiz confuso, dividido em acreditar que eu tinha provocado aquela reação na dançarina ou se ainda era um resquício do coração acelerado pela música. De qualquer forma, envergonhada era uma graça e eu estava correndo sérios riscos de pegá-la no colo e levá-la para casa agora mesmo. Aliás, aquilo era algo fácil de imaginar. Uma rotina com fora dos palcos. dormindo ao meu lado na cama. assistindo qualquer programa de TV inútil enquanto enroscava as pernas nas minhas. apoiada na bancada bebendo seu café da manhã. Ah, bancadas. Talvez não fosse ajuizado pensar nelas agora.
— Acho que preciso mandar uma solicitação para a comissão organizadora do campeonato — Sr. Cattaneo murmurou, desligando o Home-Theater.
— Comissão? Ué, por que? — questionou, recobrando a cor natural do rosto ao mesmo tempo que seguia em direção a sua mochila de treino.
— Ora. Com o espetáculo improvisado que vocês deram aqui, preciso me certificar de que FlashDance seja um dos ritmos cotados para as próximas edições do Mundial — ele sorriu, estufando o peito em orgulho, realmente impressionado com os passos que criamos em um curto período de tempo.
— Realmente, quem diria que conseguiria colocar Sandy no chinelo — dei de ombros, apanhando minha garrafa de água que jazia no piso ao lado da mochila.
— Ultimamente, eu só gostaria de colocar uma pessoa no chão — sussurrou desatenta e eu ergui as sobrancelhas, curioso para saber mais do que ela falava.
— Quem? — questionei, quase no mesmo tom que ela usara, fazendo-a pular, se dando conta de que tinha pensado alto.
— Ah, ! Ninguém importante, de verdade — franzi o cenho diante daquela mentira deslavada.
— Você não tem pena do seu pobre companheiro que vai morrer de curiosidade? — direcionei uma cara tristonha em sua direção, agradecendo mentalmente ao Gato de Botas do Shrek quando sorriu, revirando os olhos, vencida.
— Só quero destruir Desirée, . Aquela vaca que roubou Dante de mim.
Senti o coração dar um descompasso ao ouvir o nome do antigo parceiro de . Ela queria se vingar da mulher que conquistara o dançarino desertor? Senti meu sorriso murchar. ainda se importava com ele, era claro! Que burro eu era por achar que aquela conexão era única entre nós. deveria partilhar algo igual com Dante e isso significava que eu era mais do mesmo na vida dela.
me olhou receosa e eu acenei em positivo, afinal, se estávamos juntos para que ela conseguisse essa vingança idiota, que seja, eu daria a ela um prato recheado disso. Tentei sorrir, por fim, forçando-me a entender que eu deveria saber que em dois meses alguém como não cairia de amor por um Engenheiro metido a dançarino como eu, mas, no fundo, meu coração esmagado gritava ao berros que eu poderia dar à bem mais do que uma refeição de vingança. Eu poderia dar-lhe um jardim inteiro de flores que trouxessem à sua vida, emoções bem maiores do que a frieza contida de um vazio vingativo. Eu poderia dar-lhe amor.
Amor. Outra vez estava sendo idiota.
Puxei a alça da minha mochila, incerto se poderia aguentar mais alguns segundos dividindo o mesmo recinto que , já que a cada olhar em sua direção, meu peito queimava ainda mais, como se os pensamentos em minha cabeça fossem o combustível necessário para o incêndio que crepitava palavras de baixo calão diante da constatação que eu acabara de ter. era apaixonada por Dante e eu... ah, era uma simples ferramenta para concluir um objetivo.

*


As luzes do Madison Square Garden se apagaram, provocando em toda a plateia presente um suspiro de excitação, afinal, aquele era o sinal de que em poucos segundos estaríamos imersos na atmosfera encantadora de Tessa e Scott, os campeões olímpicos, como prometia os bilhetes vendidos a 100$. Observei um único foco de luz brindar o gelo, brilhando no centro e direcionando todos os olhares de expectativa para aquele ponto em comum. Até eu, que estava ali por uma jogada de interesses, me via realmente esperando a entrada triunfal da dupla.
Arrisquei um olhar para , mesmo sabendo o turbilhão de pensamentos que iria me invadir assim que eu pusesse os olhos na minha parceira. Naquela noite, seus cabelos estavam arranjados em uma trança solta que caia por suas costas, assim como alguns fios rebeldes que insistiam em se soltar do broche perolado e descer, em forma de cacho fino, por seu pescoço. Desejei poder enquadrar aquela visão em uma fotografia, ficava simplesmente linda ao destinar toda sua preciosa atenção para o rinque de gelo a nossa frente. Por um momento, até me esqueci do porquê estávamos ali, já que, a proximidade de , o cheiro amendoado do seu perfume e todo o efeito que ela sempre causara em mim, me deixava suficientemente distraído para esquecer até meu nome.
Percebi uma música suave preencher o ambiente e então, notei uma pequena movimentação no centro do gelo. Sim, Tessa e Scott se encontravam agora parados no meio do foco de luz, sorrindo cúmplices, como se aquela apresentação fosse algo só dos dois, ao invés de estarem diante de 5 mil pessoas. Sorri, me perguntando mentalmente se eles tinham a mesma sensação que eu vivia com , aquela sensação de pertencimento.
— Senhoras e Senhores, com vocês, os campeões olímpicos, Tessa Virtue e Scott Moir — o locutor comunicou, acompanhado de uma chuva de aplausos ensurdecedores.
ao meu lado, parecia já estar contagiada pela atmosfera mágica dos patinadores pois parecia estar prestes a quebrar as mãos de tão forte que batia palmas. Sorri diante da cena, desejando colocar as minhas entre as suas e acariciar a pele que agora apresentava-se quente e vermelha, mas, contive os apelos absurdos do meu coração. se sairia bem sozinha.
Os acordes de "I Want to Hold Your Hand" começaram a soar dos amplificadores de som, em uma voz melodiosa diferente da dos Beatles, mas aparentemente tão boa quanto. Acompanhei os movimentos leves que a dupla fazia em cima do gelo, dando a impressão de que existia um deslizar pacífico entre as lâminas de suas botas e os cristais congelados da pista. Tudo neles exalava harmonia. A forma com que se olhavam, o sorriso que lançavam na direção um do outro, a sincronia com que realizavam cada passo da coreografia.
Observei Tessa deslizar por dentro das pernas de Scott, em um movimento que surpreendeu o público, gerando outra série de aplausos empolgados. Fato que persistiu por quase toda a apresentação, desde o momento em que Scott levantou a parceira ao alto, deslizando sob o gelo com ela em seus braços, até o final, onde eles cativaram a plateia de mãos dadas, fazendo clara referência ao trecho título da música.
Tessa e Scott não foram tão surpreendentes quanto o momento em que senti percorrer meu braço até estar com as mãos nas minhas também, como um espelho da dupla que agora recolhia os ursos e flores que eram jogadas no gelo. Desci o olhar para o ponto de união em minha coxa, temendo que o toque sensível de fosse apenas um infortúnio gerado pela minha imaginação. Mas, ao contrário do especulado, nossas mãos permaneciam unidas, como se tivessem vontade própria em estarem juntas, ignorando as atitudes incoerentes que seus donos tomavam deixando-as ainda mais distantes. Acariciei o dorso da mão de com o meu polegar, sentindo as já conhecidas correntes de eletricidade percorrerem meu corpo.
Quase me permiti acreditar naquele futuro estendido a minha frente, naquele desenho de vida em que eu e éramos um casal de verdade, no qual eu poderia fazer carinho nela a qualquer momento do dia, mas, uma lembrança vagarosa usurpou meus sonhos de verão e reinstalou a verdade do ato. odiava luvas. Era isso. Suas mãos deveriam estar congelando diante da temperatura baixa dentro do teatro e por isso, ela recorreu ao meu confortável e conhecido calor.
Tentei não fazer careta, mas já sentia meu rosto se retorcer em uma carranca triste. O próprio reflexo do meu coração. Argh, idiota apaixonado.
Quando as luzes se acenderam, fiz o possível para sorrir para , afinal, a última coisa que eu precisava naquele instante era de mais um dos seus discursos de profissionalismo e como éramos um casal apenas na dança e bláblábla. Apoiei minha mão em sua costa, conduzindo-a em direção ao camarim onde encontraríamos Tessa e Scott, mantendo uma distância segura para não perder de vez o raciocínio lógico.
Chegamos em frente a uma porta de madeira que ostentava a plaquinha com o sobrenome da dupla e era salvaguardada por um cara enorme e careca. Sorri simpático, afinal, cara a cara com alguém três vezes maior do que você, é melhor tomar um caminho amigável, não?
O segurança, que possuía um crachá de identificação com o nome "Max", liberou nossa entrada assim que conferiu os passes que retirou da bolsa e em torno de dois segundos estávamos dentro do ambiente que, com certeza, caberia meu quarto dentro. Olhei ao redor, absorvendo as paredes brancas lisas, ornamentadas com arranjos de flores coloridas. Em frente a porta tinham alguns espelhos típicos, com lâmpadas redondas na moldura e, percebi, na mesa, além dos acessórios usados para a apresentação, tinha alguns retratos da dupla. Aquilo deveria ser parte do agrado do teatro para Tessa e Scott e, algo me dizia que eles adoraram.
Terminei de varrer o ambiente com os olhos assim que os dois entraram pela porta ao lado dos sofás. Do mesmo jeito que nós, agora eles vestiam trajes mais simples, sem toda parafernália usada no gelo. Sorri, estendendo a mão em cumprimento a Scott, enquanto dava um abraço em Tessa. Ambos pareciam felizes em nos ver, como se estivéssemos diante de amigos, ao invés de contatos midiáticos.
— Oi!! Você é a , né? É um prazer enorme! — cumprimentou Tessa, empolgada.
— Oi Tessa, oi Scott! Vocês fizeram uma apresentação incrível, agora entendo todos os ouros olímpicos — desmanchou, trocando de lugar comigo para abraçar Scott, enquanto eu fazia o mesmo com sua parceira.
— Que isso! — Scott despachou o elogio com a mão — Garanto que vocês conseguem fazer melhor.
Sorri, captando o olhar divertido de , sabendo que na verdade, estávamos longe de fazer mil piruetas em cima de uma lâmina fina de metal. Era mais provável que as crianças que patinam no Rockfeller Center no inverno conseguissem tais feitos, enquanto eu e seríamos aquele casal de velhos que dá algumas voltinhas tímidas ao redor do rinque.
Seguimos os quatro em direção a saída do Madison Square Garden, usando a passagem designada por nossos agentes, quase certos de que a multidão de paparazzis estaria sendo despistada na porta frontal. Sorri ao perceber que Tessa e Scott aparentavam a mesma harmonia das pistas também fora delas. Ali, ele segurava a cintura dela com delicadeza, em uma mistura de posse e carinho. Senti os dedos coçarem para fazer o mesmo com , mas, me xinguei mentalmente, recriminando a vontade de marcar território, colocando as mãos nos bolsos.
— Então, vocês estão juntos a quanto tempo? Vi uma apresentação de vocês no Programa da Ellen! Aquilo foi incrível! — Tessa falou, olhando-nos sorridente, enquanto Scott concordava com a cabeça.
— Um pouco mais de dois meses. Tivemos que montar aquela coreografia na hora, saiu um pouco improvisado — deu de ombros, quase indiferente ao dia em que brincamos de "Eu nunca".
— Nossa! Se aquilo foi improviso, nem consigo imaginar o que vocês conseguem fazer com prática — Scott pareceu impressionado — Acho que vou esconder minhas medalhas enquanto posso.
gargalhou diante do comentário, ao mesmo tempo em que Tessa cutucava seu parceiro como se pedisse um pouco mais de educação. Eu ria de ambas, pensando que aquilo na verdade, parecia estranhamente um encontro de casais. Daquele tipo em que os amigos se reúnem e planejam um futuro, falam sobre a cotação imobiliária, o preço das fraldas e a conta de luz. A única diferença, porém, era que, além de não sermos casais, nossos assuntos estavam mais voltados a passos, ritmos e músicas.
A princípio, tudo o que falávamos era sobre isso mesmo. Mas, entre a a 5th e 6th avenida, já estávamos rindo das histórias que Tessa insistia em contar sobre o Scott. Tipo quando ele teve dor de barriga as vésperas de um campeonato ou quando ela encontrou o parceiro congelando em cima do gelo após esquecer de avisá-lo que não poderia ir ao treino, tudo isso, claro, aos 12 anos, porque com 28, esses imprevistos se tornaram cada vez mais raros de acontecer.
Paramos em frente ao MoMA e Scott se mostrou empolgado em conhecer as suas esculturas e eu concordava, Aylle era genial em tudo que fazia. Apesar do Museu já estar fechado na hora em que a apresentação terminou, Aylle conseguiu um pacote de passeio vip para que os canadenses pudessem desfrutar de todo o fascínio artístico sem a multidão de turistas em seu encalço. Depois disso, poderíamos jantar calmamente no The Modern, restaurante do museu, também fechado para nós.
— Então, caros visitantes — imitou a pompa de um guia turístico — Temos fotografia; escultura; pintura; filmes e vídeos; desenhos e livros, por qual vocês gostariam de começar? — questionou nossa autodenominada guia, adentrando a galeria extensa.
— Eu estou louca para ver de pertinho os quadros de Van Gogh — Tessa soltou, em um gritinho animado.
— Seu pedido é uma ordem — sibilou , puxando Tessa para uma corrida em direção ao andar onde ficavam as obras primas de Van Gogh.
Olhei para Scott, ele sorria mesmo sabendo que tínhamos sido abandonados para trás. Trocados pelo pós-impressionismo de A Noite Estrelada.
— Deve ser engraçado conviver com toda essa euforia no dia-a-dia — Scott pontuou, a medida que caminhávamos entre as esculturas, ora coloridas ora preto e brancas.
— Com certeza, Nova York tem vida própria — comentei, recebendo um olhar engraçado dele.
— Eu estava falando de , mas NY também se encaixa nisso, né? — ele riu, enquanto eu sentia a face esquentar.
— Claro! é uma parceira incrível, tem muita, hm, energia — completei, coçando a cabeça, tímido.
Scott sorriu, direcionando a mim um daqueles olhares de quem sabe tudo o que passamos, mesmo que não tenhamos falado de forma explícita. Algo no aceno de cabeça e no respeito silencioso que ele me direcionara, me dizia que Scott já tinha percorrido percalços semelhantes em sua relação com Tessa. Acompanhei o seu sorriso, imaginando que se eles conseguiram superar os obstáculos e resistir por 20 anos, eu e também conseguiríamos.
Estávamos diante de uma escultura de um círculo de cristais, enterrado em várias peças pretas, refletindo sobre o contexto artístico daquilo quando senti meu celular vibrar. Puxei-o do bolso para encarar a imagem sorridente de na tela e atendi rindo da sua necessidade de me ligar mesmo eu estando no mesmo prédio que ela.
, você não vai acreditar! — falou, sem esconder a animação — Eu e Tessa encontramos a exposição de uma pintora brasileira, é incrível! Onde vocês estão? Já vimos de Van Gogh à Frida Kahlo e nada de vocês aparecerem por aqui — resmungou.
— Tínhamos marcado um encontro, gata? Desculpe o atraso — ironizei, recebendo a risada cúmplice de Scott ao meu lado — Me conte da pintora brasileira, já estamos subindo aí.
No corredor branco que indicava as escadas, ignorou meu sarcasmo e continuou a falar sobre Tarsila do Amaral. Uma pintora brasileira que estava exposta por tempo limitado no MoMa. Sua empolgação foi tanta que corremos até encontrá-las diante de um quadro meio estranho, composto por um cara com pés grandes demais e uma tonalidade de pele meio amarelada. "Abaporu" era o que parecia estar na placa e lá também dizia que o quadro tinha sido feito para o marido da pintora.
Ficamos por um tempo apenas observado as cores e formas do quadro, tentando obter dali algum conhecimento artístico, mas, constatei infeliz, as vezes do cubismo não eram para os fracos e por isso, minha mente dava nós antes de sequer entender o propósito de Tarsila ao interpretar aquilo.
— Eu 'tô com fome — Scott cochichou, ainda olhando pro quadro.
— Graças a Deus alguém sensato — deu um pulo, já indo em direção ao restaurante.
— Ué, foi você que deu a ideia de "extrairmos a verdadeira essência do pintor" — argumentei, fazendo aspas ao lembrar da fala anterior de .
— Claro, mas isso foi 10 minutos antes, quando eu ainda tinha suprimento energético para pensar, agora só consigo gritar por comida — reverberou ela, já no fim do corredor.
Balancei a cabeça em descrença, rindo ao fundo, pronto para acompanhar nossos convidados até o The Modern. Seguimos pelo acervo do museu até estar em frente a porta de vidro com moldura preta, indicando que chegamos ao destino. Lá dentro, nos esperava sentada no bar, bebericando um Martini e conversando animadamente com o Maître. Parecia que tínhamos andado demasiadamente devagar, já que ela, além de ter tido tempo de começar a beber, também tinha feito nossos pedidos.
— Senhores — cumprimentou o Maître de forma simpática — Me chamo Otto e levá-los-ei até sua mesa. Espero que aproveitem a vista.
Encaramos, boquiabertos, a parede de vidro que se estendia em nossa frente, espelhando a visão do jardim de esculturas do lado de fora. Nossa mesa ficava bem em direção ao monumento de uma mulher deitada na água, algo que eu considerei bem poético em comunhão com a meia luz que o ambiente apresentava. Puxei a cadeira para e recebi em troca, seu sorriso surpreso. Pisquei-lhe um olho e observei o rubor tomar-lhe a face, daquele jeito que me fazia querer beijá-la inteira. Maldito Dante, pensei.
O silêncio durou até que a primeira garrafa de vinho chegasse. Os sorrisos se abriram junto com a rolha que guardava o aroma clássico do Chardonnay, elevando os ânimos enquanto esperávamos ansiosos pelos pratos a serem servidos. escolheu um Menu degustação e por isso, teríamos entradas, pratos principais e sobremesas aos montes para provar, aproveitando o tempo que se alongava para uma conversa.
— Então, vocês se conhecem desde crianças? — perguntei, lembrando do fato que tinha lido na minha pesquisa precária com .
— Sim — foi Tessa quem respondeu, sorrindo para Scott — A tia dele era minha técnica de patinação artística e achou que seríamos uma boa dupla.
— O que Tessa não negou, afinal, queria me dar uns beijinhos — Scott deu de ombros, convencido, fazendo Tessa olhá-lo chocada.
— Não acredito que você disse isso! Eu sempre quis seu irmão mais velho — ela revirou os olhos, provocando risadas em mim e .
— Sei, por isso me namorou ao longo de oito meses, ein? — Scott instigou, franzindo o cenho antes de cair na gargalhada.
— Vocês namoraram? Como pôde deixar esse fato de fora, Tessa? — colocou a mão no coração, em uma postura decepcionada.
— Aos 9 anos, namoros nem contam, — Tessa riu, mantendo o clima descontraído na mesa — Mas, os de agora entram na estatística, ein? — continuou ela, apontando para nós, que estávamos sentados a sua frente.
— Uau, você é direta — ri — Daria uma ótima jornalista investigativa.
— Claro e você não obteve sucesso em mudar de assunto — ela me rebateu, com a resposta na ponta da língua.
Sorri em sua direção, desviando dos penetrantes olhos azuis de Tessa para a íris amistosa de e balancei a cabeça ao me dar conta de que as duas esperavam uma resposta. Deslizei os dedos pelo ombro de , tocando a pele macia e desejando poder dizer as mesmas coisas da música que dediquei para ela de manhã, mas, sua frase reverberava em minha mente, deixando cada vez mais claro, o seu interesse por Dante.
costuma dizer que somos um casal apenas na dança e bons amigos fora dela — sentenciei por fim, ignorando o encolher de ombros quase imperceptível que deu.
— Oh! E você? O que diz? — Tessa continuou, como uma criança que precisava descobrir que papai noel existe.
— Tessa... — Scott começou, entendendo que aquele era um assunto tênue.
Fui salvo de abrir meu coração no momento em que os garçons começaram a sair da cozinha, carregando pratos com porções mínimas, porém bem elaboradas, dando a impressão de que os artistas que povoavam o acervo do museu, tinham passado por ali também, personalizando cada apresentação de forma que a comida não fosse só gostosa, mas bem como incrivelmente atraente.
Antes de começarmos a comer, captei um olhar cúmplice entre Scott e Tessa, como se eles tivessem compartilhando um pensamento único e me vi intrigado para saber o que eles estavam fazendo. Percebendo meu interesse, também observou a dupla que, de repente, lembrou-se que estávamos na mesa e então, Scott riu balançando a cabeça em nossa direção.
— Desculpem, eu e Tessa estamos acostumados a fazer um certo tipo de brincadeira quando estamos juntos, é quase inevitável — Arqueei a sobrancelha, estimulando-o a continuar — É besteira, sabe. Criamos manchetes de jornal para a situação em que estamos e quase sempre caímos na gargalhada com o resultado.
— Como assim? — indagou com interesse.
— Ah, tipo, olhando para esse prato agora, eu consigo pensar "Crime!: patinadora olímpica é vista destruindo obra de arte no MoMa. Quando questionada sobre o ato, ela disse: 'não me culpem, a fome era maior'" — Tessa exemplificou, recebendo um olhar aprovador de Scott, seguido por um murmuro "Essa foi boa!"
— Vocês fazem isso sempre? — ri, achando aquele costume estranhamente engraçado.
— As vezes até apostamos quem forma a manchete melhor, Tessa quase nunca vence as minhas — Scott estufou o peito, orgulhoso, recebendo um revirar de olhos de sua parceira.
— Scott tem um raciocínio rápido demais, é difícil competir — ela deu de ombros — Mas, podemos brincar disso agora, se vocês quiserem.
Olhei para , notando o brilho de divertimento em seus olhos. Aquele indicativo de que ela não só gostaria de participar, como também já deveria ter tido várias ideias boas.
— Sobre o que vamos criar? — questionei, me preparando para a guerra.
— Hm, fácil, sobre o nosso encontro — Tessa sorriu maliciosamente — Vamos adivinhar as manchetes do jornal de amanhã!
— Já tenho uma — apoiou os braços na mesa, para ficar próxima, de forma que todos escutassem — "Tessa Virtue: humilde o suficiente para saber que sairá nos jornais amanhã"
Caímos na gargalhada, ao mesmo tempo que Tessa escondeu o rubor do rosto com as mãos, aumentando mais ainda os sons animados que nos escapavam.
— Ora, ora. Vocês já aprenderam a brincar, ein! — Tessa se recuperou, olhando-nos com falsa irritação — Que tal: "FLAGRA! e são vistos em encontro de casais com os patinadores olímpicos Tessa e Scott"
Sorri. Tessa tinha mesmo lido meus pensamentos do início da noite? Não era possível que ela tivesse tido a mesma ideia que eu, assim tão rápido.
— Ou então: "Casal canadense é visto em encontro reservado no MoMA. Quando eles vão se assumir?" — fiz minha melhor voz de locutor, destinando o assunto de volta aos patinadores.
— Acho que prefiro: "Apenas bons amigos? e mostram que sua arte vai além da dança e passeiam pelo MoMA" — Scott se pronunciou — Fala sério, somos assunto batido perto da química nova que vocês esbanjam por aí. Claro que a capa vai citá-los.
— Vocês estão sendo bondosos nos elogios, espero que nossos avaliadores do campeonato enxerguem como vocês — sorriu, se divertindo com toda a especulação criada.
— Não, é sério! Eu fiquei emocionada só de vê-los uma vez, imagine quando eu puder acompanhá-los ao vivo. Prometo que tentaremos ir em alguma das etapas do concurso! Estarei torcendo muito — A voz de Tessa saiu imponente, para que não duvidássemos nem um pouco do que ela tinha dito.
Eu estaria mentindo se dissesse que tais comentários não faiscaram o meu ego, porque, na verdade, o pequeno dançarino dentro de mim estava exultante. Talvez nem nos meus mais prodigiosos sonhos eu tivesse imaginado que um dia estaria ali, dançando para o mundo e sendo reconhecido por outros bailarinos tão bons quanto aqueles que eu sempre acompanhei com os olhos vidrados de fã.
Arrisquei um olhar para e a surpreendi me encarando. Aproximei-me devagar, incerto sobre o modo como meu gesto seria recebido, mas então, depositei levemente os lábios em sua bochecha. A princípio, tudo o que eu gostaria era de agradecer, afinal, ela me deu a oportunidade de estar vivendo aquele sonho louco. Mas, quando minha pele tocou a sua, eu só queria poder fechar os olhos e encostar minha cabeça na curvatura do seu pescoço, apreciando o leve aroma adocicado depositado ali.
Empertiguei os ombros assim que lembrei da dupla que nos lançava olhares furtivamente meigos, eu tinha esquecido a existência deles por alguns segundos. Desviei o olhar de , pigarreando para desfazer o clima que ficara na mesa e iniciando o papo que sempre servia para tirar qualquer homem de uma enrascada: futebol. Scott mordeu minha isca e então, começou a reclamar sobre a última Champions, do quanto tinha sido injusto o Real Madrid levar a 13º taça para casa. Beberiquei meu vinho, balançando a cabeça em descrença, afinal, eu torcia para o time merengue desde que aprendera o que era um bom futebol.
Após receber o apoio inusitado de e entrarmos numa discussão acalorada se Sergio Ramos tinha realmente machucado Salah de propósito, as garotas se levantaram para ir ao banheiro, enquanto ficamos a espera da sobremesa.
A sobremesa era o último parágrafo daquela noite, o fim digno da matéria que começou com manchetes sensacionalistas de Tessa. Avaliei o percurso que tínhamos feito e sorri contente por ter curtido uma noite tranquila entre amigos. Diferente do que imaginei, Tessa e Scott não nos trataram como simples contatos de mídia, eles enxergaram além da dupla que estava prestes a entrar no Mundial. Ali, diante das várias esculturas modernas do museu, éramos só e , conversando sobre futebol, bom vinho e viagens. Nada tão distante da cotação imobiliária, do preço das fraldas e da conta de luz.
Por isso, me permiti sonhar com uma vida normal.
Sonho que durou menos de um segundo, já que em um instante, e Tessa estavam de volta a mesa. Notei um clima estranho entre as duas; enquanto Tessa sorria misteriosa, deixando algo implícito no ar, apresentava uma postura dura, como se estivesse diante de uma escolha mortal quando na verdade, apenas deveria escolher entre o mouse de chocolate e a torta de limão. Dei de ombros, deixando os pensamentos vaguearem para longe das complicações que meus pensamentos sobre formulariam.
Algum tempo depois, estávamos nos despedindo dos patinadores em frente ao seu hotel, sob juras de que manteríamos o contato e um dia, iríamos retribuir o favor que fizemos a eles dando um passeio turístico pelo Canadá. Sorri, acenando e guiando o carro em direção ao endereço de , compartilhando com ela um silêncio confortável que se expandia pela madrugada nova-iorquina.
Estacionei em frente ao seu prédio, ignorando a sensação de perda que ameaçava meu juízo por saber que chegara a hora de dizer tchau para . Pouco importava, na verdade, que eu fosse vê-la amanhã pela manhã e que fossemos passar o dia inteiro enfurnados no estúdio de dança. Meu coração ainda assim, gritava em cada batida, que nenhuma hora do dia era suficiente para suprir minha vontade de . Eu queria poder ficar ao seu lado em todos os momentos, mesmo que fosse só para observar sua respiração subir e descer em um sono calmo.
— Então, acho que está entregue, Srta. — sussurrei, cortando a brisa fina da madrugada com a minha voz.
que olhava a janela distraída, se tocou de que chegara a hora para ela também e, por mais que eu soubesse do seu envolvimento com Dante, algo me fazia crer que ela também parecia relutante em me deixar ir. Acompanhei seu rosto se abrir em um ligeiro sorriso, diferente daqueles que ela me dava todos os dias. Ali, ela parecia apenas uma menininha, sem toda arrogância e prepotência da bailarina.
... — começou, quase receosa de que sua voz a abandonasse nesse momento — eu acho que precisamos conversar.

