Prólogo
O ar estava impregnado com um odor acre de enxofre e terra molhada. Um vento gelado cortava a pele como navalhas invisíveis, carregando sussurros que pareciam vir de todos os lados. sabia que estava sonhando, mas isso não trazia conforto. Havia algo terrivelmente real naquela escuridão sem limites.
Ela caminhava descalça por um chão irregular, coberto de cinzas e pedras afiadas que machucavam seus pés. Cada passo parecia um desafio, e o céu acima dela era uma vastidão de trevas, sem estrelas ou lua. Ao seu redor, formas indistintas se moviam — sombras que se contorciam como se tivessem vida própria. Seus olhos tentavam focar, mas era como olhar através de fumaça densa. Tudo parecia estar à beira de se revelar, mas nunca o fazia completamente.
Memórias confusas surgiam em sua mente, flashes de rostos e lugares que ela mal reconhecia. Ela tentava desesperadamente se convencer de que aquilo era um sonho. Mas aquilo era diferente de qualquer coisa que ela já havia sonhado antes. Até mesmo dos seus piores pesadelos.
Havia peso, dor, e a sensação constante de que algo a observava. Por vezes, ela sentia que as sombras sussurravam seu nome, mas sempre que tentava entender, as palavras se desvaneciam no ar.
De repente, o silêncio foi quebrado por uma risada baixa, um som que reverberava em seu peito. A risada não era humana — havia algo selvagem e cruel nela. Uma figura emergiu das trevas, caminhando com uma calma quase arrogante. Ele era alto e magro, com um semblante que misturava beleza e crueldade. Seus olhos — de um vermelho intenso — brilhavam como carvões em brasa, penetrando a alma de com um olhar que não precisava de palavras para ameaçar. Sua presença preenchia o espaço ao redor, fazendo o ar parecer mais denso, mais difícil de respirar.
— Você não deveria estar aqui, querida — disse ele, sua voz sedosa como veneno. As palavras se espalharam pelo ambiente como uma onda, ressoando em cada canto.
congelou.
Ela tentou recuar, mas seus pés estavam presos ao chão. Sentiu o coração acelerar, um misto de medo e fascinação tomando conta de seu corpo. Era como se uma força invisível a prendesse ali, forçando-a a encará-lo. Cada fibra de seu ser dizia para fugir, mas algo nela se recusava a desviar o olhar.
A figura que se aproximava parecia flutuar, suas passadas suaves e precisas, como se ele estivesse acima do tempo e da razão. Sua pele, pálida como a lua cheia, contrastava com os fios negros e compridos de cabelo, que caíam desordenados ao redor de seu rosto. Seu sorriso, embora atraente à primeira vista, carregava uma intenção macabra, como se ele estivesse sempre a um passo de revelar o inferno que habitava em seu interior. As roupas que vestia eram escuras, um manto de veludo negro que parecia se fundir com as sombras ao redor, fazendo com que sua presença fosse ao mesmo tempo imponente e incerta.
Os olhos vermelhos, quase hipnóticos, brilham com uma intensidade que poderia facilmente fazer qualquer ser humano se sentir pequeno e insignificante. Quando ele olhava para , seu olhar não parecia apenas observá-la — parecia sondá-la, desnudando cada camada de sua mente. O ar ao redor dele parecia mais denso, mais pesado, como se a própria natureza estivesse reagindo à sua presença, e o som da risada, cruel e de um tom baixo e sibilante, continuava a reverberar, como um lembrete constante de que ele era alguém que não seguia as mesmas regras que os outros. Ele não se importava com o medo que causava — ao contrário, parecia se alimentar dele.
— Quem é você? — a voz de saiu em um fio de som, quase inaudível. O esforço para falar foi excruciante, como se algo apertasse sua garganta.
A figura inclinou a cabeça, um sorriso se formando em seus lábios pálidos. Havia algo perturbador naquele gesto — um prazer perverso em sua expressão.
— Meu nome não importa. O que importa é o que está prestes a acontecer. — Ele deu um passo à frente, e as sombras ao seu redor pareciam se contorcer com mais intensidade, como se reagissem à sua presença. Cada movimento dele era acompanhado por um ruído baixo, como o roçar de seda em pedra. — Você é especial, . E isso é uma pena.
Ela tentou dar um passo para trás, mas as sombras ao redor se aproximaram. Elas pareciam vivas, pulsando com energia própria. Seus olhos se arregalaram quando percebeu que elas estavam bloqueando qualquer possibilidade de fuga. Formas disformes surgiam do negrume, criaturas feitas de sombra pura, com olhos brilhantes como os do homem. Elas murmuravam em uma língua desconhecida, suas vozes se sobrepondo em um coro perturbador.
— O que você quer de mim? — ela perguntou, tentando manter a voz firme, mas falhando miseravelmente. Suas mãos tremiam ao seu lado, os punhos cerrados em uma tentativa inútil de manter o controle.
Ele deu mais um passo, agora tão próximo que ela podia sentir o calor que emanava de seus olhos. O cheiro de enxofre se intensificou, invadindo suas narinas. Seus dedos longos ergueram o queixo dela com uma delicadeza assustadora, forçando-a a olhar diretamente para ele. tentou desviar, mas era como se seu corpo estivesse sob o controle dele.
— Tudo. Eu quero tudo de você.
Com um gesto brusco, ele soltou-a, e caiu no chão. As sombras se aproximaram, e o mundo ao redor dela pareceu se desintegrar em um redemoinho de caos e trevas. Enquanto caía, visões a atormentavam — chamas consumindo florestas, pessoas gritando em agonia, e aquele homem, sempre observando, sempre sorrindo. As imagens se misturavam em um turbilhão insuportável, como se sua mente estivesse sendo invadida.
Ela tentou gritar, mas nenhum som saiu de sua garganta. O homem se aproximou mais uma vez, agora quase tocando sua pele com a ponta dos dedos. Ele murmurou algo em um idioma que ela não compreendia, mas que fazia seu coração bater ainda mais rápido. As palavras dele pareciam vivas, queimando em sua mente como brasas.
— Você vai lembrar de mim, querida. Sempre. E quando o momento chegar, estaremos frente a frente de novo.
As palavras dele soaram como uma promessa e uma maldição. Ela tentou lutar contra a força que a puxava para o abismo, mas era inútil. Uma última visão preencheu sua mente: um círculo de fogo e o homem parado no centro, com asas negras que se abriam imponentes, como as de um predador. Ele ergueu a mão, e tudo desapareceu.
despertou com um grito preso na garganta, suando e ofegante em sua cama. Seu quarto estava silencioso, mesmo que a sensação de que não estava sozinha ainda pairasse no ar. Ela tocou o rosto, tentando se acalmar, mas o calor dos dedos dele ainda parecia estar ali, como uma marca invisível que ela não conseguia apagar.
Ela olhou para o relógio. Três da manhã. Não havia como voltar a dormir. Sentindo um tremor percorrer seu corpo, abraçou os joelhos, encarando a janela. O céu do lado de fora estava límpido, mas para ela, a escuridão parecia ter seguido. Sabia que aquilo não era apenas um sonho. E, pela primeira vez em sua vida, ela sentiu o verdadeiro gosto do medo.
Capítulo 1
Já fazia alguns anos que tinha sido diagnosticada com paralisia do sono. Desde então, ela parecia, de tempos em tempos, lutar contra pesadelos cada vez mais sombrios. Aqueles episódios começaram como visões rápidas e desconexas, mas, com o passar do tempo, tornaram-se experiências profundas e aterrorizantes, repletas de detalhes que faziam sua pele arrepiar mesmo depois de acordada. Naquela noite, porém, o sonho ultrapassou qualquer limite que ela havia experimentado antes.
O som do despertador ecoou pelo quarto pequeno, arrancando de um sono inquieto. Ela acordou com os olhos ardendo, como se mal tivesse dormido. O sonho da noite anterior ainda pairava sobre ela, fresco demais em sua memória. Era sempre assim: os pesadelos não se limitavam à noite; perseguiam-na como sombras durante o dia.
— Droga — murmurou , esfregando os olhos enquanto estendia a mão para desligar o alarme.
A luz fraca da manhã invadia o quarto através das cortinas mal fechadas, iluminando os objetos que contavam sua história: uma escrivaninha desorganizada com pilhas de livros, algumas roupas espalhadas e um violão encostado na parede. Tudo parecia normal, exceto pelo peso invisível que ela carregava.
Depois de alguns minutos sentada na beira da cama, tomando coragem para enfrentar o dia, finalmente se levantou. Seguiu para o banheiro, onde encarou seu reflexo no espelho. Seu rosto estava pálido, com olheiras profundas que denunciavam noites de sono mal dormidas. Ela suspirou, lavando o rosto com água fria na esperança de afastar a exaustão que sentia.
Enquanto preparava o café, uma sensação incômoda se instalava, como uma pressão invisível que pesava sobre os ombros. Era como se estivesse sendo observada, embora estivesse sozinha. Por reflexo, lançou um olhar pela janela da cozinha. O quintal estava vazio, e a rua, como sempre, tranquila. O vento fazia as folhas dançarem suavemente, e o som distante de um pássaro ecoava. Tudo parecia normal, mas a sensação persistia, como um sussurro inaudível que não a deixava em paz.
Depois de terminar o café, pegou sua mochila e saiu de casa. O trajeto até a universidade não era longo, mas suficiente para que seus pensamentos começassem a vagar. As ruas estavam cheias de vida: estudantes apressados trocando mensagens em seus celulares, trabalhadores conversando em paradas de ônibus, o trânsito constante de carros e motos preenchendo o ar com um zumbido constante. Ainda assim, aquela sensação voltou, mais forte desta vez, como se um par de olhos invisíveis estivesse fixo nela.
Olhou ao redor, tentando encontrar a origem daquele desconforto. Só viu rostos desconhecidos e distraídos, pessoas ocupadas com suas próprias rotinas. Nada parecia fora do lugar, mas a impressão de estar sendo vigiada se recusava a desaparecer, enraizando-se em sua mente como um eco inquietante.
Ao chegar ao campus da University of Utah, tentou afastar o desconforto e se concentrar nas aulas. Entrou na sala de filosofia e escolheu um lugar no fundo, onde podia observar sem ser notada. O professor começou a falar sobre dilemas morais, sua voz ecoando pelo ambiente, mas a mente de parecia incapaz de acompanhar. As palavras soavam distantes, quase abafadas, enquanto sua atenção se dispersava.
Seus olhos vagaram pela sala, pousando por acaso em um colega algumas fileiras à frente. Ele estava inclinado sobre a mesa, rabiscando algo em um caderno com movimentos rápidos e quase compulsivos. Por um instante, o ambiente ao redor desapareceu, e sentiu um frio estranho ao tentar decifrar o que ele desenhava. Os traços pareciam caóticos, mas logo formaram imagens que lhe eram perturbadoramente familiares. Formas escuras e disformes, lembrando as sombras que habitavam seus piores pesadelos.
Ela piscou, tentando afastar a ideia absurda. Talvez fosse apenas sua imaginação pregando peças, mas a sensação de que algo estava errado não a abandonava. O rapaz ergueu a cabeça por um breve momento, mas antes que seus olhares se cruzassem desviou o rosto, o coração acelerando, como se tivesse sido pega espiando um segredo que jamais deveria ter visto.
— Senhorita ? — a voz firme do professor cortou seus pensamentos dispersos, trazendo-a de volta à realidade da sala de aula. piscou, confusa, enquanto todos os olhares se voltavam para ela.
— Sim? — respondeu ela, a voz um pouco mais alta do que gostaria.
— Perguntei sua opinião sobre o paradoxo do livre-arbítrio. — o tom do professor era paciente, mas carregava uma leve expectativa, como se quisesse testar sua atenção.
engoliu em seco, sentindo o calor subir até o rosto.
— Ah, claro… — hesitou por um momento, forçando a mente a juntar palavras que soassem minimamente coerentes. — É um tema complexo, porque… Mesmo que tenhamos escolhas, as circunstâncias ao nosso redor muitas vezes limitam o que podemos fazer.
O professor inclinou a cabeça, considerando sua resposta, e por fim assentiu com um leve sorriso.
— Interessante ponto de vista, senhorita . Obrigado.
