Última atualização: 09/03/2025

Capítulo 1


“No ventre imortal, um novo poder nascerá,
Com chamas ardentes a lhe devorar.
Seu poder é verão, sua fúria é tormento,
Sua ira pode ser a queda ou o renascimento desse tempo”
A profecia de null
.

O calor do sol parecia mais intenso ao redor de null, como se o próprio verão estivesse se manifestando em sua presença. A brisa quente da tarde acariciava sua pele, e ela sentia a energia do oceano pulsando sob seus pés, guiando-a enquanto ela se preparava para enfrentar mais uma onda colossal.
Os mortais ao seu redor também eram grandes surfistas, mas null sabia que nada poderia rivalizar com sua conexão com o calor do verão e a força das águas temperadas. Com um sorriso confiante, ela se lançou para o centro da onda que se formava à sua frente, seus movimentos como uma extensão da sua própria natureza. Cada giro e manobra parecia ser uma expressão da vitalidade que ela personificava, refletindo a beleza e o poder do sol.
Um golpe perfeito de sua prancha a fez elevar-se ao ponto mais alto de uma onda imensa, onde ela ficou suspensa por um segundo, como se fosse uma ave tocando os céus. Ao descer com destreza, sua prancha cortou a água com precisão, criando uma explosão de espuma que se espalhou em todas as direções.
Os espectadores prontos para aplaudir, ficaram em silêncio por um instante, maravilhados com a maestria de null. Ela dominava o mar com tal intensidade que parecia até que o oceano e o céu estavam se rendendo à sua vontade, dançando ao ritmo do poder que pulsava sob sua pele. Mas o momento de êxtase foi interrompido quando um dos outros competidores fez um movimento ousado que quase conseguiu ultrapassá-la.
null, no entanto, não perdeu a compostura. Um brilho em seus olhos indicava que, embora o desafio fosse grande, ela estava pronta para provar mais uma vez porque o verão era seu domínio, por mais que ninguém além dela soubesse disso. Ela sabia que a competição estava chegando ao clímax. Afinal, todos estavam ali disputando uma vaga para a próxima edição dos Jogos Olímpicos.
null flutuava na água, sem pressa, o olhar fixo no horizonte onde o azul do céu se fundia com o vasto oceano. Seus sentidos estavam afiados, absorvendo cada movimento do mar. As ondas começavam a se formar ao longe, uma dança natural que se intensificava à medida que o vento soprava suavemente, trazendo consigo o cheiro salgado da água. A deusa do verão, agora sozinha, parecia imersa em um transe sereno, como se o tempo parasse ao seu redor.
Uma última onda, uma onda perfeita, estava por vir, e ela precisava estar pronta para capturá-la com a mesma energia que pulsava em seu ser, como o calor vibrante do sol ao meio-dia. A sensação de equilíbrio entre ela e o mar estava em seu auge, como se o próprio oceano estivesse aguardando por ela, alinhando as condições para sua vitória.
Enquanto aguardava a próxima bateria, null olhou para o céu, onde o sol brilhava com ainda mais intensidade, refletindo sua própria natureza. O calor que irradiava de sua pele era como uma extensão do astro-rei, uma força incansável. Ela inspirou profundamente, sentindo o poder da estação em cada respiração. A deusa e o verão eram um só.
null estava concentrada, sua prancha perfeitamente posicionada sobre as águas, os músculos tensos, aguardando o momento de se lançar para a onda que definiria sua vitória. O mar, silencioso por um breve segundo, parecia acompanhar sua respiração, esperando para reagir ao seu comando. Mas então, uma sensação desconcertante a atingiu, algo que ela não esperava: uma presença ao seu lado.
A deusa avistou um reflexo colorido em sua visão periférica no mesmo momento em que uma brisa quente inundou seu olfato com um aroma com notas cintilantes e frescas, como o orvalho matinal refletindo a luz do sol. null, instintivamente, virou o rosto para a direita, onde, com uma leveza que desafiava a gravidade, Íris pousava ao seu lado, seu semblante geralmente atencioso agora marcado por uma expressão rara: culpa.
— Agora não é o momento, mãe — disse null, seus olhos fixos na vastidão infinita do oceano, o cenho franzido de concentração. Ela sentia o calor do sol na pele e o ritmo das ondas como uma extensão de si mesma.
