Lives Between Us

Última atualização: Março/2024

— CENA 01 —
Someone Other Than Myself



E: , você pode nos falar um pouco mais sobre a sua participação na adaptação de ‘Lives Between Us’?

Ele se lembra de virar o pescoço para a esquerda, conferindo as expressões da produção e da sua própria equipe; se a pergunta chegara até ele significava que poderia responder, mas era inevitável ficar inquieto mesmo assim.

Era um hábito vicioso, guardou segredo por tanto tempo que parecia surreal que agora pudesse falar sobre o filme.

passa os olhos pela página, medindo a extensão de sua resposta, mas faz uma careta com a sua própria foto impressa no meio, cortando o diálogo bem entre uma palavra e outra. Leva o dedo para a indicação de quem estava falando o que no papel; “E” indicava o entrevistador e “” indicava a ele mesmo. Por mais que sempre assinasse como “”, ele se sentiu estranho ao ver seu nome escrito assim numa entrevista. Parecia íntimo demais.

: Eu estou muito feliz de participar desse filme. O livro é um dos meus favoritos e é a primeira vez que faço algo do tipo...


Conforme respondia, ele passou a se preocupar em estar ruborizando. Tudo na aparência do entrevistador era atraente para ele; o topete baixo balançava levemente, tirando a concentração de que tinha ainda mais dificuldade de sustentar o olhar vivaz e as feições estonteantes que marcavam seu rosto: bochechas altas, maxilar contornado, olhos castanho-claros e o sorriso brilhante de dentes alinhados.

E: Sim! É a primeira vez que você atua em um romance, certo?

: Eu fiz ‘My Policeman’ que é um drama, mas nesse filme, ‘Lives Between Us’, tem uma pitada de fantasia.


Pelo menos não transcreveram todas as vezes em que gaguejou e se atrapalhou para responder só isso.

E: Você pode nos falar mais sobre o enredo? E o seu personagem?

: O livro segue a vida de Apollo e Daphne que fazem pesquisa no departamento de música da mesma universidade e aparentemente se odeiam desde a adolescência, mas a história dos dois vem de mais tempo do que eles sabem, porque suas vidas foram ligadas há milhares de anos pela Maldição de Eros. Eu não quero dar spoilers, já que é um tópico desenvolvido só no livro 2. Mas, em resumo, tem esse fundo mitológico com o meu personagem sendo a reencarnação do deus da música e das artes; o que é interessantíssimo, eu mesmo não sabia muito sobre mitologia grega antes de ler os livros.

E: Então o seu personagem é amaldiçoado?

: Ele é uma reencarnação que trouxe consigo esse lado místico para essa vida. O que sela o destino dele no curso da maldição é Daphne e o objeto mágico que ela não sabe que carrega. Veja, Apollo é a reencarnação do deus de mesmo nome, mas Daphne é a apenas a descendência humana, não tem nenhum passado glorioso. O único poder que ela tem nas mãos talvez seja o de destruir Apollo se assim ela quiser, mas ela não sabe disso. E enquanto Apollo tenta conquistar o afeto de Daphne, ele começa a descobrir que há mais vidas entre eles do que as que eles têm conhecimento.

E: Muito legal! É a primeira vez também que você faz um personagem parecido com quem você é na vida real, não é? Apollo também sendo um artista.

: Sim, meu personagem é professor de música. O que é engraçado porque eu sempre pensei em atuar como um processo completamente distinto de fazer música; na música eu coloco tanto de mim e atuar para mim é buscar por uma personalidade completamente diferente,
alguém que não seja eu mesmo.

E: Você acha que é mais difícil atuar quando o personagem tem tantas coisas em comum com você mesmo?

: Eu não sei. Com Apollo... Eu acho que nas cenas em que ele está fazendo o que mais ama, que é cantar ou tocar algum instrumento, é quando eu sinto que sei o que estou fazendo, sabe? (risos) Sinto que é quando menos estou atuando. Eu não se isso é mais fácil ou mais...


— Ei! Tá fazendo o quê?

fecha a revista em um sobressalto.

— Puta que pariu, Jeffrey! Você quer me matar de susto?

O empresário joga a cabeça para trás, rindo exageradamente da reação do cantor.

— O que é isso? Pornô?

— Eu estava lendo aquela cópia que recebemos da Rolling Stone. explica, balançando a revista no ar com a capa virada para o amigo.

Jeff se aproxima do sofá e se joga ao lado de , cujo corpo quica com o impacto.

— Eu não sei se gosto dessa foto que escolheram para a capa. — O cantor comenta, seu nariz se enrugando com a careta.

— É para isso que recebemos a cópia, você pode dizer se quiser mudar algo.

— Eu realmente pareço assim? aponta para o próprio rosto.

— Do que você está falando?

— Eu não sei, meu rosto parece muito fino para o meu corpo. Desproporcional, você não acha?

Jeff expele ar pelo nariz, segurando uma risada.

— Isso é coisa da sua cabeça. Você é lindo, .

— Awww. — abre os braços, chamando seu empresário para um abraço. — Você também é lindo. — E recebe alguns tapinhas de Jeff nas costas.

— Ok. Chega. — Jeff o segura pelos ombros e o afasta. tenta reprimir um sorriso.

— Que horas são? — pergunta, sentindo seu estômago se contrair de fome. Ou talvez fosse de ansiedade.

— Quase uma.

deixa a revista sobre a mesinha de centro e se levanta do sofá.

— Vamos almoçar?

— Claro. Aonde você quer ir?

— Vamos para Camden, a gente acha algo pra comer lá.

Os dois deixam a casa de , prontos para andar alguns poucos quilômetros e encontrar algum restaurante interessante na área. Desde a pandemia, o cantor passa a maior parte do seu tempo em Londres e majoritariamente anda para todos os lugares que precisa ir. Ele gosta das caminhadas, são momentos em que ele pode refletir, seja sobre algo generalizado, sobre uma música que ele esteja escrevendo, ou sobre alguma situação específica que esteja passando.

Nesse momento, seu coração está confuso. Antes, tão certo do que queria para os próximos meses, agora tem dúvidas se fez as escolhas certas.

— Está animado para ir para o Canadá no mês que vem? — Jeff, como se soubesse o que se passa na mente de , pergunta.

e Jeff são amigos há mais de dez anos e não sente a necessidade de esconder o que pensa.

— Pra ser sincero, estou nervoso. Esse livro parece ser importante para um monte de gente, não quero estragar tudo.

— Do que você está falando, ? Você é apaixonado por essa história tanto quanto qualquer outra pessoa, e esse papel era tudo o que você queria.

— Eu sei disso. E eu realmente acredito que é isso o que eu quero fazer agora, mas...

— 'Mas' o quê?

— Acho que eu só não esperava que essas fossem ser as condições.

— Bem, é a primeira vez que você vai morar tanto tempo em um lugar só. Mas tenho certeza de que vai se adaptar rapidamente. — O amigo tenta o tranquilizar. Jeff acredita muito em e não tem a menor das preocupações de que ele não dará o seu melhor para esse projeto. Além do mais, qualquer coisa que leve o nome de sempre é um sucesso.

— Eu não sei... Tudo parece um pouco estranho. — expõe vagamente. — Eu acho que talvez a outra atriz, , não ache que eu seja a melhor pessoa para o papel.

É a primeira vez que menciona algo assim para o empresário.

— Como assim? Eu não sou produtor cinematográfico, mas estive presente em todos os seus testes de química e nenhum dos outros chegaram aos pés da mágica que foi ver você e em cena juntos. Eu diria que foi a escolha perfeita.

encolhe os ombros como resposta.

— Acho que não tivemos muita afinidade fora das câmeras. O que dificulta as coisas.

Além dessas preocupações, sua última turnê quase foi cancelada pela pandemia. Eles conseguiram fazer todos os shows com muito atraso, quase um ano depois. ficou dois anos na estrada e foi a melhor turnê da sua vida.

Agora, no entanto, sua próxima turnê, junto com a produção do seu quarto álbum está dependendo da carga horária desse filme. O que ele estava ciente desde o começo, mas ao juntar todos os elementos, talvez não tenha sido uma troca vantajosa...

se lembra do embrulho no estômago de quando fez o teste para o papel de Apollo e como não foi nada comparado ao embrulho de quando fez o teste de química com .

A produção tinha ligado para ele na semana anterior ao teste com ela oferecendo o papel, a conversa que tinha acontecido há mais de um ano, agora um pouco apagada da sua memória, discorreu mais ou menos assim:

Parecia uma chamada informal pelo Zoom, participavam , que estava em Londres; seu outro empresário, Tommy; dois produtores e o diretor, todos em Los Angeles.

— Sr. , chegou ao meu conhecimento que você é um grande fã da trilogia The Laurel Flower Garden. — Um dos produtores falava. — E você entrou em contato pessoalmente com Paul sobre o papel de Apollo para a adaptação do Livro Um, Lives Between Us.

— Sim. Eu fiquei bem animado quando soube que ia rolar uma adaptação.

Que ia “rolar” uma adaptação, ? 13 anos de media training não te serviram para nada? queria se enforcar ali mesmo e acabar com sua vergonha miserável.

— Eu preciso dizer que você é a nossa opção número 1 para o papel, mas você entende que são três livros e por isso o ator protagonista terá alguns anos de comprometimento pela frente, certo?

— Sim. — repetiu, como se aquela fosse a única palavra que parecesse sair corretamente da sua boca. — Eu estou ciente de que este é um projeto de longo prazo.

— A equipe de se reuniu com ele e verificamos que desde que possamos acordar em contrato que ele será avisado com antecedência mínima de oito meses referente às filmagens, o restante da sua agenda será adequado ao redor disso pelos próximos anos e os demais compromissos e aparições públicas, tais como entrevistas, premiações e outras divulgações serão discutidos caso a caso. — Tommy intercedeu e fez uma prece em agradecimento tal como se o destinatário fosse Jesus Cristo.

— Claro que sim, Tommy. O nosso planejamento atual é de que a sequência seja lançada apenas dois anos depois que o primeiro filme sair, essa filmagem tem previsão média de durar quatro/cinco meses. E as próximas chamadas serão com prazo o suficiente para que os nossos atores possam se programar. Esse é um acordo que é prioridade para que possamos trabalhar nesse projeto com excelência.

— Os fãs estão indo à loucura com os rumores da adaptação. — O produtor número 2 falou. — E é claro que o nosso objetivo é entregar a melhor versão cinematográfica possível do best-seller sensação do momento. Isso só será atingido se todos os aspectos do projeto estiverem alinhados, inclusive a disponibilidade dos atores com um prazo justo dado pela produção.

