Finalizada em: 15/05/2020

Capítulo Único

sempre temeu o senhor Futuro. Escolhas e consequências, guiando-o pelo trajeto da vida feito um jogo de tabuleiro, estando à mercê do dado do desconhecido. O seu irmão mais velho, Michael, gostava de afirmar que esse sentimento era causado pela necessidade de ter tudo sob controle - o que não deixava de concordar.
Entretanto, pela primeira vez na vida, a próxima casa do tabuleiro o surpreendeu.
Ele só não esperava ser tão mais complicado.

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- Meu querido! - Exclamou a mãe, Duquesa viúva de Brandford, com os olhos esbanjando emoção enquanto envolvia o filho nos braços.
Pensou que deveria ter permanecido mais tempo longe, assim seria recebido daquela forma mais vezes, pois sabia que a mãe não era inclinada a demonstrações de afeto - ainda mais em público.
- Ai! Ai! - Reclamou ao sentir o beliscão no braço.
- Espero que esteja com a consciência extremamente pesada por ter ficado tanto tempo longe da sua velha mãe. - Soltou-o e se afastou. A pose aristocrática enquanto abanava o leque de penas pretas que combinava com o seu vestido.
Não conseguiu evitar a tristeza ao confirmar o que o irmão mais velho havia alertado em suas cartas. A mulher realmente insistia em permanecer com as vestimentas de luto pela morte do marido. O que era uma pena, pois ficava muito mais bonita e radiante com roupas em tons de cor. Ele e seus irmãos foram testemunhas do amor que seus pais tinham um pelo outro e, isso justificava a escolha da mulher.
- Velha? A senhora parece ainda mais jovem do que a última vez. - Elogiou-a e beijou uma de suas bochechas.
A mulher riu por trás do leque, os olhos transbordando divertimento.
- Quanta saudade senti do seu senso de humor… - Os olhos tornaram-se úmidos enquanto acariciava a bochecha direita do rapaz. - Cada vez mais parecido com seu pai. - A dor foi perceptível em seu tom de voz.
Constatar o quanto compartilhavam da mesma dor fez com que abrisse a boca.
- Ou seja, feio feito um ogro.
A mulher riu e voltou a abanar o leque.
Londres estava muito abafada naquele verão e o ar enfumaçado pela queima de carvão, tornava tudo pior. A estação de trem estava lotada, o fluxo de pessoas entrando e saindo era enorme. Queria tirar aquela roupa suada e empoeirada pela longa viagem, fazer uma boa refeição e dormir por longas horas.
- Temos que partir ou perderemos o chá. - Agarrou o braço do filho e seguiram até a carruagem, onde a bagagem já estava empilhada. O cocheiro e valete os aguardavam, prontos para partir.
- Onde estão Michael e Anthony? - Perguntou enquanto se acomodava no banco de couro. Soltou um bocejo cansado enquanto sentia o solavanco da carruagem entrando em movimento. - Pensei que viriam me buscar.
- Preferia a companhia deles ao invés da sua amada mãe? - Fingiu indignação enquanto continuava abanando-se, ora sua atenção na janela, ora no filho.
- Não… - tentou ser o mais sincero possível. - Não esperava que fizesse questão de vir, depois do que eu fiz. - Confessou o que lhe preocupava profundamente. Desviou o olhar para a janela e observou a paisagem da cidade. - Durante todos esses anos, temi que pudesse guardar mágoas pela minha partida.
Evitou encará-la.
Sentiu uma mão afagar o seu joelho.
- Claro que não, meu filho. - Ouviu-a indignada.
Olhou-a enquanto prendia a respiração tentando evitar as lágrimas.
- Jamais odiaria um filho meu! Todos nós sofremos com a perda do seu pai e sei o quanto foi difícil para você, além das coisas que aconteceram. - Sorriu com compaixão.
- Eu sei que é a ordem natural da vida, mas não estava preparado e nem nunca estarei. - Confessou e soltou um suspiro, pegou a mão dela e beijou carinhosamente.
- Nunca estaremos preparados para a morte. - Ela afastou a mão delicadamente e abriu um sorriso triste.
- Infelizmente, não.
- Vamos esquecer esse assunto triste e mudar para outro. - Ela soltou um suspiro cansado. - Você está bem?
- Estou. - Mentiu.
- A cópia fiel do pai. - Ela riu. - Acredita que não sei reconhecer quando está mentindo? - Perguntou ofendida.
- Não, mas dizem que quando mentimos repetidas vezes para si mesmo e para outros, se torna verdade. - Abriu um sorriso divertido.
Ela soltou um suspiro cansado e apertou as têmporas num gesto que conhecia bem. Sempre o fazia para fugir de momentos em que não sabia o que responder.
E amou-a ainda mais, quando percebeu que o assunto tinha morrido ali mesmo, assim como o seu coração.


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He hecho lo imposible por hacerme fuerte
Eu fiz o impossível para me tornar forte
Y, aunque sea el mismo camino, solo
E, embora o caminho seja o mesmo, apenas


