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Última atualização:14/10/2022

21. Do you think is easy being of the jealous kind?

FEVEREIRO, 2019
Um mês e meio atrás




A minha viagem para o Japão foi super tranquila. Comprei um voo com uma conexão, porque era metade do valor de um voo direto. Um absurdo, eu sei.

Era sábado, dia 02 no Japão e, portanto, oficialmente não mais aniversário de Harry. Ele e os amigos – todos do Japão – tinham montado praticamente um roteiro de coisas para fazer em seu aniversário, o final de semana seria todo de comemorações para ele.

Eu sabia qual era o nome do hotel que Harry estava ficando, porque ele tinha me mandado uma foto da entrada para eu ver como era bonito. Então reservei uma diária lá. A internet borbulhava de rumores de que a estadia longa de Harry no Japão era por causa de uma modelo, Kiko Mizuhara. Eu não sabia se era verdade ou não, então não queria tomar como garantido que eu ficaria no quarto dele. Até porque se ele estivesse com ela, eu não queria atrapalhar nada.

Eu não o avisei nem mesmo que estava indo, foi totalmente surpresa. Eu deveria ter filmado a cara dele quando abri a porta do quarto na casa de seu amigo. Harry tinha dormido lá porque aparentemente ele estava muito louco para ir para o hotel sozinho na noite anterior.

- Então você passou a tarde toda em uma cafeteria sozinho? - Perguntei, incrédula.

Harry estava me contando sobre como havia sido seu aniversário no dia anterior.

- Sim. Lendo Norwegian Wood.

- Como a música dos Beatles?

- Exatamente por causa da música dos Beatles. - Respondeu.

- E o que aconteceu com My Policeman?

- Já terminei. - Deu de ombros.

- E aí? Gostou?

- Definitivamente um dos meus preferidos que li ano passado. Por falar em livro, quando voltar para LA e eu for devolver o seu, quero te emprestar um.

- Qual?

- In Watermelon Sugar.

- Nunca ouvi falar.

- Foi através dele que descobri esse que estou lendo agora.

- E você gostou?

- Você não faz ideia do quanto. - Deu uma risadinha que não entendi muito bem o sentido. - É muito importante para mim que você leia esse.

- Como assim?

- Você precisa ler e depois eu te explico. - Fiz cara de confusa.

- Tudo bem. - Concordei mesmo assim. - E depois?

- Depois o quê?

- Depois que você passou a tarde toda sozinho?

- A gente foi jantar fora e fomos em um bar. Sabe aquele programa, Queer Eye? - “Sim”, respondi. - O Kizuku é amigo de um dos apresentadores, o Bobby.

Kizuku era o dono da casa. O que tem um cachorro com instagram.

- Qual é o Bobby?

- Um loiro. - Assenti. - Encontramos com ele ontem, que ficou de ir hoje de novo no bar que vamos. Ele é super engraçado. Daqueles que fica do seu lado zombando se você está bebendo devagar.

- Agora está explicado porque você dormiu até tão tarde. Deve ter morrido de beber. - Harry gargalhou.

A expressão “morrer de fazer algo”, não fazia o menor sentido em inglês para ninguém de outro país. Mas para Harry fazia, porque eu tinha ensinado o significado.

- Ele e o marido bebem como peixes.*

Harry e eu já tínhamos voltado para o hotel para nos arrumarmos para a noite. É claro que ele me fez levar todas as minhas coisas para o quarto dele, depois de quase ficar irritado explicando que nunca tinha sequer visto pessoalmente a tal da Kiko. “Você sabe que se eu tivesse algo com ela, eu te contaria.”, foi o que ele disse. E, bem, eu acredito que ele contaria mesmo.

A noite de hoje era em um karaokê-bar. Quando chegamos, Harry já foi imediatamente em direção à algumas pessoas em uma mesa, conhecia todos muito bem.

- , esses são Kunich, Sean e Himawari. - Harry apontou para cada dono dos nomes enquanto eu dava um aperto de mão em cumprimento.

- Himawari. - Repeti quando cumprimentei o último deles. - Sunflower. - Olhei para Harry tentando não esboçar nenhuma reação.

- Sim, meu nome em inglês significa girassol. Você fala japonês? - Himawari me perguntou.

Antes de responder, eu deixei que minhas memórias me levassem de volta para o meio do mês de outubro.




- Eu odeio você. - Proferiu em um riso soprado.

- Eu só sou uma boa amiga e presto atenção em tudo o que você desabafa comigo. O que tem para odiar em uma excelente confidente?

- Cala a boca e termina seu café.

E rindo se levantou da cama, fazendo uma saída teatral para fora do quarto.

- Ei! - Gritei. - Volta aqui! Você ainda não me contou o que aconteceu para você ter escrito a metade de Sunflower que não é sobre nós!

- Bloody Hell, ! Você não vai me deixar em paz enquanto eu não te contar, não é? - Harry respondeu ao voltar para trás exatamente como fazia quando fingia que iria embora de entrevistas ao receber perguntas constrangedoras.

- Não, tudo bem. Se você não quiser me contar, eu não pergunto mais. - Levantei os braços em sinal de rendição, fazendo drama e em seguida tomei outro gole do café. A bandeja de café da manhã que ele havia trazido para a cama já estava quase vazia.

- Unfffff. Você sabe que eu estou só brincando. Desde quando eu consigo ficar sem te contar alguma coisa? - Riu voltando a se sentar na cama.

- Não sei. Às vezes quando o assunto é muito sério você fica meio introspectivo. - Dei de ombros.

- Ah, . Qual é?!

- “Ah, ” nada. Eu ‘tô mentindo agora?

- Não. - Harry demorou a responder, contrariado.

- Eu não quero ser invasiva. Você não precisa me contar tudo.

- Eu te conto porque eu quero. Porque você é minha amiga e eu confio em você para dividir as coisas. Todo mundo precisa de alguém para contar os problemas e pedir opiniões, do contrário, não seria possível que chegássemos a ver as coisas com mais clareza.

- Isso é diferente. Você já resolveu. Só me contaria para sanar minhas curiosidades.

- Bem... Digamos que não está assim tão resolvido?

- Harry! Você está com problemas esse tempo todo e não me falou nada? Você contou para alguém?

- Não. - Olhou para baixo, arrumando os anéis nos dedos.

- Está vendo o que eu acabei de dizer? Você só me conta as coisas depois que as resolveu. Foi assim desde o começo, desde a Sophie. - Falei o nome dela e isso fez com que Harry fizesse uma careta. - Você tem essa mania de querer resolver tudo sozinho! - Bufei. - O que aconteceu? Você está bem? Quer conversar sobre isso agora?

- Corações quebrados são inevitáveis, . Não dá para ficar bem o tempo todo.

A resposta de Harry foi como levar um banho de água fria ou um soco na boca do estômago. Eu achava que poderia resolver todos os seus problemas só porque não suportava a ideia de vê-lo triste. Mas a verdade é que eu nunca poderia protegê-lo de todo o mal do mundo e menos ainda curá-lo sendo aquela pessoa que sempre está “ali” por ele. Isso era muito pouco. Estar perto e ser alguém disponível para ouvi-lo era tudo o que eu podia oferecer e aquilo não era nada. Quem eu era e o que eu sabia da vida para que meus conselhos e opiniões pudessem ser capazes de consertar tudo?

- Eu sei, Harold.

- Eu não tenho medo de pular de cabeça nos meus sentimentos. Isso é o que nos faz sentirmos humanos, e, seja bom ou ruim, é a vida, .

- Eu sei. - Repeti. - Mas eu tenho medo por você. Essa intensidade toda... Quando você está num momento bom, é quando você sente o melhor. Mas quando algo ruim acontece, é um dos momentos em que você mais se sente mal. Você vai nos extremos e isso me assusta. Porque eu nunca quero te ver mal.

- Obrigado por se importar tanto comigo. - Assenti com a cabeça. - Eu só... - Ponderou antes de voltar a falar. - Quero viver tudo o que há para viver. Não é que eu goste de me sentir mal, ninguém gosta, não é? Mas não quero evitar, eu não posso me fechar quando as coisas dão errado, eu quero ser aberto.

Eu não soube o que responder.

- É por isso que eu te conto, mas nem sempre quando aquilo ainda está me machucando. Porque é por isso que eu escrevo; quando algo me machuca, é através da música que eu coloco para fora, é na música que eu posso ser patético, engraçado, dramático, gótico, exagerado... Tratar tudo como se fosse o fim do mundo, sendo que nem sempre é.

Ele voltou a se sentar na beira na cama.

- E, às vezes, não parece bom preocupar meus amigos com alguma reação que pode ser exagerada, sabe? Eu escrevo o que me incomoda e depois... depois tudo passa. Não parece mais ser tão ruim como era. Eu sigo em frente. E se realmente não passar, aí sim eu procuro alguém para conversar, faço terapia, sei lá... Só não quero ser precipitado. Não quero chegar para você e dizer que o mundo desmoronou porque eu conheci um cara tão incrível e babaca ao mesmo tempo que faz eu me sentir o maior ignorante do mundo, um burro, literalmente.

Se ajeitou na cama, claramente desconfortável.

- De ficar ensaiando o que falar no espelho depois do primeiro encontro, de ter a sensação de precisar lavar a boca antes de falar, se não pareceria idiota, estúpido. De me sentir um garoto de quinze anos que chega para a menina que gosta na escola e trava para dizer “oi” e quando consegue falar, tudo o que recebe em resposta é indiferença, porque eu não sou popular o bastante, ou legal o bastante, ou bonito o bastante.

Eu não sabia muito bem se estava entendendo a analogia da escola, mas não quis interrompê-lo.

- Só que agora eu tenho vinte de quatro anos e a resposta indiferente que eu recebo faz com que eu sinta que não sou inteligente o bastante, ou culto o bastante, ou interessante o bastante. É como ser rejeitado pela menina que eu gosto porque ela gosta do popular rico.

Ah! Agora eu entendi.

- Só que agora eu sou a porra de um cantor famoso que com só vinte e quatro anos viajou o mundo inteiro, que tem cinco álbuns de sucesso lançados com uma banda e um álbum de estreia em carreira solo que atingiu número 1 nas paradas de mais de 85 países! E eu odeio que isso não significa nada porque não me impede de me sentir assim!

Eu já tinha colocado uma das mãos no ombro de Harry e tirado a bandeja que estava entre nós.

- Vem cá. - Falei quando pareceu que ele tinha acabado de vez. Ele me abraçou e afundou a cabeça no meu pescoço. - Você sabe que você é tudo isso que não está sentindo e mais, não sabe? - Perguntei depois de um tempo ao ver que ele havia recuperado o fôlego.

Eu sempre ficava em um misto de surpresa e alerta quando ele falava incisivo assim, o que era extremamente raro de acontecer. Não precisa conhecê-lo para saber que ele é a pessoa que mais usa interjeições ao falar. Era até estranho ouvir um Harry que completava uma sentença sem se interromper com “hums” e “ahns”.

Parecia que esse discurso já tinha sido repassado na sua cabeça milhares de vezes, era quase como se tivesse sido decorado.

- Eu sou? - Respondeu em escárnio.

- É claro, H. E você não deveria deixar ninguém te fazer pensar o contrário.

- Você fala como se fosse fácil fazer isso. Como se fosse só fazer e tudo se resolver.

- Sinto muito. - Suspirei. - Não quero que seja simples. Eu sei que todo mundo tem inseguranças. Deus sabe das minhas. - Ri sem humor.

- Eu não te acho insegura. - Harry tirou a cabeça do meu pescoço para me olhar.

- Isso porque você não sabe o que se passa dentro da minha cabeça. - Ri com um pouco mais de graça dessa vez.

- Pensando bem ontem você estava meio estranha, mas eu nem conto. Não é comum te ver assim...

- O que eu quero dizer... - O interrompi. O foco não era eu. - É que você não pode se diminuir. Porra, parece absurdo eu precisar disso isso logo para você! Mas a real é que parece que você colocou quem quer que seja essa pessoa em um patamar elevado ao seu. Você o deu muita credibilidade, entende? Por que ele é alguém que você considera com tanta importância a opinião?

- Eu não sei. - Falou pausadamente, refletindo. - O nome dele é Himawari. Sabe o que isso significa? - “O quê?”, eu murmurei. - Sunflower.

Inteligente, Harry Styles. Muito inteligente.

- E ele é foda. Já produziu um monte de músicas para artistas no Japão. - Completou com um sorriso de lado.

- E? - Desdenhei. - Assim como os seus produtores que produziram as suas músicas são fodas também. - Suspirei antes de voltar a falar. - Olha, Harry, eu sei muito bem o que é admirar alguém e sentir que qualquer que seja a opinião vinda daquela pessoa passe a ser verdade absoluta. Mas pasmem! Ele também é um humano como você, ele não sabe de tudo.

- Sabe o que eu acho? - Perguntou.

- Hum?

- Que é incrível como você enxerga coisas assim para dar conselhos para os outros e não vê que poderia usar para si mesma.

- Você está fugindo do assunto. - Retruquei na defensiva.

Harry sorriu.

- Eu estou?





- Não, eu não falo Japonês. - Sorri ao responder. - Harry comentou comigo um dia.

- Hum! Quer dizer que o Harry fala de mim? - Perguntou e eu sorri de novo.

- De todos vocês. Ele me conta histórias o tempo todo! Como aquele dia que o Sean, eu acho, dormiu depois do almoço e você pintou o rosto dele com um canetão. Não foi? - Ele concordou com a cabeça. - Eu nunca tive nenhum contato com a sua língua e eu nunca consigo gravar os nomes, aí ele me disse o significado para me ajudar a lembrar. Assim eu não ficaria perdida quando ele me contasse as histórias.

Inventei a primeira desculpa que me veio à cabeça. Foi bem convincente porque Himawari talvez tenha parecido decepcionado. Não sei se ele esperava ter sido mencionado por Harry de outra maneira, mas eu não daria esse gostinho a ele.

- Todas as vezes que ele vem para cá sempre me conta uma história mais engraçada que a outra. Fico com ciúmes que ele se diverte tanto com outros amigos que não sou eu. - Dei um risinho para mostrar que estava brincando.

- Mas a gente também se diverte, ). Só que do nosso jeito. - Harry lançou uma piscadinha para mim.

Qualquer idiota pegaria o duplo sentido da fala depois do tom sugestivo que Harry usou.

Era impressão minha ou eu estava sendo usada para fazer ciúmes?



Sean estava em pé a alguns metros na nossa frente, cantando no karaokê com Bobby. Era uma música que eu não conhecia. Kizuku era o único dos amigos que não tinha ido. Aparentemente tinha prometido que levaria a namorada para jantar.

A mesa era redonda, os lugares para sentar eram estranhos, alguns eram cadeiras, outros eram bancos almofadados, os quais eram tão confortáveis que eu poderia até dormir neles. Harry e eu sentávamos um ao lado do outro, Himawari à nossa frente e Kunich ao meu lado. Além do marido de Bobby, o cara do Queer Eye, havia também duas outras mulheres, eu não sabia se eram namoradas de alguns deles ou só amigas. O resto dos lugares estavam vagos. E olha, ainda tinham bastante lugares. Era uma mesa grande.

Bebíamos, ríamos, conversávamos, o pessoal na mesa gritava obscenidades para Sean, como “gostoso!” “arrasa!” e coisas do tipo. E detalhe: Tudo em Japonês. Eu não entendia nada! Harry, que já estava bastante familiarizado com a língua, traduzia para mim quando eu pedia. Quase todo mundo falava inglês, com exceção de uma das mulheres, então, no geral, eu estava conseguindo participar da conversa.

- Olha quem chegou! - Himawari gritou por cima das vozes e antes que eu pudesse virar para o lado que ele apontava, uma mulher se sentou bem ao lado de Harry.

- Olá! - Cumprimentou em Japonês e deu uma olhada na roda, reconhecendo a mim e Harry como ocidentais e passando a falar em Inglês. - De quem é o aniversário?

- Meu. - Harry levantou uma mão, tímido.

- Harry Styles... Então é você quem aparentemente eu estou namorando? É um prazer te conhecer, sou a Kiko. - Estendeu uma mão para cumprimentá-lo.

Harry sorriu um pouco sem graça e eu fechei a cara. Achei muito atirada para o meu gosto.

- Aparentemente, sim. - Ele respondeu e eu virei a cara para o lado contrário, revirando os olhos. Kunich me deu um sorriso ao perceber.

- Então, feliz aniversário! - Harry assentiu e murmurou um fraco “obrigado” - E essa moça ao seu lado? - Apontou para mim com a cabeça. - A namorada de verdade, suponho.

- Essa é a minha amiga, . - Harry me apresentou enquanto eu abria um daqueles sorrisos forçados.

- Bem, então é um prazer amiga do Harry. - Também me deu um aperto de mão, o qual retribui sem muita vontade.

- . É o meu nome. - Corrigi.

Ela estava achando que era quem para se referir a mim meramente como a “amiga do Harry”?

- Vamos cantar na próxima? - Perguntei a Harry, passando a ignorá-la imediatamente.

Era infantil da minha parte? Talvez. Até porque eles realmente não se conheciam e ela parecia simpática. Meio forçada para o meu gosto, mas aparentemente simpática aos olhos de todos ali.

- Claro! Já vou lá procurar a sua música.

- Quer saber de uma coisa, Harold? - Passou a me encarar, a atenção completamente voltada para mim. - Hoje eu vou dar uma de você. Vou cantar, sei lá, Don’t Stop Believin’.

- Jura? - Um vinco formado em sua testa. - Nada de I Don’t Want To Miss a Thing? - Neguei com a cabeça, sorrindo.

- Nah! Hoje, não. É seu aniversário, essa vai ser minha homenagem a você. - Ele deu uma gargalhada.

- Okay. Então vou dar uma de você, também.

- Ou de Louis. - Completei. - Qual vai ser a sua música? - Harry pensou por um momento.

- Nirvana... Smells...

- Like Teen Spirit. - Falamos ao mesmo tempo.

Começamos a rir por termos falado sincronizado.

Eu fui primeiro, porque já era humilhação demais cantar num karaokê com Harry Styles ali, agora cantar depois que ele tinha ido criaria um contraste maior.

Não que eu desse a mínima para isso, porque enquanto Kiko cantava com Himawari em um dueto, eu sugeri que Harry e eu deveríamos fazer o mesmo.

- Okay. Mas que música vamos cantar? - Ele perguntou e eu sugeri algumas músicas que foram todas negadas por ele.

- I Will Survive? Rich Girl? Faith?

- Faith! - Repetiu gritando.

- Você sabe que não é justo você escolher essa música, não é?

- Por que não?

- Porque está na sua zona de conforto!

- Todo mundo só canta músicas que tem familiaridade. - Deu de ombros.

Eu mordi o lábio, segurando uma risada.

- Não entendi seu ponto. - Me encarava confuso.

- Você tem mais familiaridade com essa música do que a maioria das pessoas, visto que você é um plagiador. - Provoquei e gargalhei em seguida.

- Ah, não. De novo com essa história?

- Desculpa, eu não consigo evitar. - Eu ria enquanto Harry revirava os olhos.



A noite passou como um borrão. Estávamos apenas Harry e eu sentados na mesa depois da última rodada de karaokê. A galera tinha meio que se dispersado a esse ponto. Todos tínhamos comido alguns petiscos, bebido saquê, tequila, muita vodka e sei lá mais o quê, cantado músicas do karaokê sentados dali mesmo enquanto passávamos o microfone tal como passa-se um baseado, o qual inclusive também fez parte da roda. Eu fui de sóbria, para muito bêbada, chapada e bêbada e, agora, a sei lá que horas da madrugada, o efeito já tinha passado um pouco, não que eu estivesse completamente sóbria ainda; mas eu estava melhor do que Harry.

- Você está me evitando? - Harry me perguntou de repente, me assustando.

- Quê? - Respondi debilmente. - Estávamos cantando no karaokê abraçados há menos de uma hora.

- Só na hora do karaokê, em que todos os meus amigos prestavam atenção em nós. Mas por que toda hora que eu chego perto de você, você se afasta discretamente? Não me deixou colocar a mão na sua perna quando estávamos sentados mais cedo, eu te abracei e você nem me abraçou de volta e agora mesmo eu fui te beijar e você se levantou!

- É óbvio, Harry, estamos em público, você quer que a sua bunda bêbada esteja na mídia amanhã beijando uma estranha num bar? Aliás, esqueceu que supostamente você veio para cá por causa da Kiko? - Apontei com a cabeça para a mulher que agora estava cantando no karaokê com Bobby.

- Estamos no JAPÃO! - Ele falou mais alto como se ali ninguém o conhecesse. Em parte, era um pouco verdade. Ninguém o abordou naquela noite. - Eu não dou a mínima para a Kiko. E você não é uma estranha. - Corrigiu o tom de voz quando viu que havia chamado a atenção de pessoas nas mesas próximas. - E eu estou falando sobre você estar me evitando desde o início do ano!

- Quê? Eu não estou! - Revidei na defensiva.

- Não? Então prova! Me beija, aqui e agora. - Eu balancei a cabeça em descrença.

- Você está bêbado.

- Foda-se. Eu ‘tô bêbado, mas sei o que eu ‘tô falando. Isso está me incomodando há dias! E daí que só agora bêbado que ‘tô dizendo? - Ele falava um pouco embolado, era fofo, mas eu estava brava demais para ligar. - Você está me evitando. - Repetiu. - Se você não está, então prova.

- Não, eu não tenho que te provar nada.

- É porque você está me evitando.

- E você só está causando essa ceninha porque seu plano de me usar para fazer ciúmes no Himawari não está dando certo, já que ele nem liga para você! - Falei fria.

- Ah, então é por isso que você está me evitando? - Ele pareceu não sentir a cutucada, como se ele realmente não se importasse com Himawari.

- Não, porra! - Gritei. - Eu não ‘tô te evitando. - Eu jamais gritaria com Harry daquela forma estando completamente sóbria.

- . - Harry cerrou os olhos e se inclinou na minha direção. - Você está com ciúmes dele? - Deixou um sorrisinho escapar no fim.

- Ah, puta que me pariu. Era só o que faltava. - Soltei em português enquanto jogava as mãos para o alto. - Não, Harry. - Revirei os olhos. - Eu só não ‘tô aqui para ser uma espécie de conserto temporário para você.

Harry começou a gargalhar, muito, como se eu tivesse contado uma piada engraçadíssima.

- Nem brigando comigo você deixa de citar músicas da banda

- Foi totalmente não intencional dessa vez. - Revirei os olhos de novo, já estava perdendo a paciência.

- E eu achei que você fosse exatamente isso. - Juntei minhas sobrancelhas, numa expressão nada satisfeita. - O escape. E eu sou o seu. Não é isso que somos um do outro? Não é para isso nossa amizade? Uma reserva? Alguém para contar sempre pra sexo?

- Sim, Harry. Mas não é SÓ para isso. Pelo menos eu pensei que não fosse, não é? - O veneno do escárnio era projetado em cada sílaba. - Por isso que eu viajei do outro lado do mundo até a porra do Japão! Porque somos amigos e eu queria estar presente no seu aniversário. Não para servir de tapa buraco porque esse cuzão aí não vê o cara incrível que você é. Menos hoje, porque hoje você está sendo um completo babaca.

Eu me levantei e peguei a minha bolsa, ia voltar para o hotel imediatamente, a chave do quarto estava comigo, mesmo. Eu pegaria minhas coisas e reservaria outro quarto até ir embora. Eu não queria olhar para a cara de Harry naquele momento.

- Espera! Aonde você vai? - Harry segurou meu braço quando eu já estava de pé.

- Para o hotel. - Puxei o meu braço num solavanco e sai andando.

Era bom que esse idiota viesse atrás de mim, ou eu nunca mais olharia na cara dele.

Eu mal terminei de pensar isso e o escutei gritando meu nome e em seguida sua mão segurou meu braço novamente, me virei lentamente, sem olhá-lo nos olhos.

- Me. Solta. - Falei quase babando como um cachorro raivoso. De fato, eu estava tão puta que se eu fosse um pinscher estaria tremendo.

Harry imediatamente afrouxou a mão e, hesitante, abaixou o próprio braço.

- , eu não estou tentando te usar para fazer ciúmes em ninguém. Podemos, podemos conversar depois? Eu não ‘tô raciocinando bem agora para explicar.

- Você não tá raciocinando bem para nada nesse momento.

Eu movi o corpo para me virar de costas e Harry levantou o braço para me segurar de novo, mas parou no meio do caminho, fechando a palma aberta em um punho, se repreendendo antes de me tocar.

- )... - Me chamou, a mão ainda no ar, próxima do meu braço, mas sem me tocar. - Babe...

Eu encarava o chão, metade do corpo virado para ir embora e a outra metade ainda preso a Harry.

Uma das músicas novas que Harry havia me mostrado em algum momento no ano anterior era reproduzida na minha cabeça.

Don't call me ‘baby’ again
You got your reasons
I know that you're tryna be friends
I know you mean it


- Me desculpe, eu não sabia que você estava se sentindo assim, nunca foi minha intenção fazer com que você se sentisse usada.

Do you think it's easy
Being of the jealous kind?
'Cause I miss the shape of your lips
You'll win
It's just a trick
And this is it
So I'm sorry


- Tudo bem. - Terminei de me virar e continuei andando.

- ! - Harry me gritou e deu passos rápidos para me acompanhar. - , espera!

- O que foi, Harry? - Me virei de uma vez, dessa vez encarando-o.

- Aonde você vai?

- Eu já disse! Eu vou embora.

- Eu-eu... Espera, eu vou-vou com você.

- Eu não quero que você vá comigo. - Revidei imediatamente, fria.

It's hard for me to go home
Be so lonely


- Por favor. Me desculpa, podemos conversar com calma? Vamos embora juntos e a gente conversa. Me deixa só pegar minhas coisas e avisar ao pessoal.

Assenti com a cabeça ainda meio contrariada, mas Harry não se afastou enquanto não teve certeza de que eu não iria embora assim que ele se virasse.

No fundo, bem no fundo mesmo, eu senti uma pontinha de culpa por estarmos indo embora, era seu aniversário! E ir embora estragava tudo..., mas a culpa era dele! Ele quem falou besteira. Para mim, a noite já tinha acabado mesmo. Eu não podia continuar ali. Nem mesmo por ele. Dessa vez eu me colocaria em primeiro lugar na minha vida.

Parece que o álcool que estava no corpo de Harry evaporou em menos de dez minutos, que foi o tempo que gastamos saindo do bar e entrando no primeiro táxi que passou. Eu fui o caminho todo emburrada e de braços cruzados, e Harry, sentado ao meu lado claramente desconfortável, não disse uma palavra, respeitando meu espaço.

Eu abri a porta do quarto e a minha vontade era fechá-la na cara de Harry e deixá-lo no corredor, mas ele estava grudado em mim igual carrapato.

- Espaço pessoal? - Pedi suspirando quando larguei minha bolsa na mesinha e caminhei para o banheiro e vi que Harry ainda estava me seguindo.

- Desculpe. Podemos conver-

- Eu vou tomar banho. - Entrei no banheiro e bati a porta em um estrondo. Foda-se, o quarto estava no nome do Harry mesmo. Se alguém reclamasse do barulho de madrugada seria problema dele.

Liguei o chuveiro e fui até o espelho, me apoiando na pia e levei uma das mãos aos olhos, cobrindo-os e apertando os cantinhos.

Oh, todos os santos das fãs que se apaixonam pelos ídolos! Eu precisaria de calma naquele momento para não jogar minhas roupas na mala e ir direto para o aeroporto.

Eu comecei a rir ali sozinha, em plena... olhei o relógio, 4h48 da manhã. Eu nunca conseguiria ir embora. Deixo em aberto se é porque Harry não deixaria ou se eu não teria forças o suficiente para isso.

Depois que eu descobri... depois que eu aceitei estar apaixonada por Harry as coisas ficaram piores e eu achava que de alguma forma fossem melhorar, bom, pelo menos eu parei de sonhar que ele iria embora.

E eu nunca pensei que eu que cogitaria a possibilidade de ir embora e nunca mais voltar.

Eu demorei ao máximo no banho, eu queria torturar Harry. Ele era um idiota e eu mais ainda, porque estava aqui toda apaixonada e ele não estava nem aí para mim. E eu sentia que eu seria sempre a amiga que ele pega quando quer, quando para mim, por mais que tivesse tentado vê-lo também dessa forma, eu já entrei nessa amizade em desvantagem, porque ele nunca foi só um amigo para mim, ele nunca seria. Ele sempre seria meu ídolo ou alguém por quem me apaixonei. Ele sempre seria mais, de qualquer forma que fosse.

Eu fechei o registro do chuveiro decidida: Eu iria superar Harry Styles.

É claro que já comecei falhando, percebi isso quando me lembrei que entrei no banheiro sem ter pegado a toalha.

Quando abri a porta, Harry que estava nervosamente andando de um lado para o outro em frente ao banheiro, parou e deu um passo na minha direção, mas arregalou os olhos quando me viu sem roupas e molhada.

- Isso é a minha punição? - Perguntou de boca aberta.

- Eu só esqueci a toalha. - Revirei os olhos, passando bem do seu lado em direção a pequena varanda que tínhamos ali.

Me enrolei na toalha e peguei a primeira roupa que vi na mala e parti em direção ao outro ambiente do quarto, onde ficava uma mesinha de jantar e frigobar.

- Não precisa sair! - Ele me gritou e eu parei onde estava. - Eu vou. Para você trocar de roupa e tal.

Me virei de uma vez e acabei trombando com ele que já caminhava para sair.

- Desculpa. - Eu pedi enquanto ele ainda me segurava. - Você pode me soltar agora, eu não vou cair.

- Eu não quero te soltar, ).

- E-eu... - Antes que eu pudesse formar uma sílaba sem gaguejar, Harry me beijou.

E foi aí que eu falhei pela segunda vez seguida em menos de dez minutos de decisão em superar Harry; com sexo de reconciliação.





* Em Inglês, a expressão “to drink like a fish” ou, na tradução literal, “beber como um peixe” é o equivalente a “beber como um gambá” em Português.





*


Eu acordei com a luz da janela invadindo o quarto, porque esquecemos a porta da varanda aberta.

Harry já estava acordado e me encarava.

- , isso entre a gente só dá certo porque usamos um ao outro no melhor sentido da palavra, porque você me apoia e eu espero que você se sinta apoiada por mim também.

Harry começou a falar assim que viu meus olhos abertos, eu fechei e abri algumas vezes tentando focá-lo e processar o que ele estava dizendo.

- Ei! Easy, tiger! Me deixa acordar primeiro. - Reclamei.

- Me perdoa pelo que eu disse ontem, eu sei que estar bêbado não justifica, mas eu não falei na intenção de ser maldoso. Eu nunca te usaria dessa forma.

- Falou, sim. - Eu rebati e ele negou com a cabeça.

Eu me sentei na cama e esfreguei os olhos.

- Porque é isso que você faz, Harry. - Voltei a falar e ele me deu um olhar confuso. - Você sempre sabe exatamente o que dizer para magoar alguém. - Meu tom de voz era baixo, calmo. - E quando você se sente ameaçado, você ataca com o que sabe que vai doer no outro.

- E-eu-eu não faço isso! Foi você quem sempre brincou que somos como a música Temporary Fix!

- Você já se sentiu ofendido alguma vez em que eu disse isso? Ou em que eu usei qualquer uma das suas outras músicas como referência?

- Não! Claro que não.

- Mas eu me senti, Harry. E muito. Senti como se você tivesse nos reduzido a isso. E eu juro que eu pensei que fosse muito mais para você do que apenas uma foda fixa.

- É claro que você é! , você me salvou! Houve momentos no último ano em que eu me vi no fundo do poço e ter a sua amizade foi crucial para que eu não me mantivesse lá!

Harry se sentou na cama também e colocou uma das mãos no meu ombro, e eu o olhei por reflexo.

- Você é a minha melhor amiga, minha confidente, meu copiloto, a que sempre comanda o rádio com as melhores das piores músicas.

- Cala a boca que você gosta de One Direction também. - Eu acusei e ele sorriu, concordando.

- Você é uma das melhores pessoas que eu conheci nos últimos anos e eu falo sério quando digo isso, não é nenhum exagero! E eu estava tão feliz ontem por você estar aqui. Ainda estou. Mas você me evitou a noite toda.

Eu percebi Harry engolindo em seco, um pouco nervoso e hesitante. Respirou fundo antes de continuar.

- Sendo sincero, meu ego ficou ferido. - Parou de falar de novo, apenas por um momento.

Parecia fazer muito esforço para verbalizar essa frase.

- E por mais que você não admita, tem me evitado, sim, desde o início do ano. E eu sei que isso também não justifica. E eu-eu me senti inseguro, não pensei muito antes de falar, pensei que talvez você não quisesse mais ser meu conserto temporário. - Ele finalizou um pouco acanhado. - Não te ofendi dessa vez, ofendi?

- Não, Harry. - Revirei os olhos. - Não ofendeu.

- Merda! Como essa coisa de comunicar é difícil. - Harry respirou fundo. - Mas é isso, eu fiquei inseguro. Me perdoa por deixar isso atingir você. - Suspirou aliviado. - Como é difícil admitir estar errado também. - Deu um sorrisinho, tentando soar engraçado.

Mas eu continuei o encarando por alguns segundos, pensando no que falar.

- Você me magoou, Harry.

- Eu sei. Eu fui um idiota. Me desculpa, por favor.

- Não me magoe de novo.

Me levantei da cama em um pulo e fui para o banheiro, porque estava me sentindo sufocada no mesmo ambiente que Harry.

Eu havia me trancado naquele banheiro e encarado meu reflexo no espelho mais vezes nas últimas doze horas do que eu havia feito desde que eu cheguei.

Aproveitei que já estava ali e tomei um banho. Eu tinha lavado os cabelos quando chegamos e dormido com eles molhados, o que não me favoreceu nem um pouco, então lavei de novo. Sendo sincera, eu só queria poder estender ao máximo possível o tempo até ter que encarar Harry de novo.

Eu não passei mais do que quinze minutos lá dentro dessa vez, mas quando abri a porta, não encontrando Harry na cama que, por sinal, estava feita, tive a sensação de que fiquei fora por horas. Pelo menos parecia. Fora do meu corpo.

- Harry? - Chamei.

- O quê?

Ele apareceu no vão da porta. Na verdade, somente a sua cabeça e uma das mãos, que segurava o celular.

- Achei que você tivesse saído. - Comentei como explicação de que não era nada.

Ele caminhou na minha direção, levantando os braços ao se aproximar, como se fosse me abraçar, mas abaixou-os batendo na lateral do corpo, parecendo mudar de ideia.

- Está com fome? - Perguntou ao parar na minha frente, mexendo um dos braços na minha direção, desajeitado.

A ideia de que ele se conteve me deixou desconfortável e aliviada ao mesmo tempo.

- Hm... Eu comeria. - Dei de ombros.

- Eu pedi café da manhã. Está na mesa.

Eu devo ter o olhado com uma cara engraçada antes de me mover instintivamente até o outro cômodo. Eu estava surpresa.

Fiquei mais surpresa ainda quando cheguei até o mesmo vão de porta que Harry estava antes. Dali, já conseguia ver a mesa simples redonda, que estava decorada com um vaso de flores bem no centro e, em volta, o típico café americano que se encontrava em qualquer lugar. Ovos mexidos, bacon, café, leite, suco, torradas, pães e frutas. A variedade era enorme, mas tudo parecia ter sido feito em porções para dois.

- Eu imaginei que você não gostaria de comer arroz e sopa agora. - Apesar de falar sério, o tom de voz de Harry saiu divertido.

- Não acredito que você me privou de um típico café da manhã japonês. - Brinquei também e ele sorriu. - Obrigada.

- Então eu vou tomar banho enquanto você toma café. - Apontou, ainda desajeitado, em direção ao banheiro.

- Você não vai tomar café comigo? - Questionei.

- E-eu... - Harry gaguejou.

E eu entendi tudo.

- Ei! É claro que eu quero que você tome café comigo! - Puxei-o pela mão e só soltei quando já estávamos ao lado de uma das cadeiras. - Agora senta a sua bunda aí.

- Eu estou com vergonha de te olhar. Me sinto muito idiota pelo que eu disse. - Harry falou ao se sentar na cadeira, ainda sem tocar em nada do que estava na mesa.

- E deveria mesmo. - Concordei, sem dó. - Mas você não pode pegar suas palavras de volta. Não pode retirar o que disse.

Harry apenas concordou com a cabeça. Eu dei de ombros, como se dissesse que aquilo não tinha mais importância e comecei a comer.

Após alguns segundos, Harry fez o mesmo, ainda sem dizer nada.

Comemos em silêncio por alguns minutos. A situação estava toda muito desconfortável e Harry mais ainda.

- Então... - Quebrei o silêncio, tentando agir normalmente. - O que vamos fazer hoje?

Harry, que antes estava com a cabeça baixa, parecendo concentradíssimo em um pedaço de melão, me encarou.

- Quer conhecer a cidade? Posso te levar em alguns lugares. - Harry respondeu.

- Mas você não marcou nada com seus amigos? Não quero atrapalhar os seus planos.

- Passamos o tempo todo que você está aqui com outras pessoas. Hoje queria aproveitar o dia sozinhos... Se você estiver tudo bem para você.

- Claro, H! É seu aniversário. A programação é da sua escolha. - Eu sorri para ele e recebi um sorriso de volta.

- Ok. - Concordou.

- Ok. - Reforcei.

- Então eu vou tomar banho agora.

Balancei a cabeça concordando.

- Ok. - Repeti.

Harry se levantou da mesa e a passos desajeitados saiu do cômodo.

Já sozinha, eu balancei a cabeça de novo, dessa vez em negativa.

O que eu estava fazendo ali?



*


Era bem comum ver pessoas andando de bicicleta nas calçadas das ruas de Tóquio. E podíamos encontrar bicicletas para alugar em praticamente qualquer esquina.

Mesmo com muito esforço, eu não conseguia me lembrar da última vez que havia andado de bicicleta. Eu andava de moto, é claro, e eram dois meios de transporte parecidos em termos de equilibro e tal. Mas só isso. E não que eu tivesse tido algum problema para pedalar. Afinal, o que diziam sobre nunca se esquecer como se anda de bicicleta era verdade. Mesmo que passassem anos, mesmo que você se sentisse pouco confiante nos primeiros metros, uma vez adquirida, era impossível perder a habilidade de andar de bicicleta.

Apesar de Harry ter visitado Tóquio com frequência nos últimos tempos, a quantidade de lugares que ele conhecia era impressionante. Pedalamos pelas ruas a um primeiro momento parecendo sem rumo.

- Você precisa ver o fluxo de pessoas que passa por aqui durante a semana, é impressionante. - Harry comentou quando paramos em frente à estação de trem.

Enquanto Harry falava, eu murmurava em concordância sem muito o que dizer, sem ter o que acrescentar àquela conversa.

Não é que eu estivesse exatamente com raiva de Harry... Eu estava chateada, é claro. Decepcionada também. Mas a culpa era somente minha, porque eu nem mesmo sabia o que esperava de Harry.

Eu esperava que ele fosse gostar de mim também?

Que ele fosse se declarar?

Que ele percebesse o quão terrivelmente apaixonada estou?

Não, isso não.

Tudo o que eu menos queria é que ele percebesse.

E era por isso que eu tinha que disfarçar o melhor que pudesse.

- Eu costumo vir aqui de manhã e caminhar seguindo o fluxo de pessoas, eu imagino que tenho uma pasta nas mãos e que eu estou indo para o trabalho em algum escritório por aí.

- É mesmo? Isso não parece divertido.

- É bom... Ser anônimo de novo.

- Imagino que seja.

Harry suspirou e voltou a se sentar no banco da bicicleta.

- Vamos?

Concordei com a cabeça.

Eu sabia que ele tinha ficado incomodado com a forma como falei. Eu queria muito fingir que nada tinha acontecido e eu tentava muito agir assim também. Mas era muito difícil.

Continuamos andando por mais alguns minutos, até que Harry subiu em uma das calçadas e parou em frente ao que parecia uma loja de antiquarias misturada com um brechó.

- Quer entrar?

Dei de ombros.

- Pode ser.

Descemos das bicicletas e as encostamos em um poste. Assim mesmo, sem prendê-las a ele ou algo do tipo. Harry havia dito que voltaríamos para encontrá-las da mesma forma.

Sem sair do lugar, dei um giro de 360 graus observando as pessoas, coisas e sons ao nosso redor.

Havia alguns pássaros espalhados pelos fios dos postes. Pousados ali, pareciam ter todo o tempo do mundo.

Talvez estivessem esperando um companheiro que estaria para chegar.

Será que os pássaros tinham certeza de que algum outro iria, um dia, salva-los da solidão?

- Podemos tomar sorvete antes? - Pedi.

Harry olhou para os lados procurando pelo que eu falava, até encontrar o pequeno carrinho de sorvete do outro lado da calçada.

- É claro, babe.

Com um sorriso, Harry colocou uma das mãos nas minhas costas e nos guiou até lá. Eu pedi uma bola de chocolate e ele pediu chocomenta, que poderia facilmente ser confundido por pistache, até mesmo no gosto.

- Você não vai me deixar provar o seu também? - Perguntou manhoso.

Os pássaros sequer eram sozinhos? Eu não sabia dizer.

Será que sentiam um vazio bem grande ao se perguntarem o que fazem por tanto tempo do ano ali, até precisarem voar ao sul no inverno? O voo alcançado nessa época trazia-lhes algum propósito?

Do que é mesmo que eu estou falando?

- Mas é só chocolate! - Rebati, mas antes de ouvir uma resposta, eu já havia esticado o braço para que Harry alcançasse meu sorvete.

- Hmmmm. - Murmurou. - Passando um dos dedos nos lábios que haviam se sujado. - Tem razão. É chocolate com gosto de chocolate.

Eu revirei os olhos. De praxe. E sai andando em sua frente, atravessando a calçada em direção à loja.

- Eu acho que o sorveteiro confundiu a caixa de chocomenta. - Harry comentou ao vir correndo atrás de mim.

- Você acha? - Debochei. - Isso não é chocomenta nem aqui, nem na China.

- Na China não é mesmo, apesar de estarmos perto.

- N-não... - Segurei o riso. - Deixa para lá.

Por que eu ainda insistia em traduzir para o Inglês as expressões Brasileiras?

- Ahnnn, o que foi? O que isso quis dizer? Se você está rindo, tinha outro sentido. - Harry perguntou curioso.

Eu empurrei a porta da loja e o sino preso a ela fez barulho.

Eu esperei Harry estar ao meu lado e cruzei meu braço no dele. Parados de costas à porta fechada, eu o encarei.

- Tem coisas, meu amigo, que você nunca vai entender.

Em um movimento rápido, passei a casquinha para a mão que estava com o braço cruzado no dele e com a livre, passei o dedo no sorvete e em seguida no nariz dele.

- Ah, não. - Negou com a cabeça. - Você não fez isso.

Voltei com o sorvete para a outra mão e desfiz nossos braços dados.

- Eu fiz, sim. - Respondi rindo e comecei a dar alguns passos de costas para os fundos da loja.

Harry fez o mesmo com seu próprio sorvete e esticou o braço, tentando me dar o troco.

- Cuidado! - Me alertou a tempo para que eu desviasse de uma caixa no chão.

E tempo suficiente para que ele passasse o sorvete verde na minha bochecha.

- Lambe! - Falei alto. - Agora você vai lamber! - Completei rindo.

- Com prazer! - Rebateu rindo também enquanto eu já passava a mão na bochecha para me limpar.

Sabe quando duas pessoas riem até quase ficar sem ar? Nós brasileiros soltamos sempre alguns “ai ai” ao fim das risadas. Eu fiz isso, até pararmos de rir de vez e nos olharmos de um jeito esquisito.

De um jeito como se tivéssemos esquecido de tudo por um momento. E realmente nos esquecemos. Como se não tivéssemos esse grande e incômodo elefante na sala.

Eu encarei o chão por alguns segundos. E então girei os calcanhares para ficar de costas para Harry e voltei a caminhar em direção ao balcão da loja.

Será que um elefante se metamorfosearia em um pássaro?

Talvez fosse minha hora de voar.


22. And we know that sometimes it all gets a little too much.

FEVEREIRO, 2019
Um mês atrás




Os dias estavam passando muito rápido e os fins de semana mais rápido ainda. Antes que eu percebesse já era o sábado do chá mensal com Elinor.

Tínhamos lavado roupas como sempre e conversávamos em sua sala com um sabor novo de chá e biscoitos. Eu poderia facilmente me passar por uma velhinha fofoqueira depois de me associar à uma.

Ela ficava insistindo para saber o que eu tinha achado de Adam e o que tinha acontecido quando ele foi ao meu apartamento.

- Você precisa perguntar ao seu filho! - Eu rebatia.

- Ele não quis me contar. - Ela choramingava.

- Se ele não quis te contar, não sou eu quem vai quebrar o silêncio.

- !

- El! - Ela suspirou e sorriu em seguida.

- Você é a única pessoa que me chama assim.

- Eu aprendi com um certo alguém a ficar dando apelidos diferentes do que as pessoas já estão acostumadas. - Eu sorri também.

Harry veio na minha mente na hora e era quase como se eu pudesse ouvir sua voz me chamando, “Ei, ), olha só essa música!” ou “), o que você acha de irmos comer fora?”

- Ih, que cara é essa? - Elinor pegou algo no ar e não deixou passar. Foi a minha vez de suspirar.

O ruim de não conseguir mentir era isso: eu não sabia nem disfarçar o que estava pensando; qualquer um que me conhecesse, perceberia.

- Ah, nada não.

Mas é claro que ela insistiu em saber. E é claro que ela não fazia ideia de quem era o Harry quando contei tudo, desde quando pedi ajuda para chegar ao píer e surtava, porque não sabia o que fazer com meu ídolo na minha frente, até a nossa briga mais recente, no Japão.

O que me deixava em uma situação mais conflituosa eram meus próprios sentimentos em conflito; oscilando entre a dor do coração partido pelas coisas que Harry disse e tentando não guardar aquela mágoa, a todo momento me relembrando de não deixar pequenos momentos ruins se sobressaírem sobre os outros momentos muito bons.

- Sabe, isso me lembra de como conheci John...

John era o falecido marido.

- Eu tinha acabado o treinamento de aeromoças de 1962 e era meu primeiro dia no trabalho. Eu nunca tinha andado de avião antes, naquela época passagens de avião eram bem caras e só viajava quem tinha muito dinheiro para pagar.

Eu assentia de tempos em tempos para mostrar que estava acompanhando o que ela falava.

- Eu nunca tinha estado em um aeroporto também, então fiquei completamente perdida lá dentro. Fiquei por incontáveis minutos arrastando a minha malinha pelos corredores, procurando onde eu deveria embarcar. Eu me lembro perfeitamente de conferir o meu papel com a minha escala da semana e os horários de voos que eu faria e, mesmo assim, continuava andando em círculos.

Ela fez uma pausa e tomou um gole de chá antes de continuar, as mãozinhas delicadas e finas tremiam um pouco pela idade.

- Eu devo ter parecido muito desesperada, porque aquele homem com um sorriso aberto e simpático parou ao meu lado e disse: “Primeiro dia?”. - Ela deu uma gargalhada fraca, como se estivesse se lembrando da cena. - E eu me lembro de olhá-lo no uniforme de piloto e pensar em como ele era bonito.

Ela me deu um tapinha no braço e eu coloquei o cotovelo em cima da mesa e descansei o rosto na mão. Um sorriso de lado não saia dos meus lábios.

- John era o único piloto negro da companhia. Não foi fácil quando começamos a namorar. Casais interraciais não eram bem vistos.

Eu fiz uma careta, mas não a interrompi.

- É bem normal nos sentirmos inseguros quando chegamos naquele ponto das nossas vidas em que parece que todas as decisões são sempre grandes decisões, sabe? Mas eu vou te falar uma coisa, ... John me ajudou muito na época! Ele me mostrou todos os lugares que eu precisava saber ir, quem procurar. Escala, trocas de turno...

Ela fez uma pausa, procurando meu olhar.

- Ele me mostrou um caminho e eu o segui. Não só no trabalho, mas também na vida. Eu decidi.

De maneira literal e figurativa, John e Elinor traçaram caminhos em direção a um mesmo destino. Primeiro das salas de embargue até os aviões, depois até o altar e outras escolhas que fizeram ao longo da vida.

- Entende o que quero dizer?

Balancei a cabeça ao mesmo tempo em que dava de ombros, ainda confusa com o significado.

- Eu conheço o olhar... de quando se esbarra em uma dessas decisões. A primeira vez que o vi foi em mim mesma, sobre ser aeromoça ou quando John me pediu em casamento. Depois passei a reconhecê-lo nas salas de embarque, nas faces de pessoas que estavam indo para não mais voltar... Ou nos sorrisos que acompanhavam o pisar no avião, de quem tinha decidido voltar, ou ficar... - Ela deu um sorriso. - Sempre depende da perspectiva. - Completou dando uma piscadela descontraída.

Continuei calada, apenas absorvendo o que ela falava.

- E eu vi isso em você agora, querida. E acho que sua grande decisão tem a ver com esse rapaz.

Harry... Harry e eu realmente seguimos juntos por um mesmo caminho e eu não estou falando daquele para chegar até o píer de Santa Mônica.

Em alguns momentos fomos guiados por mim e, em outros, ele escolheu a estrada e eu o segui; por minha própria escolha, afinal de contas.

- Eu o amo... - Confessei em um suspiro, percebendo como verbalizar meus sentimentos por Harry se tornavam um ato mais fácil a cada vez que eu o fazia.

- Mas? - Elinor replicou, sentindo meu tom de hesitação.

- Mas eu não sei se ele sente o mesmo. Eu acho que ele não sente o mesmo.

Apesar dos caminhos sinuosos que tínhamos traçado até então, será que chegaríamos ao mesmo destino?

- Só há um jeito de descobrir... - Elinor deixou a resposta no ar e eu retruquei com ar de impaciência.

Eu já havia falado sobre os meus receios de ter como consequência o encerramento da nossa amizade.

- Eu não vou conversar com ele sobre isso!

- E quem disse que para descobrir você precisa conversar com ele? - Ela respondeu sorrindo e, quando fiz uma careta de confusão, completou: - A descoberta só diz respeito ao que você decidirá. Se quer continuar sendo apenas amigos, é o que serão, porque só depende de você qual caminho seguir.

Eu tossi, desconfortável com a conversa.

- Bem, preciso ir embora agora.

Antes que Elinor pudesse protestar, eu completei:

- Em maio eu saio de férias e estou adiantando matérias para terminar antes de viajar e ficar só por conta de terminar de escrever minha dissertação do mestrado. - Sorri, querendo desesperadamente mudar de assunto. - E eu me formo em setembro! Você vai na minha colação, não vai?

- Mas é claro, querida! - Ela deu uma risada, como se a minha pergunta fosse totalmente sem lógica. - O ano mal começou, mas parece que você terá um bem cheio. - Ela brincou e eu sorri antes de concordar.

- Pela amostra que já tive até então, não tenho dúvidas disso.

*


- Está muito vinho para ser de uva! De uva é mais arroxeado. - Eu retruquei.

- É de framboesa! - Lucy rebateu convicta.

- Já descartamos framboesa, está muito escuro.

- Então é de morango. - Lucy chutou.

- Morango é mais vermelho. - Eu neguei de novo.

- Fuck! Por que não perguntam para a cozinheira? - Henry interferiu.

Ele já estava sem paciência pela nossa discussão para adivinhar qual era o sabor da gelatina que era a sobremesa do almoço naquele dia.

- Vou procurar no google. - Anunciei para ninguém e peguei o celular.

Mas Henry bufou, se levantando da mesa e indo em direção à uma das funcionárias da cozinha.

Da mesa, Lucy e eu o observávamos conversar e gesticular, longe o bastante para que não pudéssemos ouvir o que eles falavam.

- Se a Jane estivesse aqui, ela faria o desempate. - Eu choraminguei.

Nossa amiga já tinha ganhado seu bebê recentemente e estava de licença maternidade.

- Podíamos ir vê-la juntas. - Lucy sugeriu.

- Claro! Que dia?

- Acho que mês que vem seria ideal. - Concordei com a cabeça.

- Verdade! Para que eles tenham um período tranquilo de adaptação. - Ela concordou também.

Nesse mesmo momento Henry voltou a se sentar ao nosso lado.

- E então? - Lucy incentivou antes que ele pudesse abrir a boca.

- Framboesa.

- Eu sabia! - Ela comemorou.

- Foi o primeiro sabor que falei. - Me fiz de esperta, causando risos em nós três. Provei a sobremesa. - Mas nunca que isso tem gosto de framboesa!



Ao voltarmos do almoço, eu sabia que todo o momento de descontração anterior iria para o ralo. Henry e eu estávamos passando por uma semana difícil em relação ao nosso trabalho.

Lucy e eu nos assustamos quando ele abriu a porta da sala com a agressividade de sempre.

- Assustada, Felina? - Perguntou com um sorriso debochado enquanto fechava a porta atrás de si. - Achei que já tivesse se acostumado com as minhas entradas triunfantes.

- Eu estava concentrada, Campbell! - Revirei os olhos. - Que bom humor é esse? - Perguntei quando o sorriso de seu rosto não havia sumido. - A gente está fodido, você está me entendendo? Você deveria estar mais preocupado que eu, o cliente é seu!

- O cliente é nosso! Até onde eu sei, você trabalha no mesmo propósito que o meu.

Lucy arregalou os olhos com a má resposta e eu gargalhei.

- Humm. Você está afiado hoje, hein? Sua mulinha. - Henry riu também, embora “mulinha” em inglês não soasse tão engraçado assim.

- Desculpe. Não foi minha intenção.

- Só desculpo se me deixar dar uma volta no seu BMW. - Pisquei para ele.

- Deus! Você é muito mercenária! - Henry respondeu em tom de revolta e Lucy e eu rimos muito.

- Por falar em carro, posso buscar café no Starbucks no seu? - Lucy me olhou com cara de cachorro pidão.

- Nem pensar! - Neguei imediatamente. - Te deixo usar um dos carros da empresa.

- O Starbucks é do outro lado da rua. - Henry apontou com o dedão em uma direção aleatória enquanto tinha um olhar confuso no rosto.

- Eu odeio aquela loja! - Foi a vez de Lucy revirar os olhos.

- Ela brigou com todos os atendentes. - Eu sussurrei para Henry, fingindo que ela não conseguia ouvir.

- Eu gosto de ir no da Melrose’s. - Ela falava da avenida que ficava à pouco mais de duas quadras de distância.

- Isso é perto. Por que não vai a pé? - Henry questionou inocente.

- Você já viu o sol que está lá fora? - Seu tom de voz de obviedade fez com que ríssemos.

- Carro da empresa, sim. Benzinho, não. - Decretei e ela bufou. - Me respeita que sou sua chefe! - Repreendi brincando e ela me mostrou a língua.

Henry ria, enquanto eu resmungava sobre essa mania infantil de mostrar a língua para os outros. Nesse meio tempo, Lucy se levantou para pegar a bolsa e já estava prestes a abrir a porta quando eu cocei a garganta.

- Eu quero um mocha frappuccino e me traz um muffin também.

Ela soltou a maçaneta da porta e caminhou de costas até chegar perto o bastante de mim, para depois estender uma das mãos na altura do meu rosto, já que eu estava sentada. Desviei o olhar de sua mão para Henry que estava em pé ao meu lado e de braços cruzados. Ele revirou os olhos nada sutilmente antes de enfiar a mão no bolso da calça para pegar a carteira.

- Pode me trazer um smoothie verde e... - Lucy o interrompeu.

- Virei assistente agora? - Ele ignorou a brincadeira.

Teoricamente, estagiários buscam mais cafés do que assistentes; não que fosse o caso de Lucy, já que eu nunca fui folgada com ela. Ela buscava café para ela mesma porque queria e eu só aproveitava a viagem. E não que eu fosse entrar nessa discussão deles.

- ... e pegar o que quiser para você mesma. - Lhe entregou uma nota de 50 dólares.

- E o troco é meu? - Henry suspirou.

- Certo. - Concordou relutante.

Satisfeita com a barganha, ela sorriu antes de sair.

- Benzinho, não! - Gritei de novo para reforçar.

Ela acenou indiferente e fechou a porta.

- Depois eu que sou a mercenária. - Comentei rindo.

- Ela aprendeu com você. - Fiz uma cara de ofendida e Henry riu. - E “Benzinho”? - Completou confuso.

- É o nome do meu carro. - Balancei a cabeça como se dissesse “dã?” - Mercedes Benz. E “inho” é o sufixo para o uso de diminutivo em português. - Comecei a rir ao me explicar. - E também leva um duplo sentido, porque “benzinho” no Brasil é um apelido brega para tratar um namorado ou alguém que você é bem íntimo. - Dei de ombros, indiferente.

Henry não respondeu, ficou apenas balançando a cabeça em negativa, como se estivesse ouvindo a explicação de uma louca que não adianta retrucar. E claro, um maldito sorrisinho acompanhava a expressão em seu rosto.

Eu tinha um pacote meio vazio de pirulitos em uma das gavetas da minha mesa. Ofereci um a Henry, que negou, enquanto me olhava incrédulo.

- O quê?! - Questionei enquanto tirava a embalagem de um para mim. - Eu ‘tô nervosa! Quando eu ‘tô nervosa, eu bebo. Mas já que não dá para fazer isso, então eu como. Mastigo alguma coisa, sei lá. - Completei afobada.

- Mas você precisa chupar o negócio assim? - Eu olhei para a minha mão que segurava o canudinho na boca e depois para ele e então dei de ombros.

- Estou chupando normal. - Dei de ombros de novo.

- A gente não tem nada mais, e acredite, para mim está ótimo assim, sendo amigos. Eu totalmente respeito você estar apaixonada e eu estou... dando novos passos com Kate..., mas-mas você precisa admitir que é meio difícil de ignorar a sua boca fazendo isso. - Gesticulou exageradamente os braços, tentando reproduzir o que eu fazia.

Eu soltei uma gargalhada alta e revirei os olhos em seguida.

- Se você quiser, eu quero.

- Sério?

- Não. Eu não faria isso com a Kate. Pelo menos não depois que vocês foram no primeiro reencontro.

- Merda! Por que mesmo que eu aceitei a sua ajuda? - Dessa vez ele quem revirou os olhos, mas estava totalmente brincando.

- Em quantos vocês já foram?

- Quatro. - Ele se escorou na mesa, quase se sentando. - Inclusive, comentei que a ideia do passeio a cavalo em Solvang foi sua.

- Jura? - Arregalei os olhos, preocupada.

- Sim. - Deu de ombros. - Ela sabe que trabalhamos diretamente e, por isso, acabamos tendo muito contato, não é? Talvez eu tenha deixado a entender que nos damos bem e... conversamos. - Fiz uma careta. - Calma! Não precisa se preocupar. Ela achou legal que eu tenha conversado com alguém sobre nós dois... ela disse que ‘mostra que eu me importo’, sabe? Em fazer certo dessa vez. E por isso ela acha que “pedi” dicas.

- Aww, Campbell! Você não é mesmo um doce tão doce quanto esse pirulito?! - Debochei.

- Engraçadinha. - Afinou a voz, tão debochado quanto eu. - Kate disse que deveríamos convidá-la para jantar algum dia desses, porque Maddie sempre fala de você e em como você é divertida e que vocês são amigas.

- Eu adoro sua filha.

- E ela adora você!

- Tyler sempre diz que você é bem legal.

- Se me lembro bem, ele disse que eu sou “legal para alguém tão velho”. - Citei fazendo aspas com os dedos. Minha voz em uma mistura entre ofensa e divertimento.

- Bem, ainda assim ele te acha muito descolada. - Henry riu.

- De qualquer forma, eu vou, é claro! Sabe que nunca dispenso sua comida. Inclusive, sinto falta de ir para a sua casa depois de um dia do cão e ter algo que não seja congelado ou algum tipo de delivery para comer. - Tentei fazer uma piada, mas não dava para rir da minha própria desgraçada sem que soasse uma risada triste.

- Ok. Vamos marcar. - Respondeu vagamente, pois seu celular apitou. - Vamos subir para a sala de reunião. Elliot já está nos esperando.

- Não vamos esperar Lucy voltar com os cafés? - Fiz cara de triste e arregalei os olhos

- Já é mais de uma e meia da tarde, precisamos resolver isso logo. Ela leva para a gente lá em cima.

Eu mordi o cabo do pirulito em um sinal de nervosismo e concordei com a cabeça, me levantando da cadeira em seguida. Henry então abriu a porta e me deu passagem para sairmos dali e enfrentarmos o dragão.

*


Joguei a bolsa no chão e em seguida me joguei de costas na cama, caindo como um saco de batatas.

- Preciso de férias. - Falei comigo mesma encarando o meu quarto vazio. - Mas antes preciso de uma bebida.

Depois de um banho rápido, me servi de uma dose de whisky barato que tinha acabado de comprar no caminho para casa e carreguei comigo até a varanda a sacola praticamente vazia debaixo de um braço e a garrafa no outro.

Acendi um cigarro do maço que eu também havia comprado e dei uma tragada rápida antes de abrir a barra de chocolate e comer um pedaço, engolindo-o com whisky. Uma combinação não muito agradável, mas eu estava pouco me fodendo. Naquele momento havia coisas mais desagradáveis e que deixavam um gosto mais amargo em minha vida.

Eram mais de sete da noite e eu tinha trabalhado quase doze horas naquele dia, estava estressada e cansada.

Havia uma poltrona simples no canto da varanda, a qual o antigo morador havia deixado para trás ao se mudar. Eu me deixei cair no assento e larguei a garrafa de whisky no chão.




Eu ouvi a porta de entrada bater e olhei no relógio: oito e quinze da noite. Tudo ficou em silêncio até que eu ouvi a porta de novo ser fechada em um baque. Eu havia chegado do trabalho há umas duas horas e estava estudando para as provas finais, já que não tinha aula naquele dia. Conforme eu avançava na faculdade, mais difícil ficava, mas eu já tinha passado da metade, então ia acabar logo. Era o que eu esperava.

Sai do quarto, aproveitando a desculpa de que precisava descansar as vistas e caminhei inconscientemente até a porta da frente, em direção à varanda.

- Oi. - Eu cumprimentei meu irmão que estava sentado em uma das cadeiras. - Chegou agora?

Estudei sua fisionomia abatida e um pouco agitada. Ainda vestia seu uniforme do trabalho.

Ele soltou lentamente a fumaça que havia prendido na boca e me respondeu com um aceno de cabeça seguido de um suspiro. Com uma expressão que eu reconhecia no espelho, me convidou a sentar na cadeira ao seu lado.

- Quer? - Me estendeu o copo de whisky que antes descansava no chão aos seus pés.

Eu tomei um gole e fiz uma careta instantânea.

- Eca! Você não colocou gelo?

Tomou delicadamente o copo da minha mão e deu outro gole antes de responder.

- Eu não fui na cozinha.

- Puta merda, garoto! O que aconteceu? Você está tomando whisky puro em temperatura ambiente. - Meu tom de voz assustado fez com que ele soltasse uma gargalhada desanimada.

- Cadê nossos pais? - Desviou o assunto.

- Foram jantar fora.

- O que você estava fazendo?

- Estudando. - Respondi concisa.

- Você é o meu orgulho mesmo, né. - Forçou um sorriso e eu sorri de volta, porque sabia que o problema não era comigo.

- Dia difícil? - Concordou com a cabeça em resposta e deu outro trago no cigarro. - Você sabe que as coisas vão melhorar, não sabe? - Recebi uma careta em resposta dessa vez.

- Eu sei? - Respondeu irônico.

- André! É claro que sim!

- E se não aceitarem a minha proposta, ? Eu estou trabalhando nesse projeto há meses, se negarem... Eu não sei o que fazer, todo o esforço e tempo gastos...

