Prólogo
Avenida Paulista
Os finos respingos de água caindo do céu eram mais do que condizentes para um começo de manhã na "Terra da Garoa". Antes mesmo dos tímidos raios de sol iluminarem o céu a movimentação no aglomerado de prédios empresariais era constante. Carros, ônibus, motos, mesmo bicicletas, patinetes motorizados e skates são usados como modo de transporte por aqueles que transitam de uma ponta da avenida à outra.
A quantidade de pedestres era absurda. Transitavam sozinhos, em trios, duplas e até mesmo quintetos pelas calçadas. Atravessavam faixas, compravam revistas nas bancas, tomavam cafés, desciam e subiam nas vias dos metrôs subterrâneos e até mesmo faziam malabarismo com o celular em mãos enquanto seguravam mochilas, bolsas e pastas.
Cada qual seguindo a própria direção para um objetivo em comum: chegar à tempo ao seu compromisso.
Santos Benedetti era uma pequena formiga no meio daquele formigueiro de pessoas distintas. Ela já foi de se encantar pela beleza que aquele mundo moderno e repleto de pessoas importantes e interessantes causava e chegou a se sentir honrada em fazer parte daquele grupo de pessoas que teve a oportunidade ilustre de poder chamar um daqueles prédios de aparência luxuosa de local de trabalho.
Hoje não mais.
Depois de um ano trabalhando no escritório comercial de uma empresa multinacional de exportação de couros, ela foi conhecendo os bastidores de um mundo ganancioso que se refugia por trás de pessoas simpáticas, bonitas e experientes.
Após a sua formação em Administração, muito sonhava em ocupar uma cadeira de um cargo importante, onde tivesse uma sala de móveis chiques com uma vista maravilhosa do topo do prédio mais alto da Paulista, e ficou mais do que emocionada quando conseguiu um emprego onde pudesse dar os seus primeiros passos rumo ao objetivo.
Contudo, a sua personalidade impulsiva pedia mais e ficar atrás de um computador digitando e corrigindo documentos de exportação de produtos para países estrangeiros, presa em um escritório com uma equipe inteiramente masculina não supria o seu potencial.
No entanto, como já era maior de idade e já não mais legalmente dependente dos pais, ela tinha que se contentar com a sua função, pois era a qual pagava as suas contas, o aluguel do apartamento que dividia com a amiga e a parcela do seu carro.
Ela entra no saguão do grande prédio de vidraças reluzentes e piso ilustrado e brilhoso, e faz um cumprimento silencioso a Caio, o segurança. Insere o dedo no leitor das catracas e a atravessa quando a luz verde é sinalizada.
Sob os saltos, os quais a sua posição social exigia que usasse, ela caminha pelo corredor até chegar aos elevadores e sinaliza à Bete, colega que trabalhava em uma das empresas de marketing no prédio, para que ela segurasse as portas a tempo dela alcançá-los.
- Bom dia. – diz à colega e aos demais presentes no elevador, recebendo alguns acenos distraídos em resposta, e se posiciona na lateral da caixa de ferro. As portas se fecham.
- Bom dia, Liza. – Bete responde com um sorriso, apesar do semblante de preocupação.
- A segunda-feira já começou difícil? – a jovem pergunta, dando espaço para dois senhores descerem no primeiro andar.
- Mais que difícil. – ela bufa aflita e se aproxima da colega para pronunciar em tom mais baixo: – Agora pouco a Cris, recepcionista, falou sobre um rumor de que uma das empresas do prédio vai fazer cortes no orçamento hoje.
- Demissões em massa? – Liza pergunta e Bete assente freneticamente. – E como ela sabe disso?
- Ela é a recepcionista do prédio, ela ouve de tudo. Né, Liza? – diz com as sobrancelhas caídas. – Aquela vaca só não quis dizer qual empresa era. Ela gosta de ver o sofrimento alheio.
solta um riso fraco.
- Não seria a primeira vez que ela inventa esse tipo de rumor só para deixar a gente afoito.
- Eu sei, mas da última vez que ela disse que alguém da diretoria da GOLDEN G tinha um caso com a secretária, a Ana foi demitida na semana seguinte. – ela diz, dando espaço para que mais duas pessoas saíssem no sexto andar. – Algumas coisas são verídicas. E eu não posso ser demitida agora, logo quando o Jorge está trocando de empresa e estamos incertos de como vai ser o futuro dele na nova companhia. A mensalidade da escolinha do Vitor é uma fortuna e eu não quero tirá-lo de lá agora que ele finalmente se acostumou com os coleguinhas.
- Você precisa se acalmar, amiga. – Liza diz com a voz amigável. – Você pensa que as coisas deram errado antes mesmo de acontecer. Nem sabe se é a sua empresa quem está fazendo os cortes ou se vai ter cortes realmente.
- Eu preciso pensar antes de acontecer para me planejar. – Bete explica. – Sou mãe, preciso pensar na faculdade do meu filho.
- Bete, o Vitor tem quatro anos. – Liza ri contida.
- E me faltam só 14 até os 18. – ela grunhi aflita. – Daqui para lá é num piscar de olhos.
balança a cabeça, desistindo de contestar com a colega que tinha ansiedade comprovada em laudo. Quando chega no oitavo andar, a jovem se despede de Bete, garantindo: - Você ficará bem. – e se encaminha ao saguão da própria empresa.
Chegando lá ela se depara com um inusitado salão cheio de pessoas com expressões iguais às de Bete, algumas até mesmo transpiravam e outras andavam de um lado ao outro inquietas. A atendente no balcão principal, Sara, estava em uma conversa baixa ao telefone e quando se aproximou notou que ela chorava baixinho.
Liza olha ao seu redor e encontra o colega de setor, Mário, em um canto. Se aproxima o cumprimentando e logo indaga: - O que está acontecendo aqui?
O senhor já de idade, e os cabelos grisalhos evidenciavam isso, a encara com a testa vincada e os óculos de grau quadrados na ponta do fino nariz.
- Cortes no orçamento.
engole em seco.
Claro que ela não seria uma das prioridades para permanência na empresa com apenas um ano de casa quando havia funcionários de mais de oito ou 10, mas não pôde deixar de se sentir injustiçada porque ela ralava para caramba naquele emprego.
Ela havia ouvido rumores de que aqueles eram tempos difíceis para a empresa, com o valor do gado nas alturas e a falta de matéria prima que fazia o produto ficar mais caro e, por consequência, não ser vendido, mas ela nunca imaginava que estavam a ponto de declarar falência.
Contudo, não contestou. Juntou os seus pertences em uma caixa de papelão e fez a caminhada da vergonha de volta à casa. Se permitiu chamar um táxi para não passar pelo constrangimento de carregar uma caixa com toda a sua carreira metrô afora.
Chegando ao condomínio onde ficava o seu prédio, ela passa pela portaria dando um sorriso singelo ao porteiro, muito diferente daquele simpático que tinha no rosto na manhã, e caminhou até o último prédio.
Ela pega o elevador vazio e tem a oportunidade de se olhar no espelho.
O cabelo castanho longo preso em um rabo de cavalo tinha alguns fios soltos, sua camisa branca tinha a marca suja da caixa que carregou durante a viagem, a barra da calça azul escuro arrastava no chão porque ela havia se livrado dos sapatos de salto ainda no carro e a pouca maquiagem que havia passado no rosto não disfarçou em momento algum a insatisfação que estava sentindo de si mesma, fora as bolsas fundas debaixo de seus olhos avelã evidenciando o cansaço.
Ela esperou chegar ao seu andar, caminhou até a sua porta, equilibrando a caixa em mãos procurou pela chave dentro de sua bolsa, para então conseguir respirar aliviada no conforto do lar.
O apartamento não tinha mais que 56m², mas era o suficiente para duas jovens solteiras recém-formadas. Cada qual com seu quarto individual não se importavam em compartilhar os demais ambientes, pois tinham uma convivência harmônica.
As duas haviam se conhecido no primeiro ano de faculdade e se tornaram inseparáveis desde então. Tinham personalidades parecidas e um grande companheirismo, por isso sabiam que estavam destinadas a estarem na vida da outra o resto de suas vidas.
Liza deixa a caixa sob a pequena mesa de jantar e caminha até a sua minúscula cozinha. O relógio digital da geladeira marcava quatro e trinta da tarde, realmente todo o desembaraço das papeladas para a demissão havia tomado boa parte do seu dia e toda a sua paciência. Assim ela não hesita em abrir uma garrafa de vinho da sua adega e despeja o líquido na taça até enchê-la.
Com garrafa e copo em mãos, ela transita até a sala e senta-se no sofá macio.
Dizer que muitos pensamentos passavam por sua cabeça seria mentira, seus olhos estavam focados em algum ponto do rack enquanto toda a sua concentração estava focada na sua respiração leve.
Ao lado de fora, através das portas de vidros que davam à varanda do apartamento, era possível ver uma chuva torrencial se formando. As nuvens ficavam cada vez mais escuras e o dia mais cinzento.
Não saberia dizer quanto tempo havia ficado ali, só olhando aquela pequena bola de poeira parada ao lado do aparelho da internet, mas respirou fundo e chacoalhou a cabeça quando pingos grossos começaram a cair ferozmente e o barulho de trovões a despertou.
Ela tinha que começar a distribuir currículos com certa urgência, o valor do seguro-desemprego somado ao das férias que não havia tirado não poderia cobrir as suas despesas por mais de três meses, e ela sabia o quanto estava difícil a luta no mercado de trabalho ultimamente, portanto quanto antes começasse, melhor.
Liza apoia a garrafa e taça no braço do sofá e escorrega de lá para o chão, engatinhando para se aproximar do móvel que passara tanto tempo mirando. Lá ela abre o gavetão e procura por seu notebook, que não é muito difícil de ser encontrado devida a arrumação compulsiva da colega de apartamento.
Ela então atualiza os dados do seu currículo, fazendo uma careta ao colocar a data de término do contrato com a sua ex-empresa, e começa a procurar por vagas na sua área online. Depois de algumas taças de vinho, ao ler a descrição das vagas para se candidatar, ela recorda-se que é necessário apresentação do diploma em certas entrevistas.
- Merda. – xinga baixo olhando ao redor. Onde será que ela tinha guardado isso?
Liza coloca o computador de lado e volta a procurar no gavetão do rack. Lá ela encontra algumas contas pagas, papéis aleatórios, revistas e uma caixa com seu nome, provavelmente com alguns de seus pertences.
Ela puxa a caixa para o próprio colo e a abre sem hesitação, mas para por um instante ao constatar que ali havia nada mais que fotos. Dúzias delas.
A mulher já ia deixar a caixa de lado, mas uma foto em específico chama a sua atenção.
Era dela mais jovem. Devia ter cerca de 16 anos, podia-se notar pelo rosto jovial e brilho nos olhos que só um jovem isento de responsabilidades pode ter.
Na foto, Liza vestia um macacão amarelo de mangas longas repleto de logotipos de várias empresas automobilísticas e um boné preto na cabeça. Seus cabelos que sempre foram longos caíam como cascatas sobre os ombros, desordenados nas pontas. Luvas grossas pretas cobriam suas mãos e uma delas segurava um troféu de sessenta centímetros fundado na prata.
O sorriso grandioso em seu rosto evidenciava o quão feliz ela estava.
Ao seu lado, apontando para o troféu, estava um homem mais velho também com um sorriso no rosto – este mais formal – enquanto a outra mão estava pousada de forma descontraída sob o ombro da garota em um singelo abraço. Atrás deles uma parede vermelha também repleta de marcas automobilísticas fechava o cenário.
Liza não pôde deixar de sorrir com aquela imagem que há muito custo tentou tirar de sua cabeça. Foram anos tentando a muito custo esquecer os dias de glória que eram impossíveis de serem retomados.
Ela deixa a foto de lado e olha as demais mais atentamente.
Enquanto está perdida em memórias, a porta do apartamento se abre e o furacão loiro passa por ela metralhando dizeres: - Que inferno de chuva! Eu não aguento mais molhar as minhas roupas. No final da semana não vai sobrar uma calça decente para ir trabalhar.
fecha a porta com o pé e despeja suas bolsas em cima da mesa.
- Aliás, o seu boy me mandou mensagens a tarde inteira perguntando por que você não respondia as mensagens dele. – ela continua dizendo enquanto arrancava jaqueta e botas ensopadas. – Eu poderia até falar que você é uma pessoa ocupada que, ao contrário dele, não fica à toa no trabalho, mas eu não estava a fim. Além de que meu chefe estava com a macaca hoje e... – se interrompe ao notar Liza no chão da sala, tão concentrada na caixa em seu colo que não prestava a mínima atenção nos seus dizeres. – Liz, está me ouvindo?
- Oi? – a morena vira a cabeça na direção da amiga que enruga a testa enquanto analisava o ambiente.
- Uma garrafa de vinho pela metade em plena segunda-feira às... – olha no seu relógio de pulso – seis e vinte da tarde, não respondeu mensagens o dia inteiro, bagunça espalhada pelo chão e esse olhar de cachorro que caiu da mudança. – a loira se aproxima da amiga e se senta ao seu lado, afastando algumas das fotos para sentar no chão. – O que aconteceu?
Liza ri, a conhecia tão bem.
- Não tenho notícias boas. – revela fazendo uma leve careta.
- Claro que não são, caso contrário, estaríamos tomando cerveja. – a loira diz pegando a taça ao lado da amiga e tomando um gole do líquido.
respira fundo e mira os grandes olhos amêndoa da amiga.
- Fui demitida.
- O que? – ela esbraveja com as sobrancelhas erguidas.
- Eles estão fazendo cortes no orçamento. – a jovem fala sem rodeios. – A empresa está indo pro buraco.
prensa os lábios e seu olhar fica momentaneamente vago.
- Azar o deles. – fala por fim.
Liza ri fraco.
- Não sei por que pensei que você ficaria aflita com isso. Mas, de qualquer forma, não têm com o que se preocupar. – a morena trata de explicar – Consigo cobrir as despesas por um tempo, pelo menos até encontrar outro emprego.
- Realmente não estou preocupada. – sorri – Eu sei que você não me deixaria na mão. Eu fico é realmente feliz em saber que agora você vai poder procurar fazer alguma coisa que realmente goste. Era o ponta pé que você estava precisando, já vinha reclamando desse trampo há meses.
- Não. – Liza nega com movimentos vagarosos com a cabeça – Eu vou procurar algo na mesma área, que mexa com exportação. Tenho um ano de experiência com isso, fora os cursos que eu fiz. É mais fácil de conseguir um emprego.
- É, um de merda igual ao outro. – a loira diz direta – Desculpa, Liz, mas é a verdade. Tem pessoas que sonham em viver em um escritório trabalhando oito horas por dia todos os dias na semana porque o salário é mais que satisfatório, mas você não é assim. – ela sorri – Esse vazio que você fala que tem dentro de si não vai ser preenchido por dinheiro. Então você tem duas opções, continuar numa carreira que não gosta e viver insatisfeita ou pode tomar uma atitude para mudar isso agora e ficar plena.
- Não tenho direito ao benefício da dúvida agora, temos contas para pagar, aluguel, tenho a parcela do carro...
- Não dramatiza tanto. – a interrompe virando os olhos dramaticamente. – Você disse que consegue segurar as coisas por um tempo e se, durante esse tempo, você não conseguir se encontrar, eu cubro a sua parte até você se estabilizar.
- Não, . – nega veemente – Não quero montar nas suas costas.
- Não vai montar. – ela sorri bondosa. – Eu estou em uma fase ótima no serviço, você sabe. E quantas vezes você já não apoiou as minhas decisões e continuou comigo até o final? Tanto financeiramente quanto emocionalmente? – a loira continua na sequência. – Somos mais que amigas, somos irmãs. E é para isso que as irmãs servem.
mira a companheira de apê, a vaidosa e deslumbrante Kauana Silva.
Dona de longas madeixas loiras com cachos grossos, ela se destacava não só pelos olhos grandes e doces ou pelo corpo deslumbrante de uma brasileira nata. Sua inteligência e personalidade arrojada falavam por si só, ocasionando diversas amizades de diversos grupos sociais.
A honestidade e simpatia eclodiam um grande coração que era repleto de empatia, companheirismo e fidelidade. Além do bom humor, o otimismo constante e a personalidade marcante. Ela não poderia ter conhecido pessoa melhor.
- Obrigada. – abraça a amiga, que retribui com um sorriso no rosto.
- Fico muito orgulhosa por ter tomado essa decisão, mesmo que foi sob pressão. – a loira diz ao se separarem e ambas riem. – Agora é só sucesso.
suspira.
- Nem sei por onde começar. – a morena admite.
- Você não faz ideia de algo que queira fazer para o resto da vida? – a loira questiona em incentivo.
Liza olha para as fotos espalhadas no chão, mas sorri tristonha. Aquele era um sonho distante, e sua oportunidade já havia passado.
segue o seu olhar e mira uma foto em específico. Ela a pega para aproximar dos olhos e analisá-la melhor.
Na captura tinha um carro de corrida, parecidos com aqueles que passavam no canal de esporte aos domingos de manhã. Ele era preto e tinha vários desenhos em sua lataria.
Dentro havia um piloto, o capacete amarelo fechado a impedia de reconhecer a pessoa, e ao seu redor várias pessoas com as roupas nas mesmas cores. Eles pareciam agitados e realmente deveriam estar, pois estavam nas margens de uma pista de corrida, supôs.
Enquanto está perdida em pensamentos corre os olhos sobre as demais fotos. Fotos de Liza ao lado de carros, em cima de pódios, segurando troféus e vestindo os típicos macacões de pilotos.
- O que diabos é isso e como eu nunca tinha visto essas fotos antes? – ela indaga, não conseguindo impedir o seu impulso curioso.
Liza nota as fotos nas mãos da amiga e sente como se tivesse sido pega no flagra.
- Bom... – ela suspira para ganhar tempo. – É uma longa história.
- Não tenho nenhum compromisso marcado para esta noite. – sorri marota e cruza as pernas.
coça a cabeça em aflição, mas sabe que a amiga não a deixaria sair dali sem contar todo e cada detalhe sobre a sua vida no mundo das corridas. Por isso ela dá de ombros e diz: - Vou precisar de mais uma garrafa de vinho.
Capítulo 1
Santos Benedetti, também conhecida como , pode levar uma vida adulta comum e sem grandes marcos históricos, simplesmente vivendo como uma jovem-adulta que trabalha, frequenta baladas, bares e restaurantes, tem um relacionamento ioiô com um rapaz bacana, faz uma viagem ao ano e tem contas a pagar.
Contudo, por baixo daquela excelente postura, linguajar culto e boas referências profissionais, estava uma talentosa pilota automobilística e grande parte da sua roda social não fazia ideia disso.
Sua história começou cedo quando ainda tinha apenas seis anos. Com a mãe sendo sócia de uma grande rede de farmácias e o pai supervisor de uma equipe de bioquímicos em uma empresa multinacional, ela ficava sob os cuidados do tio.
Fabio Benedetti era jovem, um rapaz impulsivo que passou a morar com a irmã mais velha depois que a mãe decidiu largar tudo no Brasil para se aventurar pela Europa. No entanto, ele não deixava que sua obrigação como babá o impedisse de viver suas aventuras, portanto levava a garota para jogos de futebol, jogos de basquete e, a sua paixão pessoal, corridas.
Mostrou-a a história das corridas, as suas etapas, o grande campeonato de Fórmula 1, os bastidores por trás das máquinas potentes, a beleza do deslizar dos carros pelo asfalto e os grandes ídolos do esporte.
A menina ficou tão encantada que fez com que o tio a levasse para pilotar qualquer máquina que a fizesse ser tão veloz quanto e foi no kart por onde começou, mostrando que não era somente uma atenciosa espectadora, mas uma pilota dominante.
Inspirada pela história de Ayrton Senna, grande ídolo brasileiro, ela se atentava a todas as formas de percorrer um caminho até a vitória.
Apesar de o esporte ser dominante por homens, a garota não se deixava abalar. Aprendeu a ser rápida, a percorrer trajetórias, frenagem, dosagem da aceleração, posição do volante, a largar, ultrapassar, evitar uma ultrapassagem, saber se posicionar na pista e planejar uma corrida.
Ela prestava atenção a todo detalhe no acerto do chassi e motor acompanhando o tio a montar e desmontar os karts e com isso adquirir conhecimento sobre as minuciosas particularidades daquela ferramenta.
Assim, aos oito, começou a participar de corridas em campeonatos mirins regionais. Ganhava sete corridas de dez competidas e sempre alcançava o pódio, um lugar entre os três primeiros colocados.
Vista a grande fascinação da menina pelo esporte e seu inegável talento natural, os pais – mesmo que a contragosto – autorizaram que o tio a levasse para campeonatos mirins municipais.
Dos municipais ela seguiu para os estaduais e, com 14 anos, já era dominante nas pistas e tinha uma extensa lista de vitórias no bolso.
Na época, ela sofria muito preconceito por ser atuante em um esporte masculino e a maioria das crianças a recriminavam, acusando-a de ser "Maria-João" e inúmeros outros adjetivos maldosos. Por isso não tinha muitos amigos, resumia-se à Natalia, uma colega da sua classe; Raul, um dos competidores que disputava as mesmas provas que ela, e seu tio.
Muito madura para a sua idade ela ignorava os maus comentários e voltava seu foco completamente para o seu objetivo, se tornar uma pilota de Fórmula 1.
As condições não eram as mais acessíveis, o esporte sempre teve um custo muito alto e seus pais não eram completamente a favor da sua escolha, vetando-a de receber qualquer valor para isto. Apesar de sempre estar recebendo prêmios em valores monetários nas disputas, não era sempre que eles podiam cobrir as quantias para que ela pudesse ter as melhores condições de motor, chassi e adereços.
Ainda aos 14 anos, apesar de todas as adversidades, ela terminou o campeonato juvenil vitoriosa e passou para a Fórmula 4, a primeira escala no automobilismo fora do kart. A maioria dos pilotos eram mais velhos, por volta dos 16 e 17 anos, mas mais uma vez não se deixou abalar.
Ela disputa um campeonato na Argentina, onde mostra grande desenvoltura e termina em segundo lugar no pódio. Lá ela chama a atenção de uma equipe alemã de automobilismo, a Motorsport, que a propõe um contrato como pilota júnior até que atingisse 16 anos, idade a qual estaria oficialmente liberada para dirigir automóveis e assim disputar em campeonatos maiores.
A oportunidade na Alemanha é quase vetada pela mãe, porém o pai a convence de que essa era uma chance em milhares e que a filha deles realmente era reconhecida pelo seu talento.
- Você foi para a Alemanha? – interrompe boquiaberta.
A morena sorri.
- Com todas as despesas pagas pela Motorsport.
- Que sonho! – a loira sorri encantada.
Já na Alemanha, ela mostra sua determinação e se supera em cada obstáculo. Os campeonatos alemães da F4 são os mais disputados e, portanto, melhores para a formação de seus pilotos.
Assim, ao atingir 15 anos, ela começa a disputar uma temporada como pilota titular e traz uma avalanche de vitórias para a equipe da Academia juvenil, alcançado terceiro e segundo lugar diversas vezes, terminando a temporada em segundo lugar na classificação geral.
Aos 16 anos chama a atenção da requisitadíssima Fórmula Renault 2.0., Campeonato Europeu, conhecida por ser onde grandes campeões de Fórmula 1 estiveram no início da carreira. Neste ponto, já está em velocidade total, sonhando que a qualquer momento estaria pondo os seus pés no campeonato tão sonhado.
Ela compete uma temporada completa, viajando por diversos países, entre eles Itália, França e Portugal. Conhece alguns agentes, empresários e mesmo patrocinadores. Contudo, na época, a sua aptidão não era tão aclamara como a de seus adversários, o gênero masculino ainda era muito forte, e isto a fez perder diversos contratos e oportunidades para melhor aprimoramento da carreira.
Mesmo assim, seu desempenho a faz campeã da temporada naquele ano, despertando o interesse de marcas grandes e famosas escuderias. Entre elas a tão sonhada McLaren, mesma onde o ídolo Ayrton Senna fez o seu nome nos anos 80.
- Me fala que eles te chamaram, por favor. – pede com os olhos brilhantes.
sorri orgulhosa, relevando: - No final da entrega dos troféus, Ron Dennis me procurou.
- Traduza, por favor. – a loira faz uma careta engraçada.
- Ele era o chefe de equipe da McLaren. – Liza conta – Ele me deu o cartão dele e disse para eu o procurar quando atingisse a maioridade, para entrar no programa juvenil deles.
não consegue controlar um gritinho empolgado.
- Ele disse que já vinha notando o meu talento há algum tempo e que eu podia ter um futuro promissor como pilota da McLaren. – a morena termina a fala suspirando.
A amiga nota um crescente tom de tristeza tomar conta da conversa.
- Mas não foi o que aconteceu, já que está aqui tomando vinho comigo. – a loira diz bebendo outro gole do líquido. O conteúdo da segunda garrafa já havia acabado, restava meros goles em ambas as taças.
- Quando meus pais viram que correr estava passando de um mero hobby para a minha real profissão, me vetaram. – Liza diz cabisbaixa. – Só que eles nunca entenderam que eu nunca levei isso como um mero passatempo, eu realmente me via fazendo aquilo pelo resto da minha vida. E eles tinham muito medo disso, de eu me machucar como outros pilotos já se machucaram. É um esporte perigoso, afinal.
- Eles simplesmente não aceitaram e foi isso? Largou mão de tudo que tinha conquistado? – questiona indignada.
- Eu ainda era menor, legalmente ainda não tinha idade para tomar essas decisões. – explica. – Além do medo, tinha o fato de que minhas notas na escola estavam péssimas e o número de faltas era gigantesco porque eu mal parava em casa. – ela bufa cansada. – Então eles cancelaram meu contrato. Tivemos que pagar uma multa caríssima sobre a quebra de contrato com a Motorsport e partir, então eles me proibiram de voltar a correr. Venderam meu kart e se livraram de todos os meus troféus.
- Que triste, amiga. – a loira diz pousando a mão no ombro da outra.
- Foi como se eles tivessem tirado um órgão de mim, algo que eu realmente precisava para viver. – ela prossegue, após engolir em seco. – Eu entrei em depressão, não queria mais sair de casa, comer, sequer me levantar da cama.
tapa a boca, horrorizada.
- Passei por muitas sessões de terapia para me recuperar. – Liza conta. – E, para suprir essa falta, eles me colocaram em um monte de cursos profissionalizantes. – ela ri sem humor – Não que eu reclame, afinal, isso acabou ajudando muito. Virei até poliglota. – por final sorri.
A amiga sorri em apoio e volta a olhar as fotos. Na maioria delas, para não falar em todas, a amiga tinha um intacto sorriso grandioso nos lábios e o brilho de gratificação nos olhos. Aquela tinha sido uma parte muito importante da vida dela, estava claro.
- Então essa é a sua área. – diz com convicção.
- Esta era a minha área. – diz recolhendo as fotos espalhadas no chão e as recolocando de volta na caixa.
- Por que não pode ser mais? – a loira indaga enquanto observava a amiga guardar a caixa de volta no gavetão do rack e recolher as taças e garrafas de vinho pelo chão.
se levanta coloca as taças e garrafas sobre o balcão da cozinha e suspira pesadamente.
- Porque já passou a minha época, eu perdi a fase de me atualizar com as tecnologias dos carros, pegar a prática de agora e toda a introdução à essa nova era. – deu de ombros, obviamente chateada.
- Benedetti, você tem 22 anos. – a loira diz se levantando e caminhando em sua direção. – Você é jovem e esperta, ainda tem muitos anos para recuperar o tempo perdido. Se bem que, - ela sorri – eu acho que quando a pessoa tem um talento como você tem, o resto é mero detalhe.
- Eu nem sei se ainda consigo pilotar. – Liza se desvencilha.
- Você dirige o seu carro. – comenta.
- Não é a mesma coisa, acredite. – diz com a voz rouca.
- Mas imagino que deva ser como andar de bicicleta. – a loira insiste. – Você pode perder a prática, mas nunca se esquece realmente.
A morena morde o lábio inferior em dúvida.
- Não sei não, .
- Você está com a faca e o queijo na mão, é só cortar. – ela se expressa com ambas as mãos. – Afinal, Ron Dennis já esperou por muito tempo.
- Ele não é mais o chefe de equipe da McLaren, o cara se aposentou já faz um tempo.
- Mas ele não é o único chefe de equipe que existe. Eu acho. – ela trata de acrescentar, não entendia absolutamente nada do mundo automobilístico. Tirar a sua habilitação foi o máximo que chegou perto de tudo isso.
- Não é assim tão fácil quanto você pensa. – Liza diz séria. – Tudo isso tem um custo muito alto. Para voltar a competir em campeonatos do meu nível, eu preciso ter patrocínios, escuderia e uma marca para representar. Depois do cancelamento com a Motorsport, eu desapareci das corridas e isso tem um preço, de ser esquecida. – ela engole em seco – Eu já não tinha muito apoio naquela época por ser mulher, agora então em uma retomada na carreira vai ser muito mais difícil simplesmente encontrar alguém que queira se associar à minha imagem. Aceite, acabou para mim. O laço de confiança entre equipe e piloto é um vínculo feito em anos, eu não tenho mais essa possibilidade.
- Mas e as pessoas que trabalhavam com você, o seu tio, eles não podem ajudar? – a loira tenta esperançosa.
- , eu aprecio que você esteja tentando insistir nisso porque obviamente viu que me fez feliz. – ela pousa a mão no ombro da amiga – Mas é um assunto que a muito custo eu consegui esquecer, tive que enterrar lá no fundo da minha mente para que não me causasse mais dor. Eu não sei se estou preparada emocionalmente para voltar a ter isso presente em minha vida, sequer se estarei algum dia. Eu estou bem do jeito que estou, sério. – ela sorri como garantia – Nem todas as pessoas são plenamente felizes com as suas profissões e isso está OK.
- Mas...
- Por favor. Por mim. – ela a interrompe. – Esquece isso.
olha nos olhos da amiga, eles a imploravam para não persistir no assunto. Pela forma que ela falava e pelo modo que suas mãos tremiam ao tocar no passado, sabia que tinha uma profunda mágoa de tudo o que havia acontecido. E a loira sabia que era normal sentir medo de sair da sua zona de conforto, mas ela sabia que Liza não era daquele jeito.
Ela era altruísta, perseverante, corajosa e nunca aceitava um não como resposta. E esta recusa de seu próprio sonho ia contra todos os seus conceitos.
Mesmo assim acatou ao seu pedido e ficou quieta.
- Bom, eu vou tomar um banho e me deitar. – a morena diz suspirando. – Foi um longo dia e amanhã eu já vou começar a procurar outro emprego.
assente à contragosto.
- Boa noite.
- Boa noite.
Quando Liza fecha a porta do banheiro, corre em direção a bolsa da amiga e começa a sua busca pelo seu celular. Encontrado o telefone ela o desbloqueia e segue sem hesitações até a lista de contatos.
Precisava ser rápida.
Ela percorre a lista rapidamente até que o contato "tio Fábio" pisca na tela e seus olhos brilham.
- Vou esquecer, uma ova. - ela diz e aperta o botão da chamada. – É para o seu próprio bem.
O telefone toca duas vezes antes de ser atendido.
Contudo, por baixo daquela excelente postura, linguajar culto e boas referências profissionais, estava uma talentosa pilota automobilística e grande parte da sua roda social não fazia ideia disso.
Sua história começou cedo quando ainda tinha apenas seis anos. Com a mãe sendo sócia de uma grande rede de farmácias e o pai supervisor de uma equipe de bioquímicos em uma empresa multinacional, ela ficava sob os cuidados do tio.
Fabio Benedetti era jovem, um rapaz impulsivo que passou a morar com a irmã mais velha depois que a mãe decidiu largar tudo no Brasil para se aventurar pela Europa. No entanto, ele não deixava que sua obrigação como babá o impedisse de viver suas aventuras, portanto levava a garota para jogos de futebol, jogos de basquete e, a sua paixão pessoal, corridas.
Mostrou-a a história das corridas, as suas etapas, o grande campeonato de Fórmula 1, os bastidores por trás das máquinas potentes, a beleza do deslizar dos carros pelo asfalto e os grandes ídolos do esporte.
A menina ficou tão encantada que fez com que o tio a levasse para pilotar qualquer máquina que a fizesse ser tão veloz quanto e foi no kart por onde começou, mostrando que não era somente uma atenciosa espectadora, mas uma pilota dominante.
Inspirada pela história de Ayrton Senna, grande ídolo brasileiro, ela se atentava a todas as formas de percorrer um caminho até a vitória.
Apesar de o esporte ser dominante por homens, a garota não se deixava abalar. Aprendeu a ser rápida, a percorrer trajetórias, frenagem, dosagem da aceleração, posição do volante, a largar, ultrapassar, evitar uma ultrapassagem, saber se posicionar na pista e planejar uma corrida.
Ela prestava atenção a todo detalhe no acerto do chassi e motor acompanhando o tio a montar e desmontar os karts e com isso adquirir conhecimento sobre as minuciosas particularidades daquela ferramenta.
Assim, aos oito, começou a participar de corridas em campeonatos mirins regionais. Ganhava sete corridas de dez competidas e sempre alcançava o pódio, um lugar entre os três primeiros colocados.
Vista a grande fascinação da menina pelo esporte e seu inegável talento natural, os pais – mesmo que a contragosto – autorizaram que o tio a levasse para campeonatos mirins municipais.
Dos municipais ela seguiu para os estaduais e, com 14 anos, já era dominante nas pistas e tinha uma extensa lista de vitórias no bolso.
Na época, ela sofria muito preconceito por ser atuante em um esporte masculino e a maioria das crianças a recriminavam, acusando-a de ser "Maria-João" e inúmeros outros adjetivos maldosos. Por isso não tinha muitos amigos, resumia-se à Natalia, uma colega da sua classe; Raul, um dos competidores que disputava as mesmas provas que ela, e seu tio.
Muito madura para a sua idade ela ignorava os maus comentários e voltava seu foco completamente para o seu objetivo, se tornar uma pilota de Fórmula 1.
As condições não eram as mais acessíveis, o esporte sempre teve um custo muito alto e seus pais não eram completamente a favor da sua escolha, vetando-a de receber qualquer valor para isto. Apesar de sempre estar recebendo prêmios em valores monetários nas disputas, não era sempre que eles podiam cobrir as quantias para que ela pudesse ter as melhores condições de motor, chassi e adereços.
Ainda aos 14 anos, apesar de todas as adversidades, ela terminou o campeonato juvenil vitoriosa e passou para a Fórmula 4, a primeira escala no automobilismo fora do kart. A maioria dos pilotos eram mais velhos, por volta dos 16 e 17 anos, mas mais uma vez não se deixou abalar.
Ela disputa um campeonato na Argentina, onde mostra grande desenvoltura e termina em segundo lugar no pódio. Lá ela chama a atenção de uma equipe alemã de automobilismo, a Motorsport, que a propõe um contrato como pilota júnior até que atingisse 16 anos, idade a qual estaria oficialmente liberada para dirigir automóveis e assim disputar em campeonatos maiores.
A oportunidade na Alemanha é quase vetada pela mãe, porém o pai a convence de que essa era uma chance em milhares e que a filha deles realmente era reconhecida pelo seu talento.
- Você foi para a Alemanha? – interrompe boquiaberta.
A morena sorri.
- Com todas as despesas pagas pela Motorsport.
- Que sonho! – a loira sorri encantada.
Já na Alemanha, ela mostra sua determinação e se supera em cada obstáculo. Os campeonatos alemães da F4 são os mais disputados e, portanto, melhores para a formação de seus pilotos.
Assim, ao atingir 15 anos, ela começa a disputar uma temporada como pilota titular e traz uma avalanche de vitórias para a equipe da Academia juvenil, alcançado terceiro e segundo lugar diversas vezes, terminando a temporada em segundo lugar na classificação geral.
Aos 16 anos chama a atenção da requisitadíssima Fórmula Renault 2.0., Campeonato Europeu, conhecida por ser onde grandes campeões de Fórmula 1 estiveram no início da carreira. Neste ponto, já está em velocidade total, sonhando que a qualquer momento estaria pondo os seus pés no campeonato tão sonhado.
Ela compete uma temporada completa, viajando por diversos países, entre eles Itália, França e Portugal. Conhece alguns agentes, empresários e mesmo patrocinadores. Contudo, na época, a sua aptidão não era tão aclamara como a de seus adversários, o gênero masculino ainda era muito forte, e isto a fez perder diversos contratos e oportunidades para melhor aprimoramento da carreira.
Mesmo assim, seu desempenho a faz campeã da temporada naquele ano, despertando o interesse de marcas grandes e famosas escuderias. Entre elas a tão sonhada McLaren, mesma onde o ídolo Ayrton Senna fez o seu nome nos anos 80.
- Me fala que eles te chamaram, por favor. – pede com os olhos brilhantes.
sorri orgulhosa, relevando: - No final da entrega dos troféus, Ron Dennis me procurou.
- Traduza, por favor. – a loira faz uma careta engraçada.
- Ele era o chefe de equipe da McLaren. – Liza conta – Ele me deu o cartão dele e disse para eu o procurar quando atingisse a maioridade, para entrar no programa juvenil deles.
não consegue controlar um gritinho empolgado.
- Ele disse que já vinha notando o meu talento há algum tempo e que eu podia ter um futuro promissor como pilota da McLaren. – a morena termina a fala suspirando.
A amiga nota um crescente tom de tristeza tomar conta da conversa.
- Mas não foi o que aconteceu, já que está aqui tomando vinho comigo. – a loira diz bebendo outro gole do líquido. O conteúdo da segunda garrafa já havia acabado, restava meros goles em ambas as taças.
- Quando meus pais viram que correr estava passando de um mero hobby para a minha real profissão, me vetaram. – Liza diz cabisbaixa. – Só que eles nunca entenderam que eu nunca levei isso como um mero passatempo, eu realmente me via fazendo aquilo pelo resto da minha vida. E eles tinham muito medo disso, de eu me machucar como outros pilotos já se machucaram. É um esporte perigoso, afinal.
- Eles simplesmente não aceitaram e foi isso? Largou mão de tudo que tinha conquistado? – questiona indignada.
- Eu ainda era menor, legalmente ainda não tinha idade para tomar essas decisões. – explica. – Além do medo, tinha o fato de que minhas notas na escola estavam péssimas e o número de faltas era gigantesco porque eu mal parava em casa. – ela bufa cansada. – Então eles cancelaram meu contrato. Tivemos que pagar uma multa caríssima sobre a quebra de contrato com a Motorsport e partir, então eles me proibiram de voltar a correr. Venderam meu kart e se livraram de todos os meus troféus.
- Que triste, amiga. – a loira diz pousando a mão no ombro da outra.
- Foi como se eles tivessem tirado um órgão de mim, algo que eu realmente precisava para viver. – ela prossegue, após engolir em seco. – Eu entrei em depressão, não queria mais sair de casa, comer, sequer me levantar da cama.
tapa a boca, horrorizada.
- Passei por muitas sessões de terapia para me recuperar. – Liza conta. – E, para suprir essa falta, eles me colocaram em um monte de cursos profissionalizantes. – ela ri sem humor – Não que eu reclame, afinal, isso acabou ajudando muito. Virei até poliglota. – por final sorri.
A amiga sorri em apoio e volta a olhar as fotos. Na maioria delas, para não falar em todas, a amiga tinha um intacto sorriso grandioso nos lábios e o brilho de gratificação nos olhos. Aquela tinha sido uma parte muito importante da vida dela, estava claro.
- Então essa é a sua área. – diz com convicção.
- Esta era a minha área. – diz recolhendo as fotos espalhadas no chão e as recolocando de volta na caixa.
- Por que não pode ser mais? – a loira indaga enquanto observava a amiga guardar a caixa de volta no gavetão do rack e recolher as taças e garrafas de vinho pelo chão.
se levanta coloca as taças e garrafas sobre o balcão da cozinha e suspira pesadamente.
- Porque já passou a minha época, eu perdi a fase de me atualizar com as tecnologias dos carros, pegar a prática de agora e toda a introdução à essa nova era. – deu de ombros, obviamente chateada.
- Benedetti, você tem 22 anos. – a loira diz se levantando e caminhando em sua direção. – Você é jovem e esperta, ainda tem muitos anos para recuperar o tempo perdido. Se bem que, - ela sorri – eu acho que quando a pessoa tem um talento como você tem, o resto é mero detalhe.
- Eu nem sei se ainda consigo pilotar. – Liza se desvencilha.
- Você dirige o seu carro. – comenta.
- Não é a mesma coisa, acredite. – diz com a voz rouca.
- Mas imagino que deva ser como andar de bicicleta. – a loira insiste. – Você pode perder a prática, mas nunca se esquece realmente.
A morena morde o lábio inferior em dúvida.
- Não sei não, .
- Você está com a faca e o queijo na mão, é só cortar. – ela se expressa com ambas as mãos. – Afinal, Ron Dennis já esperou por muito tempo.
- Ele não é mais o chefe de equipe da McLaren, o cara se aposentou já faz um tempo.
- Mas ele não é o único chefe de equipe que existe. Eu acho. – ela trata de acrescentar, não entendia absolutamente nada do mundo automobilístico. Tirar a sua habilitação foi o máximo que chegou perto de tudo isso.
- Não é assim tão fácil quanto você pensa. – Liza diz séria. – Tudo isso tem um custo muito alto. Para voltar a competir em campeonatos do meu nível, eu preciso ter patrocínios, escuderia e uma marca para representar. Depois do cancelamento com a Motorsport, eu desapareci das corridas e isso tem um preço, de ser esquecida. – ela engole em seco – Eu já não tinha muito apoio naquela época por ser mulher, agora então em uma retomada na carreira vai ser muito mais difícil simplesmente encontrar alguém que queira se associar à minha imagem. Aceite, acabou para mim. O laço de confiança entre equipe e piloto é um vínculo feito em anos, eu não tenho mais essa possibilidade.
- Mas e as pessoas que trabalhavam com você, o seu tio, eles não podem ajudar? – a loira tenta esperançosa.
- , eu aprecio que você esteja tentando insistir nisso porque obviamente viu que me fez feliz. – ela pousa a mão no ombro da amiga – Mas é um assunto que a muito custo eu consegui esquecer, tive que enterrar lá no fundo da minha mente para que não me causasse mais dor. Eu não sei se estou preparada emocionalmente para voltar a ter isso presente em minha vida, sequer se estarei algum dia. Eu estou bem do jeito que estou, sério. – ela sorri como garantia – Nem todas as pessoas são plenamente felizes com as suas profissões e isso está OK.
- Mas...
- Por favor. Por mim. – ela a interrompe. – Esquece isso.
olha nos olhos da amiga, eles a imploravam para não persistir no assunto. Pela forma que ela falava e pelo modo que suas mãos tremiam ao tocar no passado, sabia que tinha uma profunda mágoa de tudo o que havia acontecido. E a loira sabia que era normal sentir medo de sair da sua zona de conforto, mas ela sabia que Liza não era daquele jeito.
Ela era altruísta, perseverante, corajosa e nunca aceitava um não como resposta. E esta recusa de seu próprio sonho ia contra todos os seus conceitos.
Mesmo assim acatou ao seu pedido e ficou quieta.
- Bom, eu vou tomar um banho e me deitar. – a morena diz suspirando. – Foi um longo dia e amanhã eu já vou começar a procurar outro emprego.
assente à contragosto.
- Boa noite.
- Boa noite.
Quando Liza fecha a porta do banheiro, corre em direção a bolsa da amiga e começa a sua busca pelo seu celular. Encontrado o telefone ela o desbloqueia e segue sem hesitações até a lista de contatos.
Precisava ser rápida.
Ela percorre a lista rapidamente até que o contato "tio Fábio" pisca na tela e seus olhos brilham.
- Vou esquecer, uma ova. - ela diz e aperta o botão da chamada. – É para o seu próprio bem.
O telefone toca duas vezes antes de ser atendido.
Capítulo 2
Já havia se passado uma semana desde que havia sido demitida. Sete dias sem precisar seguir horários, organizar sua agenda, frequentar reuniões, revisar papeladas, realizar tarefas e ela já estava no seu extremo da frustração. Odiava não ter nada produtivo para fazer.
Por isso havia criado uma rotina organizada em casa.
Às oito horas da manhã ela acordava, punha um café para ser preparado em sua cafeteira, descia até a padaria na esquina da rua de seu condomínio para comprar dois pães e tomava o seu café da manhã. Às oito e quarenta ela abria o seu notebook na página de notícias do mundo e lia algumas matérias para se atualizar. Às nove começava a sua busca online por vagas de emprego, havia feito uma assinatura em um classificado e, de vez em quando, participava de algumas pré-seleções de vagas.
Às dez e meia ela tinha aulas de alemão, havia se cadastrado em um curso online com professores nativos, e se divertia com os sons que as palavras tinham. Às onze e meia ela começava a preparar o almoço ou se arrumava para almoçar fora, fosse com a ou Rafael, com quem tinha um quase relacionamento estável.
Eles estavam há agradáveis cinco meses juntos e podia dizer que Fael a fazia feliz. Ao menos ele não era daqueles caras super possessivos que precisam saber cada passo que a parceira dá.
Eles tinham conversas agradáveis, riam bastante quando estavam juntos e tinham gostos semelhantes. Não compartilhavam tudo de suas vidas, mas acreditava que era um ponto saudável do relacionamento.
Ela já havia namorado outras vezes e tinham sido tão agradáveis quanto. Seus relacionamentos, porém, tinham data de validade e não passavam de sete meses. Geralmente porque os companheiros procuravam por estabilidade, oficializar um compromisso e dar passos importantes na relação, mas com nenhum deles sentira que estava realmente amando a ponto de se comprometer.
O mesmo acontecia no seu rolo com Fael. Mesmo que o relacionamento deles estivesse caminhando decentemente, ela ainda sentia que não estava entregue a ele. Ela os via mais como bons amigos do que como um casal realmente. E isso com certeza era um problema, que ela não lidaria até que fosse necessário intervir.
Seguindo, às duas da tarde ela voltava a procurar por vagas de empregos. Depois disso tinha o resto da tarde e noite livre. O que era legal no início, mas já estava a deixando agoniada.
Teve dias que ela se permitiu ir aproveitar a noite em alguns barzinhos da Vila Madalena e bebeu cerveja de qualidade. Outros ela apenas ficava no sofá da casa assistindo séries as quais nunca tinha tido tempo para serem finalizadas. Mas o tédio era sempre constante, ele ia e vinha frequentemente e ela não sabia até quando aguentaria.
Estava começando a considerar se voluntariar como vigia do seu prédio, visto o anúncio deixado no elevador no começo da semana. E naquela manhã, quando trocava de roupas para ir à padaria, decidiu que iria passar na portaria do prédio para saber mais sobre a vaga.
No entanto, enquanto escovava os dentes, o interfone do apartamento toca. se apressa em enxaguar a boca rapidamente a tempo de atender a chamada.
Ela corre até a cozinha e pega o aparelho.
- Oi.
- Dona , o Sr. Fabio está aqui na portaria. Tem permissão para subir? – a voz do porteiro questiona de modo formal.
- Fabio? – ela indaga, enrugando a testa. – Não conheço nenhum Fabio.
- Ele disse que é seu tio. – o porteiro diz depois de um tempo em silêncio.
- Isso é impossível, meu tio está no Reino Unido. – ela diz risonha.
"Posso falar com ela?" – escuta a voz inconfundível no fundo da ligação. Logo o telefone é passado de mão e a voz soa clara em seus ouvidos – Cacete, . Me libera logo, a viagem foi cansativa para porra.
- Tio Fábio! – ela esbraveja feliz. – Não estou acreditando!
- Tá, tá, pode falar o quanto está radiante pela surpresa mais tarde, mas agora libera a minha subida. Tá legal? – ele pede num tom jocoso de impaciência.
- Claro. – ela diz e escuta o telefone ser passado de uma mão a outra novamente. – Pode liberar a subida, Mauro.
Ela ainda estava desacreditava mesmo vendo seu tio em carne e osso do lado de fora da porta de seu apartamento. Ele estava um pouco mais velho, mas eram os mesmos olhos avelã herdado da família, os mesmos cabelos castanhos ondulados e despenteados, o mesmo cavanhaque e bigodes desenhados e o mesmo jeito de moleque que sempre teve.
- Tio! – ela exalta animada e o abraça forte.
- Puxa vida! Como você cresceu! – ele diz retribuindo o abraço na mesma intensidade. – Achei que ia ficar com um metro e meio para sempre. Você sabe, dizem que só se cresce até os 16.
ri.
- Como eu senti falta desse seu bom humor. – ela diz afastando-se e dando passagem para que ele entrasse no apartamento, carregando uma mala média de rodinhas consigo.
- Não teria sentido se me ligasse mais vezes, - ele diz ao parar a mala em um canto da sala e se virar para ela cruzando os braços – seus pais te proibiram de me ver, não de falar comigo.
- Me desculpe mesmo. – ela diz com sinceridade. – Eu fiquei tão atarefada nesses últimos anos que nem para a vovó eu ligo com frequência. Toda vez que ela me liga, me xinga horrores.
- Eu sei, eu ouço. – ele diz. – Aquela mulher vira um dragão quando está nervosa. Pessoas no raio de dez metros conseguem ouvi-la quando está dando bronca em alguém.
- Aliás, como ela está?
- Muito bem para uma vovozinha aventureira. – ele ri. – Ela está com mais energia que eu. A mulher faz tanta coisa que às vezes eu me sinto perdido. Até em grupo de escalada ela está.
Emília Benedetti era uma italiana desbravadora. Havia se aventurado quando jovem, fugindo de casa para vir pular carnaval no Brasil, se aventurou quando se casou com um brasileiro e decidiu por abandonar tudo no próprio país para ficar com ele, se aventurou ao ter sucesso em uma carreira como guia turística no país e não deixou de se aventurar quando o amor de sua vida faleceu de câncer no pâncreas.
não se recordava muito dele, porque era pequena quando tudo aconteceu, mas sua mãe dizia como a avó havia sofrido na descoberta e progressão da doença. Câncer é uma merda.
Emilia havia ficado ao lado do marido até o final, fez todas as suas vontades e não havia deixado lhe faltar absolutamente nada, por isso tinha o sentimento de dever cumprido quando ele partiu.
Então, na opinião da neta, a avó tinha mais do que o direito de aproveitar os anos que lhe restava da forma que achasse melhor. Os filhos aprovando sua decisão ou não.
- Eu quero ter esse espírito jovem da vovó quando estiver com na idade dela. – diz sorrindo orgulhosa.
- Realmente. – o tio concorda.
- Mas, me fala, o que está fazendo por aqui? E, ainda por cima, sem avisar? – ela questiona sorridente. – Me pegou de surpresa.
- Essa era a intenção. – ele piscou. – Eu queria rever a minha sobrinha preferida, que mal à nisso?
- Sou sua única sobrinha. – ela cerra os olhos brincalhona.
- E por isso eu decidi que não vou mais prolongar essa besteira de ficar evitando você só porque aconteceu tudo o que aconteceu. – ele contorna de forma eficaz – Eu sou maior de idade, você agora também é e, de qualquer forma, isso não importa mais, seus pais estão separados mesmo. Não é como se estivéssemos infringindo alguma regra.
- Nunca liguei para a opinião dos meus pais, mas sempre tive que acatá-las. – ela dá de ombros. – Hoje não mais, faço minha própria vida. Só não mantive contato com você porque você foi para o cacete do Reino Unido. Como que foi esses tempos por lá?
Eles conversavam e se atualizaram da vida um do outro até que a fome bateu e a barriga de roncou. Pela aparição inusitada e feliz, a jovem concluiu que era merecido saírem para comer decentemente em uma padaria agradável.
O tio imediatamente readquiriu suas energias, parecia muito animado na caminhada que faziam até a garagem dos prédios.
- Você tem um Gol. – ele comenta alegre quando as luzes do carro piscam ao destravar o alarme. – É a sua cara.
- Não esperava uma Maserati, não é? – ela brinca quando entram no carro.
- Se for para ser nesse nível, você tem mais cara de Porsche. – ele diz e ambos riem.
Fabio nota a agilidade do ligar até a desenvoltura da forma que ela manobrava o carro, mas nada comentou. Não falaria nada sobre o tal assunto. Por enquanto.
Contudo não fora surpresa alguma a velocidade em que percorria por entre os carros, as ultrapassagens rápidas e, até mesmo, perigosas para o trânsito de uma metrópole, mas ele sabia que ela fazia aquilo involuntariamente como se os seus sentidos executassem a ação antes que ela sequer pensasse.
Não demoraram a chegar a uma padaria grande e requintada.
- Então, demitida, hein? – Fabio cita quando terminam de fazer os seus pedidos à garçonete.
- Cortes no orçamento. – ela dá de ombros. – Não é como se eu fosse a prioridade deles.
- Eles também não eram a sua. – ele observa. – O lado bom é que você agora tem muito tempo livre.
- Não sei o que tem de bom nisso. – ela ri anasalada – Você conhece o ditado, "mente vazia, oficina do diabo".
- Credo, você falou exatamente como o seu pai agora. – ele faz uma careta enojada. – Aliás, como que está aquele filho-da-mãe?
- Bem. – ela assente. – Com uma namorada com, literalmente, a idade da filha dele e tentando acompanhar a fase juvenil dela. – ambos fazem uma careta – Mas se ele está feliz, por mim tudo bem. O vi no final de semana retrasado, fomos jogar paintball. A mira dele continua péssima.
- E sua mãe com isso?
- Está O.K. O divórcio foi mais amigável do que eu pensei, acho que eles ficaram aliviados por não terem mais que manter as aparências de que um não combinava mais com a vida do outro. – ela ri – Minha mãe, claro, está cada vez mais focada na rede de farmácias, que está a triplicar o número de lojas, e enchendo aquela casa gigantesca com dinossauros.
A garçonete traz o pedido deles, que não demoram a abocanhar sem parar a conversa por isso.
- Dinossauros? – o tio indaga depois de engolir um pão de queijo. – Tipo, fósseis?
- Não. – ri. – Cachorros gigantes. Ela comprou dois São Bernardo que tomam conta da casa.
- Nada mais apaziguador do que filhos que não a contradigam, certo? – Fábio ri. – Sua mãe sempre gostou de ser uma doutrinadora.
- É. – ela ri e dá um gole no suco de laranja. – Mas ela também está feliz e, pelo visto, está tendo uns encontros às escondidas com um cara aí. Então eu também fico feliz.
- E você?
- O que tem eu? – ela rebate distraída.
- Todo esse tempo você tem falado que as pessoas estão felizes e que você está feliz por elas. Mas você está feliz por você? – ele questiona sério.
dá um meio sorriso.
- Estou.
- Você se esqueceu que eu te conheço desde quando ainda usava fraldas? – Fabio questiona brincalhão. – Eu sei quando está mentindo.
- Não estou mentindo. – ela persiste e, quando vê que ele vai contradizê-la, continua: – Eu sou feliz com a minha vida, sou agradecida por ela. Sou privilegiada por ter o que tenho, por ter tido a oportunidade de ter feito tudo o que fiz. Para alguém na minha idade fico satisfeita em já ter saído de casa, ser financeiramente independente dos meus pais, ter o meu carro e poder comprar as minhas coisas.
- Mas você poderia ter bem mais. – ele instiga.
- Tio Fábio, por favor. – ela pede, já sentindo o assunto que viria a seguir.
- O que? – ele questiona fingindo-se estar desentendido. – Esse é o momento certo para você ir atrás do que sempre quis e ser plenamente feliz. Porque eu sei que você não está satisfeita do jeito que as coisas estão agora.
Ela morde a bochecha por dentro, ganhando tempo.
- Nós dois sabemos que isso não é mais possível. - diz depois de um tempo.
- Não. Eu sei que é possível e você acha que não é. – ele diz arrancando-lhe uma risada contida. – Você tem um talento, um talento que poucas pessoas foram gratificadas em ter. Sabe quantas vezes eu quis ter essa habilidade no volante como você tem? – ele arqueia a sobrancelha esquerda. – Eu mataria para ter, mas não é possível. Porque é um dom. Você nasceu com isso.
- Muito cedo para filosofar, não acha? – ela questiona divertida e ele a olha com cara feia.
- Não muda de assunto.
Ela revida os olhos teatralmente.
- A questão, tio, é que eu não sou mais aquela garota de 16 anos. – ela diz. – Eu mudei, você mudou, todos passamos por uma evolução durante esses seis anos. E eu não sei se estou preparada para enfrentar tudo aquilo de novo. – ela admite, encolhendo os ombros – Eu fiquei muito instável emocionalmente depois daquilo e não estou certa de que retornar para um ambiente em que eu fui muito hostilizada, insultada, vítima de preconceito pelo meu gênero é o melhor para mim no momento.
- Você sofreu muito lá sim, eu vi tudo isso. – ele pousa a mão em cima da dela por cima da mesa – Mas a sensação de ter uma máquina potente no seu comando, como ela desliza pela pista naquele asfalto macio, a velocidade que faz o seu estômago congelar, a sensação de que você está voando e, ainda por cima, fazer aquele bando de mauricinhos metidos comer poeira não recompensa tudo isso?
Por um momento se pega presa nesse misto de sensações e tem recordações vívidas onde vivenciava tudo aquilo. Faltou pouco para ela sentir o vento batendo contra o seu corpo e a pressão nos seus dedos sob o volante.
- Aonde quer chegar com isso? – ela indaga depois de despertar.
- Te fazer perceber que ser pilota é o que você é, e não tem como negar a sua origem.
Eles finalizam o seu café e o tio cobre toda a conta, disse que era o mínimo que podia fazer. Na volta para o carro o tio é quem toma a direção do carro e não o contraria.
Quando estão tomando um caminho diferente do para o condomínio onde ela morava, ela questiona: - Aonde estamos indo?
Fabio a olha de canto do olho e sorri.
- No autódromo de Interlagos. Tem uma coisa lá que eu quero você veja.
(...)
É indescritível a sensação que sentia ao estar de volta, depois de longos anos, a um autódromo.
Seu tio conseguira acesso às arquibancadas e, mesmo que não estivesse ocorrendo uma corrida no momento e o lugar estivesse completamente vazio, a emoção que arrepiava desde a sua espinha até os pelos eriçados em seu braço era impagável.
Ela percorreu os olhos pela extensão daquele circuito e parou em um trecho específico que ligava o fim da reta dos boxes à curva do sol. As duas curvas que formavam um S, nomeado carinhosamente como o S do ídolo Ayrton Senna.
Lembrar-se de Senna a fazia lembrar a sua determinação, resiliência, dedicação e o quanto era motivado. Consequentemente se sente envergonhada. No passado ela levava cada ensinamento do ídolo ao pé da letra e se, ainda tivesse comprometimento consigo mesma e com seus sonhos, não pensaria duas vezes em retornar ao esporte que tanto amava. Senna estaria decepcionado com o que ela havia se tornado.
se lembrava claramente da primeira vez que havia pisado ali. Com seis anos de súbito ela decidira que queria ser como aqueles pilotos. Ela queria sentir o arrepio de estar controlando um carro potente, de percorrer aquele circuito e trabalhar com uma equipe legal.
Nunca teve a oportunidade de competir naquele autódromo porém, e não queria aceitar a ideia de que nunca teria a oportunidade. Isso se ela optar por continuar como analista de exportação.
Fabio nota o local onde o olhar da sobrinha está preso e não consegue evitar sorrir, era exatamente o efeito que esperava ter com aquela visita. Contudo, isso não bastava.
- Vamos. – ele diz encaminhando-se para a saída da arquibancada.
- Vamos aonde? – ela indaga seguindo seus passos com tranquilidade.
- Quero que conheça um velho conhecido meu.
Eles percorrem os corredores externos, em uma caminhada vagarosa e tranquila na direção das garagens. Como o tio havia conseguido acesso à uma parte tão restrita do autódromo era o que passava pela cabeça da jovem, mas o questionamento sumiu quando ficaram tão próximos da pista principal.
Ela admirou aquele asfalto impecável, que se assemelhava à um tapete de veludo extenso. Uma grade de ferro a separava daquela superfície em que estava louca para sentir, usufruir, percorrer.
Chegado às garagens, Fabio entra no quinto portão, o único que estava aberto. está um pouco atrás e, quando seus olhos pousam no que estava dentro daquele cubículo, suas pernas travam do lado de fora.
Seu coração sob o peito tamborilou, suas mãos transpiraram e ela podia sentir sua pressão cair gradativamente.
- ? – o tio a chama quando nota sua ausência.
Mas os olhos dela estão vidrados naquele carro único, o inconfundivelmente gritante modelo MP4/4 de Fórmula 1. As rodas grandes e desgastadas, a lataria pintada de branco com detalhes vermelhos, a asa traseira com o símbolo marcante da Marlboro e o número 12 pintado em vermelho no bico frontal do carro falavam por si só.
Aquele era o carro em que Ayrton Senna ganhou o campeonato mundial em 1988.
As lágrimas vieram involuntárias marejando seus olhos. Ela não podia acreditar.
- Benedetti. – uma voz masculina, diferente da de seu tio, capta a sua atenção.
Um homem por volta de seus 35 anos de cabelos castanhos, olhos calmos, sorriso fácil e de fisionomia conhecida por tamanha semelhança, estava ao lado do carro. Ela sabia quem era ele, havia assistido algumas de suas corridas e torcido como se estivesse fazendo pelo próprio ídolo. Ele era Bruno Senna o também piloto e sobrinho de seu ídolo.
- Ah, meu Deus! – ela sopra, limpando os cantos dos olhos e piscando algumas vezes para focar a visão. Não estava acreditando quem estava parado diante dela.
O homem sorri e se aproxima.
- É um grande prazer finalmente te conhecer. – ele diz estendendo a mão em sua direção.
- Me conhecer? – ela ri abobalhada apertando sua mão. – É um grande prazer conhecer você!
- Fico honrado. – ele sorri simpático.
- Essa realmente é... – ela induz em tom de indagação, apontando para o carro.
- Ela mesma. Ao vivo e a cores.
- Puta merda! – escapa de sua boca, mas ela não se importa. Seus olhos percorrem o carro novamente e ela não consegue controlar: – Eu posso tocar?
- Tocar? – ele arqueia uma sobrancelha aos risos. – Quero que você a pilote.
- O que? – sua voz sobe três oitavos, boquiaberta.
- Chamei o Bruno aqui hoje porque sua amiga me ligou falando o quanto você tem estado incomodada com o vazio que sente em sua vida. – Fabio revela, aproximando-se dos dois. – Todos nós sabemos o que está faltando aí e o Bruno concordou comigo que é um pecado você estar tanto tempo longe das pistas. Ele está aqui para te fazer perceber que não há outra coisa que te faça mais feliz do que pilotar um carro.
- E nada melhor do que pilotar o carro do ídolo para fazer você repensar as suas decisões. – Bruno completou. – Eu acompanhei a sua trajetória quando mais nova e é inegável o quanto você é talentosa. É um erro esconder todo esse potencial atrás de uma mesa de escritório.
- Espera aí, - ela pede, confusa. – eu estou um pouco perdida. Primeiro de tudo, como vocês se conhecem?
- No final da temporada da Fórmula Renault 2.0 que você disputou eu entrei em contato com o seu tio. – Bruno revela. – Eu queria saber mais sobre a primeira brasileira, próxima mulher, que iria disputar o GP da Fórmula 1.
- Você vê isso acontecendo? – ela questiona com um sorriso bobo no rosto.
- Claramente. – ele diz veemente.
- Mas e os patrocinadores, os contratos que eu perdi... – ela começa.
- Tudo isso vai ser recuperado, faço questão de ajudar com isso. Tenho muitos contatos. – ele a interrompe, com confiança. – Você só tem que se sentar atrás do volante e dar o seu show. Precisa relembrar que nada mais importa depois que o sinal verde da largada apita. É você, o carro e a pista. Só isso importa.
pousa os olhos no carro novamente e respira fundo.
- Eu não sei se consigo.
- Consegue. – o tio diz, empurrando um capacete verde e amarelo em suas mãos. – Eu tenho fé em você.
- Meus Deus, esse não é o... – ela esbraveja admirando o capacete em mãos.
- Não. – Bruno adianta-se em negar, rindo do evidente desespero da garota. – Esse é uma réplica, os dele estão em exposição em museu.
- Ufa. – ela suspira aliviada. – Acho que eu me culparia pelo resto da vida se suasse no capacete que foi do Ayrton.
Os três riem.
- Está pronta? – Fabio pergunta, indicando o carro com a cabeça.
- Não. – ela diz. – Mas eu vou mesmo assim.
veste o macacão de proteção simples, preto, a touca, prende os cabelos por dentro do macacão, calça as luvas e mira o capacete. Tinha se esquecido da última vez que havia feito aquele ritual. Como em todas e cada vez que colocou aqueles trajes, ela se sentiu eufórica. O coração acelerou e seus instintos redobraram. Ela não pôde evitar sentir ansiedade.
O carro foi posto na pista e ela se encaminhou em sua direção com as pernas tremendo e capacete em mãos geladas.
Ela mira o cockpit, tentando absorver todo e cada detalhe do banco, painel e espaço onde dali a poucos minutos ela teria a honra de estar.
Bruno e Fabio se aproximam dela e o primeiro indica o volante em suas mãos.
- Não consigo acreditar que isso está mesmo acontecendo. – ela diz colocando o capacete na cabeça e acertando a fivela de segurança. À esta medida ela tem que secar as lágrimas que já desciam incontroláveis pelos seus olhos, atrapalharia a sua visão de dentro do capacete.
Respirando fundo, ela pega o volante das mãos de Bruno e monta no carro. Enfiando as suas pernas até alcançar os pedais e encaixando o volante no painel.
Ao contrário do que esperava, o carro não cheirava à suor e sim à eucalipto, um suave aroma de limpeza que significava que a família tinha cuidados atenciosos com aquele carro – ganho por Senna em uma aposta com Ron Dennis em uma de suas corridas. Desde então, Senna guardava o carro em casa e, após a sua morte, a família ficado com sua posse. O banco, o painel, cinto, alças e pedais eram completamente restaurados, como se fossem novos. O McLaren estava sendo bem cuidado.
Ela passa as mãos ao redor do volante, sentindo através das luvas todo o peso de estar comandando uma máquina histórica. Não controla o sorriso, era automático e inevitável.
Era aquilo. Estava acontecendo. Ela ia correr novamente.
E no carro e circuito de seu ídolo.
Seu coração triplica a velocidade das batidas.
- Esse é um carro antigo, por isso as engrenagens são diferentes das que estava acostumada. – Bruno diz apoiando-se na lataria para passar-lhe as instruções. – No geral, falta muitas coisas se comparado à tecnologia atual. Mas eu sei que você dá conta.
- Não estamos com o rádio, portanto não tem como se comunicar conosco enquanto estiver lá. – Fabio diz. – Esse é um momento seu, e vai poder fazer o que quiser.
- Faça quantas voltas você achar necessário, não tem problema algum. – Bruno diz – Só tome cuidado, estes são pneus macios e foram trocados recentemente, mas já são usados coisa de uma ou duas voltas, no máximo. Não temos uma equipe para trocá-los aqui, então por favor, os poupe.
- Entendido. – ela diz sorrindo. – Muito obrigada, não sei dizer o quanto eu estou emocionada agora.
- Só aproveite. – Bruno diz e dá um tapinha na lataria antes de se afastar junto de Fabio.
aperta o botão no volante e o ronco do motor faz todo o seu esqueleto tremer de emoção. Ela dá partida e o carro começa a se movimentar vagarosamente até a pole position, a primeira posição de largada.
Ela olha o semáforo completar suas luzes vermelhas, cada luz acessa uma pontada gelada em seu estômago e, quando se apagam, ela acelera como há muito tempo não fazia.
O carro partiu de forma veloz e seu corpo pressionado contra banco com a pressão do vento. Preparação física, ela precisava com urgência. Mas conseguiu relevar os primeiros instantes de aderência à pista e resistir aos contras.
O velocímetro marcava 200 quilômetros por hora e ela reduz, porque logo vem a primeira curva. Suas mãos giravam nos sentidos conforme a pista automaticamente, seus olhos rapidamente seguiam o circuito enquanto acertavam a asa traseira e dianteira.
Ela troca de marcha e logo reduz para as próximas duas curvas seguidas, feitas com completo domínio – exatamente como havia dito, ela nunca desaprendeu a pilotar.
Passadas as curvas, ela pega a pista reta e acelera em seu máximo. O carro está com vibração, mas ela deduz que é normal devido à sua idade, e diminui o grau da asa traseira para melhor dinâmica.
Todo o percurso parecia estar gravado em sua mente, de tantas corridas já havia assistido ali, e suas mãos se moviam sozinhas através dos comandos certos.
Ela puxa uma lufada de ar, controlando o choro.
Ela podia sentir como se tivesse o ídolo ali junto dela, de tão íntima que se sentia com aquele carro, mesmo nunca tendo o pilotado antes.
Quando chega às curvas em formado S não consegue controlar as lágrimas que despencaram pelo seu rosto. Ela reduz a velocidade e abre a viseira do capacete, já embaçada.
Tirando uma mão do volante, ela limpa os olhos com o tecido da luva rapidamente e logo trata de fechar a viseira para voltar à mão ao seu lugar.
O final da sua primeira volta é marcado pela passagem da faixa quadriculada no chão, mas ela não quer parar. Por isso acelera mais uma vez e faz o trajeto tudo de novo. Duas, três, quatro, sete, nove, 12 vezes.
Cada vez mais querendo testar os seus próprios limites e superando qualquer medo tolo que havia passado por sua cabeça. Ela queria retomar. Não, ela tinha que retornar à sua grande paixão. E ela sabia que poderia passar por qualquer coisa desde que pudesse ter suas mãos no volante de uma máquina potente.
No final da décima quarta volta, ela para na pista interna - a pit lane - em frente de Fabio e Bruno, e salta do carro reabastecida de adrenalina e coragem.
- E então? – Fabio questiona esperançoso enquanto ela tirava o capacete.
- "Na adversidade, uns desistem, enquanto outros batem recordes." – ela pronuncia, citando uma das mais famosas frases do ídolo. – E eu não estou pronta para desistir. – fala decidida e se vira para o tio – Me arranja um carro, o resto pode deixar comigo.
Fabio grita alegremente e bate a mão com um Bruno que sorria satisfeito.
Por isso havia criado uma rotina organizada em casa.
Às oito horas da manhã ela acordava, punha um café para ser preparado em sua cafeteira, descia até a padaria na esquina da rua de seu condomínio para comprar dois pães e tomava o seu café da manhã. Às oito e quarenta ela abria o seu notebook na página de notícias do mundo e lia algumas matérias para se atualizar. Às nove começava a sua busca online por vagas de emprego, havia feito uma assinatura em um classificado e, de vez em quando, participava de algumas pré-seleções de vagas.
Às dez e meia ela tinha aulas de alemão, havia se cadastrado em um curso online com professores nativos, e se divertia com os sons que as palavras tinham. Às onze e meia ela começava a preparar o almoço ou se arrumava para almoçar fora, fosse com a ou Rafael, com quem tinha um quase relacionamento estável.
Eles estavam há agradáveis cinco meses juntos e podia dizer que Fael a fazia feliz. Ao menos ele não era daqueles caras super possessivos que precisam saber cada passo que a parceira dá.
Eles tinham conversas agradáveis, riam bastante quando estavam juntos e tinham gostos semelhantes. Não compartilhavam tudo de suas vidas, mas acreditava que era um ponto saudável do relacionamento.
Ela já havia namorado outras vezes e tinham sido tão agradáveis quanto. Seus relacionamentos, porém, tinham data de validade e não passavam de sete meses. Geralmente porque os companheiros procuravam por estabilidade, oficializar um compromisso e dar passos importantes na relação, mas com nenhum deles sentira que estava realmente amando a ponto de se comprometer.
O mesmo acontecia no seu rolo com Fael. Mesmo que o relacionamento deles estivesse caminhando decentemente, ela ainda sentia que não estava entregue a ele. Ela os via mais como bons amigos do que como um casal realmente. E isso com certeza era um problema, que ela não lidaria até que fosse necessário intervir.
Seguindo, às duas da tarde ela voltava a procurar por vagas de empregos. Depois disso tinha o resto da tarde e noite livre. O que era legal no início, mas já estava a deixando agoniada.
Teve dias que ela se permitiu ir aproveitar a noite em alguns barzinhos da Vila Madalena e bebeu cerveja de qualidade. Outros ela apenas ficava no sofá da casa assistindo séries as quais nunca tinha tido tempo para serem finalizadas. Mas o tédio era sempre constante, ele ia e vinha frequentemente e ela não sabia até quando aguentaria.
Estava começando a considerar se voluntariar como vigia do seu prédio, visto o anúncio deixado no elevador no começo da semana. E naquela manhã, quando trocava de roupas para ir à padaria, decidiu que iria passar na portaria do prédio para saber mais sobre a vaga.
No entanto, enquanto escovava os dentes, o interfone do apartamento toca. se apressa em enxaguar a boca rapidamente a tempo de atender a chamada.
Ela corre até a cozinha e pega o aparelho.
- Oi.
- Dona , o Sr. Fabio está aqui na portaria. Tem permissão para subir? – a voz do porteiro questiona de modo formal.
- Fabio? – ela indaga, enrugando a testa. – Não conheço nenhum Fabio.
- Ele disse que é seu tio. – o porteiro diz depois de um tempo em silêncio.
- Isso é impossível, meu tio está no Reino Unido. – ela diz risonha.
"Posso falar com ela?" – escuta a voz inconfundível no fundo da ligação. Logo o telefone é passado de mão e a voz soa clara em seus ouvidos – Cacete, . Me libera logo, a viagem foi cansativa para porra.
- Tio Fábio! – ela esbraveja feliz. – Não estou acreditando!
- Tá, tá, pode falar o quanto está radiante pela surpresa mais tarde, mas agora libera a minha subida. Tá legal? – ele pede num tom jocoso de impaciência.
- Claro. – ela diz e escuta o telefone ser passado de uma mão a outra novamente. – Pode liberar a subida, Mauro.
Ela ainda estava desacreditava mesmo vendo seu tio em carne e osso do lado de fora da porta de seu apartamento. Ele estava um pouco mais velho, mas eram os mesmos olhos avelã herdado da família, os mesmos cabelos castanhos ondulados e despenteados, o mesmo cavanhaque e bigodes desenhados e o mesmo jeito de moleque que sempre teve.
- Tio! – ela exalta animada e o abraça forte.
- Puxa vida! Como você cresceu! – ele diz retribuindo o abraço na mesma intensidade. – Achei que ia ficar com um metro e meio para sempre. Você sabe, dizem que só se cresce até os 16.
ri.
- Como eu senti falta desse seu bom humor. – ela diz afastando-se e dando passagem para que ele entrasse no apartamento, carregando uma mala média de rodinhas consigo.
- Não teria sentido se me ligasse mais vezes, - ele diz ao parar a mala em um canto da sala e se virar para ela cruzando os braços – seus pais te proibiram de me ver, não de falar comigo.
- Me desculpe mesmo. – ela diz com sinceridade. – Eu fiquei tão atarefada nesses últimos anos que nem para a vovó eu ligo com frequência. Toda vez que ela me liga, me xinga horrores.
- Eu sei, eu ouço. – ele diz. – Aquela mulher vira um dragão quando está nervosa. Pessoas no raio de dez metros conseguem ouvi-la quando está dando bronca em alguém.
- Aliás, como ela está?
- Muito bem para uma vovozinha aventureira. – ele ri. – Ela está com mais energia que eu. A mulher faz tanta coisa que às vezes eu me sinto perdido. Até em grupo de escalada ela está.
Emília Benedetti era uma italiana desbravadora. Havia se aventurado quando jovem, fugindo de casa para vir pular carnaval no Brasil, se aventurou quando se casou com um brasileiro e decidiu por abandonar tudo no próprio país para ficar com ele, se aventurou ao ter sucesso em uma carreira como guia turística no país e não deixou de se aventurar quando o amor de sua vida faleceu de câncer no pâncreas.
não se recordava muito dele, porque era pequena quando tudo aconteceu, mas sua mãe dizia como a avó havia sofrido na descoberta e progressão da doença. Câncer é uma merda.
Emilia havia ficado ao lado do marido até o final, fez todas as suas vontades e não havia deixado lhe faltar absolutamente nada, por isso tinha o sentimento de dever cumprido quando ele partiu.
Então, na opinião da neta, a avó tinha mais do que o direito de aproveitar os anos que lhe restava da forma que achasse melhor. Os filhos aprovando sua decisão ou não.
- Eu quero ter esse espírito jovem da vovó quando estiver com na idade dela. – diz sorrindo orgulhosa.
- Realmente. – o tio concorda.
- Mas, me fala, o que está fazendo por aqui? E, ainda por cima, sem avisar? – ela questiona sorridente. – Me pegou de surpresa.
- Essa era a intenção. – ele piscou. – Eu queria rever a minha sobrinha preferida, que mal à nisso?
- Sou sua única sobrinha. – ela cerra os olhos brincalhona.
- E por isso eu decidi que não vou mais prolongar essa besteira de ficar evitando você só porque aconteceu tudo o que aconteceu. – ele contorna de forma eficaz – Eu sou maior de idade, você agora também é e, de qualquer forma, isso não importa mais, seus pais estão separados mesmo. Não é como se estivéssemos infringindo alguma regra.
- Nunca liguei para a opinião dos meus pais, mas sempre tive que acatá-las. – ela dá de ombros. – Hoje não mais, faço minha própria vida. Só não mantive contato com você porque você foi para o cacete do Reino Unido. Como que foi esses tempos por lá?
Eles conversavam e se atualizaram da vida um do outro até que a fome bateu e a barriga de roncou. Pela aparição inusitada e feliz, a jovem concluiu que era merecido saírem para comer decentemente em uma padaria agradável.
O tio imediatamente readquiriu suas energias, parecia muito animado na caminhada que faziam até a garagem dos prédios.
- Você tem um Gol. – ele comenta alegre quando as luzes do carro piscam ao destravar o alarme. – É a sua cara.
- Não esperava uma Maserati, não é? – ela brinca quando entram no carro.
- Se for para ser nesse nível, você tem mais cara de Porsche. – ele diz e ambos riem.
Fabio nota a agilidade do ligar até a desenvoltura da forma que ela manobrava o carro, mas nada comentou. Não falaria nada sobre o tal assunto. Por enquanto.
Contudo não fora surpresa alguma a velocidade em que percorria por entre os carros, as ultrapassagens rápidas e, até mesmo, perigosas para o trânsito de uma metrópole, mas ele sabia que ela fazia aquilo involuntariamente como se os seus sentidos executassem a ação antes que ela sequer pensasse.
Não demoraram a chegar a uma padaria grande e requintada.
- Então, demitida, hein? – Fabio cita quando terminam de fazer os seus pedidos à garçonete.
- Cortes no orçamento. – ela dá de ombros. – Não é como se eu fosse a prioridade deles.
- Eles também não eram a sua. – ele observa. – O lado bom é que você agora tem muito tempo livre.
- Não sei o que tem de bom nisso. – ela ri anasalada – Você conhece o ditado, "mente vazia, oficina do diabo".
- Credo, você falou exatamente como o seu pai agora. – ele faz uma careta enojada. – Aliás, como que está aquele filho-da-mãe?
- Bem. – ela assente. – Com uma namorada com, literalmente, a idade da filha dele e tentando acompanhar a fase juvenil dela. – ambos fazem uma careta – Mas se ele está feliz, por mim tudo bem. O vi no final de semana retrasado, fomos jogar paintball. A mira dele continua péssima.
- E sua mãe com isso?
- Está O.K. O divórcio foi mais amigável do que eu pensei, acho que eles ficaram aliviados por não terem mais que manter as aparências de que um não combinava mais com a vida do outro. – ela ri – Minha mãe, claro, está cada vez mais focada na rede de farmácias, que está a triplicar o número de lojas, e enchendo aquela casa gigantesca com dinossauros.
A garçonete traz o pedido deles, que não demoram a abocanhar sem parar a conversa por isso.
- Dinossauros? – o tio indaga depois de engolir um pão de queijo. – Tipo, fósseis?
- Não. – ri. – Cachorros gigantes. Ela comprou dois São Bernardo que tomam conta da casa.
- Nada mais apaziguador do que filhos que não a contradigam, certo? – Fábio ri. – Sua mãe sempre gostou de ser uma doutrinadora.
- É. – ela ri e dá um gole no suco de laranja. – Mas ela também está feliz e, pelo visto, está tendo uns encontros às escondidas com um cara aí. Então eu também fico feliz.
- E você?
- O que tem eu? – ela rebate distraída.
- Todo esse tempo você tem falado que as pessoas estão felizes e que você está feliz por elas. Mas você está feliz por você? – ele questiona sério.
dá um meio sorriso.
- Estou.
- Você se esqueceu que eu te conheço desde quando ainda usava fraldas? – Fabio questiona brincalhão. – Eu sei quando está mentindo.
- Não estou mentindo. – ela persiste e, quando vê que ele vai contradizê-la, continua: – Eu sou feliz com a minha vida, sou agradecida por ela. Sou privilegiada por ter o que tenho, por ter tido a oportunidade de ter feito tudo o que fiz. Para alguém na minha idade fico satisfeita em já ter saído de casa, ser financeiramente independente dos meus pais, ter o meu carro e poder comprar as minhas coisas.
- Mas você poderia ter bem mais. – ele instiga.
- Tio Fábio, por favor. – ela pede, já sentindo o assunto que viria a seguir.
- O que? – ele questiona fingindo-se estar desentendido. – Esse é o momento certo para você ir atrás do que sempre quis e ser plenamente feliz. Porque eu sei que você não está satisfeita do jeito que as coisas estão agora.
Ela morde a bochecha por dentro, ganhando tempo.
- Nós dois sabemos que isso não é mais possível. - diz depois de um tempo.
- Não. Eu sei que é possível e você acha que não é. – ele diz arrancando-lhe uma risada contida. – Você tem um talento, um talento que poucas pessoas foram gratificadas em ter. Sabe quantas vezes eu quis ter essa habilidade no volante como você tem? – ele arqueia a sobrancelha esquerda. – Eu mataria para ter, mas não é possível. Porque é um dom. Você nasceu com isso.
- Muito cedo para filosofar, não acha? – ela questiona divertida e ele a olha com cara feia.
- Não muda de assunto.
Ela revida os olhos teatralmente.
- A questão, tio, é que eu não sou mais aquela garota de 16 anos. – ela diz. – Eu mudei, você mudou, todos passamos por uma evolução durante esses seis anos. E eu não sei se estou preparada para enfrentar tudo aquilo de novo. – ela admite, encolhendo os ombros – Eu fiquei muito instável emocionalmente depois daquilo e não estou certa de que retornar para um ambiente em que eu fui muito hostilizada, insultada, vítima de preconceito pelo meu gênero é o melhor para mim no momento.
- Você sofreu muito lá sim, eu vi tudo isso. – ele pousa a mão em cima da dela por cima da mesa – Mas a sensação de ter uma máquina potente no seu comando, como ela desliza pela pista naquele asfalto macio, a velocidade que faz o seu estômago congelar, a sensação de que você está voando e, ainda por cima, fazer aquele bando de mauricinhos metidos comer poeira não recompensa tudo isso?
Por um momento se pega presa nesse misto de sensações e tem recordações vívidas onde vivenciava tudo aquilo. Faltou pouco para ela sentir o vento batendo contra o seu corpo e a pressão nos seus dedos sob o volante.
- Aonde quer chegar com isso? – ela indaga depois de despertar.
- Te fazer perceber que ser pilota é o que você é, e não tem como negar a sua origem.
Eles finalizam o seu café e o tio cobre toda a conta, disse que era o mínimo que podia fazer. Na volta para o carro o tio é quem toma a direção do carro e não o contraria.
Quando estão tomando um caminho diferente do para o condomínio onde ela morava, ela questiona: - Aonde estamos indo?
Fabio a olha de canto do olho e sorri.
- No autódromo de Interlagos. Tem uma coisa lá que eu quero você veja.
É indescritível a sensação que sentia ao estar de volta, depois de longos anos, a um autódromo.
Seu tio conseguira acesso às arquibancadas e, mesmo que não estivesse ocorrendo uma corrida no momento e o lugar estivesse completamente vazio, a emoção que arrepiava desde a sua espinha até os pelos eriçados em seu braço era impagável.
Ela percorreu os olhos pela extensão daquele circuito e parou em um trecho específico que ligava o fim da reta dos boxes à curva do sol. As duas curvas que formavam um S, nomeado carinhosamente como o S do ídolo Ayrton Senna.
Lembrar-se de Senna a fazia lembrar a sua determinação, resiliência, dedicação e o quanto era motivado. Consequentemente se sente envergonhada. No passado ela levava cada ensinamento do ídolo ao pé da letra e se, ainda tivesse comprometimento consigo mesma e com seus sonhos, não pensaria duas vezes em retornar ao esporte que tanto amava. Senna estaria decepcionado com o que ela havia se tornado.
se lembrava claramente da primeira vez que havia pisado ali. Com seis anos de súbito ela decidira que queria ser como aqueles pilotos. Ela queria sentir o arrepio de estar controlando um carro potente, de percorrer aquele circuito e trabalhar com uma equipe legal.
Nunca teve a oportunidade de competir naquele autódromo porém, e não queria aceitar a ideia de que nunca teria a oportunidade. Isso se ela optar por continuar como analista de exportação.
Fabio nota o local onde o olhar da sobrinha está preso e não consegue evitar sorrir, era exatamente o efeito que esperava ter com aquela visita. Contudo, isso não bastava.
- Vamos. – ele diz encaminhando-se para a saída da arquibancada.
- Vamos aonde? – ela indaga seguindo seus passos com tranquilidade.
- Quero que conheça um velho conhecido meu.
Eles percorrem os corredores externos, em uma caminhada vagarosa e tranquila na direção das garagens. Como o tio havia conseguido acesso à uma parte tão restrita do autódromo era o que passava pela cabeça da jovem, mas o questionamento sumiu quando ficaram tão próximos da pista principal.
Ela admirou aquele asfalto impecável, que se assemelhava à um tapete de veludo extenso. Uma grade de ferro a separava daquela superfície em que estava louca para sentir, usufruir, percorrer.
Chegado às garagens, Fabio entra no quinto portão, o único que estava aberto. está um pouco atrás e, quando seus olhos pousam no que estava dentro daquele cubículo, suas pernas travam do lado de fora.
Seu coração sob o peito tamborilou, suas mãos transpiraram e ela podia sentir sua pressão cair gradativamente.
- ? – o tio a chama quando nota sua ausência.
Mas os olhos dela estão vidrados naquele carro único, o inconfundivelmente gritante modelo MP4/4 de Fórmula 1. As rodas grandes e desgastadas, a lataria pintada de branco com detalhes vermelhos, a asa traseira com o símbolo marcante da Marlboro e o número 12 pintado em vermelho no bico frontal do carro falavam por si só.
Aquele era o carro em que Ayrton Senna ganhou o campeonato mundial em 1988.
As lágrimas vieram involuntárias marejando seus olhos. Ela não podia acreditar.
- Benedetti. – uma voz masculina, diferente da de seu tio, capta a sua atenção.
Um homem por volta de seus 35 anos de cabelos castanhos, olhos calmos, sorriso fácil e de fisionomia conhecida por tamanha semelhança, estava ao lado do carro. Ela sabia quem era ele, havia assistido algumas de suas corridas e torcido como se estivesse fazendo pelo próprio ídolo. Ele era Bruno Senna o também piloto e sobrinho de seu ídolo.
- Ah, meu Deus! – ela sopra, limpando os cantos dos olhos e piscando algumas vezes para focar a visão. Não estava acreditando quem estava parado diante dela.
O homem sorri e se aproxima.
- É um grande prazer finalmente te conhecer. – ele diz estendendo a mão em sua direção.
- Me conhecer? – ela ri abobalhada apertando sua mão. – É um grande prazer conhecer você!
- Fico honrado. – ele sorri simpático.
- Essa realmente é... – ela induz em tom de indagação, apontando para o carro.
- Ela mesma. Ao vivo e a cores.
- Puta merda! – escapa de sua boca, mas ela não se importa. Seus olhos percorrem o carro novamente e ela não consegue controlar: – Eu posso tocar?
- Tocar? – ele arqueia uma sobrancelha aos risos. – Quero que você a pilote.
- O que? – sua voz sobe três oitavos, boquiaberta.
- Chamei o Bruno aqui hoje porque sua amiga me ligou falando o quanto você tem estado incomodada com o vazio que sente em sua vida. – Fabio revela, aproximando-se dos dois. – Todos nós sabemos o que está faltando aí e o Bruno concordou comigo que é um pecado você estar tanto tempo longe das pistas. Ele está aqui para te fazer perceber que não há outra coisa que te faça mais feliz do que pilotar um carro.
- E nada melhor do que pilotar o carro do ídolo para fazer você repensar as suas decisões. – Bruno completou. – Eu acompanhei a sua trajetória quando mais nova e é inegável o quanto você é talentosa. É um erro esconder todo esse potencial atrás de uma mesa de escritório.
- Espera aí, - ela pede, confusa. – eu estou um pouco perdida. Primeiro de tudo, como vocês se conhecem?
- No final da temporada da Fórmula Renault 2.0 que você disputou eu entrei em contato com o seu tio. – Bruno revela. – Eu queria saber mais sobre a primeira brasileira, próxima mulher, que iria disputar o GP da Fórmula 1.
- Você vê isso acontecendo? – ela questiona com um sorriso bobo no rosto.
- Claramente. – ele diz veemente.
- Mas e os patrocinadores, os contratos que eu perdi... – ela começa.
- Tudo isso vai ser recuperado, faço questão de ajudar com isso. Tenho muitos contatos. – ele a interrompe, com confiança. – Você só tem que se sentar atrás do volante e dar o seu show. Precisa relembrar que nada mais importa depois que o sinal verde da largada apita. É você, o carro e a pista. Só isso importa.
pousa os olhos no carro novamente e respira fundo.
- Eu não sei se consigo.
- Consegue. – o tio diz, empurrando um capacete verde e amarelo em suas mãos. – Eu tenho fé em você.
- Meus Deus, esse não é o... – ela esbraveja admirando o capacete em mãos.
- Não. – Bruno adianta-se em negar, rindo do evidente desespero da garota. – Esse é uma réplica, os dele estão em exposição em museu.
- Ufa. – ela suspira aliviada. – Acho que eu me culparia pelo resto da vida se suasse no capacete que foi do Ayrton.
Os três riem.
- Está pronta? – Fabio pergunta, indicando o carro com a cabeça.
- Não. – ela diz. – Mas eu vou mesmo assim.
veste o macacão de proteção simples, preto, a touca, prende os cabelos por dentro do macacão, calça as luvas e mira o capacete. Tinha se esquecido da última vez que havia feito aquele ritual. Como em todas e cada vez que colocou aqueles trajes, ela se sentiu eufórica. O coração acelerou e seus instintos redobraram. Ela não pôde evitar sentir ansiedade.
O carro foi posto na pista e ela se encaminhou em sua direção com as pernas tremendo e capacete em mãos geladas.
Ela mira o cockpit, tentando absorver todo e cada detalhe do banco, painel e espaço onde dali a poucos minutos ela teria a honra de estar.
Bruno e Fabio se aproximam dela e o primeiro indica o volante em suas mãos.
- Não consigo acreditar que isso está mesmo acontecendo. – ela diz colocando o capacete na cabeça e acertando a fivela de segurança. À esta medida ela tem que secar as lágrimas que já desciam incontroláveis pelos seus olhos, atrapalharia a sua visão de dentro do capacete.
Respirando fundo, ela pega o volante das mãos de Bruno e monta no carro. Enfiando as suas pernas até alcançar os pedais e encaixando o volante no painel.
Ao contrário do que esperava, o carro não cheirava à suor e sim à eucalipto, um suave aroma de limpeza que significava que a família tinha cuidados atenciosos com aquele carro – ganho por Senna em uma aposta com Ron Dennis em uma de suas corridas. Desde então, Senna guardava o carro em casa e, após a sua morte, a família ficado com sua posse. O banco, o painel, cinto, alças e pedais eram completamente restaurados, como se fossem novos. O McLaren estava sendo bem cuidado.
Ela passa as mãos ao redor do volante, sentindo através das luvas todo o peso de estar comandando uma máquina histórica. Não controla o sorriso, era automático e inevitável.
Era aquilo. Estava acontecendo. Ela ia correr novamente.
E no carro e circuito de seu ídolo.
Seu coração triplica a velocidade das batidas.
- Esse é um carro antigo, por isso as engrenagens são diferentes das que estava acostumada. – Bruno diz apoiando-se na lataria para passar-lhe as instruções. – No geral, falta muitas coisas se comparado à tecnologia atual. Mas eu sei que você dá conta.
- Não estamos com o rádio, portanto não tem como se comunicar conosco enquanto estiver lá. – Fabio diz. – Esse é um momento seu, e vai poder fazer o que quiser.
- Faça quantas voltas você achar necessário, não tem problema algum. – Bruno diz – Só tome cuidado, estes são pneus macios e foram trocados recentemente, mas já são usados coisa de uma ou duas voltas, no máximo. Não temos uma equipe para trocá-los aqui, então por favor, os poupe.
- Entendido. – ela diz sorrindo. – Muito obrigada, não sei dizer o quanto eu estou emocionada agora.
- Só aproveite. – Bruno diz e dá um tapinha na lataria antes de se afastar junto de Fabio.
aperta o botão no volante e o ronco do motor faz todo o seu esqueleto tremer de emoção. Ela dá partida e o carro começa a se movimentar vagarosamente até a pole position, a primeira posição de largada.
Ela olha o semáforo completar suas luzes vermelhas, cada luz acessa uma pontada gelada em seu estômago e, quando se apagam, ela acelera como há muito tempo não fazia.
O carro partiu de forma veloz e seu corpo pressionado contra banco com a pressão do vento. Preparação física, ela precisava com urgência. Mas conseguiu relevar os primeiros instantes de aderência à pista e resistir aos contras.
O velocímetro marcava 200 quilômetros por hora e ela reduz, porque logo vem a primeira curva. Suas mãos giravam nos sentidos conforme a pista automaticamente, seus olhos rapidamente seguiam o circuito enquanto acertavam a asa traseira e dianteira.
Ela troca de marcha e logo reduz para as próximas duas curvas seguidas, feitas com completo domínio – exatamente como havia dito, ela nunca desaprendeu a pilotar.
Passadas as curvas, ela pega a pista reta e acelera em seu máximo. O carro está com vibração, mas ela deduz que é normal devido à sua idade, e diminui o grau da asa traseira para melhor dinâmica.
Todo o percurso parecia estar gravado em sua mente, de tantas corridas já havia assistido ali, e suas mãos se moviam sozinhas através dos comandos certos.
Ela puxa uma lufada de ar, controlando o choro.
Ela podia sentir como se tivesse o ídolo ali junto dela, de tão íntima que se sentia com aquele carro, mesmo nunca tendo o pilotado antes.
Quando chega às curvas em formado S não consegue controlar as lágrimas que despencaram pelo seu rosto. Ela reduz a velocidade e abre a viseira do capacete, já embaçada.
Tirando uma mão do volante, ela limpa os olhos com o tecido da luva rapidamente e logo trata de fechar a viseira para voltar à mão ao seu lugar.
O final da sua primeira volta é marcado pela passagem da faixa quadriculada no chão, mas ela não quer parar. Por isso acelera mais uma vez e faz o trajeto tudo de novo. Duas, três, quatro, sete, nove, 12 vezes.
Cada vez mais querendo testar os seus próprios limites e superando qualquer medo tolo que havia passado por sua cabeça. Ela queria retomar. Não, ela tinha que retornar à sua grande paixão. E ela sabia que poderia passar por qualquer coisa desde que pudesse ter suas mãos no volante de uma máquina potente.
No final da décima quarta volta, ela para na pista interna - a pit lane - em frente de Fabio e Bruno, e salta do carro reabastecida de adrenalina e coragem.
- E então? – Fabio questiona esperançoso enquanto ela tirava o capacete.
- "Na adversidade, uns desistem, enquanto outros batem recordes." – ela pronuncia, citando uma das mais famosas frases do ídolo. – E eu não estou pronta para desistir. – fala decidida e se vira para o tio – Me arranja um carro, o resto pode deixar comigo.
Fabio grita alegremente e bate a mão com um Bruno que sorria satisfeito.
Capítulo 3
A decoração moderna e paredes de tijolos à vista, com lustres pretos pendentes no teto e iluminação clara trazia um pouco de familiaridade e segurança para o coração da jovem. O cheio de comida sendo preparada, as mesas ilustradas e perfeitamente limpas, e a música típica ambiente certamente eram tranquilizantes.
O Supra di Mauro Maia é um restaurante italiano famoso em São Paulo conhecido por sua gastronomia de requinte e um chef de grande notoriedade. É um dos restaurantes favoritos dos pais de e era por isso que ela estava ali àquela noite.
Ela precisava informar aos pais a sua decisão, afinal partiria em breve à Itália para começar a coordenar o seu contrato, começar os treinos e preparação física já para entrar na sua primeira temporada do campeonato GP2 – categoria que oferece gancho de entrada para a tão sonhada Fórmula 1.
não queria ter de enfrentar os pais, mas não achava certo eles ficarem sabendo da sua decisão através da televisão ou jornais digitais. Então juntou toda a coragem que tinha e os convidou para um tranquilo jantar – sem citar o motivo, claro. Tratariam do assunto conforme os pratos chegassem à mesa. Nada que uma boa comida não pudesse resolver, certo?
- Oi, tenho uma reserva no nome de Benedetti. – a jovem diz ao recepcionista.
- Mesa para quatro pessoas? – o rapaz de sorriso simpático questiona ao mirar a tela do seu computador.
- Para cinco. – diz ao lado da amiga.
- Bem pensado, pode ser que meu pai apareça com a Barbie. – diz revirando os olhos rapidamente. – É, mesa para cinco. Por favor.
- Perfeito. – o recepcionista diz e se levanta. – Favor, queiram me acompanhar.
As duas jovens seguem o rapaz pelo salão, por entre as mesas ocupadas, e ele as indica uma mesa com seis lugares ao canto. Ótimo, pensou, quando mais discrição melhor.
- Boa noite. Sou Miguel, ficarei responsável pela mesa de vocês esta noite. Gostariam de fazer o pedido ou vão aguardar pelos demais? – o garçom se aproximou e questionou educadamente enquanto entregava os cardápios.