Retornar para a residência de sua família tornou-se mais difícil do que pensava. Memórias estavam espalhadas por cada cômodo daquela mansão de pedra e machucava muito. Duas perdas que doíam nas profundezas de sua alma, mesmo tendo optado por tornar-se forte e falhado miseravelmente.
Olhou o saguão de entrada e seus olhos tornaram-se úmidos.
- Meu querido! - A voz materna despertou-o de suas memórias. Apoiou a mão em seu ombro e abriu um sorriso triste, mas o olhar permanecia compreensivo. - Anthony aconselhou que não o fizesse voltar sem estar pronto, mas era um mal necessário.
- Então, jamais retornaria.
Viu a expressão de compreensão.
- Tio ! - Ouviu um grito feminino animado e quando virou-se, teve apenas tempo para abrir os braços e agarrá-la antes que caíssem.
A risada contagiante, logo se tornou um choro e sem reação, afagou as costas da jovem como costumava fazer desde que havia segurado-a em seus braços pela primeira vez.
- Não precisa chorar, minha princesa. - Continuou o gesto numa tentativa de parar as lágrimas ou também, choraria. - O titio voltou.
O rosto de Isabelle estava escondido em seu peito e, minutos depois, sentiu-a respirar fundo e se livrar do abraço. Puxou um lenço e estendeu para a jovem secar as próprias lágrimas. Pegou de uma forma graciosa e secou.
- Parece um sonho. - Disse emocionada enquanto com uma das mãos livres, pegava a do homem e abria um sorriso triste.
- Não é um sonho, princesa. - Garantiu.
- Isabelle estava muito ansiosa para o seu retorno, exigiu que o tio estivesse presente no seu primeiro baile. - A avó abriu um sorriso alegre enquanto afastava alguns fios de cabelos dourados do belo rosto da menina.
- Está crescida! Parece que não a vejo faz anos! - Brincou enquanto sorria o máximo possível para afastar as lágrimas que queriam brotar em seus olhos.
- Faz anos, tio! Três anos, seis meses e cinco dias. - Respondeu com uma expressão debochada.
- Vejo que realmente sentiu saudades do seu velho tio. - Riu e abraçou-a fortemente, depositando um beijo no topo de sua cabeça.
A menina riu.
Após a morte do pai, o único sentimento que permitia-se sentir era que precisava estar longe de todas as memórias dolorosas. Ainda recordava-se perfeitamente do dia em que partiu. Isabelle chorava e implorava para que não fosse embora, assim como seu avô havia feito no dia anterior. Foi doloroso partir e deixar a sobrinha para trás, mas não conseguia lidar com tudo que sentia naquele momento.
A trágica morte do pai num acidente de carruagem.
Partiu na tentativa de superar o sofrimento, ser forte diante daquela grande perda, mas foi em vão. Descobriu que ser forte não era tão fácil assim.

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- O que está tão engraçado, Isabelle? - Perguntou confuso com a risada repentina da sobrinha.
Estavam na parte de trás da mansão, ocupavam um banco de pedra no jardim e que para felicidade de ambos, uma árvore proporcionava uma sombra que os ajudava a fugir do calor.
- Estava lembrando do dia em que o senhor e a tia tentaram resgatar um gato desta árvore. - Ela fechou os olhos e riu ainda mais alto. Tentou abafar a risada com as mãos enquanto sugava o ar tentando se acalmar.
sentiu a maldita fisgada no peito ao ouvir aquele nome proibido. Desde que chegou de viagem, todos tiveram o cuidado de evitar tocar naquele assunto - menos a sobrinha, é claro.
Não conseguiu evitar relembrar as lembranças daquele dia, muitos anos atrás.