André me encarou por um momento, desviando o olhar em seguida e fixando-o num ponto específico embaixo da janela, em uma parte da parede que tinha um pedaço de tinta descascando.

- Maninho, com essa proposta vão é te promover! Já tenho dito! - Ele me olhou sorrindo e voltou a encarar o buraco com tinta descascada.

- Você não existe, mana.

- Vai dar tudo certo, maninho. - Eu sorri também. - Eu tenho orgulho demais de você. E você é a minha maior inspiração.

- Eu sei que você paga um pau para mim. - Respondeu fingindo indiferença e eu gargalhei antes de dar um tapa em seu ombro.

- Passa esse copo pra cá que eu vou por gelo nessa merda.




Não muito tempo depois disso, realmente aconteceu sua promoção, ele saiu da casa dos nossos pais dois meses depois. Nunca imaginaríamos que tudo terminaria como terminou.

Eu encarei a minha parede que estava com a tinta impecável. E então cocei a cabeça em um ato de nervosismo e suspirei.

Minha vida já estava complicada o bastante tendo que lidar com meus sentimentos amorosos sem controle e com todos os problemas que estavam acontecendo no meu trabalho; agora eu ainda ficaria para baixo com saudades do meu irmão.

Tudo estava acontecendo ao mesmo tempo e eu sinceramente não sabia se suportaria o peso de tudo desmoronando.

O quê? Que pensamento maluco é esse?

Foi como se eu tivesse acionado um freio dentro de mim mesma.

Eu não acredito em coincidências! Eu acredito que as coisas acontecem porque estão destinadas a acontecer. Pessoas ficam juntas porque o tempo todo fazemos escolhas que, por mais que possam parecer aleatórias num primeiro momento, revelam todo um sentido quando atingem aquele propósito final.

Não é à toa que-

O meu celular começou a tocar e quebrou a minha linha de raciocínio. Era uma ligação no FaceTime e quando alcancei o aparelho e olhei para a tela, um sorriso involuntário brotou no meu rosto.

- Ei, estranho!

- Eiii. Como você está?

- Sentindo sua falta! E você?

- Ocupado. - O sorriso não saia do meu rosto. - As coisas estão uma loucura aqui no estúdio!

Harry estava na área e conversávamos todos os dias pelo celular, ele tinha alugado um estúdio em Malibu que era uma casa e estava finalizando o álbum. Não saia de lá para nada, comia, dormia, assistia TV, usava drogas recreativas e me mandava fotos malucas, tudo lá.

- Você diz isso todos os dias, H.

Sem perceber, levei o cigarro que eu ainda segurava entre os dedos até a boca.

- Isso na sua mão é um cigarro? - Harry perguntou curioso. - Não sabia que você fumava. - Completou confuso.

- Eu não fumo. - Rebati indiferente e tomei um gole de whisky.

- Ahnnnn, eu tenho plena certeza que isso na sua boca é um cigarro.

- Bem, eu estou fumando nesse exato momento. Mas eu não fumo.

- Aconteceu alguma coisa? - Harry arqueou uma sobrancelha ao perguntar.

Não foi à toa que, mesmo que inconscientemente, eu tinha reproduzido um hábito tão comum do meu irmão e que me trouxe à mente justamente a lembrança de quando ele estava passando por algo parecido pelo que eu estou agora e eu lhe disse palavras de conforto que eu ouviria dele se ele estivesse aqui.

- Só um dia difícil. - Eu respondi a Harry, forçando um sorriso de lábios fechados no final.

- Hmm. Desculpe, mas não me convenceu. - Eu suspirei.

Às vezes eu odiava ser tão transparente. E odiava que Harry me conhecesse tanto também.

- Estão acontecendo algumas... situações no meu trabalho. Henry e eu as apelidamos de dragões. - Eu ri da piada interna. - Estamos trabalhando para apagar o fogo que produzem.

Era claro que Harry não ia entender a metáfora, então balancei uma mão na frente da tela e comecei a explicar desde quando e onde o problema todo tinha surgido.

- ...E então quando foi mais ou menos uma e meia da tarde, Lucy foi buscar café do Starbucks e o Henry, eu e o Elliot, que é um dos supervisores da produção, ficamos até às seis e vinte planejando o que fazer. Cheguei em casa há pouco.

Dei uma pausa, conferindo se eu não estava entediando Harry. Talvez estivesse. Então fiz um comentário mais descontraído.

- Mas foi engraçado, porque a Lucy tinha reclamado com Henry que não era nossa assistente e, mesmo assim, ela acabou levando os cafés para a gente lá na sala de reunião.

- Uau! Tão tarde? Parece mesmo um problema difícil de resolver. Mas tenho certeza que você vai dar um jeito. Você é muito competente.

- Sim! Dá para acreditar? O coitado do Henry teve que ligar para a ex-esposa buscar os filhos na escola. Essa semana era a vez dele, que supostamente deveria levar e buscar, mas hoje só conseguiu deixá-los na escola. Ele ficou arrasado, tinha planejado levá-los para o parque depois.

Encarei as marcas dos meus dedos no copo agora vazio. Demorei alguns segundos para perceber que eu não mais encarava a tela enquanto falava distraída. Dei um sorriso calmo.

- Você não faz ideia de como ter você do meu lado dando esse apoio faz diferença. Eu não sei o que faria se não fôssemos amigos!

Harry tampou a boca para tossir e eu achei até que ele não havia me escutado, até que respondeu:

- É... Se não fôssemos amigos...

*


Outro dia vencido e, com as coisas melhorando, caminhava em direção ao estacionamento enquanto digitava rápidas e animadas mensagens para Harry.



05:10pm: Ei, você vem jantar comigo hoje?



05:10pm: Eiii, Babe! Claro! Só finalizando
a mixagem de uma música.

05:11pm: Já chegou em casa?

05:11pm: Saindo do trabalho.

05:11pm: Qual música?



05:12pm: Não vou te dizerrrr!

05:12pm: hahaha




Respondi com um emoji revirando os olhos, minha marca registrada e ignorei-o.





05:13pm: Te espero à que horas?



05:13pm: Te aviso quando sair daqui.
Prometo não demorar.

05:13pm: Você vai cozinhar o que pedi?

05:14pm: Vouuu *outro emoji revirando olhos*



05:15pm: Obrigadoooo.


Com um estúpido sorriso no rosto, dei partida no carro e fui para casa. Depois de tomar banho, eu trabalhei um pouco na minha dissertação e só percebi quanto tempo havia passado quando senti meu estômago roncar.

Às quase oito horas da noite, Harry ainda não tinha dado sinal de vida.

07:42pm: Estou com fomeeee. Cadê você?



07:53pm: Desculpe! Tom precisou que eu
regravasse um backvocal.

07:53pm: Harry, pelo amor de Deus! Qual foi
a última vez que você saiu desse estúdio?

07:53pm: Vocês terminam isso amanhã!
Vocês têm todo o tempo do mundo.

07:54pm: Qual foi a última hora que você comeu?



07:55pm: Calma, mamãe! Uma mensagem de
cada vez! Hahaha

07:56pm: Ainda vou demorar mais 10 minutos.
Você ainda me espera, por favor?

07:56pm: 10 dias.

07:57pm: 10 dias o quê, cabeção?



07:57pm: Que não saio do estúdio.

07:58pm: HARRY, VEM EMBORA AGORA!

07:58pm: Você tem 30 minutos para chegar aqui!



Rindo sozinha, coloquei o celular em modo avião, pois eu sabia que quando ele enviasse a resposta e não mostrasse que eu havia visualizado, ele ficaria inquieto.

Era impossível que ele chegasse na minha casa em trinta minutos saindo de Malibu. Mas eu queria vê-lo tentar.

Como eu previ, foi uma hora depois que escutei o barulho da chave na fechadura e um Harry com seu olhar de cachorro que caiu da mudança passou pela porta.

- Eiiii. - Cumprimentou eufórico. - Desculpa a demora, eu passei lá em casa para buscar isso! - Gritou rindo e ergueu a garrafa de vinho branco que carregava em uma das mãos.

Eu estava sentada no sofá e lia o livro que Harry havia me emprestado e virei o pescoço para encará-lo com o olhar que eu chamava de “preguiça alheia.”, antes de colocar o livro virado para baixo no assento para marcar a página que eu estava.

- Oi... - Eu caminhei até ele a passos decididos e segurei sua nuca antes de lhe dar um beijo. - Que saudade! - Falei em português.

Parecia que havia meses que eu não o via.

Harry não hesitou em retribuir o beijo, meio sem jeito pela quantidade de coisas que segurava nas mãos.

Colei nossos corpos com um pouco de agressividade e, como ele foi pego de surpresa, cambaleou para trás, batendo as costas na porta. Aproveitei o apoio e coloquei uma das pernas entre as suas.

Como Harry estava com as mãos ocupadas, seus movimentos ficaram restringidos, o que tornou tudo ainda mais divertido para mim, que distribui beijos pelo seu pescoço e rosto enquanto o via rendido aos meus braços, voltando até seus lábios e prendendo-os entre os dentes antes de enfiar a língua em sua boca para outro beijo urgente.

Senti Harry ofegar e pressionei meus quadris um pouco mais contra seu corpo. Com a mesma mão que antes segurava sua nuca, puxei de leve seus cabelos, enquanto a outra eu espalmava na lateral do seu abdômen, pressionando-o cada vez mais firme contra a porta. Quando Harry gemeu, eu aproveitei para sugar sua língua, arrancando um “aí” de seus lábios dessa vez. Foi esse alerta que me fez parar.

- Minha língua. - Falou esquisito com a língua que já sangrava para fora. - Eu cortei. Você se esqueceu que contei?

Desencostei meu joelho da porta. Indecisa entre rir e sentir pena.

- Awww, me desculpe. - Decidi pela pena, ainda que eu tivesse um sorriso debochado no rosto.

- Está sangrando? - Colocou a língua para fora de novo e eu arregalei os olhos.

- Sua língua está cortada em duas. - Respondi alarmada.

- Ah, não! - Correu em direção ao banheiro, deixando as sacolas e o vinho em cima da bancada da cozinha ao passar.

Eu o acompanhei já gargalhando. Dando de cara com seu olhar enfurecido assim que entrei no quarto.

- Era brincadeirinha. - Confessei rindo mais ainda enquanto via Harry encarar a própria língua no espelho do meu banheiro. - Mas está sangrando um pouco, sim. - Parei de rir. - Sério, me desculpa. Está doendo?

- Não, a culpa não é sua. - Parou de se olhar no espelho e escorou o corpo no batente da porta do banheiro e me encarou. - Eu que sou burro e tenho uma equipe mais burra ainda. E eu falo para todo mundo pular no buraco e todo mundo pula. - Resmungou a última parte e eu ri de novo.

- O quê?

- A gente usou uns cogumelos uns dias atrás.

- Aquele dia depois que conversamos ao telefone, não é?

Na madrugada em questão, Harry tinha me mandando umas fotos com a língua sangrando e a única mensagem era uma palavra: “cogumelos”. Como eu estava ocupada, tínhamos trocado mensagens breves, nas quais só me preocupei em saber se ele estava bem. Por isso, acabei sem saber exatamente o que aconteceu.

- Sim, você estava fumando e bebendo whisky e eu pensei que eu estava só trabalhando e não estava me divertindo e isso supostamente deveria ser divertido!

Eu concordei com a cabeça, pois já tivemos conversas sobre isso antes.

- Então eu tive essa ideia e todo mundo topou. A gente usou uns cogumelos e colocou Paul McCartney para tocar. Deitamos na grama que tem na frente do estúdio e eu acho que até dormi. - Ele se desencostou do batente e caminhou até mim, que estava escordada no outro batente, o do quarto. - ...E teve aquela outra conversa que tivemos outro dia...

- Sobre você se arriscar mais artisticamente? Eu não estava falando sobre usar drogas e cortar a própria língua! - Repreendi e Harry encostou o rosto na curva do meu pescoço. Gesto que me desarmou. - O que aconteceu, afinal?

- O Mitch começou a tocar esse solo muito bom junto de uma das músicas que estava tocando e eu decidi pular a janela para ver. Bati meu joelho no queixo. - Fiz uma careta de dor, ainda que ele não pudesse ver.

- Por que você não passou pela porta, Harry Styles?

- Porque eu estava chapado?! - Respondeu como se fosse óbvio e lógico.

- Deixa eu ver. - Pedi enquanto passava meus braços em volta de seu tronco e sentia-o passar os dele em volta do meu.

Com a língua para fora, Harry acompanhava com o olhar enquanto eu analisava sua língua.

- Está doendo? - Perguntei. - Da para ver um risquinho aqui. - Usei uma das mãos para apontar com um dedo bem próximo de sua língua.

- Um pouco. - Respondeu guardando a língua e eu me inclinei para lhe dar um selinho. - Mas valeu a pena.

- Porque você se divertiu?! - Chutei.

- Não. Quero dizer, sim. Eu me diverti... até morder a minha língua e ficar 40 minutos tentando fazer pará-la de sangrar. - Soltei uma gargalhada e ele sorriu. - Mas valeu a pena porque escrevemos uma das minhas músicas favoritas até agora.

- Jura? Isso é ótimo! Me mostra?

- Vou pensar. - Sorriu de novo.

- Harry! - Fiz cara de brava.

- Precisamos aprender a tocá-la de novo. - Fiz cara de confusa.

- O quê?

- Mitch começou a tocar, certo? Antes de eu ter a minha língua cortada. Só que ele também usou cogumelos e não se lembra mais do que tocou.

- E agora? - Exclamei assustada.

- Temos tudo gravado. Não se preocupe.

- Você não existe, H.

- Você me esperou para jantar? - Mudou de assunto.

- Claro!

- Então você que não existe, Darling!

Voltamos para a sala abraçados de lado e eu fui até a cozinha esquentar a comida.

- Deixa que eu te ajudo. - Harry ofereceu.

Como não tinha muito o que fazer, já que estava tudo pronto, eu sugeri:

- Obrigada. Que tal se você começar abrindo o vinho para nós?

Harry prontamente apanhou a garrafa que ainda estava no balcão e, provando que conhecia muito bem a minha cozinha, buscou pelo abridor em uma das gavetas, retirando a rolha habilmente em seguida.

- Taças... Taças... - Começou a murmurar enquanto fazia um uni-duni-tê entre as portas do armário, tentando se lembrar em qual delas ficavam os copos.

- Na terceira porta da...

- Esquerda! - Completou e abriu imediatamente a pequena porta. - Me lembrei.

Harry então me passou uma das taças e eu tomei um gole ainda em frente ao fogão.

- Você pode levar os frios para a mesa? - Apontei para a bancada ao lado da pia onde tinham duas vasilhas.

- Okay.

Logo em seguida, levei o restante das panelas para a mesa que eu já havia arrumado e nos sentamos.

Durante o jantar, continuamos conversando sobre o álbum, meu trabalho e algumas trivialidades. De certa forma, demos um jeito de voltar ao “normal” depois do que havia acontecido em seu aniversário. Para ser sincera, eu realmente não queria ter feito um grande alarde por tudo, então na maioria do tempo bloqueava o que havia acontecido.

Fazia quase duas semanas que eu não via Harry. Ele estava mesmo focado no processo do álbum e, por mais que estivesse sentindo saudades, eu havia meio que dado um espaço também, sempre esperando que ele é quem me procuraria quando não estivesse ocupado.

Era por isso que conversávamos apenas por telefone, mesmo que ele estivesse a alguns quilômetros de distância.

Não é que eu achasse que eu o atrapalhava, nem nada disso. Menos ainda que eu me achasse importante o suficiente para ser uma distração... Eu só não queria incomodar também. Eu sei o quanto o trabalho era importante para ele... esse álbum. E, mesmo que a minha opinião não importasse muito, o álbum também era importante para mim, sendo a fã que eu era.

Depois que Harry retirou a mesa, lavou as vasilhas e eu as sequei, continuamos sentados na mesa da cozinha conversando.

- Vou ao banheiro. - Harry disse e eu acenei com a cabeça.

Aproveitei para checar as mensagens do meu telefone corporativo, estava estranhando que ninguém havia me ligado com algum problema.

Harry apareceu à minha frente enquanto eu ainda estava distraída.

- Obrigado por ter sido meu valentine hoje... Nesse ano. - Me entregou uma das sacolas que estavam na bancada. - Happy Valentine’s Day.

- Harry... Eu-eu não comprei nada para você. - Me levantei da cadeira, olhando-o nos olhos e depois abaixando o olhar para a sacola simples de papel.

- Tudo bem. Não é como se tivéssemos falado algo sobre trocar presentes. - Ele deu de ombros, como se realmente não se importasse.

Eu sabia que a cultura de “Valentine’s Day” dos outros países era totalmente diferente da cultura de “dia dos namorados” do Brasil. Para começar nos Estados Unidos você dava cartões ou presentes simples para amigos, familiares, colegas de trabalho e também para qualquer pessoa que você gostasse e tivesse feito companhia no “feriado”.

Não que eu achasse que Harry fosse me dar alguma coisa quando me pediu que jantássemos juntos por causa disso. Afinal, era super comum que amigos fizessem alguma coisa do tipo nesse dia.

Coloquei a mão dentro da sacola, tocando imediatamente em um tecido macio. Ansiosa para descobrir o que era, puxei-o descobrindo uma camisa branca.

A camisa do merch de Wish You Were Here do Pink Floyd.

A camisa do Pink Floyd de Harry. Vintage.

- Eu tenho essa camisa há anos. Achei em um brechó em Nova York em uma das viagens com a banda.

A camisa que antes nova era branca, agora havia adquirido um tom amarelado e tinha pequenos rasgos ao redor da gola, alguns furos distribuídos na região dos ombros e também das barras, provavelmente já tendo sido comprada assim por Harry, o tecido parecia bem antigo e a estampa estava bem desbotada.

- Estava guardada em uma caixa no fundo da loja. Foi um verdadeiro achado. É um pouco pequena para mim; acabei comprando assim mesmo, porque amei. Mas eu nunca a usei.

- Você falou dessa camisa quando você fez a entrevista para capa da Another Man em 2016... Eu me lembro. - Eu estava atônita. - Meu Deus, Harry! Eu não posso aceitar!

- ), eu sei que essa banda significa muito mais para você do que jamais poderia significar para mim, mesmo que eu ame essa camisa. E é por isso que se torna muito mais especial que eu a dê para você. Por favor, não recuse meu presente.

Ao mesmo tempo que eu sabia que era só uma camisa e não havia motivos para eu recusá-la, consciente de que eu já havia aceitado muitos outros presentes de Harry, eu também sabia que aquilo era tudo, menos “só” uma camisa para mim.

Eu suspirei, sem saber muito bem onde eu havia acertado para merecer tanto. Grata por Harry sempre encontrar novos meios de fazer mais momentos bons para sobressair quaisquer que tenham sido os ruins.

Fiz uma prece silenciosa para quem quer que fosse o responsável por trazer Harry para a minha vida.

- Obrigada. De verdade.


23. Are we friends or are we more?

MARÇO, 2019
Alguns dias atrás




Faltavam poucos dias para que completasse oficialmente um ano que eu morava nos Estados Unidos.

Enquanto no Brasil era carnaval e cada vez que eu abria o Instagram tinha que ver todos os meus amigos se divertindo... Eu, que estava na outra extremidade do continente, só trabalhava. Quero dizer, não me entenda mal; acho que a essa altura já deu para perceber que eu gosto do meu trabalho, gosto do que faço, gosto da ideia de ir para West Hollywood e passar dirigindo pela calçada da fama todos os dias. Não há o que reclamar sobre isso.

Mas dizer que eu não queria quatro dias de folga para me afogar em álcool com meus amigos enquanto beijamos bocas de procedência duvidosa era mentira. Não que na minha situação atual eu fosse beijar alguém, já que Harry não saia da minha cabeça. Viu? Até para explicar sobre minha deprê por não estar com meus amigos eu tenho que o mencionar.

A melhor parte do carnaval não era nem todos aqueles dias de festa em que eu mal dormia ou comia, só bebia e ficava acordada o máximo de tempo possível; a melhor parte era que meu irmão odiava.

André nunca gostou de carnaval. E sabe qual era a melhor parte dessa melhor parte? Sim, as melhores partes ainda têm melhores partes. Um pouco confuso, mas juro que faz sentido. E era a melhor da melhor porque eu tinha um motorista particular; corrigindo, um piloto particular. André me levava e me buscava para todos os bloquinhos e festas nessa época do ano. Todo mundo sabe que o trânsito em época de carnaval é o caos instaurado, e é claro que uma moto facilita o acesso a qualquer parte da cidade, então eu sempre estava no foco de qualquer bagunça muito rápido e nunca tinha que me preocupar em como eu ia embora ou se eu tinha bebido demais, porque ele não gostava de ir, ou seja, então ele não estaria bêbado e poderia me buscar sempre que eu ligasse. Era perfeito!

Me lembrar do carnaval e, mais especificamente das caronas na moto de André, me fizeram pensar por onde anda a minha Hondinha. Bem, ela não é mais minha. Espero que seu novo dono dê tanto valor a ela quanto eu. Eu poderia cantar When I Was Your Man do Bruno Mars. Tudo bem, agora eu estou rindo sozinha ao comparar um término de relacionamento à venda da minha moto. Bem, de qualquer forma, eu espero que seu atual dono lhe dê todas as suas horas disponíveis para cuidar de você, Hondinha. Espero que ele segure sua mão, ops, guidão, assim como eu segurava e te leve para todas as festas, ou trabalho, tanto faz. Ou melhor, espero que você leve seu dono para onde ele precisar ir, assim como você me levou. Nunca me esquecerei que a minha moto me levou até Harry, até seu show. E lá vem o bendito aparecendo de novo nos meus pensamentos!

Droga! Que saudades de um passeio de moto. Eu amo dirigir por essa ou qualquer outra cidade de madrugada, mas andar de moto às quatro da tarde em um sol escaldante também tem o seu valor. Como quando você está em um lugar abafado e abre uma janela, aquela primeira lufada de ar fresco que vem de fora. No Brasil, apesar de proibido, a viseira levantada do capacete enquanto você pilota é a janela aberta. A música que sai do painel do carro é substituída pelo ruído do vento que é abafado pelo acolchoado do capacete. A mão direita que costuma descansar no câmbio de marcha passa a contrair e relaxar o músculo ao usar o acelerador e, às vezes, o freio da roda dianteira.

Em um impulso, peguei o celular e, com um clique rápido nas chamadas recentes, o número de Harry já chamava.

- Boa tarde, babe.

- Ei! Tá fazendo o quê?

- Eu estou ótimo, , obrigado por perguntar! E você, como está? - Dei uma gargalhada diante do tom ofendido.

- A gente se falou por mensagens de manhã, dramático. - Depois dessa resposta ele bufou, contrariado porque eu estava certa.

E exatamente porque tínhamos nos falado pela manhã, eu sabia que Harry estava em casa e não no estúdio.

- Acabei de almoçar e estou lavando as vasilhas.

- O quê?

- Você perguntou o que eu estava fazendo...

- Ah! Por que você está lavando as vasilhas? - Dava para perceber mesmo que a chamada estava no viva-voz e a voz dele estava um pouco longe e dividia lugar com algum outro barulho.

- Porque depois que Margot fez o almoço, eu disse para ela que poderia ir embora. É sábado, não gosto de ter que fazê-la trabalhar até tarde.

- Ela passou suas roupas?

- De manhã, enquanto fui correr.

Harry sempre acabava dizendo que ela poderia fazer isso na segunda-feira e aí acabava sem roupas passadas para o fim de semana.

- Você tem sorte de ter uma mulher tão legal trabalhando para você, porque você é um bagunceiro.

- Sorte não, eu pago muito bem. - Riu em seguida.

- Nem por todo o dinheiro do mundo eu trabalharia para ficar recolhendo suas meias espalhadas pela casa.

- Você faz isso de graça!

- Porque você é folgado e espalha suas coisas pela minha casa! Eu devia jogar tudo fora mesmo.

- Você sempre ameaça que vai jogar tudo fora.

- Talvez eu devesse começar a cumprir! A senhora Thompson vai direto para o céu por te aguentar.

- Mas eu sou um amor. Estou até lavando as vasilhas!

- Não faz mais que a sua obrigação. Você quem sujou.

- Você é cruel, sabia disso?

- E você me ama! - Gargalhei e ele me acompanhou. - E eu também te amo, você sabe disso, não sabe?! Quero te pedir uma coisa! - Falei tudo de uma vez só.

- É claro que você não estava se declarando. Foi muito fácil para ser verdade.

- Sonha, Harry Styles. Sonha.

- O que você quer, interesseira?

Eu tinha aquela conversa com Harry no tom mais descontraído possível, mas, por dentro, eu sentia meu coração batendo mais rápido do que o normal. Eu poderia ser considerada uma masoquista por ficar brincando assim comigo mesma? Eu sabia que essas piadas internas, que não passavam de nada além disso, piadas, mexiam comigo. E mesmo assim eu continuava agindo como antes. Como quando éramos, de fato, só amigos. Bem, ainda éramos só isso, porque Harry não sabia que eu me sentia diferente agora.

- Então... Sabe o que é? É porque é carnaval no Brasil e eu estava lembrando dos meus amigos e também do meu irmão e aí lembrei de quando eu fui para o seu show e...

- ), pede logo o que você quer. Eu sei que você está enrolando. - Comecei a rir.

- Me empresta sua moto?

- Para que você quer a minha moto? Quero dizer, é só isso? É claro que eu te empresto, mas ‘tô curioso, para que você precisa dela?

- Você quer dar um passeio de moto comigo? Eu piloto, é claro.



A minha fissura por passeios de carro na madrugada ou de moto pela tarde não tinha a ver com o lugar, ou com o fato de andar por aí sem ter para onde ir ou onde precisar chegar; tinha mais a ver com a companhia. Fosse a minha própria ou de alguém de quem eu gostasse muito. As únicas pessoas que me acompanharam nisso antes de Harry foram André e meu último ex, Daniel.

Para ser sincera, eu quem acompanhava André e não o contrário, porque esse hábito, ou melhor, esse gosto por passeios sem destino foi primeiro dele. Ele quase nunca me deixava pilotar, então estava sempre em sua garupa.

O meu carro ficou do lado de dentro da entrada arborizada da casa de Harry.

- Eu não estou muito confiante com isso.

O portão branco eletrônico abria e eu batia no estofado do banco de sua Harley Davidson para que ele montasse atrás de mim.

- Harry, eu piloto há tanto tempo quanto você e considerando que eu pilotei muito mais vezes durante esse tempo, você não tem com o que se preocupar.

- Eu nunca andei na garupa de ninguém. Eu sempre piloto.

- Você não confia em mim? - Ele suspirou e concordou com a cabeça.

Ainda um pouco hesitante, Harry montou na garupa e eu acelerei para fora, parando um pouco no passeio enquanto esperávamos que o portão se fechasse às nossas costas.

- Aonde vamos? - Perguntou antes que eu começasse a andar

- Vamos passar pela orla da praia? Deve ser ótimo fazer isso de moto.

Harry concordou com um murmúrio, precisávamos conversar tudo agora, porque depois que estivéssemos na rua seria muito difícil ouvir um ao outro.

- Quando você anda na garupa, precisa travar suas pernas para dentro o máximo que conseguir, okay? Assim você nos ajuda a ficar estáveis nas curvas. - Outro aceno de cabeça.

- Então eu tenho praticamente que te encoxar? Isso não vai ser tão ruim quanto eu pensava. -

Eu dei uma gargalhada me lembrando que eu já ouvi a mesma coisa de Daniel. Homens eram tão previsíveis.

- Isso é uma desculpa porque você quer ser encoxada? - Arregalou os olhos fingindo ter descoberto meu real e obscuro motivo.

- Não, Harry. Estou falando sério. Se você deixar suas pernas frouxas e abertas, pode nos fazer tombar. - Senti seus joelhos apertando as minhas pernas. - Também não precisa ficar neurótico assim, travado. Só fique firme, okay? É como quando você pilota.

- Por que não falou antes?

- É a mesma coisa, é só que quando as pessoas estão na garupa costumam achar que podem deixar as pernas soltas. - Revirei os olhos e fechei o capacete. - Pronto?

- Sim! - Falou um pouco mais alto para que eu ouvisse através dos capacetes.

Sem responder, acelerei a moto e recolhi os pés do chão, trocando quase no mesmo segundo para segunda e depois terceira marcha quando já estávamos na nossa faixa na rua.

Eu nem me lembrava mais como era pilotar nas ruas do bairro de Harry, já que foram raros os momentos em que fui para sua casa com a Hondinha, ele sempre me buscava de carro, ou ficava mais na minha casa. Ao pensar sobre isso, vejo como nossa logística melhorou em 80% depois que comprei meu carro.

De carro até qualquer parte da costa demorávamos em torno de uma hora, chegamos com 45 minutos de moto. Como não íamos para nenhum lugar específico, eu continuei pilotando pela estrada que beirava a praia. No horizonte, víamos o azul do oceano ir ao encontro do azul do céu.

A tarde em Los Angeles era sempre ensolarada. Na verdade, eram raros os momentos em que não fazia calor nesse lugar. A falta de proteção da moto nos fazia sentir um vento refrescante conforme eu ia mais rápido.

Harry tinha as mãos fechadas em punho apoiadas nas próprias pernas, provavelmente as costas estava doendo depois de vir com aquela sua mal postura característica por todo o caminho, eu achava que agora talvez não adiantasse muito ficar com as costas retas, mas me divertia com ele tentando. Eu conseguia senti-lo puxar o ar e estufar o peito bem atrás de mim, na tentativa de manter a postura corrigida.

Tirei a mão esquerda do guidão e tateei cegamente procurando pela dele atrás de mim, apertando-a e em seguida apertando sua perna. Meu gesto fez com que ele levasse as duas mãos até os meus quadris, depositando-as suavemente ali.

Eu tinha prendido meus cabelos dentro do capacete, pois pensei que poderiam incomodar Harry quando ventasse, mas eu me lembrava perfeitamente da sensação dos fios ricochetando para todos os lados, como se eu não tivesse ficado nem mesmo um dia sem subir em uma moto.

A moto de Harry era, de fato, muito diferente da Hondinha, demandava uma inclinação maior do meu corpo para alcançar os guidões, visto que era uma moto mais baixa do que a que eu tinha, parecia até que eu estava em uma corrida profissional ou algo assim, era uma sensação gostosa.

Andamos de Santa Mônica até um pouco depois de Malibu, eu peguei a moto com o tanque um pouco menos da metade e não queria nem pensar na possibilidade de precisar descer em um posto com Harry na garupa, então achei melhor voltar antes que ficássemos sem combustível.

Mas antes disso parei em um acostamento. Tinha ido tão longe que nem via mais a praia dali da avenida principal. A coisa toda meio que tinha desviado do propósito, já que eu queria ir o mais próximo da orla da praia.

- Onde estamos? - Harry perguntou confuso quando desci da moto meio trôpega.

Do lado do acostamento tinha uma rua que provavelmente ia em direção à praia. Do outro lado da rua, lotes vagos com muito mato. Era como se estivéssemos no subúrbio de Malibu, se não fosse pela praia que provavelmente estava logo depois dos lotes.

Eu nunca tinha ido ali também, então não tinha muito mais noção do que Harry.

- Você que vem para Malibu sempre. - Dei de ombros, encarando-o que ainda sentava na moto.

- Eu nunca vim para cá. - Rebateu.

- Verdade! Você só vai até os restaurantes caros no centro. - Ele deu uma risada da provocação. - Você precisa viver fora dessa sua bolha de famoso, Styles. O mundo é um lugar enorme e você tem possibilidade de explorar muito além do óbvio. Não se limite a ir aonde todo mundo que você conhece vai.

- E você conhece aqui?

- Não. - Ele tombou a cabeça e arqueou uma sobrancelha. - E esse é o ponto!




- Amor, aonde você está nos levando?

- Para um lugar.

- Você ao menos sabe aonde está indo?

- Não se preocupe com isso, Dan. Curte a viagem enquanto a sua namorada pilota.

- É um pouco difícil apreciar a paisagem enquanto eu estou sentado bem atrás de você assim.

Eu comecei a gargalhar. Daniel e eu gritávamos um para o outro, as viseiras dos nossos capacetes estavam levantadas para que conseguíssemos mal nos escutar.

- Eu sei que sou uma grande gostosa.

Meu comentário fez com que Daniel deslizasse uma das mãos pela minha coxa, apertando a parte interna.

- Você já caiu de moto? - Gritei.

- Não! Eu nem sei andar de moto, você sabe que só ando com você. - Gritou de volta.

- Pois é o que vai acontecer se você continuar fazendo isso.

- Isso o quê? - Se fez de desentendido e passou a mão na minha virilha dessa vez. Soltei o ar em um gemido misturado com uma bufada de frustração. - Ah, isso? - Fez de novo.

Nesse ponto eu já ria de nervoso, porque eu estava ali, pilotando uma moto a mais de 80km de distância por hora, enquanto meu namorado na garupa me provocava.

- Okay. Vamos precisar fazer uma parada. - Anunciei bem a tempo de ver a placa de um motel na estrada.





Eu ainda tinha essa moto, estava na casa dos meus pais no Brasil.

- Só... aprecie a vista. - Eu sugeri.

- Vista? Estamos numa estrada no meio do nada! - Rebateu.

Bem, ele tinha razão.

Montei na Harley Davidson novamente, dessa vez, sentando praticamente no colo de Harry de propósito, garantindo que ele sentiria a rebolada discreta.

- Então tire uma foto minha. - Eu pedi como se não tivesse feito absolutamente nada e ele me olhou confuso, ainda processando a sentença que tinha ouvido.

- Vai, desce. - Mandei e ele desceu da moto um pouco atordoado.

Eu não podia reclamar de Harry, até que ele era um bom fotógrafo e não se importava que eu pedisse para repetir a pose ou que tirasse outras 50 fotos diferentes.

- Vem aqui, vamos tirar uma foto juntos. - Chamei.

Ele se aproximou e bateu uma selfie nossa. Sim, Brasil, Harry Styles sabe tirar selfies.

- Obrigada. - Eu desci da moto olhando para as fotos e Harry voltou a se sentar. - Ei, ei, ei! - Chamei sua atenção. - Eu que vou pilotar! - Decretei apontando um dedo em seu rosto quando vi que havia se sentado mais pra frente e segurado um dos guidões.

Sem dizer nada, Harry colocou as duas mãos para o alto e depois as apoiou no tanque de combustível, mas ainda assim não mexeu a bunda do banco. Se ele estava tentando me enrolar para não ir na garupa de novo, não ia funcionar.

- Não estou tentando roubar a minha moto. - Falou por fim e eu respondi com uma careta.

Harry fixou o olhar em algum ponto à sua frente, mexendo-o ao acompanhar o passar dos carros pela estrada.

Eu tinha as mãos nos bolsos e comecei a chutar uma pedrinha que estava aos meus pés.

- Vai fazer um ano... desde que eu me mudei. - Quebrei o silêncio que não havia durado muito tempo.

- Então nos conhecemos há um ano? - Harry tentava balançar os pés no ar, mas, por ser alto, o máximo que fazia era arrastar o solado do vans branco imundo no asfalto quente.

- Não. Eu já tinha me mudado há mais de um mês quando nos esbarramos.

- Na minha cabeça é como se tivéssemos nos conhecido no boliche.

- Você não se lembra de como nos conhecemos? - Retruquei incrédula ao encará-lo com uma expressão de espanto. - O boliche foi meses depois! - Harry começou a rir.

- Claro que me lembro. - Ele revirou os olhos, parando de arrastar os pés por um momento. - Parece que foi há uma vida que você me abordou desesperada perdida nessas ruas. - Eu cruzei os braços e também revirei os olhos.

Harry e eu estávamos relativamente bem depois do episódio no Japão. Já havia se passado mais de um mês e eu não me sentia magoada pelo que ele havia dito, mas eu experienciava momentos de fraqueza em que as suas palavras ressoavam na minha cabeça de maneira distorcida.

Harry disse “...mas não é isso que somos? O escape?” e a minha cabeça transformava em “você não é nada para mim” “só somos amigos porque posso fazer sexo com você sem me preocupar com cobranças ou dar satisfações”. Ah! A tão indesejada montanha russa de emoções...

Balancei a cabeça, espantando esses pensamentos.

Eu sabia que tudo aquilo que eu pensava era mentira e que a única verdade é que ele era meu amigo, sim.

- Eu sinto falta, sabe? Dos meus pais. De todo mundo no Brasil. É bom ter alguém como você para quem dizer isso, porque eu acho que você entende bem como é. - Harry concordou com a cabeça.

- Quando você diz todo mundo... - Harry deixou um sorriso ladino preencher seu rosto. - Isso inclui o seu namoradinho que está longe também?

Eu tombei a cabeça para o lado e dei uma risada confusa, balbuciando alguns “o quê?” inaudíveis.

- Desculpe. Eu não sei porque eu disse isso. - Harry respondeu nervoso e um pouco sem graça.

- Eu não acredito. - Falei pausadamente e Harry deixou escapar outra risada nervosa que tentou disfarçar colocando a mão na boca. - Eu falando sério e você debochando de mim? Não sabia que tínhamos invertido os papéis. - Comecei séria e acabei rindo para descontrair.

Não havia motivos para que ele ficasse tímido perto de mim. Se o meu ex com quem eu não conversava há um ano passou pela cabeça dele, ele não deveria ter que reprimir o pensamento; não comigo. Nunca comigo. Se ele sentia raiva, que não me escondesse, se ele sentia ciúmes, que dissesse. Fosse o que ele estivesse sentindo, eu deveria saber que, comigo, ele nunca precisaria não ser ele mesmo, porque eu o queria o mais próximo de mim possível e isso só aconteceria se ele sempre sentisse que comigo ele jamais precisaria ensaiar o que dizer.

Comigo ele nunca precisará ensaiar o que dizer.

- É a convivência. - Piscou divertido e eu sorri sentindo que ele captou a mensagem quando o vi relaxar.

- Você acha que eu estaria com você se eu estivesse sentindo falta dele? - Retruquei sem vacilar.

- Ah, então você admite que está comigo?

- Estou... te pegando. - Gargalhei. - Quero dizer, não nesse exato momento, até porque estamos na rua e tudo mais.

- Estou me sentindo usado. - Arqueei uma sobrancelha e acabei ficando séria mesmo sem querer.

Harry me encarou e eu sustentei seu olhar por alguns segundos.

- Bem, pode não ser um ano ainda, mas te conhecer foi uma das melhores coisas que me aconteceram no ano passado. E esse tempo desde então tem sido um dos melhores. Eu sinto como se-se... - Gaguejou um pouco e eu praticamente não respirava porque não queria o interromper. - ... como se eu tivesse um lugar para voltar, sabe? Como se eu tivesse algo muito importante me esperando. - Sem graça, abaixou a cabeça e sorriu. - Há muito tempo eu não me sentia assim. - Balançou a cabeça como eu tinha feito minutos antes, como se para espantar pensamentos. - Há anos.

- Hmmm. - Murmurei. - Você só está dizendo isso porque está com remorso. - Minha voz saiu extremamente esquisita na tentativa de ser engraçada com aquele fundo de verdade que usamos para dar uma leve cutucada.

Mas eu me arrependi assim que terminei de falar. Então depositei todo o peso do corpo em um só pé, me sentindo desconfortável.

- Por que eu diria isso só por estar com remorso? - Replicou sério.

- Para tentar fazer com que eu não me sinta só como sua amiga de sexo. - Rebati rápido e ficando séria também.

Eu também não queria ter que ensaiar o que dizer para ele.

- Isso é sério? - Dei de ombros. - Depois de um ano convivendo comigo você acha que eu seria falso o suficiente para dizer isso tudo só para consertar algo idiota que eu disse antes? Você me conhece tão pouco assim? Quando eu te digo isso, é porque eu realmente quis dizer.

- Eu não quis dizer que você é falso. - Troquei o peso de perna de novo.

- Então me diz, , o que você quis dizer?

- Jezz. Você está bravo? Calma, eu estava brincando. - Tentei contornar a situação, mas talvez já fosse tarde demais. Mas também não havia motivos para ficar tão ofendido. - Você pode debochar de mim, mas eu não posso debochar de você?



O ruim da moto de Harry era que o descanso de estacionar não a inclinava muito.

Assim que entramos em sua garagem e eu estacionei nos fundos bem atrás do meu carro, meu calcanhar quase ficou agarrado quando tentei descer dobrando a perna em vez de esticá-la pela parte de trás, já que não tinha como fazer isso com Harry ainda sentado na traseira. Como o descanso deixava a moto apenas levemente inclinada, a altura não ajudava muito.

- O que você está fazendo? - Me perguntou confuso ao me segurar involuntariamente antes que eu caísse de cara no chão.

- Descendo da moto. O que parece que eu estou fazendo?

Todas as minhas ideias malucas de sexo na moto tinham evaporado depois do clima tenso que nós mesmos criamos por uma bobagem.

A viagem de volta não foi nem metade divertida como foi na ida. Eu acabei montando na moto de novo e vindo embora. Harry não disse uma palavra mais.

Era incrível como podíamos ir de brincalhões à extremamente sérios e quase discutindo num piscar de olhos. A bipolaridade que rondava a nossa relação me deixava zonza.

- Ei! - Harry tinha soltado um dos meus braços, mas permaneceu segurando o outro. - Não vamos ficar brigando.

Suspirei audivelmente antes de olhá-lo nos olhos. E lá estava o turbilhão de sentimentos e sensações mais uma vez, bloqueando todo o meu discernimento e racionalidade.

Voltei a me sentar na moto, dessa vez de frente para ele.

- Deixa os pés no chão, senão a moto pode tombar. - Pedi e ele concordou com a cabeça, ainda confuso.

Do jeito que eu estava, meus pés não alcançavam o chão. Que ideia foi essa que eu tive?

Passei os braços ao redor de seu pescoço, demonstrando toda a confiança que eu consegui reunir antes de beijá-lo sem aviso.

O bom da moto de Harry era que o descanso não a inclinava muito.

Harry correspondeu sem hesitar e passou os dois braços ao redor do meu tronco, abraçando-me firme.

Eu não entendia antes como meus sentidos, emoções, sensações e todo o resto podiam oscilar em tantos extremos na presença de Harry, talvez pensasse que fosse um efeito exclusivo de sua pessoa, mas hoje vejo que é o efeito de se estar intensamente apaixonada por ele.

- Vamos para o quarto?! - Me perguntou ofegante.

Eu estava apaixonada por Harry. E esse sentimento era como um furacão na minha vida, bagunçando, destruindo e deixando tudo revirado em um piscar de olhos. E eu sabia que não poderia me livrar disso.

- Não, vamos ficar aqui.



*




Entramos para a casa de Harry aos risos e olhares cúmplices. Convenhamos que seria meio difícil continuarmos estranhos um com o outro depois do que tinha acabado de acontecer, do que tínhamos acabado de fazer.

- O que acha se fôssemos para a piscina? - Harry sugeriu ao abrir a porta de seu quarto.

Era um pouco mais do meio da tarde e o sol ainda brilhava.

- Você sabe que eu não tenho nenhuma roupa aqui, não sabe? Isso inclui biquinis.

Harry parou no meio do quarto se virando para mim. Uma de suas mãos foi até a minha nuca e ele começou a fazer um carinho nos meus cabelos.

- Nos próximos dias eu vou separar aquelas roupas que tenho dito que quero doar. Isso vai abrir espaço no meu closet, e aí você pode trazer algumas roupas suas, coisas de mulher... Tipo biquinis que não tem como eu te emprestar. O que você acha? - Eu desviei o olhar até a porta do closet. - Ou podemos também sair para comprar algumas coisas para você deixar aqui. Não que eu me importe de você usar as minhas, é claro.

- Seria legal. - Voltei a olhá-lo e dei um sorriso. - Quero dizer, eu posso trazer algumas coisas. Obrigada.

Eu nunca tinha me preocupado em levar nada para a casa de Harry, pois compartilhávamos tudo; desde roupas até shampoos e cremes de pele. Ele sempre teve muito bom gosto, então eu gostava de todos os cheiros desses itens. E eu sempre andava com calcinhas limpas na bolsa, caso eu não voltasse para casa.

- Mas hoje você pode ficar de calcinha e sutiã. Eu não me importo. - Fez uma careta de indiferença e sorriu também.

- Cretino. - Harry tombou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. - Então me empreste uma dessas suas camisas de botão, porque eu não vou sair andando até lá fora só de calcinha e sutiã. - Dei um tapa em seu ombro.

- Meu closet é seu. Pegue o que quiser. - Revirei os olhos.

- Agora você está sendo brega.

- Mas você é mesmo uma mulher difícil de agradar, . Jezz! - Arqueei uma sobrancelha e caminhei desviando dele para chegar até o closet. - Okay! Tudo bem. Isso é mentira. - Falou mais alto quando eu sumi lá para dentro. - Você é bem fácil de agradar.

- E sou mesmo. Obrigada pelo reconhecimento. - Falei ao sair de dentro do closet com uma camisa em cada mão.

Uma das camisas era uma rosa estampada com bolinhas brancas, da YSL, bem famosa entre os fãs, pois ele usou uma vez em um show em 2015, ainda com a banda. A outra era uma camisa da Gucci cor de pêssego, personalizada com a palavra ‘Styles’ bordada no peito.

- Posso usar uma dessas duas?

- Claro. - Deu de ombros. - Mas com essas mangas longas você não vai sentir calor de ficar no sol? - Neguei com a cabeça. Eu não tinha intenção de ficar no sol vestindo a camisa.

- Qual? - Alternei as duas na frente do meu corpo.

Harry contorceu os lábios pensativo. Murmurou alguns “hums” e colocou a mão no queixo.

- A pêssego. - Quando falou, não houve hesitação.

- Mas você é mesmo fangirl da Gucci, não é? - Debochei.

- Só porque você gosta mais de Saint Laurent não quer dizer que eu sou fangirl da Gucci.

- Quem disse que eu gosto mais de Saint Laurent? - Arqueei uma sobrancelha.

- Eu já percebi. - Deu de ombros de novo. E eu neguei com a cabeça e um sorrisinho nos lábios. - Além do mais, escolhi essa porque tem o meu sobrenome gravado. - Me lançou uma piscadela.

- Mas você é mesmo um homem muito narcisista, Harry Styles. Jezz! - Imitei o mesmo tom de voz que ele havia usado comigo ao dizer que eu era ‘uma mulher difícil de se agradar’.

Harry estendeu uma das mãos em direção a camisa da YSL.

- Vai aceitar minha opinião?

Sem dizer nada, eu entreguei o cabide a ele, que imediatamente saiu andando para guardá-lo de volta no closet.

- Além do mais, isso tem muito mais a ver com você usando algo com meu nome do que com o meu ego.



Eu tinha pegado no carro um livro que Harry havia me emprestado e lia-o enquanto estava deitada de bruços em uma toalha ao lado da piscina, os cotovelos apoiados no chão para firmar o livro que eu segurava nas mãos. Eu tinha prendido os cabelos em um coque bagunçado e aberto o fecho do sutiã para que não ficasse com marcas estranhas nas costas.

- Qual é, ! Você não vai mesmo entrar? - Harry, que tinha acabado de emergir da água, gritou enquanto balançava a cabeça rapidamente e puxava os cabelos molhados para trás. - O sol já vai se pôr!

- Depois. - Gritei de volta e alcancei a lata de cerveja ao meu lado. Fiz uma careta ao provar o líquido. - Está tão quente que a cerveja já esquentou.

Harry mergulhou de novo, nadando na minha direção.

- Eu posso te fazer um drink. - Sugeriu ao apoiar os braços na beirada da piscina. Eu tirei o par de óculos escuros dele que eu usava e coloquei ao lado da toalha.

- Que tal se eu te fizer um drink? - Ele sorriu confuso e tombou a cabeça para o lado enquanto eu já me punha de pé e estendia a mão para ele. - Vem!

- O que você vai fazer?

- Eu vou fazer uma bebida típica brasileira que você já tomou.

- Eu já? - Concordei com a cabeça e murmurei um “uh-hum”.

- Em 2014, quando foi para o Brasil na primeira vez. Vocês beberam na piscina no hotel no Rio de Janeiro. Caipirinha, você se lembra?

- Eu me lembro de beber muitas coisas no Rio de Janeiro. Teve uma festa no hotel à noite.

- Agora ficar loucasso você não se lembra, né. - Resmunguei em português enquanto revirei os olhos.

- O quê?

- Nada. Deixa para lá.

Eu balancei uma mão no ar e entrei dentro da casa em direção à cozinha. Harry me seguiu trôpego.

- A gente deveria ter ido em alguma feira em Hollywood para comprar uma garrafa de cachaça.

- Caçaxa? - Repetiu e eu comecei a rir.

- É uma bebida alcoólica feita de cana-de-açúcar e a gente usa para fazer caipirinha.

Eu expliquei sem corrigir sua pronúncia, porque tinha achado muito fofinho para que não deixasse que ele continuasse falando errado.

Fui em direção ao bar, ou seja lá como chama a área em que Harry tinha uma coleção de bebidas de todos os tipos, e puxei uma garrafa de vodka que estava cheia um pouco além da metade.

- Mas vodka serve também. - Balancei a garrafa em sua frente e voltei para a cozinha, quase trombando com Harry que estava completamente perdido me seguindo.

- O que mais precisa?

- Limões, gelo, açúcar. - Listei enquanto abria um dos armários da parede para pegar o açúcar e ouvi Harry abrindo a geladeira logo atrás de mim.

Em seguida, com todos os itens em cima da bancada, procurei na gaveta uma faca e o que mais servisse para fazer a bebida. Caprichei no álcool como boa brasileira que sou e provei antes de passar o copo, de whisky que eu havia usado, para Harry.

- Acha que está bom ou precisa de mais vodka?

Harry bebericou com cuidado e imediatamente afastou o copo com olhos arregalados, seguido de uma tosse contida.

- Ficou forte? - Perguntei com um sorriso inocente.

- Na-não. Está ótimo. - Respondeu com a melhor pose de machão que conseguiu fazer. E, considerando que estamos falando de Harry Styles, não foi muito convincente.

- Ótimo! - Repeti.

Eu havia preparado uma jarra, então rapidamente coloquei um copo para mim também e guardei a jarra na geladeira.

Caminhamos juntos para o lado de fora, Harry pegou a minha mão que não segurava o copo e me puxou contra seu corpo, me dando um beijo leve nos lábios.

- Você está linda atravessando minha casa de calcinha e sutiã.

Em um primeiro momento eu encarei seus olhos e depois desviei o olhar para o chão, com um sorriso tímido e envergonhado nos lábios.

- De sutiã aberto, inclusive. - Rebati depois de alguns segundos. A peça ainda tampava meus seios, mas uma parte embaixo escapava para fora do bojo enquanto eu andava.

Eu vestia um sutiã simples que não combinava com a calcinha. Normalizem não vestir o conjunto de lingerie!

- Melhor ainda. - Harry não hesitou na resposta quando voltamos a caminhar de mãos dadas e balançando os braços e eu dei uma gargalhada.

Andar de calcinha e sutiã em um local em que eu não estivesse sozinha era algo fora de cogitação antes de conhecer Harry. Eu jamais teria me sentido confortável. Mas ele me fazia sentir como se eu não precisasse me preocupar com a minha aparência, seja como ela fosse naquele determinado momento; desde que eu estivesse confortável, nada mais importava.

E, puta merda, como eu me sentia confortável com Harry. Quando eu conseguia me esquecer do formigamento nos meus dedos que tocavam os seus. Se eu conseguia esquecer do quase choque térmico da sua mão quente e, sem anéis, na minha, que suava frio.

Porque quando eu não conseguia me esquecer, era impossível de me sentir confortável sabendo que eu estava apaixonada por ele e que o menor contato físico me deixava inquieta e nervosa porque eu estava mentindo, ou melhor, omitindo algo dele e, num geral, já era difícil guardar qualquer segredo de Harry, mais difícil era guardar um segredo sobre ele.

Eu me deitei do mesmo jeito que estava e Harry se sentou na beira da piscina ao meu lado, para que pudéssemos conversar e desfrutar da bebida.

- Me conta alguma coisa. - Eu pedi.

- Sobre o quê?

- Sobre a sua ida ao Brasil em 2014. Do que você se lembra?

- Eu me lembro disso. - Alcançou o copo que tinha depositado no chão e o ergueu batendo no meu. - E de entrar em pé nas escadas da piscina às oito da manhã com meu par de chelsea’s preferido.

- É claro que você se lembra da melhor bebida alcoólica do mundo.

- Não exagera. - Rebateu e eu revirei os olhos.

- H, você bebe tequila como se fosse champanhe. Você não tem parâmetros para julgar o que é bom ou ruim.

- Ei! Você também gosta de tequila!

- Em shots com limão e sal. - Fingi bufar e apanhei o meu celular que tinha ficado ao lado dos óculos. - Meu Deus! - Exclamei. - Eu quase explodi o meu iPhone. Está fervendo, olha! - Falei alto e alarmada e encostei o celular na bochecha de Harry com um pouco de força que gerou um tapa estalado.

- Ouch! - Exclamou de susto.

- Desculpa. - Falei ao mesmo tempo.

- Está bem quente mesmo, tire do sol.

Encarei-o como se dissesse “o que acha que estou fazendo?”. Em vez de dizer algo, procurei no Google fotos de Harry na piscina do hotel em 2014, passando o aparelho para ele em seguida.

- Uau. Esse sou eu. - Respondeu debilmente.

- Você ainda fica idiota exatamente assim quando está bêbado.

- Eu não fico idiota! - Exclamou ofendido. E eu arqueei uma sobrancelha.

- Jura? - Dei uma risadinha.

- , seu celular está tocando. - Avisou ao mesmo tempo em que me erguia o aparelho vibrante de volta.

Eu encarei a tela enquanto um número não salvo com DDD da minha cidade natal brilhava.

- Hum. - Murmurei. - É do Brasil. Quem será? - Perguntei mais para mim mesma, mas vi Harry dando de ombros.

- Alô? - Atendi em inglês por hábito e rolei os olhos quando vi Harry negar com a cabeça segurando uma risada. - Alô? - Repeti em português depois de coçar a garganta.

- Oi, . - A voz que eu ouvi do outro lado da linha fez arrepiar a minha espinha.

- Que-quem é?

- Você não reconhece mais a minha voz, amor?

Harry me encarava atentamente e ficou em alerta quando eu suspirei e revirei os olhos de uma maneira que eu não costumava fazer. De uma maneira que não era em divertimento.

- Como você conseguiu o meu número? - Rosnei entre dentes e Harry me olhou ainda mais confuso por não estar entendendo nada.

- Nossa, linda, isso é jeito de falar comigo depois de tanto tempo?

- Rafael, o que você quer? - Vociferei, ainda com a voz grave e baixa.

- Só liguei para saber como você está, bebê. Estou com saudades. Soube que vai vir de férias para o Brasil.

- Como você conseguiu esse número? - Perguntei de novo, falando pausadamente.

- Então, que dia você chega? - Perguntou casualmente ignorando a minha pergunta anterior.

- Não é da sua conta! - Acabei falando um pouco mais alto do que calculei, o que fez com que Harry arrastasse o corpo para mais perto de mim.

- Quem é? - Sussurrou e eu apenas neguei com a cabeça.

- Nossa! - Rafael exclamou. - Mas você não mudou nada mesmo não é, ? Seus pais não te deram educação e mesmo tendo namorado todos aqueles anos comigo não aprendeu nada do que eu te ensinei.

O tom de voz agressivo teria me feito recuar, se eu não estivesse deitada. Mas foi o suficiente para que eu me pusesse de pé.

- Cala a boca. - Gritei tão agressiva quanto e coloquei uma mão na testa. Eu não ia chorar.

Harry se levantou imediatamente e se pôs na minha frente, tentando fazer contato visual comigo, mas permaneci olhando para o chão.

- É por isso que ninguém te quer, sua vadia, eu te falei que eu era o único que ia te aturar, por isso que o seu namoradinho te deu um pé na bunda e agora você está sozinha.

Era quase como se eu estivesse em choque até então e suas palavras finalmente me fizeram acordar.

- Vai tomar no seu cu, Rafael. Eu que terminei com ele, seu escroto do caralho! - Cada vez eu gritava mais alto. - E quer saber de uma coisa? Morre!

Eu desliguei o celular tremendo tanto que não percebi que as dobras dos meus dedos estavam brancas por causa da força que eu o segurava até Harry tocar a minha mão, pegando o aparelho e me puxando para um abraço.

Ele me apertou em seus braços com segurança sem dizer nada pelo que pareceu um longo tempo e quando percebeu que eu não tremia mais, sussurrou:

- O que aconteceu?

- Eu não sei como ele descobriu o meu número. - Balbuciei e Harry me segurou pelos ombros e se afastou para me encarar.

- O quê? - Confuso, mas me olhava intensamente. - ), você ainda está falando em português.

- E-eu não sei co-como ele descobriu o-o meu número. - Quase soletrei, como se tivesse me esquecido da entonação das palavras na língua em que eu já estava tão familiarizada.

- “Ele”, quem? - A voz de Harry era baixa e cautelosa.

- Meu ex.

- Deni-el? - Harry falou o nome em uma mistura de sotaque em inglês com português, esse último sendo como ele me ouvia falar.

Neguei com a cabeça.

- O outro.

Aquele que pertencia ao meu real passado obscuro, do qual eu não queria me lembrar.

Eu contei superficialmente o que Rafael tinha falado, sobre ter descoberto que eu ia passar férias no Brasil e que ele tinha sido agressivo e que eu tinha mandado ele tomar naquele lugar desligando na cara dele.

Era o máximo que eu conseguia trazer à tona de uma só vez. Assim como a morte de meu irmão quando nos conhecemos, isso era algo que eu preferia nunca ter que falar sobre.

- O que é tomá nu cú? - Perguntou inocente, tentando imitar o meu sotaque.

Eu mais do que depressa comecei a gargalhar. O que fez com que Harry me olhasse ainda mais confuso e um pouco envergonhado.

- Desculpa. É que você falou de um jeito tão fofo.

- Para de me chamar de fofo. Eu sou um homem! - Engrossou a voz numa brincadeira, o que me fez rir mais ainda.

- Você só não é mais queer* porque ainda gosta de mulher. - Ele passou os dedos gentilmente ao redor dos meus olhos, limpando qualquer resquício de lágrimas.

A minha resposta não fazia nenhum sentido, uma vez que o que faria com que ele não se identificasse como hétero seria o fato de não gostar só de mulheres... Não de, bem, gostar. O que ele, como eu podia provar, gostava. Mas desde que ele gostasse de qualquer outro gênero também, ele já não era mais hétero. De qualquer modo, foi o bastante para provocar Harry e direcioná-lo ao foco do que eu queria que ele prestasse atenção.

- Ainda? Como assim “ainda”?

- Achei que tínhamos deixado para trás a saga do “como assim”. - Rebati com um sorrisinho de lado.

- Você não tem jeito, não é? - Balançou a cabeça e passou um dos braços sobre o meu ombro. - Vem, vamos pegar mais caipirinha e você me conta o que é esse palavrão que você disse aí.

- E é, literalmente, um palavrão. - Fiz a tradução, que imediatamente deixou Harry de boca aberta.

- Eu não acredito que você, a doce , diz coisas desse tipo.

- Ah, cala a boca. - Revirei os olhos. - Eu te falei aquele dia na casa da sua mãe que eu digo essas coisas o tempo todo, você só não entende porque eu digo em outra língua.

- Bem, eu preciso aprender a falar português e expandir meu vocabulário de palavrões.

Enquanto Harry falava, eu já tinha nos servido com mais um copo cada de bebida, guardado o restante na geladeira de novo, tomando o copo da mão de Harry em seguida e parado de costas para ele.

- Abotoa para mim, por favor. - Falei me referindo ao sutiã.

- Com todo o prazer. - Embora a resposta atrevida, Harry apenas abotoou o sutiã como eu pedi e me virou de frente para ele novamente, depositando um beijo suave na minha testa antes de pegar o próprio copo de volta.

Eu tinha bebido metade do meu copo em um gole, então voltei a abrir a geladeira para completar. A caipirinha me fez relaxar. Quase me fez esquecer do incômodo constante no meu peito, que apenas foi agravado pela ligação inesperada do meu ex-namorado abusivo.

- Vou fazer mais. - Anunciei ao balançar a jarra na frente do meu rosto e ver que ali só tinha o equivalente a talvez um copo e meio.

Eu praticamente esqueci o episódio de alguns minutos atrás, quase balançada angelicalmente pelo conforto da presença e cuidado de Harry.

Antes mesmo que eu terminasse de fazer mais, Harry tinha enchido o seu próprio copo e completado o meu, esvaziado a jarra, jogado fora os limões e passado água para limpar os resquícios de açúcar.

- Você já sabe quando tira férias? - A pergunta veio cautelosa e com um tom indiferente, como se testasse o ambiente.

- Em maio. - Eu respondi casualmente, mostrando que não havia necessidade para evitar nenhum assunto correlacionado com o fatídico acontecido.

Mas apreciei seu cuidado.

- E viaja quando para o Brasil? Você já comprou suas passagens?

- Ainda estou olhando as passagens, então não sei o dia certo. Coloquei um alerta no google para me avisar de promoções. Espero pegar um dia com preço bem bacana.

- E é muito caro?

- Um pouco. Mas como nunca fui, também não tenho parâmetros para saber se está no valor normal que é sempre, ou se está muito acima, sei lá, preciso pesquisar bem.

- Bem, eu posso pagar a diferença para você. - Sugeriu no mesmo tom casual que eu havia usado, como quem diz “bem, eu posso buscar água na cozinha para você”.

- Puffff! - Meus lábios fizeram um barulho de “até parece”, antes mesmo que eu vocalizasse essas palavras. - Até parece! - Rolei os olhos enquanto transferia o líquido para a jarra e misturava mais uma vez só para garantir.

- Sabe qual é o problema? - “Hm?”, eu respondi com um meio sorriso, já sabendo o que estava por vir. - Você não tem um pingo de respeito por mim! Você debocha de mim na minha cara, você nem hesita ao fazer isso. Você é muito, muito afrontosa. - Eu dei uma risadinha. - Terminou?

- Terminei. - Respondi.

- Então vamos voltar. - Eu concordei com a cabeça.

Já estava escuro quando voltamos lá para fora. Eu estava prestes a me deitar no mesmo lugar quando Harry tirou o copo da minha mão e o colocou em cima da toalha.

Eu não estava excepcionalmente bêbada, não como eu geralmente costumava ficar quando bebia com Harry, mas eu já sentia a cabeça um pouco mais leve, principalmente depois de tomar um copo de servir whisky cheio de caipirinha em dois goles, quase como água.

- E sabe de outra coisa? - Harry voltou a falar ao se curvar para depositar seu próprio copo no chão.

- O quê?

- Eu vou fazer você começar a me respeitar.

No mesmo momento, na velocidade de uma piscada de olhos, Harry passou um dos braços atrás dos meus joelhos e o outro nas minhas costas, me fazendo soltar um grito ao ser erguida do chão.

Com menos de cinco segundos eu emergia a cabeça da água, puxando o ar por ter sido pega desprevenida e jogada na piscina. Aliás, jogada não, Harry pulou comigo em seu colo e ainda me segurava quando subimos de volta à superfície.

- Filho da pu... Me solta! - Me debati sem necessidade, uma vez que meus pés tocaram o fundo da piscina no mesmo momento em que verbalizei a ordem.

Afundei de uma vez e voltei puxando os cabelos para trás, passei as mãos no rosto e cabelo para em seguida procurar por Harry e jogar água nele.

- Isso foi maldade.

- Você é má comigo o tempo todo e eu não reclamo.

- Porque você gosta! - Rebati sem vacilar, deixando Harry desconcertado por um segundo.

