Capítulo Único
era para Draco Malfoy, entre outras palavras, alguém intrigante. Como poderia alguém tão parecido com ele, com circunstâncias familiares tão semelhantes às dele, ser tão diferente dele? A lufana tinha um contexto familiar tão problemático quanto ele, também era obrigada a ser perfeita, também era obrigada a obedecer; mas ainda assim tinha amigos verdadeiros e era gentil até mesmo com quem não merecia, sem mencionar o fato de ser criticada pela família continuamente por ir contra aquela imagem tão impenetrável que eles faziam questão de manter a qualquer custo.
Draco preferia pensar que toda a atenção que a menina despertava nele era apenas inveja; preferia pensar que não se sentia encantado pela forma que ela sorria, pela forma que seus cabelos graciosamente se tornavam vermelhos ou azuis quando ele a dizia algo — mesmo sabendo que provavelmente aquilo não significava que ela nutrisse algum tipo de sentimento positivo em relação a ele. Era melhor mesmo, pensando por esse lado. Tudo que menos precisava era se aproximar de uma pessoa tão, senão até mais, quebrada do que ela.
Os feriados de fim de ano haviam chegado e Draco não sabia dizer se sentia aliviado ou ainda mais pressionado em voltar para Londres. Gostava de passar um tempo com sua mãe, mas a perspectiva de estar em Hogwarts alienado de tudo que ela enfrentava em casa era menos perturbadora do que presenciar, de fato. Afinal, não é como se ele conseguisse impedir o pai de ser um homem desagradável. Narcisa até preferia que Draco se mantivesse distante e não discutisse com o pai, as coisas já eram ruins o suficiente entre os dois, não precisava da culpa de ver o filho sofrendo — ainda mais — por causa dela.
Mas naquele ano, em especial, algo na lista de nomes dos alunos que voltariam para casa chamou a atenção do sonserino: o nome de estava lá, na linha anterior àquela que ele assinaria o seu próprio. Aquilo o fez franzir o cenho, mas como Crabbe e Goyle estavam logo atrás o apressando não tivera tempo o suficiente para pensar sobre. Aquilo significava que ela voltaria para casa, que, por sinal, também era a casa dele.
Os eram funcionários da mansão, haviam se mudado da França há cerca de um ano atrás. Nesse período, se recusou a ir até a casa dos Malfoy em todas as oportunidades que tivera. Preferia ficar no castelo a ter que ver os pais, e ele nem podia dizer que não entendia o sentimento.
Assim que a locomotiva parou de andar, Draco fora um dos primeiros a descer e não demorou quase nada para encontrar sua mãe e se dirigir até ela. A mais velha o abraçou forte e fez um breve carinho da altura de seu zigomático até a ponta do queixo. Ela falava algumas coisas que o mais novo não se deteve em guardar, visto que não tão longe dali ele observou a garota de cabelos rosados abraçar Juliane e Cedrico Diggory antes de se dirigir a sua mãe, que recebeu apenas um aceno de cabeça e um meio sorriso desconfortável.
— Draco, querido. — Narcisa chamou o filho tocando-o no ombro até que o mais novo voltasse sua atenção a ela e ele quis, por uma breve fração de segundos, não ter reparado suas joias e o perfume forte para disfarçar o cheiro de álcool — Vamos para casa?
O sonserino olhou brevemente para trás, percebendo que a garota e sua mãe já tinham ido embora, e então assentiu enquanto entrelaçava seu braço ao da própria mãe e deixava King’s Cross.
✺ ✺ ✺
até tivera oportunidades para conhecer a majestosa e nada modesta Mansão Malfoy, mas havia simplesmente se recusado a ir. Ela certamente não estaria ali agora se não fossem as ameaças bem claras nas cartas que recebera dos pais, mas os planos de um Natal pacífico já não eram mais tão palpáveis assim.
A recepção de sua mãe, já na estação, fora tão fria que era como se um iceberg tivesse entalado em sua traqueia; não que ela esperasse algo diferente vindo de Margareth , mas já que ela e seu pai haviam insistido tanto pela presença dela ali que pelo menos expressassem alguma gratidão por isso. Mesmo que falsa, não era como se ela se importasse mais.
Assim que passou pela entrada dos funcionários, observou atentamente os detalhes em prata e mármore preto do vislumbre que tivera do hall de entrada o chão e os papéis de parede brilhavam.
Ela seguiu a mãe por mais alguns minutos até a ala que ela julgou ser destinada aos funcionários, Margareth parou na última porta do corredor e a abriu sem dizer mais nada. Era um quarto pequeno, bem iluminado graças a uma janela grande que dava para os telhados da casa. Tinha uma cama com lençóis brancos, uma espécie de arara para pendurar as roupas e uma escrivaninha.
— Você vai ficar aqui. — a mais velha disse somente, sem dirigir o olhar a filha. — A cozinha fica no começo do corredor à esquerda e o banheiro no cômodo ao lado desse. Evite ficar perambulando por aí e só fale quando te permitirem, estamos entendidas?
se manteve calada, encarando a mãe.
— Você entendeu o que eu disse?
— Eu tenho permissão para falar? — a garota cruzou os braços, tombando a cabeça para o lado enquanto assistia a mãe fechar os olhos com impaciência e respirar fundo.
— Não tenho tempo para suas gracinhas, . — ela abriu os olhos e deu as costas — Preciso voltar ao trabalho.
— E meu pai, onde está?
— Terminando de ajeitar as coisas para receber o menino Malfoy. — o tom de sua voz pareceu mudar de áspero para devocional, quase doentio. — Deve passar aqui assim que terminar, mas caso ele não apareça espere um de nós vir te chamar para jantar.
Ela assentiu e esperou a mais velha fechar a porta enquanto se questionava que tipo de lavagem cerebral os mais velhos haviam sofrido.
Em poucos passos ela fez um tour pelo quarto que não durou nem um minuto e então prendeu seus olhos no céu fechado do lado de fora da janela. Ainda não nevava em Wiltshire, mas o clima indicava que não iria demorar para que aquilo ocorresse.
deixou a mochila em cima da escrivaninha e abriu a janela para que o ar entrasse no cômodo. Ela colocou a cabeça para fora e avistou as demais janelas ao outro lado do telhado, todas fechadas a não ser uma que possibilitava a vista para uma prateleira cheia de livros. A garota ergueu uma das sobrancelhas, e sentou-se no batente da janela tentada a atravessar o telhado para saciar sua curiosidade. Afinal, ela não ficaria trancada naquele quarto o dia inteiro, precisava achar algum lugar interessante para manter-se distante do contato humano com aquelas pessoas hostis e desprezíveis — sua família inclusa.
Mesmo que fosse uma biblioteca e que ela não fosse a maior entusiasta da leitura que existisse, ainda assim era uma perspectiva melhor do que permanecer ali sem nada melhor para fazer. Pelo menos conseguiria adiantar alguns deveres e ficar com mais tempo livre para os treinos do time; já era algo, e Ju, Lottie e Ced ficariam orgulhosos quando ela dissesse isso na volta ao castelo.
