Finalizada em: 14/10/2020

Capítulo 1 - Confusão no aeroporto

Tirei meus fones de ouvido, interrompendo os vocais de The Weeknd¹ que saiam do iPod. Muitos dizem que suas músicas servem apenas para serem ouvidas entre quatro paredes com alguém, de preferência com os dois nus e se pegando. Para mim isso era uma mentira e não passava de um "preconceito", pois qualquer momento era o ideal para se deleitar, mas eu concordava que o músico realmente possuía uma voz mágica e extremamente excitante.
Pausei a música em seu ápice, sentindo um leve remorso por não a ter finalizado e enrolei o fone em volta do aparelho, guardando-o dentro da bolsa. Depois de muitas horas sentada em uma mesma posição no avião já era possível sentir minhas pernas doloridas e a necessidade avassaladora de esticá-las, assim como minha bunda, que parecia ter perdido completamente seu contorno e se transformado em uma tábua.
Passara-se muito tempo desde a última vez que viajei para a casa de meus pais e sempre gostei do tempo que passávamos juntos durante os feriados ou quando iam me visitar em casa. Estava ansiosa para rever minha família.
Saí de meu assento e me dirigi para fora do avião, rumo ao interior do aeroporto. Era mais um voo tranquilo, então rapidamente eu já estava na esteira esperando para pegar minha mala. Assim que a vi fui em direção a ela para pegá-la pela alça, mas senti outra mão tocar a minha.
– Solta a minha mala agora – falei sem olhar para a pessoa e puxei-a na minha direção, mas a outra pessoa também a puxou para si.
– Eu quem deveria dizer isso. A mala é minha, senhorita.
Uma voz masculina grave soou próxima a meu ouvido, fazendo com que todos os pelos de meu corpo se arrepiassem. Arrisquei erguer o olhar para que pudesse vê-lo e ali, ao meu lado, estava um dos homens mais bonitos que eu já havia visto. Seus olhos eram de um castanho escuro e penetrante que me fazia querer olhá-lo por horas sem perceber. A barba era rala e parecia descuidada, assim como seu cabelo. Era quase como se essa aparência de ambos fosse intencional de uma forma que eu não sabia explicar.
Definitivamente ele era bem bonito.
O que é que os homens das cidades do interior têm que os deixa tão bonitos?
Eu não sabia a resposta, mas não estava interessada. De alguma forma o efeito hipnótico e belo de sua aparência se perdeu porque naquele momento ele estava roubando a minha mala com todos os meus pertences.
– Com licença? Acho que você está bêbado ou drogado porque essa definitivamente é a minha mala.
– Pois eu penso exatamente o mesmo a seu respeito. – Ele olhou-me com deboche, como se estivesse certo do que dizia.
Não consegui controlar a expressão de ofensa que atingiu meu rosto, fazendo com que eu puxasse a mala novamente em minha direção, o que não surtiu efeito já que ele era bem mais forte que eu.
– Vamos ser práticos. – Ele sugeriu. – Vou te mostrar que essa mala realmente é minha.
– E como pretende fazer isso? – o olhei.
– Ora, muito simples. – Sorriu e soltou a mala, cruzando os braços na frente do corpo.
Seria um bom momento para simplesmente sair correndo, mas havia dois problemas: 1) Ele provavelmente era bem mais rápido que eu e me alcançaria. Continuaríamos naquela incansável briga onde eu sabia que ele estava errado. 2) Estávamos no meio de uma discussão e eu levava aquilo muito à sério, de forma que seria uma enorme desfeita e eu não era dessas.
Então eu permaneci lá.
– Me conta. – Apoiei a mala no chão, deixando-a no meio de nós.
– Simples. Abrimos a mala e automaticamente já vamos saber a quem pertence.
De fato era a única e melhor ideia que tínhamos, mas eu me recusava a aceitá-la uma vez que significaria deixar à mostra para ele minhas roupas íntimas e pertences pessoais. Eu não poderia aceitar essa proposta ridícula nem que me pagassem.
– Definitivamente não. – olhei-o como se fosse um louco ou algo do tipo.
– Devo supor que tenha uma ideia melhor então. – cruzou os braços na frente do corpo, olhando-me.
– Na verdade não tenho. – cruzei os braços da mesma forma que ele.
– Cansei disso. Abre logo essa mala. – em um ato mais rápido do que eu poderia sequer pensar em reproduzir, ele pegou a mala e a deitou no chão, logo abrindo o zíper da mesma.
Eu mal tive tempo de racionar porque em um piscar de olhos só conseguia ver lingeries2 e roupas femininas à mostra para quem estivesse passando por perto. Um surto de raiva me atingiu e tudo que eu queria naquele momento era esbofeteá-lo até que ele caísse no chão por ter feito aquilo mesmo comigo dizendo que não queria ele o fizesse.
– Você é um babaca ou só gosta de agir como um? – coloquei as mãos no peitoral dele e o empurrei para longe, mas claro que sem nenhum grande efeito, já que ele apenas deu um passo para trás. Abaixei, me apressando em fechar a mala e impedir que a humilhação continuasse.
– E você é uma louca descompensada ou só atua para se parecer com uma?
– Vai se foder. – me levantei, erguendo a alça da mala.
Ele me disse algo, mas não consegui ouvir porque saí de perto dele, deixando-o sozinho e esperando pela sua mala. Eu tinha maiores preocupações no momento: conseguir um táxi. Era véspera de Natal e o aeroporto estava uma loucura tanto para o embarque quanto para a saída.
Conseguir um táxi vazio era quase uma missão impossível e eu esperava ser a exceção à regra.
Logo que passei pelas portas de entrada senti o ar frio em contato com meu corpo, fazendo com que os pelos se arrepiassem e o frio me invadisse. Soltei a mala, abraçando a mim mesma em uma vã tentativa de me aquecer. Ao longe, um borrão amarelo parecia se aproximar de onde eu estava e nem precisei pensar duas vezes antes de agir.
Peguei a alça da mala com uma das mãos e dei alguns passos até a beirada da calçada, aproveitando para esticar meu braço livre e sinalizar que precisava de uma carona. Não demorou muito para que ele seguisse até a minha direção e estacionasse. Um casal saiu de dentro dele extremamente felizes e com seus grandes sorrisos estampados em seus rostos.
Uh... Um típico casal feliz indo aproveitar o feriado.
Não me levem a mal. Eu não era amarga e nem nada do tipo, apenas não aguentava as pessoas explodindo de amor na minha frente. Para mim esse pensamento era mais do que compreensível.
Esperei até que vagassem o táxi e rapidamente entrei no mesmo, colocando a mala no banco ao meu lado. O motorista me lançou um olhar pelo espelho, analisando-me. Estava prestes a fechar a porta quando o ouvi falar.
– Desculpe, senhorita, mas já reservaram meu táxi. Vou ter que pedir que saia.
– Jura? Mas quem reservou? Não estou vendo ninguém aqui. – olhei em volta, pela calçada.
– Essa informação não importa à senhorita. Apenas peço que se retire, por favor.
Bufei irritada e minha atenção foi atraída para a porta do aeroporto, que se abria revelando aquele estranho irritante apesar de extremamente bonito. Ele automaticamente olhou para o táxi em que eu estava, notando minha presença. Eu entendi o que ele queria fazer, mas se dependesse de mim e minha raiva ele não conseguiria nada.
– Se me levar eu pago a corrida e ainda te dou um bônus de Natal – falei rapidamente, preocupada que ele nos alcançasse.
– Vai pagar a corrida, o bônus de Natal e também $15 para que eu possa comprar um presentinho para minha filha.
Ele parecia irredutível e sua oferta estava ligeiramente cara, mas eu não podia reclamar porque foi uma sorte ter conseguido aquele.
Que droga, capitalismo!
– Fechado!
Ele sorriu de lado, vitorioso, e ligou o carro para dar a partida. Segurei a porta para fechá-la, mas parei quando o ouvi gritando algo.
– ESPERA!
Sorri de lado e não consegui evitar a vontade de provocá-lo.
– Vai se foder.
Fechei a porta e rapidamente o taxista deu partida mesmo sem saber para onde eu iria. Antes de sair do campo de visão dele, ergui minha mão direita na direção da janela e, com um sorriso de contentamento no rosto, ergui o dedo médio para ele, deixando evidente o quanto eu o odiava.
Ah... o Natal já estava começando bem feliz para mim.