- Vamos aguardar, mas por enquanto pode me trazer uma garrafa de vinho. – diz sorrindo nervosa.
- Brunello di Montalcino, seco. Por favor. – diz e ele anota em seu aparelho em mãos.
- . – chama sua atenção disfarçadamente, o vinho era um dos mais caros do cardápio, contudo, também um dos mais deliciosos.
- Essa noite merece. – a loira diz confirmando o pedido. – Afinal, daqui a pouco você vai ganhar rios de dinheiro mesmo. Se permita à essas regalias.
ri.
- Precisando, podem me chamar. – o rapaz diz e se afasta.
- Você precisa ficar calma. – diz ao notar as mãos trêmulas da amiga.
- É para isso que o vinho serve.
- Eles não podem te proibir de ir. – a loira garante, charmosamente colocando o cabelo longo atrás no ombro. – Já é adulta e independente. O máximo que pode acontecer é ficarem com raiva...
- Pararem de falar comigo...
- Gritar no meio do restaurante...
- E armar um escarcéu. – finaliza engolindo em seco. – Não está ajudando.
- Só estou pontuando as possibilidades para você se preparar. – ela dá de ombros.
Miguel retorna com a garrafa solicitada e duas taças. Ele pousa a taça com delicadamente na frente de cada uma e despeja o líquido com agilidade.
- Aproveitem. – deseja e novamente se afasta.
Quando está na sua segunda taça de vinho, ela quase cospe o conteúdo na sua boca ao perceber Rafael na entrada do restaurante.
Ele passa a mão cuidadosamente pelo cabelo preto, reforçando o topete com os dedos enquanto conversava com o recepcionista alegremente. Mesmo de costas ela sabia que era ele, aquelas costas largas cobertas por uma camisa preta e bumbum redondo vestido com uma bermuda branca eram inconfundíveis.
- Que droga! – ela reclama contida na direção da amiga após engolir o vinho com dificuldade. – O que o Fael está fazendo aqui?
logo levanta ambas as sobrancelhas e morde a bochecha por dentro.
- Digamos que quando citei os cinco lugares, eu não estava contando com a namorada do seu pai. – diz receosa.
- ! – ela exclama inconformada.
- O que? – ela logo se recompõe, assumindo uma postura confiante. – Como você queria dar a notícia para ele, por mensagem? – ela ri fraco – O garoto merece ser noticiado cara a cara.
- Eu não ia fazer por mensagem. – diz indignada, para depois desviar os olhos e completar em um tom mais baixo. – Ia ligar para ele do aeroporto logo antes de embarcar.
- ! – chama sua atenção de volta.
- Está bem, eu sei que não seria a melhor forma. – ela confessa – Mas eu não queria ter que olhar nos olhos dele e falar que todos os planos que fizemos para o final do ano estão cancelados. Você já o viu fazer "a" cara triste? – nega com a cabeça – É desesperadamente dolorosa e, como todas as vezes que isso acontece, eu vou ficar me sentindo uma vilã.
- Você não é vilã. – diz com convicção. – Está indo atrás do seu sonho e, se ele realmente gostar de você, vai entender. Eu meio que já adiantei sobre a história das corridas, então não vai ser um choque tão grande assim.
- Como é? – ela indaga inconformada.
- Falei por cima só, não aprofundei muito. Era só para ele não estar por fora da conversa, poxa. – ela sorri de lado. – Mas ele não faz ideia que seja sobre isso ou porque está aqui, então o resto é com você.
solta o ar tenso.
- Você é impossível.
- E você me ama. – diz rapidamente antes de se virar e cumprimentar: – Oi, Fael!
- Oi, . – ele diz aproximando-se sorridente e eles batem as mãos no alto. – Oi, amor.
mal tem tempo de responder e logo os lábios do rapaz estão junto aos seus, em um beijo rápido.
- Que restaurante legal, nunca tinha vindo aqui antes. – ele diz sentando-se ao lado da parceira e apoiando o braço descontraidamente no encosto da sua cadeira.
- É, bem legal. – concorda, sorrindo sem humor.
- Amor, sobre aquela viagem para as Maldivas, eu estava vendo uma promoção de passagens essa semana. – ele diz enquanto levantava o dedo para chamar o garçom. – Os preços caíram pela metade do preço, é a hora certa de comprar.
arqueia as sobrancelhas em surpresa pela rapidez em que o assunto foi abordado e um segundo depois está de pé: - Eu vou até o toalete, se me deem licença.
observa a loira caminhar vagarosamente até os banheiros amaldiçoando-a silenciosamente. Miguel se aproxima da mesa e já deixa uma taça para o recém-chegado, prevendo o seu pedido.
- Obrigado, amigo. – Rafael agradece sorrindo enquanto Miguel despejava o líquido em sua taça.
- Então, Fael, sobre a viagem... – ela umedece os lábios ao virar em sua direção e encarar aqueles olhos pretos profundos. – Vai ter que ser adiada.
Miguel inteligentemente se afasta da mesa quando nota o rapaz tirar o sorriso do rosto e parar o caminho que fazia da taça até a própria boca.
- Por quê?
- É melhor esperar os meus pais chegarem para a gente continuar essa conversa. – ela diz cuidadosamente.
- Ah Meu Deus – sua expressão se torna de completo pavor e ele pousa a taça de volta sobre a mesa. – Viagem adiada, jantar com seus pais... Você está grávida.
- O que? – ela ri. – Claro que não.
- Ufa! – ele suspira com a mão no peito. – Que susto.
ri verdadeiramente.
- Não que não seria legal uma mini ou um mini Fael correndo pela casa, - ele se adianta, acariciando o ombro dela delicadamente. – Mas acho que não estamos prontos para isso ainda.
- Definitivamente não estamos.
Eles sorriem um para o outro.
- Sabe, a estava comentando algo esses dias atrás sobre você e alguns prêmios em campeonatos automobilísticos. – ele comentou descontraidamente antes de tomar um gole do vinho. - E eu fiquei me perguntando de quem eu estava com raiva: você por não ter me contado nada ou eu por não ter jogado o seu nome na internet quando começamos a sair.
ri.
- Você costuma jogar o nome de quem você sai na internet?
- Não, mas acho que vou passar a aderir. – ele diz rindo. – Descobri que você foi uma das melhores pilotas júnior. Por que não me contou?
Ela respira fundo.
- Era um passado que eu vinha tentando superar, esquecer. – diz olhando em seus olhos. – Contar a vocês não ajudaria no processo.
Ele se põe a pensar, mas logo admiti: - É, faz sentido.
Ela sorri e permanece com os olhos nos dele por alguns instantes.
- Pode perguntar, eu sei que você está se coçando para saber.
- Como que era? – ele questiona com um sorriso enorme nos lábios. – A sensação de dirigir um carro incrivelmente veloz?
ri anasalado.
- Maravilhoso. – ela pronuncia, com paixão exalante no brilho de seus olhos. – Você sente todo aquele poder nas palmas de suas mãos e supri qualquer outro sentimento. Te deixa extasiado. É uma das melhores sensações que já senti na minha vida.
- Qual a velocidade máxima que você já alcançou? – ele indaga com o rosto repleto de admiração.
- Já cheguei à 305 km/h., mas isso em testes com carros da F2, não cheguei a disputar com esses carros. Minha categoria permitia só até os 170 km/h.
- Isso é tão legal! – ele celebra. – Eu vi que você teve nove vitórias na Fórmula Renault, e foi campeã na sua temporada de estreia. Isso é impressionante!
- Você realmente me googlou! – ela comenta risonha.
- Era o mínimo que eu poderia fazer. – ele dá de ombros aos risos. – Têm umas três páginas de pesquisa falando sobre a minha namorada e eu não fazia ideia. Mas tudo bem. A questão é: você sempre se sentiu deslocada no trabalho e estava insatisfeita, agora eu sei por que, mas, por que não retomou sua carreira ainda?
sorri desconcertada e é salva antes que pudesse abrir a boca. Seus pais haviam chegado no momento certo.
- Boa noite, queridos. – diz sua mãe com um sorriso simpático no rosto.
Ambos se levantaram para cumprimentar, respira aliviada.
- Oi, pai. – ela diz abraçando ao homem. – Vocês vieram juntos?
- Não, chegamos ao mesmo tempo. – o pai informa sorrindo. – O que quer dizer que não estou atrasado.
- Vai chover, graças a esse milagre. – Patrícia alfineta de forma divertida, logo puxando a filha para um abraço depois de cumprimentar Fael. - Você está divina, meu amor. - a mulher elogia admirando o seu vestido vermelho de alças e saltos finos.
- Seria o segundo da noite, já que é incomum a convidar a nós dois para um jantar no meio da semana. – Marcos rebate, olhando sugestivamente na direção da filha.
retorna à mesa no mesmo instante e cumprimenta os recém-chegados. Não se demora muito para que todos se acomodassem e avaliassem os cardápios.
Depois que haviam feito os seus pedidos, auxiliados por Miguel que havia feito aconselhamentos notavelmente deliciosos, sabia que não teria muito tempo até que alguém questionasse o real motivo para estarem reunidos naquela noite. E foi o que o seu pai pontuou na sequência: - Apesar de estar contente por esta reunião, minha filha, estou curioso em saber o porquê ela foi necessária.
olha para , que a incentiva com o olhar, e respira fundo.
- Reuni vocês aqui hoje porque tenho uma notícia importante para dar.
- Vocês vão se casar! – a mãe sugere alegremente, batendo as mãos em entusiasmo.
Rafael engasga com o líquido que havia acabado de colocar na boca.
- Não! – se adianta em negar e dar palmadas leves nas costas no rapaz. – Por favor, não tentem adivinhar. Só hoje já fiquei noiva e grávida.
- Está grávida? – o pai indaga com a face alarmada.
- Não! – ela nega novamente e se vira à Fael. – Você está bem?
- Sim. – ele diz com a voz rouca, depois de duas tosses.
endireita a sua postura diante de todos os olhos em sua direção e respira fundo novamente.
- Eu vou voltar a correr.
A mesa é coberta por um manto agonizante de silêncio.
olha para as expressões de cada um, que – exceto a de – todas estavam surpresas, e continua: - Angelo Rosin da Prema Racing está me esperando na Itália até a próxima semana para finalizarmos o acordo sobre eu correr como pilota deles na próxima temporada da Fórmula 2 e já começar os testes classificatórios. Ela vai ser o meu gancho de entrada para a Fórmula 1 porque preciso completar minha caderneta de quilômetros corridos com um carro de mais de 600 cavalos para tirar a superlicença e ter autorização oficial. Embarco neste sábado.
Dito isso, ela pega sua taça e dá uma grande golada no vinho.
Depois que pousa a taça na mesa novamente, aguarda pela torrente de perguntas que viriam.
- Você está louca?
- Colocar sua vida em risco assim?
- Você já assinou um contrato sem ao menos contatar os seus responsáveis?
- A passagem é reembolsável?
- Quando começa essa temporada?
- Você leu as cláusulas desse acordo?
- Calma, pessoal, vamos ouvir o que ela tem a dizer. – pede educadamente.
- Basta. – sobressalta, interrompendo os questionamentos. – Primeiro de tudo, eu quero deixar claro que essa é a minha decisão e não há circunstância alguma que me faça mudar de ideia. Eu sou maior de idade e porventura agora tenho direito de escolher o que eu quero para a minha vida. E é isso que eu sempre quis.
- Você já assinou o contrato? – a mãe pergunta incrédula.
- Há três dias.
A mãe põe a mão no peito enquanto ergue a outra de forma alarmante, para chamar Miguel: - Uma água, por favor.
Marcos olha para a filha com uma expressão pensativa. Em seguida procura por sua mão por cima da mesa. entrelaça os seus dedos.
- É isso mesmo que você quer, querida? – ele questiona carinhosamente.
- Sim, pai. - ela sorri.
Ele solta o ar que prendia.
- É muito perigoso. – ele comenta relutante. – As pessoas morrem nessas competições.
- Isso acontecia com frequência antigamente, pai. – ela explica – Hoje, com o avanço da tecnologia, a segurança triplicou e é muito difícil um acidente chegar á óbito. Eu sei que é um esporte perigoso, mas nós sofremos riscos todos os dias de nossas vidas em qualquer profissão. Para morrer, basta estar vivo. E eu não vou mais deixar que o medo decida por mim.
Marcos olha a filha nos olhos e sorri.
- Você tem um bom agente para cuidar da parte burocrática? – ele indaga.
- O que? – a mãe esbraveja olhando diretamente para Marcos, que a ignora.
- O tio Fábio já está lá cuidando disso para mim junto da Renata Rodrigues, aquela advogada que negociou a quebra do contrato. – ela informa sorrindo aliviada. – Eles estão fechando acordo com uma empresária para gerenciar minha carreira e evitar boa parte dos problemas da última vez, ela vai favorecer a minha imagem.
- Eu sabia que tinha dedo do seu tio nisso, assim que a mamãe falou que ele estava vindo para cá, eu devia ter desconfiado. – Patrícia intervém na conversa, aos resmungos.
- Ele sempre cuidou de mim e apoia minha carreira, eu não poderia pedir a qualquer outra pessoa para exercer uma função que sempre foi dele. – esclarece à mãe. – E, mais uma vez, a decisão foi minha.
- Vai abandonar tudo o que você conquistou aqui para correr? – a mãe questiona abismada.
- Sim. – ela sorri. – Vendi meu carro, desfiz das minhas coisas, juntei uma boa grana para começar. Minha mala já está pronta para a Itália.
- Como pôde? – a mãe grunhe ofendida – Depois de tudo o que tivemos que fazer para que você saísse desse mundo? Depois de todo o dinheiro que gastamos?
- Aquela tinha sido uma decisão de vocês, e sofreram as consequências por ela. – ela rebate. – Agora quem está escolhendo sou eu, e somente eu vou arcar com as consequências pela minha decisão.
Patrícia bebe a sua água, controlando a respiração fervorosa.
- Se pensa que estarei na arquibancada te aplaudindo de pé, está muito enganada.
- Eu não vim pedir isso. – diz séria. – Vim explicar o porquê eu não estarei no Brasil durante um bom tempo. E quanto ao seu apoio, sobrevivo sem ele. Afinal, sempre sobrevivi. Você não estava lá para aplaudir os meus pódios e mesmo assim eu sempre estive neles.
Quando o último resquício da paciência de Patrícia se perde, a mulher pega sua bolsa e levanta-se da mesa, caminhando para a saída em passadas firmes.
- Patrícia. – Marcos a chama, mas ela sequer olha para trás.
Os pratos chegam e as pessoas na mesa os recebem em silêncio.
olha da porta de saída do restaurante ao seu pai.
- Não vou ficar chateada se for até lá. Sei que tenho o seu apoio e para mim isso basta. – ela diz e o pai sorri em sua direção antes de se levantar e ir atrás de Patrícia.
Os três restantes começam a comer em silêncio, que é interrompido um tempo depois pela própria : - Nada a declarar? – ela questiona à Fael, que se manteve em silêncio desde que a notícia fora dada.
Ele engole sua massa e toma um gole do vinho vagarosamente para em seguida mirá-la nos olhos.
- Eu estou feliz por estar correndo atrás de uma coisa que obviamente é importante para você.
Ela analisa o rosto pleno e sem expressões do rapaz.
- E por que eu acho que você está falando isso só para me agradar? – ela questiona.
Ele limpa a boca com o guardanapo e vira em sua direção. automaticamente encontra uma desculpa para sair da mesa, dizendo algo sobre ir elogiar à comida ao chefe, e se afasta.
- Não estou falando só para te agradar, eu realmente estou feliz por você. – ele esclarece sorrindo. – Só estou pensando no quanto sua ida para outro país vai afetar o que temos. Poxa, uma hora estamos planejando uma viagem e na outra você vai morar em outro país. Estou tentando assimilar essas informações, pensei que estávamos atingindo o próximo nível no relacionamento.
engole em seco.
- Não se preocupe, eu não sou o tipo de cara que vai ficar te segurando em um relacionamento à distância. – ele diz rindo fraco. – Só que eu gosto do que temos e não deixo de ficar triste por ter que acabar.
- Não tem necessariamente que acabar tudo entre nós. – ela fala, porque sabe que o seu envolvimento romântico com Fael não era tão forte para resistir à distância e a falta de contato. – Somos bons amigos e eu não quero que fique como se nunca mais fossemos voltar a nos falar. Podemos fazer visitas, trocar mensagens, fazer chamadas de vídeo, tem tantas alternativas. – ela entrelaça os seus dedos nos cabelos da nuca dele, de forma carinhosa – Não quero tirar você da lista de discagem rápida. Eu gosto de você.
- Essa é a questão. – ele sorri tristonho – Você gosta de mim, eu te amo. E tudo bem, eu não tenho como te obrigar a me amar. Mas eu pensava que poderia conseguir que me amasse com o tempo, esse que não vamos ter mais. Então, meio que acabou sim. – ele ri sem humor. – Vou sentir falta do seu beijo, dos seus braços, – ele encosta a bochecha no braço dela, que ainda acariciava o cabelo – do seu riso, das suas covinhas, – ele acaricia sua bochecha com a mão livre – da sua sensatez, da sua inteligência... E, apesar de saber que vou sentir muito a sua falta e do que temos, não vou ser egoísta e fazer qualquer coisa que te faça se sentir mal por estar indo atrás do seu sonho.
- Como eu queria que você só me xingasse e saísse batendo o pé, fica mais fácil te odiar e não sentir sua falta. – ela diz e enlaça o seu pescoço com os braços, abraçando-o forte. – Você é incrível, obrigada. Por tudo.
Depois que o clima ficou mais tranquilo e as pessoas retornaram à mesa, exceto por Patrícia que havia realmente ido embora, a noite foi fechada com conversas menos pesadas e risadas sobre assuntos aleatórios.
No sábado de manhã, para a sua surpresa, os três a acompanharam no aeroporto até a sua partida para uma vida completamente nova. Quando seu voo foi chamado, cada um tinha as suas solicitações e recomendações para dar.
- Você trate de me ligar, ao menos a cada dois dias. Sei que vai estar ocupada, mas arranje um tempo para me atualizar se você tem comido direito, se tem dormido o suficiente e se precisa de qualquer coisa. Eu farei o possível daqui para ajudar. – o pai declara. – Seu tio não é lá muito certo das ideias, mas eu confio em você. Tenha juízo e não se meta em encrenca. No final do ano eu estarei lá para te visitar e, quem sabe, estar comemorando a vitória da minha filhota. Desculpe amor, minhas férias não saem antes disso.
sorri compreensiva.
- Está tudo bem, pai. Eu entendo. Obrigada.
- E perdoe a sua mãe, você sabe que ela só está com medo de você se machucar. – seu pai diz. – Ela te ama e não quer te perder.
- É uma péssima forma de demonstrar. – ela suspira. – De qualquer forma, o importante é que desta vez ao menos tenho você ao meu lado. Obrigada.
Eles se abraçam, afunda o rosto na curvatura do pescoço do pai enquanto ele a apertava em seus braços, guardando na memória cada detalhe. Eles sabiam que aquela poderia ser uma despedida real, não como de quando ela foi morar do outro lado da cidade com a amiga. Eles não se veriam mais todo final de semana ou tomariam cerveja assistindo as partidas de futebol na quarta-feira, e aquilo doía. A saudade já batia precocemente antes mesmo dela partir.
Apesar do pai ser bruto e um pouco quieto, deixando-a desejar palavras, ele recompensava em atitudes. Marcos sempre fez de tudo pela filha, claro, o que estava ao seu alcance; sempre a encorajando a seguir o coração e não ter medo de grandes desafios.
Vê-la depressiva partira o seu coração e foi um dos motivos que o fez pedir o divórcio da ex-mulher – não estava mais disposto a compactuar pela limitação e superproteção que ela queria impor à filha. Então, neste momento, ele não poderia estar mais feliz por ela finalmente estar satisfeita consigo mesma. Não deixaria de apoiá-la um instante sequer, mesmo que sentisse que um pedaço dele estava indo para o outro lado do mundo.
Eles se afastam e limpa as lágrimas debaixo dos olhos rapidamente.
- Eu te amo, pai.
- Também te amo, .
Visto o término da despedida, se aproxima.
- Não se esquece de pegar o telefone de algum italiano gatinho, daqueles que você sabe que eu vou me derreter. – pede e a jovem ri. – É o mínimo por ter que fazer eu dividir o apê com a minha prima.
- A Rebeca é um amor, . Não dramatiza.
- Mas ela não é você, chata. – ela diz abraçando-a calorosamente. – E não ouse arrumar uma melhor amiga lá, que eu saio daqui para ralar a cara dela e a sua no asfalto.
gargalha.
- Ninguém vai assumir o seu posto, isso eu posso te garantir.
Elas se afastam e Rafael se aproxima.
- Isso não é um adeus. – ela diz convicta, entrelaçando os dedos de suas mãos – É um "até logo", amigo.
- Vou ficar esperando, até lá vou assistir a todas as corridas e torcer feito um louco por você. – ele sorri encostando as suas testas.
Eles juntam os lábios calmamente, selando suas bocas vagarosa e calmamente antes de se abraçarem. Logo se afastam e todo aeroporto pode ouvir: Voo 2158 Latam para Vicenza, Itália.
- É a minha deixa. – diz sorrindo aos três. – Tchau, gente.
E assim ela se vira para o portão de embarque, guardando em mente aqueles que acessavam para ela, e completamente pronta para o que vinha pela frente.
O Supra di Mauro Maia é um restaurante italiano famoso em São Paulo conhecido por sua gastronomia de requinte e um chef de grande notoriedade. É um dos restaurantes favoritos dos pais de e era por isso que ela estava ali àquela noite.
Ela precisava informar aos pais a sua decisão, afinal partiria em breve à Itália para começar a coordenar o seu contrato, começar os treinos e preparação física já para entrar na sua primeira temporada do campeonato GP2 – categoria que oferece gancho de entrada para a tão sonhada Fórmula 1.
não queria ter de enfrentar os pais, mas não achava certo eles ficarem sabendo da sua decisão através da televisão ou jornais digitais. Então juntou toda a coragem que tinha e os convidou para um tranquilo jantar – sem citar o motivo, claro. Tratariam do assunto conforme os pratos chegassem à mesa. Nada que uma boa comida não pudesse resolver, certo?
- Oi, tenho uma reserva no nome de Benedetti. – a jovem diz ao recepcionista.
- Mesa para quatro pessoas? – o rapaz de sorriso simpático questiona ao mirar a tela do seu computador.
- Para cinco. – diz ao lado da amiga.
- Bem pensado, pode ser que meu pai apareça com a Barbie. – diz revirando os olhos rapidamente. – É, mesa para cinco. Por favor.
- Perfeito. – o recepcionista diz e se levanta. – Favor, queiram me acompanhar.
As duas jovens seguem o rapaz pelo salão, por entre as mesas ocupadas, e ele as indica uma mesa com seis lugares ao canto. Ótimo, pensou, quando mais discrição melhor.
- Boa noite. Sou Miguel, ficarei responsável pela mesa de vocês esta noite. Gostariam de fazer o pedido ou vão aguardar pelos demais? – o garçom se aproximou e questionou educadamente enquanto entregava os cardápios.
- Vamos aguardar, mas por enquanto pode me trazer uma garrafa de vinho. – diz sorrindo nervosa.
- Brunello di Montalcino, seco. Por favor. – diz e ele anota em seu aparelho em mãos.
- . – chama sua atenção disfarçadamente, o vinho era um dos mais caros do cardápio, contudo, também um dos mais deliciosos.
- Essa noite merece. – a loira diz confirmando o pedido. – Afinal, daqui a pouco você vai ganhar rios de dinheiro mesmo. Se permita à essas regalias.
ri.
- Precisando, podem me chamar. – o rapaz diz e se afasta.
- Você precisa ficar calma. – diz ao notar as mãos trêmulas da amiga.
- É para isso que o vinho serve.
- Eles não podem te proibir de ir. – a loira garante, charmosamente colocando o cabelo longo atrás no ombro. – Já é adulta e independente. O máximo que pode acontecer é ficarem com raiva...
- Pararem de falar comigo...
- Gritar no meio do restaurante...
- E armar um escarcéu. – finaliza engolindo em seco. – Não está ajudando.
- Só estou pontuando as possibilidades para você se preparar. – ela dá de ombros.
Miguel retorna com a garrafa solicitada e duas taças. Ele pousa a taça com delicadamente na frente de cada uma e despeja o líquido com agilidade.
- Aproveitem. – deseja e novamente se afasta.
Quando está na sua segunda taça de vinho, ela quase cospe o conteúdo na sua boca ao perceber Rafael na entrada do restaurante.
Ele passa a mão cuidadosamente pelo cabelo preto, reforçando o topete com os dedos enquanto conversava com o recepcionista alegremente. Mesmo de costas ela sabia que era ele, aquelas costas largas cobertas por uma camisa preta e bumbum redondo vestido com uma bermuda branca eram inconfundíveis.
- Que droga! – ela reclama contida na direção da amiga após engolir o vinho com dificuldade. – O que o Fael está fazendo aqui?
logo levanta ambas as sobrancelhas e morde a bochecha por dentro.
- Digamos que quando citei os cinco lugares, eu não estava contando com a namorada do seu pai. – diz receosa.
- ! – ela exclama inconformada.
- O que? – ela logo se recompõe, assumindo uma postura confiante. – Como você queria dar a notícia para ele, por mensagem? – ela ri fraco – O garoto merece ser noticiado cara a cara.
- Eu não ia fazer por mensagem. – diz indignada, para depois desviar os olhos e completar em um tom mais baixo. – Ia ligar para ele do aeroporto logo antes de embarcar.
- ! – chama sua atenção de volta.
- Está bem, eu sei que não seria a melhor forma. – ela confessa – Mas eu não queria ter que olhar nos olhos dele e falar que todos os planos que fizemos para o final do ano estão cancelados. Você já o viu fazer "a" cara triste? – nega com a cabeça – É desesperadamente dolorosa e, como todas as vezes que isso acontece, eu vou ficar me sentindo uma vilã.
- Você não é vilã. – diz com convicção. – Está indo atrás do seu sonho e, se ele realmente gostar de você, vai entender. Eu meio que já adiantei sobre a história das corridas, então não vai ser um choque tão grande assim.
- Como é? – ela indaga inconformada.
- Falei por cima só, não aprofundei muito. Era só para ele não estar por fora da conversa, poxa. – ela sorri de lado. – Mas ele não faz ideia que seja sobre isso ou porque está aqui, então o resto é com você.
solta o ar tenso.
- Você é impossível.
- E você me ama. – diz rapidamente antes de se virar e cumprimentar: – Oi, Fael!
- Oi, . – ele diz aproximando-se sorridente e eles batem as mãos no alto. – Oi, amor.
mal tem tempo de responder e logo os lábios do rapaz estão junto aos seus, em um beijo rápido.
- Que restaurante legal, nunca tinha vindo aqui antes. – ele diz sentando-se ao lado da parceira e apoiando o braço descontraidamente no encosto da sua cadeira.
- É, bem legal. – concorda, sorrindo sem humor.
- Amor, sobre aquela viagem para as Maldivas, eu estava vendo uma promoção de passagens essa semana. – ele diz enquanto levantava o dedo para chamar o garçom. – Os preços caíram pela metade do preço, é a hora certa de comprar.
arqueia as sobrancelhas em surpresa pela rapidez em que o assunto foi abordado e um segundo depois está de pé: - Eu vou até o toalete, se me deem licença.
observa a loira caminhar vagarosamente até os banheiros amaldiçoando-a silenciosamente. Miguel se aproxima da mesa e já deixa uma taça para o recém-chegado, prevendo o seu pedido.
- Obrigado, amigo. – Rafael agradece sorrindo enquanto Miguel despejava o líquido em sua taça.
- Então, Fael, sobre a viagem... – ela umedece os lábios ao virar em sua direção e encarar aqueles olhos pretos profundos. – Vai ter que ser adiada.
Miguel inteligentemente se afasta da mesa quando nota o rapaz tirar o sorriso do rosto e parar o caminho que fazia da taça até a própria boca.
- Por quê?
- É melhor esperar os meus pais chegarem para a gente continuar essa conversa. – ela diz cuidadosamente.
- Ah Meu Deus – sua expressão se torna de completo pavor e ele pousa a taça de volta sobre a mesa. – Viagem adiada, jantar com seus pais... Você está grávida.
- O que? – ela ri. – Claro que não.
- Ufa! – ele suspira com a mão no peito. – Que susto.
ri verdadeiramente.
- Não que não seria legal uma mini ou um mini Fael correndo pela casa, - ele se adianta, acariciando o ombro dela delicadamente. – Mas acho que não estamos prontos para isso ainda.
- Definitivamente não estamos.
Eles sorriem um para o outro.
- Sabe, a estava comentando algo esses dias atrás sobre você e alguns prêmios em campeonatos automobilísticos. – ele comentou descontraidamente antes de tomar um gole do vinho. - E eu fiquei me perguntando de quem eu estava com raiva: você por não ter me contado nada ou eu por não ter jogado o seu nome na internet quando começamos a sair.
ri.
- Você costuma jogar o nome de quem você sai na internet?
- Não, mas acho que vou passar a aderir. – ele diz rindo. – Descobri que você foi uma das melhores pilotas júnior. Por que não me contou?
Ela respira fundo.
- Era um passado que eu vinha tentando superar, esquecer. – diz olhando em seus olhos. – Contar a vocês não ajudaria no processo.
Ele se põe a pensar, mas logo admiti: - É, faz sentido.
Ela sorri e permanece com os olhos nos dele por alguns instantes.
- Pode perguntar, eu sei que você está se coçando para saber.
- Como que era? – ele questiona com um sorriso enorme nos lábios. – A sensação de dirigir um carro incrivelmente veloz?
ri anasalado.
- Maravilhoso. – ela pronuncia, com paixão exalante no brilho de seus olhos. – Você sente todo aquele poder nas palmas de suas mãos e supri qualquer outro sentimento. Te deixa extasiado. É uma das melhores sensações que já senti na minha vida.
- Qual a velocidade máxima que você já alcançou? – ele indaga com o rosto repleto de admiração.
- Já cheguei à 305 km/h., mas isso em testes com carros da F2, não cheguei a disputar com esses carros. Minha categoria permitia só até os 170 km/h.
- Isso é tão legal! – ele celebra. – Eu vi que você teve nove vitórias na Fórmula Renault, e foi campeã na sua temporada de estreia. Isso é impressionante!
- Você realmente me googlou! – ela comenta risonha.
- Era o mínimo que eu poderia fazer. – ele dá de ombros aos risos. – Têm umas três páginas de pesquisa falando sobre a minha namorada e eu não fazia ideia. Mas tudo bem. A questão é: você sempre se sentiu deslocada no trabalho e estava insatisfeita, agora eu sei por que, mas, por que não retomou sua carreira ainda?
sorri desconcertada e é salva antes que pudesse abrir a boca. Seus pais haviam chegado no momento certo.
- Boa noite, queridos. – diz sua mãe com um sorriso simpático no rosto.
Ambos se levantaram para cumprimentar, respira aliviada.
- Oi, pai. – ela diz abraçando ao homem. – Vocês vieram juntos?
- Não, chegamos ao mesmo tempo. – o pai informa sorrindo. – O que quer dizer que não estou atrasado.
- Vai chover, graças a esse milagre. – Patrícia alfineta de forma divertida, logo puxando a filha para um abraço depois de cumprimentar Fael. - Você está divina, meu amor. - a mulher elogia admirando o seu vestido vermelho de alças e saltos finos.
- Seria o segundo da noite, já que é incomum a convidar a nós dois para um jantar no meio da semana. – Marcos rebate, olhando sugestivamente na direção da filha.
retorna à mesa no mesmo instante e cumprimenta os recém-chegados. Não se demora muito para que todos se acomodassem e avaliassem os cardápios.
Depois que haviam feito os seus pedidos, auxiliados por Miguel que havia feito aconselhamentos notavelmente deliciosos, sabia que não teria muito tempo até que alguém questionasse o real motivo para estarem reunidos naquela noite. E foi o que o seu pai pontuou na sequência: - Apesar de estar contente por esta reunião, minha filha, estou curioso em saber o porquê ela foi necessária.
olha para , que a incentiva com o olhar, e respira fundo.
- Reuni vocês aqui hoje porque tenho uma notícia importante para dar.
- Vocês vão se casar! – a mãe sugere alegremente, batendo as mãos em entusiasmo.
Rafael engasga com o líquido que havia acabado de colocar na boca.
- Não! – se adianta em negar e dar palmadas leves nas costas no rapaz. – Por favor, não tentem adivinhar. Só hoje já fiquei noiva e grávida.
- Está grávida? – o pai indaga com a face alarmada.
- Não! – ela nega novamente e se vira à Fael. – Você está bem?
- Sim. – ele diz com a voz rouca, depois de duas tosses.
endireita a sua postura diante de todos os olhos em sua direção e respira fundo novamente.
- Eu vou voltar a correr.
A mesa é coberta por um manto agonizante de silêncio.
olha para as expressões de cada um, que – exceto a de – todas estavam surpresas, e continua: - Angelo Rosin da Prema Racing está me esperando na Itália até a próxima semana para finalizarmos o acordo sobre eu correr como pilota deles na próxima temporada da Fórmula 2 e já começar os testes classificatórios. Ela vai ser o meu gancho de entrada para a Fórmula 1 porque preciso completar minha caderneta de quilômetros corridos com um carro de mais de 600 cavalos para tirar a superlicença e ter autorização oficial. Embarco neste sábado.
Dito isso, ela pega sua taça e dá uma grande golada no vinho.
Depois que pousa a taça na mesa novamente, aguarda pela torrente de perguntas que viriam.
- Você está louca?
- Colocar sua vida em risco assim?
- Você já assinou um contrato sem ao menos contatar os seus responsáveis?
- A passagem é reembolsável?
- Quando começa essa temporada?
- Você leu as cláusulas desse acordo?
- Calma, pessoal, vamos ouvir o que ela tem a dizer. – pede educadamente.
- Basta. – sobressalta, interrompendo os questionamentos. – Primeiro de tudo, eu quero deixar claro que essa é a minha decisão e não há circunstância alguma que me faça mudar de ideia. Eu sou maior de idade e porventura agora tenho direito de escolher o que eu quero para a minha vida. E é isso que eu sempre quis.
- Você já assinou o contrato? – a mãe pergunta incrédula.
- Há três dias.
A mãe põe a mão no peito enquanto ergue a outra de forma alarmante, para chamar Miguel: - Uma água, por favor.
Marcos olha para a filha com uma expressão pensativa. Em seguida procura por sua mão por cima da mesa. entrelaça os seus dedos.
- É isso mesmo que você quer, querida? – ele questiona carinhosamente.
- Sim, pai. - ela sorri.
Ele solta o ar que prendia.
- É muito perigoso. – ele comenta relutante. – As pessoas morrem nessas competições.
- Isso acontecia com frequência antigamente, pai. – ela explica – Hoje, com o avanço da tecnologia, a segurança triplicou e é muito difícil um acidente chegar á óbito. Eu sei que é um esporte perigoso, mas nós sofremos riscos todos os dias de nossas vidas em qualquer profissão. Para morrer, basta estar vivo. E eu não vou mais deixar que o medo decida por mim.
Marcos olha a filha nos olhos e sorri.
- Você tem um bom agente para cuidar da parte burocrática? – ele indaga.
- O que? – a mãe esbraveja olhando diretamente para Marcos, que a ignora.
- O tio Fábio já está lá cuidando disso para mim junto da Renata Rodrigues, aquela advogada que negociou a quebra do contrato. – ela informa sorrindo aliviada. – Eles estão fechando acordo com uma empresária para gerenciar minha carreira e evitar boa parte dos problemas da última vez, ela vai favorecer a minha imagem.
- Eu sabia que tinha dedo do seu tio nisso, assim que a mamãe falou que ele estava vindo para cá, eu devia ter desconfiado. – Patrícia intervém na conversa, aos resmungos.
- Ele sempre cuidou de mim e apoia minha carreira, eu não poderia pedir a qualquer outra pessoa para exercer uma função que sempre foi dele. – esclarece à mãe. – E, mais uma vez, a decisão foi minha.
- Vai abandonar tudo o que você conquistou aqui para correr? – a mãe questiona abismada.
- Sim. – ela sorri. – Vendi meu carro, desfiz das minhas coisas, juntei uma boa grana para começar. Minha mala já está pronta para a Itália.
- Como pôde? – a mãe grunhe ofendida – Depois de tudo o que tivemos que fazer para que você saísse desse mundo? Depois de todo o dinheiro que gastamos?
- Aquela tinha sido uma decisão de vocês, e sofreram as consequências por ela. – ela rebate. – Agora quem está escolhendo sou eu, e somente eu vou arcar com as consequências pela minha decisão.
Patrícia bebe a sua água, controlando a respiração fervorosa.
- Se pensa que estarei na arquibancada te aplaudindo de pé, está muito enganada.
- Eu não vim pedir isso. – diz séria. – Vim explicar o porquê eu não estarei no Brasil durante um bom tempo. E quanto ao seu apoio, sobrevivo sem ele. Afinal, sempre sobrevivi. Você não estava lá para aplaudir os meus pódios e mesmo assim eu sempre estive neles.
Quando o último resquício da paciência de Patrícia se perde, a mulher pega sua bolsa e levanta-se da mesa, caminhando para a saída em passadas firmes.
- Patrícia. – Marcos a chama, mas ela sequer olha para trás.
Os pratos chegam e as pessoas na mesa os recebem em silêncio.
olha da porta de saída do restaurante ao seu pai.
- Não vou ficar chateada se for até lá. Sei que tenho o seu apoio e para mim isso basta. – ela diz e o pai sorri em sua direção antes de se levantar e ir atrás de Patrícia.
Os três restantes começam a comer em silêncio, que é interrompido um tempo depois pela própria : - Nada a declarar? – ela questiona à Fael, que se manteve em silêncio desde que a notícia fora dada.
Ele engole sua massa e toma um gole do vinho vagarosamente para em seguida mirá-la nos olhos.
- Eu estou feliz por estar correndo atrás de uma coisa que obviamente é importante para você.
Ela analisa o rosto pleno e sem expressões do rapaz.
- E por que eu acho que você está falando isso só para me agradar? – ela questiona.
Ele limpa a boca com o guardanapo e vira em sua direção. automaticamente encontra uma desculpa para sair da mesa, dizendo algo sobre ir elogiar à comida ao chefe, e se afasta.
- Não estou falando só para te agradar, eu realmente estou feliz por você. – ele esclarece sorrindo. – Só estou pensando no quanto sua ida para outro país vai afetar o que temos. Poxa, uma hora estamos planejando uma viagem e na outra você vai morar em outro país. Estou tentando assimilar essas informações, pensei que estávamos atingindo o próximo nível no relacionamento.
engole em seco.
- Não se preocupe, eu não sou o tipo de cara que vai ficar te segurando em um relacionamento à distância. – ele diz rindo fraco. – Só que eu gosto do que temos e não deixo de ficar triste por ter que acabar.
- Não tem necessariamente que acabar tudo entre nós. – ela fala, porque sabe que o seu envolvimento romântico com Fael não era tão forte para resistir à distância e a falta de contato. – Somos bons amigos e eu não quero que fique como se nunca mais fossemos voltar a nos falar. Podemos fazer visitas, trocar mensagens, fazer chamadas de vídeo, tem tantas alternativas. – ela entrelaça os seus dedos nos cabelos da nuca dele, de forma carinhosa – Não quero tirar você da lista de discagem rápida. Eu gosto de você.
- Essa é a questão. – ele sorri tristonho – Você gosta de mim, eu te amo. E tudo bem, eu não tenho como te obrigar a me amar. Mas eu pensava que poderia conseguir que me amasse com o tempo, esse que não vamos ter mais. Então, meio que acabou sim. – ele ri sem humor. – Vou sentir falta do seu beijo, dos seus braços, – ele encosta a bochecha no braço dela, que ainda acariciava o cabelo – do seu riso, das suas covinhas, – ele acaricia sua bochecha com a mão livre – da sua sensatez, da sua inteligência... E, apesar de saber que vou sentir muito a sua falta e do que temos, não vou ser egoísta e fazer qualquer coisa que te faça se sentir mal por estar indo atrás do seu sonho.
- Como eu queria que você só me xingasse e saísse batendo o pé, fica mais fácil te odiar e não sentir sua falta. – ela diz e enlaça o seu pescoço com os braços, abraçando-o forte. – Você é incrível, obrigada. Por tudo.
Depois que o clima ficou mais tranquilo e as pessoas retornaram à mesa, exceto por Patrícia que havia realmente ido embora, a noite foi fechada com conversas menos pesadas e risadas sobre assuntos aleatórios.
No sábado de manhã, para a sua surpresa, os três a acompanharam no aeroporto até a sua partida para uma vida completamente nova. Quando seu voo foi chamado, cada um tinha as suas solicitações e recomendações para dar.
- Você trate de me ligar, ao menos a cada dois dias. Sei que vai estar ocupada, mas arranje um tempo para me atualizar se você tem comido direito, se tem dormido o suficiente e se precisa de qualquer coisa. Eu farei o possível daqui para ajudar. – o pai declara. – Seu tio não é lá muito certo das ideias, mas eu confio em você. Tenha juízo e não se meta em encrenca. No final do ano eu estarei lá para te visitar e, quem sabe, estar comemorando a vitória da minha filhota. Desculpe amor, minhas férias não saem antes disso.
sorri compreensiva.
- Está tudo bem, pai. Eu entendo. Obrigada.
- E perdoe a sua mãe, você sabe que ela só está com medo de você se machucar. – seu pai diz. – Ela te ama e não quer te perder.
- É uma péssima forma de demonstrar. – ela suspira. – De qualquer forma, o importante é que desta vez ao menos tenho você ao meu lado. Obrigada.
Eles se abraçam, afunda o rosto na curvatura do pescoço do pai enquanto ele a apertava em seus braços, guardando na memória cada detalhe. Eles sabiam que aquela poderia ser uma despedida real, não como de quando ela foi morar do outro lado da cidade com a amiga. Eles não se veriam mais todo final de semana ou tomariam cerveja assistindo as partidas de futebol na quarta-feira, e aquilo doía. A saudade já batia precocemente antes mesmo dela partir.
Apesar do pai ser bruto e um pouco quieto, deixando-a desejar palavras, ele recompensava em atitudes. Marcos sempre fez de tudo pela filha, claro, o que estava ao seu alcance; sempre a encorajando a seguir o coração e não ter medo de grandes desafios.
Vê-la depressiva partira o seu coração e foi um dos motivos que o fez pedir o divórcio da ex-mulher – não estava mais disposto a compactuar pela limitação e superproteção que ela queria impor à filha. Então, neste momento, ele não poderia estar mais feliz por ela finalmente estar satisfeita consigo mesma. Não deixaria de apoiá-la um instante sequer, mesmo que sentisse que um pedaço dele estava indo para o outro lado do mundo.
Eles se afastam e limpa as lágrimas debaixo dos olhos rapidamente.
- Eu te amo, pai.
- Também te amo, .
Visto o término da despedida, se aproxima.
- Não se esquece de pegar o telefone de algum italiano gatinho, daqueles que você sabe que eu vou me derreter. – pede e a jovem ri. – É o mínimo por ter que fazer eu dividir o apê com a minha prima.
- A Rebeca é um amor, . Não dramatiza.
- Mas ela não é você, chata. – ela diz abraçando-a calorosamente. – E não ouse arrumar uma melhor amiga lá, que eu saio daqui para ralar a cara dela e a sua no asfalto.
gargalha.
- Ninguém vai assumir o seu posto, isso eu posso te garantir.
Elas se afastam e Rafael se aproxima.
- Isso não é um adeus. – ela diz convicta, entrelaçando os dedos de suas mãos – É um "até logo", amigo.
- Vou ficar esperando, até lá vou assistir a todas as corridas e torcer feito um louco por você. – ele sorri encostando as suas testas.
Eles juntam os lábios calmamente, selando suas bocas vagarosa e calmamente antes de se abraçarem. Logo se afastam e todo aeroporto pode ouvir: Voo 2158 Latam para Vicenza, Itália.
- É a minha deixa. – diz sorrindo aos três. – Tchau, gente.
E assim ela se vira para o portão de embarque, guardando em mente aqueles que acessavam para ela, e completamente pronta para o que vinha pela frente.
Capítulo 4
GP Inglaterra – Circuito Silverstone
"E a grande novidade para essa temporada da GP2 é a equipe da Prema Racing composta por uma pilota. Isso o que vocês ouviram, uma mulher. A escuderia que tem fortes laços com a Mercedes e Ferrari, tendo administrado muitos pilotos da Academia da Ferrari, fez um investimento forte em Santos Benedetti. A brasileira tem 22 anos e uma história nas pistas. Já tendo disputado campeonatos mirins, ela tem uma série de conquistas em sua trajetória. A nova corredora da escuderia italiana passou alguns anos sabáticos e retornou com tudo para essa temporada."
"Não sei não, Ricci. Uma mulher?"
"Qual o problema, Giovanni?"
"Digamos que a história das corridas já tem um denominador comum, o hormônio masculino. É necessário todo um porte físico, um peso ideal e os reflexos intuitivos que só nós temos. Já foi provado que as mulheres não estão aptas para estar atrás de um volante em campeonatos automobilísticos importantes. Tivemos Maria Teresa, Lella Lombardi, Divina Galica, Sarah Fisher, Susie Wolf entre outras e pudemos ver o seu desempenho, não atingiram nem o top dez nas classificações. Concordo que temos que fazer uma diversidade de gênero no mundo automobilístico, mas o lugar atrás do volante só cabe ao homem."
"Isso foi machista, Giovanni. Não foi legal".
"Sei que as pessoas concordam comigo. As mulheres não podem competir a GP2 muito menos Fórmula 1, e digo isso para o próprio bem delas. São frágeis, podem se machucar."
Muda de canal.
" Santos Benedetti é o novo rosto da Prema Racing, umas das poucas mulheres que conseguiram alcançar a Fórmula 2. Apesar de a equipe ter grandes apostas nessa nova ideia e sua performance ter sido destaque nos testes para classificação da pré-temporada, seguimos nos perguntando: Afinal, a pista é lugar para uma mulher?"
Muda de canal.
"Desde quando a Prema Racing anunciou a contratação desta pilota não só o mundo automobilístico, mas como o mundo inteiro, tem entrado em conflito pelo debate. De um lado os apoiadores da diversidade de gênero na categoria, do outro os apoiadores da permanência da supremacia masculina. A psicóloga Ananda La Paz responde: por que os homens se sentem tão ameaçados por essa conquista?"
Muda de canal.
- Está legal, já chega. – a voz de Fábio surge no fundo dos aposentos e logo ele está sentado ao lado de no grande e macio sofá em frente a Televisão de 50 polegadas. – Ficar assistindo à essas reportagens na véspera do seu primeiro treino livre não vai te deixar menos ansiosa. Eu falei para não colocarem uma televisão aqui, você vai ficar paranoica.
Eles estavam em seu camarim da Prema Racing, onde era disponibilizado um sofá grande, frigobar, uma maca para massagem, alguns petiscos postos em uma mesa ao canto, um saco de pancada preto pendurado do teto enquanto as luvas de boxe recém-tiradas estavam jogadas ao lado de . Era o seu lugar de descanso e pré-aquecimento antes de entrar em ação na pista à poucos metros de distância.
- Tudo bem. – ela diz ao apertar o botão para passar ao próximo canal. – Ouvir tudo isso só me deixa com mais garra de mostrar a eles do que eu sou capaz. Sei que estou pronta.
- Essa é a minha garota. – Fabio passa o braço por cima do ombro da sobrinha, sorrindo.
"A seguir veja o relato do piloto Mick Schumacher, ilustre filho do heptacampeão da Fórmula 1 – Michael Schumacher, comentar sobre a nova parceira de equipe. Os dois foram confirmados como pilotos titulares pela Prema Racing para a Fórmula 2."
"Eu ainda não a conheci, mas sei que ela dá um show. Com certeza vai calar a boca de muita gente". – diz o loiro na televisão, rodeado por inúmeros microfones.
- Já gostei do garoto. – Fabio diz com os olhos na tela. – Aliás, a Prema concordou em te poupar das coletivas com a imprensa nesse final de semana, para não tirar a sua concentração da corrida.
- Estava torcendo para você dizer isso. – ela sorri satisfeita, odiava ter que falar com a imprensa e se submeter a perguntas desagradáveis.
- Mick vai ter que dar conta sozinho, mas o garoto deve fazer isso com o pé nas costas. Já está no ramo há anos. – Fabio declara. – Aliás, vão poder finalmente se conhecer hoje, depois do treino livre, daqui a pouco. Tentei marcar um encontro antes, mas a assessoria dele não encontrou um espaço livre na agenda. Ele tem um sobrenome de peso, seria ótimo para a sua imagem estar relacionada a ele.
- Não quero me apoiar na imagem de alguém, tio.
- Não é se apoiar. – Fábio sorri travesso – É usufruir. Afinal a ideia de terem uma boa relação nos bastidores trás apoiadores e fãs, e eles trazem audiência que, por sua consequência, te faz crescer aos olhos de um público que vai te favorecer.
- Ele foi um dos poucos que deram declaração sobre mim e achei isso legal, mas não vou forçar uma amizade por interesse. Sinto muito. – ela diz e faz o tio suspirar – Aliás, você viu o que o Hamilton disse sobre mim?
- É exatamente por isso que estou aqui. – ele diz com excitação e puxa o celular no bolso do casaco. Desbloqueia a tela, que já está na matéria, e corre a notícia para ler em voz alta: - "Ela alcançou uma posição que, a um retrógrado modo de pensar, sempre pertenceu à um homem. Por isso estão tão irritados. Estou ansioso para o que está por vir, a garota tem um futuro brilhante e espero algum dia poder dividir a pista com ela."
- É assim que eu quero ser conhecida, pelo o que eu faço ou posso fazer, não pelas pessoas que eu conheço. – ela sorri. – Lewis Hamilton definitivamente fez o meu dia.
- Que honra é ter o outro heptacampeão da Fórmula 1 dizendo isso sobre você, tenho que procurar o contato dele ou da assessoria para agradecer. – Fabio diz e corre os olhos para o relógio digital no canto da tela do celular. – Puta merda, estamos atrasados. Daqui a pouco aparece aquela lunática da Sandy para te puxar pelos cabeços...
- Me puxar pelos cabelos? – ela o interrompe com a sobrancelha arqueada.
- O.K., me puxar pelos cabelos porque eu tinha que ter te tirado daqui há 15 minutos. – ele diz levantando-se. – Vamos, minha estrela. Hora de brilhar.
Dito isso, o acompanha para fora da sala, eles atravessam os longos corredores brancos até a entrada das garagens da Prema Racing, simbolicamente com faixadas vermelho e branco.
Ela se aproxima de seu carro, das mesmas cores, cercado por inúmeros integrantes da equipe de engenharia e mecânica. Ela havia os conhecido há três meses quando começara a preparação e os treinos intensivos, e sentia como se já fosse parte da família Prema há anos.
Com a ajuda deles, ela pegou a habilidade na condução de uma máquina moderna, a ter sensibilidade para passar aos engenheiros as reações do carro, mexer nos comandos do volante para modificar as muitas funções existentes, gerar a pressão aerodinâmica nas curvas, explicaram o que acontece se eleva ou abaixa o assoalho em um milímetro, como o carro reage se der um grau a mais ou a menos de asa em alta velocidade e ela não poderia estar mais animada para mostrar aos demais todo o progresso que eles haviam feito até então.
cumprimenta a todos com um sorriso estampado no rosto, completamente ansiosa para entrar no carro e fazer história.
- , os pedais já foram ajustados conforme o que você pediu. – disse René, o seu engenheiro chefe. – Aquela vibração da roda dianteira esquerda também foi arrumada, sem problemas nas curvas desta vez. Vamos seguir com as táticas do Plano A. 35 H à direita nesse começo, tudo bem?
- Entendido. Obrigada, René.
- Vamos lá, hora do show. – Angelo, o chefe de equipe, esbraveja no meio da cabine e aponta para – Faça o seu espetáculo, Benedetti.
- Com prazer. – ela diz e passa os braços pelas mangas de seu macacão branco e vermelho, antes amarradas na cintura, e fecha o zíper rapidamente. Em seguida ela tira o boné da marca, coloca os fones do rádio nos ouvidos e passa a balaclava pela cabeça. Sandy, a tal lunática, a ajuda a colocar os cabelos longos para dentro do traje e passa a proteção do pescoço pela sua cabeça. Ajustando-a.
- Se fizer 40 por cento do que vi você fazer nos treinos lá na sede, nós podemos nos considerar campeões dessa temporada. – a loira diz, com os finos olhos azuis brilhando de emoção em sua direção.
Sandy era uma italiana linda, inteligente, experiente, ótima em fechar negócios e com o pavio curto. Ela sempre visava os melhores meios para levantar a carreira de alguém, já havia trabalhado com inúmeros pilotos e levado a maioria ao topo. Tinha sempre as melhores dicas e, apesar de ser casca grossa, havia se tornado uma grande amiga de .
Não era do feitio de uma empresária correr a cidade no interior da Itália inteira atrás de um brigadeiro brasileiro porque a pilota de TPM pediu por alguns antes dos testes classificatórios, mas ela o fez. Sandy sempre garantia que tivesse as melhores condições possíveis para trabalhar e, da mesma forma, cobrava por resultados os quais nunca deixara a desejar.
Ela tinha uma linha cronológica para levar ao seu objetivo e garantiu que estaria com ela em todas as situações. Ao lado dela e do tio, não poderia se sentir mais segura.
- Ainda são os treinos livres, Sandy. – relembra, colocando o capacete verde e amarelo que havia ganho de presente de Bruno na cabeça – Nas classificatórias você pode me colocar essa pilha toda.
- Aí que você se engana, mon chéri. – ela diz ajustando a trava de segurança do capacete. – É hoje que você vai causar as primeiras impressões. Hoje você inferniza a vida daqueles machistas.
- E vou fazer com gosto. – sorri e monta no carro, acertando o corpo no cockpit e encaixando as suas pernas até que encontrasse os pedais. – Tio! – ela chama sua atenção quando ele passa pela lateral do carro.
Ele se aproxima.
- Ela... Retornou a ligação? – ela questiona receosa.
Pela cara dela, ele sabia exatamente de quem a sobrinha estava falando, a mãe. Durante todo esse tempo, Patrícia não havia telefonado, mandado mensagens, um e-mail sequer e começava a se sentir profundamente incomodada com o descaso. Sabia que não teria apoio interino dos pais em sua decisão, mas nunca que a mãe faria greve de silêncio daquela forma. Era ridículo, beirava a infantilidade.
Se ela estava preocupada com , aquela era uma péssima forma de demonstrar. Mas, apesar de todos os pesares, ela era sua mãe e sentia falta dela.
- Não, querida, sinto muito. – Fabio diz tristonho.
Ela respira fundo.
- Tudo bem.
- Seu pai mandou mensagem dizendo que já está com a TV ligada, vai acompanhar todo o treino. – Fabio diz alegre, tentando animá-la. – Disse que comprou até uma vuvuzela para a corrida no domingo. Os vizinhos que o aguentem.
- É, eu sei. Ele me ligou. – Ela ri. – Assim como a , a vovó e o Fael.
Fabio suspira.
- Tudo bem, não é importante agora. Vamos lá. – ela diz sorrindo e chacoalhando a cabeça. Aquela era a hora de se concentrar, independente das adversidades.
Logo que Fabio se afasta Greg e Malcon, dois membros da sua equipe, começam a afivelar os seus cintos de segurança.
- Boa sorte, . – eles desejam e se afastam do carro.
liga o motor e respira fundo.
Havia finalmente chegado a hora.
Até mesmo os pilotos de outras escuderias haviam se aproximado, se apresentado, e lhe dado os parabéns pelo treino e pela coragem do retorno às pistas.
De volta à garagem da Prema, ela também é parabenizada pela sua equipe e a equipe que trabalhava com Mick, seu parceiro de escuderia e vizinho de garagem. Logo o loiro de olhos azuis também se aproximou e com o sotaque puxado para o alemão forte, diz: - Finalmente! Pensei que só íamos nos conhecer a caminho do pódio.
- Oi! – ela diz e aperta a sua mão estendida. – É um prazer te conhecer.
- Digo o mesmo. – ele sorri simpático, com as covinhas em suas bochechas sendo evidenciadas. – Parabéns pela volta de hoje, foi impressionante.
- Obrigada.
- Se continuar assim, não duvido nada que vai conseguir a pole position da corrida logo de cara.
- Olha que não sou de pensar pequeno. – ela diz com os olhos cerrados e riso contente.
- E nem deve. Você tem talento.
não consegue controlar o sorriso que se alarga em seu rosto, não se alegrar com aquele elogio seria no mínimo incoerente. Mick era conhecido por, além do seu talento genético, pelo seu carisma, a simpatia e sua sensatez. Ele foi o piloto modelo do ano declarado pela Revista Esporte do ano anterior.
E, apesar de ter trilhado toda a sua reputação por mérito próprio, era impossível olhar para Mick e não se recordar do pai, Michael. Eles tinham os mesmos olhos, nariz, lábios e sorriso. jamais se esqueceria do rosto do homem que a fazia assistir as corridas aos domingos de manhã em toda a sua adolescência. Havia chorado culposamente quando ele sofreu o acidente em 2013 e não retornou mais às pistas. Então estar próxima do filho dele era uma honra.
- Bom, tenho que ir. – Mick faz uma careta cansada. – Coletiva de imprensa.
- Boa sorte. – ela diz despertando de seus devaneios.
- Que tal um jantar mais tarde? – ele diz enquanto se afastava em passos lentos. – Sabe, para a gente poder se conhecer, falar sobre a equipe, algumas dicas...
- Oh, sinto muito. Hoje vou ficar a noite inteira presa com a equipe tática para repassar as estratégias de domingo. Soube que você já fez isso, então não vamos nos ver lá. – ela diz sentida, mas logo sorri ao sugerir: – Poderíamos almoçar amanhã.
- Vou ficar preso em uma entrevista para a televisão local. – ele torce a boca. – Jantar amanhã, talvez por volta das nove?
- Tenho consulta com o fisio, último check-up antes da corrida. – ela deixa os ombros caírem.
- Vamos fazer assim, - ele se reaproxima e tira o telefone do bolso do macacão. – Me passa o seu número e a gente combina o melhor horário.
sorri e pega o telefone que ele a oferecia, rapidamente digitando o número. Quando o entrega de volta ele sorri satisfeito.
- Eu vou te mandar mensagem. – ele diz novamente se afastando.
- Vou esperar. – ela responde e ele ri antes de dar-lhe as costas e se distanciar acompanhado de outras dez pessoas ao seu redor.
- Eu conheço esse olhar. – a voz de Sandy sopra seu ouvido.
- Do que você está falando?
- Do flerte entre você e o garoto prodígio. – ela diz. – Como sua empresária eu tenho o dever de te alertar sobre os perigos que há nos bastidores.
- O que? – ri. – Não estávamos flertando, ele me chamou para jantar para uma conversa amigável. Somos colegas de equipe, não temos que manter uma relação boa? – questiona recordando-se da fala do tio.
- Uma relação profissional boa. – Sandy destaca – Querida, ainda que eles forem pilotos aclamados, de nomes estimados e com talento, não passam de garotos. E esses garotos quando veem uma mulher belíssima como você, ainda por cima vestida em um macacão sexy e mandando ver na pista, não pensam em outra coisa além de te fazer subir no troféu deles.
não contém a risada.
- Estou falando sério. – Sandy diz, apesar de rir minimamente. – Mick é um bom garoto, mas ainda sim é um garoto. Além de um dos pilotos que compete na mesma categoria que você. Você não tem tempo para esse tipo de distração agora.
- Eu não estava pensando por este lado e acho que ele só quis ser simpático. – ela dá de ombros.
- Mi amore, todos são simpáticos e é assim que entram no seu coraçãozinho e te afetam. Quando menos perceber, está acordando na cama dele, completamente nua, quando deveria estar na sua preparação física. – ela relata – Se apaixonar não é errado e nem proibido, mas pode afetar a sua razão em certos momentos e nunca é uma boa ideia se envolver com os seus adversários. Ainda mais se for o seu companheiro de equipe.
- Não era isso que estava acontecendo.
- Tudo bem, só estou te alertando. – ela diz sorrindo carinhosa – Meu dever também é cuidar de você. Os pilotos podem parecer ser amigos e próximos, mas especialmente estes da F2 na primeira oportunidade fazem de tudo para pegar o lugar uns dos outros no grid. Sabe, isso vale a entrada para a Fórmula 1 e eles usam todas as táticas possíveis. Por isso você, mon chéri, tem que ter o dobro de cuidado. Cair na lábia de um piloto é muito fácil e pode ser fatal para alguém na sua posição. Sei onde você quer chegar e farei o meu melhor para que o alcance, mas tem que me prometer que vai me ouvir.
- Pode deixar, Sandy. – ela abraça a loira de lado. – Fica tranquila que eu não vim aqui para isso. Eu estou completamente focada na minha carreira e assim permanecerei. Não vou me envolver, prometo. Fora que acabei de sair de um relacionamento, namoro está fora das minhas prioridades de qualquer forma.
- É assim que se fala, ragazza. – Sandy comemora. – Claro que nem sempre são unhas e farpas, mas eu não gostaria de ver você ser passada para trás por um deles. Confie plenamente em sua equipe, e em sua equipe somente.
- Entendido. – ela diz veemente.
Ela estava ali para ser campeã, e campeã ela seria.
Maranello, Itália
Circuito Fiorano
- Eu me sinto satisfeita em mostrar ao mundo que mulher no volante não é perigo constante. – diz divertida, causando uma onda de riso no grupo de entrevistadores – Temos que parar com esse tabu de que nós não temos condição para guiar um carro em pista. Não poderia estar mais honrada pela Prema me dar essa oportunidade e, claro, sem a ajuda da minha equipe isso não seria possível. Foi um trabalho em conjunto, a equipe é maravilhosa, e eu não poderia estar mais orgulhosa do que estamos fazendo.
- Richard Clark, SporTV alemã. , estando em terceiro lugar na classificatória geral do campeonato GP2, você já tem condição para tirar a superlicença que te permite pilotar um F1 e foi noticiado que você já está com o processo em andamento. Você tem intenções de disputar o campeonato da Fórmula 1 no ano que vem?
- Não posso afirmar que estarei na grid da Fórmula 1 já no ano que vem, mas estamos trabalhando para que seja possível. Afinal, a Fórmula 1 é o campeonato dos sonhos de todo piloto e comigo não seria diferente. Mas essa é a minha temporada de estreia na GP2 depois de anos parada e estou feliz pelas conquistas que estamos tendo até então.
- Donald Price, Fox Sports europeia. , o mundo tem acompanhado de perto a sua carreira e todas as suas conquistas históricas. Garotinhas ao redor do globo têm se sentido cada vez mais inspiradas em você para se tornarem pilotas de sucesso. Têm algum conselho para elas?
- Nunca desistir é primordial. A estrada percorrida não é fácil, tem que ter garra e foco no seu objetivo. Serão muitos comentários ofensivos, oportunidades desiguais, desmerecimento, falta de apoio, mas temos que mostrar que não somos vencidas tão facilmente. Tudo é possível se você se esforçar para isso.
- E é notável o quanto tem esforçado. – Donald continua. – Afinal seus treinos são constantes, mais frequentes que os seus colegas de campeonato. No entanto, não seria saudável, e até complementar, uma folga de vez em quando para acalmar os ânimos?
ri.
- Ouviu isso, Sandy? – a jovem indaga e todas as cabeças se viram para a empresária, que já adquiri a coloração vermelha no rosto. – Estou brincando, me desculpe. – Uma enxurrada de risadas soa. – Treinar não é uma questão obrigatória para mim, eu faço porque eu mesma me submeto a isto. Além de melhorar as minhas habilidades é também uma forma de me tranquilizar e acho que nunca vou me cansar disso. Correr é a minha vida.
- Obrigada, .
- Está bom, já chega pessoal. – Fábio interfere o falatório dos repórteres. – Ela acabou de sair do pódio e está encharcada de champanhe, precisa de um banho. Obrigado a todos, mas temos que ir.
Dito isso, a jovem se despede do grupo e acompanha seu tio e a empresária bastidores adentro.
- Mandou bem, nem parece que há uns três meses tinha vergonha das câmeras e microfones. Falas bem elaboradas, neutras e coerentes. – Sandy elogia. – Você é carismática o bastante e a mídia ama você.
- Ama até demais. – Fábio resmunga. – Ontem saiu uma foto dela conversando com o Mick na garagem e eu saí no fundo, devia ser alguns paparazzi nos portões da arquibancada que pegaram vocês distraídos. Vocês saíram perfeitos, agora eu... – ele bufa de cara fechada – Virei um meme da GP2.
- Aquela foto está no papel de parede do meu celular, sua cara está cômica. – diz rindo e joga a garrafa de champanhe vazia em uma lixeira apropriada quando passa ao lado dela. – As entrevistas de hoje foram de boa, só achei inconveniente aquele Donald falar sobre os meus treinos, ninguém pega no pé dos outros pelo tanto que eles treinam.
- É porque os outros não são tão obcecados como você. – Fabio declara. Eles saem pelos portões do fundo e já tem um carro os esperando para os levarem ao hotel. – Já conversei com você sobre a intensidade e frequência dos seus treinos. Você não é de ferro, uma hora tem que descansar.
Os três entram no carro.
- Oi, Peter. – cumprimenta o motorista enquanto afivelava o seu cinto.
- Srta. Benedetti, parabéns pelo pódio de hoje. – o homem diz encarando-a através do retrovisor. – Quase alcançou o primeiro lugar desta vez.
- Obrigada, Peter! – ela agradece sorrindo. – Tá vendo, tio Fábio? – ela se direciona a ele, sentado no banco do passageiro – Não é obsessão, se chama perfeccionismo. E tem trazido resultados, então não fale da minha dedicação como se fosse uma coisa ruim. É coerente que eu treine mais que os outros se eu quero chegar ao nível de experiência deles.
- Nessa eu tenho que concordar com seu tio. É bom que esteja tão dedicada, mas você precisa respirar os ares fora de um autódromo um pouco. – Sandy diz guardando o troféu de em sua bolsa de tamanho maior que o convencional. – Você está indo muito bem, então não vamos fazer com que isso vire algo ruim. Está bem?
- Como queiram. – ela dá de ombros.
- Mudando de assunto, Mattia Binotto entrou em contato comigo. – Sandy informa descontraidamente. Todos no carro, exceto motorista, prendem a respiração por um momento.
- Ah, meu Deus, - alarga o seu sorrido. - o chefe de equipe da Ferrari me procurando? O que ele queria?
- Sim. – Sandy sorri confiante. – Ele te convidou para fazer um teste de direção no modelo que vai às pistas na próxima temporada da F1. Na verdade, você e ao Schumacher. – ela complementa – Ele quer aproveitar que vocês estão na cidade da sede da fábrica da construtora. Como a próxima corrida é só daqui duas semanas, poderíamos ficar por aqui, aproveitar essa semana livre para descansar, e fechar com chave de ouro no teste da Ferrari.
- Gostei da parte do descansar. – Fabio diz do banco da frente.
- Gostei da parte do fechar com chave de ouro. Quando vai ser? – pergunta animada.
- Próximo sábado. Mas marquei um jantar hoje com o pessoal da equipe Ferrari só para socializar. – Sandy comunica. – Esteja pronta às oito.
- Sem problemas. – ela fala batendo na mão do tio em comemoração.
Chegando ao hotel, Peter teve a usual dificuldade para parar o carro, tamanha era a quantidade de pessoas ao redor do veículo. Dois seguranças do hotel automaticamente se encaminham na direção do carro para auxiliar na transição da pilota para a porta de entrada.
Todo fim de toda corrida era sempre a mesma coisa e, apesar de cansativo, não se recusava tirar nenhuma foto ou autografar qualquer objeto que os fãs a pediam. Ela sentia como se aquilo fosse uma demonstração de quanto ela estava fazendo bem o seu trabalho, e não poderia se sentir mais agradecida por isso.
Depois que terminou de tirar a última das 23 fotos em poses diferentes os seguranças a acompanharam até o saguão do hotel.
- Obrigada, Gunter, Dylan. – ela diz aos rapazes que sorriem de volta e se direciona ao elevador.
- Eu tenho que confirmar a reserva no restaurante, para que nada saia do previsto. Toma aqui o seu celular e o carregador. – Sandy diz, entregando-a seus pertences antes de se afastar. – Antes do jantar tenho um encontro com o pessoal da TNT Energy drink, acho que lá vem uma bela parceria por aí. Encontro com vocês mais tarde.
e Fabio param na frente do elevador, aguardando por sua chegada ao andar, quando o celular do homem toca.
- Alô. – ele atente de imediato. – Oi... – ele diz animado e logo põe a mão sob o autofalante para dizer à sobrinha – , se importa de continuar sozinha até o quarto? O elevador pode cortar a ligação.
- Claro que não, pode ir. – ela diz. Ele sorri e acena para ela, se afastando enquanto continuava a conversa.
desbloqueia o celular em mãos, mas não tem tempo de conferir nada porque duas mãos fortes a tiram do chão por alguns instantes e a giram junto à um grito: - Olha ela aí!
Quando é posta de volta ao chão ela gira nos calcanhares e dá de cara com Felipe Drugovich, piloto brasileiro e colega de campeonato que disputava pela atual Motorsport.
- Parabéns pela P2! – ele salda com o sorriso divertido no rosto.
- Obrigada! E parabéns a você também pela P4! – ela diz e bate na sua mão erguida no alto. – Você fez uma corrida incrível!
- A corrida em si foi incrível, mas quase te pego no final da terceira curva. – ele diz cruzando os braços. – Foi mal.
- Achei que ia me fazer ir para fora da pista. – ela responde risonha.
- Pedro me disse que introduziram a DRS semana passada no seu carro. Foi por isso que não rodou?
- Não. – ela dá de ombros – Desacelerei e virei o volante dois graus direita e esquerda para manter a aderência. Não foi preciso a DRS.
- Uma boa. – ele elogia, passando as mãos pelo cabelo castanho claro. A atenção do rapaz é captada por algo acima da cabeça de e ele sorri – Falando no diabo.
A jovem gira nos calcanhares a tempo de ver Pedro Piquet, piloto também brasileiro, representante da Charouz Racing System, vir em sua direção.
- Parabéns, pequena grande mulher! – ele ergue os braços para abraçá-la.
- Obrigada! – ela ri fechando os braços ao redor do rapaz rapidamente.
- Você arrebentou e, melhor ainda, deixou o Alesi mordido de raiva. – os três riem.
Giuliano Alesi era um piloto francês, também da Motorsport, que não se mostrava muito contente pelo fato de ter uma mulher no campeonato. Por ser filho de um ex-piloto, diferente de Mick e Pedro, o rapaz tinha o ego extremamente inflado e arrogante. Consequentemente não ia muito com a cara de , mas ela não podia se importar menos com isso.
- Nós estamos combinando de ir à um clube que tem aqui perto mais tarde para comemorar. Sabe, encher a cara, arriscar uns passos, falar bobagem, e não aceito um não seu como resposta. – Pedro diz com aqueles olhos castanhos brilhantes, quase num tom preto intenso. – Vamos eu, Lipe, Armstrong, Dan e um pessoal da engenharia da Virtuosi Racing. Só gente boa, vai ser que nem a farra da última vez.
- A Turquia nunca mais será a mesma depois daquela noite. – Felipe diz rindo.
Apesar dos alertas de Sandy sobre os pilotos da GP2, não conseguiu evitar uma relação divertida com os pilotos brasileiros. Eles haviam sido tão receptivos e hospitaleiros, da forma que só as pessoas da sua nacionalidade poderiam ser, que quando viu já estava inclusa em sua roda de amigos. Eles a faziam rir e deixavam o trabalho mais informal, eram uns dos poucos pilotos a quem ela havia se afeiçoado.
- Eu adoraria ir, mas... – ela começa com uma face sofrida.
- Deixa eu adivinhar, vai acordar amanhã cedo para treinar? – Felipe interrompe sua fala com uma sobrancelha arqueada.
- Não. – ela ri. Até os seus colegas estavam habituados com a sua falta de tempo, ela realmente precisava de uma folga, pensou.
- Tem simulação? – Pedro tenta.
- Não. – ela sorri. – Sandy marcou um jantar importante hoje à noite. Mas, dependendo da hora que acabar por lá, eu apareço no tal clube depois.
- Então, você vai? – Felipe indaga animado.
- Estou dizendo que talvez eu apareça. – ela acentua.
- Isso já é alguma coisa. – Pedro diz sorridente. – Te mando a localização por mensagem.
- Está bom. – ela se despede dos dois e eles saem conversando animados.
Fabio olha a sobrinha de cima à baixo. Ela vestia uma calça social preta, camisa de seda dourada com um decote médio e mangas bufantes, saltos agulha e maquiagem leve no rosto. O cabelo longo estava solto e batia na altura da sua cintura, moldando o seu rosto e corpo.
- Está linda. – ele elogia – E mais alta. Finalmente não vou conversar com você vendo o topo da sua cabeça.
ri e empurra o ombro do tio.
- Sim, mas continuo preferindo as sapatilhas, macacão e boné. – ela resmunga disfarçadamente com um sorriso no rosto. – Esses sapatos doem, mas Sandy diz que são elegantes e finos, além de empinar o meu bumbum. Então...
- Eu tenho pena de vocês mulheres, esse negócio deve ser uma tortura. – ele diz fitando os pés da sobrinha. – Mas se ela acha que seu bumbum vai fazer negócios serem fechados hoje, bota ele para jogo.
Ambos riem.
- Mandei mensagem para o Mick perguntando se viríamos juntos para cá e ele me disse que não estava sabendo de nada, a Sandy não o convidou?
- Esse jantar não é uma introdução dos pilotos da Prema para a Ferrari e sim de você para a Ferrari. – Fabio explica. – O Mick já é bem íntimo daquela escuderia, o pai dele correu por eles durante anos, você sabe. O intuito desse jantar é tornar você íntima deles também.
- Entendi. – ela assente. – Mas, por causa dessa bola fora, agora estou devendo uma pizza clandestina para o Mick, que a nossa nutricionista não saiba disso.
- Que a Sandy não saiba que você volta e meia faz um tráfico de pizzas para o seu quarto. Ela vai te matar. – ele a corrige aos risos. – Aliás, onde está a ragazza? – indaga procurando Sandy por cima do ombro da sobrinha.
- Ainda naquela reunião sobre o patrocínio da TNT, disse para eu vir na frente. Acho que vem uma parceria grande por aí, ela estava muito animada. Eles estão na negociação já tem horas. – corre os olhos pelo saguão parcialmente cheio – Mas parece que fomos os primeiros a chegar, de qualquer forma.
- Não, não. Ele foi ao banheiro. – Fabio diz.
- Ele quem? – pergunta entusiasmada e é quando um rapaz se aproxima dos dois.
De rosto alegre e sorriso nos lábios, o garoto caucasiano de cabelos castanhos propositalmente bagunçados, tinha os olhos verdes mais marcantes que já havia visto – graças ao salto que a deixara na mesma altura. Ele vestia uma calça jeans e camisa social preta, com as mangas dobradas até os cotovelos. Simples, porém elegante.
Ela não esperava que ele comparecesse, e talvez essa fosse a sua ruína, porque não esperava ficar tão impactada com a presença de alguém que até então ela não sabia muito mais que o nome.
O rapaz olhava diretamente em seus olhos e, por mais desconcertante que podia parecer, ela não conseguia desviar. Não saberia dizer se passara segundos, minutos ou até horas, mas ela se via vergonhosamente presa no seu olhar e mal ouve o tio quando ele apresenta: - , acredito que já ouviu falar de Leclerc. Ele veio em nome da Ferrari, é um dos pilotos titulares deles.
GLOSSÁRIO
Sistema de Redução de Arrasto ou DRS (Drag Reduction System, em inglês) é uma tecnologia automobilística cuja finalidade é reduzir o efeito do arrasto aerodinâmico e permitir ultrapassagens.
Capítulo 5
- É uma honra te conhecer. – ele diz esticando a mão na direção de , o sotaque mais arrastado deixando o seu inglês charmoso. – Parabéns pelo pódio de hoje, fez uma bela corrida.
- Obrigada! – ela responde apertando a sua mão, no entanto Leclerc a vira delicadamente e pousa um beijo rápido lá. – Deixa eu adivinhar, francês.
- Monegasco. – ele afirma alegre.
- Nunca conheci um monegasco antes. – ela comenta. – Você sabe, não tivemos corrida lá essa temporada.
- Espero causar uma boa primeira impressão, então. – ele diz sorrindo e nota que os olhos verdes sorriam junto.
- Parabéns pela posição na classificação geral, foi uma temporada e tanto. – ela diz.
- Foi dura, mas fico feliz por ter ficado entre o top cinco. Obrigado.
Fabio olha de um a outro antes de dizer: - Acha que os outros vão demorar, ? Já podíamos indo até a mesa.
- Ah, o Carlos não vai poder comparecer. Ele foi para Madrid logo que entrou de férias, já que a temporada encerrou mais cedo esse ano, e está aproveitando os últimos dias já que os treinos vão ser intensos a partir de janeiro. - ele se referia ao outro piloto oficial da escuderia – O Mattia já está a caminho, mas acho que nós podemos ir nos adiantando sim.
- Então, - Fabio se vira ao recepcionista – a nossa mesa. Por favor.
O concierge os guiou pelo salão repleto de mesas lustradas e bem decoradas com toalhas de linho caro em tons pastéis, compostas por pessoas bem-vestidas que conversavam discretamente; garçons ágeis transitavam com bandejas em mãos; e lustres de cristais pendiam do teto de gesso bem moldado onde pinturas angelicais davam um ar de catedral, complementando o ambiente requintado.
- Aqui, senhores. Senhora. – o rapaz indica a mesa de seis lugares e puxa a cadeira para .
- Obrigada.
se senta à sua frente e Fabio ao seu lado.
- Aqui estão os menus. – ele diz enquanto distribui o livro fino de capa de couro e folhas grossas – Fiquem à vontade para me questionar sobre qualquer dúvida e estarei a disposição caso queiram sugestões. Alguma bebida até que os demais cheguem?
- Por enquanto, estamos bem?! – olha aos demais, que assentem. – Vamos dar uma olhada e te avisamos, obrigado.
O rapaz assente e se afasta.
- Tudo aqui parece ser tão bom. – comenta correndo os olhos pelas fotos coloridas e bem ilustradas. – É uma pena que eu não possa comer a maioria dessas coisas.
- Dieta balanceada? – questiona fazendo uma careta.
- É. – a jovem ri anasalado, abaixando o cardápio. – Me fala, do que adianta viajar para países diferentes se você não pode conhecer a culinária local? É uma tortura.
- Nem me fale, - ele diz, também abaixando o livro – Eu adoro comer carne. E logo quando estava no Brasil a minha nutricionista me colocou em uma dieta de verduras e legumes porque o meu colesterol estava ameaçando subir. Eu quis morrer.
- Você já foi ao Brasil, eu sou de lá. – ela comenta animada. – O que achou do país?
- É um dos meus países favoritos, digo, o circuito de lá é sensacional. – ele relata – Gosto do calor, a cultura divertida, música boa, comida deliciosa e as pessoas mais alegres que eu já conheci. Gosto de tudo de lá.
- Teve algum rumor que você ouviu sobre o Brasil que viu depois que era mito? – ela questiona – Porque antes de ir para Abu Dhabi, eu jurava que ia ter que usar burqa, abaya, ou véu enquanto estivesse lá. Chegando lá vi que a maioria estava com roupas normais, aí eles me explicaram que o único lugar em toda a cidade em que realmente precisa se vestir assim é para visitar o Grand Mosque. Não levei nem um biquíni para ir à praia porque achava que ia para cadeia caso usasse.
ri junto de .
- Bom, eu ouvi dizer que as brasileiras são as mulheres mais bonitas no mundo. – ele a encara com uma sobrancelha arqueada e um sorriso cumplice sob os lábios – E acabei de comprovar que isso é a mais pura verdade.
sorri e sente suas bochechas esquentarem.
- Me desculpem pelo atraso, meus queridos. – um homem alto, de óculos redondos presos sob o nariz longo e fino, cabelos encaracolados e cheios diz ao se aproximar da mesa de forma afobada. Ele caminha até , que se levanta, e ergue a mão. – Benedetti, a próxima promessa para a Fórmula 1.
- Agora que foi você quem falou, eu acredito nisso. – ela diz e o homem ri. – É um prazer, Sr. Binotto.
- Por favor, sem formalidades. Me chame de Mattia. Parabéns por mais uma bela corrida. – ele saúda – Você está fazendo história na GP2, minha cara.
- Obrigada, significa muito para mim.
O homem se direciona a Fabio, que se levanta já estendendo sua mão: - Fabio Benedetti, tio, amigo e nas horas vagas agente.
- É claro que eu conheço você, foi quem entrou em contato conosco antes da temporada começar. – Mattia diz. – Ainda bem que o Angelo e René não a deixaram escapar, caso contrário não teria garantido a vaga dela na Academia da Ferrari para o ano que vem.
- Ah, Meu Deus, - não controla o sorriso que se alarga. – para o ano que vem?
- Com toda a certeza. – Mattia afirma, caminhando até a cadeira próxima e se acomodando, os demais também se sentam. – Daqui a alguns anos estará na mesma equipe que a do nosso garoto aqui. – ele aponta para que sorri. – A Ferrari teria um imenso prazer em ter você como nossa pilota de testes.
- Pilota de testes? – repete, o sorriso murchando gradativamente.
- É claro, seu talento é inigualável. Nossos engenheiros ficarão animados em trabalhar com você. – Mattia diz e ergue sua mão, olhando para os lados. – Garçom!
recorre com o olhar ao tio, que tem a expressão ofendida. Ele limpa a garganta.
- O nosso objetivo com a , Mattia, não é nos limitarmos à pilota de testes. – Fabio diz sério. – Sabemos que todos os pilotos passam por essa fase, assim como ela vai passar também. Mas estamos pensando em ir além, pilota reserva, até como pilota titular. Se a Ferrari garantir que ela tem chance de crescimento, com certeza seremos ótimos juntos.
- Titular? – Mattia ri fraco. – Temos que ser realista, meus queridos, a vaga de piloto titular de uma construtora que compete na Fórmula 1 é a mais disputada no mundo automobilístico. Principalmente a vaga na Ferrari. Não digo que é impossível, mas as chances de uma mulher conseguir esse feitio, por mais jovem que seja, é quase nula. Não basta só ter o talento, tem inúmeros outros fatores que se agregam. Fatores que pelo gênero, você não tem.
- Sr. Binotto, - sorri entredentes – não acha que para uma mulher eu já não superei expectativas demais? Como você disse estou fazendo história, e não tenho intenção de parar. Minha intenção é quebrar recordes.
- E ela tem tanta chance quanto qualquer outro. – Fabio complementa.
- É uma fala visionária. – o homem sorri. – Mas não a culpo, a público tem a superestimado. Eles têm muita expectativa em você.
O garçom se aproxima da mesa e indaga educadamente: - Estamos esperando por mais alguém?
- Não. – diz tirando o celular de dentro da sua bolsa minúscula por baixo da mesa. – A Sandy avisou que não vai poder comparecer, ela pede desculpas aos senhores, mas está presa em uma reunião e não conseguirá sair de lá cedo. Negócios, vocês sabem.
- Sem problemas. – Mattia sorri e se vira ao garçom. – Então já farei o meu pedido.
- Não tinha dito que ela viria mais tarde? – Fabio pergunta à sobrinha aos murmúrios.
- Não vale a pena a perca de tempo. – ela responde no mesmo tom, enquanto digitava no celular uma mensagem avisando que ele não precisava comparecer.
Eles fazem os pedidos que não demoram a chegar, fato que agradeceu mentalmente visto o silêncio constrangedor que havia assumido a mesa. Ela tinha tanta coisa para perguntar, além de dizer o quanto admirava o trabalho do engenheiro, mas o banho de água fria havia travado a sua língua.
A última coisa que ela queria era trabalhar com alguém que não estava aberto para testar o seu potencial, então ela mesma descartara qualquer chance que poderia ter com a famosa escuderia. Teria outras oportunidades. Ele não seria o último à procurá-la, ela tinha que confiar nisso.
Depois da refeição Mattia sorri antes de dizer: - Foi uma noite muito agradável e esclarecedora. Srta. Benedetti, sua vaga conosco continua de pé, caso venha a mudar de ideia.
- Obrigada, Sr. Binotto. Mas creio que não vou.
- Tudo bem. – Mattia sorri. O sorriso educado inabalável, apesar das farpas trocadas – Se me derem licença, eu vou me retirar. Muito obrigado pelo convite, espero vê-la no sábado. – ele se levanta e os outros três o acompanham, apenas por formalidades – ?
- Acho que vou ficar para a sobremesa. – o rapaz diz, surpreendendo a todos. – Aproveitar a noite de folga. – e dá de ombros.
- Então está bom, só não extrapole. – ele assente e pega na mão de cada um. – Aos que ficam, uma boa noite.
- Tchau. – os três dizem em conjunto.
Logo que o homem se retira, Fabio se vira para a sobrinha: - ?
Ela encara por um instante, que está com um sorriso tímido, e diz: - Acho que podemos ficar para a sobremesa. Já estamos aqui mesmo.
- Tudo bem. – o tio sorri. – Se me deem licença, vou ao toalete.
e voltam a se sentar.
- Eu não tenho como expressar o quão embaraçoso foi isso... – começa.
- Olha, me desculpe, eu não quero ser rude com você. – ela o interrompe – Mas se vai seguir a mesma linha que o seu chefe não serei mais tão educada.
- Não. – ele ri. – Quis dizer embaraçoso para ele. Desculpe-me por tudo isso, foi realmente desnecessário.
arqueira as sobrancelhas surpresa.
- Ele perdeu uma oportunidade divina de ter você na nossa equipe. – o rapaz continua. – Eu não só acredito que você consiga ser pilota titular da F1, como vai ultrapassar os veteranos e agregar muito valor na equipe que tiver a sorte de ter você. Aposto que outras construtoras que tenham essa visão vão brigar para te ter. Mattia não é um cara machista, mas é teimoso e antiquado. Vai ter que aprender na raça que os tempos são outros e as mulheres já estão tomando o seu devido lugar no esporte.
sorri verdadeiramente.
- Você é um homem sensato, . – ela elogia.
- E gostaria de ter a chance de salvar essa noite terrível, vamos só esquecer que Mattia foi um idiota. – ele joga a mão por cima do ombro, de modo representativo. – Eu vim aqui para conhecer a pilota de quem todos estão falando e estou gostando cada vez mais dela.
O garçom se reaproxima, interrompendo a conexão de olhar dos dois: - Permita-me sugestões para a sobremesa.
- Pode ficar para mais tarde, por enquanto vou querer uma cerveja. – diz, mostrando suas covinhas ao sorrir. – Estava doido para ele ir embora para poder beber em paz. Madame?
- Eu vou ter que te acompanhar. – ela sorri de volta e mira o garçom. – Duas cervejas, por favor.
Quando Fabio retorna do banheiro ele encontra os dois conversando e rindo feitos bons velhos amigos.
- Então você prefere não usar a DRS. – ela comenta risonha – Como você a chamou mesmo?
- Dispositivo de salvação dos precários. – ele ri. – Não me leve a mal. Imagino que você já deve ter usado, eu já usei e vários pilotos aderiram, mas é uma ferramenta apelativa. Facilita muito o trabalho do piloto, mas tira toda a magia de você ter que lutar para se manter na competição. Perdeu a graça disputar uma ultrapassagem.
ri e concorda.
- Provavelmente as pessoas devem perguntar isso muito a você, mas você prefere que te chamem de ou ? – ela questiona evidenciando a pronuncia do L no final, como os franceses costumam fazer.
- Acho que prefiro que você me chame de , seu sotaque francês é adorável. – ele ri de modo jocoso e ela joga o guardanapo limpo em sua direção, apesar de rir.
- Eu dei tudo de mim neste sotaque. – ela toma um gole da cerveja controlando o riso.
- Tudo bem, aposto que não pronuncio tão bem quanto você pronuncia meu nome.
Ambos voltam a rir.
- Por favor, me chame de . – ela pede.
- Perdi alguma coisa? – Fabio questiona sentando-se.
- O aqui, - eles riem – é um cara legal. Ele estava me contando de quando também correu pela Prema no GP2.
- Época difícil. – o rapaz diz balançando a cabeça em negativa. – As pessoas se comiam vivas. Os pilotos, as escuderias, todos sonhando com uma chance na F1, claro. Já vi de tudo, até soco na cara. Você vai ver que quando passar para a F1 as coisas tende ficar mais tranquilas.
assente, apesar de não ter tido experiências desagradáveis com os adversários até então. Contudo estavam no meio da temporada e muita coisa ainda poderia acontecer, e ela sabia que era só ter dedicação para passar por isso ilesa. Como já vinha fazendo, não podia reclamar. Tinha comentários, rumores e pessoas maldosas, mas nada mais do que o já esperado.
Eles riram e conversaram por horas, o que não faltava era assunto entre os dois. Já havia mais de 15 garrafas de cerveja vazias sobre a mesa – visto que eles dispensaram as taças –, camisas desabotoadas, cabelo preso e saltos largados debaixo da mesa, quando Fabio anuncia: - Bom, este resto de noite foi completamente agradável, mas acho que está na minha hora, crianças.
- O que, mas já? – pergunta e procura o relógio de pulso, se surpreendendo com a hora. – Porra, já é meia noite e meia.
- Impossível. – diz antes de verificar a tela do celular. – Uau, a hora passou voando.
olha o salão ao seu redor e nota que a maioria das mesas estavam limpas e vazias, fora a deles, mais quatro mesas estavam ocupadas.
- Pois é. – Fabio pronuncia se levantando – Eu não quero ser indelicado, mas tem uma cama e robe me esperando no meu quarto do hotel. , foi um prazer rapaz. – o garoto se levanta e aperta a mão de Fabio – Você é gente boa, não deixe que eles tirem isso de você.
- Pode deixar.
- , posso falar com você por um instante?
- Claro. – ela diz, apesar de franzir a testa em confusão.
- Podem ficar. – fala antes que a jovem se levantasse – Eu estava com vontade de ir ao banheiro mesmo. – e se retira.
- O que? – ela pergunta ao tio quando o rapaz se afasta o suficiente.
- Nunca fui bom nessas coisas de sermão ou aconselhamentos, mas não dirija alcoolizada, tenha juízo e use camisinha.
- O que? – ela indaga rindo. – Não tem por que eu usar camisinha.
- Não te ensinaram isso na escola? – ele rebate com a testa vincada. – Tem as doenças sexualmente transmissíveis, gravidez...
- Não. – ela o interrompe de imediato, rindo. – Não é isso. É que não tem por que eu usar porque não vou transar.
- Claro. – o tio diz ironicamente e rindo. – Qual é, eu fiquei aqui de vela a noite inteira. Vocês dois estavam praticamente se comendo com os olhos e eu nunca vi você falar tanto assim em toda minha vida. Meu Deus, como vocês têm assunto.
- Nos demos bem, foi isso. – ela dá de ombros – Ele é um cara legal, mas isso não quer dizer que vamos transar.
- Tá, negue o quanto quiser. – ele cruza os braços. – Nós dois sabemos que existe uma tensão sexual por aqui. Eu estou indo embora porque estava quase me afogando nela.
- Não, tio. – ela nega séria. – Não tem nada a ver. Eu não tenho tempo para isso...
- Relaxa. – ele a interrompe. – Você já está bem encaminhada, focada o bastante em sua carreira e agora precisa relaxar. Semana do descanso, lembra?
- Mas isso...
- Se não for com ele, seja com quem for, um pouco de sexo de vez em quando faz bem. Sabia? – ele ri. – Vocês não têm que casar e sua carreira não vai acabar porque você deu umazinha com um cara. Afinal, você não tem intenção de entrar na Ferrari mesmo. – ele dá de ombros – Todo mundo tem direito de ter uma vida sexual. É só para descontrair. Que nem na época da faculdade.
- Tá falando para eu reincorporar a época do sexo sem compromisso?
- Isso! – o tio afirma sorrindo – Não precisa forçar nada, deixa as coisas fluírem. Está na cara que ele gostou de você. E eu te conheço o suficiente para saber que você gostou dele.
- Mas ele é piloto. – ela destaca receosa. – E não sei, não fiquei com ninguém depois do Fael.
- Fael já deve estar em outra e tudo bem porque agora vocês são só amigos. Lembra? – Fabio atenua – E se o cara é piloto, e daí? – ele descruza os braços – Ele não está no mesmo campeonato que você, está?
arqueia uma sobrancelha, considerando a sua situação.
- Ele está voltando e eu estou indo. – Fabio diz e dá um beijo em sua bochecha, só para sussurrar em seu ouvido. – Boa trepada, vai tirar essa tensão do corpo. Só não deixa a Sandy saber.
Ela gargalha assim que o tio se afasta, logo está de volta à mesa.
- Ele teve mesmo que ir embora? – pergunta depois que o garçom trás outra rodada de cerveja. – É um cara legal.
- Sim. – ela ri, recordando-se da declaração do tio – Só que ele está cansado, sabe. A Sandy o coloca para trabalhar nos bastidores das corridas, fazer campanhas, correr atrás de patrocínios e digamos que ele não estava muito acostumado com tanta responsabilidade. – não era de um todo mentira.
- Sandy? – ele repete.
- Cassandra Ricci, minha empresária. – ela explica.
- Caraca, ela voltou aos negócios? – ele indaga contente. – Fico feliz por ela.
- Vocês se conhecem?
- Sim. Ela gerenciava a carreira de um amigo próximo meu, boa empresária. – ele toma um gole da cerveja – Eu tinha um pouco de medo dela, mas ela era boa.
- Ela dá um pouco de medo em mim às vezes também. – ela ri. – Desculpa perguntar, mas por que ela deixou de gerenciar ele? Sabe, até agora ela tem sido maravilhosa, mas gostaria de me preparar se algo acabar dando errado.
O sorriso de diminui gradativamente e seus olhos ficam vidrados na cerveja em sua mão. se arrepende da pergunta no mesmo instante. Quando está para se desculpar e pedir que esquecesse o assunto, ele fala: - Ele sofreu um acidente em 2014.
A garganta de seca.
- Acho que foi o último acidente fatal da Fórmula 1. – ele continua com a voz rouca. – Ele não resistiu, faleceu em 2015 devido às lesões.
- Eu sinto muito, . – ela pousa a mão sobre a dele por cima da mesa, o rapaz sente um arrepio passar por seu corpo. – Jules Bianchi era seu amigo, eu não sabia.
conhecia a história do trágico acidente do jovem e promissor piloto de Fórmula 1, havia sido exatamente por causa do acontecimento com ele que os pais dela haviam a tirado do esporte. Na época o evento havia chocado todo o público do automobilismo como os demais. Foi trágico, fatal e triste.
Quando e o tio haviam puxado o histórico da empresária que tinha recentemente retornado às atividades na intenção de contratá-la, não havia imaginado que aquele tinha sido o seu último cliente.
- Ele era meu padrinho. Era um cara legal. – sorri triste, erguendo os olhos até os dela. – Foi um choque para todo mundo, ninguém esperava que acontecesse, claro. Ele resistiu, lutou com todas as forças para se manter vivo. Mas as sequelas eram irreversíveis. E, enquanto ninguém tinha condição alguma de se preparar para o que todos sabíamos que iria acontecer, Sandy tomou a frente. Ela cuidou de tudo mesmo que não fosse sua responsabilidade. Ela fez questão, eles eram muito próximos. – ele suspira – Portanto, sim, ela é uma boa empresária, boa pessoa... Você não poderia estar com pessoa melhor ao seu lado.
- Claro. – ela sorri, buscando a sua garrafa de cerveja já na metade e a ergue no ar – À Jules.
- À Jules. – ele repete o ato e os dois viram a cerveja garganta adentro.
O garçom não espera pelo pedido, já trazendo mais uma rodada de cerveja.
- Obrigada. – ela agradece e o rapaz sorri antes de se retirar. se vira para – Desculpa, não queria fazer o clima ficar tão pesado.
- Tudo bem. – sorri fraco.
- Vamos falar de outra coisa além de corrida, falamos sobre isso a noite toda. – ela diz, tentando contornar a situação. – O que você gosta de fazer, além de, claro, correr?
- Gosto de velejar, nadar. – ele sorri feliz, talvez recordando-se de um momento no mar. – Jogo bastante videogame, funciona mais como um simulador para corrida – ele ri – e tocar piano.
- Você sabe tocar piano? – ela questiona admirada, ele assente. – Eu sempre quis aprender a tocar, acho muito bonito. Mas minha mãe preferiu me colocar na aula de francês, italiano e espanhol.
- Aussi beau que. – ele diz “Tão bonito quanto” em francês.
- Je continue avec le piano. – responde “Eu fico com o piano, mesmo”.
sorri.
- Você... Poderia? – ela questiona divertida, indicando o piano preto de calda no canto do salão.
Ele segue o seu olhar e volta aos olhos dela.
- Será que eles não vão se incomodar? – ele rebate indicando o grupo de garçons parados próximos às portas da cozinha, que só esperavam os dois pedir a conta para encerrar o expediente.
- Acho que eles deixariam até a gente se pendurar no lustre se formos embora logo. – ela diz e ambos riem.
- Sendo assim. – ergue o braço, chamando um dos garçons, que se aproxima rapidamente. – Amigo, trás mais duas cervejas para nós e pode fechar a conta, por favor.
- Vou providenciar, senhor. – o rapaz diz e se afasta.
se levanta e estende a mão para , ela pega os saltos de baixo da mesa e a bolsa antes de agarrá-la para juntos irem até o piano. A última coisa que ela iria se importar agora era com as etiquetas.
Ele se senta na banqueta com ela ao seu lado e levanta a tampa do teclado.
- Algum pedido especial?
- Me surpreenda. – ela diz cruzando as pernas.
apalpa as teclas, se familiarizando com as mesmas, para em seguida iniciar uma melodia conhecida sem dificuldade alguma. Aquela era a introdução de Hey Jude, dos Beatles.
ficou a assistir o rapaz correr os dedos por entre as teclas concentrado, o vinco em sua testa indicava o quão focado estava. Ela mira desde os dedos dele até o seu rosto, neste demorando-se mais porque havia algo familiar e aconchegante naquela face plena de mínimas e adoráveis pintinhas.
