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Homecoming XVII

Quando acordo, Peter não está mais comigo.
Não há calor, toque ou peso afundando a cama ao meu lado. Estou sozinha nela e algo me garante que não há presença alheia alguma no quarto. É como engolir um cubo de gelo o sentir cristalizar meu interior, petrificando-me onde estou e congelando meu sangue de forma que a realização é gradual, porém não deixa de ser dolorida. Me sinto lançada das chamas da noite anterior de volta ao East — a solidão fria e cruel me fazendo encolher na cama. Seus braços não estão ao meu redor, o nariz dele não está pressionado em minha testa e não estou com a cabeça em seu peito — a solidão me atingindo como um soco no rosto. É a vergonha que me alcança logo depois, gerando uma humilhação ardente que aquece minhas bochechas não com lágrimas, mas sim com sangue fervente por ter imaginado que Peter ainda estaria do meu lado quando acordasse. Então a raiva se funde com o embaraço quando considero que, com May no hospital, ainda fui capaz de beijá-lo em um momento tão delicado para ele.
Mesmo que advindo de um sentimento sincero, meu ato foi sujo e eu quero fugir.
Fugir por saber que ele deve se arrepender e sentir-se culpado pelo que aconteceu, mesmo que eu ainda consiga sentir o toque fantasma de seus lábios nos meus quando os toco, isso antes de enfiar a cabeça no travesseiro que substitui seu peito. Finco as unhas na fronha macia, desejando destroçá-las em retaliação à vontade de ser meu rosto no lugar dela. Minha respiração é forte ao tentar expurgar todos os sentimentos terríveis, mordendo o lábio com força até sentir o sabor de sangue e conter-me antes de romper a carne. Estou zonza ao perceber isso não é o certo, mesmo que eu sinta merecer. Estou ferida e exausta de ontem, então devo me conter, ainda que isso não baste para controlar o sentimento confuso e dolorido em meu coração.
Não sei quanto tempo se passa até que eu consiga me colocar de pé, mas já é sete da manhã e eu tento ignorar a possibilidade de Peter ter partido assim que dormi. Toco minha perna e aprecio a dor afiada antes de apoiar o pé no tapete e segurar-me na mesa de cabeceira para não cair. Vou testando alguns passos demorados até chegar no banheiro e evito o espelho de maneira diligente, cambaleando um pouco até jogar uma toalha sobre ele pois não quero ver o meu rosto destruído após tanto chorar nas últimas doze horas ou lembrar-me de onde Peter o tocou. Assim que tenho coragem de remover a second-skin, sangue escorre e me apresso para entrar no chuveiro, a água agindo como uma lixa no machucado. Enquanto me banho, me entretenho ao esfregar o rosto e decidir qual roupa usarei e como ignorarei Peter até ter condições de olhá-lo e não querer chorar.
Caço gazes para secar os pontos inchados e uma nova second-skin, cobrindo o ferimento antes de me vestir. Meu cabelo está limpo pois Pepper me ajudou no banho ontem, então não me distraio com ele e sim com as opções de roupa que posso usar, isso até perceber a saia e blusa sobre a escrivaninha. Foram escolhas de Pepper e está obvio pelos tons mais terrosos e o pendente de prata também separado por ela. A saia marrom clara vai até metade da minha panturrilha e a blusa preta cobre os machucados em meus braços. Ao perceber que não vou conseguir me calçar sozinha, apanho o celular da mesa de cabeceira e as botas, certa de encontrar ajuda no caminho.
Estou na metade das escadas quando percebo não estar sozinha na área de convivência.
— Pep? — Chamo agarrando-me no corrimão ao acelerar os passos. — Pode me ajudar a me calçar?
Então sei que foi um erro pois não é a presença de Pepper que identifico em seguida.
? — A voz de Peter me apavora como nunca esperei que faria, revirando meu estômago em um choque ansioso quando ouço a geladeira se fechando e fico paralisada nos últimos degraus. Forço-me a ficar em silêncio até que ver a sua figura pela parede curva da cozinha, evitando olhar o seu rosto. — Ei, você — Há um sorriso óbvio em sua voz e é impossível resistir olhá-lo, então flagro o instante que sua boca se curva em desapontamento e quero correr escadaria acima. — Você não devia estar em pé, !
— Desculpa — Sussurro com a voz trêmula e um ardor no nariz. Tento não reagir negativamente quando Peter me alcança e ergue meu braço sobre seu ombro, apoiando-me para que eu desça o resto da escada. Minha mão está começando a tremer quando a removo de onde estava e a encosto em sua coluna com a ponta dos dedos apenas, evitando o tocar por completo. — Obrigada.
Peter não me deixa de imediato, uma ruga funda entre suas sobrancelhas ao olhar-me.
— Está pálida, — Ele engole em seco e ao contrário de mim, um rubor feroz se forma no seu rosto. Imaginar que ele estaria da mesma forma ontem enquanto nos beijávamos me deixa doente. — Tem certeza de que está bem? — Assinto e desvio os olhos dele para encontrar a minha mochila sobre o sofá, buscando algo para fazer e motivo para me afastar antes que ele me force lhe dizer o que está errado. Preciso sair do seu lado até unir a coragem para conversar com ele sobre o que aconteceu e decidirmos como voltar ao normal, mesmo que meu nariz volte a pinicar ao considerar tal coisa. Pisco algumas vezes quando um fino véu de lágrimas se forma sobre meus olhos. — ? O que foi? — Balanço a cabeça outra vez e viro o rosto, encostando a costa da mão nos olhos para amparar as lágrimas, torcendo que ele não as veja ou se vir, as ignore.
— Eu preciso encontrar a Cho — Me desculpo e Peter toma distância de imediato, soltando o meu pulso que eu nem mesmo percebi ser segurado por ele e que agora parece queimar. Sua expressão previamente tensa parece ser relaxar apenas para ser substituída por uma quase entristecida que dói como uma facada no peito. Engulo em seco ao passar por ele na direção da cozinha e do cheiro forte de baunilha que vem dela. — Vou ver o que ela faz com a minha perna — Abro a geladeira e apanho uma garrafa de água com pressa. Pelo cheiro maravilhoso do cômodo, sei que Pepper deve ter deixado café da manhã para nós, mas não quero comer nada apesar do cheiro delicioso de morangos frescos. — E com a May também... — Vou até onde minha mochila está e jogo os sapatos no chão ao me sentar devagar, ainda com dor nas costas. Preciso me manter distante de Peter, mesmo que seja insuportável não o tocar após ontem.
Quero tanto sentir sua pele na minha outra vez que é doentio.
— Ela... — Peter respirou fundo, o nervosismo escapando pelo som de sua respiração. — Ela acordou, na verdade. — A boa notícia me faz suspirar em alívio, empurrando o peso anterior de meus ombros quando imaginei que não ouviria algo assim tão cedo. May Parker sobreviveu à noite e está lúcida, talvez até mesmo sem sequelas graves. Apesar de tudo, fico aliviada com a informação e o milagre médico. — Perguntou de você — Eu o ouço molhar os lábios e o som de louça na bancada da cozinha — Ela disse lembrar do seu rosto.
— Que bom — Parker enfia as mãos nos bolsos e curva os ombros quando eu o olho, concordando com a cabeça algumas vezes, parecendo quase incerto se acredita em minha reação, o rubor agora tomando conta de seu pescoço e orelhas. — É um alívio, de verdade. — Quando me encosto em uma almofada, minha costa protesta pela dor. Um silêncio desconfortável se forma entre nós e preciso escolher entre me manter quieta e seguir em frente ou tentar conversar sobre ontem. Creio que, se mantermos a distância, vai ficar mais fácil como conversarmos sem a pressão do olho no olho. — Peter, nós...
— Eu sei. — Ele responde sem melodia ou afeto na voz, apenas por responder e para garantir que reconheço o assunto que desejo tratar. Aperto meus lábios com força, olhando pela enorme parede de vidro para a neve do lado de fora, o cenário atual semelhante com situação que enfrentamos ontem na ala hospitalar. Eu assinto outra vez, considerando o que devo falar e como irei sustentar as mentiras que preciso contar. — Então — Peter arfa com a voz apertada e segurando o ar antes de exalar devagar. — sobre ontem... — Suspiro quando sua frase não encontra um fim, ainda assim me machucando como nunca imaginei que iria.
— Sobre ontem, nós estávamos muito sobrecarregados, Peter. — Molho meus lábios, mantendo o rosto virando para longe dele. Não vou suportar olhá-lo sem implorar que negue minha afirmação. A esperança de ser contrariada é como uma faísca na neve. — Você estava angustiado e frustrado pelo que aconteceu com a May — Pauso para controlar minha respiração e não permitir que ele note como é difícil respirar ao justificar o meu erro. — E é completamente justificável. Foi um dia terrível. — Engulo em seco quando ele emite um som de concordância, meus lábios sendo puxados para baixo como uma criança fazendo beicinho. Com o queixo tremendo, concordo de novo com a cabeça. — É justificável.
— É. — A sua resposta é um mero sussurro, como se estivesse sem ar e me odeio por fazê-lo sentir-se assim.. — Eu perdi a paciência na enfermaria e você estava tão ferida, — A ênfase me deixa fria. Ele também concorda que tenha sido um erro e ouvir isso é pior que eu imaginava, tão triste que é difícil me manter respirando e controlar as lágrimas que ameaçam minha linha d'água. — É culpa minha que tenha acontecido. Você já estava vulnerável com os remédios que tinha tomado, estava exausta e eu ultrapassei os limites. — O aperto em sua voz não se desfez e agora parece que estamos muito mais afastados que antes, como uma parede de chumbo entre nós. — Te deixei falar sobre a possibilidade tola que eu a odiasse se algo acontecesse com a May... Foram muitas coisas e muitas emoções fortes que não estávamos preparados para lidar. — Ele limpa a garganta e eu abaixo os olhos para a garrafa de água estúpida que ainda seguro. Peter se mantém em silêncio por um instante enquanto meu coração se parte. — Me desculpa, .
Me ponho de pé antes que acabe aos prantos.
— Não se culpe tanto, Pete — O apelido me deixa um pouco feliz, mas não se compara à violenta realidade. — Sério. — Devagar, me abaixo para pegar as botas de novo e ele faz outro som de concordância. Tento não me magoar ainda mais por sua falta de resposta concreta e finjo tirar cabelo do olho para aparar uma lágrima traiçoeira, rogando aos céus que ele não a veja. Peter já se arrepende o suficiente e não preciso agravar sua culpa com minha tristeza. — Se me lembro bem, eu estava lá e você não é o único responsável por essa bagunça — Tento transmitir bom humor em minha voz, mas duvido que tenha conseguido. Sinto que apenas resultou em uma farsa seca e apática. — Vou pedir pro Happy me deixar na escola se terminar cedo com a Cho. — Aviso-lhe ao passar por ele sem olhá-lo, mas posso vê-lo atrás do balcão da cozinha através do espelho. — FRIDAY vai avisar quando estivermos prontos para sair. — Por sorte nossos olhares não se cruzam quando entro no elevador.
— Eu entendo, . — Então as portas se fecham e eu estou sozinha com meu coração partido.

*


— Tenho sentido umas dores musculares, apenas — Conto para Cho enquanto ela tira meus pontos.
Para uma análise completa do estrago feito pelo vidro ontem, ela precisa abrir o ferimento e tenho certeza de que estaria agonizando se não fosse pela anestesia local. A duração de duas horas será o suficiente para suportar o novo procedimento feito pelo Berço de Regeneração.
— É ansiedade — Ela dá o diagnóstico sem pestanejar. — Tem tomado os seus remédios? — Balanço a cabeça, a virando para o outro lado onde exames de raio-x que fiz ontem foram descartados por ela. Os novos ainda estão sendo processados. — Nem os de gastrite? É bom começar a cuidar dela pois vai desenvolvê-la em breve. — O som da tesoura cortando os pontos é enjoativo, mas não com a ouvir insistir com os medicamentos. — Ciclo menstrual irregular, enxaquecas, úlceras... Fora os dentes que ficarão miúdos e fracos com o bruxismo que nós sabemos que tem se mesmo quando está normal a sua mandíbula está apertada... — Ela deixa os instrumentos cirúrgicos na bandeja quando uma de suas assistentes entra no laboratório. Eu engulo as respostas atravessadas, meu diálogo com Peter há alguns minutos tendo me exaustado por completo. — Obrigada — Ela volta a atenção para mim em seguida. — Ficará horrenda com a saúde debilitada. Banguela e sem cabelo.
Molho os lábios e a observo enquanto analisa os exames com atenção.
— Você é uma doçura. — Murmuro sem muita vontade de conversar tanto, mas quando a expressão de Helen se afinca, ela se levanta decidida e apanha os exames de ontem, sei imediatamente que há algo errado. — Cho? — Indago quando ela olha de mim para os exames e para a janela de vidro com rapidez. A sua preocupação é um péssimo sinal e ergo-me um pouco da maca, a seguindo com os olhos quando pressiona um botão no controle do laboratório e as janelas deixam de ser transparentes. — Helen? — Cobre uma segunda vez, agora com a voz mais firme.
— Qual a sua senha? — Ela questiona em um sussurro, deslizando um StarkPad em minha direção mesmo que eu esteja sobre a maca e isso seja completamente errado em diversos níveis. Abro os lábios no instante que ela acena com a cabeça na direção da câmera no canto superior da sala ao fingir afastar a franja, então toca duas vezes no exame em sua mão. Ainda em dúvida, eu digito a senha no teclado e espero até FRIDAY emitir seu som de desativação. Cho se senta no banquinho que estava antes e respira fundo, erguendo os exames para que eu os veja. — Esse é o exame de vinte minutos atrás — Encaro a fissura firme na imagem à esquerda, incrédula que pudesse ser o real estado de minha perna. — Não houve corte e sim um tiro — Ela ergue o outro exame e balança o papel. — Este é o de ontem e houve um corte. — Tomo a imagem em minhas mãos quando Cho se levanta ao afirmar com seriedade: — O exame de ontem foi forjado por alguém aqui dentro.
— Forjado? — Indago abalada, certa de que Tony jamais permitiria que isso acontecesse.
— Vou me esterilizar e a abrir outra vez para avaliar melhor o ferimento — Ela indica minha perna com o queixo e empurra a cadeira. — Ainda tem um fragmento da bala entre os músculos. — Não sei quanto tempo se passa até que Cho retorne para a ala principal do laboratório, mas apenas me sinto segura quando vem. — , me diga exatamente o que aconteceu durante o acidente.
Respiro fundo quando outra dose de anestésico é aplicada e há um mínimo tremor na mão dela.
— O acidente não fez sentido, Cho. Eu já havia percebido quando o Cross falou do vidro, mas... — A afirmação a interessa de imediato apesar de sua ocupação com o examinar de meu ferimento e ela se divide entre ele e meu rosto. — Não faz sentido ter sido um caco de vidro na minha perna e eu juro que ouvi o disparar de uma carabina antes de cair no outro carro.
Helen respira paciente assim como eu: — Me conte desde o começo, . Absolutamente tudo.
— Certo... — Me acomodo melhor na maca apesar do repuxar em minha perna onde não sinto dor, apenas o toque. Fecho os olhos para tentar formar uma descrição decente antes de voltar a olhá-la. — Nós estávamos vindo de Manhattan e um engarrafamento nos prendeu na ponte. Comecei a conversar com o Happy sobre os presentes e sobre uma mulher desagradável, então vimos os helicópteros e eu achei uma boa ideia subir no teto do carro para ver o que estava nos prendendo ali. — Minha ideia parece desapontá-la pela maneira que aperta os olhos com força e os revira, sua careta quase oculta pela máscara. — Foi uma ideia terrível, mas eu não consegui pensar em algo melhor. — Engulo em seco, franzindo o nariz ao sentir um repuxar quase incômodo vindo dela. — E eu senti um impacto, como se houvessem lançado um explosivo no carro e ele não estivesse acionado de imediato. Então houve o som de tiro e eu — Toco um dedo no metal frio ao lado de meu quadril e depois uma segunda vez. — fui lançada na outra via, onde bati em um carro e que teria sido o motivo do vidro na minha perna.
— Vidro de carro não quebra assim. — Meu alívio é nítido quando compreende o raciocínio. — Pelo menos não vidro de para-brisas. Talvez de janelas ou algo já no chão.
— Eu caí no para-brisas — Pressiono o dedo na maca de novo para demarcar. — No para-brisas de um carro e senti essa dor quente na perna na mesma hora. E, Cho, não havia ninguém atrás do carro do Happy, entende? — Ela assente rapidamente, compreendendo a falha na história. Quase posso ver as engrenagens girando em sua cabeça e é satisfatório ser compreendida. — Não havia como ter sido uma explosão aleatória que fez o carro capotar e a dor foi antes de cair no chão onde realmente havia vidro capaz de me machucar. — A outra possibilidade revira meu estômago. — Posso perguntar ao Peter se ele viu quando o Cross removeu o vidro. Ele estava na sala enquanto cuidavam disso, então deve ter visto algo.
— Devem sair mais imagens do acidente em breve e nós vamos poder ver se o carro aparece e se tinha algum... — Sua voz se esvaia quando interrompe a própria frase, prendendo a respiração. Helen me olha agora por trás do óculos de proteção e não me impeço de assentir. — Aquela ponte tem muitos pontos-cegos, mas podemos descobrir se alguém viu algo.
— Se alguém viu o atirador que errou a mira?
Os cantos dos olhos dela ficam enrugados, explicitando seu medo.
— Não. — A resposta é dura e não me permite contradições. — Não diga isso, . — Eu respiro pesadamente, incerta de como reagir. Há um aperto em minha garganta e quero correr até Tony e Pepper e me esconder entre os dois até que a possibilidade seja descreditada por eles. — Não invente algo assim. Não crie uma... Teoria violenta como essa, ! — Meus olhos marejam e a pressão em minha garganta é dolorida. — Estou sendo clara? — Helen cobra ríspida e eu assinto devagar.
Não quero pensar na possibilidade, mas o pânico está me deixando tonta. Talvez seja só um surto meu causado pelo remédios pesados e Cho esteja colaborando com a paranoia, então tento fazer a respiração-sanfona ensinada pela psicóloga para me acalmar, o som me incomodando quando cada lufada de ar é um chiado. Mordo os lábios para controlar o ruído e deixo meus cotovelos escorregarem até estar deitada, desta vez com a cabeça apoiada no travesseiro desconfortável oferecido por uma assistente de Cho assim que cheguei. Ergo a mão e agarrar-me nele antes das lágrimas voltarem, lutando para segurar o ar por tempo suficiente antes de irromper em um choro que não conseguirei controlar. Wanda Maximoff é a primeira pessoa em quem eu penso, minha gratidão ultrapassando os limites que deveria ter quando recordo-me da explosão que marcou a morte de Brock Rumlow quase um ano atrás. Saber que ele está morto é reconfortante e prazeroso, ainda que a dificuldade para respirar ainda esteja presente.
Sinto uma resistência em um movimento de Cho e estou lacrimejando em pânico quando ela arfa.
— A notícia boa é que esse tal de Cross removeu o resto da bala, mas deixou um fragmentozinho.
Respiro fundo para desfazer o embargo em minha voz.
— Esta é uma boa notícia? — Indago baixo e a doutora Cho assente, transfixada com o fragmento coberto de sangue que ergue em uma pinça. Tony e Pepper jamais podem saber que algo assim aconteceu e eu tento tomar controle de minhas emoções a fim de conseguir formar um raciocínio coesivo sem precisar deles. — Posso — Minha respiração é trêmula e entrega que estou na beira do choro, o que leva Cho a abaixar a pinça e me olhar. — Posso ver a bala?
Ela balança a cabeça, angulando o fragmento.
— Não é HYDRA ou KBG — Helen me garante com gentileza, a descartando na bandeja logo depois. — Sem marcações. — O ar que exalo é de alívio, mas desconhecer a ameaça é mais angustiante ainda. Engulo em seco uma segunda vez, lutando contra a segunda pedra de gelo que devo engolir hoje. — Se a bala a atingisse no osso, teria destruído tudo. Estaria pulverizado.
A ponta afiada identificável no fragmento de bala me faz estremecer.
— Você viu May Parker na hospitalar? — Meu coração está acelerado e o nariz pinica, porém decido mudar de assunto pois não tenho capacidade alguma de conversar sobre um sniper ter tentado me matar no dia anterior logo após estúpidas compras de Natal. Seria hilário se não tão macabro. — Ela... Acordou — Tony não deve saber disso e Cho reconhece que devemos manter o segredo pela forma que desligou FRIDAY. parecendo desejar manter isso entre nós por enquanto. Se Tony ou Pepper ouvirem sobre a tentativa, não mais me deixarão colocar os pés para fora daqui e não consigo me imaginar correndo tal risco. — O Peter me falou...
— Fecho a boca no instante que a voz rígida de Cho soa no laboratório, lutando com o som afiado de minha respiração. — Olhe para mim. — Engulo em seco e faço como ela pede, a visão um pouco turva. Cho está me olhando com a mesma intensidade de antes, me oferecendo a segurança que apenas uma médica consegue. — Você nunca esteve tão segura como está agora — Engulo minhas lágrimas e a vontade de chorar. Já chega de chorar e eu preciso acreditar nela. — Sei disso pois lembro de tudo o que o Ultron me fez passar e que não me sinto tão segura em outro lugar como me sinto nesse Complexo. — Ouvi-la proferir o nome dele é estranho, mas ainda assim entendo o seu ponto. — Você está segura e isso não vai mais se repetir. Irá usar roupas com kevlar e ficar mais atenta. — Por um instante ainda considero que minha cabeça será um alvo fácil e me seguro para não mencionar isso, ciente do quão estúpida vou soar com voz de choro e falando algo assim. — Tudo bem? — Respondo em voz alta que sim e ela assente satisfeita, voltando a se atentar com minha perna.

*


Quando chegamos no Queens, o celular de Peter toca e interrompe o prévio silêncio do carro.
— Senhora Greene, bom dia. — Ele cumprimenta cansado, acomodando-se melhor para falar com quem seja. — É, foi um susto enorme, mas estamos bem. A May está bem — O olho pelo ângulo do retrovisor e flagro o filete de um sorriso ao assegurar a situação de sua tia. — Está falante e se recuperando bem. — Happy me olha pelo retrovisor e eu desvio o olhar, voltando a observar como o distrito se forma ao nosso redor. Peter se mantém em silêncio por alguns instantes antes de dar uma risada forçada e respirar fundo. — Os médicos ainda não sabem, mas prometo avisar a senhora assim que souber. — Ele pausa mais uma vez e eu olho para a tela de meu celular onde uma rachadura indica o que o pobre aparelho já passou. — Vamos fazer o seguinte, ok? Vou pedir para a senhora Dawson deixar a comida e amanhã vou passar em casa e visitar a senhora, tudo bem?
A ligação perdura por mais alguns instantes e me mantenho quieta por todo o tempo, apenas em busca de certo conforto na voz de Peter enquanto assegura a senhora no telefone, vez e mais vez que May está bem e se recuperando. Quando ele remove o celular do ouvido e finaliza a ligação, a sua primeira reação é suspirar pesadamente e encostar a cabeça no banco, os olhos fechados ao tentar relaxar. É a primeira que ouço sua voz desde nosso encontro dolorido na cozinha e por um instante, enquanto lutava contra meu coração, me esqueci que ele também havia May em sua mente esse tempo todo. Diferente de mim, Peter possui uma outra prioridade que demanda a sua energia muito mais que um simples beijo, tal prioridade que ajuda a distraí-lo — se necessário — do que fizemos.
E é difícil não o confortar com toque físico ao perceber sua angústia.
Meals on Wheels? — Para minha surpresa, é Happy quem puxa conversa. Ele não havia aceitado parar por alguns dias, mesmo considerando o que aconteceu na ponte. Tenho certeza de que Tony deve ter insistido em uma folga para ele, mas me sinto segura com a sua presença.
— A May faz parte desde que eu me entendo por gente. — Peter responde com a voz baixa, também olhando Happy pelo retrovisor como eu faço em uma tentativa de agradecê-lo por não permitir que Peter se afogue em seus pensamentos. — Fui algumas vezes, mas não tive muito tempo esses últimos meses.
— É uma boa causa. — Happy concorda com a cabeça e considero que esta seja a primeira vez que os dois tem uma conversa verdadeira. — Cadastrei minha avó no Wheels quando tinha uns treze anos — Ele informa com calma e reconheço o possível motivo para Hogan ser o responsável por o fazer. — Não parecia justo eu comer o almoço da escola e ela não. Entende? — Ouço quando Parker concorda, o som não tão pesado quanto o que fez para mim mais cedo na cozinha. O sentir quase interessado em algo é bom e não me importo que não seja a pessoa a distraí-lo. — Carne de panela com cenouras, purê de batatas com ervilhas e tortinhas de maçã com canela — Happy balança a cabeça, enumerando os pratos que se lembra. — Faziam uns biscoitos de manteiga de amendoim que eram ótimos.
Ouço Peter exalar em meio a uma risada baixinha e verdadeira.
— A tia May não cozinha, ela só entrega — Ele explica. — O que é melhor para os velhinhos. — Meu sorriso é pequeno e eu abaixo o rosto, ciente que May pode não ser a melhor cozinheira do mundo, mas as suas intenções são genuínas. Sinto que estou sendo observada por Peter e faço questão de manter o sorriso, tentando lhe provar que May e suas habilidades na cozinha não importavam tanto quanto a sua gentileza. E quando Peter desvia os olhos de mim, tento disfarçar a dor. — Mas faz uns bons sanduiches de geleia e manteiga de amendoim.
O silêncio retorna para o carro e fecho meus olhos por uns instantes, buscando ser arrastada até a terra dos sonhos, mas apesar de tudo que a antecedeu, ontem foi uma das melhores noites de sono que já tive. Não sonhei e apenas dormi até o amanhecer. Não senti frio ou calor extremo, ou mesmo tive espasmos. Apenas dormi sem interrupções e isso me impede de fugir da situação com a desculpa de sono. Em consideração ao espaço que precisamos e a tensão palpável entre mim e Peter, mapeio minhas aulas de hoje e como posso chegar nelas sem esbarrarmos um no outro. Não irei conseguir fingir que está tudo bem se Michelle e Ned estiverem conosco e não sei como vou participar da reunião do Decatlo, mas MJ será uma boa distração. Considero a inteirar sobre o beijo e as infinitas declarações humilhantes que fiz, mas considerando que Peter pode acabar lendo as mensagens de onde está, não ouso me mover.
— Happy? — Continuo fingir dormir quando Peter chama, sem importar-se com a elevação da voz, ciente que não estou dormindo. — Pode me deixar aqui? — Resisto a tentação de abrir os olhos para analisar o local ou até mesmo questionar seu pedido. Happy vocaliza o seu estranhamento, ainda que esteja freando o carro e mudando de via devagar. — Não se preocupa, eu vou pra escola. — Peter garante, sem melodia na voz. — Só preciso esfriar a cabeça. — Quando as portas se destravam, eu aperto meus dentes e me mantenho muda apesar da hesitação pesada em meu peito. — Valeu, Happy. — Prendo a respiração quando o ar frio de Nova Iorque se infiltra pela porta aberta. — Até mais tarde, .
Abro os olhos tarde demais e a despedida fica presa entre meus dentes quando ele fecha a porta.
Então, ao sentir o acelerar do carro, eu não consigo mais respirar normalmente. Estou sufocando com centenas de emoções distorcidas em meu peito e prendo a respiração de novo, tentando acalmá-las, mas apenas as pioro. Ouço a voz de Happy, mas é como se houvesse uma parede de vidro entre nós e meu choro — este que nem percebi chegar — me impede de ouvi-lo com clareza. Estou tão ofegante que imploro que ele estacione, que pare e que me deixe sair do carro cujo cinto de segurança está se fincando mais e mais conforme me movo para removê-lo. A respiração sanfona é uma estupidez sem tamanho e meus lábios estão tremendo enquanto imploro para que e me livre do cinto, esperneando no banco para que me solte e eu consiga respirar outra vez.
A porta se abre e quero que seja Peter. Quero que seja ele me salvando e mim mesma, que me coloque em seu colo e me embale até que as lágrimas acabem. Mas é Happy quem se curva sobre mim e remove o cinto, segurando-me pelos braços e me ajudando a descer. Outros carros passam por nós, enfezados e com suas buzinas altas, tão altas e tão furiosas que cubro os ouvidos ao cambalear para a grama do outro lado, para o parque onde Peter pode ter decido minutos atrás ou não. A luz é tão forte e tão branca que a grama verde perde o tom quando abaixo o rosto para ela e seco meu nariz que não deixa de escorrer. Me esforço para respirar e avanço parque adentro, a neve se acumulando em minhas botas e transformando a simples tarefa de caminhar em um tormento maior que tentar achar Peter. Ainda com as mãos sobre os ouvidos, eu viro-me para Happy, tentando respirar enquanto ele corre para mim pois precisamos achá-lo e minha visão está ficando turva. E, antes que eu consiga seguir adiante, ele segura meus braços e me convida para a realidade que, com a força de um trem desgovernado, desobscurece meu raciocínio.
Eu estou o abraçando quando o primeiro soluço vem e, quando o segundo o segue bem de perto, Happy afaga minha costa e me faz caminhar de volta para o carro em meu próprio tempo. Mas, apesar de tudo, mantenho minha atenção advinda da recém-ganha sobriedade, no caminho que gostaria de seguir e que sei ter sido o tomado por Peter. Ele segura a porta para que eu me sente e vai até o porta-malas enquanto tento me acalmar, enterrando o rosto nas mãos e lutando para não me estapear até assumir o controle de meu emocional pois estou agindo como uma louca. Peter está longe demais para que eu o alcance e reconheço que, no momento, nada vai resolver o problema que criamos e é apavorante entender que talvez nada volte a ser o mesmo.
E nós estamos desmoronando ao tentar fingir que isso não está acontecendo.
Engulo a água que Happy me faz beber e não me afasto enquanto seca meu rosto com um lenço.
— Vai me dizer o que aconteceu? — Balanço a cabeça e ele começa a secar o suor em minha testa. — Foi muito ruim? — Concordo desta vez, abaixando a garrafa. — Está com vergonha? — Repito o ato e Happy suspira, mas não por eu estar lhe impedindo de saber a verdade, mas por conseguir entender meu ponto. Ele dá dois tapinhas em minha cabeça e se apoia na porta, sem se preocupar com frio. — O menino parecia bem depois que a tia dele acordou — Estou certa de que Happy o viu bem antes de mim e quero voltar a chorar. — Juro que o Peter estava saltitando pela enfermaria depois que a May acordou... — Minhas mãos ainda estão frias e eu as esfrego contra o tecido grosso da saia, respirando fundo e tentando ignorar como pude destruir a prévia felicidade de Peter com tanta facilidade. — Só acho estranho que ele esteja agindo assim agora. Ou que você tenha me feito parar o carro e tenha saído correndo desesperada pra um parque moribundo. — Happy dá de ombros. — São as pequenas coisas que me apavoram na geração de vocês — Ele balança a cabeça. — Pequenas coisas mesmo.
— Happy? — Chamo enquanto ele fecha a garrafa. — Pode me levar embora?
Ele sorri por um momento antes de bagunçar meu cabelo e pedir que eu me sente corretamente.

*


Quando finalmente deixo aula de filosofia, sinto-me prestes a explodir de frustração com a fluidez do assunto que não ajuda de forma alguma quando tudo o que quero é a mínima exatidão possível, independentemente de onde vá me guiar. Michelle está logo atrás e me alcança quando abro o armário e o carregador de meu celular quase cai, remetendo a despreocupação com que o enfiei no cubículo após chegar atrasada para a aula. O fio está quase escapando e caindo uma segunda vez quando MJ o apanha e lança-me um olhar confuso quando apenas o jogo de volta no armário, minha paciência por um fio — o quão irônico seja. Enfio no armário os livros que ainda restavam em minha mochila, assim como meu celular que apenas cai no fundo.
— Nunca sou contra demonstrações públicas de emoções humanas quando falamos de você, mas sinto que é meu papel de amiga perguntar se está tudo bem. — MJ me entrega algumas folhas que havia prometido durante a aula e eu as guardo em um livro para as ler depois, ainda sem a olhar. — Então? — Jones insiste e eu engulo em seco.
— Não estou bem. — Suspiro e ela assente, sua inquietação palpável após não me compreender como gostaria. Logo, antecipo sua próxima pergunta antes que ela cruze o seu pensamento. — Não precisa perguntar o motivo ou se eu quero que me pergunte o motivo — Continuo ao remover mais alguns livros pequenos para o dia. Quero apenas transitar de sala em sala e ir embora. Não preciso ficar mais tempo nas áreas comuns do que o necessário. — Não quero conversar e só quero fingir que estou bem o suficiente até não conseguir mais distinguir mentira e verdade. — Explico-lhe e tento não me chocar quando Michelle esfrega minha coluna com um pouco mais de força necessária em sua terrivelmente adorável demonstração de carinho. Por um momento, permaneço imóvel, aguardando em uma inútil esperança de que ela insista em um abraço, mas a conhecendo bem, entendo que é como pedir que faça sol em pleno inverno. — Obrigada, MJ.
Ela fecha o armário e coloca algo embalado em papel manteiga sobre meus livros.
— Vou te dar o espaço que precisa, mas se for matar alguém, sabe quem chamar.
Apanho o seu embrulho com os lábios apertados em uma tentativa de sorriso que Michelle retribui acenando com um outro embrulho que tinha uma fita azul ao redor. Meu celular vibra no fundo do armário, mas eu o ignoro ao tentar abrir o pacotinho que MJ deu, respirando fundo ao perceber que é uma barrinha de iogurte com granola e morangos congelados. Seguro a fitinha amarela entre os dedos, tomando nota que a dela é de sua cor favorita assim como essa é da minha e esta é a gentil forma de MJ me confortar, mesmo sem saber o que passo. Tento encontrar motivação fisiológica para o meu desequilíbrio emocional enquanto mordisco a barrinha, mas só consigo o relacionar com os eventos de ontem e como estava desacostumada com episódios como esses. E sei, bem no fundo de meu coração, que Natasha iria ficar desapontada com o quão fraca me tornei e como estou suscetível a me render às minhas emoções com tanta facilidade.
Mas também sei, na superfície, que mereço me afundar em autopiedade.
Conforme mais alunos deixam os corredores, menos interesse tenho de ir para minha aula de trigonometria e correr o risco de encontrar-me com Peter nela, então me mantenho entretida com o fútil martírio adolescente enquanto posso, devolvendo meus livros para o armário e tentando formar alguma justificativa de minha mentira ter sido tão dolorosa que não culmine em: “pois era uma mentira”. Por mais dolorido que seja, ainda posso sentir as mãos de Peter na pele de minhas costelas igual fez na noite anterior e ainda consigo me perder no sentimento o suficiente para não querer sumir. Talvez viver de migalhas seja mais que simplesmente sobreviver e eu possa me manter presa em devaneios até que a dor se vá; quanto tempo leve para que isso aconteça e eu não mais precise tratar MJ com tanta indiferença em uma tentativa de não desejar lançar-me em seus braços.
? — O som da voz de Harry Osborn, pela primeira vez, me faz querer vê-lo.
Viro-me na direção de onde sua voz soa, o encontrando há alguns metros enquanto deixa a secretaria com um gentil sorriso na direção da senhora que vi em meu primeiro. Seu nome é Lydia Brown e ela é bem mais gentil como rapazes com sorrisos como o de Harry do que com qualquer outro aluno. Ele sobe alguns degraus com o seu sorriso educado e elegante nunca se desfazendo ou perdendo brilho, os modelados fios de seu cabelo saltando um pouco também. Harry dá mais uns passos para me alcançar e as flores que me presenteou são minha última memória física dele, mesmo que duvide a possibilidade de ele ter sequer as tocado ao preparar meu presente. Portanto, recordar-me de sua gentileza em me presentear e de ter se preocupado com minha saúde após o acidente, torna reconfortante vê-lo após um dia que começou tão exaustivo e saber que ele está completamente aborto do que me feriu de mais maneiras do que devia.
Antes que esteja a menos de três passos de distância, sou eu quem cruza o espaço entre nós.
Sinto seu espasmo surpreso antes que os braços de Harry me envolvam e segurem-me firmemente contra si enquanto agarro o tecido de seu moletom entre meus dedos, tentando assimilar o contato físico que tanto preciso. É bom ser tocada com tanto cuidado outra vez e Harry é tão delicado ao fazê-lo que me sinto derreter em seu toque. Minha testa está pressionada na junção de seu pescoço e clavícula, então consigo sentir o movimento da pulsação dele e seu cheiro. Apesar das roupas leves, Harry cheira tão rico como eu esperava, porém mais maduro e forte do que imaginei. Couro, camurça quente e o vinho tinto que Pepper tanto gosta. É delicioso, diferente e desejo me afundar no seu perfume até que transfira para minha pele. Quando toca meu cabelo, deslizando a mão grande por ele até criar um ritmo, fecho os meus olhos com força e espalmo a palma em sua coluna apenas para poder tomar mais de sua roupa nela em seguida.
— Essa foi a reação mais calorosa que tive de você em semanas — Osborn murmura com o queixo apoiado no topo de minha cabeça, a mão escorregando para afagar minha coluna quando consigo reagir positivamente e meus ombros tremem em meio a uma risada. — Devo me preocupar com a possibilidade de ter mesmo batido a sua cabeça ontem? — Desvio o rosto para rir e respirar, balançando a cabeça pois é algo a ser analisado em busca de respostas para estar o abraçando. — Preocupante, não? — Harry sobrepõe humor com um suspirar caloroso e volta a acariciar meu cabelo, sem se importar em onde estamos.
A concepção de tempo me escapa e nós permanecemos assim até que eu tome nota de uma queda em minha frequência respiratória e deduza que estava mal antes de ficar fisicamente conectada nele e foi isso o que manteve junto a mim. Afasto-me dele devagar, encostando minhas bochechas na costa das mãos para sentir o calor que emanam e garantir que ainda estão secas após a cena que protagonizamos. Já Harry simplesmente deixa os braços caírem, mas mantém o toque seguro em meu cotovelo direito e a mão apoiada em meu outro braço, caso algum suporte seja necessário como deve aparentar ser após minha reação exagerada à sua presença.
— Perdão — A palavra é antiga no meu vocabulário, perdida após o abrupto choque com o inglês americano. Pardon tornou-se quase estrangeira de tão pouco que os nova iorquinos a usam, mas parece encontrar um receptor que a compreende quando Harry afaga meu braço com o dedão. — Eu só... — Engulo em seco, mantendo os olhos fechados quando o rubor em minhas maçãs do rosto esquenta também meu pescoço e orelhas. — Precisava de um abraço.
— Também estava precisando — Osborn paira vários centímetros mais alto que eu, a boca apertada em um meio sorriso que não alcança os seus olhos, confirmando que ele fala a verdade. Então é a sua sobrancelha que se ergue rapidamente, indicando a sua surpresa com o ato. — Só não imaginei que receberia um vindo de você. — Abaixo o rosto a fim de ocultar um sorriso embaraçado. — Pensei que não viria para a aula — Harry comenta e uma sombra de preocupação interfere com sua expressão, estampando-se em seu rosto em forma de sobrancelhas franzidas e um firmar delicado dos lábios. — Principalmente após ontem, . — Não me movo quando afasta o cabelo teimoso sobre minha testa, a atitude parecendo estrangeira quando vinda dele. Osborn curva a mecha atrás de minha orelha, invocando uma onda de arrepios por meus braços quando a costa de seus dedos tocam meu pescoço.
— Achei melhor vir — Engulo em seco, observando como o relógio no pulso de Harry indica que não conseguirei mais entrar em minha aula. — Não ia aguentar ficar em casa depois de ontem — O loiro assente em compreensão, o dedão em meu cotovelo afagando-o apesar de estar coberto pela blusa. Considero que o que ele entende por “ontem” foi o acidente, se é que posso referir ao que aconteceu entre mim e Peter como algo além de um segundo acidente. — Precisava esfriar a cabeça.
— E trigonometria avançada é a sua forma de esfriar a cabeça? — Seu sorriso também me faz sorrir e maneio o queixo, confirmando e dando de ombros em seguida. Osborn está tão a salvo de minha vida que é refrescante conversar com ele, mesmo que deixe meu rosto quente como brasa. Então os seus olhos claros se estreitam, deixando o total de meu rosto para se focalizar no ponto que deve chamar sua atenção. — Isso é um véu fotostático? — Assinto devagar, nada surpresa quando ele detecta o que uso para ocultar o ferimento de ontem. Considero que seja a ondulação da luz ou apenas seus olhos experientes com nanotecnologia, mas me mantenho imóvel enquanto o observa, satisfeita por ser alguma distração para ele. — É incrivelmente pequeno, ... E é da cor exata da sua pele — Harry se entretém com a tecnologia, encostando os nós dos dedos em minha mandíbula a fim de virar-me com delicadeza em sua direção. — É brilhante.
Molho os lábios, incerta se posso me mover, mas admirada com o quão confortável é sua presença.
— Agora que elogiei a tecnologia do Stark... — Osborn afasta a mão com gentileza e eu ouço a porta da secretaria abrir uma segunda vez. — Vai me dizer o motivo dos seus olhos estarem inchados? E um pouco vermelhos, também. — Sua expressão torna-se mais séria quando retorna ao motivo do súbito abraço e eu já deveria imaginar que ele iria se perguntar sobre isso, apenas não esperava que fosse tão objetivo assim. — Quem a fez chorar? — A assertividade de Harry me força a desviar o rosto a fim de mantê-lo oculto dele. Não esperava que fosse desvendar minha situação assim, mas ainda é necessário um momento para decidir se quero ou não lhe contar a verdade. — Poderia dizer que está linda, é claro, mas não seria para te distrair e sim para não explodir segurando minha opinião. — Busco os seus olhos, incerta de que ele fale a verdade, mas não encontro nada além de sinceridade e bochechas rosáceas em resposta.
— Ensinam flertes assim em Eton? — A suavidade de Harry não é fabricada e é com humor que ele assente, franzindo o nariz que também está avermelhado. Molho meus lábios, tentando discernir entre a possibilidade de lhe contar ou não a verdade, apenas para reconhecer que, em algum momento, precisarei contá-la a alguém e não terei coragem de fazê-lo para Pepper ou Tony. Peter, meu porto seguro, não é uma possibilidade confissão por motivos óbvios e MJ simplesmente pularia no pescoço de Parker. E Harry é bom, gentil e aborto de minha realidade o necessário para tornar-se um bom confidente. — Tive uma briga com um amigo — Suspiro e Harry apoia o ombro no armário ao lado do meu, a feição mais afiada para ouvir-me com atenção. O canto de seu lábio aponta para baixo e a covinha em sua bochecha direita fica evidente. — Má comunicação e muito cansaço — Justifico-me e ele assente, parecendo entender o desgaste que isso pode causar em uma amizade. — Um familiar dele estava na ponte também, está no hospital e nós... Brigamos e fizemos as pazes mais que o necessário e agora, estamos nos ignorando. O que é outra prova de má comunicação que não sei se quero resolver pois... — Respiro fundo e imito a posição de Harry.
— Pois não sabe para onde vão a partir dessa briga? — É minha vez de assentir. Mantenho meus olhos fechados em uma tentativa de relaxar, mas após tanto chorar, eles estão ardendo quando o faço. — , foi ele que fez isso? — Sinto o toque da ponta de seu dedo abaixo do machucado em minha testa, oculto pela tecnologia de Tony. O corrijo imediatamente pois é a verdade e Peter jamais encostaria um dedo em mim. — Certeza? — Abro meus olhos para a imensidão cor safira que são as írises de Harry, quase sem ar
— Em primeiro lugar, Tony teria o matado se ele houvesse ao menos encostado em mim de uma forma que me deixasse desconfortável. — Informo-o com firmeza, sem reconhecer o motivo de lhe dizer isso, mas fazendo da mesma forma. Ele se referir a Peter, mesmo que inconscientemente desta forma me deixa irritada, ainda que Harry não mereça. — Confie em mim. — Reitero e Osborn suspira sem duvidar de Tony. — Em segundo, ele jamais me machucaria — Não preciso forçar uma confiança fantasma em minhas palavras, pois está claro como água em minha mente que Peter não iria me ferir de forma alguma. Pensar na possibilidade é como imaginar que um dia choveria sangue. — Esta nem mesmo é uma possibilidade, Harry.
— Um desentendimento é o único motivo de estar assim? — “Sim” afirmo, confortável no estado de defensiva. — Nada mais, certo? — Ele toca minha bochecha novamente com o nó dos dedos e minha barriga se aperta. — É um motivo para querer esfriar a cabeça, . — Osborn suspira. — Seu amigo considerou o que você tinha passado também? Ele não deve ser sido o único afetado pelo acidente. — “Um pouco, mas...” Estava segurando o ar ao ouvi-lo e deixo escapar devagar. “Ainda machuca.” — Eu sei, my sweet. — Meu coração se aperta quando o toque em minha bochecha retorna, mas não é o mesmo aperto afiado e é como um abraço caloroso. — Eu sei. — Sua voz gentil esquenta minha pele, tanto por sua compreensão quanto pelo termo que usa ao referir-se a mim. Sei que estou distorcendo parte do que aconteceu, mas é reconfortante ser compreendida e cuidada. Se soubesse de toda a história, Pepper encontraria justificativas para o comportamento de Peter enquanto apenas quero esquecer-me de minha parcela de culpa. — Sinto muito, .
Olho para meu armário quando uma respiração trêmula me escapa.
— Podemos ir tomar café outra vez? — Lhe convido em um tom baixo, evitando que ouça o embargo que está fechando minha garganta com o passar do tempo e Harry não hesita em concordar. — Eu sei que... — Pego minha mochila e abro um dos bolsos, em busca da carteira que havia ganhado de Rhodes de Natal. — Sei que deveríamos estar em aula, mas...
— Acho que uma chá é a melhor opção para você agora, não concorda? — Abro a boca para retrucar, mas reconheço o humor mesclado com preocupação em sua voz e é o que me leva a assentir. Remédios e crises não são os melhores acompanhamentos para café. — Não quero estar aqui quando decidir lançar essa — Harry inclina-se para observar a carteira. — Salvatore na cabeça de alguém. — Engulo em seco e repito a concordância que substitui palavras, enfiando a mão no armário em busca de onde meu celular foi lançado. Houve uma mensagem que não respondi e me preocupo de quem seja, mesmo certa de que não é de Peter. Quando o acho, é o nome de Tony que surge na tela, me pedindo que avise Peter da reunião que teremos a noite. Aperto o aparelho com força e o lanço de volta no armário. Quando ouço o limpar de sua garganta, relembro-me da presença de Harry e desejo respiro. — ?
Apoio a mão na parede do armário, cobrindo meus olhos com a palma livre.
— Me desculpa, Harry — Curvo os ombro, lábios tremendo. — Eu só estou tão cansada. — O perfume quente de vinho me envolve uma segunda vez, mais intenso pois sou quem arfa após o segundo abraço antes de apoiar-me um pouco em Harry, minhas mãos se encontrando no centro de sua coluna. Então seguro seu ombro por trás, apertando os dentes para controlar o tremor e qualquer com que possa escapar quando Harry me leva até ele, descansando a palma larga entre as minhas omoplatas. Em outro momento, não conseguiria me imaginar tão próxima a Harry como estou agora com sua destra na curva de minha coluna e face encostada em minha têmpora. No entanto, é mais confortável e necessário do que eu podia esperar. — Obrigada — Respiro devagar e sinto o seu afagar em minha costa, encorajando o ato. Aperto os olhos com força. — E desculpa. — Engulo meu choro com força, certa de não permitir que escape. — Me desculpa por despejar isso tudo em você sem mal nos conhecermos. — Seguro o ar em meus pulmões. — Desculpa.


, você não precisa pedir desculpa por estar sobrecarregada — O abraço com mais força, nariz pressionado no tecido macio de seu moletom que tem cheiro fresco. — Está cansada e uma briga não ajudou — A voz modulada de Harry é mais delicada comigo do que nunca e ele toca meu rosto ao afastar-se, minhas mãos ainda apoiadas na lateral de seu corpo. Me esforço para não fechar os olhos quando Osborn acaricia meu rosto, as sobrancelhas unidas em consternação com meu bem-estar, algo que não devia preocupá-lo, mas preocupa. Reconheço o seu raciocínio apela forma que suas pupilas se movem e os lábios afastam-se, provando que ele considera bem o que tem a falar. — Escute — Harry chama com delicadeza, repetindo o ato de afastar meu cabelo. — Não quero que veja isso com olhos maldosos — A sua hesitação é óbvia e temo o que irá dizer. — Mas, amanhã haverá um evento — Ele engole em seco. — E talvez, se você se sentir confortável e apta para sair e enfrentar uma multidão, eu adoraria que acompanhasse. — Minha expressão deve se alterar e o loiro balança a cabeça de imediato. — Entendo como isso pode soar desrespeitoso agora, mas já iria convidá-la e acredito que seja um boa forma de distraí-la.
Não reconheço o motivo, mas seu convite é origina uma versão nova de ansiedade no meu peito.
— Eu irei jogar e após isso, teremos o dia livre — Harry conta com calma, cuidando para que sejam as palavras certas e uma entonação confortável. — Greystone é encantadora e amanhã não haverá neve, então estava pensando em convidá-la antes mesmo do acidente. Entendo que este é um péssimo momento, porém talvez consiga a distrair e você possa descansar. — Devagar, eu assinto e um brilho admirado cruza os olhos de Osborn. Ele engole em seco e posso reconhecer o pequenino e comportado sorriso que ameaça lhe escapar, mas ele luta para contê-lo em respeito. — É uma vila gigantesca com vários jardins e um museu que imagino que irá gostar. Terá música, brunch e alguns eventos durante o dia. É como uma festa do chá com esportes, algumas pessoas de nariz mais empinado que o possível e ar fresco. E pode ser o que precisa, claro que sem a terrível pressão que tenho certeza estar forçando contra você...
— Tem certeza? — Indago a ele, aborta nas imagens que surgem em minha cabeça. A mão de Harry se afasta devagar de meu rosto, oferecendo-me o espaço que preciso para a tomar a decisão e os seus olhos se estreitam, sem compreender a certeza que lhe cobro, e é dolorido concluir: — Tem certeza de que quer minha companhia?
— Claro que quero a sua companhia! — Osborn confirma boquiaberto, aparentando estar incrédulo com minha dúvida que é mais firme e afiada após os últimos eventos. — , eu já havia dito que gostaria de conhecê-la, não lembra? — Engulo em seco ao relembrar-me. Harry é genuíno e posso decifrar sua expressão quase atônita com a pergunta que fiz, parecendo preocupar-se com o que pode ter a motivado. — Exato! — Seu sorriso me passa certa segurança, mesmo que não o suficiente. — Por favor, eu ficaria muito feliz se me acompanhasse, .
Engulo em seco antes de confirmar, apoiando-me na bondade em seus olhos.
Harry espera paciente enquanto procuro meu celular novamente, ignorando a rachadura nele e me oferecendo espaço. Seguro com firmeza na carteira e no aparelho, incerta se desejo mesmo o acompanhar até tal evento, apenas para tomar nota que é uma ansiedade apreensiva que abre espaço. Desta vez, ela bem-vinda e me ajuda a prosseguir com ele para fora dali. Estou removendo minhas luvas de dentro do bolso quando Osborn comenta sobre a ausência de um casaco e quão frio está do lado de fora. O certifico sobre o isolamento térmico de minhas roupas enquanto puxo a barra da primeira luva já calçada e enfio a mão no bolso outra vez, apenas para não encontrar a segunda luva e Harry segura a porta aberta para mim, aguardando enquanto busco por ela. Ao encontrá-la alguns passos adentro da escola, uma mão se estende antes que eu a alcance e meu coração salta quando ela me é entregue. Seguro o ar quando Peter me dá as costas com frieza, correndo o dedo pela alça da mochila e deixando o sua permissão de entrada à vista.