Glossário
¹The Weeknd – nome artístico do Abel Makkonen Tesfaye, um cantor, compositor, ator e produtor musical canadense. Suas músicas são classificadas como R&B alternativo. ²Lingerie – conjunto de específicas roupas íntimas femininas de qualidade fina e com ornamentos (rendas, bordados).

Capítulo 2 - Surpresa de Natal

O táxi estacionou na estrada da casa de minha família por volta das 15:00 horas. O sol ainda brilhava alto no céu, mas não estava quente o bastante para derreter a neve que caía do céu e se acumulava no chão aos poucos, formando pequenas montanhas. Logo mais escureceria e ficaria tão frio que ninguém seria capaz de ficar do lado de fora da casa por muito tempo.
Era véspera de Natal, afinal. Que ser humano trocaria uma lareira quentinha, presentes, comidas e bebidas por um vento frio?
Tive meus pensamentos interrompidos pela voz do taxista. Eu deveria estar divagando durante algum tempo e não havia percebido o tempo que se passara.
– Senhorita? – ele continuava me chamando.
– Ah... desculpe. Estava distraída. – forcei um sorriso para ele. – O que dizia?
– Eu disse que são $87 com o bônus de Natal e o valor extra que combinamos.
– Ah sim. – sorri para ele e abri minha bolsa, vasculhando-a em busca da carteira.
Assim que meus dedos tocaram no objeto de couro com formato conhecido, fechei-os em volta dele e retirei a carteira da bolsa. Abri-a e rapidamente retirei uma nota de cem dólares, entregando-a para ele.
– Aqui está!
– Me deixa pegar o troco para você.
– Não precisa. Considere como uma gorjeta – sorri de lado.
– Oh! Muito obrigada, madame. Nem sei como te agradecer. – ele parecia genuinamente feliz e fez com que eu me sentisse bem em termos de estado de espírito. Deveria ser o tal espírito natalino correndo pelas minhas veias.
– Não precisa. – sorri novamente e peguei a mala, já pronta para sair do veículo. – Tenha um feliz Natal.
Não esperei por sua resposta e apenas saí do táxi com a minha bolsa, fechando a porta após estar do lado de fora e em pé. Tão rápido quanto havia chego ele deu partida, saindo da propriedade a uma velocidade normal. Precisei fechar o casaco e abraçar a mim mesma para me proteger do frio. Definitivamente não estava pronta para a mudança brusca de temperatura.
Voltei a segurar a mala e segui puxando-a em direção à porta daquela casa que me era tão conhecida. Subi os três pequenos degraus com cuidado para que não fizesse muito barulho, pois gostaria que minha chegada fosse uma surpresa. Era fato que quando minha irmã me avisara sobre a festa eu confirmei a presença, mas nunca informei que horas chegaria. Imaginava que só esperavam minha chegada quando estivesse de noite até mesmo por conta da quantidade de pessoas pedindo locomoção. Sorri de lado apenas ao imaginar a cara de surpresa que Marie faria.
Passei a mão pela roupa e também pelo cabelo, limpando os resquícios de neve que houvesse em ambos e fechei a mão em punho, dando três espaçadas e suaves batidas na porta. Abaixei o braço e fiquei no aguardo de que abrissem a porta para mim.
– Só um momento. – escutei sua voz e permaneci parada, esperando-a.
Não precisei esperar muito porque logo a porta foi aberta, me deixando com a visão de uma Marie com avental e o cabelo preso para o alto em um coque. Suas bochechas tinham um tom levemente rosado, denunciando que ela estivera rindo há pouco. Ela devia estar fazendo alguma comida e eu a interrompi, mas isso não impediu que um sorriso se formasse em seu rosto.
! – senti seus braços ao redor de mim, me aconchegando em seu abraço quente e confortável. Quase que imediatamente soltei minha mala, retribuindo seu abraço.
– Quanto tempo! Estava com saudades de você, maninha. – Sorri de lado, sem separar o abraço, mas ele não durou muito porque logo Marie havia se afastado, segurando minhas mãos.
– Por que não me avisou que chegaria cedo? Achei que seu avião só pousaria mais tarde.
– Quis fazer uma surpresa. – Dei de ombros.
– Sem graça. – Seu rosto se contorceu em uma careta e ela saiu de perto do batente, liberando a passagem.
Ajeitei a bolsa no ombro e peguei a alça da mala, puxando para dentro da casa de minha irmã.
– Theo e Gwen estão em casa? – Olhei para minha irmã.
– Sim. Ajudando-me na cozinha. E o Tyler também.
Sorri de lado e deixei minhas bolsas em um canto da sala, seguindo com Marie até a cozinha. Consegui observar meus dois sobrinhos fazendo uma massa que imaginei ser para os biscoitos de gengibre. Estavam bem maiores do que eu me lembrava e não consegui evitar um novo sorriso.
