Finalizada em: 22/12/2021

Capítulo Único

— Bom dia, anjo.
Não consegui conter meu sorriso. Aquele apelido que era bobo quando éramos crianças agora me fazia ter borboletas no estômago, mas a voz de ser a primeira coisa que eu ouvia de manhã era a melhor sensação do mundo.
— Olá . — Respondi ainda grogue de sono.
— Você acabou de acordar, não foi? — Perguntou, e joguei as cobertas longe, segurando o telefone firme contra minha orelha.
— Talvez.
, as aulas estão no fim, não podemos atrasar agora. Se não estiver pronto quando eu passar aí, vai ter que ir a pé.
— Nãoo. Por favor, você não faria isso com seu melhor amigo, né? — Olhei pela janela, vendo a chuva molhando toda a rua. Soltei um muxoxo. — Tá chovendo.
Pude ouvir rindo do outro lado, aquela risada que eu sabia que ele estava jogando a cabeça pra trás e rindo com o corpo inteiro. Porra, eu amava a risada dele. Acho que era a melhor coisa que eu já tinha ouvido na vida, independente de quantas vezes já a tivesse escutado.
— Ta bom, seu bebê, não vou te deixar pegar chuva. Mas se apressa, em 15 minutos eu chego aí. — Até daqui a pouco.
Desliguei o telefone com um suspiro. É, eu tinha caído no grande clichê de me apaixonar pelo meu melhor amigo. E, pra quem não fosse muito próximo dele, acharia além de tudo que eu tinha me apaixonado pelo meu melhor amigo hétero. Que merda, né? Eu também achava que tinha caído no pior clichê possível até poucos meses atrás, quando começou a me encher de perguntas. Eu respondi todas, não entendendo onde ele queria chegar com aquilo, até ele explicar que achava que era bi, numa voz baixa e bem preocupada.
A gente morava numa cidade pequena de interior e o pai dele era um daqueles caras super “machões”, ex militar, que não aceitava nada menos que a perfeição em masculinidade de . Acho que vocês podem imaginar a briga que deu quando ele descobriu que eu era gay e Charlie (nossa outra melhor amiga) era lésbica. Imagina se descobrisse que não era hétero? Ia sair morte. O nosso consolo era saber que apenas mais algumas semanas e poderíamos nos mudar daqui, ir fazer faculdade em uma cidade grande onde nenhum de nós ia precisar se esconder e nunca mais íamos precisar pôr os pés nesse lugar.
Me vesti correndo, pondo meu sobretudo favorito, sem tempo de parar para fazer mais que encher um copo de viagem com café antes de ouvir o característico som do motor do Impala se aproximando.
— Tchau, mãe! — Gritei por cima do ombro enquanto abria a porta, equilibrando mochila, copo e guarda chuva.
Quando entrei no carro, riu de leve.
— Você e esse casaco.
— Tive que me vestir correndo, né?
— Se anima, cara. Mais dois dias de aula só, aí mais três semanas e estaremos na Califórnia.
— E enfim liberdade!
Rimos juntos e ligou o carro.

***


Estávamos jantando na lanchonete após nosso último dia de aula, eu, , Charlie e mais alguns amigos. estava falando animadamente com Benny sobre o que faríamos quando chegássemos à Califórnia, mas honestamente, eu mal estava ouvindo. Eu já sabia o que ele estava dizendo, havíamos virado a noite anterior discutindo exatamente isso por telefone até os dois apagarem sem desligar. E mesmo que não soubesse, eu tinha muita dificuldade em me concentrar nas palavras de quando tinha a chance de observá-lo desse jeito. A luz refletia em seus cabelos claros, realçando as sardas que cobriam seu nariz e suas bochechas, seus olhos faiscando de felicidade. Ele era lindo.
? ? Terra chamando . — Charile estalou os dedos na frente do meu rosto, me trazendo de volta para o momento.
— Que foi?
— Você tava fazendo de novo, Bucky. — Provocou ela e revirei os olhos.
Charlie tinha descoberto que eu gostava de antes mesmo de eu notar, e ela me zoava infinitamente por isso desde então. Era realmente um milagre que não tivesse se tocado até agora.
— Me deixa, Charlie. — Suspirei, apoiando o rosto na mão.
— O que você pretende fazer quando forem pra Califórnia?
e eu íamos morar juntos na faculdade, meu irmão mais velho tinha alugado um pequeno apartamento para nós como presente por termos conseguido entrar.
— Eu não sei. O mesmo que tenho feito até agora, talvez. — Olhei para outra vez e nossos olhos se encontraram. Ele sorriu e não consegui não sorrir de volta. Baixei minha voz para que só Charlie me ouvisse — Ou talvez eu conte pra ele.
Eu mais ouvi que vi quando ela engasgou ao meu lado, quase cuspindo refrigerante na mesa toda. Todos pararam, olhando para nós enquanto eu dava leves batidas nas costas dela para tentar ajudar, o cenho franzido.
— Ta- Tá tudo bem, gente. — Charlie garantiu quando conseguiu parar de tossir. — Não foi dessa vez que vocês se livraram de mim.
— Tem certeza que tá bem?
— Ainda não vão ter que achar outra rainha, , fica tranquilo. — Após mais alguns segundos, todos voltaram às suas conversas de antes e ela se virou para mim com uma expressão incrédula. — Você vai contar mesmo?
Encolhi os ombros.
— Eu ainda tenho medo que contar estrague tudo, mas… ah, ele e a Lisa terminaram e continuam amigos, e a amizade deles tá longe de ser como a nossa. Acho que o pior que pode acontecer é as coisas ficarem estranhas por um tempo, mas é por isso que agora é a melhor hora pra isso. Vamos estar tão ocupados com a mudança e depois o início das aulas que vai passar rápido.
— Isso… faz muito sentido, na verdade. Sabe que eu apoio.
— Eu não decidi ainda.
— Bom, vocês se mudam em três semanas, é bom pensar logo.
— É, eu sei.