— Eu não estaria aqui se isso pudesse esperar — respondeu Íris, com um suspiro derrotado.
A deusa do verão não moveu um músculo.
— Podemos conversar assim que eu sair da água.
— É sobre o Olimpo, null — disse Íris, sua voz um pouco mais ríspida do que de costume, com uma urgência que a deusa do verão nunca tinha ouvido antes.
— Então eu não estou interessada — ela se virou lentamente para ela, o tom aborrecido.
A deusa do arco-íris hesitou, antes de falar em um tom sombrio que raramente usava.
— Zeus está te convocando para o Conselho dos deuses — disse ela.
null soltou uma risada sem humor, o som misturado ao sussurro do mar.
— Não, obrigada.
— Você sabe que não é opcional, null — disse Íris, seus olhos brilhando com a impaciência de quem não tolerava ser ignorada.
— Então diga para ele vir me buscar ele mesmo — null a encarou com firmeza, a irritação começando a tomar conta. — Agora, se você me dá licença, eu tenho uma prova pra vencer.
Íris fez uma careta, exasperada, antes de revirar os olhos e desaparecer em meio a um reflexo de arco-íris. O cheiro de orvalho se dissipou rapidamente com a brisa litorânea, deixando null sozinha novamente, com a mente voltada para a imensidão azul.
Respirando fundo, a deusa voltou sua atenção para as ondas. O som das águas quebrando à sua volta se misturava ao calor do sol, enquanto o seu corpo sentia a conexão com o oceano de uma forma quase hipnótica. Ela podia sentir a onda perfeita se formando à distância, uma gigante que se erguia com toda a força e majestade que só o mar aberto podia oferecer.
Com um sorriso confiante, ela se posicionou na prancha, pronta para surfar a onda com a precisão de uma deusa. Ela deslizou, o vento acariciando seu rosto, e a água se curvando ao seu comando. Cada movimento seu era um reflexo do verão: radiante, forte e imbatível.
Porém, no meio da bateria, algo inesperado aconteceu. A onda, antes perfeita, começou a mudar. A crista, como se tivesse vida própria, se contorceu de maneira errática, perdendo a forma e quebrando com uma força descontrolada. null tentou ajustar seu equilíbrio, mas o mar não era conhecido por ser gentil.
Com um estalo brutal, a onda a engoliu, nocauteando-a de forma inesperada. A prancha foi arrancada de seus pés e ela se viu submersa no caos das águas revoltas, o som do exterior abafado pelo rugido em seus ouvidos. O impacto foi forte, e null sentiu o choque atravessar seu corpo, sua visão girando antes de ser engolida completamente pela espuma.
Depois disso, tudo ficou preto.
No momento seguinte, null foi tomada por uma tosse brutal. A deusa do verão sentiu o corpo se contorcer enquanto tentava desesperadamente expelir a água que inundava seus pulmões. Mesmo com sua imortalidade, ela já tinha provado da sensação de afogamento mais vezes do que gostaria. A pressão nas costelas era quase insuportável, e o sabor salgado da água parecia impregnar sua garganta, fazendo-a lutar por cada respiração.
Quando finalmente conseguiu tomar um fôlego, null piscou, tentando clarear a visão turva. Os primeiros segundos foram preenchidos pela ofuscante luz do sol, e ela precisou de um momento para se ajustar. Então, uma sombra pairou sobre ela.
Uma mulher loira. Olhos azuis cortantes. Um sorriso de puro escárnio.
O ar ao redor de null pareceu vibrar, carregado de eletricidade. Seu sangue ferveu em resposta.
— Bem-vinda de volta, bastarda — disse a mulher, sua voz carregada de sarcasmo.
null não demorou para reconhecê-la. Seu sangue cantava em resposta, quente e furioso.
— Leucoteia — null disse entredentes, em um tom que prometia violência.
A mulher, Leucoteia, manteve a expressão de escárnio enquanto null tentava se recompor. Alguém a ajudou a se sentar, e um salva-vidas rapidamente se aproximou, examinando-a com atenção.
— Ela está bem, pessoal! — anunciou o homem, sua voz aliviada, mas sem grande entusiasmo.
null nem ao menos deu atenção a ele. Estava ocupada demais fuzilando a deusa do mar com os olhos, sentindo o seu poder dormente pulsar sob sua pele. Estava prestes a se levantar quando, repentinamente, alguém se jogou ao seu lado, invadindo seu espaço pessoal sem a menor cerimônia.