– Cadê os meus bebês? – sorri de lado e me abaixei, com os braços abertos para abraçá-los. Assim que me viram os dois correram em minha direção, felizes e me apertaram em um abraço. – Que saudade que eu estava dos meus bebês!
– A gente também estava com saudade de você, tia. – Falaram quase ao mesmo tempo, sem me soltar.
– Desculpa não ter aparecido mais. A tia estava muito ocupada, mas hoje serei toda de vocês. – Sorri para ambos e toquei a ponta de seus narizes com o dedo indicador, fazendo-os rir. – Agora me contem: o que estão fazendo de tão gostoso ali em cima?


🎄


Dei uma última olhada no espelho, observando a combinação que havia escolhido para aquela noite. Estava com um conjunto de estilo mais social, a blusa era uma camiseta simples de gola redonda acompanhada por uma calça de alfaiataria cuja barra seguia até a canela. Como não sairia de casa por conta da neve, decidi finalizar o visual com um scarpin branco não muito alto.
Era um visual bem simplista e preferi ousar nos acessórios, embora não tão chamativos. Coloquei apenas um colar que combinava com os brincos de pequenas pérolas. Prendi meu cabelo em uma trança lateral, deixando alguns fios soltos ao lado do rosto e finalizei com uma maquiagem leve e um batom rosa mais claro, quase do tom da pele.
Sorri para minha própria imagem no espelho, me achando extremamente bonita. Geralmente eu não usaria maquiagem, mas Marie havia convidado alguns amigos do Tyler para comemorarem com eles em casa e eu não poderia aparecer descuidada na frente daquelas pessoas que nem conhecia ainda.
Respirei fundo pela última vez e me dirigi para fora do quarto, em direção às escadas. Já conseguia ver a decoração perfeita que tínhamos montados alguns momentos antes, com as luzes brancas pela parede e em volta de toda a árvore. Era um típico cenário natalino digno de filmes.
Ouvi a campainha tocando, mas minha irmã e seu marido estavam ocupados demais arrumando os últimos detalhes da mesa de comidas.
– Deixa que eu atendo! – falei um pouco alto para que me ouvissem.
Girei a maçaneta já com um sorriso estampado no rosto e abri a porta.
– Sejam bem-vin...
Não consegui completar a frase porque meu queixo havia resolvido parar no chão. Existe uma frase muita usada que diz que o mundo é bem pequeno e eu nunca imaginei que aquilo pudesse ser tão verdadeiro. Precisei piscar os olhos algumas vezes somente para me certificar de que ele realmente estava ali na minha frente.
Quem havia convidado aquele grandíssimo filho da puta para a festa?
Continuei olhando para aquele ser humano irritante à minha frente e nem notei que ele estava acompanhado por outras pessoas. Marie percebeu que eu deveria estar parada à tempo demais e foi observar o que estava acontecendo.
? Está tudo bem aí? – Ela se aproximou com o olhar focado em mim, mas o desviou para as pessoas paradas na porta assim que os viram. – Oh! Sejam bem-vindos. Desculpem pela minha irmã, ela acabou de chegar de viajem e está meio perdida ainda. Deve ser o jet lag¹. – Sorriu para eles e se afastou da porta, me puxando para perto de si. – O que você estava fazendo? – sussurrou para que apenas eu a ouvisse. Foi como se sua voz me despertasse de um transe que eu nem sabia estar presa.
– Porque convidou esse cara? – devolvi no seu mesmo tom de voz. De onde estávamos consegui ver que ele e Tyler se cumprimentavam.
– Qual deles exatamente? – Olhou para os dois homens que agora estavam dentro de sua casa e em seguida fechou a porta. – São amigos do Tyler, . Eu não podia proibi-los de vir aqui em casa e nem mesmo sabia que você conhecia eles. Quer me explicar melhor isso? – Colocou as mãos na cintura e estreitou os olhos em minha direção, esperando que eu a respondesse.
– Não conheço os dois, apenas um. E, sendo bem sincera, tudo que eu sei é que ele é um babaca. – Dei de ombros.
– Pode me contar essa história melhor. – Pegou uma de minhas mãos, puxando-me para perto da árvore de Natal.
– Não tenho nada para dizer. Só nos esbarramos no aeroporto e ele foi extremamente desagradável, então precisei tratar ele do mesmo jeito. Mas não precisa se preocupar porque eu prometo me comportar e não estragar a comemoração. – Completei assim que notei seus olhos arregalados de surpresa e lancei-lhe um sorriso de lado. Pelo canto do olho pude notar que aquele inconveniente me olhava e revirei os olhos internamente, desejando que a noite passasse de forma rápida. – Agora me diz onde estão as bebidas. Preciso de álcool em minhas veias.