— Sim. — E lá ia de novo. — Estamos na mesma página quanto a isso. Embora música seja a minha prioridade na maior parte do tempo, esse projeto é o que eu quero estar envolvido agora. Eu quero dar 110% de mim para esse personagem e eu sei que eu posso construí-lo fazendo jus ao que os fãs esperam, porque eu sou um fã também.

— Como eu disse, você é o nosso favorito. E nós estamos muito felizes em lhe oferecer oficialmente o papel. — Produtor 1 disse mais entusiasmado do que esperaria.

— É uma honra aceitar. — replicou com um sorriso contido, os anos de treinamento finalmente funcionando.

Tudo aquilo não passava de mera formalidade, eles sabiam que aceitaria, afinal, ele havia pedido o papel de Apollo.

— Você pode vir para Los Angeles na... quando você precisa dele, Paul? — Produtor 2 tomou a frente.

— Seria ótimo se você pudesse vir até Los Angeles na próxima terça-feira para o teste de química com as atrizes finalistas para o papel de Daphne. — Paul completou.

— Teste de química? — tentou não entortar muito o rosto numa daquelas caretas sofridas que ele fazia quando estava confuso.

— O usual é que ambos os protagonistas só sejam escolhidos após o teste de química... — Produtor 2 respondeu vagamente. — Este é um caso especial em que vamos escolher a atriz que mais combinar com você.

continuava muito confuso. Por que eles fariam isso? E se ele não tiver química com nenhuma das mulheres e eles precisarem descartar todas?

— E se nenhuma das que Paul já selecionou combinar comigo? Ou nisso está implícito que eu preciso ter química com uma delas ou eu vou ser substituído?

— Eu acho que nós podemos dizer agora, não é? — Paul falou para os produtores, deixando ainda mais confuso. — , Cameron Spencer te queria no papel de Apollo desde o começo.

— Cameron Spencer... A autora? — Perguntou mesmo que soubesse da resposta, ainda que soubesse que soaria estúpido.

— Se sua equipe não tivesse entrado em contato com Paul, a produção do filme teria entrado em contato com você para oferecer o teste. Eu já tinha visto o seu trabalho em Dunkirk e Paul é um grande fã de My Policeman, nós sabíamos que você poderia pegar o papel até mesmo sem teste, mas por motivos democráticos...

— Por motivos burocráticos... — Paul corrigiu Produtor 2.

sorriu de lado. A impressão que tinha do diretor é que ele não se importava com as normas da indústria, que ele não era o tipo de pessoa que fingia ou ignorava toda a merda só porque aquilo era Hollywood. Era sua licença poética de artista que falava com ali.

— Por motivos internos. — Ele continuou. — Nós te auditamos e se acharmos que nenhuma das atrizes combinou em cena com você, faremos uma nova leva de recrutamento.

— Eu adoraria continuar aqui com vocês e discutir todos os detalhes de como Cameron visualizou que seria perfeito para o papel do protagonista... — Produtor 1 discorreu. — No entanto, eu tenho outra reunião em cinco minutos. Sr. , Sr. Tommy, é um prazer fechar negócio com vocês e entraremos em contato para assinatura do contrato e qualquer outro detalhe podemos acertar na terça-feira, correto?

e Tommy acenaram ainda num estado em que tentavam processar a despedida nada elegante do produtor.

— Nesse caso, acredito que podemos encerrar essa reunião e quaisquer detalhes sobre o personagem ou os próximos passos você pode entrar em contato comigo, . — Paul traduziu com muito mais tática. E assim ficou claro quem estava realmente tratando aquilo apenas como mais um negócio.

— Perfeito. E, em todo caso, terça-feira nos vemos. — respondeu com seu tom de voz tranquilo e paciente de sempre.

Os cinco se despediram brevemente e três deles saíram da chamada quase ao mesmo tempo. Sobraram e Tommy, ainda recuperando o ritmar certo das respirações.

— Eles simplesmente disseram que o papel já era praticamente meu de qualquer jeito? — perguntou abobado.

— Desde que você quisesse. — Tommy zombou.

A pessoa mais desinformada da influência e poder de era apenas... . Ele era inconsciente de que puramente tinha o que queria. Em todos os âmbitos da sua vida; fosse pessoal e profissional.

— Se você acha que vai ser difícil trabalhar com ela, podemos conversar com Paul e a produção. — Jeff arrisca a sugestão, puxando de volta para o momento.

olha em volta, identificando que ainda estão na metade do caminho até Camden.

— Jeff, vamos comer naquele restaurante mediterrâneo que acabamos de passar em frente?

— Onde? — O amigo para e olha para trás.

— Duas ruas acima. Eles têm a melhor taramasalata da região.

— Perfeito! — Jeff anui a cabeça. — É isso que eu gosto de ver, comida grega para entrar no clima do filme. — Oh, você sabia que a é metade grega?

— Ela é filha daquele jornalista magnata grego, não é?

— Isso mesmo. Mas ele não é muito influente em Hollywood, então... provavelmente conseguem a substituir a tempo de começar as gravações se você não se sentir confortável em trabalhar com ela.

— O quê? Eu não faria isso.

O amigo sobe e desce os ombros uma única vez.

— Só quero garantir que consiga o que for melhor para os seus interesses.

— Não! Eu não vou fazer isso. — meneia a cabeça veemente. — Se alguém precisar sair, vai ser eu.

Como dito, é o único sem a completa noção da extensão da sua influência, porque ele navega a própria vida com um único lema e este não inclui tomar através do poder. Mesmo que ele o detivesse.

— 🎬 —


Após refletir por alguns dias, tinha se decidido que não ficaria assumindo coisas sobre . Muito provavelmente foi influenciado pelo seu pré-julgando, já que sempre esteve ciente do fato de que a menina performou a vida toda sob as asas da família rica, e esse não parecia o melhor tipo de pessoa com que se trabalhar em um projeto tão sério. Assim, o problema parecia ser com , relutante em admitir que não tinha ido com a cara da co-star.

Com um histórico conhecido midiaticamente, já foi associado com mulheres de família muito mais abastada e influente, pois nunca se importou de onde as pessoas vinham. O que importa para ele é quem elas são no presente. É uma surpresa que ele tenha desgostado de alguém assim de cara, com só alguns encontros prévios em que foram tratados apenas de assuntos profissionais.

No fim, Jeff tinha razão; é tudo uma questão de adaptação. E esse é um desafio fora da zona de conforto do cantor, por isso as reações tão adversas. Na sua opinião, justificáveis. Canalizadas na direção errada? Pois é! A garota não tem culpa dos seus problemas pessoais, ou melhor, profissionais.

No momento, ele está em uma casa-estúdio em Bath, na Inglaterra. Um dos seus estúdios favoritos, na verdade. Ele sempre gostou da ideia de poder passar semanas inteiras imerso em produção; dormir e acordar no estúdio, sem distrações externas. Dessa vez, não estava dando certo.

Enquanto o resto da equipe, que consiste em apenas três caras, está tirando uma soneca muito merecida pós-almoço, está em um dos três estúdios da residência. Ele é particularmente apegado a esse, é um cômodo todo de madeira, amplo e de teto alto, há um piano preto de cauda posicionado no meio, portas de vidro que isolam uma das pontas para gravar voz, enquanto na outra há uma bateria completa e, à frente, uma mesa com os equipamentos de gravação. É perfeito e tem tudo o que precisa para criar. Exceto o mais importante: inspiração.

Estar a semana inteira preso dentro da imensa casa não está exatamente fazendo as ideias brotarem. Ou seja, seu álbum não está avançando além do ponto que já estava antes, que era: ponto zero. E em muito pouco tempo sua prioridade será outra. Se pelo menos puder deixar alguma coisa já encaminhada; uma trilha para continuar de onde parar, mas tudo o que tem é um punhado de músicas deploráveis. Depois de escrever o que viveu nos últimos anos no último álbum, ele sente que as novas músicas são versões diferentes das mesmas coisas.

Se levanta do banco acolchoado e fecha a tampa do piano. No caminho até seu quarto temporário, resgata o celular do bolso e faz uma ligação para o número que está no topo da sua lista de chamadas recentes. A pessoa do outro lado da linha atende imediatamente e eles conversam brevemente antes que desligue.

A cama está perfeitamente arrumada, como foi deixada pela governanta pela manhã. A última vez que ele tinha dormido e bagunçado a cama havia na noite anterior, antes de descerem para o estúdio e trabalhar a madrugada toda. Ele joga de qualquer jeito suas roupas de volta na mala-bolsa, até mesmo as já usadas. De lá, passa no quarto de Mitchell, seu guitarrista e também compositor, que está mais para dormindo profundamente do que só cochilando. entra no quarto e fecha a porta com um estrondo que acorda o amigo.

? O que foi? — Mitch pergunta em um estado de semi sonambulismo.

— Estou voltando para Londres. — Informa .

A resposta desperta o guitarrista de vez. Ele se senta na cama e esfrega os olhos, observando a bolsa no ombro do outro.

— O quê? Por quê? Aconteceu alguma coisa?

— Eu preciso de um tempo. Nós trabalhamos a madrugada toda naquelas merdas de músicas, e eu preciso escrever alguma coisa boa pra variar.

— O quê? — Mitch repete letárgico. — As músicas estão ótimas, só precisamos trabalhar nelas, talvez chamar o Ryan para refinar os sons.

meneia a cabeça. Ele está decidido. Além do mais, chamar o engenheiro de estúdio não vai resolver o problema do cantor, não quando ele sequer tem músicas prontas para o estágio de mixagem.

— Eu volto em dois dias, Mitch. Vocês podem ficar aqui ou fazer o que quiserem, mas estejam de volta na segunda-feira.

— Me ligue se precisar de alguma coisa! — Mitch grita quando abre a porta para deixar o quarto da mesma forma que entrou.

A sugestão faz com que o cantor pare e se vire de volta para o guitarrista. anui, um gesto simples que transcreve a conversa muda que apenas amigos de longa data são capazes de ter.

— Você pode avisar Tom e Tyler? — Sua voz sai suave, como se ele não estivesse na correria há meio minuto.

— Claro, . Você precisa de mais alguma coisa?

— Não... Obrigado. Não se preocupem comigo. Me ligue se alguma coisa surgir, e desculpa por te acordar.

Mitch acena com a cabeça e deixa o cômodo muito mais tranquilo.