— Pelos deuses, null, você se machucou? — A voz soou próxima, urgente, mas a mente da deusa ainda estava enevoada demais para reconhecê-la de imediato.
Dedos delicados tocaram seu queixo, virando seu rosto em direção a um par de olhos preocupados. Ela suspirou. Helena.
— Não foi nada... — a voz de null não passou de um sussuro cansado. — Nem adianta tentar, null — rebateu Helena, franzindo o cenho em uma expressão nada amigável. — Você ficou submersa por quase dez minutos.
null revirou os olhos, fazendo uma careta ao sentir o gosto salgado do mar ainda impregnado em sua garganta.
— Estou em terra firme agora, não estou?
— Você é impossível! — exclamou Helena, exasperada.
Sem mais delongas, a mortal se colocou de pé com um pulo ágil, sacudindo a areia das mãos antes de estender uma delas para null. A deusa aceitou sem hesitar, sendo puxada para cima com um movimento fluido e familiar.
— Você precisa parar de me assustar desse jeito — resmungou Helena, ainda sem largar seu pulso. — Um dia desses, você pode acabar não voltando.
— E deixar você tomando conta do clube? — retrucou null com um sorriso provocador, erguendo uma sobrancelha. — De jeito nenhum.
Helena bufou e empurrou a amiga de leve.
— Idiota!
null soltou um riso curto antes de se virar para a praia. O público começava a se dispersar, indicando que o evento já havia terminado. Seu coração deu um salto.
— Em que posição eu fiquei? — perguntou ela, girando nos calcanhares para encarar Helena.
A expressão da mortal mudou instantaneamente. Seus ombros caíram, e null soube antes mesmo de ouvir a resposta.
Droga.
— Terceiro lugar — murmurou Helena.
— Terceiro lugar?! — null repetiu alto demais, atraindo olhares curiosos ao redor.
— Shhh! — Helena a puxou pelo braço, conduzindo-a em direção ao calçadão. — Quer fazer uma cena?
— Como assim eu perdi duas posições?! — protestou null, ignorando a discreção.
Helena suspirou, já esperando a reação.
— Você caiu em menos de trinta segundos.
— A onda era enorme! Não é possível que isso não valha alguma coisa!
— Não se você não consegue surfar ela — rebateu Helena, com uma careta exasperada.
O tapa veio rápido.
— Aí!
null sentiu uma frustração crescente. Não só a onda a havia derrotado, mas a interrupção precoce significava que qualquer outra oportunidade de se provar estava arruinada. Ela foi classificada como reserva para os Jogos Olímpicos — uma posição que ela nunca imaginou que ocuparia.
Parecia uma piada de mal gosto.
O peso da derrota apertava sua garganta, mas ela manteve o rosto impassível enquanto caminhava pela orla com a amiga ao seu encalço. O calor do sol sobre sua pele parecia apenas alimentar a sua raiva interior.
Ao seu lado, Helena a seguia com uma expressão de quem sabia que não poderia fazer nada para mudar o curso dos acontecimentos. Ainda assim, a mortal tagarelava, numa tentativa frustrada de distrair null do próprio fracasso. Mas, em vez de ajudar, as palavras apenas inflamavam ainda mais seu humor.
Até que Helena parou de repente.
— Helena? — null franziu o cenho, diminuindo o passo até parar um pouco à frente.
— Aquelas loiras oxigenadas estão seguindo a gente — murmurou a mortal, inclinando a cabeça discretamente para a direita.
null acompanhou o gesto e logo avistou Íris e Leucoteia a poucos metros de distância, fingindo uma conversa casual. Seus olhares logo se cruzaram, e Íris, sem hesitar, ergueu as sobrancelhas, acenando para que a filha se juntasse a elas.
Um suspiro impaciente escapou dos lábios da deusa do verão.
— Eu vou falar com elas — anunciou null, já se preparando mentalmente.
— Você conhece elas? — perguntou Helena, desconfiada.
Infelizmente — resmungou null. — Pode ir para casa. Amanhã vai ser um longo dia.
Helena hesitou por um instante.
— Tudo bem… Só não fica remoendo isso, tá?
null forçou um sorriso.
— Vou tentar.