Ela soltou o ar que nem percebera estar segurando, tentando ignorar as bochechas em chamas e os olhares dos colegas. Quando o foco da sala voltou ao professor, abaixou a cabeça, fingindo tomar notas, enquanto uma onda de alívio e vergonha se misturava em seu peito.
Quando o sinal soou, marcando o fim da aula de filosofia, recolheu suas coisas com pressa, ainda tentando se recuperar do momento constrangedor. Ao sair da sala, seguiu pelo corredor movimentado, mergulhada em seus próprios pensamentos. A sensação inquietante de antes permanecia como um peso invisível em seus ombros, mas ela se forçou a seguir em frente.
Logo, chegou à sala de povos e religiões. Era um ambiente mais iluminado e arejado, com janelas que deixavam a luz do fim da manhã entrar. sentou-se perto de uma das janelas, esperando que a mudança de cenário ajudasse a distrair sua mente. A professora, uma mulher enérgica de meia-idade com um lenço colorido nos ombros, entrou e imediatamente começou a falar, captando a atenção da turma.
— Antes de começarmos, quero compartilhar uma notícia interessante com vocês, — disse ela, com entusiasmo. — No início do próximo mês, teremos a celebração do Dia dos Reis, reunindo tradições religiosas e artísticas de várias partes do mundo. É uma oportunidade imperdível para quem deseja vivenciar essas culturas de forma mais próxima.
Assim que a professora mencionou o evento, um burburinho começou a se espalhar pela sala. Os alunos trocaram olhares animados, cochichando sobre a rara oportunidade de algo interessante acontecer na pequena cidade universitária. Para muitos, era mais do que um simples evento cultural — era uma chance de escapar da rotina, se divertir, e talvez até conhecer turistas de fora, trazendo um pouco de novidade para suas vidas previsíveis. Risadinhas surgiam aqui e ali, e alguns já começaram a planejar o que fariam no evento, especulando sobre as atrações e quem poderia aparecer.
— É uma tradição antiga, com raízes tanto religiosas quanto culturais. Este ano, a cidade decidiu organizar uma grande festa no centro histórico, com procissões, músicas e até mesmo encenações — explicou a professora, animada. — Seria interessante se vocês participassem. Além de ser uma ótima oportunidade para observar as práticas culturais de perto, é também uma forma de entender como tradições antigas se mantêm vivas na sociedade moderna.
anotou as informações no caderno, embora ainda estivesse em dúvida se participaria. Eventos grandes sempre lhe causavam um certo desconforto; a multidão e o barulho pareciam amplificar sua ansiedade. No entanto, algo na ideia de assistir à procissão a intrigava. Talvez fosse a oportunidade de observar à distância, absorvendo o ambiente sem se envolver demais — ou, quem sabe, uma chance de afastar a mente dos pesadelos que vinham perturbando suas noites.
A professora, imersa em sua explicação, continuava a detalhar a celebração do Dia dos Reis. Sua voz era animada, carregada de entusiasmo, enquanto descrevia os símbolos e tradições que compunham o evento. Aproximando-se da lousa, ela revelou um esboço simples da cidade, com as rotas da procissão marcadas em linhas coloridas. O desenho, embora rudimentar, capturava a atenção da turma, que seguia com interesse cada ponto destacado pela professora, imersa no espírito da festividade que estava por vir.
— Essa festa também se entrelaça com várias manifestações culturais, onde cada região adiciona seu toque especial. O curioso é que essa celebração, pelo menos nessa escala, não acontece há muitos anos aqui em Salt Lake City — disse ela, voltando-se para a turma. — Por algum motivo, o novo prefeito decidiu retomar a tradição, promovendo um evento maior e mais elaborado do que qualquer um esperava.
, ainda com o olhar focado nas anotações, percebeu que alguns colegas começaram a se manifestar, intrigados com a explicação.
— Eu nunca fui numa procissão, professora — disse Paul, um dos alunos do fundo da sala, levantando a mão. — Como é que funciona isso? As pessoas ficam andando o tempo todo?
Puxa saco.
A professora sorriu, feliz com a pergunta. Ela se inclinou para a frente, como se estivesse prestes a contar um segredo.
— Ótima pergunta, Paul. A procissão é uma das partes mais emocionantes da celebração. As pessoas, muitas delas vestidas com trajes típicos ou fantasias que lembram os Reis, começam a caminhada pelas ruas do centro histórico. Elas seguem a estrela, representada por uma grande estrela dourada que lidera o cortejo. Durante o caminho, há várias paradas, com encenações e apresentações musicais — explicou a professora. — A cada etapa, as pessoas relembram a jornada dos Reis e a adoração ao profeta, através de danças, cantos e até dramatizações da história.
Claire, que estava sentada ao lado de , levantou a mão e fez uma observação.
— Eu já vi algo parecido em outros lugares, mas nunca aqui na cidade. A expectativa é de aparecer muita gente?
A professora acenou com a cabeça, compreendendo a preocupação.
— A procissão geralmente atrai muita gente, especialmente quando é bem-organizada como este evento promete ser — explicou a professora, gesticulando para o mapa desenhado na lousa. — Mas a proposta aqui é que, mesmo com a grande quantidade de pessoas, a experiência seja mais uma imersão cultural do que apenas uma aglomeração. Haverá vários pontos estratégicos ao longo das rotas onde vocês poderão assistir às apresentações com calma, sem precisar se misturar à multidão.
sentiu uma leve onda de alívio ao ouvir isso e lançou um olhar de agradecimento em direção à amiga. A ideia de poder observar tudo à distância, sem a pressão de estar no meio do tumulto, parecia muito mais convidativa. Talvez, pensou ela, aquilo pudesse ser uma boa forma de se conectar com algo diferente, sem se expor demais. Ela anotou mentalmente os pontos mencionados, já começando a imaginar onde poderia ficar.
— E vai ter alguma comida típica? — perguntou Josh, com um sorriso no rosto. Ele adorava as festividades por causa das comidas.
— Claro! As festas religiosas como essa sempre têm barracas com comidas típicas. Você vai encontrar desde doces tradicionais até pratos salgados. Será uma verdadeira imersão na cultura local.
fez uma anotação rápida no caderno sobre a comida, tentando manter a mente ocupada enquanto a conversa fluía ao seu redor. A ideia de explorar as barracas, talvez com alguns colegas, parecia uma boa maneira de se distrair, caso decidisse ir à festa.
Enquanto a conversa continuava, com os alunos fazendo perguntas sobre os detalhes do evento, se perdeu por um momento em seus próprios pensamentos. Ela começava a perceber que, apesar de seu nervosismo, havia algo atraente na ideia de participar, de vivenciar um pedaço da cultura local. A procissão, as músicas, as encenações... Tudo isso parecia mais do que uma simples festa. Talvez fosse uma maneira de se conectar com algo maior, de encontrar um pouco de paz, mesmo que fosse por um breve momento.
A professora, percebendo que muitos estavam interessados, concluiu a explicação.
— Então, se alguém quiser se juntar a mim para observar ou até participar das encenações, fiquem à vontade. A cidade está esperando por todos, e é uma oportunidade única para vivenciar uma tradição que tem séculos de história. Lembrem-se de que, mais do que uma festa, é um momento de celebração das nossas raízes, de como a cultura e a religião se entrelaçam e sobrevivem ao longo do tempo.
Os alunos murmuraram entre si, alguns empolgados, outros ainda incertos. , enquanto guardava seu material, pensou que talvez fosse o momento de dar uma chance a algo diferente. Ela ainda não sabia se participaria ativamente, mas estar lá, observando de longe, talvez fosse o primeiro passo. E, no fundo, ela sentiu que seria uma boa forma de se distanciar, mesmo que por algumas horas, dos pesadelos que a atormentavam.
Estava tão absorta em seus pensamentos que nem percebeu alguém se aproximando. Quando sentiu um leve toque em seu cotovelo, deu um pulo, o coração disparando por um momento. Virou-se rapidamente, encontrando Josh com um sorriso descontraído.
— Foi mal, não queria te assustar — Josh disse, rindo baixo, enquanto tentava recuperar a calma.
— Ah, tudo bem... — ela respondeu, tentando disfarçar o susto, a respiração ainda acelerada.
Josh a olhou com curiosidade, como se tentasse decifrar o que estava passando pela cabeça dela.
— Eu estava pensando… Você vai na festa? — perguntou ele, mas com aquele sorriso que parecia esconder uma faísca de expectativa.
hesitou, os olhos caindo no caderno com suas anotações, a mente ainda em conflito. A ideia de um evento cheio de gente a deixava desconfortável, mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela queria saber como seria.
— Não sei… — ela respondeu, ajeitando distraidamente a mochila em seu ombro. — Eu fico meio ansiosa em lugares com muita gente, muito barulho. Mas, confesso, tô um pouco curiosa.
Josh assentiu, com um sorriso compreensivo.
— Eu entendo. Eu também fico um pouco perdido nessas festas. — disse ele com um sorriso encantador. — Mas, às vezes, é legal só ver como tudo acontece, sabe? E vai que você até se diverte?
mordeu o lábio, pensativa. Talvez fosse mesmo uma chance de sair da bolha em que se sentia presa, apesar dos pesadelos que a mantinham acordada à noite.
Por algum motivo, o rapaz parecia ser capaz de ler as entrelinhas da expressão dela.
— Pesadelos de novo? — Josh perguntou, a voz mais baixa, carregada de preocupação. levantou os olhos, surpresa por ele saber disso. — Claire mencionou uma vez… Espero que não se importe.
Ele parecia um pouco desconfortável, coçando a nuca como quem teme ter cruzado uma linha. suspirou.
— Não, tudo bem. E sim, são os pesadelos. Mas vou ficar bem — ela disse, tentando encerrar o assunto, ainda que a sombra das palavras pesasse em seu peito.
— Se precisar conversar ou algo assim… Você sabe onde me encontrar, né? — ele sorriu, aquele tipo de sorriso que fazia tudo parecer um pouco mais fácil.
retribuiu com um sorriso tímido.
— Obrigada, Josh. Eu vou lembrar disso. — respondeu ela, sentindo-se um pouco mais leve antes de se levantar para seguir para a próxima aula.
Josh a observou por um instante antes de falar novamente, sua voz mais suave.
— Eu posso… Ir à festa com você, se isso te fizer sentir mais confortável.
parou, surpresa pela oferta.
— Eu... Não sei. Ainda tô tentando me decidir.
Josh a olhou com compreensão, seu olhar cheio de empatia.
— Claro. Sem pressão. Às vezes, só de tentar sair um pouco já é um grande passo. Vai no seu ritmo. E se não rolar, tá tudo bem.
Ela sorriu, mais leve. A paciência dele era quase reconfortante.
— Vou pensar mais sobre isso. Quem sabe não seja um bom momento para tentar algo novo, mesmo que seja só por um tempinho.
Ele apenas acenou levemente com a cabeça antes de se virar para arrumar suas coisas, respeitando o espaço que ela claramente ainda precisava. ficou por um instante encarando o caderno à sua frente, as palavras dele ainda ecoando em sua mente.
Quando o sinal tocou, Josh se levantou, jogando a mochila sobre um ombro com seu jeito despreocupado habitual. Passou pela fileira de cadeiras até chegar à porta, mas antes de sair, lançou um último olhar por cima do ombro, como se não pudesse evitar olhar para ela mais uma vez.
o viu desaparecer pelo corredor, o som de passos e conversas enchendo a sala agora quase vazia. Suspirou, ajeitando sua mochila, ainda sentindo a leveza reconfortante das palavras dele. Enquanto o próximo grupo de alunos começava a entrar, ela se preparou para seguir em frente, mesmo que sua mente ainda estivesse presa entre convite inesperado e os demônios do seu subconsciente.
Mais tarde, na aula de literatura, o professor propôs um debate sobre a relação entre sonhos e arte. sentiu um calafrio. O tema parecia quase pessoal demais, considerando tudo o que vinha enfrentando. Um dos alunos mencionou como artistas costumam transformar pesadelos em inspiração criativa, o que fez com que se perguntasse se deveria tentar o mesmo. Talvez colocar seus sonhos no papel a ajudasse a lidar com eles.
A sala estava imersa no debate, mas Claire, sentada ao lado de , parecia incapaz de manter o foco. Ela inclinou-se para a amiga, sussurrando com cuidado para não chamar a atenção.
— Ei, então… Vai me contar o que tá acontecendo? Você tá muito quieta — cochichou Claire, com um tom curioso e ligeiramente provocativo.