X

POV:

Olhei meu reflexo no espelho do banheiro, puxando o batom de dentro da bolsa para retocar aquele que já estava em meus lábios. Sorri amigável quando observei a porta se abrir e mostrar a imagem de Tessa vindo em minha direção. Pelo pouco que tínhamos interagido no jantar, eu já guardava um sentimento bom em relação a ela, parecia que éramos forjadas com o mesmo fogo: aquela paixão e dedicação pela dança, misturada com parceiros engraçados e bobos que davam alguma cor a nossa vida. Tessa e eu possuíamos coisas demais em comum e isso era até engraçado.
— Vim te fazer companhia! Nunca ouviu que mulheres só vão ao banheiro em bando? — a patinadora questionou, colocando as mãos na cintura.
— Realmente, falhei na conduta feminina padrão, desculpe — ri, enquanto ela fazia um aceno e me acompanhava na gargalhada.
Ficamos ajustando a maquiagem em silêncio, aproveitando o clima amistoso que se desenvolvia entre nós e dando aos meninos, alguns segundos de paz naquela mesa. Provavelmente, seria uma oportunidade única para que eles pudessem falar mal da gente e compactuar o quanto era desgastante conviver conosco 24 horas por dia. Balancei a cabeça, comprimindo o riso ao imaginar me pintando como uma megera, mesmo sabendo que ele falaria no máximo das vezes que pisei no pé dele de propósito.
— Então, , o é divertido né? — pontuou Tessa, arqueando as sobrancelhas em interesse para mim.
— Ah, claro, para você que não precisa ensaiar com ele todos os dias — dei de ombros, na minha indiferença programada, típica daquela que eu demonstrava diante de todos os jornalistas que me instigavam sobre nossa relação pessoal.
— Deve ser muito... interessante? — a patinadora sorriu de lado, fechando o batom que acabara de passar — Ele é, com certeza, interessante!
Semicerrei os olhos, desconfiada daquelas opiniões. Tessa tinha me seguido até o banheiro para marcar território em cima do meu parceiro? Do MEU ? Cruzei os braços na altura dos seios, apoiando o quadril na pia, enquanto analisava o semblante da mulher na minha frente.
— É! Muito interessante — resmunguei, ainda incerta sobre em qual ponto ela queria chegar.
— Você acha que ele gostaria de sair comigo? Já que, você sabe, disse que não tinha nada demais entre vocês. Como foi mesmo que ele parafraseou? "Apenas bons amigos"? — ela colocou a mão no queixo, em uma pose reflexiva, como se tentasse lembrar da fala de momentos atrás.
Senti um frio se alojar em meu estômago, acompanhado de um arrepio temeroso que varria a pele. Sair com Tessa? ? Ahn, não sei se era uma boa ideia. Forcei meu rosto a sorrir, na medida em que eu tentava ganhar tempo para decidir se eu apoiava aquele romance ou quebrava a cara dela bem ali mesmo. É uma vergonha admitir, mas, a opção de socar Tessa começava a ganhar em disparada dentro do meu interior, me fazendo fechar os punhos em busca de controle. Oh, Deus, eu não podia impedir de sair com quem ele bem entendesse, ainda mais se ela fosse uma patinadora bonita e divertida.
— Meu deus, — Tessa desfez a cara de interesse em um riso descontrolado — Você precisava ver a careta que estava fazendo.
Arqueei confusa, encarando Tessa em busca de uma explicação. Agora que eu tinha decidido ser benevolente e iria até apoiá-la no seu, er, encontro romântico, ela estava rindo igual louca? Não fazia sentido. Tessa colocou uma mão de apoio na pia e a outra em cima da barriga, como se tivesse se controlando para interromper a crise de risos e eu ali, só gostaria de entender a piada.
— Você é apaixonada por ele, não? — Tessa perguntou, ainda entre risadas.
— Eu? Apaixonada? Quê? — indaguei, pensando seriamente que a patinadora alguma vez tivesse caído de cabeça e perdido uns parafusos.
— Oh, eu reconheço meus iguais — ela piscou em minha direção — Sabe, estou a tanto tempo com Scott... é bem fácil ver que você está passando por todas as fases que um dia eu também vivi.
— Espera aí... Você é apaixonada pelo Scott? A mídia tem razão? — Franzi o cenho, tentado achar lógica naquela informação.
— Hm, de certa forma sim! Eu amo o Scott desde os dez anos, passamos por tanta coisa juntos, sabe? — observei seu olhar se direcionar para um ponto alheio atrás de mim, como se ela tivesse, de repente, lembrando de tudo o que a dupla já passou — O que quero dizer? Estamos juntos a mais de 20 anos, entende? — ela sorriu, nostálgica.
— Eu sei, pesquisei vocês no Google — sussurrei, arrancando uma risada de Tessa.
— Quando eu tinha 9 anos, a tia de Scott nos apresentou e achou que fossemos ser uma ótima dupla nos ringues. Depois de algumas olimpíadas, acho que ninguém duvida disso, mas o que quero dizer é: foi impossível não se apaixonar, . Dentro do gelo nós temos conexão, nós somos fogo em banho maria, escaldando o piso, derretendo com nossos passos o solo em nossos pés — ela tentou explicar, enquanto eu balançava a cabeça em concordância, afinal, tinha tido uma prova daquilo na apresentação de mais cedo — E eu sinto o mesmo em vocês, entende? Eu vi o programa da Ellen, vi os olhares, os toques, eu sei o que você sente — ela deu de ombros, antes de continuar — Eu quero que você saiba que é impossível.
— O que é impossível? — tossi, assustada com a força que ela pronunciou a palavra.
— Não se apaixonar — Tessa sorriu como se eu fosse uma criança boba de 5 anos, aprendendo sobre a vida — Na verdade, além de ser impossível, não é errado. Eu e Scott temos uma relação muito boa fora do gelo, estamos sempre rindo e fazendo piada como melhores amigos. Porém, quando o foco de luz se acende e tudo o que temos são patins e a companhia um do outro, deixamos fluir o sentimento. Somos como um homem e uma mulher que se amam acima de tudo. Acima de todos.
Estive próximo de enxugar uma lágrima que teimava em ameaçar cair diante do discurso de Tessa, mas me contive para não dar na cara o quanto éramos parecidas em vivenciar a mesma emoção. Com a pequena diferença, quase insignificante, de que meu sentimento por não conseguia ficar recluso na pista de dança, ele exalava por todo meu corpo, me dando uma bomba de sensações.
— É difícil, Tessa! Eu tenho medo — suspirei, passando as mãos pelo cabelo que fugia do penteado — Medo de não conseguir controlar e estragar tudo. Nunca se sabe quando os sentimentos não passam de uma simples e pura atração física, não é?
A patinadora em minha frente me congelou com seus olhos azuis, me fazendo ir de uma criança boba para uma adulta que não entendia o que estava bem ali embaixo do seu nariz. Desejei ter ficado calada se isso fosse ter me poupado do olhar com o qual Tessa me mirava agora, afinal, parecia que eu tinha me teletransportado para um concurso de quem sabe mais e respondido algo totalmente idiota perante uma pergunta muito fácil.
— Pura atração física? — Tessa contraiu o maxilar, dando a impressão de que evitava ao máximo fazer uma careta — Me diga, . Com quantos caras você já ficou na vida?
Franzi o cenho, tentando entender a finalidade daquele questionamento, mas, fiz algumas contas de cabeça e respondi receosa:
— Acho que uns 15.
— E com quantos desses você sentiu a mesma coisa que sente com ? — Tessa soou incrivelmente segura, como se estivesse muito certa do seu ponto de vista.
— Ahn, não sei — devolvi, sentindo as mãos começarem a suar, indicando que em pouco tempo, eu estaria encurralada e sem resposta. Merda.
— Mas, você sentiu atração física por eles, não? Senão, não teria ficado — ela sorriu vitoriosa, usando sua expressão para me fazer dar tapas mentais na minha idiotice. Era claro que ela iria me rebater com meus próprios argumentos.
— Ok, Tessa, muito esperta — revirei os olhos, enquanto escutava sua risada fina preencher o ambiente.
Tessa balançou a cabeça, como se toda a complicação fosse algo da minha cabeça e então, me permiti realmente questionar se ela não estava certa. Em tudo. Afinal, talvez, o que eu considerara carnal, fosse, na verdade, um desabrochar de algo novo e bom. Algo que pudesse trazer oportunidades incríveis, momentos memoráveis e não, eu não estava falando só do campeonato.
— Permita-se, ! O amor vale a pena e, pelo que vi hoje, um amor como o de vocês, aposto que vale ainda mais. — ela terminou, piscando e me deixando sozinha no banheiro com minha consciência culpada.
Aquilo deveria ser um crime, forçar-me a reavaliar minha relação com para então ir embora, sorridente, como se não tivesse me deixado na beira do precipício, tendo que decidir entre me jogar na liberdade, sabendo que existia a possibilidade de não ter ninguém lá embaixo para me amparar ou continuar contida, olhando do alto para o vazio, presa pelo medo do que aconteceria quando o chão chegasse.
Encarei meu reflexo no espelho, na vã esperança de que a solução dançasse em minha cara, como um letreiro em neon indicando o caminho certo a seguir. Mas, ali eu apenas encontrei o mesmo olhar de quando eu retocava o batom, com a única diferença de que agora parecia que todas as engrenagens da minha cabeça começavam a girar num ritmo audível. Tessa tinha sido a porra de um lubrificante.
Fechei os olhos e quase não me espantei com o que minha mente tinha corrido para mentalizar. Ali, no escuro dos meus pensamentos, a lembrança de durante a apresentação dos patinadores reacendia como chama viva, como se eu estivesse em um cinema e pudesse ver seu sorriso passar no filme. Eu não era tão tapada quanto parecia, tinha percebido todos os olhares de soslaio que me lançara durante a noite e isso se devia ao simples fato de que eu também não conseguia parar de olhá-lo. Sua presença exigia muito de mim para ser ignorada e, na escuridão do Madison Square Garden, a última coisa que eu gostaria era de não poder apreciar a beleza do rosto de .
Todas as vezes em que ele se distraia com algum passo incrível da coreografia, eu me distraia com um canto novo do seu rosto, mapeando cada espaço de pele como se pudesse traçar meus caminhos até o grande tesouro. Senti o coração palpitar só de lembrar o modo como seu sorriso se abria, inteiro e alegre diante da melodia dos Beatles. Eu poderia beijá-lo bem ali mesmo e imaginar qual seria seu gosto então. Já tínhamos passado pela calmaria e pelo incêndio, mas, eu tinha o palpite de que a cada novo beijo, poderia pintar meu mundo com uma cor diferente, vibrar meu ritmo em uma frequência desconhecida.
Deixei escapar um suspiro seco diante da constatação. Eu queria beijá-lo. Hoje. Amanhã. Daqui a três meses. Queria beijá-lo em casa. Na cozinha. Na despensa. No chuveiro. Queria beijá-lo todo e isso, sorri, era uma certeza que eu tinha desde o momento em que o conheci na máquina de café. Porém, agora uma pequena diferença mudava todo o contexto. Eu não queria beijá-lo porque amava o seu corpo, como fiz na primeira audição. Eu queria beijá-lo porque amava o seu sorriso, o jeito com que me fazia rir, o simples fato de me fazer sentir leveza mesmo quando as coisas estavam me deixando exaustas, o modo como parecíamos ser a coisa certa, mesmo quando tudo estava errado. Eu queria beijá-lo porque... eu estava apaixonada por .
Abri os olhos, duvidando de que tinha chegado a essa conclusão. De todos os caminhos fáceis e menos tortuosos, eu tinha escolhido pegar o retorno e encarar, dentro do meu fusca - não - turbinado, aquela estrada de chão que prometia muitos obstáculos, mas também, muitas aventuras. Por isso, aproveitei o surto de coragem e sai do banheiro, decidida a despejar em tudo o que tinha refletindo em alguns bons minutos dentro do banheiro feminino.
— Meu Deus, jurava que você ia sair de lá só ano que vem — Tessa murmurou, me fazendo dar um pulo ao percebê-la parada ao lado do batente da porta.
— Achei que já tivesses voltado para a mesa, você me deu um susto — rebati, ainda tentando me apegar aos fios de coragem que ameaçavam me abandonar.
— Eu precisava fazer uma saída triunfal, sabe? Para te deixar reflexiva. Mas, se eu chegasse sem você, iam achar que te matei e escondi no box — ela deu de ombros, provando que além de boa patinadora, Tessa também tinha futuro no ramo da imaginação.
Notei uma sombra de sorriso brincar em seus lábios, permitindo que os meus também se abrissem em um riso nervoso. Tessa tinha sido primorosa em causar uma reflexão, até mesmo em relaxar o clima que ameaçava sugar meus resquícios de coragem, mas, não conseguia expurgar a tensão que planejava invadir meu corpo na menor menção de contar para tudo o que tinha decidido. Era tão mais fácil fingir desorientação e terminar a noite por ali, colocando toda a culpa na garrafa de Chardonnay que jazia vazia em nossa mesa.
Sentei ao lado do meu parceiro, quase dando um beijo de agradecimento ao garçom que começou a servir as sobremesas, afinal, não tinha momento mais propício do que esse para me afogar nas delícias do limão.
Por mais que eu tentasse me concentrar nas conversas banais que rondavam nossa mesa, minha cabeça dava voltas em torno de um único assunto e, de forma engraçada, esse mesmo assunto me embrulhava o estômago ao ponto de deixar intocado a torta de limão que eu tanto amava.
Estive a ponto de agradecer de novo, quando a noite se deu por terminada, dessa vez, suspeitava que Tessa tinha sido a culpada por naquele exato momento estarmos indo em direção ao hotel onde eles estavam hospedados.
Sorri, sabendo que o momento da despedida se tornaria um borrão em minha cabeça e estive certa ao constatar que antes do esperado, já tinha estacionado em frente ao meu prédio. Era ali, na sombra do carvalho, erguido como uma tentativa fúnebre de trazer encanto florestal naquela selva de concreto, que desligava o carro e nos emergia no silêncio plácido das palavras não ditas.
— Então, acho que está entregue, Srta. — ouvi o sussurro de chegar até mim como um beijo na pele.
Observei as folhas laranja avermelhadas que voavam do outro lado da janela, anunciando como uma boa-nova que o outono estava ali. Desejei poder ficar apreciando a dança silenciosa que as árvores faziam, postergando ao máximo a conversa que eu deveria ter com . Fechei os olhos, tentando inutilmente acalmar as batidas de coração que ressoavam alto no meu ouvido, já que, descobriria facilmente minhas intenções se estivesse a ponto de escutar os gritos animados que meu peito dava por ele.
... — sussurrei, em uma súplica mental de que minha voz não falhasse — eu acho que precisamos conversar.
Encarei os olhos cor de meia-noite, sabendo que sua atenção estava toda voltada em uma tentativa de ler meu rosto, de descobrir por antecipação sobre o que eu gostaria de falar. Seu semblante mantinha uma indiferença treinada, quase como se ele quisesse se proteger das palavras que ameaçavam sair da minha boca, mal sabendo que, na verdade, era ele que detinha todo o fogo armado. Uma frase de seria o suficiente para sufocar toda a vã esperança que meu coração nutria.
Com uma postura tensa, ele ficou de lado no banco, mostrando-se aberto para o assunto que tirava meu sono.
— Você acha que podemos trocar a dança de salão por patinação no gelo? — soltei, deixando que o nervosismo guiasse minha mente com uma burrice impecável.
Idiota, ! Como você é idiota! Resmunguei para mim mesma, certa de que pela primeira vez na vida eu estava bancando a trouxa apaixonada.
O riso de preencheu o ambiente e meu olhar captou o brilho de divertimento no seu, como se ele perdoasse o meu momento de distração.
— Eu iria com você, — ele afagou minha mão com carinho — Pouco importa se fosse no gelo ou na madeira.
Devolvi seu afeto com um sorriso aberto, sabendo que, na verdade, só tinha dito aquilo para me agradar. Seríamos uma lástima na patinação artística. Quase suspirei aliviada com a mudança de ares, mas, apertou minha mão, como se reivindicasse minha atenção para ele, e inclinou a cabeça perto o suficiente para um sussurro.
— Mas, eu sei que não era sobre a mudança de esporte que você gostaria de falar.
