The Job
’s POV
— Ito, cadê seu relatório?! — Exigiu o homem aparecendo à minha frente. Contive o impulso de rolar os olhos antes de responder. Boa tarde pra você também.
— Estava agora indo te entregar, chefe. — Respondi, ainda desacostumada com a voz masculina atualmente saindo da minha garganta. — Mas pra resumir, a polícia e os heróis têm fechado o cerco cada vez mais. São poucos os lugares que ainda dá pra gente atuar com gente que não é dispensável. Três ou quatro só, esses aqui.
As palavras deixaram um gosto amargo na minha boca. Eu odiava falar sobre vidas como se fossem descartáveis e odiava ter que fingir não me importar. Meu consolo era saber que estaria ajudando mais que prejudicando a longo prazo.
Entreguei-lhe a pasta que eu carregava e o vi abrir para verificar os papéis sem nunca melhorar a carranca. Ele estalou a língua em descontentamento, claramente irritado com o andamento dos negócios nos últimos tempos.
— Tá. A lista de agências nessa área tá aqui?
— Na última página. — Por mais que eu odiasse certas partes do meu trabalho atual, eu era eficiente. Tinha que ser, ou me tirariam daqui e todo o esforço teria sido por nada.
Ele assentiu, resmungando algo que não entendi. Em seguida, falou de forma clara:
— Quero você de prontidão no armazém até de noite. O inútil do Yagami tem mais documento pra mim e eu quero aquela merda na minha mão o quanto antes, vai cobrar ele assim que o filho da puta aparecer.
— Sem problemas.
— Some da minha frente então, tá esperando o quê?
Não precisei que ele falasse duas vezes, virando e rapidamente saindo do prédio, respirando aliviada assim que senti o sol no meu rosto.
Eu precisava ser rápida e discreta agora. Percorri as ruas que já tinham se tornado familiares até encontrar o restaurante mexicano, verificando que não tinha sido seguida antes de entrar e me enfiar na cozinha pouco movimentada. Gomez, o dono do lugar, ergueu o olhar da chapa onde fazia tortilhas e sua postura relaxou ao ver que o intruso era eu.
— E aí, Lua?
— Boas notícias, mano. Mas preciso usar o telefone.
— Tuas coisas tão lá atrás. Preparo teu almoço já?
Sorri genuinamente. Ele era um cara legal. Eu precisava voltar aqui quando essa história acabasse e eu pudesse voltar a ser eu mesma.
— Você é um anjo. Me faz o de sempre que eu já venho.
— Pra já.
Me esgueirei até o banheiro dos funcionários e fechei a porta. Subindo na privada, me estiquei para alcançar a mochila escondida no tubo de ventilação, a encontrando exatamente onde eu havia deixado, e suspirei de alívio. Peguei o celular que mantinha nela e liguei para o primeiro contato, sendo atendida no terceiro toque.
— Alô?
— Sra. Beifong, é a Moonlight. Tenho novidades. — A sra. Beifong era a minha verdadeira chefe, embora pouquíssimas pessoas soubessem disso. Bom, pouquíssimas pessoas sabiam da minha existência no geral, e menos ainda sabiam quem eu realmente era.
— Já? — A voz dela soou surpresa. Nossa previsão era que eu fosse demorar muito mais para conseguir as informações que viera buscar. — Devo esperar um relatório?
— Talvez ainda não. Mas o Takahashi me mandou pro armazém hoje, disse que é pra eu ficar lá até de noite esperando uns documentos que ele quer. Grandes chances de eu conseguir tempo pra bisbilhotar pelo menos um pouco. No mínimo eu consigo te passar o processo pra entrar lá.
— Muito bom, muito bom. Isso deve adiantar pelo menos um pouco o cronograma. Quem sabe a gente consegue te tirar daí até junho.
— Tomara. Andar por aí nesse corpo não é muito confortável. — Escutei a gargalhada da senhora do outro lado da linha e ri baixinho. — Agora preciso ir. Só liguei mesmo pra avisar.
— Tá bom. Boa sorte.
— Obrigada.
Desliguei com um suspiro e guardei as coisas de volta. Aproveitei que já estava lá para lavar o rosto, franzindo o cenho para o rosto estranho que me encarava de volta no espelho. Bom, nem tão estranho, uma vez que eu já estava usando ele há uns três meses. Ao fim do ano pelo qual estava previsto que eu ficaria assim, já seria só mais uma imagem familiar.
— Tomara que a sra. Beifong esteja certa e essa missão acabe antes do previsto. To precisando de umas férias — murmurei pra mim mesma antes de assumir novamente a postura do homem que eu estava personificando e voltar para fora. Ainda tinha muito trabalho a fazer antes de poder ter férias.
The Warehouse
’s POV
Olhei ao redor para garantir que não havia mais ninguém no corredor. Eu precisava descobrir o que ficava naquela sala que Takahashi mantinha tão escondido. Nem câmeras tinha lá dentro, mas era importante, eu tinha certeza. Depois de quatro meses tendo acesso àquele armazém, eu não tinha nem ideia do que poderia ser.
Com a chave que Beifong tinha me dado, destranquei a porta de metal e a fechei rapidamente atrás de mim, mas em um milhão de anos, eu não imaginaria encontrar o que me encarava de volta. Pisquei algumas vezes, tentando assimilar a imagem. Dei um passo à frente e a criança se encolheu.
— Hey, tá tudo bem. Eu não vou te machucar. — Ergui as mãos, retrocedendo em direção à porta para tentar provar que não era uma ameaça. Sua expressão não parecia muito convencida, seus olhinhos verdes seguindo meus movimentos. — Como você se chama? Meu nome é .
Isso despertou curiosidade.
— Mas você é homem.
— Posso te mostrar um segredo? — sussurrei e recebi um balanço de cabeça mínimo em confirmação.
Fechei os olhos então, parando de lutar contra o repuxo constante da pele do meu rosto. Senti os ossos mudarem de tamanho e se reajustarem, o couro cabeludo coçando até o cabelo roçar no meu pescoço. Quando abri os olhos outra vez, minha pequena descoberta me olhava com surpresa.
— Esse é meu rosto de verdade. Isso aqui — apontei para meu corpo, que eu não havia retrocedido — é como se fosse uma fantasia que eu faço com a minha Individualidade. Mas não conta pra ninguém, tá?
— Você não veio me buscar, então? — Sua vozinha e jeito de falar me faziam chutar que tinha por volta de 5 anos, embora fosse uma criança pequena. Mas a quebra em “buscar”, somada às reações, me diziam que tinha passado por um inferno muito maior que sua pouca idade. Meu coração partiu antes mesmo de eu descobrir seu nome.
— Não, não vim te buscar. Na verdade, nem era pra eu ter conseguido te achar. — Seus ombros relaxaram um pouco. — Como você se chama?
Após alguns segundos de hesitação, obtive resposta:
— Hayato.
— E por que você tá aqui, Hayato?
— Eles não conseguiram pegar meu pai, então pegaram eu.
Abri a boca para responder, mas um relógio apitou na parede e Hayato arregalou os olhos com medo. Sem parar para pensar em qualquer consequência, me lancei para o canto da sala onde havia um armário, abrindo e tirando roupas que pareciam ser dele.
— Você guarda mais um segredo? — Pedi, minha voz mudando da minha para uma mais fina, mais baixa e muito mais infantil. Meu corpo inteiro repuxava e se adaptava à forma que eu agora tentava lhe dar, e eu precisava ser rápida.
— O que… o que você tá fazendo?
— O relógio quer dizer que alguém vem te buscar, certo? — Ele assentiu confuso. — Não posso te tirar daqui agora, mas posso ajudar. Tem alguma coisa que eu precise saber sobre quando te buscam? Alguma coisa que você faz que eles vão saber se não for você?
— Não, eu não falo e também não sei fazer o que eles querem. Mas eles vão te machucar! — Exclamou ao me ver transformada em uma cópia sua, vestindo as roupas que eu havia pego e colocando as minhas dentro do armário.
— Hayato, — peguei as mãos do menino, que agora eram do mesmo tamanho das minhas. Eu não incorporava uma criança havia muito tempo — é isso que eu faço, meu trabalho é proteger as pessoas. Você não precisa se preocupar comigo, tá bom? Eu vou ficar bem, prometo. E vou dar um jeito de te tirar daqui o mais rápido possível, pra que eles nunca mais te machuquem. Agora eu preciso que você se esconda, tá? Ninguém pode ver que tem dois de você.
— Tá bom.
Ele se esgueirou para dentro de uma outra parte do armário agora fechado bem a tempo de a porta abrir com um estrondo.
— Hora de ir, moleque. Será que hoje você vai parar de ser idiota e me dar o que eu quero? — perguntou uma mulher que eu não conhecia.
Obedecendo à informação que Hayato havia me dado, não respondi, apenas a encarando com medo. Eu tinha dito a verdade ao menino sobre esse ser o meu trabalho, mas isso não significava que eu não estava apavorada com o que podia acontecer comigo, ainda mais nesse corpo tão pequeno e frágil. Agora que eu o copiara, conseguia perceber que Hayato não estava recebendo comida o suficiente, e provavelmente tinha lesões que não haviam sido tratadas adequadamente, o que fazia meu sangue ferver de raiva e meu coração se apertar.
A mulher grunhiu, irritada com minha falta de resposta, e seus cabelos voaram na minha direção, se enrolando até me prender. Me debati, mas não tinha força o suficiente pra que isso adiantasse de muita coisa.
— Vamos logo que eu não tenho o dia todo. E para de tentar escapar, ou vai sobrar pra sua irmãzinha. — Congelei imediatamente. Irmãzinha? Havia mais uma criança ali? Uma ainda menor e mais frágil que Hayato? — Melhor assim.
Me deixei levar sem mais resistência, olhando para trás e finalmente notando de verdade certos objetos do “quarto”, como o colchão em cima do qual havia o que eu tinha assumido ser uma coberta enrolada, mas onde agora via movimento. Meu Deus, tinha um bebê ali?! Que tipo de monstruosidade estava acontecendo naquele galpão?
Observei atentamente o caminho que ela fazia ao me carregar, memorizando cada curva e tentando me dissociar do que sabia que estava prestes a acontecer.
Após o que eu imaginava ser aproximadamente três horas, fui jogada de volta no “quarto” das crianças, minhas bochechas manchadas pelas lágrimas e o pequeno corpo que eu usava no momento coberto de hematomas. A mulher queria que Hayato fizesse algo com sua Individualidade, que eu supunha ser relacionada à manipulação de vetores pelo que pude observar, e apertava seus cabelos em um abraço de cobra em volta dos bracinhos, pernas e tronco quando ele não fazia nada, parando apenas quando estava prestes a causar uma fratura. Não me pareceu que o tratamento que eu havia recebido fosse diferente do normal, a julgar pelas reações dela enquanto me torturava, então não me parecia que eu houvesse sido descoberta.
— Espero que aprenda sua lição e me obedeça de uma vez, moleque. Tem mais quatro dias até nossa próxima aula. — Advertiu antes de bater a porta e trancá-la.
Gemendo baixinho, me apoiei em um dos braços para levantar de onde eu havia aterrissado no chão. O verdadeiro Hayato saiu de dentro de um minúsculo banheiro que eu não tinha notado mais cedo, carregando uma toalha molhada.
— Eu disse que iam te machucar. A toalha tá gelada, melhora um pouquinho. — Ele sentou-se ao meu lado no chão e me estendeu o tecido, que aceitei, colocando contra minhas costas e fazendo uma careta.
— Hayato, isso acontece sempre? — Ele assentiu, desviando o olhar. — Tá legal, chega. — Com dificuldade, me levantei e fui até o armário, pegando minhas roupas. Tirei as roupas de criança e vesti as minhas, engolindo os grunhidos que ameaçavam escapar dos meus lábios. Assim que estava coberta, permiti que meu corpo inteiro voltasse à forma original. — Pu… — Engoli o palavrão. Metamorfose normal era um processo levemente incômodo, mas quando o corpo estava machucado era um porre, tudo doía dez vezes mais, e as regiões machucadas pareciam estar sendo socadas. Me recostei contra a parede, ofegante. Podia sentir os olhinhos dele em mim enquanto eu me recuperava. — Okay, agora eu preciso que você me responda algumas coisas.
Abri os olhos para encontrar o olhar dele. Sua expressão era resignada, com um cansaço que eu poucas vezes havia encontrado mesmo em adultos. Eu sabia que não o ter encontrado até agora não era culpa minha, mas não conseguia deixar de pensar em quanto sofrimento poderia ter sido evitado se eu tivesse invadido esse quarto antes.
— Tá bom.
— Aquela mulher. Ela disse que você tem uma irmã.
Ele assentiu, andando até o colchão e sentando ao lado da coberta.
— Essa é a Suki. Trouxeram ela também quando me pegaram, acho que pensaram que podia funcionar com ela se eu não servisse. — Me aproximei, vendo a pequena menina deitada lá. Ela estava acordada, os olhos do mesmo verde do irmão me encarando com curiosidade. Assim como ele, ela parecia pequena demais, mas eu chutaria que ela tinha por volta de um ano. Não deveria estar deitada enrolada em cobertas, mas dando seus primeiros passos desajeitados por aí.
— Você sabe quantos meses ela tem, Hayato?
— Não sei quanto tempo faz que a gente tá aqui. Ela nasceu perto do natal.
Engoli em seco.
— Você sabe que mês era quando te pegaram?
— Junho ou julho? Não sei. — Hayato baixou os olhos, brincando desanimado com a irmã. Quando falou de novo, sua voz era tão baixa que quase não ouvi: — Foi pouco depois do aniversário da mamãe.
Seis meses. Essas crianças estavam aqui, em cárcere privado, mal nutridas, sem cuidado nenhum, sob tortura há seis meses. E muito provavelmente tinham presenciado a morte dos pais, considerando o que eu sabia sobre como Takahashi fazia negócios. Eu precisava acabar com isso.
— Nos próximos dias, alguém vem aqui de novo?
— Só pra deixar comida. Ela vem me buscar só quando fala mesmo, pra dar tempo de eu melhorar antes de fazer de novo.
— É sempre assim?
— É.
Suspirei. Eu precisava sair dali ou iam dar pela minha ausência, mas não queria deixar os irmãos sozinhos de jeito nenhum.
— Olha aqui pra mim. — Pedi — Eu sei que você acabou de me conhecer e não tem motivo nenhum pra confiar em nenhum adulto que aparece aqui. Mas eu vou te fazer uma promessa, Hayato: eu vou tirar você e sua irmã daqui, e vocês nunca mais vão ter que voltar pra uma situação dessas. Ok? Eu prometo. Não vai ser hoje, porque eu preciso descobrir um jeito de fazer isso primeiro, mas vai ser logo.
— Por que você liga?
— É isso que eu faço. Eu sou uma heroína profissional, meu trabalho é exatamente ajudar as pessoas. Ninguém devia passar por isso, mas vocês são só crianças, deviam menos ainda. Por causa da minha Individualidade, eu me escondo no meio dos vilões pra descobrir como derrotar eles, é por isso que eu to aqui.
— E o que você vai fazer?
— Dar um jeito de tirar você e a Suki daqui em segurança. Mas provavelmente vou precisar da ajuda de outros heróis, por isso não consigo levar vocês hoje. — Com dor no coração (e no corpo também), me transformei de volta em Ito, minha identidade para a missão atual. — Agora eu preciso ir, mas eu volto, tá?
— E como eu vou saber que é você?
Sem hesitar, ergui minha camiseta e apontei para a tatuagem de lua estilizada nas costas.
— Essa tatuagem é minha mesmo, do meu corpo de verdade. Eu te provo que sou eu mostrando ela, pode ser?
Após alguns segundos em que ele observava o desenho, Hayato assentiu. Arrumei a roupa outra vez, peguei a chave que Beifong havia me dado e sai do quarto, deixando meu coração com os dois irmãos.
4 de dezembro
Bati a porta, marchando para dentro da sala sem a mínima cerimônia. Não era como se a sra. Beifong fosse ser surpreendida pela minha entrada. A mulher podia ser idosa e cega, mas ela usava sua Individualidade para enxergar e via perfeitamente bem, muito melhor que pessoas cujos olhos funcionavam, inclusive.
— Bom dia pra você também, Moonlight. Posso saber pra que você chegou batendo portas e pisando duro desse jeito?
— Eu quero a operação do Takahashi fechada. — Pausei por tempo o suficiente para a mulher virar-se para mim e arquear uma sobrancelha. — Agora, Beifong.
— Explique-se. — Seu tom duro me fez respirar fundo e me recompor. Eu estava desesperada, mas ela nem sequer sabia o que estava acontecendo, e eu estava a um passo de faltar com o respeito.
— Eu entrei ontem na sala que ele mantém trancada. São crianças. — Apoiei meus braços no encosto da cadeira, deixando a cabeça cair em derrota. — Eles sequestraram duas crianças, muito provavelmente assassinaram os pais deles, e estão mantendo eles lá.
— E o que mais você quer que eu faça? Já coloquei você lá justamente pra gente derrubar eles, mas você sabe que tem um protocolo.
— Foda-se o protocolo! Você não tem noção do que estão fazendo com eles! Seis meses, Beifong! Essas crianças foram sequestradas no meio do ano, uma delas nem um ano tem ainda, eles estão jogados num quarto trancado no subsolo sem o mínimo! Sem falar no que estão fazendo com o mais velho…
— Moonlight, eu sei que parte do seu trabalho é resgate, mas a maior parte dele ainda é se infiltrar sem ser descoberta para conseguir provas o suficiente pra tirar esse povo de circulação. Não pode simplesmente decidir que…
— Presta atenção! — Interrompi, agarrando uma das mãos dela e pressionando contra meu pulso — Presta atenção na quantidade de machucados no meu corpo, eu sei que você consegue sentir! Eu tomei o lugar do irmão mais velho ontem depois que achei eles, estão torturando um menino de 5 anos! E tudo porque querem que ele faça algo com a Individualidade que ele nem sabe fazer! E isso é recorrente, repetem esse processo a cada 4 ou 5 dias, dando só o mínimo de tempo pra ele se recuperar antes de machucar ele todo de novo! Então sim, foda-se o protocolo! A gente pode não ter a quantidade de provas que queria, mas temos o suficiente pra acabar com essa putaria. — Parei por um segundo para respirar e então continuei: — Eu quero aquelas crianças fora de lá até o Natal. Ou você manda a cavalaria pra me ajudar, ou eu vou resolver sozinha. A escolha é sua.
Com isso, marchei para fora do escritório sem esperar uma resposta. Mais ou menos na metade do caminho entre lá e a saída, esbarrei em alguém, arfando de dor por conta de todos os machucados recentes.
— Desculpa. Eu te machuquei? — Perguntou uma voz profunda em algum ponto acima de mim, mas não respondi imediatamente. Senti então uma mão gelada encostar no meu ombro para tentar chamar minha atenção.
Quando olhei pra cima, os olhos heterocromáticos que me encaravam de volta eram únicos o suficiente para serem reconhecidos de imediato.
— Shoto-san. Ahn, não, não foi você que me machucou, não se preocupe.
Shoto era dono da agência para a qual eu trabalhava atualmente, apesar de tecnicamente não ser meu chefe. Ele abrira uma divisão interna para heróis e missões que pareciam muito mais com espionagem do que com o trabalho comum de um herói profissional, e contratara a sra. Beifong para comandar essa parte sem interferência dele. Mesmo assim, às vezes nos esbarrávamos nos corredores da sede ou em reuniões. Isso tudo, claro, sem contar que qualquer um que pusesse os pés no Japão ou soubesse o mínimo sobre a atual geração de heróis nacionais conhecia o rosto dele (e uns 70% tinham no mínimo uma queda por ele). Ainda assim, eu não esperava encontrá-lo. Ele franziu o cenho levemente.
— Tá tudo bem?
Puxei as pontas das mangas da minha blusa, inconscientemente tentando esconder os hematomas.
— Não se preocupe, foi só um imprevisto na minha missão.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Suas missões não costumam ter imprevistos que te deixam nesse estado.
— Como você sabe das minhas missões? — perguntei surpresa. Ele abriu um sorriso mínimo e eu quase morri. Puta que pariu, como esse homem podia ser tão bonito?
— Você trabalha pra Beifong, mas a agência ainda é minha. Especialmente quando trazemos heróis de fora do Japão, gosto de saber o que acontece.
— Bom, nesse caso talvez seja interessante pedir pra ela te passar o que eu vim falar. Eu mesma diria, mas preciso ir. Obrigada pela preocupação, Shoto-san, mas eu vou ficar bem.
Curvei a cabeça para ele e fui embora.
15 de dezembro
— Mas será possível que você não vai aprender nunca, garoto?! — Ela bufou. — Sua sorte é que ainda não dá pra saber a Individualidade da sua irmã, ou eu já teria me livrado de você.
Bufei ao ouvi-la fechar a porta. Eu havia passado os últimos doze dias investigando, mas não tinha conseguido descobrir o nome da desgraçada. Ela, assim como as crianças, devia estar acima do que Takahashi permitia que eu soubesse.
— Quer a toalha? — Ofereceu o verdadeiro Hayato saindo de seu esconderijo dentro do armário. Neguei com a cabeça.
— Hoje eu vim preparada, mas obrigada. — Com dificuldade, mas menos do que nas últimas vezes, me levantei e fui pegar minhas roupas. — Conseguiram comer?
Ele assentiu.
— A Suki gostou da papinha que você trouxe.
— E você, comeu também? — Esperei ele confirmar antes de me transformar em Ito, arfando. Logo em seguida, peguei o analgésico que havia trazido e engoli, torcendo para fazer efeito rápido. — Desculpa não ter conseguido tirar vocês daqui ainda. — Respirei fundo, verificando que a comida que eu havia trazido era o suficiente para os próximos dias e estava escondida o bastante.
Eu estava fazendo meu máximo para facilitar a vida de Hayato e Suki enquanto não conseguia resgatá-los. Ainda não tinha tido resposta da Beifong sobre encerrar a operação, mas eu não podia ficar parada, especialmente sabendo que havia a chance dessa resposta nunca vir. Eu estava a um passo de implorar para alguns amigos e antigos colegas de trabalho virem do Brasil me ajudar, porque seria impossível tirar os dois dali em segurança sozinha. O armazém estava sempre cheio, e por mais que Suki fosse pequena e ignorada o suficiente para eu conseguir levá-la para fora despercebida, Hayato não era, e eu jamais arriscaria levar um irmão sem o outro.
Então desde que os encontrara, eu vinha tomar o lugar dele nas “aulas”, como nossa torturadora as chamava, trazia comida e ajudava a cuidar de Suki como eu podia. Estava longe de ser o suficiente, e eu estava sempre tensa, preocupada que alguém viesse buscá-lo enquanto eu não estava prestando atenção ou percebesse que ele não estava coberto de hematomas, mas era o que eu podia fazer no momento.
Hoje mesmo já havia dado um banho em Suki, aplicando os remédios e pomadas que ela claramente precisava. Eu podia não ser mãe, mas tinha um irmão mais novo e vinha de uma família grande, então eu tinha uma boa noção das necessidades de um bebê.
— Ok, eu preciso ir antes que alguém perceba que eu sumi. Não esquece de comer também, viu? — Hayato assentiu e eu fui embora, trancando a porta outra vez. Ouvindo passos, entrei em pânico momentaneamente.
Não era pra eu estar ali, não podia ser pega. Como eu ia tirar as crianças de lá se fosse descoberta? Decidindo rápido - e sabendo que talvez não fosse funcionar - fingi estar apenas passando de um corredor pro outro, indo em direção ao som.
— Ito? Que porra você ta fazendo aqui? — Yagami perguntou com as sobrancelhas erguidas. Ainda bem que era só ele.
— Revirando esse armazém atrás de você, seu idiota. Takahashi mandou você encontrar ele no escritório, ele ta puto com você. Disse que era algum relatório errado, mas não me importa. Meu trabalho é te mandar pra lá.
— Puta merda.
— Corre, porque ele tava com cara de que cabeças iam rolar. — E vindo dele, a frase era bem literal mesmo.
Ao ver o homem correndo na direção da saída, agradeci mentalmente a qualquer entidade que pudesse estar ouvindo. Yagami não era o cara mais inteligente do mundo, e eu realmente deveria estar procurando por ele para dar o recado de Takahashi - o que era tecnicamente o meu trabalho. Segui na mesma direção, porém com mais calma, e fui embora. Meu turno tinha acabado, pelo menos por hoje.
Chegando no apartamento que eu estava usando, tirei a roupa pesada e permiti que meu corpo voltasse ao normal com um grunhido. Para todos os efeitos, ninguém que me conhecia como podia saber a aparência que eu usava durante uma missão, e ninguém que me conhecia como Ito podia me ver como em momento algum. Mas o apartamento me dava privacidade o suficiente para não usar o disfarce, pelo menos por algumas horas. Após tomar um banho quente, colocar um pijama confortável e me enfiar debaixo das cobertas, peguei o celular - o meu celular - e liguei para o meu irmão. Ele atendeu após alguns toques, seu rosto aparecendo na tela. Não pude deixar de sorrir.
— Hey.
— Hey. Tá tudo bem? Sua missão acabou já?
Suspirei.
— Não, nem perto.
— Ué. — Liam franziu o cenho. — Aconteceu alguma coisa? Você não costuma ligar no meio de uma missão.
— É, eu sei. Aconteceram algumas coisas sim, mas nada que eu possa falar, e eu só… precisava falar com você um pouco. Lembrar do mundo real, ver que você ta bem. — Sua expressão suavizou.
— Posso te entediar com as histórias desse semestre da faculdade. Já acabou, mas a gente quase não se falou esses meses todos.
— Eu adoraria. Quero saber também quão surtados a mamãe e o papai estão com o natal chegando.
— Numa escala de zero a dez? Onze. Igual todo ano. — Nós rimos juntos.
Uma voz familiar apareceu logo em seguida:
— É a ? — Liam assentiu, virando o celular para abrir espaço, e logo nossa prima apareceu na imagem — Oi! Nossa, você ligando tão cedo? Que milagre é esse?
— Lembra que eu to no fuso oposto, pra mim são 10 da noite. — Eu ri, e ela bateu na própria testa.
— Verdade, né. Eu nunca sei onde você tá direito.
— Sem planos de sair do Japão tão cedo. Mas vocês tão fazendo o que juntos tão cedo? Achei que estavam de férias.
— A gente tá, mas tiramos o dia pra comprar as coisas que faltam pro natal. O que você vai fazer, aliás? Já sei que você falou pra mamãe que não consegue voltar pra passar com a gente.
— É, sem chance. Mas pode ser que eu consiga ligar pra pelo menos falar com todo mundo. Eu talvez consiga folga no dia 25.
— Ah, ia ser ótimo! Ta todo mundo com saudades.
The First Christmas
Shoto’s POV
— Agora! — Exclamou o chefe de polícia no ponto que todos estávamos usando.
Observei enquanto os primeiros policiais derrubavam a porta da frente do armazém. Fomos recebidos, assim como no relatório da Moonlight, por capangas armados, que começaram a atirar imediatamente. Respirando fundo, ergui meu braço direito, cobrindo-os de gelo até o peito. Não duraria muito, visto que os de reação mais rápida já estavam tentando escapar, mas ganharia alguns minutos e me daria a abertura necessária para entrar no prédio. Corri pelo meio das pessoas, tocando no maior número possível de armas conforme passava para congelar o mecanismo interno, mas meu objetivo era claro.
— Ela quer fechar a missão agora, mesmo sem todas as provas. — Inclinei a cabeça levemente, confuso.
— Por quê? — Beifong suspirou, parecendo cansada.
— Porque ela achou duas crianças lá dentro.
Por mais que eu não me envolvesse nas missões infiltradas, gostava de me manter informado, especialmente em casos como o da Moonlight. Beifong e eu tínhamos ido atrás dela do outro lado do mundo especificamente para missões como essa, em que mesmo nossos melhores agentes não conseguiam se infiltrar, e essa organização de vilões já estava se tornando um problema fora de controle quando a colocamos no caso, então eu lia os relatórios com uma frequência bem maior que dos outros heróis. Quando a encontrei toda machucada no outro dia, soube imediatamente que algo estava errado, e tive que me envolver pessoalmente quando Beifong me contou o que era. Anos tinham se passado e eu não fizera parte da operação na época, mas ainda me lembrava bem do que Midoriya tinha contado sobre Eri - e de todo o processo pelo qual ela teve que passar depois de ser resgatada. Saber que havia outra criança passando por algo parecido bem embaixo do meu nariz era impossível de ignorar. O simples fato de ter demorado duas semanas para conseguir preparar essa invasão me corroeu por dentro o tempo inteiro.
Então, enquanto o objetivo geral da operação era prender o máximo possível de envolvidos, o meu papel era resgatar as crianças. Hayato e Suki, lembrei.
Passar pelos corredores era um processo lento, por mais rápido que eu corresse, porque a cada curva apareciam mais pessoas me atacando com suas Individualidades ou com armas, e eu tinha que segurá-las até alguém me alcançar ou prendê-los de forma que pudesse continuar avançando. A vantagem era que eu não precisava abrir cada porta, havia decorado o mapa no relatório de Moonlight apontando a sala onde as crianças eram mantidas.
Estava quase me arrependendo de não ter chamado Midoriya para ajudar quando finalmente alcancei o corredor que procurava. Fechando a porta, uma mulher tinha seus cabelos formando quase um casulo atrás de si, no qual eu podia ver um par de olhos verdes em pânico.
Sabendo que diálogo não me levaria a lugar nenhum, bloqueei o corredor atrás dela com uma parede de gelo.
— Olha, se não é o herói número 3. — Sua voz era puro escárnio. — Só tem um problema com esse planinho seu. Se não me deixar ir embora, eu sufoco o pirralho. E você é um herói, então não pode deixar isso acontecer, não é?
Eu conseguia ver as lágrimas escorrendo pelos olhos de Hayato e o olhar vitorioso da mulher. Queria acabar com isso o mais rápido possível.
— Na verdade, eu fiquei em segundo lugar no último ranking. — Respondi sem emoção. Me surpreendia como, independente de quantas vezes eu dissesse que não me importava, as pessoas continuavam usando minha colocação para tentar me abalar. — Mas você tem razão, não vou deixar você machucar o garoto.
Antes que ela pudesse reagir, cobri suas pernas com gelo e criei um feixe de chamas que cortou a parte de seu cabelo que formava o casulo. Ela gritou de dor e ódio, mas apenas aumentei a coluna de gelo para cobri-la por inteiro e andei em direção ao menino. Os fios ainda o envolviam, seu corte eliminando o controle que a mulher tinha sobre eles, mas não alterando a força e forma em que ela os havia deixado. Queimá-los seria muito arriscado enquanto Hayato ainda estivesse lá dentro, então me resignei ao caminho mais demorado e puxei uma faca de um dos bolsos do cinto.
Aos poucos, fui cortando mecha por mecha e incinerando tudo que se soltava, sem nunca parar de prestar atenção na minha prisioneira. Ainda podia ouvir os sons de luta dos outros heróis e policiais nos corredores pelos quais havia passado, mas não ouvia ninguém se aproximando de onde eu estava. Quando consegui remover cabelo o suficiente para ver seu rosto, Hayato tinha as bochechas marcadas por lágrimas.
— Su… a Suki. A Suki. — Soluçou.
— O que tem a Suki?
— L-lá dentro… sozinha, a Suki tá sozinha.
— Tudo bem, nós vamos pegar a sua irmã. Tá bom? Mas eu preciso te soltar desse cabelo primeiro.
Ele balançou a cabeça veementemente.
— A Su-Suki primeiro. Pega a Suki primeiro.
Suspirei. Ele me lembrava o Midoriya quando estávamos no ensino médio, se quebrando todo para salvar alguém. Não adiantaria discutir, e a última coisa que eu queria era piorar seu desespero.
— Tudo bem. Vem aqui. — Puxei-o comigo até perto da porta, analisando a fechadura por alguns segundos.
A porta parecia de metal, e o relatório dizia que ela era grossa o bastante para não se ouvir nada através dela. Eu não podia explodi-la, não sabia se Suki estava segura do outro lado.
— Hayato, eu tenho um plano e preciso que você fique parado por um minuto.
— Co-como você s-sabe o meu nome?
— Temos uma amiga em comum. — Respondi apenas, cobrindo-o em uma redoma de gelo e torcendo para ser o suficiente.
Pousei a mão esquerda no metal frio, concentrando todo o calor que conseguia gerar para tentar derreter a fechadura. Limitar as chamas à minha mão não era fácil, mas eu não podia arriscar aquecer meu corpo todo e machucar as crianças. Eu sabia que o gelo ao meu redor estava derretendo, e franzi o cenho para a porta. Vai logo, pensei, sabendo que precisava que a coluna de gelo atrás de mim se mantivesse. Quando finalmente senti o metal ceder sob a minha pele, ergui o braço direito para trás, refazendo o gelo bem a tempo. O grito de ódio ressoou pelas paredes, mas a ignorei, empurrando a porta.
Lá dentro, ouvi um choro baixinho e corri para o colchão no canto. Se debatendo para sair das cobertas em que estava enrolada, encontrei Suki, e a menina parou imediatamente ao me ver, arregalando os olhos verdes como os do irmão.
— Tá tudo bem — murmurei, pegando-a sem jeito e voltando para o lado de fora. Assim que viu o rosto do irmão, ela esticou os bracinhos na direção dele.
— Ato!
— Suki! Eu to aqui.
Coloquei-a sentada encostada na parede ao meu lado e voltei a cortar o cabelo que o prendia. Quanto mais perto eu chegava dele, mais via como os fios estavam apertados, vários hematomas já se formando, além de um ou outro corte. Assim que se viu livre, Hayato pulou para abraçar a irmã, que se agarrou a ele de volta.
— Agora eu preciso levar vocês lá pra fora e pra verem um médico.
Hayato estreitou os olhos para mim.
— Pra que médico?
— Porque você tá todo machucado e vocês estão presos aqui sem cuidado há muito tempo. Vamos, não podemos demorar aqui embaixo. — Derreti a parede de gelo que nos separava do resto do corredor e voltei para me abaixar na frente dos dois. — Eu vou carregar vocês, pra garantir que vão estar seguros e chegarmos na saída mais rápido. Consegue subir nas minhas costas?
Após um segundo de hesitação, o menino assentiu, me entregando a irmã, que segurei junto ao peito, e abraçando meu pescoço. Me ergui novamente, afrouxando o cinto e puxando-o para cima e ao redor do corpo de Hayato, para prendê-lo a mim com mais firmeza. Quando fiquei satisfeito que ele não cairia tão fácil, comecei a voltar pelo caminho que havia vindo.
— Shoto! — Chamou um dos policiais. Havia vários no corredor ao qual havíamos chegado, todos prendendo alguém ou recolhendo evidências. Parei, me virando para ele, e vi a surpresa em seu rosto ao notar as crianças. Ele balançou a cabeça — Ahn… você foi o primeiro a conseguir avançar mais, tem mais alguma coisa que a gente deva olhar lá embaixo?
— Deixei uma mulher presa em uma coluna de gelo. Cuidado, o cabelo dela é uma arma. E recolham o máximo possível de evidências na sala com a porta de metal derretida no corredor onde ela está. Tem uma equipe de primeiros socorros na rua?
— Tem, tem sim. O relatório de vocês mencionou armas de fogo, achamos melhor ter médicos por perto.
Assenti, continuando meu caminho.
— Como você sabia os nossos nomes? — Hayato murmurou baixo o bastante para que só eu ouvisse.
— Temos uma amiga em comum que queria muito salvar vocês. Ela… meio que trabalha pra mim.
— A trabalha pra você?
— …? — Tive que forçar a memória por um segundo. Nós nos conhecíamos exclusivamente de maneira profissional, eu nem saberia que esse era o nome da Moonlight se não tivesse precisado assinar o contrato dela com a agência. — É, ela trabalha na minha agência.
— Tem certeza?
— Eu nunca chamo ela pelo nome de verdade, só pelo nome de heroína, aí demorei um pouco pra lembrar. Mas tenho certeza sim.
— Hum.
🟥🔥❄️⬜️
Conseguir que Hayato e Suki recebessem atendimento médico foi uma briga. Qualquer adulto além de mim que chegava perto de encostar em um dos dois os fazia pular de susto ou se encolher. Eu mesmo tive que limpar e medicar os machucados de Hayato, e precisei ficar com Suki no colo enquanto a médica a atendia - o que por si só foi um desafio, já que eu não sabia muito bem como segurar um bebê.
— Tem mais cobertores? — perguntei à enfermeira quando ela pareceu se dar por satisfeita com a condição das crianças. Estava nevando, e eu sabia que o cobertor que haviam arranjado para eles estava longe de ser o suficiente para aguentar o frio.
— Infelizmente não. Desculpe.
Suspirei e me sentei em um banco, batendo levemente no espaço ao meu lado.
— Senta aqui, Hayato. Vou manter vocês aquecidos.
O menino obedeceu, se acomodando à minha esquerda. Ele não reclamava, mas eu podia ver os tremores percorrendo seus braços conforme ele apertava o cobertor o mais próximo possível de seu corpo. Aumentei a minha própria temperatura só o bastante para manter um círculo confortável em volta de mim e Suki se aconchegou no meu peito. Não pude deixar de me perguntar o que aconteceria com eles agora.
— Hayato! Suki! — Exclamou uma voz desconhecida vinda da direção onde estavam os carros de polícia.
Virando a cabeça, pude ver uma mulher que eu tinha certeza nunca ter visto antes, mas que era estranhamente familiar, correndo ao redor e claramente procurando as crianças. Hayato se encolheu atrás do meu braço, usando o cobertor para se esconder, e Suki apertou os bracinhos ao redor do meu pescoço.
Mesmo assim, a mulher nos viu e veio correndo na nossa direção, os cabelos vermelhos balançando. Quando ela chegou perto o bastante para que eu visse detalhes de seu rosto, finalmente entendi com quem ela parecia. Kirishima?
— Shoto-san? Ah, isso explica o gelo nos corredores.
— Moonlight? — perguntei cauteloso e ela sorriu de leve, virando de costas e erguendo parcialmente a blusa.
Entre as escápulas, bem na linha da coluna, era visível uma tatuagem de lua crescente estilizada. Senti Hayato parar de se esconder atrás de mim.
— Desculpa ter usado essa cara, eu só precisava mudar pra passar despercebida. — explicou, ajeitando a roupa e voltando a nos encarar.
— ? — Hayato chamou baixinho e ela imediatamente se abaixou para ficar na altura dele.
— Como você tá, querido?
— Acabou? A gente não vai mais ter que voltar pra lá?
— Nunca mais. Se depender de mim, vocês nunca mais vão passar por nada nem parecido, tá bom?
Hesitando por um segundo, ele assentiu e se jogou no colo dela, abraçando seu pescoço. pareceu surpresa por um momento antes de segurá-lo de volta, correndo uma mão pelas costas dele. Seus olhos - agora de um vermelho tão familiar - encontraram os meus, e vi quando ela disse sem produzir som algum:
— Obrigada.
Assenti em resposta. Poderíamos conversar mais sobre isso quando as crianças não estivessem presentes.
🌖🌗🌘🌑🌒🌓🌔
’s POV
Quando a confusão se instaurou, eu demorei para entender o que estava acontecendo. E mesmo quando comecei a entender, eu demorei a acreditar. Beifong não tinha dado sinal de vida desde o meu chilique em seu escritório, eu já estava pronta pra ter que explodir parte do armazém e fugir com as crianças para outro país. Ficava feliz de isso não ter sido necessário.
Ser presa no meio dos outros capangas, apesar de uma experiência desagradável, já era quase rotina pra mim. Apenas passei a olhar em volta, procurando o policial que Beifong havia mandado procurar caso isso acontecesse. Eu não sabia se ele saberia quem eu era, mas parecia que sim, pois logo fui puxada - brutalmente, diga-se de passagem.
— Eu cuido desse aqui. — Garantiu o homem que me puxava pelo braço.
O outro policial apenas assentiu, me deixando ir e parecendo aliviado de ter uma pessoa a menos sob sua responsabilidade. Assim que me puxou para longe o bastante, onde só haviam policiais ao nosso redor, me manifestei:
— Eu já fui esmagado pela Bandida Cega.
— E quando foi isso?
— Sob a lua crescente.
Seu aperto relaxou imediatamente, mas ele continuou me guiando até um dos carros e me empurrou para o banco de trás.
— Só não sai com nenhuma cara que reconheçam, Moonlight-san. A chave… — sorri, entregando as algemas para ele.
— Não precisa, mas obrigada.
Ele balançou a cabeça, meio incrédulo.
— Não me surpreende que você trabalhe pra Beifong. Dá uns minutos antes de sair.
— Pode deixar.
Ele fechou a porta e pude notar que as janelas eram escuras. Ótimo, assim poderia mudar sem ser vista. Não posso dizer que obedeci ao pedido de alguns minutos, estava preocupada demais com as crianças. Tanto que nem pensei muito em qual aparência assumir, apenas fiz uma versão feminina do primeiro herói que me passou pela cabeça e sai correndo, chamando as crianças. Jamais esperaria encontrá-los agarrados a Shoto.
— Você trabalha pra Beifong, mas a agência ainda é minha. Especialmente quando trazemos heróis de fora do Japão, gosto de saber o que acontece.
Será que tinha sido ele que convenceu a Beifong a autorizar a operação? Não, ele era o chefe, ele mesmo devia ter autorizado.
E ver as crianças parecendo confortáveis com ele me fazia acreditar que tinha sido ele a resgatá-los. Não havia sensação melhor que saber que eles estavam finalmente livres daquela situação, e eu tive que lutar muito contra as lágrimas que encheram meus olhos quando Hayato me abraçou.
Após todo o caos do resgate, não demorou para que Suki e Hayato dormissem. Shoto não saiu de perto deles, garantindo que estivessem aquecidos mesmo na neve, e eu me recusava a tirar os olhos dos dois, mal acreditando que finalmente estavam livres.
— Obrigada outra vez, Shoto-san — murmurei — Foi você que autorizou isso, não foi?
Ele assentiu.
— No momento que Beifong me falou das crianças. Queria ter vindo antes, mas era uma operação em escala muito grande pra organizar rápido.
Balancei a cabeça negativamente.
— Vocês vieram e me ajudaram a salvar os dois. Isso que importa. — Parei por um momento, acariciando os cabelos acobreados de Suki, e suspirei. — Mas ainda me preocupo com o que vai acontecer com eles agora. Takahashi matou os pais deles, não sei se eles têm mais alguma família, e mesmo que tenham, pode ser que demore até encontrar quem são. Não quero que eles acabem em um orfanato ou sejam separados. Ou pior, sejam pegos de volta.
Shoto encarou as crianças por alguns instantes.
— Já volto. — E saiu andando na direção dos policiais.
Franzi o cenho, sem nem ter tempo de perguntar onde ele estava indo, e me preocupei das crianças nesse frio com apenas um cobertor. Mas não precisei me preocupar por muito tempo, pois menos de cinco minutos depois pude ver Shoto voltando com o chefe de polícia. Eles conversavam sobre algo que eu não consegui identificar a princípio.
— … ter que entrar em contato com um assistente social. Isso não segue o protocolo.
— Não sabemos se prendemos todos hoje, não sabemos nem quantas pessoas estavam envolvidas. Até termos certeza, as crianças seguem correndo risco, não podem simplesmente ser devolvidas pro sistema. Que lugar melhor pra eles ficarem do que comigo? Além de tudo, eu moro na rota de patrulha do Midoriya, praticamente não tem lugar mais seguro no Japão inteiro pra deixar eles.
— Mas Shoto-san, tem certeza? — O policial parecia, além de muito confuso, hesitante com a ideia. Não podia julgá-lo, Shoto era um herói muito popular, mas lidar com crianças na rua e ter duas em casa eram coisas bem diferentes.
— Tenho. A não ser que você tenha ideia melhor.
— Ahn não, não senhor. Vou colocar no relatório então.
— Ótimo. E, por favor, quero o mínimo possível de pessoas sabendo disso. — O homem mais velho curvou a cabeça primeiro para Shoto e depois para mim e deu meia volta, se afastando rapidamente. — Resolvido, pelo menos por enquanto.
Eu o encarava em choque. De onde saiu esse homem? Autorizar a operação para resgatar as crianças era uma coisa - como heróis profissionais, era isso que fazíamos -, mas levá-los pra casa? Tudo bem que eu estava pronta pra fazer a mesma coisa, com ou sem autorização, mas era diferente. Eu tinha experiência com crianças, sabia lidar com elas. Shoto mal sabia lidar com adultos.
— Você… você vai levar eles pra sua casa?
Ele inclinou a cabeça de lado. Ah, puta que pariu, além de tudo ele era adorável.
— Você acabou de dizer que estava preocupada com o que aconteceria com eles agora.
— Eu não to reclamando não! — Garanti, arregalando os olhos de leve — Só fiquei um pouco chocada com a sua atitude, só isso.
— Hum.
Depois disso não conversamos muito mais, havia muito a fazer. Ajudei Shoto a colocar as crianças no carro da agência e os observei se afastando até não poder mais vê-los. Hora de voltar ao trabalho, a parte burocrática me aguardava.
🌖🌗🌘🌑🌒🌓🌔
25 de dezembro
Mordi o lábio após desligar o telefone. Era pouco depois de meio dia, o que significava meia noite pra minha família, e graças à intervenção de Shoto eu realmente tinha conseguido não estar trabalhando hoje, então tinha participado do natal, mesmo que virtualmente. Fazia exatamente uma semana que Hayato e Suki tinham sido resgatados, mas eu fiquei tão atolada de trabalho entre burocracias, verificar as evidências colhidas, dar depoimentos e ajudar a solidificar o caso contra todas as pessoas que haviam sido presas que nem tive tempo de ir atrás de Shoto para perguntar deles.
Eu havia ficado muito admirada com a atitude dele, mas também estava preocupada. Eu sabia que ele não tinha muito tempo livre, e não achava que ele tivesse muita ideia de como cuidar de crianças.
Num impulso, me troquei, peguei minha bolsa e saí rumo ao centro comercial. Ainda havia bastante coisa aberta, para a minha sorte, então consegui tudo o que precisava. Como estava cheia de sacolas, achei melhor pegar um táxi, passando o endereço que havia encontrado online, e logo estava parando em frente à grande casa. Pude ver o taxista me encarando surpreso pelo retrovisor, mas ele só perguntou se eu queria ajuda com as sacolas. Recusei e agradeci, pagando pela corrida e torcendo para estar no lugar certo. Prendendo a respiração, toquei a campainha.
Alguns segundos depois, a porta foi aberta por um Shoto muito surpreso.
— Moonlight?
Ele estava com cara de cansaço, os cabelos bagunçados, descalço e com a blusa toda amarrotada. E o desgraçado tava lindo. Como pode? Em seu colo, estava uma Suki igualmente bagunçada. Eu podia ver manchas de comida na roupa, que estava toda torta, e seus cabelos estavam espetados. Pelo menos ele parecia mais certo de como segurar um bebê. Sorri envergonhada.
— Oi Shoto-san. Desculpa aparecer assim na sua casa de repente. — Suki estendeu um dos bracinhos na minha direção e meu sorriso se alargou conforme segurei a mãozinha dela. Mesmo que só uma semana houvesse se passado, era claro que ela já estava ganhando peso e parecendo mais saudável. — Eu vim ver essa princesa e o Hayato. Teria ligado pra perguntar, mas não tenho o seu telefone e consegui seu endereço na internet.
— Ahn… — ele piscou algumas vezes, parecendo processar a minha presença. Então deu um passo para o lado — Tudo bem. Quer entrar?
— Obrigada.
Tive que colocar todas as sacolas no chão para conseguir tirar os sapatos e o casaco.
— Quer ajuda? São muitas sacolas.
— Ah, não precisa, obrigada. São coisas pras crianças. Eu… talvez tenha me empolgado um pouco nas compras pra eles. — Senti minhas bochechas esquentarem.
— Hum. O Hayato tá na cozinha. — Shoto parou então, parecendo desconfortável. — Tá… tá um pouco bagunçado, espero que não se importe.