, que tentava anotar algo no caderno, suspirou baixinho e olhou para a amiga de relance.
— Nada de mais. Só... Josh perguntou se eu vou na festa — murmurou ela, tentando não fazer barulho.
Claire abriu um sorriso conspiratório, inclinando-se ainda mais perto.
— Ele te convidou? Tipo… “Vamos juntos”?
— Não. Só se ofereceu pra ir comigo se eu decidir ir — respondeu , girando a caneta entre os dedos e evitando o olhar da amiga.
Claire arqueou uma sobrancelha, claramente se divertindo com o assunto.
— Humm… “Se eu decidir ir”. Interessante. E aí? Vai?
deu de ombros, mantendo os olhos no quadro.
— Não sei. Parece que todo mundo vai, mas você sabe como eu sou com essas coisas... Muita gente, muito barulho.
Claire fez um som de quem compreendia, mas não ia largar o osso.
— Você precisa se distrair um pouco, . Sair, se conectar com a galera… Ou pelo menos com o Josh, né?
olhou para Claire com uma expressão que era metade irritação, metade gratidão pela preocupação. Mas é claro que a amiga percebeu que o buraco era mais embaixo.
— Desembucha — o tom de voz de Claire foi tão amigável quanto antes.
A garota não conseguiu conter uma careta.
— Não sei explicar, mas… Sinto como se eu estivesse sendo observada. Como se algo estivesse me seguindo, mesmo aqui.
Claire franziu o cenho, preocupada.
— Você acha que tem a ver com os pesadelos?
— Talvez. Tudo parece conectado de alguma forma.
— Então talvez você precise de um descanso. Vamos ao ensaio mais tarde e, depois, podemos sair para espairecer. Que tal?
tentou sorrir, agradecendo o apoio da amiga. No fundo, no entanto, sabia que aquilo não era algo que pudesse ser resolvido tão facilmente.
Enquanto o debate da aula prosseguia, notou algo estranho: uma figura parada do lado de fora da sala, próxima à janela. Era um homem alto, vestindo um casaco escuro. Ele estava de costas, mas havia algo perturbadoramente familiar em sua postura. Quando ela piscou, ele não estava mais lá.
— Você está bem? — perguntou Claire, notando o olhar perdido de .
— Sim, só… Acho que estou um pouco cansada — respondeu ela, tentando se concentrar novamente.
No intervalo, Claire surgiu com o típico entusiasmo que parecia nunca faltar, chamando para comerem alguma coisa juntas. sentiu uma leve agitação ao sair da sala e caminhar pelos corredores da escola. O barulho das conversas e risadas ecoava ao seu redor, mas ela preferia se concentrar no caminho até o refeitório.
As duas caminhavam pelo jardim central do campus, onde o mundo parecia desacelerar. As árvores balançavam suavemente ao ritmo do vento, suas folhas murmurando histórias de inverno que ninguém parecia disposto a ouvir. Claire falava sem parar ao lado de , animada sobre algo que deveria ser importante, mas que simplesmente não conseguia prender a atenção dela.
estava absorta em seus próprios pensamentos, o som das palavras de Claire chegando como um eco distante. Antes mesmo de alcançarem o refeitório, Josh surgiu ao lado delas, tão repentino quanto previsível.
Ele era assim, sempre aparecendo nos momentos menos esperados, como se tivesse um radar para encontrá-la. Mesmo sem trocar uma palavra, sabia por que ele estava ali. Josh gostava dela, isso era óbvio na maneira como ele sempre buscava uma desculpa para se aproximar. Claire percebeu sua presença e lançou um olhar de curiosidade, mas apenas continuou caminhando, ignorando o nervosismo que começava a pesar em seus ombros.
O jardim ao redor parecia mais acolhedor do que a companhia, e desejou, por um instante, que o vento pudesse levar todos os olhares e expectativas para longe, junto com as folhas que dançavam ao seu redor.
O refeitório estava lotado, como em todo e qualquer intervalo entre uma aula e outra. As mesas, uma ao lado da outra, estavam repletas de grupos conversando animadamente, alguns focados nas suas conversas, outros mexendo em celulares. Havia um burburinho constante, mas cada pessoa parecia completamente absorta no próprio mundo. sempre achava isso curioso — todos ali estavam tão distantes uns dos outros, vivendo suas próprias realidades.
Ela caminhou até a fila do buffet, tentando ignorar o sentimento de estar desconectada de tudo ao seu redor. Pegou seu prato e começou a servir-se com o que restava das opções. Tentou não fazer contato visual com ninguém, preferindo manter o foco no que estava fazendo. As conversas das outras pessoas eram como um som de fundo, indistinto e distante.
Depois de pegar a comida, procurou uma mesa. Não havia muito espaço livre, mas encontrou um canto mais afastado, onde podia se sentar e comer sem se preocupar com as interações ao seu redor. Contava com a habilidade de Claire e Josh de se entreterem sozinhos. Não que ela fosse antissocial, mas havia algo naquele momento em que o simples ato de se desligar dos seus arredores parecia ser o mais confortável.
Quando se sentou à mesa, a bandeja de comida diante dela parecia um peso. Mexeu com o garfo no prato, sem realmente ter intenção de comer. Tentava manter os pensamentos ocupados, longe das sombras que sempre rondavam sua mente. O refeitório estava caótico, cheio de vozes misturadas, risos soltos e sons de cadeiras arrastando no chão. Nada disso, porém, parecia alcançá-la.
Levantou os olhos por puro reflexo, apenas para varrer a sala com um olhar desatento, mas então tudo parou. Seus olhos se fixaram em um rosto que fez o sangue dela congelar. Por um instante, o coração de perdeu o ritmo, acelerando com tanta força que parecia impossível respirar.
Ele estava ali.
Apenas algumas mesas adiante, misturado ao grupo de alunos como se fosse um deles, mas para , ele era um invasor, uma anomalia que não deveria existir ali. O rosto pálido, os olhos escuros como um abismo e o olhar fixo que parecia atravessá-la, mesmo que ele não estivesse diretamente encarando-a. Era impossível não reconhecê-lo. Ela o conhecia da última noite em que acordou suada, ofegante, lutando para escapar das memórias distorcidas de seus pesadelos.
tentou dizer a si mesma que não era possível. Ele não podia estar ali. Era só sua mente, pregando mais uma peça cruel. Piscou várias vezes, com força, como se isso pudesse apagar aquela figura que parecia puxá-la de volta para os momentos de puro terror. Mas ele ainda estava ali. Rindo. Conversando casualmente com os outros alunos, como se fosse uma pessoa comum, como se não fosse o monstro que habitava seu subconsciente.
O estômago de se apertou com tanta força que ela quase não conseguiu segurar o garfo. O frio na espinha parecia um aviso de que algo estava errado, que a realidade estava se desfazendo ao seu redor. Ela baixou os olhos rapidamente, encarando o prato como se este pudesse protegê-la, mas a imagem dele já estava cravada em sua mente.
Cada detalhe era inconfundível: o contorno afiado do rosto, os olhos que pareciam sugar toda a luz ao redor, o jeito que ele gesticulava ao falar, como se estivesse no controle de tudo. Mesmo que a razão dissesse que era apenas um aluno qualquer, a intuição de gritava que ele era mais. Muito mais.
Por um momento, o refeitório desapareceu. As risadas, os sons das bandejas e os passos ao redor viraram um eco distante. Tudo o que restava era o peso insuportável daquela presença. Era ele, diretamente arrancado de seu pesadelo para a sua realidade.
Ela respirou fundo, tentando se agarrar ao fio tênue de racionalidade que ainda lhe restava. Era impossível. Não fazia sentido. Talvez fosse uma coincidência, talvez sua mente estivesse pregando truques novamente. Mas, no fundo, sabia que aquilo não era coincidência. Não podia ser.
Ele estava ali. E, de alguma forma, isso significava que tudo o que ela temia não estava mais confinado aos seus sonhos.
Capítulo 2
As semanas passaram como um borrão para . A rotina do campus, as aulas, os corredores cheios de vozes, tudo se misturava em um ciclo quase automático. Durante esse tempo, algo curioso aconteceu: os pesadelos, que antes eram uma presença constante e esmagadora, simplesmente cessaram.
Ela não sabia ao certo como se sentir sobre isso. Parte dela estava aliviada, grata por finalmente conseguir dormir sem acordar suada e ofegante, tomada pelo medo. Mas outra parte, menor e mais inquieta, não conseguia ignorar a sensação de que o silêncio era apenas o prenúncio de algo maior.
O rosto dele não apareceu mais, nem nos sonhos nem no campus. Era como se aquele encontro no refeitório tivesse sido um engano, um truque da mente. começou a tentar se convencer de que havia sido exatamente isso: um erro, uma coincidência absurda. Talvez aquele aluno fosse apenas alguém parecido demais com a figura que assombrava seus sonhos, e nada mais.
Mas então, naquela noite ele voltou.
Ela se deitou tarde, exausta depois de horas tentando concluir um ensaio de literatura. O sono veio rápido, pesado, como um alívio para o corpo cansado. No entanto, o descanso durou pouco.
estava flutuando na escuridão. Não havia som, cor ou forma ao seu redor, apenas um vazio opressor que parecia envolver cada parte de seu ser. A princípio, ela não tinha certeza se estava dormindo ou acordada. O silêncio era tão absoluto que se tornou ensurdecedor, e o ar parecia pesar sobre seu peito como uma corrente invisível.
De repente, um som. Baixo, quase imperceptível, como o arranhar de unhas contra uma superfície áspera. Ela virou a cabeça, embora não houvesse direção clara para onde olhar, e percebeu que a escuridão começava a se mover. As sombras ondulavam, ganhando forma e textura, como tinta preta sendo espalhada sobre um papel molhado.
As paredes surgiram ao seu redor, altas, estreitas e úmidas, cercando-a em um corredor apertado. O chão estava coberto por uma camada de água rasa e gelada, que refletia as sombras acima de forma distorcida. Cada passo que dava enviava ondas suaves que se chocavam contra as paredes, mas o som parecia viajar muito além do que deveria.
Ela começou a andar, mesmo sem saber por quê. O corredor não tinha fim visível, apenas se estendia na distância, com uma luz pálida e vacilante no horizonte. A sensação de ser observada era intensa, quase tangível, como um par de mãos invisíveis apertando sua nuca.
Então, ela ouviu. Passos.
O som era ritmado, metódico, como o bater de um relógio implacável. O eco reverberava pelas paredes, crescendo em volume e proximidade. congelou no lugar, o coração disparado. Queria correr, mas o medo parecia ter ancorado seus pés ao chão.
Ele apareceu, primeiro como uma silhueta no final do corredor. Alta e imponente, a figura caminhava sem pressa, mas cada movimento carregava uma intenção perturbadora. A luz vacilante atrás dele revelava traços familiares: o rosto pálido, os olhos escuros como abismos, e aquele olhar que parecia perfurar sua alma.
tentou recuar, mas o corredor parecia se estreitar ao seu redor. As paredes estavam cada vez mais próximas, as sombras ganhando vida própria, sussurrando palavras que ela não conseguia entender. O som dos passos dele continuava, cada vez mais perto, até que ele parou, a poucos metros de distância.
A respiração de estava presa em sua garganta, e ela se viu incapaz de desviar o olhar. Ele inclinou a cabeça para o lado, como se estivesse avaliando-a, um predador estudando sua presa. Seus lábios se curvaram em algo que não era exatamente um sorriso, mas uma expressão de satisfação sombria.
— Eu sabia que você voltaria — disse ele, a voz suave, mas cheia de uma confiança ameaçadora. Sua voz não vinha da boca, mas parecia vibrar pelo ar, uma presença que invadia todos os espaços ao redor.
abriu a boca, mas nada saiu. Tentou falar, gritar, correr, mas o corpo não respondia. Tudo o que ela conseguiu foi um sussurro fraco, uma fraqueza que a incomodava ainda mais.
— Por que você não fala? — ele perguntou, com uma curiosidade quase cínica. Ele se inclinou para mais perto, os olhos implacáveis fixos nos dela. — Está com medo de mim, ?
deu um passo para trás, mas não foi o suficiente para afastá-lo. Ela sentia o pânico subir pela garganta, sufocando-a, como se o espaço ao redor estivesse ficando menor, mais opressor.