Glossário
¹Jet lag – Desconforto no ritmo biológico causado pela troca de fuso horário. Acontece principalmente em viagens muito longas, quando o viajante altera bruscamente o horário de comer e de dormir no qual está acostumado no cotidiano.

Capítulo 3 - Se Beber, Não Brigue

Cruzei as pernas, sentindo o vento gelado e até alguns flocos de neve passando pelo meu rosto como se fizessem carinho na pele. Não consegui evitar que um sorriso se formasse e aproveitei para bebericar mais um gole da minha taça de vinho.
Já passava da meia-noite e, enquanto todos comemoravam, se abraçavam, abriam presentes ou continuavam sentados desfrutando da ceia eu decidi que precisava sair um pouco para tomar um ar e esvaziar um pouco a cabeça. Assim que se distraíram peguei uma das garrafas de vinho, uma taça e decidi que a varanda era um local demasiado tentador para me sentar durante alguns minutos.
Minha irmã era uma garota da cidade, mas curiosamente gostava do ar do interior e não pensou duas vezes antes de decidir adicionar alguns elementos do interior em sua casa. Um deles, e também o que eu mais gostava, era um balanço de madeira que ficava pendurando na varanda. Sempre foi meu lugar favorito de sua casa por conta da tranquilidade e porque ele me transmitia um sentimento de reflexão, sempre recorri a ele quando precisava pensar a respeito de algo.
O líquido de cor escura desceu por minha garganta causando uma sensação gostosa e familiar de calor. Nunca admitiria isso em voz alta, mas era uma de minhas bebidas favoritas no mundo.
Um barulho de porta chamou minha atenção, fazendo com que eu deixasse minhas reflexões de lado e virasse a cabeça na direção do som apenas para descobrir que quem estava ali era o estranho do aeroporto. Deixei uma bufada de ar escapar em forma de desdém e isso foi o bastante para fazê-lo olhar em minha direção.
– Que surpresa te encontrar pela terceira vez no dia. – Ele se escorou no balaústre¹ da varanda, com os braços cruzados na frente do corpo e seu olhar fixo em mim. – Posso começar a considerar isso uma perseguição ou está cedo demais? – Seu tom era de deboche e eu apenas fingi não escutá-lo.
Devido à minha ausência de resposta o clima permaneceu em silêncio por um tempo que pareceu uma eternidade. Em algum momento foi possível escutar uma espécie de sinfonia formada pelo som dos grilos que se escondiam em algum lugar e eu senti a necessidade de fechar os olhos para que pudesse me deleitar do som.
– Bem, estou começando a imaginar se você realmente me odeia ou apenas finge – sua voz voltou a soar, fazendo com que eu desviasse a atenção para si. – Seja qual for a resposta, você está transmitindo exatamente o que gostaria em ambas.
Arqueei uma das sobrancelhas.
– Eu não te odeio realmente... – Virei a taça em círculos, movimentando o líquido que ainda estava nela. – Mas não pode me obrigar a ser gentil e amigável com você depois de ter se mostrado um completo babaca naquele aeroporto.
– Para começo de conversa, você também não foi a pessoa mais educada e simpática. Aquela cena desnecessária no táxi que o diga.
– E esperava o que depois de abrir a minha mala sem que eu autorizasse e ainda me chamar de louca descompensada?
– Em minha defesa, você disse para eu ir me foder e ainda me chamou de babaca, exatamente como repetiu agora. E além do mais, eu não sabia que a mala era sua e achei que fosse a minha porque era idêntica. Não tinha outro jeito de saber a verdade sem que envolvesse abri-la.
– Aham. Acredito em você. – Revirei os olhos.
Nossas vozes haviam se alterado um pouco e eu não queria correr o risco de continuar brigando e minha irmã aparecer. Respirei fundo antes de falar alguma besteira da qual me arrependesse depois, até porque estava com um pouco de álcool no organismo e ele nos deixa fora de si.
Senti o balanço se mexendo, indicando que ele havia se juntado a mim, sentando ao meu lado.
– Deixando um pouco essa nossa briga de lado, eu gostaria de me desculpar por tudo que fiz e disse antes. Juro que não sou daquele jeito e não fico só brigando com as pessoas. – Uma risada fraca escapou de meus lábios, um sinal de que estava graça naquela situação.
– Não tem problema. Eu também tenho que me desculpar com você. É quase Natal então será que poderíamos deixar esses mal entendidos para trás? – Finalmente o olhei, sem toda a raiva e disposição para brigar que sentia há pouco.
– Claro. – Retribuiu meu sorriso. – Já que estamos bem um com o outro, tem uma pergunta que está rondando pela minha cabeça desde que cheguei e te vi. Por que azul? – perguntou se referindo a cor das minhas roupas.
– Bem, a resposta é bem simples. Vermelho e verde são muito óbvias e não poderiam ser mais clichê. O azul é bem mais chamativo por ser incomum, mas não está fora do tema natalino uma vez que nos desenhos a neve aparece algumas vezes com o tom azul mais claro.
– Devo dizer que fui pego de surpresa com sua lógica. – Acompanhei-o em uma risada. – Desculpe-me, mas nem sei o seu nome.
. – Sorri de lado. Não achei que havia a necessidade de contar o sobrenome.
– Prazer em finalmente conhecê-la corretamente, . – Um esboço de risada tomou conta de seu rosto. – Pode me chamar de .
– É um nome um pouco incomum. – Permaneci analisando sua fisionomia, levemente encantada com suas feições. Só podia ser efeito da bebida. – Apesar de tudo, ainda estamos em uma comemoração. Vai querer um pouco? – Ergui minha taça em sua direção. Ele permaneceu olhando-a por um tempo antes de finalmente fazer um aceno positivo com a cabeça.
Inclinei o corpo para o lado, pegando a garrafa que havia deixado no chão ao lado do balanço e em seguida entreguei a mesma para ele, que não pensou duas vezes antes de abrir e virar a mesma em um gole generoso, direto do gargalo. Não o deixei beber sozinho e então virei todo o restante do vinho que ainda estava na minha taça em um único gole, com a plena consciência de que minha sanidade estava me dizendo adeus.
– Esse é um dos bons. – Sorriu em minha direção.
– Eu concordo, mas preciso de mais um pouco para ter certeza. – Voltei a atenção para a taça em minhas mãos, já vazia. Senti seu olhar me acompanhar.
– Então temos que te providenciar mais vinho. – Sua risada ecoou espantosamente perto de mais, fazendo com que eu me arrepiasse. Fosse de frio ou pela proximidade, isso eu não sabia, embora desconfiasse mais da segunda opção. Sem pensar muito, estendi a taça em sua direção, mas aquilo pareceu diverti-lo, que apenas sorriu de lado e balançou a cabeça em negativa, o olhar fixo em mim. – Não. Você precisa provar diretamente da fonte.
Os momentos seguintes aconteceram tão rápido que nem tive chance de raciocinar. E ainda bem, se não poderia ter impedido que continuasse.
Em um instante sua mão direita foi parar em meu rosto, tocando delicada e carinhosamente a minha bochecha. Estava levemente fria por conta do clima do lado de fora da casa, mas de alguma forma aqueceu o local onde estava. Em uma fração de segundos a boca dele me pareceu a coisa mais chamativa, deliciosa e tentadora que estava por perto e me peguei imaginando se de fato poderia ser verdade ou mera especulação minha.
Felizmente não precisei pensar muito a respeito, porque logo seu rosto estava cada vez mais próximo e pude sentir quando sua boca macia e quente se chocou com a minha, gelada, provocando um choque de temperatura que enviou uma pequena descarga de energia por meu corpo, arrepiando-o. Bem como eu imaginava, seu beijo era delicioso. Talvez a combinação com gosto de uva e álcool melhorasse toda a experiência, mas poderia jurar que era um mero detalhe.
E lá estava eu, aos beijos com um cara que mal conhecia e com quem horas antes estava brigando. Engraçado como o ódio possui a incrível capacidade de ser deixado de lado facilmente.
Maldito seja o álcool por atrapalhar meu discernimento e a razão.
E maldito seja por ser tão irritante e, ao mesmo tempo, possuir um beijo tão bom e viciante.