A mortal lançou-lhe um olhar cético antes de se afastar.
null, por sua vez, respirou fundo algumas vezes, tentando reunir toda a paciência possível antes de se dirigir às duas deusas que a esperavam.
Leucoteia permaneceu à distância, seu sorriso satisfeito estampando o seu rosto. la não precisava dizer nada — sua simples presença já era um espinho na pele de null. O ar ao redor parecia mais quente, carregado da irritação crescente da deusa do verão.
— Não foi tão mal, você ainda pode ser convocada para os Jogos... — Íris deu um passo à frente, tentando se aproximar da filha.
null a ignorou, seu olhar distante, mas a raiva evidente em seu corpo era inconfundível. Ela não se importava com o que a mãe dizia.
Reserva. Aquela palavra ecoava na sua mente. Ela, a deusa do verão, tinha ficado em terceiro lugar, aquilo era inaceitável. E, para piorar, Leucoteia estava ali, assistindo a tudo com aquele maldito sorriso.
— Eu com certeza seria convocada, se Leucoteia não tivesse me derrubado — resmungou null, os olhos lançando um olhar de canto para a outra, que caminhava à sua frente com um sorriso provocador.
— Eu não precisaria te derrubar se você tivesse ido com Íris — retrucou Leucoteia, sua voz repleta de deboche, como sempre. Ela parecia se divertir com a situação, e isso só aumentava a frustração de null.
— Eu ficaria como reserva do mesmo jeito — null bufou, a raiva subindo em sua garganta como uma maré prestes a transbordar.
Leucoteia se virou ligeiramente, seus olhos brilhando com um deleite cruel.
— Talvez esse seja o seu destino, irmã.
null quase parou de andar. Ela sentiu o calor da raiva subindo como uma onda prestes a quebrar. Mas a deusa se recusou a ceder.
— Se esse é o meu destino, não vejo por que de eu ser convocada para uma reunião do Conselho — respondeu ela, a voz fria e desafiadora. — Todos sabem que eu fui exilada por causa daquela profecia idiota. Qual a dificuldade de me deixarem em paz?
O silêncio pairou entre elas enquanto caminhavam, os passos ecoando pelo caminho de pedras até o templo de Poseidon. Íris, que até então estava quieta, parecia pesar as palavras antes de falar, como se estivesse tentando encontrar uma explicação que fizesse sentido.
— Tempos extremos exigem medidas extremas — disse ela, sua voz calma, mas com uma seriedade que não passava despercebida.
null quis retrucar, mas se conteve. O templo estava à vista agora — o imponente monumento de Poseidon, com colunas que pareciam tocar os céus. Um local de grande poder e reverência, mas, naquele momento, tudo o que ela queria era encerrar aquela conversa e entender por que, diabos, estava sendo chamada para algo que, em sua opinião, não lhe dizia respeito.
Ao chegarem à entrada do templo, Íris, sem mais palavras, ergueu a mão e abriu as portas com um gesto suave. No entanto, em vez do interior sagrado e escuro que null esperava, diante deles se revelou uma paisagem impossível: um oceano de nuvens douradas, vastas e macias, estendendo-se até onde a vista alcançava. O ar era leve, a temperatura amena, e a cena surreal fazia parecer que flutuavam entre os deuses.
null franziu o cenho, seu desgosto evidente.
— Eu não estava com saudades disso — resmungou ela, a voz impregnada de desdém.
— Isso não importa agora — Leucoteia respondeu, indiferente, dando de ombros antes de seguir à frente.
Íris, ao contrário, lançou um olhar compreensivo para null, mas permaneceu em silêncio. Sua presença ao lado da filha parecia uma tentativa silenciosa de oferecer algum tipo de conforto — não que null quisesse ou precisasse disso.
Juntas, atravessaram a paisagem celestial, o som de seus passos sendo a única trilha sonora da caminhada.
Quando finalmente chegaram ao destino, o Conselho já estava reunido. Íris parou diante da escadaria de mármore reluzente e lançou-lhe um último olhar encorajador, acompanhando o gesto com um pequeno aceno e um sorriso acolhedor.
Leucoteia, por outro lado, manteve-se indiferente.
Nenhuma das duas poderia acompanhá-la dali em diante.
null não sabia dizer se isso era uma bênção ou uma maldição.
Ela inspirou fundo, reunindo o pouco de paciência que lhe restava, e subiu os degraus, atravessando as imponentes portas brancas.