— Você... — ela tentou falar, a voz trêmula. — O que... O que você quer de mim?
Ele deu um leve sorriso, mas não respondeu imediatamente. Olhou para ela com uma calma perturbadora, como se estivesse saboreando o medo dela.
— O que eu quero? — repetiu ele, como se a resposta fosse óbvia. — Você sabe. Eu quero que você me veja. Quero que você me reconheça, .
Aquelas palavras causaram um calafrio, mas ela não conseguia desviar o olhar. O silêncio entre eles parecia carregar um peso imenso, e então, como se o mundo tivesse parado por um segundo, ele deu um passo à frente. O cheiro de algo enjoativo e podre preencheu o ar, mas não conseguiu se afastar.
— Eu... Eu... Não... — ela tentou se afastar, mas suas pernas estavam presas, como se o chão estivesse grudado a seus pés.
O sorriso dele se ampliou, como se ele soubesse exatamente o que estava acontecendo em sua mente, o que ela queria dizer, mas não conseguia. Ele parecia perceber cada pensamento, cada temor que atravessava sua expressão de puro terror.
— Você pensa que pode se esconder de mim? — Ele disse com uma voz mais baixa, mais ameaçadora. — Mas eu sempre estarei aqui. Sempre. Não importa quanto tempo passe, não importa onde você vá. Você me carrega consigo.
sentiu as palavras dele cortarem sua pele, e, pela primeira vez, ela conseguiu falar, embora sua voz tremesse com tanto medo que parecia outra pessoa falando.
— Por que você me persegue? O que quer de mim? — sua voz falhou no final, soando quase desesperada.
Ele riu baixo, um som que não trazia alegria, mas uma satisfação maliciosa, como se tivesse esperado por esse momento.
— Eu não preciso de nada de você, . Mas você... Bem, você precisa de mim. Você não consegue fugir de mim. Nunca conseguiu. O que você não entende é que, quanto mais você tenta se afastar, mais eu fico perto. E você sabe disso, não sabe?
As palavras dele estavam queimando, deixando uma sensação de derrota tomar conta de seu corpo. Ela não queria mais ouvir, não queria mais ver aquele rosto, mas, ao mesmo tempo, sabia que não tinha para onde fugir. Ela estava ali, presa com ele, como da última vez.
Aquela sensação de impotência era pior do que qualquer coisa que ela já tivesse experimentado.
— Eu... Vou me livrar de você — ela disse, finalmente, com os olhos lacrimejando.
Ele a olhou por um longo momento, o sorriso em seu rosto se alargando.
— Você não pode. Não pode se livrar de algo que já faz parte de você. Eu sou você, . E você... Você é minha.
engoliu em seco, as palavras dele eram como uma sentença, uma prisão silenciosa que ela não sabia como desafiar. Seu corpo tremia de uma maneira que ela não conseguia controlar, o pavor a paralisando. Não era só o medo de ser vigiada ou perseguida, mas a terrível certeza de que ele estava certo. Havia algo nela que o atraía, algo que a conectava a ele de uma forma inexplicável e aterradora.
Ele deu mais um passo à frente, e sentiu o ar ao redor se tornar mais denso, como se a atmosfera estivesse sendo comprimida. Cada palavra dele parecia ecoar em sua mente, reverberando até os ossos, até o centro de sua alma.
— Você não entende, querida — ele disse, a voz ainda baixa, mas com uma autoridade cruel. — Sempre estive aqui. Não é só o seu medo que me traz até você. É algo mais. Você sabe do que estou falando. Algo em você me chama, me prende. E, ao contrário do que você pensa, não é apenas nos seus pesadelos que você me encontra. Eu estou em você, em cada pensamento, em cada respiração. Eu sou o que você mais teme e o que você mais deseja.
Ela quis recuar, quis correr, mas seus pés estavam pesados, cravados no chão. O corpo parecia ter perdido toda a sua força, e a única coisa que restava era o horror de enfrentá-lo, de ter que ouvir o que ele estava dizendo.
— Não... — tentou negar, sua voz quase inaudível, um sussurro fraco contra a presença esmagadora dele. — Você está mentindo. Eu não...
Mas ele a interrompeu, sua expressão se tornando mais intensa, mais penetrante, como se cada palavra fosse uma lâmina afiada cortando suas defesas.
— Não minta para você mesma. Você sente, não sente? Toda vez que você tenta esquecer, toda vez que tenta escapar, é quando mais me encontra. No fundo, você sabe que, sem mim, você não pode existir. Eu sou a sombra que te acompanha, a marca que nunca vai sair. Não importa o quanto você fuja, .
Ela queria gritar, mas sua garganta estava apertada, e a verdade das palavras dele a sufocava. O medo de enfrentá-lo era maior do que qualquer coisa que ela já tivesse experimentado, mas, ao mesmo tempo, ele parecia ser a única coisa real em sua vida.
Ele deu outro passo, mais perto, até que estava tão próximo que podia sentir o frio que emanava de sua pele, o peso da presença dele como um fardo insuportável.
— Você acha que pode escapar de mim — ele disse, com um sorriso frio, — Mas, na verdade, é você quem me chama. É você quem me deseja. Não importa onde você vá, onde se esconda. Eu sempre estarei aqui, aguardando.
Ele se inclinou para ela, e a sensação de estar sendo engolida por aquele olhar penetrante a tomou por completo. Seus olhos escuros refletiam a escuridão ao redor, como um abismo sem fim, e sentiu uma onda de desespero tomar conta dela. Ela não podia mais lutar. O peso das palavras dele, e a sensação de que não havia escapatória, a esmagaram.
— Não existe fuga, — ele murmurou, quase como um aviso. — E no fundo, você sabe que não quer fugir. Você me carrega. E, um dia, você vai me desejar.
Ela fechou os olhos, tentando bloquear o som da voz dele, mas o medo era um grilhão invisível que a mantinha ali, presa àquele momento, àquela conversa que parecia não ter fim.
— Você acha que pode escapar? — disse ele, a voz ecoando pelo corredor como um trovão abafado.
Antes que ela pudesse responder, as paredes ao redor começaram a ceder, como se fossem feitas de uma substância viva. O corredor se torcia e distorcia, e sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Ela caiu na escuridão, mas o rosto dele permaneceu, flutuando na penumbra como uma pintura macabra, os olhos fixos nos dela.
— Eu sempre estarei aqui — ele disse, as palavras ecoando enquanto ela caía, caía e caía.
acordou com um grito preso na garganta, sentindo o impacto do chão frio de seu dormitório antes de perceber que havia caído da cama. O ar estava frio e parado, mas seu corpo suava, cada batida do coração ecoando como um tambor em seus ouvidos.
Mesmo acordada, a voz dele continuava ressoando em sua mente. As sombras no quarto pareciam mais densas, mais escuras, como se o pesadelo ainda não tivesse acabado. Ela se encolheu contra a parede, abraçando os joelhos, tentando convencer a si mesma de que estava segura, mas a sensação de que ele ainda estava perto era insuportável.
sabia, com uma certeza que fazia o sangue gelar em suas veias, que aquele não era um sonho qualquer. Algo estava errado, muito errado, e a linha entre o pesadelo e a realidade estava começando a desaparecer.
não conseguiu dormir depois daquele pesadelo. A escuridão que a envolvia em seu quarto parecia mais espessa do que nunca, como se fosse uma extensão daquilo que ela havia visto no sonho. Cada sombra, cada sussurro, era uma lembrança daquele rosto pálido e daqueles olhos penetrantes. O medo ainda a dominava, e ela se sentia tão frágil quanto o vidro prestes a se estilhaçar a qualquer momento.
Ela virou-se na cama, sem descanso, os pensamentos atropelando uns aos outros. A voz dele fez morada em sua mente, fria e implacável. Cada uma das palavras gravadas em sua essência, como uma canção de ninar distorcida e sinistra. A cada vez que ela tentava fechar os olhos, ele estava lá. Aquele olhar. Aquela presença que parecia estar cada vez mais real.
O relógio na parede marcava as horas com lentidão torturante. À medida que o tempo avançava, a sensação de impotência só aumentava. Ela queria fugir, queria acordar daquele pesadelo interminável, mas não havia mais escape. O cansaço começava a se misturar ao desespero, e sentiu que a linha entre o sonho e a vigília estava se apagando.
Quando finalmente o dia chegou e o despertador tocou, se levantou com um esforço visível, o corpo pesado e os olhos ardendo pela falta de sono. Ela se olhou no espelho, mas a visão de si mesma a fez sentir ainda mais o peso da noite passada. As olheiras profundas, quase negras, estavam marcadas em seu rosto, e o reflexo que ela via parecia tão distante, tão irreconhecível. Seu olhar estava vazio, como se ela tivesse perdido algo que não conseguiria recuperar.
Ela tentou esconder o cansaço, como sempre fazia, cobrindo as olheiras com um pouco de maquiagem e se forçando a agir como se estivesse bem. Mas nada, absolutamente nada, era capaz de disfarçar a exaustão que a consumia. Cada passo parecia um esforço monumental, como se o peso de cada pensamento fosse uma âncora amarrada aos seus tornozelos.
Na universidade, tentou se concentrar, mas as aulas passaram por ela como um borrão. O ambiente ao seu redor parecia distante, e as palavras dos professores se misturavam com o som do coração batendo acelerado, a respiração difícil. Ela tentava se forçar a prestar atenção, mas tudo o que conseguia ver era o olhar dele, aquele olhar que a perseguia implacavelmente.
Ela sentiu o desconforto de estar ali, entre as pessoas, como se estivesse exposta, vulnerável. Cada conversa ao seu redor parecia irrelevante, como se não estivesse verdadeiramente presente. O mundo, que antes parecia ter alguma cor, agora estava pálido e distante, uma tela borrada pela falta de sono e pela sombra de um pesadelo que parecia não ter fim.
Quando o sinal do intervalo tocou, se levantou, as pernas tremendo ligeiramente, e saiu apressada. Ela não queria ficar mais tempo ali, não queria mais sentir aquele peso, aquela sensação de estar sendo observada. Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que não havia lugar para se esconder. O pesadelo não estava apenas em seus sonhos. Ele estava com ela, o tempo todo.
sentia que o pátio, com seu silêncio e sua tranquilidade, era o único lugar onde ainda podia encontrar algum tipo de alívio. A ideia do refeitório, com o barulho constante e as multidões, parecia ainda mais opressiva naquele dia, como se a energia do lugar fosse demais para ela suportar. Então, com um esforço que pareceu maior do que realmente era, ela conseguiu convencer Claire a dar uma pausa da agitação do refeitório e a aproveitar a paz do pátio, mesmo sabendo que isso poderia parecer uma fuga.
Claire olhou para ela com uma expressão de surpresa, mas, percebendo o cansaço evidente nos olhos de , não insistiu.
As duas seguiram em direção ao pátio, atravessando o campus em silêncio. O ar estava mais fresco, e as árvores, com suas folhas levemente tocadas pelo vento, pareciam criar uma barreira protetora em torno delas. O pátio estava mais vazio do que o normal, com poucas pessoas espalhadas por ali, conversando em tom baixo ou simplesmente curtindo o descanso. se sentou em um banco próximo a uma árvore, sentindo um pequeno alívio por estar longe da movimentação frenética da universidade. Era como se aquele espaço, embora simples, tivesse o poder de acalmar seus nervos.
Claire se acomodou ao seu lado, observando a amiga com uma expressão de leve preocupação, mas sem dizer nada. Ela sabia que não estava bem, mas também sabia que a última coisa que precisava era ser pressionada. Quando se sentou, ficou clara a tensão no seu corpo, como se cada músculo estivesse ainda tentando se recompor da noite sem sono.
— Eu precisava disso — murmurou, mais para si mesma do que para Claire, sentindo os olhos pesados, a mente saturada. Ela olhou ao redor, tentando se distrair, mas as imagens do pesadelo estavam teimando em surgir.
Claire, sabendo que já tinha sido benevolente demais em concordar em passar o intervalo em isolamento, compensou a tranquilidade com uma de suas conversa incessante. Ela começou a tagarelar sobre qualquer coisa e tudo, como se sentisse a necessidade de preencher aquele vazio com palavras, como se isso fosse uma maneira de afastar a tensão que ainda pairava sobre .
acenava com a cabeça, respondendo com pequenos comentários aqui e ali, mas suas respostas eram automáticas, como se ela estivesse em um estado de piloto automático, tentando se manter presente, mas sem realmente estar ali. Ela tentava focar no que Claire dizia, tentava forçar sua mente a se distrair, mas era difícil. As palavras de Claire, embora bem-intencionadas, apenas pareciam intensificar a sensação de desconforto que estava sentindo.