Abanei uma mão, rindo de leve.
— É uma casa com crianças, eu ficaria surpresa se você tivesse conseguido evitar a bagunça.
A casa era bonita, minimalista e decorada em um estilo japonês clássico. Mesmo assim, havia várias fotografias nas paredes e, para minha completa surpresa, uma grande árvore de natal.
— Considerando o que eu comprei, acho que podemos deixar as sacolas debaixo da sua árvore.
— Huh? — Ele parou, confuso por um instante. Apontei para o objeto coberto de pisca-piscas e ele suspirou. — Eu esqueço que isso tá aí.
— Como você esquece uma árvore de natal no meio da sua própria sala?
— O Midoriya e a mãe dele decoram a minha casa todos os anos. Eles dizem que preciso de mais espírito natalino. — Sorri, e deixei as sacolas no chão, em seguida indo até a porta que Shoto me indicava.
— Oi Hayato.
O menino se virou, surpreso ao ouvir minha voz. Ele parecia quase tão bagunçado quanto Shoto. Ao seu redor, a cozinha estava um caos. Tigelas e panelas sujas, diferentes ingredientes espalhados pelas bancadas e o que pareciam tentativas falhas de comida na pia.
— ? — Me abaixei para ficar da altura dele, passando a mão por seus cabelos.
— Desculpa não ter vindo te ver antes, acabei não tendo tempo. Como você tá?
— Eu… eu to bem.
— E posso perguntar o que vocês estavam fazendo?
Hayato me lançou um olhar exasperado.
— Shoto tava tentando fazer almoço pra gente. — Não consegui segurar a risada, especialmente com a ênfase que ele deu em “tentando”. Vi Shoto franzir o cenho de leve.
— Tentando, é? E tava dando certo?
— Não muito — admitiu o homem, parecendo envergonhado.
— E que tal se eu ajudar? Talvez a gente consiga fazer alguma coisa gostosa e que não demore muito. — Parei então, lembrando que aquela era a casa de alguém com quem eu não tinha intimidade pra simplesmente chegar e ir fazendo as coisas. Me virei para Shoto. — Se você não se importar, é claro.
— Não me importo, mas você também não precisa se dar ao trabalho. Veio visitá-los, não trabalhar.
Balancei uma mão para ele, já prendendo o cabelo em um rabo de cavalo e erguendo as mangas.
— Não é trabalho nenhum, não se preocupe. Além disso, vocês parecem que realmente precisam da ajuda, e é o mínimo que eu posso fazer.
— Tem certeza?
— Tenho. Podemos abrir os presentes que eu trouxe depois de comer. Quer me ajudar, Hayato?
Ele assentiu e puxei um dos bancos da ilha para perto, ajudando-o a subir. Ele também parecia melhor, embora seus hematomas mais recentes ainda fossem visíveis. Rapidamente abri espaço, deixando com Hayato os utensílios que poderíamos precisar e acumulando o resto na pia.
— Ok, deixa eu ver… — murmurei enquanto analisava o conteúdo da geladeira. Não tinha muita coisa com o que eu pudesse trabalhar, mas encontrei um peixe, cogumelos secos e alguns legumes. — Perfeito. — Movida pela curiosidade, não consegui deixar de comentar: — Shoto-san, pra alguém que não tem costume de cozinhar, sua cozinha é muito bem equipada.
— Minha irmã, Fuyumi, gosta de fazer refeições em família. E o Bakugo frequentemente cozinha quando vem aqui.
Franzi o cenho. Eu conhecia aquele nome. De onde conhecia aquele nome? Quase engasguei de surpresa quando lembrei, parando o que estava fazendo imediatamente.
— Peraí. Bakugo que você diz é o DynaMight? — Shoto assentiu. — Ele cozinha?! E nunca explodiu sua casa?
— Ele grita bastante no processo, mas cozinha bem. Passamos a semana comendo as coisas que ele e Fuyumi deixaram prontas.
— Eu não sei se fico mais chocada de descobrir que ele cozinha ou de saber que a mídia nunca descobriu isso. — Balancei a cabeça rindo.
Posicionei tudo na bancada, instruindo Hayato a lavar os legumes enquanto eu preparava o peixe, perguntando a Shoto sobre vários temperos e utensílios conforme avançava na receita. Não muito depois, ele começou a limpar a bagunça em que tinha deixado a cozinha antes de eu chegar. Ri baixinho ao vê-lo tentar equilibrar Suki no colo com um braço só para lavar a louça.
— Agora você esfrega de levinho pra espalhar, assim. — Expliquei para o menino ao meu lado, vendo-o repetir meu movimento com exatidão. — Isso mesmo. Consegue espalhar tudo sozinho? — Ele assentiu, concentrado. Limpei as mãos em um pano que havia deixado por perto, indo até nosso desajeitado anfitrião.
— Shoto-san? — Ele virou-se para mim, o cenho franzido. Tive que conter a risada. Ele era uma figura pública normalmente tão séria. — Posso fazer uma sugestão?
Apontei para Suki e ele suspirou.
— Eu to fazendo errado, não to? Fuyumi me explicou, mas mesmo assim…
— Não, na verdade você tá indo muito bem. E esse tipo de coisa é questão de prática mesmo. Mas talvez se você colocar ela sentada na bancada na sua frente, fique mais fácil.
Ele não pareceu confiar muito no que eu disse.
— Mas ela vai cair.
— Não, não vai. Claro, você não pode soltar ela aí e sair andando, tem que ficar perto e prestar atenção, mas a Suki já consegue ficar sentada sozinha, e ela não é de se jogar dos lugares. Além disso, se você ainda não tem um cadeirão pra ela, pode fazer uma contenção de gelo que a impeça de cair.
Cuidadosamente, ele fez o que eu disse, colocando-a no espaço vazio à sua frente, mas eu conseguia ver quão tenso ele ainda estava.
— Eu fiz isso algumas vezes com ela já, pra poder dar banho nela no armazém. — Expliquei. — Pode confiar.
Ele acabou fazendo uma barra de gelo que a mantinha no lugar sem apertá-la, mas pelo menos agora não parecia tão desconfiado quanto antes. Suki fez aqueles barulhinhos de bebê, explorando o gelo com os dedinhos como se fosse um brinquedo brilhante. Shoto colocou uma espátula de borracha limpa do lado dela, com a qual ela estivera brincando até pouco tempo atrás, e a menina se entreteve por conta própria.
— Huh. — Observou enquanto ela balançava os pés, mas não era nem de longe o bastante para derrubá-la. — Como sabia o que fazer?
— Irmão mais novo, muitos primos, uma sobrinha, minha mãe trabalha com crianças, eu mesma já trabalhei com eles antes de ser uma heroína. Como eu disse, é prática. — Dei de ombros, voltando para perto de Hayato. — Olha só, ficou perfeito. Agora só precisamos colocar um pouquinho mais de azeite, cobrir com alumínio e colocar no forno. Aí daqui a uns 20 minutos tá pronto.
Terminamos de cozinhar rapidamente, e acabei pegando Suki para brincar no chão enquanto Shoto terminava a louça. Me distraí e, quando notei, ele também já havia posto a mesa. Esta, assim como a decoração da sala, era em estilo japonês clássico, então podíamos todos sentar no chão. Era melhor, assim não precisava me preocupar com as crianças em cadeiras altas demais para eles, e Suki não precisaria de um cadeirão. Coloquei a menina ao meu lado, picando a comida para ela e entregando-lhe uma colher. Senti Shoto me observar com curiosidade, mas ele não disse nada.
Na verdade, a maior parte da nossa refeição foi feita em silêncio. Eu e Shoto mal nos conhecíamos, e os assuntos que tínhamos em comum - que eram trabalho e as crianças - não eram muito bons para se discutir à mesa; Hayato, assim como Shoto, falava pouco, e estava muito ocupado comendo para prestar atenção em nós, e Suki nem falava ainda. Mesmo assim, pude sentir Shoto observando com atenção todas as minhas interações com Suki, desde a forma como eu cortava sua comida até a forma como falava com ela. Eu só não conseguia decidir se ele estava desconfiado ou tentando aprender, sua expressão neutra tornando muito difícil saber o que ele pensava.
— Agora o que vocês acham de ver o que eu trouxe? — Perguntei quando terminamos de comer. Hayato levantou os olhos pra mim em um questionamento silencioso, em seguida para Shoto. — É Natal, então eu trouxe alguns presentes pra vocês. — Expliquei. Não podia culpá-lo por ficar tenso com surpresas. Imediatamente vi seus ombros relaxarem outra vez. — Estão lá na árvore.
— Posso? — A expressão de Shoto suavizou com o pedido e ele assentiu. Hayato se levantou, mas esperou na porta até eu levantar com Suki no colo para segui-lo.
Sentei no chão de frente para a árvore, colocando a menina ao meu lado e puxando uma das sacolas.
— Feliz natal, Hayato.
Ele me observou por alguns instantes, uma tristeza profunda tingindo os olhos verdes.
— Ato? — Chamou Suki engatinhando até ele. O menino balançou a cabeça, oferecendo um pequeno sorriso pra ela, que sorriu de volta, mais gengiva que dentes.
— Feliz natal, .
Balancei uma mão no ar.
— Pode me chamar só de . No meu país, a gente só chama as pessoas pelo nome inteiro assim quando tá bravo com elas. Sei que aqui no Japão é diferente, mas eu ainda acho muito estranho quando me chamam pelo nome todo.
— Feliz natal… . — Tentou outra vez e sorri.
Ele então se pôs a abrir cada sacola que eu lhe entregava. Havia roupas, brinquedos e livros, tanto para ele quanto para Suki, além de algumas guloseimas, chupetas e tudo que me ocorreu comprar. Eu saí comprando quase tudo que achava que crianças das idades deles deveriam ter, pra ser muito honesta. Eles haviam passado 6 meses sem nada, e talvez eu estivesse tentando compensar pelo menos o mínimo disso agora que eles estavam aqui fora outra vez.
Peguei a última sacola e me levantei, indo até Shoto.
— E esse último é pra você.
— Pra mim? — Perguntou incrédulo e eu assenti.
— Era o mínimo que eu podia fazer, ainda mais aparecendo na sua porta assim sem aviso.
— Mas Moonlight…
Balancei a cabeça negativamente.
— O que eu disse pro Hayato vale pra você também, pelo menos fora do trabalho. Pode me chamar de . Ou de , se preferir. Mas não precisa ficar me chamando pelo nome de heroína aqui.
— . — Testou e não pude deixar de sorrir, encorajando-o. Eram raras as pessoas aqui no Japão que eu conseguia convencer tão facilmente a me chamar pelo apelido. — Você não precisava ter trazido um presente. Eu também não tenho nada pra você.
— Você já me deu o melhor presente possível com tudo que tem feito pelos dois. De verdade. Saber que eles estão seguros aqui com você era tudo que eu poderia querer, Shoto-san.
— Shoto. — Interrompeu ele e inclinei minha cabeça para o lado em dúvida. — Só Shoto. Você acabou de me pedir pra usar seu apelido, não precisa do honorífico.
— Ok, Shoto. — Sorri, colocando a sacola em suas mãos. — Aceita, por favor. Se te deixa menos preocupado, o presente é comida.
Ele não respondeu, mas aceitou a sacola, verificando o conteúdo. Senti um toque na minha panturrilha e me virei para ver Suki puxando alguns dos brinquedos que havia acabado de abrir para perto de mim, incluindo um ouriço de pelúcia ao qual estava agarrada.
— Você quer brincar, pequena? — perguntei e ela estendeu um dos objetos para mim. Sorrindo, me sentei no chão outra vez.
🌖🌗🌘🌑🌒🌓🌔
— Aqui. — Murmurou Shoto enquanto segurava a porta para mim.
Passei com cuidado para não fazer nenhum movimento brusco e acordar Suki, que dormia tranquilamente em meus braços ainda agarrada a seu novo bichinho de pelúcia. O quarto havia claramente sido montado às pressas, mas pelo menos havia os básicos, como um berço. A pousei com cuidado dentro do mesmo, ajeitando a coberta e o bichinho antes de me afastar na ponta dos pés. Shoto não fechou a porta quando saímos, e notei que Hayato se ajeitou no chão da sala para um ângulo do qual conseguisse ficar de olho na irmã.
Eu já estava ali havia horas. Ficara brincando com Suki e Hayato - bom, na verdade mais com Suki. Hayato não parecia muito interessado em brincar ainda, embora houvesse aberto todos os presentes e agradecido por eles, mas eu não o culpava. O coitadinho tinha sobrevivido a uma experiência horrível e traumática e, diferente da irmã, já tinha idade o suficiente para entender os horrores pelo que tinha passado. Ia precisar de muito tempo, amor e terapia pra que ele pudesse ter um comportamento mais parecido com o de uma criança comum.
Shoto também tinha acabado no chão conosco, embora ele parecesse bem perdido. Ele tinha boa vontade, isso eu não podia negar, e ouvia as instruções que eu e Hayato dávamos a ele sobre o que Suki queria com atenção.
Eventualmente, porém, ela se cansou, se aconchegando em meu colo e adormecendo. Tomei aquilo como minha deixa para ir para casa.
— Eu te acompanho.
— Tchau, Hayato.
— Tchau, . — Ele acenou timidamente quando eu passei, sem sair de sua posição quase de guarda da irmã.
Quando paramos para eu colocar meus sapatos e pegar meu casaco, Shoto parou.
— Obrigado — disse.
— Pelo quê?
— Por ter vindo hoje. Pelos presentes. Por me ajudar com eles. — Ele suspirou, correndo uma das mãos pelo cabelo e apoiando as costas na parede atrás de si. — Crianças são muito mais complicadas do que eu imaginava, e com toda a correria, eu mal lembrei que hoje era natal até você aparecer.
— Não tem por que agradecer. Eu fiquei muito feliz de ver os dois, e me diverti nesse natal improvisado.
— Não, de verdade. Eu passei a semana sendo um desastre. A única coisa que eu sei fazer direito é garantir que eles não se machuquem.
Não consegui segurar a risada.
— Eu já te disse, é prática. Você tá se saindo muito bem pra quem só tá cuidando de crianças há uma semana. — Mordi o lábio, ponderando por um segundo, então peguei o bloquinho e a caneta que carregava sempre dentro da bolsa. — Mesmo assim, se achar que precisa de socorro de novo, ou só pra eu não aparecer de surpresa da próxima. Ou pra qualquer coisa que eles precisarem, qualquer coisa mesmo. Esse é meu telefone. — Entreguei o papel para ele, que assentiu e guardou no bolso da calça.
— Obrigado mais uma vez.
— Foi um prazer.
Shoto pegou meu sobretudo, que estava pendurado atrás dele, e me ajudou a colocar. Que cavalheiro. Então abriu a porta, verificando que o táxi que eu havia chamado já estava mesmo aguardando na porta. Assim que coloquei os dois pés do lado de fora, me virei ao ouvir sua voz.
— Feliz Natal, .
— Feliz Natal, Shoto.
Então me virei e voltei para casa.
The Calls
’s POV
Franzi o cenho ao ver o celular vibrando, a foto de Shoto que eu havia pego na internet acendendo a tela. Desde o Natal, não era estranho que trocássemos mensagens sobre as crianças, fosse para eu saber como eles estavam ou para tirar dúvidas que Shoto tinha sobre o que fazer com eles, mas em nenhum momento tínhamos ligado um para o outro.
— Alo?
— ? — Afastei levemente o celular da orelha, me assustando com o grito ao fundo. Aquilo era Suki? Parecia que ela estava chorando diretamente no microfone.
— O que ta havendo?
— Eu não sei, por isso estou ligando. Suki, se acalma, por favor.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, eu… Suki, por favor, pequena, para de chorar um minuto. — Implorou, ele mesmo parecendo à beira das lágrimas. Shoto tinha tirado as últimas semanas de licença, ficando apenas com a parte burocrática do trabalho que ele podia fazer sem sair de casa, de forma que estava com as crianças o tempo todo, e, apesar de não admitir, eu sabia que ele estava exausto.
— Shoto, por que a Suki tá chorando tanto? — Perguntei delicadamente.
— É exatamente por isso que eu to ligando. Eu não faço ideia. Ela não dormiu direito essa noite. Já tentei dar comida, água, chupeta, brinquedo, já olhei a fralda dela, tentei colocar pra dormir… nem ficar com o Hayato ela quer, e ela já tá chorando há horas, eu não sei mais o que fazer.
— Consegue ver se ela tá com febre? — Perguntei, balançando a cabeça quase imediatamente. Provavelmente não, a temperatura dele era toda bagunçada por causa da Individualidade. — Quer saber, deixa quieto. Eu chego aí daqui a pouco, tá?
— Obrigado.
Desliguei o telefone, garanti que todos os arquivos em que estivera trabalhando estavam salvos e fechei o computador, guardando os relatórios físicos em suas devidas pastas. Eu quase não tinha ido a campo mais desde o resgate das crianças. Beifong tinha me confinado ao trabalho burocrático e a ajudar os policiais com o fechamento da investigação, então estava basicamente trabalhando de “casa” — que na verdade era de volta o hotel no qual eu tinha ficado assim que cheguei ao Japão. Por segurança, eu não estava mais no apartamento de Ito, mas tinha entrado naquela missão tão rápido — e estava tão sem cabeça pra isso na época — que não tinha chegado a procurar um lugar pra mim ainda. Estava fazendo isso agora, uma vez que parecia que eu não iria embora tão cedo.
Parei em uma farmácia no caminho para comprar um termômetro, chegando à casa de Shoto quase meia hora depois de ele me ligar. Como da última vez, ele veio abrir a porta com Suki nos braços. Pude ver imediatamente as olheiras escuras sob seus olhos.
— Desculpa ter te feito vir até aqui, minha irmã está trabalhando e eu não sabia pra quem mais pedir ajuda.
— Não tem problema, de verdade. Eu falei que podia me chamar caso precisasse de ajuda. Além do mais, algo me diz que o dono da agência não vai ter um problema com o meu intervalo não planejado. — Brinquei, mas ele mal pareceu notar, uma vez que Suki começava a se debater em seus braços, o volume de seu choro aumentando outra vez. Suspirei, estendendo os braços. — Me dá ela aqui, deixa eu ver se descubro o problema.
Shoto hesitou por um segundo antes de fazer o que eu disse.
— Agora vem cá, princesa, vamos descobrir o que tá acontecendo.
Suki enterrou o rostinho no meu ombro, uma mãozinha agarrando uma mecha do meu cabelo e a outra agarrando minha blusa, seu choro ainda muito alto. Corri uma mão por seus cabelos, aproveitando para verificar a temperatura da testa dela, franzindo o cenho imediatamente.
— Ela tá quente — murmurei, avançando para dentro da casa. Shoto me seguiu de perto.
Pousei a bolsa na bancada da cozinha, procurando com uma mão só até conseguir puxar o termômetro para fora.
— Isso não é normal?
— Não muito. Sei que temperatura corporal é uma coisa relativa pra você, e a diferença é sutil, mas isso aqui é básico em qualquer casa com crianças. — Balancei a caixinha para indicar o termômetro, e ele tirou delicadamente da minha mão para abri-la, devolvendo o objeto em seguida.
< Ajustei Suki no colo, posicionando o termômetro na axila dela e segurando seu braço no lugar. Ela ameaçou se debater assim que apertei o botão e o objeto apitou.
— Não, meu amor, fica parada só um pouquinho. É pra gente descobrir o que você tem e te ajudar a melhorar. Eu prometo que vai ser rapidinho. — Abracei-a com firmeza, mas sem apertar, pelos poucos segundos que demorou até o apito seguinte, tirando o termômetro imediatamente e acariciando suas costas de leve. — Pronto, pronto, já acabou. — O visor piscava com o número 37, ganhando uma careta minha. Entreguei o objeto para Shoto. — Febril. Não chega a ser muito preocupante, mas não é bom. Deve ser por isso que ela tá assim.
— E o que a gente faz? Vai até o hospital?
— Quem vai no hospital?
Me virei rapidamente, a voz preocupada de Hayato vindo do corredor. Ele trazia o ouriço de pelúcia de Suki nas mãos e tinha uma expressão preocupada.
— Por enquanto ninguém. — Tranquilizei os dois. — Bebês têm febre por um milhão de motivos diferentes, e vários deles não precisam de uma ida ao médico, só de um pouquinho de tempo e muito carinho. Nem realmente com febre a Suki tá, só febril ainda, então primeiro a gente vai tentar descobrir o problema aqui mesmo, tá?
Sua expressão não se suavizou muito, mas não ter que ir ao hospital já o tranquilizava um pouco. Hayato continuava extremamente desconfiado de qualquer adulto que não fosse eu ou Shoto, e ele não gostava especialmente de pessoas de jaleco. Aproximou-se de mim, oferecendo o bichinho de pelúcia para a irmã, mas ela não quis. Testando uma teoria, apoiei uma mão na barriguinha dela, apertando de leve, mas não obtive nenhuma reação diferente. Ok, não era cólica.
— Hum… o que será que você tem? — Murmurei. Como se em resposta, ela levou uma das mãos à boca, esfregando a gengiva furiosamente. Arqueei uma sobrancelha.
— Suki, não faz isso, você vai se machucar, eu já falei pra você. — pediu Shoto, tentando delicadamente puxar o braço dela. Pousei minha mão sobre a dele, parando-o.
— Ela já tava fazendo isso antes? — Ele me ofereceu um olhar confuso e foi Hayato que respondeu.
— Começou hoje de manhã. Por quê?
Sorri aliviada.
— Porque isso quer dizer que eu tenho quase certeza de qual é o problema, e definitivamente não precisamos de um médico.
— O que ela tem?
— Dentinhos nascendo. — Respondi, recebendo um olhar levemente chocado de Shoto.
— Dentes?
— É normal causar febre antes de romper a gengiva. E fazer o bebê ficar agitado e irritado, até porque dói e incomoda. Tem bebês que passam sem nenhum sintoma e tem bebês que sofrem bastante, mas não é motivo de preocupação. Se a Suki tá esfregando a gengiva assim, muito provavelmente são só dentinhos novos que tão incomodando.
— Então o que a gente faz?
— A gente ajuda a sua irmã a ficar mais confortável. E dá muito carinho pra ela enquanto esses dentes não aparecem. Mas só o tempo mesmo vai fazer ela melhorar.
— Então eu me desesperei por nada? — A exaustão era óbvia na voz de Shoto, quase desistindo.
Contive uma risada, mas estava com pena. O coitado estava se esforçando muito, mas não era fácil ser “pai” de primeira viagem, ainda mais por conta própria. Comecei a buscar uma das chupetas de Suki que ela não havia gostado.
— Não por nada, era um comportamento estranho por um motivo que você não sabia. Tava certo em se preocupar. — Encontrando o objeto, estendi para ele. — Consegue encher o bico de gelo? Vai aliviar a gengiva dela. — Ele estendeu a mão direita, encostando só a ponta do dedo. A borracha foi imediatamente preenchida, mas a espessura dela não deixava que a temperatura ficasse desconfortável ao toque. — Aqui, princesa. — Suki mordeu a chupeta em vez da mão, e seu alívio, por menor que fosse, foi óbvio. Ela parou de se debater tanto, aquietando em meus braços. — Prontinho. Agora é só controlar a febre dela e manter sempre algo que ela possa mastigar por perto. — Shoto correu uma das mãos pelo cabelo, suspirando. — Vai descansar. Deixa que eu cuido deles um pouco.
— Tem certeza, ? — Assenti. — Pode me chamar se precisar.
— Fica tranquilo. Temos tudo sob controle, né Hayato?
O menino apenas ergueu os olhos para mim, depois para Shoto e assentiu. Isso pareceu finalmente convencê-lo, e o homem foi pelo corredor até a porta que eu sabia ser seu quarto.
— Tatá? — Perguntou Suki sem parar de mastigar a chupeta.
— Tatá? Você sabe o que é “tatá”, querido?
— Jantar. Ela não quis comer muito no almoço.
— Hum… e você, quer comer alguma coisa também?
Ele cogitou por um momento antes de assentir.
Não querendo sair mexendo na cozinha de Shoto sem a presença dele, acabei pegando frutas para os dois, já que estas estavam em cima da mesa. Depois disso, sentei na sala para brincar com eles. Suki, apesar de desanimada, agora que estava mastigando gelo, conseguiu comer e chegou a brincar um pouco, mas logo veio se aconchegar no meu colo para dormir, seu ouriço de pelúcia nos braços. O brinquedo tinha se tornado seu favorito, e Shoto tinha me dito que ela dormia abraçada no bichinho todos os dias.
Para não acordá-la, me ajeitei no sofá com ela ainda no colo mesmo. Vendo que Hayato parecia ter perdido completamente o interesse em brincar agora que a irmã estava dormindo, peguei meu celular.
— Quer me ajudar a procurar uma casa?
— Que casa você quer procurar?
— Eu to morando em um hotel, preciso achar uma casa pra morar. Eu não morava aqui no Japão antes, e não tinha uma casa minha enquanto tava infiltrada. Como quero que vocês fiquem lá comigo, acho justo que você me ajude a escolher.
— Você… quer que a gente fique com você? — Ele soou surpreso e um pouco… decepcionado, eu acho? — Mas e o Shoto?
Inclinei a cabeça em confusão por alguns instantes, até que finalmente entendi do que ele estava falando. Sorri, correndo uma mão pelos cabelos do menino. Fiquei feliz de saber que ele realmente havia se apegado a Shoto.
— Não, meu amor. Não foi isso que eu quis dizer. Vocês vão continuar morando aqui com o Shoto, até porque ele que é oficialmente o guardião temporário de vocês, e eu não vou conseguir ter uma casa grande igual essa. Mas quero ter uma casa onde vocês dois possam vir ficar de vez em quando, quando o Shoto precisar trabalhar ou só vocês quiserem passar um tempo comigo. Assim como eu vim pra cá hoje, quero que vocês também possam me visitar. Entendeu?
— Então… então a gente vai continuar aqui?
— Acho que sim. Por quê? Você não quer continuar aqui?
Hayato baixou os olhos verdes, suspirando, e não me respondeu por vários segundos. Eu já estava ficando preocupada quando ele finalmente falou, a voz baixa e triste partindo meu coração:
— A gente não tem mais casa pra voltar, né? — Quando não respondi imediatamente, ele ergueu o olhar para mim, a dor óbvia neles, mesmo que ele estivesse tentando passar uma imagem de força. — Eu vi as pessoas que levaram eu e a Suki colocando fogo na nossa casa. Não sobrou nada, né?
Ele não tinha dito, mas eu sabia que “nada” não era a casa. Hayato era inteligente e, apesar de pequeno, já entendia muito bem o mundo à sua volta. Além disso, tinha passado muito tempo em contato com o pior que a humanidade tinha a oferecer sem ninguém para protegê-lo. Não me surpreendia que ele tivesse chegado à conclusão de que os pais haviam sido assassinados.
E, por mais que ainda não houvéssemos encontrado provas disso - ainda nem havíamos descoberto o sobrenome das crianças ou quem realmente eram seus pais para tentar encontrar notícias da sua família - eu também sabia que a chance de eles estarem vivos era minúscula. Takahashi era cruel, não tinha o menor apreço pela vida humana e não gostava de pontas soltas nem de ter que esperar. Se Hayato estava com eles sendo torturado pela sua Individualidade, que era a mesma de seu pai, significava que o adulto não era mais uma opção. Engoli o nó na minha garganta, sabendo que não podia dar falsas esperanças a ele.
— Provavelmente não, amor. A gente ainda não descobriu nada sobre a vida de vocês antes, mas… as chances são bem pequenas. Sinto muito. — Ele assentiu resignado e tentou disfarçar quando fungou, contendo as lágrimas. — Hey, olha aqui pra mim. — Os olhos verdes se ergueram na minha direção e eu mesma tive que conter lágrimas. Passei o braço que não segurava Suki ao seu redor, puxando-o para um abraço de lado. — Vocês não estão sozinhos. Eu não posso trazer a sua vida antiga de volta. Você não sabe o quanto eu queria conseguir mudar o passado, mas infelizmente esse poder nós não temos. Mas o que eu posso fazer é cuidar do seu presente e do futuro. Vocês não estão sozinhos e não vou deixar que fiquem sozinhos nunca mais. Vocês têm eu e o Shoto, e nós não vamos a lugar nenhum. — Minha voz estava estranha pelo choro que eu tentava impedir de cair, mas não pude mais me conter quando Hayato me abraçou de volta, escondendo o rosto no meu ombro.
— Promete? — Perguntou, a voz abafada. Senti suas lágrimas silenciosas molhando minha blusa e as minhas acompanharam, caindo no cabelo dele quando me inclinei para depositar um beijo no topo da sua cabeça, apertando-o mais contra mim. — Prometo, meu amor.
Minha mente trouxe de volta as lembranças de uma promessa parecida feita alguns anos antes, só que naquela situação não fui eu quem a fez. É, eu daria tudo para poder mudar o passado.
10 de janeiro
— Aí eu fui embora, né? Não ia continuar trabalhando naquele hospício. Aí aproveitamos que as nossas aulas particulares são online mesmo e estendemos o tempo da viagem.
— E os horários também funcionam, já que eram de manhã cedo ou de noite. Só inverteu.
— E onde entra a entrevista de emprego de ontem? — Perguntei divertida.
Havia descoberto por acaso que duas amigas minhas da época da faculdade estavam em Tóquio e não pude deixar passar a oportunidade de encontrar com elas, marcando um almoço. Diferente de mim, Lara e Babi haviam se mantido na área da nossa formação, e eram professoras excelentes - inclusive, Lara tinha grande mérito na velocidade com que eu aprendi japonês -, mas elas sabiam sobre o meu trabalho desde a época em que fui contratada na primeira agência, ainda no Brasil. Não conversávamos fazia algum tempo, então elas não sabiam que eu estava morando no Japão nem eu que elas estavam vindo pra cá, mas elas tinham adorado a ideia de nos encontrarmos para matar as saudades quando sugeri.
— Completamente por acidente. — Riu Babi. — A gente achou as vagas por acaso na internet, né? No dia que a gente chegou. — Lara assentiu. — Até achei que era um anúncio falso, mas a gente foi pesquisar a empresa e tinha um anúncio mesmo no site oficial deles, então pensamos: por que não?
— E no dia seguinte eles ligaram pra marcar as entrevistas.
— Então existe a chance das duas bonitas virem morar aqui pertinho de mim?
— Olha, queria viu — disse Lara, roubando uma batata frita do meu prato. — Não vou mentir que seria perfeito vir morar aqui.
Sorri. Eu amava o que eu fazia, mas não podia negar que sentia muita falta das pessoas. Trabalhar em uma agência que me manteria estacionada sempre no mesmo país e ter duas das minhas melhores amigas morando aqui seria incrível.
— Aí, espero mesmo que vocês consigam. Eu ia amar ter vocês aqui. Já to nesse país tem quase um ano e quase não conheci ninguém.
— Ué, mas você não disse que veio pra cá pra aceitar um emprego? Que a agência foi te buscar lá no Brasil?
— Sim, mas eu já cheguei começando a missão. Eles foram atrás de mim porque o problema tava ficando grande e precisavam de uma solução meio urgente. Tive coisa de uma semana de preparo antes de deixar de ser .
— Mas você foi sozinha? Não tinha nenhum parceiro da agência nem nada do tipo? Na outra agência vocês iam sempre em dupla, não era?
Engoli em seco, desviando o olhar. Eu sabia que Babi não tinha perguntado para me machucar, mas ainda doía.
— É. Mas acho que não quero mais trabalhar com parceiros. É… complicado no meu ramo.
Cada uma delas pegou uma das minhas mãos por cima da mesa e apertou de leve. Elas sabiam sem muitos detalhes o que tinha acontecido, Liam tinha contado. Respirei fundo, oferecendo um pequeno sorriso agradecido para as duas e continuei:
— Além disso, essa missão em específico teria sido muito mais trabalhosa se tivesse que colocar mais gente comigo. Eu to feliz que finalizamos ela. — Franzi o cenho. — Quer dizer, finalizamos a primeira parte. Ainda tem muito pra resolver dela.
— Algo que você possa falar? Ou só burocracia?
— Tem muita burocracia sim. Meu quarto no hotel tem mais papelada que espaço. — Nós três rimos. — Mas tem bastante coisa pra fazer mesmo. A finalização foi meio corrida mês passado, ainda tem muita ponta solta. — Como se invocado pelo assunto, meu celular começou a tocar, a foto de Shoto acendendo a tela. Soltei um risinho. — E falando em ponta solta…
Ambas ergueram as sobrancelhas para mim, me direcionando olhares indagadores, mas levei um dedo aos lábios pedindo silêncio conforme atendi.
— Oi. Ta tudo bem?
— Sim sim, dessa vez as crianças estão bem. Desculpa te ligar. Pode falar agora? — Disse Shoto do outro lado da linha.
— Eu já falei pra você que não tem problema. E posso sim. Mas a que devo a honra dessa ligação? — Lara e Babi começaram a gesticular fazendo piada, mas revirei os olhos para elas segurando o riso.
— Hum… — Ele soou confuso por um momento com a minha frase, mas deixou passar. — Você está ocupada amanhã à noite?
Ergui as sobrancelhas.
— Ah, não, não to ocupada não. Meus planos na verdade eram maratonar uma série. Por quê?
— Eu preciso comparecer a um evento, mas vai ter muita gente, e não quero obrigar as crianças a irem. É muito tarde pra Suki, e o Hayato ainda não se sente confortável com ninguém além de nós dois. Desculpa pedir assim em cima da hora, mas eu ainda estava tentando dar um jeito de não precisar ir. Você poderia vir cuidar deles? Eu posso pagar, se você quiser. — Revirei os olhos.
— Nem pense nisso. É óbvio que eu vou, Shoto, jamais recusaria um pedido desses. Eu vou adorar, na verdade. — Ouvi um suspiro aliviado do outro lado.
— Obrigado. Mesmo. Fico bem mais tranquilo em saber que eles estarão com você. Tem certeza que não te atrapalha?
— Claro que não. Que horas devo chegar na sua casa?
— O evento começa umas 20h, então acho que meia hora antes?
— Perfeito. Então 19h30 eu to aí.
— Obrigado mais uma vez, .
— Até amanhã.
Desliguei sob dois rostos chocados.
— “Ah porque não conheço quase ninguém aqui.” E aí liga o boy pra ela ir na casa dele amanhã. Mas é dissimulada!
— E ele é famoso ainda! É um dos maiores heróis profissionais do Japão. A senhora quer fazer o favor de explicar?
Revirei os olhos, rindo muito.
— Ele também é meu chefe.
— Pode ser, mas você chamou ele pelo nome sem honorífico e vai na casa dele. Isso quer dizer que a bonita tá dando em horário de trabalho? Que feio.
— Lara! — Minhas bochechas queimaram, e Babi logo apontou para elas.
— Ó, tá toda vermelhinha. Conta aí , o fogo é só a Individualidade dele?
— Eu não to pegando ele, suas piranhas! — Ri, revirando os olhos. Elas não tinham mudado mesmo.
— Mas queria.
— E — continuei, ignorando o comentário — ele não me chamou pra um encontro amanhã, me chamou pra ficar de babá das crianças que a gente resgatou.
— Que crianças?
Expliquei rapidamente a história de Hayato e Suki e como eu e Shoto estávamos compartilhando o cuidado deles desde o resgate.
— Aí coitadinhos. E vocês ainda não tem nem pista sobre a família deles?
Balancei a cabeça.
— Tenho quase certeza que os pais estão mortos, e o Hayato disse que o pai tinha a mesma Individualidade que ele, mas isso é tudo o que a gente conseguiu descobrir.
— E enquanto isso vocês estão responsáveis por eles.
— Mais ou menos. Tecnicamente é só o Shoto, mas ele não tinha a menor ideia de como lidar com crianças.
— E você não conseguiu deixar quieto, né?
Sorri e dei de ombros.
— Vocês me conhecem. Eu me apeguei àqueles dois antes do resgate.
— E ao guardião deles? — Provocou Lara uma última vez, me arrancando uma risada e um revirar de olhos.
— Olha, se não fosse toda essa situação, eu não recusaria não. — Admiti e as duas gritaram imediatamente.
— Eu sabia!
— Depois chama a gente de piranha.
Babi empurrou meu ombro de leve e eu ri. Eu nem havia notado o quanto senti a falta desses momentos de brincadeiras descontraídas.
12 de janeiro
Shoto’s POV
Abri a porta cansado. O “evento” ao qual eu não pude faltar era um jantar em homenagem ao meu aniversário. Midoriya e Ashido não deixavam que nenhum de nós passasse sem comemoração, dando um jeito de celebrar todos os anos. Era principalmente um jeito de comemorar que, mesmo com tudo o que havíamos passado e todos os riscos que ainda corríamos, estávamos todos vivos. Eu tinha tentado convencê-los a deixar passar o meu esse ano, por conta das crianças, mas todos tinham se recusado. Até meus irmãos já tinham sido envolvidos, então eu realmente não tive como escapar. Não me leve a mal, eu adorava eles, só estava preocupado com Hayato e Suki. Eles tinham se escondido no quarto no dia em que Fuyumi viera trazer comida para nós, só saindo quando tinham certeza de que ela tinha ido embora, eu não podia apresentá-los a tantas pessoas novas de uma vez. Pelo menos agora eles estavam avisados que eu não poderia ficar saindo, pelo menos até essa situação estar resolvida. Não seria justo ficar fazendo ficar de babá o tempo todo, ainda mais se ela se recusasse a receber por isso.
Tirei os sapatos e o casaco, deixando-os na entrada, e estranhei as luzes estarem todas apagadas. A bolsa de ainda estava no sofá da sala, o que me dizia que ela não tinha ido embora, mas nem ela nem as crianças estavam à vista.
— ? — Chamei cuidadosamente, mas também não obtive resposta, o que começou a me preocupar. Será que tinha acontecido alguma coisa enquanto eu estava fora?
Continuei vagarosamente avançando, entrando na cozinha para deixar a comida que Bakugo havia mandado na geladeira quando algo na bancada chamou a minha atenção. Indo verificar, encontrei um bolo com as palavras “Feliz aniversário”. Era claramente um bolo caseiro, e, à exceção das palavras, o acabamento parecia levemente bagunçado, como se tivesse sido feito por alguém que não tinha muita habilidade.
Deixando aquilo de lado, fui até o corredor dos quartos, onde finalmente entendi o silêncio e a escuridão: Suki dormia dentro de seu berço, abraçada em seu bichinho de pelúcia, e, na cama ao lado, Hayato estava deitado com a cabeça no colo de uma também adormecida.
Ela estava toda torta. Parecia que estivera sentada, mas acabou escorregando um pouco pela parede, onde sua cabeça estava apoiada, os cabelos escondendo parte de seu rosto. Uma das mãos repousava nos cabelos de Hayato, e o outro braço estava caído ao lado dele em uma posição que não parecia muito confortável.
Sabendo que ele tinha dificuldade para dormir, me perguntei se ela teria deitado com ele por conta disso, e por um momento fiquei em dúvida se deveria acordá-la. Balancei a cabeça em seguida, me abaixando. Já era tarde e ela provavelmente queria voltar pro seu hotel. Apoiei uma mão de leve em seu ombro.
— ? ? — Minha voz mal passava de um sussurro, não querendo acordar Hayato.
Ela estremeceu quase imperceptivelmente.
— Hum… — seus cílios tremularam antes de ela piscar algumas vezes, abrindo os olhos e focando em mim. — Shoto…? Ah!
— Shhh — apontei para Hayato e ela pareceu entender, se calando. Me afastei para que ela pudesse levantar, e delicadamente tirou o menino de cima de si antes de deslizar para fora da cama.
Ela andou até o berço para dar uma última olhada em Suki antes de sairmos do aposento.
Acendi a luz da sala a tempo de vê-la passando as mãos pelo cabelo em uma tentativa de deixá-lo menos bagunçado.
— Que horas são?
— Meia noite e meia. Desculpa, eu tentei sair cedo, mas eles se empolgam um pouco. — Franzi o cenho de leve.
— Nesse caso, com meia hora de atraso, feliz aniversário. — Parei, surpreso. Eu não havia dito que era meu aniversário. — Era esse o evento que você não podia faltar, né?
— Era. Como você…?
— Eu tava com duas amigas quando você ligou ontem. Não sei se elas pesquisaram você ou se viram por acaso em algum lugar, mas elas me falaram umas horas atrás. — Ela deu de ombros, as bochechas ficando levemente coradas, o que ressaltou suas sardas. — As crianças queriam ficar acordadas pra te dar parabéns depois que descobriram, mas achei que ia ficar muito tarde. E realmente, os dois apagaram faz tempo.
— É, acho que acabei não mencionando com eles também. — Admiti, esfregando a nuca. — Pra falar a verdade, não me importo muito com comemorações.
— Ah, não. Não ouse dizer isso pra eles. O Hayato ficou empolgado pra fazer um bolo pra você, e foi a primeira vez que ele se empolgou com qualquer coisa desde o resgate.
— Então é daí que surgiu aquele bolo?
— É, e por tudo que é mais sagrado faz cara de surpresa de manhã e finge que gostou. Eu juro que tá direitinho o bolo, apesar de ter deixado os dois fazerem a maior parte.
Inclinei a cabeça em confusão.
— Mas eu gostei. Hayato se animou mesmo?
Ela assentiu, um pequeno sorriso tomando seus lábios.
— Sim. Ele gosta bastante de você. No outro dia ficou todo preocupado, porque achou que eu tava sugerindo que eles fossem morar comigo.
Pisquei algumas vezes, absorvendo a informação. Aquela possibilidade nem havia passado pela minha cabeça, mas faria todo o sentido. tinha mais disponibilidade que eu, conhecia os dois há mais tempo e realmente sabia cuidar de crianças, não precisava ficar pedindo ajuda para descobrir o que fazer o tempo todo, como eu.
— Você estava? Quer que eles morem com você?
Ela se girou para me encarar, claramente surpresa com a pergunta. Seus olhos se fixaram em meu rosto, parecendo tentar analisar o que eu achava daquilo, antes de responder com certa hesitação:
— Não, eu não… Olha, eu não quero tirar eles daqui. — Balançou a cabeça. — Nunca vou poder dar pra eles todo esse espaço, mas, mais que isso, com você eles estão seguros, e se sentem seguros. Eu to morando em um quarto de hotel, Shoto. Claro que eu adoraria passar mais tempo com eles, e eu não teria problema nenhum em ficar com a guarda provisória deles se você não tivesse se oferecido, mas eles estão bem aqui com você, e isso pra mim é o mais importante. O que eu disse pro Hayato foi que, quando eu tiver uma casa, quero que seja um lugar que eles gostem, que eles possam ir me visitar. A gente nem sabe ainda o que vai acontecer com eles, se eles têm familiares vivos, se vão ser colocados pra adoção… — desviou o olhar nessa última parte, seu tom mudando de forma sutil. Ela suspirou então, continuando: — Eu to tentando focar no presente deles, porque é o que dá pra fazer. E no presente o melhor pra eles é continuar morando com você, então…
— Será que é? Na maior parte do tempo, eu não tenho ideia do que to fazendo. E não sei até quando vou poder continuar sem trabalhar. — Admiti. Eu me questionava aquilo todos os dias. Não era só que eu não sabia as necessidades de uma criança, eu também não tinha tido o que se pode chamar de bons exemplos de paternidade na vida. A última coisa que eu queria era acabar causando mais traumas aos dois.
— Eu não sou nenhuma especialista, mas a maioria dos pais e mães de primeira viagem não têm ideia do que estão fazendo na maior parte do tempo. Você tá se saindo muito bem, e isso fica claro na sua preocupação com eles e no carinho que eles têm por você. — Garantiu, me oferecendo um sorriso. Minhas preocupações não foram embora, mas foi tranquilizador saber que ela achava que eu estava fazendo um bom trabalho. — E de resto, bom… vamos focar no presente deles e ir resolvendo os problemas conforme aparecerem, que tal?
Assenti. Soava como uma boa estratégia.
Parecendo satisfeita com a nossa conversa, pegou sua bolsa e começou a se dirigir para a porta. Parei ao seu lado enquanto ela calçava os sapatos, esfregando a nuca, suas palavras de antes ainda ressoando em minha mente.
— Pode… — Pigarreei. — Pode vir vê-los. Quando quiser. É só aparecer.
Ela ergueu os olhos ao ouvir minha voz e sustentei seu olhar.
— Quê?
— Você disse que queria passar mais tempo com as crianças. Quando quiser visitá-los, pode vir. Eles ficam felizes quando você vem.
Suas bochechas se tingiram de vermelho outra vez e ela desviou o olhar.
— Olha que eu venho mesmo, hein?
— Mas é pra vir. — Respondi confuso. Por que eu estaria chamando se não fosse pra ela vir?
Ela soltou um risinho de canto após ver minha expressão.
— Obrigada por convidar. Vou vir sim.
7 de fevereiro
’s POV
Àquela altura eu já não me surpreendia mais quando meu celular tocava e era Shoto ligando, embora agora a foto não fosse mais uma que eu havia pego na internet, e sim uma dele com as crianças que eu havia tirado em um dos dias que fui visitá-los. Sorri amarelo para o corretor que estava me mostrando o apartamento.
— Você pode me dar licença um minuto? Eu preciso atender.
— Claro, sem problemas.
— Obrigada. — Entrei em um dos quartos pelos quais havíamos acabado de passar antes de atender. — Diga.
— Você tá ocupada, ?
Suspirei. Ele não tinha protestado meu pedido pra me chamar pelo apelido, mas parecia que esquecia isso toda hora.
— , Shoto. Já falamos sobre isso. E mais ou menos, eu tava conhecendo um apartamento e depois tenho uma reunião com a Beifong. Por quê?
— Ah, será que você consegue me ajudar por telefone então? A Suki não para de chorar e eu não sei mais o que fazer. — Ele parou por um momento. — De novo. Já tentei a chupeta de gelo, mas ela não quis, e não tá esfregando a boca, então não acho que sejam mais dentes.
Franzi o cenho, preocupada.
— Você já tentou as outras coisas?
— Já, e também medi a temperatura dela. Não está com febre.
Ajeitei o cabelo atrás da orelha, mordendo o lábio e tentando fazer uma lista mental do que poderia ser. Quando meu silêncio se alongou, acabei ouvindo a voz de Hayato do outro lado.
— Você também? O que você tá sentindo? — Perguntou-lhe Shoto preocupado.
— O que foi?
Alguns segundos se passaram em que não obtive resposta, apenas pude ouvir a conversa abafada dos dois do outro lado.
— Hayato disse que está com dor de barriga.
— Hum… — Passei uma mão pelo cabelo, pensando. Eu não queria mandá-los pro médico se não fosse absolutamente necessário. — Será que é a mesma coisa? Vê se a Suki tá com a barriguinha inchada ou se ela se incomoda se você mexer na barriga dela.
Houve um silêncio enquanto Shoto provavelmente fazia o que eu havia dito, e logo pude ouvir os protestos de Suki.
— Desculpa, pequena. Ela se incomoda, com certeza. — Não pude deixar de sorrir. Shoto tinha desenvolvido esse hábito de chamar Suki de “pequena” nas primeiras semanas, era adorável.
— Ok. O que você deu pra eles comerem hoje? Algo diferente, alguma comida forte…?
— Nós almoçamos em casa, comemos umas coisas que o Bakugo mandou. — Ele parou por um momento, parecendo refletir. Ouvi Hayato fazer algum comentário. — Você achou apimentado?
— Pode ter sido isso. Tem gente que não se sente muito bem com pimenta, ainda mais se não tá acostumado a comer. E as crianças não estão.
— E o que eu faço?
— Comidas leves. Macarrão sem muitos molhos ou temperos, purê de batata, torrada ou pão… evita dar fritura ou derivados de leite pra eles. São coisas simples de fazer, mas posso te mandar algumas receitas. A Suki deve estar com um pouco de cólica também, bebês têm cólica por qualquer coisa. Se você conseguir fazer sua mão funcionar como uma bolsa de água quente, deve ajudar.