O som das pesadas dobradiças reverberou pelo salão, arrancando os deuses de suas conversas. Murmúrios se espalharam como um incêndio contido, e uma dúzia de olhares avaliativos voltou-se para ela.
Apesar de sua reputação, poucos ali a conheciam pessoalmente.
Para muitos, null era apenas uma lenda distante.
Mas agora, ali estava ela.
E todos pareciam querer ver o que aconteceria a seguir.
null! — a voz profunda de Zeus cortou o burburinho, cheio de uma formalidade que quase soava sarcástica. — Que honra nos dar o prazer da sua presença
— Não posso dizer o mesmo — respondeu null com um sorriso sem humor, os olhos desafiadores.
Poseidon, sentado próximo ao trono de Zeus, estreitou os olhos em advertência.
null...
Ela ignorou o tom severo e cruzou os braços.
— Você não podia dizer a eles que eu estava no meio de algo importante? — protestou null, o aborrecimento visível em sua voz. — Que belo pai você é.
Um murmúrio correu pelo salão. Hera, que observava tudo com sua postura impecável de autoridade, viu ali uma oportunidade e interveio com um olhar calculado.
— Nada é mais importante do que uma convocação de Zeus.
null arqueou uma sobrancelha, sem nem hesitar antes de devolver o golpe.
— Nem o seu casamento, nós sabemos — ela revirou os olhos, sua voz carregada de sarcasmo.
O silêncio que se seguiu foi como um trovão contido. Alguns deuses arregalaram os olhos, enquanto outros desviaram o olhar, incertos entre o choque e o constrangimento. O burburinho voltou, dessa vez tingido com tons de irritação e desconfiança.
null permaneceu impassível. Se esperavam que ela jogasse conforme as regras deles, estavam prestes a se decepcionar.
Ao fundo, Afrodite não conseguiu se conter e murmurou para Apolo, com um sorriso irônico.
— Acabo de me lembrar por que ela foi banida.
— Antes fosse por isso — o deus sussurrou em resposta, com um sorriso divertido.
A resposta de null foi imediata, como uma lâmina que cortou o ar.
— Eu consigo ouvir vocês!
O salão mergulhou em um silêncio tenso. Pela primeira vez desde que entrara, null sentiu todos os olhares verdadeiramente voltados para ela. Não como uma curiosidade passageira, mas como algo que exigia atenção. Eles podiam ser deuses antigos e poderosos, mas ela não se curvaria a eles.
Ela observava todos com o olhar afiado de quem sabia que, embora estivesse em desvantagem, não permitiria que a submetessem. Ela estava no centro daquela reunião, não como convidada, mas como uma força que todos precisariam reconhecer.
null, querida, será que você poderia colaborar? — Poseidon interveio, sua voz carregada de uma calma que só aumentava a irritação da deusa. Como se falasse com uma fera que poderia atacar a qualquer momento.
— Eu estou colaborando — rebateu null, seu tom carregado de fúria contida. — Estou há mais de cem anos vivendo como mortal, por causa daquele maldito Oráculo, até vocês decidirem me perturbar de novo. Por que não me matam de uma vez?
Houve uma pausa. Os deuses trocaram olhares ponderados, como se a sugestão de null fosse realmente algo a ser considerado.
— Infelizmente, não podemos jogá-la no Tártaro — disse Zeus com uma leveza que tornava suas palavras ainda mais cruéis. — Desde o momento em que você nasceu, sua existência se tornou necessária para o equilíbrio do nosso mundo.
null estreitou os olhos, cada fibra de seu corpo irradiando desconfiança.
— Não me faça de idiota, senhor todo-poderoso — disparou ela, os olhos ardendo de fúria. — Eu sei muito bem o motivo. Vocês não podem me matar sem matar o seu príncipezinho do Submundo.
— Você está certa, vocês não podem existir um sem o outro — a voz de Hades soou pela primeira vez, grave e cheia de um peso que fez até os mais altivos dos deuses se encolherem levemente. — Mas não é esse o motivo por trás da sua convocação.
null cruzou os braços, impaciente.
— Vamos logo, eu não tenho o dia todo. Eu tenho coisas de mortais para fazer.
Zeus nem piscou ao anunciar:
— Helios está desaparecido.
A deusa deu de ombros.
— Bom para ele.