O dia estava milagrosamente bonito e, por isso, retornou mais cedo do clube para convidar sua sobrinha para um piquenique. Sabia que a menina iria querer levar o serviço de chá completo e todas as bonecas, mas o rosto infantil lhe traria a felicidade que caminhava para longe de si, ultimamente.
Depois de procurar por toda a casa, finalmente a encontrou no jardim e se não fosse a situação em que estava, ele teria dado a volta sem revelar sua presença - que ainda não havia sido notada.
Isabelle e estavam no gramado. O piquenique - a ideia que havia tido - estava armado, pôde ver perfeitamente o jogo de chá e as bonecas. Comicamente triste, ver que ele e a mulher continuavam em sintonia. Compartilhavam das mesmas ideias e sentimentos pela menina.
- Melado! - A sobrinha chamava-o com sua voz infantil, os braços levantados em direção a árvore. O gato continuou deitado no galho, a língua lambendo calmamente o seu pelo preto.
- Tive uma ideia! - falou animada enquanto ia até uma cesta e pegava um pãozinho. - Vamos atraí-lo com comida! - Ela chacoalhava a mão na direção do galho e o felino continuava a ignorá-las. - Aqui, Melado!
Segurou a risada enquanto se apoiava na pilastra da varanda e cruzava os braços, a expressão divertida enquanto observava a situação.
- Tia, ele não gosta de pão.
- Como assim? - Perguntou num tom ofendido. - Os pães da senhora Hatwins são deliciosos. - Comeu um pedaço para afirmar o que pensava.
- Ele gosta de peixe e leite.
A mulher bufou indignada enquanto comia o restante do pão.
- Sinto muito, Isa. Teremos que esperar o folgado descer. - Deu de ombros enquanto segurava as saias do seu longo vestido azul bebê que deixava-a ainda mais perfeita. - Oh, não! Calma, Calma! Ele vai descer! - Começou a tranquilizar a menina que chorava abertamente - o que o homem sabia perfeitamente ser um drama para que fizessem sua vontade.
E achou o desespero da mais velha em acalmá-la tão divertido que acabou rindo e chamando a atenção para si. Tentou escapar, mas foi impedido pela expressão de expectativa das mulheres.
- Vejo que o folgado do Melado está aprontando. - Falou enquanto caminhava calmamente com as mãos descansando nos bolsos da calça. Sentiu o seu coração bater mais forte ao estar tão próximo da mulher, esquecendo-se completamente da presença da sobrinha. Abriu o sorriso debochado que sempre deixava-a irritada, algo comum desde que brincavam juntos na infância.
- Está tudo sob controle e… - Disse com o nariz empinado enquanto forçava uma expressão de confiança, uma tentativa de não dar o braço a torcer.
- Entendo. - Continuou exibindo o sorriso. - Então, deixarei que aproveitem o piquenique. - Tocou na aba do chapéu num gesto de despedida e quando estava prestes a dar as costas, partir para longe, sentiu um peso agarrar uma de suas pernas.
- Tio, por favor, tira o Melado de lá. - A voz infantil e as feições de boneca imploraram com a mesma tática do choro.
Afagou os cabelos dourados da sobrinha numa tentativa de acalmá-la e riu.
- Acalme-se, minha princesa. - Falou docemente. - O titio veio para resgatá-la.
Quando levantou o olhar, percebeu que a mulher observava-os com uma expressão que o deixou desconcertado.
- Como você pôde ouvir enquanto nos espiava… - Ela falou mudando a expressão para debochada e que só a deixava ainda mais bela. - Ele só come peixe e leite.
gargalhou alto.
- Contei alguma piada, milorde? - Perguntou, os olhos tornando-se pequeninos enquanto o encarava irritada. Cruzou os braços na frente do corpo.
- A senhorita realmente acreditou nisso? - Riu ainda mais, quando percebeu a expressão tornar-se confusa. - Gatos só comem peixe e leite nas histórias que conto todas as noites, antes dela dormir.
A boca da mulher abriu e fechou desconcertada.
- Do que ainda está rindo? - A expressão impaciente.
- Pela primeira vez na vida, não rebateu o que eu disse.
Ela revirou os olhos e deu um chute certeiro na canela do homem, fazendo com que gemesse de dor e se abaixasse para tocá-la, confirmando que não perdeu a perna.
A sobrinha riu da situação e quando recebeu um olhar de repreensão do tio, fez a expressão mais angelical possível.
- As senhoritas adoram se enfiar em confusão. - Dramatizou enquanto se aproximava da árvore e esticava o braço para alcançar o gato.
- O senhor é um verdadeiro cínico, milorde. Lembro-me perfeitamente de nossa infância e posso acusar com toda certeza, quem era o responsável pelas confusões que me envolvia. - Disse atrás de si num tom irônico.
Desistiu do gato e abaixou os braços, soltando um resmungo. Teria que pegar uma escada para alcançá-lo.
Melado começou a miar, parecendo querer chamar a atenção. Ignorou-o e virou-se para a mais velha.
- Estranho! Eu poderia com toda certeza, apontar a senhorita como culpada nessas situações. - Abriu o sorriso irritantemente divertido.
A expressão tornou-se determinada enquanto cruzava os braços. A marca que surgia em sua testa, quando olhava-o daquela forma fazia com que a vontade de enchê-la de beijos aumentasse.
- Por gentileza, milorde. - Disse num tom doce. - Cite-os, um por um e me prove seu argumento.
- Titio, Melado quer descer. - A sobrinha fez uma expressão triste enquanto apontava para o seu animal de estimação.
Ignorou-a, pois o seu foco naquele instante estava na bela mulher a sua frente.
- A vez em que a babá acordou com os cabelos colados no travesseiro. - Ele listou fazendo gestos com as mãos, mantendo o sorriso irritante no rosto.
Ela revirou os olhos, mas surgiu uma expressão de divertimento.
- Quando permitimos que o cavalo preferido do Anthony fugisse, porque a senhorita colocou nessa sua cabecinha infantil que carregar tanto peso, machucava-o. - Debochou.
- E me recordo com clareza do desespero do seu irmão. - Ambos riram.
- Teve também as diversas vezes em que Michael ou Anthony sentaram em geleias de amora. - Listou.
- Ei! Essa ideia foi sua! - Defendeu-se indignada.
- Tudo bem. - Estendeu as mãos num gesto de rendição. - Admito que essa ideia foi minha.
Ela abriu um sorriso vitorioso.
- Então, admite que não foram todas as confusões por minha culpa?
Ele revirou os olhos.
- Sério que quer ouvir essas palavras da minha boca?
- Da sua boca. - Insistiu.
Soltou um suspiro derrotado e deu de ombros.
- Eu também tive culpa.
- Doeu, milorde? - Perguntou com uma expressão séria.
- O quê?
- Ser sincero ao menos uma vez na vida. - Tentou pensar no significado por trás daquelas palavras, mas desistiu.
- Um pouquinho. - Sorriu divertido.



- A queda da escada foi assustadora. - A sobrinha lembrou divertida, fazendo com que ele abandonasse as lembranças daquele dia.
- Culpa sua e desse gato folgado. - Acusou-o enquanto afagava o gato preto que descansava no colo da jovem. - Bons tempos. - Suspirou enquanto fechava os olhos e tentava aproveitar a brisa fresca.
- O senhor pensou em procurá-la?
A pergunta repentina fez com que seu coração acelerasse, esforçou-se para manter os olhos fechados e não demonstrar como realmente se sentia.
Fingiu que não havia escutado, mas a jovem insistiu.
- Não me ignore, tio. Possuo idade o suficiente para saber quem é o amor da sua vida.
Abriu os olhos e riu, achando graça do comentário.
Observou a expressão determinada da sobrinha.
- Você ainda é uma criança, Isabelle.
Ela revirou os olhos.
- Parece que não o suficiente para debutar e encontrar um marido. - Resmungou enquanto olhava para o gato que descansava em seu colo.
- Você sabe que não sou a favor das meninas debutarem com tão pouca idade, mas a nossa sociedade pensa o oposto. - Fez uma expressão de confidência. - Não conte para sua avó que disse isso ou vai me acusar de estar colocando minhocas em sua cabeça jovem.
Ambos riram.
- Os homens e as mulheres pertencem à mesma espécie, mas a sociedade os tratam de formas tão diferente. - Repetiram ao mesmo tempo, um pensamento tão familiar e que ouviram diversas vezes ao longo dos anos.
Soltaram suspiros tristes.
- Ela ficou viúva um ano depois do casamento.
Encarou-a em confusão.
- Eu não sabia…
- Claro que não, tio. - Revirou os olhos e voltou a prestar a atenção na carícia que fazia calmamente nos pêlos do gato. - A vovó e o papai me proibiram de lhe contar qualquer notícia sobre a tia . Antes do seu retorno, disseram que a proibição continuava e se o fizesse, o senhor partiria novamente. - Confessou, voltando a encará-lo. Os olhos estavam repletos de lágrimas.
- Eu não vou partir novamente, querida. - Garantiu enquanto secava uma das lágrimas que molharam o rosto da sobrinha.