Glossário
¹Balaústre – Pequeno pilar usado em conjunto que serve para a proteção de sacadas, varandas e corrimões. Semelhante a uma cerca.

Capítulo 4 - Partindo Com Dezembro

Depois daquele dia, mais especificamente depois daquele beijo, eu e saímos algumas vezes, fosse para nos conhecermos melhor, trocar um pouco de saliva, nos pegar ou todas as anteriores. Quando eu disse que seu beijo era uma delícia, definitivamente eu estava certa. Tudo nele era.
O Natal já tinha passado há uns dias e os enfeites das casas e até mesmo da cidade estavam sendo trocados por modelos que remetessem ao Ano Novo, que seria dali dois dias. Nas ruas só se via pessoas comprando fogos de artifício e eu detestava aquilo porque era extremamente ruim para os animais, que morriam de medo e não tinham como se defender.
A chegada do Ano Novo também significava que a grande Londres estava à minha espera mesmo que eu não me sentisse tão animada assim para voltar à cidade. Meu chefe sempre organizava uma festa com todos do escritório e a presença era literalmente obrigatória, por isso eu deveria embarcar o quanto antes para que não perdesse o voo.
No meio disso tudo minha irmã disse que precisava sair e fazer compras para o Ano Novo, então não pensei duas vezes antes de me oferecer para acompanhá-la porque assim conseguiria me afastar um pouco de e pensar a respeito de tudo que estava acontecendo na minha vida nos últimos dias. Sem falar que poderia conversar um pouco com Magie para ter mais de uma perspectiva.
– Então, você e , heim? – Ela me analisava com um sorrisinho nos lábios. Não consegui evitar revirar meus olhos.
– Pois é. Quem diria. – Um sorriso tomou conta de meus lábios sem que percebesse.
– Estou vendo essa alegria no seu rosto, mocinha.
– Não é nada. – Beberiquei um pouco do chocolate quente que segurava. Havíamos acabado de passar em uma cafeteria para comprar. Ainda nevava um pouco e seria uma ótima forma de nos esquentarmos.
– Nada? Eu não diria isso. – Arqueou uma das sobrancelhas.
– A última coisa que eu esperava ao vir passar o Natal com vocês era que arrumaria um romance de fim de ano, maninha. Entende meu ponto?
– Claro que entendo, mas agora já está envolvida com isso então só aproveita, gata. Não é todo dia que algo assim acontece.
– Mas não é tão simples. No final alguém vai sair machucado porque nós moramos literalmente em continentes diferentes e eu tenho minhas obrigações por lá. Não posso continuar como se fosse normal e não fosse acabar.
– Bom, eu preciso dizer que você está certa.
– Obrigada, maninha. – Lancei-lhe um sorriso fraco.
– Hoje, antes de sairmos, eu vi sua mala pronta em cima da cama.
– Pois é, né?
– Vai mesmo embora amanhã? – Tocou meu braço com delicadeza, me fazendo parar para olhá-la.
– Não sei ainda, Marie. Eu realmente preciso voltar porque eles querem que todos do escritório participem dessa festa estúpida, mas quer saber se eu gostaria de ir? Com certeza não.
– E já falou com o sobre isso?
– Por que deveria? Não estamos namorando e nem nada do tipo. – Dei de ombros.
– Por Deus, . Você está se ouvindo? Quando foi que seu coração ficou tão empedrado assim?
– Não é isso, Marie. – Mordi o lábio inferior, ponderando sobre como me explicar.
– Tudo bem. Você não precisa me explicar nada, mas para ele, sim.
Dizendo isso, saiu andando com seu chocolate quente em mãos, deixando-me sozinha e com aquilo na cabeça. Era fato que não tínhamos uma relação e muito menos algo sério, mas ela tinha razão ao dizer que eu deveria me explicar para ele. Só... era muito difícil.
Precisei respirar fundo antes de voltar a andar ao lado de minha irmã, que estava mais à frente. Durante todo o resto do dia ficamos em silêncio, sem saber o que dizer uma para a outra por conta do inevitável que se aproximava.
Quando a noite chegou já havíamos chego à casa de Marie e eu precisava desesperadamente tomar um banho, então segui direto para meu quarto sem pensar duas vezes. Meus pensamentos se alternavam entre como contar que iria embora em breve e em como terminaria sabe-se lá o que nós tínhamos. Soltei um palavrão mentalmente, odiando-me por estar naquela situação e, depois de me vestir, retornei para o quarto a tempo de observar um pequeno buquê de rosas repousado na cama com um bilhete.
Fui até a cama e peguei as flores com um sorriso no rosto, fechando os olhos e aspirando o perfume agradável emitido por elas. Peguei o bilhete para ver quem havia me mandado aquilo, embora eu secretamente já soubesse.

"Não chegam aos seus pés, mas elas me prometeram que irão melhorar.
Obrigado pelos dias incríveis que tem passado comigo.
Jantar na minha casa às 20:00?
"


Mal consegui terminar de ler porque toda a culpa do mundo me atingiu em cheio de uma vez. Ele definitivamente tinha criado expectativas das quais eu não era capaz de corresponder e não conseguiria seguir em frente com aquilo. Toda a impulsividade desceu sobre mim e eu já não estava mais sendo controlada por mim, mas sim pela paranoia.
Larguei a rosa junto com os bilhetes em cima do criado mudo e peguei minha mala na cama. Reuni minhas coisas dentro da bolsa e saí em direção à sala. Era evidente que eu não consegui deixar de fazer barulho, atraindo a atenção dos dois que estavam na cozinha – provavelmente – fazendo o jantar.
? O que está fazendo? – Minha irmã foi a primeira a se pronunciar, me olhando assustada.
– Indo embora.
– Mas já? Assim do nada?
– Do nada não é. Você sabia que eu teria que voltar logo para Londres.
– Sim, mas eu tenho certeza que está com assuntos inacabados ainda. – Arqueou a sobrancelha em minha direção.
– Relaxa porque isso é problema totalmente meu e eu posso cuidar sozinha e arcar com as consequências.
– Tudo bem. – Ergueu as mãos, se rendendo.
Fiz uma careta e soltei a mala, seguindo até onde eles estavam. Abracei-a de olhos fechados, imaginando o quanto iria sentir falta dela, nossas conversas e até mesmo de meus sobrinhos. Não foi surpresa quando uma lágrima escorreu por minha bochecha, descendo pelo rosto até pingar no tecido da blusa dela, no ombro.
– Está chorando, ? – Ela separou nosso abraço, me olhando de forma carinhosa.
– Não. A sua blusa que me deu alergia. – Sorri e passei a mão no rosto, secando-as.
– Aham, sei... – Sorriu de lado. – Deixa o Tyler te levar, então.
– Não precisa. Eu chamo um táxi. Não quero atrapalhar vocês.
– Não atrapalha. Relaxa.
– Obrigada. – Sorri sincera e seu marido veio me ajudar com a bagagem.
Despedi-me de meus sobrinhos, prometendo que em breve voltaria a visitá-los e segui rumo ao carro em que Tyler já me esperava. Sentei ao seu lado, no banco do carona, e coloquei o cinto. Sentia que a ida até o aeroporto seria longa e silenciosa, o que por um lado seria bom já que não estava muito a fim de conversa, mas também abriria mais espaço para reflexão, que era tudo que eu não queria no momento.