Vez ou outra entre os acordes ele sorria e a olhava de canto de olho, flagrando-a com o olhar encantado sobre si.
não era um homem de muitas exigências ou quem muito escolhia a dedo, mas nunca em toda a sua vida havia se deparado com mulher mais encantadora e que parecia se encaixar em todos os seus padrões.
Simpática, divertida, educada, determinada e, claro, linda. Havia sido fisgado desde quando colocara os olhos nela e, mesmo que não acreditasse em amor à primeira vista, sentia que tinha acontecido com ele àquela noite.
Quando tocou a última nota da música suspirou e virou-se para , que bateu palmas.
- Isso foi lindo. – ela diz admirada – Obrigada.
sorri.
O garçom retorna com as duas cervejas e uma caderneta de couro. Ele deixa as duas garrafas em cima do piano e os entrega a caderneta com a conta. faz uma careta.
- Não quero ir embora agora.
pega uma das garrafas e a leva até a boca. Depois que toma um longo gole, diz: - Eu também não. Mas se não formos, eles vão nos expulsar.
O garçom ri.
Ainda contrariado tira a carteira do bolso, pega algumas notas e coloca dentro da caderneta, entregando-a ao garçom: - Obrigado, amigo, o jantar foi maravilhoso. Meus cumprimentos ao chef. Pode ficar com a gorjeta.
O garçom agradece, os deseja uma boa noite e se afasta.
- De volta à tortura. – diz ao colocar os saltos de volta.
ri, mas a oferece o braço como apoio quando se levantam.
Lado a lado eles caminham para fora do restaurante.
- Sabe, acabei de ter uma ideia. – diz quando eles param na calçada. – Eu quero continuar comemorando o pódio de hoje, e você não quer ir embora ainda. Por que não vem comigo no clube que meus amigos estão?
- Se eu não for atrapalhar...
- , por favor. – ela ri revirando os olhos teatralmente, ele sorri. – Podemos continuar bebendo. Vai ser divertido.
- Tudo bem, então. – ele diz e ergue a mão à frente – Táxi!
- Obrigada! – ela responde apertando a sua mão, no entanto Leclerc a vira delicadamente e pousa um beijo rápido lá. – Deixa eu adivinhar, francês.
- Monegasco. – ele afirma alegre.
- Nunca conheci um monegasco antes. – ela comenta. – Você sabe, não tivemos corrida lá essa temporada.
- Espero causar uma boa primeira impressão, então. – ele diz sorrindo e nota que os olhos verdes sorriam junto.
- Parabéns pela posição na classificação geral, foi uma temporada e tanto. – ela diz.
- Foi dura, mas fico feliz por ter ficado entre o top cinco. Obrigado.
Fabio olha de um a outro antes de dizer: - Acha que os outros vão demorar, ? Já podíamos indo até a mesa.
- Ah, o Carlos não vai poder comparecer. Ele foi para Madrid logo que entrou de férias, já que a temporada encerrou mais cedo esse ano, e está aproveitando os últimos dias já que os treinos vão ser intensos a partir de janeiro. - ele se referia ao outro piloto oficial da escuderia – O Mattia já está a caminho, mas acho que nós podemos ir nos adiantando sim.
- Então, - Fabio se vira ao recepcionista – a nossa mesa. Por favor.
O concierge os guiou pelo salão repleto de mesas lustradas e bem decoradas com toalhas de linho caro em tons pastéis, compostas por pessoas bem-vestidas que conversavam discretamente; garçons ágeis transitavam com bandejas em mãos; e lustres de cristais pendiam do teto de gesso bem moldado onde pinturas angelicais davam um ar de catedral, complementando o ambiente requintado.
- Aqui, senhores. Senhora. – o rapaz indica a mesa de seis lugares e puxa a cadeira para .
- Obrigada.
se senta à sua frente e Fabio ao seu lado.
- Aqui estão os menus. – ele diz enquanto distribui o livro fino de capa de couro e folhas grossas – Fiquem à vontade para me questionar sobre qualquer dúvida e estarei a disposição caso queiram sugestões. Alguma bebida até que os demais cheguem?
- Por enquanto, estamos bem?! – olha aos demais, que assentem. – Vamos dar uma olhada e te avisamos, obrigado.
O rapaz assente e se afasta.
- Tudo aqui parece ser tão bom. – comenta correndo os olhos pelas fotos coloridas e bem ilustradas. – É uma pena que eu não possa comer a maioria dessas coisas.
- Dieta balanceada? – questiona fazendo uma careta.
- É. – a jovem ri anasalado, abaixando o cardápio. – Me fala, do que adianta viajar para países diferentes se você não pode conhecer a culinária local? É uma tortura.
- Nem me fale, - ele diz, também abaixando o livro – Eu adoro comer carne. E logo quando estava no Brasil a minha nutricionista me colocou em uma dieta de verduras e legumes porque o meu colesterol estava ameaçando subir. Eu quis morrer.
- Você já foi ao Brasil, eu sou de lá. – ela comenta animada. – O que achou do país?
- É um dos meus países favoritos, digo, o circuito de lá é sensacional. – ele relata – Gosto do calor, a cultura divertida, música boa, comida deliciosa e as pessoas mais alegres que eu já conheci. Gosto de tudo de lá.
- Teve algum rumor que você ouviu sobre o Brasil que viu depois que era mito? – ela questiona – Porque antes de ir para Abu Dhabi, eu jurava que ia ter que usar burqa, abaya, ou véu enquanto estivesse lá. Chegando lá vi que a maioria estava com roupas normais, aí eles me explicaram que o único lugar em toda a cidade em que realmente precisa se vestir assim é para visitar o Grand Mosque. Não levei nem um biquíni para ir à praia porque achava que ia para cadeia caso usasse.
ri junto de .
- Bom, eu ouvi dizer que as brasileiras são as mulheres mais bonitas no mundo. – ele a encara com uma sobrancelha arqueada e um sorriso cumplice sob os lábios – E acabei de comprovar que isso é a mais pura verdade.
sorri e sente suas bochechas esquentarem.
- Me desculpem pelo atraso, meus queridos. – um homem alto, de óculos redondos presos sob o nariz longo e fino, cabelos encaracolados e cheios diz ao se aproximar da mesa de forma afobada. Ele caminha até , que se levanta, e ergue a mão. – Benedetti, a próxima promessa para a Fórmula 1.
- Agora que foi você quem falou, eu acredito nisso. – ela diz e o homem ri. – É um prazer, Sr. Binotto.
- Por favor, sem formalidades. Me chame de Mattia. Parabéns por mais uma bela corrida. – ele saúda – Você está fazendo história na GP2, minha cara.
- Obrigada, significa muito para mim.
O homem se direciona a Fabio, que se levanta já estendendo sua mão: - Fabio Benedetti, tio, amigo e nas horas vagas agente.
- É claro que eu conheço você, foi quem entrou em contato conosco antes da temporada começar. – Mattia diz. – Ainda bem que o Angelo e René não a deixaram escapar, caso contrário não teria garantido a vaga dela na Academia da Ferrari para o ano que vem.
- Ah, Meu Deus, - não controla o sorriso que se alarga. – para o ano que vem?
- Com toda a certeza. – Mattia afirma, caminhando até a cadeira próxima e se acomodando, os demais também se sentam. – Daqui a alguns anos estará na mesma equipe que a do nosso garoto aqui. – ele aponta para que sorri. – A Ferrari teria um imenso prazer em ter você como nossa pilota de testes.
- Pilota de testes? – repete, o sorriso murchando gradativamente.
- É claro, seu talento é inigualável. Nossos engenheiros ficarão animados em trabalhar com você. – Mattia diz e ergue sua mão, olhando para os lados. – Garçom!
recorre com o olhar ao tio, que tem a expressão ofendida. Ele limpa a garganta.
- O nosso objetivo com a , Mattia, não é nos limitarmos à pilota de testes. – Fabio diz sério. – Sabemos que todos os pilotos passam por essa fase, assim como ela vai passar também. Mas estamos pensando em ir além, pilota reserva, até como pilota titular. Se a Ferrari garantir que ela tem chance de crescimento, com certeza seremos ótimos juntos.
- Titular? – Mattia ri fraco. – Temos que ser realista, meus queridos, a vaga de piloto titular de uma construtora que compete na Fórmula 1 é a mais disputada no mundo automobilístico. Principalmente a vaga na Ferrari. Não digo que é impossível, mas as chances de uma mulher conseguir esse feitio, por mais jovem que seja, é quase nula. Não basta só ter o talento, tem inúmeros outros fatores que se agregam. Fatores que pelo gênero, você não tem.
- Sr. Binotto, - sorri entredentes – não acha que para uma mulher eu já não superei expectativas demais? Como você disse estou fazendo história, e não tenho intenção de parar. Minha intenção é quebrar recordes.
- E ela tem tanta chance quanto qualquer outro. – Fabio complementa.
- É uma fala visionária. – o homem sorri. – Mas não a culpo, a público tem a superestimado. Eles têm muita expectativa em você.
O garçom se aproxima da mesa e indaga educadamente: - Estamos esperando por mais alguém?
- Não. – diz tirando o celular de dentro da sua bolsa minúscula por baixo da mesa. – A Sandy avisou que não vai poder comparecer, ela pede desculpas aos senhores, mas está presa em uma reunião e não conseguirá sair de lá cedo. Negócios, vocês sabem.
- Sem problemas. – Mattia sorri e se vira ao garçom. – Então já farei o meu pedido.
- Não tinha dito que ela viria mais tarde? – Fabio pergunta à sobrinha aos murmúrios.
- Não vale a pena a perca de tempo. – ela responde no mesmo tom, enquanto digitava no celular uma mensagem avisando que ele não precisava comparecer.
Eles fazem os pedidos que não demoram a chegar, fato que agradeceu mentalmente visto o silêncio constrangedor que havia assumido a mesa. Ela tinha tanta coisa para perguntar, além de dizer o quanto admirava o trabalho do engenheiro, mas o banho de água fria havia travado a sua língua.
A última coisa que ela queria era trabalhar com alguém que não estava aberto para testar o seu potencial, então ela mesma descartara qualquer chance que poderia ter com a famosa escuderia. Teria outras oportunidades. Ele não seria o último à procurá-la, ela tinha que confiar nisso.
Depois da refeição Mattia sorri antes de dizer: - Foi uma noite muito agradável e esclarecedora. Srta. Benedetti, sua vaga conosco continua de pé, caso venha a mudar de ideia.
- Obrigada, Sr. Binotto. Mas creio que não vou.
- Tudo bem. – Mattia sorri. O sorriso educado inabalável, apesar das farpas trocadas – Se me derem licença, eu vou me retirar. Muito obrigado pelo convite, espero vê-la no sábado. – ele se levanta e os outros três o acompanham, apenas por formalidades – ?
- Acho que vou ficar para a sobremesa. – o rapaz diz, surpreendendo a todos. – Aproveitar a noite de folga. – e dá de ombros.
- Então está bom, só não extrapole. – ele assente e pega na mão de cada um. – Aos que ficam, uma boa noite.
- Tchau. – os três dizem em conjunto.
Logo que o homem se retira, Fabio se vira para a sobrinha: - ?
Ela encara por um instante, que está com um sorriso tímido, e diz: - Acho que podemos ficar para a sobremesa. Já estamos aqui mesmo.
- Tudo bem. – o tio sorri. – Se me deem licença, vou ao toalete.
e voltam a se sentar.
- Eu não tenho como expressar o quão embaraçoso foi isso... – começa.
- Olha, me desculpe, eu não quero ser rude com você. – ela o interrompe – Mas se vai seguir a mesma linha que o seu chefe não serei mais tão educada.
- Não. – ele ri. – Quis dizer embaraçoso para ele. Desculpe-me por tudo isso, foi realmente desnecessário.
arqueira as sobrancelhas surpresa.
- Ele perdeu uma oportunidade divina de ter você na nossa equipe. – o rapaz continua. – Eu não só acredito que você consiga ser pilota titular da F1, como vai ultrapassar os veteranos e agregar muito valor na equipe que tiver a sorte de ter você. Aposto que outras construtoras que tenham essa visão vão brigar para te ter. Mattia não é um cara machista, mas é teimoso e antiquado. Vai ter que aprender na raça que os tempos são outros e as mulheres já estão tomando o seu devido lugar no esporte.
sorri verdadeiramente.
- Você é um homem sensato, . – ela elogia.
- E gostaria de ter a chance de salvar essa noite terrível, vamos só esquecer que Mattia foi um idiota. – ele joga a mão por cima do ombro, de modo representativo. – Eu vim aqui para conhecer a pilota de quem todos estão falando e estou gostando cada vez mais dela.
O garçom se reaproxima, interrompendo a conexão de olhar dos dois: - Permita-me sugestões para a sobremesa.
- Pode ficar para mais tarde, por enquanto vou querer uma cerveja. – diz, mostrando suas covinhas ao sorrir. – Estava doido para ele ir embora para poder beber em paz. Madame?
- Eu vou ter que te acompanhar. – ela sorri de volta e mira o garçom. – Duas cervejas, por favor.
Quando Fabio retorna do banheiro ele encontra os dois conversando e rindo feitos bons velhos amigos.
- Então você prefere não usar a DRS. – ela comenta risonha – Como você a chamou mesmo?
- Dispositivo de salvação dos precários. – ele ri. – Não me leve a mal. Imagino que você já deve ter usado, eu já usei e vários pilotos aderiram, mas é uma ferramenta apelativa. Facilita muito o trabalho do piloto, mas tira toda a magia de você ter que lutar para se manter na competição. Perdeu a graça disputar uma ultrapassagem.
ri e concorda.
- Provavelmente as pessoas devem perguntar isso muito a você, mas você prefere que te chamem de ou ? – ela questiona evidenciando a pronuncia do L no final, como os franceses costumam fazer.
- Acho que prefiro que você me chame de , seu sotaque francês é adorável. – ele ri de modo jocoso e ela joga o guardanapo limpo em sua direção, apesar de rir.
- Eu dei tudo de mim neste sotaque. – ela toma um gole da cerveja controlando o riso.
- Tudo bem, aposto que não pronuncio tão bem quanto você pronuncia meu nome.
Ambos voltam a rir.
- Por favor, me chame de . – ela pede.
- Perdi alguma coisa? – Fabio questiona sentando-se.
- O aqui, - eles riem – é um cara legal. Ele estava me contando de quando também correu pela Prema no GP2.
- Época difícil. – o rapaz diz balançando a cabeça em negativa. – As pessoas se comiam vivas. Os pilotos, as escuderias, todos sonhando com uma chance na F1, claro. Já vi de tudo, até soco na cara. Você vai ver que quando passar para a F1 as coisas tende ficar mais tranquilas.
assente, apesar de não ter tido experiências desagradáveis com os adversários até então. Contudo estavam no meio da temporada e muita coisa ainda poderia acontecer, e ela sabia que era só ter dedicação para passar por isso ilesa. Como já vinha fazendo, não podia reclamar. Tinha comentários, rumores e pessoas maldosas, mas nada mais do que o já esperado.
Eles riram e conversaram por horas, o que não faltava era assunto entre os dois. Já havia mais de 15 garrafas de cerveja vazias sobre a mesa – visto que eles dispensaram as taças –, camisas desabotoadas, cabelo preso e saltos largados debaixo da mesa, quando Fabio anuncia: - Bom, este resto de noite foi completamente agradável, mas acho que está na minha hora, crianças.
- O que, mas já? – pergunta e procura o relógio de pulso, se surpreendendo com a hora. – Porra, já é meia noite e meia.
- Impossível. – diz antes de verificar a tela do celular. – Uau, a hora passou voando.
olha o salão ao seu redor e nota que a maioria das mesas estavam limpas e vazias, fora a deles, mais quatro mesas estavam ocupadas.
- Pois é. – Fabio pronuncia se levantando – Eu não quero ser indelicado, mas tem uma cama e robe me esperando no meu quarto do hotel. , foi um prazer rapaz. – o garoto se levanta e aperta a mão de Fabio – Você é gente boa, não deixe que eles tirem isso de você.
- Pode deixar.
- , posso falar com você por um instante?
- Claro. – ela diz, apesar de franzir a testa em confusão.
- Podem ficar. – fala antes que a jovem se levantasse – Eu estava com vontade de ir ao banheiro mesmo. – e se retira.
- O que? – ela pergunta ao tio quando o rapaz se afasta o suficiente.
- Nunca fui bom nessas coisas de sermão ou aconselhamentos, mas não dirija alcoolizada, tenha juízo e use camisinha.
- O que? – ela indaga rindo. – Não tem por que eu usar camisinha.
- Não te ensinaram isso na escola? – ele rebate com a testa vincada. – Tem as doenças sexualmente transmissíveis, gravidez...
- Não. – ela o interrompe de imediato, rindo. – Não é isso. É que não tem por que eu usar porque não vou transar.
- Claro. – o tio diz ironicamente e rindo. – Qual é, eu fiquei aqui de vela a noite inteira. Vocês dois estavam praticamente se comendo com os olhos e eu nunca vi você falar tanto assim em toda minha vida. Meu Deus, como vocês têm assunto.
- Nos demos bem, foi isso. – ela dá de ombros – Ele é um cara legal, mas isso não quer dizer que vamos transar.
- Tá, negue o quanto quiser. – ele cruza os braços. – Nós dois sabemos que existe uma tensão sexual por aqui. Eu estou indo embora porque estava quase me afogando nela.
- Não, tio. – ela nega séria. – Não tem nada a ver. Eu não tenho tempo para isso...
- Relaxa. – ele a interrompe. – Você já está bem encaminhada, focada o bastante em sua carreira e agora precisa relaxar. Semana do descanso, lembra?
- Mas isso...
- Se não for com ele, seja com quem for, um pouco de sexo de vez em quando faz bem. Sabia? – ele ri. – Vocês não têm que casar e sua carreira não vai acabar porque você deu umazinha com um cara. Afinal, você não tem intenção de entrar na Ferrari mesmo. – ele dá de ombros – Todo mundo tem direito de ter uma vida sexual. É só para descontrair. Que nem na época da faculdade.
- Tá falando para eu reincorporar a época do sexo sem compromisso?
- Isso! – o tio afirma sorrindo – Não precisa forçar nada, deixa as coisas fluírem. Está na cara que ele gostou de você. E eu te conheço o suficiente para saber que você gostou dele.
- Mas ele é piloto. – ela destaca receosa. – E não sei, não fiquei com ninguém depois do Fael.
- Fael já deve estar em outra e tudo bem porque agora vocês são só amigos. Lembra? – Fabio atenua – E se o cara é piloto, e daí? – ele descruza os braços – Ele não está no mesmo campeonato que você, está?
arqueia uma sobrancelha, considerando a sua situação.
- Ele está voltando e eu estou indo. – Fabio diz e dá um beijo em sua bochecha, só para sussurrar em seu ouvido. – Boa trepada, vai tirar essa tensão do corpo. Só não deixa a Sandy saber.
Ela gargalha assim que o tio se afasta, logo está de volta à mesa.
- Ele teve mesmo que ir embora? – pergunta depois que o garçom trás outra rodada de cerveja. – É um cara legal.
- Sim. – ela ri, recordando-se da declaração do tio – Só que ele está cansado, sabe. A Sandy o coloca para trabalhar nos bastidores das corridas, fazer campanhas, correr atrás de patrocínios e digamos que ele não estava muito acostumado com tanta responsabilidade. – não era de um todo mentira.
- Sandy? – ele repete.
- Cassandra Ricci, minha empresária. – ela explica.
- Caraca, ela voltou aos negócios? – ele indaga contente. – Fico feliz por ela.
- Vocês se conhecem?
- Sim. Ela gerenciava a carreira de um amigo próximo meu, boa empresária. – ele toma um gole da cerveja – Eu tinha um pouco de medo dela, mas ela era boa.
- Ela dá um pouco de medo em mim às vezes também. – ela ri. – Desculpa perguntar, mas por que ela deixou de gerenciar ele? Sabe, até agora ela tem sido maravilhosa, mas gostaria de me preparar se algo acabar dando errado.
O sorriso de diminui gradativamente e seus olhos ficam vidrados na cerveja em sua mão. se arrepende da pergunta no mesmo instante. Quando está para se desculpar e pedir que esquecesse o assunto, ele fala: - Ele sofreu um acidente em 2014.
A garganta de seca.
- Acho que foi o último acidente fatal da Fórmula 1. – ele continua com a voz rouca. – Ele não resistiu, faleceu em 2015 devido às lesões.
- Eu sinto muito, . – ela pousa a mão sobre a dele por cima da mesa, o rapaz sente um arrepio passar por seu corpo. – Jules Bianchi era seu amigo, eu não sabia.
conhecia a história do trágico acidente do jovem e promissor piloto de Fórmula 1, havia sido exatamente por causa do acontecimento com ele que os pais dela haviam a tirado do esporte. Na época o evento havia chocado todo o público do automobilismo como os demais. Foi trágico, fatal e triste.
Quando e o tio haviam puxado o histórico da empresária que tinha recentemente retornado às atividades na intenção de contratá-la, não havia imaginado que aquele tinha sido o seu último cliente.
- Ele era meu padrinho. Era um cara legal. – sorri triste, erguendo os olhos até os dela. – Foi um choque para todo mundo, ninguém esperava que acontecesse, claro. Ele resistiu, lutou com todas as forças para se manter vivo. Mas as sequelas eram irreversíveis. E, enquanto ninguém tinha condição alguma de se preparar para o que todos sabíamos que iria acontecer, Sandy tomou a frente. Ela cuidou de tudo mesmo que não fosse sua responsabilidade. Ela fez questão, eles eram muito próximos. – ele suspira – Portanto, sim, ela é uma boa empresária, boa pessoa... Você não poderia estar com pessoa melhor ao seu lado.
- Claro. – ela sorri, buscando a sua garrafa de cerveja já na metade e a ergue no ar – À Jules.
- À Jules. – ele repete o ato e os dois viram a cerveja garganta adentro.
O garçom não espera pelo pedido, já trazendo mais uma rodada de cerveja.
- Obrigada. – ela agradece e o rapaz sorri antes de se retirar. se vira para – Desculpa, não queria fazer o clima ficar tão pesado.
- Tudo bem. – sorri fraco.
- Vamos falar de outra coisa além de corrida, falamos sobre isso a noite toda. – ela diz, tentando contornar a situação. – O que você gosta de fazer, além de, claro, correr?
- Gosto de velejar, nadar. – ele sorri feliz, talvez recordando-se de um momento no mar. – Jogo bastante videogame, funciona mais como um simulador para corrida – ele ri – e tocar piano.
- Você sabe tocar piano? – ela questiona admirada, ele assente. – Eu sempre quis aprender a tocar, acho muito bonito. Mas minha mãe preferiu me colocar na aula de francês, italiano e espanhol.
- Aussi beau que. – ele diz “Tão bonito quanto” em francês.
- Je continue avec le piano. – responde “Eu fico com o piano, mesmo”.
sorri.
- Você... Poderia? – ela questiona divertida, indicando o piano preto de calda no canto do salão.
Ele segue o seu olhar e volta aos olhos dela.
- Será que eles não vão se incomodar? – ele rebate indicando o grupo de garçons parados próximos às portas da cozinha, que só esperavam os dois pedir a conta para encerrar o expediente.
- Acho que eles deixariam até a gente se pendurar no lustre se formos embora logo. – ela diz e ambos riem.
- Sendo assim. – ergue o braço, chamando um dos garçons, que se aproxima rapidamente. – Amigo, trás mais duas cervejas para nós e pode fechar a conta, por favor.
- Vou providenciar, senhor. – o rapaz diz e se afasta.
se levanta e estende a mão para , ela pega os saltos de baixo da mesa e a bolsa antes de agarrá-la para juntos irem até o piano. A última coisa que ela iria se importar agora era com as etiquetas.
Ele se senta na banqueta com ela ao seu lado e levanta a tampa do teclado.
- Algum pedido especial?
- Me surpreenda. – ela diz cruzando as pernas.
apalpa as teclas, se familiarizando com as mesmas, para em seguida iniciar uma melodia conhecida sem dificuldade alguma. Aquela era a introdução de Hey Jude, dos Beatles.
ficou a assistir o rapaz correr os dedos por entre as teclas concentrado, o vinco em sua testa indicava o quão focado estava. Ela mira desde os dedos dele até o seu rosto, neste demorando-se mais porque havia algo familiar e aconchegante naquela face plena de mínimas e adoráveis pintinhas.
Vez ou outra entre os acordes ele sorria e a olhava de canto de olho, flagrando-a com o olhar encantado sobre si.
não era um homem de muitas exigências ou quem muito escolhia a dedo, mas nunca em toda a sua vida havia se deparado com mulher mais encantadora e que parecia se encaixar em todos os seus padrões.
Simpática, divertida, educada, determinada e, claro, linda. Havia sido fisgado desde quando colocara os olhos nela e, mesmo que não acreditasse em amor à primeira vista, sentia que tinha acontecido com ele àquela noite.
Quando tocou a última nota da música suspirou e virou-se para , que bateu palmas.
- Isso foi lindo. – ela diz admirada – Obrigada.
sorri.
O garçom retorna com as duas cervejas e uma caderneta de couro. Ele deixa as duas garrafas em cima do piano e os entrega a caderneta com a conta. faz uma careta.
- Não quero ir embora agora.
pega uma das garrafas e a leva até a boca. Depois que toma um longo gole, diz: - Eu também não. Mas se não formos, eles vão nos expulsar.
O garçom ri.
Ainda contrariado tira a carteira do bolso, pega algumas notas e coloca dentro da caderneta, entregando-a ao garçom: - Obrigado, amigo, o jantar foi maravilhoso. Meus cumprimentos ao chef. Pode ficar com a gorjeta.
O garçom agradece, os deseja uma boa noite e se afasta.
- De volta à tortura. – diz ao colocar os saltos de volta.
ri, mas a oferece o braço como apoio quando se levantam.
Lado a lado eles caminham para fora do restaurante.
- Sabe, acabei de ter uma ideia. – diz quando eles param na calçada. – Eu quero continuar comemorando o pódio de hoje, e você não quer ir embora ainda. Por que não vem comigo no clube que meus amigos estão?
- Se eu não for atrapalhar...
- , por favor. – ela ri revirando os olhos teatralmente, ele sorri. – Podemos continuar bebendo. Vai ser divertido.
- Tudo bem, então. – ele diz e ergue a mão à frente – Táxi!
Capítulo 6
As luzes de neon e ambiente escuro os deixam momentaneamente cegos, mas logo a visão se acostumou. O local é uma boate badalada no centro da cidade, e por isso estava praticamente impossível transitar de um ambiente ao outro, graças ao grandioso número de pessoas. Corpos suados dançavam a batida de uma música eletrônica, pessoas rindo e conversando com copos coloridos em mãos, luzes piscando e correndo pela pista de dança e um bar lotado lembravam à época de faculdade. Quanta ironia, ela pensa recordando-se da fala do tio de mais cedo.
Ela e vão diretamente ao bar e, quando finalmente chegam lá, pede duas cervejas. Enquanto esperam, corre os olhos pela extensão da boate e mira seu rosto animado e sorriso divertido.
Que ela estava atraída por ele, não podia negar, mas ela não queria levar os conselhos do tio à risca. não parecia ser um cara para somente uma noite, ele era tão divertido e com tanto conteúdo que, pela primeira vez em relação à homens, ela sentiu que queria tê-lo na sua vida de alguma forma. Fosse como amigos ou algo mais, não importa, ela só queria que ele fosse constante.
O barman pousou as duas garrafas no balcão à frete deles e logo voltou a atender os outros pedintes.
- Amigo, você esqueceu de abrir. – grita para o rapaz que já está na outra ponta do bar gigantesco.
- Não precisa. – fala, abrindo a garrafa na quina do balcão, uma de cada vez. Entregando a dele em mãos, diz: - Voilá.
- Vai ter que me ensinar isso. – ele diz sorrindo para a garrafa. – Onde aprendeu?
- Faculdade. – ela ri.
Eles brindam e bebem.
- Quer ir procurar os seus amigos? – questiona em seu ouvido, visto a altura da música e gritaria do povo.
- Esse lugar está tão cheio, duvido que vamos encontrá-los com facilidade. – ela diz próxima a ele. – Vamos dar uma volta, se não os encontrarmos, ficamos só os dois mesmo.
está com um sorriso grande no rosto quando ela pega sua mão e começa a andar por entre as pessoas.
Eles caminham por todos os cantos da boate, olhando aos lados para checar se encontravam alguém conhecido. Quando o rapaz estava prestes a comemorar internamente que não tinham encontrado os tais amigos e por consequência ficariam sozinhos, ele os vê.
No andar de cima, apoiados no beiral de vidro com vista exclusiva para a pista de dança, estavam os seus ex-colegas de campeonato, quando disputou a GP2. Felipe e Pedro, tais quais haviam feito sua vida na Fórmula 2 duplamente mais difícil.
Na intenção de não ser visto, aperta a mão de e sopra em seu ouvido: - Podemos mudar o trajeto? Tem uns caras aqui que eu não...
- Encontrei eles! – ela vira em sua direção com um sorriso no rosto.
engole em seco, torcendo mentalmente que eles não estivessem falando das mesmas pessoas. Mas tem que controlar a frustração quando segue a direção que apontava.
Ao perceber o olhar tenso do rapaz enquanto mirava seus amigos à frente, ela questiona: - Está tudo bem? Você dizia...
Ele fita seus olhos avelã e, apesar de saber que seria extremamente desagradável, dá de ombros e sorri: - Nada, vamos lá.
entrelaça os seus dedos e segue na frente animada. Eles sobem as escadas escuras e chegam ao andar de cima, que estava parcialmente mais vazio. Ela caminha até onde os rapazes estão e antes que anunciasse sua chegada, Felipe esbraveja: - Benedetti! Você veio!
- E acompanhada. – Pedro comenta confuso.
- Oi, gente. – ela salda a todos na roda. – Antes tarde do que nunca.
- É assim que se fala! – Felipe brinda sua garrafa na de e olha – Leclerc, quanto tempo?!
- Bastante. – fala soltando a mão de para apertar a dele.
- É claro que vocês se conhecem. – a jovem diz mirando de um a outro.
- Claro que conhecemos! – Pedro se aproxima. – Leclerc era da nossa turma, éramos os novatos. Estreamos na mesma temporada.
aperta a mão de Pedro rapidamente e sorri à contragosto, em seguida procura pela mão livre da garota e entrelaça os seus dedos novamente. parece não se importar, mas o ato que não é despercebido pelos outros dois.
- Como está a vida entre os melhores? – Felipe pergunta. – Ouvi falar que a próxima temporada só vai ter fera, espero que não caia para a Q1.
- A posição inicial não importa, o que acontece durante a corrida é que é importante. – diz, sem tirar o sorriso simpático do rosto.
- Com certeza. – Pedro concorda e dá batidas amigáveis em seu braço.
- Droga, a cerveja acabou. – comenta olhando a garrafa em sua mão. – Quer mais uma? – ela questiona à .
- Sim, vou buscar com você.
- Tem bar aqui em cima, - Pedro diz antes que eles se afastassem e indica o balcão extenso e com três pessoas escoradas nele. – é mais vazio que o de lá de baixo.
- Valeu! – agradece e puxa pela mão.
Chegando lá os olhos da mulher brilha ao se deparar com uma bebida colorida na mão de uma das bartenders. Quando chega a sua vez, ela pergunta de imediato: - Oi. Do que é feita aquela ali?
- Frutas vermelhas, licor de manga e muita vodca. – a mulher com o braço fechado de tatuagens coloridas, cabelos vermelhos e roupa de couro diz sorrindo em sua direção.
sorri animada e pede uma, virando-se para ela questiona: - Continua na cerveja?
- Eu não sou muito adepto a bebidas destiladas. – ele admite. – Elas são meu ponto fraco.
- Tudo bem. – ela diz – Cerveja, então?
suspira.
- Se eu ficar muito ruim com isso, você cuida de mim? – ele indaga mirando a bartender trabalhar na bebida atrás do balcão.
ri.
- Você pode confiar em mim. – ela diz sorrindo. – Mas não precisa beber se não quiser. Se se sentir mais confortável com a cerveja, eu termino essa e te acompanho.
- Você é o que, um Opala? – indaga divertido e gargalha. – Devo ter medo das suas histórias da época da faculdade?
- Ah, sim! – ela assente em meio á risos – O que eu mais aprendi na faculdade não era ensinado nas salas de aula. E não, não me orgulho disso.
ri.
- O problema não é não confiar em você, é em mim que eu não confio. – os dois riem. – Mas tudo bem, quero experimentar já que vai cuidar de mim. – o rapaz chama a atenção da bartender e fala: - Faz mais uma, por favor.
escora no balcão e fica de frente para , cruzando os braços.
- Eu senti um clima tenso entre você e os meninos, ou foi impressão minha? – ela questiona com um sorriso divertido no rosto.
umedece os lábios para ganhar tempo. Não queria ter que dizer todas as coisas ruins que os rapazes haviam feito com ele, visto que parecia ter um tipo de amizade com eles.
Ela e havia, literalmente, acabado de se conhecer e ele não sabia qual era o nível dessa amizade dela com os garotos. Além do fato dele não ter credibilidade o suficiente com ela ainda para desmascarar as faces de bom moço que os brasileiros mantinham.
não queria deixar o clima pesado, visto que estavam se divertindo tanto aquela noite. Portanto diz descontraído: - Não há nada, só a velha implicância entre adversários.
Ela sorri e assente, descruzando os braços.
- Então Leclerc é monegasco, tem um fraco por bebidas destiladas, gosta de velejar, nadar, jogar videogame e tocar piano. Além de correr, claro. – ela observa sorrindo – É adorável, um amor de tão gentil, engraçado e um gato. Tem mais alguma coisa que eu precise saber sobre você?
- Eu estou solteiro.
arqueia as sobrancelhas em surpresa pela ousadia, mas acaba rindo ao mesmo tempo em que suas bochechas coravam.
- Desculpe. – ele se adianta sorrindo e olhando diretamente em seus olhos. – Eu não quis ser invasivo. Seu namorado não vai me bater, vai?
umedece os lábios e abre um grande sorriso antes de falar o que mais queria ouvir naquela noite: - Eu não tenho namorado.
A mulher chega com as bebidas coloridas enfeitadas em taças de plástico e os entrega. Eles pagam e brindam antes de provar o líquido.
sente o doce descer pela sua garganta sem ardor algum e dá mais um gole, aquela era a bebida mais gostosa que ele já havia provado.
- Eu gosto dessa música. – comenta com o canudo entre os lábios e começa a balançar os quadris conforme o ritmo da melodia.
- Quer ir para a pista? – ele questiona indicando o andar de baixo e ela assente, pegando em sua mão e o permitindo que a guiasse.
Chegando no centro da boate, onde as pessoas dançavam cada qual em seu ritmo e movimentos, solta sua mão e fica de frente à . Ela pousa a mão livre em seu ombro e se aproxima.
sorri vidrado. Os fios do cabelo longo estavam escapando do coque que ela havia feito mais cedo, o suor causado pelo lugar abafado deixava a sua pele brilhando e o movimento singelo com que ela balançava os quadris deixavam o rapaz hipnotizado. Ela parecia uma caçadora e ele queria ser a sua presa.
Por isso pousa a sua mão livre na cintura fina dela e, por mais desengonçado que fosse para dança, deixou seus ombros seguirem o mesmo ritmo.
Ela suga a bebida do copo sem tirar os olhos dos dele e sorri quando vê ele engolir em seco. se aproxima ainda mais, escorregando a mão pousada no ombro para a sua nuca – quase colando os seus corpos, e sopra no ouvido dele a letra da música: “I gotta feeling. That tonight's gonna be a good night”. (Eu tenho um sentimento. De que esta vai ser uma noite boa).
Foi o que bastou para que deixasse o copo escorregar de sua mão, deixando-a livre para subir até o pescoço dela e se encaixar atrás da orelha e nuca. No mesmo instante acaricia o cabelo da nuca dele com a mão livre. aperta levemente sua cintura e faz um singelo carinho com o dedão em sua bochecha.
Os olhos estão em uma conexão vidrada, um querendo desvendar os enigmas do outro. umedece os lábios pouco antes de eles se encontrarem com os de , e é quando o seu copo vai ao chão e ela sente suas pernas fraquejarem.
O frio na sua barriga só intensifica a ânsia por mais e logo as línguas estão desvendando o espaço em suas bocas. desce sua mão, e ambas seguram a cintura da mulher de maneira firme, para não deixa-la escapar.
por sua vez abraça o pescoço do rapaz com ambos os braços, colando os seus corpos por completo.
Eles manejam os movimentos em conjunto e desatrelam as suas bocas, só para que descesse uma linha de beijos até a lateral do pescoço de Liza, que arfa silenciosamente em prazer.
O coração no peito da jovem está batendo mais rápido que as batidas estrondosas da música ambiente e, por um instante, ela se sente em sintonia com tudo ao seu redor. Ela estava hiper consciente na respiração de batendo em seu pescoço e cada célula do seu corpo se arrepiar gradativamente.
Ele afasta a boca de seu pescoço e ela abre os olhos, se deparando com aquela selva verde nos olhos dele encarando-a extasiado. Eles juntam as bocas novamente, buscando explorar todo o gosto e sabor daquele beijo extraordinário.
Quando o ar se apresenta necessário, eles se afastam minimamente para puxar uma lufada quente para seus pulmões.
Os peitos estão subindo e descendo constantemente, e sorri ofegante.
- Você ainda quer ficar aqui? – pergunta com a boca colada no ouvido do rapaz.
- Vou aonde você for. – Ele diz e sorri de orelha a orelha.
(...)
Uma brisa fresca bate nas costas quentes de e ela sente seus pelos se arrepiarem. Automaticamente sua consciência está ativa, mas confortável o bastante para acordar por completo. Ela respira fundo e aos poucos os sentidos de seu corpo vão se reestabelecendo.
Ela sente seu braço esquerdo dormente enquanto metade de seu tronco e braço direito repousam em cima de uma superfície macia divergente da do colchão. A claridade por trás das suas pálpebras denuncia que está de dia ou que o lugar, onde quer que estivesse, estava iluminado por completo.
Ela boceja ainda com os olhos fechados e move o seu tronco, sentindo um leve peso na terminação das suas costas. franze o cenho ainda de olhos fechados e vai os abrindo aos poucos, acostumando a sua visão com a claridade.
Quando os seus olhos abrem por completo ela se vê completamente nua, deitada em cima de um peitoral, com o seu braço direito jogado por cima da barriga, as pernas entrelaçadas com as da pessoa debaixo dela enquanto ambos os braços do outro a abraçavam de forma protetora. Fora o lençol branco que os cobria da cintura abaixo.
Ela respira fundo, sentindo aquele perfume masculino alastrado sobre os dois, e levanta o rosto para encontrar a face plena de Leclerc consumida pelo mais profundo sono.
Automaticamente as lembranças da noite passada a atingem em alta velocidade. Instantaneamente as imagens do jantar, das conversas, da cerveja, da balada e do sexo estão evidentes em sua cabeça – com a última etapa sendo destacada das demais de forma discrepante e em letras maiúsculas.
não era uma mulher que pudesse considerar ter dormido com muitos parceiros. Por sempre estar em uma relação exclusiva com uma pessoa especifica por vez, a lista que contabiliza o seu total de parceiros não passava de cinco.
Contudo já havia experimentado dos mais variados tipos de prazer e posições em uma cama e podia dizer com a mais absoluta certeza de que nada havia sido tão prazeroso quanto a experiência da noite anterior.
O modo como a encarava com os olhos completamente vidrados; a forma como ele a tocava, com a sua mão grande despejando carinhos por toda a extensão do seu corpo; somado ao fato da sincronia com que eles se moviam, haviam a feito chegar ao ápice mais de uma vez em uma noite. E isso nunca havia acontecido anteriormente.
Fosse o doce dos lábios do rapaz ou o modo que aqueles olhos verdes pareciam a desvendar por inteira, ela havia abaixado a guarda por completo e permitido que ele usufruísse dos seus dotes como bem quisesse.
Ela sorri, recordando-se do quanto ele havia sido atencioso e cavalheiro, porém feroz e sagaz nos momentos propícios.
Apesar de querer fechar os seus olhos e aproveitar do corpo escultural de disposto ali só para ela, seu braço esquerdo estava doendo e ela precisava se mover para tirar o peso de todo o seu corpo de cima dele.
Delicadamente, com o braço livre, ela desfaz o abraço de ao redor dela, desentrelaça as suas pernas e desliza para o espaço livre na cama. Ela deita com as suas costas no colchão e balança o braço esquerdo no alto, causando formigamento.
Quando a sensação passa e ela sente o sangue voltando a circular no braço se senta e joga as pernas para fora da cama. No chão abaixo de seus pés ela encontra a sua calcinha e de imediato a veste.
Começa então a sua caça pelas suas outras peças.
Ela passa os olhos pelo quarto de hotel e é impossível não notar a trilha de bagunça que haviam feito na noite passada. Primeiro começou com as duas garrafas de vinho que havia pego no frigobar, que estavam vazias junto das taças em cima da mesa de vidro na sacada. Suas portas estavam completamente abertas – as quais eles não se incomodaram em fechar, fazendo com que as cortinas brancas dançassem conforme a brisa fria que entrava.
Em seguida mirou o sofá grande de veludo, onde a deitara e mostrou que sabia trabalhar muito bem com a língua. Consequentemente ela havia desalinhado as almofadas, maltratando-as com suas unhas.
Parte das roupas dos dois estavam jogadas pelo chão e a outra em cima dos móveis – a calça dela estava sobre a televisão gigantesca na parede e a camisa dele sob uma poltrona. Os inúmeros travesseiros da cama estavam um em cada canto diferente do quarto gigantesco... Enfim, o quarto estava uma bagunça.
se levanta e começa a procurar preferencialmente por seu sutiã e camisa. A peça íntima ela encontra caída perto do frigobar e rapidamente a veste, mas a camisa ela não visualizava em lugar algum.
É quando se lembra que assistiu a peça cair do décimo segundo andar e parar no meio da rua, quando eles começaram a se despir com veracidade ainda na sacada do quarto.
Porra, que tesão era aquele?!
O toque de seu celular a desperta dos devaneios e ela vai à sua direção sendo guiada pelo som, mas quando o alcança, a ligação cai. Ela olha as notificações e se assusta ao se deparar com 25 ligações e 18 mensagens de Sandy, duas mensagens de seu engenheiro, duas de , uma ligação perdida de seu pai e uma mensagem de seu tio.
Ela desliza os olhos até o relógio digital, arregalando-os de choque ao perceber que já passava das duas da tarde no horário da Itália.
- Eu estou muito fodida. – conclui aos sussurros.
Alarmada ela verifica primeiro a mensagem de seu tio.
“Espero que a noite tenha sido boa porque o chicote vai estralar para o seu lado. HAHAHA Sandy achou que você não queria sair do quarto pelo jantar malsucedido de ontem – em partes rs – e quis levar um café da manhã na cama para você. Imagina a surpresa dela quando abriu a porta do seu quarto e não te encontrou lá. Enfim, ela está louca atrás de você. Tentei dobrar ela, falando que você saiu para se distrair, mas se você não aparecer logo juro que ela vai acionar a polícia italiana.”
Ela checa o horário da mensagem, havia sido recebida há duas horas.
Então ela passa os olhos rapidamente pelas mensagens de seu engenheiro que falava que a introdução da ferramenta do carro que ela havia solicitado iria dar certo; da amiga que a parabenizava pelo pódio de ontem e, por último – e bem mais alarmantes – as mensagens de Sandy.
Começava com “Bom dia. Fiquei sabendo sobre o Mattia, não sabia que ele era tão idiota. Sinto Muito. Quando acordar me avisa.” Passava para um “Por que a sua cama está intocada e você não está nela?” e “Onde você está?” para finalizar com “SE VOCÊ NÃO ME RESPONDER, EU VOU VENDER OS SEUS TROFÉUS NA INTERNET”. Fora as demais com conteúdos mais pesados.
Rapidamente ela digita em resposta: “Oi, estou bem. Não se preocupe, estarei de volta em breve.”.
Assim que é indicado que a mensagem foi recebida, a palavra digitando... surge no topo da janela de conversa.
“ONDE VOCÊ ESTÁ?” – ela recebe em menos de três segundos.
“Estou no hotel.”
Não havia muitos hotéis na cidade de Modena, principalmente os que acomodassem pilotos em suas visitas sazonais devido aos eventos automobilísticos. Não era coincidência que ela e estivessem hospedados no mesmo hotel, assim como os demais envolvidos com o esporte. agradeceu mentalmente esse fato, pois assim estaria de volta ao próprio quarto de forma discreta e rápida.
“Em que parte?”
morde o lábio inferior.
“Em um quarto.”
Meio segundo se passa quando ela recebe a resposta: “VOCÊ NÃO ESTÁ NO SEU QUARTO!!”.
“Eu não disse que era no meu.” Ela digita controlando o riso.
O informativo digitar... apareceu e sumiu por duas vezes consecutivas antes que a mensagem dela chegasse: “Por favor não me fala que você transou com um dos pilotos.” Acompanhada de: “Principalmente com o Mick.”
“Não transei com nenhum dos pilotos... Da GP2.” Ela digita e morde o lábio inferior.
Dois segundos depois ela recebe: “Mamma mia, você não pesca para pegar peixe pequeno. Leclerc?!”, e sequer aguarda responder para mandar novamente: “Que seja, quero você de volta no seu quarto em 15 minutos.”.
“O.K.”
Ela bloqueia o celular e volta sua atenção para o quarto, concluindo que seria melhor responder as demais mensagens e retornar a ligação do pai quando estivesse mais tranquila – geralmente eles passavam horas conversando por chamada de vídeo. recolhe a calça na televisão e pega a camisa de , vestindo-a sem abotoar enquanto caminhava rapidamente até o banheiro. Chegando lá ela veste a calça e não se demora para pegar uma das escovas descartáveis disponibilizadas pelo hotel para escovar os dentes. Lava o rosto, penteia os cabelos e se encara no espelho, checando se a aparência estava no mínimo apresentável.
Quando sai do banheiro se depara com terminando de vestir a sua cueca.
- Bom dia. – ela diz quando ele sorri ao vê-la. – Hã... Tive que pegar emprestado porque... – ela começa indicando a camisa desabotoada.
- Derrubei a sua da sacada ontem. – ele completa coçando a nuca envergonhado. – Eu te compro outra, me desculpe.
- Não se preocupe, estamos quites. – ela ri, começando a abotoar a camisa de cima para baixo – Eu não pretendia devolver essa mesmo.
ri.
Faltando alguns botões para finalizar, ela amarra as duas partes da camisa para que não parecesse tão grande. Em seguida procura pela bolsa e os sapatos pelo quarto enquanto o rapaz a observava atentamente.
O dia após a primeira noite de sexo com um parceiro novo sempre definia o que seria da relação dos dois dali adiante. As expressões corporais diziam por si só e estava atento às de porque depois de uma das melhores noites de sua vida, ele não queria que tudo acabasse naquele quarto de hotel e virasse uma mera lembrança.
Ela encontra os seus itens e senta-se no sofá para calçar os sapatos. Quando finaliza levanta-se e para de frente á , com uma boa distância entre eles.
Um silêncio constrangedor assola o lugar.
- Estou vendo que você já está de saída. – ele comenta com um sorriso tristonho no rosto.
- Eu realmente tenho que ir, Sandy está louca atrás de mim. – ela explica aproximando-se em passos lentos até a porta. Ele a segue.
- Pensei que tinha dito que estava de folga essa semana. – ele comenta quando ela para à um metro da porta, ela procura por seus olhos.
- E estou. – afirma presa naquele verde. Eles haviam se tornado a sua perdição. – Tem o teste no sábado, que eu acho que ainda vou ter que fazer. Mas fora isso eu vou ficar à toa por aqui até o final da semana. Ela só está preocupada com o meu sumiço.
Ele se aproxima.
- Então tudo bem se eu estender a minha estadia por aqui até o final da semana também? – ele questiona com um sorriso maroto no rosto. – Eu ia voltar à Mônaco para a semana livre, mas visto que tem algo bem melhor aqui...
- Alguma razão específica fora os seus compromissos com a Ferrari que faça você querer estender a sua estadia? – ela arqueia uma sobrancelha sorrindo.
- É que eu fico pensando, - ele diz, dando mais um passo em sua direção – se vai ficar na cidade sede da escuderia da Ferrari, nada melhor que um piloto da marca para te guiar.
- Quer ser meu guia turístico? – ela indaga sorrindo.
- Quero ficar com você. – diz sem hesitações.
sente seu coração disparar, e aquele frio na barriga a atingir feito um soco. Ela umedece os lábios quando seus olhos caem para os lábios dele. Para ajudar, ele estava só de cueca, e com uma ereção matinal notável. O meio das suas pernas lateja.
Ela tem que respirar fundo e desviar os olhos.
- Você acha que isso, - ela indica os dois – é uma boa ideia? Digo, por questões das nossas posições sociais, o compromisso que temos com o nosso trabalho, as nossas equipes... Foi divertido, mas não acho que devemos passar disto. Eu não quero que pareça que eu esteja te usando.
- Me usando? – ele indaga.
- Não sei, a imprensa inventa um monte de coisa. Você entendeu o que eu quis dizer. – ela diz desconcertada. – E eu não quero que pense que eu sou esse tipo de pessoa que usa outrem para chegar à algum lugar porque...
sorri e a puxa pela cintura com uma mão, enquanto a outra seguia o caminho conhecido até se encaixar atrás da sua nuca. Seus lábios estão juntos antes mesmo que pudesse prever, mas era inegável o quanto ela ficava abalada apenas com o beijo de .
- Estava dizendo... – ele diz com a voz rouca depois de separarem as bocas.
Ela abre os olhos e novamente encontra os seus.
- Eu não sei. – ela sopra para em seguida rir. – Isso não é justo.
- O que não é justo? – ele indaga também rindo.
- Você já tem um grande poder de persuasão sobre mim e sabe disso. – ela se afasta minimamente e fica séria. – Eu não posso ter distrações, não tenho tempo para me envolver com alguém agora. Sei que foi só uma noite, mas precisamos jogar às claras. Eu sou estreante, tenho que dar tudo de mim nessa temporada. E, apesar de ter sido muito divertido, eu não quero começar algo que eu sei que não vamos poder dar continuidade.
- Eu entendo completamente. – ele assente sério. – Mas você não concorda que, querendo ou não, nós tivemos uma conexão muito forte? Porque eu senti que foi forte.
- Sim, mas...
- É só isso que eu queria ouvir. – ele a interrompe e volta a colar os seus lábios.
Antes que suas bocas se afastassem ela está rindo novamente.
- Você está fazendo de novo.
Ele espera que ela o olhe nos olhos para falar: - Eu sou tão comprometido com minha profissão quanto você, no nosso ramo temos que ser e é por isso que vamos nos entender. Pude perceber o tipo de pessoa que você é e que tem as melhores intenções, e quero conhecer mais delas e de você. Quanto aos outros, deixe que pensem o que quiserem, basta nós sabermos o que é real. Me deixa ficar essa semana com você para nos conhecermos melhor. Eu te prometo que se não estiver convencida de que podemos fazer dar certo, simplesmente seguiremos cada um para o seu lado como bons amigos.
Ela arqueia uma sobrancelha pensativa, mas sabe que a partir do momento que colocara seus olhos nos dele estava rendida. Assim assente vagarosamente.
- Então, te vejo num jantar, mais tarde? – ele sugere sorrindo.
Ela umedece os lábios antes de sorrir.
- Passo aqui às oito.
- Combinado. – ele diz e sela os lábios nos seus novamente, desta vez, com um gosto de “até mais tarde”.
E eles ainda iriam se reencontrar muitas vezes durante aquela semana.
Ela e vão diretamente ao bar e, quando finalmente chegam lá, pede duas cervejas. Enquanto esperam, corre os olhos pela extensão da boate e mira seu rosto animado e sorriso divertido.
Que ela estava atraída por ele, não podia negar, mas ela não queria levar os conselhos do tio à risca. não parecia ser um cara para somente uma noite, ele era tão divertido e com tanto conteúdo que, pela primeira vez em relação à homens, ela sentiu que queria tê-lo na sua vida de alguma forma. Fosse como amigos ou algo mais, não importa, ela só queria que ele fosse constante.
O barman pousou as duas garrafas no balcão à frete deles e logo voltou a atender os outros pedintes.
- Amigo, você esqueceu de abrir. – grita para o rapaz que já está na outra ponta do bar gigantesco.
- Não precisa. – fala, abrindo a garrafa na quina do balcão, uma de cada vez. Entregando a dele em mãos, diz: - Voilá.
- Vai ter que me ensinar isso. – ele diz sorrindo para a garrafa. – Onde aprendeu?
- Faculdade. – ela ri.
Eles brindam e bebem.
- Quer ir procurar os seus amigos? – questiona em seu ouvido, visto a altura da música e gritaria do povo.
- Esse lugar está tão cheio, duvido que vamos encontrá-los com facilidade. – ela diz próxima a ele. – Vamos dar uma volta, se não os encontrarmos, ficamos só os dois mesmo.
está com um sorriso grande no rosto quando ela pega sua mão e começa a andar por entre as pessoas.
Eles caminham por todos os cantos da boate, olhando aos lados para checar se encontravam alguém conhecido. Quando o rapaz estava prestes a comemorar internamente que não tinham encontrado os tais amigos e por consequência ficariam sozinhos, ele os vê.
No andar de cima, apoiados no beiral de vidro com vista exclusiva para a pista de dança, estavam os seus ex-colegas de campeonato, quando disputou a GP2. Felipe e Pedro, tais quais haviam feito sua vida na Fórmula 2 duplamente mais difícil.
Na intenção de não ser visto, aperta a mão de e sopra em seu ouvido: - Podemos mudar o trajeto? Tem uns caras aqui que eu não...
- Encontrei eles! – ela vira em sua direção com um sorriso no rosto.
engole em seco, torcendo mentalmente que eles não estivessem falando das mesmas pessoas. Mas tem que controlar a frustração quando segue a direção que apontava.
Ao perceber o olhar tenso do rapaz enquanto mirava seus amigos à frente, ela questiona: - Está tudo bem? Você dizia...
Ele fita seus olhos avelã e, apesar de saber que seria extremamente desagradável, dá de ombros e sorri: - Nada, vamos lá.
entrelaça os seus dedos e segue na frente animada. Eles sobem as escadas escuras e chegam ao andar de cima, que estava parcialmente mais vazio. Ela caminha até onde os rapazes estão e antes que anunciasse sua chegada, Felipe esbraveja: - Benedetti! Você veio!
- E acompanhada. – Pedro comenta confuso.
- Oi, gente. – ela salda a todos na roda. – Antes tarde do que nunca.
- É assim que se fala! – Felipe brinda sua garrafa na de e olha – Leclerc, quanto tempo?!
- Bastante. – fala soltando a mão de para apertar a dele.
- É claro que vocês se conhecem. – a jovem diz mirando de um a outro.
- Claro que conhecemos! – Pedro se aproxima. – Leclerc era da nossa turma, éramos os novatos. Estreamos na mesma temporada.
aperta a mão de Pedro rapidamente e sorri à contragosto, em seguida procura pela mão livre da garota e entrelaça os seus dedos novamente. parece não se importar, mas o ato que não é despercebido pelos outros dois.
- Como está a vida entre os melhores? – Felipe pergunta. – Ouvi falar que a próxima temporada só vai ter fera, espero que não caia para a Q1.
- A posição inicial não importa, o que acontece durante a corrida é que é importante. – diz, sem tirar o sorriso simpático do rosto.
- Com certeza. – Pedro concorda e dá batidas amigáveis em seu braço.
- Droga, a cerveja acabou. – comenta olhando a garrafa em sua mão. – Quer mais uma? – ela questiona à .
- Sim, vou buscar com você.
- Tem bar aqui em cima, - Pedro diz antes que eles se afastassem e indica o balcão extenso e com três pessoas escoradas nele. – é mais vazio que o de lá de baixo.
- Valeu! – agradece e puxa pela mão.
Chegando lá os olhos da mulher brilha ao se deparar com uma bebida colorida na mão de uma das bartenders. Quando chega a sua vez, ela pergunta de imediato: - Oi. Do que é feita aquela ali?
- Frutas vermelhas, licor de manga e muita vodca. – a mulher com o braço fechado de tatuagens coloridas, cabelos vermelhos e roupa de couro diz sorrindo em sua direção.
sorri animada e pede uma, virando-se para ela questiona: - Continua na cerveja?
- Eu não sou muito adepto a bebidas destiladas. – ele admite. – Elas são meu ponto fraco.
- Tudo bem. – ela diz – Cerveja, então?
suspira.
- Se eu ficar muito ruim com isso, você cuida de mim? – ele indaga mirando a bartender trabalhar na bebida atrás do balcão.
ri.
- Você pode confiar em mim. – ela diz sorrindo. – Mas não precisa beber se não quiser. Se se sentir mais confortável com a cerveja, eu termino essa e te acompanho.
- Você é o que, um Opala? – indaga divertido e gargalha. – Devo ter medo das suas histórias da época da faculdade?
- Ah, sim! – ela assente em meio á risos – O que eu mais aprendi na faculdade não era ensinado nas salas de aula. E não, não me orgulho disso.
ri.
- O problema não é não confiar em você, é em mim que eu não confio. – os dois riem. – Mas tudo bem, quero experimentar já que vai cuidar de mim. – o rapaz chama a atenção da bartender e fala: - Faz mais uma, por favor.
escora no balcão e fica de frente para , cruzando os braços.
- Eu senti um clima tenso entre você e os meninos, ou foi impressão minha? – ela questiona com um sorriso divertido no rosto.
umedece os lábios para ganhar tempo. Não queria ter que dizer todas as coisas ruins que os rapazes haviam feito com ele, visto que parecia ter um tipo de amizade com eles.
Ela e havia, literalmente, acabado de se conhecer e ele não sabia qual era o nível dessa amizade dela com os garotos. Além do fato dele não ter credibilidade o suficiente com ela ainda para desmascarar as faces de bom moço que os brasileiros mantinham.
não queria deixar o clima pesado, visto que estavam se divertindo tanto aquela noite. Portanto diz descontraído: - Não há nada, só a velha implicância entre adversários.
Ela sorri e assente, descruzando os braços.
- Então Leclerc é monegasco, tem um fraco por bebidas destiladas, gosta de velejar, nadar, jogar videogame e tocar piano. Além de correr, claro. – ela observa sorrindo – É adorável, um amor de tão gentil, engraçado e um gato. Tem mais alguma coisa que eu precise saber sobre você?
- Eu estou solteiro.
arqueia as sobrancelhas em surpresa pela ousadia, mas acaba rindo ao mesmo tempo em que suas bochechas coravam.
- Desculpe. – ele se adianta sorrindo e olhando diretamente em seus olhos. – Eu não quis ser invasivo. Seu namorado não vai me bater, vai?
umedece os lábios e abre um grande sorriso antes de falar o que mais queria ouvir naquela noite: - Eu não tenho namorado.
A mulher chega com as bebidas coloridas enfeitadas em taças de plástico e os entrega. Eles pagam e brindam antes de provar o líquido.
sente o doce descer pela sua garganta sem ardor algum e dá mais um gole, aquela era a bebida mais gostosa que ele já havia provado.
- Eu gosto dessa música. – comenta com o canudo entre os lábios e começa a balançar os quadris conforme o ritmo da melodia.
- Quer ir para a pista? – ele questiona indicando o andar de baixo e ela assente, pegando em sua mão e o permitindo que a guiasse.
Chegando no centro da boate, onde as pessoas dançavam cada qual em seu ritmo e movimentos, solta sua mão e fica de frente à . Ela pousa a mão livre em seu ombro e se aproxima.
sorri vidrado. Os fios do cabelo longo estavam escapando do coque que ela havia feito mais cedo, o suor causado pelo lugar abafado deixava a sua pele brilhando e o movimento singelo com que ela balançava os quadris deixavam o rapaz hipnotizado. Ela parecia uma caçadora e ele queria ser a sua presa.
Por isso pousa a sua mão livre na cintura fina dela e, por mais desengonçado que fosse para dança, deixou seus ombros seguirem o mesmo ritmo.
Ela suga a bebida do copo sem tirar os olhos dos dele e sorri quando vê ele engolir em seco. se aproxima ainda mais, escorregando a mão pousada no ombro para a sua nuca – quase colando os seus corpos, e sopra no ouvido dele a letra da música: “I gotta feeling. That tonight's gonna be a good night”. (Eu tenho um sentimento. De que esta vai ser uma noite boa).
Foi o que bastou para que deixasse o copo escorregar de sua mão, deixando-a livre para subir até o pescoço dela e se encaixar atrás da orelha e nuca. No mesmo instante acaricia o cabelo da nuca dele com a mão livre. aperta levemente sua cintura e faz um singelo carinho com o dedão em sua bochecha.
Os olhos estão em uma conexão vidrada, um querendo desvendar os enigmas do outro. umedece os lábios pouco antes de eles se encontrarem com os de , e é quando o seu copo vai ao chão e ela sente suas pernas fraquejarem.
O frio na sua barriga só intensifica a ânsia por mais e logo as línguas estão desvendando o espaço em suas bocas. desce sua mão, e ambas seguram a cintura da mulher de maneira firme, para não deixa-la escapar.
por sua vez abraça o pescoço do rapaz com ambos os braços, colando os seus corpos por completo.
Eles manejam os movimentos em conjunto e desatrelam as suas bocas, só para que descesse uma linha de beijos até a lateral do pescoço de Liza, que arfa silenciosamente em prazer.
O coração no peito da jovem está batendo mais rápido que as batidas estrondosas da música ambiente e, por um instante, ela se sente em sintonia com tudo ao seu redor. Ela estava hiper consciente na respiração de batendo em seu pescoço e cada célula do seu corpo se arrepiar gradativamente.
Ele afasta a boca de seu pescoço e ela abre os olhos, se deparando com aquela selva verde nos olhos dele encarando-a extasiado. Eles juntam as bocas novamente, buscando explorar todo o gosto e sabor daquele beijo extraordinário.
Quando o ar se apresenta necessário, eles se afastam minimamente para puxar uma lufada quente para seus pulmões.
Os peitos estão subindo e descendo constantemente, e sorri ofegante.
- Você ainda quer ficar aqui? – pergunta com a boca colada no ouvido do rapaz.
- Vou aonde você for. – Ele diz e sorri de orelha a orelha.
Uma brisa fresca bate nas costas quentes de e ela sente seus pelos se arrepiarem. Automaticamente sua consciência está ativa, mas confortável o bastante para acordar por completo. Ela respira fundo e aos poucos os sentidos de seu corpo vão se reestabelecendo.
Ela sente seu braço esquerdo dormente enquanto metade de seu tronco e braço direito repousam em cima de uma superfície macia divergente da do colchão. A claridade por trás das suas pálpebras denuncia que está de dia ou que o lugar, onde quer que estivesse, estava iluminado por completo.
Ela boceja ainda com os olhos fechados e move o seu tronco, sentindo um leve peso na terminação das suas costas. franze o cenho ainda de olhos fechados e vai os abrindo aos poucos, acostumando a sua visão com a claridade.
Quando os seus olhos abrem por completo ela se vê completamente nua, deitada em cima de um peitoral, com o seu braço direito jogado por cima da barriga, as pernas entrelaçadas com as da pessoa debaixo dela enquanto ambos os braços do outro a abraçavam de forma protetora. Fora o lençol branco que os cobria da cintura abaixo.
Ela respira fundo, sentindo aquele perfume masculino alastrado sobre os dois, e levanta o rosto para encontrar a face plena de Leclerc consumida pelo mais profundo sono.
Automaticamente as lembranças da noite passada a atingem em alta velocidade. Instantaneamente as imagens do jantar, das conversas, da cerveja, da balada e do sexo estão evidentes em sua cabeça – com a última etapa sendo destacada das demais de forma discrepante e em letras maiúsculas.
não era uma mulher que pudesse considerar ter dormido com muitos parceiros. Por sempre estar em uma relação exclusiva com uma pessoa especifica por vez, a lista que contabiliza o seu total de parceiros não passava de cinco.
Contudo já havia experimentado dos mais variados tipos de prazer e posições em uma cama e podia dizer com a mais absoluta certeza de que nada havia sido tão prazeroso quanto a experiência da noite anterior.
O modo como a encarava com os olhos completamente vidrados; a forma como ele a tocava, com a sua mão grande despejando carinhos por toda a extensão do seu corpo; somado ao fato da sincronia com que eles se moviam, haviam a feito chegar ao ápice mais de uma vez em uma noite. E isso nunca havia acontecido anteriormente.
Fosse o doce dos lábios do rapaz ou o modo que aqueles olhos verdes pareciam a desvendar por inteira, ela havia abaixado a guarda por completo e permitido que ele usufruísse dos seus dotes como bem quisesse.
Ela sorri, recordando-se do quanto ele havia sido atencioso e cavalheiro, porém feroz e sagaz nos momentos propícios.
Apesar de querer fechar os seus olhos e aproveitar do corpo escultural de disposto ali só para ela, seu braço esquerdo estava doendo e ela precisava se mover para tirar o peso de todo o seu corpo de cima dele.
Delicadamente, com o braço livre, ela desfaz o abraço de ao redor dela, desentrelaça as suas pernas e desliza para o espaço livre na cama. Ela deita com as suas costas no colchão e balança o braço esquerdo no alto, causando formigamento.
Quando a sensação passa e ela sente o sangue voltando a circular no braço se senta e joga as pernas para fora da cama. No chão abaixo de seus pés ela encontra a sua calcinha e de imediato a veste.
Começa então a sua caça pelas suas outras peças.
Ela passa os olhos pelo quarto de hotel e é impossível não notar a trilha de bagunça que haviam feito na noite passada. Primeiro começou com as duas garrafas de vinho que havia pego no frigobar, que estavam vazias junto das taças em cima da mesa de vidro na sacada. Suas portas estavam completamente abertas – as quais eles não se incomodaram em fechar, fazendo com que as cortinas brancas dançassem conforme a brisa fria que entrava.
Em seguida mirou o sofá grande de veludo, onde a deitara e mostrou que sabia trabalhar muito bem com a língua. Consequentemente ela havia desalinhado as almofadas, maltratando-as com suas unhas.
Parte das roupas dos dois estavam jogadas pelo chão e a outra em cima dos móveis – a calça dela estava sobre a televisão gigantesca na parede e a camisa dele sob uma poltrona. Os inúmeros travesseiros da cama estavam um em cada canto diferente do quarto gigantesco... Enfim, o quarto estava uma bagunça.
se levanta e começa a procurar preferencialmente por seu sutiã e camisa. A peça íntima ela encontra caída perto do frigobar e rapidamente a veste, mas a camisa ela não visualizava em lugar algum.
É quando se lembra que assistiu a peça cair do décimo segundo andar e parar no meio da rua, quando eles começaram a se despir com veracidade ainda na sacada do quarto.
Porra, que tesão era aquele?!
O toque de seu celular a desperta dos devaneios e ela vai à sua direção sendo guiada pelo som, mas quando o alcança, a ligação cai. Ela olha as notificações e se assusta ao se deparar com 25 ligações e 18 mensagens de Sandy, duas mensagens de seu engenheiro, duas de , uma ligação perdida de seu pai e uma mensagem de seu tio.
Ela desliza os olhos até o relógio digital, arregalando-os de choque ao perceber que já passava das duas da tarde no horário da Itália.
- Eu estou muito fodida. – conclui aos sussurros.
Alarmada ela verifica primeiro a mensagem de seu tio.
“Espero que a noite tenha sido boa porque o chicote vai estralar para o seu lado. HAHAHA Sandy achou que você não queria sair do quarto pelo jantar malsucedido de ontem – em partes rs – e quis levar um café da manhã na cama para você. Imagina a surpresa dela quando abriu a porta do seu quarto e não te encontrou lá. Enfim, ela está louca atrás de você. Tentei dobrar ela, falando que você saiu para se distrair, mas se você não aparecer logo juro que ela vai acionar a polícia italiana.”
Ela checa o horário da mensagem, havia sido recebida há duas horas.
Então ela passa os olhos rapidamente pelas mensagens de seu engenheiro que falava que a introdução da ferramenta do carro que ela havia solicitado iria dar certo; da amiga que a parabenizava pelo pódio de ontem e, por último – e bem mais alarmantes – as mensagens de Sandy.
Começava com “Bom dia. Fiquei sabendo sobre o Mattia, não sabia que ele era tão idiota. Sinto Muito. Quando acordar me avisa.” Passava para um “Por que a sua cama está intocada e você não está nela?” e “Onde você está?” para finalizar com “SE VOCÊ NÃO ME RESPONDER, EU VOU VENDER OS SEUS TROFÉUS NA INTERNET”. Fora as demais com conteúdos mais pesados.
Rapidamente ela digita em resposta: “Oi, estou bem. Não se preocupe, estarei de volta em breve.”.
Assim que é indicado que a mensagem foi recebida, a palavra digitando... surge no topo da janela de conversa.
“ONDE VOCÊ ESTÁ?” – ela recebe em menos de três segundos.
“Estou no hotel.”
Não havia muitos hotéis na cidade de Modena, principalmente os que acomodassem pilotos em suas visitas sazonais devido aos eventos automobilísticos. Não era coincidência que ela e estivessem hospedados no mesmo hotel, assim como os demais envolvidos com o esporte. agradeceu mentalmente esse fato, pois assim estaria de volta ao próprio quarto de forma discreta e rápida.
“Em que parte?”
morde o lábio inferior.
“Em um quarto.”
Meio segundo se passa quando ela recebe a resposta: “VOCÊ NÃO ESTÁ NO SEU QUARTO!!”.
“Eu não disse que era no meu.” Ela digita controlando o riso.
O informativo digitar... apareceu e sumiu por duas vezes consecutivas antes que a mensagem dela chegasse: “Por favor não me fala que você transou com um dos pilotos.” Acompanhada de: “Principalmente com o Mick.”
“Não transei com nenhum dos pilotos... Da GP2.” Ela digita e morde o lábio inferior.
Dois segundos depois ela recebe: “Mamma mia, você não pesca para pegar peixe pequeno. Leclerc?!”, e sequer aguarda responder para mandar novamente: “Que seja, quero você de volta no seu quarto em 15 minutos.”.
“O.K.”
Ela bloqueia o celular e volta sua atenção para o quarto, concluindo que seria melhor responder as demais mensagens e retornar a ligação do pai quando estivesse mais tranquila – geralmente eles passavam horas conversando por chamada de vídeo. recolhe a calça na televisão e pega a camisa de , vestindo-a sem abotoar enquanto caminhava rapidamente até o banheiro. Chegando lá ela veste a calça e não se demora para pegar uma das escovas descartáveis disponibilizadas pelo hotel para escovar os dentes. Lava o rosto, penteia os cabelos e se encara no espelho, checando se a aparência estava no mínimo apresentável.
Quando sai do banheiro se depara com terminando de vestir a sua cueca.
- Bom dia. – ela diz quando ele sorri ao vê-la. – Hã... Tive que pegar emprestado porque... – ela começa indicando a camisa desabotoada.
- Derrubei a sua da sacada ontem. – ele completa coçando a nuca envergonhado. – Eu te compro outra, me desculpe.
- Não se preocupe, estamos quites. – ela ri, começando a abotoar a camisa de cima para baixo – Eu não pretendia devolver essa mesmo.
ri.
Faltando alguns botões para finalizar, ela amarra as duas partes da camisa para que não parecesse tão grande. Em seguida procura pela bolsa e os sapatos pelo quarto enquanto o rapaz a observava atentamente.
O dia após a primeira noite de sexo com um parceiro novo sempre definia o que seria da relação dos dois dali adiante. As expressões corporais diziam por si só e estava atento às de porque depois de uma das melhores noites de sua vida, ele não queria que tudo acabasse naquele quarto de hotel e virasse uma mera lembrança.
Ela encontra os seus itens e senta-se no sofá para calçar os sapatos. Quando finaliza levanta-se e para de frente á , com uma boa distância entre eles.
Um silêncio constrangedor assola o lugar.
- Estou vendo que você já está de saída. – ele comenta com um sorriso tristonho no rosto.
- Eu realmente tenho que ir, Sandy está louca atrás de mim. – ela explica aproximando-se em passos lentos até a porta. Ele a segue.
- Pensei que tinha dito que estava de folga essa semana. – ele comenta quando ela para à um metro da porta, ela procura por seus olhos.
- E estou. – afirma presa naquele verde. Eles haviam se tornado a sua perdição. – Tem o teste no sábado, que eu acho que ainda vou ter que fazer. Mas fora isso eu vou ficar à toa por aqui até o final da semana. Ela só está preocupada com o meu sumiço.
Ele se aproxima.
- Então tudo bem se eu estender a minha estadia por aqui até o final da semana também? – ele questiona com um sorriso maroto no rosto. – Eu ia voltar à Mônaco para a semana livre, mas visto que tem algo bem melhor aqui...
- Alguma razão específica fora os seus compromissos com a Ferrari que faça você querer estender a sua estadia? – ela arqueia uma sobrancelha sorrindo.
- É que eu fico pensando, - ele diz, dando mais um passo em sua direção – se vai ficar na cidade sede da escuderia da Ferrari, nada melhor que um piloto da marca para te guiar.
- Quer ser meu guia turístico? – ela indaga sorrindo.
- Quero ficar com você. – diz sem hesitações.
sente seu coração disparar, e aquele frio na barriga a atingir feito um soco. Ela umedece os lábios quando seus olhos caem para os lábios dele. Para ajudar, ele estava só de cueca, e com uma ereção matinal notável. O meio das suas pernas lateja.
Ela tem que respirar fundo e desviar os olhos.
- Você acha que isso, - ela indica os dois – é uma boa ideia? Digo, por questões das nossas posições sociais, o compromisso que temos com o nosso trabalho, as nossas equipes... Foi divertido, mas não acho que devemos passar disto. Eu não quero que pareça que eu esteja te usando.
- Me usando? – ele indaga.
- Não sei, a imprensa inventa um monte de coisa. Você entendeu o que eu quis dizer. – ela diz desconcertada. – E eu não quero que pense que eu sou esse tipo de pessoa que usa outrem para chegar à algum lugar porque...
sorri e a puxa pela cintura com uma mão, enquanto a outra seguia o caminho conhecido até se encaixar atrás da sua nuca. Seus lábios estão juntos antes mesmo que pudesse prever, mas era inegável o quanto ela ficava abalada apenas com o beijo de .
- Estava dizendo... – ele diz com a voz rouca depois de separarem as bocas.
Ela abre os olhos e novamente encontra os seus.
- Eu não sei. – ela sopra para em seguida rir. – Isso não é justo.
- O que não é justo? – ele indaga também rindo.
- Você já tem um grande poder de persuasão sobre mim e sabe disso. – ela se afasta minimamente e fica séria. – Eu não posso ter distrações, não tenho tempo para me envolver com alguém agora. Sei que foi só uma noite, mas precisamos jogar às claras. Eu sou estreante, tenho que dar tudo de mim nessa temporada. E, apesar de ter sido muito divertido, eu não quero começar algo que eu sei que não vamos poder dar continuidade.
- Eu entendo completamente. – ele assente sério. – Mas você não concorda que, querendo ou não, nós tivemos uma conexão muito forte? Porque eu senti que foi forte.
- Sim, mas...
- É só isso que eu queria ouvir. – ele a interrompe e volta a colar os seus lábios.
Antes que suas bocas se afastassem ela está rindo novamente.
- Você está fazendo de novo.
Ele espera que ela o olhe nos olhos para falar: - Eu sou tão comprometido com minha profissão quanto você, no nosso ramo temos que ser e é por isso que vamos nos entender. Pude perceber o tipo de pessoa que você é e que tem as melhores intenções, e quero conhecer mais delas e de você. Quanto aos outros, deixe que pensem o que quiserem, basta nós sabermos o que é real. Me deixa ficar essa semana com você para nos conhecermos melhor. Eu te prometo que se não estiver convencida de que podemos fazer dar certo, simplesmente seguiremos cada um para o seu lado como bons amigos.
Ela arqueia uma sobrancelha pensativa, mas sabe que a partir do momento que colocara seus olhos nos dele estava rendida. Assim assente vagarosamente.
- Então, te vejo num jantar, mais tarde? – ele sugere sorrindo.
Ela umedece os lábios antes de sorrir.
- Passo aqui às oito.
- Combinado. – ele diz e sela os lábios nos seus novamente, desta vez, com um gosto de “até mais tarde”.
E eles ainda iriam se reencontrar muitas vezes durante aquela semana.
Capítulo 7
Seguindo a linha tênue sobre relacionamentos e suas singularidades já se tem uma predefinição não explícita de que o tempo é um fator imposto e indispensável para se desenvolver intimidade suficiente para gerar amor entre duas pessoas. Isso é um fato.
Mas há de se encontrar pessoas que passaram anos de sua vida em um relacionamento estável e não desenvolve o companheirismo, fidelidade, intimidade e integridade com o seu parceiro.
Quantas vezes já não ouviu falar sobre casais que com seus sete anos de relacionamento ainda estavam em dúvida de que trocar as alianças seria a decisão certa, quando em outras situações casais que haviam se conhecido em menos de um ano oficializaram a relação sem hesitações e continuaram com a mesma paixão por toda a vida?
era uma pessoa que antes acreditava que o tempo era um fator fundamental para que se pudesse surgir sentimentos, tanto que os seus relacionamentos sempre haviam seguido o mesmo roteiro e chegado aos sete meses, que ela pensava ser o prazo máximo para se apaixonar por alguém, não tendo sentido as famosas borboletas no estômago pulava fora sem ressentimentos.
Contudo, no decorrer daquela semana, ela mudou abruptamente de opinião porque estava começando a entender o que muitos músicos e poetas diziam sobre encontrar a tal pessoa certa. Que o fator relevante não era o tempo e sim a intimidade, conexão forte, disposição e interesse de ambos envolvidos.
As tais almas gêmeas, cara metades, amores da vida que ela pensava serem termos exagerados usados por pessoas emocionadas sem veracidade.
No entanto, em menos de cinco dias, havia sentido mais emoções com do que havia sentido com todos os seus ex-parceiros junto. Aquela conexão instantânea e a forma como as suas personalidades haviam se encaixado tinha a deixado extasiada e ela queria aproveitar aquelas sensações novas.
Como prometido, cumpriu o seu papel como guia turístico, levando-a a lugares espetacularmente históricos e completamente românticos. Viva a Itália.
Ou seria, Viva à ?!
Dentre museus automobilísticos, restaurantes, feiras, parques, eles haviam provado muita comida – mesmo sendo proibida na dieta restrita de ambos –, caminhado, tirado fotos, dirigido pelos campos amplos, frescos e verdes além de, até, arriscar passos de dança junto a outros casais em um festival amador de rua onde uma banda da meia idade tocava tarantela como profissionais.
havia exposto completamente sobre sua vida, seus objetivos, suas dificuldades e conquistas; do que gostava e o que não era tão fã, além de parecer completamente interessado em todo e cada detalhe da vida de Liza.
Ele achava cômico o quanto ela era divertida e sorridente, e se mantinha positiva apesar de todas as adversidades. O rapaz ficava deslumbrado com a bondade no coração da garota e se perguntava por que o destino não havia os juntado antes, depois de anos procurando por alguém, sentindo-se solitário e com uma lista de relacionamentos desastrosos para contabilizar. Tudo aquilo poderia ter sido evitado.
Pensava nisso enquanto a encarava admirado.
estava sentada do lado de fora de uma sorveteria em um começo de tarde enquanto ele buscava os seus pedidos.
Após uma manhã nublada, os tímidos raios de sol surgiam pelas ruas de pedra italiana e refletiam nas poças de água no chão. Uma em específico iluminava diretamente o rosto de Liza, que sorria. Suas írises estavam claras, lábios avermelhados, o chapéu branco continha os cabelos que caíam em ondas tranquilas pelas suas costas e ela usava um vestido florido com sandálias simples. Completamente à vontade, o que não significava que não estava maravilhosa.
suspira. Quando ele retira os pedidos, a entrega o sorvete e senta-se à sua frente na mesa de dois lugares posta na calçada de pedra.
- Obrigada. – agradece feliz e volta a mirar o lugar que antes encarava sorrindo. segue a direção e vê uma garotinha, sentada com os pais na mesa da padaria do outro lado da rua de por volta sete anos de idade a encarar de volta com um sorriso empolgado sob a face.
- Uma admiradora? – ele questiona, chamando sua atenção.
- Acho que ela me reconheceu. Os pais não. – ela diz rindo e voltando-se para o sorvete de chocolate na casquinha, desmanchando a bola com a colher de plástico para levar uma quantidade à boca.
- Como poderiam, com todo esse disfarce que está usando? – ele diz rindo sarcástico.
– Engraçadinho. – ela dá de língua – Não é como se eu fosse uma Beyonce que não consegue nem andar na rua direito por causa do assédio, mas ainda assim tem uma galera que me pega desprevenida de vez em quando. – ela ri. – Eu não reclamo, adoro ser parada pelos fãs e ouvir o quanto gostam do meu trabalho. A parte ruim mesmo são os paparazzi, - ela faz uma careta – eles poderiam ser menos invasivos.
- Acho que nunca tive esse tipo de problema. – ele diz puxando na memória. – Só nos finais de semana que tem a corrida mesmo, enche de fotógrafos até nos banheiros. É assustador. – ele sorri. – Mas isso quer dizer o quanto você tem crescido e está sendo reconhecida ainda na GP2. Isso é bom, não é?
- Antes fosse por isso. – ela sorri, apesar de ele notar um leve quê tristonho. – Eles ficam me seguindo para captar qualquer tipo de falha ou momento constrangedor. Me acompanham nos treinos, nos testes, nas entrevistas, nas ruas, na porta dos hotéis... – ela coloca mais sorvete na boca e engole antes de continuar – Sei que é o trabalho deles, mas às vezes eu fico com uma paranoia de que eles querem encontrar qualquer motivo para me tirar das pistas. Por isso raramente eu saio, fico focada no meu trabalho... Fora a noite de domingo, já tinha uns bons meses que eu não ingeria álcool. Só para evitar falatório.
- Isso parece terrível. – ele comenta num sopro. – Ma belle, você não pode viver com medo do que eles podem fazer. Só você faz o seu destino.
- Não é bem assim quando você é mulher e desafia toda uma supremacia masculina. – ela ri arqueando uma sobrancelha. – Minha imagem é muito importante para me manter. Porque em um deslize eu sei que eles vão arrumar qualquer desculpa para me tirar. Por isso eu sempre sigo os conselhos da Sandy à risca. Ser tirada das pistas por uma segunda vez... – ela engole em seco – Acho que isso me destruiria.
- Sinto muito por isso, é muito injusto. – ele diz pousando a mão por cima da dela.
- É, mas a gente vai levando como pode. – ela sorri e dá de ombros. – De vez em quando a gente consegue dar uma driblada nos paparazzi. – ela ri verdadeiramente. – Sandy soltou para a mídia que eu iria voltar ao Brasil nessa semana de folga, por isso eles desapareceram. Ela só pediu para termos cuidado porque, você sabe, eles estão em todos os lugares.
- Você tem medo de que saia alguma coisa sobre a gente? – ele questiona levando uma colherada do sorvete à boca.
- Não. – ela se adianta em negar, mas entorta a boca para continuar: – Mas a Sandy sim. Eu sei que não tem nada a ver, mas o público pode pensar que eu abrir as pernas é o sinônimo de se abrirem portas para mim. – eles riem – Principalmente se eu realmente entrasse para a Academia da Ferrari. Sabe como é.
- Isso é ridículo. – ele nega, balançando a cabeça inconformado. – Você não é assim, ia entrar pelo seu talento. A gente sequer se conhecia.
- Eu sei disso, você sabe. Mas eles não. – ela suspira. – De qualquer forma não temos que nos preocupar com isso agora, isso são problemas futuros e não é inteligente sofrer por antecedência. Quando eu entrar na Fórmula 1, aí sim nós vamos ter com o que lidar.
- Nós vamos ter com o que lidar... – ele repete sorrindo – Isso quer dizer que eu te convenci sobre nós.
estabiliza. Era verdade, ainda não tinha dado um veredito para esta pergunta.
Isso porque estava dividida.
Não queria arriscar toda a sua conquista e a sua posição no trabalho da sua vida por um cara, mas por outro lado não queria arriscar perder a oportunidade de viver esse primeiro amor de tamanha intensidade.
Ela amava o que fazia acima de tudo, mas tinha receio de nunca mais voltar a sentir todos esses sentimentos e emoções arrebatadores de quando ela estava com . Ela não se via sentindo tudo aquilo se não fosse com ele.
- Qual é, ?! – ele ri sem humor, procurando pelo olhar indeciso dela – Eu estou nessa sozinho?
Ela finalmente olha em seus olhos.
Droga, não deveria ter feito isso.
A luz do sol refletia neles e deixava-os ainda mais claros do que já eram.
Estava F-O-D-I-D-A.
Por isso, sabia que não havia uma alternativa.
- Claro que não está nessa sozinho, essa é uma via de mão dupla, mon amour. – ela afirma e ele sorri abertamente, aproximando-se por cima da mesa e encostando os lábios gelados nos dela duas vezes seguidas antes de se afastar contente.
Ela tira o resquício de sorvete que ficara em seus lábios com a língua.
- Baunilha. – ela sorri. – É muito bom.
- A gente podia levar um pouco e brincar lá no meu quarto mais tarde, o que acha? – ele sugere com um sorriso malicioso nos lábios – A gente pede um jantar no quarto, assiste um filme, aí você dorme por lá...
Ela ri, mas tenta conter ao morder o lábio inferior.
Apesar de terem dormido juntos em sua primeira noite, não voltara a frequentar o quarto do monegasco. Eles haviam tido momentos quentes no banco do carro alugado no meio do campo de trigo, deram uns amassos na sala de cinema, uns beijos aqui e outros ali, mas não voltaram de fato a dormirem juntos.
, sempre respeitoso o bastante, a acompanhava todas as noites até a porta do quarto dela, mas não forçava uma situação. Ele era monegasco e católico, do típico rapaz que gostava de seguir as etapas certas. Vez ou outra ela ainda o chamava para visitar seu quarto, eles assistiam a algo no catálogo de um stream disponível na televisão do hotel e tarde da noite ele seguia o rumo de volta ao seu quarto. E se sentia aliviada sem aquela pressão de se fundar a base de um relacionamento em cima de sexo constante.
A verdade era que eles queriam aproveitar cada fase de um começo de relação sem apressar as coisas, eles sabiam, não fazia muito sentido já que quase tinham virado o quarto de hotel ao avesso logo na primeira noite, mas de uma forma implícita eles concordavam em ir com calma para fazer as coisas certas, desta vez. Porque queriam que desse certo.
Só que o fim da semana estava chegando ao fim e eles não sabiam quanto tempo ficariam separados até que pudessem se reencontrar. tinha uma corrida no Japão, outra na Rússia e logo em seguida seguiria para a Singapura – a corrida mais desgastante do ano – enquanto tinha os compromissos pelo fim da sua temporada entre a Itália e Austrália. Ao mesmo tempo em que queriam ir devagar, não queriam desperdiçar tempo.
Por isso, diz: - Eu acho uma ótima ideia.
- Vamos então? – ele sugere com os olhos excitados.
- Agora? – ela ri, surpresa pelo entusiasmo.
- Não? – ele torce a boca, com os olhos pedintes.
- Vamos! – ela diz sorrindo e eles se levantam.
Quando estão a sair com a sacola com mais sorvete em mãos, são parados por uma mulher alta e morena junto à garotinha que encarava agarrada em suas pernas.
- Oi, desculpe interromper, mas você é Benedetti? – a mulher questiona em italiano fluente com admiração nos olhos.
- Eu mesma. – ela sorri.
- Pode tirar uma foto com a minha filha? É que ela é uma grande fã sua, desde que viu que você entrou nas corridas, não perde uma. – a mulher explica. – O avô dela era piloto de campeonatos regionais, então ela tem muita ligação com o esporte e saber que uma mulher conseguiu ser pilota a deixou motivada em tentar. Semana passada ela começou a correr de kart.
se abaixa na altura da menina, de cabelos crespos encaracolados, pele de melanina belíssima brilhando à luz do sol e olhar tímido.
- Ela está com vergonha. – a mãe explica quando a menina se retrai ainda mais atrás das pernas da mãe.
- Oi, tudo bem? – pergunta á garotinha, que assente timidamente. – Meu nome é , qual é o seu?
- Agatha. – ela responde num sopro de voz.
- É um nome muito bonito. – elogia sorrindo. – Você quer tirar uma foto?
Agatha balança a cabeça em afirmativa duas vezes. estica os braços e a garota se aproxima vagarosamente para que a mais velha a pegasse no colo.
Quando a mãe mira o celular na direção das duas, indaga: - Você quer que eu tire, para sair na foto também?
- Faria esse favor? – a mulher indaga sorridente.
- Claro. – ele apoia a sacola dos sorvetes em uma só mão e pega o celular. – Sorriam.
Elas fazem a pose e tira uma sequência de fotos adoráveis. Em uma delas a garotinha sai acariciando o rosto de Liza, que sorria encantada.
Quando avisa que já tirou a foto, a mãe agradece: - Muito obrigada. Significa muito para nós.
- Disponha. – diz colocando a garota de volta ao chão, mas fica abaixada e olha em seus olhos para dizer: - Se ser pilota é o que realmente você quer, Agatha, não deixe que ninguém te impeça de ser. Acredite em você mesma, você vai conseguir.
- Obrigada. – a garotinha a abraça rapidamente e logo dá a mão para a mãe. – Tchau, .
- Tchau. – ela acena enquanto devolve o celular.
- Isso foi muito bonito. – ele diz em inglês entrelaçando os seus dedos.
- É o que mais me motiva a continuar. – ela sorri olhando para a garotinha animada, do outro lado da rua, mostrando a foto recém-tirada ao pai.
A mãe a olhava com brilho nos olhos e um sorriso amável no rosto, orgulhosa – talvez pelo fato da filha estar seguindo uma tradição de família, ou outro motivo que não saberia dizer. Mas orgulhosa basicamente.
percebe o sorriso de murchar gradativamente.
- Vamos. – ela fala baixo e começa a caminhar na direção do carro.
- Você dirige? – ele indaga sorrindo com uma sobrancelha arqueada ao segui-la.
- Macaco quer comer banana? – ela rebate sorrindo fraco e ele a joga as chaves.
Quando eles entram no automóvel e saem, pergunta descontraidamente: - Falou com seu pai nesses últimos dias?
- Sim, ele já comprou os ingressos para a final do campeonato. Ficou acordado de madrugada com medo de que esgotassem. – ela sorri. – A também vai ir, ela está fazendo hora extra para ficar a semana toda comigo. – ela mira ele de canto de olho – Aliás, ela quer te conhecer.
- Ela sabe sobre mim? – ele questiona alegre.
- Como não saberia? – ela ri. – Ela te viu no fundo da última chamada de vídeo.
- Ops... – ele morde o lábio inferior – Dei muita bobeira?
- Estávamos os dois sozinhos em um quarto de hotel, foi como somar um mais dois. – ela ri anasalado, mas logo o sorriso desaparece dos lábios.
, como o ótimo observador que era, sabia exatamente o porquê da mudança de humor. Ela tentava disfarçar, mas ele sabia que ela não estava bem. havia relatado algumas vezes sobre a mãe não estar falando com ela e o quanto a incomodava, mas não aprofundara muito o assunto.
Ele liga o rádio do carro para descontrair ainda mais o clima, e algumas músicas de batidas típicas italianas soa nos autofalantes.
Ele queria consolá-la, mas não queria ser inconveniente. Sabia que era algo que a magoava e não queria ser indelicado em tocar no assunto, mas também não a queria tristonha.
- E sua mãe? – ele pergunta de uma vez.
Ela desvia os olhos da estrada por um instante e mira seu rosto com a face surpresa.
- Você percebeu? – ela rebate voltando os olhos para a estrada.
Ele sorri de lado e dá de ombros.
- Não, ela não ligou. – ela diz suspirando pesadamente. – E não acho que vá.
pousa a mão em sua coxa, como forma de apoio e ela sorri.
- É perfeitamente compreensível você estar triste com isso. – ele diz. – Você é humana, não é imune a emoções. Não precisa ser forte o tempo todo.
- Eu tenho sim, ou isso vai me afetar como eu não quero que afete. – ela discorda engolindo em seco. – A maior parte do tempo eu consigo numa boa porque estou ocupada fazendo um zilhão de coisas e não tenho tempo para pensar sobre, mas esses momentos inesperados... - ela respira fundo – Enfim, não há nada que eu possa fazer realmente. Já tentei de tudo, ligações, mensagens, e-mails... – ela ri sem humor – Até passagens eu mandei para ela vir me ver, mas isso só depende dela e eu estou cansada de correr atrás. Ela quer me vencer pelo cansaço, fazer com que eu desista de correr, mas eu não vou. É pura pirraça e eu ainda não sou mãe para ter que lidar com atitudes de uma criança.
acaricia a coxa, não haveria palavras certas para uma situação como esta. O que ele podia fazer era ouvir o seu desabafo para que, talvez, ela se sentisse melhor. Ele se sentia impotente, mas nada poderia fazer para ajudar.
O rapaz entendia como o apoio dos pais era absolutamente importante para o desempenho nas pistas, uma vez que o próprio pai fora quem o incentivara a começar a sua carreira.
Ele e sua mãe mostravam-se cada vez mais orgulhosos com os passos no garoto ao decorrer do seu crescimento e sempre que podiam estavam antenados em suas corridas, torcendo e vibrando a cada conquista.
não tinha o que reclamar, tinha uma família maravilhosa.
No entanto, quando seu pai faleceu sentiu que havia perdido um de seus alicerces que o mantinha em pé. Foram tempos sombrios e desesperadores. Mas, ainda assim, ele sabia que, apesar de tudo, o pai gostaria que ele seguisse os próprios sonhos e, fosse correndo ou sendo um advogado, saberia que ele o apoiaria em qualquer decisão.
Por este fato não conseguia compreender como a mãe de podia ser egoísta ao ponto de deixar a filha se sentir tão insignificante. Ela tinha o pai, o tio e a amiga, mas ele sabia que não era a mesma coisa.
Eles chegaram ao hotel e pegaram o caminho do quarto de .
Se ele não poderia fazê-la sentir-se melhor pela situação com a mãe ao menos em outro sentido ele sabia que a faria completamente satisfeita.
(...)
Naquela manhã de sábado, o clima chuvoso havia dado um basta, como se soubesse que aquele dia seria excepcional para um céu limpo e azul com poucas nuvens. As ruas estavam secas, o clima agradável e o vento traziam bons aromas silvestres dos campos verdes da cidade.
O Circuito de Fiorano estava parcialmente cheio, não lotado como quando havia corridas a serem disputadas, mas contabilizada uma boa quantidade de pessoas. Dentre repórteres, engenheiros, técnicos, mecânicos, personalidades públicas como espectadores, estavam os pilotos titulares de uma das escuderias mais aclamadas da Fórmula 1, concedendo entrevistas sobre a pré-temporada do próximo ano e revelando detalhes sobre a máquina completamente reintegrada que eles iriam pilotar.
A manhã inteira havia sido sobre detalhes técnicos e marketing explícito e aguardava no meio do público com ansiedade.
Ela não tinha mais a intenção de integrar o time da Ferrari algum dia, devido aos acontecimentos com o chefe de equipe, mas ter a oportunidade de pilotar uma máquina ainda mais potente era excitante.
Enquanto assistia ao painel de Mattia Binotto explicando sobre os novos adereços do sistema operacional do carro, Mick encosta ao seu lado e cochicha: - Esse carro é um monstro.
- A Ferrari vai fazer uma ótima temporada no ano que vem. Chuto um P2 na classificação geral. – ela concorda. – Eles não só resolveram o problema com o motor como... – ela sorri admirada – posso dizer que eles estão quase chegando ao nível da Mercedes.
- Com certeza. – Mick assente. Em seguida ele cruza os braços e se vira para ela – Mudando de assunto, onde foi que você se meteu a semana inteira?
Ela quase se engasga com a súbita mudança de assunto.
- Pensei que como teríamos que ficar por aqui mesmo poderíamos ter dado umas voltas por aí, mas você desapareceu. – ele explica. – Sorte a minha que um amigo meu mora na cidade vizinha e me tirou do tédio.
- Me desculpe, Mick. – ela diz com as bochechas vermelhas – Essa semana passou tão rápido que eu nem vi.
- Treino todos os dias? – ele questiona de forma retórica e ela não se preocupa em discordar, não seria apropriado explicar o que acontecera realmente. – Eu não sei se você é quem treina demais ou eu que sou muito preguiçoso. Mas tudo bem, a gente marca uma noite de pôquer, você perde como sempre, e aí ficamos quites.
Ela ri junto com o parceiro de equipe.
- Você não me ensinou a blefar ainda. – ela se defende risonha – A falta dessa habilidade em um jogo onde só se blefa é determinante.
Mick ri.
Eles voltam a prestar atenção ao painel, mas pelo canto do olho percebe se aproximar vagarosamente.
Ele havia estado na apresentação do novo carro e como piloto titular de escuderia a manhã inteira, vestindo seu elegante macacão vermelho que transcendia os seus olhos. Vez ou outra o rapaz ainda a procurava com os olhos, mas não tinha tido a oportunidade de se aproximar até então, e parecia que ele havia determinado que aquela era a hora certa porque vinha em sua direção feito um furacão.
Ela não sabia se o arrepio em sua nuca era porque sabia que dali poucos instantes ela seria agraciada em ouvir aquela voz rouca e sotaque charmoso, ou se estava nervosa por como se comportaria com ela na frente de Mick.
Eles ainda não haviam estado juntos na presença de um público conhecido depois que, bom, que se tornaram mais íntimos. Agora que estavam rodeados de empresários, conhecidos, colegas e profissionais da mesma área a dúvida de cumprimentá-lo com um abraço ou um beijo no rosto fazia-a se martirizar por estar agindo como uma adolescente.
Ela quase pula de susto quando Mick o salda alegremente: - Leclerc!