Mas só por um segundo. Ele se recuperou no mesmo momento, me puxando pelo pescoço e me dando um selinho. O empurrei pelo peitoral e, quando ele estava distante o bastante, revirei os olhos e caminhei até a beirada da piscina, apanhando meu copo e dando outro gole generoso.

Harry imitou o que eu fiz em seguida. Nos apoiamos na borda da piscina segurando nossos copos e eu alcancei os óculos de Harry que eu havia largado também ali, trazendo-os para o meu rosto e encarando Harry ao meu lado esquerdo através das lentes.

- O que você está fazendo? - Perguntou risonho e confuso.

- Você tem me perguntado muito isso hoje. - Eu sorri também. Eu teria piscado, se ele conseguisse ver meus olhos.

- Já está escuro.

- E daí? Você não acha que eu fico bem nos seus óculos?

- Eu acho que você fica bem em qualquer coisa, mas especialmente usando algo meu.

A minha reação instantânea foi revirar os olhos, mas me lembrei no mesmo momento de que ele não os via, então soltei uma bufada enquanto sentia o “tu-tum tu-tum" do meu coração tão alto que eu tive medo de que ele pudesse ouvir.

- Se você vai ser brega de novo isso não vai ter graça. Você supostamente deveria dizer que eu me acho ou estou sendo egocêntrica, ou qualquer coisa parecida.

- Como você faz comigo?

- Exatamente como eu faço com você.

- Impossível. Porque você é muito boa... ARGH! Você é muito boa pra se achar de verdade.

Eu quis revirar os olhos de novo, mas meu coração apaixonado acabou enviando comandos errados para o meu cérebro e o que saiu foi um sorriso bobo e nada contido.

Eu esbarrei o meu ombro no dele, empurrando-o de leve.

- Vou buscar mais bebida. - Harry me puxou de volta assim que dei o primeiro passo em direção as escadas da piscina.

- Eu vou. - Ele respondeu.

Sem que eu pudesse protestar, Harry tomou impulso e subiu para fora da piscina usando a borda.

- Coloca mais gelo na jarra e a traga! - Eu pedi. - Agora não tem mais sol, acho que aguenta ficar aqui fora.

Harry concordou com um aceno e sumiu para dentro de casa. Voltou com um sorriso bobo no rosto, a jarra em uma das mãos e o meu celular, que eu não fazia ideia de onde estava antes, na outra mão.

Esvaziamos outro copo rapidamente e eu já tinha me desprendido da beirada e boiava de olhos fechados sentindo a sensação da água tapando meus ouvidos e os meus sentidos ficarem turvos por causa do álcool. Algo tocou meu pé e eu me desesperei por alguns segundos me fazendo afundar, voltando para à superfície tossindo água e encarando Harry que ria da minha cara.

Uma música que eu não conhecia tocava.

- Desculpe, eu não quis te assustar. Mas eu te chamei e você não estava ouvindo.

- É, geralmente as pessoas não ouvem com os ouvidos debaixo d’água, mesmo. - Fiz uma careta de sabichona.

- Espertinha!

- O que foi?

- O quê?

- Você quem me chamou! - Levantei os braços para o alto e abaixei rápido e com força, fazendo espirrar água em Harry.

- Eu achei que você estivesse dormindo. Só quis conferir. - Balancei a cabeça para os lados e voltei a me aproximar da beirada da piscina e, consequentemente, dele.

- Impossível dormir assim.

- Você não está se vendo.

- Dã. Claro que não.

- Eu quis dizer - usou o tom de voz mais paciente e pausado - que você não está vendo como você está alcoolizada. Então não duvido que você dormiria.

- Me poupe. Eu ‘tô de boa. - Bati a mão em seu ombro e puxei meu copo, chocando-o com o dele em um brinde que espirrou bebida para todos os lados. Então fechei os olhos e tomei outro gole.

Meu corpo se retraiu ao sentir a água que Harry de propósito espirrou em mim depois disso. Abri os olhos apenas para tomar outro jato de água na cara.

Com o rosto virado para o lado oposto, comecei a jogar água de volta em Harry, enquanto gritava cada vez que ele também me acertava. Nossas risadas ecoavam alto na área vazia.

- Chega! - Eu gritei, mas continuei jogando água para todos os lados, incapaz de ceder primeiro e tomar mais esguichos de água.

- Eu estou aqui. - Harry falou bem próximo do meu rosto, me causando outro susto. - Você está apenas jogando água na água.

Abri os olhos, percebendo imediatamente que ele estava tão próximo quanto a sua voz tinha denunciado estar.

Passei os braços ao redor de seu pescoço e lhe dei um abraço. Nesse momento, ele me levantou um pouco e começou a girar comigo dentro da água. Apertei o abraço e afundei meu rosto na curva do seu pescoço enquanto ria e dava mais impulso com as pernas para trás, sentindo meu corpo flutuar.

Parecia tão fácil que eu confessasse ali, naquele instante, todos os meus sentimentos. Era só abrir a boca e as palavras deslizariam facilmente, como eu sabia que deslizariam; como eu já tinha treinado antes ao confessar para outras pessoas.

- Eu...

Quando não continuei, Harry parou de nos rodar e desfez o abraço para me olhar, mas ainda me apertando contra si.

- O quê?

Eu dei um sorriso sem graça e olhei para baixo, onde nossos corpos estavam colados da altura do colo para baixo.

Voltei a olhá-lo em seguida, o sorriso ainda nos lábios.

- Eu acho que bebi demais.





* Termo utilizado para se referir à pessoas que não se identificam com o padrão heteronormativo de sexualidade.


24. The songs that you sing when you're all alone.

MARÇO, 2019
Um dia atrás




Ponto de vista de Harry Styles.


Eu tinha os olhos fixos na estrada; mas eu não a enxergava, não de verdade. Eu dirigia de modo automático pelo caminho que me era o mais familiar nos últimos meses: A casa de .

Depois do meu aniversário, eu havia voltado de Tóquio. De vez. Já tinha uma boa quantidade de músicas escritas e agora estava focado em produzi-las.

Convidei para fazer um passeio comigo hoje, era por isso que eu estava indo para sua casa. No fundo, eu esperava me redimir pela briga no meu aniversário e todos os outros pequenos desentendimentos depois disso. Não que ela estivesse com raiva de mim, ou algo do tipo, mas eu só sentia que deveria fazer algo certo sem estragar depois pelo menos uma vez. E era por isso que eu não enxergava a estrada, imerso em meus próprios pensamentos que me traziam um leve incômodo de culpa.

é aquele tipo de pessoa que te induz a ser melhor, agir melhor. Sempre que eu estava ao seu lado, sentia-me eletrizado; como se eu transbordasse energia e outras coisas boas, que me possibilitariam de fazer tudo. Então, quando de alguma forma eu fazia o contrário do que me era transmitido, sentia-me como se estivesse a decepcionando.

Porque ela tinha esse ar de uma simplicidade de se admirar. Aquela pessoa com quem você sente que é muito fácil de conviver. Como se eu pudesse me abrir sem temer, com a certeza de que um julgamento não viria depois, pois sua generosidade era sem limites. Sua compreensão era inimaginável e muitas vezes impraticável para mim. Sua essência, no entanto, permanecia franca, mas nunca rude. Humana, com erros e acertos. Real, sem máscaras que possivelmente embelezariam uma cena feia.

Eu tinha mais a aprender com ela sobre a arte da vida do que eu jamais poderia aprender em todas as vezes em que me trancava por semanas em um estúdio para produzir algo novo. Isso, que era um fato através do meu olhar, continha uma ironia deliciosa, visto que não era nem um pouco artística. Ela tinha sensibilidade para admirar as artes num geral, mas conhecimento nulo. E ainda assim conseguiu me ensinar o que eu não tinha aprendido em dez anos. Ainda conseguia. Ainda me ensinava.

Estacionei meu carro na vaga que agora era praticamente minha. No elevador, sentia minhas mãos suando, como se expectasse algo a acontecer. Ainda que tudo ao redor parecesse muito familiar e usual. Buscá-la em sua casa, sair para um passeio... Provavelmente era minha culpa que me atormentava.

Eu não pensei que estivesse com tanto remorso ao ponto de me sentir nervoso por vê-la. Eu me senti nervoso quando jantamos juntos no Valentine’s Day, eu me senti ansioso fazendo FaceTime com ela, e para variar, ainda tínhamos discutido de novo quando saímos de moto semana passada. Toda vez que eu achava que havia consertado o que fiz em Tóquio, eu estragava de novo.

Se eu olhasse profundamente para todas as poucas vezes que nos vimos desde o meu aniversário e em como não me senti normal, ainda assim não conseguia me lembrar de estar tão nervoso quanto agora. Ou talvez fosse apenas a minha imaginação. Ou talvez fosse o fato de que agora eu também estava chateado por ter ficado minimamente bravo no passeio de moto em que só tinha feito de tudo para me agradar.

Usei a minha própria cópia da chave para abrir a porta, como sempre fazia. Ela provavelmente já me esperava, porque sempre era muito pontual quando marcávamos algo.

O seu apartamento não era grande, mas era muito bem decorado, com o melhor dos bons gostos. No geral, tinha um tom neutro e minimalista, um ar delicado e sofisticado na decoração.

Eu imaginava que entrar no apartamento de era como dar um passeio por sua mente. Que a sua transparência era transferida para os objetos que envolviam seu dia a dia. Eu me perguntava se eu poderia enxergar isso em seu escritório, caso algum dia fosse até lá. Será que ela toma café com uma xícara que tem gravado a letra de alguma das minhas músicas? Eu notei que a que ficava na cozinha não está mais lá. Quando ela anota recados, usa o bloco de notas do celular, ou tem canetas diferentes e fofas como as que têm em seu quarto para isso?

Bem, eu sei que isso parece totalmente irrelevante. Mas até que ponto conhecemos alguém? Até que ponto é possível entender alguém? Seus sentimentos, expressões, medos e as palavras não ditas. Porque muitas vezes não dizemos o que realmente queremos dizer. E eu gosto de pensar que conheço mais profundamente do que já conheci outras pessoas. Pensar sobre esses detalhes que muitas vezes não são notados até mesmo pela própria pessoa é o que me faz achar que a conheço mais, porque nunca me vi dedicado a nada disso antes.

É claro que grande parte disso só é possível porque ela me deixou entrar na sua vida. Ela quis ser conhecida e entendida. E, mesmo assim, eu ainda acho que há tantas coisas as quais não sei e que gostaria de saber. Talvez ela não seja tão aberta assim. Não que eu ache que seja intencional. Está mais para o contrário, sua intenção é ser. Mas algo que sei é que muitas dessas coisas talvez não consiga ou não saiba como me contar, por mais que queira. Os motivos? Aqueles que todo mundo tem. As bagagens do passado, medo do desconhecimento que há no futuro, que há no não saber o que acontecerá.

E, mais do que saber isso, eu sei que para preencher essas lacunas eu preciso enxergá-las nos detalhes que a escapam. Talvez ela nunca me diga, mas talvez eu possa captar. Porque eu quero conhecê-la. Eu gosto da ideia de conhecê-la nos detalhes mais importantes e naqueles não tão importantes assim.

Toquei com cuidado flores em um vaso próximo, ao lado, um porta-retrato da família. Livros espalhados por todos os cantos, no assento do sofá, na bancada que dividia a cozinha da sala de jantar, na cabeceira da cama e também nas prateleiras. Um cheiro que lhe era característico também se espalhava por todos os cômodos; como se ela deixasse uma marca invisível por onde passasse. Todos esses detalhes estavam sempre ali e eu gostava de pensar que a conhecia o bastante para afirmar que tudo isso era um reflexo externo da sua personalidade.

Assim como a filosofia de sua própria vida, a casa também não tinha meios termos; ou estava completamente arrumada ou completamente bagunçada, bem assim, extremos. Hoje era um dos dias em que estava perfeitamente arrumada, “recém-arrumada” do tipo.

É engraçado pensar que em algum momento lá no início ela era essa pessoa séria e comedida. O que claramente é algo que ela liga e desliga dependendo do contexto. é uma pessoa totalmente adaptável ao ambiente. Ela era muito convidativa, mas complexa. Por mais que ela sempre estivesse disposta a se mostrar para mim, do outro lado, era de uma forma misteriosa, que eu precisava decifrar para compreender.

Um livro aberto, mas escrito em uma língua que eu não era fluente.

E escrito de uma forma que eu ainda estava aprendendo a decifrar.

E é engraçado também pensar em como a consciência disso só me atingiu quando eu a vi se transformar diante de mim. Não que ela tenha parado de ligar e desligar essa capacidade de se tornar completamente profissional ou totalmente leve com um piscar de olhos, como daquelas que fazem uma piada ácida e logo em seguida ri da sua cara. Gosto de pensar que a sutileza dessas mudanças e o fato da parte leve se manter ativa mais frequentemente do que antes só acontece comigo e provavelmente com algumas outras poucas pessoas que ela deixa entrar em sua vida.

Embora o que eu jamais pensaria e ainda me causa certa estranheza é quando essa separação extrema não acontece. Tipo ouvi-la cantar e dançar enquanto trabalha ou organiza algo. Já que, aparentemente, trabalho para ela entra na categoria de algo a ser executado com seriedade. Mas quando ninguém está olhando ela é muito mais do que aquilo que ela mostra. E quando você ganha sua confiança, ela agirá exatamente como se estivesse sozinha. E isso significava ver a sua essência. Sem barreiras. Isso faz sentido?

A nossa essência mais pura está em como somos quando estamos sozinhos. Quem você é quando ninguém está olhando? ) era exatamente a mesma pessoa, só um pouco menos preocupada, um pouco menos extrema, mais relaxada, mais... ela mesma.

Eu sabia sobre ela o que de visível há para saber. A tatuagem secreta, as músicas que ela só canta se estiver sozinha (e agora só se não tiver ninguém por perto, além de mim), a forma como os lábios tremem quando ela mente. Ou como ela dança diferente quando está na frente dos amigos. E todos os outros detalhes que a tornam quem ela é.

E agora eu queria conhecer aqueles detalhes que não estão ali, tão fáceis de alcançar. E esses eram os complexos. Esses eram os que eu considerava de elite, de alta afinidade para que ela sequer pensasse na possibilidade de abri-los para alguém.

Ouvi um barulho ritmado de batidas vindo diretamente do quarto. Ao chegar na porta, encontrei uma cena inusitada: batia pregos na parede e, presos entre suas pernas, quadros pequenos. Eu não contive o sorriso.

- Olá! - Chamei quando ela não notou a minha presença.

- Oi, Harry. - Ela disse sem se virar.

Era dessa simplicidade e franqueza que eu falava. Se havia algo que eu tinha aprendido com era como as pessoas podiam aparentar serem confiantes e ainda assim ter problemas de insegurança. Ali, pregando aquele prego, a linguagem corporal de não vacilava. Ela sabia exatamente o que estava fazendo, e ela era assim em tudo, principalmente no trabalho. E eram poucas e cada vez mais escassas as vezes em que eu conseguia me lembrar de não a ver assim: segura, certa, firme.

E com isso, os momentos de fraqueza e vulnerabilidade eram mais claros para mim. O que eu de forma alguma via como algo ruim. Quanto mais isso acontecia, mais próximos eu nos julgava estar.

E tudo bem também, porque ninguém precisa ser confiante o tempo todo. E era totalmente humano e real que ela fosse sempre tão confiante, mas, por vezes, essa confiança vacilasse nos momentos mais bobos e sem importância. Era algo que eu admirava, na verdade, porque nunca se via a confiança de se abalar quando as coisas eram realmente sérias.

Eu queria saber o que se passa na cabeça dela e entender melhor como ela processa as coisas, o que, como mencionei, não é particularmente fácil.

- Você precisa de ajuda? - Eu sabia que não, mas eu era prestativo demais para não perguntar.

Algumas pessoas podiam interpretar errado esse meu jeito. Como se eu fizesse isso com algum tipo de sentimento de superioridade, mas não . Ela sempre me demonstrou altos níveis de compreensão e aceitação. Quase como se tivéssemos uma conexão que ia além dos limites físicos. E eu tentava retribuir aceitando-a, desvendando-a, compreendendo-a.

Ela me oferecia sua afeição em qualquer que fosse a oportunidade. Como se, a seu ver, eu não fosse capaz de fazer nada de errado. E nada que eu dissesse ou agisse fazia com que aquele olhar gentil e livre de julgamento sumisse de seu rosto. Nela, havia um lugar onde eu me sentia seguro para ser o que havia de mais profundo no “eu mesmo”.

- Não, tudo bem. Já estou acabando.

Ao dizer isso, ela tirou um último prego preso entre os lábios e o bateu na parede, pendurando rapidamente os quadros em cada um deles.

Logo em seguida, descemos até o carro e ela me perguntou aonde iríamos.

Ela estava especialmente linda hoje. Os cabelos presos em duas tranças baixas e bem bagunçadas, a franja meio solta caindo nos olhos. E um conjunto de moletom num tom laranja amarelado. A cor combinava com ela, alegre, iluminada. Convergia com o dia, brilhante.

- Vou te levar até a minha versão do Observatório Griffith. Sabe, porque obviamente não posso ir até lá. - Dei uma risadinha.

- Você se acha muito engraçado. - Revirou os olhos.

- Você tem me dito muito isso ultimamente.

- E onde seria essa sua versão? - Me ignorou.

- Nas colinas em Laurel Canyon.

- Perto da sua casa?

- Ahn, sim. Um pouco.

A área de Laurel Canyon era simplesmente chamada de “The Canyon” nos anos 60, quando foi lar de grandes artistas, tais como: Joni Mitchell e Jim Morrison, dois cantores de quem sou particularmente fã, além de Jimi Hendrix, John Mayall e muitos outros, afinal, celebridades têm vivido nessa área desde essa época.

As estreitas e sinuosas ruas nos levavam desde o Sunset Boulevard, no coração de Hollywood, até à locais escondidos e peculiares; os meus preferidos por serem aqueles onde eu poderia ir sem ninguém nunca imaginar por onde eu estaria.

Se nós dirigíssemos até bem alto dentro das colinas, conseguiríamos as melhores vistas para o centro de Los Angeles. E era por isso que o bairro todo era a minha versão de Griffith.

Durante o trajeto de pouco mais de vinte minutos, eu estava consciente de que falava além do normal sobre todas as informações que eu conseguia me lembrar sobre a ligação entre Laurel Canyon e o Rock ‘n’ Roll dos anos 60.

- ...Joni Mitchell escreveu o álbum Blue praticamente todo no bangalô que ela morava em The Canyon. Ela tinha terminado com Grahan Nash, que, como músico da época, também morava nessa região. É por isso que a palavra “blue”* aparece tanto durante o álbum inteiro. Meio que representa como ela se sentia triste e solitária.

assentia enquanto eu falava. Como se prestasse atenção em uma explicação em sala de aula, ela estava totalmente concentrada em mim. O interessante é que ela dizia que eu era da mesma forma, que eu sempre concentrava a minha atenção em quem quer que estivesse falando.

Até porque eu gostava desse tipo de atenção, não vou mentir. E eu estava acostumado a falar e ser ouvido, privilégios da fama, provavelmente. Os quais só intensificaram e ratificavam o meu prazer por essa atenção, que eu também sabia apreciar de modo saudável. Eu acho. Talvez fosse por isso que eu também tinha tanto respeito por prestar atenção e dar ouvidos a quem falasse comigo.

A sua atenção era um pouco diferente da que eu recebia de pessoas desconhecidas, no entanto. Não era e nunca tinha sido uma atenção superficial, de interesse. Era uma atenção voltada a realmente se importar com o que eu tinha para dizer.

- ...Até mesmo a estética visual leva essa cor. Foi uma representação incisiva do seu estado de espírito. É por isso que as minhas músicas preferidas dela são desse álbum, porque ela se preocupou em dizer a verdade, em dizer exatamente como se sentia, sem mascarar ou embelezar nada.

- Alguma música dela já te inspirou em alguma que você escreveu?

Essa era a típica pergunta que eu esperaria de alguém que me conhece e que realmente está ali na conversa, de corpo, mente e alma presentes.

- Nenhuma que eu tenha gostado de verdade.

- Que pena. - Ela fez um biquinho triste e depois sorriu.

Distraído pela conversa, quase passei do acostamento em que deveria parar. Era um alívio ser um local tão deserto, porque pude retornar alguns metros em marcha ré sem muitos problemas.

- Chegamos! - Anunciei quando estacionei a traseira do meu carro de frente para o barranco.

- Chegamos aonde, exatamente? - Ela me perguntou confusa.

- Na minha versão do Observatório Griffith. - Eu repeti quase pausadamente, como se fosse possível que ela não tivesse me escutado bem das outras vezes.

- A sua versão do Observatório Griffth é um acostamento de uma estrada no meio do nada?

Bem, foi você quem disse que eu poderia ir aonde quisesse, sem me limitar, já que o mundo é enorme, eu pensei. Mas em vez de responder, eu sorri para ela e, sem dizer nada, destravei o cinto e desci do carro, não demorando até eu ser seguido por ela.

Levantei minha cabeça para o céu e inspirei profundamente o ar. O inverno tinha recém acabado e entrávamos na primavera. O dia estava lindo. Não se via uma nuvem no céu.

- É a primeira vez que vejo o céu tão límpido em um bom tempo. - A época do ano não era favorável para o céu sem nuvens, eu não acreditaria se não estivesse vendo. - Você já viu o céu tão azul assim desde que se mudou? - A pergunta fez com que ela também olhasse para cima.

Mas ) não me respondeu de imediato.

- Não. - Baixou o olhar por um momento e me encarou em seguida. - Não com você.

Eu não perguntei o que aquilo queria dizer. Porque, sinceramente, eu não tinha certeza se queria descobrir.

Me virei de costas e voltei até o carro, abrindo o porta-malas, onde eu tinha preparado para que pudéssemos nos sentar e ter um piquenique. Comecei a tirar as tampas das vasilhas e ficou sem reação quando viu tudo. Ela não precisava usar as palavras para que eu pudesse saber o que ela pensava.

- Vai lá, coloca uma daquelas músicas suas que eu nunca ouvi e você sempre finge que não sabe cantar para que eu não me sinta tão mal. - Entreguei a chave em sua mão.

Ela saiu saltitante, me causando uma gargalhada, porque ela literalmente saia pulando como se tivesse cinco anos. Ela não tinha medo de ser julgada por isso, ela não se reprimia, não fazia jogos, não bancava a “descolada”, ela só agia e falava o que pensava sem inibições. Não fingia, se ela estava empolgada, você saberia. Esse é o ponto quando digo que ela sempre foi transparente para mim, mesmo que algumas outras coisas sobre ela não fossem assim tão fáceis de se interpretar.

Um tempo que considerei longo o bastante depois – ela sempre se enrolava para conectar o celular no som do carro –, eu ouvi a melodia de uma música até então desconhecida.

- Essa é para você! - Ela gritou ao voltar correndo e se sentar na traseira do carro, que eu tinha abaixado os bancos justamente para esse fim.

Raul Seixas – Maluco Beleza



Assim que ouvi a voz do cantor, a voz de se sobressaiu em seguida.

- Enquanto você se esforça para ser / Um sujeito normal. - Cantou em uma tradução improvisada, tão desafinada quanto eu já esperava. - E fazer tudo igual / Eu do outro lado, aprendendo a ser louco.

Eu já estava acostumado que ela colocasse músicas em sua língua e traduzisse para mim, mas com essa eu entendi imediatamente o que ela quis dizer com “essa é para você”, ela adorava me provocar e debochar de tudo o que eu falava, mesmo que fosse sério.

É, eu queria ser normal às vezes e eu me esforçava para não ter ninguém sabendo onde eu estava e com quem estava. Isso era um crime agora?


Um maluco total, mas na loucura real
Controlando a minha maluquez
Disfarçada em minha lucidez

Vou ficar, ficar com certeza
Maluco beleza


- Beleza! - Gritei ao reconhecer uma palavra. Ela não estava mais traduzindo a esse ponto.

- Este caminho que eu mesmo escolhi / É tão fácil seguir / Por não ter onde ir. - Ela retomou a tradução. E eu tive mais certeza de que estava traduzindo somente os pontos em que queria que eu soubesse o que dizia.


Controlando a minha maluquez
Disfarçada em minha lucidez

Vou ficar, ficar com certeza
Maluco beleza
Vou ficar, ficar com certeza
Maluco beleza



- Okay! Eu já entendi! Você não concorda que eu deixe de frequentar lugares só para que não saibam onde estou.

- Eu não estou falando disso, H.

- É sobre o quê? - Me fingi de desentendido.

- Sobre o que você falou do álbum.

- Ah. - Murmurei desanimado.

Tínhamos tido uma conversa há algum tempo sobre algumas inseguranças que tenho em relação ao meu próximo álbum, sobre como eu quero experimentar coisas novas, ser mais impulsivo e planejar menos, mas não sei se tenho coragem.

- Eu sei que você se manteve num lugar seguro enquanto fazia o primeiro álbum. Mas como você vai saber se consegue escrever do jeito que você quer se você não tentar?

- Tenho medo de decepcionar a todos. - Falei sem rodeios, porque tinha esse efeito sobre mim. Consegue arrancar de mim o que quer que ela queira saber e não me era mais estranho como eu me sentia totalmente confortável para lhe contar qualquer coisa que estivesse passando pela minha cabeça. Qualquer coisa que eu estivesse sentindo, sem medo de parecer fraco, sem medo de ser vulnerável.

- Harry, olha para mim. - Eu já a encarava, mas ela tomou meu rosto em suas mãos, dificultando que eu desviasse o olhar, mesmo que por segundos. - Você não vai! Os seus fãs te amam, garoto! - Ela deu uma risada. - Você faz esses shows incríveis em que transmite essa ideia de que estamos em um ambiente em que podemos ser nós mesmos, em que somos aceitos e amados. Por que você acha que você também não tem essa mesma segurança? Você tem!

- Obrigado.

- Você é um músico. Você é um artista! Isso é o que você escolheu ser e é impossível que você seja ruim nisso. Então faça o que te der vontade. Eu tenho certeza que a gente vai amar. Seja Maluco Beleza. Beleza? Mas sem usar drogas e morder a língua pulando de janelas, pelo amor de Deus!

Esse monte de significados só para a palavra “beleza” estavam me confundindo.

- Beleza! - Eu concordei rindo. - Eu vou ser como você, me arriscar mais. - Ela começou a gargalhar.

- Não, se você for ser como eu, você vai para um escritório fazer exatamente a mesma coisa todos os dias. Não diga isso.

Eu tinha um sorriso nos lábios e, ao ouvir sua resposta, neguei com a cabeça. sempre via tudo com muita objetividade e clareza, menos quando tratava de si mesma. Aí era quase como se não acreditasse ou tivesse medo de descobrir que, de fato, ela não era normal e sim, extraordinária.

Se ela pudesse se enxergar com meus olhos.

Eu sempre pensei em Los Angeles como uma estadia parecida com estar de férias. Pensei isso por tantos anos que, finalmente, há quase um ano tinha criado coragem de colocar a minha casa à venda. Havia algum tempo, eu não sabia dizer exatamente quanto, em que eu me pegava observando e todas essas suas atitudes e o seu jeito e pensando em como eu não queria ter que ir embora. Inevitavelmente era o que eu sempre fazia.

Eu queria poder descobrir um modo de eternizar aquele momento para sempre.

- Eu não acredito que preciso ir para Londres.

- Ei! - me repreendeu. - Pensa pelo lado bom, produção do HS2.

- HS2? - Repeti confuso.

- É. É como a gente chama seu álbum novo.

Eu comecei a rir. Eu já tinha um nome para o álbum, mas preferi guardar só para mim por enquanto.

- A gente? - Debochei, mas ela ignorou.

Bem, talvez eu realmente tivesse um modo.

- Vou sentir saudades. - Ela respondeu, seguida de um suspiro.

Eu senti as tão familiarizadas borboletas no estômago. O coração acelerado de leve. Eu nunca imaginei que fosse conhecer uma palavra que caracterizasse melhor a falta que alguém faz até conhecer e descobrir que além de uma palavra melhor, eu conheceria alguém que faz jus a ela.

Eu morreria de saudades. A intensidade dessa sentença combinava comigo. E se tinha uma pessoa que me fazia sentir como se fosse morrer de alguma coisa, essa pessoa era ela.




- O que vocês dois têm, hein? - Minha mãe soltou a pergunta assim, na lata.

- O quê? - A encarei confuso.

Estávamos sentados no sofá, estava tomando banho e eu esperava fingindo assistir TV, enquanto pensava que não queria que ela tivesse que ir embora.

- Você diz que vocês dois são amigos, mas desde que ela foi para o quarto se arrumar para ir embora você está com essa cara, como se alguém tivesse... não sei, morrido.

- Somos amigos! - Reforcei. - Mas é claro que eu queria que ela pudesse ficar mais.

- Por quê?

- Como assim “por quê?”? Porque ela é minha amiga, porque eu gosto da companhia dela.

- Vá com ela.

- O quê? E você? Eu já vou para o Japão daqui alguns dias, quero passar o resto do tempo com você.

- Eu vou sobreviver.

Silêncio. Suspirei.

- Eu-eu não sei o que estou sentindo. - Admiti. - A gente diz que é só amigos.

- Mas para você não é mais só isso.

- Não. Quero dizer, eu não sei. - Sussurrei, de repente com medo de que escutasse. - Você sabe tudo o que aconteceu ano passado, mãe. Eu tinha certeza que estava apaixonado pela Sophie até uma semana atrás.

- O que aconteceu há uma semana?

- ) e eu a encontramos em Londres. Foi por acaso, mas eu fiquei confuso.

- Você não sabe se ainda gosta da Sophie?

- Eu tenho certeza que não gosto mais da Sophie. - Minha mãe me deu um olhar confuso e eu tentei me explicar. - Eu só não sei se eu... não sei se eu consigo confiar, sabe? Não sei se estou pronto para isso de novo. Não sei se quero me envolver assim agora.

- Você acha que talvez não devesse confiar na ?

- Não! Claro que não! - Neguei imediatamente. - Ela é incrível, mãe. Sério. Foi por causa de termos visto a Sophie que eu percebi que não me sinto da mesma forma que me sentia pela ).

- Harry, não deixe o passado interferir nas suas decisões do futuro. Mas você precisa descobrir se realmente gosta dela, para não a magoar.

- Eu sei. - Passei uma mão na testa, um pouco nervoso. - Eu vou deixar as coisas como estão por enquanto... Eu só vou falar com ela quando tiver certeza do que sinto e do que quero. - Me interrompi, percebendo algo de súbito. - E-e por que você acha que eu a magoaria?

- Vai dizer que você não percebeu que ela gosta de você também?




- Terra chamando Harry! - balançou a mão na minha frente.

- Desculpe!

- Estava pensando em quê?

Eu seria hipócrita se dissesse que naquela época já não tinha percebido que ) estava diferente. E eu já me questionava se ela sentia algo por mim. Outras pessoas, como minha mãe, percebendo o mesmo só mostrava que talvez eu estivesse certo. Naquela época, no natal, era certo que eu também já não me sentia da mesma forma, mas eu não confiava que os meus sentimentos eram fortes o suficiente. E eu não poderia arriscar a magoar ou constranger se eu não seria capaz de dar tudo de mim em algo que eu não conseguia nem me decidir se queria.

Por isso eu decidi que só tocaria no assunto quando- SE eu tivesse certeza que era o que eu queria. Porque eu sabia que não poderia voltar atrás, não tendo uma ideia de como ela se sente sobre mim.

- Nada. Sobre música. - Menti.

deu de ombros. Eu tinha certeza que ela não tinha acreditado, mas ela não insistiria. Ela sempre respeitava meu espaço, por mais inconformada que ficasse.

- Eu esqueci que tinha combinado com a Lucy de ir na casa da Jane hoje.

- Ah, é. O bebê dela nasceu. Não é? Você tinha me dito.

- Mês passado. Será que... - Hesitou. - Você se importaria de passar lá comigo agora?

No caminho até a casa de Jane, que foi dirigindo por saber melhor onde era e convenientemente mantendo nosso combinado de que ela dirigia na volta, eu coloquei o álbum de Joni Mitchell para tocar.

Eu costumo ouvir álbuns em ordem, gosto que as pessoas ouçam o meu na ordem também, mas dessa vez não consegui evitar e pulei algumas faixas, acho que o momento era muito propício para a Faixa 6, ‘Califórnia’. Descíamos as colinas do The Canyon, ouvindo uma música inspirada no momento da vida da cantora em que ela morou aqui. Era meio surreal.

- ), você já se sente em casa? Morando aqui em Los Angeles? - Perguntei em um impulso.

Ela pensou por um momento, mas, quando respondeu olhando nos meus olhos não houve hesitação em sua voz.

- Sim. Eu me sinto.

Para Joni Mitchell, retornar à Califórnia era sinônimo de voltar para casa. E talvez eu estivesse começando a pensar assim também. Por mais que eu fosse embora, mesmo que eu vendesse minha casa, alguma coisa me dizia que eu sempre voltaria. Alguém me faria voltar.



- Oi, ! Senti sua falta! - A mulher que atendeu à porta a deu um abraço apertado, como se não se vissem há meses. Dava para ver que ) era muito querida.

- Eu também! A empresa não é a mesma sem você, Jane! - Ela respondeu com a mesma empolgação.

- E você deve ser o Harry! - Estendeu a mão e eu apertei.

- Sou sim. - Respondi um pouco tímido.

Era estranho quando as pessoas já me conheciam. Quero dizer, as pessoas sempre me conheciam, mas era estranho quando já me conheciam assim. Faz sentido? Como quando você é apresentado a alguém e esse alguém diz que ouviu falar de você por outro alguém. Esse tipo de conhecer, não o conhecer por ser celebridade.

- Eu sou a Jane! É um prazer! Entrem! - Abriu espaço para que passássemos pela porta.

- Parabéns pelo bebê. Eu trouxe isso para você. - Entreguei algumas flores que tínhamos comprado no caminho.

- Ah, obrigada, Harry! É muito gentil da sua parte. Vem! Eu vou levá-los no quarto para ver o Edward.

Assim que passamos pela sala um pouco cheia, percebi todos os olhares que atraiu. Ela causava esse efeito de ter instantaneamente a atenção das pessoas onde quer que ela estivesse e o que tornava esse efeito ainda mais atraente era que ela não percebia isso.

Jezz. Isso foi muito One Direction.

Reconheci Lucy ao longe e cumprimentou algumas pessoas com acenos enquanto falava para ninguém em específico que já voltava.

- Edward? - Eu mimiquei para .

- Nem começa. - Ela respondeu em tom de voz normal.

- O quê? - Jane que nos guiava se virou para trás para perguntar.

- O nome do meio do Harry é Edward, agora ele vai ficar se achando porque o nome do bebê é Edward também. - me entregou e eu senti que estava ficando vermelho de vergonha.

- Foi Dylan quem escolheu no fim. - Ela gargalhou, rindo. - Ele não gostava de nenhum nome que eu sugeria.

- Edward é um ótimo nome. - Eu dei de ombros.

- É mesmo. - Ela concordou.

O bebê estava acordado e, enquanto o segurava, eu perguntei se poderia segurá-lo também.

- Você leva jeito. - Eu comentei quando me passou o bebê. - Você quer ter filhos? - Perguntei curioso.

- Ah, eu não sei. - Respondeu. - Quero dizer, talvez, algum dia. - Deu de ombros. - E você também leva jeito. - Apontou para mim. Eu segurava Edward com apenas um braço, enquanto usava a outra mão para tocar seus finos e poucos fios de cabelo.

- Bem, eu tenho quatro afilhados.

- Quatro? - Jane interviu assustada.

- As pessoas gostam de confiar seus filhos a Harry, não sei o que eles têm na cabeça. - debochou, afiada.

- Há-há. Muito engraçada.

- Eu sou hilária. - Tentou imitar o meu tom de voz de algum momento em que eu havia dito o mesmo.

Quando voltamos para a sala, havia um homem tão alto quanto eu, porém bem mais encorpado e que não estava lá antes.

- Campbell! - gritou assim que o viu.

Ah! Então aquele era o tal do Henry.

Quando estavam perto o bastante, ela praticamente pulou no pescoço dele, em um abraço desnecessariamente apertado.

- Não sabia que você vinha visitar a Jane e o bebê hoje. - Ela comentou assim que o soltou.

- Eu cheguei há algum tempo. Estava no banheiro. Mas achei que todo mundo do nosso círculo tivesse combinado de vir no mesmo dia.

- Ah é? Não sabia. A Lucy me chamou para vir, mas não disse nada que todos tinham combinado para hoje.

Será que ficaria muito na cara se eu pigarreasse?

Eles sorriram um para o outro como se eu não existisse e então me olhou, como se finalmente se lembrasse que eu estava ali.

- Harry, esse é o Henry. Henry, esse é o Harry. - Nos apresentou finalmente, embolando um pouco a fala para pronunciar tantas vezes os nossos nomes que eram tão parecidos.

Pelo menos não precisei fingir uma tosse.

Eu gostava quando seu sotaque se acentuava ou quando ela acabava dizendo algo um pouco errado. Acontecia bastante quando ela estava nervosa.

- Então esse é o famoso Harry? - Henry perguntou ao apertar minha mão.

Acabei soltando uma gargalhada. A ironia daquela frase era hilária.

- Não ficou... Não ficou bom esse trocadilho. - ) comentou tentando segurar o riso. Ela provavelmente pensou o mesmo que eu.

Henry franziu o cenho e alterou o olhar entre mim e ela algumas vezes.

- Oh! Entendi. Foi mal. Erro meu. - Respondeu rindo sem jeito.

- Então quer dizer que a fala muito de mim? - Não me contive.

- Bastante. - Ele respondeu sem hesitar. E então eles trocaram um olhar intenso, o qual não gostei nem um pouco de ver.

“E ela não fala praticamente nada de você”, era o que eu queria responder, mas fiquei calado.

Nesse momento Lucy se aproximou de nós e começou a nos cumprimentar.

- Oi, Harry.

- Olá, Lucy. Tudo bem?

- Tudo sim. E você?

- Eu estou okay.

Ficamos em silêncio.

- Precisamos marcar outro boliche. A sua amiga me deve uma revanche. - Completei.

- Aceita que você perdeu, H. - provocou.

- É por isso que eu preciso de uma revanche, porque eu perdi. - Disse como se fosse óbvio e ela começou a rir.

- Vou ao banheiro. Vamos comigo, Lucy?

A garota murmurou um “sim” com a cabeça e então elas saíram.

Encarei o homem à minha frente e ele me encarou de volta. Era uma situação um pouco esquisita. Eu estava sempre convivendo com as minhas ex-namoradas, mas eu nunca tive que lidar com nenhum cara que elas estavam envolvidas. Não que a minha relação com a seja algo próximo com qualquer coisa que já tive com algum ex, mas era o máximo que eu conseguia relacionar.

- Não sabia que você conhecia Lucy também. - Henry foi quem quebrou o silêncio. Eu estava muito desconfortável para me forçar a manter uma conversa com aquele cara.

- Ahn, sim... A amiga dela, colega de quarto, sei lá, é prima da minha baterista.

- Da sua baterista? Nossa! Que mundo pequeno, não é?

Ele claramente estava totalmente confortável na minha presença.

Como se... como se não estivéssemos competindo pela mesma mulher... Ou pior! Como se ele tivesse a tranquilidade de um vencedor.

- É. E é legal a ), a ... - Me corrigi, não queria ele falando com ela usando meu apelido. - Ter pessoas como a Lucy e... você no trabalho. Quando ela se mudou não tinha muitos amigos e eu viajo bastante, sentia que ela ficava sozinha às vezes.

Eu estava meio que o agradecendo por cuidar dela? Eu não conseguia acreditar.

Entregando seu coração – que talvez ainda nem me pertencesse – de bandeja para os lobos. Para o lobo.

- A é uma pessoa muito carinhosa, ela quase precisa ter alguém para que ela possa cuidar, ela sempre quer ter certeza que todos ao redor dela estão bem, sabe? E, às vezes, eu acho que ela esquece de conferir se ela está bem também.

- A é forte, Harry. Eu não acho que ela precise de pessoas cuidando dela, porque ela não se abate fácil.

- Você acha? - Questionei. - Eu não sei... Ela passou por muitas coisas ultimamente, teve a morte do irmão logo antes de ela se mudar para cá, aí ficou aqui por meses e a única pessoa que ela conhecia era eu e, como eu disse, eu não estou sempre aqui. Talvez ela se sentisse sozinha.

Uau! Era incrível como nós dois tínhamos visões completamente distintas. Falávamos da mesma pessoa?

- Ela comentou mesmo sobre o irmão. - Henry respondeu vagamente.

- O que eu quero dizer é que é bom ter pessoas que gostam dela aqui. Ela é muito especial. Você devia saber disso.

- Eu sei disso, cara. - Henry concordou, quase confuso com o que eu falava. Eu estava confuso com o que eu mesmo falava.

- O cara que estiver com ela vai ser muito sortudo. - Ele assentiu devagar e tinha uma sobrancelha erguida.

As meninas voltaram bem a tempo de nos salvar de entrar em outro silêncio constrangedor.

Eu gostava de , sentia algo por ela. Mas vê-la ali sorrindo da forma que ela sorria para Henry e toda a intimidade que eles pareciam ter... Talvez ele gostasse mais dela do que eu. E talvez ela gostasse tanto dele quanto ele parecia gostar dela.

E essa ideia embrulhava terrivelmente meu estômago.

Não é como se eu tivesse medo de ele ser melhor que eu, mas com ele... com ele, ela nunca teria que se preocupar em se esconder, ou com pessoas a perseguindo. Então talvez, só talvez, eu devesse recuar, deixar o caminho livre para ele.

Henry foi embora não muito depois disso. Quando apertamos as mãos e nos demos aqueles tapas amigáveis nas costas um do outro, eu o segurei por alguns segundos, o bastante para sussurrar em seu ouvido:

- Cuida bem dela, cara.

Ela realente parecia feliz perto dele. E eu deveria ficar feliz por isso, eu deveria ficar feliz... se eu não fosse egoísta demais para isso.



- Ele parece um cara legal. - Eu disse enquanto caminhávamos até o carro.

- Ele é. Um dos melhores.

Eu me perguntei se eu também era um dos melhores a seu ver.

- Agora entendo o porquê vocês, ahn... tem algo?! - começou a rir. - O quê? Eu disse algo errado?

- Não temos algo. - Ela falou por fim, fazendo aspas com os dedos.

Oh. Merda.

Será que é por isso que ela estava me evitando? Quero dizer, ela quase sempre dizia que não estava afim quando eu tentava algo, mas eu estava achando que tínhamos superado isso depois da briga no Japão, mesmo que eu ainda me sinta culpado pelo que falei.

Eles estavam realmente caminhando para algo mais sério? Será que ela queria me contar e me chamou para vir hoje para isso?

- Co-como assim?

- E lá vem Harry Styles com seus “como assim?” - Ela debochou, imitando exatamente como eu fazia com ela.

- Você ‘tá me dizendo que vocês estão... tipo, sério? E o seu emprego? - Ela riu mais ainda quando eu perguntei isso

Tudo bem, ficar comigo poderia significar perseguição diária ou se esconder muito bem. Mas ela ficaria com ele e... e aí? Uma hora ou outra descobririam e ela poderia perder o emprego.

Então eu me peguei desejando que eles não estivessem juntos.

- Eu estou dizendo que não temos algo e nem nada. - Eu fiquei mais confuso ainda com essa explicação. - Não estamos mais juntos, Harry.

Soltei todo o ar que eu prendi nos últimos dez segundos em que esperava ela falar.

- Ele está voltando com a esposa.

O quê?

- Espera? Ele te largou para voltar com a esposa?

Fiquei nervoso e com raiva de Henry ao imaginar que ele havia a machucado.

- Como ele...eu vou matar esse filho da pu...

- Harry!

me puxou pelo ombro logo que me virei de costas para voltar à casa de sua colega de trabalho, mesmo que inconscientemente eu soubesse que ele não estava mais lá.

- Guarda seu treino de boxe para quando for necessário, okay? Ele não me largou! - Ela ria enquanto falava. Parecia achar graça.

Eu não ia realmente voltar lá para confrontá-lo, foi só uma reação automática de instinto de proteção. Algo que eu definitivamente faria pela irmã, ou qualquer outra mulher que tivesse sido desrespeitada.

- Você está com ele enquanto ele está com a esposa?! - Dei um puxão no meu braço para que ela soltasse meu ombro e dei um passo para trás, incrédulo.

- Não! Não é nada disso, seu louco! Será que eu posso falar sem você me interromper?

- Claro. - Neguei com a cabeça para me manter em foco. - Me desculpe. - Voltei para perto dela.

- Ele está voltando com a esposa, porque eu juntei os dois.

Ela me contou toda a história quando já estávamos no caminho para sua casa.

- Mas agora os dois ficam juntos e você sozinha? Isso não é justo!

- Eu não fiquei sozinha, ele não vai deixar de ser meu amigo.

- Você, você gosta dele? - Eu hesitei ao perguntar, tinha medo da resposta.

que conversava o tempo inteiro olhando para mim, mesmo que eu não olhasse de volta, pois tinha que me manter concentrado na estrada, desviou o olhar para a janela.

- Não como deveria.

Que merda isso queria dizer?





* Blue, em inglês, embora tenha como tradução principal como sendo a cor “azul”, também é usada como expressão que caracteriza melancolia, tristeza ou o estado de estar deprimido.


25. I Wanna Be Yours.

MARÇO, 2019
Atualmente




Ponto de vista de Harry Styles.


Ainda dopado pelo sono, eu não abri os olhos mesmo sentindo se mexer ao meu lado na cama. Porém, involuntariamente pisquei algumas vezes tentando olhá-la quando se levantou, levando consigo o calor e o cheiro de seu corpo.

Pelas frestas que meus olhos produziam durante as piscadas rápidas, tive um vislumbre do tecido azul do moletom oversized que eu usava no dia anterior e que eu tinha largado em algum lugar de seu quarto antes de dormir.

Seus olhos, que anteriormente não prestavam atenção em mim, captaram o meu olhar, enquanto suas mãos puxavam a barra do moletom para cobrir as pernas.

- Bom dia, raio de sol! - Sua voz saiu melódica e energética, o que não deixava de ser engraçado; ela quase nunca era animada logo ao acordar.

- Bom dia, gorgeous. - Já minha voz havia saído fraca e baixa. Dei um sorriso para compensar.

Ignorei a vontade de me levantar só para a abraçar e sentir o cheiro do meu perfume no meu moletom em uma mistura com seu próprio perfume e o cheiro de seu cabelo, o qual eu já sentia falta.

- Quer panquecas?

Assenti tão devagar que ela já havia saído do quarto antes que eu terminasse. Me espreguicei calmamente, colocando as duas mãos atrás da cabeça em seguida.

Ainda com preguiça de me levantar, em um primeiro momento, encarei o teto. Escutei o barulho de utensílios de cozinha. Os cômodos não eram longe uns dos outros na casa de .

Depois, desviei o olhar para observar o restante do cômodo que já me era tão familiar. A decoração era marrom-acinzentada e branco. Na mesa da cabeceira, havia um livro fechado, marcado ainda nas primeiras páginas com o que parecia ser um pedaço de papel qualquer.

Meu olhar caminhou até o canto em que ela havia recém colocado os quadros decorativos. Em um deles eu podia ler o trecho de uma de minhas músicas. Sorri involuntariamente com esse detalhe.

Seu apartamento não tinha escritório. Sua mesa ficava em seu quarto, bem de frente para a cama. Ali havia um notebook, muitos itens de papelaria e uma cadeira confortável. Na parede atrás, havia um grande painel de grades e acima dele, duas prateleiras cheias de livros.

Me levantei da cama, chegando perto do painel para observar as fotos. Eu via seus pais, seu irmão, Lucy, , alguns amigos em fotos ainda no Brasil. Em todas ela estava sorrindo.

Eu aparecia em algumas fotos também, uma selfie nossa tirada em seu carro, uma de nós em um show que não me lembro de quem. Tinha uma minha sozinho tocando violão em seu sofá. Uma do natal, com a minha irmã e o seu namorado também.

Havia algumas fotos do que parecia ser no seu trabalho. Ela sentada atrás de uma mesa. Em outra, no estacionamento que eu reconhecia, mas com algumas pessoas que eu não conhecia; ela vestia uma roupa casual e tinha um crachá pendurado no pescoço. Contei em quantas fotos Henry aparecia e quantas fotos havia comigo. Senti uma pontada de inveja, ele estava em quase todas que parecia se referir ao trabalho.

Alguns daqueles rostos que eu não reconhecia poderia ser seu ex-namorado? Eu tinha curiosidade de saber. A ideia de que ela ia vê-lo depois de um ano não me era agradável. Ela poderia se esquecer do que estava aqui a esperando. Poderia sentir falta da antiga vida e não querer mais voltar. Poderia sentir falta dele.

A ideia de ficar vinte dias longe dela me agradava menos ainda. Será que ela gostaria que eu fosse junto? Eu não queria atrapalhar sua viagem. Não queria ser um peso que ela teria que levar para todos os lugares quando fosse visitar amigos e familiares que ela não via há tanto tempo. Era um momento que deveria ser dedicado a fortalecer os laços entre eles.

Eu não podia deixá-la ir, e eu não estava falando da viagem.




- Jeff falou algo com você? - Eu perguntei a Tom. - Ele está atrasado.

- Não. Deve estar só preso no trânsito. - Ele deu de ombros.

- Sobre ‘Watermelon Sugar’... - Tom tocou no assunto com cuidado e eu bufei. - Já se decidiu entre a primeira ou a segunda versão que fizemos?

- Não. Não quero falar sobre isso.

- Harold, essa música vai ser um hit. Eu sei disso.

Ignorei as predicações de Tom, o produtor e compositor conhecido por Kid Harpoon.

- Eu vou ligar para a , com licença.

Apanhei meu celular jogado em cima de uma das mesas ao lado de um teclado e sai para fora do estúdio, atravessando a casa até o jardim.

Eu estava começando a me sentir sufocado, estávamos no estúdio há semanas e eu nem me lembrava a última vez que tinha saído dali.

Eu costumava gostar de alugar aquele estúdio que também era uma casa, justamente pela funcionalidade que me permitia não precisar sair dali para nada. Eu tinha quartos, cozinha, um monte de instrumentos musicais e todo mundo que eu precisava isolado comigo.

Talvez eu me sentisse daquela forma pelo fato de não conseguir terminar uma das minhas músicas, Watermelon Sugar, pois parecia que nunca ficaria da forma que eu queria. Na verdade, nem eu sabia exatamente o que queria para ela. E isso me frustrava. Porque ora eu odiava, ora amava e não conseguia sentir se deveria colocá-la ou não no álbum.

- Ei, estranho!

Ao ver o rosto de pela tela, imediatamente eu soube que tinha alguma coisa errada.

Engoli todas as minhas preocupações e enterrei o egoísmo que me fazia estar pensando somente em mim e no meu maldito álbum naquele momento.

- Eiii. Como você está? - Respondi o mais animado que consegui.

- Sentindo sua falta! E você?

Eu estava tão intensamente imerso nas minhas próprias questões que não me passou pela cabeça que o mundo lá fora continuava a girar e que vivia nele, e que existiam problemas maiores do que eu não estar gostando de uma música que eu escrevi.

- Ocupado. As coisas estão uma loucura aqui no estúdio!

Ela sorria enquanto eu falava, mas ainda assim não parecia que estava tudo bem.

- Você diz isso todos os dias, H.

- Isso na sua mão é um cigarro? - Tentei não demonstrar choque. - Não sabia que você fumava.

Não era como se eu me importasse com isso. Sophie fumava. Mas, quero dizer, cigarros fazem mal e eu nunca tinha visto-a fumando antes.

- Eu não fumo.

Sua voz era categórica, mas sua expressão de indiferença fez acender um alerta vermelho dentro de mim, que brilhou mais ainda ao ver que ela bebia whiskey. Ela nem era fã de whiskey e menos ainda o tipo que fazia “a indiferente”, em tradução: “eu não ligo se estou entupindo meus pulmões de fumaça e causando cirrose no meu fígado.” Não, ela não era desse tipo.

- Ahnnnn, eu tenho plena certeza que isso na sua boca é um cigarro.

- Bem, eu estou fumando nesse exato momento. Mas eu não fumo.

Parecia que aquilo fazia todo o sentido para ela, mas eu decidi não discutir. Não era disso que ela precisava agora.

- Aconteceu alguma coisa?

- Só um dia difícil.

- Hmm. Desculpe, mas não me convenceu.

Seu suspiro longo denunciou mais ainda sua transparência.

- Estão acontecendo algumas... situações no meu trabalho. Henry e eu as apelidamos de dragões. Estamos trabalhando para apagar o fogo que eles produzem.

Eles quem? Os dragões?

Eu devo ter feito uma cara de confusão, porque realmente não entendia aquela linguagem empresarial.

Sem que eu precisasse insistir, passou a me contar o que havia acontecido.

- ...E então quando foi mais ou menos uma e meia da tarde, Lucy foi buscar café do Starbucks e o Henry, eu e o Elliot, que é um dos supervisores da produção, ficamos até às seis e vinte planejando o que fazer. Cheguei em casa há pouco.

Esse Henry de novo... Tentei não revirar os olhos ao ouvir seu nome.

- Mas foi engraçado, porque a Lucy tinha reclamado com Henry que não era nossa assistente e, mesmo assim, ela acabou levando os cafés para a gente lá na sala de reunião.

Sends his assistant for coffee in the afternoon
Around 1:32
Like he knows what to do

Até que eu poderia fazer alguma coisa com essas informações aleatórias dela...Balancei a cabeça para me concentrar no momento presente. Na conversa. Em .

O que ela tinha dito mesmo?

Ah, sim! Que havia chegado tarde.

- Uau! Tão tarde? Parece mesmo um problema difícil de resolver. Mas tenho certeza que você vai dar um jeito. Você é muito competente.

Dei um sorriso forçado. Eu entendia que ela tinha problemas, mas não é como se eu entendesse o que eram esses problemas.

- Sim! Dá para acreditar? O coitado do Henry teve que ligar para a ex-esposa buscar os filhos na escola. Essa semana era a vez dele, que supostamente deveria levar e buscar, mas hoje só conseguiu deixá-los na escola. Ele ficou arrasado, tinha planejado levá-los para o parque depois.

Por mais que eu me esforçasse, essa parte dela, seu lado profissional, era muito distante. Como se fossem duas pessoas distintas, uma eu conhecia bem, a outra... não fazia ideia de quem era.

And I don't know why
I don't know who she is

Eu não ia deixar a diferença dos nossos mundos ser uma barreira. Não quando eu já tinha tantas outras.

Eu sei quem ela é. E o que eu não sei sobre ela, eu quero aprender.

Eu precisava desligar e escrever tudo antes que eu me esquecesse. Era assim que eu resolveria tudo, todas essas minhas preocupações. Com uma música que, ao terminá-la, engavetaria consigo todas as dúvidas e inseguranças.

- Você não faz ideia de como ter você do meu lado dando esse apoio faz diferença...

Avistei o carro de Jeff passando pelo portão recentemente aberto e desviei o olhar da tela só por um segundo.

- ...eu não sei o que faria se não fôssemos amigos!

O quê? Que conversa era aquela?

Pigarreei, desconfortável.

- É... Se não fôssemos amigos...

Seria tão ruim assim se não fôssemos amigos, ? Se fôssemos algo mais?

- Olha, preciso desligar. - Falei depressa. - A porra do Jeff acabou de chegar aqui e ele está meia hora atrasado. Preciso do meu empresário para me dar opinião em algumas coisas que estou em dúvida..., mas nos vemos na quinta-feira, certo?

- É claro, H! Até o Valentine’s Day. Ahn... Bom trabalho aí...

Eu já nem olhava mais para a tela, observando Jeff se aproximar.

- Vê se come alguma coisa e não esquece de beber água.

O comentário me chamou atenção, fazendo com que eu a olhasse mais uma vez e acenasse em concordância.

- Tenho que ir. Love you, babe. Tchau.

Apertei o botão de desligar antes de ouvir sua resposta.

- Falando com a namoradinha? - Jeff me perguntou com um sorriso irônico.

- Cala a boca. Você está atrasado.

- Desculpa. Acabei ficando ocupado resolvendo umas questões para o John Mayer e além do mais, esse estúdio é no fim do mundo! E você conhece o trânsito de LA...




Fui distraído pela voz de que tentava, sem muito sucesso, acompanhar a música que tocava. Eu ouvia apenas o barulho e a sua voz que abafava a voz de quem cantava. Soltei uma risada da sua pronuncia, porque o que ela dizia parecia qualquer coisa, menos inglês.

Lancei um último olhar diretamente para o painel, havia algumas notas também, a maioria reconheci como trechos de músicas e, mais uma vez, encontrei a letra de mais do que uma das minhas.

Talvez, se a música que escrevi naquele dia entrasse para o álbum, pudesse colocar um trecho em seu painel também.

Caminhei até a cozinha e somente ao parar no batente da porta pude reconhecer a música que tocava através dos alto-falantes de seu celular. Na verdade, o final da música, pois já passava para a próxima.

Escorei no batente, observando-a de costas enquanto cantava, agora com uma pronuncia com menos sotaque, em frente ao fogão.

Ela não havia percebido que eu estava ali e eu me preparava para anunciar minha presença quando ela se virou de uma vez em direção a geladeira, soltando um gritinho de susto ao me ver.

- Não sabia que você era do tipo que fazia as coisas ouvindo música, achei que levava o trabalho bem a sério. - Debochei de seu jeito distraído e relaxado.

- Aí, garoto! Você quer me matar de susto? Há quanto tempo você está aí?

- Desde que essa música começou.

Dei alguns passos para dentro do cômodo e então já a tinha nos meus braços, como desejei desde o primeiro minuto em que acordamos e ela saiu do meu lado.

- “The way it brings out the blue in your eyes is the tenerife sea. (A forma como isso destaca o azul nos seus olhos é como o mar do tenerife)” - Ela cantarolou, dessa vez baixinho, com o queixo no meu ombro.

- Bem, meus olhos são verdes. - Também encaixei meu queixo em seu ombro.

- “The way it brings out the green in your eyes is the... (A forma como isso destaca o verde nos seus olhos é como...)” - Ela parou de uma vez e desfez o abraço. Uma expressão de dúvida em seu rosto. - Eu não sei o que rima, você que é o compositor aqui. - Eu dei uma gargalhada do seu tom de voz indignado.

- O verso todo não rima. - Dei de ombros.

- Reclama com o Ed Sheeran; que é o compositor, nesse caso.

- Babe, o que eu quero dizer é que não precisa rimar.

- Oh! - Ela deu uma risadinha sem graça. - Entendi! - Completou fingindo indiferença. - Mas ainda assim, vou deixar as metáforas para você. - Com um sorriso cínico, se afastou e abriu a geladeira.

- Sabe, a gente vai ficar semanas sem se ver agora que eu vou para Londres e um mês depois você que vai viajar parar o Brasil e vamos ficar mais vinte dias sem nos ver de novo.

Eu gostava de tudo em . Mas seu lado descontraído e despreocupado era, sem dúvidas, o meu preferido.

desligou o fogão e se virou para me encarar, se escorando na pedra da pia.

- Mas você pode me ligar sempre que quiser.

O sorriso em seus lábios denunciava o quanto ela estava feliz por voltar ao seu país.

- Eu não quero te atrapalhar. - Fui sincero.

- Você nunca atrapalharia, H! Além do mais...

Ela se virou de costas de novo e eu acabei não entendendo o que ela tinha dito.

-... A minha intenção é descansar, passear em lugares que eu costumava ir, ver meus amigos, fazer coisas mais tranquilas...

Ela gaguejou um pouco, mas consegui entender o final. Não quis deixá-la sem graça pedindo para repetir. Ela falava mais rápido do que o normal, sinal de que estava nervosa. Será que estava tentando disfarçar, porque realmente não queria que eu ficasse ligando e a atrapalhando?

- Eu vou sentir sua falta, darling...

A confissão veio com facilidade, pois era a única coisa que se passava pela minha cabeça naquele momento.

- Quando você voltar, podemos ir naquele restaurante em New York que você queria...

- Bem, você quer ir comigo?

Arregalei os olhos quando ela cortou o que eu estava falando, era algo que ela definitivamente não estava acostumada a fazer. Pela primeira vez parecia que eu tinha falado sozinho, que ela não tinha prestado atenção em nenhuma palavra que eu disse.

- Digo, viajar comigo... Eu sei, sei que você tem uma agenda cheia e horários meio loucos, e é meio esquisito eu levar um cara que eu pego para viajar comigo para casa dos meus pais nas férias, é esquisito, não é? Mas antes disso somos amigos, certo? Mas também não quero que você fique achando que eu estou achando algo.

Ela falava tão rápido que eu tinha que me concentrar em seus lábios para entender.

- Espero que isso faça sentido. É estranho, eu sei. - Repetiu, ainda mais agitada. - Porque você consequentemente conheceria meus pais. Mas somos amigos, não é? - Repetiu de novo. - Amigos conhecem a família de amigos.

- Sim, amigos conhecem a família de seus amigos... - Eu disse devagar, tentando entender porque ela estava agindo assim tão de repente. - Você conheceu um bocado de gente da minha família. - Dei uma risada.

Pela forma como ela continuou a falar, imagino que também não tenha prestado atenção à última coisa que eu disse.

- É só porque eu queria que você me conhecesse de verdade, conhecesse essa parte do meu mundo, assim como você me permitiu conhecer o seu. Seria legal ter você comigo.

Senti meu estômago se revirar. Isso era tudo o que eu queria! Será que você não percebia, ?

- Além disso, onde eu moro é muito calmo, é quase interior, tenho certeza que ninguém vai te reconhecer e nem te incomodar, eu sei que você não se importa com os fãs, mas também sei que não é sempre que você gosta que saibam onde você está e... Ah! Você me entendeu..., mas lá nós poderemos sair para onde... - Coloquei dois dedos em seus lábios, gesto que pedia silêncio. - Quisermos. - Sussurrou

Precisei controlar a vontade de colocar um dos dedos dentro de sua boca, bem entre os lábios quentes que me traziam memórias não convenientes para a situação. Okay, esse não é o melhor momento para isso.

- Onde você morava. - Dei um sorriso de lado e abaixei meus dedos antes que mudasse de ideia. - Você está falando demais.

- É o quê? - Me olhou completamente confusa.

- Você disse que onde você mora é calmo e eu te corrigi, porque você não mora mais lá, você mora aqui, babe.

Era importante para mim frisar que o seu lugar agora era aqui, comigo. Não queria que ela viajasse pensando que não pertence à Los Angeles.

- Estou falando sério, Harry... - Ela suspirou, impaciente.

Era sempre assim com ela, se eu falava sério, ela fazia piadinhas e deboches. Se ela falava sério, eu não podia fazer o mesmo. Porque, aparentemente, quando as coisas eram sérias para ela, eram sérias e ponto!

- Tudo bem. Que dia vamos mesmo?

É claro que eu queria ir. E eu não sabia se me sentia mais feliz ou mais aliviado por saber que ela também queria que eu fosse.

- Eu provavelmente já terei terminado o álbum até lá, não vai ser problema nenhum. O resto eu deixo para que Jeff resolva enquanto eu estiver fora.

- Eu gosto do Jeff. - Ela disse. - Ele é um bom amigo para você.

- Ele também gosta de você. - Deixei que minha mão pousasse levemente em sua bochecha e retirasse alguns fios de cabelo do seu rosto, colocando-os atrás da orelha.

