Finalizada em: 17/02/2021

Capítulo Único

Me encontrava mais uma vez encarando o meu reflexo no espelho de frente pra minha cama. Parece que depois de um tempo aquilo tinha virado rotina. Logo eu que amava fazer tudo rápido pela manhã e só depois encarar reflexos, o reflexo dela quando se postava em frente ao espelho pra se admirar antes de ir tomar café e ir pra o trabalho. Eu adorava ver como tudo começava depois de ela vestir a roupa; ficar a uns quarenta centímetros do espelho, virar em todos os ângulos, checar como ficava a bunda na roupa escolhida, colocar e tirar os cabelos da frente de trás da orelha duas vezes, fazer uma careta, amarrar o cabelo num coque alto, depois soltar e aí sim abrir um sorriso maravilhoso.
Eu costumava ver isso da porta do quarto. Quando ela acabava esse pequeno ritual, virava pra mim com um sorriso ainda mais lindo e depois se jogava nos meus braços pra um beijo caloroso. Como em todas as manhãs. Por isso eu me lembrava exatamente quando tudo tinha ido por água abaixo.


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Já era a terceira vez na mesma semana que eu chegava tarde em casa, numa sucessão de meses chegando tarde em dias específicos. Eu gostaria de dizer que, na maioria das vezes, eu apenas estava trabalhando até tarde, mas a verdade era que tinha feito amizade com um colega novo e 70% das vezes, eu só saia pra beber com ele. Hoje tinha sido um desses dias e eu sabia que estava com cheiro de álcool, e eu sabia que isso geraria mais uma discussão.
Foi no exato momento que eu girei nos meus calcanhares depois de trancar a porta de entrada, que eu sabia que estava muito ferrado. estava sentada no sofá com um copo de suco na mão, olhando a paisagem do nosso jardim do lado de fora. Mais um sábado estava se iniciando do lado de fora e eu só queria dormir.

- Eu não vou discutir com você. Estou cansado, trabalhei até tarde e só quero dormir.

Ouvi ela dar uma risadinha, mas, mesmo de perfil, eu podia ver que era de puro ódio.

- Eu só te esperei por que eu quero um mínimo de consciência limpa, porque eu sei que jogar tudo pro alto sem uma explicação, só vai fazer você rastejar atrás de mim depois – então eu ri, ri porque era hilário pensar que eu ia rastejar. – Eu tentei, , eu...
- Você acha que eu vou rastejar atrás de você dentro de casa pra pedir desculpas por ter saído pra me divertir uma vez na minha vida?

Então ela me olhou e eu pude ver tristeza, desapontamento e raiva. Os olhos vermelhos indicavam, talvez, que ela tinha chorado, mas eu não me importava só queria que ela acabasse com esse papo.

- Jamais vou impedir você de se divertir – ela tomou o último gole do suco e se levantou. – Tanto vou parar de impedir que estou de saída da casa. Meu advogado te liga na segunda-feira. Queria ser eu mesma a avisar, só por que eu queria ver a sua cara lisa.

Então eu comecei a rir. De verdade, com toda a vontade do mundo.

- Só pode ser uma piada – murmurei e joguei minha pasta de trabalho em cima da mesinha de centro na frente dela. – Sei que tá cedo e que você não costuma acordar essa hora, mas, vai à merda com esse papo, . Eu vou dormir e quando eu acordar você ainda vai estar aí. Como sempre.

Vi ela abrir um sorriso e entortar a cabeça de lado. É, eu senti medo naquela hora, mas pouco me importava. Deixei ela sozinha e fui dormir. Birra de mulher louca essa hora da manhã não era o ideal.


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E agora eu estava ali, fantasiando a cena do espelho como se aquilo fosse materializar ela na minha frente mais uma vez. Pobre coitado. Aquela era a mulher mais forte que eu conhecia, se ela dizia que não, era não. E, depois que ela saiu, nunca mais voltou, nunca mais pisou os pés naquela casa outra vez. Tanto era verdade que quem retirou as coisas dela da casa foi a melhor amiga dela.

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- Você é o cara mais burro do planeta, .

Ammy riu de mim assim que passou pela porta da casa que eu tinha acabado de abrir. Murmurei um “bom dia pra você também, Ammy”.

- O quanto ela tá brava?

Perguntei me encolhendo na cama, assistindo a menina dobrar as roupas dela dentro de caixas de papelão.

- Ela não tá brava. Tudo que ela disse sobre isso foi “acabou” - ela sorriu de novo e um gemido sofrido saiu da minha garganta. É era o fim da minha vida. E era exatamente por isso que eu amava aquela mulher, porque ela era decidida, sabia o que queria e não voltava atrás. Nunca. – Ela tem defeitos, . Muitos. Mas você sabe que perdeu a mulher da sua vida não sabe?
- Sei – murmurei simplesmente e me joguei de volta na cama.


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Me lembro da agonia que eu senti naquele domingo. De como eu tinha certeza que tinha acabado de como eu sabia que, na noite anterior ao termino, ela tinha sofrido mais que tudo na vida pra decidir. Mas que quando ela decidia, ela deixava o passado no passado. Era isso que eu era: Passado.

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Na segunda de manhã, de dentro do meu escritório, recebi uma ligação do advogado dela, o processo de divórcio já estava encaminhado e indo de vento em popa. O fato de eu estar escondido ali pra evitar ver ela pelos corredores, já que trabalhávamos “juntos”, me fazia ficar ainda mais deprimido do que já estava. Ela me deu a chance de conversar no sábado de manhã, talvez naquele dia eu tivesse feito ou dito alguma coisa que a fizesse ficar, mas eu resolvi mandar ela à merda. Que tipo de imbecil manda a esposa ir à merda?
Na hora do almoço, eu já estava apertado o suficiente pra me fazer sair dali, então eu fui, torcendo pra que ela estivesse em sua sala, ou no refeitório. Pra minha infelicidade, ela estava saindo do banheiro feminino na hora em que estava entrando. Porta com porta, eu não tive muita chance de evitar.

- Eu...

Murmurei em vão ao que ela sorriu perfeitamente, como se nada tivesse acontecido.

- .

E se foi, com um simples cumprimento. Ia ser dessa forma mesmo.


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Continuei encarando minha cara de fracassado no espelho até que o celular tocou o último alarme que eu programava pra não me atrasar. Por mais que eu quisesse ter filhos, no momento agradecia por não termos tido, imagina brincar com a vida de uma criança dessa maneira.
O que eu tinha que entender era que tinha arruinado um casamento de três anos
O que eu tinha que entender era que estávamos separados, longe demais um do outro mesmo trabalhando no mesmo lugar.
O que eu tinha que entender era que eu tinha que voltar pra realidade onde eu agora vivia.




Fim.



Nota da autora: Sem nota.





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