Capítulo 5 - De Volta À Dezembro

Mexi nos papéis à minha frente, folhando-os como se fosse uma criança entediada com um livro que não tinha figuras. A verdade era que há muito tempo sua mente havia a deixado e viajado de volta no tempo em exatamente um ano atrás, naquela semana que havia sido uma das melhores de sua vida e com certeza o melhor feriado também.
Eu simplesmente não conseguia parar de pensar no que havia feito com . Melhor, no que não havia feito: contar a verdade e se despedir. Principalmente depois do telefonema de minha irmã contando o que havia acontecido naquela noite depois que já havia ido embora.
Mesmo depois de um ano todas as lembranças ainda me assombravam e era exatamente por isso que estava ali novamente, dentro do aeroporto da cidade que bem conhecia. Nem mesmo Marie sabia que ela estava ali e gostaria de manter as coisas assim ao menos por enquanto.
O ar gélido passou por mim como um lembrete do quão frio era aquela época do ano e eu tive que me abraçar novamente, esperando por um táxi assim como na primeira vez. Continuava tumultuado demais até mesmo para uma cidade pequena. Dessa vez, porém, não foi nenhum pouco tumultuado e isso me fez imaginar se ele não seria o motivo.
Balancei a cabeça impedindo que aqueles pensamentos tomassem conta de minha cabeça, focando apenas no momento atual. Imediatamente estendi o braço, pedindo para que parasse. Não demorou muito até que o veículo estacionasse à minha frente, então abri a porta de trás e coloquei minha mala no banco de trás, logo entrando nele. No banco da frente, o taxista virava a cabeça para me olhar.
– Qual o destino? – Ele me olhava.
– St. Jackson Street, 1574, por favor – Lancei-lhe um sorriso.
Ele não disso nada, apenas deu partida, deixando-me sozinha com meus pensamentos. Respirei fundo e fechei meus olhos, encostando a testa na janela do carro. Comecei a imaginar todas as probabilidades, fossem elas boas ou ruins.