Assenti levemente, sabendo que, naquele ponto, fugir era uma opção nula. O que eu precisava era da precisão de uma enfermeira ao puxar rapidamente o curativo da ferida e por isso, quase me atropelei ao falar:
... eu acho que gosto de você — murmurei, com uma voz mínima, certa de que a informação final só poderia ter sido entendida via leitura labial.
— Hã? Você pode repetir? — me olhou com simpatia, em uma expressão que denunciava que ele provavelmente estava a beira de uma risada.
— Argh! Você entendeu! — reclamei, puxando minha mão da sua e cruzando os braços em franca irritação.
— Por favor? — pediu, desfazendo o aperto que eu mantinha nos braços e devolvendo aos meus dedos, o enlace dos seus. Acalentando minha pele com o calor do seu toque.
Fechei a cara, ignorando a sensação de conforto que sua mão enviava ao meu corpo, ignorando o aroma do seu perfume que preenchia o ambiente, ignorando a mecha de cabelo que caia em sua testa e lhe dava um ar sereno, ignorando o sorriso bonito que abrasava meu peito em um punhado de sentimentos até então desconhecidos. Ah, eu odiava e o que ele me fazia sentir.
— Você me irrita — comecei, observando seu sorriso se abrir ainda mais — Parece que fomos criados para provocar as piores coisas um no outro, eu sinto vontade de te matar toda vez que me desconcentra da coreografia, toda vez que me provoca com seu risinho inconsequente, toda vez que...
Minha fala cessou no momento em que deslizou os lábios entre os meus, deixando preso na garganta todos os argumentos inúteis do por quê eu deveria odiá-lo. Ali, com a língua ágil brincando em minha boca, eu não lembrava nem dos ínfimos motivos pelos quais eu não poderia ter aquilo todas as manhãs. Derretendo minhas barreiras, sussurrou palavras carinhosas por entre o beijo, como se quisesse acalentar meu corpo, certificando de que iria me ouvir, seja lá o que eu fosse dizer.
Senti que estava cada vez mais inclinada sobre ele e em um movimento rápido, me puxou para o seu colo, pressionando a minha cintura com carinho. Aquela confusão de sentimentos estava me deixando embriagada. Eu já tinha vivido entre a luxuria do desejo e a arrogante necessidade de ter um corpo masculino sob o meu, mas, a forma como deslizava os dedos pelo meu corpo, elevando a barra da camisa para dedilhar minha pele com devoção, me fazia crer que eu nunca tinha sentido algo parecido.
— Eu também gosto de você, — ouvi sua boca pronunciar, em uma voz rouca que denunciava a forma com que eu mexia com — Gosto tanto que nem me importaria de ser preso por atentado ao pudor nesse carro com você.
Ao notar a posição comprometedora em que estávamos, um riso brotou no meu interior, fazendo com que eu me mexesse confortavelmente no colo de , tornando-me consciente da masculinidade que jazia sob minhas coxas. Aproveitei a proximidade para envolver seu pescoço com meus braços e depositar pequenos beijos em seu rosto, recebendo em troca suas mãos pelos meus cabelos, no melhor tipo de cafuné que eu já tinha ganhado.
O movimento cadenciado que fazia em meu couro cabeludo despertava calor por onde passava, me fazendo fechar os olhos para aproveitar a trilha de beijos úmidos que ele agora deixava no meu queixo, percorrendo o caminho até meu pescoço como se tivesse um grande atrativo chamando-o até lá. Arranhei sua nuca, observando a concentração domar seu rosto com meu olhar semicerrado, usando uma das mãos pousadas em seu ombro para percorrer o maxilar marcado, instigando a sua atenção de volta a mim, para que, assim, eu pudesse capturar de novo os seus lábios nos meus.
Parecia impossível que a boca de tivesse um gosto tão único, uma mistura doce e ao mesmo tempo marcante, como se eu precisasse de uma vida inteira para diagnosticar o componente diferenciado que pertencia àquela maciez. Ah, essa seria uma missão que eu nunca reclamaria.
Parti o beijo, sentindo reclamar embaixo de mim, mordendo meu lábio inferior por fim.
— Eu disse que precisamos conversar, mocinho — tentei reclamar, com a respiração acelerada combinando com a de — Você deveria se comportar.
— Eu nunca conseguiria me comportar com você no meu colo — ele devolveu a resposta com um sorriso malicioso. Oh, acho que eu também não, pensei.
— Não seja por isso — fiz menção de voltar ao banco do passageiro, mas, antes que eu movesse um músculo, o corpo de já tinha se fechado ao meu redor, enquanto seu dono resmungava coisas ininteligíveis com a cabeça mergulhada no meu decote. Algo me dizia que aquela era a melhor demonstração de que eu não iria a lugar algum.
— Podemos conversar assim — respondeu, acalorando meu peito com sua respiração. Um contraste claro com a temperatura fria do outono que ameaçava invadir o carro.
— coloquei seu rosto entre as mãos, rindo daquela postura — você ouviu o que eu disse?
— Você tá perguntando se eu escutei seus sussurros? — zombou, ao mesmo tempo em que eu franzia o cenho.
— Eu não vou repetir — me resignei a apertar suas bochechas formando um bico fofo em seu rosto, numa expressão que me faria morrer de amores se eu não estivesse perfeitamente ciente do calor que o corpo de provocava no meu.
— Vo-voxê quer jo-gar o profixionalismo fora — ele fez uma tentativa que levou ambos aos risos, forçando-me a soltar seu rosto.
— Isso mesmo e quero também um encontro! — falei, animada.
— Um encontro? — vi suas sobrancelhas se arquearem em um súbito interesse.
— Sim! Nosso primeiro encontro, . Você não acha mesmo que poderia me levar pra cama sem um né?
Observei o maxilar de ficar tenso, como se ele estivesse usando todas as forças para não cair numa risada. Ora, eu era uma moça de família.
— Amor — ele passou as mãos pelo meu rosto, colocando atrás da orelha uma mecha de cabelo que se esgueirara fora do penteado — Eu já levei você pra cama.
Ignorei o comentário, afinal, bancadas não são o mesmo que camas e provavelmente só tinha esquecido esse pequeno detalhe.
— Sexta, ! Eu escolho o lug...
Antes que pudesse terminar meu ultimato, ouvimos um batuque leve na janela, o que me fez pular de susto e consequentemente apertar a buzina. Uma sucessão de fatos que deixou tanto eu quanto mortificados na presença do policial que jogava irritantemente a lanterninha na nossa cara. Meu deus, eu era jovem demais para ser fichada na polícia como uma tarada que fazia sexo na frente do próprio prédio.
— Boa noite, senhores — cumprimentou o moço de farda, tomando uma expressão séria ao nos encarar, mesmo que seus olhos joviais denunciassem o quanto ele achava intrigante a situação — Creio que vocês tenham uma, hm, explicação para estarem aí.
Pisquei lentamente, xingando o fato de ter deixado meu sistema relaxado o suficiente para que eu nem conseguisse pensar numa boa desculpa para dar. Realidade que me levou a sorrir amarelo diante da lanterninha que apontava minha cara, escrevendo no caderninho da mente, uma nota mental de nunca realmente fazer sexo em público, porque se eu estava morta de vergonha vestida, imagine.
— Boa noite, policial, ahn, Ramirez — fez um esforço para ler a taxinha com o nome do oficial — Er, tive um problema com, ah, o botão da camisa e veio me ajudar.
Botão da camisa? Sério, ?
Contive a vontade de revirar os olhos, afinal, aquilo não ajudaria a melhorar nossa imagem diante do policial. O que também não ajudaria em nada seria eu realmente dar a um motivo para ter problema com o botão, fazendo-o engoli-lo. me olhou com um pedido de desculpas misturado com repreensão, afinal, eu também não tinha arranjado meios melhores de tirar a gente daquela vista grossa.
— Botão? Imagino — oficial Ramirez murmurou, olhando divertido para a camisa intacta de — Vocês são e ? A dupla de dançarinos?
Oh, não. Um fã. Como se já não bastasse estar ali, numa situação comprometedora, ainda encontrara, de quebra, alguém que nos reconhecesse. Aylle não ficaria mais feliz com aquilo nem se viesse embrulhado no mais novo modelo de Iphone. Merda, isso tudo porque eu tinha decidido abrir meu coração em uma noite tranquila de novembro.
Garotas, não escolham o outono. O verão é bem mais receptivo às jovens apaixonadas.
— Temo que sim, Sr. Ramirez! Somos e — dei de ombros, suplicando com o olhar que aquilo tivesse um fim rápido e indolor.
— Bem que achei vocês parecidos mesmo. Minha namorada está torcendo por no Mundial — o policial comentou amistoso. Quase como se tivesse esquecido, por um minuto, da situação em que nos encontrávamos.
— Nossa! Isso é incrível — respondeu, verdadeiramente feliz — Quem sabe você pode levar uma foto nossa para ela.
Policial Ramirez olhou de soslaio para , soltando uma risada seca ao passar a vista pela janela aberta que emoldurava minha posição no colo de , tendo a decência de permanecer calado diante daquela sugestão de fotografar o momento que todas as revistas de fofoca gostariam de estampar na capa de amanhã.
Cutuquei a costela de , numa tentativa de fazê-lo se redimir de suas palavras e, com uma agilidade impressionante, ele abriu a boca para reformular sua oferta.
— Hm, eu quero dizer, uma selfie sabe? Nós três. Podemos fazer um vídeo mandando um beijo para ela também, acho que sua namorada ia gostar, né?
Prendi a respiração enquanto avaliava o oficial refletir a proposta, sabendo que aquilo era o mais próximo que um dia eu chegara de fazer negociações clandestinas com um policial. Parecia que desde o dia em que me aliei a , meu nível de dignidade só descia e o pior, com todas as enrascadas que ele me metia, eu, ainda assim, não conseguia achá-lo menos adorável.
— Claro! Seria ótimo — decretou, por fim, o policial. Retirando o celular do bolso, ao mesmo tempo em que eu e saíamos desajeitadamente do carro — O nome dela é Rosita, eu a chamo de minha rosa — ele completou, corando levemente.
"Oi, Rosita" sorri para a câmera, abraçando que estava ao lado de Ramirez. "Aqui é ! Soube que você é fã da nossa dupla e não poderia deixar de te mandar um beijo e agradecer todo o apoio". Senti a mão de acariciar minha costa, sinalizando levemente que ele falaria agora. "Ramirez nos contou que você é uma mulher incrível e nos confidenciou, também, que te ama muito. Você é a rosa mais bonita do jardim dele" terminou, sussurrando o final como se fosse um segredo, ao invés de uma cantada já batida. Percorri meus olhos pelo seu semblante, perdendo-me na curva do sorriso matador que ele dava para a câmera, quase certa de que eu cairia em todas as cantadas baratas que ele me destinasse. "Beijo, Rosita!" pisquei a tempo de sorrir para o vídeo antes que finalizá-lo.
— Ela não vai acreditar quando ver — Ramirez sorriu, sonhador — Bom, parece que não temos motivos para prolongar essa fiscalização.
Alívio. Era o que corria em minhas veias.
— Mas não fiquem por aqui, ein — o policial completou, antes de semicerrar os olhos e desligar, enfim, a lanterna.
Olhei para , indecisa se ria da situação ou se decretava a catástrofe que seríamos como um casal, já que, se uma pequena declaração gerava um quase B.O, não gostaria nem de imaginar o que aconteceria se eu o pedisse em namoro. Claramente, no próximo carnaval, nossa fantasia seria de presidiário. Balancei a cabeça, deixando a risada escapar sem querer ao imaginar um futuro muito mais prazeroso para as algemas.
— Eu disse que deveríamos nos comportar, ! Por que você não me escuta? — fingiu decepção na medida em que eu olhava aquela cara de pau.
— Muito engraçado! Aylle iria nos matar se fôssemos fichados por atentado ao pudor, pelo amor de deus — me mantive séria, observando sorrir e se aproximar para abraçar meus ombros.
— Pelo menos, teríamos estórias para contar para os nossos filhos — murmurou, baixando a cabeça para me dar um olhar brincalhão.
— Filhos? Além de pular o primeiro encontro, você também saltou umas... trinta e sete etapas aí!
— Ah, sim, filhos! Eu quero cinco e uns três cachorros, tá bom pra você? — ele insistiu, passando a barba por fazer na lateral da minha bochecha, num carinho descontraído.
— Não quer acrescentar a casa de campo, os 70 anos de casados e os 30 netos? — sorri, ouvindo murmurar que "sim" ao mesmo tempo em que depositava beijos suaves pelo meu rosto — MAS EU QUERO MEU ENCONTRO.
deu um salto, colocando a mão no coração e eu só consegui apoiar as mãos no joelho e rir daquele susto. Parecíamos dois bestas gargalhando no meio da rua durante a madrugada. Com certeza, meu porteiro deveria estar achando que algo de errado não estava certo.
— Tudo bem, . Eu aceito seu encontro, antes que você me mate do coração deliberadamente — ele fingiu incômodo — Sexta-feira.
Acenei positivamente, acompanhando voltar para o carro e parar momentaneamente com a mão na maçaneta. Esperei, ansiosa, e forcei meu coração a ficar calmo enquanto via dar meia volta e caminhar lentamente em minha direção.
Quando nossos olhares se encontraram, esqueci o barulho tênue da madrugada, o dançar rítmico das folhas. Esqueci do porteiro que vigiava a cena com atenção e até mesmo do policial que não tardaria em voltar para certificar que não estávamos ali. Esqueci de tudo ao meu redor para me concentrar unicamente no corpo esguio que diminuía o espaço até mim. Naquele curto período de tempo, meu coração reagia a com batidas ensandecidas, tornando audível o fluxo sanguíneo acelerado em meu ouvido, transformando o sopro do vento nas árvores em um zumbido.
O toque de em minha cintura tinha tudo para quebrar o feitiço no qual estávamos imersos, trazer algo de realidade ao torpor em que me envolvia. Porém, o formigamento de seus dedos em minha pele parecia uma lembrança indistinta, longe, assim como o fervilhar das minhas mãos que traçavam o contorno dos seus bíceps. A lembrança de um abraço apaixonado, aplacando a sensação de que a carne se moldava em pertencimento, como um quebra-cabeça completo.
Fechei os olhos ao sentir seus lábios selarem os meus, contemplando a maciez da boca que me apertava em um beijo quente. Calor, como eu nunca tinha sentido antes. Agora, parecia que além do desejo, nossos corpos se encontravam em um deleite com paixão, subindo mais um degrau daquela escada do relacionamento. Suspirei por entre seus lábios, afagando a face de com carinho, desistindo de refrear o tumulto que sua pegada me causava. era o olho do furacão e eu, era a pequena cidade que se erguia destemida em frente ao poderio fascinante de destruição.
não tardou em pedir passagem para a língua que ansiava descobrir todos os meus sabores. Do meio doce ao meio ácido. aprofundou o beijo, puxando-me para o seu peito até que nossos movimentos estivessem sincronizados com o subir e descer acelerado do tórax. Pousei uma das mãos em seu coração, explorando o frêmito que reverberava em minha palma, percebendo de repente, que o sentimento que injetava ânimo no meu corpo era a felicidade. Eu estava feliz ao lado de e por isso, sorri ao sentir seu olhar me analisando com o partir do beijo.
— Um beijo de boa noite — sussurrou a voz rouca de .
— Dois beijos então — respondi, me inclinando para dar um selinho em sua boca entre aberta em um sorriso.
— Três — ele devolveu.
— Quatro e não se fala mais nisso — sufoquei seus protestos com o silêncio dos meus lábios, rindo da brincadeira que terminava em carícia.
Nos afastamos, sob um olhar mútuo de compromisso. Era o fim da noite, mas o começo promissor de uma história de amor. História essa que iria rivalizar com os dramas de Nicholas Sparks, mas também, iria fazer rir como uma boa comédia romântica do Netflix. seria minha tarde de domingo largada no sofá, sem nunca deixar de ser a oportunidade de uma boa noite de sexta na balada. Ele seria, em meias palavras, a incerteza em meio a minha sempre programada vida. Seria a permissão de um romance avassalador, a promessa de que, sorrindo para ele, eu viveria a montanha-russa mais louca que alguém poderia ter sonhado.