O ar pareceu se enrijecer. Hermes, parado ao seu lado, soltou uma risada baixa e murmurou:
— Resposta errada.
Zeus ignorou a provocação e continuou, imperturbável:
— Estamos revogando o seu exílio — anunciou ele. — Precisamos que você assuma as responsabilidades de Helios até o encontrarmos.
null riu, uma risada seca e repleta de sarcasmo.
— Apolo pode fazer isso.
Do outro lado da sala, Ares soltou um riso abafado.
— Eu sabia que ela ia dizer não.
Zeus nem hesitou antes de cortar qualquer tentativa de recusa.
— Isso não é um pedido.
O silêncio se espalhou como fogo sobre o Conselho. null ergueu o queixo, a raiva faiscando em seu olhar.
— Agora vocês querem que eu seja uma deusa? Sério?
— Sua natureza é muito mais semelhante à de Helios do que a de Apolo jamais foi — disse Atena, seus olhos afiados fixos em null. — Você é a melhor opção para o papel.
— Sem contar que você não tem as outras responsabilidades que Apolo carrega — acrescentou Ártemis, sua voz calma e distante, como se falasse com um animal selvagem.
null revirou os olhos, descrente.
— Bom, azar de vocês, porque eu não estou disponível. Encontrem outra pessoa.
— Não outra pessoa, null — Poseidon interveio, sua voz carregada de um peso que fez algo se revirar dentro dela.
Aquelas palavras foram como uma lâmina cortando sua pele. Seus olhos encontraram os do pai, e por um instante, a traição faiscou em seu olhar, como sempre acontecia quando eles se encontravam. Mas foi apenas um instante. A frustração queimou tudo o que veio depois.
— Eu não posso fazer isso — rebateu ela, sua raiva crescendo a cada segundo. — Vocês me negaram minha natureza desde sempre! O máximo que consigo fazer é disfarçar minha aura divina para viver entre os mortais. Você, mais do que ninguém, deveria saber disso, pai.
Um silêncio denso caiu sobre a sala.
Poseidon permaneceu imóvel, mas foi Hera quem rompeu a tensão, sua voz cortante como uma lâmina recém-afiada:
— O que você quer dizer com isso?
null arqueou uma sobrancelha e soltou um riso ácido, repleto de desprezo.
— Ah, você não sabia? — ela balançou a cabeça, zombeteira. — Aparentemente eu sou poderosa demais para poder brincar de deusa, então eu fui proibida de sequer tentar usar os meus poderes, já que eu estou destinada a destruir todos vocês.
O silêncio caiu sobre o Conselho como uma tempestade sufocante.
Hera virou-se lentamente para Zeus, o choque estampado em seu rosto pálido.
Ele não desviou o olhar.
Mas também não negou.
— Isso é verdade? — Hera sussurrou, sua voz carregada de incredulidade e algo mais difícil de definir... Talvez preocupação?
Zeus permaneceu imóvel. Seu olhar, tempestuoso como sempre, não demonstrava hesitação.
O silêncio foi quebrado pelo próprio rei dos deuses, que se recostou em seu trono, a expressão impassível, mas com um brilho perigoso nos olhos.
— As Moiras ameaçaram libertar um mal terrível sobre o nosso tempo se interrompêssemos o destino deles.
O peso daquelas palavras se espalhou pela sala como um trovão abafado.
— Quem decidiu sobre isso? — Apolo quebrou o silêncio, seu tom afiado.
— Quem você acha? — null riu, sem humor. — Os três patetas, é claro.
Apolo crispou os lábios, mas foi Atena quem interveio, seu olhar afiado percorrendo os três grandes.
— E vocês acham que isso é cumprir o desejo das Moiras?
— Esse mundo estaria melhor sem esses dois — Deméter murmurou, sem se preocupar em esconder o desprezo.
— Vocês só podem estar de brincadeira — Hera murmurou, com um olhar de incredulidade.
— Não me parece muito justo — Apolo sibilou com desdém.
Aparentemente, ninguém além dos três grandes sabia de fato as circunstâncias por trás do exílio da deusa do verão. A revelação os desestabilizava, mas para null, tudo aquilo não passava de pura hipocrisia.
— Não é à toa que ele não consegue controlar os poderes dele, se ela também não consegue controlar os dela — Atena disse, seu tom mais mordaz do que nunca.
— Ele não precisa controlar os poderes dele — Ares revirou os olhos, impaciente. — Ele trabalha com prisioneiros.