🎄


– Olá. Moça? – Senti alguém me cutucando e rapidamente abri os olhos, dando de cara com o mesmo taxista. Estava tão cansada das horas de voo e por não ter dormido antes que nem percebi quando adormeci.
– O quê... Onde eu estou? – Passei a mão nos olhos, olhando em volta apenas para me certificar de que havia chego ao meu destino.
– No endereço que me passou. Agora, por favor, pague a corrida.
– Tudo bem. Quanto deu? – Abri a bolsa, retirando minha carteira de dentro dela.
– US$ 52.
– Certo. Aqui está. – Entreguei-lhe o dinheiro e voltei a guardar a carteira na bolsa. Abri a porta, já sentindo o vento gelado típico da estação. Rapidamente saí do veículo, fechando o casaco com as mãos. – Você pode esperar só um pouco?
– Não demore! – Ele falou e mal pude ouvir sua resposta porque já estava na porta, respirando fundo diversas vezes.
Logo que me acalmei o suficiente para ter certeza de que não iria surtar, dei suaves três batidas na porta. Esperei por alguns segundos, mas ninguém atendeu. Àquele momento do campeonato meu coração já havia ido para na boca de tamanha ansiedade e eu sentia como se estivesse prestes a surtar e arrancar minha cabeça e jogá-la penhasco abaixo.
Já estava prestes a bater na madeira da porta novamente quando um barulho me distraiu. Um barulho vindo diretamente das minhas costas e alto o bastante para atrair minha atenção. Virei-me para trás a tempo de ver o taxista indo embora após jogar minha mala no chão, ficando impregnada de neve.
– SEU BABACA! QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA FAZER ISSO COM A MALA ALHEIA? SEU FILHO DE UMA...
Continuei gritando e nem percebi a porta de madeira finalmente se abrindo, muito menos que ele estava encostado no batente da porta, olhando aquela cena com um sorriso de lado no rosto. Fosse de satisfação ou vingança – talvez – eu nunca saberia, mas ele estava realmente feliz. Só consegui parar de gritar quando o ouvi pigarreando às minhas costas.
– Ah... me desculpa. Não sabia que estava aí. – Cocei a nuca, fazendo uma careta.
– Mais um dia normal, então. – Cruzou os braços na frente do corpo. Ele parecia indiferente à minha presença e comecei a imaginar se aquela realmente havia sido uma boa ideia ou não.
– Ai. – falei baixo como se fosse uma confissão e fiz uma careta. – Não sabia que me odiava tanto assim.
– Não odeio.
– Não é o que está parecendo, sabe?
– O que é que você quer, ? Por que voltou para cá?
– Caso não se lembre a minha irmã mora aqui na cidade. – Arqueei uma sobrancelha.
– Mas é claro que eu me lembre, mas até onde eu sei, ela não mora aqui perto.
– Você poderia só parar de me tratar assim? Eu vim para conversarmos.
– Então agora você resolve que quer conversar? – Deu alguns passos em minha direção, ainda permanecendo longe o bastante.
– Você poderia apenas me escutar, por favor? Eu preciso me explicar. Mesmo que não queira me ouvir, entre nessa droga de casa e se tranque nela sem me ouvir, ainda sim eu vou falar. Então seria muito melhor para ambos se me ouvisse para eu não ter que me passar por uma louca para os vizinhos e você também não se passar pelo cara que pegou uma louca e a deixou do lado de fora gritando e atrapalhando todos.
– Tudo bem. Siga em frente. – Ele abriu os braços, como se estivesse se rendendo.
– Ok. – Juntei as mãos e respirei fundo, pensando em como começaria aquela conversa. – Bem, vou começar pelo óbvio. Eu sei que fui uma enorme babaca ao ir embora daquele jeito e não somente uma babaca, mas também covarde. Nós estávamos com algo rolando entre nós e isso era inegável, mas de alguma forma eu não estava pronta para isso e deixei que o medo subisse à minha cabeça. Eu literalmente tinha acabado de te conhecer fazia o quê? Cinco dias? – Olhei-o como se esperasse uma confirmação.
Ele apenas assentiu com a cabeça, como se dissesse sim. Tomei fôlego antes de continuar.
– Exatamente. Foi muito rápido e quando eu vi as flores que me entregou foi como se não estivesse me sentindo pronta. Eu tinha que ir para Londres de qualquer jeito, então apenas estava adiando o inevitável. Mas eu sei que o que eu fiz ou deixei de fazer, para ser mais exata não foi legal e muito menos certo. Eu achei que estivesse se apaixonando por mim e isso me deixou louca porque não sabia se eu sentia o mesmo.
– Eu não estava me apaixonando.
Olhei para ele como se ele tivesse me desferido um soco no estômago. Não era como se eu fosse alguma vadia frígida, mas genuinamente esperava que ele sentisse algo, por mais mínimo que fosse.