***


— Vai me contar o que tá rolando? — Perguntou jogando uma folha seca em mim.
— Do que você tá falando?
— Ah, para, . Pra cima de mim? — Ele revirou os olhos, mas eu realmente não sabia do que ele estava falando. Inclinei minha cabeça para mostrar minha confusão e ele suspirou. — Você tá agindo estranho desde a última semana de aula. A Charlie não engasgou de graça ontem, foi por causa de alguma coisa que você disse. E… — ele enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta, virando de frente para mim e andando de costas. — Eu conheço essa sua cara. Você tá gostando de alguém que eu sei. Então desembucha, quem é o cara?
— Não tem cara nenhum, . — Meu coração estava a mil. Não era assim que eu queria contar, e nem hoje.
— Vai mentir pra mim agora? Se não quer me contar, só fala. — Ele baixou o olhar, murmurando a próxima parte: — Mesmo que eu nunca tenha te dado motivo pra esconder as coisas de mim.
Respirei fundo, pondo as mãos nos bolsos do casaco e encolhendo os ombros. Eu tinha concluído que a melhor hora era agora, não tinha? Deixa de ser covarde, .
— Não quero mentir pra você. Eu to sim gostando de alguém, só que é… complicado.
— Porque a gente vai pra Califórnia?
— Também. — Chutei uma pedrinha, sentindo minhas bochechas esquentarem. — Mas não é só isso.
— Ele é hétero? Ou disse alguma bosta pra você? Sabe que eu quebro a cara de qualquer um que fizer isso.
— Não precisa quebrar a cara de ninguém, fica tranquilo. E não, ele não é hétero. — Ri de leve e pareceu mais tranquilo, mas também parecia haver uma nuvem negra por trás de seu olhar.
— Então qual é o problema, cara?
Respirei fundo, parando de andar. parou também. Estava tarde o bastante que não havia ninguém além de nós na rua, o que era algo bom para o que eu estava prestes a fazer.
— Eu to pensando em me declarar, mas to apavorado.
— Caralho, é sério assim?
— Eu… eu nunca me senti assim antes. Com ninguém. — Admiti pela primeira vez em voz alta. — Ele é tudo que eu sempre quis.
correu uma mão pelos cabelos, fazendo uma mecha cair em sua testa. Lindo. Ele era lindo, por dentro e por fora.
— Porra, . Por que você não me disse antes?
— Eu to com medo do que pode acontecer. — Mordi o lábio por um momento.
— Mas do que exatamente? Você disse que tem certeza que ele não é hétero. Também não é um dos caipiras escrotos que tem aqui, porque você não tem tanto mal gosto. Me ajuda a entender, quem sabe eu consigo te ajudar.
— Tenho medo de ser rejeitado, óbvio. Ele não ser hétero não necessariamente quer dizer que ele vai ter interesse em mim.
, qualquer cara com um pouco de noção ia se interessar por você. E se sentir honrado de você gostar dele. — encontrou meus olhos, parecendo encarar o fundo da minha alma. — De verdade. E se ele não acha isso, então ele é um idiota que não merece seu tempo.
Sorri e senti meu coração acelerar.
— Também tenho medo de estragar a nossa amizade, se ele não sentir a mesma coisa. — Ele franziu o cenho, provavelmente passando mentalmente por uma lista dos nossos amigos, tentando descobrir quem era. Respirei fundo. — E se sentir, ele tem um certo problema que talvez o faça me rejeitar mesmo assim. — arqueou ambas as sobrancelhas e eu sustentei seu olhar outra vez. Não sabia se seria o suficiente para ele entender, mas havia grandes chances. — Ele sempre acha que as pessoas vão embora da vida dele, independente da relação dele com elas. Acha que elas vão encontrar “coisa melhor” — fiz aspas no ar — e deixá-lo pra trás.
… — agora eu podia ver o entendimento iluminar seus olhos . Ele conhecia aquele discurso muito bem, mas mesmo assim não parecia conseguir acreditar. Meu coração estava a milhão, mas agora eu já tinha começado e não tinha como voltar atrás. Sorri, segurando as lágrimas.
— Mas eu não vou, porque eu nunca deixaria você pra trás. Não só porque você é meu melhor amigo e isso nunca vai mudar, mas porque não existe coisa melhor que . — Seu olhar era de total incredulidade. — Você é a minha pessoa favorita, , sempre foi. Desde que éramos pequenos. E acho que eu sempre te amei, desde aquela época, só demorei pra entender o que era. Você é lindo, por dentro e por fora. Eu não seria a pessoa que sou hoje se não tivesse você na minha vida. Por sua causa, eu aprendi a me importar e a enxergar o mundo de um jeito completamente diferente. Eu te amo. — Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, sem saber o que dizer. Eu torcia pra que meu nervosismo não estivesse tão aparente e, após alguns segundos sem resposta, continuei: — Não precisa dizer nada agora. Sei que é muita informação de uma vez. Na verdade, não precisa dizer nada, ponto. Eu só realmente queria que você soubesse antes da gente se mudar. Só precisava te dizer, mas nada precisa mudar se você não quiser. Só te ter do meu lado como meu melhor amigo já me faz muito feliz. Tchau, .