— Comidas leves com pouco tempero e sem leite e calor na barriga da Suki. Entendi. — Seu tom parecia mais aliviado, por mais sutil que a diferença fosse. Shoto não era uma das pessoas mais expressivas do mundo, mas eu estava rapidamente aprendendo a lê-lo. — E não preciso levá-los ao médico?
— Só se eles vomitarem muito ou continuarem se sentindo muito mal amanhã. Ah, e mantém os dois hidratados.
Ele soltou um som de concordância.
— Ah, e eu achei seu casaco. Tava no meio dos bichos de pelúcia.
— Nossa, como foi parar lá? Bom, não importa. Obrigada por encontrar. Da próxima vez que eu for aí eu pego. — Vi o corretor me aguardando na porta do quarto e senti minhas bochechas se aquecerem. — Eu preciso ir, mas vai me falando como eles estão, ok?
— Claro. Obrigado mais uma vez.
— Hey, eles são minha responsabilidade também. Não precisa agradecer.
— Precisa sim.
Revirei os olhos, sorrindo e desistindo de discutir aquilo com ele.
— Tá, a gente se fala depois.
— Tchau .
— Tchau Shoto.
— Desculpe interromper.
— Não, tá tudo bem. Já estávamos acabando mesmo.
— Seu namorado está sozinho com os filhos de vocês? — Parei na mesma hora, arregalando os olhos.
— Quê? Não, não, ele não é meu namorado. E as crianças não são nossos filhos. — Balancei a cabeça enfaticamente. De onde aquele cara tinha tirado que éramos um casal? — Somos só amigos, e as crianças estão só temporariamente com a gente.
— Oh, perdão. Eu acabei ouvindo parte da conversa e assumi… bom, não importa. Podemos continuar?
— Claro.
The Move
’s POV
— ? Seu telefone tá tocando. — Hayato chamou, apontando para o aparelho em cima da mesa.
— Consegue ver quem é, meu amor? — pedi, ajeitando Suki no meu quadril e guardando as últimas roupas dela no armário. O menino ficou alguns segundos em silêncio antes de responder.
— É o seu irmão com o gato preto. — Soltei uma risada de leve, olhando pra ele por cima do ombro.
— Pode atender pra mim? Só preciso terminar aqui.
Hayato não respondeu, mas ouvi o celular parar de tocar. [N/A: gente, só pra ninguém se perder, quando as falas estiverem em negrito é pq os personagens tão falando português, ok? Em diálogos q forem inteiros na mesma língua não vai ter essa diferenciação, só quando tá misturado, q é pra deixar claro que parte das pessoas presentes não ta entendendo o q ta sendo dito]
— Hey, ta… hum? — A voz do meu irmão soou confusa ao ver que não era eu na câmera. — ?
Virei a tempo de ver Hayato timidamente acenando com uma mão enquanto segurava o telefone com a outra e depois apontando para mim, virando o aparelho pra que Liam me visse. Acenei com a mão que segurava um pijama, rindo.
— Já te atendo, Li, só me dá um minuto.
Liam não falava muito japonês além de frases básicas como “bom dia”, “por favor” ou “obrigado”, e Hayato não falava nenhuma língua além de japonês — embora eu estivesse começando a ensiná-lo algumas palavras em português —, o que tornava uma conversa entre os dois praticamente impossível. Mesmo assim, meu irmão estava começando a arranjar tempo para aprender um pouquinho mais e ele se esforçava para se entender com Hayato dentro do possível.
Não consegui conter o sorriso, um quentinho no coração, ao ouvir meu irmão perguntando “Neko*?” e Hayato soltando um tímido “sim” em português, seguido pelo jovem do outro lado do mundo chamando o nome da gata de estimação, uma vez normalmente e uma segunda em tom exasperado. A risadinha tímida de Hayato com o que quer que o animal estivesse fazendo diante da câmera foi um presente inesperado.
Ele estava melhor a cada dia. Três meses depois do resgate, ele e Suki já não tinham marcas físicas visíveis de seu tempo em cativeiro além de serem um pouco menores do que a média para as idades deles. Ela já tinha vários dentes, já balbuciava pedaços de várias palavras e começava a alcançar o estágio de desenvolvimento em que deveria estar, brincando e explorando o tempo todo, engatinhando pela casa inteira — e deixando Shoto e eu um pouco malucos. Hayato ainda estava longe de estar bem, mas cada dia que passava o aproximava mais disso. Ele já brincava sem que a iniciativa precisasse partir de Suki, falava um pouco mais, demonstrava interesse em algumas coisas, como desenhar ou cozinhar, e já não abominava interações com pessoas além de mim e Shoto, desde que elas fossem virtuais e com pessoas em que ele sabia que nós confiávamos — o que era ótimo, porque tínhamos conseguido que ele começasse a fazer terapia, mesmo que virtualmente —, mas seus sorrisos e risadas ainda eram raros.
Engolindo as lágrimas, consegui terminar de guardar as roupas e fui até eles.
— To! — Suki exclamou risonha ao ver Lena se esticando no balcão da cozinha e quase derrubando uma tigela.
— Gata dissimulada, fazendo graça pras crianças como se não estivesse causando dois segundos atrás. — Resmungou Liam em português do outro lado e eu ri.
— Liam. — Hayato chamou e meu irmão virou a câmera de volta para seu rosto, sorrindo ao me ver. O menino acenou para ele antes de me entregar o telefone, ainda inseguro com a pronúncia da palavra “tchau”.
— E ai?
— Achei que fosse te pegar no hotel. — Vendo a menina em meus braços, ele sorriu, acenando para ela. — Oi Suki!
— Ii! — Ela respondeu, estendendo uma das mãozinhas para o celular. — To?
— O Shoto precisou fazer patrulhamento hoje e eu tava de home office, então vim ficar com eles. — Assisti enquanto ele pegava a gata no colo, colocando-a frente à câmera para atender o pedido de Suki. Liam ergueu uma sobrancelha para mim, a expressão cheia de escárnio.
— Ah, claro. Como se você precisasse de motivo pra ir aí. , você ta aí todos os dias.
— Não… Não é todo dia, seu exagerado. — Protestei, vendo-o rolar os olhos.
— , pelo amor de deus, até a vovó sabe que é mais fácil achar você aí na casa do Shoto com as crianças do que em qualquer outro lugar.
— Nossa, não precisa falar assim também — resmunguei, sentindo as bochechas esquentarem. Ele apenas riu da minha cara.
— Não é ruim, é só que você praticamente mora aí com eles.
— Seu irmão tem razão. — Soou a voz do meu pai um segundo antes de ele aparecer na tela e foi minha vez de revirar os olhos.
— Que isso, complô? — Mas fui ignorada em favor de Suki, para quem meu pai abriu um sorriso enorme.
— Oi! Dá oi pro tio?
Ela virou os olhos verdes pra mim como se para confirmar e eu apenas suspirei, contendo o sorriso.
— Ele é meu pai, princesa, lembra? Ele tá dando oi. Pai, já te falei que a Suki não entende uma palavra que você diz. — Sentei no chão ainda com ela no colo. Após a minha tradução, ela balançou uma das mãos gorduchinhas para ele, rindo das caretas que ele fazia.
— Pode não entender, mas ela gosta do tio, olha como ela tá rindo! — Balancei a cabeça, rindo de leve. Meus pais e Liam tinham sido virtualmente apresentados às crianças recentemente, já que eles normalmente me ligavam por vídeo e, apesar dos meus protestos, eles tinham razão, eu passava mais tempo aqui do que em qualquer outro lugar, até mesmo no meu quarto no hotel. E considerando o quanto minha família amava crianças, eu frequentemente ficava em segundo plano nas ligações, mas não me importava. Ele voltou os olhos para mim então. — Como você ta? Já encontrou algum lugar?
— To bem, mas ainda não achei nada. Os últimos lugares eram muito pequenos pro quanto custavam, ou muito longe da sede da agência.
— , me ajuda? — Hayato pediu timidamente, apontando para a estante. Tínhamos comprado vários livros infantis e de atividades para eles, e talvez eu tivesse me empolgado um pouco e abarrotado o móvel, o que às vezes tornava difícil tirar alguma coisa dali.
— Claro, meu amor. — Entreguei o celular para ele e terminei de puxar o livro que ele apontou.
— Oi Hayato! É Hayato, né? — Ouvi meu pai cumprimentar animadamente e depois baixar a voz para confirmar com Liam.
— Oi. — Ele respondeu, devolvendo o celular pra mim em seguida e saindo do alcance da câmera com seu livro. — Obrigado.
— De nada.
— Ele é tímido demais.
— Pai, ele não é tímido. Ele tá se recuperando do trauma de tudo que ele passou. Já expliquei isso. O fato de ele aparecer quando vocês ligam e realmente responder quando falam com ele em vez de se esconder atrás de mim já é um avanço sem tamanho.
— Tá bom, tá bom, desculpa. — Ele ergueu as mãos e eu e Liam trocamos um olhar de resignação, sabendo que não adiantava falar nada. — Você já pensou em procurar um apartamento aí perto?
— Eu nunca mostrei o lado de fora da casa aqui, né? Nem tem apartamento nesse bairro, só casas enormes e completamente fora do meu orçamento. — Ri. Suki se inclinou para frente e a soltei, deixando-a engatinhar até o irmão para brincar com ele. — O pai do Shoto foi o herói número 2 do Japão por anos, depois o número 1 quando o All Might se aposentou, e agora o próprio Shoto tá sempre no TOP 3. O menino é rico desde pequeno, eu não tenho condições de ver um lugar aqui perto.
— Bom, você não pode morar naquele hotel pra sempre. Achei que o ponto de ir pro Japão fosse você arranjar estabilidade. — Suspirei, contendo o impulso de virar os olhos. Sim, estabilidade era parte do motivo da minha mudança, mas longe de ser a maior, e não era como se eu não estivesse tentando arranjar um apartamento.
— Eu sei, pai. Já disse que estou procurando, e pode ficar tranquilo que eu vou achar o lugar certo e aviso quando isso acontecer, tá?
— Espero que sim. — E com isso ele saiu do campo da câmera.
Liam me ofereceu um olhar compreensivo e eu apenas balancei uma mão, querendo deixar pra lá.
— Já saiu do castigo burocrático?
— Mais ou menos. Ainda tem muita coisa dessa última missão pra resolver, mas agora tenho feito alguns patrulhamentos pontuais. E a Beifong também me colocou pra treinar alguns dos outros agentes, então pelo menos não to mais fazendo só papelada.
— Ah, pelo menos. — Ele deu uma pausa, sua expressão se tornando preocupada por um momento. — E como você tá? Considerando…
— Um dia de cada vez. Tem momentos mais difíceis que outros. — A mudança no meu tom de voz fez Hayato imediatamente erguer os olhos pra mim, preocupado, e Suki engatinhou até mim, pondo a mãozinha na minha bochecha. Virei o rosto para lhe dar um beijo, arrancando uma risada, e sorri para eles. — Cuidar dessas coisinhas lindas ajuda bastante. Tá tudo bem, Hayato, não precisa se preocupar, tá?
Ele hesitou por um segundo antes de assentir e voltar ao que estava fazendo.
— Que bom. Eu fico preocupado com você lidando com isso aí, longe de todo mundo. — Abri a boca para responder, mas ele foi mais rápido. — Eu sei, eu sei porque você foi e que você precisava disso. Mas me preocupo mesmo assim.
— Você é o melhor irmão de todos. Mas pode ficar tranquilo que eu to bem.
— Sabe que eu não consigo não me preocupar, foi você que me ensinou a ser assim.
— Isso você podia não ter aprendido, né? — Ri e Liam deu de ombros.
— Agora preciso ir. A gente se fala amanhã, tá? — Assenti. — Tchau Hayato, tchau Suki.
— Tchau Liam.
— Ii! — Suki acenou animadamente em resposta, e eu sorri, acompanhando-a antes de terminar a ligação.
11 de março
Shoto’s POV
Tirei os sapatos e o casaco, suspirando cansado. O trabalho tinha se estendido muito mais do que deveria por conta de um grande acidente de trânsito entre dois ônibus e um caminhão que aconteceu nos últimos minutos do meu patrulhamento, deixando vários feridos e causando risco de explosão. Como resultado, meu turno, que deveria ter acabado às 22h, tinha se estendido até quase 3h da manhã.
Mais uma vez, as luzes estavam todas apagadas conforme avancei pela casa, e agradeci mentalmente pela disponibilidade de para ficar com as crianças ao ver os sapatos dela na entrada. Eu me sentia mal de ficar usando-a como babá, especialmente porque ela continuava se recusando a aceitar meu dinheiro, mas também não tinha ideia do que faria se ela não pudesse me ajudar a cuidar deles. Por mais que a melhora dos dois fosse óbvia, eles ainda tinham muito medo de encontrar outras pessoas que não fôssemos nós.
— ? — Chamei baixinho ao abrir a porta do quarto das crianças.
A imagem que encontrei foi uma que já havia se tornado comum: Suki dormia pacificamente em seu berço abraçada ao ouriço de pelúcia que ganhou de Natal e Hayato estava em sua cama de alguma forma agarrado a uma também adormecida.
— Posso te fazer uma pergunta? — pedi em uma das muitas noites que cheguei depois de colocar as crianças na cama. Ela estava colocando os sapatos para ir embora.
— Claro, o que foi?
— Por que você sempre acaba dormindo na cama com o Hayato?
— Ah. — Ela desviou o olhar, suas bochechas ficando levemente vermelhas. — Eu não sei se com você também é assim, mas ele só… não dorme. Se eu não deitar com ele. É o medo de acontecer alguma coisa, eu acho. Eu não pensei muito da primeira vez que eu fiz, foi só no automático. — Inclinei minha cabeça, sem entender do que ela estava falando, e suspirou, ficando em pé outra vez. Mesmo assim, ela precisava olhar para cima por conta da nossa diferença de altura. — Quando meu irmão tinha a idade do Hayato, a gente dormia no mesmo quarto, e eu deitava na cama junto com ele e ficava cantando ou contando histórias até ele dormir quando ele tinha pesadelos. O Hayato não quis dormir no seu aniversário, daí eu só tentei isso e deu certo. Mas eu dormir também não costuma ser de propósito.
— Você tá cansada. — Afirmei. — Eu consigo dar conta deles sozinho se-
— Shoto, cuidar das crianças não é o que me deixa cansada. Já falei várias vezes, eu venho porque gosto de ficar com eles.
Franzi o cenho. Ela podia gostar, mas não podia se exaurir por causa disso.
— Precisa descansar. — Ela sorriu, balançando a cabeça.
— Obrigada pela preocupação, de verdade, mas eu to bem. Sempre tive um pouco de dificuldade pra dormir, não é nada demais.
Pensei em acordá-la para que ela voltasse para o hotel, mas a lembrança da nossa conversa me fez parar. precisava desse descanso. Era o mínimo que eu podia fazer por ela. Além disso, já era muito tarde, ela não conseguiria um táxi e eu não a faria voltar a pé no meio da madrugada.
Dando meia volta, deixei a porta aberta e atravessei o corredor para o quarto de hóspedes. Abri o armário, pegando travesseiros e cobertores e ajeitando na cama antes de retornar para o quarto das crianças.
Hayato tinha se movido enquanto eu estava fora, mas continuava dormindo. Ele agora estava apenas ao lado de , encostado no braço dela. Hum, isso facilita. Abaixei, passando um braço por baixo dos joelhos dela e o outro pelas suas costas, erguendo-a delicadamente para não acordar nem ela nem Hayato.
Segurei-a com cuidado contra mim, seu perfume invadindo meus sentidos quando ela se mexeu. Congelei, esperando pra ver se a tinha acordado, mas apenas se ajeitou em meus braços, deitando o rosto contra meu peito, os cabelos escondendo parte de suas feições. Respirei fundo e me encaminhei para o quarto de hóspedes, tentando fazer o mínimo possível de barulho.
Pousei-a na cama devagar e ela se ajeitou mais uma vez, sem acordar. Puxei um dos cobertores que havia pegado antes, cobrindo até os ombros, e ela soltou um suspiro. Seus cabelos estavam espalhados no travesseiro ao seu redor, mas algumas mechas ainda caiam sobre seu nariz e bochechas. Sem pensar, estiquei uma mão e corri os dedos de leve por seu rosto, tirando o cabelo do caminho em um carinho suave. Linda. Ela suspirou de novo e, notando o que eu estava fazendo, me afastei rapidamente, o cenho franzido.
Sai do quarto o mais rápido possível, fechando a porta e depois fazendo o mesmo com a porta das crianças.
Apoiei a testa na minha própria porta uma vez que estava no meu quarto, respirando fundo.
tinha passado a integrar minha vida nos últimos meses de uma maneira que eu nunca teria previsto. Após a aparição surpresa dela no Natal, começamos a nos falar quase todos os dias, depois ela começou a vir até a minha casa pelo menos uma vez por semana e agora eram raros os dias em que não nos víamos por pelo menos cinco minutos. E nesses poucos dias que ela não vinha, ficava óbvio que as crianças sentiam sua falta, mas… eu também sentia. Por mais breves que fossem, eu gostava das nossas conversas. Ver seu sorriso iluminava meu dia. A companhia dela era… fácil. Confortável. não se incomodava com minhas falhas de comunicação, na verdade parecia achá-las divertidas, mas não usava isso contra mim.
Ainda assim, a sensação de estar com ela era diferente de estar com meus amigos. Eu não sabia apontar exatamente o que era. Do mesmo jeito, chegar em casa e vê-la com Hayato e Suki, ou passarmos o dia juntos nós quatro parecia tão certo. Como se devesse ser assim sempre. Como… como se fôssemos uma família.
O pensamento me atingiu quase como um soco. Família. Eu não tinha as melhores experiências ou lembranças de infância com uma família. Eu sabia o que deveria ser, mas os momentos com , Hayato e Suki não se assemelhavam em nada às minhas memórias.
Dei um passo para trás, piscando várias vezes. Midoriya. Ele vai saber entender o que ta passando na minha cabeça. Decidindo que precisava de ajuda, fiz uma nota mental de mandar uma mensagem para ele na manhã seguinte e achei melhor ir dormir logo. Antes que meus pensamentos se tornassem ainda mais confusos.
’s POV
Lutei contra a consciência. O sono estava tão bom… acho que eu não dormia bem assim há quase um ano. Me afundei no travesseiro, não querendo acordar. Peraí, travesseiro? Meu cérebro finalmente começou a recapitular meus últimos momentos acordada.
Eu estava na casa de Shoto, ele ainda não tinha voltado do trabalho, eu tinha colocado Suki pra dormir e deitado com Hayato, que acabou dormindo no meu colo de novo. Pisquei repetidas vezes até conseguir manter os olhos abertos, certa de que eu não estava mais onde tinha caído no sono. Essa cama parecia grande demais e eu não sentia nenhuma criança deitada em cima de mim.
Quando consegui focar no ambiente ao meu redor, finalmente reconheci o quarto de hóspedes que ficava do outro lado do corredor, em frente ao quarto das crianças. Eu ainda usava as mesmas roupas de ontem. Será que… olhei ao redor, vendo o sol entrando pelas frestas da janela. Puta merda, já é de manhã! Cuidadosamente, me levantei e abri a porta.
De imediato pude ouvir Suki balbuciando animada e as vozes baixas de Shoto e Hayato conversando. A casa estava toda iluminada pelo sol, me dizendo que já devia ser tarde. Mais alguns passos e minha presença finalmente foi percebida, Suki acenando animada para mim e rindo. Vendo essa reação, Shoto virou na minha direção. Seus cabelos estavam bagunçados e ele ainda estava de pijama, e quando sua expressão se suavizou em um sorriso para mim, meu coração quase parou. Deus realmente tem seus favoritos.
— Bom dia, .
Limpei a garganta, sabendo que minha voz estaria estranha.
— Bom… bom dia.
— Bom dia, . — Hayato disse, em seguida apontando para uma tigela com frutas cortadas na bancada. — A gente não sabia quando você ia acordar, mas eu fiz pra você.
Sorri para ele, me aproximando e pegando a comida antes de me sentar em um dos banquinhos. Agora eu conseguia ver o relógio do fogão, que apontava que já eram quase 11h30 da manhã. Eu precisava voltar para o hotel e tomar um banho, tinha uma reunião com um delegado às 14h e ainda estava com as roupas de ontem.
— Obrigada, meu amor. — Limpei a garganta mais uma vez antes de começar a comer. — Por que não me acordaram antes?
Shoto apenas deu de ombros e foi Hayato quem respondeu, andando até Suki em seguida.
— Shoto disse que você precisava descansar. — Levantei os olhos para o homem, arqueando uma sobrancelha, a minha verdadeira pergunta pairando no ar. E ontem?
— Shoto. — Chamei baixinho quando ele não respondeu.
— Já era de madrugada quando eu cheguei. Não achei certo te fazer voltar para o hotel àquela hora.
— Eu caí no sono no quarto das crianças.
— Sim.
Ele não disse mais nada, e seu tom era tão casual quanto se estivéssemos conversando sobre a comida. Sua expressão também não entregava nada. Era óbvio que ele tinha me carregado e me colocado na cama, mas Shoto se recusou a dizer qualquer coisa a mais. Suspirei, sabendo que não adiantava tentar arrancar nada dele.
18 de abril
’s POV
Respirei fundo, acordando com as lágrimas correndo pelo meu rosto. 1 ano. Hoje fazia um ano. A dor já não era mais a mesma de meses atrás, e a maioria dos dias era suportável; alguns dias eu até conseguia ficar feliz com as lembranças, mas hoje especificamente…
Senti um puxão no meu cobertor e logo em seguida mãozinhas apertando minhas bochechas. Abri os olhos, encontrando o sorriso desdentado de Suki bem na minha frente.
— Oi princesa. — Ofereci um sorriso cansado, minha voz saindo estranha por conta do choro. Naquele dia, mais do que o normal, eu precisava da distração, da luz que eram Hayato e Suki na minha vida.
Eu não havia explicado nada para Shoto, apenas me oferecido para ficar com eles ontem e “acidentalmente” ficado até muito tarde para ir embora. A essa altura, eu já tinha ficado tantas vezes que sempre tinha algumas roupas aqui.
— Ia! Oda! — exclamou, apertando meu rosto para me fazer sair da cama mais rápido. Traduzindo, ela estava dizendo “dia” e “acorda”, embora muitos dos sons ela ainda não conseguisse pronunciar. Soltei um riso leve, virando o rosto para mordiscar a palma da mão dela de levinho, lhe arrancando uma gargalhada.
— Tá bom, já acordei, Suki. Bom dia pra você também. — Ela bateu as mãos no colchão enquanto eu me sentava, tirando o cabelo do rosto, e então esticou os braços para mim, pedindo colo. — Eu e o Shoto estamos deixando você muito mal acostumada. — Comentei com carinho, pegando-a mesmo assim e indo até o banheiro escovar meus dentes.
Suki colocou as mãos no meu rosto outra vez, inclinando a cabeça em uma imitação perfeita de quando Shoto ficava confuso com algo, e franziu as sobrancelhas.
— Titi? — Triste. Respirei fundo, colocando-a sentada na pia e fazendo carinho no cabelo dela.
— Só um pouquinho, meu amor. Mas não precisa se preocupar comigo, ta? Eu vou ficar bem.
Ela não pareceu muito convencida, mas não pude fazer nada a respeito, escovando meus dentes e lavando o rosto, tentando disfarçar os olhos inchados. Torcendo para ninguém além de Suki notar meu estado, a peguei e fomos para a sala.
Lá, Hayato e Shoto estavam arrumando a mesa de café da manhã. Era um dos raros dias de folga de Shoto e, coincidentemente, também um dos meus. Eu não sabia se ele ia me convidar para passar o dia com eles, embora isso fosse bem frequente, mas esperava que sim. A última coisa que eu queria hoje era ficar sozinha com meus pensamentos.
— Bom dia .
— Pequena, eu disse pra deixar a dormir. — Shoto franziu as sobrancelhas muito de leve, uma expressão que quase não estava lá, antes de virar para mim. — Bom dia.
— Bom dia — respondi somente, forçando um pequeno sorriso e me sentando.
O olhar heterocromático acompanhou meus movimentos, estudando meu rosto, mas ele não disse nada.
Comemos praticamente em silêncio, e os olhares que Shoto e Hayato trocaram repetidas vezes pela minha falta de animação em começar ou manter algum assunto não me passaram despercebidos.
— Por que não fazemos algo diferente hoje? — Sugeriu Shoto quando fiz menção de me trocar para ir embora.
— Diferente? — Perguntou Hayato e ele assentiu.
— É seu dia de folga também, certo?
— É… — respondi, sem conseguir descobrir onde Shoto queria chegar.
— O dia tá bonito. Não dá pra ir até o parque, mas podemos fazer um piquenique no quintal e depois assistir alguns filmes. Se você puder ficar.
— Fica, . — Pediu Hayato, pegando uma das minhas mãos. Shoto também me observava com cuidado. Sorri, verdadeiramente dessa vez.
— Claro, meu amor. Fico sim. — Suki bateu palmas e baguncei o cabelo de Hayato com a mão livre. — Mas eu ainda preciso ir me trocar, eu to de pijama.
— Bo? — Suki pediu do corredor, engatinhando atrás de mim.
— Preciso ver se temos os ingredientes, princesa, mas podemos fazer um bolo sim.
— Pode ser aquela torta que o Liam mostrou?
— Ota!
Colocando a blusa rapidamente, abri a porta outra vez, tentando lembrar de que torta Hayato estava falando.
— A de maçã? — Ele assentiu, me esperando em frente à porta do quarto de hóspedes. — Tem certeza? Ela é mais difícil.
— Tenho. Hoje dá tempo, não dá?
— Tempo dá… Shoto? — Chamei, vendo-o aparecer na ponta do corredor. — Tem maçã aí? Da normal e da verde.
— Tem um pouco. De quantas vocês precisam?
— Pelo menos umas 7 de cada.
— … Não temos tudo isso. — Respondeu após uma pausa. — Posso passar no mercado.
— Espera Shoto. Tem que ver os outros ingredientes também. Né, ?
Listei os ingredientes da torta, que não eram muitos, e as quantidades de cada um e deixei que Hayato e Shoto verificassem o que faltava na cozinha enquanto eu terminava de me trocar.
O dia acabou passando muito rápido, e sendo melhor do que eu poderia imaginar. Hayato insistiu que Shoto e Suki ajudassem a fazer a torta, o que honestamente foi um desastre e a cozinha virou um caos de farinha, açúcar e canela para todos os lados, mas foi engraçado e acabou arrancando gargalhadas de todos nós. Depois que limpamos toda a bagunça — inclusive das nossas roupas — as crianças quiseram brincar no quintal, onde realmente fizemos um piquenique na hora do almoço. E de tarde eles quiseram voltar para dentro e fazer “cinema”.
Eu ainda estava mais calada que o normal, mas eles fizeram um excelente trabalho me mantendo distraída o suficiente para que eu quase esquecesse que dia era. Lá pelo início da noite, durante um dos filmes, acabei deixando escapar algumas lágrimas silenciosas. Hayato, que estava com a cabeça deitada no meu ombro, notou, me abraçando apertado sem dizer nada. Abracei-o de volta.
Alguns minutos depois, tirei-o de cima de mim delicadamente, indo até o banheiro. Mesmo assim não foi difícil ouvir a voz indignada de Suki:
— Titi!
— Eu sei, pequena. — A voz preocupada de Shoto me alcançou antes que eu fechasse a porta. — Eu sei.
Respirei fundo, me sentindo culpada por estar lhes causando preocupação, o que só piorou meu choro. Merda.
Quando consegui me recompor e voltar para o sofá, nenhum deles disse nada a respeito, as crianças se aconchegando contra mim como eu fazia quando queria consolá-los.
Até o filme acabar, Hayato tinha pegado no sono no meu colo e Suki no colo de Shoto, e resolvemos que era hora de encerrar o dia dos dois, os pondo na cama.
— Bom, acho que é minha deixa.
— . — Voltei os olhos para Shoto, que balançou a cabeça. — . Aconteceu alguma coisa? — Suspirei. Eu tinha torcido para não precisar discutir o assunto, mas não tinha como escapar. — Se é algo com a sua família e você precisa ir pro Brasil, eu digo pra Beifong que te liberei.
Foi minha vez de balançar a cabeça.
— Não, tá tudo bem. Não aconteceu nada… novo. É só… — inspirei, entrelaçando meus dedos e olhando para o teto — hoje é uma data complicada.
Esperei que ele perguntasse, os olhos multicoloridos analisando meu rosto com cuidado, mas Shoto só assentiu.
— Não precisa ir embora. Janta aqui. — Ele parou, franzindo o cenho de leve. — Eu não vou me arriscar a cozinhar pra você, não quero te deixar mais triste. Mas posso pedir comida.
— Tem certeza? Hoje eu não vou ser uma companhia muito boa.
— Você é sempre uma companhia boa.
— Tá bom, eu fico. — Aceitei por fim. Eu não devia, mas a ideia de ir ficar sozinha no meu quarto de hotel não era nem um pouco atraente.
No fim, Shoto acabou pedindo soba e ficamos conversando por horas. Não que ele fosse a pessoa mais falante do mundo, e eu também estava quieta, mas o silêncio com ele não era desconfortável. Não havia pressão para manter nenhum assunto, mas todos os que começávamos fluíam com facilidade. Ele também não perguntou em nenhum momento o porquê de eu estar mal, focando em me distrair. Foi… bem, foi exatamente o que eu estava precisando. Ele até conseguiu me fazer rir mais um pouco. Eu gostava da companhia dele. Nossa relação podia ser muito baseada nas necessidades das crianças, mas havíamos realmente desenvolvido uma amizade ao longo dos últimos meses, até porque nos víamos quase todos os dias e nos falávamos mesmo quando não estávamos juntos, e não só sobre Hayato e Suki ou trabalho.
— Ok, agora eu realmente devia ir embora. Daqui a pouco não tem mais nenhum táxi — falei, me preparando para levantar do sofá.
— Ou… — Shoto começou, mas parou, suas sobrancelhas baixando quase imperceptivelmente no que eu havia aprendido ser sua expressão pensativa.
— Ou…? — Encorajei.
— Ou você podia ficar.
— Shoto, eu não posso ficar dormindo aqui todo dia. — Virei os olhos, divertida, mas seu olhar era intenso e sério quando o encontrei, me pegando de surpresa.
— Por que não? — perguntou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Shoto… — balancei a cabeça, incrédula.
— Você ainda não achou um lugar. Está morando em um hotel. Vem pra cá na maior parte dos dias e frequentemente dorme aqui. — Apontou. — Seria mais fácil se você se mudasse pra cá.
— Você… você tá falando sério? — Ele inclinou a cabeça.
— Por que eu não estaria?
— Hum, porque não faz nem seis meses que a gente realmente convive.
— Não entendo o que o tempo tem a ver com isso. — Franzi o cenho, sem saber muito bem como reagir ou o que responder. Shoto podia ser uma pessoa extremamente literal às vezes. — Ia ser mais fácil pra todos nós. Eu, você, as crianças…
— Eu… Shoto, eu não posso aceitar.
— Claro que pode. Assim você também não precisa ficar pagando pela sua hospedagem ou preocupada de não encontrar um apartamento.
Mordi o lábio, pensativa. Ele tinha razão sobre a praticidade. E seria muito melhor para nós dois, por conta da preocupação com as crianças. Fora que a divisão do trabalho de cuidar deles ia ser melhor e mais organizada, e não precisaríamos ficar combinando toda vez. Mas…
— Dorme aqui, pensa na ideia e me responde amanhã. — Ofereceu e eu honestamente não consegui pensar em motivos para recusar, assentindo.
Seus lábios se repuxaram em um pequeno sorriso e ele apertou de leve uma das minhas mãos antes de se levantar.
A batida que meu coração pulou com isso foi honestamente inesperada.
23 de maio
Shoto’s POV
O som do noticiário preenchendo a sala de repente me pegou de surpresa.
— A Suki sentou no controle. — Explicou Hayato quando ergui o olhar da pia.
— Espera. — Pedi, franzindo o cenho. Ele ia desligar a TV de volta, mas a imagem na tela chamou minha atenção.
“… de um vilão no distrito de Ginza aconteceu cerca de meia hora atrás. A explosão derrubou toda a rede elétrica da região, além de causar o desabamento de alguns edifícios e deixar muitos outros em condições precárias. Até o momento, não se sabe precisar o número exato de mortos e feridos. As equipes oficiais estão com dificuldade para acessar a área mais atingida por conta do risco de mais desabamentos, e os heróis que estavam mais próximos estão começando a chegar para auxiliar com o resgate.”
Ginza. estava em Ginza. E não havia respondido nem mandado nenhuma mensagem na última meia hora. Sentindo um pânico que há muitos anos não me dominava fechar minha garganta, peguei o celular.
visto por último hoje às 18:07
Me diz que você não tá na área atingida. 18:44
— Pode desligar.
— É lá que a ia, não é? — perguntou Hayato, não desligando a TV e apenas baixando o volume. Não querendo preocupa-lo, balancei a cabeça.
— Não, ela não tá lá. Pode ficar tranquilo.
Ele me observou por alguns instantes antes de voltar ao que estava fazendo, mas não pareceu convencido. Eu mesmo não estava convencido, mas não podia considerar a ideia de estar entre os mortos.
Ela estava morando aqui havia um mês, e nesse tempo eu percebi que estava apaixonado por ela. Bom, na verdade foi o Midoriya quem percebeu, porque eu ainda era péssimo com essas coisas. Não que eu tivesse feito algo a respeito desse sentimento, porque eu gostava de como as coisas estavam, da nossa amizade, e não queria estragar isso — o que, considerando o desastre que eu ainda era em interações sociais, era uma possibilidade bem real. Mesmo assim, o pensamento de não a ter mais na minha vida, de que ela poderia estar morta…
visto por último hoje às 18:07
Me diz que você não tá na área atingida. 18:44
, por favor responde 18:50
Você tá bem?18:57
Atende o telefone19:00
— Kaminari.
— Meu amigo Shoto! Você tá aqui em Ginza também? Achei que hoje era seu dia de ficar com seus pirralhos — respondeu a voz animada do outro lado. Passei uma mão pelo cabelo, tirando a franja do rosto enquanto olhava Hayato e Suki na sala. Ele me observava da minha posição no corredor com o cenho franzido, e tentei lhe oferecer um sorriso, mantendo a voz baixa para não ser ouvido.
— Eu estou com as crianças em casa.
— Ué, o que você tá fazendo no rádio então? Não aguentou de saudades de mim?
— Na verdade, eu preciso de um favor.
— Pode falar. — O tom brincalhão deu lugar a uma voz séria.
— Eu preciso que você ache uma pessoa que estava aí.
— Eu não tô exatamente ajudando com essa parte, mas, se você tá preocupado assim, posso procurar, cara. Descreve a pessoa pra mim. — Pausei, sem saber como responder. estava lá a trabalho, averiguando alguma coisa que ela tinha se recusado a explicar, então certamente não estaria com a própria aparência.
— Eu… não sei. — Ouvindo um palavrão seguido de uma risada do outro lado, tentei me explicar: — A Individualidade dela é mudar a aparência. Eu não sei nem se ela estava como homem ou mulher.
— Isso não ajuda. Civil, policial ou heroína?
— Heroína. Ela tava trabalhando aí perto, mas infiltrada.
— Aah, é a sua agente secreta?
— Isso.
— Qual o nome dela?
— . — Ouvi uma risada de outro lado.
— Não, Shoto, o nome de heroína dela.
— Ah. — Fazia tanto tempo que eu tinha me acostumado a usar o nome dela que nem me passou pela cabeça. — Moonlight. — O nome também me lembrou outro fato que poderia ajudar a identificá-la. — Ela tem uma tatuagem. É uma lua crescente nas costas. As vezes ela mantém quando muda de aparência. — Respirando fundo, adicionei, minha voz tremendo um pouco: — Me avisa assim que você tiver notícias, por favor.
— Aviso sim.
E com isso eu encerrei a ligação. Por favor, por favor, esteja bem. Você precisa estar bem.
’s POV
Vilão estupido estragou a bosta de uma patrulha que era pra ser FÁCIL! Reclamei mentalmente, externando apenas um grunhido. Ao ver que todas as pessoas tinham passado, soltei o portão, deixando que batesse. Eu conseguia sentir os cortes nos meus dedos, mas não era nada preocupante.
— Todo mundo bem? — perguntei para o grupo, analisando-os com mais calma.
Eles tinham ficado presos dentro de um restaurante quando a explosão aconteceu e parte do edifício desmoronou, mas não pareciam estar no grupo de feridos mais graves. Obtive respostas positivas e suspirei, aliviada. Agora eu conseguia ver as equipes de resgate e os heróis profissionais circulando pela região, o que me deixava bem mais tranquila. Claro, eu também era uma heroína profissional, mas as pessoas não sabiam disso e nem deviam saber, não era pra eu atuar em resgates nem nada do tipo.
Sabendo que agora a situação estava sob controle, me permiti respirar fundo e acompanhar esse novo grupo até a equipe de primeiros socorros. Meu celular estava com pouca bateria quando tudo começou, devia ter acabado a essa altura, mas eu não estava particularmente preocupada.
Apesar de estar sentada perto da equipe médica, aguardando para ser atendida — já que meus ferimentos mal passavam de arranhões —, eu estava de olho ao redor para o caso de precisarem de ajuda. A situação, pelo que eu podia ver, não era tão ruim quanto parecia a princípio. Pelos comentários dos médicos, além do vilão, havia apenas mais dois mortos — o que, considerando quão movimentada a região era e o nível de destruição, era praticamente um milagre.
— Moonlight? Moonlight? — Ouvi após mais algum tempo. Franzi o cenho. Eu não conhecia aquela voz, mas a pessoa definitivamente estava me chamando.
Levantei, me escondendo atrás da ambulância, onde estava fora de vista, e esperei ele passar, puxando-o pelo colarinho e pondo-o contra a parede, aproveitando que no momento eu era um homem de quase dois metros de altura.
— Uou, calma, cara!
— Por que você tá por aí chamando Moonlight? — Sibilei. — E como você conhece esse nome?
Os olhos amarelos estudaram meu rosto por vários segundos, a expressão se tornando séria. Quando ameacei empurrá-lo outra vez contra a parede, o homem ergueu ambas as mãos em rendição.
— Calma aí mulher, meu deus. Parece o Bakugo. — Bakugo. Bakugo era amigo do Shoto e um profissional também. Não relaxei, mas esperei que ele falasse. — Você que é a do Shoto, né? Ele mentiu pra mim, disse que você era fofa. — Choramingou. — Ele me mandou te procurar. Eu sou o Chargebolt.
Meus dedos afrouxaram e o soltei, um pouco em choque, mas reconhecendo o nome do herói, já tinha ouvido na TV. Shoto tinha mandado um amigo me procurar?
— Ele… como você…? — Respirei fundo, balançando a cabeça. — Desculpa a reação.
— Tá tudo bem. É mesmo, né? — Assenti. — Ele disse que não dava pra te descrever, pra eu te procurar pelo nome ou pela tatuagem.
— Desculpa mesmo. Na minha área nunca é bom sinal quando alguém sai chamando meu nome por aí, ainda mais um desconhecido. Eu me assustei.
Ele balançou uma das mãos.
— Não esquenta. Você tá bem? Se machucou ou algo assim?
— Hum? Não, só uns arranhões, mas nada demais. Eu tentei ajudar enquanto vocês não conseguiam acesso à área, mas tava longe da explosão inicial.
— Então por favor tranquiliza aquela bengala doce ambulante, ele tá achando que você morreu ou sei lá.
Balancei a cabeça, rindo de leve com o apelido.
— Não precisa exagerar também.
— Não, é sério. Ele invadiu o rádio do resgate pra falar comigo e implorar pra eu te achar. Que não tava conseguindo falar com você. E ele veio pedir ajuda pra mim, isso não acontece nunca, foi só porque eu era quem tava mais perto.
Arregalei os olhos, sentindo as bochechas esquentarem.
— A bateria do meu celular acabou durante a confusão. Eu…
— Eu aviso ele. Mas vai pra casa antes que ele tente aparecer aqui e me transformar num picolé.
— Tá. E… obrigada. — Ele piscou, sorrindo pra mim.
— Pode falar, eu sou o cara.
Ri de leve, acenando e indo embora.
Já era tarde da noite quando cheguei em casa — ainda era estranho pensar na casa de Shoto como minha também, mas ao mesmo tempo tinha sido uma transição tão… natural depois dos últimos meses, que também era estranho pensar em qualquer outro lugar como casa. A ideia de lar agora vinha acompanhada de imagens de Shoto, Hayato e Suki. Abri a porta, ainda com as roupas de antes, mas já de volta em minha própria aparência e mal tive tempo de tirar os sapatos antes de ser agarrada.
Por meio segundo, comecei a me transformar novamente para escapar do ataque, mas senti o perfume de Shoto invadir minhas narinas, sua voz sussurrando meu nome num tom aliviado. Ele estava… me abraçando. Seu rosto estava enterrado no meu cabelo, seus braços ao redor do meu tronco, prendendo os meus, e nossa diferença de altura fazia com que meu rosto estivesse pressionado contra seu peito. Hesitante, retribui o abraço, ouvindo seu coração acelerado e sentindo o meu entrar em descompasso.
— Tá tudo bem. Não aconteceu nada comigo. — Garanti, sentindo o nó de choro na garganta.
Eu realmente não tinha estado em perigo real em nenhum momento, e não é como se não fosse acostumada e treinada pra isso. Há muitos anos que situações de quase morte não me faziam mais chorar quando a adrenalina baixava. Não, o que estava me fazendo chorar era o abraço, a preocupação que Shoto tinha ficado mesmo que não houvesse acontecido nada comigo.
Corri uma das mãos para cima e para baixo nas suas costas e o senti estreitar os braços e soltar um suspiro trêmulo.
— Você não respondia.
— A bateria do celular acabou. Desculpa deixar você preocupado.
Respirando fundo, ele finalmente se afastou. Ignorei firmemente a vozinha na minha cabeça insistindo para puxá-lo de volta para os meus braços.
Seus olhos finalmente encontraram os meus e meu coração errou uma batida. Shoto não era a pessoa mais expressiva do mundo na maior parte do tempo. Pela convivência e através da nossa amizade, eu tinha aprendido a ver as sutis mudanças, mas não estava preparada para a intensidade que me encarava, estudando meu rosto e depois meu estado geral.
— O sangue não é meu. — Garanti quando Shoto deu um passo para trás, o cenho franzido para a minha blusa. — Eu ajudei um pessoal que ficou preso antes das autoridades conseguirem aparecer.
— Hum — disse somente, me puxando com delicadeza pela mão até a cozinha. Lá, ele me fez sentar em um dos bancos e tirou a caixa de primeiros socorros do armário, pegando gaze e álcool e sentando de frente pra mim. — Você não recebeu atendimento médico.
— São só uns arranhões, eles tinham casos piores pra se preocupar.
Shoto estreitou os olhos, como se quisesse discordar do que eu tinha dito, mas não abriu a boca, apenas se pondo a limpar meus ferimentos. Ele começou pelas mãos, passando a gaze onde os cortes eram visíveis com todo o cuidado do mundo, como se eu fosse uma flor rara que não podia ser amassada. Quando essa mesma atenção passou pro meu rosto, cuidando de um corte na minha testa, e as borboletas no meu estômago resolveram ganhar vida, foi que eu percebi o problema em que tinha me metido. Engoli em seco, desviando o olhar e tentando permanecer quieta.
— Pronto — murmurou, seus olhos encontrando os meus.
Engoli em seco, sorrindo pra ele e me levantando.
— Obrigada. Você não precisava ter…
— Claro que precisava. Você é… — Shoto desviou o olhar por um segundo, depois me ofereceu um mínimo sorriso. — Eu me importo com você.
— Eu… eu vou tomar um banho. — Precisava me afastar dele, tipo, nesse segundo. Pelo menos até controlar meus pensamentos e batimentos cardíacos outra vez. Shoto inclinou a cabeça com minha reação abrupta.
— Tá bom. Só… — Quando eu já estava quase dentro do quarto, estaquei.
— ? — A voz de Hayato estava sonolenta e chorosa e ele esfregava os olhos parado na porta do quarto. Do meu quarto.
— Oi, meu amor — respondi, me agachando para ficar na altura dele e voltando olhos arregalados para Shoto.
— Eu não fui o único que ficou preocupado. Ele só dormiu quando deixei ele ficar na sua cama. — Explicou, esfregando a nuca em seguida. — Tentei dizer que você tava bem, mas…
Mas Shoto era um péssimo mentiroso, apesar de ser pouco expressivo, e Hayato prestava extrema atenção a tudo. Abracei o menino, acariciando seus cabelos.
— Eu to aqui, meu amor. Pode ficar tranquilo. — Ele passou os bracinhos ao redor do meu pescoço, fungando e me segurando apertado, como se tivesse medo que eu fosse desaparecer. — Eu preciso tomar um banho primeiro, mas quer dormir aqui comigo? — Hayato assentiu e o peguei no colo, entrando no quarto.
— Boa noite, .
Ouvi a voz baixa de Shoto vindo do corredor e me virei apenas para assentir antes de fechar a porta com o pé.
Eu não podia estar realmente me apaixonando por Shoto.
The Ghosts of Chrismases Past
’s POV
— Agora sério, eu não entendi o seu desespero. — Comentou Lara quando finalmente ela e Babi conseguiram parar de rir da minha cara. Ergui o rosto da mesa para fazer uma careta para elas.
— Que tal essa ser a única coisa que eu não podia ter deixado acontecer?!
— , você só se apaixonou, não é o fim do mundo.
— É sim. — Resmunguei, apoiando a testa na mesa outra vez.
Fazia aproximadamente uma semana que eu tinha percebido a mudança nos meus sentimentos e talvez eu estivesse surtando um pouco. Eu e as meninas tínhamos conseguido um tempo livre e resolvemos passear pelo distrito comercial, e eu decidi que era um bom momento pra pedir conselhos pra elas, mas até agora as duas não tinham sido de muita ajuda.
— Para com isso, garota! Você era pra ser a romântica de nós três, que palhaçada é essa?
— O problema não é se apaixonar em si, Babi, sabe disso. O problema é… bom, todo o resto da situação. — Suspirei.
— Você tá com medo que aconteça com o Shoto igual…
— Não! — Interrompi Lara, erguendo a cabeça. Então franzi o cenho. — Sim. Talvez. Não sei. — Corri uma mão pelo rosto. — Honestamente essa nem é a minha preocupação principal. Óbvio que eu me preocupo, mas já me preocupava com ele quando eu só sentia amizade.
— Então qual é o problema?
— Eu… bom, pra começar, tem as crianças.
— O que tem eles?
— Eles não têm mais ninguém. Eu e o Shoto somos as únicas pessoas em quem eles realmente confiam, com quem eles se sentem seguros.
— Mas e a família deles? Vocês tavam procurando ainda, não tavam? — Balancei a cabeça.
— Eu consegui descobrir os pais deles. Foram mortos em um incêndio que destruiu a maior parte da casa onde moravam, mas parecia um vazamento de gás na época e a polícia não foi tão a fundo. Nem a Individualidade de manipulação de vetores do pai deles foi o suficiente pra se salvarem. Mas isso a gente já tinha quase certeza. — Passei o polegar pelo copo do meu chá. Não fazia muito tempo que eu havia conseguido essas informações, e também quase não tinha conseguido, graças ao ataque em Ginza. — A Sra. Beifong colocou a polícia atrás de familiares mais distantes, mas até agora não achamos ninguém. E nem parece que vamos achar, pelo andar da carruagem. Sem falar que ainda não achamos a puta que era responsável pela tortura do Hayato e nem conseguimos prender o chefão, então eles não estão seguros.
— Tá, mas o que você se apaixonar pelo Shoto tem a ver com isso?
— Tem a ver que, se eu me declarar e as coisas ficarem estranhas, ou se eu não conseguir mais lidar com a convivência normalmente, eles vão ser os mais prejudicados! Eu não posso fazer isso com os dois.