*


Pepper está em meu quarto quando saio do banho, toda sua atenção direcionada a um telefonema e como alguém rompeu um contrato de exclusividade com a Stark Industries. Assim que nossos olhares se cruzam, o seu é tão assertivo quanto o de Harry e se foca no espaço acima de minha sobrancelha esquerda, me fazendo abaixar o rosto enquanto solto o cabelo, seguindo para o closet sem lhe dar tempo de questionar onde o esparadrapo antigo foi parar. Ou que se faça a pergunta correta e questione o que conseguiu ocultá-lo. Ao buscar roupas que possa usar durante a noite, reconheço a impossibilidade de me reunir com Cho vestindo o pijama de Pepper, logo, um vestido azul longo é a melhor decisão. Após vesti-lo, ouço Potts encerrar a chamada e volto para o quarto.
Ela está sentada sobre minha cama e segurando meu travesseiro em seu colo, esticando as bordas e assentando a espuma, já que tenho dificuldade com outros mais macios. Me sento ao seu lado quando ela passa para o segundo, este sendo o mais macio e o que ocasionalmente abraço durante a noite. Pepper está descalça e me pego sorrindo ao notar tal detalhe, decidida a calçar-me mesmo assim por odiar o sentimento de sujeira em meus pés. Ela não se importa quando encosto minha cabeça em seu ombro, apenas pousando a palma sobre meu joelho bom e encostando a bochecha em mim. Quando segura minha mão, me sinto respirar aliviada após um dia sufocante e tudo retorna para mim em uma enxurrada de memórias previamente dormentes.
Vejo MJ sentada ao lado de Harry durante o almoço e Ned ao meu lado pois seu amigo estava há muito enfiado no laboratório de mecânica de Midtown. Sinto o gosto do chá com leite que tomei e o cheiro do perfume de Harry, o cheiro aveludado parecendo estar impregnado em meu nariz. E, logo, é a frieza de Peter que se torna protagonista das memórias de curto prazo — a porta do carro se fechando e o ar congelado do lado de fora, a falta de ar que senti e como a água do porta-malas de Happy estava quente devido ao aquecedor. E outra vez, sua frieza ao entregar-me minha luva após, possivelmente, ouvir minha conversa com Harry e como meu coração estava ferido com o que aconteceu entre nós. Enfim, reconheço o sentimento exaustivo que perdurou durante todo o dia até entrarmos novamente no carro e voltarmos para o Complexo ainda em silêncio.
— Encomendei jantar no restaurante do Baccarat Hotel — Pepper informa com um animação e eu estou salivando ao recordar-me do filet mignon do restaurante. Sempre achei estranho saímos de casa para comer em um hotel, mas o Baccarat e sua comida incrível mudaram minha opinião. — Filé com aquela couve de bruxelas, batatas assadas e marmelada de cebola. Que tal?
— Soa delicioso. — Confirmo apertando ainda mais os seus dedos, considerando se devo lhe contar sobre tudo o que aconteceu hoje e o possível evento que participarei amanhã. Engulo em seco e logo Harry Osborn surge em minha cabeça, assim como os sorrisos que Pepper soltou ao me falar sobre ele depois da festa de Tony. Ela ficará feliz e eu preciso que alguém se orgulhe de mim após ontem. — Pep, eu tenho uma novidade — Ela emite um som de indagação, sem se mover. — Harry me convidou para um evento de polo amanhã.
O pequenino espasmo de Pepper quase me lança longe, mas ela me puxa de volta com afinco.
— Amanhã? — Ela se afasta novamente e dessa vez segura meus ombros. Seus olhos verdes reluzem com algo que é apenas identificável como a mais pura êxtase e seu sorriso acompanha a emoção. — Um jogo de polo amanhã? — Suas sobrancelhas estão subindo e quase se perdendo na franja. — Onde? — “Uma mansão em Upstate, acho que...” — Do Hippolyte Destailleur? — Sabia que conheceria o lugar, mas não que fosse acertá-la em cheio apenas com a localização no norte. São muitas as mansões e vilas em Upstate New York. — A mansão não é do Destailleur, é claro, mas foi o arquiteto quem construiu. Acredito que seja propriedade dos Mittal, agora... — Ela ignora minha presença para afundar-se na história do industrialista indiano e suas filhas. Enquanto isso, meu estômago se revira. — É inverno, é claro que seria o Royal Windsor Cup, mas não esperava que viessem para a América competir... Deve ser só uma demonstração do Cowdray Park, mas não deixa de ser algo importante”
— É apenas uma reunião — Sussurro ao tentar me convencer. Harry não havia mencionado o nome do torneio, mas “Windsor” não deixa de ser imponente. — Eles vão jogar e comemorar uma fusão... Petróleo. — Minhas palavras são arrastadas e eu engulo em seco ao perceber que Osborn havia colocado mais em meu prato do que eu posso suportar. — Os Mittal da India e os Kadoorie da CLP Holdings — Pepper me olha outra vez, um sorriso surgindo em seu rosto. — Os Kadoorie tem ações da Oscorp e os Mittal...
— Os Mittal vendem matéria-prima para a Stark Industries. — Pepper informa com calma, ainda sorridente. Faço uma nota mental de estudar mais sobre a empresa de Tony, principalmente sobre os investidores e sócios que foram perdidos após a sua nova fase. — Eles possuíam um contrato de exclusividade conosco, mas agora estão fazendo uma fusão com a CLP Holdings e o Tony não pode saber disso, entende? — Assinto devagar quando ela se levanta, segurando ambas as minhas mãos. — Mas agora, o que precisamos acertar é se você quer, com todas as letras, ir a este encontro — O seu sorriso me garante que é o seu desejo que eu compareça. Está estampado em seu rosto. E eu não consigo me sentir confortável em pular fora após confirmar minha presença com Harry hoje mais cedo. — Pois não é um evento ou uma reunião, . É um encontro onde pessoas muito influentes como os Osborn e você deverá comparecer a muitos destes eventos no futuro.
— Eu quero ir. — Garanto com o máximo de certeza que posso e Pepper se agrada com assertividade. — Preciso me distrair e o Harry parece valer a pena conhecer, apesar de toda essa história sobre pessoas influentes e... — Aperto os lábios, ciente que além de tentar convencê-la, eu também devo me convencer que pode ser uma boa ideia. — Sei que não aguentei bem a barra na última festa do Tony, mas talvez, com o Harry ao meu lado e não tendo que me manter focada em não desmaiar, seja mais fácil. Entende? — Potts assente e olha o seu relógio de pulso, virando meus ombros na direção do closet e fazendo-me andar até ele.
Apesar de minha prévia recusa o que parece ter sido dez anos atrás, mas faz menos de sete meses, Tony demoliu toda uma ala dos dormitórios apenas para fazer-me um quarto “digno” em seu ver. A parte principal da suíte ficou com oitenta metros quadrados e o closet ficou com os outros trinta e alguma coisa, a fim de conter as compras que Pepper fazia. E já era de esperar que o espaço redobrado havia fomentado ainda mais o seu desejo de preencher todas as araras com roupas de designers. O que não demorou a acontecer, é claro — eu tendo tempo de sair e prová-las, ou ela fazendo as compras pela internet e pedindo que as entregassem antes que eu pudesse as recusar.
— Então precisa de roupas à altura do time do Príncipe Philip.
A parede mais suntuosa do closet é de janelas que vão do chão ao teto, contando com uma película residencial que protege os olhares de fora enquanto preserva a vista do bosque Complexo. A sua habilidade de suportar a ofensiva de dois cintos de munição de uma metralhadora é o que mais me interessa em todo o cômodo. As compras de ontem já estão sobre a bancada de mármore, as sacolas um pouco amassadas e caixas empilhadas. Toco três vezes no painel próximo à porta e as outras luzes se acendem, também abrindo uma série de portas espelhadas, revelando araras e mais araras com sua capacidade mínima. O cofre no final do closet está imaculado, sendo aberto após o reconhecimento de minha digital no painel. Tenho o total de três pares de brincos, dois anéis e um colar, não o suficiente para encher o espaço do cofre.
— Por isso se chama Windsor? — Questiono ao deixá-la vagar pelo espaço gigantesco e me sento na poltrona branca de costas para a janela de vidro. Pepper confirma, suspirando quando minha coleção de roupas tem fim logo na quarta porta. — Acha que terão muitos britânicos lá?
— Acredito que sim. Muito japoneses, russos, indianos e ingleses. — Cruzo os tornozelos acima da mesa que foi ideia de Pepper, a que ela imaginou ser um “ótimo local para relaxar”. Infelizmente, quase não me lembro dela e, quando acontece, não considero ser o momento ideal. — No entanto, não fale com os ingleses mais que o necessário — A olho quando decide checar as compras mais recentes, parecendo não ter encontrado nada do seu agrado nas outras. — Acho que é o Harry que está deixando o seu sotaque mais carregado — Viro o rosto para o bosque quando um farol me alcança na curva para a garagem, alertando que Peter e Tony já chegaram. Esfrego a nuca quando meu ventre esfria com nervosismo. — Pensei que pegaria o sotaque do Queens com o Peter.
Não consigo formular uma resposta e ela continua ao perceber meu silêncio.
— Onde Rachel colocou as bolsas que pedi? — Aponto para as sacolas maiores que estão no chão e Pepper as vasculha até encontrar uma que a agrada e, coincidentemente, foi a minha favorita. — O Marchesa Notte, o meu favorito, não vai ficar bom pra um evento diurno... — Ela separa a bolsa que me lembro ser da Amina Muaddi. Também lembro, com amargor, o seu valor de treze mil dólares. É de couro branco e a alça é uma sofisticada e curta corrente dourada. Possivelmente apenas meu celular deve caber nela e precisarei separar algumas lâminas retráteis antes de partir, estas sendo as únicas a caber. — Pedi por um rosê da Zimmermann... Você chegou a experimentar?
— Deve ter sido um dois quinze vestidos assim que experimentei — Contenho um revirar de olhos, ciente que deverei estar igualmente bem-comportada amanhã no evento. — Se for um quase rosado e com barra na panturrilha, está na sacola pequena. — Aponto e paro ao recordar-me dos brincos que Rachel me indicou experimentar com o vestido. Havia gostado do caimento assim que o vesti, satisfeita pela saia se iniciar um pouco antes de meu umbigo e as mangas cobrirem um pouco meus ombros. É sofisticado, mesmo sendo poliéster e viscose. — Acha que fica bonito com brincos que se parecem com pêndulos? — Questiono. — Há um assim aí. Com pérolas.
— Nunca pensei que você me perguntaria isso, mas acredito que é um lindo conjunto — Me contento com a provocação enquanto ela remove a caixa da sacola e depois o vestido, sendo tão cuidadosa como Rachel foi. O tecido é tão delicado que se ajusta ao corpo de Pepper quando ela o segura. — É lindo e eu sabia que ficaria incrível em você — Ela sorri para mim e eu desvio os olhos quando também me sinto sorrir, o que a faz rir. — E quanto ao brinco, acredito que ele vai ficar muito bom, mas apenas se colocar o cabelo para trás. Sem nenhum penteado ou acessório. — Pepper para o que fazia, que era alisar o tecido macio do vestido, e me olha por um momento e então meus pés sobre a mesa. Ela faz uma careta e eu os removo de onde estavam, escorregando na cadeira para alcançar a outra por baixo da mesa. — Faça isso amanhã — Ela bufa, seguindo na direção dos sapatos. — Harry certamente vai achar um charme.
— Ele disse que eu estava linda hoje — Quando Pepper me olha, ela parece ter levado um tapa no rosto. Se é que é possível levar um tapa e dar um sorriso tão animado em seguida. — Obrigada por ter escolhido as roupas para a escola hoje... Eu não estava com cabeça para isso.
Potts segura um par de sapatos que estavam em uma gaveta climatizada e a futilidade me faz rir.
— Imaginei que não estaria mesmo — Ela balança a cabeça e os fios recentemente pintados também acompanham o movimento. Irei sentir falta da imagem que tinha dela quando ruiva, mas o novo tom combina muito com ela. — Desculpa sair sem dar bom dia, querida — Aceno para que não se preocupe com isso, mesmo que tenha sentido falta dela hoje cedo, mas certa de que foi melhor ela não ter visto o meu estado. — Tive de me reunir com uns chefes dos hospitais que pegaram os sobreviventes de ontem e precisei chegar cedo. — Pep coloca um par de saltos brancos sobre a bancada. — Jimmy Choo — Indica. — O sapateiro da Princesa Diana e que agora vai ser a sua marca registrada. — A súbita mudança de assunto não me surpreende. — E estamos prontas!
— Quando vou aprender a escolher roupas assim? — Questiono com genuíno interesse.
— Quando o seu namorado te forçar a ir para festas da alta sociedade com ele — Ela move os dedos para caracterizar a aliança em um deles. — É prática, meu bem. Tudo na vida é. — Pepper desliza o vestido em um cabide e coloca em uma arara vazia, assim como os sapatos em um encaixe logo abaixo e a bolsa fica dentro do saco de pano onde saíra. — Precisamos ir para a reunião, não é? — Concordo de novo, respirando fundo ao imaginar mais alguns minutos de silêncio pungente com Peter. — Já visitou a May?
Me ponho de pé e calço o par de sandálias que estavam próximas a porta.
— Ainda não. Acho que vou depois do jantar. — Murmuro ao apagar as luzes e acompanhar Pepper para fora do quarto. A porta trancada de Peter revela que ele ainda não veio em seu dormitório e me faz questionar o que fazia na cidade com Tony. — Como ela está?
— Bom, eu falei com a Palmer hoje à tarde, e parece que a May está melhor que ontem — Cruzo os braços ao seguimos pelo corredor. A escolha de palavras de Pepper não é boa como eu esperava. Estar melhor que ontem significa que, apesar de acordada, é só isso de melhorias que temos. Não quero nem mesmo pensar em como Peter está com a situação. — Infelizmente, acho que somente a Cho pra nos explicar melhor, querida. — Descemos a escada devagar e creio que seja uma forma de postergar ainda mais a reunião. — Mas acho que deve visitar a May, — A área comum está vazia e Rhodes faz falta mesmo ainda estando em Nova Iorque. — Você salvou a vida dela e eu tenho certeza de que ela quer te ver. — Viramos à esquerda da cozinha, na direção das escadas que levam para os andares onde ficam os laboratórios. — Tente ir depois do jantar, ok?
Pepper não vai na direção do laboratório que eu esperava e avança para o que fica após o de Tony. É o laboratório que foi designado para à quando Tony pensou que, junto a Peter, eu me tornaria parte Vingadores. Novamente, mesmo tendo sido há tão pouco tempo, a proposta parece ter sido em outra vida. Assim a porta desliza sozinha, faço questão de estar junto à Pepper, esperando me esconder atrás dela se as vozes que escuto estão corretas e todos apenas esperam por nós. Parecendo notar meu intuito, ela estende a mão para mim e eu aperto os seus dedos ao entrarmos, o seu toque me oferecendo mais confiança do que ela pode imaginar.
— Pensei que não viriam — É Tony quem alfineta ao se apoiar em uma mesa de metal, os braços cruzados e uma expressão de tédio. Se ele desconfia de algo ou foi informado de alguma coisa por Happy, não deixa transparecer para mim. Posso sentir a presença de Peter mais adiante, em um banco ao lado de uma mesa digitalizadora, mas não ouso olhá-lo. No mesmo mento, Cho surge e aproxima-se de Pepper para a cumprimentar e apenas aperta meu ombro. — Já podemos começar?
— Podemos sim. — Helen Cho atravessa o enorme laboratório, mãos nos bolsos do casaco enquanto observa o espaço. Ela pausa quando se aproxima de uma pilha de documentos e exames, o que leva Tony e Peter a se aproximarem dela, então logo Pepper me leva consigo. — Sei que o assunto é muito delicado, rapaz — A geneticista vira-se para Peter e eu tenho coragem de olhá-lo enquanto ela o faz. Com os braços cruzados e boca apertada, ele parece muito distante do rapaz que ela se refere. Peter não está mais com a péssima postura ou os olhos afetuosos. Agora, ele mantém os ombros erguidos e os olhos firmes em Cho. — É a sua tia e eu entendo que pode precisar de um tempo para assimilar tudo, então não hesite em me pedir que pare e repita tudo. Fui clara?
Quando Peter assente e só assim Cho continua, entendo que não está mentindo.
— A primeira coisa que devemos considerar após tudo o que a May passou, é o afogamento. — Cho começa a ler em um dos documentos que havia separado. — Pelas informações que a deu assim que chegou, ela não passou mais de cinco minutos submersa — Apoio o rosto no ombro de Pepper e ela passa o braço por meu corpo. — Então começaram o RCP e evitaram a desfibrilação em razão do perigo que podia causar. Logo depois identificaram hipotermia e a May teve a primeira das três paradas. — A informação me faz querer fugir como uma criança assustada. Quero ir na direção de Peter e tirá-lo daqui para que não precise ouvir mais. E antes mesmo que eu considere me mover apesar de tudo o que aconteceu, Tony apoia a mão no ombro dele e Peter respira fundo, ampliando a sua figura ainda mais. — Fizeram uma lavagem peritoneal que conseguiu subir a temperatura dela, mas ainda não conseguiram estabilidade para a desfibrilação e foram para a toracotomia de emergência.
— Ela teve hemorragia depois disso? — A voz de Peter age como um sedativo após quase um dia em completo silêncio. — Li que era comum. — Potts afaga minha cintura e eu me mantenho calada.
— Felizmente não, o que me surpreendeu. — Fecho os olhos quando Cho sorri um pouco para ele. — Continuando... — A ouço virar a página e me apoio ainda mais em Pepper. — Ela teve mais duas paradas num intervalo pequeno antes do início da toracotomia, mas o coração esteve estável após ela. E durante a madrugada, com a autorização do Stark, fizeram uma drenagem pleural após identificarem um pneumotórax devido à intubação, então voltaram com a ventilação mecânica.
— Esse vai e vem de intubação, ventilação mecânica e anestésico vai deixar quais sequelas? — Meus olhos se abrem quando questiono, olhando diretamente para Helen. — E a síndrome cardíaca...
— Estamos preocupados com a respiração da May e a oxigenação, mas isso podemos resolver aqui. Ela fará a prova de função pulmonar e vai receber um programa de reabilitação personalizado. — Cho explica, apoiando-se na mesa e dividindo olhares entre mim e Peter. — No momento, nosso foco é garantir que as bactérias do Hudson não vão causar pneumonia nela. Somada à síndrome, pode ser bem perigoso, mas a May está sendo mantida em um ambiente estéril e acreditamos que iremos cruzar essa ponte sem problemas. — Ouço quando Peter respira pesadamente e aperto a mão de Pepper, fechando os olhos em alívio. — Ela precisa ficar no Complexo por, no mínimo, seis dias. Se após esse período ela não desenvolver nada, estará livre pra ir para casa. E quanto ao estado do coração da May, eu irei pedir mais alguns exames, porém preciso estar em Cambridge em três dias. — Um estalar de dedos me desperta e Cho está me olhando. — Quero que me envie todos os exames que foram feitos e os vitais dela. De doze em doze horas. — Assinto veemente.
— Essa síndrome, Doutora Cho, vai ficar mais... Presente? — Peter indaga e Cho suspira.
— Infelizmente sim. — É Tony quem o responde, atraindo a atenção de todos no laboratório. Peter o olha apreensivo, sua mandíbula cerrada para controlar as possíveis reações. — Desmaios, dores no peito... É complicado, garoto. — Cho assente, confirmando as informações. — Tem uma cirurgia que pode diminuir as palpitações, mas na idade da May, ela deixa de ser útil e passa a ser perigosa e não é ideal que ela se arrisque principalmente agora. — A camisa de Peter ser amassa onde Tony aperta mais o seu ombro, o olhando após abaixar os óculos característicos. — Ela vai ter todas as medicações necessárias e todos os cuidados possíveis, então não é necessário a arriscar, Peter.
— Você vai precisar ser mais cauteloso com ela, rapaz. — Helen colabora. — Episódios de desmaio não são incomuns, principalmente no calor. Tontura é muito normal também, assim com crises de ansiedade. Imagine estar nervoso e o seu coração bater tão rápido que você consegue sentir por cima da roupa... — Peter balança a cabeça, já tendo a sua própria cota de crises. Imaginar May, com seu sorriso enorme e olhos bondosos passando por isso é terrível e não consigo perdurar muito em tal cenário. — Ela vai tomar medicamentos agora, mas somente em momentos que geram muitas emoções fortes e se exercícios físicos de alto impacto forem necessários. De resto, a sua tia ficará muito bem, Peter. — Ela garante com um pequeno sorriso para ele, que não gasta os seus limites para sorrir agora, apenas abaixando a cabeça em agradecimento.
Mais algumas informações acerca do tratamento de May são oferecidas, mas agora minha atenção é roubada pelo laboratório que não tive tempo suficiente de analisar. São mais de quatro mesas como as que nos apoiamos e no final do ambiente, há uma mesa enorme, como a que imagino ter no novo escritório de Pepper. Paredes de vidro separam a área estéril onde o laboratório realmente toma forma, com mais bancadas e os equipamentos que parecem mais e mais interessantes. As incubadoras são atrativas, assim como os microscópios de aparência cara, mas minha surpresa reside nos protótipos enfileirados na zona estéril. São todos os vinte e dois protótipos usados para a criação da armadura de Rhodes, presos na parede em ordem e com as datas logo abaixo deles. E eu quero algo em minhas mãos de imediato. Preciso de uma missão e algo a ser analisado para poder me afundar na magnitude do laboratório. Uma pequena amostra bactericida, um vírus ou qualquer outra coisa destrutiva a qual eu posso lutar sem mover-me demais e romper as suturas.
Havia evitado o laboratório desde o início de todo o inferno com meus pesadelos e agouras, mas duvido que conseguirei manter a distância agora. Meu uniforme já parece estar obsoleto quando me viro na direção da parte mecânica do espaço, onde meus próprios Dum-e’s aguardam por um comando. Junto a eles, mesas computadorizadas também parecem solitárias e me sinto salivar com toda a inovação e tecnologia que se estende até onde meus olhos alcançam. Há uma escada caracol que deve levar-me até o armazém onde Tony também guarda seus materiais, assim como um sofá-cama e um frigobar próximo às tais escadas.
, você irá quebrar o pescoço se continuar com ele virado assim. — Viro-me para Helen e ela está sorrindo sincera para mim, aparentando gostar de ver minha reação ao novo brinquedo. — Ainda não havia vindo no seu laboratório? — Balanço a cabeça e sigo na direção de um Dum-e.
Passo agora para as mesas onde pontos de interferência de hologramas estão acopladas em suas beiradas e se bem arranjadas para a interferência correta, posso projetar imagens enormes. Ouço o respirar de Pepper e o riso baixo óbvio nele quando Tony murmura algo, mas estou tão abobada com o pedacinho de paraíso, que não poderia me importar menos com suas piadas. Quando uma das mesas acende após minha aproximação, preciso me segurar para não expulsar todos e jamais deixar o local. Todas as versões digitais da nova armadura do War Machine estão aqui e elas fazem companhia para as versões de meu uniforme, assim como as de Peter. O protótipos mais antigos dele também estão salvos e há mais gadgets que posso imaginar. Então, ao me familiarizar melhor com o sistema, encontro a biblioteca. Os milhares de artigos acadêmicos e todos os livros possíveis.
? — Tony chama e eu olho para ele ainda relutante, estática onde estou quando iria clicar em uma versão de meu uniforme, essa que tem uma capa vermelha diferente da que usei ontem e deve estar arruinada em algum lugar agora. — Também viemos aqui para falar sobre a sua perna, lembra? — Deslizo o dedo pela lateral da mesa para achar o botão de hibernar e a tela apaga. — Aquela que quase te matou ontem, junto como todo mundo nesse laboratório. — Cruzo olhares com Cho e ela assente devagar e abaixa os olhos, garantindo que meu segredo está a salvo. Então volto a me aproximar de todos, mas opto por sentar-me em uma mesa desta vez, a fim de manter distância de Peter principalmente agora que ele também se aproximou ainda mais, meus estado não sendo tão preocupante como o de May e não demandando tanto distanciamento. Tony coça a garganta e troca um olhar preocupado com Pepper antes de olhar para Helen. — Como ficou a questão da ?
— Bom... — O suspiro de Cho leva Pepper a se apoiar na mesa, atenta para qualquer informação vinda dela. — Alexander Cross fez um trabalho muito porco como já sabem. — Meu coração salta e sei que não consegui disfarçar a reação involuntária quando Peter olha para mim com a atenção e agilidade de um predador. Ninguém mais reage da mesma forme e sei que estou segura em relação a Tony e Pepper, mas agora Peter é uma ameaça para o segredo pois ele sabe que uma informação simples assim não teria esse efeito. — Ele deixou um fragmento do vidro na perna dela. Tamanho considerável, se me permitem. — A médica lança os exames sobre a mesa e eu desvio meus olhos, temendo que ele perceba que há mais por trás disso. Posso muito bem fingir aversão à memória e talvez me safar dos questionamento de Peter. — Por sorte, fiz a limpeza do ferimento antes de colocar a no Berço Regenerador. Dois meses atrás tratei um sobrevivente de um acidente de carro em Seoul e haviam deixado um fragmento para trás. Ele teve uma infecção que se generalizou. Morreu em menos de quatro dias.
Tony respira fundo, lendo a transcrição dos exames.
— Falou sobre o ouvido dela...
— Depois da tomografia, a disse para uma enfermeira que estava com dificuldade de ouvir bem do lado esquerdo, mas ela me disse hoje pela manhã que o zumbido tinha passado um pouco antes do desmaio. — Helen conforta Pepper e ela me olha em busca de uma confirmação, até que levanto o dedão para ela. — Foi um desvio no limiar auditivo e é comum. Pelo menos, para esse núcleo — Cho indica Tony da mesma forma que faz comigo. — Ela está com um hematoma na costa, não é? — Pepper assente e Tony esfrega a nuca, virando-se para mim. Ele aperta a boca em uma carranca e eu repito o gesto que fiz para Pepper. — Mas não teve alteração nos exames, então não precisam se preocupar. — Com os olhos igualmente arregalados como os de Tony, eu indico Cho, para que ele a ouça e não se preocupe com algo tão pequeno. — , você chegou a bater a cabeça quando caiu?
“Não.” É Peter quem responde, a rispidez não proposital de sua voz sendo amenizada ao balançar a cabeça. Cho o olha por um instante, possivelmente se questionando quem é para poder estar aqui e o motivo de Tony ter ido até o fim do mundo para tratar a sua tia.
— Muito obrigada, filho. — Pepper toca no braço de Peter, a gratidão estampada no rosto dela, mas não se estendendo para a expressão de Cho, que folheia o prontuário com os olhos cerrados. Pep troca um olha confuso com Tony. — O que aconteceu?
— Eu só estou achando estranho que aqui diz que a teve um corte na cabeça, mas... — Levo a mão para a testa quando os quatro me olham. Removo um canto da malha primeiro, apertando os olhos com o repuxar da cola, então logo todo o pequeno pedaço do véu solta. E o sorriso enorme de Cho vale a pena o pinicar da cola. — Não... — Ela se aproxima maravilhada assim como Harry hoje cedo e me pego sorrindo um pouco. — Como... Como colou? Precisa dos implantes magnéticos, se não a malha não adere! — “Cola de cílios” Explico-me ao tocar a second-skin que era a base do curativo e impedia que o véu estivesse em contato com o ferimento. — Absurdo... — Ela ri ao analisar a sutura que foi feita. Contanto que eu possa continuar utilizando o véu, poderemos esperar que se cure sozinha e sem muitas interferência. — Está cicatrizando bem — Cho garante, falando por cima do ombro para meus pais e Peter. — Durma sem a second-skin hoje, ok? — Assinto ao colocar a malha de células nano-holográficas sobre a mesa.
Tony sorri para mim enquanto Pepper suspira, orgulho transparecendo no brilho de seus olhos.
— Vamos fazer mais alguns exames de sangue só para garantir que, fora o que aconteceu ontem, você está saudável. — Cho explica ao passar por Pepper e a oferecer certo apoio em forma de um tapinha no braço. — Acho que as amostras de Washington estão no meu laboratório se o Tony não tiver o depenado ainda — Pisco quando abre uma gaveta e remove uma bandeja de metal de dentro dela. — Hemograma completo e contagem de plaquetas. Fora isso, quero uma ultrassom da tireoide e do fígado. Já faz seis meses desde o acidente, então precisamos ter certeza de que todos os traços de radiação foram absorvidos ou expelidos pelo seu organismo.
Meu peito aperta quando, pelo canto do olho, vejo que Peter abaixou a cabeça. Cho não o conhece e não sabe sobre Washington e o motivo daquela pedra Chitauri estar comigo, o que justifica como fala livremente, sem considerar os sentimentos e memórias que isso pode invocar em Peter. Ao recordar-me de sua crise na Arena sobre me ver em chamas no fosso do elevador, eu busco o seu rosto ao mesmo tempo que ele ergue os olhos para mim. Antes que possa pensar em como lhe confortar, a agulha entra em meu braço e eu respiro fundo uma segunda vez, evitando olhar como o sangue jorra no tubo de coleta separado por Cho. Não a julgo por me dar tempo de recusar a coleta, ciente que não a faria de outra forma sem todos me olhando e pressionando para tal. Assim que termina, é Pepper quem pressiona um algodão em meu braço e Tony diz que irá acompanhar Cho ao seu novo laboratório e que irá nos encontrar em vinte minutos para jantarmos.
— Tudo bem, meu anjo? — Pepper questiona, massageando meu braço para ajudar na circulação. Agulhas ainda não detestáveis mesmo anos após os testes feitos na Hydra e ela entende isso bem, já tendo suas próprias experiências terríveis pelas mãos de Aldrich Killian. — Vai passar rapidinho, ok? — Confirmo e Pepper toca meu cabelo enquanto o algodão se encharca de sangue. Os remédios que Cho me deu pela manhã são responsáveis pelo afinamento sanguíneo, mas não a questionei vez alguma, confiando na profilaxia necessária para saber se a bala não continha veneno ou algo assim. — Vou subir e aquecer o jantar, meninos — Desta vez ela fala por cima do ombro na direção de Peter e ele assente ao se aproximar. Tenho o bom-senso de não correr quando ele pega uma bola de algodão do pote de vidro e indica que vai tomar o lugar de Pepper. — Obrigada, querido — Ela se afasta e Parker assume seu lugar, os dedos ásperos segurando meu cotovelo. Pep toca o ombro de Peter e minha perna, nos deixando a sós.
Me surpreendo com o bom-senso que tenho de não correr atrás dela.
— O que foi isso? — Viro o rosto para Peter, tentando não demonstrar surpresa ou incômodo com sua face tão próxima da minha após o que aconteceu entre nós. Ergo a sobrancelha e finjo estar confusa com a pergunta, mas quando me olha, sei que não me livrarei de seus questionamentos. Seus olhos estão focados em minha expressão e Peter aproxima as sobrancelhas ao firmar a face, os lábios frisados. “Perdi muito sangue ontem.” Indico meu braço com o queixo. “A dificuldade de coagulação é normal” Peter exala devagar e o ar quente toca em meu braço. “Eu seguro, Peter.” Tento não me afetar muito quando coloco a mão sobre a sua para segurar o algodão. “Pode ir.” — Não pode achar que eu seja estúpido a este ponto, . — Ele balança a mão para afastar a minha e meu coração aperta. A sua voz está irritada e me machuca que fale assim comigo mesmo tendo seus motivos. — A Cho descobriu alguma coisa sobre o acidente e vocês estão escondendo isso — Peter molha os lábios, ainda focado em estancar o sangramento. — O que aconteceu?
— Não o acho estúpido — Retruco áspera. — Eu o acho paranoico, mas não estúpido.
— É um alerta intenso e eu o olho novamente, arrependendo-me de ter dito algo afinal Peter não está unicamente irritado, mas sim preocupado e me irrito com isso, mesmo ciente de que não deveria. Após tanta distância ele está demonstrando sentimentos e consternação, o que me faz sentir uma mal-agradecida por não apreciar. — Sei que estamos no pé errado, mas você vai me dizer o que está acontecendo ou eu conto ao Tony e ele leva o Complexo ao chão para descobrir.
É a minha vez de afastar a sua mão, ainda permitindo que segure meu cotovelo com a outra.
— Eu não tenho medo de você, Peter. Muito menos das suas ameaças rasas que, vamos concordar, foram um achado não foram? — Sinto-me da mesma foi que fiz ao destratá-lo quando me contou de sua identidade secreta e me recusei acreditar. Agora preciso arranjar uma forma para me proteger e essa é a que escolho, mesmo que nos machuque. — Uma forma de conversar depois de tudo, estou certa? Sem precisar tocar no assunto e apelando o máximo que pode para arrancar algumas palavras de mim quando foi você que virou as costas hoje mais cedo. — Puxo o meu braço e desço da bancada com os pés um pouco dormentes, mas sem impedir que eu dê alguns passos para me distanciar e não precisar aguentar ver a tristeza que cruza o seu rosto. — Não imaginei que poderia ser baixo ao ponto de tentar me chantagear em razão de algo que não o diz respeito. — Jogo o maldito algodão no lixo biológico próximo. — Entendo que está estressado, arrependido do que fizemos, frustrado e, acredite, eu também estou! — Informo ainda sem o olhar. — Mas não estou o culpando de nada.
— Então realmente tem algo a esconder, não é? — Balanço a cabeça em desistência, regulando as minhas reações para não entregar a verdade a ele com tanta facilidade. Também tento ignorar a arrogância em sua voz e como é inesperada e como mexe comigo. — Só fica defensiva quando está escondendo alguma coisa e da última vez foi uma coisa bem grande, não foi? — Ele se refere a minha relação com Tony e percebo o quão estúpida eu fui ao repetir o mesmo truque considerando que Peter pode não ter minha memória, mas não deixa de ser ágil e atento. — Se está escondendo algo relacionado a sua saúde, ao acidente ou o que for, o Tony e a Pepper precisam saber, . O que pensa que está fazendo mantendo segredos assim deles? Acha que não vi como a Cho estava? Com uma gota de suor escorrendo pelo pescoço e a mão tremendo enquanto segurava os exames? — Molho os lábios sem lhe dar ouvidos. — Posso ser paranoico, mas você não é grosseira assim se não estiver mantendo segredo e eu sei que estou certo.
Estou abrindo todas as gavetas disponíveis para mim, buscando por um curativo e uma saída.
, olhe o seu estado, pelo amor de Deus! — Peter exige com a voz apertada, segurando-se para não estourar comigo com fez ontem quando acordei após o desmaio. Sou grata por sua gentileza, certa de que não conseguirei ouvir perder a cabeça sem cair no choro, mas permaneço o ignorando por meu bem. — Me imagine no seu lugar por um mísero momento e me diga que, depois de me ver quase morrer em uma poça de sangue, não ficaria preocupada se eu estivesse escondendo algo sobre a minha saúde. — Varro as seringas em meu campo de visão, lutando para fechar a gaveta que está cheia delas. — Me diga que iria ignorar isso e seguir com a vida, então. Se conseguir me garantir que não faria o possível para saber a verdade, eu juro que a deixarei em pax.
— Peter, por favor, eu não quero falar sobre isso. — Afirmo convicta. — O silêncio é mais confortável do que conversar sobre algo assim e eu o entendo pelo gelo de hoje. — Quando finalmente encontro a gaveta com band-aids e outros itens, me apoio nela, sem saber como despistá-lo do assunto. — Nós estamos cansados e descontando um no outro e já chega. Eu só posso pedir que não conte nada para o meu pai e esse seria um grande favor que pode me fazer depois de todo o dia péssimo que passamos. — Engulo em seco e molho os lábios ao buscar pelos band-aids menores. — Já não acha que me castigou demais por hoje? — Odeio a fragilidade em minha voz. — É o suficiente.
Rompo o lacre de um band-aid e olho para o teto, engolindo a minha tristeza para não chorar.
— Me desculpa por ter sumido — Continuo encarando os filamentos brancos de luz, nem mesmo respirando quando ele se pronuncia após um instante. — Por ter te ignorado, também. — Seguro o curativo com força em meu braço e fecho a gaveta com o quadril, incerta de que lado seguir e opto por me mover na direção da mesa da área “escritório” do laboratório. Não quero olhar Peter diretamente, mas seu reflexo na janela segue até mim e o turvar em seu rosto é bem-vindo. Não preciso saber que ele também está mal.
— Ok — Sussurro de volta, me afastado o máximo possível.
— Foi maldade e eu sei que pisei na bola, ainda mais sendo um dos dias em que mais precisávamos um do outro e eu te deixei pra trás. — A mesa está vazia, diferente da voz sobrecarregada de Peter e eu opto por não me sentar na cadeira. Se ele deseja conversar, é o que faremos, mesmo que eu não confie em minha capacidade de aguentar um segundo desentendimento. — , eu precisei de um tempo pra organizar tudo o que estava sentindo e foi cruel ter te tratado assim. Eu sei! — Cruzo os braços, protegendo-me de suas desculpas mesmo reconhecendo que ele não merece minha hostilidade, afinal, ambos estamos nesta corda bamba. — E, bem no fundo, acho que aquele beijo não foi um erro.
Quando nossos olhares se encontram enquanto contemplo o absurdo de sua fala, Peter não parece nem mesmo perto de arrependido do que disse e, diferente do esperado, há apenas um pouco de preocupação em seu rosto, o resto compreendendo uma emoção que fico furiosa por não conseguir distinguir. É a minha vez de fechar os olhos e petrificar minha expressão.
— Nós dois precisávamos daquilo mesmo não tendo sido adequado. — Ele explica-se com seu denso sotaque do Queens ainda mais acentuado agora. Quando decido abrir os olhos, percebo estarmos a alguns metros de distância e mesmo assim eu posso ver as veias em seu pescoço saltarem como se este fosse o maior esforço de toda sua vida e me sinto repulsiva por ser a culpada. — Você mesma acabou de dizer que estamos esgotados, , não tente me olhar toda superior quando acaba de admitir derrota — Respiro tão fundo que minhas costelas expandem demais e o vestido se aperta. — Precisávamos de conforto e podemos ter escolhido a maneira errada de buscá-lo, mas foi isso o que aconteceu. Não podemos voltar atrás nisso e sei que de alguma forma aquele beijo a ajudou. — Não consigo compreender como a pessoa que se desculpa dessa maneira seja a mesma que me tocou com tanto afinco ontem. De certa forma, é melhor não o reconhecer. — Eu não queria conversar antes e falar alguma estupidez porque tinha medo de te perder depois daquilo, entende?
— Temos as mesma motivações, então. — Eu suspiro impaciente, desviando o rosto.
— Não parece que temos. Não quando você aperta os dentes assim e continua furiosa...
— Estou furiosa por estarmos brigando, Peter! — Só percebo que Parker estava brincando e me provocando quando me viro para ele e vejo os seus lábios frisarem, para substituir o sorriso que sustentava previamente e eu fiz desaparecer. É a minha vez de juntar meus lábios, só que eu o faço para não estourar com Peter uma segunda vez. O vestido aperta-se de novo quando respiro. — É isso... — Balanço a cabeça e toco minha testa, esbarrando nos pontos e mordendo a língua pelo incomodo do toque. — Estou irritada pelas últimas vinte e quatro horas que foram horríveis e por nós termos nos desentendido dessa forma quando precisávamos estar juntos. — A última palavra é ambígua, mas me sinto confortável o suficiente para a proferir. — Eu não quero mais brigar, Peter. — Ele assente quando busco o seu rosto, dando passos calmos para vir até mim e eu deixo minha cabeça pender. Estou tão cansada que só quero tocá-lo outra vez, dormir em seus braços e o sentir ao meu lado, mas sei que isso não irá mais acontecer. Devemos controlar os danos causados pela noite anterior. — Sei que vai ficar estranho por um tempo, mas por favor, não deixe isso perdurar. — Ele para antes de me alcançar e enfia as mãos nos bolsos do jeans, concordando. — Você é a única pessoa com quem posso contar verdadeiramente além dos meus pais. — O canto de seu lábio se curva pra cima, compreendendo meu pedido. — Por favor, não me afaste de novo e não me permita fazer o mesmo.
— Não iremos mais fugir um do outro, é isto? — Assinto devagar e ele me imita. — Certo. Não vamos fugir outra vez — Peter esfrega a mandíbula, ainda parecendo afetado com tudo o que aconteceu e eu temo, com todo meu coração, que ele entorne isso e me ponha contra a parede. No momento que Parker aperta a boca e sua mandíbula salta, sei que esse é o seu exato intuito. — Então você não pode esconder o que está rolando a Cho. Não de mim — Suas sobrancelhas se frisam e Peter aproxima-se novamente, sem nunca me alcançar. — Não pode me pedir que sente e observe enquanto algo está acontecendo — Engulo em seco, mas desculpa nenhuma sai e ele vai em frente com sua justificativa. — Ainda mais quando é uma coisa que está te afetando. — O herói me encara e põe firmeza no tom. — Te ver angustiada e ficar em silêncio está fora de questão. Não quero e não vou ficar perdido assim, .
Penso em como me senti indesejada mais cedo e recuso-me que passe pela mesma coisa.
— O acidente — Junto as mãos, tocando a ponta de meu dedão esquerdo. — O que colocou o caco de vidro na minha perna — Aperto o indicador agora. — Ele não faz sentido pois senti um impacto antes da explosão e a dor antes mesmo de atingir o carro. Eu caí sobre o para-brisa e ele afundou como qualquer outro faria, então não quebrou. Não havia como ter me ferido. — Esfrego meus dedos ao recordar-me da justificativa que dei para Helen quando ela analisava o ferimento. Ouço o suspirar exasperado de Peter e evito lhe olhar enquanto garanto-me que ainda estou aqui e não me tornei cinzas quentes na relva ou um corpo congelado no East. — O vidro verdadeiramente cortante estava no chão.
— Não vi. Quando o Cross disse ter tirado, eu não vi vidro nenhum. — Considero a necessidade de prendê-lo nesse laboratório quando Peter bufa e desvia os olhos de mim. Ele assume o mesmo caráter sério que corrompeu o garoto sorridente de sempre desde o acidente de May Parker e eu já sinto sua falta. — Estava no lá enquanto ele foi tentar te ajudar, mas eu não vi quando tirou o vidro. Nem sequer vi o que ele fazia porque não me deixou chegar perto. — Peter pressiona a língua na bochecha, cruzando os braços e reforçando a frustração previa. — Ele nem mesmo conversou com o Tony depois de terminar; só saiu e disse que ia avaliar os exames. — Em meio às outras questões que Peter levanta, algumas muito importante, só consigo considerar a forma que deixa de se referir a meu pai como “Senhor Stark” e opta por “Tony”.
— Não havia vidro. — O rapaz me olha como seu eu houvesse o socado; descrente com a informação e eu me arrependo com amargor de a ter compartilhado. Ele não merece um desfecho de dia assim, não considerando tudo o que falamos sobre May há poucos minutos. É maldoso demais. Ainda assim, sei que não me permitirá parar e decido terminar de vez. — A Cho encontrou um fragmento de bala enquanto me avaliava antes do Berço. — A prévia expressão de Peter se altera e temo ter ido mais longe do que deveria pois há uma fúria palpável o envolvendo e eu consigo senti-la pulsar rubra e quente nas paredes do laboratório. — Acreditamos que era um atirador. A explosão, que eu ainda não sei a origem, o fez errar e quando, quando ela me lançou no ar... Ele errou a mira que provavelmente seria a minha cabeça. — Busco encontrar um ponto de equilíbrio, optando por olhar para cima uma segunda vez assim que minha visão se turva. — Os exames que mostramos para o Tony e a Pepper foram forjados pelo Cross e os verdadeiros mostram a bala.
Quando consigo controlar minhas lágrimas, as costas de Peter estão viradas para mim.
— Eu preciso que me prometa que não dirá isso para o Tony. — Mesmo trêmula, consigo exprimir a urgência do pedido com minha voz embargada. Não irei chorar não por ser um alvo e certamente não o farei diante de Peter. Se ele souber o quão afetada estou com tudo isso, sei que não hesitará em contar a verdade para meus pais e não quero lidar com as consequências do atentado. — Lhe contei a verdade e não o deixei perdido na situação, mas precisa me garantir que manterá segredo — Aperto meus dentes e Peter não move um músculo, tão estático que nem mesmo acredito que esteja respirando. — Peter, eu preciso de uma garantia! — Cobro com a voz trêmula mesmo com a aspereza.
Meus pés se movem por si só e eu caminho até ele, a previa relutância se dissipando.
— Espera que eu prometa manter segredo e não conte pro Tony que tentaram te matar a sangue frio? — Estou há menos de um metro dele quando Peter corre os dedos pelo cabelo e me olha. Se não reconhecesse o olhar de deslealdade e decepção, hesitaria em acreditar que é isso estampado em seu rosto. Seu rosto está equivalente ao que imagino ser um equilíbrio, pendendo entre a loucura e o humor intrínseco nela. — Por algum segundo você achou mesmo que eu não diria a verdade? — Meu rosto esquenta e quero escapar daqui e desmenti-lo se realmente tiver coragem de me trair desta forma. Peter molha os lábios e se afasta de mim, movendo-se para formar um espaço neutro entre nós. — E se acreditou mesmo que eu deixaria que isso passasse em branco, qual seria o motivo? — Sua irritação é candente e ele está em rubro ao esfregar o rosto. — Por qual motivo eu a deixaria esconder isso de quem pode te proteger, ?
Estou sem ar ao dar um passo atrás, voltando a contar meus dedos e testar a integridade deles.
— Porque é meu amigo — Engulo em seco e seguro o ar em meus pulmões ao reconhecer o tremor nervoso de minhas mãos. As palmas estão formigando e eu as esfrego, lutando contra o tão antigo sentimento que previamente identificava minhas descargas de energia. — Porque é a única pessoa com quem eu posso contar e é um dos motivos de eu não querer que o Tony descubra do atentado — Sopro o ar que segurava, esfregando as mãos na lateral do corpo para que o sentimento ruim e desconfortável suma. — Peter, eu não tenho mais...
— Não pode usar essa carta o tempo todo, ! — Peter me interrompe em um vociferar rouco, seu pescoço vermelho assim como as orelhas devido ao sangue que jorra por suas veias e as faz pulsar ainda mais com o tom exasperado de sua voz e a força que impõe na restrição. — Disse que eu fui baixo mais cedo, mas é quem está sendo baixa e manipuladora agora — Ele leva a mão direita para o cabelo, a outra gesticulando sua acusação para mim e eu respiro com dificuldade. Não posso deixar que conte a verdade para Tony e Pepper, mesmo com as consequências que podem acompanhar a mentira. — Não pode pedir que eu me sente e aguarde até que outro... — As palavras se perdem no suspiro de Peter, os seus olhos reluzem na luz ao serem afetados por um véu fino e úmido enquanto seu braço permanece estendido ao indicar uma terceira pessoa. E, pela milionésima vez no dia, o arrependimento me consome. — Até que outro monstro tente te matar e talvez... E talvez chegue perto outra vez — Peter sussurra com um medo real entrelaçado na sua voz. — Eu não posso te arriscar, . — Ele respira exausto. — Não entende isso?
Coço o interior de minha palma, o tremor de meus lábios me impedindo de prosseguir assim como meu respirar ofegante. O formigar é resultando de ansiedade acumulada e consigo identificar que as explosões de Peter também são, então nos dou um instante para respirar. Eu compreendo seu ponto mais do que desejaria para meu bem, mas não posso permitir que faça isso e deixe Tony tomar de mim tudo o que conquistei com tanto esforço e que já é parte de minha vida. Recuo até a cadeira mais próxima e meu corpo parece pesar uma tonelada, abalado com a situação e ainda mais com o lembrete do atentado e de como quase perdi tudo de forma tão repentina. Se houvesse morrido com o tiro, May teria morrido e muito provavelmente Happy também.
, precisa entender o meu lado — Cubro o rosto ao ouvir o pedido de Peter assim que ele se acalma o suficiente e apoia suas mãos em meus joelhos enquanto tento fazer o mesmo ainda com a estúpida e inútil respiração que sempre insisto em tentar. Seu toque não me conforta, e sim acaba me assustando. Preciso de esforço para não recuar. — Só quero que fique segura — Sua voz é tão frágil que quero sumir. — , precisa compreender os meus motivos!
O seu toque some quando me levanto, a cadeira caindo atrás de mim pela força do movimento. Minha cabeça dói durante a escolha dos argumentos que quero gritar a fim de fazê-lo me entender. Não é que não consigo pensar num argumento — é que são tantos. Como a multidão na Ponte do Brooklyn correndo em direções opostas, se divergindo e me rasgando ao meio.
— Quer que eu entenda os seus motivos sem nem mesmo se dar o trabalho de entender os meus! — Brando em sua direção com tanto amargo na voz que minha garganta dói, o tremor angustiante de minhas palmas pressionadas em meu peito me enfurecendo. — Você não entende, Peter! Não entende como era antes, trancada nesse Complexo sem perspectiva alguma de um dia conseguir a liberdade que eu tenho hoje — Minha voz falha terrivelmente, como se houvesse engolido um caco de vidro e ele estivesse entalado na minha garganta, mas me esforço para que entenda ou ao menos me ouça. E Peter, meu tão querido Peter, ainda está de joelhos onde o deixei ao me levantar com tanta brusquidão, me olha em silêncio. — Se o Tony souber, eu nunca mais vou conseguir voltar para Midtown. Nunca mais vou poder falar com a MJ, com você ou com o Ned! Ele me ama e quer me proteger, mas não quero ficar sozinha de novo — A realização de que a solidão será pior agora que provei da liberdade é óbvia, mas ainda assim me apavora. — Por favor, por favor, não conte a ele — Um soluço que tenho segurado desde cedo me escapa e é logo contido, mas quero que me compreenda apesar de toda a fraqueza que exponho. — Disse que faria qualquer coisa por mim, então não me encarcere aqui, Peter.
O lábios dele se afastam, mas as palavras lhe faltam.
— Que vida acha que eu tive? — Levo as mãos para o cabelo e fios os fios úmidos de suor nervoso de minha testa, certa que devo estar vermelha e ruborizada, mas não poderia me importar menos. — Acha que eu ia ao cinema? Que podia ir para festas? Que pegava metrô e dormia na casa de amigas? — Peter abaixa a cabeça. — Achava que a Natasha me levava para passear por Nova Iorque? Que o Steve ia em corridas comigo pelo Central Park? Que era a companhia do Tony para viagens? — Quero rir com sarcasmo, mas não consigo me levar a tal. — Peter, até a Alemanha, eu jurava que morreria atrás desses muros. Não importava quem fosse me matar... Eu ou qualquer um; sabia que não teria nada além desse núcleo e do inferno que foi o início da minha vida. — Me apoio nos armários atrás de mim, os olhos fechados com força pois não posso suportar o olhar. Eu estou respirando de maneira irregular quando Peter suspira alto. — Não me lance de volta em uma jaula — Imploro mais vulnerável que deveria ao defender-me. — Não aguentarei aquela vida de novo.
Seguro-me nele quando Peter vem até mim e me abraça, pressionando-me contra os armários e segurando minha cabeça para que ela não bata no metal pela intensidade de sua aproximação. Ele e MJ foram as melhores coisas que podiam ter acontecido em minha vida após tantas perdas e me recuso que Tony os afaste de mim. Me recuso não poder alcançar Peter quando precisar sentir seu toque e precisar romper meus laços com Michelle pois Tony não confiará nela. Eu não suportarei viver como um animal preso em uma jaula bonita e que assemelha tanto a realidade em que devia estar. Me recuso a viver assim de novo, mesmo que custe minha vida — a minha infância jamais deveria ter sido roubada e isso não acontecerá com minha juventude.
— Eu não sei se consigo — Peter murmura conta meu cabelo e estou em choque com o tremor das suas mãos. Assinto uma vez e de novo e de novo, tentando lhe convencer que conseguirá manter meu segredo. Evito o instinto de prendê-lo ao meu lado quando se afasta um pouco e segura meu rosto, suas pupilas mínimas ao me olhar. Não preciso usar habilidade alguma para entender que ele, por um mísero segundo, me vê como um cadáver. — , eu não sei como fazer isso.
— Sabe! — Lhe garanto com toda a assertividade que posso, cruzando meus dedos em sua nuca e o segurando em uma distância confortável e a qual ainda posso tomar as rédeas da situação se necessário. — Eu sei que sabe! — Peter balança a cabeça e aperta os olhos com força até rugas de sorriso surgirem nas laterais deles, mesmo que sorrir esteja fora de cogitação. — Por favor, eu prometo que serei cuidadosa, Pete — Minha bochecha raspa a sua quando o abraço sem emitir som algum mesmo quando ele me aperta com força suficiente para marcar-me com hematomas. — Você precisa sustentar esse segredo por mim. — O cheiro fresco de seu sabonete está impregnado em suas roupas e preciso me esforçar para não cair no choro em desespero por uma confirmação. — Não faça isso comigo, por favor. — O aperto, fechando os olhos. — Não faça isso, Peter.
O seu rosto apoia-se em meu ombro e eu o seguro com toda força que posso por um longo minuto.
— Vou guardar o seu segredo — Arfo para segurar minhas lágrimas de alivio, encolhendo-me contra Peter para tentar impedir qualquer som de me escapar, não querendo demonstrar fraqueza e fazê-lo mudar de ideia. Beijo o seu ombro acima da camisa, agarrando-me ainda mais nele e repetindo o ato outra vez. — Mas você não sai mais para lugar algum sem mim, o Tony ou o Happy. — Assinto, mesmo não aceitando bem com o acordo que entendo ser bilateral e justo para ele pois também terei minhas obrigações e não esperava menos. — Não vai mais fazer coisa alguma sozinha, nem mesmo sair para fazer compras outra vez ou dar uma de heroína. — Não sei de onde as informações sobre meu dia surgem, mas concordo mesmo assim, aceitando todas as condições que ele impõe. — Vai me dizer onde está sempre que não estivermos juntos pelo próximo mês. E não vai mais sair sem avisar o Tony ou a Pepper, nem que seja igual na noite do baile. É o mínimo que pode fazer, .
. — Cobro com a voz apertada, ainda sem me afastar. — Não fique bravo.
O suspiro de Peter é pesado e ele parece estar o segurando há horas.
— Ele se corrige com afagar em minhas costelas e o nariz pressionado em meu cabelo para que respire o perfume dele. — Não me faça ficar bravo. — Estou rindo quando Peter leva a mão para minha cabeça e o toque me deixa tensa, o que tenho certeza de que ele conseguiu sentir. A risada morre em minha garganta e afinco os braços ao seu redor quando Peter beija minha cabeça bem acima de meu ouvido, apenas pressionando os lábios ali com intensidade, sem emitir som algum. — Bom, ao menos já sabemos qual vai ser o meu próximo pesadelo. — Aperto os olhos e belisco sua costa, odiando a brincadeira. — É uma boa piada — Peter se defende com a voz monótona.
— É uma péssima piada — Suspiro. — Como eu dizer que algo é de perder a cabeça.
Peter fica em silêncio enquanto tento segurar um sorriso, agarrando-me em sua camisa.
— Nós não somos engraçados. — Ele sussurra e beija minha testa ao concordar.

*


Após o jantar, Peter se despede com um travesseiro embaixo do braço e Pepper lhe dá um cobertor, pedindo que avise as enfermeiras se a ala hospitalar estiver muito fria. Ainda estou removendo os prato de cima da mesa quando ele entra no elevador e some após as portas se fecharem, Rhodey ao seu lado. Tony se junta a mim, apanhando os copos e os talheres sem maestria alguma e os levando para a pia antes que derrubasse algo. Pepper havia contado sobre os planos de “adestrar” o noivo à vida doméstica, comentando sobre como ele demorou quarenta minutos para fazer um prato que considerava ser um “omelete” e como isso deveria mudar. A loira está sentada sobre a pia da cozinha quando retornamos com os pratos, a taça de vinho tinto em sua mão erguendo memórias olfativas minhas.
Olhando no relógio, faltam cerca de catorze horas para o encontro com Harry Osborn e já posso sentir ondas de nervosismo se formarem, um frio surgindo em minha barriga toda vez que olho o relógio desde que confirmei minha presença. Tony esbarra em mim ao pegar uma toalha para colocar sobre o ombro e me entrega luvas amarelas de borracha, aguardando que eu comece a lavar os pratos para que possa enxugá-los e guardá-los. Do outro lado da pia, Pepper esbarra em meu quadril com a perna, indicando que este era o momento ideal para comunicar Tony sobre o encontro de amanhã, assim como havíamos combinado baixinho antes do início do jantar. Molho os lábios e começo a esfregar uma mancha em um prato antes de reunir coragem suficiente para entrar no assunto.
— Tony, eu já confirmei com a Pepper e agora só falta você — Regulo minha voz, tentando não soar desesperada ou falar rápido demais para que não identifique meu nervosismo. Potts disse que a melhor opção era agir sem parecer buscar aprovação e assim o faço, mesmo preocupada com a reação dele. — O Happy estará livre amanhã, certo?
Nossos dedos se tocam quando Stark apanha a louça.
— Vai. — Ele responde sem dar muita atenção. — Mas você não. — Afundo as mãos na pia cheia de bolhas e finjo caçar algo embaixo da água, tentando não demonstrar alarme com sua resposta. — Amanhã quero você e o Peter de pé bem cedo para uma mentoria sobre os Quinjets e os porta-aviões. — Ouço a taça de Pepper descansar sobre a pia e assinto, surpresa com até que ponto as lições de Tony estão se estendendo. — Quero que saibam, no mínimo, planejar rotas nos dois, resolver problemas mecânicos básicos e conheçam toda a anatomia das naves.
— Eu já conheço os Quinjets muito bem — O informo, sem desmerecer sua aula, mas tentando provar que é algo que posso perder ela sem muitos problemas. — Posso ditar o que está em cada um dos compartimentos, além de saber um pouco da mecânica que você já me ensinou, lembra? — Tony me olha por um momento, como se estudasse minha expressão para entender o que desejo com informações obvias. — Só estou dizendo que não seria uma lição tão crucial, principalmente para mim. — Explico-me ao dar de ombros e lhe entregar um segundo prato. — O Peter desconhece sobre dessas coisas que estamos acostumados e vai precisar de mais atenção que eu amanhã.
— Se ainda está cansada e quer mais alguns dias de descanso, é só falar. — Ele me garante depois que seca a louça, uma mão apoiada em meu ombro. Seu cuidado quase me faz desistir. — O Peter realmente vai precisar de mais atenção amanhã, mas lembre-se que você não sabe muito sobre os porta-aviões, . Então, se for faltar, leia algo sobre eles nos arquivos da F.R.I.D.A.Y. — Tony afaga minha costa desta vez. — Ou fique no laboratório. Não quero que fique do lado de fora principalmente depois de ontem. Nunca a vi gripada, mas tenho certeza de que é possível. — Sinto o rosto esquentar com a preocupação alheia, incerta se terei coragem de pedir sua autorização. — Fora que nós fizemos mudanças no Quinjet principal. O novo e os helicópteros foram alterados. Depois eu mostro para você.
O riso baixinho de Pepper nos distrai e eu a olho enquanto esfrega os olhos.
— Tony, você não está facilitando isso nem um pouco...
Stark olha para ela primeiro e depois para mim, confuso e com a sobrancelha curva.
— O que está acontecendo? — Ele se apoia na pia, olhando para nós.
Molho meus lábios ao colocar sabão na esponja após um segundo chutinho vindo de Pepper.
— Eu perguntei sobre o Happy pois queria saber se ele me levaria amanhã para um lugar — Eu lhe explico com calma, tentando não engolir palavra alguma por estar nervosa. — É um evento de polo na propriedade dos Mittal da Índia, a construída pelo Destailleur. — Detalho ainda mais.
Quando o olho, a expressão de Tony parece vibrar, mas permanece estática após isso. Ele apanha o prato que lavo e o seca com mais agressividade que deveria, o pano chiando conta a louça.
— Deixe-me adivinhar — Ele respira impaciente, os lábios apertados em uma careta desgostosa que me deixa desconfortável com sua possível oposição. — O Herdeiro foi quem a convidou para esse tal evento, não foi? — Desta vez eu busco a aprovação de Pepper e nós duas assentimos ao mesmo tempo, ela ainda mais rígida que eu ao defender-me. Tony revira os olhos e lança um olhar frívolo para a noiva. — Isso é armação sua? — Aponta para mim e ouço o som de escárnio vindo de Pepper, provavelmente já tendo imagino que essa seria a reação dele. — Empurrando o Riquinho pra cima da menina? — Franzo o nariz com o apelido. Nem mesmo deveria ter garantido coisa alguma para Harry sem antes consultar Tony. Certamente isso é um “não”. — Sempre teve coração mole com esse garoto, Potts.
— Em primeiro lugar, Anthony — A CEO pronuncia o nome dele com rispidez e eu fecho a torneira. — Não houve armação alguma e, se um nós está interessado em formar “alianças” desta forma, nós dois sabemos que não sou eu. — Pepper descansa a taça de vinho no fundo da pia, bolhas de sabão reluzindo em sua mão. — E em segundo lugar, meu coração mole em relação ao Harry, que por sinal é o nome dele e o que você deveria usar ao se referir a um menino que nunca fez nada de mal — Aperto os olhos quando ela agita a mão e as bolhas voam. — É em razão da minha amizade com a Emily desde Yale. — É a minha vez de erguer a sobrancelha quando Tony estala a língua. — Harry e estudam juntos e você sabe muito bem disso, afinal, eu mesma te contei depois que tentou ir intimidar o pobre menino no final da festa por simplesmente sentar-se do lado dela! — Tony nem mesmo pisca quando eu o olho horrorizada por sua reação extraordinária. O mais velho só dá de ombros para mim. — Não é a primeira vez que eu o peço para esquecer a sua rixa com o Osborn, também. E, principalmente agora que a e o Harry podem acabar envolvidos nela e não devem ser rotulados um pelo outro com essa mesma infantilidade que você e o Norman fazem. Sei que distinções são difíceis, mas devem ser feitas.
— E se a minha opinião vai pesar na sua decisão, o que acho difícil, mas possível — Agito minhas mãos também cheias de bolhas de sabão, voltando dando atenção para os pratos remanescentes. — Eu realmente gostaria de ir para essa celebração amanhã. — Tony suspira alto, certamente com uma expressão desgostosa estampada em seu rosto. De qualquer forma, estou satisfeita por ele ao menos me dar a chance de falar, pois, em nossas últimas discussões isso era raro e ele pouco se dava esse trabalho de me ouvir. — Ontem foi um dia difícil e hoje foi quase na mesma dose, mas o Harry foi muito educado ao me convidar para o evento e me ouvir. É óbvio que ele não sabe sobre o meu envolvimento com o acidente, mas ontem mandou uma mensagem me questionando se eu estava bem. — Ergo a mão antes que Pepper pudesse dar um de seus olhares conhecedores e Tony tivesse uma chance de retrucar e ignorar tudo o que já falei. — Só estou dizendo que gostaria muito de poder ir ao evento e poder me distrair. As últimas quarenta e oito horas foram cansativas e sair dessa atmosfera seria bom. — Abaixo a palma e ligo a torneira outra vez. — Mas entendo que tem seus problemas com o Norman e que tudo o que faz é para me proteger, então... — Prendo a respiração. — Entendo que não me permita ir.
Tony apanha o prato que lhe estendo e bufa assim que começo a ensaboar os talheres.
— Isso é chantagem emocional, você sabe muito bem — Não sei se fala comigo ou Pepper, mas opto por me manter ocupada, mesmo sentindo uma leve agitação ao considerar que tal chantagem seja útil em convencê-lo. — Porém, em razão das verdades que você disse sobre estar cansada e precisar se distrair, vou abrir esta única brecha para o Riquinho. — Lhe dou um sorriso, demonstrando meu agradecimento como posso e ciente que ele ainda terá mais condições antes de autorizar a saída quando Stark revira seus olhos com falso tédio, agora olhando para Pepper que se mantem calada e sorrindo largo. O beijo que é pressionado em minha têmpora é firme e rápido pois Tony retorna para os pratos enquanto lembro que ainda preciso contar para MJ sobre minha vitória. — Porém — É a vez de Pepper estalar e língua e preciso manter meu sorriso sobre controle. — Vai usar um rastreador a todo o momento, .
— Sim, senhor. — Concordo, agora que sua precaução não deixa de ser necessária.
— O Happy e mais uma equipe de segurança vai com você. — Tony continua, sem se abalar. — Vou pedir a Hill que reúna os oficiais da SHIELD que estiverem livres e quero que eles a acompanhem. Alguns de longe e os outros misturados nos convidados. — Pelo canto do olho, vejo Pepper assentir. — Os Mittal ainda usam gurkhas? — O questionamento é para Potts e me surpreendo com a dúvida.
Gurkhas são um grupo de soldados de elite que servem a Coroa Britânica há mais de dois séculos, tendo participado em um número absurdo de conflitos desde então. São letais, é claro: com um senso de sacrifício e excelência que os torna muito perigosos e amedrontadores. A HYDRA possuía aliança com alguns gurkhas, mas nunca fomos instruídos por um deles e me questiono o motivo. De qualquer forma, é surpreendente que uma família seja protegida por uma tropa de tal nível.
— Os Mittal sim, mas os Osborn acredito ser os GIGN. — Pepper comenta ao descer da pia.
— Os seguranças dos Osborn são do Groupe d'Intervention de la Gendarmerie Nationale? — Indago alto o suficiente para que os dois me ouçam e o riso miúdo de Tony é a confirmação necessária. — Esses homens têm a coragem de intervir em ataques terroristas só com revolveres de seis balas e são estes os seguranças dos Osborn? — Viro-me para Pepper que apenas assente, pegando mais uma fatia da torta de cerejas que pediu de sobremesa. Desta vez olho para Stark e ele apenas dá de ombro. — O que há de tão importante a ser protegido assim? Entendo que manter quem amamos seguro é muito importante, mas quem Norman Osborn espera enfrentar?
— Os Vingadores, talvez? — A possibilidade erguida por Tony é assombrosa e Pepper o interrompe de imediato: “Por Deus, Tony! Já foi comprovado que o Norman não tinha envolvimento com aquilo!” Quando o questiono o que “aquilo” seria, Tony demonstra hesitação ao enxugar as mãos. Assim, um silêncio frio toma conta da cozinha enquanto me desfaço das luvas de plástico, as deixando sobre o aparador. — Havia rastros de um vírus criado em laboratório na arma biológica em Lagos — Meu coração salta ao ouvi-lo ponderar o fim da explicação e Pepper balança a cabeça para ele. — O antígeno havia acabado de ser patenteado por uma filial da Oscorp na Espanha.
— Lagos? — Questiono com uma onda de furor fervendo em minhas veias. O tom de minha voz é muito mais rígido que antes e eu prendo a respiração a fim de controlá-lo, mas conforme o quebra-cabeças se encaixa e a hipótese toma forma, não consigo. — Estamos falando de Lagos na África? — Pela segunda vez, Wanda Maximoff domina meu raciocínio. — Onde a Maximoff matou o Rei de Wakanda, matou o Rumlow — O nome do monstro que reside em meu subconsciente desliza por minha língua. — E onde o Soldado Invernal foi despertado? — Devagar, Tony concorda com a cabeça e cruza os braços novamente, sua expressão se amenizando como se estivesse arrependido de ter me contado este mísero detalhe. — O Osborn estava envolvido na produção da arma biológica?
— Não. — É Pepper quem me responde, as sobrancelhas apertadas e um olhar desapontado para Tony. Enquanto isso, Bucky Barnes é em quem penso. Não me importo com Rumlow ou o antigo líder de Wakanda, mas sim o sargento em recuperação que foi exposto ao mundo após os eventos em Lagos há quase um ano. Faz tanto tempo desde que estivemos na Alemanha que, apenas por um momento, me esqueci do que havia nos levado até aquele embate. — O antígeno foi patenteado por um cientista da Oscorp dois meses antes de encontrarem a arma na Nigéria. Eles descobriram o vírus em uma geleira que tinha se derretido na China. Não foi criado em laboratório, era apenas complexo. — Agora Pepper olha pra mim e me esforço para encontrar segurança em seus olhos. — A ONU declarou que a Oscorp não estava envolvida na fabricação do vírus e não a condenou. Não haviam provas contra eles e nem se houvessem, o Norman não é idiota para ir e patentear uma vacina antes mesmo do vírus se espalhar.
— E é exatamente por isso que ele saiu ileso. — Tony aponta para a loira e antes mesmo que Potts possa responder, ele volta a atentar-se a mim. — Eu não devia ter falado sobre Lagos, Monstrinha. Sei que é um assunto delicado para você. — Balanço a cabeça devagar, consciente que Tony está mesmo arrependido pelo ataque gratuito a Norman Osborn e por reativar memórias minhas sobre o fim dos Vingadores. — Também sei que o Harry é uma criança como você e não deve ser culpado pelos erros do pai, mas como a própria Pepper já disse — Desta vez, é para ela que o herói olha. — Distinções são difíceis de serem feitas.
Antes mesmo que Pepper possa retrucar, eu interfiro.
— Esta é a sua forma velada de dizer não? — Não gosto de meu tom ou da forma agressiva que me dirijo a Tony, porém preciso tirar essa dúvida e saber se este circo inteiro foi apenas para que ele não precisasse me impedir de ir e a decisão partisse de mim. E Stark tem noção, mesmo que pouca, do que fez. Ele não é tolo e mesmo assim não sabe como me responder, tanto que fica em silêncio quando sua noiva suspira, também reconhecendo o que Tony faz comigo. — Que mudar a minha opinião sobre o Harry para que eu não vá para o encontro? É isso?
— Tony joga a toalha sobre o ombro, mas a sua domesticidade não mais aquece meu coração. — Eu estou apenas contando o que aconteceu e achei importante que soubesse disso por ter sido algo que a afetou. — Controlo meu intuito de revirar os olhos pois a reação infantil não irá me ajudar nesta situação. — Se vai mudar a sua decisão, não há nada que eu possa fazer — Assinto devagar e sei que Tony reconhece o quão irritada a situação me deixa. — Acho que é algo que você deve saber antes de decidir algo em relação ao menino.
— Acredite em mim, pai — Usar o termo em um momento assim é golpe baixo, mas não posso mais me corrigir. Preciso estar firme se quero seguir em frente. — Eu sei o suficiente sobre o Harry para tomar uma decisão como essa. — Pego a toalha que estava sobre seu ombro e seco meus braços, já decidida a não permanecer muito tempo na cozinha e fugir para meu quarto assim que possível. — Na verdade, descobri tantas coisas nas últimas doe horas sobre as pessoas que me rodeiam que é o suficiente para meu coração se partir uma segunda vez ao me recordar.
O nome de Peter fica preso na ponta de minha língua, mas não o deixo escapar pois preciso ser madura o suficiente para superar o que aconteceu sem envolver meus pais e mudar suas opiniões sobre ele.
— Mas sei que, enquanto estava segurando o choro em Midtown por motivos que não importam agora, foi o Harry quem esteve ao meu lado. — Quando Pepper pousa a palma perto de onde estou apoiada na ilha, não consigo me afastar e a expressão de preocupação no rosto de Tony também me impede de fazê-lo. — Foi ele quem me abraçou, quem se preocupou comigo e quem perdeu uma aula importante apenas para me fazer companhia e garantir que eu estavam bem. — Sinto meu rosto esquentar e não sei o motivo, mas tenho certeza de que não é apenas pela consternação dos dois adultos próximos a mim. — Então, acredite quando digo que quero comparecer ao evento com o Harry e esquecer o dia terrível que tive. — Jogo a toalha em cima da pedra escura sobre a pia antes de sair de perto do casal. — Esperarei o Happy às nove na garagem.


Homecoming XVIII

A única coisa que me impede de fugir quando chego na sala do Complexo é a mão de Pepper em minha costa, incitando-me a seguir adiante como combinado. Na segurança de meu quarto, ao pentear meu cabelo após secá-lo, Potts fez questão de garantir-me o quão orgulhosa estava com minha resiliência na noite anterior, mesmo que lhe fosse dolorido me ver discutir com Tony. Ela afaga meu braço ao passar o seu por cima de meu ombro quando descemos do elevador no centro da sala, este que imediatamente chama atenção daqueles que aguardam espalhados pelo cômodo. Enquanto não há casualidade alguma na situação, não são aqueles personagens mais próximos de mim que chamam minha atenção e sim as faces desconhecidas que se amontoam em cantos. Estou quase dando para trás com o número de pessoas quando meus olhos recaem sobre a parede de vidro há alguns metros onde, para minha completa e maravilhada surpresa, não há neve em um volume absurdo e ela apenas cobre o chão, sem ser a tempestade que tem atordoado a cidade há semanas.
— Não está nevando? — Questiono antes que o silêncio me ensurdeça, puxando a ponta das luvas ao atravessar a sala e tentando dar meu melhor para não tropeçar com os saltos. Ainda estou em completa êxtase com o clima até lembrar-me de como Harry havia garantido que a nevasca daria uma trégua para o dia de hoje.
— Eu consideraria isso um bom sinal — Estranho quando meus lábios se tocam outra vez e é assim que percebo como estava sorrindo antes e como a voz de Tony fez o sorriso se desintegrar. Tento corrigir e controlar minha expressão quando o vejo deixar a cozinha com uma maçã. — Faça uma varredura completa na área, em um perímetro de doze quilômetros. — E é assim que percebo como Tony não se dirige a mim e sim a Maria Hill que está um pouco atrás de Pepper. — CEO Potts — Ele cumprimenta com um aceno que cabeça que é recompensado com um olhar severo da loira ao me alcançar. — Filha rebelde — Stark sorri para mim. “Pai teimoso” Imito na mesma intensidade, segurando o anel em meu dedo ao remover as luvas com cuidado, ainda sem olhá-lo.
— Sejam maduros o suficiente para que isso funcione, por favor. — Ouço o silvar de Tony e imagino que Pepper o beliscou, mas ela não faz o mesmo comigo e só me guia na direção de Maria Hill. — Hill, explica para a como irão se comunicar.
Tony se senta no sofá principal enquanto Maria remove algo de uma caixa de joia.
— Este ponto vai atrás do seu anel — Ela explica e indica que devo lhe entregar o acessório, então o faço. Mordo minha língua enquanto gruda o pequenino item no aro de ouro. — É um transmissor que funciona por condução óssea. — Quando aperto a mão em punho, posso senti-lo, mas logo some. — Toque com o dedão que ele vai identificar a sua digital e ativar. Vou ouvi-la de onde estiver e o Hogan também irá — Hill indica o aparelho que usa em seu ouvido direito, oculto pela haste dos óculos de sol. — Por ser um dos funcionários mais conhecidos do Tony, vai ficar mais distante e precisa evitar falar muito com ele.
— Isso tudo para um jogo de polo? — Indago a ela. — É muito exagero.
— Sim — Tony toma minha mão entre as suas e a vira, observando o pequeno dispositivo que criou. — Porque além de insistente, você é carga preciosa. — Aperto sua mão, envolvendo seu dedão com minha palma inteira e buscando seu rosto. Ele me oferece um pequeno sorriso de boca fechada e o retribuo com um aperto mais forte, este que também corresponde. — E os Mittal? — Tony olha para Pepper desta vez, murmurando sobre os gurkhas e confirmando a patrulha extra enquanto me atento para o espelho do outro lado da sala onde minha figura se sobressai no cômodo.
O vestido se destaca como uma flor delicada em meio a tanta escuridão formada pelos soldados mascarados e a viscose que foi modificada para melhor aquecer-me tendo se adaptado nas curvas de meu corpo e me assemelhando à um pétala — o apelido que Natasha me deu apenas me fazendo suspirar. Troco a bolsa de mão e, no ato costumeiro de colocar meu cabelo para trás da orelha, percebo como os fios foram dispostos para ficarem foram de meu rosto como Pepper havia gostado e como os brincos de pêndulo se movem junto a minha cabeça assim como as mangas delicadas do vestido. No espelho, a SecondSkin modificada é invisível e cobre bem o ferimento em minha testa, de forma que imagino que não estará aparente para os outros convidados.
— O evento deve acabar por volta das nove da noite, Tony — Potts comenta, esfregando a nuca. — Os Mittal gostam de tornar toda festa uma celebração típica indiana, então doze horas de duração não são muito surpreendentes e é pouquíssimo para eles — Ela informa ele e Maria Hill assente, parecendo não se importar com o tempo extra de trabalho. — Lakshmi fará uma introdução, então as atrações dele, contará sobre a história da família... Haverá o brunch, o campeonato, chás e enfim o jantar. — Respiro devagar enquanto ela divaga sobre o possível cronograma a ser seguido durante o dia, tentando imaginar como será passar todo o dia ao lado de Harry. Costumamos passar algumas horas juntos, principalmente em aulas e em silêncio, mas posso me sentir suar ansiosa ao formular assuntos para discutirmos durante todo este tempo. — Acredito que mensagens de três em três horas serão mais que o suficiente, certo? — Pepper toca meu braço e me forço a assentir, compreendendo o assunto que tratam.
— Três em três — Repito ao olhar para Tony e Pepper, suspirando ansiosa. — Três em três.