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encarou o reflexo no espelho e soltou um suspiro desanimado. Desde que havia despertado pela manhã, sentia um peso em seu coração, um pressentimento ruim. Não era dada a esse tipo de sentimento, mas as poucas vezes em que esse alarme soou em seu interior, estava perfeitamente correto.
Apoiou os cotovelos na penteadeira arrumada e cobriu o rosto com as mãos. Não queria antecipar as lágrimas diante daquela angústia. Inconscientemente, moveu uma de suas mãos em direção ao peito e massageou-o, numa tentativa de apaziguar o que sentia.
- Sim? - Virou-se em direção a porta do quarto ao ouvir uma leve batida.
- O chá será servido, milady. - A criada informou ao abrir a porta, fez uma reverência e saiu, fechando a porta silenciosamente.
A jovem encarou o relógio na parede e constatou que estava na hora de acompanhar a sogra e a sua única cunhada no chá da tarde. Voltou sua atenção ao espelho, passou as mãos no cabelo numa tentativa de arrumá-lo, mesmo que estivesse com o penteado perfeitamente no lugar. Respirou fundo e repetiu algumas vezes para si mesma que era apenas uma bobagem.
E ela torcia profundamente que fosse apenas isso.

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- Souberam das boas novas? - Samanta perguntou misteriosamente, mas não conseguiu evitar um sorrisinho de vitória ao perceber que a cunhada e a mãe ainda não compartilhavam das fofocas daquele dia.
- Você sabe que não gosto de fofocas nessa casa, Samanta. - Amelie, a mãe da jovem, repreendeu-a severamente, fazendo segurar-se para não revirar os olhos. Ela sabia muito bem que a sogra estava sempre por dentro dos mexericos da alta sociedade.
- Bom… - a mais jovem deu de ombros e fingiu pouco caso enquanto tomava outro gole de seu chá. - Então, não vejo necessidade de compartilhar o que fiquei sabendo pela modista nesta manhã. - Sorriu educadamente.
Samanta fingiu não se importar, mas todos sabiam que estava com a língua coçando pela vontade de compartilhar as novidades.
Não estava interessada em saber sobre a vida dos outros, por isso, colocou a xícara na mesa de centro e olhou o relógio que enfeitava o console da lareira. Buscava um motivo para retornar ao seu quarto ou fazer qualquer outra coisa que pudesse distraí-la de seus próprios sentimentos. Muitas coisas aconteceram na sua vida, transformou-se numa mulher que apenas tocava os dias sem qualquer ânimo. Às vezes, desejava ter nascido homem e ao invés de estar presa a viuvez, estaria viajando pelo mundo sem qualquer preocupação.
Era triste, mas sua realidade estava sendo totalmente diferente.
- Peço desculpas, mas preciso me retirar. - Ajeitou a saia do vestido azul escuro e abriu um sorriso educado. - Gostaria de praticar piano antes do jantar. - Levantou-se, forçou uma expressão de simpatia.
As mulheres voltaram sua atenção a ela e sorriram.
- Sim, minha querida. - A sogra tomou mais um gole de chá e olhou-a num misto de gentileza e preocupação. - Está passando bem hoje? Sinto que está um pouco inquieta.
nutria uma boa relação com a família do falecido marido, mas nada que fosse tão profundo ao ponto de compartilhar o que se passava em seu íntimo. Adorava-as de todo o coração e era grata por ser tratada com tanta consideração, mas infelizmente, não seria capaz de verbalizar o que realmente se passava naquele dia.
- Acordei com um leve incômodo na cabeça. - Apertou as têmporas e fez uma expressão de dor para que acreditassem.
- Não seria melhor pedir um tônico para a senhora Ransom? - Perguntou a cunhada escondendo um sorriso de diversão ao tomar mais um gole de chá.
- Garanto que não será necessário. - Abriu um sorriso leve e seguiu até a porta, mas parou ao ouvir o comentário.
- Sei que não se interessaram pela novidade que tinha para contar, mas ela envolve a . - Samanta voltou a insistir.
- Como assim? - Ouviu a sogra.
Virou-se com uma expressão confusa enquanto a mão segurava a maçaneta da porta, atrás de si.
- Não estou entendendo onde quer chegar, Samanta. - Falou num tom confuso.
Esta, sorriu vitoriosamente ao perceber que atingiu a total atenção das mulheres e isso, encheu-a de satisfação, fazendo com que usasse uma abordagem calma com a intenção de fazer suspense.
Ao notá-lo, controlou-se para não forçá-la falar. Observou cada movimento atentamente, até mesmo o simples ato de secar a boca com o guardanapo de linho.
- Fui a minha modista pela manhã para que fizesse os últimos ajustes para o primeiro baile da temporada e, enquanto conversávamos… - Falou calmamente a guardiã das fofocas, criando todo um cenário para prolongar a agonia. Mesmo tendo um rosto angelical, repleto de sardas e uma postura que agradava a todos, sentiu vontade de esgana-la.
- Vá direto ao ponto, Samanta.
Quase agradeceu a sogra por verbalizar os seus próprios pensamentos naquele momento.
- A criada da madame Eloá foi a estação de trem buscar as encomendas e viu o senhor Brandford. - Finalizou com uma expressão satisfeita, os olhos verdes astutos.
- Qual deles? Existem vários e … - A sogra perguntou rispidamente.
- O segundo. - A jovem Samanta deu de ombros.
- retornou. - sussurrou e a única mão livre descansou sobre o peito, os olhos ardiam pelos sentimentos que estavam a muito tempo aprisionados em seu coração. Precisou se esforçar para não perder a postura na frente das mulheres. Escondeu o melhor que pôde os seus sentimentos e encarou-as com um sorriso forçado.
As duas tinham expressões que denunciavam preocupação e curiosidade.
Não existia uma única alma da alta sociedade que não conhecesse a triste história de amor que viveu com Brandford, o segundo filho do falecido duque de Brandford.
- Bom, irei praticar piano. - Falou num tom calmo, mas internamente estava prestes a chorar e se afogar em sentimentos que a muito tempo tentava evitá-los. - Nos vemos no jantar. - Finalizou e saiu, esforçando-se para manter a postura inabalável.
- Pobre, . - Ouviu o comentário da sogra antes de bater a porta atrás de si.
Assim que avistou que o corredor estava vazio, as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto e cobriu a boca com uma das mãos, uma tentativa de abafar o choro. Encostou-se na parede e permaneceu por minutos ali.
Desde a partida do cretino, teve que suportar os conhecidos dizerem “Pobre, !” o tempo todo. Ser abandonada pelo próprio noivo, um amor de infância sendo descartado tão facilmente e que quase estragou suas chances de realmente se casar. Se não fosse Joseph, seu falecido marido, ela estaria até os dias de hoje na casa de sua família e tendo que aturar os milhares de “Pobre, !” que não suportava. Odiou todos os momentos que esteve nos bailes, onde a hipocrisia da alta sociedade, só sabia procurar motivos para justificar a repentina partida do pobrezinho. Afinal, vivia em um século em que as mulheres eram culpadas de tudo que levavam os homens a seguirem por caminhos diferentes, como abandoná-las.
Joseph salvou-a de tudo isso. E era profundamente grata pelo o gesto do rapaz que ignorou todos os comentários, até mesmo a confirmação de que a jovem era apaixonada por outro. Propôs o casamento, mesmo que sua família fosse contra. E infelizmente, como se estivesse fadada a ser infeliz, perdeu o marido no ano seguinte.
Não fazia parte do seu caráter atribuir a culpa de suas escolhas para os outros, mas todo o sofrimento que vivia era culpa de e o odiava profundamente.
Não conseguia acreditar como um amor de infância que ganhou profundidade durante os anos seguintes, pôde terminar daquela forma.