A tensão era quase sufocante. null sentia todos os olhares sobre si, mas não demonstraria fraqueza.
Se eles achavam que podiam simplesmente convocá-la quando bem entendessem, teriam que engolir sua petulância.
— Isso não é sobre o meu filho! — Hades interveio, sua voz carregada de frustração.
— Tudo que envolve ela é sobre o seu filho, Hades — Deméter retrucou, cada palavra carregada de veneno.
null revirou os olhos, sentindo a paciência se esvair.
— Será que vocês podem calar a boca? — resmungou, esfregando as têmporas.
Mas ninguém pareceu dar importância ao que ela disse.
— Agora, com Hélios desaparecido, é uma questão de tempo até a vida deixar de existir... — Atena pontuou, sua voz firme.
— Precisamos dela — Apolo acrescentou, a urgência evidente em seu tom.
— Podemos treiná-la — Ares sugeriu, um sorriso sádico curvando seus lábios.
Precisamos treiná-la — Atena reforçou, ignorando a intenção cruel do deus da guerra.
— Não podemos deixá-la no mundo mortal enquanto isso — Ártemis disse, o olhar atento, como se analisasse um predador. — É muito perigoso.
— Ela pode ficar comigo — Apolo se aproximou de null, sempre rápido em agir. — Posso ensiná-la a controlar os poderes do sol, enquanto Perséfone cuida das questões elementares.
— Isso pode dar certo — Atena avaliou, assentindo levemente.
null, no entanto, não estava convencida.
— Eu não concordei com isso — ela protestou, cruzando os braços.
— Como dissemos antes, isso não é um pedido — Hera declarou, já recuperada do espanto anterior.
Zeus inclinou-se para frente, a sombra de um sorriso impiedoso em seu rosto.
— Você fará como eu julgar necessário, deusa mortal.
O sangue de null ferveu.
— E você acha que você vai me obrigar? — ela desafiou, o olhar em brasa.
O ambiente ficou tenso. A tempestade que se formava na sala não era apenas um reflexo da ira dos deuses — era o próprio espírito indomável de null se rebelando contra eles.
Mais uma vez, estavam tentando puxá-la para algo que não escolhera. Mais uma vez, estavam decidindo seu destino por ela.
Mas se pensavam que ela simplesmente cederia...
Estavam redondamente enganados.
No ventre imortal, um novo poder nascerá, com chamas ardentes a lhe devorar. Seu poder é verão, sua fúria é tormento. Sua ira pode ser a queda ou o renascimento desse tempo — recitou null, a voz cortante, carregada de significado. Seu olhar percorreu os deuses com escárnio. — O que aconteceu com todo o medo sobre a minha ira que fez vocês me chutarem daqui?
Um silêncio desconfortável se instalou, até que Hermes murmurou, desviando os olhos rapidamente:
— São tempos extremos…
— Ela ainda é muito perigosa — Ares declarou, a voz grave, como se tentasse lembrar a todos do risco.
— E se ela perder o controle? Como vamos contê-la? — Afrodite perguntou, o olhar inquieto.
— Você deveria cuidar disso — Deméter lançou um olhar incisivo para Poseidon, como se quisesse transferir a responsabilidade.
— Poderíamos lidar com isso em Atlântida… — Poseidon sugeriu, mas sua hesitação era evidente. — Se ela pudesse respirar debaixo d’água.
Um músculo pulsou na mandíbula de null. Os olhares recaíram sobre ela como lâminas afiadas. Ótimo. Como se não bastasse ser a filha bastarda do grande deus dos mares, ainda precisavam esfregar na cara dela o quanto era patética.
Por favor — sua voz saiu afiada. — Estamos há uma hora discutindo meus defeitos. Não finjam que estão surpresos.
O riso seco de Hades cortou o ar como uma lâmina.
— Você é uma aberração da natureza, criança.
O fogo dentro de null rugiu em resposta, mas antes que ela pudesse abrir a boca, Afrodite interveio, lançando um olhar repreensivo ao deus do Submundo.
— Não seja grosseiro, Hades.
O silêncio voltou, denso e carregado.
Foi Atena quem, com sua frieza característica, finalmente quebrou a tensão.
— Alguém deveria ficar de olho nela.