— Ouvi dizer que ele é da Pensilvânia — Claire comentou, com um tom curioso, mexendo em seu celular enquanto conversava.
sabia exatamente sobre quem a amiga se referia. Tentou disfarçar, ignorando a questão, mas o olhar penetrante de Claire não deixaria escapar, especialmente quando ela estava tão determinada a falar sobre a última fofoca.
— Estranho ele aparecer em Utah no meio do semestre, né? — respondeu, franzindo a testa, olhando para a comida sem realmente se importar com ela. Algo sobre a chegada dele parecia desconectado, como se tivesse sido lançado ali de repente, sem explicação.
— Não sei, mas o que eu sei é que as meninas estão se matando para cair na cama dele — Claire disse, com um sorriso travesso, os olhos brilhando de diversão ao falar de algo tão trivial, mas irresistível.
— E você? — perguntou, mais para provocar do que por realmente querer saber.
Claire deu um riso leve e jogou o cabelo para trás, um gesto automático que parecia carregar um ar de confiança.
— Você me conhece, , não sou de competir com ninguém — respondeu Claire, mas, ao mesmo tempo, seus olhos brilharam com um toque de malícia. — Mas, vou te dizer uma coisa: eu vi como você olhou para ele naquele dia.
Aquelas palavras pegaram de surpresa. Seu coração deu um salto involuntário.
Como ela tinha olhado para ele?
— Como assim? — perguntou, tentando manter o tom indiferente, mas seu rosto traiu um certo desconforto, as bochechas corando levemente.
— Como se ele pudesse te matar a qualquer momento — Claire respondeu com uma risada suave, mas seus olhos estavam afiados, observando a amiga com um sorriso de quem já tinha captado algo que não passava despercebido.
Claire não estava errada.
engoliu em seco, tentando ignorar a sensação estranha que começava a se formar dentro dela. Ela sabia o que Claire queria dizer, mas não sabia como admitir que havia algo naquele olhar, algo que a deixava desconfortável e, ao mesmo tempo, fascinada.
— Eu não... — começou, mas as palavras pareciam não sair da maneira certa. Ela queria se defender, dizer que não era nada disso, mas a verdade é que nem ela mesma entendia bem o que estava acontecendo.
Claire não deixou espaço para desculpas, agora com um tom mais baixo, mas ainda assim incisivo.
— Me poupe, , você não conseguiu tirar os olhos dele quando ele apareceu, duas semanas atrás. — Ela falou com uma leveza, mas também com um toque de certeza, como se tivesse observado cada movimento de sem que a amiga soubesse. — E eu sei que não é só curiosidade. Eu vi o jeito que você olhou pra ele, como se estivesse apavorada. Não te julgo, se fosse eu no seu lugar também teria medo de um rosto bonito como aquele.
sentiu seu corpo ficar tenso de imediato. Ela não queria ouvir aquilo, mas sabia que era verdade. A verdade do que ela sentia era desconcertante demais para ser dita em voz alta.
Eu não quero perdê-lo de vista.
Não quando ele pode aparecer em qualquer lugar.
desviou os olhos, não sabendo o que responder. Parte dela queria negar, se livrar dessa sensação estranha que parecia engolir sua paz. Outra parte, no entanto, sentia um frio crescente em sua espinha, como se tivesse acabado de tocar algo perigoso, algo que não poderia controlar. Ela não sabia o que fazer com aquilo. Não sabia como lidar com as imagens que invadiam sua mente, a sensação de que ele a observava, a cada movimento seu, a cada passo dado.
Claire continuou com um sorriso provocador, mas apenas olhou para ela, tentando manter a calma.
— Não é isso, Claire. Eu só… — ela hesitou, sem saber como justificar seu comportamento. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas as palavras de Claire a faziam sentir como se algo estivesse fora de lugar. Como se houvesse uma expectativa em cima de algo que ela não entendia bem.
respirou fundo, tentando afastar a sensação de desconforto. Ela realmente não sabia o que pensar sobre aquele homem — o que sentia em relação a ele estava emaranhado, confuso. Havia algo nele, algo que parecia ter o poder de fazer sua mente girar, e ao mesmo tempo, algo que a fazia se sentir como se estivesse perdendo o controle de si mesma.
— Eu não estou com medo dele, Claire. Só… Não fui com a cara dele — murmurou, seus dedos apertando o banco sob ela. Ela tentava organizar seus pensamentos, mas a presença daquele homem, real ou não, estava se infiltrando em cada parte de sua mente.
Claire a observou em silêncio por um momento, seu olhar agora mais suave. Ela parecia perceber a tensão na amiga, embora talvez não entendesse o peso de seus sentimentos.
— Eu sei que você é cheia de receios, , mas ele parece ser só mais um cara. Não é como se ele fosse alguma coisa fora do comum — Claire deu de ombros, mas havia uma pitada de curiosidade em sua voz. — Mesmo assim, se não for muito o seu estilo, não precisa se preocupar. Eu posso cuidar dele se você quiser... Já que tem outros caras na sua fila.
piscou, tentando processar as palavras, mas uma parte dela não conseguia se livrar da sensação de que, de alguma forma, aquele homem tinha sim algo de diferente. Algo que a assustava, mas ao mesmo tempo a atraía, como um ímã invisível. Ela não sabia como explicar, não queria nem tentar.
não queria perder o controle. Não queria que as coisas que sentia se transformassem em algo maior, algo mais real. O problema era que ele parecia estar sempre por perto, como uma sombra que não a deixava em paz, e, pior, ela não sabia como lidar com isso.
Ela olhou para o horizonte, sentindo os olhos de Claire sobre ela, e suspirou. Se ele podia aparecer em qualquer lugar… Como poderia evitá-lo?
Claire deu um sorriso rápido e passou a mão no cabelo, como se aquela conversa não fosse nada de mais.
— Só não deixe o Josh em Banho Maria por muito tempo, sim? — ela disse, sem perceber a tensão no ar, como se estivesse apenas brincando com a situação.
Mas para , não era uma brincadeira. Cada palavra parecia um fio invisível que a conectava a algo que ela não conseguia entender, e quanto mais tentava se afastar, mais aquele algo se aproximava. Ela ainda não sabia como se sentir em relação a isso, mas sabia que, de algum jeito, ele estava se tornando impossível de ignorar.
Quando o intervalo acabou, se despediu de Claire, tentando parecer mais animada do que realmente estava. Ela ainda não conseguia deixar de pensar no que Claire tinha dito, e as palavras da amiga ressoavam em sua mente com uma intensidade desconfortável. Ela não sabia como lidar com aquilo, e o pior era que ela não sabia nem mesmo o que sentia em relação a Josh. Quem dirá sobre o outro cara. Tudo parecia nebuloso, uma mistura de fascínio e medo, como se ele fosse uma presença constante, uma sombra que não a deixava em paz.
Ela caminhava em direção à próxima aula, com os ombros caídos e a cabeça baixa, tentando se concentrar em qualquer coisa que não fosse o turbilhão de pensamentos em sua cabeça. Mas, em meio ao seu conflito interno, acabou não prestando atenção em onde estava indo. De repente, ela esbarrou em alguém.
O impacto foi tão repentino que ela mal teve tempo de se equilibrar, mas antes que o chão a alcançasse, alguém a segurou firmemente, evitando o impacto. Livros caíram no chão, espalhando-se pelo corredor como se quisessem escapar das suas mãos desajeitadas. Seu corpo estava pesado, como se o cansaço e a fome tivessem consumido todas as suas forças. A respiração descompassada, o coração acelerado, e a tontura que a fazia balançar, tudo isso a deixou em um estado de confusão por um momento. Ela precisou fechar os olhos e respirar fundo, tentando se recompor, focando apenas no som de sua respiração e na sensação de segurança nos braços que a sustentavam.
Quando finalmente se sentiu um pouco mais estável, levantou a cabeça lentamente para agradecer. Mas o que encontrou apenas fez seu estômago se revirar. O rosto que se formava diante dela não era apenas familiar — era o rosto dos seus piores pesadelos, aquele que ela tinha tentado esquecer, mas que agora, de forma cruel, se materializava bem na sua frente.
se agachou rapidamente, tentando recolher o seu material, ou apenas fugir daquele encontro. O som dos livros batendo no chão ainda ecoava em sua mente, mas ela não conseguia se concentrar no simples ato de pegar os livros de volta.
— Você está bem? — ela o ouviu dizer. A voz exatamente como ela se lembrava de ouvir em seus sonhos.
Um arrepio macabro percorreu todo o corpo de .
Um bolo se formou em sua garganta, fazendo com que apenas assentisse como resposta, esperando que fosse o suficiente para que ele fosse embora.
Uma ova.
Ele se abaixou para ajudá-la a recolher os livros espalhados pelo corredor, a expressão dele misturando calma com uma leve preocupação. , ainda recuperando o fôlego, observou em silêncio enquanto ele pegava os livros com facilidade, como se aquele simples gesto não fosse nada para ele. Ela queria se afastar, sair dali, mas seu corpo parecia preso, ainda lutando contra a vertigem e o cansaço que a dominavam.
Cada movimento dele parecia reverberar em seu peito, como um lembrete cruel de quem ele era. Seus dedos tocavam os livros com a mesma suavidade todas as vezes, mas para ela, o gesto parecia impregnado de uma intensidade que a deixava desconfortável. Aquele era o rosto que ela nunca quis ver novamente, e agora ele estava ali, tão perto, agachado na sua frente.
O desconforto aumentava a cada segundo. Ela mal conseguia olhar para ele, mas sabia que precisava. O silêncio entre eles era pesado, mas ela não sabia o que dizer, como lidar com a barreira invisível que existia entre eles. Tudo o que pensava era em se manter em segurança do seu lado do muro.
Quando finalmente conseguiram recolher todo o material, eles se levantaram quase ao mesmo tempo, e a tensão entre eles se tornou ainda mais densa. sentiu o ar pesar em seus pulmões, como se o momento estivesse carregado de algo não dito, algo que ela tentava evitar a todo custo. Eles se encararam por um instante, e, apesar de todo o cansaço e confusão que ela sentia, seus olhos estavam fixos nele, como se ele fosse a única coisa que importasse naquele momento.
Ele não parecia incomodado, mas sabia que ele a estava observando com uma intensidade que a fazia querer se esconder. Ela engoliu em seco, sentindo uma onda de pavor tomar conta de seu corpo. O estômago apertou, e uma sensação de frio percorreu sua espinha. Aquele rosto, tão real e nítido, estava ali, parado em frente a ela, como se o pesadelo tivesse invadido sua realidade de forma cruel e implacável.
Ela piscou várias vezes, tentando afastar a visão, mas ele não desapareceu. Seus olhos continuaram fixos nela, como se ele estivesse esperando que ela dissesse algo, como se ele soubesse o que ela estava pensando, o que ela temia.
não conseguia se mover. Não sabia se deveria falar, se deveria pedir desculpas, ou se deveria simplesmente correr dali o mais rápido possível. Mas sua voz parecia ter desaparecido, e seu corpo estava paralisado.
Até que ela olhou em seus olhos. Eles eram completamente diferentes do que ela esperava.
O olhar dele não estava carregado de ódio ou angústia, como nos pesadelos que a perseguiam. Em vez disso, havia um brilho curioso em seus olhos, como se ele estivesse observando alguém pela primeira vez, tentando entender quem ela era.
Esse olhar a desarmou de imediato. Não havia nem um vestígio de raiva, nem da malícia que ela temia ver refletido nele. Ele parecia genuinamente interessado, como se estivesse diante de uma pessoa desconhecida, sem qualquer lembrança do que quer que fossem os pesadelos em que eles se encontraram. sentiu uma onda de confusão invadir sua mente. Esse brilho curioso, tão distante de tudo o que ela imaginava, a fez questionar se ele realmente se lembrava — ou se, na verdade, ele nunca a tivesse conhecido de verdade.
O desconforto que sentia era agora misturado com uma sensação estranha de alívio, que ela não sabia como processar. Mas o mais forte era a sensação de vazio, como se a conexão que ela temia ainda não tivesse sido quebrada, mas estivesse, de alguma forma, desaparecido diante de seus olhos.