— Em algum momento você cogitou a possibilidade dele corresponder os seus sentimentos? — Babi arqueou uma sobrancelha e eu desviei o olhar, as bochechas queimando. Eu achava bem improvável, pra ser honesta.
— Na chance remota de você ter razão. Se as coisas entre nós dois derem errado, vai sobrar pras crianças de qualquer forma, e eu me recuso a arriscar isso. Eles já sofreram demais.
Balancei a cabeça em negação e as duas rolaram os olhos para mim.
— …
— Não. Eu não posso arriscar. Eu não consigo! — Engoli o nó se formando na minha garganta. — Seria lindo se desse certo. Se isso fosse um conto de fadas e eu tivesse certeza de um felizes para sempre. Mas eu sei melhor que ninguém que não existe essa certeza e felizes pra sempre só existem mesmo na ficção. Eu adoraria me jogar, mas não dá. Eu nem achei que era possível me apaixonar de novo tão cedo e tem fatores demais. Muitos corações que podem se partir nessa brincadeira.
Elas apenas suspiraram, parando de insistir.
Eu entendia a preocupação delas com a minha mudança de opinião. Babi tinha razão, de nós três eu sempre tinha sido a mais romântica, aquela que de fato acreditava no amor, acreditava que as coisas podiam dar certo. Uma parte de mim ainda acreditava nisso. Eu só não conseguia mais ser tão otimista quanto antes. As rachaduras ainda cicatrizando no meu coração não me deixavam esquecer o quanto as coisas podiam dar errado, mesmo que parecesse um conto de fadas e um felizes para sempre.
Depois disso, mudamos de assunto e nenhuma das três fez mais nenhum comentário a respeito. Eu tinha uma reunião com o investigador responsável por recuperar o que fosse possível do passado das crianças, então não pude ficar até muito mais tarde, me despedindo delas pouco depois.
Quando cheguei à agência, ele já estava me esperando em uma das muitas salas de reunião.
— Boa tarde.
— Boa tarde, Moonlight-san.
— Não te deixei esperando muito tempo, deixei? — Ele balançou a cabeça.
— Não se preocupe, eu cheguei há menos de cinco minutos. Podemos começar?
— Claro. O que você descobriu? — Sentamos à mesa e ele me ofereceu uma pasta.
— Não sobrou muita coisa, como você já sabe. O incêndio causou uma destruição tão grande que mal foi possível recuperar os corpos na época, e nem teríamos voltado a investigar se vocês não tivessem descoberto essa história.
Assenti.
— Uma das especialidades daquelas pessoas é dar um jeito de sumir com os rastros do que fazem. Foi um acidente, um suicídio, a pessoa resolveu deixar a vida para trás… nunca foi um crime, nunca tem testemunha, nunca tem provas.
— Essa parte eu vou deixar pra vocês. Mas conseguimos recuperar isso. — Dentro da pasta, havia cópias de algumas fotos com as bordas queimadas, além do inquérito com todas as informações da investigação original e uma lista com os poucos itens recuperados que haviam sido mantidos no último ano. Na última folha, uma lista curta de nomes com a maioria deles seguidos por X. — Essas pessoas foram familiares que conseguimos rastrear, mas os que encontramos já estão mortos. Idade avançada ou doenças pré-existentes.
— E os nomes que faltam, vocês estão rastreando ainda, certo?
— Isso. Mas nossas expectativas estão baixas.
Suspirei ao ver uma foto de Hayato e Suki com os pais, passando os dedos com delicadeza pelos rostos deles. Eles tinham os olhos do pai e os cabelos da mãe, e Hayato trazia um sorriso largo e sem preocupações. Engoli o nó na minha garganta, segurando as lágrimas.
— Essas fotos…
— Havia um álbum guardado no fundo de um armário, sobreviveu por um milagre. Sei que está em contato com o guardião temporário deles. Se quiser levar as originais, as imagens não estão catalogadas como provas. — Pisquei, erguendo o olhar para ele.
— Como…?
— Eu recebi o relatório completo do dia do resgate e Beifong-san me disse que eles foram colocados em um tipo de custódia protetiva enquanto a situação não melhorava. E que você é a única em comunicação com eles. — Quando apenas continuei a encará-lo em silêncio, ele completou, desviando o olhar: — Eu sou pai. Não sei o que essas crianças passaram entre o incêndio e o resgate, mas a situação deles me corta o coração. Se devolver essas fotos pra eles trouxer algum conforto, é o mínimo que eu posso fazer.
Assenti, respirando fundo.
— Obrigada.
— Já decidiram o que fazer se chegarmos ao fim dessa lista?
Se eles realmente estiverem sozinhos no mundo. Eu me perguntava aquilo todos os dias, e me pegava mais preocupada a cada dia que passava e essa possibilidade se tornava mais real.
— Até que todas as prisões tenham sido feitas, a situação se mantém como está. Apenas depois disso vamos começar a movimentar as crianças. — Ele assentiu. Limpei a garganta. — E quanto aos históricos médicos dos dois, algum avanço?
— Infelizmente sem a guarda oficial das crianças, mesmo que provisória, essas informações ficam fora do meu alcance.
— Tudo bem.
— O que eu consegui foram as certidões de nascimento dos dois. — Ele me entregou uma nova pasta com as duas folhas e assenti, guardando-a na bolsa. Passamos mais algum tempo debatendo o andamento das investigações, mas logo finalizamos a reunião.
— Ah, se… se você puder trazer as fotos deles. — Pigarreei. — Se não for causar nenhum problema, é claro. Mas na próxima reunião, se puder…
— Claro, Moonlight-san. Trarei sim.
Me curvei em despedida e também agradecimento e observei o investigador ir embora.
13 de junho
’s POV
— O que você acharia de mudar de agência?
— Mudar de agência? — Repeti levemente em choque. Shoto estava me demitindo?
Eu estava preparando o café da manhã, Hayato e Suki milagrosamente ainda dormindo, e só Shoto estava comigo na cozinha.
— É. Ter algo mais… estável. Que você não precisaria passar meses infiltrada de cada vez.
Soltei cuidadosamente a faca e a maçã que estava cortando e me virei para ele.
— O que exatamente você tá sugerindo? — Shoto era uma pessoa bem literal, eu havia aprendido que frequentemente era só mais fácil perguntar do que ele estava falando.
— Estou te oferecendo um emprego na minha agência principal. Não como espiã.
Franzi o cenho.
— Shoto, eu não sou treinada pra isso. Não sei ser uma heroína profissional comum, e ser conhecida pelo público meio que estraga o que eu consigo fazer.
Ele balançou a cabeça.
— Eu sei. Não seria pra você fazer o que eu faço, por exemplo. Eu tava pensando mais em algo similar ao que tem feito esse ano, missões pontuais de reconhecimento, patrulhas e situações com reféns. São… — ele esfregou a nuca, parecendo envergonhado. — São coisas que eu não consigo fazer, já que é tão fácil me reconhecer. Nossas habilidades de campo se complementam e nós nos comunicamos bem, então achei que poderíamos trabalhar como parceiros.
— Não! — Exclamei imediatamente, o pânico esmagando meu coração. Shoto inclinou a cabeça, claramente surpreso pela minha reação. — Shoto, isso… não, eu não posso! Por que você pensaria…? — Balancei a cabeça furiosamente, dando um passo para trás e esbarrando em uma tigela, que caiu no chão com um barulho alto, se estilhaçando.
— … — ele chamou, a voz magoada e preocupada, quando me abaixei para recolher os cacos.
— Não! — Respondi apenas, sem conseguir encará-lo, minha voz saindo esganiçada pelo nó em minha garganta que eu tentava impedir de se transformar em lágrimas. — Só… não, ta legal?! Essa ideia… não dá, de onde você foi tirar- Merda!
Minhas mãos tremiam tanto que acabei me cortando com um dos pedaços da porcelana, minha palma começando imediatamente a arder. Apertei o ferimento para estancar o sangue.
— Deixa eu te ajudar com isso. Vou pegar um curativo.
— Não quero ajuda, Shoto! Só me deixa, eu mesma faço o curativo.
Eu sabia, no fundo, que estava sendo extremamente grossa com ele, mas não conseguia evitar. Eu só precisava colocar o máximo possível de distância entre nós dois naquele momento, me levantando sem olhá-lo e seguindo imediatamente para o meu quarto, onde bati a porta.
Lavei o corte, fazendo um curativo rápido, me vesti e saí sem dizer mais nada, mas não consegui não ver a cara de filhote perdido que Shoto fazia para mim. Andei sem rumo até me encontrar longe o suficiente da casa e sozinha, me sentei no primeiro lugar que encontrei e finalmente deixei as lágrimas virem.
Eu não voltei para casa até de noite. Tecnicamente eu deveria trabalhar de casa, mas não queria voltar e encarar Shoto, então fui até a agência e me enterrei no trabalho o dia todo. De noite, com a cabeça mais fria e o arrependimento martelando em minha mente, cheguei a tempo de dar o jantar para Suki e Hayato, que estavam confusos com a minha ausência. Shoto estava lá, mas estava em seu modo silencioso, falando apenas o mínimo necessário, e evitando meus olhos.
Assim que voltei para a sala após colocar as crianças para dormir, eu sabia que não podia mais adiar. Shoto merecia uma explicação, e respirei fundo.
— Shoto. A gente pode conversar?
Ele se virou, as mãos ainda dentro da pia.
— Claro. — Ele deixou o restante da louça para trás, secando as mãos no pano de prato para me encarar direito.
— Eu te devo desculpas. Pela minha… reação… mais cedo.
— Não precisa. Se você não quer trabalhar junto, não tem problema. — Balancei a cabeça.
— Mesmo que fosse só isso, eu não tinha o direito de falar com você daquele jeito. É só que… você tocou numa ferida e eu meio que surtei.
— Eu não sabia. Desculpa.
— Não, eu sei, você não fez de propósito. Eu… — suspirei, tirando o cabelo do rosto. — Você nunca soube o que aconteceu na minha última missão antes de me contratar, soube?
Shoto franziu o cenho levemente, balançando a cabeça.
— Sua antiga agência só disse que você costumava trabalhar com outra heroína, e você nunca disse nada. Não achei que havia nada de especial.
Mordi o lábio, engolindo o nó na minha garganta.
— É… é que ainda é difícil falar sobre o que aconteceu. Eu evito o assunto mesmo. Meu irmão sabe, e ele explicou pros meus amigos que sabiam pra me poupar de falar disso na época, mas só.
— , se não se sente bem, não precisa me falar. — Garantiu, a expressão preocupada. Balancei a cabeça outra vez, colocando uma chaleira pra esquentar, peguei duas canecas e puxei uma cadeira.
— Não, eu… quero falar. Acho que agora tô pronta pra isso. Mesmo que seja difícil, acho que continuar fingindo que não aconteceu vai acabar doendo mais. — Ele se sentou na cadeira à minha frente.
— O que aconteceu?
— Essa outra heroína, a que era minha parceira. O nome dela era . — Engoli em seco, sentindo o nó na garganta. Eu não dizia o nome dela em voz alta há meses. Baixei o olhar para minhas mãos entrelaçadas sobre a mesa. — Ela já trabalhava na agência quando eu fui contratada. Era da equipe de elite que eu passei a fazer parte depois, mas também treinava os novatos às vezes. A gente se deu bem desde o meu primeiro dia. — Sorri, sentindo os olhos encherem de lágrimas. — Ela que me incentivou e me ajudou a ser promovida. Me treinou mais, me ajudou a melhorar o espanhol e todas as habilidades que eu precisava. Nessa equipe a gente sempre trabalhava em dupla, pra ter algum suporte quando não pudéssemos recorrer à agência. E como eu era novata, nós tínhamos ficado amigas e nós trabalhávamos bem juntas, nos transformaram em um time quando me promoveram.
— Então… isso foi bom? Você gostava de trabalhar com ela — concluiu, soando confuso.
— Eu adorava — respondi, finalmente erguendo os olhos para ele. Seu olhar acompanhou a primeira lágrima escorrendo pela minha bochecha e Shoto franziu o cenho. Balancei a cabeça, limpando o rosto e levantando pra verificar se a água tinha fervido. — A … ela era brincalhona, tinha um coração do tamanho do mundo, tava sempre disposta a me ouvir, mesmo que ela não entendesse uma palavra do que eu tava falando. Não tinha um dia que ela não desse um jeito de me fazer rir. Ela não fazia amizade tão fácil, mas quando decidia que gostava de alguém, ela ia estar lá pela pessoa independente do que fosse. me deixava maluca às vezes com as manias dela, principalmente de chegar sorrateira pra me dar um susto. — Ri de leve, servindo o chá nas duas canecas. — Nossas primeiras missões foram um sucesso. E a gente se aproximou bastante. E aí, no meio do caminho, a gente fez algo muito perigoso pra um espião. — Me sentei de volta, sentindo mais lágrimas tomarem o lugar daquela primeira.
— O que vocês fizeram?
— Nós… nós… — o soluço cortou minha fala, e precisei cobrir a boca, meu choro se tornando violento e me impedindo de continuar.
Não era pra ser assim. Não era pra essas lembranças serem tão dolorosas, era pra serem felizes. Foi um momento tão feliz. Shoto cobriu minha mão com a dele, apertando de leve. Ele não disse nada por vários minutos, apenas me deixando chorar o que eu precisava, mas não soltou minha mão, me oferecendo apoio silencioso. E um guardanapo quando finalmente me controlei o suficiente pra olhar pra ele de novo.
— Desculpa.
Shoto balançou a cabeça.
— Não. Não peça desculpas por isso, . — Funguei, assentindo. — Tem certeza que quer continuar?
— T-tenho. — Respirei fundo, tentando manter os soluços no mínimo, mas ainda sentindo as lágrimas correrem, por mais que eu as secasse com a mão livre. — Eu e a … nós nos ap-paixonamos.
— Vocês…? — Assenti.
— A gente começou a namorar. E aí fomos mandadas na nossa terceira missão. O plano era se infiltrar numa organização de tráfico de drogas, e precisávamos fingir que não nos conhecíamos. Até aí tudo certo. O problema… — sentindo que ia voltar a soluçar, parei, tomando alguns goles do meu chá. Quando vi que conseguiria contar até o fim, continuei: — o problema é que nós não éramos as únicas infiltradas lá. Tinha um cara de uma gangue rival deles ou algo assim. E o chefão tava desconfiado. Só que ele começou a desconfiar de nós duas. E eu não consigo deixar de achar que foi algo que eu fiz ou falei, que…
Shoto se levantou, pegando mais guardanapos e depois segurando minha mão outra vez. Ele claramente não sabia o que fazer com uma pessoa chorando tanto, mas estava tentando do melhor jeito que podia. Vários minutos se passaram antes que eu conseguisse falar de novo.
— Ele não achou que fôssemos heroínas, e nem tinha nenhuma prova. Mas pegaram a um dia. Ela entendeu o que tava acontecendo, fomos treinadas pra essa possibilidade. Ossos do ofício. — Dei de ombros e soltei uma risada sem humor algum que se transformou em mais um soluço. — Ela… ela sabia que não iam d-deixar ela ir embora. Mas não era só isso. Eles queriam que ela me en-entregasse. — Balancei a cabeça. — Mas ela se recusou. Eu não sei o que ela disse, mas convenceu eles de que eu não trabalhava pra mais ninguém. Ela assumiu toda a culpa. Só que o estrago já tava feito, eles já tinham certeza que nós tínhamos alguma ligação, e essas pessoas gostam de fazer exemplos. — Limpei as lágrimas com raiva, mesmo que outras as substituíssem imediatamente. — Não foram atrás de mim, mas eu percebi que tinha algo errado e fui procurar. E eles me deixaram encontrar eles. — Fechei os olhos, a cena rodando em minha cabeça. Meu peito se apertou como se eu estivesse revivendo aquele momento e ficou difícil respirar. — Eu ch-cheguei t-tarde demais. A … ela morreu nos meus braços, Shoto. Eles machucaram ela de um jeito que sabiam que ela ia morrer, e que ia ser devagar. Eu não con-consegui salvá-la. Eu assisti ela sofrendo até morrer e não pude fazer nad-
Minha voz deu lugar a mais soluços, e não consegui continuar. Eu sentia como se meu coração estivesse sendo arrancado do peito mais uma vez, minhas mãos tremendo violentamente como se estivessem novamente cobertas com o sangue de .
— Ta tudo bem, . — Ela cobriu minha bochecha com a mão, sua pele já gelada contra a minha, e acariciou meu rosto com o polegar. — Obrigada por me fazer feliz.
Shoto segurou minha mão com firmeza e apertei de volta, usando a presença dele para me ancorar na realidade, no agora, completamente destruída pelas lembranças. A outra mão eu usava para inutilmente secar as lágrimas que não paravam de correr. Sim, eu precisava contar aquela história. Eu estava pronta para falar disso, mas nunca ia parar de doer. Sempre haveria uma parte do meu coração que pertenceria a e que tinha morrido com ela naquele dia.
— Era essa a “data complicada” de alguns meses atrás, não era? — perguntou ele após vários minutos em que o único som que se ouvia na sala eram os meus prantos. — Quando eu te convidei pra morar aqui. Tinha a ver com a .
Assenti, fungando. Ele agora acariciava as costas da minha mão com o polegar, algo incomum, mas um conforto que eu estava precisando naquele momento.
— Foi o aniversário de um ano da morte dela. Eu não tinha… desde que ela morreu, eu me mantive ocupada. Não tive tempo de realmente…
— Por isso você aceitou o emprego.
— Eu precisava me afastar de tudo que me lembrava que a não tava mais aqui. Continuar naquela agência, voltar pro Brasil… ia doer demais. Pelo menos na época. E vocês me ofereceram uma distração imediata com a operação do Takahashi. Mais importante, eu ia sozinha. — Respirei fundo, retornando ao motivo original de estarmos tendo aquela conversa. — Eu não posso… me ver responsável pela segurança de alguém em campo de novo. Não consigo. Especialmente alguém com quem eu me importo. — Alguém por quem eu estou apaixonada, adicionei mentalmente. — É muito arriscado, ainda mais porque eu não estaria com a cabeça fria e focada do jeito que deveria.
— Eu sinto muito que você tenha passado por isso. Só posso imaginar o quanto doeu.
— Obrigada. E me desculpa de novo. Não só por hoje cedo, mas por todas as vezes que eu… bom, que você teve que lidar com isso sem nem saber o que estava acontecendo. — Fiz uma pausa, franzindo o cenho de leve. — Inclusive quando fiz aquele estardalhaço sobre o resgate das crianças.
Ele balançou a cabeça.
— Não precisa pedir desculpas por nada disso. Especialmente pelas crianças, você estava certa. E no fim acabou sendo o melhor pra todos. Posso ter me oferecido para cuidar deles por impulso, mas não consigo mais imaginar a casa sem os dois morando aqui.
Ri de leve, a cabeça doendo por conta de todo o choro.
— É, acho que nem eu.
Bocejei, emocionalmente exausta depois daquilo tudo, e ele me ofereceu um pequeno sorriso, apertando minha mão uma última vez.
— Vai descansar. Eu termino de arrumar as coisas.
Pensei em protestar, mas eu de fato estava muito cansada, então só assenti.
Na manhã seguinte, pela primeira vez em muito tempo, acordei tarde. Na minha mesa de cabeceira havia um copo de suco, uma aspirina e um bilhete na caligrafia elegante de Shoto:
Descanse o quanto precisar, eu me viro com eles.
Obrigado por confiar em mim.
Shoto
🟥🔥❄️⬜️
5 de julho
Shoto’s POV
Me peguei encarando a foto de no meu celular com um sorriso. Eu tinha acabado de desligar o telefone, tinha ligado para ela para ver se estava tudo bem com ela e com as crianças e dar boa noite para eles. Eu estava em um evento para arrecadar fundos do qual eu não tinha conseguido escapar, mas a realidade é que eu queria estar em casa, ajudando-a a colocar Suki e Hayato para dormir.
— Ooh, ta falando com a sua espiã? — perguntou Ashido em um tom estranho, parando ao meu lado. Assim como eu, vários heróis estavam presentes, o que significava a maioria dos meus amigos e antigos colegas de sala.
— Sim, ela estava pondo as crianças pra dormir.
— E esse sorrisinho aí? Você e ela, né? — Inclinei a cabeça em dúvida, sem entender do que ela estava falando.
— O que tem eu e a ?
— Essa é exatamente a pergunta que a gente queria fazer. — Kaminari se juntou à conversa, jogando um braço sobre meus ombros e balançando as sobrancelhas pra mim.
— Não to entendendo.
— Eles querem saber o que tá rolando entre vocês dois, mano. — Kirishima bateu de leve no meu ombro, explicando. — Sabe, romanticamente e tal.
— Por que vocês achariam que tem algo “rolando” entre eu e ?
— Ah Shoto, não seja assim. Vocês estão sempre juntos. Você chamou ela pra morar com você. — Sim, por causa das crianças. E porque ela ainda estava morando em um hotel. Era mais fácil.
— Hum. E aquele surto no dia de Ginza?
— O ataque em Ginza? — Ashido perguntou e Kaminari assentiu. — O que isso tem a ver?
— Alguém invadiu o rádio do resgate em desespero pra me mandar procurar a espiã dele porque não conseguia falar com ela. Eu quase apanhei, não foi nada legal.
Desviei o olhar. Sim, eu realmente tinha feito aquilo, tinha ficado muito preocupado e não estava atendendo nem respondendo as minhas mensagens.
— Eu estava preocupado — respondi apenas.
— Engraçado que com a gente essa preocupação toda não acontece né.
— É diferente. — Franzi o cenho de leve.
— Claro que é diferente. Agora por que você não abre o jogo pra gente? — Ashido se inclinou na minha direção, cruzando os braços.
Suspirei exasperado. Eu realmente não entendia o que eles queriam que eu dissesse.
— Que jogo? Não tem nada para dizer. e eu não temos nada além de amizade.
— Aham, claro. — Jiro se juntou ao assunto, virando os olhos. — Então ela foi morar com você, vocês estão basicamente criando dois filhos juntos, você se dá ao trabalho de realmente dizer para as pessoas que não está interessado nelas desde que a se mudou, fala dela o tempo todo… e não tem nada rolando entre vocês dois? — Ela arqueou as sobrancelhas para mim. Antes que eu pudesse abrir a boca para responder, Bakugo apareceu, resolvendo se manifestar também.
— Mentira do caralho. Ou o Meio a Meio é mais burro do que eu achei que fosse.
— Mano, não precisa ser tão rude! — Kirishima intercedeu, mas me ofereceu um olhar quase que se desculpando em seguida. — Ele tá exagerando, mas não tá errado.
— Por que eu seria burro por não ter nada com a ?
— Shoto, querido, você claramente quer ter algo com ela, só você não percebe. — Ashido respondeu exasperada. Franzi o cenho mais ainda.
— Percebo sim. Do que vocês tão falando? — Cinco pares de olhos chocados se viraram na minha direção imediatamente.
— Mas você disse que não tem nada entre vocês! — Kaminari exclamou.
— Porque não tem. Mas eu nunca disse que não sentia nada por ela.
— Peraí peraí peraí. — Jiro balançou a cabeça, erguendo uma mão para me parar. — Como assim você não falou isso pra gente? Como assim você percebeu que gosta dela e a gente não ficou sabendo? Você tinha que ter contado, isso é um acontecimento!
— Eu falei pro Midoriya que tava apaixonado pela . Ele que me ajudou a entender isso.
— Oi, Deku! — Bakugo gritou, e me virei para ver Midoriya passando não muito longe de nós.
Ele virou um olhar assustado na nossa direção, se desculpando com a pessoa com quem conversava antes de se juntar a nós. Sem lhe dar tempo para perguntar o que estava havendo, Kaminari exclamou:
— Cara, como que o Todoroki te diz que ta apaixonado e você não conta isso pra gente?!
— Hum… E-eu… Eu não sabia que era… — ele começou a gaguejar, as mãos erguidas.
Suspirei.
— Por que vocês estão reagindo assim? Não é nada demais. E como vocês mesmos disseram, todo mundo já percebeu. — Ergui ambas as sobrancelhas.
— Porque é você! — Ashido disse como se aquilo explicasse tudo. Inclinei a cabeça, sem entender nada.
— O que tem de especial eu estar apaixonado por alguém?
— Mano… não me leva a mal, mas é que você não é exatamente uma pessoa aberta sobre sentimentos. Ou uma pessoa que entenda eles muito bem.
— Sim, eu sei disso. Continuo não entendendo o que tem de especial.
— T-Todoroki-kun, — Midoriya resolveu se unir a Kirishima no esforço de me explicar — é um pouco surpreendente, sim. Você nunca se apaixonou antes, não de verdade, e percebeu praticamente sozinho. Eu só te ajudei a dar um nome pro que você descreveu.
Pisquei algumas vezes, encarando meus amigos em silêncio. Ainda não me parecia motivo o suficiente para todo esse alvoroço que eles estavam fazendo, mas os pontos dos dois até que faziam sentido. Mas me apaixonar por tinha sido algo tão fácil, tão natural, que nunca me ocorreu que eles pudessem ficar chocados.
— Tá, vamos fingir por um minuto que isso não é uma notícia bombástica. — Ashido virou-se para mim. — Você já se declarou pra ela?
— Não. E antes que vocês digam alguma coisa, — lancei-lhes um olhar duro. Eu podia ser péssimo com esses assuntos, mas conhecia meus amigos há uma década, eu sabia como eles costumavam se comportar, e eles já estavam todos começando a protestar. — eu também não vou dizer nada. Gosto de como as coisas estão.
— Mas e se ela também gostar de você?! Você não sabe e não quer nem tentar descobrir? — Kaminari exclamou e balancei minha cabeça.
— Pra começar, eu não acho nem que a se interesse por homens.
— Ela disse isso especificamente? — perguntou Jiro, e eu neguei.
— Ela só mencionou uma ex-namorada.
— Tá, isso não quer dizer que necessariamente ela não se interesse por homens. Ela pode ser bi.
— Eu sei. Mas, como vocês mesmos disseram, eu sou um desastre pra falar de sentimentos.
— Eu não disse…
— Não disse, mas é a verdade. — Interrompi Kirishima. — E eu não vou arriscar estragar tudo, especialmente porque agora eu tenho as crianças pra me preocupar, e eles precisam de nós dois.
— Mas Todoroki…
— Não. Não adianta insistir.
— Continuo achando que você é um idiota de merda. — Bakugo pontuou e eu apenas dei de ombros.
20 de julho
Shoto’s POV
— Shoto. — chamou. Ela tinha chegado do trabalho não fazia muito tempo, com uma expressão estranha.
Ainda era o meio da tarde, mas minha mãe tinha vindo brincar com as crianças de manhã e os dois tinham ficado bem cansados, então estavam tirando um cochilo. Tínhamos apresentado minha mãe e meus irmãos às crianças fazia alguns dias, assim que Hayato disse se sentir pronto para a experiência. Ele e Suki tinham aceitado tudo muito bem, apesar de terem ficado bem tímidos a princípio, então agora os três podiam frequentar a minha casa novamente, o que ajudava quando eu e precisávamos do auxílio de uma terceira pessoa.
— O que houve?
— Sabe o investigador que eu e a Beifong colocamos atrás dos parentes das crianças? — Assenti. — Ele terminou de procurar. — Ela balançou a cabeça, decepcionada. — Não sobrou ninguém.
— Ninguém? Pensei que havia uma lista de pessoas.
— É, bom… era uma lista bem curta desde o começo, e a única pessoa que ainda tá viva se recusou a cuidar deles. Disse que mal tem condições de se manter, quanto mais sustentar duas crianças pequenas.
Franzi o cenho, preocupado. Há pouco tempo havíamos finalmente concluído o caso Takahashi, conseguindo prendê-lo e encontrar a mulher que eu havia enfrentado durante o resgate, então as crianças não precisavam mais ficar sob a minha proteção — e a assistência social já havia me notificado de que devíamos dar os próximos passos para o futuro das crianças, entregando-os para algum familiar ou para a adoção. e eu já havíamos debatido nossa preocupação sobre entregar os dois, por não saber o que aconteceria com eles, não poder garantir que os dois ficariam juntos nem nada relacionado ao futuro dos dois. Nossa esperança era encontrar algum parente deles que ficasse com Hayato e Suki e que nos permitisse manter contato, mas isso tinha acabado de cair por terra.
— O que a gente faz então? Não quero arriscar levá-los pra um orfanato. — Ela mordeu o lábio inferior, respirando fundo e desviando o olhar. — O que foi?
— Eu tenho uma ideia. Mas não sei se daria certo.
— Qual a sua ideia?
— A gente podia… nós dois… e se a gente mantivesse as coisas como estão? — Inclinei a cabeça quando encontrou meu olhar, sem entender o que ela estava tentando dizer. — Nós podíamos ficar com eles. Adotar os dois. Seria só oficializar a situação que nós já temos. Se você também quiser, é claro.
Parei, piscando. Essa ideia nunca tinha me ocorrido, mas eu não podia negar que o pensamento me agradava bastante. Eu jamais tinha me imaginado como pai — minhas experiências me faziam ter medo do que eu poderia me tornar ao me ver responsável por crianças, eu tinha medo de repetir os erros do meu pai —, quanto mais adotar crianças; mas os últimos meses, apesar de todos os desafios, tinham sido maravilhosos. Eu tinha passado a amar Hayato e Suki e a amar tê-los na minha vida todos os dias, por mais que descobrir como lidar com eles me deixasse maluco às vezes. Eu conseguia facilmente ver a nossa situação atual se mantendo indefinidamente. Mas algo na fala de me chamou a atenção.
— Mas… nós dois? Como isso funcionaria?
— Bom… seria como se tivéssemos uma guarda compartilhada. Não acho que a assistência social entregaria a guarda deles pra nenhum de nós individualmente. Nós dois temos empregos com níveis muito altos de risco e não temos horários fixos, não são condições favoráveis. Mas juntos… não somos um casal, mas a gente já mora na mesma casa, já estamos responsáveis pelos dois desde o resgate, já conhecemos os dois e sabemos lidar com eles, mesmo com tudo o que eles passaram, já temos uma rotina com eles que funciona. Seria muito mais fácil do que colocar os dois em um orfanato e esperar outras pessoas que quisessem adotá-los, especialmente o Hayato, que já não é mais tão pequeno.
— Acha mesmo que daria certo?
— Espero que sim. Mas só se formos juntos. — Ela parou, franzindo o cenho antes de adicionar: — E se eles quiserem isso também, é claro. A Suki não entende o suficiente pra gente de fato explicar e perguntar, mas ela gosta de estar aqui. Com o Hayato a gente precisa conversar.
— Ele também parece gostar de estar aqui.
— Parece, mas é mais complicado que isso. Ele já entende mais do mundo e ainda lembra dos pais. Não quero que pareça que a gente ta passando por cima das vontades dele porque não perguntamos antes. — suspirou, depois ergueu os olhos para os meus, torcendo as mãos no que eu havia aprendido ser um sinal de apreensão. — Mas e você? Topa a ideia?
— É claro que sim.
Ela sorriu aliviada.
— Então o que diz de falarmos com ele quando Hayato acordar?
Sorrindo de volta, assenti.
— Não! Vocês… não! — Hayato sacudiu a cabeça, os olhos cheios de lágrimas, e correu para o quintal.
— Merda — murmurou . Inclinei a cabeça, confuso e levemente magoado pela reação dele.
— Achei que ele fosse ficar feliz…
— Ele acha que a gente ta tentando substituir eles. Apagar a existência dos pais dele.
— Mas não é isso.
— Eu sei. E você sabe. — Suspirou. — Vai indo atrás dele, eu vou buscar o álbum.
— Tem certeza? — Franzi o cenho. Aquele álbum era pra ser o presente de aniversário atrasado do Hayato, mas não estava pronto. Ela tinha conseguido algumas fotos da família deles e, mesmo antes de termos a ideia da adoção, já queríamos lhe dar uma lembrança deles e também dos bons momentos conosco. assentiu.
— A ideia toda de adotarmos os dois é ser algo bom, não traumático e motivo de briga. Acho que é o jeito mais rápido de mostrar isso.
Deixando-a para procurar, fui atrás dele, encontrando-o sentado junto a um arbusto, se escondendo e abraçando os joelhos. Me sentei ao seu lado, meus olhos voltados para a casa.
— Por quê? — perguntou Hayato com a voz embargada.
— Porque achamos que vocês dois iam ficar felizes de saber que têm uma família. — Suspirei. — A gente não tá tentando… não é pra substituir eles. Não é pra substituir nada, pequeno.
— Não? — Ele ergueu os olhos cheios de lágrimas e desconfiança para mim. Balancei a cabeça, lhe oferecendo um mínimo sorriso e bagunçando seus cabelos.
— Não. Eu e a não queremos apagar a família de vocês. Seus pais sempre vão ser seus pais.
— Mas… vocês querem mudar tudo.
— Não tudo. Vai mudar muito pouca coisa, na verdade. — Hayato inclinou a cabeça para mim, esperando que eu explicasse. — Eu trouxe vocês pra cá pra proteger você e a Suki. Pelo menos no começo. Mas agora que a ameaça não existe mais, vocês não precisariam continuar aqui. Só que eu não quero que vocês vão embora. E a também não. Nós queremos ter certeza que vocês vão estar bem, seguros e felizes, e aqui, com a gente, vocês estão. — Suspirei, passando um braço pelas suas costas e puxando-o para perto em um abraço de lado. — Só que vocês não podem ficar aqui pra sempre só porque a gente quer, entende? — Encontrei os olhos verdes e ele assentiu. — Precisa ser oficial se vocês forem ficar, pra gente poder cuidar direito de vocês.
— Então… ia ficar tudo igual?
— Ia. — respondeu da porta. Ela nos ofereceu um sorriso suave, caminhando até onde estávamos e se ajoelhando na nossa frente. — A gente só ia te dar isso quando estivesse pronto, daqui a algum tempo, mas acho que é um bom momento pra você ver.
Ela pousou o álbum na grama e abriu em uma das páginas com as fotos dos pais de Hayato. Ele arquejou ao meu lado, se inclinando para frente, e pousou as mãos ao lado da foto.
— Onde… onde vocês acharam…? — Hayato ergueu a cabeça para olhar e depois para mim, os olhos marejados.
— O policial que tava me ajudando a procurar a sua família disse que eles acharam um álbum na antiga casa de vocês que não foi destruído pelo incêndio, e ele disse que eu podia trazer as fotos pra vocês. — Ela limpou a garganta, piscando algumas vezes para manter as lágrimas sem cair. — Elas estavam meio queimadas… eu mandei pra uma pessoa no Brasil que sabe como restaurar elas, essas aqui são só cópias. Por isso ainda não tá pronto, minha amiga ainda não enviou as fotos consertadas de volta.
Hayato ficou vários momentos em silêncio depois disso, apenas olhando as fotos apoiado contra mim. e eu trocamos um olhar emocionado e mais aliviado conforme ele passava pelas páginas, chegando às fotos conosco.
— A gente não queria te deixar triste nem bravo. — começou . — E não íamos fazer nada sem falar com você.
— Falar comigo? — Ela assentiu.
— Nós só vamos começar o processo de adoção se você quiser. — Expliquei, correndo uma mão pelo cabelo de Hayato. — O plano era te perguntar se era isso que você queria antes de fazermos qualquer coisa. Se você queria ficar aqui com a gente.
— Ficar… nós quatro? Aqui?
— Nós quatro. — Confirmei.
Eu tinha esperanças que também quisesse isso. A ideia da adoção tinha sido dela, mas originalmente a mudança dela pra cá era pra ser temporária. Claro, eu também não a tinha visto procurando apartamentos desde então, mas ela podia estar só esperando a solução da situação das crianças.
Eu sabia que, de certa forma, era um pensamento um pouco egoísta querer que ela ficasse aqui. Não tínhamos nada além de amizade e eu nem ao menos achava que ela se interessava por homens, mas queria continuar a tê-la na minha vida desse jeito, todos os dias. Nossa pequena “família” era tudo o que eu nunca soube que queria, mas, como Hayato tinha dito, isso incluía nós quatro.
— Eu… — seus olhos verdes passaram por mim e por várias vezes antes de ele assentir, fungando e secando as lágrimas. — Eu ia ter que chamar vocês de pai e mãe?
— Só se você quiser, pequeno. Não precisa mudar nada se você não quiser.
Ele assentiu, se aconchegando contra mim.
— Então… então eu quero ficar.
— Então você fica, meu amor. — estendeu uma mão para acariciar os cabelos dele, uma lágrima escorrendo pela bochecha dela também.
The Friends
’s POV
Eu havia passado os últimos dois dias treinando os outros heróis da agência, mal indo pra casa. Eu tinha saído antes do amanhecer hoje. Honestamente, os meus pensamentos ao abrir a porta e tirar meus sapatos estavam tão concentrados em tomar um banho e deitar um pouco que eu nem percebi o par de scarpins e o par extra de tênis. Também não me atentei ao silêncio ou à ausência de pessoas na sala até chegar à cozinha, quando uma figura familiar pulou em cima de mim, exclamando:
— Surpresa!
Arregalei os olhos em choque, com a visão bloqueada pelos cachos cheios.
— ?! — O que ela estava fazendo ali? — Como…? O que…?
— Feliz aniversário, ! — Chamou Hayato quando me afastei um pouco da minha amiga e finalmente prestei atenção nos meus arredores.
Shoto estava apoiado na bancada com um sorriso suave nos lábios e os braços cruzados sobre o peito, seus olhos multicoloridos focados no meu rosto. Em um dos bancos, , o namorado de e também meu amigo, estava sentado com Suki no colo, e ao lado deles havia um bolo com “Parabéns !” escrito em cima. No chão, algumas sacolas e caixas em embrulhos de presente.
— O que é tudo isso?
— Eu não ia deixar seu aniversário passar sem comemoração — respondeu Shoto como se fosse a coisa mais simples do mundo.
— Nevesáio! — exclamou Suki batendo palmas, fazendo Shoto soltar uma pequena risada que fez meu coração pular uma batida.
— Certo. Nós não íamos deixar passar.
— E como isso explica a e o ? — Arqueei uma sobrancelha para ele, que apenas deu de ombros.
— Seu irmão ajudou bastante.
Soltei uma risada incrédula, balançando a cabeça. É claro que sim.
— Ok, eu quero muito continuar essa conversa, mas preciso desesperadamente de um banho primeiro.
— Vai tranquila, miga, seus pequenos tavam distraindo a gente aqui.
Corri para tomar um banho rápido e voltar logo para a sala, colocando o primeiro vestido que puxei do armário. Shoto estava pondo a mesa e Hayato mostrava um de seus muitos cadernos de desenho para , ainda segurando Suki.
— Pronto, agora eu cheguei de verdade.
— Pesente, ! — Suki exclamou, batendo palminhas, e tive que rir. Ela se virou para , apontando para o chão. — Andá! São!
— Você quer ir pro chão? — Ela assentiu e o homem obedeceu com cuidado, ficando em pé também.
Suki andou até mim escorada nas gavetas, esticando uma das mãozinhas para eu pegá-la no colo. Ela tinha começado a conseguir ficar em pé e dar alguns passinhos desde que estivesse apoiada em algo havia pouco mais de uma semana, Shoto e eu agora estávamos esperando ela não precisar mais desse apoio ansiosamente. sorriu para mim.
— Feliz aniversário, . — Sorri de volta e ele se inclinou para me dar um beijo na bochecha.
— Pesente! — Suki reclamou e eu ri, revirando os olhos e me afastando dele.
— Ta bom, princesa, vamos ver os presentes.
e eram meus amigos há anos, através de uma série de coincidências que me fez conhecê-los separadamente na época em que eles começaram a namorar sem saber que eles se conheciam. A nossa surpresa quando tentou me apresentar pra gerou uma cena cômica. Mas fazia muito tempo que eu não falava com nenhum deles, a carreira de cantor dele fazendo com que o casal tivesse uma vida ainda menos estável que a minha.
— Qual presente você quer tanto que eu veja, meu amor? — perguntei, me abaixando com Suki ao lado da pilha de caixas.
— Eti. Sho, Ato e Suki. — Respondeu, pegando a alça de uma das sacolas.
— De vocês três, é? Tá bom, vamos ver o que é.
Puxei a sacola do meio das outras coisas, colocando-a na bancada para analisar seu conteúdo, mas o que me chamou a atenção primeiro foi o próprio embrulho. A sacola em si era bem simples, de papel pardo, mas estava decorada com o que parecia ser uma mistura de tinta guache e giz de cera, com desenhos de um céu estrelado com uma lua crescente que claramente tinha sido feito por Hayato, rabiscos que eu imaginava serem de Suki e carimbos de suas mãozinhas sobre um carimbo de uma mão maior que a minha e de dedos longos. Ergui o olhar para encontrar Shoto esfregando a nuca, suas bochechas levemente coradas.
— Alguém não sossegou enquanto eu não participei da pintura.
— Pesente!
Soltei um riso baixo, imaginando a cena dele sujo de tinta com as crianças no quintal sob protestos de Suki.
— A gente ajudou com o presente também — disse Hayato, subindo no banquinho ao meu lado. — Shoto disse que você ia gostar.
— Agora eu to curiosa.
— Até eu to curiosa, , abre logo. — Mostrei a língua para , que agora estava abraçada com do outro lado da bancada.
Com cuidado para não rasgar a sacola — que eu tinha total intenção de guardar —, abri para revelar uma caixa de veludo verde escuro aproximadamente do tamanho da minha palma. Pisquei, levemente chocada. Aquilo era claramente uma caixa de joalheria.
— O que tem dentro?
Engoli em seco, tirando o objeto da sacola com a mão livre e levantando a tampa para revelar uma corrente prateada fininha, muito delicada, com um pingente redondo de uns 3 cm da mesma cor. No lado que estava para cima havia uma lua crescente com mini pérolas na parte mais grossa, uma estrela com uma pedrinha de brilho azulado no meio e um raminho passando atrás com pedrinhas verdes e vermelhas nas folhas. Era lindo.
— Ele abre. — Hayato apontou, me indicando o fecho escondido atrás da argola por onde passava a corrente.
Dentro, presa pela delicada moldura, havia uma foto que eu nunca havia visto antes: eu estava sentada no sofá da sala, dormindo, com Suki também dormindo abraçada no meu tronco e Hayato apagado com a cabeça no meu ombro. Eu conseguia lembrar desse dia, estava muito quente e nós três tínhamos caído no sono no meio da tarde depois de uma manhã de brincadeiras com água no quintal. Shoto tinha nos encontrado daquele jeito quando chegou do trabalho e tentou colocar as crianças na cama sem me acordar, mas acabei acordando quando ele tirava Suki dos meus braços. Aparentemente, ele tinha parado pra registrar o momento primeiro.
Do lado oposto à foto, no que seria a parte interna de onde havia os entalhes, havia mais dois pequenos entalhes que demorei alguns instantes para entender serem impressões digitais.
— Dedo! — exclamou Suki, colocando o indicador na menor das duas impressões e encaixando perfeitamente.
Engoli o nó que se formou na minha garganta e passei a ponta do dedo pelo entalhe de fora, sem dizer nada por vários instantes.
— Você gostou? — perguntou Shoto, apreensivo.
Ainda incapaz de responder, apenas assenti.
— Acho que eu nunca vi a sem palavras — comentou .
— Nem eu.
— ? — Hayato inclinou a cabeça em dúvida.
Tirei o relicário da caixa e o estendi para Shoto, minha voz saindo pouco mais alta que um sussurro.
— Me ajuda a colocar?
Ele me ofereceu um pequeno sorriso, tomando o objeto das minhas mãos sem desviar o olhar do meu. Me virei de costas, um arrepio percorrendo a minha espinha quando senti seus dedos gelados roçarem minha nuca, pondo meu cabelo sobre o ombro. Eu estava hiper consciente do quão perto de mim Shoto estava quando ele posicionou a corrente e ajeitou o fecho, meu coração acelerando até ele tirar meu cabelo de dentro da corrente. Virei de novo, a mão livre encontrando o pingente e os olhos se perdendo nas infinidades destoantes que eram os olhos dele.
— É lindo. Eu amei.
Ele sorriu para mim e por alguns instantes foi como se não houvesse mais ninguém na sala, nem mesmo Suki, cujo peso ainda estava apoiado no meu braço.
— Posso ver a foto? — Pediu , e me virei para ela rapidamente, sentindo as bochechas esquentarem por ter me deixado levar daquele jeito. Se controla, mulher!
— Claro. — Sorri e dei a volta na bancada, mostrando a pequena imagem para o casal, que achou muito fofo.
— Podemos jantar e depois a abre os outros presentes? — Pediu Hayato.
— Ótima ideia. — Respondi. — Tenho que admitir que também to morrendo de fome.
Nos sentamos, Hayato ao meu lado e Suki no meu colo, e Shoto trouxe para a mesa uma travessa com uma lasanha, meu prato favorito e que eu não comia provavelmente desde que me mudara para o Japão.
— Eu encomendei em um restaurante, não ia me arriscar a fazer nada além de esquentar a comida. — Explicou ele antes que alguém perguntasse e demos risada.
O jantar passou muito rápido, o tempo todo com conversas animadas, histórias sobre a época em que eu, e nos conhecemos, histórias das turnês dele, histórias que Hayato quis contar de nós quatro para fazer meus amigos rirem. Suki estava até fazendo “comentários” do seu jeitinho.
Honestamente, aquele momento era o melhor presente que eu podia ter ganhado, especialmente por ver Suki e Hayato tão confortáveis na presença de pessoas importantes pra mim.
Assim que acabamos de comer, Shoto e eu nos levantamos para tirar a mesa e trazer o bolo para o parabéns. Parei ao seu lado na cozinha, baixando a voz para que só ele me ouvisse:
— Como você fez tudo isso?
— Não posso levar o crédito sozinho. Na verdade, o plano era trazer seu irmão. — Arregalei os olhos. — Eu sei o quanto vocês são próximos e o quanto você sente falta dele. Mas não deu certo. Aí ele se ofereceu pra tentar encontrar algum amigo seu que pudesse vir. Foi ele que me deu o contato da .
— Shoto, há quanto tempo você tava planejando isso? — Balancei a cabeça, incrédula. — E como foi que você conseguiu falar com o meu irmão sem eu saber?
Ele deu um sorriso mínimo, um brilho travesso nos olhos. Não era fácil fazer as coisas pelas minhas costas ou me surpreender, e Shoto sabia disso. Tive que me forçar a tirar os olhos de seu sorriso, seus lábios sendo uma visão mais tentadora que o doce à nossa frente.
— Hayato anotou o número dele pra mim em uma das vezes que ele te ligou.
— Vocês… — ri, fechando os olhos por um instante antes de erguer o olhar para ele outra vez. — Não acredito que conseguiu que os dois também não me falassem nada.
Ele apenas deu de ombros, pegando o bolo e voltando para a mesa.
Cantamos parabéns, Suki muito animada com a primeira “festa” de aniversário de que participava. Logo depois, veio me abraçar, me desejando feliz aniversário, seguida por .
Me dando um abraço apertado, ele inclinou a cabeça para sussurrar em meu ouvido:
— Do jeito que esse cara olha pra você, vou começar a ficar com ciúmes. Especialmente porque você tava escondendo ele da gente.
Senti meu rosto queimando imediatamente e soltei uma risada nervosa. sempre tinha sido muito brincalhão, ‘flertando’ com qualquer pessoa com quem ele tivesse intimidade. não gostava muito disso no começo, mas depois entendeu que ele estava apenas brincando, justamente para gerar reações como a minha naquele momento.
— Eu não tava escondendo nada, homem, não pira. Ele é só meu amigo. — Respondi baixo, não querendo que Shoto ouvisse o conteúdo da conversa, e me afastei, dando um tapa fraco no braço do meu amigo.
Mesmo assim eu sabia que meu rosto estava muito vermelho.
— Vou fingir que acredito, -chan.