*


O dia seguinte foi marcado por ingenuidade, esperança e... turbulência. Acordei com leveza de espírito, quase como se tivesse tirado um peso dos ombros ao conversar e esclarecer a situação com , mas, a paz interior durou menos do que um estalar de dedos. O porta voz do inferno, mais conhecido como celular, me noticiou que a tag #IsReal alcançava os trending topics do Twitter e, eu, curiosa como sou, busquei o motivo daquela exposição inusitada.
Imagine minha surpresa ao descobrir que a causa de toda comoção era um print do vídeo que eu e fizemos para Rosita, a mulher do policial. Além da filmagem ter sido divulgada, o momento em que eu olhava, quase apaixonadamente, para , foi imortalizado em uma foto. Foto que agora corria por toda internet, fomentando memes do tipo "namore alguém que te olhe como" e colocando mais lenha na fogueira de nome .
No ensaio, a concentração foi exaurida pelas infinitas vezes que Aylle irrompeu pela porta, resmungando mil formas de tornar aquele fato benéfico para nossa imagem. Sua impaciência, alterou a aura pacífica de Sr. Cattaneo e transformou a tarde em uma confusão de passos errados. No final, eu estava esgotada, não só por repetir a coreografia mais vezes do que o habitual, mas também, por sentir que a culpa da situação toda tinha sido minha. Quem em sã consciência decide se declarar dentro de um carro a meia noite? Os mais românticos, sempre visam um jantar à luz de velas. Aqueles indiferentes, param no meio da rua e simplesmente despejam em cima do outro seus sentimentos. Eu, no intermédio dos dois extremos, decidi subornar um guarda. Grande ideia, . Grande prova de amor.
Voltei para casa, ansiosa por afundar na banheira, deixando que a água quente levasse embora toda a tensão do dia. Apertei o botão mental do "mudo", esquecendo por um minuto, as reclamações da Aylle, o cansaço físico, os sermões de Sr. Cattaneo sobre estarmos dispersos demais. Eu esqueceria até de , se pudesse. Mas, tendo o corpo beijado pela espuma aromática, eu só conseguia desejar que fossem suas mãos ali.
Relembrei, com certo pesar, seu semblante ir do brincalhão ao tristonho quando Aylle ficou da cor dos seus cabelos brigando conosco. achava que partilhava da mesma parcela de culpa que eu, perguntando diversas vezes o que poderia fazer para ajudar nossa agente. Todas as tentativas foram respondidas com um olhar cético, seguido da frase "você não acha que já fez demais?".
Eu quis afundar dentro da banheira e gritar, uma pena que isso faria meus pulmões se encherem de bolhas de sabão. Era irritante o quanto uma coisa pequena poderia virar um estardalhaço no mundo dos famosos. Por vezes, tínhamos que pensar tão bem nos nossos próximos passos que na realidade, estaríamos mais próximos de robôs do que de pessoas. Cada fala, cada gesto, cada sorriso deveria passar por um milhão de assessores, deixando nenhuma brecha que a imprensa pudesse usar de forma ambígua. Se eu, com dez anos de carreira, estava longe de me acostumar, eu não queria nem imaginar como estava agora.
Enrolei meu corpo lentamente no roupão, sentindo os bíceps reclamarem ao movimentar os braços. Aquilo, com certeza, era castigo. Os deuses da dança estavam dizendo que eu não deveria me envolver com e eu, sorri, pouco me importava com eles agora. Se quisessem mandar sinais, que fossem mais objetivos, porque uma simples dorzinha muscular não me manteria longe de nem aqui nem na China. Com um breve xingamento, percorri o quarto a caminho da cozinha, eu não deveria estar falando mal dos deuses da dança às vésperas do campeonato.
Ainda divagando sobre a possibilidade de estar amaldiçoada, cheguei na geladeira ao mesmo tempo em que meu estômago roncou, sinalizando que a glicose disponibilizada no almoço já se esgotara e, para meu azar, o espaço celestial da geladeira se encontrava amargamente vazio. Onde eu estava com a cabeça para ter esquecido de fazer as compras do mês? Ah, sim. Em um certo dançarino que não saia do meu sistema. Por culpa dele, agora eu precisaria esperar no mínimo meia hora até a pizza chegar.
Procurei o meu celular dentro da bolsa, achando incrível como ele não parava de vibrar com notificações quando eu precisava me concentrar e agora, ficava em um silêncio mórbido, como se me desafiasse a procurá-lo. Revirei todos os compartimentos, encontrei desde uma bala de menta até um batom que eu achava ter perdido, mas o celular? Ah, tinha se desmaterializado para provocar minha paciência. Dia do cão, era isso que eu estava tendo.
Fechei os olhos, tentando lembrar a última vez que peguei no aparelho, afinal, a pior coisa que eu precisava era ter deixado ele cair na rua ou então, ter sido vítima de alguma mão leve. Pesquei na cabeça um fragmento do final do ensaio, quando vi o marcador de horas antes de ir arrumar minha mochila. Eu tinha colocado ele dentro da bolsa? Ou tinha esquecido em cima da mesa? Fiz um esforço em vão.
O que antes era irritação pelo sumiço, começou a se tornar desespero. Eu não podia me dar o luxo de perder o celular agora. Aylle me mataria de vez ao imaginar todas as possíveis informações que poderiam ser tiradas dalí e por isso, me vesti rapidamente, cobrindo o corpo com o primeiro vestido que achei no guarda roupa. Eu precisava que aquele celular estivesse são e salvo na sala de dança.
Eu tinha a plena convicção de que meu visual de cabelos molhados, com zero maquiagem e vestido florido parecia o cúmulo do desleixo que qualquer paparazzi daria o fígado para clicar, mas, fiz o possível para sair com o carro da forma mais discreta, mentalizando vibrações positivas para que nada de errado acontecesse no caminho.
Pela primeira vez, senti que a vida conspirava ao meu favor naquela noite e agradeci mentalmente quando cheguei em frente ao estúdio. 10 minutos, era quase um recorde se levasse em consideração o trânsito sempre impossível de Nova York.
Corri a plenos pulmões, escancarando a porta da sala, em uma prece silenciosa de que o celular brilhasse em neon para sua dona. Mas, ao contrário disso, eu encontrei silêncio e vazio. Em cima da mesa, jazia apenas poeira e decepção. Meu celular tinha sumido, desaparecido, simplesmente escafedeu-se, ou sabe lá o outro sinônimo para "ferrou minha vida".
A esperança escorria pela minha mão e eu estava a ponto de desistir, o que provavelmente teria feito se não tivesse lembrado de uma salinha pequena residente no térreo, o lar dos desesperados, a mãe dos esquecidos, vulgo salinha dos Achados&Perdidos. Lá, habitava minha última chance, coisa que eu não demorei muito para ir atrás, escolhendo descer os três lances de escada ao invés de esperar o elevador.
O barulho da campainha em cima da bancada ressoou tão alto que Jerônimo, o rapaz responsável pelo setor, pulou de susto, batendo a cabeça na estante ao levantar o rosto para me encarar. Sorri, tenra, ao observar o jovem estagiário, o coitado deveria estar entretido com um dos seus animes e eu cheguei exasperada para atrapalhá-lo.
— Deixe-me adivinhar, hoje é noite de Boku No Hero? — perguntei, usando o conhecimento que tinha adquirido na vez em que esqueci a carteira de motorista.
— Srta-ta. ! — exclamou, ainda se recuperando — Agora estou vendo Nanatsu no Taizai — completou, com um leve rubor tomando as bochechas sardentas.
— Ah sim! Gosto desse também! A Merlin é minha preferida — arrisquei, lembrando dos poucos episódios que assisti — Mas, preciso que você acalme meu coração dizendo que encontrou meu celular por aí.
Observei, ansiosa, Jerônimo procurar por entre suas gavetas, caçando o aparelho com afinco e acelerando com esperança as batidas do meu coração. Quase chorei de felicidade ao ver suas mãos magras puxarem o celular de capinha rosé. Se existia alguém que merecia um prêmio, esse alguém era Jerônimo.
— Esse aqui, srta. ? — questionou ele, estendendo o iphone para mim.
— VOCÊ É MARAVILHOSO! — soltei um grito esganiçado — OBRIGADA OBRIGADA OBRIGADA — terminei, dando pulos de alegria e um abraço desajeitado no garoto.
— Que-e isso! Apenas fazendo meu trabalho — Jerônimo corou fortemente, me fazendo bagunçar seus cabelos com implicância. Se eu tivesse um irmão mais novo, eu gostaria que ele fosse Jerônimo.
— Obrigada mesmo, você não sabe o quanto eu estava louca atrás dele — agradeci — Agora só preciso achar as chaves do carro, merda, devo ter esquecido na sala de dança.
Acenei uma despedida para o jovem que sorria timidamente para mim, deixando-o em paz para voltar sua atenção a algo mais produtivo do que ajudar uma dançarina esquecida. Certamente, eu poderia culpar a distração com os acontecimentos do dia, mas, então, teria que arrumar mais quinhentas desculpas para todas as vezes que eu perdia algo. Ri, aliviada, pelo menos tinha Jerônimo para me salvar de vez em quando. Apertei o botão do elevador, bem mais calma do que antes, sem sequer cogitar a possibilidade de subir pelas escadas.
O reflexo no espelho do elevador curvou a boca em confusão quando escutei uma melodia suave escapar no momento em que as portas do elevador se abriram, acompanhando uma luz amarela fraca que iluminava a sala, indicando que alguém tinha ocupado o ambiente enquanto eu corria em busca do meu celular.
Caminhei, curiosa, seguindo os acordes até espiar os movimentos dentro do cômodo por entre uma frestinha na porta. Suspirei quando me dei conta de que a sombra ali era de ninguém menos que . Ao que parecia, ele estava fazendo hora extra para aprender os ritmos da competição em tempo hábil. Sua visão compenetrada, fazia meu coração pulsar audivelmente nos ouvidos, quase como se tivesse aumentado no máximo o som do meu rádio interno. Abri a porta devagar, aproveitando o momento em que fechou os olhos, murmurando para si mesmo os tempos da coreografia.
— Precisa de uma parceira? — ouvi minha própria voz, mesmo que agora ela parecesse rouca e distante.
mirou minha direção, com um lampejo de surpresa borrando seus olhos, algo que me fez sorrir, afinal, aquele encontro era inusitado para ambos os lados. Em um dia que tinha dado errado desde o início, o destino tratava de fazer algo bom nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. Isso sim era reviravolta!
— Quais as chances de eu ter dormido de cansaço e você ser um sonho? — perguntou, me fazendo rir da sua desconfiança.
Percorri o olhar pelo seu corpo, desde os pés descalços, passando pela calça de moletom que tinha um caimento perfeito em sua cintura, até a camiseta branca que se pegava indecentemente bem no seu tronco, parando, por fim, para avaliar o volume de cabelo acastanhado que se tornava negro quando molhado, indicando que deveria ter utilizado dos mesmos métodos que eu para relaxar: um bom e quente banho. Não que eu estivesse imaginando cada gota de água que deve ter percorrido aquele corpo, não, eu estava mais para invejá-las.
Senti uma pressão alcançar meu baixo ventre, se alastrando por todo o corpo em seguida. Eu queria chegar mais perto dele, sentir o cheiro de limpeza que emanava do seu corpo, passar as mãos pelas mechas macias dos seus cabelos, perder a consciência (e talvez, um pouco da dignidade) no sabor mentolado dos seus lábios.
... — sussurrou, como uma súplica, me fazendo desviar o olhar da sua boca para os seus olhos — Pare de me encarar assim ou então, eu não respondo por mim.
Diagnostiquei a escuridão dos seus olhos. Era o desejo dos meus refletido nos dele.
Tentei pensar no azul do céu, no sabor da pizza que eu ia pedir horas atrás, na raiva que o celular me deu por ter sumido, mas, indo contra todos os meus apelos mentais, meu corpo ansiava por destrinchar todos os significados do que queria dizer com "eu não respondo por mim".
— Eu... — comecei num sussurro — não consigo.
[N/A: *Coloque essa música para tocar*]
(Vai, senta firme)
(Vai, senta, senta, senta)