São duas horas de Bath até Londres. Nesse dia, faz o trajeto em uma hora e quarenta e cinco minutos. Ele não ouve música no caminho, como geralmente faz, mas ouve um audiolivro, uma das biografias de Jimi Hendrix. Não é música, mas é um estudo de música. Similar o bastante, certo?! Pelo menos o suficiente para diminuir a culpa por não estar sendo produtivo.

Com quinze minutos de vantagem, aproveita para pegar um café nas proximidades. Ele está frustrado e irritadiço, uma combinação perigosa quando se é uma celebridade mundialmente famosa em público. Ele percebe que está sendo filmado quando retorna para o carro, e isso é pior do que se tivessem o parado para conversar.

No seu destino final, estaciona na entrada da garagem e vai até a porta, emitindo uma sequência suave de batidas.

— Você demorou! — A mulher que atende a porta está com a testa franzida, ela tem um sorriso sutil, de quem está meio brincando, meio falando sério. Ou pelo menos é assim que a lê.

ignora o tom de demanda e entra na casa, entregando-a o outro copo de papel nas mãos. Ele a empurra contra a porta recém-fechada e investe seu corpo sobre o dela, beijando-a. Seus lábios são macios, mas há certa rigidez gerada pela química de preenchimento labial. consegue sentir pontos onde o produto pesa mais. Ele dá uma mordida ali e força sua pelve contra a dela, sentindo-a corresponder com um gemido direto na sua boca.

Aos poucos, diminui a intensidade até que se quebram o beijo com selinhos. Seu corpo ainda prensando o dela contra a porta, suas mãos já passearam pelo corpo inteiro dela. Ele observa os sinais, como o corpo dela corresponde às investidas dele. Ela gosta do que ele faz, e ele sabe. Isso é uma injeção positiva que infla seu ego, ele tem essa mulher na palma das mãos. tem essa mulher perfeita nas mãos.

— Eu te disse que chegaria em duas horas, Chels. — ventila contra a boca dela e sente seu hálito de café rebater de volta para ele. — Senti sua falta. — Declara galanteador, na tentativa de cair nas graças da mulher, mesmo que a ideia de um atraso seja uma falácia.

— Eu também senti sua falta, baby. — Chelsea desliza uma das mãos pelo peitoral de , que suspira com as cosquinhas que a unha grande dela faz mesmo através do tecido da camisa dele. Seu corpo todo também reage diante de uma mulher como ela. A atração é uma delícia.

O seu estômago, em particular, reage; dá uma reviradinha gostosa ao ouvir o apelido carinhoso. quase quer sentir algo mais do que uma atração. A Londrina é o que a mídia categorizaria nas manchetes como novo affair de . É sempre assim, ele nunca consegue chegar ao estágio de realmente decidir namorar alguém antes de o mundo inteiro decidir que ele está namorando alguém; por ele, para ele. No entanto, ninguém sabe de Chels ainda, é recente, é indefinido e é incerto.

Ele suspira mais uma vez, seu humor se murchando um pouquinho. Com isso, se afasta um pouco.

— Você está bem? Parece cansado.

— Nós passamos a madrugada acordados no estúdio.

— E como foi?

— Foi ok. — mente. Com um resmungo que transmite que não quer falar sobre isso, puxa-a para um abraço e enterra o rosto no pescoço dela.

O cheiro que emana de Chelsea é inebriante, diz a que ela não somente esteve o esperando, ela se preparou para ele. desce a mão pela lateral do corpo de Chelsea, tentando sentir o tecido por baixo da roupa. Se sentindo extra maroto hoje, desvia a mão para a parte de trás e deixa um tapinha na bunda dela, que solta uma risadinha gritada.

Chelsea modela para lojas de departamento e faz algumas publicidades pelo Instagram para marcas locais em Londres, é alguém que classificaria como não-celebridade, apesar da – pouca – influência online. Ele a conheceu através de um amigo ator que mora perto da casa dele. Ela é legal, só um pouco ciumenta. Mas, até então, quem liga? Ela é gostosa. Ela sempre está disponível, e age como uma boa garota. gosta disso, de garotas más que agem como boazinhas. É excitante e divertido.

No entanto, entende que Chelsea é o tipo de mulher que sabe muito bem como manejar um homem, seja ele o Joe da mercearia ou . Ela é uma pantera que age como gatinho doméstico. E se tem algo que ele aprendeu com quase 15 anos de indústria do entretenimento é que gente assim é sempre bom ter cuidado.

— Vem, vamos lá para dentro. — Chelsea sugere, entrelaçando o braço no de , ele dá um sorrisinho, agradecido pela doçura (calculada e hiperfeminina) na voz da garota.

— Podemos nos deitar abraçadinhos e assistir um filme? — Pergunta ele com um tom de voz manhoso.

— O que você quer assistir?

— Você escolhe.

Algum tempo depois, eles estão com uma bacia de pipoca e deitados na cama de Chels, navegando pelo catálogo da Netflix. Chelsea agora está com uma marca vermelha no canto do rosto que se estende pela orelha, o local que pressionou contra o azulejo do banheiro enquanto eles transavam.

Depois que saíram do chuveiro e ela estava secando o rosto com a toalha que ele percebeu.

— Me desculpe pelo seu rosto. — diz mais uma vez. Não queria de forma alguma descontar suas frustrações machucando a garota.

— Eu estou bem, . — Assegura ela. Só quando percebe que ela tinha gostado do ato levemente mais agressivo do que normalmente e por isso não havia reclamado na hora, é que deixa de se sentir culpado. — Que tal esse filme aqui? Um verão... — Chelsea começa a dizer o título e levanta a cabeça para ler.

— Perfeito! — Exclama ele.

Se for ser sincero, não dá a mínima para o que vão assistir. Pode parecer perigoso, mas ele só quer estar no conforto dos braços de alguém familiar e dormir para só acordar com um filme gravado e um álbum pronto. Seria tão ótimo se as coisas fossem assim. Mas aí teria divulgação, tapetes vermelhos, três ou quatro entrevistas seguidas numa única rodada... Ele se cansa só de pensar. Não há escapatória para a vida.

O filme que Chelsea escolheu começa a rodar, encara a tela sem assistir às imagens. Ele recebe o carinho macio dos dedos dela nos seus cabelos agora molhados. Seus olhos quase se fechando com o movimento ritmado, é a sua canção de ninar.

Há muitas coisas que vem escolhendo ignorar sobre os dois, mas não pensa nisso; nesse momento só quer se sentir confiante e seguro. Acreditar que pelo menos uma coisa vai dar certo no final. É estúpido, mas ele é esperançoso.

— CENA 02 —
Going Back to Who You Are



A mulher diminui o volume da TV quando o celular começa a tocar.

— Quem é vivo sempre aparece! — Ela atende a chamada de vídeo num tom bem-humorado. — Como estão as férias, Nikolai?

— E eu lá saio de férias quando tenho para agenciar? — O homem do outro lado da linha replica com um sorriso ao mesmo tempo em que sinaliza as mesmas palavras em língua de sinais.

A atriz absolutamente se recusa a responder pelo seu próprio nome. Profissionalmente, ela é conhecida como “” e seu agente sabe disso e só a tinha chamado assim porque ela tinha usado o nome dele primeiro.

— Niko! Eu te disse que não precisava se preocupar comigo! — Ela vira o rosto para a tela do celular para ter certeza de que o amigo vai conseguir ler seus lábios, mas seus olhos não se desgrudam da TV.

— Não estou.

— O que você tem para mim?

— Escuta só! Eu recebi esse casting diretamente da Warner para um projeto secreto, tudo muito misterioso, pouquíssimas informações, eu ia ignorar porque estou de férias, mas você sabe como sou curioso...

pausa o filme que assistia. Casting secreto numa das “The Big Five”?

— Ok, você tem minha atenção. — Ela fala enquanto sinaliza o melhor que pode só com uma das mãos.

Há dois tipos de castings: Abertos, que significa que qualquer agente pode inscrever seus agenciados e, às vezes, até mesmo os próprios atores – esse mais comum para projetos pequenos como comerciais ou videoclipes. E também os fechados, quando a produção não quer que nada vaze e então seleciona cautelosamente quais atores receberão o briefing.

E se o agente de foi contatado significa que alguém está de olho nela. Alguém importante com um projeto grande.

— Eu fiz um pouco de pesquisa...

— Você quis dizer stalking. — A atriz se espreguiça no sofá, acostumada com o entusiasmo do agente que não mais a contagia facilmente.

— Tanto faz. — Ele balança as mãos no ar sem formar nenhuma palavra em sinais. — Tem uns rumores rolando sobre a adaptação daquele livro que está bombando, Lives Between Us, ou algo assim, mas nada confirmado ainda.

— Nunca ouvi falar.

, ...

— O quê? Eu prefiro ler não-ficção, sabe? Me informar sobre a realidade, o que acontece no mundo, essas coisas. — Ela cruza as pernas esticadas. — De mentira já basta a minha profissão.

Niko suspira do outro lado da linha, decidindo ignorá-la.

— Na descrição do casting procuram para projeto de longo prazo “uma atriz que tenha alguma habilidade com piano e que saiba tocar”.

— Deixa eu adivinhar: Essa é a descrição da protagonista do livro?

— Exatamente! Uma adaptação desse nível significa um contrato de milhares de dólares e a atriz que conseguir o papel... Uff! Eu já consigo imaginar a ascensão.

não liga para dinheiro, isso nunca foi um problema. Agora, um papel de protagonista em Hollywood? Isso é o que ela mais quer na vida. Bem, talvez a segunda coisa.

— E o que você descobriu? É ou não é para esse papel?

— Eu entrei em contato pedindo mais detalhes e disseram que só poderiam compartilhar se pudessem confirmar que você faria o teste para o papel.

— Então, eu consegui uma audição?

— O teste é amanhã às 10 da manhã nos estúdios.

se senta tão rápido que sente vertigem. Se estivesse bebendo algo aquele seria o momento em que ela cuspiria.

— Você ficou maluco? — Quase grita. Niko coloca o dedo em um dos ouvidos com uma careta, ele provavelmente está usando aparelho auditivo. — Como eu vou memorizar um script de teste com menos de 24 horas para o teste ao vivo?

— Eu acho que, para eles, se a atriz não é capaz de dominar a cena nesse tempo, então ela não é a pessoa certa para o papel.

— Isso não é um casting de filme, Niko! É Darwinismo!

— Você quer ou não?

Ela bufa insatisfeita. O “quero” vem só em língua de sinais, como se de alguma forma a recusa em verbalizar que ela mataria alguém por essa chance tornasse tudo menos humilhante.

— Ótimo. Estou te enviando a cena do teste.