— Eu sou — disse ele, estendendo a mão com um sorriso tranquilo.
o olhou com uma expressão cética, como se não acreditasse que aquilo fosse sério. Seu cérebro estava tentando processar, mas a estranheza daquela situação a desconcentrava.
Após um breve silêncio, em que o momento parecia cada vez mais estranho, ela percebeu que ele não estava brincando. Relutante, estendeu a mão e, no momento em que seus dedos se tocaram, um calafrio percorreu seu corpo, gelando suas entranhas. Foi uma sensação que ela não conseguiu ignorar, como se algo sombrio estivesse se infiltrando em sua pele.
— — foi tudo o que ela conseguiu dizer, sua voz um pouco mais baixa do que o normal. Talvez se apresentando apenas com o apelido ela pudesse evitar que ele se lembrasse do seus encontros em pesadelos.
— Nome bonito — ele comentou, a voz suave, mas com uma intensidade que a fez desconfortável.
Ela apenas assentiu, incapaz de dar uma resposta mais longa. A tensão pairava entre eles, como se as palavras estivessem presas, aguardando para serem ditas, mas nenhum dos dois parecia querer quebrar o silêncio que agora se estendia entre eles.
engoliu em seco. Tinha que dar um fim nisso.
— Obrigada pela ajuda — disse ela, a voz agora apressada, tentando minimizar o desconforto que sentia. Seus olhos estavam em seus livros, como se ela quisesse se afastar rapidamente da conversa, mas a sensação de que ele ainda estava ali, observando, a fazia hesitar — E... Desculpe pelo encontrão.
abraçou seus livros, querendo se afastar o mais rápido possível da situação desconfortável. Ela virou-se para seguir seu caminho, mas antes que pudesse dar dois passos, ouviu o som suave dele se movendo atrás dela.
— Qual o seu curso? — perguntou, alcançando-a com facilidade.
fechou os olhos por um momento, como se fosse possível simplesmente sumir daquele cenário. Mas, pelos passos dele se aproximando, ela soube que não tinha dado certo.
— História — ela murmurou, mantendo os olhos ainda fechados.
— Licenciatura? — ele perguntou, e ela assentiu sem muita energia. — Não se fazem mais professores como antigamente.
Ela fez um som baixo, um tanto incompreensível, sem parar de caminhar.
— Eu faço Filosofia — ele tentou puxar conversa novamente, sua voz leve, como se tentasse descobrir algo mais sobre ela.
não pôde evitar um riso abafado. A ideia de sendo estudante de Filosofia parecia até engraçada para ela.
— Qual o seu problema com Filosofia? — ele perguntou, um sorriso travesso brincando em seus lábios.
— Você não é um daqueles zé droguinhas, é? — ela provocou, lançando um olhar de esguelha para ele. O sorriso dele fez seu coração dar um salto inesperado.
— Por que você não tenta descobrir? — ele desafiou, com aquele sorriso de quem sabia que estava provocando uma reação.
revirou os olhos, tentando se manter focada em seu caminho, mas algo nela parecia se perder com cada passo que ele dava ao seu lado.
— Você vai no Dia dos Reis? — ele perguntou de forma casual, como quem fazia uma pergunta qualquer.
Ela parou de repente em frente à sala de aula e lançou um olhar desconfiado para ele.
— Qual é a de todo mundo com essa festa? — ela rebateu, confusa, mas também um pouco irritada com o assunto que parecia sempre voltar à tona.
— Não sei — ele deu de ombros com uma expressão vaga. — Você vai?
fez uma careta e balançou a cabeça.
— Não pensei muito sobre isso — respondeu, tentando desviar de novo.
— Seria legal... Se você fosse — ele disse, quase sem jeito, como se estivesse se arriscando com uma sugestão que sabia que poderia ser rejeitada.
— Você é novo na cidade — respondeu sem graça, tentando se afastar do assunto. — Vai ter várias pessoas pra você conhecer lá. Não se preocupe comigo.
Ele sorriu, aquele sorriso que fazia o ar ao redor dela parecer mais denso.
— Aqui é sempre assim quando alguém novo aparece? — perguntou ele sem graça.
— Só até outra novidade acontecer — deu de ombros, olhando de esguelha para a porta da sala, esperando pela oportunidade de escapar daquela conversa.
soltou uma risada irônica, trocando o peso de uma perna para a outra.
— Algo me diz que isso não acontece muito por aqui — disse ele, divertidamente.
— Eu diria que você está sem sorte — brincou ela, sem conseguir se conter.
— Merda — praguejou baixinho, arrancando um sorriso tímido dela.
— Se quer um conselho — disse ela com um suspiro. — Deixe para a próxima festa, até lá tenho certeza que vai aparecer alguma notícia e as pessoas vão te deixar em paz.
— Eu meio que não tenho essa opção — disse ele, o tom da voz carregando algo enigmático.
— Por que não? — perguntou, um pouco mais curiosa agora, apesar do receio que a dominava.
Algo nos olhos dele brilhou de maneira fugaz, algo que ela não conseguiu entender imediatamente.
— Eu vou ser um dos Reis.
Capítulo 3
não sabia exatamente o que a tinha levado à festa do Dia dos Reis. Talvez fosse a insistência implacável de Claire, que sempre parecia saber como envolvê-la em situações que ela normalmente evitaria. Ou talvez fosse aquela curiosidade silenciosa que surgia vez ou outra, um desejo de observar a vida acontecendo ao seu redor, mesmo quando preferia manter distância. De qualquer forma, ali estava ela, caminhando pela praça iluminada, com o ar gelado da noite de inverno fazendo suas bochechas arderem levemente.
A praça estava repleta de vida. Crianças corriam de um lado para o outro, rindo e carregando balões brilhantes, enquanto os adultos conversavam em grupos animados, embalados pelo aroma doce de churros e chocolate quente que flutuava pelo ar. O céu limpo, pontilhado de estrelas, contrastava com as luzes coloridas que enfeitavam cada canto da praça, das árvores aos estandes de comida e artesanato. Tudo tinha um ar quase mágico, como se o lugar tivesse sido tirado de um conto de fadas.
parou por um momento perto de uma barraca de pipoca, observando o movimento à sua volta. Apesar do ambiente festivo, sentia-se uma estranha no meio de tantas pessoas. Era como assistir a um filme onde todos estavam envolvidos na mesma história, menos ela. Seus olhos varreram o espaço até encontrarem Claire, que, como esperado, estava cercada por um grupo de conhecidos, rindo de algo que provavelmente era trivial, mas que parecia arrancar gargalhadas sinceras.
Por um instante, considerou voltar para casa. Ainda podia escapar, alegar um mal-estar ou simplesmente desaparecer na multidão sem que ninguém notasse. Mas então, uma voz dentro dela a desafiou. Era raro ela se permitir fazer parte de algo, mesmo que por um momento. Talvez, só por essa noite, pudesse tentar.
Respirando fundo, ajeitou o casaco e começou a caminhar em direção ao grupo de Claire, sentindo que cada passo era mais pesado que o último. Afinal, era sempre mais fácil observar do que participar.
Como se atraída instantaneamente pela presença da amiga, Claire a avistou no mesmo momento. Seus olhos se iluminaram, e um sorriso radiante tomou conta de seu rosto. Sem pensar duas vezes, levantou o braço em um aceno largo, chamando sua atenção de forma quase teatral, como era típico dela.
parou onde estava, sentindo-se pega em flagrante, como se tivesse sido descoberta em um plano secreto de fuga. O sorriso de Claire era tão amplo e acolhedor que parecia impossível ignorá-lo, mesmo que, por um breve segundo, tivesse considerado virar-se e desaparecer na multidão.
— ! Aqui! — a voz de Claire cortou o burburinho da festa com facilidade, carregando um tom de alegria genuína que fazia se perguntar, não pela primeira vez, como ela conseguia ser tão naturalmente calorosa.
Antes que pudesse reagir, Claire já estava caminhando em sua direção, desviando com destreza das pessoas ao redor, como se a festa inteira tivesse desaparecido e o único foco dela fosse alcançar .
Sem saída, suspirou baixinho, ajustando o casaco enquanto preparava um sorriso que esperava ser convincente o suficiente. Afinal, Claire nunca aceitava meias-participações, e sabia que, naquela noite, seria difícil escapar de sua energia contagiante.
— Pensei que você tinha mudado de ideia — disse Claire, oferecendo um copo de cidra quente a ela.
— Não é como se você tivesse me dado muita escolha — respondeu , esboçando um sorriso tímido. — Como se eu não soubesse que os seus presentinhos não passam de uma ameaça.
Claire observou , e seu sorriso malicioso se transformou em pura satisfação ao observá-la. Assim como a amiga, , usando o vestido de época deslumbrante que Claire havia deixado na porta de sua casa naquela manhã. O tecido fluía com elegância a cada passo, e os detalhes de renda e bordado destacavam-se sob as luzes suaves da festa. Era como se o vestido tivesse sido feito para ela.
Por um momento, Claire pareceu quase não acreditar que realmente tivesse cedido à provocação. Ela sabia o quanto a amiga era relutante com coisas chamativas, preferindo sempre passar despercebida. Mas agora, no centro daquele ambiente festivo, parecia irradiar algo que ia além da beleza do vestido. Era como se, mesmo com o desconforto evidente no rosto, ela carregasse uma presença única que fazia todos ao redor notarem. E ela estava odiando cada segundo daquilo.
— Eu sabia que você não resistiria — Claire murmurou para a amiga quando a abraçou, o sorriso no rosto agora mais afetuoso do que travesso. Afinal, ela sabia que, apesar de tudo, estava muito mais deslumbrante do que gostaria de admitir.
— Eu me sinto como... Como se estivesse fantasiada de outra pessoa — lançou um olhar cansado para a amiga.
— Talvez seja isso que você precisa — Claire falou com ternura. — Se permitir ser outra pessoa, mesmo que só por uma noite. Quem sabe você descobre algo novo sobre si mesma?
— Você fala como se isso fosse uma sessão de terapia — deixou escapar um meio sorriso.
— Terapia, festa, é tudo a mesma coisa — Claire deu uma risada alta. — E além disso, eu sou ótima nisso, não sou?
resmungou em resposta, mas Claire não se deixou abalar. Ela estava determinada a seguir com sua missão.
— Mas e então? — Claire cutucou a amiga na costela, fazendo dar um pequeno pulo de surpresa. — Onde está o Josh?
— Eu não sei — revirou os olhos, claramente impaciente.
— Você não veio com ele? — Claire insistiu, arqueando uma sobrancelha.
— Por que eu viria? — respondeu, um pouco mais seca, tentando desviar do assunto.
Claire lançou um olhar sério e penetrante para a amiga, e a expressão em seu rosto mostrou que não acreditava por um único segundo no que estava dizendo.
— Ele pode até acreditar quando você finge que não sabe que ele gosta de você — Claire disse, a voz firme. — Mas a mim você não engana.
— O que isso tem a ver? — retrucou, visivelmente desconfortável com a insistência.
— Tem a ver que já passou da hora de você dar uma chance pra ele — Claire não dava o braço a torcer.
— Eu não gosto dele desse jeito — falou, a voz um pouco mais baixa, quase como se estivesse tentando convencer a si mesma.
— Ainda não — Claire soltou um sorrisinho malicioso. — Mas você não se deu nem ao trabalho de tentar.
— Claire, por favor... — pediu, a paciência começando a se esgotar.
— Eu não entendo qual é o problema — Claire balançou a cabeça, com uma expressão de reprovação. — Josh é atencioso, inteligente, claramente interessado, e não é nada ruim de olhar.
não respondeu imediatamente, seus olhos varriam a multidão ao redor, tentando se distrair de qualquer maneira. Mas, no fundo, não sabia exatamente o que procurava.
— A menos que... — Claire pareceu refletir por um momento. — A menos que você esteja interessada em outra pessoa...
desviou o olhar rapidamente, tentando ignorar a provocação que vinha a seguir.
— Sim, Claire, claro, o que você quiser — concordou, deliberadamente desinteressada, apenas para pôr fim à conversa.
— Só pode ser o cara novo, não é? — Claire disse com um sorriso travesso no rosto, como se tivesse acabado de fazer uma grande descoberta.
— O quê? — perguntou, a surpresa visível em sua voz.