— Você sabe que isso não é baunilha comigo — sussurrou, caminhando em minha direção com o sorriso malicioso pousado naqueles lábios deliciosos.
Senti o interior derreter, enquanto eu contava quantos passos faltavam para que as mãos dele estivessem no meu corpo, percorrendo cada caminho com sede. Sede de sexo. De foda. Sorri de volta, embriagada pelo clima de luxúria que rondava a nossa volta, apreciando o torpor na qual me induzia toda vez que direcionava aquele olhar. Olhar de quem me despe na mente, retirando todas as camadas com as quais eu me vestia toda as manhãs.
Orgulho, Ego, Indiferença, estavam no chão antes mesmo dele completar o caminho até mim. Ali, só restava uma túnica fina, o desejo. Desejo de me afundar no corpo que se moldava ao meu, de ser preenchida até o âmago pelo gozo de espírito que me dava.
— Você sabe que comigo também não — respondi, terminando com a parcela de espaço que ele me torturava em percorrer.
Paraíso, era a definição dos nossos corpos unidos. Selei nossos lábios, com a urgência de quem encontra um oásis no deserto. era meu deserto particular, me proporcionando todos os tipos de desafios, mas seu corpo, sua boca, seu pau, ah, eram meu parque temático privilegiado. Suguei sua boca, sentindo o baque surdo das minhas costas na parede, enquanto deslizava as mãos pela lateral das minhas costelas, até apalpar minha bunda, não demorando a me puxar pra cima e encaixar seu quadril no meu.
Um gemido rouco escapou por entre nosso beijo, sendo impossível definir o autor, já que estávamos tão rendidos ao louco prazer que o outro proporcionava que o mais provável seria estarmos emitindo sons juntos. Puxei os cabelos da sua nuca assim que sua boca desceu até meu queixo, se perdendo aos poucos entre meu pescoço e colo. Eu precisava de mais, mais contato, mais pele, mais . Separei nossos corpos, absorvendo um resmungo incompreensível de , apenas o suficiente para me livrar do pano inútil que recobria o tronco entalhado dele.
Mordi a boca, endiabrada pelos efeitos que a visão daquele homem me causava, eu queria lamber cada pedacinho exposto a mim, morder a pele morena até chegar naquela entrada que direcionava o paraíso. Sorri, recebendo o olhar safado de , afinal, ele sabia muito bem tudo o que seu porte me provocava. Desde aquela bendita audição onde eu fiquei perdida só por vê-lo sem camisa.
Desci do seu colo, invertendo a posição até que suas costas estivessem na parede. Deslizei os lábios pelo seu pescoço, sentindo uma mão de subir para acariciar meu seio, encontrando o, já rijo, mamilo. Fechei os olhos, me deliciando do combo que era provar da sua pele, do seu cheiro, associado a sensação dos seus dedos atiçando meu bico. Arranhei seu peito com os dentes, descendo até sua barriga com beijos suaves, observando o olhar de se fixar nos meus, enquanto sua mão se desatrelava do meu corpo para acariciar meus cabelos.
Direcionei minha atenção para o laço que mantinha a calça fixa em seus quadris, sentindo a excitação latejar entre minhas pernas só de visualizar a ereção de se mostrando no tecido. Eu queria tanto. Deixei meus dedos brincarem com a abertura da calça, sentindo a respiração de ficar cada vez mais falha, ah, ele queria tanto quanto eu.
Puxei o nó devagar, expondo a cueca boxer preta, antes de escorregar meus dedos pela borda, criando um espaço entre a pele de e o pano. Arrisquei um olhar para o abdome que se movimentava com rapidez, criando uma trilha imaginária até o ponto esticado da cueca, aquele local que gritava o tesão que sentia. Liberei seu pau com um suspiro feliz, sentindo o sorriso domar os lábios quando puxou meus cabelos até que eu desviasse o olhar para seu rosto.
— Você vai ser uma boa menina, ? — falou, com a voz rouca de prazer, que se conectava diretamente com meu interior, despertando flagelas de fogo pelo meu corpo. Sorri, sentindo prazer onde meu couro cabeludo formigava com seu toque, decidindo desafiá-lo com um olhar inocente seguido de um silêncio sem resposta. riu do meu semblante, ficando ainda mais bonito na minha visão, antes de dar outro puxão, como o macho dominador que tinha dentro de si, exigindo uma resposta.
— Você sabe o que dizem das meninas boas, ? — sussurrei, percorrendo seu abdome com a unha, enquanto depositava um beijo suave na glande que suplicava pelos meus lábios — A última que andou no trilho, o trem pegou.
Pisquei em sua direção, recebendo um gemido prazeroso no momento em que envolvi seu pau com a boca. Seu gosto era inexplicável, o salgado da pele misturado com o mentolado do sabonete líquido me faziam percorrer seu comprimento sedenta por provar cada pedaço. Viciada em seu contato. fortaleceu o aperto em meus cabelos, guiando sutilmente meus movimentos, em combinação com o seu quadril.
Observei seu rosto se contorcer de prazer, enquanto ele mantinha os olhos fechados, desfrutando das sensações que minha boca podia lhe proporcionar. Ali, eu me sentia o mais próximo de Deusa, porque sabia que apesar das mãos em meus cabelos, do olhar superior, eu mandava ali, minha boca era o lugar em que pediria para estar, perdendo apenas para a maciez e calor do meu interior. Aquilo era poder e foi isso que eu comprovei quando deixei os dentes percorrerem a carne sensível, sabendo que o atrito suave levaria picos de eletricidade por todo o corpo de .
— Meu deus! Eu amo sua boca — soltou, em um sussurro rouco. Abrindo os olhos para me encarar com desejo — Mas, eu amo mais quando sou eu que estou de boca em você.
Bebendo vinho e quebrando as taça
Fudendo por toda a casa
Se divido o maço, eu te amo, desgraça
Sorri convencida, sentindo as mãos de me puxarem pra cima, enquanto ele colava nossas bocas e me deitava no piso frio da sala de dança. O choque de temperaturas entre o corpo quente de e a cerâmica fria me deixava ainda mais excitada e ao sentir o leve dedilhar dos seus dedos abrindo caminho pela minha barriga, só pude suspirar, tentando conter o gemido que insistia em escapar dos meus lábios cerrados.
— Você tá tão molhada — comentou, me fazendo sentir o sopro de suas palavras como cócegas na minha barriga, agora desprovida da cobertura que o vestido leve lhe dava — Tão pronta pra mim, .
acariciava meu interior, deslizando facilmente pela minha entrada, enviando ondas de prazer para o meu núcleo que clamava por mais. Mais dele. Fechei os olhos, submersa ao poder que tinha sobre meu corpo, apreciando a sensação dos lábios que começaram a percorrer minha pele, como se tentasse descobrir todos os segredos das minhas curvas.
— Por favor, . — gemi, trazendo seu corpo para mais perto do meu, observando o sorriso safado tocar-lhe os lábios. Ele sabia.
— Pede, .
— Eu quero , por favor! — choraminguei.
— Pede! Eu quero ouvir você — intimou, sobrepondo meu corpo com o seu, alojando sua ereção entre minhas pernas, roçando minha entrada e me deixando em delírios loucos.
Perdi o fôlego assim que suas mãos puxaram de uma vez o decote que mantinha meus seios cobertos, fazendo com que eles pulassem pra fora com empolgação. sorriu diante daquela visão, descendo o rosto, passando o nariz por meu pescoço, depositando beijos e mordidas pelo colo, antes de tomar um seio pela boca enquanto brincava com o outro entre os dedos. Filho da puta bom pra caralho. Gemi, rendida à conexão que seu toque gerava em mim.
— Pede, — suplicou, , deixando claro o desejo que dominava ele também.
— Me. Come. ! — murmurei, quase como uma prece para acalmar a agonia que se alastrava pelo âmago, sinalizando o quando eu estava incompleta sem ele em mim.
Senti meu interior se abrir para acomodar o membro que percorria o caminho suavemente, como se desfrutasse da sensação de me partir em duas, de me fazer sua morada. praguejou baixinho, apoiando os braços ao redor da minha cabeça, aproveitando a sensação que era me preencher toda. Isso não durou dois segundos até que eu me acostumasse com seu tamanho e ele me abandonasse de supetão para meter de novo, mais forte, mais duro.
Mordi seu ombro, sentindo o baque dos corpos alastrar eletricidade pelo meu ventre, aumentada pela fricção do meu mamilo no peito nu de , que me deixava ainda mais imersa na bolha sexual que ele criava ao meu redor.
Continuamos sincronizados, sentindo os corpos deslizarem um no outro, entre suor, gemido e prazer. Tomei a boca de na minha, percorrendo seus lábios com desejo, com sede de calar a gritaria do meu interior naquele silêncio vibrante que era seu corpo. Eu queria me afundar nas suas verdades, me moldar nas suas ânsias, desfalecer no prazer que nossa união causava.
— Você vai cavalgar em mim? — perguntou, mordendo meu lóbulo, metendo rápido até me deixar sem ar.
— Você acha que aguenta? — sorri em provocação, recebendo seu deslizar punitivo e uma estocada profunda que deixava claro seu ponto de vista.
Assim, trocamos de posição, deixando que eu ficasse por cima, com as mãos fortes de para me segurar a cintura e conduzir a pegada daquela cavalgada. Sorri, ao lembrar de quando disse que aquela posição tinha uma bela vista e dali, eu não poderia concordar mais com ele. Vê-lo sorrindo, com o suor escorrendo sensualmente pela testa, fazendo seus cabelos bagunçados colarem pelo rosto, me deixava ainda mais excitada.
Eu sou seu amor ou seu Nero?
Eu sou seu amor ou seu Nero?
Eu sou paciente, mas tem coisa que eu não espero
Desci lentamente sob seu pau, sentindo todo o caminho deliciosamente percorrido, me recusando a fechar os olhos para poder admirar o sorriso único que me lançava quando seu membro entrava em mim. Suspirei, sentindo o coração falhar diante daquela visão, afinal, os baques descontrolados dele em meu peito sinalizavam que aquilo era tudo menos só sexo. não era minha foda de sexta a noite, por mais que eu quisesse vê-lo como apenas isso. era o caminho que eu sempre pegava todos os retornos para voltar. Era o começo e o fim dos meus roteiros, mesmo que o meio deles fosse conturbado. Xinguei mentalmente os sentimentos que retumbavam, me deixando sensível demais ao olhar de reconhecimento que me lançava dali.
(Vai, senta firme)
(Vai, senta, senta, senta)
Apoiei minhas mãos em seu tórax, decidida a me perder longe dos pensamentos acusatórios em minha mente, tomando base para rebolar no ponto que nos mantinha unidos, gerando gemidos que escapavam de nossas bocas a todo estante. tirou uma das mãos que apertavam minha cintura para beliscar meu mamilo, despertando uma dor prazerosa que enviou ondas de prazer ao meu âmago, intensificando a sensação pré-orgasmo que se disseminava por mim.
Como se soubesse o quanto eu estava próximo, deslizou a mão para o espaço entre minhas pernas, estimulando lentamente meu núcleo, em contraponto aos movimentos ritmados que fazíamos. Sua força brutal, em cada estocada que vinha de encontro ao meu corpo, era atenuada pelos movimentos circulares quase amorosos que ele dedicava ao meu clitóris. Eu estava tão perto.
— Goza pra mim, cariño sussurrou, olhando-me com desejo, abrindo os lábios em um sorriso genuíno.
E assim, sentindo seu pau me preencher, seus dedos me estimularem e seu sorriso baquear meu coração, gozei para . Gozei com . Meu corpo se contraiu de prazer, meus olhos se fecharam para aproveitar a sensação de plenitude que só um orgasmo poderia proporcionar, sentindo apertar as mãos em minha coxa, me puxando em sua direção para colar nossos corpos enquanto se desfazia no meu interior. Gemendo meu nome, beijando minha pele, latejando no meu ventre.
Deslizei sob seu corpo, mantendo-nos ligados enquanto sentia amolecer dentro de mim, aproveitando os últimos momentos daquela ligação que se verbalizava em atos como aquele.
Te amo
Você nua pela casa é tão lindo
Bastou a gente fuder, eu vi, tava fudido
Transo contra o tédio de domingo
Como se os pensamentos coerentes voltassem a povoar minha cabeça depois de ter o corpo satisfeito, eu comecei a lembrar do motivo pelo qual tinha ido parar ali. A fome, que até então tinha dado lugar ao tesão, ameaçava voltar e como prova disso, gargalhou ao ouvir as reclamações do meu estômago, acariciando minhas costas enquanto nos colocava sentados no chão. Observei um sorriso languido tomar-lhe o rosto e sorri também.
— Dizem que precisamos repor as energias depois do sexo — ele falou, sedutor — Que tal uma pizza?
— Metade frango com catupiri, metade abacaxi? — questionei, sonhadora.
— Credo, . Quem gosta de pizza de abacaxi? — zombou, rindo no momento em que atirei sua camisa nele.
Aquilo era cada vez mais nossa cara, em um momento estávamos rendidos ao prazer e no outro, fazíamos piadas como se não estivéssemos pelados no meio da sala de dança. Era uma leveza abençoada com pitadas de comédia e carinho. Era uma certeza de que a vida com nunca seria monótona, nem previsível. Seria uma noite de fome, com celular perdido (posteriormente achado), com um encontro inusitado, com um sexo ardente e no final, com uma pizza, porque, parafraseando meu : nada é melhor do que pizza pós sexo.
Te amo, desgraça
Eu te amo, desgraça
Eu te amo de graça
Te amo, desgraça

XI

POV:

Suspirei aliviado quando a toalha úmida tocou o meu pescoço, reduzindo a temperatura corporal que me fazia sentir como no deserto do Saara pós-ensaio. Puxei o tecido levemente, passando-o pelos braços e rosto, numa tentativa ingênua de improvisar um banho até chegar em casa. Pelo menos, não demoraria muito até eu estar de baixo do chuveiro, num daqueles momentos de paz que todo mundo precisa.
Antes de conseguir terminar o simples asseio, observei o celular vibrar em cima da mochila, só então me dando conta de que tinha tirado-o junto com a toalha. Franzi o cenho, curioso para saber quem estaria me mandando mensagem no meio da tarde. Certamente, James queria que eu desse carona para ele ou então, estaria avisando que eu precisava comprar pão no caminho de casa. Balancei a cabeça, desbloqueando a tela com um deslizar.
: precisa de ajuda com o caminho da toalha?
Desejei não estar sorrindo igual um idiota ao ler a mensagem, afinal, meu instinto me dizia que estava admirando, no canto oposto da sala, os efeitos que poucas palavras suas causavam em mim. A frase sucinta, que nada tinha a ver com passar na padaria, ativava minha imaginação para todos os tipos de cenários em que eu, e a toalha conviveríamos harmonicamente. Levantei o rosto, sorrindo, agora convencido das mil possibilidades para um futuro próximo, encarando na medida em que seu semblante assumia uma postura entre a malícia e a diversão.
Deus, aquela garota ia ser meu fim.
Eu: você vai poder ajudar muito hoje à noite.

Brinquei, ignorando momentaneamente o frio que subia pelo estômago só de pensar que meu primeiro encontro - oficial - com estava prestes a acontecer e, o pior, eu não fazia a mínima do que ela tinha planejado para nós. Busquei na mente, uma vaga lembrança da última vez em que tinha ficado tão ansioso para um encontro, mais ainda, para encontrar uma pessoa que eu já conhecia a meses e, conclui, isso nunca tinha acontecido. era minha primeira vez.
: Image and video hosting by TinyPic
Um olhar incrédulo me impediu de engasgar diante da mensagem que apitava entusiasmada na minha tela. Do momento em que conheci até o presente, onde ela me mandava memes sexuais, eu não sabia em que parte estive dormindo. Tal estranhamento durou uns poucos segundos, afinal, com as pessoas não pensavam, elas apenas aproveitavam todas as oportunidades dadas, mesmo que tivéssemos passado a semana toda sobrevivendo de beijos furtivos e agora, ela estivesse fazendo o tipo de convite que nenhum homem em perfeito juízo recusaria.
Eu: você vai ser uma boa menina?

Repeti a mesma frase que usara dias atrás, sentindo meu corpo acordar com uma pontada só de lembrar dos momentos vividos naquela mesma sala de dança. Não tinha nada ali que não me fizesse correr sérios riscos de ter sonhos eróticos com , desde o piso encerado até a parede que tinha servido muito bem como apoio.
: você já conhece minha visão sobre as boas garotas...
Eu: aquela era uma ótima visão!