— 🎬 —


Cinco páginas. tivera 19 horas para memorizar cinco páginas.

Na base de muita cafeína e a custo de uma noite de sono perdida. Para quem não trabalha com cinema, pensa que cinco páginas não é nada. E está absolutamente certo. Cinco páginas é a média padrão de páginas para testes. O problema é o curto aviso.

Lá pelas quatro da manhã quando não sabia mais se os pontos pretos na sua visão eram pela baixa luz do quarto ou se a dor de cabeça finalmente a faria desmaiar, leu tudo o que conseguiu encontrar sobre o livro; até porque como raios ela saberia quem era aquela tal de Daphne em cinco páginas e nenhum tempo para memorizar muito mais do que suas falas? Não havia espaço para treinar seus trejeitos, escolher um timbre de voz ou nada do processo que ela tinha tão confortavelmente criado para si, mas se é assim que Hollywood quer descobrir a protagonista, então será a melhor Daphne que eles verão.

Ela tinha enviado uma mensagem para Niko assim que chegara ao estúdio. Agora, sentada numa sala sozinha e aguardando a boa vontade da produção a chamar, encara as páginas que revelam tão pouco sobre a personagem.

Warner Bros. Pictures Procura por atores talentosos para interpretar os protagonistas de uma adaptação visual de grande porte.

Diretor: Paul Russell Prod. co: C.V. Cinema Data de teste de elenco: Somente com agendamento. Horário a definir.

Teste: Presencial. Local: Estúdio 4 em Studio City – LA

Personagens:

Daphne Alexia Ambrosia: Mulher, final dos 20 anos ou início dos 30, qualquer etnia (preferência por ascendência grega), saiba tocar um pouco de piano ou possa aprender a tempo das gravações. Cantar é um diferencial. Ambiciosa, divertida, agradável. Estudante de doutorado, guarda mágoa profunda de Apollo e planeja se vingar de alguma forma quando se vê forçada a trabalharem juntos.

Apollo Elis Carter: Homem, final dos 20 anos ou início dos 30, qualquer etnia, saiba tocar violão e piano e cantar é um diferencial. Calmo, correto, profissionalmente rigoroso. Orientador de doutorandos. Só tem memórias boas sobre Daphne e não imagina o quanto suas atitudes a afetaram.


? — Uma assistente entra na sala de espera, interrompendo-a.

Ela afirma e se põe de pé a acompanhar a mulher até a sala de testes. Lá dentro, ela encontra dois homens e uma mulher; os cumprimenta e liga os rostos aos nomes no seu documento do casting. Eram produtor, diretor-roteirista e a co-roteirista, respectivamente.

— Eu fico com isso para você. — A assistente sorri e olha para as mãos de . Com certo atraso ela entende que a mulher pede pelas folhas.

— Desculpe. — sorri sem graça e estende a pequena pilha de papéis.

— Primeiramente, muito obrigado por ter aceitado vir fazer o teste, senhorita .

— Obrigada pela oportunidade, senhor Russell. Eu sou uma grande fã do seu trabalho e é uma honra estar aqui com todos vocês.

O diretor sorri e inclina a cabeça levemente para baixo, como uma saudação.

— Você pode fazer a cena para a câmera A, a qual te gravará. — Betty começa. — É como se estivesse gravando sua videotape. — A roteirista exemplifica como se nunca tivesse feito um casting presencial antes. Ela imagina que esse protocolo é consequência de trabalhos pós-pandemia.

— Quando você estiver pronta. — Robert, o produtor, informa.

— Eu te acompanho com as falas do Apollo, ok? — A assistente, quem ainda não sabe o nome, explica.

respira fundo e dá um aceno muito sutil, mas que não passa despercebido.

Outro assistente, que a atriz não tinha notado pois estava escondido atrás da câmera, vai para a frente do enquadro da lente com uma claquete.

— Teste de elenco para Lives Between Us. . — Ele diz exatamente o que está escrito no objeto de acrílico.

— E... ação! — Como deixa, Paul grita.

As palavras das páginas agora flutuam animadas na mente de ...

2

Daphne script teste de elenco:

INT. QUARTO APOLLO – INÍCIO DA NOITE.

Daphne acaba de sair do banheiro enrolada em um roupão e seca os cabelos na toalha.

Apollo está sentado na cama sem expressão no rosto, nós conseguimos ver que há algo errado, o celular de Daphne está nas mãos dele.

A princípio Daphne não nota a tensão no ar e procede a se vestir; ela retira o roupão na frente dele, mas não recebe nenhuma reação dele.

DAPHNE

    O que foi?

Apollo lentamente levanta o olhar, mas para antes de encontrar os olhos de Daphne.

DAPHNE (CONT’D)
(Desconforto, tenta disfarçar)

    Esse é o meu celular?

Apollo levanta o objeto e Daphne o agarra com agressividade. Eles finalmente se encaram.

APOLLO
(Sarcástico, já sabe de tudo)

    Quem é Ellie e qual é o “plano” que ela quer saber se deu certo?

Daphne gela e olha a tela do celular.

3


A câmera foca nas mãos de Daphne e depois nas mensagens exibidas na tela. Lê-se uma sequência de mensagens de Ellie questionando se Daphne conseguiu as provas necessárias para prosseguir com o plano de destruir a reputação e o coração de Apollo.

Daphne divide o olhar entre Apollo e o celular. Um pânico frenético cobre sua face.

DAPHNE

    E... Eu...

APOLLO

    Eu entendi certo, não entendi? Nada do que vivemos foi real?

DAPHNE

    Apollo... Eu, eu posso explicar.

APOLLO
(Começa a se alterar)

    “Eu posso explicar”?

DAPHNE

    Baby...

Apollo se levanta e encara Daphne de frente.

APOLLO
(Falando alto)

    Explicar o quê, Daphne? Explique!

DAPHNE

    Quando eu fui aprovada para o doutorado foi um sonho se tornando realidade e, então, na minha primeira semana... eu dou de cara com a pessoa que odiei por todos esses anos, você. E eu tentei te ignorar, mas sendo selecionada para a bolsa de assistente do Dr. Higgins e vocês dois sendo amigos tão próximos e nós dois sendo forçados a conviver juntos...

APOLLO

    Não coloque a culpa disso no Fernando!

4


DAPHNE

    Eu sinto muito... Eu estava tão magoada que só queria que você sentisse o mesmo que senti. Eu só não contava, só não contava...

Daphne respira fundo, e tenta conter as lágrimas que brotam em seus olhos.

DAPHNE (CONT’D)

    ... Que eu me apaixonaria por você.

Apollo fica sem reação. Depois ri irônico.

Daphne ainda luta para impedir as lágrimas de caírem.

APOLLO
(Tom de voz flutuando)

    O que caralhos você ainda quer de mim? Nós éramos crianças, Daphne! E eu era um idiota, não tinha noção do que estava fazendo. E qual é a sua desculpa agora?

Apollo está descontrolado, mas passa uma falsa ideia de controle.

Daphne começa a andar de um lado para o outro no quarto.

APOLLO (CONT’D)

    Como você pôde fazer isso comigo, Daphne? Eu fiz tudo por você!

DAPHNE
(Chorando silenciosamente)

    Eu jamais seria capaz de fazer algo contra você, Apollo. Mesmo que eu tivesse esse poder, e eu acho que sei disso desde o seu último dia na escola em que você me abraçou e disse que sentiria minha falta.

5


APOLLO

    E eu senti! Por todos esses anos! Você acha que eu queria ter me mudado de escola, seguido outro caminho? Você acha que eu queria ter te deixado para trás?...

DAPHNE

    Eu sinto muito, sinto muito mesmo que eu tenha deixado chegar a esse ponto.

APOLLO

    ... É como se houvesse todas essas vidas que foram sendo colocadas entre nós desde aquele dia. Eu vivi uma atrás da outra, tentando te reencontrar, porque mesmo assim eu tenho te amado por todos esses anos, Daphne! TODOS ESSES ANOS!

– END –


Daphne pisca e faz com que uma última lágrima presa role pela sua face. Assim, volta a ser quem ela é.

O script do teste termina assim, no ápice da cena. Alguma coisa diz a que é esse o efeito que eles querem capturar de quem quer que esteja auditando para esse papel. Você está vivendo aquela personagem com toda a sua alma e, abruptamente, é arrancado daquela realidade. É como a vida real funciona; ela muda sem avisos, quase como começar outra linha de tempo.

E é também um pouco a forma como vê a profissão: você pega um papel novo e começa a interpretar uma personagem, e ela é desconhecida e você precisa aprender a como navegar naquela vida que ela vive, como lidar e reagir aos problemas de maneira mais autêntica e convencível, mas quando começa a pegar o jeito o projeto acaba. E, então, outro papel, outra vida. De repente, você está assim: vivendo todas essas vidas entre a sua vida verdadeira.

Paul, Betty e Robert batem palmas. Apesar de achar aquela situação vergonhosa, não é uma peça teatral, pelo amor de Deus!, se curva levemente e agradece.

A assistente é rápida ao lhe entregar um lenço de papel. sorri e limpa o rosto, cujo agora carrega uma expressão tranquila.

— Bravo! — Betty é a primeira a falar. — Você entregou exatamente o que esperávamos quando escrevemos essa cena.

sorri mais uma vez, mas sente que estão falando o que falam para todas. A cena em si não tinha sido difícil, considerando que se trata de território comum em filmes clichês: alguma coisa da errado, os protagonistas discutem e professam seu amor. Há apenas um número limitado de maneiras em que você pode interpretar isso.

— Você já leu o livro? — Paul parece perguntar por curiosidade.

— Não, não ainda.

Os outros três fazem cara de surpresa e não interpreta corretamente.

— Mas, definitivamente, lerei. Começo hoje, na verdade! — Completa, preocupada que aquilo diminua seus pontos.

Ela vê três cabeças assentirem, mas que não estendem o assunto.

— Nós esperamos terminar essa fase de testes em duas semanas, e esperamos entrar em contato com a senhorita em breve. — Informa Robert.

Assim, sabia que aquela era a deixa para que eles não precisassem pedir que ela se retirasse.

— 🎬 —


Quer dizer, não é como se ela realmente fosse vomitar, não é?

Esta é a sua grande chance. É exatamente para isso que se preparou por anos; um papel como protagonista numa grande produção Hollywoodiana. Uma adaptação de um livro pode deslanchar de vez sua carreira, mudar para sempre sua vida.