— Você com certeza está a fim do cara novo! — Claire provocou, com aquele brilho malicioso nos olhos.
— ? — respondeu, quase sem querer, seu rosto se tornando levemente vermelho.
— Viu? — Claire cutucou com um sorriso vitorioso. — Eu não lembro de ter te contado o nome dele.
— Eu não estou a fim dele — resmungou, tentando desmentir o que Claire já estava insinuando.
— Ah, é? — Claire a olhou com uma expressão debochada. — Porque você está ficando vermelha.
sentiu suas bochechas queimarem de vergonha e raiva. A mistura de emoções fez seu peito apertar.
— Eu não estou — falou, a voz um pouco mais alta, tentando se defender.
— Você fica uma gracinha assim — Claire apertou as bochechas dela com um gesto afetuoso, mas também zombeteiro.
— Sai fora! — empurrou a amiga com um movimento rápido, tentando evitar mais provocações.
No momento em que as duas estavam quase se afastando, o sino da igreja tocou, interrompendo o clima tenso.
— Preciso encontrar minha irmã. Ela vai cantar no coral, e eu prometi desejar boa sorte — Claire disse, ainda sorrindo, sem dar importância ao constrangimento da amiga.
assentiu, tentando não transparecer o desconforto crescente ao ver Claire se afastar. Agora sozinha, ela vagou pela multidão, tentando encontrar algo que chamasse sua atenção. O barulho, as risadas e os cheiros intensos de comida fizeram sua cabeça girar. Sentia-se deslocada, como uma pérola esquecida no meio de um oceano caótico.
já estava sendo tentada pela ideia de escapar da celebração novamente quando algo pareceu se encaixar. Ela parou por um momento, o copo de cidra ainda equilibrado na ponta dos dedos, e olhou ao redor com mais atenção.
Dessa vez, no entanto, a ideia de escapar parecia incompleta. Fugir não apagaria o vazio que a seguia. respirou fundo. Talvez, ao invés de ir embora, fosse hora de enfrentar o que estava tentando deixar para passar.
ficou à deriva, cercada pela multidão, mas sem conseguir se conectar com nada ao seu redor. As luzes coloridas da festa piscavam e dançavam sobre as pessoas, criando uma atmosfera vibrante, mas para ela tudo parecia embaçado, distante. Ela se movia, mas sem direção, como se estivesse sendo empurrada pela maré de corpos ao seu redor, sem saber exatamente onde estava indo.
O vestido, que Claire tanto insistira para que ela usasse, agora parecia uma segunda pele, apertando e sufocando em todos os lugares errados. tentava ignorar os olhares que se cruzavam com os seus, mas a sensação persistente de estar sendo observada fazia seu estômago revirar. Ao invés de se sentir deslumbrante, como Claire insistia, ela se sentia vulnerável e deslocada, um peixe fora d'água, flutuando sem rumo no meio de um mar de conversas e risos.
Ela procurava por alguma familiaridade, alguém, algo que a fizesse se sentir ancorada naquele turbilhão, mas, ao olhar em volta, tudo o que via eram rostos sorridentes e conversas descontraídas. Claire já estava longe, perdida em meio aos seus próprios círculos, e , agora sozinha, não sabia como se encaixar.
Não se afastou da festa, mas se perdeu ali, no meio daquelas pessoas, tentando disfarçar o desconforto que começava a transparecer em cada gesto, cada olhar. Ela forçava um sorriso aqui e ali, conversava superficialmente com quem se aproximava, mas nada parecia funcionar. A desconexão era palpável, uma barreira invisível que a mantinha à parte de tudo.
Ela não queria ser notada, mas, ao mesmo tempo, sentia-se como se não pudesse escapar dos olhos que, por um motivo ou outro, se voltavam para ela. Como se sua presença estivesse em constante evidência, apesar de todos os seus esforços para se ocultar.
suspirou, inconscientemente buscando um refúgio, mas, por mais que olhasse ao redor, não havia um lugar onde ela se sentisse verdadeiramente em paz. Ela estava ali, à deriva, sem saber como se sentir parte de tudo aquilo.
Aos poucos se viu vencida pela sua força de vontade, convencida a voltar para o conforto de sua casa, cansada de se sentir como uma estranha em meio àquela festa. O barulho das conversas, as risadas altas e a música abafada pela distância começavam a se misturar em um som único e irritante. Ela já pensava em procurar Claire para se despedir, quando de repente, sentiu um toque leve, quase imperceptível, no seu cotovelo.
A sensação foi instantânea. Uma corrente elétrica pareceu se espalhar por todo o seu corpo, atravessando sua pele e fazendo seu coração acelerar de forma inesperada. Ela piscou repetidamente, o olhar ainda um pouco atordoado, tentando localizar quem havia sido o responsável por aquele toque tão... Enérgico.
O tempo parecia ter desacelerado por um momento, e sentiu cada batida do seu coração vibrar em seus ouvidos. O toque, tão sutil, mas com uma intensidade incomum, parecia ter a capacidade de fazer tudo ao seu redor desaparecer, como se o mundo tivesse parado para que ela fosse lembrada de algo — ou de alguém.
Ela se virou lentamente e, ao encarar o responsável por todas aquelas reações, o ar ao seu redor ficou mais denso, como se a atmosfera tivesse mudado. Ele estava ali, parado a poucos centímetros dela, com um sorriso discreto no rosto. Algo em seu olhar fez prender a respiração, e ela se pegou sem palavras, imersa em uma sensação que não sabia como interpretar.
— Eu estava torcendo pra encontrar você aqui — disse , sua voz suave, mas ao mesmo tempo, firme.
Ela abriu os lábios, mas não sabia o que dizer. Era como se palavras simples não pudessem explicar a estranha conexão que se formava entre eles. O homem à sua frente estava vestido de uma maneira que desafiava a lógica: seu traje misturava o antigo e o moderno de forma impecável, dando-lhe um ar atemporal. O tecido escuro do casaco parecia ter sido cortado com uma precisão meticulosa, e as botas de couro brilhavam suavemente sob a luz das lanternas da festa. Havia algo em sua postura, na maneira como se movia, que lembrava figuras de outra época, como se ele fosse um espectro do passado.
A beleza de não era a típica de qualquer homem que já tivesse conhecido. Era uma beleza quase sobrenatural, uma mistura de serenidade e poder que lhe causava desconforto, mas também uma pontada de curiosidade. O tipo de beleza que mexia com sua mente e fazia seu estômago se contorcer de maneira inexplicável.
— Você me encontrou — disse, tentando recuperar um pouco de controle, mas a voz saiu mais baixa do que o esperado, um pouco trêmula.
olhou para ela com um sorriso que parecia se aprofundar, como se ele soubesse o efeito que causava nela.
— Pra quem não sabia se viria você me parece estar no clima das comemorações — brincou ele, seus olhos brilhando com uma admiração silenciosa ao examinar o vestido de , que ela agora sentia ser a única coisa que a ancorava àquela realidade.
Ela deu uma risada forçada, tentando aliviar a tensão crescente entre eles.
— Não pense por um minuto que eu planejei isso — disse ela, tentando se afastar do desconforto crescente com um sorriso nervoso.
, no entanto, não pareceu se importar com o tom de brincadeira dela. Ele a observava com um olhar atento, como se estivesse absorvendo cada palavra, cada nuance dela.
— Mãe religiosa? — ele arriscou, a voz carregada de uma leve provocação.
deu um pequeno riso, mas a resposta surgiu com um tom de sarcasmo que ela não pôde evitar.
— Pior — ela disse, fazendo uma pausa dramática. — Uma melhor amiga obcecada por festas à fantasia.
sorriu abertamente agora, e, para surpresa de , a risada que se sucedeu não tinha o menor toque de malícia. Pelo contrário, era genuína e até encantadora. Ela sentiu uma onda de calor percorrê-la, como se aquele som tivesse um poder próprio sobre ela.
— O maior pesadelo dos introvertidos — brincou ele, uma piscadela acompanhando a piada.
fez uma careta indignada.
— Eu não sou introvertida — protestou ela, sem pensar muito.
arqueou uma sobrancelha, uma expressão divertida atravessando o seu rosto.
— Tá — ela bufou, arrancando mais uma risada envolvente dele.
precisou respirar fundo por um momento, para não se perder naquele som.
— E onde está a sua amiga imaginária? — perguntou, implicante.
Ela revirou os olhos, contendo um sorriso.
— Muito engraçado — resmungou , cruzando os braços. — Claire foi assistir a apresentação da irmã dela no coral.
— Quer dizer que você está livre? — perguntou com um tom desafiador, mas suave.
hesitou, sem saber o que responder.
— Eu não diria... — ela começou, mas as palavras morreram quando ela viu o brilho de curiosidade e paciência no olhar dele.
Ele deu uma risadinha e, sem mais rodeios, sugeriu:
— O que você acha de irmos até uma barraca de doces?
sentiu todos os seus instintos pedirem para ela recuar, para negar educadamente, para não seguir por aquele caminho. Mas, sem perceber, seus pés começaram a se mover, e ela já estava se afastando da multidão, guiada pelo braço de entrelaçado ao seu. Era como se uma força invisível a estivesse levando, sem que ela tivesse a opção de resistir. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas, naquele momento, parecia que se deixar levar era a única coisa que fazia sentido.
e se perderam na energia vibrante da festa, cada momento compartilhado parecendo fluir com uma naturalidade estranha e envolvente. Caminharam juntos pela praça iluminada, conversando sobre tudo e nada, com o som das risadas e das músicas ecoando ao fundo, criando uma atmosfera que os fazia se sentir à parte do resto do mundo. , inicialmente reservada e desconfortável, se viu relaxando na companhia dele, como se a pressão que sempre carregava fosse suavizada pela presença ao seu lado. tinha um jeito único de fazer com que ela se sentisse como se fosse a única pessoa na festa, seus olhos sempre atentos, mas sem pressioná-la. Eles exploraram barracas de comidas, provaram pratos exóticos e conversaram sobre tudo, com provocando-a com piadas e brincadeiras que a faziam sorrir de forma genuína.
Era como se o tempo tivesse parado, deixando-os em uma bolha onde nada mais importava.
Enquanto o evento se desenrolava ao seu redor, percebeu que estava mais leve do que esperava. As cores das luzes dançavam sobre o cenário e, por um momento, ela se permitiu apenas sentir a noite, sem se preocupar com o que poderia acontecer depois. a guiava pela festa com confiança, como se já conhecesse todos os cantos do evento. Eles pararam perto de uma roda de dança, onde a música animada ecoava pelas paredes da praça, e , com um sorriso travesso, a desafiou a se juntar aos dançarinos. hesitou por um instante, mas algo no olhar dele a fez dar o primeiro passo. Juntos, eles se moveram ao ritmo da música, a conexão entre eles se tornando mais evidente. A festa, que antes parecia um espaço de desconforto para , agora parecia um local de possibilidades infinitas, onde ela podia ser simplesmente quem era, ao lado de alguém que parecia entender seus silêncios mais do que suas palavras.
Após algumas músicas, a energia da roda de dança finalmente começou a diminuir para e , que se afastaram, ainda respirando ofegantes e sorrindo como idiotas. Eles se afastaram das pessoas que ainda seguiam a melodia, rindo e trocando olhares cúmplices, como se a diversão dos últimos minutos tivesse os desarmado de qualquer autocontrole. sentiu um calor agradável se espalhando pelo corpo, uma sensação de leveza que raramente experimentava em sua vida cotidiana. O barulho ao redor parecia distantes, como se a música e as pessoas tivessem se tornado parte de um pano de fundo difuso, e o foco estivesse apenas nos dois, nesse momento compartilhado.
— Você é uma péssima dançarina — implicou, com o sorriso ainda brincando nos cantos de seus lábios, a voz carregada de uma diversão tranquila.
— Eu nunca disse que não era — respondeu entre risos, sentindo as bochechas queimarem não apenas pela atividade, mas pela proximidade de , pela maneira como ele a olhava.
— Isso foi divertido — ele continuou, ainda sem tirar os olhos dela, como se estivesse querendo se gravar na memória dela de alguma forma. — Você é divertida.
, agradecida por já estar vermelha pelo calor da dança, não tentou esconder o rubor que tomava suas bochechas. A sensação de vulnerabilidade foi apagada pelo riso e pela leveza do momento. Ela sorriu de volta, empurrando-o suavemente com o ombro, como se a brincadeira fosse a única forma de devolver o que ele lhe dava.