- Schumacher! – o monegasco esbraveja de volta, batendo contente na mão do alemão.
- Como você está cara? – Mick pergunta. – Faz muito tempo que não te vejo!
- Faz tempo realmente. – concorda. – Eu estou bem e você?
- Radiante! Mal posso esperar para dirigir aquela máquina. – Mick parece lembrar-se que não estava só e se vira para Liza, ao dizer: - Liza, esse é...
- Eu sei, já nos conhecemos. – ela interrompe, para evitar desconfortos, e se aproxima de para cumprimentá-lo com um beijo rápido no rosto. – Tudo bem?
- Muito bem. – ele diz sorrindo, com a mão pousada na terminação das costas de num gesto já involuntário. – Dormi feito um bebê.
Ela sorri e umedece os lábios olhando em seus olhos, mas contém qualquer insinuação que coçava para escapar de sua boca.
Mick franze a testa ao mirar os dois, mas não tem tempo para suposições, pois em seguida Carlos Sainz se junta à roda.
- Olá á todos. – ele diz com um sorriso simpático no rosto e inglês pronunciado secamente, típico de um espanhol. – Mick Schumacher, o prodígio da F2!
- Como está, Carlos? – Mick o cumprimenta com o mesmo toque de mãos – Muita pescaria em Madri nessas férias?
Carlos faz uma careta engraçada e ri alto.
e Mick o encaram confusos.
- Muita pescaria sim. - diz tentando controlar o riso.
- Cala essa boca. – Carlos pede rindo, empurrando o ombro do parceiro de leve. – Eu sou bom de pesca sim, só dei azar nessas férias.
- Não entendi. – Mick diz risonho.
- O Carlos, - ri novamente – ele comprou sete quilos de peixe para não voltar para casa com as mãos abanando. Aí disse para a família dele que ele e o tio haviam pescado tudo.
e Mick riem.
- Mas eu posso explicar. – Carlos diz rindo com as mãos rendidas no alto – Passei a porra de quatro horas naquele maldito barco, eles não iriam me perdoar se eu levasse quatro peixes para o jantar.
Os outros riem mais ainda.
- Eu olhei para o balde vazio e uma voz passou pela minha cabeça, como um comentarista dizendo “Essa é a hora que ele percebeu que estava fodido”. - Carlos diz e limpa o canto dos olhos, respirando fundo após uma sessão de gargalhadas – Eu tive que comprar. Eles tiveram a comida e eu me sai como um herói. Ninguém saiu perdendo.
Todos voltaram a rir. - Liza, já conhece a peça rara aqui? – Mick pergunta sorrindo, e mira a mão de continuar nas costas dela.
- Ainda não. – ela diz se aproximando de Carlos e se afastando da mão no monegasco. – É um prazer te conhecer, ouvi muito sobre você.
- Mesmo? – Carlos pergunta abraçando-a rapidamente. Logo ele desenruga a testa da marca de confusão e diz: - Claro, Leclerc! – ele solta um gritinho de emoção – Em uma semana dá para falar muita coisa ruim sobre mim, quero que saiba que... – ele suspira dramaticamente – é tudo verdade. – ele ri – Azar o seu que não me conheceu primeiro, eu obviamente sou muito mais bonito.
ri e sente o rosto ficar vermelho, desconcertado. Já Mick espreme os olhos em fenda, analisando as últimas informações.
O piloto espanhol era divertido e bem entrosado, na casa de seus 26 anos que não deixara a maturidade afetar o seu espírito jovem. não só ouviu da boca de muitas histórias sobre o recém-contratado da Ferrari, como por outros meios sobre a sua determinação, por ser descontraído e muito simpático. Só não imaginara que havia falado dela para ele.
Com a genética latina evidenciada nos olhos negros, cabelos escuros e lisos e pele bronzeada, Carlos podia ser considerado como um dos pilotos mais bonitos do grid da Fórmula 1, por quem as fãs morriam de amores.
- Parabéns pelo pódio de domingo, eu não assisti a corrida toda, mas vi os melhores momentos no Twitter. – Carlos continua, não atentando-se às reações que as suas últimas declarações haviam causado – A Prema está com um time muito bom nas mãos, certeza de que vocês ficam no pódio classificatório. Eu chuto mais um ano, no máximo, para estarmos disputando vagas com vocês na F1.
- Vai ser divertido. – ela diz rindo.
- Bom, eu vim porque o Garret quer falar com a gente antes dos testes começarem. – Carlos diz à , e se vira aos outros dois pilotos. – Vejo vocês daqui a pouco e boa sorte. Bamos, bamos!
- Obrigada. – ela e Mick agradecem observando o rapaz se afastar.
- Até daqui a pouco. – diz e bate na mão de Mick. Em seguida se aproxima de e lhe dá um beijo rápido no rosto, sorrindo. – Boa sorte.
Quando ele já está a mais de um metro de distância, vira-se para Mick com receio.
- O que? – ele pergunta risonho ao notar sua expressão.
- Pode falar. – ela deixa os ombros caírem e ri. – Vai, descasca em cima mim.
Ele cruza os braços e faz uma expressão exagerada de pensativo, mas acaba rindo.
- Eu não tenho o que falar. Eu não te culpo, também teria te dispensado por uma foda.
- Mick Schumacher! – ela gargalha e dá um tapa fraco no braço do rapaz, que ri.
Um tempo depois, Sandy se aproxima e os chama para se aprontarem para os testes.
A Ferrari em si é uma construtora com uma reputação de grandeza em qualidade e extrema velocidade em seus carros, mas não imaginara que seria tanto a ponto de, metaforicamente, sentir o seu útero quase sair pela boca.
A primeira volta que a jovem fez no novo carro foi tão rápida que ela ainda estava absorvendo às informações quando passou pela faixa quadriculada. Já na segunda ela se aprontou para fazer o seu melhor.
“Reduz na curva 1, configuração P85. Repito. P85 para retomar potência no meio da curva. Assim você reduz o tempo de aderência.” – o engenheiro a auxilia pelo rádio.
“Entendido.”
Quando o cronômetro do volante zerou e seu tempo de teste havia declarado como encerrado ela entra com o carro na pit lane do circuito, sendo recebida por muitos assobios, aplausos e gritinhos de estímulo.
Ela desatrela-se dos cintos de segurança e sai do carro, tirando o capacete, touca e protetor de pescoço logo antes de ser ovacionada.
- Boa condução!
- Você voou na pista!
- Você fez nada mais que a melhor volta do circuito em sua primeira vez em um carro da F1. – Fabio diz com um sorriso grandioso no rosto e olhar orgulhoso. – Isso foi maravilhoso de se ver.
- Nada mal para uma pilota de testes, não é?! – ela não se contém em dizer, olhando na direção do chefe de equipe que olhava dela à tela de cronometragem, onde se marcava o tempo de cada corredor, não escondendo a sua tamanha frustração.
Mick se aproxima e eles batem as mãos no ar em cumplicidade, eles sabiam que eram uma boa dupla e agora estava mais que explícito para todo o mundo poder ver. Este era o tipo de marketing que a carreira de precisava, para dar uma guinada no volume de negociações e, quem sabe, fazer com que os cachorros grandes brigassem por ela.
Os fotógrafos não poupavam os seus flashes e se intensificaram ainda mais quando a dupla de pilotos titulares da Ferrari se aproximaram e os saldaram.
e se limitaram à abraços rápidos e apertos de mãos agitados, afinal estavam sob o olhar do mundo todo ali. Em uma bela atuação, ninguém de fora poderia dizer que os dois não passavam de colegas de profissão que conversavam sobre as qualidades do carro com um entendimento técnico aprofundado.
Mas a empresária da jovem, mais afastada e com um olhar atento na expressão corporal dos dois, sabia que aquilo era o começo de algo que poderia colocar todo o seu trabalho e da sua cliente a perder.
Ela precisava afastá-la daquele garoto.
Mas há de se encontrar pessoas que passaram anos de sua vida em um relacionamento estável e não desenvolve o companheirismo, fidelidade, intimidade e integridade com o seu parceiro.
Quantas vezes já não ouviu falar sobre casais que com seus sete anos de relacionamento ainda estavam em dúvida de que trocar as alianças seria a decisão certa, quando em outras situações casais que haviam se conhecido em menos de um ano oficializaram a relação sem hesitações e continuaram com a mesma paixão por toda a vida?
era uma pessoa que antes acreditava que o tempo era um fator fundamental para que se pudesse surgir sentimentos, tanto que os seus relacionamentos sempre haviam seguido o mesmo roteiro e chegado aos sete meses, que ela pensava ser o prazo máximo para se apaixonar por alguém, não tendo sentido as famosas borboletas no estômago pulava fora sem ressentimentos.
Contudo, no decorrer daquela semana, ela mudou abruptamente de opinião porque estava começando a entender o que muitos músicos e poetas diziam sobre encontrar a tal pessoa certa. Que o fator relevante não era o tempo e sim a intimidade, conexão forte, disposição e interesse de ambos envolvidos.
As tais almas gêmeas, cara metades, amores da vida que ela pensava serem termos exagerados usados por pessoas emocionadas sem veracidade.
No entanto, em menos de cinco dias, havia sentido mais emoções com do que havia sentido com todos os seus ex-parceiros junto. Aquela conexão instantânea e a forma como as suas personalidades haviam se encaixado tinha a deixado extasiada e ela queria aproveitar aquelas sensações novas.
Como prometido, cumpriu o seu papel como guia turístico, levando-a a lugares espetacularmente históricos e completamente românticos. Viva a Itália.
Ou seria, Viva à ?!
Dentre museus automobilísticos, restaurantes, feiras, parques, eles haviam provado muita comida – mesmo sendo proibida na dieta restrita de ambos –, caminhado, tirado fotos, dirigido pelos campos amplos, frescos e verdes além de, até, arriscar passos de dança junto a outros casais em um festival amador de rua onde uma banda da meia idade tocava tarantela como profissionais.
havia exposto completamente sobre sua vida, seus objetivos, suas dificuldades e conquistas; do que gostava e o que não era tão fã, além de parecer completamente interessado em todo e cada detalhe da vida de Liza.
Ele achava cômico o quanto ela era divertida e sorridente, e se mantinha positiva apesar de todas as adversidades. O rapaz ficava deslumbrado com a bondade no coração da garota e se perguntava por que o destino não havia os juntado antes, depois de anos procurando por alguém, sentindo-se solitário e com uma lista de relacionamentos desastrosos para contabilizar. Tudo aquilo poderia ter sido evitado.
Pensava nisso enquanto a encarava admirado.
estava sentada do lado de fora de uma sorveteria em um começo de tarde enquanto ele buscava os seus pedidos.
Após uma manhã nublada, os tímidos raios de sol surgiam pelas ruas de pedra italiana e refletiam nas poças de água no chão. Uma em específico iluminava diretamente o rosto de Liza, que sorria. Suas írises estavam claras, lábios avermelhados, o chapéu branco continha os cabelos que caíam em ondas tranquilas pelas suas costas e ela usava um vestido florido com sandálias simples. Completamente à vontade, o que não significava que não estava maravilhosa.
suspira. Quando ele retira os pedidos, a entrega o sorvete e senta-se à sua frente na mesa de dois lugares posta na calçada de pedra.
- Obrigada. – agradece feliz e volta a mirar o lugar que antes encarava sorrindo. segue a direção e vê uma garotinha, sentada com os pais na mesa da padaria do outro lado da rua de por volta sete anos de idade a encarar de volta com um sorriso empolgado sob a face.
- Uma admiradora? – ele questiona, chamando sua atenção.
- Acho que ela me reconheceu. Os pais não. – ela diz rindo e voltando-se para o sorvete de chocolate na casquinha, desmanchando a bola com a colher de plástico para levar uma quantidade à boca.
- Como poderiam, com todo esse disfarce que está usando? – ele diz rindo sarcástico.
– Engraçadinho. – ela dá de língua – Não é como se eu fosse uma Beyonce que não consegue nem andar na rua direito por causa do assédio, mas ainda assim tem uma galera que me pega desprevenida de vez em quando. – ela ri. – Eu não reclamo, adoro ser parada pelos fãs e ouvir o quanto gostam do meu trabalho. A parte ruim mesmo são os paparazzi, - ela faz uma careta – eles poderiam ser menos invasivos.
- Acho que nunca tive esse tipo de problema. – ele diz puxando na memória. – Só nos finais de semana que tem a corrida mesmo, enche de fotógrafos até nos banheiros. É assustador. – ele sorri. – Mas isso quer dizer o quanto você tem crescido e está sendo reconhecida ainda na GP2. Isso é bom, não é?
- Antes fosse por isso. – ela sorri, apesar de ele notar um leve quê tristonho. – Eles ficam me seguindo para captar qualquer tipo de falha ou momento constrangedor. Me acompanham nos treinos, nos testes, nas entrevistas, nas ruas, na porta dos hotéis... – ela coloca mais sorvete na boca e engole antes de continuar – Sei que é o trabalho deles, mas às vezes eu fico com uma paranoia de que eles querem encontrar qualquer motivo para me tirar das pistas. Por isso raramente eu saio, fico focada no meu trabalho... Fora a noite de domingo, já tinha uns bons meses que eu não ingeria álcool. Só para evitar falatório.
- Isso parece terrível. – ele comenta num sopro. – Ma belle, você não pode viver com medo do que eles podem fazer. Só você faz o seu destino.
- Não é bem assim quando você é mulher e desafia toda uma supremacia masculina. – ela ri arqueando uma sobrancelha. – Minha imagem é muito importante para me manter. Porque em um deslize eu sei que eles vão arrumar qualquer desculpa para me tirar. Por isso eu sempre sigo os conselhos da Sandy à risca. Ser tirada das pistas por uma segunda vez... – ela engole em seco – Acho que isso me destruiria.
- Sinto muito por isso, é muito injusto. – ele diz pousando a mão por cima da dela.
- É, mas a gente vai levando como pode. – ela sorri e dá de ombros. – De vez em quando a gente consegue dar uma driblada nos paparazzi. – ela ri verdadeiramente. – Sandy soltou para a mídia que eu iria voltar ao Brasil nessa semana de folga, por isso eles desapareceram. Ela só pediu para termos cuidado porque, você sabe, eles estão em todos os lugares.
- Você tem medo de que saia alguma coisa sobre a gente? – ele questiona levando uma colherada do sorvete à boca.
- Não. – ela se adianta em negar, mas entorta a boca para continuar: – Mas a Sandy sim. Eu sei que não tem nada a ver, mas o público pode pensar que eu abrir as pernas é o sinônimo de se abrirem portas para mim. – eles riem – Principalmente se eu realmente entrasse para a Academia da Ferrari. Sabe como é.
- Isso é ridículo. – ele nega, balançando a cabeça inconformado. – Você não é assim, ia entrar pelo seu talento. A gente sequer se conhecia.
- Eu sei disso, você sabe. Mas eles não. – ela suspira. – De qualquer forma não temos que nos preocupar com isso agora, isso são problemas futuros e não é inteligente sofrer por antecedência. Quando eu entrar na Fórmula 1, aí sim nós vamos ter com o que lidar.
- Nós vamos ter com o que lidar... – ele repete sorrindo – Isso quer dizer que eu te convenci sobre nós.
estabiliza. Era verdade, ainda não tinha dado um veredito para esta pergunta.
Isso porque estava dividida.
Não queria arriscar toda a sua conquista e a sua posição no trabalho da sua vida por um cara, mas por outro lado não queria arriscar perder a oportunidade de viver esse primeiro amor de tamanha intensidade.
Ela amava o que fazia acima de tudo, mas tinha receio de nunca mais voltar a sentir todos esses sentimentos e emoções arrebatadores de quando ela estava com . Ela não se via sentindo tudo aquilo se não fosse com ele.
- Qual é, ?! – ele ri sem humor, procurando pelo olhar indeciso dela – Eu estou nessa sozinho?
Ela finalmente olha em seus olhos.
Droga, não deveria ter feito isso.
A luz do sol refletia neles e deixava-os ainda mais claros do que já eram.
Estava F-O-D-I-D-A.
Por isso, sabia que não havia uma alternativa.
- Claro que não está nessa sozinho, essa é uma via de mão dupla, mon amour. – ela afirma e ele sorri abertamente, aproximando-se por cima da mesa e encostando os lábios gelados nos dela duas vezes seguidas antes de se afastar contente.
Ela tira o resquício de sorvete que ficara em seus lábios com a língua.
- Baunilha. – ela sorri. – É muito bom.
- A gente podia levar um pouco e brincar lá no meu quarto mais tarde, o que acha? – ele sugere com um sorriso malicioso nos lábios – A gente pede um jantar no quarto, assiste um filme, aí você dorme por lá...
Ela ri, mas tenta conter ao morder o lábio inferior.
Apesar de terem dormido juntos em sua primeira noite, não voltara a frequentar o quarto do monegasco. Eles haviam tido momentos quentes no banco do carro alugado no meio do campo de trigo, deram uns amassos na sala de cinema, uns beijos aqui e outros ali, mas não voltaram de fato a dormirem juntos.
, sempre respeitoso o bastante, a acompanhava todas as noites até a porta do quarto dela, mas não forçava uma situação. Ele era monegasco e católico, do típico rapaz que gostava de seguir as etapas certas. Vez ou outra ela ainda o chamava para visitar seu quarto, eles assistiam a algo no catálogo de um stream disponível na televisão do hotel e tarde da noite ele seguia o rumo de volta ao seu quarto. E se sentia aliviada sem aquela pressão de se fundar a base de um relacionamento em cima de sexo constante.
A verdade era que eles queriam aproveitar cada fase de um começo de relação sem apressar as coisas, eles sabiam, não fazia muito sentido já que quase tinham virado o quarto de hotel ao avesso logo na primeira noite, mas de uma forma implícita eles concordavam em ir com calma para fazer as coisas certas, desta vez. Porque queriam que desse certo.
Só que o fim da semana estava chegando ao fim e eles não sabiam quanto tempo ficariam separados até que pudessem se reencontrar. tinha uma corrida no Japão, outra na Rússia e logo em seguida seguiria para a Singapura – a corrida mais desgastante do ano – enquanto tinha os compromissos pelo fim da sua temporada entre a Itália e Austrália. Ao mesmo tempo em que queriam ir devagar, não queriam desperdiçar tempo.
Por isso, diz: - Eu acho uma ótima ideia.
- Vamos então? – ele sugere com os olhos excitados.
- Agora? – ela ri, surpresa pelo entusiasmo.
- Não? – ele torce a boca, com os olhos pedintes.
- Vamos! – ela diz sorrindo e eles se levantam.
Quando estão a sair com a sacola com mais sorvete em mãos, são parados por uma mulher alta e morena junto à garotinha que encarava agarrada em suas pernas.
- Oi, desculpe interromper, mas você é Benedetti? – a mulher questiona em italiano fluente com admiração nos olhos.
- Eu mesma. – ela sorri.
- Pode tirar uma foto com a minha filha? É que ela é uma grande fã sua, desde que viu que você entrou nas corridas, não perde uma. – a mulher explica. – O avô dela era piloto de campeonatos regionais, então ela tem muita ligação com o esporte e saber que uma mulher conseguiu ser pilota a deixou motivada em tentar. Semana passada ela começou a correr de kart.
se abaixa na altura da menina, de cabelos crespos encaracolados, pele de melanina belíssima brilhando à luz do sol e olhar tímido.
- Ela está com vergonha. – a mãe explica quando a menina se retrai ainda mais atrás das pernas da mãe.
- Oi, tudo bem? – pergunta á garotinha, que assente timidamente. – Meu nome é , qual é o seu?
- Agatha. – ela responde num sopro de voz.
- É um nome muito bonito. – elogia sorrindo. – Você quer tirar uma foto?
Agatha balança a cabeça em afirmativa duas vezes. estica os braços e a garota se aproxima vagarosamente para que a mais velha a pegasse no colo.
Quando a mãe mira o celular na direção das duas, indaga: - Você quer que eu tire, para sair na foto também?
- Faria esse favor? – a mulher indaga sorridente.
- Claro. – ele apoia a sacola dos sorvetes em uma só mão e pega o celular. – Sorriam.
Elas fazem a pose e tira uma sequência de fotos adoráveis. Em uma delas a garotinha sai acariciando o rosto de Liza, que sorria encantada.
Quando avisa que já tirou a foto, a mãe agradece: - Muito obrigada. Significa muito para nós.
- Disponha. – diz colocando a garota de volta ao chão, mas fica abaixada e olha em seus olhos para dizer: - Se ser pilota é o que realmente você quer, Agatha, não deixe que ninguém te impeça de ser. Acredite em você mesma, você vai conseguir.
- Obrigada. – a garotinha a abraça rapidamente e logo dá a mão para a mãe. – Tchau, .
- Tchau. – ela acena enquanto devolve o celular.
- Isso foi muito bonito. – ele diz em inglês entrelaçando os seus dedos.
- É o que mais me motiva a continuar. – ela sorri olhando para a garotinha animada, do outro lado da rua, mostrando a foto recém-tirada ao pai.
A mãe a olhava com brilho nos olhos e um sorriso amável no rosto, orgulhosa – talvez pelo fato da filha estar seguindo uma tradição de família, ou outro motivo que não saberia dizer. Mas orgulhosa basicamente.
percebe o sorriso de murchar gradativamente.
- Vamos. – ela fala baixo e começa a caminhar na direção do carro.
- Você dirige? – ele indaga sorrindo com uma sobrancelha arqueada ao segui-la.
- Macaco quer comer banana? – ela rebate sorrindo fraco e ele a joga as chaves.
Quando eles entram no automóvel e saem, pergunta descontraidamente: - Falou com seu pai nesses últimos dias?
- Sim, ele já comprou os ingressos para a final do campeonato. Ficou acordado de madrugada com medo de que esgotassem. – ela sorri. – A também vai ir, ela está fazendo hora extra para ficar a semana toda comigo. – ela mira ele de canto de olho – Aliás, ela quer te conhecer.
- Ela sabe sobre mim? – ele questiona alegre.
- Como não saberia? – ela ri. – Ela te viu no fundo da última chamada de vídeo.
- Ops... – ele morde o lábio inferior – Dei muita bobeira?
- Estávamos os dois sozinhos em um quarto de hotel, foi como somar um mais dois. – ela ri anasalado, mas logo o sorriso desaparece dos lábios.
, como o ótimo observador que era, sabia exatamente o porquê da mudança de humor. Ela tentava disfarçar, mas ele sabia que ela não estava bem. havia relatado algumas vezes sobre a mãe não estar falando com ela e o quanto a incomodava, mas não aprofundara muito o assunto.
Ele liga o rádio do carro para descontrair ainda mais o clima, e algumas músicas de batidas típicas italianas soa nos autofalantes.
Ele queria consolá-la, mas não queria ser inconveniente. Sabia que era algo que a magoava e não queria ser indelicado em tocar no assunto, mas também não a queria tristonha.
- E sua mãe? – ele pergunta de uma vez.
Ela desvia os olhos da estrada por um instante e mira seu rosto com a face surpresa.
- Você percebeu? – ela rebate voltando os olhos para a estrada.
Ele sorri de lado e dá de ombros.
- Não, ela não ligou. – ela diz suspirando pesadamente. – E não acho que vá.
pousa a mão em sua coxa, como forma de apoio e ela sorri.
- É perfeitamente compreensível você estar triste com isso. – ele diz. – Você é humana, não é imune a emoções. Não precisa ser forte o tempo todo.
- Eu tenho sim, ou isso vai me afetar como eu não quero que afete. – ela discorda engolindo em seco. – A maior parte do tempo eu consigo numa boa porque estou ocupada fazendo um zilhão de coisas e não tenho tempo para pensar sobre, mas esses momentos inesperados... - ela respira fundo – Enfim, não há nada que eu possa fazer realmente. Já tentei de tudo, ligações, mensagens, e-mails... – ela ri sem humor – Até passagens eu mandei para ela vir me ver, mas isso só depende dela e eu estou cansada de correr atrás. Ela quer me vencer pelo cansaço, fazer com que eu desista de correr, mas eu não vou. É pura pirraça e eu ainda não sou mãe para ter que lidar com atitudes de uma criança.
acaricia a coxa, não haveria palavras certas para uma situação como esta. O que ele podia fazer era ouvir o seu desabafo para que, talvez, ela se sentisse melhor. Ele se sentia impotente, mas nada poderia fazer para ajudar.
O rapaz entendia como o apoio dos pais era absolutamente importante para o desempenho nas pistas, uma vez que o próprio pai fora quem o incentivara a começar a sua carreira.
Ele e sua mãe mostravam-se cada vez mais orgulhosos com os passos no garoto ao decorrer do seu crescimento e sempre que podiam estavam antenados em suas corridas, torcendo e vibrando a cada conquista.
não tinha o que reclamar, tinha uma família maravilhosa.
No entanto, quando seu pai faleceu sentiu que havia perdido um de seus alicerces que o mantinha em pé. Foram tempos sombrios e desesperadores. Mas, ainda assim, ele sabia que, apesar de tudo, o pai gostaria que ele seguisse os próprios sonhos e, fosse correndo ou sendo um advogado, saberia que ele o apoiaria em qualquer decisão.
Por este fato não conseguia compreender como a mãe de podia ser egoísta ao ponto de deixar a filha se sentir tão insignificante. Ela tinha o pai, o tio e a amiga, mas ele sabia que não era a mesma coisa.
Eles chegaram ao hotel e pegaram o caminho do quarto de .
Se ele não poderia fazê-la sentir-se melhor pela situação com a mãe ao menos em outro sentido ele sabia que a faria completamente satisfeita.
Naquela manhã de sábado, o clima chuvoso havia dado um basta, como se soubesse que aquele dia seria excepcional para um céu limpo e azul com poucas nuvens. As ruas estavam secas, o clima agradável e o vento traziam bons aromas silvestres dos campos verdes da cidade.
O Circuito de Fiorano estava parcialmente cheio, não lotado como quando havia corridas a serem disputadas, mas contabilizada uma boa quantidade de pessoas. Dentre repórteres, engenheiros, técnicos, mecânicos, personalidades públicas como espectadores, estavam os pilotos titulares de uma das escuderias mais aclamadas da Fórmula 1, concedendo entrevistas sobre a pré-temporada do próximo ano e revelando detalhes sobre a máquina completamente reintegrada que eles iriam pilotar.
A manhã inteira havia sido sobre detalhes técnicos e marketing explícito e aguardava no meio do público com ansiedade.
Ela não tinha mais a intenção de integrar o time da Ferrari algum dia, devido aos acontecimentos com o chefe de equipe, mas ter a oportunidade de pilotar uma máquina ainda mais potente era excitante.
Enquanto assistia ao painel de Mattia Binotto explicando sobre os novos adereços do sistema operacional do carro, Mick encosta ao seu lado e cochicha: - Esse carro é um monstro.
- A Ferrari vai fazer uma ótima temporada no ano que vem. Chuto um P2 na classificação geral. – ela concorda. – Eles não só resolveram o problema com o motor como... – ela sorri admirada – posso dizer que eles estão quase chegando ao nível da Mercedes.
- Com certeza. – Mick assente. Em seguida ele cruza os braços e se vira para ela – Mudando de assunto, onde foi que você se meteu a semana inteira?
Ela quase se engasga com a súbita mudança de assunto.
- Pensei que como teríamos que ficar por aqui mesmo poderíamos ter dado umas voltas por aí, mas você desapareceu. – ele explica. – Sorte a minha que um amigo meu mora na cidade vizinha e me tirou do tédio.
- Me desculpe, Mick. – ela diz com as bochechas vermelhas – Essa semana passou tão rápido que eu nem vi.
- Treino todos os dias? – ele questiona de forma retórica e ela não se preocupa em discordar, não seria apropriado explicar o que acontecera realmente. – Eu não sei se você é quem treina demais ou eu que sou muito preguiçoso. Mas tudo bem, a gente marca uma noite de pôquer, você perde como sempre, e aí ficamos quites.
Ela ri junto com o parceiro de equipe.
- Você não me ensinou a blefar ainda. – ela se defende risonha – A falta dessa habilidade em um jogo onde só se blefa é determinante.
Mick ri.
Eles voltam a prestar atenção ao painel, mas pelo canto do olho percebe se aproximar vagarosamente.
Ele havia estado na apresentação do novo carro e como piloto titular de escuderia a manhã inteira, vestindo seu elegante macacão vermelho que transcendia os seus olhos. Vez ou outra o rapaz ainda a procurava com os olhos, mas não tinha tido a oportunidade de se aproximar até então, e parecia que ele havia determinado que aquela era a hora certa porque vinha em sua direção feito um furacão.
Ela não sabia se o arrepio em sua nuca era porque sabia que dali poucos instantes ela seria agraciada em ouvir aquela voz rouca e sotaque charmoso, ou se estava nervosa por como se comportaria com ela na frente de Mick.
Eles ainda não haviam estado juntos na presença de um público conhecido depois que, bom, que se tornaram mais íntimos. Agora que estavam rodeados de empresários, conhecidos, colegas e profissionais da mesma área a dúvida de cumprimentá-lo com um abraço ou um beijo no rosto fazia-a se martirizar por estar agindo como uma adolescente.
Ela quase pula de susto quando Mick o salda alegremente: - Leclerc!
- Schumacher! – o monegasco esbraveja de volta, batendo contente na mão do alemão.
- Como você está cara? – Mick pergunta. – Faz muito tempo que não te vejo!
- Faz tempo realmente. – concorda. – Eu estou bem e você?
- Radiante! Mal posso esperar para dirigir aquela máquina. – Mick parece lembrar-se que não estava só e se vira para Liza, ao dizer: - Liza, esse é...
- Eu sei, já nos conhecemos. – ela interrompe, para evitar desconfortos, e se aproxima de para cumprimentá-lo com um beijo rápido no rosto. – Tudo bem?
- Muito bem. – ele diz sorrindo, com a mão pousada na terminação das costas de num gesto já involuntário. – Dormi feito um bebê.
Ela sorri e umedece os lábios olhando em seus olhos, mas contém qualquer insinuação que coçava para escapar de sua boca.
Mick franze a testa ao mirar os dois, mas não tem tempo para suposições, pois em seguida Carlos Sainz se junta à roda.
- Olá á todos. – ele diz com um sorriso simpático no rosto e inglês pronunciado secamente, típico de um espanhol. – Mick Schumacher, o prodígio da F2!
- Como está, Carlos? – Mick o cumprimenta com o mesmo toque de mãos – Muita pescaria em Madri nessas férias?
Carlos faz uma careta engraçada e ri alto.
e Mick o encaram confusos.
- Muita pescaria sim. - diz tentando controlar o riso.
- Cala essa boca. – Carlos pede rindo, empurrando o ombro do parceiro de leve. – Eu sou bom de pesca sim, só dei azar nessas férias.
- Não entendi. – Mick diz risonho.
- O Carlos, - ri novamente – ele comprou sete quilos de peixe para não voltar para casa com as mãos abanando. Aí disse para a família dele que ele e o tio haviam pescado tudo.
e Mick riem.
- Mas eu posso explicar. – Carlos diz rindo com as mãos rendidas no alto – Passei a porra de quatro horas naquele maldito barco, eles não iriam me perdoar se eu levasse quatro peixes para o jantar.
Os outros riem mais ainda.
- Eu olhei para o balde vazio e uma voz passou pela minha cabeça, como um comentarista dizendo “Essa é a hora que ele percebeu que estava fodido”. - Carlos diz e limpa o canto dos olhos, respirando fundo após uma sessão de gargalhadas – Eu tive que comprar. Eles tiveram a comida e eu me sai como um herói. Ninguém saiu perdendo.
Todos voltaram a rir. - Liza, já conhece a peça rara aqui? – Mick pergunta sorrindo, e mira a mão de continuar nas costas dela.
- Ainda não. – ela diz se aproximando de Carlos e se afastando da mão no monegasco. – É um prazer te conhecer, ouvi muito sobre você.
- Mesmo? – Carlos pergunta abraçando-a rapidamente. Logo ele desenruga a testa da marca de confusão e diz: - Claro, Leclerc! – ele solta um gritinho de emoção – Em uma semana dá para falar muita coisa ruim sobre mim, quero que saiba que... – ele suspira dramaticamente – é tudo verdade. – ele ri – Azar o seu que não me conheceu primeiro, eu obviamente sou muito mais bonito.
ri e sente o rosto ficar vermelho, desconcertado. Já Mick espreme os olhos em fenda, analisando as últimas informações.
O piloto espanhol era divertido e bem entrosado, na casa de seus 26 anos que não deixara a maturidade afetar o seu espírito jovem. não só ouviu da boca de muitas histórias sobre o recém-contratado da Ferrari, como por outros meios sobre a sua determinação, por ser descontraído e muito simpático. Só não imaginara que havia falado dela para ele.
Com a genética latina evidenciada nos olhos negros, cabelos escuros e lisos e pele bronzeada, Carlos podia ser considerado como um dos pilotos mais bonitos do grid da Fórmula 1, por quem as fãs morriam de amores.
- Parabéns pelo pódio de domingo, eu não assisti a corrida toda, mas vi os melhores momentos no Twitter. – Carlos continua, não atentando-se às reações que as suas últimas declarações haviam causado – A Prema está com um time muito bom nas mãos, certeza de que vocês ficam no pódio classificatório. Eu chuto mais um ano, no máximo, para estarmos disputando vagas com vocês na F1.
- Vai ser divertido. – ela diz rindo.
- Bom, eu vim porque o Garret quer falar com a gente antes dos testes começarem. – Carlos diz à , e se vira aos outros dois pilotos. – Vejo vocês daqui a pouco e boa sorte. Bamos, bamos!
- Obrigada. – ela e Mick agradecem observando o rapaz se afastar.
- Até daqui a pouco. – diz e bate na mão de Mick. Em seguida se aproxima de e lhe dá um beijo rápido no rosto, sorrindo. – Boa sorte.
Quando ele já está a mais de um metro de distância, vira-se para Mick com receio.
- O que? – ele pergunta risonho ao notar sua expressão.
- Pode falar. – ela deixa os ombros caírem e ri. – Vai, descasca em cima mim.
Ele cruza os braços e faz uma expressão exagerada de pensativo, mas acaba rindo.
- Eu não tenho o que falar. Eu não te culpo, também teria te dispensado por uma foda.
- Mick Schumacher! – ela gargalha e dá um tapa fraco no braço do rapaz, que ri.
Um tempo depois, Sandy se aproxima e os chama para se aprontarem para os testes.
A Ferrari em si é uma construtora com uma reputação de grandeza em qualidade e extrema velocidade em seus carros, mas não imaginara que seria tanto a ponto de, metaforicamente, sentir o seu útero quase sair pela boca.
A primeira volta que a jovem fez no novo carro foi tão rápida que ela ainda estava absorvendo às informações quando passou pela faixa quadriculada. Já na segunda ela se aprontou para fazer o seu melhor.
“Reduz na curva 1, configuração P85. Repito. P85 para retomar potência no meio da curva. Assim você reduz o tempo de aderência.” – o engenheiro a auxilia pelo rádio.
“Entendido.”
Quando o cronômetro do volante zerou e seu tempo de teste havia declarado como encerrado ela entra com o carro na pit lane do circuito, sendo recebida por muitos assobios, aplausos e gritinhos de estímulo.
Ela desatrela-se dos cintos de segurança e sai do carro, tirando o capacete, touca e protetor de pescoço logo antes de ser ovacionada.
- Boa condução!
- Você voou na pista!
- Você fez nada mais que a melhor volta do circuito em sua primeira vez em um carro da F1. – Fabio diz com um sorriso grandioso no rosto e olhar orgulhoso. – Isso foi maravilhoso de se ver.
- Nada mal para uma pilota de testes, não é?! – ela não se contém em dizer, olhando na direção do chefe de equipe que olhava dela à tela de cronometragem, onde se marcava o tempo de cada corredor, não escondendo a sua tamanha frustração.
Mick se aproxima e eles batem as mãos no ar em cumplicidade, eles sabiam que eram uma boa dupla e agora estava mais que explícito para todo o mundo poder ver. Este era o tipo de marketing que a carreira de precisava, para dar uma guinada no volume de negociações e, quem sabe, fazer com que os cachorros grandes brigassem por ela.
Os fotógrafos não poupavam os seus flashes e se intensificaram ainda mais quando a dupla de pilotos titulares da Ferrari se aproximaram e os saldaram.
e se limitaram à abraços rápidos e apertos de mãos agitados, afinal estavam sob o olhar do mundo todo ali. Em uma bela atuação, ninguém de fora poderia dizer que os dois não passavam de colegas de profissão que conversavam sobre as qualidades do carro com um entendimento técnico aprofundado.
Mas a empresária da jovem, mais afastada e com um olhar atento na expressão corporal dos dois, sabia que aquilo era o começo de algo que poderia colocar todo o seu trabalho e da sua cliente a perder.
Ela precisava afastá-la daquele garoto.
Capítulo 8
O céu azul estava limpo e sem nuvens naquela manhã, o que significava uma grande chance de bom voo – como o comandante da aeronave fretada para a Prema Racing havia informado antes de deixarem o chão.
não era muito fã de voar, a ideia de não ter absolutamente nada abaixo de seus pés era simplesmente assustadora, mas passou a se acostumar devido ao número de viagens que fazia a cada duas, se não, toda semana.
Contudo, ainda assim, ela não conseguia se sentir confortável o suficiente para dormir e desta forma ficava acordada por mais de seis ou 18 horas, dependendo o tempo de duração da viagem. Sandy vez ou outra a incentivava a tomar medicamentos para dormir, mas ela sempre preferia evitá-los.
Na viagem em questão, eles já haviam saído de um voo internacional de 15 horas de Singapura à Turquia para serem transferidos para uma aeronave menor e terminar o trajeto até a Espanha, que levava mais três horas e ela ainda estava em alerta.
Mick, quem dormira a maior parte da viagem, já estava cansado de ficar com os olhos fechados e a convida para uma partida de pôquer, um dos usuais jogos que jogavam para passar o tempo.
Eles estavam no meio da partida quando Sandy senta na poltrona do lado de e dispara de uma vez: - Para quem você pediu crachá com acesso total aos bastidores dessa semana?
- . – ela responde sem rodeios.
- Uou, não sabiam que vocês realmente estavam... Juntos. – Mick comenta com olhos surpresos.
- Estamos... Progredindo. – ela diz sorrindo.
- Legal. – Mick sorri. – Ele é um cara legal.
- Sim, já tem duas semanas que não nos vemos, e mesmo com os compromissos com a Ferrari ele me liga todo dia. – ela diz encantada – Queremos aproveitar o máximo de tempo essa semana já que ele tem que voltar para a Itália na segunda. Mas não se preocupe, Sandy – ela olha para a empresária – não vou deixar que isso interfira no meu rendimento.
- Essa não é a questão, . – Sandy continua em tom impaciente.
- Vocês querem que eu as deixe à sós? – Mick indaga educado, já ameaçando levantar-se da poltrona à frente de Liza.
- Não precisa, Mick. – a jovem volta sua atenção às cartas. – Isso aí é um Ás de copas?
- Olho no seu jogo, trapaceira. – ele volta a se jogar da poltrona, erguendo suas cartas na frente de seus olhos.
- Essa é a penúltima corrida do ano, vamos ter compromissos o dia inteiro durante toda a semana. Não teria momento mais inconveniente para ele decidir fazer uma visita. – Sandy insiste.
- Sim, mas, como na outra semana é a final do campeonato e meu pai e a vão estar aí, ele não quer que eu tenha que dividir a atenção entre os três. Eu disse que era besteira, mas ele diz que fiquei muito tempo longe deles e mereço estar à total disposição. Eu achei atencioso.
- É muito gentil. – Mick concorda.
- Além de que... – ela umedece os lábios para ganhar tempo – Sábado é meu aniversário e, bem... Quero que ele esteja aqui.
- Sábado é seu aniversário? – Mick repete sorrindo. – Como só estou sabendo disso agora?
- Sem estardalhaços. – ri. – Estava pensando em fazer uma coisa pequena no sábado, sem bebidas, – ela olha para Sandy – só para não passar em branco. Domingo de manhã temos a corrida, aí depois podemos fazer alguma coisa mais arrojada.
- Legal, conheço um pub muito bom em Barcelona. – Mick diz. – Posso falar com um amigo meu de lá para reservar um espaço.
- Você vive em Barcelona, tinha me esquecido disso. – ela diz – Seria muito legal, obrigada.
- Tudo bem, , me ignore. – Sandy diz. – Estou falando sobre um assunto sério aqui.
- E eu compreendo. – ela diz mirando a empresária. – Mas a sua preocupação é sem nexo. Não terá distrações, eu prometo. entende que preciso trabalhar, afinal ele também é um piloto.
- Você sabe que com a aparição de vocês dois juntos aqui, pode causar falatório sobre um possível romance? – Sandy a questiona. - O que pode influenciar na forma como as construtoras da F1 estão te olhando neste momento?
- Vamos ser cuidadosos. – ela garante. – E ele estar nos bastidores pela Prema não o liga diretamente a mim. Além dele já ter corrido por eles, a Prema é completamente conectada à Ferrari.
Sandy a mira com o olhar de desaprovação. Ela não tinha mais argumentos, porém.
- Tudo bem. – a empresária diz secando o suor das mãos na calça – Sinta-se à vontade para entrar de cabeça nesse namoro catastrófico. – ela se levanta – Mas considere que talvez ele não fizesse por você o que você tem feito por ele. Portanto não venha chorar no meu colo quando ele terminar com você assim que a temporada dele começar. Não seria a primeira vez que ele faria isso para se concentrar no trabalho. – e segue pelo corredor até as poltronas finais.
Liza sobe os olhos até Mick, que está com as sobrancelhas arqueadas em choque.
- Como é? – ela questiona ao parceiro de equipe com a testa vincada.
sabia que e Mick haviam convivido por um curto período na Prema Racing, pois pouco antes da transferência do monegasco à Fórmula 1, Mick Schumacher já havia assumido a vaga de piloto titular ao seu lado na GP2.
Haviam feito por volta de quatro provas juntos antes que fosse oficialmente declarado como corredor da Alfa Romeo – construtora onde estreou na Fórmula 1 – e não haviam perdido contato desde então.
O alemão morde o lábio inferior antes de falar: - Foi quando ele assinou com a Ferrari e saiu da Alfa. Construtora famosa, responsabilidade muito maior... Ele quis focar toda a atenção no trabalho. Você compreende isso, certo?!
- Sim. – ela sopra.
- Isso não quer dizer que vai acontecer o mesmo com vocês, . – Mick se preocupa em esclarecer. – Era uma situação completamente diferente.
- Eu sei. – ela diz confiante. – Minha preocupação não é essa. É com a Sandy. Ela tem demostrado não estar muito contente pela minha aproximação com o . Eu entendo que ela esteja receosa por conta dos contratos e afins, mas ela tem dado uma atenção a isso mais do que o normal, sabe?
- Acho que quando acabar a temporada você tinha que sentar e conversar com ela sobre isso. – Mick diz abaixando as cartas sob a mesa – Porque se vocês forem mesmo engatarem um namoro, isso pode vir a causar atritos tanto na relação de vocês como na sua com ela.
- Tem razão. – ela assente pensativa. Mas logo volta a atenção às cartas e faz uma careta ao dizer: – Acho que tenho uma Bad Beat aqui.
Ambos riem.
(...)
O quarto estava completamente fechado e escuro. As cortinas impediam que os raios de sol entrassem, o ar-condicionado deixava o ambiente fresco – diferente do clima abafado ao lado de fora –, televisão e aparelhos eletrônicos desligados, e as paredes a prova de som abafava qualquer ruído do lado de fora.
Depois de ficar completamente acordada durante toda a viagem, ainda teve alguns compromissos de marketing para cumprir com Mick pela Prema que a seguraram em frente às câmeras por horas, além de não conseguir dormir bem nos dois primeiros dias na cidade de Barcelona, o que a deixara completamente exausta ainda no terceiro dia.
Portanto quando Sandy declarou que havia conseguido uma tarde livre na quarta-feira ela de imediato correu ao seu quarto de hotel e apagou completamente.
Não sabia por quanto tempo havia dormido quando foi acordada delicadamente por braços grandes e firmes abraçando o seu corpo por trás e uma respiração calma soprar no seu pescoço.
Ela respira fundo antes de bocejar e coçar os olhos.
Liza pisca algumas vezes para aderir a visão, mas lembra-se que o quarto está escuro quando não enxerga um palmo à sua frente. Um beijo leve é depositado em seu pescoço e o arrepio que decorre à sua espinha a deixa mais alerta.
- ! – ela diz com a voz rouca e move-se na cama para virar de frente para o rapaz, apesar de ainda não enxergar nada.
- Ma belle. – ele sopra com a voz rouca e acaricia sua bochecha.
- Me desculpe, mon amour, eu me esqueci completamente do horário do seu vôo. – ela diz seguindo o caminho do braço de para encontrar seu corpo e puxá-lo para um abraço.
- Tudo bem, Fabio disse que você precisava descansar. – ele diz abraçando-a de volta e enfiando os dedos por meio dos fios de seu cabelo para fazer um carinho ali.
- Como foi o voo? – ela indaga sem se afastar um centímetro sequer, havia sentido falta daqueles braços a rodeando.
- Tranquilo, - ele responde afundando a cabeça em seu pescoço para aspirar o seu perfume – teve uma turbulência no começo, mas logo passou.
- Senti sua falta. – ela diz apertando-o ainda mais.
- Pour Dieu, também senti a sua. – ele diz procurando por seu rosto, quando seus dedos encontram o queixo dela, ele o ergue delicadamente e poucos instantes depois sente os doces lábios de contra os seus.
O beijo foi se intensificando a modo que eles queriam relembrar todas as sensações que tinham ao ter os seus corpos colados. Em pouco tempo já estava sentada no colo de e ele tirava a camisa de seu corpo.
No entanto, antes que ele desabotoasse o sutiã da jovem, a porta foi aberta num solavanco e as luzes acesas de súbito, cegando-os momentaneamente.
Liza olha para trás e solta um grito ou se deparar com o tio com uma expressão de puro embaraço no rosto. Ela pula do colo de e procura pela camisa com os nomes Prema Racing estampada em vermelho para vestir-se rapidamente.
- Leclerc, seu danadinho. – Fabio diz rindo. – Falei para vir acordar ela e você aproveita para tirar uma casquinha?!
- Foi mal. – ele diz controlando o riso.
- Vocês dois, estejam prontos em cinco minutos. Ou a Sandy vem aqui e acaba com a brincadeira de vocês. – o tio diz para em seguida sair, fechando a porta.
Liza e se entreolham e riem.
- Oi. – a jovem diz finalmente o enxergando, aproximando-se dele novamente para selar seus lábios rapidamente e olhar em seus olhos verdes.
- Oi. – ele responde sorrindo e acaricia seu rosto.
- Gostei disso, - ela diz passando os dedos pelo queixo do rapaz onde uma barba por fazer começava a surgir. – você fica com um ar mais sério de barba.
- É uma pena que ela não cresça mais que isso. – ele diz, fazendo-a rir. – Não consegui tirar antes da viagem, mas já que você gostou, nem vou me dar o trabalho de tirar.
Ela sorri e passa os braços ao redor do pescoço do rapaz, sentando-se novamente em seu colo.
- Eu quero muito dar continuidade nisso, mas você ouviu o seu tio. – ele sorri vidrado nos olhos da jovem. – A Sandy já não gosta de mim, se ela tiver que vir aqui para te buscar...
- Ela trucida a nós dois. – ela completa e junta seus lábios mais uma vez antes de saltar para fora da cama e do colo do rapaz.
Liza senta-se na beirada da cama e calça os seus tênis que estão ao chão próximo aos seus pés.
- O que vai fazer agora? – ele questiona.
- Reconhecimento da pista. – ela diz terminando de amarrar os cadarços.
- Vai andando ou de bicicleta?
- Desta vez vou de bicicleta, - ela declara e olha por cima do ombro para mirá-lo com um sorriso safado no rosto – para ir mais rápido e voltar para cá para darmos continuidade naquele assunto.
ri.
- Eu vou com você.
- Não está cansado da viagem? – ela questiona preocupada.
- Não sou que nem você, eu dormi a viagem inteira. – ele ri e se levanta. – Estou mesmo precisando esticar as pernas.
Eles se aprontaram e desceram para o saguão do hotel para se encontrarem com Fabio e René, quem tomava as suas notas das observações sobre as estratégias conforme as anuências da pista.
Como já havia trabalhado com aquela equipe automobilística, facilmente encontrou seu lugar no meio dos engenheiros enquanto eles faziam o seu trabalho. Enquanto apontava à detalhes minuciosos na tela de um tablet enquanto eles percorriam o circuito a pé, ficava mais afastado, junto à Fabio, observando-a trabalhar.
Ela tinha talento, disso ele tinha mais certeza a cada palavra que ela dizia sobre a aderência dos pneus ou vibração no carro, até mesmo ao reconhecer onde o assoalho do carro poderia pegar e altura ideal do chassi.
- Que curso ela fez mesmo na faculdade? – pergunta a Fabio.
- Administração. – ele responde. – Nada haver, não é?!
- Jurava que era algo voltado à engenharia automotiva, pelo menos algo na área de mecânica. – o rapaz comenta admirado. – Ela conhece muito da parte funcional, motor, sistema e afins.
- Ela sempre gostou de acompanhar de perto cada detalhe do carro. – Fabio declara. – Quando era criança, ela me fazia desmontar e montar o kart a cada corria para ver o funcionamento dele.
- A curiosidade é o melhor influenciador para o conhecimento. – pronuncia sem tirar os olhos de Liza. – Mudando um pouco de assunto, eu queria falar com você sobre aquela surpresa do aniversário dela.
- O que? – Fabio questiona surpreso. – Deu certo?
- Chega à cidade sábado à tarde. – ele diz sorrindo orgulhoso.
- Ainda vou querer saber como você conseguiu. Sério. – Fabio diz abismado. – Eu não consegui durante todo esse tempo.
- Bastou uma conversa plena e franca. – ele revela, recordando-se do quanto ele teve que expor de seus sentimentos para conseguir o que planejara. Mas não importava porque, afinal, tinha saído tudo de acordo com o seu plano.
- Ela vai ficar tão feliz. – Fabio sorri mirando a sobrinha com ternura.
- Eu sei. – ele diz também a encarando com olhar amável. – Ela merece.
Fabio desvia os olhos da sobrinha e fita o piloto, que nem disfarça seu olhar de fascinação.
- Está apaixonado por ela. – Fabio afirma.
volta sua atenção ao homem. Ele engole seco e puxa ar para seus pulmões antes de falar sério: - Estou. E não sei como isso aconteceu tão rápido.
- Sou um grande credor em almas gêmeas. – Fabio confessa – Não sei se esse é o caso, mas se assemelha.
sorri.
- Minha vontade é ficar com ela o tempo todo, seja fazendo o que for, seja onde for. Tudo o que eu faço na minha vida, depois que conheci ela, a cada coisa que acontece, no final do dia é com ela que quero compartilhar. Nós nos divertidos demais e ela topa tudo sem hesitação. Ela... Nós... Parece certo. Eu sei que é cedo, mas... – ele se interrompe, mordendo o lábio inferior ao voltar à olhar para – Eu sinto que é ela.
- Vocês estão há... – Fabio espreme os olhos, buscando na memória – Sete semanas?! – o rapaz assente – Isso já dá um mês e pouco, quase dois meses. Caraca! – ele diz ao perceber-se – Já?
- Pois é.
- Não foi ontem que eu caí fora antes que vocês começassem a se atracar no meio do restaurante? – Fabio questiona divertido e eles riem.
- Nesse tempo, mesmo que não estivemos a maior parte dele juntos, eu consegui me sentir confiante comigo mesmo. Não sei te explicar. – declara – Ela me incentiva e me apoia em qualquer decisão que eu queria tomar, me deixa tranquilo e despreocupado. E eu queria fazer o mesmo por ela.
- Ela anda radiante ultimamente. – Fabio observa – Mais divertida, menos tensa ou obcecada com os mínimos detalhes, que acabam não sendo tão importantes. Ela finalmente percebeu que não precisa se matar nos treinos para se sair bem, porque às vezes ela acaba gastando as energias e na corrida isso acaba prejudicando. E eu sei que é você quem tem aberto os olhos dela. – Fabio aperta o ombro de para agradecer: - E tenho que dizer obrigado por isso, garoto. Gosto de você. Mas, - ele fica completamente sério – se magoar a minha sobrinha eu juro que corto suas bolas.
assente.
- Não tenho intenção alguma de perder as minhas bolas.
- Ótimo. – Fabio assente e eles acabam rindo.
(...)
O sábado de aniversário amanheceu com um romântico café da manhã na cama, que acabou sendo invadido por um tio alegre e uma empresária carrancuda, que não queria dar o braço a torcer, porém, também, não queria deixar de celebrar por Liza.
Os compromissos do dia começaram tranquilos e, por onde a pilota passava, ela recebia os parabéns de colegas, conhecidos e até mesmo os fotógrafos. Felipe até foi a garagem da Prema antes do início do terceiro treino livre e a tirou do chão, chacoalhando-a duas vezes ao parabenizá-la.
- Parabéns, pequena-grande mulher!
- Você é louco! – ela diz sorrindo e se soltando do seu aperto. – Obrigada, Lipe.
- O Pedro já apareceu por aqui? – o rapaz pergunta descontraidamente.
- Não. Ele está estranho comigo desde aquela fechada no Japão. – ela explica entortando a boca – Não entendo, porque afinal quem tomou a fechada fui eu. Ele quase me fez bater no trilho de segurança.
Felipe tenta não transparecer, mas seu sorriso murcha um pouco.
- Ele é assim mesmo. – diz reforçando a face simpática – Não se preocupa, logo a chatice dele passa. É só aquele velho dilema: o peso do pai tricampeão, ele não está alcançando o mínimo de pontos no campeonato... A mesma coisa de sempre.
Ela dá de ombros, mas assente em concordância.
- Liza... – Felipe a chama a atenção, sua expressão é séria.
- Sim? – ela sorri.
O brasileiro respira fundo, a veia saltada em sua testa prova o quão tenso ele ficara de repente. Ele olha diretamente nos olhos da pilota, reunindo o mínimo de coragem em seu corpo. As palavras estão na ponta de sua língua, mas, por fim, ele suspira fechando os olhos.
- Toma cuidado hoje. – diz abraçando-a. – Você sabe, essa pista é perigosa.
- Você também? – ela diz franzindo a testa em confusão ao abraçá-lo de volta.
- Vejo você mais tarde. – ele se despede rapidamente e logo se afasta.
Depois do término do treino livre, quando sai do seu carro, toda a equipe Prema aparece ao seu redor com bexigas, uma faixa com as escritas “Parabéns para a nossa campeã” e à frente Mick carregando um bolo de chocolate.
- Muito obrigada, pessoal, vocês são demais! – ela diz após soprar as velas.
Eles batem algumas fotos e ela distribui pedaços de bolo para todos da equipe.
- Você viu o por aí? – ela pergunta ao se aproximar de Mick, que se deliciava com o seu terceiro pedaço de bolo. – Vai com calma aí, grandão. A Mayra vai te espancar se o açúcar no seu sangue subir de novo.
- Pior que comi umas cinco trufas ontem e, no final da noite, não resisti e pedi para entregarem uma Crema Catalana lá em casa. – ele diz lambendo as sobras dos lábios – Barcelona me fode.
Liza ri.
- Então, você viu ? - ela indaga novamente olhando ao seu redor, procurando por entre os funcionários – Ou o meu tio.
- Não, cheguei em cima da hora hoje. – ele informa. – Passei mal à noite toda por conta da Crema.
- Pensei que fosse uma delícia.
- E é, por isso passei mal. Comi demais. – ele ri, mas logo arqueia as sobrancelhas para dizer com excitação: – Ah, preciso te contar uma coisa.
- Diga. – ela sorri.
Ele prensa os lábios um contra o outro e seus olhos azuis brilham de emoção.
- Pediram que eu não dissesse nada por enquanto, mas acredito que logo caia na mídia, afinal não é nada restrito, e eu queria que você soubesse isso por mim. – ele esclarece. O rapaz respira fundo e deixa o prato com bolo pela metade sob a mesa de transmissão antes de virar para ereto e declarar com a voz moderada: - A Haas me chamou para competir por eles na Fórmula 1 na próxima temporada.
sente uma euforia repentina dominar os seus sentidos.
- Meu Deus, Mick!
- Vou ser um dos pilotos titulares deles no ano que vem! – o loiro vibra.
- Puta que o pariu! Parabéns! – ela diz joga os braços ao redor do pescoço do rapaz, que a abraça de volta emocionado. – Eu estou tão feliz por você!
- Demorou mais tempo que eu esperava, mas está aí. – ele comemora. – Estou dentro da Fórmula 1!
Liza vibra ao se separar do parceiro, batendo na sua mão ao alto.
- Não demorou mais tempo que o esperado, você ficou dois anos na F2. É o processo normal que a maioria dos pilotos passa.
- Não os espetaculares. – ele entorta a boca. – George Russell passou para F1 depois da temporada de estreia. Além de Senna, Alonso, Vettel e, claro, meu pai.
- Ele vai ficar muito orgulhoso de você da mesma forma. – ela diz e ele sorri fraco.
- Queria poder ouvir isso dele. – Mick diz com a voz rouca e sente seu coração doer.
Desde 2013 Michael Schumacher está com o corpo completamente paralisado devido ao seu gravíssimo acidente em uma aventura com esquis. Depois de anos sem muitos avanços ou melhoras, a família continuava com a decisão de mantê-lo vivo, mesmo que estivesse sobrevivendo por aparelhos.
Haviam o tirado do hospital e levado para a sua mansão há algumas horas dali de Barcelona, em uma ilha onde tivesse mais privacidade e pudesse ter contato com a natureza, coisa que o alemão sempre apreciou.
Os médicos diziam que sua consciência estava completamente ativa, e a movimentação de seus olhos confirmavam isso. Mas a situação toda era muito complicada.
Mick não falava muito sobre o assunto, principalmente quando estava no ambiente das pistas ou dos autódromos. No começo da carreira ele sequer usava o sobrenome de peso para que ninguém mencionasse o pai e desencadeasse perguntas inconvenientes sobre a saúde de seu progenitor.
Mesmo sendo um rapaz simpático e carismático, ainda havia uma linha tênue de limite que Mick costumava manter entre a sua vida profissional e pessoal. No entanto, vez ou outra, quando ele e bebiam algumas cervejas nos quartos de hotéis depois de um dia cheio de compromissos, ele revelava o quanto era difícil ter que ver o pai, um atleta consagrado e que antes era cheio de vida, em cima de uma cama completamente inerte.
Liza já o ouviu dizer que sempre em suas folgas ele ia até a casa dos pais e se sentava em frente ao pai para contar-lhe sobre tudo o que ocorrera nas corridas, os seus resultados e dizer o quanto o amava. E lhe partia o coração quando Mick declarava que sua maior vontade era receber uma devolutiva, apesar da gratificação que ele tinha pelo pai ainda estar vivo.
- Você sabe que ele vai ficar muito orgulhoso. – afirma olhando em seus olhos – Se eu estou orgulhosa, imagina ele! – ela diz e ele sorri. – Mick, você não pode se deixar abalar pelo legado do seu pai ou de qualquer outro piloto. Cada um tem o seu tempo e você é um piloto excelente. É a porra do líder da Fórmula 2 por dois anos consecutivos. Foi campeão ano passado e está para ganhar o deste ano também.
- Isso se certa pilota não passar a minha pontuação. – ele diz com os olhos estreitos em cima dela e riso divertido no rosto.
- Ouvi dizer que ela está chegando lá. – ela diz com a voz engraçada. – Mas, apesar disso, você conseguiu! – ela o segura pelos braços. – Não é um feito pequeno, é um feito enorme! E o fato de outros pilotos terem conseguido em outras circunstâncias não diminui o fato de você ter feito. Não coloque a carreira de alguém como comparativa, e sim como inspiração.
- Nossa, como você está poética hoje. – ele comenta rindo e a abraça. – Vou sentir a sua falta.
- Eu quem vou sentir. – ela diz alisando as costas grandes do parceiro. – Você quem está me abandonando. Mas eu perdoo porque é para melhor.
- Como se você fosse demorar para estar lá também. – ele diz desfazendo o abraço.
- Pode ser que sim, como pode ser que não. – ela dá de ombros. – Estamos vendo o Felipe e o Pedro irem para o seu terceiro ano de Fórmula 2 e nada de promoção.
- Você não é como eles. – ele diz. – Eles vieram a melhorar essa temporada, você já estreou com tudo. Como foi que disse mesmo? Não coloque a carreira de alguém como comparativa...
- Está legal, entendi. O feitiço contra o feiticeiro. – ela o interrompe rindo. – Espertinho.
- Tenho certeza de que você vai chegar lá. – ele diz veemente.
- E enquanto não chego, vamos comemorar que você chegou. – ela sorri. – Vamos fazer o teto daquele pub cair hoje.
- O que? – ele indaga alarmado.
- Jeito brasileiro de falar que vamos celebrar muito. – ela esclarece e ele ri. – Algumas cervejas não vão matar ninguém, - ela cede, dando de ombros – é só virmos embora cedo.
- Certo! – ele suspira aliviado. – Fala para o Leclerc que a primeira rodada é por minha conta se a segunda for por a dele.
- Falando nisso, eu estava procurando por ele. – ela diz, recordando-se. – Se importa se eu...
- Claro que não, vai lá. – Mick diz.
- Obrigada. – ela sorri. – E mais uma vez parabéns! – ela diz se afastado do parceiro que assente com um sorriso sincero no rosto.
Liza se despede dos colegas e segue ao camarim, mirando cada ambiente por onde passava buscando pelos rostos conhecidos.
Quando abre a porta do seu camarim o encontra vazio. Automaticamente franze a testa, onde eles estariam?
Ela então segue o rumo da área externa das garagens, descendo o zíper do seu macacão até o umbigo e desfazendo-se das mangas para amarrá-las ao redor de sua cintura. Já estava soando pela caminhada somada aquela roupa quente.
Quando sai da garagem da Prema, não demora a ser abordada por alguns repórteres.
- , ! – uma mulher a chama. – Se importa de responder algumas perguntas antes do treino classificatório?
Liza suspira pesado, olhando ao seu redor, mas termina por sorrir para a mulher. Sandy sempre dizia para ela ser educada com os jornalistas e, apesar de ela estar com o tempo apertado porque logo começaria os preparatórios para o importante treino, ela ajeita a postura e se vira para a repórter.
Logo o câmera está posicionado com a gravadora na direção da pilota.
- Estamos aqui com Benedetti. – a jornalista diz – , depois de uma temporada fantástica e com grandes conquistas como a primeira pilota a não só pontuar na Fórmula 2, mas também estar empatada como segunda colocada e a dez pontos para alcançar o líder, que também é seu parceiro de equipe, você está confiante com a pole position hoje e talvez alcançar a vitória?
- Todos esperamos alcançar a vitória de uma corrida. – ela ri bem-humorada. – Admito que alcançar a minha primeira pole position seria muito legal, mas temos pilotos talentosos competindo, apesar de nossos carros já estarem no limite por ser final de temporada e estarmos cansados... Acredito que nossas energias estão voltadas para bons resultados e vamos lutar até o final por eles. Minha energia está voltada para o primeiro lugar, já que infelizmente ainda não alcancei. Mas o GP é uma das competições mais imprevisíveis que se existem, então tudo pode acontecer.
- Hoje é o seu aniversário, certo? – a jornalista indaga e ela assente. – Quero dar os meus parabéns em nome de toda e equipe.
- Obrigada.
- Notamos que o piloto Leclerc, com quem têm sido muito vista ultimamente, está presente. Isso seria devido ao fato de ser seu aniversário ou porque ele está sendo um mentor pela conexão da Prema com a Ferrari?
Liza sorri, apesar de sentir seu estômago congelar. Não sabia que teria que lidar com aquele tipo de pergunta tão cedo.
- Ele se tornou um amigo querido sim, mas o fato de ser meu aniversário é só coincidência. Acredito que ele esteja a trabalho e este é um dia como qualquer outro, só estou ficando mais velha.
A repórter sorri com a resposta, e teve certeza de que havia escapado da saia justa.
- E como estão o papai e mamãe com a aproximação do final do campeonato: aliviados ou ansiosos?
- Acho que um pouco dos dois.
- Não tivemos a presença de nenhum deles nos bastidores das corridas, eles não gostam de te ver em ação? – a mulher indaga.
- Meu pai não perde uma corrida pela televisão. Infelizmente ele também tem seus compromissos e não pôde estar presente até então. – ela diz sorrindo. – Mas todo dia depois de uma corrida ele me liga, me parabenizando pelos meus acertos e puxando a orelha pelos erros. Ele não entende muito do esporte, então acha que estou errando por ousar qualquer ultrapassagem. – a repórter ri – Ele é pai, tem medo da garotinha se machucar como qualquer outro pai. Mas o seu apoio é incondicional e eu sou muito grata a isso.
- E a mamãe...
Liza sente a garganta secar e desvia os olhos da câmera.
- Mãe?
- Sim. – a repórter afirma, mas não está mais ouvindo.
Porque ironicamente ali, passando pela entrada da garagem da construtora vizinha, estava ela. Com os mesmos cabelos castanhos bem arrumados na altura dos ombros, roupas elegantes e de aparência caríssima, óculos de sol tapando os seus olhos frágeis e um sorriso incerto no rosto que muito se assemelhava ao de .
- Ela está bem ali. – sopra indicando a mulher, cujo estava em uma conversa animada com e Fabio enquanto caminhavam tranquilamente.
Por um instante pensou ser uma miragem, mas ao ver o sorriso estampado no rosto da repórter sabia que não era uma imagem projetada de sua cabeça.
Patrícia estava ali.
Ela devia saber que aqueles dois estavam aprontando.
não era muito fã de voar, a ideia de não ter absolutamente nada abaixo de seus pés era simplesmente assustadora, mas passou a se acostumar devido ao número de viagens que fazia a cada duas, se não, toda semana.
Contudo, ainda assim, ela não conseguia se sentir confortável o suficiente para dormir e desta forma ficava acordada por mais de seis ou 18 horas, dependendo o tempo de duração da viagem. Sandy vez ou outra a incentivava a tomar medicamentos para dormir, mas ela sempre preferia evitá-los.
Na viagem em questão, eles já haviam saído de um voo internacional de 15 horas de Singapura à Turquia para serem transferidos para uma aeronave menor e terminar o trajeto até a Espanha, que levava mais três horas e ela ainda estava em alerta.
Mick, quem dormira a maior parte da viagem, já estava cansado de ficar com os olhos fechados e a convida para uma partida de pôquer, um dos usuais jogos que jogavam para passar o tempo.
Eles estavam no meio da partida quando Sandy senta na poltrona do lado de e dispara de uma vez: - Para quem você pediu crachá com acesso total aos bastidores dessa semana?
- . – ela responde sem rodeios.
- Uou, não sabiam que vocês realmente estavam... Juntos. – Mick comenta com olhos surpresos.
- Estamos... Progredindo. – ela diz sorrindo.
- Legal. – Mick sorri. – Ele é um cara legal.
- Sim, já tem duas semanas que não nos vemos, e mesmo com os compromissos com a Ferrari ele me liga todo dia. – ela diz encantada – Queremos aproveitar o máximo de tempo essa semana já que ele tem que voltar para a Itália na segunda. Mas não se preocupe, Sandy – ela olha para a empresária – não vou deixar que isso interfira no meu rendimento.
- Essa não é a questão, . – Sandy continua em tom impaciente.
- Vocês querem que eu as deixe à sós? – Mick indaga educado, já ameaçando levantar-se da poltrona à frente de Liza.
- Não precisa, Mick. – a jovem volta sua atenção às cartas. – Isso aí é um Ás de copas?
- Olho no seu jogo, trapaceira. – ele volta a se jogar da poltrona, erguendo suas cartas na frente de seus olhos.
- Essa é a penúltima corrida do ano, vamos ter compromissos o dia inteiro durante toda a semana. Não teria momento mais inconveniente para ele decidir fazer uma visita. – Sandy insiste.
- Sim, mas, como na outra semana é a final do campeonato e meu pai e a vão estar aí, ele não quer que eu tenha que dividir a atenção entre os três. Eu disse que era besteira, mas ele diz que fiquei muito tempo longe deles e mereço estar à total disposição. Eu achei atencioso.
- É muito gentil. – Mick concorda.
- Além de que... – ela umedece os lábios para ganhar tempo – Sábado é meu aniversário e, bem... Quero que ele esteja aqui.
- Sábado é seu aniversário? – Mick repete sorrindo. – Como só estou sabendo disso agora?
- Sem estardalhaços. – ri. – Estava pensando em fazer uma coisa pequena no sábado, sem bebidas, – ela olha para Sandy – só para não passar em branco. Domingo de manhã temos a corrida, aí depois podemos fazer alguma coisa mais arrojada.
- Legal, conheço um pub muito bom em Barcelona. – Mick diz. – Posso falar com um amigo meu de lá para reservar um espaço.
- Você vive em Barcelona, tinha me esquecido disso. – ela diz – Seria muito legal, obrigada.
- Tudo bem, , me ignore. – Sandy diz. – Estou falando sobre um assunto sério aqui.
- E eu compreendo. – ela diz mirando a empresária. – Mas a sua preocupação é sem nexo. Não terá distrações, eu prometo. entende que preciso trabalhar, afinal ele também é um piloto.
- Você sabe que com a aparição de vocês dois juntos aqui, pode causar falatório sobre um possível romance? – Sandy a questiona. - O que pode influenciar na forma como as construtoras da F1 estão te olhando neste momento?
- Vamos ser cuidadosos. – ela garante. – E ele estar nos bastidores pela Prema não o liga diretamente a mim. Além dele já ter corrido por eles, a Prema é completamente conectada à Ferrari.
Sandy a mira com o olhar de desaprovação. Ela não tinha mais argumentos, porém.
- Tudo bem. – a empresária diz secando o suor das mãos na calça – Sinta-se à vontade para entrar de cabeça nesse namoro catastrófico. – ela se levanta – Mas considere que talvez ele não fizesse por você o que você tem feito por ele. Portanto não venha chorar no meu colo quando ele terminar com você assim que a temporada dele começar. Não seria a primeira vez que ele faria isso para se concentrar no trabalho. – e segue pelo corredor até as poltronas finais.
Liza sobe os olhos até Mick, que está com as sobrancelhas arqueadas em choque.
- Como é? – ela questiona ao parceiro de equipe com a testa vincada.
sabia que e Mick haviam convivido por um curto período na Prema Racing, pois pouco antes da transferência do monegasco à Fórmula 1, Mick Schumacher já havia assumido a vaga de piloto titular ao seu lado na GP2.
Haviam feito por volta de quatro provas juntos antes que fosse oficialmente declarado como corredor da Alfa Romeo – construtora onde estreou na Fórmula 1 – e não haviam perdido contato desde então.
O alemão morde o lábio inferior antes de falar: - Foi quando ele assinou com a Ferrari e saiu da Alfa. Construtora famosa, responsabilidade muito maior... Ele quis focar toda a atenção no trabalho. Você compreende isso, certo?!
- Sim. – ela sopra.
- Isso não quer dizer que vai acontecer o mesmo com vocês, . – Mick se preocupa em esclarecer. – Era uma situação completamente diferente.
- Eu sei. – ela diz confiante. – Minha preocupação não é essa. É com a Sandy. Ela tem demostrado não estar muito contente pela minha aproximação com o . Eu entendo que ela esteja receosa por conta dos contratos e afins, mas ela tem dado uma atenção a isso mais do que o normal, sabe?
- Acho que quando acabar a temporada você tinha que sentar e conversar com ela sobre isso. – Mick diz abaixando as cartas sob a mesa – Porque se vocês forem mesmo engatarem um namoro, isso pode vir a causar atritos tanto na relação de vocês como na sua com ela.
- Tem razão. – ela assente pensativa. Mas logo volta a atenção às cartas e faz uma careta ao dizer: – Acho que tenho uma Bad Beat aqui.
Ambos riem.
O quarto estava completamente fechado e escuro. As cortinas impediam que os raios de sol entrassem, o ar-condicionado deixava o ambiente fresco – diferente do clima abafado ao lado de fora –, televisão e aparelhos eletrônicos desligados, e as paredes a prova de som abafava qualquer ruído do lado de fora.
Depois de ficar completamente acordada durante toda a viagem, ainda teve alguns compromissos de marketing para cumprir com Mick pela Prema que a seguraram em frente às câmeras por horas, além de não conseguir dormir bem nos dois primeiros dias na cidade de Barcelona, o que a deixara completamente exausta ainda no terceiro dia.
Portanto quando Sandy declarou que havia conseguido uma tarde livre na quarta-feira ela de imediato correu ao seu quarto de hotel e apagou completamente.
Não sabia por quanto tempo havia dormido quando foi acordada delicadamente por braços grandes e firmes abraçando o seu corpo por trás e uma respiração calma soprar no seu pescoço.
Ela respira fundo antes de bocejar e coçar os olhos.
Liza pisca algumas vezes para aderir a visão, mas lembra-se que o quarto está escuro quando não enxerga um palmo à sua frente. Um beijo leve é depositado em seu pescoço e o arrepio que decorre à sua espinha a deixa mais alerta.
- ! – ela diz com a voz rouca e move-se na cama para virar de frente para o rapaz, apesar de ainda não enxergar nada.
- Ma belle. – ele sopra com a voz rouca e acaricia sua bochecha.
- Me desculpe, mon amour, eu me esqueci completamente do horário do seu vôo. – ela diz seguindo o caminho do braço de para encontrar seu corpo e puxá-lo para um abraço.
- Tudo bem, Fabio disse que você precisava descansar. – ele diz abraçando-a de volta e enfiando os dedos por meio dos fios de seu cabelo para fazer um carinho ali.
- Como foi o voo? – ela indaga sem se afastar um centímetro sequer, havia sentido falta daqueles braços a rodeando.
- Tranquilo, - ele responde afundando a cabeça em seu pescoço para aspirar o seu perfume – teve uma turbulência no começo, mas logo passou.
- Senti sua falta. – ela diz apertando-o ainda mais.
- Pour Dieu, também senti a sua. – ele diz procurando por seu rosto, quando seus dedos encontram o queixo dela, ele o ergue delicadamente e poucos instantes depois sente os doces lábios de contra os seus.
O beijo foi se intensificando a modo que eles queriam relembrar todas as sensações que tinham ao ter os seus corpos colados. Em pouco tempo já estava sentada no colo de e ele tirava a camisa de seu corpo.
No entanto, antes que ele desabotoasse o sutiã da jovem, a porta foi aberta num solavanco e as luzes acesas de súbito, cegando-os momentaneamente.
Liza olha para trás e solta um grito ou se deparar com o tio com uma expressão de puro embaraço no rosto. Ela pula do colo de e procura pela camisa com os nomes Prema Racing estampada em vermelho para vestir-se rapidamente.
- Leclerc, seu danadinho. – Fabio diz rindo. – Falei para vir acordar ela e você aproveita para tirar uma casquinha?!
- Foi mal. – ele diz controlando o riso.
- Vocês dois, estejam prontos em cinco minutos. Ou a Sandy vem aqui e acaba com a brincadeira de vocês. – o tio diz para em seguida sair, fechando a porta.
Liza e se entreolham e riem.
- Oi. – a jovem diz finalmente o enxergando, aproximando-se dele novamente para selar seus lábios rapidamente e olhar em seus olhos verdes.
- Oi. – ele responde sorrindo e acaricia seu rosto.
- Gostei disso, - ela diz passando os dedos pelo queixo do rapaz onde uma barba por fazer começava a surgir. – você fica com um ar mais sério de barba.
- É uma pena que ela não cresça mais que isso. – ele diz, fazendo-a rir. – Não consegui tirar antes da viagem, mas já que você gostou, nem vou me dar o trabalho de tirar.
Ela sorri e passa os braços ao redor do pescoço do rapaz, sentando-se novamente em seu colo.
- Eu quero muito dar continuidade nisso, mas você ouviu o seu tio. – ele sorri vidrado nos olhos da jovem. – A Sandy já não gosta de mim, se ela tiver que vir aqui para te buscar...
- Ela trucida a nós dois. – ela completa e junta seus lábios mais uma vez antes de saltar para fora da cama e do colo do rapaz.
Liza senta-se na beirada da cama e calça os seus tênis que estão ao chão próximo aos seus pés.
- O que vai fazer agora? – ele questiona.
- Reconhecimento da pista. – ela diz terminando de amarrar os cadarços.
- Vai andando ou de bicicleta?
- Desta vez vou de bicicleta, - ela declara e olha por cima do ombro para mirá-lo com um sorriso safado no rosto – para ir mais rápido e voltar para cá para darmos continuidade naquele assunto.
ri.
- Eu vou com você.
- Não está cansado da viagem? – ela questiona preocupada.
- Não sou que nem você, eu dormi a viagem inteira. – ele ri e se levanta. – Estou mesmo precisando esticar as pernas.
Eles se aprontaram e desceram para o saguão do hotel para se encontrarem com Fabio e René, quem tomava as suas notas das observações sobre as estratégias conforme as anuências da pista.
Como já havia trabalhado com aquela equipe automobilística, facilmente encontrou seu lugar no meio dos engenheiros enquanto eles faziam o seu trabalho. Enquanto apontava à detalhes minuciosos na tela de um tablet enquanto eles percorriam o circuito a pé, ficava mais afastado, junto à Fabio, observando-a trabalhar.
Ela tinha talento, disso ele tinha mais certeza a cada palavra que ela dizia sobre a aderência dos pneus ou vibração no carro, até mesmo ao reconhecer onde o assoalho do carro poderia pegar e altura ideal do chassi.
- Que curso ela fez mesmo na faculdade? – pergunta a Fabio.
- Administração. – ele responde. – Nada haver, não é?!
- Jurava que era algo voltado à engenharia automotiva, pelo menos algo na área de mecânica. – o rapaz comenta admirado. – Ela conhece muito da parte funcional, motor, sistema e afins.
- Ela sempre gostou de acompanhar de perto cada detalhe do carro. – Fabio declara. – Quando era criança, ela me fazia desmontar e montar o kart a cada corria para ver o funcionamento dele.
- A curiosidade é o melhor influenciador para o conhecimento. – pronuncia sem tirar os olhos de Liza. – Mudando um pouco de assunto, eu queria falar com você sobre aquela surpresa do aniversário dela.
- O que? – Fabio questiona surpreso. – Deu certo?
- Chega à cidade sábado à tarde. – ele diz sorrindo orgulhoso.
- Ainda vou querer saber como você conseguiu. Sério. – Fabio diz abismado. – Eu não consegui durante todo esse tempo.
- Bastou uma conversa plena e franca. – ele revela, recordando-se do quanto ele teve que expor de seus sentimentos para conseguir o que planejara. Mas não importava porque, afinal, tinha saído tudo de acordo com o seu plano.
- Ela vai ficar tão feliz. – Fabio sorri mirando a sobrinha com ternura.
- Eu sei. – ele diz também a encarando com olhar amável. – Ela merece.
Fabio desvia os olhos da sobrinha e fita o piloto, que nem disfarça seu olhar de fascinação.
- Está apaixonado por ela. – Fabio afirma.
volta sua atenção ao homem. Ele engole seco e puxa ar para seus pulmões antes de falar sério: - Estou. E não sei como isso aconteceu tão rápido.
- Sou um grande credor em almas gêmeas. – Fabio confessa – Não sei se esse é o caso, mas se assemelha.
sorri.
- Minha vontade é ficar com ela o tempo todo, seja fazendo o que for, seja onde for. Tudo o que eu faço na minha vida, depois que conheci ela, a cada coisa que acontece, no final do dia é com ela que quero compartilhar. Nós nos divertidos demais e ela topa tudo sem hesitação. Ela... Nós... Parece certo. Eu sei que é cedo, mas... – ele se interrompe, mordendo o lábio inferior ao voltar à olhar para – Eu sinto que é ela.
- Vocês estão há... – Fabio espreme os olhos, buscando na memória – Sete semanas?! – o rapaz assente – Isso já dá um mês e pouco, quase dois meses. Caraca! – ele diz ao perceber-se – Já?
- Pois é.
- Não foi ontem que eu caí fora antes que vocês começassem a se atracar no meio do restaurante? – Fabio questiona divertido e eles riem.
- Nesse tempo, mesmo que não estivemos a maior parte dele juntos, eu consegui me sentir confiante comigo mesmo. Não sei te explicar. – declara – Ela me incentiva e me apoia em qualquer decisão que eu queria tomar, me deixa tranquilo e despreocupado. E eu queria fazer o mesmo por ela.
- Ela anda radiante ultimamente. – Fabio observa – Mais divertida, menos tensa ou obcecada com os mínimos detalhes, que acabam não sendo tão importantes. Ela finalmente percebeu que não precisa se matar nos treinos para se sair bem, porque às vezes ela acaba gastando as energias e na corrida isso acaba prejudicando. E eu sei que é você quem tem aberto os olhos dela. – Fabio aperta o ombro de para agradecer: - E tenho que dizer obrigado por isso, garoto. Gosto de você. Mas, - ele fica completamente sério – se magoar a minha sobrinha eu juro que corto suas bolas.
assente.
- Não tenho intenção alguma de perder as minhas bolas.
- Ótimo. – Fabio assente e eles acabam rindo.
O sábado de aniversário amanheceu com um romântico café da manhã na cama, que acabou sendo invadido por um tio alegre e uma empresária carrancuda, que não queria dar o braço a torcer, porém, também, não queria deixar de celebrar por Liza.
Os compromissos do dia começaram tranquilos e, por onde a pilota passava, ela recebia os parabéns de colegas, conhecidos e até mesmo os fotógrafos. Felipe até foi a garagem da Prema antes do início do terceiro treino livre e a tirou do chão, chacoalhando-a duas vezes ao parabenizá-la.
- Parabéns, pequena-grande mulher!
- Você é louco! – ela diz sorrindo e se soltando do seu aperto. – Obrigada, Lipe.
- O Pedro já apareceu por aqui? – o rapaz pergunta descontraidamente.
- Não. Ele está estranho comigo desde aquela fechada no Japão. – ela explica entortando a boca – Não entendo, porque afinal quem tomou a fechada fui eu. Ele quase me fez bater no trilho de segurança.
Felipe tenta não transparecer, mas seu sorriso murcha um pouco.
- Ele é assim mesmo. – diz reforçando a face simpática – Não se preocupa, logo a chatice dele passa. É só aquele velho dilema: o peso do pai tricampeão, ele não está alcançando o mínimo de pontos no campeonato... A mesma coisa de sempre.
Ela dá de ombros, mas assente em concordância.
- Liza... – Felipe a chama a atenção, sua expressão é séria.
- Sim? – ela sorri.
O brasileiro respira fundo, a veia saltada em sua testa prova o quão tenso ele ficara de repente. Ele olha diretamente nos olhos da pilota, reunindo o mínimo de coragem em seu corpo. As palavras estão na ponta de sua língua, mas, por fim, ele suspira fechando os olhos.
- Toma cuidado hoje. – diz abraçando-a. – Você sabe, essa pista é perigosa.
- Você também? – ela diz franzindo a testa em confusão ao abraçá-lo de volta.
- Vejo você mais tarde. – ele se despede rapidamente e logo se afasta.
Depois do término do treino livre, quando sai do seu carro, toda a equipe Prema aparece ao seu redor com bexigas, uma faixa com as escritas “Parabéns para a nossa campeã” e à frente Mick carregando um bolo de chocolate.
- Muito obrigada, pessoal, vocês são demais! – ela diz após soprar as velas.
Eles batem algumas fotos e ela distribui pedaços de bolo para todos da equipe.
- Você viu o por aí? – ela pergunta ao se aproximar de Mick, que se deliciava com o seu terceiro pedaço de bolo. – Vai com calma aí, grandão. A Mayra vai te espancar se o açúcar no seu sangue subir de novo.
- Pior que comi umas cinco trufas ontem e, no final da noite, não resisti e pedi para entregarem uma Crema Catalana lá em casa. – ele diz lambendo as sobras dos lábios – Barcelona me fode.
Liza ri.
- Então, você viu ? - ela indaga novamente olhando ao seu redor, procurando por entre os funcionários – Ou o meu tio.
- Não, cheguei em cima da hora hoje. – ele informa. – Passei mal à noite toda por conta da Crema.
- Pensei que fosse uma delícia.
- E é, por isso passei mal. Comi demais. – ele ri, mas logo arqueia as sobrancelhas para dizer com excitação: – Ah, preciso te contar uma coisa.
- Diga. – ela sorri.
Ele prensa os lábios um contra o outro e seus olhos azuis brilham de emoção.
- Pediram que eu não dissesse nada por enquanto, mas acredito que logo caia na mídia, afinal não é nada restrito, e eu queria que você soubesse isso por mim. – ele esclarece. O rapaz respira fundo e deixa o prato com bolo pela metade sob a mesa de transmissão antes de virar para ereto e declarar com a voz moderada: - A Haas me chamou para competir por eles na Fórmula 1 na próxima temporada.
sente uma euforia repentina dominar os seus sentidos.
- Meu Deus, Mick!
- Vou ser um dos pilotos titulares deles no ano que vem! – o loiro vibra.
- Puta que o pariu! Parabéns! – ela diz joga os braços ao redor do pescoço do rapaz, que a abraça de volta emocionado. – Eu estou tão feliz por você!
- Demorou mais tempo que eu esperava, mas está aí. – ele comemora. – Estou dentro da Fórmula 1!
Liza vibra ao se separar do parceiro, batendo na sua mão ao alto.
- Não demorou mais tempo que o esperado, você ficou dois anos na F2. É o processo normal que a maioria dos pilotos passa.
- Não os espetaculares. – ele entorta a boca. – George Russell passou para F1 depois da temporada de estreia. Além de Senna, Alonso, Vettel e, claro, meu pai.
- Ele vai ficar muito orgulhoso de você da mesma forma. – ela diz e ele sorri fraco.
- Queria poder ouvir isso dele. – Mick diz com a voz rouca e sente seu coração doer.
Desde 2013 Michael Schumacher está com o corpo completamente paralisado devido ao seu gravíssimo acidente em uma aventura com esquis. Depois de anos sem muitos avanços ou melhoras, a família continuava com a decisão de mantê-lo vivo, mesmo que estivesse sobrevivendo por aparelhos.
Haviam o tirado do hospital e levado para a sua mansão há algumas horas dali de Barcelona, em uma ilha onde tivesse mais privacidade e pudesse ter contato com a natureza, coisa que o alemão sempre apreciou.
Os médicos diziam que sua consciência estava completamente ativa, e a movimentação de seus olhos confirmavam isso. Mas a situação toda era muito complicada.
Mick não falava muito sobre o assunto, principalmente quando estava no ambiente das pistas ou dos autódromos. No começo da carreira ele sequer usava o sobrenome de peso para que ninguém mencionasse o pai e desencadeasse perguntas inconvenientes sobre a saúde de seu progenitor.
Mesmo sendo um rapaz simpático e carismático, ainda havia uma linha tênue de limite que Mick costumava manter entre a sua vida profissional e pessoal. No entanto, vez ou outra, quando ele e bebiam algumas cervejas nos quartos de hotéis depois de um dia cheio de compromissos, ele revelava o quanto era difícil ter que ver o pai, um atleta consagrado e que antes era cheio de vida, em cima de uma cama completamente inerte.
Liza já o ouviu dizer que sempre em suas folgas ele ia até a casa dos pais e se sentava em frente ao pai para contar-lhe sobre tudo o que ocorrera nas corridas, os seus resultados e dizer o quanto o amava. E lhe partia o coração quando Mick declarava que sua maior vontade era receber uma devolutiva, apesar da gratificação que ele tinha pelo pai ainda estar vivo.
- Você sabe que ele vai ficar muito orgulhoso. – afirma olhando em seus olhos – Se eu estou orgulhosa, imagina ele! – ela diz e ele sorri. – Mick, você não pode se deixar abalar pelo legado do seu pai ou de qualquer outro piloto. Cada um tem o seu tempo e você é um piloto excelente. É a porra do líder da Fórmula 2 por dois anos consecutivos. Foi campeão ano passado e está para ganhar o deste ano também.
- Isso se certa pilota não passar a minha pontuação. – ele diz com os olhos estreitos em cima dela e riso divertido no rosto.
- Ouvi dizer que ela está chegando lá. – ela diz com a voz engraçada. – Mas, apesar disso, você conseguiu! – ela o segura pelos braços. – Não é um feito pequeno, é um feito enorme! E o fato de outros pilotos terem conseguido em outras circunstâncias não diminui o fato de você ter feito. Não coloque a carreira de alguém como comparativa, e sim como inspiração.
- Nossa, como você está poética hoje. – ele comenta rindo e a abraça. – Vou sentir a sua falta.
- Eu quem vou sentir. – ela diz alisando as costas grandes do parceiro. – Você quem está me abandonando. Mas eu perdoo porque é para melhor.
- Como se você fosse demorar para estar lá também. – ele diz desfazendo o abraço.
- Pode ser que sim, como pode ser que não. – ela dá de ombros. – Estamos vendo o Felipe e o Pedro irem para o seu terceiro ano de Fórmula 2 e nada de promoção.
- Você não é como eles. – ele diz. – Eles vieram a melhorar essa temporada, você já estreou com tudo. Como foi que disse mesmo? Não coloque a carreira de alguém como comparativa...
- Está legal, entendi. O feitiço contra o feiticeiro. – ela o interrompe rindo. – Espertinho.
- Tenho certeza de que você vai chegar lá. – ele diz veemente.
- E enquanto não chego, vamos comemorar que você chegou. – ela sorri. – Vamos fazer o teto daquele pub cair hoje.
- O que? – ele indaga alarmado.
- Jeito brasileiro de falar que vamos celebrar muito. – ela esclarece e ele ri. – Algumas cervejas não vão matar ninguém, - ela cede, dando de ombros – é só virmos embora cedo.
- Certo! – ele suspira aliviado. – Fala para o Leclerc que a primeira rodada é por minha conta se a segunda for por a dele.
- Falando nisso, eu estava procurando por ele. – ela diz, recordando-se. – Se importa se eu...
- Claro que não, vai lá. – Mick diz.
- Obrigada. – ela sorri. – E mais uma vez parabéns! – ela diz se afastado do parceiro que assente com um sorriso sincero no rosto.
Liza se despede dos colegas e segue ao camarim, mirando cada ambiente por onde passava buscando pelos rostos conhecidos.
Quando abre a porta do seu camarim o encontra vazio. Automaticamente franze a testa, onde eles estariam?
Ela então segue o rumo da área externa das garagens, descendo o zíper do seu macacão até o umbigo e desfazendo-se das mangas para amarrá-las ao redor de sua cintura. Já estava soando pela caminhada somada aquela roupa quente.
Quando sai da garagem da Prema, não demora a ser abordada por alguns repórteres.
- , ! – uma mulher a chama. – Se importa de responder algumas perguntas antes do treino classificatório?
Liza suspira pesado, olhando ao seu redor, mas termina por sorrir para a mulher. Sandy sempre dizia para ela ser educada com os jornalistas e, apesar de ela estar com o tempo apertado porque logo começaria os preparatórios para o importante treino, ela ajeita a postura e se vira para a repórter.
Logo o câmera está posicionado com a gravadora na direção da pilota.
- Estamos aqui com Benedetti. – a jornalista diz – , depois de uma temporada fantástica e com grandes conquistas como a primeira pilota a não só pontuar na Fórmula 2, mas também estar empatada como segunda colocada e a dez pontos para alcançar o líder, que também é seu parceiro de equipe, você está confiante com a pole position hoje e talvez alcançar a vitória?
- Todos esperamos alcançar a vitória de uma corrida. – ela ri bem-humorada. – Admito que alcançar a minha primeira pole position seria muito legal, mas temos pilotos talentosos competindo, apesar de nossos carros já estarem no limite por ser final de temporada e estarmos cansados... Acredito que nossas energias estão voltadas para bons resultados e vamos lutar até o final por eles. Minha energia está voltada para o primeiro lugar, já que infelizmente ainda não alcancei. Mas o GP é uma das competições mais imprevisíveis que se existem, então tudo pode acontecer.
- Hoje é o seu aniversário, certo? – a jornalista indaga e ela assente. – Quero dar os meus parabéns em nome de toda e equipe.
- Obrigada.
- Notamos que o piloto Leclerc, com quem têm sido muito vista ultimamente, está presente. Isso seria devido ao fato de ser seu aniversário ou porque ele está sendo um mentor pela conexão da Prema com a Ferrari?
Liza sorri, apesar de sentir seu estômago congelar. Não sabia que teria que lidar com aquele tipo de pergunta tão cedo.
- Ele se tornou um amigo querido sim, mas o fato de ser meu aniversário é só coincidência. Acredito que ele esteja a trabalho e este é um dia como qualquer outro, só estou ficando mais velha.
A repórter sorri com a resposta, e teve certeza de que havia escapado da saia justa.
- E como estão o papai e mamãe com a aproximação do final do campeonato: aliviados ou ansiosos?
- Acho que um pouco dos dois.
- Não tivemos a presença de nenhum deles nos bastidores das corridas, eles não gostam de te ver em ação? – a mulher indaga.
- Meu pai não perde uma corrida pela televisão. Infelizmente ele também tem seus compromissos e não pôde estar presente até então. – ela diz sorrindo. – Mas todo dia depois de uma corrida ele me liga, me parabenizando pelos meus acertos e puxando a orelha pelos erros. Ele não entende muito do esporte, então acha que estou errando por ousar qualquer ultrapassagem. – a repórter ri – Ele é pai, tem medo da garotinha se machucar como qualquer outro pai. Mas o seu apoio é incondicional e eu sou muito grata a isso.
- E a mamãe...
Liza sente a garganta secar e desvia os olhos da câmera.
- Mãe?
- Sim. – a repórter afirma, mas não está mais ouvindo.
Porque ironicamente ali, passando pela entrada da garagem da construtora vizinha, estava ela. Com os mesmos cabelos castanhos bem arrumados na altura dos ombros, roupas elegantes e de aparência caríssima, óculos de sol tapando os seus olhos frágeis e um sorriso incerto no rosto que muito se assemelhava ao de .
- Ela está bem ali. – sopra indicando a mulher, cujo estava em uma conversa animada com e Fabio enquanto caminhavam tranquilamente.
Por um instante pensou ser uma miragem, mas ao ver o sorriso estampado no rosto da repórter sabia que não era uma imagem projetada de sua cabeça.
Patrícia estava ali.
Ela devia saber que aqueles dois estavam aprontando.
Capítulo 9
Depois de se livrar da repórter com as perguntas inconvenientes, caminha na direção do grupo, que estava a ponto de entrar na garagem da Prema Racing sem sequer notá-la. Ela os segue e depois que passam as paredes para os bastidores, ela indaga, chamando-lhes a atenção: - O que está acontecendo aqui?
Os três viram-se em sua direção espantados a princípio, mas automaticamente sorri.
- ! – ele diz alegre. – Bom, não era para sermos pegos de surpresa e sim surpreendermos você, mas, aqui está. Feliz aniversário!
E aponta para a mãe.
- Com certeza me pegaram de surpresa. – ela diz sem humor.
Patrícia tira os óculos dos olhos e sorri para a filha com eles marejados.
- Querida! – ela diz e se aproxima dela, abraçando o seu corpo paralisado. sequer sobe os braços para rodeá-la. – Sinto muito por tudo, eu senti tanta a sua falta.
Liza ergue os olhos para o tio, pedindo uma explicação em silêncio.
- É o seu presente de aniversário, .
- Como assim? – ela sopra.
Fabio olha para .
- Ma belle, eu vi o quanto estava infeliz com o distanciamento de vocês duas e entrei em contato com ela para...
- Espera. – ela o interrompe, afastando-se dos braços da mãe. – Você o que?
olha dela á Fabio, sem saber o que dizer.
- , pensamos que você iria adorar tê-la aqui. – Fabio explica.
- Meu amor, eu sei que nós tivemos mal momentos, mas... – a mãe começa.
- Tivemos maus momentos? – a interrompe rindo sem humor, mirando seus olhos. – Não. Eu tive meus maus momentos e você teve os seus. Separadamente. Porque você não quis compartilhar e resolver isso em uma conversa feito a adulta madura que deveria ser.
- ! – Fabio a chama a atenção.
- Não! – a pilota nega, olhado para o tio. – Ela não tem o direito de estar aqui! Não agora. – ela umedece os lábios e vira-se para a mãe novamente – Você teve todas as oportunidades para estar aqui antes, quando eu estava sendo atacada, quando mesmo que negasse eu estivesse morrendo de medo de que não me aceitassem, de que eu não tivesse bons resultados. Eu te liguei, te mandei mensagens, te mandei e-mails... Você não estava lá por mim!
Um silêncio predomina após seu último esbravejo.
Sandy, que estava vindo pelo corredor, fica parada à uma certa distância ao notar a cena.
- , eu sinto muito minha filha. – Patrícia diz contida. – Eu sei que errei, mas não imagina o quanto eu me arrependo...
- Eu não quero saber. – ela a interrompe. – Você sabia o quanto eu te queria aqui, o quanto eu precisava de você... Mesmo que estivesse me xingando, me dizendo que eu estava arriscando a minha vida, mas me apoiando. – sente uma lágrima grossa descer pelo rosto, não poderia se importar menos com aquilo agora. – Meu pai me apoiou, minha amiga me apoiou, meu tio me apoiou, até o me apoiou... Mas você? – ela sorri forçada – Quis ser a dona da razão e dar as costas para mim. Você me ignorou, me deixou no escuro por quase oito meses!
Fabio passa a mão no rosto quente enquanto sequer abre a boca, chocado.
- Chegar aqui no momento de celebração é fácil, depois que eu alcancei vários pódios e virei uma queridinha deles. – engole em seco o bolo na garganta – Você não merece estar aqui comigo agora.
Dito isso, ela dá as costas e sai em passadas rápidas e firmes na direção do camarim. Depois de um tempo eles ouvem a porta bater com violência.
Fabio e se entreolham e Patrícia vira-se em sua direção visivelmente abalada.
- O que foi isso? – Sandy pergunta finalmente aproximando-se do grupo.
- Sandy, essa é a Patrícia. – Fabio apresenta e a empresária assente da direção da mulher. – É a mãe da Liza.
Patrícia sorri sem humor.
- Patrícia, eu sinto muito. – o monegasco se adianta. – Eu não tinha ideia de que ela iria reagir desta forma.