Niko faz questão de buscá-la em casa e acompanhá-la no teste de química. Ele tinha ligado dois dias antes para contar que ela tinha ficado entre as quatro finalistas para o papel de Daphne. As instruções foram claras, ela faria uma mesma cena com cada um dos atores finalistas para o papel de Apollo, e assim, escolheriam o casal que mais se adequasse ao que a produção procura.

Até aí, nenhuma novidade. tinha usado as últimas semanas para pesquisar tudo o que podia encontrar sobre a adaptação do livro. Como Niko já havia mencionado, tudo está correndo em completo sigilo. Quem são esses atores e atrizes finalistas? Ninguém sabe.

Quando chegam ao estúdio, a mesma assistente da outra vez os recebe. Não há ninguém mais na sala de espera e se pergunta se marcaram horários diferentes para cada finalista ou se estão apenas sendo mantidos em salas separadas.

— Então você vai ser a primeira a fazer o teste de química com um dos possíveis protagonistas. — Niko repete o que a assistente tinha acabado de falar quando os dois se encontram sozinhos novamente.

— Quem? O Tom Cruise? — pergunta em um tom de brincadeira.

— Você sabe que Apollo tem 31 anos, não sabe?

sorri de lado.

— Não custa sonhar. — Ela torce os lábios, pensando em todos os nomes dos atores que são seus crushes. — Chris Evans? Quero dizer, ele já tem uns 40, mas eu aposto que ele poderia fazer um personagem de 30 e poucos. — Essa última parte ela só sinaliza, percebendo de repente que podem estar sendo ouvidos e que conversar por língua de sinais seja a escolha mais prudente.

— Tudo o que sei é que as opções são nomes muito famosos. — Niko responde do mesmo jeito.

tenta pensar nos atores do momento que têm essa faixa etária e combinam com a descrição do casting. É difícil. As opções são quase infinitas.

Não muito tempo de espera depois, a assistente volta para escoltar até a sala do teste. É uma diferente da anterior. Assim que ela cruza a porta, deixa escapar um você só pode estar brincando!, em um murmúrio.

Há uma mesa comprida nessa sala, as três pessoas da sua audição estão sentadas ali, além de mais um produtor, que reconhece de um dos seus outros filmes, a autora do livro e, as duas novas adições só podem ser o “ator” e seu agente.

Paul o chama com um aceno de mão e os dois trocam algumas palavras inaudíveis enquanto se aproximam de .

— É um prazer revê-la, Srta. . — O diretor a cumprimenta com dois beijinhos no rosto.

— O prazer é meu. — Ela sorri e desvia o olhar para o outro, que ainda está em silêncio, esperando seu momento.

— Srta. , eu imagino que já conheça o Sr. , que vai dividir o teste de química com você hoje.

Ah sim..., ela sabe muito bem quem é . Aquele que é cantor, ex-membro de boyband e provavelmente nunca pisou numa escola de teatro na vida. Ele é o ator considerado para o papel de protagonista? Eles devem mesmo estar brincando.

— Oi, eu sou o . — Ele diz com animação na voz e um sorriso no rosto, ao passo em que estende a mão para cumprimentá-la.

, muito prazer. — diz com um tom excessivamente formal. Ela não entende por que diz o seu nome, uma vez que não o usa como o artístico, alguma coisa no íntimo do seu ser a impediu de dizer o apelido, ela não quer a chamando assim.

Internamente, ela bufa. Esperava talentoso Timothée Chalamet e recebeu polêmico Ezra Miller.

— O prazer é meu, . — devolve a gentileza. — Eu ouvi falar muito bem de você.

— Ah é? — questiona com um levantar de sobrancelha.

— Sim. E eu vi você em... como é o nome do filme mesmo? Com Oscar Isaac.

sorri e acena com a cabeça, mas não o dá o gostinho de dizer o nome do filme.

— Você foi ótima. Gostei muito. — completa como se sua opinião valesse de alguma coisa para a atriz.

É claro que alguém assim tão famoso não seria nada menos do que um completo imbecil. O que esperava?! E tudo isso tão bem disfarçado em uma grossa camada de polidez britânica. Ugh. Se ela achava que vomitaria antes pelo nervosismo, aquilo sim elevava as chances de ficar enjoada.

— Bem, já que as introduções foram feitas, podemos começar o teste? — Paul pergunta. quase se esqueceu de que ele está ali.

acena com a cabeça e lança um sorriso charmoso para o diretor.

O par se posiciona de pé em frente à mesa, como de costume em testes de química. A sala está lotada pela equipe: Câmeras, assistentes, operadores de som... respira fundo, ela já fez isso milhares de vezes, mas a pessoa que mais a preocupa é a autora do livro. Cameron Spencer vislumbrou esses personagens, eles vivem na cabeça dela há sabe-se lá quanto tempo. O medo de não alcançar a sua imaginação é grande.

A cena é simples. É a primeira vez que Daphne e Apollo se reencontram já adultos.

está parado à sua frente, um braço de distância. Ela evita o olhar dele, encarando a mesa à espera do aval para começar. Ele cheira muitíssimo bem, no entanto; algo como âmbar e grãos de baunilha. Fora o cabelo perfeitamente alinhado para parecer casualmente bagunçado e a pele brilha com efeito de hidratante recém aplicado. Completamente irritante!

A claquete vem nas mãos de um assistente que lê em voz alta as informações do teste.

— Ação! — Paul grita em seguida e imediatamente olha para o chão.

É a primeira semana de Daphne no doutorado. Ela está transcrevendo um documento sentada à mesa de seu orientador, o Dr. Higgins. Ele acaba de deixar a sala para buscar alguns papéis que tinha esquecido no carro.

Mozart toca num volume ambiente saindo das caixinhas de som posicionadas nas duas extremidades da sala. Música clássica é um dos primeiros objetos de estudo na faculdade de música e, nesse ponto, Daphne já escutou todas as obras repetidas vezes, o bastante para murmurar junto, a partitura dança no fundo dos seus olhos tamanha familiaridade.

A porta se abre e Daphne não olharia para cima, não fosse a voz que invade o cômodo e que, claramente, não pertence a Dr. Higgins.

— Cara, será que você pode me emprestar aquele drive que eu... — O homem para de falar assim que nota que não é seu amigo Fernando sentado atrás da mesa. — Desculpe. — Atrapalhado, ele olha para atrás e depois para o nome na porta, confirmando de um jeito charmoso e cômico que não tinha perdido a memória e entrado na sala errada. — Eu achei que fosse o Dr. Higgins.

— Ahn, ele foi pegar alguns documentos no carro. — Responde Daphne em um tom tremido.

O homem dá uma boa olhada para a mulher, percebendo subitamente que a conhece.

— Daphne Ambrosia? — Ele entra na sala e fecha a porta atrás dele, se aproximando da mesa, ao passo em que Daphne o encara de olhos arregalados ao ouvir seu nome completo. — Apollo. — O homem aponta para ele mesmo.

Ele não precisa falar seu nome para que Daphne saiba quem ele é. Ela nunca o esqueceu. A decisão que toma naquele meio segundo faz sua boca se entortar um pouco, transmitindo a ideia errada para o fantasma à sua frente.

— Apollo Carter. Nós estudamos juntos. — Ele completa, preocupado que ela não esteja se lembrando.

— Oh, claro, claro! — Ela diz num tom mais alto, indiferente. — Apollo, sim, eu me lembro de você!

Apollo abre o maior dos sorrisos.

— Uau! Daphne! Eu nunca pensei que te veria de novo. — Embaraçado, uma de suas mãos vai até sua nuca, puxando levemente os cabelos crescidos demais para um professor doutor universitário que usa golas rolês e calças de linho.

— Pois é. — Ela sorri educadamente, tão desconcertada quanto ele.

— Então você é a nova doutoranda do Fernando? — Apollo se inclina levemente sobre a mesa, encarando Daphne com um olhar involuntariamente penetrante.

A observação dele é cautelosa e analítica; os traços de Daphne são exatamente como ele se lembra de serem há mais de 15 anos. Agora, os cabelos estão atrás das orelhas, as quais carregam dois pares delicados de brincos dourados. Ela usa pouca maquiagem, mas tem as sobrancelhas penteadas no lugar e unhas feitas num tom de bege. Além disso, usa uma camisa branca perfeitamente passada. Ela está simplesmente linda, muito mais do que ele se lembrava.

Higgins entra na sala nesse exato momento, antes que Daphne possa processar uma resposta.

— Apollo! — Exclama ao ver o amigo debruçado sobre sua mesa.

Com um coçar de garganta, Apollo lentamente se endireita e se vira para a porta.

— Fernando. — Diz ele, e caminha com a mão estendida até o colega de profissão. — Como está, cara?

— Bem. Vejo que conheceu minha nova doutoranda.

— Sim, nós... — Apollo é cortado por Daphne.

— Acabamos de nos conhecer. — Ela sorri, não deixando que ele revele que já se conhecem. — O Dr.... parece que precisa de alguma coisa, Dr. Higgins. — Daphne não fala o sobrenome de Apollo de propósito.

Apollo franze a testa por um segundo, como se não fizesse ideia do que ela está falando, até que se lembra.

— Sim! Eu queria saber se você pode me emprestar aquele drive sobre Sonologia em Grego Moderno.

— Claro que sim! — Higgins se vira de costas e começa a procurar em uma das prateleiras.

Daphne lança os olhares mais intensos para Apollo, como se para garantir que ele não relevará o segredo dos dois. Ela não quer ter nenhum vínculo com o homem à sua frente, não depois do que ele fez com ela.

Quando Higgins se volta com o drive e percebe Apollo e Daphne de olhos trancados um no outro, ele tomba a cabeça um pouco para o lado, confuso com a tensão no ar.

— Era só isso mesmo? — Higgins direciona a pergunta para Apollo, mas é em Daphne que ele busca a resposta.

— Só isso, sim. — Apollo pega o drive das mãos de Higgins. — Obrigado. Te devolvo em breve.

Assim, lança um último olhar de relance para Daphne e deixa a sala.

— Corta! — A voz de Paul penetra o ambiente.

Com um sorriso no rosto, dá uma corridinha de volta para o lado de . Ele tinha saído andando como resultado da última ação de Apollo na cena. o olha de relance e volta a encarar as pessoas na mesa.

A sala está em absoluto silêncio. O nível de confiança de como atriz é alto, ela sabe por experiência e pelos olhares das pessoas presentes que eles gostaram do que viram.

Os primeiros comentários vêm em forma de sussurros entre eles, depois, algumas risadinhas. Ela consegue ver roteiristas e produtores rascunhando nos papéis sobre a mesa.