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- Não acredito que aceitei vir. - Reclamou enquanto abanava-se com um leque, pois o salão de baile estava abafado.
Um mês havia se passado, desde o dia que soube do retorno de , por isso havia evitado se expor em público. Tentou evitar a atenção da alta sociedade que já estava ciente do recém-chegado.
Estava disposta a não comparecer ao baile anual dos Springsfield e que era o evento de abertura da temporada londrina, onde as jovens davam início a caça aos maridos. Depois de vários dias negando para a sogra e cunhada, mentindo sobre estar super bem e inventar que estava com muita dor de cabeça para encarar as festividades daquela noite, rendeu-se. Não conseguiu ser forte o suficiente diante do discurso sentimental. E que deveria se mostrar forte, e fazer pouco caso do retorno do felizardo. Além de alegarem que as chances de ele estar presente seriam mínimas. Preferiu mentir para si mesma e aceitou ir ao baile, usando o tédio como justificativa. Era mais fácil do que admitir para si mesma que queria vê-lo outra vez.
- Podemos dar uma volta no salão? - A cunhada pediu animadamente e viu a negativa da mãe. Como costumava lutar até o último segundo, virou-se para implorar a . - Por favor… - Juntou as mãos na frente do peito, o olhar pidão que deixava-a ainda mais bonita. Jamais entenderia o motivo da jovem não ter aceitado algum pedido de casamento. Era bonita, jovial, divertida e adorava interagir com as pessoas, além de ter um dote bem generoso. O que não faltavam eram pedidos. Suspeitava que apenas não queria deixar a mãe sozinha.
Viu o gesto discreto da sogra que soltou um suspiro cansado, dando-se por vencida.
- Eu a acompanho.
- Obrigada, . - A mais velha agradeceu e voltou a se abanar com o leque.
Naquele momento, parecia estar exausta, mas quando uma das senhoras se aproximou, ergueu a postura e abriu o sorriso mais animado que podia encontrar, escondendo como realmente se sentia.
Não poderia culpá-la, depois de enterrar um filho e ter que se manter firme enquanto cuida da filha e nora. Ninguém era de ferro ou livre de enfrentar tranquilamente todos os problemas que apareciam pelo caminho.
- Vamos. - A jovem enlaçou seu braço e partiram rapidamente pelas laterais do enfeitado salão de baile.
- Devagar ou cairemos. - Instruiu-a, forçando para que caminhassem com mais tranquilidade. E enquanto seguiam ao som da música da orquestra, percebeu olhares em sua direção e em seguida, cochichos. Controlou-se para manter a cabeça erguida e tentou puxar assunto para se distrair.
- Lá está a senhorita Isabelle. - Falou empolgada e preparava-se para puxá-la em direção a outra jovem.
Admirou o vestido branco da cor das nuvens e que fazia com que parecesse um anjo. Estava acompanhada da Duquesa viúva e -milagrosamente- ainda não tinham sido vistas. Conhecia a mais velha desde a infância e viu a mais nova nascer, gostava muito delas e considerava parte de sua própria família, mas com tudo que aconteceu, preferiu manter distância.
Pararam próximas a pilastra e continuaram observando-as.
- Vamos cumprimentá-las. - A cunhada sugeriu com empolgação. Começou a puxá-la em direção a elas, onde usou de força para não se mover e chamar a atenção das pessoas. Não haveria necessidade de cumprimentá-las, caso não as visse ali.
- Melhor não. - falou calmamente enquanto tentava passar despercebida.
- Ele não veio. - A mais nova evidenciou.
- Não quero chamar atenção dos fofoqueiros de plantão. - Confessou irritada enquanto o olhar vasculhava o salão lotado.
Casais rodopiavam no meio do salão enquanto a orquestra tocava uma bela melodia.
- Sinto muito, minha querida. - Suspirou com uma expressão gentil enquanto apertava gentilmente o braço da mais velha e deu de ombros. Abriu um sorriso divertido ao indicar discretamente algumas pessoas que estavam próximas e encaravam-nas. - Suponho que chamou a atenção, assim que entrou neste baile.
Constatou que a cunhada tinha razão, o que deixou-a ainda mais irritada.
Ouviu a discreta comemoração da mais jovem ao ser praticamente arrastada até a duquesa e a jovem Isabelle.
- Estão aproveitando o baile? - Soltou Samanta repentinamente ao pararem próximas as mulheres.
A mais jovem parecia muito feliz em vê-las enquanto que a mais Duquesa assumiu uma expressão tensa, o que preocupou .
- Fico tão feliz em vê-las. - Isabelle sorriu alegre e tocou-as nos braços gentilmente.
As meninas começaram uma conversa animada e que não prestou atenção, focando apenas em observar a postura da duquesa. Olhava ao redor, a expressão estampando a mais sincera preocupação e foi o que fez um alarme soar em sua cabeça. Preparou-se para segurar novamente o braço da cunhada e se afastar dali, mas foi tarde demais. Tudo aconteceu muito rápido.
- Aqui está a limonada que me pediu e que... - Ouviu a familiar voz masculina que mesmo com o passar dos anos continuava a mesma.
Olhou na direção daquele som e avistou o rosto surpreso de que entregava o copo para a duquesa. Ver aquele rosto novamente, depois de tantos anos, fez com que mil sentimentos feito um furacão dominassem o seu coração. Observou atentamente aquele rosto, percebeu a pele mais bronzeada e os cabelos um pouco mais dourados por ter se exposto ao sol. Depois de anos, depois de tudo que teve que suportar com a sua partida, o cretino não aparentava ter sofrido um pouco que fosse.
- . - Ele deu um passo em sua direção e encarou-a em desespero. Soltou o braço da cunhada e estendeu as mãos num gesto pedindo que mantivesse distância.
- Não se aproxime. - Pediu num fiapo de voz que nem mesmo a orquestra foi capaz de abafar.
Olhou as pessoas que estavam próximas e ter percebido o interesse dos convidados naquela situação, fez com que sua mente entrasse em surto, onde a única reação foi agarrar a saia do vestido vinho e sair rapidamente do salão. Esbarrou nas pessoas que estavam em seu caminho, - sem qualquer remorso e etiqueta - atravessando a porta que levava ao jardim. Desceu as escadas em desespero enquanto as lágrimas molhavam o seu rosto. Assim que conseguiu se esconder em um ponto pouco iluminado, sentou em um banco de concreto e começou a chorar baixinho, as mãos enluvadas revezando em secar as lágrimas e abafar os soluços que escapavam de sua boca.
Sentia muita dor, todos os sentimentos que estiveram guardados dentro de si pareciam fugir da sua própria caixa de Pandora.
Perdeu a noção do tempo, não sabia como faria para ir embora sem ter que entrar naquele baile e encarar aquelas pessoas. Sentia-se culpada por perder o controle dos seus próprios sentimentos e ter servido de entretenimento para os próximos dias. Ela seria assunto na hora do chá por semanas.
E que vergonha tinha causado à cunhada e sogra.
- .
Levantou-se rapidamente ao ouvir a voz atrás de si. Limpou as lágrimas e tentou seguir pelo jardim, mas a mão do homem segurou-a pelo braço. No mesmo instante, sua pele pareceu queimar com o toque e percebeu que era a seda da luva.
- Me deixe em paz.
Não queria estar descontrolada, sempre imaginou que no dia que se reencontrassem estaria com sua melhor expressão fria e não seria capaz de derramar uma lágrima. Infelizmente, a realidade estava sendo totalmente diferente.