- Eu não a culpo. – a mulher responde. – Ela puxou a minha personalidade forte, claro que não me perdoaria facilmente.
- Você foi uma cretina. – Fabio afirma e o olha alarmado. – O que? Foi mesmo!
- Acho melhor eu ir falar com ela. – Sandy sugere já se encaminhando na direção do camarim.
- Não, Sandy. – Fabio chama sua atenção, fazendo-a parar no meio do caminho. – Deixa que o vá. Acho que os dois precisam disso.
Sandy olha para o rapaz sem controlar a sua tremenda frustração. Aquele garoto já estava se intrometendo demais na vida da sua cliente e ela estava começando a perder a pouca paciência que tinha. Não queria deixar aquilo ser levado para o lado pessoal, mas Leclerc estava definitivamente a tirando do sério.
- Eu vou lá falar com ela, se me derem licença. – o rapaz diz, mas antes se vira para Patrícia: - Você vai ficar bem?
- Vou sim, querido. Obrigada. – diz gentilmente.
passa por Sandy e segue até o camarim nomeado com as iniciais e número da pilota, ele bate na porta algumas vezes com cuidado.
Não tem resposta.
Então ele vira a maçaneta e entra o aposento vagarosamente, vasculhando a sala com os olhos.
Ele encontra sentada no sofá de cabeça baixa.
Não demora a se aproximar logo depois de fechar a porta atrás de si.
- ... – ele diz receoso.
Ela se assusta com a sua presença súbita, mas respira aliviada por ver que ele estava sozinho.
- Me desculpe. – ela diz limpando o rosto molhado com a manga longa da segunda pele que vestia por baixo do macacão. – Não queria incluir você nesse drama familiar.
- Não, eu quem te devo desculpas. – ele diz ajoelhando-se na sua frente, para ficar na altura de seu rosto. – , eu não tinha o direito de me intrometer na sua vida desta forma. Me desculpe. – ele pega ambas suas mãos. – Mas eu te vi tão triste por não ter sua mãe aqui, que não pude não fazer nada. Sabe... – ele respira fundo – Depois que perdi meu pai, eu passei a valorizar todo momento com as pessoas que são importantes para mim e ver que vocês estavam desperdiçando isso... Mas eu não tinha o direito.
Ela sorri em sua direção e acaricia seu rosto.
- Você é um amor. – ela diz com a voz rouca. – Muito obrigada pelo que fez, eu sei que foi a melhor das intenções. Não estou brava com você, ou com meu tio, que eu sei que teve o dedo no meio disso. – eles riem fraco. – Estou brava com ela.
Ele beija a palma da mão dela que está em seu rosto.
- Eu queria tanto que ela estivesse aqui. – ela admite. – Droga, ainda quero. Mas ela me magoou demais. Fiquei no escuro por muito tempo.
- Eu sei. – ele assente. – E você tem toda razão de estar puta com ela. Mas, mon amour, você não acha que essa vida é curta demais para a gente ficar remoendo sentimentos que podem ser resolvidos agora?
Liza fica em silêncio, pensativa.
- O que você fez para trazê-la aqui? – ela pergunta depois de um tempo.
Ele umedece os lábios e engole em seco antes de pronunciar.
- Eu falei para ela que nunca tive a oportunidade de dizer que amava meu pai. – ele declara, pegando-a de surpresa – Eu o amava, eu sei que ele sabia, mas eu era contido demais para dizer em alto e bom som. E me arrependo. Não só por isso, mas por um zilhão de coisas que queria ter feito ou dito á ele e hoje não tenho mais essa chance. – acaricia a mão do rapaz em forma de apoio – Não queria que vocês se arrependessem por não ter feito coisas que podiam ainda em tempo.
- Ela veio porque achou que eu iria morrer, claro. – ela diz revirando os olhos teatralmente e rindo.
- Na verdade, sim. – ri anasalado. – Eu disse a ela que mesmo que ela achasse que você fosse se machucar pilotando, que ela estivesse ao seu lado para curar as suas cicatrizes. Porque se ela não fizesse, iria se arrepender depois.
Liza morde o lábio inferior pensativa. A situação de Mick e o pai também passam pela sua cabeça e ela se sente uma estúpida por estar fazendo tamanho drama sendo que ela era privilegiada por ter os pais vivos e saudáveis.
- Eu fui uma idiota, não fui? – ela diz envergonhada.
- Não foi, não. Você só está magoada.
Liza ri pelo nariz. Em seguida passa as duas mãos pelo rosto e elas ficam por lá, pressionando suas têmporas enquanto ela suspira.
- E eu só te dei uma jaqueta no seu aniversário. – ela diz e eles riem juntos.
- Que está quase andando sozinha de tanto que eu uso.
Liza abaixa as mãos e sobe os olhos até os de , ele percebe que os dela ainda estão marejados.
- Não tenho energia para falar com ela agora. – fala com a voz fraca. – Em 15 minutos começam as classificatórias.
- Não precisa ser agora. – ele diz. – Tudo no seu tempo.
- Obrigada. – ela diz com a voz fanha. – Foi a coisa mais bonita que alguém já fez por mim.
- Não foi como pensei que seria, mas espero que tenha gostado.
Ela sorri e pousa ambas as mãos nos ombros do rapaz, para em seguida acariciar o cabelo de sua nuca vagarosamente enquanto fitava os seus olhos verdes.
- Você é incrível. – ela diz aos murmúrios com os olhos encantados.
Vidrado pelos olhos avelã – que descobrira ser uma cor de olhos fascinante, aproxima o seu rosto do dela para encostar os seus lábios lentamente. Ele pede passagem com a língua e ela cede sem nenhuma resistência.
Suas línguas dançam naquele ritmo úmido e prazeroso e o rapaz sente o familiar arrepio na nuca quando a mão dela brinca com o seu cabelo.
Eles queriam continuar com as carícias por tempo indeterminado, mas tinha que se preparar, pois o treino já estava para começar.
Assim ela se recompôs, lavou o rosto, prendeu o cabelo e de mãos dadas com caminhou até a garagem da Prema.
(...)
- “Tsunoda fez 1:36:528. Você voltou para P2. P2, .”
- Quando tempo temos, René? – a pilota pergunta acelerando o carro a modo de iniciar a sua volta rápida.
- “0:07 para acabar.”
- Dá para fazer mais uma volta. Chego na faixa em 0:03. – ela afirma com o pé fundo no acelerador.
- “Isso!” – René comemora – “Passou a tempo, eles consideraram volta aberta.”.
Liza reduz cinco marchas para fazer a curva, para, no meio dela, acelerar e subir até a oitava marcha novamente.
- “Melhor primeiro setor, .”
Ela olha o velocímetro, 356 km/h. Atinge o ponto máximo na reta e reduz novamente até a terceira marcha, para passar as duas curvas seguidas. A traseira do carro pega a aderência certa da pista. volta a acelerar.
Ela passa por um carro lento, provavelmente testando pneus à sua direita, e reduz para entrar na outra curva. No meio dela acelera com potência total.
- “Melhor segundo setor, !” – René esbraveja contente. - “Vantagem de três milésimos!”
Mas ela sequer o escuta, seus olhos e ouvidos estão com atenção total na vibração do volante em suas mãos e as formas que passavam por ela como simples borrões coloridos.
Ela vira na última curva, era a hora da verdade.
Seu coração está palpitando e sua cabeça doendo de ansiedade.
Ela passa a faixa quadriculada e tira o pé do acelerador, o silêncio da parada do motor preveem a algazarra completa.
- “PUTA QUE O PARIU!” – René grita no rádio – “1:36:247! Você conseguiu a porra da pole position, Liza!”
Liza grita e ergue as mãos ao alto, tirando-as do volante.
- É isso aí, meninos! – ela grita feliz no rádio. – Bom trabalho, pessoal, foi realmente um ótimo trabalho!
Em seguida tudo acontece muito rápido, mesmo que aos olhos do público as imagens passavam em câmera lenta.
Um carro na curva antecedente a reta da faixa quadriculada fecha outro que está em alta velocidade. As rodas se tocam e é o que é preciso para os pneus perderem a aderência com a pista, fazendo o carro veloz voar.
Liza, que está logo à frente em uma velocidade reduzida, não vê o carro no alto, mas se assusta com o barulho de ferro que despenca ao chão próximo a ela. Contudo, quando ela olha para o seu retrovisor, só consegue ver a lataria se arrastando em alta velocidade pela pista e vir em sua direção.
Ela tenta acelerar o carro, para tirá-lo do trajeto da sucata amassada que corria de forma alucinante, mas só tem tempo de colocar as mãos na cabeça em forma de proteção.
Ela sente o choque na traseira do carro e, em seguida, na dianteira – devido ao muro na lateral da pista, onde ela, o carro e tudo o que havia ali ficam prensados.
Logo começa a exasperação.
- Acidente na reta da largada! – um comentarista diz alarmado. – Acidente grave na reta da largada!
Imediatamente os atendentes e socorristas da pista correram na direção dos carros.
- Tragam uma ambulância, tragam uma ambulância agora! – pode-se ouvir alguém gritar em um rádio.
- Todos os carros fora da pista. Repito. Todos os carros fora da pista!
Os poucos carros que terminavam de percorrer o circuito entram diretamente para a pista dos boxes. A pista principal está repleta de detrito dos carros que voaram para todos os lados no choque.
Fumaça começa a sair dos carros, um em cima do outro. Ferro prensando ferro.
E nenhum contato visual com ambos os pilotos.
- Caralho! – sai engasgado da boca de Fabio, de dentro da garagem. Seus olhos seguem diretamente para Patrícia, que está estática com os olhos vidrados da tela onde era transmitido o acidente ao vivo.
A tela se apaga e ela se assusta. A transmissão fora cortada.
- O que eles estão esperando? Tirem eles de lá imediatamente! – Sandy aperta o transmissor do rádio, esbravejando aflita.
- Onde está o reboque? – alguém pergunta.
- Precisamos de reboque agora! – outra pessoa grita no rádio. – Vejo vazamento de gasolina, pessoal. Tem vazamento de gasolina.
- Ah, meu Deus!
- Quem são os pilotos? – ouve-se alguém indagar.
- Robert Shwartzman e Benedetti.
, que estava junto à mesa de transmissão da Prema ao lado de René paralisado com o choque do acidente inesperado, desperta e tira dos fones de ouvido as pressas para correr até a divisória da pista interna para a pista principal. Um vidro temperado separava do monte de ferro amassado onde estava.
- Tirem eles de lá! – ele grita batendo no vidro para chamar a atenção dos socorristas – Tirem eles de lá agora!
- Vai pegar fogo logo. Os motores estão quentes, a gasolina vazando. – um dos socorristas diz ao lado dos carros. – Temos que tentar tirá-los sem mover o carro. Qualquer choque mais brusco pode causar chamas.
- O engenheiro da Prema, - outro socorrista grita – tente contato com a pilota. Veja se ela desligou o motor. O vazamento está vindo de lá.
- René, o rádio! – passa a mensagem ao engenheiro aos gritos. – Tenta o rádio!
René se volta rapidamente aos botões de transmissão: - , você me ouve? – ele tenta com as mãos e voz trêmulas – , responde.
Os socorristas se aproximam dos carros e o braço de Robert despenca para fora do cockpit.
- Robert! – um dos socorristas grita. – Consegue me ouvir, rapaz?
O piloto se arrasta com dificuldade e coloca metade do corpo para fora do que sobrara de seu carro. Em seguida ele faz um positivo com a mão esquerda.
Os atendentes se aproximam e o puxam apoiando o corpo do rapaz em seus ombros e braços até tirá-lo por completo do meio dos ferros. Eles o levam até a ambulância que acabara de estacionar do outro lado da pista.
- René, tenta de novo. – pede, o coração martelando o seu peito bruscamente.
- ! – René grita pelo rádio. – , consegue me ouvir?
O autódromo fica completamente em silêncio.
Um chiado falho e intermitente surge no rádio.
- ?
- Re... René! – ela responde de volta e maior parte dos espectadores respiram aliviados.
se divide em prestar atenção na imagem à sua frente e no rádio ao seu lado.
- Você está bem? – o engenheiro pergunta exasperado, os olhos já marejados. – Tem que sair daí agora! Repito, agora!
- Estou...
O rádio falha.
Os socorristas se aproximam do monte de ferros novamente.
- Eu estou presa. – ela diz. – O cinto... – mais chiado – O cinto está me prendendo, não consigo soltar.
- Desligue o motor. – René instrui. – Desligue o motor!
- Já está desligado.
Dito isso René passa a chamada aos socorristas: - Motor desligado, pessoal. Tirem ela de lá!
Então eles entram com os extintores de pó químico, para resfriar o ferro.
- Está quente para caralho aqui. – diz pelo rádio falho. – Estava pensando em pegar uma sauna mais tarde, acho que veio mais cedo do que eu esperava.
René ri, os nervos de sua pele mais relaxados.
Ele olha para e sorri mais tranquilo: - Ela está bem.
O monegasco respira fundo, fechando os olhos e passando a mão pelo rosto quente.
Ela estava bem.
Era o que importava.
No entanto ele não estaria tranquilo enquanto não pousasse seus olhos nela.
Mais extintores são despejados em cima do carro, criando uma grande e grossa camada branca.
Em seguida mais socorristas se aproximam com uma serra sabre manual, uma serra elétrica poderia voltar a superaquecer a fibra de carbono. Eles começam a cortar a lateral do carro de Liza, enquanto outra parte da equipe segurava o carro de cima para não despencar.
- Continua tudo bem aí, garota? – René checa.
- Ainda bem que não sou claustrofóbica, se não estaria fodida. – ela diz e René ri. se permite sorrir também.
O trabalho é feito com muita cautela e cuidado, são 20 minutos de pura agonia para os espectadores.
Quando eles removem a tampa e a perna de cai para fora, prende a respiração. Cuidadosamente os socorristas cortam o cinto e a tiram de dentro do cubículo que seu cockpit havia se tornado.
Eles a levantam e ela dispensa os braços que se ofereciam para carregá-la.
- Estou bem. – ela afirma desafivelando o capacete e tirando-o da cabeça. – Como está o Rob?
- Foi levado para o centro de atendimento do autódromo, mas aparentemente bem. – um dos socorristas a informa.
- Ótimo. – ela diz suspirando aliviada. tira a touca de proteção e se livra dos fones do rádio virando-se para encarar os carros destruídos – Caraca, esse foi dos grandes. – referindo-se ao acidente.
Ela sobe os olhos até o vidro de divisória das pistas e encontra a encarando, com os olhos agoniados e expressão sofrida. Seu coração aperta.
“Eu estou bem.” – ela gesticula com a boca. – “Estou super bem”.
Ele sorri fraco e assente antes de respira fundo, sem tirar os olhos dela.
- , precisamos levá-la ao centro de atendimento também. Só para precauções. – o socorrista, Jeremy, a informa.
- Tudo bem. – ela assete e desvia os olhos dos de , já mais amenos.
Um safety car para próximo a ela e Jeremy indica que ela entre.
- Perdi minha sapatilha. – ela comenta ao reparar um dos pés só com a meia pisando no asfalto. – Mas acho que foi o menor dos danos desta noite.
(...)
No quarto de hospital estavam Patrícia, Fabio, , René, Greg, Angelo e Sandy além, claro, de e o seu médico daquela noite.
A pilota havia sido levada ao centro médico de Catalunha para realizar alguns exames mais profundos, só para desencargo de consciência. A batida havia sido muito forte e eles queriam ter plena certeza de que ela estava bem.
- Não houve dano algum pelo choque, nenhuma fratura, corte superficiais ou lesão interna. Você teve muita sorte, . Os carros de hoje em dia são equipados com o melhor que tem para segurança do piloto. – o doutor informa. – Seus exames estão todos O.K. e você estará liberada daqui a algumas horas se não apresentar nenhum sintoma incomum.
- Ou o senhor poderia me liberar agora, já que disse que eu estou O.K. – diz com um sorriso de súplica.
O médico, Steven, ri.
- Você tem que ficar em observação por algumas horas, mocinha. – ele diz. – O quadro não é perigoso, mas pode vir a ter alguma agravação durante um certo período após o evento. E queremos que esteja por aqui caso venha a acontecer. Só por precaução.
- Escute o doutor, querida. Ele só quer o melhor para a sua saúde. – Patrícia diz, acariciando os cabelos da filha. Ela estava sentada na beirada da maca em que fora colocada contra a sua vontade – Muito obrigada, Dr. Steven.
- Estou às ordens. – ele sorri e antes de se retirar do quarto, fala: – Volto a falar com vocês em breve.
Liza respira fundo.
- Temos muito trabalho a fazer e esse cara me segurando aqui. – ela resmunga.
- Do que está falando? – a mãe pergunta.
- Do carro que temos que arrumar. – ela explica e vira-se para René. – Me fala que ainda temos chance de correr amanhã.
A sala fica em clima de um misto de expectativa com surpresa.
- Liza, o carro foi completamente destruído. – René diz. – Não sobraram muitas peças, teríamos que reconstruí-lo completamente.
- E isso faria eu perder a minha pole. – ela diz suspirando.
- Além de que teríamos que usar peças já usadas para não sermos desclassificados ou perdermos os pontos da classificação geral. – René continua.
- Mas - ela umedece os lábios, aflita. – existe uma possibilidade? – ela encara o engenheiro – Por menor que ela seja.
René fica em silêncio, fitando a pilota enquanto pensava. Por fim ele assente fraco.
- Teriam que virar a noite trabalhando. – Fabio intervém.
- Não é problema algum. – René sorri animado. – O farei com prazer.
Liza sorri para o engenheiro.
- Mas, gente... – Fabio chama a atenção do grupo – Por mais árduo que seja o trabalho, não terão um carro com potência total. Além do fato de que a vai ser jogada para o final do grid. Digo... – ele se aproxima da cama. – Você acabou de sofrer um acidente grave, nós e o público vamos entender se você não estiver presente amanhã na corrida.
- Você ouviu o doutor falar estou completamente bem e eu estou me sentindo bem. – ela diz convicta. – Não me fale que você, logo você, está aqui para me brecar.
Fabio suspira.
- Não, mas depois do que eu vi hoje... – ele morde o lábio inferior – Realmente fiquei com medo de te perder, pequena. – o homem acaricia o ombro da jovem.
- Todos ficamos. – Sandy declara com sua face, antes inabalável, de olhos e nariz vermelhos.
Liza corre os olhos pelos rostos ao seu redor, faces amedrontadas lhe pediam implicitamente para não continuar.
- Eu não tenho medo. – ela diz com convicção – Não posso ter medo.
- Vamos entender se estiver. – Angelo é quem se pronuncia.
- Mas eu não estou. – ela confirma veemente. – Se algum dia um piloto sentir medo de morrer na pista, ele pode se aposentar porque a carreira está fadada ao fracasso.
sorri, ele entendia completamente aquele sentimento.
Ele não tinha medo de arriscar a sua vida, no entanto não tinha o mesmo controle quando as pessoas com que se importavam eram expostas ao perigo. Passava por aquilo com seu irmão mais novo, que também se aventurava na Fórmula 3 e, agora com Liza.
Mas não seria ele quem a impediria de fazer o que quisesse.
- Eu sei o que estão sentindo. – diz, e apertando a mão da mãe, complementa: - Principalmente você. – e se volta aos demais – Mas eu não vou me abater por um acidente. Essas coisas acontecem a todo o momento neste esporte. Esse foi o primeiro e tenho certeza de que não vai ser o último. Vocês precisam superar. Ponto.
Patrícia estremece.
- A única coisa que eu preciso é que estejam ao meu lado, porque isso é um trabalho em equipe e sozinha eu sei que não consigo. – diz. – Me ajudem e eu prometo que saio vitoriosa daquela maldita corrida. Agora é questão de honra.
Angelo e René sorriem, acompanhados de Sandy, Fabio e, por último, Patrícia.
O que a mulher mais queria era pegar a sua filha, levá-la de volta para casa, para que pudesse cuidar dela e nunca mais deixá-la escapar. Mas ela sabia que não podia mais, não tinha cinco anos de idade e agora ela finalmente tinha entendido que tinha que aceitar as decisões da filha, porque senão ela a perderia.
Custou a entender que a vida de sua filha não tinha que ser conforme suas vontades, mas que para tê-la por perto ela teria que engolir o seu orgulho e somente rezar para que ela ficasse bem.
Foi uma surpresa que Patrícia foi a pessoa a quem pediu para estar ao seu lado no hospital enquanto realizava os exames, e agora que ela tinha a aceitado de volta em seu coração a mãe tentaria o seu máximo para não deixar que nada abalasse a sua relação.
O quarto de repente está em completo falatório, o engenheiro e chefe de equipe aos telefones para providenciar peças usadas para restaurar o carro, Sandy fora providenciar um comunicado para a imprensa de que iria correr no dia seguinte, Fabio gritava com alguém no telefone para que liberasse as entradas do hospital que estavam abarrotadas de gente enquanto Patrícia assistia manusear o tablet que René a entregara para refazer todos os ajustes das configurações que ela queria no carro.
assiste a cena contente.
Depois de muitas emoções vividas no autódromo aquele dia, ele ficava inteiramente feliz por um final agradável.
Seus sentimentos por haviam sido colocados à prova, ele sentiu da pior forma possível. Havia passado por uma percepção completa de sua situação naqueles momentos de agonia e concluiu que não sabia o que faria caso alguma coisa acontecesse com ela. Não seria a melhor das reações, ele tinha certeza.
O desespero que vivenciou abriu os seus olhos para confirmar o que ele já sentia. Estava completamente apaixonado por ela e não conseguia se ver com mais ninguém. Porque era ela “A” pessoa e ele faria questão de cuidar dela o resto de suas vidas.
- Mon amour, vou até a lanchonete. Você quer alguma coisa? – ele pergunta.
- Mon prince, se puder trazer um suco de laranja para mim eu iria agradecer. – ela diz desviando os olhos da tela touch screen para sorrir docemente para ele.
- É para já.
Ele diz e sai do quarto, mas não sem antes ouvir dizer à mãe: - Mãe, já é a décima vez que meu pai liga. Eu já disse para ele que estou bem, mas, por favor, diga a ele você porque aparentemente ele não está acreditando em mim e eu preciso trabalhar.
Ele ri antes de fechar a porta.
A movimentação no corredor do quarto estava menor comparada à hora em que eles haviam dado entrada no hospital. Dois pilotos de GP2 causavam grande alvoroço e não era para se esperar algo diferente. A segurança do hospital garantiu a privacidade deles e reservaram toda uma ala para que eles fossem atendidos sem perturbações.
anda pelo corredor e para em frente à porta de aço após acionar o botão para chamar o elevador que o lavaria até a lanchonete. Em seguida ele escuta uma voz pronunciar à poucos metros dali: - Fico feliz que esteja bem Rob, eu realmente cometi um erro na direção naquela curva. Me desculpe, até mais. Melhoras.
Vinha do quarto igualmente movimentado de Robert.
- Tudo bem, Pedro. Essas coisas acontecem. – escuta a voz do piloto responder e seu estômago se contorce. Ele não sabia que o brasileiro estava envolvido no acidente. – O bom é que tudo ficou bem no final. Exceto os carros, claro. Acho que não vai ter jeito, o que é uma pena. – Robert continua com a voz tristonha – Mas tudo bem, até mais.
Pedro Piquet fecha a porta e sai no corredor para dizer com um sorriso satisfeito no rosto: - Foi realmente uma catástrofe.
automaticamente fica em alerta e Pedro para no meio do corredor, ele não tinha percebido que não estava sozinho.
Eles se encaram.
A porta do elevador abre, ele fica a disposição por um tempo até ser chamado a outro andar e suas portas se fecham nas costas do monegasco.
A campainha do elevador é a largada para que se atirasse em cima do brasileiro.
- Seu filho da puta!
Os três viram-se em sua direção espantados a princípio, mas automaticamente sorri.
- ! – ele diz alegre. – Bom, não era para sermos pegos de surpresa e sim surpreendermos você, mas, aqui está. Feliz aniversário!
E aponta para a mãe.
- Com certeza me pegaram de surpresa. – ela diz sem humor.
Patrícia tira os óculos dos olhos e sorri para a filha com eles marejados.
- Querida! – ela diz e se aproxima dela, abraçando o seu corpo paralisado. sequer sobe os braços para rodeá-la. – Sinto muito por tudo, eu senti tanta a sua falta.
Liza ergue os olhos para o tio, pedindo uma explicação em silêncio.
- É o seu presente de aniversário, .
- Como assim? – ela sopra.
Fabio olha para .
- Ma belle, eu vi o quanto estava infeliz com o distanciamento de vocês duas e entrei em contato com ela para...
- Espera. – ela o interrompe, afastando-se dos braços da mãe. – Você o que?
olha dela á Fabio, sem saber o que dizer.
- , pensamos que você iria adorar tê-la aqui. – Fabio explica.
- Meu amor, eu sei que nós tivemos mal momentos, mas... – a mãe começa.
- Tivemos maus momentos? – a interrompe rindo sem humor, mirando seus olhos. – Não. Eu tive meus maus momentos e você teve os seus. Separadamente. Porque você não quis compartilhar e resolver isso em uma conversa feito a adulta madura que deveria ser.
- ! – Fabio a chama a atenção.
- Não! – a pilota nega, olhado para o tio. – Ela não tem o direito de estar aqui! Não agora. – ela umedece os lábios e vira-se para a mãe novamente – Você teve todas as oportunidades para estar aqui antes, quando eu estava sendo atacada, quando mesmo que negasse eu estivesse morrendo de medo de que não me aceitassem, de que eu não tivesse bons resultados. Eu te liguei, te mandei mensagens, te mandei e-mails... Você não estava lá por mim!
Um silêncio predomina após seu último esbravejo.
Sandy, que estava vindo pelo corredor, fica parada à uma certa distância ao notar a cena.
- , eu sinto muito minha filha. – Patrícia diz contida. – Eu sei que errei, mas não imagina o quanto eu me arrependo...
- Eu não quero saber. – ela a interrompe. – Você sabia o quanto eu te queria aqui, o quanto eu precisava de você... Mesmo que estivesse me xingando, me dizendo que eu estava arriscando a minha vida, mas me apoiando. – sente uma lágrima grossa descer pelo rosto, não poderia se importar menos com aquilo agora. – Meu pai me apoiou, minha amiga me apoiou, meu tio me apoiou, até o me apoiou... Mas você? – ela sorri forçada – Quis ser a dona da razão e dar as costas para mim. Você me ignorou, me deixou no escuro por quase oito meses!
Fabio passa a mão no rosto quente enquanto sequer abre a boca, chocado.
- Chegar aqui no momento de celebração é fácil, depois que eu alcancei vários pódios e virei uma queridinha deles. – engole em seco o bolo na garganta – Você não merece estar aqui comigo agora.
Dito isso, ela dá as costas e sai em passadas rápidas e firmes na direção do camarim. Depois de um tempo eles ouvem a porta bater com violência.
Fabio e se entreolham e Patrícia vira-se em sua direção visivelmente abalada.
- O que foi isso? – Sandy pergunta finalmente aproximando-se do grupo.
- Sandy, essa é a Patrícia. – Fabio apresenta e a empresária assente da direção da mulher. – É a mãe da Liza.
Patrícia sorri sem humor.
- Patrícia, eu sinto muito. – o monegasco se adianta. – Eu não tinha ideia de que ela iria reagir desta forma.
- Eu não a culpo. – a mulher responde. – Ela puxou a minha personalidade forte, claro que não me perdoaria facilmente.
- Você foi uma cretina. – Fabio afirma e o olha alarmado. – O que? Foi mesmo!
- Acho melhor eu ir falar com ela. – Sandy sugere já se encaminhando na direção do camarim.
- Não, Sandy. – Fabio chama sua atenção, fazendo-a parar no meio do caminho. – Deixa que o vá. Acho que os dois precisam disso.
Sandy olha para o rapaz sem controlar a sua tremenda frustração. Aquele garoto já estava se intrometendo demais na vida da sua cliente e ela estava começando a perder a pouca paciência que tinha. Não queria deixar aquilo ser levado para o lado pessoal, mas Leclerc estava definitivamente a tirando do sério.
- Eu vou lá falar com ela, se me derem licença. – o rapaz diz, mas antes se vira para Patrícia: - Você vai ficar bem?
- Vou sim, querido. Obrigada. – diz gentilmente.
passa por Sandy e segue até o camarim nomeado com as iniciais e número da pilota, ele bate na porta algumas vezes com cuidado.
Não tem resposta.
Então ele vira a maçaneta e entra o aposento vagarosamente, vasculhando a sala com os olhos.
Ele encontra sentada no sofá de cabeça baixa.
Não demora a se aproximar logo depois de fechar a porta atrás de si.
- ... – ele diz receoso.
Ela se assusta com a sua presença súbita, mas respira aliviada por ver que ele estava sozinho.
- Me desculpe. – ela diz limpando o rosto molhado com a manga longa da segunda pele que vestia por baixo do macacão. – Não queria incluir você nesse drama familiar.
- Não, eu quem te devo desculpas. – ele diz ajoelhando-se na sua frente, para ficar na altura de seu rosto. – , eu não tinha o direito de me intrometer na sua vida desta forma. Me desculpe. – ele pega ambas suas mãos. – Mas eu te vi tão triste por não ter sua mãe aqui, que não pude não fazer nada. Sabe... – ele respira fundo – Depois que perdi meu pai, eu passei a valorizar todo momento com as pessoas que são importantes para mim e ver que vocês estavam desperdiçando isso... Mas eu não tinha o direito.
Ela sorri em sua direção e acaricia seu rosto.
- Você é um amor. – ela diz com a voz rouca. – Muito obrigada pelo que fez, eu sei que foi a melhor das intenções. Não estou brava com você, ou com meu tio, que eu sei que teve o dedo no meio disso. – eles riem fraco. – Estou brava com ela.
Ele beija a palma da mão dela que está em seu rosto.
- Eu queria tanto que ela estivesse aqui. – ela admite. – Droga, ainda quero. Mas ela me magoou demais. Fiquei no escuro por muito tempo.
- Eu sei. – ele assente. – E você tem toda razão de estar puta com ela. Mas, mon amour, você não acha que essa vida é curta demais para a gente ficar remoendo sentimentos que podem ser resolvidos agora?
Liza fica em silêncio, pensativa.
- O que você fez para trazê-la aqui? – ela pergunta depois de um tempo.
Ele umedece os lábios e engole em seco antes de pronunciar.
- Eu falei para ela que nunca tive a oportunidade de dizer que amava meu pai. – ele declara, pegando-a de surpresa – Eu o amava, eu sei que ele sabia, mas eu era contido demais para dizer em alto e bom som. E me arrependo. Não só por isso, mas por um zilhão de coisas que queria ter feito ou dito á ele e hoje não tenho mais essa chance. – acaricia a mão do rapaz em forma de apoio – Não queria que vocês se arrependessem por não ter feito coisas que podiam ainda em tempo.
- Ela veio porque achou que eu iria morrer, claro. – ela diz revirando os olhos teatralmente e rindo.
- Na verdade, sim. – ri anasalado. – Eu disse a ela que mesmo que ela achasse que você fosse se machucar pilotando, que ela estivesse ao seu lado para curar as suas cicatrizes. Porque se ela não fizesse, iria se arrepender depois.
Liza morde o lábio inferior pensativa. A situação de Mick e o pai também passam pela sua cabeça e ela se sente uma estúpida por estar fazendo tamanho drama sendo que ela era privilegiada por ter os pais vivos e saudáveis.
- Eu fui uma idiota, não fui? – ela diz envergonhada.
- Não foi, não. Você só está magoada.
Liza ri pelo nariz. Em seguida passa as duas mãos pelo rosto e elas ficam por lá, pressionando suas têmporas enquanto ela suspira.
- E eu só te dei uma jaqueta no seu aniversário. – ela diz e eles riem juntos.
- Que está quase andando sozinha de tanto que eu uso.
Liza abaixa as mãos e sobe os olhos até os de , ele percebe que os dela ainda estão marejados.
- Não tenho energia para falar com ela agora. – fala com a voz fraca. – Em 15 minutos começam as classificatórias.
- Não precisa ser agora. – ele diz. – Tudo no seu tempo.
- Obrigada. – ela diz com a voz fanha. – Foi a coisa mais bonita que alguém já fez por mim.
- Não foi como pensei que seria, mas espero que tenha gostado.
Ela sorri e pousa ambas as mãos nos ombros do rapaz, para em seguida acariciar o cabelo de sua nuca vagarosamente enquanto fitava os seus olhos verdes.
- Você é incrível. – ela diz aos murmúrios com os olhos encantados.
Vidrado pelos olhos avelã – que descobrira ser uma cor de olhos fascinante, aproxima o seu rosto do dela para encostar os seus lábios lentamente. Ele pede passagem com a língua e ela cede sem nenhuma resistência.
Suas línguas dançam naquele ritmo úmido e prazeroso e o rapaz sente o familiar arrepio na nuca quando a mão dela brinca com o seu cabelo.
Eles queriam continuar com as carícias por tempo indeterminado, mas tinha que se preparar, pois o treino já estava para começar.
Assim ela se recompôs, lavou o rosto, prendeu o cabelo e de mãos dadas com caminhou até a garagem da Prema.
- “Tsunoda fez 1:36:528. Você voltou para P2. P2, .”
- Quando tempo temos, René? – a pilota pergunta acelerando o carro a modo de iniciar a sua volta rápida.
- “0:07 para acabar.”
- Dá para fazer mais uma volta. Chego na faixa em 0:03. – ela afirma com o pé fundo no acelerador.
- “Isso!” – René comemora – “Passou a tempo, eles consideraram volta aberta.”.
Liza reduz cinco marchas para fazer a curva, para, no meio dela, acelerar e subir até a oitava marcha novamente.
- “Melhor primeiro setor, .”
Ela olha o velocímetro, 356 km/h. Atinge o ponto máximo na reta e reduz novamente até a terceira marcha, para passar as duas curvas seguidas. A traseira do carro pega a aderência certa da pista. volta a acelerar.
Ela passa por um carro lento, provavelmente testando pneus à sua direita, e reduz para entrar na outra curva. No meio dela acelera com potência total.
- “Melhor segundo setor, !” – René esbraveja contente. - “Vantagem de três milésimos!”
Mas ela sequer o escuta, seus olhos e ouvidos estão com atenção total na vibração do volante em suas mãos e as formas que passavam por ela como simples borrões coloridos.
Ela vira na última curva, era a hora da verdade.
Seu coração está palpitando e sua cabeça doendo de ansiedade.
Ela passa a faixa quadriculada e tira o pé do acelerador, o silêncio da parada do motor preveem a algazarra completa.
- “PUTA QUE O PARIU!” – René grita no rádio – “1:36:247! Você conseguiu a porra da pole position, Liza!”
Liza grita e ergue as mãos ao alto, tirando-as do volante.
- É isso aí, meninos! – ela grita feliz no rádio. – Bom trabalho, pessoal, foi realmente um ótimo trabalho!
Em seguida tudo acontece muito rápido, mesmo que aos olhos do público as imagens passavam em câmera lenta.
Um carro na curva antecedente a reta da faixa quadriculada fecha outro que está em alta velocidade. As rodas se tocam e é o que é preciso para os pneus perderem a aderência com a pista, fazendo o carro veloz voar.
Liza, que está logo à frente em uma velocidade reduzida, não vê o carro no alto, mas se assusta com o barulho de ferro que despenca ao chão próximo a ela. Contudo, quando ela olha para o seu retrovisor, só consegue ver a lataria se arrastando em alta velocidade pela pista e vir em sua direção.
Ela tenta acelerar o carro, para tirá-lo do trajeto da sucata amassada que corria de forma alucinante, mas só tem tempo de colocar as mãos na cabeça em forma de proteção.
Ela sente o choque na traseira do carro e, em seguida, na dianteira – devido ao muro na lateral da pista, onde ela, o carro e tudo o que havia ali ficam prensados.
Logo começa a exasperação.
- Acidente na reta da largada! – um comentarista diz alarmado. – Acidente grave na reta da largada!
Imediatamente os atendentes e socorristas da pista correram na direção dos carros.
- Tragam uma ambulância, tragam uma ambulância agora! – pode-se ouvir alguém gritar em um rádio.
- Todos os carros fora da pista. Repito. Todos os carros fora da pista!
Os poucos carros que terminavam de percorrer o circuito entram diretamente para a pista dos boxes. A pista principal está repleta de detrito dos carros que voaram para todos os lados no choque.
Fumaça começa a sair dos carros, um em cima do outro. Ferro prensando ferro.
E nenhum contato visual com ambos os pilotos.
- Caralho! – sai engasgado da boca de Fabio, de dentro da garagem. Seus olhos seguem diretamente para Patrícia, que está estática com os olhos vidrados da tela onde era transmitido o acidente ao vivo.
A tela se apaga e ela se assusta. A transmissão fora cortada.
- O que eles estão esperando? Tirem eles de lá imediatamente! – Sandy aperta o transmissor do rádio, esbravejando aflita.
- Onde está o reboque? – alguém pergunta.
- Precisamos de reboque agora! – outra pessoa grita no rádio. – Vejo vazamento de gasolina, pessoal. Tem vazamento de gasolina.
- Ah, meu Deus!
- Quem são os pilotos? – ouve-se alguém indagar.
- Robert Shwartzman e Benedetti.
, que estava junto à mesa de transmissão da Prema ao lado de René paralisado com o choque do acidente inesperado, desperta e tira dos fones de ouvido as pressas para correr até a divisória da pista interna para a pista principal. Um vidro temperado separava do monte de ferro amassado onde estava.
- Tirem eles de lá! – ele grita batendo no vidro para chamar a atenção dos socorristas – Tirem eles de lá agora!
- Vai pegar fogo logo. Os motores estão quentes, a gasolina vazando. – um dos socorristas diz ao lado dos carros. – Temos que tentar tirá-los sem mover o carro. Qualquer choque mais brusco pode causar chamas.
- O engenheiro da Prema, - outro socorrista grita – tente contato com a pilota. Veja se ela desligou o motor. O vazamento está vindo de lá.
- René, o rádio! – passa a mensagem ao engenheiro aos gritos. – Tenta o rádio!
René se volta rapidamente aos botões de transmissão: - , você me ouve? – ele tenta com as mãos e voz trêmulas – , responde.
Os socorristas se aproximam dos carros e o braço de Robert despenca para fora do cockpit.
- Robert! – um dos socorristas grita. – Consegue me ouvir, rapaz?
O piloto se arrasta com dificuldade e coloca metade do corpo para fora do que sobrara de seu carro. Em seguida ele faz um positivo com a mão esquerda.
Os atendentes se aproximam e o puxam apoiando o corpo do rapaz em seus ombros e braços até tirá-lo por completo do meio dos ferros. Eles o levam até a ambulância que acabara de estacionar do outro lado da pista.
- René, tenta de novo. – pede, o coração martelando o seu peito bruscamente.
- ! – René grita pelo rádio. – , consegue me ouvir?
O autódromo fica completamente em silêncio.
Um chiado falho e intermitente surge no rádio.
- ?
- Re... René! – ela responde de volta e maior parte dos espectadores respiram aliviados.
se divide em prestar atenção na imagem à sua frente e no rádio ao seu lado.
- Você está bem? – o engenheiro pergunta exasperado, os olhos já marejados. – Tem que sair daí agora! Repito, agora!
- Estou...
O rádio falha.
Os socorristas se aproximam do monte de ferros novamente.
- Eu estou presa. – ela diz. – O cinto... – mais chiado – O cinto está me prendendo, não consigo soltar.
- Desligue o motor. – René instrui. – Desligue o motor!
- Já está desligado.
Dito isso René passa a chamada aos socorristas: - Motor desligado, pessoal. Tirem ela de lá!
Então eles entram com os extintores de pó químico, para resfriar o ferro.
- Está quente para caralho aqui. – diz pelo rádio falho. – Estava pensando em pegar uma sauna mais tarde, acho que veio mais cedo do que eu esperava.
René ri, os nervos de sua pele mais relaxados.
Ele olha para e sorri mais tranquilo: - Ela está bem.
O monegasco respira fundo, fechando os olhos e passando a mão pelo rosto quente.
Ela estava bem.
Era o que importava.
No entanto ele não estaria tranquilo enquanto não pousasse seus olhos nela.
Mais extintores são despejados em cima do carro, criando uma grande e grossa camada branca.
Em seguida mais socorristas se aproximam com uma serra sabre manual, uma serra elétrica poderia voltar a superaquecer a fibra de carbono. Eles começam a cortar a lateral do carro de Liza, enquanto outra parte da equipe segurava o carro de cima para não despencar.
- Continua tudo bem aí, garota? – René checa.
- Ainda bem que não sou claustrofóbica, se não estaria fodida. – ela diz e René ri. se permite sorrir também.
O trabalho é feito com muita cautela e cuidado, são 20 minutos de pura agonia para os espectadores.
Quando eles removem a tampa e a perna de cai para fora, prende a respiração. Cuidadosamente os socorristas cortam o cinto e a tiram de dentro do cubículo que seu cockpit havia se tornado.
Eles a levantam e ela dispensa os braços que se ofereciam para carregá-la.
- Estou bem. – ela afirma desafivelando o capacete e tirando-o da cabeça. – Como está o Rob?
- Foi levado para o centro de atendimento do autódromo, mas aparentemente bem. – um dos socorristas a informa.
- Ótimo. – ela diz suspirando aliviada. tira a touca de proteção e se livra dos fones do rádio virando-se para encarar os carros destruídos – Caraca, esse foi dos grandes. – referindo-se ao acidente.
Ela sobe os olhos até o vidro de divisória das pistas e encontra a encarando, com os olhos agoniados e expressão sofrida. Seu coração aperta.
“Eu estou bem.” – ela gesticula com a boca. – “Estou super bem”.
Ele sorri fraco e assente antes de respira fundo, sem tirar os olhos dela.
- , precisamos levá-la ao centro de atendimento também. Só para precauções. – o socorrista, Jeremy, a informa.
- Tudo bem. – ela assete e desvia os olhos dos de , já mais amenos.
Um safety car para próximo a ela e Jeremy indica que ela entre.
- Perdi minha sapatilha. – ela comenta ao reparar um dos pés só com a meia pisando no asfalto. – Mas acho que foi o menor dos danos desta noite.
No quarto de hospital estavam Patrícia, Fabio, , René, Greg, Angelo e Sandy além, claro, de e o seu médico daquela noite.
A pilota havia sido levada ao centro médico de Catalunha para realizar alguns exames mais profundos, só para desencargo de consciência. A batida havia sido muito forte e eles queriam ter plena certeza de que ela estava bem.
- Não houve dano algum pelo choque, nenhuma fratura, corte superficiais ou lesão interna. Você teve muita sorte, . Os carros de hoje em dia são equipados com o melhor que tem para segurança do piloto. – o doutor informa. – Seus exames estão todos O.K. e você estará liberada daqui a algumas horas se não apresentar nenhum sintoma incomum.
- Ou o senhor poderia me liberar agora, já que disse que eu estou O.K. – diz com um sorriso de súplica.
O médico, Steven, ri.
- Você tem que ficar em observação por algumas horas, mocinha. – ele diz. – O quadro não é perigoso, mas pode vir a ter alguma agravação durante um certo período após o evento. E queremos que esteja por aqui caso venha a acontecer. Só por precaução.
- Escute o doutor, querida. Ele só quer o melhor para a sua saúde. – Patrícia diz, acariciando os cabelos da filha. Ela estava sentada na beirada da maca em que fora colocada contra a sua vontade – Muito obrigada, Dr. Steven.
- Estou às ordens. – ele sorri e antes de se retirar do quarto, fala: – Volto a falar com vocês em breve.
Liza respira fundo.
- Temos muito trabalho a fazer e esse cara me segurando aqui. – ela resmunga.
- Do que está falando? – a mãe pergunta.
- Do carro que temos que arrumar. – ela explica e vira-se para René. – Me fala que ainda temos chance de correr amanhã.
A sala fica em clima de um misto de expectativa com surpresa.
- Liza, o carro foi completamente destruído. – René diz. – Não sobraram muitas peças, teríamos que reconstruí-lo completamente.
- E isso faria eu perder a minha pole. – ela diz suspirando.
- Além de que teríamos que usar peças já usadas para não sermos desclassificados ou perdermos os pontos da classificação geral. – René continua.
- Mas - ela umedece os lábios, aflita. – existe uma possibilidade? – ela encara o engenheiro – Por menor que ela seja.
René fica em silêncio, fitando a pilota enquanto pensava. Por fim ele assente fraco.
- Teriam que virar a noite trabalhando. – Fabio intervém.
- Não é problema algum. – René sorri animado. – O farei com prazer.
Liza sorri para o engenheiro.
- Mas, gente... – Fabio chama a atenção do grupo – Por mais árduo que seja o trabalho, não terão um carro com potência total. Além do fato de que a vai ser jogada para o final do grid. Digo... – ele se aproxima da cama. – Você acabou de sofrer um acidente grave, nós e o público vamos entender se você não estiver presente amanhã na corrida.
- Você ouviu o doutor falar estou completamente bem e eu estou me sentindo bem. – ela diz convicta. – Não me fale que você, logo você, está aqui para me brecar.
Fabio suspira.
- Não, mas depois do que eu vi hoje... – ele morde o lábio inferior – Realmente fiquei com medo de te perder, pequena. – o homem acaricia o ombro da jovem.
- Todos ficamos. – Sandy declara com sua face, antes inabalável, de olhos e nariz vermelhos.
Liza corre os olhos pelos rostos ao seu redor, faces amedrontadas lhe pediam implicitamente para não continuar.
- Eu não tenho medo. – ela diz com convicção – Não posso ter medo.
- Vamos entender se estiver. – Angelo é quem se pronuncia.
- Mas eu não estou. – ela confirma veemente. – Se algum dia um piloto sentir medo de morrer na pista, ele pode se aposentar porque a carreira está fadada ao fracasso.
sorri, ele entendia completamente aquele sentimento.
Ele não tinha medo de arriscar a sua vida, no entanto não tinha o mesmo controle quando as pessoas com que se importavam eram expostas ao perigo. Passava por aquilo com seu irmão mais novo, que também se aventurava na Fórmula 3 e, agora com Liza.
Mas não seria ele quem a impediria de fazer o que quisesse.
- Eu sei o que estão sentindo. – diz, e apertando a mão da mãe, complementa: - Principalmente você. – e se volta aos demais – Mas eu não vou me abater por um acidente. Essas coisas acontecem a todo o momento neste esporte. Esse foi o primeiro e tenho certeza de que não vai ser o último. Vocês precisam superar. Ponto.
Patrícia estremece.
- A única coisa que eu preciso é que estejam ao meu lado, porque isso é um trabalho em equipe e sozinha eu sei que não consigo. – diz. – Me ajudem e eu prometo que saio vitoriosa daquela maldita corrida. Agora é questão de honra.
Angelo e René sorriem, acompanhados de Sandy, Fabio e, por último, Patrícia.
O que a mulher mais queria era pegar a sua filha, levá-la de volta para casa, para que pudesse cuidar dela e nunca mais deixá-la escapar. Mas ela sabia que não podia mais, não tinha cinco anos de idade e agora ela finalmente tinha entendido que tinha que aceitar as decisões da filha, porque senão ela a perderia.
Custou a entender que a vida de sua filha não tinha que ser conforme suas vontades, mas que para tê-la por perto ela teria que engolir o seu orgulho e somente rezar para que ela ficasse bem.
Foi uma surpresa que Patrícia foi a pessoa a quem pediu para estar ao seu lado no hospital enquanto realizava os exames, e agora que ela tinha a aceitado de volta em seu coração a mãe tentaria o seu máximo para não deixar que nada abalasse a sua relação.
O quarto de repente está em completo falatório, o engenheiro e chefe de equipe aos telefones para providenciar peças usadas para restaurar o carro, Sandy fora providenciar um comunicado para a imprensa de que iria correr no dia seguinte, Fabio gritava com alguém no telefone para que liberasse as entradas do hospital que estavam abarrotadas de gente enquanto Patrícia assistia manusear o tablet que René a entregara para refazer todos os ajustes das configurações que ela queria no carro.
assiste a cena contente.
Depois de muitas emoções vividas no autódromo aquele dia, ele ficava inteiramente feliz por um final agradável.
Seus sentimentos por haviam sido colocados à prova, ele sentiu da pior forma possível. Havia passado por uma percepção completa de sua situação naqueles momentos de agonia e concluiu que não sabia o que faria caso alguma coisa acontecesse com ela. Não seria a melhor das reações, ele tinha certeza.
O desespero que vivenciou abriu os seus olhos para confirmar o que ele já sentia. Estava completamente apaixonado por ela e não conseguia se ver com mais ninguém. Porque era ela “A” pessoa e ele faria questão de cuidar dela o resto de suas vidas.
- Mon amour, vou até a lanchonete. Você quer alguma coisa? – ele pergunta.
- Mon prince, se puder trazer um suco de laranja para mim eu iria agradecer. – ela diz desviando os olhos da tela touch screen para sorrir docemente para ele.
- É para já.
Ele diz e sai do quarto, mas não sem antes ouvir dizer à mãe: - Mãe, já é a décima vez que meu pai liga. Eu já disse para ele que estou bem, mas, por favor, diga a ele você porque aparentemente ele não está acreditando em mim e eu preciso trabalhar.
Ele ri antes de fechar a porta.
A movimentação no corredor do quarto estava menor comparada à hora em que eles haviam dado entrada no hospital. Dois pilotos de GP2 causavam grande alvoroço e não era para se esperar algo diferente. A segurança do hospital garantiu a privacidade deles e reservaram toda uma ala para que eles fossem atendidos sem perturbações.
anda pelo corredor e para em frente à porta de aço após acionar o botão para chamar o elevador que o lavaria até a lanchonete. Em seguida ele escuta uma voz pronunciar à poucos metros dali: - Fico feliz que esteja bem Rob, eu realmente cometi um erro na direção naquela curva. Me desculpe, até mais. Melhoras.
Vinha do quarto igualmente movimentado de Robert.
- Tudo bem, Pedro. Essas coisas acontecem. – escuta a voz do piloto responder e seu estômago se contorce. Ele não sabia que o brasileiro estava envolvido no acidente. – O bom é que tudo ficou bem no final. Exceto os carros, claro. Acho que não vai ter jeito, o que é uma pena. – Robert continua com a voz tristonha – Mas tudo bem, até mais.
Pedro Piquet fecha a porta e sai no corredor para dizer com um sorriso satisfeito no rosto: - Foi realmente uma catástrofe.
automaticamente fica em alerta e Pedro para no meio do corredor, ele não tinha percebido que não estava sozinho.
Eles se encaram.
A porta do elevador abre, ele fica a disposição por um tempo até ser chamado a outro andar e suas portas se fecham nas costas do monegasco.
A campainha do elevador é a largada para que se atirasse em cima do brasileiro.
- Seu filho da puta!
Capítulo 10
Pedro é lançado a prateleira repleta de remédios, que se espalham pelo chão. segura-o pela gola da jaqueta e o prensa contra a madeira de forma arrogante. O brasileiro tenta se soltar, mas o rosto vermelho e olhos raivosos do monegasco o calam de comentários ácidos ou maiores reações.
O corredor está vazio e nem mesmo as câmeras flagram aquele momento de descontrole, contudo ainda se o lugar tivesse repleto de pessoas não conseguiria se conter por tamanha repulsa e raiva que assumiram o seu corpo.
- Foi você! – esbraveja.
- Eu o quê, Leclerc? Tá louco? – o rapaz pergunta alarmado. – Me solta, cara.
- Causou o acidente. – o monegasco diz entredentes. – Você fechou o Robert de propósito. Ela poderia ter se machucado feio, Piquet!
- Me larga, Leclerc. – Pedro diz, tentando se soltar. Ele vê alguém passar longe no corredor e grita: – Alguém, ajuda aqui!
- Diz! – o pressiona ainda mais. – Foi de propósito?
Pedro encara o monegasco nos olhos e seus lábios se erguem involuntariamente, não era algo que ele conseguisse controlar. Era explícita sua tamanha satisfação por ter menos dois competidores na corrida.
- Desgraçado. – diz e acerta um soco no rosto do brasileiro.
Pedro cai no chão e cospe sangue da boca, também tosse algumas vezes, antes de se erguer lentamente. Ele limpa o sangue da bochecha com as costas da mão e volta a encarar .
- Admita em bom e alto tom, eu quero ouvir você dizer. – o piloto o puxa pela gola da camisa novamente, agora respingada pelo líquido vermelho. No entanto, antes que Pedro respondesse duas mãos afastaram de forma brusca do brasileiro.
- Admite, seu merda! – grita, sendo contido por dois seguranças. – Não seria a primeira vez.
Um enfermeiro vai até Pedro e pergunta se ele está bem, conferindo o sangue que escorria do corte que abriu em sua bochecha e lábio.
- Eu sinceramente não sei do que você está falando, Leclerc. – Pedro diz tranquilo, com a face sínica. – Acidentes acontecem, você mais do que ninguém deveria saber disso. Claro que eu não colocaria a vida dos meus colegas em risco.
- Se você planejou isso, eu juro...
- ? – a voz de Sandy surge no final do corredor o interrompendo. – O que está acontecendo aqui?
A loira se aproxima rapidamente alarmada.
- Não foi nada demais. – Pedro se adianta em dizer. – Só um pequeno desentendimento entre ex-colegas.
respira fundo e se surpreendentemente consegue se controlar. Os seguranças conferem o estado do monegasco antes de soltar o aperto.
- Meu Deus, você bateu nele? – a empresária questiona ao notar o brasileiro com sangue no rosto e roupas, e entra no campo de visão de . – O que deu em você?
Por um relance consegue ver Pedro sorrir novamente.
- Eu vou te matar, Piquet! – o monegasco esbraveja ao brasileiro e os seguranças se reaproximam, segurando-o pelos braços.
- Sem violência, Leclerc. – Pedro ri erguendo as mãos em forma de rendição. E diz ao enfermeiro: - Eu já estava de saída, obrigado. Estou bem. – ele passa pelo piloto – Você precisa de tratamento, . Tem uns parafusos a menos aí.
Eles observam o brasileiro caminhar tranquilamente até o elevador e ir embora.
Os seguranças olham ainda receosos e ele diz: - Estou bem, podem ir. Obrigado. E... Me desculpem por isso. – ele aponta para os medicamentos caídos ao chão, frascos quebrados e embalagens destruídas.
- Limpeza no corredor cinco. – o enfermeiro diz a alguém por seu pager.
Assim que os demais se vão e ficam somente o piloto e a empresária no corredor, Sandy chama a atenção dele ao cruzar os braços à frente do peito e encará-lo com olhos sérios.
- Vai me falar o que está acontecendo aqui?
respira fundo e passa as mãos pelo rosto vermelho antes de dizer: - Vamos, eu te pago um café.
(...)
- O que aconteceu com a sua mão? – pergunta à ao notar a base da mão avermelhada e adquirindo uma coloração roxa.
Ele olha para a própria mão e franze a testa.
- Trombei na mesa de transmissão na correria do acidente, eu acho. – ele diz dando de ombros – Fico roxo com facilidade.
- O próprio pêssego. – ela ri e o abraça de lado, pegando o tablete das mãos dele para rever as configurações do carro que era reconstituído em sua frente. a aperta em seus braços e apoia o queixo no topo da cabeça da pilota.
Há exatos 40 minutos, havia recebido a liberação do médico para ir para o seu quarto de hotel e ter uma noite tranquila de repouso. No entanto, ao invés disso, ela correu com o engenheiro chefe e os mecânicos para a garagem da Prema para ajudar na reconstrução.
O relógio marcava três e trinta da madrugada e os rapazes trabalham com agilidade e destreza, vez ou outra tomando goles e goles do café que Fabio trazia da lanchonete em viagens frequentes.
- Toc, toc – a voz de Mick soa na entrada da garagem – Uau, estamos a todo vapor por aqui.
- Mick. – sorri se soltando de . – O que está fazendo aqui?
- Eu fui te visitar no hospital, mas não me deixaram entrar porque aparentemente o quarto já tinha ultrapassado o limite de visitantes. – ele diz se aproximando da mesa de central da engenharia mecânica, onde e estavam. – Sandy me avisou que tinha sido liberada e eu imaginei que estaria por aqui. Você está bem?
- Sem nenhum arranhão. – ela sorri para o parceiro ao dar uma volta girando os pés em 360 graus.
- Isso me deixa muito feliz, você deu um baita susto na gente. – ele declara. – Parabéns pela sua pole, e sinto muito que tenha que sair em último lugar pelo descuido de um moleque idiota.
- Robert estava terminando a volta rápida, a culpa não foi dele. – diz tranquilamente.
- Não estou falando dele, - Mick diz e fica em alerta. – o Piquet foi quem deu uma fechada sem sentido nele. Ele estava no teste de pneus, não tinha que entrar para os boxes naquela hora.
franze a testa e diz: - Você tem o vídeo do acidente aí? Eu ainda não vi.
Mick tira o celular do bolso do short que usava e a entrega depois de clicar algumas vezes na tela.
A pilota assiste o vídeo com atenção, voltando algumas vezes para o momento da fechada.
- Isso não tem sentido nenhum. – ela concluí, devolvendo o celular ao parceiro. – O Pedro tem feito muita burrada ultimamente nas pistas, o pior é que sempre acaba envolvendo outros pilotos. É perigoso.
- Não é à toa que ele não pontuou no campeonato inteiro. – Mick dá de ombros.
- A superlicença dele vai ser suspensa. – diz sério. – É muita irresponsabilidade para alguém que pilota uma máquina com tantos cavalos de potência.
- É, - entorta o nariz, não notando tamanha seriedade em que o monegasco abordara o assunto – é uma pena. Ele é gente boa, só deve estar passando por uma fase ruim.
se afasta de forma discreta, fingindo prestar atenção em um detalhe da colocação da asa dianteira.
- De qualquer forma... – sorri ao parceiro – Obrigada pela preocupação, mas não precisava vir até aqui no meio na noite para ver se eu estava bem. Vai descansar, precisa estar totalmente disposto daqui algumas horas.
- Você também. – ele rebate.
- Eu tenho que ficar para ajudar, vez ou outra René precisa de algumas medidas e eu não quero que algo dê errado porque eu me dei ao luxo de ir dormir. – ela ri anasalada – Se eles vão ficar acordados, eu também vou.
- Eu sei, é típico de você. – Mick ele diz e ela ri – Eu também vim para ajudar.
- O que? – ela indaga confusa.
- Tem algumas peças no meu porta-malas que foram tiradas do meu carro por pouso desgaste, estão quase novas. Convenci meu engenheiro a ceder neste caso, ele queria guardá-las por precaução, mas o campeonato está próximo ao fim e acho que não vamos precisar delas. – ele revela. – Achei que poderiam servir aqui.
- Isso é maravilhoso, Mick. – ela sorri e abraça o parceiro. – Obrigada.
- Não por isso.
- René, - chama a atenção do engenheiro, que sai de baixo do carro suspenso. – Mick trouxe mais brinquedinhos para você.
(...)
- Não acredito que conseguimos. – Greg diz acertando os cintos do carro em , já no cockpit. – Foi exaustivo, mas vai valer a pena.
- Vou fazer valer a pena por essas 30 horas acordados, Greg. – diz abrindo a viseira do capacete para olhar para ele e os demais da equipe técnica ao redor do carro, que terminavam de conferir as adequações já na pista. – Obrigada a todos vocês, fizeram um trabalho maravilhoso. Vocês são incríveis!
A equipe salda, mas o som é abafado devido às demais pessoas que também estão na pista. 21 carros, 21 pilotos e mais de 200 técnicos e funcionários correndo de um lado ao outro para conferir se estava tudo conforme o planejado.
Greg conecta o tubo da água ao capacete de e o fone da roupa ao rádio no volante.
- Você está bem? – Greg checa.
- Estou ótima. – ela confirma.
- Eu tinha que perguntar. – ele diz sorrindo de excitação – Boa sorte, garota! – Greg deseja ao apertar seu ombro antes de se afastar.
- Chegando rádio. – ela diz apertando o botão no volante e fechando a viseira do capacete.
- “Rádio está O.K. ” – ela escuta a voz de René confirmar. – “30 segundos para a volta de apresentação”
No mesmo instante todas as pessoas que estavam ao redor dos carros se retiram do meio da pista e ocupam as laterais.
Ficam somente os carros na pista com os seus respectivos pilotos.
Os motores são ligados.
O sinal no projetor indica que está aberta a volta de apresentação e o primeiro colocado sai, seguido pelos demais da fileira. sai por último, tentando ignorar a frustração pelo fato de que estaria pela primeira vez largando na frente no campeonato.
- René, me atualiza de quem está na minha frente. Por favor. – ela pede guiando com tranquilidade.
- “Do último ao primeiro temos você, Marino Sato, Sean Gelael, Pedro Piquet, Roy Nissany, Artem Markelov, Giuliano Alesi, Juri Vips, Nobuharu Matsushita, Jack Aitken, Marcus Armstrong, Jeha Daruvala, Dan Ticktum, Luca Ghiotto, Felipe Drugovich, Louis Deletraz, Christian Lundgaard, Guanyu Zhou e os três primeiros Nikita Mazepin em terceiro, Yuki Tsunoda em segundo e Mick em primeiro”.
- Entendido. – ela diz.
- “Vamos de plano C, podemos usar o 35H...”
- Não. – ela o interrompe – Vamos de plano A.
- “, chegar entre os dez primeiros já vai ser ótimo. Não extrapole.” – René pede.
- Não fizemos tudo isso para ficar entre os dez primeiros. Eu estou aqui para ganhar essa merda. – ela diz com convicção.
- “Tudo bem. Vamos com o plano A.” – René responde e ela sabe que o engenheiro sorri.
Os carros se reposicionam nas suas marcas do grid de largada. é a última da fileira a chegar à sua marca.
O ronco dos motores obstrui o silêncio.
- “30 segundos” – René a alerta e aperta os dedos em torno do volante com os olhos em contato direto com os faróis de largada.
Seu coração bate forte no peito, ela podia sentir cada batimento ecoar em sua cabeça.
O primeiro farol se acende, seguidos pelos demais cinco segundos condizentes a cada luz vermelha que se iluminava.
Os motores roncam de ansiedade.
Quando todas as luzes se apagam, pisa fundo no acelerador e seu pneu canta pouco antes de levá-la à frente.
Havia começado.
joga o carro para o meio da pista e fica à frente da primeira fileira de carros, em seguida, desvia de mais um à sua frente jogando para a lateral e entrando na fila de carros.
Antes da primeira volta ela consegue jogar o carro contra mais dois e assume mais posições.
- “Largada sensacional, . P15. Você passou para P15.”
sorri e foca no carro da DAMS à sua frente
- “Pressiona o Vips, você tá com uma vantagem de oito segundos do Alesi.”
acelera e investe pela lateral, mas o piloto segura a sua posição. Ela tenta pelo outro lado e novamente o carro da frente segue a sua movimentação.
Pelo retrovisor, vê o carro de Alesi se aproximando e tomando a direita pouco antes das curvas. Ela reduz a velocidade e o carro a ultrapassa, continuando pela direita na reta pós-curva.
Ela vê Alesi pressionar Vips pela direita e acelera pela esquerda, deixando os dois carros para trás em segundos.
- “Muito bom. P14. O próximo está a 9 segundos”.
Ela olha pelo retrovisor e vê que os carros atrás estão longe e ainda brigando pela posição, o que a deixa mais tranquila, portanto aperta a configuração de preservar potência na próxima curva.
Ela corre três voltas até René a alertar: - “Armstrong está a 5 segundos. Pressione ele.”
pisa no acelerador e passa para a oitava marcha. Ela fica lado a lado com o carro e força a potência, que está carregada. Assim ela faz a ultrapassagem no meio da curva da saída da reta.
- “Isso, garota!” – René comemora no rádio. – “P13.”
Depois de 15 voltas percorridas, e tendo feito mais três ultrapassagens limpas, ouve René pelo rádio: - “Estamos com uma vantagem de 24 segundos, sem trânsito na reta. Têm Safety car virtual nesta volta, vamos aproveitar para uma parada. Box, box.”
Ela se direciona à pista interna e para o carro completamente para que rapidamente os seus mecânicos trocassem seus pneus já gastos.
Em menos de três segundos ela está liberada para voltar à pista.
- Me atualize, René. – pede.
- “P10, . Felipe Armstrong está na sua frente por 16 segundos.”
- Vamos pressionar ele, então.
Faltando dez voltas para o final da corrida, está em uma emocionante disputa com Yuki Tsunoda pela terceira colocação. Nikita Mazepin havia ultrapassado os dois e tomado o segundo lugar.
- “Área livre para a DRS, ” René a alerta.
- Não. – ela nega. – Com ele vai ser na raça.
Ela escuta o engenheiro rir pelo rádio e abre a asa traseira alguns graus para o corte do ar. Em seguida aperta a configuração no volante e sua dianteira fica à poucos milímetros à frente do adversário.
Na terceira curva ela passa à frente e toma uma distância boa de diferença de Tsunoda.
- “P3 LIZZIE!” – René comemora aos gritos. – “P FUCKING 3!”
ri.
- You can’t touch this, bum bum bum bum (Você não pode tocar nisso) – ela canta contente e consegue ouvir as risadas do engenheiro.
Cinco voltas para o final da corrida.
está atrás de Mick, que tinha sido ultrapassado por Mazepin.
- Pressiono? – ela pergunta ao engenheiro.
- “Positivo.” – René responde de forma curta.
corta por dentro na curva que sabia que Mick fazia aberta e ultrapassa o parceiro de equipe. No entanto, Mick ataca de volta e eles ficam lado a lado.
A próxima curva é à esquerda e beneficia Liza, que consegue sair na frente e acelerar para tomar distância de Mick. Ela sobe um pouco na zebra, mas logo retoma a direção para a pista.
Mick está na sua cola.
- “Como estão seus pneus?” – O engenheiro pergunta.
- Bons o bastante para tentar o primeiro lugar. – ela diz.
- “Você tem que segurar o Mick primeiro, ele está com dois segundos de diferença de você.”
- Eu consigo. – ela diz e grunhe. – EEEEEEERG!
René ri.
- “Você já é uma vitoriosa por estar aí, .” – o engenheiro diz. – “Você largou na P20. P20!”.
- E seria histórico se eu ganhasse. – Ela sorri animada. – Só me fala quanto estou de diferença dele.
- “Ele está a três segundos de diferença, faltam três voltas. Vai com tudo.”
Ela acelera e coloca na oitava marcha, o carro triplica a velocidade. Seu coração acelera conforme os números vão aumentando. olha rapidamente o velocímetro, 368 km/h.
Ela reduz ao chegar na curva. Na sua saída, Mick a ultrapassa.
- Merda!
Ela passa as marchas novamente e cola no seu parceiro, mas Mick não está disposto a deixá-la passar tão facilmente.
Ele cola em Mazepin. Está uma fileira de três carros à toda velocidade.
- “Uma volta para o final”
Mazepin reduz, em frente vinha um retardatário.
- Trânsito, René. – ela diz no rádio.
- “Vai com tudo no modo 5G.”
Eles estavam próximos a curva antecedente à reta da faixa quadriculada. Ela teria que ser cuidadosa, além de veloz.
Ela joga a direita e depois rapidamente à esquerda, driblando Mick. Eles ficam lado a lado e ela acelera.
À frente vinha Mazepin já reduzindo.
Eles se aproximam.
Os olhos de na pista e o dedo no botão de redução de marcha.
Eles estavam se testando, quem cederia por último.
Faltavam poucos metros até Mazepin. Mick reduz seguido de Liza, que fica na frente.
O retardatário os dá passagem.
Na curva para a esquerda, ela tenta ir por dentro e é fechada por Mazepin, mas rapidamente joga para fora e consegue ultrapassar o adversário.
Ela chega na reta da faixa quadriculada.
No muro de divisória ela consegue ver de longe sua equipe pendurada, aguardando somente que ela ultrapassasse a linha com a placa indicando sua posição. P1.
Ela acelera, ativando a potência total do motor.
Os carros estão parcialmente pareados. Mazepin está com a frente do carro rente ao capacete de Liza.
Ela segue firme com o pé no acelerador.
Faltavam poucos metros.
A frente de Mazepin passa a ficar rente ao seu volante, tomando cada vez mais posição.
Ela desvia os olhos do carro ao lado e visualiza a faixa quadriculada à centímetros na sua frente.
Prende a respiração.
O silêncio precoce à tremenda gritaria.
- “VOCÊ CONSEGUIU!” – ela escuta René no rádio – “P1 LIZZIE!”.
- AAAAAAAAAAH! – ela grita.
Fogos de artifício são disparados e as luzes refletem na lataria do carro.
Ela consegue ouvir a multidão gritar seu nome.
continua guiando pela pista na quinta marcha.
- É isso aí! – ela comemora – Conseguimos, meninos!
- “, Angelo falando. Parabéns! Muito bom trabalho!” – ela escuta seu chefe de equipe. – “Que corrida você fez, garota! O pódio hoje é seu! Absolutamente merecido! Não poderia ser de outra pessoa.”
- Obrigada, Angel! – ela esbraveja feliz – Muito obrigada a todos da equipe. Isso não seria possível sem vocês. Fizeram um trabalho maravilhoso! Maravilhoso, garotos! É isso aí!
Ela escuta alguns gritos de celebração pelo rádio.
“, é o Greg aqui. Parabéns! Excelente trabalho! Eu sabia!”
Ela torna a gritar de felicidade.
Percorre o fim do trajeto automaticamente, suas mãos trabalhavam de forma automática.
- O Mick, que posição ele ficou? – ela pergunta.
- “P2. O garoto estava à sua esquerda. Foi bonito de se ver.” – René diz.
- Isso! – ela celebra. – Muito bom! O resultado foi ótimo para a equipe hoje. P1 e P2! Que dia, pessoal! Que dia! Parabéns à equipe, isso foi um trabalho impressionante!
Terminado o trajeto, ela entra na reta dos boxes e reduz a velocidade, parando pela primeira vez na placa com o número 1.
Ela desliga o motor e fica por um tempo absorvendo aquele momento.
Todas aquelas vozes gritando o seu nome e os flashes das câmeras disparando em sua direção. Ela sorri extasiada.
desafivela o seu cinto e tira o volante do encaixe no painel para se levantar.
Coloca o volante na dianteira do carro antes de saltar para fora do cockpit. Já do lado de fora, ela ergue os dois braços e é ovacionada pelo público.
Dezenas de pessoas à sua frente gritavam e aplaudiam.
Ela não poderia estar mais emocionada.
Sua equipe está na lateral, após uma grade que separava a chegada dos carros do público. Ela imediatamente corre para lá e se joga em cima deles, que a seguram ao mesmo tempo que gritavam de emoção.
René a segura pelo capacete, obrigando-a olhar diretamente para ele.
- Você é foda, garota!
- Nós fizemos isso, René! – ela diz sorridente.
- Não. – ele nega com a cabeça emocionado – Você fez isso! – e bate no capacete.
Em seguida, Mick se junta a eles e também é ovacionado.
- Mick! – ela grita e o abraça. – Parabéns!
- Parabéns, ! – ele grita de volta a apertando. – Estou tão orgulhoso!
Eles pulam ainda abraçados, aos risos.
A equipe começa uma cantoria de OLE OLE OLE OLE e sente os olhos molharem automaticamente. Aquele era o mesmo canto que saldavam Senna quando ele ganhava uma corrida.
Ela e Mick se afastam.
Ela respira fundo, erguendo a cabeça ao alto. Não queria chorar.
Ela tira o capacete, puxa a toca da cabeça e olha para sua equipe orgulhosa.
Eles continuam a aplaudir.
Em seguida, ela é parabenizada pelos pilotos que passam por ela e logo é conduzida para as entrevistas.
Inúmeros gravadores, microfones e câmeras são apontados em sua direção.
- , Eduardo Silva, SporTV brasileira. – o repórter se apresenta.
- Finalmente um brasileiro! – ela celebra em português e ele sorri. Logo ela continua em inglês: - É um prazer te conhecer, Eduardo.
- Primeiramente, quero te parabenizar pelo primeiro lugar, foi uma corrida com emoções à cada curva. – ele diz. – Posso dizer com certeza que foi a corrida preferida da maioria dos fãs do esporte de toda a temporada. Você fez história hoje.
- Muito obrigada. – ela diz sorrindo.
- Como está se sentindo ao saber que está somente a dois pontos de diferença da liderança do campeonato, que é do seu parceiro Mick? – ele pergunta.
- Eu não tenho como me expressar em palavras. – ela respira fundo, contendo a excitação explicita no tremor de suas mãos. – Com certeza fico muito feliz com essa conquista, foi um grande feito para toda a equipe. Tanto em P1 e com o P2 do Mick, só tenho a agradecer todo o esforço de cada um. Eles fizeram um trabalho excepcional e eu estou feliz, com certeza.
- Sobre esse trabalho, que teve que ser dobrado devido ao acidente de ontem. Como que foi a experiência?
- Não foi a das melhores. – ela diz fazendo uma careta e ri junto com o jornalista. – Mas é o que acontece nesse esporte, acidentes são inevitáveis. Tivemos sorte que não foi tão grave quando aparentou. Graças à equipe bem treinada de segurança que fizeram os procedimentos corretos, estamos aqui hoje bem e saudáveis. Eu fico completamente grata a todos os envolvidos.
- Obrigado, . – Eduardo agradece – Estou ansioso para ouvir o hino do Brasil como P1 hoje.
Saindo das entrevistas ela teria que passar pela pesagem antes de se preparar para subir ao pódio e é para lá que é direcionada.
O seu sorriso não poderia estar maior no rosto.
Ela estava tão feliz que chega doía em seus músculos.
Mas deveria desconfiar.
Muito já tinha ouvido da sabia avó que a vida era uma constante montanha russa de emoções. Sempre estaria nos extremos de felicidade e tristeza, especificamente nos altos e baixos da vida.
Ela com certeza tinha experimentado o momento mais alto de sua vida aquela noite.
Só não poderia imaginar que a queda seria tão rápida e fatal.
Seu peito gela ao ver três fiscais usando uniformes com a sigla FIA parados na entrada do setor de pesagem acompanhados de Angelo, Sandy e Fabio.
Ela engole em seco.
O corredor está vazio e nem mesmo as câmeras flagram aquele momento de descontrole, contudo ainda se o lugar tivesse repleto de pessoas não conseguiria se conter por tamanha repulsa e raiva que assumiram o seu corpo.
- Foi você! – esbraveja.
- Eu o quê, Leclerc? Tá louco? – o rapaz pergunta alarmado. – Me solta, cara.
- Causou o acidente. – o monegasco diz entredentes. – Você fechou o Robert de propósito. Ela poderia ter se machucado feio, Piquet!
- Me larga, Leclerc. – Pedro diz, tentando se soltar. Ele vê alguém passar longe no corredor e grita: – Alguém, ajuda aqui!
- Diz! – o pressiona ainda mais. – Foi de propósito?
Pedro encara o monegasco nos olhos e seus lábios se erguem involuntariamente, não era algo que ele conseguisse controlar. Era explícita sua tamanha satisfação por ter menos dois competidores na corrida.
- Desgraçado. – diz e acerta um soco no rosto do brasileiro.
Pedro cai no chão e cospe sangue da boca, também tosse algumas vezes, antes de se erguer lentamente. Ele limpa o sangue da bochecha com as costas da mão e volta a encarar .
- Admita em bom e alto tom, eu quero ouvir você dizer. – o piloto o puxa pela gola da camisa novamente, agora respingada pelo líquido vermelho. No entanto, antes que Pedro respondesse duas mãos afastaram de forma brusca do brasileiro.
- Admite, seu merda! – grita, sendo contido por dois seguranças. – Não seria a primeira vez.
Um enfermeiro vai até Pedro e pergunta se ele está bem, conferindo o sangue que escorria do corte que abriu em sua bochecha e lábio.
- Eu sinceramente não sei do que você está falando, Leclerc. – Pedro diz tranquilo, com a face sínica. – Acidentes acontecem, você mais do que ninguém deveria saber disso. Claro que eu não colocaria a vida dos meus colegas em risco.
- Se você planejou isso, eu juro...
- ? – a voz de Sandy surge no final do corredor o interrompendo. – O que está acontecendo aqui?
A loira se aproxima rapidamente alarmada.
- Não foi nada demais. – Pedro se adianta em dizer. – Só um pequeno desentendimento entre ex-colegas.
respira fundo e se surpreendentemente consegue se controlar. Os seguranças conferem o estado do monegasco antes de soltar o aperto.
- Meu Deus, você bateu nele? – a empresária questiona ao notar o brasileiro com sangue no rosto e roupas, e entra no campo de visão de . – O que deu em você?
Por um relance consegue ver Pedro sorrir novamente.
- Eu vou te matar, Piquet! – o monegasco esbraveja ao brasileiro e os seguranças se reaproximam, segurando-o pelos braços.
- Sem violência, Leclerc. – Pedro ri erguendo as mãos em forma de rendição. E diz ao enfermeiro: - Eu já estava de saída, obrigado. Estou bem. – ele passa pelo piloto – Você precisa de tratamento, . Tem uns parafusos a menos aí.
Eles observam o brasileiro caminhar tranquilamente até o elevador e ir embora.
Os seguranças olham ainda receosos e ele diz: - Estou bem, podem ir. Obrigado. E... Me desculpem por isso. – ele aponta para os medicamentos caídos ao chão, frascos quebrados e embalagens destruídas.
- Limpeza no corredor cinco. – o enfermeiro diz a alguém por seu pager.
Assim que os demais se vão e ficam somente o piloto e a empresária no corredor, Sandy chama a atenção dele ao cruzar os braços à frente do peito e encará-lo com olhos sérios.
- Vai me falar o que está acontecendo aqui?
respira fundo e passa as mãos pelo rosto vermelho antes de dizer: - Vamos, eu te pago um café.
- O que aconteceu com a sua mão? – pergunta à ao notar a base da mão avermelhada e adquirindo uma coloração roxa.
Ele olha para a própria mão e franze a testa.
- Trombei na mesa de transmissão na correria do acidente, eu acho. – ele diz dando de ombros – Fico roxo com facilidade.
- O próprio pêssego. – ela ri e o abraça de lado, pegando o tablete das mãos dele para rever as configurações do carro que era reconstituído em sua frente. a aperta em seus braços e apoia o queixo no topo da cabeça da pilota.
Há exatos 40 minutos, havia recebido a liberação do médico para ir para o seu quarto de hotel e ter uma noite tranquila de repouso. No entanto, ao invés disso, ela correu com o engenheiro chefe e os mecânicos para a garagem da Prema para ajudar na reconstrução.
O relógio marcava três e trinta da madrugada e os rapazes trabalham com agilidade e destreza, vez ou outra tomando goles e goles do café que Fabio trazia da lanchonete em viagens frequentes.
- Toc, toc – a voz de Mick soa na entrada da garagem – Uau, estamos a todo vapor por aqui.
- Mick. – sorri se soltando de . – O que está fazendo aqui?
- Eu fui te visitar no hospital, mas não me deixaram entrar porque aparentemente o quarto já tinha ultrapassado o limite de visitantes. – ele diz se aproximando da mesa de central da engenharia mecânica, onde e estavam. – Sandy me avisou que tinha sido liberada e eu imaginei que estaria por aqui. Você está bem?
- Sem nenhum arranhão. – ela sorri para o parceiro ao dar uma volta girando os pés em 360 graus.
- Isso me deixa muito feliz, você deu um baita susto na gente. – ele declara. – Parabéns pela sua pole, e sinto muito que tenha que sair em último lugar pelo descuido de um moleque idiota.
- Robert estava terminando a volta rápida, a culpa não foi dele. – diz tranquilamente.
- Não estou falando dele, - Mick diz e fica em alerta. – o Piquet foi quem deu uma fechada sem sentido nele. Ele estava no teste de pneus, não tinha que entrar para os boxes naquela hora.
franze a testa e diz: - Você tem o vídeo do acidente aí? Eu ainda não vi.
Mick tira o celular do bolso do short que usava e a entrega depois de clicar algumas vezes na tela.
A pilota assiste o vídeo com atenção, voltando algumas vezes para o momento da fechada.
- Isso não tem sentido nenhum. – ela concluí, devolvendo o celular ao parceiro. – O Pedro tem feito muita burrada ultimamente nas pistas, o pior é que sempre acaba envolvendo outros pilotos. É perigoso.
- Não é à toa que ele não pontuou no campeonato inteiro. – Mick dá de ombros.
- A superlicença dele vai ser suspensa. – diz sério. – É muita irresponsabilidade para alguém que pilota uma máquina com tantos cavalos de potência.
- É, - entorta o nariz, não notando tamanha seriedade em que o monegasco abordara o assunto – é uma pena. Ele é gente boa, só deve estar passando por uma fase ruim.
se afasta de forma discreta, fingindo prestar atenção em um detalhe da colocação da asa dianteira.
- De qualquer forma... – sorri ao parceiro – Obrigada pela preocupação, mas não precisava vir até aqui no meio na noite para ver se eu estava bem. Vai descansar, precisa estar totalmente disposto daqui algumas horas.
- Você também. – ele rebate.
- Eu tenho que ficar para ajudar, vez ou outra René precisa de algumas medidas e eu não quero que algo dê errado porque eu me dei ao luxo de ir dormir. – ela ri anasalada – Se eles vão ficar acordados, eu também vou.
- Eu sei, é típico de você. – Mick ele diz e ela ri – Eu também vim para ajudar.
- O que? – ela indaga confusa.
- Tem algumas peças no meu porta-malas que foram tiradas do meu carro por pouso desgaste, estão quase novas. Convenci meu engenheiro a ceder neste caso, ele queria guardá-las por precaução, mas o campeonato está próximo ao fim e acho que não vamos precisar delas. – ele revela. – Achei que poderiam servir aqui.
- Isso é maravilhoso, Mick. – ela sorri e abraça o parceiro. – Obrigada.
- Não por isso.
- René, - chama a atenção do engenheiro, que sai de baixo do carro suspenso. – Mick trouxe mais brinquedinhos para você.
- Vou fazer valer a pena por essas 30 horas acordados, Greg. – diz abrindo a viseira do capacete para olhar para ele e os demais da equipe técnica ao redor do carro, que terminavam de conferir as adequações já na pista. – Obrigada a todos vocês, fizeram um trabalho maravilhoso. Vocês são incríveis!
A equipe salda, mas o som é abafado devido às demais pessoas que também estão na pista. 21 carros, 21 pilotos e mais de 200 técnicos e funcionários correndo de um lado ao outro para conferir se estava tudo conforme o planejado.
Greg conecta o tubo da água ao capacete de e o fone da roupa ao rádio no volante.
- Você está bem? – Greg checa.
- Estou ótima. – ela confirma.
- Eu tinha que perguntar. – ele diz sorrindo de excitação – Boa sorte, garota! – Greg deseja ao apertar seu ombro antes de se afastar.
- Chegando rádio. – ela diz apertando o botão no volante e fechando a viseira do capacete.
- “Rádio está O.K. ” – ela escuta a voz de René confirmar. – “30 segundos para a volta de apresentação”
No mesmo instante todas as pessoas que estavam ao redor dos carros se retiram do meio da pista e ocupam as laterais.
Ficam somente os carros na pista com os seus respectivos pilotos.
Os motores são ligados.
O sinal no projetor indica que está aberta a volta de apresentação e o primeiro colocado sai, seguido pelos demais da fileira. sai por último, tentando ignorar a frustração pelo fato de que estaria pela primeira vez largando na frente no campeonato.
- René, me atualiza de quem está na minha frente. Por favor. – ela pede guiando com tranquilidade.
- “Do último ao primeiro temos você, Marino Sato, Sean Gelael, Pedro Piquet, Roy Nissany, Artem Markelov, Giuliano Alesi, Juri Vips, Nobuharu Matsushita, Jack Aitken, Marcus Armstrong, Jeha Daruvala, Dan Ticktum, Luca Ghiotto, Felipe Drugovich, Louis Deletraz, Christian Lundgaard, Guanyu Zhou e os três primeiros Nikita Mazepin em terceiro, Yuki Tsunoda em segundo e Mick em primeiro”.
- Entendido. – ela diz.
- “Vamos de plano C, podemos usar o 35H...”
- Não. – ela o interrompe – Vamos de plano A.
- “, chegar entre os dez primeiros já vai ser ótimo. Não extrapole.” – René pede.
- Não fizemos tudo isso para ficar entre os dez primeiros. Eu estou aqui para ganhar essa merda. – ela diz com convicção.
- “Tudo bem. Vamos com o plano A.” – René responde e ela sabe que o engenheiro sorri.
Os carros se reposicionam nas suas marcas do grid de largada. é a última da fileira a chegar à sua marca.
O ronco dos motores obstrui o silêncio.
- “30 segundos” – René a alerta e aperta os dedos em torno do volante com os olhos em contato direto com os faróis de largada.
Seu coração bate forte no peito, ela podia sentir cada batimento ecoar em sua cabeça.
O primeiro farol se acende, seguidos pelos demais cinco segundos condizentes a cada luz vermelha que se iluminava.
Os motores roncam de ansiedade.
Quando todas as luzes se apagam, pisa fundo no acelerador e seu pneu canta pouco antes de levá-la à frente.
Havia começado.
joga o carro para o meio da pista e fica à frente da primeira fileira de carros, em seguida, desvia de mais um à sua frente jogando para a lateral e entrando na fila de carros.
Antes da primeira volta ela consegue jogar o carro contra mais dois e assume mais posições.
- “Largada sensacional, . P15. Você passou para P15.”
sorri e foca no carro da DAMS à sua frente
- “Pressiona o Vips, você tá com uma vantagem de oito segundos do Alesi.”
acelera e investe pela lateral, mas o piloto segura a sua posição. Ela tenta pelo outro lado e novamente o carro da frente segue a sua movimentação.
Pelo retrovisor, vê o carro de Alesi se aproximando e tomando a direita pouco antes das curvas. Ela reduz a velocidade e o carro a ultrapassa, continuando pela direita na reta pós-curva.
Ela vê Alesi pressionar Vips pela direita e acelera pela esquerda, deixando os dois carros para trás em segundos.
- “Muito bom. P14. O próximo está a 9 segundos”.
Ela olha pelo retrovisor e vê que os carros atrás estão longe e ainda brigando pela posição, o que a deixa mais tranquila, portanto aperta a configuração de preservar potência na próxima curva.
Ela corre três voltas até René a alertar: - “Armstrong está a 5 segundos. Pressione ele.”
pisa no acelerador e passa para a oitava marcha. Ela fica lado a lado com o carro e força a potência, que está carregada. Assim ela faz a ultrapassagem no meio da curva da saída da reta.
- “Isso, garota!” – René comemora no rádio. – “P13.”
Depois de 15 voltas percorridas, e tendo feito mais três ultrapassagens limpas, ouve René pelo rádio: - “Estamos com uma vantagem de 24 segundos, sem trânsito na reta. Têm Safety car virtual nesta volta, vamos aproveitar para uma parada. Box, box.”
Ela se direciona à pista interna e para o carro completamente para que rapidamente os seus mecânicos trocassem seus pneus já gastos.
Em menos de três segundos ela está liberada para voltar à pista.
- Me atualize, René. – pede.
- “P10, . Felipe Armstrong está na sua frente por 16 segundos.”
- Vamos pressionar ele, então.
Faltando dez voltas para o final da corrida, está em uma emocionante disputa com Yuki Tsunoda pela terceira colocação. Nikita Mazepin havia ultrapassado os dois e tomado o segundo lugar.
- “Área livre para a DRS, ” René a alerta.
- Não. – ela nega. – Com ele vai ser na raça.
Ela escuta o engenheiro rir pelo rádio e abre a asa traseira alguns graus para o corte do ar. Em seguida aperta a configuração no volante e sua dianteira fica à poucos milímetros à frente do adversário.
Na terceira curva ela passa à frente e toma uma distância boa de diferença de Tsunoda.
- “P3 LIZZIE!” – René comemora aos gritos. – “P FUCKING 3!”
ri.
- You can’t touch this, bum bum bum bum (Você não pode tocar nisso) – ela canta contente e consegue ouvir as risadas do engenheiro.
Cinco voltas para o final da corrida.
está atrás de Mick, que tinha sido ultrapassado por Mazepin.
- Pressiono? – ela pergunta ao engenheiro.
- “Positivo.” – René responde de forma curta.
corta por dentro na curva que sabia que Mick fazia aberta e ultrapassa o parceiro de equipe. No entanto, Mick ataca de volta e eles ficam lado a lado.
A próxima curva é à esquerda e beneficia Liza, que consegue sair na frente e acelerar para tomar distância de Mick. Ela sobe um pouco na zebra, mas logo retoma a direção para a pista.
Mick está na sua cola.
- “Como estão seus pneus?” – O engenheiro pergunta.
- Bons o bastante para tentar o primeiro lugar. – ela diz.
- “Você tem que segurar o Mick primeiro, ele está com dois segundos de diferença de você.”
- Eu consigo. – ela diz e grunhe. – EEEEEEERG!
René ri.
- “Você já é uma vitoriosa por estar aí, .” – o engenheiro diz. – “Você largou na P20. P20!”.
- E seria histórico se eu ganhasse. – Ela sorri animada. – Só me fala quanto estou de diferença dele.
- “Ele está a três segundos de diferença, faltam três voltas. Vai com tudo.”
Ela acelera e coloca na oitava marcha, o carro triplica a velocidade. Seu coração acelera conforme os números vão aumentando. olha rapidamente o velocímetro, 368 km/h.
Ela reduz ao chegar na curva. Na sua saída, Mick a ultrapassa.
- Merda!
Ela passa as marchas novamente e cola no seu parceiro, mas Mick não está disposto a deixá-la passar tão facilmente.
Ele cola em Mazepin. Está uma fileira de três carros à toda velocidade.
- “Uma volta para o final”
Mazepin reduz, em frente vinha um retardatário.
- Trânsito, René. – ela diz no rádio.
- “Vai com tudo no modo 5G.”
Eles estavam próximos a curva antecedente à reta da faixa quadriculada. Ela teria que ser cuidadosa, além de veloz.
Ela joga a direita e depois rapidamente à esquerda, driblando Mick. Eles ficam lado a lado e ela acelera.
À frente vinha Mazepin já reduzindo.
Eles se aproximam.
Os olhos de na pista e o dedo no botão de redução de marcha.
Eles estavam se testando, quem cederia por último.
Faltavam poucos metros até Mazepin. Mick reduz seguido de Liza, que fica na frente.
O retardatário os dá passagem.
Na curva para a esquerda, ela tenta ir por dentro e é fechada por Mazepin, mas rapidamente joga para fora e consegue ultrapassar o adversário.
Ela chega na reta da faixa quadriculada.
No muro de divisória ela consegue ver de longe sua equipe pendurada, aguardando somente que ela ultrapassasse a linha com a placa indicando sua posição. P1.
Ela acelera, ativando a potência total do motor.
Os carros estão parcialmente pareados. Mazepin está com a frente do carro rente ao capacete de Liza.
Ela segue firme com o pé no acelerador.
Faltavam poucos metros.
A frente de Mazepin passa a ficar rente ao seu volante, tomando cada vez mais posição.
Ela desvia os olhos do carro ao lado e visualiza a faixa quadriculada à centímetros na sua frente.
Prende a respiração.
O silêncio precoce à tremenda gritaria.
- “VOCÊ CONSEGUIU!” – ela escuta René no rádio – “P1 LIZZIE!”.
- AAAAAAAAAAH! – ela grita.
Fogos de artifício são disparados e as luzes refletem na lataria do carro.
Ela consegue ouvir a multidão gritar seu nome.
continua guiando pela pista na quinta marcha.
- É isso aí! – ela comemora – Conseguimos, meninos!
- “, Angelo falando. Parabéns! Muito bom trabalho!” – ela escuta seu chefe de equipe. – “Que corrida você fez, garota! O pódio hoje é seu! Absolutamente merecido! Não poderia ser de outra pessoa.”
- Obrigada, Angel! – ela esbraveja feliz – Muito obrigada a todos da equipe. Isso não seria possível sem vocês. Fizeram um trabalho maravilhoso! Maravilhoso, garotos! É isso aí!
Ela escuta alguns gritos de celebração pelo rádio.
“, é o Greg aqui. Parabéns! Excelente trabalho! Eu sabia!”
Ela torna a gritar de felicidade.
Percorre o fim do trajeto automaticamente, suas mãos trabalhavam de forma automática.
- O Mick, que posição ele ficou? – ela pergunta.
- “P2. O garoto estava à sua esquerda. Foi bonito de se ver.” – René diz.
- Isso! – ela celebra. – Muito bom! O resultado foi ótimo para a equipe hoje. P1 e P2! Que dia, pessoal! Que dia! Parabéns à equipe, isso foi um trabalho impressionante!
Terminado o trajeto, ela entra na reta dos boxes e reduz a velocidade, parando pela primeira vez na placa com o número 1.
Ela desliga o motor e fica por um tempo absorvendo aquele momento.
Todas aquelas vozes gritando o seu nome e os flashes das câmeras disparando em sua direção. Ela sorri extasiada.
desafivela o seu cinto e tira o volante do encaixe no painel para se levantar.
Coloca o volante na dianteira do carro antes de saltar para fora do cockpit. Já do lado de fora, ela ergue os dois braços e é ovacionada pelo público.
Dezenas de pessoas à sua frente gritavam e aplaudiam.
Ela não poderia estar mais emocionada.
Sua equipe está na lateral, após uma grade que separava a chegada dos carros do público. Ela imediatamente corre para lá e se joga em cima deles, que a seguram ao mesmo tempo que gritavam de emoção.
René a segura pelo capacete, obrigando-a olhar diretamente para ele.
- Você é foda, garota!
- Nós fizemos isso, René! – ela diz sorridente.
- Não. – ele nega com a cabeça emocionado – Você fez isso! – e bate no capacete.
Em seguida, Mick se junta a eles e também é ovacionado.
- Mick! – ela grita e o abraça. – Parabéns!
- Parabéns, ! – ele grita de volta a apertando. – Estou tão orgulhoso!
Eles pulam ainda abraçados, aos risos.
A equipe começa uma cantoria de OLE OLE OLE OLE e sente os olhos molharem automaticamente. Aquele era o mesmo canto que saldavam Senna quando ele ganhava uma corrida.
Ela e Mick se afastam.
Ela respira fundo, erguendo a cabeça ao alto. Não queria chorar.
Ela tira o capacete, puxa a toca da cabeça e olha para sua equipe orgulhosa.
Eles continuam a aplaudir.
Em seguida, ela é parabenizada pelos pilotos que passam por ela e logo é conduzida para as entrevistas.
Inúmeros gravadores, microfones e câmeras são apontados em sua direção.
- , Eduardo Silva, SporTV brasileira. – o repórter se apresenta.
- Finalmente um brasileiro! – ela celebra em português e ele sorri. Logo ela continua em inglês: - É um prazer te conhecer, Eduardo.
- Primeiramente, quero te parabenizar pelo primeiro lugar, foi uma corrida com emoções à cada curva. – ele diz. – Posso dizer com certeza que foi a corrida preferida da maioria dos fãs do esporte de toda a temporada. Você fez história hoje.
- Muito obrigada. – ela diz sorrindo.
- Como está se sentindo ao saber que está somente a dois pontos de diferença da liderança do campeonato, que é do seu parceiro Mick? – ele pergunta.
- Eu não tenho como me expressar em palavras. – ela respira fundo, contendo a excitação explicita no tremor de suas mãos. – Com certeza fico muito feliz com essa conquista, foi um grande feito para toda a equipe. Tanto em P1 e com o P2 do Mick, só tenho a agradecer todo o esforço de cada um. Eles fizeram um trabalho excepcional e eu estou feliz, com certeza.
- Sobre esse trabalho, que teve que ser dobrado devido ao acidente de ontem. Como que foi a experiência?
- Não foi a das melhores. – ela diz fazendo uma careta e ri junto com o jornalista. – Mas é o que acontece nesse esporte, acidentes são inevitáveis. Tivemos sorte que não foi tão grave quando aparentou. Graças à equipe bem treinada de segurança que fizeram os procedimentos corretos, estamos aqui hoje bem e saudáveis. Eu fico completamente grata a todos os envolvidos.
- Obrigado, . – Eduardo agradece – Estou ansioso para ouvir o hino do Brasil como P1 hoje.
Saindo das entrevistas ela teria que passar pela pesagem antes de se preparar para subir ao pódio e é para lá que é direcionada.
O seu sorriso não poderia estar maior no rosto.
Ela estava tão feliz que chega doía em seus músculos.
Mas deveria desconfiar.
Muito já tinha ouvido da sabia avó que a vida era uma constante montanha russa de emoções. Sempre estaria nos extremos de felicidade e tristeza, especificamente nos altos e baixos da vida.
Ela com certeza tinha experimentado o momento mais alto de sua vida aquela noite.
Só não poderia imaginar que a queda seria tão rápida e fatal.
Seu peito gela ao ver três fiscais usando uniformes com a sigla FIA parados na entrada do setor de pesagem acompanhados de Angelo, Sandy e Fabio.
Ela engole em seco.
Capítulo 11
- Vocês só podem estar brincando comigo.
Reunidos na sala de reunião do autódromo do circuito de Barcelona-Catalunha estava o comitê de júri da FIA, sigla para Fédération Internationale de l'Automobile – em português Federação Internacional de Automóvel – que basicamente é a organizadora dos campeonatos de esporte automobilísticos, quem faz seus regulamentos técnico e esportivo, inspeciona circuitos, homologa carros e emite as credenciais para todos os eventos do calendário. Estavam também a diretoria da construtora Prema Racing, Benedetti com empresária e agente.
Ao lado de fora , Patrícia, Mick, René e o restante da equipe de engenharia da Prema aguardavam ansiosamente. Os fiscais haviam convocado uma reunião de emergência para falar sobre algum detalhe da corrida e nenhum deles sequer desconfiavam o porquê de isso ter acontecido, sendo um acontecimento incomum.
- Dizem que eles fazem esse tipo de coisa quando vão punir severamente um piloto. – alguém diz à René.
- Será que é sobre o acidente de ontem? – indaga ao engenheiro, que está roendo as unhas de forma aflita. O monegasco estava tão ansioso quanto.
- Se fosse, Piquet e Shwartzman também estariam aqui. – o homem responde engolindo em seco.