— Isso foi ótimo. — Cameron, a autora, se direciona para o par, sorrindo.

e agradecem ao mesmo tempo. Como formalidade, eles trocam um abraço e se agradecem também.

— Eu perdi um pouco do equilíbrio na hora da mesa. — O cantor menciona em meio a uma risadinha sem graça.

— Ah, eu percebi. — confirma olhando para ele.

— Eu vi que você colocou suas mãos com as palmas para cima fora do enquadro da câmera para caso eu precisasse me segurar. — Completa ele. — Obrigado, foi muito gentil. E me desculpe por isso.

Os dois alternam os olhares entre eles e o resto da mesa. se sente absolutamente mortificada.

— Não, não tem problema algum. — Ela nega com cabeça, lançando um sorriso aberto para o possível co-star.

não retira o braço que havia passado por sobre os ombros de quando a abraçou, como se a partir daquele momento eles fossem um time diante da produção do filme; os dois avaliados como um só.

— Muito bom o que vocês fizeram com a cena. — É o máximo que se limitam a dizer.

Alguns outros comentários específicos como “gostei da forma que você fez tal coisa com a mão”, “gostei da expressão que você fez num momento x”, esses se perdem no burburinho. Tudo normal até então. Como ator ou atriz, você nunca vai ouvir uma crítica positiva sendo abertamente verbalizada num teste. Ninguém se atreve a tecer uma opinião detalhada sem saber o que o resto da produção pensa, tudo é decidido em conjunto e uma única ideia não forma o todo.

— Ótimo. Fico feliz. Muito obrigada a todos. — expressa, mais do que ciente de que a câmera ainda os grava e captura como eles estão interagindo fora da cena.

anui e agradece também, um pouco mais tímido e reservado do que ela. consegue perceber que ele está se sentindo tão envergonhado quanto ela. E é uma situação de todo modo constrangedora: São duas pessoas que se conheceram há cinco minutos precisando interagir como se fossem íntimos e ainda convencer uma sala cheia de especialistas de que vocês têm química juntos não importa o contexto.

— Srta. , seu agente está lá fora, certo? — Alguém da produção pergunta. — Você pode informá-lo que entraremos em contato? Mesmo esquema da audição.

espreme os olhos.

— E quanto aos demais testes? Com os outros finalistas?

— Não será necessário. — Ele sorri, o que deixa com uma pulga atrás da orelha.

A atriz sabe que fez o possível para a cena e, se não a escolherem, sinceramente não sabe o que poderia ter feito de diferente.

— Certo. Muito obrigada. — concorda desajeitadamente.

Paul se levanta da mesa e, ao passar por , agradece-a pela presença e se despede com um beijo no torso da sua mão.

Sem mais possibilidade de delongas, se dirige para a saída. Enquanto fecha a porta, seus ouvidos captam uma última coisa:

, posso falar com você?

— CENA 03 —
Nothing to Hide, Everything to Prove



, posso falar com você? — Paul se aproxima do cantor.

— Claro! — encara o diretor com olhos ansiosos. — O que foi? Eu fui OK?

A primeira coisa que fez ao chegar em Los Angeles naquela manhã foi se reunir com a produção do filme para assinar o contrato, Tommy que está mais a par das negociações o acompanhou. O documento confirma formalmente que o papel de Apollo é de , conforme prometido na reunião por zoom na semana anterior, mas, ainda assim, algum medo – muito realista na sua cabeça – o atormenta com a possibilidade de fazer algo errado e perder o papel.

— Sim, excelente. Você foi incrível! — Paul dá um tapinha no ombro de . — O que eu quero falar com você, na verdade, são duas coisas. — continua o encarando com atenção indivisível e adiciona um pequeno aceno com a cabeça. — A primeira é que tenho mais duas atrizes para fazer o teste com você, a terceira teve um conflito de agendas e não estará disponível na data que começaremos a gravar.

— Okay... — O cantor assente com movimentos curtos e rápidos.

— A segunda é que nós adoramos a audição de , mas queríamos deixar as possibilidades em aberto, especialmente para depois do teste de química, sabe? Para vermos como vocês interagiriam um com o outro e como os dois funcionariam em frente às câmeras.

— Então, você gostou? — Confirma , ainda um pouco incerto. É fato que ele não sabe o que está fazendo, mas isso é, precisamente, o que torna as coisas interessantes para ele. A novidade, sair da sua zona de conforto.

— Nós acreditamos que ela seja a pessoa certa para Daphne, mas eu queria saber de você, o que acha dela?

— Eu acho que ela é uma excelente atriz. — O cantor nunca esteve nessa posição antes, ninguém nunca o perguntou o que achava de um certo ator. — Eu acho que... — Gagueja, sem saber como elaborar sua opinião.

— Ficou claro que vocês dois estavam um pouco envergonhados um com o outro, o que é perfeitamente normal considerando que não se conhecem. Ainda assim, uma vez que a câmera estava rodando, toda aquela atmosfera de desconforto sumiu e tudo o que eu vi foi Daphne e Apollo.

— Fico feliz por isso. — Dessa vez, meneia a cabeça uma única vez, quase como se fizesse uma reverência. — Eu acho, sim, que tivemos uma boa química na tela.

— Perfeito. Era isso o que eu queria saber. — Paul sorri. Ele é um cara na casa dos 50 anos, a pele negra o deixa parecendo mais novo. Se não o conhecesse, diria que Paul tem 35 anos, no máximo.

No fim, fica claro que a opinião de é a decisiva para a contratação de como Daphne Ambrosia. No entanto, os dois não se veem de novo até o dia em que fazem a leitura de mesa do roteiro e, depois, só quando se reúnem por uma semana e meia para os ensaios.

Quanto mais trabalham juntos, mais refinam seus personagens e, na superfície, tudo parece perfeito; contracenar com estava se provando ser um tanto quanto desafiador.

Um dos últimos ensaios antes de voltar para a Inglaterra e alugar o estúdio em Bath, é o que ainda assombra sua memória.

, como Apollo, observa Daphne.

— ...Eu queria te mostrar essa peça de música que escrevi no piano. — diz com um tom mecânico na voz, ele não se esforça para lembrar as falas, mas tem medo de as esquecer. São só ele e na cena, nenhum adereço para ajudá-lo a entrar no personagem. — Eu estava pensando em você quando escrevi.

Daphne acena. Ela o observa com o olhar cuidadoso, de quem avalia, mas não julga. Apollo se vira para começar a tocar o piano imaginário, mas se atrapalha e acaba dando uma joelhada na coxa de .

— Aí! — Ela reage no mesmo instante.

— Me perdoa! Eu te machuquei? — Sem pensar, leva a mão para a perna da co-star, mas para antes de encostar nela.

— Corta! — Paul grita ao mesmo tempo em que encara preocupado.

— Eu estou bem. — Ela diz entredentes para , então se vira para Paul e abre um sorriso. — Não foi nada. Está tudo bem.

— Me desculpe, . — repete. Ele não recebe outra resposta.

— Pessoal, do começo de novo.

se levanta, pode jurar que a vê revirando os olhos antes de se virar e caminhar até a porta do cenário.

respira fundo e se concentra. Ele repassa na mente suas falas do roteiro, mas é na cena do livro que ele busca os sentimentos de Apollo.

Apollo facilmente se apaixonou mais uma vez por Daphne, mesmo depois de todos aqueles anos sem tê-la visto. Ele pensa na noite maravilhosa que tiveram no dia anterior; o concerto filarmônico e depois o jantar, quando foram para a sua casa muito mais do que bêbados. Havia anos que ele não se permitia ser livre assim, como é quando está com Daphne.

Uma batida na porta o sobressalta, mas seu coração responde com leveza quando Daphne é quem aparece no seu escritório acadêmico.

— Ei. — Ela diz da soleira.

— Ei... — O tom de Apollo é um sussurro suave que vem acompanhado de um sorriso de lado. — Pode entrar!

Daphne está nos pensamentos de Apollo a todo momento, mas há algo em estar na presença dela que mexe com ele de forma estranha: é como se o mundo ressoasse, vibrante e resistente nos seus ouvidos. Às vezes, ele tem a sensação de que Daphne pode fazê-lo parar de respirar a qualquer momento e não de um jeito romântico como se ela tirasse seu fôlego.

É como se Daphne fosse ambos, veneno e antídoto. Sua maior fraqueza e sua fortaleza. Seu peito sobe aos céus, seus joelhos vão ao chão.

— Você precisa de algo? — Apollo questiona quando Daphne para em frente à sua mesa. — Fernando não te mandou aqui para recuperar aquele drive, não é? Por Deus! Ele é tão perfeccionista paranoico!

Daphne ri. Apollo consegue pensar em mil maneiras diferentes de incluir aquele som em uma nova melodia.

— Não, ele não me mandou aqui. Eu, na verdade, estou fazendo intervalo agora e eu só queria... pensei em passar aqui e dar oi. — Daphne explica envergonhada.

Apollo se levanta e dá a volta na mesa, abrindo os braços para receber Daphne em seu peito. Ambos estão vestidos com suéteres e o contato de suas peles se restringem às mãos de Daphne em seu pescoço. Mãos que estão levemente frias, mas ainda assim enviam calor suficiente para borbulhar o estômago de Apollo.

— Adorei saber disso. — Ele beija o topo da cabeça dela. Em seguida, abre um sorriso ao se lembrar de uma coisa. — Na verdade, que bom que você está aqui. Eu queria te mostrar essa melodia que eu escrevi no piano.

Música! — Um dos roteiristas grita dos fundos, interrompendo a cena.

— Música! Merda! — grita de volta ao ser corrigido. — Merda, desculpem.

— Tudo bem. — Paul intervém. — , continue do “Adorei saber disso”.

— Ok. — Ele anui e sacode os ombros sem soltar a co-star, sacudindo-a, sem querer, também. Ele respira fundo antes de entregar a fala: — Adorei saber disso. — E então o beijo no topo da cabeça de e o sorriso. — Na verdade, que bom que você está aqui. Eu queria te mostrar essa me-música! — bate o pé no chão com força e ri nervoso por gaguejar. — Música, música, música! Que droga! Por que eu não consigo dizer música?!

— Tudo bem! Vamos de novo!

Todo o ensaio leva várias tomadas. Não há nada que ele tenha para esconder, mas está descobrindo que talvez tenha tudo para provar. A cada vez que erra consegue sentir a tensão aumentar ainda mais entre os dois, mas tenta agir com naturalidade e se concentrar na cena. Eles estão nos ensaios, o momento para errar é aquele, mas os olhares que ela direciona para ele são, sem dúvidas, inibidores.