Soltei, sem querer, sentindo o sangue circular para baixo rapidamente. Ok. Eu realmente precisava me livrar daquela imaginação fértil antes que os efeitos dela se tornassem cada vez mais visíveis no tecido fino do moletom. Sério, Jr. esse não é o momento de dizer oi ao mundo, não é. Ergui um olhar acusador ao risinho de que preencheu o ambiente, ela estava achando tudo, no mínimo, interessante.
Coloquei a alça da mochila no ombro, me aproximando de devagar, quase como se quisesse ver as ideias dando voltas em sua mente. Notei o batuque ritmado dos seus pés na madeira, algo que ela, mordendo os lábios em nervosismo, nem tinha notado. Seu corpo, ansioso, gritava os sinais que o meu se esforçava em esconder. Queríamos estar juntos. Não repassando a coreografia, não sob os olhares atentos de Sr. Cattaneo. Queríamos estar só os dois.
Sorri, sentindo o rosto amolecer ao baixar o olhar para , colocando minhas pernas entre as suas para acalmar os pés que produziam uma música agitada no chão. Ela retribuiu meu sorriso, relaxando os ombros com meu toque.
— Que horas pego você hoje? — cochichei, entrelaçando levemente nossos dedos.
— A noite toda se deus quiser — respondeu , distraída, como se não se desse conta das verdades que tinha pronunciado.
Ergui a sobrancelha com ironia, lambendo o beiço em malícia. A noite toda? Hm, parecia bom pra mim. Notei o leve rubor se acentuar no topo das bochechas de , na medida em que a interpretação das suas palavras entrava em foco. Sim, eu vou te pegar a noite toda. Pisquei.
— Já decidiu aonde vamos? — questionei, ainda rindo do rosto corado, acompanhando minha parceira até a porta do estúdio.
Naquele momento, já tínhamos nos despedido de Sr. Cattaneo, que não perdia a oportunidade de nos enviar olhares significativos desde o vídeo vazado para a mulher do policial. No fundo, eu desconfiava que ele estava planejando um meio de nos fazer confessar o quanto estávamos envolvidos. Se duvidasse, Sr. Cattaneo tinha grandes chances de ser a mente por de trás de um dos nossos fã-clubes do Twitter. Balancei a cabeça, rindo ainda mais ao imaginar a cena.
— Ah, sim! Acho que você vai gostar — ponderou, segurando a porta da rua para que eu passasse também — Vamos ao Bob's Bar.
Franzi o cenho. Bob's Bar? Um... Bar?
— Não entendi — parei em frente ao carro que, por um milagre, estava estacionado atrás da Evoque de — Você disse que queria um encontro, certo? Do tipo romântico, né?
abriu um sorriso brincalhão, me fazendo suspeitar que, em partes, ela já esperava esse questionamento.
— Eu disse que queria um encontro para conhecer você, — ela deu de ombros, numa postura que eu poderia jurar que era a mesma que fazia quando queria só a amizade de alguém.
Puxei sua cintura em minha direção, confuso com a possibilidade de uma semana ter feito-a mudar de ideia, apertando os dedos no seu quadril. Deslizei minha palma pelo tecido da sua calça, certo de que conseguia sentir meu toque queimando mesmo com as camadas infinitas de roupa, usando a força necessária para fazê-la entender que eu poderia beijá-la bem ali, sem muitos esforços e sem nenhum espaço para amizades. Olhando seu rosto, percebi que ela ainda sorria, quase divertida pela minha demonstração de desejo.
— Você não acha que já conhece? — instiguei, tocando seu pescoço em uma carícia leve, seguindo o percurso de uma veia que aparecia por ali.
— Apenas um pouquinho — falou, fazendo mímica com os dedos para provar um percentual do seu ponto de vista.
Sorri, me aproximando o suficiente para que conseguisse sentir minha respiração quente em seu pescoço, assim como eu sentia o pulso começar a acelerar embaixo do meu polegar.
— Gostou do que conheceu, então? — mordisquei sua orelha, voltando a posição inicial para enxergar o rosto brincalhão de se dissolver em uma névoa de desejo em seus olhos. Eu amo essa garota. Sempre pronta para nós.
— Você fala da parte irritante e arrogante? — pronunciou, com a voz rouca que contradizia a expressão em seu rosto.
Sorri, divertido, ao vê-la tentar manter a postura sempre indiferente, mesmo quando ambos soubéssemos os efeitos que provocávamos um no outro. Aquela resistência de tornava ainda mais doce os momentos em que ela baixava a guarda e me deixava partilhar do prazer juntos.
— Eu falo disso — apertei minha mão em sua coxa, sentindo o músculo responder como se apreciasse o toque — E disso — subi para a bunda, espalmando a curva sensual e puxando-a, para encaixá-la em meu quadril — E disso — continuei, estalando um beijo no espacinho entre o ombro e o pescoço, observando a respiração de falhar, comprovando meus argumentos.
— Você. Joga. Baixo. — ela respondeu pausadamente, empurrando meu ombro sem delicadeza, balançando a cabeça com um riso querendo brindar os lábios.
— Eu sei, amor. É o meu charme! — pisquei.
— Sei, charme... Acho bom irmos embora antes que Aylle seja obrigada a negociar nossas cabeças por causa de mais fotos vazadas — deu de ombros, olhando furtivamente para os arredores.
A tristeza ameaçou invadir meu peito ao relembrar a situação que tínhamos vivido uma semana atrás. Tinha sido quase impossível ensaiar em paz diante da irritação de Aylle e de seus resmungos que perturbavam o ambiente. Tudo aquilo por um simples vídeo. Balancei a cabeça, custando a me desfazer da culpa.
— Não fique assim — me proibiu, afagando levemente meu rosto — O pior já passou, só precisamos tomar mais cuidado agora, tudo bem?
Peguei a mão que acariciava meu queixo e beijei sua palma, já que eu não poderia chegar próximo o suficiente dos lábios. Aquela cena tinha se repetido um número infinito de vezes durante a semana, já era quase comum me destinar um olhar de conforto, como se quisesse me ajudar a passar por toda repentina fama com tranquilidade. Ela não tinha me apoiado só em alguns momentos, ela me apoiou em todos eles. Desde a fúria intempestiva no olhar de Aylle até o assédio constante dos paparazzis.
Quando saia uma notícia nossa, sorria e fazia piada com a manchete, brincando com a quantidade de novas informações, sejam falsas ou não, que o TMZ arranjava todo dia sobre nós. A cada segundo, vivíamos um romance midiático para, minutos depois, estarmos esperando nosso primogênito. Ri seco, achando a incoerência irritantemente engraçada.
— Vamos esquecer isso por hoje — pedi.
— Seremos só e , prometo — ela assentiu, beijando minha bochecha antes de ir para seu carro.
Fiquei algum tempo observando entrar no veículo, achando alguma graça no fato dela não ter escolhido um carro pequeno e fácil. Pelo contrário, o SUV vermelho sangue, com estofado branco vintage, refletia o quanto dela eu ainda precisava conhecer. Sorri, de braços cruzados, encostado no meu Mustang, imaginando com o pé na estrada, correndo pelas ruas, sendo rebelde o suficiente para baixar os vidros e deixar os ventos bagunçarem os cabelos.
Uma fisgada no coração me dizia que eu gostaria de estar ali, apreciando aquela obra de arte da natureza, vulgo , bem de pertinho. Balancei a cabeça, incapaz de guardar o sorriso quando acenou um hang loose e deu partida, indo embora e já me deixando com uma pontinha de saudade.
Dirigi para casa, batucando no volante os acordes de Do I Wanna Know? do Arctic Monkeys, tentando achar uma explicação plausível para eu encontrar um pedaço de por cada uma das músicas que eu escutava. Não só nas músicas, é claro. Parecia que quanto mais eu convivia com ela, mais de sua essência impregnava em mim. Na esquina do apartamento, eu sentia seu cheiro como uma vaga lembrança de saudade. No degrau da academia, eu escutava sua voz e então, me dava conta de que nenhum timbre tinha o veludo certo do seu. É, cara, estar apaixonado era uma merda.
Aumentei o volume, berrando o refrão, um pouco depois de agradecer ao fato do carro ter uma boa proteção acústica, porque senão, metade da população nova-iorquina saberia que o próximo American Idol não residia nesse veículo.
Estacionei, satisfeito em ter descarregado a ansiedade no percurso até em casa, deixando apenas um resquício dela que me fazia pular de dois em dois os degraus até o duplex. Enfiei a chave no trinco, evitando deixar que meus pensamentos organizassem uma contagem regressiva até o horário de encontrar no Bar. Com certeza, pessoas adultas tinham muito mais a fazer do que imaginar os desfechos da noite. É, tinham sim.
Desviei de uma tentativa de assassinado que os tênis surrados de James prometiam, chutando-os para longe antes que uma queda pudesse tê-los como culpados. Aproveitando para dar uma geral na bagunça que se acumulava pelo cômodo. As roupas espalhadas, os copos dispersos em cima da bancada e o cenário de desleixo apontavam para um único motivo: era a semana de James cuidar da casa. Bufei, recolhendo os copos e colocando-os na lava-louças antes que fossemos obrigados a beber água em xícaras de café, até que elas mesmo acabassem e fossem substituídas por pires diversos.
— Oi... — cumprimentou o irresponsável, aparecendo na cozinha com a cara amassada de sono.
Ergui a sobrancelha, evitando apontar o óbvio: eu ia matá-lo se fosse obrigado a fazer os serviços domésticos por mim e por ele. James caminhou até onde eu estava, retirando um único copo limpo antes que eu fechasse a máquina e configurasse a limpeza. Suas costelas apresentavam novas marcas arroxeadas, combinando com o lábio estourado e o hematoma esverdeado na bochecha. Balancei a cabeça, sabendo que os machucados tinham sido bem melhores do que aqueles de quando ele perdia.
— Eu sei, eu sei, mano — ele abriu a boca antes que eu pudesse responder seu cumprimento — A casa tá um lixo.
— Ainda bem que você sabe, otário — resmunguei, revirando os olhos para o seu semblante de culpa — Eu trabalho igual você, James, mas nem por isso a casa fica assim durante a minha semana.
Observei seu cenho abaixar, semelhante as orelhas de um cachorro levando bronca. Isso era algo que eu sempre admirava nele. James sabia reconhecer quando estava errado e levava esporro de bom grado, mesmo que ele viesse acompanhado do cinturão de nosso pai. Dei um tapinha no seu ombro, simpático ao fato dele estar tendo uma semana escrota tendo que conciliar as lutas e a limpeza. Normalmente, estabelecíamos um cronograma para que aquilo não acontecesse, mas, dessa vez, James recebeu uma proposta de última hora, algo grande que ele não poderia recusar.
— Mas, pelo menos você quebrou o cara? — indaguei, sorrindo ao ver o rosto de James iluminar. Ah, ele tinha nocauteado, certeza.
— MANO! VOCÊ PRECISAVA VER! — começou, sem controlar a empolgação — Esse tal de Steve Marreta nem era tudo isso, cara. Muita mídia. Não aguentou meu gancho, otário.
Ri, entretido com as imitações de golpes que James fazia. Seus olhos desfocaram como se estivesse bem ali revivendo suas memórias, escutando a torcida ir a loucura com mais um dos seus feitos no ringue. Algo parecido com os meus próprios olhos quando eu estava dançando.
Lancei a mão de um Gatorade na geladeira, ao mesmo tempo em que James contava quantas posições tinha subido no ranking local e recolhia a sujeira espalhada pela sala. Balancei a cabeça, assentindo quando necessário, mas, sabendo para onde aquele assunto ia me levar. James lembrava Academia de Artes e Lutas , que por sua vez estava associada com que, acredite, era casado com que, olha a coincidência, era a melhor amiga de... . Fechei os olhos, ignorando a voz de James para me fixar na imagem da mulher que dominava minha mente.
Qualquer pessoa que me visse mentalizando o que uma mulher iria vestir num encontro, iria achar no mínimo estranho, mas, era algo terapêutico imaginar as peças que eu teria o prazer de tirar no momento seguinte. Despindo com cuidado cada camada até poder dedilhar a pele macia e quente.
— E lá vamos nós para a cara de apaixonado... — James zombou, me despertando dos devaneios inapropriados para o horário — Fala sério, tem algum momento do dia em que você não esteja pensando nela?
Semicerrei os olhos, certo de que eu não poderia pensar em durante o dia todo, mas, sentindo o rosto perder a cor ao encontrar um vazio no lugar da resposta para a pergunta. Até nos meus sonhos aquela criatura dava um jeito de aparecer. Bufei.
— Não estava pensando nela — menti, rolando os olhos.
— Aham e eu sou o papa! — James riu — Eu achei que você tinha dito que isso iria passar depois do sexo.
Olhei para o teto, achando tão distante a lembrança do dia em que coloquei na prateleira do "é só tesão". Agora, aquilo parecia tão improvável que me tornava idiota por ter pensado. Talvez, desde a ocasião, James já soubesse que eu estava tentando enganar a nós dois, pois, ele riu e apostou que na briga do coração, levaria o meu bem fácil.
— Parece que eu estava errado — dei de ombros — Tão errado que até estamos pegando o caminho inverso dos casais.
James me olhou confuso, tentando entender as mensagens subliminares presentes na minha fala, algo que eu me apressei em explicar, antes que ele tirasse conclusões precipitadas e irracionais como sabia que faria.
— Não pense besteiras, é só que normalmente as pessoas saem em encontros antes de ir para a cama.
— Ah — murmurou em uma espécie de constatação — Vocês vão ter um encontro?
Avaliei o rosto dele em busca de uma risada, mas, ao contrário do esperado, James só exibia um aspecto genuíno de curiosidade. É, mano. Até eu gostaria de entender o que se passa na cabeça daquela mulher.
disse que precisávamos nos conhecer, entende? — resumi a proposta de forma prática — E eu concordo, já que esperava que ela fosse querer um jantar num dos restaurantes caros do centro, mas, ela me disse que quer ir ao Bob's Bar.
— BOB'S BAR? — exclamou, James, empolgado — Você vai achar foda! Não acredito que quer te levar lá. Bob vai cortar seu pau fora, mano.
Cuspi o líquido que estava tomando, fazendo com que James começasse a gargalhar, arfando por momentos sem fôlego. COMO ASSIM CORTAR JR. FORA?
— QUÊ, CARALHO? — gritei, tirando a camisa suja e limpando os respingos que tinham ficado pelo meu queixo.
— You know nothing, (você não sabe de nada, ) — James pendeu a cabeça, me olhando com compaixão — O Bar é tipo uma religião para , e . Eles vão lá desde que as meninas eram mais novas e aliás, foi Bob que juntou e . é a menina dos olhos do Bob, ele protege ela como um cão leal.
Limpei o suor que começava a descer na testa. Deus, no primeiro encontro queria que eu fosse assassinado? Aquela menina era com certeza fora do normal.
— Como você sabe tanto de lá? Eu nunca ouvi falar — questionei, franzindo o cenho.
James, que até então tinha conseguido reduzir pela metade a quantidade de objetos espalhados pela sala, sentou na poltrona de couro ao lado do sofá, usando a melhor postura de um psicanalista, como se pudesse me fornecer conselhos muito úteis para tal situação. Senti a tensão e ansiedade voltarem. Eu estava mesmo ferrado se precisava escutar alguma dica do meu irmão mais novo.
— Eu já fui lá algumas vezes. costuma comemorar os aniversários dele lá e o Bob é simpático com os lutadores em ascensão — escutei, desejando que James pulasse para a parte em que me diria como manter meu pau junto ao corpo, são e salvo.
— Entendo, ele parece ser uma boa pessoa, não faz sentido ele querer me matar — dei de ombros. Tranquilidade por fora, tensão por dentro. Esse era o lema.
— Quem disse que ele vai te matar? — James arqueou a sobrancelha, divertido — Bob só planeja te deixar incapaz de fazer, hm, besteirinhas com a nenenzinha dele.
— Tarde demais, tarde demais — resmunguei.
— Isso é uma coisa que ele não precisa saber — alertou James — Você só precisa mostrar que gosta de , que respeita ela e que quer o melhor pra ambos.
Cocei a cabeça, incerto sobre conseguir cumprir todos esses requisitos com perfeição. Como eu poderia convencer o dono de um bar de sentimentos que eu mesmo estava começando a desvendar?
James sorriu, como se entendesse meu dilema e deu batidinhas no meu ombro, oferecendo o conforto diante de uma batalha difícil.
— Você vai conseguir, maninho. É bem fácil na verdade.
Ergui o olhar, encontrando o sorriso debochado de James brindando os lábios.
— Sua cara de otário apaixonado convence qualquer um.
Me limitei a arremessar a almofada negra que ornamentava o sofá na cara dele, levantado e indo em direção ao chuveiro, ainda escutando a risada do meu irmão ecoar pelo duplex. Pelo marcador do relógio de pulso, eu tinha uma hora até o horário marcado. O que, por sua vez, era irritante, já que eu estaria pronto em 20 minutos.
Entrei no box, refletindo a capacidade do tempo passar lentamente quando gostaríamos que ele corresse rápido o suficiente. Apesar dos avisos de James, eu não conseguia reduzir as expectativas para os acontecimentos da noite. Após esperar uma semana para ter de novo nos braços, não seria o dono de um bar que me faria desistir do objetivo. Com ou sem pau, eu estaria com ela. Mesmo que, ambos provavelmente preferíssemos com. Sorri, ligando o registro do chuveiro e deixando que a água morna relaxasse meu corpo.
Aproveitei o tempo extra para fazer a barba, cantarolando uma música qualquer enquanto espumava o queixo e deslizava a lâmina pelo meu rosto. Normalmente, aquela era uma tarefa mecânica, por vezes monótona, mas hoje, meu estado de espírito reluzia uma animação incomum.
Sequei o rosto, certo de que acharia interessante a maciez encontrada no momento em que eu esfregasse minhas bochechas nas suas. Argumento que eu usaria para roubar vários beijos dela. Sorri, sonhador.
Deslizei a porta de vidro que guardava o closet, caminhando por entre as cruzetas até escolher uma calça jeans preta, com uma camisa cinza escura e uma jaqueta de couro para completar. No fim, calcei os coturnos pretos que estavam jogados fora da sapateira. É, pela imagem no espelho, eu deveria estar apresentável.
Percorri a mão pelo cabelo bagunçado, parando para refletir se deveria penteá-lo no lugar. Ah, ergui o braço, colocando o relógio na altura dos olhos para constatar que faltavam apenas... trinta e sete minutos. Trinta. E. Sete. Bufei. Ok, eu poderia procurar um gel de cabelo. ia gostar se eu estivesse parecendo um bom moço, não?
Batuquei os pés ritmados, tentando exaurir o nervosismo que começava a andar lentamente em direção ao meu peito. Enquanto eu bagunçava as prateleiras do banheiro, em busca da porcaria do gel, sentia minha caixa torácica apertar, como se a personificação da ansiedade pudesse estar dando nós mais fortes nas minhas costuras, fazendo o espaço em meu peito ficar tão limitado que o coração começava a agredir os pulmões do lado de dentro.
Apoiei as mãos no batente, desistindo de ajeitar o cabelo, na tentativa vã de acalmar os pensamentos loucos em minha cabeça. Era só um encontro. Era só... . A mesma que eu admirei na máquina de café, a mesma para quem eu dancei Slow Motion na entrevista de emprego, a mesma que tinha passado os últimos dias fazendo de tudo para me confortar. Fechei os olhos, xingando, era por ser ela mesma que eu estava assim.
Sai do quarto, depois de espirrar umas doses de perfume, dizendo a mim mesmo que não adiantava em nada ficar ali, ruminando as qualidades de . Sentei no sofá, ereto, quase como se tentasse alguma posição idiota de Yoga. "Respire, ". Olhei de soslaio para a figura de James que também me olhava com atenção, um brilho divertido no olhar, antes de voltar a se concentrar nos tiros intempestivos que produzia no vídeo game. Ah, era daquilo que eu precisava. Estourar a cabeça dos zumbis antes de um encontro? Sim, aquilo era calmante.
— O que você tá fazendo? — questionou James ao me ver configurando o jogo para dois — vai comer seu fígado, mano.
Revirei os olhos, apertando os botões do controle com tanta força que meus dedos ficaram brancos. Quadrado, quadrado, xis, combo duplo triângulo. Continuei focado na câmera dividida, mostrando dois mapas para que meu personagem e de James pudessem seguir de forma individual.
— Ainda tenho vinte minutos — resmunguei.
— Cara, você tem certeza que já passou da puberdade? — James riu.