— Você também não é nada mal — respondeu ela, a voz carregada de um tom brincalhão.
, deu um passo atrás, deixando que o silêncio se instalasse por um breve momento. Seus olhos estavam iluminados pela diversão, mas logo ele olhou para seu celular, e a expressão dele se suavizou.
— Nós podemos fazer isso de novo qualquer dia desses — ele sugeriu, o tom vago, mas com uma promessa não dita.
— Eu posso pensar no seu caso — disse com um sorriso travesso, tentando não mostrar o quanto a ideia de encontrá-lo novamente a deixava intrigada.
A energia entre eles parecia fluir, mas então, olhou para o celular mais uma vez, e o ambiente ao redor de pareceu mudar de novo, como se o tempo tivesse avançado rapidamente. Ele não parecia tão empolgado quanto antes.
— Eu tenho que ir — ele disse, a voz mais baixa, como se estivesse relutante. — Está na hora da procissão.
sentiu um peso nos ombros, um vazio rápido que a pegou de surpresa. Tentou esconder a decepção que se espalhava dentro de si mesma, forçando um sorriso.
— Sem problemas, eu tenho que encontrar Claire — respondeu ela, sua voz um pouco mais hesitante.
se inclinou em sua direção, e, antes que pudesse reagir, ele depositou um beijo leve e gentil em sua bochecha. O toque dele parecia ter parado o tempo por um momento, e ela ficou paralisada, com a sensação de calor queimando ainda mais em sua pele.
— Obrigado pela companhia — ele disse, antes de se afastar, sorrindo de maneira encantadora. — Nós nos vemos por aí?
— Vejo você na procissão — piscou, sentindo uma risada tímida se formar na garganta.
Ele sorriu ainda mais, aquele sorriso que parecia deixar tudo mais leve, e se afastou, sua figura se dissolvendo rapidamente na multidão, como se ele fosse uma parte da festa, mas ao mesmo tempo algo fora de seu alcance.
ficou ali por um momento, observando-o desaparecer, com um suspiro preso no peito, e a sensação de que o tempo realmente havia parado, mas agora parecia que ela estava sozinha novamente, com uma vontade estranha de mais.
O tempo passou rapidamente, e logo a procissão teve início. As luzes da praça brilharam mais intensamente com o cair da noite, e a multidão começou a se organizar. observou encantada, sentindo uma mistura de curiosidade e reverência ao ver todos se alinhando, com passos lentos e ritmados, criando uma melodia suave ao som das flautas e tambores ao fundo. Havia algo mágico no ar, como se a festa tivesse se transformado em algo mais profundo, mais antigo.
À medida que a procissão avançava, se deixou levar pela atmosfera. As velas tremeluziam suavemente, iluminando os rostos das pessoas que marchavam, e ela sentiu uma conexão inexplicável com aquele momento. A cena parecia sagrada, envolta em uma energia que ela não conseguia explicar, mas que a tocava profundamente. O silêncio reverente ao redor tornava tudo mais intenso, e , embora não compreendesse totalmente, se sentia parte daquilo.
As carruagens passaram lentamente, puxadas por cavalos enfeitados, carregando membros da comunidade vestidos como figuras religiosas. Cada uma delas exalava um ar de solenidade, com expressões sérias e dignas, enquanto os participantes, imersos em respeito, pareciam fazer parte de algo muito maior. observou a cena com fascínio, sentindo a intensidade simbólica que transcendia a festa, uma verdadeira celebração de cultura e tradição.
Cada passo na procissão parecia ressoar em seu peito, e ela se perdeu nas luzes das lanternas e nas expressões serenas dos participantes. Tudo parecia fluir em harmonia, criando uma sensação de paz que a envolvia completamente, afastando-a de todo o receio que a dominava antes. A beleza do momento a deixava hipnotizada, e por um instante, sentiu que o tempo parecia passar mais devagar, imersa naquela experiência única.
Na última carruagem, teve um pequeno sobressalto ao reconhecer , caracterizado como um dos Reis. Ele estava vestido com uma túnica rica, adornada com detalhes dourados, e sua postura altiva exalava uma majestade que contrastava com a informalidade que ela conhecia. Os olhos dele brilharam por um instante ao encontrá-la entre a multidão, e ela sentiu o coração acelerar. A cena parecia ainda mais mágica com ele ali, representando uma figura de poder e importância, como se ele fosse, por um momento, parte de um conto antigo.
o observou com os olhos fixos, sentindo um calafrio percorrer sua espinha. estava deslumbrante, sua presença parecia transcendental. Ele não era apenas bonito, naquele momento, com seu olhar confiante e postura imponente, parecia um ser superior, como uma divindade que ela não conseguia compreender completamente. se pegou admirando-o de longe, sentindo o coração bater mais rápido, como se ele fosse uma figura que pertencia a um mundo além do seu.
Enquanto o observava, algo estranho aconteceu. A luz ao seu redor pareceu escurecer, como se o mundo todo tivesse desvanecido, tornando-se uma sombra distante. Seu foco estava fixo em , mas, em um piscar de olhos, o rosto que antes a encantara, com sua majestade e beleza, se transformou diante dela. As feições que ele possuía agora eram familiares, mas de uma maneira perturbadora, como aquelas que ela via em seus pesadelos. O sorriso que antes parecia inocente agora tinha algo de ameaçador, e seus olhos, que antes brilhavam com curiosidade, agora refletiam uma frieza desconcertante. O ambiente ao seu redor parecia se distorcer, e sentiu o estômago apertar, como se algo sombrio estivesse prestes a acontecer, e ela não soubesse como fugir.
O coração de disparou, e ela piscou, tentando afastar a visão distorcida que a envolvia. Mas, por um breve momento, a realidade parecia fragmentada, como se a linha entre o presente e o pesadelo estivesse borrada. Ela olhou novamente para , esperando que o momento tivesse sido apenas uma ilusão, mas algo em sua expressão continuava desconcertante, como se ele soubesse de algo que ela não compreendia. A sensação de desconforto cresceu dentro dela, e uma onda de pânico a fez querer afastar os olhos dele, mas, ao mesmo tempo, ela se viu incapaz de olhar para outro lugar. A atmosfera ao seu redor parecia carregada de tensão, como se o simples ato de observá-lo pudesse desatar algo que ela não estava pronta para enfrentar.
Ainda assim, ele estava lindo. Como um rei.
Tão rápido quanto aconteceu, a visão passou, como se fosse uma miragem fugaz, deixando atordoada e insegura sobre o que acabara de vivenciar. O mundo ao seu redor voltou a brilhar com a luz suave das lanternas, e ela tentou se recompor, mas a sensação de inquietação ainda pairava no ar.
No entanto, antes que pudesse processar completamente o que sentira, os cavalos das carruagens começaram a se agitar, seus cascos batendo no chão com força, como se algo invisível os tivesse perturbado. As pessoas ao redor começaram a se afastar, murmurando em confusão, enquanto o som das rédeas e dos cavalos descontrolados ecoava pela praça. A atmosfera se tornava ainda mais tensa, como se uma ameaça desconhecida pairasse sobre a festa, fazendo o coração de acelerar de novo, mas dessa vez, por uma razão bem diferente.
Os cavalos, agora completamente descontrolados, se soltaram das rédeas, troteando desgovernados pela praça. O som dos cascos batendo contra o chão era ensurdecedor, misturado aos gritos de pânico das pessoas que tentavam se afastar da trilha caótica dos animais. A multidão se dispersou em desespero, alguns tropeçando e outros gritando por ajuda, enquanto os cavalos, como se fugissem de uma ameaça invisível, corriam sem direção, derrubando barracas, derramando doces e empurrando pessoas para o lado. , congelada por um momento, viu , ainda em sua carruagem, tentando controlar os animais, mas era inútil. Ele parecia lutar contra algo muito maior do que ele poderia enfrentar, e seu rosto, antes tão sereno, agora estava tenso e preocupado.
O caos se alastrava rapidamente, e , instintivamente, procurou um lugar seguro, mas os cavalos estavam por toda parte, fazendo com que ela tivesse que correr, se esquivando das patas agitadas e do tumulto crescente. A praça, que minutos antes parecia uma celebração vibrante, agora estava tomada pela confusão, e sentiu uma onda de medo a envolver, como se estivesse em um pesadelo completamente novo, no qual ela não tinha ideia do que poderia acontecer. Ela olhou para , que agora estava completamente imerso na tentativa de acalmar os animais, e algo estranho no olhar dele fez com que sua apreensão aumentasse. Ele estava agindo como se já soubesse exatamente o que estava acontecendo.
O caos se intensificou de forma brutal quando os primeiros gritos de dor começaram a ecoar pela praça. Pessoas foram pisoteadas pelos cavalos descontrolados, caindo ao chão sem chance de se levantar. O pânico tomou conta da multidão, e viu corpos sendo esmagados, feridos pelo choque das patas dos animais ou pela queda violenta no chão. O som de ossos se quebrando, misturado com os gritos de terror e dor, cortava o ar e fazia a cena ainda mais apocalíptica. O cheiro de sangue fresco começou a se espalhar, pesado e metálico, invadindo as narinas de e tornando o ambiente ainda mais insuportável.
Ela tentou se afastar o mais rápido possível, mas a pressão da multidão e o desespero das pessoas ao redor a empurravam, tornando sua fuga mais difícil. Cada passo parecia mais urgente, mas o pavor a paralisava a cada grito, a cada colapso de uma pessoa ao seu lado. O cenário parecia pior do que qualquer coisa que ela já havia encarado em seus sonos inquietos, e não sabia mais se o caos tinha uma explicação lógica ou se tudo havia se desdobrado por uma razão que ela ainda não conseguia compreender. O terror estava estampado nos rostos ao seu redor, e, no meio disso tudo, ela sentia uma presença estranha, algo além dos horrores visíveis.
não teve tempo de processar a rapidez com que o caos a cercava. Quando se deu conta, um grupo de cavalos vinha em sua direção, furiosamente, seus cascos batendo como trovões, sem nenhum indício de desaceleração. O pânico tomou conta dela, e, apesar da tentativa desesperada de se esquivar, as pernas pareciam pesadas, como se o medo as tivesse paralisado. Ela olhou para os cavalos, seus olhos arregalados de pavor, e quando estavam próximos o suficiente, um deles se impôs, relinchando alto, batendo as patas dianteiras no ar, com uma força animal incontrolável.
Foi quando ela soube que não havia mais para onde correr, que a colisão era inevitável. O tempo parecia desacelerar ao seu redor enquanto ela fechava os olhos, como se o simples ato de não olhar fosse uma maneira de se preparar para o que a aguardava. se concentrou na respiração, tentando se acalmar, mas o medo tomou conta de seu corpo. O caos, o barulho, os gritos... Tudo parecia desaparecer, deixando-a só, com a sensação de que estava prestes a ser levada por um destino do qual não havia escapatória. E então, num ato de pura resignação, ela se preparou para o impacto, para o fim que parecia tão próximo.
mal teve tempo de processar o que acontecia antes de sentir uma mão firme a puxando com força, afastando-a do caminho dos cavalos desgovernados. Ela foi arrastada para o lado com tanta velocidade que mal conseguiu se equilibrar. Ofegante, ela virou a cabeça, ainda em choque, e encontrou os olhos de , que a segurava com uma força quase sobrenatural. Ele estava ofegante também, mas sua expressão era inabalável, como se estivesse no controle de tudo, mesmo no meio do caos. O brilho enigmático em seus olhos parecia mais intenso agora, e algo em sua presença, tão protetora quanto aterrorizante, fez sentir um arrepio percorrer sua espinha.
Ela tentou absorver o que acontecera, mas sua mente ainda estava atordoada. Olhou para o lugar onde estivera momentos antes e viu a tragédia ao seu redor: corpos caídos, esmagados sob o peso dos cavalos, sangue se espalhando pela praça. A visão grotesca fez seu estômago se revirar, e ela engoliu em seco, tentando afastar a onda de náusea. O pânico ainda pairava no ar, mas a presença de , com sua postura quase calma diante do caos, a impedia de sucumbir ao terror. Ela se afastou um pouco, sentindo a adrenalina pulsar em seu corpo, e olhou para ele novamente, sem saber se sentia grata ou apavorada.
Continua...
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