- Talvez estejam comunicando sobre alguma medida tomada devido ao acidente. – o monegasco sugere.
Como queria que sua conversa com Sandy tivesse resultado em algo finalmente decente naquele esporte.
Foi uma absoluta surpresa quando a empresária não duvidou de sua palavra por um segundo sequer, apresentando-lhe todos os meios que tinham para fazer justiça após o seu depoimento.
era um admirador de Sandy desde quando criança, e a leve repulsa da empresária para com ele havia o deixado de certo modo incomodado. Ele não sabia que ela poderia ser tão possessiva quanto à , mas percebera que essa possessão era mais uma forma de proteger sua cliente. Mesmo que fosse dele e o que o envolvimento dos dois pudesse ocasionar.
No entanto, ele a compreendia completamente. E, agora que estavam trabalhando juntos para o bem de alguém que era importante para ambos, ele esperava que pudessem ter uma convivência mais agradável.
A reunião poderia ser um sinal de que a sua parceria estava dando muito certo, ou que havia acontecido algo muito errado.
- Por que eles convocariam essa reunião antes da entrega dos troféus? – René indaga retoricamente. – Não sei sobre o quê, mas está na cara que vão puni-la. Droga! – ele resmunga de forma sentida, colocando as mãos na cabeça.
A porta se abre e todos os olhos são direcionados a ela.
Vagarosamente os membros da federação saem em silêncio.
Em seguida, Fabio, com a expressão devastada, avisa que eles podiam entrar. Quando entra pela porta, sua visão imediatamente capta sentada no último lugar da extensa mesa com a cabeça baixa e olhar perdido em algum ponto à sua frente.
Ela estava com a face neutra, sem emoção alguma. Mas devido aos demais semblantes das pessoas na mesa, o monegasco desconfiava que boa coisa não era.
se posiciona atrás da cadeira de , que sequer percebe que ele entrara na sala ou qualquer outra movimentação ao seu redor.
Angelo se levanta de sua cadeira e atrai a atenção de todos.
- A FIA convocou essa reunião emergencial para uma punição em nossa equipe na corrida de hoje. – o homem limpa a garganta. – Eles estão desclassificando Benedetti e todos os seus pontos na corrida de hoje foram desconsiderados. Ela também está proibida de competir a próxima corrida.
Imediatamente uma luxada de choque toma a sala, para em seguida conduzir às negações.
Angelo pede por silêncio.
- Por quê? – René se sobressair dos demais com a face raivosa. – Ela não cometeu nenhum delito grave!
- A FIA identificou que as peças usadas para a reconstrução do carro de eram seminovas e não usadas. – Angelo explica.
- O que? – René esbraveja incrédulo.
Mick Schumacher arqueia as sobrancelhas num misto de surpresa e incredulidade.
- Peças seminovas e usadas são a mesma coisa. – Greg se pronuncia com a testa vincada. – Eles não atestam a punição pelo estado da peça, só se elas não tivessem sido usadas nesta temporada. Todas as peças no carro de estavam usadas e são desta temporada, eu mesmo conferi uma por uma.
- Aparentemente, para a FIA, existe um nível de uso da peça em que a classifica entre seminova e usada. – Angelo revela. – Certamente isso não está no manual de regras da Federação, porque eu o conheço de trás para frente há anos.
- E então? – René questiona com as ventas abertas – Não podemos fazer nada?
- Podemos entrar com um processo para averiguação das acusações, mas até que ele seja aberto a temporada já terminou e a classificação já terá sido dada como encerrada.
A sala entra em combustão de negação e palavrões.
- Pessoal, pessoal! – Angelo vocifera. – Nós sabemos que isso não é justo, mas não podemos fazer nada além de acatar o veredito deles. Com certeza vamos entrar com o processo e ir à fundo nessa investigação porque eles estão errados, mas até que isso seja provado não há muito que possamos fazer.
- Por que eles estão fazendo isso? – René pergunta.
- Não é óbvio? – a foz rouca de se pronuncia pela primeira vez desde que eles haviam entrado na sala, com os olhos vidrados no mesmo lugar. – Eles não querem que uma mulher vença o campeonato.
- Isso é absurdo. – René esbraveja furioso.
- Mas é o que, infelizmente, aparenta com essa atitude por parte deles. – Angelo diz com o semblante abatido.
- Não! – Greg diz. – Isso é inaceitável!
- É tão frustrante! – diz finalmente se debulhando em lágrimas, as mãos seguem diretamente ao seu rosto, tampando-o.
A sala fica em silêncio, apenas ouvindo os suspiros sofridos da pilota.
se aproxima e pousa as mãos em seus ombros, acariciando-os. Ele sente os próprios olhos marejarem.
- Eu sabia que esse mundo das corridas para mim iria ser injusto. – ela diz secando o rosto com as costas da mão, com o choro mais controlado – Mas nunca que eu estaria nadando constantemente contra uma corrente impenetrável, sem chance nenhuma de vencer.
- , eu não sei o que dizer, querida. – Angelo diz engolindo em seco. – Sinto muito por não poder fazer nada.
- Não. – ela nega, mirando o chefe. – Vocês fizeram! – ela olha ao seu redor. – Todos vocês fizeram um ótimo trabalho e eu sinto muito que por minha causa nunca tivemos a chance de ganhar. Eu só... – ela funga – Sinto muito.
Suspiros tristes soam. A maioria da equipe opta por ficar em silêncio.
- Vamos lá roubar aquele troféu. – René diz divertido, e todos riem descontraídos. Até mesmo . – Ele é nosso!
- Ele vai continuar sendo nosso. – Angelo diz, surpreendendo aos ouvintes. – Uma vez que está desclassificada, Mick leva a corrida de hoje e já é considerado o campeão do campeonato.
Os olhos são direcionados ao alemão.
- Eu não vou. – ele diz com o maxilar travado e cabeça em pé.
Podem-se ouvir grunhidos surpresos.
- Mick, - se levanta – você merece! Fez uma corrida e temporada incrível, não deixe que a atitude escrota deles te impeçam de ter o que você merece.
- Não quero ganhar desse jeito. – ele diz em negação e se volta à com a face triste – Eu sinto muito, não deveria ter oferecido aquelas peças a vocês. Eu não sabia que tinha essa diferença.
- E não há, rapaz. Eles a inventaram. – Angelo garante. – Não foi sua culpa.
- Mas eu me recuso, não aceito o prêmio de hoje. – Mick insiste.
- Infelizmente, você vai ter que ir até lá. – Angelo fala. – A FIA fará o comunicado antes da entrega dos troféus explicando o porquê das mudanças, comigo e ao lado deles, e você terá de estar no pódio.
- Por que vocês têm que estar lá? – René questiona.
- Para comprovar publicamente que estamos cientes das decisões da Federação. – Angelo informa. – Eles exigiram isso.
tapa os olhos com a mão disfarçadamente e a puxa pelo braço para abraçá-la. Ela esconde o rosto na curvatura do pescoço do monegasco e ele a ouve chorar baixinho enquanto acariciava suas costas.
- Isso é tão humilhante. – ela sussurra com a voz rouca para ele.
se sente impotente.
Da mesma forma que se sente impotente ao ver ao lado de Angelo no palco do pódio com as mãos nas costas, rosto pleno e sem expressão enquanto o comitê comunicava as mudanças.
O público vaia a decisão do comitê por logos minutos, e a única opção deles é continuar com a premiação.
nunca havia assistido à um pódio triste antes, em toda a sua vida. Mas aquele fora de partir o coração.
Ver assistir os demais competidores subindo os degraus tão sonhados devia ser avassalador, ainda assim ela manteve a postura e aplaudiu um a um.
Quando chegou a vez de Mick, o piloto sobe o degrau, mas não tira o boné, não sorri e sequer canta o seu hino. Na hora da entrega do seu troféu, ele não ergue as mãos para recebê-lo, obrigando o membro da FIA deixá-lo ao chão à sua frente.
O público aplaude sua atitude, assim como que controla o choro ao assistir o parceiro do canto do palco.
No fim, quando é para se ter a famosa chuva de champanhe, cada piloto pega as suas garrafas, mas nenhum deles sequer cogita abri-las. Eles se cumprimentam em apertos de mãos, recolhem os troféus e se retiram do palco em silêncio.
As luzes são apagadas antes mesmo do público se esvair. Nenhuma entrevista pós-pódio é permitida.
(...)
estava deitado na cama do hotel com repousando sobre o seu peito. Ela havia finalmente dormido e estava em um sono profundo há alguns minutos, rodeada pelos braços do monegasco enquanto ele acariciava as suas costas carinhosamente.
Ela já havia sido consolada por muitos, que a apoiaram na causa contra a atitude vergonhada da FIA. Inúmeras matérias, sites, blogs, tweets e posts nas mídias sociais em seu apoio já rodavam na internet, todo o mundo reconhecia a tamanha injustiça feita a uma jovem pilota sonhadora.
No entanto, desde o momento em que ela saiu daquele palco do pódio, não havia pronunciado mais que algumas poucas palavras, gritado ou sequer chorado. Estava com o olhar vago e perdido, somente sendo conduzida pelas pessoas. E o rapaz estava começando a ficar preocupado.
escuta batidas secas na porta. Ele se move delicadamente e com todo o cuidado para colocá-la numa posição em que não acordasse e sai da cama para atender às batidas.
Ele abre a porta e se depara com Felipe Drugovich do outro lado. Imediatamente fecha o semblante tranquilo.
- O que você quer aqui?
- Eu preciso falar com a Liza, cara. – Felipe diz com as mãos rendidas, erguidas na altura do rosto. – Vim em paz.
sai do quarto e fecha a porta atrás de si.
- Veio fazer o que? – o monegasco pergunta cruzando os braços. – Uma média depois que o seu amiguinho arruinou o campeonato dela? – Felipe arqueia as sobrancelhas em surpresa. – Ou você achava que eu não sabia que ele causou o acidente para tirá-la da corrida?
- O Pedro passou dos limites, Leclerc. Eu sei disso. – Felipe diz. – Mas o buraco desta vez é mais embaixo.
- O que está acontecendo? – Sandy indaga em voz alta, atraindo a atenção dos dois ao fim do corredor. Ela se aproxima e questiona à Felipe: - Feliz, Drugovich? Eu só espero que saiba que nem fazendo com que a fique fora do campeonato você consegue ganhar.
- Eu não tive nada a ver com isso desta vez. – o brasileiro se defende – O comitê propôs a mim, mas eu não queria fazer nada. A é gente boa, nos tornamos amigos...
- Opa, espera aí. – Sandy o interrompe com incredulidade. – O comitê fez o que?
- Eles escalaram um grupo de pessoas para interferir no desempenho da a temporada toda. – Felipe diz. – Eles me fizeram assinar contratos e contratos para eu não dissesse uma palavra, e eu não quero perder a minha vaga, gente. Mas também não queria fazer nada contra ela.
- Eles já sabem que vocês gostam de ferrar com outros competidores no campeonato, não é? – pergunta. – Eu devia saber que não tinham sido expulsos por um motivo.
- Não, isso não tem nada a ver com antes. – Felipe diz e olha o corredor ao seu redor. – Será que podemos conversar em um lugar reservado? Isso é assunto à nível de máfia.
- Você tem muito há explicar, garoto. – Sandy diz entre dentes.
A atenção dos três é voltada para a porta que abre em suas costas, revelando uma com olhos furiosos direcionados a eles.
Um silêncio antecede a sua fala com voz rouca, de quem acabara de acordar: - Vocês têm muito o que explicar.
indica o apartamento atrás dela com a cabeça e abre espaço para que os três entrassem. Ela fecha a porta com força depois que o último passa por ela e cruza os braços: - Podem começar.
- O que foi que você ouviu? – Sandy pergunta.
ri anasalada, em um tom de incredulidade.
- Bom, vejamos. – ela coça o queixo teatralmente – Que o meu acidente foi planejado, que tem toda uma equipe pronta para foder as minhas corridas. – ela revela com a sobrancelha esquerda arqueada. – Ah, claro, além de vocês dois terem virado amiguinhos e que aparentemente estavam sabendo disso e não me falaram nada.
- Você ouviu basicamente tudo. – morde o lábio inferior.
- Vocês acham que eu sou idiota? – ela pergunta aos três. – Já tem um tempo que eu venho percebendo algumas coisas e isso faz com que tudo faça sentido. E eu achei realmente que estava ficando paranoica.
- Como assim? – Felipe questiona a ela.
- Eu desconfiava que não era coincidência o Pedro vir me atacando constantemente nas corridas de um tempo para cá; sei que o não gosta de vocês dois, alguma coisa além de rivalidade de competição porque ele não é rancoroso. E eu sabia que você – ela aponta Felipe – sabia que o acidente de ontem iria acontecer. Você disse para eu ter cuidado na pista, disse algo sobre ela ser perigosa. Mas você nunca falou isso antes, sempre fala para eu arrasar. Claro que eu iria estranhar.
Felipe abaixa os olhos, sentindo-se culpado.
- O que está acontecendo? – ela questiona por fim.
Sandy suspira pesadamente.
- Felipe e Pedro sempre foram os brigões da Fórmula 2 nos bastidores. – a loira conta. – Os meninos sempre usaram de má fé em manobras ofensivas para intencionalmente prejudicar os demais competidores.
- Na nossa temporada de estreia, eles fizeram de tudo para me afetar nas corridas. – revela – Desde colocar coisas na minha comida para eu passar mal a me prender no vestiário para eu me atrasar e perder as classificatórias.
- Por quê? – questiona a Felipe indignada.
- Na época era legal. – ele dá de ombros, respondendo em tom sentido. – Éramos crianças e achávamos isso engraçado no começo. – ele engole em seco – Até que começou a ficar mais sério.
- Quão sério?
- Perder aderência traseira de propósito para os carros de trás perderem o controle e bater, fazer fechadas “acidentais”, tocar a traseira ou dianteira... – Felipe admite. – Queríamos estar entre os melhores, por isso tínhamos que nos livrar de alguns deles.
- Acabar com a chance de outros não faz de vocês mais talentosos, faz de vocês estúpidos! – grita.
- Eu sei e sinto muito. – Felipe diz arrependido. – Eu percebi isso no começo desse ano. Não queria mais subir na tabela decorrente do fracasso de outros. Isso não prova que sou bom.
suspira decepcionada.
- Pedro também não queria. – Felipe continua. – Ele tinha parado.
- E a FIA o fez mudar de ideia? – indaga engolindo em seco.
- Sim. – Felipe umedece os lábios. – Eles prometeram vagas da Fórmula 1. Pedro ficou deslumbrado com a chance de ser, nem que fosse, piloto reserva ou de testes de uma escuderia deles.
- Só para que ele me tirasse do campeonato? – Ela questiona com os olhos molhados e bolo na garganta.
Felipe assente.
- Não sei o porquê de tamanha recriminação, mas eles não queriam que você ganhasse de jeito nenhum.
respira fundo e passa as mãos pelo rosto, abismada.
- Desde quando você sabia? – Ela pergunta à Sandy.
- Desde ontem. – a empresária fala. – me contou depois que saiu no soco com o Piquet lá no hospital e eu vi.
- Você o que? – ela se vira ao monegasco. – Sua mão! – afirma pasma ao se recordar. – Você mentiu para mim.
- Não pensei que ele seria capaz de fazer alguma coisa com você, . – diz. – Mas ontem o vi sorrindo quando saiu do quarto do Robert, e então tive certeza de que tinha sido intencional. Era o mesmo sorriso que ele dava para mim quando fazia alguma coisa comigo. Me descontrolei.
- E pretendiam me esconder isso até quando?
- Eu entrei com uma investigação em cima do Pedro e, com o acontecimento de hoje, tenho mais argumentos para entrar com uma procuração em cima da FIA F2. – Sandy diz. – vai ser testemunha e é um processo bem burocrático.
- Não te falamos porque você estava ocupada com a restauração do carro e não precisava de mais coisas na sua cabeça que te distraíssem. – fala.
Ela desvia os olhos para o chão e fica com o olhar preso lá por um tempo.
Os três somente aguardavam com ansiedade por qualquer reação.
sobe os olhos marejados até e pronuncia com a voz rouca: - Você sabia quem eles realmente eram e me deixou pensar que eles eram meus amigos.
- , não...
Foi o que foi preciso para que ela vociferasse ao interrompê-lo: - Teve todo esse tempo, todas as oportunidades e não disse nada!
- ... – Sandy tenta.
- Pedro causou um acidente. Você esperou que ele causasse um acidente no qual eu podia ter realmente me machucado! – ela a interrompe, seu rosto vermelho e as lágrimas caindo como correnteza pelo seu rosto. – Mas não, ao invés de falar alguma coisa, você ainda me assistiu ir ao pódio e me humilhar daquele jeito. – ela engole em seco – Se eu soubesse que ele estava envolvido e desconfiasse que tudo isso tinha sido uma armação, eu não teria me submetido àquela situação! – Ela chora copiosamente. As mãos não conseguiam secar a quantidade de lágrimas que caíam de seu rosto.
- Mon amour, eu não tive a intenção. – diz com a voz falha, se aproximando receosamente dela.
Ela respira fundo e olha em seus olhos, sentia a decepção expressa neles estapeá-lo com força.
- Você podia ter dito qualquer coisa. – ela diz rouca – Qualquer coisa. Mas me deixou nas garras deles. – engole em seco para perguntar quase sem voz: - Como pôde?
sente seu chão sumir, o estômago congela e sua visão fica turva.
Ninguém ousa dizer uma palavra sequer, fazer qualquer tipo de barulho naquele momento.
- Me deixem sozinha. – pede depois de respirar fundo, tentando controlar o choro.
- ...
- Me deixem sozinha, por favor. – ela implora.
No entanto ninguém se move.
se aproxima de .
- Não. Eu não quero falar coisas que você não merece ouvir, . – ela diz. – Eu preciso estar longe de você agora. Preciso pensar.
Dito isso ela caminha em passadas pesadas até a cama, onde pega seu casaco, e sai porta afora pelo corredor feito um furacão.
Sandy a segue.
- , aonde você vai? – ela questiona vendo a pilota andar determinada até o elevador. – Volte aqui!
- Eu preciso respirar ar puro. Longe de vocês. – ela diz vestindo as mangas de sua jaqueta. – Não se preocupe, não vou fazer nada de estúpido.
As portas do elevador se abrem e entra nele. Apertado o botão do térreo múltiplas vezes, para acelerar a sua partida. As portas se fecham.
Dentro do elevador ela limpa o rosto com a manga da jaqueta e olha o seu reflexo deplorável. Olhos e nariz vermelho, rosto amassado pelo cochilo rápido e cabelos desgrenhados. Não tem paciência para se enfeitar, então só passa a toca da jaqueta pela cabeça e sai quando chega em seu andar.
O saguão está tomado por jornalistas, provavelmente tentando uma exclusiva com algum membro da FIA ou a vítima daquela noite – vulgo ela mesma. Ela toma o caminho contrário.
Caminhando de cabeça baixa ela tromba com alguém e respira aliviada ao ver que era Mick quem a segurava pelos ombros.
- Por Deus, . Você está bem? – ele pergunta ao mirar seu rosto.
- Me tira daqui, Mick. – ela pede fanha. – Por favor.
Ele a fita por um tempo, mas assente com um sorriso de compaixão no rosto.
- Vamos pelos fundos, meu carro está na garagem.
Reunidos na sala de reunião do autódromo do circuito de Barcelona-Catalunha estava o comitê de júri da FIA, sigla para Fédération Internationale de l'Automobile – em português Federação Internacional de Automóvel – que basicamente é a organizadora dos campeonatos de esporte automobilísticos, quem faz seus regulamentos técnico e esportivo, inspeciona circuitos, homologa carros e emite as credenciais para todos os eventos do calendário. Estavam também a diretoria da construtora Prema Racing, Benedetti com empresária e agente.
Ao lado de fora , Patrícia, Mick, René e o restante da equipe de engenharia da Prema aguardavam ansiosamente. Os fiscais haviam convocado uma reunião de emergência para falar sobre algum detalhe da corrida e nenhum deles sequer desconfiavam o porquê de isso ter acontecido, sendo um acontecimento incomum.
- Dizem que eles fazem esse tipo de coisa quando vão punir severamente um piloto. – alguém diz à René.
- Será que é sobre o acidente de ontem? – indaga ao engenheiro, que está roendo as unhas de forma aflita. O monegasco estava tão ansioso quanto.
- Se fosse, Piquet e Shwartzman também estariam aqui. – o homem responde engolindo em seco.
- Talvez estejam comunicando sobre alguma medida tomada devido ao acidente. – o monegasco sugere.
Como queria que sua conversa com Sandy tivesse resultado em algo finalmente decente naquele esporte.
Foi uma absoluta surpresa quando a empresária não duvidou de sua palavra por um segundo sequer, apresentando-lhe todos os meios que tinham para fazer justiça após o seu depoimento.
era um admirador de Sandy desde quando criança, e a leve repulsa da empresária para com ele havia o deixado de certo modo incomodado. Ele não sabia que ela poderia ser tão possessiva quanto à , mas percebera que essa possessão era mais uma forma de proteger sua cliente. Mesmo que fosse dele e o que o envolvimento dos dois pudesse ocasionar.
No entanto, ele a compreendia completamente. E, agora que estavam trabalhando juntos para o bem de alguém que era importante para ambos, ele esperava que pudessem ter uma convivência mais agradável.
A reunião poderia ser um sinal de que a sua parceria estava dando muito certo, ou que havia acontecido algo muito errado.
- Por que eles convocariam essa reunião antes da entrega dos troféus? – René indaga retoricamente. – Não sei sobre o quê, mas está na cara que vão puni-la. Droga! – ele resmunga de forma sentida, colocando as mãos na cabeça.
A porta se abre e todos os olhos são direcionados a ela.
Vagarosamente os membros da federação saem em silêncio.
Em seguida, Fabio, com a expressão devastada, avisa que eles podiam entrar. Quando entra pela porta, sua visão imediatamente capta sentada no último lugar da extensa mesa com a cabeça baixa e olhar perdido em algum ponto à sua frente.
Ela estava com a face neutra, sem emoção alguma. Mas devido aos demais semblantes das pessoas na mesa, o monegasco desconfiava que boa coisa não era.
se posiciona atrás da cadeira de , que sequer percebe que ele entrara na sala ou qualquer outra movimentação ao seu redor.
Angelo se levanta de sua cadeira e atrai a atenção de todos.
- A FIA convocou essa reunião emergencial para uma punição em nossa equipe na corrida de hoje. – o homem limpa a garganta. – Eles estão desclassificando Benedetti e todos os seus pontos na corrida de hoje foram desconsiderados. Ela também está proibida de competir a próxima corrida.
Imediatamente uma luxada de choque toma a sala, para em seguida conduzir às negações.
Angelo pede por silêncio.
- Por quê? – René se sobressair dos demais com a face raivosa. – Ela não cometeu nenhum delito grave!
- A FIA identificou que as peças usadas para a reconstrução do carro de eram seminovas e não usadas. – Angelo explica.
- O que? – René esbraveja incrédulo.
Mick Schumacher arqueia as sobrancelhas num misto de surpresa e incredulidade.
- Peças seminovas e usadas são a mesma coisa. – Greg se pronuncia com a testa vincada. – Eles não atestam a punição pelo estado da peça, só se elas não tivessem sido usadas nesta temporada. Todas as peças no carro de estavam usadas e são desta temporada, eu mesmo conferi uma por uma.
- Aparentemente, para a FIA, existe um nível de uso da peça em que a classifica entre seminova e usada. – Angelo revela. – Certamente isso não está no manual de regras da Federação, porque eu o conheço de trás para frente há anos.
- E então? – René questiona com as ventas abertas – Não podemos fazer nada?
- Podemos entrar com um processo para averiguação das acusações, mas até que ele seja aberto a temporada já terminou e a classificação já terá sido dada como encerrada.
A sala entra em combustão de negação e palavrões.
- Pessoal, pessoal! – Angelo vocifera. – Nós sabemos que isso não é justo, mas não podemos fazer nada além de acatar o veredito deles. Com certeza vamos entrar com o processo e ir à fundo nessa investigação porque eles estão errados, mas até que isso seja provado não há muito que possamos fazer.
- Por que eles estão fazendo isso? – René pergunta.
- Não é óbvio? – a foz rouca de se pronuncia pela primeira vez desde que eles haviam entrado na sala, com os olhos vidrados no mesmo lugar. – Eles não querem que uma mulher vença o campeonato.
- Isso é absurdo. – René esbraveja furioso.
- Mas é o que, infelizmente, aparenta com essa atitude por parte deles. – Angelo diz com o semblante abatido.
- Não! – Greg diz. – Isso é inaceitável!
- É tão frustrante! – diz finalmente se debulhando em lágrimas, as mãos seguem diretamente ao seu rosto, tampando-o.
A sala fica em silêncio, apenas ouvindo os suspiros sofridos da pilota.
se aproxima e pousa as mãos em seus ombros, acariciando-os. Ele sente os próprios olhos marejarem.
- Eu sabia que esse mundo das corridas para mim iria ser injusto. – ela diz secando o rosto com as costas da mão, com o choro mais controlado – Mas nunca que eu estaria nadando constantemente contra uma corrente impenetrável, sem chance nenhuma de vencer.
- , eu não sei o que dizer, querida. – Angelo diz engolindo em seco. – Sinto muito por não poder fazer nada.
- Não. – ela nega, mirando o chefe. – Vocês fizeram! – ela olha ao seu redor. – Todos vocês fizeram um ótimo trabalho e eu sinto muito que por minha causa nunca tivemos a chance de ganhar. Eu só... – ela funga – Sinto muito.
Suspiros tristes soam. A maioria da equipe opta por ficar em silêncio.
- Vamos lá roubar aquele troféu. – René diz divertido, e todos riem descontraídos. Até mesmo . – Ele é nosso!
- Ele vai continuar sendo nosso. – Angelo diz, surpreendendo aos ouvintes. – Uma vez que está desclassificada, Mick leva a corrida de hoje e já é considerado o campeão do campeonato.
Os olhos são direcionados ao alemão.
- Eu não vou. – ele diz com o maxilar travado e cabeça em pé.
Podem-se ouvir grunhidos surpresos.
- Mick, - se levanta – você merece! Fez uma corrida e temporada incrível, não deixe que a atitude escrota deles te impeçam de ter o que você merece.
- Não quero ganhar desse jeito. – ele diz em negação e se volta à com a face triste – Eu sinto muito, não deveria ter oferecido aquelas peças a vocês. Eu não sabia que tinha essa diferença.
- E não há, rapaz. Eles a inventaram. – Angelo garante. – Não foi sua culpa.
- Mas eu me recuso, não aceito o prêmio de hoje. – Mick insiste.
- Infelizmente, você vai ter que ir até lá. – Angelo fala. – A FIA fará o comunicado antes da entrega dos troféus explicando o porquê das mudanças, comigo e ao lado deles, e você terá de estar no pódio.
- Por que vocês têm que estar lá? – René questiona.
- Para comprovar publicamente que estamos cientes das decisões da Federação. – Angelo informa. – Eles exigiram isso.
tapa os olhos com a mão disfarçadamente e a puxa pelo braço para abraçá-la. Ela esconde o rosto na curvatura do pescoço do monegasco e ele a ouve chorar baixinho enquanto acariciava suas costas.
- Isso é tão humilhante. – ela sussurra com a voz rouca para ele.
se sente impotente.
Da mesma forma que se sente impotente ao ver ao lado de Angelo no palco do pódio com as mãos nas costas, rosto pleno e sem expressão enquanto o comitê comunicava as mudanças.
O público vaia a decisão do comitê por logos minutos, e a única opção deles é continuar com a premiação.
nunca havia assistido à um pódio triste antes, em toda a sua vida. Mas aquele fora de partir o coração.
Ver assistir os demais competidores subindo os degraus tão sonhados devia ser avassalador, ainda assim ela manteve a postura e aplaudiu um a um.
Quando chegou a vez de Mick, o piloto sobe o degrau, mas não tira o boné, não sorri e sequer canta o seu hino. Na hora da entrega do seu troféu, ele não ergue as mãos para recebê-lo, obrigando o membro da FIA deixá-lo ao chão à sua frente.
O público aplaude sua atitude, assim como que controla o choro ao assistir o parceiro do canto do palco.
No fim, quando é para se ter a famosa chuva de champanhe, cada piloto pega as suas garrafas, mas nenhum deles sequer cogita abri-las. Eles se cumprimentam em apertos de mãos, recolhem os troféus e se retiram do palco em silêncio.
As luzes são apagadas antes mesmo do público se esvair. Nenhuma entrevista pós-pódio é permitida.
Ela já havia sido consolada por muitos, que a apoiaram na causa contra a atitude vergonhada da FIA. Inúmeras matérias, sites, blogs, tweets e posts nas mídias sociais em seu apoio já rodavam na internet, todo o mundo reconhecia a tamanha injustiça feita a uma jovem pilota sonhadora.
No entanto, desde o momento em que ela saiu daquele palco do pódio, não havia pronunciado mais que algumas poucas palavras, gritado ou sequer chorado. Estava com o olhar vago e perdido, somente sendo conduzida pelas pessoas. E o rapaz estava começando a ficar preocupado.
escuta batidas secas na porta. Ele se move delicadamente e com todo o cuidado para colocá-la numa posição em que não acordasse e sai da cama para atender às batidas.
Ele abre a porta e se depara com Felipe Drugovich do outro lado. Imediatamente fecha o semblante tranquilo.
- O que você quer aqui?
- Eu preciso falar com a Liza, cara. – Felipe diz com as mãos rendidas, erguidas na altura do rosto. – Vim em paz.
sai do quarto e fecha a porta atrás de si.
- Veio fazer o que? – o monegasco pergunta cruzando os braços. – Uma média depois que o seu amiguinho arruinou o campeonato dela? – Felipe arqueia as sobrancelhas em surpresa. – Ou você achava que eu não sabia que ele causou o acidente para tirá-la da corrida?
- O Pedro passou dos limites, Leclerc. Eu sei disso. – Felipe diz. – Mas o buraco desta vez é mais embaixo.
- O que está acontecendo? – Sandy indaga em voz alta, atraindo a atenção dos dois ao fim do corredor. Ela se aproxima e questiona à Felipe: - Feliz, Drugovich? Eu só espero que saiba que nem fazendo com que a fique fora do campeonato você consegue ganhar.
- Eu não tive nada a ver com isso desta vez. – o brasileiro se defende – O comitê propôs a mim, mas eu não queria fazer nada. A é gente boa, nos tornamos amigos...
- Opa, espera aí. – Sandy o interrompe com incredulidade. – O comitê fez o que?
- Eles escalaram um grupo de pessoas para interferir no desempenho da a temporada toda. – Felipe diz. – Eles me fizeram assinar contratos e contratos para eu não dissesse uma palavra, e eu não quero perder a minha vaga, gente. Mas também não queria fazer nada contra ela.
- Eles já sabem que vocês gostam de ferrar com outros competidores no campeonato, não é? – pergunta. – Eu devia saber que não tinham sido expulsos por um motivo.
- Não, isso não tem nada a ver com antes. – Felipe diz e olha o corredor ao seu redor. – Será que podemos conversar em um lugar reservado? Isso é assunto à nível de máfia.
- Você tem muito há explicar, garoto. – Sandy diz entre dentes.
A atenção dos três é voltada para a porta que abre em suas costas, revelando uma com olhos furiosos direcionados a eles.
Um silêncio antecede a sua fala com voz rouca, de quem acabara de acordar: - Vocês têm muito o que explicar.
indica o apartamento atrás dela com a cabeça e abre espaço para que os três entrassem. Ela fecha a porta com força depois que o último passa por ela e cruza os braços: - Podem começar.
- O que foi que você ouviu? – Sandy pergunta.
ri anasalada, em um tom de incredulidade.
- Bom, vejamos. – ela coça o queixo teatralmente – Que o meu acidente foi planejado, que tem toda uma equipe pronta para foder as minhas corridas. – ela revela com a sobrancelha esquerda arqueada. – Ah, claro, além de vocês dois terem virado amiguinhos e que aparentemente estavam sabendo disso e não me falaram nada.
- Você ouviu basicamente tudo. – morde o lábio inferior.
- Vocês acham que eu sou idiota? – ela pergunta aos três. – Já tem um tempo que eu venho percebendo algumas coisas e isso faz com que tudo faça sentido. E eu achei realmente que estava ficando paranoica.
- Como assim? – Felipe questiona a ela.
- Eu desconfiava que não era coincidência o Pedro vir me atacando constantemente nas corridas de um tempo para cá; sei que o não gosta de vocês dois, alguma coisa além de rivalidade de competição porque ele não é rancoroso. E eu sabia que você – ela aponta Felipe – sabia que o acidente de ontem iria acontecer. Você disse para eu ter cuidado na pista, disse algo sobre ela ser perigosa. Mas você nunca falou isso antes, sempre fala para eu arrasar. Claro que eu iria estranhar.
Felipe abaixa os olhos, sentindo-se culpado.
- O que está acontecendo? – ela questiona por fim.
Sandy suspira pesadamente.
- Felipe e Pedro sempre foram os brigões da Fórmula 2 nos bastidores. – a loira conta. – Os meninos sempre usaram de má fé em manobras ofensivas para intencionalmente prejudicar os demais competidores.
- Na nossa temporada de estreia, eles fizeram de tudo para me afetar nas corridas. – revela – Desde colocar coisas na minha comida para eu passar mal a me prender no vestiário para eu me atrasar e perder as classificatórias.
- Por quê? – questiona a Felipe indignada.
- Na época era legal. – ele dá de ombros, respondendo em tom sentido. – Éramos crianças e achávamos isso engraçado no começo. – ele engole em seco – Até que começou a ficar mais sério.
- Quão sério?
- Perder aderência traseira de propósito para os carros de trás perderem o controle e bater, fazer fechadas “acidentais”, tocar a traseira ou dianteira... – Felipe admite. – Queríamos estar entre os melhores, por isso tínhamos que nos livrar de alguns deles.
- Acabar com a chance de outros não faz de vocês mais talentosos, faz de vocês estúpidos! – grita.
- Eu sei e sinto muito. – Felipe diz arrependido. – Eu percebi isso no começo desse ano. Não queria mais subir na tabela decorrente do fracasso de outros. Isso não prova que sou bom.
suspira decepcionada.
- Pedro também não queria. – Felipe continua. – Ele tinha parado.
- E a FIA o fez mudar de ideia? – indaga engolindo em seco.
- Sim. – Felipe umedece os lábios. – Eles prometeram vagas da Fórmula 1. Pedro ficou deslumbrado com a chance de ser, nem que fosse, piloto reserva ou de testes de uma escuderia deles.
- Só para que ele me tirasse do campeonato? – Ela questiona com os olhos molhados e bolo na garganta.
Felipe assente.
- Não sei o porquê de tamanha recriminação, mas eles não queriam que você ganhasse de jeito nenhum.
respira fundo e passa as mãos pelo rosto, abismada.
- Desde quando você sabia? – Ela pergunta à Sandy.
- Desde ontem. – a empresária fala. – me contou depois que saiu no soco com o Piquet lá no hospital e eu vi.
- Você o que? – ela se vira ao monegasco. – Sua mão! – afirma pasma ao se recordar. – Você mentiu para mim.
- Não pensei que ele seria capaz de fazer alguma coisa com você, . – diz. – Mas ontem o vi sorrindo quando saiu do quarto do Robert, e então tive certeza de que tinha sido intencional. Era o mesmo sorriso que ele dava para mim quando fazia alguma coisa comigo. Me descontrolei.
- E pretendiam me esconder isso até quando?
- Eu entrei com uma investigação em cima do Pedro e, com o acontecimento de hoje, tenho mais argumentos para entrar com uma procuração em cima da FIA F2. – Sandy diz. – vai ser testemunha e é um processo bem burocrático.
- Não te falamos porque você estava ocupada com a restauração do carro e não precisava de mais coisas na sua cabeça que te distraíssem. – fala.
Ela desvia os olhos para o chão e fica com o olhar preso lá por um tempo.
Os três somente aguardavam com ansiedade por qualquer reação.
sobe os olhos marejados até e pronuncia com a voz rouca: - Você sabia quem eles realmente eram e me deixou pensar que eles eram meus amigos.
- , não...
Foi o que foi preciso para que ela vociferasse ao interrompê-lo: - Teve todo esse tempo, todas as oportunidades e não disse nada!
- ... – Sandy tenta.
- Pedro causou um acidente. Você esperou que ele causasse um acidente no qual eu podia ter realmente me machucado! – ela a interrompe, seu rosto vermelho e as lágrimas caindo como correnteza pelo seu rosto. – Mas não, ao invés de falar alguma coisa, você ainda me assistiu ir ao pódio e me humilhar daquele jeito. – ela engole em seco – Se eu soubesse que ele estava envolvido e desconfiasse que tudo isso tinha sido uma armação, eu não teria me submetido àquela situação! – Ela chora copiosamente. As mãos não conseguiam secar a quantidade de lágrimas que caíam de seu rosto.
- Mon amour, eu não tive a intenção. – diz com a voz falha, se aproximando receosamente dela.
Ela respira fundo e olha em seus olhos, sentia a decepção expressa neles estapeá-lo com força.
- Você podia ter dito qualquer coisa. – ela diz rouca – Qualquer coisa. Mas me deixou nas garras deles. – engole em seco para perguntar quase sem voz: - Como pôde?
sente seu chão sumir, o estômago congela e sua visão fica turva.
Ninguém ousa dizer uma palavra sequer, fazer qualquer tipo de barulho naquele momento.
- Me deixem sozinha. – pede depois de respirar fundo, tentando controlar o choro.
- ...
- Me deixem sozinha, por favor. – ela implora.
No entanto ninguém se move.
se aproxima de .
- Não. Eu não quero falar coisas que você não merece ouvir, . – ela diz. – Eu preciso estar longe de você agora. Preciso pensar.
Dito isso ela caminha em passadas pesadas até a cama, onde pega seu casaco, e sai porta afora pelo corredor feito um furacão.
Sandy a segue.
- , aonde você vai? – ela questiona vendo a pilota andar determinada até o elevador. – Volte aqui!
- Eu preciso respirar ar puro. Longe de vocês. – ela diz vestindo as mangas de sua jaqueta. – Não se preocupe, não vou fazer nada de estúpido.
As portas do elevador se abrem e entra nele. Apertado o botão do térreo múltiplas vezes, para acelerar a sua partida. As portas se fecham.
Dentro do elevador ela limpa o rosto com a manga da jaqueta e olha o seu reflexo deplorável. Olhos e nariz vermelho, rosto amassado pelo cochilo rápido e cabelos desgrenhados. Não tem paciência para se enfeitar, então só passa a toca da jaqueta pela cabeça e sai quando chega em seu andar.
O saguão está tomado por jornalistas, provavelmente tentando uma exclusiva com algum membro da FIA ou a vítima daquela noite – vulgo ela mesma. Ela toma o caminho contrário.
Caminhando de cabeça baixa ela tromba com alguém e respira aliviada ao ver que era Mick quem a segurava pelos ombros.
- Por Deus, . Você está bem? – ele pergunta ao mirar seu rosto.
- Me tira daqui, Mick. – ela pede fanha. – Por favor.
Ele a fita por um tempo, mas assente com um sorriso de compaixão no rosto.
- Vamos pelos fundos, meu carro está na garagem.
Capítulo 12
- Uau.
É tudo o que o alemão diz depois de ter despejado toda a história em cima dele.
Eles estavam sentados frente a frente nas poltronas da sala bem mobiliada do loft onde Mick passava maior parte das suas férias e ficava quando ia ao país visitar os pais.
O lugar era um digno apartamento de solteiro, isso se for generalizar como um apartamento de solteiro de um piloto de Fórmula race por estar repleto de estantes que expunham inúmeros troféus, capacetes já usados, quadros, prêmios e medalhas pertencentes ao rapaz ao longo de sua carreira.
As cores predominantes por todo o imóvel eram o laranja tijolo e preto, pois mobília, eletrodomésticos, lustres, abajures e até o piso de madeira na casa do piloto eram escuros e davam um contraste moderno às paredes de tijolos à vista envernizadas.
Rústico e moderno, um ambiente que poderia facilmente se passar por como se tivesse sido decorado sem muitos esforços e à grosso modo, mas que sabia que havia sido metricamente calculado para que desse a entender exatamente aquilo.
A jovem toma o último gole do chocolate quente que o parceiro havia feito a ela. Com muito açúcar e calorias, mas ela pouco se importava com o fato no momento.
- Eu não sei o que dizer. – Mick revela abobalhado. – É uma história e tanto.
- Pois é. – ela assente com o olhar fixo no fio solto da almofada em seu colo.
- Eu... – ele começa, mas se interrompe. – Queria poder fazer alguma coisa para ajudar. Mas... – o rapaz suspira – Eu sinto muito por esse campeonato ser repleto de machistas ridículos.
- Eu também. – ela sorri fraco.
- O que pensa em fazer agora? – ele questiona.
Ela suspira.
- Acho que vou para casa do meu pai, no Brasil. Sinto muita a falta dele.. - ela diz olhando simbolicamente pela gigantesca janela da sala, a qual mostra todas as luzes da cidade abaixo deles – Vou ficar as férias por lá, esfriar a cabeça. Talvez tirar algumas coisas a limpo com minha mãe, ainda não voltei a confiar cem por cento nela, mas acho que vale a tentativa dessa vez. – ela umedece os lábios vagarosamente – Deixar passar as festas de final de ano, resolver a minha vida pessoal para depois ver o que vai ser do meu futuro neste campeonato.
Mick assente lentamente.
- Vai ser bom você se deligar um pouco disso por enquanto. – ele fala – Você não se desligou nem nas férias de verão, por Deus. – eles riem fraco. – Você literalmente supriu o tempo perdido, ganhou a experiência que precisava... A vitória de hoje e sua pontuação no campeonato traduzem isso. Mas agora é bom tirar um tempo para você, para voltar com tudo ano que vem e conseguir tudo de novo.
- Você quer dizer, perder o primeiro lugar de novo? – ela arqueia uma sobrancelha.
- Quero dizer dos seus resultados. – ele a corrige. – Você ganhou a pole position no sábado e venceu a corrida de hoje, isso além de ter quase alcançado à liderança do campeonato por ser uma pilota excelente durante toda a temporada e com peso nos ombros. – Mick sorri docemente – Não importa o que eles digam, não importa o que tentem tirar de você. Você fez! E fez muito bem-feito.
sorri abertamente, mas em seguida franze a testa ao ver o parceiro se levantar e caminhar até sua mochila, jogada em cima da mesa de centro da sala. De lá ele tira o troféu de primeiro lugar e a garrafa de champanhe ainda fechada.
- Isso pertence a você. – ele diz a oferecendo os objetos. – Pode ser que te remeta às lembranças tristes, mas que também te faça lembrar o quanto você arrasou naquele carro hoje.
pousa sua caneca ao chão aos pés da poltrona para pegar os objetos das mãos do parceiro. Seus olhos ficam estarrecidos no troféu.
- É lindo. – ela sopra.
- E é seu. – Mick volta a se sentar na sua poltrona.
Ela encara o loiro.
- Obrigada, Mick. – diz com sinceridade. – Por tudo. Você foi um parceiro sensacional, eu não tenho o que reclamar.
Ele dá de ombros sorrindo modesto.
- Vou sentir tanta a sua falta. – ela admite.
- Eu vou sentir a sua também. – ele diz assentindo. – Principalmente do tráfico de pizzas.
Eles desatam a rir.
- Ou das danças engraçadas antes das corridas. – ele continua, causando ainda mais risadas. – Do jeito que você fala Mick Schumacher quando vai chamar a minha atenção.
ri.
- Uma coisa que não vou sentir falta é das partidas de pôquer. – ela revela. – Você me fez odiar esse jogo.
- Eu preciso admitir uma coisa. – ele fala aos sussurros e aproxima-se dela para falar: - Eu também não sei jogar pôquer.
- Mentira! – ela esbraveja de olhos arregalados e eles gargalham. – Eu sabia que tinha alguma coisa errada com aquelas regras.
A verdade é que e Mick haviam visto um no outro um ponto de apoio que eles não esperavam ter em uma equipe, superando todas as suas expectativas sobre um parceiro.
A amizade entre os dois foi aflorando aos poucos devido ao grande período de tempo que passavam juntos, e quando perceberam já eram amigos próximos. Os quais se apoiavam, conversavam, desabafavam – cada um a seu modo – e celebravam.
Eles iam sentir falta um do outro.
- E quanto ao Leclerc? – Mick pergunta depois de um tempo.
Ela suspira pesadamente.
- Não sei. – admite por fim. – Não tenho cabeça para pensar nisso agora.
Mick sorri triste.
- Ele gosta de você de verdade.
encara o mar azul nos olhos de Mick pensativa.
- Eu sei. – sopra. – Eu também gosto muito dele. Mas preciso ficar um tempo longe para pensar com clareza todos os pontos dessa história. Não quero ser injusta comigo mesma ou magoar alguém, mas agora eu estou muito puta para poupar ofensas a qualquer um deles e isso pode acabar fodendo as coisas ainda mais.
- Você está certa.
Ela assente antes de se levantar e começar a caminhar pelo loft do piloto, passando os olhos por todos os detalhes decorativos. Havia reportagens de revistas emolduradas em placas de vidro falando sobre a carreira promissora de Mick estampadas na parede, manchetes falando sobre o seu futuro promissor, fotos reveladas dele com alguns ídolos, dele ainda criança em karts e em outros campeonatos segurando troféus, entre outras coisas.
Uma foto específica chamou a atenção da jovem. Era uma dele com o pai.
Mick ainda era apenas um bebê e Michael o segurava em cima de carro de Fórmula 1, na garagem da Ferrari. O bebê parece se divertir com as cores da lataria do carro enquanto o pai tinha os olhos nele e um sorriso orgulhoso no rosto.
sorri automaticamente.
Era uma bela imagem.
Depois disso, ela segue andando vagarosamente em frente à estante, mas algo fora dela chama a sua atenção. Na lateral da parede de troféus havia um quadro com algumas chaves penduradas. quase engasga ao constatar cinco chaves com o logo de marcas famosas.
- Você tem a porra de um Porsche?
Mick dirigiu um Mercedes ao caminho para o seu condomínio e o manobrista fora quem levara o automóvel até as garagens. Apesar de não saber que o parceiro era proprietário de automóveis esportivos ou o fato sequer passar pela sua cabeça, ela deveria desconfiar devido a sua profissão.
Mick gargalha e se aproxima dela, parando em frente ao quadro e olhando a chave em específico.
- Eu tenho a porra de um Porsche. – ele afirma rindo.
- Qual modelo? – ela indaga animada.
- 911 Turbo S.
- Caralho! – ela diz encantada. – É um carro incrível. Sou apaixonada nele desde o lançamento.
Mick a olha pelo canto do olho.
- Quer dar uma volta? – ele pergunta pegando a chave do quadro e girando no dedo.
Os olhos de brilham.
Eles descem até o subterrâneo do prédio e caminham até a garagem de Mick. Quando o rapaz sobe o portão de ferro, sente seu queixo cair.
- Mamma mia.
Enfileirados um do lado do outro havia carros belíssimos de diferentes cores e padrões, todos reluzindo à luz fraca da garagem e transcendendo o seu valor. podia sentir o cheiro de carro novo dali de fora.
- Pensei que fosse acostumada com isso, afinal você dirige máquina bem mais potente. – Mick diz.
- Carros de corrida são completamente diferentes. – ela diz rodeando os carros – Estes aqui são esportivos, para uso nas ruas. É quase um pecado fazer uma máquina dessa e ela ser limitada à velocidade urbana, mas elas são incríveis. Para testar toda a potência elas têm que ser experimentada em circuitos e até hoje eu só peguei uma Mercedes 300SEL 6.3 naquele evento no Canadá para realmente correr.
- A Prema não te deu uma Ferrari para se locomover durante a estadia lá na Itália? – ele indaga com a testa franzida.
- Sim, mas eu mal tive tempo de guiar. – ela suspira – Eram treinos dia e noite e a querida 488 GTB ficou na garagem do apê. Acho que eles até levaram de volta para a sede e colocaram de exposição depois que começou o campeonato. – ela dá de ombros – De qualquer forma, uma Porsche é uma Porsche, não é?!
Mick joga as chaves em sua direção.
- É toda sua.
as pega no ar e olha o carro de cor grafite cintilar aos seus olhos.
Ela destrava e senta-se no banco de motorista, desfrutando do cheiro de carro novo e moderno. Passa as mãos pelo volante de couro e confere aquele painel completamente digital e tecnológico, muito diferente do Gol 2012 que ela tinha antes.
O carro era equipado com tantos acessórios que se sentiu até perdida com aquele excesso de informação. Ela aperta o botão de ligar e o motor ronca imediatamente, estremecendo o portão de ferro da garagem.
olha para Mick do lado de fora e indaga com a testa franzida: - Você não vem?
- Não. – ele dá de ombros. – Confio em você.
- Não deveria. Eu não conheço nada de Barcelona. – ela ri. – Vai que entro em uma rua que é contramão.
- Aposto que encontra o caminho até o circuito. Ele não é muito distante daqui. – ele diz sorrindo esperto – Ouvi dizer que ainda tem uns funcionários da manutenção trabalhando por lá.
arqueia uma sobrancelha sorrindo, captando a mensagem na fala do parceiro.
- Tudo bem, eu vou. – ela diz por fim. – Mas só vou fazer isso pelo carro, ele ficou muito tempo trancado nesse cubículo. – ela acaricia o painel sorridente.
Mick gargalha.
- É claro.
Em poucos instantes, já está nas ruas e sentindo aquela excitação usual por estar no controle de um motor tão poderoso. Diferente de quando se está em um carro próprio para corridas, o carro esportivo tinha muito mais espaço e detalhes complementares que criavam a personalidade do automóvel.
Com os carros esportivos não era somente acelerar, frenar, correr, reduzir ou guiar, tinha muito mais a acrescentar nesse contexto.
Ela chega aos portões secundários do autódromo e o segurança arregala os olhos em surpresa ao constatar quem era a motorista. Ela desce o vidro para falar com ele.
- Oi, Damke. – ela lê o nome no crachá. – Será que teria como eu entrar rapidinho? Esqueci a minha mochila em algum lugar por aí e meu crachá está dentro dela.
O rapaz, extasiado pela presença da pilota que tinha o rosto estampado em vários sites da internet, somente assente e abre o portão para ela sorrindo.
- Obrigada. – ela diz alegre e segue em frente.
Ela passa pelo estacionamento e se direciona às entradas de segurança para a pista, passando por alguns funcionários de outras construtoras que terminavam de recolher todo o seu equipamento e aparelhagem.
Pingos finos molham o para-brisa do carro e revira os olhos. Ela estava começando a pensar que não estava entre as preferidas de alguém lá de cima.
Quando finalmente consegue colocar o carro frente à faixa quadriculada na reta da largada do circuito, está a cair uma chuva torrencial ao lado de fora. As luzes do circuito estão apagadas e a escuridão é completa, exceto pelas luzes do painel do carro e faróis que pouco iluminava o lado de fora.
- Ótimo. – resmunga com ironia.
encosta as costas no apoio do banco e respira fundo, passando as mãos pelo rosto. Em seu campo de visão, apesar de conturbado por conta da chuva, ela consegue ver resquícios da faixa branca e preta à sua frente e automaticamente as lembranças daquele mesmo dia mais cedo a atingem com força.
A alegria, a excitação, toda aquela emoção que havia vivido parecia ter sido há uma vida e naquele momento ela sentiu o bolo na sua garganta aumentar.
- Chega de choro, chega de choro. – ela diz limpando os cantos dos olhos que ameaçam liberar os seus dutos lacrimais mais uma vez.
Ela chacoalha a cabeça com força e respira fundo novamente, tentando controlar a dor crescente em seu peito.
Depois de um tempo em silêncio, só ouvindo os pingos da chuva ao lado de fora do carro, ela liga o rádio e uma música da banda Coldplay começa a tocar os primeiros acordes.
Ela fica com o olhar preso no rádio, sentindo seu corpo todo se arrepiar.
Aquela era a música e banda preferida de , ele havia tocado exatamente aquela música para ela em notas suaves e vibrantes no piano da sala de música de um hotel que eles se hospedaram para alguma corrida que não se preocupou de recordar-se onde. Foi um momento íntimo e marcante, vê-lo concentrado em frente aquelas teclas comparavam-se a observar o mar. Completamente tranquilizante.
O monegasco era fã da banda porque, segundo ele, as letras tinham significado e eram inspiradoras, além de ter batidas incríveis. também gostava de dirigir ouvindo música, era uma mania que ele tinha. Sempre que subia em um carro seu dedo automaticamente se direcionada ao botão do rádio. Ele dizia que ajudava-o a pensar e ao mesmo tempo relaxar.
Claro que em corridas oficiais não se era permitido, mas ele garantia que não havia algo mais tranquilizante que pegar uma estrada reta e longa acompanhada de uma boa música. Isso porque ele nunca teve a oportunidade de se ver tocando piano.
Stole a key (Roubei uma chave)
Took a car downtown where the lost boys meet (Fui de carro até o centro onde os meninos perdidos se encontram)
Took a car downtown and took what they offered me (Fui de carro até o centro e peguei o que eles me ofereceram)
To set me free (Para me libertar)
I saw the lights go down at the end of the scene (Eu vi as luzes se apagarem no final da cena)
Saw the lihts go down and standing in front of me (Eu vi as luzes se apagarem e elas estão paradas na minha frente)
sobe os olhos até onde os faróis de largada, que estavam acima de sua cabeça. A coincidência dando-lhe um tapa na cara.
In my scarecrow dreams (Nos meus sonhos de espantalho)
When they smash my heart into smithereens (Quando eles quebram meu coração em pedacinhos)
É inevitável tentar repelir as imagens da reunião da FIA onde eles lhe desclassificaram da melhor corrida de sua vida e a cena humilhante que foi acompanhar o pódio de seus adversários em cima do mesmo palco, vendo-os receber um prêmio que era para ser dela.
Lágrimas involuntárias descem pelo seu rosto pela inconveniência de logo aquela música casar tão bem com a situação e ela ao menos procura evitá-las.
Light a fire, a fire, a spark (Acenda uma fogueira, uma fogueira, uma faísca de luz)
E no mesmo instante em que o vocalista canta, as luzes do circuito se acendem de súbito, cegando a pilota que tampa os olhos devido à claridade.
Light a fire, a flame in my heart (Acenda uma fogueira, uma chama no meu coração)
Quando sua visão se acostuma com a iluminação, ela percebe que a chuva não está tão forte quanto pensava. E que os faróis de largada também tinham sido ligados.
Ela olha ao seu redor, mas não encontra ninguém nem na reta dos boxes ou nas arquibancadas, mesmo nas mesas de controle onde ficavam as construtoras na hora da corrida.
No entanto, conforme as luzes da largada vão se acendendo, a buzina indicando que estava na hora da sua largada, como uma boa pilota, ela ligou o seu motor aguardando que todos os pontos vermelhos se apagassem.
We’ll run wild (Vamos correr como selvagens)
We’ll be glowing in the dark (Estaremos brilhando no escuro)
Ela larga e o seu pneu patina, devido aquaplanagem causada pela água na pista. Contudo, ainda assim, em menos de oito segundos ela está próximo a 200 km/h correndo com borboletas em seu estômago dançando no ritmo da música.
guia o carro como havia feito naquele dia, tranquila e centrada. A chuva nunca fora seu maior problema, como para a maioria dos pilotos, porque uma das inúmeras coisas que havia aprendido com o ídolo Ayrton é que quanto mais você treinasse para algo, mais você seria habilidoso naquilo. E o quanto ela havia treinado só aquela temporada em pistas molhadas devido a isto não poderia ser contabilizado nos dedos das mãos.
A sinfonia da música causa uma emoção, diferente das 127 vezes que havia percorrido o trajeto naquele final de semana, como se a velocidade que fazia não fosse rápida o suficiente para acompanhar o ritmo da música.
Quando ela passa pela segunda vez pela faixa quadriculada e escuta os toques leves que antecedem ao final da música, para o carro por completo e o barulho da freada brusca ecoa pelo autódromo.
So we’ll soar luminous and wired (Então voaremos luminosos e eletrizados)
We’ll be glowing in the dark (Estaremos brilhando no escuro)
A parte final da música é tocada por uma melodia de um único instrumento.
O piano.
E as lágrimas que haviam caído livres durante as voltas se intensificam.
Droga, como ela poderia estar tão chateada com uma pessoa e ao mesmo tempo querer que a própria a abraçasse?
Ela pousa a testa no volante aos soluços, finalmente refletindo sobre os últimos acontecimentos.
Em questão de um dia ela havia perdido a sua pontuação, perdido a chance de disputar uma final de campeonato, perdido as esperanças de ser uma mulher que poderia ser bem-sucedida no mundo automobilístico e ela receava a possibilidade de perder o seu primeiro amor.
tinha ficado tão viciada na presença do monegasco e a sensação de autoconfiança, tranquilidade e segurança que ele transmitia que estava com medo de não voltar a sentir toda aquela paixão por ele com a mesma intensidade depois de se sentir tão traída.
A dor da mágoa por não ser aceita no meio de uma supremacia masculina não se comparava à dor da traição de pessoas quem ela tinha afeto profundo e confiava cegamente.
Era como se ela tivesse sido atingida na barriga por várias vezes consecutivas. Era quase uma dor física.
Além disso, ela pensava na amizade que pensara ter com Felipe e Pedro, a segurança que ela sentiu ao estar sendo supervisionada pela FIA – um órgão que ela pensara estar ali para garantir o melhor aos seus competidores sem recriminação de gêneros – e a fé que tinha de progredir para a etapa maior, o grande campeonato dos sonhos.
Não consegue evitar sentir desespero ao ver o seu mundo desmoronar pela segunda vez diante dos seus olhos e não poder fazer nada.
Como ela passaria para a Fórmula 1, com todas as construtoras sabendo que se associando a imagem dela eles poderiam ser prejudicados?
Como ela garantiria a permanência na Prema Racing, depois de terem arrancado a pontuação da somatória deles por causa dela?
Ela não conseguia ver esperança.
Agora que havia parado para pensar, não conseguia ver soluções.
pula de susto quando de repete escuta dois toques leves no seu vidro lateral.
Ela sobe os olhos e vê um homem rechonchudo, de bochechas grandes, cabelos grisalhos e lisos penteados para trás sorrir amigavelmente em sua direção.
Ele vestia uma jaqueta corta vento na cor laranja que tapava-o do frio e uma calça cinza, mas nenhuma de suas roupas ou ele próprio estavam molhados.
É então que percebe que havia parado de chover, somente uma garoa quase imperceptível caía do céu vagarosamente.
O homem a encara com uma sobrancelha arqueada.
Ela aperta o botão para abrir o vidro com uma mão, enquanto com a outra tenta secar o rosto molhado rapidamente.
- Me desculpe, senhor. Eu já estou de saída. – diz com a voz rouca.
- Benedetti, é você. Certo? – ele pergunta.
- A própria. – ela assente com um sorriso tristonho no rosto.
O homem repara na vermelhidão do nariz e olhos da jovem, mas prefere não comentar sobre.
- Pensei que não iria mais te ver por aqui. – ele admite. – Foi uma situação e tanto que aconteceu mais cedo. Eu sinto muito.
- Foi. – ela suspira pesadamente. Em seguida pergunta – Foi o senhor que ligou os refletores?
- Sim. – ele assente sorrindo – E ainda bem que eu fiz, não poderia perder a chance de te ver provar mais uma vez que é uma talentosíssima pilota.
- Obrigada. – ela diz sincera, com a voz fraca. – Você é um fã?
- Do seu trabalho? Com certeza! – ele sorri entusiasmado.
sorri.
- Entra aí, vamos dar uma volta. – ela diz e o homem engrandece o sorriso, dando a volta no carro para entrar no banco do passageiro.
tinha a leve impressão de conhecer o rosto daquele homem, mas em vista dos inúmeros funcionários que trabalhavam nos eventos da Fórmula 2, poderia tê-lo visto em qualquer um destes lugares.
Ele entra no carro, coloca o cinto de segurança e em seguida estende a mão para a pilota.
- É um prazer finalmente te conhecer. – ele diz e ela aperta sua mão rapidamente.
- Como havia dito que era o seu nome, mesmo? – pergunta já saindo com o carro.
- Eu não disse. – ele diz contendo uma suspirada funda, devido à arrancada veloz da jovem.
- O senhor já andou em algum dos carros antes? – ela pergunta apertando o pé no acelerador. – Os de corrida.
- Posso afirmar que tenho uma certa familiaridade. – ele responde segurando-se no próprio banco quando ela vira a primeira curva.
ri.
- E o que estava fazendo até essa hora no autódromo? – ela indaga sem tirar os olhos da pista. – Fazendo algumas horas extras?
- Na verdade eu estava mesmo com esperança de te encontrar. – ele revela e franze a testa. – Não viajei por mais de doze horas, tomei um chá de cadeira o dia inteiro, assisti do melhor ao pior momento hoje para sair daqui de mãos vazias.
reduz o carro para entrar na curva que viria a seguir.
- Como é?
- Quando se assume a chefia de uma equipe automobilística é de praxe receber algumas dicas e conselhos do último líder. – o homem declara, ignorando a sua pergunta. – Havia algumas observações e indicações, digamos, curiosas do meu antecessor. As quais são completamente normais, afinal é de orientações para se administrar um cargo de grande responsabilidade que estávamos falando e neste meio em que trabalhamos, todo detalhe é essencial.
- Não estou compreendendo aonde o senhor quer chegar com isso. – ela diz rindo anasalada.
- No entanto... – ele atenua sua fala, novamente a ignorando – Fiquei completamente intrigado com uma observação de Ron Dennis quando ele me passou a chefia da McLaren.
prende a respiração um instante por tamanho choque.
O pneu dianteiro passa pela zebra na lateral da pista, fazendo todo o carro vibrar, e a pilota é obrigada a reduzir a velocidade até que o carro parasse por completo no meio do circuito.
Seu coração está batendo loucamente em seu peito e a respiração começa a ficar ofegante.
- Você gostaria de saber qual era a observação dele? – o homem a pergunta com o sorriso amigável no rosto.
Com as mãos e pernas trêmulas, ela acaba por assentir vagarosamente sem desviar os olhos da pista inerte à sua frente.
- Ele me disse para ficar atento a próxima promessa dessa geração. – ele relata. – Uma jovem brasileira, de descendência italiana, que tinha muita garra e havia se destacado muito, antes mesmo de atingir a maioridade. Ele tinha certeza de que, mesmo que ela se afastasse por um tempo, voltaria e consagraria a sua carreira e que se encaixaria perfeitamente nos padrões da McLaren.
vira a cabeça na direção do homem, se xingando mentalmente por não ter reconhecido o seu rosto de imediato. Que tapada.
- Eu tenho acompanhado toda a sua desenvoltura desde o começo deste campeonato e o que vi hoje me fez prometer a mim mesmo que não sairia daqui sem a sua assinatura no nosso contrato. – ele declara. – Temos uma vaga na equipe principal como pilota titular na nossa construtora e adoraríamos que fosse preenchida por você.
O coração da jovem erra uma batida.
- E então, o que me diz?
É tudo o que o alemão diz depois de ter despejado toda a história em cima dele.
Eles estavam sentados frente a frente nas poltronas da sala bem mobiliada do loft onde Mick passava maior parte das suas férias e ficava quando ia ao país visitar os pais.
O lugar era um digno apartamento de solteiro, isso se for generalizar como um apartamento de solteiro de um piloto de Fórmula race por estar repleto de estantes que expunham inúmeros troféus, capacetes já usados, quadros, prêmios e medalhas pertencentes ao rapaz ao longo de sua carreira.
As cores predominantes por todo o imóvel eram o laranja tijolo e preto, pois mobília, eletrodomésticos, lustres, abajures e até o piso de madeira na casa do piloto eram escuros e davam um contraste moderno às paredes de tijolos à vista envernizadas.
Rústico e moderno, um ambiente que poderia facilmente se passar por como se tivesse sido decorado sem muitos esforços e à grosso modo, mas que sabia que havia sido metricamente calculado para que desse a entender exatamente aquilo.
A jovem toma o último gole do chocolate quente que o parceiro havia feito a ela. Com muito açúcar e calorias, mas ela pouco se importava com o fato no momento.
- Eu não sei o que dizer. – Mick revela abobalhado. – É uma história e tanto.
- Pois é. – ela assente com o olhar fixo no fio solto da almofada em seu colo.
- Eu... – ele começa, mas se interrompe. – Queria poder fazer alguma coisa para ajudar. Mas... – o rapaz suspira – Eu sinto muito por esse campeonato ser repleto de machistas ridículos.
- Eu também. – ela sorri fraco.
- O que pensa em fazer agora? – ele questiona.
Ela suspira.
- Acho que vou para casa do meu pai, no Brasil. Sinto muita a falta dele.. - ela diz olhando simbolicamente pela gigantesca janela da sala, a qual mostra todas as luzes da cidade abaixo deles – Vou ficar as férias por lá, esfriar a cabeça. Talvez tirar algumas coisas a limpo com minha mãe, ainda não voltei a confiar cem por cento nela, mas acho que vale a tentativa dessa vez. – ela umedece os lábios vagarosamente – Deixar passar as festas de final de ano, resolver a minha vida pessoal para depois ver o que vai ser do meu futuro neste campeonato.
Mick assente lentamente.
- Vai ser bom você se deligar um pouco disso por enquanto. – ele fala – Você não se desligou nem nas férias de verão, por Deus. – eles riem fraco. – Você literalmente supriu o tempo perdido, ganhou a experiência que precisava... A vitória de hoje e sua pontuação no campeonato traduzem isso. Mas agora é bom tirar um tempo para você, para voltar com tudo ano que vem e conseguir tudo de novo.
- Você quer dizer, perder o primeiro lugar de novo? – ela arqueia uma sobrancelha.
- Quero dizer dos seus resultados. – ele a corrige. – Você ganhou a pole position no sábado e venceu a corrida de hoje, isso além de ter quase alcançado à liderança do campeonato por ser uma pilota excelente durante toda a temporada e com peso nos ombros. – Mick sorri docemente – Não importa o que eles digam, não importa o que tentem tirar de você. Você fez! E fez muito bem-feito.
sorri abertamente, mas em seguida franze a testa ao ver o parceiro se levantar e caminhar até sua mochila, jogada em cima da mesa de centro da sala. De lá ele tira o troféu de primeiro lugar e a garrafa de champanhe ainda fechada.
- Isso pertence a você. – ele diz a oferecendo os objetos. – Pode ser que te remeta às lembranças tristes, mas que também te faça lembrar o quanto você arrasou naquele carro hoje.
pousa sua caneca ao chão aos pés da poltrona para pegar os objetos das mãos do parceiro. Seus olhos ficam estarrecidos no troféu.
- É lindo. – ela sopra.
- E é seu. – Mick volta a se sentar na sua poltrona.
Ela encara o loiro.
- Obrigada, Mick. – diz com sinceridade. – Por tudo. Você foi um parceiro sensacional, eu não tenho o que reclamar.
Ele dá de ombros sorrindo modesto.
- Vou sentir tanta a sua falta. – ela admite.
- Eu vou sentir a sua também. – ele diz assentindo. – Principalmente do tráfico de pizzas.
Eles desatam a rir.
- Ou das danças engraçadas antes das corridas. – ele continua, causando ainda mais risadas. – Do jeito que você fala Mick Schumacher quando vai chamar a minha atenção.
ri.
- Uma coisa que não vou sentir falta é das partidas de pôquer. – ela revela. – Você me fez odiar esse jogo.
- Eu preciso admitir uma coisa. – ele fala aos sussurros e aproxima-se dela para falar: - Eu também não sei jogar pôquer.
- Mentira! – ela esbraveja de olhos arregalados e eles gargalham. – Eu sabia que tinha alguma coisa errada com aquelas regras.
A verdade é que e Mick haviam visto um no outro um ponto de apoio que eles não esperavam ter em uma equipe, superando todas as suas expectativas sobre um parceiro.
A amizade entre os dois foi aflorando aos poucos devido ao grande período de tempo que passavam juntos, e quando perceberam já eram amigos próximos. Os quais se apoiavam, conversavam, desabafavam – cada um a seu modo – e celebravam.
Eles iam sentir falta um do outro.
- E quanto ao Leclerc? – Mick pergunta depois de um tempo.
Ela suspira pesadamente.
- Não sei. – admite por fim. – Não tenho cabeça para pensar nisso agora.
Mick sorri triste.
- Ele gosta de você de verdade.
encara o mar azul nos olhos de Mick pensativa.
- Eu sei. – sopra. – Eu também gosto muito dele. Mas preciso ficar um tempo longe para pensar com clareza todos os pontos dessa história. Não quero ser injusta comigo mesma ou magoar alguém, mas agora eu estou muito puta para poupar ofensas a qualquer um deles e isso pode acabar fodendo as coisas ainda mais.
- Você está certa.
Ela assente antes de se levantar e começar a caminhar pelo loft do piloto, passando os olhos por todos os detalhes decorativos. Havia reportagens de revistas emolduradas em placas de vidro falando sobre a carreira promissora de Mick estampadas na parede, manchetes falando sobre o seu futuro promissor, fotos reveladas dele com alguns ídolos, dele ainda criança em karts e em outros campeonatos segurando troféus, entre outras coisas.
Uma foto específica chamou a atenção da jovem. Era uma dele com o pai.
Mick ainda era apenas um bebê e Michael o segurava em cima de carro de Fórmula 1, na garagem da Ferrari. O bebê parece se divertir com as cores da lataria do carro enquanto o pai tinha os olhos nele e um sorriso orgulhoso no rosto.
sorri automaticamente.
Era uma bela imagem.
Depois disso, ela segue andando vagarosamente em frente à estante, mas algo fora dela chama a sua atenção. Na lateral da parede de troféus havia um quadro com algumas chaves penduradas. quase engasga ao constatar cinco chaves com o logo de marcas famosas.
- Você tem a porra de um Porsche?
Mick dirigiu um Mercedes ao caminho para o seu condomínio e o manobrista fora quem levara o automóvel até as garagens. Apesar de não saber que o parceiro era proprietário de automóveis esportivos ou o fato sequer passar pela sua cabeça, ela deveria desconfiar devido a sua profissão.
Mick gargalha e se aproxima dela, parando em frente ao quadro e olhando a chave em específico.
- Eu tenho a porra de um Porsche. – ele afirma rindo.
- Qual modelo? – ela indaga animada.
- 911 Turbo S.
- Caralho! – ela diz encantada. – É um carro incrível. Sou apaixonada nele desde o lançamento.
Mick a olha pelo canto do olho.
- Quer dar uma volta? – ele pergunta pegando a chave do quadro e girando no dedo.
Os olhos de brilham.
Eles descem até o subterrâneo do prédio e caminham até a garagem de Mick. Quando o rapaz sobe o portão de ferro, sente seu queixo cair.
- Mamma mia.
Enfileirados um do lado do outro havia carros belíssimos de diferentes cores e padrões, todos reluzindo à luz fraca da garagem e transcendendo o seu valor. podia sentir o cheiro de carro novo dali de fora.
- Pensei que fosse acostumada com isso, afinal você dirige máquina bem mais potente. – Mick diz.
- Carros de corrida são completamente diferentes. – ela diz rodeando os carros – Estes aqui são esportivos, para uso nas ruas. É quase um pecado fazer uma máquina dessa e ela ser limitada à velocidade urbana, mas elas são incríveis. Para testar toda a potência elas têm que ser experimentada em circuitos e até hoje eu só peguei uma Mercedes 300SEL 6.3 naquele evento no Canadá para realmente correr.
- A Prema não te deu uma Ferrari para se locomover durante a estadia lá na Itália? – ele indaga com a testa franzida.
- Sim, mas eu mal tive tempo de guiar. – ela suspira – Eram treinos dia e noite e a querida 488 GTB ficou na garagem do apê. Acho que eles até levaram de volta para a sede e colocaram de exposição depois que começou o campeonato. – ela dá de ombros – De qualquer forma, uma Porsche é uma Porsche, não é?!
Mick joga as chaves em sua direção.
- É toda sua.
as pega no ar e olha o carro de cor grafite cintilar aos seus olhos.
Ela destrava e senta-se no banco de motorista, desfrutando do cheiro de carro novo e moderno. Passa as mãos pelo volante de couro e confere aquele painel completamente digital e tecnológico, muito diferente do Gol 2012 que ela tinha antes.
O carro era equipado com tantos acessórios que se sentiu até perdida com aquele excesso de informação. Ela aperta o botão de ligar e o motor ronca imediatamente, estremecendo o portão de ferro da garagem.
olha para Mick do lado de fora e indaga com a testa franzida: - Você não vem?
- Não. – ele dá de ombros. – Confio em você.
- Não deveria. Eu não conheço nada de Barcelona. – ela ri. – Vai que entro em uma rua que é contramão.
- Aposto que encontra o caminho até o circuito. Ele não é muito distante daqui. – ele diz sorrindo esperto – Ouvi dizer que ainda tem uns funcionários da manutenção trabalhando por lá.
arqueia uma sobrancelha sorrindo, captando a mensagem na fala do parceiro.
- Tudo bem, eu vou. – ela diz por fim. – Mas só vou fazer isso pelo carro, ele ficou muito tempo trancado nesse cubículo. – ela acaricia o painel sorridente.
Mick gargalha.
- É claro.
Em poucos instantes, já está nas ruas e sentindo aquela excitação usual por estar no controle de um motor tão poderoso. Diferente de quando se está em um carro próprio para corridas, o carro esportivo tinha muito mais espaço e detalhes complementares que criavam a personalidade do automóvel.
Com os carros esportivos não era somente acelerar, frenar, correr, reduzir ou guiar, tinha muito mais a acrescentar nesse contexto.
Ela chega aos portões secundários do autódromo e o segurança arregala os olhos em surpresa ao constatar quem era a motorista. Ela desce o vidro para falar com ele.
- Oi, Damke. – ela lê o nome no crachá. – Será que teria como eu entrar rapidinho? Esqueci a minha mochila em algum lugar por aí e meu crachá está dentro dela.
O rapaz, extasiado pela presença da pilota que tinha o rosto estampado em vários sites da internet, somente assente e abre o portão para ela sorrindo.
- Obrigada. – ela diz alegre e segue em frente.
Ela passa pelo estacionamento e se direciona às entradas de segurança para a pista, passando por alguns funcionários de outras construtoras que terminavam de recolher todo o seu equipamento e aparelhagem.
Pingos finos molham o para-brisa do carro e revira os olhos. Ela estava começando a pensar que não estava entre as preferidas de alguém lá de cima.
Quando finalmente consegue colocar o carro frente à faixa quadriculada na reta da largada do circuito, está a cair uma chuva torrencial ao lado de fora. As luzes do circuito estão apagadas e a escuridão é completa, exceto pelas luzes do painel do carro e faróis que pouco iluminava o lado de fora.
- Ótimo. – resmunga com ironia.
encosta as costas no apoio do banco e respira fundo, passando as mãos pelo rosto. Em seu campo de visão, apesar de conturbado por conta da chuva, ela consegue ver resquícios da faixa branca e preta à sua frente e automaticamente as lembranças daquele mesmo dia mais cedo a atingem com força.
A alegria, a excitação, toda aquela emoção que havia vivido parecia ter sido há uma vida e naquele momento ela sentiu o bolo na sua garganta aumentar.
- Chega de choro, chega de choro. – ela diz limpando os cantos dos olhos que ameaçam liberar os seus dutos lacrimais mais uma vez.
Ela chacoalha a cabeça com força e respira fundo novamente, tentando controlar a dor crescente em seu peito.
Depois de um tempo em silêncio, só ouvindo os pingos da chuva ao lado de fora do carro, ela liga o rádio e uma música da banda Coldplay começa a tocar os primeiros acordes.
Ela fica com o olhar preso no rádio, sentindo seu corpo todo se arrepiar.
Aquela era a música e banda preferida de , ele havia tocado exatamente aquela música para ela em notas suaves e vibrantes no piano da sala de música de um hotel que eles se hospedaram para alguma corrida que não se preocupou de recordar-se onde. Foi um momento íntimo e marcante, vê-lo concentrado em frente aquelas teclas comparavam-se a observar o mar. Completamente tranquilizante.
O monegasco era fã da banda porque, segundo ele, as letras tinham significado e eram inspiradoras, além de ter batidas incríveis. também gostava de dirigir ouvindo música, era uma mania que ele tinha. Sempre que subia em um carro seu dedo automaticamente se direcionada ao botão do rádio. Ele dizia que ajudava-o a pensar e ao mesmo tempo relaxar.
Claro que em corridas oficiais não se era permitido, mas ele garantia que não havia algo mais tranquilizante que pegar uma estrada reta e longa acompanhada de uma boa música. Isso porque ele nunca teve a oportunidade de se ver tocando piano.
Stole a key (Roubei uma chave)
Took a car downtown where the lost boys meet (Fui de carro até o centro onde os meninos perdidos se encontram)
Took a car downtown and took what they offered me (Fui de carro até o centro e peguei o que eles me ofereceram)
To set me free (Para me libertar)
I saw the lights go down at the end of the scene (Eu vi as luzes se apagarem no final da cena)
Saw the lihts go down and standing in front of me (Eu vi as luzes se apagarem e elas estão paradas na minha frente)
sobe os olhos até onde os faróis de largada, que estavam acima de sua cabeça. A coincidência dando-lhe um tapa na cara.
In my scarecrow dreams (Nos meus sonhos de espantalho)
When they smash my heart into smithereens (Quando eles quebram meu coração em pedacinhos)
É inevitável tentar repelir as imagens da reunião da FIA onde eles lhe desclassificaram da melhor corrida de sua vida e a cena humilhante que foi acompanhar o pódio de seus adversários em cima do mesmo palco, vendo-os receber um prêmio que era para ser dela.
Lágrimas involuntárias descem pelo seu rosto pela inconveniência de logo aquela música casar tão bem com a situação e ela ao menos procura evitá-las.
Light a fire, a fire, a spark (Acenda uma fogueira, uma fogueira, uma faísca de luz)
E no mesmo instante em que o vocalista canta, as luzes do circuito se acendem de súbito, cegando a pilota que tampa os olhos devido à claridade.
Light a fire, a flame in my heart (Acenda uma fogueira, uma chama no meu coração)
Quando sua visão se acostuma com a iluminação, ela percebe que a chuva não está tão forte quanto pensava. E que os faróis de largada também tinham sido ligados.
Ela olha ao seu redor, mas não encontra ninguém nem na reta dos boxes ou nas arquibancadas, mesmo nas mesas de controle onde ficavam as construtoras na hora da corrida.
No entanto, conforme as luzes da largada vão se acendendo, a buzina indicando que estava na hora da sua largada, como uma boa pilota, ela ligou o seu motor aguardando que todos os pontos vermelhos se apagassem.
We’ll run wild (Vamos correr como selvagens)
We’ll be glowing in the dark (Estaremos brilhando no escuro)
Ela larga e o seu pneu patina, devido aquaplanagem causada pela água na pista. Contudo, ainda assim, em menos de oito segundos ela está próximo a 200 km/h correndo com borboletas em seu estômago dançando no ritmo da música.
guia o carro como havia feito naquele dia, tranquila e centrada. A chuva nunca fora seu maior problema, como para a maioria dos pilotos, porque uma das inúmeras coisas que havia aprendido com o ídolo Ayrton é que quanto mais você treinasse para algo, mais você seria habilidoso naquilo. E o quanto ela havia treinado só aquela temporada em pistas molhadas devido a isto não poderia ser contabilizado nos dedos das mãos.
A sinfonia da música causa uma emoção, diferente das 127 vezes que havia percorrido o trajeto naquele final de semana, como se a velocidade que fazia não fosse rápida o suficiente para acompanhar o ritmo da música.
Quando ela passa pela segunda vez pela faixa quadriculada e escuta os toques leves que antecedem ao final da música, para o carro por completo e o barulho da freada brusca ecoa pelo autódromo.
So we’ll soar luminous and wired (Então voaremos luminosos e eletrizados)
We’ll be glowing in the dark (Estaremos brilhando no escuro)
A parte final da música é tocada por uma melodia de um único instrumento.
O piano.
E as lágrimas que haviam caído livres durante as voltas se intensificam.
Droga, como ela poderia estar tão chateada com uma pessoa e ao mesmo tempo querer que a própria a abraçasse?
Ela pousa a testa no volante aos soluços, finalmente refletindo sobre os últimos acontecimentos.
Em questão de um dia ela havia perdido a sua pontuação, perdido a chance de disputar uma final de campeonato, perdido as esperanças de ser uma mulher que poderia ser bem-sucedida no mundo automobilístico e ela receava a possibilidade de perder o seu primeiro amor.
tinha ficado tão viciada na presença do monegasco e a sensação de autoconfiança, tranquilidade e segurança que ele transmitia que estava com medo de não voltar a sentir toda aquela paixão por ele com a mesma intensidade depois de se sentir tão traída.
A dor da mágoa por não ser aceita no meio de uma supremacia masculina não se comparava à dor da traição de pessoas quem ela tinha afeto profundo e confiava cegamente.
Era como se ela tivesse sido atingida na barriga por várias vezes consecutivas. Era quase uma dor física.
Além disso, ela pensava na amizade que pensara ter com Felipe e Pedro, a segurança que ela sentiu ao estar sendo supervisionada pela FIA – um órgão que ela pensara estar ali para garantir o melhor aos seus competidores sem recriminação de gêneros – e a fé que tinha de progredir para a etapa maior, o grande campeonato dos sonhos.
Não consegue evitar sentir desespero ao ver o seu mundo desmoronar pela segunda vez diante dos seus olhos e não poder fazer nada.
Como ela passaria para a Fórmula 1, com todas as construtoras sabendo que se associando a imagem dela eles poderiam ser prejudicados?
Como ela garantiria a permanência na Prema Racing, depois de terem arrancado a pontuação da somatória deles por causa dela?
Ela não conseguia ver esperança.
Agora que havia parado para pensar, não conseguia ver soluções.
pula de susto quando de repete escuta dois toques leves no seu vidro lateral.
Ela sobe os olhos e vê um homem rechonchudo, de bochechas grandes, cabelos grisalhos e lisos penteados para trás sorrir amigavelmente em sua direção.
Ele vestia uma jaqueta corta vento na cor laranja que tapava-o do frio e uma calça cinza, mas nenhuma de suas roupas ou ele próprio estavam molhados.
É então que percebe que havia parado de chover, somente uma garoa quase imperceptível caía do céu vagarosamente.
O homem a encara com uma sobrancelha arqueada.
Ela aperta o botão para abrir o vidro com uma mão, enquanto com a outra tenta secar o rosto molhado rapidamente.
- Me desculpe, senhor. Eu já estou de saída. – diz com a voz rouca.
- Benedetti, é você. Certo? – ele pergunta.
- A própria. – ela assente com um sorriso tristonho no rosto.
O homem repara na vermelhidão do nariz e olhos da jovem, mas prefere não comentar sobre.
- Pensei que não iria mais te ver por aqui. – ele admite. – Foi uma situação e tanto que aconteceu mais cedo. Eu sinto muito.
- Foi. – ela suspira pesadamente. Em seguida pergunta – Foi o senhor que ligou os refletores?
- Sim. – ele assente sorrindo – E ainda bem que eu fiz, não poderia perder a chance de te ver provar mais uma vez que é uma talentosíssima pilota.
- Obrigada. – ela diz sincera, com a voz fraca. – Você é um fã?
- Do seu trabalho? Com certeza! – ele sorri entusiasmado.
sorri.
- Entra aí, vamos dar uma volta. – ela diz e o homem engrandece o sorriso, dando a volta no carro para entrar no banco do passageiro.
tinha a leve impressão de conhecer o rosto daquele homem, mas em vista dos inúmeros funcionários que trabalhavam nos eventos da Fórmula 2, poderia tê-lo visto em qualquer um destes lugares.
Ele entra no carro, coloca o cinto de segurança e em seguida estende a mão para a pilota.
- É um prazer finalmente te conhecer. – ele diz e ela aperta sua mão rapidamente.
- Como havia dito que era o seu nome, mesmo? – pergunta já saindo com o carro.
- Eu não disse. – ele diz contendo uma suspirada funda, devido à arrancada veloz da jovem.
- O senhor já andou em algum dos carros antes? – ela pergunta apertando o pé no acelerador. – Os de corrida.
- Posso afirmar que tenho uma certa familiaridade. – ele responde segurando-se no próprio banco quando ela vira a primeira curva.
ri.
- E o que estava fazendo até essa hora no autódromo? – ela indaga sem tirar os olhos da pista. – Fazendo algumas horas extras?
- Na verdade eu estava mesmo com esperança de te encontrar. – ele revela e franze a testa. – Não viajei por mais de doze horas, tomei um chá de cadeira o dia inteiro, assisti do melhor ao pior momento hoje para sair daqui de mãos vazias.
reduz o carro para entrar na curva que viria a seguir.
- Como é?
- Quando se assume a chefia de uma equipe automobilística é de praxe receber algumas dicas e conselhos do último líder. – o homem declara, ignorando a sua pergunta. – Havia algumas observações e indicações, digamos, curiosas do meu antecessor. As quais são completamente normais, afinal é de orientações para se administrar um cargo de grande responsabilidade que estávamos falando e neste meio em que trabalhamos, todo detalhe é essencial.
- Não estou compreendendo aonde o senhor quer chegar com isso. – ela diz rindo anasalada.
- No entanto... – ele atenua sua fala, novamente a ignorando – Fiquei completamente intrigado com uma observação de Ron Dennis quando ele me passou a chefia da McLaren.
prende a respiração um instante por tamanho choque.
O pneu dianteiro passa pela zebra na lateral da pista, fazendo todo o carro vibrar, e a pilota é obrigada a reduzir a velocidade até que o carro parasse por completo no meio do circuito.
Seu coração está batendo loucamente em seu peito e a respiração começa a ficar ofegante.
- Você gostaria de saber qual era a observação dele? – o homem a pergunta com o sorriso amigável no rosto.
Com as mãos e pernas trêmulas, ela acaba por assentir vagarosamente sem desviar os olhos da pista inerte à sua frente.
- Ele me disse para ficar atento a próxima promessa dessa geração. – ele relata. – Uma jovem brasileira, de descendência italiana, que tinha muita garra e havia se destacado muito, antes mesmo de atingir a maioridade. Ele tinha certeza de que, mesmo que ela se afastasse por um tempo, voltaria e consagraria a sua carreira e que se encaixaria perfeitamente nos padrões da McLaren.
vira a cabeça na direção do homem, se xingando mentalmente por não ter reconhecido o seu rosto de imediato. Que tapada.
- Eu tenho acompanhado toda a sua desenvoltura desde o começo deste campeonato e o que vi hoje me fez prometer a mim mesmo que não sairia daqui sem a sua assinatura no nosso contrato. – ele declara. – Temos uma vaga na equipe principal como pilota titular na nossa construtora e adoraríamos que fosse preenchida por você.
O coração da jovem erra uma batida.
- E então, o que me diz?
Capítulo 13
Já havia se passado quatro semanas desde que saíra andando daquele quarto de hotel em Barcelona sem sequer olhar para trás com lágrimas e decepção transbordando de seus olhos, deixando os demais sem ter o que fazer.
Desde então não havia mais a visto.
Liza se preocupou em tomar cuidado para que sua partida fosse a mais discreta e silenciosa possível. O monegasco ao menos percebeu quando ficou inteiramente só em um quarto que antes era preenchido por sua risada gostosa e suas malas gigantescas espalhadas pelo chão.
Ele ligava e mandava mensagem, porém ambas não eram retornadas. Tentara o celular de Fabio, Sandy, Mick e até mesmo o de sua mãe, e suas respostas seguiam sempre o mesmo contexto: “Ela está bem.”; “Precisa de um tempo”; “Tem muita coisa acontecendo agora.” e “Tenha paciência, com o tempo as coisas se resolvem”.
Mas queria saber quanto tempo era esse e o que tanto acontecia que ela não podia parar por um minuto para retornar as suas ligações.
Mesmo que ele soubesse que havia agido de forma errada, pensava que merecia ao menos o mínimo de consideração e uma ligação, mensagem ou e-mail que fosse.
Apesar de não querer que o seu relacionamento não oficial com a pilota chegasse ao fim, ele gostaria de qualquer contato da parte dela – qualquer um – mesmo que fosse para xingá-lo e dizer que estava tudo terminado.
Ele queria saber como Liza realmente se sentia, se estava a descansar, se as coisas com a mãe estavam bem, o que fazia no dia a dia... E principalmente se ela pensava nele na mesma intensidade que ele pensava nela.
Merde, como ele sentia a falta de .
Não só do corpo dela ou das suas curvas brasileiras, mas das conversas ao telefone altas horas da madrugada, as brincadeiras infantis, as provocações maliciosas, a risada dela, do seu jeito descontraído e positivo, e, até mesmo, da forma como ela olhava diretamente em seus olhos, dizendo-o o quanto eles eram bonitos e o quanto ele era maravilhoso.
Ao se recordar da dor explícita em seu rosto da última vez que estiveram juntos, ele se abomina.
Como ele não havia percebido as cada vez mais fortes investidas de Pedro em cima de Liza na pista, ele não sabia. Talvez tivesse se assegurado demais no fato deles serem “amigos”, que os brasileiros pudessem ter amadurecido nestes anos de competição, e, claro, o fato da sua vida ser tão agitada que ele simplesmente não se prendia aos mínimos detalhes.
Essa sua falta de atenção havia custado a confiança da sua parceira e ele não a culpava. Se a situação tivesse sido ao contrária, ele não teria reação diferente.
No entanto, a contínua falta de notícias deixava-o em completa agonia e, apesar de se envergonhar do fato, ele foi obrigado a puxar pelo nome da brasileira na internet para que ao menos tivesse ideia sobre o seu paradeiro.
Ele encontrou muitas fotos dela e juntos, antes de tudo acontecer. Nos circuitos, nos saguões dos hotéis, com fãs e, até mesmo, na garagem da Prema. Mas, ao contrário do que eles imaginavam, o público realmente apreciava a ideia de eles estarem em um relacionamento romântico e torciam por mais aparições dos dois.
É, ele também torcia.
Seguindo o feed nas redes sociais, viu que havia voltado ao Brasil pouco antes da final do campeonato de Fórmula 2 acontecer, onde Mick não só ganhou como dedicou o seu prêmio à parceira de equipe. Porém, não havia se declarado sobre este acontecimento e qualquer outra coisa nas redes sociais durante a sua visita à terra natal.
Mesmo quando foi fazer o teste de jovens pilotos no circuito de Yas Marina – Abu Dhabi, não se pronunciou uma ver sequer a qualquer jornalista.
O teste em questão tinha a funcionalidade de avaliar todo piloto que compete em categorias inferiores à Fórmula 1, para que eles provassem as suas habilidades nos carros mais potentes do mundo e pudessem os pilotar.
Aqueles testes não garantiam uma vaga no campeonato de fato, mas funcionava para que as escuderias descobrissem possíveis futuros talentos dentro do esporte.
Durante todo o final de semana ela não saíra para bares ou restaurantes, e as fotos em que havia posado com alguns de seus fãs eram mínimas. Sem qualquer rota consistente que ele pudesse se apegar.
A partir de então ela simplesmente desapareceu. Nenhuma informação recente podia ser encontrada.
queria ir atrás dela, mas sem saber por onde começar, deixava a sua tarefa muito mais difícil. Ela poderia estar em qualquer lugar do mundo, fazendo qualquer tipo de coisa e na companhia de qualquer um.
O rapaz fica completamente frustrado.
Como ela poderia simplesmente se afastar daquela maneira? ele pensava, Sem uma conversa final, dizeres determinantes ou abraços de despedida.
E era por isso que estava novamente no telefone em plena véspera de Natal – o feriado que haviam combinado de passarem juntos – tentando desesperadamente pelo mínimo de contato. Ele não aceitava tamanho descaso.
Por ele ter presenciado o sofrimento dela, que havia provado do descaso da própria mãe, pensava que ela teria um senso de empatia com ele e considerasse que ela lhe devia uma resposta.
Talvez ele estivesse errado.
- , querido. – sua mãe chama sua atenção. – Venha me ajudar com a rabanada.
O rapaz suspira alto e bloqueia a tela do celular, finalizando a chamada antes de se direcionar em passadas cansadas até a mesa que a mãe enfeitava.
Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque alto na cabeça com um laço vermelho, que combinava com o suéter de seda da mesma cor, e a matriarca usava uma saia rodada branca.
Pascale Leclerc estava inteiramente no clima natalino e não poderia estar mais incomodada com a inquietação do filho. Era verdade que o monegasco estava muito diferente do que geralmente era em um ambiente familiar. costumava interagir com a sua família, brincar com os primos e sobrinhos pequenos, discutir sobre futebol com o tio, dar dicas ao irmão mais novo sobre direção e ajudar à mãe com a decoração da mesa, mas ele não se via animado para sequer tentar.
Contudo ajuda a mãe com a mesa sem pronunciar uma palavra, perdido em pensamentos. Em seguida sua atenção é chamada por seu primo de oito anos.
- , vamos jogar vídeo game?
O garoto era um amante de corridas, como a maioria da família, e sempre aproveitava de toda a oportunidade para testar as suas habilidades com o piloto oficial.
- Claro, Rámon. – ele diz sorrindo fraco e se direciona com o menino até o sofá branco em frente à televisão.
Na outra extremidade do sofá está Lorenzo, seu irmão mais velho e sério gerente de eventos da Estrela Galícia – patrocinadora oficial da F1, brincando com a filha de colo.
Lorenzo era o típico homem de família. Casara cedo, havia feito uma faculdade fora do país, logo conseguiu uma vaga dos sonhos em uma empresa multinacional e agora estava fazendo filhos feito um coelho.
Ele e a mulher Alexia, estavam animados com o conceito de uma família e, além de Dakota, o pequeno bebê de um ano, eram pais dos gêmeos Hervé e Yohan, os pivetes imperativos de cinco anos que quase destruíam a casa se não supervisionados por adultos.
olhava a família de seu irmão e, apesar de tamanho trabalho que ele o via ter com os filhos, via a explícita felicidade dele e da mulher, além do amor que os envolvia.
Lorenzo e Alexia haviam crescido e progredido juntos, passaram por inúmeras dificuldades e agora estavam a aproveitar os ganhos dos frutos que haviam plantado.
Era aquilo que queria para si.
Ele sabia que ainda era jovem e que devido ao seu estilo de vida teria que deixar o plano para um futuro um pouco distante. Mas, como seu pai costumava dizer-lhe quando mais novo: “A vida é mais leve e colorida quando tem alguém ao seu lado para compartilhar das suas dores e conquistas”. E queria construir uma vida extraordinária ao lado de alguém que amasse.
Refletir sobre isso o levava de volta a e o que eles não estarem juntos representava.
queria ser um piloto de sucesso e campeão de Fórmula 1, claro, mas não queria ser o piloto sublime e solitário na sua caminhada ao topo.
Seus relacionamentos passados não haviam chegado aos pés do que ele tinha com Liza e ele não queria deixar que ela escapasse por entre os seus dedos. E não era só porque ele não queria acabar sozinho, não!
Era porque não se via com mais ninguém além dela depois que havia a conhecido.
Enquanto Rámon configura os modos de jogo, aproveita o tempo para mais tentativas de ligações. A caixa postal de Liza já devia estar lotada.
Enquanto o telefone chama, a campainha da casa soa e sua mãe corre até a porta celebrando com animação: - A visita chegou!
O número o qual você ligou está fora da área de cobertura.
Aquela era nova, olha para a tela do celular com o cenho franzido.
- É a Benedetti! – ele escuta a voz de seu primo pronunciar com excitação e seus olhos automaticamente correm para a tela da televisão.
- Esse jogo não é da Fórmula Indy, Rámon? Não tem ela na lista de pilotos deste. – diz correndo os olhos por cada nome, só para conferir. – Ela disputa a Fórmula 2.
- Não, . – o garoto se aproxima dele e vira o rosto do rapaz com as mãozinhas gorduchas na direção da porta. – É a Benedetti!
pisca os olhos duas vezes seguidas, sem acreditar no que estava diante dele. Precisamente na porta de entrada, usando um belo vestido branco que destacava levemente as suas curvas, saltos na mesma cor, cabelo solto em ondas perfeitas pelas costas e um batom vermelho nos lábios intensificando a tamanha beleza deles, estava ninguém menos que .
Ela sorria simpática ao cumprimentar a mãe de e entregar-lhe uma garrafa – ao que parecia ser – de vinho. Elas se abraçam e conversam rapidamente, mas ele não ouve uma palavra sequer devido aos sons estarem abafados pela imagem da mulher na porta de sua casa.
Em plena véspera de Natal.
Em Mônaco.
Ele ainda não estava acreditando.
cumprimenta educadamente cada familiar do monegasco, que haviam se aproximado ao constatar quem era a tal visita.
Arthur, seu irmão mais novo, faz um sinal positivo para disfarçadamente depois que a brasileira troca uma palavra com ele, mas o rapaz ainda não está em condições de reagir adequadamente.
Em um movimento rápido, corre os olhos na direção de e parece respirar aliviada. Ela segue em sua direção depois de uma conversa rápida com Lorenzo, a quem sequer notara que havia saído do sofá, e é quando ele desperta de seu choque e se levanta.
Ela para frente a frente com ele e sorri abertamente.
- Oi, . – diz zombeteira, com o notório sotaque forçado.
- Liza... – ele sopra desacreditado.
- E eu sou Rámon. – seu primo chama a atenção da mulher, obrigando-a desviar o olhar dos olhos verdes do monegasco.
- Olá, Ramon. – ela se abaixa e aperta a mão estendida do menino. – É um prazer te conhecer.
- Você é mais bonita do que na TV. – o garoto diz e Liza ri. – Quer jogar vídeo game?
- Eu adoraria, mas antes preciso dar uma palavrinha com o grandão aqui. – ela diz apontando para , que assiste a cena extasiado.
- Tudo bem, eu vou ir configurando o seu carro para você. – ele diz se jogando de volta no sofá e pegando o controle que seria de . – Como você gosta?
- Confio no seu gosto, fique à vontade. - ela diz e se levanta, voltando a olhar para – Podemos conversar... – ela morde o lábio inferior receosa. – À sós?
- Claro. – ele diz ao recuperar a sua voz e a indica a varanda atrás das cortinas azuis. Ela se direciona até lá e ele a segue.