Os olhares dos deuses se entrelaçaram, um silêncio desconfortável pairando sobre o salão. Ninguém parecia disposto a dar o próximo passo, até que uma voz se ergueu entre eles—baixa, firme e cortante como lâmina no gelo.
— Eu posso ficar de olho nela.
O ar no salão pareceu mudar instantaneamente, como se uma corrente fria tivesse atravessado o recinto. Os murmúrios cessaram de imediato, e todos os olhares se voltaram para a figura que emergia das sombras. null sentiu um arrepio involuntário subir por sua espinha, um instinto primal alertando-a para a presença que agora dominava o espaço.
Ele retirou o elmo negro de obsidiana, revelando um rosto de traços afiados e uma pele tão pálida que refletia a luz como gelo recém-formado. Seus cabelos, brancos como a primeira neve do inverno, fluíam com uma suavidade etérea, como se o próprio ar ao seu redor estivesse mais rarefeito, mais frio. Os olhos, de um azul profundo e hipnotizante, pareciam conter em si o peso de eras esquecidas, analisando a sala com uma calma implacável.
Sua capa, feita das peles mais raras das terras do norte, tremulava levemente com a brisa que só ele parecia sentir. Bordados intricados de flocos de neve e cristais reluziam à luz divina, detalhando a grandeza de sua origem. Cada passo que ele dava parecia diminuir a temperatura ao seu redor, como se o próprio inverno o seguisse, dobrando-se à sua vontade.
Diferente dos outros, ele não precisou erguer a voz para impor sua presença. Ele era a própria manifestação da quietude e do frio cortante, e, naquele momento, null soube exatamente quem ele era.
Todos os olhares se voltaram para ele, e por um momento, um silêncio quase reverente se instalou no salão. Hades foi o primeiro a reagir, sua voz carregada de reprovação.
— Você tem suas próprias responsabilidades, menino.
A resposta veio sem hesitação, firme como gelo sólido.
— E, ao que tudo indica, elas estão diretamente ligadas ao sucesso dela.
Zeus cruzou os braços, seu olhar severo.
— Você não tem treinamento suficiente.
A resposta foi implacável.
— Então treinaremos juntos. Se existe alguém capaz de contê-la, esse alguém sou eu. — Ele fez uma breve pausa, e quando falou novamente, sua voz carregava uma certeza inabalável. — Afinal, ela é a minha oposta complementar.
E foi então que seus olhos encontraram os de null.
Por um momento foi como se apenas os dois existissem.
O mundo ao redor pareceu se dissolver. O burburinho dos deuses se tornou um eco distante, insignificante. O tempo desacelerou, cada segundo se estendendo como se o próprio universo estivesse hesitando diante do que estava prestes a acontecer.
Era uma força antiga, bruta e inegável. Um reconhecimento instintivo, visceral.
O olhar dele era um abismo de gelo profundo, e ao encará-lo, null sentiu algo dentro de si ser puxado, como brasas despertando sob um sopro de vento cortante. Não era apenas uma sensação — era um chamado, um choque entre duas forças opostas que existiam para se desafiar, para se equilibrar... Ou para se destruir.
Uma onda de calor percorreu o corpo dela, não como fogo comum, mas como uma reação química inevitável, uma fagulha prestes a incendiar algo que jamais poderia ser apagado. Sua raiva, sua resistência natural, suas barreiras... Tudo pareceu vacilar por um instante, como se ele fosse a única coisa que poderia desmoroná-la.
E null odiou isso.
Seu primeiro impulso foi recuar, arrancar o olhar do dele, negar aquele vínculo imposto pelo destino. Mas algo — algo cruel e inegável — a mantinha presa ali, como se estivesse olhando para o outro lado de si mesma.
Os deuses assistiam em silêncio, alguns intrigados, outros inquietos. Eles sentiam. Algo havia mudado.
null nem ao menos prestou atenção, estava intrigada demais... Então aquele era null.




Continua...



Nota da autora: Oie, cheguei com mais uma historinha pra desafiar os meus super poderes de TDAH de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. Inspiradíssima depois de ler a icônica fic Olympus e passar muita raiva com A Touch Of Darkenss, decidi explorar os limites da minha imaginação com um pouco de mitologia grega. Já tenho alguns capítulos prontos pra dar início para essa aventura épica que já tem meu coração. Espero que gostem!
Até a próxima!
Bleme xXx




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