Então passou as pernas com cautela pela janela e colocou os pés no telhado, andando até o outro lado da casa onde a outra janela, do que ela esperava ser a biblioteca, estava aberta. E quando ela pulou para dentro do cômodo, sorriu ao notar que estava certa.
Era uma sala enorme, tinham várias estantes repletas de livros, alguns quadros com fotos de bruxos que ela não tinha o mínimo interesse em saber quem eram e uma mesa de madeira escura próxima a janela. A garota passou alguns bons minutos olhando as prateleiras em busca de algum livro que a interessasse, pegou um sobre práticas e técnicas de quadribol e sentou-se para ler um pouco.
Até que sentiu o estômago fazer barulho e decidiu ir até a cozinha procurar por alguma fruta que enganasse sua fome até o horário do jantar. A garota ponderou por alguns minutos se era melhor retornar ao quarto ou sair pela biblioteca, mas ela deu de ombros e decidiu sair por onde estava mesmo. A cozinha não devia ser tão longe, afinal...
E ela não podia estar mais enganada.
Assim que fechou a porta atrás de si, ela soube que tinha tomado uma decisão errada. Ela estava agora em outro corredor de quartos, esse bem mais amplo e luxuoso do que o que ela estava hospedada. No momento em que ela se virou para abrir a porta da biblioteca novamente, uma voz fez com que seus cabelos se tornassem lilás com o susto.
— Está perdida, querida?
encolheu os ombros, olhando para a mulher de feição triste porém ar elegante. Só podia ser Narcisa Malfoy… A garota engoliu seco, se a mulher fosse um terço do que o filho era ela estava muito encrencada.
— Você deve ser a filha de Margareth e Henri...
— Eu… Sim. Me chamo , senhora... É um prazer conhecê-la. — ela sorriu fraco enquanto a mulher a olhava com atenção — Eu vim procurar algum livro para me distrair e agora estava procurando a cozinha, mas me perdi.
Diferente do que achou que Narcisa faria, ela apenas meneou a cabeça e lhe ofereceu um sorriso fraco. Aquilo fez com que os cabelos da garota voltassem mais uma vez para seu tom normal de loiro.
— Claro… Siga até o final do corredor e vire a direita.
A garota murmurou um “com licença” e passou pela mais velha para sair o mais rápido que pudesse dali.
— E ah, . — a senhora Malfoy chamou quando ela estava prestes a sair do corredor. — Da próxima vez que quiser vir até a biblioteca pode usar a parte de dentro da mansão… Seria péssimo que você se machucasse no telhado.
— Certo… Hm… Obrigada, senhora Malfoy. — sentiu seus cabelos atingirem mais uma vez o tom de lilás; ela assentiu envergonhada, abaixou a cabeça e seguiu pelo caminho que a mais velha lhe ensinara. A garota não chegou nem a encontrar a cozinha, já que tivera o azar de encontrar o pai antes disso.
O mais velho a pegou pelo braço e a arrastou até o quarto com uma expressão enfurecida.
— Sua mãe te mandou não ficar perambulando por aí. — disse ele assim que abriu a porta do quarto e a jogou na cama sem nenhum cuidado. — Será que teremos que te trancar aqui pra você não desobedecer? Quando você vai nos ouvir e deixar de ser a porra de um problema para nós, ?
A garota engoliu em seco, sentindo-se impossibilitada de chorar na frente do patriarca. Não era a primeira vez que ela ouvia algo do tipo… Estava acostumada a ser um peso, um problema, alguém que só atrapalhava ou seja lá qual fosse o resto das palavras que eles usassem para se referir a ela em todos os seus quinze anos de vida.
— Por que me fizeram vir se não me queriam aqui? — se ouviu dizer enquanto ajeitava atrás da orelha as mechas de cabelo azuladas que caiam por seu rosto.
Henri nada disse; afinal, havia prometido que não diria e fez o que sabia fazer de melhor: virar as costas e ignorá-la.
— Quando o jantar estiver pronto alguém vai trazer pra você. — ele desconversou — Até lá você vai ficar trancada aqui pra evitar de nos atrapalhar ainda mais.
Assim que o mais velho fechou a porta sentiu o corpo relaxar e se deitou na cama, deixando que toda a mágoa e todas as palavras proferidas por seu pai fossem embora junto com suas lágrimas. Ela gostava de pensar que depois que chorasse estaria devidamente renovada e não pensaria mais naquilo… Às vezes funcionava, mas só às vezes.
chorou por alguns minutos até que o cansaço a vencesse completamente envolvendo-a em um sono profundo que só se findou com o barulho da porta se abrindo. A garota abriu os olhos sem se mexer, observou seu pai segurando a porta enquanto sua mãe passava carregando o jantar. A mais velha caminhou até a mesa e deixou ali a bandeja de prata, virou-se para a cama onde a filha estava deitada e ficou parada ao lado do marido, o que fez fechar os olhos rapidamente para não ter que conversar com os dois.
— Eu não sei o que diabos ela disse… Mas Narcisa parece gostar dela. — Margareth murmurou. — A mulher permitiu que ela vá até a biblioteca quando quiser e chegou até a convidá-la para o jantar de Natal…
Um suspiro alto se fez audível, provavelmente vindo do homem.
— Isso pode ser útil. — a voz de Henri era suave porém ressabiada. — Talvez ela queira que o jovem Malfoy tenha amigos e nossa menina de ouro aqui seja uma opção a altura.
— Claro que é uma opção a altura… — a voz de Margareth saiu como se estivesse ofendida — Nós a educamos.
Eles permaneceram em silêncio, como se aquilo justificasse tudo. E então a porta se fechou novamente. abriu os olhos, virando-se para encarar o teto perfeitamente pintado de branco a fim que o sono a embalasse novamente. Não sentia mais fome, seu estômago estava embrulhado pela conversa que seus pais não fizeram a mínima questão de esconder.
Então era isso que ela era… Só a galinha dos ovos de ouro, a chave para que a interação entre s e Malfoys subisse de nível. não sabia dizer o que achava mais patético naquela situação, mas sabia que não faria parte do plano dos pais. Ficaria o máximo de tempo possível na biblioteca e não apareceria no bendito jantar que fora mencionado na conversa.
Se Henri e Margareth achavam que ela era a menina de ouro deles, não poderiam estar mais enganados. Agora ela faria absolutamente tudo para provar ser o contrário.
✺ ✺ ✺
Já era Natal na manhã seguinte; e assim como todo ano, Draco Malfoy acordou extremamente animado, sendo correr para a sala de estar para deparar-se com todos os presentes deixados ao pé da árvore perfeitamente decorada a primeira coisa que fizera após despertar. Alguns eram de seus pais, outros de alguns puxa-sacos deles… Mas não importava, presentes eram presentes, e sentir-se mimado era o habitual refúgio para se esquecer das partes de sua vida que não eram lá tão boas assim.