Shoto’s POV
Pisquei, me distraindo do que e Hayato diziam. Senti a temperatura do meu corpo subindo, extremamente incomodado com a cena à minha frente, e respirei fundo, tentando me acalmar. Havia anos que eu não perdia o controle da minha Individualidade por conta das emoções, mas isso era… novo. O incômodo que eu sentia agora ao ver abraçada com outro homem, ao vê-lo falando no ouvido dela e fazendo-a corar, era algo que eu nunca havia sentido antes.
se afastou dela e lhe deu um tapa de brincadeira no braço e, depois de vários segundos encarando a interação dos dois, eu finalmente entendi o que vinha me atormentando: ciúmes.
Balancei a cabeça, forçando meus olhos a saírem de cima dos dois. Eu sabia que eles eram amigos, e era namorado de , que estava bem na minha frente. Além disso, eu conhecia o suficiente pra saber que ela jamais se envolveria com alguém comprometido. Racionalmente, não tinha motivo nenhum pra eu estar com ciúmes.
Mas isso não diminuía meu incômodo nem minha vontade de criar uma parede de gelo pra afastar os dois. Na verdade, aquela sensação não me deixava em paz desde que tinha voltado e lhe deu um beijo na bochecha. Era um sentimento horrível, se eu estivesse sendo honesto, e, conhecendo , eu tinha quase certeza que ela ficaria puta de saber que eu estava com ciúmes, mesmo se nós tivéssemos um relacionamento.
Eu também sabia que precisava recuperar o controle dos meus próprios pensamentos, e rápido. O jantar hoje era pra ser sobre , pra deixá-la feliz de poder comemorar com pessoas que ela gostava, não pra eu fazer uma cena.
— Ok, quem quer bolo? — perguntou ela e me vi aliviado com a distração, indo pegar os pratos. — Aliás, quem fez esse bolo? — Continuou, divertida.
— Boo!
— Fuyumi veio hoje de manhã ajudar a gente. — Hayato explicou. — Você me ajudou a fazer o bolo pro Shoto no aniversário dele, eu queria fazer o seu também.
sorriu, bagunçando os cabelos dele com uma mão, e eu complementei a história, olhando por cima do ombro.
— Por algum motivo, Hayato não quis que eu ajudasse, pediu pra chamar minha irmã.
— Shoto, você é pior que a Suki cozinhando. E ela nem fica em pé sozinha direito. — Provocou o menino e eu ri, sendo obrigado a concordar.
— Ah, ele não é tão ruim assim, Hayato.
— Obrigado por me defender, , mas ele tem razão. Eu continuo sendo um completo desastre na cozinha, mesmo com vocês tentando me ensinar. — Ela riu de leve.
— Eu já vi piores. Você pelo menos tem noções básicas, e nunca destruiu nenhuma parte da cozinha.
e apenas riram da conversa.
’s POV
— Então… vai me contar essa história direito, mulher? — perguntou em português, me empurrando de leve com o ombro. Quando lhe ofereci uma expressão de dúvida, ela indicou Shoto e as crianças com a cabeça. Estávamos na sala agora, depois de todos comerem o bolo e eu abrir mais alguns presentes.
— Vai parecer mentira, mas foi 100% acidental. As crianças eram reféns que a gente resgatou, e aí uma coisa meio que foi puxando a outra e agora estamos no processo pra adotar os dois.
— E vocês dois, vieram antes ou depois desse resgate?
Revirei os olhos, suspirando. Pelo menos ela tinha tido o senso de puxar esse assunto em português, me permitindo responder sem medo que Shoto entendesse do que estávamos falando.
— Você também não. Já basta o . Não tem “nós dois” nenhum.
— Ah , para, vai.
— Eu to falando sério.
— Oxe, ele quase fez churrasquinho de quando meu bombom te abraçou depois do parabéns. E não para de te olhar a noite toda, além de ter tido o trabalho de organizar isso aqui.
— Amiga, acho que tá na hora de marcar um oftalmologista, viu? Você tá começando a ver coisas. Ou talvez um psiquiatra.
Ela estreitou os olhos pra mim e cruzou os braços.
— Ah é? E o jeito que você olha pra ele, to alucinando essa parte também? — Senti minhas bochechas queimando imediatamente, e riu, apontando para elas. — Eu sabia!
— Ah, cala a boca — resmunguei, desviando o olhar. Mas não consegui impedir minha expressão de derreter ao ver Shoto sorrindo suavemente para Hayato enquanto eles brincavam no chão da sala.
— Olha aí. Toda boba pelo Sr. Herói. — Respirei fundo, me virando pra ela.
— Nós somos só amigos. — Insisti mais uma vez.
— Então tu que tá cega, viu? Pra não perceber o tanto que ta cadelando o homem.
— Não to cega. — Suspirei de novo, deixando meus olhos caírem sobre ele. O olhar heterocromático encontrou o meu e não pude deixar de sorrir. Sem me voltar para , baixei a voz para que só ela me ouvisse, admitindo aquelas palavras pela primeira vez até para mim mesma: — Eu amo ele.
— Então devia falar isso pra ele — respondeu ela após alguns segundos de silêncio em um tom bem mais suave que antes.
Balancei a cabeça em negação, engolindo o nó na minha garganta.
— Não posso.
— Amiga, olha o que ele fez pra você hoje, se você me disser que de verdade não acha que ele sente nada por você…
— As crianças, . Se ele me rejeitar e as coisas ficarem estranhas, ou se ele não me rejeitar, mas depois der errado ou a gente brigar, o que eu faço com eles? — Voltei os olhos para ela. Eu sabia que aquele discurso era repetitivo, que era minha resposta imediata quando qualquer um sugeria que eu me declarasse (e não foram poucas pessoas), mas eu não conseguia superar essa preocupação. — Hayato e Suki são minha prioridade agora. Não posso arriscar.
— Mas mulher, e se der certo? Ele obviamente também quer…
— Não vou testar a sorte.
Foi a vez dela de suspirar, pondo uma mão no meu braço.
— Eu não vou discutir com você, porque eu entendo seu motivo. Só lembra de continuar vivendo pra você também, e não só pra eles. Você também tem que ser sua prioridade.
Assenti, piscando rápido para segurar as lágrimas e puxando-a para um abraço.
— Obrigada, amiga.
Eles ficaram mais um pouco depois disso, mas já era tarde. Ainda tentei convencer e a ficarem no quarto de hóspedes (sim, tinha mais um além do que tinha virado meu quarto), mas eles já tinham reservado um hotel e recusaram, indo embora com promessas de me avisar quando fossem vir para o Japão de novo para que nos víssemos.
— Hey. — Chamei Shoto depois que colocamos as crianças na cama, os dois já tinham apagado na sala mesmo há algum tempo.
— Hm?
Ele se virou de frente pra mim e passei meus braços ao redor da sua cintura, puxando-o para um abraço. Demorou alguns segundos para que ele superasse o choque e me abraçasse de volta, hesitante.
— O que houve?
— Obrigada Sho. Hoje foi… perfeito.
Ele suspirou e pude sentir a tensão deixar seu corpo, sua voz pouco mais alta que um sussurro quando ele respondeu:
— Você merece, . Merece bem mais.
Me afastei e fiquei na ponta dos pés, ignorando o coração acelerado ao dar um beijo na sua bochecha, bem na borda da cicatriz.
— Boa noite.
— Boa… boa noite. — Shoto respondeu atônito, os olhos levemente arregalados, mas eu já estava me afastando em direção ao quarto.
28 de agosto
Respirei fundo, alisando meu vestido pela milésima vez. Hoje era a primeira vez que eu e Shoto íamos realmente tirar as crianças de casa, e seria por várias horas. Tínhamos conversado muito com eles antes de decidir fazer isso, tendo certeza que os dois realmente estavam prontos e confortáveis com a ideia antes de mais nada. Claro, provavelmente o fato de que estaríamos cercados por aproximadamente vinte dos heróis no top 50 e na casa do número 1 ajudava que eles se sentissem seguros com o passeio.
E me deixava mais nervosa.
Em parte porque eles eram pessoas tão importantes, sim, mas era muito mais porque eu estaria sendo apresentada a um grupo grande do qual não conhecia ninguém, e porque eles eram os amigos de Shoto, amigos que estavam com ele desde o ensino médio, e que uma parte de mim queria impressionar. Eu não conhecia nada além da imagem pública deles e 5 minutos de conversa com Chargebolt, nos quais eu não tinha exatamente sido simpática, mas pelas histórias que Shoto havia contado, eu sabia que eles eram um grupo muito unido, que haviam passado por muita coisa juntos e tinham muito carinho uns pelos outros. Fazer parte da vida de Shoto permanentemente, como seria o caso agora que estávamos tentando conseguir a guarda de Hayato e Suki, incluía conviver com aquelas pessoas, e eu não queria causar má impressão.
— ? — Chamou Hayato da porta do quarto.
— Pode entrar, meu amor.
Shoto estava dando banho em Suki e Hayato tinha pedido para se arrumar sozinho, então eu aproveitei para me arrumar um pouco mais, e estava no momento decidindo o que fazer com meu cabelo e maquiagem na frente do espelho do meu banheiro.
— Já tá pronto?
— Já. O que você tá fazendo?
— Vem cá. — Ergui Hayato e o coloquei sentado na penteadeira de frente pra mim. Ele balançou as pernas, observando os objetos que eu havia espalhado pela superfície. — To arrumando meu cabelo e maquiagem.
— Pra que são essas coisas? — Apontou para os potes fechados onde eu mantinha os grampos, elásticos e pedrinhas.
— Cabelo e maquiagem. — Ri de leve, pegando um elástico e fazendo um rabinho na franja dele.
— Ei! — Ele riu de volta, desfazendo e guardando o elástico. — Eu sei pra que serve um elástico de cabelo.
— Eu sei que você sabe. Segura pra mim? — Ele assentiu, assistindo com atenção enquanto eu fazia uma trança fina de um lado do rosto. Repeti o processo do outro lado, em seguida pegando um grampo. — Os grampos a gente usa assim. — Mostrei, cruzando as tranças sobre a cabeça e usando o grampo para prender as pontas atrás das orelhas. — Eles seguram o cabelo, mas é diferente do elástico. — De brincadeira, prendi sua franja outra vez, agora com um grampo. Hayato revirou os olhos para mim, sorrindo.
— E a maquiagem?
— Depende muito. Tem muita coisa que dá pra usar pra funções diferentes. — Peguei uma paleta de sombras grande e abri, apontando para um tom suave de dourado. — Esse aqui, por exemplo, é uma sombra, é de passar no olho, mas dá pra usar de outros jeitos também.
Esfreguei a ponta do dedo na sombra, virando para lhe mostrar e Hayato inclinou o corpo para trás, estreitando os olhos para mim.
— Você não vai passar em mim, vai?
— Não, não vou. — Ri. — Só pra mostrar. Mas você poderia usar se quisesse.
— Eu?
— É. Todo mundo pode usar maquiagem. — Dei de ombros. — Só o que precisa é a pessoa querer.
— Mas… — ele hesitou, parecendo não ter certeza se devia dizer o que pensava. Assenti, encorajando-o. — Eu lembro de… antes. De me falarem que era coisa só de menina.
Balancei a cabeça, revirando os olhos internamente.
— Não existe isso de “coisa de menina” ou “coisa de menino”. Existem coisas, só. Se um menino quiser usar maquiagem, ele pode, do mesmo jeito que uma menina não precisa usar se não quiser. — Passei a sombra que tinha pego pra mostrar na bochecha como iluminador. — E maquiagem pode ser várias coisas. Dá pra usar pra fazer arte, igual os seus desenhos, só que no rosto. Dá pra usar pra se fantasiar. A maquiagem é como se fosse tinta, você pode fazer o que quiser com ela.
Ele pareceu analisar minhas palavras por um longo tempo, observando atentamente enquanto eu continuava aplicando os produtos e explicando o que era cada um. Quando me dei por satisfeita, ajudei Hayato a descer da penteadeira e fui colocar os sapatos e meu relicário, saindo com ele do quarto em seguida.
Alguns minutos depois, Shoto e Suki também apareceram e eu engoli em seco. Ele era um homem muito bonito, isso era fato, mas quando se arrumava, como hoje, era de tirar o fôlego. Ele tinha colocado o cabelo de lado, algumas das mechas brancas por cima do lado vermelho, e usava uma camisa azul clara com os dois primeiros botões abertos e uma calça escura que valorizava suas coxas. Devia ser proibido que Shoto se vestisse daquela forma sem um aviso primeiro, alguém podia ter um ataque cardíaco.
— Vamos? — perguntou ele, me tirando de meus pensamentos, Suki em um braço e a mochila que eu havia preparado para ela e Hayato no outro.
Engolindo meu nervosismo, sorri e peguei Hayato pela mão.
— Vamos.
— Vão indo na frente, é só tocar a campainha. Eu já alcanço vocês.
Respirei fundo, me preparando mentalmente, e assenti. Hayato agarrou minha mão e Suki escondeu o rosto no meu pescoço, os dois só agora mostrando nervosismo por serem apresentados a tantas pessoas. Eu honestamente ficava menos nervosa enfrentando vilões do que estava agora, tocando a campainha sem Shoto ao meu lado.
Quem abriu a porta foi um homem mais ou menos da minha altura, de cabelos e olhos verdes, sardas e muito musculoso. Demorei mais ou menos meio segundo até entender que era o herói Deku, o dono da casa. Ele nos analisou, seu olhar fazendo Suki me segurar com mais força e Hayato se esconder parcialmente atrás da minha perna.
— Quem…? — Então ele abriu um sorriso quase infantil. — Ah, você deve ser a do Todoroki-kun. — De novo essa história de “ do Shoto”. Chargebolt tinha me chamado do mesmo jeito em Ginza. Eu talvez devesse confrontar Shoto a respeito, mas não sabia se teria coragem. — Eu sou Midoriya Izuku. E vocês devem ser Hayato-chan e Suki-chan.
Sorri sem jeito, apertando a mão de Hayato de volta.
— É, somos nós. Muito prazer.
— E onde tá o Todoroki-kun? Achei que vocês vinham juntos.
— Ele disse pra ir tocando a campainha enquanto estacionava.
— Ah, claro! Vamos…
— Midoriya.
— Todoroki-kun!
— Sho! — Suki exclamou, estendendo um dos braços na direção dele, e Shoto sorriu, se aproximando para pegá-la do meu colo. Já tínhamos tanta prática em passar Suki para o colo do outro que o movimento era quase automático. Notei que Midoriya nos observava com atenção.
— Pronto, pequena. Vamos entrar?
— Venham, venham. Já tá todo mundo esperando vocês. — Engoli em seco, seguindo-o para o outro lado do portão com Shoto vindo logo atrás.
Passamos pela entrada, mas não fomos para dentro da casa, Midoriya nos guiando por um corredor externo lateral até o quintal na parte de trás, onde eu pude ver várias pessoas. Hayato se escondeu atrás de mim imediatamente, agarrando a minha saia.
— Olha quem chegou!
— Todoroki-kun! — Exclamou uma mulher um pouco mais baixa que eu, de cabelos e bochechas rosadas. — Vocês conseguiram mesmo vir!
— Uraraka, eu disse que nós íamos vir. — Seu tom era suave, e ele se virou parcialmente para nos incluir na conversa, mas baixou a voz para falar com Suki. — Vamos dar oi, pequena? São os meus amigos.
— Deixa eu adivinhar: essa fofinha é a Suki-chan. — Suki virou o rosto apenas parcialmente, não saindo totalmente do seu esconderijo no pescoço de Shoto, e acenou timidamente para ela. Uraraka acenou de volta, animada e com um sorriso largo. Voltou então seus olhos para mim. — E você deve ser a -chan que o Todoroki-kun sempre fala.
— Culpada. — Respondi, sorrindo de volta. — Mas pode me chamar só de se quiser.
— Eu sou Uraraka Ochako. E esse pequeno escondido aqui deve ser o Hayato-chan.
— Oi. — Ele respondeu quase sem sair de trás de mim, e passei a mão pelo seu cabelo, encorajando-o.
Ochako se abaixou para ficar da mesma altura que ele.
— Muito prazer! Todoroki-kun deixou todos nós animados pra conhecer vocês.
Hayato assentiu, erguendo os olhos para mim.
— Desculpa, ele demora um pouco pra acostumar com pessoas novas.
Ela balançou a cabeça, sem nunca perder o sorriso.
— Não tem problema. A Eri-chan também era assim no começo. Eu já fico feliz que vocês concordaram em vir conhecer a gente.
— Obrigada. — Sorri.
— Vem, deixa eu apresentar vocês pra todo mundo. — Chamou Shoto.
— Tudo bem? — perguntei para Hayato, seguindo Shoto apenas quando ele assentiu.
— Grande Todoroki! — Exclamou Chargebolt, que era a próxima pessoa mais perto. Ao lado dele, havia um homem alto de cabelo roxo e uma expressão exausta. O loiro virou os olhos na minha direção. — E vou assumir que você eu já conheço.
— É, desculpa de novo por aquele dia. Não foi meu melhor momento. — Encolhi os ombros, envergonhada. — Deixa eu me apresentar direito dessa vez: sou , muito prazer. E essa é a minha cara de verdade, aliás.
— Kaminari Denki. E essa criatura com cara de zumbi é o Shinsou.
Ele revirou os olhos, dando um tapa de brincadeira na cabeça do outro.
— Ei!
— Por que eu ainda te aguento mesmo?
— Porque você me ama?
— To começando a me arrepender disso. — Hayato riu de leve da interação deles quando Kaminari choramingou:
— Você é ruim comigo! Vou ficar com o meu novo amigo… — teatralmente, o homem se abaixou perto de nós, sussurrando alto o bastante para que todos pudéssemos ouvir: — Como você chama mesmo?
— Hayato.
— Vou ficar com o meu novo amigo Hayato, ele não é mau.
— Você chamou ele de zumbi, também não foi muito legal. — Comentou timidamente e Kaminari levou uma mão ao peito, a falsa expressão de ultraje tomando seu rosto junto a um arquejo.
— É um complô! Ninguém aqui me ama!
— Deixa de drama, homem. Eles acabaram de te conhecer, não têm obrigação nenhuma de gostar de você. E o Shinsou te aguenta a tempo demais pra ainda ter obrigação de ser legal. — Seus olhos se voltaram pra mim então. — Eu sou Jiro Kyoka. Não liguem pro Kaminari, ele não cresceu desde o ensino médio.
— Ei!
Não consegui conter a risada.
— Tenho amigos que estão na mesma. Muito prazer.
Shoto’s POV
Eu tinha passado bastante tempo preocupado com o dia de hoje. Tinha ficado apreensivo que as crianças fossem se assustar com a quantidade de gente ou com o jeito de alguns dos meus amigos. Também estava com um pouco de receio que meus amigos fossem fazer algum comentário sobre meus sentimentos por diretamente para ela, o que, conhecendo aquelas pragas, era muito provável, mas até o momento eles tinham se comportado. As crianças também pareciam estar bem com a situação, rindo das palhaçadas que faziam para deixá-los mais à vontade, e também parecia ter se dado bem, engatando facilmente em conversas.
Agora, por exemplo, ela e Hayato estavam conversando com Yaoyorozu e Jiro, o menino muito interessado nas extensões das orelhas de Jiro, e eu segui em frente com Suki para apresentá-la aos únicos dois que faltavam. Ela, surpreendentemente, não pareceu assustada com o jeito ríspido de Bakugo, apenas analisando-o com olhinhos curiosos por alguns segundos.
— Tá olhando o que, pirralha?!
— Oiço avo. — Declarou.
Não consegui conter a risada e todos os olhos se voltaram para nós, um pouco chocados.
— O quê?! O que ela disse?! — exigiu o loiro para , que não estava perto o bastante para ouvir antes.
— Oiço avo! — Reiterou Suki, apontando para Bakugo.
encontrou meu olhar e caiu na gargalhada, jogando a cabeça para frente e cobrindo a boca com a mão. Até Hayato estava rindo, mesmo que timidamente.
— De que essa pirralha me chamou?! Do que vocês tão rindo, Meio a Meio?! — Quanto mais ele protestava, mais nós ríamos, e vários minutos se passaram até que conseguíssemos nos acalmar o bastante para responder.
— “Oiço” é o bicho favorito da Suki. — Expliquei, e completou:
— Ouriço, como o que ela tem de pelúcia. Ela ta te chamando de “ouriço bravo”.
— Oiço avo! — Suki repetiu feliz no meu colo, e qualquer resposta mal-educada que Bakugo tenha tentado soltar foi engolida pelas risadas de todos.
— Essa criança acabou de virar minha pessoa favorita. — Shinsou comentou com um sorriso e Kaminari balançou a cabeça em concordância.
— Escuta aqui, seus pu-
— Bakugo! Sem palavrões na frente das crianças! — Iida interrompeu, Bakugo virando o olhar assassino e a mão que soltava faíscas para ele, sem obter reações. Depois de tantos anos, seu comportamento tinha parado de afetar todos nós, para total desgosto dele.
— Avo? — Suki perguntou, inclinando a cabecinha e apontando para Bakugo novamente. Sem ter uma resposta real, apenas dei de ombros.
— Ele tá sempre parecendo bravo, pequena. Não tem muito motivo.
— Ele tá mais fingindo. Não tá bravo de verdade. — Adicionou Kirishima em tom conspiratório, arrancando um risinho de Suki. — Ele é igual ao seu ouriço mesmo. Parece cheio de espinhos que machucam, mas é só um bichinho macio que quer carinho.
— KIRISHIMA!
— O quê? É verdade.
— Você não devia gritar tanto. — Hayato comentou, inclinando a cabeça. Ele também não parecia assustado, apenas curioso.
— Moleque…
— É feio gritar com as pessoas. Ainda mais com seus amigos.
Bakugo o encarava parcialmente em choque com a coragem de Hayato de corrigi-lo, sem resposta pronta para devolver. Não pude deixar de sorrir orgulhoso.
— Kacchan, não briga com ele.
— Não se mete, Deku!
— Ignora, pequeno, ele é sempre assim.
— Cala a boca, Canadá, ninguém te chamou na conversa.
— Se você vai brigar com o Hayato ou a Suki, ninguém precisa me chamar na conversa. — Devolvi.
Por meio segundo, tive o impulso de dizer “brigar com os meus filhos”, mas consegui me conter. Sim, pra todos os efeitos eles seriam meus filhos em breve, se o processo de adoção continuasse indo bem como estava, mas eu não queria pressionar Hayato com mudanças, nem mesmo no jeito como eu me referia a eles. Não que meus amigos não soubessem sobre a adoção, ou sobre como eu de fato me sentia pai das crianças, então eu sabia que o que eu deixei de dizer ficou claro do mesmo jeito.
— Gostei dela. — Comentou Jiro em voz baixa pra mim algumas horas depois. Lhe ofereci um olhar confuso e ela desviou o olhar para onde conversava animadamente com Ashido. Ao lado das duas, Hayato ria abertamente com Uraraka e Tsuyu, que o tinham deixado sem peso e estavam jogando ele de um lado para o outro. Suki tinha se encantado com Dark Shadow, Yaoyorozu tomando conta dela enquanto ela brincava com a sombra.
Assenti, sorrindo. Eu estava genuinamente feliz que , Hayato e Suki estavam se sentindo confortáveis com os meus amigos, e saber que eles também tinham gostado dos três era muito bom.
— Acho que todos nós gostamos, Todoroki-kun. — Adicionou Midoriya. — Dá pra ver porque você gosta dela. E fica claro como você fica mais feliz quando ela tá perto.
Voltei o olhar para mais uma vez, me distraindo com o movimento de seus lábios enquanto ela falava.
— Nunca achei que veria você assim — disse Sero, parando ao meu lado.
Olhos encontraram os meus e eu sorri, vendo as bochechas de enrubescerem ao me pegar encarando.
— Do que você tá falando? — Me virei de volta para a conversa ao meu redor.
— Pai de família. E de quatro por uma mulher. — Ele provocou, mas apenas dei de ombros. Eles tinham coletivamente decidido não me deixar em paz com esse assunto desde que descobriram.
— Eu também não — respondi simplesmente.
— Combina com você. Fico feliz de te ver assim, cara.
— É como se você tivesse se encontrado, Todoroki-kun. Como se vocês quatro se encaixassem.
Sorri, voltando a olhar as interações à nossa frente. As palavras de Midoriya pareciam muito exatas: nós éramos peças de um quebra-cabeça que só fazia sentido com os quatro juntos. E eu gostava muito da imagem que ele formava.
’s POV
— Posso te fazer uma pergunta? — disse Ashido após algum tempo que estávamos conversando.
No fim meu medo tinha se mostrado infundado, afinal os amigos de Shoto tinham todos nos recebido muito bem e as crianças tinham adorado eles. Hayato estava até brincando sem nenhum de nós e rindo abertamente, cena que me fez ter que segurar as lágrimas um pouco.
— Claro.
— Você me parece ser uma pessoa bem comunicativa. — Assenti. — Como é que você não fica doida com o Todoroki? Ele quase não fala!
Tive que rir.
— As vezes eu acabo falando o suficiente pelos dois, pra ser bem honesta. E ele até que fala bastante comigo e com as crianças. Mas mesmo quando a gente fica em silêncio, não sei, é um silêncio confortável, sabe?
Voltei o olhar para onde Shoto conversava com algumas pessoas e o peguei me encarando. Minhas bochechas imediatamente começaram a queimar, o que o fez me lançar um sorriso de tirar o fôlego antes de se virar de volta para a conversa em que estava. Esse homem ainda ia ser a minha ruína desse jeito.
— Ah, entendi. — Tornei a encará-la, ficando impossivelmente mais corada e já abrindo a boca para negar, mas Ashido apenas riu de leve, balançando a cabeça. — Não se dê ao trabalho de negar, eu não sou cega. Mas também não vou falar pra ele. Não que ele fosse acreditar em mim se eu falasse, de qualquer jeito. Aquele ali é teimoso.
— Eu não… — comecei, mas sua expressão me calou e eu só suspirei, esfregando a testa. — É tão óbvio assim?
— É, sou obrigada a te dizer que sim. Claro, pra pessoas que tem um mínimo de noção do que procurar, o que não é o caso do nosso querido Todoroki. Ele provavelmente não tem a menor ideia.
Fechei os olhos, soltando um muxoxo. Ok, eu definitivamente precisava melhorar o controle sobre as reações que eu tinha a Shoto se uma pessoa que me conhecia há apenas algumas horas era capaz de perceber os meus sentimentos. Me salvando bem na hora, veio Suki dando passinhos desequilibrados na minha direção, se soltando sobre as minhas pernas assim que me alcançou com um grande sorriso.
— !
— Suki, você acabou de andar? — perguntei e ela balançou a cabeça, feliz. — Você andou, princesa! Sho, você viu?
Ele já estava perto quando eu vi, um sorriso largo e orgulhoso em seu rosto que eu tinha quase certeza que estava se refletindo no meu. Shoto se agachou ao meu lado para ficar na altura de Suki.
— Sho! — Ela exclamou.
— Eu vi a nossa pequena andando! — Nossa pequena, as palavras ecoaram na minha cabeça.
Hayato aterrissou perto de nós, descabelado e feliz, e quase fez Shoto perder o equilíbrio. Em uma tentativa de não cair, ele se segurou na primeira coisa que sua mão encontrou — que por acaso foi a minha coxa. É, eu quase morri ali mesmo.
Ninguém mais pareceu notar, e ele deslizou a mão para o banco assim que se estabilizou de novo. Se não fosse pelo leve rubor que cobriu suas bochechas, eu acharia que nem o próprio Shoto tinha percebido o que fez. Mesmo assim, minha pele se arrepiou, o calor do seu toque permanecendo por um bom tempo.
— Não deixa mais o Todoroki guardar vocês só pra ele, hein? — disse Ashido quando estávamos nos despedindo. — Se considere convidada sempre. As crianças também.
Sorri. A tarde tinha sido muito boa, mas Suki tinha pegado no sono e Hayato não estava muito atrás, pendurado no colo de Shoto e lutando para ficar acordado tempo o bastante pra se despedir de todos.
— Vou aparecer com certeza. Tenho testemunhas que eu não faço cerimônia com esse tipo de convite.
Indiquei Shoto com a cabeça e ela riu, assentindo.
Nos despedimos de todos, Midoriya nos acompanhando até o carro para ajudar a colocar as crianças pra dentro.
— Espero que vocês tenham gostado de hoje. Eu fiquei muito feliz que vocês vieram com o Todoroki-kun.
— E nós ficamos muito felizes com o convite. As crianças também, ou não teriam apagado desse jeito.
— Que bom. — Ele deu uma olhada na direção de Shoto, garantindo que ele não estava tão perto, e baixou um pouco a voz. — Eu queria te agradecer. Família sempre foi uma coisa complicada pro Todoroki-kun, mas vocês… bom, ter você e as crianças na vida dele faz ele feliz de um jeito que eu nunca vi antes.
Sorri, baixando os olhos.
— Acredite quando eu digo, Midoriya-kun, que é recíproco. — Ele sorriu em resposta, assentindo, e andou de volta para dentro.
— Vamos pra casa? — Shoto perguntou e virei o sorriso pra ele.
— Vamos.
30 de agosto
— ? — perguntei, sem entender por que ela estava entrando no meu quarto no meio da noite.
— Shhh. — Foi sua única resposta enquanto continuou a caminhar na minha direção. Franzi o cenho, esticando uma das mãos para acender o abajur e me sentando.
não estava mais com as roupas que vestia mais cedo, mas também não estava de pijama. Na verdade, ela estava arrumada de um jeito que eu nunca havia visto: vestia uma blusa acetinada vermelha com as costas completamente abertas e uma saia preta justa que terminava bem acima do meio da coxa; além disso, estava com um batom da mesma cor da blusa. Ela estava muito bonita — muito sexy —, mas eu não conseguia imaginar por que ela estaria vestida desse jeito àquela hora.
— Aconteceu alguma coisa?
— Ah, Shoto… — Ela sentou-se na cama ao meu lado, esticando uma das mãos para puxar lentamente o lençol que me cobria. — Você faz tanto por mim, eu nunca agradeci direito.
Seus olhos faiscaram na minha direção, um sorriso travesso nos lábios vermelhos, e inclinei a cabeça, confuso. Quando correu as unhas de leve pelo meu peito, provocando, ergui uma sobrancelha pra ela. Eu estava entendendo aquilo direito?
— …
— Shoto. — Rebateu, um olhar falsamente inocente enquanto continuava a descer sua mão em direção ao elástico da minha calça. Segurei seu pulso. — Eu posso ir embora se você quiser.
— Eu não disse isso.
Num impulso, passei o outro braço ao redor da sua cintura, girando nós dois na cama e ficando por cima dela.
apenas riu, enterrando uma das mãos no meu cabelo e me puxando para perto, mas ela não estava mirando meus lábios, se inclinando para beijar meu pescoço. Fechei os olhos, apertando a cintura dela em resposta e respirando fundo, seu perfume preenchendo meus sentidos.
Sua mão livre correu pelas minhas costas enquanto ela mordiscava minha pele, fazendo um arrepio descer pela minha espinha, meu corpo reagindo de imediato. Desci uma carícia até sua coxa e ela suspirou, trazendo os lábios para os meus. Devorei-a com todo o desejo que eu vinha mantendo reprimido há meses, tentando exprimir naquele único momento o quanto eu a queria. enganchou a perna no meu quadril, me puxando impossivelmente mais para perto e ondulando o corpo contra o meu, me arrancando um gemido ao se esfregar contra minha ereção.
Parti o beijo, sem fôlego, e desci os lábios para seu pescoço, inclinando a cabeça para me dar melhor acesso.
— Você não faz ideia do quanto eu queria isso — murmurei. — Do quanto eu quero você.
— Então me mostra.
Ela arqueou as costas, uma de suas mãos desaparecendo da minha pele, e logo senti o tecido da blusa não mais tão preso ao seu corpo.
Me afastei o suficiente para admirá-la, removendo o tecido como quem desembrulha um presente. me encarava de volta, o peito subindo e descendo com a respiração descompassada, os mamilos enrijecidos. “Presente” talvez não tenha sido a melhor palavra, pois a imagem de seminua na minha cama, me olhando com aquela expressão, estava mais para “banquete”. Lambi os lábios, me abaixando para tomar um de seus seios em minha boca.
— Sho… — arquejou, puxando meu cabelo em resposta.
Ela ondulou os quadris, se esfregando contra mim e me deixando cada vez mais excitado. Apertei sua coxa, encontrando seus movimentos no meio do caminho, o tecido fino do meu pijama sendo uma barreira quase inexistente entre nós, e gemi quando arranhou minhas costas.
Me afastei, subindo o rosto novamente para perto do dela, mas qualquer coisa que eu pensei em dizer morreu na minha língua com a expressão que ela fazia: os olhos tomados quase completamente pelas pupilas dilatadas, os lábios perfeitos entreabertos, a bochechas coradas ressaltando as sardas.
— Tão linda… — murmurei, apoiando minha testa contra a dela sem interromper nossos movimentos.
Acordei assustado, o alarme estridente soando ao meu lado. Demorei alguns segundos para processar o mundo real à minha volta, a cama vazia e o fato de que eu tinha apenas sonhado. Grunhi frustrado contra o travesseiro.
— Merda. Não podia ter tocado daqui 5 minutos? — resmunguei, desligando o aparelho e me levantando para tomar o banho gelado que eu agora precisava.
Não era incomum que eu me visse tendo pensamentos… menos que puros sobre , afinal ela era uma mulher linda por quem eu estava apaixonado, mas eu tentava manter um limite, considerando que precisaria encará-la todos os dias. Nunca tinha chegado a sonhar com ela antes, e agora ter aquelas imagens na minha mente seria no mínimo complicado.
Imagens que não consegui impedir de tomarem conta dos meus pensamentos novamente, a água gelada não adiantando de nada. Assim como não consegui impedir seu nome de escapar dos meus lábios quando gozei em minha própria mão, sua expressão em meu sonho preenchendo minha mente.
The Surrender
’s POV
— ! — Escutei a voz apavorada de Hayato me chamando do quarto.
Imediatamente larguei o que eu estava fazendo na cozinha e corri até ele, chegando bem a tempo de sentir meu corpo ficar sem peso por um segundo e de ver todos os objetos — e o próprio Hayato — flutuando perto do teto, tudo caindo com um estrondo logo em seguida.
Seu choro baixinho chegou aos meus ouvidos antes que eu conseguisse alcançá-lo.
— Aí meu deus. — Me abaixei ao seu lado, o ângulo em que seu braço estava dobrado parecendo completamente errado. Claramente havia uma fratura ali. Seu tornozelo também não parecia muito bom.
— Tá doendo — soluçou.
— Eu sei, meu amor. — Puxei Hayato com cuidado para o meu colo, ficando de pé em seguida. — A gente vai ter que ir no hospital pra um médico ver seu braço, tá bom? — avisei, tentando manter meu próprio desespero escondido. Ele só enterrou o rosto no meu pescoço, chorando em silêncio. — Suki?
— Ato ta titi?
— O Hayato se machucou, princesa. A gente vai levar ele no médico, tá bom? — Ela franziu o cenho e fez um bico. Peguei a bolsa e as chaves do carro. — Vem, princesa, vamos pro carro.
Coloquei Hayato e Suki no carro, prendendo os dois nas cadeirinhas, meu coração se apertando com o choro dele e a forma como ele estava encolhido. Puxei o celular, ligando para Shoto. Eu sabia que ele estava trabalhando, mas precisava avisá-lo. Caí na caixa postal, e resolvi deixar recado mesmo assim:
— Shoto, desculpa te ligar assim, mas eu to levando as crianças pro hospital. O Hayato caiu, eu acho que ele quebrou o braço. Sei que é ruim pra você sair, mas por favor vem encontrar a gente assim que conseguir.
Enviei uma mensagem também, dizendo o mesmo, em seguida entrando no carro e dirigindo o mais rápido possível até o hospital mais próximo. Chegando lá, peguei Hayato no colo outra vez e tomei a mão de Suki, indo direto para o Pronto Socorro.
— Por favor, eu preciso de ajuda. — Pedi e imediatamente veio uma enfermeira até nós. — Ele caiu, eu acho que quebrou o braço e machucou o pé também.
— Tudo bem, senhora. Você está com os documentos dele?
— Sim, ta aqui na bolsa.
— Coloca ele aqui. — Instruiu, me oferecendo uma cadeira de rodas. Peguei Suki no colo em seguida, caçando na bolsa os documentos de Hayato e os meus e entregando na mesa de atendimento.
— Hum, senhora? Você não pode ficar como acompanhante dele.
— O quê?! Por que não? Eu sou responsável por ele.
Ela me ofereceu um olhar como quem pede desculpas.
— Você não é familiar do menino. E o registro diz que ele não tem um responsável legal.
— Eu sei disso, ele é órfão, mas eu to no meio do processo de adoção, eu sou a família dele sim.
— Sem um documento da assistência social confirmando isso, você não pode entrar como acompanhante dele. Só pode assinar como responsável pela internação.
— , eu não quero ir sozinho. — Chorou Hayato, os olhos implorando, mas a enfermeira já estava empurrando a cadeira pelo corredor.
— Senhora, eu preciso levá-lo.
— Você vai realmente deixar um menino de 6 anos assustado e sozinho? — Reclamei, mas a atendente apenas suspirou, parecendo realmente insatisfeita com a resposta que tinha que me dar.
— São regras do hospital, eu não posso fazer nada. Sinto muito. — Contive os palavrões que passaram pela minha cabeça, correndo até Hayato e me abaixando ao lado dele.
— Eu vou ligar pra assistente social e já já eu tô lá dentro com você, tá bom, meu amor? Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Dei um beijo no topo da sua cabeça, meu coração apertado ao vê-lo ser levado embora em silêncio, mas com lágrimas escorrendo sem parar dos olhos assustados.
Imediatamente comecei a ligar para a assistente social com quem eu e Shoto estávamos lidando a respeito do processo de adoção, bombardeando o telefone dela até a mulher me atender. Expliquei a situação e ela me garantiu que iria trazer os documentos necessários assim que possível, mas que não conseguiria vir imediatamente e não havia nada que eu pudesse fazer nesse meio tempo.
Desliguei o telefone puta, andando de um lado para o outro na recepção com Suki ainda no meu colo. Ela não perguntava nada, mas não pude deixar de notar como seus olhos iam a todo momento para o corredor por onde a enfermeira tinha levado seu irmão. Não fosse ela, eu já teria dado um jeito de me esgueirar para onde quer que tivessem levado Hayato, com ou sem autorização.
Não tinha dado nem meia hora que eu estava naquele lugar quando Shoto atravessou a porta a passos largos, ainda vestindo seu uniforme de herói. Ele franziu o cenho quando seus olhos me encontraram.
— Sho! Ato ta dodói.
— Onde…?
— Não me deixaram entrar com ele. Regras estúpidas do hospital, só pode entrar familiar ou responsável legal. — Balancei a cabeça. — Eu já liguei pra assistente social, ela disse que vai trazer os documentos, mas ainda vai demorar.
Sua expressão se fechou imediatamente.
— O Hayato teve que entrar sozinho? — Assenti. — Você sabe onde ele tá?
— A enfermeira disse que era o quarto 315, mas parece que queriam preparar ele pra fazer uma cirurgia no braço, realmente quebrou. — Eu podia ter aceitado que não poderia entrar, mas infernizei cada enfermeira que passava até elas começarem a me trazer as notícias voluntariamente.
— Me encontra lá dentro quando a assistente social trouxer o que falta — disse apenas, se virando e marchando hospital adentro.
— Senhor? Shoto-san, você não pode entrar! — Ouvi alguém tentando impedi-lo, mas Shoto nem se deu ao trabalho de responder ou desacelerar, e respirei mais aliviada.
Eu duvidava que alguém de fato fosse capaz de tirar ele lá de dentro, e também não botava muita fé que alguém fosse realmente tentar. Nessas horas, a fama com certeza tinha suas vantagens.
visto por último hoje às 11:38
Me mantém informada enquanto eu não consigo entrar11:40
Alguns minutos se passaram antes que eu recebesse uma resposta.
Online
Me mantém informada enquanto eu não consigo entrar11:40
Já to aqui com ele.12:01
O médico disse q torceu o tornozelo e fraturou o pulso.12:01
Querem fazer uma cirurgia pra colocar o osso no lugar e ter uma recuperação mais rápida, mas precisa de um responsável pra assinar a autorização
Vamos ter que esperar a assistente social de qualquer jeito.12:02
Hayato ta assustado por causa da cirurgia, mas deram um remédio pra dor por enquanto12:05
Suspirei. Saber que Shoto estava lá com ele me deixava muito mais calma, mas eu sabia que todo o ambiente hospital devia estar deixando Hayato apavorado, ainda mais com a certeza de uma cirurgia. Eu só queria estar lá do lado dele também pra tranquilizá-lo.
A assistente social demorou quase duas horas pra chegar. Eu já tinha ido com Suki até a lanchonete do hospital pra almoçarmos alguma coisa e estava inventando brincadeiras pra distrair nós duas.
Quando finalmente peguei os documentos e pude entregá-los, corri para o quarto, onde encontrei Hayato apertando a mão de Shoto. Seu tornozelo já estava em uma tala, com a previsão de que ele teria que ficar com ela por aproximadamente uma semana, mas o braço era mais grave.
— Oi, meu amor. Como você tá?
— Ato!
— Eu to com medo, . Eu não quero fazer a cirurgia.
— Vamos falar com o médico, tá bom? Explicaram alguma coisa pra você, Sho?
Ele balançou a cabeça.
— Só o que eu já te disse. Falaram o mínimo, já que não tinham chegado os documentos ainda.
Como que invocado pelas palavras, um médico entrou no quarto naquela hora.
— Bom, vocês são os responsáveis pelo menino então?
— Como eu estou dizendo desde que cheguei, sim. — Retrucou Shoto e o outro homem desviou o olhar, desconfortável.
— Podemos então prepará-lo para a cirurgia?
— Doutor, desculpa perguntar, mas essa é a única opção? Não dá pra, não sei, só colocar um gesso?
— Ele vai precisar usar um gesso de qualquer forma, mas precisamos colocar o osso no lugar certo primeiro. Tentar a recuperação sem a cirurgia transformaria um processo simples de cerca de dois meses em uma recuperação complicada de pelo menos seis meses, que pode não ficar 100% e deixar sequelas. Não é uma cirurgia complicada, hoje mesmo ele já receberia alta.
Assenti, me virando de volta para Hayato. Ele estava muito pálido, e seus olhos verdes estavam cheios de lágrimas de novo.
— Eu to com medo — sussurrou ele.
A expressão do médico suavizou.
— Não precisa ter medo. Nós fazemos cirurgias assim o tempo todo, vai dar tudo certo.
— Doutor, posso conversar com você a sós um minuto? — Pedi. Ele franziu o cenho, mas assentiu, e entreguei Suki pra Shoto. Fechamos a porta do quarto atrás de nós. — Eu sei que o senhor tá tentando ajudar. É que o Hayato… bom, ele passou por muita coisa. Ele já tá assustado o suficiente por ter se machucado com a própria Individualidade, ainda fizeram ele ficar aqui sozinho, cercado por pessoas que ele não conhece… é difícil pra ele.
— Muitas crianças têm medo de médicos, estamos acostumados. Quanto a ficar sozinho, são-
— São regras do hospital, eu sei, me falaram isso várias vezes. Acredite em mim quando eu digo que não, vocês não estão acostumados com a situação do Hayato. Existe um motivo pra ter um buraco de seis meses no histórico médico dele.
O homem suspirou.
— Independente do medo e do passado dele, ele precisa dessa cirurgia. É realmente uma cirurgia simples, não costuma durar mais de meia hora, e aí ele só ficaria em observação mais umas duas horas por conta da anestesia e vocês podem ir embora. E por ser criança, ele vai ser acompanhado o tempo inteiro por um dos responsáveis.
Corri uma mão pelo cabelo, pensativa.
— Tá bom. Mas deixa eu conversar com ele primeiro. E explicar sobre a anestesia, porque ele não vai gostar nada dessa parte.
— Eu vou preparando o resto enquanto isso e já trago a autorização pra vocês assinarem.
Entrei de volta no quarto e Hayato já tinha um olhar derrotado.
— Eu vou ter que fazer, não vou?
Suspirei.
— Vai ser melhor se você fizer. Mas você não vai ficar sozinho nem por um segundo, eu ou o Sho vamos estar do seu lado o tempo todo. E você nem vai ver a cirurgia.
— Anestesia? — perguntou Shoto e assenti. Ele voltou o olhar para o menino outra vez. — Vão te dar um remédio que vai fazer você dormir. Não vai sentir nem ver nada. Eu já tomei algumas vezes, eu me machucava bastante quando era mais novo.
— Você vai ficar comigo o tempo todo? — Pediu, a voz vulnerável. — Não vai deixar nada acontecer?
— Eu prometo, pequeno.
— E eu e a Suki vamos estar aqui te esperando quando você acordar. Hayato respirou fundo, trêmulo e assentiu.
Após horas que pareceram infinitas naquele hospital, Hayato finalmente recebeu alta e pudemos ir pra casa. Ele e Suki estavam exaustos, afinal já era quase meia noite, e eu tinha que admitir que eu também. Ainda insistimos para que os dois pelo menos tomassem um leite antes de colocá-los na cama, para não deitarem de estômago vazio.
Hayato ainda estava grogue e apagou rápido, mas Suki deu um pouco mais de trabalho, não querendo entrar no berço.
— Vamos, princesa, já ta tarde, você precisa dormir.
— Não! Qué Ato, mama. Ato ta dodói.
Congelei imediatamente, meus olhos se arregalando.
— Do que você me chamou? Shoto, você ouviu?
— Mama. — Suki colocou as mãozinhas nas minhas bochechas, virando meu rosto de volta pra ela. Shoto parou ao meu lado e eu senti meus olhos enchendo de lágrimas.
— É, eu ouvi. — Ela virou o rostinho pra ele, franzindo o cenho.
— Papa, mama ta titi?
Soltei um riso incrédulo, balançando a cabeça.
— Não, meu amor, a mamãe não ta triste. Às vezes a gente chora de felicidade também. — Respondi. Suki pareceu ponderar minha resposta, olhando de mim pra Shoto.
— Papa?
Quando voltei o olhar para ele também, Shoto parecia tão à beira do choro quanto eu. Ele piscou repetidas vezes, sorrindo suavemente e cutucando a testa dela de leve.
— Não adianta tentar enrolar a gente, pequena. Você precisa dormir.
— Qué Ato, papa — reclamou.
Ele nem hesitou, arrastando o berço dela até que estivesse encostado na cama de Hayato e abaixando a grade que ficou no meio.
— E que tal assim?
Suki assentiu, dando um beijo na minha bochecha e se inclinando para fazer o mesmo com Sho antes de se inclinar na direção do berço. Ri, revirando os olhos.
— Mas como é mimada essa menina. Arranjou dois babões pra fazer tudo que você quer, né?
Ela riu de volta, abraçando seu ouriço e se deitando de lado para encarar o irmão.
— Boa noite, pequena.
— Boa noite, princesa.
— Note, mama. Note, papa.
Voltamos para a sala ainda meio em choque. Suspirei, me deixando cair no sofá finalmente, e Shoto fez o mesmo. Estávamos exaustos, física e emocionalmente, e Suki nos chamando de pai e mãe tinha sido incrível e muito emocionante, mas depois de tudo que tinha acontecido hoje, era só mais um evento na gigante pilha.
— Eu não quero cozinhar. Não depois do dia que a gente teve.
Ele soltou um som de concordância, puxando o celular.
— Pizza?
— Parece ótimo. — Corri os olhos por sua figura ao meu lado, notando que ele ainda estava com o uniforme de herói. — Quer que eu peça? Você pode tomar banho primeiro e depois eu vou, eu pelo menos to com roupa normal.
— Tem certeza? — Assenti.
— Vai lá.
6 de setembro
Sai do quarto a tempo de ver Shoto voltando da porta com a pizza.
— Eu voto em nem pôr a mesa, dá pra comer na bancada da cozinha. — Comentei, e ele assentiu.