O tom descontraído de faz todos no set rirem, menos ela. Como é que os comediantes dizem? Plateia difícil. é a pior plateia de todas.



No fim do dia, quando todos estão se despedindo, acaba se metendo numa roda de conversa com a co-star. No geral, apesar da atitude passiva-agressiva quando estão ensaiando, fora das câmeras ela é... friamente indiferente. Como se ela o evitasse e quisesse passar longe dele para evitar ter a necessidade de ser amigável.

— Agora que divulgamos oficialmente sobre o elenco, as pessoas estão insanas na internet. Vocês viram? — Paul diz.

desvia o olhar de Paul para , esperando para ouvir o que ela dirá.

— É muito louco ver a reação positiva das pessoas na internet. — Ela abre um sorriso muito bonito ao responder o diretor.

O barulho de algo caindo desvia a atenção de todos. , que está de frente para ele, torce o tronco por um momento antes de voltar para a conversa. Enquanto ela não consegue ver, a observa. é alta. Não muito alta, só é mais alta do que a média feminina, talvez algo como a altura mínima para uma modelo de passarela, ou seja, ainda assim alguns bons centímetros mais baixa do que ele. A calça jeans flare que veste hoje é estilosa e esconde o calcanhar da bota de salto que quase deixa seus olhos nivelados aos dele. Seus cabelos castanhos-dourados – tingidos para o papel de Daphne – vão até a escápula em ondas largas e simétricas; emanam um ar de estrela de cinema, como se ela tivesse passado horas se arrumando e fosse sair dali direto para posar em algum red carpet.

— Eles estão muito animados de ver como Apollo e dizem que nasceu para ser Daphne, não poderia ter outra pessoa. — Paul completa, o cinegrafista assente.

De um ponto de vista objetivo, precisa admitir que é, sim, muito bonita. Suas feições são delicadas, como as das ninfas mitológicas que Daphne é comparada nos livros. Seu olhar é gentil, embora tenha a impressão de que nunca para com ele. Os passos dela são firmes e elegantes, que transita pelo ambiente como se estivesse em casa. Ela também o intimida um pouco.

A ideia de ser intimidado por uma mulher não se assenta bem no fundo do estômago de . Ele não se sente intimidado pela presença ou diminuído no trabalho, é mais como se ele fosse um adolescente de novo tentando atrair a atenção de uma mulher. Ele não faz isso desde que tinha 19 anos e, não ironicamente, não sabe como se sentir; essa coisa de não saber como se sentir sobre algo que está sendo sentido. Não saber até que ponto se sentir desafiado é energizante e divertido ou quando passa a ser inconveniente e desconfortável.

— Espere até começarmos a gravar. — Paul responde. — Estamos esperando um bom número de pessoas indo à locação para tentar ver vocês diariamente.

— Sério? — Pergunta , sua atenção de repente capta sobre o que falam.

— Acontece bastante no Canadá. — encolhe os ombros. — As pessoas lá são geralmente bem tranquilas e a produção sempre deixa que assistam desde que não atrapalhem. E... agora você parece assustado. — Ela provoca em um tom agradável. sabe que está de olhos arregalados. — Não se preocupe, . Seus seguranças não vão deixar ninguém arrancar um pedaço seu. Mas tenho certeza de que você está acostumado com isso.

Todos na roda riem. sorri no embalo, constrangido demais para argumentar em sua defesa. É claro que todos pensam que ele anda para cima e para baixo escoltado, e que, no mínimo, está acostumado com o assédio; como se ele fosse um animal de circo, eternamente fadado a ser exposto como atração.

No entanto, está só brincando. É uma descontração, não é? fica animado com a ideia de ela fazer uma piada com ele. Isso significa que estão construindo algum tipo de relação amigável?

Uma a uma, as pessoas vão se despedindo, até que a roda se desfaz, sobrando apenas e .

— Bem, eu acho que eu vou indo também. — diz e se movimenta para dar as costas.

— Ei, ! — chama. — Foi um bom ensaio hoje. Obrigado. Você foi ótima.

Ele sabe o que ela vai dizer, algo nas linhas como “você também, eu gostei muito”, é o que as boas normas pedem. Um pouquinho de puxação de saco para garantir as aparências da indústria.

— É. — meio que concorda com a cabeça. — Tchau, . — É tudo o que ela diz.

Talvez tivesse se precipitado quanto à ideia da construção de uma relação amigável. Essa garota parece não ter um pingo de noção de normas sociais. Ninguém fez um treinamento de mídia com ela? Jesus!

— Te vejo amanhã! — ainda insiste.

— Aham. — Ela acena com a mão ao passo em que se afasta, já na direção da porta.

Atônito e sem resposta, ir embora, a atriz com quem vai conviver os próximos longos meses por horas a fio. Se tudo parece tão fora de lugar assim tão cedo, isso não tem a menor chance de acabar bem.

— 🎬 —


Como sendo nenhuma novidade, mal consegue dormir no dia anterior ao início das gravações. Ele está tão ansioso e não tem nem mesmo a desculpa da diferença de fuso para culpar; Los Angeles e Vancouver estão no mesmo horário.

O cabelo é algo que ele ainda precisa se acostumar, a última vez que usou algo naquele comprimento tinha sido há uns bons 10 anos, quando deixou crescer para doar. Como é que seus fãs chamavam aquela era? Prince . Ele ri com a lembrança, não faz ideia do porquê da escolha daquele nome. Agora parece muito estranho seus cachos pesando nas pontas e se abrindo no comprimento quando não modelados, naquela altura esquisita entre o queixo e o pescoço.

Há apenas a equipe de preparação do set quando chega. Alguém o direciona para a área dos trailers e ele sente algo muito prazeroso ao ver seu nome impresso em uma folha de papel colada na porta de um deles.

Ao abrir a porta, leva um susto a princípio ao ver todas as suas coisas ali; tinha se esquecido que haviam mandado aquilo tudo para montar o trailer: Sofá, cadeiras, baús, luminárias, uma tv instalada numa das paredes e uma geladeira. Além de mesa de penteadeira com uma poltrona como as de salões de beleza. Era bem espaçoso e aconchegante.

Primeiros dias sempre são difíceis, não é? Há toda aquela estranheza pelo lugar, o desconforto por estar em meio a tantas pessoas desconhecidas, o medo de foder com tudo, de não conseguir se dar bem com todo mundo... poderia fazer uma lista das coisas que temia e se preocupava.

O cantor se senta no sofá, depois passa para a poltrona, para a cadeira e até mesmo se senta sobre um dos baús. A hora parece não passar. Ele abre uma fresta da mochila e puxa o roteiro de dentro. A primeira cena que vão gravar é, na verdade, de quando os protagonistas já estão juntos, Daphne ainda na busca pela vingança. Ugh. Ele tem arrepios só de pensar em ser alguém tão amargurado ao ponto de arquitetar um plano canônico para destruir a vida de outra pessoa.

Após tentar ler o mesmo diálogo diversas vezes, como uma página de livro cujo conteúdo não se consegue absorver, desiste de revisar as falas que já estão saturadas de tão bem decoradas e liga a TV. O jornal está passando. Ele se concentra para compreender o assunto. Não funciona, assim como ler o roteiro não funcionou. Ao resgatar o celular do bolso, ele percebe que só se passaram cinco minutos.

Ao desistir de esperar, decide se dar o tour para conhecer a locação inteira. Assim que desce os três degraus do seu trailer, a primeira coisa que observa são os demais camarins: dos outros atores, da direção e os da produção. Depois, passa pela área das tendas que servirão de cozinha improvisada, com as mesas e bancos onde farão as refeições e os momentos de descanso. Deixa o set por último.

O galpão de metal é muito maior por dentro do que dá para ver por fora. ronda entre paredes falsas e meios cômodos, combinando os cenários com as cenas correspondentes. Ele para na porta do escritório universitário de Apollo. A sala parece completa: Duas paredes cobertas de fora a fora por prateleiras recheadas de livros falsos, uma mesa de mogno escuro, carpete no chão e, claro, o piano vertical.

Dois caras carregando equipamentos de som entram no cubículo. se encolhe num canto ainda que tivessem espaço suficiente. Tudo parece muito pesado.

— Posso ajudar em algo? — Ele pergunta ao passo em que soltam tudo com muito cuidado no chão.

Os dois homens, um careca e outro usando um boné preto, o encaram como se ele fosse um extraterreste.

nega com a cabeça, como quando acaba de perceber que se esqueceu de algo.

— Desculpe, eu sou o . — Ele estica a mão.

— JC, operador de som. — O de boné pega a mão de primeiro.

— Alex, assistente de áudio. — O careca diz em seguida.

— Prazer em conhecer vocês, eu sou o ... — Ele repete sem perceber que já tinha se apresentado. — Ator, eu acho. — Ele se sente esquisito e, percebendo a deixa, adiciona: — Eu vou sair daqui, não quero atrapalhar. Vejo vocês daqui a pouco.

JC acena com a cabeça e Alex murmura uma despedida.

continua a vagar pelo espaço. É um mundo tão diferente do que ele está acostumado. Quer dizer, ele já gravou filmes antes, mas toda a estrutura, os cenários, não deixam de o surpreender. Passa pela sala de Higgins também, pelos cômodos da casa de Apollo; apenas a cozinha, quarto e banheiro e, por fim, pelo quarto e cozinha de Daphne.

Sem perceber, está na entrada do outro lado do galpão, de frente para por onde chegou. Dali, consegue ver onde o carro que o trouxe mais cedo o deixara; não estava mais no local, no entanto. tinha vindo no banco do passageiro conversando com o motorista; um cara de meia idade muito interessante e animado. Sim, ele só pode ser alguém animado, é já que havia dirigido para o set tão cedo com boa vontade. Se esse homem é a pessoa a buscá-lo e levá-lo todos os dias para e das gravações até que o aluguel do seu próprio carro seja liberado, deu sorte.

Quando ele se prepara para se virar e voltar para o trailer, vê o mesmo carro chegar e parar no mesmo local. A porta de trás se abre e sai. Ela está vestida num casual elegante. olha para suas próprias roupas: um jeans caro, porém com aparência de desbotado e rasgado nos joelhos, um tênis qualquer e um moletom porque está fresco naquela hora da manhã. Ele não se percebe ajeitar o cabelo de um modo que nunca fez antes enquanto aguarda ansioso ela se aproximar. É a sua excessiva necessidade de agradar e ser gostado por todos à sua volta.

— Olá, ! — dá um sorriso receptivo.

— É impressão minha ou o seu cabelo cresceu muito mais desde a última vez em que nos vimos no mês passado?