*


— Quando me disse que viria para uma festa — Happy suspira no banco do motorista enquanto eu tamborilo os dedos em meu colo, a bolsa branca firmemente segura em meus braços ao entender o que ele quer dizer. — Esperava adolescentes com cerveja barata. — Um sorriso mínimo me escapa e some com a mesma agilidade quando um bipe soa no carro e chama nossa atenção.
“A entrada da já foi confirmada e autorizada pela frota” É Maria Hill quem avisa-nos por meio do comunicador do carro, a confirmação de minha chegada garantindo-me que não mais poderei dar para trás. “O carro principal não vai passar por inspeção de segurança, Hogan, então pode seguir em frente com a frota norte. Estarão o esperando no portão.” O bairro escolhido para a celebração da fusão da empresa dos magnatas não me pegou com tanta surpresa, afinal esperava tal nível de grandiosidade após as informações que me foram oferecidas por Pepper. No entanto, não ignoro o maravilhar que as mansões monstruosas evocam, a magnitude as assemelhando com o terreno extenso onde o Complexo dos Vingadores está localizado.
Árvores enormes tomam forma conforme adentramos mais e mais no bairro, os troncos antigos e emaranhados de ambos os lados da rua formando a cobertura ideal com a união das copas fartas. Com o estreitamento da via, os carros blindados que se moviam lado ao lado do nosso ficam para trás quando rua começa a se curvar para a direita, onde dois pilares brancos emolduram o portão de ferro alto, braços de aço se abrindo e parecendo envolver toda a propriedade. De onde observo por trás do vidro, vejo cerca de vinte soldados gurkhas até onde meus olhos alcançam, garantindo a segurança do imóvel grandioso dos Mittal. Os guardas indianos, com seus impecáveis uniformes verde-oliva e volumosos turbantes se dirigem ao primeiro carro da frota.
Happy segue adiante após a abertura dos portões, a rua curvando-se para a direita onde surge um segundo portão de ferro reforçado e duas guarita modernas em conjunto. Mais de três dezenas de oficiais montam guarda nas laterais de uma cumprida via de cascalho branco como a neve. À medida que o carro segue em frente esmagando as pedras soltas, o cenário dá lugar a uma terceira via onde o terreno amplo e bem-cuidado parece ser infinito. Então, como uma miragem meio ao deserto branco e verde, uma enorme mansão se torna visível e o ar me escapa. A imponência da propriedade se evidencia ao nos aproximarmos, me fazendo perceber que não é uma “casa” como Pepper me levou a acreditar, e sim uma versão americana do Palácio de Versalhes.
A trilha da entrada está repleta de carros de luxo, vários deles com emblemas diplomáticos.
— Faz uma década que não me arrastam pra lugares assim — Happy observa com tranquilidade o suficiente para nós dois, me olhando pelo retrovisor enquanto a escolta norte se dirige para o local adequado de desembarque em fila, aguardando atrás de um Rolls-Royce. — ? — O olho e o seu sorriso é imediato para mim, mesmo que muito menos comum para o resto do mundo. — O que aconteceu? — Balanço a cabeça e seguro minha bolsa com ainda mais afinco, observando os convidados que descem dos enormes carros adiante. — Lembre-se do que disse há um tempo: vai dar tudo certo, ninguém vai te morder e se morderem, você morde de volta. — Volto a observá-lo e assinto devagar, recordando-me de como me deu o mesmo conselho em meu primeiro dia de aula.
Inclino-me para frente no banco e passo minha mão pela divisa, apertando seu ombro: — Obrigada.
Conforme os carros avançam, retorno para a posição anterior e respiro o mais fundo que consigo, ancorando-me ao momento e evitando pensar nas próximas horas, mesmo que a ansiedade tente me devorar. Ao alcançarmos a porte-cochère, Happy deixa o carro e eu sinto meu celular vibrar no interior da bolsa, porém a porta se abre antes que eu possa checar o que houve e o vento fresco de Upstate New York adentra o carro em uma brisa delicada. Seguro a mão estendida em minha direção, a outra diligentemente segurando a bolsa em minhas pernas, impedindo que o vestido esvoace com o vento mesmo que ele não seja tão forte. Happy apoia meu braço enquanto me firmo no piso de pedra e não solto sua mão momento algum até ter certeza de que não cairei.
Assim que meu equilíbrio retorna, não consigo evitar erguer a cabeça para admirar a fachada da propriedade, lábios entreaberto ao assimilar a grandeza da arquitetura francesa em um território tão americano. A fachada é se estende por muitos metros em pedra creme e enormes janelas de vidro nos quatro andares onde plantas semelhantes a trepadeiras se alongam e brotam flores em pleno inverno. Algumas estão cristalizadas pela neve, mas isso não anula sua beleza e eu desejo tocá-las apenas para sentir o gelo derreter em meus dedos. Quando retorno minha atenção para Happy e os oficiais de Tony, não consigo a manter neles por muito tempo pois uma outra presença rouba meus olhos.
E quando Harry caminha até mim, sei que o palácio não é mais tão magnífico.
— Sua voz é delicada ao suspirar meu nome, o sorriso é identificável na pronuncia dele, garantindo-me que mesmo com os olhos fechados, conseguiria saber que sorria para mim. Happy é quem se vira para ele conforme o mais novo desce os degraus de pedra até nos alcançar, parte significante de minha ansiedade se esvaindo quando o olho. — Sei que já deveria estar aqui, porém estava na galeria quando chegou — Suas sobrancelhas se frizam com leveza, ressaltando o seu desagrado. No momento que Happy aperta minha mão, prendo a respiração pois Harry se aproxima ainda mais e, desta vez, se dirige a ele. — Bom dia! Obrigado por trazê-la. — Osborn sorri e imagino que Happy Hogan está prestes a ter uma síncope de tanta surpresa que abaixo o rosto para esconder meu sorriso quando o maior gagueja algo para Harry.
Pelo canto de meu olho, observo enquanto Maria Hill salta de um carro e meu estômago revira.
— O vejo em breve, Happy — Ainda sem conseguir me manter muito tempo na presença de tantos oficiais e seguranças, me despeço quando inclina a cabeça na direção de Hill e seus ajudantes, o que decido considerar uma deixa para nos afastarmos o suficiente para manter o disfarce de uns deles. — E obrigada pelo conselho. — Com um segundo aperto gentil em minha palma, ele assente e me deixa, contornando o carro novamente. Quando a movimentação de automóveis retorna, é o conforto de Harry quem eu busco, virando-me para ele ao perceber que havia lhe dado as costas para me despedir de Hogan. — Perdão — Desculpo-me, sentindo minha face esquentar ao atentar-me a gafe que havia cometido, desta vez tentando olhá-lo diretamente. — Não o cumprimentei.
— Está tudo bem. — Harry garante com os olhos azuis cintilando. — Perdão novamente, — Ele desculpou-se, franzindo o nariz até pequeninas sardas rosadas surgirem. Assinto compreensiva, mesmo sem importar-me que não tenha estado aqui no exato minuto que o carro parou. Ele abre a boca para dizer algo a mais, porém parece atentar-se que estamos no meio de uma passagem e seus olhos se alardam quando outro carro para atrás de mim e me movo para fora do caminho da passageira. Osborn pousa a mão atrás de meu cotovelo, segurando-me com cuidado ao guiar-me degraus acima. — Vamos?
Não consigo afirmar minha concordância, voz perdida quando sua mão sobre meu cotovelo desliza por meu antebraço até estar segurando meus dedos, sem entrelaçá-los nos seus, mas ainda assim os aquecendo. Ele não parece perceber a intimidade do toque e não faço questão de apontá-la, sentindo um conhecido aquecer em meu rosto enquanto o acompanho para dentro do palácio e dedico um instante para observá-lo caminhando na minha frente. Para minha surpresa, ele não veste um conjunto formal de terno como o que usou na festa de Tony quando nos vimos pela primeira vez, e sim peças azuis acinzentadas em tons variados. A camisa é um azul sereno, assim como a calça e o paletó, este mais acinzentado. Com os seus fios louros e os olhos claríssimos, Harry se assemelha a um céu radiante transitando para um nublado chuvoso.
— Espero que tenha feito uma boa viagem — Osborn vira o rosto para mim uma segunda vez quando passamos pelo portal de entrada da mansão, mas quase não consigo lhe dar atenção, admirada com a decoração do local. Imagino que é meu maravilhar que o faz deixar de caminhar e aguardar.
A primeira coisa que chama minha atenção são as estonteantes estatuas e esculturas dispostas na enorme galeria, espalhadas pelo local junto a expositores com mais e mais itens brilhantes em seu interior. Preciso de um instante para recobrar o fôlego, maravilhada por alguns momentos, e o dedão de Harry afaga minha mão tornando o foyer ainda mais abafado. É uma sala vasta que se assemelha ao que imagino ser encontrado dentro de um museu clássico com todas as suas fileiras de esculturas de mármores, com sentinelas em frente às janelas que vão do chão ao teto e se abrem para uma varanda.
— Os Mittal são ávidos colecionadores de Canova — Osborn explica o motivo da exposição, ainda segurando minha mão com uma firmeza cuidadosa, garantindo-me que posso soltá-lo se quiser. E, ainda que seja estranho o tocar desta forma, não é tão íntimo como nosso abraço ontem e apoio-me nessa conclusão ao ouvi-lo. — Há alguns anos até mesmo lutaram com o Royal Collection Trust para manter alguns desses. — Tento conectar tudo em minha cabeça, formando uma ponte entre os indianos e os britânicos. — Na verdade, foi por Dirce... — Harry estreita os olhos para o final do segundo corredor, este que está vazio pois todos os outros convidados seguem na direção do final da casa enquanto nós observamos a coleção dos anfitriões. — Quer vê-la? — Ele oferece. — É uma obra muito querida pelos Mittal.
— Claro!
Permanecemos de mãos dadas enquanto atravessamos o corredor onde mais peças da coleção estão expostas por trás de expositores de vidro blindado, uma delas contendo apenas a cabeça de uma estátua. Harry não caminha apressado de forma alguma, mantendo um rítmo confortável onde mesmo em meus saltos não sinto dor ao caminhar, o seguindo diligente e o observando caminhar até que diminui a velocidade para me apresentar a obra onde a ninfa Dirce foi esculpida e mármore. Dou um passo adiante para observá-la, maravilhada em como os cachos de seu cabelo se formaram apenas com o moldar incansável de seu autor em uma pedra e como ela ainda se mantém intacta após séculos, segundo a placa fincada na plataforma.
— Ela vale desentendimentos com a Rainha, não? — Harry demonstra esforço para segurar um sorriso, dando um passo até mim para aproximar-se mais. Eu concordo sem hesitar, agradecida pelas breves aula sobre neoclássicos que Pepper me deu anos atrás. — Essa propriedade é cheia delas, principalmente na estufa, então podemos ir até lá se quiser visitá-la. — Viro o rosto para ele e concordo pela segunda vez, apertando sua mão em confirmação, ato este que Harry repete. Tomo sua ação como uma resposta à minha ausência de palavras úteis em nosso diálogo, ciente que sempre acabo apenas movendo a cabeça ou sorrindo na maioria das vezes que conversamos.
— Nunca fui a um museu, então adoraria ver mais esculturas. — Não reconheço o motivo de ofertar-lhe tal informação, mas o faço e o mover surpreso das sobrancelhas do rapaz é recompensador. — Ou fui a uma estufa, se isso também for o interessar... — Minha expressão se torna um sorriso assim como a sua e me permito observar como covinhas pequenas surgem próximas à sua boca.
— Infelizmente já fui para mais museus do que deveria, então não entendo como conseguiu escapar de passeios como estes, . — Ele balança a cabeça em um suspiro confuso que me faz sorrir mais ainda, satisfeita por conseguir iniciar um diálogo decente, mesmo dependendo das minhas experiência mínimas. Quando outra estátua chama a minha atenção, ele não hesita em soltar-me para que possa me aproximar mais e conseguir ler seu nome e mais informações na placa.
Enquanto observamos a galeria, um número considerável de pessoas já atravessou a ala principal de entrada da mansão, seguindo mais adiante que nós e na direção do que imagino ser o jardim onde a celebração se passará. Ao considerar que não estamos nem mesmo no centro da festa, me sinto nervosa e todos aqueles sentimentos ansiosos anteriores voltam enquanto pondero como o resto do dia seguirá com a minha timidez. Por um instante, imagino o horror que seria fazer Harry sentir-se tão entediado em minha presença ao ponto de ele sumir em meio à multidão de pessoas. Ter de retornar para casa e precisar conversar com Pepper sobre o ocorrido... Seria humilhante.
— Porém, pensando bem, não acho que a estufa seja a melhor ideia para nós — Harry confessa e a sua voz me alcança e eu o olho, sem compreender o motivo de sua súbita mudança de opinião até reconhecer que, talvez, pensávamos o mesmo sobre o quão despreparada sou para este lugar aqui. — Você já está rubra como uma rosa, então perdê-la em meio a elas é um risco que eu não quero correr. — Logo o calor em meu rosto que consegui ignorar antes se torna mais forte e sei que seu agravar é o que Harry buscava, não conseguindo evitar rir ao perceber o planejamento prévio que levou à execução de seu flerte brega. — Esse flerte eu aprendi em Eton. — Molho os lábios ao desviar os olhos para a Cabeça da Medusa em um expositor, recordando-me de como esta é uma resposta para minha provocação de ontem.
Ainda estou tentando formular uma resposta quando sua palma pousa na base de minha coluna e qualquer mísero arrebate que formulo se desfaz, o toque após a brincadeira provando que não obtive êxito ao camuflar meu nervosismo. Quando o olho e abro a boca para me desculpar, Harry repete o mesmo ato de ontem e toca minha face com seus dedos firmes, afastando alguns fios rebeldes e ergo o rosto até ele, o ajudando com o ângulo para deslizar o cabelo para trás de minha orelha. Osborn não se apressa em sua ação e, no fundo de minha mente, o perdurar me agrada.
— O que houve? — Ele questiona baixo, mantendo nossa conversa privada mesmo que muitos ainda passem pelo corredor principal da mansão. Somos ocultos por esculturas que pairam no mínimo um metro acima de Harry e a privacidade é boa o suficiente para que possamos conversar assim. Daqui, com menos de vinte centímetros nos distanciando, posso sentir o cheiro inebriante de seu perfume como fiz ontem, a fragrância mais fresca e me levando a acreditar que seja uma variação do aroma anterior. — Hmm? — A pronuncia do som é melodiosa e não irei mentir para ele.
— Estou preocupada em o entediar — Confesso após um suspiro profundo e seu punho apoia meu queixo antes mesmo que eu possa considerar abaixar a cabeça. Seguro o seu pulso ao lhe olhar, incerta se a verdade é o adequado até perceber como seus lábios se franzem como todo seu rosto. O motivo não o atrai e é quase cômico o quanto me preocupo e como Harry não o faz. — Harry, eu não sou a pessoa ideal para estar em um lugar como este e nem mesmo consigo formar uma frase completa para você sem duvidar que irei matá-lo de tédio...
— É uma preocupação tola e você é inteligente o suficiente para reconhecer isso, . — Osborn me interrompe, sério ao corrigir-me. — Você é uma pessoa tímida e não há problema algum nisso. É a sua personalidade e eu convidei pois a queria aqui comigo, mesmo conhecendo essa parte sua. Entendo que... — Harry molha os lábios e indica as estátuas e obras grandiosas ao nosso redor com a cabeça. — Isso é novo e que se sente deslocada, mas veja esta como uma oportunidade de distrair-se, seja aqui no acervo ou lá fora. — Concordo devagar e Harry desliza o dedão pela lateral de meu queixo, imitando minha ação com um pequeno sorriso. — E você não irá me entediar. — Garante uma segunda vez, balançando a cabeça com rispidez para dispensar minha preocupação. — É humanamente impossível ficar entediado ao seu lado, . Da forma que caminha, que sorri e como os seus olhos cintilam quando se anima com algo mesmo em silêncio... — Ainda estou vidrada nele quando percebo um rubor formar-se em suas bochechas, rosáceo e iluminado. — Como a disse antes, você é uma distração tremenda, então não se preocupe com isso, certo? — Sussurro uma confirmação, surpresa por ter voz para tal. — Apenas tente aproveitar o dia, por favor. Não quero mais a ver triste da forma que estava ontem.
Os saltos são uteis, mas ainda fico na ponta dos pés para me aproximar e beijar sua bochecha.
— Obrigada, Harry.
— De nada; agora venha — Sou eu quem busca a sua palma e a seguro para poder o acompanhar na direção onde os outros convidados seguem. Harry aperta meus dedos para me incentivar. — Ainda nem mesmo entrou na festa para estar tão nervosa assim.
Prendo a língua entre os dentes e deixo que me guie para fora do labirinto das esculturas, olhando para todos que cruzam o nosso caminho com o máximo de atenção possível quando simplesmente não me concentro só nas costas de Harry para que a ansiedade de ver tantos rostos desconhecidos não me deixe aflita. Cortinas brancas esvoaçam na direção da mansão quando chegamos no fim do hall de entrada, fazendo a curva em uma mesa gigantesca de pedra redonda com uma outra escultura, esta com detalhes em ouro. Assim que a primeira brisa de inverno refresca meu rosto, me movo para fora da sombra de Harry, tentando não arregalar os olhos ao aceitar que ele estava certíssimo em dizer que nem mesmo havíamos entrado na festa.
Com sorte, o bosque do Complexo é um pouco maior que o jardim onde os convidados se reúnem, mas imagino que será uma diferença muito pouca. O local está decorado como se o inverno não existisse, com flores belíssimas para todos os lados, mesas e cadeiras onde pessoas se sentam e riem se preocuparem-se com as condições climáticas e eu demoro para concluir o motivo antes de olhar para cima e encontrar a pequena ondulação no céu que indica o campo que envolve o terreno como um domo e o protege do clima. Mesmo sendo genial, só consigo considerar como ele seria mais útil de outras formas. Algumas tendas cobrem as mesas onde as pessoas transitam e outros locais livres, afinal o sol artificial realmente dá uma sensação de calor.
Harry desce dois degraus na minha frente e continua segurando minha mão, agora apoiando-me para que eu faça o mesmo. Percebo como a atenção de uns convidados se dirige a nós, a maioria sendo de casais e grupos muito mais velhos, mas os ignoro. Quando piso na grama e Harry afaga a costa de minha mão, percebo que ele não demonstra interesse nos olhares afiados ou em outra coisa, apenas guiando-me sobre as pedras brancas achatadas que formam vias sobre o verde, seguindo em diversas direções ao redor de um palco de material transparente sobre a piscina.
— Os Mittal e os Kadoorie darão o discurso inicial em breve. Onde quer se sentar? — Ele questiona e a oportunidade de ter alguma voz e decidir algo é agradável, diminuindo minha insegurança. — Só iremos ficar neste trecho até o brunch... — Um grupo de crianças passa correndo por nós e eles interrompem a explicação de Harry. Dois meninos com conjuntos adoráveis de marinheiro e uma menina com um vestido vinho de tule, os fios negros presos com um laço do mesmo tecido. Ouço o riso de Osborn quando se curva para observar até onde eles correm e interceptam um garçom de verde escuro. — Cassian, Nicolas e Philippa Van Doren — Os apresenta, parecendo nutrir certo carinho pelo trio que ataca o garçom até que ele abaixe a bandeja.
— Eles são adoráveis! — O olho rápido antes de me voltar para as crianças e especialmente Philippa pois não parece tão feroz quanto os irmãos. — O que os Van Doren fazem?
— São economistas canadenses. Investem mais em tecnologia no setor de energia do que matéria-prima. Estão aqui porque Nataniel Van Doren se casou com a Hope Kadoorie. — Harry informa. — Por ser mulher, a Hope não era quem queriam como líder da CLP Holdings, então se casando com o Nataniel ela teve filhos cedo e o Cassian será o novo herdeiro na linhagem. — Parecendo perceber meu desconforto com a situação dela, Harry suspira. — Hope tinha dezenove anos e o Van Doren trinta oito, o que só deixa tudo mais brutal no caso ela. — O seu desgosto é obvio em sua voz e ele está certo em sentir-se assim. — Quando uma mulher herda uma empresa no nível deles, é como um soco na cara dos acionistas e acabam fazendo de tudo para a tirar do poder — O conhecimento de tal modalidade é amarga e eu evito pensar em Tony e Pepper. — Não é comum forçarem alianças assim, mas também não é tão raro.
— Isso é bárbaro... — Sussurro para ele e Harry não hesita em concordar, apertando os lábios.
Os convidados glamorosos não parecem ver mal algum na situação ou sequer se importarem que a vida de alguém do círculo de convivência deles foi roubada. A alienação se demonstra peça-chave para uma sociedade como essa e as crianças arrancam sorrisos de todos que passam por eles enquanto encontro em mim espaço para lamentar pela mulher que nem conheço. Uma senhora que passa por eles belisca a bochecha de um dos meninos e segue na direção de um grupo em pufes com estofados de linho reunidos abaixo de uma tenda, enquanto um séquito de criados com luvas brancas e uniformes verde escuro circulam entre deles com travessas de coquetéis. Olhando mais adiante, encontro uma mesa reclusa um pouco afastada da piscina que está cheia de pétalas de rosas e, antes de conseguir indicar para Harry que é onde desejo me sentar, sou interrompida.
— Harry, como você cresceu, meu querido! — Antes que eu tivesse tempo para me preparar, uma senhora com ar majestoso se aproxima de nós, cobrindo os lábios com ambas as mãos, seus olhos arregalados de verdadeira surpresa, iguais a como imagino que os meus estejam quando noto o enorme rubi oval em seu dedo e todo o ouro espalhado em seus braços e garganta. — E como está elegante!
— Deveria ser quem recebe elogios, Madame Lohia — O rebater de Harry foi tão rápido que nem tive tempo de processar o que havia acabado de acontecer e a mulher riu com mais intensidade que o cumprimento merecia, apertando o braço dele com o que deve imaginar parecer genuíno agrado. — Esta aqui é Black. — Ele solta minha mão e apoia minha costa enquanto estendo a destra para a senhora no mesmo momento que ela o faz para mim, seu sorriso mais contido ao me cumprimentar e imediatamente sei o que isso significa após o despertar de meus poderes. — , esta é Rhadia Lohia, irmã mais nova do senhor Mittal e, também, uma acionista muito valiosa da Oscorp.
Imagino que, se pudesse, Rhadia voaria para longe de nós como um foguete, ansiosa para relatar para quem estivesse mais próximo dela que Harry Osborn e a loirinha haviam terminado e ele havia conseguido um brinquedo novo. A força de seu raciocínio e como lança meu relacionamento ingênuo com Harry para outro patamar após uma rápida apresentação é um alerta vermelho e me questiono como um mero cumprimento pode ter ativado tantas engrenagens em sua mente. Então investindo mais em Lohia, reconheço que não é algo tão absurdo para ela como é para mim e ela considera sua “brincadeira” de me resumir a um brinquedo deveras engraçada.
— É um prazer conhecê-la, Srta. Black! — Resisto a tentação de assentir, ciente do quanto ela realmente se anima com minha presença e como já planeja com que frase irá noticiar sua cunhada sobre o acontecido. — Deve ser uma das bisnetas de Duncan Black, certo? — “Norman deve estar indignado com essa nova namorada do filho e talvez seja por isso que ele não foi para Aspen! Pobre Norman, sempre foi sensível demais com os filhos e deve estar punindo o rapaz de alguma forma... Shanti perderá a cabeça com a noticia que Harry está namorando uma descendente de ferreiros!” Assim que o último raciocínio lhe ocorre, a mulher sorri para mim com falsa alegria. — Estive em Connecticut nos últimos meses e até mesmo fui à New Britain, sabe? Uma pena que não tenhamos nos conhecido lá!
— Na verdade, não é descendente dos Black dos Black & Decker — Harry informa e seu tom me faz reconhecer que ele também notou uma mudança superficial no comportamento da senhora e ela cruza as mãos na frente de seu sári verde profundo, fingindo surpresa enquanto levanta mentalmente mais outros bilionários com o sobrenome “Black” e sua futilidade me enjoa. — De qualquer forma, foi uma honra reencontrá-la, senhora Lohia — Osborn desliza a palma para até o centro de minha coluna e sinto seus dedos se moverem em um levíssimo afagar e lhe olho assim Harry dirige um olhar apologético para mim. Ele então volta a atenção para a mulher que nos observa com seu sorriso resistente mesmo que abalada por não conseguir mais informações uteis para apontar minha origem. — Estou ansioso para o jogo com Ravi. Mande lembranças a ele.
“Oh, meu caro... Seu jogo não será — ainda mais agora — o assunto do dia!”
— Foi um prazer conhecê-la, Madame Lohia — Interrompo sua linha de pensamento e lhe dou meu melhor sorriso, decidida que sua opinião não tem valor algum e seus ideais tortos não são de meu interesse. — Espero que tenha gostado de Connecticut.
Harry a deseja um bom dia e a parabeniza pela fusão antes de incitar-me a caminhar, voltando a tomar minha destra com firmeza ao transitarmos entre mais convidados que fofocam e gargalham a todo tempo, principalmente os homens em quartetos ou trios, reunidos ao redor de mesas que comportam comidas ou mais bebidas do que já seguram. Ainda estou balançada pelo encontro com Rhadia Lohia e somente percebo que estamos seguindo na direção a qual eu havia desejado quando o tablado de madeira substitui a grama abaixo de meus pés e um criado cumprimenta Harry usando seu sobrenome público, indicando que a melhor vista era na mesa central, não nestas privativas. Harry o agradece, mas, ainda assim, recusa a oferta com educação ao confirmar que gostaria de manter distância do que denomina como “olho do furacão”.
— Me perdoe por aquilo — O loiro sussurra ao passar atrás de mim, puxando minha cadeira e a empurrando quando me sento. Balanço a cabeça para dispensar suas desculpas, ciente que não é sua culpa e que ele não está ciente de metade do caráter maldoso de Lohia. — Infelizmente, estou tão acostumado com todas essas perguntas e as especulações evasivas que esqueci de a prevenir do quão perspicazes estas pessoas podem ser com desconhecidos. — Ele se senta e, com o timming perfeito, um garçom se dirige até nós e serve duas taças compridas de um líquido rosado e cubos de metal branco no lugar de gelo. A bebida borbulhante parece ter sido preparada em questão de segundos e as pétalas são de rosas, cujo perfume parece infuso na bebida.
— Ela realmente foi muito perspicaz ao presumir que tenho alguma relação com os Black&Decker. — Maneio a cabeça antes de agradecer o garçom que finaliza o drink com um xarope rosado. — Mas assumo que não me sinto ofendida — Harry ergue a sobrancelha para mim, os dedos na haste da taça ao duvidar de minha sinceridade. — Black&Decker tem a melhor esmerilhadeira para ligas de titânio e ouro que já vi. — Desta vez, quando ele desvia o rosto, é para rir e me sinto vingada pelos pensamentos dúbios da mulher. — Não reclamaria de ser herdeira de alguém que é tão bom no que faz. — Osborn assentiu com um brilho de compreensão nos olhos.
— Os Mittal também não são o que se considera uma família tradicional, mas as vezes os bilhões os sobem a cabeça e é comum que se esqueçam de suas origens quando encontram alguém que, digamos — Osborn estende a mão em minha direção. — Teria uma ascensão mais tarde que eles, pelo que a senhora Lohia imaginava.
— O que seria uma família tradicional, então? — Questiono com verdadeiro interesse.
— Estas seriam as dinastias — Harry explica, os olhos azuis cintilando quando um raio de sol nos alcança, mas não consegue aquecer-me ainda. — Os Mittal e os Kadoorie não tem uma linha de ancestralidade extensa que consiga os considerar uma dinastia bem estabelecida e com papeis proeminentes no campo deles há mais de gerações. Essa é a única a se destacar. — Movo a cabeça devagar, tentando compreender quebra-cabeças que me apresenta. — As famílias tradicionais, principalmente as europeias, o que os Mittal já se tornaram apesar de presarem a origem indiana deles — Sua crítica me faz sorrir um pouco, entendendo que Rhadia Lohia não é tão imponente assim. — Tem descendência aristocrata ou tiveram seus membros de maior destaque enobrecidos ou seguem as mesmas regras: longa linhagem onde muitos líderes de um determinado campo são estabelecidos geração após geração.
— Então, os Osborn se adequam à ideia de uma família tradicional. — Afirmo assertiva e Harry confirma devagar, aguardando que eu continue. — São de Gales e descendentes de aristocratas. E mais precisamente sobrinhos do marido da Princesa Georgiana do Reino Unido. — Seu rosto não oculta sua surpresa com o número de informações que levantei após algumas pesquisas há dias, logo após as flores que me presenteou no Natal. — Uma dinastia no ponto mais sisudo da palavra.
Osborn leva a taça para sua boca, assentindo.
— Fez o seu dever de casa, senhorita Black? — Toco o busto da taça delicada e quase a seguro, isso antes de lembrar-me de como Pepper me indicou tomar bebidas frias e segurar a taça pela haste. Enquanto isso acontece, mordo o interior de meu lábio, sentindo um aquecer levíssimo em meu rosto e duvidando que seja pelo pequenino raio de sol. — Vou fazer o meu se me der alguma... Luz. — O nariz dele se franze ao rir um pouco quando bebo um gole pequeno da bebida rosada na taça, me questionando sobre como mudar de assunto até sentir o sabor de rosas. Minha expressão deve ter dedurado a surpresa pois, quando abaixo a taça frágil, Harry informa: — Se chama Sharab Ward, é libanesa — Estou prestes a questionar as rosas quando Osborn prossegue, parecendo prever minhas perguntas: — É com água de rosas, tônica e Champagne.
Recordo-me de como Pepper me impediu de beber uma mimosa na festa e engulo em seco.
Osborn leva a taça aos lábios uma segunda vez, esticando o pescoço e seu pomo-de-adão se torna mais proeminente com o ato. Aproveito os pequenos segundos de distração alheia para analisar a aparência de Harry, percebendo como o tom de suas roupas não falha em o tornar mais e mais elegante, em especial com o sol artificial em sua coloração mais quente reluzindo em seu rosto. E é enquanto o admiro que um casal adentra a tenda e caminha em nossa direção, se aproximando com sorrisos enormes e quase fundidos um ao outro pela forma que estão próximos. O rapaz com um topete bem estruturado passa os olhos por mim e perdura por um instante enquanto decido entre desviar os olhos e fingir não os ver, mesmo que o vestido preto curtíssimo e bem modelado de tule da moça ao seu lado seja muito difícil de ignorar. Ao perceber que somos seu alvo, bebo uma segunda golada da bebida com água de rosas, a sustentando em meus lábios até que eles cheguem perto o suficiente e o rapaz toque no ombro de Harry. Estou secando meus lábios quando ouço Osborn afastar sua cadeira para os cumprimentar.
— Nick! — Ele abraça o rapaz também loiro, mantendo o cumprimento por um instante e o mais baixo sorri para mim por cima do ombro de Harry. Me ponho de pé e devolvo o pano para a mesa, pressentindo que situações assim irão se repetir durante toda a celebração e certa de não pecar a fim de não permitir que Harry se sinta embaraçado com minha presença. — Aerin, como sempre está linda — É a jovem quem Osborn abraça desta vez, sendo rápido no ato apesar do elogio dirigido a ela e que a faz sorrir como se significasse o mundo, o que pode ser verdade, considerando o que já vi hoje. Quando Harry me olha e estende a mão para mim, não hesito em contornar a cadeira vazia ao meu lado e depositar minha mão sobre a sua, que ele segura com a mesma firmeza e o mesmo cuidado posterior, ciente que seu incentivo ainda é necessário. — Esta é...
Black! — A loura o interrompe a fim de completar minha introdução, seu sotaque perfeito revelando que ela é uma novaiorquina nata. Tenho certeza de que consegui tomar controle de minha reação e apenas lhe ofereço um sorriso de boca fechada, relaxando minha expressão e lhe estendendo a mão que ela aperta no mesmo instante. — Aerin Lauder, é um prazer gigantesco!
— O prazer é todo meu, Aerin. — O uso de seu nome não é algo que faria em outro momento, mas é inevitável quando ela não demonstra ressalvas em utilizar o meu sem termos sido apresentadas vez alguma. — Já nos conhecemos? — Questiono com educação, fingindo que não me lembrar dela me preocupa minimamente. — Sinto muito, porém não me recordo de termos sido apresentadas antes. Estou certa de que não me esqueceria de você.
Há um flash de orgulho no rosto de Harry quando trocamos um olhar rápido.
— Infelizmente não, queridinha! — Aerin rebate, sua surpresa incontestável para todos ainda que eu a tenha identificado em primeira-mão. — Ainda! — A sua volta por cima, substituindo os olhos verdes minimamente arregalados por um sorriso grande e travesso também me faz sorrir. — O seu nome está na boca de todos desde a festa do Stark e da Potts em novembro! — Ergo minhas sobrancelhas com rapidez, mantendo a mesma expressão amena mesmo que a informação seja nova e preocupante pois jamais esperava que minha presença na festa de meus pais obtivesse a atenção que Lauder faz aparentar. A propositalidade de seu ato é maldoso e eu continuo fingindo surpresa muda. Aerin toca em meu braço ao se aproximar, mantendo um sorriso travesso que não ultrapassa de um ato ardiloso agora que posso reconhecer sua intenção. — Com aquele Chloé magnífico, como não estaria, certo?
— É muita gentileza. — Minha resposta é recompensada com um afagar de dedos vindo de Harry.
— Por favor, sentem-se. — Ainda sem soltar-me, Harry oferece as cadeiras que completam a mesa, ato que considero significar que devo sentar-me na cadeira ao seu lado e assim o faço quando ele a puxa para mim. Estou acomodando a bolsa em meu colo quando sinto sua respiração sobre meu ombro, mas não o olho mesmo que o ar quente forme arrepios em meus braços e pernas, a sua voz soando risonha ao murmurar para mim: — Foi muito sagaz, Srta. Black. — Meus lábios têm vida própria e é impossível conter um sorriso em sua direção quando senta-se novamente, o seu também garantindo que minha atitude não o incomodou e sim o divertiu. — Nick, você ainda precisa de uma introdução agora que a Louder1 já a fez? — Osborn provoca enquanto o rapaz se senta diante de mim e o garçom se aproxima com mais quatro taças e substitui as antigas. — Muito obrigado. — Harry lança o agradecimento por cima do ombro e o garçom acena com a cabeça.
— Nicholas Hilton — O outro ergue a taça para mim antes de lançar um olhar risonho para o amigo, engolindo toda a bebida em um único gole. Ao desviar meus olhos, percebo que nós ainda estamos de mãos dadas e é Harry quem sustenta o contato, esticando seu antebraço em minha direção. — É um prazer finalmente conhecer a famosa e ainda anônima Black.
— Madame Lohia, imagino. — Harry rezingou, ainda chateado com a aproximação interesseira dela. Com meu dedão vacilante, toco a costa de sua mão, mas não encontro coragem de fazer carinho nela. Nick Hilton soprou o ar que segurava, concordando devagar pois, pelo visto, Lohia deve ter tido êxito em espalhar os detalhes minha presença para todos os convidados da celebração.
— Krystal Seo, no meu caso — É Aerin quem corrige quem imagino ser seu namorado. O nome não é novo e me recordo de como Krystal e Yuri Seo eram as gêmeas sentadas diante de mim e Harry durante o jantar de Tony. Quando o olho, Osborn aperta os olhos, o que notei ser a sua forma velada de revirá-los. — É óbvio que ela não deixaria uma beleza nova e tão adorável assim ser esquecida com facilidade — Aerin pisca para mim ao cruzar as pernas de maneira cerimonial enquanto mantenho o rosto baixo para disfarçar a vergonha. — Principalmente uma que chamou tanta atenção em uma festa tão exclusiva como aquela.
“E com um acompanhante ainda mais exclusivo ainda” sua mente alfineta.
Quando os violinos e harpas que enchiam o ar com sua melodia serena se dissipam, eu solto o ar devagar, mais agradecida do que deveria quando dois homens sobem no palco cristalino onde um microfone havia sido colocado. As implicâncias de Aerin Lauder não desaparecem, tornando-se cada vez mais altas e apreensivas em sua cabeça; os questionamentos sobre minha origem sendo mais afiados e eu me perco em suas memórias. Para meu horror, vejo meu rosto na maioria delas, mas apenas a face falsa que mantive durante toda a festa de despedida de Tony. Vejo uma garota asiática em um uniforme de tênis apresentando minha foto ao lado de Harry para Aerin, o ângulo garantindo que era uma das gêmeas Seo que se sentaram diante de nós. Como conseguiram a foto, não compreendo, mas pelo foco sei que foram rápidas ainda que descaradas.
Estou sorrindo nela, em um dos momentos que Harry arrancou risos de mim, e ele também está bem, os dentes perolados mordiscando seu lábio inferior ao sorrir ruborizado. Então outros nomes surgem em minha mente: Krystal havia mandado a foto para Lilian Celine, que tinha ido para o mesmo clube de tênis que Harry durante as férias em Wales e tem um olhar afiado para “piranhas interesseiras americanas”. Celine havia encaminhado a foto para quatro amigas de Nova Iorque, as três primas de Yale e o namorado em Hong Kong que talvez teria distribuído a imagem para todo o clube de polo que iria comparecer ao jogo. O percurso traçado pela fotografia foi um bate-volta extenso ao redor do globo e me sinto tonta ao imaginar que esse apenas é o trânsito de informações conhecidos por ela e como pode ter se multiplicado e ramificado diversas vezes até este momento, em especial quando Aerin considera que Harry está suficientemente contente comigo para apresentar-me ao público.
Harry solta minha mão para bater palmas e eu o imito, retornando para a realidade ao perceber ter perdido parte do discurso. Agora é um homem japonês que toma a voz e tento lhe ouvir.
— Espero que aproveitem o que temos preparado para vocês nesta celebração, pois todos aqui são elementos essenciais para o futuro da KM Holdings. Nosso mestre de cerimônias, senhor Nataniel Van Doren, irá guiá-los durante todo o dia para desfrutarem das atividades que foram planejadas, incluindo um tour de degustação pela adega premiada do meu grande amigo Lakshmi — O exalar triplo dos três ao meu redor revela o toque de falsidade presente na fala do idoso. São parceiros de negócio, não amigos. — E o evento que tenho aguardado há meses também vai ocorrer dentro destes muros: um torneio de polo onde nossos queridos filhos e seus times irão competir. — Molho meus lábios e controlo a vontade de olhar para Harry, apenas segurando com firmeza minha bolsa. — Esta fusão é um ato muito aguardado por nossas famílias, onde nos desvencilhamos dos previamente “líderes da indústria” americana e europeia, para fortalecermos uniões com aqueles que guiarão a economia mundial para o futuro.
O senhor dá mais detalhes sobre os eventos da manhã, o almoço servido dentro de algumas horas e o fabuloso brunch que todos deveriam degustar. Aplausos educados o seguem, então o murmúrio alto e a música das arpas e dos violinos retorna, assim como uma leva gigantesca de garçons com suas bandejas de prata lotadas e mais bebidas.
— O velho Kadoorie não consegue segurar a língua, não? — Nick indaga, virando a cabeça para nós mas ainda mantendo o braço apoiado na costa da cadeira, levantando a taça para os anfitriões. Aerin ergue a sobrancelha para o parceiro e então o imita, apontando a taça na direção de Harry, este que se manteve em silêncio mesmo que sua boca estivesse torcida durante todo o discurso.
— Erraram com a fusão e ainda querem culpar-nos por ela? — O desdém dele é mínimo, contudo, entendo o seu ponto ao crer que assim como romperam contratos com a Stark Industries, fizeram o mesmo com a Oscorp. — Mencionar isso em um discurso é humilhante para as empresas. Eles se sentem obrigados a justificar o erro. — Ele balança a cabeça claramente desgostoso.
— Eu também não ia estar confiante de perder vocês — O outro rapaz continua, esfregando a boca. — Sei que tecnologia não é nem mesmo próxima a hotelaria, mas as ações da Oscorp não param de subir. Estão quase alcançando o patamar da SI em solo americano — A menção da empresa de Tony chama minha atenção, mas ainda não ofereço reação alguma que possa ser útil para Aerin e sua rede de contatos que aguarda por noticias minhas. No entanto não preciso fingir interesse em um garçom com uma travessa de caixas laranjas. — Ouvi falar que o Stark está investindo em uma médica japonesa — Mordo o bochecha, incerta se o erro de nacionalidade de Cho é proposital ou não. — Nanotech.
Uma caixa laranja é depositada para cada um de nós e Aerin é a primeira a abrir a sua. Macarons.
— Ela é coreana. — Harry corrige e eu o olho enquanto abre sua caixa, uma fileira de doces coloridos surgindo. O imito e logo minha boca se enche d’água com o número de doces açucarados e seus insígnias dourados da KM Holdings. Espero um momento até que Aerin coma um e imito-a, sem comer o primeiro macaron de uma vez. São apenas quatro e sei que posso devorar eles rápido, mas creio que aguardar pelos outros é mais educado. O sabor de pistache se espalha em minha língua enquanto Harry comenta: — Ela fez alguns trabalhos com um geneticista da Oscorp, Nick. Tem certeza de que é Nanotech?
— Associada à genética — Não controlo minha boca e a resposta escapa antes que eu possa beber uma golada do drink com água de rosas. Sinto que os três me olham, Aerin com uma surpresa que é seguida de satisfação. “A Gee vai infartar! É só uma aluna nerd da escolinha nova do Hazz, nada de ameaça.” Seco a boca com o guardanapo quando Nick assente, conectando os pontos enquanto sua namorada planeja como irá contar a novidade para as amigas. — Ela tem uma bolsa em uma das universidades mais influentes da Coréia e está trabalhando com biocientistas usando a tecnologia do Stark. — Hesito e por fim não ouso olhar Aerin, contenta com os seus pensamentos. — A doutora Cho é uma geneticista tremenda e talvez seja por isso que o Stark “deixou” os Mittal escaparem tão fácil.
— Estão mudando o campo de atuação? — Harry questiona e quando o olho é impossível segurar o riso ao notar o seu esforço para manter o seu rosto sobre o controle. Minha relação com Tony e Pepper é um segredo tão íntimo nosso que é divertido que me questione pontos assim na presença de outros que não irão se importar com minha resposta. Assim, pendo a cabeça e ele segura seu macaron, ainda fingindo estar pensativo quando a covinha em sua bochecha se enfatiza. — A CLP também pode estar envolvida nisso tudo de Nanotech do Stark, não? — Esfrego a língua no céu da boca ao alcançar minha taça. — Nanotecnologia significa que em algum momento vão sair formas de energia mais limpas do que o petróleo dos Mittal e talvez não queiram estar envolvidos nisso.
— Nanotecnologia pode criar turbinas mais fortes, equipamentos e materiais mais duráveis do que a fábrica de poluição que é o petróleo — Harry está atento a mim, assentindo com interesse genuíno no que lhe digo, o macaron ainda seguro entre o indicador e polegar. — É mais cara a curto prazo, porém mais resistente e a manutenção pode ser feita à longa distância, até.
— Até mesmo com energia solar a tecnologia do Stark pode ser mais eficiente que a da CLP. — Nick se aproxima da mesa, interessado na conversa mesmo que Harry só pareça atentar-se a sua presença quando ele limpa a garganta. — Li que estavam testando no MIT como fulereno consegue absorver o dobro de radiação solar que os painéis comuns como os que a CLP Holdings oferta. — Enquanto Osborn prossegue, só consigo manter o foco em como a nanotubos de carbono, assim como outras nanomoleculas de carbono, conseguiriam capturar um nível de agitação ou qualquer forma de energia maior por área que outras estruturas. Um uso imediato me veem a cabeça. — É compreensível que o Tony tenha afastado eles...
— Não serão competição quando o Stark lançar a energia limpa dele, endividados com as quebras de contratos para ameaçarem a indústria ocidental. —Hilton conclui com um riso baixo ao perceber a jogada de Tony. Ele me olha por um instante e sinto a insatisfação de Lauder subir antes que ele se dirija a Harry. — Acho bom a Oscorp arranjar um estágio para a , Harry.
Osborn somente tira uma mordida de seu macaron após afirmar:
— Sinto que vou ter concorrência da Stark Industries.