Ficaram em silêncio na escuridão, parados na mesma posição. Além de ouvi-la fungar e a respiração pesada dele, também era possível ouvir a melodia que tocava no baile e que conforme a letra da música penetrava em seus ouvidos, tornando o momento de ambos ainda mais pesado. O que fez com que ela abrisse um sorriso triste e puxasse o braço com força, finalmente, conseguindo se libertar.

Vuelve, solo quiero que lo intentes
Volta, eu só quero que você tente
No me digas que ahora necesitas suerte
Não me diga que agora você precisa de sorte
¿De verdad que necesitas te recuerde
Você realmente precisa que eu te lembre
Que las cosas que se cuidan no se tiran de repente?
Que aquilo que se cuida não se joga fora de repente?


- , eu… - Sussurrou e tentou continuar, mas foi interrompido.
- Não ouse dizer uma só palavra, . O que você fez não tem perdão. - Confessou friamente o que remoeu por anos enquanto secava mais lágrimas. Não se esforçou para enxergá-lo, pois sabia que tornaria apenas tudo mais difícil para si mesma.
- Eu sei e me arrependo por ter feito o que fiz… - Suspirou e ela pôde ver o movimento negativo da cabeça do homem. - Eu me arrependo de tê-la deixado para trás, mas estava sofrendo muito, muito mesmo. - Revelou num tom de sofrimento que se fosse em outras circunstâncias teria feito com que o seu coração derretesse e teria o abraçado com todas as forças, o consolaria enquanto sentia o perfume em seu smoking. E diria que o amava com facilidade, entretanto, a situação era totalmente diferente.
- Respeito o seu sofrimento. - O tom mais calmo ao parar de chorar e apenas cruzar as mãos enluvadas na frente do corpo. - A perda do duque foi um baque para todos nós e sei o quanto era apegado a ele, mas não precisava ter agido da forma que escolheu.
- Compreensiva, como sempre. - Resmungou e se aproximou alguns passos, fazendo com que ela se afastasse.
Um vento noturno balançou os galhos da enorme árvore e permitiu que o céu iluminado pela lua cheia, permitisse que tivesse um vislumbre da expressão desolada do homem que encarava-a atentamente. O que fez seu coração doer e uma das mãos tocou o seu próprio peito, tentando acalmar as batidas agitadas. O rosto continuava úmido pelas lágrimas. Ouvia a música tocar ao fundo, o que tornava tudo mais triste.