Permiti que meus pensamentos — e olhos — corressem soltos por um instante enquanto eu fazia um coque de qualquer jeito. Sho estava usando uma calça fina de moletom e uma camiseta leve, os cabelos ainda molhados caindo sobre seus olhos. Me perdi por um momento na ideia de cair em seus braços, me entregar ao desejo que martelava como barulho de fundo na minha mente há meses.
— ? — chamou e eu balancei a cabeça, calando aquelas ideias mais uma vez e indo até ele.
— Eu não costumo fazer isso, mas hoje acho que preciso de álcool. Você quer? — perguntei, ficando na ponta dos pés pra alcançar a garrafa de saquê que eu tinha escondido no armário que ficava fora do alcance das crianças.
— Pode ser.
Puxei dois copos, servindo a bebida enquanto Shoto abria a caixa da pizza. Em seguida pulei na bancada, sentando ali mesmo. Ele arqueou a sobrancelha pra mim.
— Eu evito fazer isso pra não ensinar as crianças coisa errada, mas cadeiras são o lugar mais chato de sentar.
Shoto apenas riu, balançando a cabeça, e aceitou o copo que eu lhe oferecia.
— Você não cansa de me surpreender.
— Pensa assim, é um jeito de nunca cair no tédio. Saúde.
Ele bateu a ponta do copo contra a minha e deixei o líquido me aquecer. Meus olhos então fixaram em uma gota de saquê que escorreu dos lábios de Shoto para seu queixo e eu tive que calar a gritos a voz na minha cabeça que dizia para eu pegar aquela gota com a boca. Não que essa voz fosse incomum, e ela sempre fazia comentários desnecessários do tipo — era difícil manter meus pensamentos focados com aquele homem perto de mim —, mas hoje ela parecia especialmente empenhada em me tirar do sério.
Balancei a cabeça e peguei um pedaço de pizza, precisando de algo que tirasse a minha atenção de locais perigosos.
Meia pizza e várias doses de saquê depois, eu ainda estava sentada na bancada e Shoto estava de pé ao meu lado, ambos longe de termos bebido o suficiente pra realmente estarmos bêbados, mas com certeza também não estávamos sóbrios.
— Acho que é melhor guardar essa garrafa. — Ele comentou, divertido, depois da quinta palavra que pronunciei errado.
— Japonês é difícil, não me julga.
— Você não parece achar difícil quando não bebeu. — Ri, balançando a cabeça e tirando a garrafa do alcance dele.
— Eu só finjo bem e presto mais atenção. Deixa o saquê aqui.
Shoto se inclinou para perto de mim e minha respiração travou por um segundo com a proximidade, minha distração sendo o suficiente pra ele tirar a garrafa da minha mão e voltar a se afastar. Pisquei, me chutando mentalmente pela reação.
— Você é um estraga prazeres — resmunguei, fazendo bico.
Ele estreitou os olhos pra mim, mas seu olhar se desviou para baixo, o rubor que o álcool tinha colocado nas suas bochechas se intensificando minimamente.
— Nós dois já bebemos o suficiente. — Decretou, se esticando pra guardar a garrafa de volta no armário.
Isso deixou à vista uma fina faixa de pele logo acima do elástico da calça que me permiti encarar. Dando vazão à ideia quase infantil que cruzou minha mente, estiquei a mão para cutucar sua costela e ele quase caiu.
— Ei! — Reclamou, uma de suas mãos quase pousando na minha coxa pra ele recuperar o equilíbrio.
Ri, sentindo as bochechas esquentarem com mais do que só o álcool, os olhos de Shoto estudando meu rosto com atenção.
— Que foi?
— Tem um… — ele deixou a voz morrer, se aproximando. Meu coração pulou uma batida ao ver seu rosto tão perto.
Seus longos dedos pousaram com delicadeza na minha bochecha e ele passou o polegar perto do meu lábio, limpando algo que devia estar ali. Não consegui impedir meu olhar de cair em seus lábios outra vez. Tão perto… ignorando os sinais de alerta gritando no meu cérebro, cruzei a pouca distância entre nós. Shoto soltou o ar em surpresa quando pressionei minha boca contra a dele, se inclinando para trás, mas eu nem tive tempo de processar seu afastamento direito antes que sua mão deslizasse da minha bochecha para a minha nuca, o toque delicado se tornando firme ao me puxar para perto, esmagando os lábios contra os meus.
Arquejei quando ele mordiscou meu lábio inferior, dando passagem para aprofundar o beijo e enterrando uma das mãos em seus fios macios e ainda úmidos. Eu conseguia sentir o sabor do saquê na sua língua quando deslizou contra a minha. O beijo era intenso e urgente e eu agradeci mentalmente por estar sentada, porque minhas pernas com certeza estariam fraquejando. Shoto moveu a mão livre para a minha cintura, me puxando para mais perto e se posicionando entre minhas pernas, de forma que nossos troncos agora estavam colados e eu podia sentir os músculos dele contra mim.
Deixei minha mão livre correr por suas costas, explorando por cima do tecido da camiseta, e ele grunhiu, quebrando o beijo e se afastando. Abri os olhos, a respiração curta, e a mera visão dele quase foi o bastante pra me arrancar um gemido. Suas pupilas estavam dilatadas, seu olhar tão intenso que era quase um toque, fazendo um arrepio descer pela minha espinha. Os cabelos estavam bagunçados, as mechas brancas e vermelhas se misturando, e seus lábios estavam levemente inchados e vermelhos. Shoto já era incrivelmente bonito em seu normal, mas assim ele estava a definição de pecado.
Me aproximei para tomar seus lábios novamente e ele me encontrou no meio do caminho. Eu não saberia dizer qual de nós dois estava mais desesperado, e logo nossas mãos começaram a passear pelo corpo um do outro. Eu mantive meus dedos entrelaçados nos cabelos dele, puxando de leve, enquanto minha outra mão explorava seus ombros e costas. Shoto desceu a mão do meu pescoço pelas minhas costas, me arrancando um arrepio, e continuou até minha coxa, o toque gelado na minha pele me fazendo arquejar. Ele acariciou a região com o polegar.
Sentindo que a respiração estava começando a ficar difícil demais, quebrei o beijo, descendo meus lábios pela sua mandíbula. Seus dedos me apertaram mais forte e ele inclinou a cabeça para me dar melhor acesso ao seu pescoço.
— … — sua voz estava rouca e baixa. Saber que eu era capaz de deixá-lo nesse estado estava com certeza fazendo maravilhas pelo meu ego, mas ouvir sua voz desse jeito também atiçou o fogo dentro de mim.
Mordisquei sua pele em resposta, apreciando cada segundo de Shoto em meus braços.
Shoto’s POV
Por alguns instantes, eu quase acreditei que estava sonhando. Ter em meus braços parecia tão fora da realidade, e não seria a primeira vez que meu subconsciente me pregava essa peça.
Mas isso era bem melhor que o mundo dos sonhos. Eu conseguia sentir como seus lábios eram macios contra minha pele, conseguia sentir seu perfume preenchendo meus sentidos, seu calor contra mim. Sua respiração descompassada enquanto ela beijava e mordiscava meu pescoço fez arrepios descerem pela minha espinha, e eu podia perceber meu corpo reagindo ao seu toque, especialmente porque ela estava atacando meu ponto fraco sem nem saber.
Segurei sua coxa com firmeza, puxando seu quadril contra o meu e sentindo-a estremecer.
— Merda, , olha o que você faz comigo. — Arfei, minha ereção pressionada contra ela.
— O que eu faço? — Ela sugou o lóbulo da minha orelha. — Me fala, Sho.
Se isso for outro sonho, que eu não acorde. Soltei sua cintura pra agarrar um punhado de cabelo dela e puxei, trazendo sua boca de volta pra minha, mas não sem notar a respiração trêmula que isso tirou dela. Mordisquei seu lábio inferior, devorando-a em seguida, e deslizei a mão que estava na sua coxa por dentro do vestido, meu polegar correndo perto da virilha dela e arrancando um gemido. puxou meu cabelo em resposta, mas eu queria mais. Queria tirá-la completamente do sério, levá-la ao limite, vê-la entregue e chamando meu nome.
Ela deslizou a mão pra dentro da minha camiseta, explorando meu abdômen com as pontas dos dedos. Desgrudei minha boca da dela, descendo uma trilha de beijos pelo seu pescoço, saboreando sua pele.
— Você me deixa completamente maluco. Eu não consigo te tirar da cabeça o dia inteiro, e de noite eu também não tenho paz. Tem noção de quantas vezes eu sonhei que você deixava eu te beijar, te tocar? — murmurei e senti o arrepio que correu por . — E mesmo assim, nenhum sonho chega aos pés de poder te provar de verdade.
— Sho… — suspirou, arranhando meu abdômen de leve.
— Eu quero beijar cada centímetro da sua pele. — O efeito da minha fala em era claro, sua mão tremendo contra mim, e eu tinha total intenção de me aproveitar desse conhecimento. Mordisquei o osso da sua clavícula. — Quero descobrir todos os jeitos de te fazer gemer. — Ela abraçou meu quadril com as pernas e eu afastei minha mão da sua virilha, apertando a sua bunda e trazendo-a até a ponta da bancada, de forma que minha ereção estava pressionada contra sua intimidade. — E depois vou foder você até a única palavra que você conseguir lembrar ser o meu nome.
’s POV
Puta merda, pensei, sentindo meu corpo em chamas. De onde tinha saído toda essa eloquência de repente? O que tinha acontecido com o homem de poucas palavras que eu tava acostumada?
Ondulei o quadril contra ele, precisando desesperadamente de fricção. Eu sabia que minha calcinha já estava encharcada depois desse pequeno discurso.
— Promete? — A palavra, que eu queria ter soltado como provocação, saiu mais como uma súplica.
Todos os meses de tesão acumulado, todos os pensamentos que eu calei, toda a vontade, a necessidade de ter aquele homem pra mim estavam finalmente transbordando e agora não tinha mais volta. A minha salvação era que Shoto parecia mais do que feliz em se afogar junto comigo.
Sem responder, ele deslizou a mão que estava na minha bunda pro meu joelho e começou a descer os lábios pelo meu peito, mas não parou, se ajoelhando. Arfando, baixei o rosto para olhar para ele.
— Sho, o que você…?
Ele pressionou um beijo contra a parte interna da minha coxa, logo acima do joelho, erguendo os olhos para mim. Mordi o lábio inferior, seu olhar alimentando as chamas dentro de mim.
— Posso? — Eu não estava em condições de processar exatamente o que ele estava pedindo, mas honestamente eu toparia qualquer coisa que ele quisesse. Assenti.
Shoto sorriu, suas mãos subindo pelas minhas coxas até minha bunda por dentro do vestido, apertando de leve. Seus lábios seguiram o caminho das mãos, mordiscando a pele sensível, e não consegui manter os olhos abertos quando ele enterrou o rosto entre minhas pernas, puxando minha calcinha para o lado e passando a língua entre meus lábios.
— Sho… — suspirei, puxando seu cabelo.
Ele repetiu o movimento, me explorando com a língua sem a menor pressa, e toda a minha capacidade cerebral foi reduzida a me manter respirando. Shoto parecia realmente empenhado em cumprir o que havia dito, alternando entre me penetrar com a língua e circular meu clítoris, sempre devagar o bastante pra me deixar maluca, mas não me deixar gozar.
— Por favor, Sho…
Quase comecei a chorar quando ele fez o exato oposto do que eu queria, se afastando de mim, mas logo seus dedos frios tomaram o lugar da sua boca.
— . — Chamou e me forcei a abrir os olhos para encará-lo. Shoto tinha um brilho divertido nos olhos e um sorriso convencido, e cravei minhas unhas em seu ombro quando ele me penetrou com dois dedos. — Eu não falo português, amor. Se quiser que eu te entenda, precisa falar a minha língua.
Ele estava fazendo pra me provocar, e eu sabia, porque “por favor” era uma expressão que eu usava de propósito em português bastante em casa, mas eu definitivamente não conseguia me importar no momento. Se ele queria me ver implorando, eu imploraria em todas as línguas que eu sabia.
— Por favor — arfei, movendo os quadris de encontro à sua mão — para de só me provocar, Shoto, e me faz gozar com a sua boca.
Ele grunhiu, enterrando o rosto na minha intimidade outra vez, seus lábios se fechando sobre meu clítoris. Tive que morder os lábios com força pra não gritar quando ele sugou e acelerou o vai e vem dos seus dedos.
Cobri a boca com a mão livre e puxei o cabelo dele. Meus olhos reviraram de prazer quando ele dobrou os dedos dentro de mim, um gemido alto escapando da minha garganta. Sho percebeu e fez questão de repetir o movimento, usando sua mão direita para segurar minhas pernas abertas.
— Shoto! — Soltei, abafando o som contra a minha palma, as coxas tremendo violentamente quando o orgasmo me atingiu. Shoto não parou, prolongando as ondas de prazer que me tomavam por um tempo que eu era incapaz de precisar. Ele ficou em pé novamente, tomando minha boca, e gemi fraco ao sentir meu gosto na sua língua. Ainda não estava totalmente recuperada, mas conseguia sentir a ereção de Shoto contra a minha coxa, um lembrete de que ele ainda não tinha gozado. Deslizei uma mão entre nossos corpos, arranhando seu abdômen por cima da camiseta até chegar ao elástico da calça.
— … — Ele gemeu em meio ao beijo, apertando a minha bunda, quando o envolvi em meus dedos por cima do tecido. Sho se deixou levar por apenas alguns instantes, respirando com dificuldade, mas logo em seguida levou minha mão de volta pro seu pescoço.
Soltei uma exclamação, apertando meus braços e pernas ao redor dele quando Shoto me ergueu da bancada sem parar de me beijar e começou a andar. Sim, eu sabia que ele conseguia me carregar, mas não esperava que ele fizesse isso. Era muito sexy, na verdade.
Empurrei a porta com uma mão assim que entramos no quarto, mordendo o lábio dele pra romper o beijo, e desci meus lábios pro seu pescoço. Sorri contra sua pele ao ouvir sua respiração falhar.
Assim que ele me pousou na cama, comecei a puxar sua blusa para cima, querendo eliminar toda e qualquer barreira que nos separasse. Shoto se afastou o bastante para passar a peça pela cabeça e jogá-la em qualquer lugar, e mordi o lábio, deixando os olhos correrem por seu corpo sem pudor. Não é como se eu nunca o tivesse visto sem camisa — a gente morava na mesma casa, afinal, e Suki não tinha o costume de levar portas fechadas em consideração —, mas era diferente. Percebendo meu olhar, ele voltou a se aproximar devagar, me deixando admirá-lo e me oferecendo um meio sorriso convencido.
Arqueei uma sobrancelha em resposta, desafiando-o a dizer algo, mas tudo o que ele fez foi começar a subir ambas as mãos desde as minhas coxas, puxando meu vestido junto. Ergui o quadril para ajudá-lo a remover a peça, sentando na cama em seguida e levantando os braços. Quando Shoto jogou meu vestido em qualquer canto, me inclinei para trás, apoiando o peso nos cotovelos. Seus olhos subiram devagar pelo meu corpo, primeiro as pernas, depois os quadris, a cintura. Ele ficou um tempo particularmente longo admirando meus seios antes de terminar o trajeto com meu rosto, onde encontrou um sorriso que imitava o dele de antes.
— Você é maravilhosa — murmurou, se inclinando na minha direção novamente.
Senti as bochechas esquentarem, mas ele não viu, escondendo o rosto no meu pescoço para beijar e mordiscar a região. Enterrei os dedos em seus cabelos outra vez, mordendo o lábio, e inclinei a cabeça para lhe dar melhor acesso à minha pele. Shoto desceu uma trilha de beijos passando pela minha clavícula, parando para tomar um dos meus mamilos na boca, e arqueei minhas costas em direção a ele, arfando.
Ele cobriu meu outro seio com uma das mãos, massageando enquanto lambia, chupava e mordia o outro lado, e não demorou nada pra que eu já estivesse desesperada por ele outra vez. Era como se Shoto tivesse um manual de instruções de como me enlouquecer, de todos os lugares e jeitos que eu queria que ele me tocasse.
Shoto’s POV
se contorcia embaixo de mim enquanto eu me deliciava com seus seios da forma que eu tinha — literalmente — sonhado em fazer. Ela arranhou minhas costas em resposta e eu sabia que estaria com essas marcas amanhã, mas a ideia só me deixava mais excitado.
— Você ainda tá vestido — reclamou sem fôlego quando seus dedos alcançaram o elástico da minha calça outra vez.
Parei o que estava fazendo e me afastei um pouco, tirando a calça e a cueca de uma vez. Seus olhos me percorreram, chamas dançando nas íris, e ela mordeu o lábio quando focou no meu pau.
Subi uma trilha de beijos pela parte interna da sua perna, parando pra tirar sua calcinha. ergueu o quadril pra me ajudar e estremeceu quando passei a língua por sua intimidade. Ela já estava molhada outra vez. Continuei subindo até sua boca, tomando-a em um beijo faminto e quente. Mordi seu lábio inferior quando ela apertou minha bunda e a penetrei com dois dedos.
Eu queria ter certeza que não iria machucá-la, e fui lhe preparando sem pressa, fodendo com meus dedos e abafando seus gemidos com meus lábios.
Ela parecia ter outros planos, porém, pois após algum tempo pegou impulso e nos girou na cama, ficando sentada nas minhas coxas.
— Eu quero você, Sho. Agora. — Exigiu sem fôlego. Ergui o tronco, tomando sua boca por um momento e deixando minhas mãos pousarem em sua cintura. Puxei pra frente, esfregando meu membro contra seus lábios, e gemi contra ela. — Por favor…
— Eu sou seu, . Quando você quiser — respondi.
Desci uma mão entre nossos corpos, me posicionando em sua entrada, e ela desceu o quadril sobre mim lentamente. Parti o beijo e apoiei minha testa na dela, respirando com dificuldade e precisando me concentrar muito pra não gozar naquele exato momento. Era como se o mundo inteiro tivesse desaparecido e só existisse, seu calor me envolvendo, suas mãos enterradas no meu cabelo. Apertei suas coxas quando estava completamente dentro dela, impedindo que ela se movesse por alguns instantes, e ela pareceu entender.
Como se lendo a minha mente, ondulou o quadril bem quando eu ia dizer que ela podia se mexer, gemendo.
— Rebola pra mim, amor. — Incentivei, minha voz saindo baixa e rouca.
E foi exatamente o que ela fez, alternando entre me cavalgar e rebolar, e eu juro que vi estrelas. Segurando seu quadril com mais força, comecei a estocar e encontrar os movimentos de no meio do caminho, mudando levemente o ângulo em uma tentativa de encontrar de novo aquele ponto especial dentro dela.
— Puta que pariu! — Arquejou e eu não entendi uma palavra, mas sorri. Achei.
Passei a mirar meus movimentos e ela se agarrou a mim como se sua vida dependesse disso, cravando as unhas nos meus ombros. Seu ritmo começou a falhar e assumi o controle, movendo-a sobre mim.
Eu não estava longe, mas não queria gozar até fazer ter outro orgasmo. Lembrei então do quanto ela foi afetada pelas minhas palavras e sorri contra sua pele.
— Você é maravilhosa, … — ronronei contra seu ouvido. — Tão perfeita. — Mordisquei seu pescoço. — Agora deixa eu sentir você gozar no meu pau pra eu ver se é tão bom quanto você gozar na minha boca.
— Sho! — choramingou, a cabeça jogada pra trás quando atingiu o ápice, e suas paredes me apertando me empurraram pro orgasmo quase junto com ela, seu nome também deixando meus lábios.
Segurei-a ali, nós dois recuperando o fôlego, até sentir amolecer nos meus braços. Tomei seus lábios em um beijo suave, sem toda a pressa que tinha nos guiado até aquele momento, e deitei, puxando-a comigo. Ela não deu nenhum sinal de querer ir para o próprio quarto — para a minha felicidade —, então sai de dentro dela e a aninhei contra meu peito, acariciando seus cabelos.
— Coberta — resmungou, a voz sonolenta me arrancando um riso.
Estiquei o braço pra puxar o cobertor — que nós tínhamos tirado completamente do lugar — e jogá-lo por cima de nós dois. Satisfeita, escondeu o rosto no meu pescoço, entrelaçando nossas pernas, e logo sua respiração se estabilizou. Suspirei, dando um beijo no topo da sua cabeça.
— Boa noite, .
The Consequences
’s POV
— Mama, códa! Dia! — Ouvi a vozinha de Suki me chamando, mas lutei contra a consciência. Eu não queria acordar, estava muito confortável. Ela ficou alguns instantes em silêncio e então ouvi sua voz de novo, mais longe dessa vez: — Papa, códa.
— Bom dia, pequena. Já acordei, já vou levantar, tá bom? — Escutei a voz de Shoto resmungar, sua respiração batendo no meu pescoço e me causando um arrepio. Aquilo me acordou. Sentindo meu coração acelerar, finalmente me dei conta que:
1 - eu não estava no meu quarto, muito menos na minha cama;
2 - eu não só estava na cama do Shoto, mas estava até o momento dormindo de conchinha com ele, seu corpo pressionado contra as minhas costas e seu braço abraçando a minha cintura;
3 - nenhum de nós dois estava vestido.
Puta que me pariu, o que foi que eu fiz?!
Me chutando mentalmente, mantive a respiração estável e tentei controlar os batimentos cardíacos, fingindo que não tinha acordado. Shoto suspirou, relutando por um momento antes de me soltar e levantar da cama, meu corpo imediatamente sentindo falta do seu calor. A noite anterior preencheu minha mente enquanto eu ouvia a movimentação pelo quarto, com certeza Sho tirando do chão as roupas que tínhamos jogado em qualquer lugar e se vestindo.
— Mama?
— Deixa a dormir, pequena. Vem, vamos preparar o café da manhã. O Hayato também acordou?
Ouvi a porta fechando suavemente e me permiti hiperventilar.
Merda merda merda merda! Eu nem estava realmente bêbada o bastante pra justificar o que tinha feito. Nem bêbada eu podia dizer que estava, no máximo eu tava altinha. Escondi meu rosto no travesseiro, querendo morrer por ter sido tão estúpida e impulsiva, a culpa só piorando quando respirei e o cheiro de Shoto preencheu meus sentidos. Como eu ia encará-lo agora? Meu Deus, como é que eu ia conseguir continuar com a nossa vida normal?
— Puta merda — sussurrei, cobrindo a boca com a mão ao perceber mais uma bosta na situação toda. Nós tínhamos transado sem camisinha.
Caralho , parabéns, você conseguiu fazer absolutamente tudo de errado que tinha pra fazer em uma única noite. Deve ser um novo recorde.
Pelo menos eu não ia ter que encarar Shoto por muito tempo hoje, já que ia trabalhar presencialmente. Corri uma mão pelo cabelo. Eu precisava passar em uma farmácia antes de ir pra agência.
Meu Deus, alguém me mata agora.
Tirei a coberta de cima de mim e analisei meu próprio corpo, encontrando hematomas no quadril — marcas dos dedos de Shoto. Senti o rosto queimar imediatamente e me levantei, indo até o banheiro nas pontas dos pés e parando na frente do espelho. Engoli em seco e prendi o cabelo em um coque de qualquer jeito, só pra tirá-lo do caminho, soltando um suspiro aliviado em seguida. Ok, pelo menos as marcas que ele tinha deixado em mim — além dos hematomas, eu tinha marcas de mordida nos seios — ficariam cobertas pela roupa. Também estava um pouco chocada de não ter percebido que ele tava me mordendo com tanta força. Cobri o rosto com as mãos, envergonhada.
— O que que eu fui fazer?
Fazendo o mínimo possível de barulho, encontrei meu vestido e minha calcinha, me vesti e abri a porta devagar, verificando se Shoto e Suki não estavam prestando atenção ao corredor. Vendo os dois ocupados na cozinha, me esgueirei para o meu quarto, a ressaca moral batendo muito mais forte que a física, e fui tomar um banho.
Online
Bom dia amigaa.
Como ta o Hayato? Fiquei preocupada ontem q vc disse q levou ele pro hospital
08:24
A mensagem de acendeu a tela do meu celular enquanto eu me vestia. Respirei fundo, resolvendo verificar meu pequeno e colocar meus próprios problemas temporariamente em segundo plano.
Quando saí do quarto, já pronta para só tomar café e sair, Hayato também já estava na sala, o braço engessado dentro da tala e o pé machucado apoiado em uma almofada enquanto ele comia.
— Bom dia, .
— Bom dia, meu amor. Como você ta se sentindo?
— O gesso coça um pouquinho, mas não dói. E andar com esse curativo é esquisito.
— Vai ser só um tempinho e daqui a pouco você já não vai mais precisar dele.
— Dia! — exclamou Suki vindo abraçar minhas pernas. Soltei uma risadinha, bagunçando seus cabelos.
— Bom dia, princesa. — Em seguida, engolindo o nó na minha garganta e a vergonha pelo que tinha acontecido, continuei, sem tirar meus olhos das crianças: — Bom dia, Shoto.
— Bom dia, .
Pelos próximos minutos, Shoto pareceu tão empenhado em evitar encarar o que havia acontecido quanto eu, e mal trocamos palavras além do estritamente necessário um com o outro. Mesmo assim, não me passou despercebido que, diferente de mim, ele tinha ficado com marcas bem visíveis da nossa noite, arranhões e mordidas aparecendo entre a gola da camiseta e o cabelo. Meu Deus, alguém me MATA!
Assim que pisei fora de casa, peguei meu celular de volta.
Online
Bom dia amigaa.
Como ta o Hayato? Fiquei preocupada ontem q vc disse q levou ele pro hospital08:24
Bom dia miga08:40
O Hayato ta bem, ta usando gesso no braço e tala no pé, mas tá quase sem dor e o médico disse q ele ta 100% em menos de dois meses08:41
Mas eu to com um problemão08:41
Tipo, alerta vermelho SOCORRO08:42
Não demorou muito para que eu recebesse uma resposta.
Online
Eita08:50
O q q houve?08:51
Eu fiz merda08:51
Tipo muito08:51
Respirei fundo, desviando do meu trajeto normal do trabalho para a farmácia.
Online
Eita08:50
O q q houve?08:51
Eu fiz merda08:51
Tipo muito08:51
Eu transei com o Shoto ontem08:55
FINALMENTEEE 08:56
Amiga, isso não é problema, isso é SOLUÇÃO kkkkk 08:57
Agora vcs dois podem parar de cu doce e aceitar q são casados kkk 08:57
Revirei os olhos para aquela reação, pegando o teste de gravidez da prateleira com a mão trêmula. É problema sim. Me dirigi de cabeça baixa até o balcão.
— Bom dia.
— Bom dia. Eu preciso de uma pílula do dia seguinte, por favor. — Tentei ignorar a forma como minha voz falhou no meio da frase.
Se recompõe, mulher! Treinada pra enfrentar situações tão piores, tão mais tensas, e fico desse jeito pra uma compra de farmácia? É muito fim de carreira mesmo.
— Claro, só um minuto.
Online
Eita08:50
O q q houve?08:51
Eu fiz merda08:51
Tipo muito08:51
Eu transei com o Shoto ontem08:55
FINALMENTEEE 08:56
Amiga, isso não é problema, isso é SOLUÇÃO kkkkk 08:57
Agora vcs dois podem parar de cu doce e aceitar q são casados kkk 08:57
Não é solução de absolutamente nada09:07
Qual parte de “não posso arriscar” não ficou clara?09:08
Ah
E vamos torcer pra esse ser o único problema
Pq além de tudo, nenhum de nós dois lembrou da camisinha09:08
To na farmácia comprando a pílula e o teste09:08
, vc ta falando sério? 09:09
— Pronto. Mais alguma coisa?
— Só isso aqui. — Coloquei a caixa do teste sobre o balcão, ignorando o olhar que a atendente me lançou antes de fechar minha compra.
Online
Eita08:50
O q q houve?08:51
Eu fiz merda08:51
Tipo muito08:51
Eu transei com o Shoto ontem08:55
FINALMENTEEE 08:56
Amiga, isso não é problema, isso é SOLUÇÃO kkkkk 08:57
Agora vcs dois podem parar de cu doce e aceitar q são casados kkk 08:57
Não é solução de absolutamente nada09:07
Qual parte de “não posso arriscar” não ficou clara?09:08
Ah
E vamos torcer pra esse ser o único problema
Pq além de tudo, nenhum de nós dois lembrou da camisinha09:08
To na farmácia comprando a pílula e o teste09:08
, vc ta falando sério? 09:09
Infelizmente to09:11
Eu to em pânico09:11
Paguei as minhas compras e, quando estava prestes a sair de volta pra rua, uma voz familiar — e que eu definitivamente não queria ouvir — chamou meu nome.
— ?
Merda, pensei, a sacola ainda meio pra fora da bolsa.
— Oi Ashido.
Os olhos pretos se desviaram para as minhas mãos, se arregalando imediatamente ao ver o que eu tinha comprado. Sua expressão então se abriu em um grande sorriso.
— Não me diga que vocês se entenderam? Ia ser uma excelente notícia pra começar meu dia.
— Não foi bem isso que aconteceu. — Suspirei. Aquilo era a última coisa que eu precisava agora, ter que explicar a situação pra um dos amigos dele.
— Você ta com pressa? Porque se não estiver, a gente vai sentar pra tomar um café e você vai me explicar direito agora.
Corri uma mão pelo cabelo. Eu precisava mesmo falar com alguém antes que eu surtasse de vez, me acalmar antes de chegar no trabalho. Além disso, na minha pressa de fugir do Shoto, eu estava adiantada. Assenti e ela me puxou pelo braço até um café a umas duas ruas dali.
— Ok, fala — exigiu assim que nos sentamos com as nossas bebidas.
— Não se empolga, pelo amor de deus.
— Mas foi com o Todoroki que você dormiu, não foi?
— Foi. E fala baixo, por favor. A última coisa que eu preciso é virar assunto de tablóide.
— Ta bom, ta bom, desculpa. Então me explica você, vou ficar quietinha e te ouvir. Sentindo o coração acelerado e tomando a pílula com o chá que eu tinha pedido, me preparei mentalmente.
— Ontem foi um dia… complicado.
— Por causa do Hayato e do hospital, né? — Assenti e ela encolheu os ombros. — Todoroki pediu pra eu cobrir a patrulha dele ontem quando viu sua mensagem.
— Ah. Bom, é. A situação toda deixou a gente maluco. E depois, quando voltamos pra casa, já era tarde da noite e a Suki não queria dormir. E aí ela chamou eu e o Sho de mamãe e papai, o que foi adorável, mas a gente não tava esperando.
— É que vocês são, né. Ela é muito pequenininha, não deve nem lembrar dos pais biológicos.
— Sim, sim, eu sei. É que acho que nunca nem tinha passado pela nossa cabeça ela fazer isso, ainda mais assim por conta própria.
— Ta, e ai?
— Aí, quando a gente conseguiu colocar os dois pra dormir, eu tive a péssima ideia de beber sakê. Pra desestressar depois do dia que a gente teve. E o Shoto também bebeu, mas nenhum de nós dois chegou a ficar realmente bêbado. Foi só um momento de impulsividade e burrice movido por uma quantidade baixa de álcool.
— E por uma vontade que já vem faz tempo, se eu entendi direito a nossa conversa do outro dia. — Franzi o cenho pra ela, sentindo as bochechas esquentarem. Ashido não estava errada, pelo menos não sobre mim, e não poder contestar o comentário dela não estava ajudando no meu humor.
— É, que seja — resmunguei.
— Ta, mas eu não entendi o problema. Mesmo que vocês não tenham conversado ainda, isso é bom. Quer dizer, você obviamente ta apaixonada, e acredite quando eu digo que ele não é de ter casos de uma noite.
— O problema é que não era pra ter acontecido. E agora que aconteceu, isso estraga tudo. — Ela abriu a boca, claramente confusa, mas eu interrompi. — Só a noite passada já foi o suficiente pra deixar as coisas estranhas entre a gente hoje cedo. Mesmo na remota possibilidade de ele corresponder os meus sentimentos, não podemos arriscar algo assim. E ele parece concordar comigo. Isso no melhor dos casos, que é esse negócio funcionar. — Apontei para a embalagem amassada da pílula.
— Ok, primeiro: se não funcionar, vocês já estão literalmente adotando dois filhos, ter um biológico seria mesmo tão diferente?
— Ashido…
— Só to dizendo que não mudaria muito a situação atual de vocês. E segundo, não acho que seja uma possibilidade tão remota quanto você pensa. Mesmo assim, independente de tudo isso, aconteceu. Vocês transaram. Agora precisam conversar e ver o que fazer daqui pra frente, gostem ou não.
Me escondi parcialmente atrás do copo.
— Ou eu posso fingir que não aconteceu e torcer pra ele fazer o mesmo.
— Acha mesmo que isso vai resolver alguma coisa?
— Não, mas eu também não faço ideia do que fazer, de como agir com ele. Isso não podia ter acontecido. Eu to surtando.
— Mas por quê? Não faz sentido esse seu medo todo. Se fosse outro cara ou a situação de vocês fosse diferente, eu até entenderia, mas…
— Eu só… não dá. — Engoli o nó que se formou na minha garganta, balançando a cabeça. — Não posso.
— Eu sei que a gente se conhece há pouco tempo, mas eu realmente acho que você deveria conversar com o Todoroki. Eu tenho certeza que as coisas vão se acertar. E se você precisar de alguém pra conversar, eu to aqui, é só chamar.
— Obrigada. — Respirei fundo e olhei em volta, percebendo que precisava ir ou chegaria atrasada. — A gente se fala, ta?
— Pensa no que eu te falei.
Assenti, sem me comprometer muito, me levantei e fui embora.
13 de setembro
Shoto’s POV
— Shoto.
— Oi pequeno.
— Você e a brigaram?
Pisquei, surpreso com a pergunta. Estava levando ele de volta pra casa após o retorno com o fisioterapeuta para ver o tornozelo dele e liberá-lo da tala. Tínhamos encontrado Midoriya na loja de doces perto de casa onde eu parei com o Hayato no caminho e ele estava voltando conosco, mas meu amigo só nos observou com curiosidade.
É claro que eu sabia por que Hayato estava perguntando. Desde que tínhamos transado, as coisas entre e eu estavam… estranhas, pra dizer o mínimo. Toda a facilidade que tínhamos em nos comunicar antes e toda a paz que era estar perto dela tinham sido substituídas por nervosismo e estranheza. Eu nunca sabia o que dizer, o que não dizer, se devia agir como antes ou se devia tratá-la diferente. Ela também não havia tentado levantar o assunto em momento algum e não parecia ter a menor intenção de fazer isso. Na verdade, parecia tão empenhada em evitar o que tinha acontecido entre nós quanto eu, e nós não tínhamos passado um único instante sozinhos na última semana.
— Não, não brigamos.
Dois pares de olhos verdes se estreitaram para mim ao mesmo tempo, mas Hayato foi o único que falou.
— Vocês tão estranhos. A semana toda. Não aconteceu nada mesmo?
Engolindo o gosto amargo na minha boca por mentir pra ele, sorri.
— Às vezes a gente só tá um pouco mais cansado ou estressado, mas não precisa se preocupar. Tá tudo bem, não aconteceu nada.
— Hm. — Após uma pausa, ele perguntou em voz baixa: — Não é por minha causa, é?
— Mas é claro que não! Hayato, por que você acharia isso? — Ele encolheu os ombros, desviando o olhar.
— Vocês começaram a ficar estranhos no dia depois que eu me machuquei.
Parei no meio da calçada e me abaixei até sua altura.
— Olha aqui pra mim, pequeno. Não quero nunca que você ache que causa problemas pra nós, ta bom? Não causa. Você se machucou porque não sabia o que tava fazendo, foi um acidente, e acidentes acontecem. Devia ver a quantidade de vezes que o Midoriya se machucou com a própria Individualidade quando nos conhecemos.
— Isso é verdade. E eu sabia o que tava fazendo na maior parte do tempo.
— Nós ficamos sim preocupados com você, mas isso a gente sempre vai ficar. É o nosso papel como sua família. Eu te prometo que não tem nada de errado, ta? Pode ficar tranquilo.
Ele pareceu pensar por alguns instantes antes de assentir.
— Ta bom.
Satisfeito, me levantei novamente e terminamos o caminho. Eu não ia ficar em casa, apenas deixar Hayato com e voltar a trabalhar. Abri a porta, deixando-o entrar.
— Até de noite, pequeno.
— Tchau Shoto. , cheguei!
— Estamos aqui na cozinha, meu amor. — Ouvi a voz dela lá de dentro enquanto fechava a porta de volta, andando com Midoriya em silêncio por alguns instantes.
— Todoroki-kun, agora que o Hayato não tá mais aqui, vai dizer a verdade? — Inclinei a cabeça em dúvida. Do que ele estava falando? — Eu nem encontrei a -san esses dias e sei que aconteceu alguma coisa entre vocês. Você nem entrou pra dar oi pra ela e ela não veio falar com você. Não entendo por que não quis contar pra ele.
Suspirei. Eu não tinha contado a ninguém o que tinha acontecido até o momento.
— Não é exatamente o tipo de coisa que uma criança da idade dele vai entender.
— O que houve?
— Depois que a gente voltou do hospital e colocou as crianças pra dormir, nós passamos a noite juntos.
Senti minhas bochechas esquentarem levemente com a confissão e esperei meu amigo processar as palavras.
— Como assim? Vocês… — arqueei ambas as sobrancelhas de leve e ele pareceu entender, corando também. — Ah. Entendi. Mas então por que parece que vocês brigaram? Quer dizer, era pra vocês terem se resolvido, né?
— Talvez se nós tivéssemos conversado antes. Ou depois. Ou se eu tivesse realmente me declarado. Mas não foi isso que aconteceu. Na verdade, meio que só… aconteceu.
— Como “só aconteceu”? — Midoriya franziu o cenho. — Não é exatamente algo que dê pra fazer acidentalmente.
— Nós estávamos bebendo, ela me beijou e a gente… não parou. Nenhum dos dois. — Corri uma mão pelo cabelo. Eu não queria exatamente dar detalhes do que tinha acontecido, não queria que mais ninguém soubesse. Era entre eu e e eu não queria expô-la desse jeito. E tinha que admitir que também não queria ninguém mais sabendo o suficiente pra imaginar, queria guardar aquele momento só pra mim. — Mas de manhã eu não sabia como encarar ela e ela não parecia muito melhor. Então desde aquele dia a gente meio que só ta evitando o assunto. E se evitando.
— Mas… você ta apaixonado por ela, eu não to entendendo.
— Eu só… não sei o que fazer. Porque nós não estamos em um relacionamento, mas ela mora comigo, e tem as crianças. Não é como se eu tivesse me declarado e ela correspondesse e agora a gente estivesse junto. Não, nada mudou. — Exceto que agora eu sei o sabor do beijo dela, sei como é acordar com nos meus braços. Balancei a cabeça para espantar as memórias. — Eu acho que estraguei tudo.
— Não… vocês provavelmente… bom, talvez vocês só precisem conversar e descobrir como isso tudo funciona agora.
— Hm.
Eu não tinha tanta esperança assim.
14 de setembro
’s POV
— Pronto, viu? Negativo. Os três deram negativo. Tá mais calma agora?
balançou o último teste de gravidez na minha direção, e soltei a respiração que estava prendendo, sentindo uma tonelada sair das costas. Eu tinha ficado menstruada na noite seguinte ao meu… deslize, mas ainda preferia confirmar.
— Um pouco. — Suspirei, me jogando na cama de hotel.
Ela tinha vindo me dar apoio moral, especialmente na possibilidade de os testes darem positivo. E também porque ela e estavam preocupados com o tamanho do meu surto.
— Amiga, de verdade, se acalma. A ideia que mais te apavorava era você ter engravidado, o que não aconteceu.
— É, mas todo o resto aconteceu. Eu e o Shoto não conseguimos mais conversar sobre absolutamente nada que não seja as crianças, ficamos o tempo todo pisando em ovos um com o outro, e o Hayato já percebeu. Me perguntou outro dia se a gente tinha brigado.
— Talvez… assim, só talvez. Você devesse sentar com esse homem e abrir o jogo sobre os seus sentimentos. Sabe, parar com essa palhaçada de evitar ele.
— Eu não to evitando ele!
— Uhum, ta bom. Pra cima de mim, ? Mente pra alguém que não te conheça, vai.
tinha as mãos na cintura e uma sobrancelha arqueada e eu só suspirei, escondendo o rosto em um dos travesseiros. É claro que ela tava certa. Quando falei, minha voz saiu abafada:
— Como que eu encaro ele normalmente se toda vez que eu olho pra ele, eu só consigo pensar naquela noite?
— Foi bom assim, é? Sempre os que têm cara de quietinho… — Me permiti rir, sentindo as bochechas esquentarem, e ergui o rosto pra ela outra vez. — Ah, uau. Pela sua cara, foi.
— Amiga do céu… você não tem ideia. Me pegou de surpresa, juro. Eu nunca ia imaginar que ele era desse jeito.
As memórias me deixavam maluca, se eu fosse honesta. A voz dele rouca de tesão, dizendo todas aquelas coisas enquanto ele me tocava, seus lábios na minha pele…
— , para de viajar nas coisas que possivelmente o Shoto fez ou falou com você naquela noite e presta atenção em mim um minuto.
Revirei os olhos, corando.
— Quem disse que era nisso que eu tava pensando?
— Sua cara de safada. Mas sério, eu sei que acha que é uma situação complicada, mas não é. — Ela me ofereceu um sorriso suave. — Fala com ele, sai só vocês dois num date um dia. Se permite um pouco.
— …
— Você ama ele, você mesma disse. Aproveita que não tem um bebê aí dentro e fica com ele de novo. Vocês já têm química, já moram juntos, já têm dois filhos lindos, já são uma família. Qual o problema em oficializar?!
Suspirei, pensando. Uma parte de mim sabia que esse surto todo provavelmente era exagero, mas isso não tornava mais fácil parar de surtar. Vi a tela do celular acender com uma mensagem e ia ignorar, mas várias outras notificações seguiram a primeira, tanto no Instagram quanto no WhatsApp. Estranhando, peguei o aparelho e meu estômago embrulhou imediatamente.
A maioria das mensagens era de amigos que eu não via há um bom tempo, pessoas que no geral não sabiam o que eu fazia da vida ou as minhas atuais circunstâncias. Outras eram avisos das pessoas que sabiam, como meu irmão ou minhas primas. Mas todas as pessoas falando comigo estavam me enviando prints ou links das mesmas notícias de páginas de fofoca:
“Shoto flagrado com crianças e mulher misteriosa: será que nosso herói manteve uma família e um relacionamento em segredo de todos?”
“Quem é a mulher misteriosa flagrada na casa de Shoto?”
“Um dos solteiros mais cobiçados do Japão não está mais solteiro?”
Junto aos títulos sensacionalistas, havia repetições das mesmas poucas fotos: eu e Shoto saindo do hospital com as crianças, ele com Hayato e Midoriya ontem, eu saindo de casa pra trabalhar, eu com Suki no colo na cantina do hospital esperando os documentos da assistente social. Os rostos das crianças estavam borrados — pelo menos essa decência os tabloides tinham tido — e o meu não estava muito visível, por causa do ângulo ou qualidade das fotos ou porque eu estava me movendo.
Soltei um choramingo de desespero, virando o celular para .
— Posso voltar a surtar agora?
— Tinha esquecido como eles são rápidos — comentou ela ao analisar as notícias. — Ta, calma. Não dá pra ver seu rosto nas fotos e agora que você sabe, tenho certeza que mais nenhum paparazzi consegue te pegar desprevenida. Além disso, é só mais um motivo pra você e o Shoto falarem sobre o que rolou e resolverem isso logo. Seu medo era as coisas ficarem estranhas entre vocês se não desse certo, e bom, você mesma disse que já estão. Não é melhor resolver de uma vez?
— O que eu fiz pra merecer isso? — choraminguei outra vez, voltando a esconder o rosto nos travesseiros.
17 de setembro
Shoto’s POV
Suspirei irritado. Fazia três dias que repórteres de fofoca não me deixavam em paz e todos os programas de entrevistas possíveis estavam entrando em contato com a agência para tentar marcar algo comigo. Somado ao fato de que as coisas entre e eu continuavam estranhas e desconfortáveis, meu humor estava péssimo.
— Nada a declarar — soltei sem cerimônias, entrando no bar imediatamente e deixando os repórteres enxeridos do lado de fora.
Avistei a mesa com Bakugo, Kirishima, Ashido, Midoriya e Hagakure e fui direto até eles.
— O assunto do momento! — Ashido exclamou, acenando para um dos garçons.
— Nem me lembre — resmunguei.
— Iih, alguém tá de mau humor. Traz um sakê pro meu amigo, por favor. — Eu estava balançando a cabeça antes que Kirishima terminasse de falar.
— Sakê não. Qualquer outra coisa.
— Whiskey então? — Assenti e o garçom foi embora.
— Desde quando você não gosta de sakê, Meio a Meio?
— Eu diria que o problema não é esse, mas que a birra dele com sakê tem uns 11 dias — comentou Ashido risonha.
Estreitei os olhos pra ela. Eu só tinha contado pro Midoriya o que tinha acontecido, mas não tinha dito pra ele que era sakê que eu e tínhamos bebido. Ela não tinha como saber, tinha?
— O que houve 11 dias atrás?
— Não foi o dia que o Hayato se machucou?
— Foi — respondeu ela, seu tom deixando claro que havia mais. Ela definitivamente sabia.
— Como você sabe? — perguntei. Midoriya arregalou os olhos, entendendo o assunto, mas o resto da mesa apenas nos encarou com confusão. Ashido deu de ombros.
— Trombei com ela na farmácia na manhã seguinte.
— Dá pros dois idiotas explicarem de que porra vocês tão falando?
O mesmo garçom de antes pousou minha bebida na mesa e logo se afastou antes que, ignorando meu olhar de reprovação, ela soltasse:
— Nosso querido Todoroki dormiu com a .
— Aah finalmente!
— Parabéns, cara!
— Mas isso não devia estar deixando o humor dele melhor?
Fiz uma careta pra ela, irritado. Ok, tinha contado, mas Ashido não precisava ter jogado dessa forma. Meus amigos me encaravam com expectativa, querendo que eu explicasse a história. Tomei um longo gole da bebida.
— Vai, explica você já que a te contou. — Ela revirou os olhos.
— Ela não me contou tudo, seu sem graça. Só contou que vocês começaram a beber sakê e depois acabaram transando. — Ela pausou, continuando em seguida: — Bom, na verdade a segunda parte ela não disse, mas eu deduzi e ela confirmou. A tava meio com cara de desespero saindo da farmácia, e eu acabei vendo que ela comprou um teste de gravidez e uma pílula do dia seguinte, então não foi difícil adivinhar.
Meu coração parou e eu senti o corpo todo gelar, meus olhos se arregalando. Teste de gravidez. Eu estava tão ocupado me desesperando com a nossa relação que não tinha nem pensado nisso. Será que tinha engravidado? Meu deus… Fui atingido na testa por um guardanapo amassado.
— Calma, homem, eu falei com ela ontem, vocês não vão ganhar um terceiro filho ainda. O teste deu negativo.
Soltei a respiração que tinha prendido sem perceber, vendo que também tinha congelado meu copo e parte da mesa. Derreti o gelo que tinha criado.
— Todoroki… não me diga que você não sabia disso.
— A gente mal trocou meia dúzia de palavras desde aquele dia, Hagakure. — Suspirei, correndo a mão pelo cabelo. — A Ashido provavelmente conversou mais com ela do que eu. Isso nem tinha me passado pela cabeça até agora e ela não me disse nada também.
— Peraí, mano. Isso não tá fazendo sentido nenhum.