*


— Madame Lohia está tendo uma manhã muito agitada...
A magnata está gargalhando ao caminhar muitos metros adiante, os braços dados com um rapaz e os outros convidados que são guiados por ela, todos se dividindo pelas rotas que levarão até um novo espaço de convivência nas entranhas do jardim da mansão, onde os espectadores assistirão ao jogo de polo e competições de hipismo. Não preciso respirar fundo para que o cheiro delicioso das flores ao nosso redor encham meu nariz, tão diversas que não as reconheço. Aerin e Nicholas estão caminhando de mãos dadas na nossa frente e ela segura o braço dele com a mão livre, sua cabeça apoiada no ombro alheio. A cena — apesar de tudo o que já cruzou a mente dela sobre mim — é adorável.
— É, ela gosta muito dessa fofoca toda — Harry suspirou ao meu lado, mantendo a distância porém sem deixar-me sozinha no pequeno labirinto ou permitir que alguém caminhe entre nós. — O nosso “mundo” é pequeno, como uma cidade minúscula onde todo mundo sabe da vida de todo mundo. — Viro o rosto para ele e a sua atenção permanece em mim. Sem demonstrar timidez, Harry não tenta esconder que já estava me olhando e nós trocamos um sorriso miúdo. — É uma forma de ela se divertir, uma forma de saber de tudo e ter “influência” — Agora Harry fala baixo e apenas para mim, mesmo que estejamos distantes dos outros e ninguém possa nos ouvir. Aerin está pensando em como suas unhas do pé combinavam com o sapato e conversava com Nicholas sobre “a viagem para Cuba”. — Ou alguém para conversar.
— Deve ser complicado — Dou de ombros e só depois de fazê-lo lembro como Pepper me disse ser uma falta de educação. Diminuo a distância de minhas passadas, a fim de encontrar Harry e logo consigo, então caminhamos lado a lado e ele mantém as mãos seguras atrás da costa, mesmo um pouco inclinado para mim. — Estar rodeada de pessoas que possivelmente querem saber coisas ruins sobre você e precisar vender mais informações para se manter relevante... — Minha pena é verdadeira, mas não direcionado a Lohia e sim para meu par quando assente devagar.
— Como é... — O loiro confessa com um riso que não passa de um exalar exausto. Quando a rota que seguíamos se divide entre duas trilhas, viro-me para Harry, aguardando que ele decida qual devemos seguir. Para meu alívio, ele acena para a menos movimentada antes de estender a mão para mim e eu a seguro com afinco, o toque me relembrando da imagem de Aerin e Nick, agitando-me ainda mais. — Não tem tantos olhares curiosos nessa rota. — Justifica-se.
É um jardim de gardênias amarelas com bancos e gazebos de madeira clara e as flores brotam de toda parte, todas protegidas da neve pelo domo sobre a propriedade. Mordo a língua para conter a vontade de questioná-lo como haviam feito algo assim que simulasse o clima comum de forma tão natural, mas estou perdida com a sua palma na minha. Para além desse pedaço de terra produzido com perfeição fica um campo aberto com morros e um bosque imenso, e mais adiante a floresta que vi ao chegar. Corro os olhos até o máximo onde eles alcançam e ainda consigo crer que a propriedade inteira não tenha fim, porém há neve cobrindo os morros e considero que a proteção só funciona na área da mansão.
— Como disse que ser como a Madame Lohia deve ser complicado, devo considerar que não cresceu nesse círculo, certo? — Harry questiona ao caminharmos sem nos apressarmos, aproveitando o segundo momento de privacidade que é ofertado. Eu engulo em seco ao perceber que, sem pensar, havia o feito prever tal coisa e me pego surpresa ao reconhecer que Harry é inteligente o suficiente para ligar os pontos sem a mínima dificuldade e o erro foi somente meu. — Não cheguei a perguntar sobre isso.
— Pode perguntar agora. — Meus lábios se repuxam em um sorriso e desta vez ele me acompanha, rindo baixo. — Se quiser, é claro. — Prossigo. — Pode perguntar: “De onde você surgiu, ?”
— Acho que é justo. — Harry ri. — Considerando que sabe toda a minha árvore genealógica.
Seguro sua mão com mais firmeza, meu coração agitado em um nervosismo confortável.
— Não toda a árvore genealógica. — Osborn faz um som de compreensão, com interesse genuíno ao balançar nossas mãos. — Acontece que as últimas gerações são fáceis, principalmente os nomes masculinos. Todos já foram usados pela Coroa Britânica, sabia?
— Posso perguntar sobre a sua memória fotográfica assim que terminarmos sobre a sua família? — A proposta é em tom de brincadeira, mas eu concordo. Minhas habilidades sempre foram motivo de surpresa e entretenimento, tanto que Bucky gostava de mencionar datas históricas e esperar que eu o indicasse qual evento havia ocorrido. — Certo... — Harry balançou nossas mãos novamente e moveu os seus dedos, como se tamborilasse minha mão. — Onde nasceu?
Respiro fundo, incerta entre lhe contar a verdade permitida ou mentir.
— Cardiff. — É um apontamento incerto, é claro. Nas documentações do orfanato onde cresci, Tony não conseguiu muitas informações além de Cardiff, que foi o local de nascimento de minha mãe biológica. — Mas fui criada até os cinco anos entre Liverpool e Londres. — São assumpções de Tony e acabam sendo mais doloridas do que eu pude esperar quando ditas em voz alta.
Nós não temos ideia de onde realmente nasci.
— Isso explica o motivo de ter uma fala tão compreensível — Harry comenta, realmente parecendo interessado no assunto e eu o olho. — Você fala devagar para que a entendam, pronunciando bem cada palavra e sem a cantoria dos galeses na voz. — Franzo as sobrancelhas ao perceber que não havia me atentado a relacionar isso com alguma parte de meu passado. Britânicos me ensinaram a falar e isto está tão atrelado em quem sou que, se não tentar mascará-lo, minhas descendência fica clara como a água. — Aposto em... Southwark, se for apontar um lugar em Londres. — “Por que?” A pergunta me escapa antes que eu possa controlá-la e Harry encontra meus olhos, estes que imagino estarem curiosos assim como me sinto por completo. Osborn para de caminhar e eu faço o mesmo, ansiosa quando se vira para mim com um sorriso para explicar-me. — Quando eu a ouço falar, o que seja que esteja dizendo, é com a pronuncia aprovada. — “RP?” Indago e Harry assente. — Moderna. — Ele corrige com a paciência de um monge, tocando em minha bochecha com a costa dos dedos tão delicado que é quase como uma brisa. — Sem parecer que fala com...
— Batatas na boca? — A comparação o faz pender um pouco a cabeça e rir sincero. — É a analogia favorita do Tony. — Na verdade, é a favorita de Sam Wilson, mas a mentira parece agradá-lo.
— Bom, então sei onde viveu até os cinco anos... — Seu ponderar faz meu estômago se revirar. Não tenho outras mentiras e lhe contar que vivi os outros nove anos até conhecer Tony na Alemanha ou na Áustria não me anima. — E sei que não morou em Connecticut... — O sarcasmo ao lembrar-se das provocações de Madame Lohia me fazem sorrir apesar do nervosismo, puxando a sua mão para repreendê-lo e Harry sorri abertamente, a ponta do nariz um pouco rosada. Permanecemos assim por um momento, enquanto considero o como sua pele deve ser sensível para ficar rubra tão facilmente. Me distraio com isso até perceber que Harry está afagando minha mão. — Deveria perguntar quando veio para Nova Iorque ou onde esteve após seus cinco anos, mas considerando que vive com a Pepper, não quero questionar o que a afastou dos seus pais.
Sua consideração é gentil e certifico-me de prometer lembrar-me dela no futuro.
— Eles não fazem mais parte da minha vida. — Não quero entender se me refiro a meus genitores que nunca conheci ou me refiro ao período que passei sobre o controle da Hydra. De qualquer forma, nenhum destes é parte de quem sou agora ou quero ser no futuro, este que parece tão pré-determinado nos últimos meses. — Pepper e Tony são minha família. No fim do dia, são eles que mandaram uma frota de segurança militar me transportar para cá. — Faço uma careta mínima.
— Está certa. — Harry se inclina um pouco até mim e finge estar ocupado afastando uma mecha de meu cabelo. — E obrigado por esclarecer que a mulher que tem nos seguido desde que chegamos é parte do seu time de segurança. — Viro o rosto para ele e Harry se afasta com um sorriso juvenil que pouco vi iluminar sua expressão durante nossas interações ou com qualquer outra pessoa. Ele indica com os olhos claros direção onde devo procurar e dá um passo adiante, incitando-me a acompanhá-lo. Olhando por cima de meu ombro eu identifico Maria Hill viro o rosto antes que ela me visse. — A conhece?
— É a chefe de segurança do Complexo dos Vingadores — Seguro firmemente a mão de Harry e ele repete o gesto antigo, afagando minha pele com o dedo. — Por favor, não faça movimentos bruscos ou eu garanto que ela vão lançar um tranquilizante em você e nós cairemos juntos nas gardênias.
Harry ri baixo ao voltarmos a caminhar, balançando a cabeça.
— Vou guardar isso para depois do brunch. — Ele pondera. — Madame Lohia irá adorar!
Nós caminhamos por mais alguns minutos enquanto meu corpo entra em um estado de frenesi, percebendo o quanto teria perdido e as risadas que não teria dado se houve lhe negado o convite. Apesar de tão nervosa, com ele ao meu lado, consegui contornar as situações incômodas e posso respirar aliviada certa de que fui educada em ambas, sem permitir — como Pepper havia indicado — que pisassem em mim. Mantenho isso em mente enquanto uma curva atrás de uma árvore nos une aos outros convidados e a mão de Harry fica mais firme na minha no mesmo instante que seguro a sua com mais afinco pois são muitas pessoas e meu novo medo é perder-me dele. Quando alcançamos o fim da primeira rota, eu prendo a respiração ao observar o gigantesco campo com cercas na altura de minha cintura e gramíneas. Pela aparência seca, teria sido coberto muito antes de toda a mansão.
Ao redor do campo, enormes tendas protegem mesas pequenas do sol artificial que faz meu vestido brilhar, mas arquibancadas altas e pálidas se encontram em ambos os lados do centro do campo, provavelmente para as famílias dos anfitriões e alguns conhecidos. Dois celeiros grandes estão na ponta esquerda do campo e é pra lá que percebo que Harry está olhando. Oh, certo... Ele irá jogar e a ideia acelera meu coração ao imaginar que ficarei sozinha, mas poder vê-lo em uma nova perspectiva é interessante. Mordo o interior de meu lábio quando vejo Nataniel Van Doren tomar a liderança dos convidados, batendo as palmas com um sorriso enorme.
— Amigos! Os convido para escolherem suas mesas e para aproveitarem as tremendas competições que seguirão os resto da celebração — Ele estende as mãos e eu ouço os sons animados da “plateia” de Van Doren. — Além de nosso torneio beneficente de polo, teremos amostras de hipismo e corridas de cavalos. Todas as apostas serão destinadas à Instituição Kadoorie-Mittal de Ensino na India, esta que é voltada para o público de jovens indianos em situação de vulnerabilidade e a capacitação de novos profissionais para a indústria. — Aperto minha bolsa, certa de que todo o dinheiro utilizado nesta festa poderia mudar muitas vidas. — Quanto aos times que irão competir hoje, estão a equipe de Cowdrey Park em West Sussex e o Clube de Polo de Calcutá — Resisto a vontade de olhar para Harry e também não ouso me mover de forma alguma. — Os criados deixarão envelopes para as apostas em cada mesa e contaremos com sua generosidade nesta bela manhã!
Alguém na frente lhe questiona algo que não tenho interesse em ouvir.
— Oh, sim! Muito obrigada por me lembrar Madame Lohia — Desta vez não me contenho e ergo o rosto para Harry, quem já está tentando disfarçar um sorriso ao me olhar, as covinhas evidentes. — Familiares e acompanhantes dos esportistas podem assistir as competições das arquibancadas e estão convidadas para as fotografias dos times vencedores.
Meu coração cai para o fundo da minha barriga e alcanço Lohia na multidão, buscando entender o que a levou a tal decisão de deixar isto tão claro. “Pobrezinha da Srta. Black... Jogada aos lobos durante o jogo do Osborn!”
— Por favor, não se esqueçam de seus binóculos e bastante água fresca — Nataniel olha para cima e todos o acompanhamos apesar da tensão em meu corpo que fora gerada pelos pensamentos sórdidos de Lohia. Nós observamos como os flocos de neve se acumulam sobre o domo sem nunca nos atingirem. — Teremos um dia ensolarado pela frente!
Risos verdadeiramente encantados e divertidos o acompanham, mas não consigo me forçar a fazer o mesmo, sentindo meu pulso acelerar ao imaginar que terei de ir para as arquibancadas junto a pessoas que não conheço enquanto Harry jogará por dois terços de uma hora e provavelmente terei de lidar com Madame Lohia outra vez. Ele deve sentir minha inquietação pois, enquanto os convidados se dissipam, nós permanecemos parados e ele olha ao redor rapidamente e eu aperto sua mão de novo, esperando que volte para mim e eu possa pedir que não faça isso comigo.
— Onde quer se sentar? — Questiona ainda sem me olhar, concentrado em outra coisa.
— Definitivamente não na arquibancada — Quando Osborn volta os olhos para mim, a sobrancelha um pouco erguida por minha resposta, eu percebo o erro nela. — N-não por você, mas... — Engulo em seco, ciente que não sei onde guiar minha justificativa. Eu observo as arquibancadas ao longe, sentindo meu estômago se revirar por serem muitas pessoas que não conheço e sentir que minha ansiedade irá me esgotar antes da insistência de Lohia. — São tantas pessoas e — Meus olhos se arregalam e eu exalo. — Fotos? — A voz trêmula me faz soar estúpida e me arrependo mais e mais, balançando a cabeça.
— O que acha de respirar fundo? — Nós estamos em público e sem estátuas centenárias para nos esconder de olhos curiosos, então a sua mão livre somente toca meu braço e eu busco o seu rosto. Os olhos de Harry são calorosos e um sorriso gentil modela os seus lábios. Encarando a imensidão de suas irises, eu respiro fundo o cheiro das gardênias e da grama, forçando-me a manter a calma. — , eu nunca a deixaria sozinha com pessoas que não conhece ou quem eu nem mesmo posso confiar ao seu lado — Harry garante, confusão desaparecendo de seu rosto e deixando calma em seu rastro. Calma, gentileza e paciência. — Especialmente lembrando do quão sobrecarregada ficou na festa do Stark. Se lembra daquela noite? — Abro meus lábios para lhe responder, porém estou incrédula demais que sequer se importe com tal coisa. — E, nem mesmo aparecerei nas fotos e me preocupo que a confundam com a acompanhante de outro jogador — Seu sorriso se torna maior e mais juvenil com a provocação, tanto que viro o rosto para o campo evitando olhá-lo e que ele flagre meu sorriso que é impossível de conter. Harry apenas afaga meu braço e dá um passo ao se afastar. — Venha, eu sei um lugar perfeito para nós.
O lugar perfeito é na segunda fileira de mesas diante do campo, próxima a lateral e afastada das arquibancadas o suficiente para não me pressionar. As mesas são distantes umas das outras de forma a não intervirem ou permitir que conversas privadas sejam ouvidas. Os japoneses, fora de seu país, são ávidos apostadores — Osborn cochichou. A mesa que ele escolhe para nós é em uma tenda particular, porém aberta para que todos possam vê-la e ele pede, de imediato, que o criado deixe a parte de trás aberta. Quando Harry puxa minha cadeira, entendo o motivo ao reparar na figura conhecida há uns quarenta metros de nós e meu sorriso é imediato. Happy Hogan está no centro de quatro oficiais do Complexo e Maria Hill sumiu, mas sua presença é mais confortável. Encolho os ombros embaraçada e Happy pisca para mim, as mãos seguras na frente de seu corpo formando dois “joínhas” com rapidez.
Assim que nos sentamos, percebo como tudo irá funcionar durante o jogo e os petiscos que serão oferecidos durante ele caso queiramos. Um menu está apoiado em cada prato — são quatro pratos no total e temo que Aerin e Nicholas se juntem a nós outra vez. Nicholas nem tanto, mas sim a sua namorada feroz e sedenta por fofocas. Molho os lábios ao segurar o papel-cartão e abri-lo. O primeiro prato se chama Bacon-Bling e é descrito como um sanduiche com carne porco raro, ovos, óleo e raspas de trufa em um brioche com açafrão. Trufas. Óleo de trufas em um sanduiche de bacon e ovos... MJ morreria com a situação e só consigo pensar nela. Mais abaixo, outros prato e bebidas são apresentados e explicados, as suas devidas variações oferecidas para o público vegetariano e vegano.
— Se não quiser a frittata de lagosta, pode pedir que substituam pelo omelete de cardamomo, . — Harry oferece devagar, ainda escaneando o cardápio. Lembro-me vagamente de um vídeo de Ned nos mostrou no almoço sobre um omelete japonês com arroz temperado e minha boca saliva. — Se me lembro bem, quase fez um pedaço de lagosta voar uma vez. — É impossível não rir ao olhá-lo e lembrar-me de quanto jantamos juntos na despedida de meu pai e como dei suor e lágrimas por aquela lagosta.
— Não finja que não derrubou o recheio de seu burrito ontem, Sr. Osborn — Provoco ainda sorrindo, analisando o cardápio enorme de sobremesas. Em silêncio eu escolho crepes de chocolate com caramelo salgado e sorvete. Ele balança a cabeça, sem importar-se e encostando-se ainda mais na cadeira, parecendo relaxado. Eu o prefiro desta forma, sem outros e apenas nós onde podemos brincar sem a presença de desconhecidos para mim.
— Precisa admitir que a pasta de feijão naquele burrito estava péssima — Harry fecha os olhos com drama e me faz rir outra vez, repuxando meu lábio inferior entre os dentes. Ele é novo num mundo que conheço há algum tempo da mesma forma que sou nova neste. — E os tacos... — Ele encosta a cabeça no ombro, imitando a posição que precisa estar para comê-los. — Ou me sujava ou não comia coisa alguma. Ainda não tenho essa destreza
— Nunca comi aquele burrito — Confesso. Ontem mesmo ofereci o meu para Ned. — Precisa aprender a não comer a comida enlatada que servem no colégio, ainda mais as mexicanas. Ou o macarrão com queijo. — Uma memória de MJ empurrando todo o seu para meu prato retorna.
— O macarrão é bom! — Harry defende de bom humor e eu balanço a cabeça. — Se ignorarmos que o queijo tem gosto, cheiro e textura de um pneu de carro, é um ótimo macarrão com queijo. Mas vou manter as dicas sobre a comida mexicana em mente.
— E os ovos mexidos vem em pó em um saquinho... — Cochicho como se fosse um grande segredo.
— Burrito, ovos e macarrão de borracha — Harry enumera as opções de almoço nos dedos e assente, as covinhas adoráveis surgindo. — Em Eton nós comíamos estas refeições elaboradas todos os dias, mas não eram muito melhores que as de Midtown — Estreito os olhos sem acreditar. — É verdade! — Ele ri, mostrando os dentes e sem importar-se com quem pode vê-lo e isso afasta meu nervosismo. — E, pense comigo — Pede ao se acomodar melhor na cadeira e aproximar-se mais da mesa. — A mesma comida todos os dias e sem tempero algum. Com o filho do Mittal ao seu lado reclamando da comida em todas as refeições — Arregalo os olhos ao descobrir que estavam juntos. — Mil vezes a Michelle reclamando do chá e ameaçando o Ned com um... Qual o nome? — Minha risada é baixa e a de Harry também ao recordarmos de nosso almoço ontem. — Ameaçando-o com um colharfo se ele não fosse esquentar para ela.
— Eu sinceramente acho colharfos muito versáteis, Sr. Osborn. — Eu provoco encantada com sua coragem em embarcar na brincadeira de meus amigos, a relação deles aquecendo meu coração.
— E são — Ele assente. — Podemos ameaçar uns aos outros e comer ovos em pó!
O pequeno oásis formado dentro da tenda é interrompido quando homens com câmeras surgem e Harry endireita sua postura e eu o faço o mesmo, somente assim compreendo o quão próximos nós estávamos. Os dois homens usam roupas distintas, sem parecerem ser funcionários, vestindo calças sociais e ternos escuros. Pelo canto do olho, o lento porém progressivo aproximar de Happy e sua equipe chama minha atenção, mas indico que esperem um momento, erguendo a palma para eles. Um dos fotógrafos questiona se permitimos que nos fotografem e especifica que uma das fotografias irá para a Forbes de Fevereiro e a outra poderá ser adquirida no final da celebração, mas Harry os despensa educadamente, pedindo perdões por preferirmos nos manter reservados, porém os deseja um ótimo dia e se desculpa uma segunda vez.
Abaixo a palma que estava apoiada sobre a mesa e peço aos céus que a equipe de segurança não se aproxime, meu rosto esquentando por nem mesmo poder permitir que Harry seja fotografado. Não consigo imaginar como meu mundo de despedaçaria se alguém descobrisse quem sou, principalmente a quem sou relacionada. A mera possibilidade é apavorante. O suspiro que deixo escapar folga o vestido sobre minhas costelas e eu as toco sobre o tecido macio, nervosa com toda a situação. A palma de Harry pousa sobre a minha na mesa e os dedos se curvam para segurá-la, o que me faz desvirá-la e apertar a sua. Nossos dedos não se entrelaçam, mas ainda gosto da sensação.
— Confesso que esperava que os Kadoorie tivessem o bom-senso de avisar os seus fotógrafos sobre os acordos que foram firmados, mas acho que se esqueceram. — Ele suspira, também incomodado. — Durante a confirmação dos convites, pediram que cedêssemos direitos de imagem, mas acredito que eles esperavam que alguns convidados se esquecessem disso. — Harry parece estar realmente insatisfeito e me questiono se este é um ato costumeiro em sua vida, negar-se a fotografias.
— Acho que fugir de câmeras não é mais tão seguro como um contrato de confidencialidade, certo? — Já conversamos sobre isso e sobre câmeras, mas a cena que protagonizamos demonstra como sua família fez a escolha certa para lhe proteger da mídia. Harry aperta os lábios quando o olho, parecendo sentir-se culpado pela situação e eu balanço a cabeça para dispensar tal preocupação. — Tony morreria se fotos minhas fossem publicadas em algum lugar. Obrigada por dispensá-las. — Solto sua mão devagar, tentando não parecer rude, e toco minha bolsa para garantir que está tudo aqui, incluindo meu celular.
— É mais seguro e, sendo quem é hoje, você se torna uma figura de interesse, entende? — Concordo devagar, considerando que talvez esteja certo. — Deveria comentar sobre o contrato com eles, creio que entenderiam.
— Ele não quer que eu entre neste mundo de cabeça, por isso tanta resistência com qualquer coisa relacionada à mídia, mesmo que indiretamente — De repente, quero ouvir o que foi dito de mim quando estava na ponte do Brooklyn. Tenho fugido das noticias desde ontem e, pela primeira vez, quero saber a o que disseram sobre mim. — O Tony já viveu tempo demais no meio disto tudo para entender que nunca pode confiar muito nas pessoas, sendo a mídia ou a opinião pública.
— Sinto que estou em apuros com ele, então. — Sua linha de raciocínio não me surpreende, mas me sinto estúpida por não ter percebido antes como isso se aplicava a ele.
Um garçom se aproximou e depositou uma tábua grande sobre a mesa, com pedaços de diversos tipos de queijo, pequenos potes com compotas e geleias, frutas, sementes e pedaços de pães com cores diferentes. Quando ele questiona se aceitamos alguma bebida, Harry pede pela última coisa que eu esperaria agora que não deve beber o que já foi escolhido por outros: uma Coca-Cola original, com bastante gelo e sem limão. Ainda estou impressionada demais que refrigerantes sejam “possíveis” neste lado da vida, mas repito seu pedido e vejo o garçom partir com um sorriso agradável. Eu respiro fundo ainda incerta de como prosseguir com nossa conversa antiga, mas opto pela verdade.
— É... — A confirmação me machuca e me arrependo. — Ele foi resiliente com a minha vinda — Seus olhos se estreitaram de leve, não mais melancólicos, e sim tristemente compreensivos. Sustento minha expressão com toda a força em mim, não aceitando que algo deste porte seja tão costumeiro para ele e, no fundo de meu coração, sinto a irritação da noite anterior se fortificar. Pepper está certa: ele é tão jovem quanto eu e não precisa compensar as falhas do pai. — Perdão, eu não queria que...
— Eu entendo. — Harry me interrompe e é doloroso perceber como ele entende mesmo. Não deveria.
— Não por você, mas — Me movo na cadeira, sentindo-me terrível por ter me expressado assim.
Eu sei.
Observo o rosto dele com cuidado, questionando-me se este será meu futuro — filha de Tony Stark e acorrentada pelos erros que nem mesmo foram cometidos por meu pai mas estão atrelados ao seu nome pelo resto de sua vida.
— Já a Pepper... — Estou sorrindo ao lembrar-me dela, do abraço em meu quarto e sua felicidade ao saber sobre o convite, forçando-me a lembrar que, além de filha do Tony, também serei parte ela. Um calor se espalha por meu peito e é como abraçá-la. — Ela estava nas nuvens com a ideia — Apoiando o cotovelo no braço da cadeira, inclino um pouco o rosto para tocar meus lábios com as pontas dos dedos a fim de conter meu sorriso pois é mais engraçado ainda me lembrar dela e eu deveria estar confortando Harry, não me sentindo tão querida ao recordar-me de ontem à noite. — Brigou com o Tony e me ajudou a escolher a roupa, cabelo, sapato...
— E fez um trabalho magnifico. — O elogio em um momento divergente de seu escopo é arrebatador.
Ainda não olho para Harry, duvidando que consiga.
— Direi isso a ela. — Garanti, imaginando qual seria a reação de Pepper e se ficaria com o coração tão acelerado quanto o meu. É possível. — Se for ser sincera, acho que ela ficou mais animada que eu — Decidi me corrigir novamente, farta de frases pela metade que possam machucá-lo. — Contei cada minuto até chegar aqui, é claro — Confesso, observando a grama, evitando o rosto de Harry. Ele deve estar sorrindo, o seu sorriso torto e que deixou a secretária da escola sem ar ontem. — Mas a Pepper estava extasiada que eu finalmente fosse a um primeiro encontro e, em uma nota mais especial, que tenha seja com você.
Ao ouvir o retorno do garçom com as bebidas, meus olhos encontraram Harry intencionalmente. Seus ombros estavam tensos e ele parecia ter prendido a respiração por alguns segundos, apenas sussurrando um "obrigado" quando pousaram seu refrigerante na mesa assim como o meu, seus lábios franzidos e olhos cerrados ao ponto que me preocupei se algo errado houvesse acontecido e minhas palavras houvessem sido mal pensadas outra vez. Eu desejo ouvir seus pensamentos para conseguir encontrar uma maneira melhor de me expressar e estou tão tensa com seu silêncio que imediatamente apanho o copo de Coca-Cola e bebo uma golada congelante, buscando conforto no sabor familiar da bebida.
— Este não é o seu primeiro encontro... É? — Osborn hesitou e eu franzi as sobrancelhas. Era isso que o incomodava? Harry soou incrédulo e indignado, me olhando após desviar a atenção de seu copo de refrigerante. Seus lábios estão um pouco afastados e me questiono se ele não acredita no fato de ser meu primeiro. Considero se deveria ter o informado sobre tal fato previamente. — , está falando a verdade?
— S-sim — É minha vez de gaguejar e sentir o sangue colorir meu rosto e orelhas. — Mas...
— Quer me dizer que você — Harry se acomoda melhor em sua cadeira e inclina-se até mim outra vez, os lábios se movendo um pouco pois não parece se decidir entre sorrir ou manter a expressão antiga. — Você, — Não controlo meu rosto e ergo a sobrancelha, incerta do que implica a sua surpresa. — Nunca foi a um encontro?
— Não é tão difícil de acreditar se você se lembrar de que eu estava tremendo mais cedo. — Indico e levanto minhas mãos sobre o tecido macio da mesa, a fim que Harry as olhe e perceba que estou sendo sincera. É tão surpreendente assim? Respiro fundo, embaraçada pela verdade. — Não estou muito acostumada a... Isso.
— Quando disse que estava nervosa e se sentia deslocada, imaginei que seria pelo ambiente e não por este ser seu primeiro encontro — Ele não mais parece magoado como as opiniões de Tony haviam o deixado, mas sim deixa uma culpa desnecessária transparecer. — , se eu soubesse nunca teria a trazido para um... — Suas palavras se perdem. — Teria feito algo mais especial e não a convidado para um lugar cheio de pessoas assim. — É como se meu coração crescesse duas vezes mais em meu peito. — A levaria para um lugar onde se sentisse confortável, entende o que digo? — Assinto devagar ao respirar e sem hesitar em acreditar que Harry está sendo sincero. Ele não demonstrou nada além de paciência e carinho comigo desde que cheguei. — Entendo que o Tony tenha sido protetivo com você, mas não havia conectado os pontos e imaginado que seria a essa extensão. É inacreditável olhá-la e tentar entender como não foi em um encontro antes ou ao menos esteve com alguém.
Memórias recentes quase me afogam, mas opto por balançar a cabeça.
— Apesar de tudo, eu estou feliz por estar aqui, Harry. — Afirmo com firmeza, sorrindo para ele. — Não pense o contrário, por favor. — Ele hesita antes de assentir e eu seguro a sua mão que estava sobre a mesa, tentando garantir que não estou mentindo. Seus dedos apertam os meus de volta. — Não é o típico primeiro encontro, mas está sendo bom. De verdade.
Os seus lábios se afastam, mas antes que alguma resposta lhe escape, ouço o som de seu celular. Afasto a mão e Harry pede perdão ao puxar o aparelho do terno e digita algo, incomodado pela interrupção. Quando vou questionar se houve algum problema, um rapaz se aproxima de nossa mesa com os braços cruzados e um olhar tedioso direcionado a Harry. Ele clareia a garganta para chamar a atenção do outro. É um menino jovem, não parecendo passar dos doze ou treze anos, mas está vestido com um terno de três peças e o cabelo está bem penteado.
— Tem noção que o Freddy está revirando a mansão atrás de você, não é? — A voz do menino chama atenção de Harry e ele ergue a cabeça no mesmo instante apenas para ser recebido por um par de olhos verdes e lábios apertados em uma careta. Harry abaixa o celular e suspira, ainda olhando o outro e é somente aí que noto a semelhança entre eles: as bochechas altas e os narizes longos. Este deve ser Louis, seu irmãozinho mais novo. — Srta. Black, certo? — Volto minha atenção para ele e concordo com a cabeça, recebendo um sorriso amigável enquanto contorna a mesa para parar do meu lado e estender a mão para mim. — O Harry fala muito de você.
Louis... — Osborn grunhiu em alerta, mas já estou sorrindo para o menor e apertando sua destra. Ele se senta na cadeira entre mim e Harry, desabotoando o terno igual seu irmão fez e apanhando um cubo de queijo do prato há muito esquecido por nós. — Lou, este é o prato da . — A reprovação do mais velho não parece afetá-lo e nem mesmo faz meu sorriso falhar. É como o ver descontente com Madame Lohia ou Aerin, mas de uma forma completamente diferente e mais engraçada ainda. Quando Louis vira-se para mim, um beicinho mínimo formado e olhos faiscando com rebeldia juvenil, eu dispenso a reprovação de Harry, que suspira de novo. — O que o Freddy quer?
Imitando o menino, pego um pedaço de queijo com um garfinho e me arrependo de imediato.
— Este aí não presta — Louis indica para mim e se inclina na mesa, apontando para uma seleção na ponta do prato, próxima a uma compota de figo. — Esses aqui não são amargos. — Lhe agradeço e olho para Harry, em uma tentativa certamente falha de fingir não estar entretida. Enquanto ele é elegância, o irmão mais novo é como ar fresco num verão escaldante. Adorável. Harry maneia a cabeça para mim, sorrindo um pouco ao perceber que não me incomodo com a presença alheia e vira-se para o menino. Diferente dele, Louis tem cabelos escuros e alguns sinais pelo rosto. — O jogo vai começar em vinte minutos. O Sr. Kadoorie quer começar o brunch logo depois do hipismo e da corrida.
— Bom, irmãozinho, então você ficará encarregado de fazer companhia para a Srta. Black enquanto eu jogo — Harry propõe e, diferente do meu temor antigo de Aerin e Nicholas se juntarem a nós, não vejo problemas em esperá-lo ao lado de seu irmão. Ele me lembra Mazi e só penso em como o irmãozinho de MJ e ele se dariam bem. — Pode fazer isso?
— Você vai me deixar comer o queijo? — A pergunta é direcionada a mim.
— Só se comer as azeitonas e o picles também — Proponho e logo Louis Osborn assente para Harry, firmando o acordo entre eles. Não sei de onde surge a coragem, mas ao selecionar a amora enorme na tábua de frios, volto minha atenção para o mais novo que já segura uma azeitona recheada. — E se me contar o que o seu irmão disse sobre mim, é claro. — Estendo a proposta com um sorriso que é imediatamente correspondido por Louis e, quando olho para Harry, ele desviou o rosto mas o rubor em suas maçãs do rosto é evidente pela luz do sol.
Já fui provocada e feita ruborizar várias vezes por ele e como não tenho habilidades para fazer o mesmo com sozinha, então nada melhor do que me aproveitar do sorriso malicioso do seu irmão.
— Ah, eu nem sei por onde começar! — Louis suspirou, sorrindo tão maldoso que me acomodo melhor para poder prestar atenção em tudo. Harry grunhe, cruzando os braços e pressionando a língua contra a bochecha ao olhar para o outro; e desta vez me movo na cadeira por outro motivo. — Primeiro que o Harry está há um mês falando de você e, espera — Ergo a sobrancelha enquanto Louis faz uma pose, uma mão no quadril. — Você já notou que ele trocou duas classes para vocês fazerem elas juntas? — O suspiro de Harry é tão alto que posso apostar que ele o segurava desde que o irmão chegou. — História Americana e Química Orgânica II!
— Louis — O loiro estalou os dedos para chamar a atenção daquele que apenas piscou. — Vou pisotear você com o Charcoal. — Harry aponta com o dedão para os celeiros e é minha vez de rir.
— Ele também passou trinta minutos no telefone com a melhor amiga dele, que está em Brunei, só ponderando se aguentaria um “não” se te convidasse pra festa de hoje — Ignorando Harry, ele prosseguiu. Estou sorrindo tanto que nem me reconheço, mas é divertido demais ver o embaraço colorir todo o rosto e o pescoço de Osborn enquanto esfrega a testa.
— Eu só irei contar até três, Lou...
— Até trinta, por favor — Peço e cerro os olhos igual fez previamente e volto a olhar Louis que passa pasta de alho em um pão. — Prossiga, Sr. Osborn. — O termo faz Harry rir desacreditado.
Para o horror dele, o pré-adolescente bebe uma golada de seu refrigerante antes de continuar.
— Qual é, Harry? — O menino revira os olhos e preciso esforçar-me para não comparar a relação de ambos com o clássico do irmão mais velho sério e o mais novo que não piscaria ao incendiar algo. Ou matar alguém de vergonha, sendo seu irmão ou eu. — Só estou querendo dizer que, , por falar nisso, posso te chamar assim? — Concordo com o coração acelerado, incrédula que Harry temia um não. Como eu o conseguiria lhe negar um encontro? — É muito importante que ele tenha se preocupado mais que o normal com o que vestia, também! Foram... Cinco ternos? E os sapatos, querida... — Louis balança a cabeça, fingindo estar arrasado. E Harry não o olha, as orelhas rubras como a amora que comi. — Até a Georgie concordou comigo que ele ia ter uma síncope antes do café da manhã!
— Gostaria de conhecer a Georgie... — Provoco outra vez e apenas ouço o “não” derrotado de Harry.
— Você vai conhecer ela, mas só se conseguir dopar o Henry. Ela é bem pior que eu. — Louis riu.
— Henry? — O apelido automaticamente escorrega de minha língua e o Osborn mais velho apenas balança sua cabeça, voltando a esfregar a testa com a ponta dos dedos. — É um apelido adorável!
Harry suspira pesadamente e afasta sua cadeira, encarando o irmão mais novo que ri travesso, talvez ciente que eu não permitirei que o maior o puna. Nossos olhares se encontram e seu rosto se suaviza, o que faz meu peito esquentar ao perceber que o prévio nervosismo passou por minha causa. Ele abotoa o terno enquanto Louis comenta algo sobre dez balaios, o que apenas o faz assentir ao virar o rosto para o campo. Meu coração vacila e preciso de muita coragem e confiança para abrir minha bolsa e segurar a caixa quadrada dentro dela.
— Estarei de volta em uma hora, ok? — Osborn se aproxima de mim e eu ergo o rosto para ele. — E então podemos comer e eu vou levá-la para conhecer as estufas ou fazer o que quiser. — Ter um planejamento auxilia no controle de minha ansiedade e me faz concordar, mas sua palma sobre meu antebraço apenas me faz querer jogar o planejamento pela janela.
Eu o quero aqui e ao meu lado.
— Hmm... — Engulo em seco ao me pôr de pé, segurando a caixa ao lado do corpo. Um sombra de surpresa cruza seu rosto, mas ele não hesita em amparar minha mão livre, mesmo sem saber que minha perna dói quase ao ponto de me fazer arfar. Sinto o calor se espalhar por meu rosto e noto que a presença de Louis apenas irá piorar a situação, então aperto a mão alheia com afinco. — Eu quero te mostrar uma coisa.
Franzindo as sobrancelhas um pouco mais escuras que o cabelo, ele me segue para fora da tenda, mas ainda nos mantém sobre a sombra da mesma árvore que a cobria. Por sorte, a terra não está fofa e meus saltos não afundam.
— Aconteceu alguma coisa? — A apreensão acentua sua beleza e eu balanço a cabeça.
— Não — Seus ombros se abaixam, a tensão escorregando por eles. — Na verdade, eu te trouxe algo. — Afirmo, lembrando-me de como havia treinado isso algumas vezes na frente do espelho hoje. A expressão confusa de dele o assemelha a uma foto que sua vi quando criança e eu seguro a caixa diante de meu corpo, em sua direção. — Você me disse que precisava de luvas novas para jogar. E quero agradecer o café que comprou para mim há algumas semanas — Seus olhos caem para a caixa branca da Moncler Grenoble. — São da Moncler e com fecho duplo de couro. — Comento e sinto o calor se espalhar por meu pescoço, logo diminuindo minha já mínima coragem de olhá-lo. — E eu preciso que as aceite ou irei morrer de vergonha, Harry.
Ele exala o ar que segurava, mas é como uma risada. Uma risada nervosa ao aceitar o presente.
— Obrigado. — Nós suspiramos em uníssono, mas ele soa arrebatado e eu aliviada. — , eu não acredito que comprou luvas para mim... — Harry não soa irritado, mas... Surpreso? É claro que eu não acertaria de primeira em um presente, mas queria que sentisse tão importante quanto tem me feito sentir.
— Você disse precisar de luvas novas — Detesto o quão frágil minha voz soa ao repetir a mesma coisa de antes, porém desejo agradá-lo. Harry se demonstrou tão bom comigo desde que nos conhecemos, que me sinto na obrigação de o agradecer. Observo com extrema atenção enquanto abre a caixa e afasta todas as folhas de seda que cobrem as luvas, olhando seu rosto ora ou outra e atenta para cada mísera reação. — E, como foi tão gentil comigo este tempo todo e foi paciente, eu senti que precisava compensá-lo. — Harry soltou a primeira luva sobre a caixa e me olhou com firmeza, os lábios franzidos.
— Eu não preciso ser recompensado por tratá-la bem, . — Ele garante, quase ofendido e meu estômago se revira. — Não pense assim, por favor. — Quando estende a mão para tocar minha face, aproveitando-se do esconderijo proporcionado pela árvore, eu me inclino para encontrar o toque e seguro em seu pulso sobre uma pulseira escura. Os olhos firmes dele se derretem e gosto, cada vez mais, do efeito que consigo ter sobre ele. — Estamos entendidos? — A frase me lembra de Pepper e eu assinto de imediato, soltando seu pulso devagar e dando outro passo até ele e olhando para as luvas novas.
Estou tão nervosa que preciso engolir em seco para conseguir falar, então opto apenas por mostrar o que quero que veja. Molho os lábios e viro uma luva ao avesso, mas não encontro o que busco e faço o mesmo com a outra, o embaraço apenas se fortalecendo quando, em meio ao tecido preto, fios de ouro formam minha inicial. Não sei o que fazer com minhas mãos, então apenas as cruzo atrás de minha costa, atenta para o sorriso que se abre no rosto de Harry ao segurar a luva com cuidado, correndo o dedão sobre o relevo em ouro amarelo e com o sangue ruborizando até mesmo a pontinha de seu nariz. O vê-lo envergonha é quase divertido e Harry sorri de volta para mim, os olhos brilhando.
— O Freddy e o Nick estão no meu ouvido desde que comentei que viria me ver jogar e agora mesmo que irão provocar ainda mais. — Ele balança a cabeça, rindo. Não parece incomodado de verdade com as provocações e isto me faz querer rir. — Sabe que não deveria ter feito isso, certo? — “Por que?” — Bom, porque se nós vencermos hoje, vou saber que é o meu amuleto da sorte.
Meu coração salta.
— Precisamos admitir que é um belo amuleto. — Toco em seu rosto e, com mais um passo até ele, pressiono meus lábios em sua bochecha. Sustento o toque por alguns segundos e sinto sua palma encostar em minha coluna outra vez, todo meu corpo se arrepiando em seguida. Me afasto devagar e limpo a marca de batom em sua pele antes de buscar seus olhos e perceber o quão próximos nós estamos, ao ponto de meu peito esbarrar no seu quando respiro. Minha pele se aquece e eu engulo em seco uma segunda vez, sustentando o olhar de Harry. — Boa sorte. — Seu sorriso é largo e a mão em minha costa se afasta, ciente de minha provocação. Desta vez é ele quem beija minha face, mas é no topo da maçã do rosto e abaixo de meus olhos. O selar é quase brincalhão.
— Sabe bem que eu não me referia as luvas, não sabe? — Sua dúvida é sorridente e eu ainda não me afastei o suficiente, a ouvindo tão próxima de meu ouvido que poderia ser um sussurro.
— Eu também não — Garanto com o coração acelerado e o olho uma última vez antes de afastar-me definitivamente e caminhar até a tenda. — Boa sorte, Osborn!
Quando me sento novamente, não tenho ideia como minhas pernas bambas não me permitiram cair, ou como irei agir daqui em diante com Happy pois sei que toda a equipe de segurança viu o que fizemos e nem mesmo quero imaginar a reação de Tony se souber disso. Ou talvez, Happy não conte para ele, afinal, acredito que tenha mantido o segredo sobre as mulheres desagradáveis na loja há uns dias. Molho os lábios, sentindo meu batom ainda resistindo e noto que Louis está me olhando um pouco envergonhado.
— Desculpa por ter chamado o Henry pro jogo, é que ele realmente ‘tava atrasado — Ele se explica e eu dispenso a desculpa, certa de que suas intenções eram as melhores. Na ausência do irmão, sua timidez transparece e eu lhe dou um sorriso. — Bem, no que mais posso ajudar você? — Questiona enquanto remove o terno que certamente deveria o incomodar. Louis é um menino e não deveria usar tantas peças assim.
— Talvez — Dou ênfase na palavra ao pegar outra amora, incerta sobre os queijos e acabar ficando com mal hálito o resto do dia. — Talvez possa me contar o que já ouviu sobre mim. — Louis concorda parecendo disposto a fazê-lo. Diferente de Harry, ele é bem pálido e eu enfio a fruta na boca ao decidir alterar as fontes de suas informações. — Mas não o que o seu irmão lhe disse, talvez o que já ouviu sobre mim de outras...
— Fontes? — Ele completa a oferta e eu assinto, atenta para como sua boca se aperta ao ponderar o que pode me dizer. Sua pausa me deixa nervosa. — Ok... — Louis se estica e puxa uma fita que mantinha a sua aba da tenda aberta, escondendo-nos de olhares curiosos. Ele se apoia na mesa e afasta o refrigerante do irmão, parecendo quase animado. — O que ouvi do Dossiê Black, é que é a filha de industrialistas de descendência italiana. — A informação se conecta com o que já foi passado a Rachel na Moncler e sei que Tony está por trás das informações. Apenas assinto e Louis cerra os olhos para mim, afinal deve saber a verdade. — Algumas pessoas comentam sobre seus pais estarem instalados no Brooklyn ou algo assim, mas ninguém conseguiu ir mais fundo que isso e eu ‘tô batendo palmas pra sua família. As fofoqueiras são péssimas e para perderem-se sem saber nada além disso é quase um milagre.
— Qual o motivo de tanto interesse?
— Não querendo me gabar, mas você ‘tá literalmente sentada no ciclo fechado de famílias, clãs e dinastias mais velhas e tradicionais do que Nova Iorque — Osborn não se gabou e os seus olhos transpareciam a verdade no que dizia. Ele não buscou me diminuir em momento algum, só sedimentar ainda mais o que eu já sabia. — Gente nesse patamar preserva tanto a privacidade que beira a obsessão e são loucas para saber cada detalhe de árvores genealógicas inteiras, descobrir o calcanhar de Aquiles dos outros, conexões entre as famílias, dinastias... É a nossa vida, sabe? — Eu concordo outra vez, a pena que sentia de Harry se estendendo até seu irmão. — Então, tipo, se você ‘tivesse no lugar delas e soubesse que tem uma pessoa nova no seu grupo tão exclusivo e que automaticamente recebesse atenção de alguém grande, não ia querer saber a mesmas coisas que estão procurando sobre você?
Eu pisco ao, finalmente, compreender o que tanto desejam de mim e perceber que faria o mesmo pela minha família e um intruso invadisse nossas vidas. E que é isso o que sou — uma intrusa.
— M-me desculpa — Louis gagueja de repente e eu o olho. Ele parece apavorado. — E-eu não devia...
O ver preocupado com a verdade parte o meu coração.
— Não importa o que me disser aqui, o Harry não vai saber, ok? — Cruzo as mãos sobre a mesa e ele engole em seco, ainda temeroso. — Louis, eu sei que o que ele me contou foi o básico para me proteger de estresse e sou grata, mas eu quero saber no que estou me metendo, entende?
— Só não fica chateada com ele — Louis engoliu em seco. — A gente é amigo agora. — A implicação do “agora” me pega de surpresa mas não ouso discordar ou deixar que o sentimento transpareça. Houve algum momento em que eles não eram amigos? Já assisti filmes clichês e sei que a relação entre irmãos é divertida e cheia de provocações, então opto por escolher essa ideia. — Nós só estamos cuidando do nosso círculo, sabe? Esse negócio todo de gente nova deixa geral meio com o pé atrás. — Ele prosseguiu e eu lhe dou minha atenção. — Minha mãe vive falando com a sua tia pra saber de você e tal. O meu pai nem liga muito, mas não leva ele a mal porque é como ele é. — Um instante de tristeza vibrou pelas pupilas de Louis. — Ele não tem tempo para as nossas bobagens.
— Ele está trabalhando para que vocês tenham uma vida confortável — A explicação me escapa e não entendo o motivo, mas quero tomar Louis em meus braços com pena dele. Então é só assim que percebo que ele tem quase a mesma idade que eu tinha quando fui resgatada. — Mas eu tenho certeza de que se importa.
Louis estreitou os olhos e temi ter dito algo errado.
— Você fala igual a mam... — Ele frisou os lábios em uma repreensão infantil. — Igual a minha mãe.
— Então a sua mamãe deve ser muito inteligente. — O menino me encarou fingindo estar irritado enquanto segurava um sorriso e só enfiou um cubo de queijo na boca. E então mais um. Eu sorri para ele, feliz pela companhia que me ajudava a processar tudo com mais leveza. — O que a minha tia falou de mim?
A pergunta me deixa apreensiva e quase me arrependo de fazê-la.
— Que é inteligente — Empurro um cubo de um queijo na direção dele e Osborn sorri com o suborno antes de jogar a comida no alto e pegar com a boca. Harry morreria se o visse e isso me faz sorrir. — Que é gente boa e caseira, que ajuda o Stark nos laboratórios e que ficou toda vermelha com as flores que o Henry te deu de Natal. Você gostou delas? — Digo que sim, pois é a resposta óbvia. Os mosquitinhos foram prensados entre livros enormes para secarem e eu os guardar. — Eu que falei pro Harry colocar os viscos! — Louis informou com um sorriso orgulhoso. — Como ia saber que era um presente de Natal?
— É verdade — Assinto, fingindo realmente precisar de tal indício e vejo como satisfação se espalha pelo rosto delicado do menino. — Obrigada, Louis. O seu irmão deveria te agradecer pela ajuda. — Uma animação juvenil colore meu peito e me sinto divertida. — O que quer que ele faça? Eu posso pedir e duvido que ele diga não, então escolha qualquer coisa.
Não tenho garantia de nada, mas o brilho rebelde de Louis Osborn me convence que tenho sim.
— Pode pedir que ele faça macarrão com queijo taleggio? — Ele aponta para um queijo no prato. O que mais comeu desde que chegou. — A Petra tentou fazer e não ficou igual ao da ma... — “Da sua mãe” O corrijo antes do “erro” e Louis assente. Não sei quem é Petra, mas acredito que seja a cozinheira dos dois aqui na cidade. — O Henry fez com pancetta por cima uma vez e ficou igual!
— Diga pro Henry — O apelido é tão íntimo que me sinto embaraçada de dizê-lo. — Que eu mesma pedi que ele fizesse para você. Pode ser? — Estendo a mão sobre a mesa e Louis a aperta.
Nós ficamos em silêncio por alguns instantes e antes que eu comece a me sentir desconfortável e queira quebrar o gelo de alguma forma, funcionários começam a passear pelas tendas, cada um segurando uma ou duas caixas longas semelhantes a que guardava os macarons mais cedo e que não tive a chance de provar. Louis conta que são os binóculos para o jogo, também avisando que Harry havia pedido um para mim para que o encontrasse no campo. Quando um funcionário se aproxima e deposita duas caixas sobre a mesa, eu apanho uma e abro, encontrando um binóculo dourado com uma haste longa igual aos filmes antigos. Estou quase o removendo da caixa quando encontro um papel cartão na tampa, com o número 18 e a assinatura de Harry. Louis murmura que é mais fácil encontrá-lo por seu cavalo, o único que é tom grafite em seu time.
— Lou-Lou! — Osborn vira a cabeça para trás com tanta força e rapidez que tenho certeza que ficou tonto com o movimento e eu olho na mesma direção dele, buscando quem tenha lhe chamado por um apelido tão carinhoso.
Os óculos de sol são o primeiro detalhe que reconheço na figura que caminha confiante até nossa tenda, então, os lábios vermelhos e os fios loiros presos com algumas mechas caídas emoldurando seu rosto arredondado, lhe dando um ar mais jovem. Sinto meu coração vacilar quando reconheço quem trata Louis com tanto carinho e quem se veste tão bem. O vestido de plissados pretos se prende em seu pescoço, anulando a necessidade de colares com uma enorme flor branca entre suas clavículas e a garganta. A cor ressalta ainda mais a seu bronzeado e o batom. A elegância do vestido escuro e apenas um par de brincos de pérola me amedrontam assim como os muitos convidados bem-vestidos que vi hoje, mas forço um sorriso educado e empurro a minha ansiedade e dúvida para o fundo de minha cabeça, percebendo como Louis se levanta a contragosto.
As memórias de minha tarde na Moncler me cobrem como uma avalanche de neve sobre os meus ombros, fincando-me na cadeira. Era a garota educada que havia me contado o motivo de eu ter sido tratada de forma incorreta na loja, mas as memórias do dia se mesclam com todo o incidente de May e minha cabeça gira ao ponto que preferi esquecê-las. Observo quando Louis a abraça e decido me colocar de pé também, mesmo que talvez ela não dirija palavra alguma para mim. Ela segura as bochechas dele por um momento, sorrindo largo ao chamá-lo de tesoro, ainda que as mãos do menino permaneçam caídas e tensas ao lado de seu corpo.
— Eu não acredito! — A exclamação é dirigida a mim e, imitando as reações que Harry demonstrou na última hora, lhe ofereço um sorriso que considero não ser forçado. Quando remove os óculos, abrindo um sorriso ainda maior que exibe seus dentes perfeitos, a loura faz o caminho até mim. — Srta. Black! — Ela ri e ignora minha mão estendida em sua direção apenas para envolver-me em um abraço de urso que não encontra espaço na última memória que tenho dela como uma cliente sofisticada da famosa loja. Ainda assim, o seu perfume de uva me envolve e eu me esforço para corresponder o abraço enquanto considero a possibilidade dos olhos de Louis ficarem de forma permanente revirados de tanta intensidade que ele coloca na careta.
— Stacy — Digo. — É bom revê-la. — Ergo a sobrancelha para Louis quando ela afaga minha costa.
— Querida, que bom te ver de novo também! — Louis pede por um instante ao balançar a cabeça e a jovem se afasta, segurando meus ombros. — Espero que tenha estado bem! — Concordo com um sorriso, tentando ignorar como seu toque serve como um estimulo para meus neurônios ansiosos por mais informações, estes se distendendo e se emparelhando com suas reações e pensamentos, forçando uma frenesi que desperta meus sentidos. — Aquele fiasco na loja... — Stacy reluz violeta e meu susto é disfarçado com um riso miúdo ao me afastar, percebendo então que, apesar de sua beleza e calor exterior, ela é fria como uma pedra de gelo ao falar comigo. — Sinto muito. — Ouvi a incompatibilidade entre humor e irritação em sua mente.
Sinto uma pontada de exasperação quando suas palavras e sentimentos se contradizem.
— Bom, foi apenas um mal-entendido, não? — Deixo minha voz soar aveludada, impulsionando o descontentamento com sua aura enlaçada em antipatia e as demonstrações corpóreas contrárias. — Acredito que o melhor seja não entregar de bandeja a reação que a Madame Brighton queria. — Stacy ri ao assentir, ainda que eu possa ver o veneno escorrer por seus lábios rubi ao me atentar aos seus pensamentos e o venenoso monólogo interior que travava. “Agora preciso do seu nome, querida. De bandeja, é claro.” Mordo a ponta de minha língua, decidindo lhe entregar o que quer. — Black — O sobrenome falso me dá orgulho de alguma forma. — Não pude me apresentar direito naquela tarde, infelizmente.
“Cazzo2Ela xinga e aperta os olhos com o sorriso que agora percebo ser mentiroso. “É ela!”
— Gwendolyn Stacy — Assinto educadamente ao registrar seu nome, ansiosa para descobrir como ela e Louis são tão próximos quando Gwendolyn parece ter a minha idade. — É um prazer conhecê-la — Sua risada quase me faz rir também, mas um pontinho em minha mente reitera sua malícia prévia e eu lhe dou um sorriso de boca fechada pela brincadeira. — Vi o Lou-Lou aqui e precisei vir dar um oi. — Ela se vira para Louis, este que já se sentou novamente e franze o lábio superior para ela, a olhando com um nível de desdém que beira ser hilário. É como MJ olha os jogadores de futebol americano em Midtown e eu mordo a língua para não rir ao perceber que ele não nutre o mesmo “carinho” que ela.
“A pestinha não pode nem mesmo sorrir? Ao menos fingir? é uma desconhecida, então por que não está colocando a clássica Máscara-Osborn de bom menino? Merda.”
— Querida, posso me sentar aqui com vocês por uns minutinhos? — Ela indaga.
— Você devia estar sentada em outro lugar, né? — Louis intervém antes que eu possa fazê-lo e me pego surpresa pela assertividade dele. Não vejo Harry falando assim com mais ninguém, mas lhe olho para admirar a coragem dele que havia se sentado na cadeira antes ocupada pelo irmão mais velho. “Pestinha atrevida!” Quero reagir pela maneira que Gwen o trata em sua mente, mas não posso e só engulo a raiva. — E não tem a sua competição daqui a pouco? Devia estar treinando.
— Eu estava, Lou — Ele aperta a boca com o apelido dela e preciso reforçar em minha cabeça que Gwendolyn se demonstrou gentil e animada desde que chegou e que não posso deixar que meus poderes intervenham em minhas reações externas. Eu, infelizmente, preciso entrar em seu jogo. — Mas uma garota precisa socializar e eu não posso deixar a preciosa Srta. Black aqui sem um acompanhante com mais de um e sessenta — Stacy se senta ao meu lado e no centro da tenda, com a vista privilegiada para o campo, e aperta a bochecha de Louis que apenas abana sua mão para longe. Dou um sorriso para a sua “brincadeirinha”. — Então, meu amor, o que está fazendo aqui? Com quem veio?
“Eu preciso ouvir isso” Gwendolyn sibila em sua mente perversa ao segurar minhas mãos “Quero ouvi-la assumi-lo!”
— Um amigo me convidou para vê-lo jogar — Controlo o nível de informações que disponibilizo pois sua relação com Louis entrega o que deseja tanto me ouvir “assumir”. É difícil considerar que a pessoa que havia me confortado há alguns dias é a mesma que deseja, com afinco, ver a culpa se estampar em meu rosto por simplesmente estar aqui. — E você? Vai competir também?
— Hipismo — Ela abana a mão, fingindo não se importar quando deseja que eu me intimide e esteja inclinada a lhe assistir quando for se apresentar. Concordo com a cabeça, observando-me através de seus olhos ao me aprofundar em sua mente. Minha expressão é controlada, mas Stacy não se importa com ela, atentando-se a meus acessórios e soprando ar devagar para fingir não se afetar com meu brinco. — De onde são estes brincos? — Questiona antes de se conter e estou sorrindo para ela, o sorriso não alcançando meus olhos. — São Yoko London, não? Belíssimos!
— Obrigada. — Aperto suas mãos ao ouvi-la suspirar mentalmente por não ter optado por pêndulos.
Louis se colocou de pé e eu quase fiz o mesmo, aterrorizada que me deixe sozinha com ela.
— Bom, já que você não pegou a dica de ir procurar a sua mesa, Stacy... — O Louis suspira e pega os copos de refrigerante sobre a mesa, sua voz tão séria que, por um instante, me esqueço de que tem apenas doze anos. — , você quer alguma bebida? — Seu rosto se suaviza ao me olhar, igual a como o seu irmão fez. — Outra Coca-Cola? — Ele oferece e aperta os lábios, demonstrando que só segura o sorriso para a outra. Assinto e Stacy me acompanha, adicionando um “Aceito um drink, Lou!” adocicado que em outro momento me faria oferecer ir buscá-lo para ela. — Eu só tenho duas mãos — Louis sorriu ladino para a loira que riu soltando um ar pelo nariz, como um bufar furioso disfarçado e pendeu a cabeça para trás como uma criança pequena. — Fica pra próxima!
O sorriso que se estampa em meu rosto consegue ser facilmente disfarçado como uma reação pela a entrada dos jogadores no campo, o que chama atenção de Gwendolyn e de todos os convidados. Os dois estábulos tiveram suas portas abertas ao mesmo momento e, como os sites e manuais de polo que li na noite anterior afirmaram, todos usam o uniforme estabelecido pelas ligas de polo. Botas até os joelhos, calças brancas e uniformes de inverno apesar do clima ameno. Azul e verde. Engulo em seco ao perceber que nunca questionei Harry ou Louis sobre qual seria a cor do time dele, mas me recuso a perguntar à Gwendolyn sobre tal, então opto por buscar pelo papel-cartão na caixa do binóculo e encontrar o número 18 nos uniformes. Estou quase trêmula por segurar o objeto diante de Stacy, mas o faço, engolindo minha ansiedade e aproximando-o de meus olhos para buscar por Harry — imaginando e rogando que apenas sua imagem sirva para acalmar-me.
— Não quero soar como uma stalker ou algo do tipo, mas nós frequentamos a mesma escola, sabia? — Aproveito a aproximação do binóculo para fechar os olhos por um momento e aperto os dentes. — Acho que não temos classes juntas, mas só gostaria que soubesse. E sei que veio com o Harry e quero que saiba que não precisa se preocupar comigo contando que esteve aqui ou quem é para ninguém. — O choque me faz perder o ar e sinto seu vibrar satisfeito enquanto sua mente grita “Essa é a minha garota!” e ela aprecia a ideia de afagar minha cabeça como faria com um cachorro que acerta um truque. Gwendolyn ri em seu interior e eu forço minhas surpresa e medo para baixo da superfície. Eu assinto devagar, encarando a grama através do binóculo pois o choque é terrível. Ela estuda em Midtown... A perspectiva me deixa sem ar. — Agora eu tenho um segredo seu e você tem um meu... — Sua risada foi forçada enquanto sua mente trabalhava com afinco em busca de entender se fez o certo e decido dar continuidade a sua proposta enquanto sua guarda está baixa.
— Eu não contarei se você não contar, Stacy. — Forço um sorriso e ergo o queixo, ainda incerta.
“E se contar a alguém? Se for como Yuri imaginou e apenas alguma ‘gold-digger’3 caçando nossos podres para roubar-nos ou até mesmo vender informações para revistas? Não deveria ter contado a verdade sobre a porcaria de Midtown e não deveria ter ao menos vindo até ela, mas fui movida pela injustiça! Não é justo que isto esteja acontecendo... Como Harry ousou trazê-la até aqui onde todos podem vê-los juntos e onde meus pais podem vê-lo ao lado de alguém como ela? O que papai dirá sobre isso?”
Nathaniel Van Doren surge enquanto o binóculo tremula em meus dedos, mas eu não me atento ao seu discurso, afetada pelo medo e a reserva de Gwendolyn que me garante seu silêncio. Preciso falar com Harry, garantir que minha identidade se manterá intacta, mas então a realização é leve como uma brisa de verão em meu rosto — Stacy sabe o tanto que seria aceitável em Midtown e o tanto que Michelle já sabe: que tenho pais ricos e frequento eventos deste porte. Este é o máximo de informação que Stacy tem se eu decidir me guiar pelo que me foi indicado por Louis. MJ sabe que minha família tem dinheiro e não há mais nada que Gwendolyn pode afirmar que ela não tenha imaginado e isso me acalma como um abraço. A sua opinião sobre mim, dentre todos os outros alunos de Midtown excluindo Peter, é a que mais me importa. Michelle apenas vai ser relembrada de quem sou caso Gwendolyn decida contar algo e é apenas isso o que importa. E é esta realização que me põe um passo adiante de Stacy, mesmo que eu não reconheça o caminho que o avançar irá me guiar.
— Nunca a vi em Midtown, mas assumo que é um escola grande — Não sei, mais ainda, qual rumo quero seguir ao seu lado, mas as palavras me escapam antes que eu as planeje. — E obrigada por entender a minha reserva com o Harry. — Os cavalos entram em campo, mas não ligo para eles, mantendo meu foco na pessoa ao meu lado. — Já surgiram tantas especulações sobre mim que... Me recuso que elas venham a manchá-lo também.
“Oh, é claro que quer protegê-lo se ele faz o mesmo por você, ! E é óbvio que o Hazz quer proteger o brinquedinho mais novo dele. Mas... Eu me pergunto sobre o seu ponto fraco, Black. Você tem um assim eu também tinha antes de você, querida.”
— É uma escola enorme, sim! — Stacy ri e meu estômago congela ao ouvir o som quando a ouvi tão torturada previamente. — Mas tem pessoas muito boas lá, é claro que você sabe disso, não? — Ela aperta meu braço e eu retribuo o sorriso, sentindo como se houvesse engolido uma pedra de gelo. — E não se preocupe, ok? O Harry... — Gwendolyn sopra o ar que havia respirado, apertando meu braço com um pouco mais de afinco. — O Harry sabe se cuidar e se a trouxe aqui é porque está disposto a aguentar todas essas especulações que estão fazendo e vai a proteger delas, querida. — Apesar de tudo o que já pensou sobre mim, toda a maldade, Gwendolyn está certa do que diz e a veracidade me surpreende. — Não importa o quão maldosas ou cruéis elas tenham sido e possam ser ainda mais no futuro, ele vai aguentar ela se realmente te quiser por perto.
Estou inclinada a questionar o que já inventaram, mas decido afastá-la de minha cabeça e retraio meus poderes como se pudesse recolher minha aura que antes se estendia a ela, cegando meus sentidos para fugir dos pensamentos sórdidos e a perversidade alheia. Me forço a fingir costume e balanço a cabeça devagar, soltando um suspiro verdadeiramente exausto ao erguer o binóculo para buscar Harry no campo. Ambos os times possuem cavalos tom de grafite, mas eu encontro apenas um no time azul e observo enquanto ele é guiado a seu dono, este que sorri para o animal e acaricia seu pescoço. Harry ri com seus colegas de time, taco e capacete seguros entre os dedos cobertos com a luva escura, luva esta que contém minha inicial apesar de tudo que atravessa os pensamentos destes desconhecidos que nos rodeiam. Há um orgulho fervendo em meu peito e eu desejo, mais que qualquer coisa, que Stacy perceba isso.
Não há motivos para não me sentir lisonjeada e privilegiada por ser reconhecida ao estar do seu lado. Harry é — sem excluir suas demais qualidades que tanto brilharam hoje — lindo. Radiante e elegante como um personagem literário, expressando a beleza e perfeitas características de um. Ele é alto e sua postura ideal o torna ainda mais imponente no campo enquanto a camisa escura o torna maior, aumentando sua figura e o fazendo parecer um pouco mais resistente do que outro adolescente com seu peso. Molho os lábios quando, em um impulso quase sem esforço algum, ele monta no cavalo, inclinando-se para afagar sua crina com um sorriso enorme.
— Ele é lindo, não é? — Gwendolyn indaga e o tom maldoso transparece apesar de seu esforço. Eu confirmo em voz alta, decidida a não permitir que sua óbvia proximidade com os Osborn, contando com tudo o que disse, demonstrou e pensou, permita que minha apreensão e insegurança tomem o melhor de mim quando tenho me saído tão bem. — Eu me lembro de quando namorávamos e eu assistia os treinos do Harry e todos os jogos... Era como um sonho e deve ser assim para você, não é?
Osborn está avançando até onde o campo termina e há menos de vinte metros de mim enquanto Stacy expõe suas garras afiadas ao se aproximar mais. A revelação me enfraquece e o binóculo pende, afastando-se de meu rosto e revelando a expressão ironicamente inexpressível que não consigo conter. A destra dela se apoia em meu ombro e eu sei que Harry nos viu e que também viu minha face temerosa pois ele avança mais rápido, o cabelo sobre sua testa se afastando pela velocidade do cavalo escuro. Sustento seu olhar preocupado ao tentar engolir a informação que causa tanta euforia em Gwendolyn quando a dissemina. Ela sente real prazer ao perceber que me afeta com tal comentário.
— A minha parte favorita sempre foram as fotos... Estar ao lado dele durante elas e ser reconhecida como a "pessoa" do Harry... Não importa quanto tempo passe, ainda sou vista como a namorada dele por muitas pessoas, ainda que seja um término recente. É incrível como a memória humana funciona certo? — Ela se inclina ao ponto de agora falar próxima de meu ouvido, o rosto encostado em meu cabelo ao ponto que a sinto se mexer quando Harry diminui a velocidade e para quase em cima da cerca que nos separa do campo. — Alguns meses em Midtown e toda nossa história se desfez como uma foto antiga. Desbotada. — A raiva estampada na face de Harry é desconhecida e não sei se me adaptarei a ela, mas Stacy está respirando tão quente em meu ouvido que só desejo que toda a situação chegue ao fim. Engulo em seco, mantendo meu foco no rosto de Osborn e em como ele respira pesadamente. — E agora é a sua vez, não é? — Gwendolyn abraça meus ombros com força e sem afeto algum, a frieza e a rigidez de seus ossos esmagando-me como um inseto, assim como quis desde o primeiro momento em que pousou os olhos sobre mim. — Estou torcendo para que você resista ao tempo, querida .


Homecoming XIX

Meu ar parece ter sido roubado; arrancado de meus pulmões e eu preciso pensar antes de agir e antes de abrir a boca e falar algo que não soe correto ou no nível do Gwendolyn não espera, afinal, me recuso que ela consiga me desarmar desta forma e ainda se mantenha na liderança. Não fui ensinada métodos para embates como esse, onde uma cotovelada em seu nariz seja adequada. E, ainda mais, sei que não posso ou devo apelar para tal circunstância e que este lado violento além de inadequado, é ridículo para esta situação. No entanto, Stacy ainda permanece abraçando meu ombro e os olhos tempestuosos e igualmente ferozes de Harry estão em mim mesmo a metros de distância e não ou posso me dar o luxo de fraquejar, não quando ela foi pontual em relembrar-me de como todos aqui esperam tão pouco de mim e como estão ansiosos para uma falha. Eu não ouso desapontar Harry ou Pepper permitindo que ela me intimide mesmo que minha mente esteja confusa com toda a situação.
— Eu também espero resistir ao tempo — Viro-me para a jovem com um sorriso que não reconheço, mas considero confiante e resistente o suficiente para desequilibrá-la. Registro a surpresa dela e isso me fortalece. — Como os Canovas na galeria, espero resistir ao tempo e as ameaças que traz consigo, principalmente a ganância humana. — Eu a observo, estudando seu rosto pois estamos próximas o necessário para o ato ser intimidador, mas consigo enganá-la para que seus olhos não registrem o calor que colore minhas bochechas. É incrível como, ao contrário do que ela decide acreditar em toda sua pequenez, sou eu quem estou no controle da situação se a encararmos por esse ângulo. Gwendolyn deixa o braço sobre meu ombro amenizar o aperto, mas não se afasta por completo e ergue o nariz com um sorriso que não é forçado, quase natural para ela: é um desafio. — Ainda assim — Aperto meus lábios em um sorriso breve ao ver Louis se aproximar com dois copos de refrigerante para nós. — Sinto pelo seu término repentino.
Quando Louis coloca o enorme copo de Coca-Cola na mesa e apoia um diante de mim, Gwendolyn se afasta e sorri para ele mesmo ciente que o seu coração está acelerado e que fui mais assertiva do que esperou. Seguro novamente meu binóculo e retorno minha atenção para Harry, este que se manteve imóvel por todo o instante como se pudesse ouvir as claras ameaças dirigidas a mim e, por um mísero segundo, desejo contar para ele. Quero lhe recitar tudo o que foi dito e mantido por sua ex-namorada nas entrelinhas apenas para ver como reagirá e se o mesmo instinto protetor que floresceu nas últimas horas se estenderá a ela. Isso até que Harry maneie a cabeça para mim, apertando os olhos e fazendo ruguinhas surgirem entre suas sobrancelhas ao esticar o braço para outro jogador que cavalga até ele, pedindo por um momento — é somente aí que percebo como ele questiona-me em silêncio se está tudo bem. Como pausa sua obrigação para garantir que estou bem.
Assinto devagar com um suspiro que espero que ele não repare, lhe oferecendo um sorriso quase vitorioso após calar Gwendolyn e é só após o gesto que Harry confirma com a cabeça uma segunda vez e se distancia. A vitória me faz querer correr e ligar para Pepper, lhe contar que enfrentei uma pessoa ardilosa com minhas palavras apenas, mas me sinto tão ansiosa que nem mesmo ouso o fazer e tirar meu celular da bolsa.
— Juro que imaginei que você já tivesse ido embora — Quando olho para Louis, ele acaba de revirar os olhos e encara a ex-namorada do irmão com mais desdém ainda. — Pedi por scones de creme e geleia para mim e para a , Gee — Ele continua e quero, mais do que nunca, tascar um beijo em suas bochechas rosadas. — Não são o suficiente para nós três, acho. E você não quer ser vista comendo tantos carboidratos no dia da sua apresentação, quer? — Louis Osborn oferece um meio sorriso inocente para ela, piscando os olhos verdes como se quisesse fortalecer a falsa inocência. — Eles já estão vindo, então, seu eu fosse você, vazava antes da sua treinadora te ver. — Consigo ser mais rápida que o raciocino de Gwendolyn e apanho meu copo de refrigerante de cima da mesa antes que sua brilhante ideia de esbarrar nele se concretize.
“Isso só pode ser brincadeira...” Ela esperneou mentalmente, surpresa pela “sorte” que tenho.
— Oh, é verdade! — Gwendolyn arregalou os olhos em alerta, algo que me confundiria quanto aos seus verdadeiro atos e pensamentos se não pudesse lê-los. Preciso admitir, acima de tudo, que a sua habilidade na atuação é genuína e um verdadeiro talento a ser reconhecido. — Ash deve estar deixando a Treinadora Turner irritada — Ela me olha com um sorriso grande que faço questão de retribuir, ainda que deteste o que sinto no fundo de meu coração. Não deveria odiá-la, mas saber tudo o que pensa deixa de ser uma dádiva e se torna um castigo. — Teremos um feriado municipal na segunda-feira, certo? — Assinto com o mesmo falso entusiasmo. — Bom, então eu vejo você na terça-feira, . — Evito dar para trás quando ela se inclina e dá dois beijos de cada lado de meu rosto. — Beijinhos para você também, Lou-Lou!
Stacy segue na direção oposta de onde veio e ela sabe disso, embaraçada pois precisará caminhar sobre a grama para ir até o vestiário, no entanto, eu só consigo respirar quando ela se afasta mais ao ponto que sei que não irá retornar para a mesa. No momento que isso acontece, desvio o tanto que posso dela, estreitando propositalmente o laço que me permite investigar sua mente para que a tensão sobre mim me permita relaxar contra a cadeira e respirar aliviada. Percebo assim que meu coração estava acelerado ao ponto que ele soca contra meu peito e estou com um pouco de dor de cabeça, tão tensa e ansiosa com a presença de Gwendolyn que todo meu corpo parece se acalmar em sua ausência.
Gwendolyn e Harry eram um casal e por isso toda sua aversão a mim, aversão essa estendida às suas amigas que nutrem o mesmo sentimento que Aerin Lauder também sente por mim. Madame Lohia surge em minha mente e eu finalmente conecto os pontos, entendendo então a razão de ela pensar como Harry Osborn havia terminado com a loirinha, no caso Gwendolyn, e achado um novo brinquedo — eu. Prendo a respiração para a regular, irritada por não ter percebido as coincidências mais rápido, mas também admirada que Harry, em toda a sua bondade, tenha namorado alguém como Gwendolyn Stacy.
, o que a doente da Stacy falou? — Louis questiona exasperado, se sentando na cadeira que ela ocupou previamente e segurando o copo de Coca-Cola no colo, parecendo pronto para sair correndo e chamar seu irmão mais velho. O termo que usa contra ela me faz exalar o ar que segurava, rindo da situação absurda onde me enfiei.
Mantenho meus olhos na direção de Harry e Charcoal ao considerar o que lhe direi.
— A Gwendolyn me disse que namorava o seu irmão até pouquíssimo tempo, Louis — Harry está no centro do campo agora, com os outros quatro jogadores de seu time e o binóculo é necessário se eu desejar lhe ver mais de perto. No entanto, não me imagino soltando meu refrigerante ou qualquer outra coisa, muito petrificada pelo nervosismo que demora a se dissipar. Louis bufa com insatisfação. — E está preocupada que eu não aguente o peso de estar aqui com o Harry.
O jogo começa e me distrai enquanto tento acalmar meu coração que ainda não reage bem quando me imponho, resgatando instintos de minha infância quando oposições a qualquer comando que fosse direcionado a mim resultavam em punições físicas que me deixavam inconsciente por horas ou até dias. Tento dispensar essas memórias e me concentrar no jogo, buscando por Harry. Não sei o que esperava de um jogo como esse, mas a velocidade dos cavalos é admirável, ao ponto que é difícil encontrar a bola em meio a movimentação deles, mas a torcida vibrando é admirável, principalmente ao lembrar-me do quão reservadas e sofisticadas estas pessoas são, mas não veem empecilho em gritarem entre si e ficar de pé quando pontos são marcados. Sempre que um time marca um pouco, os jogadores trocam de lado no campo, o que me deixa ainda mais confusa com o esporte. Já fazem três horas desde que cheguei e a conversa com Gwendolyn conseguiu me exaustar ao ponto de duvidar aguentar mais algumas. Considero esperar o fim do jogo para ligar pra Pepper, mesmo sem saber como ela poderá ajudar de tão longe, mas apenas desejo ouvir sua voz. Tony ficará enfurecido se souber e está fora de questão lhe contar sobre isso.
— Ela é horrível — Ouço o lamentar de Louis depois de um tempo e o olho, ciente de que não nutria sentimentos bons por Gwendolyn pela maneira que a tratou. — O Henry vivia estressado e brigando com ela. — Não consigo imaginar Harry irritado, mas considero que seu rosto ficaria vermelho e é difícil o deixar com tal temperamento. — Ela deixava ele doido porque vivia querendo fazer ciúmes no Harry, sabe? — Assinto ainda que entenda o quão tola ela conseguiu ser. E também percebo que adicionar “sabe” no final da frase é a sua forma de garantir que eu estou o ouvindo e prestando atenção no que fala, o que só pode indicar que Norman Osborn demonstrando tanto desinteresse em “suas bobagens” fez o filho desejar ser ouvido. — E ela era tão... Má? Tipo, com as pessoas que não tem tanto quanto a gente... — Com as sobrancelhas apertadas, Louis transparece sua irritação. — E ela tratava a Petra super-mal!
— E como que eles namoraram assim? — Questiono, fazendo uma nota-mental para descobrir quem é a Petra que tanto importa para Louis. — O Harry é... O completo oposto da Gwendolyn, certo? E logo o namoro deles não faz sentido para mim.
— Os pais dela são amigos do meu pai há um tempão — Ele explica com um suspiro que logo é substituído por um bater forte de palmas quando um ponto é marcado pelo time de Harry. E eu me pego preocupada que tenha sido o próprio Harry a marcar e eu não tenha visto. — Foi o Freddy, não foi ele, não. — O mais novo me conforta e eu lhe dou um sorriso agradecido, tentando manter um pouco de foco no jogo. Harry está discutindo com os colegas de time, a face frisada ao fazê-lo. — Eles cresceram juntos e foi meio que tudo forçado. Pelo menos é o que a minha mãe diz.
— O que ela diz? — Harry gira o taco na mão que não segura as rédeas do cavalo. — Sua mãe?
— Que amor não é forçado. Não que eu ache que o Henry tenha amado a Gwendolyn, porque ela é um pé no saco — Cubro meus lábios, a opinião crua de Louis me arrancando um riso soprado. Ele fala com tanta sinceridade que chega a ser cômico. — O meu pai acha legal eles juntos. Eu não. —O jogo recomeça após a troca de lados no campo e o cavalo de Osborn trota na grama, fazendo o seu dono rir abertamente com os amigos, um sorriso tão grande que não consigo segurar o meu ao vê-lo tão relaxado. Harry está em seu habitat, o que apenas valida o que foi dito por Gwendolyn sobre esperar que eu me encaixe em sua vida assim como ela fez. — Assim, eu falei mais com você hoje do que com ela nos últimos seis meses. — Louis não parece lamentar o fato, mas se demonstra divertido com ele. — E você é legal, então eu não ligo. E ainda vai me render macarrão do Henry!
Encaro o Osborn mais novo por um instante antes de apertar a sua bochecha rosada e ele segura um sorriso com o ato, satisfeito que eu não coloque a mesma força que Gwendolyn. No futuro, se Tony e Pepper optarem por filhos, não consigo imaginar como ficarei feliz com a adição na família. Quando ergo os olhos para o campo, Harry está aguardando a confirmação do ponto marcado, no entanto, seu rosto está voltado a nós e eu tenho certeza que me viu apertar a bochecha de Louis. Ele maneia a cabeça para mim outra vez quando o árbitro apita e só se move quando eu retribuo o gesto. Começo a considerar que, assim que ele deixar o jogo, nós conversaremos sobre Stacy e a perspectiva me deixa enjoada. Ela foi explícita ao garantir o quanto estão comentando sobre mim, tentando abalar minha confiança previamente frágil; mas não posso deixar de me indagar as fofocas que devem correr sobre mim.
Um vibrar em meu celular chama minha atenção e eu consigo agradecer o funcionário que entrega alguns doces em nossa mesa antes de abrir a mensagem de MJ.

MJaaaay
online

Ele já te pediu em casamento?

Ainda não, porém a ex-namorada dele apareceu...

Diz pra mim que ela é uma daquelas ex-namoradas riquinhas maldosas que quer te fazer acreditar que vocês não vão durar.

OU MELHOR AINDA!

Que ela foi um amor de pessoa com você (mas no fundo é a ex rica e maldosa dos filmes)!

Vamos, , eu preciso de um pouco de drama na minha vida. Estou comendo humus com cenourinha bebê, você precisa me entreter.

Há uma combinação bem meio-termo dos dois tipos, mas ela é certamente a segunda opção.

E o humus da sua mãe é maravilhoso, pode levar um pouco na terça-feira?

Estamos falando de uma ex-namorada estilo Lilá Brown ou uma ex-namorada doente estilo Amy Dune? E a minha mãe separou sua porção num potinho :P

Ela não tem o gravitass da Amy Dune.

Quem é você e o que fez com a minha amiga que vê o “bom” de todo mundo? Por favor, não mude até terça-feira para podermos rir da coragem dela.

E você é incrível e o Harry é quem tem sorte de estar contigo. Venho checar sua sanidade de novo em algumas horas.