Ele não havia visto seu pai desde que chegara em casa e talvez fosse até melhor dessa forma, Draco aprendera aos poucos — e da forma mais dolorosa possível — que não tinha como sentir falta de algo que nunca se teve. A ausência dele, parando para se pensar melhor, podia até mesmo ser considerada uma dádiva.
Os preparativos para o jantar de Natal continuavam a todo vapor, por todos os lados estava algum empregado fazendo algo para que, no fim da tarde tudo estivesse impecável aos olhos de quem fosse convidado. O que, na opinião do garoto, não podia ser mais contraditório… Bastava olhar através das cortinas em um dia normal da mansão para ver qual era a rotina verdadeiramente vigente ali.
A tarde passou e, em um piscar de olhos, já era hora de se arrumar para o jantar. Lúcio ainda não havia aparecido, Narcisa andava de lado a outro com seu copo de conhaque e Draco arrumava as abotoaduras com paciência. Do outro lado do corredor, parecia imperturbável na biblioteca, adiantando um enorme pergaminho de poções e focada em seu plano de permanecer ali e deixar claro para os pais que não era uma fantoche das vontades deles.
Às 19h30, meia hora do horário que precedia o início da festa, o senhor Malfoy adentrou a mansão com toda sua costumeira imponência e arrogância, esbanjando uma típica expressão de desprezo e trajado com roupas finas — embora amassadas — que exalavam um perfume floral feminino completamente diferente da colônia suave e doce que sua esposa costumava usar. Draco engoliu seco. Não era preciso muito para conectar as coisas, além de que, a expressão de decepção estampada no olhar de sua mãe dizia muito por si só, mesmo que ela não proferisse palavra alguma.
— Resolveu se unir a nós essa noite, Lúcio? — a voz de Narcisa era fria e esbanjava um escárnio que com toda certeza era fruto dos, sabe-se lá quantos, copos de conhaque que ela havia ingerido durante o dia.
O homem a ignorou, no entanto, virando-se para o filho e oferecendo ao mais novo apenas um ligeiro menear de cabeça. Draco por sua vez repetiu o gesto, embora sua vontade fosse subir as escadas e se trancar no próprio quarto.
Até mesmo a solidão em uma noite de Natal era melhor do que presenciar aquilo.
— Certo, se você ainda tem ouvidos funcionais e se importa com seu nome e a imagem da sua família… — a mulher voltou a dizer, passando o indicador na borda do copo sem sequer olhar o marido nos olhos — Peço, encarecidamente, que tome um banho e se livre do cheiro de adultério e hipocrisia que exala antes que os convidados comecem a chegar.
Lúcio abriu a boca pela primeira vez na noite, apenas para soltar uma gargalhada sem emoção. E então ele se aproximou da esposa até que restasse apenas alguns centímetros de distância entre eles.
— Faz-me rir, Narcisa. Ainda acredita que manda em algo aqui? Não se cansa de ser tão patética? — ele cuspiu as palavras — Justo quando tudo que você faz é encher a cara e fingir que nada te afeta? Você não tem direito de reclamar, não tem direito de mandar o que eu devo ou não fazer, não tem direito algum aqui…
A mulher abaixou a cabeça, sabia que se tentasse dizer algo as coisas só piorariam e nada se resolveria.
— Não quando sua família é a vergonha que é! Narcisa Black… Humpf. — ele riu mais uma vez — Você não era nada, Narcisa. Fui eu quem te deu um nome digno, eu quem te tirou do lixo e te deu a vida boa pela qual você goza hoje!
Aquilo estava longe de ser uma vida boa, pensou o mais novo soltando um riso baixo; tudo que saíra da boca do mais velho se tratava de pura mentira e falta de respeito. Draco esperou que a mãe falasse algo, que ela se defendesse… Mas ela apenas entornou o resto do conteúdo de seu copo e se manteve em silêncio.
E pela primeira vez, dentre tantas situações parecidas que ele havia presenciado e até mesmo pelas que ele sabia que aconteciam em proporções bem maiores quando ele não estava, Draco decidiu não aceitar.
Não podia manter-se calado enquanto aquele homem desprezível ofendia a honra de sua mãe, que fazia absolutamente tudo pela família.
— Você não deveria falar isso da minha mãe, pai... — Draco começou a dizer alto.
Lúcio se afastou de Narcisa e aproximou-se do filho. Atrás do homem, a mulher praticamente implorava para que o menino se mantivesse quieto.
— Não quando ela luta para manter o que o senhor abriu mão a tanto tempo.
Ele bem que queria continuar despejando toda a verdade no progenitor, mas a ardência e a dor em seu rosto vindos do tapa forte que Lúcio lhe desferiu o impediram de dizer qualquer coisa.
— Não se meta nos assuntos que não são da sua conta, Draco. — o homem disse rígido — Agora suba e jogue uma água nessa sua cara de perdedor inútil, os convidados estão chegando.
Sob os olhares de Narcisa, do filho e de todos os criados, Lúcio Malfoy subiu as escadas do hall de entrada seguindo seu caminho até o quarto principal da casa. Assim que o homem desapareceu, fora como um estalo para que todos voltassem às suas funções; inclusive Narcisa, que secou uma lágrima solitária que rolava no rosto do filho e lhe ofereceu um sorriso triste de conforto.
— Faça o que ele mandou, querido… Vamos só evitar que as coisas piorem, ok?
Ela havia voltado a sua função de esposa perfeita, era como se nada tivesse acontecido. Repentinamente o gosto na boca de Draco se tornara amargo e tudo que ele conseguiu fazer fora voltar para a sua própria função, assentindo com a cabeça e seguindo para o próprio quarto.
Com plena convicção de que se não podia mudar as coisas, podia apenas seguir o roteiro.
✺ ✺ ✺
, que estava tentando fugir da própria família, não conseguiu não escutar o que aconteceu no andar debaixo da casa. Foi inevitável não ouvir os passos fortes do senhor Malfoy e, instantes depois, os passos arrastados e lentos de Draco. A curiosidade de fez com que ela se escondesse atrás da porta de madeira para vê-lo passar até seu quarto.
A respiração do garoto era ruidosa, a mão esquerda estava repousada em seu peito que subia e descia freneticamente enquanto sua feição parecia desesperada em meio a um choro silencioso. Por mais desprezível que aquele garoto fosse, mesmo com tantas provocações e brincadeiras de mau gosto que faziam da vida dela um inferno, não conseguiu ficar parada quando vira Draco passando mal.
Ela sabia o que aquilo era e sabia como era difícil enfrentar aquilo sozinho. Por mais desprezível que Draco Malfoy fosse, ele ainda era uma criança — mesmo que fosse apenas dois anos mais novo que ela — tendo uma crise de ansiedade; e ela, mais que qualquer um, sabia que ninguém podia escolher a família que tinha.
A garota de cabelo lilás correu até o sonserino, puxando-o pela mão para dentro da biblioteca. Draco a encarou com os olhos arregalados quando ela subiu na janela e pulou no telhado. O mais novo ergueu a cabeça para fora da janela e a avistou erguendo a mão para ajudá-lo a passar.