Sob a iluminação da luz da lua ela senta nos pés de uma das espreguiçadeiras de madeira enquanto ele senta na do lado.
- Você quer algo para beber? – ele questiona, só para puxar assunto depois que ela passa um tempo admirando o seu rosto com a barba grande e bolsas fundas abaixo dos olhos.
- Não, obrigada. – ela sopra.
- Então... – ele solta o ar preso pela boca – Eu acho que te devo desculpas apropriadas...
- Não. – ela o interrompe com a face plena. – Antes preciso falar uma coisa, por favor.
O coração de gela. Ela não estaria ali para terminar com ele, estava?
Tudo bem que ele queria alguma informação da parte dela, qualquer que fosse, mas realmente não queria que fosse aquilo.
engole em seco ao notar seu semblante sofrido.
- Eu queria, primeiramente, te pedir desculpas. – ela diz.
O monegasco franze a testa, completamente surpreso e confuso.
- Como é?
- Eu sinto muito por ter jogado a responsabilidade pelo que aconteceu em você, quando na verdade a única culpada fui eu. – ela declara. Umedece os lábios vagarosamente, e continua: - Você não tinha a obrigação de me contar o que tinha acontecido com você e os meninos. Foi algo que aconteceu com você há anos, é um assunto desagradável de ser relembrado, você não devia imaginar como me afetaria... Tudo isso realmente não importa. – ela respira fundo – Eu acho que o fato de você saber, entrar numa briga com o Pedro e estar indiretamente envolvido nessa situação me fez jogar toda a minha frustração em você, e isso foi muito injusto.
solta o ar que sequer se lembra de ter prendido.
- Acho que uma parte de mim só não queria aceitar que fui tão estúpida em não perceber o que estava diante dos meus olhos. – ela dá de ombros – Sinto muito por não ter te retornado, te respondido ou sequer dado alguma notícia. Eu só queria... – ela suspira – Queria estar longe de tudo isso um pouco e sinto muito por ter te incluído nisso quando você também foi um dos afetados. Você não merece o que eu fiz, é sempre tão atencioso e cuidadoso comigo. Eu devia ter sabido que você não faria nada para me magoar.
- ...
- Não. – ela o interrompe novamente, com os olhos doces. – Por favor.
Ele assente indicando que ela continuasse e ela respira fundo novamente.
- Eu sei que isso não serve como desculpa por não ter entrado em contato com você antes, mas a minha vida tem estado uma completa bagunça e eu não queria te envolver nisso depois desse drama em Barcelona. – ela ri anasalado. – Mas eu já vinha querendo entrar em contato com você para deixar as coisas às claras antes mesmo da sua mãe me ligar, de qualquer forma.
- Minha mãe te ligou? – ele indaga risonho.
- Você mais do que ninguém deve saber que ela fez isso porque estava preocupada com você. – ela sorri. – Agora sei de onde puxou essa impulsividade em ajudar o próximo. – ela rende as mãos ao alto – Não que eu esteja julgando, claro.
ri e o acompanha.
Despois de um tempo o semblante dela volta a ficar sério.
- Eu não queria chegar aqui e despejar tudo isso no seu colo assim de cara. – ela pronuncia e o coração de volta a resfriar, errando algumas batidas. – Era para termos aproveitado o jantar, ter dado algumas risadas, eu ia jogar vídeo game com o seu priminho, ia babar na sua sobrinha e... Bom, queria que essa conversa fosse a mais tranquila possível, mas assim que vi no seu olhar o quão vulnerável você está... – ela engole em seco. – Eu nunca quis te deixar assim, . Sinto muito.
sente uma azia súbita se apoderar do seu estômago.
- Você é uma das pessoas que mais importam para mim. – ela revela. – E eu não quero que nos afastemos.
- Então não vamos nos afastar. – ele se adianta em dizer. – , o que passou, passou. A gente pode superar isso. Eu não te culpo por como reagiu, você estava no seu direito e estava chateada. Tudo bem que uma ligação teria me deixado aliviado, mas... – ele ri fraco – Tudo bem.
- ...
- Não, sério. Me deixa falar, por favor. – ele pede, aproximando-se dela ao sentar na ponta da espreguiçadeira – Eu devia ter falado, devia ter compartilhado... Eu acabei não me atentando no quanto isso podia te afetar sim, e por isso eu sinto muito. Eu estou arrependido e você também. Mas é isso, casais brigam o tempo todo e essa foi nossa primeira briga. – ele suspira, a garganta seca – Agora eu sei o que tenho que mudar e isso vai nos moldando a ser pessoas melhores. Nós somos ótimos juntos.
O telefone dele toca no bolso de sua calça de forma estridente e eles se assustam momentaneamente.
- Me desculpe por isso. – ele diz, puxando o telefone e apertando o botão para recusa da ligação, sem sequer checar quem era.
Quando ele volta os olhos aos de Liza percebe que ela está com os olhos fixos na tela acesa de seu celular. Ali como papel de parede estava uma foto dos dois.
Ela tinha sido tirada por algum fotógrafo no autódromo de Barcelona e mostrava os dois disputando uma corrida a pé no circuito, logo depois dela terminar de cumprir com o reconhecimento de pista.
Eles estavam em passadas largas e rindo verdadeiramente. Os cabelos de Liza estavam jogados ao vento e ela segurava o rapaz pelas costas de sua camisa, estava minimamente à sua frente e ria da sua tentativa de trapacear para ganhar.
Ele havia pego a foto no perfil de um fã-clube de Liza, e havia gostado muito dela por mostrar tremenda felicidade de ambos em um momento tão descontraído. Era uma imagem que dispensava legendas.
- Eu não quero que isso acabe, ma belle. – ele diz com convicção indicando o celular.
Liza sobe os olhos diretamente aos dele.
- Eu também não. – ela admite aos murmúrios. – Deus, eu senti tanta a sua falta.
O peito de se aquece.
- Vamos nos esquecer dos campeonatos por enquanto, vamos esquecer dessa parte da nossa vida. – ele sugere. – Deixar tudo isso guardado em uma caixa e viver as festas de final de ano como um simples casal normal, só Liza e . Digo... – ele suspira – Isso se você quiser estar ao meu lado.
- Eu não poderia estar em qualquer outro lugar. – ela diz sorrindo enquanto passa a mão pelo cabelo de , penteando-o para trás.
É o sinal verde para que o monegasco se aproximasse ainda mais e a abraçasse. passa os braços por cima dos ombros do rapaz e o aperta. Ele cheira os seus cabelos e quase suspira de alívio ao finalmente constatar que aquilo não era um sonho seu. Ele não seria tão criativo em imaginar todos os detalhes dela tão perfeitamente.
Com o queixo apoiado no ombro de Liza, percebe a mãe e o irmão mais novo os observando por trás das cortinas. No momento em que são flagrados, eles se desconsertam, riem descontraidamente e saem. não consegue segurar o riso.
- O que foi? – Liza pergunta risonha se afastando minimamente.
- Nossa conversa à sós não foi tão à sós assim. – ele diz percebendo o primo Rámon em outro ponto da cortina, também à espreita.
Liza segue o seu olhar e ri quando nota além do priminho, os tios de .
- Somos acostumados a trabalhar em frente a plateias maiores, então tudo bem.
- Espero que eles saibam que o que vem a seguir é censurado para menores de 18. – ele diz encaixando a mão na nuca da jovem.
- Essa é a melhor parte. – ela diz pouco antes deles selarem os lábios.
O resto da noite passou a ser mais animadora.
Apesar dos parentes de parecerem completamente deslumbrados com a presença da pilota, respeitaram quando o próprio monegasco pediu para que evitassem o assunto sobre o acontecido na GP2.
Liza brincou com o seu priminho, ficou encantada pela sobrinha do monegasco e foi quem havia conseguido finalmente a fazer dormir – o que quase fez com que Lorenzo a agradecesse de joelhos; conversou sobre técnicas de pista com o seu irmão mais novo, insistiu em ajudar sua mãe com a louça da ceia onde Pascale relatou diversos detalhes engraçados sobre a infância do rapaz – a prometendo até lhe mostrar algumas fotos antigas; Liza até falou sobre futebol com seu tio depois que os presentes foram distribuídos as inquietas, porém sonolentas, crianças. Não teria como ser melhor.
Passado da meia-noite e encerrada a queima de fogos que eles assistiram pela varanda com vista às águas do mar de Mônaco, pouco a pouco os familiares de foram se retirando vencidos pelo sono.
Arthur foi o último a ir se deitar e deixou o casal sozinho observando os barcos, já apagados e iluminados somente pela luz do luar.
Apoiados lado a lado no parapeito de vidro da sacada do apartamento de , o rapaz a observa virar a taça de champanhe e beber um gole do líquido enquanto o seu rosto brilha vivamente.
Ela o olha de canto de olho e sorri.
- O que?
- Só estou feliz por você estar aqui. – ele dá de ombros, voltando os olhos para o mar. – Sei que não deve ter sido fácil para você entrar em um avião sozinha e passar horas acordada para vir me ver.
- Na verdade, - ela ri – eu não vim sozinha.
arqueia as sobrancelhas e se vira para ela surpreso.
- ? – ela assente – E ela está por aí sozinha no Natal? – logo em seguida ele fala em tom zombeteiro: – Que tipo de amiga é você?
- Eu não sabia exatamente o que poderia acontecer por aqui, - ela se defende rindo – se você me xingasse e me expulsasse da sua casa, ela estaria pronta para me consolar e me levar para encher a cara de cachaça pelos bares de Mônaco. – gargalha – Não soa tão ruim, não é? Afinal, é Mônaco.
- Como se eu fosse capaz de fazer isso com você. – ele diz balançando a cabeça em negativa – E como deu tudo certo, o que ela está fazendo agora?
- Enchendo a cara pelos bares de Mônaco. – Liza sorri. – Ela está com o Fael e, antes que me julgue mal, eu não os obriguei a vir. Eles que não queriam me deixar sozinha.
- Você diz Fael, seu ex? – ele indaga e não consegue evitar o tom enciumado, já imaginando que durante todo esse tempo em que estavam afastados ela estivera com ele.
De imediato ele reprime as imagens de sua cabeça, tentando se conter. Não era do seu feitio ser ciumento, mas a reação era automática.
Ela se vira completamente para ele com um sorriso ingênuo no rosto.
- Digo Fael, meu amigo. – ela responde veemente, olhando diretamente nos olhos do monegasco. – Não tem com o que se preocupar, acredite. Não há ninguém que possa tomar o seu lugar no meu coração.
suspira aliviado, aquela declaração era muito mais do que palavras e ele conseguia sentir isso.
- Ele sabe disso? - o monegasco questiona depois de um tempo.
- Ele está com a . – ela ri. – E quando eu digo estar, eu quero dizer que estão juntos. – franze o cenho, confuso – É, eu sei.
- Como você está lidando com isso? – ele indaga.
- Eu estou bem resolvida comigo mesma. Quero dizer, eu sei quem eu quero, então não tem nem porque eu ficar abalada. – ainda apoiada no parapeito ela se aproxima dele e encosta a cabeça no ombro do monegasco, que passa o braço por cima de seus ombros – A estava sofrendo com a minha partida, ele também. Acabaram passando muito tempo juntos e aconteceu. – ela deu de ombros. – Me garantiram que não existia nada antes e eu acredito, eles foram muito claros e cuidadosos em me contar. Fico realmente feliz por eles, estão apaixonados e acho que ambos precisavam disso.
- Então... – suspira – Sua a viagem foi triplamente difícil. – eles riem juntos. – Avião, enjoos, insônia e gente se pegando do seu lado... Você realmente queria estar aqui.
Ela passa os braços entorno da cintura dele.
- E está valendo por cada segundo.
Desde então não havia mais a visto.
Liza se preocupou em tomar cuidado para que sua partida fosse a mais discreta e silenciosa possível. O monegasco ao menos percebeu quando ficou inteiramente só em um quarto que antes era preenchido por sua risada gostosa e suas malas gigantescas espalhadas pelo chão.
Ele ligava e mandava mensagem, porém ambas não eram retornadas. Tentara o celular de Fabio, Sandy, Mick e até mesmo o de sua mãe, e suas respostas seguiam sempre o mesmo contexto: “Ela está bem.”; “Precisa de um tempo”; “Tem muita coisa acontecendo agora.” e “Tenha paciência, com o tempo as coisas se resolvem”.
Mas queria saber quanto tempo era esse e o que tanto acontecia que ela não podia parar por um minuto para retornar as suas ligações.
Mesmo que ele soubesse que havia agido de forma errada, pensava que merecia ao menos o mínimo de consideração e uma ligação, mensagem ou e-mail que fosse.
Apesar de não querer que o seu relacionamento não oficial com a pilota chegasse ao fim, ele gostaria de qualquer contato da parte dela – qualquer um – mesmo que fosse para xingá-lo e dizer que estava tudo terminado.
Ele queria saber como Liza realmente se sentia, se estava a descansar, se as coisas com a mãe estavam bem, o que fazia no dia a dia... E principalmente se ela pensava nele na mesma intensidade que ele pensava nela.
Merde, como ele sentia a falta de .
Não só do corpo dela ou das suas curvas brasileiras, mas das conversas ao telefone altas horas da madrugada, as brincadeiras infantis, as provocações maliciosas, a risada dela, do seu jeito descontraído e positivo, e, até mesmo, da forma como ela olhava diretamente em seus olhos, dizendo-o o quanto eles eram bonitos e o quanto ele era maravilhoso.
Ao se recordar da dor explícita em seu rosto da última vez que estiveram juntos, ele se abomina.
Como ele não havia percebido as cada vez mais fortes investidas de Pedro em cima de Liza na pista, ele não sabia. Talvez tivesse se assegurado demais no fato deles serem “amigos”, que os brasileiros pudessem ter amadurecido nestes anos de competição, e, claro, o fato da sua vida ser tão agitada que ele simplesmente não se prendia aos mínimos detalhes.
Essa sua falta de atenção havia custado a confiança da sua parceira e ele não a culpava. Se a situação tivesse sido ao contrária, ele não teria reação diferente.
No entanto, a contínua falta de notícias deixava-o em completa agonia e, apesar de se envergonhar do fato, ele foi obrigado a puxar pelo nome da brasileira na internet para que ao menos tivesse ideia sobre o seu paradeiro.
Ele encontrou muitas fotos dela e juntos, antes de tudo acontecer. Nos circuitos, nos saguões dos hotéis, com fãs e, até mesmo, na garagem da Prema. Mas, ao contrário do que eles imaginavam, o público realmente apreciava a ideia de eles estarem em um relacionamento romântico e torciam por mais aparições dos dois.
É, ele também torcia.
Seguindo o feed nas redes sociais, viu que havia voltado ao Brasil pouco antes da final do campeonato de Fórmula 2 acontecer, onde Mick não só ganhou como dedicou o seu prêmio à parceira de equipe. Porém, não havia se declarado sobre este acontecimento e qualquer outra coisa nas redes sociais durante a sua visita à terra natal.
Mesmo quando foi fazer o teste de jovens pilotos no circuito de Yas Marina – Abu Dhabi, não se pronunciou uma ver sequer a qualquer jornalista.
O teste em questão tinha a funcionalidade de avaliar todo piloto que compete em categorias inferiores à Fórmula 1, para que eles provassem as suas habilidades nos carros mais potentes do mundo e pudessem os pilotar.
Aqueles testes não garantiam uma vaga no campeonato de fato, mas funcionava para que as escuderias descobrissem possíveis futuros talentos dentro do esporte.
Durante todo o final de semana ela não saíra para bares ou restaurantes, e as fotos em que havia posado com alguns de seus fãs eram mínimas. Sem qualquer rota consistente que ele pudesse se apegar.
A partir de então ela simplesmente desapareceu. Nenhuma informação recente podia ser encontrada.
queria ir atrás dela, mas sem saber por onde começar, deixava a sua tarefa muito mais difícil. Ela poderia estar em qualquer lugar do mundo, fazendo qualquer tipo de coisa e na companhia de qualquer um.
O rapaz fica completamente frustrado.
Como ela poderia simplesmente se afastar daquela maneira? ele pensava, Sem uma conversa final, dizeres determinantes ou abraços de despedida.
E era por isso que estava novamente no telefone em plena véspera de Natal – o feriado que haviam combinado de passarem juntos – tentando desesperadamente pelo mínimo de contato. Ele não aceitava tamanho descaso.
Por ele ter presenciado o sofrimento dela, que havia provado do descaso da própria mãe, pensava que ela teria um senso de empatia com ele e considerasse que ela lhe devia uma resposta.
Talvez ele estivesse errado.
- , querido. – sua mãe chama sua atenção. – Venha me ajudar com a rabanada.
O rapaz suspira alto e bloqueia a tela do celular, finalizando a chamada antes de se direcionar em passadas cansadas até a mesa que a mãe enfeitava.
Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque alto na cabeça com um laço vermelho, que combinava com o suéter de seda da mesma cor, e a matriarca usava uma saia rodada branca.
Pascale Leclerc estava inteiramente no clima natalino e não poderia estar mais incomodada com a inquietação do filho. Era verdade que o monegasco estava muito diferente do que geralmente era em um ambiente familiar. costumava interagir com a sua família, brincar com os primos e sobrinhos pequenos, discutir sobre futebol com o tio, dar dicas ao irmão mais novo sobre direção e ajudar à mãe com a decoração da mesa, mas ele não se via animado para sequer tentar.
Contudo ajuda a mãe com a mesa sem pronunciar uma palavra, perdido em pensamentos. Em seguida sua atenção é chamada por seu primo de oito anos.
- , vamos jogar vídeo game?
O garoto era um amante de corridas, como a maioria da família, e sempre aproveitava de toda a oportunidade para testar as suas habilidades com o piloto oficial.
- Claro, Rámon. – ele diz sorrindo fraco e se direciona com o menino até o sofá branco em frente à televisão.
Na outra extremidade do sofá está Lorenzo, seu irmão mais velho e sério gerente de eventos da Estrela Galícia – patrocinadora oficial da F1, brincando com a filha de colo.
Lorenzo era o típico homem de família. Casara cedo, havia feito uma faculdade fora do país, logo conseguiu uma vaga dos sonhos em uma empresa multinacional e agora estava fazendo filhos feito um coelho.
Ele e a mulher Alexia, estavam animados com o conceito de uma família e, além de Dakota, o pequeno bebê de um ano, eram pais dos gêmeos Hervé e Yohan, os pivetes imperativos de cinco anos que quase destruíam a casa se não supervisionados por adultos.
olhava a família de seu irmão e, apesar de tamanho trabalho que ele o via ter com os filhos, via a explícita felicidade dele e da mulher, além do amor que os envolvia.
Lorenzo e Alexia haviam crescido e progredido juntos, passaram por inúmeras dificuldades e agora estavam a aproveitar os ganhos dos frutos que haviam plantado.
Era aquilo que queria para si.
Ele sabia que ainda era jovem e que devido ao seu estilo de vida teria que deixar o plano para um futuro um pouco distante. Mas, como seu pai costumava dizer-lhe quando mais novo: “A vida é mais leve e colorida quando tem alguém ao seu lado para compartilhar das suas dores e conquistas”. E queria construir uma vida extraordinária ao lado de alguém que amasse.
Refletir sobre isso o levava de volta a e o que eles não estarem juntos representava.
queria ser um piloto de sucesso e campeão de Fórmula 1, claro, mas não queria ser o piloto sublime e solitário na sua caminhada ao topo.
Seus relacionamentos passados não haviam chegado aos pés do que ele tinha com Liza e ele não queria deixar que ela escapasse por entre os seus dedos. E não era só porque ele não queria acabar sozinho, não!
Era porque não se via com mais ninguém além dela depois que havia a conhecido.
Enquanto Rámon configura os modos de jogo, aproveita o tempo para mais tentativas de ligações. A caixa postal de Liza já devia estar lotada.
Enquanto o telefone chama, a campainha da casa soa e sua mãe corre até a porta celebrando com animação: - A visita chegou!
O número o qual você ligou está fora da área de cobertura.
Aquela era nova, olha para a tela do celular com o cenho franzido.
- É a Benedetti! – ele escuta a voz de seu primo pronunciar com excitação e seus olhos automaticamente correm para a tela da televisão.
- Esse jogo não é da Fórmula Indy, Rámon? Não tem ela na lista de pilotos deste. – diz correndo os olhos por cada nome, só para conferir. – Ela disputa a Fórmula 2.
- Não, . – o garoto se aproxima dele e vira o rosto do rapaz com as mãozinhas gorduchas na direção da porta. – É a Benedetti!
pisca os olhos duas vezes seguidas, sem acreditar no que estava diante dele. Precisamente na porta de entrada, usando um belo vestido branco que destacava levemente as suas curvas, saltos na mesma cor, cabelo solto em ondas perfeitas pelas costas e um batom vermelho nos lábios intensificando a tamanha beleza deles, estava ninguém menos que .
Ela sorria simpática ao cumprimentar a mãe de e entregar-lhe uma garrafa – ao que parecia ser – de vinho. Elas se abraçam e conversam rapidamente, mas ele não ouve uma palavra sequer devido aos sons estarem abafados pela imagem da mulher na porta de sua casa.
Em plena véspera de Natal.
Em Mônaco.
Ele ainda não estava acreditando.
cumprimenta educadamente cada familiar do monegasco, que haviam se aproximado ao constatar quem era a tal visita.
Arthur, seu irmão mais novo, faz um sinal positivo para disfarçadamente depois que a brasileira troca uma palavra com ele, mas o rapaz ainda não está em condições de reagir adequadamente.
Em um movimento rápido, corre os olhos na direção de e parece respirar aliviada. Ela segue em sua direção depois de uma conversa rápida com Lorenzo, a quem sequer notara que havia saído do sofá, e é quando ele desperta de seu choque e se levanta.
Ela para frente a frente com ele e sorri abertamente.
- Oi, . – diz zombeteira, com o notório sotaque forçado.
- Liza... – ele sopra desacreditado.
- E eu sou Rámon. – seu primo chama a atenção da mulher, obrigando-a desviar o olhar dos olhos verdes do monegasco.
- Olá, Ramon. – ela se abaixa e aperta a mão estendida do menino. – É um prazer te conhecer.
- Você é mais bonita do que na TV. – o garoto diz e Liza ri. – Quer jogar vídeo game?
- Eu adoraria, mas antes preciso dar uma palavrinha com o grandão aqui. – ela diz apontando para , que assiste a cena extasiado.
- Tudo bem, eu vou ir configurando o seu carro para você. – ele diz se jogando de volta no sofá e pegando o controle que seria de . – Como você gosta?
- Confio no seu gosto, fique à vontade. - ela diz e se levanta, voltando a olhar para – Podemos conversar... – ela morde o lábio inferior receosa. – À sós?
- Claro. – ele diz ao recuperar a sua voz e a indica a varanda atrás das cortinas azuis. Ela se direciona até lá e ele a segue.
Sob a iluminação da luz da lua ela senta nos pés de uma das espreguiçadeiras de madeira enquanto ele senta na do lado.
- Você quer algo para beber? – ele questiona, só para puxar assunto depois que ela passa um tempo admirando o seu rosto com a barba grande e bolsas fundas abaixo dos olhos.
- Não, obrigada. – ela sopra.
- Então... – ele solta o ar preso pela boca – Eu acho que te devo desculpas apropriadas...
- Não. – ela o interrompe com a face plena. – Antes preciso falar uma coisa, por favor.
O coração de gela. Ela não estaria ali para terminar com ele, estava?
Tudo bem que ele queria alguma informação da parte dela, qualquer que fosse, mas realmente não queria que fosse aquilo.
engole em seco ao notar seu semblante sofrido.
- Eu queria, primeiramente, te pedir desculpas. – ela diz.
O monegasco franze a testa, completamente surpreso e confuso.
- Como é?
- Eu sinto muito por ter jogado a responsabilidade pelo que aconteceu em você, quando na verdade a única culpada fui eu. – ela declara. Umedece os lábios vagarosamente, e continua: - Você não tinha a obrigação de me contar o que tinha acontecido com você e os meninos. Foi algo que aconteceu com você há anos, é um assunto desagradável de ser relembrado, você não devia imaginar como me afetaria... Tudo isso realmente não importa. – ela respira fundo – Eu acho que o fato de você saber, entrar numa briga com o Pedro e estar indiretamente envolvido nessa situação me fez jogar toda a minha frustração em você, e isso foi muito injusto.
solta o ar que sequer se lembra de ter prendido.
- Acho que uma parte de mim só não queria aceitar que fui tão estúpida em não perceber o que estava diante dos meus olhos. – ela dá de ombros – Sinto muito por não ter te retornado, te respondido ou sequer dado alguma notícia. Eu só queria... – ela suspira – Queria estar longe de tudo isso um pouco e sinto muito por ter te incluído nisso quando você também foi um dos afetados. Você não merece o que eu fiz, é sempre tão atencioso e cuidadoso comigo. Eu devia ter sabido que você não faria nada para me magoar.
- ...
- Não. – ela o interrompe novamente, com os olhos doces. – Por favor.
Ele assente indicando que ela continuasse e ela respira fundo novamente.
- Eu sei que isso não serve como desculpa por não ter entrado em contato com você antes, mas a minha vida tem estado uma completa bagunça e eu não queria te envolver nisso depois desse drama em Barcelona. – ela ri anasalado. – Mas eu já vinha querendo entrar em contato com você para deixar as coisas às claras antes mesmo da sua mãe me ligar, de qualquer forma.
- Minha mãe te ligou? – ele indaga risonho.
- Você mais do que ninguém deve saber que ela fez isso porque estava preocupada com você. – ela sorri. – Agora sei de onde puxou essa impulsividade em ajudar o próximo. – ela rende as mãos ao alto – Não que eu esteja julgando, claro.
ri e o acompanha.
Despois de um tempo o semblante dela volta a ficar sério.
- Eu não queria chegar aqui e despejar tudo isso no seu colo assim de cara. – ela pronuncia e o coração de volta a resfriar, errando algumas batidas. – Era para termos aproveitado o jantar, ter dado algumas risadas, eu ia jogar vídeo game com o seu priminho, ia babar na sua sobrinha e... Bom, queria que essa conversa fosse a mais tranquila possível, mas assim que vi no seu olhar o quão vulnerável você está... – ela engole em seco. – Eu nunca quis te deixar assim, . Sinto muito.
sente uma azia súbita se apoderar do seu estômago.
- Você é uma das pessoas que mais importam para mim. – ela revela. – E eu não quero que nos afastemos.
- Então não vamos nos afastar. – ele se adianta em dizer. – , o que passou, passou. A gente pode superar isso. Eu não te culpo por como reagiu, você estava no seu direito e estava chateada. Tudo bem que uma ligação teria me deixado aliviado, mas... – ele ri fraco – Tudo bem.
- ...
- Não, sério. Me deixa falar, por favor. – ele pede, aproximando-se dela ao sentar na ponta da espreguiçadeira – Eu devia ter falado, devia ter compartilhado... Eu acabei não me atentando no quanto isso podia te afetar sim, e por isso eu sinto muito. Eu estou arrependido e você também. Mas é isso, casais brigam o tempo todo e essa foi nossa primeira briga. – ele suspira, a garganta seca – Agora eu sei o que tenho que mudar e isso vai nos moldando a ser pessoas melhores. Nós somos ótimos juntos.
O telefone dele toca no bolso de sua calça de forma estridente e eles se assustam momentaneamente.
- Me desculpe por isso. – ele diz, puxando o telefone e apertando o botão para recusa da ligação, sem sequer checar quem era.
Quando ele volta os olhos aos de Liza percebe que ela está com os olhos fixos na tela acesa de seu celular. Ali como papel de parede estava uma foto dos dois.
Ela tinha sido tirada por algum fotógrafo no autódromo de Barcelona e mostrava os dois disputando uma corrida a pé no circuito, logo depois dela terminar de cumprir com o reconhecimento de pista.
Eles estavam em passadas largas e rindo verdadeiramente. Os cabelos de Liza estavam jogados ao vento e ela segurava o rapaz pelas costas de sua camisa, estava minimamente à sua frente e ria da sua tentativa de trapacear para ganhar.
Ele havia pego a foto no perfil de um fã-clube de Liza, e havia gostado muito dela por mostrar tremenda felicidade de ambos em um momento tão descontraído. Era uma imagem que dispensava legendas.
- Eu não quero que isso acabe, ma belle. – ele diz com convicção indicando o celular.
Liza sobe os olhos diretamente aos dele.
- Eu também não. – ela admite aos murmúrios. – Deus, eu senti tanta a sua falta.
O peito de se aquece.
- Vamos nos esquecer dos campeonatos por enquanto, vamos esquecer dessa parte da nossa vida. – ele sugere. – Deixar tudo isso guardado em uma caixa e viver as festas de final de ano como um simples casal normal, só Liza e . Digo... – ele suspira – Isso se você quiser estar ao meu lado.
- Eu não poderia estar em qualquer outro lugar. – ela diz sorrindo enquanto passa a mão pelo cabelo de , penteando-o para trás.
É o sinal verde para que o monegasco se aproximasse ainda mais e a abraçasse. passa os braços por cima dos ombros do rapaz e o aperta. Ele cheira os seus cabelos e quase suspira de alívio ao finalmente constatar que aquilo não era um sonho seu. Ele não seria tão criativo em imaginar todos os detalhes dela tão perfeitamente.
Com o queixo apoiado no ombro de Liza, percebe a mãe e o irmão mais novo os observando por trás das cortinas. No momento em que são flagrados, eles se desconsertam, riem descontraidamente e saem. não consegue segurar o riso.
- O que foi? – Liza pergunta risonha se afastando minimamente.
- Nossa conversa à sós não foi tão à sós assim. – ele diz percebendo o primo Rámon em outro ponto da cortina, também à espreita.
Liza segue o seu olhar e ri quando nota além do priminho, os tios de .
- Somos acostumados a trabalhar em frente a plateias maiores, então tudo bem.
- Espero que eles saibam que o que vem a seguir é censurado para menores de 18. – ele diz encaixando a mão na nuca da jovem.
- Essa é a melhor parte. – ela diz pouco antes deles selarem os lábios.
O resto da noite passou a ser mais animadora.
Apesar dos parentes de parecerem completamente deslumbrados com a presença da pilota, respeitaram quando o próprio monegasco pediu para que evitassem o assunto sobre o acontecido na GP2.
Liza brincou com o seu priminho, ficou encantada pela sobrinha do monegasco e foi quem havia conseguido finalmente a fazer dormir – o que quase fez com que Lorenzo a agradecesse de joelhos; conversou sobre técnicas de pista com o seu irmão mais novo, insistiu em ajudar sua mãe com a louça da ceia onde Pascale relatou diversos detalhes engraçados sobre a infância do rapaz – a prometendo até lhe mostrar algumas fotos antigas; Liza até falou sobre futebol com seu tio depois que os presentes foram distribuídos as inquietas, porém sonolentas, crianças. Não teria como ser melhor.
Passado da meia-noite e encerrada a queima de fogos que eles assistiram pela varanda com vista às águas do mar de Mônaco, pouco a pouco os familiares de foram se retirando vencidos pelo sono.
Arthur foi o último a ir se deitar e deixou o casal sozinho observando os barcos, já apagados e iluminados somente pela luz do luar.
Apoiados lado a lado no parapeito de vidro da sacada do apartamento de , o rapaz a observa virar a taça de champanhe e beber um gole do líquido enquanto o seu rosto brilha vivamente.
Ela o olha de canto de olho e sorri.
- O que?
- Só estou feliz por você estar aqui. – ele dá de ombros, voltando os olhos para o mar. – Sei que não deve ter sido fácil para você entrar em um avião sozinha e passar horas acordada para vir me ver.
- Na verdade, - ela ri – eu não vim sozinha.
arqueia as sobrancelhas e se vira para ela surpreso.
- ? – ela assente – E ela está por aí sozinha no Natal? – logo em seguida ele fala em tom zombeteiro: – Que tipo de amiga é você?
- Eu não sabia exatamente o que poderia acontecer por aqui, - ela se defende rindo – se você me xingasse e me expulsasse da sua casa, ela estaria pronta para me consolar e me levar para encher a cara de cachaça pelos bares de Mônaco. – gargalha – Não soa tão ruim, não é? Afinal, é Mônaco.
- Como se eu fosse capaz de fazer isso com você. – ele diz balançando a cabeça em negativa – E como deu tudo certo, o que ela está fazendo agora?
- Enchendo a cara pelos bares de Mônaco. – Liza sorri. – Ela está com o Fael e, antes que me julgue mal, eu não os obriguei a vir. Eles que não queriam me deixar sozinha.
- Você diz Fael, seu ex? – ele indaga e não consegue evitar o tom enciumado, já imaginando que durante todo esse tempo em que estavam afastados ela estivera com ele.
De imediato ele reprime as imagens de sua cabeça, tentando se conter. Não era do seu feitio ser ciumento, mas a reação era automática.
Ela se vira completamente para ele com um sorriso ingênuo no rosto.
- Digo Fael, meu amigo. – ela responde veemente, olhando diretamente nos olhos do monegasco. – Não tem com o que se preocupar, acredite. Não há ninguém que possa tomar o seu lugar no meu coração.
suspira aliviado, aquela declaração era muito mais do que palavras e ele conseguia sentir isso.
- Ele sabe disso? - o monegasco questiona depois de um tempo.
- Ele está com a . – ela ri. – E quando eu digo estar, eu quero dizer que estão juntos. – franze o cenho, confuso – É, eu sei.
- Como você está lidando com isso? – ele indaga.
- Eu estou bem resolvida comigo mesma. Quero dizer, eu sei quem eu quero, então não tem nem porque eu ficar abalada. – ainda apoiada no parapeito ela se aproxima dele e encosta a cabeça no ombro do monegasco, que passa o braço por cima de seus ombros – A estava sofrendo com a minha partida, ele também. Acabaram passando muito tempo juntos e aconteceu. – ela deu de ombros. – Me garantiram que não existia nada antes e eu acredito, eles foram muito claros e cuidadosos em me contar. Fico realmente feliz por eles, estão apaixonados e acho que ambos precisavam disso.
- Então... – suspira – Sua a viagem foi triplamente difícil. – eles riem juntos. – Avião, enjoos, insônia e gente se pegando do seu lado... Você realmente queria estar aqui.
Ela passa os braços entorno da cintura dele.
- E está valendo por cada segundo.
Capítulo 14
Para honrar o fato de nunca ter ido a Mônaco antes quis que ela conhecesse de tudo um pouco, incluindo os seus lugares favoritos.
Foram à casinos, onde aproveitaram algumas noites de farra e jogos divertidos; subiam pelo Rochedo de Monte-Ville e apreciaram a vista infinita do mar azul; fizeram uma visita ao palácio do príncipe de Mônaco, assim como aos jardins de rosas; foram à alguns restaurantes e provaram de seus pratos preferidos; visitaram o circuito do Grande Prêmio, que era realizado nas ruas de Monte Carlo utilizadas no dia a dia; além de, claro, navegarem de barco e nadar em alto mar.
- Eu passo, obrigada. – diz de braços cruzados a bordo do La Leclerc no meio do canal da baía de Larvotto Beach, recusando o traje que o monegasco à oferecia.
- , você não precisa saber nadar para fazer mergulho. – Liza diz se enfiando na roupa colada de borracha assim como Fael e Arthur – Por conta dos equipamentos, colete e nadadeiras, exige menos técnica do que natação convencional.
- Está, claro. – a loira responde de forma sarcástica.
- É verdade. – garante, insistindo com o traje em sua direção – Tem gente que até aprende a nadar mergulhando.
pega a roupa e a encara de forma duvidosa.
- E se eu afundar e ir afundando e afundando e não conseguir voltar? – ela questiona encarando os demais com olhos amedrontados.
- O colete não te deixa ir afundando e afundando. – Arthur diz aos risos – E vamos estar junto de você, te guiando a todo o momento.
O irmão de a pouco se assemelhava a ele, com os cabelos loiros, nariz mais longo repleto de sardas e pele tipicamente bronzeada do litoral. Mas era tão gentil quanto.
- Vamos fazer uma aula rápida de respiração pelo cilindro para você se adaptar antes de descermos. – ele diz, passando mais confiança á brasileira.
- E quantos metros vocês pretendem descer?
- Uns 18, no máximo. – dá de ombros.
- 18 metros? – ela repete incrédula. – Não, eu não vou. Vocês são loucos!
- Você nunca fez mergulho antes? – Fael pergunta. – Esse é o mínimo de profundidade que os mergulhadores fazem.
- Uma vez fomos à Ilha Bela, mas ela fez o snorkel, que é só ficar com o respiradouro na superfície. – Liza informa. – E ela adorou. Quando ela ver o quanto é bonito lá embaixo, vai esquecer desse medo na hora. – a morena se vira para a amiga – , os meninos fazem isso há anos. Eles têm mais experiência nisso do que em carros. – ela diz e logo desvia de uma nadadeira que joga em sua direção aos risos. – Estou brincando. – em seguida se aproxima da amiga para dizer – Pode confiar, eu vi a licença do com meus próprios olhos.
- Ai, caralho. – resmunga se enfiando dentro da roupa. – Eu juro que se tiver um tubarão lá, eu vou usar o corpo de vocês como escudo. Ele se distraindo com a carne de vocês primeiro, dá tempo para eu tentar voltar ao barco.
- O seu companheirismo é tocante. – Fael diz ajustando os seus óculos.
Os demais riem.
se aproxima de Liza para ajustar o seu regulador e bússola.
- Fica sempre próxima de mim e não mexe no cilindro, pode desregular. – ele diz arrumando os óculos dela na cabeça e tirando os fios que estavam soltos da longa trança de seus olhos.
- Como queira, capitão Marc Hervé Percival Leclerc. – ela pronuncia zombeteira e ele ri abertamente.
- Você não vai esquecer isso tão cedo, não é? – ele indaga risonho.
- Mon amour, você não deveria se envergonhar por ter um nome que demora dois minutos só para pronunciar. – ela diz divertida e ele gargalha. – Eu acho um charme, sério. – ela sorri – Como aquela foto de você pequenininho pelado comendo melancia.
- Eu nunca me arrependi tanto de uma tarde do chá com minha avó e minha mãe. – ele declara. – Eu nem sabia que tinha tanta lembrança guardada naquele baú. Aquelas duas juntas é o complô da vergonha.
- Não fala assim. – ela pede passando os braços ao redor da cintura do rapaz de forma carinhosa.
- É fácil para você falar. – ele exclama aos risos – Eu te vi até tirando foto da foto minha com aquele cabelo tigela lambido.
- Porque achei uma gracinha. – ela sorri. – E porque você quando criança era a cara do Noah Schnapp, de Stranger Things. – ela ri quando ele revira os olhos – Até a sua mãe concordou!
- Você nem disfarçou o quanto estava se divertindo com aquilo.
- Porque eu realmente estava. – ela ri. – Não se preocupe, você vai ter a sua vez. Minha mãe ainda tem o meu quarto do jeito que deixei quando saí de casa, e tem de tudo do mais vergonhoso lá. Pôsteres, CDs, fotos e uma penca de cartas com declarações para o Leonardo Di Caprio.
- E vocês estão bem?
Liza faz entorta a boca parcialmente para rir em seguida.
- Não acho que de uma hora para a outra teremos a melhor das relações, como a minha com meu pai. – ela suspira – A confiança é algo que se conquista com o tempo e... Bom, até então, digamos que ela não fodeu com tudo de novo.
ri, envolvendo-a com os braços com certa dificuldade devido ao cilindro nas costas da jovem.
- Agora que você sabe de literalmente todos os detalhes minuciosos da minha vida, vai fugir?
- Ao contrário. – ela sorri aproximando seus lábios para um beijo leve – Quero ficar ainda mais.
- Estamos prontos! – Arthur exclama da ponta do barco.
Terminados os ajustes e todas as medidas preventivas, depois de ficar 20 minutos com Arthur aprendendo a respirar com calma a poucos metros da superfície, eles finalmente pulam do barco e caem na água.
Os cinco descem em uma caída silenciosa e leve, a todo o momento com olhos às maravilhas ao seu redor. A iluminação do sol refletia em faixas onduladas nos corais e era possível ver de perto toda a vida marinha.
O fundo do mar é uma das coisas mais bonitas e fascinantes que tem no mundo, e o privilégio de poder contemplá-lo de perto deixava maravilhada.
Peixes coloridos e de diferentes formatos, esponjas marinhas, cardumes de inúmeros nadadores, era tanta informação que os espectadores não sabiam dizer com que mais se encantavam.
- Ainda bem que me convenceram. – diz ao retirar os apetrechos de suas costas, já de volta ao barco depois de uma hora submersa. – Foi a experiência mais fascinante que eu já tive.
Após o descanso e um lanche bem servido, eles se permitiram em só aproveitar a água naquele resto de tarde. Em um cooler repleto de cerveja grudado à margem do barco, eles brincavam com jet-skis na água e houve até uma saudável competição de velocidade entre e Liza, Arthur e Fael.
Eles ficaram no mar até que o céu se tornasse laranja no horizonte e a noite começasse a cair. As luzes da cidade já estavam acesas quando o barco encostou no porto.
- Vamos mesmo a uma festa em um iate passar a virada de ano? – questiona com os olhos brilhado ao entrar no carro.
- Temos pouco mais de duas horas para nos arrumar, se realmente quisermos ir. – Liza diz passando os olhos no relógio de pulso. – Acho que eles saem do porto por volta das oito da noite.
- Duas horas para se arrumar? – indaga espantado.
- Você acha que é rápido tirar todo sal e areia desse cabelo? – ela rebate segurando a trança. – Vai todo o meu estoque de xampu nessa brincadeira.
ri e dá partida no carro.
Uma hora e meia depois o rapaz se vê deslumbrado com a imagem de descendo as escadas de seu apartamento num vestido prata longo, de decote profundo e abertura lateral. Os cabelos arrumados em ondas intencionalmente regulares estavam soltos e jogados para um lado, caindo pelo seu ombro desnudo.
Ele assobia alto quando ela chega ao último degrau e Liza ri.
- Eu vou até bater palma. Você é um espetáculo. Belíssima! – ele se livra dos objetos que estavam em suas mãos na mesa de centro da sala para aplaudir. – Gente, vem aqui aplaudir. Por favor. – ele chama Arthur e , que estão sentados no sofá mexendo nos celulares e eles se levantam rindo. Param ao lado de e aplaudem também.
- Está bom, já chega. – Liza diz rindo e se aproxima do monegasco – Engraçadinho.
As palmas se sessam e e Arthur voltam ao sofá.
- Você está maravilhosa. – ele diz colocando as mãos na cintura dela, olhado diretamente em seus olhos.
- E mamma mia, você está parecendo um James Bond. Só que mais gato. – ela diz olhando para o seu terno caríssimo e ajeitando a sua gravata borboleta. – Eu até sei onde usar isso mais tarde.
Ele sorri maliciosamente.
- Terminei. – Fael anuncia alisando o nó da gravata vermelha longa que usava. – Demorou, mas consegui.
Os cinco então partem ao porto onde inúmeros iates de todos os tamanhos estavam completamente iluminados e embarcando pessoas da mais alta classe milionária de Mônaco – o país mais luxuoso e badalado do mundo.
Passar o ano novo com pessoas estranhas já era costumeiro para Liza e , em diferentes lugares ao redor do mundo. Mas aquele em específico se tornava cada vez mais especial porque estavam juntos, e não poderiam estar mais imersos no clima de casal apaixonado – desta vez esquecendo-se realmente quem eram e o que faziam.
Logo que subiram no iate, foram recepcionados por champanhe, vinho, cervejas e petiscos dos mais variados. Uma música de batida pop soava em volume ambiente nos alto falantes, tornando um clima agradável para conversar. O iate estava cheio e, para onde eles olhavam, grupos de pessoas vestidas com trajes igualmente finos e de aparência cara se destacavam.
Vindo de dentro do salão do iate um homem, já sem o blazer do terno, gravata afrouxada, com um copo de uísque na mão e sorriso fácil no rosto, caminha até a direção de .
- Daniel Ricciardo, eu não acredito. – diz sorridente ao tocar a mão do rapaz de pele parda, cabelos encaracolados e escuros, nariz pontudo e olhos castanhos. – Não sabia que ia passar as festas aqui.
- Eu fui para a Melbourne no Natal ficar com meus pais e então surgiu esse convite para essa festa de grã-finos. – o homem diz fazendo uma careta enojada, porém zombeteira. – Ainda bem que você apareceu, agora eu sei que podemos dar uma animada nisso aqui.
- Pode ter certeza que sim. – o monegasco ri e logo chama a atenção de Liza – Ma belle, esse é Daniel Ricciardo. O piloto mais cômico da Renault.
- Cômico, mais engraçado e mais bonito também. – Daniel complementa sorrindo enquanto pegava a mão de Liza e depositava um beijo nela.
- É um prazer conhecer o mestre das ultrapassagens. – Liza diz alegremente quando ele volta à postura. – O que você vem fazendo desde a Red Bull é impressionante.
- Uma fã de Fórmula 1! – Daniel salda entusiasmado, cutucado na barriga. – Já gostei dela.
- Você está olhando para a futura pilota de Fórmula 1, Danny. – diz encarando-a com olhar encantado.
- Está brincando. – Daniel diz exasperado, com as sobrancelhas arqueadas. – Benedetti, claro!
- Eu mesma. – Liza ri quando o rapaz volta a pegar a sua mão e sacudi-la animadamente.
- Não acredito que não te reconheci de imediato. Mas, também, quem iria imaginar que o macacão esconde tudo isso?! – ele sorri girando-a na ponta dos dedos em 360º e Liza ri – Foi uma puta sacanagem o que fizeram contigo em Barcelona. Inadmissível! – o homem diz com a face fechada enquanto cruzava os braços. – Mas, não se preocupe, gatinha, quem tem o talento que você tem vai longe. Não liga para aqueles engravatados, você é melhor que aquilo.
- Obrigada. – a jovem sorri verdadeiramente.
Daniel cumprimenta os demais do grupo animadamente, abraçando-os como se fossem velhos amigos. Sua simpatia era transcendente.
- Então, vamos começar a festa? – o australiano questiona esfregando as mãos uma na outra com um sorriso travesso na face.
Apesar da festa não ser à nível de loucura, Daniel se sentia tão livre quanto para fazer o que bem quisesse. Depois que o barco desatracou, o volume do som foi elevado e os garçons começaram a distribuir bebidas mais pesadas.
O grupo aproveitava a noite regada à álcool com direito a danças divertidas, conversas animadas e risadas altas.
Uma batida pop soava das caixas potentes e admirava a arte que era Liza Benedetti dançando. Com uma mão segurando a saia do vestido e na outra um copo de gim com tônica, ela balançava o quadril no ritmo – rebolando da forma mais sedutora que ele já havia visto.
A bunda subia e descia, travava e mexia e ele já tirava o blazer pelo calor que subia pelo seu corpo. Daniel se afasta da roda onde estava ele, Liza, e mais duas mulheres desconhecidas que se juntaram ao grupo divertido e alegre.
O australiano para ao lado de , pegando um copo de bebida da bandeja do garçom que passara, e diz a ele quando engole o líquido: - Qual o lance entre vocês?
- Como assim? – indaga de volta.
- Estão namorando, ficando... O que está acontecendo? – Daniel pontua.
o encara com os olhos espremidos e um tom divertido de desconfiança: - Por que quer saber?
- Não, não é por isso! – Daniel se adianta aos risos. – Por Deus, estou a fim de trepar, não de trocar fraldas. Vocês dois cheiram à bebê, com todo o respeito. – ele diz e ambos gargalham em seguida – Eu pergunto por que ela é uma garota legal, e vocês parecem estar tão entrosados. Eu acho isso bacana.
- Por que eu sinto que está vindo um “mas” por aí?
- Porque, apesar de não querer ser o chato, nós dois sabemos o que vai acontecer se ela realmente entrar para a Fórmula 1. – Daniel diz com um sorriso torto.
- Em que sentido, você diz?
- No sentido de dois pilotos adversários estarem em um relacionamento. – o rapaz esclarece – A assessoria não vai curtir muito esse tipo de imagem. Principalmente a FIA.
- Mas eles não podem intervir, podem? – questiona temeroso – Digo, é a nossa vida pessoal.
- Droga, você não sabe. – Daniel comenta com uma careta sentida.
Daniel era o piloto mais descontraído e simpático do grupo de corredores da F1, ter uma amizade com ele era muito fácil. o tinha como um dos mais próximos, porque apesar dos oito anos de diferença de idade eles se davam muito bem por gostos comuns, bom humor e sensatez.
Apesar dos momentos divertidos que o australiano trazia ao monegasco, também era quem o alertava sobre diversas questões sérias – dentre conselhos amorosos, métodos de direção, como lidar com o público, fanatismo e entre outros.
Daniel suspira antes de falar: - Todo contrato de escuderia padrão tem umas cláusulas contratuais. Às vezes passa despercebido, mas basicamente proíbe a gente de nos associarmos à outras marcas de escuderias rivais. Em resumo declara que não podemos ter vínculos extracontratuais.
sente seu coração gelar.
- Parece ser besta, mas se levado ao pé da letra, chega a limitar até as nossas amizades dentro do grid. – ele diz. – Nas últimas temporadas isso não tem sido levado à risca, mas pode ser que mude com a chegada de uma mulher.
- O que provavelmente vai acontecer, sim. – o monegasco engole em seco.
O australiano suspira.
- Não estou falando para se preocupar com isso agora, afinal ela não está na F1 ainda. – ele fala – Mas nós dois sabemos que um dia isso vai acabar acontecendo e vocês vão ter que tomar alguma providência.
suspira e volta a olhar para .
Ela batia palmas, cantava alto, ria, pulava e girava no meio da pista, o rapaz nunca a tinha visto tão feliz.
Por fim sorri e balança a cabeça descontraidamente.
- Não é o tipo de coisa que vou deixar esquentar a minha cabeça agora. – o monegasco dá de ombros, tomando um gole da sua cerveja – Estou feliz demais para quebrar o clima.
- Claro, claro. Se eu soubesse não teria tocado no assunto. – Daniel diz – Fico contente que esteja finalmente feliz, cara. E me desculpe. – e bate no ombro do amigo amigavelmente antes de retornar à pista.
vê sorrir em sua direção e chamá-lo com o dedo para dançar junto a ela. Ele não pensa duas vezes antes de largar a garrafa e ir em sua direção. Mal sabia ele que ela também queria aproveitar o que seria a sua última noite sem preocupações – de quem ela era ou como deveria se comportar devido à sua posição social.
Ele realmente não queria pensar nisso, e talvez mais umas doses de conhaque pudessem o ajudar.
Eles dançam, bebem e suam juntos até que Liza aperta sua mão indicando o lado de fora, e diz: - Vem comigo.
Com os dedos entrelaçados aos da jovem eles seguem pela saída do salão até o deque ao lado de fora, onde poucos transitavam àquela hora. segue caminhando até a borda do iate, onde se apoia para mirar as dezenas de barcos ao longo da escuridão entre céu, mar e seus afins. para ao seu lado.
- Essa semana foi... – Liza começa com a voz cheia de ternura, suspirando – Indescritível, de tão boa.
Ele a abraça por trás e apoia o queixo no ombro dela, fechando os olhos para aproveitar a sensação da mulher tão próxima.
Eles ficam em silêncio por um tempo, apenas apreciando o chacoalhar do barco nas ondas, a música que soava ao longe, as risadas, o mormaço da maresia e a luz azulada da lua.
Liza delicadamente se solta dos braços do rapaz para virar-se de frente para ele. está com o rosto tranquilo e semblante perceptível feliz, seus olhos brilhavam com o reflexo das lamparinas amareladas do iate. Ela acaricia o seu rosto com a mão direita.
- Eu não sei o que vai ser de mim no próximo ano, - ela pronuncia – onde, como e oque... São tantas incertezas. – Liza umedece os lábios lentamente, sem tirar os olhos da face do rapaz – A única coisa que eu sei é que o que sinto por você é grande, forte e está cada vez crescendo mais.
- Está falando que está apaixonada ou que está com um tipo de vírus? – indaga zombeteiro, e ambos riem.
- Idiota. – ela diz risonha, passando as mãos pela cintura dele. – Eu estou falando sério. – ela sorri – Eu estou absolutamente, inegavelmente, inconfundivelmente apaixonada por você.
sorri abertamente, encarando os seus olhos avelã enquanto segurava o rosto dela delicadamente com as duas mãos para dizer: - Eu estou apaixonado por você também, se ainda não tinha ficado claro. – eles riem fraco – Não consigo pronunciar todas essas palavras difíceis em inglês, mas também é intenso. – Liza ri emocionada – É feróce! E com isso quero dizer que agora não terá hesitações, reclusões ou receios do meu comprometimento conosco.
Ela umedece o lábio inferior sem tirar o sorriso do rosto, para questionar: - Mesmo que não seja fácil?
ri anasalado, pensando nas palavras de Daniel de mais cedo.
- Você sabe o quanto eu gosto de um desafio. – dito isso, ele aproxima seus lábios e eles os selam vagarosamente.
Passado alguns minutos, fogos iluminam o céu estrelado, deixando-o mais brilhante e cheio de cores. O casal continua no manejar de línguas, desfrutando do sabor um do outro sem pressa.
Quando sentem falta de ar se afastam lentamente, procura pela hora em seu relógio: exatas meia-noite e dois minutos.
Eles sorriem um ao outro.
- As pessoas dizem que se você beija alguém na virada de ano... – ele começa.
- É quem você vai beijar o ano todo. – ela completa, voltando a aproximar os seus lábios.
segura o rosto dela e pressiona os seus lábios exageradamente por um minuto antes de soltá-la com a face satisfeita. Ela olha para ele com olhos divertidos.
- Só para garantir, você sabe. – ele dá de ombros e ela finalmente ri.
Depois ela alisa a camisa do monegasco carinhosamente e o mira com um sorriso doce.
- Feliz ano novo, mon amour.
- Feliz ano novo, ma belle.
(...)
O êxtase daquela noite se prolongou por todo o dia seguinte, até quando o monegasco levara os visitantes ao aeroporto para o retorno ao país natal. Apesar das poucas horas de sono, estavam completamente satisfeitos e descansados, devido toda a rotina de lazer no decorrer da semana.
O aeroporto não estava tão cheio quanto o esperado, mas ainda assim fãs do trabalho de vez ou outra pediam por uma foto ou autógrafo – o que foi completamente compreensível uma vez que ele era o ídolo do país.
Liza sorria, no entanto a percebia se esquivar minimamente dele quando abordada por outrem. Eles posavam, hora separados e hora juntos, mas isso não foi o que realmente abalou o clima.
Chegando ao portão de embarque, todos se despediram com abraços e promessas de voltarem a se ver em breve.
É quando olha para Liza significantemente.
De tantas incertezas, futuros indeterminados e duvidosos citado por ela em alguns momentos, esta era a hora em que eles parariam de ficar despreocupados e retornariam á suas realidades, e ele não sabia o que ela tinha em mente quanto aos dois além da única certeza de que eles queriam ficar juntos porque estavam apaixonados.
Como as coisas ficariam? Quando voltariam a se ver? A se falar? Essas eram algumas das perguntas que Liza lia nos olhos do monegasco.
- Tenho um projeto para esse começo do ano, o qual vai tomar grande parte do meu tempo. – ela diz acariciando os dedos do rapaz entrelaçados aos seus – Você vai estar ocupado com a preparação, então não é como se tivéssemos uma brecha de qualquer forma.
- Quando? – ele questiona apreensivo.
- Não se preocupe, vamos nos encontrar muito mais neste ano. – ela diz sorrindo, aproximando seu rosto do dele – A lenda do beijo no ano novo pode não garantir isso, mas eu vou. Prometo.
- , eu trabalho com estatísticas, ma belle. – ele esclarece sorrindo aflito. – Você precisa me dar uma informação concreta.
Ela suspira e abraça seu corpo pela cintura.
- Eu vou aos testes de pré-temporada. – ela diz e ele abre um sorriso largo. – Assim está melhor?
- Vai estar lá? – ele questiona alegre.
- Claro! – ela assente – Assim vou conferir ao vivo se a sua volta é mais rápida do que o tempo que leva para pronunciar seu nome completo.
gargalha.
- Engraçadinha.
Ela abraça o monegasco em um aperto forte, ele a abraça de volta.
- Não se preocupe, eu também estou comprometida a nós. – ela garante com a voz baixa, para que só ele ouvisse. – É uma via de mão dupla, lembra?
ri e beija sua testa antes de se afastarem.
Já embarcados no avião e acomodados cada um em sua poltrona, Liza tem os olhos vagos direcionados a pequena janela da aeronave.
Fael mal havia entrado no avião e já estava roncando alto, por isso se vira a amiga, indagando com ternura: - Está tudo bem?
Liza se direciona a ela e sorri fraco.
- Sim, só estou pensando em como as coisas terminaram de uma forma completamente diferente do planejado.
- Ah sim, - a loira suspira – por um momento havia me esquecido de que veio até aqui para terminar as coisas com .
Liza engole em seco, só por se lembrar de um dia ter considerado tal alternativa.
- Como poderia, ? – ela ri sem humor. – Eu deveria imaginar que não conseguiria olhar nos olhos dele e falar que, apesar de estar completamente apaixonada por ele, seria melhor sermos só amigos daqui para frente, porque eu sou a nova pilota titular da escuderia que é rival à dele e vamos estar disputando posições no grid este ano.
A loira faz uma careta sofrida.
- E o que vai fazer agora? – pergunta – Se afastar de novo até que consiga terminar, da próxima vez?
- Não! – ela nega de imediato. – Eu não vou fazer isso. Eu não quero fazer isso. – logo Liza se corrige – Gosto dele demais, não quero ele fora da minha vida.
brilha os olhos, orgulhosa.
- E o que vai fazer quanto á clausula do contrato?
- Não sei ainda. – a pilota admite – Mas eu não vou abrir mão de nenhum dos dois, do trabalho dos sonhos ou o homem da minha vida.
- Essa é a minha garota! – a loira diz e a abraça de lado animada.
Foram à casinos, onde aproveitaram algumas noites de farra e jogos divertidos; subiam pelo Rochedo de Monte-Ville e apreciaram a vista infinita do mar azul; fizeram uma visita ao palácio do príncipe de Mônaco, assim como aos jardins de rosas; foram à alguns restaurantes e provaram de seus pratos preferidos; visitaram o circuito do Grande Prêmio, que era realizado nas ruas de Monte Carlo utilizadas no dia a dia; além de, claro, navegarem de barco e nadar em alto mar.
- Eu passo, obrigada. – diz de braços cruzados a bordo do La Leclerc no meio do canal da baía de Larvotto Beach, recusando o traje que o monegasco à oferecia.
- , você não precisa saber nadar para fazer mergulho. – Liza diz se enfiando na roupa colada de borracha assim como Fael e Arthur – Por conta dos equipamentos, colete e nadadeiras, exige menos técnica do que natação convencional.
- Está, claro. – a loira responde de forma sarcástica.
- É verdade. – garante, insistindo com o traje em sua direção – Tem gente que até aprende a nadar mergulhando.
pega a roupa e a encara de forma duvidosa.
- E se eu afundar e ir afundando e afundando e não conseguir voltar? – ela questiona encarando os demais com olhos amedrontados.
- O colete não te deixa ir afundando e afundando. – Arthur diz aos risos – E vamos estar junto de você, te guiando a todo o momento.
O irmão de a pouco se assemelhava a ele, com os cabelos loiros, nariz mais longo repleto de sardas e pele tipicamente bronzeada do litoral. Mas era tão gentil quanto.
- Vamos fazer uma aula rápida de respiração pelo cilindro para você se adaptar antes de descermos. – ele diz, passando mais confiança á brasileira.
- E quantos metros vocês pretendem descer?
- Uns 18, no máximo. – dá de ombros.
- 18 metros? – ela repete incrédula. – Não, eu não vou. Vocês são loucos!
- Você nunca fez mergulho antes? – Fael pergunta. – Esse é o mínimo de profundidade que os mergulhadores fazem.
- Uma vez fomos à Ilha Bela, mas ela fez o snorkel, que é só ficar com o respiradouro na superfície. – Liza informa. – E ela adorou. Quando ela ver o quanto é bonito lá embaixo, vai esquecer desse medo na hora. – a morena se vira para a amiga – , os meninos fazem isso há anos. Eles têm mais experiência nisso do que em carros. – ela diz e logo desvia de uma nadadeira que joga em sua direção aos risos. – Estou brincando. – em seguida se aproxima da amiga para dizer – Pode confiar, eu vi a licença do com meus próprios olhos.
- Ai, caralho. – resmunga se enfiando dentro da roupa. – Eu juro que se tiver um tubarão lá, eu vou usar o corpo de vocês como escudo. Ele se distraindo com a carne de vocês primeiro, dá tempo para eu tentar voltar ao barco.
- O seu companheirismo é tocante. – Fael diz ajustando os seus óculos.
Os demais riem.
se aproxima de Liza para ajustar o seu regulador e bússola.
- Fica sempre próxima de mim e não mexe no cilindro, pode desregular. – ele diz arrumando os óculos dela na cabeça e tirando os fios que estavam soltos da longa trança de seus olhos.
- Como queira, capitão Marc Hervé Percival Leclerc. – ela pronuncia zombeteira e ele ri abertamente.
- Você não vai esquecer isso tão cedo, não é? – ele indaga risonho.
- Mon amour, você não deveria se envergonhar por ter um nome que demora dois minutos só para pronunciar. – ela diz divertida e ele gargalha. – Eu acho um charme, sério. – ela sorri – Como aquela foto de você pequenininho pelado comendo melancia.
- Eu nunca me arrependi tanto de uma tarde do chá com minha avó e minha mãe. – ele declara. – Eu nem sabia que tinha tanta lembrança guardada naquele baú. Aquelas duas juntas é o complô da vergonha.
- Não fala assim. – ela pede passando os braços ao redor da cintura do rapaz de forma carinhosa.
- É fácil para você falar. – ele exclama aos risos – Eu te vi até tirando foto da foto minha com aquele cabelo tigela lambido.
- Porque achei uma gracinha. – ela sorri. – E porque você quando criança era a cara do Noah Schnapp, de Stranger Things. – ela ri quando ele revira os olhos – Até a sua mãe concordou!
- Você nem disfarçou o quanto estava se divertindo com aquilo.
- Porque eu realmente estava. – ela ri. – Não se preocupe, você vai ter a sua vez. Minha mãe ainda tem o meu quarto do jeito que deixei quando saí de casa, e tem de tudo do mais vergonhoso lá. Pôsteres, CDs, fotos e uma penca de cartas com declarações para o Leonardo Di Caprio.
- E vocês estão bem?
Liza faz entorta a boca parcialmente para rir em seguida.
- Não acho que de uma hora para a outra teremos a melhor das relações, como a minha com meu pai. – ela suspira – A confiança é algo que se conquista com o tempo e... Bom, até então, digamos que ela não fodeu com tudo de novo.
ri, envolvendo-a com os braços com certa dificuldade devido ao cilindro nas costas da jovem.
- Agora que você sabe de literalmente todos os detalhes minuciosos da minha vida, vai fugir?
- Ao contrário. – ela sorri aproximando seus lábios para um beijo leve – Quero ficar ainda mais.
- Estamos prontos! – Arthur exclama da ponta do barco.
Terminados os ajustes e todas as medidas preventivas, depois de ficar 20 minutos com Arthur aprendendo a respirar com calma a poucos metros da superfície, eles finalmente pulam do barco e caem na água.
Os cinco descem em uma caída silenciosa e leve, a todo o momento com olhos às maravilhas ao seu redor. A iluminação do sol refletia em faixas onduladas nos corais e era possível ver de perto toda a vida marinha.
O fundo do mar é uma das coisas mais bonitas e fascinantes que tem no mundo, e o privilégio de poder contemplá-lo de perto deixava maravilhada.
Peixes coloridos e de diferentes formatos, esponjas marinhas, cardumes de inúmeros nadadores, era tanta informação que os espectadores não sabiam dizer com que mais se encantavam.
- Ainda bem que me convenceram. – diz ao retirar os apetrechos de suas costas, já de volta ao barco depois de uma hora submersa. – Foi a experiência mais fascinante que eu já tive.
Após o descanso e um lanche bem servido, eles se permitiram em só aproveitar a água naquele resto de tarde. Em um cooler repleto de cerveja grudado à margem do barco, eles brincavam com jet-skis na água e houve até uma saudável competição de velocidade entre e Liza, Arthur e Fael.
Eles ficaram no mar até que o céu se tornasse laranja no horizonte e a noite começasse a cair. As luzes da cidade já estavam acesas quando o barco encostou no porto.
- Vamos mesmo a uma festa em um iate passar a virada de ano? – questiona com os olhos brilhado ao entrar no carro.
- Temos pouco mais de duas horas para nos arrumar, se realmente quisermos ir. – Liza diz passando os olhos no relógio de pulso. – Acho que eles saem do porto por volta das oito da noite.
- Duas horas para se arrumar? – indaga espantado.
- Você acha que é rápido tirar todo sal e areia desse cabelo? – ela rebate segurando a trança. – Vai todo o meu estoque de xampu nessa brincadeira.
ri e dá partida no carro.
Uma hora e meia depois o rapaz se vê deslumbrado com a imagem de descendo as escadas de seu apartamento num vestido prata longo, de decote profundo e abertura lateral. Os cabelos arrumados em ondas intencionalmente regulares estavam soltos e jogados para um lado, caindo pelo seu ombro desnudo.
Ele assobia alto quando ela chega ao último degrau e Liza ri.
- Eu vou até bater palma. Você é um espetáculo. Belíssima! – ele se livra dos objetos que estavam em suas mãos na mesa de centro da sala para aplaudir. – Gente, vem aqui aplaudir. Por favor. – ele chama Arthur e , que estão sentados no sofá mexendo nos celulares e eles se levantam rindo. Param ao lado de e aplaudem também.
- Está bom, já chega. – Liza diz rindo e se aproxima do monegasco – Engraçadinho.
As palmas se sessam e e Arthur voltam ao sofá.
- Você está maravilhosa. – ele diz colocando as mãos na cintura dela, olhado diretamente em seus olhos.
- E mamma mia, você está parecendo um James Bond. Só que mais gato. – ela diz olhando para o seu terno caríssimo e ajeitando a sua gravata borboleta. – Eu até sei onde usar isso mais tarde.
Ele sorri maliciosamente.
- Terminei. – Fael anuncia alisando o nó da gravata vermelha longa que usava. – Demorou, mas consegui.
Os cinco então partem ao porto onde inúmeros iates de todos os tamanhos estavam completamente iluminados e embarcando pessoas da mais alta classe milionária de Mônaco – o país mais luxuoso e badalado do mundo.
Passar o ano novo com pessoas estranhas já era costumeiro para Liza e , em diferentes lugares ao redor do mundo. Mas aquele em específico se tornava cada vez mais especial porque estavam juntos, e não poderiam estar mais imersos no clima de casal apaixonado – desta vez esquecendo-se realmente quem eram e o que faziam.
Logo que subiram no iate, foram recepcionados por champanhe, vinho, cervejas e petiscos dos mais variados. Uma música de batida pop soava em volume ambiente nos alto falantes, tornando um clima agradável para conversar. O iate estava cheio e, para onde eles olhavam, grupos de pessoas vestidas com trajes igualmente finos e de aparência cara se destacavam.
Vindo de dentro do salão do iate um homem, já sem o blazer do terno, gravata afrouxada, com um copo de uísque na mão e sorriso fácil no rosto, caminha até a direção de .
- Daniel Ricciardo, eu não acredito. – diz sorridente ao tocar a mão do rapaz de pele parda, cabelos encaracolados e escuros, nariz pontudo e olhos castanhos. – Não sabia que ia passar as festas aqui.
- Eu fui para a Melbourne no Natal ficar com meus pais e então surgiu esse convite para essa festa de grã-finos. – o homem diz fazendo uma careta enojada, porém zombeteira. – Ainda bem que você apareceu, agora eu sei que podemos dar uma animada nisso aqui.
- Pode ter certeza que sim. – o monegasco ri e logo chama a atenção de Liza – Ma belle, esse é Daniel Ricciardo. O piloto mais cômico da Renault.
- Cômico, mais engraçado e mais bonito também. – Daniel complementa sorrindo enquanto pegava a mão de Liza e depositava um beijo nela.
- É um prazer conhecer o mestre das ultrapassagens. – Liza diz alegremente quando ele volta à postura. – O que você vem fazendo desde a Red Bull é impressionante.
- Uma fã de Fórmula 1! – Daniel salda entusiasmado, cutucado na barriga. – Já gostei dela.
- Você está olhando para a futura pilota de Fórmula 1, Danny. – diz encarando-a com olhar encantado.
- Está brincando. – Daniel diz exasperado, com as sobrancelhas arqueadas. – Benedetti, claro!
- Eu mesma. – Liza ri quando o rapaz volta a pegar a sua mão e sacudi-la animadamente.
- Não acredito que não te reconheci de imediato. Mas, também, quem iria imaginar que o macacão esconde tudo isso?! – ele sorri girando-a na ponta dos dedos em 360º e Liza ri – Foi uma puta sacanagem o que fizeram contigo em Barcelona. Inadmissível! – o homem diz com a face fechada enquanto cruzava os braços. – Mas, não se preocupe, gatinha, quem tem o talento que você tem vai longe. Não liga para aqueles engravatados, você é melhor que aquilo.
- Obrigada. – a jovem sorri verdadeiramente.
Daniel cumprimenta os demais do grupo animadamente, abraçando-os como se fossem velhos amigos. Sua simpatia era transcendente.
- Então, vamos começar a festa? – o australiano questiona esfregando as mãos uma na outra com um sorriso travesso na face.
Apesar da festa não ser à nível de loucura, Daniel se sentia tão livre quanto para fazer o que bem quisesse. Depois que o barco desatracou, o volume do som foi elevado e os garçons começaram a distribuir bebidas mais pesadas.
O grupo aproveitava a noite regada à álcool com direito a danças divertidas, conversas animadas e risadas altas.
Uma batida pop soava das caixas potentes e admirava a arte que era Liza Benedetti dançando. Com uma mão segurando a saia do vestido e na outra um copo de gim com tônica, ela balançava o quadril no ritmo – rebolando da forma mais sedutora que ele já havia visto.
A bunda subia e descia, travava e mexia e ele já tirava o blazer pelo calor que subia pelo seu corpo. Daniel se afasta da roda onde estava ele, Liza, e mais duas mulheres desconhecidas que se juntaram ao grupo divertido e alegre.
O australiano para ao lado de , pegando um copo de bebida da bandeja do garçom que passara, e diz a ele quando engole o líquido: - Qual o lance entre vocês?
- Como assim? – indaga de volta.
- Estão namorando, ficando... O que está acontecendo? – Daniel pontua.
o encara com os olhos espremidos e um tom divertido de desconfiança: - Por que quer saber?
- Não, não é por isso! – Daniel se adianta aos risos. – Por Deus, estou a fim de trepar, não de trocar fraldas. Vocês dois cheiram à bebê, com todo o respeito. – ele diz e ambos gargalham em seguida – Eu pergunto por que ela é uma garota legal, e vocês parecem estar tão entrosados. Eu acho isso bacana.
- Por que eu sinto que está vindo um “mas” por aí?
- Porque, apesar de não querer ser o chato, nós dois sabemos o que vai acontecer se ela realmente entrar para a Fórmula 1. – Daniel diz com um sorriso torto.
- Em que sentido, você diz?
- No sentido de dois pilotos adversários estarem em um relacionamento. – o rapaz esclarece – A assessoria não vai curtir muito esse tipo de imagem. Principalmente a FIA.
- Mas eles não podem intervir, podem? – questiona temeroso – Digo, é a nossa vida pessoal.
- Droga, você não sabe. – Daniel comenta com uma careta sentida.
Daniel era o piloto mais descontraído e simpático do grupo de corredores da F1, ter uma amizade com ele era muito fácil. o tinha como um dos mais próximos, porque apesar dos oito anos de diferença de idade eles se davam muito bem por gostos comuns, bom humor e sensatez.
Apesar dos momentos divertidos que o australiano trazia ao monegasco, também era quem o alertava sobre diversas questões sérias – dentre conselhos amorosos, métodos de direção, como lidar com o público, fanatismo e entre outros.
Daniel suspira antes de falar: - Todo contrato de escuderia padrão tem umas cláusulas contratuais. Às vezes passa despercebido, mas basicamente proíbe a gente de nos associarmos à outras marcas de escuderias rivais. Em resumo declara que não podemos ter vínculos extracontratuais.
sente seu coração gelar.
- Parece ser besta, mas se levado ao pé da letra, chega a limitar até as nossas amizades dentro do grid. – ele diz. – Nas últimas temporadas isso não tem sido levado à risca, mas pode ser que mude com a chegada de uma mulher.
- O que provavelmente vai acontecer, sim. – o monegasco engole em seco.
O australiano suspira.
- Não estou falando para se preocupar com isso agora, afinal ela não está na F1 ainda. – ele fala – Mas nós dois sabemos que um dia isso vai acabar acontecendo e vocês vão ter que tomar alguma providência.
suspira e volta a olhar para .
Ela batia palmas, cantava alto, ria, pulava e girava no meio da pista, o rapaz nunca a tinha visto tão feliz.
Por fim sorri e balança a cabeça descontraidamente.
- Não é o tipo de coisa que vou deixar esquentar a minha cabeça agora. – o monegasco dá de ombros, tomando um gole da sua cerveja – Estou feliz demais para quebrar o clima.
- Claro, claro. Se eu soubesse não teria tocado no assunto. – Daniel diz – Fico contente que esteja finalmente feliz, cara. E me desculpe. – e bate no ombro do amigo amigavelmente antes de retornar à pista.
vê sorrir em sua direção e chamá-lo com o dedo para dançar junto a ela. Ele não pensa duas vezes antes de largar a garrafa e ir em sua direção. Mal sabia ele que ela também queria aproveitar o que seria a sua última noite sem preocupações – de quem ela era ou como deveria se comportar devido à sua posição social.
Ele realmente não queria pensar nisso, e talvez mais umas doses de conhaque pudessem o ajudar.
Eles dançam, bebem e suam juntos até que Liza aperta sua mão indicando o lado de fora, e diz: - Vem comigo.
Com os dedos entrelaçados aos da jovem eles seguem pela saída do salão até o deque ao lado de fora, onde poucos transitavam àquela hora. segue caminhando até a borda do iate, onde se apoia para mirar as dezenas de barcos ao longo da escuridão entre céu, mar e seus afins. para ao seu lado.
- Essa semana foi... – Liza começa com a voz cheia de ternura, suspirando – Indescritível, de tão boa.
Ele a abraça por trás e apoia o queixo no ombro dela, fechando os olhos para aproveitar a sensação da mulher tão próxima.
Eles ficam em silêncio por um tempo, apenas apreciando o chacoalhar do barco nas ondas, a música que soava ao longe, as risadas, o mormaço da maresia e a luz azulada da lua.
Liza delicadamente se solta dos braços do rapaz para virar-se de frente para ele. está com o rosto tranquilo e semblante perceptível feliz, seus olhos brilhavam com o reflexo das lamparinas amareladas do iate. Ela acaricia o seu rosto com a mão direita.
- Eu não sei o que vai ser de mim no próximo ano, - ela pronuncia – onde, como e oque... São tantas incertezas. – Liza umedece os lábios lentamente, sem tirar os olhos da face do rapaz – A única coisa que eu sei é que o que sinto por você é grande, forte e está cada vez crescendo mais.
- Está falando que está apaixonada ou que está com um tipo de vírus? – indaga zombeteiro, e ambos riem.
- Idiota. – ela diz risonha, passando as mãos pela cintura dele. – Eu estou falando sério. – ela sorri – Eu estou absolutamente, inegavelmente, inconfundivelmente apaixonada por você.
sorri abertamente, encarando os seus olhos avelã enquanto segurava o rosto dela delicadamente com as duas mãos para dizer: - Eu estou apaixonado por você também, se ainda não tinha ficado claro. – eles riem fraco – Não consigo pronunciar todas essas palavras difíceis em inglês, mas também é intenso. – Liza ri emocionada – É feróce! E com isso quero dizer que agora não terá hesitações, reclusões ou receios do meu comprometimento conosco.
Ela umedece o lábio inferior sem tirar o sorriso do rosto, para questionar: - Mesmo que não seja fácil?
ri anasalado, pensando nas palavras de Daniel de mais cedo.
- Você sabe o quanto eu gosto de um desafio. – dito isso, ele aproxima seus lábios e eles os selam vagarosamente.
Passado alguns minutos, fogos iluminam o céu estrelado, deixando-o mais brilhante e cheio de cores. O casal continua no manejar de línguas, desfrutando do sabor um do outro sem pressa.
Quando sentem falta de ar se afastam lentamente, procura pela hora em seu relógio: exatas meia-noite e dois minutos.
Eles sorriem um ao outro.
- As pessoas dizem que se você beija alguém na virada de ano... – ele começa.
- É quem você vai beijar o ano todo. – ela completa, voltando a aproximar os seus lábios.
segura o rosto dela e pressiona os seus lábios exageradamente por um minuto antes de soltá-la com a face satisfeita. Ela olha para ele com olhos divertidos.
- Só para garantir, você sabe. – ele dá de ombros e ela finalmente ri.
Depois ela alisa a camisa do monegasco carinhosamente e o mira com um sorriso doce.
- Feliz ano novo, mon amour.
- Feliz ano novo, ma belle.
O êxtase daquela noite se prolongou por todo o dia seguinte, até quando o monegasco levara os visitantes ao aeroporto para o retorno ao país natal. Apesar das poucas horas de sono, estavam completamente satisfeitos e descansados, devido toda a rotina de lazer no decorrer da semana.
O aeroporto não estava tão cheio quanto o esperado, mas ainda assim fãs do trabalho de vez ou outra pediam por uma foto ou autógrafo – o que foi completamente compreensível uma vez que ele era o ídolo do país.
Liza sorria, no entanto a percebia se esquivar minimamente dele quando abordada por outrem. Eles posavam, hora separados e hora juntos, mas isso não foi o que realmente abalou o clima.
Chegando ao portão de embarque, todos se despediram com abraços e promessas de voltarem a se ver em breve.
É quando olha para Liza significantemente.
De tantas incertezas, futuros indeterminados e duvidosos citado por ela em alguns momentos, esta era a hora em que eles parariam de ficar despreocupados e retornariam á suas realidades, e ele não sabia o que ela tinha em mente quanto aos dois além da única certeza de que eles queriam ficar juntos porque estavam apaixonados.
Como as coisas ficariam? Quando voltariam a se ver? A se falar? Essas eram algumas das perguntas que Liza lia nos olhos do monegasco.
- Tenho um projeto para esse começo do ano, o qual vai tomar grande parte do meu tempo. – ela diz acariciando os dedos do rapaz entrelaçados aos seus – Você vai estar ocupado com a preparação, então não é como se tivéssemos uma brecha de qualquer forma.
- Quando? – ele questiona apreensivo.
- Não se preocupe, vamos nos encontrar muito mais neste ano. – ela diz sorrindo, aproximando seu rosto do dele – A lenda do beijo no ano novo pode não garantir isso, mas eu vou. Prometo.
- , eu trabalho com estatísticas, ma belle. – ele esclarece sorrindo aflito. – Você precisa me dar uma informação concreta.
Ela suspira e abraça seu corpo pela cintura.
- Eu vou aos testes de pré-temporada. – ela diz e ele abre um sorriso largo. – Assim está melhor?
- Vai estar lá? – ele questiona alegre.
- Claro! – ela assente – Assim vou conferir ao vivo se a sua volta é mais rápida do que o tempo que leva para pronunciar seu nome completo.
gargalha.
- Engraçadinha.
Ela abraça o monegasco em um aperto forte, ele a abraça de volta.
- Não se preocupe, eu também estou comprometida a nós. – ela garante com a voz baixa, para que só ele ouvisse. – É uma via de mão dupla, lembra?
ri e beija sua testa antes de se afastarem.
Já embarcados no avião e acomodados cada um em sua poltrona, Liza tem os olhos vagos direcionados a pequena janela da aeronave.
Fael mal havia entrado no avião e já estava roncando alto, por isso se vira a amiga, indagando com ternura: - Está tudo bem?
Liza se direciona a ela e sorri fraco.
- Sim, só estou pensando em como as coisas terminaram de uma forma completamente diferente do planejado.
- Ah sim, - a loira suspira – por um momento havia me esquecido de que veio até aqui para terminar as coisas com .
Liza engole em seco, só por se lembrar de um dia ter considerado tal alternativa.
- Como poderia, ? – ela ri sem humor. – Eu deveria imaginar que não conseguiria olhar nos olhos dele e falar que, apesar de estar completamente apaixonada por ele, seria melhor sermos só amigos daqui para frente, porque eu sou a nova pilota titular da escuderia que é rival à dele e vamos estar disputando posições no grid este ano.
A loira faz uma careta sofrida.
- E o que vai fazer agora? – pergunta – Se afastar de novo até que consiga terminar, da próxima vez?
- Não! – ela nega de imediato. – Eu não vou fazer isso. Eu não quero fazer isso. – logo Liza se corrige – Gosto dele demais, não quero ele fora da minha vida.
brilha os olhos, orgulhosa.
- E o que vai fazer quanto á clausula do contrato?
- Não sei ainda. – a pilota admite – Mas eu não vou abrir mão de nenhum dos dois, do trabalho dos sonhos ou o homem da minha vida.
- Essa é a minha garota! – a loira diz e a abraça de lado animada.
Capítulo 15
Circuito de Sakhir – Barein
Para qualquer lado que se olhasse dentro daquele autódromo, via-se ambientes abarrotados de pessoas de diversas culturas, formas, cores, genética e línguas. A falação era constante e audível, a modo que aquele zumbido intermitente prolongava-se por quilômetros de distância.
O transitar do pessoal era constante e de forma atropelada, a todo momento correndo para não perder um suspiro sequer.
Câmeras, gravadores, microfones, rádios sendo monitorados por jornalistas, repórteres e colunistas de grandes veículos informativos prontos para captar toda informação do que estaria previsto para a temporada da tão aclamada Fórmula 1.
Havia finalmente começado a pré-temporada e o clima de ansiedade se estendia por construtoras, pilotos, engenheiros, fãs e todo o público envolvido com o esporte.
A pré-temporada tem o intuito de exercer os testes nos carros das construtoras oficiais, os quais iriam para as pistas naquele ano. Toda a modernidade, atualização e tecnologia integrada aos carros seriam apresentadas em duas sessões, cada uma com três dias de avaliação referente à potência, velocidade, aderência, frenagem e afins – que juntos afirmariam se o automóvel estava adequado. Além de, claro, serem completamente inspecionados pela Federação Internacional do Automobilismo – FIA.
Naquela semana também eram cedidas entrevistas pelas construtoras para exibir o seu plano de ação, expor os integrantes que iriam compor o time e, principalmente eram apresentados oficialmente os pilotos titulares que estariam guiando os seus distintos carros.
tinha acabado de deixar o painel da Ferrari junto de Carlos depois de uma extensa entrevista e já estava com o celular em mãos, digitando ferozmente mensagens à Liza.
Durante esses dois meses eles não haviam se visto, porém conversado muito por chamadas ao telefone e mensagens de celular. Ela havia dito há dois dias que estava embarcando para o Barein, mas que faria algumas escalas em outros países até chegar ao local.
Seu voo era para ter chego há exatas duas horas e até então ele não tinha notícias sobre o paradeiro da sua namorada, o que lhe deixava com um leve desconforto.
Ela havia dito que lhe faria uma surpresa hoje, e este fora o máximo de informação que havia cedido desde que eles se despediram em Mônaco. Nada sobre o seu paradeiro, sobre o que era o projeto que tomava maior parte do seu dia ou com quem estava trabalhando, ela apenas dizia: “É restrito e o pessoal é muito exigente, sinto muito. Em breve você entenderá o porquê.”
Ele segue atrás do seu assessor de imprensa, Garret, e ao lado de Carlos, apenas sendo guiado por entre os bastidores do evento. Eles percorrem o traçado de alguns corredores extensos entre as salas de imprensa e logo param em frente à uma porta, no aguardo para a próxima coletiva.
- Carlos! – ele ouve uma voz familiar com sotaque requintado alegre, que só um britânico possuía, e ergue os olhos encontrando Lando Norris caminhando na direção do parceiro de equipe de e seu próprio ex-parceiro de equipe.
- Lando! – o espanhol salda com a mesma alegria. Eles se abraçam contentes. – Como foram as férias de inverno?
Eles se separam.
- A mesma coisa de sempre, passei em casa. Nada demais. – Lando dá de ombros. – Você parece um tomate ambulante. – diz, se referindo à cor vermelha do novo uniforme do amigo. – Sem ofensa.
- Acho que alguém já está com saudades. – diz divertido e logo o rapaz o mira com uma sobrancelha arqueada, também em tom zombeteiro. – Não aceito rescisão de contrato, Norris, se quiser o Carlos de volta, vai ter que pagar muito caro.
Lando ri significantemente, a modo das bochechas saltarem e os olhos azuis ficarem espremidos. Carlos e se entreolham em expectativa.
- Você vai querer me dar o Carlos de volta por livre e espontânea vontade quando ver quem é o meu parceiro de equipe. – o rapaz diz controlando o riso e cruzando os braços – Mas aí eu quem não vou querer trocar.
A McLaren não havia divulgado o seu segundo piloto titular até então, era comum a situação vir a ocorrer na transição de uma temporada à outra.
Até então naqueles primeiros instantes de feira a Renault já havia anunciado o retorno de Fernando Alonso como parceiro de Daniel, os estreantes Yuki Tsunoda pela Alpha Tauri, e Mick Schumacher e Nikkita Mazepin pela Haas como novidades no grid.
No entanto, a histórica construtora que carregava a cor laranja estava para conceder a sua coletiva em poucos instantes.
- Diz aí, é o Hulkenberg voltando para as pistas, não é?! – Carlos pressiona esperto.
- Não se apressem, pequenos gafanhotos. – Lando diz passando a mão pelos seus cabelos castanhos encaracolados – Logo vocês verão.
- Que suspense. – caçoa – Se o Checo não tivesse sido renovado com Aston Martin, eu jurava que poderia ser ele.
O rosto jovial de Lando se abre em um sorriso ainda mais largo. Ele era um dos pilotos mais jovens do grid, por este fato era o mais extrovertido e espontâneo do grupo. Mas se enganava quem pensava que o britânico levava tudo na brincadeira, ele fora uma das grandes apostas da construtora nos anos anteriores e ficara entre os melhores pilotos na classificação geral. Levava seu trabalho muito à sério e gozava de talento.
- Vamos? – uma mulher também trajada com as cores da McLaren toca o ombro de Lando, indicando-o a porta dupla atrás deles.
- Tudo bem, vamos lá. – o britânico diz e se encaminha para as portas, abrindo-a enquanto dizia aos colegas – Vejo vocês daqui a pouco.
Antes que as portas se fechassem atrás de Lando, vê de relance cabelos loiros, o que até poderia ser comum se não fossem tão parecidos com as madeixas de uma conhecida empresária.
- Sandy? – ele questiona para si mesmo, visto que a porta já estava completamente fechada.
- Quem? – Carlos o indaga confuso.
- Eu... Pensei... – ele diz aos sopros enquanto sua mente funcionava. Ele se encaminha até a porta dupla e suspira antes de abrir uma fresta.
Na bancada do painel estavam Zak Brown, diretor executivo da McLaren; Andreas Seidl, o engenheiro chefe; Lando e ao seu lado uma cadeira encontrava-se vazia. Eles estavam em frente à um grupo grande de repórteres e jornalistas, alocados em fileiras organizadas de cadeiras de ferro.
Por entre a abertura da porta corre os olhos pela sala, procurando pelo alguém com as madeixas douradas.
- A McLaren este ano integra o motor novo Mercedes de nova geração, chassi MCL35M, mas uma lista completamente renovada de acessórios e ferramentas de configuração de direção dispostas aos nossos pilotos. – Zak diz no microfone próximo à boca.
Vários jornalistas erguem a mão no mesmo instante. Zak aponta o homem gorducho da fileira da frente.
- Leo Armsty, Esporte integrado, Alemanha. – o homem declara se levantando – Senhor Brown, esse motor de alta geração consiste na mesma potência do motor da temporada passada?
Enquanto o chefe de equipe respondia à pergunta minuciosamente, abre a porta um pouco mais para visualizar o fundo da sala. Lá ele encontra o que procurava. Sandy estava a conversar com Fabio em cochichos e com o telefone grudado no ouvido, eles estão afastados da multidão e passam despercebidos pelos demais, mas não para o monegasco.
A mente de começa a trabalhar.
1. Lando fazendo suspense sobre o novo parceiro de equipe.
2. Sandy e Fabio presentes o painel da construtora.
3. Liza estar cheia de segredos sobre seu “projeto” e não tê-lo respondido até então.
- Kabir Radesh, Sportfox da índia. – o homem de pele parda e nariz fino se apresenta, levantando-se. – Senhor Brown, a minha pergunta, e acredito que seja a de todos nesta sala, é: quem é o segundo piloto a integrar à equipe da McLaren?
Zak Brown abre um sorriso satisfeito.
- Acho que já deixei o público por demais ansioso com essa informação. – o homem diz e acena para uma mulher próxima à uma porta na parede oposta a que estava.
Quando a mulher alta abre a porta atrás de si e revela a pessoa que estava escondida até então, sente o coração parar com a confirmação de suas suspeitas.
Vestida com o uniforme característico da construtora, com direito a boné laranja e crachá identificando a sua posição na equipe, caminha até a mesa sob uma chuva de flashes e um falatório crescente. Ela se senta ao lado de Lando, que dá dois tapinhas amigáveis em suas costas e sorri diante aquele mar de jornalistas.
- Senhoras e senhores, acredito que já conhecem Benedetti. – Zak pronuncia sorridente – Ela será a nossa segunda pilota titular nesta temporada.
Inúmeras mãos se erguem ao alto e com veracidade.
Zak aponta uma mulher na quinta fileira, ela se levanta em um salto e com a empolgação explícita dos olhos.
- Amanda Xie, rede esportiva do Japão. - ela declara rapidamente – Senhor Brown, qual a intenção estratégica com esta nova contratação?
- Desde a contratação do Lando, nós estamos investindo em talentos mais jovens para que o modo que a McLaren trabalha seja complementado com ideias dessa nova geração. – o homem explica. – Já tivemos muitas lendas e pilotos de grande potencial que cresceram conosco e seguiram em frente. Então nesta temporada decidimos arriscar em apostar todas as nossas fichas em dois pilotos de grande competência e habilidade do esporte da nova geração. – Zak sorri – atingiu números espetaculares no ano passado em sua temporada da F2 e provou que tem capacidade o suficiente para integrar o time dos 20 melhores pilotos do mundo aqui na F1. E Lando vem demonstrando cada vez mais resultados melhores a cada corrida. Estamos satisfeitos com o nosso time desta temporada.
A mulher se senta sorrindo satisfeita.
- Estão abertas as perguntas aos pilotos.
A assessoria escolhe um jornalista.
- Mitchel Vrum, emissora Pegasus da Suíça. – o homem ruivo diz. – Senhorita Benedetti, primeiramente quero desejar meus parabéns pelo seu contrato. Acredito que podemos esperar grandes feitos de você. Em contrapartida gostaria de perguntar: devido à sua polemica envolvida com a FIA F2 no término do campeonato do ano passado, o qual a senhorita sofreu uma punição gravíssima e até então comprovadamente não justa, qual a sensação de integrar um time do maior campeonato do mundo automobilístico?
encaixa o suporte do microfone nas orelhas por cima do cabelo solto e o ajusta até a boca.
- Bom dia a todos. – ela diz sorrindo e um coro de vozes a cumprimentam de volta. – Obrigada, Mitchel. – Liza olha para o repórter em específico – Eu realmente quero deixar o que aconteceu para trás, só trazer comigo a bagagem de experiências e todos os resultados que obtive lá. Estou em uma nova fase da minha vida, completamente diferente, e finalmente no lugar que sempre sonhei. Meu foco está no futuro e neste campeonato, mas, se quer saber, a sensação é bem reconfortante. – ela sorri.
Mitchel se senta assentindo com um sorriso largo no rosto.
Outro jornalista se levanta.
- Lando, como se sente referente à sua nova parceira de equipe? – um homem com uma barba espessa e longa questiona ao piloto. – Você e Carlos eram muito próximos. Você sente que pode ter o mesmo coleguismo com a ?
A pilota se vira para ele, aguardando sua resposta.
- Eu estou muito satisfeito com a contratação sim. – ele diz. – Nesses últimos dois meses eu e estivemos em constante convívio por conta da preparação e introdução às novas ferramentas do carro, no simulador, e eu pude perceber que ela é tão determinada e focada quanto eu. Claro que será diferente sem o Carlos, mas continuamos bons amigos e eu sinto que com ela posso ter o mesmo apoio e amizade que desenvolvi com ele. – Lando olha para a parceira de canto de olho, risonho – Carlos nunca fez limpeza de pele em mim, então acho que está uns pontos na frente dele.
Todos na sala riem.
- A pele de Mick Schumacher que lute agora sem você. – Lando finaliza aos risos.
A coletiva prossegue com o destaque da dupla mais jovem a estrear no grid daquela temporada da Fórmula 1. Lando e Liza ganhavam a simpatia dos jornalistas a cada sorriso ou piadinha que faziam entre si, mostrando que seriam mais um dos parceiros com laços fortes na competição.
- Última pergunta.
- Liza, você já deve ter notado a drástica mudança na sua vida pela promoção, mesmo que escondida dos olhos do público até então. Daqui para a frente tudo vai passar a ser mais intenso, mais atenção, mais reconhecimento, o dobro de trabalho, uma fama maior, assim como críticas maiores... Você se sente preparada para mudanças dessa magnitude?
suspira fundo antes de sorrir verdadeiramente.
- De um ano e meio para cá minha vida tem tomado um rumo completamente diferente do que eu pensei que seria, então as mudanças já têm sido uma fiel companheira. – ela diz. – Dentre situações boas e ruins, o que eu faço é erguer a minha cabeça e focar nos meus objetivos sempre. A fama significa que as pessoas conhecem o seu trabalho e com isso muitas outras vertentes são abertas, estamos expostos a qualquer tipo de coisa. Tem horas que não são fáceis, não são mesmo! – ela intensifica expressando-se com as mãos – E eu realmente não espero que tudo seja um mar de rosas, mas esse não é o tipo de coisa que você é treinado para lidar. São apenas consequências ao que você se submete. – ela limpa a garganta – No entanto eu venho trabalhado muito para chegar aonde estou hoje e não será um grupo pejorativo de pessoas que não respeitam o meu trabalho como eu sendo uma pessoa, não apenas como mulher, que vai me abalar. – ela umedece os lábios – Hoje eu estou mais forte e focada no que eu quero e não poderia estar mais agradecida pelas pessoas que vem me apoiando nessa caminhada e, também, por mim mesma por não desistir. – ela ri fraco – Agora definitivamente estou pronta para lutar. Dessa vez não com unhas, mas com garras.
O discurso é finalizado com uma salva de palmas estrondosa.
A banca se despede dos jornalistas e se encaminha para a saída aos bastidores, onde e Carlos passaram a última meia hora assistindo à entrevista. Eles eram os próximos.
Assim que Lando se aproxima dos dois, abre um sorriso convencido.
- Eu não disse?
Logo atrás dele vem , com os olhos receosos no rosto de – que ainda está sem fala.
- A próxima coletiva é na sala E, - a assessora de imprensa da McLaren, Jordyn, avisa – começa em vinte minutos.
- Estaremos lá. – Lando responde e Zak assente, liderando a caminhada do grupo de cinco pessoas que transitavam com as cores laranja e azul pelo corredor.
Logo Sandy sai pelas portas duplas acompanhada de Fabio.
- Leclerc, meu garoto! – Fabio salda alegremente assim que põem seus olhos no rapaz.
aperta sua mão em movimentos automáticos.
Sandy olha para ele e apenas assente a cabeça com um sorriso, logo se direcionando a Fabio e Lando: - Vamos deixá-los conversar a sós, está bem? – ela se vira para a própria Liza e diz: - Não demore e nada de estardalhaços, você sabe o quanto foi difícil ocultar aquelas fotos. Portanto seja breve.
- Sim, claro. – Liza assente e assiste os três seguirem na mesma direção que o primeiro grupo. Quando eles viram no corredor ela se direciona aos dois pilotos. – Oi.
- Benedetti! – Carlos diz alegremente, abraçando-a de lado enquanto os assistia com as mãos nos bolsos da calça. – Você é fogo, chica!
Liza ri contida.
- Obrigada.
- Muito bom, muito bom mesmo! – o espanhol continua – Eu ficaria mais para te parabenizar, mas já estão nos chamando ali. Celebraremos mais tarde, certo? – ele indaga já se encaminhando para as portas duplas.
- Com certeza! – ela diz e ele dá um soco no ar contente.
- Leclerc, cinco minutos. – Garret avisa antes de se encaminhar para a sala atrás do espanhol.
Liza se vê sozinha com o namorado quando volta-se para a sua direção.
- Surpresa. – ela diz com um sorriso receoso.
- Você me superou no quesito surpresas. – ele diz sem expressão, o rosto pleno.
- Olha, eu sei que está chateado, mas é algo que eu realmente não podia te contar e, como contratado por uma construtora, deduzo que você saiba exatamente sobre o que estou falando de confidencialidade. – ela se explica. – Foram ordens contratuais e você sabe como a Sandy é chata com isso. Mas... – ela sorri esperta e direciona a mão até o bolso traseiro da própria calça e tira de lá dois pedaços de papéis coloridos – Para mostrar a minha completa empatia, comprei dois rodízios de churrasco que vai ser servido lá no meu quarto hoje. As mais variadas e melhores carnes, do jeito que eu sei que você gosta. Aí podemos conversar e você pode descontar a raiva em mim da forma que achar melhor.
Ela balança os papéis em sua mão em expectativa.
não controla o riso leve.
- Me chantagear com comida, que golpe baixo. – ele diz.
- Me desculpa. – ela ri, seus olhos brilham. – Mas está funcionando?
O monegasco sorri e se permite se aproximar da namorada e abraçá-la. Liza o abraça de volta satisfeita, apertando o corpo que tanto sentira falta.
- Você não poderia ao menos ter me dado uma dica? – ele questiona afastando-se minimamente para checar o rosto dela.