— Vocês têm que entender que não foi planejado. Eu não me declarei pra ela. Nós não estamos juntos. Não conversamos sobre nada, nem antes nem depois. — Expliquei finalmente. — Nós tínhamos uma situação que tava funcionando e agora ficou tudo completamente bagunçado, a gente não consegue mais se encarar e nem conversar direito. Só que temos que nos ver todos os dias porque a gente mora na mesma casa e temos as crianças, e agora a porra da mídia ta atrás de mim o tempo todo porque alguém tirou fotos nossas no hospital quando o Hayato se machucou. — Apoiei a cabeça nas mãos, exasperado. — Eu estraguei tudo.
— Deixa eu ver se entendi direito. — Bakugo se pronunciou então. — Vocês estão morando juntos há meses. Estão adotando dois filhos. Você baba por essa mulher igual um idiota. Até apresentou ela pra gente. E agora vocês dormiram juntos. — Assenti, não entendendo onde ele estava querendo chegar. — Vocês são praticamente casados, agora só consumaram, por que caralhos você tá surtando?!
— Todoroki-kun, eu sou obrigado a concordar com o Kacchan.
— Somos todos, ele tá certo.
— Vocês não estão ajudando.
— Não, é sério, cara. Piadas à parte, você realmente ama a , não ama? — Sentindo as bochechas esquentarem, assenti. — E o Bakugo tem razão, vocês estão praticamente vivendo como se fossem casados já tem um tempo. Eu sei que antes você tinha dito que não queria se declarar pra não deixar as coisas estranhas entre vocês, mas assim… na situação atual, realmente iria piorar?
Abri a boca pra retrucar, mas me parei, realmente refletindo sobre a pergunta de Kirishima. Claramente evitar o assunto não estava melhorando nada. Eles de fato tinham um ponto com essas perguntas. Ainda assim, o medo de ser rejeitado me fazia hesitar.
— Fora que ela claramente ta tão besta por você quanto você por ela. Dois completos idiotas.
— Mano, não precisa falar assim.
— O quê? É verdade. Ou você não percebeu o jeito que ela olha pra ele na casa do Deku? Chega a ser enjoativo.
— O quê? — Ashido me lançou um olhar de piedade e algo me dizia que Hagakure também, embora eu não pudesse vê-la.
— Mais uma vez, apesar do jeito delicado, o Bakugo ta certo. A olha pra você do mesmo jeito que você olha pra ela, parece saído direto de um filme de romance. — Ashido balançou a cabeça em concordância.
— É muito fofo ver vocês dois. Ela claramente gosta de você também.
— Vocês acham mesmo?
— Puta que pariu, eu nunca achei que você fosse burro, mas parece que eu tava errado. É óbvio que sim, sua anta! Para de drama e se declara pra essa mulher de uma vez!
Vendo todos eles concordarem, encarei minha bebida por alguns instantes, refletindo. A chance de todos eles estarem errados era pequena. Além do mais, Kirishima tinha razão, as coisas já estavam estranhas entre nós.
— Vou fazer isso. Vou me declarar.
— Isso merece um brinde!
2 de outubro
’s POV
Quando começou, eu sabia que estava sonhando. Era óbvio, conforme eu flutuava sobre a praia que eu não visitava desde a infância, mas era bom. Pacífico.
Lá embaixo, pude ver Shoto brincando com Suki e Hayato na beira d’água.
— Eu gosto dele — disse uma voz conhecida ao meu lado e virei minha cabeça pra encontrar flutuando ao meu lado.
— ?
Ela sorriu abertamente pra mim e meu coração se alegrou imediatamente. Como eu senti saudades desse sorriso.
— Surpresa.
— Eu senti sua falta.
Suas orelhas se agitaram e ela jogou um braço por cima dos meus ombros. Deitei minha cabeça no seu ombro, me aconchegando contra ela, e abracei sua cintura.
— Mas sério, eu gosto dele. Ele te faz sorrir agora que eu não posso mais. — Ergui o olhar para ela, encontrando os olhos escuros de pousados em Shoto. As íris castanhas então se voltaram para mim com um olhar de reprovação e um tom ácido que eu conhecia bem. — Quando você deixa, pelo menos. — Corei, desviando o rosto.
Eu ainda estava evitando a todo custo ficar sozinha com o Shoto. Ele estava claramente tentando falar comigo nas últimas duas semanas, mas eu sempre dava um jeito de fugir. Ou tinha as crianças por perto, ou saía pra trabalhar, ou dizia que tinha muita coisa da agência pra fazer e me fechava no quarto com o computador e os arquivos. Metade do tempo era mentira, mas eu ainda não tinha coragem de encará-lo.
— …
— . Isso é tudo que você sempre quis. Eles são o seu sonho.
Suspirei.
— Eu não posso arriscar machucar as crianças porque deu errado. E nem perder o Shoto igual eu perdi você.
Ela ficou em silêncio por vários segundos, o som das ondas preenchendo o ar.
— Você se arrepende de ter me amado?
— Nunca.
— Mas deu errado. Eu morri, e isso partiu seu coração.
Soltei uma risada fraca, balançando a cabeça.
— Continuo odiando quando você usa os meus próprios argumentos contra mim. Deixa eu adivinhar: se eu não me arrependo de ter te amado, mesmo tendo te perdido, por que eu afasto o Shoto?
— Você sempre foi a mais esperta de nós duas, é lógico que eu vou roubar seus argumentos.
— Besta. — Empurrei-a de brincadeira e me empurrou de volta.
— Eu só quero que você seja feliz, cariño. E o Shoto, a família de vocês… isso te faz feliz. Eu sei que faz.
Suspirei.
— É mais complicado agora. Não é só o meu coração na balança.
— Algo me diz que as crianças concordam comigo. — Revirei os olhos. — É sério, . Para de evitar o homem, ou eu vou começar a te assombrar. E de um jeito bem menos divertido.
— Eu não sei, …
— Pelo menos me promete que vai pensar com calma no que eu te disse. Você merece se dar essa chance, cariño.
— … tá bom. Vou pensar.
Senti o sonho começar a se esvair quando ela se inclinou para me dar um selinho, e logo eu estava acordada na minha cama, uma lágrima solitária escorrendo pela bochecha.
Shoto’s POV
— Ela ainda vai me deixar maluco — murmurei. Hayato e Suki estavam brincando no chão com Tsuyu e eu não queria que eles ouvissem.
— Ué, achei que você fosse se declarar pra ela, Todoroki-kun.
Suspirei, voltando os olhos pra Uraraka.
— Eu ia. — Franzi o cenho. — Eu vou. Assim que conseguir falar com ela.
— Agora eu não entendi mesmo.
— A tá me evitando desde… bom, vocês sabem. — A essa altura, o bando de fofoqueiros que era meus amigos já tinham espalhado o que tinha acontecido e a turma inteira sabia.
— Vocês moram na mesma casa, como que ela tá te evitando? — Jiro perguntou e Kaminari assentiu ao lado dela.
— Não dá pra falar sobre o que aconteceu com as crianças junto. E quando eles não estão perto, ela dá um jeito de sair de casa ou se fechar no quarto dizendo que precisa trabalhar. Mas eu sei que muitas vezes não é verdade.
— Iih, tá ruim assim, é? Sinto muito, cara.
— O que você precisa é de um plano — disse Ashido.
— Um jeito de emboscar ela pra ela não conseguir fugir — completou Kaminari.
Balancei a cabeça.
— Não vou “emboscar” a . Vocês perderam a cabeça?
— Não, pelo contrário. Se ela tá apelando pra táticas desse tipo pra te evitar, a solução é apelar de volta.
Arqueei a sobrancelha.
— Hm. Vocês por acaso lembraram que ela é espiã? Literalmente treinada pra não cair em emboscadas e muito boa no que faz? Motivo pelo qual eu fui até o outro lado do mundo contratar ela, aliás. O que faz vocês acharem que daria certo?
— Tsc. Você não é dono da agência? Inventa alguma reunião falsa.
— Claro, porque a sede da agência é o melhor lugar pra gente ter essa conversa. — Rolei os olhos pro Bakugo. — Sem contar que ela provavelmente vai ficar puta se eu usar o trabalho pra isso.
Ashido pareceu pensar por alguns instantes, puxando o celular do bolso.
— Vamos descobrir então. Qual era o nome daquela amiga da que você trouxe no aniversário dela?
Franzi o cenho, sem entender nada.
— A ? Por que você quer saber?
— Vocês homens têm que entender que a melhor fonte de informações sobre uma mulher sempre vai ser as melhores amigas dela.
Jiro assentiu, concordando.
— A gente sempre fala tudo:. E mesmo quando não falamos, elas sabem.
— Ashido, o que você vai fazer? — Eu estava mais que receoso com o rumo que essa conversa estava tomando.
Sem erguer os olhos pra mim, ela respondeu:
— Todoroki, a única pessoa que conseguiu ser cega o suficiente pra não perceber até agora que você tá apaixonado é a . Acredite, não falei nada que ela já não soubesse.
— Ashido!
Com um sorriso vitorioso, ela ergueu o celular e deu play em um áudio:
— Aah, entendi. Diz pra ele ficar tranquilo que eu já tinha notado e a já tinha me falado o que aconteceu. — riu — E não vou contar nada pra ela, não quero estragar a surpresa. — Suspirei aliviado, mas senti as bochechas esquentarem. Estava tão óbvio assim? — Sobre o plano de vocês, o Shoto tem razão, ela não vai gostar nada se usar o trabalho. Mas a ideia da emboscada infelizmente é boa. Aquela ali é cabeça dura demais, não acho que ela vá parar pra ouvir de outro jeito. Vocês precisam de um jeito de fazer ela estar em casa sem desculpa pra fugir. Qualquer coisa que precisarem, pode gritar que eu ajudo! E confia que vai dar certo!
— Eu disse.
Pisquei, atônito. Se ela realmente achava que eu devia seguir em frente com essa maluquice, devia querer dizer que eu tinha uma chance, certo? Ou teria dito pra abandonar a ideia e nem tentar. Mesmo assim, como eu poderia emboscar ? Surpreendê-la no seu aniversário já tinha sido difícil, tive que contar com o irmão dela e o Hayato, além da sorte com os horários dela na agência.
— Agora só falta um plano pra essa armadilha.
— Não fala assim — reclamei.
— O bobão tem razão dessa vez. Agora que sabemos que é uma ideia boa, você precisa de um plano.
— Jiro-san, do que vocês estão falando?
— Deku, sua nerdisse vai ser útil. Como emboscar uma espiã? — Midoriya piscou duas vezes devagar, sem entender nada, olhando para todos nós. Eu só suspirei, e Bakugo explicou, apontando pra mim: — Esse idiota aí precisa de um plano pra finalmente conseguir se declarar pra , mas precisa ser uma armadilha pra ela não conseguir fugir.
— Ela ainda tá evitando você, Todoroki-kun? — Assenti.
— Eu… acho que tenho um plano.
— E eu acho que tenho medo. — Kaminari provocou, recebendo um tapa no braço. Ashido explicou seu plano, e todos — até Midoriya — concordaram que era bom. Mas…
— Não vai funcionar. — Balancei a cabeça. — Ela tá usando as crianças de escudo humano.
— Você pode deixar a gente com alguém — disse Hayato atrás de mim.
Me virei chocado — não era nem pra ele estar ouvindo esse assunto, muito menos opinando — para encontrá-lo com os bracinhos cruzados e uma expressão parecida com a que fazia quando eu tentava cozinhar.
— Do que você tá falando, pequeno?
Ele revirou os olhos pra mim numa cópia quase perfeita de .
— Eu sou criança, não bobo. Vocês não querem me falar o que tá acontecendo, mas eu sei que você e a tão com algum problema. — Senti meu queixo cair e ouvi a risada incrédula de Jiro. — Vocês precisam conversar de alguma coisa que não querem que a gente escute, e a tá usando eu e a Suki de desculpa. A gente pode ficar com outra pessoa um tempo. Eu posso até pedir, pra não desconfiar.
— To começando a gostar desse moleque. — Bakugo soltou, rindo. — Ele tá certo, é um ótimo plano. Toca aqui, pirralho.
Hayato riu baixinho, batendo na mão que Bakugo estendeu.
— Desculpa, Hayato. Você tem toda a razão. Eu não queria preocupar você.
— Teria funcionado se você e a não fossem tão ruins em esconder que tão brigados.
Ri, bagunçando o cabelo dele.
— Não estamos brigados. Essa parte era verdade. Só estamos com algumas… questões de adulto que a gente ta tentando entender como resolve.
— E pra resolver vocês têm que conversar, mas a ta fugindo de você.
— Por aí.
— O que acha de ajudar eu e a Yaomomo a decorar nossa casa pro Halloween, baixinho? Pros dois cabeças-ocas poderem conversar.
Hayato assentiu, animado com a proposta de Jiro, e todos os olhares se voltaram pra mim.
— Ok, então temos um plano.
Agora era esperar que desse certo.
The Happily Ever After
’s POV
Entrei em casa, tirei o sobretudo, os sapatos e deixei a bolsa na bancada. Eu não tinha muito tempo, tinha combinado de encontrar Ashido pra tomar um café — embora eu tivesse estranhado o convite de repente.
Online
Só to passando em casa pra trocar de roupa e já vou12:47
— . — Chamou Shoto, sua voz fazendo meu coração saltar no peito. Fingi tranquilidade, sorrindo.
— Oi. Achei que você e as crianças iam sair com a Jiro e a Yaoyorozu hoje.
— Sim, eles quiseram ficar com elas pra decorar a casa pro Halloween.
— Ah. — Nós estávamos sozinhos. Eu precisava sair dali antes que Shoto resolvesse falar justamente do assunto que eu estava evitando. — Bom, eu vou me trocar que a Ashido tá me esperando. A gente se vê de noite, tá?
Dei dois passos em direção ao quarto quando ele falou novamente, me congelando no lugar.
— Ela não tá.
— Oi?
— A Ashido não tá te esperando.
Franzi o cenho. Mas que porra?
— Como assim ela não tá me esperando? — Soltei um riso chocado. — Eu tava falando com ela agora. Pirou?
Ele apenas apontou para o celular na minha mão, que senti vibrar com novas mensagens:
Online
Só to passando em casa pra trocar de roupa e já vou12:47
Não fica brava comigo, mas nosso café vai ter que ficar pra outro dia12:49
Vcs precisam muito conversar12:49
Boa sorte 😉12:49
Engoli em seco. Eu claramente tinha sido emboscada, e Shoto estava entre eu e a porta. Eu não tinha como escapar dele e não tinha nenhuma desculpa pronta pra oferecer.
— Shoto, eu…
— Não foge de mim, . Por favor. — Implorou, a própria cara de cachorro que caiu da mudança ao dar um passo na minha direção. — Eu não aguento mais você me evitando desse jeito.
— Eu não to te evitando. — Menti descaradamente e ele me lançou um olhar levemente irritado.
— Nós dois sabemos que isso é mentira. Até as crianças já perceberam.
Suspirei e corri uma mão pelo cabelo. Ele tinha razão e eu sabia.
— O que você quer que eu faça?
— Pare de fugir do assunto quando eu tento falar sobre o que aconteceu entre a gente. Fale o que realmente tá na sua cabeça. — Fechei os olhos e virei o rosto, sendo atingida por sua resposta como se fosse um tapa.
— Eu não sei… o que fazer, tá bom? Eu não sei como lidar com o que aconteceu nem como agir perto de você mais. — Corri uma mão pelo cabelo, nervosa. — Isso nunca era pra ter acontecido, porque complica tudo e era exatamente isso que eu não queria. Foi burrice.
— Então o que você tá dizendo é que se arrepende de ter dormido comigo?
Respirei fundo. Eu não queria dizer que sim. Como você diz pro homem por quem está perdidamente apaixonada que ter transado com ele — por melhor que a noite tenha sido, e dizer que não foi seria uma grande mentira — tinha sido um grande erro e que eu me arrependia de ter feito isso porque tinha estragado a relação entre nós? Porque eu estava completamente apavorada com a ideia de entregar o meu coração pra alguém de novo e ter ele partido? Ou pior, perder o Shoto como eu tinha perdido a ?
— Sim — falei sem conseguir encontrar seus olhos. Até eu conseguia ouvir que não soava convencida. — Foi um erro e seria melhor se aquela noite nunca tivesse acontecido.
Ele permaneceu em silêncio por vários instantes e eu não tive coragem de olhar pra ele.
— É só isso? Acabou? — Ergui o rosto, mordendo o lábio, e Shoto me encarava sério. Quando permaneci em silêncio, ele continuou, dando mais um passo na minha direção: — Vai me ouvir agora ou ainda tem mais algum argumento?
Balancei a cabeça, surpresa que ele ainda queria dizer algo.
— Pode falar.
— E se eu te disser que dessa vez você tá errada? — Ele deu outro passo. — Não foi um erro. Não pra mim. — Meu coração saltou no peito e comecei a acompanhar seus passos, tentando manter a distância entre nós. — Não foi como eu queria que acontecesse. Era pra ter sido diferente. Mas um erro? — Ele balançou a cabeça. — Não, não foi um erro.
— Shoto… — minhas costas encontraram a parede atrás de mim e eu não tinha mais por onde me afastar. Seus olhos estavam cravados nos meus, um brilho nas íris díspares que eu não conseguia identificar. — Não foi como eu queria ter feito as coisas. Mas nós dois aparentemente gostamos de fazer tudo fora de ordem. — Shoto sorriu, mas parou de se aproximar, mantendo pelo menos um metro de distância ainda entre nós. — Era pra gente ter conversado primeiro. Era pra eu ter te dito… bom, muita coisa. O fato é que do jeito que a situação tá, não dá pra continuar. Mas se você me disser agora que não tem nenhuma parte de você que esteja em dúvida, nenhuma parte de você que sinta isso também, que eu não tenho nenhuma chance de te fazer mudar de ideia, eu fico quieto. E aí a gente finge que aquela noite e essa conversa nunca aconteceram, eu nunca mais toco no assunto e a gente volta a ser amigos como antes.
Eu não conseguia forçar minha boca a produzir nenhum som, mas também não sabia o que dizer se conseguisse. Onde Shoto tava indo com essa conversa? Meu coração parecia querer sair do peito, uma vozinha esperançosa no fundo da minha cabeça me dizendo exatamente qual rumo o assunto estava tomando, mesmo que eu não quisesse acreditar nela.
Como não respondi, ele continuou, um mínimo sorriso se abrindo:
— Ou… as coisas mudam daqui pra frente. Porque faz muito tempo que eu queria que elas mudassem, mas não tinha coragem de fazer nada por medo de como você podia reagir. Por medo de estragar tudo. Por medo… — ele deu outro passo na minha direção e eu engoli em seco, sua voz suave — de você me rejeitar. Eu demorei meses pra entender os sentimentos que você provoca em mim. E ainda seria mentira se eu disser que entendi sozinho.
— Sho… eu… — eu tinha sido reduzida a balbuciar as mesmas duas palavras, sem conseguir dizer mais que aquilo. Sho parou de falar quando eu abri a boca, mas logo que eu voltei a ficar em silêncio ele continuou.
— Mas a verdade é que ter você na minha vida me faz muito mais feliz. Você e essa família que a gente construiu completamente atrapalhados são tudo pra mim. Você me ensinou tanto desde que chegou, me ensinou sobre mim, sobre o mundo, sobre família, sobre perda, mas também sobre amor. Do mesmo jeito que, sem nenhum de nós prestar atenção, você foi ganhando espaço aqui em casa e no meu dia-a-dia, você foi aos pouquinhos ganhando o meu coração. É seu, . Eu sou seu. Sempre fui. Se você me quiser. Eu te amo. — Finalizou em português, e eu quase morri. Esse homem… meu coração batia como se eu tivesse acabado de correr uma maratona, e eu podia sentir meus joelhos fracos com a declaração. Minha respiração vinha descompassada e eu só conseguia encará-lo. — Eu sei que você tem medo, mas deixa eu te provar que pode dar certo.
Shoto ergueu uma mão, delicadamente pondo uma mecha solta do meu cabelo atrás da orelha, o toque me fazendo estremecer.
— E se der errado, Sho? — Perguntei, minha voz pouco mais alta que um sussurro.
— E se der certo? — Ele deu mais um passo na minha direção, agora ficando muito perto, e eu precisei inclinar a cabeça pra continuar olhando em seus olhos. Sua mão continuava gentilmente segurando meu rosto.
— E se a gente brigar?
— A gente não brigou até hoje. E se brigar, vamos dar um jeito.
— E se… — engoli em seco — eu não vou aguentar se perder você também.
— Eu não posso controlar isso. Só posso te dizer que é diferente. Por mais que seja perigoso, meu trabalho ainda é muito mais seguro que o seu. Mas vale mesmo a pena nem tentar? — Sho acariciou minha bochecha com o polegar e meus olhos se fecharam.
Você merece se dar essa chance, cariño. As palavras de no meu sonho ecoaram na minha cabeça, a pergunta de Shoto muito parecida com os argumentos que ela tinha usado. Senti uma lágrima escorrer e ele a secou, encostando a testa na minha.
— Eu te amo, . Dá uma chance pra gente — sussurrou, sua respiração se misturando à minha no pouco espaço entre nós.
Ele conseguia derrubar todas as minhas defesas. Desde o início, ele sempre foi ultrapassando cada uma das minhas barreiras, muitas vezes sem eu nem perceber até ser tarde demais, e esse momento não era diferente. Eu não tinha mais argumento nenhum, mais desculpa nenhuma, mais rota de fuga nenhuma. Mas sinceramente? Eu estava cansada de fugir.
Me inclinei pra frente, pressionando meus lábios contra os dele. Pude sentir a boca dele se repuxando imediatamente em um sorriso, esse beijo completamente diferente dos que trocamos na outra noite. Dessa vez não havia pressa, não havia o desespero de que um dos dois poderia perceber que estávamos fazendo uma besteira e se afastar. Sua outra mão veio para o meu pescoço, e eu apoiei as minhas em seu peito, sentindo seu coração tão acelerado quanto o meu.
Quando parti o beijo, Sho se afastou apenas o mínimo para encontrar meu olhar.
— Eu te amo — sussurrei.
Shoto’s POV
Eu não conseguia parar de sorrir, minha felicidade mal cabendo dentro de mim ao ouvir aquelas palavras. estava com os olhos marejados, mas sorriu de volta.
— Isso é um sim?
Ela riu de leve, deslizando uma das mãos pro meu cabelo, fazendo cafuné. Suas bochechas ganharam um leve rubor.
— É um sim.
Me inclinei de volta para beijá-la outra vez, mal acreditando que agora poderia fazer isso sempre. derreteu em meus braços, suspirando. Quando ela partiu o beijo, não deixei que ela se afastasse, distribuindo vários beijos por todo o seu rosto e lhe arrancando uma risada.
— Sho!
— Sabe quanto tempo eu passei querendo te beijar e não podendo? Agora preciso recuperar esses meses todos.
— Se depender de mim, ainda vai ter que me aguentar um bom tempo — respondeu risonha.
— Que bom, amor. — Acariciei seu rosto mais uma vez, vendo seus olhos brilharem, e foi a vez dela se inclinar pra me beijar, ficando nas pontas dos pés.
Desci uma das mãos para sua cintura, segurando-a contra mim. Parecia que uma tonelada tinha saído das minhas costas agora que tinha dado certo, que estávamos finalmente juntos, e eu só queria nos meus braços. Saboreei seu beijo sem pressa, sentindo seu corpo se moldar ao meu. Finalmente minha. Quando começou a ficar difícil respirar, movi os lábios para seu pescoço, fazendo uma trilha de beijos lentos e lhe arrancando um gemido fraco. Ela inclinou a cabeça para me dar melhor acesso à sua pele, puxando de leve o cabelo na minha nuca.
Sua outra mão deslizou para o meu ombro, ajudando-a a se equilibrar melhor, afinal, ela ainda estava na ponta dos pés. Movi ambas as mãos para o seu quadril e ergui seu corpo, rindo da exclamação que ela soltou e a carregando para o meu quarto.
— To começando a ver um padrão — brincou, fechando a porta quando passamos.
— É bom se acostumar — respondi, mordiscando a pele exposta de seu ombro.
Andei até a cama, me sentando com ela no colo, e segurou meu rosto com ambas as mãos, se afastando para me olhar. Correu as pontas dos dedos pelo limite da minha cicatriz, seus olhos brilhando.
— Eu te amo, Sho.
— Eu te amo — respondi.
Ela voltou a me beijar, nós dois ainda sorrindo. Permiti que minhas mãos deslizassem por suas coxas por cima da calça, indo até sua bunda. Ela acariciou minhas costas, explorando meus músculos e me tirando um arrepio. Pude sentir meu corpo logo reagindo a ela, um gemido fraco escapando quando se ajeitou no meu colo. Ela percebeu e repetiu, dessa vez propositalmente rebolando sobre mim. Segurei seu quadril e parti o beijo, me afastando pra encontrar seus olhos.
— Eu quero você — murmurou, enterrando os dedos no meu cabelo. — Sem pressa dessa vez. Sem medo, sem culpa.
Sorri, puxando-a para perto.
— Eu já disse que sou seu.
puxou minha camiseta pra cima devagar e ergui meus braços, retirando a dela em seguida, o relicário que eu tinha mandado fazer no aniversário dela visível em volta do seu pescoço, me deixando mais feliz ainda.
— E eu sou sua — respondeu, voltando a me beijar.
’s POV
Lentamente, fomos despindo um ao outro até não sobrar nenhuma peça de roupa. Empurrei seu ombro delicadamente e nos deitamos. Comecei a distribuir beijos pelos limites da sua cicatriz, depois descendo pro pescoço, o que o fez suspirar meu nome. Me permiti de verdade explorar o corpo de Shoto, como se quisesse gravá-lo na memória, tentando demonstrar com cada mísero toque o amor que transbordava de mim. As mãos dele corriam entre minhas costas e meu cabelo, me puxando de volta para seus lábios de tempos em tempos. Depois, Sho me abraçou e nos girou, ficando por cima de mim, e começou a imitar o que eu tinha feito, percorrendo todo o meu corpo em uma trilha de beijos lentos, me arrancando suspiros e arrepios. Ele se demorou nos meus seios, e eu apertei sua bunda, ondulando meus quadris contra ele. Sua mão, que estava na minha coxa, ficou muito gelada em resposta, me fazendo arquear as costas, uma exclamação de surpresa escapando da minha garganta.
Sho se afastou e sua mão saiu da minha pele como se eu tivesse dado um choque nele.
— Desculpa. Te machuquei?
— Sho, o que foi isso? — perguntei divertida (e interessada, porque definitivamente não tinha machucado). Ele parecia muito envergonhado, as bochechas ficando vermelhas enquanto ele desviava o olhar.
— Não foi de propósito. Você me faz perder um pouco o controle.
— Não doeu não. — Puxei-o de volta pra perto com as mãos na sua nuca, e mordisquei seu lóbulo. — Devia tentar fazer de propósito — sussurrei, me deitando outra vez e trazendo ele comigo.
Sho se afastou pra estudar meu rosto com olhos levemente arregalados, surpreso pela minha reação, e eu lhe lancei um sorriso provocante. Sua expressão se transformou em curiosidade, mas o desejo ainda brilhava em seus olhos. Ele correu cada mão por um lado do meu tronco, ambas com as temperaturas claramente alteradas, mas longe de ser desconfortável, e minha pele se arrepiou em resposta.
— Você pretende parar de me surpreender algum dia? — perguntou divertido, enterrando o rosto no meu pescoço.
— Hm… não, acho que não. Ah! — Arquejei quando seu toque gelado passou pela minha virilha. Seus lábios se curvaram em um sorriso contra minha pele.
Enterrei as unhas nos seus ombros, arqueando as costas, quando ele me penetrou com dois dedos, o choque das temperaturas enviando ondas de prazer pelo meu corpo.
— Tão linda — murmurou, me fodendo devagar e espalhando leves mordidas onde quer que ele alcançasse, sua boca ainda mais quente que antes. — E minha.
Seu polegar pressionou meu clitóris, fazendo meus olhos revirarem de prazer.
— Sua. — Concordei, arfando. Ondulei o quadril contra sua mão e estremeci. — Eu sou sua.
Quando meus gemidos se tornaram mais altos, meu orgasmo se aproximando, Sho tirou suas mãos de mim e tomou meus lábios em um beijo. Puxei-o o mais perto que era fisicamente possível, sentindo ele se posicionar e me penetrar devagar, deslizando centímetro por centímetro até me preencher completamente.
Shoto entrelaçou nossos dedos, mantendo seus olhos nos meus, nossas respirações descompassadas se misturando enquanto ele estocava devagar. Cada movimento fazia seu corpo deslizar contra o meu, meus mamilos roçando no seu peito e enviando arrepios pela minha espinha. Enganchei minha perna na sua cintura, puxando-o mais para perto e encontrando suas estocadas no meio do caminho, acelerando o ritmo.
— … — ele gemeu, atendendo meu pedido silencioso e apertando minha coxa.
— Eu te amo — suspirei, apertando sua mão.
Não dissemos mais nada, nossos gemidos preenchendo o quarto em um volume cada vez mais alto, até atingirmos o ápice praticamente ao mesmo tempo, nos agarrando um ao outro como se nossas vidas dependessem disso. Minutos depois, Sho nos girou, me deitando por cima dele e traçando formas aleatórias nas minhas costas.
Shoto’s POV
— Que foi? — Ela perguntou quando peguei o celular, cruzando as mãos sobre meu peito e apoiando o queixo nelas, seus olhos encontrando meu rosto.
— Yaoyorozu quer saber se temos uma previsão de horário pra buscar as crianças.
— Você deixou eles lá sem combinar um horário pra voltar?
— Eu não sabia quanto tempo a nossa conversa ia durar.
estreitou os olhos na minha direção.
— E por acaso elas sabem por que você deixou as crianças lá?
— Bom…
— Sho! — Ela ergueu o tronco, ficando sentada. Ri, abraçando-a para impedir seus tapas de brincadeira.
— Em minha defesa, nada disso foi ideia minha. E também não fui eu que contei a situação que a gente tava.
— Ah é? E quem foi então?
— Você contou pra Ashido o que aconteceu da outra vez e ela espalhou pra turma toda. Eu só contei que você tava me evitando. — Ela abriu a boca em um O e eu arqueei uma sobrancelha. — Eles são todos fofoqueiros. Me surpreende que não contaram pra você que eu tava apaixonado esses meses todos.
— Pior que eu acho que a Ashido tentou. Mais de uma vez. Ela tava tentando me convencer a dar uma chance pra gente. Agora a insistência dela faz muito mais sentido. E ela deve ter dito pra todos eles sobre eu estar apaixonada por você também. Meu deus, que vergonha.
— Eu disse.
balançou a cabeça.
— E de quem foi a ideia?
— Te emboscar foi sugestão da Ashido e do Kaminari, aprovada por todos os meus amigos e pela . E as crianças ficarem com a Yaoyorozu e a Jiro foi ideia do próprio Hayato.
— Do Hayato? Caralho, tava todo mundo de complô, é? E como que a tava sabendo dessa história?
— Ashido foi atrás dela pra garantir que você não ia ficar brava. Mas sim, no fim todo mundo tava envolvido. Aparentemente nós dois estávamos sendo muito óbvios sobre os nossos sentimentos, só nós não percebíamos.
Ela riu, corando, e se aconchegou contra mim outra vez.
— Diz pra elas que a gente passa lá daqui uma hora. — Após uma pausa, continuou: — O quanto o Hayato sabe sobre essa conspiração toda?
— Palavras dele: que a gente precisava conversar e você tava usando eles de desculpa. Também disse que ele é só pequeno, não bobo, e que nós somos péssimos em esconder que tinha algo de errado.
Ela soltou uma risada alta.
— Ele vai dar muito trabalho pra nós dois quando crescer. — Dei de ombros, respondendo a mensagem finalmente. suspirou. — A gente precisa tomar banho antes de ir buscar as crianças. — Estreitei meus braços ao seu redor, não querendo ir a lugar nenhum, e ela riu. — Sho, a gente tem que ir.
— Ainda temos uma hora — resmunguei, enterrando o rosto em seus cabelos.
— E você realmente acha que é muito tempo? Vem logo, seu preguiçoso, já deixamos as crianças lá a tarde toda.
se desvencilhou dos meus braços e pulou pra fora da cama — e fora do meu alcance. Suspirei, erguendo o tronco, e ela veio me puxar pela mão. Quando me recusei a levantar e tentei puxá-la de volta pro meu colo, ela revirou os olhos e se inclinou para sussurrar no meu ouvido.
— Você prefere tomar banho sozinho ou vir junto comigo? Porque eu garanto que a segunda opção vai ser mais divertida.
Como para ilustrar seu ponto, ela mordiscou o lóbulo da minha orelha e correu as unhas de leve pelo meu peito antes de se afastar novamente. Estreitei os olhos pra ela, vendo-a me lançar um sorriso safado e começar a andar rebolando em direção ao banheiro. Não hesitei, levantando e indo atrás dela.
14 de outubro
Encontrei o olhar nervoso de na plateia e sorri pra ela. Tínhamos conversado muito sobre como fazer isso, porque seria inevitável, mas eu sabia que ela estava nervosa tanto com esse momento quanto com as repercussões. Hayato e Suki tinham vindo também, mas preferiram ficar escondidos nos bastidores com Fuyumi em vez de aparecer.
— 5! 4! 3! — Ouvi a contagem para o início da transmissão e voltei a me concentrar na apresentadora ao meu lado.
— Boa noite a quem está chegando agora! Estamos de volta e nesse bloco eu tenho aqui comigo um dos heróis profissionais favoritos do público: Shoto!
Os aplausos tomaram conta do ambiente e sorri para as câmeras.
— Boa noite.
— Olha, eu tenho que dizer aqui que achei que era pegadinha quando a produção disse que você aceitou vir. Estou honrada.
— Bom, acho que todos sabemos que entrevistas nunca foram o meu forte. Nem falar em público no geral. — Ela riu e o público também.
— Mais um motivo pra hoje ser uma grande surpresa. Ainda mais considerando como alguém tem fugido da imprensa nas últimas semanas.
Encontrei outra vez na platéia e ela assentiu, torcendo as mãos no colo.
— É, alguém vazou aquelas fotos e isso complicou um pouco o caminho.
— O que, essas fotos aqui que deixaram a internet maluca? — perguntou, apontando para o telão atrás de nós, onde apareceram as imagens. Baixei o olhar, assentindo. — Não me diga que finalmente vamos saber a história por trás delas.
— Foi pra isso que eu vim.
— Todo misterioso… acho que posso falar por todos quando digo que estamos morrendo de curiosidade. Você nos manteve no escuro por exatamente um mês desde que as notícias saíram.
— Vamos dizer que estávamos acertando algumas coisas.
— Hm… seria você e a nossa mulher misteriosa? Que aliás tem se provado muito boa em se esconder, já que ninguém descobriu mais nada sobre ela.
Não pude deixar de sorrir, segurando a risada.
— Sim. E ela de fato tem um dom, ao contrário de mim, pra sumir na multidão quando quer.
— E existe alguma chance de eu arrancar de você o nome dela ou a história de vocês? Ou alguma coisa sobre essas crianças adoráveis que estavam com vocês ou o porquê vocês estavam no hospital!
— São muitas perguntas, mas o plano é responder todas elas.
— Então vamos começar pelo que todo mundo mais quer saber: quem é ela? Vocês estão juntos?
Abri um sorriso largo.
— Sim, eu e estamos juntos. — O auditório explodiu em comentários surpresos e aplausos. — Mas ainda não estávamos quando tiraram as fotos.
— Mas então… então é muito recente.
— Faz exatamente 5 dias que estamos juntos de verdade.
— Nossa!
— Como eu disse, estávamos acertando algumas coisas. Uma delas era superar a teimosia dos dois. Especialmente a dela.
Vi corar de seu lugar, cobrindo o rosto com as mãos e rindo.
— Ela te deu trabalho?
— Um pouquinho, mas a vale a pena.
A apresentadora sorriu.
— Eu quero dizer que muitos corações estão se partindo de saber que você não está mais disponível, mas eu não consigo nem ficar triste vendo como seus olhos brilham ao falar dela.
— Eu amo a .
— Uau. Mas vocês não estão juntos há nem uma semana!
Dei de ombros.
— Eu me apaixonei por ela muito antes de acontecer qualquer coisa entre nós. Meses antes, na verdade.
— O que nos leva à minha próxima pergunta: como vocês se conheceram?
— Por causa do trabalho. — Essa era uma parte da nossa história que sempre seria só nossa e das pessoas mais próximas.
— Você resgatou ela de algum vilão? — Balancei a cabeça, divertido.
— não precisa que ninguém a resgate.
— Então como foi? Conta pra gente!
— Nós nos conhecemos pelo trabalho dela, não pelo meu. E depois nos aproximamos por conta das crianças que estão nas fotos e ficamos amigos.
— E quem são esses pequenos? Eles parecem com você.
— O Hayato e a Suki. — Sorri mais uma vez. — Eles entraram nas nossas vidas completamente por acaso, mas agora somos uma família. Eu e a estamos adotando os dois, e o dia do hospital foi porque o Hayato caiu e machucou o braço.
— Ele tá bem? — perguntou preocupada.
— Tá sim, foi mais um susto.
— Espera. Você disse que estão adotando os dois. — Assenti. — Mas só estão juntos há alguns dias.
— Começamos o processo antes, quando ainda éramos só amigos.
— Vocês resolveram adotar dois filhos sem serem um casal?
— Sim.
— E podemos saber por quê? Isso não é uma atitude muito comum.
— Eu não vou entrar muito na história das crianças, mas eles são irmãos, são órfãos e já estavam sob nossa custódia há meses. Foi só natural querer que eles continuassem com a gente. E eles também quiseram ficar, então entramos com o pedido da guarda permanente.
— Quando você diz que eles estavam com vocês, só pra gente entender direito, vocês estavam compartilhando a guarda deles, é isso?
— Oficialmente não, eles estavam só sob minha responsabilidade. Mas eu teria sido um grande desastre se não tivesse do meu lado ao longo de todo o caminho.
— E seria por isso que você andou meio sumido ao longo do ano? Todos percebemos que sua presença em campo e em eventos diminuiu bastante.
— As crianças passaram a ser minha prioridade e eles precisavam de mim em casa com mais frequência. A população estava segura nas mãos competentes dos meus colegas.
— Em casa, quer dizer que eles estavam morando na sua casa? — Assenti. — E a , onde ela se encaixa na situação?
— Eles vão perguntar de todas as fotos, Sho, vão querer saber da minha foto saindo de casa. — Lembrei dela me alertando. Tínhamos combinado com cuidado antes da entrevista o que eu poderia e não poderia dizer pra não colocá-la em risco.
— Nos primeiros meses não, mas depois a também veio morar comigo. Era mais fácil de organizar as coisas com as crianças desse jeito.
— Então…
— Suki! — A voz surpresa de interrompeu a apresentadora. Não teria chamado a atenção de ninguém além de mim se eu já não tivesse revelado o nome dela, mas agora todos os olhares do auditório se viraram na direção delas.
Suki chegava correndo para agarrar as pernas de , pedindo colo. Olhos encontraram os meus pedindo desculpas, mas isso não passou despercebido por ninguém ao nosso redor.
— Eles estão aqui? — perguntou e esperei murmurar algo para Suki, e depois assentir, antes de responder.
— Estão. Posso? — Me levantei, apontando para onde elas estavam.
— Com certeza! Produção, traz mais uma cadeira aqui pra gente.
Pude ver as câmeras me seguindo até as duas, as bochechas de vermelhas e Suki escondendo o rosto no seu pescoço.
— Tudo bem? Tem certeza que quer aparecer?
— A gente se preparou pra isso — murmurou.
— Pequena?
— Papai. — Ela se virou para me olhar, e sorri pra ela. — Não qué fica condida.
— Então vamos.
Pousei uma mão na base da coluna de , guiando-a até as cadeiras de frente para a plateia, que explodiu em aplausos conforme nos sentamos. Cobri sua mão com a minha e voltei a olhar a apresentadora.
— Uau. Bem-vindas.
Suki se ajeitou no colo de para olhar ao redor.
— O-obrigada. — respondeu meio sem jeito, apertando minha mão de volta.
— Oi — disse Suki, e não pude conter o sorriso.
— Oi, lindinha! — A mulher voltou seus olhos então para . — Então foi você que conseguiu conquistar um dos homens mais desejados do Japão?
— Parece que sim. — Havia algo de ácido no tom dela ao responder, mesmo que eu não tivesse entendido muito bem o porquê. — Mas tenho que admitir que soa quase como se você estivesse falando de outra pessoa.
— Como assim?
— Toda essa imagem pública, é muito novo pra mim. Não é esse Shoto que eu to acostumada. — Ela balançou a cabeça. — Desde o começo, eu conheço ele dentro de casa, com a família ou os amigos, comigo e com as crianças. Pra mim ele não é essa pessoa distante, séria e famosa, ele é um dos meus melhores amigos, é desastrado, muito literal, às vezes perdido com coisas básicas.
— Ei! — riu da minha reclamação.
— Você sabe que eu te amo, mas é verdade.
— Precisa falar em rede nacional?
— Que culpa eu tenho se eles acham que você é uma pessoa séria e misteriosa?
Suki riu no colo dela, balançando a cabeça.
— O Sho é bobo.
— Até você, pequena? — Estreitei os olhos pra ela, apertando a pontinha de seu nariz e lhe arrancando uma gargalhada.
— Esse aqui é o homem por quem eu me apaixonei. — Completou , apontando para a nossa interação. — Então é bem estranho às vezes lembrar que ele é essa pessoa pública.
— Realmente parece bem diferente do Shoto que o público conhece. E também tem o menino que estava nas fotos com vocês, né? Ele veio também?
— O Ato tá condido. — Suki respondeu antes que qualquer um de nós dois tivéssemos tempo e soltou uma risada suave.
— O Hayato é mais tímido que a Suki e não gosta de multidões, mas ele veio também.
— Ele está com a minha irmã nos bastidores, onde a Suki também estava. O plano não era trazer nenhum dos dois pra frente das câmeras.
— Mas a nossa princesa resolveu ser aparecida. — Ela fez cócegas de leve na barriga de Suki, que se contorceu rindo.
— Vocês são adoráveis.
A entrevista continuou, com várias perguntas que eu e nos revezamos pra responder, e ela e Suki pareciam muito mais confortáveis na frente das câmeras do que o esperado.
— Uau. Bom, acho que nosso tempo por hoje acabou, mas eu queria agradecer mais uma vez a presença de vocês. Foi uma honra ter os três aqui conosco e ter sido escolhida pra ouvir e transmitir a história da sua família.
— Foi um prazer estar aqui — respondi, sentindo Suki se aconchegar nos meus braços, pra onde ela tinha mudado no meio da entrevista. Estava tarde e ela já estava ficando com sono.
— Eu qué ii pa casa, papai. — Ela murmurou contra meu pescoço, a vozinha sonolenta.
A apresentadora deu um sorriso compreensivo e se voltou para as câmeras mais uma vez.
— Então vamos encerrar por aqui. Obrigada por ficarem conosco e até o próximo programa.
A plateia explodiu em aplausos, e nos levantamos assim que o diretor anunciou o fim da gravação, sabendo que Hayato também devia estar exausto e querendo chegar logo em casa com os dois.
31 de outubro
’s POV
Não contive a risada quando Sho apareceu na sala com a fantasia verde. Eu tinha comprado ou feito fantasias combinando pra nós quatro, personagens escolhidos pelas crianças, mas ele não tinha visto ainda.
— O que eu deveria ser?
— Zoiudinho da mamãe! — Suki respondeu antes que eu pudesse falar, apontando animada pra ele. Ela estava com um macacão com capuz inteiro de pelinhos, azul com manchas roxas e um rabo, extremamente adorável em sua roupinha de Sully. Hayato também riu de leve. Ele tinha uma roupa muito parecida com a de Suki, mas laranja com listras amarelas e uma meia branca costurada nas costas.
— Você é o Mike Wazowski. Do Monstros SA.
Analisando as nossas roupas — eu estava vestida de Celia, com um vestido verde imitando escamas e tinha usado minha Individualidade pra deixar a pele lilás e transformar minhas pernas em tentáculos como os dela — e a própria fantasia — que era uma calça justa verde clara, uma blusa de manga comprida da mesma cor com uma estrutura esférica com um grande olho e um sorriso na frente —, ele parou pra pensar por alguns instantes.
— Aquele filme que vocês assistiram várias vezes?
— Eles acharam que seria divertido a gente ter um tema comum pras fantasias. E eu também.
— Por que eu sou uma bola?
— É o zoiudinho!
— Porque a Suki quis ser o outro protagonista. E o Mike Wazowski tem uma namorada, a Celia. — Apontei pra mim mesma.
— Hm.
Soltei um risinho, me levantando e ficando na ponta dos pés pra dar um beijo na bochecha dele.
— Você tá adorável. Vamos logo, as crianças já começaram a passar.
Sho não parecia muito convencido, mas ele não tinha parecido particularmente animado com a ideia de levar as crianças para fazer doces ou travessuras desde o início. Eu tinha sugerido no final de setembro, sem muitas esperanças, mais porque queria decorar a casa — o Halloween era uma das minhas datas favoritas, afinal —, mas no fim Hayato e Suki tinham adorado a ideia e ele pediu pra passar pedindo doces, e nenhum de nós conseguiu dizer não. Saímos então, os dois com cestinhas de doces no formato dos cilindros que armazenavam os gritos e risos no filme, para combinar com as fantasias, Shoto e eu andando logo atrás deles.
Demos liberdade para Hayato conversar com as outras crianças, ficando mais próximos de Suki e tentando não demonstrar o quão emocionados estávamos de vê-lo socializando feliz e sem medo, mesmo que ele ainda estivesse tímido e demorasse um pouco pra engajar nas brincadeiras.
Horas depois, quando estávamos voltando, as crianças já exaustas, ele estava indo na frente e Suki tinha cansado de andar e pedido colo. Hayato acabou correndo com algum dos amiguinhos que tinha feito durante a tarde e eu vi os dois pararem com uma mulher que devia ser a responsável pela outra criança. Nos aproximamos sem pressa enquanto eles conversavam.
— E com quem você veio, querido? — Ouvi a mulher perguntar.
— Com a minha irmãzinha e os meus pais. — Ele apontou para nós, e segurei minhas lágrimas. — Ali eles.
— Ato! — Suki acenou do meu colo.
A criança nos encarou em choque.
— Seu pai é o Shoto? Ele é o herói mais legal que tem!
— Ele é legal mesmo. Mas também é bem bobão.
— Ei! — Ele riu, virando na nossa direção outra vez.
— Você é.
— Vocês três precisam parar com essa mania de me chamar de bobo na frente das pessoas.
— Lindo, você sabe que a gente te zoa, mas é com carinho. — Ele franziu o cenho pra mim e eu só ri, dando de ombros.
— O papai é bobo. — Suki provocou, rindo, e ele suspirou.
— Eles são umas graças. Parabéns — disse a mulher com um sorriso.
— Obrigada.
Ficamos mais alguns minutos conversando antes de voltarmos pra casa. Depois de tirar as fantasias, dar banho e jantar para as crianças, quando estávamos colocando Hayato pra dormir — Suki já estava apagada em seu berço —, resolvi tentar voltar no assunto de antes.
— Meu amor, posso te perguntar uma coisa?
— Que foi, ?
— O que você falou mais cedo pro seu amiguinho… — suas bochechas coraram de leve.
— Eu sei que eu e a Suki tivemos o papai e a mamãe primeiro. E que eu falei que não queria chamar vocês de pai e mãe igual a Suki faz. Mas vocês são. — Inspirei, segurando as lágrimas. Sho sentou-se na cama atrás de mim, prestando atenção também. — A gente… a gente é uma família, né? E vocês cuidam da gente e amam a gente. E… — ele respirou fundo, desviando os olhos — e eu amo vocês também. Igual eu amava a mamãe e o papai. Tem espaço no meu coração pra vocês quatro. Puxei ele para um abraço apertado, sentindo minhas lágrimas escorrendo livremente.
— Eu te amo, meu príncipe. É claro que a gente é uma família.
Hayato soltou uma risada abafada.
— , você ta me esmagando.
Me afastei outra vez, sorrindo pra ele.