— Eu sei que você não me suporta e também tenho plena certeza de que você não faria algo parecido por mim, mas preciso que você se acalme, ok? Você precisa se recompor, Draco… E respirar ar puro talvez ajude.
O garoto a encarou mais uma vez, ressabiado, e aceitou a ajuda dela para passar para o telhado. Os dois se sentaram, sentindo a brisa gélida da noite e continuou segurando a mão dele enquanto o olhava com atenção.
— Respira fundo e conta comigo… Um, — a lufana puxou o ar pelo nariz, mexendo a mão para que ele repetisse, e logo em seguida soltou pela boca lentamente. — dois…
Eles contaram as respirações até que Draco parecesse mais tranquilo e recuperado do momento de aflição que enfrentara minutos atrás. Aos poucos eles foram entrando em um repleto silêncio, onde ambos olhavam para o horizonte. O garoto parecia desolado demais para esconder as emoções como habitualmente faria, seu rosto ainda estava vermelho, mas agora ele já não chorava mais.
— Eu só queria que tudo fosse diferente. — confessou ele, sem conseguir segurar as palavras, vulnerável demais para levantar suas próprias barreiras. — Mas todas as vezes que tento mudar as coisas só torno tudo pior...
assentiu. Não encontrou nenhuma palavra que acrescentasse naquele momento, e estava tranquila em relação a isso… Talvez Malfoy fosse como ela e, nessas horas, só quisesse ser ouvido.
— Estou cansado de ver minha mãe sofrendo e não poder fazer nada, cansado desse lugar, cansado de tentar mudar as coisas.
— Você já parou para pensar que, talvez, a mudança que tanto quer esteja dentro de você mesmo? — a voz dela saiu baixa, mas não o impediu de sofrer o impacto da frase — Digo… Eu entendo, juro que entendo. Mas chega uma hora que a gente tem que entender que certas batalhas não valem o esforço.
Os cabelos dela adquiriram um tom de azul claro e ela abaixou a cabeça.
— Seus pais, assim como os meus, sempre foram assim. Não é a gente que vai mudar isso, entende? A melhor coisa que você pode fazer é ignorar, sorrir e seguir o roteiro de perfeição deles por mais dolorido e revoltante que seja. Não deveria ser assim, Draco, mas infelizmente nesses casos somos nós que devemos mudar… Porque se não mudamos somos nós quem adoecemos.
Por mais doloroso que fosse, Draco sabia que precisava ouvir aquilo. Mais um período de silêncio se instaurou até que ele o quebrasse com seu típico modo de se proteger: o desprezo e a ironia na voz.
— Talvez você não seja tão ruim assim, .
A garota riu tombando a cabeça para trás.
— Eu nunca fui uma pessoa ruim, Draco. — ela disse somente — Você que nunca teve interesse de ser uma pessoa minimamente decente e respeitável quando está perto de mim.
Ele fez uma careta.
— Talvez você tenha razão…
— Se isso foi um pedido de desculpas, eu aceito. — deu de ombros sorrindo. O sonserino poderia até tentar, mas nunca entenderia como alguém poderia ter um coração tão bom e complacente como o dela. Ela tinha razão quando dizia que ele nunca faria o mesmo por ela e talvez aquilo tivesse refletido um peso maior do que ele imaginava realmente ter em sua consciência.
— Por que está fugindo do jantar também? — perguntou ele fazendo-a arquear as sobrancelhas. Ela não havia mencionado aquilo, como ele sabia? — Eu deduzi que seu súbito interesse pela biblioteca fosse na verdade uma maneira de fugir dos seus pais e das vontades deles.
— Como assim “súbito interesse”? — ela fez uma careta, ofendida — Eu gosto de ler!
— Digamos que sua fama a precede, . E todo mundo já ouviu algum professor dizendo como você vive no mundo da lua, como dá trabalho para entregar as tarefas e…
— Eles estavam errados, claro. Tudo mentira... É calúnia o nome disso! — disparou a dizer com os cabelos roxos de tanta vergonha.
— Você não respondeu o que perguntei… — o sonserino arqueou a sobrancelha, quase rindo ao fazê-la bufar.
— Digamos que meus pais fazem muita questão que eu vá e eu não quero fazer parte do que eles consideram como perfeito… Não sei se deu pra entender bem, mas é… Bem, é isso.
— Não, eu entendi sim… — Malfoy deu de ombros — Indiretamente temos o mesmo motivo para não querer descer, então.
— Mas você sabe que se não descer as coisas vão piorar, não sabe? — questionou, tombando a cabeça para o lado.
— E você sabe que se não for ao jantar e se afugentar na biblioteca também, não é? — rebateu ele.
Bingo, agora ambos estavam sem resposta.
Mais um período em silêncio os permeou e, na cabeça de ambos, algo pareceu mais claro. Era reconfortante, mesmo que inusitada, a ideia de ter alguém que o compreendesse tanto daquela forma. Draco estava exausto das coisas que não podia mudar, mas podia ser amigo de e tratá-la melhor se quisesse… Talvez, só talvez, eles pudessem fazer bem um ao outro. Embora não melhorasse tanta coisa em relação ao caos familiar ao qual ele vivia, era bom saber que ele não precisava estar sozinho se não quisesse. Ainda se sentia péssimo, mas, ainda assim, teria uma perspectiva melhor no fim daquele dia após aquele tempinho no telhado.
Eles ficaram mais alguns minutos conversando, até que os convidados começaram a aparecer e podiam vê-los ali. A fim de evitar mais confusões naquela noite, foi até o próprio quarto para se vestir e Draco seguiu para onde a festa acontecia.
Quando adentrou no salão, o garoto avistou sua mãe sorrindo enquanto conversava com alguns convidados ao lado de seu pai, que mantinha uma mão na cintura dela e o chamava com a outra. Estava na hora do retrato anual que tiravam naquela época. Na frente da câmera e dos convidados os sorrisos cumpriam perfeitamente o papel de passar a imagem da família perfeita que se amava e não tinha absolutamente nenhum tipo de problema. Eles continuavam a ser a imagem impecável que fomentava o status da nobre e respeitada família Malfoy.
Tudo estava como sempre foi e como deveria continuar sendo. E Draco sabia que não podia lutar com aquilo, sobrava-lhe apenas a alternativa de sorrir e fazer parte do espetáculo que, por trás das cortinas, era um belo desastre.
Dias depois, quando voltou para Hogwarts e viu se jogar nos braços de Cedrico Diggory em um abraço apertado, Draco entendeu que certas coisas não se podiam mudar e, também, que certas coisas ele até podia, mas que ele preferia não querer mudar. E a recém cultivada — e já esquecida — amizade com a garota era uma dessas coisas… Uma dentre tantas situações de sua vida que ele podia fazer diferente, mas simplesmente não quis. A opção mais cômoda, então, era fingir que nunca havia pensado o contrário e voltar a agir como antes.