Fulminei a carranca divertida que ele me lançava. Claro que eu já tinha passado da fase adolescente. Aliás, desde que chegamos em Nova York, eu provavelmente peguei bem mais do que o moleque sentado ao meu lado, porém, era muito mais discreto do que ele em apontar suas conquistas.
— Vai se foder — atirei no personagem de James, resultando numa tela vermelha manchada de "Game Over" ao lado da minha.
— O QUE? VOCÊ ME MATOU, FILHO DA MÃE! — desviei a tempo de ver o controle voando ao lado da minha cabeça.
Sorri, com as mãos nos bolsos, ingênuo.
— EU IA BATER MEU RECORDE! SAI DAQUI SAI SAI! — James possesso, me expulsou do apartamento, enquanto eu ainda ria.
Tudo bem, aquela confusão tinha me custado um total de... choraminguei, cinco minutos. Dei de ombros, descendo as escadas, mentalizando o plano de dirigir a 40km/h para que não achasse que a chegada antes do horário gritava a combustão de excitação que irrigava minhas veias.
Apertei o botão da garagem, satisfeito em ver que naquela noite os fotógrafos tinham tirado uma folga. Ou que talvez, os vizinhos tivessem chamado a polícia toda vez que flashs estouravam nos seus vidros, na tentativa de algum paparazzi me pegar no flagra saindo de um carro diferente. Agora, apenas alguns arbustos suspeitos mexiam na saída do prédio e uma ou duas câmeras se voltavam para o carro na medida em que a lataria aparecia no fim da rampa.
Pela primeira vez, eu poderia achar o silêncio reconfortante. Ali, eu só escutava o leve zumbido da cidade, que nunca dormia, junto com o ritmo cadenciado do meu rádio. A distância entre meu prédio e o de demoraria pouco mais de 15 minutos para ser percorrida em bom trânsito e por isso, relaxei no estofado.
Antes de eu chegar na metade do caminho, o painel do carro, conectado ao meu celular, sinalizou uma mensagem de . Apertei o botão no volante, esperando o texto ser mostrado na tela em led.
"Aylle achou mais seguro irmos para o bar separados. Já estou aqui. Beijos. "
Logo embaixo, vinha anexado uma localização que não permitiria me perder pelos arredores de Nova Iorque. Assenti, como se pudesse ver meu gesto e depois ri seco, achando o ato idiota, enquanto mudava a rota para ir direto ao Bob's Bar. Enfrentei o tráfego noturno da ilha, deixando os letreiros brilhantes cada vez mais para trás na medida em que ia em direção a área portuária da Big Apple.
Antes mesmo de saber que tinha chegado, o cheiro marítimo e a visão embaçada da Estátua da Liberdade me indicavam que era só olhar mais atentamente, a procura do número 589, na Park Avenue South, para encontrar o prédio erguido em cinza carvão, como se fosse uma lembrança rudimentar do bar onde os operários do porto passavam suas parcas horas de folga.
Estacionei, ainda analisando a fachada imponente, percorrendo lentamente a placa pendurada num declínio propositalmente descuidado, com letras garrafais indicando que ali, no meio das estruturas em ferro maciço, dividindo harmonicamente o espaço com pesados guindastes e armazéns de navios em construção, estava o tão aclamado bar que despertava empolgação de James e um quase certo receio de mim. Parado na porta dupla de madeira negra, eu só esperava que no fim na noite, eu não fosse içado para o meio do rio Hudson.
O ambiente interno guardava um atmosfera nostálgica, misturando o que meu imaginário apostava ser um pub irlandês com toques de rock clássico. Percorri todo o local em uma vistoria rápida, surpreso ao encontrar jovens lotando as banquetas do balcão, numa conversa animada que quase sobrepunha o volume que gritava Don't Stop Me Now do Queen para o salão principal. Tomei um segundo para erguer o pescoço ao máximo e sorrir animado com a visão de um andar inferior nutrido por mesas de bilhar e pebolim, algo que se assemelhava ao paraíso da diversão para qualquer homem são.
— Ah não! — virei a tempo de acompanhar o lábio de se curvar no início de uma careta.
Poderia jurar que o movimento brusco me deixou tonto, que a maneira que a fumaça de cigarro preenchia o ambiente tinha me atordoado, que a música explodindo da caixa de som me fazia parecer numa bolha de delírio embriagado, mas tudo seria inútil se não tivesse aquela pessoa ali. A visão de foi o suficiente para sugar todo o ar dos meus pulmões, me fazendo caminhar em sua direção como alguém com asfixia que enxergava nela o único ponto de oxigênio. De uma hora para a outra, a expressão "eu preciso de você para respirar" começava a fazer sentido na minha cabeça e ela, era tudo o que eu queria.
Conjurei todos os deuses que pudessem estar me escutando naquele momento, usando-os em uma prece silenciosa para que eu não me afogasse nos lábios vermelhos que pareciam ser uma armadilha chamativa. Tudo o que eu via, era o espaço ainda existente entre a minha boca e o oásis carmesim do batom cor sangue de . Caralho, eu precisava sumir com aqueles metros restantes.
— Você não pode tá falando sério — resmungou , me fazendo prestar atenção em algo que não fosse os movimentos sensuais que sua boca fazia ao falar. Por que cargas d'água ela estava irritada? — Vão achar que somos um casal combinadinho!
Observei ela fechar os olhos e perder a carranca confusa que eu fazia. Casal combinadinho? Quê? Quando seus braços se cruzaram em cima do seio, parei para reparar nos braços cobertos pela jaqueta de couro negro. O espaço aberto entre os zípers indicava a existência de uma camiseta branca combinada com o jeans negro colado as suas pernas e as botas Dr. Martens que se assemelhavam incrivelmente com meus coturnos. Comecei rir ao entender. Ah, combinadinho. Era daquilo que ela falava.
Revirei os olhos, queimando o sofrimento que me mantinha afastado de , desfazendo os braços emburrados que ela insistia em ostentar no peito, puxando seu corpo de encontro ao meu e afundando o rosto nos seus cabelos. O cheiro de baunilha exalou no ar ao meu redor, aumentando na medida em que eu enfiava o nariz pela curvatura do pescoço de , trocando o olfato pelo tato quando deixei meus lábios roçarem pela pele macia do lóbulo da orelha.
Segundos depois, retribuiu meu aperto, enrolando os braços em meu tronco, tão forte quanto seus braços poderiam me apertar, em uma demonstração rara de saudades. Peguei-me não só gostando, como apertando-a de volta, deixando sua presença apaziguar a ansiedade que tinha permeado meu coração durante a semana inteira. , com seu jeito único de reparar até mesmo no fato das nossas roupas combinarem, estava levando a incerteza que um dia eu tive sobre aquilo dar certo.
— Ahn-rã! — escutei alguém arranhando a garganta atrás de nós e relutante, me virei para encarar o autor da reclamação.
Franzi o cenho, inclinando a cabeça em franca avaliação na direção do senhor com as mãos apoiadas no balcão. Comecei a inspeção pela careca lustrada que refletia orgulhosamente a luz opaca do ambiente, descendo para as sobrancelhas em um marrom avermelhado que serviam de moldura para os olhos incrivelmente azuis que me encaravam em uma postura gélida. Os lábios cerrados, escondidos por um bigode espesso, indicavam que a postura de dono do lugar era porque... ele realmente era o dono do bar. Senti a espinha empertigar ao constatar que todos os planos de me apresentar civilizadamente à Bob, tinham ido para o ralo.
— BOB! — pulou entusiasmada ao meu lado, puxando um um pouco relutante, em direção ao espaço recém aberto no balcão do bar — Preciso te apresentar alguém.
Sorri, na melhor demonstração de respeito que eu poderia dar, recebendo em troca um bufar que eu só identifiquei pelo movimento sutil no bigode castanho de Bob.
— Minha menina — os olhos dele se tornaram azuis mais cálidos ao admirar o sorriso meigo que lhe lançava — Não me diga que quer me apresentar esse... fanfarrão.
Engoli em seco, certo de que aqueles eram os últimos momentos de Jr. Contive a vontade de revirar os olhos diante da risada divertida que dava. Ela não percebia o quanto eu começava a suar frio por aqui?
— Sim, Bob! Creio que você irá adorar esse fanfarrão quando o conhecer melhor — ela acariciou minha mão que ainda estava presa a sua, como se fosse minha boia salva-vidas — Mas, acho que isso pode acontecer com uma cervejinha, não?
Naquele momento, os olhos de Bob expressavam um dilema. Ele tentava decidir se iria me cortar como uma erva daninha para longe da sua flor preciosa ou se poderia dar a chance que tinha pedido em meu nome. Pareceu uma eternidade, até que ele fosse para os fundos em busca da bebida de , decidindo ceder apenas um pouco enquanto mantinha a feição longe do amigável ao me encarar pelo canto do olho.
— Por que tive a impressão de que ia ser esfolado vivo? — sussurrei ao pé do ouvido de , mantendo o que eu achava ser uma distância segura para a moral e os bons costumes de Bob.
sentou nos bancos altos que compunham a bancada extensa cheia de bebidas, indicando com o queixo para que eu fizesse o mesmo. Devidamente acomodado, ela sorriu genuinamente para mim, como se estivesse me vendo pela primeira vez na noite e eu, fingi que meu peito não aquecia em uma necessidade de suspirar apaixonadamente diante daquela mulher. Os seus cabelos estavam soltos e caiam em ondas revoltas pela costa, como se combinassem com o espírito rebelde do bar, compondo um visual bem distante daquele da bailarina centrada que eu via todos os dias. Os olhos marcados e a boca deliciosamente sedutora em vermelho me faziam entender o que queria dizer com "nos conhecer melhor". Sorri, pela embalagem inicial, eu já sabia que iria adorar desembrulhar todo o resto que estivesse disposta a me mostrar.
— Oi — ronronou suavemente, apertando minha mão — Você não ia ser esfolado vivo, talvez só castrado.
Empalideci com a constatação de que James estava certo. Castrado, Deus, não.
riu diante do meu rosto sem cor, afastando a ideia com um abano da mão. Aguardei, ansioso, sua explicação, mas o conforto que suas palavras iam me trazer teve que ser adiado quando Bob se fez presente junto com duas canecas de um conteúdo escuro. Ele deslizou os porta copos desenhados com o logo do bar, antes de depositar os copos, sem delicadeza. Acompanhei a espuma balançar e derramar para fora da caneca, algo muito mais interessante do que observar o olhar amaldiçoado que Bob me lançava.
— Aqui está o de sempre — ele mostrou os dentes por de baixo do bigode, me fazendo refletir sobre a mudança de comportamento incomum.
piscou em agradecimento, com os olhos brilhando ao encarar a caneca transbordando a sua frente. Ao que parecia, ali estava mais um item para acrescentar na minha lista: gostava de cerveja preta. Visualizei seus lábios envolverem a borda do colarinho, murmurando um contentamento que me fazia crer que aquela era uma das melhores cervejas do mundo. Sob os olhares atentos de Bob, apanhei minha caneca e dei um gole grande, certo de que deveria gostar das coisas doces.
No início, eu achei estar certo, parecia que a doçura do líquido negro avermelhado molhava minha língua e agraciava o paladar como chupar um bombom, mas, pouco tempo depois, o sabor começou a mudar, transformando-se em um amargo que prometia roubar a última gota de açúcar de todo o meu corpo. Precisei de toda a concentração que existia em mim para evitar uma careta que, com certeza, divertiria tanto quanto Bob.
Olhei de esgueira para o dono do bar e observei um sorriso convencido se formar em seus lábios. Então, era por isso que ele tinha voltado tão alegre dos fundos do prédio, ele estava me testando. Bufei, ainda tentando livrar minha boca do gosto horrível que a cerveja deixava.
— Boa, garoto. Você nem fez careta — Bob sorriu, dando palmadas em minha costa com força suficiente para tirar meus ossos do lugar. Sorri amarelo.
— Que porra de bebida é essa? — tentei soar descontraído, mas, afastei a caneca para o ponto mais longe de mim.
deu de ombros, tomando outro gole que me deixou indignado.
— Fizemos um curso de degustação de cervejas uns anos atrás — Bob começou, passando o pano distraído pelo conteúdo que tinha escapado de nossas canecas — , e vieram. Depois de um tempo, cada um tinha sua eleita, mesmo que o curso servisse para que eles adaptassem o gosto para todas. gostou das IPAs, um tipo que tem o teor alcoólico muito alto. Acho que foi por causa da dificuldade em encontrar uma cerveja de nocauteasse o campeão — ele deu de ombros, nostálgico, deixando escapar o quanto gostava de — A , aquela mocinha magricela, escolheu a versão mais maltada da cerveja do marido, foi ali que eu vi que eles dariam certo. Seu gosto se associou a Amber Ale Red Ale, um tipo de malte tostado, com essência que varia do chocolate ao café — sorri, partilhando do sentimento comum quando se tratava da união que e formavam — Mas, ninguém foi mais surpreendente do que essa garotinha aqui. escolheu uma Bock, alemã, do tipo forte igual coice de bode. Essa que você acabou de tomar.
Avaliei a bebida, constatando que era melhor ter realmente levado o coice do animal, porque o gosto da cerveja parecia ter entranhado por todo o meu ser. Levantei os olhos para encontrar me avaliando com um sorriso contido nos lábios.
— Uma moeda pelos seus pensamentos? — murmurei, recebendo sua risada divertida em troca.
— Que tal um hambúrguer com fritas por eles? — ela provocou.
— O que você quiser — assenti, acariciando distraído a pele macia do polegar de com o meu.
— Bob! — ela chamou — Vamos sentar na mesa de sempre. Provavelmente vou pedir o de sempre também, mas vou deixar fazer as honras.
abriu caminho por entre o aglomerado de pessoas que lotava o bar, sem soltar minha mão até que estivéssemos em frente a uma mesinha que destoava de todas as outras. Apesar dos bancos serem do couro negro das demais, o carvalho escuro que se erguia em quatro pernas despertava olhares curiosos ao ter entalhado em vários locais dizeres diversos. Parei, analisando as frases icônicas, encontrando algumas célebres letras de músicas embaixo do vidro que protegia a mesa.
— Uau! Isso é incrível — comentei, ainda fascinado com a arte feita ali, passando os dedos levemente pelo contorno da madeira.
— Você gostou? — sorriu, feliz — Não sei bem quando a tradição começou, mas virou costume deixar uma lembrança no bar. Olha, aqui.
Visualizei o local onde sua unha, pintada num preto fosco, indicava as lascas de madeira tiradas para formar dois bonequinhos de palito e saia, algo que eu presumi representar e . Segui seu indicador, enxergando um pouco para o lado, um coração meio deformado com as iniciais de e . Achei que poderia passar a noite procurando vestígios da vida de por ali, mas, parei ao enxergar um recado incomum. Não, não podia ser.
— Isso é? Meu deus, , isso é? — não consegui terminar.
— Uhum — ela sorria como se aquilo não fosse o máximo.
Ali, em um recado quase apagado pelas marcas do tempo, jazia um autógrafo sutil de James Marshall Hendrix, datado de 1969, junto com o entalhe do Festival de Música de Woodstock. Era impossível que Jimi Hendrix, o deus da guitarra, pudesse ter estado no mesmo lugar que eu, sentado diante daquela mesa, no auge da sua fama. Era, simplesmente, surreal.
— Se você tá fazendo essa cara, imagine a do Bob ao ver o astro mundial pedindo uma dose de bebida, no bar que ele tinha acabado de abrir aos 21 anos — riu, me fazendo imaginar a cena 50 anos atrás — A fama da tarde que Hendrix passou, sendo um homem livre, num local onde poderia tocar sem ser assediado por uma legião se espalhou tanto que ele não foi o único a fazer uma visitinha.
Como se sua fala fosse uma lanterna, eu começava a ver por ali, vários outros autógrafos, junto com as respectivas datas de sua confecção. Desde um "We. Will. Rock. You" assinado por simplesmente Freddie em 1977 até um "Are you another brick in the wall? (Você é mais um tijolo no muro?)" correspondendo as letras P.F, junto com 1979. O mural de recados improvisado não ostentava apenas os ícones do rock clássico, encontrei no canto mais perto de , uma piadinha dizendo "Back to Bob's Black" assinada pela própria Amy Winehouse em 2007.
Misturado com os garranchos famosos, algum descuidado traçava sua visita, deixando poucos espaços em branco, fazendo as pessoas percorrerem as bordas da mesa e posteriormente, a madeira de seus pés. Ri, divertido, ao encontrar o Dylan que amou a Lisa, depois riscou e acrescentou a Ashley que, também recebeu um risco simples, dando lugar a Hilary que, coitada, deve ter tido um término trágico ao ter seu nome riscado várias vezes. Dylan, ao que parecia, tinha decidido seguir sozinho depois das tentativas de unir seu nome ao de alguém na madeira.
— O Bar passou por reformas, essa mesa ficava lá na frente para que as pessoas pudessem marcar sua presença, mas estava deteriorando alguma das lembranças mais significativas e convencemos Bob a protegê-la com vidro e deixá-la em exposição. Só a família senta aqui — ela piscou, confiante — Nós somos a família.
— Você vai me contar a estória toda? — questionei, apoiando os braços em uma postura de interesse.
Antes que pudesse abrir a boca, um relâmpago vermelho atravessou minha visão, esmagando em um abraço apertado. Franzi o cenho, me perguntando quantas pessoas eu ainda iria conhecer até que pudesse ter um encontro tranquilo com . Ergui o olhar para os arredores, constatando o óbvio. Eu não teria tranquilidade no Bob's Bar.
A mulher, que aparentava estar no auge dos seus 40 e poucos anos, tagarelava na direção de , balançando freneticamente os cabelos vermelhos vivos, junto com os piercings em seu rosto. Acompanhei a camisa preta do Bar se fechar em torno das curvas das suas tatuagens, transformando o braço dela em uma tela de arte cheia de pin-ups e símbolos em P&B.
— Calma, Maggie — sorriu, acariciando a mão rechonchuda da mulher — Eu prometo nunca mais passar duas semanas sem te ver.
Notei o quanto parecia se iluminar naquele local, tudo parecia familiar a ela e isso, claramente deixava seu estado de espírito na mais original felicidade. Aproveitei para capturar o momento com os olhos, o jeito com que seu sorriso preenchia o rosto, o modo como seus ombros pareciam relaxados como eu nunca tinha visto antes. Deduzi que, apesar da ausência de tranquilidade, eu já amava aquilo.
— Deixa eu te apresentar meu parceiro de dança — ela tossiu em minha direção — , essa é Maggie, mulher do Bob.
Antes que meu sorriso galanteador pudesse fazer efeito, a mulher já estava me abraçando também. Imergindo a mesa em uma confusão de beijinhos, abraços e risadinhas, que por mais loucas que fossem, me faziam rir também. Encarei os olhos verdes, sentindo uma empatia imediata bem diferente da vibração que vinha do seu marido. Talvez, aquele fosse o modo do mundo balancear as energias dentro do bar.
— Mais que garanhão, ein, — ela sorriu, na medida em que o rubor tomava as bochechas da minha parceira — Ah, se eu tivesse meus bons vinte anos.
— Se você está magnífica agora, temo que meu coração não fosse páreo para seu encanto aos vinte — sussurrei, beijando a mão tatuada de Maggie.
, seu couro já tá no limite só por ter aparecido comigo e você ainda quer dar em cima do bem mais precioso de Bob? — levantou as sobrancelhas em desafio.
Balancei a cabeça, rindo da disparidade do semblante delas. Enquanto Maggie claramente aprovava meus modos, estava prestes a me chutar por debaixo da mesa.
— Não seja careta, mocinha! Eu e Bob temos que aprender a viver nessa era do amor livre — ela fez uma firula como se indicasse o século como um todo.
— Não estamos mais nos anos 70, Maggie — revirou os olhos, mesmo que uma sombra de sorriso tentasse aparecer por seu lábios — Mas, me fala, por que você está aqui ao invés do caixa? Onde está Layla?
— Ah, ... Você sabe como são os jovens — Maggie afagava o avental, antes de tirar de lá um bloquinho de notas para os nossos pedidos — Layla está no pé de algum cantor de Rock em ascensão.
Vendo meu olhar confuso, se adiantou em explicar a situação:
— Layla é filha de Maggie e Bob, normalmente está por aqui sendo garçonete. Ela roubou meu posto — sorriu, deixando subentendido seu lugar no bar.