Me virei para ir pra casa, querendo deixar que ele processasse o que eu tinha dito até pelo menos de manhã. Ele não havia me rejeitado de cara, isso era bom. Parecia chocado demais pra dizer qualquer coisa, se eu fosse honesto, mas tinha dado certo. Eu tinha conseguido me declarar, e só ter dito aquilo tudo pra ele já me fazia mais feliz do que eu imaginava. Não precisava mais me esconder dele.
Eu tinha dado alguns passos já quando senti sua mão no meu ombro, me parando. parecia levemente ofegante ao se posicionar na minha frente.

, você não pode simplesmente me dizer tudo isso e sair andando. — Ele inspirou e sua mão tremia tanto que consegui perceber pelo seu toque no meu ombro. Inclinei a cabeça para o lado. — Eu sou um grande idiota-

— Me deixa terminar, cara. — Fechei a boca de volta. — Eu sou, e a Charlie nunca mais vai me deixar em paz, mas eu não posso nem reclamar, porque ela vai ter razão pra isso. E eu sou péssimo nessas coisas, diferente de você, senhor poeta. Mas eu… — seu rosto estava todo vermelho de vergonha — eu também- eu gosto de- já faz tempo que- — grunhiu frustrado, se embolando com as palavras.
Ele então pousou ambas as mãos na gola do meu sobretudo e me puxou para si, pressionando os lábios contra os meus por alguns segundos. Agora quem estava chocado e sem reação era eu. Quando se afastou, ele apoiou a testa na minha.
— Eu também te amo, anjo.
Eu poderia explodir de felicidade. Enlacei meus braços ao redor do seu pescoço, puxando-o para um beijo de verdade e sem conseguir conter o sorriso. Quando nos separamos para respirar, não consegui conter a pergunta:
— Há quanto tempo você…?
riu envergonhado, esfregando a nuca.
— O que é que você acha que me fez perceber que era bi? — Arregalei os olhos. Aquilo tinha sido meses atrás. — Isso porque demorei alguns meses pra ter coragem de admitir pra mim mesmo e te encher de perguntas. Na verdade, foi uma coisa que a Lisa disse quando a gente terminou que me fez começar a perceber que o que eu sentia por você não era só amizade, mas sentimentos me apavoram, como você sabe bem.
— Bom, eu te prometo que não precisa mais ter medo. Não comigo. Eu não vou a lugar nenhum. E se você cair, eu sempre vou estar lá pra te pegar. — Sorri, correndo uma das mãos pelos seus cabelos. sorriu de volta, me puxando para outro beijo. É, acho que as coisas na Califórnia iam ser bem diferentes da nossa vida até agora.




Fim.



Nota da autora: Gente, olha mais um surto hahahahah. Dando uma diversificada dessa vez, vamos com esse casal que eu sou 100% cadelinha há anos. Joguei num universo alternativo? Joguei, mas escrevi pensando nos dois e é isso que importa. Eu amo essa música e peguei completamente no surto quando me juntei à equipe desse ficstape como beta (Beck, esse surto é culpa sua 💙), entreguei aos 48 do segundo tempo porque a vida atrapalhou a fanficagem, mas eu amei escrever 💙 ficou bem curtinha, menor inclusive que os capítulos das minhas longs, mas espero que vocês gostem tanto quanto eu.
Quem sabe algum dia vem uma continuação? É sempre uma possibilidade porque eu tenho zero auto controle desde que entrei pra equipe desse site kkkkrying
Enfim, deixem comentários, podem vir falar comigo no Tumblr ou no insta, vou adorar 🥰
Beijinhos.



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