Se isso tudo... O sentimento de felicidade ao ver o sorriso em seu rosto olhando o carro da forma que ela queria na concessionária, o alívio ao sentir sua mão em meu ombro enquanto eu encarava Sophie, a sensação de segurança ao segurar sua mão observando a praia em Lyme, a forma como minha pele reagia ao seu toque, o deslumbramento ao vê-la nas minhas roupas ou ao abrir uma gaveta no closet e encontrar suas roupas lá. Seu cuidado e afeto sem medida. Se como eu sou aberto com ela, como eu consigo ser honesto com ela e comigo mesmo. Se o medo que senti ao dizer o que não queria ter dito no Japão, o embrulho no estômago ao vê-la com Adam e depois com Henry. Se a forma como ela me olha aqui e agora, se isso tudo que ela desperta dentro de mim e mexe tanto comigo não prova para mim mesmo que o que eu sinto é suficiente para arriscar, eu não sei mais o que provaria.

E eu definitivamente não precisaria perdê-la para descobrir que eu posso fazer de tudo por ela. Inclusive ignorar as decepções amorosas do passado; porque ela não era o meu passado, era o meu presente... e futuro.




- Obrigada pelo jantar e pela camisa, é claro. - estava perceptivelmente tímida pelo presente.

Eu devia ter avisado que traria algo para ela de Valentine’s. Não queria que ela ficasse achando que era alguma coisa romântica ou algo do tipo. Vai saber como era a cultura brasileira sobre presentes nessa data. Aqui nos Estados Unidos era bem comum presentear amigos e pessoas queridas com cartões, flores, chocolates e até mesmo presentes não convencionais, como uma camisa do Pink Floyd.

- Você quem fez o jantar! - Eu rebati em um riso frouxo. - Eu que tenho que agradecer pela comida e companhia incríveis! Você é ouro, ! Me salvou de uma noite entediante no estúdio.

- Pena que não vou conseguir te salvar da madrugada entediante no estúdio. - Quando ela disse ‘entediante’, fez aspas com os dedos e usou um tom sarcástico que me fez sorrir. - Tem certeza que não quer dormir aqui?

- Eu preciso mesmo ir. Eu avisei que voltaria às 11pm.

- Bem, já são 10:54pm. - Ela disse ao olhar o celular.

- É a minha vingança contra o atraso de Jeff naquele dia. - Eu dei um sorriso inocente.

- Jezz! Você está mesmo vingativo ultimamente! - Ela gargalhou.

Era sempre difícil de me despedir. Provavelmente gastamos mais do que os 6 minutos que eu ainda tinha sobrando para fazer isso.



No caminho de volta ao estúdio, eu cantarolava junto com a minha própria voz que saia do rádio do carro. Era a demo de uma música que eu havia intitulado de ‘Golden’, e só uma das várias que eu havia escrito para . Mesmo já tendo escrito tamanha quantidade de músicas que eram obviamente sobre ela, eu não conseguia admitir isso para mim mesmo.

Apesar de ser à noite, eu conseguia me lembrar das várias vezes que havia feito o trajeto da minha casa até o estúdio depois de escrever essa música, o sol bloqueando irritantemente a minha visão enquanto eu me recusava a fechar a capota de um dos carros que eu dirigia.

Eu poderia dizer fácil que aquela era a minha preferida. Tinha tudo a ver com a Califórnia e, claro, tinha tudo a ver com . Ou pelo menos com a minha visão sobre ela.

Quando cheguei ao estúdio - bem atrasado - naquela noite, Mitch me esperava na entrada.

- Você está ouvindo essa música de novo? - Mitch comentou rindo enquanto eu descia do carro.

- Me deixa em paz! - Dei um empurrão de leve em seu ombro.

- Espera! Eu estou vendo essa puxada de lábio! Isso foi um sorriso, não foi? Não disfarça! Ah, cara! Você está mesmo apaixonado!

- Cala a boca. - Acabei rindo mesmo assim.

- H, você ouve essa música praticamente todos os dias e todos os dias você fica com um sorriso idiota no rosto. Eu não convivo com a o bastante para saber o que ela acha de você, mas pelo que você me conta, vocês dois estão caídos um pelo outro!

- Você a chamou de quê?

- Desculpa, cara. Mas você só se refere a ela assim. E não é como se você quase não falasse dela, não é?!

- Exatamente, só eu! Para você e o resto do mundo é !

- Então, por que não fala nada para a ? - Enfatizou ironicamente seu nome ao final.

- Porque eu não sei ainda se eu quero algo sério com ela.

- For fuck’s sake, Harry! Você é burro? - Fiz uma cara de ofendido. - Você está de quatro por essa mulher!

Revirei os olhos descrente e balancei uma mão como se dissesse “nada a ver”.

- E quer saber a verdade? Você está assim desde quando fomos jogar boliche e ela não ficou nem um pouco impressionada com a sua boa aparência ou o seu carro chique. E, depois, quando você ofereceu carona e, adendo: todo mundo aqui sabe que as suas caronas sempre acabam na sua casa, mais precisamente, na sua cama!

Eu neguei com a cabeça, completamente envergonhado. Mas não fui capaz de dizer nada.

- É, sim, você sabe disso! - Mitch insistiu. - Mas ela recusou, montando naquela moto, completamente foda e deixando você para trás. Foi ali, meu amigo, a sua ruína.

- Para quem não tem o hábito de falar muito, você está bem falante hoje!

- Ela é uma das mulheres mais legais que já entrou na sua vida. Ela é inteligente, divertida, humilde e muito bonita! - Mitch fez uma cara de dor e tornou a falar, em sussurro: - Não fala para a Sarah que eu disse isso. - E rindo, continuou com a voz normal. - Porra, quando eu conheci a Sarah... Foi incrível. A parece com ela, ambas muito esforçadas, destemidas, têm esse ar assim de que parece que nada seria capaz de as parar... Você sabe que a não vai te esperar para sempre, não sabe?

Eu fiquei calado. Ele estava sendo exagerado. Eu nem mesmo sabia se queria arriscar algo com ela.

- Tudo bem! Já que você não vai admitir, pelo menos me conta como foi o jantar.

Contei brevemente tudo e tive vontade de dar um soco na cara de convencido que Mitch fazia.

- Você deu a sua camisa vintage do Pink Floyd para ela? - Questionou incrédulo. - Você nem deixa ninguém tocar naquela merda.

- Ela gosta de Pink Floyd. - Dei de ombros, como se não fosse nada demais.

A história e a ligação entre e o irmão que morreu não era minha para que eu compartilhasse.

Mas Mitch começou a gargalhar. Muito.

Tudo bem que eu gostava tanto assim da camisa, mas a minha justificativa não era assim tão absurda para ser verdade.

- Você usou alguma coisa? - Eu perguntei quando ele perdeu o ar de tanto rir.

- Alguém tinha que se lembrar do solo de ‘She’... E como foi eu mesmo que compus... - Revirei os olhos.

- Já não bastava eu ter cortado a minha língua escrevendo essa música?

- Jeff não está nem mesmo bravo.

Mitch mudou de assunto. Como ele não estava são, resolvi não me irritar por ser ignorado. Fiquei refletindo sobre seu surto de consciência há alguns segundos atrás... E tentava entender o porquê as palavras dele me incomodaram tanto.

- Ele disse “Harry com certeza vai se atrasar, não o esperem aqui antes de onze e meia.”.

- Ele disse isso? - Perguntei indiferente.

- Ele disse. - Confirmou. - Eu perguntei o porquê e ele me respondeu que você estava dando o troco nele.

Eu não consegui conter a gargalhada. Eu amava aquele cara e o quão bem ele me conhecia. Não era à toa que ele era meu empresário.

- Qual música estão mexendo agora? - Eu perguntei quando estávamos já perto de entrar no estúdio.

- 'Adore You'. - Mitch respondeu conciso. - Se der tempo, a versão número 6 de 'Sunflower'.

Eu concordei com a cabeça sem dizer nada. Tínhamos que produzir logo essa música hoje? Essas?

- É, meu amigo... Hoje você não esquece da sua musa. - Eu dei um suspiro antes de responder.

- Eu estava pensando a mesma coisa.




Estava decidido! Eu não vou esperar que ela vá embora para estar pronto. Eu estou pronto agora.

- Tudo que estamos vivendo nesses últimos meses... é... eu não sei...eu...

Eu não sabia por onde começar a dizer o que a ter conhecido significava para mim.

- Harry Styles, você está me pedindo em namoro? - Ela perguntou no tom debochado de sempre, quebrando imediatamente a tensão que eu sentia.

Foi ali que eu soube que eu poderia falar o que quisesse, que ela me entenderia. Sempre.

- Não. - Respondi sério.

- Não? - Ela imitou.

- Não! - Confirmei.

Eu achava que não conseguiria disfarçar bem o alívio que senti e ela perceberia que eu estava brincando, mas quando ela arregalou os olhos, surpresa, percebi que ela não fazia ideia do que eu estava prestes a relevar.

- ...Porque eu nem sei se você sente o mesmo. - Sorri de lábios fechados e puxei o ar com força. - O que eu estou tentando dizer é que eu estou inegavelmente apaixonado por você.

Continuei sorrindo minimamente ao ver sua expressão de choque. Eu não disse nada enquanto a esperava responder. Foi um longo e torturante silêncio.

- O quê? Assim? Do nada?

Bem, essa não era exatamente a reação que eu esperava.

- Não é do nada, você sabe disso.

- De-desde quando?

Será que eu estava a interpretando errado durante todo esse tempo?, a dúvida pairou sobre mim.

Não, não era possível. Ela sentia algo por mim também. Todos os momentos que vivemos juntos. Eu não estava imaginando os olhares, os ciúmes não admitidos, as frases mantidas em uma linha fina entre brincar e falar sério.

A parceria sexual que antes só acontecia quando não tínhamos outros planos e que havia se tornado exclusiva; por ela não me contar de mais ninguém, eu passei a acreditar que era o único agora. E ela, no fim da noite, de qualquer noite, era sempre quem estava comigo, era ela quem eu sempre procurava.

Não era possível que eu estava sentindo tudo aquilo, por todos esses meses, sozinho.

- Não sei te dizer exatamente desde quando, mas alguma coisa mudou quando fomos para Londres, ainda antes do natal. - Dei de ombros. - Talvez desde quando te beijei pela primeira vez e eu só não soubesse. Talvez eu sempre soube. Talvez eu só tenha demorado para decidir. Mas tenho certeza do que eu sinto agora e eu só não quero ter que esconder isso de você.

Encarei-a, não para intimidá-la, aquela era a minha forma de rendição. Eu sentia que não havia nada além da verdade entre nós agora. Sempre só houve verdade, mas agora estava tudo exposto.

Eu estava exposto.

- “... E onde há verdade não há barreiras, não há olhares desviados e, se nada acontecer, que jamais seja porque algum de nós não estava ciente das possibilidades”.

Seu olhar mais uma vez foi de confusão.

- Call Me By Your Name. - Expliquei.

- Aquele filme do Timothée Chamalet, o ator que você teve uma conversa meio entrevista em 2017?

- Uh-hum. - Eu sabia que ela reconheceria o nome do filme por causa dessa entrevista. - Eu li o livro depois que conversei com Timothée, me chamou bastante atenção.

então ficou calada de novo. E eu estava começando a me sentir nervoso.

- Você não precisa me dizer nada, não precisa dizer que me ama..., mas quero que esteja ciente do que eu sinto e das suas opções aqui, porque se houver alguma chance de você sentir algo parecido por mim... Eu quero tentar.

O silêncio dela era esmagador. Suspirei, antes de voltar a falar.

- Eu quero continuar te contando como alguém deu em cima de mim, eu quero continuar ouvindo as suas histórias também, porque eu sei que muita gente flerta com você, ou pelo menos tenta. - Ela riu, ufa. Foi o suficiente para diminuir o aperto no meu peito. - Eu só não quero mais te contar como foi sair com aquele alguém, porque eu quero ser só seu. E quero que você seja só minha.

- Eu... não consigo imaginar a possibilidade de você estar apaixonado por mim.

Dessa vez, eu que fiquei confuso.

- Por quê? O que tem de tão extraordinário nisso?

- Eu não tenho nada que te prenda, nada que te interesse, eu não sou ninguém. Eu sou... comum.

- Eu também sou só um garoto comum. Esse sou eu. - Apontei para mim. - Essa é você. - Apontei para ela. - E nós é o que eu quero.

- Não. - Ela negou com a cabeça, efusiva. - Você pode gostar de quem você quiser que a pessoa automaticamente vai gostar de você de volta só porque você é você! Isso se a pessoa já não estiver só esperando ser você quem gosta de volta. - Ela fez cara de confusão assim que terminou de falar.

- O quê? De onde você tirou isso? Não tem como todo mundo gostar de mim. Ninguém agrada todo mundo.

- Você entendeu o que eu quis dizer. - Ela respondeu parecendo um pouco impaciente. - Você sabe do que eu estou falando! Você pode ter quem quiser.

- Eu entendi. Mas eu não acredito que eu estou ouvindo isso de você! Na minha vida, muitas pessoas gostam de mim. E você mesma já disse: Porque eu sou eu..., mas não é real! Não gostam de mim de verdade!

- Desculpa. - Ela suspirou, arrependida. - Eu não sei o que dizer. Isso tudo me pegou de surpresa.

- Me diz o que você sente! Você me disse que queria que eu viajasse com você para que eu te conhecesse de verdade. Então se abre para mim, ! Eu nunca sei o que você sente de verdade.

Eu não queria parecer desesperado, mas acho que era tarde demais.

- Eu acho que... eu sou eu. Eu fico fazendo piadinhas sem graça o tempo todo e sendo debochada, e ao mesmo tempo séria demais, porque eu trabalho demais e levo essas coisas muito a sério. E isso não tem nada a ver, me ignora. - Ela reconsiderou me fazendo rir. - Mas eu sou eu! - Bateu os dedos no próprio peito. - E você é você. - Apontou para mim.

Eu esperei pacientemente que ela continuasse.

- Você é o ser humano mais incrível que eu já conheci. Você é generoso. Você é gentil. Você é livre. Você é altruísta sendo também a pessoa mais narcisista que eu já conheci e até hoje não sei como você consegue manejar essa dupla personalidade. Porra. - Ela soltou em português e naquela época eu já sabia o significado. - Você nem mesmo fica nervoso. Até quando te provocam e te tratam com grosseria você devolve tudo em forma de amor e gentileza.

Eu queria mais do que tudo a abraçar naquele momento, mas não queria que ela parasse de falar. Eu sentia que a devia esse momento de desabafo.

- Eu sei que não existe ninguém perfeito e você tem muitos defeitos... - Ela deu uma risadinha antes de continuar. - Tipo pegar sorvete do pote fazendo um buraco. Apertar a pasta de dente pelo meio. Largar suas meias espalhadas pelo chão do meu quarto. Ou quando eu te grito de algum cômodo e você simplesmente se teletransporta para o meu lado, me assustando de propósito. - Ela revirou os olhos e eu gargalhei. - E você é inacreditavelmente irritante. E não existe ninguém perfeito. - Ela repetiu. - Mas você é o mais próximo disso que eu já conheci. Tem como não se apaixonar por você? Merda! - Essa palavra eu não sabia o que significava. - Tem como não te amar, Harry?

Os olhos dela se encheram de lágrimas. Aquilo cortou o meu coração.

- Não chora, por favor. Eu não quero fazer você se sentir mal. Eu estou tentando tanto não agir como idiota. - Eu tentei limpar a lágrima que escorreu, mas esta foi seguida por outra.

Deixei minha mão pairar em seu rosto por um momento, antes de voltar a largar os braços ao lado do meu corpo, desolado.

- Eu também não quero chorar. Que droga! - Essa eu também sabia, ela falava muito. - Mas eu tenho medo de você ir embora.

Agora eu tinha ficado assustado, conseguiu ignorar que eu parafraseei a minha própria música ainda não lançada. Quando ela leva conversas tão a sério assim ao ponto de não intervir com alguma piadinha irritante?

Minha cabeça praticamente latejava de tantos pensamentos. O que isso queria dizer? É claro que eu estou falando sério e quero ser levado a sério, mas esse comportamento é tão não-. Ela nunca deixa passar nada.

- Eu não vou. Não vou me afastar.

- E quando você descobrir que você é bom demais para mim?

Bloody Hell, então era sobre isso? Eu nunca pensei que por baixo de toda essa aparente autoconfiança e autossuficiência, encontraria uma que acha que não é boa o bastante para mim. Eu entendo que não somos confiantes o tempo todo e percebo isso nela, mas nunca imaginei que fosse algo tão profundo ao ponto de não se achar boa para alguém, que tivesse esse tipo de baixa autoestima. Agora não me admira ela não ter feito nenhuma piadinha. Isso é realmente algo sério para ela. Mais sério do que jamais pensei. Como sou idiota.

- , você está se ouvindo? Em que mundo você vive que não se enxerga metade do que eu te vejo? Você é tudo isso que você disse sobre mim: Gentil, uma das pessoas mais generosas e preocupada com os outros que eu já vi.

Eu acabei sorrindo ao pensar que ela havia visto em mim o melhor que eu via nela também.

- Você é forte, corajosa, divertida. Você vai atrás dos meus fãs em qualquer lugar para que eles tenham algum contato comigo. Você é uma pessoa comum? Sim! Você tem um monte de defeitos?

Acabei soltando uma gargalhada irônica, porque ao pensar em seus defeitos, eu não conseguia odiar nem mesmo um.

- Você deixa a toalha molhada na cama e nos finais de semana tem um par de sapato para cada dia da semana espalhados pelo quarto. Você deixa só o resto de água na garrafa na geladeira só para não ter que encher. E sempre coloca o pé em cima do banco do meu carro, não importa quão sujo esteja o seu calçado e nem o quão limpo esteja ou claro seja o banco.

Isso fez com que ela sorrisse minimamente. E eu aproveitei para respirar fundo.

Mas você é também uma das pessoas mais extraordinárias que eu já conheci. Eu gosto de quem eu sou, mas eu gosto mais ainda de quem eu sou perto de você. Porque eu admiro você. Eu estou apaixonado por você.

- And all my little things? - Ela citou tentando ser debochada, mas os olhos voltaram a lacrimar.

Aquilo me deu um alívio no peito. Essa era a que eu conhecia.

- E tem essa mania irritante de cantar todas as minhas músicas em todas as situações. - Eu sorri.

- Eu não cantei. - Ela riu chorosa.

- Obrigado, Deus! Porque você canta muito mal. - Fingi revirar os olhos.

- E você tem essa mania irritante de pegar todas as minhas manias!

- E eu realmente acredito em tudo o que você diz sobre mim. Não porque é tudo verdade. Longe disso! Mas porque eu sei que é a forma que os seus olhos me enxergam. E pra mim, a forma que você me enxerga é o que importa, é suficiente para que eu acredite e me veja assim também, entende? Ou veja que eu posso ser uma versão melhor de mim mesmo em um futuro não muito distante com você do lado me encorajando para isso... Porque você já me vê assim, o que me dá uma sensação de que é tudo possível. - Soltei outra risada.

- O que aconteceu com a gente, Harry?

- Eu não sei. - Eu sorri.

- Talvez... Talvez eu esteja apaixonada por você por tanto tempo quanto você diz estar por mim.

Meu coração deu um solavanco com a revelação. Era tão bom ouvir aquilo. Depois de tudo o que havia acontecido comigo no passado, ter a confirmação de que eu estava apaixonado por alguém que sentia o mesmo por mim era tudo.

- Por que você nunca me disse nada antes?

- Porra, Harry!

Eu acabei gargalhando de novo. Ela devia estar muito nervosa para soltar tantos palavrões em português.

- Desde que somos amigos, eu sempre soube que você era apaixonado por outra. Por que eu falaria alguma coisa e estragaria tudo?

- Por que você acha que estragaria tudo? Se sentimos algo mais forte, não vale a pena tentar?

- Porque prometemos! - Ela levantou a voz, frustrada.

Eu a olhei confuso.

- O que você quer dizer?

- Quando nos beijamos na sua casa depois da praia, você se lembra? Você me disse que não queria passar a impressão errada e eu disse que havia entendido os termos: Não esperar nada de você e continuarmos amigos. - Ela citou com os dedos.

- Eu achei que você tinha dito aquilo porque não queria que ficasse um clima estranho caso aquela fosse a única vez que rolasse algo. Porra, na verdade, eu achei que aquele era o seu recado de que aquela era a única vez que ia acontecer algo entre nós, e aí quando ficamos de novo, e de novo... - Ela negou com a cabeça, desacreditada.

- Eu disse aquilo porque eu tinha medo de você achar que eu estava me apegando enquanto você ainda era apaixonado por outra e, portanto, não sentia nada por mim. E eu não queria confundir as coisas, queria cumprir o que eu havia prometido... Eu não queria que você se afastasse por achar que eu tinha sentimentos que você não correspondia, você parecia tão preocupado que isso acontecesse na época.

- Eu só não queria fazer você passar comigo o que eu havia passado, ser só o lance casual de alguém enquanto você se apaixona! Mas as pessoas mudam, . E eu mudei muito nesses últimos meses e... achei que você tivesse percebido, achei que estivesse demostrando, deixando claro... de alguma forma. A culpa foi minha, eu deveria ter falado antes.

Eu via muito facilmente qual era o nosso problema ali. Eu ainda estava muito apegado à ideia de que era apaixonado por Sophie para perceber o quanto estava realmente apaixonado por e ela estava muito apegada a algo dito meses atrás. Tínhamos uma pilha de achismos acumulados que teriam sido esclarecidos se tivéssemos conversado abertamente antes.

- H, eu nunca quis e nem esperei nada de você, porque tudo o que eu sempre precisei foi olhar para o lado e te encontrar. Sorriso torto, vans encardido, cabelo parcialmente preso no topo da cabeça. Só quero isso, olhar e saber que você está aqui. E para falar a verdade, pra mim isso é o suficiente.

Eu não soube o que dizer. Porque eu sabia exatamente como era se sentir assim. Estar tão caído por alguém ao ponto de o mínimo ser suficiente.

- Você é apaixonado por outra! - Parecia que alguma ficha havia caído dentro dela. - Não é?

Me lembrei de Sophie, em algum lugar em Londres. Talvez estivesse em seu apartamento, ou na editora em que trabalha; em sua sala com a janela de frente para a mesa do restaurante onde nos encontramos pela primeira vez, também onde rascunhei os primeiros versos de Carolina enquanto a via através da mesma janela, sentada na mesa presa ao telefone; 10 minutos atrasada para o nosso almoço/encontro. Me lembro que mesmo de longe conseguia ver sua agitação aparente, provavelmente pensando que eu tinha ido embora depois de me cansar de esperá-la, ou pensava que talvez eu ainda estivesse lá, mas o tempo em que me deixara ali esperando a preocupava. E me lembro também de não me preocupar com o fato de que eu poderia esperar por horas, mesmo que fôssemos ficar juntos por apenas quinze minutos.

E agora eu pensava em como tudo aquilo parecia tão distante, tão diferente. Irreal demais. Quase em outra vida, a vida de outra pessoa, que eu havia apenas ouvido a história.

- Você se lembra da última vez que falei sobre ela? - Perguntei e ela pareceu pensar, negando com a cabeça alguns segundos depois.

- Quando a vi aquele dia... - Eu me referia ao encontro inesperado no supermercado em Londres. - Eu sei que você acha que que eu fiquei balançado por ela, que aquele encontro me deixou mal. Ou talvez você até tenha cogitado que eu estivesse arrependido de termos nos afastado e ter ficado com medo de que eu voltasse correndo para os braços dela...

Eu sabia que tudo aquilo provavelmente tinha passado pela cabeça de . Ela era transparente demais. Sempre foi.

- Mas a verdade é que eu percebi que só estava com medo de deixar ir algo que eu já não sentia há muito tempo. Porque eu já sabia que eu não olhava para você da mesma forma. Porque no fundo eu sabia que sentia algo por você. Você sabe o que nós dois conversamos naquele dia?

- Não. Você nunca me contou e eu nunca tive coragem de perguntar. - Ela deu de ombros.

- É isso que eu falo sobre eu nunca saber o que você sente sobre as coisas!

Decifrar seus pensamentos, expressões e emoções básicas estava em uma camada muito menos profunda do que a dos seus sentimentos e seu coração.

- Você tem esse jeito sempre tão compreensível. Nós nos separamos num supermercado e quando você me encontrou de novo eu estava conversando com a pessoa que mais me fez sofrer nos últimos anos e que você sabia que eu, teoricamente, era apaixonado. E você tinha esse olhar... compassivo! Seu rosto, neutro! Eu amo isso em você, porque você nunca me julgou. Mas eu também odeio, porque se você já tinha sentimentos por mim nessa época, você os mascarou muito bem. Não dá para saber nem se você ficou com ciúmes.

Isso fez com que ela gargalhasse.

- Desculpa por não ser do tipo ciumenta? - Brincou.

- Eu escrevi uma música sobre aquele dia. A última sobre ela. - Voltei a falar sério.

- Eu sei. - Ela sorriu. - Eu dirigi, lembra? Em Londres, pela primeira vez. - Mexeu as sobrancelhas, divertida.

- Eu escrevi o que eu disse para ela.

- O que vocês conversaram? - Ela perguntou mesmo sabendo que eu falaria ainda que ela ficasse calada. Mas aquele era o nosso esquema. Era como funcionávamos.

- Ela me pediu desculpas.

- É o mínimo. - Ela me interrompeu revirando os olhos.

- Parece que as coisas não estavam indo bem para ela.

- Aqui se faz, aqui se paga.

- ! - Repreendi.

- O quê? O “trate as pessoas com gentileza” aqui, é você. - Eu ri. - Você não queria saber o que eu acho? Agora aguente.

- Isso você sempre fez, falar o que pensa assim.

- É verdade. - Ela reconsiderou rindo com uma mão no queixo, como se pensasse.

- E falar o que pensa não é falar o que sente. - Pontuei e ela parou de rir.

Balancei a cabeça, escolha errada de palavras na hora errada.

- Ela não entrou em detalhes, mas parece que não estava mais namorando.

- Aposto que o cara descobriu quem ela é.

- Dá para parar de me interromper? - Isso fez com que ela risse de novo.

Essa situação estava toda muito tensa. Eu sentia um alívio enorme quando a fazia rir ou ela soltava alguma gracinha para descontrair, quanto mais ela se parecia com a normal, mais confortável eu ficava em falar.

- Desculpa. - Ela pediu, mas eu sabia que não se sentia nenhum pouco culpada. - Continua.

- Acho que ela estava sentindo a minha falta. Queria que voltássemos a ter contato.

- Mentira! - exclamou surpresa. - Que falsa! Ela está achando que você virou segunda opção, por acaso?

- Acho que eu sempre fui a segunda opção dela. Eu só não percebia. Talvez não me importasse.

- Eu não preciso cantar um trecho de Just a Little Bit Of Your Heart de novo, preciso? Já passamos por essa fase.

Eu poderia ter dito que a amava bem ali, enquanto a lembrança da primeira vez que ela citou uma música minha, naquela cafeteria escondida no meio do nada em um bairro afastado de Los Angeles, tantos meses atrás, pairava na minha mente.

- Não, não precisa. - Revirei os olhos, ainda que incapaz de conter um sorriso. - E eu também não preciso cantar para você, preciso? - Ela gargalhou. - Porque o que você estava falando agora pouco de só ter um pouco de mim se parece muito com o que eu dizia há um tempo atrás sobre ela. - Ela deu de ombros.

- Bem, você pode cantar sempre para mim. - Eu revirei os olhos, incapaz de conter meu coração acelerado com o seu gracejo.

- Talvez eu tivesse aceitado. - concordou com a cabeça para confirmar que estava concentrada quando voltei ao assunto principal, completamente habituada com essa nossa mania. - Digo, eu a perdoei há muito tempo, é claro. Mas talvez eu tivesse aceitado voltar a falar com ela, não porque queria algo de novo, mas porquê...

Parei para pensar... Por quê? Eu nem mesmo sei.

falou uma palavra em português e eu não entendi.

- O quê? - Perguntei confuso.

- G-A-D-O. - Ela soletrou. - Gado. - Repetiu. - É isso que você é. E é a única coisa que justifica você aceitar ter contato com ela de novo.

Gastamos quase dez minutos para eu conseguir entender a explicação do que significava essa palavra para que no fim eu ficasse ofendido.

Eu gostava muito dessa dinâmica de conversa que tínhamos. Poderíamos estar falando do assunto mais sério que fosse, que se fizesse alguma piadinha, desviaríamos do assunto por longos minutos e depois voltaríamos ao foco, como se nada tivesse acontecido. Nosso diálogo era bem flexível e isso ter acontecido duas vezes seguidas em tão curto espaço de tempo mostrava isso.

- Enfim. - Voltei ao assunto, desistindo de ficar ofendido, porque o que eu queria falar ali era importante. - Mas eu não aceitei. Sabe por quê?

- Não, estou esperando você me contar. - Soltou, atrevida.

Ignorei. Respirei fundo, me concentrando para dizer as palavras certas. Era importante que eu transmitisse o que estava sentindo da melhor maneira possível. precisava entender claramente que a única pessoa por quem eu estava apaixonado estava ali na minha frente agora.

- Porque aparentemente agora eu sou gado por você. - Isso fez com que ela sorrisse. - Porque ali, de frente para a pessoa que eu mais quis uma explicação sobre tudo e por tanto tempo, ali, , a primeira coisa, a única pessoa que veio na minha cabeça foi... você. E em como você tinha me mostrado um lado diferente sobre muitas coisas, sabe? De companheirismo, de fidelidade, de amizade pura e sem interesses, de preocupação verdadeira, de apoio e cuidado. De amor. Até mesmo um lado diferente de como era uma pessoa que é minha fã. E naquele momento eu percebi que eu era apaixonado por uma versão dela que eu mesmo criei. Mas que eu finalmente sabia quem ela era de verdade.

Era péssimo admitir em voz alta que eu tinha me enganado. Eu sempre fui um bom julgador de caráter. E eu me sentia horrível quando isso acontecia, quando eu me enganava sobre as pessoas.

Conheci Sophie na época em que a banda havia anunciado o hiato. Por mais que estivesse ansioso para fazer as coisas sozinho, eu também estava nervoso porque ia fazer as coisas sozinho. Eu não queria ficar sozinho. Nunca quis. Será que Sophie sempre deu sinais de quem realmente era e eu só não conseguia enxergar? Meu medo tinha ofuscado meu discernimento?

Por muito tempo eu queria que Sophie aparecesse com uma história que justificasse tudo o que ela tinha feito. Que falasse que tudo era mentira, que ela não tinha feito nada daquilo. Que eu não tinha me enganado sobre ela e que tudo tinha sido um mal entendido. Mas naquele dia no supermercado, com uma saltitante que tinha acabado de sumir pelos corredores usando uma bota minha que mal lhe cabia no pé, eu percebi que ela faria o possível e o impossível para me ver bem e tornar o meu dia melhor, mesmo que fosse na cidade que tinha o tipo de clima que ela mais odiava bebendo um vinho barato. Ela jamais me machucaria intencionalmente.

- Mas, principalmente, eu descobri muitas coisas sobre mim também. E então, eu reuni todas as minhas forças, porque foi difícil, . Foi muito difícil perceber tudo aquilo ali, naquela hora, de repente.... E então eu senti a sua mão no meu ombro. - Eu ri nasalado. - Você chegou no momento perfeito, babe. - Toquei suavemente seu queixo. - Como se soubesse que era naquele momento que eu precisava de você, porque eu tinha acabado de dizer que eu poderia, mas não ficaria na vida dela.

Eu falava tudo isso quase sem piscar, com medo de desviar o olhar e perder alguma reação em seu rosto. Eu sempre fui bom com as palavras, mas eu era melhor quando as transformava em versos de músicas. Meu coração palpitava tão forte que eu quase poderia acreditar que ouviria. A adrenalina que corria em minhas veias por estar me declarando quase ofuscava meu nervosismo. Quase.

- Você sempre parece saber a coisa certa para dizer. - Continuei. - A coisa certa no momento certo. E sabe também exatamente quando não dizer. E não me entenda mal, eu amo isso que a gente tem do jeito que é. Amo a nossa cumplicidade, nossa amizade, companheirismo. Eu espero estar retribuindo tudo isso para você até então.

- Harry, você-você retribui, sim. Eu nunca senti que nossa relação fosse nada menos do que uma via de mão dupla. Você sempre foi atencioso, cuidadoso, carinhoso. Eu...só... - Ela gaguejava bastante.

- Tudo bem, você não precisa dizer nada porque eu estou te dizendo. Eu confesso que não planejei dizer nada disso hoje. Só... saiu. Pareceu o momento certo.

Eu jamais imaginei que contaria tudo ao acordar naquela manhã. Jamais imaginei que seria aquele o momento em que falaria dos meus sentimentos.

- Não, Harry! Você me conhece... Eu gosto de ter tudo explicado, gosto quando nos comunicamos. Eu só... me esqueço que algumas coisas não precisam ser ditas.

sempre parecia me entender. E ela só ficava brava comigo quando eu agia mesmo como o filho da puta arrogante que eu era; o que acontecia com certa frequência, apesar de não durar por muito tempo (ela ficar brava, porque o meu status de idiota permanecia, admito). Mas, não sei, ela sempre entendia o que eu queria explicar, mesmo que eu não quisesse dizer muito. Ela entendia até mesmo quando nem eu mesmo entendia ainda o que queria dizer.

E aquele era, sem dúvidas, o momento para que ela soubesse de tudo isso.

- Eu amo tudo isso que a gente tem. - Enfatizei. - E eu sei que você disse que para você é suficiente apenas me ter por perto. Mas isso não é mais suficiente para mim.

Suspirei, mais decidido do que nunca.

- Eu quero mais.


26. I'll be gone too long from you.

MARÇO E ABRIL, 2019




Foi bem estranho quando Harry foi para Londres. Foi estranho porque eu pensei que sentiria mais sua falta do que eu realmente estava sentindo.

Talvez fosse o fato de que tínhamos passado as últimas semanas longe um do outro, já que ele estava o tempo todo no estúdio. Então eu meio que tinha me acostumado com isso.

- Duas semanas. - Harry suspirou do outro lado da linha.

As ligações, no entanto, eram algo que eu passei a esperar sempre, porque eu também tinha me acostumado com elas.

- Vão passar rápido, H. - Eu também suspirei do meu lado da linha.

- Eu tinha que viajar logo agora? Não, quero dizer, logo agora que nos resolvemos? Devíamos ter conversado antes.

- Isso eu concordo. - Soltei uma risada. - Mas as coisas aconteceram como e quando tinham que ser.

- Bullshit. Você que ficou se cagando de medo de admitir que me ama.

- Ah, claro. E você foi muito corajoso, não é?

- Bem... Na verdade, sim.

Eu não via Harry naquele momento, mas conseguia mentalizar perfeitamente suas expressões faciais. Ele provavelmente tinha arqueado as duas sobrancelhas quando disse ‘bem...’, como se estivesse considerando a situação, também teria deslizado o lábio inferior um pouco para fora, quase formando um biquinho, para em seguida inclinar a cabeça levemente para a direita ao completar com ‘na verdade, sim’.

Caralho. Eu tô muito apaixonada.

- Idiota! - Xinguei, porque eu não tinha argumentos contra aquilo.

- Sinto sua falta. Muito. Mal posso esperar para ver você.

- Eu...

Escutei um grito ao fundo que dizia “Tommmmmm” e, por isso, parei de falar.

- Tommmm! - A voz repetiu. - Já está na hora de buscar as crianças na escola.

Comecei a rir e Harry me acompanhou.

- Quem é que está gritando aí?

- É a Jenny, esposa do Tom. Eu ‘tô na casa deles.

- Achei que...

- Tom, vá buscar as crianças! - Escutei Jenny gritando mais uma vez.

- For goodness sake, cara. Dá pra você responder a sua esposa?! - Ouvi Harry falando e claramente não era comigo.

- Oh, ele está aí do seu lado? - Perguntei rindo mais ainda.

- Ele ‘tá finalizando uma música para mim nos aparelhos dele, porque segundo ele “os dele são melhores do que os dos estúdios”.

- E são mesmo.
- A reposta de Tom veio instantânea.

- Ei, Tom! - Eu disse rindo.

- Oi, ! Quando você vem para a Inglaterra? - A resposta veio com eco, imaginei que eu estivesse no viva-voz agora.

- Hm... Fazer o quê? - Perguntei confusa.

- Nos visitar, é claro.

- Bem, ninguém me convidou. - Soltei uma risadinha.

Clap!, foi o som seco que ouvi em seguida.

- Ouch! Por que me bateu? - Harry resmungou.

- Harry, você não convidou a sua namorada para vir para Londres?

- E-eu - ela está trabalhando...
- Ouvi Harry gaguejar em reposta.

- Sweetheart, venha para Londres. Meu convite. Tem um restaurante excelente perto da minha casa. Jenny vai adorar conversar com você sobre algo que não seja fraldas e escola. - Eu soltei uma risada. - E com você aqui, esse mané vai parar de resmungar o tempo todo.

- Achei que vocês estivessem em Bath.

- Vamos amanhã. O estúdio do Peter Gabriel estava alugado. Só consegui para a partir de amanhã e ninguém toma aquele lugar de mim nas próximas duas semanas. - A resposta veio de Harry.

- Jezz! Você é mesmo muito possessivo. - Eu brinquei e Harry riu.

- Ótimo saber que você sabe onde está se metendo. - Dessa vez quem falou foi Tom.

- Eu já vim vacinada, não se preocupe.

- Eiii! - Um Harry ofendido resmungou.

- Bem, vou deixar vocês agora. Preciso buscar meus filhos antes que minha esposa venha até aqui me matar.

- Tchau, Tom. Bom falar com você!

E, assim, estávamos sozinhos novamente.

- Então... Você terminou de ler o livro que te emprestei?

- Qual deles?

- O último.

- Nem comecei.

Eu estava mentindo. Já tinha começado a ler, sim.

- !

- O quê? Que droga de título é In Watermelon Sugar? - Meu comentário fez Harry rir.

- Sabe qual música Tom está finalizando agora? Watermelon Sugar.

- Espera, o quê? - Minha mente deu um nó. - Você escreveu uma música inspirada no livro?

- Bem, não exatamente inspirada no livro. Mas só com o mesmo título?! - Respondeu em tom de pergunta.

- Que dia? Quando? Como? - Disparei em um momento de completo acesso de fã.

- Deve ter uns quatro meses que escrevi, mas ainda estamos tentando finalizar.

- Me mostraaaaa. - Implorei dramática.

- Hm, okay... Eu vou-vou colocar para tocar.

- Ah, você não pode cantar? - Fiz uma vozinha triste e pidona.

- Ah não, . Eu acordei com a garganta arranhando hoje. - Bufei.

- Tudo bem, Harry! Tudo bem! - Cedi contrariada.

A linha ficou muda por alguns segundos; na verdade, eu conseguia escutar o barulho de Harry mexendo em algo e então... Sua voz gravada soou alta e clara: “Tastes like strawberries on a summer evening / and it sounds just like a song”...

- Ei! Eu conheço essa música. Quero dizer, você já me mostrou esse trecho antes.

- Shiu.

- Desculpa. - Dei uma risadinha e fiquei calada esperando até que a música terminasse.

- E então?

- Faz sentido...

- O que faz sentido?

- Lembra no livro quando fala sobre aquele homem, inBOIL, que largou o lugar que todos vivem e foi viver em um local proibido? Sobre como fazem aquele whiskey do açúcar da melancia e em como todos que o seguiam ficavam lá o tempo todo bêbados... E então você escreve uma música sobre ficar chapado em açúcar de melancia. - Eu tentei não rir ao concluir o pensamento.

Harry não pareceu perceber que eu havia acabado de dizer que não tinha começado o livro e mesmo assim havia acabado de citar algo da história.

- Você não se cansa de ser uma grande sabe-tudo?

- Mas... eu... você não queria saber do livro? - Harry começou a rir com minha confusão.

- Você poderia só ter dito se gostou da música, sabe?

- É claro que gostei, Harry! Mas que pergunta é essa?!

- Que bom, porque eu escrevi para você.

Eu quase engasguei quando Harry disse isso, apesar de ter achado mesmo que fosse para mim, eu não esperava que ele fosse admitir assim. Tudo bem que ele havia escrito Sunflower depois de passarmos uma noite juntos, mas era diferente; naquela época não estávamos, bem, juntos.

- Harry, eu não-eu não sei o que falar.

Agora eu já havia associado todos os sinais que Harry havia deixado nos últimos meses, como, por exemplo, quando estávamos no Japão e ele havia dito que era importante que eu lesse o livro. Era por isso.

- Você não precisa dizer nada, só de saber que você gostou eu fico feliz. Eu entendo que tudo entre a gente é muito novo e tudo para você também é diferente... E, pra ser sincero, mesmo já acostumado com esse mundo da música, eu me pego sem saber como reagir quando alguém escreve algo sobre mim também. Eu só quero ter certeza que você não está desconfortável com nada que esteja sendo dito, em nenhuma delas.

Em nenhuma delas? Quantas outras músicas Harry escreveu para mim?

- Pufff. - Fiz um barulho de desdém com a boca. - Do que você está falando? Um cantor famoso escrever uma música para mim é só mais uma terça-feira. Acontece sempre. - Meu comentário fez Harry gargalhar.

- Que outro famoso você namorou que eu não estou sabendo?

- Bem, vejamos... - Eu fingi pensar. - Shawn Mendes, por exemplo, metade das músicas dele foram escritas para mim. Sabe aquela banda, bem famosa, One Direction? Eu juro que o Irlandês tinha um caso comigo.

- E aí você acordou, não é?

- Ei! Uma garota não pode mais sentir que seu cantor preferido escreveu algo diretamente para ela de tanto que ela se identifica com a música? - Rebati, contornando a situação e deixando um Harry risonho do outro lado da linha.

- Mas eu sou o seu cantor preferido.

- E aí você acordou, não é? - Harry deu outra gargalhada.

- Ei! Golpe baixo usar minhas palavras contra mim.

- Essas palavras não são suas.

- Você entendeu, !

- Então se você é o meu cantor preferido... - Eu comecei e ouvi Harry murmurar um “hum”, descrente. - ...e uma fã sempre acha que é como se certas músicas fossem escritas diretamente para ela... então você não escreveu essas músicas para mim de verdade, mas só fez parecer que sim?

- Desisto! - Harry gritou e eu gargalhei.

A sua risada me acompanhou em seguida e demorou algum tempo até que nos recuperássemos, deixamos morrer aos poucos aquele último fio de sorriso que resta depois de uma boa gargalhada.

- Eu te amo.

- Eu não quero ser aqueles casais piegas que ficam se despedindo dizendo que também amam um ao outro..., mas eu também te amo.

- A gente ainda não ‘tá se despedindo.

- Não? - Retruquei confusa.

- Não. Ainda temos vinte minutos até Tom voltar com as crianças da escola e eu não conseguir mais te ouvir por causa da gritaria. - Brincou e eu sorri.

Okay. Eu estava sentindo tanta falta de Harry quanto imaginei que sentiria. Ou até mais.

- ‘Tô morrendo de saudades. - Confessei. - Volta logo.

- Eu também. Eu já fiquei muito tempo longe de você, prometo não demorar muito mais. Você me espera voltar para casa?

- Sempre.

Eu sabia que Harry continuava sorrindo. E eu sentia no fundo do meu coração que o tempo longe que Harry se referia não era por causa dessa viagem, e sim pelo tempo que desperdiçamos evitando o que, agora, percebemos nunca ter parecido evitável.

- Eu queria te contar uma coisa. - O tom de Harry ficou drasticamente sério e eu me antecipei para respondê-lo.

- Claro, H. Você sabe que pode me contar qualquer coisa.

- Eu realmente queria conversar pessoalmente, de preferência de carro, como a gente sempre faz... - Harry continuou, como se não tivesse ouvido o que eu havia acabado de dizer.

- Awww! Eu seeei! Se você preferir esperar até voltar não tem problema!

- Mas não dá para esperar. Será que você pode vir para a Inglaterra para eu te contar? - Pediu com um tom de voz triste, mas eu ri.

- Estou indo para o aeroporto! - Eu bati os pés pesadamente no chão para simular passos.

- Eu sei que você viria se pudesse. - Ele replicou e eu murmurei um “uh-hum”. - Não é nada demais, é só que... eu-eu... - Harry gaguejou e eu comecei a ficar preocupada.

- Harry, o que foi?

- Promete que não vai ficar brava?

- Meu Deus! Ficar brava? Por quê? O que aconteceu?

- É porque eu-eu recebi uma mensagem da... - Respirou fundo. - Sophie.

- O que ela queria com você? - Perguntei tão séria quanto ele havia ficado agora a pouco.

- Você disse que não ia ficar brava! - Harry choramingou.

- Eu não disse isso e não estou brava.

- Eu seeeei. - Ele reclamou.

- Babe, o que ela queria? Pode me contar.

- Elaqueriasabersepoderíamosnosencontrar. - Harry disparou em um forte sotaque britânico e eu comecei a rir.

- O quê? Meu amor, inglês aqui é segunda língua, você precisa falar mais devagar.

- Irônico vindo de você. - Harry rebateu e eu ri.

- Ei! Eu não falo rápido.

- Você já se viu nervosa?

- Só para registrar, estou revirando os olhos. - Isso o fez rir.

- Você faz isso porque sabe que estou certo.

- E?

- E é isso. Ela queria saber se poderíamos nos encontrar.

- H, por que eu ficaria brava com você por ela te procurar?

- Porque você acha que eu sou um bobo de a perdoar. E eu fico com vergonha por você me achar um bobo. Eu quero ser o cara que você acha legal, descolado. E não é nada legal quando a sua garota te acha um idiota.

Meu coração escapou uma batida. Eu era a garota dele. Alguém me belisca para confirmar que eu não estou sonhando? Eu não consigo acreditar que esse garoto seja meu.

- Eu que seria uma idiota se te achasse bobo por ter um coração tão bom.

Eu pensei em fazer alguma brincadeira com o que ele havia acabado de falar, mas eu não queria que ele pensasse que eu não levava a sério as suas inseguranças.

- Eu posso te ligar por vídeo? - Perguntei. - Sinto que essa conversa seria melhor se estivéssemos nos vendo.

- , você é perfeita! Eu pensei a mesma coisa!

Eu apenas soltei uma risada antes de desligar e retornar em seguida com a chamada de vídeo.

- Você é simplesmente a mulher mais linda que eu já vi na vida. - Harry comentou assim que estávamos nos vendo e eu gargalhei. - Você é um colírio para os meus olhos.

Eu estava estirada no sofá e tudo o que Harry conseguia ver pela minúscula tela era que eu usava uma camisa dele e tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo.

- Sério isso? - Respondi fingindo tédio.

Já Harry estava impecável, como sempre. Ele vestia uma camisa branca lisa, usava um boné azul virado para trás e airpods no ouvido, os quais ele não largava mais. Parecia que nunca havia existido fones de ouvido para Harry Styles, nas nossas chamadas agora ele só usava os benditos airpods.

- Mas é claro que é sério. Ou você acha que a beleza é só algo externo? Só de poder te ver me sinto reconfortado. - Arqueou uma sobrancelha. - Além do mais, eu nunca entendi porque as pessoas associam colírio com estar vendo algo esteticamente bonito. A função de um colírio é nos fazer enxergar com maior clareza e ajudar com quaisquer incômodos na visão. Você, com certeza, sempre me faz ver as coisas de outro modo.

Eu queria não sentir como se ultimamente toda a minha existência tivesse se centralizado com objetivo de me transformar em uma manteiga derretida, mas eu ainda não havia descoberto como não ser afetada por cada comentário de Harry, por cada fração de atenção, cada palavra que parece estrategicamente organizada em cada frase com o intuito de fazer com que eu me apaixone ainda mais por ele. E ainda assim, meu coração estava tão cheio desse sentimento que eu acreditava fielmente que fosse impossível amar Harry mais do que eu já amava sem que meu peito explodisse.

- Às vezes, por um segundo, eu me esqueço que você é um compositor e, por consequência, todo poético e tudo mais.

- E, também, se fôssemos focar na questão colírio e beleza considerando esse cabelo despenteado seu... - Deixou a frase morrer com uma gargalhada.

- Idiota!

- Mas bonita camisa.

- Idiota! - Eu repeti.

- Estou brincando. Só quebrando a tensão. Eu não pensei que fosse ficar tão desconfortável falando de outras mulheres com você, considerando... - Harry deixou a frase morrer de novo.

- Considerando que sempre contamos sobre outras pessoas um para o outro. - Eu completei.

- É. Mas era diferente antes. Nós não tínhamos... - Harry hesitou, parecendo escolher bem as palavras. - Não tínhamos nada...sério.

- Ao mesmo tempo em que tudo é tão igual, parece que tudo mudou, não é? - Eu comentei. - Nós não mudamos, mas algo mudou. Eu não sei explicar, mas é realmente diferente. Eu me sinto diferente.

- Vo-você está feliz assim?

- Você quer saber se eu me arrependo que tenhamos mudado? - Harry não respondeu, mas sua cabeça balançou levemente para baixo, tão sutil que só alguém que o conhecesse como eu notaria. - Eu acho que o que tínhamos era ótimo, mas como você me disse naquele dia... não era mais suficiente, porque poderíamos fazer melhor.

Harry sorriu satisfeito com a resposta, não precisávamos dizer nada mais. Ambos concordávamos que não poderíamos mais continuar como estávamos e que deveríamos levar nossa relação para um próximo nível.

- Mas, e então? O que você respondeu à Sophie? - Eu perguntei, não conseguindo mais delongar o assunto principal.

- Respondi que não tínhamos um porquê para nos encontrarmos, que não tínhamos nada a conversar.

- Sério? - Perguntei surpresa.

- Não. - Deu um sorriso sem graça. - Eu não respondi nada ainda.

- Seria estranho mesmo, sabe? Que você dissesse que não tem nada para falar... - Deixei meu comentário em aberto e vi Harry suspirar em seguida.

- A quem eu estou querendo enganar?

- A mim que não é. - Dei uma risada. - Te conheço muito bem para isso.

- Você tem razão. Você sabe que o que eu mais quis por muito tempo foi que ela finalmente me ligasse para dizer que sentia muito.

- Então eu não entendi o porquê você não a respondeu.

- Porque eu não sei como você se sente sobre isso.

- Eu? - Rebati confusa.

- É claro. Eu não iria encontrar minha ex, de quem não sou amigo, sem te falar nada antes. - Eu comecei a rir com a resposta de Harry. - Se ela fosse minha amiga, seria bem normal encontrá-la para tomar um café ou sei lá... - Continuou reflexivo.

- Ela não é sua ex. Vocês nem tiveram nada sério.

- Claro, . Obrigado por pontuar isso. - Respondeu em tom sarcástico, o qual me fez dar outra risada.

- Emocionado. - Soltei, em português, sem perceber.

- O quê?

- Deixa para lá.

- Eu tenho uma música, eu te mostrei logo quando nos conhecemos...

- Qual delas?

- E-eu não tinha terminado... - Harry puxou um pedaço dos lábios com os dedos.

- Desculpa. - Eu respondi gargalhando.

- Uma música que não tem nome ainda e que escrevi para ela muito antes de te conhecer. - Eu murmurei apenas um “okay”, com medo de Harry me repreender por interrompê-lo de novo. - E eu queria fazer uma coisa sobre essa música, mas eu precisaria dela.

- Você está falando sério? - Controlei a vontade de revirar os olhos. Isso era realmente patético.

- Infelizmente, sim. - Harry desviou o olhar da câmera ao falar, e passou dois dedos alisando o bigode praticamente inexistente. - Olha, mas eu não preciso realmente vê-la. - Voltou atrás. - Eu realmente não tenho nada de muito importante para falar, eu estou bem assim, eu não deveria vê-la.

- Eu acho que você deveria ir.

- Você tem razão, é uma péssima... O quê?

- Você deveria ir. - Repeti. - Harry, eu acho que o que vocês tiveram, seja lá o que fosse, terminou sem a chance de realmente terminar, entende? E a gente está dizendo muito ‘realmente’, você percebeu? - Desviei o assunto, só para descontrair. Funcionou, Harry riu, então continuei. - Você não teve a chance de confrontá-la sobre tudo, não pôde dar um ponto final. Vocês simplesmente se afastaram um dia e nunca mais conversaram.

- Eu realmen... - Harry parou. - O que dá para substituir por ‘realmente’?

- Sei lá. - Eu soltei uma gargalhada. - Você que é o compositor aqui.

- Ótimo, . Hoje é o dia de relembrar Harry as coisas de forma irônica, não é? - Bufou contrariado e fingindo irritação.

- Quer parar de me chamar de , Harry?

- Desculpe, babe... - Arqueou uma sobrancelha e sussurrou um “melhor assim?”, o qual respondi com um revirar de olhos.

- ‘Realmente’ é o nosso novo ‘como assim?’. - Comentei e Harry colocou a mão que não segurava o celular, no peito, fingindo ofensa.

- Nada, nunca, superará o seu confuso ‘como assim?’. Respeite a nossa história, por favor. - Dessa vez, eu que bufei.

- Sendo bem sincera, Harry, eu não acho que você deva realmente ouvir o que ela tem para falar, porque eu aposto que vai ser um monte de arrependimentos e choramingo. Verdadeiros? Eu não sei. Mas eu acho que você precisa ouvir, para poder seguir em frente.

- Eu já segui em frente. - Rebateu contrariado.

- Mas você precisa de uma explicação que faça sentido, sabe? Mesmo que seja tudo muito óbvio, mesmo que você já tenha a perdoado, mesmo que vocês tenham se esbarrado no corredor de um supermercado. Eu acho que vocês precisam de uma conversa decente, sabe? De vocês se encontrarem com o objetivo de realmente falar sobre o que aconteceu. E você também precisa dar chance a ela para pedir desculpas diretamente a você sem que seja no calor de um reencontro não planejado.

- Ela parece mesmo arrependida.

- Não acho que isso faça diferença. Ela não pode desfazer as péssimas escolhas que fez. Mas se ela quer conversar, há duas opções como motivos, na minha opinião: A primeira é que ela está fingindo e quer algo de você. E a segunda é que ela precisa ouvir o seu perdão tanto quanto você precisa ouvi-la pedir.

Harry não respondeu, apenas assentiu, tentando assimilar o que eu falava.

- Então, eu acho que você deveria ir.

*


- Shiuuu! Quer parar de falar “eu te avisei”, caralho?

Eu estava no celular com pela 19229380 vez naquela semana. Não é que não conversássemos muito nos últimos tempos, mas agora parecia que eu tinha muito mais para contar do que antes.

- Porra! Mas eu te avisei!

gargalhou junto comigo enquanto eu olhava para os lados, vendo se alguém estava cuidando da minha vida, já que eu fazia uma chamada de vídeo com ela bem no meio do pátio da empresa.

- Eu estava só esperando quando viria o momento que seria Harry pra cá, Harry pra lá... Eu já não aguentava mais e nem tinha começado!

- Minha nossa, . Você odeia o Harry tanto assim? - Respondi com chateação.

- Claro que não, tapada. Mas você precisa admitir que fica insuportável quando está apaixonada.

A verdade é que eu estava me afogando. Sozinha. Eu já não conseguia mais esconder meus sentimentos por Harry e falar sobre isso para ouvir o que eu já estava cansada de saber só me deixava pior. Eu não queria ouvir a verdade, eu não queria falar sobre isso e, no entanto, era só nisso que eu pensava, então eu acabei me fechando, porque eu sabia que era a única pessoa que poderia facilmente arrancar de mim a verdade. Até mesmo na terapia, que voltei a fazer semanalmente depois daquela vez, eu preferia evitar o assunto Harry-e-meus-sentimentos-não-assumidos-por-ele. Agora que estávamos juntos, ficou tudo bem.

- Ele me faz feliz, Docinho. - Confessei. - Quero dizer, eu me faço feliz, mas ele me deixa mais feliz ainda. Eu... eu gosto de ficar perto dele. Ele me liga todos os dias e ele ‘tá oito horas à frente daqui, sabe? E tem o álbum... é sempre uma correria, eu sempre ‘tô no telefone com ele e tem mil pessoas falando no fundo e música tocando e gente o gritando e mesmo assim, , mesmo assim ele me liga, nem que seja só para perguntar se eu ‘tô bem e para me desejar um bom dia. E, às vezes, ele me liga e é de madrugada lá e ele quer saber todos os detalhes de como foi o meu dia, o que eu fiz, e eu-eu ‘tô tão aliviada que eu não preciso mais mentir para ele.

- Você deveria ter falado com ele antes, mas você é uma cabeça dura do caralho. - Eu dei uma gargalhada.

- Ainda bem que aqui ninguém fala português, porque pela quantidade de palavrões que você fala, eu já estaria na rua se alguém ouvisse.

- Fazer o quê? - levantou um dos braços na frente da câmera para mostrar que dava de ombros. - É o meu jeitinho.

- Queria que você estivesse aqui. - Confessei.

- Também queria estar aí. Mas tudo bem, a gente vai se ver logo, logo.

- Eu ainda não acredito que o Harry vai também. - Outra confissão, seguida de um grunhido histérico.

- Aaaaaaa. - colocou a língua para fora e fez vômito.

- Ridícula.

- Eu não tenho nada contra ele, eu juro.

- Você só gosta de implicar comigo?

- Exatamente! Mas é claro que eu queria que você ficasse com o bonitão.

- Eu vou dizer para o Henry que você disse isso. E a gente não está num filme para você torcer por quem você quer que eu fique não, viu? Isso aqui é a minha vida. - Revirei os olhos.

- Quer saber? Foda-se. Saíram umas fotos do Harry outro dia no twitter e ele ‘tava bem gostoso. Pronto, falei.

- Por Deus, ! - Gritei. - Eu vivi para que você admitisse isso!

- Ele estava com uma boina jeans e uma calça flare mostarda. Assoviando na rua enquanto andava. Eu aposto que ele tinha falado com você no telefone.

- A boina foi um presente meu. - Assumi com uma risadinha que saiu pelo nariz.

- Mentira!

- Aham. - Balancei a cabeça enquanto minha boca flexionava num bico que tinha intenção de mostrar prepotência. - Verdade.

- Então o filho da puta ‘tá tão apaixonado quanto você.

- Você ainda tem dúvidas? Depois de tudo o que eu te contei? A boina nem entra como prova disso, porque ele já usava há muito tempo.

- Porque ele já ‘tava apaixonado há muito tempo. - revirou os olhos.

- Talvez. - Respondi pendendo a cabeça para um lado, em uma confissão velada.

- Cachorra! Você sabe que sim! - Acusou e eu gargalhei.

- Talvez. - Repeti.

Gargalhamos tão alto que acabei chamando a atenção do porteiro que estava relativamente longe. Parecíamos duas adolescentes conversando sobre o cara da escola que achávamos bonitinho. E, de certa forma, eu me sentia assim, como se nunca tivesse me apaixonado antes, como se tudo aquilo que eu estava sentindo por Harry fosse novo. Um fresco recomeço.

Dali, do meio do pátio, vi Henry caminhando do prédio do escritório, vindo na minha direção.

- Falando no bonitão... - Comentei furtivamente com levantando as sobrancelhas duas vezes rápidas antes de virar discretamente a câmera e enquadrar Henry.

Ele estava, não especialmente, maravilhoso hoje. Vestia calça e camisa pretas. Sapato perfeitamente lustrado da mesma cor. Henry não era como eu, ele tentava seguir o código de vestimenta, então mesmo que flexibilizasse um pouco, estava sempre de social. Porém, a falta do paletó e da gravata nele e a presença de calça jeans e uma bota em mim indicavam que o Sr. Stein não estava na empresa.

- Ei, Campbell. - Eu cumprimentei quando ele chegou a uma distância curta.

- Olá, Srta. . - Respondeu formal, com um olhar desconfiado para o meu celular.

- Relaxa, não é ninguém do trabalho. - Virei a tela, que eu já havia voltado a câmera para mim, para Henry.

- Ah! Oi, . - Ele deu um tchauzinho simpático para a tela.

- Assim eu vou passar mal. - continuou falando em português. - Pergunta se ele pode me chamar pelo sobrenome com essa voz também. - Se abanou exageradamente, enquanto Henry fazia uma careta de desentendimento.

- Ela perguntou se você poderia...

- NÃO SE ATREVA. - gritou para me interromper. - Oi, Henry. Tudo bem? - Respondeu em Inglês para ele.

- Estou ótimo e você? - Ele respondeu.

- Eu estou ótima também. Muito bem.

- Achei que você estivesse prestes a passar mal. - Fingi comentar casualmente.

- Quer calar a boca?

- Campbell, você precisa de algo? - Perguntei ignorando .

- Não, tudo bem. Eu passei na sua sala para conversarmos, Lucy disse que você estava aqui fora, mas não é nada urgente.

- Ok, galera. Essa é a minha deixa para desligar. - se intrometeu. - A gente se fala depois, Florzinha. - Completou em português. - Dá um beijo no bonitão por mim. - E desligou.

- Filha da pu... - Desisti de xingá-la, já que, para meu contragosto, ela não veria.

- Desculpe, eu não queria atrapalhar. - Henry falou culpado.

- Não, tudo bem. Não se preocupe. - Tranquilizei-o. - Ela não se importa porque é você. - Completei rindo.

- Como assim?

- Ela tem um crush em você. Ela te chama de “bonitão”, que não tem bem uma palavra em Inglês que faz jus, mas é como se fosse o aumentativo de bonito, mas não é “o mais bonito”, é mais um conjunto de “muito bonito e atraente”. - Tentei explicar, mas soei mais confusa do que certa.

- Okay?! - Henry também soou confuso. - Eu acho que entendi. Pois diga que ela também é bonitaun.

Eu gargalhei bem alto.

- O quê? - Harry respondeu à minha gargalhada com outro olhar confuso.

- É porque é uma palavra masculina. O feminino é bonitona.

- Aí, não, diga em Inglês mesmo, Português é muito confuso. - Henry fez uma careta.

- Ah, qual é. Você já sabe um monte de palavras em Português.

- Eu gosto de... Vai tomá nu cu.

Eu ri mais ainda. Se os dois homens mais próximos de mim naquele país sabiam as piores palavras em português, o que aquilo dizia sobre mim?

- Viu? Quatro palavras. - Reforcei.

Caminhamos de volta para a minha sala com Henry citando todas as palavras em português que ele sabia, que não eram muitas.

- Então, você sabe que eu vou sair de férias, não é? - Henry questionou quando abriu a porta e deu passagem para que eu entrasse.

- Uh-hum. - Murmurei. - Eu nem ‘tô sentindo inveja, daqui a pouco é a minha vez, mesmo. - Fiz um bico grande demais.

- Fofa! - Henry apertou a minha bochecha depois de fazer um “awwn” bem alto, o qual atraiu a atenção de Lucy, que até então estava concentrada.

- Por que será que parece que só eu trabalho nesse lugar? - Ela reclamou.

- Porque você é a estagiária. - Henry retrucou implicante.

- ! - Lucy me repreendeu quando dei uma risadinha.

- Senta aí, Campbell. - Eu ofereci a cadeira à frente da minha mesa. - O que você queria me falar?

- Então... férias. - Retomou. - O que você vai fazer nesse final de semana?

- Hum, eu não sei. Harry ainda estará em Londres e a Lucy tem prova na semana que vem e já decretou que vai ficar o fim de semana todo estudando. Por quê? Tem algum plano? - Sugeri com um tom de malícia.

- Bem, na verdade, sim! - Devolveu o mesmo tom.

- Muita tensão aqui, vou beber água e vou demorar 30 minutos. - Lucy deixou o aviso que mais soou como uma advertência antes de sair da sala.

Eu encarei Henry com as sobrancelhas erguidas e ele retribuiu o olhar com um sorriso.

- Eu estava brincando, pelo amor de Deus. - Eu disse isso contornando a mesa e me escorando na beirada, bem de frente para ele.

- Vamos viajar...

- Henry! - O interrompi.

- Você começou...

- Você sabe que eu estou com o Harry e você tem Kate de volta agora. É claro que é brincadeira.