— Vou esmagar mesmo. Como você quer que eu reaja quando você me diz uma coisa dessas?
— A gente também te ama, pequeno.
— Mas eu vou continuar chamando vocês pelo nome, tá?
— Não tem o menor problema. Chama a gente como você preferir. — Ele pegou minha mão, me puxando de leve. — Vamos, amor, vamos deixar ele dormir.
Me inclinei pra dar um beijo na sua testa.
— Boa noite, pequeno.
— Boa noite, meu amor.
— Boa noite.
13 de novembro
Online
Amor, tenho uma notícia pra você e pras crianças quando chegar19:36
Li a mensagem de Sho e franzi o cenho imediatamente. Fazia uns 20 minutos que ele tinha enviado, mas eu tava dando banho na Suki e não tinha visto. Será que tinha acontecido alguma coisa? Bom, pelo menos eu ia descobrir logo, ele já devia estar chegando a essa altura. E realmente, não demorou nem 5 minutos e eu pude ouvir a porta sendo aberta.
— Sho chego! — Suki exclamou animada, correndo meio desengonçada do sofá até ele.
— Oi, pequena.
— Oi, amor — falei, virando a cabeça em sua direção, e ele sorriu de leve, vindo com Suki no colo e dando um beijo na minha testa.
— Oi, Shoto. O que tem na sacola? — Hayato ergueu os olhos do caderno onde estava desenhando.
— Trouxe jantar. E uma surpresa.
— O senhor tá muito misterioso hoje. Pode ir explicando — exigi, estreitando os olhos para ele. Sho riu e veio se sentar no sofá ao meu lado.
— Eu recebi uma ligação hoje mais cedo. — Seus olhos encontraram os meus. — Acabou o processo de adoção.
Prendi minha respiração. Estávamos há meses esperando um resultado, uma decisão do juiz, uma resposta definitiva.
— E?
— A partir de hoje, nós somos oficialmente uma família.
Meus olhos se encheram de lágrimas, o sorriso se abrindo imediatamente. Hayato soltou o lápis, olhando para mim.
— Isso quer dizer que a gente vai poder ficar aqui pra sempre? De verdade?
Assenti.
— Agora sim. — Minha voz saiu chorosa.
Eu não conseguia conter a emoção com a notícia e, em resposta, ele se levantou e veio me abraçar. Corri uma mão pelas suas costas. Meu filho. Shoto sentou-se ao meu lado, ele e Suki se juntando a nós em um abraço em grupo. Ou melhor, em família. As lágrimas escaparam dos meus olhos, caindo no cabelo de Hayato, mas eu não me importava. Só de saber que agora tudo tinha finalmente se encaixado, tudo estava como deveria ser, eu não conseguia conter a minha emoção. Uma luzinha se acendeu na minha cabeça de que faltava uma única coisa pra completar a imagem. Eu poderia esperar e me planejar melhor, organizar as coisas e fazer uma cena bonita, mas pra quê? Não tinha motivo para esperar.
Aquilo ficou martelando na minha cabeça enquanto jantamos e colocamos as crianças pra dormir.
— Amor, tem algo errado? — Sho perguntou, sentando na cama.
Respirei fundo.
— Você tem sido… tudo pra mim. — Comecei, andando até ficar de frente pra ele. Peguei uma de suas mãos, entrelaçando nossos dedos, seus olhos estudando meu rosto. — Desde antes mesmo de a gente ser amigo, você sempre esteve do meu lado sendo exatamente o que eu precisava. O tempo todo você me apoiou, mesmo quando o que eu queria parecia loucura. E continua me apoiando, mesmo quando não entende. Mesmo quando nem eu entendo direito. Ter você na minha vida, e a nossa família acidental, — soltei um risinho, tentando segurar o choro pelo menos até terminar de falar — foi o que me resgatou, o que juntou os pedacinhos do meu coração e me deixou inteira de novo. Eu não consigo imaginar a minha vida sem você nela ou sem o Hayato e a Suki com a gente.
— , o que foi?
— Eu sei que, ironicamente, eu demonstro bem menos que você o quanto você é importante pra mim, mas eu te amo tanto, Sho. Você é meu porto-seguro, me faz querer ser uma pessoa melhor, me faz repensar meu jeito de ver o mundo. Sem saber, sem nem tentar, você realiza meus sonhos e me faz tão feliz que eu nem consigo achar palavras suficientes pra explicar. Eu amo seu jeito de não entender direito quando as pessoas não são literais, a sua coragem, a sua gentileza, o seu coração enorme. Eu amo como você me faz rir sem querer e como é fácil ficar do seu lado. E amo como você não desistiu de mim, mesmo com todos os empecilhos que eu mesma coloquei. — Sem tirar o olhar do dele nem soltar sua mão, me ajoelhei à sua frente e vi seus olhos se arregalarem. — Por todos esses motivos, eu quero continuar construindo uma vida do seu lado. Casa comigo, Shoto?
Ele piscou algumas vezes, atônito. Então, em vez de me responder, Sho apertou minha mão por um instante e soltou, se virando pra pegar alguma coisa na gaveta da mesa de cabeceira dele. Era uma caixinha de joalheria igual àquela onde estava o meu relicário quando ele me deu, mas menor, do tamanho certo para um anel.
— Acho que isso responde. Você roubou minha ideia — brincou ele, abrindo a caixa para revelar um par de alianças.
A dele era simples, em ouro branco e não muito grossa. E a minha parecia um raminho, assim como o entalhe do meu colar, também em ouro branco e com minúsculas esmeraldas como folhas, levando a um brilhante um pouco maior bem no meio. Era lindo.
Ergui meu rosto outra vez, mas Sho não parecia chateado por eu ter estragado o pedido dele. Ele sorriu, tirou os dois anéis da caixa e os pousou na minha palma, agora deixando possível que eu visse o entalhe de lua crescente na aliança dele. E aí eu não consegui mais segurar as lágrimas, soltando uma risada chorosa.
— A gente realmente não consegue fazer nada do jeito certo. — Joguei meus braços ao redor do seu pescoço e o puxei pra um beijo apaixonado. Sho desceu as mãos para a minha cintura e me ergueu delicadamente para seu colo, partindo o beijo apenas quando ficou difícil respirar. — Eu te amo.
— Eu te amo — respondeu.
Sua mão deslizou pelo meu braço, puxando de leve, e abri a mão para revelar nossas alianças outra vez. Sho pegou a minha e a colocou no meu dedo, oferecendo sua mão em seguida pra eu fazer o mesmo, depois entrelaçou nossos dedos e sorriu pra mim.
— A gente fez tudo fora de ordem mesmo. — Ri e ele me acompanhou, dando de ombros.
— Eu não me importo.
Corri a mão livre pelo seu cabelo, afastando a franja dos seus olhos. É, eu também não podia dizer que me importava muito. Não enquanto eu tivesse Shoto ao meu lado.
22 de novembro
— Moonlight, minha sala. — Beifong passou no corredor sem nem virar a cabeça na minha direção. Estranhando a intimação, a segui imediatamente, não me importando que já estava na hora de eu ir embora. — Fecha a porta.
— Algo errado?
— Senta.
Obedeci, preocupada. Não que ela fosse de ser muito delicada ou simpática, mas ela estava particularmente monossilábica, o que era preocupante. A mulher à minha frente apontou para uma pasta sobre a mesa, e eu peguei para olhar o conteúdo. Será que ela ia me mandar em alguma missão nova? Em vez disso, o que encontrei na primeira folha foi a minha própria ficha médica. Franzi o cenho.
— Não estou entendendo, sra. Beifong.
— São seus exames.
— Os que fizemos semana passada? — Ela assentiu. — São exames de rotina, não? Que todos os agentes fazem anualmente.
— Sim. O médico me sinalizou os seus resultados e achei que você deveria saber. — Senti o estômago embrulhar imediatamente. Isso não podia ser notícia boa.
— Tem… — engoli em seco — tem algo de errado com os resultados?
— Olha a página 3.
Com as mãos trêmulas, virei as folhas e comecei a ler. A maioria dos resultados estava dentro dos valores de referência apontados ao lado, até chegar às últimas linhas. Congelei ao ler as anotações do médico no fim da página. Não podia ser. Fiz as contas mentalmente, percebendo que na verdade, podia sim, eu só estava tão distraída com tudo que tinha acontecido nas últimas seis semanas que não tinha me atentado a esse pequeno detalhe.
— Eu…
— Meus parabéns. Embora, pela sua reação, imagino que você e o picolé tapado tenham muito o que conversar.
Senti uma risada escapar de mim com o apelido. Com o anúncio à imprensa, todos já estavam sabendo do meu relacionamento com Shoto, embora eu suspeitasse que Beifong saberia mesmo que estivéssemos nos escondendo. Limpei uma lágrima da bochecha antes que caísse nos papéis em meu colo, ainda sem saber como reagir. Meu deus, como o Sho ia reagir? E como eu ia contar isso pras crianças? Meu cérebro começou a dar voltas, sentimentos conflitantes ameaçando me sufocar.
— Moonlight. — Pisquei algumas vezes, erguendo meus olhos para a minha chefe. Ela estava virada na minha direção, um pequeno sorriso em seus lábios. — Para de se desesperar e vai pra casa. Segunda nós acertamos seus horários.
Assenti, ainda em choque, me levantei e fui buscar minhas coisas, as palavras gritando na minha cabeça: grávida, aproximadamente 6 semanas.
1 de dezembro
Tossi mais uma vez, irritada. Era pra estarmos preparando o aniversário da Suki, não pra eu estar de cama com febre esperando Sho voltar com os remedios que o médico ia passar. Nem levar o resultado dos exames e pegar a receita eu tinha conseguido.
— Cheguei, amor. — Shoto abriu a porta do quarto devagar, trazendo uma bandeja. Sorri fraco, só o rosto pra fora das cobertas.
— Oi.
— O médico disse que você não pode tomar os remédios de estômago vazio. — Ele indicou a bandeja com a cabeça, vindo se sentar na cama ao meu lado. — Como você tá se sentindo?
— Com frio. — Me ajeitei melhor para comer sem derramar o ensopado. Os amigos dele, assim como Fuyumi e Rei-san, estavam se revezando para nos ajudar com as crianças, já que eu estava imprestável, e Bakugo tinha deixado várias comidas prontas, dizendo que eu “tinha que melhorar logo pra bengala doce ambulante voltar a trabalhar”. — E as crianças?
— Preocupadas com você. Eles queriam vir ficar aqui, mas prefiro esperar até você ter começado a tomar os remédios.
Suspirei, depois tossi. Sho franziu o cenho, pousando a mão esquerda nas minhas costas e aquecendo de leve. Sorri agradecida.
— Eu me sinto péssima de deixar todo mundo preocupado desse jeito. O que o médico disse?
— Pneumonia. Não deve ser contagioso, eu só não posso te beijar por uma semana. — Ri de leve com seu tom e o bico que ele fez.
— Quando eu melhorar, você pode me beijar o quanto quiser.
— Come, pra você poder tomar o antibiótico. — Ele passou a mão no meu cabelo, tirando-o do rosto.
Me aconcheguei contra Sho, me aproveitando de seu calor e carinho.
Eu não tinha contado ainda sobre a gravidez. Pra ninguém, na verdade. Eu queria que ele fosse o primeiro a saber — claro, tirando a Beifong e o médico, que souberam antes de mim —, mas tinha medo de como ele podia reagir. Quer dizer, eu sabia que ele me amava e estaria ao meu lado independentemente, a aliança de noivado no meu dedo um lembrete constante disso, mas mesmo assim. Não é como se a gente tivesse conversado sobre ter mais filhos, especialmente biológicos — eu sabia que Shoto tinha questões com família, especialmente com o falecido pai, e apesar de ser um excelente pai pra Hayato e Suki, ele já tinha me dito que nunca tinha pensado em paternidade até eles, então eu ainda tinha dúvidas sobre o que ele pensava do assunto —, Suki e Hayato ainda eram pequenos e nós estávamos juntos há muito pouco tempo; mesmo que não fosse um problema, o momento estava longe de ser adequado. Sem contar que ter dois filhos já tornava a rotina conturbada, adicionar um recém nascido ia complicar bastante. Então eu estava relutando um pouco, procurando um bom momento pra falar, mas não tinha encontrado ainda.
Terminei de comer em silêncio, pegando a caixa do remédio e rodando nas mãos por um momento. O nome do antibiótico não me era estranho, embora eu não lembrasse muito bem por quê. Revirei a memória, enrolando pra abrir a caixa, e finalmente descobri. Merda.
— Vamos, , você precisa tomar o remédio logo.
Engoli em seco, pondo a caixa de volta na bandeja.
— Não posso.
— Amor, você precisa tomar.
Balancei a cabeça.
— Eu sei, lindo, mas não posso tomar esse.
— Foi esse que o médico passou. — Ele inclinou a cabeça, confuso. — Você não tem alergia, tem? Nunca mencionou nada.
— Não, não sou alérgica. Mas não posso tomar.
— , por que…?
— Esse remédio aumenta o risco de aborto espontâneo e má formação fetal. — Interrompi, fechando os olhos.
Um dos muitos treinamentos que eu tinha feito ao longo dos anos como espiã era sobre remédios arriscados caso eu precisasse tratar alguém em uma emergência, e Tetraciclina, o antibiótico que Shoto tinha me entregado, estava na lista do que nunca dar a uma mulher grávida. Não era bem assim que eu queria contar, mas não tinha uma boa desculpa do porquê não podia tomar o remédio.
— Mas o que isso tem a ver…? — Respirei fundo, encontrando seu olhar com uma expressão quase pedindo desculpas. Sho arregalou os olhos. — Espera, você… você tá…?
Assenti, encolhendo os ombros.
— Eu descobri tem mais ou menos uma semana. Não sabia como te falar.
Shoto passou vários segundos em silêncio, apenas me encarando surpreso. Meu coração estava acelerado, esperando a reação dele.
— Mas a gente usou camisinha…
Balancei a cabeça.
— Não no primeiro dia, lembra? Foi a única vez. Bom, da primeira vez mesmo a gente também esqueceu, lá em setembro, mas não é o ponto.
Ele ficou em silêncio mais uma vez, processando a informação. Mordi o lábio, ansiosa.
— Você tá grávida. Nós vamos ter um filho — murmurou baixinho e assenti em resposta, mesmo que ele não estivesse perguntando. — Mais um. — Adicionou.
— É.
— Nós vamos ter mais um filho.
A essa altura eu já estava engolindo o choro, mas Shoto finalmente encontrou meu olhar e me puxou para seus braços em um abraço apertado.
— Sho? — perguntei, temerosa.
— Nosso bebê vai nascer perto do seu aniversário — sussurrou contra o meu cabelo, a voz emocionada. Assenti, sentindo a primeira lágrima escorrer, e ele soltou um riso leve. — Me diz que você também sabe o que fazer com um recém nascido, porque eu só aprendi a lidar com crianças com mais de um ano.
— Tá tudo bem mesmo? — Ele se afastou pra me olhar.
— Por que não estaria?
— Sei lá, Sho, a gente nunca falou sobre isso e não foi planejado, só estamos juntos há dois meses e eu sei que você nunca quis ser pai…
— Eu sei disso, amor, mas já faz quase um ano que minha opinião sobre paternidade foi mudada. A primeira coisa planejada na nossa história toda vai ser o nosso casamento. E o tempo que a gente tá junto não importa, o que importa é que vamos continuar juntos. — Ele segurou meu rosto delicadamente, me fazendo olhar pra ele, e sorriu. — Eu te amo, . Eu aceitei seu pedido de casamento, e ia te pedir se você não tivesse feito isso primeiro, pra gente oficializar que vai construir um futuro juntos, seja ele como for. Se isso inclui um irmãozinho ou irmãzinha pra Suki e pro Hayato, então é lógico que tá tudo bem.
Senti meus olhos encherem de lágrimas outra vez, algumas delas escorrendo. Desde o início Shoto tinha sido um porto seguro pra mim, uma fortaleza de estabilidade independente do caos que acontecesse, sua visão prática de mundo fazendo tudo parecer fácil de resolver. Meu amor por esse homem mal cabia no peito. Me enterrei outra vez em seus braços, apertando-o contra mim.
— Eu te amo — murmurei contra sua camiseta, a voz denunciando meu choro.
Sho acariciou minhas costas e deu um beijo no topo da minha cabeça. Depois de vários minutos daquele jeito, ele se afastou, dizendo que ia voltar no médico pra descobrir qual antibiótico eu podia tomar sem risco pro nosso bebê.
18 de dezembro
Hoje fazia um ano do resgate das crianças. Mal dava pra acreditar em tudo que tinha acontecido — tudo que tinha mudado — em tão pouco tempo. Às vezes parecia que tinha se passado quase uma década.
Sho tinha levantado antes que eu e ido dar uma olhada nas crianças — eu tava com um sono surreal esses dias. Suspirei. Ainda não tínhamos contado pra eles sobre a gravidez. Eu tinha medo de eles se sentirem trocados, abandonados ou deixados de lado agora que eu e Sho teríamos um filho biológico, e isso era a última coisa que eu queria. Hayato e Suki eram tão nossos quanto esse bebê e sempre seriam tão amados quanto, mas eu não tinha certeza se eles entenderiam dessa forma.
— Não dá pra gente esconder nada de você mesmo, né? — Ouvi Shoto dizer baixinho do quarto das crianças e parei no corredor.
A porta estava entreaberta.
— Você e a que são muito ruins em esconder as coisas. — Hayato resmungou em resposta e Sho riu.
— Conta, Sho.
— Bom… — ele começou — aconteceu uma coisa sim, mas ela é boa.
— Se é bom, então por que vocês tão fazendo segredo?
— Porque é meio delicado, e a gente tava esperando a melhorar antes de falar qualquer coisa. Mas a nossa família vai crescer um pouquinho.
Houve alguns instantes de silêncio, meu coração batendo acelerado. Me aproximei mais ainda da porta, ansiosa, e pude ver Shoto sentado no canto da cama de Hayato com Suki no colo.
— A tá grávida? — perguntou Hayato, quase sussurrando.
— Gá-vi-da? — Repetiu Suki confusa. Engoli em seco.
— Quer dizer que ela tem um bebê na barriga.
— Mamãe tem um bebê?
— É isso mesmo. Tem um bebezinho menor que você que tá crescendo na barriga da .
— Um imãozinho novo? — Suki soava animada com a ideia, e isso já diminuiu muito minha preocupação, mas ainda havia Hayato.
— Ou uma irmãzinha. O bebê ainda é muito pequenininho, não dá pra saber.
— O bebê não é nosso irmão de verdade. Ele vai ser filho de vocês. — Meu coração afundou com aquela fala, mesmo que seu tom não fosse magoado.
— Ato, você é bobo.
— E desde quando vocês não são nossos filhos? Só porque vocês também têm os primeiros pais além da gente?
— É. E eu não sou bobo, Suki.
Vi Sho balançar a cabeça.
— Pequeno, vocês são nossos filhos tanto quanto esse bebê.
— Você que é bobo e não entendeu nada. Eu só disse que o bebê é filho de verdade de vocês, ele vai nascer da barriga da e tudo. E ele não vai ter outros pais, só vocês dois. — Ele deu de ombros. — Então ele não vai ser nosso irmão de verdade, não igual eu e a Suki. Igual nossos pais de verdade não são você e a . Mas a gente ainda é uma família.
— Acho que a palavra certa pro que você tá querendo dizer é biológico, pequeno. O bebê é nosso filho biológico e vocês não. — Hayato assentiu. — Mas essa é a única diferença de vocês.
Eu não conseguia ver, mas o tom de Hayato era o suficiente pra que eu conseguisse visualizar ele revirando os olhos — uma mania que ele claramente tinha pegado de mim.
— Eu sei, Shoto. É isso que eu to falando. — Depois de uma pausa, ele continuou: — Será que o bebê vai nascer todo com duas cores igual você?
— Isso a gente só vai saber quando ele ou ela nascer.
— Sho.
— Que foi, pequena?
— A baiga da não tá gandona. Cadê o bebê?
— O bebê ainda é muito pequenininho. Desse tamanho aqui. — Vi ele demonstrar o tamanho indicado no último ultrassom na mãozinha dela, para que Hayato pudesse ver também. — Por isso ainda não dá pra ver.
— Igual meu dedo? — Ela olhou para a própria mão, parecendo chocada e Hayato soltou uma risada baixinha.
— Você também era desse tamanho na barriga da mamãe, Suki. A já fez o exame que tira foto do bebê? Eu quero ver.
— Fez sim, a gente pode olhar depois do café.
— Foto do bebê! — Suki bateu palminhas, animada.
— Não se anima tanto, pequena, parece mais uma manchinha de tinta do que um bebê.
Ela soltou um muxoxo.
— Eu qué vê o bebê.
— Daqui um tempo a vai fazer um outro exame que dá pra ver melhor, e o bebê vai estar maior. Aí a gente vai poder ver como ele é. Até lá, o que importa é que esse bebê é um pouquinho eu e um pouquinho a , então ele com certeza vai amar muito vocês dois.
— Eu amo o bebê!
Hayato concordou, assentindo.
— Posso ajudar a escolher o nome?
Senti as lágrimas finalmente transbordando. Eu jamais poderia imaginar que a reação dos dois seria tão boa e tão tranquila.
— Vocês já começam o dia me fazendo chorar — anunciei, abrindo mais a porta.
Três pares de olhos se voltaram imediatamente para mim. Suki pulou pro chão e veio correndo me pedir colo, mas parou e colocou ambas as mãozinhas na minha barriga.
— Bom dia, bebezinho. — Não contive a risada, erguendo-a e esmagando um beijo na sua bochecha, as lágrimas ainda escorrendo pelo meu rosto. Rindo, ela disse: — Bom dia, mamãe.
— Bom dia, minha princesa. — Entrei no quarto, sentando na cama junto com eles. — Bom dia, príncipes da minha vida.
— Bom dia, amor. — Sho se inclinou pra me dar um selinho e secou minhas bochechas com o polegar.
— Bom dia, .
Baguncei o cabelo dele com a mão livre.
— Então alguém resolveu contar a surpresa sem mim, é?
— Vocês que não sabem guardar segredo, eu sabia que tinha alguma coisa acontecendo. — Hayato rolou os olhos, divertido. Em seguida, franziu o cenho e seu tom ficou sério. — Achei que você tava doente.
— Ta tudo bem, meu amor. Obrigada por se preocupar. E é claro que você pode ajudar a escolher o nome do bebê. Vocês dois podem ajudar. Mas a gente ainda tem bastante tempo pra pensar nisso, tá bom?
Ele assentiu, feliz, e fomos nos preparar para o dia. Tínhamos muito o que comemorar, afinal.
The Family Christmas
— Pronto, último presente comprado. Só espero que dê tempo de embrulhar todos eles.
— A gente pode ir comer agora, ?
Sorri pra Hayato, passando a mão livre pelo seu cabelo.
— Claro que sim, meu amor. O Sho já deve estar esperando a gente com as meninas, e daqui a pouco tá na hora de dar de mamar pra Mizumi. Me ajuda com as sacolas? Ele assentiu, pegando as compras da última loja. Sho e eu tínhamos achado melhor lidar com nossas compras de natal na base do dividir e conquistar: eu levaria Hayato comigo e ele ficaria com Suki e Mizumi, que eram pequenas demais pra aguentar horas rodando lojas em busca dos presentes certos.
— Eu posso mesmo embrulhar as caixas vazias?
Dei risada, vendo Sho em um dos bancos com o carrinho e Suki.
— Eu não sei se fico brava com o Kaminari e o Bakugo por ficarem te ensinando essas coisas erradas ou orgulhosa de você estar devolvendo o veneno dos dois. — Fingi parar pra pensar por um minuto. Hayato na verdade adorava os dois, os antigos colegas de escola de Shoto todos visitando sempre que podiam pra ver as crianças. — Pode sim, eles estão merecendo um sustinho. Se não fosse deixar a casa toda fedendo, eu diria até pra você embrulhar fraldas da Mizumi.
Hayato riu em resposta, mostrando o buraco em seu sorriso do dente que tinha caído há alguns dias.
— Era uma boa ideia.
— Mamãe! — Suki exclamou, correndo e abraçando minhas pernas, me arrancando um sorriso.
— Oi, princesa. Você ajudou o papai a cuidar da sua irmãzinha?
— Sim! Mas a Mizu ta com fome.
— Ah, ela tá, é? — Ri, pegando sua mão e andando até o banco. — Só ela?
Suki me lançou uma expressão sapeca.
— Eu também.
Sho se levantou, me dando um selinho demorado e depois pegando algumas das sacolas que eu carregava.
— Oi, amor. E a minha florzinha, como tá? — Mizumi riu da minha voz afetada de dentro do carrinho, esticando as mãozinhas pra agarrar meus dedos. — Vamos achar algum lugar pra comer?
— O Midoriya disse que abriu um café novo por aqui que as crianças iam gostar.
— Soa perfeito.
Penduramos as sacolas no carrinho de Mizumi, eu peguei Suki no colo e Sho colocou Hayato em seus ombros para procurarmos, e não demoramos a encontrar.
— Oasis Cafe. — Li a placa acima da porta.
— É esse mesmo.
Suki arquejou em meus braços ao ver a janela.
— Ato, olha quantos gatinhos!
— Então é por isso que ele falou pra gente vir aqui. — Ri, entrando em seguida.
O lado de dentro do café parecia quase outro mundo se comparado ao inverno do lado de fora. Havia várias plantas espalhadas pelo local, a maioria suculentas e outras coisas que jamais sobreviveriam no clima frio. Além delas, cristais e apanhadores de sonhos de alguma forma ficavam pendurados sem serem destruídos pelos gatos — e devia haver pelo menos 20 deles. Um cheiro forte de especiarias vinha da cozinha e tomava conta do lugar, criando um clima aconchegante, mas que, combinado com a decoração, me fazia quase sentir que tínhamos sido transportados para o Egito.
— Bem-vindos! — Chamou uma voz feminina e me virei para encontrar uma mulher muito bonita, seus olhos verdes contrastando com a pele escura e os cabelos pretos que desciam em uma longa trança até seu quadril.
Suki se virou em meus braços e ficou boquiaberta ao encarar a mulher.
— Mamãe, é a Rapunzel!
A mulher riu.
— Obrigada, pequenininha, mas não sou uma princesa. Meu nome é Sophie, e o seu?
— Eu sou a Suki. E essa é a minha mamãe , e o meu papai Shoto, e o meu irmãozão Hayato e a minha irmãzinha Mizumi — respondeu, apontando para cada um de nós. — Você tem muitos gatinhos.
— Sim, a gente tem muitos gatos mesmo. Quer brincar com eles?
— Posso, mamãe?
— Não era você que tava com fome? — brinquei, colocando-a no chão em seguida. — Lembra o que eu te ensinei?
— Tem que mexer nos bichinhos com carinho e só se eles deixarem. E gatinhos gostam de brincar de pegar, então não posso pôr o rostinho perto demais — repetiu obediente a frase que eu tinha dito tantas vezes pra garantir que ela não se machucasse nem machucasse nenhum bicho. Suki não podia ver um animal que queria fazer carinho ou brincar.
— Isso mesmo. — Sho colocou Hayato no chão também, e me dirigi aos dois: — Fiquem perto de onde a gente sentar, daqui a pouco vou chamar os dois pra comer, tá bom?
— Tá bom, .
Ouvi Mizumi gargalhando logo em seguida e me virei pra ver Shoto tirando um gato de dentro do carrinho dela.
— Néftis! Sophie, dá pra controlar a sua gata? Vai assustar os clientes. Desculpa — disse uma segunda mulher, também muito bonita. Ela era parecida com Sophie, embora seus olhos fossem escuros e ela fosse mais alta.
— Não tem problema. — Sho respondeu, a gata pulando para o chão.
— O que eu posso fazer se a Néftis adora bebês? — Sophie disse, risonha, então se virou de volta pra mim. — Desculpa mesmo assim. Eu juro que ela é mansa com crianças.
Ri, balançando a cabeça.
— Tudo bem.
— Aqui, vou pegar o cardápio pra vocês. Podem chamar eu ou a Ali quando quiserem pedir.
— Obrigada.
Nos sentamos em uma das muitas mesas e coloquei Mizumi no meu colo. Ela, assim como os irmãos, ficou encantada com os gatos, e a mesma gata de antes — Néftis — ficou o tempo todo grudada nela, não se importando com a falta de jeito e os puxões que Mizumi dava em seu pelo.
25 de dezembro
— Mizumi! — Ri, correndo atrás dela antes que ela derrubasse a árvore. — Filha, a mamãe já falou que não é pra puxar as luzinhas, vai cair tudo em cima de você! Ela só me encarou com seus grandes olhos díspares — um lado turquesa, como o lado esquerdo de Shoto, e o outro igual aos meus — e balbuciou barulhinhos de bebê. Não consegui conter o riso.
— Você consegue me dar mais trabalho que seus irmãos juntos, como pode? Tão pequenininha e tão bagunceira.
— Dá ela aqui, filha, eu fico de olho nela enquanto você se troca. Com essa princesa eu consigo me entender. Né, Mizu? — Minha mãe veio, fazendo voz de bebê ao fim de sua fala e sorrindo. Mizumi riu no meu colo, esticando as mãos gordinhas na direção dela. — Já que você não fala ainda, a vovó não precisa ficar quebrando a cabeça pra entender você.
— Você fala como se não estivesse a semana toda se entendendo com a Suki e o Hayato — respondi, passando ela pros braços da minha mãe.
— Eu sei, eu sei, eles aprenderam muito rápido pra você só estar ensinando português pra eles há, o quê? Um ano e meio? — Assenti. — Mas ainda é difícil. Suspirei, dando um desconto. Realmente, o protuguês das crianças e de Shoto não era lá essas coisas, mas Sho pelo menos conseguia se comunicar com a minha família em inglês ou usar o tradutor online. O que estava sendo muito necessário agora que, como presente de casamento, ele tinha trazido minha família pra passar duas semanas aqui no Japão com a gente.
Tínhamos nos casado há cinco dias, e meus pais, meu irmão, e minhas primas tinham chegado de surpresa (pra mim pelo menos, porque eu era a única que não sabia que eles vinham) dois dias antes do casamento. Meus pais e meu irmão iam ficar até a primeira semana de janeiro, mas minhas primas tinham voltado para o Brasil no dia 22. Eu estava morrendo de saudades deles, a última vez que tinha visto minha família pessoalmente tinha sido quase três anos atrás, quando voltei pra casa depois da morte de , e não tinha conseguido viajar pra lugar nenhum no último ano por causa de Mizumi, e eles também ainda não tinham conhecido Hayato e Suki. Claro, estávamos planejando uma viagem para o Brasil pra que eu pudesse rever todo mundo mesmo e apresentar o Shoto e as crianças, mas iríamos esperar Mizumi estar perto de completar um ano para ir.
— , tá aqui? — Hayato pediu, batendo na porta do quarto quando eu já estava quase pronta.
— Claro, meu amor. O que foi?
— A Suki bagunçou o meu cabelo todo e eu não to conseguindo arrumar. — Sorri pra ele.
Hayato mal parecia o mesmo menino que eu tinha conhecido dois anos antes. Ele já tinha mudado muito ano passado, mas agora estava menos tímido, mais confiante e com menos medo do mundo. Ele estava frequentando a escola, algo de que gostava muito, tinha seus amiguinhos, estava fazendo aulas de desenho e tinha até começado a tentar entender e usar sua Individualidade nos últimos meses, desde que Suki tinha começado a demonstrar poderes parecidos. Eu tinha muito orgulho dele.
— Vem aqui, eu te ajudo.
Menos de dois minutos depois de ele sentar na cama, ouvi Suki também entrando no quarto às gargalhadas.
— Suki!
— Tio Liam perdeu! Eu achei a mamãe primeiro! Ato, esconde isso! — Ela jogou um objeto na nossa direção, que Hayato conseguiu pegar no ar e pude ver que era o relógio do meu irmão.
— Cadê…? Ah, aqui. — Ele entrou no quarto atrás dela, que deu um gritinho e se escondeu atrás de mim. Estreitei os olhos.
— Princesa, por que você tá fugindo do tio Liam?
Ela riu, sapeca, e ele suspirou divertido.
— Ela resolveu brincar de roubar meu relógio e fugir pela casa.
— Você gosta de atazanar seu tio, né, sua minhoquinha? Ele não tá aqui há nem uma semana direito e já é seu alvo favorito.
Suki riu outra vez, mostrando a língua para ele. Terminei de arrumar o cabelo de Hayato e me virei para pegá-la no colo — tarefa cada dia mais difícil, porque ela estava crescendo e ficando pesada demais pra ser carregada com a frequência que ela pedia.
— Vocês ainda vão me deixar maluca — falei, fazendo cócegas na barriga dela.
Liam se aproveitou do momento pra se aproximar e recuperar seu relógio, depois mordiscando de brincadeira o bracinho de Suki, que se contorceu no meu colo, rindo.
— Sapeca. — Ele ainda conseguia se comunicar com os pequenos melhor que meus pais, tendo aprendido um pouco de japonês.
— Tio Liam! Mamãe, a gente já pode pegar os presentes?
— Só quando o Sho chegar, princesa, já disse isso.
— Mas o papai chegou!
— Eu acabei de entrar em casa, pequena.
Me virei para ver Sho parado na porta do quarto ainda com o uniforme. Ele teve que ir trabalhar durante a manhã, mas tinha me garantido que estaria em casa a tempo do almoço.
— Oi, lindo.
— Oi, amor — respondeu. — Oi, pequeno, oi, Liam. — Eles acenaram.
— Deixa seu pai tomar um banho e trocar de roupa, daí a gente pode abrir os presentes, tá bom? O Natsuo-kun ainda nem chegou aqui com a Rei-san, vamos esperar todo mundo.
Suki fez um bico, mas assentiu.
— Posso pedir pro vovô ler um livrinho pra mim e pra Mizu?
— Lembra que ele não fala japonês, princesa, só português.
— O Hayato ajuda ele. Né, Ato?
Ele assentiu sorrindo, então concordei, e ela o puxou pela mão para a sala com Liam indo logo atrás. Sho veio até mim então e me tomou em seus braços.
— Não sei como a gente ia sobreviver às festas sem sua família aqui. Parece que esses três estão com o triplo de energia.
— Amor, eles são crianças e é Natal, é claro que vão ficar deixando a gente maluco. — Ri, abraçando-o de volta. — Como foi o trabalho?
— Essa época costuma ser tranquila.
Ele se inclinou então para pressionar os lábios contra os meus, e me derreti contra ele, mas não me permiti muito tempo, me afastando pouco depois.
— Vai, você precisa tomar um banho logo. Seu irmão deve estar chegando também.
Sho fez um bico, me apertando de leve.
— Queria que tivesse esperado pra tomar banho comigo.
Ri em resposta, lhe dando um selinho rápido.
— Com a família toda na sala?
— Assim tem alguém pra olhar as crianças.
Balancei a cabeça, divertida.
— Os três devem capotar hoje à noite, ainda mais se seus amigos vão passar aqui depois do almoço. Daí a gente vai ter um tempinho só nós dois.
— Não gosto de precisar negociar pra ter tempo com a minha esposa.
Inclinei a cabeça para pressionar meus lábios contra seu pescoço, perto da sua orelha.
— Eu tenho um presente extra pra você de noite, mas só se você se comportar e esperar a hora certa.
Mordi sua pele sem força o suficiente pra deixar marca, apenas o bastante pra Sho soltar uma respiração trêmula, e me afastei, lhe lançando um sorriso falsamente inocente quando ele estreitou os olhos pra mim.
— Isso era pra ser um incentivo pra te soltar?
— Isso é um incentivo pra você se comportar até o fim da comemoração de Natal. Prometo que vai valer a espera. Agora vai logo tomar seu banho.
Shoto suspirou, me puxando pra um último beijo antes de me soltar e obedecer.
Fizemos um Natal com tudo o que tinha direito, o que foi um pouco engraçado. No Japão, o feriado mais importante de se comemorar com a família era a virada do ano, ao contrário do Brasil, então eles não tinham muitas tradições — coisa que minha família tinha de sobra, e meus pais quiseram fazer absolutamente todas, aproveitando a primeira chance que estavam tendo de ver os netos. Meu pai até se vestiu de Papai Noel, arrancando várias gargalhadas de Suki, que não foi enganada nem por um segundo, mas adorou a brincadeira.
A tarde correu surpreendentemente rápido e eu não poderia pedir por um Natal mais perfeito. Mesmo com a barreira linguística, todos se deram muito bem, e ver tantas pessoas importantes pra mim no mesmo lugar, na minha casa, onde Shoto e eu construímos a nossa família, me fez ter que segurar as lágrimas de emoção várias vezes. Ao longo da tarde, todos os nossos amigos passaram pra desejar feliz Natal e trazer presentes pras crianças, até mesmo e tinham conseguido 5 minutinhos pra vir.
Meus pais e Liam foram os últimos a ir embora e só voltaram para o hotel depois de nos ajudarem a colocar as crianças na cama, mesmo que os pequenos tivessem apagado, como eu previ.
Assim que fechei a porta, senti Sho me abraçar por trás, enterrando o rosto no meu pescoço.
— Você ainda me deve um presente — sussurrou contra minha pele, distribuindo beijos pelo meu ombro.
Ri baixinho e enterrei uma mão no seu cabelo.
— Lá no quarto, seu apressado. Senta na cama e me espera que falta pegar uma coisa.
Shoto’s POV
Uma música começou a tocar, uma batida lenta que eu não conhecia, e entrou no quarto e fechou a porta. Ela não estava mais com a calça e a blusa que estava usando antes, agora vestia uma saia curta e justa, uma camisa branca e meias pretas presas mais ou menos no meio das suas coxas com uma cinta-liga da mesma cor.
— Não, não — disse quando comecei a me levantar. — Pode ficar sentadinho aí.
Arqueei uma sobrancelha, mas obedeci.
começou a rebolar no ritmo da música, seus olhos focados em mim. Assisti hipnotizado o movimento dos seus quadris, e depois suas mãos passeando pelo seu corpo. Então a batida mudou e ela levou ambas as mãos para o primeiro botão da camisa, lentamente abrindo a peça sem parar de dançar e revelando o sutiã de renda preta que havia por baixo. Agarrei um punhado do edredom, me contendo pra não ir lá agarrá-la, não queria interromper o show.
jogou a camisa para um canto quando terminou de tirar, virando então de costas pra mim e baixando a saia devagar, centímetro por centímetro. Respirei fundo ao vê-la só de lingerie e dançando pra mim.
— Você é maravilhosa. — Soltei e pude ver seu sorriso quando ela olhou pra mim por cima do ombro, o batom vermelho tornando seus lábios extremamente tentadores.
A música continuou e voltou a se tocar, apertando a própria bunda, depois virando de frente pra mim, a cabeça jogada pra trás e os olhos fechados. Ela acariciou as próprias coxas, depois subiu as mãos pela barriga para massagear os seios, soltando um gemido fraco. Aquilo foi o limite pra minha sanidade e, antes que eu percebesse, já estava tomando em meus braços. Ela riu de leve, me abraçando de volta e abrindo os olhos.
— Eu ainda não acabei.
— Não me importo — respondi, pressionando meus lábios contra os dela em um beijo faminto.
se derreteu imediatamente, correspondendo com a mesma intensidade e moldando seu corpo ao meu. Desci ambas as mãos para sua bunda, apertando, e a ergui. Ela prendeu as pernas em volta do meu quadril e se segurou com mais força, e andei de volta para a cama, pousando-a no colchão e me deitando sobre ela. Subi uma das mãos para os seus seios, repetindo o que ela tinha feito, e gemeu, rompendo o beijo.
— Você gosta tanto assim de me deixar maluco?
Ela riu fraco e nos girou, ficando por cima.
— Você não tem ideia. E eu não acabei.
Ela se sentou e me puxou pela gola para que eu fizesse o mesmo. Então, sem um segundo de hesitação, voltou a dançar ainda sentada no meu colo. Como se eu já não estivesse duro o suficiente. Subi as mãos pelas suas coxas, mas balançou a cabeça, pegando minhas mãos e colocando-as de volta na cama.
— Não, não, amor — ronronou com os lábios contra minha orelha. — Não sabe que não pode tocar durante um striptease ou um lap dance?
— Então meu presente de Natal é uma tortura. — Ela riu, mas eu obedeci e mantive as mãos onde ela tinha deixado, precisando usar todo o meu autocontrole quando senti seus dentes no meu pescoço.
— Algo me diz que você tá gostando da tortura, lindo — respondeu, ondulando os quadris contra minha ereção, me arrancando um gemido.
se afastou outra vez, o suficiente pra que eu pudesse observar seu rosto enquanto ela continuava a dançar, o sorriso safado me provocando a beijá-la. Ela terminou a música, ficou em pé e tirou minha camiseta, depois me deu um selinho rápido e se ajoelhou.
Suspirei em antecipação quando ela se posicionou entre as minhas pernas e baixou minha calça, envolvendo a base do meu pau com a mão.
— Porra, — gemi quando ela me tomou em seus lábios.
Em resposta, ela desceu a cabeça o máximo que conseguia e subiu de novo, ficando só com a ponta do meu pau na boca e sugando. Enterrei as mãos no seu cabelo, esquecendo completamente o que ela disse sobre não tocar, e a guiei na velocidade que eu queria, fodendo sua boca deliciosa. Quando senti meu orgasmo começar a se aproximar, porém, a afastei.
— Vem aqui — chamei, puxando seu cabelo de leve, e voltou a sentar no meu colo e me deu um beijo rápido, nós dois sem fôlego o bastante pra mais que isso.
Deslizei uma das mãos contra sua calcinha, encontrando o tecido molhado, e não contive o sorriso, provocando-a com o mínimo de pressão.
— Parece que você aproveitou o meu presente tanto quanto eu, amor.
— Por favor, Sho… — implorou, ondulando o quadril.
Nos deitei de volta e girei para ficar por cima, mas agarrei sua cintura para girá-la, ficando deitada de barriga pra baixo. entendeu o que eu queria, se ajeitando de quatro e esfregando a bunda contra mim. Grunhi, tendo que apertar a base do meu pau pra não gozar naquele segundo. Me estiquei pra puxar a caixa que ficava embaixo da cama, colocando a senha da fechadura e pegando de dentro uma camisinha e um vibrador. Vesti a camisinha, voltei a me posicionar atrás dela, e baixei o corpo para distribuir beijos pelas suas costas, sentindo-a estremecer contra mim.
— Sho! — jogou a cabeça pra trás quando pressionei o vibrador contra ela, e eu sorri, repetindo o movimento.
Puxei sua calcinha para o lado e a penetrei devagar, deslizando até estar completamente dentro dela. Então sai quase completamente e voltei em uma estocada forte, logo estabelecendo um ritmo.
— Tão gostosa, tão linda — falei.
Senti os músculos dela se contraírem em volta de mim com os elogios e apertei sua cintura com mais força, acelerando meus movimentos. gemia alto, o vibrador ajudando a trazê-la para o mesmo nível que ela tinha me deixado e intensificando seu prazer.
Soltei sua cintura e puxei seu cabelo, tomando seus lábios em um beijo sem fôlego. Ela passou a jogar os quadris pra trás, encontrando minhas estocadas no meio do caminho, nosso ritmo de perdendo conforme nos aproximávamos do ápice.
Não demorou pra que eu gozasse, e, após alguns segundos, me concentrei em fazer gozar também, aumentando a intensidade de vibrador e passando a distribuir chupões e mordidas no seu pescoço. Seu corpo todo estremeceu quando o orgasmo a atingiu, um gemido alto e longo escapando de seus lábios.
Quando recuperei o fôlego o suficiente, sai de dentro dela, joguei a camisinha fora e lavei o vibrador, deixando secar em cima da pia. Voltei pra cama e se aconchegou nos meus braços.
— Sho?
— Hm?
— Eu te amo.
Sorri, pousando um beijo nos seus cabelos.
— Eu também te amo.
Fim!!!
Eu sei que, como leitores, terminar uma história é sempre emocionante e a gente não quer se despedir dos personagens, mas pra mim, como autora, eu acho que não ia querer me separar dessa família linda nem que eles deixassem. Esse final é muito emocionante pra mim porque é a primeira história longa que eu de fato consigo terminar na minha vida. Eu sempre começava os projetos e acabava largando no meio, mas FIBM, apesar de todos os surtos e de todas as coisas que aconteceram na minha vida fora da fanficagem (e não foram poucas), aconteceu. Eu consegui ir até o fim, e mais ainda, consegui fazer isso em um ano, seguindo um cronograma maluco que eu inventei de última hora durante um surto em novembro de 2021.
E falando em surto, eu não podia deixar de agradecer todo mundo que fez esse aqui acontecer: a Li, minha amiga que o ffobs colocou na minha vida e que scriptou essa fic, muitas vezes surtando comigo com os capítulos, me ajudando a resolver os bloqueios, aceitando prazos malucos pra eu conseguir enviar a fic pras atts temáticas que eu queria e que até virou participação especial, sendo a voz da razão que a pp precisava. Sem ela, essa fic provavelmente não teria saído do papel. Meu irmão Liam, outro que aguentou meus surtos e me ajudou em vários momentos, inclusive pra criar as artes da pp e das crianças que foram parar na capa. As meninas do Autores Desesperades, que me ajudaram a desbloquear várias cenas e resolver o que fazer em momentos de indecisão e me deram muito apoio quando eu percebi que tinha dois meses pra escrever quatro capítulos se quisesse entrar na att temática 6/9 (e deu certo). Minhas primas, por serem meu medidor de drama lá nos capítulos 4 e 5. E, é claro, aos personagens por colaborarem comigo e me deixarem contar essa história tão gostosa pra vocês.
E também pra quem acompanhou, pra quem comentou, pra quem foi leitor fantasma, pra quem tá lendo depois do final, obrigada por virem comigo nessa jornada.
FIBM sempre vai ter um lugar especial no meu coração. Espero que tenham gostado tanto quanto eu.
Vejo vocês em breve em outros projetos.
Bjs
Cami
Nota da scripter: SENTA QUE LÁ VEM O TEXTÃO...
1 ANO DE FIBM!!!!
Primeiramente eu gostaria de agradecer a Cami por me escolher para scriptar esta MARAVILHA de história e já digo aqui que os spin-offs são meus e ninguém tasca! hahahah <3 Segundo, queria dizer que estou muito orgulhosa de ter acompanhado desde o início a história da pp e do menino Shoto que, saiu de um cara caladão para um bem falante (e safado, eu amo). Eu nunca vi BNH, mesmo assim consegui me apaixonar pelo jeito que a Cami descreveu o universo desses heróis (tá na minha lista de animes pra assistir haha).
Os personagens tomaram conta da minha mente de um jeito muito doido, parecia até que eles eram meus personagens kkkkk Hayato, melhor criança dessa história, um fofo, meio caladão, mas super gentil e ele cresceu tão rápido nesse tempo que ficou com a pp e o Shoto que nossaaaaa nem vi o tempo passar. Suki uma florzinha como sempre, muito sapequinha também depois de grande hahaha tudo pra mim ela sacaneando o irmão da pp hahaha. A pp durona e teimosa me lembra muito uma pessoa, não sei quem mds... (eu mesma) só sei que me identifiquei muito com ela haha E que bom que ela parou de resistir ao amor pelo Shoto, pq ne! ATÉ O SHOTO ADMITIU ESTAR APAIXONADO E ELA NADA! E, por fim, o Shoto foi a grande surpresa feliz dessa história, como falei acima, ele saiu de um cara caladão que não sabia identificar sentimentos para um cara super família, fofo, falante e muito safadinho (o Kohshi adoraria conhecer ele kkkry).
Enfim, amiga, eu queria dizer também que eu amei DEMAIS scriptar FIBM e me apaixonei, junto com você, pelo enredo, por tudo! De verdade, estou orgulhosa de tu <333 te amo.
P.S.: O crossover do Café!!!!! amei
Outras Fanfics:
Still Waters
Still Waters: Brasil
03. Party Girl
01. Jump Then Fall