— Ahn... — Ele passa a mão no cabelo de novo por reflexo. — Cresceu?

— É a única coisa em você que se parece com Apollo. — A mulher alfineta e, sorrindo, pede licença antes de se afastar.

Ouch!

Apenas seu pescoço se vira para acompanhar se dirigir confiantemente na direção certa. O que foi isso? Qual o motivo da grosseria instantânea?

Depois, ele segue na mesma direção: O trailer de arrumação.

É hora de trabalhar.

— 🎬 —


Dentro do escritório de mentira está um pouco quente. Talvez porque está nervoso. Ele contorna a mesa, dando uma olhada rápida para o chão antes de se posicionar bem em cima da marcação indicada e abraçar . Ele entrega suas falas conforme os ensaios, consegue passar do temeroso dilema “música x melodia” que o deixou travado vários dias atrás.

— Corta! — Paul grita do meio do set. — Ficou ótimo, e . Vamos agora ao piano.

Duas assistentes de cabelo e maquiagem entram no espaço. Uma vai até e a outra para sua co-star. está suando e a assistente usa um papelzinho de seda para secar sua testa e em seguida aplica um pouco de pó no rosto todo. Com um olho aberto e outro fechado, visualiza a outra assistente ajeitando alguns fios de cabelo de de volta no rabo de cavalo que ela está usando para a cena.

— Obrigado, Ivy. — diz enquanto a moça ajusta a dobra da sua gola rolê e passa a mão nas laterais dos seus cabelos.

O estilo de Apollo é clássico: calças de linho e blusas de gola rolê. A barba nunca passa de três dias. está convencido de que o cabelo longo é um ato de rebeldia indireto, o lado artista que fala mais alto. Ele não tinha pensado nisso em nenhum momento enquanto lia os livros. Agora que está na pele do professor, não vê como pensar de outra forma.

Ivy apenas tira as mãos dele quando Finn, o assistente de Paul, grita para que todos se preparem para a próxima cena. precisa tocar piano. Pelo menos isso, ele respira aliviado, sabe que consegue fazer sem estragar tudo.

se senta na cadeira e a arrasta para perto da banqueta do piano, na qual se senta em seguida. Eles estão perto, mais perto do que esperava ficar para um primeiro dia.

— Você está ficando no hotel da avenida principal também ou já liberaram sua casa? — dispõe um tom casual enquanto esperam o aval de Paul para continuarem a gravar.

— Sim, você não? O resto do casting está todo lá. — se vira de frente para ao falar.

— Não, eu também. — encolhe os ombros. — Só estava pensando... já que você chegou sozinha e não tinha mais ninguém.

— Entendi. Você já tem previsão da sua casa?

— Eu acho que... na verdade, não. Não faço ideia. Preciso perguntar.

— Hum.

— E o seu?

— Em duas semanas.

— Ah! Isso é rápido. Imaginei que fosse demorar mais.

abre a boca para responder, mas é interrompida por Paul.

, , prontos?

Ela diz que sim e anui.

continua de frente para e ele se vira de perfil, encarando o piano. Balança as mãos no ar e serpenteia uma das sobrancelhas para a câmera na sua cara. Quando ouve as risadas, ele posiciona os dedos sobre as teclas.

O barulho da claquete se fechando ecoa e, em seguida, ouve:

— Ação!

Em um instante começa a tocar a melodia que lhe foi passada, não é a oficial para o filme, músicas escritas para o cinema são sempre uma das etapas finais de produção. Ele só precisa tocar qualquer coisa para que a cena não fique artificial.

As teclas do piano são macias sob seus dedos longos e ágeis. se concentra nas notas, no tempo e no ritmo. Ali, ele está em casa; este é o tipo de artista que ele é. A sensação de tocar alguma coisa, qualquer coisa, é agridoce nesse momento. Apesar de saber que terão muitas cenas com instrumentos musicais envolvidos, estava com o pensamento de que não pensaria em música por um longo tempo quando começassem a gravar o filme. Que bom estar enganado.

Consegue ver pela visão periférica que o observa com atenção deslumbrante; seus lábios, como Daphne, expressam um sorriso sutil. Sem perceber, fecha os olhos, entregue de corpo e alma à música: sua maior paixão.

O silêncio é absoluto, mas leve. É como se se transportasse para o estúdio de poucas semanas atrás, sozinho no cômodo amplo e cheio de instrumentos. Nada mais importa, nada mais existe. Só a música. A melodia sai de dentro da madeira e penetra nos seus ouvidos sem desvio, sem erros. Seus pés pressionam os pedais do piano nas horas certas.

O tempo diminui ao passo em que a música vai chegando ao fim. As últimas notas são lentas, espaçadas, mas poderosas e marcantes. abre os olhos e se vira para . Algo diferente parece passar no olhar da sua colega, algo não-Daphne, mas desaparece antes que ele possa identificar o quê.

— Corta! — Paul grita.

não se mexe na esperança de resgatar aquele momento. Eles não piscam. não se sente piscar, pelo menos. O jeito que o encara de volta, é quase como... um lampejo de admiração? Ela gostou, então?

— Isso foi ótimo, ! Podemos fazer mais uma vez? — A voz de Paul de repente tão perto faz com que olhe para cima rapidamente.

O diretor está parado entre eles. Se foi ótimo, por que precisa fazer de novo?

, querida, você pode suavizar um pouco suas expressões?

Isso explica suas dúvidas internalizadas. desvia o olhar de Paul e encara com olhos que lutam para não se arregalarem.

— Daphne tenta esconder seus sentimentos confusos por Apollo como se sua vida dependesse disso. E, de certa forma, depende. Os segredos místicos a serem relevados podem a matar. Ela não sabe disso, é claro, mas gosto de pensar que ela sente.

acena. Ela não parece chateada ou irritada por ser corrigida. De tudo, sua expressão demonstra idolatria; deve ser muito fã de Paul.

— Sim, claro.

— OK, galera! Mais uma vez!

Lives Between Us, cena 56, tomada 2! — De costas, escuta Finn dizer. Tudo no set é sempre muito gritado, ele imagina que o garoto deve ir para casa com a garganta doendo.

— Gravando!

A segunda vez seguida de tocando o paino tem a mesma paixão da primeira. No entanto, ele se percebe ansioso para acabar. Seus olhos ficam se desviando para o canto, de onde conseguem ter a visão parcial de . Ele tenta enxergar as expressões da co-star, força tanto que suas vistas ficam embaçadas.

Quando termina, eles se olham como da outra vez. Seu corpo está bombeando sangue pelas suas veias mais rápido do que ele gostaria. espera que Paul corte a cena, mas ninguém diz nada.

— Isso foi... maravilhoso. — diz em um murmúrio suave. Sua voz é algodão doce.

Demora um segundo para que ele registre que aquela fala é de Daphne, e Apollo precisa responder.

— Daphne, quando eu estou com você... — Seguindo o script à risca, gira o banquinho do piano em 90 graus. Agora de frente para ela, seus joelhos quase se tocam. Apollo se inclina e segura as mãos de Daphne. — Eu sinto esse aperto no peito como se algo muito ruim estivesse prestes a acontecer. — Não é o que Daphne esperava ouvir, ela franze a testa, mas não diz nada. — Acho que é só o medo de te perder. — Agora sim, ela dá um sorriso envergonhado.

Os olhos de Apollo viajam até o colo de Daphne e ele envolve o relicário de ouro antigo entre os dedos.

— Fico tão feliz quando te vejo o usando. — Diz Apollo. Daphne abaixa a cabeça, na direção do objeto envolto em seu pescoço. — Mamãe ficou maluca quando descobriu que eu lhe tinha dado a herança de vovó.

— Foi no nosso último dia no Ensino Fundamental. Você se lembra disso? — A mão de Daphne envolve a de Apollo sobre o pingente. — Você prometeu que não nos afastaríamos quando fôssemos para o Ensino Médio.

— Me perdoe por não cumprir minha promessa. — As mãos de Apollo deslizam em direção ao chão, pendendo entre seus joelhos como se ele estivesse descansando, embora seus olhos entregassem o sinal de derrota.

Daphne segura o rosto de Apollo com as duas mãos, os dedões acariciando os dois lados da sua mandíbula envolvida pelas marcas suaves da barba começando a apontar.

— Isso não importa mais. — Ela diz ao passo em que conecta suas testas.

As falas daquela cena terminam ali. Eles se mantêm imóveis, esperando pelo grito de Paul que vem alguns segundos depois.

Pelo breve momento em que esperam, encara os lábios molhados de pela maquiagem recém reaplicada. Os dois estão muito perto para que consiga elevar os olhos além daquele ponto. As mãos dela, ainda em seu rosto, estão quentes; ou talvez seu próprio rosto esteja quente e por isso ele sinta as mãos de quentes. Também consegue contar a respiração sincronizada dela, e para alguém que mente uma conversa inteira daquela forma, ela está muito calma. também mentiu, isso é a farsa, a atuação, mas seu coração continua batendo violentamente contra as paredes do seu corpo.

É quase como se ele tivesse medo de ser pego na mentira de enganar alguém. Precisa constantemente se lembrar de que é um trabalho e que ele não está machucando com seus sentimentos forjados.

— Vocês foram ótimos! Tudo perfeito! — Paul grita da sua cadeira no fundo.

Com um suspiro aliviado, se afasta alguns centímetros primeiro. Só mais alguns desses e o primeiro dia estará feito. O cantor sente o aperto de preocupação se aliviar um pouco.

Ele vai conseguir fazer isso.

Já deu tudo certo.


Continua...


Nota da autora: OI, PODEROSAS!!!! Veio ai outro cap narrado pelo nosso queridissimo!
Por favor, comentem muito aqui o que vocês acharam (é muito importante ter suporte nesse comecinho, porque senão vou achar que tá uma bosta e que deveria parar de postar) e não se esqueçam de ler o spin-off (o link tá logo aqui embaixo) pra ter uma ideia do que vem por aí!!!

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A playlist ainda tá em construção, mas já siga pra ficar dentro do mood da história!

Outras Fanfics:

01. Music for a Sushi Restaurant (Lives Between Us Spin-Off) - Ficstape Harry's House
Mistérios do Destino - Harry Styles, longfic, finalizada
De Volta a Dezembro (Mistérios do Destino Spin-Off) - Restrita, Harry Styles, Shortfic
The Spaniards' Girl - Restrita, Harry Styles, Shortfic
The Spaniards' Girl - The Dinner - Restrita, Harry Styles, Shortfic
Just Another Hotel Room - Niall Horan, Shortfic

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