- Quando eu digo ‘vamos viajar’, eu quis dizer Kate, eu e as crianças. - Respondeu inocente, sabendo que a resposta me deixaria totalmente sem graça e desarmada.

- Você é inacreditável. - Balancei a cabeça em negativa.

- Eu preciso de um favor, .

- Manda ver, bonitão. - Ele revirou os olhos ao ouvir o novo apelido.

- Você pode ficar com o Kal por alguns dias?

- Virei babá de cachorro agora?

- Só pelo final de semana.

- Quanto você vai me pagar?

- , por favor... Ele fica nervoso perto de outros cachorros, não posso deixá-lo em um hotel.

- Ok...

- Jura?

- Se você deixar seu carro comigo. A BMW. - A cara de Henry foi completamente impagável e eu queria muito ter filmado.

- Você não está falando sério. - Eu arqueei uma sobrancelha como quem diz “estou falando sério”, enquanto ele colocava as duas mãos na cintura e olhava bufando para os lados.

- Tudo bem. - Concordou se dando por vencido.

- Aeee! - Comemorei pulando em seus braços e lhe dando um abraço de urso e um beijo na bochecha. - Eu te disse que eu ainda ia dirigir o seu carro.

- Eu ainda posso mudar de ideia. - Encarei-o por alguns segundos, analisando sua feição.

- Nah. Não vai, não. - Franzi o nariz, despreocupada e confiante. - Mas vem cá. - Segurei seu braço delicadamente com a mão, enquanto me esticava para mais perto de seu ouvido. - Você e Kate estão bem sérios agora, hein? Viajando juntos, reunião de família. - Falei em um tom levemente debochado.

- Olha quem fala, a pessoa que namora Harry Styles.

- Você nem sabia quem era Harry Styles antes de me conhecer! - Henry fez uma careta de concordância. - E a gente não ‘tá namorando. - Completei.

- Ah, qual é! O cara veio completamente pirado e possessivo para cima de mim para depois você dizer que não namoram? Ele ficaria decepcionado. - Eu soltei uma gargalhada.

Henry, obviamente, havia me contado tudo o que tinha acontecido enquanto eu não estava por perto na casa de Jane, inclusive do surto de ciúmes de Harry. Tudo o que Henry me contou me ajudou a colocar alguns quebra-cabeças no lugar, trazendo sentido para justificar todas aquelas atitudes posteriores de Harry.

- Ele concordaria comigo.

- Tem certeza?

- Claro. A gente só ‘tá junto. Sem pressão. Sem rótulos.

- E você está completamente apaixonada por ele. - Henry constatou e eu concordei com um riso frouxo.

- Você se lembra das primeiras vezes em que se apaixonou? Em que sentiu aquela paixão avassaladora que queimava sua alma sempre que você ouvia o nome da pessoa? Quando penso em Harry, é como se eu voltasse a ser adolescente, tudo com ele é tão intenso como se eu nunca tivesse me apaixonado antes e, ao mesmo tempo, é algo tão leve, tão simples e tão maduro, que me deixa com essa sensação de sempre saber exatamente o que fazer e como agir e o que esperar, como se convivêssemos há tantos anos que estamos completamente confortáveis um com o outro e temos capacidade de premeditar todos os pensamentos e ações um do outro, num nível complete-todas-as-minhas-falas, sabe? Eu me sinto... arrebatada por uma sensação de conforto e paz sempre que o imagino sentado com os pés no sofá da minha sala. Você se sente assim sobre Kate?

- Bem, o sofá da sua sala é algo bem específico e, num geral, eu jamais chegaria a uma definição com essas palavras, mas agora que você as disse, parece que foram ditas para mim.

- Bem, eu as disse para você. - Segurei uma risadinha.

- Há-há. Hilária. Parece que foram feitas sobre mim e Kate. Melhor assim?

- Totalmente. - Dei de ombros.

- Vocês formam um casal bonito.

- Você realmente acha isso, Campbell? - Eu perguntei e ele concordou com a cabeça.

- Claro que você ficaria muito melhor comigo, se não fosse por Kate e tal.

- Então quer dizer que eu sou sua segunda opção?

- Está louca? Claro que não.

- Henry! - Cruzei os braços ofendida.

- Você seria a terceira. - Eu abri a boca para retrucar e... - A primeira é a minha filha - acabei sorrindo ao escutar isso.

- Isso é completamente adorável. Por falar nisso, como está a Maddie? E Tyler?

- Eles estão ótimos! Maddie estará na minha casa hoje, por que você não passa lá para vê-la? - Eu fiz uma careta, como de quem acha que não é uma boa ideia. - Kate adora você e você sabe disso.

- Mas ela não vai estar lá. E esse é o problema.

- Eu aviso que você foi ver a Madison.

- Você tem certeza que não tem problema?

- Você vai contar pra ela que transava comigo no sofá da minha casa?

- E na bancada da cozinha, em todos os quartos, - comecei a contar nos dedos - no parapeito da janela, na piscina, nos banheiros...

- !

- É óbvio que eu não vou contar, ficou louco?

- Então, qual seria o problema? Para todos os efeitos sempre fomos amigos e nada além disso. E como nós dois concordamos que não deveríamos mais fazer isso...

- Transar em todos os cômodos? - Eu completei rindo.

- E eu que sou inacreditável? - Henry suspirou audível. - Você está fazendo isso ser mais difícil do que eu gostaria.

- Isso o quê? - Perguntei confusa.

- Gostar de você. - Eu explodi em uma gargalhada.

- Você me ama, Viking! - Henry deu de ombros, sem discordar ou concordar. - Eu só tenho medo de atrapalhar vocês.

- , se Kate e eu estamos juntos hoje é por sua causa! E ela sabe muito bem disso. Eu contei tudo, ela sabe que você quem me incentivou a ir atrás dela, ela sabe que foi você quem deu todas as dicas do que fazer/quando fazer/o que falar/como me reaproximar dela. Você me ajudou a ver que tínhamos uma chance ainda e eu nunca deixei de dizer à Kate o quanto sou grato por ter você como amiga. Você é uma pessoa incrível, eu duvido que você poderia atrapalhar algo porque gosta demais da minha filha e quer vê-la!

- Você sabe que mentiras não são boa coisa. E se ela ficar sabendo por alguém? Vai passar a me odiar. - Eu tentava rebatar Henry, mas no fundo eu concordava que não dizer era a melhor opção.

- Ela vai te odiar se ficar sabendo por você também. - Ele deu de ombros.

- Eu não confiaria na amizade entre meu marido e uma pessoa que ele tenha se envolvido numa situação como a nossa. - Dei de ombros também.

- Por que não? Estamos acabados, sem chance de retorno.

- Sim. Eu e você sabemos disso, mas não tem como ela saber que realmente é assim que nos sentimos.

- E contar pode parecer que levamos tudo mais a sério do que foi.

- Você tem razão. Se falarmos, é dar mais importância para isso do que nossa amizade. E eu acho que tudo isso foi um passo para que pudéssemos construir essa relação sem inibições.

- Viu? E não é como se estivéssemos mentindo, só não estamos colocando holofotes no que não é necessário. - Eu balançava a cabeça em concordância enquanto Henry falava. - Madison adora você, Kate adora você, eu adoro você e estamos todos bem.

Era uma situação um pouco chata, eu considerava muito Kate para esconder esse segredo e mentir nas suas costas e, ao mesmo tempo, como mulher, eu entendia que isso causaria um grande desconforto para ela, eu não via motivos para trazer ao conhecimento de Kate algo que agora era totalmente irrelevante. Não é como se a informação fosse mudar em algo, afinal...

Henry e eu nunca fomos e nem seríamos nada.

*


O primeiro domingo de abril havia acordado um pouco nublado, enquanto a previsão do tempo indicava que aquele poderia ser o único dia a chover naquele mês. Ótimo, eu pensei. O único dia propenso a chover tinha que ser logo em um domingo!

Tão logo percebi que aquele dia cinza havia sido especialmente enviado para mim quando, ao abrir minhas redes sociais, me deparei com uma foto de Harry sentado à mesa de algum lugar com... Sophie.

A foto, que aparecia repetidas vezes em lugares diferentes, informava na legenda que havia sido tirada há alguns dias antes, conciliando perfeitamente com o que Harry havia me dito.

Mas só porque eu já sabia, não significa que não me incomodava.

Tudo bem! Eu sei que foi eu quem disse para que ele fosse nessa merda, mas e daí? Eu não tinha como prever que eu não ia gostar de ver as fotos.

É aquilo que dizem... O que os olhos não veem, a internet te conta!

E como conta!

Depois de pesquisar bastante para ver tudo o que se era possível saber sobre o encontro mais falado do fandom, eu descobri que só foram tiradas duas fotos por fãs que as postaram somente na noite anterior. Essas duas fotos, no entanto, eram o bastante para poluir todos os lugares que eu olhasse. Não havia como clicar em nada que não aparecesse Harry Styles e Sophie Lockwood em um almoço ‘romântico’.

“Amigo da ex?”, uma das manchetes dizia.

“Harry e Sophie almoçando em Londres quarta-feira, 03 de abril”, os portais de Harry informavam.

Cliquei na foto em um dos portais e comecei a ler os comentários.

“Não tenho dúvidas de que é ele. Olha os anéis.”

“Eles estão juntos de novo?”

“Mas ela não está namorando?”

“Harry cortou o cabelo para encontrar a Sophie.”

“Harry...”


Espera, o quê? Ele cortou o cabelo?

Fechei os comentários e voltei a olhar para a foto. Horrorizada, constatei que ele havia mesmo cortado o cabelo, em um corte similar ‘Era Dunkirk’, porém um pouco mais longo. Mas que porra era aquela? Como assim ele havia cortado o cabelo e nem me falou nada?

Assim que esse pensamento me ocorreu, uma única palavra invadiu a minha mente: SENSO, . Senso! Harry Styles não precisa te pedir permissão para cortar o cabelo.

Emburrada, frustrada e sozinha, tentei acalmar meus próprios ânimos, entendendo que eu não estava chateada porque ele havia cortado o cabelo, tampouco achava que o corte havia sido por causa de Sophie, será que não foi mesmo?, eu deveria entender que o que havia me deixado incomodada foi ver provas de que Harry realmente havia se encontrado com ela.

Sabe aquele negócio de que a coisa só toma forma quando se torna real? Foi assim para mim ao ver uma foto de Harry com Sophie naquela manhã. Eu tinha consciência de que eles iriam se encontrar na quarta-feira passada, eu sabia que eu era a principal responsável por aquele encontro e eu sabia dos riscos de Harry ser fotografado junto com ela. Sabia! Preciso repetir mais uma vez para mim mesma: Eu sabia! Mas foi como uma espécie de epifania ver que aquilo tinha mesmo acontecido. Até então, o encontro parecia algo muito abstrato. Caralho, eu sabia disso, mas caralho, realmente tinha acontecido! E ter uma prova disso era bizarro! O encontro tem uma forma, uma matéria, um corpo. Uma foto! Uma não, duas.

Eu não queria fazer disso uma grande coisa, queria continuar agindo normalmente. No melhor cenário eu ligaria para Harry como se eu não tivesse visto as fotos, ou como se elas não tivessem me afetado. Ao mesmo tempo, alguma coisa dentro de mim relutava em aceitar fazer as coisas assim, tão simples. Então eu não queria ligar, queria dar um chá de sumiço, fingir que esqueci quem era Harry Styles, ignorar suas futuras ligações e mensagens, fazê-lo pagar de alguma forma por algo que não era um crime e nem havia um culpado.

Eu já disse que odeio estar apaixonada?

Ainda relutante, mudei a tela do celular para os contatos, tentando convencer a mim mesma que eu não faria uma ligação para Harry sendo irônica, sarcástica ou evasiva, tentando me convencer de que eu seria a eu de sempre, sem dor de cotovelo desnecessária.

A chamada tocou apenas duas vezes antes de ser recusada.

Minha boca se abriu em choque antes que eu ouvisse minha própria voz:

- Filho da puta, desligou na minha cara.

Eu tentei calcular rapidamente que horas deveriam ser em Bath, antes de me tocar que eu nem sabia se Harry tinha voltado para o estúdio depois de ver Sophie em Londres. O pensamento de Harry dirigindo por três horas para a encontrar também me incomodou.

Eu não fazia o tipo que se rastejava. Quando Harry não me atendia, eu nunca, veja bem, eu NUNCA ligava de novo, porque poderia ser que ele estivesse no estúdio, ocupado, dormindo, ou qualquer outra merda. Eu sempre esperava sua chamada de retorno, quando fosse que ele pudesse. Então senti muita raiva de mim mesma quando voltei a apertar o botão verde para uma nova tentativa de chamada.

Meu coração se acelerou de uma vez quando ouvi o seu ‘oi’ e voltou a desacelerar quando percebi que era a gravação do correio de voz. “Oi, é o Harry, eu não posso atender agora...” MAS ISSO É MUITA HUMILHAÇÃO, BRASIL! Ele desligou sem nem chamar direito. Mas que porr????

Chequei as mensagens mais uma vez, porque quando Harry não me atendia por estar ocupado, a chamada perdida sempre vinha seguida de uma mensagem informando isso.

Mas como a trouxa aqui já imaginava, isso mesmo, nada. Nem um oi, nem uma palavrinha dizendo “ocupado”, nem uma daquelas mensagens prontas do tipo “te ligo depois”, “estou em reunião”. Nada. Zero. Fumaça.

Ok, . Respira. Lembra que isso não é nada demais e você só está surtada porque viu a porra do seu namo... caralho, ele não é nem a porra do meu namorado!

Esfreguei os olhos com os dedos pensando no quanto eu era patética e isso só indicava uma coisa: Terapia. Era domingo? Era. Eu não poderia ter uma sessão agora, mas eu poderia mandar uma mensagem. Pelo menos a minha terapeuta me responderia.



Provavelmente dez minutos haviam se passado quando eu recebi uma chamada de vídeo de Harry. A minha vontade era deixar o meu lado implicante tomar conta e recusar as primeiras chamadas, mas tive medo de que ele desistisse. Ou então de atender, no mínimo, grosseira. Mas eu não pagava terapia para fazer tudo ao contrário do que eu era orientada. Eu já tinha 25 anos, era adulta, que tal atender e ouvir o porquê ele não pôde me atender?!

Tudo o que eu havia ensaiado dizer, na breve troca de mensagens pelo whatsapp com a minha psicóloga, simplesmente desapareceu quando eu vi não uma, mas quatro pessoas do outro lado da tela.

- Oi, babe! - Harry me cumprimentou sorridente e meus lábios haviam parado a meio caminho de formar um sorriso. - Vo-você está travada. Uhm, será que é a minha conexão? - Perguntou encarando as pessoas ao seu lado e se levantando para alcançar o celular. - , você está me ouvindo?

- Puta que pariu, o que ‘tá acontecendo? - Eu gritei em português quando consegui fechar a boca e sair do meu estado de torpor.

Eu ouvi todas as risadas misturadas e alguns “o quê?”.

- Eu acho que ela vai desmaiar, Harry. - Apesar de enxergar muito bem, minha vista parecia fora de foco, mas o sotaque irlandês e a risada que o seguiu eram inconfundíveis.

- Não, Niall. Eu não vou desmaiar. Mas obrigada pela preocupação. - Revirei os olhos, desconcertada.

- Dispensamos as apresentações, então? - Louis se intrometeu, batendo as próprias mãos uma única vez.

- Você já não é necessário apresentar de qualquer jeito, boobear. - Me aproximei da tela e lancei uma piscadela para Louis enquanto ouvia o coro de vaias e risadinhas pelo apelido.

- Odeio que me chamem assim. - Louis retrucou emburrado.

- Eu sei. - Pisquei de novo.

- Odeio que você seja uma sabe-tudo sobre nós. - Ignorei a reclamação que era, no mínimo, verdadeira.

- Guys, espera. O que está acontecendo? O que vocês estão fazendo juntos? Meu Deus. Eu não... - Eu tentava, em vão, não balbuciar. - Meu Deus, Liam, oi, lindo, com você está? Está lindo, não é? Eu não acredito!

- Eiii, por que está puxando saco do Liam? - Harry perguntou ofendido.

- Porque o Liam é o único civilizado.

- Eu sou civilizado. - Louis rebateu e eu ergui uma sobrancelha.

- Eu também. - Niall completou.

- Tudo bem. Respira. Tá tudo certo. Ok. - Falei mais para mim mesma. - Vamos começar de novo. - Disse para eles, que apenas riram e concordaram com a cabeça. - Oi, Niall, Liam. Eu sou a , é um prazer. Oi, Louis. Tudo bem? Como está o Freddie? Meu Deus! - Perdi o foco e o autocontrole recém reconquistados. - Liam, e o Bear? Não, isso é demais para mim. O que está acontecendo? Como? Como?!

- Por que eu não ganhei oi? - Harry choramingou.

- Porque você recusou a minha chamada.

- Uuuuuuuh. - O coro foi instantâneo.

- Babe, eu...

- Lá vem a desculpa... - Louis interrompeu.

- Louis! - Harry repreendeu.

- Ele não atendeu porque estava conosco. - Liam respondeu.

- Eu não poderia te atender antes de adestrar esses animais. Estava um caos aqui, não queria te deixar traumatizada. - Harry completou.

- Tudo bem, tudo bem. - Falei indiferente, como se aquilo não importasse mais. - A questão é: Onde vocês estão e o que vocês estão fazendo juntos?

Harry se levantou mais uma vez para pegar o celular, no qual trocou a câmera para a traseira e eu reconheci imediatamente o tapete rosa que cobria a escadaria ao fundo.

- Estamos na minha casa, em Londres. - Harry falou ao posicionar o celular e câmera onde e como estavam inicialmente.

- Okay... - Balancei a cabeça em concordância. - Isso eu vi. Mas... como?

- Eu moro no fim da rua. - Niall disse.

- Eu liguei para os meninos e perguntei se poderiam vir aqui hoje.

- Por quê? - Eu perguntei debilmente.

- Como assim, “por quê?” - Harry rebateu. - Porque nós...

- E que comece a saga do “como assim”. - Eu o interrompi com uma risada que deixou os outros sem entender.

- ...somos amigos. - Harry soltou uma risada nasalada ao terminar a frase, incapaz de se manter inatingível.

- Arrumem um quarto, por favor. - Louis gritou.

- O quê? Não estamos fazendo nada. - Harry nos defendeu.

- Isso, com certeza, foi alguma conversa interna que só vocês dois entendem. - Louis explicou, enquanto Niall e Liam concordavam.

- Desculpem. - Eu pedi um pouco constrangida.

Eu não estava acreditandoooo! Eu queria gritar!

- Liam, qual é, você é quem eu mais confio dos quatro, me conta: O que vocês foram fazer aí?

- Eu queria mostrar algumas das músicas para eles, ‘tá bom? - Harry se antecipou e respondeu por Liam.

- Awwwwwwn! Isso é tão fofo, H! Vocês estão tendo uma listening party?

- Quase isso. - Niall concordou.

- Meu Deus! Eu não quero atrapalhar, continuem aí. Está tudo bem, Harry, o que eu queria falar não era nada importante e com certeza pode esperar.

- O que você queria falar? - Harry rebateu curioso.

- Hum... Eu que-queria saber sobre a coisa que começa com S. - Eu não sabia se eu podia falar na frente de todo mundo.

- S de Sophie? - Louis pescou o significado e perguntou com um revirar de olhos.

- Estamos sabendo tudo sobre o encontro em primeira mão e depois repassamos para você. - Niall completou piscando para mim.

- Não foi um encontro! - Harry protestou.

- Aí, Niall, não pisca assim que eu passo mal. - Eu pedi em tom de súplica, ignorando totalmente o que Harry havia falado e fazendo com que os outros três caíssem na gargalhada.

- Achei que o Louis fosse o seu favorito. - Harry resmungou baixo.

- O quê? Quem te disse isso? Eu gosto de todos igualmente. - Eu desmenti em uma atuação exagerada que provavelmente entregava que eu estava, na verdade, ‘mentindo’. Era impossível que eu gostasse de todos de forma igualitária, considerando que eu era apaixonada por Harry e que tínhamos um outro tipo de vínculo.

- Você gosta mais de mim, mas dos três de forma igual.

- Hum, na verdade, eu gosto dos três e menos de você. - Niall riu tanto que ficou vermelho.

- Foi uma péssima ideia chamá-los para essa chamada. - Harry resmungou mais uma vez.

- Eu achei uma ótima ideia. Estou tendo um ótimo momento. - Respondi inocente. - Mas não vamos falar de mim agora. - Mudei o foco. - O que estão achando das músicas que estão escutando, meninos?

- As músicas estão incríveis. - Liam começou. - Estávamos falando, agora a pouco, acho que Harold realmente se encontrou nesse álbum.

- É... - Louis ia concordando, mas acabei o interrompendo.

- Álbum? - Minha voz saiu um pouco mais aguda e mais alta do que calculei. - Você disse que eram umas músicas. - Encarei Harry, completamente perdida.

- Eu ainda não decidi quais músicas vão entrar no álbum, mas terminamos no estúdio na terça-feira. Ainda temos alguns ajustes, mas faremos nas próximas semanas.

- Por que eu não estava sabendo disso?

- Você sabe que eu não gosto de estragar as coisas para você.

- E você sabe que eu penso que: Qual a graça de te conhecer, se não saber de tudo antes do mundo?

Louis torceu a boca e tombou a cabeça um pouco para o lado, como quem diz “faz sentido”.

- Não é, Louis? - Perguntei retoricamente. - Louis acha que estou certa. - Completei falando para Harry.

- Enfim. - Harry encerrou o assunto. - Eu ia te falar na próxima vez que conversássemos, de qualquer forma, porque estou pensando em dar uma festa no estúdio em Malibu antes da nossa viagem.

Será que Harry a convidou para a festa do álbum que escreveu para ela? Mais um álbum... Se até os membros da antiga banda dele sabiam sobre a mulher, é porque, com certeza, havia mais músicas sobre ela do que eu estava contando. O que não pinta um cenário muito favorável sobre ela na minha cabeça...

- ?

E eu não quero me arrepender de ter convencido Harry a encontrá-la, mas agora... Com esse álbum finalizado e aquelas fotos dos dois juntos enquadrando o perfil sorridente de Sophie, ele mostrando algo para ela no celular dele...

O que eu estava pensando quando falei que ele deveria ir vê-la? E se, com isso, algum antigo sentimento de Harry tenha se acendido por ela?

- !

- Ahn? O quê?

- , está tudo bem? - Harry perguntou com a testa franzida, seu tom de voz saiu suave ao dizer meu apelido.

- S-sim, tudo bem, por quê? - A nota de hesitação que indicava que eu estava mentindo jamais passaria despercebida por Harry.

- Eu chamei o seu nome mais de quatro vezes, foi a internet? Não parecia que tínhamos perdido a conexão. - Harry tentou fingir que não havia percebido minha resposta não verdadeira, talvez para não me constranger na frente dos outros. - Você me ouviu? - Ou talvez ele simplesmente não quisesse começar uma discussão na frente deles e se constranger.

- Fala de novo, por favor.

Porque Niall chamou o encontro de encontro? Será que ele não gosta de mim? Será que ele preferia ver Harry com Sophie?

- Eu estava falando que se os garotos estiverem em LA na época da festa, vocês podem se conhecer...

- C-claro! - Sorri. - Parece uma ótima ideia! Eu vou adorar.

Cada uma das cabeças do outro lado da tela acenaram em concordância a minha resposta. E então, de repente, caímos em um silêncio quase intolerável, Harry e eu simplesmente não sabíamos como ignorar aquela pontinha do iceberg que surgiu ao longe, mas incômoda o bastante para nos distrair de continuar uma conversa normal. Parecendo sentir o clima pesado que havia se instalado no ar, Niall, Liam e até mesmo Louis também perderam as palavras.

- Está tudo bem mesmo? - Harry perguntou novamente.

- É, você está com uma expressão diferente. - Liam completou.

- É apenas o choque de conversar com vocês. - Dei de ombros, fingindo indiferença.

As palavras recém ouvidas da minha psicóloga ainda planavam à minha volta. Eu não vou assumir nada, preciso ouvir a versão de Harry primeiro, saber o que realmente aconteceu naquele encontro.

- Bem, eu vou desligar agora e deixar vocês terem sua festa para ouvir o álbum. - Minha voz saiu com um tom quase indetectável de sarcasmo, mas que eu sabia que Harry tinha bem interpretado. - Foi um imenso prazer conhecer vocês, mesmo que por chamada de vídeo. Se divirtam juntos!

Eu desliguei a chamada tão logo ouvi a primeira palavra de despedida que, sinceramente, não sei de quem veio.

Caralho! Eu acabei de conhecer a One Direction por chamada de vídeo!

Eu coloquei uma mão em cada lado da cabeça, como se eu não pudesse acreditar que as imagens que eram projetadas na minha mente naquele momento eram memórias. E recentes.

Por que mesmo tendo passado por esse momento que eu só ousaria desejar nos meus sonhos mais profundos, ainda sinto esse buraco no fundo do meu âmago que grita que hoje não estava sendo um dos meus dias e que eu deveria dormir até ele acabar? Que eu deveria me afogar em comédias românticas, sorvete e lágrimas?

Harry Styles, você acha divertido viver constantemente nessa montanha russa? Ou eu estou girando até passar mal lá no alto sozinha?


27. I don't think you even realize, baby, you'd be saving mine.

ABRIL, 2019




Harry estava de volta a Los Angeles pela primeira vez em semanas. Eu havia buscado Gemma e ele no aeroporto poucos dias atrás. Durante todo esse tempo, eu havia repassado várias vezes o discurso que faria quando nos víssemos pessoalmente e pudéssemos finalmente ter “A Conversa”. O que eu não esperava era que a minha atenção nesse assunto que eu julgava tão importante seria jogada para escanteio no instante em que meus olhos caíssem sobre sua figura um tanto abatida. E, depois disso, a desculpa para postergar a conversa sobre Sophie era que Harry estava doente e eu não queria parecer egoísta por trazer o assunto à tona em vez de cuidar dele.

Então lá estava eu, na casa de Harry, agindo como se não houvesse uma tensão crescendo entre nós - ou talvez eu só estivesse imaginando isso. Ou talvez a tensão partisse só de mim. Não dava para saber, eu sempre ficava confusa, porque olhando para Harry parecia que com ele e para ele nada nunca estava acontecendo - só porque aquela era a primeira vez que nos víamos no que, se eu fosse ser sincera, parecia muito mais do que “só algumas semanas”, como Harry tão efusivamente tinha frisado várias vezes antes de partir.

De fato, eu tinha que admitir para mim mesma que eu senti sua falta muito, muito mais do que eu jamais pensei que fosse sentir. E aquele resfriado que fazia Harry parecer tão frágil, indefeso e vulnerável me causava ainda mais remorso por não estar com ele desde antes.

Gemma havia vindo para LA para passar um tempo com Harry, ou pelo menos foi o que ela havia dito. Eu não tinha mais visto-a desde que os busquei, mesmo que, teoricamente, ela estivesse hospedada na casa dele e eu estivesse passando mais tempo lá nos últimos dias do que na minha própria casa. Gemma estava cuidando da própria vida, e parecia fazer questão de fazer isso em outro lugar, como se ela houvesse pegado no ar que alguma coisa não estava certa entre seu irmão e eu.

- Eu não acredito que fiquei doente logo agora! - Harry bufou pela milésima vez na última hora.

Harry era um péssimo doente, só sabia reclamar, fazer birra e teimar que não queria comer. Estávamos apenas descansando no sofá da sala, ele mexia no celular e eu lia um livro, daquele jeito em que mesmo calados precisávamos da presença um do outro, ainda que cada um estivesse fazendo sua própria coisa. Ainda assim, parecíamos um casal de velhinhos, ele reclamava sobre tudo e eu reclamava que ele só reclamava.

- Eu já volto. - Me levantei do sofá em um pulo.

- Aonde você vai? - Harry resmungou. - Você vai me deixar sozinho? E se eu morrer durante a sua ausência?

- Você só está gripado, Harry Styles. - Revirei os olhos.

- E se eu morrer de saudades?

- Eu só vou na cozinha, relaxa. Se você ver que está partindo desse mundo, me grita e eu volto correndo.

Ele deu uma gargalhada.

- Do que vai adiantar? Se eu já estiver morrendo?

- Eu te ressuscito.

- Se você vier para cima de mim vestida assim vai acabar de me matar. Infartado.

Harry me deu uma secada e eu segui seu olhar, abaixando minha cabeça e conferindo o pijama bem normal que eu usava: uma camisa de merch de um álbum dos anos 70 de algum cantor, eu tinha pegado no seu closet quando tomei banho ao voltar do trabalho, e um short de cetim com estampa de bolinhas que era realmente parte de um pijama.

- Você é muito jovem e saudável para morrer de infarto, não acha? - Ele pensou um pouco e eu realmente achei que ele viria com uma justificativa mirabolante como resposta.

- Então se certifique de colocar na minha lápide: Morreu jovem, mas morreu feliz.

Dessa vez, eu que gargalhei.

- Eu tenho que parar de te mostrar memes traduzidos. Se eu sou a pessoa que gosta de fazer citação de músicas, você definitivamente é a pessoa que gosta de citar todo o resto. Você sempre dá um jeito de fazer referência a todos os seus filmes, livros e memes favoritos em tudo o que a gente conversa.

Harry comprimiu os lábios em um U invertido e arqueou as sobrancelhas. Era a careta que dizia que ele não discordava.

- Você que fica andando para baixo e para cima sem sutiã. - Deu de ombros.

- Quê? - Eu olhei para baixo de novo. - Como você sabe?

- Eu literalmente consigo ver seus peitos por baixo da blusa. - Levantou o braço na minha direção enquanto falava. Depois, colocou as duas mãos fechadas em punho em frente ao próprio peitoral e apontou com os indicadores, como se fossem os bicos de seus peitos. Ou dos meus, nesse caso.

- Os bicos dos meus peitos estão apontando? - Perguntei com naturalidade enquanto checava uma última vez. Harry concordou com a cabeça. - Não estão, não!

- Estão um pouco. - Eu revirei os olhos e não pude evitar pensar em como conversávamos sobre isso como se falássemos sobre decidir se íamos ao mercado comprar sorvete ou não. Banalizávamos o mais estranho e aleatório assunto. Era como entrar no banheiro e descobrir que seu companheiro ou companheira está lá dentro cagando. A pessoa não se preocupou em fechar a porta e você não sente como se precisasse sair dali correndo enquanto pede mil desculpas, você só continua seu caminho até a pia para escovar os dentes. Zero alarde. Só mais uma terça-feira.

- Bem, digamos que você está com sorte, então.

- Sempre estou. - Piscou divertido.

- Ah, qual é! Eu não ando mostrando os peitos tanto assim, ando?

- Y-yeah?! - A resposta de Harry saiu mais como um gemido de quem sofre para admitir uma vergonha. - Você sempre está com alguma camisa minha, e a maioria é bem antiga e o tecido geralmente está transparente. - Deu de ombros. - E você nunca usa sutiã.

- Eu já sou obrigada a usar cinco dias por semana para conviver em sociedade. Eu não vou usar sutiã dentro de casa! - Vindiquei.

- Ei, eu não estou reclamando! - Harry levantou uma das mãos, como se pedisse calma. - Por mim, você poderia andar pelada que eu não ligaria. - Chacoalhava a cabeça para cima e para baixo falando. - Aliás, eu ficaria muito satisfeito com isso. - Ratificou. - Inclusive, tenho certeza que isso contribuiria significativamente para a minha recuperação. - Agora tinha um olhar inocente.

- Aí, cala a boca. - Eu revirei os olhos e Harry ficou dando risadinhas. Eu me virei de costas e saí andando.

- Ei! Aonde você vai? - Gritou.

- Na cozinha, eu já falei! - Virei a cabeça para trás para gritar de volta.

- Você está com fome? - Perguntou e sua voz saiu fanha. - Eu sou mesmo horrível, não é? Eu só estou muito doente para me lembrar de te oferecer alguma coisa para comer, me perdoe.

- Dramático. - Eu parei de andar e me virei para ele de novo. - Desde quando você me oferece alguma coisa para comer, de qualquer forma? - Harry pensou por um momento.

- Não desde... Eu não sei. - Beliscou o lábio inferior com os dedos. - Não consigo me lembrar qual foi a última vez em que você veio aqui como visita.

- Eu nunca vim aqui como visita. - Rebati e de novo seus lábios formaram o U invertido.

- É verdade. Você chegou por aqui ocupando tudo. - Eu dei um sorriso de lado, porque eu sabia que era o jeito de ele falar que o tudo que eu havia ocupado era somente o seu coração. Os espaços físicos foram só consequências.

- Cinco minutos e volto para os seus braços. - Lancei um beijo no ar e finalmente saí do cômodo.

Eu não queria comer nada, mas estava preocupada que Harry também não. Ele praticamente não havia comido naquele dia. Sua voz estava falhada, seu nariz vermelho estava claramente congestionado, as pálpebras caídas e a expressão abatida já o seguiam há horas.

Enquanto eu preparava uma sopa de legumes, eu conseguia ouvir os espirros frequentes de Harry, fazendo com que eu me apressasse. Meu pai costumava fazer essa sopa para mim e André sempre que estávamos doentes e não queríamos comer direito. Não tinha nenhum segredo na receita ou ingrediente especial que prometia uma cura instantânea, era somente algo fácil de engolir e que tinha um tempero que não incomodava os sentidos já sensibilizados, só para que o doente não ficasse ainda mais fraco pela falta de comida. Eu esperava que aquilo ajudasse Harry. Estava pensando em sair para comprar algumas laranjas para fazer um suco também. Um pouco de vitamina C para turbinar sua imunidade.

Quando eu voltei para a sala, Harry estava inclinado sobre a mesa de centro, lendo a contracapa do livro que eu havia deixado aberto ali em cima para marcar a página que eu estava lendo.

- Oi! Estou de volta. - Falei um pouco alto e com um tom de voz animado para que ele notasse minha presença.

- O que é isso? - Ele levantou a cabeça.

- Sopa. Para você. - Ele torceu a cara assim que terminei de falar.

- Eu não estou com fome.

Eu suspirei fundo antes de me sentar ao seu lado. Harry me seguiu com o olhar e eu fiquei estática com prato em mãos. Dei um sorriso de lado conforme uma ideia surgiu na minha cabeça.

- “I'm in love with you / They try to pull me away, but they don't know the truth (Eu estou apaixonada por você / Eles tentam me puxar para longe, mas eles não sabem a verdade)”. - Comecei a cantar com a minha voz que não poderia ser descrita como nada menos do que de taquara rachada.

- O que você está fazendo? - Harry começou a rir imediatamente.

- Cantando até você tomar a sopa. - Levei a colher para perto de sua boca, mas ele virou o rosto para o lado.

- Eu não quero. - Eu puxei o ar, enchendo meus pulmões de paciência.

- “My heart’s crippled by the vein that I keep closing / You cut me open and I / Keep bleeding, keep, keep bleeding love. (Meu coração está danificado pela veia que eu continuo fechando / Você me cortou e eu / Continuo sangrando, continuo, continuo sangrando amor.)”

Harry agora me olhava com uma careta de desdém e eu tentava me controlar para não rir.

- Eu vou continuar cantando até você comer. - Avisei-o.

- Você vai cantar de qualquer jeito.

- Ah, por favor, babe. - Eu cedi. - Só experimenta, ok? Meu pai costumava fazer essa sopa para mim e André quando estávamos doentes. - Eu pedi com a voz manhosa.

Qualquer que fosse a situação, mencionar o meu irmão tinha se tornado a minha chantagem emocional mais sutil e eficaz.

- Tudo bem, . Tudo bem. - Harry concordou contrariado e abriu a boca.

- "I keep bleeding, I keep, keep bleeding love. (Eu continuo sangrando, eu continuo, continuo sangrando amor.)” - Assim que dei a primeira colherada, voltei a cantar o refrão só para irritá-lo.

- Eu disse... - Harry revirou os olhos e eu levei outra colher de sopa até sua boca.

- Eu só estou tentando cuidar de você, ok? Coma!

- Eu sei! Mas você precisa cantar? - Fez uma careta de sofrimento.

- Desculpe. - Dei uma risadinha. - Eu vi isso em um filme e achei que recriar a cena te faria sorrir. - Dei de ombros e Harry forçou um sorriso. Enquanto eu falava, ele parou de notar que eu continuei o abastecendo com sopa. - Além do mais, você precisa ficar bom logo e cantar para mim, assim eu não preciso passar por essa vergonha.

- Eu amo quando você canta, é tão horrível que acaba sendo fofo.

- Eu sei que você gosta. - Rebati convencida.

- É um bom entretenimento, sempre me faz rir.

- Fico feliz de saber que eu sou como um palhaço de circo para você. - Falei em tom de reclamação.

Meu celular começou a vibrar ao lado do livro. me ligava pelo whatsapp.

- Oh, é a . - Eu disse antes de entregar o prato para Harry e pegar o celular.

- Oi, puta. - Foi a primeira coisa que ouvi assim que coloquei o celular no ouvido.

- Seu amor me sufoca. - Ela gargalhou.

- Onde você ‘tá?

- ‘Tô na casa do Harry.

- Ugh. Como sempre. E como ele ‘tá?

- Ainda gripado. Eu fiz uma sopa e ele ‘tá aqui tomando. - Harry tinha o prato nas mãos e olhava para a minha cara.

- Você fez uma sopa para ele? Quem é você e o que fez com a minha melhor amiga? - perguntou em um falso tom de voz assustado.

- Engraçadinha.

- Você nunca fez isso para nenhum dos seus ex-namorados. Homem ou mulher.

- Harry não é meu namorado.

- Certo, certo! Porque vocês estão juntos, mas não são namorados, claro. Faz todo o sentido. Que horas você trabalha amanhã mesmo e está dando sopinha para ele?

- É complicado. - Cocei a cabeça, virando o rosto na direção da porta para não olhar para Harry.

- Não, . Na verdade, não é. Vocês não ficam com mais ninguém faz meses, mesmo antes de terem essa bendita conversa. Vocês estão sempre juntos, se tratam como namorados. Você conhece a mãe dele, todo o ciclo de amizade dele sabe que vocês estão juntos, o pessoal do trabalho dele sabe de você! Porra, ele vai vir para o Brasil com você! O Dani vai morrer quando vocês chegarem juntos. - Ela deu uma risadinha e eu ignorei.

- É, mas a gente não conversou sobre namoro. E, na verdade, aqui nos EUA os caras não costumam pedir as garotas em namoro. Quando estão juntos, meio que estão automaticamente namorando.

- Mas o Harry não é estadunidense, e você muito menos. E eu sei muito bem que isso não funciona para você também.

- Precisamos tocar nesse assunto agora? - Suspirei cansada, eu não queria começar outra discussão sobre meu status de relacionamento.

- Ok. Eu vou deixar você pensando sobre isso e a gente conversa amanhã.

- Ok. - Concordei sem pensar muito, um pouco chocada pelo tapa que tinha acabado de tomar. - Beijos, te amo.

- Também te amo. Se cuida.

Com isso, voltei com o celular para a mesa de centro e olhei para Harry.

- Está tudo bem? A ligação foi tão rápida. Só entendi que vocês falaram o meu nome algumas vezes e que se amam. - Harry sabia que eu sempre ficava horas no telefone com . - Vocês não brigaram nem nada, não é?

- H, nós somos namorados? - Falei em um impulso. - Digo, o que nós somos? - Reformulei a pergunta enquanto tentava não arregalar os olhos pelo vacilo. - Eu sei que a gente está junto e que você me ama e que eu te amo, mas eu só quero ter certeza que estamos na mesma página aqui. Quero dizer, eu sei que estamos, mas...

- Darling, o que aconteceu? - Ele me interrompeu com um olhar preocupado.

- Não é nada, eu juro. E só que eu fico confusa sobre como te chamar. Quero dizer, está tudo bem se eu me referir a você como “meu namorado”? Meu Deus, isso soa tão estranho em voz alta, definitivamente parecia melhor na minha cabeça.

- Bem, eu acho que está tudo bem se você disser que eu sou seu namorado, já que eu já digo que você é a minha. - Harry respondeu gracejador e eu lhe dei um sorriso. - Para ser sincero, eu sei que já era seu desde muito antes de conversarmos, então fico feliz que você também queira ser minha.

- Ei, é claro. - Afirmei enquanto lhe dava um rápido selinho. - Você sabe que eu sou sua desde antes de nos conhecermos.

- Isso não é justo! - Harry reclamou. - Alguma vez vou ganhar alguma coisa contra você? Você é sempre a pessoa que sabe tudo sobre mim, a que me amou primeiro; como fã, mas ainda assim eu aceito. E você sempre ganha nos jogos de tabuleiro e de cartas.

- H, isso não é uma competição. - Eu respondi rindo. - Bem, se serve de consolo, você disse ‘eu te amo’ primeiro. E também acho que você demonstrou sentimentos românticos primeiro. E você sempre ganha no scrabble.

- Eu só ganho no scrabble porque as palavras são em inglês. - Harry rebateu com uma gargalhada. - E, além do mais, acho que eu ter falado ‘eu te amo’ primeiro não vale, porque foi um ‘eu te amo’ de amigos.

Harry tinha razão, a primeira vez que dissemos ‘eu te amo’, foi quando transamos pela primeira vez, e apesar das circunstâncias, estávamos falando unicamente de amizade na época.

- Mas se bem que... - Harry parou para pensar. - Eu também disse primeiro quando conversamos.

- Você disse que estava apaixonado por mim, não que me amava. - Impliquei de brincadeira.

- E quer maior declaração de amor do que confessar que está apaixonado por alguém?

- Justo. - Concordei.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, Harry agora tomava a sopa por contra própria.

- Você sabe que eu fui convidado para ser anfitrião no Met Gala, não sabe? - Mudou de assunto suavemente.

- Claro! Vou até sair do trabalho mais cedo e tudo para não perder nem um segundo assim que a transmissão começar. - Respondi animada.

- Sabe o que eu estava pensando? - Apesar da pausa que caberia uma resposta, eu fiquei em silêncio. - Que você poderia ir como minha convidada. - Eu engasguei com minha própria saliva. - Bem, já que agora nós somos... somos... - Desviou o olhar para a parede por um segundo. - Estamos juntos. - Engoliu em seco. - Você poderia ir comigo.

- Ir ao Met Gala? - Harry assentiu. - Com você?

- Uh-hum. - Assentiu de novo ao murmurar. - Eu tenho alguns lugares na mesa da festa, sabe, para assistir aos shows e tudo mais.

- Imagina! - Dei uma gargalhada e Harry respondeu com um olhar feio. - Espera... Você está... está falando sério? - Arregalei os olhos.

- Eu não pareço estar falando sério? - Fez uma cara de tédio, quase revirando os olhos. - É lógico que estou falando sério, !

- Você enlouqueceu? Quer me mandar para o meio da estrela da morte?

- Você simplesmente comparou o Met Gala ao Star Wars? - Harry perguntou em choque e eu dei risada.

- Eu acho que sim? - Harry balançou a cabeça, como se quisesse esquecer o que eu disse.

- Você não precisa passar pelo Red Carpet, é claro. - Reconsiderou como se aquilo fosse o que me preocupasse. Enquanto, do outro lado, eu sequer era ousada o bastante para interpretar que esse detalhe faria parte do convite.

- Não acho uma boa ideia.

- Por que não?

- As pessoas podem me ver lá, o que vão dizer de uma desconhecida na sua mesa?

- As únicas pessoas que vão te ver são as outras celebridades, eu não acho que elas se importem com isso.

- Sempre vazam vídeos desses lugares.

- , eu não estou dizendo que precisamos começar a dizer por aí que eu estou com alguém...

Epa! Epa! Do que ele está falando?

- ...eu só quero te levar junto comigo, não quero ficar escondendo você, não quero que você fique tomando atalhos para ir embora da minha casa com medo de que alguém te siga, como se nós dois juntos fosse um segredo sombrio que eu não posso revelar.

De onde surgiu isso? Não era sobre isso que eu falava.

Harry deu uma pausa que saiu mais em um tom de dúvida, como se estivesse pensando em todas as táticas que já usei para nos encontrarmos sem que ninguém me visse com ele, chegando ou saindo de sua casa. Se eu fosse ser bem sincera, aquele já era o “normal” para mim e a ideia de não precisar mais ser cuidadosa parecia de outro mundo. Eu não sei se conseguiria, eu já estava completamente condicionada àquela paranoia. Eu nunca parava na casa de Harry sem antes dar uma volta no quarteirão para conferir se não havia ninguém esperando por perto na intenção de fotografá-lo e eu nunca saia de lá antes de fazer o mesmo.

- Quero andar de mãos dadas com você na rua e não deixar que isso se torne um grande problema entre nós.

- Isso definitivamente causaria um problema. - Falei em tom de brincadeira. Uma tentativa em descontrair.

- Eu não preciso negar ou afirmar nada, entende? Só não quero ficar escondendo você. - Repetiu. - Por que você insiste tanto em ser discreta?

Caraca. Mas eu nem falei nada?!

- Eu que sou o famoso aqui e você liga mais para a minha reputação do que eu mesmo. - Harry deu uma risadinha que saiu mais como uma bufada. - Vamos só deixar o burburinho se formar e não falar nada sobre isso.

Eu fiquei com a boca semiaberta por alguns segundos, tentando entender tudo o que Harry havia acabado de despejar em mim. Eu sabia sobre o que ele falava, porque já tínhamos tido conversas sobre meu excesso de precaução muitas vezes antes. Eu só estava confusa pela forma como ele havia trazido o assunto à tona sem nenhum aviso. Eu não pude prever essa conversa. E agora, enquanto tentava formular uma resposta, eu tinha que lidar com minha mente ameaçada pela possibilidade de alguém me vendo andando de mãos dadas com Harry Styles. E também lidar com meu coração acelerado com a imagem de nós dois apaixonados andando de mãos dadas pela cidade. Era uma baita de uma carga extra para processar.

Apesar da forma aleatória com que entramos nesse assunto, eu me senti sendo libertada, de certa forma. Porque, na minha cabeça, se fôssemos vistos juntos eu estaria criando apenas mais um problema para que Harry tivesse que resolver, como se preservar o nosso relacionamento do olhar público fosse uma responsabilidade e, no caso, exclusivamente minha. No entanto, quando Harry falava com todas as letras que não pensava em ser visto comigo como um problema de forma alguma, ele, sem saber, dividia o peso dessa responsabilidade comigo. Mesmo assim, eu sabia que me sentiria culpada se alguma coisa vazasse. Por isso, no fim, não era uma questão de ele se importar com a mídia ou não, e sim, como eu sabia que ficaria se algo saísse para fora dos trilhos que eu havia construído arduamente durante todos esses meses. Como eu não me perdoaria, mesmo que Harry repetisse que não existe nada de errado para eu me preocupar.

- Desculpe, H. Eu não posso ir.

- Não, , você pode. Só não quer. - O tom de voz revelava mágoa.

- A definição não importa. Minha resposta é não. Desculpe.

Eu fui uma idiota ao pensar que ali eu encerrava aquela conversa, ingênua até, por pensar que aquele Harry, a quem eu conhecia como se fosse eu mesma, aceitaria facilmente um ‘não’ como resposta.



*


Gemma havia nos convencido a ir ao show do grupo BlackPink no The Forum. Eu não gostava muito de ir à Inglewood com Harry, era definitivamente o bairro mais esquisito de toda a região, eu não conseguia entender como uma arena daquele tamanho ficava em um bairro como aquele.

- Eu vou pedir ao Fred que nos acompanhe. - Harry havia dito antes do show.

Ele era meio pirado, queria ir ao show e não levar ninguém para o escoltar.

- Mas já fizemos isso antes. - Harry quis me lembrar de que já fomos em shows antes só nós dois.

- Eu sei, mas sou só eu ou parece que você fica mais famoso a cada dia? - Minha franqueza bucólica fez com que Harry gargalhasse.

- Sim, é só você.

- Jeff discorda. - Eu rebati.

- Jeff é um puxa-saco. Ele não conta.

- Ele é seu empresário. Acha que ele amacia seu ego só porque acha que você tem uma boa aparência? - Debochei.

- Não, ele faz isso porque eu gero rios de dinheiro para ele. - Harry retrucou. - Faz parte do protocolo que ele amacie meu ego. - Brincou. - Sabe? Tipo dizer que gostou da minha roupa ou do meu novo corte de cabelo.

- Então você admite que fica mais famoso a cada dia?

- Não. Eu disse que no pagamento está incluso tê-lo fazendo as coisas parecerem melhores e maiores do que são. E, claro, não ser contrariado. São algumas das vantagens.

- Você é ridículo! - Eu revirei os olhos.

Harry sorriu de lado antes de me puxar para um abraço, ele adorava satirizar a própria fama.

- Você, sim, tem uma boa aparência. - Ele me elogiou.

- Eu sou maravilhosa! - Rebati com convicção. - Boa aparência é um adjetivo fraco.

- E muito modesta. - Harry completou antes de selar nossos lábios rapidamente.

- V-você não... não fique achando que me ganha com um beijinho, viu.

- Então por que está gaguejando?

- Porque inglês é minha segunda língua e às vezes as palavras saem errado.

- Uh-hum. - Harry rebateu descrente enquanto segurava uma risada.

- O quê? É sério. - Ele acabou rindo.

- Eu sei que é sério. Sabe quantas vezes você começou a falar alguma coisa comigo e falou em português?

- Muitas. - Respondi com um acenando a cabeça, derrotada.

- Muitas. - Confirmou e rimos.

Eu que dei o selinho dessa vez, como se de alguma forma aquilo pudesse compensar pelos pontos que eu achava estar perdendo.

- Estou pensando em fazer uma tatuagem. - Harry mudou o assunto subitamente e eu fiz uma careta de confusão.

- Okay? - Foi a minha primeira reação, depois: - O que você quer tatuar?

- Estava pensando no nome da minha avó.

- A mãe do seu pai ou da sua mãe?

- Da minha mãe. Ela morreu quando eu tinha seis anos.

- Sinto muito, H. - Eu respondi com pena.

- Tudo bem. Já faz tempo. - Dei de ombros.

Ficamos em silêncio por um momento. Harry parecia escolher o que falar em seguida e eu esperava que ele realmente fosse falar mais alguma coisa.

- Eu me lembro particularmente dos feriados que íamos para a casa dela ou viajávamos juntos. São umas das poucas memórias que tenho de quando meus pais ainda estavam juntos, eu tinha sete quando eles se separaram. Meu pai sempre foi muito presente, mas eu não me lembro de muita coisa antes, sabe? De sairmos todos juntos. E depois ela morreu.

Harry, de repente, tinha um olhar desfocado, como se tentasse alcançar algo que só ele fosse capaz de enxergar.

- Teve essa vez que fomos à praia... - Começou, mas cortou a frase. - Minha avó sempre nos lambuzava, Gemma e eu, de protetor solar. - Ele sorriu. - E eu odiava, porque sempre ficava com areia grudada por todo o meu corpo. Então teve essa vez – ele voltou à frase cortada – em que eu me recusei a passar protetor...

- Deixa eu adivinhar, você ficou queimado? - Eu previ.

- Exatamente. - Harry riu. - Os meus ombros ficaram tão vermelhos que eu não conseguia usar camisa. Imagina ir para a escola assim? - Ele negou com a cabeça, incrédulo. - Mas quando começou a descascar foi divertido. Eu adorava puxar a pele.

- Eca. - Eu soltei automaticamente.

- É terapêutico! - Harry defendeu.

- Para um garoto de seis anos de idade, eu aposto que é. - Harry e eu gargalhamos achando graça de tudo aquilo.

- De qualquer forma, você quer ir comigo?

- Aonde?

- Ao tatuador, . Foco.

- Ah, é. - Dei uma risadinha. - Quero. Que dia vamos? Eu acho que posso fazer umas tatuagens também.

- Umas?

- Claro. Eu nunca gasto uma viagem ao tatuador para fazer só uma tatuagem. Você sim?

*


Henry havia me convidado para ir em sua casa no domingo à tarde. Eu tinha me arrumado um pouco antes do horário, pois, além disso, Harry tinha me ligado e pedido para que eu fosse ao estúdio deixar um par de roupas limpas para ele.

Não era para Harry estar no estúdio naquele dia. Aparentemente, a parte que compete a ele no álbum já tinha sido finalizada, mas, segundo ele, precisaram regravar alguma coisa que eu não tinha entendido direito o que era. Ele meio que havia ido para lá para passar algumas horas que acabaram se transformado em um pernoite.

Henry morava em Santa Monica. O que significava que se eu fosse direto para sua casa, eu só precisaria pegar a rodovia ao sul e seguir direto sentido ao centro de Hollywood, demoraria mais do que dar a volta pelo centro de Los Angeles, mas como era domingo, não deveria ser mais do que uma hora e vinte minutos. Entretanto, como eu precisaria ir a Malibu antes para levar as roupas para Harry, era melhor que eu fugisse desses centros e fosse pelo Norte, passando por Calabasas.

Eu não costumava dirigir por aquela região, sempre que eu ia para Malibu eu gostava de passar por Santa Monica, mas minha mania de calcular todos os meus trajetos me impedia de ir até praticamente a casa de Henry sabendo que eu teria que passar direto, só para voltar em seguida; eu ficava com a sensação de estar dando voltas desnecessárias.

E então você me pergunta se não seria mais fácil que Harry buscasse as próprias roupas e a resposta seria “sim”, mas ele havia me pedido e eu pensei que não seria sábio dizer que eu não poderia “passar” no estúdio para deixar algumas de suas roupas porque eu tinha marcado de ir para a casa de outro homem.

E Harry havia me pedido justamente por estar muito ocupado e seria um atraso que ele fosse até Hollywood Hills buscar roupas limpas. Como eu sempre pegava suas roupas para usar quando estava em sua casa e nunca devolvia, ele sabia que eu tinha estoque suficiente para o abastecer com suas próprias roupas por pelo menos uma semana.

Eu dirigi até Malibu com a expectativa de que se eu chegasse ao estúdio, entregasse as roupas para Harry e voltasse para Santa Monica, eu chegaria exatamente na hora marcada com Henry. E, depois de tantos desencontros, finalmente Maddie estava me esperando para jogarmos Jenga.

Mitch foi quem me viu chegar pelas câmeras e abriu o portão, vindo até a entrada para me saudar com um abraço.

- Harry está gravando voz nesse exato momento. - Mitch respondeu quando viu a minha cara que perguntava “Cadê o Harry?”.

Eu me afastei para pegar a sacola com as roupas de Harry e até mesmo um novo par de vans brancos que eu havia comprado para ele que estava dentro do porta-malas.

- Jura? O que estão gravando? - Eu perguntei curiosa e animada, me esquecendo por um momento de que eu tinha um compromisso e não poderia demorar ali.

- Hum, eu não sei se posso te falar.

- Ah, qual é, Mitch. Achei que fôssemos amigos.

- S-somos.

- Ótimo! Então me mostra onde é!

Eu nunca havia entrado no Sangri-la, apesar de já ter deixado e buscado Harry algumas vezes. Bem, eu nunca havia entrado em nenhum estúdio antes em toda a minha vida.

- Okay. Mas se você ver ou ouvir algo que não deveria, a culpa é sua. Eu não vou ser responsável por ter estragado nenhuma surpresa.

- Okay. - Concordei rindo.

Entramos na casa, passando por uma sala com uma sinuca e um piano de cauda, a qual provavelmente descrevia muito bem o que era uma sala de jogos para musicistas. Depois, uma cozinha com mesa, cadeiras e armários bem antigos, cuja eletrodomésticos eram relativamente novos. E então outra sala, essa era à prova de som, havia outro piano, vertical, alguns pedestais com microfone e um sofá de dois lugares. E, finalmente, a sala que provava que aquele lugar não era só mais uma casa: o maior cômodo ali que eu tinha visto até então, com cara mesmo de estúdio. Três computadores dispostos em uma só mesa, os teclados, musicais e dos computadores, se misturavam e eu não conseguia dizer onde terminava um e começava outro. Vários equipamentos que eu não fazia ideia dos nomes. Ficou claro para mim que ali era o lugar em que eles passavam a maior parte do tempo.

Atrás da mesa principal, a cabine à prova de som que mais parecia um outro cômodo, com todos os instrumentos musicais imagináveis lá dentro, fazendo companhia a Harry, que, pelo vidro, eu podia ver sentado aconchegado em um dos cantos enquanto cantava de olhos fechados.

- Olha quem apareceu! - Tom exclamou ao me ver entrar. Ele assistia Harry pelo vidro e o ouvia por um par de fones de ouvido gigante.

- Oi, Tom. Como você está? - Eu perguntei ao me abaixar na altura da cadeira que ele estava sentado e lhe dar um beijo no rosto.

- Ótimo! E você? - Ele estava de perfil para mim, um lado do fone desencaixado para me ouvir.

- Bem. - Respondi brevemente ao me sentar na cadeira ao seu lado.

Eu tinha um carinho especial por Tom, algo no modo como ele agia e me tratava... Tínhamos uma conexão diferente desde o primeiro dia, daquelas em que você gosta da pessoa de cara, como se sempre soubéssemos que nos daríamos bem. Não era como se eu não me desse igualmente bem com as outras pessoas da equipe ou com amigos próximos de Harry, mas Tom... era Tom! Nossa afinidade era diferente. Eu amava Mitch, ele era sempre o primeiro a advogar por mim, mas eu sentia que mesmo me defendendo, no fim, ele sempre seria apenas amigo de Harry, assim como muitas outras pessoas do círculo. Mas Tom era diferente, se algum dia, por algum motivo, Harry e eu não nos falássemos mais, Tom seria o amigo dele que eu sempre manteria contato, que me chamaria para fazer coisas independente de Harry.

- Cadê o resto da galera? - Eu perguntei olhando em volta.

- Somos só nós hoje.

Era estranho ver o estúdio tão vazio. Não que eu já tivesse o visto antes, mas eu sabia que sempre tinham pelo menos quatro pessoas com Harry.

Nesse meio tempo, Harry havia aberto e fechado os olhos algumas vezes antes de me perceber ali, acenar e fazer um gesto que eu interpretei como um pedido para que eu o esperasse terminar.

- Quer ouvir? - Tom perguntou me entregando um dos fones que estava jogado na mesa.

Eu mal consegui escutar uma frase e Harry havia parado de cantar. Confusa, eu ia reclamar com Tom que eu não tive tempo suficiente para ouvir nada, mas ele foi mais rápido, pressionando um botão na mesa para falar com Harry.

- Ficou ótimo, H! Eu só preciso de mais uma versão como essa. Do começo, de novo, por favor.

- Ok. Obrigado. - Harry respondeu e voltou a ajustar o fone nos ouvidos.

Eu não podia negar o quanto ele emanava sexualidade, tão sério e profissional assim. ! Hora errada!

Harry não ia para jogo para brincar, para fazer a coisa pela metade ou dar qualquer tanto que fosse menos do que 100% de si. Eu admirava muito isso nele, em como ele podia ser assim tão profissional e sexy, digo sério. Segurei um risinho e balancei a minha própria cabeça, discretamente para não ser notada.

Tom pressionou algum outro botão e uma melodia animada começou a tocar nos meus fones.

- “You gotta see it to believe it / The sky never looked so blue / It’s so hard to leave it / But that's what I always do / So I keep thinking back to / A time under the canyon moon (Você precisa ver para crer / O céu nunca pareceu tão azul / É tão difícil ir embora / Mas isso é o que eu sempre faço / Então eu fico pensando / naquele tempo sob a lua no cânion).”

Senti um arrepio gostoso quando sua voz ecoou em meus ouvidos, era sempre bom ouvir Harry cantar, sua voz sempre me trazia paz, não importava quão animada fosse a melodia ou quão dúbia e abstrata fosse a letra.

Influenciada pelo que ele cantava, eu também passei a pensar sobre um momento anterior. A memória do dia ao qual Harry se referia parecia recente o suficiente para ainda aquecer meu coração ao pensar sobre ela. E eu não precisava de nenhum esforço para me recordar das exatas palavras dele. “Você já viu o céu tão azul assim?”.

Sem desviar meu olhar dele, notei que parecia tão concentrado que os únicos músculos que se mexiam eram os da boca, será que ele também estava imaginando o céu azulado no Laurel Canyon?

- “The world's happy waiting / Doors yellow, broken, blue / I heard Jenny saying / "Go get the kids from school" / And I keep thinking back to / A time under the canyon moon (O mundo está feliz esperando, portas amarelas, quebrado, azul. / Eu escuto Jenny dizer / “Vá buscar as crianças na escola.” / E eu fico pensando / Naquele tempo sob a lua do cânion.”

Olhei de relance para Tom, um pouco intrigada enquanto ainda juntava os significados de todas aquelas palavras que Harry cantava.

Aquele piquenique que Harry e eu fizemos na beira de uma estrada qualquer no Laurel Canyon não passava daquilo: “um momento" perdido no passado. E agora que descobrimos ter sido mais especial do que prevíamos na época, tudo o que tínhamos dele eram essas memórias que a cada instante perdiam mais detalhes. Todos os acontecimentos das nossas vidas ficam cada vez mais borrados, confusos e misturados em nossa mente com o passar das horas, dias e meses; a cada vez que tentávamos nos lembrar alguma coisa se alterava, assim como toda e qualquer outra lembrança, que, sem exceção, perece ao tempo.

Eu queria acreditar ser impossível se esquecer de um momento tão poderoso, ainda que singelo, como o que vivemos. Mas eu sabia que em dez anos nada de que eu me recordasse se pareceria remotamente com o que realmente aconteceu. O que dissemos se dissolveria no tempo, como Shakespeare nos preveniu que "o que é belo declina num só dia, na terna mutação da natureza"

Todavia, aquela música me trazia esperanças! Eu podia ver a intenção de Harry ao escrevê-la: congelar para sempre aquela que era uma lembrança vivida num dia qualquer e em um lugar qualquer. Aquele momento antes não catalogado agora tinha se tornado imutável. Para sempre registrado nas linhas de sua poesia. E, em dez anos, era assim que nos lembraríamos do momento, pela visão do poeta. “E enquanto nesta terra houver um ser, meus versos vivos te farão viver.”

I'll be gone too long from you
(Eu estarei longe de você por tempo demais)

Staring at the ceiling
(Encarando o teto)
Two weeks and I'll be home
(Duas semanas e eu estarei em casa)
I carry the feeling
(Eu carrego o sentimento)
through Paris all through Rome
(Por Paris e por toda a Roma)
And I'm still thinking back to
(E eu continuo pensando)
a the time under the canyon moon
(Naquele tempo sob a lua do canion)


Agora havia uma clara linha que dividia o nosso relacionamento em um antes e um depois. Um antes de confessarmos os nossos sentimentos e um após, quando não tínhamos absolutamente mais nada para esconder. E tudo o que vivemos no raio próximo a esse momento principal foi impresso em nossas memórias com muito mais intensidade.

Por isso, essa música não falava somente do dia que passamos no Laurel Canyon, mas também era um retrato do que foram os dias que passamos separados e só conversávamos pelo telefone. E pensar que Harry tinha escrito algo tão lindo justamente no período em que não estávamos fisicamente juntos mostrava que não poderíamos estar mais próximos. E eu era grata por isso, havia sido inesperadamente difícil me ver longe de Harry quando finalmente colocamos todos os pingos nos i's. Depois de tudo; confessar meus sentimentos, descobrir que Harry sentia o mesmo, passarmos os dias que se seguiram grudados e tão abertamente apaixonados, eu não esperava enfrentar um obstáculo tão ridículo logo de cara. Parecia até uma brincadeira de muito mal gosto do destino que nos pusesse separados por tantos dias quando tudo o que eu mais queria era nunca mais perdê-lo de vista.

E também, fazia sentido que nos apegássemos muito mais a esses pequenos momentos que aconteceram antes, pois não sabíamos o que estava por vir. Bem como a barreira quebrada da distância que ultrapassamos no tão recente após, quando eu percebi como éramos mais fortes juntos ao incansavelmente buscarmos maneiras diferentes de nos fazermos presentes na vida um do outro.