— Estes são os scones que você falou para afastar a Gwendolyn?
Guardo o celular quando ponho os olhos sobre a legitima torre de “pães-doces” que foi depositada sobre a mesa. Louis se põe de pé e segura uma leiteira de porcelana, então derrama sobre a torre o que identifico ser caramelo; a visão me fazendo salivar. O menino se senta animado e pega os doces do topo que estão enxarcados com o líquido viscoso e os coloca em um prato. Ele me entrega este e retira mais quatro scones para si, despejando o resto do caramelo nos seus e não consigo imaginar se ele aguentará tanto açúcar assim.
— São sim! — Louis assente animado e ergue a cabeça para ver o irmão no campo. — Favoritos dele.
— Verdade? — Tiro um pedaço do doce em meu prato, ciente que o brunch e o almoço demorarão. — As únicas coisas doces que eu já vi seu irmão comendo foram Reese's Cup’s e barras de cereal. — Harry não parece ser o tipo de pessoa que gosta de doces e, por mais que eu nunca evite comer chocolate ou outros doces em geral, não consigo negar comer algo que me alimente mais que isso, então quase nunca como as barrinhas que ele ou MJ me oferecem durante o almoço. — Do que mais o Harry gosta? — Quando Louis sorri largo e malicioso, percebo meu erro e lhe dou uma cotovelada leve, segurando o sorriso.
— Donuts, beignets, a gente não gosta de churros, é muito doce.
— Beignets? — Questiono com uma risadinha. — Como os de A Princesa e O Sapo?
Louis confirma de novo, sorrindo com um pouco de açúcar de confeiteiro nos cantos da boca. A sobremesa é muito doce e o caramelo apenas a deixa mais forte, assim como “lavar” o gosto dela com Coca-Cola. É tudo um mar açucarado e nem mesmo isso é capaz de afastar Gwendolyn e seu amargor de minhas memórias. Quando elas me incomodam de novo, é Harry quem busco, ele que cruza o gramado com tanta rapidez e destreza, cercado por outros jogadores do outro time e nem mesmo assim perdendo sua postura. Ele é quem está guiando a bola e está seguindo para os balaios, o que creio serem o gol, e mesmo com quase três pessoas ao seu encalço basta dar uma tacada forte para lançar a bola entre os balaios por baixo do cavalo adversário. Não é necessário confirmação de seu ponto e Louis está vibrando ao meu lado, batendo palmas e quase derrubando sua bebida que eu seguro antes que caia, mesmo rindo e o acompanhando — mais calma — na comemoração.
Mordo meus lábios, percebendo como os colegas de time de Harry dão tapinhas em sua costa e estão todos felizes com o seu feito. Mantenho minha atenção nele e flagro quando sua cabeça vira para mim, mas ele está distante demais para que eu decifre a sua expressão. Desvio os olhos dele quando Louis começa a comentar sobre o jogo, sobre Charcoal ser o ideal para polo, como o seu irmão tinha ido até a India para comprá-la e como foi muito difícil de ser domada. Deixo que o Osborn mais novo me entretenha até o final do jogo, entre os outros dois pontos que Harry marca, os outros 4 de seu time e os 5 do time adversário. Quando a partida se encerra e o time de Harry sai vencedor do amistoso, não consigo evitar me sentir orgulhosa, vendo como ele faz carinho em Charcoal e aceita a medalha com um sorriso agradecido.
Estamos de pé ao bater palmas e Louis avisa que irá encontrar o irmão no vestiário e dar uns cubos de açúcar para Charcoal, pedindo que eu permanecesse ali pois Harry em breve viria ao meu encontro. Assim que ele se afasta, meu telefone toca e tenho certeza que Happy avisou Pepper sobre minha disponibilidade.
Como está tudo aí? — Ela questiona com um sorriso óbvio em sua voz, logo arrancando outro de mim. Molho os lábios quando ouço o som de uma música antiga da U2 tocando baixinho no fundo da ligação que imagino estar sendo feita da cozinha. — O Happy disse que o Harry quase te carregou para fora do carro...
— Oh, é mesmo? — Viro a cabeça para fora da tenda e, assim que percebe que estou no celular, o informante olha para o outro lado, rubro. Seu ato também me faz sorrir. — Está tudo bem, Pep. O jogo acabou há pouco tempo... — Engulo em seco, molhando os lábios. — Está tudo bem. — Repito.
Uma pausa na música de fundo demonstra que ela não acredita em mim.
Pela sua voz não parece que está tudo bem, filhote. — Fecho os olhos por um instante, incrédula que ela me conheça tão bem assim e igualmente agradecida. — O que aconteceu? — É a primeira das perguntas. — Você quer voltar para casa? Sabe que nós vamos buscar você na mesma hora se quiser, não sabe?
— Eu quero ficar, tenho certeza. Só preciso conversar com o Harry sobre algo. — Pauso. — Alguém. — Esfrego minha testa para amenizar o pequeno incômodo provocado por Gwendolyn. Eu suspiro ao considerar que nem mesmo sei se desejo conversar sobre ela com Harry. — Pepper, você conhece alguma Gwendolyn Stacy?
Eu não acredito...
Pepper sussurra e eu abaixo a cabeça, pois é óbvio que ela a conhece. Isso apenas reforça o quão despreparada e perdida estou neste mundo e infelizmente, o quão correta Gwendolyn está. Aperto a boca, ciente do quão estúpida esta rivalidade é e quão blasé é considerar isso uma rivalidade. Ela não gosta de mim, o que é compreensível pelo que imagina que está acontecendo entre mim e seu ex-namorado, mas não justifica que sua aversão a mim me faça nutrir desgosto por ela. É óbvio que sua aproximação foi de caráter sórdido e que sua única finalidade era me desestabilizar, mas não significa que eu precise levar seus atos tolos para o coração.
Somos jovens, exagerados e dramáticos demais para criar rancor por algo tão pequeno.
Ela é a filha do Secretário de Defesa, General Stacy e de uma geneticista da Oscorp. — Sopro o ar que segurava, reconhecendo o poder intrínseco na patente de Gwendolyn. Considero se não devia ter permitido que ela derrubasse refrigerante em mim em luz de sua família. Então, relembro de minha própria patente e quero rir amargamente, imaginando o que Tony diria disso tudo. — O que aconteceu? — Pondero o que lhe responder, avaliando se é algo de real importância e se é justo a preocupar com isso, mas percebo que Pepper também está hesitando e fico em silêncio por mais alguns momentos. Não quero que saiba que meu primeiro encontro resultou em uma tentativa de humilhação. — Querida, na festa... Quando vocês se sentaram juntos, foi...
Fecho os olhos quando as memórias daquela noite retornam para mim.
— Foi porque a madrasta dele, a Emily, queria que ele se sentasse afastado de alguma menina e... — Me recordo da conversa que tivemos na noite da festa, lutando contra o intuito de me encolher. Como pude ser tão tola? É óbvio que Gwendolyn nos viu conversando na festa e esse é o motivo de me detestar tanto. — E a menina era Gwendolyn, a ex-namorada dele que fez questão de vir me cumprimentar da forma mais... — Pepper grunhiu desanimada do outro lado do telefone. — Mais... Antônima de gentil. — Ela bufa. Eu simplesmente respiro fundo e olho ao redor, certificando-me que ninguém pode me ver ou pior, me ouvir. — Você podia ter me avisado que eles namoravam e que ela frequentava ambientes assim, Pepper... — Lamento com desânimo, reconhecendo que Pep não possui culpa alguma apesar do que minhas palavras possam implicar. Somente quero que Harry apareça e me tire daqui, pois me sinto enraizada nessa tenda e apavorada de esbarrar com sua ex-namorada outra vez. — Seria interessante saber o que me esperava.
Eles dois terminaram ainda na Inglaterra, — Pepper se justifica e eu ouço o som da cadeira de seu escritório rangendo. Lembro-me que havia pedido que FRIDAY me avisasse quando Pepper voltasse para a Torre Stark e aperto os dentes ao reconhecer que só poderei ver os livros de Asgard em outra oportunidade. — E eu tenho certeza de que o Harry não imaginou que ela faria isso e iria tentar falar com você sobre o que aconteceu. Conhecendo como a Emily criou ele, sei que o Harry vai se desculpar pela maneira que a Gwendolyn agiu com você. E o que ela fez?
— Fez ameaças rasas, muito longe das piores que já recebi na minha vida, ainda assim foi corajosa em fazê-las e não posso diminuir isso. — Suspiro contra o telefone, certa de que a menção do meu passado pode pesar e incomodar Pepper, mas foi uma tremenda ofensiva. Estalo a língua ao notar que nem mesmo devia ter feito tal comparação. — Estou esperando o Harry se trocar. Ele viu tudo do campo. — Pepper faz um som com a garganta, quase aliviada que Harry saiba o que aconteceu. — O Louis falou que eles brigavam muito, Pep. Acho que...
Então ele certamente vai se desculpar, já que conhece ela o suficiente. — Ela me corta, severa. — E sabe o que mais? — Emito apenas um som miúdo, empurrando um doce encharcado de caramelo para meu prato. Queria perder a fome quando coisas assim acontecem, mas a vontade de devorar a torre de doces sobre a mesa é absurda. — Eles terminaram e, ainda mais, namoro algum segura alguém que já perdeu o interesse. Principalmente se eles brigavam tanto com o Louis disse que faziam. — Mordo a língua e apenas assinto, partindo o doce e enfiando uma garfada na boca. É delicioso. — Você e o Harry tem algo que ela não tem...
— Educação? — Contenho um ímpeto de revirar meus olhos.
Vocês tem senso de novidade, . E por favor, me diga que cobriu a boca. — Faço um som para concordar, mesmo que seja mentira. — Eles tem um histórico ruim e você estão começando do zero. É algo valioso. Muito mais valioso que você deve imaginar, meu bem. Sei que você deve estar nervosa estando aí com o Harry, mas precisa entender que isso é muito precioso para vocês.
Estou considerando como lhe responder e comprovar que o momento com Gwendolyn não foi tão precioso como Pepper afirma, mas, quando balanço a cabeça e olho para fora da tenda, posso ver Harry caminhando até mim. A expressão dele ainda é tão afiada como uma lâmina, semelhante a como estava no campo ao ver Gwendolyn ao meu lado. Seu cabelo dourado está úmido, algumas mechas balançando contra sua testa ao caminhar; seu penteado não mente que ele passou certo tempo acertando o cabelo antes de vir. Prometo a Pepper que irei manter suas palavras em mente e ela pede que eu a avise quando estiver voltando para casa e afasto o celular do ouvido quando Harry finalmente me alcança, um semblante angustiado cruzando seu rosto ao perceber que eu estava no telefone. Não consigo fazer coisa alguma além de lhe oferecer um pequeno sorriso, igualmente embaraçada com a situação, mas forçando-me a não permitir que as palavras e pensamentos perversos de Gwendolyn arruínem meu dia; não quando Harry deixou a fita de seda do seu prêmio escapar para fora do bolso.
— Ele chama, cruzando o pequeno tablado. — Nós precisamos conversar.
— Precisamos sim — Assinto ao me pôr de pé, tentando não apertar os dentes com a dor em minha perna. Os olhos dele parecem temerosos com minha ação. — Você podia ter me contado que é um tremendo jogador de polo, não podia? — Provoco com um sorriso, sentindo certa satisfação quando ele abre e fecha os lábios, imaginando que eu lhe cobraria outra informação. — Ou me alertar que a sua ex estava aqui e iria adorar me atormentar da mesma forma que adorei ir contra ela. — Harry afasta os lábios novamente e fecha os olhos. Devastado. — Com sorte, o meu grandiosíssimo informante Louis foi gentil o suficiente para me garantir que ela é civilizada assim com todos. — Informo, me inclinando um pouco em sua direção e prendendo as mãos atrás de minhas costas. Não reconheço de onde tanta confiança saiu, mas estou satisfeita com ela outra vez.
— Me desculpa, mas... — Harry suspira e balança a cabeça, se aproximando ainda mais. Ele parece arrependido, mesmo que a reação exagerada e nada civilizada de Gwendolyn não seja culpa sua. Meu coração vacila. — Eu não sabia que ela estaria aqui, você precisa entender isso acima de tudo, . — Eu assinto, ciente que, após todo seu cuidado comigo, Harry fala a verdade. Osborn toma minha mão na sua, apertando meus dedos como garantia. — Ou que teria a audácia de tentar algo a ponto de a deixar desconfortável. — Harry suspira. — Certo, isso foi uma mentira; eu já deveria imaginar que a Gwendolyn faria algo assim, mas me recusava a acreditar. — Estou surpresa com sua sinceridade, porém ainda mais admirada quando toca meu rosto ao apertar os lábios e seus dentes. Sua mão é suave. — Me desculpe, eu deveria saber melhor e aquilo tudo foi um erro meu. Não deveria ter a deixado sozinha, .
Preciso de um instante para pensar e buscar uma forma de contornar a situação.
— Lembra-se que prometeu me levar para a Estufa? — Com o rosto ainda franzido em desconcerto, Harry assente confuso com minha súbita mudança de assunto. — Pela sua cara, é quem imagino que será confundido com uma rosa, Osborn. — Ele fecha os olhos, finalmente reconhecendo o que colore suas bochechas como real embaraço pelas atitudes de sua ex-namorada. Seguro sua mão que outrora tinha tocado meu rosto e entrelaço nossos dedos ao apanhar minha bolsa. — E então pode me contar por que você terminou com uma garota tão doce como a Gwendolyn, Sr. Osborn.


*


— Sempre imaginei que relacionamentos tendiam a acabar com o mínimo de consentimento entre ambas as partes. Qual o motivo para uma mentira que só mancharia a sua imagem? — Questiono ao passarmos por uma estátua com flores em sua cabeça.
Harry está caminhando ao meu lado, o cabelo ainda úmido do banho após o jogo e seu perfume se mesclando com o das dezenas de flores espalhadas pela estufa, assim como plantas típicas da Índia que não me atrevo a tentar desvendar como chegaram ao Estados Unidos. Prevejo algo como uma estufa portátil para transporte de plantas, com luzes de led azuis e vermelhas e controle de temperatura baseado em climas de origem. Mas volto a me atentar em Osborn, ele que se mantém ao meu lado a todo instante como fez antes de seu jogo, parecendo temeroso em sair de meu lado. Ele me apresenta todas as flores que passamos, mesmo que eu lembre de algumas delas de meu treinamento na Hydra, como algumas rosas em forma de fruto que podem ser usadas para tratar problemas estomacais, mas aqui são vistas por essas pessoas como meros ornamentos.
— Pois, quando descobrem sobre o término, não importa quem tenha errado, o baque maior será para ela. — Viro-me para o olhar, atenta para suas palavras e como é franco ao apontar o padrão de juízo destes ao seu redor. — Por mais que tenhamos pecado um com o outro, Gwendolyn com seus excessos e eu com as minhas faltas, nós dois não somos vistos com os mesmos olhos. Então concordamos em manter o motivo em segredo, ainda que ela não tenha mentido dizendo que nós terminamos após você e eu nos conhecermos, mas tenha excedido seu julgamento e exagerado ao apontar você como motivo de um término que já estava prescrito. — Harry aperta as sobrancelhas, molhando os lábios. — Nós éramos bons colegas, mas não bons namorados ou ao menos amigos. Não importa o quanto tentássemos, estava óbvio que iriámos ferir um ao outro por sermos tão incompatíveis, mas fomos inocentes ao crer que pressão familiar iria amenizar nossos problemas.
— Quando conversei com a Pepper, ela mencionou que a Dra. Stacy era parte da Oscorp, mas eu não considerei conectar o relacionamento de vocês como algo “arranjado” pelas suas famílias. É algo que parece vindo de um livro do Século XIX. — Balanço a cabeça para demonstrar o quanto isso é absurdo e me apoio em um pilar trançado com figueiras de flores rosa-fúcsia. Harry levanta as sobrancelhas como alguém faria ao concordar com a incoerência de toda a situação. — Entendo que não foi exatamente um namoro arranjado por contrato, mas mandarem a Gwendolyn para Londres para viver com a sua família e se “habituar”, assim como incentivarem um namoro desta forma é... — Quando ele assente, sei que posso ser sincera. — Obsceno.
— E, então, é bem mais fácil dizer que eu fui o responsável pelo fim do nosso namoro por ser muito emocionalmente distante como o meu pai se demonstrou a vida inteira, do que dizer que o nosso namoro foi arranjado e fomos forçados um ao outro desde a infância. — Osborn se senta sobre o braço de um banco de mármore de frente a mim, evitando meu olhar. — Que eu era um péssimo namorado por não aceitar a “personalidade” dela, que consistia em ser insuportável, maldosa com qualquer um que não tivesse a mesma renda e tentar incitar um ciúmes que eu realmente nunca senti. Eu não a culpo. — Sua última afirmação me surpreende. — No fim das contas, ela não tinha a reputação de ser a pessoa mais amável do mundo. Querendo ou não, ela sairia como a vilã.
— Logo, quando consideramos o que aconteceu, segundo ambas as perspectivas, essa aversão dela por mim é justificável com o raciocínio dela, por mais absurda que seja agora que eu a compreendi após ouvir o seu lado. — Suspiro no fim da frase, sentindo um sabor amargo em minha boca. Ela não é culpada pelo que pensa, apesar de ter reações maldosas e exageradas perante isso. — Nós nos conhecemos e logo no dia seguinte vocês terminaram, Harry. É coincidência demais. Ela pode ser maldosa, mas não sei se conseguiria ser amável com alguém que eu imaginaria ter roubado meu namorado, apesar do amargor que fosse o relacionamento.
Harry se levanta, apertando os lábios ao ponderar a minha justificativa.
, o quão certa ela estivesse em considerar você o pivô do nosso término, não justifica como a Gwendolyn a tratou. — Sua expressão é séria e aborrecida, os dedos correndo exasperados por seu cabelo. — Eu a conheço mais que o suficiente para entender que, na cabeça dela, você é uma presa fácil. E eu não aceito isso. — Ela balança a cabeça, exprimindo sua irritação com a situação criada. Harry não aceita que ela me imagine como um alvo? O seu rosto apenas comprova minha teoria. — Não aceito que ela tente diminuir alguém como você por puro capricho e dor de cotovelo, , é ridículo até mesmo para uma pessoa birrenta como a Gwendolyn.
— Você está tão esquentado quanto eu estava ontem e nós dois sabemos que cabeça-quente não é o melhor caminho para resolver coisa alguma. Eu não posso oferecer chá a você — Inclino-me a fim de lhe olhar, afinal ele abaixou a cabeça ao ser alertado por seu estado, mas ainda identifico um filete de sorriso em seus lábios ao perceber que estou certa, mesmo contra sua vontade. — E nem mesmo tentar entender o seu lado, mas posso te lembrar que talvez percamos o almoço se permanecermos aqui e não somos, na verdade, eu não sou a melhor pessoa se estiver com fome.
— Então vamos almoçar pois eu não sei se estou pronto para acalmar outra pessoa. — Ele suspira com o mesmo sorriso torto de todos os momentos, apanhando a mão que estendi em sua direção e logo se curvando para pressionar os lábios macios contra ela.
Harry entrelaça os nossos dedos ao deixarmos a estufa e eu sinto o calor se espalhar por minhas bochechas e orelhas com o ato que vê com tanta simplicidade, mas que desperta meus sentidos. É adorável que, mesmo irritado, Harry consiga ser assim. Prendo os lábios entre os dentes ao fazermos o caminho para a mansão a fim de atravessar a festa sem passarmos por toda o horda de pessoas que lotam o jardim e seguem na direção onde o almoço será servido. De volta em Moysore Manor, algumas pessoas já caminham pela galeria dos Mittal e conversam ao redor de mesas onde brunch é servido, todos em grupos animados e com roupas impecáveis. Há tanta cor em toda a mansão e igualmente tanta música que é impossível não gostar do local, mesmo ainda desconfortável com toda a situação que não deixa de ser surreal para alguém com origens como a minha e ainda mais desconfortável após o episódio com Gwendolyn. Me ancoro ao segurar na mão de Harry, erguendo os olhos para ele e o ouvindo comentar sobre os Mittal amarem a arte barroca.
No fim das contas e para nossa admiração e meu pesar, o almoço ainda não foi sido servido e nós caminhamos por inúmeros corredores de Moysore, que parece ser tão bem conhecida por Harry quanto o Complexo é para mim, o que me faz ponderar mais e mais se o contrato de exclusividade dos Mittal com a Stark Industries não os impedia de fazer negócios com a Oscorp. Faço uma nota mental de comentar isso com Tony assim que possível, mesmo me questionando o quão imoral é. Me foco na mansão, em seu número exagerado de quartos e a quantidade de funcionários que nos oferecem bebidas a todo o tempo e cartelas de saques para os convidados que apostaram na competição equestre. Tenho o bom senso de não comentar para Harry sobre Gwendolyn também ter me contado sobre participar dela, só agradecendo os funcionários junto a ele e ignorando o resto.
Considero que é o número exagerado de bebidas; a água de rosas e os dois refrigerantes, que me dão vontade de ir ao banheiro, mas não vocalizo a necessidade até nós estarmos perdidos em um labirinto de papéis-de-parede e mais pinturas que não fogem da mesma escola artística que Harry havia mencionado. No entanto, estou mais entretida com nossa conversa, braços entrelaçados ao comentarmos sobre o professor de química e o quão terrível fora a prova para a turma de biologia avançada, muito satisfeita quando Harry menciona a questão que errou e eu acertei, me rendendo um admirável revirar de olhos dele e um sorriso torto que revira meu estômago de tão adorável. Quando finalmente informo Harry que preciso ir ao toilette — palavra que Pepper insistiu ser usada ao em vez de "banheiro" — ele me guia por mais algumas curvas de corredores antes de indicar uma porta de frente para enormes janelas de vidro direcionadas ao bosque e eu me pergunto, no meio disso tudo, onde a equipe de segurança está, mas prefiro crer que devem até mesmo se esconder dentro das paredes.
Ofereço um sorriso agradecido para Harry antes de atravessar as portas duplas do banheiro e as trancar atrás de mim. A primeira coisa que vejo, além de uma decoração impecável, é meu rosto em um tom rubro intenso enquanto me apoio na pia, envergonhada como uma simples conversa com Harry e seus sorrisos de deixam tímida. Encosto as mãos contra minhas bochechas, esperando que a temperatura mais amena delas diminua o calor ao me dirigir ao sanitário. Ao sentir que posso andar sem apertar mais as pernas e minha bexiga não irá explodir, volto diante do espelho ao lavar minhas mãos, tentando acalmar meu coração. Removo meu celular da bolsa e mando uma mensagem para Pepper, garantindo que está tudo bem outra vez e assim o faço, reaplicando meu batom outra vez, extremamente satisfeita como meu controle motor não falha. Estou lavando as mãos uma segunda vez quando ouço o som de vozes do outro lado da porta, meu coração saltando ao reconhecê-las. Não preciso de muito para me aproximar e elas soarem ainda mais claras:
— Vai me dizer o que diabos essa garota está fazendo aqui ou terei que descobrir sozinha? — Fecho os olhos e os punhos ao ouvir a voz de Gwendolyn Stacy, mesmo que ela tente controlar o volume.
— E não ver você fazer algo por si só? — É Harry quem indaga, o sarcasmo enlaçado em sua voz ao ponto que me surpreendo pela sua mudança de tom. — Que proposta tola, Stacy... — Ele estala a língua e meus olhos se abrem com a surpresa de seu ato. É realmente refrescante o ouvir. Imagino que tenha cerrado os olhos e quando invado a mente de Gwendolyn é exatamente isso que vejo; Harry com um meio-sorriso maldoso, cheio de amargura que quase não reconheço. É intenso e amedrontador, sem dúvidas. — Descubra sozinha.
— O que passou pela sua cabeça para trazê-la? Para Moysore, Harry! — Encosto a testa na porta ao ouvir o clamor exasperado e caricato de Gwendolyn, encontrando o rosto de Harry quando ela se vira para ele outra vez após averiguar se não havia nenhum convidado ou funcionário que teria lhe ouvido cobrar uma posição do ex-namorado. Ela acha a ideia de lhe o inquirir e exigir uma justificativa para “alguém como eu” o acompanhar ser algo absurdo e muito abaixo de seu nível, principalmente quando relacionada a mim, quem ela vê com maus olhos. Minhas unhas se fincam na palma da mão. — Deve ter perdido todo a noção do ridículo arrastando-a para cá; com tantos sócios e investidores... — Agora vejo os olhos de Harry se revirando e Gwendolyn sente o pescoço esquentar com a ira. Ela não consegue compreender este tipo de humilhação. — Como pôde enfiá-la em nossas vidas dessa forma?
Osborn suspira e o escárnio desaparece de seu rosto. Ele está sério com ela e por um momento, ela teme o que ele pode fazer; se irá lhe dar uma de suas múltiplas lições de moral ou abandoná-la no corredor após ela finalmente ter conseguido o encontrar sem o seu chaveirinho. A analogia é quase engraçada.
— Stacy, por favor, tenha decoro. — Ele demanda com as sobrancelhas frisadas, enfezado com seu comportamento. Sua reação a encoraja ainda mais, tanto que ela ri com deboche, mordendo os lábios e suspirando ao lhe dar toda atenção da maneira errada, que o irrita. E eu ouço o suspiro de Harry daqui, tão óbvio que ele esfrega a boca, fechando os olhos. Gwendolyn está satisfeita em o tirar do sério. Há um prazer absoluto no ato. — Eu não vou conversar com você, principalmente sobre a . — O rosto de Harry está duro e ela reconhece com uma pontada no peito que ele está falando a verdade, diferente do que tem feito desde o termino dos dois e mantido um bom coleguismo, entendendo o quão o término pesaria mais nela do que nele. Ela se magoa com a franqueza de Osborn, mesmo sabendo que uma hora seria manifestada. — Não vou ouvi-la destilar ódio sobre alguém que não conhece, em especial essa pessoa sendo a .
A especificidade me faz prender a respiração.
— A trazendo aqui, você desdenha do valor das pessoas nesse lugar. Você desdenha do meu valor!
— A presença da não desdenha do seu valor. Ela rouba a atenção de você e te faz acreditar que o seu valor também se esvai, é simples. — A garantia dele é singela, como se apontasse um fato conhecido como a cor do céu. Gwendolyn aperta as mãos, o som de suas luvas de couro me alcançado. — está aqui comigo e é somente isso com que me importo. — Harry garante, mantendo os olhos turbulentos nela. Ele parece melancólico por precisar fazê-lo. — É com ela que me importo. — Controlo minha respiração, mesmo que a afirmação de Harry roube meu ar, assim como faz com sua ex-namorada. Ela arfa audivelmente, desejando que ele compreenda o quanto o que falou foi absurdo. — Portanto, não lance ameaças no ar, faça piadas sobre nosso namoro e não a faça sentir-se desmerecedora igual a presença dela a faz sentir. Não estamos em Windsor ou Kent ou Londres para precisarmos mentir. Não estamos, mais importante ainda — Ele dá um passo até ela. — Em um relacionamento. Eu não lhe devo satisfações e não aceitarei que destrate em minha presença. Estou sendo claro o suficiente, Gwendolyn?
Isso a faz arfar com a mesma intensidade que alguém faria ao ser estapeado.
— Foi por isso que a trouxe? Para me humilhar, então? — Admiro a compostura de Harry quando ela pressiona o indicador no peito dele e o maior não a afasta de imediato. Ele simplesmente joga a cabeça para trás e suspira alto, enchendo as bochechas ao ponto que ela nota como seu pomo-de-adão se move e seu pescoço fica rosado. Gwendolyn considera dar para trás, mas ela não tem o autocontrole para fazê-lo, humilhada demais em sua perspectiva torta da situação. — O que acha que dirão de mim? "Ela era tão terrível que ele a substituiu por uma qualquer. A garota nova deve ser muito melhor." — Vejo suas mãos se movendo ao gesticular dramaticamente e as írises verdes de Harry se revirando outra vez quando esfrega a testa, virando-se de costas para ela, que o segue quando ele dá alguns passos para se afastar. No fundo de sua mente, Stacy adora o som de suas botas e que Harry esteja perdendo a cabeça. — Ela não está à sua altura, Harry.
— Gwendolyn, por favor, cale-se. — Osborn exige com os dentes apertados quando ela para na sua frente, levantando as mãos para o impedir de caminhar e se afastar outra vez. Ainda estou mexida demais pela acusação dela para ouvir o que Harry lhe responde, mas tenho certeza de que pediu que ela se calasse outra vez. — Já estou farto dos seus chiliques!
— Só estou sendo sincera e dizendo o que todos pensam ao vê-lo paparicar uma novaiorquina com sotaque forçado! — A mentira quase me faz irromper pelas portas duplas, mas me mantenho imóvel onde estou. — Você não ouviu o que ouvi nos corredores, Harry! Ela jamais será aceita em nosso círculo e isso é um fato! — Gwendolyn vocifera, irada que suas inúmeras justificativas não surtam efeito sobre Harry, questionando-se se vez alguma ele foi tão irredutível em relação ao bem dela. A dúvida me faz imaginar que isso não passa de um tolo teste para Stay. — E você sabe muito bem disso, afinal, nasceu ouvindo sobre a linhagem da sua família. Não acredito que você vai arriscar a reputação do seu nome se envolvendo com uma qualquer...
Ele sussurra seu nome, tão cansado que ela não suporta sequer olhá-lo, mas o monstro atrevido no seu coração demanda mais. Demanda que ela seja ouvida e que Harry se arrependa, mesmo que em sua mente, ela saiba que ele raramente se arrepende e no fundo, não há motivos para tal.
— Oh, Harry... Você sabe não sabe? — Ela indaga sedutoramente, pendendo a cabeça para o lado. Gwendolyn adora saber o que ele desejaria ver, mas não suporta que ele não demonstre reação alguma. Não mais. E meu rosto surge em sua mente: os dedos de Harry afastando meu cabelo e sorrisos tranquilos em nossos rostos. Ela mascara a fúria com um sorriso que tem certeza ser charmoso. — No fim do dia não importa quem você estiver namorando pois seremos nós dois. Seja quem estiver fingindo ser para entrar nas nossas vidas, a ela não tem mais valor que nós, querido, e não vai durar. Por que está fugindo disso?
Minha paciência chega ao seu limite.
— Senhorita Stacy! — Abro a porta no mesmo instante que chamo seu nome para cumprimentá-la, consertando minha expressão facial e sorrindo para os dois. Harry parece ter visto um fantasma, o que me leva a crer que se esqueceu de que eu estava tão próxima deles e Gwendolyn me encara, o pânico óbvio em sua face ao tentar discernir se eu os ouvi ou não. Me sinto divertida com a situação e estendo a mão para Harry e ele imediatamente me ampara, dando o braço para que eu entrelace o meu. Sua ex-namorada nunca esteve tão furiosa e vexada. — Do que estamos fugindo? — Questiono ao erguer o rosto para Harry, sua expressão novamente se abrandando ao me olhar e um brilho de reconhecimento se faz notar nos seus olhos como quando conversei com Aerin e ele se orgulhou. — Aconteceu algo? — Desta vez, volto minha atenção para Stacy.
— Não, meu anjo. — Harry permite que ela se explique e eu finjo inocência ao assentir. Creio que fingir não me atentar a seus atos seja o melhor para mim. — Bom, na verdade, sim — Gwendolyn é uma mentirosa incrível e isso não deixa de me surpreender, pois ela coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha e engole em seco, fingindo embaraço. — Marcel e Charcoal irão juntos para Londres e eu queria saber se Harry poderia agendar a viagem delas.
Assinto de novo e lhe dou um sorriso, afinal realmente acreditaria em suas mentiras.
— Oh, entendo — Seguro o braço de Harry com mais firmeza, sentindo minhas orelhas esquentarem com o nervosismo de tudo isso. É cansativo demais lidar com ela e acompanhar a sua estamina. — É uma amazona talentosa, Gwendolyn. Espero vê-la apresentar-se novamente.
— Verdade? — Ela finge admiração, sorrindo entusiasmada e eu concordo, mesmo que não tenha a assistido e ela esteja imaginando onde estávamos que não nos viu durante sua apresentação. — Pois então será a minha convidada de honra! — A sua luva é gelada ao encostar em meu braço e ela olha minha bolsa disfarçadamente, se questionando como coloquei as mãos em uma edição limitada da Amina Muaddi. — E você também precisa aprender a cavalgar, . Tem uma ótima postura e sei que será uma amazona exemplar — Odeio a entonação animada e apenas a respondo com um sorriso apertado. Ela aperta meu braço outra vez. — Até logo, minha querida. E não se esqueça do Marcel, Henry! — É a última palavra que dirige a nós enquanto nos olha, virando de costas e caminhando para longe com seu uniforme de hipismo. — A fanabla, Osborn — Ela o manda para o inferno. — Beijinhos, querida!
Quando ela faz a curva do corredor, meus lábios se partem em um sorriso incrédulo e eu me viro para Harry, quem está com a cabeça pendida para trás como uma criança entediada. No entanto, ele parece mais cansado que entediado com ela. Quando abaixa a cabeça para me olhar, o pedido de desculpas estampado em seu rosto é amuado, mas eu balanço a cabeça, apertando a minha bolsa com mais força.
— Ela é um doce! — Provoco tentando segurar o riso e ele revira os olhos, rindo raso.
— Venha, Black — Osborn chama, tomando minha mão na sua. — Vamos comer alguma coisa e esquecer que a Gwendolyn literalmente deu o nome de “Marcel” para um garanhão italiano. — Eu não consigo segurar o riso ao acompanhá-lo para longe, mesmo que as palavras verdadeiras dela ainda ressoem no fundo de meu cérebro.


*


A refeição é magnífica, com pratos deliciosos e cortes de carne suculentos, assim como muitos vegetais para aqueles que não consumiam carne. As entradas foram servidas enquanto estávamos conversando sobre o ponto antigo acerca de nanotecnologia e as pesquisas da Doutora Cho para a Stark Industries e como a geneticista com quem Cho havia trabalhado na Oscorp era ninguém menos que a mãe de Gwendolyn, no entanto, ambas haviam tido um desentendimento com uma razão legal e o trabalho feito por ambas estava estagnado. Quando o prato principal foi servido, ainda comentávamos sobre as últimas descobertas da Oscorp sobre cédulas T e quando elas deixam de responder a tratamentos. E preciso admitir que, ao devorarmos a sobremesa, a opinião prévia que tinha sobre Harry é bem afiada, afinal, ele se prova extremamente inteligente ao discutir temas tão difíceis com maestria.
Por um momento, me indago se um dia me convidará para conhecer a Oscorp, mas por outro lado eu sinto vergonha. Conheço apenas o mínimo sobre a Stark Industries e detesto estar aborta de toda a situação dela. Não conheço os antigos associados como deveria ou sequer entendo o campo de atuação em que Tony tem investido mais com os cientistas que sobraram após a privatização da empresa. Prometo a mim mesma que farei todas as pesquisas e perguntas necessárias quando retornar para casa.
Nós passamos o resto da tarde passeando pela mansão dos Mittal e Harry me leva para conhecer Charcoal quando comento sobre o seu jogo outra vez. Ele ficou parado atrás de mim quando me arrisquei fazendo um carinho no cavalo que poderia me esmagar com facilidade, contando sobre a raça do animal e como o tinha desde o ano anterior. Ele comentou sobre me ensinar a andar a cavalo e não pude conter meu olhar apavorado, o que só o fez rir ao me entregar alguns petiscos para oferecer a Charcoal. Quando ela moveu uma pata, imediatamente dei para trás e Harry tocou em minha costa para me acalmar. Por mais assustador que tenha sido, me diverti com o momento.
No fim da tarde, quando começaram a comentar sobre o jantar no vinhedo, Harry me levou para um espaço incrível um pouco distante de onde o resto dos convidados vão, muitas das mulheres seguindo a mulher do Sr. Mittal para dentro da mansão onde ela mostrará e se gabará do closet do tamanho de meio campo de futebol. Enquanto a maioria dos convidados se dispensam na enorme residência dos Mittal, Harry me apresenta algo tentador: uma tenda com espreguiçadeiras e eu o agradeço verdadeiramente ao me deitar em uma delas e dois funcionários se aproximarem, oferecendo refrescos e massagens. A situação me faz rir um pouco e Harry também parece divertido, removendo o paletó e deitando-se na outra espreguiçadeira.
— Por que deixou Eton? — Questiono sonolenta de tanto que comi, tentando decidir se foi exagerado como sempre e se no fim do dia passarei mal por comer tanto. Pepper certamente diria que sim. — Eu lembro de quando contou sobre fotos vazadas, mas isso deveria ser comum lá, não? — Estou retornando para o assunto que discutíamos após encontrarmos Ravi Mittal e ele comentar sobre como os discentes e docentes (sem usar a palavra “alunos e professores” pois deve ser fula demais para ele) sentem saudades de Osborn. — Eton educou príncipes e muitos membros da nobreza; o mundo não deveria parar porque, não me leve a mal, você estava lá.
Osborn ri baixo com minha interrupção e eu viro o rosto para ele. Seus olhos estão fechados, mas o seu sorriso continua delicado e estampando sua face com um brilho belíssimo.
— Pessoas como... — Ele me indica também, segurando uma soda japonesa que preferi não provar. — Pessoas como nós, pois um dia será vista com os mesmo olhos — Afasto os lábios pela indicação, mas concordo apesar de minha aversão a tal ideia. — Somos facilmente vistos como moedas de troca. — A afirmação dele me assusta, mesmo que eu entenda com uma habilidade aterrorizante como ele está correto no que informa. — Algo acontecendo com qualquer um nessa festa consegue redirecionar a economia mundial, entende? Farmacêuticos não serão produzidos, montadoras de automóveis criarão sanções para outras nações, empregos serão extintos, a economia de um país vai ao chão, diplomatas cederão cargos... — Osborn explica-se com cuidado. — Ser reconhecido não é uma boa ideia. — Afirma simplesmente, ditando como é perigoso que isso aconteça. — Yuri e Yoona Kwon estudam no Qatar mesmo que sua família seja coreana e elas venham da linhagem real. Carter Hawthorne cursa engenharia em Singapura. Viola Glasgow mora em Brunei até assumir a Teva em Israel... É uma questão de segurança.
— Ninguém esperaria que estivesse aqui. Longe de casa e principalmente em uma escola pública. — Murmuro ao compreender o seu ponto e ele sorri um pouco menos, movendo a cabeça devagar. — É uma vida solitária, então... — Seus lábios se unem, mas ele não nega nem confirma o que digo.
— Quando se tem uma origem familiar assim, ela é tudo o que conhece e você tende a pensar que o mundo inteiro é dessa forma. — Norman Osborn e seus embates ideológicos com meu pai surgem em minha mente, mas eu decido não pensar nisso no momento, apenas me questionar o quanto a vida de Norman afetou o crescimento de Harry e sua visão de mundo. Ele é maduro para temas como esse e não posso deixar de imaginar o quanto isso já não foi comentado entre ele e Louis, pois ambos se referem ao seu “mundo” da mesma forma. — Acabamos nos acostumando com essa solidão, as mudanças de endereço constantes e as consequências delas. No fim, é difícil sentir falta do que nunca se teve.
Nossas espreguiçadeiras estão próximas o suficiente para que eu encontre a sua mão e a aperte.
— Eu sei... — Suspiro e fecho meus olhos quando acaricia minha mão. Não consigo ou quero pensar no quão destruída ficaria se um dia tivesse de deixar Midtown como Tony ameaçou certa vez. Já vivi em solidão extrema por boa parte de minha curta vida, essa que tem se estendido muito mais do que um dia imaginei que iria nas condições em que vivi, mas não consigo imaginar deixar algo tão elementar para alguns como a escola. Para mim, Midtown tem um significado imenso assim como a vida que vivo ao lado de Tony e Pepper. Algo tão pequeno para algumas pessoas mas que é meu oásis pessoal. — Tem gostado de Midtown? É diferente. É...
— Visceral. É palpável, entende? — A singela animação em sua voz é sincera. — Comi uma pizza de setenta e cinco centavos que é, sinceramente? Muito boa quando se está com fome. — Dou risada pois a pizza é realmente boa as vezes. — Uso jeans e camiseta quando faz calor e não um terno de três partes e gravata. É comum e é muito bom. — Quando se entusiasma com algo, Harry soa tão agradável que quero ouvi-lo mais. É como Ned quando engajo na conversa sobre os seus Legos e ele sorri o tempo todo. — Céus, consegue imaginar o que diriam se estivesse em Eton ou aonde fosse com moletom e jeans como ontem? — Nego. Não imagino. — Talvez isso mude daqui há um tempo, quando meu pai vier para Nova Iorque, mas enquanto sou eu e Louis... Jeans, camiseta, salgadinho e comida da escola. E está bom demais.
— Vocês moram sozinhos? — Indago com surpresa. Claro que devem ter funcionários, mas apenas os dois e sem Norman e a mãe de Louis... De alguma forma, quando Harry assente sorrindo e me pergunta se a dúvida é apenas por vontade de dar uma festa, não sei se ele tem alguma aversão a dinâmica atual. — Sabe fazer guacamole? — Brinco ao rir de sua proposta. — Aparentemente é muito importante. E Doritos também, mesmo tendo um cheiro terrível.
Osborn frisa o nariz como uma criança — como Louis. A semelhança entre eles é agradável.
— Odeio guacamole.
— É a textura? — Dou risada. Harry está tomando uma soda de melão e odeia guacamole.
— É o abacate — Ele ri com revolta, cobrindo o rosto com a mão que segura a minha e não posso evitar rir junto a ele. Certo, MJ também não é fã de abacate, pois não acha normal uma fruta ter gordura, mesmo que seja gordura boa. Eu, no entanto, não tenho preconceitos alimentares e estou disposta a provar de tudo que me for oferecido. — É como gente que coloca abacaxi em pizza. — Solto uma exclamação, afastando os lábios em um arfar e arregalando os olhos. — Você gosta de abacaxi em pizza, não gosta? — Ele nem abre os olhos, parecendo se pego no flagra.
— Não pode me julgar sem nunca provar! — Retruco surpresa. — Gosto muito de doce com salgado.
— Vou adicionar pizza com abacaxi na lista. — Harry promete com um beijo em minha mão.
Nós passamos mais um tempo assim e eu só solto a mão dele quando recebo uma mensagem de Maria Hill, informando que a troca de oficiais dos Mittal e dos Kadoorie foi feita e é necessário que nós saiamos da tenda para manterem os olhos em mim. Sinto meu rosto esquentar e acredito já estar encarando a mensagem há algum tempo pois Harry se senta e questiona se algo aconteceu. Quando lhe explico a situação, ele simplesmente assente compreensivo e apanha o paletó sobre uma cadeira e o veste, me ajudando a levantar da espreguiçadeira e entregando minha bolsa ao sairmos da tenda para a brisa confortável do pôr do Sol. De imediato, reconheço a movimentação dos oficiais que estavam com Happy e o encontro conversando com Hill perto de algumas árvores. Harry oferece o braço para mim novamente e eu o aceito, apertando meus lábios com a situação.
— Agora começa a parte chata da festa... — Harry murmura para mim ao passarmos por mais uma piscina para seguirmos os outros convidados que já seguem na direção onde carrinhos de golfe os levarão para o vinhedo onde o jantar será servido. Eu questiono o que Osborn quer dizer. — Agora é o jantar; onde nos sentaremos em uma mesa enorme com empresários de índole duvidosa e que vão tentar fechar contratos antes do prato-principal. — Ele explica e eu ergo as sobrancelhas, nada animada com a perspectiva do jantar. Almoçamos juntos em uma mesa privativa, mas agora com todos esses desconhecidos, não sei se ainda desejo provar mais da comida incrível. — O principal motivo dessa festa toda é o jantar. Os Kadoorie e Mittal já agradaram os vícios alheios com apostas e charutos, agradaram as esposas e os filhos. Agora é que toda a parte burocrática do evento vai começar. — Ouço seus suspiro e então o estalar da língua que Harry dá ao diminuir a velocidade dos nossos passos.
O olho sem entender o motivo de estarmos nos distanciado dos carrinhos. Ele está pensativo.
— Você viu o McDonald’s na rodovia? — Não sei se estou sorrindo de alivio ou surpresa, mas assinto mesmo assim, deixando meu braço escorregar do seu e nossos dedos se encontrarem. Osborn me olha com cumplicidade, apertando a boca ao analisar os convidados que passam por nós, todos dez ou vinte anos mais velhos, no mínimo. O seu rosto é tão gentil e jovem quando sorri que quero apenas puxá-lo para fora da festa. — Que tal comermos hamburgueres, fritas e refrigerante ao em vez de irmos para uma degustação de vinhos que não podemos provar?
— Eu acho uma ideia magnífica, Sr. Osborn! — Estou rindo da proposta.
— E eu posso te levar para o Complexo e implorar aos céus que o Homem de Ferro não lance um míssil no meu carro. — Ele sussurra de volta, inclinando-se um pouco para que a identidade de meu pai fique só audível para nossos ouvidos. Pondero a possibilidade por um instante e decido que avisar Pepper sobre ir para casa com Harry é a ideia mais segura. — Espera, ele vai mesmo explodir o meu carro? — Osborn indaga com certa hesitação, os olhos safira arregalados me fazendo rir ao dar de ombros. “É um risco a ser corrido, Osborn” Provoco e ele estala a língua, fingindo considerar a ideia. — Ainda acho mais animador que jantar com os lobos ali — Ele indica os empresários e suas esposas, todos gargalhando ao entrarem em um carrinho. — Acho que vou correr o risco. Precisamos de um pouco de adrenalina, certo?
— Nem de tanta adrenalina assim... — Retruco dando o primeiro passo para trás, segurando a sua mão e fingindo tentar guiá-lo para longe dos outros, sorrindo um pouco. É confortável estar com ele, mas não com o seu ciclo e já tive interações demais com desconhecidos por um dia. — No entanto, acho que, muito mais que adrenalina, precisamos de um milkshake que vai desbancar esse vinho e hamburgueres de procedência tão duvidosa quando os empresários ali. — Indico os homens com o queixo, sorrindo quando Harry deixa que nossos braços se estiquem e a distância entre nós se prolongue apenas para me observar. Na luz do por do sol, ele fica ainda mais bonito. — Que tal um último ato de rebeldia da elite? — Ergo a sobrancelha e ele dá um passo para mim. — McDonald’s ao em vez de um chefe Michelin?
Quando ele me alcança, não há mais dúvida em seu rosto.
— Um McDonald’s está valendo briga com o Homem de Ferro.