Draco preferia pensar que toda a atenção que a menina despertava nele era apenas inveja; preferia pensar que não se sentia encantado pela forma que ela sorria, pela forma que seus cabelos graciosamente se tornavam vermelhos ou azuis quando ele a dizia algo — mesmo sabendo que provavelmente aquilo não significava que ela nutrisse algum tipo de sentimento positivo em relação a ele. Era melhor mesmo, pensando por esse lado. Tudo que menos precisava era se aproximar de uma pessoa tão, senão até mais, quebrada do que ela.
Os feriados de fim de ano haviam chegado e Draco não sabia dizer se sentia aliviado ou ainda mais pressionado em voltar para Londres. Gostava de passar um tempo com sua mãe, mas a perspectiva de estar em Hogwarts alienado de tudo que ela enfrentava em casa era menos perturbadora do que presenciar, de fato. Afinal, não é como se ele conseguisse impedir o pai de ser um homem desagradável. Narcisa até preferia que Draco se mantivesse distante e não discutisse com o pai, as coisas já eram ruins o suficiente entre os dois, não precisava da culpa de ver o filho sofrendo — ainda mais — por causa dela.
Mas naquele ano, em especial, algo na lista de nomes dos alunos que voltariam para casa chamou a atenção do sonserino: o nome de estava lá, na linha anterior àquela que ele assinaria o seu próprio. Aquilo o fez franzir o cenho, mas como Crabbe e Goyle estavam logo atrás o apressando não tivera tempo o suficiente para pensar sobre. Aquilo significava que ela voltaria para casa, que, por sinal, também era a casa dele.
Os eram funcionários da mansão, haviam se mudado da França há cerca de um ano atrás. Nesse período, se recusou a ir até a casa dos Malfoy em todas as oportunidades que tivera. Preferia ficar no castelo a ter que ver os pais, e ele nem podia dizer que não entendia o sentimento.
Assim que a locomotiva parou de andar, Draco fora um dos primeiros a descer e não demorou quase nada para encontrar sua mãe e se dirigir até ela. A mais velha o abraçou forte e fez um breve carinho da altura de seu zigomático até a ponta do queixo. Ela falava algumas coisas que o mais novo não se deteve em guardar, visto que não tão longe dali ele observou a garota de cabelos rosados abraçar Juliane e Cedrico Diggory antes de se dirigir a sua mãe, que recebeu apenas um aceno de cabeça e um meio sorriso desconfortável.
— Draco, querido. — Narcisa chamou o filho tocando-o no ombro até que o mais novo voltasse sua atenção a ela e ele quis, por uma breve fração de segundos, não ter reparado suas joias e o perfume forte para disfarçar o cheiro de álcool — Vamos para casa?
O sonserino olhou brevemente para trás, percebendo que a garota e sua mãe já tinham ido embora, e então assentiu enquanto entrelaçava seu braço ao da própria mãe e deixava King’s Cross.
até tivera oportunidades para conhecer a majestosa e nada modesta Mansão Malfoy, mas havia simplesmente se recusado a ir. Ela certamente não estaria ali agora se não fossem as ameaças bem claras nas cartas que recebera dos pais, mas os planos de um Natal pacífico já não eram mais tão palpáveis assim.
A recepção de sua mãe, já na estação, fora tão fria que era como se um iceberg tivesse entalado em sua traqueia; não que ela esperasse algo diferente vindo de Margareth , mas já que ela e seu pai haviam insistido tanto pela presença dela ali que pelo menos expressassem alguma gratidão por isso. Mesmo que falsa, não era como se ela se importasse mais.
Assim que passou pela entrada dos funcionários, observou atentamente os detalhes em prata e mármore preto do vislumbre que tivera do hall de entrada o chão e os papéis de parede brilhavam.
Ela seguiu a mãe por mais alguns minutos até a ala que ela julgou ser destinada aos funcionários, Margareth parou na última porta do corredor e a abriu sem dizer mais nada. Era um quarto pequeno, bem iluminado graças a uma janela grande que dava para os telhados da casa. Tinha uma cama com lençóis brancos, uma espécie de arara para pendurar as roupas e uma escrivaninha.
— Você vai ficar aqui. — a mais velha disse somente, sem dirigir o olhar a filha. — A cozinha fica no começo do corredor à esquerda e o banheiro no cômodo ao lado desse. Evite ficar perambulando por aí e só fale quando te permitirem, estamos entendidas?
se manteve calada, encarando a mãe.
— Você entendeu o que eu disse?
— Eu tenho permissão para falar? — a garota cruzou os braços, tombando a cabeça para o lado enquanto assistia a mãe fechar os olhos com impaciência e respirar fundo.
— Não tenho tempo para suas gracinhas, . — ela abriu os olhos e deu as costas — Preciso voltar ao trabalho.
— E meu pai, onde está?
— Terminando de ajeitar as coisas para receber o menino Malfoy. — o tom de sua voz pareceu mudar de áspero para devocional, quase doentio. — Deve passar aqui assim que terminar, mas caso ele não apareça espere um de nós vir te chamar para jantar.
Ela assentiu e esperou a mais velha fechar a porta enquanto se questionava que tipo de lavagem cerebral os mais velhos haviam sofrido.
Em poucos passos ela fez um tour pelo quarto que não durou nem um minuto e então prendeu seus olhos no céu fechado do lado de fora da janela. Ainda não nevava em Wiltshire, mas o clima indicava que não iria demorar para que aquilo ocorresse.
deixou a mochila em cima da escrivaninha e abriu a janela para que o ar entrasse no cômodo. Ela colocou a cabeça para fora e avistou as demais janelas ao outro lado do telhado, todas fechadas a não ser uma que possibilitava a vista para uma prateleira cheia de livros. A garota ergueu uma das sobrancelhas, e sentou-se no batente da janela tentada a atravessar o telhado para saciar sua curiosidade. Afinal, ela não ficaria trancada naquele quarto o dia inteiro, precisava achar algum lugar interessante para manter-se distante do contato humano com aquelas pessoas hostis e desprezíveis — sua família inclusa.
Mesmo que fosse uma biblioteca e que ela não fosse a maior entusiasta da leitura que existisse, ainda assim era uma perspectiva melhor do que permanecer ali sem nada melhor para fazer. Pelo menos conseguiria adiantar alguns deveres e ficar com mais tempo livre para os treinos do time; já era algo, e Ju, Lottie e Ced ficariam orgulhosos quando ela dissesse isso na volta ao castelo.
Então passou as pernas com cautela pela janela e colocou os pés no telhado, andando até o outro lado da casa onde a outra janela, do que ela esperava ser a biblioteca, estava aberta. E quando ela pulou para dentro do cômodo, sorriu ao notar que estava certa.
Era uma sala enorme, tinham várias estantes repletas de livros, alguns quadros com fotos de bruxos que ela não tinha o mínimo interesse em saber quem eram e uma mesa de madeira escura próxima a janela. A garota passou alguns bons minutos olhando as prateleiras em busca de algum livro que a interessasse, pegou um sobre práticas e técnicas de quadribol e sentou-se para ler um pouco.