- Ele disse que é sobre você.

- Ahn? - Eu sai de uma espécie de transe quando Tom começou a falar.

- A música. - Esclareceu. - Harry disse que é sobre você. E que fizeram um passeio antes de começarem a namorar e que foi tão incrível que ele quis escrever sobre isso logo em seguida.

- Ele disse isso? - Eu queria perguntar “ele disse ‘antes de começarmos a namorar?’”, mas não tive coragem.

Eu vivia 24 horas por dia com esse medo de que eu poderia acordar a qualquer momento de um sonho.

- Com essas exatas palavras. - Tom afirmou, embora não soubesse que era essa a afirmativa que eu buscava.

I'm going, oh, I'm going
(Estou indo, oh, estou indo)
I'm going, oh, I'm going
(Estou indo, oh, estou indo)
I'm going, oh, I'm going home
(Estou indo, oh, estou indo para casa)


- Você deveria estar dizendo isso? - Mitch perguntou. - Harry não gosta.

- Eu não ligo se o Harry gosta ou deixa de gostar. - Tom rebateu. - E ela é a , cara.

Mitch... sempre tão leal a Harry. Já Tom... agia de acordo com o que ele pensava ser de maior interesse para ambos os amigos.

- E-e a está bem aqui. - Me intrometi. - S-só para vocês se lembrarem.

- É só porque ele não gosta de influenciar a sua visão das músicas. Sabia que ele se importa muito com o que você pensa dele? - Mitch me perguntou.

Talvez eu soubesse, mas não tivesse percebido o que aquilo realmente significava até Mitch me dizer. A dimensão de ter Harry se importando com o que eu pensava era muito maior do que eu havia me permitido perceber e o poder que esse fato me atribuía era assustador.

- Ele te ama. - Tom completou.

- Eu sei. - Respondi tímida.

- Quebre o coração dele.

- O quê? - Eu dei uma risada nervosa. - Que tipo de pedido é esse, Tom?

- Harry tem escrito muitas músicas sobre você, a maioria sobre como está apaixonado. - Ele explicou. - Eu disse para ele que isso era ótimo, que ele deveria deixar ter o coração quebrado por você e, então, escrever sobre isso.

Quick pause in conversation
(Pausa rápida na conversa)
She plays songs I've never heard
(Ela toca músicas que eu nunca ouvi)
An old lover's hippie music
(Uma velha amante de música hippie)
Pretends not to know the words
(Finge não saber as letras)
And I keep thinking back to
(E eu continuo pensando)
a the time under the canyon moon
(Naquele tempo sob a lua do canion)


- Você é louco! - Eu gargalhei, ainda nervosa.

- O cara morou aqui há anos e nunca gostou tanto assim daqui. Ele nunca passava mais do que o tempo necessário em LA e logo voltava para Londres ou viajava para algum outro lugar e agora está fazendo músicas sobre voltar para “casa” e procurando a mulher que fez o Dulcimer da Joni Mitchell para adicionar nessa música.

- O que o Tom quer dizer... - Mitch começou a me explicar quando eu dei outra risada nervosa e confusa. - É que o que vocês têm é o mais real que Harry já viveu. E isso tem inspirado o melhor em seu talento. Experiências reais geram músicas reais.

- E-eu...

- Você é incrível aos olhos dele. - Tom falou quando comecei a gaguejar.

- Por que estão me falando isso?

- Porque o Harry é nosso amigo. E a vida é muito curta para se impedir de sentir coisas. - Tom disse simplesmente.

I'll be gone too long from you
(Eu ficarei longe de você por tempo demais)

I'm going, oh, I'm going
(Estou indo, oh, estou indo)
I'm going, oh, I'm going
(Estou indo, oh, estou indo)
I'm going, oh, I'm going home
(Estou indo, oh, estou indo para casa)


- O que isso quer... Você acha que Harry tem se segurado em relação a nós dois?

- Você está entendendo tudo errado. - Tom falou.

- Tudo o quê? Me explica direito! - Perguntei me sentindo muito confusa.

Mas era tarde demais. Harry já tinha tirado os fones e se levantava para sair da cabine.

- Perfeito, Harry! Perfeito. - Tom gritou e Mitch bateu palmas, os dois agindo como se não tivéssemos saído abruptamente dessa conversa profunda.

- Uau! - Eu consegui reagir após alguns segundos e me virei para olhar Mitch.

A minha cabeça repetia em looping aquele refrão, mais especificamente o último, em que Harry canta a plenos pulmões “homeeeee”. Era esperançoso e otimista. E muito assustador pensar no significado que aquela simples palavra transmitia. Eu não sabia se eu queria ser a segurança que era estar em “casa” para Harry. Eu não sabia se conseguiria lidar com todo esse poder. Era muita responsabilidade.

Apesar disso, eu não sei como ainda me surpreendia ao testemunhar o talento de Harry. Tê-lo cantarolando pelos cômodos tinha se tornado algo trivial e, naquele instante, eu passei a me questionar em que ponto eu havia me acostumado com algo tão fantástico e que eu deveria, todos os dias, ter consciência de que é um privilégio. Em que momento ouvir Harry Styles cantando tinha se tornado algo garantido na minha vida ao ponto de eu me surpreender ao perceber que ele não era só o cara incrível pelo qual eu havia me apaixonado, mas sim, um profissional que vivia da sua música e talento. Eu definitivamente deveria me sentir mais intimidada em como as coisas eram em uma escala muito maior do que eu percebia no dia a dia.

Eu tinha acabado de testemunhar talento e arte em sua forma mais pura, e olha que aquilo não estava nem perto da versão final. Quantas pessoas têm essa chance?

Harry abriu a porta e caminhou diretamente até mim, me dando um abraço breve e apertado e um selinho tímido. E aí toda a grande escala que eu deveria ficar ciente desaparecia de novo.

- Não sabia que você cantava. - Eu provoquei Harry e ele passou um dos braços por cima dos meus ombros. Pisquei para Tom fazendo uma careta.

- E até que eu sou decente, sabia? - Harry rebateu entrando na brincadeira.

- Qual o nome dessa música?

- Essa – apontou com o dedão para a janela atrás de nós – que eu cantei agora?

- Uh-hum. - Concordei com um revirar de olhos.

- Essa é Canyon Moon. - Respondeu com um grande sorriso no rosto.

- Vai estar no álbum? - Perguntei com um tom indiferente, como se a resposta não fosse importante.

- Não sei. - Harry rebateu lentamente enquanto me lançava agora um sorrisinho de lado que marcava apenas uma covinha.

- Okay, então. - Puxei o ar como quem está prestes a mudar de assunto. - Preciso ir. Suas roupas estão naquela sacola. - Apontei para a cadeira onde eu estava sentada.

- Precisa ir? Como assim?

- E voltamos à saga dos “como assim”. - Debochei e comecei a rir quando Harry revirou os olhos.

- Eu te odeio. - Expressou enquanto ria também. - Não, mas sério, eu achei que você fosse passar a tarde aqui.

- Você me convidando para ver vocês gravarem? O que aconteceu com “eu não quero estragar a magia.”? - Eu tirei seu braço do meu ombro, me virando de frente para ele.

- !

- Ok. Ok! - Me dei por vencida ao ser repreendida. - Eu combinei com Henry que ia para lá hoje. Desculpe. - Peguei meu celular para checar as horas. - E eu já estou começando a ficar atrasada.

- Henry? Você vai para a casa dele? - Ele, Mitch e Tom se entreolharam.

Eu continuei fingindo casualidade, queria ver qual seria a sua reação. Ele podia sair com a Sophie, não é mesmo?

- Uh-hum. - Afirmei. - Tem um tempo que eu prometi uma visita para ver Maddie. Vou finalmente entregar aquele seu autógrafo que ela pediu, queria ser eu a entregar e eu esqueci em casa duas vezes já, imagina como ela deve estar a ponto de me matar. - Conclui rindo.

- Sim! É claro! - Harry rebateu em um tom exageradamente positivo. - Vai lá. Se divirta. Passe um tempo com seus amigos.

Ele estava me ridicularizando? Com a sugestão de que meus amigos eram meu colega de trabalho que eu costumava foder e sua filha de 15 anos?

Se fosse esse o caso, ele estava certo para caralho que eles eram meus amigos, sim! Eu acenei com a cabeça e empinei o nariz, não havia nada para me envergonhar.

- Vejo você...? - Perguntei esperando que ele completasse.

- Amanhã vou direto para a sua casa.

- Combinado!

Me inclinei em sua frente para lhe dar um beijo. Harry me segurou pelo tronco, me segurando como se eu pudesse cair.

- Pode me enviar uma mensagem de voz com essa demo para eu ouvir no caminho agora?

Tom foi o primeiro a começar a rir.

- Não. - E também foi o primeiro a negar.

- Mas... - Eu tentei argumentar.

- Posso te enviar o volume 6 de Sunflower. - Harry mediou.

- Seis? - Repeti arregalando os olhos. - Quantas versões terão para essa música?

- Nem pergunta. - Mitch interviu.

- Ok. - Eu levantei os braços em rendição. - Eu aceito qualquer coisa. Eu sou uma viciada em Harry Styles. Me dê só mais uma dose! - Dramatizei.

Nós rimos e então abracei Mitch e Tom para me despedir.

- Eu te levo até o carro, babe. - Harry falou quando eu fiz menção de o abraçar também. Eu apenas concordei com a cabeça enquanto acenava ao me distanciar dos amigos de Harry.

- Henry, huh? - Harry soltou com um ar misterioso quando atravessamos a casa até o jardim.

- O quê? Vai dizer que está com ciúmes logo dele?

- Ciúmes? Eu? Não! - Harry balançou uma mão no ar para expressar o quanto achava aquilo absurdo. - Mas você tem que admitir que um pouco de ciúmes seria compreensível, considerando...

- Nós somos amigos. - Falei simplesmente.

- Nós também éramos amigos. - Rebateu só pelo prazer de me contradizer. E eu revirei os olhos.

- Mas Henry e eu fizemos o inverso de você e eu.

- Eu sei disso, babe. E fico feliz que sejam amigos.

Eu acenei com a cabeça e murmurei um “uhum”.

- Jezz. Eu fico aliviado que agora sejam amigos. - Ele riu ao reconsiderar e eu ri também. - Mas é que...

Ih, lá vem!

- ...vocês trabalham juntos... não que isso seja um problema..., mas o que eu quero dizer é que vocês passam muito tempo juntos e, quero dizer, ele tem uma boa aparência, sabe? Eu vejo o porquê você se interessou por ele e, quero dizer, não que eu me interessaria também, mas ele parece fazer o tipo de todas as mulheres, mas o que eu queria dizer...

Eu estava tentando segurar uma risada enquanto pacientemente esperava Harry se enrolar mais ainda para se explicar. Ele era uma graça!

- ...é que eu fico imaginando as mãos dele te tocando e aaahhhh... - Harry fez uma careta de nojo e instantaneamente cobriu o rosto com as mãos.

Eu não aguentei mais segurar a gargalhada.

- Pervertido! Pare de imaginar essas coisas.

- Na-n-não! Não é isso!

Eu ri mais ainda da sua gagueira tentando se justificar.

- Eu amo você, ok? - Reafirmei. - Eu só tenho olhos para você.

- Então não tenho com o que me preocupar? - Harry verbalizou quando ficou claro o que eu sugeria.

- Você não tem com o que se preocupar. - Repeti.

- Ok. - Harry balançou a cabeça para cima e para baixo. - Certo.

- Certo. - Fiz o mesmo.

- É que eu ‘tô aqui preso nesse estúdio escrevendo músicas sobre você...

- Harry!

Eu já até sabia o que ele queria dizer.

- Ok. Ok. Já entendi. Acabou o assunto.

- Por favor!

- Desculpe.

- Além do mais, você está gravando as músicas e não as escrevendo. - Eu tinha que dar uma alfinetada. Eu dei uma risada curta e alta que saiu quase como um quack quando ele revirou os olhos. - Ok, estou indo. Vejo você amanhã.

- Pode apostar que sim! - Harry passou um dos braços pelas minhas costas me puxando para perto de si, me dando uma série de selinhos rápidos e um último demorado.

- Eu te amo. Dirija com cuidado.

Ao falar isso, Harry passou a mão que não me segurava sobre os meus cabelos e depositou um beijo no topo da minha cabeça.

- Seu cabelo está cheiroso. - O elogio saiu mais como um comentário.

- Obrigada. - Eu respondi e lhe dei um sorriso.

- Você é tão linda.

- Você também.

- Eu estou falando sério.

- Eu também. - Juntei as sobrancelhas.

- Fica aqui comigo? - Harry pediu e fez um biquinho.

- Não posso, H. Eu prometi a Maddie que iria vê-la.

- Tudo bem. Já sinto sua falta.

- Fofo. - Eu dei um sorriso de lado e um beijo em seu rosto. - Tchau. Vejo você amanhã.

- Até amanhã.

- Você precisa me soltar para que eu consiga entrar no carro. - Eu falei rindo enquanto Harry ainda tinha uma mão apoiada nas minhas costas.

- Estou tentando. - Ele também riu, mas não se mexeu.

- Ok, Harry, sério. Me solta, eu preciso ir.

- Certo. - Retirou o braço, relutante. - Certo. - Coçou a cabeça com a mão que antes me abraçava, como se ela estivesse fora de controle e ele precisasse deixá-la ocupada.

Eu abri a porta do carro de costas, enquanto olhava para Harry dar alguns passos para trás também de costas, não queríamos cortar o nosso contato visual.

- Ok. Estou indo. - Eu repetia enquanto parecia fazer tudo mais lentamente. Jogar o celular e as chaves no banco do passageiro, acenar de volta quando Harry acenou e, sem mais opções, entrar no carro.

Pelo retrovisor, eu vi Harry entrar na casa e em segundos o portão começou a se abrir. Eu segurei o volante com as duas mãos e deixei a cabeça tombar ali, meus olhos na direção dos meus pés. Suspirei e ergui a cabeça, me recompondo. Meu coração batia forte, era tão bom amar assim. O portão terminou de abrir e eu apertei o botão de ignição do carro e, antes de arrancar, olhei pelo retrovisor mais uma vez. Senti um aperto no peito que me fez querer chorar, eu não sabia exatamente o porquê. E Harry estava de volta à porta me vendo partir.



- Oi!! - Cumprimentei animada quando Henry me recebeu na porta. - Desculpa o atraso, precisei ir em Malibu. - Falei em uma só respirada enquanto o abraçava. - Cadê a Maddie?

- Oi, ! Eu estou bem, obrigado por perguntar. - Eu dei um sorriso.

- Eu te vejo todos os dias, eu não quero saber de você.

- Ouch! - Henry reclamou colocando uma mão no peito. - Assim você fere os meus sentimentos.

- Que sentimentos? - Sua boca formou um ‘o’ perfeito e eu dei uma gargalhada. - O quê? Não vai me dar passagem para entrar? - Levantei as mãos em sua frente, como quem pede por uma resposta.

- Estou reconsiderando depois desse comentário.

- Ah, cala a boca. - Eu revirei os olhos e me espremi entre ele e um dos lados da porta, dando um tapa em sua bunda ao passar.

- Ei! - Reclamou.

Eu soltei um “oh” de surpresa ao me virar para encará-lo com os olhos arregalados.

- Desculpe. Foi automático. - E então, sussurrando, completei: - A Kate está aqui?

- Não. Você está com sorte.

- Juro, me desculpe. Eu não quis ser desrespeitosa.

- , relaxa. Está tudo bem. - Henry deu de ombros. - Você faz isso... Você dá tapa na bunda das pessoas e toma as coisas que estamos comendo das nossas mãos. Você abraça nas chegadas e nas saídas mesmo que você veja a pessoa todos os dias. Você é assim. Eu já me acostumei.

Eu também dei de ombros e antes que pudesse respondê-lo, Maddie surgiu correndo e gritando.

- !!

- Hey, darling! - Eu disse quando nos abraçamos.

- Você está atrasada. - Ela revirou os olhos.

- E você está... adolescente! - Eu rebati em uma tentativa de igualarmos as reclamações.

Henry fingiu uma tosse.

- Eu já vou te dizer para calar a boca antes de começar. - Eu apontei um dedo para ele, que levantou os braços em sinal de rendição e foi se sentar no sofá e ligou a TV.

- Desculpe o atraso, Maddie. Eu precisei ir em Malibu deixar algumas roupas para Harry. Mas olha, eu trouxe algo para você. - Enfiei a mão na bolsa procurando pela foto autografada de Harry.

Assim que ela pegou o papel e viu do que se tratava, soltou um grito. Com uma careta eu cutuquei um dos ouvidos com o dedo.

- Você acabou de me deixar surda.

- Obrigada, ! - Ela falou ainda gritando e me deu outro abraço.

- Eu queria que vocês pudessem se conhecer, mas o Harry anda bem ocupado por esses dias. - Justifiquei.

- Olha, papai! - Ela exclamou e foi até o sofá para mostrar a Henry, o qual pegou o papel e encarou a imagem de Harry com um olhar que transparecia preguiça.

Era uma foto em uma das premières de Dunkirk. Harry está com um terno todo preto. Foi a première de Londres, talvez? Eu não fazia ideia. Eu só tinha impresso aquela foto porque aquele era um dos meus cabelos preferidos dele.

- Como ele consegue ser tão bonito? - Henry falou do nada e eu arregalei os olhos.

- O quê? - Eu balbuciei.

- O cara não parece ter defeitos. Até os cachos de cabelo bagunçados no meio da cabeça parecem intencionalmente arrumados assim.

Eu olhei para Maddie, Maddie me olhou e caímos na gargalhada.

- Por que estão rindo? - Ele perguntou confuso. - É sério.

- A gente sabe, pai.

- Você vai acreditar se eu disser que Harry falou a mesma coisa de você hoje? Suas masculinidades estão muito afetadas por causa um do outro.

- Minha masculinidade não está afetada. - Henry falou e cruzou os braços, constrangido. - Eu só estou falando que ele realmente tem uma boa aparência. Eu não tinha reparado tanto quando eu o conheci naquele dia.

- Você conheceu o Harry???? - Maddie disse alarmada.

- Ela vai reagir assim toda vez que eu falar o nome dele? - Henry perguntou para mim, como se desconhecesse a adolescente à sua frente.

- A filha é sua e eu que sei? - Eu dei uma gargalhada.

- Você se lembra quando a colega de trabalho do papai teve um bebê e eu fui visitá-la? estava lá e o levou junto. - Henry explicou.

- Você levou Harry Styles para conhecer o bebê da sua amiga? - Maddie me questionou.

- Bem, ele estava comigo. O que eu deveria fazer? - Ela deu de ombros. - Ele não é uma diva. Ele faz coisas normais, sabia?

- Jura? - Ela questionou genuinamente impressionada.

- Juro. - Afirmei. - Ele é um cara bem humilde e tranquilo. Você terá a chance de ver por si própria quando o conhecer.

- Pessoalmente ele sequer parece uma celebridade. - Henry completou e eu o olhei engraçado.

- É por isso que você está impressionado por essa foto? Acha que ele não parece tão bonito pessoalmente? - Eu perguntei.

- Não, de jeito nenhum. Eu só acho que ele parece mais “normal” sem as roupas de grife e extravagantes. - Henry deu de ombros. - Quando ele está assim – apontou para a foto – até que ele fica a sua altura. - Eu gargalhei. - Mas no dia a dia, você é muita areia para o caminhãozinho dele.

- Aí, Campbell. - Dei um tapinha amigável em seu ombro. - Você é demais.

- Mas a culpa é sua, sabia disso? - Ele continuou.

- Como assim? Culpa de quê?

- Você sempre fala dele de uma forma que quem não o conhece cria expectativas muito altas. - Eu ainda o olhava confusa. - Não é que ele não seja um cara bonitão, que chama atenção, porque ele é, mas você também é muito atraente, mas fala dele como se ele fosse muito mais que você. O que não é verdade.

Eu fiz uma careta e cocei a nuca.

- Eu só acho o Harry incrível e quero que as pessoas ao meu redor tenham a chance de o ver como eu vejo. - Dei de ombros. - Eu não estou tentando ser pior do que ele de propósito, tampouco acho que sou melhor. Não estamos competindo.

- Eu sei. - Henry concordou com a cabeça. - Isso é só mais uma daquelas coisas que você faz. Você é assim, sempre destaca o melhor nas pessoas.

- Obrigada, eu acho? - Falei sem graça e Henry me deu um sorriso.

Por que todo mundo parecia ter tirado aquele dia para estapear minha cara? Eu só tenho dois lados na face, eu não posso aguentar mais.

- Onde está Tyler, a propósito? - Introduzi um novo assunto para dissipar o desconforto.

- Ele foi passar o fim de semana na casa de um amigo. - Henry explicou e eu repliquei com um curto “entendi”.

Acompanhei Maddie, me sentando no chão em volta da mesa de centro, ajudando-a a montar a torre com as peças de jenga. Henry estava sentado no canto do sofá, eu olhei rapidamente para a tv.

- Quem está jogando?

- Warriors versus Lakers.

- Uhhh. - Fiz uma careta. - Estamos ganhando? - Henry me olhou engraçado quando perguntei.

Eu não era de acompanhar esportes ou escolher lados, mas já que eu morava em LA, imaginei que automaticamente deveria torcer para o time da cidade.

- É claro que sim! - Rebateu ofendido. - Quer uma cerveja? - Completou em um tom casual.

- E os pássaros têm asas?

- Alcoólatra. - Deu uma risada e pulou do sofá. - Baby, você quer água? - Perguntou para Maddie na metade do caminho.

- Quero OJ. - Respondeu e eu dei um sorriso. Eu não conseguia deixar de achar genial a abreviação em inglês para suco de laranja. - Pode começar, . - Maddie completou e voltei a prestar atenção no jogo.

Retirei a primeira peça empolgadíssima, eu era muito boa nesse jogo e raramente perdia. Eu deveria dar uma colher de chá por estar jogando contra uma criança? Eu claramente tinha uma vantagem.

Henry voltou com um copo com o suco para Maddie e uma long neck Heineken para mim. Único hétero top que eu suportava. Foi a vez de Madison tirar uma peça e eu olhava para a TV enquanto isso. Alguém fez pontos e pelo grito de Henry, eu acho que foram os Lakers.

Maddie e eu tiramos mais uma dúzia de peças antes que o jogo terminasse um dos tempos.

- Merda! - Henry reclamou e eu olhei para a tv, vendo que passava um comercial. - Estamos empatados! - Explicou quando o olhamos confusas. - Vou ao banheiro. Quer outra cerveja, Pretty? - Henry e eu tínhamos diminuído consideravelmente o tratamento por apelidos desde que tínhamos resolvido ser só amigos, mas ele tinha muito mais dificuldade em perder os velhos hábitos do que eu.

- Eu meio que estou com fome.

- Quer um sanduíche?

- Sim! - Eu exclamei.

- Eu também quero. - Maddie pediu.

- É pra já.

- Capricha, hein, Chef. Campbell. - Ele revirou os olhos com o apelido antigo e eu dei um sorriso cínico. Se havia algo que eu tinha saudades era vir jantar aqui depois do trabalho.

Olhei para Maddie por alguns segundos antes de perguntar:

- É a minha vez?

- Não. Sou eu.

- Ok. Vai. - Ela desviou o olhar da torre de peças cheia de buracos e me encarou. - O quê? Está muito difícil agora? - Provoquei.

- , eu preciso te contar algo. - Maddie falou de repente.

- O que foi? - Eu arregalei os olhos.

- Shiu! Meu pai não pode ouvir.

- Por que não? - Eu perguntei como uma tonta. Quando eu havia me esquecido como era ser adolescente? - O que é?

- Você se lembra do garoto da minha sala? - Perguntou em um sussurro.

- O que fez você tirar notas ruins?

- Ele não me fez tirar notas ruins! - Rebateu com uma bufada. - Enfim. - Revirou os olhos. - Eu fui na festa do Ben mês passado...

Ben? Quem é Ben?

- Quem é Ben? Você foi em uma festa? Tipo, de aniversário? - Perguntei debilmente.

- Ben é um outro garoto da minha sala. Os pais dele viajaram no final de semana e ele deu uma festa na casa dele.

- Ohhh! - Exclamei. - Você diz uma festa, festa? Copos vermelhos, muito álcool e verdade ou desafio? - Exemplifiquei.

- Tipo isso. - Revirou os olhos de novo.

- E seus pais deixaram você ir?

- Claro que não! Eu falei que ia dormir na casa da Hannah.

Eu achei melhor não perguntar quem era Hannah.

- Maddie, você não usou drogas, usou? - Eu não sabia se estava com mais medo de perguntar isso ou da resposta.

- Não! Dá pra parar de me encher de perguntas e me deixar contar?

- Achei que ter ido na festa escondida – falei a última palavra em um sussurro – era o que você queria me contar.

- Relaxa, eu não fiz nada de estúpido. - Ela já estava sem paciência. Adolescentes! - O que eu queria te contar é que o Nate me beijou! - Ela finalizou em um tom animado.

E agora, quem era Nate?

- O garoto das notas ruins?

- Éeee! Meu Deus, ! Você é muito devagar!

Oxe! Que abusada!

- E isso é bom, certo?

- Sim?!

- Ah, que legal, Maddie! - Eu dei um sorriso. - Você gosta dele, não gosta?

Ah, estar apaixonada no ensino médio!, pensei. Não era bom, não. Porém, parecia inofensivo até então, não queria estragar isso para ela. Fora que eu não sabia o que fazer com a minha vida amorosa, menos ainda dar conselhos amorosos para adolescentes.

- Gosto. - Ela ficou um pouquinho sem graça ao admitir.

- Aw, você é tão fofa! - Eu a puxei para um abraço desajeitado e ela deu uma risada.

- Para! Isso é embaraçoso!

- Desculpe.

- Eu queria te contar há um tempão! Eu obviamente não posso falar nada com a minha mãe, mesmo que minhas notas tenham melhorado, qualquer coisa que dê errado, ela vai achar que é culpa dele. E meu pai... - Ela suspirou.

- Ele teria um treco. - Completei e ela concordou.

- Ele é muito ciumento e mataria Nate.

- Tome cuidado, ok? Não fique indo para festas escondida dos seus pais e não use drogas, pelo amor de Deus. Eu sei que estamos na Califórnia e toda a atmosfera aqui passa essa sensação de que tudo é legalizado, mas você só tem 15 anos.

- Eu não vou mais sair escondida dos meus pais.

Que mentira! Mas debater isso não ajudaria.

- Olha, Maddie... Eu fico feliz que você confie em mim para contar isso, e é muito legal estar apaixonada na sua idade, ter o primeiro amor e o Nate tem a sua idade, o que é normal, mas seus pais são seus melhores amigos, ok? Isso pode não parecer verdade agora e às vezes eles podem agir como se só quisessem destruir sua vida, mas é para o seu bem! - Ela arqueou uma sobrancelha. - Eu sei, eu sei! É o que todo mundo diz, só que não deixa de ser verdade!

- Eu sei...

- Você pode sempre me contar as coisas, ok? Mas você precisa contar para eles também. Quanto mais transparente você for, melhor. Você entende? Facilita sua vida. Eles ficariam muito tristes de saber que você precisa esconder uma coisa dessa deles. Não a parte da festa, isso é melhor você não contar mesmo, só não faça de novo! Mas seu primeiro beijo! Isso é algo importante! Como foi? - Perguntei entusiasmada.

- Foi perfeito... - Ela suspirou. - Nate é perfeito!

Ah, eu tenho certeza que ele não é.

- Que bom! Fico mesmo feliz. Mas você precisa contar para a sua mãe, ok? Isso é um momento importante que você quer dividir com ela.

- Tudo bem. - Acenou com a cabeça.

- Você quer que eu converse com o seu pai? Eu posso contar para ele por você.

- Isso seria bom. - Deu um sorriso sem graça e eu concordei com a cabeça.

- Ok. Eu vou conversar com ele durante a semana no trabalho, o que acha? Assim ele vai ter um tempinho para processar antes de vocês se verem de novo.

- Obrigada, !

- É claro, minha linda!

- Sabe, se meu pai não tivesse voltado com a minha mãe, eu gostaria que você fosse namorada dele. - Eu dei uma risadinha com o comentário.

- Eu sou muito nova para ser sua madrasta. - Brinquei.

- Hum, eu não sei. - Fingiu pensar. - Pra mim você parece bem velha. - Eu abri a boca em uma expressão escandalizada.

- Garota, você só pode estar brincando. - Rebati ofendida. - Eu sou bem jovem só para sua informação, obrigada. - Ela deu uma gargalhada.

Henry entrou na sala equilibrando toda a comida.

- O que estão rindo? - Perguntou ao me entregar meu prato.

- Sua filha acabou de me chamar de velha! - Eu a acusei, ela riu e Henry fez uma careta de confusão. - Deixa pra lá. - Abanei uma mão.

*


- Não, não, não, não!

Eu repetia como um mantra. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo.

- ? - Harry me chamou. - O que foi?

Merda, merda, merda, merda!

Ele não poderia ter acordado agora. Como eu me explicaria? Ele ficará furioso. Eu preciso pensar.

Pensa, pensa, pensa, pensa!

Eu estava exausta! Harry e eu tínhamos discutido de novo sobre o Met Gala e apesar de não termos brigado dessa vez, eu podia sentir como as coisas estavam tensas entre nós. E agora mais isso! Eu não poderia ter acordado de maneira pior. Isso não poderia ter acontecido num momento pior!

- Harry, eu... - Sem coragem de confessar, eu apenas levantei a corrente que ele havia me dado de aniversário ao nível de seus olhos.

A corrente agora quebrada. Os pingentes jaziam na cama, no vão entre nossos corpos. Eu quase ri de amargura com aquele simbolismo ingrato.

- O quê? - Sua voz sonolenta demonstrava confusão ao ver as lágrimas silenciosas rolando pelo meu rosto. - Não estou entendendo?!

- Harry, me desculpe. Eu não deveria ter dormido com o colar. Me desculpa por ter estragado seu presente. Eu estraguei tudo.

Harry direcionou seus olhos para a cama, depois para as minhas mãos e, por último, para os meus olhos. Eu queria morrer ao ver sua expressão. Ele me odiava, eu tinha certeza.

- Deve ter se enroscado no meu pescoço durante a noite. - Eu tentava explicar, desesperada.

- , o q–

- Você me odeia, eu sei. Eu sei que foi um presente caríssimo e eu sou uma estúpida por ter esquecido de tirar antes de dormir.

- Ei, ei, ei! - Harry segurou a minha mão que segurava a corrente arrebentada. - Se acalma! O que é isso?

- Isso o quê? É a corrente! - Falei exasperada.

- Não, babe, essa reação. - Eu dei um soluço. - Uau! Eu não sabia que esse presente significava tanto assim para você. - Havia tristeza em seus olhos. - Quero dizer, eu sabia que você tinha gostado, mas... Uau! - Ele coçou um dos olhos. - Eu posso comprar outra corrente, não se preocupe.

- V-vo-você n-não está bravo?

- Por que estaria? - Sua testa tinha um vinco.

- Porque você me deu esse presente e eu o estraguei.

- Mas não foi sua culpa. - Deu de ombros, desengonçado.

- É claro que foi! - Falei mais alto e Harry arregalou os olhos.

- , – Se sentando na cama – o que está acontecendo?

Suspirei audivelmente, sem saber por onde começar. Sem saber se eu queria começar.

- Eu não... quero falar sobre isso. - Respondi quase em um sussurro.

Harry apenas assentiu com a cabeça e se arrastou até a beirada da cama, ficando de costas para mim. Ele ia sair do quarto e me deixar sozinha.

- Eu... - Quase gritei, em urgência para retrair seus movimentos. Esperei uma reação de Harry, que não veio. Ele continuou de costas, imóvel, parecia sequer respirar. - Eu já passei por isso antes. - Continuei, cada palavra saindo da minha boca como se eu engolisse navalhas em vez de saliva.

Pausa.

Eu estava pronta para falar de novo se ele fizesse outra menção de se levantar. Ele parecia no limite com toda a merda que eu estava jogando nele ultimamente. Eu sabia disso, sabia que toda essa minha recusa sem explicações claras o estava tirando do sério. Eu sabia que chegaria um ponto em que Harry precisaria saber mais do que eu estava falando, ou melhor, não falando de jeito nenhum.

Eu só... odiava ser a vítima, não queria que Harry tivesse pena de mim ou qualquer coisa parecida, não queria que ele pensasse que precisava pisar em ovos comigo só porque eu já passei por algumas merdas que são bem difíceis de esquecer na vida. E daí? Todo mundo já. Eu não sou a única e nem a última. Não quero ser definida pelas minhas escolhas do passado.

- Estou esperando. - A voz rouca de Harry me sobressaltou.

- Eu não quero falar sobre isso. - Encarei suas costas nuas, seu corpo sem nenhuma memória muscular que indicasse ter se mexido nos últimos minutos.

- , se você não quiser falar, tudo bem, mas assim eu não posso te ajudar.

- EU NÃO QUERO A SUA AJUDA! - Minhas mãos bateram no colchão e eu demorei alguns segundos para perceber que aquela reação havia saído de mim.

Harry me encarou por cima de um ombro, a testa franzida, claramente nem um pouco satisfeito com a minha atitude.

Eu agi como uma pessoa totalmente desequilibrada, eu pude ver depois que a ação havia chegado ao fim, eu estava reagindo exageradamente como me era tão clássico. Era um dos meus defeitos que eu mais tinha consciência sobre e, mesmo assim, eu esquecia completa e momentaneamente que eu fazia isso sempre que eu fazia. E, então, quando a ficha caia, eu me sentia uma idiota por ter me deixado levar emocionalmente. Mas eu só percebia quando acabava e aí não tinha mais volta.

- , eu estou cansado disso.

- Disso o quê? - Eu temia a resposta para essa pergunta.

- Dessa porra de “eu não quero falar sobre isso”! - Harry também levantou a voz. - Eu sou um livro aberto para você, ! Você sabe todas as minhas fraquezas, todas as minhas inseguranças e, de alguma forma, você ainda não confia em mim.

- Não tem nada a ver com confiança. - Cortei sua fala.

- Na maioria do tempo... - Harry passou uma das mãos pelos cabelos, jogando-os para cima porque tinha a cabeça direcionada para o colchão. - Eu sinto como se navegasse num mar calmo sob um céu ensolarado... Até que sou fisgado pelo canto da sereia e antes que eu perceba fui atraído até um mar tempestuoso e instável só para alcançá-la.

- Você está querendo dizer que eu sou a sereia que te fez cair em uma armadilha, em algo que não era nada do que você esperava?

- O que eu quero dizer é que você sabe que eu pularia de cabeça nessas águas geladas por você! - Eu balancei a cabeça em discordância. - Você sabe que sim! - Me encarou novamente. - Sabe que eu te venero! Mas cara, como eu te odeio às vezes.

Eu soltei uma bufada que saiu com um sorriso irônico e um revirar de olhos. Sério que ele ia dizer que me odeia assim?

- Algum dia eu serei bom o bastante para você? - Sua voz estava cheia de mágoa.

- Do que você está falando? Eu quem deveria te perguntar isso, você acabou de falar que me odeia!

- É porque você testa a minha paciência! - Esfregou os olhos e desceu com a mão pelo resto do rosto. - Mas a possibilidade de me ver sem você é na verdade cair do barco e perceber que eu não sei nadar nesse mar turbulento. - Harry molhou o lábio inferior com a língua e puxou o ar antes de continuar. - Eu aceito que há coisas sobre você que eu nunca saberei, mas você não pode deixar essas coisas ressoarem entre nós!

- Você está me deixando confusa. - Foi tudo o que eu consegui formular para dizer.

- Pois é! Imagina como eu me sinto com todos esses seus sinais em duplo sentido! Você me diz que temos que conversar sobre as coisas; você nunca me diz nada. Você me convence a ir ver a Sophie; e então fica brava porque eu fui. Você me diz que eu posso te contar qualquer coisa; e usa o que eu disse contra mim!

- Eu não fiquei brava! - Rebati.

- Sério, ? Está escrito na sua testa que você está com raiva de mim por isso desde o dia em que eu estava com os meninos. Eu não sou idiota.

- E depois ainda tem coragem de dizer que não sou um livro aberto para você. - Revirei os olhos e vi que Harry se segurou para não sorrir.

- Você se esforçou demais para esconder, então não conta.

- Eu não fiquei com raiva de você, H. Eu fiquei com raiva de mim mesma por me deixar afetar ver vocês juntos. - Confessei o que eu não tinha certeza se era a verdade.

- Nos ver juntos? - Harry pareceu confuso.

Revirei os olhos mais uma vez diante da inocência de Harry.

- É claro que vocês foram fotografados.

- Isso é óbvio. A questão é: por que você procurou as fotos? - Eu não esperava por essa.

- Eu não procurei! Estavam por toda a internet! Eu não posso com a possibilidade de ser a próxima.

- A próxima?

- A próxima nos tabloides de fofoca como seu novo affair, não quando você recém apareceu com sua ex.

- Eu achava que você não nos considerava ex’s. - Harry rebateu jocoso.

- Harry...

- Eu não sei aonde você quer chegar com isso, . Você sabe que o que eu tive com Sophie nos melhores dias não chega nem perto dos nossos piores.

- Eu não quero ser retratada como mais uma das suas conquistas, mais uma trouxa, idiota, chifruda, sei lá.

Harry começou a dizer meu nome, mas parou no meio do caminho, passando a mão no rosto novamente, dessa vez parando ao envolver o pescoço.

- Ok, para mim chega.

Sabe aquele gesto que fazemos de cortar o pescoço com o dedo enquanto dizemos “eu ‘tô por aqui com você", quando sua paciência se esgota e você não aguenta mais? Harry parecia nesse limite e eu quase me peguei esperando que ele passasse o dedo pelo pescoço. Bem, pelo menos era o que ele faria se fosse brasileiro.

- Eu não vou levar isso para o lado pessoal. Se você não quer falar o que aconteceu, tudo bem! Só que eu não vou ficar aqui vendo você tentar me culpar por sei lá que merda você está refletindo aqui. - Eu o olhei em choque, parte pela rispidez de suas palavras e parte pelo significado delas. - O quê? Você acha que é a única que vai na terapia?

- Você fala de mim na terapia? - Eu tentei conter o sorriso, mas acabei deixando escapar em uma das laterais da boca.

- Por quê? Você não fala de mim?

- Todas as vezes.

Harry não esperava pela minha resposta tão sincera, o que fez com que ele prendesse o ar, desarmado.

- Sinto-me lisonjeado.

- De nada. - Soltei um risinho, ainda que tímido.

- Você se lembra de quando nos conhecemos e eu tinha receio de te contar as coisas por experiências traumatizantes do passado? - Eu afirmei com a cabeça. - Você se lembra do que me disse? - Neguei. - Você me disse que não era a Sophie e que provaria que eu poderia confiar em você.

- Sim, eu me lembro de dizer isso.

- E você cumpriu o que prometeu.

- Eu cumpri. - Concordei ainda sem entender qual era o ponto.

- , eu não sou ninguém que você já conheceu. Eu sou uma nova pessoa na sua vida. Eu já não provei que você pode confiar em mim tanto quanto eu confio em você?

Uma morte por milhares de pequenos cortes. Harry só pedia reciprocidade. Ele confia em mim, eu confio nele. Olho por olho, dente por dente... Numa versão menos vingativa e sangrenta.

- Eu tenho vergonha. - Confessei.

- Vergonha de quê? De mim? - Harry bufou sem acreditar.

- Não... - Cocei atrás da orelha. - Você se lembra do meu ex?

- Deniel? - Neguei com a cabeça.

- Daniel. - Corrigi-o. - Não, o otário que me ligou outro dia. - Harry acenou. - A gente namorou quando eu comecei a faculdade. Eu estava num momento estranho da minha vida, muitas mudanças, uma pressão do caralho e ele parecia um cavaleiro montado num cavalo branco.

- Qual é a das metáforas de te salvar?

- E-eu vou chegar lá, se você só... esperar.

Harry subiu engatinhando na cama, sentando-se de pernas cruzadas ao meu lado, um dos pés tocando o meu.

- Desculpe. - Pediu e eu apenas chacoalhei a cabeça.

- Meu pai tinha perdido o emprego e... - Engoli em seco. - Estávamos passando por dificuldades. Não faltar-comida-dificuldade, porque eu trabalhava, André trabalhava, mas meu pai sempre foi orgulhoso e não nos deixava ajudar. Então a gente o viu se afundar em dívidas por um ano e meio. Eventualmente, ele conseguiu um outro emprego, pagou tudo e voltamos a nos estabilizar. Mas foram um ano e meio vivendo em tensão, era horrível ver meu pai discutindo sobre dinheiro com a minha mãe e não poder fazer nada. Foram um ano e meio esquisitos e quando tudo começou eu estava com o Rafael, esse é o nome dele, havia poucos meses.

- Uau! Você nunca me disse isso.

- Eu nunca disse isso para ninguém. - Confirmei com a cabeça. Esperava que ele entendesse que havia muito mais palavras no que eu havia acabado de dizer.

- Eu nunca imaginei que sua família... Uau! - Harry estava estupefato. - Você sempre só fala coisas boas sobre eles, que vocês parecem não ter problemas.

- Todo mundo tem problemas. - Eu dei uma risada sem graça.

- Eu sei, eu não quis dizer isso... - Eu balancei a cabeça como quem dizia que ele não precisava se explicar e continuei:

- Para fugir disso, eu passava os finais de semana com Rafael, ia para a casa dele na sexta depois do trabalho e só voltava no domingo à noite, só que no domingo quando eu entrava em seu carro para que me levasse embora para casa, eu tinha vontade de chorar, não queria voltar. Tudo o que eu mais queria era ficar com Rafael, eu queria que a gente morasse juntos, se casasse, qualquer coisa assim. Eu tinha 19 anos.

Harry colocou uma mexa do meu cabelo atrás da minha orelha quando abaixei a cabeça envergonhada.

- Mas ao mesmo tempo, eu sabia que aquela não era uma decisão sábia e eu nunca expressei para ele nada disso. Ele não sabia disso, mas também pensava igual, queria que nos casássemos. Então fazíamos planos. - Dei de ombros. - Você vê qual é o problema? Eu queria fugir do que estava acontecendo na minha vida e achava que Rafael era o meu escape, a minha saída, a minha salvação. Só que é claro que ele não poderia me ajudar, não dessa forma. Mas eu não enxergava isso e fui me tornando cada dia mais dependente dele, emocionalmente falando. Eu não fazia mais nada além de trabalhar, ir para a faculdade e ficar junto com ele. E ele não fazia ideia dos problemas que eu passava em casa, mas é óbvio que ele percebeu o quanto eu estava apegada a ele.
E era um relacionamento relativamente novo, seis meses que meu pai estava desempregado e estávamos indo para um namoro de um ano. Não era o bastante para que eu o conhecesse ao ponto de um casamento, mas quanto mais tempo passávamos juntos, mais tempo com ele eu queria. Então foi o meu aniversário e ele me deu um colar, assim como você. Não era nada personalizado, era só uma corrente fina de joalheria de shopping com um pingente de coração, mas para mim foi como se ele tivesse me dado um modelo único, exclusivo e limitado. Rapidamente eu me vi apegada ao presente tanto quanto eu estava apegada a ele. Um dia eu estava na aula e, concentrada, coloquei o colar na boca...

- Você sempre faz isso. - Harry interrompeu.

- Acredite quando eu digo que eu recém voltei a fazer isso, porque de tanto que eu fazia, a corrente acabou arrebentando, acho que puxei de forma brusca quando mexi a cabeça, não sei. Eu só sei que arrebentei. Fiquei bem triste, mas a forma que ele me tratou foi muito pior.
Eu fui o encontrar mais tarde naquele dia e comentei que havia arrebentado, ele ficou mil vezes mais chateado do que eu e virou a cara para mim. Disse que não me daria mais nada, porque eu estragava tudo. Mas eu nunca tinha estragado nada, foi só aquilo. Ele fez com que eu me sentisse horrível. Como se eu não merecesse nenhum presente, porque não havia dado o devido valor ao presente caro que ele havia economizado tanto para comprar.

- ... - Harry me segurou pelos ombros. - Não foi sua culpa.

- É claro que foi! - Constatei. - Mas eu não fiz por querer. Aquele foi o primeiro sinal que eu ignorei do meu relacionamento abusivo.

Finalizei ali, eu estava esgotada por trazer aquilo à tona e não queria me aprofundar em mais coisas que eu não queria ter que contar agora.

- , eu sinto muito por você ter passado por tudo isso. - Harry afagava meus ombros enquanto dizia isso.

- Eu não quero sua pena. Eu tenho vergonha de ter sido idiota e aceitado tudo o que ele fez comigo. Isso é só a ponta do iceberg. Mas eu não sou uma vítima traumatizada, eu não preciso que você me salve e me mostre o que é ter um relacionamento saudável com um cara que me ama e me trata bem e blábláblá.

Eu já havia passado por isso com Daniel, ele já havia sido meu relacionamento saudável depois de um abusivo. Eu já tinha feito muita terapia e eu já tinha superado. Eu só queria deixar o passado no passado.

- Quem disse que eu tenho pena de você? Você é uma das pessoas mais fortes que eu já conheci.

- Corta o discurso. Eu também não sou nenhuma super heroína por ter passado por nada do que passei. - Harry me olhou confuso. - Só, não. - Ele levantou os braços em sinal de rendição.

- Para registro, eu não me importo de ter sido salvo por você. Mesmo que você não perceba, foi o que você fez, .

- Tanto faz.

Harry suspirou abatido e desceu da cama, pegando o celular na mesa de cabeceira como uma desculpa para ter se afastado de mim.

- Precisamos comer alguma coisa e nos arrumar. - Mudou de assunto friamente. - Temos um horário marcado no estúdio de tatuagem para hoje. Isso se você ainda quiser ir.

- Podemos passar na minha casa antes?

- Podemos tudo o que você quiser. - Apesar do tom de voz casual, sua resposta foi uma clara provocação. Ele queria me mostrar que, apesar de tudo, ainda conseguia ser generoso e me tratar como sempre, ao contrário de mim.

E sem me olhar mais, ele saiu do quarto.


Interlúdio

ABRIL, 2019

Don't you call him what you used to call me






O quê? Agora essa era a sua estratégia?

Eu murmurava comigo mesma enquanto revirava minhas camisetas em uma das gavetas da cômoda.

Nas últimas horas, desde que acordamos com quatro pés esquerdos, Harry tinha agido como um absoluto príncipe. Tudo bem que sempre optamos pela dinâmica “fingindo que nada aconteceu” sempre que brigávamos, mas ele estava passando dos limites. Harry parecia a todo custo querer provar que eu é quem estava fazendo de tudo para dificultar nosso relacionamento. E como ele fazia isso? Sendo absurdamente gentil, cavalheiro, carinhoso, engraçado e... arrrrgh.

Será que poderíamos, só dessa vez, nos comportar de acordo com a situação?

Ele agia agora como se eu fosse a bruxa má e horrível e ele a doce e inocente... princesa. E eu já usei essa analogia, né? Mas é que estava usando todas as suas cartas na manga para me transformar na manipuladora da história. Se eu dizia que queria passar em casa antes, ele escolhia frases com sentidos ocultos como resposta. Como um “sim”, que na verdade significava jogar na minha cara que ainda faria qualquer coisa que eu pedisse. "Diferente da , que não faria o mesmo”. Viu? Manipuladora. Como se eu, de alguma forma, estivesse o direcionando a fazer todas as coisas maléficas que eu tinha em mente e ele, pobre coitado e apaixonado, não tinha opção, senão aceitar.

- , vamos nos atrasar! For fuck’s sake! - Escutei Harry gritar e uma batida na porta do meu quarto. Porta que sempre ficava aberta para que ele pudesse ir e vir, mas eu havia trancado dessa vez porque eu precisava me manter longe dos seus olhos verdes que eram oblívios aos efeitos que me causavam.

Mas que saco!

- Eu já estou indo! - Gritei de volta.

- Por que você está demorando tanto? - Perguntou quando eu abri a porta e quase topei de nariz com ele no corredor.

- Eu não consigo decidir o que vestir.

- Como assim? Você precisa decidir? Só vamos ao estúdio de tatuagem. Coloca qualquer roupa.

Encarei Harry como se naquele momento ouvisse o maior absurdo já ouvido na história da humanidade. Jamais imaginei o Harry-Fashion-Styles dizendo frases como “coloca qualquer roupa”

- É claro que eu preciso decidir! - Bufei. - Preciso pensar onde vou tatuar e vestir roupas com fácil acesso à essas áreas.

- Agora você já está inventando.

- Ah é? Certo! Então vou vestir uma calça jeans bem apertada e tatuar aqui – mostrei com o dedo a linha entre a barriga e a perna, quase na virilha, mas próximo ao quadril – assim eu vou precisar tirar toda a calça e o tatuador vai adorar ver a minha calcinha nova de renda.

Harry fez uma careta, abrindo e fechando a boca algumas vezes tentando formular uma resposta à altura.

- Bem, nesse caso, você vai ter que tirar qualquer roupa que escolher.

Foi uma resposta bem pensada, confesso, porque eu me peguei também sem saber o que retrucar.

- Ok. Então eu vou tatuar na coxa, porque teria uma opção de roupa melhor, mas se eu não escolher e for de jeans, eu vou ter que tirar e aí o tatuador vai ver a minha calcinha.

- , cala a boca. - Harry rebateu sem paciência e eu gargalhei. - Você vai com essa roupa aí ou não?

- Sim! - Confirmei como se sua pergunta fosse idiota.

- Ótimo! Podemos ir?

Eu revirei os olhos. Britânicos... frios e distantes.

- Que bicho te mordeu, hein? ‘Tá todo estressado hoje.

É isso mesmo, redirecionamento de culpa era o nome do que eu estava fazendo.

Harry continuou me olhando com cara de quem não acreditava que eu tivesse dito isso, não depois da cena que eu dei ao acordar na cama ao seu lado com meu colar arrebentado.

Agora era a hora certa para que ele rebatesse a culpa para mim, dizendo que eu e quem estava com problemas hoje e, para fechar, jogar na minha cara diretamente o que havia acontecido horas antes.

- Não ‘tô, não!

E, mais uma vez, mostrando ser um ser superior, Harry Styles não entra no meu joguinho. Ou apenas mostrava ser um jogador melhor na arte da passividade-agressividade.

- Okay. - Deixei pra lá.

- Oh, não me use esse “okay”.

- O seu okay? Okay.

- Grrrr. - Grunhiu. - Só por isso você dirige. - Disse e virou as costas.

Aproximação sutil e indiretas que pareciam inocentes aos olhos externos eram mais o seu forte. Ele fugia do confronto direto. Um melhor jogador sem dúvidas.

Como era aquele ditado mesmo? Apelou, perdeu. E eu já tinha entrado apelando.

- De jeito nenhum. - Retruquei gargalhando mais ainda.

Harry parou e virou para trás. Eu o encarei, ele me encarou. Eu sabia o que aquilo significava, antes que eu pudesse pensar melhor minhas pernas se moveram sozinhas e eu saí correndo.

Harry só precisou esticar os braços para me segurar praticamente no ar quando tentei passar por ele.

- Você não vai chegar ao carro primeiro. - Ele falou como se eu já tivesse perdido.

- Se você me soltar, talvez eu te vença.

- Você ainda precisa fechar a porta. - Tentou racionalizar.

- Fecha a porta você!

- A casa é sua! - Ele rebateu gargalhando.

- Se estivéssemos na sua casa eu venceria. Igual da última vez.

- Bem, quem quis passar aqui foi você, só que para chegar ao carro primeiro você precisa pegar o elevador.

- Eu sei?!

- Eu aposto que desço as escadas mais rápido.

- Eu também posso descer as escadas. - Eu rebati cruzando os braços desajeitadamente em frente ao corpo. Harry ainda me envolvia em um abraço.

Não tinha a menor condição uma pessoa ficar mais de 30 minutos com raiva desse homem sem perder a sanidade!

Sem aviso, Harry me soltou e saiu disparado em direção ao fim do corredor. Como eu estava escorada nele, eu me desequilibrei, cambaleando até a parede e batendo ali com força. Foi tudo muito rápido.

- Aí! - Eu gritei, mais com o susto do que com a batida.

No mesmo segundo Harry já tinha voltado correndo.

- O que aconteceu? - Ele tinha os olhos arregalados quando apareceu de novo no corredor. Parou com as mãos próximas a mim, preparado para intervir caso eu desabasse no chão de vez.

- Você me soltou com tudo. - Eu reclamei me virando na parede para me apoiar de maneira mais confortável. - Eu tinha escorado todo o meu peso nos seus braços.

- Desculpe. - Harry tentava segurar o riso agora.

- Grosso! - Gritei em sua cara e lhe dei um tapa no braço. - É assim que você trata a sua namorada?

- Conveniente... - Murmurou e revirou os olhos.

Falando em passivo-agressivo...

- Harry, se você tem alguma coisa para dizer, diga!

Ele desviou o olhar antes de esfregar a mão na testa e murmurar de novo, dessa vez algo que eu não entendi.

- Precisamos ir. - Disse, por fim.

Inacreditável!

Revirei os olhos e sai batendo os pés no chão. Era por essas atitudes que Henry ria toda vez que eu chamava sua filha de adolescente, porque ele também achava que eu era uma.

Harry pegou o elevador comigo afinal.

- Sabe, eu preciso passar e dar um oi para Emma qualquer dia desses. - Ele comentou enquanto caminhávamos pelo estacionamento até a minha vaga onde seu carro estava estacionado.

Eu estava com raiva de mim mesma por tudo o que tinha acontecido naquele dia e também estava com raiva de Harry, mas ele tornava muito difícil manter esse sentimento por ele, então eu também tinha mais raiva de mim por não conseguir ficar com raiva dele por muito tempo e também raiva por estar com raiva dele sendo que nada daquilo era sua culpa. Só que aí ele agia dessa forma, se lembrando da minha vizinha que era sua fã e que víamos ocasionalmente, e eu só conseguia pensar em como eu queria o abraçar e dizer que o amava mais do que eu conseguia suportar, eu queria o beijar e voltar para o meu apartamento e nunca mais sair de lá, e eu poderia viver o resto da minha vida assim, só Harry e eu, mesmo com as nossas brigas pelos motivos mais idiotas, com seu jeito insuportavelmente cordial e o maldito sorriso torto.

- ?

- Hum?

- Eu sei que é uma pergunta idiota, mas está tudo bem?

- Sim, é uma pergunta idiota. Pode abrir o carro? - Apontei com a mão para a maçaneta retraída do carro.

Eu não sabia quais eram os critérios que Harry utilizava para decidir qual carro usar, acho que ele só acordava no dia, pegava a primeira chave que estivesse pela frente e saia. Naquele dia era o Tesla. Eu não gostava muito desse carro, porque se a gente desse uma louca e quisesse ir muito longe não daria. Maldito carro elétrico. Não que fôssemos simplesmente decidir rodar para algum lugar no mínimo à 150km de distância que precisasse carregar o carro, mas eu não gostava de ter essa possibilidade arrancada de mim.

Harry suspirou audivelmente e destrancou o carro. Eu entrei e coloquei o cinto enquanto ele ainda estava parado do lado de fora, então soltei o cinto e me inclinei até que a minha mão alcançasse o freio de pé, apertando-o para que o botão que ligava o carro funcionasse. Então abri a janela do motorista.

- É para hoje essa tatuagem!

Harry suspirou de novo e entrou no carro.

- Eu queria conversar com você sobre algo.

- Ah, não, Harry. Eu não ‘tô no clima para mais discussão de relacionamento. Pelo amor de Deus!

- Cala a boca, não é sobre nós. - Ele revirou os olhos.

- Oh. Ok.

- Talvez seja meio sobre nós. - Voltou atrás. - Indiretamente.

- Styles...

- Não, não vem com “Styles” para cima de mim, não.

- Harry, eu ‘tô me sentindo horrível, ok? Pelo presente, pela briga, pela forma que te tratei, por tudo. E não ajuda nem um pouco você ficar agindo assim e me deixar parecendo uma pessoa mais horrível ainda.

- Assim como? - Perguntou confuso.

- Assim todo... todo... todo perfeito!

Um sorrisinho de lado bem sutil surgiu em seus lábios.

- Então a culpa é minha porque eu sou legal?!

- É!!!

- Me desculpe???? - Ele ainda tinha o sorriso no rosto.

- Não! E corta esse sorrisinho fajuto.

- Fajuto?

- Sim. Você sabe muito bem como me manipular.

- Oh, eu sei te manipular? - Rebateu debochado.

- Dá para começar a dirigir? - Eu falei impaciente e Harry arrancou com o carro.

- ...

- Harry!

- Podemos parar de brigar?

- Eu não ‘tô brigando!

- Então eu posso contar o que eu queria contar?

- O que, Harry?

- Não! Você precisa dizer que eu posso te dizer o que eu quiser... - Eu fechei os olhos com força antes de dar um suspiro bem alto. - E fale como se realmente quisesse dizer isso. - Suspirei de novo.

- E alguma vez eu disse isso sem ser verdade? - Ele negou com a cabeça. - Então você sabe que pode me contar qualquer coisa.

- Eu conto se você deixar...

- Eu juro por Deus! - Eu ameacei enquanto dava um tapa em seu braço.

- Ouch! Estou brincando, estou brincando! - Harry gritou alarmado.

- Eu te odeio.

- Uh. Alguém acaba de se vingar.

Eu o encarei como se dissesse: “eu não acredito que você disse isso”.

- Sabe, nesse momento está muito difícil de não tornar isso verdade.

- Ok. Vamos seguir em frente. - Harry propôs e eu assenti com a cabeça, embora ele não me olhasse. - Ok. - Repetiu. - Você sabe que eu estava em Londres há alguns dias atrás e...

- Harry, vá direto ao assunto, por favor.

- Ok. Ok. - Balançou a cabeça. - Eu só queria te contar tudo o que aconteceu quando fui encontrar... - Harry pausou subitamente e engoliu em seco. - Sophie.

- Você pode me contar isso, mas antes quero saber uma coisa.

- Claro! - Harry respondeu prontamente e até mesmo me deu uma olhada rápida para passar confiança na sua resposta. - O que você quer saber?

- Quero saber por que está me contando só agora?

- Como assim?

- Qual é, H. Não é uma pergunta tão difícil assim...

- Por que eu não te contei sobre o encontro com Sophie antes? - Concordei com a cabeça. - Eu não sei...

- Eu vou precisar de uma resposta melhor do que “eu não sei”, Harry.

- Babe, eu... - Harry suspirou e tentou ganhar tempo enquanto fazia uma curva fechada. - Eu acho que só... eu queria estar em ambiente em que me sentisse completamente seguro e livre de julgamentos para fazer isso. E você sabe que eu me sinto o mais seguro quando estamos assim, eu e você dentro do carro. Eu não queria fazer isso pelo telefone, não queria fazer isso enquanto minha irmã estava na minha casa e menos ainda queria contar enquanto estamos brigados, mas eu acho que vai ser bom para nós dois se eu falar sobre isso logo.

- Você está certo. Você só deve falar sobre as coisas que quer falar e quando se sentir pronto para isso.

- Se isso é uma indireta para mim, quero dizer que você nunca falaria nada se eu não insistisse. - Eu fiz uma careta de nojo, mas não disse nada para evitar entrar no assunto de novo. - Mas você provavelmente criou várias cenas na sua cabeça... – eu arqueei uma sobrancelha – você sabe que é verdade! E a demora em termos um momento apropriado para conversar tornou tudo maior do que foi de fato. E eu não quero a minha namorada pensando a coisa errada sobre mim com outra mulher.

- Ok.

- Sério?

- Sim, Harry. Você não fez nada de errado, tudo o que aconteceu hoje foi culpa minha. Eu não quero que você fique achando que precisa consertar algo que está estragado. Se alguém precisa fazer isso aqui, sou eu. Mas eu não quero falar sobre mim e outro homem.

- E eu não quero que você fique se culpando por algo que você não tem controle... Quero dizer, você não precisava ter me tratado tão mal, mas eu te perdoo. - Harry sorriu abertamente. Cretino.

- Qual é! - Protestei. - Eu não te tratei mal.

- Não precisava ter discutido comigo. - Se corrigiu com o mesmo sorriso no rosto, como se estivesse se divertindo em ver tentando me defender de algo que eu não tinha como ser defendida. - Sério. Está tudo bem. E também, não foi a minha intenção te forçar a falar sobre algo que você não queira. Então me desculpe.

Eu encarei sua mão direita que descansava em punho fechado sobre a própria perna e acenei levemente com a cabeça, mas não disse nada porque não queria concordar nem negar.

Harry notou que eu tinha desviado o olhar e então moveu a mão para a minha perna e deu um aperto de leve para me consolar.

Eu senti o carro parar e olhei para cima. Ele tinha entrado com o carro em uma vaga em um estacionamento aberto.

- Eu te conto tudo na volta. - Harry disse ao desligar o carro. - Vamos deixar esses problemas de lado pelas próximas horas e nos divertir com as tatuagens, tudo bem?

- Tudo bem. - Concordei e dei um sorriso contido.

- Espera aqui, ok? - Eu franzi a testa sem entender o que ele queria.

- Aqui no carro? - Pendi a cabeça para a direita enquanto o encarava com a mão na maçaneta prestes a abrir a porta.

Ele murmurou um “Uh-hum”.

- Por quê? Tem alguma coisa errada? - Eu comecei a olhar em volta freneticamente e tentar ver atrás do carro dobrando meu corpo para trás.

- ! - Harry chamou minha atenção colocando a mão direita na minha perna, como fizera a pouco. - Não tem nada de errado, não tem ninguém aqui, eu reservei mais do que o nosso horário no estúdio. Só... - Harry respirou fundo. - Espera aqui.

- Ok. - Concordei.

Harry, como se esperasse apenas pelo meu consentimento, abriu a porta e pulou para fora do carro, dando a volta pela parte de trás até a porta do passageiro.

- O que você...? - Eu exclamei quando ele abriu a minha porta.

- Abrindo a porta para você. - Respondeu antes que eu pudesse completar a pergunta.

- Obrigada. - Eu fiz um biquinho e meus olhos se encheram de lágrimas que tentei ocultar.

- Nada além do que você merece, darling. - Sorrimos uma para o outro e Harry segurou a minha mão.

Assim que eu desci do carro, como por hábito, olhei em volta para garantir que não havia mesmo ninguém suspeito por perto. Harry não soltou a minha mão quando fechava a porta e nem quando trancava o carro e caminhamos até o estúdio assim.

- Harry Styles! - Um homem no fim dos seus 50 anos, com cabelos brancos e muitas tatuagens nos braços exclamou e bateu as palmas das mãos quando passamos pela porta.

- Mahoney! - Harry exclamou de volta e eles apertaram as mãos enquanto se puxavam para um daqueles abraçados em que dão tapas nas costas um do outro. - Como você está, filho?

- Bem, bem. - Harry repetia.

- Ótimo! - O tal do Mahoney concordou.

- E você? - Harry perguntou de volta.

- Bem, bem. - O homem repetiu também. - E quem é essa moça bonita?

- Oi, eu sou a . - Eu falei por mim mesma quando Harry abriu a boca para nos apresentar.

- Mark. Prazer. - Estendeu a mão e eu apertei.

Também dei um sorriso e murmurei um "prazer em te conhecer”.

- Então... O que você está planejando para hoje? - Mark perguntou para Harry e se virou de costas. Ele vestia uma calça bege de linho que farfalhava quando caminhava.

Harry começou a falar sobre algumas coisas que tinha em mente enquanto o seguíamos até uma sala onde tinha uma maca e vários desenhos em molduras nas paredes.

- Cara! Faz quanto tempo desde a última vez que te tatuei? - Se virou de frente novamente e apontou cadeiras para nos sentarmos.