*


Harry está dirigindo seu Hyundai Genesis ao me questionar sobre Michelle. Ao nos aproximarmos do carro, ele só sorriu ao responder qual era a marca quando lhe perguntei, abrindo minha porta sem questionar. E antes mesmo de dar a partida no carro, o vi virar-se para trás e acenar para a minha frota de segurança que iria nos seguir. Avisei Pepper de nossa decisão de voltar mais cedo antes mesmo de sair da festa e precisei ignorar que toda a equipe de segurança se olhou confusa com a nova decisão de Maria Hill em me deixar ir no carro de Harry. Nem mesmo ousei olhar para Happy, incerta se queria saber se ele estava satisfeito ou não com isso, certa que precisarei lidar com a insatisfação de Tony quando voltar para casa e isso não me agrada de forma alguma. Eu me distraio ao imaginar Louis Osborn voltando para casa com os amigos como Harry falou que ele faria depois do jantar.
No entanto, estar ao lado de Harry em seu carro é agradável, mesmo com dois carros blindados a nossa frente tão longe que mal posso identificá-los na rodovia ao nos aproximarmos do Complexo e mais três atrás de nós, estes que não se afastam de maneira alguma e até mesmo nos seguiram no drive-thru do McDonald’s. Estou segurando um milkshake de chocolate em uma mão e fritas na outra, já tendo devorado meu único sanduiche, pois não tive coragem de comer mais na frente dele. Já comi tanto durante o dia que me preocupo que ele vá achar mal-educado da minha parte. E como esperado, Harry insistiu em pagar nosso “Jantar Michelin”, nem mesmo me permitindo saber o valor da conta, mesmo que seja menor do que deve estar acostumado.
— A Michelle é a pessoa mais interessante de toda Midtown, sem sombras de dúvida. — Conto para Osborn ao afastar meu canudo da boca. Preciso admitir que me senti desconfortável no começo da viagem; nervosa por estar no carro de alguém que não conheço tão bem, mas saber que Tony tem minha localização e Maria Hill e Happy estão nos carros que nos cercam é confortante. Harry faz um “hmm” enquanto bebe seu milkshake de Oreo, assentindo mesmo com os olhos focados na estrada e uma embalagem de fritas entre as pernas para rápido acesso. — Uma pessoa incrível, Harry. Precisam se conhecer de verdade.
— Bom, nós nos conhecemos ontem. — Ele faz referência a quando almoçamos juntos ontem e todo o episódio do colharfo e Ned aconteceu. A memória me faz sorrir apesar do amargor de nossa mesa não ter estado completa e eu imediatamente afasto tais pensamentos. — E nas vezes que nos vemos no corredor, ela não pareceu tão entediada com a minha presença como parece ficar com todo mundo. Acho que é um progresso, considerando o que já vi.
— Nossa — Assopro pela surpresa, mesmo sabendo que MJ havia o “aprovado” já há um tempo. A sua comparação dele com Jem Carstairs me faz sorrir da mesma forma que fez quando a ouvi pela primeira vez. — É um verdadeiro progresso se nós comparamos com o resto dos alunos — Dou uma rápida pausa antes de reformular meu raciocínio, segurando mais uma batatinha. — Melhor: com o resto do mundo.
— Ela odeia todo mundo menos você? — Sua risada não é maldosa, fazendo pouco caso e rindo da situação, apenas indagando verdadeiramente interessado em conhecer meu relacionamento com Michelle. — Como as amigas fechadas em filmes?
— Não. — Balanço a cabeça de imediato quando reconheço as árvores, percebendo que estamos tão próximos do Complexo dos Vingadores que podemos muito bem já estar no radar de Tony, mas decido voltar a pensar em MJ. — Ela ama e se preocupa com as pessoas de fato. Só tem dificuldades em demonstrar o que sente e muita vergonha. A MJ se sente infantil, sabe? — Não entendo a razão de me abrir tanto assim com Harry sobre MJ e seus sentimentos tão puros que transbordam, mas creio ser devido a distância emocional entre os dois por não se conhecerem bem. — Ela pensa que se preocupar demais com alguém é imaturo. Sente que vão se aproveitar dela se descobrirem o quanto se importa; mesmo sendo resiliente o suficiente pra ninguém conseguir se aproveitar dela.
Aperto a sacola marrom de papel, guardando metade das batatas, ainda incerta se deveria comer tanto em um encontro. Devo me lembrar que não estou na escola e que três pedaços de pizza não são assim tão bem-vistos, muito menos devorar um sanduiche grande e fritas. Diminuo também a frequência de goles do milkshake quando vejo Harry assentindo, parecendo compreender minha explicação sobre MJ. Ela é uma pessoa espetacular, com medos completamente racionais que eu jamais teria condições de julgar.
— Vocês são muito amigas, então. — Harry comenta, colocando o copo de seu milkshake no espaço perto do volante e passando a marcha do carro manual. Eu assinto, recostando no assento do passageiro e olhando para o painel do carro, ainda desconfortável em ver alguém da minha idade dirigindo; muito acostumada em estar segura com Happy atrás do volante para achar isso normal. Neste ano, a maioria dos alunos vai tirar carteira de habilitação e não consigo me imaginar fazendo o mesmo. — Ninguém se abre dessa forma com facilidade.
— Nós somos, mas eu não preciso que ela se abra. — Explico-me pois é o mais sensato a ser feito para me proteger caso ocorram incidentes futuros. — Sou boa compreendendo o que não externam oralmente, entende? — Há uma música agradável tocando, mas eu não reconheço a melodia. Harry assente, novamente interessado no que lhe digo. — Há emoção e verdade em qualquer ato humano. Ninguém consegue ocultar os sentimentos, medos ou algo do tipo com tanta facilidade. E consigo ler algumas pessoas melhores que as outras, nesse caso, a Michelle. — A rodovia adiante está lisa e vazia, sem carro algum exceto a frota muito a frente, então Osborn me olha, mão esquerda no volante e a direita no câmbio, atento enquanto falo. E eu retribuo o seu olhar apesar de sentir meu rosto mais quente mesmo com o aquecedor na temperatura ideal. — Não. Não consigo ler você. — Antecipo a sua pergunta e a risada de Harry leva o aquecer de meu rosto a meu peito, satisfeita por fazê-lo rir ao pegá-lo de surpresa mesmo que isso vá contra a negação.
— Isso não ajudou o seu caso, Srta. Black — Ele aponta com um sorriso enorme. — Nem um pouco!
— Ok... — Mordo meu lábio inferior para me concentrar, ciente que ele pode pedir que eu demonstre minha “habilidade” e pondero a resposta por mais um tempo. — Por exemplo, sei que você não tem um relacionamento muito bom com a mídia e que isso deve ser relacionado a toda essa exposição, mas mesmo assim não consegue se furtar dessas festas porque as considera importantes; só aumentando o motivo de não gostar da mídia tão presente porque qualquer erro pode respingar na sua família e nos negócios que se importa muito pelo que percebi ao julgar as falhas dos Mittal e dos Kadoorie. — Dou de ombros ao explicar minha primeira tese. — Sei que não era tão próximo do Louis como é agora e que isso é parte do motivo de gostar da nova vida em paz aqui em Nova Iorque, tanto que dizia a “nossa casa” e não só “casa”, porque se sente confortável quando são só vocês. E que está acostumado com pequenas inconveniências sendo intoleráveis que, quando me viu depois do jogo, ficou preocupado que eu fosse dar para trás e decidir ir embora. — Encosto a cabeça no apoio e percebo como o rosto de Harry está voltado para a rodovia, mesmo que ainda estejamos sozinhos nela. — E que se considera bom em esconder o que sente e está recapitulando todo o dia que passamos juntos para descobrir se deixou mais alguma coisa escapar.
— Disse que não conseguia me ler. — Harry reprova, apertando os lábios. — Jornalista? — Indaga. Balanço a cabeça quando ele me olha outra vez, a sobrancelha meio erguida e eu sorrio para ele. — Você está certa em tudo o que disse. — Osborn esfrega os dedos no guardanapo de papel do McDonald’s, limpando o sal da fritas que comia. Nós ficamos em silêncio por um instante e temo ter falado demais, mas Harry estala a língua com um sorriso pequeno. — Não é confortável estar em festas assim, mesmo tendo sido educado para elas, sabendo conversar e sem dificuldades em entreter os mesmos investidores que fugimos hoje. — Concordo com a cabeça. — E eu sou muito bom nisso, você nem imagina — A brincadeira me faz sorrir, certa de que Osborn tem a lábia necessária para tal. — Mas você está certa no que disse sobre o medo de um erro, por menor que seja, respingar na minha família. — Sua mão descansa no espaço entre nós, separado por um encosto acolchoado e resisto ao desejo de segurá-la para o confortar. — Tenho obrigações sendo o filho mais velho e a pressão não é um incentivo a mais, é só pressão na forma mais legítima. Me empurra para baixo ao ponto que se não calcular cada passo, cada sorriso e cumprimento, eu realmente me preocupo em fazer algo errado.
— Deve estar cansado — Nós não trocamos olhar algum, mas eu o ouço respirar e sei que é verdade. — Acredito que foi algo que impuseram sobre você por tanto tempo que, neste ponto, esperam que seja fácil e não consideram o quão complicado pode ser para alguém. — Meus dedos se entrelaçam em meu colo, sobre o vestido macio. — Não conseguiria fazer o que faz com tanta destreza e graça, mas é óbvio que você está fazendo um trabalho magnífico. É a primeira vez que o vi neste habitat e é realmente refrescante e encantador saber que se encaixa em espaços diferente assim quando ontem mesmo sentou-se em uma mesa do lado de uma goteira e hoje ganhou um torneio no jogo mais elitista que conheço. — Harry ri apenas exalando pelo nariz e eu o acompanho. — Sei que deve estar cansado, mas precisa ouvir que está fazendo um bom trabalho. Deveria estar orgulhoso. — Suspiro ao ver as luzes do Complexo ao longe. — Eu estou.
A mão de Harry alcança as minhas sobre minhas coxas e eu as entrelaço, o ofertando a segurança que não hesitou em me oferecer sempre que precisei. Os seus dedos são longos e finos, devido ao seu tamanho considerável apesar de ser esguio, logo o encaixe é afável. Harry envolve minha mão inteira, como se pudesse a esconder. Engulo em seco quando alcançamos os portões do Complexo e todos os atos de segurança estão liberados e nós ultrapassamos os limites após autorizados por Happy e Maria Hill, adentrando o Complexo pela avenida principal dele. Os carros da frota seguem na direção das garagens tácticas conforme oficiais da própria equipe de segurança do Complexo se apresentam em seus postos, prontos para barrar qualquer ofensiva contra o prédio residencial onde indico que Harry pode me deixar, quebrando outra vez o silêncio do carro. Meus lábios se curvam em um sorriso ao perceber que todas as luzes dos quatro andares estão acesas, indicando que não cheguei tão tarde ao ponto de não poder ver Tony e Pepper. Quando considero, finalmente tendo coragem de despertar a parte subconsciente de meu cérebro, que não são somente eles que esperam por meu retorno, preciso engolir em seco.
Durante todo o dia, empregando todo o autocontrole que fui capaz de unir, consegui apartar Peter de meus pensamentos mais conscientes, a resiliência necessária para afastá-lo de minha mente me exausta quando enfim as forças se dissipam e memórias dele me soterram como um avalanche de neve. Eu saí com outra pessoa logo após nosso beijo, após declarações de amor que ainda não consigo esquecer e não sei se desejo esquecer. Há um desconforto em meu peito quando considero que Peter sabe muito bem onde eu estou sem nem mesmo eu o ter contado, certa de que me ouviu conversando com Harry ontem nos corredores de Midtown. E ainda que uma fração consciente em minha cabeça me relembre que decidimos que aquele beijo jamais deveria ter acontecido, não consigo ignorar a culpa que se forma e a vergonha que sinto.
— Acho que agora que precisamos nos despedir, estou ainda mais preocupado com o que o Louis possa ter falado a você, sabia? — Seguro a mão de Harry quando abre a porta para mim e inclina o corpo de volta para dentro do carro, desafivelando meu cinto de segurança. Seu ato cuidadoso faz meu coração acelerar e seu cabelo esbarra em meu rosto quando se afasta, encaixando o cinto no lugar e estendendo a outra mão para me ajudar a descer do carro. Do lado de fora está ainda mais frio e antes que eu possa lhe responder algo sobre minha conversa com Louis, Harry remove seu paletó e eu não posso evitar me aproximar para que o coloque sobre meus ombros. — Melhor? Sei que é sensível ao frio — Ele respira e uma névoa deixa sua boca, também afetado pelo frio. — Está sempre de luvas.
— E você não é? — Questiono ao apertar seus dedos, pegando minha bolsa e a sacola de comida. — Mas obrigada. — Encolho os ombros e sinto o seu perfume mais forte na peça de roupa, segurando na mão de Harry ao me afastar para fechar a porta.
Preocupada que sinta frio, abraço seu braço e ouço o som baixo da risada de Harry quando desfaz o ato e passa o braço sobre meu ombro, me levando a segurar-me em sua cintura ao caminharmos devagar aproveitando que não há neve. O toque é pessoal e meu rosto esquenta, assim como minhas orelhas também ao perceber que fui estúpida em simplesmente agarrar seu braço como as meninas que vejo em Midtown. No entanto, Osborn afaga meu braço e me guia para a frente de seu carro, onde os faróis acesos devem nos esquentar um pouco. Estou tão embasbacada com a situação que, ao me encostar no para-choque, nem mesmo lembro do que estávamos falando. Ao mesmo tempo, me sinto nervosa por estarmos quase dentro de minha casa e ser intimidade demais. Harry toma seu lugar ao meu lado e tira o braço de meu ombro. De alguma forma, não o tocar acaba parecendo mais correto ao considerar onde estamos e a distância me ajuda a lembrar que ele falava de Louis.
— Na verdade, nós estávamos falando sobre você antes da Gwendolyn chegar. — Conto a verdade e Harry concorda de novo, a postura dura ao considerar o que o irmão pode ter deixado escapar. — E sobre o Louis também. E como ele é ótimo na escolha de presentes. Especialmente flores. Com viscos... — “Pois é Natal” Osborn completa a desculpa do irmão e não consigo segurar o riso. — Foi a primeira vez que ganhei flores, sabia? — Revelo encolhendo os ombros e tamborilando os dedos em minha bolsa, a imagem perfeita do buquê em minha mente. Não vejo tanto apelo em rosas vermelhas pois sempre achei que outras flores fossem mais delicadas, principalmente amarelas e violetas, mas ainda adorei o presente. — Obrigada por elas. Eram lindas.
— Seu primeiro encontro e as suas primeiras flores — Osborn solta o ar que segurava e pende sua cabeça para frente, a balançando devagar em ruína. Aperto meus lábios ao, assim como ele, notar que ele está sendo parte alguns de meus primeiros eventos na vida. Como MJ foi minha primeira amiga, Dra. Cho foi minha primeira médica e Peter... Evito o pensamento que faz meus lábios formigarem. — É um bom começo, precisamos admitir isso. — Eu assinto e Harry me olha com um sorriso afável que faz meu rosto aquecer apesar do frio, desviando os olhos em seguida. “Começo”. Este é o começo de algo; preciso me lembrar. É uma nova fase com Harry em minha vida e preciso manter isso em mente, afinal, como me desvencilhar de alguém que me tratou tão bem e me fez sentir tão valiosa e cobiçada como ele fez? — O Lou foi me chamar no vestiário depois da cena da Gwendolyn, — Pela primeira vez, ao mencionar ela, há humor em sua voz e eu não posso evitar lhe olhar, desejando ver seu rosto que está relaxado. Harry parece infinitamente relaxado fora daquele ambiente. — Dizendo que, ou eu ia lá e mandava ela embora, ou ele jogava Coca-Cola Diet nela.
Toco meus lábios para conter o sorriso pois não duvido de forma alguma que ele realmente fizesse.
— Esqueci de falar, mas você está devendo macarrão com queijo taleggio para o Louis — Franzo o nariz ao mencionar meu acordo com seu irmão mais novo e Harry simplesmente abaixa a cabeça e cobre os olhos, os ombros balançando quando ri e eu não consigo me conter para não o imitar. — Com pancetta por cima. — É a gota d’água e Osborn se afasta do carro, cruzando os braços ao rir de seu irmãozinho e nosso acordo. Apoio a mão no queixo e o observo com cautela, preocupada que me veja fazendo-o mas não conseguindo evitar. A distância da festa e todas aquelas pessoas o deixa leve o suficiente para gargalhar assim, cobrindo a boca para esconder o meio-sorriso que faria meu coração acelerar. Harry é genuinamente uma das pessoas mais encantadoras que eu já conheci. — E eu disse ao Louis que pediria a você e você não diria não para mim — Franzo o nariz outra vez, sentindo-me boba com o pedido. — Então, por favor, não arruíne minha confiança momentânea Pós-Gwendolyn e negue o pedido de seu irmão.
Harry cruza os braços sobre o peito e o vidro de seu relógio reflete os faróis do carro quando para diante de mim, cabeça levemente inclinada para o lado com falso entretenimento com minha fala. Ele ergue a sobrancelha, parecendo repassar toda minha explicação repentinamente. Não posso negar que o tom brincalhão e provocador o deixa ainda mais interessante a meus olhos e esquenta meu rosto ainda mais.
— Eu não digo não a você? — Entreabro os lábios quando refresca minha memória com o que disse mais cedo para Louis e acabei de repetir sem pensar, o tom de sua voz é baixo, o mesmo que usou com Gwendolyn, mas cem vezes menos arrogante e mais risonho. É mais carinhoso e cuidadoso ao falar comigo como sempre tem sido, mesmo mantendo a pose de desafio. — De onde isso saiu?
— Desde que nos conhecemos? — Proponho a reflexão, segurando seu paletó e tentando esconder-me dentro dele, surpresa com o quão macio o tecido interno é. — Vez alguma você disse não para mim. Ainda que eu nunca tenha pedido algo absurdo, é reconfortante saber que você está disposto a me ouvir e tentar me deixar confortável quando necessário. — Não o olho, fingindo estar entretida com o tecido quentinho de seu paletó pois não sei se suportarei o vendo sorrir com a justificativa. — De fato, foi uma das minhas armas contra o Tony ontem quando ele começou a ficar relutante com a ideia do encontro — Harry dá mais um passo até mim, ainda assim mantendo uma distância agradável se eu desejar me pôr de pé. Os pequenos detalhes de seu cuidado são delicados ainda que memoráveis. — Contei o quão importante tem sido a sua companhia e essas pequenas coisas. — Eu fico de pé, me equilibrando os saltos e finalmente buscando o rosto de Osborn, este que está contraído em interrogação, uma linha de expressão em sua testa e outra entre as sobrancelhas.
— Que pequenas coisas? — Harry indaga, descruzando os braços e levando a mão para meu cotovelo a fim de ajudar-me a manter o equilíbrio. Eu olho para sua mão que me apoia e então seu rosto, percebendo o quão natural o gesto é para ele que Harry nem mesmo nota. É orgânico e puro. Após tantos anos de dor e tratamentos impossíveis de serem convertidos em palavras, ser tão cuidada por todos ao meu redor é novo e refrescante.
— Não sei... — Suspiro e exalo um ar que não percebi ter segurado momento algum.
Não sei como pôr em palavras exatas como seus atos são significativos. Harry é um cavalheiro assim como grande maioria dos homens com quem convivo, mas há algo especial nele que não sei explicar bem ou sei se desejo explicar. Abro a boca algumas vezes antes de conseguir explicar, tentando pensar e respirar ao mesmo tempo até que os dedos de Harry encontrem meu queixo pela segunda vez hoje e o erga, incitando que eu o olhe para falar e não mantenha meus olhos nos seus sapatos. Fecho os olhos e respiro fundo, como ele havia me pedido para fazer quando me sentisse desta forma. E quando acaricia meu cotovelo de novo, consigo retomar o foco.
Não sei se o que motiva o nervosismo é confusão ou culpa velada.
— Pode abrir os seus olhos? — A carícia em meu queixo se desfaz e a sua mão segura meu rosto de novo, como fizemos na segurança da exposição de esculturas dos Mittal. — Hmm? — O vibrar fundo em sua garganta esquenta minhas orelhas e pescoço.
Assinto e abro os olhos para ele, notando como as irises verdes de Harry estão quase negras pela escuridão, mas a delicadeza de seu toque não falha em minha pele. Ele estuda meu rosto por um instante enquanto prendo o ar, também o observando por um momento antes de levar minha mão para seu cabelo, afastando um floco de neve que havia caído nele. Meu coração já batia acelerado previamente, porém, assim que meus olhos pousam nas luzes do prédio residencial, no andar da sala de estar e uma sombra surge na varanda, meu estômago cai. Não é Tony, a figura um pouco maior que ele e eu sei que é Peter. Sei, no fundo do meu coração angustiado, que é ele e que pode nos ver. Aperto meus lábios e antes mesmo de conseguir dizer algo a Harry e pedir que ele me perdoe, ciente do que planejava fazer e sentindo meu interior se contorcer com a ideia após ver Peter — Harry pressiona os lábios gentilmente em minha bochecha, acima da maçã do rosto.
Meu suspiro é trêmulo ainda que aliviado e a mão que tocava seu cabelo, eu apoio em seu peito, pendendo cabeça para encostar a testa em seu ombro. O riso de Harry não é humilhante ou tem tom de escárnio; é só uma simples risada educada e encantadoramente admirada ao ponto que sinto meu corpo relaxar ao perceber que suas intenções não haviam sobreposto meus claros sinais de desconforto momentâneo e Osborn foi sagaz e cuidadoso o suficiente para percebê-lo. Não sei se seu intuito principal era beijar-me, como minha mente cismou que seria, mas um breve beijo na bochecha é inocente e delicado o suficiente para me acalmar.
— Acho que já atingimos a nossa cota de “primeiras vezes” hoje, não? — Mantenho os olhos fechados ao assentir, temerosa que Peter ainda esteja na varanda, mesmo que meu tão eficaz sensor afirme que ele ainda permanece lá, assim como senti a presença de Rhodes há algumas semanas. Harry beija minha cabeça agora e permito minha palma afastar-se de seu peito, lutando contra o desejo imenso de não voltar para seu carro e precisar enfrentar Peter e Tony. — Está tudo bem? Não fui longe demais, fui? — Há real preocupação em sua voz e afasto a cabeça de imediato.
Meu primeiro intuito é me afastar, pois há uma força me puxando na direção de outra pessoa, no entanto, não preciso. A realização é dolorosa: eu não preciso me afastar pois não há ninguém ou nada além dele, afinal, Peter fez questão de me garantir que tudo o que aconteceu entre nós não deveria ter acontecido pelo bem de nosso relacionamento prévio. Então, quando olho para Harry, a primeira coisa que faço é balançar a cabeça, detestando que tenha lhe feito duvidar de si quando me proporcionou um dia como este. Houveram seus altos e baixos, mas ele impediu que a maré me levasse e não posso deixar que pense assim. Ele busca meus olhos atrás de uma resposta, mas repito o ato antigo ao me aproximar, sendo a minha vez de pressionar um beijo em seu rosto mesmo com meu coração pesando uma tonelada contra meu peito.
— Não foi. Por favor, não pense que foi, eu apenas... — Considero a verdade e é ela quem escolho. — É tudo absurdamente novo de uma forma que nem sequer pode imaginar, Harry. — A turbulência nos seus olhos se apazigua e é substituída por compreensão, ainda que sua dúvida não se desfaça com facilidade. — De verdade — Balanço a cabeça e arrisco lhe olhar nos olhos a fim de validar meu ponto. — Desculpe se o fiz pensar o contrário. — Ele recua e me dá um sorriso compreensivo, tocando meu rosto com os nós dos dedos.
— Preciso que me diga quando eu a deixar desconfortável, — Osborn pede e eu concordo. — Quando precisar de espaço, também. Não quero pressionar você a coisa alguma ou a machucar. — “Eu sei” Suspiro de volta, engolindo em seco pois meu coração está apertado. “Obrigada.” Harry assente e me dá outro de seus sorrisos gentis, afastando-se para despedirmo-nos. — Vejo você na segunda-feira? — Faço um som de concordância, assim como mover a cabeça de cima para baixo. — Obrigado por hoje e por ter aguentado o dia e as pessoas com tanta educação.
— Nós temos apenas Virgínia Potts para agradecer! — Estendo o braço, apontando para o Complexo.
Harry abre a porta e apoia o braço no capô do carro, erguendo uma sobrancelha.
— Devo comprar flores para ela também? — Sua proposta me faz rir.
— O Tony vai matar você. — Seu sorriso enorme é última coisa que vejo antes de ele entrar no carro.
Eu observo com melancolia quando o carro preto deixa o Complexo dos Vingadores, os gigantescos portões reforçados se fechando com a saída dele e alguns oficiais que estavam aos arredores logo também se recolhem, principalmente os sentinelas nas torres de segurança. Fecho os meus olhos quando uma brisa gelada me rememora que é pleno inverno e estou do lado de fora, longe demais do sistema absurdo que os Mittal usavam para controle climático em sua propriedade. A criação alheia me dá uma ideia agradável, mas meu nervosismo a afunda em meu consciente, lembrando-me que, de qualquer forma, não é com isso que não devo me preocupar. Molho os meus lábios ao tomar consciência que ainda sou observada, mas dessa vez não por militares preocupados com a minha segurança e sim meu melhor amigo, cuja presença ainda identifico apesar da distância entre nós.
Com os olhos ainda fechados, respiro fundo e — em outra prova do descontrole de meus poderes — consigo vê-lo mesmo de costas. Desejar encontrá-lo é o suficiente para que Peter brilhe em um tom violeta e a estrutura do prédio se forme diante de mim como uma planta digital ou até mesmo um holograma. Consigo por meio de uma analogia, comparar minha visão com uma imagem térmica, com o violeta em diferente intensidades em pontos diferentes da estrutura e em Peter. Tenho medo de caminhar para dentro do Complexo e minhas pernas falharem pelo nervosismo de vê-lo, mas me forço a fazê-lo assim mesmo, segurando minha bolsa e a sacola do fast-food com força e tentando evitar dar atenção para meu coração acelerado e a mera ansiedade que sinto. Assim como ontem, Peter me viu ao lado de Harry e somente consigo me atentar em como foi em situações comprometedoras ou seriam se houvesse algo a ser comprometido.
No elevador, eu fecho os olhos apesar da tensão que estar no pequeno espaço fechado me causa, desviando minha atenção para tentar decidir se devo ou não falar com Peter e se ele, ao menos, gostaria de falar comigo. Uma súbita coragem enche meu peito, reiterando uma segunda vez que não há compromisso algum entre nós, a realização expurgando a culpabilidade que me dominava e se aconchegando na quina mais frágil de meu coração, substituindo a culpa por uma melancolia morna. Morna pois, desde nossa conversa na noite anterior, a fria tristeza se afeiçoou comigo. Ao chegar ao andar da sala-de-estar, ele está aquecida apesar da serena brisa que vem da varanda e entrega que Peter ainda está por trás das portas de vidro e certamente me ouve. Temerosa que ele vá escapar mesmo que me falte forças para domá-lo como um caçador faria com a presa, tento acelerar o processo de me desfazer de minha bolsa e a deixar sobre uma poltrona.
Eu respiro fundo antes de tocar nas pesadas cortinas que Pepper escolheu para decorar o espaço, sentindo o tecido acariciar a ponta de meus dedos antes de respirar o ar frio do mundo exterior. Sou guiada diretamente a Peter, este que ainda está apoiado no parapeito e observa o horizonte onde as árvores balançam, despejando a neve que caia aos poucos sobre a cidade. Ignoro a ironia de trazer a tempestade junto a mim e o observo por um instante; a calça cinza escura de moletom e a camisa preta que abraça seus músculos com perfeição. Tenho certeza de que acabou de sair do banho pois seu cabelo está bem penteado e um pouco úmido, mas é o perfume de seu sabonete que o entrega. Me questiono se um dia irei deixar de relacionar o perfume de sândalo a ele. Abro a boca algumas vezes, tentando formular algo que não envolva comentar sobre o tempo, mas não tenho sucesso e preciso me amparar em nosso cumprimento cotidiano que ainda é o meu favorito.
— Ei, você. — Minha voz não ultrapassa o volume ideal para que somente ele me ouça.
Peter vira o rosto para mim de onde está, a surpresa óbvia em seus olhos e no movimento delicado de suas sobrancelhas que se curvam, a dócil admiração em seu rosto perdura por um momento, permitindo transparecer a surpresa que é me ver. A confusão expressa em sua feição se acalma e ele relaxa visivelmente, assim como imagino ter feito ao vê-lo pois exalo um suspiro pequenino ao tentar cumprimentá-lo com um sorriso que ele corresponde com a mesma falha intensidade e, ainda assim, não consigo tirar meus olhos de Peter instante algum. Díspar de Harry e sua beleza convencional que não deixa de ser delicada e encantadora, Peter possui uma beleza que não cabe em palavras. Cada detalhe de seu rosto, desde os fios rebeldes da sobrancelha esquerda que são impossíveis de alinhar até os lábios finos que protegem seu sorriso que me traz paz — ele é perfeito aos meus olhos. Não consigo o comparar com Harry ou qualquer outra pessoa pois não há forma de fazê-lo, cada característica sua tendo se tornado tão íntima que não posso ousar tratá-las como meros pontos comparativos. Não há hierarquia onde Peter não a regra fundamental para mim.
— Ei, você. — A apreensão escapa de meus dedos quando ouço a sua voz que soa como um balsamo sobre minhas feridas. Seu tom é carinhoso e tão único que respiro fundo ao ouvi-lo, afogando-me nele. Não é a mesma voz carregada de desejo que ouvi ao nos beijarmos, mas sinto que ele poderia envolver-me no abraço mais afetuoso do mundo simplesmente pela maneira que fala comigo.
— Como... — O ar que prendi escapa sem permissão e eu umedeço meus lábios antes de prosseguir, sentindo-me quase tonta ao fazê-lo. Seguro minhas mãos firmemente diante de meu corpo quando me aproximo dele, ainda mantendo uma distância adequada entre nós e notando o erguer de sua sobrancelha enquanto aguarda a conclusão de minha pergunta. Nem mesmo sei aonde chegará. — Como foi com os Quinjets?
Parker respira fundo e pisca algumas vezes, revelando que talvez aguardasse por outra pergunta ou talvez pergunta alguma, e é somente assim que noto que suas orelhas estão rubras após meu aproximar, os dedos entrelaçados e pálidos pela força que aplica. Ele frisa as sobrancelhas com o apertar da mandíbula, o osso forte se tensionando.
— Legal. — Peter afirma com um mover lento da cabeça para assentir. Ele umedece os lábios com a ponta da língua. — O Sr. Stark me ensinou a consertar danos externos no Quinjet com auxílio da Karen e da FRIDAY — Concordo com um “hmm” baixo, garantindo-lhe que estou atenta ao que diz, mesmo já sabendo como reparar tais danos. — E no motor, também. — Apesar de poder sentir algo errado em sua voz e todo seu comportamento, comentar sobre os novos aprendizados parece lhe distrair momentaneamente. — Ensinou sobre os controles internos e os compartimentos com os protocolos de segurança, e falou dos novos modelos e as mesas operacionais. — Posso imaginar meu pai o levando para dentro de um Quinjet e a expressão maravilhada de Peter ao conhecer os detalhes do transporte, assim como aprendendo tudo o que pode e guardando com cuidado e real carinho na memória..
— Parece ter se divertido, Pete. — A mera imagem fabricada em minha mente me faz sorrir satisfeita.
— Você também.
Desta vez, ele se vira para mim e sinto meu sorriso perder sua energia prévia, ainda que a maneira que Peter falou tenha sido comum e costumeira, um pequeno sorriso no canto de sua boca. Estou considerando se devo lhe contar sobre o que aconteceu, contudo, ao buscar seus olhos, eu sou surpreendida pela suavidade de suas irises e a reverência estampada em seu rosto. Creio que a palavra “deslumbre” seja a ideal para descrevê-lo.
— Uau, ... — Quando percebo que sou o objeto de seu fascínio e é para mim que Peter olha, o embaraço aquece meu rosto, afinal ainda preciso de muito para que isso se torne costumeiro ao ponto de ser ignorável. Parker tem o mesmo olhar de adoração que Harry e Pepper tinham hoje e minha cabeça gira ao perceber que ele também gosta do que visto. — E-esse vestido ficou lindo em você — O gaguejar entrega a sua timidez já esperada e eu prendo a respiração. É a primeira vez que Peter dirige um elogio a minha aparência e não a aspectos gerais de meu caráter. Apesar de causar tanta timidez em nós dois, a situação deixa meu coração em chamas. — Não que você não esteja bonita todo dia, mas ele tá bem incrível — Ele pausa e eu vejo como um rubor surge em seu rosto. As palavras e seus pensamentos se embolam e minha expressão terna se torna um riso. Ele revira os olhos, ainda embaraçado. — Você está linda, é isso que eu estou tentando dizer, ok? — Um sorriso tímido se formou em seu rosto mas Peter engole em seco antes de virar por completo para mim, a sua face tão serena perdendo um pouco do brilho prévio devagar. — Como foi lá?
Eu o contemplo por um instante, percebendo como o retorno para o tema do encontro o incomoda e como nem mesmo se refere ao que aconteceu como um encontro, dispensando se prolongar ao questionar sobre ele. Preciso conter a faísca eufórica dentro de mim que resta dos seus elogios e que insiste em se manter viva agora que entendo como meu encontro com Harry o afetou e como há uma parte de mim que se satisfaz com a situação. Liz Toomes é a primeira coisa que surge em minha cabeça e eu a afasto de imediato junto aos pensamentos infantis que a acompanham.
— Foi... Ótimo. — Desvio meus olhos para o horizonte que Peter admirava antes de minha chegada e contenho um suspiro até reconhecer que é Peter e não preciso conter minhas frustrações com ele. Quando o faço, aproveito para me apoiar no parapeito e respirar fundo outra vez, as palavras duras de Gwendolyn fincadas em minha mente. Inadequada, intrusa, sem valor. Uma qualquer, como ela também preferiu nomear-me. — Algumas coisas não foram como planejado e, bem, talvez eu devesse ter ouvido o Tony sobre toda a história de evento. — Novamente, me sinto culpada e não sei como contarei a meu pai sobre isso, ou mesmo se Pepper já lhe contou do incidente com Stacy e como ele reagirá. Não quero ouvi-lo apontar que estava certo desde o princípio ou que arranjará uma forma de fazer os Stacy “pagarem”. Mesmo suas ameaças sendo inofensivas, me dói não poder solucionar conflitos assim sozinha. — Acredito que deveria ter me preparado melhor para um evento daquele porte.
— Eu tenho certeza de que se saiu bem. — Quando Parker encosta sua mão em minha coluna, não há como impedir que arrepios se formem em minha pele exposta, mas ainda mais forte que eles, seu toque me faz sentir segura e eu fecho meus olhos, lutando contra o enorme desejo de lançar-me em seus braços e pedir que não me deixe mais fazer coisas assim. Que me proteja de pessoas como Gwendolyn Stacy e toda a futilidade deste mundo que cerca minha família. Mordo os lábios ao suspirar, ciente que ele não entende como sua afirmação de fé em mim é significativa. — Você é uma das pessoas mais educadas e elegantes que conheço. — Encolho os ombros quando afaga minha costa ao dar um passo até mim, diminuindo a distância entre nós. — Sei que foi bem, .
Ainda mordendo meu lábio inferior para impedir que algum tremor indique a ele que aconteceram mais coisas que me sinto confortável para expor, eu me aproximo o suficiente para que Peter note meu intuito e ele imediatamente me envolve em um abraço, sem hesitar em me acolher momento algum. Envolvo os braços ao redor de sua cintura e encosto a cabeça perto de seu pescoço, ainda olhando para longe pois não sei se irei suportar deixar que veja a provável fragilidade que sinto e eu tenha que explicar como as palavras maldosas de Gwendolyn foram doloridas. O peito de Peter é quente e me aquece apesar o clima frio, um braço firmemente seguro ao redor de minha cintura e a outra mão tocando meu cabelo enquanto me encolho mais e mais contra ele — envergonhada. Meus dedos se encontram em sua costa e entrelaço as minhas mãos quando Peter afaga o ponto atrás de minha orelha e então pressiona um selar em minha têmpora, este perdurando onde toca. O abraço me acolhe por completo, capaz de esconder-me de mim mesma devido o empenho dele, sempre tão cuidadoso ainda que me abrace e segure contra si como se sua vida dependesse do contato entre nossos corpos. Por um momento, eu quero acreditar que é isso que ele pensa, pois é exatamente como me sinto.
— Obrigada, Pete. — Sussurro contra sua camisa e finjo não perceber a coloração nova do tecido, oriunda da maquiagem que uso. Lhe dou um último aperto forte antes de me afastar, correndo a mão livre pelo cabelo enquanto me apoio no parapeito com a outra, fingindo não me atentar com a preocupação evidente em seu rosto e a ruga profunda entre suas sobrancelhas. Quando ouço o seu respirar profundo e o bater duro de seus dentes, volto minha atenção para o rosto de Peter, registrando nele o mesmo furor refreado de ontem quando descobriu do atentado. Os seus lábios estão apertado em uma linha dura e os olhos fervem enquanto percebo que ele monta um cenário distorcido em sua cabeça para justificar minha necessidade de conforto. — Pete, não...
— Ele fez alguma coisa contra você? — O tom grave de sua voz por pouquíssimo não me impede de registrar a gravidade de sua pergunta quando Parker aproxima-se de novo, observando meu rosto em buscas de respostas para a sua pergunta que, quando considero, tem fundamento ainda que seja exagerada. Mas sua expressão não está para brincadeira e eu sei disso pois ele respira fundo, parecendo pronto para caçar Harry Osborn pela cidade. É surpreendente. — , o Osborn machucou você? Ele falou algo para você? — Eu nego com uma ponta de desespero se formando em meu peito e me deixando nervosa. Peter pende a cabeça ainda sem acreditar e eu toco em seu peito, tentando amenizar a tensão absurda de seus músculos enquanto continuo balançando a cabeça. — Então quem falou? Quem te deixou assim? — Há um pontinha de calma nele depois que descarta a ideia de ter sido Harry ao me magoar, mas logo é substituída por mais irritação ainda. — O que falaram para você? Quem falou o que para você?
— Peter! — Tento lhe despertar o ciclo vicioso de suas perguntas, sentindo meu próprio desespero se intensificar ao reconhecer o quanto a mera ideia de me ver machucada o enfurece. Levo minhas mãos para seu rosto, segurando suas bochechas e então seus ombros e braços, alcançando suas mãos tensas. — Peter, eu juro que está tudo bem. Por favor! — Aperto sua mão esquerda entre as minhas, a segurando com zelo ainda que meu coração esteja acelerado com a situação. — O Harry não fez nada para me magoar, só estou cansada, Pete — Estou olhando os seus olhos turbulentos que me analisam milimetricamente, buscando sinais que esteja mentindo. Levo a outra mão para seu rosto novamente e suspiro aliviada quando fecha os olhos, a cobrindo com sua própria palma e se acalmando visivelmente. — Você sabe bem que se algo acontecesse, seria a pessoa quem eu iria procurar. Sabe que é quem mais confio, não sabe? — Eu vou de encontro a ele com cuidado, o abraçando outra vez e respirando seu perfume para acalmar meus próprios nervos. Uma onda intensa de confiança e poder me atinge quando Peter relaxa com rapidez, me segurando com tanto cuidado que parece temer que eu dissolva em seus braços. — Eu fiz o que me mandou fazer: fiquei o tempo inteiro próxima ao Happy e a Maria. Eu estava segura, juro.
É só então que percebo o que realmente está acontecendo.
— Pete, eu estou bem — Garanto uma segunda vez, acariciando seu rosto com amor. Meu coração se parte ao perceber o quão atormentado ele tem estado desde o acidente e as mentiras que eu sustentei nos últimos dias. Me machuca saber que sou a responsável por tanto estresse. — Estou aqui com você — Imagino que seja a sua ansiedade e a paranoia causada pelos eventos passados que estejam afetando seu julgamento, então preciso o distrair. Peter engole em seco e suspira, me provando outra vez que ele está tão cansado. — Olha para mim — Toco a mancha escura embaixo de seu olho esquerdo, ainda segurando sua mão direta bem próxima de mim e sentindo seus cílios tremularem. Quando ele me obedece, sua agitação está cessando devagar e posso respirar aliviada. Peter me olha e sua hesitação e seu receio são claros, o tornando tão vulnerável que tudo o que quero é livrá-lo destes pensamentos. — Eu estou aqui. Nada aconteceu. Estou bem aqui com você, hmm? — É para meu coração que guio a sua mão. Mesmo acima do tecido sei que pode sentir meus batimentos e seu rosto se contorce em uma expressão quase temerosa. — Me desculpe por preocupar você, foi só uma bobagem.
— Tem certeza? — Concordo de imediato, afagando suas maçãs do rosto outra vez.
— Sim, eu tenho. Estou sã e salva aqui com você. — Repito com uma voz que espero soar gentil. Eu observo seus lábios se moverem algumas vezes, revelando como ele hesita antes de falar o que for que deseja, mas sei não ser algo nada saudável. Manifestações tão inconscientes de irritação não são o melhor remédio para uma mente inquieta como a sua, ainda mais com o estado de May e o trauma que sofreram. Quando ele parece prestes a falar alguma coisa e seus olhos se apertam novamente com o que seria, me apresso em agarrar sua mão com mais força, o arrastando para o presente. — Shh... Vamos mudar de assunto, que tal? — Proponho com minha voz mais morna e distraída possível, mesmo ainda acariciando a costa da sua mão com meu dedão e traçando os relevos de suas veias. — Como nas nossas ligações! — Pondero um novo tópico enquanto Parker tenta regular a sua respiração. — Nós nunca falamos das nossas comidas favoritas, certo?
... — Seu pedido é cansado e eu sei que não gostaria de responder isso no lugar dele, mas sei que é o melhor a ser feito. “Faz um esforço. Por mim?” Ele engole em seco e eu o aguardo, meus dedos logo sendo envolvidos pelos seus quando Peter se esforça para responder minha pergunta tola. Ele está cansado e o esgotamento dele me preocupa. Peter deve descansar para o seu bem. De alguma forma, estou grata que May esteja aqui e ele não precise fazer todo o percurso de volta para o Queens. — Massa. — Peter responde, tentando soar o mais normal possível e eu lhe dou um sorriso quando abre os olhos para mim, se afastando do parapeito para que eu possa me encostar e ele ainda permaneça diante de mim. — A macarronada do restaurante italiano. Perto de casa.
Assinto devagar, imaginando que a resposta seria algo vindo de restaurante pois May não cozinha.
— A minha é pizza. Ou sanduiche de pasta de amendoim. — Digo quando Peter me olha, esperando por minha resposta. A sombra de um sorriso surge em seus lábios quando exponho meus terríveis hábitos alimentares. — Não estão no mesmo patamar de “classe de comida” e não são “comida de verdade” segundo a Pepper, mas eu gosto bastante. — É a minha vez de respirar fundo, percebendo que a ideia de mudar de assunto ou simplesmente conversarmos foi tão benéfica para mim quanto seria para Peter. A Dra. Hall já havia me contado sobre a importância de reconhecer os níveis de minha bateria-social, e agora reconheço tal necessidade. Um dia em um ambiente novo foi capaz de me esgotar. — E donuts recheados também. Os de geleia de uva da escola. Sim, os da máquina. — Deixo minha mão cair do rosto de Peter e uso as duas para segurar sua destra outra vez, meus lábios ligeiramente curvados. MJ detesta que eu coma tais donuts pois o deixam tudo grudento. — E o brownie da mãe da MJ que é uma delícia e...
Estou pensando em outras opções de comidas que mais chamam minha atenção, então os dedos de Peter se curvam contra os meus; envolvendo minha mão esquerda com habilidade, o toque já tão natural entre nós que sei exatamente onde suas digitais estariam posicionadas sem precisar olhá-las. As palavras perecem em minha boca, toda minha atenção sendo roubada pelo ponto onde nos conectamos de maneira tão costumeira que até sinto falta de seus dedos entre os meus quando não o fazemos. O encaixe de nossas mãos não é como a minha com Harry. Os dedos de Peter não são delicados como o de Osborn, são mais fortes e com uma singela aspereza de alguns calos na palma. Ele não camufla minha mão como Harry fez, simplesmente me segurando e ainda ofertando todo o espaço necessário para que eu respire. Outra vez, todos os sentimentos de culpa rasgam meu peito e eu aperto minha mão livre em punho, renegando o ato. Preciso fazê-lo.
— Vocês se beijaram?
O sussurro de Peter é mínimo, quase delicado e a surpresa de sua pergunta me faz erguer o rosto de imediato, incrédula que tal questionamento tenha escapado pelos seus lábios. Quando nossos olhos se encontram, não controlo o acelerar exasperado de meu coração e preciso de um instante para pensar, assustada com sua pergunta e tão vulnerável a ela quanto ele parece estar. A sua expressão é como a que sustentava ontem quando o dispensei para buscar ajuda de Cho, o mesmo grau de desesperança marcando sua boca que se aperta em uma linha dura. Mas não há firmeza alguma nele, não mais — apenas a fragilidade de quem segura o coração como se fosse um animal ferido. “Perdão?” Meu arfar é pequeno, uma mera tentativa de ocultar o efeito de sua inquisição. O respirar de Peter é tenso e ele desvia os olhos para nossas mãos de novo, onde meu aperto falha devido ao choque e seus lábios se afastam ao notar. Eu chamo o seu nome em um sussurro, sentindo meu coração doer com sua vulnerabilidade após tudo o que passou nos últimos dias.
— V-Você e o Osborn se beijaram no encontro? — É uma pergunta simples e fácil de responder, mas é Peter quem a faz e tudo se complica dentro de mim. Suas irises se movem sem parar em busca de alguma reação minha como um despertar que não consigo lhe ofertar, nossas últimas conversas rondando minha mente desesperada. Ele se importa? Nós aceitamos ser um erro, então por qual motivo Peter se importa tanto? Por que está se contradizendo dessa forma? — Como nós nos beijamos, você beijou ele? — Peter engole em seco, encurtando a distância entre nós a fim de instigar uma resposta. Ele não faz por mal e eu sei, mas ainda sim é confuso e não consigo decidir se desejo acreditar na vozinha no fundo de meu coração que já me enganou da última vez. Suas orelhas estão vermelhas e ele molha os lábios quando abaixa a cabeça, decidindo evitar meu rosto enquanto a resposta fica presa como um nó em minha garganta. O nó é o responsável por conter a imensidão de sentimentos que me forço a esconder pelo bem do que ainda resta para nós, no entanto... — Ele falou sobre primeiras vezes e... — Ele respira, parecendo precisar de muito mais oxigênio do que precisou na vida e considero se também há um nó em sua garganta. — , eu sei que não deveria perguntar, que temos esse acordo silencioso de esquecer o que aconteceu, mas — Meus dedos se curvam nos seus e eu aperto sua mão com força, da mesma maneira que aperto meus dentes. — eu preciso saber.
— Peter... — Ao me ouvir pronunciar seu nome com mais confiança que imaginei que conseguiria, ele recolhe o lábio inferior entre os dentes como eu costumava fazer ao para preparar para um golpe que me apagaria. Seus olhos se fecham e meu coração aperta ao perceber ser a culpada por sua antecipação. Eu solto sua mão e elevo minhas palmas, cobrindo suas bochechas mornas com elas, detestando como sua boca se aperta de novo, temendo minha resposta. Não há sentimento nenhum de poder correndo em minhas veias, mas ainda assim me sinto erguida a um pedestal novamente. É estranho e bom. — A única pessoa que eu beijei na minha vida inteira foi você. — Lhe informo, respirando devagar em uma tentativa de controlar o desordenado desejo que avança sobre mim como água do mar sobre pedras. Analiso sua linguagem corporal após a revelação; os ombros se erguendo ligeiramente e o ar que exala, parecendo conseguir respirar. A sua cabeça se move e o nariz de Peter raspa em minha palma, os lábios enfim se afastando. Sei que em algum ponto irei me arrepender, mas não consigo conter-me. — Não pude beijar o Harry exatamente por isso; porque ele não é você.
Quando nossos lábios se encontram, a faísca de esperança que nutri se torna uma fogueira voraz, relembrando-me o quanto senti falta de sua boca na minha. Peter leva uma mão para minha nuca ao retribuir o ósculo, inçando-me até ele e envolvendo um braço protetor em minha cintura assim que passo uma mão por baixo de seu braço e a espalmo em sua costa. O beijo é sereno como uma chuva de primavera e não nos movemos muito, lábios quase imóveis pois merecemos um instante apenas para nos tocar-nos assim, sem pressa ou medo de ferimentos ou exaustão. Peter respira e o ar toca em minha boca, soprando entre meus lábios enquanto sinto os músculos de sua costa se expandindo com cada inspirar e seu peito pressionado no meu. Quando nossos lábios se tocam novamente, cada emoção que senti nos últimos dias, boas ou ruins; cada palavra de amor trocada por nós; cada toque apavorado com a distância — todos estão presentes no beijo.
Curvo o braço na nuca de Peter, meus olhos fechados firmemente pois sei que doerá quando nos distanciarmos e eu preciso memorizar cada detalhe deste beijo. O mesmo sabor de menta em sua boca que senti na primeira vez, o calor das suas palmas onde elas tocam, o ritmo de seus lábios, a maciez de seu cabelo e o desejo que despeja sobre mim; a mão em minha nuca inclinando minha cabeça para a esquerda e a outra mão suavizando meu pressionar contra o parapeito. Sua boca está quente e Peter está faminto, pressionando nossos lábios ainda mais até que ambas as mãos segurem meu rosto novamente quando a ponta de sua língua encosta em meu lábio inferior. Não preciso de um pedido para afastar os lábios, meu corpo despertando e cada terminação nervosa se agitando em vívidas e violentas fagulhas, desejando mais do sabor de sua língua e mais de seu corpo contra o meu.
Enquanto sua boca e língua afastam todo o frio do inverno ao nosso redor, os dedos de Peter estão delicados ao acariciar meu rosto, minhas bochechas e meu queixo assim que elas se esbarram, ele relaxando a mandíbula para aprofundar o beijo. A dicotomia é revoltante e quero o provocar por isso, mas minha mente está confusa demais enquanto Peter me preenche com fogo líquido. Emaranho meus dedos em seus cachos frágeis, sentindo seu arfar contra minha boca ao apertar seu cabelo para extravasar o fogo intenso nas minhas veias. Registro os arrepios que cobrem seu braço, reconhecendo que fiz algo certo e o passo a língua pela sua ao inclinar o rosto como indica com as mãos. Peter sussurra meu nome como um aviso e puxa-me para perto pela cintura, agora ambas as mãos sobre o vestido e os dedões afagando o tecido.
— Peter — Suspiro contra seu lábio superior, sem ousar abrir os olhos. — Mais — Não ligo por soar como uma selvagem e nem mesmo consigo formar uma frase coerente, somente pedindo aos céus que ele não pare e se afaste de novo. — Quero mais.
O grunhido exasperado dele arrepia até o último fio de minha cabeça, assim como a rispidez com que ele empurra o paletó de Harry para longe de meus ombros e o joga no chão. Um ruído que me recuso a descrever como um gemido me escapa quando Parker me beija, seu nariz pressionado no meu e os dedos curvados ao apertar minha cintura com cuidado. Estou retribuindo o beijo e sentindo seus músculos firmes quando algo me distrai, uma perturbação mínima. No entanto, ao sentir a língua de Peter contra a minha, invisto contra ele com mais fervor e ele nos aproxima o máximo, moldando-se na forma de meu corpo e me envolvendo em seu calor. Meu coração dói angustiado, mas o apego bruto a Peter consegue florescer, envolvendo o músculo cansado como videiras firmes, se preparando para manter meu coração íntegro quando o choque brusco vier. Então outra punção estranha no fundo de minha mente se faz sentir e eu — apesar de arrependida — afasto o rosto.
— Volta — Peter chama com os lábios tão próximos que sinto cócegas quando fala. — . Volta.
Não tenho tempo de lhe explicar o que senti, o que pressinto, pois Pete me beija de novo e eu arfo em sua boca, meus olhos se revirando pelo ósculo, o desejo em sua voz e o som que emite para me convencer a beijá-lo de novo. Levo as duas mãos para sua nuca, saboreando o selar e os ruídos sempre que movemos os lábios; é úmido, viçoso e íntimo de uma maneira tão deliciosa que estou perdida em nós, ignorando que agora é ele quem desvia a face. Eu sigo sua boca, escondida atrás de sua forma protetora até perceber que uma sombra se move atrás da cortina. No momento que Pepper surge há alguns metros, Peter se afasta como se eu estivesse em chamas e tropeça para trás, agarrando a sacola de papel do McDonalds, e batendo com o ombro na parede em seu desespero para disfarçar o que estávamos fazendo. Meus olhos se arregalam com o seu impacto contra o concreto, mas Pepper chama meu nome antes que eu possa falar alguma coisa.
— Que susto, menina! — Ela coloca a mão no peito, respirando fundo ao me olhar e se aproximar, a expressão se tornando confusa ao encontrar Peter escorado no canto da varanda e com a boca apertada para disfarçar a dor que provavelmente está sentindo devido ao encontrão com a parede. Pepper olha de mim para ele, as sobrancelhas frisadas e uma mão na cintura sobre o pijama. — Peter, está tudo bem, filho? Que cara é essa? — Ele entreabre os lábios e eu me impressiono com a cor rubra assim como meu batom no contorno deles.
— Eu — Minha voz assusta os dois devido ao volume desnecessário para chamar atenção de Pepper para longe de Peter, o que funciona quando ela dá um pulinho, me olhando surpresa pelo volume. — Assustei vocês dois, pelo visto — Cubro a boca com as mãos, arregalando os olhos para fingir embaraço e uso o disfarce para limpar meu batom provavelmente borrado. — Perdão. — Abaixo as mãos, meu corpo tão quente que não ouso olhar Peter de novo, temendo entrar em combustão. — O Peter escorregou na neve e quase caiu. — Pepper assente preocupada e olha para ele, uma mão no peito.
— Você se machucou, querido? — Ela questiona aflita e de certa forma, seu cuidado com Peter me faz suspirar por conseguir desviar sua atenção. Peter engole em seco e respira pesado ao assentir, segurando a sacola como se fosse um salva-vidas e ele estivesse em alto-mar. — Certeza?
Ele arfa e concorda outra vez, correndo os dedos pelo cabelo bagunçado — que eu baguncei.
— Sim, senhora — Peter concorda com a voz rouca e pigarreia em seguida, o punho sobre a boca e disfarçando o esfregar para limpar o batom com uma leve tosse. Pepper se aproxima e aperta meu ombro com gentileza, esfregando meus braços ao exalar ansiedade por cada poro de seu corpo. É óbvio que ela deseja ouvir sobre meu encontro com Harry, mas ainda estou tão afetada por Peter que todas as horas que passei com Osborn desaparecem de minha memória no momento. — O-obrigado, — Apesar de ele erguer a sacola de fast-food para indicar o que está agradecendo, o apelido usado por Peter ateia fogo em cada centímetro de meu corpo e eu preciso desviar o rosto para conseguir assentir, esfregando minha sobrancelha ao forçar um sorriso para ele. — Boa noite, Srta. Potts. . — Peter se despede e eu ouço Pepper o desejar um bom descanso enquanto ainda mantenho a cabeça baixa ao ouvir o som de seus passos se distanciado, certa de que pode ouvir o som de meu coração acelerado e minhas tentativas de regular minha respiração.
Pepper está reclamando do frio e alertando-me do risco de contrairmos um resfriado, esfregando meus braços que devem estar gelados assim como meus dedos que aperto em punhos apertados quando ela apanha o paletó de Harry e coloca em meus ombros de novo. Contudo, as reclamações sobre adolescentes não possuírem a mínima consideração com a própria saúde acaba passando quase despercebida por mim quando ela me escolta de volta para a sala e se distrai fechando as portas da varanda. Parecendo sentir a distração de Pepper, Peter me olha por cima do ombro durante sua rota confusa para as escadas, e neste momento, é impossível não reconhecer que estamos traçando um caminho traiçoeiro quando nossos olhos se encontram e não há nada além de euforia velada entre nós.


Homecoming XX — Ours

Deus... A Madame Lohia é realmente insuportável! — Pepper não mede esforços para revirar seus olhos claros o máximo possível, entortando a boca em uma careta incomodada após meus relatos sobre o dia. Ela esfrega uma têmpora enquanto me sento na cama, secando o cabelo após precisar lavá-lo para remover os produtos utilizados hoje. — Não a julgo de maneira alguma por não gostar dela. Lohia foi o motivo de eu não ter ido com o seu pai para a Índia na última vez — Pepper lembra com um dar de ombros. — Acho que até mesmo foi na época do seu acidente em Washington.
Apesar de ter desejado um banho de água fria para conseguir me desligar do novo acidente com Peter, optei por um banho quente e alguns minutos em uma banheira com os sais de banho que Pepper me presenteou em uma cesta no Natal. Pep ficou comigo o tempo inteiro enquanto eu lhe relatava sobre meu dia, até mesmo se sentando no previamente desnecessário divã no banheiro. Tony estava em uma reunião virtual e eu me flagrei quase confortada com a situação por não ter de dividir com ele minhas desilusões.
— A mente dela é como uma máquina. — Me sento na ponta da cama, mordendo o lábio ao lembrar da mulher. — Procurava raízes onde o meu sobrenome se adequaria, empresas, amigos e qualquer indício de quem eu seria. — Ainda me surpreendo com a astúcia e engenhosidade dela. — E foi tão falsa, não somente comigo, mas com o Harry! — Citar o nome de Harry depois de evitar beijá-lo e ter ido imediatamente para os braços de Peter me deixa nervosa, mas o tremor em minha voz não é registrado por Pepper.
— E a Stacy? Como foi com ela, no fim das contas? — Pepper questiona ao me acompanhar para a cama, deitando-se no lado oposto do que estou, cruzando os braços sobre o estômago ao apoiar-se melhor no travesseiro.
Ainda que pensar em Gwendolyn me deixe enjoada ao ponto de querer pedir que esqueçamos que eu a encontrei novamente, ver Pepper deitada em minha cama e interessada em me ouvir basta para aquecer meu coração. Deixo minha toalha no canto da cama e subo até deitar a cabeça em um travesseiro, virando o rosto para sorrir um pouco para ela. Aos meus olhos, Pepper Potts é a mulher mais bela e elegante de todo o mundo, mas estas pequenas instâncias onde seu cabelo está com um leve frizz e ela cheira a chá de hibisco e os cremes para o rosto, é quando a vejo mais linda. Quando sua versão meiga e caseira surge no fim do dia, é quando a amo mais. Fecho meus olhos quando ela sorri carinhosa para mim e as pontas de seus dedos encontram meu cabelo, se dedicando quase inconscientemente a desembaraçá-lo.
— Nós nos encontramos uma segunda vez depois do fiasco do polo. — Pep faz um som para indicar que está atenta para o que falo e eu viro o rosto para ela, ainda com os olhos fechados. Somente saber que ela está me ouvindo é todo o conforto que precisei. — Eu fui ao toalete e o Harry estava me esperando, então ela apareceu. — Dou ênfase na palavra “toalete” e a cama balança um pouco com a risadinha dela pois uso a palavra que me ensinou. — Ela falou algumas coisas tolas sobre família, imagem e sobre mim, então eu cheguei e a Gwendolyn se tornou a pessoa mais querida de todo o mundo. — Meu aborrecimento está óbvio em minha voz e é satisfatório deixá-lo escapar. — Disse que eu faria uma amazona incrível com a minha postura elegante e ela estava ansiosa para me ver novamente.
— Então o dizer popular não está errado. A maçã não cai longe da árvore. — O desgosto de Pepper também não se mede e lembra-me de algo que ouvi a mãe de MJ comentar quando estive em sua casa sobre “se fez mal para minha filha, fez mal para mim também”. Pensar neste aspecto quase me faz sorrir apesar da situação chata com Stacy, então opto por questionar Pepper se ela já teve problemas com a mãe de Gwendolyn. — Quando ainda não namorava o seu pai — Ângulo o pescoço para que ela remova o brinco que esqueci de tirar antes do banho e como é ouro puríssimo, não há problema. — Muito tempo atrás, é claro, mas esse ideal torto de pessoas como ela... — Pepper estala a língua enquanto removo o outro brinco e a tarraxa. Lembro-me de quando Natasha me levou para perfurar as orelhas e eu fiz uma janela quebrar pela força de meus poderes no momento de dor. — Obviamente, esperava que a Margaret já tivesse superado isso tudo depois do casamento com um mero soldado americano sem títulos, mas...
— O secretário de segurança? — Exclamo com os olhos arregalados.
— Esse mesmo. — A loira assentiu com uma expressão cômica de escárnio que me faz rir baixinho. — Ele foi o responsável pela segurança dos Médici quando vieram para os Estados Unidos durante uma viagem para conhecerem o presidente da época. A Margaret não voltou para Toscana depois disso, claro, não antes de oito meses de gestação para Gwendolyn nascer uma cidadã italiana. — Pepper finaliza a história com um revirar dos olhos.
Fecho os olhos de novo e me aconchego mais perto dela, descansando no mesmo travesseiro e ela estende o braço para mim, como incitando que me aproxime ainda mais e eu o faço sem hesitar. Com minha cabeça em seu peito, posso ouvir seu coração e ela afaga minha costa e braço ao falar que deveria usar algo mais quentinho devido ao frio. Eu lhe prometo que o farei e aperto mais os olhos, respirando fundo o seu perfume que ela usa até mesmo antes de dormir. Há uma sensação poderosa em estar abraçada com Pepper e ela me conforta de maneira que ninguém mais poderia — me sinto segura não fisicamente, mas com meus sentimentos e meu coração protegidos. Como se as barreiras que mantenho erguidas durante todas as horas do dia não consigam resistir muito perto dela e nem mesmo precisem ser tão resilientes.
— Harry me contou sobre o pai dele e a Dra. Stacy forçarem ele a Gwendolyn se tornarem um casal. — Comento depois de um tempo em silêncio quando Pepper questiona-me mais sobre meu dia, sentindo uma misericordiosa pena de ambos apesar do comportamento de Gwendolyn. A sua falha de caráter não a torna merecedora de um destino como moeda de troca. — É absurdo, Pepper.
— Você não vai acreditar no número de relacionamentos forjados entre as pessoas naquela festa, meu anjo — Ela acaricia meu cabelo enquanto lamenta, correndo as unhas curtas por meu couro cabeludo em movimentos circulares. Mordo o lábio ao me questionar se é assim que Peter se sente quando toco em seu cabelo, mas desvio-me de tais pensamentos no momento. — Propostas de negócios que resultam em famílias que monopolizam setores industriais inteiros nos mais diversos países... — A filha dos Kadoorie, forçada a um casamento tão cedo, é em quem eu penso. — A única coisa neste mundo que me permite ficar aliviada com toda a situação que a maioria desses jovens são forçados é a garantia que nada disso jamais vai acontecer com você. — Abro os olhos devagar, vendo a pulseira que lhe dei de presente no Natal balançar no seu pulso enquanto acaricia meu cabelo, hora colocando atrás da orelha ou simplesmente correndo os dedos por ele.
Ver o presente adornando-a me deixa feliz e eu me questiono se ela também usa os brincos.
— O seu pai jamais permitiria que isso acontecesse... — A veracidade em sua voz é mesclada com um tom de humor, humor que não sinto fluir em mim apesar de mais uma garantia de meu título como filha de Tony Stark. — O número de protocolos que esse homem tem preparados no caso de um dia você optar por casamento... — Ouço o reverberar de seu riso no seu peito e levanto a cabeça dele para olhá-la, sendo gratificada com seu rosto sereno, um sorriso carinhoso e os brincos que lhe presenteei balançando em suas orelhas. — O ponto mais significativo é a obrigatoriedade de uma separação de bens. Seu marido ou mulher jamais vão tocar na sua fortuna. No caso de filhos, eles somente terão acesso a seu dinheiro se não houver divórcio... — Ela elenca as possibilidades enquanto a ouço admirada que Tony tenha sequer considerado que um dia irei me casar. — Muitas variáveis, mas o mais importante é que você está a salvo dessas atrocidades como a que o Norman impôs ao Harry.
Penso em Tony e em como tirou um momento em seus dias ocupados para se preocupar com meu futuro e a perspectiva de um casamento que dificilmente se encaixa na ideia de futuro que criei. É óbvio que nunca reconheci a necessidade de considerar meu futuro e que estou vivendo muito mais do que imaginei que viveria e em condições superiores às que um dia fantasiei existir. Em minha imaginação, antes do resgate da Hydra e a introdução à nova vida que me foi ofertada, camas confortáveis e comida abundante nunca existiram. Ou festas onde ocorrem jogos de polo e apostas milionárias por pura diversão. Ou beijos que me roubassem o ar. Não havia nada e eu era o mais rudimentar produto de meu meio possível — conhecia tecnologia, é claro, mas não sabia que havia uma vida além de minha cela, carros fortes, experimentos laboratoriais e fome. Agora, sou ofertada mais do que jamais considerei existir e é uma ideia absurda e fantasiosa demais.
— Ele pensa em tudo, não é? — Não posso evitar erguer a sobrancelha e o tom distante de amargor em minha voz apesar da gratidão desmedida que sinto por Tony e Pepper. É difícil aceitar tanto quando passei anos resumida a nada e uma vida miserável. — Não imagino que um dia vai ter algo mais extraordinário, no conceito de absurdo da palavra, do que ouvir você ou qualquer um unir-me a palavra "fortuna" em uma frase. — Toco meu rosto e pisco devagar, pressionando os dedos contra a o espaço entre minhas sobrancelhas e o esfregando. É exaustivo. — Há doze anos a minha fortuna era um saquinho de M&M que recebia no Natal e durava até fevereiro se eu economizasse. — A memória me traz um sorriso ainda que carregue uma carga emocional que tenho negligenciado há anos. — Seis anos atrás era uma tigela semanal com mingau de aveia e ossos que já tinham sido roídos — Balanço a cabeça e me preparo para o sermão de Pepper. — E hoje é o império dos Stark...
— Você já passou por tantas coisas, meu amor... — Inclino o rosto ao encontro de sua mão que me alcança, os dedos afagando meu rosto enquanto a outra afasta o cabelo dele. Quero beijar suas mãos e lhe agradecer por tudo que me ofereceu. Não pelo conforto material, mas pelo amor que nunca se recusou a me ofertar mesmo em meus piores dias. Eu a amo tanto que tenho vergonha de um dia ter renegado seu carinho. — Não me atrevo a imaginar os horrores da humanidade que foram apresentados a você tão cedo, ou como a sua pureza e infância foram arrancadas de maneira tão brutal... — Aperto os dentes e tento sorrir um pouco, detestando que pense no que aconteceu e se entristeça com o que não podemos mudar. — Não merecia nada do que aconteceu, . Nada do que precisou fazer, do que viu e do que sofreu… Quando o Tony me disse tudo o que sabia sobre você, eu lembro de ter decidido que a Bíblia havia errada. Que Deus não estava em todos os lugares pois não acreditava que Deus permitiria uma criança inocente ser condenada a um destino como aquele.
Eu pisco, olhando seus olhos e como seu nariz fica vermelho, indicando que suas emoções estão mais despertas e o assunto a fragiliza. Apoio o rosto ainda mais na sua mão, desejando a livrar de todas as aflições humanamente possíveis. Pepper não é uma católica devota, contudo, acredita em Deus e na Bíblia enquanto eu não consigo imaginar-me em seu lugar. Não consigo me ver depositar toda minha fé em algo que nem mesmo compreendo e é reconhecido exatamente pela dificuldade em compreender.
— Então, toda a minha educação católica veio à tona e eu pensei: aquilo a fez mais forte… — Pepper aperta os lábios, entristecida e insatisfeita com o que acreditou e muitos no seu lugar acreditariam quando soubessem sobre meu passado. — Mas você não precisava ser forte, — Sua mão livre se curva e ela acaricia minha bochecha com os dedos, a tristeza clara em seu rosto. Tristeza e pena. Tristeza e amor. — Era só uma menina e apenas precisava ser protegida, que é exatamente o que nós estamos fazendo agora. Você já lutou o suficiente por uma vida inteira, meu amor.
Prendo meu lábio inferior entre os dentes quando Pepper se senta e dedica-se a secar as lágrimas que encharcam meu rosto, sorrindo com todos os dentes e beijando minha testa. Então, em meio a tudo, o sentimento igual ao meu desespero na enfermaria surge e não consigo me conter de novo.
— Mãe — O afagar em minha bochecha é suspenso por minha voz trêmula. — Obrigada por...
Não consigo continuar, pois é impossível formar palavras quando os olhos verdes de Pepper brilham como esmeraldas com as lágrimas que também os envolvem como um véu. E então suas mãos se esticam e eu estou em seus braços no segundo seguinte, os olhos fechados e a abraçando com tanta força que tenho medo de machucá-la, ainda que seu aperto não seja tão delicado e ela também me abrace com força e saudade de quem finalmente reencontra alguém após muitos anos longe. As mãos dela encontram meu cabelo, o assentando em minha costa e diversos beijos sendo salpicados em minha face indicam o sentimento que uma simples palavra lhe provoca.
Mãe. São apenas três letras e que em segundos assumem um significado para mim: Pepper. Não a mulher deu à luz a mim e abandonou alguns dias depois no hospital. Não quem eu imagino ter morrido em algum beco de overdose como a dona do orfanato disse para uma funcionária quando eu era pequena. “Mãe” tem um significado puro e eu sempre vou associá-la a Pepper, mesmo que no fundo de minha mente tenha renegado o título algumas vezes antes do acidente de May. Temia que não estivesse interessada em ser uma mãe e principalmente, minha mãe. Morreria se ela me pedisse desculpas e negasse o termo, ciente que tal coisa poderia afetar seu relacionamento com Tony. Ele se dizer meu pai foi um choque e agora a reação de Pepper também é pois não imaginei que estivesse aguardando que eu tomasse o primeiro passo, mas serei eternamente grata por me oferecer tempo o suficiente.
— Quase três anos, — Com um último selar em minha bochecha, Potts sussurra sorrindo para mim entre as lágrimas, segurando meu rosto com as duas mãos macias e eu vejo como suas bochechas estão rosadas e úmidas por minha causa. Demoro um instante para entender o que o que ela disse significa antes de rir também, não me importando em parecer patética por estar chorando. — Me fez esperar três anos para ouvir isso e ainda ousa querer me agradecer? — Ela está sorrindo com avidez em meio às lágrimas, mordendo os lábios ao me olhar com tanto carinho e amor que temo transbordar. Seguro a respiração para guardar essa imagem para sempre, os olhos marejados, o sorriso e o sentimento que provoca. — Santo Deus, menina... Eu te amo tanto!