— Você trabalhava aqui? — indaguei, surpreso. Se antes eu não imaginava nem que curtisse Rock, que dirá achei um dia que ela tinha trabalhado em um bar portuário como aquele.
— Não contou nada para ele, menina? — Maggie interrompeu, olhando com reprovação para — Ela era a alma desse bar, meu filho. Só deixamos que partisse pois sabíamos que seus sonhos eram dançar para o mundo e não para um bando de bêbados aqui.
— Não era nada disso! Vocês são o espírito disso tudo, eu só tava fazendo minha parte — argumentou, rindo da frenética negação da mulher mais velha.
— Você precisava ver o tanto de gente que sentiu falta dela quando foi para Moscou. Achei que metade dos nossos clientes iam nos abandonar — Maggie limpou a emoção do rosto com um lencinho — Mas, isso ela consegue te contar, hoje eu só estou preenchendo comandas.
Destinei um sorriso simpático ao rosto rosado de Maggie, assentindo enquanto procurava o que pedir no cardápio. adiantou que queria um hambúrguer a moda da casa, incluindo batatas mergulhadas no creme de cheddar. Imaginei se aquilo ia harmonizar com o sabor rancoroso da cerveja que ela bebia, mas dei de ombros, optando pelo Bob's Delicious, um sanduíche de costela suína ao molho barbecue.
Quando os cabelos gritantes de Maggie sumiram pelos fundos do bar, encarei a tempo de vê-la degustar sua bebida, sem deixar que meus olhos se desprendessem do dela, mesmo quando ela limpou ingenuamente o bigode de cerveja que tinha ficado em seus lábios. O filete de língua aparecendo me fazia lembrar o quanto estava ansioso para colar minha boca na sua. Ao invés disso, me apossei de sua mão, brincando com o polegar entre meus dedos.
— Então — tossi, rouco — O bar, Moscou, a família. Por onde você quer começar? — sorri, divertido.
— Você vai me interrogar, capitão? — ela sussurrou, com malícia na minha direção. Balancei a cabeça, risonho — Bem, não tem tanto assim o que dizer — ela deu de ombros — Durante a faculdade, adorava conhecer todos os pontos turísticos da cidade e em uma das suas mil saídas, topou com o Bar. Desde que viu essa mesa, soube que precisava me trazer aqui.
Assenti, interessado no que estava contando. Era divertido imaginar uma bailarina mais nova, mais solta, mais louca. De repente, minha cabeça girava em questionamento do quanto daquela ainda existia na mulher em minha frente. Eu rezava silenciosamente para que aquele espírito não tivesse se apagado.
— No dia em que viemos, Bob estava louco. Uma de suas garçonetes tinha sumido para acompanhar uma banda em turnê e eu, que precisava de um dinheiro extra, perguntei se poderia ajudar. Desde lá, Bob me protegeu como se eu fosse sua filha mais velha, indagando que me devia pelo dia em que impedi que os clientes o lixassem pelo mau atendimento — ela balançou a cabeça, como se não acreditasse nenhum pouco que os clientes fossem chegar aquele ponto — Meses depois, apareceu e então, além de me ver trabalhar, tinha um motivo renovado para nos visitar.
— E aí você foi para Moscou? — questionei, formando a linha do tempo mental sobre a vida de .
— Isso! Terminei a American Ballet Theatre e recebi o convite para integrar o Balé Bolshoi. Nem preciso dizer que pirei, certo? — soltou um riso animado — Foi difícil largar tudo aqui, mas era uma oportunidade única, entende? Era dançar nos olhos do mundo, ser vista por todo mundo.
fechou os olhos, como se ainda pudesse enxergar os holofotes brilhando na pele, os aplausos da multidão que enchia os teatros para vê-la dançar. Acompanhei seu rosto se transformar do contentamento a uma alegria genuína, certo de que as lembranças de Moscou eram fortes o suficiente para fazer passar por um burburinho no fundo do estômago.
— Eu me realizei, sabe? — acenei em concordância — Mas, depois de nove anos ali, o que antes era libertador, se tornou uma prisão de mesmice. Não sei explicar — ela me olhou como em confusão e eu apertei sua mão, compreendendo.
— As vezes até os sonhos sufocam, né? — piscou diante da minha fala.
— Sr. Cattaneo viajou até mim, disse que tinha recebido a proposta de um campeonato em duplas e eu simplesmente disse... sim.
— Você disse sim porque amava Dante? — questionei, num sussurro, sentindo medo da resposta.
Ergui o olhar para encontrar um riso de deboche plantado no rosto de . Os lábios erguidos dizendo que achavam minha pergunta uma verdadeira piada. Franzi o cenho, confuso sobre aquela reação, mesmo que estivesse certo que no dia da apresentação de Tessa e Scott, tivesse deixado escapar os sentimentos em relação ao ex parceiro.
, não é fumaça de maconha no ar. Da onde você tirou essa ideia? — ela riu, sem conseguir conter — Minha relação com Dante sempre foi muito, muito profissional, do tipo esquisita.
— Mas, naquele dia... você disse que queria destruir Desirée por causa do Dante — murmurei, indeciso.
balançou a cabeça em negação, retesando os ombros em uma postura ereta. Algo tinha deixado-a receosa. Inclinei a cabeça como se pudesse, de alguma forma, ler seus pensamentos e descobrir como apaziguar a tormenta em seu coração.
— Não é beeeem por causa dele, é mais por você.
— Por mim???? — fiquei surpreso.
— No dia da festa na casa da , encontrei Desirée e ela falou um monte de baboseira, mas a pior de todas foi quando disse que iria fazer com você o mesmo que fez com Dante.
Senti o coração apertar diante daquela informação. estava com medo de me perder, de perder a mim, isso mesmo, euzinho. Suspirei aliviado, antes de puxar sua cadeira até que ela colasse na minha, algo que fez arfar de surpresa.
— Eu sou seu, — prometi, olhando nos olhos esperançosos da minha dupla — Seu parceiro, seu amante, seu amigo. Não importa o que os outros estejam falando, eu quero você, nada mais vale a pena.
Rocei meus lábios nos seus, selando o destino pelo qual eu tinha optado a muito tempo. Mesmo que o começo não tenha sido mil maravilhas, me deu a oportunidade de dançar, estendeu a mão para o sonho que adormecia dentro de mim. Eu devia a ela cada sorriso que dei na sala de dança, cada sentimento que renascia no meu peito. Devia até mesmo as contas pagas na soleira de casa.
Fui impedido de beijá-la toda para provar minha devoção quando Maggie voltou com os pratos, dividindo a mesa de forma que tudo ficasse ao nosso alcance. Gargalhei vendo se melecar toda com a batata e salivei ao sentir o cheiro delicioso da minha comida. Talvez os beijos pudessem esperar um pouquinho mesmo.
Desembrulhei meu sanduíche, erguendo a sobrancelha ao ver que , em duas mordidas, já estava na metade do dela. Eu estava alimentando um monstro? Recebi seu revirar de olhos misturado com um sorriso sagaz. Quando mordi e o pedaço de carne derreteu no céu da minha boca, eu entendi o por quê de estar terminando o seu prato. Era impossível comer só um daquilo.
Nos dedicamos a apreciar o pequeno jantar na nossa frente, rompendo o silêncio cômodo com risadas quando eu roubava uma ou outra batata de . Algo que, aparentemente, era um crime fatal, afinal, toda vez que eu me aproveitava de sua distração e furtava o paraíso da fritura, seus olhos chamuscavam em minha direção. Roubar beijos era coisa fácil perto da proteção que destinava as batatas com cheddar.
Sorri inocente quando seus olhos me flagraram com a boca na butija, levantando as mãos em rendição. O que eu não esperava era que se vingasse dos meus delitos pegando o último e mais saboroso pedaço do meu hambúrguer. Ah não, aquilo não podia ficar assim. Visualizei de relance o andar de baixo, observando que a mesa de bilhar pedia uma atenção especial.
— Vamos apostar — desafiei , recebendo sua completa atenção com um sorriso interessado nos lábios — Uma partida de bilhar, o vencedor ganha outro sanduíche.
semicerrou os olhos, como alguém que avalia os pontos positivos e negativos daquela proposta, até que limpou as mãos no guardanapo e me chamou com a ponta do indicador. Alarguei o sorriso, achando que nunca ganhar um sanduíche pareceu tão interessante.
— O que você acha de uma melhor de três? — ponderou, descendo os cinco degraus baixos comigo ao seu encalço.
Avaliei o ambiente inferior, percebendo que o padrão de couro negro também permanecia ali, mesclando os tons escuros com o carpete vermelho que cobria o piso. Na frente da pequena escada, duas mesas de bilhar moldadas em madeira preta reluziam as bolas coloridas e, mais distantes, alguns pebolins aglomeravam jovens excitados com a partida. Eu não errei ao achar que aquilo era um paraíso.
— Precisa de três tentativas para me vencer? — sorri convencido, recebendo um muxoxo da direção de — Como você quiser, amor.
Caminhei até a mesa livre, passando pela parede onde os tacos estavam expostos para escolher um que me deixasse satisfeito. , por sua vez, parou ao meu lado como se não soubesse a mínima o que fazer ali. Ri divertido, aquilo seria tão fácil.
— Deixa eu te ajudar — apontei para os tacos, separando alguns para ela — Você precisa sentir o peso deles, o tamanho. Vê se algum desses é bom pra você.
acenou, passando os dedos até pegar um que a agradasse. Organizei as bolas coloridas dentro do triângulo e posicionei a branca na marca do centro designada para ela. Depois de preparar meu taco com o giz disponível, estourei a pirâmide fazendo com que as bolas corressem a mesa para lados opostos. ergueu a sobrancelha, surpresa com minha capacidade de iniciar o jogo bem. Apoiei a mão na mesa, ouvindo o tilintar de duas bolas caindo.
— Você fica com as pares — pisquei.
Acompanhei os passos seguros de , traduzidos em uma balançar sensual do seu quadril marcado na calça. Puxei o ar com força, amaldiçoando a capacidade daquela mulher me fazer desejá-la mesmo quando não tinha a intenção disso. A distração de seu andar, me fez esquecer até mesmo o motivo pelo qual estávamos ali e, quando me dei conta, me olhava ruborizada, desviando o olhar tímido para a bola branca que tinha passado longe de acertar o seu objetivo.
Diminui o espaço entre nós para beijar seu ombro em consolo, escondendo o riso que teimava em brotar no meu peito. Sério que não sabia jogar bilhar? Quem, sendo americano, conseguia esse feito?
Mantive constância nas minhas tacadas, cuidando para não terminar o jogo rápido demais, afinal, parecia desprovida de toda e qualquer coordenação motora para fazer uma apresentação eficiente no jogo. Analisei a mesa, apoiando o queixo no taco enquanto , enfim, conseguia encaçapar sua primeira bola.
Balancei a cabeça, ciente de todos os erros que ela estava cometendo. O cotovelo alto demais, a mão leve que deixava o taco escapar antes de tocar na bola, os ângulos errados. Olhei para as esferas 5 e 13, sabendo que dali, eu conseguiria derrubá-las sem muito esforço, decidindo assim, ajudar a tornar nossa rodada de três jogos mais competitiva.
— Vem cá — pedi, antes que ela realizasse outra tacada, que pelo visto também seria um fiasco.
— O quê? Por que? — me olhou confusa.
— Eu vou ajudar você, baby.
Parei ao seu lado, apoiando meu taco na mesa para que pudesse auxiliá-la. assentiu, sorrindo tímida e eu deslizei os dedos pelos músculos tensos da sua coluna. Sentindo o prazer de tocá-la me invadir como um reconhecimento. Sorri, aproximando meus lábios da sua orelha, com o único intuito de sussurrar-lhe instruções... ou quase isso.
— Apoie o taco entre os dedos — mostrei — Agora, abaixe o corpo para ter uma visão certa do ângulo que precisa bater na bola branca.
Coloquei-me entre suas pernas, abraçando seus braços e me inclinando junto com ela. Minha respiração fazia os cabelos soltos de balançarem e seu perfume doce impregnava ao meu redor. Fechei os olhos, aproveitando a sensação do seu corpo macio embaixo do meu, perto o suficiente para xingar o cômodo lotado a nossa volta.
— Assim? — quase ronronou ao perguntar.
— Isso — devolvi, me forçando a controlar o desejo de beijá-la bem ali — Agora é só... bater.
Dito isso, movimentei minha mão na sua, levando conosco o taco e fazendo a bola branca atingir em cheio a outra de número 6. O click da bola caindo fez dar pulinhos de alegria, me abraçando pelo pescoço com animação. Gargalhei daquela postura, certo de que deveria jogar bilhar com mais vezes.
Daí para o final, me surpreendeu evoluindo. Ao que parecia, ela era algo perto de autodidata e conseguiu ficar com apenas cinco bolas na mesa antes que eu mandasse as minhas últimas duas para a caçapa. Seu semblante era risonho, mesmo que eu tivesse saído na frente na nossa melhor de três.
Voltei a arrumar a mesa, apontando com o queixo para que começasse o segundo jogo. Depois de um olhar incerto e meus incentivos verbais, franzi o cenho ao vê-la derrubar três bolas durante sua primeira jogada. Quando encarei seus olhos em uma incógnita, ela deu de ombros.
— Sorte de principiante — justificou.
Caminhei pela mesa, debatendo uma estratégia comigo mesmo. Dessa vez, eu estava com as pares e o jogo não parecia promissor para o nosso lado. Consegui deixar o número 10 mais próximo do meu objetivo e me dei por satisfeito até ver tilintar a boca da caçapa mais duas vezes. Não, aquilo não era possível. estava zoando com a minha cara.
— Você mentiu — acusei, sem piedade, bufando ao vê-la sorrir maliciosa.
— Claro que não! Só te dei oportunidade de fazer o que todos os homens fazem — ela riu do meu semblante confuso — Ora, vocês adoram deduzir que não sabemos jogar os jogos de vocês.
Ouvi mais uma bola deixar a mesa. Do jeito que estava, ia me derrotar antes mesmo que eu pudesse ver minha vez chegar. Era óbvio que ela saberia jogar, como pude achar que não? tinha passado anos no bar. Eu era mesmo um idiota. Resmunguei comigo mesmo, tendo que aturar as risadas debochadas do ser irritante ao meu lado. Irritante ao ponto de nem ter a consideração que tive com ela e acabar o jogo em um total de cinco minutos, me deixando com as peças solitárias em cima da mesa.
— Muito esperta — deixei claro meu mau humor — Mas, vamos jogar justos agora! É a decisão.
— Tente não chorar, tudo bem? — pediu, com falsa preocupação — Me partiria o coração ver um rostinho tão bonito cheio de lágrimas.
Ignorei sua provocação, ainda odiando o fato de ter sido otário o suficiente para deixá-la me manipular no primeiro jogo. Bati a forma do triângulo na mesa, fazendo erguer a sobrancelha em desafio. Ah, se ela queria guerra, ela teria guerra. Nem que eu tivesse que culpar a necessidade de um hambúrguer para satisfazer meu ego ferido.
Iniciei o jogo, misturando ímpares e pares de forma que ambas fornecessem chances iguais de vitória. Ali, era o tudo ou nada. Observei o cenho de mostrar compenetração, na medida em que ela decidia quais seriam seus próximos passos. A bola de número 7 foi a escolhida e abriu margem para que eu pudesse começar a trabalhar com suas opostas.
De caçapa em caçapa, a mesa de bilhar parecia vibrar em competitividade. Uma gota de suor percorria minha testa, grudando os cabelos no rosto. comprimia os lábios, deixando escapar a insatisfação de quando eu emparelhava suas jogadas. A-há, parece que as coisas não eram tão fáceis para a nossa sabichona.
Durante meia hora, me peguei valorizando o bilhar como nunca antes. Calculando ângulos do jeito que meu diploma de Engenharia se orgulharia em ver. Até que, por um descuido, bateu em um número que era meu, eliminando-o automaticamente. Senti a boca se abrir em um sorriso mordaz, apreciando o alívio que começava a domar meu coração. Bastava, agora, eu derrubar a 14 e, assim, abriria vantagem de 1 para 2 contra . Mirei a bola branca e o suspiro da caçapa foi audível por todo o salão, me fazendo dar de ombros, convencido, na direção da minha parceira.
Naquele momento, passava as mãos pelo mogno escuro, fuzilando a existência da sua esfera a mais. Apesar de ter direito a outra tacada, caso acertasse a primeira, uma de suas ímpares estava atrás da minha par, o que faria com que precisasse acertá-la antes de chegar na sua. Era o fim e ela sabia disso.
Apoiei o quadril na mesa, curioso para saber a tirada mirabolante que tentaria fazer, afinal, era longe do seu feitio desistir sem tentar algo extremo. Quando ela mirou no número afastado do meu, eu quase sorri diante do óbvio. tinha escolhido o caminho das flores. Observei a bola branca atingir o seu alvo e voltar, ficando na direção das últimas duas restantes. Até aí, tudo bem, ela ainda precisava se livrar do obstáculo.
Senti um frio na barriga assim que se posicionou diante da mira, escutando uma vozinha do além sinalizar que eu já tinha perdido. Uma vozinha irritante, muito parecida com um sussurro da minha parceira. Semicerrei os olhos, xingando na medida em que batia embaixo da bola branca, fazendo com que ela voasse e por conseguinte, pulasse a minha.
Ah não, murmurei, ao escutar o riso divertido de sobrepondo o sinal de que sua última bola já não estava mais na mesa. Não, não, não. Não era possível, aquela mesa de bilhar era viciada, torta, pendente. Fechei a cara, revirando os olhos para o sorriso vitorioso que ostentava ao se aproximar de mim.
— Se eu der um beijinho, você desfaz a carranca? — ela questionou, envolvendo meu pescoço com seus braços, dando beijos no bico teimoso que eu fazia.
— Não — menti, já sorrindo.
Apoiei o taco de bilhar ao lado do de , aposentando as fortes emoções do jogo. Passei as mãos livres pela cintura dela, puxando-a de encontro ao meu corpo e capturando seus lábios nos meus. Tive vontade de sorrir ao encontrar um resquício da cerveja horrível em sua boca, mesmo que o sabor tivesse atenuado pelo gosto doce de .
— Vem, você não merece, mas vou te mostrar o melhor lugar do bar — murmurou ao partir o beijo.
Segurei sua mão, sendo guiado para longe da gritaria e do tumulto, adentrando o bar até chegar em frente a uma porta de ferro maciço. me puxou pelo corredor pouco iluminado, girando a maçaneta e liberando uma lufada de ar. A sensação de mar me invadiu em segundos, trazendo a brisa refrescante de encontro ao meu rosto. Os fundos do bar davam para um pequeno píer próprio, da onde era possível enxergar com exatidão a Estátua da Liberdade e os ferryboats que realizavam o percurso até ela.
Abracei pelos ombros, colando sua costa em meu peito para que aproveitássemos juntos a vista do céu estrelado. Dali, parecia que estávamos distantes da confusão nova-iorquina e a poluição dava espaço para algumas constelações brilharem. Meu coração experimentava uma placidez desconhecida, como se não quisesse nada mais do que aquilo ao meu alcance. , uma noite bonita e os acordes musicais ao fundo.
— Sabe o que eu acho? — disse, colando o rosto nas bochechas de — Precisamos de outros encontros...
Senti os ombros de balançarem em uma risada. Pronto, agora não podia nem reivindicar mais de um encontro. Mordi sua orelha, em punição, vendo-a se afastar arrepiada, mas ainda rindo.
— Pra quem não queria um, tá bem demais!
Ignorei sua fala, virando seu rosto de frente para o meu e interrompendo seus risos com um beijo. Ah, talvez eu não devesse ter trocado aqueles lábios pela comida. Sorri, sem conseguir conter, rindo junto com naquele mundo que parecia só nosso. Aprofundei minha língua na sua, ouvindo o balançar tempestuoso do rio ao longe, enquanto eu sentia uma própria onda de emoções atingir meu peito. Quando seria diferente com ?
— Eu topo — respondeu, entrecortada — Cinco encontros.
— Cinco??? — ri, sem entender aquele número aleatório.
— É, ! Como nos filmes, ora. Cinco encontros antes da mocinha ir pra cama do rapaz.
Ergui as sobrancelhas, em desafio.
— Cinco encontros de celibato? — brinquei, achando a proposta louca, mas divertida.
— Cinco encontros de conhecimento, você quer dizer — ela colocou as mãos na cintura, em uma pose.
— Que sejam cinco encontros de amor, então.
Beijei sua boca antes que ela pudesse me contrariar, rindo dos soquinhos que ela disseminava pelo meu ombro, até desistir e percorrer meus cabelos, em um puxão pra si. Ah, aquela era a minha garota.



Próximos Capítulos




Nota da autora:
Continue dançando essa música comigo.
contador free








Outras Fanfics:
Kiss of Sun (KOS)



comments powered by Disqus