Si nunca te duele, no te hará feliz
Se não te machuca, não te fará feliz
Duele más tenerte que dejarte ir
Ficar com você é mais doloroso que te deixar partir
Prefiero un lo siento antes que no sentir
Prefiro um pedido de desculpas do que não sentir nada
No compensa siempre quedarse que huir
Nem sempre é melhor ficar do que fugir


- Vou embora. - Anunciou enquanto agarrava as saias do vestido e preparava-se para partir.
- Não vá. - Pediu num sussurro.
Ela riu desacreditada.
- Você não tem o direito de me impedir, milorde. - Rebateu acidamente, a expressão irritada e que tinha certeza que por causa da pouca iluminação, ele não conseguiria enxergar com precisão. - Ou acha que somente o senhor pode fugir, quando for conveniente? - Alfinetou-o.
Ele soltou um suspiro cansado e apertou as têmporas, deixou os braços caírem ao lado do corpo.
- Eu voltei por você, . - Revelou.
Poderia ter tido qualquer reação, mas teve a pior de todas. Gargalhou, alto, desesperadamente, como se tivesse ouvido a piada mais engraçada do mundo. Precisou cobrir a boca com as mãos para abafá-la, terminou respirando fundo e encarando-o divertida.
- Qual é a graça? - Perguntou indignado. - Acha divertido me ver abrir o meu coração para você? - O tom magoado.
Infelizmente, não conseguiu sentir pena, afinal, vê-lo ali só lembrava o quanto foi culpado por seu sofrimento. Ambos se machucaram e tornaram-se almas faltantes de felicidade.
- Não pedi para que voltasse. - Soou fria, destilando todo o veneno. - Continuasse no inferno em que estava.
- Inferno… - Ele deu dois passos em sua direção e instintivamente, ela deu outro para trás. - É não tê-la em meus braços. - Sussurrou.
- Por decisão sua. Uma decisão egoísta em que levou apenas os próprios sentimentos em consideração. - Rebateu irada. Apontou o dedo em direção a ele. - Não aceitou minha proposta de partirmos juntos e me largou nesse ninho de cobras. - Movida pela raiva de tudo que guardava dentro de si, aproximou-se o suficiente para encará-lo diretamente, mesmo que não enxergando perfeitamente. - Sabe o quanto foi horrível ter que ouvir as pessoas me culpando por sua partida? Quantos “Pobre, !” - imitou uma voz fina e debochada - tive que ouvir, quando algum conhecido me encontrava? - Empurrou-o com ambas as mãos, mas não com força suficiente para jogá-lo longe, o enorme corpo masculino apenas tremeu de surpresa.
Permaneceu em silêncio, escutando-a.
- E a dor por você ter partido o meu coração? - Empurrou-o novamente, tendo o mesmo resultado. - Eu te amava! Sempre te amei! E como você retribui? - Perguntou indignada e com as lágrimas molhando seu rosto. Começou a socar o corpo dele. - Me abandonou como se não significasse nada! - Aumentou o tom de voz e continuou: - NADA! - E socou-o várias vezes enquanto chorava, sentiu os braços quentes envolvê-la e o perfume tão familiar. Queria se libertar daqueles braços, mas não teve forças. Só ela sabia o quanto havia sofrido durante todos esses anos e estar ali, naquele jardim escuro, foi a confirmação de que precisavam daquele reencontro… Ou toda a dor a mataria.

xXx


De nada me espero y menos de mí
Eu não estou esperando por nada, muito menos de mim
Me dijeron ve a por todo y fui a por ti
Me disseram pra correr atrás do que quero e eu fui atrás de você
¿Hasta que momento si se aprende?
Até quando aprendemos?
¿Y hasta que momento se perderá el tiempo solo por seguir?
E até quando perdemos tempo só seguindo os outros?


inalou o perfume da amada e fechou os olhos fortemente. Sentiu a garganta arder com a vontade de chorar, sentia uma necessidade absurda de colocar para fora todos os sentimentos que estavam aprisionados dentro de si. Fugiu atormentado pela dor de perder o próprio pai, o tão estimado homem que o havia criado com todo amor e carinho. E ao mesmo tempo em que olhou apenas para si, um canalha egoísta que afundou-se na sua própria dor, acabou abrindo mão de viver um grande amor.
Se não fosse as sábias -e raras- palavras de Michael, jamais teria lutado para voltar. Mesmo mergulhado nas águas profundas do luto, ainda sonhava em tê-la novamente em seus braços como naquela noite. E mesmo que fosse apenas para ser rejeitado.
A verdade é que merecia continuar sofrendo, entretanto, seria melhor enfrentar os momentos de tristeza sabendo que deu o máximo de si para reconquistá-la.
- Dizem que o tempo cura todas as feridas, mas… - Sussurrou enquanto a envolvia fortemente e encostava suas testas, permanecia com os olhos fechados. Sentia o corpo trêmulo e quente, o choramingo bem baixinho. - É uma mentira deslavada com a intenção de iludir, enganar e nos fazer esperar que as coisas boas venham até nós. - Soltou um suspiro frustrado.
Envolveu o belo rosto feminino em suas mãos e esforçou-se para enxergar em meio a pouca iluminação. - A verdade é que temos que correr atrás do que queremos de melhor e, por isso, estou aqui. Vim determinado a rasgar a minha alma, o meu coração para tê-la de volta, ter o seu perdão. - Confessou.
Sentiu o corpo da mulher se tornar tenso e soltou-a.
Observou-a colocar distância entre eles, não mais do que de um braço. Ela virou-se de costas enquanto fungava.


Tiraste mi recuerdo hacia el pasado
Você deixou minhas lembranças no passado
Te extraño porque nadie se compara a ti
Eu sinto sua falta porque ninguém se compara a você
Cuando debí alejarme más me enamoré
Quando eu tive que me afastar, me apaixonei ainda mais
Porque eso de olvidarte nunca lo aprendí
Porque eu nunca aprendi a te esquecer