- Uns dois anos. - Harry respondeu com risadinhas.

- Fizemos um longo caminho desde 2013 quando você vinha quase todo mês.

- Pois é! - Harry riu de novo. - Se continuássemos naquele ritmo, eu não teria nenhum espaço em branco hoje em dia.

- Quantas tatuagens você tem no total? - Foi eu que fiz a pergunta.

- Você não sabe? - Harry fingiu choque.

- Não. - Neguei com um revirar de olhos. - Você sabe?

- É claro que sei. É o meu corpo.

- Uh-hum. - Murmurei descrente. - Quantas?

- Umas 50...

- Muito preciso. - Debochei.

- Preciso o bastante. - Rebateu.

- Tsc tsc. Afiado. - Alfinetei referente as suas respostas rápidas.

- Você não é daqui, é? - Mark me perguntou.

- O que eu falei que me entregou? - Rebati rapidamente com outra pergunta e dei uma bufada de brincadeira.

- "Preciso”. - Disse simplesmente.

- Como é que fala? - Eu perguntei e Harry repetiu.

- Não. Você não, você também tem sotaque. - Esnobei Harry que cruzou os braços em frente ao corpo.

Mark então falou e eu tentei repetir da mesma forma.

- Isso soa exatamente como eu disse da primeira vez. - Reclamei também cruzando os braços.

- Mas com sotaque. - Mark disse.

- Não se preocupe. É fofo. - Harry interveio com um sorriso.

- O que eu posso fazer? - Dei de ombros. - Vocês me entenderam, não é? - Concordaram com a cabeça. - Então ótimo.

- Ela é do Brasil. - Harry falou como se se lembrasse da pergunta não respondida.

- Brasil! - A mesma reação que todos tinham. - E você mora aqui há quanto tempo? - E a mesma pergunta.

- Um ano.

- E está gostando daqui? - E a mesma outra pergunta.

- Sim. Aqui é ótimo. - E a minha resposta padrão.

Todas as pessoas que me conheciam sempre faziam essas perguntas. Eu me lembro que quando comecei a sair com Harry e conhecer mais pessoas eu sempre dava longas respostas sobre o que estava mais gostando, sobre o que era diferente, quando eu havia chegado, porque eu tinha decidido vir para cá, o que eu fazia e uma longa lista de outros detalhes.

- E você vai tatuar também ou só veio acompanhar o senhor Styles aqui?

- Eu gostaria de tatuar, sim. Se estiver tudo bem para você.

- Claro que sim! - Confirmou simpático. - Você já tatuou antes? - A pergunta veio com um arquear de sobrancelhas e um olhar afiado que checava meus braços e pernas.

- Ah, ela tem tatuagens. Acredite em mim. - Harry me entregou.

Meu rosto teria ficado vermelho se eu fosse do tipo de pessoa que corasse.

- Só estão bem escondidas. - Eu pisquei divertida.

- Eu acredito em você! - Mark exclamou enquanto balançava uma mão no ar. - Styles, você vai primeiro?

- Certo! - Harry mudou de assento para o mais próximo possível de Mark.

- Onde você... - Harry levantou o braço e o colocou em cima da maca. Ele sabia o que Mark queria dizer, mas esperou que ele completasse a pergunta. - ...quer tatuar?

- Aqui no antebraço direito, em cima da águia. - Mark acenou em concordância e passou uma toalha de papel embebida em anticéptico no local.

Se fosse comigo, Harry teria completado a minha frase, mas com outras pessoas ele sempre esperava pacientemente que dissessem o que queriam dizer, mesmo que ele soubesse o que estava por vir. E quando ele sabia era tão fácil identificar; ele sempre sorria e soltava alguns “uh-huns”, como se achasse graça no que estava sendo perguntado. E muitas vezes achava mesmo, pois isso acontecia muito frequentemente em entrevistas.

Harry já tinha escolhido tudo previamente, o decalque que já estava pronto foi colado onde ele havia pedido e tão logo o procedimento começou. Os dois pareciam ter muito o que se atualizar sobre a vida um do outro e eu fiquei tão entretida observando a conversa que nem percebi quando terminaram.

- O que achou, ? - Harry girou a cadeira na minha direção e eu segurei seu braço no ar.

- Muito bom. Gostei da fonte, combina com as suas outras tatuagens.

- Obrigado. - Harry deu um sorriso aberto e eu retribui da mesma forma.

- Mark, eu estava pensando naquelas outras tatuagens por aqui... - Harry falou enquanto apontava para as duas pernas.

- No joelho? - Eu exclamei com os olhos arregalados.

- Não... Só em volta. - Harry respondeu com um sorriso de lado.

- Oh, ok?! - Eu respondi confusa.

- Vamos lá! - Mark concordou animado.

E então Harry fez o inesperado: Abaixou as calças. Simplesmente. Ficar só de cueca em qualquer lugar e oportunidade era algo que eu totalmente esperava de Harry, por isso comecei a rir quando percebi que não era tão inesperado assim.

- O que foi? - Harry perguntou.

- Você simplesmente tirou as calças?! - Eu respondi com uma risada nervosa.

- Nada que você não tenha visto ou que Mark não tenha.

Eu arregalei os olhos mais uma vez, mas dessa vez foi de constrangimento.

- Harry Styles! - Repreendi.

- O que, babe?

- Isso é tão embaraçoso. - Eu reclamei.

- Está tudo bem, . Não se preocupe. Aqui é um lugar sem julgamentos. - Mark garantiu. - Eu já vi cada coisa que poderia ficar a tarde toda contando.

Harry, que estava rindo, se sentou na maca com as pernas para cima. E assim tatuou as palavras “oui” e “sí" na perna direita e “non” e “no” na esquerda. Foi muito rápido, em menos de quinze minutos já estavam prontas e ele já tinha pulado da maca.

- Okay, . Agora é a sua vez. - Harry informou. - O que você vai tatuar, por falar nisso?

- Promete que não vai me zoar ou me chamar de clichê? - Pedi começando a ficar constrangida de novo. - Uma palmeira com a sigla LA.

Harry segurou o sorriso porque tinha prometido, mas não acho que ele quisesse rir de mim pela tatuagem em si, mas sim pela forma como falei. Talvez tivesse soado engraçado.

Eu tinha o desenho no pinterest e enviei para Mark por airdrop para que ele pudesse fazer o decalque. Eu ia tatuar atrás do tornozelo. Eu sei, eu era um clichê ambulante. Mas fazer o quê? Era assim tão pecaminoso ser previsível e fazer algo que todo mundo faz?

- Agora eu posso dizer que nem todas as minhas tatuagens são escondidas. - Eu brinquei.

A pior parte de tatuar naquela região do meu corpo era que eu precisaria ficar deitada de bruços na maca. Mas tudo bem, o que era mais uma vergonha na grande coleção que eu já tinha daquele único dia?!

Harry conversava comigo enquanto Mark me tatuava e eu não entendia como um lugar daquele podia arder tanto para tatuar. Eu achei que fosse ser um daqueles em que você não sente praticamente nada..., mas eu acho que estava errada.

- Me deixa ver, me deixa ver. - Harry pediu animado quando Mark soltou um simples “pronto”. - Ficou fofo! - Ele exclamou.

- Tira uma foto para eu ver? - Eu pedi e Harry tirou.

Me levantei olhando a foto e indo para a frente do espelho para tentar ver algo.

- Eu amei! - Expressei mais especificamente para Mark como forma de elogio. - Ficou exatamente como eu queria.

- Até que eu gostei também. - Harry interferiu. - Você se importa se eu fizer uma também?

- Você quer copiar a minha tatuagem? - Eu perguntei incrédula.

- Só a palmeira. - Harry deu de ombros. - Eu já tenho LA tatuado. - Completou enquanto tocava a pele por cima da camisa e a imagem do tronco nu de Harry invadiu imediatamente a minha mente e eu pensei sobre o LA quase apagado na curva entre seu braço e ombro.

Mark, sempre muito animado, concordou na hora com a tatuagem extra.

Harry escolheu a parte de trás do braço direito, logo acima do cotovelo, para tatuar.

Eu tinha que admitir que eu não achava que nada que Harry tatuasse pudesse não ser sexy. Quero dizer, ele poderia tatuar um emoji de cocô que, de alguma forma, ele faria com que ficasse atraente.

Pelo horário que deixamos o estúdio, eu já havia me esquecido completamente da nossa briga ao acordar e também que tínhamos uma conversa pendente. Mas isso era um defeito meu, eu sempre me esquecia muito rapidamente de brigas, eu não conseguia guardar raiva e agir com indiferença por muito tempo.

*


Harry

e eu saímos do estúdio de mãos dadas, exatamente da mesma forma que entramos. É claro que eu notava como ela enrijecia o braço e segurava um pouco mais forte a minha mão sempre que via qualquer vulto que lembrasse um ser humano. Eu apertava sua mão de volta tentando passar segurança, mas eu sabia que não podia fazer muito mais do que aquilo. Ela tinha que decidir por si mesma o que a incomodava ou não. Somente ela podia delimitar seus limites. E eu rezava silenciosamente para que aquilo – a minha vida – fosse algo que ela pudesse suportar. Estávamos só começando e eu não estava pronto para abrir mão dela ainda.

Paramos em frente a porta do passageiro e enfiei a mão no bolso para resgatar a chave e abrir o carro. estendeu a mão e disse:

- Eu dirijo, para você não se preocupar com nada enquanto fala.

Eu acenei com a cabeça e lhe passei a chave, permanecendo ali enquanto ela dava a volta até a porta do motorista. Eu só entrei no carro após ela ter entrado.

deu partida em silêncio. Eu tentava colocar todas as pecinhas no lugar, pois não sabia por onde começar. Eu sei que é óbvio: Pelo começo. Mas não é isso que nós humanos sempre fazemos? Complicar o que deveria ser simples? Começar algo sabendo que as chances de terminar de maneira ruim eram altas? Querer ver aonde tudo vai dar?

Eu olhei para a estrada, me assustando com a quantidade de tempo que passei pensando, logo estaríamos em casa.

- Eu vou tentar contar com a maioria de detalhes que me lembro, mas antes de começar eu quero deixar claro que eu não sinto absolutamente mais nada por ela, ok? Eu sei que alguns dos meus pensamentos podem soar dúbios ou até mesmo completamente contrários ao que eu tento te afirmar agora, mas eu não quero que você se preocupe com os meus sentimentos por você agora. Eu quero ser o mais honesto possível.

- Tudo bem, Harry.

Eu tinha medo de mostrar alguma coisa sobre mim que fizesse querer ir embora. Eu nunca sabia o que exatamente eu não queria trazer à tona. Mas não tínhamos todos nós esse medo absurdo de sermos julgados pelo nosso lado obscuro? Não tínhamos todos essa intenção de esconder o pior de nós a qualquer custo? Eu não era nem um pouco diferente. Mas eu também acreditava que só seria amado de verdade se a pessoa conhecesse todas as minhas facetas e ainda assim escolhesse permanecer.

Será que ficaria?

Por favor, por favor..., eu repetia como um mantra.

Tudo o que eu queria era que ela ficasse. E que me amasse pelo que eu sou.

- Eu cheguei quinze minutos antes do horário marcado... - Comecei a falar e virou a cabeça para me olhar nos olhos por um segundo. Aquele pequeno gesto me deu coragem para continuar, então eu parei de pensar demais e me joguei nas lembranças.




- Obrigada por vir, eu realmente não esperava. - Sophie disse e eu me levantei da cadeira para a saudar, ainda que não soubesse como, estava completamente sem jeito. Se eu ainda a conhecia bem, ela estava tão nervosa quanto eu. Ficamos os dois em pé nos encarando.

Era como se eu tivesse me esquecido como me portar, tão desconfortável estava. Eu não sabia se era o ambiente desconhecido ou a pessoa ali que não era mais quem eu costumava conhecer.

- Eu não estava esperando o convite então acho que estamos no mesmo barco.

Eu me permiti sorrir e me sentei novamente, sutilmente olhando em volta, tentando encontrar alguém com uma câmera ou que tivesse me reconhecido. Eu vi o sorriso no rosto de Sophie diminuir gradativamente, mas parecia querer dar o melhor de si para fingir que não havia notado a minha desconfiança.

- O restaurante é duas estrelas e tem algumas críticas negativas, um lugar onde ninguém imaginaria encontrar uma celebridade como você. - Ela explicou, deixando implícito que não havia motivos para eu me preocupar, talvez mesmo sabendo que eu não acreditaria. E por qual motivo acreditaria? Ela havia mentido inúmeras vezes antes.

A verdade é eu não estava sequer tentando acreditar, eu devia isso à . Eu já havia perdoado Sophie, mas após tudo o que aconteceu com ela era normal desconfiar de qualquer um. Como eu havia feito com , e eu sinto que as coisas foram e são mais difíceis com ela do que deveriam ser e tudo por causa de Sophie. Ela me quebrou e eu ainda tento juntar os cacos. E então, mesmo que ela parecesse tão vulnerável, tão parecida com a Sophie que conheci, eu não me sentia mais tão aberto assim, porque eu tinha consciência de que tudo havia mudado. E merecia que eu não me cegasse por Sophie novamente.

- Harry… Eu sei que você não confia em mim e não é sua culpa, mas se estar aqui comigo te deixa desconfortável, acho melhor nós irmos embora e podemos fingir que isso nunca aconteceu.

E lá estava uma grande ideia. Mas eu não correria como um covarde, certo? Eu confesso que me sentia muito bem resolvido com o que havia acontecido... até ela me procurar. E, na prática, encontrá-la não estava sendo tão fácil como eu havia imaginado. As coisas entre nós terminaram tão mal, eu não poderia simplesmente confiar nela de novo, não é?

Muitas outras questões passavam pela minha mente e a demora para dizer algo refletiu de maneira negativa em Sophie, que parecia ainda pior. Ela se levantou e estava prestes a pegar a bolsa, mas a segurei pela mão. Não de um jeito romântico, ela sabia, apenas algo que a faria ficar.

- Me desculpe, achei que isso seria mais fácil, mas parece cada vez mais difícil para mim e eu não sei o que fazer ou dizer no momento. - Eu finalmente confessei, soltando a sua mão. Sophie se sentou novamente, curvando os ombros em uma expressão triste. - Nós podemos conversar, eu não quero fugir disso. Devemos isso um ao outro.

Sophie concordou com a cabeça. A minha intenção de tentar foi o bastante para que ela também se esforçasse para que aquela conversa acontecesse. Afinal, ela quem havia me convidado.

- Eu não sei muito o que dizer também. Na verdade, imaginei esse momento inúmeras vezes. - Ela estava nervosa, com certeza, e tentava a todo custo não se atrapalhar enquanto falava. - Mas quando você concordou em me encontrar eu só pensei no quanto gostaria de te ver e me desculpar por tudo. Talvez devêssemos pedir algo para comer e apenas conversar... falar – se corrigiu – sobre. Tudo bem para você?

Eu assenti e ela se levantou para buscar o cardápio. Eu me lembrei do que ela havia falado sobre as avaliações ruins, em sua maioria por causa do atendimento. Duas estrelas.

Pedimos uma pizza, era o que parecia mais tolerável ali. E, no fundo, eu não queria que assunto se estendesse mais do que o necessário e talvez - só talvez - voltássemos para casa sem uma intoxicação alimentar. Sophie pediu também uma garrafa de vinho. Era um terrível costume, mas eu não a culpava. Eu provavelmente teria feito o mesmo, pois precisava desesperadamente me acalmar.

Um garçom mal-humorado serviu o vinho e me percebi ficando silêncio até o homem se afastar. Eu logo tomei um gole do vinho, antes mesmo que Sophie abrisse a boca para começar.

- Então… ainda é difícil falar sobre como fui uma vaca. - Ela começou. E mordeu o lábio inferior em seguida; eu me lembrava muito bem dessa mania, ela havia pegado de mim.

Sophie respirou fundo e pegou a taça, tomando três goles seguidos do vinho como se fosse coragem líquida. A metáfora me fez sorrir. Ela fez uma careta ao colocar a taça no lugar, nem reparando que aqueles três goles foram suficientes para acabar com o líquido da taça.

- Mas fui uma escrota, e imagino que você tenha me xingado de nomes piores ou ainda está na vibe de tratar as pessoas com gentileza?

Eu não pude deixar de rir, pegando a garrafa de vinho e enchendo novamente sua taça.

- Não em voz alta. - Eu disse, fazendo Sophie dar um pequeno sorriso.

Se estivesse aqui teria me chamado de idiota, porque era o jeito dela de dizer que adorava como eu tornava as coisas mais leves.

- Bom, qualquer xingamento que você tenha usado foi merecido.

O garçom apareceu novamente, olhando entediado para a garrafa de vinho quase pela metade, depois para uma Sophie com os olhos marejados e um eu pensativo. Dando de ombros, ele deixou a pizza e os pratos em cima da mesa, se afastando em seguida.

Eu estava espantado com a rapidez com que o pedido ficou pronto e debatia mentalmente se deveria comer aquilo ou não. Eu me perguntava se Sophie pensava sobre o mesmo, mas quando ela fez uma careta e pegou uma fatia, eu também fiz o mesmo e dei uma mordida, observando-a finalmente me imitar.

Sophie segurou o cabelo no alto e abanou o rosto com a outra mão levemente. Era um dia relativamente quente em Londres, e ela provavelmente sentia calor pelo vinho.

De repente, Sophie sorriu. Eram as lembranças que vinham junto com pizza e vinho, eu também me lembrava de tudo muito bem. Me lembrava daquela noite em que havíamos nos beijado na chuva. Não pelo beijo em si, mas porque era uma boa memória de quando éramos amigos e acreditávamos que sempre estaríamos ali um para o outro. Me permitir ficar triste, quase de luto, ao me lembrar de como estava feliz naquela noite.

- Eu sei que não há desculpas para o que fiz a você e sinto muito, Harry. Eu deveria ter contado tudo, sei que você me ajudaria, ou que ao menos o que tivemos não iria terminar da pior maneira possível. Mas Deus! Por um momento deixei a fama subir à cabeça, sabe? De repente eu tinha todo esse poder e no momento em que pensei em fazer algo para parar o que estava fazendo de errado, já era tarde demais. Eu te perdi.

Ela me encarou significativamente e eu só ponderava se ela estava sendo honesta. Eu esperava que sim.

- O poder é algo perigoso. - Eu tentei soar inteligente, mas sabia que aquilo era um clichê. Era uma pena que mesmo assim ela não soubesse disso.

- Eu sei que te perdi e juro que não estou aqui para tentar voltar a ser sua amiga, apenas para reconhecer que errei e talvez assim poderemos seguir em frente. Eu te devo isso.

- Sophie, eu já te perdoei. - Eu disse cauteloso antes de suspirar. - Você realmente bagunçou as coisas e errou comigo, mas também sou culpado. Eu sabia que havia algo de errado assim que começaram os rumores sobre a Kenny e eu deveria ter confrontado você na época, mas eu estava cego. - Sophie estava prestes a dizer algo e balançava a cabeça em negação, mas a forma com que a olhei a fez entender que eu precisava dizer aquilo, então desistiu de me interromper. - Você nunca disse que me amava e a pior parte é que você não tinha culpa por amar outra pessoa.

- Eu deveria ter te contado sobre o Wes.

- Você não precisava, estava claro para todos, inclusive para mim.

- Então porque você ficou?

- Porque eu te amava, Sophie. E ainda tinha esperanças de ser escolhido. Eu estava arriscando cortar laços com pessoas que me conheceram antes de você aparecer na minha vida e tudo porque eu estava muito cego para enxergar que você nunca foi a pessoa que eu amei. Tudo o que eu conseguia pensar era que te amava e ficaria com você independente do que você fizesse. Por isso, eu sinto muito, Lockwood. Nós não podemos continuar fugindo disso, eu estou cansado. - Eu lutava para segurar as lágrimas que já embaçavam a minha visão.

- Eu deveria ter ido até você antes. Guardar esses sentimentos não faz bem e sei disso porque guardei tudo por tanto tempo. Você se expressou através das músicas e eu dei o meu melhor para reprimir tudo porque não queria causar mais confusão. Imaginei que o melhor a fazer seria fugir e, quando ouvi o seu álbum pela primeira vez, não poderia te amar após o que eu havia feito. Eu não poderia deixar você me amar depois de tudo, nem mesmo como amigo.

Seus olhos também marejados me mostravam que eu não estava sozinho.

- Não cabia a você decidir isso, você sabe, não é? - Eu não queria transparecer estar chateado, mas sabia que não conseguiria mais esconder. Ambos já havíamos perdido a postura e eu já não me importava em parecer vulnerável na frente dela.

- É, eu sei disso agora. - Ficamos em silêncio, observando um ao outro naquele clima estranho. - V-você disse na mensagem que precisava da minha ajuda para algo e que esse era o principal motivo para aceitar me encontrar.

- Bom, está mais para o seu consentimento. - Eu me inclinei para frente, apoiando na mesa. -Estamos cientes de que escrevi muitas músicas sobre você, e... - Eu não sabia se deveria admitir. - ...ainda escrevo. Continua sendo um ótimo jeito de colocar tudo pra fora. - Dei de ombros, eu tentava ser o mais imparcial possível expondo apenas os fatos. - Algumas das músicas são óbvias e, principalmente para o que planejo para uma delas, preciso do seu consentimento. Se você se sentir desconfortável, apenas ignoramos o pedido e eu corto a ideia.

- Harry, nada que você me peça pode ser tão horrível quanto o que eu te fiz passar. Me diz o que você tem em mente. - Sophie também deu de ombros.

Eu apanhei meu celular que estava jogando na minha frente em cima da mesa e abri o aplicativo de gravação de voz.

- Você precisa ouvir para entender. - Eu segurei o celular em sua frente e usei a outra mão para alcançar um dos dois lados do airpods que estavam jogados no bolso do meu moletom. - Ok. Vou pode reproduzir esse arquivo agora. - Eu indiquei com o dedo assim que ela tinha um fone em um dos ouvidos e eu tinha o outro.

Ela me olhou com estranhamento, mas reproduziu o áudio. Um sorriso tomou conta de seu rosto ao ouvir a própria voz arriscando algumas frases em francês durante uma viagem a trabalho. Eu acabei sorrindo também, sentindo nostalgia ao ver sua espontaneidade, sendo a melhor versão de si que eu conhecia e costumava gostar tanto.

- Eu me lembro disso, você zombou do meu sotaque por dias.

Aquilo havia acontecido muito antes da finalização do meu primeiro álbum. Ouvir aquele áudio ali, em sua presença, fez com que muitos pensamentos retornassem. E o mais estranho era ver que eu não me sentia mais mexido ao ouvir seu sotaque forçado ao me chamar de “ma chèrie.” Eu costumava sentir com se meu peito estivesse sendo prensado, me apertando e me deixando ser ar, tão violenta era a forma que eu me sentia apaixonado por ela naquela época. Parecia uma outra vida agora. Tão, tão distante. Eu precisava me concentrar se quisesse resgatar, agora mínima, a memória sensorial que antes já foi tão intensa.

- É uma boa lembrança. - Confessei e ela assentiu.

- Você quer colocar em uma música, não é? - Perguntou e dessa vez eu que assenti.

Eu sabia as consequências daquilo. Sabia que uma música com uma mensagem de voz de Sophie poderia interferir no seu alcance e corria o risco de ser a música que os fãs menos gostariam. Além de que outra música sobre Sophie só atrairia mais ódio gratuito contra ela. Eu estava pronto para dizer que não o faria se ela não quisesse, mas Sophie foi mais rápida.

- Está tudo bem, Harry. Eu enviei a mensagem para você, é sua e eu prometo que não vou te processar ou algo do tipo.

- Eu sei que não, mas não queria fazer isso sem saber como você se sente.

Eu me lembro de ver superficialmente muitas mensagens agressivas a julgando, mas eu fingi que não eram um problema meu, porque eu não era bom em ficar feliz quando meus ex estavam bem. De certa forma, era bom não ser o único na pior.

- Eu ficarei bem, você pode usar. - Ela sorriu tentando me passar confiança. Foi convincente o bastante. - Posso ouvir antes de você lançar? - Ela perguntou receosa. - Ao menos a música sobre mim, só para saber o que esperar e como me preparar para o que vier.

- Se você não se importar de ser a segunda a ouvir… - Eu disse e percebi que ela esperava uma explicação. - Eu prometi a que ela seria a primeira a ouvir o álbum antes de ser lançado.

não fazia ideia de qual música era essa. Ela já tinha escutado partes avulsas, sabia que era sobre Sophie e era só isso. Não sabia se ia fazer parte do álbum, não sabia sequer se eu a tocaria junto com as demais faixas que precisavam ser selecionadas para a versão final. Mas mesmo assim ela definitivamente era uma das pessoas que eu sabia que precisava mostrar o que quer que fosse o produto final antes de mostrar ao mundo.

- Ah, não, tá tudo bem. Eu só quero ouvir antes.

- Eu prometo. - Apoiei o cotovelo na mesa e estiquei uma mão até ela, fazendo Sophie rir ao ver que eu juraria de dedinho. - Vamos lá, pelos velhos tempos.

Aquele era o meu jeito de dizer a ela que eu manteria minha promessa, então Sophie sorriu e repetiu o gesto, cruzando nossos dedos. Após jurarmos, comemos a pizza inteira, que por fim não era tão ruim quanto aparentava.

- Então… - Sophie deu um gole na cerveja que havia pedido e eu a encarei, esperando o que ela diria. - Quer falar sobre ela? - Perguntou me encarando de volta. - Acho que eu não deveria ter tocado no assunto, me desculpe. - Disse nervosa, com medo de ter passado dos limites, mas eu ri.

- Pare de se desculpar, está tudo bem. - Eu a tranquilizei e respirei fundo, pensando por onde começar a falar. - O nome dela é . . - Me corrigi. - Mas ela prefere porque acha que a deixa séria demais, ela costuma dizer que deixa o nome todo para usar em situações formais, ela é da área de negócios empresariais e tudo mais, então está sempre envolvida em algo sério. Ela é simplesmente uma das pessoas mais incríveis que já conheci.

- … é um nome lindo. - Sophie ponderou. Depois, mexendo as sobrancelhas para cima e para baixo, completou me fazendo rir. - Você realmente gosta dela, não gosta? Tá todo apaixonado, eu posso ver.

Eu apenas sorri, sentindo meu rosto esquentar.

- Você está ficando vermelho. - Ela falou achando graça. - Ela está bem com isso? - Apontou para nós dois. - Quero dizer, sei que você tem todo o direito de ir e vir, fazer suas próprias escolhas e tudo mais. Mas se estar aqui comigo for causar algum problema, eu vou pra casa agora.

- Se estou aqui agora, é unicamente porque ela tinha as palavras certas para me convencer a vir.

Sophie pareceu surpresa.

- Agradeça-a por mim.

Ela então sorriu e olhou em volta, me fazendo imitar seu gesto. Uma mulher parada na porta estava olhando para mim mais do que o normal. Soph suspirou aliviada ao ver que se tratava de uma garçonete, mas o celular nas mãos dela pareceu deixá-la nervosa logo após. Ela me olhou para confirmar se eu também havia ficado receoso. Eu sabia que havia sido reconhecido e que era questão de tempo até a mulher vazar fotos, mas eu não estava preocupado, porque a única pessoa que me importava saber disso, já sabia.

- Ei, Styles, obrigada por vir, mas eu realmente preciso ir embora.

Eu estranhei a mudança repentina no comportamento de Sophie, que passou a encarar o chão enquanto pegava a bolsa. Eu tentei buscar qualquer expressão em seu rosto para interpretá-la, mas Sophie evitava a todo custo me encarar. Passei a procurar qualquer pista e suas mãos trêmulas não conseguiram passar despercebidas.

- Soph, você está bem? - Chamá-la por seu apelido em voz alta foi uma surpresa, eu ainda pensava nela assim, mas verbalizar parecia criar uma intimidade que não tínhamos mais. Fazia muito tempo desde a última vez que a chamei daquele jeito.

Ela balançou a cabeça devagar e se levantou, eu fiz o mesmo por reflexo, passando a segui-la quando saiu apressada pelos fundos do restaurante.

Antes de chegar ao estacionamento, Sophie enfiou a mão na bolsa, provavelmente buscando as chaves do carro. Parecia ignorar que eu estava ali ao seu lado, então segurei seu pulso, fazendo com que ela me olhasse nos olhos.

- Você está tremendo. - Os olhos dela estavam vermelhos e eu me perguntei o que a fez ficar tão nervosa.

O som da porta dos fundos do restaurante abrindo e fechando novamente chamou nossa atenção, fazendo Sophie ficar de costas para a mulher que havíamos visto no interior do local.

- Me desculpe, eu juro que não planejei isso. - Sua voz também tremeu. E eu soube exatamente o que ela queria dizer. - Eu não sei se estou bem pra lidar com isso hoje, sinto muito. Você precisa ir, antes que apareça mais alguém.

- Eu sei que não foi você, fique calma. - Eu assegurei tentando confortá-la, mas não pareceu adiantar muita coisa, Sophie continuava tremendo. - Não posso te deixar dirigir assim, eu te deixo em casa. Espera só eu pagar a conta.

- Não, por favor. - Ela pegou o celular na bolsa e começou a mexer no aparelho. - Eu vou ligar para o meu irmão e pedi-lo para me buscar. Por favor, vá para casa.

Eu acabei recuando um pouco, atônito. Mas eu não deixaria que tudo terminasse abruptamente mais uma vez, como foi no mercado. Dessa forma, eu me aproximei novamente, dando-lhe um abraço tão rápido que a garçonete que fingia organizar o lixo não conseguiu pegar o celular a tempo.

- Só queria te avisar que alguém vai entrar em contato para que você assine o consentimento para que eu use sua voz na música. E quando estiver pronta eu vou te mandar. Obrigado por ter vindo conversar comigo. Se cuida.

Eu acompanhei Sophie até seu carro e voltei para o restaurante, pagando a conta e partindo em seguida.

Era isso. Eu finalmente havia fechado aquele ciclo. Suspirei aliviado enquanto dirigia para casa.





O silêncio no carro quando terminei era absoluto. tinha os olhos fixos na estrada e eu tinha os olhos fixos nela.

- Por favor, . Fala alguma coisa! - Eu implorei quando não aguentava mais olhar para seu rosto sem expressão.

- Agora eu entendi o porquê do discurso antes de começar...

- , por favor, tenta me entender. - Eu choraminguei. - Eu sabia que não deveria ter sido tão honesto, agora você vai ficar pensando que eu ainda sinto algo por ela, mas não! Eu juro, eu te...

- Ei, ei, ei! - me cortou. - Você não queria que eu falasse? Então me deixa falar.

Eu concordei com a cabeça, temendo dizer algo que pudesse piorar as coisas.

- Harry, eu te amo. - Ela suspirou. - E por isso não é fácil ouvir você contar tudo isso, contar como você age com outra mulher, sabe? Queria que esse tratamento fosse exclusivo para mim. Deveria ser mais fácil, porque você só está relatando, eu deveria saber bloquear todas as imagens que se formam na minha cabeça. Deveria ser mais fácil. - Repetiu e negou com a cabeça, ainda concentrada na estrada. - Mas o problema é que não é. - Soltou uma risada de escárnio. - Você estava tão envolvido no que estava contando e provavelmente não percebeu, olha as minhas mãos. - Ela pediu enquanto tirava uma a uma do volante e me mostrava.

- Estão vermelhas. - Eu constatei confuso. - Por quê?

- Porque eu estava apertando o volante com toda a força que tenho. Eu queria te matar quando você sugeriu uma promessa de dedinho. Eu quase joguei o carro para o acostamento umas três vezes, mas eu não fiz isso. Sabe por quê? Porque por mais que doa te ouvir contar como você tratou alguém exatamente como me trata, por mais que eu morra de ciúmes e queira real te matar por me fazer admitir isso, eu sinto muito orgulho também, e eu sei que você não seria você se agisse diferente disso e eu te amo justamente por você ser assim, por tornar tudo sempre tão leve, por ser alegre e livre de ego. E seria egoísta querer que você fosse assim só para mim e privar o resto do mundo do privilégio que é testemunhar você existir.

falava naquela velocidade que eu sabia que significava que ela tinha que cuspir tudo o que ela estava pensando o mais rápido possível ou perderia a coragem.

- Eu perdi as contas de quantas vezes você a segurou pela mão ou pelo braço. E qual a necessidade de abraçá-la? Cara, você só pode estar me tirando mesmo, né? - Ela reclamou inconformada e eu dei um sorrisinho de lado. - E você acha engraçado? Eu poderia voar no seu pescocinho nesse momento e apertá-lo até que fique vermelho como as minhas mãos. Mas você não vale meu réu primeiro, seu imbecil.

- E eu provavelmente ia gostar. Da parte do pescoço, digo - Soltei com uma risadinha e seu olhar foi fatal. - Aí! - Exclamei enquanto esfregava meu braço. - Com uma denúncia minha você também poderia perder o réu primário com essa agressão.

- Cala a boca. - Ela suspirou. - Eu te entendo, Harry. Eu admiro a sua coragem de expor seus sentimentos para ela dessa forma e também por expor seus pensamentos assim para mim. Eu sei que eu ajo com egoísmo às vezes e confundo as coisas fazendo com que sejam sobre nós ou sobre mim. Quero dizer, isso nunca foi sobre nós, é sobre vocês e, principalmente, sobre você mesmo. Sobre seu perdão, sobre o que você passou e sobre como você escolheu superar isso. E quando eu ajo na defensiva e crio teorias onde não existem, só torna mais difícil para que você se conecte comigo. E eu não quero que passemos por isso. Não quero que você sinta que está passando por algo e não pode contar comigo porque eu vou fazer aquilo ser sobre mim. Nunca foi sobre mim.

Jezz! Como eu amava essa mulher!

- Nunca foi sobre você. - Eu concordei implicando. - Você nunca é o problema, e sim a solução.

- Bregaaaa. - Cantarolou.

E pensar que eu tinha medo de que ela chegaria à conclusão que eu teria a traído por causa daquelas fotos vazadas ou teria certeza através do meu relato, quando na verdade seu maior problema era apenas um ciúme normal que só me mostrava o quanto ela também me amava.

abriu o portão pelo controle quando estávamos próximos o bastante e ao desligar o carro, ela exclamou:

- Está entregue em casa. - Sorriu e me passou a chave que estava jogada dentro de um dos descansos de copo.

- Eu já estava em casa. - Meu olhar a deixou sem graça. Para não nos deixar cair em um silêncio constrangedor, eu completei com uma pergunta. - Você não vai ficar?

- Bem, vou. - Ela tinha um tom de dúvida. - Ou você prefere ficar sozinho? - Reconsiderou. - Eu... Você poderia ter me dito, eu iria para a minha casa em vez disso. - Coçou a cabeça. - O meu carro ficou em casa, mas eu posso, hum... chamar um uber, que provavelmente demorará uma eternidade. - Ela fez uma careta no final.

- Não! - Neguei. - Eu quero que você fique comigo. Eu sabia que você estava fazendo o caminho da minha casa. - Dei de ombros. - E se você quiser ir embora é só me dizer que eu te levo em casa.

- Ok. - Concordou. - Eu não quero ir embora. - Deu de ombros e eu sorri, soltando um suspiro de alívio que eu nem mesmo sabia que estava segurando.

Eu via que estava se esforçando para se desculpar, mesmo que ela jamais fosse admitir isso. Ela era fácil em pedir desculpas... quando não se achava com razão.

- Vamos assistir uma comédia romântica? - Eu sugeri.

- “Should we just search romantic comedies on netflix...”

- “...and then see what we find?”
- Eu completei junto com ela. - Vamos ter que procurar mesmo. - Eu dei uma risadinha.

- Então, eu vi esse pôster na página inicial outro dia e...



dormiu nos primeiros trinta minutos de filme. Eu acho que a forma com que acordou naquela manhã acabou gerando certa exaustão mental, por isso assim que seu corpo interpretou estar em um lugar seguro, – nos meus braços, sem querer parecer confiante demais –, relaxou e ela adormeceu. E eu fiz carinho em sua cabeça durante quase todo o filme.

- Mmm. - Murmurou quando eu me mexi para alcançar o controle. - Acho que eu dormi. - Falou com a voz baixinha.

- Dormiu. - Eu dei uma risadinha.

- Desculpe.

- Não, tudo bem. - Eu voltei a fazer carinho em sua cabeça.

- Por que não me acordou? O filme já acabou?

- Você parecia cansada. - Ela levantou o tronco e se virou de frente para mim, tirando a cabeça do meu colo e passando a apoia-la em meu peito. Me abraçou pelo pescoço e fechou os olhos de novo enquanto eu a segurava como se segura um bebê. - E sim, acabou agora.

- Mmm. Seu coração está batendo alto. - Ela comentou e abriu os olhos me encarando com um sorrisinho. - 1, 2, 3, 4... - Começou a contar as batidas. - E agora parece acelerado. O que você está pensando?

- Em te perder. - Ela franziu a testa e seu sorriso se esvaiu. - Eu não gosto quando brigamos assim.

- H...

- Eu sei, eu sei. Esse assunto já morreu. - Eu estiquei o pescoço e lhe dei um selinho. - Mas meu coração bate acelerado só de pensar em te perder.

Eu fiquei calado por um momento e nos olhávamos enquanto eu tentava buscar algo que eu não sabia o que em seu olhar.

- Promete que não vai se afastar de mim? - Eu falei por fim.

- O q- Claro que não vou, babe.

- Eu entendo que há coisas que você não queira me contar, ma-mas eu tenho medo...

- Medo de quê? - Ela perguntou antes de deixar eu completar a frase.

- De todas essas coisas criarem uma barreira entre nós. E eu não conseguir mais te alcançar. Tenho medo de pensar em um mundo em que você não esteja assim, bem peito do meu peito e contando as batidas do meu coração.

fechou e abriu a boca algumas vezes, como se absorvendo as minhas palavras que causaram um impacto maior do que eu esperava.

- Babe, você vai para o Brasil comigo no mês que vem! - Ela exclamou com um sorriso divertido. - Você vai conhecer minha família, meus amigos mais íntimos e todas as pessoas que são importantes para mim. Esse é um passo muito importante! É o meu jeito de nunca deixar essa barreira existir.

- Estou nervoso. - Confessei.

- Por quê?

- Em conhecer sua família. - Ela deu uma risada.

- Eles vão te amar, meu amor. - Ela apertou os braços que estavam em volta do meu pescoço. - A minha mãe não acredita até hoje que estamos juntos. Ela acha que eu fiquei maluca. - Outra risada.

- E todas as vezes em que falei com ela pelo telefone? - Eu ri também.

- Eu não sei. - Deu de ombros.

- E aquela foto que Mitch tirou da gente se beijando no carro quando você foi nos deixar no aeroporto quando estávamos indo para Londres no mês passado?

- Ela não sabe dessa foto.

- Exatamente! Por que não envia para ela?

- Você é perverso. - Ela gargalhou e eu pisquei. - Eu vou tomar um banho. - Mudou de assunto.

Rapidamente, eu retirei meu braço que sustentava sua cabeça, deixando-a deitar sob o sofá e rolei por cima dela. Beijei-a.

- Posso ir junto? - Eu levantei meu corpo um pouco, apoiando meu peso nos braços.

- Não. - Ela deu uma risada e balançou a cabeça. - Eu vou lavar o cabelo.

- Eu posso lavar o seu cabelo. - Rebati.

- Hum, ‘tá bom! - Ela concordou facilmente e eu a beijei de novo.

- Embora eu não ache que você precise lavar o cabelo. - Completei.

- Harry, se você está dando para trás...

- Eu? Não! - Me levantei num pulo. - Você quer lavar o cabelo? Vamos lavar o cabelo! - Estendi uma mão e ela a segurou para se levantar.

encostou seu peito no meu e levantou os braços para cima se espreguiçando. Ao abaixá-los, passou-os em volta do meu pescoço, dando-me um abraço. Levei minhas mãos até suas coxas, incentivando-a para que envolvesse meu quadril com as pernas para que eu pudesse levantá-la. Trocamos um outro beijo rápido e eu sai a carregando em direção ao banheiro.

Para todos os dias que começarmos com brigas, que possamos terminá-los nos amando um pouco mais.


28. We built it up so high and now i'm falling.

ABRIL, 2019




Eu encarava Harry conversando alegremente em uma pequena roda do outro lado da grande sala; aquele copo vermelho característico de festas americanas dançava entre as suas mãos. Já eu, de braços cruzados, tentava prestar atenção ao que Molly, diretora criativa de Harry, falava comigo.

Mas a minha mente vagava em outro lugar.

- ...e tem o photoshoot que Harry insistiu em fazer com um fotógrafo que só está disponível em maio...

- Em maio? - A data trouxe de volta a minha atenção e eu cortei Molly.

- Eu posso te contar isso, não é? Já que você é a namorada do Harry.

- Sim, é claro. - Dei de ombros. - Não é como se você estivesse vazando a informação para uma fã.

No momento em que terminei de falar, fiz uma careta, percebendo a controvérsia na frase.

- Quero dizer, e-eu sou fã dele, mas... você sabe, não é? - Ela balançou a cabeça em um sinal positivo.

- Harry me contou.

- Então você entendeu meu ponto. - Balancei uma mão na sua frente, em um gesto de “deixa pra lá.” - M-mas quando em maio?

- Relaxa. Ele me falou que vocês vão viajar e que ele só tem a última semana do mês disponível. - Assenti levemente aliviada com a informação.

- Espera! - Raciocínio atrasado, como sempre. - Mas, e a Hélène?

Molly deu de ombros, como se dizendo que não sabia.

- Não é como se ele tivesse dispensado Hélène ou algo do tipo, eu acho que ele só quer esse fotógrafo especialmente para o visual geral do álbum, um par extra de mãos...

Encarei Harry mais uma vez. Ele nem me olhava.

Não estávamos bem. E o motivo era justamente essa viagem que aconteceria em poucos dias.

Abril estava sendo um mês muito difícil.

Bem, antes de tudo, eu preciso recapitular todos os eventos que desencadearam o momento presente, em que me encontro na festa de comemoração pela finalização do segundo álbum de Harry Styles, intitulado de Fine Line, enquanto converso com Molly, alguém que trabalha com Harry e que acabei de conhecer, mas não consigo prestar atenção na conversa porque só fico o encarando, feliz e se divertindo do outro lado da sala.

Começamos relativamente bem, o mês e eu; Harry tinha voltado para casa depois de semanas longe e estar fisicamente com ele sobrepunha todo o nosso estranhamento do começo por causa de toda a situação com a Sophie e o Met Gala. Eu tinha arrebentado meu colar, mas Harry já tinha me levado na loja para trocar e eu considerei tudo aquilo como apenas um evento ruim isolado, porque eu também tinha feito uma tatuagem nova e tinha presenciado Harry fazer uma tatuagem nova. Além de que estava na contagem regressiva para voltar para casa. E claro, Harry e eu entramos no mês juntos, não importavam as adversidades, ele era meu e eu era dele. E era um novo mês para uma nova fase na nossa relação; que tinha, de fato, virado um relacionamento – que mesmo falando um para o outro, ainda não sabíamos definir bem o que era. – Mas era o nosso primeiro mês completo juntos. E, de qualquer forma, parecia que tudo estava finalmente caminhando para algum lugar.

Sim, ladeira abaixo.

É sério! Eu não tinha nenhuma prospecção de como as coisas poderiam ficar ruins. Quando eu disse que imaginava que as coisas estavam caminhando para algum lugar, eu quis dizer para algum lugar bom.

Tipo às nuvens... Não ao fundo do poço!

Até as nuvens porque depois de me sentir estagnada por mais de três meses, que foi o tempo que escondi fortemente todos os meus sentimentos por e de Harry, e vivia, ou melhor, apenas existia nesse limbo sem solução, ter essa questão esclarecida trouxe um alívio muito grande para a minha alma. Ele tinha se declarado, eu tinha me declarado, íamos viajar para o Brasil juntos... Saber que Harry me queria tanto quanto eu o queria... Tudo trouxe consigo uma sensação de êxtase. Nenhuma discussão boba era importante o bastante para me tirar desse lugar feliz. Nada mais importava.

Tudo começou no meu trabalho. Tá, tá bom! O meu trabalho não tem relação com o fato de eu estar nessa festa, mas tudo começou a dar errado lá. O mês começou a dar errado com o meu trabalho dando errado.

Eu fui trabalhar num dia como qualquer outro; era uma sexta-feira, eu me lembro bem. As coisas sempre são corridas nas sextas-feiras; todo mundo – vulgo eu – quer zerar todas as pendências para ir para casa e passar um fim de semana tranquilo sem deixar nada para a segunda-feira.

Nada de novo durante a manhã. Eu procurava resolver tudo nessa parte do dia para ficar tranquila na parte da tarde.

Na hora do almoço e logo depois, nada de novo também.

Henry, Lucy e eu almoçando juntos e reclamando que Jane faz falta, check.

Henry me contando do que planejou para a saída de fim de semana com a antes ex-esposa e agora não sei o status, check.

Lucy insistindo para que eu fosse ao Happy Hour como em todas as sextas, check.

Lucy pedindo meu carro para buscar café, check.

Lucy tendo que ir no carro da empresa, porque obviamente não vou confiar o Benzinho só para ela buscar starbucks, check.

Então você me pergunta, o que deu errado, se até então tudo parece igual?

Justamente, tudo estava igual...

Até não estar mais.

Faltava pouco mais de duas horas para o fim do expediente quando as batidas na porta da minha sala ecoaram leves e polidas.

Quem abriu a porta foi um dos meus subordinados.

- Boa tarde, .

Todos do meu setor me chamavam pelo nome, porque como eu já mencionei algumas vezes, se pudesse evitar o tratamento pelo sobrenome, eu evitava.

- Boa tarde! - Eu respondi.

- O caminhão que eu sai hoje precisa completar o óleo.

- Uh-hum! - Respondi sem dar muita importância.

Eu hein. Eu não preciso saber disso, ele sabe onde fica o óleo.

- Cadê o mecânico? - Ele me perguntou.

- Eu dei uma folga para ele hoje. A Lucy vai te passar a chave da oficina, você pode pegar o óleo e completar.

- Eu não mexo no motor desses veículos. - Respondeu taxativo. - Eu sou motorista, só dirijo os caminhões. - Ele falava um inglês muito mal formulado e conjugado, com muitas gírias e palavras que pareciam vir de um linguajar próprio.

- O-o quê? - Vinha voz vacilou em confusão.

Na minha cabeça eu gritava “WTF?”, que história era essa?

- Na antiga gerência, fomos orientados que não podemos fazer isso, que só o mecânico podia, porque alguém uma vez colocou óleo errado e como ninguém se declara culpado, foi proibido. E aí depois eu coloco errado e vão vir atrás de mim. - Eu quase revirei os olhos.

Alôooo, foda-se a antiga gerência, quem manda agora sou eu?!, apesar de soar prepotente até mesmo nos meus pensamentos, era o que eu queria responder.

- Você dirige esses caminhões todos os dias e está me dizendo que não sabe qual óleo colocar?

- Eu sei. Mas EU não vou colocar.

Quanto mais incisivo ele falava, mais impaciente eu ficava.

Sabe quando você está em paz e chega alguém que parece enviado do satanás somente para te atormentar? Foi esse homem. Eu fui pega tão de surpresa, que demorei a processar o que ele falava e ficava cada vez mais confusa com o surto aleatório.

- Você pode colocar, faz parte da sua função conferir se o veículo está em boas condições de uso e também mantê-las. - Eu rebati, calma.

Eu sempre buscava usar palavras mais simples quando falava com qualquer motorista, porque a maioria deles não tinha muito estudo, e por inglês sem a minha segunda língua e ter a aprendido com foco profissional, eu tendia a falar tudo com mais formalidade do que era necessário.

- Escuta aqui, minha filha, você chegou nessa empresa agora, eu trabalho aqui há 14 anos. Minha função é motorista, eu só dirijo os caminhões.

Eu nem respirei antes de responder.

- Ser motorista não é só dirigir caminhões, e com os seus 14 anos de empresa, deveria saber disso.

- Eu não mexo nesses caminhões! - Tornou a repetir. - Eu não me importo se os outros motoristas fazem, mas EU não vou fazer. Eu já vim aqui avisar. Precisa completar o óleo. - Pontuou novamente. - Se me colocar para trabalhar nesse caminhão segunda-feira e se o óleo não estiver completo, eu não vou.

Seu tom de voz desafiador e insolente me deixou nervosa. Eu já tinha lidado com insubordinação antes, mas nesse um ano em Los Angeles, ninguém nunca tinha desafiado a minha autoridade ou me desrespeitado. Ainda mais por um motivo tão aleatório e sem importância. Era só óleo, puta que pariu.

Eu o olhava completamente esbabacada. Tamanho o choque, eu demorei alguns segundos para formular uma resposta mais adequada do que a que eu havia dado anteriormente.

- Tudo bem. Eu converso com o mecânico na segunda-feira. Você já pode ir embora. - Eu rebati com a voz equilibrada.

Sem jeito, como quem ainda não se sente vitorioso, ele saiu relutante e parecendo bem contrariado.

- O que foi isso? - Lucy murmurou em tom de riso e eu dei de ombros querendo rir também.

- Loucura?! - Franzi as sobrancelhas antes de completar. - Será que aconteceu alguma coisa?

- Mesmo que sim, ele não pode descontar em você assim. Não é como se você pudesse adivinhar qualquer coisa que ele esteja passando.

- Tem razão. - Dei de ombros. - Ele me deixou irritada. - Suspirei. - Na segunda-feira eu já vou ter esquecido como ele me fez raiva e vou perguntar se está tudo bem.

Continuamos trabalhando normalmente por algum tempo, até que eu precisei de alguns documentos em outro setor e Lucy tinha sumido resolvendo alguma outra coisa para mim.

Então eu fui buscar. Normal, sem problemas.

Pelo caminho, tive que passar na porta do vestiário e escutei alguém conversando, uma das vozes era clara e alta.

- Ela acha que só porque é supervisora de logística entende mais do que a gente...

Okay, claramente a conversa era sobre mim e claramente quem falava era o meu funcionário do surto anterior. Seu tom de voz petulante estava muito claro na minha memória para que eu não reconhecesse.

- ...a gente que está na estrada todo dia é quem sabe. Eu trabalho dirigindo caminhão tem 30 anos, aí aquela vadia chega e acha que sabe mais.

Ele acabou de me chamar de vadia? Que absurdo! Era para ofender, será? Não era a primeira vez que eu era a mais nova e ainda assim mais qualificada ou mais experiente e isso sempre fazia com que as pessoas não tivessem opção, se não me engolir. Eu quis dar um risinho enquanto tentava escutar uma possível resposta, mas a voz dele foi a única que eu ouvi em seguida.

- Querendo me ensinar sobre manutenção básica de caminhão. Ela nem entende nada de caminhão. - Riu sarcástico.

Aí! Agora ele havia pegado no meu ponto fraco. Não gostei. Poxa, eu dava o maior duro todos os dias ali, tratava todo mundo bem, tentava resolver todos os problemas o mais rápido possível para que todos os meus funcionários sempre trabalhassem confortavelmente e em condições seguras.

- Você já viu mulher entender de caminhão? - Riu de novo e meus olhos se encheram de lágrimas. - E ela tem a idade da minha filha.

Ser mulher em uma área dominada por homens era um processo sem descanso para provar que você entende, sim, do que está falando. E me menosprezar por ser mulher era a gota d’água para mim. Era o máximo que eu poderia aguentar. Me chamar de vadia? Desrespeitoso, mas ok. Me chamar de incompetente? Meu amigo, existe uma linha e você acabou de cruzá-la.

Eu abri a porta de uma vez, em um movimento tão brusco e inesperado que até eu mesma me assustei.

Os dois homens me encararam com os olhos tão arregalados que se eu não estivesse tão em choque teria rido.

- Sr. Miller, por favor, me acompanhe. - Eu disse isso e sai andando, meu caminhar sendo ecoado pelos saltos.

Eu agradeci mentalmente pelo Sr. Stein estar na empresa e eu não ter me vestido com a camisa do Pink Floyd que Harry havia me dado, uma calça skinny clara e um par de Nike brancos, como eu estava vestida na semana anterior. Eu tinha que parar de usar calça skinny, os adolescentes hoje em dia diziam que era cringe. Seja lá o que isso significasse.

A minha vontade era chorar como uma menina de quinze anos completamente magoada, porque aquele era um tópico realmente sensível para mim e eu só queria ir embora para casa. Mas eu segui firme diretamente para o Departamento Pessoal. Esse comportamento era inadmissível e eu o daria uma advertência. Primeiro resolva as coisas como adulta, , depois trate suas questões pessoais na terapia e chore por lá.

Nos sentamos com o coordenador do setor e eu expliquei toda a situação, o que tinha acontecido na minha sala e o que eu tinha ouvido na porta do banheiro. E é claro que... ele negou tudo.

- Eu não falei assim! - Se defendeu. - Apenas expressei que a senhorita entrou na empresa há pouco tempo e não sabe muito bem como as coisas funcionam aqui.

Dá pra acreditar nesse caralho?

Eu rebati mais uma vez argumentando como ele havia, sim, me desrespeitado, mas ele se recusou a assinar a advertência, porque, segundo ele, só estava expressando sua opinião, e que era seu direito.

- Aqui é a América, minha querida! Eu não sei de que país subdesenvolvido que você veio, mas temos o direito de expressão aqui.

Eu estava tão exausta que só assenti e pedi para o coordenador dar um toque no ramal de Lucy para que ela viesse assinar como testemunha que o funcionário se recusou a receber a advertência. Não sabia o que estava sendo mais absurdo naquela situação toda, eu ter sofrido um comentário xenofóbico completamente naturalizado ou o coordenador ter simplesmente tentado apaziguar tudo como se fosse ok que o funcionário falasse assim comigo porque ele era antigo e a empresa gostava da fidelidade.

Eu sai de lá completamente atordoada, mas de cabeça erguida e a passos firmes... direto para o banheiro, onde me tranquei em uma cabine e sentei no vaso com a tampa fechada.

Observei os sinais do meu corpo: as mãos tremendo, o nervosismo visível ao passá-las diversas vezes no cabelo e a quase falta de ar que me fazia respirar fundo.

Será que eu era mesmo tão ruim assim? Será que eu realmente vinha há um ano trabalhando errado? Deixando funcionários insatisfeitos? Será que eu não entendia nada do procedimento dali? Será que eu não consegui me adaptar tão bem quanto eu havia pensado?

Minha cabeça doía e eu achava que estava com fome. Cadê meu celular?, vasculhei os bolsos fundos da calça de alfaiataria e levei a tela à frente do meu rosto, desbloqueando-a automaticamente, fui até as ligações recentes e cliquei no nome de Harry em completo instinto.

Ops!, desliguei correndo quando notei que a ligação que eu havia clicado tinha sido uma chamada por facetime. Rolei a tela procurando por uma chamada nossa que não tivesse um símbolo de vídeo do lado. Demorou tanto que era mais fácil ter ido até os contatos.

- Oi, meu amor! - Harry atendeu em português e eu tirei o celular do ouvido e encarei nossa foto e seu nome na tela só para ver se eu tinha clicado na pessoa errada.

Não, era Harry mesmo. Falando em português.

- Oi? - Respondi em português também.

- Tu-du bom? - Ah, aí estava o sotaque.

Eu não respondi de imediato.

- Babe? Você ainda está aí? - Isso ele claramente não sabia falar em português.

- Sim. Desculpa! Eu te acordei?

- Me acordou? - Sua voz soou confusa.

- Sim. - Soei confusa também. - Você não está na Philadelphia? Como está a mãe do Xander, por falar nisso?

- O voo é mais tarde agora, eu te falei. - Sua voz soou tão confusa quanto a minha. - Está tudo bem?

- Verdade! Eu me confundi, achei que você já estivesse lá. Mas sim, está tudo totalmente bem.

- Onde você está?

- No banheiro.- Respondi sem pensar direito.

- No banheiro? Como assim?

- No-no trabalho.

- Porque está me ligando do banheiro do seu trabalho? Aconteceu algo aí? Você está se sentindo bem? Quer que eu te busque?

- Harry. - Puxei o ar. - Você acha que eu sou negligente?

- O quê? Como assim?

- Você acha que eu sou negligente? - Repeti pausadamente. - Que eu acho que faço as coisas direito e acabo não fazendo? Sabe, meio cega pelo ego?

- Que história é essa, ?

Puxei o ar de novo, tentando impedir as lágrimas de caírem. Sem sucesso.

- É qu-que e-eu pe-peguei um dos meus funcionários fa-falando mal de mi-mim. - Expliquei entre soluços.

- Babe, você está chorando? Calma! Me explica direito o que aconteceu.

- Será que todos aqui estão pensando que eu não sei o que estou fazendo? Será que eu não sei mesmo o que estou fazendo?

- , estou indo te buscar.

- Não! - Puxei o ar pelo nariz e boca juntos, tentando me controlar e fazer minha voz parar de tremer. - Não precisa. Eu prometi deixar Lucy no bar para o Happy Hour de hoje.

- Darling, eu tenho certeza que você sabe exatamente o que está fazendo. E você não é negligente, você é muito, muito altruísta e empática.

- Como tem certeza, Harry? Eu sou sempre tão confiante quando se trata do trabalho, e se a minha confiança me cegou? Eu tenho tanta certeza sempre que eu faço coisas no automático, sem prestar atenção. E se eu cometi erros que foram ofuscados pelo meu orgulho?

- É claro que você cometeu erros, babe. Você é humana, lembra? Mas isso não quer dizer que você não se importa, ou que só faz coisas erradas. Você é uma pessoa e trabalhadora incrível. E seu esforço é uma das coisas que eu mais amo em você.

- Mas e se eu...

- ! - Harry me interrompeu. - Vá para casa e quando chegar lá me liga que vamos conversar melhor, okay? Agora sai desse banheiro e para de duvidar de si mesma antes que eu vá te buscar!

Eu concordei em silêncio antes de me lembrar que Harry não podia me ver.

- Tudo bem. Obrigada, babe.

- Eu preciso ir agora. Love you. Tchau!

E desligou.

Encarei a tela com a chamada recém encerrada com um vinco entre as sobrancelhas. O que tinha acontecido para ele encerrar a chamada tão depressa?

Eu estava cansada demais para dar atenção a esse comportamento estranho de Harry. Em um momento ele estava simplesmente me consolando e depois praticamente desliga na minha cara?

Suspirei alto mais uma vez antes de me levantar e aproveitei para fazer xixi antes de sair do banheiro.

À essa altura do campeonato, o horário de encerramento do expediente já tinha sido ultrapassado e fui até a minha sala apenas para buscar a minha bolsa e trancar tudo.

Como prometido, deixei Lucy no bar. Ela havia me esperado pacientemente durante todo esse tempo. Ela sabia que eu estava chateada e sabia também que eu era do tipo de pessoa que preferia me isolar quando qualquer coisa acontecia, mas, em compensação, eu também sabia que ela era o tipo de pessoa que fazia absolutamente de tudo para te animar. Então foi depois de muita insistência da parte dela para que eu ficasse no Happy Hour que eu consegui vir embora.

Nos últimos meses, era um comportamento padrão que eu chegasse completamente exausta e suspirando do trabalho.

Sabe quando você trabalha o ano inteiro e quanto mais se aproxima do dia de entrar de férias, mais no limite você se encontra? O meu limite já estava, literal e figurativamente, um pé suspenso na beira do precipício. Ou seja, se eu colocasse o outro, cairia.

Eu coloquei a chave na porta do meu apartamento reforçando o meu comportamento clássico: suspirando, cabisbaixa, provavelmente meus olhos estavam vermelhos e inchados de chorar.

E... Merda! Eu ainda tinha a minha dissertação para me preocupar.

- Puta que pariu! - Eu gritei de susto quando empurrei a porta.

Harry estava parado à, tipo, um metro de distância do espaço para abertura a porta.

Com uma mão no coração, eu analisei sua fisionomia. Tinha um sorriso de lado nos lábios, provavelmente achando divertido ter me assustado, já que ele adorava quando isso acontecia. Apesar de que ele nunca me assustava por querer; pelo menos os seus sustos não pareciam planejados.

- O que você está fazendo aqui? Você não ia viajar?

Ele usava uma camisa de botões azul estampada com carros e palmeiras que estava aberta; embaixo vestia uma regata branca; uma calça jeans aparentemente bem simples de lavagem clara, mas que provavelmente custava quase o meu salário semanal; um par de sneakers branquinhos de couro que pareciam novos e a boina de lã que eu havia dado a ele de presente de natal.

- Adiei o voo para amanhã. Queria checar você pessoalmente.

- Harry! - Repreendi. - Você mudou seus planos por minha causa?

- Ei! Tá tudo bem! Eu preciso ir para Nova York, lembra? Então de qualquer jeito eu só ia dar uma passada na Philadelphia para visitar a mãe do Xander no hospital. Eu não ia poder ficar muito lá.

Neguei com a cabeça sem dizer nada, de repente percebendo o que ele carregava nas mãos.

- A blossom* to my blossom. Uma flor para a minha flor. - Disse galanteador ao me estender uma única flor meio rosada.

Eu peguei com cuidado e o encarei em dúvida.

- É uma flor de pessegueiro. - Explicou. - Tão doce quanto você.

Eu estava tão incrédula e positivamente surpreendida que soltei uma gargalhada.

- O que aconteceu com as referências aos morangos? - Perguntei divertida.

Harry deu de ombros antes de responder.

- Eu quis variar.

Caminhei os poucos passos que nos separavam e o abracei pelo pescoço, vendo de relance o ‘1967’ tatuado na sua clavícula antes de afundar meu rosto ali. O cheiro doce apimentado do seu Tom Ford instantaneamente preencheu o meu olfato.

- Eu amei a flor. É linda! - Agradeci com um beijo rápido.

- Você estava fumando? - Harry me questionou e eu não respondi. - Você cheira a morango e cigarro. - Eu dei uma risada e soprei minha respiração na mão.

- Não a sua boca, tonta. - Harry balançou a cabeça enquanto dava uma risada. - Sua boca tem gosto de morango, mas seu cabelo cheira a fumaça.

Eu dei um sorriso de lado.

- Eu vou lavar o cabelo. - Garanti.

- Vem comigo. - Me entendeu uma mão.

Harry me puxou direto para a suíte no meu quarto, era normal que os apartamentos americanos tivessem uma banheira embaixo do chuveiro, então, é claro, eu também tinha.

A banheira estava cheia de água e tinha espuma, não muita, como quando vemos em filmes, mas sim do tipo ‘real’, que provavelmente durou cinco minutos e se desfez, sobrando só algumas outras mais resistentes.

- Por que você não toma um banho agora? - Harry sugeriu apontando para a água.

- Você está dizendo que estou fedendo? - Brinquei.

- Hmm. - Murmurou, como se pensasse. - Não tenho certeza.

Dito isso, levantou um dos meus braços e puxou o ar, fingindo cheirar a minha axila. Eu puxei meu próprio braço bem rápido para baixo.

- O que você está fazendo? - Comecei a rir em desconforto.

- A previsão deu resultado para ‘necessário água’.

- Idiota! - Dei um tapa em seu braço. - Eu não estou fedendo suor.

- É claro que não está, . Você ficou sentada o dia inteiro embaixo do ar condicionado. - Arqueei uma sobrancelha.

- Exatamente. - Eu sorri e soltei um “tsc” ao mesmo tempo.

- Então, vou te deixar aqui e buscar algo na cozinha. Eu trouxe algumas coisas: sorvete, lanches, chocolate... O que você quer beber? Vinho, eu suponho. Também posso pedir comida, tem algo que você queira?

- Harry... - Eu o encarei sem saber o que dizer. - Eu...

- Ah, qual é, ! Me deixa cuidar de você.

- Eu não falei nada ainda. - Comecei a rir.