Até que sentiu o estômago fazer barulho e decidiu ir até a cozinha procurar por alguma fruta que enganasse sua fome até o horário do jantar. A garota ponderou por alguns minutos se era melhor retornar ao quarto ou sair pela biblioteca, mas ela deu de ombros e decidiu sair por onde estava mesmo. A cozinha não devia ser tão longe, afinal...
E ela não podia estar mais enganada.
Assim que fechou a porta atrás de si, ela soube que tinha tomado uma decisão errada. Ela estava agora em outro corredor de quartos, esse bem mais amplo e luxuoso do que o que ela estava hospedada. No momento em que ela se virou para abrir a porta da biblioteca novamente, uma voz fez com que seus cabelos se tornassem lilás com o susto.
— Está perdida, querida?
encolheu os ombros, olhando para a mulher de feição triste porém ar elegante. Só podia ser Narcisa Malfoy… A garota engoliu seco, se a mulher fosse um terço do que o filho era ela estava muito encrencada.
— Você deve ser a filha de Margareth e Henri...
— Eu… Sim. Me chamo , senhora... É um prazer conhecê-la. — ela sorriu fraco enquanto a mulher a olhava com atenção — Eu vim procurar algum livro para me distrair e agora estava procurando a cozinha, mas me perdi.
Diferente do que achou que Narcisa faria, ela apenas meneou a cabeça e lhe ofereceu um sorriso fraco. Aquilo fez com que os cabelos da garota voltassem mais uma vez para seu tom normal de loiro.
— Claro… Siga até o final do corredor e vire a direita.
A garota murmurou um “com licença” e passou pela mais velha para sair o mais rápido que pudesse dali.
— E ah, . — a senhora Malfoy chamou quando ela estava prestes a sair do corredor. — Da próxima vez que quiser vir até a biblioteca pode usar a parte de dentro da mansão… Seria péssimo que você se machucasse no telhado.
— Certo… Hm… Obrigada, senhora Malfoy. — sentiu seus cabelos atingirem mais uma vez o tom de lilás; ela assentiu envergonhada, abaixou a cabeça e seguiu pelo caminho que a mais velha lhe ensinara. A garota não chegou nem a encontrar a cozinha, já que tivera o azar de encontrar o pai antes disso.
O mais velho a pegou pelo braço e a arrastou até o quarto com uma expressão enfurecida.
— Sua mãe te mandou não ficar perambulando por aí. — disse ele assim que abriu a porta do quarto e a jogou na cama sem nenhum cuidado. — Será que teremos que te trancar aqui pra você não desobedecer? Quando você vai nos ouvir e deixar de ser a porra de um problema para nós, ?
A garota engoliu em seco, sentindo-se impossibilitada de chorar na frente do patriarca. Não era a primeira vez que ela ouvia algo do tipo… Estava acostumada a ser um peso, um problema, alguém que só atrapalhava ou seja lá qual fosse o resto das palavras que eles usassem para se referir a ela em todos os seus quinze anos de vida.
— Por que me fizeram vir se não me queriam aqui? — se ouviu dizer enquanto ajeitava atrás da orelha as mechas de cabelo azuladas que caiam por seu rosto.
Henri nada disse; afinal, havia prometido que não diria e fez o que sabia fazer de melhor: virar as costas e ignorá-la.
— Quando o jantar estiver pronto alguém vai trazer pra você. — ele desconversou — Até lá você vai ficar trancada aqui pra evitar de nos atrapalhar ainda mais.
Assim que o mais velho fechou a porta sentiu o corpo relaxar e se deitou na cama, deixando que toda a mágoa e todas as palavras proferidas por seu pai fossem embora junto com suas lágrimas. Ela gostava de pensar que depois que chorasse estaria devidamente renovada e não pensaria mais naquilo… Às vezes funcionava, mas só às vezes.
chorou por alguns minutos até que o cansaço a vencesse completamente envolvendo-a em um sono profundo que só se findou com o barulho da porta se abrindo. A garota abriu os olhos sem se mexer, observou seu pai segurando a porta enquanto sua mãe passava carregando o jantar. A mais velha caminhou até a mesa e deixou ali a bandeja de prata, virou-se para a cama onde a filha estava deitada e ficou parada ao lado do marido, o que fez fechar os olhos rapidamente para não ter que conversar com os dois.
— Eu não sei o que diabos ela disse… Mas Narcisa parece gostar dela. — Margareth murmurou. — A mulher permitiu que ela vá até a biblioteca quando quiser e chegou até a convidá-la para o jantar de Natal…
Um suspiro alto se fez audível, provavelmente vindo do homem.
— Isso pode ser útil. — a voz de Henri era suave porém ressabiada. — Talvez ela queira que o jovem Malfoy tenha amigos e nossa menina de ouro aqui seja uma opção a altura.
— Claro que é uma opção a altura… — a voz de Margareth saiu como se estivesse ofendida — Nós a educamos.
Eles permaneceram em silêncio, como se aquilo justificasse tudo. E então a porta se fechou novamente. abriu os olhos, virando-se para encarar o teto perfeitamente pintado de branco a fim que o sono a embalasse novamente. Não sentia mais fome, seu estômago estava embrulhado pela conversa que seus pais não fizeram a mínima questão de esconder.
Então era isso que ela era… Só a galinha dos ovos de ouro, a chave para que a interação entre s e Malfoys subisse de nível. não sabia dizer o que achava mais patético naquela situação, mas sabia que não faria parte do plano dos pais. Ficaria o máximo de tempo possível na biblioteca e não apareceria no bendito jantar que fora mencionado na conversa.
Se Henri e Margareth achavam que ela era a menina de ouro deles, não poderiam estar mais enganados. Agora ela faria absolutamente tudo para provar ser o contrário.
Já era Natal na manhã seguinte; e assim como todo ano, Draco Malfoy acordou extremamente animado, sendo correr para a sala de estar para deparar-se com todos os presentes deixados ao pé da árvore perfeitamente decorada a primeira coisa que fizera após despertar. Alguns eram de seus pais, outros de alguns puxa-sacos deles… Mas não importava, presentes eram presentes, e sentir-se mimado era o habitual refúgio para se esquecer das partes de sua vida que não eram lá tão boas assim.
Ele não havia visto seu pai desde que chegara em casa e talvez fosse até melhor dessa forma, Draco aprendera aos poucos — e da forma mais dolorosa possível — que não tinha como sentir falta de algo que nunca se teve. A ausência dele, parando para se pensar melhor, podia até mesmo ser considerada uma dádiva.
Os preparativos para o jantar de Natal continuavam a todo vapor, por todos os lados estava algum empregado fazendo algo para que, no fim da tarde tudo estivesse impecável aos olhos de quem fosse convidado. O que, na opinião do garoto, não podia ser mais contraditório… Bastava olhar através das cortinas em um dia normal da mansão para ver qual era a rotina verdadeiramente vigente ali.