- Não será necessário, milorde. - Seu tom se tornou frio, distante. Ela virou-se e cruzou as mãos na frente do corpo, a saia do vestido balançando levemente com a brisa daquela noite.
Um verdadeiro anjo que mesmo na mais escura das noites seria capaz de iluminar o jardim inteiro. Tê-la tão perto e perceber o quanto a havia ferido, só mostrava o quanto a amava profundamente e daria tudo que tinha, cada tostão e até mesmo sua própria vida para voltar no tempo e ter feito tudo diferente. Deveria ter cuidado dela, se permitido compartilhar a sua dor e preocupações, afinal, amar alguém e escolher dividir a vida com a pessoa, é saber que deverão estar juntos, contar um com o outro nos bons e maus momentos.
E, odiosamente, ele não pensou e nem agiu desta forma.
- Não sou capaz de me afastar novamente. - Confessou enquanto escondia as mãos suadas no bolso da calça.
Ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha e soltou um suspiro.
- Mas é o melhor para ambos.
- Não consigo continuar vivendo com as lembranças.
- Só tem duas opções. - Soltou outro suspiro e segurou a saia do vestido, um sinal de que partiria a qualquer instante e isso deixou-o tenso. - Ou você as aceita e tenta seguir sua vida, ou bate com a cabeça bem forte até esquecer o próprio nome. - Deu de ombros.
Mesmo sem conseguir enxergar direito, imaginou o sorriso provocativo que estava em seu rosto. Não havia uma situação em que a mulher não agisse daquela forma.
E essa constatação só o fazia amá-la ainda mais e desejar tê-la novamente.
Estava disposto a tudo para tê-la novamente.
- Eu vejo uma terceira opção.
- E qual seria?
- Nos perdoarmos e transformarmos toda a dor em amor.
- Quem dera fosse tudo tão simples.
- E é, .
- Não mesmo, . A vida não é tão simples assim, a sociedade não esquece das coisas.
- Estou me lixando para o que a sociedade pensa sobre nós. - Aproximou-se o suficiente para abraçá-la novamente, mas ela negou com um gesto de cabeça e deu um passo para trás. - O que importa é o que você pensa sobre nós.
- Fácil dizer, afinal, quem conviveu todo esse tempo com esses idiotas, tendo que carregar o peso dos seus erros… - O tom magoado enquanto apontava o indicador em sua direção. - Foi eu.
- E peço perdão, por isso. - Foi sincero, tentando demonstrar o quanto estava dizendo a verdade.

Si fuiste mía, si yo fui tuyo, ¿por qué?
Se você foi minha, se eu fui seu, então por quê?
Por qué te alejas, por qué el orgullo, no sé
Por que você se afasta? Por que tanto orgulho? Não entendo
Dudo que el tiempo pueda borrar esta vez
Duvido que o tempo possa apagar agora
El sentimiento que lo pudo y no fue
A sensação do que podia ser e não foi


- O que preciso fazer para não perdê-la novamente? - Insistiu.
- Nada. - Deu de ombros.
- Como assim?
Deu de ombros novamente e deu mais um passo para trás. Cruzou os braços na frente do corpo e encarou o céu.
- Nada. - Soltou um suspiro cansado e novamente, segurou a saia do vestido. - Não estou disposta a bater minha cabeça e perder a memória… - deu de ombros. - Então, não temos o que fazer. Se o tempo não foi capaz de apagá-las durante todos esses anos, duvido que o fará agora. - Aproximou-se novamente e sorriu tristemente.
Tentou segurar no rosto da amada, mas ela desviou e encarou o gramado. Então, as mãos dele, descansaram em seus ombros.
Encarou-a magoado enquanto os olhos se enchiam de lágrimas e a visão se tornava turva.
- Eu assumo o meu erro perante a ti, a sociedade, a minha família e amigos, mas volte para mim. - Implorou enquanto sentia uma lágrima escapar.
Sentiu a necessidade de secá-la, mas não queria afastar as mãos do ombro delicado. Queria continuar sentindo o calor que emanava através de suas luvas.
- Não consegue entender? - Perguntou indignada. - Eu sempre vou amá-lo, mas não sou capaz de perdoá-lo. - Afastou as mãos masculinas de si e andou, as mãos segurando firmemente a saia do vestido enquanto dava as costas ao homem, sem olhar para trás.
- Sei que pode me perdoar. - Permaneceu no lugar.
Ela parou metros de distância, sem virar-se.
- Amar não é descartar o outro de repente. - Falou num tom firme, decidido. - Assim como o perdão não acontece do dia para a noite.
- Gostaria que apenas tentasse. - Implorou. Aproximou-se até onde foi capaz, pois não queria que ela partisse.
As mãos suavam frio dentro das luvas, assim como todo o seu corpo. O coração estava batendo agitado enquanto via a mulher de costas. O seu maior desejo naquele instante era saber que tudo ficaria bem e que poderiam restaurar o que havia perdido.
- Eu te amo, . - Revelou num tom que o trouxe lembranças de um passado distante, antes que tudo desmoronasse. - Não posso. Desculpe.
Não se moveu ao vê-la levantar a saia do vestido e correr com toda determinação para longe. Soltou o ar dos pulmões e fechou as mãos em punhos enquanto cobria os olhos.
As palavras ditas por sua amada o rasgaram completamente e descobriu que a dor de anos atrás, não se comparava com aquela.


Vuelve, solo quiero que lo intentes
Volte, eu só quero que você tente
No me digas que ahora necesitas suerte
Não me diga que agora você precisa de sorte
¿De verdad que necesitas te recuerde?
Você realmente precisa que eu te lembre?
Que las cosas que se cuidan no se tiran de repente?
Que aquilo que se cuida não se joga fora de repente?



Ela correu sem olhar para trás, a visão turva por causa das lágrimas. Parou, apoiou uma das mãos enluvadas no tronco da árvore e chorou. A outra mão, descansou acima do coração, massageando o peito numa tentativa de amenizar a dor.
- Oh, . - Samanta surpreendeu-a com um abraço consolador ao encontrar a cunhada no jardim.
- Eu não consigo suportar… - Repetia para si mesma enquanto afundava em toda dor.
Retribuiu fortemente o gesto da cunhada enquanto tentava encontrar forças para vencer os sentimentos que lhe dominavam.
Será que algum dia seria capaz de superar aquele amor e toda a dor que o acompanha na mesma medida?




Fim.



Nota da autora: Mais um casal que está sendo incluído nas estatísticas dos que não ficam juntos. HAHAHA Obrigada por ter chegado até aqui! <3

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