- Eu te conheço o suficiente para saber que você ia protestar dizendo que isso tudo não era necessário e que não aconteceu nada demais.

- Na verdade, eu só ia perguntar se você quer entrar na banheira comigo... - Dei de ombros enquanto meu tom de voz saia em falsa despretensão.

- Jezz! Não! Se eu entrar nessa banheira a última coisa que você vai fazer é tomar banho. - Eu soltei uma gargalhada.

- Nesse caso, o sorvete seria bom.

- É pra já! - Harry respondeu animado e saiu do banheiro.

Enquanto isso, tirei os sapatos e pisoteei a calça para tirá-la do meu corpo. Eu usava uma blusa de cetim que puxei, junto com o sutiã, por cima da cabeça.

Harry apareceu na porta quando eu tinha uma das pernas dentro da banheira. Ele esperou até que eu estivesse com o corpo imerso na água antes de se aproximar e me entregar o pequeno pote de sorvete e uma colher. Era chocomenta; nosso sabor favorito.

- Não pegou para você? - Eu perguntei.

- Não, tudo bem. Não quero sorvete.

- Então pega outra coisa, não quer beber nada? Eu tenho uma garrafa quase vazia de whisky barato no armário.

Lhe dei uma piscadela e Harry riu, saindo do cômodo sem dizer nada. Então escutei o barulho de vidro e rapidamente ele estava de volta com um copo na mão.

- Então... - Ele tomou um gole do whisky e fez uma careta.

Não o julgo, até para mim aquele whisky era ruim, imagina para ele que estava acostumado somente com os melhores. Mas ele não disse absolutamente nada sobre isso.

- Quer me contar o que aconteceu?

- Falando assim, parece até a minha terapeuta.

Meu tom de voz era divertido, mas eu sabia que Harry sabia que eu estava enrolando. Eu era assim, afinal, sempre mascarando com humor o que eu queria evitar lidar.

Eu sempre quis viver esses momentos de filme clichê, em que a personagem principal termina com o mocinho e se senta no sofá assistindo a um romance com um pote de sorvete enquanto chora.

Mas, preciso dizer: A realidade não era bem assim. A realidade era um pé no saco! Não era nada legal se sentir assim, com sorvete ou não. Mesmo que o meu caso não fosse coração partido. Era algo mais adulto e ainda mais chato de lidar.

Talvez eu estivesse fazendo errado, já que o protocolo tácito para banhos de banheira pedia vinho e não sorvete.

- Bem, eu estou sentado no chão do seu banheiro enquanto você está deitada na banheira. Finge que a banheira é o divã e o chão é a minha cadeira.

Ele rebateu também divertido, o que me fez sorrir.

Que se dane o protocolo, eu também não estava de all star e coque frouxo quando esbarrei em Harry Styles em uma cafeteria que também não era a Starbucks. E estou indo muito bem, obrigada. Ahn... Quero dizer, na parte do clichê, não na vida, porque claramente está tudo uma bosta nesse momento.

Se eu vou viver o meu clichê, que na verdade não é tão lindo quanto parece, já que eu me sinto miserável agora, o mínimo que vou fazer são umas regras novas: Sorvete na banheira, sim!

- Pelo menos senta em cima do vaso. - Eu pedi.

- Pra quê? O chão é muito mais confortável e espaçoso. Olha! - Se inclinou para a lateral, levantando metade corpo do chão. - Eu tenho até um tapete embaixo da minha bunda.

Um cantor mundialmente famoso sentado no chão do seu - minúsculo - banheiro falando da própria bunda definitivamente também não existe no script dos clichês.

- Cara, eu amo o seu sotaque. - Eu falei gargalhando.

- Eu também amo o seu. É como música para os meus ouvidos.

- Ah, para! - Balancei a mão na sua frente, espirrando um pouquinho de água em seu rosto.

- , quando você vai entender que eu tô inevitavelmente apaixonado por você? Eu vejo beleza em tudo relacionado a você e, quando você me liga chorando, ouvir sua voz embargada é como se eu mesmo estivesse agonizando sob a dor de mil objetos afiados me perfurando.

- Meu Deus, como você é dramático! Poético, mas muito dramático.

- Dizem que musicistas são poetas do som.

- Ninguém diz isso. - Rebati descrente.

- É verdade. Uma música não é nada além de um poema com melodia. A gente usa basicamente a mesma estrutura de escrita de poemas quando escreve letras de músicas.

- Jura? - Rebati fascinada.

- Uh-hum. - Confirmou. - Eu poderia escrever um poema para você agora.

Arqueei a sobrancelha e esperei enquanto ele parecia pensar.

- Walk in your rainbow paradise. Strawberry lipstick state of mind, because I get so lost inside your eyes...(Ando em seu paraíso de arco-íris, estado de espírito de batom de morango, porque eu fico perdido no seu olhar) - Recitou como se declamasse um poema de Shakespeare, um sorriso ladino e olhos espertos refletiam em seu rosto.

- Que lindo, H! - Eu sorri. - Como você conseguiu pensar nisso agora?

Ele deu de ombros.

- É fácil.

- Jura?

- Não. - Gargalhou. - Isso é a letra de uma das minhas músicas novas. Modifiquei um pouco para soar como um poema.

- Ahhhh! - Exclamei em decepção. - Idiota. - Revirei os olhos, mas acabei gargalhando também.

- Honey... I’d walk through fire for you (Querida... Eu andaria através do fogo por você) - Dessa vez ele cantou. - Você quem me disse isso, sabia?

- Eu disse? - Perguntei confusa, pois não me lembrava.

- Sim, no telefone uma vez você disse que até andaria no fogo por mim, mesmo que nunca fôssemos nada além de amigos.

- Ah! Eu me lembro! - Exclamei. - Foi quando você me ligou para me perguntar do meu chiclete de morango e da música do Frejat. Por algum motivo eu me lembrava mais dessas coisas do que de ter falado isso...

Ele concordou com a cabeça.

- Ah é, foi porque você me ignorou! - Completei ao me recordar.

- Eu não te ignorei. Eu estava escrevendo o que você tinha dito.

- Você tem que parar de me plagiar assim, sabia? - Suspirei teatralmente. - Olha, eu vou te processar por direitos autorais!

Ele riu e arrastou o corpo para mais perto da banheira. As costas encostadas na parede oposta a que as minhas estavam escoradas na banheira e ele tinha as pernas esticadas no chão.

- Eu achei tão bonito, sabe? Não é fácil encontrar alguém que devote tamanha lealdade sem esperar nada em troca. - Dessa vez eu que dei de ombros, um pouco sem graça.

- Você foi meu primeiro amigo aqui, H. - Falei sério, parando com as brincadeiras e o tom de voz debochado. - Eu tinha medo de ficar sozinha, mas você sempre, sempre esteve aqui por mim. Então eu daria o mundo, ou, nesse caso, andaria no fogo, se fosse para te salvar. Você sempre pode contar comigo. Eu sempre vou ser sua amiga.

- E eu valorizo muito isso e quero que você saiba que é recíproco. Eu faria o mesmo por você. Eu sei que você tem esse jeito de cuidar de todo mundo, de querer garantir que todos estejam bem e acaba se esquecendo de você. Então me deixa fazer de tudo por você também.

Eu não sabia se aquele era um pedido em que ele realmente esperava uma resposta, mas assenti com a cabeça mesmo assim.

- Então se você andaria no fogo por mim, me deixa te adorar.

- Isso também é parte de uma das suas músicas? - Não aguentei guardar a pergunta sarcástica e quase gritei em choque quando descobri que a resposta era ‘sim’.

Harry Styles... Sempre tão previsível.

- Honey... I’d walk through fire for you (Querida... Eu andaria através do fogo por você) - Harry recomeçou a cantar. - Just let me adore you (Apenas me deixe te adorar) / like it’s the only thing I’ll e-ever do. (Como se fosse a última coisa que eu faria). - Ele acabou rindo no final e tendo que repetir as duas últimas palavras. - E tem uma parte também em que eu digo que só quero te dizer sobre como ultimamente você tem estado na minha mente. - Piscou em divertimento.

Seguiu-se um longo silêncio depois disso. Eu sabia que era hora de abrir o jogo, não podia mais adiar o assunto com conversas banais. Então tentei organizar meus pensamentos para explicar a Harry o que havia acontecido.

Eu não sei se ele sabia que eu estava fazendo isso, mas permaneceu calado, ora me observando, ora observando os próprios pés, enquanto tomava pequenos goles do whisky e não parava de sorrir aquele seu sorriso de lado e contido.

Eu tentei contar tudo com o máximo de detalhes sobre o que pensei e como reagi ao que ouvi. Assim como eu o havia prometido. Eu prometi que se fôssemos realmente fazer aquilo, ficar juntos, que eu seria mais aberta, que eu o deixaria entrar.

Harry ouviu tudo em silêncio, concordando com a cabeça até quando eu já estava sem fôlego de tanto falar.

- Você tem que demitir esse cara! - Harry verbalizou completamente revoltado.

Demitir? Isso sequer tinha passado pela minha mente.

- Sim, demitir, você é a chefe dele, pode fazer isso.

É mesmo, não é? Eu era a chefe, porque eu não tinha pensado nisso?!

- Você tem razão. - Concordei. - Eu posso demiti-lo. É. Isso aí. É o que eu vou fazer.

- É a decisão certa. - Harry reforçou. - Você não pode ficar trabalhando com uma pessoa que torna o ambiente tão tóxico assim. - É uma ofensa e cabe até mesmo um processo as coisas que ele disse para você.

- Sim, é verdade. - Balancei a cabeça. - Além do mais, ele pode influenciar negativamente outras pessoas e isso geraria um transtorno ainda maior. - Harry também balançou a cabeça. - Obrigada, H! - Eu disse sincera. - Você tem ótimos conselhos, mesmo que não entenda nada de processos gerenciais.

- É, eu não entendo mesmo. - Gargalhou. - Eu vou buscar mais whisky. Quer alguma outra coisa?

Eu já tinha deixado o sorvete de lado e provavelmente precisava ser levado ao congelador antes que derretesse completamente. Não que eu ligasse minimamente para isso.

- Hm, sim, quero. - Eu respondi. - Que tal se você entrar aqui na banheira comigo?



* Blossom, em inglês, é uma palavra usada para especificar flores provenientes de árvores frutíferas.

*


Eu ainda tive alguns dias de dor de cabeça preparando a demissão daquele funcionário, entrevistando outros para o seu lugar..., nesse meio tempo, Harry viajou para a Philadelphia e atualmente estava Nova York e eu não pude ir junto porque estava resolvendo todos esses problemas. Não que eu fosse, de qualquer forma.

Enquanto ele estava do outro lado do país se encontrando com estilistas, diretor criativo da Gucci, com seu empresário e sei lá mais quem para resolver tudo para o Met Gala que ele seria anfitrião, eu comprei as nossas passagens para o Brasil. Eu estava muito animada e liguei para ele para contar sobre isso, sobre as pequenas viagens que eu queria que fizéssemos dentro do país e tudo o mais que eu estava planejando.

E foi aí, meus amigos, que o trem saiu dos trilhos e caiu na ladeira. Comigo e Harry dentro, se isso ainda não ficou claro.

- Oi, lindo! - Falei em português. - Você está podendo falar agora?

- Oi, linda! - Ele disse em português também. - Sempre posso falar com você.

- Então, eu acabei de chegar do trabalho e eu achei as melhores passagens do mundo! - Respondi animada - Você já jantou?

- Já, já jantei. Não se preocupe! - Respondeu rindo. - Me fala das passagens!

- Então... - Repeti. - A gente vai sair daqui sábado de tarde, fazer uma conexão no Texas e chegar no Brasil domingo de manhã! É um horário ótimo, vai dar pra todo mundo buscar a gente no aeroporto. - Tagarelei. - Não quero que você fique assustado, é claro, mas preciso te avisar que vai ser a maior choradeira que você já viu. Se bem que não, você já deve ter visto muitos choros coletivos na sua vida. - Voltei atrás e ele gargalhou.

- Você provavelmente tem razão.

- Sério, vai ser perfeito, porque indo no primeiro final de semana do mês, vamos ter dois fins de semana inteiros lá e eu ainda volto antes de virar o mês, porque eu odiaria deixar Lucy sozinha na transição de um mês para o outro, porque sempre tem tanta coisa para resolver, tem a análise dos gastos, fechamento contábil, essas coisas.

- Espera, . Segura aí. - Me interrompeu. - No primeiro fim de semana do mês? Para que dia você comprou essas passagens?

- Para dia 3. - Dei de ombros. - Eu te disse que queria ir o mais rápido possível em maio.

- Mas eu não posso viajar no dia 3. O met gala é três dias depois!

Espera, o quê? Como eu me esqueci completamente da data do Met Gala?

- Não, você não tinha me dito isso. - Neguei muito confusa.

- , você sabe que eu viajo para Nova York no dia 03. Porque dia 05 é o jantar dos anfitriões e no dia seguinte o Met Gala, e tem a after party que eu também estou como anfitrião, eu só estou liberado no dia 07 à tarde!

- Não. Não é possível. - Continuei em negação.

- Tudo bem que você não quer ir ao Met Gala comigo, mas você não precisava marcar a viagem para antes disso só para ter uma desculpa para não ir. Eu entendo que você não quer ir, sério.

- E-eu não... - Eu estava em choque. - Eu só comprei essas passagens porque estavam em uma promoção inacreditável...




- Você tem ideia do caos que isso traria?

- Claro que eu tenho ideia. - Harry riu nasalado. - Mas eu que sou o famoso aqui, você não precisa se preocupar com a minha discrição mais do que eu mesmo já me preocupo!

- H, já conversamos sobre isso! - Minha voz saiu em silvo, não aguentava mais brigar por esse mesmo assunto. - E você está certo! Você é o famoso, você que está acostumado a lidar com essa merda midiática o tempo todo! Qualquer pessoa que respira perto de você recebe ódio gratuito imediatamente.

- Bem, você sabia aonde estava se metendo quando aceitou ter algo comigo! - Harry rebateu com frieza.

- Sim! - Concordei agressiva. - Mas nunca falamos sobre ir em eventos chiquérrimos de moda!

- O que você quer que eu faça? Que eu não vá?

- Não! - Neguei imediatamente. - Claro que não! Você precisa ir, é o seu trabalho, a sua carreira.

- Não é só o meu trabalho ou a minha carreira, ! Isso é a minha vida! E eu quero que você faça parte dela! É pedir muito? Você não me ama o suficiente?

- Você não tem o direito de dizer isso! - Apontei um dedo diretamente para seu rosto. - Te amar não tem absolutamente nada, ouviu bem? NADA a ver com isso.

- Isso tem tudo a ver, . E me desculpa se eu tenho essa bagagem, mas esse sou eu! E se você não pode enfrentar isso por mim, por nós, como poderemos ficar juntos? - Seu olhar se fixou no meu, como se meu corpo fosse transparente e Harry estivesse enxergando a minha alma. - Do que você tem tanto medo? Ninguém mais lembra das minhas fotos com a Sophie, isso não é motivo para você não querer ir.

Eu não respondi, não pude. Eu não tinha resposta.

- Olha... - Harry falou baixinho, seu olhar se tornou gentil quando ele tomou meu rosto em suas mãos. - Eu só quero que você ocupe um dos lugares na minha mesa de convidados. - Encolheu os ombros. - Eu não estou dizendo para a gente chegar lá de mãos dadas e entrar pela porta da frente. - Ele sorriu, fazendo graça. - Eu adoraria, é claro.

- É claro, e então nos sentaríamos e esperaríamos o burburinho se formar? - Repeti o que ele havia me falado dias antes.

- Exatamente. - Riu achando graça que eu lembrava das exatas palavras que ele havia usado. - E então eu não negaria nem admitiria nada. Eu só... - me deu um selinho - ...não quero ter que esconder você... - outro selinho - ...como se fôssemos um segredo sombrio que não posso revelar.

- Hum, eu acho que você já me disse isso.

- Eu disse, não disse? Será que dessa vez você me escuta?

Eu tentei desviar do olhar penetrante e intenso de Harry, mas suas mãos seguravam meu rosto com firmeza.

- Eu não quero brigar por isso, H. - Suspirei. - E eu não quero ir. Lá não é o meu lugar.

- Seu lugar é do meu lado! - Me deu uma leve chacoalhada. - Só... pensa nisso, ok? Você não precisa ir comigo, não é obrigada..., mas eu gostaria que você fosse.




- ...Não tem nada a ver com não querer ir, Harry! Eu não mentiria assim para você. Eu já deixei claro que não quero ir, você sabe disso, eu não tenho porque arrumar desculpas ou justificativas!

As lembranças da nossa última discussão tinham me deixado atordoada. Isso havia me feito refletir que talvez o mês tenha começado a dar errado muito antes do que eu me lembrava.

- Eu juro que só... me esqueci. - Suspirei. - Eu fiquei tão animada com o preço das passagens e era na data que eu queria... eu não percebi que era a mesma data do seu evento.

- Tudo bem. - Harry suspirou também. - Você com certeza consegue cancelar e comprar outras. E eu já te falei para não se preocupar em procurar passagens baratas. Vamos no dia que você quiser, só me manda a fatura do cartão e eu pago.

- Quando você vai entender que não podemos resolver tudo com você dizendo que vai pagar? Eu não quero o seu dinheiro, H.

- , eu só quero ajudar.

- Eu sei, mas... não é assim que as coisas funcionam. Eu não posso ficar aceitando o seu dinheiro toda vez que eu quiser fazer algo.

- Qual é o problema? Eu só quero simplificar as coisas. Para que tornar tudo mais complicado se eu posso resolver só pagando as malditas passagens?

Ele tinha um ponto, eu sabia disso. Mas decidi ignorar.

- Além do mais... - Hesitei. - Eu quero ir nesse dia. Essas passagens são perfeitas, data perfeita, horário perfeito. Eu não quero esperar mais para ver a minha família.

- Mas eu não posso! - Retrucou firme. A voz, embora no tom normal, mostrava rispidez. - Você quer ir sem mim, não é? O De-niel que vai te buscar no aeroporto?

- H... - Suspirei, decidindo que corrigir a forma que ele pronunciou o nome de Daniel só o deixaria mais irritado. - Não seja idiota...

- Não, tudo bem. Você pode falar! Se você está reconsiderando me levar nessa viagem, tudo bem. É sério, se você quer ir sozinha, você tem todo o direito. Não vou te impedir.

Me impedir? Eu hein, quem ele estava achando que era?

- Se quer ver seu ex, ou seus exes, quer ter tempo para eles... Eu não quero te atrapalhar, não vou ser o otário que não se manca que é indesejado.

- Quer calar a boca e parar de falar besteira?

*


“Harry Styles foi visto ontem à tarde chegando à uma loja da Gucci no Brooklyn. Será que o nosso co-anfitrião está fazendo as últimas provas dos looks para o Met Gala que acontece em duas semanas?”

Era o título e subtítulo da matéria que eu lia no Daily Mail UK, embaixo, havia fotos dele saindo de um carro e caminhando até um prédio.

O que me chamou mais atenção não era a matéria em si, ou o lugar em que ele estava..., mas sim as roupas, ou melhor, a camisa...

Era a camisa que eu havia comprado para ele quando fui ao shopping com Henry para escolher o presente de Maddie, ainda no ano passado.

Eu nunca tinha visto Harry usar a camisa. E até umas semanas atrás, ela ainda estava na gaveta com a etiqueta.

Eu comecei a rir. Como esse garoto conseguia ser tão cara de pau? Isso tudo era remorso? Ele nunca se importou com a merda da roupa, e agora, só porque estamos brigados e sem conversar, ele aparece a usando?

Que tipo de mensagem Harry queria passar?

Eu não me aguentei e enviei uma mensagem para ele.

02:15pm: A escolha do look foi uma tentativa
de reconciliação? *foto anexada*



02:38pm: O quê? Do que você está
falando?

02:40pm: Da camisa que eu te dei há meses
e você simplesmente resolve usar agora?



Tudo bem, tudo bem! Eu estava completamente consciente de que estava cutucando Harry desnecessariamente. Mas, e daí? Eu sou humana, eu erro. Ou, nesse caso, provoco o erro...

Eu não tive resposta.

Ótimo, Harry Styles. Ótimo!!! Agora passou a me ignorar?!

Eu não poderia nem dizer que era ‘muito maduro’, porque eu não estava sendo muito racional naquele momento também. Ah, qual é?! Eu tinha direito a uma porcentagem de infantilidade de vez em quando, eu a guardava para aquelas horas em que não conseguia evitar... Tipo agora.

Vinte minutos depois, meu telefone tocou. E não era só uma chamada regular, era uma chamada de vídeo. Não preciso dizer de quem, não é?

Eu atendi e soltei um mero “Oi”.

- Oi? Só oi? - Foi o que Harry respondeu.

- Oi, Harry?! - Repeti, acrescentando seu nome.

- Eu não esperava um oi seguido de um apelido em português, tipo ‘meu amor’ ou ‘lindo’, mas preciso dizer que não ouvir pelo menos um ‘babe’ ou um mísero ‘H’, me decepcionou.

Jezz... Que dramalhão.

- Se você não percebeu, eu não estou boa com você.

- Bem, eu não estou bom com você também. E nem por isso estou te tratando com desprezo.

Era tapa na cara que você queria, ? Pois está aí, quem fala o que quer? Isso mesmo, você já sabe o resto.

- Eu não estou te desprezando! - Rebati, orgulhosa demais para não me defender.

- Sério? - Retrucou com um tom de deboche que me fez perder mais a paciência.

- Harry, por que você está me ligando? Você sequer respondeu minhas mensagens, podia continuar me ignorando como você estava fazendo.

- Eu não estava te ignorando. - Respondeu pacientemente. - Eu estava ocupado e para não entrar no seu jogo de discutir por mensagens, eu preferi te ligar.

- Ah, claro. Me desculpe, senhor “eu sou bom demais para uso de redes sociais”.

- Você pode parar de ser estúpida? O que, exatamente, eu te fiz para você estar me tratando assim?

- Nada. - Respondi relutante. Eu cruzaria os braços se eu não estivesse segurando o celular com uma das mãos.

- Eu entendo que você esteja frustrada porque os nossos planos deram errado, mas não é culpa minha! Eu também estou chateado, sabia?

- Está mesmo? Então por que não quis me ouvir da outra vez? Não quis ouvir as nossas opções?

Um longo silêncio se seguiu depois disso.

- Eu posso ser realmente sincero? - Perguntou e eu revirei os olhos para a câmera.

- Sabe que sim.

- Eu me esqueci.

- De quê?

- Da camisa. - Esclareceu. - Eu estava arrumando a minha mala para vir e estava procurando algumas roupas mais leves porque está fazendo calor aqui e também porque eu só ia ficar três dias. E eu me senti horrível quando encontrei a camisa e percebi que ainda estava com a etiqueta.

- Isso mostra o quanto você gostou do presente...

- , não é isso... - Tampou o rosto com a mão livre. - Me desculpe, okay?

- Você não tem que me pedir desculpas por não usar uma roupa... - Respondi logicamente. - Só fiquei incomodada por você usá-la logo agora.

- Isso não faz sentido, eu trouxe a camisa antes da gente brigar.

Bem, ele tinha razão. Por isso, eu assenti com a cabeça, mas não disse nada. E nem ele disse nada pelos segundos que se seguiram.

- Olha, eu preciso ir, mas conversamos quando eu voltar. Você ainda vai na minha festa?

Eu suspirei, ganhando tempo para encontrar as palavras certas.

- Eu ainda estou aqui por você. E eu vou em qualquer lugar para te apoiar.

- Desde que seja em um local privado. É... - Suspirou também. - Eu acho que posso me conformar com isso por enquanto.

*


Esses foram os acontecimentos mais relevantes que nos trouxeram até aqui; à uma festa cheia de pessoas influentes em comemoração ao novo álbum de Harry.

E em nós só termos trocado algumas poucas palavras desde quando cheguei.

Eu não sabia porque diabos ele havia me chamado para esta merda se íamos nos ignorar o tempo todo.

Molly ainda estava conversando comigo, mas havia algumas outras pessoas da equipe de Harry que estavam ali na roda conosco, então eu não precisava me esforçar tanto para fingir prestar atenção, eu só olhava para quem estivesse falando e assentia antes de tomar um gole da margarita que Harry havia feito para mim.

Harry estava distraído no celular quando o encarei novamente. Vi que ele digitou algo rapidamente e, quando voltou a erguer a cabeça, me pegou no flagra o encarando. Eu desviei o olhar em um impulso, mas quando percebi o quanto isso era idiota, voltei a olhá-lo.

E então ele sorriu para mim. E guardou o celular no bolso. E começou a caminhar na minha direção. Ele parou na roda, entre mim e Molly e colocou o braço esquerdo em cima dos meus ombros.

- Estamos conversando, não estamos? - Se inclinou para falar no meu ouvido.

- Sim. - Balancei a cabeça. - É claro! - Reafirmei verbalmente.

- Okay. - Concordou também. - Tem um amigo chegando, vou buscá-lo na porta. Você está bem aqui?

Eu não entendi se a pergunta sugeria que ele queria que eu o acompanhasse, então eu apenas assenti. Harry imitou meu gesto e se inclinou para me dar um selinho antes de sair andando casualmente.

Demorei exatos dois segundos em choque. ‘Tá, eu não sabia os exatos segundos, mas quando o choque - rápido - passou, eu virei o pescoço para acompanhar sua saída.

Depois encarei Molly e, um a um, os outros rostos da roda. Ninguém ali parecia alarmado pelo fato de que Harry havia acabado de me beijar na boca. Na frente de todo mundo. Então olhei em volta, ninguém parecia ter notado ou se notou, não se importou.

Eu sabia que dentro da bolha de convívio de Harry todos sabiam que estávamos juntos, não consegui explicar porque tinha me assustado. Talvez porque saber, na teoria, era diferente de vivenciar, na prática. E não sabia que a prática poderia ser exatamente como me foi avisado na teoria. Era estranhamente igual.

Harry voltou acompanhado de um casal de mais ou menos a nossa idade. A mulher talvez fosse um pouco mais velha, na casa dos 30.

Ele me apresentou o homem e parecia não conhecer a mulher, mas a tratou como se ele a tivesse convidado pessoalmente, oferecendo para fazer uma margarita para ela – e ele, é claro – e deixando os dois na nossa roda enquanto ia até a cozinha.

A playlist que eu havia ajudado Harry a montar tocava em um volume ambiente. Todos ali pareciam estar se divertindo e eu precisava relaxar meus músculos faciais de 5 em 5 minutos, porque toda vez que eu percebia, estava franzindo a testa em uma careta.

Harry voltou trazendo as margaritas e Mitch em seu encalço. Eu passei a reparar que ele mesmo não estava bebendo nada, só embebedava a todos na festa.

Jeff, que estava em um outro canto, se aproximou ao ver Harry, entrando entre mim e Harry e passando um braço por cima de cada um de nós. O que tinha com esse povo que tinha que ficar jogando braço por cima dos ombros dos outros toda hora?

- E aí, criança? - Perguntou para mim e depois olhou para Harry.

- O quê? - Franzi as sobrancelhas de novo.

- Está se divertindọ? Você parece meio chateada.

Harry me encarou esperando a resposta. Como se eu fosse falar alguma coisa na frente de todo mundo. Quase revirei os olhos.

- Estou ótima! - Falei alto, seguido de um sorriso. - Meio tímida com tanta gente diferente. - Completei em um sussurro, mais como uma brincadeira. Não deixava de ser verdade.

Harry imediatamente tapou a boca com a mão antes de deixar uma gargalhada escapar.

- Você, tímida? - Revirei os olhos ao ignorar Harry.

- E você, Jeff, como está?

- Nada mal. Ansioso para começarmos a promoção do álbum.

- Vocês já têm o lead single? - Perguntei em um tom indiferente.

Jeff abriu a boca para falar, mas Harry bateu uma mão no peito dele.

- Nah nah nah. - Balançou o dedo para mim. - Você se acha muito esperta, não é?

- Harry, se eu realmente quisesse descobrir sem você deixar, eu teria perguntado para alguém longe de você! - Reclamei. - Eu esperava que você mudasse de ideia e me contasse alguma coisa!

- Você já sabe demais. Se eu te contar isso eu vou precisar te matar. - Brincou.

- Ou ela pode assinar um contrato de confidencialidade, como os que fazemos para as pessoas com que trabalhamos.

- Perfeito! Pode me mandar que eu assino. - Rebati sem mesmo pensar.

- Jeff! - Harry chamou atenção. - Você deveria me ajudar! E não propor coisas a favor dessa garota maquiavélica.

- Dude, eu não aguento mais vocês falando disso toda vez que eu vejo a .

- Desculpa, Jerome. - Fiz um beicinho ao chamá-lo pelo apelido secreto.

- Isso você não tem problema em contar? - Jeff fez cara de horrorizado ao acusar Harry, que apenas deu de ombros.

Antes que pudéssemos mudar de assunto, aquele amigo de Harry que tinha chegado por último deu um tapinha no ombro dele.

- Ei, bro. Tá afim de uma partida de sinuca? - Perguntou para Harry, que abraçou o cara de lado.

- Sabe de uma coisa? Ótima ideia. - E então olhou para mim com um sorriso ladino. - Quer jogar, babe?

Dei de ombros.

- Você sabe jogar sinuca? - Harry modificou a pergunta, dessa vez tinha uma entonação sutilmente condescendente. Quase imperceptível.

Segurei uma risada que saiu como uma arfada.

- Eu acho que sim. - Murmurei em resposta.

- Magnífico! - Respondeu animado e pegou minha mão. - Então vamos. Vou jogar essa rodada com Anthony e você joga contra quem vencer.

- Combinado. - Respondi em tédio e Harry saiu me puxando pela mão até a mesa de sinuca do outro lado da sala.

Harry fingiu pensar cuidadosamente ao escolher um dos tacos, olhando a extensão e a ponta de três deles, como se ele realmente fosse um profissional. Eu sorri para mim mesma, porque aquilo havia me lembrado de quando fomos jogar boliche com Lucy e todo mundo. Ele era muito competitivo. Era engraçado.

Anthony sacou confiante, encaçapando uma bola e a mulher que tinha ido com ele soltou um grito de torcida. E eu balancei a cabeça, pois mesmo tendo acertado uma, a sacada ainda assim não tinha sido boa; não tinha nenhuma entrada óbvia. Ele analisou a mesa para identificar a locação de todas as bolas, acertando uma delas apenas para abrir caminho. Sem encaçapar nenhuma, passou finalmente a vez para Harry.

Eu dei um gole na minha margarita, observando Harry começar. A posição das bolas ainda não estava nem um pouco mais fácil, como eu disse, Anthony sacou mal. Harry não encaçapou nenhuma também, usando a mesma estratégia de remanejo.

Ariana Grande tocava nos autofalantes do ambiente, não em um volume que precisávamos gritar para nos ouvir, como em festas badaladas, mas precisaríamos estar perto um do outro para nos ouvir claramente ou falar um pouquinho mais alto do que o normal.

Algumas pessoas que eu conhecia estavam ali, Mitch, Sarah, Molly, Tyler, Tom, Adam, alguns amigos e amigas de Harry que não eram do meio musical e seus respectivos namorados ou namoradas, porém havia muito mais pessoas que eu não conhecia. Algumas atrizes famosas de quem Harry também era amigo e algumas outras pessoas que eu não fazia ideia se eram famosas ou não. Queria que Lucy pudesse ter vindo. Acho que eu me sentiria menos estranha se tivesse uma amiga aqui que não fosse por parte de Harry. Alguém que estivesse totalmente do meu lado.

Os dois ficaram por mais duas ou três rodadas apenas realocando as bolas de lugar. Cada vez que Anthony acertava uma bola, mesmo não a encaçapando, a mulher vibrava por ele. Em certo ponto, Harry me encarou com uma sobrancelha erguida e deu uma rápida olhada para ela. Meu instinto foi dar de ombros e mimicar um “que foi?”, eu não ia ficar gritando por Harry, se era isso o que ele esperava.

Rapidamente ficou claro que Anthony era muito ruim, ao passo em que Harry passou a encaçapar todas as suas bolas, deixando o oponente sem vez.

Mais pessoas se juntaram ao redor da mesa para vê-los jogar. Harry acertou mais uma caçapa e a mulher vibrou por ele. Eu franzi a testa. Tudo bem que Harry estava ganhando descaradamente, mas ela ia mudar de lealdade mais descaradamente ainda?

Harry errou a caçapa seguinte, passando a vez para Anthony. Ele parecia um pouco nervoso, visto que restavam pouquíssimas bolas. Tínhamos essa tensão no ambiente, todos em expectativa pelo que aconteceria em seguida.

- Ele é bom, não é? - Ela comentou comigo e eu fiz uma careta.

- Ahn?

- O Harry. Ele sabe jogar muito bem.

- Ah, aham. - Concordei sem dar muita atenção.

- E ele fica bem se-

Eu virei a cabeça muito rápido para encará-la, eu não tinha dado intimidade para que ela comentasse qualquer coisa comigo.

- Bem sério jogando. - Eu dei um sorrisinho sem graça. - O que você faz para o Harry?

- Ahn? - Soltei de novo, fingindo não ter ouvido.

- Tipo... você trabalha para ele, né? Só tem funcionários dele aqui. Tipo, gente que trabalhou para o álbum, assistentes, essas coisas.

- Não. - Respondi calmamente. - Eu não trabalho para ele. - Forcei um sorriso de lábios fechados no final e voltei a olhar para o jogo, esperando que ela percebesse que eu estava me fechando para mais perguntas.

Anthony estava rodeando a mesa, se posicionou e mirou pela bola 4, que foi acertada com um pouco mais de força que ele esperava, rebatendo em uma bola de Harry. Todos arfaram, soltando exclamações de pesar. Harry balançou a cabeça em desaprovação, um sorriso idiota preenchia seus lábios quando ele pegou a bola acertada e colocou em um dos buracos.

- O que aconteceu? - Eu ouvi Jeff se aproximar, parando entre mim e a mulher ao perguntar baixo.

Harry analisava suas opções. Jeff olhava para Harry. Todos quietos em expectativa pelo resultado.

- Anthony acertou a bola de Harry. - A mulher falou um pouco mais alto do que o tom que estávamos usando.

Todos ao redor se desmancharam em risadas. Harry continuou olhando para a mesa enquanto ria um pouco sem graça. Eu revirei os olhos.

Que mulherzinha sem noção.

- Ouch! - Jeff brincou, enquanto colocava as mãos entre as pernas.

Harry levantou o olhar quando Jeff exclamou, o sorriso estampado em seu rosto perdeu cor quando ele viu que eu não ria. Então coçou a garganta e voltou a se concentrar.

O jogo acabou não muito depois disso. Harry largou seu taco em cima da mesa e deu um aperto de mãos com Anthony agradecendo-o, como um bom ganhador faria.

A mulher deu um passo à frente, me bloqueando e bloqueando o caminho de Harry até mim.

- Uau, Harry! - Colocou uma das mãos no ombro dele. - Você é muito bom! Parabéns. - Ela elogiou e riu se curvando para frente.

- Obrigado. - Ele agradeceu comedido ao dar meio passo para trás.

- Onde você aprendeu a jogar sinuca assim? - Perguntou charmosa.

- Ahn... - Harry gaguejou, sem saber bem o que responder.

- Será que você poderia me ensinar? - Pediu, sem deixar Harry ter tempo para se recuperar da pergunta anterior.

- A-agora? - Harry replicou incerto.

- Não. Outro dia. Você pode me dar uma aula. - Arrumou o cabelo, tirando a franja do rosto.

Ela estava de costas para mim, mas eu conseguia ouvir perfeitamente sua risadinha que forçava graciosidade e o fato de ela curvar o corpo para mais próximo de Harry toda vez que ria estava me irritando.

- Sim, claro. - Balançou a cabeça exageradamente.

Eu já sabia que esse idiota não ia negar. Mas não poderia ter dito um "talvez", pelo menos?

- Vamos ver isso depois. - Harry sorriu de lábios fechados. - Você me dá licença? - Pediu educadíssimo.

A mulher foi pega de surpresa e deu um passo para o lado, se virando para acompanhar aonde ele ia.

Harry finalmente me alcançou e ao parar de frente para mim, eu disse:

- Tem alguma coisa em que você não é bom? - Inflei seu ego com o elogio exagerado. Harry pareceu não notar que minha fala beirava o sarcasmo e sorriu sincero.

Eu me inclinei e lhe dei um selinho simples, nossos corpos afastados, apenas nossos lábios se tocando. Sorri também e trocamos um olhar cúmplice.

- Agora somos eu e você?! - Falei e Harry balançou a cabeça confirmando.

Sem dizer mais nada eu passei por ele, que permaneceu de costas para a mesa trocando algumas palavras com Jeff. Com uma expressão neutra eu encarei a mulher que nos olhava do outro lado, analisando-a de cima para baixo, esperando que ela entendesse o recado. Eu tinha certeza que ela tinha entendido, podíamos não nos conhecer, mas a linguagem silenciosa trocada por mulheres era universal. Foram só alguns segundos e eu fui pegar um taco qualquer na parede e voltei para perto de Harry.

- Você pode começar, . - Harry disse.

- Como ele é cavalheiro! - Eu exclamei alto, um tanto quanto debochada, olhando para ninguém específico, embora meu olhar tenha cruzado com o de apenas uma pessoa ali.

Me posicionei centralizando a ponta do triângulo de bolas e me concentrei ali por alguns segundos, para depois virar a cabeça apenas um pouco e encontrar Harry me encarando em expectativa. Dei um sorriso de lado, voltei a olhar para a mesa e fiz um saque preciso encaçapando três bolas de uma só vez. Ouvi todos vibrarem enquanto eu ajeitava o corpo ainda olhando para a mesa.

- Onde você aprendeu a fazer isso? - Harry me perguntou quando eu finalmente o olhei.

Dei de ombros e lhe lancei uma piscadela. E então me distanciei, passando a rodar pela mesa e tomar nota de onde estavam as bolas.

Cada uma das bolas que eu encaçapava gerava mais alvoroço e expectativa naqueles que nos assistiam, e Harry me observava cada vez mais boquiaberto. Eu sabia que parte do sorrisinho de Harry era orgulho de mim e parte era insatisfação por estar perdendo.

Foi uma disputa menos acirrada do que esperava. Harry sabia como jogar sinuca, isso era um fato, mas a sacada ter sido minha havia me dado certa vantagem. Isso também era um fato. A cada vez que ele errava, a minha vantagem só aumentava. Naquela partida, para o bem ou para o mal, eu era a melhor jogadora. Não que eu não estivesse passível de erros e não que fosse impossível que Harry virasse o jogo, ainda assim eu era uma jogadora muito melhor do que ele esperava e suas expectativas, as quais o levaram a ter sua guarda baixa desde antes de começarmos, também foram sua ruína.



Harry foi fazer outra rodada de margarita para os convidados e Mitch ficou na cozinha fazendo companhia para ele, enquanto eu andei sem rumo pela casa à procura de algum grupo de conversa em que eu pudesse me infiltrar. Eu me sentia como no dia seguinte ao seu aniversário, tentando muito agir como se nada tivesse acontecido, e até mesmo conseguindo, quando compartilhávamos momentos como o da sinuca. No entanto, assim que passado o momento, voltávamos a nos estranhar e eu não estava preparada para ficar com ele sozinha e ter que descobrir como dissipar tal clima. Até então, todos os momentos em que interagimos na festa havia sido na frente de outras pessoas, muitas desconhecidas por mim, o que nos impulsionava a nos esforçar para interagir entre nós. Essa fachada era algo que não aconteceria na frente de Mitch, já que ele era um amigo que sempre nos sentíamos confortáveis, o que significava que sua presença não seria o suficiente para retrair nossos sentimentos em relação ao nosso estúpido desentendimento. Eu não queria deixar Mitch desconfortável também, ainda que eu pudesse facilmente imaginar minha orelha queimando. Não havia dúvida que se ele já não soubesse, aquele era o momento em que Harry contaria.

“Onde está o Harry?”, tentei não virar a cabeça muito rápido ao ouvir seu nome, mas meu ouvido se abriu como as orelhas de um cachorro se levantam ao ser chamado. Puta merda, . Você tá se comparando a um cachorro? Uma cadelinha de Harry Styles. Só falta latir. Au au.

Seria engraçado se eu não me sentisse uma completa idiota enquanto seguia aquela mulher até a cozinha. Por que ela queria saber onde ele estava?! Que diabos ela queria com ele?! O recado já não havia sido dado?!

Eu não entraria na cozinha com ela. Eu não tinha chegado a esse ponto. Harry era adulto. Ele sabia se cuidar. Sabia se livrar de biscates como ela. , pelo amor de Deus! Nós não chamamos mulheres de biscates!

Ou chamamos?

Mas que merda! Eu ia voltar para onde eu estava. Eu não deveria estar aqui observando meu pseudo-namorado conversar com uma mulher que estava claramente interessada nele. Fiz menção de dar a volta, mas acabei desistindo.

Eu tentei não arrancar minha cara de tanto esfregá-la com as mãos enquanto me posicionava estrategicamente no cômodo de frente para a porta da cozinha, precisava ser um ângulo em que eu conseguiria ver e ouvir o que se passava lá dentro, mas não poderiam me ver; Harry não poderia me ver.

Algumas pessoas que eu não conhecia estavam espalhados por ali, sentados em pufes e cadeiras. Eu não conseguia decidir se era melhor ou pior não ter ninguém conhecido para me julgar enquanto me observava ou me ajudar no plano ridículo de tentar ouvir o que aquela mulher queria conversar com Harry.

Me concentrei, tentando escutar o que falavam enquanto bebericava minha margarita.

- ... Poderíamos marcar de jogar sinuca qualquer dia desses, minha amiga tem uma mesa no apartamento dela. E você poderia aproveitar e me ensinar! - A mocreia falou.

Também não chamamos mulheres de mocreias., pensei.

- Obrigado, Kate. É Kate, certo?

- Uh-hum.

- Você é muito gentil, mas eu não jogo tão bem assim. Eu perdi a última rodada para a .

- Por falar na ... - Eu escutei Mitch interromper. - Onde ela está?

Ponto para você, Mitch!

- Ela estava com Jeff quando viemos para cá. - Harry respondeu.

- Então é a sua namorada? - A mocr... mulher perguntou casualmente.

- Uh... mais ou menos isso. - Harry respondeu com hesitação.

- Então não é sério? - Ela insistiu.

De onde eu estava, só conseguia ver um dos ombros e a cabeça de Harry. Era o bastante para que eu pudesse dizer que ele parecia desconfortável.

- A gente ‘tá ficando... - Ele disse. - ...juntos, uh... sabe como é?!

Eu sai andando de volta ao cômodo principal da festa. Eu já tinha ouvido demais.

Eu me sentei numa cadeira ao lado de Sarah e Molly bem a tempo de Harry aparecer com mais margaritas.

- Eu não quero mais. Obrigada. - Falei quando Harry ofereceu completar meu copo.

- Por quê? - Ele me olhou estranhando.

- Eu já bebi demais, ‘tô com o estômago cheio. - Inventei.

- Oh! Ok. - Ele sorriu e saiu para oferecer a bebida para as outras pessoas.

Eu não vi Harry por horas depois disso, nem a tal da mulher que estava em cima dele. Eu ainda estava me importando com ela, o que significava que, na verdade, eu não tinha bebido o suficiente. A festa estava praticamente vazia, sobrando poucas pessoas, a maioria eram os amigos mais íntimos que estavam espalhados por vários cômodos, eu já estava sentada sozinha fazia uns vinte minutos, porque Molly tinha ido mostrar Sarah e algumas outras pessoas que estavam sentadas com a gente alguma coisa sobre os preparativos para o próximo videoclipe do Harry. Eu achei melhor não ir junto, já que eu sabia que ele não ia gostar que eu soubesse.

Eu fui até a cozinha e peguei uma dose dupla de whisky, agradecendo aos céus por não encontrar ninguém pelo caminho que estivesse interessado no que eu estava fazendo, nem ninguém dentro do cômodo; vulgo Harry e ela, mas até mesmo a imagem de o encontrar sozinho já me deixava nervosa.

Me sentei em uma poltrona na sala de estar do outro lado, que dividia meia parede com a cozinha. Havia uma mesinha de centro, na qual eu descansei meus pés, e passei a mexer no celular e beber. Não sei quanto tempo fiquei assim.

Se eu pensasse muito, começava a sentir aquela vontadinha irritante de chorar, o que obviamente eu não queria. Por que parecia que toda vez que Harry comemorava alguma coisa, eu sempre terminava a noite chorando por ele? Eu não queria viver uma versão nova do seu aniversário.

Ter passado horas socializando na festa tinha sido mentalmente exaustivo. Eu estava chateada porque Harry e eu estávamos brigando muito ultimamente, mesmo que o assunto já tivesse sido resolvido, não foi a tempo de evitarmos que o desentendimento causasse essa marca, esse estranhamento que ainda permanecia aqui entre nós. Porque parecia que sempre que resolvíamos uma discussão, entrávamos em outra.

Harry e eu não tínhamos nos visto pessoalmente depois da última briga, que foi pelo telefone, já que ele estava em Nova York fazendo sei lá o quê. E todas as oportunidades que tivemos de ficar a sós, eu tinha fugido.

Eu sei que evitei Harry a festa toda. Eu evitei sentir esse estranhamento, ainda que estivesse o tempo todo. E aquela mulher... A forma como ela estava incansavelmente no pé de Harry. Eu simplesmente não tinha mais energia para agir como o casal perfeito para que ninguém desconfiasse que não estávamos nos falando direito e ainda tentar disputar a atenção dele com outra mulher; não quando ela parecia tão empenhada em ter um momento de interação em que tal atenção estivesse totalmente nela, o que ela não conseguiria facilmente, considerando que todo mundo estava com todo mundo o tempo todo. Tinha sido praticamente impossível encontrar Harry em um grupo de conversa com menos de três pessoas naquela festa. Ainda assim, ela não mediu esforços para fazer perguntas ou comentários diretamente a Harry. E ele, como bom anfitrião, como o cara legal que ele era e também como o típico homem tapado que não percebe quando tem uma mulher dando em cima, era excessivamente simpático e agradável em todas as suas respostas.

E aquilo era dolorosamente incômodo.

- Ei!

Eu levantei a cabeça num sobressalto, colocando a mão no peito.

- Harry, você me assustou! - Reclamei, sentindo meu coração bater violentamente.

- Desculpe. - Ele deu uma risadinha ao parar em pé ao lado da poltrona. - O que você está fazendo aqui? Eu te procurei pela casa toda.

- Bem, você acabou de me achar. - Respondi desanimada.

- Por que está aqui sentada sozinha?

Porque eu estou exausta, deprimida, com vontade de chorar e não queria interagir com mais ninguém dessa festa.

- Estava descansando as pernas. - Exalei exageradamente. - Foi uma festa e tanto.

- Por que não me chamou para sentar aqui com você?

Porque você estava ocupado demais com a sua nova groupie.

- Eu não consegui te achar.

- Eu estava com Mitch, Tom e Jeff. No estúdio.

- Esse tempo todo?

- Depois fomos jogar sinuca de novo.

Bufei levemente.

- Ahh. - Expressei com desgosto. - Estava dando uma aula de como jogar sinuca para a... como é o nome dela mesmo? - Revirei os olhos.

- K... - Harry já abria a boca para dizer, mas eu o cortei.

- Deixa pra lá. Eu não quero saber. - Minha mão balançava no ar com descaso.

- Eu estava aqui pensando... - Harry começou. - Será que existe uma aula específica de como jogar sinuca?

- Eu não sei. Mas ela com certeza não queria que você a ensinasse.

- Ahn, quê? - Harry franziu a testa. - Ela até me pediu...

- Harry, meu amor, ela definitivamente queria que você desse uma aula particular para ela, mas com certeza não seria sobre jogar sinuca. - Cocei um olho e dobrei o corpo para frente, pegando meu copo de whiskey que descansava na mesa de centro.

Harry se sentou onde estava meu copo e apoiou o rosto nas mãos. Os lábios formando um sorrisinho esperto enquanto seus olhos esquadrinhavam meu rosto.

- Você está com ciúmes?

- Não... - Cruzei as pernas e tomei um gole da bebida.

- Você sabe que quando revira os olhos entrega qualquer verdade que evita dizer, não sabe? O seu rosto... - Ele colocou uma das mãos em frente o próprio rosto. - Você não precisa falar. - Sorriu.

- E?

- Nada. - Encolheu os ombros. - Só estou dizendo.

- Eu não gostei dela mesmo. É crime não gostar mais das pessoas? Pois me processe.

- Ei, calma lá, passiva-agressiva! - Harry deu uma risadinha. - Por mim, você não precisa gostar de ninguém, desde que goste de mim. - Deu de ombros de novo, um sorriso divertido preenchia seu rosto.

- Eu te amo, Harry. Gostar não chega nem perto. - Bufei. - Você é o... - Dei uma risadinha e encarei meu copo de whisky.

O amor da minha vida. Ok, . Súbito. Exagerado.

- Você é o cara mais incrível que já conheci! - Voltei a encará-lo e sorri.

- Você sabe que eu te amo, . - Harry esticou a mão e fez um carinho no meu joelho. - E você não precisa se preocupar. Eu jamais faria algo assim tão estúpido para estragar isso.

- Como eu disse, incrível! - Harry também deu uma risadinha e abaixou o olhar, claramente sem graça com o elogio.

Em seguida, ele me encarou silenciosamente, não era para ser um silêncio desconfortável, mas eu já estava me sentindo muito esquisita de qualquer forma.

- Então... - Eu disse, bebericando do copo vazio; eu já tinha tomado todo o whisky.

- Podemos conversar agora?

- Sobre o quê? - Eu juntei as sobrancelhas.

- Você sabe sobre o quê. - Harry cruzou os braços e escorou um dos pés na beirada da poltrona.

- Qual é, H?! Eu não quero brigar com você. Estou cansada.

- Eu também não quero brigar com você, . Eu só quero conversar. Deveríamos conversar.

- Você já disse que ou vamos juntos ou você não vai. Pra mim isso já encerra o assunto.

- Não é sobre isso. Eu disse coisas... Sugeri coisas sobre você que eu não deveria.

- Realmente. - Concordei. - Dizer que eu comprei passagens para o dia que você não poderia ir de propósito para que você não fosse e eu pudesse passar minhas férias com meus exes foi bem baixo.

- Eu sei, me desculpe. - Harry encarou o chão, envergonhado.

Eu não estava mais chateada por isso.

- E você ainda tem a audácia de dizer que eu que sou ciumenta. - Descontraí.

- Mas você é.

- Qual é, cara?!! Ela estava se jogando para cima de você! Não tem como você achar que eu pensaria que isso é normal.

- Mas é normal. - Ele deu um sorriso de lado.

- Aí, meu Deus! Como você é convencido! - Revirei os olhos. - Para Harry Styles, ícone pop, pode até ser normal. Mas isso não é ok no contexto de um relacionamento regular.

- Nós não temos um relacionamento regular.

- E talvez esse seja o problema! - Pontuei e Harry negou com a cabeça. - Se tivéssemos, você não me convidaria pra eventos fora da minha realidade e nem me acusaria de coisas só porque eu não quero ir!

- Aqui vamos nós. - Harry suspirou.

- Não. Eu não vou entrar nesse assunto de novo. Não se preocupe! - Eu fiquei em pé e comecei a me afastar.

- Aonde você vai agora?

- Só me servir outra dose. Relaxa.

- Não me mande relaxar. - Ele protestou e eu ri.

- Ah, é... Essa é a sua fala e agora eu não posso usá-la?!

- Exatamente. Quero dizer... Você pode, só não contra mim.

- Tanto faz. - Eu disse, colocando a garrafa de volta no armário.

- Já terminou? - Ele perguntou impaciente. Eu sabia que não era sobre a bebida que ele perguntava.

- Terminei.

- Ok. Venha comigo. - Me chamou com a mão.

- Aonde?

- Só... Vem! - Ele me puxou pela mão em direção à porta dos fundos.

- H, espera... Você não quer pegar uma bebida também? - Eu perguntei quando eu não consegui pensar em nada melhor para dizer e o parar.

- Eu bebo do seu copo. - Ele respondeu sem desacelerar.

Harry me levou para dentro do velho ônibus de turnê do Bob Dylan que ficava num canto do quintal. O ônibus tinha sido convertido em estúdio também, as paredes foram revestidas com estofamento para garantir que nenhum som entraria ou passaria para fora. Harry foi direto para a frente do ônibus, onde tinha assentos estofados, com meia dúzia de travesseiros brancos espalhados por cima, um par de fones de ouvido como daqueles de programas de rádio e um pedestal com microfone. Ele se sentou ainda segurando minha mão, não me dando escolha a não ser me sentar ao seu lado.

- Olha... - Harry começou. - Eu só quero que você saiba que tudo bem se você mudou de ideia e não quer mais que eu vá para o Brasil com você.

- Você quer dizer que não tá tudo bem, mas que você vai entender se eu não quiser. - Eu corrigi sua sentença.

- Não tá tudo bem, eu não vou entender, mas posso respeitar sua escolha. - Ele se recorrigiu e eu sorri.

- Eu nem sei de onde você tirou isso de eu não querer que você vá comigo.

- Porque você comprou as passagens para o dia que eu estou hospedando o Met Gala!

- Não o mesmo dia...

- Você entendeu! - Ele rebateu impaciente.

- Ufff. Pessoas normais não podem ir para coisas porque tem uma despedida de solteiro ou qualquer merda assim, mas você tinha que deixar claro que não poderia ir por causa DO Met Gala.

- Viu? Não ao relacionamento regular! - Fingiu protestar.

- Você pode calar a boca? - Eu reclamei e Harry levantou os braços em rendição.

- Não está mais aqui quem falou.

- Ótimo! - Eu rebati e depois disse: - Eu não sei nem porque você ainda está falando disso, sendo que eu já disse que eu mudo suas passagens.

- Mas não quer mudar as suas!

- E nem vou!

- Tá bom! - Ele disse como uma criança mimada.

- Tá bom! - Eu imitei.

- É só que... - Harry suspirou. - Primeiro foi seu ex doido te ligando, e depois você recusou meu convite para o Met Gala e logo em seguida você comprou essas passagens. Eu pensei "bom, é isso, ela não quer que eu vá mais.".

- Mas eu quero!

- Eu sei! Eu sei disso todo esse tempo, por isso eu não deveria ter sugerido aquelas coisas sobre você e De-niel...

Eu me virei de costas para ele, colocando as pernas em cima do sofá e deitando a cabeça no seu colo.

- É só que... - Ele repetiu, desviando o olhar para os fones ao meu lado. - ...você, mais do que ninguém, , mais do que ninguém... Você está me entendendo? Mais do que o Mitch, mais do que o meu empresário, mais que a minha terapeuta, mais do que a minha mãe... Sabe o que eu passei no ano passado. E Deus sabe que eu não estou comparando as situações, porque você não é nada como a Sophie, como o Himawari, como qualquer outra pessoa que eu me envolvi nesse meio tempo, mas é impossível sair de coisas assim ileso.

Harry parou de falar e buscou meus olhos.

- E eu não estou, nunca, jamais, justificando as minhas atitudes com o meu passado. Mas, porra, eu sou um filho da puta de um ciumento. Você está me entendendo, ?

Eu assenti.

- Eu sou carente e eu sou, sim, meio narcisista. Eu preciso, pre-ci-so de atenção. E não é que você não faça tudo por mim, porque eu sei que você faz. Você é tão amável, tão, mas tão carinhosa...

Eu puxei o ar com força, sentindo meu nariz arder enquanto tentava segurar as lágrimas teimosas.

- E tão linda. Linda não, estonteante. Esse seu sorriso me desarma. Seus olhos, a compaixão que transmitem... Eu deito a cabeça no travesseiro e só a imagem do seu rosto me vem na mente. E eu agradeço por ter você. E eu sei que isso parece uma frase clichê de um filme ruim..., mas é verdade! É como me sinto quando estou perto de você. E eu me sinto perto de você agora e também quando fecho os olhos, qualquer que seja a distância entre nós... Tenta entender o meu lado.

Eu assenti de novo, sem entender muito bem aonde ele queria chegar com esse discurso.

- Eu estou apaixonado por você. E você já deve estar cansada de me ouvir dizer isso...

Eu neguei com a cabeça.

- Então toda vez que você tenta esconder nós dois... - Cortou a frase no meio, hesitante.

- Eu não escondo! - Usei a deixa para me defender.

- A Sophie nunca se importou em ser discreta e mesmo assim, mesmo com todos nos vendo juntos, ela ainda assim não hesitou em ser vista com outro, em estar com outro, me trocar por outro. O que quer dizer quando você mal sai em público comigo?

- A Sophie não se importava porque ela estava usando sua visibilidade e fama, ela estava te usando! - Falei incisiva. - Não é justo você nos comparar. - A minha voz soou triste.

- Tem razão! - Ele abaixou o olhar e balançou a cabeça. - Tem razão. - Repetiu, envergonhado. - Me desculpe! Eu não quero fazer essa comparação, você não merece isso. Eu só... tenho medo.

- Do que você tem medo, H?

- De você ir para o Brasil sozinha e se reconectar com antigos sentimentos e... me esquecer.

Eu comecei a rir.

- Você sabe que eu sou sua fã, não sabe? Que eu te acompanho há uns oito anos e umas coisas assim.

- Mas é diferente.

- Harry, a forma como eu te vejo pode ter mudado, sim, mas o que eu sinto por você não é recente, não é uma paixão temporária, não é algo que eu vou esquecer com alguns dias longe de você. Eu sempre vou sentir algo por você... - Eu me levantei de seu colo e me sentei de frente para ele. - ..., independentemente de onde eu ou você estivermos, independentemente do quão longe nossos corpos estejam. Mesmo que chegue um momento, ao passar dos anos, em que esse algo se modifique, assim como se modificou nesse último ano, eu nunca vou te esquecer, Harry.

Ele também assentiu com a cabeça.

- O que sinto por você vai além do que consigo definir, além do que é palpável, visível. Eu me sinto conectada com você de uma forma que eu nunca senti antes, com ninguém. Eu não... - Mexi a cabeça, como se estivesse confusa, porque eu simplesmente não sabia como colocar tudo em palavras. - Eu não espero que você entenda isso. Mas você sempre vai estar no meu coração. Eu sempre vou te amar, de uma forma ou de outra. E eu sempre vou andar no fogo por você, porque você marcou a minha vida e agora marca a minha alma. E essas coisas, Harry, essas coisas a gente não esquece, nunca. É impossível.

Ele me deu um selinho seguido de um abraço.

- Eu sempre vou me lembrar da cor dos seus olhos, do seu cheiro, da forma que você sorri, das roupas que você veste, da sua voz cantando as minhas canções favoritas, do seu abraço e da forma que você me beija... a não ser que eu perca a memória por algum motivo trágico. - Brinquei e ele sorriu, me soltando do abraço para me olhar nos olhos novamente.

- Eu vou ser o seu Noah e te fazer lembrar de tudo.

- Referência à The Notebook nessa altura do campeonato?

- Jezz! - Harry jogou a cabeça para trás, rindo. - Eu te amo mais ainda quando você não deixa nenhuma referência passar batida. - Eu neguei com a cabeça, mas não consegui disfarçar meu sorriso. - Eu vou me lembrar do seu beijo de morango todos os dias até você voltar.

- Você não precisa se lembrar! - Eu exclamei e Harry me olhou confuso. - Não vamos brigar mais por isso, por favor! Eu sei que você não quer ir sozinho, mas eu prometo que vou estar te esperando no aeroporto!

Harry suspirou, pensativo. Ele ia negar de novo, eu sabia.

- Eu não me importo de viajar sozinho, . Eu só disse aquilo tudo porque quis facilitar para você, para que você não precisasse arrumar mais desculpas para eu não ir.

- Jura? - Perguntei surpresa.

Quando Harry estava em NY e discutimos pelo telefone, eu sugeri, depois que tínhamos parado de discutir, que ele fosse sozinho no dia 07 num voo no início da noite, porque ele já teria chegado do Met Gala e teria algumas horas antes de viajar. Assim, eu o encontraria no aeroporto e iríamos para a casa dos meus pais.

Era por isso que eu havia ficado com raiva quando o vi usando a camisa que comprei para ele, porque finalizamos a ligação também brigados e sem chegar à nenhuma solução porque ele foi categórico ao negar essa sugestão de viajar sozinho.

- Você n-não fazia mesmo ideia? Que eu só queria te poupar do inconveniente? - Concordei com a cabeça. - Você realmente quer que eu vá com você, de verdade?

- É claro, bobo! - Eu sorri. - Eu quero muito que você vá. Quero que você conheça meus pais, quero que você conheça os meus amigos, todo mundo! Quero passar de carro com você em frente à escola que estudei e te contar as histórias, quero andar a cavalo com você na casa da minha avó no interior, e comer brigadeiro, pão de queijo, coxinha e todas as outras comidas típicas do Brasil. Fazer churrasco e tomar caipirinha. Não tem ninguém no mundo com que eu queira fazer tudo isso, se não com você!

- Tudo bem. - Harry sorriu. - Então, tudo bem. - Repetiu, abobado. - Eu acho que você pode trocar as minhas passagens para o dia 7.

- Eu já troquei. - Soltei uma risadinha ao ver sua expressão de choque. - Eu sabia que você ia aceitar!

- Convencida!

- Tudo bem, eu não sabia! Mas por você eu arriscaria muito mais. - Voltei a me deitar, dessa vez coloquei as pernas em cima do colo de Harry e escorei as costas em um dos travesseiros. - Vai ser incrível, e eu mal posso esperar!

Harry ficou me encarando e sorrindo, enquanto minha mente viajava para o Brasil e todas as coisas que viveríamos juntos naqueles 20 dias.

- Hum... ?

- O quê?

- O que o seu pai acha de homens que usam brincos? - A pergunta aleatória me pegou de surpresa e eu soltei um ‘o quê?’ risonho. - Eu preciso causar uma boa impressão com os seus pais, certo? - ‘Certo’, eu murmurei. - Mas o Alessandro queria que eu usasse um par de brincos de pérolas no Met Gala... Então, acha arriscado que eu apareça usando brincos?

- Você nem tem a orelha furada! - Rebati descrente, ainda achando muita graça disso tudo.

- Pois é... Eu teria que furar.

- Bem, eu posso furar para você... Assim, a gente diz para o meu pai que eu te obriguei. - Pisquei para ele, que riu.

- Eu não vou deixar você furar as minhas orelhas.

- Por favorrrrr. - Juntei as mãos na sua frente.

Ele suspirou derrotado.

- Acho que a Molly tem um daqueles kits de costura na bolsa, com linha e... agulha. - Fez uma careta. - Acha que serve?

- Com certeza! - Sorri maliciosa. - Mas a Molly ainda está aqui, será?

- Uh-hum. - Confirmou. - Eu vou pegar com ela.

- Nãoooo. - Resmunguei manhosa, forçando as pernas contra as suas, em uma tentativa de o prender ali.

Harry riu e deu um beijinho no meu joelho, a parte do meu corpo que estava mais perto do seu rosto.

- Eu já volto. Você não vai se livrar de mim assim tão fácil.

Eu dei um sorrisinho de lado. Esse homem é louco se pensa que eu quero qualquer outra coisa que não seja ele comigo o tempo todo. Nós dois, juntinhos. Ou de roupas trocadas quando estamos longe.

- Nem você de mim.




Continua...



Nota da autora: GENTE PELO AMOR DE DEUS! COMO NINGUEM ME AVISOU QUE TINHA TANTO TEMPO SEM ATT? EU TAVA CRENTE QUE EU TINHA ENVIADO CAPITULO EM JULHO.
Me perdoem a demora, e por favor, engajem bastante pq mdd ta entrando na reta final e vem muita coisa por ai!!!

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É isso! Até a próxima e beijinhos da Cam Vessato ♥

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