A tarde passou e, em um piscar de olhos, já era hora de se arrumar para o jantar. Lúcio ainda não havia aparecido, Narcisa andava de lado a outro com seu copo de conhaque e Draco arrumava as abotoaduras com paciência. Do outro lado do corredor, parecia imperturbável na biblioteca, adiantando um enorme pergaminho de poções e focada em seu plano de permanecer ali e deixar claro para os pais que não era uma fantoche das vontades deles.
Às 19h30, meia hora do horário que precedia o início da festa, o senhor Malfoy adentrou a mansão com toda sua costumeira imponência e arrogância, esbanjando uma típica expressão de desprezo e trajado com roupas finas — embora amassadas — que exalavam um perfume floral feminino completamente diferente da colônia suave e doce que sua esposa costumava usar. Draco engoliu seco. Não era preciso muito para conectar as coisas, além de que, a expressão de decepção estampada no olhar de sua mãe dizia muito por si só, mesmo que ela não proferisse palavra alguma.
— Resolveu se unir a nós essa noite, Lúcio? — a voz de Narcisa era fria e esbanjava um escárnio que com toda certeza era fruto dos, sabe-se lá quantos, copos de conhaque que ela havia ingerido durante o dia.
O homem a ignorou, no entanto, virando-se para o filho e oferecendo ao mais novo apenas um ligeiro menear de cabeça. Draco por sua vez repetiu o gesto, embora sua vontade fosse subir as escadas e se trancar no próprio quarto.
Até mesmo a solidão em uma noite de Natal era melhor do que presenciar aquilo.
— Certo, se você ainda tem ouvidos funcionais e se importa com seu nome e a imagem da sua família… — a mulher voltou a dizer, passando o indicador na borda do copo sem sequer olhar o marido nos olhos — Peço, encarecidamente, que tome um banho e se livre do cheiro de adultério e hipocrisia que exala antes que os convidados comecem a chegar.
Lúcio abriu a boca pela primeira vez na noite, apenas para soltar uma gargalhada sem emoção. E então ele se aproximou da esposa até que restasse apenas alguns centímetros de distância entre eles.
— Faz-me rir, Narcisa. Ainda acredita que manda em algo aqui? Não se cansa de ser tão patética? — ele cuspiu as palavras — Justo quando tudo que você faz é encher a cara e fingir que nada te afeta? Você não tem direito de reclamar, não tem direito de mandar o que eu devo ou não fazer, não tem direito algum aqui…
A mulher abaixou a cabeça, sabia que se tentasse dizer algo as coisas só piorariam e nada se resolveria.
— Não quando sua família é a vergonha que é! Narcisa Black… Humpf. — ele riu mais uma vez — Você não era nada, Narcisa. Fui eu quem te deu um nome digno, eu quem te tirou do lixo e te deu a vida boa pela qual você goza hoje!
Aquilo estava longe de ser uma vida boa, pensou o mais novo soltando um riso baixo; tudo que saíra da boca do mais velho se tratava de pura mentira e falta de respeito. Draco esperou que a mãe falasse algo, que ela se defendesse… Mas ela apenas entornou o resto do conteúdo de seu copo e se manteve em silêncio.
E pela primeira vez, dentre tantas situações parecidas que ele havia presenciado e até mesmo pelas que ele sabia que aconteciam em proporções bem maiores quando ele não estava, Draco decidiu não aceitar.
Não podia manter-se calado enquanto aquele homem desprezível ofendia a honra de sua mãe, que fazia absolutamente tudo pela família.
— Você não deveria falar isso da minha mãe, pai... — Draco começou a dizer alto.
Lúcio se afastou de Narcisa e aproximou-se do filho. Atrás do homem, a mulher praticamente implorava para que o menino se mantivesse quieto.
— Não quando ela luta para manter o que o senhor abriu mão a tanto tempo.
Ele bem que queria continuar despejando toda a verdade no progenitor, mas a ardência e a dor em seu rosto vindos do tapa forte que Lúcio lhe desferiu o impediram de dizer qualquer coisa.
— Não se meta nos assuntos que não são da sua conta, Draco. — o homem disse rígido — Agora suba e jogue uma água nessa sua cara de perdedor inútil, os convidados estão chegando.
Sob os olhares de Narcisa, do filho e de todos os criados, Lúcio Malfoy subiu as escadas do hall de entrada seguindo seu caminho até o quarto principal da casa. Assim que o homem desapareceu, fora como um estalo para que todos voltassem às suas funções; inclusive Narcisa, que secou uma lágrima solitária que rolava no rosto do filho e lhe ofereceu um sorriso triste de conforto.
— Faça o que ele mandou, querido… Vamos só evitar que as coisas piorem, ok?
Ela havia voltado a sua função de esposa perfeita, era como se nada tivesse acontecido. Repentinamente o gosto na boca de Draco se tornara amargo e tudo que ele conseguiu fazer fora voltar para a sua própria função, assentindo com a cabeça e seguindo para o próprio quarto.
Com plena convicção de que se não podia mudar as coisas, podia apenas seguir o roteiro.
, que estava tentando fugir da própria família, não conseguiu não escutar o que aconteceu no andar debaixo da casa. Foi inevitável não ouvir os passos fortes do senhor Malfoy e, instantes depois, os passos arrastados e lentos de Draco. A curiosidade de fez com que ela se escondesse atrás da porta de madeira para vê-lo passar até seu quarto.
A respiração do garoto era ruidosa, a mão esquerda estava repousada em seu peito que subia e descia freneticamente enquanto sua feição parecia desesperada em meio a um choro silencioso. Por mais desprezível que aquele garoto fosse, mesmo com tantas provocações e brincadeiras de mau gosto que faziam da vida dela um inferno, não conseguiu ficar parada quando vira Draco passando mal.
Ela sabia o que aquilo era e sabia como era difícil enfrentar aquilo sozinho. Por mais desprezível que Draco Malfoy fosse, ele ainda era uma criança — mesmo que fosse apenas dois anos mais novo que ela — tendo uma crise de ansiedade; e ela, mais que qualquer um, sabia que ninguém podia escolher a família que tinha.
A garota de cabelo lilás correu até o sonserino, puxando-o pela mão para dentro da biblioteca. Draco a encarou com os olhos arregalados quando ela subiu na janela e pulou no telhado. O mais novo ergueu a cabeça para fora da janela e a avistou erguendo a mão para ajudá-lo a passar.
— Eu sei que você não me suporta e também tenho plena certeza de que você não faria algo parecido por mim, mas preciso que você se acalme, ok? Você precisa se recompor, Draco… E respirar ar puro talvez ajude.
O garoto a encarou mais uma vez, ressabiado, e aceitou a ajuda dela para passar para o telhado. Os dois se sentaram, sentindo a brisa gélida da noite e continuou segurando a mão dele enquanto o olhava com atenção.