- Eu te dei uma dica! – ela diz – Falei que estaria nos testes de pré-temporada.
- Eu pensei que fosse para me dar apoio. – ele relata.
- O que não deixa de ser verdade. – ela se adianta em esclarecer – Mas, mon amour, se tivesse realmente pensado sobre isso, teria deduzido o óbvio. O que uma pilota, propícia a uma promoção depois de ter tirado a superlicença, estaria fazendo na pré-temporada de um campeonato?
Ele faz um bico.
- É verdade. – ele sopra, rendido.
Liza sorri.
- E como foi isso, como é que aconteceu? – questiona animado. – Caraca, você está aqui! – ele a chacoalha pelos ombros – Está na Fórmula 1!
- Eu estou! – ela diz contente.
- Eu estou tão feliz por você, ma belle. – ele diz tornando a abraçá-la.
- É tudo muito recente ainda, - ela diz quando eles se afastam – e eu vou ter que ir me adaptando a essa nova vida, mas é uma das coisas mais maravilhosas que poderiam acontecer. – Liza sorri.
automaticamente se recorda de sua conversa com Daniel no final do ano, o que o faz se lembrar: - Sobre quais fotos a Sandy estava falando?
O sorriso da brasileira murcha um pouco.
- As de Mônaco. – ela suspira – Aparentemente existem algumas, para não dizer, várias fotos de nós dois super íntimos nas férias.
engole em seco.
- Você já deve saber sobre as cláusulas contratuais. – ela sorri sem humor – Mas não se preocupe, Sandy já cuidou de tudo referente as fotos. – ela garante. – É um dos assuntos da nossa conversa de hoje à noite. Prometo te contar tudo depois, mas agora você tem entrevista e eu também.
- Devo me preocupar?
- Não é uma das coisas que vai te fazer ficar tranquilo. – ela diz fazendo uma careta. – Mas fica frio, porque eu tenho plano que tem tudo para dar certo. – ela sorri acariciando o rosto do rapaz – Vai ficar tudo bem!
- Tudo bem. – ele respira fundo. – Eu confio em você.
Liza sorri e quando eles estão para se aproximar e selar os lábios, Garret abre a porta chamando pelo monegasco.
Ele faz uma careta.
- Ops, tenho que ir.
- Vai lá, bonitão. – ela diz e sela os lábios rapidamente.
se vira e ela lhe dá um tapa carinhoso no traseiro, fazendo o monegasco entrar na sala de imprensa rindo.
Depois do primeiro dia da primeira sessão de treinos nos carros, os pilotos são direcionados à uma coletiva em conjunto. Todos os 20, sentados lados a lado em quatro fileiras dispostas num palco à frente de um mar de jornalistas e público.
Os pilotos vão se acomodando pouco a pouco.
A placa com o nome de está ao lado da cadeira que sentaria à sua esquerda Daniel e George Russel à sua direita, seguidos por Mick Schumacher e Lewis Hamilton.
Ela segue na direção da sua cadeira secando o rosto com a toalha laranja que Sandy havia lhe dado. O sol do Barein estava a pino na hora da sua volta e o ar-condicionado da sala não suportava aquela quantidade de pessoas.
- ! – ela escuta uma voz familiar a saldar e logo percebe Daniel caminhar sorrindo em sua direção.
- Danny! – ela salda contente e o abraça rapidamente quando ele se aproxima.
- Sua precoce! – ele ri – Quando falei que logo te veria por aqui não imaginei que seria tão cedo. – ele diz empurrando-a levemente com o ombro.
- Eu gosto de ser imprevisível. – ela diz balançando as sobrancelhas e eles se sentam aos risos.
- E quanto a você e o... – o australiano indica à duas fileiras abaixo da que eles estavam. O monegasco conversava animadamente com Sebastian Vettel, seu ex-parceiro de equipe.
- Estamos bem, obrigada. – ela sorri.
- Não pensei mesmo que vocês fossem terminar quando você fosse promovida. – ele diz. – Fico realmente feliz por terem encontrado uma solução.
- Ainda estou trabalhando nisso. – ela admite. – E boto fé que dá certo. Mas para isso você tem que ficar de bico fechado.
- Eu sou um túmulo. – ele levanta uma mão no ar e apoia a outra sob o peito. – Palavra de escoteiro.
- O que, ironicamente, na verdade, significa que essa boca grande dele não é de enfeite. – Lando, que está logo abaixo deles na fileira seguinte, se pronuncia. – Esse cara é um tagarela.
- Olha só, você é parceira do garoto que joga videogames e ainda não tem pelo no saco. – Daniel zomba Liza olhando para o rapaz, que lhe mostra o dedo de volta. – Quando que vai ensinar ele a entornar bebida como fez no iate? O moleque está precisando dar uma farreada.
Liza ri.
- Essa definitivamente vai ser uma das prioridades. – ela diz sarcástica.
- Eu bebo sim, e farreio. – Lando se defende – Só não exagero.
- Farra e Lando não se encaixam na mesma sentença. – uma voz grave chama a atenção dos três. Aproximando-se da cadeira com a referência de “George Russell” um rapaz alto, de cabelos castanhos e olhos grandes de íris completamente azuis, zomba. – É ele tomar uma dose que em meia hora está colocando tudo para fora.
- Isso foi só uma vez. – o britânico se defende – E já faz um tempão.
- Claro, do começo do ano passado para cá já faz mais de uma década. – Russel diz sarcástico e se vira para Liza, estendendo-lhe a mão sorridente – É um prazer conhecer a pilota mais comentada desse autódromo.
- O prazer é meu. – ela aperta sua mão rapidamente e logo George se senta.
Conversando lado a lado enquanto se encaminham aos seus lugares Liza reconhece Lewis, o grande campeão da atualidade, acompanhado de seu ex-parceiro de equipe.
Quando Mick se aproxima da cadeira de Liza a abraça por trás entusiasmado.
- Porra, . Que saudade. – ele fala e ela acaricia seu braço com ternura. – Hoje quando fiquei sabendo que estava por aqui quase saí no meio da entrevista para vir te ver.
Ela ri e se desfaz do abraço do rapaz com delicadeza para se levantar e abraçá-lo corretamente.
- Saudade de você também, Schumacher.
Eles se afastam.
- Eu não disse que você estaria aqui?! – ele diz contente. – Parabéns, eu estou tão feliz por você!
- Obrigada.
- McLaren, han?! Você merece muito. – ele acentua e se aproxima dela para falar mais baixo. – Aposto que aquela gestão da FIA F2 deve estar se contorcendo neste exato momento.
- Espero que estejam mesmo. – ela diz e bate na mão que o loiro ergue no alto.
- E vão se contorcer mais ainda quando você começar a pontuar em disparada. – uma voz mais grave soa atrás de Mick.
- Foi mal, Lew. – Mick se desculpa, dando espaço para o homem e indicando a jovem. – Esta é , mas claro que você já sabe quem ela é.
Liza fita aquele homem de pele da cor chocolate com cabelo arrumado em tranças embutidas, joias no nariz, orelhas e pescoço olhá-la com admiração e sente seu coração se preencher. Ela poderia gritar de emoção ali mesmo, mas se conteve.
- É um prazer te conhecer. – ela diz estendendo-lhe a mão com um sorriso alegre.
- Eu não poderia estar mais satisfeito em ter você aqui conosco hoje. – ele diz apertando sua mão – É um passo muito importante para a história e para as mulheres.
O piloto era conhecido não só pelo seu talento em pista, comprovado com sete vitórias no campeonato automobilístico, mas também por ser um grande adepto das causas sociais de diversas proporções.
Lewis havia sido um dos pilotos que a elogiara e a apoiara na mídia quando a FIA suspendeu-a do campeonato, e ela desconfiava que este fora um dos motivos para que a diretoria da Federação decidira por demitir toda a gestão da F2 que estava envolvida na armação antes mesmo do primeiro julgamento acontecer.
Ela e Lewis haviam trocado algumas, poucas, mensagens e Liza sentia que tinha uma grande personalidade bem à sua frente. O que fazia-a se sentir emocionada.
- Obrigada. Significa muito.
- Boa sorte. – ele diz terminando o caminho até sua cadeira.
Todos os 20 pilotos se acomodam em seus devidos lugares e ficam em silêncio, aguardando pela introdução dos representantes da FIA e organizadores do evento.
Liza não poderia estar mais radiante. Ela tinha aquele leve frio na barriga, normal devido ao nervosismo, mas sentia que desta vez as coisas seriam melhores. Tanto pela recepção de seus novos colegas de trabalho, como pelo acolhimento do público e aquele peso nas costas, de se estar entre uma selva de predadores, que fora felizmente deixado para trás.
Ela estava mais tranquila, claro. Finalmente havia chegado ao patamar dos melhores e sabia que dali para frete seriam intuitos novos e desafios ainda maiores. Mas estava completamente animada para começar, apesar de ter uma pedra no sapato que teria que ser resolvida.
- E damos início à coletiva de pré-temporada do campeonato de Fórmula 1.
Ela não consegue deixar de vibrar por dentro.
Capítulo 16
Era noite e a luz do luar iluminava o jantar que era servido na sacada do quarto no décimo sétimo andar de um dos hotéis mais luxuosos do Barein. A brisa fresca ricocheteava o vento, que dançavam sobre o ambiente e fazia as cortinas brancas de seda e toalhas da mesa balançar.
Sentados na mesa redonda de vidro e digerindo não só a comida espetacular daquele rodízio como também a vista da cidade de Sakhir abaixo deles, estavam Liza e . Eles estavam lado a lado e dispensavam cerimônias para ficar o mais próximo um do outro que a lei da gravidade permitia.
Com uma das pernas jogada por cima da perna de por baixo na mesa e uma das mãos fazendo um carinho ritmado no cabelo da nuca do monegasco, a jovem já havia dispensado o seu prato depois de se dar por satisfeita.
O rapaz coloca o último pedaço de carne da boca para apoiar-se no encosto da cadeira relaxado, assistindo o garçom retirar os seus pratos. acaricia a perna desnuda em seu colo e aguarda ansiosamente que o buffet termine de recolher o seu material para que pudesse tirar logo aquele vestido do corpo da mulher e finalmente aproveitarem aquela cama gigante do quarto.
Ele a encara nos olhos e sorri diante do sorriso dela. Liza conseguia sempre superar a própria beleza aos olhos de , ele sempre ficava admirado de quão bela ela era.
Eles ficaram se encarando em silêncio até que os funcionários se aproximassem para avisar que iriam embora.
- Foi um jantar maravilhoso, muito obrigada! – Liza diz levantando-se para apertar a mão dos garçons e acompanhá-los até a saída, a segue. – Definitivamente vou procurar por vocês quando estiver na cidade novamente.
- Obrigado. – o chefe diz. – Tenham uma boa noite.
Quando a porta se fecha e Liza se vira para , sozinhos no quarto, ele sorri maliciosamente na direção dela.
- Calma, tigrão. – ela diz rindo. – Eu ainda estou na digestão do jantar. Se for para cima de você é provável que tudo volte em menos de cinco minutos.
passa a mão na própria barriga, que está com um leve volume por cima da camisa, e concorda em meio à risos.
Ela tira os sapatos de meio salto do pé e solta os cabelos que estavam presos em um rabo de cavalo longo enquanto o rapaz também libertava os próprios pés e abria alguns botões da camisa lisa.
Eles seguem de volta à varanda e deitam-se abraçados em uma espreguiçadeira, dividindo o espaço limitado enquanto olhavam as estrelas no céu resplandecente daquela noite.
- É uma boa hora para aquela conversa que temos que ter? – o monegasco indaga, fazendo um carinho nos cabelos da mulher.
Liza faz uma careta sofrida.
- Mas está tão bom assim. – ela diz apertando seus braços ao redor do rapaz e enterrando a cabeça no seu peito.
sorri.
- Uma hora teremos que falar sobre isso.
Ela suspira.
- Tem razão. – diz erguendo-se e cruzando as pernas, posicionando-se de frente a ele. fica com a expressão séria ao questionar: – O que somos?
O monegasco franze o cenho.
- Como assim, o que somos?
- Digo, um para o outro. - ela esclarece. – Preciso saber as suas reais intenções aqui.
se endireita na espreguiçadeira, erguendo o tronco para ficar em posição ereta e suspira.
- , eu não tenho muitas certezas na minha vida. – ele declara. – Mas uma delas é que eu quero você e com isso quero dizer que possamos crescer e criar toda uma vida juntos. Como um casal.
Ela assente vagamente.
- Eu não sou do tipo de homem que fica pulando de relacionamento a relacionamento, enrolando ou iludindo. – revela. – Meu coração se comprometeu à uma única pessoa e ela é você. Então quando digo que penso em crescer e criar uma vida é que tenho intenção de te namorar, fazer de você a minha esposa e quem sabe num futuro ter uma porrada de pivetes.
Liza não se reprime e acaba por sorrir alegre.
- Quantos você quer ter? – ela questiona. – Preciso de uma previsão, porque se for um time de futebol vou ter que preparar as coisas aqui embaixo.
ri antes de admitir: - Sou louco para ter um casal. – ela arqueia as sobrancelhas em surpresa.
- Com o garoto sendo mais velho, para cuidar da irmã?! – ela indicia.
- Sim. – ele assente animado. – E afugentar os urubus que vão ficar em cima dela.
A mulher ri, concluindo: - Prevejo um pai muito ciumento e protetor.
pondera.
- Ela vai poder namorar só aos 30 e casamento só aos 45. – acaba por dizer, causando ainda mais risadas na mulher.
Quando elas vão se dissipando Liza encara os olhos verdes do rapaz encantada.
- Eu quero isso. Eu vejo o quanto quero claramente agora, com você. – diz com a voz terna.
A brisa corre pela varanda e balança os cabelos soltos dela levemente. Ela fecha os olhos curtindo o roçar carinhoso do vento e aproveita para continuar com a sua visão: - Quero que nos apoiemos nos momentos de alegria e de tristeza. – ele entrelaça os dedos nos dela, que sorri com o toque. – Que viajemos o mundo todo e ter um álbum sobre cada lugar que tenhamos batizado com sexo. – ela abre um dos olhos a tempo de ver assentir com um sorriso malicioso no rosto e ri de leve.
Ela passa a mãos pelos cabelos, jogando-os para trás e mira as luzes da cidade ao horizonte, com olhos sonhadores.
- Depois, você vai brigar comigo por fazer muito esforço durante a gravidez dos nossos filhos, eu sei que isso vai acontecer. – ela ri – Vamos viver em uma casa com quintal grande para que as crianças possam brincar, onde tentaremos construir uma casa na árvore e um balanço. Mas vamos acabar chamando um marceneiro porque a construção vai ficar com uma aparência duvidosa.
gargalha com a mão sob a barriga.
- Isso é bem a nossa cara. – ele declara ainda pouco risonho. Em seguida completa: - Vamos ter uma piscina para os dias de verão e lareira para os dias de inverno. – se adianta em acrescentar: - E tem que ser em um bairro seguro, perto da escola das crianças, para que elas possam ser livres e ir de bicicleta se quiserem.
- Você e as crianças vão criar um motim para termos um cachorro – ela diz e o monegasco sorri alegre – e eu vou deixar, mesmo que a bagunça fique para eu limpar... – ela suspira extasiada – Ter uma vida plena e feliz, basicamente.
- É... – concorda – É essa vida que eu também idealizo para nós.
Liza sorri satisfeita pouco antes de ficar mais séria para declarar: - Mas, além de tudo isso, eu também quero me consolidar na minha profissão.
assente sem hesitações: - É claro.
- E para que isso aconteça nós teríamos que manter esse relacionamento às escondidas.
O monegasco arqueia as sobrancelhas em surpresa.
Liza engole em seco com o silêncio que assola o lugar de súbito.
- Eu sei que não é a melhor das opções. – ela explica – Mas a Sandy ainda não encontrou uma brecha no contrato. Ela e os advogados estão estudando uma possibilidade de intervir ou pedir um ajuste que possa vir a nos favorecer. – Liza acaricia os dedos dele entre os seus – Mas enquanto isso não acontece, eu não posso arriscar o que conquistamos.
suspira pesadamente.
- Mesmo que a gestão da F2 foi demitida e esse campeonato seja idealizado por pessoas completamente diferentes, não posso confiar plenamente neles. – ela enuncia – Por mais que haja um julgamento e toda a investigação, os advogados deles são bons e não posso esperar que todos do júri haja de forma honesta ou que eles não voltem a me atacar. Então sempre tenho que estar em alerta e estou completamente ciente de todas as possibilidades. Arco com a responsabilidade por mim mesma, assim como Zak disse que a McLaren também estaria ao meu lado independente do que vier a acontecer. – ela umedece os lábios vagarosamente – Mas, mon amour, eu jamais me perdoaria se você fosse prejudicado por estar com a imagem atrelada à minha.
assente com os olhos vidrados em um ponto qualquer da pulseira delicada que Liza usava.
- Eu não posso reivindicar a sua decisão, porque não cabe somente a mim. – ele explica, subindo os olhos até os dela – Estaria te prejudicando tanto quanto e essa é a opção mais sensata a se seguir. Por mais que não seja do meu agrado, também não é o pior que poderia acontecer.
Ela sobe para o colo do monegasco e passa os braços ao redor do pescoço dele.
- É temporário. – ela sopra – Eu prometo.
Ele sorri fraco.
- Vai ser difícil olhar para você e não poder te beijar no meio dos outros. – diz pousando a mão na cintura dela. – E deixar claro para todo mundo que você é minha.
- Não se preocupe. – ela sorri aproximando o rosto do dele e encostando os seus narizes – Eu coloco qualquer um para correr, já trabalhei com todo o tipo de homem. O importante é que no final da noite é com você que eu vou dividir minha vida.
Eles se beijam finalmente.
(...)
- Então, vamos repassar. Quem sabe?
- Sandy, tio Fabio, Danny, Mick, Carlos e Lando.
- Desconfiei que Lando soubesse. Por que contou para ele? – questiona com a testa franzida.
- Ele viu suas mensagens. – Liza dá de ombros. – Com ele é um olho no simulador e o outro no celular dos outros. Mas ele é de confiança, gosto do garoto.
- Está legal. – ele sopra.
- Certo. – ela assente.
- Melhor você entrar na frente. – abre espaço, indicando a porta da frente deles. – Eu espero uns três minutos e vou.
Liza ri.
- Ou podemos entrar como colegas de trabalho que se conhecem e estão conversando amigavelmente. – ela diz. – Não precisamos ficar completamente afastamos, só não demonstrar para os outros que a gente troca saliva.
- Fluídos corporais também. – ele arqueia uma sobrancelha maliciosamente.
Ela contém o riso.
Os dois atravessam a porta e adentram a sala de conferência, que naquele dia em específico estava sendo usada como estúdio para tirar as fotos dos pilotos das equipes, fazer o merchandising e vídeo oficial de abertura da nova temporada da Fórmula 1.
Foram espalhadas mesas, cadeiras e penteadeiras de maquiagem pela sala, para retocar as imperfeições nos pilotos; araras com os macacões oficiais de cada equipe; assim como telas brancas e verdes, tripés, iluminadores e toda aparelhagem de fotografia para fazer os cliques.
Pela sala estão espalhados alguns pilotos que já havia chegado, fotógrafos, o pessoal do marketing, supervisores da FIA e um assessor de cada construtora.
- Benedetti, maquiagem agora. – Jordyn esbraveja assim que a pilota entra em seu campo de visão.
- Leclerc, vai se vestir. – Garret diz e então o casal se separa.
Liza se aproxima da maquiadora que está a finalizar o rosto de Daniel a tempo de assistir o rapaz se olhar no espelho e abrir um grande sorriso.
- Obrigado, Guida. – ele agradece e salta da poltrona, parando em frente à Liza. – Hannah Montana disse que ninguém é perfeito, mas aqui estou eu.
A jovem ri junto à maquiadora e toma o lugar do piloto.
- Oi, é um prazer te conhecer. – a maquiadora ruiva de olhos negros estende a mão em sua direção. De princípio a pilota já pôde perceber o seu jeito despojado e toques da sua personalidade pelas mínimas tatuagens que marcavam o seu braço esquerdo.
- O prazer é meu, Guida. – Liza aperta sua mão rapidamente.
- Vamos só fazer alguns retoques, ou você prefere alguma coisa mais carregada? – ela pergunta mirando a jovem através do espelho à sua frente.
- Só uns retoques. – diz massageando as bochechas. – Se você conseguir dar aquela atenção nos meus cílios, eu ficaria agradecida.
- Vamos fazer dos seus olhos o destaque desse merchan. – Guida diz deitando a cabeça de Liza no encosto da poltrona, que sorri.
Enquanto a maquiadora se preparava para iniciar o trabalho na pele da pilota um rapaz alto, de face sorridente, olhos e cabelos castanhos, e jeito tímido aproxima-se de sua penteadeira.
- Alex! – Guida salda, se interrompendo para abraçá-lo rapidamente e com vigor. – Como foram as férias?
- Ótimas! – ele diz alegremente. – Fui para a Tailândia, fiquei com a família, visitei os meus avós... – ele suspira extasiado – Estou absolutamente com a cabeça limpa para voltar nessa temporada com tudo.
- Precisa estar para aturar aquele seu colega. – Guida diz revirando os olhos enquanto começava a trabalhar no rosto de Liza – Vou te falar, se ele vier com aquela de “não faço maquiagem porque é coisa de maricas” de novo eu vou quebrar a cara dele e deixar ele aparecer no vídeo de abertura com hematomas.
Liza arqueia as sobrancelhas, levemente surpresa pela súbita mudança de humor.
- Falando assim parece que ele é um completo cretino. – Alex se encolhe inibido.
- E ele é. Ainda fico perplexa em como vocês conseguem aturar esse cara. Mas, enfim. – Guida suspira de leve, recompondo-se. – Alex, esta é Benedetti, a novata da McLaren.
O rapaz segue os olhos em sua direção e sorri de maneira cortês: - Não tivemos oportunidade de sermos devidamente apresentados, - ele lhe estende a mão – é um prazer.
- O prazer é meu. – ela aperta a mão grande e ossuda, característica de homens da sua estatura.
- Parabéns pela sua promoção! – ele parabeniza com um sorriso simpático – Eu assisti as suas últimas corridas na F2 com minha irmã, você foi uma fera no volante!
- Obrigada! – ela diz alegre.
- Por nada. – o tailandês dá de ombros gentilmente. – Tenho que me apressar, meu nome é um dos primeiros a ser chamado e eu não estou nem vestido ainda.
Elas acenam e vê o rapaz se afastar apressado.
- George me disse que o Alex é um dos caras mais carismáticos do grid. – Liza comenta, recordando-se de o piloto apontar o tailandês como seu melhor amigo.
- Alex é um amor. – Guida concorda, passando o pó no rosto da pilota cuidadosamente. – O Christian Horner não merece ter ele na equipe, ele não valoriza o Alex o suficiente. Acho errado um chefe de equipe beneficiar mais um dos pilotos que o outro. Deveria ser feito por igual.
- Não o conheço, mas já ouvi falar sobre suas polêmicas decisões.
A maquiadora balança a cabeça em negativas, expressando o seu desapontamento.
- Sei que esse esporte é restrito aos melhores entre os melhores e só fica quem mostra resultados, mas isso não é motivo dele tratar as pessoas como se fossem peças que podem ser substituídas – Guida diz em tom de repulsa. – Foi assim quando trocou o Pierre Gasly pelo Alex e o Daniil Kvyat pelo Max Verstappen.
Liza já havia sido posta à par de como funcionava a predominância dos pilotos, engenheiros, técnicos e mecânicos pela sua empresária e somada aos comentários assíduos do pessoal da equipe podia dizer que tinha uma base de informações verídicas em que trabalhar para se manter no grupo.
Contudo nenhum deles havia sido tão explícito e desinibido ao relatar os acontecimentos, por isso ela continuou a ouvir as declarações atentamente.
- Com o Pierre, por Deus, foi duro. – Guida suspira sentida – Ele também é um amor, tão querido quanto Alex. Merecia mais. Muito mais. – ela assente veemente – Pelo menos conseguiu ficar na Alpha Tauri.
A Alpha Tauri nada mais era que a segunda equipe da construtora Red Bull Racing no campeonato. Havia engenheiros, técnicos, estrutura de máquinas e estratégias diferentes, contudo comandadas por um único proeminente e este era Christian Horner.
Os leigos que não acompanham assiduamente o esporte podem até desprezar a Red Bull pelo nome da fabricante de bebidas energéticas, porém mal sabem que esta era a segunda melhor construtora da atualidade.
A RBR, sua abreviação, se consolidava como a equipe principal enquanto a outra era posta como secundária. Porém as vagas em ambas eram altamente disputadas.
No entanto, todo piloto sabia que se ele quisesse ganhar destaque e ter a possibilidade de correr com o carro com maiores chances de alcançar a vitória da temporada teria que fazer, por merecer, a vaga na principal. E estas atualmente pertenciam à Verstappen e Albon.
Em resumo o campeonato era regido por dez equipes com dois pilotos cada e todas elas tinham as suas particularidades. Algumas delas já haviam sido grandes com feitos históricos no esporte que tentavam se adequar ao mercado, como a Willians, enquanto outras progrediam com a modernidade e se destacavam cada vez mais, como a dominante por anos consecutivos Mercedes.
- O Kvyat se segurou no campeonato pela Williams e hoje é parceiro do George. Não está entre as melhores, mas pelo menos não está fora – Guida informa.
A ocupação de uma vaga se consolida por variáveis em comum entre piloto e construtora. Ambas as partes se faziam por demasiadamente interessados em uma perfeita harmonia, o piloto levando em consideração o respaldado tecnológico e vantagens oferecidas que o levassem ao topo e a construtora pela desenvoltura e habilidades condutoras, estratégicas, físicas e, principalmente, emocionais do seu condutor que permitissem alcançar o mesmo objetivo.
Contudo, há quem que opte por se deixar persuadir por quantias exorbitantes para patrocínio e vantagens privilegiadas para consolidar a sua equipe ao invés de talento e compatibilidade. E não é anormal ver a preferência por pilotos que oferecem valores monetários para se alicerçar uma vaga.
– Sei que quem define essas trocas é o chefe, - Guida comenta – mas Verstappen é sujo. Roubou a vaga do próprio amigo sem hesitação nenhuma.
A história de Verstappen e Kyvat: amigos, porém rivais, era antiga e bem conhecida no mundo automobilístico. O estreante que tomara a vaga do veterano e se apoderou dela com sucesso.
- Sinto um cheiro de remorso? – Liza questiona sorrindo contida.
A maquiadora cede aos risos, descontraída.
- Nem te conto. – ela diz entre dentes - Antes desse filho da mãe entrar, eu pensava que o mais desagradável do grid era o próprio Kvyat. Só que ele é meio fechado, frio e calado, mas porque é russo. Sabe o que dizem deles. – Guida arqueia uma das sobrancelhas esperta – Mas o Verstappen supera o amigo em escalas inimagináveis do ridículo.
- É de quem estava falado com o Alex? – Liza questiona observadora.
- Sim. – ela grunhe. – O moleque é uma perfeita diva, só fala merda e é a criatura mais mimada que eu já vi, como se o mundo fosse dele e nós apenas vivêssemos aqui.
Guida arregala os olhos ao perceber que havia falado alto demais e tampa a própria boca. Ela olha ao seu redor e volta a Liza aos sopros: - Meu Deus, me desculpe. Ele consegue me tirar do sério sem nem estar aqui ainda. – ela olha no relógio de pulso – O que, aliás, faz dele um atrasado. Confirmando a minha fala sobre ele ser diva.
Liza ri fraco.
- Tudo bem, eu preciso mesmo ter uma impressão feminina dos garotos. Saber quem é confiável ou não. – ela diz, recordando-se do acontecimento com Pedro e Felipe.
A ruiva sorri animada, Liza soube naquele estante que estava falando com a fofoqueira da corporação e que deveria tomar cuidado com o que revelava a ela.
- Sendo assim. – a maquiadora diz e começa a pentear os cílios da mulher com o rímel – Vou falar de quem tenho mais contato. Jogo rápido. – e toma ar antes de despejar seus comentários aos murmúrios: – Fica esperta com o Lance Stroll. Não por ele em si, mas sim pelo pai. Lawrence Stroll é dono da Aston Martin e faz de tudo para o filho terminar no pódio; Sebastian Vettel é um cara gente boa, mas é mais introvertido que extrovertido, então se ele não falar muito com você não pense que você fez alguma coisa errada; Valterri Bottas, parceiro do Hamilton, é um homem que aparenta ser fechado, mas é bem simpático e gosta de soltar umas pérolas de vez em quando.
Liza arqueia as sobrancelhas, levemente surpresa com a quantidade de informações detalhadas. A mulher continua: - Fernando Alonso é a própria rainha, cheio de não me toques e se acha o rei do gado; - a pilota gargalha espontaneamente e Guida a acompanha – É sério. Mas ainda dá para ter uma conversa agradável com ele.
A maquiadora cessa o riso para prosseguir: – Lando é um fofo, sempre me oferece petiscos mesmo que sejam exclusivos para os pilotos. Ele é um cavalheiro, mas é jovem e, também, gosta de tirar um sarro de vez em quando; Daniel é o próprio palhaço, como você pôde ver; Carlos Sainz é uma versão mais contida do Daniel, mas ambos são gentis e atenciosos; O Checo é do bem, mas igualmente fechado e introvertido; e, por último, mas não menos importante, : o menino de ouro. – Liza sorri automaticamente – Ele é um docinho e o próprio cavalheirismo em pessoa. É completamente focado no trabalho e competitivo, mas afinal quem daqui não é?! – Guida ri fraco – Dessa vez estou vendo-o mais relaxado e, de duas uma, ou ele se sentia muito pressionado com o Vettel como parceiro ou tem mulher envolvida aí.
A pilota não consegue conter o riso.
- Em resumo, acho que é isso. – a mulher suspira, recuperando o fôlego enquanto apoiava as mãos nas cinturas – Pelo seu jeitinho, vai se dar bem. Os homens se derretem por uma mulher educada e simpática, além de que você é maravilhosa e, pelo que eu soube, é muito talentosa. Vai se entrosar rapidinho. – ela sorri e abre espaço para a pilota conferir o resultado da produção no espelho. – Terminei.
olha seu reflexo e sorri satisfeita.
- Obrigada. Ficou do jeito que eu queria.
- De nada, querida. – ela responde quando a pilota desce da poltrona. – Vai ser ótimo trabalhar com você.
Elas se despedem rapidamente e Liza tem em mente que havia sabido em menos de 30 minutos os perfis dos pilotos que as revistas de fofoca levavam anos para construir e, na maioria das vezes, de forma errônea. Ela ri consigo mesma.
Logo é direcionada às araras de roupas para se trocar.
Lá encontra Lando.
- Essa droga emperrou. – ele reclamava com a mão no zíper do macacão, tentando puxá-lo para cima. Fazia tanta força que seu rosto já estava vermelho. – E olha que é novo, imagine se não fosse.
- Calma, Norris. Desse jeito vai quebrar. – ela diz e se aproxima do parceiro.
Ele solta o ar e deixa os braços caírem ao lado do corpo enquanto Liza movimentava o zíper para cima e para baixo para desemperrá-lo.
- Vou ter que usar esse macacão para sempre. – o rapaz resmunga. – Na hora de dormir, para tomar banho, para competir, na academia. – Liza ri – Nunca a expressão “mil e uma utilidades” soou tão literal.
- Para de ser dramático. – ela diz aos risos e se aproxima mais para ver o que segurava a peça. Notando que estava enroscada em um fio solto do tecido ela aumenta a velocidade do movimento para que desatrelasse.
- Pagar boquete no trabalho é legal? – eles ouvem uma voz rouca soar num inglês com sotaque enxuto holandês. Com o zíper preso na região da barriga do piloto, a impressão de quem via por trás não era a das mais apropriadas. Liza sente seu rosto esquentar imediatamente e se endireita. – Tenho quase certeza de que vocês podem ser presos por isso.
- Vai se foder, Verstappen. – Lando responde rindo.
Liza força o zíper uma última vez e ele sobe com facilidade até o peito do parceiro. Custava ter colaborado antes, zíper maldito?
- Fecha com cuidado da próxima vez. – ela sopra ao parceiro e segue para a arara de roupas, para pegar o próprio macacão.
Como já estava com uma roupa leve, só teve que vestir o traje por cima. Ela passa as pernas pelas barras da calça, sobe o traje até o traseiro – onde tem que manusear o tecido vagarosamente para que moldasse ao corpo –, chega até a cintura e é só quando vai vestir as mangas que percebe o olhar feroz de Max em sua direção.
O holandês mal prestava atenção no que Lando lhe dizia, apenas assentindo vez ou outra. Seus olhos estavam fixamente presos no busto da mulher e ela não pôde não se sentir incomodada com tal fato. Rapidamente tratou de fechar o zíper e tapar a visão do piloto pervertido.
Ponto negativo para você, Verstappen.
Ela fecha a gola no pescoço e caminha em direção à saída das araras, sendo obrigada a passar ao lado de Lando e Max.
O holandês a segura pelo braço, para a sua surpresa.
- Não vai me falar oi, coisinha linda?! – ele questiona com um sorriso cafajeste.
- Dá licença. – Liza puxa o braço da mão do rapaz com força e se afasta dele. – Existe um jeito decente de se cumprimentar uma mulher. E este com certeza não é ele.
Max parece intrigado pelo atrevimento, o choque em seus olhos só não supre o sorrisinho cínico em seus lábios como também o complementa.
- Não pensei que fosse do tipo afrescalhada, já que conseguiu chegar até aqui. – ele rebate. – Nenhuma maricas sobrevive a pressão desse campeonato. Neste caso a saída é cortesia da casa, meu bem. Vai para uma academia de balé que você ganha mais.
Liza ri desacreditada, sem desviar os olhos do azul sombrio que eram os dele, que era alguns centímetros mais alto que ela.
- Você vai tirar esse sorriso do rosto quando ver a traseira do meu carro passar a 300 por hora por você na pista. – Liza diz cruzando os braços. – E quando vier me perguntar como fiz isso, eu vou ser generosa e te ensinar também a como chegar em uma mulher. Quem sabe aí você não para de bater punheta e começa a amadurecer.
Max fica sério, seu maxilar trava.
- Por quê? Cai querer me dar para subir de posição no grid? Esse é o seu lance?
Ela dá um passo para frente, de queixo erguido.
- Dar para você para subir de posição? – Liza ri debochada, arqueando uma sobrancelha – Desce desse pedestal, Verstappen, você não é tudo isso nem como piloto, nem como homem. Não aguentaria o tranco.
Lando tapa a boca para controlar a risada fulminante que sobe pela sua garganta e logo se adianta em intervir quando vê o holandês prestes a abrir a boca.
- Melhor calar a boca, Maximilian. Com essa aqui o buraco é mais embaixo. – Lando se pronuncia e puxa a pilota pelos ombros delicadamente, guiando-a até a saída das araras. – O Verstappen de boca fechada é um grande poeta, . Faça como eu, ignore o primata que habita nele.
- Você ainda vai voltar atrás, princesa. – o holandês esbraveja por uma última vez, chamando a atenção de quem ainda não tinha se atentado a pequena confusão.
Lando continua a empurrando até que tomassem uma boa distância. Liza respira fundo quando eles param perto da tela branca onde Carlos era fotografado.
- Não liga para o que o Max diz. – Lando fala. – Ele tem todo esse jeito de babaca, mas no fundo, bem lá o fundo mesmo, é um cara do bem. Ele só não tem trava na porra da língua e é esquentadinho, mas poucos conseguem ver que é só isso.
- Que cara ridículo. – ela sopra, lembrando-se do que Guida tinha acabado de te relatar.
- Dizem que isso é “personalidade”. – Lando abre aspas no ar. – O Danny diz que foi falta de surra.
Liza cede ao riso, descontraindo o clima tenso.
- Está mais para falta de educação.
A atenção dos dois é voltada para Daniel, que se aproxima em passadas rápidas e empolgadas.
- Você mal começou e eu já te venero. – ele diz se direcionando à Liza. – Me conta, ver você jantar o Verstappen uma vez vai ser o ponto auge da temporada ou podemos esperar por mais?
ri.
- Não tenho a intenção de ter muito contato com esse tipo de pessoa, então espero que essa seja a única vez.
- Ah, não. – Daniel resmunga – Dez segundos com ele e você já não gosta do cara. Acho que isso é um recorde.
Lando e Liza riem.
- Mas falando sério. – Danny diminui o sorriso – Ele tem um temperamento difícil e faz a gente querer socar ele, mas quando não está sendo arrogante até que dá para ter uma conversa agradável. Os primeiros dias são mais difíceis porque ele quer se exibir, feito um pavão. Mas logo isso passa.
- Ele que não tente se engraçar comigo de novo que eu corto as asinhas dele. – ela diz firme.
- Quando você era da Red Bull, ele era mais amigável. – Lando comenta à Daniel. – Nunca pensei que isso sairia da minha boca algum dia, mas você fez dele uma pessoa melhor.
Liza observa atenta.
- É, porque eu sou o bom samaritano e gente boa para caramba. – Daniel sorri – Ficamos mais próximos depois que eu saí da Red Bull do que quando estava lá, acreditem se quiser. Ele levava o que acontecia nas corridas muito para o lado pessoal, começou a ficar razinza e eu pulei fora porque, além de outros motivos, não curto estrelismo.
- Alguém tem que colocar esse cara no lugar dele. – Liza diz.
- Está tudo bem por aqui? – questiona quando se junta ao trio, fitando Liza diretamente.
- Só com o Verstappen que não. – Daniel diz sorrindo. – Acho que até ele está sentindo que as coisas vão começar a mudar por aqui.
Os quatro encaram Max, que está com o semblante fechado vidrado em algum ponto do carpete no chão.
Sentados na mesa redonda de vidro e digerindo não só a comida espetacular daquele rodízio como também a vista da cidade de Sakhir abaixo deles, estavam Liza e . Eles estavam lado a lado e dispensavam cerimônias para ficar o mais próximo um do outro que a lei da gravidade permitia.
Com uma das pernas jogada por cima da perna de por baixo na mesa e uma das mãos fazendo um carinho ritmado no cabelo da nuca do monegasco, a jovem já havia dispensado o seu prato depois de se dar por satisfeita.
O rapaz coloca o último pedaço de carne da boca para apoiar-se no encosto da cadeira relaxado, assistindo o garçom retirar os seus pratos. acaricia a perna desnuda em seu colo e aguarda ansiosamente que o buffet termine de recolher o seu material para que pudesse tirar logo aquele vestido do corpo da mulher e finalmente aproveitarem aquela cama gigante do quarto.
Ele a encara nos olhos e sorri diante do sorriso dela. Liza conseguia sempre superar a própria beleza aos olhos de , ele sempre ficava admirado de quão bela ela era.
Eles ficaram se encarando em silêncio até que os funcionários se aproximassem para avisar que iriam embora.
- Foi um jantar maravilhoso, muito obrigada! – Liza diz levantando-se para apertar a mão dos garçons e acompanhá-los até a saída, a segue. – Definitivamente vou procurar por vocês quando estiver na cidade novamente.
- Obrigado. – o chefe diz. – Tenham uma boa noite.
Quando a porta se fecha e Liza se vira para , sozinhos no quarto, ele sorri maliciosamente na direção dela.
- Calma, tigrão. – ela diz rindo. – Eu ainda estou na digestão do jantar. Se for para cima de você é provável que tudo volte em menos de cinco minutos.
passa a mão na própria barriga, que está com um leve volume por cima da camisa, e concorda em meio à risos.
Ela tira os sapatos de meio salto do pé e solta os cabelos que estavam presos em um rabo de cavalo longo enquanto o rapaz também libertava os próprios pés e abria alguns botões da camisa lisa.
Eles seguem de volta à varanda e deitam-se abraçados em uma espreguiçadeira, dividindo o espaço limitado enquanto olhavam as estrelas no céu resplandecente daquela noite.
- É uma boa hora para aquela conversa que temos que ter? – o monegasco indaga, fazendo um carinho nos cabelos da mulher.
Liza faz uma careta sofrida.
- Mas está tão bom assim. – ela diz apertando seus braços ao redor do rapaz e enterrando a cabeça no seu peito.
sorri.
- Uma hora teremos que falar sobre isso.
Ela suspira.
- Tem razão. – diz erguendo-se e cruzando as pernas, posicionando-se de frente a ele. fica com a expressão séria ao questionar: – O que somos?
O monegasco franze o cenho.
- Como assim, o que somos?
- Digo, um para o outro. - ela esclarece. – Preciso saber as suas reais intenções aqui.
se endireita na espreguiçadeira, erguendo o tronco para ficar em posição ereta e suspira.
- , eu não tenho muitas certezas na minha vida. – ele declara. – Mas uma delas é que eu quero você e com isso quero dizer que possamos crescer e criar toda uma vida juntos. Como um casal.
Ela assente vagamente.
- Eu não sou do tipo de homem que fica pulando de relacionamento a relacionamento, enrolando ou iludindo. – revela. – Meu coração se comprometeu à uma única pessoa e ela é você. Então quando digo que penso em crescer e criar uma vida é que tenho intenção de te namorar, fazer de você a minha esposa e quem sabe num futuro ter uma porrada de pivetes.
Liza não se reprime e acaba por sorrir alegre.
- Quantos você quer ter? – ela questiona. – Preciso de uma previsão, porque se for um time de futebol vou ter que preparar as coisas aqui embaixo.
ri antes de admitir: - Sou louco para ter um casal. – ela arqueia as sobrancelhas em surpresa.
- Com o garoto sendo mais velho, para cuidar da irmã?! – ela indicia.
- Sim. – ele assente animado. – E afugentar os urubus que vão ficar em cima dela.
A mulher ri, concluindo: - Prevejo um pai muito ciumento e protetor.
pondera.
- Ela vai poder namorar só aos 30 e casamento só aos 45. – acaba por dizer, causando ainda mais risadas na mulher.
Quando elas vão se dissipando Liza encara os olhos verdes do rapaz encantada.
- Eu quero isso. Eu vejo o quanto quero claramente agora, com você. – diz com a voz terna.
A brisa corre pela varanda e balança os cabelos soltos dela levemente. Ela fecha os olhos curtindo o roçar carinhoso do vento e aproveita para continuar com a sua visão: - Quero que nos apoiemos nos momentos de alegria e de tristeza. – ele entrelaça os dedos nos dela, que sorri com o toque. – Que viajemos o mundo todo e ter um álbum sobre cada lugar que tenhamos batizado com sexo. – ela abre um dos olhos a tempo de ver assentir com um sorriso malicioso no rosto e ri de leve.
Ela passa a mãos pelos cabelos, jogando-os para trás e mira as luzes da cidade ao horizonte, com olhos sonhadores.
- Depois, você vai brigar comigo por fazer muito esforço durante a gravidez dos nossos filhos, eu sei que isso vai acontecer. – ela ri – Vamos viver em uma casa com quintal grande para que as crianças possam brincar, onde tentaremos construir uma casa na árvore e um balanço. Mas vamos acabar chamando um marceneiro porque a construção vai ficar com uma aparência duvidosa.
gargalha com a mão sob a barriga.
- Isso é bem a nossa cara. – ele declara ainda pouco risonho. Em seguida completa: - Vamos ter uma piscina para os dias de verão e lareira para os dias de inverno. – se adianta em acrescentar: - E tem que ser em um bairro seguro, perto da escola das crianças, para que elas possam ser livres e ir de bicicleta se quiserem.
- Você e as crianças vão criar um motim para termos um cachorro – ela diz e o monegasco sorri alegre – e eu vou deixar, mesmo que a bagunça fique para eu limpar... – ela suspira extasiada – Ter uma vida plena e feliz, basicamente.
- É... – concorda – É essa vida que eu também idealizo para nós.
Liza sorri satisfeita pouco antes de ficar mais séria para declarar: - Mas, além de tudo isso, eu também quero me consolidar na minha profissão.
assente sem hesitações: - É claro.
- E para que isso aconteça nós teríamos que manter esse relacionamento às escondidas.
O monegasco arqueia as sobrancelhas em surpresa.
Liza engole em seco com o silêncio que assola o lugar de súbito.
- Eu sei que não é a melhor das opções. – ela explica – Mas a Sandy ainda não encontrou uma brecha no contrato. Ela e os advogados estão estudando uma possibilidade de intervir ou pedir um ajuste que possa vir a nos favorecer. – Liza acaricia os dedos dele entre os seus – Mas enquanto isso não acontece, eu não posso arriscar o que conquistamos.
suspira pesadamente.
- Mesmo que a gestão da F2 foi demitida e esse campeonato seja idealizado por pessoas completamente diferentes, não posso confiar plenamente neles. – ela enuncia – Por mais que haja um julgamento e toda a investigação, os advogados deles são bons e não posso esperar que todos do júri haja de forma honesta ou que eles não voltem a me atacar. Então sempre tenho que estar em alerta e estou completamente ciente de todas as possibilidades. Arco com a responsabilidade por mim mesma, assim como Zak disse que a McLaren também estaria ao meu lado independente do que vier a acontecer. – ela umedece os lábios vagarosamente – Mas, mon amour, eu jamais me perdoaria se você fosse prejudicado por estar com a imagem atrelada à minha.
assente com os olhos vidrados em um ponto qualquer da pulseira delicada que Liza usava.
- Eu não posso reivindicar a sua decisão, porque não cabe somente a mim. – ele explica, subindo os olhos até os dela – Estaria te prejudicando tanto quanto e essa é a opção mais sensata a se seguir. Por mais que não seja do meu agrado, também não é o pior que poderia acontecer.
Ela sobe para o colo do monegasco e passa os braços ao redor do pescoço dele.
- É temporário. – ela sopra – Eu prometo.
Ele sorri fraco.
- Vai ser difícil olhar para você e não poder te beijar no meio dos outros. – diz pousando a mão na cintura dela. – E deixar claro para todo mundo que você é minha.
- Não se preocupe. – ela sorri aproximando o rosto do dele e encostando os seus narizes – Eu coloco qualquer um para correr, já trabalhei com todo o tipo de homem. O importante é que no final da noite é com você que eu vou dividir minha vida.
Eles se beijam finalmente.
- Então, vamos repassar. Quem sabe?
- Sandy, tio Fabio, Danny, Mick, Carlos e Lando.
- Desconfiei que Lando soubesse. Por que contou para ele? – questiona com a testa franzida.
- Ele viu suas mensagens. – Liza dá de ombros. – Com ele é um olho no simulador e o outro no celular dos outros. Mas ele é de confiança, gosto do garoto.
- Está legal. – ele sopra.
- Certo. – ela assente.
- Melhor você entrar na frente. – abre espaço, indicando a porta da frente deles. – Eu espero uns três minutos e vou.
Liza ri.
- Ou podemos entrar como colegas de trabalho que se conhecem e estão conversando amigavelmente. – ela diz. – Não precisamos ficar completamente afastamos, só não demonstrar para os outros que a gente troca saliva.
- Fluídos corporais também. – ele arqueia uma sobrancelha maliciosamente.
Ela contém o riso.
Os dois atravessam a porta e adentram a sala de conferência, que naquele dia em específico estava sendo usada como estúdio para tirar as fotos dos pilotos das equipes, fazer o merchandising e vídeo oficial de abertura da nova temporada da Fórmula 1.
Foram espalhadas mesas, cadeiras e penteadeiras de maquiagem pela sala, para retocar as imperfeições nos pilotos; araras com os macacões oficiais de cada equipe; assim como telas brancas e verdes, tripés, iluminadores e toda aparelhagem de fotografia para fazer os cliques.
Pela sala estão espalhados alguns pilotos que já havia chegado, fotógrafos, o pessoal do marketing, supervisores da FIA e um assessor de cada construtora.
- Benedetti, maquiagem agora. – Jordyn esbraveja assim que a pilota entra em seu campo de visão.
- Leclerc, vai se vestir. – Garret diz e então o casal se separa.
Liza se aproxima da maquiadora que está a finalizar o rosto de Daniel a tempo de assistir o rapaz se olhar no espelho e abrir um grande sorriso.
- Obrigado, Guida. – ele agradece e salta da poltrona, parando em frente à Liza. – Hannah Montana disse que ninguém é perfeito, mas aqui estou eu.
A jovem ri junto à maquiadora e toma o lugar do piloto.
- Oi, é um prazer te conhecer. – a maquiadora ruiva de olhos negros estende a mão em sua direção. De princípio a pilota já pôde perceber o seu jeito despojado e toques da sua personalidade pelas mínimas tatuagens que marcavam o seu braço esquerdo.
- O prazer é meu, Guida. – Liza aperta sua mão rapidamente.
- Vamos só fazer alguns retoques, ou você prefere alguma coisa mais carregada? – ela pergunta mirando a jovem através do espelho à sua frente.
- Só uns retoques. – diz massageando as bochechas. – Se você conseguir dar aquela atenção nos meus cílios, eu ficaria agradecida.
- Vamos fazer dos seus olhos o destaque desse merchan. – Guida diz deitando a cabeça de Liza no encosto da poltrona, que sorri.
Enquanto a maquiadora se preparava para iniciar o trabalho na pele da pilota um rapaz alto, de face sorridente, olhos e cabelos castanhos, e jeito tímido aproxima-se de sua penteadeira.
- Alex! – Guida salda, se interrompendo para abraçá-lo rapidamente e com vigor. – Como foram as férias?
- Ótimas! – ele diz alegremente. – Fui para a Tailândia, fiquei com a família, visitei os meus avós... – ele suspira extasiado – Estou absolutamente com a cabeça limpa para voltar nessa temporada com tudo.
- Precisa estar para aturar aquele seu colega. – Guida diz revirando os olhos enquanto começava a trabalhar no rosto de Liza – Vou te falar, se ele vier com aquela de “não faço maquiagem porque é coisa de maricas” de novo eu vou quebrar a cara dele e deixar ele aparecer no vídeo de abertura com hematomas.
Liza arqueia as sobrancelhas, levemente surpresa pela súbita mudança de humor.
- Falando assim parece que ele é um completo cretino. – Alex se encolhe inibido.
- E ele é. Ainda fico perplexa em como vocês conseguem aturar esse cara. Mas, enfim. – Guida suspira de leve, recompondo-se. – Alex, esta é Benedetti, a novata da McLaren.
O rapaz segue os olhos em sua direção e sorri de maneira cortês: - Não tivemos oportunidade de sermos devidamente apresentados, - ele lhe estende a mão – é um prazer.
- O prazer é meu. – ela aperta a mão grande e ossuda, característica de homens da sua estatura.
- Parabéns pela sua promoção! – ele parabeniza com um sorriso simpático – Eu assisti as suas últimas corridas na F2 com minha irmã, você foi uma fera no volante!
- Obrigada! – ela diz alegre.
- Por nada. – o tailandês dá de ombros gentilmente. – Tenho que me apressar, meu nome é um dos primeiros a ser chamado e eu não estou nem vestido ainda.
Elas acenam e vê o rapaz se afastar apressado.
- George me disse que o Alex é um dos caras mais carismáticos do grid. – Liza comenta, recordando-se de o piloto apontar o tailandês como seu melhor amigo.
- Alex é um amor. – Guida concorda, passando o pó no rosto da pilota cuidadosamente. – O Christian Horner não merece ter ele na equipe, ele não valoriza o Alex o suficiente. Acho errado um chefe de equipe beneficiar mais um dos pilotos que o outro. Deveria ser feito por igual.
- Não o conheço, mas já ouvi falar sobre suas polêmicas decisões.
A maquiadora balança a cabeça em negativas, expressando o seu desapontamento.
- Sei que esse esporte é restrito aos melhores entre os melhores e só fica quem mostra resultados, mas isso não é motivo dele tratar as pessoas como se fossem peças que podem ser substituídas – Guida diz em tom de repulsa. – Foi assim quando trocou o Pierre Gasly pelo Alex e o Daniil Kvyat pelo Max Verstappen.
Liza já havia sido posta à par de como funcionava a predominância dos pilotos, engenheiros, técnicos e mecânicos pela sua empresária e somada aos comentários assíduos do pessoal da equipe podia dizer que tinha uma base de informações verídicas em que trabalhar para se manter no grupo.
Contudo nenhum deles havia sido tão explícito e desinibido ao relatar os acontecimentos, por isso ela continuou a ouvir as declarações atentamente.
- Com o Pierre, por Deus, foi duro. – Guida suspira sentida – Ele também é um amor, tão querido quanto Alex. Merecia mais. Muito mais. – ela assente veemente – Pelo menos conseguiu ficar na Alpha Tauri.
A Alpha Tauri nada mais era que a segunda equipe da construtora Red Bull Racing no campeonato. Havia engenheiros, técnicos, estrutura de máquinas e estratégias diferentes, contudo comandadas por um único proeminente e este era Christian Horner.
Os leigos que não acompanham assiduamente o esporte podem até desprezar a Red Bull pelo nome da fabricante de bebidas energéticas, porém mal sabem que esta era a segunda melhor construtora da atualidade.
A RBR, sua abreviação, se consolidava como a equipe principal enquanto a outra era posta como secundária. Porém as vagas em ambas eram altamente disputadas.
No entanto, todo piloto sabia que se ele quisesse ganhar destaque e ter a possibilidade de correr com o carro com maiores chances de alcançar a vitória da temporada teria que fazer, por merecer, a vaga na principal. E estas atualmente pertenciam à Verstappen e Albon.
Em resumo o campeonato era regido por dez equipes com dois pilotos cada e todas elas tinham as suas particularidades. Algumas delas já haviam sido grandes com feitos históricos no esporte que tentavam se adequar ao mercado, como a Willians, enquanto outras progrediam com a modernidade e se destacavam cada vez mais, como a dominante por anos consecutivos Mercedes.
- O Kvyat se segurou no campeonato pela Williams e hoje é parceiro do George. Não está entre as melhores, mas pelo menos não está fora – Guida informa.
A ocupação de uma vaga se consolida por variáveis em comum entre piloto e construtora. Ambas as partes se faziam por demasiadamente interessados em uma perfeita harmonia, o piloto levando em consideração o respaldado tecnológico e vantagens oferecidas que o levassem ao topo e a construtora pela desenvoltura e habilidades condutoras, estratégicas, físicas e, principalmente, emocionais do seu condutor que permitissem alcançar o mesmo objetivo.
Contudo, há quem que opte por se deixar persuadir por quantias exorbitantes para patrocínio e vantagens privilegiadas para consolidar a sua equipe ao invés de talento e compatibilidade. E não é anormal ver a preferência por pilotos que oferecem valores monetários para se alicerçar uma vaga.
– Sei que quem define essas trocas é o chefe, - Guida comenta – mas Verstappen é sujo. Roubou a vaga do próprio amigo sem hesitação nenhuma.
A história de Verstappen e Kyvat: amigos, porém rivais, era antiga e bem conhecida no mundo automobilístico. O estreante que tomara a vaga do veterano e se apoderou dela com sucesso.
- Sinto um cheiro de remorso? – Liza questiona sorrindo contida.
A maquiadora cede aos risos, descontraída.
- Nem te conto. – ela diz entre dentes - Antes desse filho da mãe entrar, eu pensava que o mais desagradável do grid era o próprio Kvyat. Só que ele é meio fechado, frio e calado, mas porque é russo. Sabe o que dizem deles. – Guida arqueia uma das sobrancelhas esperta – Mas o Verstappen supera o amigo em escalas inimagináveis do ridículo.
- É de quem estava falado com o Alex? – Liza questiona observadora.
- Sim. – ela grunhe. – O moleque é uma perfeita diva, só fala merda e é a criatura mais mimada que eu já vi, como se o mundo fosse dele e nós apenas vivêssemos aqui.
Guida arregala os olhos ao perceber que havia falado alto demais e tampa a própria boca. Ela olha ao seu redor e volta a Liza aos sopros: - Meu Deus, me desculpe. Ele consegue me tirar do sério sem nem estar aqui ainda. – ela olha no relógio de pulso – O que, aliás, faz dele um atrasado. Confirmando a minha fala sobre ele ser diva.
Liza ri fraco.
- Tudo bem, eu preciso mesmo ter uma impressão feminina dos garotos. Saber quem é confiável ou não. – ela diz, recordando-se do acontecimento com Pedro e Felipe.
A ruiva sorri animada, Liza soube naquele estante que estava falando com a fofoqueira da corporação e que deveria tomar cuidado com o que revelava a ela.
- Sendo assim. – a maquiadora diz e começa a pentear os cílios da mulher com o rímel – Vou falar de quem tenho mais contato. Jogo rápido. – e toma ar antes de despejar seus comentários aos murmúrios: – Fica esperta com o Lance Stroll. Não por ele em si, mas sim pelo pai. Lawrence Stroll é dono da Aston Martin e faz de tudo para o filho terminar no pódio; Sebastian Vettel é um cara gente boa, mas é mais introvertido que extrovertido, então se ele não falar muito com você não pense que você fez alguma coisa errada; Valterri Bottas, parceiro do Hamilton, é um homem que aparenta ser fechado, mas é bem simpático e gosta de soltar umas pérolas de vez em quando.
Liza arqueia as sobrancelhas, levemente surpresa com a quantidade de informações detalhadas. A mulher continua: - Fernando Alonso é a própria rainha, cheio de não me toques e se acha o rei do gado; - a pilota gargalha espontaneamente e Guida a acompanha – É sério. Mas ainda dá para ter uma conversa agradável com ele.
A maquiadora cessa o riso para prosseguir: – Lando é um fofo, sempre me oferece petiscos mesmo que sejam exclusivos para os pilotos. Ele é um cavalheiro, mas é jovem e, também, gosta de tirar um sarro de vez em quando; Daniel é o próprio palhaço, como você pôde ver; Carlos Sainz é uma versão mais contida do Daniel, mas ambos são gentis e atenciosos; O Checo é do bem, mas igualmente fechado e introvertido; e, por último, mas não menos importante, : o menino de ouro. – Liza sorri automaticamente – Ele é um docinho e o próprio cavalheirismo em pessoa. É completamente focado no trabalho e competitivo, mas afinal quem daqui não é?! – Guida ri fraco – Dessa vez estou vendo-o mais relaxado e, de duas uma, ou ele se sentia muito pressionado com o Vettel como parceiro ou tem mulher envolvida aí.
A pilota não consegue conter o riso.
- Em resumo, acho que é isso. – a mulher suspira, recuperando o fôlego enquanto apoiava as mãos nas cinturas – Pelo seu jeitinho, vai se dar bem. Os homens se derretem por uma mulher educada e simpática, além de que você é maravilhosa e, pelo que eu soube, é muito talentosa. Vai se entrosar rapidinho. – ela sorri e abre espaço para a pilota conferir o resultado da produção no espelho. – Terminei.
olha seu reflexo e sorri satisfeita.
- Obrigada. Ficou do jeito que eu queria.
- De nada, querida. – ela responde quando a pilota desce da poltrona. – Vai ser ótimo trabalhar com você.
Elas se despedem rapidamente e Liza tem em mente que havia sabido em menos de 30 minutos os perfis dos pilotos que as revistas de fofoca levavam anos para construir e, na maioria das vezes, de forma errônea. Ela ri consigo mesma.
Logo é direcionada às araras de roupas para se trocar.
Lá encontra Lando.
- Essa droga emperrou. – ele reclamava com a mão no zíper do macacão, tentando puxá-lo para cima. Fazia tanta força que seu rosto já estava vermelho. – E olha que é novo, imagine se não fosse.
- Calma, Norris. Desse jeito vai quebrar. – ela diz e se aproxima do parceiro.
Ele solta o ar e deixa os braços caírem ao lado do corpo enquanto Liza movimentava o zíper para cima e para baixo para desemperrá-lo.
- Vou ter que usar esse macacão para sempre. – o rapaz resmunga. – Na hora de dormir, para tomar banho, para competir, na academia. – Liza ri – Nunca a expressão “mil e uma utilidades” soou tão literal.
- Para de ser dramático. – ela diz aos risos e se aproxima mais para ver o que segurava a peça. Notando que estava enroscada em um fio solto do tecido ela aumenta a velocidade do movimento para que desatrelasse.
- Pagar boquete no trabalho é legal? – eles ouvem uma voz rouca soar num inglês com sotaque enxuto holandês. Com o zíper preso na região da barriga do piloto, a impressão de quem via por trás não era a das mais apropriadas. Liza sente seu rosto esquentar imediatamente e se endireita. – Tenho quase certeza de que vocês podem ser presos por isso.
- Vai se foder, Verstappen. – Lando responde rindo.
Liza força o zíper uma última vez e ele sobe com facilidade até o peito do parceiro. Custava ter colaborado antes, zíper maldito?
- Fecha com cuidado da próxima vez. – ela sopra ao parceiro e segue para a arara de roupas, para pegar o próprio macacão.
Como já estava com uma roupa leve, só teve que vestir o traje por cima. Ela passa as pernas pelas barras da calça, sobe o traje até o traseiro – onde tem que manusear o tecido vagarosamente para que moldasse ao corpo –, chega até a cintura e é só quando vai vestir as mangas que percebe o olhar feroz de Max em sua direção.
O holandês mal prestava atenção no que Lando lhe dizia, apenas assentindo vez ou outra. Seus olhos estavam fixamente presos no busto da mulher e ela não pôde não se sentir incomodada com tal fato. Rapidamente tratou de fechar o zíper e tapar a visão do piloto pervertido.
Ponto negativo para você, Verstappen.
Ela fecha a gola no pescoço e caminha em direção à saída das araras, sendo obrigada a passar ao lado de Lando e Max.
O holandês a segura pelo braço, para a sua surpresa.
- Não vai me falar oi, coisinha linda?! – ele questiona com um sorriso cafajeste.
- Dá licença. – Liza puxa o braço da mão do rapaz com força e se afasta dele. – Existe um jeito decente de se cumprimentar uma mulher. E este com certeza não é ele.
Max parece intrigado pelo atrevimento, o choque em seus olhos só não supre o sorrisinho cínico em seus lábios como também o complementa.
- Não pensei que fosse do tipo afrescalhada, já que conseguiu chegar até aqui. – ele rebate. – Nenhuma maricas sobrevive a pressão desse campeonato. Neste caso a saída é cortesia da casa, meu bem. Vai para uma academia de balé que você ganha mais.
Liza ri desacreditada, sem desviar os olhos do azul sombrio que eram os dele, que era alguns centímetros mais alto que ela.
- Você vai tirar esse sorriso do rosto quando ver a traseira do meu carro passar a 300 por hora por você na pista. – Liza diz cruzando os braços. – E quando vier me perguntar como fiz isso, eu vou ser generosa e te ensinar também a como chegar em uma mulher. Quem sabe aí você não para de bater punheta e começa a amadurecer.
Max fica sério, seu maxilar trava.
- Por quê? Cai querer me dar para subir de posição no grid? Esse é o seu lance?
Ela dá um passo para frente, de queixo erguido.
- Dar para você para subir de posição? – Liza ri debochada, arqueando uma sobrancelha – Desce desse pedestal, Verstappen, você não é tudo isso nem como piloto, nem como homem. Não aguentaria o tranco.
Lando tapa a boca para controlar a risada fulminante que sobe pela sua garganta e logo se adianta em intervir quando vê o holandês prestes a abrir a boca.
- Melhor calar a boca, Maximilian. Com essa aqui o buraco é mais embaixo. – Lando se pronuncia e puxa a pilota pelos ombros delicadamente, guiando-a até a saída das araras. – O Verstappen de boca fechada é um grande poeta, . Faça como eu, ignore o primata que habita nele.
- Você ainda vai voltar atrás, princesa. – o holandês esbraveja por uma última vez, chamando a atenção de quem ainda não tinha se atentado a pequena confusão.
Lando continua a empurrando até que tomassem uma boa distância. Liza respira fundo quando eles param perto da tela branca onde Carlos era fotografado.
- Não liga para o que o Max diz. – Lando fala. – Ele tem todo esse jeito de babaca, mas no fundo, bem lá o fundo mesmo, é um cara do bem. Ele só não tem trava na porra da língua e é esquentadinho, mas poucos conseguem ver que é só isso.
- Que cara ridículo. – ela sopra, lembrando-se do que Guida tinha acabado de te relatar.
- Dizem que isso é “personalidade”. – Lando abre aspas no ar. – O Danny diz que foi falta de surra.
Liza cede ao riso, descontraindo o clima tenso.
- Está mais para falta de educação.
A atenção dos dois é voltada para Daniel, que se aproxima em passadas rápidas e empolgadas.
- Você mal começou e eu já te venero. – ele diz se direcionando à Liza. – Me conta, ver você jantar o Verstappen uma vez vai ser o ponto auge da temporada ou podemos esperar por mais?
ri.
- Não tenho a intenção de ter muito contato com esse tipo de pessoa, então espero que essa seja a única vez.
- Ah, não. – Daniel resmunga – Dez segundos com ele e você já não gosta do cara. Acho que isso é um recorde.
Lando e Liza riem.
- Mas falando sério. – Danny diminui o sorriso – Ele tem um temperamento difícil e faz a gente querer socar ele, mas quando não está sendo arrogante até que dá para ter uma conversa agradável. Os primeiros dias são mais difíceis porque ele quer se exibir, feito um pavão. Mas logo isso passa.
- Ele que não tente se engraçar comigo de novo que eu corto as asinhas dele. – ela diz firme.
- Quando você era da Red Bull, ele era mais amigável. – Lando comenta à Daniel. – Nunca pensei que isso sairia da minha boca algum dia, mas você fez dele uma pessoa melhor.
Liza observa atenta.
- É, porque eu sou o bom samaritano e gente boa para caramba. – Daniel sorri – Ficamos mais próximos depois que eu saí da Red Bull do que quando estava lá, acreditem se quiser. Ele levava o que acontecia nas corridas muito para o lado pessoal, começou a ficar razinza e eu pulei fora porque, além de outros motivos, não curto estrelismo.
- Alguém tem que colocar esse cara no lugar dele. – Liza diz.
- Está tudo bem por aqui? – questiona quando se junta ao trio, fitando Liza diretamente.
- Só com o Verstappen que não. – Daniel diz sorrindo. – Acho que até ele está sentindo que as coisas vão começar a mudar por aqui.
Os quatro encaram Max, que está com o semblante fechado vidrado em algum ponto do carpete no chão.
Capítulo 17
Circuito de Melbourne – Austrália
“Estamos finalmente de volta! É frio e triste o período das férias de inverno sem as corridas, não concorda, Marcus?!” – diz o comentarista.
“Eu fico depressivo nesse período, Tim. Mas cá estamos ao começo do primeiro final de semana da corrida de estreia da temporada deste ano. A primeira de 23 corridas do calendário da Fórmula 1.”
“E o nosso querido elenco de pilotos de peso está neste exato momento subindo a bordo da carreata para o desfile no circuito e cumprimentar os fãs que tanto sentiram saudade. Será que a Lana consegue fisgar alguém ali no meio da muvuca? Lana, querida. É com você.”
No meio de dezenas de jornalistas e fotógrafos foi disposto um tapete vermelho no asfalto da saída da garagem até o ônibus panorâmico de dois andares na cor branca com o símbolo do campeonato estampado em sua lateral.
Pelo tapete passavam os pilotos caracterizados com os seus distintos trajes, cumprimentando os demais e concedendo rápidas entrevistas aos repórteres.
- Tim, estou aqui com a Benedetti. Grande novidade no grid desta temporada. – a mulher de cabelos encaracolados presos em um rabo de cavalo diz em frente à câmera ao lado da jovem pilota, para em seguida se direcionar a ela: - , é um imenso prazer te conhecer.
- O prazer é meu. – ela responde sorrindo e ajeitando seus óculos de sol no rosto.
Estava quente e a luz do sol escaldante de Melbourne refletia nas arquibancadas improvisadas, somado a proximidade com o lago Albert Park, amplificavam ainda mais a claridade e temperatura do lugar.
- Fala para a gente como é ser a única mulher no meio de tantos homens.
Antes que a jovem respondesse, Carlos Sainz passa por trás dela e puxa rapidamente uma mecha de seu cabelo solto – fazendo com que sua cabeça tombasse num solavanco para trás. Logo ele corre na direção do ônibus, antes que ela lhe acertasse um tapa.
- É exatamente desse jeito. – ela volta para a frente da câmera rindo e massageando a cabeça teatralmente. – Brincadeiras entre os treinos e nas entrevistas, lutinhas, competição de flexão e queda de braço. Isso quando não começam a falar sobre pentelhos e bolas. – a entrevistadora gargalha – A testosterona transborda por aqui.
Ambas riem.
- Garotos. – a jornalista atenua aos risos.
- Pois é.
- Você já se sente acolhida pelo grupo?! – a mulher questiona.
- Sim, de modo geral os garotos são legais e, como eu sou meio moleca, a gente acaba se dando bem. – ela dá de ombros – Além de que podemos dividir conhecimentos, tem grandes pilotos talentosos no grid que já participaram de pódios e ganharam corridas, e eu sou grata por ter a oportunidade de poder ouvir as suas experiências.
- Então, pode se dizer que tem uma boa relação com eles? – indaga sorridente.
- Com uma parte significativa do grupo sim, - ela passa os olhos rapidamente por Max, que está concedendo uma entrevista ao lado dela, e logo retorna ao rosto da mulher – mas tem alguns que ainda não tive muito contato.
- Ainda é começo de temporada, logo você se entrosa cem por cento. – a outra diz e assente. – Está ansiosa com a corrida de domingo?
- Claro. Mas acho que estou mais animada do que qualquer outra coisa. – sorri – Quero aproveitar cada treino, cada orientação e cada momento dessa oportunidade. Dar cem por cento de mim durante todo o final de semana.
- Estaremos torcendo por você. Eu particularmente estou ansiosa para te ver na pista.
- Obrigada!
- A família veio prestigiar a primeira corrida? – ela pergunta ao mirar os pais de vagando pela garagem de sua construtora. Foram facilmente identificados por estarem usando uma camisa que estampava o seu rosto.
A pilota ri.
- Sim, vieram. – ela assente. – Fizeram umas dez camisetas dessa e espalharam pela minha equipe. Até a minha empresária entrou na brincadeira.
- Eles estão orgulhosos. – a jornalista declara.
Liza mira os pais novamente e sorri abertamente.
- Sim, estão.
- Bom, não vou tomar muito do seu tempo. – a mulher diz ao perceber boa parte dos pilotos se encaminhando ao ônibus. – Muito obrigada pela entrevista e boa sorte no domingo.
- Obrigada, foi um prazer.
Dito isso, ela encontra-se com Lando e caminha ao seu lado até o transporte. Chegando às escadas, eles competem quem sobe primeiro até o segundo andar e chegam até lá aos risos.
- Tem que fazer mais treino de pernas, Norris. – ela caçoa e ele empurra seu ombro de leve encaminhando-se até os bancos laterais para se sentar.
Ela olha ao seu redor e vê apoiado no parapeito de ferro do ônibus mirando algo abaixo fixamente. Quando ela segue seu olhar percebe que ele está a mirar Marcos, seu próprio pai.
Liza olha ao seu redor novamente e, notando que ninguém estava com a atenção direcionada a ela, se aproxima do monegasco.
- Preocupado? – ela questiona num tom de voz baixo.
- Ele tem cara de bravo. – diz sem tirar os olhos do homem, que conversava com Zak Brown de semblante fechado.
- Isso não significa necessariamente que ele seja assim o tempo todo. – ela explica. – Ele deve estar checando a segurança do carro com o Zak, sabe, coisas de pai. – ela dá de ombro - Não se preocupe, ele nunca pegou no pé de nenhum namorado meu antes.
ainda não havia tido a oportunidade de conhecer o pai da namorada, além da falta de tempo devido aos dias atarefados, eles também tinham que ser discretos perante qualquer interação. Então desde que o sogro havia chegado há um dia, ele não conseguira se apresentar e seu nervosismo crescia a cada encarada do mais velho sobre si. Porém, o rapaz vira-se para ela com um sorriso divertido no rosto.
- Já foram tantos namorados assim?
- Mon amour, eu tive uma vida antes de conhecer você. – ela diz jogado o cabelo caído nos ombros para trás e em seguida ri, a acompanha. – Não que tenham sido relações relativamente boas, mas me moldaram até encontrar o cara certo. – ela estuda sua reação pelo canto dos olhos – Ele é monegasco, bonitão, tem aquele ar de sedutor e os olhos dele são uma perdição. Conhece?
sorri alegre. sabia como melhorar o seu humor sem precisar se esforçar.
- Acho que já vi por aí, sim. – ele dá de ombros, entrando na brincadeira. – Ele é tipo um manobrista, mexe com carros?
Ela gargalha espontânea, mas logo corta o riso quando é empurrada em um solavanco para frente, por um corpo que esbarrara nela e continua andando.
Liza se apoia no parapeito e olha para trás, vendo Max com as mãos postas às costas e olhar incoerentemente inocente.
- Faz de tudo para chamar minha atenção, não é, Vespa? – ela diz, fazendo com que ele se voltasse a ela. – Supera, garoto.
- É só para te mostrar como vai ser quando eu te ultrapassar na pista no domingo. Se bem que – ele ri – não existe a probabilidade de um cenário onde você esteja à frente de mim.
- Encenou que vai me jogar no guard rail, tudo isso é insegurança? – ela ri debochada – Vamos ver o que os fiscais pensam a respeito disso. Você sabe das regras, não sabe? Ou preciso pedir que sua equipe repasse o livro de regulamentos com você de novo, só que desta vez, bem mais devagar? Para assim você assimilar melhor.
Max mostra o dedo do meio e sai andando aos risos até a frente do ônibus.
- Como esse cara é insuportável! – ela afirma entre dentes ao voltar para o lado de .
- Ele só está tentando te tirar do sério. – ele ri. – Imaturidade é o sobrenome dele.
- Tem alguma coisa que eu deva saber sobre como ele é em pista? – ela questiona.
- Max pode ser o que for, mas é justo e um ótimo condutor. Nunca faria nada para prejudicar aos outros e, acima de tudo, ele mesmo, durante uma corrida. – revela. – Não é à toa que ficou em terceiro lugar na classificação geral do ano passado, o cara é liso e, na maioria das vezes, consegue driblar as confusões. Ele é bom e infelizmente sabe disso.
Liza revira os olhos teatralmente e eles riem.
- Vai começar! – a voz animada de Daniel soa atrás de Liza e quando ela se vira vê ele saltitar.
Em instantes o ônibus é ligado e dá partida, dando início a sua volta no circuito. Música de batida alegre tocava nos autofalantes do ônibus enquanto os pilotos acenavam ao público emocionado pela volta dos heróis do seu esporte favorito.
Os pilotos sorriam, agradeciam e posavam para fotos, no caso de Daniel pegavam o microfone do apresentador da Sky Sports, canal oficial da Fórmula 1, e daria início à um coro gritando o seu próprio nome.
Daniel era australiano e era bem entrosado com o público do próprio país, notava-se pela quantidade de faixas e banners com seu rosto e nome. No meio da multidão de rostos do piloto, Liza conseguiu notar algumas faixas com o seu próprio nome. Uma em específico dizia: “Benedetti! Obrigada por representar todas nós!” e a jovem não evita o sorriso.
Era sobre aquilo.
E sobre a responsabilidade de se cumprir com um dever.
Se cruzasse a faixa quadriculada em posição da zona de pontuação se tornaria a primeira mulher a contabilizar mais que meio ponto no campeonato. Ela mudaria a história e estava pronta para isso.
“Após conseguir uma magnífica sétima posição no grid logo na sua estreia, Benedetti larga ao lado do finlandês Valterri Bottas, que teve uma escapada no meio do treino classificatório de ontem que causou alguns danos no carro”. – o comentarista informa.
“Ele não teve sorte. Já ela não começou nada mal, não é, Tim?” – o outro diz.
“Nada mal, mesmo. Ainda mais para uma novata.”
Liza aperta os dedos ao redor do volante, através da viseira seus olhos estão em uma conexão intensa com os faróis de largada da corrida, ainda completamente apagados.
A pista está no cotidiano pandemônio, com pessoas correndo de um lado ao outro para finalizar os últimos ajustes nos vinte carros posicionados em suas marcas.
- “Checagem de rádio, .” – ela ouve a voz de Andreas soar no seu ouvido e sorri por um instante ao se recordar de René.
- Checando rádio. 1,2,3. – ela pronuncia.
- “Rádio O.K.”
A despedida da Prema havia sido conturbada e incrivelmente rápida, em um dia ela era da equipe e no outro a McLaren aparecia com uma proposta aos seus representantes. Não fora surpresa quando tanto René quanto Angelo a apoiaram nessa transição. Eles sabiam que Liza não teria maiores chances na F2 depois do ocorrido e por isso a deixaram livre para o novo contrato.
Apesar de ter se enturmado bem com sua nova equipe, não conseguia evitar sentir saudade daquela que fora a sua casa, seu primeiro verdadeiro lar, no mundo automobilístico. Mas, como Zak havia lhe dito, McLaren era agora a sua moradia segura e ela estava pronta para depositar a sua confiança neles.
Na primeira corrida de um campeonato com uma escuderia nova é quando o piloto sente verdadeiramente o seu papel na equipe e como ele será posicionado em sua tarefa. Muitos são os chefes de equipe que pedem para um de seus pilotos deixem que o parceiro assuma a liderança por questões de favoritismo consequentes aos seus investidores e patrocinadores individuais. Em outras palavras, a quem lhes trazia mais dinheiro.
Ela realmente esperava que na McLaren não trabalhasse desta forma e até já tinha procurado se informar a forma de trabalho deles. Não estava preocupada só por não ter um número grande de patrocinadores como o colega, mas também relutante em confiar plenamente devido ao fato de ter sido traída no passado tanto por amigos como por funcionários corrompidos de sua própria equipe, estes que ela sequer procurou saber os nomes.
Liza só queria que sua primeira impressão do trabalho em equipe fosse concebida o quanto antes para acabar de vez com aquela desconfiança e focar só no seu desempenho. Odiava ocupar sua cabeça com zilhões de queixas, pois elas a desconcentravam.
- “Aberta a volta de apresentação.” – Andreas a informa pelo rádio e ela sobe os olhos a tempo de ver os carros à sua frente um a um largarem, os técnicos já haviam se retirado da pista.
Ela avança com o carro e limpa a mente.
Seu mundo agora era voltado para aquele momento, com aqueles carros, naquela pista.
De onde estava ela conseguia ver nitidamente o outro carro laranja da sua escuderia deslizar pelo asfalto à sua frente. Lando estava numa concorrida quinta posição e fez por merecer nas classificações, Liza havia ficado impressionada.
Mais à frente ela vê o vermelho da Ferrari de em quarto, a outra de Carlos em terceiro, seguido do azul da Red Bull de Verstappen em segundo e a pantera negra de Hamilton em primeiro.
Ela não podia se ludibriar, tinha que manter os pés firmes no chão.
Todos os seus adversários eram bons e tinham carros tão potentes quanto o seu, se não melhores. Liza não podia ter a ilusão de achar que conseguiria vencer a corrida de primeira, como conseguir um pódio em sua estreia. Ela não estava mais na Fórmula 2.
Por isso traçou a sua melhor estratégia diante de sua situação, teria que estudar o modo de direção dos seus colegas e como a competição seguiria com o decorrer do tempo.
- Andy, vamos de plano B. – ela comunica.
- “Muito apropriado, .” – ele responde.
Os carros voltam a se posicionar no grid, a gritaria dos fãs de repente fica abafada pela ansiedade.
- “30 segundos.”
respira fundo, sentindo cada vibração do motor de seu carro. Apesar de diferente do carro que ela correra durante todo um ano, a McLaren aos poucos se tornara a extensão de seu próprio corpo.
Como ela havia feito a regulagem interina de acordo com as suas requisições a partir de um carro completamente novo, era como se aquele fosse o seu bebê e ela se sentia conectada com cada mínima parte daquela máquina.
A primeira luz do farol de largada se acende.
- “Cinco segundos.” – Andreas informa.
A palpitação do seu coração segue a sequência de luzes. Duas, três, quatro, cinco.
E então, todas se apagam.
“É dada a largada a corrida da Austrália, primeira da temporada da Fórmula 1 e vemos Hamilton manter o primeiro lugar muito bem.” – o comentarista fala.
“O Verstappen está tentando uma entrada, mas, oh, Carlos Sainz aproveita o espaço e toma a sua posição.”
“O Bottas não fez uma largada boa, caiu para décimo.”
“Norris está disputando pelo quarto lugar com o Leclerc. Eles vão para a primeira curva.”
“Tim, a maioria dos pilotos estão com pneus macios, somente Kvyat e Russell com pneus médios.”
“E parece que não foi uma boa escolha. – o comentarista debocha – Já são formadas as posições na reta com Hamilton em primeiro, Sainz em segundo, Verstappen em terceiro, Norris em quarto, Leclerc em quinto e, oh meu deus, a outra McLaren está em sexto!”
“Foi uma boa largada da Benedetti, Marcus. Boa largada!”
“Ela tem que se atentar ao Albon que está logo atrás dela.”
“Ela não precisa se preocupar com ele porque Albon está dando espaço ao Ricciardo, logo ele cai de posição se continuar assim.”
“Na sequência está Alonso, Bottas, Raikkonen, Schumacher, Stroll, Vettel, Perez, Kvyat, Tsunoda, Russell, Gasly, Giovinazzi e Mazepin”.
“Vamos ver se no decorrer da corrida eles mantêm essas posições, este circuito é médio rápido com uma sucessão de curvas estreitas e poucas retas. Não é muito propício a ultrapassagens.”
“Mas uma corrida em Melbourne é sempre interessante, com desistências, disputas acirradas e os estreantes estão mostrando que vieram para deixar a sua marca.”
- Quinta posição, dez pontos acumulados. Nada mal para uma novata.
- Eu sei que você está tentando reduzir a minha conquista, mas eu não poderia me importar menos com a sua opinião. Eu estou radiante e nem a sua ranzinzes vai mudar isso. – diz à Max, que está a sua frente na fila de pesagem após a corrida. – E você só está a dois pontos à frente de mim, a propósito. – ela o recorda da quarta posição em que ele finalizou.
- Leclerc e Norris deram sorte, tinha pressão do óleo no meu motor. Atrapalhou a potência. – o rapaz resmunga.
- Claro. - ela diz irônica – Mas eles quem estão no pódio, não é?
Verstappen respira fundo e se afasta dela, dada a sua vez ele se aproxima da mesa.
Após a sua checagem, Liza sai da garagem da FIA e segue até a da sua construtora, agradecendo aos elogios feitos por colegas e funcionários que cruzavam o seu caminho. Chegando lá ela corre até o pai que está de braços abertos e salta para dentro de seu abraço.
- Parabéns, campeã. Você conseguiu. – ele diz vibrando de felicidade. – A primeira e única mulher a somar dez pontos em uma corrida, foi um espetáculo!
- Você gostou? – ela indaga ao se afastar dele, era a primeira corrida ao vivo que o pai acompanhava.
- Foi emocionante. – ele assente, para em seguida dizer com a mão sob o peito. – Até demais. Acho que descobri que sou cardíaco.
Ela ri.
- É tudo muito diferente estando aqui, a televisão não transmite toda a essência disso. – ele explica.
- Isso quer dizer que vai me acompanhar em mais corridas este ano? – ela questiona com olhos pedintes.
- O escritório sobrevive sem mim por um final de semana ou outro.
- É isso aí! – ela diz e bate na mão do pai ao alto.
- Foi incrível, querida. – Patrícia se aproxima e abraça a filha rapidamente. – Um espetáculo de curvas acentuadas, como diz o Zak. Minha bebê é uma recordista!
Apesar de muito aquecer o ego ferido de , os elogios da mãe pareciam forçosos. Ela sabia que a matriarca ainda estava se acostumando com tudo aquilo e não queria demonstrar o seu medo fervoroso da filha nas pistas. Mas Lisa já ficava contente por ver que ela estava tentando e, por isso, se forçava também a tentar abrir mais o seu coração para acolhê-la de vez
Ela se vira para o chefe depois de dispersar os pensamentos.
- P5 e P3, hein?! – ela diz sorrindo – Lando foi absolutamente talentoso!
- Eu sabia que vocês não me decepcionariam. – o homem sorri orgulhoso. – Vamos, vai começar o pódio.
A equipe segue para o lado de fora, posicionando-se bem em frente ao palco para celebrar o êxito nesta corrida. Eles vibravam e gritavam de emoção, principalmente quando o piloto entra no palco radiante.
Tanto Lando quanto a equipe haviam agido de forma apropriada e estratégica, Liza havia gostado e muito do modo que trabalhavam em benefício igual a ambos os pilotos. E o resultado de todo o seu esforço estava diante de seus olhos e em sua própria posição na classificação.
Ela sentia que os dias de glória estavam se aproximando cada vez mais e não poderia estar mais satisfeita com o seu trabalho e performance dos que estavam ao seu redor. Também não evitava sentir orgulho do namorado que também subia ao pódio aquele dia.
Quando se dá a chuva de champanhe, ela vibra pelos três, satisfeitíssima com o resultado daquela corrida. Hamilton, Leclerc e Norris. Justíssimo.
Os fogos de artificio, gritos dos fãs e agitação das equipes intensificavam ainda mais toda a comoção. Foi uma bela corrida de estreia e eles iriam celebrar isso com louvor.
Mais tarde, depois de já tomada banho e vestida apropriadamente, ela segue na companhia dos pais até o melhor restaurante da região, que fazia jus à reputação da Austrália de capital gastronômica.
Melbourne é rodeada por uma diversidade única que vai de regiões vinícolas às zonas costeiras, onde os visitantes podem desfrutar de produtos locais, vinícolas boutiques, cervejarias artesanais, food trails, eventos de qualidade e hotelaria receptiva, o ambiente propício e agradável para um jantar para um pai conhecer o namorado da filha.
Liza até pensou em recusar o convite de , devido ao crescente número de paparazzi e fãs que pareciam os reconhecer em qualquer lugar. No entanto, como Sandy havia tomado as devidas providências para que o encontro fosse discreto – em uma parte reservada do restaurante – onde eles pudessem ter privacidade, ela aceitou.
A pilota admirava como a relação da empresária com o próprio namorado haviam mudado da água para o vinho. Sandy era um pouco introvertida quando o assunto eram seus próprios sentimentos, mas Liza sabia que essa mudança ocorreu devido ao modo como ela viu defendê-la e tentar protegê-la, mesmo que ela mesma havia demorado a reconhecer suas ações.
Contudo, graças a ela eles estavam os quatro sentados em uma mesa requintada num restaurante agradável, conversando e rindo enquanto desfrutavam os melhores vinhos dos melhores carvalhos do mundo. Viva a Austrália!
- Viu? Não foi tão ruim. – ela diz logo após os pais pedirem licença e saírem para irem até a lojinha ao lado do restaurante, que vendia toda bugiganga turística possível.
- Eu estava nervoso à toa. – ele confessa – Sandy é mil vezes mais assustadora do que seu pai.
Liza ri ao dizer: - Não discordo.
passa o braço por cima do ombro da jovem, apoiando no encosto da cadeira e suspira extasiado.
- Estou feliz que esteja aqui. – ele admite com o rosto próximo ao dela. – Por um instante pensei que seria estranho competir com minha namorada, mas é tão natural como a gente se comporta com profissionalismo na pista.
Ela assente.
- Temos que continuar esquecendo quem são as pessoas dentro dos carros, focar no propósito dali.
- Sendo assim, o motor da McLaren se saiu muito bem hoje. – ele diz selando um beijo leve na bochecha macia dela.
- E eu estou tão orgulhosa do motor da Ferrari que poderia rodar com ele a noite toda. – ela responde conferindo se as cortinas do espaço VIP estavam fechadas. Havia uma pequena fresta de abertura, mas não seria um obstáculo para que ela encostasse seus lábios aos dele rapidamente.
- E não sou eu quem vou te deixar passando vontade. – ele sorri esperto.
- Vou deixar a porta do quarto destrancada em torno do horário de sempre. – ela ri, se afastando minimamente.
- E eu vou estar lá, como sempre.
O jantar é finalizado depois que é servida a sobremesa e os pais de retornam. Eles a desfrutam rapidamente e partem separadamente, para mais tarde aquela mesma noite ser fechada com chave de ouro na movimentação escaldante de dois corpos sob os lençóis do hotel.
Circuito de Baku – Azerbaijão
- Quantos anos você tem mesmo? – Hamilton pergunta à Liza na mesa da coletiva de imprensa, em frente à diversos jornalistas que filmavam cada movimento deles, antes do primeiro treino livre do final de semana.
Estavam também na mesma fileira George, Daniel e Pierre Gasly.
- 23. – a pilota responde.
- Vinte e três anos, mulher e está na sexta posição de vinte na tabela classificatória depois de cinco corridas do campeonato mais importante do automobilismo. – Lewis diz impressionado. Ele olha diretamente para uma das câmeras direcionadas a si para dizer vagarosamente e com veemência: - Chupa, machistas.
O ambiente é saudado com uma salva de palmas e uma leva de risadas.
Em seguida, o próximo jornalista se levanta para a sua pergunta: - , nós temos acompanhado o seu bom vínculo com os seus colegas de trabalho. A última declaração de Hamilton comprova isso. – a pilota assente sorrindo – Muitos fã clubes declaram um afeto seu por alguns deles e que possa existir uma proximidade, de conotação romântica, com um em específico. Leclerc, de quem estamos falando. – o coração da pilota erra uma batida.
- Vocês têm tido bastante contato desde o ano passado. – o jornalista sorri de forma maléfica – Pode nos confirmar se isto é real? Vocês estão namorando?
Liza suspira disfarçadamente. Ela desvia os olhos do jornalista aos seus colegas ao seu lado e se volta ao homem engravatado para sorrir descontraidamente.
- Os fãs criam cada coisa. – ela declara – Eu já vi, como eles falam mesmo? Shipp?! – ela questiona à George, que assente – Já vi shipp meu com , com Lando, com Danny, com Hamilton, até com Mick e Carlos, que tem namoradas. Chegam a ser absurdas algumas teorias.
- Obviamente eu sou o mais atraente dos concorrentes. – Daniel interfere, causando risadas. – Os outros não teriam chance contra esse rosto de modelo e pique de jogador.
Lando ri alto da fileira acima deles.
- Você é o próprio Adam Sandler da Fórmula 1, não sei se eu conseguiria lidar com tamanho legado. – ela diz encarando Daniel, que ri junto aos demais, e volta aos espectadores – Mas, não é porque tenho uma amizade próxima com esses homens que vire algo de conotação romântica. O quê? Homens e mulheres não podem ser apenas bons amigos?
Liza vê alguns jornalistas da primeira fileira de cadeiras assentirem em concordância.
- Ao invés de me perguntar com quem eu possa estar me relacionando, me pergunte sobre os meus números, fale de como eu tenho progredido no grid, do fato de quase ter alcançado meu primeiro pódio do campeonato na última corrida, da mesma forma que vocês fazem com os garotos. – ela diz encarando o jornalista que já não tinha mais o sorriso na face – Não é por isso que estamos todos aqui? Qual a diferença entre mim e eles?
- É isso aí. – George concorda e ergue a mão no alto para Liza bater. – Não fazemos discriminação de gênero por aqui. Próxima pergunta.
Daniel ao lado de Liza esconde o sorriso involuntário que se abre com a mão, que tapa à boca. Quando o próximo jornalista desfere sua pergunta a outro piloto, ele sussurra na direção da amiga: - Jantado com sucesso.
controla o riso e sorri disfarçadamente diante das câmeras. A cumplicidade com colegas de trabalho nunca foi tão forte e ela estava feliz por isto.
Finalizada a coletiva ela e Lando são direcionados à uma entrevista à parte, com um apresentador de um programa local.
Enquanto caminham até área da pista em frente às garagens, onde a entrevista seria gravada, Sandy aproxima-se de Liza para falar aos sussurros: - Quase tive um infarto com aquela pergunta, ragazza.
- Nem me fale. – ela arregala os olhos para intensificar a expressão. – Ainda bem que os meninos ajudaram.
- Você levou numa boa, acho que eles sequer desconfiaram da possibilidade de ser verdade. – a loira diz. – Temos tomado tanto cuidado, o máximo que os fãs têm são as interações de vocês nas conferências e algumas nos bastidores, mas eu sempre reviso tudo e não tem nada de chamativo que indique que existe algo. Essa galera jovem tem uma imaginação muito fértil.
- Pois é, por isso é sempre bom ter cuidado. – ela concorda pouco antes delas pararem em frente ao apresentador. – Olá, tudo bem? – Liza estende a mão ao senhor de cabelos grisalhos e sorriso gentil.
Eles se sentam nas cadeiras de almofadado laranja dispostas em frente às câmeras.
- Você realmente me acha medroso? – Lando a pergunta logo após a entrevista ser dada como encerrada e eles estarem caminhando lado a lado em direção ao anfiteatro, onde eram realizadas as reuniões da FIA com as equipes.
- Claro que não. – ela nega com a cabeça veemente – Você pilota um carro que corre mais de 300 km/h e pisa fundo no acelerador sem hesitar. Tem toda uma bravura nisso.
- Tem razão. – ele assente confiante. – Não é o medo de insetos voadores, altura, andar de montanha russa ou no banco do passageiro, e meu medo incondicional de palhaços que me faz ser um medroso. – o rosto do rapaz vai se contorcendo em frustração a modo que as questões surgiam em sua mente.
Liza segura o riso encarando o rosto do parceiro.
- Eu sou um medroso! – ele admite rindo e a pilota o acompanha. – Como se fala isso em português?
- Bundão. – ela diz e ele gargalha.
- Eu sou um bundão. – ele fala em um português mal pronunciado e Liza ri alto.
Lando se apoia em seu ombro e coloca a mão sobre a barriga, aos gargalhos. A pilota tapa a boca, para abafar a risada, mas é quase impossível. Os momentos com os parceiros eram sempre assim. As dores de barriga de esforço pelo riso eram inevitáveis.
- Você está chorando? – ela pergunta com a voz falha ao ver ele limpar os cantos dos olhos, seu rosto vermelho.
- Não estou chorado, você que está. – ele diz aos risos – Parece que eu falei que tenho grandes “balls” (bolas). Tem certeza de que não é isso que quer dizer?
Liza ri forte.
- Claro que não. Isso seria “eu sou sacudo” – ela diz em português e Lando ri ainda mais.
- Eu sou sacudo. – ele repete com o último agudo de voz que lhe resta e eles voltam a rir.
- Isso, na verdade, foi ótimo! – ela declara sorridente.
Lando sempre tentava aprender palavras novas da cultura da parceira, ela soube que foi a mesma coisa no espanhol de Carlos visto o dicionário variado de xingamentos que Lando conhecia na língua.
Ela se divertia tanto com ele.
Entre ela e Mick as coisas eram mais formais e grande parte do assunto de suas conversas eram sobre as corridas, quando não falavam de tópicos mais sérios. Claro que ela adorava o ex-parceiro e sempre seria grata pelo seu apoio. Eles continuavam a conversar por entre as brechas de compromissos e mesmo que não fosse a mesma coisa ela nunca deixaria de nutrir profundo carinho por ele.
No entanto, com Lando, ela se sentia mais à vontade porque o rapaz agia descontraidamente, era espontâneo, curioso em uma medida aceitável e criativo.
Eles haviam feito vínculos divertidos como dormir nos tatames dispostos no Paddock da McLaren entre uma entrevista ou outra durante os finais de semana de corrida; Compartilhar a playlist do celular que, aliás, Lando adorou as batidas de funk e do forró universitário brasileiro; Se divertiam competindo nos jogos que a McLaren fazia-os disputar para gravar os vídeos que eram postados no canal da construtora para o marketing, incluindo Jenga, atirar dardos, batalha naval, adivinhar comidas pelo gosto, etc.; Ele havia a ensinado aperfeiçoar os dotes em jogar videogames e ela já havia-o obrigado a fazer a sobrancelha, além da limpeza de pele, entre outros.
Mesmo que o rapaz fosse somente um ano mais novo, Liza tratava-o de maneira protetora como um irmão caçula que ela nunca teve. A relação dos dois já era aclamada pelo público antes da metade da temporada e, entre eles, as coisas não poderiam ser mais perfeitas, se comparada à típica rivalidade histórica entre parceiros de equipe através dos anos no automobilismo.
Chegando ao anfiteatro, eles se direcionam às cadeiras na fileira em que alguns dos membros de sua equipe já estavam acomodados. Lando passa na frente da jovem e senta-se na cadeira que ela tinha a intenção de ocupar.
- Bebezão. – ela diz em português ao se sentar a próxima cadeira.
- O que isso quer dizer? - ele a questiona e Liza somente ri.
Em seguida, os membros da FIA dão início ao discurso que era feito todo o final de semana das corridas. Eles repassavam o modo que os fiscais agiam durante o evento, a segurança requerida ao piloto, espectadores e aos demais envolvidos no dia, a necessidade de inspeção do carro e piloto, assim como do circuito e todo o detalhamento sobre como estaria o tempo e temperatura da pista no dia da corrida.
- Acho que ele tem isso gravado em arquivo e reproduz de uma forma que a gente não perceba. – , que estava na fileira atrás de Liza murmura se aproximando de seu ouvido. – Não é possível que o discurso não mude uma palavra sequer.
Ela e Lando riem baixo.
- Mais uma coisa. – Nicolas, o supervisor geral dos fiscais e filho do presidente da FIA, diz. – Gostaríamos de relembrar um ponto fundamental no nosso regimento interno de legislações referente ao comportamento social dos pilotos.
- Agora sim uma coisa nova. – sopra, voltando às costas ao encosto da própria cadeira e cruzando os braços.
- É incoerente qualquer tipo de vínculo entre membros de equipes adversárias, seja ele meramente afetivo, conjugal-oficial, ou não. – Nicolas declara e encara Liza diretamente, que engole em seco. – Conforme acordado em contrato diretamente com as suas escuderias, qualquer tipo de formação de vínculos extracontratuais acarreta punições a todos os envolvidos. Tendo isso como regimento interno e código de ética da nossa Federação, esperamos que seja comprido de acordo.
Liza vê alguns rostos se direcionarem a ela, que ri fraco de incredulidade.
Quando a atenção dos demais é voltada a Nicolas, ela sopra a disfarçadamente: - Satisfeito com o último parágrafo acrescentado ao discurso?
- Nem um pouco. – ele responde rouco.
Nota da autora: Sem nota.
Ei, leitoras, vem cá! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso para você deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Ei, leitoras, vem cá! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso para você deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.