– Ah... Certo. – Fiz uma careta e mordi o lábio inferior. – De qualquer forma, essa sou eu engolindo meu orgulho, em pé na sua frente dizendo que sinto muito por aquela noite. Só queria dizer que eu me arrependi de cada segundo por essa decisão porque percebi que só estava negando e fugindo de meus sentimentos. Eu estava gostando de você e só dei ouvidos a isso quando já estava em outro continente e sua imagem surgia na minha mente a todo o momento como uma tatuagem no meu cérebro. Eu mantive aquilo em negação absoluta, mas quando chegou Março eu já não conseguia mais porque... – Tive que fazer uma pausa, pois as lágrimas que se acumulavam em meus olhos de repente decidiram cair por conta própria, deixando minha respiração desregulada e a visão um pouco turva – Porque quando Março chegou ele trouxe a droga do Outono e eu percebi que de um jeito impossível e louco eu estava apaixonada. Parece estranho e impulsivo, mas nem eu sei explicar. – Passei a mão nos olhos tentando secar as lágrimas, mas era inútil. – Sei que não vai me perdoar pelo que fiz, mas eu precisava dizer isso. Obrigada por ter me ouvido até o final.
Não conseguia nem olhar diretamente em seus olhos tamanha era a vergonha que sentia. Rapidamente virei de costas para ele e fui até minha mala, pegando a mala pela alça e puxando-a sabe-se lá para onde. Para qualquer lugar que fosse longe o bastante dele.
Meu pensamento estava mais à frente do que meu corpo, porque sequer consegui sair do lugar. Senti segurar meu braço de maneira firme, porém gentil, impedindo que eu fosse embora como planejava. Virei o rosto apenas o bastante para que pudesse observá-lo por cima do ombro, aqueles olhos de um castanho escuro e misterioso que me atormentavam há meses. Instintivamente perdi o ar durante alguns segundos.
– Você é uma completa tagarela. – Ele me olhava. – Não me deixou terminar o que estava dizendo e já veio com uma enxurrada de palavras e frases para cima de mim. Como eu estava dizendo: eu não estava me apaixonando. – Colocou uma mão no meu queixo, erguendo meu rosto para que eu o olhasse nos olhos. – Porque na verdade já estava apaixonado. E a culpa não é apenas sua porque eu sei que fui extremamente impulsivo e acabei te assustando um pouco. Eu fiquei magoado e também machucado por ter me deixado sem se despedir ou mesmo deixar uma carta, bilhete, sinal de fumaça, SMS, qualquer merda dessas. – Soltou meu braço, mas eu nem me mexi. Estava estática demais com suas palavras.
– Me desculpa. Eu voltei para Londres, mas minha mente estava aqui. Ela estava em Dezembro e foi por isso que eu voltei. Eu queria voltar para Dezembro, voltar para você. Se ainda me quiser, é claro.
... – Ele sorriu de lado, tocando meu rosto com carinho e eu instintivamente me virei, ficando de frente para ele – É óbvio que eu ainda te quero. Sempre vou querer.
Novamente as lágrimas voltaram a escorrer por meu rosto, mas daquela vez não as contive. apenas lançou-me um sorriso e no segundo seguinte sua boca foi de encontro à minha. Era exatamente o mesmo sabor do qual eu me lembrava, se não até melhor. Levei uma de minhas mãos até sua nuca, enrolando os fios do seu cabelo por entre os meus dedos.
Ainda estava frio e flocos de neve caíam sobre nós como gotas de chuva, mas naquele momento não havia gelo e nem frio, porque nossa proximidade fazia com que um calor gostoso passeasse entre nosso corpo, nos aquecendo. Era um perfeito começo de fim de ano, mas também do nosso relacionamento. E eu não poderia achar aquilo mais perfeito.


FIM!



Nota da autora: Eis aqui minha primeira fanfic para essa temática. Devo confessar que fiquei muito preocupada por não saber nada da cultura e não conhecer os artistas, então tive uma ajudinha (obrigada, meninas!) hahaha
Espero que tenha gostado dessa Shortfic e que tenha aquecido o coraçãozinho de vocês com a lembrança do Natal que é uma das minhas épocas favoritas. Peço desculpas por qualquer erro que eu tenha cometido na fic e me sinalizem para que eu possa aprender o certo. Amo vocês e confiram as outras fics! ❤





Outras Fanfics:
Ficstapes:
09. Sad [Ficstape #176: Maroon 5 - Overexposed]
07. Tears Won't Cry (ShinjŪ) [Ficstape #180: The Maine - Are You Ok]
13. Live To Party [Ficstapes Perdidos #1: Jonas Brothers - A Little Bit Longer]

Shortfics:
Um Amor Impossível [Originais]
Depois Daquele Beijo [Restritas - Originais] (spin-off de "Um Amor Impossível")

Em Andamento:
Correr e Poder [Restritas - Originais]
Duplo Acordo [Restritas - Originais]
She Better Run [Restritas - Atores]
Nothing Left To Say [Originais]


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