— Respira fundo e conta comigo… Um, — a lufana puxou o ar pelo nariz, mexendo a mão para que ele repetisse, e logo em seguida soltou pela boca lentamente. — dois…
Eles contaram as respirações até que Draco parecesse mais tranquilo e recuperado do momento de aflição que enfrentara minutos atrás. Aos poucos eles foram entrando em um repleto silêncio, onde ambos olhavam para o horizonte. O garoto parecia desolado demais para esconder as emoções como habitualmente faria, seu rosto ainda estava vermelho, mas agora ele já não chorava mais.
— Eu só queria que tudo fosse diferente. — confessou ele, sem conseguir segurar as palavras, vulnerável demais para levantar suas próprias barreiras. — Mas todas as vezes que tento mudar as coisas só torno tudo pior...
assentiu. Não encontrou nenhuma palavra que acrescentasse naquele momento, e estava tranquila em relação a isso… Talvez Malfoy fosse como ela e, nessas horas, só quisesse ser ouvido.
— Estou cansado de ver minha mãe sofrendo e não poder fazer nada, cansado desse lugar, cansado de tentar mudar as coisas.
— Você já parou para pensar que, talvez, a mudança que tanto quer esteja dentro de você mesmo? — a voz dela saiu baixa, mas não o impediu de sofrer o impacto da frase — Digo… Eu entendo, juro que entendo. Mas chega uma hora que a gente tem que entender que certas batalhas não valem o esforço.
Os cabelos dela adquiriram um tom de azul claro e ela abaixou a cabeça.
— Seus pais, assim como os meus, sempre foram assim. Não é a gente que vai mudar isso, entende? A melhor coisa que você pode fazer é ignorar, sorrir e seguir o roteiro de perfeição deles por mais dolorido e revoltante que seja. Não deveria ser assim, Draco, mas infelizmente nesses casos somos nós que devemos mudar… Porque se não mudamos somos nós quem adoecemos.
Por mais doloroso que fosse, Draco sabia que precisava ouvir aquilo. Mais um período de silêncio se instaurou até que ele o quebrasse com seu típico modo de se proteger: o desprezo e a ironia na voz.
— Talvez você não seja tão ruim assim, .
A garota riu tombando a cabeça para trás.
— Eu nunca fui uma pessoa ruim, Draco. — ela disse somente — Você que nunca teve interesse de ser uma pessoa minimamente decente e respeitável quando está perto de mim.
Ele fez uma careta.
— Talvez você tenha razão…
— Se isso foi um pedido de desculpas, eu aceito. — deu de ombros sorrindo. O sonserino poderia até tentar, mas nunca entenderia como alguém poderia ter um coração tão bom e complacente como o dela. Ela tinha razão quando dizia que ele nunca faria o mesmo por ela e talvez aquilo tivesse refletido um peso maior do que ele imaginava realmente ter em sua consciência.
— Por que está fugindo do jantar também? — perguntou ele fazendo-a arquear as sobrancelhas. Ela não havia mencionado aquilo, como ele sabia? — Eu deduzi que seu súbito interesse pela biblioteca fosse na verdade uma maneira de fugir dos seus pais e das vontades deles.
— Como assim “súbito interesse”? — ela fez uma careta, ofendida — Eu gosto de ler!
— Digamos que sua fama a precede, . E todo mundo já ouviu algum professor dizendo como você vive no mundo da lua, como dá trabalho para entregar as tarefas e…
— Eles estavam errados, claro. Tudo mentira... É calúnia o nome disso! — disparou a dizer com os cabelos roxos de tanta vergonha.
— Você não respondeu o que perguntei… — o sonserino arqueou a sobrancelha, quase rindo ao fazê-la bufar.
— Digamos que meus pais fazem muita questão que eu vá e eu não quero fazer parte do que eles consideram como perfeito… Não sei se deu pra entender bem, mas é… Bem, é isso.
— Não, eu entendi sim… — Malfoy deu de ombros — Indiretamente temos o mesmo motivo para não querer descer, então.
— Mas você sabe que se não descer as coisas vão piorar, não sabe? — questionou, tombando a cabeça para o lado.
— E você sabe que se não for ao jantar e se afugentar na biblioteca também, não é? — rebateu ele.
Bingo, agora ambos estavam sem resposta.
Mais um período em silêncio os permeou e, na cabeça de ambos, algo pareceu mais claro. Era reconfortante, mesmo que inusitada, a ideia de ter alguém que o compreendesse tanto daquela forma. Draco estava exausto das coisas que não podia mudar, mas podia ser amigo de e tratá-la melhor se quisesse… Talvez, só talvez, eles pudessem fazer bem um ao outro. Embora não melhorasse tanta coisa em relação ao caos familiar ao qual ele vivia, era bom saber que ele não precisava estar sozinho se não quisesse. Ainda se sentia péssimo, mas, ainda assim, teria uma perspectiva melhor no fim daquele dia após aquele tempinho no telhado.
Eles ficaram mais alguns minutos conversando, até que os convidados começaram a aparecer e podiam vê-los ali. A fim de evitar mais confusões naquela noite, foi até o próprio quarto para se vestir e Draco seguiu para onde a festa acontecia.
Quando adentrou no salão, o garoto avistou sua mãe sorrindo enquanto conversava com alguns convidados ao lado de seu pai, que mantinha uma mão na cintura dela e o chamava com a outra. Estava na hora do retrato anual que tiravam naquela época. Na frente da câmera e dos convidados os sorrisos cumpriam perfeitamente o papel de passar a imagem da família perfeita que se amava e não tinha absolutamente nenhum tipo de problema. Eles continuavam a ser a imagem impecável que fomentava o status da nobre e respeitada família Malfoy.
Tudo estava como sempre foi e como deveria continuar sendo. E Draco sabia que não podia lutar com aquilo, sobrava-lhe apenas a alternativa de sorrir e fazer parte do espetáculo que, por trás das cortinas, era um belo desastre.
Dias depois, quando voltou para Hogwarts e viu se jogar nos braços de Cedrico Diggory em um abraço apertado, Draco entendeu que certas coisas não se podiam mudar e, também, que certas coisas ele até podia, mas que ele preferia não querer mudar. E a recém cultivada — e já esquecida — amizade com a garota era uma dessas coisas… Uma dentre tantas situações de sua vida que ele podia fazer diferente, mas simplesmente não quis. A opção mais cômoda, então, era fingir que nunca havia pensado o contrário e voltar a agir como antes.
FIM
Nota da autora: Olá!
Obrigada por ler até aqui! Eu espero, de coração, que você tenha gostado dessa história. Ela serve de contexto e palco para muitos dos acontecimentos de Homeostase.
Eu tentei abordar os temas com o máximo de responsabilidade possível e destaco aqui, mais uma vez que essa é a minha visão de como são as coisas na Mansão Malfoy. Tá tudo bem discordar ou ter visões diferentes, estou completamente disposta a conversar sobre desde que o respeito prevaleça. :)
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Com amor,
Ju 🤍
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