*


É somente após dezenas de beijos em meu rosto, mãos e cabelo que Pepper se retira para ir dormir, desejando-me uma boa noite de sono. Quando atravessa a porta e me manda um beijo no ar, não há como segurar o sorriso que se abre em meus lábios ou a felicidade absurda dentro de mim, mesmo que o termo que usei para me referir a ela não tenha mudado coisa alguma, afinal, Pepper sempre foi minha figura materna — eu a chamando de tal ou não. Deito-me na cama por um momento depois que ela sai, cobrindo o rosto com as mãos e respirando fundo pois meu dia foi mais cheio do que imaginei que seria e ainda assim não me sinto nem um pouco cansada como deveria estar. Há algo forte em meu coração, como fogo que não posso conter e só consigo imaginar que seja toda a felicidade por finalmente permitir que Pepper ouça e compreenda como é importante para mim, mas entendo que talvez seja resquícios de toda a ansiedade sentida hoje e ela seja o motivo de minha inquietação.
Jogo as pernas para fora da cama em um ato rápido que apenas me garante que estou elétrica e inquieta demais para conseguir cair no sono apesar do dia cansativo. Decido desacelerar e visto um par de meias para não caminhar sobre o chão frio, apanhando a moringa perto da cama e enfim deixo o quarto onde o aquecedor deixou o ar abafado. No corredor, o meu primeiro e mais enraizado instinto é olhar para a porta de Peter em frente à minha e prender o ar ao perceber que está fechada e ele provavelmente já foi dormir. Prendo meus lábios entre os dentes ao dar um passo na direção de seu quarto, o sentimento impulsivo de bater na porta e me afundar em seus braços sendo o responsável pelo calor que colore minha face. E não sei quanto tempo passo diante de sua porta; com meu cabelo ainda um pouco úmido, pijama azul de margaridas e as estúpidas meias brancas - mas sei que é o suficiente para perceber que Peter não está acordado ou desocupado.
Faço meu caminho para a cozinha com o rosto e pescoço em chamas, certa de que nem mesmo ter batido na porta foi a melhor decisão que poderia ter tomado. O que eu lhe diria? Se estivesse acordado, teria me ouvido conversar com Pepper e nosso pequeno momento. Ainda que deseje me sentir tímida por ter finalmente a chamado de mãe, sei que Peter jamais me julgaria por tal coisa ou brincaria com o assunto, então percebo que toda a minha aversão a ter sido ouvida por ele é por ter dito o nome de Harry algumas vezes durante a conversa com minha mãe. Enquanto coloco uma chaleira com água no fogão, vejo meu reflexo no vidro — sorrindo como um tola pois Pepper Potts é minha mãe e posso me referir a ela como tal, mesmo que seja só em meus pensamentos.
Molho os lábios quando volto a pensar em Peter ao escolher entre os sabores de chá na caixinha que Tony trouxe para mim de uma de suas viagens, cheia de todos os sabores possíveis. Penso em Peter e na rispidez demonstrada ao lançar o paletó de Harry para fora de meus ombros e como ele certamente sentiu os arrepios que o ato me gerou. Apanho uma lata de flores de camomila devido ao pensamento que atiça os arrepios novamente. É vergonhoso, é claro, mas o ver tão protetor após sequer imaginar que alguém havia me ferido e ter se demonstrado tão magoado pela ideia de Harry e eu nos beijarmos como ele e eu já fizemos pela segunda vez… É instigante e poderoso. Reviro os olhos com minha estupidez por ter cogitado bater em sua porta — o que lhe diria? “Oi. Podemos fazer aquilo de novo?” É ridículo.
Estou despejando o chá em uma xícara de vidro quando ouço passos atrás de mim e viro o rosto para encontrar o dono de todos os meus pensamentos subindo as escadas dos laboratórios, indicando-me que ele estava na presença de meu pai. Os seus lábios se afastam para revelar um sorriso tímido quando ele pousa os olhos em mim, o rubor em seu pescoço e orelhas tão vivo que me preocupo um pouco.
— Ei, você - É Peter quem cumprimenta primeiro, a voz um pouco grave ao enfiar as mãos nos bolsos.
Ei! — Fecho os olhos com uma careta pelo meu tom de voz. É claro que eu soaria tão desesperada quanto estou. — Ei você.
O riso de Peter não é de zombaria, apenas é entretido e não posso evitar acompanhá-lo, virando o rosto para longe.
— Não ria. Não é educado. — Coloco a chaleira de volta no fogão, usando a pequenina tampa da xícara para garantir uma boa infusão e para ocupar minhas mãos agora que o cabelo de Peter está um pouco mais seco e os cachos parecem sedosos. — E parecer um pré-adolescente na puberdade não é nada engraçado, Parker.
— Tem certeza? — Pelo volume, ele deve ter se aproximado e ainda que eu tenha imaginado que ficaria tensa perto dele, isso não acontece. — Fala isso porque não me ouviu no ensino fundamental com a voz falhando — Não acontece, pois é Peter, meu melhor amigo, que nunca cogitou me deixar desconfortável e sempre deu o seu melhor para garantir meu bem-estar. — Mas o Flash era bem pior já que ele nunca calava a boca.
— Isso significa que o Flash ainda está passando pela fase estranha da puberdade, então — Sopro ao buscar algo a mais para me distrair e não precisar virar na direção de Peter e ser tentada por seu sorriso perfeito. — Ele ainda tem a voz esganiçada ou talvez seja só como meu cérebro decidiu registrar ela. — Minha mão está tremendo um pouco em antecipação quando pego o pote de mel sobre o balcão, me mantendo ocupada. Eu estou abrindo a tampa da xícara quando ouço a aproximação de Peter e lhe ofereço um sorriso pequeno e contido quando se aproxima da pia. — O-o que está fazendo acordado?
Começo a mexer a colher na xícara assim que ele cruza os braços, ciente da tentação que eles são agora que já os toquei.
— Estou vendo você preparar seu chá e evitar me olhar.
Novamente, não há maldade no que diz ou sua entonação, mas ainda assim me sinto em uma emboscada, pois parece que é somente assim que irei me sentir quando estiver ao lado de Peter daqui em diante. Uma emboscada fascinante que me faz querer sorrir e fugir ao mesmo tempo. Eu molho os lábios e decido arriscar lhe contrariar, buscando o seu rosto e sentindo meu coração saltar pois Peter está mais cativante do que nunca — as sobrancelhas um pouco erguidas como quem diz “sabe que estou falando a verdade”, um sorriso delicado e tímido, o cabelo de aparência macia ondulando e a mesma fragilidade que sustentava mais cedo.
— Sei que está tentando se manter ocupada e me evitando porque colocou duas colheres de mel mesmo odiando chá com mel — Peter franze o nariz e inclina a cabeça para indicar o chá, mas me mantenho focada em como as adoráveis sardas no seu nariz ficam um pouco mais fáceis de disfarçar quando ele fica embaraçado e vermelho. Apesar da confiança para me provocar devido a minha farsa, a sua clássica timidez está transparecendo e amolecendo meu coração. — Exceto chá de limão — Pete adiciona o novo ponto válido, parecendo genuinamente ter se lembrado no mesmo momento. Balanço a cabeça, embaraçada que me conheça a esse ponto e consiga desvendar minhas farsas com tanta facilidade. — E o açúcar está em cima do balcão e você teria de se virar pra pegar. — Ele aponta com o dedão por cima do ombro.
— Não é tão fácil assim… — Sussurro ao envolver a xícara com ambas as mãos, não confiando em minha voz para elaborar o argumento. Peter franze as sobrancelhas, demonstrando uma confusão que me preocupa e quase me faz prosseguir.
— Na verdade é. — Garante com seriedade, dando um passo para trás e eu viro o corpo para o seguir com os olhos, apenas para perceber que ele me zomba de verdade desta vez e havia ido pegar o pote de açúcar sobre a ilha da cozinha. Afasto os lábios, incrédula com a brincadeira e simplesmente balanço a cabeça com toda a situação apesar de todos os sentimentos que fluem por mim como um rio. — Está aqui. — Peter ironiza, colocando o pote de açúcar sobre o balcão onde me apoio.
Quando seus olhos buscam os meus, preciso afastar a xícara para não rir contra o líquido quente, pois o próprio sorriso de Peter me deixa zonza da melhor maneira possível, apesar do nervosismo borbulhando dentro de mim. “Tonto.” Murmuro para ele, quando volta a enterrar as mãos nos bolsos e abaixa sua cabeça, as orelhas rubras pela piada e a tentativa de desviar o assunto por um momento. E eu preciso de forças para não segurar seu rosto e beijar os seus lábios. Então o nervosismo retorna, pois ainda não sei se posso fazê-lo apesar de desejá-lo tanto e nós estarmos em um terreno familiar e neutro, meus medos e dúvidas obtendo o melhor de mim.
— Não é fácil — Peter suspira pesadamente um ar que não o vi ou ouvir inalar. — Eu sei. — Assinto devagar, percebendo como ele morde o lábio inferior, repuxando e o deixando avermelhado. Sua postura está pesada, como se seus ombros pesassem.
— O que vamos fazer? — Não gosto da maneira que minha voz soa arrebatada e assustada, mas entendo não ter controle sobre como meu corpo me entrega, ao menos não quando me entrega para Peter. É impossível forçar mentiras para ele e negar como realmente me sinto por dentro. — O-os livros não mencionam essa parte — Descanso a xícara sobre o balcão e Peter ergue a cabeça para me olhar, demonstrando o mesmo grau de apreensão e medo que acredito estar estampado em meu rosto pois já erramos uma vez e eu não desejo que isso se repita. E por um momento, desejo que Peter queira me confortar tanto quanto quero confortá-lo agora que seus olhos demonstram tanta vulnerabilidade e preocupação. — N-não os que eu li, entende? — Me sinto tola, mas sei que não preciso me sentir assim com ele, então apenas encolho os ombros. — Tem aquele salto temporal onde o autor pula essa parte em que as coisas ficam confusas depois do beijo. Então eu estou tentando ignorar tudo aqui dentro — Sinalizo meu peito, sem olhá-lo. — mesmo querendo estar com você.
— Acho que é da mesma forma que eu estou tentando ignorar que ainda sinto o meu cheiro em você — Peter fala devagar e com calma apesar da intensidade de suas palavras e como elas agitam meu interior. A sua voz é tão reconfortante que luto contra o desejo de fechar os olhos, precisando olhá-lo para ter certeza de que não o farei. Seu rosto está sereno, demonstrando toda a calma que sente e eu não consigo entender. — Que estamos tão perto que posso sentir o calor da sua pele e que você ainda está me olhando da mesma forma que fez antes de nos beijarmos. — Entendo o que quer dizer, afinal, nada me acalma e me faz sentir tão bem quanto ele ao ponto de ser impossível camuflar minha reação. — Não sei qual é o regime de atualização do chip, mas talvez precise rever ele porque mesmo que você não consiga usar os poderes em mim, não dá pra ignorar o fato que você é a única coisa em que eu consigo pensar. — Apesar de sorrir não posso garantir que não irei desmaiar a qualquer momento, principalmente ouvindo tais coisas e olhando seus olhos. Eles estão tão vivos e expressivos como nunca os vi, assim como Peter está por completo e eu também sei estar. Dominar seus pensamentos me parece absurdo, tão teatral e absurdo que… — E não — Ele gagueja. — Não é mais só antes de dormir quando era antes — Peter esfrega a nuca e então o rosto, deixando-o ainda mais rosado. — Ou quando via você. É o tempo inteiro. — Parker corre os dedos pelo cabelo ao rir nervoso, desviando os olhos de mim e pendendo a cabeça para trás, olhando a lâmpada acima de nós.
Entrelaço meus dedos na frente do corpo por medo de agarrar Peter pela camisa e pressionar nossos lábios de novo.
— No que pensa? — É uma pergunta arriscada, mas desejo saber. — Quando pensa em mim, no que foca exatamente?
Peter balança a cabeça com um sorriso embaraçado e temeroso ao perceber ter se entregado, e se apoia na ilha onde havia estado o pote de açúcar. Suas mãos o apoiam no mármore negro onde os nós de seus dedos estão pálidos pela pressão. Isso me lembra da força aplicada por ele contra o corrimão na enfermaria após ser informado do estado de May, me levando a questionar se as emoções díspares estão niveladas. O medo por May e o que quer que ele sinta agora — ambos são poderosos.
— Nas coisas que você fala, o seu sorriso, como fica quando está assistindo aula… — Peter enumera com os olhos fechados, as pequenas rugas próximas a eles indicando a força que faz para mantê-los de tal forma.
Quando meu coração voltar a acelerar com as informações e os cenários que formulo em minha cabeça, tenho certeza de que ele o ouve e isso me conforta. Então noto como somos semelhantes e como falar sobre sentimentos com os olhos fechados é o que fazemos melhor, afinal, foi somente assim que consegui declarar-me para ele na noite de nosso primeiro beijo. Parker afasta os lábios para deixar escapar um suspiro rápido e pesado, seus ombros abaixando um pouco.
, é difícil explicar como eu fico feliz só de te ver em qualquer lugar, onde quer que seja — Aperto os dedos com mais força quando Peter abre os olhos para mim, uma tempestade neles que se pacifica de imediato. — Só de levantar a cabeça e te ver. — Eu assinto devagar, tentando assimilar tudo o que diz com rapidez, não aceitando gastar qualquer segundo em que poderia tê-lo em meus braços, desejando lhe contar o quanto a sua presença também me faz feliz. Como vê-lo apazigua qualquer temor em meu coração. — Eu estava vendo esse filme — Ele engole em seco. — Antes de você chegar… E pensei em você. — Peter molha os lábios, parecendo ter dificuldade em se concentrar e respirar ao mesmo tempo. — Na mesma hora eu pensei em você, mais do que tinha pensado desde que foi embora de manhã. — Sinto meu coração apertar ao lembrar-me de como evitei despedir-me dele. Não teria coragem de ir se houvesse o feito. — Tem algumas coisas que eu vejo e penso “ ia gostar disso” — Seu sorriso me faz sorrir também, pois é impossível não sorrir ao ouvi-lo dizer tais coisas. — E as vezes fico me perguntando se…
— Eu penso em você também — Entrego-me sem hesitação e sem restringir meus sentimentos. Estou pronta para eles e para Peter. — Lutei com tudo o que tinha em mim para não pensar mais depois de termos concordado que não deveríamos ter nos beijado e… — Balanço a cabeça junto a ele, os cantos de meus lábios iniciando um sorriso melancólico. — Não consigo.
— Às vezes, é como se... Como se você fosse… — Vejo seu peito subir e descer, lábios trêmulos quando as palavras lhe faltam e eu quero implorar que não se perca na caçada delas, mas se encontre em mim. No entanto, Peter insiste com a mesma coragem que demonstrou desde que nos conhecemos. — Como se fosse um pedaço que levaram de mim sem que eu percebesse. E eu só tô vendo o quanto você fazia falta agora; quando pensei que tinha perdido você depois de inventar que foi um erro. — Pisco meus olhos para controlar o ardor neles ao ouvi-lo me garantir que meu coração não errou, que não somos um erro e que não sou motivo de arrependimento. Peter me garante, também, que sou sua. Que sou parte dele assim como ele é parte de mim. — E eu tenho esse ímpeto de te puxar para dentro de novo. Depois do que falou sobre o atentado, eu queria caçar cada pessoa que já tinha tocado em você. Não sendo possessivo, mas para garantir, sabe? — Assinto de novo. Agora, são os olhos de Peter que estão nublados por um véu e eu não posso impedir minhas pernas de me guiarem até ele. — Garantir que não vão mais te machucar — Ele continua, apertando a boca novamente ao respirar fundo. — Garantir que não vão tirar você daqui — Um sentimento avassalador me atravessa quando ele segura minha mão, atando nossos dedos com força suficiente para provar que é meu lar que indica. — Da gente. Que não vão tirar você de mim.
— Eu posso beijar você? — Sussurro baixinho para que apenas ele me escute, mesmo que estejamos sozinhos.
— Por favor.
Nossos lábios estão quentes quando pressionados, quase febris apesar do beijo que iniciamos não ser carregado com tanto desespero quanto os outros que compartilhamos. Pela primeira vez temos a chance de apreciar o momento, seus dedos se curvando em minha mandíbula com cuidado enquanto os lábios deslizam contra os meus como se tivéssemos todo o tempo do mundo — e eu acredito que temos, especialmente quando meu peito se preenche com tanto amor e calor. Eu seguro seu rosto entre minhas mãos no mesmo momento que Peter inclina-se mais sobre mim, uma mão em minha costa enquanto a outra mantém meu rosto erguido, beijando-me repetidamente mesmo que devagar para saborearmos cada toque. E eu o desejo tão perto que envolvo um braço em sua nuca, trazendo Peter mais até mim para poder sentir o mover seu peito contra o meu antes de ele decidir que me abraçar é a melhor ideia. Com ambos seus braços ao meu redor, levando-me ao seu encontro, é impossível não sorrir durante o beijo.
É um sonho e eu tenho quase certeza disso quando aperto seu braço, sentindo o músculo firme entre meus dedos pois, bem no fundo, sempre quis o tocar dessa forma. Senti-lo de maneira que sou impedida por minha mente. E é incrível saber que Peter me deseja na mesma intensidade a que sou tímida demais para revelar em voz alta, seus dedos carinhosamente afagando minha costa sobre o tecido do pijama e seu desejo tão delicado que prolonga o beijo e deixa minhas pernas bambas com cada ministração sua: os lábios macios, a língua molhada e um encostar de seus dentes em meu lábio inferior. E ainda assim é tão confortável e comum e nós. É Peter; ele que não compreende seu valor inestimável — o que o torna símbolo de tudo o que mais amo.
Meus pulmões estão começando a lutar por ar e Peter certamente percebe antes mesmo que eu, parecendo lutar com todas as forças para desconectar nossos lábios assim como eu faço, certa de que nunca conseguirei me fartar dele ou dos pequeninos e delicados selares que me dá antes de conseguir dar para trás. Meu rosto imediatamente ferve e eu não hesito em o encostar no ombro de Peter, apertando os braços em sua cintura e colocando um pouco de meu peso nele ao ouvi-lo respirar fundo assim como eu faço agarrada ao tecido de sua camisa e respirando o seu cheiro incrível. Peter está respirando com o nariz encostado em meu cabelo e eu sinto que posso acordar deste sonho a qualquer momento, seja por suas mãos quentes acariciando os meus braços ou por saber que sou eu a deixá-lo nesse estado.
Mesmo assim, sei que devo estar rubra de timidez e preocupação.
— E agora? — Questiono baixinho após engolir em seco e molhar meus lábios um pouco inchados e possivelmente avermelhados pelo ósculo, apoiando as mãos na cintura de Peter e ignorando que cada centímetro do corpo dele é firme e estável como aço. Ainda não havia tocado em sua cintura antes, mas volto para onde meu raciocínio estava antes de me perder nele outra vez, mesmo que ele esteja esfregando o nariz em meu cabelo e relaxando contra mim. — O que nós fazemos? — Não gosto do temor em minha voz, mas ele se faz mais presente e eu preciso olhar Peter. Preciso encontrar os seus olhos e ter certeza de que não há nada errado e que nós estamos bem.
Quando me olha, fica claro que também está aflito com a situação, mas o seu olhar se suaviza no mesmo instante que sinto minhas sobrancelhas relaxarem. A sua mera presença me deixa em paz suficiente para suspirar e apertar seu antebraço em busca de sentir-me segura onde me encontro. Peter engole em seco e segura meu rosto, umedecendo os lábios em busca de alguma resposta quando as suas bochechas ficam um pouco rosadas.
Me sinto mais que satisfeita quando percebo ser a causa delas.
— Podemos conversar sobre o seu dia — Peter dá de ombros de maneira desengonçada, com dificuldade em fingir costume ou que está relaxado o suficiente com a situação. Ou que ao menos sabe o que está fazendo. No entanto, eu concordo, ciente que é uma boa ideia até uma certa extensão de meu dia que eu não gostaria de ouvir se estivesse no lugar dele, mesmo já tendo delimitado para ele o que realmente sinto sobre Harry. Então, Peter percebe o que deixou passar e balança a cabeça, frisando as sobrancelhas e apertando a boca em desconforto. — Excluindo qualquer parte onde o Osborn aparece — Ele suspira visivelmente incomodado da maneira mais adorável possível e eu não controlo o sorriso que me escapa, logo desviando minha atenção quando segura minha mão, suas orelhas e nariz avermelhados quando finaliza sua ideia: — Fora ele, eu quero ouvir você.
Na ponta dos meus pés e com Peter um pouco inclinado como sempre fica para falar comigo, eu consigo beijar seu lábio inferior e queixo, minha mira falha me rendendo um sorriso vindo dele. A sensação é surreal e todo meu corpo reage com a realização de que, aparentemente, eu posso beijá-lo quando quiser.
— Você não me ouviu conversar com a minha mãe? — Lhe indago para início de conversa, ansiosa para que reconheça que usei um termo novo para me dirigir a Pepper e eu possa lhe contar o que aconteceu entre nós. Peter é a primeira pessoa que eu desejo que saiba sobre o novo passo em minha vida. — Não tinha uma boa audição, Homem-Aranha? — Lhe ofereço um sorriso quando Pete “belisca” meu dedo, o que se resume só a apertá-lo sem força alguma.
— E-estava no laboratório — Seu gaguejar me satisfaz, principalmente por amplificar o fator “adorável” de Peter. — C-conversando com o Sr. Stark e não, eu não entendi muita coisa por não estar prestando atenção porque… — “Estava conversando com o meu pai” Completo a explicação apesar de estranhar um pouco, mas não duvidar dele e muito entretida quando Peter dá um double-take e me olha por um momento, confuso como eu quis que ficasse. — Espera... — Ele estreita os olhos e meu sorriso é eufórico demais para conter. — A sua mãe?
Posso contar com Peter para não precisar conter minha alegria e aperto a mão dele. O mais alto me oferece um sorriso genuíno antes de me abraçar e me flagro rindo com toda a situação inesperada em meu fim de noite. Neste momento, sinto como se meu peito pudesse se romper devido a toda felicidade contida em mim. É um sentimento complicado, pois há alguns dias o mundo parecia se despedaçar sobre mim e agora é como se tivesse em minhas mãos todos os materiais necessários para reconstruí-lo. Pepper, Tony e Peter. Nunca me senti tão próxima de nenhum deles como me sinto agora.
— Eu nunca tinha chamado a Pepper de mãe e hoje não consegui segurar — Me atrapalho com as palavras ao encerrar o abraço, sentindo as mãos de Peter em minha cintura quando nos afasto, ainda buscando nos manter próximos e esquentando meu peito com o mínimo detalhe. Também não sei que o quero mais de alguns centímetros longe de mim, não depois de tudo aquilo que aconteceu. — Bem, eu chamei quando aconteceu aquela coisa toda de projeção astral no dia do acidente, mas eu estava em prantos e ela não me ouviu obviamente… — A memória é incômoda e noto então como a mantive escondida e distante nos últimos dias, me protegendo o horror que foi estar tão presente e tão ausente ao mesmo tempo. — Mas desta vez ela ouviu! — Quando dou um sorriso para Peter, os olhos deles não parecem mais tão felizes, demonstrando preocupação.
— Você a chamou de mãe naquele dia? — Peter expressa a sua consternação outra vez ao lembrar o que havia me levado a ter de repetir tal momento com Pepper e eu concordo devagar, dando um pequenino aceno para garantir que estou confortável com toda a situação, mesmo não estando. E Peter, como sempre, consegue me ler como um livro aberto: ele franze os lábios e cerra os olhos, atento a mim e como reajo à memória. — Quando me ouviu? — Engulo em seco e repito o gesto, segurando seu pulso quando leva uma mão para amparar meu rosto; o dedão acariciando a pele abaixo de meus olhos gentilmente ao engolir em seco, claramente angustiado. — Deve ter sido assustador. Não consigo imaginar o pânico que deve ter sentido por ninguém te ouvir. — Seu suspirar é pesado e eu balanço a cabeça um pouco, sem querer me afastar de seu toque ou preocupá-lo ainda mais.
O pior já passou e me recuso a pensar em tal evento mais que o necessário.
— Está tudo bem. Já passou. — Garanti com um sorriso pequeno, mesmo que a memória cause arrepios em minha espinha. Não quero que aquilo se repita, muito menos agora que estamos bem. Não quero que meus poderes e o que evocam consigo atrapalhem-nos. — Como a May está?
Peter me observa por mais um instante, averiguando minha situação para ter certeza que estou bem. Infelizmente, é fácil reconhecer a expressão em seu rosto como a mais pura inquietação que existe. Entendo que minhas habilidades causem receio naqueles que me cercam, mas Peter não parece se preocupar com os efeitos externos delas, mas no seu custo em mim. Eu afago seu pulso, encostando-me na pia e tocando seu rosto com as costas de meus dedos, tentando distraí-lo. Com sorte, o ato parece funcionar pois seus cílios tremulam e Peter move a cabeça na direção de minha mão, buscando meu toque da maneira mais encantadora possível com um sorriso tímido que substitui sua seriedade anterior. Então, experimento segurar seu rosto com ambas as mãos e um riso baixinho me escapa pela cara que ele faz ao apertar os olhos, ombros relaxando de imediato.
— Está usando os seus poderes ou eu realmente estou muito ferrado? — Meu riso também lhe faz sorrir, os olhos apertados e com ruguinhas adoráveis se formando além do encantador sorriso de Peter. Quando ele me beija pela terceira, quarta ou quinta vez, sinto sua pele se aquecer abaixo de minhas palmas e meu próprio rosto em chamas. — É… Eu estou ferrado.
Eu retribuo o selar outra vez, lutando contra minha felicidade que insiste em me fazer sorrir apesar do frio em minha barriga. As mãos no seu rosto escorregam e se apoiam em seu ombro e peito quando Peter encosta nossas testas, ainda segurando minha cintura com todo o cuidado possível. E é neste instante que deixo de me importar que ouça meu coração acelerado pois o seu está martelando minha mão quando engole em seco e seu dedão afaga a pele exposta de minha cintura, formando arrepios por meus braços e coxas. Peter respira contra minha boca antes de falar e me impeço de o beijar novamente, assim como ele parece fazer quando nossos lábios se roçam.
— A May está acordada, se recuperando e perguntando sobre você. — Ele informa, encostando o nariz no meu tão gentilmente que eu fecho os olhos, tanto pela sensação eufórica de estar assim tão próxima dele como queria há muito tempo, como pelo alívio que a notícia me causa.
— Não consigo ir visitá-la. — Assumir isso me dói e embaraça, mas preciso que Peter entenda meu motivo para ainda não ter feito uma visita para May. É assustador e tenho medo de como ela possa reagir apesar de saber que é uma das pessoas mais compreensivas do mundo. Ainda assim, fui a responsável por seu acidente e temo ver o seu estado após ele. — Só consigo pensar no medo que senti quando ela chegou aqui — A mão que estava em seu peito escorrega e para ao lado de meu corpo. Não sei o que Peter deve imaginar de mim quando me recuso a vê-la, mas sei que preciso de tempo. May não foi a única a sofrer um trauma e o medo que senti por ela ainda não se esvaiu. — Sei que deve estar limpa, com roupas hospitalares e aquecida. Mas ainda só consigo imaginá-la ensanguentada e hipotérmica nos meus braços.
Peter beija minha testa com ternura e o toque casto perdura por uns segundos.
— Eu sei e por isso pedi que ela tivesse paciência e expliquei como isso funciona do outro lado — Pete conta com a voz apertada pela boca encostada em minha testa e mão afagando a minha costa carinhosamente. Meus dedos se firmam em seu ombro. — Contei sobre Washington, sobre você passando mal no ônibus e como só conseguia ver você como a pessoa que quase tinha matado. — Sua voz está grave, mais séria que já esteve ao comentar sobre meu acidente, o que me preocupa pois reconheço como também o traumatizou. Eu o abraço entrelaçando os dedos atrás de sua costa, tentando ofertar o mesmo conforto que gera em mim. — Como senti as pernas bambas quando te vi na baía e não acreditei que era você de primeira. — Peter me abraça de volta, respirando contra meu cabelo e falando baixo para mim os seus temores daquele dia. — Pensei que quando te visse de novo, você ia ser a mesma pessoa febril e tossindo sangue — Me aninho mais nele apesar do nervosismo pela proximidade e o cenário obscuro. — Mas não era — Peter suspirou devagar ao sussurrar de volta, sua caixa toráxica expandindo contra a minha. Há um pequeno alívio notável em sua voz quando afirma: — Você estava bem e a May também está.
Encontro paz nos braços de Peter como sempre fiz — com o rosto na sua camisa e o calor do seu corpo me agasalhando. É insuportável pensar no sofrimento que causei e ainda estou causando a ele após Washington, mesmo sem não o culpar vez alguma pelo acidente.
— Vem comigo amanhã quando eu for visitá-la? — Convido com a voz contida.
— Eu vou aonde quiser, . — Sinto um rubor tímido se espalhar por meu rosto e pescoço pela confissão que é murmurada contra meu cabelo, e me aconchego ainda mais em Peter, o ouvindo soprar um riso igualmente envergonhado quando cutuco sua costa apesar rigidez do músculo. Neste ponto, minhas orelhas já estão em chamas. — A… Camomila funcionou? — É a minha vez de rir baixinho, afinal, não importa o que aconteça, é com Peter que estou e em algum momento era esperado que ele gaguejasse ou se perdesse em suas palavras. Percebo também que sua mão está um pouco trêmula ao afastar o cabelo de meu rosto quando o olho, ainda abraçada ao seu torso. Suas maçãs do rosto estão vermelhas ao ponto das sardas se camuflarem, sua vulnerabilidade mais explícita assim como a minha. No fundo, é fascinante e sinto seu coração acelerado quando nossos olhares se encontram e a euforia retorna.
— Acho que estava ansiosa — Suspiro devagar, sentindo o sono me alcançar aos poucos. — Estou cansada, mas não conseguia dormir. — Peter curva meu cabelo atrás de minha orelha, franzindo as sobrancelhas um pouco e ainda prestando atenção no que lhe digo. — Queria saber em que pé nós dois estamos depois do que aconteceu na varanda e também toda a questão com a Pepper me deixou eufórica. — É uma desculpa tola apesar de verdadeira, mas entendo que Pete também se vê refém de seus pensamentos insistentes e preocupações desnecessárias com tópicos pequenos, mesmo que não se aplique às situações que lhe informo serem a causa de minha ansiedade. — Às vezes é difícil separar animação de ansiedade.
— Está se sentindo melhor? Mais calma? — Assinto de imediato pois não há outra resposta, não quando estou o abraçando e ele me olha desta forma; os lábios um pouco apertados como se estivesse pronto para beijar minhas bochechas e uma ruga adorável formando-se entre as suas sobrancelhas. Enfim, entendo o motivo de MJ o comparar a um filhotinho. — Ou melhor, mais presente? O suficiente para se sentir cansada? — Concordo outra vez, mesmo que deteste a possibilidade de precisar soltá-lo e voltar para meu quarto. Peter repete meu gesto de maneira satisfeita e seus cachos balançam um pouco, já mais secos que quando nos encontramos na varanda. — É que eu li que às vezes é difícil se sentir presente quando está ansioso. Que a cabeça ao em vez de ficar em branco, fica agitada — Seu cuidado em tentar entender-me um pouco me faz concordar sem pensar, afastando-me um pouco para poder olhá-lo melhor, meus olhos ardendo de leve pela maquiagem que usei e pelo cansaço.
— Estou sim, mas não quero dormir. — Me explico, sem importar-me com a a confissão.
— Não? — Peter se surpreende um pouco, os olhos se apertando ao tentar entender-me.
Balanço a cabeça novamente e seguro em sua cintura outra vez, me apoiando na pia onde meu chá deve estar frio e amargo pelas flores estarem em água a tanto tempo. Mas Peter está aqui ao meu lado e é fácil redirecionar minhas prioridades apesar do sono que pesa minhas pálpebras e torna nosso abraço ainda mais caloroso e seguro. Dou meu melhor para não fechar os olhos ao sentir nossas testas se apoiarem e sua respiração serena tocando meus lábios. E só saber que um mero movimento de minha cabeça vai encostar nossos lábios — e que posso fazê-lo sem remorso — é um sentimento de pertencimento que não consigo compreender corretamente.
— Quero ficar com você — Respiro tranquila como ele. — Posso segurar o sono mais um pouco.
Sei que Peter está sorrindo, pois seus dentes tocam meus lábios rapidamente antes dele os conectar e eu sentir sua face quente quando a apoio para prolongar o beijo casto que me dá.
— Sei que nós vamos ter o dia inteiro amanhã — Curvo os braços em seu pescoço quando Pete respira fundo ainda enquanto beija minha bochecha, envolvendo-me em um outro abraço que me deixa nas ponta dos pés quando enterra o rosto entre o meu pescoço e ombro, estimulando arrepios por meus braços e um calor em meu rosto. O sentimento que corre pelas minhas veias é semelhante ao de um tranquilizante, tornando-me maleável para ele pois não preciso utilizar meus poderes para identificar e compreender o sentimento que Peter deixa transparecer. — Sei que está cansada, mas eu também quero ficar aqui com você. Só um pouco mais… — Seguro o ar quando se afasta minimamente para olhar-me, as irises vagando por todo meu rosto com um brilho tão delicado como um dente-de-leão ao vento. Frágil e perfeito. — Estou esperando por você há tanto tempo, … — A confissão sensibiliza meu coração que já estava perdido, o seu próprio coração batendo acelerado contra o meu peito em garantia. — Só mais uns minutinhos.
— Só mais uns minutinhos? — Peter beija-me para garantir meu aceite ao pedido que jamais iria negar-lhe. — Uhum — Faço questão de segurar o seu rosto desta vez, entregue ao seu sorriso que exala tanta verdade que é avassalador. — Só mais uns minutinhos. — Prometo ao me perder em mais outro beijo.


*


— Então há a possibilidade de usar uma interface máquina-cérebro, como no exoesqueleto do Rhodes. Com as próteses neurológicas, mas em todo o corpo, ou somente em encaixes de ossos dos membros superiores e inferiores. — Mantenho meus olhos no chão de placas de metal, observando o contorno da luz central do escritório no relevo metalizado. — Assim, ao em vez de estímulos nervosos por cargas, se usaria um nano-repetidor que captaria o sinal de um gerador e transmitiria para outro. — A minha mente tão inquieta nas últimas vinte e quatro horas se mostrando ágil ao solucionar o problema. Toco os lábios e imediatamente me arrependo, toda minha linha de raciocínio se desfazendo diante de mim. — Mas, o detalhe é que eu não sei qual receptor exato armazenaria energia suficiente para convocar um uniforme de cinquenta quilos.
Encosto-me em uma mesa auxiliar do laboratório, ainda mantendo meus olhos baixos por cautela ao evitar olhar na direção de Peter, ciente que não conseguirei evitar um rubor furioso de seu espalhar e entregar-me para meu pai que beberica sua xícara de café. Eram quase três da manhã quando Tony chegou no corredor dos dormitórios com uma buzina de ar (que já vi algumas vezes ser usada por Pepper para lhe acordar), a encostou nos vãos entre as portas dos dois únicos quartos ocupados antes de a acionar. Então ele gritou para nos vestirmos, afinal passaríamos o dia em seu laboratório realizando o sonho de qualquer moleque de doze anos: aprendendo a montar as armaduras do Homem de Ferro. Cada minuto é valioso pois Tony é um excelente tutor, mas a necessidade de aprendermos algo assim ainda me preocupa apesar das distrações — da única distração.
Peter está encostado em uma mesa diante da minha.
Ele ainda usa a mesma camisa que vestiu ontem antes de ir dormir, após termos passado certa parte da noite na cozinha entre beijos cujas memórias causam borboletas em meu estômago e uma segunda xícara de chá que Peter insistiu em preparar para mim. Com açúcar, ele fez questão de salientar. Seus sorrisos ainda estão frescos em minha memória e mordo o interior de minha bochecha ao relembrá-lo esperando na porta do meu quarto esta manhã após a partida de meu pai. Peter parecia tão nervoso e inquieto que tive de me esforçar para não rir quando olhou para ambos os lados do corredor antes de unir nossos lábios em um beijo casto sem nem mesmo de um “bom dia”, apesar de ser madrugada. E, por Deus, foi bem melhor do que eu pude imaginar enquanto penteava o cabelo no banheiro e me questionava se tudo que passamos na noite anterior havia sido um delírio. Eu segurei o seu rosto quando o beijo cessou e encostei nossos narizes ao senti-lo sorrir como nunca, ciente que ambos temíamos que junto ao amanhecer viesse uma segunda desilusão. Mas não. Havia apenas seus lábios macios nos meus e sorrisos gigantescos que são difíceis de camuflar até agora, principalmente quando nossos olhos se cruzam.
— Já teve tempo de elaborar alguma teoria, Sr. Parker? — Meu pai indaga a Peter ao caminhar para um display de hologramas que havia separado para nos apresentar o mais novo tópico para discussão. Estamos na terceira pauta do dia; já fomos ensinados a transferir computadores de bordo para nossos uniformes e configurar diversos sensores e funções neles. — A como sempre está se apoiando no aspecto mais voltado para a unir biologia e engenharia para consertar o problema. O que você acha? — Tony me indica com a xícara, oferecendo-me uma piscadela em seguida. Balanço a cabeça para o herói mais velho e me permito olhar para Peter do outro lado do laboratório.
É estranho olhá-lo depois de ontem, não na acepção anormal da palavra, mas extraordinária. Mesmo que seja meu melhor amigo que vejo todos os dias, ele também é o Peter de ontem que me beijou e se declarou pela segunda vez e garantiu que eu havia o compreendido. É o Peter que me cumprimentou com um beijo assim que pousou os amáveis olhos sobre mim hoje e que implorou-me por minutinhos na noite anterior. Ainda que tudo tenha mudado, não há transformação alguma.
— Se a ideia é apenas “convocar” a armadura, por que não usamos nanotecnologia? Só precisa de um receptáculo como uma dessas próteses e repetidores da — Engulo em seco quando ele diz meu nome um pouco estranho, como se controlasse um gaguejar. — E a-ativamos el-ela com um comando. — Aperto meus lábios e distraio-me com uma chave Philips sobre a mesa, evitando sorrir e até mesmo rir de como Peter tropeça nas palavras apesar da ideia genuína, a testa quase imperceptivelmente enrugada com a concentração que bota no raciocínio e no esforço. Eu dou de ombros ao olhar para meu pai que concorda com a cabeça, deixando sua xícara vazia próximo ao computador. — Nanotech vale?
O mais velho ergueu duas joinhas para Peter e deixou um sorriso satisfeito escapar.
Nanopartículas, Sr. Parker, valem. — Corrige com sutileza, lançando duas placas com projetos no ar, ambas se “materializando” em hologramas tridimensionais e nós automaticamente nos aproximamos dos modelos. O primeiro apresenta nanopartículas de prata vibrando em uma lupa e eu aproximo o arquétipo, ainda sem acreditar que Tony já trabalha com materiais assim e que um dia teremos a chance de também poder usá-los. Estou analisando as pontes quanto vejo Peter com os lábios afastados ao maravilhar-se com o holograma, os olhos brilhando e um sorriso formado ao olhar-me através da luz azulada. As borboletas retornam sem pudor e eu devolvo o sorriso sem hesitar, meu coração parecendo despertar apenas pela proximidade. — O seu raciocínio foi ótimo, Peter. Mas o problema é a instabilidade delas. ? Por que vocês só podem usar esses outros?
— As nanopartículas precisam formar um tecido para funcionarem. — Explico ao partir para o próximo material enquanto Parker ainda analisa com cuidado o primeiro. Este agora apresenta dados das estruturas favoritas de Stark: vibranium e ligas de prata e cromo. — A superfície de contato, já que estão segmentadas, é muito ampla e dá espaço para acúmulos não propositais. Se for usado um catalisador errado para acelerar a formação do tecido, as moléculas se tornam instáveis. E vibranium é um material de composição estável — Stark concorda satisfeito. — Outro material...
— Pode causar dano. — Parker conclui meu pensamento, a voz quase sumindo. — Como uma armadura do Homem de Ferro, Homem-Aranha ou Fênix ativada simplesmente explodir e cumprir conosco ainda dentro dela. — Peter sugere e a possibilidade é alarmante. Respiro fundo, olhando para o mais alto que está entretido demais com a nanotecnologia, mesmo que já tenha entendido. Observo quando ele massageia os pulsos onde seus lança-teias costumam ficar e meu peito aquece. — Sr. Stark, nanopartículas podem ser usadas na composição das minhas teias, não é? Como as fibras de aço cromado são incorporadas na solução para aumentar a resistência.
O som da sua voz me faz querer sorrir, porém meu celular vibra em meu bolso e eu o apanho, vendo que é uma mensagem de Pepper pedindo ajuda na cozinha.
— Você quer testar? — Meu pai convida e eu olho para os dois. A ideia de teias de vibranium parece não ter passado ainda pela cabeça de Tony e ele demonstra curiosidade com o resultado. Ademais, a ideia de Peter é realmente incrível. — Pega a solução para as teias, vamos ver se funciona. — A expressão de entusiasmo que se forma no rosto antes cansado de Peter Parker me faz sorrir pois ele provavelmente não esperava esta resposta. Quando me viro na direção de Tony me aproximar da porta do laboratório, ele está sorrindo para Peter da mesma maneira que o faz sempre que me assusto com algo que me oferece, parecendo se alimentar da forma maravilhada que reagimos pelos “presentes”. A cena inteira me deixa feliz. — Não com aço, claro. Foi só uma ideia aí no programa — Dá de ombros ao apontar para seus hologramas, mas posso notar o brilho a mais em sua face com um adorável nervosismo que antes era somente reservado a mim. — Eu tenho nanopartículas de vibranium aqui; vamos testar com elas!
Pepper está empratando uma pilha de panquecas fumegantes quando eu a vejo na cozinha, o cabelo disposto em uma trança e um cardigã de aparência cara adornando-a. Meus olhos se arregalam pela quantidade de comida na cozinha, mas ela se vira para mim antes que eu possa mencionar algo, com um pouco de farinha salpicada na manga do cardigã. Toda a ilha está cheia de pratos completos: ovos mexidos com bacon, uma pilha de torradas, wraps e duas caixas de suco de laranja e uva. Pego uma das toalhas de pano na alça do forno e a uso para limpar a manchinha de geleia no queixo da mulher mais velha que coloca mais duas panquecas sobre o outro monte. A quantidade exagerada de comida me surpreende pois Pepper quase nunca está presente para o café nos fins de semana e então Tony costuma comprar pão e croissants frescos em uma padaria para nós. No entanto, a ver aqui e saber que Peter e meu pai se juntarão a nós para um café da manhã tão vistoso me agrada.
— Eu pensei que teríamos apenas torrada com geleia, Pepper. — Confesso ao me afastar para que dispusesse o prato sobre a ilha antes de se aproximar sorridente e dar um beijo carinhoso na minha bochecha ao apertar meus ombros animada. — Bom dia, mãe — Cumprimento de volta e a beijo também, principalmente pelo rubor em suas maçãs do rosto que deve se assimilar às minhas que esquentaram também. — Vai alimentar um batalhão hoje? — Disfarço a felicidade latente em meu peito e vou pegar uma garrafa de água na geladeira.
— Bom dia! — Seu cumprimento é suficiente para me fazer sorrir enquanto abro a água. — Na verdade, nós somos seis pessoas hoje. Nós três, Peter, May, assim como o Happy que está fazendo companhia para a May na Ala Hospitalar. — A informação sobre o paradeiro de Happy me faz erguer a sobrancelha ainda que não me surpreenda. Ele já havia deixado escapar algumas vezes que May é muito atraente e eu mesma o vi ficar vermelho como um tomate quando ela o cumprimenta. — Ele vai levar algumas coisinhas para ela já que o Peter está ocupado e eu vou depois do almoço. A May já ordenou que não quer o sobrinho se preocupando e que está sendo bem cuidada, mas companhia não fará mal algum.
— Sinto que vocês serão boas amigas daqui há certo tempo — Comento ao surrupiar um morango que estava em um escorredor. Pepper dá um risinho soprado, animada com a perspectiva. — A May te acha super sofisticada e uma pessoa incrível por ter me acolhido — Explico-me melhor. — E eu concordo com ela. — Sussurro alto o suficiente para que Pepper ouça e ela me dá língua, lançando uma toalha em minha direção.
— A May é uma pessoa extraordinária até onde pude a conhecer. O trabalho voluntário, o trabalho de assistente social e criar um menino como o Peter? — Me pego sorrindo com as qualidades que minha mãe enumera, mesmo sendo uma fração de May. — O Peter te contou que ontem ela reclamou que um enfermeiro estava dobrando a toalha de rosto? — Pepper dá risada. — Que ela disse que ela podia fazer e chamou ele e outras enfermeiras para tomarem um cafezinho com ela de tarde? — Dou risada com a doçura e gentileza de May, traços claramente herdados pelo sobrinho. — Ela é ótima! Até fez a Agente Hill dar risada ontem!
Observo Pepper enquanto anota algumas coisas no bloquinho magnético na geladeira.
— Havia me esquecido que o Peter ficaria para o café, mas já pedi para o Happy ir ao supermercado quando puder. — Estreito meus olhos e ela abana a própria blusa antes de pegar algumas coisas na prateleira de cima do armário. — Salgadinhos, biscoitos, chocolates... Porcarias para vocês beliscarem — Ela sacode uma garrafa de cobertura para as panquecas e minha boca saliva. — O Tony me contou sobre o Peter. — Sua voz sai tão baixa que tenho certeza ser a única que pode ouvi-la. — Que o dinheiro é contadinho e ele é teimoso o suficiente para não aceitar qualquer ajuda que o seu pai oferece, então eu lembrei de você. — Tiro uma mordida de uma fatia de bacon, sua explicação fazendo mais sentido quando conecto sua preocupação com a reação de Peter quando falei que compraríamos pizza e sua atitude imediata foi se preocupar por não ter como pagar algo para comer. — Quando você chegou, estava faminta porque a comida não era o suficiente para o seu metabolismo e você comia bastante, e ainda come.
Entreabro os lábios, compreendendo-a melhor, mesmo sem saber que Tony havia oferecido ajuda para Peter e que ele havia recusado. Nenhuma das partes me surpreende com os seus atos, seja meu pai tentando ajudar e Peter demonstrando-se teimoso apesar de tudo.
— Entendo muito bem o que é não ter um cartão ilimitado e precisar planejar cada refeição, mas eu sei que vocês precisam comer bastante para ficarem confortáveis, então vou pedir para o Happy comprar uns lanchinhos a mais já que o Peter vai passar mais tempo aqui. — Concordo com a cabeça, sentindo o mesmo calor confortável em meu peito que senti ao ver o sorriso de Tony para Parker e um remexer inquieto ao perceber que nós estaremos mais próximos que nunca. Aproveito que Pepper me estende uma torrada e tiro uma mordida para distrair-me. — Eu fiz quinze torradas, — A observo enquanto me alerta. — Se você comer mais alguma eu vou saber. — Seu tom ameaçador também é brincalhão e eu ergo minhas mãos em rendição ao vê-la sair da cozinha, segurando a torrada com os dentes. — Vou chamar os dois.
Quando ela deixa o cômodo, noto que há uma força intensa me implorando para contar-lhe sobre mim e Peter, no entanto, me questiono como ela reagiria após eu mal ter retornado de um encontro com Harry. Pensar em Harry é confuso e eu esfrego os olhos, ciente que teremos de conversar na terça-feira sobre o que poderia ser “nós” e não será. Engulo em seco ao imaginar se, em algum momento, ele mandará uma mensagem ou pior, mais flores que não poderei esconder de Peter, mesmo que Harry não seja um segredo enorme por mais que eu compreenda o desconforto que sua presença indireta possa gerar.
— Vocês terão dois dias inteiros para criarem as bugigangas que quiserem, meninos — Pepper revira os olhos enquanto guia meu pai e Peter para dentro da cozinha. — Meu bem, Peter disse que vocês não vão ter aula na terça-feira! — Ela sorri satisfeita. — Vamos poder experimentar nossos vestidos!
— Não? — Desconfio ao sentar-me no banquinho da ilha. Pete balança a cabeça e ergue as mangas do casaco que vestiu ao sentar-se também após pedir licença para Pepper, quem apenas tocou seu ombro e avisou que havia suco de limão também. — Aconteceu alguma coisa? — A súbita mudança no calendário escolar me surpreende. — Estão todos bem?
— Não, não — Ele garante com a mesma gentileza habitual, apanhando minha mão quando se senta no banquinho ao lado do meu, apertando os meus dedos e eu aperto os seus de volta. — Bom, para ser sincero — Não gosto do desvio na justificativa e ouço um ronquinho vindo de Tony quando ele pega os copos no armário junto com Pepper, reclamando que eles deveriam estar na estante baixa. Volto a me atentar para Peter, ainda confusa sobre a mudança. — Você meio que salvou umas mil pessoas na Ponte do Brooklyn, lembra? — Assinto devagar, apertando ainda mais os seus dedos graças ao esconderijo oferecido pela distância entre nós e meus pais. Seus olhos se suavizam e eu prendo a respiração. — Está tudo bem, — Me forço a assentir apesar do sussurro de Peter ao segurar minha mão com ambas as suas, tentando garantir que eu estou lhe ouvindo. — É só que muitos alunos usam a ponte, tem toda a questão das linhas de ônibus e metrô terem que se adaptar e a escola decidiu que vai prolongar o feriado. Fora o que aconteceu no porto e todas as mortes…
— Ah… — Suspiro apesar do nó em minha garganta.
Ah. — Peter me imita sorrindo e seu dedão se pressiona entre as minhas sobrancelhas, suavizando a provável ruga que certamente havia se formado. Reviro os olhos e defiro um tapa na sua mão, o fazendo rir. — Ouch! — Dou risada junto a ele, mas me inclino na sua direção após garantir que meus pais estão ocupados demais discutindo onde copos e pratos devem ficar nas prateleiras e dou um beijo rápido em sua bochecha, cuidadosa para não fazer ruído algum. — Ah…. — Desta vez não há provocação no seu suspiro e eu contenho meu sorriso ao apanhar uma colher para pegar algumas frutas quando meu pai se vira para nós.
Pepper se senta diante de mim e Tony diante de um Peter rubro que engole um copo de suco.
— Sei que deveria dizer para comerem bastante para estarem de barriga cheia antes de voltarem para o laboratório — Tony inicia ao servir uma xícara de café fumegante para a noiva. — Mas vocês dois já comem mais que qualquer pessoa que eu já conheci, então…
— Eles estão na fase de crescimento — Minha mãe retruca ao receber seu café. — Lembra como a era baixinha quando chegou aqui? — Entorto os lábios ao empilhar algumas panquecas no prato, intercalando com camadas de cobertura de caramelo em cada andar.
— Mais do que agora? — É difícil não rir quando Peter intervém baixinho.
A cozinha é preenchida por risadas como não me lembro ter acontecido há séculos, em princípio desde a queda dos Vingadores. E Tony ri alto e satisfeito, a sua risada jovem que parece não ter acompanhado a passagem dos anos e as rugas no canto dos olhos parecem brilhar quando ri como um menino. A cena me faz sorrir — o amor que posso sentir nas pontas dos meus dedos não cabendo mais dentro de mim. Então Peter também está rindo do meu lado, olhos apertados e o nariz franzido até que as sardas fiquem vermelhas. E é como se meu coração se dilatasse cinco vezes mais ao ponto de meu peito quase romper.
Comemos em meio a conversas paralelas tão divergentes e especulativas que se assemelham às que costumávamos acontecer quando todo o time se unia para alguma refeição. Peter e meu pai comentam sobre a nova formulação das teias de Peter, Tony conta para Pepper sobre como as inteligências artificiais que temos montado tem ido bem e Peter soma que — entre algumas porções de ovos e bacon — as minhas estão bem melhores que as suas. Timidamente justifico o motivo sendo que Tony já havia me explicado como montar um há alguns anos, mas Peter já está balançando a cabeça. Pepper não diz nada, mas está sorrindo um pouco e me olhando de uma maneira nova. Bom, ela diverte os olhares entre mim e Peter com cuidado antes de sorrir largo e dar um tapa no braço de Tony por falar de boca cheia.


*


Somente entro no quarto quando ouço uma afirmação de que posso fazê-lo.
O quarto de May Parker cheira a lavanda e eucalipto, o perfume provavelmente vindo dos óleos essenciais que ela tanto gosta e se encontram espalhados pelo seu apartamento. Lutando contra o nervosismo como havia decidido que faria, encosto a porta atrás de mim ao virar-me para May que está sentada na cama hospitalar com um álbum de fotos no colo. Quando pouso os olhos sobre ela e examino a sua figura com atenção, sinto meus olhos e nariz pinicarem devido ao seu estado comparado a como a vi na última vez.
May está em perfeitas condições físicas pelo que posso verificar em sua aparência. Seu cabelo um pouco embaraçado entrega que ela não teve tempo suficiente de cuidar-se como costuma fazer, mas aparenta estar bem. Exceto os instrumentos que apontam seus batimentos, não há nada que indique que ela esteve em um acidente tão brutal, exceto os pequenos arranhões no seu rosto que foram mínimos ao ponto de a Doutora Cho não precisar os cicatrizar com o Berço. Eu aperto o pequeno saco zip-lock no bolso de meu casaco quando ela se vira para mim devido ao meu silêncio e os seus olhos cintilam quando reconhece-me, um sorriso aliviado formado nos seus lábios antes de ela sussurrar meu nome, verdadeiramente animada por minha visita.
— Você está bem? — É a primeira pergunta que faço, meu lábio inferior tremendo quando o solto pois o segurava com firmeza entre os dentes. O rosto de May se suaviza ainda mais que antes e ela assente conforme me aproximo, minha visão turva. — Tem certeza? — May imediatamente estende as mãos para mim e não hesito em segurá-las, apenas para fungar quando sinto o calor saudável de sua pele. Ela está viva e aquecida como eu havia dito a Peter. — Desculpa, desculpa — Encosto meu rosto em suas mãos macias ao me apoiar na maca, seus pedidos preocupados para que eu não chore não ajudando a controlar-me e eu escondo o rosto no lençol da cama quando ela toca meu cabelo carinhosamente. — Eu estou tão feliz que você está bem! — Meu lábio está tremendo outra vez e May afaga meu cabelo.
— Meu bem! — Fungo apertado quando ela apoia meu queixo para que tenha coragem de olhá-la. — O que é isso, hein? — Fecho os olhos, mortificada pelo acariciar delicado na minha bochecha com o seu dedão. Mordo o lábio para interromper o tremor e respiro fundo, contida pelo carinho dela. — Pra quê esse choro, hmm? — Enterro o rosto em sua mão, respirando fundo outra vez e apreciando o calor saudável de sua palma. Alívio e culpa lutam por dominância dentro de mim. — Está tudo bem, querida! Não precisa mais chorar, tá? — Me forço a assentir quando ela afasta minhas lágrimas com as pontas dos dedos. — Estou firme e forte, fazendo meu scrap-book e só comendo comida gostosa — May dá uma risada verdadeira ao afagar minha costa para ajudar a conter minhas emoções. — Estamos entendidas? Não quero mais saber de choro nenhum porque a minha Vingadora favorita fez um ótimo trabalho e eu já estou bem melhor, ok?
— Você tem certeza? — Questiono com a voz embargada ao secar meus olhos após ousar soltar a sua mão por um rápido segundo, deixando para enxugar o rosto por completo no ombro de meu casaco e amparar uma mão dela entre as minhas. May me oferece um sorriso meigo e assente, afastando meu cabelo e apertando minha destra com intensidade para demonstrar segurança. — Que bom — Meu respirar é trêmulo e eu assinto junto com ela, sentindo todo o peso dolorido em meus ombros se dissipar lentamente. May está bem apesar do terrível susto, mas a culpa ainda está agarrada aos meus ossos. — Que bom. — Outra onda de lágrimas me atinge antes que eu possa reagir e volto a apoiar o rosto em sua mão, curvando-me para esconder o rosto dela. — Fiquei com tanto medo de alguma coisa acontecer — Sussurro as verdades que tenho segurado dentro de mim desde o acidente. — Que alívio que você está bem, May. Que bom.
— Que bom que nós duas estamos, não é? Vamos, senta um pouquinho. Não deve ficar tanto em pé com essa perna machucada! — May sorri satisfeita para mim enquanto me sento na beirinha da poltrona ao lado de sua cama, sem ousar soltar a sua mão ao tentar forçar-me a assimilar o seu estado. Viva. — Como você está, meu anjo? Peter e o Happy estavam tão preocupados com você ontem! — Engulo em seco e balanço a cabeça, afinal, minha perna é a última coisa com que poderia estar preocupada. — Está bem?
— Sim — Concordo ao apertar a sua mão, enxugando o rosto no casaco de novo. — Estou sim. Por favor, não se preocupa com isso — May Parker balança a cabeça e faz uma careta como quem me diria que é impossível não se preocupar, completamente despreocupada com o seu estado que é e era mais grave que o meu. — O que importa é que você está bem. — Engulo minhas lágrimas e o nó apertado em minha garganta. — O acidente, May, eu juro que tentei vir o mais rápido que…
May sopra o ar, me pedindo que eu fique em silêncio enquanto afaga minha mão com cuidado.
— Não — Ela balança a cabeça ao me interromper. — Nós não vamos falar sobre o acidente, está bem? — Seu pedido é algo que não ouso negar e apenas concordo, apesar da culpa. — Você estava lá e não há motivo para nos lembrarmos disso agora, tudo bem? Deve ter ficado tão assustada, meu bem — A sua preocupação é entregue por meus poderes sem dificuldade de tão latente que é. É impossível não concordar com seu comentário, todo o horror que senti ao vê-la vai traçando arrepios frios por minha pele e May estala a língua tristemente. — Você fez um ótimo trabalho, , não pense o contrário; mas agora precisa descansar, ok? — Aperto os olhos quando May beija minha mão em agradecimento, dando um tapinha gentil nela com a sua outra mão, essa o fazendo com delicadeza devido o acesso do soro em sua veia. — Você foi incrível, meu anjo. Salvou a minha vida e a de muita gente que nem conhecia, ! — O maravilhar em sua voz reflete os seus pensamentos que May tem considerado desde que acordou. — Estou agradecendo por todas as pessoas que ajudou naquele dia. E estou muito, muito orgulhosa de você.
Mais vozes se aproximam e a porta do quarto se abre para que os outros dela visitantes entrem no cômodo. Seguro sua mão com carinho e enxugo o rosto ao sentir a palma delicada de minha mãe em meu ombro assim que ela dá boa tarde para May e questiona se ela havia gostado da massa que preparou para o almoço. May afirma que sim e dá um sorriso maternal para Peter quando ele se aproxima pelo mesmo lado que eu e inclina-se para lhe beijar na bochecha, recebendo um apertar em suas maçãs do rosto em agradecimento. Eu sinto a mão de Peter em minha costa e olho para ele apesar de meus cílios úmidos, o que nunca passaria despercebido por ele. Novamente, seu semblante aponta preocupação, mas eu balanço a cabeça para a dispensar e toco em seu braço, apertando-o com leveza para indicar que estou bem.
— As lágrimas são por ver as suas fotos de bebê — May aponta e eu dou uma risada embargada. — As suas orelhas eram enormes! — Dessa vez a risada de Pepper ecoa pelo quarto e Peter revira os olhos antes de inclinar-se outra vez e beijar a testa de sua tia por um momento a mais, os olhos fechados com firmeza na mais pura demonstração de alívio. May sorri para o sobrinho que olha torto para o álbum de fotos no colo dela e então ela aperta meus dedos e eu me aproximo para olhar o tal álbum cujo conteúdo subitamente me interessa. — Pepper, venha aqui também — Meu coração transborda quando May inclui minha mãe, solidificando minha tese de que seriam boas amigas. Potts se aproxima pelo outro lado enquanto me apoio em Peter, que apoia minha costa de imediato, possivelmente ciente da leve dor em minha perna por estar de pé. — Olhem que fofurinha!
Toco a boca com as pontas dos dedos ao pôr os olhos na foto apontada por May, um sorriso tolo me escapando ao perceber que não houve muitas mudanças significativas na aparência de Peter desde a sua primeira infância até agora. Me aproximo mais para analisar a fotografia enquanto Pepper e May babam na adorável foto de um pequenino e sorridente Peter Parker ao assoprar uma vela com o número seis. Os indisciplinados cachos grudados na testa pelo suor.
— Céus… — Sussurro ao observar o seu sorriso enorme na foto seguinte, as sardas que tanto são queridas por mim brilhando na luz do sol pois ele segurava uma mangueira de jardim e vestia uma camisa dois tamanhos maiores que assemelhava a um vestido, mas deixava a mostra as gorduchas perninhas de bebê. — Você era um amor, Pete! — Balanço o braço dele que só grunhe insatisfeito em resposta. — Não! — Estou gargalhando desta vez com a terceira foto onde há uma máscara do Batman cobrindo seu rosto enquanto usa uma camiseta branca e jeans, de pé sobre uma cama e uma carinha de desistência. — E você ainda tem essa camisa, tenho certeza! — May e Pepper gargalharam quando aponto para uma foto de quando ainda devia ter entre um e dois anos, de pé e sorridente usando um macacão jeans e uma camisa de flanela verde com preto. — Acho que até mesmo eu estou com ela…
Minha experiência com crianças é quase nula, ainda que eu facilmente perca a compostura e me flagre sorrindo desmedida quando ponho os olhos em bebês e criancinhas, mas, ainda assim é fácil perceber que Peter era um bebê querido e sorridente. As seguintes fotografias comprovam minha opinião, seja a em que Peter corria empurrando um carrinho de bebê, em um balanço segurando um boneco do Luke Skywalker ou vestido de Luke Skywalker com somente quatro anos. Então, na página seguinte, há uma mulher sorridente abaixada ao lado de Peter, o sorriso tão semelhante ao seu que não há dúvidas em mim que seja ela a sua mãe. Mary Parker tinha cabelo claro, em um tom elegante entre o ruivo e loiro, os fios presos num penteado sofisticado como os que Pepper usa em eventos de gala e um belo colar de diamantes em contraste com o escuro do vestido que usa. Ela tem as bochechas coradas e olhos bondosos que o filho herdou. Logo ao lado da foto, em caligrafia redondinha lê-se “Petey e Mamãe — Ação de Graças de 2004”.
— É a sua mãe? — Questiono o óbvio sem nem perceber e Peter se move para perto, observando a fotografia que aponto e assentindo com um olhar afetuoso e um meio-sorriso. Eles se parecem e por um momento ridículo me pego reconhecendo que é a genética e que é o motivo de eu não me assemelhar a meus pais, reconhecimento esse que me faz evitar olhar para Pepper no momento. — Ela era muito bonita. São muito parecidos — Indico os olhos dela. — Têm olhos muito gentis.
— Dê uma olhada no Rick antes de qualquer opinião sobre quem o Peter é mais parecido, — May indica uma outra foto e seu sobrinho se move do meu lado, passando seu braço por minha cintura e também entortando o pescoço para uma visão melhor da foto com seu pai. — Não é?
— Obviamente — Dou uma rápida olhada para Peter, mesmo que seus traços sejam claros como água em minha mente, e então para foto onde seu pai o segura ainda recém-nascido, sorrindo orgulhoso e com lágrimas nos olhos para a câmera que registrou o momento. “1º foto do Peter” está escrito logo abaixo, junto a data de aniversário dele. — Obviamente eu me precipitei e agora reconheço meu erro. — Apesar das risadas das mulheres e da respiração de Peter soprar meu cabelo, me concentro em seu pai e na absurda similaridade entre eles que torna Peter uma perfeita combinação dos seus pais, desde as rugas de tanto sorrir que herdou de Richard Parker junto às sardas, até o sorriso de Mary. E o cabelo de Peter também é uma combinação ideal do acobreado liso de sua mãe e o castanho cacheado de seu pai, apesar do grisalho aparente. — São mais parecidos ainda… — Pepper ri com a cabeça para trás, o que deve significar que aparento estar tão surpresa quanto realmente estou. — As orelhas, e as sardas. O cabelo, Pete!
— Ok, chega de fotos! — Peter declara para a tristeza de todas nós que reclamamos em voz alta ao sermos privadas de tais fotografias que fizeram suas orelhas e pescoço corarem enquanto fecha o álbum. — Obrigada, May. Foi ótimo. — Ele resmunga embaraçado ao segurar o álbum contra o peito, assentindo diversas vezes e gaguejando um pouco pela timidez que me faz rir. — Valeu, já deu de fotos. — Peter bagunça o cabelo enquanto leva-o para longe de nós para o guarda-roupa onde as coisas de May estão.
— E quanto fotos da puberdade dele? — Meu sorriso é enorme e estupidamente feliz quando faço tal pergunta para May, esta que não aguenta e cai na gargalhada enquanto minha mãe garante que foi golpe baixo pedir por tais fotos. — Na faixa dos dez e onze anos, sabe? — Provoco outra vez para o horror de Peter que vira-se com os olhos arregalados para a tia que não para de rir junto a Pepper. — Aquela época quando rapazes começam a ficar com aquele bigodinho estranho e as espinhas, fora a voz esganiçada horrível… — Minha descrição é interrompida pelo som da porta do guarda-roupa sendo atingida, e por consequência, trancada pelas teias de Peter.
— Duas horas para dissolver, mas acho que as camadas fazem durar mais tempo… — Murmura ao observar seu feito com os braços cruzados, parecendo realmente empenhar-se em saber se as teias aguentarão tanto tempo. — Uma pena, não é? — Reviro os olhos quando Peter vira o rosto e me dá um sorriso satisfeito que me deixa tonta de tão encantador.
Nós passamos mais uma hora fazendo companhia à May, apesar de minha mãe ser quem mais a distrai ao questionar sobre a ONG dela e ações sociais as quais está envolvida, aquela que dá auxílio à mulheres empreendedoras é a que as engaja mais enquanto Peter e eu nos sentamos no pequeno sofá branco abaixo da televisão. Não faço ideia de como acabamos de mãos dadas e elas apoiadas sobre meu joelho acima do vestido amarelo que uso, mas não ouso soltá-lo. Talvez seja por termos almoçado a pouquíssimo tempo ou as poucas horas de sono que tivemos, mas deito a cabeça em seu ombro quando o sono me alcança. Logo que acordo, noto que Peter também está distante em seus sonhos apesar do braço protetor ao meu redor e o corpo quase fora do sofá por completo para meu maior conforto. E é com os olhos fechados e fingindo ainda dormir que nos observo através dos olhos de May e identifico seus pensamentos antes mesmo dela.
“Finalmente”.


*


Pego uma mordida de maçã no canto da mesa, minhas pernas cruzadas enquanto designo detalhes a mais no rascunho do que consequente será uma Inteligência Artificial como Tony havia nos ensinado horas atrás. Meus dedos doem, pois, a caneta que uso na mesa digitalizadora é desconfortável e pequena demais para mim, sua forma ainda menos útil diante da luva que movimenta a tela mesmo sem que eu queira, atrapalhando a produção do esboço. Um suspiro pesado me escapa e noto que Peter e meu pai erguem seus olhos — antes concentrados no modelo de Peter — para mim quando esfrego a luva em minha calça outra vez, tentando diminuir a interferência enquanto repasso as etapas que Tony explicou. Preciso me concentrar no que faço, afinal uma interface de linguagem natural requer detalhamento e todo o processo será perdido com o menor das falhas. O que devo estar esquecendo? Já adicionei o sistema operacional criado na quarta-feira e o resto parece correto.
Tiro outro pedaço da fruta ao escrever que devo aplicar um sistema para controle dos satélites Stark no protótipo, ciente que esta não era a única etapa que me faltava. Tony disponibilizou um modelo básico para nossa análise, onde podemos usufruir de quinze entradas de gadgets e softwares que acharmos necessários. Dois são essenciais: comunicação entre a IA e nós — reconhecimento de voz — e saúde. Planejo usar os gadgets de F.R.I.D.A.Y, somente preciso só organizar e priorizar os demais de maneira mais segura possível. O que se torna um problema agora que minha maldita luva arrasta a tela a todo instante e F.R.I.D.A.Y nem consegue reconhecer meu toque com a interferência e nós não temos tempo disponível para que sistema não me reconheça.
— Eu vou pegar um ar fresco — Opto assim que a mesa cobra minhas credenciais pela quarta vez nos últimos doze minutos, emitindo um bipe irritante que certamente não passou despercebido por eles vez alguma de tão repetitivo que o som já se tornou. Deixo a caneta cair na tela em um ato ríspido, me virando no banquinho e descendo do mesmo. Minha costa dói por estar curvada a tanto tempo e meu cérebro parece gelatina em meu crânio, principalmente quando minha perna direita atinge o chão e me desequilibro um pouco pela dor afiada. Não consigo ignorar o som do banco de Peter se afastando da mesa prontamente e ergo a mão para indicar que estou bem e ele deve permanecer onde está. — Estou bem — Arfo entre dentes, sentindo a dor irradiar até assentar-se no ferimento. — Está tudo bem — Sopro o ar que segurei. — Tudo bem.
Empurro a porta de vidro que leva até a varanda deste andar, sendo recepcionada por uma rajada de vento que faz o meu cabelo voar e torna respirar uma tarefa mais fácil apesar do incômodo. No exato momento que tenho certeza de que nenhum dos dois pode me ver, começo a retirar as luvas, sentindo minhas mãos suarem por estarem confinadas nelas há semanas — não neste exato par de luvas, mas nos outros dez pares que estão dispostos em ordem sobre a minha escrivaninha e apenas aguardam sua vez de serem usadas. Cubro meus olhos que ardem, poderes borbulhando desde debaixo da pele. Me apoio no parapeito ao terminar de remover as luvas. Um, dois, três, quatro e cinco dedos na mão esquerda. Um, dois, três, quatro e cinco dedos na mão direita.
Eu ainda não estou me desfazendo em cinzas — simples poeira.
Meus últimos sonhos fizeram questão de garantir que ainda não estou desaparecendo. Garantiram que eu compreenda que antes sentirei mais dor do que havia imaginado, como quando na noite de natal, em meu outro sonho na selva tropical e com gritos torturados ecoando como alarmes, fui golpeada em nas costelas a tempo de ver um monstro literal tentar partir-me ao meio com um punhal cuja lâmina era maior que meu braço. E, Céus, aquilo queimou. Queimou como carvão quente em meu interior, mas a descarga de adrenalina foi o suficiente para que eu tivesse forças para lhe atacar de volta e enterrá-lo debaixo de dois metros de terra. Mas ainda queimava. Queimava quando acordei com lágrimas nos olhos e minha mão em cima do local onde teria sido atingida e havia me feito sangrar até morrer caída na terra úmida com meu próprio sangue.
— Sabe, para que a F.R.I.D.A.Y consiga te reconhecer melhor, deveria se livrar dessa luva. — A voz de Tony soa suave e agradável de ouvir enquanto fecha a porta atrás de si. O herói se apoia assim como eu contra o parapeito, um pouco mais afastado e sem importar-se com a vista abaixo de nós, apenas mantendo seu olhar fixo em mim e com um sorriso delicado nos lábios. — Se quiser, pode ir descansar, .
— Sei disso. — Suspiro mais suave desta vez, esfregando as mãos úmidas no rosto, coçando meus olhos que ardem e apoiando o queixo nelas. — Mas não posso ou quero descansar. Não quando você está nos ensinando tudo isso. — Explico com calma, não querendo que pense que tem culpa alguma por meu estado. — Eu... Não entendo por que precisamos fazer isso, Tony. — Confessar tal incoerência é motivo de vergonha, mas sei que Tony nunca me faria me arrepender de lhe questionar algo. — Não entendo a razão de tudo o que está acontecendo e...
Quando eu o olho, ele está sorrindo melancólico para mim. O resultado de seu sorriso e a consequente tranquilidade que lhe acompanha é o que torna complicado impedir um sorriso infelizmente entristecido de me escapar em retribuição, uma vez que não tenho forças ou coração para agir de outra forma quando nossos olhos se encontram e ele estica o braço para mim. Me permito encontrar pouso e me aninhar nos braços de meu pai, fechando os olhos com força e finalmente conseguindo respirar aliviada. Quando Tony envolve os braços ao meu redor e posso encostar o rosto em seu peito ao encolher-me contra ele, não tenho mais ímpeto algum de partir ou mover-me. É seguro e nunca me sentirei tão acolhida como ele consegue me fazer sentir, ou tão querida e cuidada. Por um instante, os medos e o cansaço parecem se esvair.
— Está usando os meus sonhos como desculpa para uma aposentadoria precoce? — Sussurro inconformada. Ele aperta meu ombro, como se fosse me beliscar, mas é cuidadoso e nem perto disso, seu riso baixo e contido soprando meu cabelo ao afagar minha costa.
— Não. — Tony assume após alguns instantes que se passam como uma eternidade entre nós, o seu respirar fundo expondo como também está tão ou mais exausto que eu. A realização de que não há humor em sua voz me faz erguer o rosto e buscar seus olhos, mas ele está olhando para o céu acima de nós, onde há nuvens escuras ocultando a luz do Sol se pondo que ainda ousa nos iluminar. Também não vejo a Lua nascendo. — Apenas quero que esteja pronta.
Algo se contrai em meu peito e mesmo que eu tenha me esforçado para não perceber, agora a verdade transparece. Tony Stark não está somente gastando tempo e dinheiro nos preparando para sobreviver a um combate, mas sim nos preparando para sobreviver em um mundo em que ele talvez não esteja mais presente. A ideia insensata faz meus olhos se encherem de lágrimas em instantes, mesmo que eu tenha lutado contra elas de maneira bem-sucedida nas últimas vinte e quatro horas. É como se lava fosse derramada em minha garganta e meu sangue fritasse em minhas veias, pois a possibilidade de tentar compreendê-lo e encontrar lógica em seu temor é absurdo e torna-se excruciante sequer pensar que meu pai tem considerado tal macabra possibilidade há algum tempo. Quão mórbida e exausta sua mente deve ser a este ponto quando até imagina o cenário de sua morte.
— Você — Meu peito se comprime até eu não conseguir respirar; minha voz falhando conforme minha visão também ondula e turva-se diante das lágrimas que se acumulam na linha d’água em horror. — N-não — Arfo e Tony abaixa o rosto para mim quando toma nota do choque que me faz hesitar, seus olhos arregalando-se em surpresa e preocupação vívida. Meus lábios tremem e os dentes batem quando tento formular alguma frase. Todas as palavras me escapam e eu sinto minhas mãos vibrarem onde seguram-se nele, este que me olha apavorado. — N-não vai morrer, pai — Balanço a cabeça várias e várias vezes, meus dentes batendo e o pavor de seu medo se concretizar atingindo meu corpo como um soco na jugular, arrancando todo o ar que preciso para respirar. — Não… — Minha voz falha quando sussurro, se perdendo no vento da noite.
É a primeira vez que a palavra “pai” sai de meus lábios direcionada a ele e eu não estou obedecendo as ordens sádicas de Brock Rumlow para fazê-lo rir alto. Não estou sendo forçada a ela. E é por este motivo que seu significado se altera totalmente, não sendo só uma denominação para um genitor ou responsável, mas sendo importante. Tony é importante. E eu não aceito que se vá ou ao menos imagine que isso possa acontecer. Então os braços de Tony se fecham com mais afinco ao redor de mim, me levando em sua direção com rapidez e eu retribuo o contato, rosto pressionado contra seu ombro enquanto uma de suas mãos segura minha cabeça como costumam fazer com bebês. Não ligo quando as luvas escapam de mim e caem no chão, ou que ele me aperte com força e eu não possa fazer o mesmo por medo de feri-lo. Estar em seus braços é o suficiente.
— Eu tenho uma coisa importante para deixar nesse mundo, , algo bom e que não pode ficar nas mãos de qualquer um. — Sua voz está calma e ele não parece assustado com tudo isso, enquanto isso, estou engolindo meu choro da melhor maneira que consigo e enterrando o rosto em sua camisa, buscando fugir de ouvi-lo dizer tais coisas. É desumano pensar que Tony está sereno ao refletir sobre isso. — Então quanto mais rápido você aprender o necessário para prosseguir, quanto mais eu passar para você: melhor. — Tony segura em meu rosto quando um soluço me agita contra ele e as lágrimas entornam como uma tempestade, o erguendo até que a luz da sala atrás de nós esteja refletindo em meus olhos. Eu os fecho quando usa a manga da camisa para secar minha face, sua respiração igualmente pesada. Ainda relutante e enjoada, me forço a concordar com a sua insanidade, apertando os braços ao seu redor com força quando volta a me abraçar, o rosto sobre minha cabeça. O som de seu coração consegue conter minhas lágrimas apenas para uma pequena mancha no tecido que veste. Tony suspira ao afagar meus braços. — Uma filha, hmm? — Sua risada engasgada reverbera por mim, mas não consigo acompanhá-lo, apenas me forçando a respirar e distanciar-me do que foi previamente dito por ele. Não quero pensar em não o ter ao meu lado algum dia. — Quem diria que um dia eu teria essa chance?
— Eu não quero viver nesse mundo sem você. — Soluço contida, engasgada com o choro pesado e sem conseguir conter minhas lágrimas ou o embargo de minha voz. — O que vai ser de mim sem você? — O mais velho pressiona um beijo precioso em minha têmpora, a umidade e o calor de sua pele indicando que não sou a única amedrontada com tal possibilidade.
— Será o meu maior orgulho.


*


Retiro meu casaco ao entrar no banheiro, o lançando no cesto de roupas sujas devido a mancha de graxa, fazendo uma nota mental para tentar descobrir o motivo de Dum-e estar soltando óleo e ainda assim tão devagar. Peter obviamente havia se afeiçoado pelo robô responsivo, educado ao pedir que ele saísse do caminho enquanto precisava se mover pelo laboratório enquanto meu pai simplesmente batia no pobrezinho com um pano sujo de graxa ao tentar consertá-lo. Prendo a respiração quando a imagem de Tony surge em minha mente, meu coração parecendo ter se fixado em nossa conversa mórbida na varanda. Jogo um pouco de água no rosto antes que ele formigue ao incitar mais lágrimas que me recuso a deixar escapar, ciente que ambos estamos sob uma pressão inimaginável e não devemos tomar medidas precipitadas. Jogo água na nuca também, ignorando a temperatura congelante e focando-me em me autorregular.
Quando volto para o quarto, removo meu celular do bolso o coloco sobre a escrivaninha para ele carregar na placa de indução, nem me atentando em dar uma olhada nas novas mensagens que foram notificadas, uma vez que MJ acredita que estou viajando com minha família. Por fim, opto por tomar um banho quente e trocar de roupa para o jantar, decidindo pôr um vestido apesar de me sentir ansiosa por usá-lo na presença de Peter, principalmente no momento que estamos vivendo, mas ainda o faço. Escolho um dos antigos que tenho, florido e de alças de verão, a sua barra alcançando minha panturrilha, escondendo o ferimento em minha perna e a bandagem. Ainda estou de pé no closet tentando tomar coragem de olhar-me no espelho quando ouço duas batidas em minha porta e permito a entrada de quem for, o par de brincos que tentava decidir se eram um exagero quase caindo de minhas mãos quando ouço um pigarrear que certamente vem de Peter.
? — A sua voz me faz saltar, apesar de eu mesma ter permitido sua entrada. — Onde está?
— Estou indo, só um minuto! — Aviso em voz alta e coloco o brinco de volta no cofre, ainda sem compreender tal lógica. Quem entraria em um complexo militar para roubar brincos da Corsage quando há milhares de dólares em armas e equipamentos? Deixo o closet e retorno para o quarto onde encontro Peter observando a vista do bosque pela janela blindada. — Ei, você — Cumprimento com um ar de timidez impossível de me livrar e Peter vira-se para mim, um sorriso fácil e adorável se formando em seu rosto que faz o meu estômago revirar-se da melhor forma possível. — Precisei tomar um banho, acho que tinha graxa até no meu cabelo. — Reclamo ao me aproximar e deixar um beijo rápido em sua bochecha como o que lhe dei hoje durante o café da manhã.
— Somos dois, então — Peter ri antes de beijar meus lábios rapidamente, segurando minhas bochechas com cuidado. Seus beijos, por mais serenos que sejam, são viciantes e é na ponta de meus pés que eu lhe retribuo o selar. — Mais um, rapidinho — Minha risada surpresa é impedida por um seguinte pressionar de seus lábios nos meus, tão carinhoso que não ouso impedir-lhe. — Pronto! — Parker sorri satisfeito para mim, seu rosto também um pouco vermelho apesar da sua clara satisfação.
— Você é um problema… — Sussuro ao apoiar a testa na curva do seu pescoço, mãos espalmadas em seu peito para sentir seu coração acelerado contra minha palma. Saber que consigo o deixar nervoso me agrada mais do que deveria e acabo sorrindo com a conclusão. — Um problemão, Sr. Parker.
— Eu? — Peter soa comicamente revoltado e põe a mão sobre a minha, fingindo incredulidade. — Foi você quem me beijou primeiro! — Ele me acusa risonho quando ergo o rosto para olhá-lo, meu coração tomado por tanta felicidade que os eventos mais cedo perdem lugar dentro de mim apenas com a presença de Peter. — Eu simplesmente não consigo beijar você só uma vez. Não era você que gostava de números pares? — Reviro os olhos e recebo outro selar em minha testa, não mais conseguindo fingir estar irritada com a situação. — Três, viu? Número ímpar e agora eu vou precisar te beijar para fazer uma duplinha — Começo a rir com o nível revoltante do humor de Peter, humor este que é recente e me deixa boba. Ele suspira com pesar, balançando sua cabeça e fingindo exaustão. — É uma rotina cansativa, mas não vou reclamar.
Encaixo meu braço ao redor de seu pescoço quando nossos lábios se encontram outra vez, suas mãos tomando minha cintura e mandíbula pois, apesar de eu estar nas pontas dos pés, ainda há uma distância considerável entre nós e Peter precisa inclinar-se um pouco para mim. Sua boca tem sabor de menta e um pouco de chocolate, mais precisamente do chocolate-quente de menta que Pepper prepara. Não conseguiria imaginar, nem em meus sonhos que são tão vívidos, que estar com ele seria tão bom e certo. Que seus lábios macios se encaixariam com perfeição nos meus, que suas mãos seriam tão delicadas em mim ou que meu coração fosse se encher de tanto amor como faz em sua presença. Como sempre faz, Peter me dá alguns selares delicados quando preciso de ar e o beijo deve encerrar. Me sinto maleável em seus braços, praticamente derretendo com seus toques suaves e o olhar carinhoso e terno. Por um instante, detesto não conseguir prender a respiração por mais tempo e prolongar nossos beijos.
? — Peter engole em seco ao encostar nossas testas, o nariz tocando o meu com delicadeza. Eu emito um pequenino som para que saiba que estou lhe ouvindo ao tentar regular a respiração, meus dedos curvados ao apoiar-me em seus ombros. — Ah, hum... — Abro os olhos devagar quando Peter divaga, rosto se contorcendo em diferentes expressões e lábio inferior preso entre os dentes ao frisar o nariz. “Pete?” Sussurro confusa com sua hesitação. Ele suspira devagar, uma mão escorregando para o bolso do moletom que veste e engolindo em seco enquanto me seguro para não entrar em um espiral de pânico. — Eu estou com o seu presente de Natal, mas preciso que feche os olhos e estenda as mãos para mim, ok?
— Peter! — Reclamo com um empurrão em seu ombro que nem mesmo parece o afetar, soando o incomodada do que deveria, seja pelo suspense ou pelo tal presente desnecessário. No entanto, perco o interesse de discutir o assunto quando percebo do curvar singelo de suas sobrancelhas e seu lábio rosado um pouco mais cheio. Peter Parker está fazendo os olhos de cãozinho pidão? — Você não precisava me dar presente nenhum — Balanço a cabeça para firmar meu ponto, entendendo que Peter e May passam por uma situação complicada com dinheiro e que não havia necessidade de presentear-me.
— É o mínimo, . — Pete garante com veracidade, os olhos buscando os meus para demonstrar a verdade em sua afirmação. — Sério! E-eu queria fazer algo especial para você, entende? N-não queria que o Natal passasse em branco mesmo com tudo o que aconteceu, e sei que já devia ter te dado isso antes de tudo isso, mas nós quase não nos vimos antes do a-acidente da May e… — Ele remove a mão no bolso do casaco, pausando quando nota que ainda mantenho meus olhos abertos apesar de seu pedido. Como eu devo fechar os meus olhos? Como devo não ficar nervosa por este ser um presente seu para mim? — Por favor, é um presente. Não pode negar, sabia? — Eu respiro fundo antes de fechar os olhos como havia me pedido, sentindo-o dar um beijo rápido na ponta do meu nariz em agradecimento. — Está pronta? — Engulo em seco e concordo, posicionando as mãos diante de meu corpo apesar da vontade de lhe tocar para me estabilizar.
Audaciosa, ergo minha destra para provocá-lo, sentindo o ar agitar-se ao nosso redor quando ele ri. Minha mão alcança algo no escuro e eu levo um esparso momento para perceber que o que meus dedos curiosos entraram encontraram foi uma textura natural e macia que acabo identificando como seu rosto. Afago sua bochecha, fazendo Peter sorrir e curvar a face em minha palma, depois segurar ambas as minhas mãos, as estendendo e pousando algo sobre elas. Antes de abrir meus olhos, corro meus dedos sobre o objeto longo tamborilando os dígitos nele por um momento a fim de prolongar o momento e imaginando se Peter já está literalmente subindo as paredes com a demora. Sei que é uma caixa, com certeza. As quinas são arredondadas e cobertas por um material macio, possivelmente veludo.
— Você vai me dar uma joia? — Indago, ainda sentindo as rebarbas da caixa e meu coração acelerado. — Peter…
— Algo assim… — Lhe ouço engolir em seco e temo ter me precipitado. — Dá uma olhadinha, que tal? — Meu peito se expande com a timidez de sua voz e eu enfim abro os olhos e olho para minhas mãos. É com certeza uma caixa para joias como as que Pepper tem enfileiradas em seu closet e como a que guardava os brincos que lhe presenteei de Natal. Contudo, está aqui é do tamanho de minha mão em largura e baixa em altura, azul e com um feixe dourado na lateral. — Achei essa caixa interessante. Azul e dourado como o seu uniforme, sabe? — Pete indica com o rosto um pouco ruborizado e a voz tensa. Com um último aceno encorajador seu, eu a abro.
Uma corrente de ouro branco está dobrada na almofada branca, revelando os pingentes do colar. O pingente principal é em forma de uma pálida flor moldada de forma que as pétalas florescem para fora em um tom delicado de rosa quase branco. Pendurado mais acima, há um pingente, desta vez na forma de uma abelhinha adorável, suas pequenas asas feitas de pequenos brilhantes. Quando seguro a flor analisá-la melhor entre meus dedos trêmulos, percebo que o centro dela é um pequenino botão oculto. Ainda na caixa, há um par delicado de brincos de pérolas brancas quase rosadas, da mesma cor que as pétalas da flor, tornando-se um conjunto ideal.
— Pete... — Arfo seu nome com uma suavidade que não sabia caber em mim. É como se meu coração estivesse duplicado de tamanho com o gesto. — Ah, Peter... Obrigada, eu nem sei... — Perco as palavras momentaneamente, tímida para lhe olhar e preocupada de encostar nas peças e arruinar o presente. — São tão delicados e preciosos... — Nem mesmo consigo terminar a frase, a corrente tão fina e mínima se adaptando na curvatura de meus dedos quando a ergo da caixa apesar de meu nervosismo. É tudo tão perfeito e único que temo danificar algo. Tenho cuidado para colocar a caixa de veludo sobre minha cama antes de voltar a dar toda minha atenção ao presente. Peter Parker respira aliviado ao perceber que eu realmente havia gostado de seu presente, parecendo sorrir.
— Você gostou? — Peter questiona acanhado, os dentes brancos e perolados repuxando o lábio inferior como se buscasse as palavras certas quando não preciso mais de nenhuma e assinto diversas vezes para ele, ainda incrédula que tenha me presenteado. — E-eu, huh… Eu que fiz.
— Fez? — Tomo coragem para lhe olhar, meus olhos arregalados e os seus brilhando. — V-você fez isso?
— Exceto a corrente e os brincos, claro. — Peter engole em seco pelo que parece ser a milionésima vez e não consigo desviar os olhos dele, sem palavras para seu gesto. — O Ned me ajudou com todo o resto — Acaricio a pequena abelha tão detalhada e adorável que ainda é difícil aceitar que foi feita a mão por ele, mas as listrinhas possuem um pequenino borrão que solidifica a ideia que foi Peter que a fez para mim, outro detalhe que meu cérebro se demora a registrar e compreender. Peter tirou um tempo em seus dias ocupados para fazer um presente tão amável para mim. — Ele tem um monte d-dessas ferramentas pequenininhas... De quando jogamos RPG e criamos o tabuleiro e... É. — Parker toca em meu presente pela primeira vez, os dedos quentes nos meus indo para a flor pétalas brancas, sua mão tão trêmula quanto as minhas. Ele dá dois toques leves no botão que senti. — Olha.
Peter pressiona o botão duas vezes e nada acontece. Então, não demoro para ouvir o zumbido vindo de seu casaco. É quieto até que outro som se junta e duvido alguém poder ouvir isso de muito longe. Peter coloca a mão no bolso e remove seu celular com a tela rachada que tanto me preocupa por poder cortar o seu dedo, me mostrando o piscar incessante na tela e meu nome que surge na mesma, 911 logo abaixo e uma opção de acesso a localização. Ergo a minha sobrancelha, já tendo entendido pelo menos um pouco do que isso significa, mas querendo ouvir dele. Algo na timidez de Peter me dá uma vontade enorme de sorrir.
— O colar faz o seu celular vibrar? — Ele ri e posso jurar ser o som mais encantador do mundo.
As perversas borboletas em meu estômago retornam a todo vapor, tão animadas que devem estar batendo de cara umas nas outras por falta de espaço e agitação. Parker guarda o celular de novo, tomando o colar delicado em suas mãos antes de erguer a sua sobrancelha em um ato inseguro típico seu, gesticulando para que eu vire de costas. Assim o faço e logo após a flor e a abelhinha pousam em minha garganta e encontram pouso no espaço entre minhas clavículas, o logo metal se aquecendo em minha pele e o peso bem-vindo e reconfortante. Não sei como ainda não me acostumei com o toque de Peter, mas cada vez que sua pele esbarra na minha sinto um arrepio tomar conta de meu corpo e é como a chave na ignição de um carro. Respiro fundo ao colocar a minha mão nos pingentes, como forma de protegê-los de algo que não sei o que pode ser e também sentir se não irão me incomodar. Felizmente, não são como golas rolê apertadas ou gargantilhas que costumam me deixar nervosa e dão vontade de simplesmente arrancá-las de mim, e sim um toque familiar assim como a pele de Peter que encosta em minha nuca.
— Depois de Washington, e ainda mais agora com o atentado, eu fiquei preocupado com você — Sua voz está calma, mas deixa transparecer a preocupação que menciona, me levando a fechar os olhos. — Eu sei que vai dizer que não preciso me preocupar e que sabe se cuidar, mas, mesmo assim, a ideia de você desprotegida me mata. — É minha vez de respirar fundo, entender que sou a principal culpada de suas preocupações e tentar confortá-lo. Sem hesitar, encosto meu corpo no seu quando ele termina com o fecho do colar, sentindo o calor de seu corpo aquecer o meu e as curvas de seu peito moldarem-se na minha coluna. — Eu me preocupo muito com você, . — Sua voz está rouca em meu ouvido devido à proximidade e seu rosto entra em contato com a pele de meu ombro, as mãos segurando minha cintura com cuidado. — E esse é o meu jeito de te manter segura. — Arrumando o meu cabelo de volta, Peter envolve os braços ao redor de meu corpo e eu aperto-os mais contra mim ao virar-me em sua direção, curvando-me para trás quando, da maneira mais educada possível, ele toca no pingente, pressionando-a duas vezes e o seu casaco vibra de novo. — Aperta duas vezes quando estiver em apuros e precisar do Homem-Aranha e tal. Eu vou te achar o mais rápido possível.
Ele está mais relaxado, mas as orelhas revelam a sua timidez que aquece meu peito.
— E quando eu precisar de você? — Questiono em um sussurro, repetindo o ato que pratiquei com os olhos fechados e tocando o seu rosto, acomodando sua bochecha em minha palma quando seus olhos se fecham e os braços me apoiam com mais segurança. — Nem sempre preciso do Homem-Aranha, e sim de você.
— Só uma vez. — Peter murmura com os lábios encostando nos meus, sua respiração tocando em meu queixo. A divergência entre o herói e ele é fascinante e eu assinto devagar, afagando sua bochecha e deixando meu nariz encostar no seu, apreciando cada vez mais o presente que é o ter tão perto. — Eu coloquei um rastreador no colar, mas só vai se ativar quando você apertar e quiser que eu saiba onde está — Concordo novamente e ele molha os lábios, demonstrando nervosismo no pequeno ato. — Só quando você quiser porque, por mais que pareça ao te dar um rastreador de presente, eu não sou um pervertido. — Peter está falando rápido, tão incerto e nervoso que está praticamente titubeando.
— Nossa… — Estalo a língua, sem conseguir segurar um sorriso. — Isso era exatamente o que eu estava pensando de você, Homem-Aranha. — Satirizo com bom-humor e recebi um suspirar aliviado dele em troca, folgado por eu decidir ver tudo isso pelo lado mais brilhante e beijo seu queixo em resposta.
Poderia passar minutos consideráveis discutindo com Peter sobre o rastreador e a minha privacidade. Sobre como isto é incorreto e que ter me contado não diminui o que fez. Mas não consigo. Pois é Peter Parker — o mesmo que se jogou em um elevador que sabia que iria explodir apenas para me salvar, que tentou dar uma segunda chance a um criminoso que quase o matou, que permaneceu ao meu lado mesmo com a insanidade de minha mente e prometeu nunca mais deixar-me. E é difícil ver como isso pode ser desrespeitoso e invasivo quando vindo dele, tornando-se difícil ver mal algum pois entendo suas motivações. Entendo muito bem que isso pode lhe ajudar a se manter em paz da mesma forma que colocar um em meus pais e nele me ajudaria. A vida não foi gentil conosco e querer manter as pessoas que amamos em segurança é compreensível. Ao pensar nisso a minha mente navega até Clint Barton que escondeu mulher e filhos em uma safe-house.
Tenho convicção que Peter está nervoso ao aguardar meu veredito — se acho que é um idiota ou um pervertido ou algo nesta linha de raciocínio. Mas não faço nada e ele apenas se preocupa mais. E eu me preocupo também. Me preocupo com a sua segurança tanto quanto se preocupa com a minha e o pingente parece estar aqui para nos aquietar por enquanto. Eu tenho FRIDAY: posso perguntar a qualquer instante onde Peter está se estiver com o seu uniforme. E, mesmo que não me orgulhe disso, já o fiz algumas vezes após pesadelos que o envolviam e me deixavam inquieta demais para voltar para cama e aguentar até vê-lo pela manhã. Mas Peter, por outro lado, não tem acesso a Inteligência Artificial de FRIDAY e grande parte das ferramentas dela, e esta é a sua forma de me proteger sem ser invasivo ou me vigiar. A garantia de que estou segura e viva.
— Você não precisa usar se não quiser, se não gostar… Ou eu posso tirar o botão, qualquer coisa que quiser, e-eu... — O impeço de prosseguir com um selar casto como maneira de lhe tranquilizar, os seus dedos se firmando em minha cintura e ele inclinando-se ainda mais até mim e aprofundar o beijo que tanto parecia precisar, optando por segurar meu rosto para prolongar o simples selar que não deixa de ser significativo. Quando nos afastamos, seus olhos ainda estão fechados, e em uma tentativa de o acalmar, beijo sua palma como já fez comigo algumas vezes. Acabo por me maravilhar em como meu rosto se encaixa com precisão em sua mão.
— Eu amei. — Garanto sem mentiras. — Muito.
— De verdade?
Quando assinto, Peter parece mais aliviado do que deveria. O ar deixa meus lábios em uma risada em sincronia com um aceno. É incrível como consegui me apaixonar por alguém tão bom como Peter. Em um dos livros que li e peguei emprestado de Michelle, o autor mencionava que quem não havia sido alimentado com amor em uma colher de prata, aprendia a lambê-lo de facas enferrujadas. E talvez o renomado psicólogo esteja errado. Os olhos de Peter se reduzem a uma adoração silenciosa, como se eu fosse a responsável por pendurar a Lua e as estrelas no céu todas as noites, assim como também o vejo.
— Agora, por que exatamente uma abelha? — A curiosidade toma o melhor de mim.
— Eu preciso te explicar biologia básica? Pensei que era a sua área de atuação, . — Dou um tapa em seu peito, sem força ou vontade alguma, apenas para repreendê-lo pela súbita mudança de aura que me faz sorrir como uma tola. E o seu sorriso faz valer a pena cada uma das dores que já senti em minha vida, principalmente quando direcionado a mim. — Toda essa história de "Homem-Aranha", eu acho. Aranha é um aracnídeo? Sim. E a abelha é um inseto? Também. Mas eu achei engraçadinho. — A atmosfera é doce e afetuosa, com Peter gesticulando e buscando os meus olhos pela aprovação que nunca hesitarei em lhe ofertar. O humor está ali, mas o carinho e o romance também o acompanham e eu me pego rindo agora que entendi a sua linha de raciocínio.
— É engraçadinho — Confirmo antes de dar um passo para trás que Peter claramente estranha, o rosto confuso mesmo que me deixe. — Mais engraçadinho ainda será o fato de que eu também estou com o seu presente de Natal aqui, não? — Não aguardo uma reação sua e seguro minhas mãos diante de nós, observando a caixa rubra se materializar em minhas palmas. A sua forma quadrada se forma como fogo consumindo uma folha de papel, o presente literalmente se materializando diante de nossos olhos. Como nas poucas vezes que usei meus poderes na sua presença, os olhos de Peter cintilam como os de uma criança ao receber um brinquedo novo. Segurando melhor a caixa entre nós, me aproximo e lhe dou um beijo em seu queixo que está quase no chão de tanta surpresa. — Feliz Natal, Pete.
, eu não… — Parker hesita momentaneamente, observando a caixa considerável em minha mão e olhando-me algumas vezes, revelando seu choque com o presente. Tamborilo os dedos na caixa, ansiosa que ele a abra e veja o que preparei, mas também nervosa por sua reação. Somente depois de mais um instante e um assentir incentivador meu, ele recebe o presente ao engolir em seco. Eu estou tão nervosa que acabo por sentar-me na ponta da cama, esperando por sua reação que não se demora muito. — N-não deveria ter comprado nada para mim, muito menos ter gastado seu dinheiro depois de tudo o que vocês já fizeram por mim e pela May. — Eu balanço a cabeça sem hesitar, trazendo um travesseiro para meu colo para ajudar a disfarçar minha respiração ansiosa mesmo que Peter possa ouvi-la e ele suspira, buscando meus olhos ao se aproximar e sentar-se também. — É sério e, também, só estar perto de você e com você já é mais que o suficiente — Ele garante ao segurar minha mão, sem desviar os olhos dos meus enquanto meu rosto esquenta. — Não precisava de presente nenhum.
— O que fiz pela May não foi nada extraordinário ou que ela não mereça, Peter. — Retruco a sua justificativa que não faz sentido. — Sei que faria o mesmo por mim e pela minha família. Não há necessidade de ver isso como algo absurdo. — Aperto os seus dedos bem maiores que os meus e um pouco mais ásperos, ainda que isso não altere o fato que são ideais para mim. — Agora, você vai abrir o presente que eu comprei para você com ajuda clandestina do Ned e da May — Solto sua mão e o indico a caixa que está sobre seu colo, vendo os olhos de Peter se apertarem com a informação do auxílio alheio o que me faz sorrir. — E por favor, vai fingir gostar mesmo que deteste.
— Eu nunca vou detestar nada que você faça, — Peter garante com um suspiro pesado que revela o seu nervosismo e consequente ansiedade para abrir o presente, o que lhe faz começar com o laço elegante que Pepper deu para fechar a caixa. Decidi pedir por sua ajuda após decidir que não seria correto usar magia em algo tão caprichado e ela me ajudou. — Acho que é humanamente impossível não gostar de qualquer coisa que você faça. — Pete murmura tão baixo que mal o escuto, percebendo que suas orelhas estão quase da mesma cor da caixa, assim como eu também estou ao ouvir tal confissão. Mordo meus lábios quando o nó é desfeito e Peter alisa as fitas antes de segurar na tampa da caixa, me olhando com as bochechas coradas enquanto apoio o queixo em minhas mãos cruzadas, quase tão nervosa quanto quando dei os presentes de meus pais há alguns dias. — Agora está entendendo como eu me senti?
Shiu, Parker. — Sopro, lhe pedindo por silêncio e sendo agraciada com o seu sorriso perfeito. — Vamos, eu estou ansiosa também! — Mordo meu lábio inferior, voltando a observar a caixa.
Logo após dar um beijo em meus dedos entrelaçados, segurando meus pulsos e afagando-os, ele ergue a tampa da caixa e seus olhos analisam cada detalhe em seu interior enquanto meu peito aperta em nervosismo. Ele engole em seco ao apanhar o primeiro item e o remover da caixa, segurando a câmera instantânea com tanto cuidado quando faz o tocar-me e meu coração transborda. É um modelo retrô da Instax que, segundo Pepper, foi a melhor marca de sua adolescência e que também seria o que procurava. Obviamente, fiz algumas alterações e upgrades na câmera, incluindo o aplicativo que criei para ele, permitindo que a use como uma impressora para as fotos na galeria de seu celular. Observo Peter correr os dedos pela textura riscada da câmera, da alça em couro envelhecido que achei a sua cara e no pequeno código QR para o download do aplicativo.
… — Peter me olha após um arfar profundo, lábios um pouco afastados e olhos cobertos por uma finíssima camada de lágrimas que apertam meu coração. Lhe ofereço um sorriso em troca, ciente da relação que fez e de seu significado. — Como?
— Vi a câmera no seu quarto na primeira vez que fui ao Queens — Explico-me nostálgica. — E o Ned me contou que você fazia parte do clube de jornalismo, mas tinha saído porque sua câmera tinha quebrado e não tinha dinheiro para consertar ela. Imaginei que ela era antiga e achei o modelo na internet. — Indico a caixa onde a câmera devia estar, mas achei mais bonito a dispor sobre o papel de seda branco que decora a caixa. Peter cobre a boca com o punho, a outra mão ainda segurando a câmera. Preciso de muito esforço para não o confortar. — Quando perguntei à May se era o modelo certo, ela lacrimejou um pouco e me disse que era a câmera da sua mãe e que ela já não funcionava há alguns anos. Então, eu tive de comprar uma para você. — Peter assente devagar e com os olhos cintilando pelas lágrimas em sua linha d’água que me fazem querer render-me a minhas próprias emoções também. Ele esfrega os lábios e morde o interior da bochecha, boca apertada e sobrancelhas juntas. — E-eu também fiz umas modificações e um — Toco no canto de meu olho, amparando a lágrima que se formou e piscando para afastar as outras. Não suporto vê-lo chorar. — Aplicativo. E-ela é mais para recordações mesmo, Pete, a outra que é a profissional.
Peter descansa a Instax com cuidado no interior da caixa e se adianta para a outra câmera nela, a que é mais designada para fotos profissionais e indicada para substituir a sua antiga que não funcionava mais. Ned me indicou o modelo da antiga e eu apenas busquei por uma da mesma marca e mais profissional ainda, não aceitando presenteá-lo com nada além do melhor. Parker segura a câmera com todo o cuidado do mundo e abre a caixa onde as mais diversas lentes se encontram, um sorriso brincando no canto de seus lábios.
— Eu não sabia qual lente você usava e nem o Ned, então comprei as que achei na loja. E as três no saquinho de camurça vieram direto da fábrica, ainda não estavam na loja física. E-eu n-não sei como essas câmeras funcionam, mas… — Dou de ombros, embaraçada e somente percebendo agora que posso muito bem ter lhe presenteado com duas câmeras ruins para a modalidade que ele gostava de fotografar. A possibilidade me deixa enjoada. — Mas fui na estupidez de “mais caro deve ser melhor” e agora, agora estou preocupada de ter te dado um presente péssimo. — Peter ergue os olhos para mim, quase ofendido por minha confissão e eu aperto mais meus dedos que estão entrelaçados uns nos outros, temendo que se estiver correta, ele não me dirá. — V-você pode trocar as câmeras na loja se quiser, tá? — Oferto e evito olhar para elas e Peter. — E-eu não vou saber a diferença, então não… Não se preocupe, ok? — Minha cabeça dói quando ouço o som dele devolvendo a câmera de volta para a caixa e engulo o nó em minha garganta, detestando o fato que ele possa ouvir-me fazê-lo ou meu coração acelerado. — Eu deveria ter perguntado para você antes, porém queria fazer uma surpresa e…
Os lábios de Peter são macios contra os meus e o aperto em meus ombros é estabilizador, mas eu não ouso o tocar também, ou mesmo retribuir o selar de início. Me sinto patética, mas só um mísero encostar seu na corrente ao redor de meu pescoço é o suficiente para que possa lançar a preocupação para longe momentaneamente e entreabrir meus lábios para sentir os seus melhor e ainda mais quentes, seja por ele ter os mordido ou por que Peter parece mais intenso agora. E eu toco em seus braços que parecem ter se tornado meu refúgio, amparando-me neles quando segura meu rosto com carinho entre suas mãos, afastando minimamente nossos lábios.
— Nunca mais diga isso, . — Engulo em seco com o tom de sua voz, soando afetado seja pelo beijo ou por minhas desculpas e preocupações que parecem ter o incomodado mais do que pude imaginar que iriam. Fecho meus olhos pela vergonha de ter o ferido e por sentir seus lábios nos meus quando fala, mas ainda assim assinto. — Eu não quero mais te ouvir pedir desculpas pelo presente mais especial que eu já ganhei. — Fecho os olhos quando Peter acaricia meu rosto com o dedão, o tom sério deslizando e tornando-se mais terno como sempre fora e talvez ainda mais delicado ainda ao falar comigo e mencionar seu presente, empurrando um peso de meus ombros. — É incrível assim como você e eu não trocaria por nada nesse mundo, mesmo que às vezes me deixe louco.
— Desculpa. — Sussurro de volta, sua provocação me forçando a soprar um riso.
— Não vou desculpar. Você me magoou muito agora. — Antes mesmo que eu possa considerar a sua resposta, Peter beija o topo do meu nariz. Então minha bochecha esquerda e direita, assim como meu queixo e então meus lábios outra vez quando seguro o seu queixo e os trago até mim. Ele me beija com leveza, seus lábios movendo-se devagar ainda que precisos e a ponta de sua língua tocando a minha, enquanto angulo meu rosto até ele, esgueirando a mão em seu cabelo e sentindo os fios macios entre meus dedos. Acaricio sua nuca quando nos afasto e busco os seus olhos, estes que já se dedicam a observar meu rosto com nada menos que reverencia, afastando o cabelo de meu rosto e o curvando atrás de minha orelha. Isso me lembra de também colocar os brincos de pérola que me presenteou. — Mas, talvez consiga se redimir se me deixar tirar uma foto sua, eu não sei bem. — Sua risada é soprada quando balanço a cabeça, a ideia de deixá-lo me fotografar me deixando tonta.
— Desculpa. — Repito-me, segurando em seu pulso e no relógio que meu pai lhe deu.
— Sem desculpas, . — Assinto outra vez quando me lembra e afago seu pulso, tentando me fazer aceitar que talvez não tenha sido um presente tão ruim e que Peter pode mesmo trocá-lo se quiser. — Eu adorei o presente. Principalmente por ter sido seu. Pode me dar uma pedra na próxima vez e ter certeza de que eu também vou gostar. — A garantia é revoltante e contraditória o suficiente para que eu me afaste e erga o rosto para ele, que rapidamente percebe o que disse e franze no nariz e fecha os olhos em desconserto, seu rosto mais infantil e ainda mais engraçado quando o faz. — Não que eu esteja comparando duas câmeras que podem muito bem custar o preço de três meses de aluguel com pedras, mas você me entendeu. — Concordo com a cabeça e aperto seu pulso, ciente que Peter costuma não saber se expressar muito bem. — Obrigado.
Dou um beijo casto nele antes de me afastar.
— E-eu também comprei, hum, comprei os filmes para câmera — Indico ao colocar o cabelo atrás da orelha, inclinando para olhar a caixa quando Peter volta para a posição anterior e se senta. — Não sabia que cor ia querer, então comprei com bordas pretas e bordas brancas. E dois cartões de memória também, para a outra câmera.
“Você pode trocar as câmeras” — Parker reprova outra vez, voltando a maravilhar-se com elas e ligar uma, analisando as configurações no painel e na própria caixa da câmera. — Como pode me oferecer trocar esses presentes, hein? Se deu o trabalho de escolher pra mim e colocar nessa caixa que a May vai gostar mais que as próprias câmeras — A perspectiva me faz sorrir de volta para ele e Peter ri comigo, balançando a cabeça. — É incrível, . — Ele suspira e meu peito infla com orgulho por lhe fazer feliz com seus presentes. — Não vejo a hora de voltar pro jornal com essa belezinha, sério — Comenta ao segurar uma delas, seus olhos brilhando e o sorriso sem nunca falhar com os brinquedos novos enquanto encaixa a alça de couro nos feixes. Não deve ter notado que a alça é da mesma cor que seu relógio, mas eu não poderia me importar menos com esse detalhe quando ele a passa por seu pescoço com um sorriso enorme e que me faz sorrir de volta. — Black, a aluna mais incrível de Midtown Tech”, vai ser a primeira manchete. — Peter provoca e eu reviro os olhos, mesmo sem conseguir explicar o quão feliz me sinto em o agradar.
— Ainda posso levar essas câmeras de volta, Parker… — Murmuro ao virar-me e alcançar a caixa onde meus presentes vieram, abrindo-a e retirando os brincos com cuidado. Eles são perfeitos, elegantes e ainda assim sóbrios para que eu possa usá-los sempre. Noto agora que há pequenos brilhantes nos brincos, um no topo de cada pérola, os tornando mais sofisticados também me preocupando. Tento não imaginar o valor deles, vez que é desrespeitoso e Peter não se sentiria bem se eu o fizesse. Coloco os brincos cuidadosa para alinhá-los com os lóbulos de minhas orelhas a fim que fiquem perfeitos. Só assim percebo que Peter está atento para todo movimento meu. — Ficaram bonitos? — Indago tímida ao fingir arrumar a tarrachinha de um deles enquanto tento não o olhar por vergonha.
Antes de uma resposta, um flash ilumina o quarto e é impossível não gargalhar com o desespero de Peter em abaixar a câmera e fingir estar limpando seu display quando o olho, rosto tão rubro que todo o episódio se torna mais cômico. Ele molha os lábios e morde-os para suprimir o riso quando a câmera emite um som arranhado ao imprimir a foto, entregando-o no caso de eu não notar o flash previamente e eu cubro meus lábios com os dedos, observando a foto sair e Peter a ignorar. No entanto, quando avanço para a roubar, ele me intercepta e fica de pé, afastando-se correndo e segurando a foto alto o suficiente para que nem de pé eu a alcance, rindo enquanto a imagem se forma e eu lanço uma almofada em sua direção. Minha voz não soa irritada, mas sim risonha quando eu jogo uma segunda almofada nele e chamo seu nome.
— Nada mais justo que a primeira foto na minha câmera nova seja sua — Parker ri divertido, ainda se negando a me entregar a pequena fotografia e decido descansar sobre os travesseiros enquanto lhe aguardo, mordendo meu lábio para segurar um sorriso. Calor se espalha por meu rosto e para em minhas bochechas. Peter segura a foto contra a luz no teto e um sorriso se forma lentamente em seu rosto perfeito. — Você está linda, a foto ficou perfeita — O elogio me dá vontade de desviar os olhos, mas ele já está se aproximando novamente e se sentando na cama, uma vez que a foto já está pronta. — E eu não tenho nenhuma foto sua, também. — Apoio-me nos cotovelos enquanto observa a fotografia e minha timidez retorna em forma de rubor e calor. — Olha só como está linda!
Eu não estou sorrindo na foto como a maioria das fotografias que já vi serem tiradas de outras pessoas. Meu rosto não está maquiado, mas o efeito próprio da polaroid máscara as imperfeições de minha pele, assim como dá um efeito verdadeiramente retrô na fotografia. Estou somente colocando os brincos que Peter me deu, olhando para longe e sem muito esforço para me fazer apresentável por nem mesmo saber que tirava uma foto e, ainda assim, é uma boa foto. O flash reluz no brilhante do brinco e na corrente de meu colar, assim como o efeito da câmera dá um tom mais vivo e um pouco mais claro para meu cabelo, tornando, em contrapartida, o tecido de meu vestido um pouco mais escuro. Peter diz algo enquanto permaneço analisando a fotografia. É a primeira foto que vejo uma que não foi tirada de meu rosto por inteiro e formal, como as de meus documentos falsos, sem minha mandíbula apertada e o olhar sério e penetrante que Tony reclamou algumas vezes. É a primeira vez que me vejo tão tranquila.
? — A voz de Peter me alcança em meus pensamentos e eu viro o rosto para ele devagar ao tentar desviar-me da foto, ciente que nas fotografias que eram tiradas de mim na Hydra a fim de controlar meu crescimento e atualizar os arquivos, eu nunca estaria tão bem assim. Estou bem mais forte que antes; sem uma curva faminta abaixo do osso de minha maçã do rosto e o meu nariz não é mais tão ossudo. Estou saudável e em paz. Somente olho para Peter quando ele toca minha mão e sorri gentil para mim. — Eu estava perguntando se podia guardar essa foto — Pete repete a minha falta de atenção, meus olhos se arregalando ao entender o que ele quer e fazendo-o rir. É seu clássico sorrisinho envergonhado que me faz sorrir junto e esquenta meu peito como se houvesse tomado uma golada de chocolate quente. Espere, ele realmente está pensando nisso? Em guardar uma foto minha? — Vamos, você ficou linda e se serve de consolação, eu só posso ver metade do seu rosto, está vendo? — Ele indica na fotografia e eu assinto. Estou tão vulnerável e feliz na foto que não imagino pessoa melhor para guardá-la além de Peter.
— Pode guardá-la, Peter. — Permito com uma última olhada, me despedindo da fotografia.
— Nunca viu uma foto sua assim? — A costa de seus dedos toca meu rosto quando apoio o queixo em seu ombro, e ele olha-me. Eu balanço a cabeça, sentindo o cheiro de seu perfume. — Bom… — Peter engole em seco, respirando fundo e erguendo a foto para que nós dois possamos a admirar pois mais egocêntrico e vergonhoso que seja. — Você não quer ficar com ela, então? Hum? — Nego de imediato, pois a foto é sua. Sou apenas o objeto nela. — Não? — Repito o gesto e inclino o rosto para sentir seus dedos afagarem minha bochecha outra vez. — Então eu posso tirar outras fotos suas depois? Assim você guarda algumas e vê como fica bonita nelas? — A ideia me parece boa e egocêntrica ao mesmo tempo, mas acompanhada de um elogio vindo de Peter, ela se torna difícil de negar. Concordo com a cabeça, segurando seu cotovelo por um instante até que ele substitua por seus dedos e os entrelace com os meus. — Vai brigar comigo se eu encher meu armário com fotos suas? — Meu “sim” é murmurado contra seu ombro e Peter ri. Nós ficamos em silêncio por um momento enquanto me acostumo com haver outra versão de mim; feliz, saudável e querida. — Acho que a parte mais difícil de antes de a gente estar junto como está agora, sempre foi não te dizer as coisas…
— Hum? — Murmuro confusa. — Dizer o que? — Parker balança a cabeça e afaga meus dedos.
— Que você é bonita — Sua resposta me faz rir soprado, embaraçada com a confissão. — Que você fica fofa quando tenta não rir e aperta a boca, que esse vestido que está usando agora é um dos meus favoritos… — “Eu usei esse vestido em Washington” Sussurro de volta ao me recordar em meio a timidez que sinto pelo que diz com tanta tranquilidade. Me lembro de ter o usado certa vez em seu apartamento semanas atrás, também. — Eu sei! — Parker garante, assentindo diversas vezes. — Você usou ele no ônibus e estava usando ele quando me deu sermão sobre tirar o rastreador do meu uniforme.
— Que bom que a memória ainda está fresca. — Fecho os olhos ao lembrar-me de sua burrada.
— Foi a primeira vez que me abraçou. Claro que ela está fresca. — Quase posso ver a sua careta e é complicado segurar o meu sorriso ridículo com a distorção nada proposital do evento.
— Estou falando do sermão, Pete. — Informo com uma risada impossível de conter, apertando sua mão e sentindo quando ele abaixa a cabeça.
— Ah… — Peter soa derrotado e eu dou risada novamente, afagando seu ombro enquanto Peter pende a cabeça para trás, a ponta do nariz pincelando minha bochecha. — A gente pode ter duas memórias diferentes do mesmo evento, né? Percepção e tal. — Concordo com sua desculpa.
— Sim, mas se alguma coisa acontecesse com você, nada disso ia importar. — Acuso ao me pôr de pé, o deixando sentado na cama com uma careta. Ele não ousa retrucar, afinal, sabe que estou certa. — Foi irresponsável e mereceu o sermão.
Peter me imita e se coloca de pé, fechando a caixa com seu presente e virando-se para mim.
— Do mesmo jeito que esconder uma perfuração na veia femoral, não é? Acho que os dois entram em equilíbrio se a gente parar e pesar. — Cruzo meus braços diante do peito, entendendo que se nós decidirmos entrar de cabeça no assunto, acabaremos discutindo outra vez como aconteceu no meu laboratório após o acidente de May. Enquanto analiso a perspectiva, Peter se adianta a mim. — Fora que a sua irresponsabilidade foi mais perigosa que a minha… — Fecho os olhos ao sentir suas mãos pousarem em minha cintura, abaixo de minhas costelas. As mãos de Peter são do tamanho ideal para me amparar e eu apoio as palmas em seu peito ao tentar formar um bom argumento.
— Somos dois adolescentes irresponsáveis sem consideração alguma com nossa segurança. — Eu afirmo e lhe olho com meu melhor sorriso inocente, apesar de admitir que ele estava certo. Peter franze as sobrancelhas e move os dedos em minha cintura para a acariciar, fingindo considerar minha desculpa. — O que é próprio para nossa idade, e somos imaturos. Com tempo, nós iremos perceber que nossa vida é nosso bem maior e vamos arrepender-nos das irresponsabilidades da nossa juventude. — Completo a desculpa que deixaria Pepper frustrada, mas parece funcionar com Peter, ele que assente parecendo estar convencido e surpreso com o que digo. — Viu? Sou uma ótima atriz, não sou? — Peter ri incrédulo quando beijo sua bochecha.
Nós descemos para jantarmos não muito depois, logo que Pete guarda seus presentes no quarto e apanha o celular que estava carregando com certa dificuldade com carregador. Faço uma nota mental de também lhe dar um dos carregadores por indução que estão em meu laboratório, no entanto, estou ciente que Peter demonstrará resistência, mas nada que certa insistência não resolva. Ao chegarmos no andar da cozinha — pelas escadas pois evito ao máximo usar o elevador e Parker não parece se importar — o cheiro de fast-food é inconfundível e me faz salivar. Tem uma cesta com batatas fritas no meio da ilha, pratos vazios, sachês de condimentos e uns hambúrgueres ainda na sacola do McDonalds. Minha mãe está enfiando um pote de sorvete na geladeira e Tony está entrando no cômodo com seus óculos como de costume, a visão cansada após tantas horas encarando telas de computadores e hologramas.
— Aviso para o Jardim de Infância — Stark levanta a voz ao se aproximar, dando um aperto gentil em meu braço e um tapinha de Peter quando nos contorna e pega uma maionese do armário. — A nossa conversa de hoje a noite sobre o Sistema de Defesa Iron Shield vai ser adiada. — Quase posso sentir toda felicidade se esvair do corpo de Peter e seguro um sorrisinho, roubando umas batatas que ainda estão quentinhas e as mastigando devagar para fugir do radar de Pepper. — Tenho uma reunião de emergência com, peguem a ironia — Ele indica com a embalagem de maionese. — Secretário de Defesa.
— Thaddeus Ross? — Questiono quando Pepper pega duas batatas e me oferece sem ter visto meu esquema, avisando que é para ajudar a esperar os outros. Tony me encarou incrédulo junto a Peter quando agradeci e as comi na velocidade da luz. — O que ele quer?
— Essa família é uma piada mesmo… — Tony murmurou ao roubar uma batata também e Peter o imita com uma leve hesitação. — E o Ross, Jovem Padawan, quer discutir as ações da Fênix no acidente da Ponte do Brooklyn. — Imediatamente, as batatas deliciosas tornam-se amargas. Ross, o tolo por trás dos Acordos de Sokovia, não pode ter boas intenções ao se interessar por meus feitos ou por qualquer outro indivíduo avançado que não seja diretamente submetido aos seus acordos. — Pepper, pega mais sal pra batata? A pressão da menina baixou aqui…
— E o que quer com a ? É Peter que questiona, sem humor e nada além de preocupação em sua voz, seu rosto fechado e a expressão dura como pedra, semelhante com aquela que está estampada no rosto de Pepper e justifica o seu silêncio há todo este tempo. — O que está querendo saber ao falar do acidente com o senhor? — Minha mãe une-se a nós próxima a ilha de mármore, cruzando os braços assim como Peter fez sem eu perceber. Os dois se mantêm em instâncias protetivas, um de cada lado da ilha enquanto Tony suspira, esfregando o olho.
— A primeira coisa que precisa ser lembrada antes de alguém pular no meu pescoço ou a desmaiar, é que além de nós quatro, May, Happy e Maria Hill, ninguém mais tem ideia de quem é a Fênix. E eu não vou permitir que isso mude enquanto não for uma decisão da e que a mantenha segura acima de qualquer coisa. — A resposta de Tony me acalma e garante que estarei segura e fora das garras do Secretário Ross enquanto estiver aqui. — Como a própria disse quase um ano atrás quando o Ross inventou os Acordos, a primeira causalidade da guerra é a inocência — A memória daquela tarde quando Ross visitou o Complexo com os esboços dos Acordos de Sokovia e todo desequilíbrio entre os Vingadores se instaurou é pesada, mas Tony está certo. — Não dá para saber o que ele quer se nós o ignorarmos. Se o Ross quer conversar sobre a Fênix, nós vamos conversar.
— Então não há necessidade de adiar o debate sobre o Iron Shield. — Suspiro ao esfregar as mãos no vestido, assentando as dobras dele por ter sido armazenado de maneira incorreta. Sinto os olhos dos três em mim e dou de ombros ao apoiar-me nas costas do banquinho antes de sentar-se. — O inimigo nos ataca e nós detectamos o ponto de impacto. Se o ataque se direcionar a um ponto fortificado, o ignoramos. No contrário, interceptamos o ataque. — Molho meus lábios ao considerar se Ross se lembra de como suas ações prévias foram aceitas, ou se reconhece com quem está lidando desta vez. Não sou Steve e não vou deixar que ele me atinja desta forma. — É necessário ouvir o Secretário se quisermos saber o que ele quer fazer e como contornar isso.
— O Capitão e a Romanoff foram vistos no México esses dias — A informação é nova e me viro até Pepper, assustada e infinitamente surpresa. Natasha está perto de nós. — O Secretário Ross não é idiota e está procurando um ponto fraco para desviar a atenção da mídia. Se duvidar, deve até estar agradecido com o acidente na ponte e o desastre no porto. — Pepper lamenta apesar de não subestimar a possibilidade, o aspecto macabro da situação não nos escapa. — Foi uma tremenda distração, preciso admitir.
Toco o braço dela quando uma possibilidade surge, ainda que possa me entregar.
— Acha que pode ter sido algo armado? — Indago-lhe e então olho para Tony, que está encostado na pia e encarando o chão com uma expressão pensativa e conspiratória. — O acidente na ponte e o desastre no porto? Sempre achei surpreendente que ambos aconteceram quase ao mesmo tempo. — Pepper suspira ao se sentar do meu lado e também olhar para Tony, o silêncio dele não sendo esperado e não passando despercebido. — Ainda não foi divulgado um parecer da perícia deles porque estão preocupados com a radiação no porto, mas não é loucura achar estranho que tenham acontecido quase juntos.
Peter contorna a ilha e senta-se diante de mim, mandíbula apertada ao ponderar a possibilidade apesar de haver uma óbvia coisa o incomodando nisso tudo. Me sinto mal por mencionar tais coisas em sua presença mediante ao que aconteceu, porém há algo na sua expressão impossível de compreender agora. Não há surpresa ao nos ouvir, apenas contentamento.
— Não tinha outra rota que contornasse o porto além da Ponte do Brooklyn — Minha mãe aponta com um balançar da cabeça. — Foi na hora do rush e a maioria dos sobreviventes que estavam bem no início do acidente menciona explosões. — É minha vez de concordar e Pepper corre os dedos pelo cabelo, assustada com as conclusões que chegamos mesmo sem provas concretas do que realmente aconteceu. — E agora o Ross pode estar querendo usar você para distrair o país da aparição pública do Rogers e da Romanoff. — A possibilidade é horrenda quando considero o terror que deve estar instalado na cidade. As catástrofes somadas tiraram a vida de mais de 200 pessoas e deixaram mais de seis mil feridos, além dos hospitais à beira do colapso. E May. May que poderia ter morrido pelo capricho de um político se eu não estivesse lá para ajudá-la, assim como tantas e tantas pessoas que consegui salvar apesar daquelas que não pude intervir. Estou quase distante o suficiente em meus pensamentos quando Pepper bate as mãos na ilha e me faz saltar com o som. — Seu cretino! — Ela ruge para Tony e Peter encolhe-se em seu banquinho. Só preciso de um instante para perceber que Tony reage da mesma forma que ele, ambos com cara de culpados. — Vocês já sabiam?
— Peter! — Foi minha vez de reclamar e ele fecha os olhos, pendendo a cabeça como se tal ação o fizesse desaparecer. Arregalo os olhos para ele e meu pai, incrédula que possam ter escondido a sua conclusão de nós nos últimos dois dias. — Tem algum motivo plausível para não contarem antes?
— Plausível? Não… — Stark balança a cabeça ao se sentar diante de sua noiva enfezada que está provavelmente considerando jogar um hambúrguer nele. — Mas vocês ficam tão engraçadinhas saindo com conspirações que é difícil interromper. — Ele dá de ombros e pega algumas batatas, sem demonstrar muito interesse em elaborar sua desculpa ou se há algo a mais para elaborar. Reviro os olhos quando Pepper lança uma batata-frita nele e a imito também, lançando uma em Peter, que a pega com a boca. — Se for ajudar, ninguém queria preocupar vocês. Principalmente você, — Ergo a sobrancelha para meu pai, sem entender por qual motivo me poupou de tal conclusão desse porte quando sabia muito bem que eu poderia ajudá-lo e até mesmo a tirar por mim mesma. — Você tinha um encontro muito importante ontem… — Meu pai suspira fingindo estar encantado com a ideia, a mão no peito e piscando os cílios para Pepper e eu.
Muito importante. — Peter resmunga com uma cara de poucos amigos, pegando a sua lata de refrigerante e tomando uma golada dela sem nem mesmo me olhar. O observo incrédula com a provocação revoltante que vem não somente dele, mas de Tony, sem palavras para Peter e tendo que suprimir um sorriso surpreso com o ciúmes que não demonstrou só uma mas duas vezes se contar com nossa conversa ontem na cozinha quando disse querer saber de meu dia mas com a exceção dos pontos onde Harry Osborn estava presente.
— Você também teve um encontro muito importante na noite do Homecoming, Parker — Relembro e tem um sorriso formado no rosto de Pepper quando a olho pelo reflexo dos óculos de Tony, que deu uma risadinha traiçoeira quando Peter balança a cabeça em concordância e fecha os olhos de novo, percebendo a falha em sua brincadeira. — Ainda assim saí de casa, no meio da noite só para cuidar de você, não é? — O ameaço com outra batata-frita. — O que custava me falar?
— Você estava se recuperando de um ferimento sério, do susto que teve na ponte e do susto que nos deu logo depois, . — Quando Peter me responde, entendo que há mais por trás de seus olhos e ele se refere implicitamente ao atentado que ambos sabemos ter acontecido. Ainda estou lhe olhando quando Pepper afaga minha costa onde ainda há um hematoma dolorido da queda. Pete me lança um olhar sincero que comprova a preocupação que ele e meu pai sentiam, mesmo que por motivações não tão iguais. Tony, por trás da máscara sarcástica, também se preocupou com meu estado assim como Peter. — Não tinha motivo de a preocupar também, Srta. Potts. As duas estavam mexidas pelo acidente da e não tinha necessidade de outra preocupação — Ele também se explica a Pepper, que parece mais convencida das motivações ao ouvi-lo pois, mesmo que ele e Tony possam ter chegado a tal acordo de confidencialidade juntos, Peter está sendo mais sincero que Tony que apenas iria contornar toda a história e agora finge se distrair com seu refrigerante. — Quando saísse o parecer da perícia e a maré estivesse baixado, íamos contar.
Um instante de silêncio se passa e Pepper suspira ao meu lado, olhando o noivo.
— O que custa você ser mais como o Peter? — A reclamação me faz rir, tanto pela graça dela como pelas expressões descrentes dos dois, principalmente a de meu pai. Aproveito toda a cena e pego um hambúrguer na sacola de papel enorme, ciente que a reclamação de Pepper também foi um elogio a Peter e isso basta para me fazer feliz. Não vejo a hora de lhe contar sobre nós. — Viu que ele explicou tudo direitinho? — Ela indica Peter com a embalagem de ketchup e Tony revira os olhos ao perceber que Peter está quase da mesma cor do condimento e toda a cena me faz sorrir mais ainda. — Sinceramente… — Pepper murmura ao pegar um sanduíche da sacola. — No fim do dia, é mesmo melhor esperar pela perícia para poder contestar ela. E a mesma coisa com o Ross e essa história toda de Fênix. Precisamos esperar para ver.
Quando todos concordamos, decido tentar afastar o Secretário Ross de meus pensamentos. Não tenho dúvidas que Tony irá me proteger das intenções dele como fez na última vez. No entanto, o atentado ainda me afeta, principalmente quando reconheço que, se estivermos corretos, Ross teve participação nele, mesmo que não saiba quem sou. Somente consigo me distrair quando o som de conversa me alcança, seja Pepper querendo trocar sua Coca-Cola com a Sprite de Tony ou Peter perguntando a eles onde tem um guardanapo, sem nenhum dos três sequer imaginar como suas presenças são importantes para mim, seja em um quarto de hospital ou comendo fastfood. Abro meu hambúrguer, um Big Mac no lugar do cheeseburger de sempre pois estou faminta e decido culpar meu metabolismo por estar trabalhando em dobro devido ao meu ferimento na perna.
Meu rosto se contorce em uma careta logo na primeira mordida que me forço a mastigar.
— Isso tem picles — Murmuro com a boca cheia, a cobrindo com um guardanapo. — Eu não sabia.
— Dá aqui — Peter também cobre a boca ao terminar de mastigar seu primeiro pedaço, esticando a mão para que eu lhe entregue meu sanduíche. Limpo a maionese de meus dedos enquanto ele usa uma batata-frita para remover as rodelas de picles do hambúrguer, tendo erguido a camada inicial de pão para encontrá-los. Ele analisa bem a maionese no pão e estala a língua ao tirar umas outras rodelas fininhas. — Sabe que na quarta-feira os tacos vão ter picles, não sabe? — A informação me deixa tão desconfortável quanto a presença atual do vegetal em conserva.
— Ainda estou tentando superar o pedaço enorme de pimentão que comi da última vez. — Lembro com uma outra careta, afinal, também não consigo comer pimentões, nem mesmo os recheados que Pepper fazia para o café da manhã antigamente. , acho que cuspir no guardanapo não é o mesmo de comer.” Peter comentou risonho ao colocar os picles no seu sanduíche. Oh, certo. Ele gosta dessas coisas azedas. — O gosto ficou na minha boca o dia todo, mesmo escovando os dentes. — Lhe relembro, ainda que tenha reclamado do tal pimentão para eles o suficiente para MJ levar uns coloridos em tirinhas no dia seguinte só para me provocar.
Peter monta o hambúrguer de novo e o embala também antes de me entregar.
Ok… — Tony divagou e Pete limpou as mãos com um sorriso ao se preparar para a provocação que certamente viria de meu pai. Até mesmo Pepper descansa o sanduíche no prato ao aguardar o noivo prosseguir. — Vamos falar sobre o elefante na cozinha: , quando eu te conheci você comeria até o jarro onde o picles vem.
— Não fui eu que pedi pra ser alimentada por vocês com comida gostosa — Dou de ombros, dando uma boa olhada no hambúrguer antes de tirar outro pedaço. Desta vez não há a crocância ou o azedo dos picles e o hambúrguer é quase tão bom como o clássico cheeseburguer que Tony me fez gostar assim que cheguei em sua vida. — Não consigo comer picles, é horrível. “Mentira” Peter intervém ao levar uma rodela do vegetal para a boca, dando uma boa garantia que não o beijarei até que ele escove os dentes e use uma pastilha de menta. — É azedo e crocante, Peter!
— Você banhou um taco em suco de limão no outro dia — Ele retruca com os semblantes confusos por minha ação perfeitamente normal quando comparado a comer algo que ficou meses afogado em vinagre. — Pediu três rodelas — Peter indica com os dedos. — E só não pediu por uma quarta porque a MJ disse que você ia ficar com azia.
— É diferente — Explico-me ao tomar mais um pouco do refrigerante. “Concordo com a .” O apoio de Pepper é o suficiente para solidificar meu argumento. Isso até certo ponto. — Mas você come azeitona, Pep.
Tony está rindo enquanto molha as batatas dele em ketchup.
— O Tony come aquelas cebolas em conserva — Pepper o entrega. — É bem pior que azeitonas.
— Você comeu azeitona com garfo ontem! — Stark balança a cabeça desesperançoso.
— Ah, por que cebola em conserva tudo bem! — Pepper ironiza. — Agora quer condenar azeitonas?
— Tony está certo… — Peter murmura ao abrir um sachê de mostarda e aumentar seu consumo futuro para cinco pastilhas de menta. Ele revira os olhos com bom-humor quando reclamo sobre também comer mostarda além dos picles terríveis.
Não demora muito para que minha mãe me envolva em uma conversa sobre os planos para a cerimônia de casamento, comentando sobre as decisões que já foram tomadas com o mestre de cerimônias que Stark decidiu contratar para livrar-lhes de todo o trabalho por ambos estarem ocupados demais para tal. Os planos são para que a festa ocorra daqui sete meses, no início de julho e apressada demais para a cerimônia de um casal com o mesmo perfil deles, segundo o tal cerimonialista. Pepper também me informa sobre a lua-de-mel que será durante — e só durante — o seu período de férias na Stark Industries. Então menciona sobre o número de convidados exagerados de Tony e como ela tem apenas quarenta pessoas na lista enquanto ele tem mais de mil e duzentas. Isso arranca algumas risadas dos meninos, principalmente quando Peter se surpreende pelo número exorbitante. Depois da surpresa, Virginia faz seu dever informar Parker sobre as festas faraônicas e loucas que Tony costumava dar pelos motivos mais estúpidos do mundo.
A compra de um jatinho, vitória na NBA e até missões bem-sucedidas dos Vingadores.
— Bom, agora que estamos falando do casamento... — Tony inicia, ao pegar potes para tomarmos o sorvete. Sento-me onde ele estava antes e abro a gaveta entre meu banco e o de Peter, onde alguns containers pequenos contém confeitos e gotas de chocolate para os sorvetes, assim como caldas de chocolate e caramelo. — , eu entrei em contato com uns amigos para virem tirar suas medidas para o vestido quando vierem ver o da Pepper amanhã.
— Amigos? — Questiono petrificada, afinal conheço seus “amigos” e quem exatamente é que vem tirar suas medidas sempre que precisa de roupas novas. Stark nem mesmo vai às lojas depois que descobriu a comodidade que é ter os designers da grife que desejar vindo aqui e trazendo consigo toda o estoque. Potts entrega os sorvetes para nós e pisca para mim, ciente que já tive gastos suficientes com roupas, mesmo que não se importe com o valor. — Conheço os seus “amigos”, Tony…
Peter ainda está confuso e nos olha sem entender ao colocar confeitos coloridos no sorvete.
— Tarde demais, eles já estão vindo amanhã, já que vocês não têm aula. — Tony retruca e eu olho para Potts em um pedido de piedade, mas ela só dá de ombros, sabendo que é inútil discutir com um bilionário em razão de algo assim. Mas, de qualquer forma, não deixo de me sentir um incômodo. Stark faz uma careta com minha expressão ao sentar-se ao lado de Pepper. — Eu juro que dessa vez não exagerei. — Devo estar hilária, pois os três já estão rindo e eu empurro Peter com o cotovelo ao cavar espaço em meu sorvete para a calda de caramelo.
— É um desperdício de dinheiro e eu tenho vestidos ótimos comprados na quinta-feira. — Lembro.
— O Tony insistiu que eu case de Valentino, então o ideal é que você também use Valentino. — É necessário um instante para que Pepper suspire. — É um vestido que só vai ser usado uma vez, mas o seu pai acredita que é um investimento. Pode colocar em um museu depois, se quiser. — Pepper resmunga e eu lhe dou um sorriso fraco. Mesmo extremamente elegante e sofisticada, Potts ainda não parece acostumada, ou que vai se acostumar, com os excessos do noivo e a nova vida que lhe é imposta. — Eu não vou mais argumentar com você, entendeu Anthony? — Ela aponta acusatoriamente para o herói que nem pisca, apertando o pote de cobertura de caramelo até os últimos pingos do doce. Sei que ele e Peter também se seguram para não rir. — É muito dinheiro e nós poderíamos muito bem cortar este casamento pela metade. Ninguém quer uma cerimônia grande assim, Stark.
Tony dá de ombros, esperando que ela termine com os confeitos de chocolate para pegá-los.
— Eu quero e, como noivo, tenho meus direitos também, querida Srta. Potts. — Ele se gaba com um beijo na bochecha de Pepper e ela revira os olhos em desistência, e também balanço meu guardanapo branco em desistência. Tony se direciona a Peter agora. — Parker, você tem algum terno para usar no casamento? — Peter se engasga contra um guardanapo e eu afago sua costa, segurando meu riso. Tony dá um riso fraco ao pegar uma colherada de sorvete. — Deixa pra lá. Você, Happy e Rhodes vão comigo escolher o meu amanhã e compramos um para você.
Ele parece estar sendo pego com tanta surpresa que é quase cômico, afinal quem diria que um dia Peter seria tão “descontraidamente” convidado para o casamento de seu herói favorito? Um pequeno sorriso me escapa no meio da bagunça. O rosto de Parker está em um tom rosado e eu, sem nem pensar, levo a minha mão para seu pulso que meus pais não podem ver, o apertando de leve. Natasha fazia o mesmo comigo quando eu ficava em pânico após Tony me oferecer um presente novo e tudo o que eu podia pensar é que aquilo era loucura. O toque no pulso é substituído por seus dedos de imediato e eu o olho, apertando sua mão. E tento não notar quando Pepper sorri para mim.
— Obrigado, Sr. Stark. O terno que eu tenho... Bem, não cabe mais. Eu deveria ter uns quatro anos quando usei. — Deslizo meu dedão pela costa da mão de Peter mesmo sem que ele me olhe, entendo o que quer dizer ao mencionar tal idade. O terno que tem pode ter sido usado por ele no enterro de seus pais ou seu tio Ben. Peter também passou um tempo reclamando de ter perdido a gravata que alugou para ir ao baile e como teria de pagar um absurdo de multa para o local onde tinha alugado o terno. Ele aperta meus dedos com mais força.
— Quanto a May, nós combinamos de sairmos para tomar um café assim que ela estiver melhor e eu posso levá-la para escolher um vestido. Podemos até mesmo ir à Moncler com a Rachel. — A ideia de Pepper enche o meu coração e Pete segura meus dedos com mais afinco.
— Se o convite se estender até a mim, a gente pode até ver os álbuns com fotos de bebê do Peter!
Passamos os últimos minutos livres de Tony descrevendo um Peter de quatro anos enquanto o atual de dezesseis buscava uma escapatória de nós sem nunca soltar minha mão.


Continua...

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Nota da autora: Sem nota.



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